CASTAGNA, Paulo. Cantochão e liturgia: implicações na pesquisa da música católica latino-americana (séculos XVI-XX). IV SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE MUSICOLOGIA, Curitiba, 20-23 jan. 2000. Anais. Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba, 2001. p.199-222. ISSN 1415-2991.
Resumo. Desde o século IV, a Igreja oficializou ritos diferentes e emitiu normas para regular a prática da música nas cerimônias religiosas. Em geral, a Igreja procurou manter os modelos tradicionais romanos, tentando evitar as alterações que desviassem a música dos padrões oficialmente aceitos, mas eventualmente admitindo práticas já estabelecidas por costume. Encíclicas, Decretos e os mais variados tipos de determinações foram emitidos para controlar a prática musical, proibindo os cânticos que subvertessem os ideais católicos e regulamentando aqueles que contribuíssem para a unidade cristã. Essa prática legislativa em relação à música não foi uma inovação da Igreja, mas apenas a manutenção de uma concepção verificada na Grécia Antiga desde, pelo menos, o século IV a.C. Acreditavam os gregos, nessa época, que a educação somente poderia ser eficaz se respeitasse normas pré-estabelecidas, ou melhor, as normas que a história e a elite até então consagraram: apenas a educação seria capaz de produzir o bom cida-dão, aquele que respeitasse as regras que a polis havia criado. Tais regras, então consi-deradas perfeitas, não poderiam ser alteradas, sob o risco de serem desvirtuados os ob-jetivos da educação e da própria civilização. A música e a ginástica-principais objetos de ensino entre os gregos-deveriam ser ministrados segundo os modelos perfeitos, evitando-se o máximo possível as alterações e os acréscimos. Assim, por exemplo, o canto sacro, tal como já ocorria entre os gregos, foi proi-bido às mulheres por São Paulo Apóstolo (século I), na Primeira Epístola aos Coríntios (14, 35)-"é vergonhoso para a mulher falar na igreja" 2-e por Santo Ambrósio (sé 1 Pesquisador da Música Brasileira e Professor do Instituto de Artes da UNESP. 2 O versículo completo é: "Si quid autem volunt discere, domi viros suos interrogent. Turpe est enim mulieri loqui in ecclesia" (Se desejarem saber alguma coisa, deverão perguntar aos senhores de suas casas. É vergonhoso para a mulher falar na igreja).