À AGRICULTURA DISERICTO Di VIZEL JAYME BATALHA REIS LISBOA IMPRENSA NACIO NAL AG BRARYS AUG 1 1 1969 Ny L d “Ens Of 1888 Dizia o primeiro artigo do programma para as conferencias e estudos agrico- las o seguinte: «São duas as funeções que hão de desempenhar os respectivos commissarios: 1.º, estudos sobre o estado agricola da região ou localidade em que missionarem; 2.º, lições ou palestras publicas sobre pontos ou questões agricolas de maior interesse para a localidade ou região. » Tendo-me sido designada para os meus trabalhos uma região, a que no pro- gramma se chamava Beira, julguei impossivel no tempo marcado o estudar, mesmo muito superficialmente, as duas provincias que pareciam assim estar a meu cargo, e que comprehendem cinco districtos importantissimos. Limitei pois os meus trabalhos ao districto de Vizeu. Marcava-me o regu- lamento da commissão um mez para a realisar: durante tres mezes percorri 0 districto, estudando-o, observando, e colhendo os possiveis dados em tão breve tempo. Era esta a primeira parte que o programma me designava. À extensão do districto, a variedade e importancia das suas culturas e mesmo das suas regiões agricolas, a difficuldade material de o percorrer, a falta de uma organisação estatistica nas repartições publicas da administração, tudo torna por ora estes trabalhos diflicilimos. Os resultados são assim deficientes, incompletos e imperfeitos. Não me foi possivel colher mais que um esboço da economia rural do districto, os traços geraes que caracterisam as regiões e as culturas, os qua- dros a largos toques das divisões naturaes que têem de ser estudadas mais mi- nuciosamente. Em Vizeu, em Lamego e nos demais pontos do districto, o numero das pes- soas que me procuraram provou-me que o progresso agricola acharia ali promo- tores. Deu-me isto occasião de conversar sobre os assumptos da minha commissão, explicando aos agricultores muitas das modernas transformações da industria; e sobretudo, pude assim ouvir a lição da experiencia que muitas vezes modificou as minhas idéas, e que os agricultores me expunham com a maior sensatez e intelligencia. h Esta especie de palestras, em que mutuamente nos esclareciamos, permittiu- me o multiplicar, para assim dizer, o effeito das conferencias que o programma me marcava, e o convencer individualmente os agricultores de muitas idéas mo- dernas: podem assim escutar-se as objecções, e, ou combate-las demonstrando o seu erro, ou modificar com ellas o que de absoluto e de menos applicavel tiver a doutrina. No dia 1 de dezembro publiquei nos jornaes de Vizeu o programma de tres conferencias que fiz nos dias £, 5 e 6. Esse programma, obedecendo por um lado às indicações do das missões agricolas feito pelo Instituto geral de agricultura, e por outro às necessidades mais instantes da agricultura do districto é o seguinte: PRIMEIRA CONFERENCIA Introdueção — Fins das missões agricolas — A producção vegetal — Os es- trumes — Os terrenos da Beira — Os cereaes. SEGUNDA CONFERENCIA A vinha e o vinho — Modificações a introduzir no fabrico dos vinhos — Melho- ramento e conservação dos vinhos — O commercio dos vinhos — Os vinhos madu- ros e os vinhos verdes. TERCEIRA CONFERENCIA Os gados — Progressos e desenvolvimentos d'esta industria na Beira — As industrias ruraes — As Estações de agricultura —Os Agronomos de districto — A estalistica agricola. A primeira parte deste relatorio apresenta assim uma reconstrução fidelis- sima emquanto a idéas, fiel quanto possivel emquanto a fórma, das tres conferen- cias que fiz em Vizeu. À segunda parte apresentará, grupados e coordenados, os elementos que pude colher no estudo do districto. Os resultados da minha missão e os meios que me permilliram visitar com algum aproveitamento o districto, foram devidos ao auxilio do sr. Francisco de Barros Coelho de Campos, governador civil, cavalheiro de uma intelligencia e de um caracter verdadeiramente notaveis. Permitta-me s. ex.º que eu aqui lhe agradeça as immensas finezas que lhe devo e a sua valiosissima coadjuvação. Devo agradecer tambem os favores, os conselhos e as inteligentes indicações dos srs. João da Silva Mendes, José Augusto Guedes Teixeira, Melchior Pereira Coutinho de Vilhena, visconde de Valmór, Albano Coutinho e Lemos, visconde de Loureiro, Joaquim Paes de Abranches, Antonio Homem de Moraes Rosado, 5) Julio Rosado, Jorge Soveral, Antonio Pinto de Magalhães, Adelino de Almeida Vasconcellos Castello Branco, Duarte de Mello, João de Sacadura Córte Real, Antonio de Villafanha, Antonio Santar do Amaral, Figueiredo e tantos e tantos que me provaram a proverbial hospitalidade da Beira, e que me fizeram ver o districto à luz dos seus esclarecidos espiritos. Pude tambem conhecer o sr. Joaquim Augusto da Silva, agricultor do distri- cto da Guarda, que é, pela sua ilustração especial, um verdadeiro agronomo. As suas propriedades em Aguiar da Beira são já hoje uma exploração modelo, onde trabalham os apparelhos mais perfeitos da cultura. O tempo não me permittiu que saísse do districto de Vizeu para as ir ver e estudar. Devo tambem agradecer ao sr. Coutinho, veterinario do districto, a bondade que teve de me acompanhar malgumas das minhas digressões. E E , i E ao = so: = - = T is aà 4 MW - af - Ê vd! , : Au Ds Ê o AP b! ses E. - a a , rt a E ape. w, é t Ha y Sradá DEE RO PLA =esr AVE. AT E i ; Ro nar à dal 8º RR DS é = j :0 ' 7. 1 pa NM o ] as bio, “4 . À O AO q | po Pie ADA Ê j oh A+ e doa TD à REA - 9a tj param E! E] YÊ ã i ; 24 1ADE: A 9 E T SB * À À h ' nam Ne É : ; “ - ç HA |] E) es Ê + oi é RR A pi É x 4 À d - “ - É - + = - ' ] ' í = ' = - -— ' - = r =. a : E 1 . es a + Er 7 a - ' 1 “ - ” .- é 1 e k o " E o E ira er jo o Í A y q ES e 0. =. e = . R - . . ; À E | PRIMEIRA PARTE CONFERENCIAS AGRICOLAS ta r b sa o Cata É out E eng | k E a Pa MOITA, > BRU ASR RRALAOO > CONFERENCIAS AGRICOLAS l k DE DEZEMBRO DE ISTO Introducção— Fins das missões agricolas— A producção vegetal — Os estrumes— Os terrenos da Beira — Os cereaes. Meus senhores: — Recebido pelo jornalismo d'esta cidade com o maior favor, é para mim o primeiro dos deveres o agradecer-lhe a honra que me fez. Eu sabia já antes de vir a Vizeu, de quanta delicadeza e amabilidade são capazes os seus habitantes, e como é importante a sua imprensa. Sei que as palavras que nas suas publicações me foram dirigidas nada mais significam que cortezia e delicadeza; mas pelos que saudaram os motivos que aqui me trouxeram e a missão de que venho encarregado, vi eu, que era verdade tudo o que sabia da inteligencia e da seriedade do jornalismo viziense. Os partidos comprehenderam que se tratava de um assumpto em que as suas lutas deviam cessar; que era emfim, n'este combate constante, o momento de todos se unirem n'um interesse e numa idéa superior. A minha missão toda paz, completamente estranha aos partidos politicos existentes hoje, devia, bem como a minha pessoa e pelos mesmos motivos, ter a protecção de toda a imprensa inteligente que vê no progresso industrial e no adiantamento agricola d'esta terra a questão maxima, a questão vital, o apoio de toda a governação, a chave de toda a transformação politica ou economica, a ga- rantia até, que muitos desejarão buscar n'estes tempos revoltos e incertos, da nossa autonomia e da nossa independencia. Foi o que succedeu em Vizeu. Pessoalmente devedor de fineza e favor tinha que agradecer ao seu jornalismo. Como encarregado de uma propaganda agricola tinha a applaudir-me por uma coadjuvação tão importante. Devo agora começar por expor á assembléa que me faz a honra de me onvir qual é o fim a que se propoz a minha commissão, e qual a rasão d'estas confe- rencias. É a primeira vez, póde-se dizer. que em Portugal se encarregam commissa- E) LO rios de um trabalho similhante, o que faz com que a indole d'este primeiro ensaio não seja talvez identica aos estudos da mesma natureza que se lhe seguirem. De- mais, 0 governo, dando aos commissarios toda a liberdade no modo por que pode- riam desempenhar-se do seu encargo, deixou à intelligencia de cada um a escolha do methodo por que deveria começar-se esta campanha que tem de ser proseguida, para poder dar fructo, durante muitos annos. Começarei assim por dizer como eu comprehendi a minha commissão. E grande a ignorancia em que geralmente se está do estado de Portugal, dos seus recursos, dos elementos que possuem as suas industrias, das condições de vitalidade em que estas se desenvolvem, da sua historia, dos seus progressos, das suas tendencias, das riquezas naturaes e produzidas, da condição das popu- lações ruraes, e até mesmo do estado moral e economico da sociedade. Os que legislam para este paiz e os que o administram, ignoram completamente o que elle é e como elle está constituido. Tudo que se assevera do estado economico de Por- tugal, das suas relações com o imposto como da sua riqueza, é absolutamente falto de base. Qualquer reforma proposta, qualquer melhoramento indicado é inutil e perigoso, sobretudo inconsciente, porque ninguem sabe como o paiz é, para pensar em como elle deve ser. O estado economico de um paiz avalia-se pela innumeração das suas riquezas, pelo valor das suas producções, pelos elementos emfim que mostram a força do movimento geral, a potencia da vida industrial, e que se reunem nas estatisticas. Ora em Portugal não ha estatisticas. Note-se que das faltas que indico não faço aqui a menor censura a ninguem : limito-me à apresentar com a maior verdade o nosso estado. Depois, ha cousas que as estatis- ticas não dizem e que são as mais importantes para saber o que é um paiz e uma sociedade. Se, pretendendo conhecer um qualquer povo, mesmo no ponto de vista economico e agricola, nos limitarmos ao estudo das suas estatisticas ainda as mais perfeitas, não entraremos na intima organisação da sua indole industrial, não conheceremos o estado de união que deve haver entre 0 caracter, as aspira- ções do povo e a industria a que se dedica; não conheceremos como muitas vezes os processos empregados saíram naturalmente das condições da localidade, não veremos a rasão de ser de muitas praticas, de longe censuraveis, não saberemos em que termos ahi é possivel o progresso, não sentiremos 0 caracter da socieda- de que queremos estudar, melhorar, transformar talvez, nem a unidade que sáe de todos estes elementos que a observação lira das estatisticas quando lhe junta a paizagem e os costumes. O estado moral, a relação da propriedade com as po- pulações, dois factos capitaes que um estudo consciencioso não deve desprezar, só a observação directa consegue exactamente conhece-los. Tudo isto se póde fazer percorrendo um paiz e estudando-o. Eis, quanto a mim, o primeiro motivo d'esta commissão. Assim, apresso-me a dize-lo, eu estou aqui mais para aprender do que para ensinar. Devo tanto mais | fazer esta declaração, quanto saíndo logicamente do que acabo de expôr, tem ainda a vantagem de caracterisar devidamente ante esta assembléa as minhas modestis- simas pretensões. Para saber o que é este districto como productor, como industrial, o que em Portugal é o mesmo que dizer: «como agricola», eis porque aqui estou e porque passei tres mezes a percorre-lo. À agronomia é uma sciencia que tem principios geraes, leis que se applicam à producção das plantas pela industria do homem em todas as partes do mundo, abstrahindo das condições peculiares a cada uma dellas. A-composição de uma planta e os principios que regulam a sua vida e o seu desenvolvimento, as rela- ções economicas entre os agentes da producção, são as mesmas em toda a parte. Mas ha uma agricultura local; es principios da sciencia precisam entrar n'um problema mais complexo com os elementos especiaes do paiz, da região, da loca- lidade em que tem de se applicar. Ha assim uma agronomia, mas ha diversissi- “mas agriculturas. Sem o estudo attento e minucioso, auxiliado pelas experiencias e pela observação, feito n'um local qualquer, será falso ou pelo menos perigoso, tudo quanto se proponha de novo. Eu venho aqui para estudar o estado da agricultura local, para aprender esta economia rural, para colher os elementos que devem compor o seguinte pro- blema: como se deve melhorar a agricultura do districto de Vizeu. O que é o paiz; eis o que é preciso saber. Eu venho pois em primeiro logar fazer algumas observações que nos approximem desse conhecimento. Se este é com efleito o principal motivo da minha visita ao districto, outro é de certo o das conferencias que agora começo. É necessario dizer ao paiz o que os outros têem feito para se aperfeiçoarem, para progredirem, para augmentarem em civilisação e em riqueza. Isto não é um ensino, é uma noticia. É já banal o dizer-se que Portugal está muito atrazado: mas ninguem investiga porque, mas ninguem considera que entre as populações portuguezas e o progresso e o movimento de idéas de que vive o mundo, têem até hoje existido obstaculos insuperaveis. Portugal existe separado do movimento geral, fóra da luta e da discussão constante das intelligencias, sem que as idéas que essa discussão agita tenham de o atravessar para se propagarem pelo mundo. A falta de meios materiaes de communicação fazem mesmo de Portugal um ag- gregado de populações que pouco se conhecem, que poucas relações têem entre si. Não vivem aqui, como nos outros paizes, em intima e constante correspondencia os homens da sciencia e os das industrias. Separados uns dos outros, estamos tambem, como disse, separados do mundo que pensa e que progride. Os movimentos não são entre nós communicados, mas tambem no-los não transmittem. O progresso é uma força irresistivel numa grande collecção: é primeiro a expressão do que um grande economista chamou a força productora da collectividade, depois, para 19 dedo assim dizer. o movimento adquirido de uma grande massa; para os que logo a prin- cipio se não agitem do impulso geral, não é um corpo que impelle é um turbilhão que arrasta. Assim a humanidade unida, solidaria, sem divisões de nação nem de raça, mas só com uma immensa communhão de intelligencias, caminha, pro- segue, emquanto Portugal pára isolado no seu retiro. Lá fóra a produeção de uma idéa, de um melhoramento industrial, cria no- vos progressos; uma intelligencia acorda-outras, e alem dos jornaes, das obras especiaes para todas as classes e para todos os espiritos, ha a vulgarisação das revistas que reunem para o homem o movimento universal, e o exemplo das ap- plicações bem succedidas, que vae ensinar a muitos mil kilometros de distan- cla. O que se sabe em Portugal do que na sciencia, na industria, na agricultura, se faz na Europa e no mundo? Qual é a voz, qual é o jornal que o vem cá dizer? Uma das causas pois da esterilidade intellectual e por consequencia de se não realisarem progressos nas industrias de Portugal é que elle não participa dos mo- vimentos geraes. Não é para aqui o estudar o que nos tem separado e adormecido. É porém necessario registar o facto, porque delle saíram, segundo creio, a idéa e o fim destas conferencias. Por vezes tem parecido que nos unimos com o esforço geral nas exposições internacionaes. A verdade é que esses concursos, a que de resto vamos em pe- queno numero e sem grande consciencia, têem apenas mostrado, pela comparação dos pontos a que as nações progressivas têem chegado, quanto nos achâmos atra- zados. Demais as exposições, sobretudo na industria, não podem fazer ver bem a falta de uma immensa quantidade de elementos de boa e aperfeiçoada producção. Para dizer o que de mais proximamente applicavel a estas regiões se tem feito na sciencia e na agricultura estrangeira, venho eu fazer estas conferencias. Um terceiro motivo aqui me traz: É necessario chamar à attenção publica para o melhoramento dos nossos meios de produeção e para a transformação economica do paiz. São questões estas muito esquecidas entre nós, muito descuidadas. Se são importantes é inutil dize-lo. Basta pô-las sob os olhos e as intelligencias para que nelas se produzam utilissimas mudanças, para que todos desenvolvam por ellas um enthusiasmo, filho, não pela minha parte de certo, da eloquencia do commissario, mas da verdade das suas pa- lavras. du vi bem na minha visita ao districlo quanto as classes mais illustradas se preoceupam com a felicidade do paiz. Indifferença, este abatimento moral que resulta da decadencia de um povo, ou da morte rºelle dos grandes sentimentos e das grandes idéas, não a encontrei em ninguem. Todos lutam pelas suas convicções como todo o homem que as tem bem vivas. Pareceu-me porém que geralmente se julgava ser essa felicidade dependente da 13 solução da questão politica, e essa mesma encarada por este unico lado: o melhor ministerio. Não nego a importancia real desta preoccupação; mas o problema da pros- peridade, da grandeza moral e material de um povo é uma questão muito com- plexa, que tem muitas e importantissimas faces a que me parece que se não faz a devida justiça. Vi que ha neste districto uma immensa vitalidade, uma admi- ravel comprehensão do homem moderno, o homem que obra; a indiferença, a descrença, o desanimo, terríveis symptomas talvez, que apparecem nos ultimos an- nos da nossa historia, não chegaram ainda aqui. Sob muitos, mas especialmente sob este ponto de vista conhecia eu Ja Vizeu como um centro muito notavel em Portugal, pela sua ilustração e pela copia das suas intelligencias. Imagine-se assim 0 que seria, se essa vitalidade exclusivamente politica, se tor- nasse economica e industrial; porque é excellente de certo ter um bom governo composto de homens que nos mereçam confiança, mas é optimo que produzamos mais e melhor, que -as populações enriqueçam, que os campos se tornem abun- dantes e bem dirigidas fabricas, que os povos se instruam, que os beneficios da propriedade se espalhem, que a alimentação melhore, que o popular tenha cada vez mais consciencia para aperfeiçoar o seu trabalho e para pensar no seu paiz, cada vez maior lucro para ter familia e vida propria. Quando um paiz tem tudo isto é-lhe muito difficil ter ao mesmo tempo maus governos como expressão da vontade do povo, mas, mesmo que os tenha, serão os ministros, pelos seus actos, impotentes para o arruinar. Ora tudo isto realisa 0 trabalho e a inteligencia de um povo cuja vitalidade se dirije para os elementos da sua producção, para o aperfeiçoamento das suas industrias. A analyse dos paizes estrangeiros mostra-nos que do estado em que estamos chegaram elles a um muito mais perfeito. Somos a muitos respeitos comparaveis à Allemanha de ha dois seculos, à França e Inglaterra do começo d'este seculo; a muitos tambem ainda, ao que esses paizes eram em epochas mais remotas. Crescer, augmentar, realisar melhoramentos a par deles, imita-los no pro- cesso geral de progredir, quando demais o seu resultado nos é lição e exemplo, creio ser de uma indispensabilidade evidente. Eu sei que não estou numa terra onde precise demonstrar a utilidade do pro- gresso. Direi todavia apenas que as produeções se combatem nos mercados, que a concorrencia é uma luta para que é necessario constantemente aperfeiçoar Os ar- mamentos, e que, em muitos desses campos de batalha, só temos a oppor ás drey- ses e chassepots, as nossas tradicionaes pedreneiras. É assim necessario produzir melhor e produzir muito; é uma luta pela vida, em que o mais fraco morre, ou vive como covarde uma existencia artificial e rachytica atrás das protecções mal entendidas, e é mais fraco o que pára e o que se deixa distanciar. it Eis os motivos por que aqui venho: para estudar sobretudo; para lembrar: — para lembrar que soou uma hora decisiva, que é necessario acordar ou morrer. Eis tambem quaes são as rasões que eu tenho à attenção e à indulgencia dos que me ouvem. Os povos chegam por toda a parte a uma maioridade que tira muitos encar- gos à antiga tutoria dos governos. À iniciativa particular é assim a expressão de como os povos se ilustram e adquirem consciencia dos elementos da sua civilisa- ção e progresso. Eu venho pedir que essa iniciativa tome a peito a transformação economica dos progressos industriaes desta terra, progressos lentos ou quasi nul- los ha longos annos, em que as populações, provemo-lo, têem, civilisando-se cada vez mais, preparado o instrumento que deve agora realisar à grande obra. Eu bem sei que, hoje e no estado em que se acha o paiz, atrazado ainda em in- sutuições praticas, com os capitaes tão mal dirigidos mesmo pelos poderes do es- tado, os governos téem muito a fazer a bem da nossa agricultura. Devo porém declarar á assembléa, que entendo ser util, utilissimo aos povos 0 dispensarem, o reduzirem quanto possivel a acção dos governos. Nas obras a que não basta a acção puramente individual, as associações re- unem forças bastantes. Ha sempre nos melhoramentos assim emprehendidos o in- teresse que fiscalisa. Todas as grandes obras que os governos implantam nºum paiz sob a sua immediata direcção e com os dinheiros publicos ficam carissimas. O esforço e o capital particular são muito mais productivos e muito mais intelligen- tes. Depois, quando a iniciativa particular se empenha na transformação economica de uma região, quando é ella que estuda os pontos a modificar e que realisa os progressos, no fim de pouco tempo de luta, vê-se, sente se, que uma outra força tambem se aperfeiçoou, que uma outra importantissima transformação se deu quasi que insensivelmente pelo effeito moral do trabalho e da responsabilidade particu- lar. Essa força é a consciencia publica, a inteligencia da população. Um trabalho prepara e illustra para outro; ha n'sto uma especie de gymnaslica; a cada es- forço o musculo se robustece. Um povo que pelos esforços dos seus diversos mem- bros, illustrando-se, associando-se, emprehende o aperfeiçoamento das suas condi- ções industriaes, é um povo que ao mesmo tempo augmenta e fortifica a sua in- telligencia. Todos citam a Inglaterra pelas maravilhas que ali realisa a iniciativa parti- cular. Ha de certo alem de tudo, -- se compararmos os povos de Inglaterra com os de Portugal, —uma questão de aptidões de raça, mas ha tambem e sobretudo uma questão de educações. Os trabalhos emprehendidos pelos inglezes sem o au- xilio do governo, são ao mesmo tempo effeito do seu caracter, e causa para que cada vez mais se afirme e robusteça no mesmo sentido. Eu sei que o districto de Vizeu pela sua vida propria, pelas capacidades que possue, pelo espirito de independencia de que tem dado tantas provas, mais que 15 nenhum talvez em Portugal poderia dar exemplos do que póde a iniciativa par- ticular activa e ilustrada. As minhas conferencias pretendem ser um ás armas neste sentido. Uma reflexão mais devo fazer que sãe naturalmente do momento em que fallo e que terá a conveniencia de prender as minhas palavras à ordem de factos que preoccupa de certo o espirito das pessoas que aqui se acham reunidas. Todos nós assistimos com inquietação à luta immensa que se trava entre a França e a Allemanha. Todos sentimos que estamos interessados nessa luta, que podendo empenhar-nos directamente a nós todos os povos da Europa, se dá en- tre as nações mais superiormente representantes das correntes, das iniciativas da nova civilisação. Álem dos elementos apparentes que são motivos dos combates, todos sentem tambem que ha ali, promptos a manifestarem-se, elementos de uma profunda revolução que póde abalar a humanidade. Nestas cireumstancias uma pergunta cheia de anciedade alvoroça todos os nossos espiritos. O que seremos âmanha? O que trarão para nós estas luctas? Quem póde prever o futuro? Posso eu. Posso eu affirmar que seremos apesar de tudo e depois de tudo um paiz prospero, rico, florescente, livre e productor, cheio de ilustração, de intel- ligencia, civilisado, com o povo instruido, com a miseria terminada, se nos aper- feiçoarmos nas nossas condições economicas, nos nossos trabalhos, nas nossas industrias e, digamos numa palavra tudo — na nossa agricultura. E. creio que de infallivel realisação este vaticinio. Eis porque agora mais que nunca nos cumpre preoccupar-nos com os assumptos de que aqui venho fal- lar; eis porque é precisamente no meio d'este rumor de guerras que deve escu- tar-se uma propaganda toda paz e serenidade. Tocarei agora um ponto essencial que eu desejo deixar bem claro no espirito de todos. Às questões de industria estão presas a um ponto vital que é o lucro. Com uma transformação na industria esse lucro póde augmentar ou diminuir. Quando um homem pois modifica os seus meios de produzir, sabe que avan- cará um passo para a riqueza, ou um passo para a miseria; para a maior opu- lencia ou para a ruima completa. Das modificações propostas e aceeitas dependem estes dois factos. Já se vê como são questões estas delicadas. Por isso acho per- feitamente racional e fundado o medo que têem as industrias das innovações, € sobretudo a resistencia ao progresso com que tantas vezes se têem menosprezado as classes ruraes. Sabem, consciente ou inslinclivamente, essas classes, que é a agricultura a mais diflicil e ainda hoje a mais atrazada das industrias, por isso aquella onde as innovações serão mais perigosas na sua applicação. À rotina é o tempo a consagrar, pelo resultado tantas vezes observado, os meios que o con- seguiram: a rotina é uma lição que não engana; a rotina tem já nas contas do agricultor as suas probabilidades pesadas e calculadas. Saír do passado para um melhoramento póde ser a riqueza, mas póde ser a ruina. À rotina tem assim um 16 outro nome que nenhum industrial deve rejeitar: chama-se prudencia. Quer isto di- zer que paremos? Não, por modo nenhum. Quer dizer que devemos caminhar com segurança, não avançando o pé para um terreno novo, senão quando soubermos da sua estabilidade. Estas palavras, que devem dar ás pessoas que me ouvem uma garantia de que não serão utopias as idéas que tenho a expor, mostram-lhes tambem que eu não quero nunca que me acreditem sob palavra. À desconfiança no industrial é muito racional; eu não só não fallo contra ella, mas aconselho-a até. Posto isto, o que eu peço aos agricultores que me ouvem é a acceitação do que for evidente na minha exposição; que os espiritos recebam o que os racioci- nios disserem, sem o combate da má vontade: isto emquanto aos principios que devem guiar a agricultura moderna. Que depois, guiados por esses principios, fa- cam pequenos ensaios no sentido que eu indicar, em que, pela exiguidade dos meios empregados, se não possa perder. Eu vou apenas fallar sobre os pontos principaes que constituem o caracter da economia rural do districto de Vizeu. Muitos precisavam de mais tempo do que o que eu tive para os estudar nas localidades: outros precisavam, para ser expos- tos, de mais horas do que aquellas de que a bondade das pessoas que me escutam póde dispor, para me ouvir sem me accusarem de abusar. São muito differentes do que eram ainda ha poucos annos, os principios fundamentaes da agricultura. Estudou-se à natureza das plantas, a sua compo- sição, surprehenderam-se os segredos da sua vida, os seus diversos habitos, para assim dizer. A sciencia traçou mais exactamente a historia da planta e os periodos das suas diferentes transformações, primeiro de pequena semente até or- ganisação cheia de peças, de flores, de fructos, depois desde este periodo de plena vida até à morte, ao esphacelamento completo, e à produeção de uma outra se- mente destinada a percorrer um novo cyclo. Do estudo attento e inteligente de como a planta se formava para natural- mente viver bem, tirou a industria os meios que devia accumular para que essa formação se desse nas boas condições, quando provocada pelo homem. As idéas economicas transformando-se tambem, vieram juntar pela sua parte novos pontos de vista e uma nova direcção, a uma industria que d'esde esse mo- mento nos apparece completamente outra. Póde-se mais verdadeiramente dizer que só agora a agricultura possue um grupo de principios em que se baseie; isto é, que só agora existe a theoria da agricultura. Durante muito tempo julgou-se que a agricultura era a unica industria que produzia, que creava. Esta idéa desappareceu ha muito da sciencia, mas não de- sappareceu ainda completamente do espirito publico: é ella ahi a causadora dos maiores erros. Todas as industrias criam utilidades na materia transformando-a :— nada mais. A agricultura transforma em plantas a substancia das terras, como O ferreiro transforma em utensilios o metal que trabalha. 17 N'uma industria ha tres elementos essenciaes a notar: a materia prima, O meio de transformação, e o producto, a materia transformada. Approximemos dois exemplos: o fio da lã, do algodão, ou do linho, é a materia prima de uma industria; o tear, o seu meio de transformação; 0 tecido, o seu producto. Pois na industria agricola dá-se rigorosamente o mesmo: as materias primas, são os elementos que existem na terra e no ar; o meio de transformação, o solo e a semente; o producto, a planta formada. Isto que parece e é realmente clarissimo, simplicissimo, não foi visto por nin- guem durante muito tempo. A nova agricultura constituiu-se no dia em que, acha- dos estes elementos, se pensou em investigar: 1.º, a natureza da materia prima; 2.º, se esta existe em todos os solos e em quantidade inexgotavel; 3.º emfim, se, esgotando-se era necessario renova-la. E este estudo, naturalmente aconselhado por tudo o que precede, que nós vamos rapidamente fazer. Foi delle que nasceram todas as grandes e producto- ras transformações da industria moderna. Deduz-se naturalmente a qualidade da materia prima, do estudo, da analyse minuciosa do producto. Taes são os elementos que se acham melle ligados, com- binados, taes são os que teremos de pôr em presença para o obter. Precisâmos pois em primeiro logar conhecer a composição d'esse producto que é a planta. A chimica é uma sciencia que tem meios de separar todos os corpos que combi- nados formam uma planta, com a mesma exactidão com que se podem separar todos os fios de natureza differente que formam um tecido. Seguindo em mil experiencias esse processo, reconheceu-se que todas as plan- tas, apesar das suas variadissimas e dissimilhantes apparencias, eram formadas pelas mesmas substancias, e que essas eram apenas quatorze. Como se viu que algumas destas apparecem apenas numa ou outra familia de vegetaes, e que outras no estado actual dos nossos conhecimentos, parecem ter pouca importancia na vida da planta, de que mais particularmente vamos occupar- nos, apenas, para maior facilidade, estudarei as onze seguintes: Oxvgenio; Hydrogenio; Azolte; Carbone; Phosphoro:; Enxofre; Potassa:; (als Magnesia ; Ferro; Silica. 18 O oxygenio, que nós respirâmos e que nos cerca na atmosphera; —o hydroge- não, que combinado ao oxygenio forma a agua; —o azote que no ar tempera 0 oxy- gemo misturado com elle; que combinado com o hydrogenio fórma um composto que todos conhecem, o ammoniaco; —o carbone que de envolta com muitas im- purezas constitue o carvão ; que sãe combinado com o oxygenio das substancias que se queimam, formando o acido carbonico e que existe assim na atmosphera; — e o phosphoro, enxofre, etc., que todos conhecem e que existem em variadas fór- mas e combinações. º Estes onze corpos formam em quantidades e relações differentes todos os ve- setaes desde o carvalho secular até à herva mais rasteira, desde o tronco negro e aspero até à flor mais colorida e perfumada, desde o veneno desorganisador até à substancia alimenticia. Poucas são as letras e com ellas formam as linguas as suas mil palavras, poucas são as notas para as infinitas melodias da musica. Ha hoje classificados uns 300:000 vegetaes e todos são formados por estas onze substancias. Umas entram na planta pelas folhas, existem no ar na fórma gazoza; 0 0xy- genio, o acido carbonico, o azote, 0 ammoniaco; — algumas destas e as restantes, entram dissolvidas em agua pelas raizes. Todas alimentam a planta em combina- ções diversas: o phosphoro combinado com o oxygenio no estado de acido phos- phorico unido por sua vez a outros corpos, o enxofre formando primeiro acido sulphurico e depois outros compostos. Queimando uma qualquer planta, vemos que ha uma parte que se evapora e outra que fica em cinzas. Esta operação faz até certo ponto voltar as substan- cias unidas, para os grandes reservatorios d'onde o vegetal as recebêra. Todos sabemos que uma planta sãe ou de uma semente ou de um botão, que representa, no vegetal d'onde se tirou, como que um outro existindo sobre este como sobre o solo. Analysemos o primeiro caso. A semente tem duas partes: uma formando a miniatura, a reducção ás vezes microscopica de uma planta, um leve appendice ou filamento; a outra constituida por uma porção de substancias que deve alimentar a pequena planta nos primei- ros tempos da sua existencia, quando ella ainda não tem orgãos que vão fóra con- duzir-lhe os alimentos. Collocada a semente no solo, a humidade e o oxigenio do ar que existe tam- bem na terra acordam para assim dizer o germen do vegetal e fazem-no desen- volver-se, augmentar, formar os seus primeiros tecidos da materia em reserva, ser- vir-se de uma parte desta em que ha o azote e phosphoro, para tornar soluvel na agua que lhe entra já de fóra a parte restante, com que augmenta até lançar as pri- meiras hastes verdes para o ar e estender as primeiras raizes na terra. Então do ar e da terra, pelas folhas e pelas raizes, na agua que atravessa os tecidos d'estas, começam até à morte da planta a entrar as materias que a alimentam e que for- 19 mam as folhas primeiro, as hastes depois, e emfim os botões, as flores, os Íructos “ e as sementes. Precisâmos agora examinar mais detidamente o que se passa dentro do ve- getal, e da historia dificil e complicada das combinações por que passam as sub- stancias que o alimentam, das ligações que contrahem, das transformações que se succedem, destacar alguns factos que mais particularmente nos interessam. As diferentes partes do mesmo vegetal não têem identica composição. Os ali- mentos ao entrarem não se distribuem nas suas variadas combinações igualmente, por todos os pontos da planta. Para melhor apreciarmos esta verdade e quasi mesmo como mnemonica, desereveremos os seguintes quadros: Trigo Raizes Palha | Restos da flor Grão | 46,00 32,59 13,77 3,70 Acido phosphorico | 14,710 | 2,26 Potassa E SSI Mit do Ig SE E USD rot abade to [E 987 15,18 GG a CG ro pe Magnesiarã. fosco ofafa josh ofanoo to fole tofoto Vono fA o ne toto tais | 1,97 3,92 Ef sb RN | 383 9,60 A CAUONSUTO UNICO! e iera Note ro taNER aatos Hat abal ara atado 1,27 7,27 Oxydo de ferro 3,67 049 iii | 14.89 20,81 | 40,00 = 10 1 Ot dO GS 9 = o O je e Ot he Ervilhas [eo] ne Go PACIdOLPROSPhOFTICO jo iso fotorcis ais fe porafafa (aja) a jofoiaia) a jao ef ajo oo iníoo BOLASSA a ersra sta array DRA PERNAS Ns Vo ava ava Parana aba aj ato ara, a fp io ao [ol «o 19 ç nd HS [ao] SA e [e Acido sulphurico Oxydo de ferro Silica = 1 E SS a to tm a CS Estes dois quadros mostram-nos que nas hastes e folhas formando a palha se encontram principalmente a cal, o acido sulphurico, o oxydo de ferro e a si- lica, e que é na semente que se encontra maior porção de acido phosphorico, de potassa, e no trigo de magnesia tambem. O oxigenio, o carbonio e o hydrogenio estão repartidos quasi igualmente no vegetal, mas o azote notavelmente reunido na semente. Estes factos vão-nos já fornecer algumas indicações. Depois veremos como a estes se prendem outros desenvolvimentos. As substancias que nos organismos são os meios mais energicos das acções 20 vitaes, as substancias organisadoras, transformadoras por excellencia, têem azote na sua composição e phosphoro. Para a formação da semente, producto final da planta, como para depois desenvolver da semente todo o vegetal, esses principios são assim indispensaveis. Muitas vezes acontece que as novidades se apresentam prosperas e viçosas até um certo periodo e depois definham, e muitas apresentam os grãos chochos ou os ultimos productos defeituosos. Estamos habituados a attribuir estes factos a irregularidades do clima e muitas vezes assim é: mas muitas outras a causa está na falta de alimento de uma certa natureza no terreno, no momento em que precisamente elle tinha o seu papel a representar na formação da planta, De tudo isto fica-nos, creio, no espirito o seguinte: «Que os vegelaes para formarem os seus diflerentes orgãos precisam de substancias, de materias primas diferentes tambem, tal qual como é preciso, fio de natureza, de côr, de grossura, etc., dif- ferentes, para as partes diversas de um mesmo tecido; e que, sem essas substan- cias como sem estas materias, as duas produeções são impossiveis. Produzida à semente na planta, esta morre. Estudemos este facto. As folhas e as hastes dos vegetaes cahidas na terra não permanecem no estado de organi- sação em que estavam. Todos sabem que apodrecem, e apodrecer é lentamente ir perdendo os coloridos da vida e tomando uma côr anegrada, e soltando para o ar os gazes de materias que de lá tinham vindo para a planta, de agua que se evapora, e deixando no solo um pó onde cada vez menos se reconhecem os ves- tigios das passadas [órmas. Quem voltar annos depois ao sitio onde houvesse dei- xado restos de plantas a apodrecer, encontrará esses restos reduzidos a terra que se não distinguirá da que tiver saído da pulverisação das rochas. O que se passou então? Passou-se lentamente o que de momento se conse- gutria de um vegetal queimando-o. Uma parte foi para a almosphera, a outra para a terra donde viera. D'essa terra póde alimentar-se outra planta, das plan- tas alimentarem-se animaes, até que os restos dos animaes ou das plantas apo- drecendo se convertam de novo em terra mineral. E este o circulo de transforma- ções por que passa tudo que existe;no mundo. Materia mineral vitalisada na plan- ta, animada no animal e mineralisada para então, e só então, recomeçar a sua vitalisação. D'aqui deduz-se um importante conhecimento para a agricultura, que é mo- derno e que serviu poderosamente a fandar o que se póde chamar agronomia moderna. Durante muito tempo se imaginou que o melhor alimento das plantas seria partes ou principios das outras plantas ainda com a sua natureza organica, e que os exeretos dos animaes formados por materias ainda de decomposição incompleta Unham uma virtude especial e efficaz para a creação vegetal. Estas idéas, em completa opposição com o que acabo de expor, são falsissimas, 21 e nenhum animal se sustenta senão ou de plantas ou dos animaes que lhe são m- feriores, e nenhuma planta se sustenta senão de minecaes. Quando lhe lançâmos, como estrume, vegetaes em decomposição, em apodrecimento, estes só se tornam alimento, e só recomeçam o seu eyclo de vitalisação depois que se reduziram a terra mineral. Sabemos assim por estas investigações a qualidade das materias que formam as plantas e o estado em que estas devem acha-las no solo para se alimentarem, e rapidamente sabemos tambem qual o principal papel que representam na for- mação das differentes partes do organismo, Sabemos assim qual é a materia prima de que se constitue o producto ve- gelal. Analysemos porém ainda mais profundamente esta noção. Não queremos nas plantas que produzimos obter apenas vegetaes perfeitos. Queremos que elles sejam perfeitos em relação ao fim para que os destinâmos; perfeitos por nos darem o melhor alimento com uma certa composição, ou a me- lhor materia prima para certas industrias, etc. Não cultivâmos plantas para as ter, mas para lhes dar applicação a nossas necessidades. Cultivâmo-las assim em vista de certos productos que lhes tirâmos e que precisâmos que satisfaçam a determinadas condições. Quem cultiva trigo quer que este lhe dê grão para produzir farinha tal, que seja a melhor para a alimentação, que seja agradavel, e de uma composição que nutra o mais possivel o homem. Ora os grãos de trigo podem ser maiores ou mais pequenos, e ainda darem uma farinha que alimente mais ou menos; e o agricul- tor precisa obter a maior quantidade e da melhor. À composição d'estes productos está ligada com as condições da vida da planta onde se dão, e caracterisa para assim dizer bem as suas necessidades, Estudemos pois a composição especial do producto que principalmente que- remos obter de cada vegetal e tomemos para typos de duas grandes classes, de um lado o trigo, do outro a batata, a canna de assucar, a uva e a beterraba. Pegando n'uma porção de farinha de trigo e mexendo-a entre os dedos sob uma corrente de agua, veremos que uma parte branca passará com a agua dan- do-lhe um aspecto leitoso, e uma outra, pegajosa, adherente, um pouco acinzentada, nos ficará nas mãos. À parte que a agua arrastou composta de oxigenio, de car- bone e de hydrogenio, chama-se fecula; é o que conslitue os pós de gomma; a parte que nos ficou nas mãos tem alem dos elementos da fecula o azote, cha- ma-se gluten, é o que principalmente torna alimentício o pão. Vimos ainda agora, que na semente as substancias que tinham azote, se gru- pavam em volta do pequeno germen, porque essas substancias, as azotadas, li- nham sempre o mais energico papel em todas as grandes manifestações da vida, em todas as grandes transformações, e que junto d'esse germen havia um depo- 22 sito de materia que alimentava a planta nos primeiros periodos da vida. Póde quasi dizer-se pois, que de um lado temos o gluten, e do outro a fecula. Sabem todos na nossa alimentação, isto é, na formação do nosso corpo, a im- portancia que têem as substancias azotadas. A nossa carne, os nossos musculos, são formados por materias azotadas, que os alimentos têem de renovar e desen- volver: isto por um lado. Já vimos que tambem o desenvolvimento geral da planta se prendia com estas necessidades, reveladas ao mesmo tempo na composição es- pecial do producto e na satisfação das nossas necessidades. Para que se/formem na planta estas materias azotadas é preciso evidentemente que tenham azote os alimentos que do ar e terra entramínos tecidos. As batatas, que, como sabem, são partes das raizes de uma planta, são for- madas a bem dizer exclusivamente por a materia que tem apenas oxigenio, car- bone e hydrogenio de que falei e a que dei o nome de fecula. E isto que natu- ralmente constitue esta parte do vegetal, e é isto que nós queremos n'ella, já para lh'a tirarmos para industrias especiaes, já para nos alimentarmos. Nas uvas o que queremos obter é o assucar, porque é elle que transformado, como n'outra conferencia veremos, nos dá os aleools, os elheres, emfim a força, o sabor. os perfumes que tornam os vinhos preciosos. Demoremos-nos aqui um momento, para averiguarmos mais fundamentalmente o segredo da formação do assucar. Todos sabem que se faz um verdadeiro vinho com a farinha da cevada, vinho a que se chama cerveja. Esse vinho tem aleool e assucar como o da uva. De que modo pois/se obtiveram da farinha estas duas substancias? E que, dadas certas circumstancias, sob a acção da materia azotada que existe na farinha da cevada 'como na do trigo, a fecula transforma-se em assucar. Este facto prova-nos pois que ha entre a formação da fecula e a do assucar uma grande união. Na canna de assucar a principio havia fecula que depois se converte em as- sucar. Na beterraba dá-se o mesmo facto. Ora, quando se analysam os vegetaes de que acabo de fallar, encontra-se ao pé das accumulações ou de fecula ou de assucar notavel quantidade de potassa. Mais factos ainda podem corroborar este, para as conclusões que pretendo tirar: todos sabem. talvez mesmo como viclimas, — que é o meio mais eficaz de saber uma cou- sa, — que as batatas têem ultimamente sido atacadas por uma devastadora doença. Em França (campo de experiencia de Vincennes 1867), appareceu uma vez ella “atacando apenas duas porções de um grande campo. Estudado este singular phe- nomeno viu-se que uma dessas porções não tinha, ao contrario das outras, sido estrumada, e da segunda soube-se que levára estrume sem potassa alguma. No mes- mo sitio se semeou para experiencia a batata em tres porções de terra separadas; na primeira tendo por estrume uma substancia azotada, na segunda a potassa, € 23 na terceira sem estrume. À molestia arrasou a primeira e terceira e respeitou com- pletamente a segunda. A beterraba, que, como sabem, se emprega, ou na alimentação dos animaes, ou na produeção do assucar, deve, segundo aquelle dos dois fins para que se des- tina ter composições diversas; já vimos como para a alimentação o azole, € como para o assucar a potassa eram alimentos necessarios. Pois bem a pratica tem demonstrado que segundo o estrume é abundante em azote ou em potassa, assim a composição da beterraba é util para os gados ou para a fabricação do assucar. : Todos sabem que no arranjo das passas de uva se usa a cinza e a cinza tem geralmente uma grande quantidade de potassa. Note-se que se póde dizer de outros corpos que tem muita similhança com a potassa o que estas experiencias dizem della. Esses corpos a classificação da sciencia junta-os num grupo a que chama alcalis. De todos estes factos se póde concluir: 1.º Que os principios que existem nas plantas e que para nós lhes dão a prin- cipal importancia tem a sua formação determinada pela composição dos seus ali- mentos; 2.º Que as materias azotadas auxiliam a formação dos principios azotados nas plantas; 3.º Que a potassa (em geral os alcalis) auxiliam a formação da fecula e do assucar. Sabemos assim quasi tudo aquillo de que poderiamos precisar para o conhe. cimento completo da materia prima que forma os vegetaes e para o das suas re- lações na formação não só da planta geral, mas das suas partes para assim dizer ndustriaes. Esta era e devia ser a primeira parte da investigação que fazemos. D'ella ti- raremos, como verão, para as outras, applicações importantissimas. Decompondo a planta nas suas partes, analysando-a, separando para assim dizer fio por fio deste tecido, vimos o numero e a qualidade dos elementos for- madores. Façamos agora uma contraprova. Formemos a planta d'esses elementos suecessiva e gradualmente, façamos ante nós crescer a planta, e surprehendamos todos os segredos da sua organisação. Assim daremos os ultimos elementos para à historia das materias que formam o vegetal. Demais o que agora vamos estudar são principios que sáem naturalmente de experiencias, de observações praticas, que por um lado nos dizem a influencia de cada especie de materia prima na formação do producto, e por outro nos dão preciosos esclarecimentos para a questão dos estrumes. Nas experiencias que vou descrever a planta alimenta-se livremente pelo ar; é da composição artificial do solo que tudo se deduz. Assim veremos desde os 24 primeiros ensaios postos de parte os elementos que do ar e em suficiente quan- lidade tira à planta. Para conhecer essa influencia, e o papel que tem na vegetação cada uma das materias que a formam, era preciso afastar todos os elementos perturbadores e examinar unicamente, nas suas relações, a planta e o corpo a estudar. Foi o que se fez. O ponto de comparação foi naturalmente a planta vegetando entregue aos recursos que lbe fornecia o ar e o deposito da sua semente. Para isto semearam-se grãos de trigo numa porção de areia, silica pura calcinada e lavada de modo que d'ella não podesse entrar cousa alguma para o vegetal. Esta areia estava dentro de um vaso de porcellana e era regada com agua distillada, pura. Já se imagina que colheita produziria uma similhante sementei- ra (fig. 1). Todo o desenvolvimento do trigo foi rachytico, apesar de chegar a dar flor e na espiga alguns grãos infesados. A semente pesava 0,80, as plantas produzidas pesavam 4 a 6 grammas. Viu-se depois que influencia tinham na planta o oxygenio, o hydrogenio e o carbone. N'um vaso onde havia areia calcinada tambem se deitou uma substancia (assucar, fecula, ete., cuja composição conhecemos) que, decompondo-se produ- zio, para a planta os absorver, esses tres elementos. O aspecto da vegetação é como vêem (fig. 2) pouco differente; o augmento do peso igualmente represen- tativo do que a mais da atmosphera entrou para a planta: — Oxygenio, hydroge- nio e carbone recebe ella em quantidade suficiente do ar que a rodeia. N'um terceiro vaso juntou-se á areia uma substancia formada de oxygenio, hy- drogenio, carbone e azote. O resultado aqui, devido evidentemente ao azote, foi notavel. Houve um maior desenvolvimento, uma apparencia que indicava maior ro- bustez, sobretudo um colorido verde intenso nas folhas, e as espigas muito bem formadas (fig. 3). O peso da semente fôra como no primeiro vaso, 07,80; o da colheita 8 a 9 grammas. Uma nova experiencia feita com ammoniaco, isto é, com uma substancia em que ha apenas azote e hydrogenio, provou que o resultado obtido não advinha do efleito porventura conjugado d'estes principios e do carbone e oxvgenio. (Fig. 3) (Fig. 4) À areia de um outro vaso se juntou phosphato de cal, phosphato de magne- sia, sulphato de cal, sulphato de ferro, chlorureto de sodium, silicato de potassa e silicato de soda, isto é todas as outras substancias. — em compostos que as tor- nam aptas a entrar nas plantas, — que, como vimos as formam e cujo efleito ainda não se havia ensaiado. D'estas e do oxygenio, hydrogenio, carbonio e azote se constitue a vegetação. A exclusão porém do azote, cujo effeito já apreciámos, pareceu ser o sufficiente para que as plantas se não desenvolvessem. A vegetação foi fraca (fig. 4) e o peso da colheita de 8 grammas. Emfim juntou-se a todas as materias da experiencia antecedente o azote, e a vegetação appareceu forte, robusta, com os caules direitos e firmes, uma colora- + 26 ção indicando robustez e com espigas perfeitamente formadas (fig. 5). O peso da colheita foi de 21 grammas. Quiz-se em seguida saber qual a acção especial de algumas das substancias que já se sabiam importantes e que se haviam juntado na 5.º experiencia. Pelo que estudâmos já e pelo que vimos da importancia relativa dos alimen- tos das plantas, como de certo se recordam, vêem que essas novas experiencias se deverão referir ao phosphoro, à potassa e à magnesia. Os quadros em que apresentei a composição comparada das diferentes partes do trigo e do grão mostram bem essa importancia. Para se apreciar os elfeitos da sua presença nos alimentos, estudou-se os da sua falta nºelles. Uma das experiencias revelava-nos tambem que sem o azete, a acção util das demais materias quasi se não dá. Juntou-se pois n'um vaso à areia calcinada uma materia azotada e todos os (0) 7 sm demais elementos, à excepção dos phosphatos de cal e de magnesia. À vegetação resultante, começando bem e vigorosa, decaíu e parou depois do apparecimento das primeiras folhas. A fig. 6 mostra de uma maneira mnemonica o resultado espantoso desta experiencia. Os phosphatos indispensaveis para a formação da planta revelam-se sobretudo reste caso como indispensaveis para que os outros alimentos aproveitem. A falta da potassa (fig. 7), produzindo na colheita apenas 9 grammas de peso, e a da magnesia (fig. 8) 7 grammas, mostram igualmente a importancia que de certo já conheciamos destes elementos. Pelos quadros que mostrei e por experiencias se tem conhecido, que esta importancia da magnesia, se limita to- davia aos cereaes. = == CTT (Fig. 6 (Fig. 7) - (Fig. 8) Fizeram-se eguaes ensaios numa terra, e os resultados foram os seguintes (fiz. 9, 10, 11 e 12). - Peso total Decalitros de grão Terra;sem addição (fg. 9) 23.0. 0. cuesero cute 38,942 E! Phosphoro, potassa, etc., sem azote (fig. 10)... 45,290 16 Azote sem phosphoro, potassa, etc. (fig. 11)... 581437 20 Todos os alimentos das plantas (fig. 12)...... 105,691 46 O exaine deste quadro e a inspecção das gravuras dizem mais que tudo. Estas experiencias foram estudadas durante dezeseis annos e expostas em França em 1864. Depois, o meu mestre, o distinclissimo agronomo o sr. Fer- reira Lapa, tem-n'as repetido no Instituto geral de agricultura. Os resultados ge- raes das experiencias francezas têem sido ahi confirmados. Resultados geraes, disse eu, para a vegetação em geral: De experiencias similhantes se poderá colher 28 muito quando ellas se propozerem a revelar-nos todas as necessidades particula- res de cada vegetal, estudadas no exame minucioso da sua existencia. Resumamos agora. Sabemos pelo que apresentei (observações, experiencias, factos, dados verdadeiramente tirados da pratica, que nem a experiencia é outra cousa): 1.º De que elementos se formam as plantas ; 2.º (Como nos seus episodios principaes se dá essa formação; 3.º O papel que n'ella representa cada um dos elementos formadores; 4.º Como um desses elementos não actua efficazmente sem os outros; 5.º Como certos alimentos produzem certas partes do vegetal: o azote as partes azotadas, a potassa, a fecula e o assucar, por exemplo; 6.º Como todo o alimento da planta, para o ser, deve achar-se como terra, com uma natureza perfeitamente mineral. Voltemos agora á imagem que a principio apresentei. Comparando o estudo do vegetal que a agricultura produz ao do tecido que obtem a industria da tecelagem, podemos dizer que temos estudado as qualidades do fio e o modo como elle se entretece e se combina. Onde encontrar fio? Como dispo-lo em qualidade e quantidade para o fa- brico, segundo o producto que queremos? Como reunir emfim todos os elementos productores e como, conhecidos todos estes elementos, organisar uma industria lucrativa? É o que vamos ver. Encontrarão as plantas nas terras todas as substancias que constituem a sua materia prima, o seu alimento? E mesmo que existam nos solos, são essas mate-- rias ahi imextinguiveis? Da resposta a estas duas preguntas depende todo o systema, toda a doutrina e toda a pratica da agronomia. Se o agricultor póde transformar em plantas todas as terras, isto é, todas as materias que resultam da pulverisação lenta e natural das rochas; se estas, con- tendo todos os principios alimentares das plantas, os cedem em quantidades sufli- cientes ao desenvolvimento pleno da vida vegetal, então as estrumações são inu- teis, porque a materia prima está em toda a parte ao alcance da industria que a quer transformar, e o problema agronomico não existe. Não é porém esta a verdadeira situação. Dos onze elementos formadores das plantas de que fallei, alguns existem abundantemente em todas as terras, mas outros— e veremos que os mais importantes, physiologica e industrialmente fallan- do — não existem ou existem em quantidades deficientes. O vxigenio enche a atmosphera; o carbone tambem ahi existe na fórma de acido carbonico em quantidades immensas. Quer no ar quer na terra, a agua, isto é, o oxigenio e hydrogenio, muitas vezes falta em porção sufficiente, e sabemos 29 que a agua, importante pelos seus elementos, o é tambem como conductora dos outros corpos que nºella se dissolvem para entrarem no vegetal. O enxofre, a silica, o ferro e a magnesia, sabemos que existem sempre nas terras. Analyses e estudos o têem tambem demonstrado. Resta-nos pois, como pouco abundante nas terras, o phosphoro, a cal, a po- tassa, a magnesia e compostos azotados. Da importancia destes elementos na vegetação nos falla já tudo o que atrás dissemos: acabámos de ver que escasseiam ou faltam nos terrenos, e saibamos por ultimo que uma extrema solubilidade, que faz com que estas materias alimen- tem bem os vegetaes, tambem facilmente os arrasta para fóra dos solos em que se acham. Conclue-se de tudo isto que as materias mais importantes para a formação do producto vegetal são as que mais faltam nas terras e que tudo tende a dimi- nuir nellas a sua quantidade. No que tenho dito até aqui se podem já ver rasões sufficientes para a esteri- lidade de muitos solos. : Já sabemos os elementos que as plantas encontram em todos os solos e os que geralmente ahi faltam. Mas a composição das terras varia extremamente, e se é certo haver regiões que apresentam uma composição de solos até certo ponto ho- mogenea, é certo tambem que cada uma dessas regiões a tem diversa, e que agora me cumpre referir. todas as minhas reflexões às terras do districto de Vizeu. Todos sabem que as rochas, pulverisando-se por diversas causas, produziram e produzem todos os dias as terras onde o agricultor pode preparar habitação para as suas plantas. O que nem todos sabem porém é que, tendo essas rochas naturezas diferentes, muitas são de uma composição pobre consideradas como productoras de alimento para as plantas, e que a parte de Portugal que constitue o districto de Vizeu é tambem das que n'esta divisão de rochas foi mais mal do- tada. As camadas de rocha formaram-se na terra em epochas dilferentes, primeiro, ao que parece, debaixo da acção de uma temperatura elevadissima que fundia os elementos, depois lentamente pelo resfriamento successivo que ainda hoje conti- nua insensivel. Quando as circumstancias o permitiram, as plantas e os animaes desenvolveram-se, transformaram-se, deixando nos terrenos os restos das fórmas que iam abandonando e os cadaveres dos individuos que iam perdendo. As rochas que formaram o terreno dos primeiros periodos em que as orga- nisações eram ainda impossiveis são tambem as que fornecem menos elementos para a vegelação: são as dos terrenos sem phosphoro e sem cal. As provincias da Beira, Douro, Minho e Traz os Montes constituem o massiça mais consideravel que a peninsula iberica possue de rochas primitivas. 30 Os poetas que cantam o nosso abençoado torrão não sabem nem geologia, nem chimica, nem physiologia vegetal, As rochas que constituem o districto de Vizeu, parte d'essa grande região, são, todos o sabem, os granitos ou schistos. No granito encontrâmos uma parte branca ou amarellada, uma brilhante e transparente como bocados de crystal, outra bri- lhante tambem, mas apenas translucida que se esfolia facilmente e que ennegrece com o tempo e o ar. À primeira é formada pela combinação de tres compostos: um de silica e soda, outro de silica e potassa, outro de silica e alumina. À segunda é constituida por crystal de rocha, que existe tambem nos terrenos deste districto só. isolado em massas consideraveis, e a que tenho ouvido por aqui chamar seixo. A terceira é constituida por quatro compostos, um de silica e potassa, outro de silica e alumina. outro de silica e ferro, e finalmente um ultimo de silica e ma- gnesia. Ao primeiro d'estes corpos chamam os homens da sciencia feldspatho, ao segundo quartzo e ao terceiro mica. Os nomes são barbaros e têem pouca impor- tancia, a composição é que importa. Este quadro a mnemonisará. Silicato de soda. Feldspatho ss user musa Silicato de potassa. Silicato de alumina. Eranito bos | Quarizos=" 28 qe ch. ue apr-daSilica pias a de potassa. mic | Silicato de alumina. Mica. pego DEAN o Ampjé a io detona | Silicato de magnesia. A composição dos schistos e dos schistos das epochas a que pertencem as ro- chas e as formações do districto, não é extremamente differente d'esta dos grapi- tos. Apparece neles alguma cal que, como se vê, falta completamente nos granitos. Os terrenos assim que resultarem da pulverisação d'estas rochas serão abun- dantes em alcalis, potassa, soda, ete., mas hão de ser pobres em cal e pobrissimos em phosphoro e em materias azotadas. Eu sei que no espirito dos que me ouvem ha já grandes duvidas sobre o que eu estou dizendo. Primeiro porque sempre custa perder a crença em que se vivia de que o nosso solo era 0 melhor do mundo, e mais ou menos é este 0 sen- timento natural e pelas idéas em que se funda, louvavel, de todos os povos; depois porque os factos parecem aqui mesmo contradizer-me. No districto de Vizeu ha terrenos muito ferteis, e téem fama os seus admiraveis e productivos Jameiros. É que realmente, sendo verdade o que eu disse, ha ahi alguma cousa a acrescentar. O fundo do quadro, o que o deve caracterisar está bem desenhado na minha descripção de ha pouco. Pelo meio porém ha tintas e tons diversos-e oppostos. 51 Duas são as maneiras por que se formam os terrenos agricolas: umas vezes o ar, à humidade, as reacções entre os elementos que estão em contacto vão suc- cessivamente pulverisando as rochas e formando sobre ellas uma camada de terra que cada vez se torna mais funda e que representa na sua composição exacta- mente a composição da rocha subjacente. Mas, outras vezes, depois de pulveri- sadas as pedras, a terra é arrastada pelas aguas para os valles, ou levada nas correntes de rios e deposta nas margens e leito, e assim se vão accumulando estes depositos, estes nateiros, estas lamas, onde esta provincia eoutras tiraram o nome de Lameiro, que perfeitamente explica a origem de taes terrenos. Já vêem pelo modo de formação que estes lameiros têem a composição de todas as rochas que as aguas atravessaram no seu precurso longo através de terrenos de diversissi- mas naturezas. Estes terrenos podem pois ser mais ricos do que os formados apenas pelos granitos e pelos schistos: o que são é a excepção de certo. Sabemos pois que naturalmente os solos têem em pouca quantidade certos alimentos indispensaveis das plantas; que de mais os solos do districto de Vizeu são, pela sua origem, dos mais pobres d'essas substancias. Juntemos a estas duas noções uma terceira: Uma terra produz uma seara. Essa seara representa, em elementos constitu- tivos das plantas que a compõem, o que levava a semente e o que a planta tirou do ar e da terra. Da seara os grãos vendem-se, e as palhas servem para alimen- tar animaes que tambem se vendem. [esses animaes uma parte, o estrume, volta para a terra. O resto saíu para não voltar. Depois de tudo o que temos estudado a rasão diz-nos que, exportando plan- tas e não restituindo á terra o valor dessas plantas em alimentos para outras, a terra perderá esses que já vimos que não tem em quantidades inextinguiveis e se esterilisará. Quando o fio acaba não é possivel fazer mais tecido. Mas os agricultores estrumam com o estrume dos seus gados, o que é uma parte pequena e com matos, plantas que fazem apodrecer. Esta estrumação em quantidade é deficiente no actual estado dos nossos costumes agricolas, e depois, - em qualidade, é perfeitamente inutil. Recordemos: nós já sabemos como e de que se formam as plantas. A mate- ria prima d'ellas, que esteja na terra ou no estrume, é-nos já conhecida. Se o es- trume é alimento para as plantas, é simplesmente porque tem azote, phosphoro, cal, potassa, magnesia, etc. Às plantas e por isso os solos não precisam de umas tantas carradas E estrume: precisam de uns tantos kilogrammas de phosphoro de cal, ete. ID por estes elementos que os estrumes fazem efleito, que os estrumes são estrumes. Até aqui havia entre o estrume que se dava á terra e as plantas que dessa terra saíam. um mysterio indecifravel. Hoje esse mysterio acabou. Ora a consequencia de tudo isto é que a estrumação não só deve dar ás terras. 32 em quantidade, tudo que .as plantas lhe tiraram, mas deve-lh'o dar tambem em qualidade. Assim as terras, por exemplo, do districto de Vizeu, não podem efficaz- mente ser estrumadas pelos restos e detritos de plantas produzidas no mesmo districto, nem pelo estrume de gados ahi alimentados, porque já vimos que nos seus terrenos faltam certos elementos indispensaveis. Uma outra reflexão antes de concluirmos: Nós vimos que as plantas têem todas a mesma composição emquanto á qua- lidade dos elementos, mas não emquanto à sua quantidade relativa. Provámos isto pelos dois quadros da composição do trigo e do grão e pelos estudos que fi- zemos da influencia que na producção de certas partes dos vegetaes têem alguns dos seus alimentos; vimos mesmo que ha plantas que nós cultivâmos por a sua fecula, pelo seu assucar, pelas suas farinhas azotadas. Apresentarei outro exemplo: Batata Trigo LE EEE VR PE RR STO SO DS COD S CDA NTE DD OSASCO SO 5.6 59 DV AO RR RR ERR RE E A RR A O RODO E SEDA DESCE SR) 20,8 ACIdO: PhOSphOrIGOS - oje fofo fafojato fojaloto! jo oe fool ofoNe TORO TA od EN FAN fo PENNE JAPAN E 1.8 8,2 CAS ada no don vo AD oaD ado nado Pos Gonna scadancdopo doors sdoadonsassoBsa 0,2 0,6 WEETESEA god a donope Sono dvo poa sp noso cod svobáo doam odunbas AS po5s 0,4 2,2 VE E A O a E RAN ADA ASS A 38,8 12,7 Este quadro da composição comparada do trigo e da batata, que trago em apoio do que acabo de dizer, é de resto uma confirmação de tudo o que temos visto: a potassa é 5.6 na batata, e 5,5 no trigo; o azote é apenas 3,2 na batata e 20,8 no trigo; o acido phosphorico está tambem numa proporção similhante. Assim vemos como as plantas requerem diferentes, alimentos para se forma- rem com qualidades tambem diferentes. Deve ser conforme ao tecido que queremos obter a qualidade do fio que em- pregâmos. Na agricultura é o mesmo. Assim temos provado: 1.º Que não sendo os alimentos das plantas inexgotaveis nas terras, nos é ne- cessario restituir-lh'os; 2.º Que, dando nós ás terras na estrumação, materiaes para a formação de uma planta, esses devem ser sujeitos ás qualidades e á natureza da planta que queremos produzir; 3.º Que a estrumação tem a satisfazer a dois fins: 1.º, restituir á terra o que se lhe tirou; 2.º, dar a essa terra as qualidades que ella originariamente nunca leve. “Assim a regra da estrumação deve ser o dar a uma terra em elementos de fertilidade maissdo que o que se tirou em plantas. 33 Para isto ha ainda, alem das.que expuz, mais-duas rasões: À primeira é que essas terras estão ha longos seculos dando mais: do que recebera; quanto à se-. gunda é ella-o lado economico de todo este problema, Em economia rural ha hoje uma phrase que é uma regra infallivel: é a pro- ducção maxima. Imaginemos que com as mesmas machinas, com o mesmo numero de opera- rios. empregando os mesmos esforços, um fabricante podia, collocando mais fo nos seus teares, obter no mesmo tempo mais tecido. As despezas de machinas, de operarios, ete., tornadas constantes, dividiam-se por um maior numero de objectos produzidos. O custo de todos os productos seria assim menor, o lucro na venda, pelos preços correntes muito maior. Ora na agricultura podemos nós com a mesma terra, que nos representa a, mesma renda. com as mesmas machinas, com os mesmos esforços e até com a mesma semente. produzir o dobro e muito mais.do que o que actualmente produ- zimos. Basta apenas. para isto que .demos á terra.a maior porção de elementos de fertilisação que ella possa converter em plantas. E a isto que se chama a producção maxima. A experiencia de muitos paizes e de muitos annos tem demonstrado que só a producção maxima é verdadeira- mente remuneradora, isto. é, que só ella paga bem os esforços e os capitaes em- pregados na industria agricola. Fica pois provado por esta demonstração. longa talvez mas minuciosa, em que pouco a pouco tenho ido apresentando todas as partes da moderna agrono- mia, fica pois provado, repito. que é necessario obter estrumes de fóra da pro- priedade a estrumar; e porque sabemos tambem as materias que as plantas en- contram em abundancia em todos os solos, tambem já podemos. dizer que esses estrumes serão formados de phosphoro, de cal, de potassa e de azote. E a estes elementos que hoje se dá o nome. de estrume completo. Como se ha de obter o estrume completo? É a questão que-n'este momento se nos apresenta a resolver. Sabemos já que as terras do districto de Vizeu precisam importarmuitos dos alimentos das plantas; e sabemos que todas as terras precisam que o que delas sãe em plantas lhes seja restituído em estrumes. Isto tudo quer dizer que o agri- cultor precisa comprar estrumes. Sabemos já pelo que expuz com respeito às suecessivas transformações por que passava a materia de mineral, a vegetal e a animal, e pela descripção que fiz da morte dos organismos, que é no seu estado terroso, mineral, e só n'esse que a materia alimenta as plantas. Quererá isto dizer que, o que até aqui consideravamos como estrume, deva ser banido, para nos limitarmos a adubar as terras com compostos de phosphoro, de cal, etc.. na sua fórma mineral? Por modo nenhum. Agora que eu fallo em estru- mações, começarei por notar aos agricultores como devem cuidadosamente apro- 5 34 veitar todos os excretos dos seus gados, todos os detritos das plantas e vegetações, Devo tanto mais faze-lo. quanto me não pareceu, precorrendo este districto, que houvesse n'isso a maior preoccupação. Os estrumes vulgares, os estrumes de curral, têem os elementos de que as plantas precisam, elles que são restos tam- bem de plantas. É verdade que esses elementos reduzem-se na sua massa ao es- tado mineral antes de entrarem nas plantas, mas é verdade tambem que são con- densadores dos principios uteis que existem na atmosphera, condensadores da humidade, etc Depois os elementos que as terras contêem acham-se n'ellas em dois estados: Ou estão em compostos que se possam dissolver, unir intimamente á agua e en- trar com ella na vegetação, ou são perfeitamente insoluveis. Das fórmas insoluveis tendem elles a passar para as soluveis, e é o que con- stantemente se dá no solo, e é o que explica como, o tempo só, serve para estru- mar uma terra, ou antes para lhe dar materia que possa alimentar plantas. Ora essa solubilisação é promovida pelo trabalho de decomposição violenta que se dá nos estrumes de curral. Estes, como vêem, enriquecem a terra pelo que levam e pelo que nella pro- movem. Os estrumes de curral pois devem ser cuidadosamente aproveitados e produ- zidos. O ter gados de resto, quando é possivel tê-los, é sempre uma utilissima in- duslria annexa à industria propriamente agricola. Como se ha de porém obter, e em que fórma, a parte supplementar de estru- mes que precisâmos? A parte que nos representa, o que se exportou, o que du- rante annos de má estrumação a terra tem perdido e o que por origem lhe falta? Sabendo-se, como vimos, os corpos que alimentam as plantas, sabe-se tambem quaes as fórmas em que esses corpos podem entrar nos seus tecidos. Assim, refe- rindo-nos unicamente ás materias que podem faltar nas terras, sabemos que o phos- phoro entra como phosphiato de cal, a potassa como carbonato, nitrato ou silicato de potassa, a cal como carbonato ou sulphato de cal, e o azote como ammoniaco ou nitrato. Ora a industria, uma industria especial creada ha pouco, tem-se encarregado de obter estas materias e de as combinar como estrume para os agricultores. Como esses estrumes têem a fórma em que os plantas as absorvem chamam-se estrumes mineraes. Os estrumes mineraes são geralmente formados de phosphato acido de cal, nitrato de potassa, sulphato de ammonia e sulphato de cal. O azote é obtido de saes que o contêem e que se encontram na natureza, ou ex- trahido da decomposição de materias organisadas. Ha pouco começou-se a apro- veitar o da hulha, distillando sobre cal causlica as aguas de lavagem do gaz de l- luminação e fixando em acido sulphurico os vapores ammoniacaes dos altos fornos 55 da extracção do ferro. O phosphoro existe em depositos na terra na fórma de phos- phato de cal, a que vulgarmente se chama phosphorite. Em Portugal ha um con- sideravel deposito «/este em Marvão. O phosphato de cal encontra-se tambem no esqueleto de todos os animaes. N'estas condições porém o phosphato não se dissolvena agua e não poderia assim entrar na vegetação. Mas o phosphato insoluvel reduz-se a pó entre galgas, e deita-se em tanques onde se solabilisa lançando 60,20 partes de acido sulphurico para cada 100 de phosphato. Enxuga-se e fica este adubo re- duzido a uma substancia terrosa e pulverulenta. “ A potassa encontra-se nas cinzas das plantas, e em geral nos detrictos de to- das as plantas que produzem feculas, assucares, resinas, nos restos de batatas, de beterrabas, de pinheiros, e nas borras dos vinhos. Já atrás vimos as rasões d'isto. Às aguas das lavagens das lãs contêéem tambem muita potassa. As aguas que ficam nas marinhas depois de extrabido o sal, contêem muitos compostos em que entra a po- tassa e alcalis. A potassa, alem d'isso, encontra-se em depositos naturaes consti- tuindo agglomerações consideraveis de que ha pouco se descobriu na Prussia uma importantissima, e existe ainda, como vimos, formando uma parte dos granitos e de outras rochas. As fabricas de estrumes mineraes que já existem no nosso paiz, como por exemplo a da Povoa junto a Lisboa, combinam estes elementos e offerecem-nos à cultura. Muitas observações, muitos ensaios e muita sciencia, têem lá fóra pro- duzido formulas de estrumes, receitas, isto é, regras para as quantidades que na formação de um estrume se devem empregar dos seus differentes componentes. Essas formulas são observadas já nas fabricas portuguezas. Attendâmos po- rêm aos elementos que devem nestas circumstancias guiar-nos. Na formação de um estrume ha a attender á qualidade da planta, à natu- reza da terra, ao estado a que essa terra tem chegado e até aos elementos do clima. Nº'estas condições, as formulas de estrumes não devem merecer uma con- fiança absoluta na sua applicação às terras e ás culturas de Portugal. Os agricul- tores devem de certo começar já a applicar esses estrumes, conhecendo a sua compo- sição, mas devem tambem ir considerando os resultados para por elles augmenta- rem ou diminuirem as dóses relativas dos elementos. As fabricas mesmo deverão conhecer esses resultados, para, por as experiencias do paiz, irem compondo os es- trumes que melhor lhe convem. Não é racional 9 organisar formulas para todos os casos, para todos os paizes, para todos os terrenos: o estrume mineral e as formulas organisadas em França não são de modo nenhum uma panacéa uni- versal. No districto de Vizeu a composição dos terrenos indica, como vimos, sobre tudo, a necessidade de cal, de phosphoro e de azote. São estes elementos que os granitos não fornecem. Eis a primeira indicação para a composição dos estrumes. Depois de com as considerações de clima e de composição e estado das terras 36 ter organisado a formula geral dos estrumes que convem a uma região, “essa for- mula tem aimda de ser modificada pelas necessidades especiaes da planta a que a quizermos applicar. Já vimos que certos alimentos formam nas plantas certas substancias, e que por essas substancias é que sobretudo cultivâmos as plantas. Eu indiquei como à vontade podia obter-se uma beterraba azotada boa para ali- mentação de gados, ou uma beterraba abundante em assucar, e disse tambem como a falta da potassa parecia ser a causa da doença, por má alimentação, das batatas. ástes estudos e muitas experiencias tem levado a conhecer qual dos principios que compõem o estrume deve dominar com respeito a cada planta. Assim pois, para a maior parte dos cereaes a dominante é o azote, para o milho e nabos é 0 phosphoro, para as batatas, vinha e legumes a potassa, para a luzerna e plantas de prados a cal. Está-se ainda muito longe das verdadeiras fórmulas para as diferentes plan- tas. Um estudo de nais annos deverá descobrir, não-apenas uma dominante no meio da formula normal, mas formulas completas, receitas especiaes para cada vegetal. Hoje já o que se sabe está applicado em Frarrça, em Allemanha e em Inglaterra, dando optimos resultados, que é conveniente que os nossos agriculto- res partilhem. Ha quantos annos a Inglaterra, por exemplo, apesar dos seus muitos gados e dos estrumes, em parte já aproveitados das suas grandes cidades, importa 'e emprega massas consideraveis de estrumes mineraes! Ha quantos sáem pela barra de Lisboa enormes porções de phosphorite das minas de Logrosan e Caceres da Extremadura hespanhola, que vão a Inglaterra levar a fertilidade e a riqueza! Dez annos antes da Inglaterra decretar a liberdade do commercio de cereaes o trigo prodiizia-lhe 25-hectolitros por hectare; dez -annos depois era essa produc- ção na mesma area de 38 hectolitros. Empregados pois com o maior cuidado todos os estrumes de carral que se podérem obter e cuja importancia Já vimos, é indispensavel uma parte supple- mentar que' só póde ser fornecida pelos estrumes mineraes. É preciso notar-se, porém, que o emprego dos estrumes mineraes mesmo em qualquer formula organisada pouco em vista das circumstancias especiaes do paiz, deve dar sempre bom resultado. O que eu quero fazer sentir é que ao agri- cultor cumpre ir-constantemente aperfeiçoando essas formulas eadaptando-as aos elementos do seu'paiz e da sua cultura. Não quero tambem deixar de em duas palavras apresentar um meio simples de conhecer a composição da terra por meio dos estrumes mineraes. Dividida uma pequena parte de um campo em pequenos talhões semela-se n'uma o trigo por exemplo. com o estrume completo: phosphato de cal, nitrato de potassa, sul- phato de ammonia e sulphato de cal. Num outro semeia-se apenas com tres d'es- tes elementos, excluindo o phosphato; n'um terceiro com outros tres excluindo a 37 potassa; num quarto excluindo a ammonia; num quinto à cal e n'um sexto se- meando sem estrume. (Fig. 9.) 1 a 3 1º completo. | Nitrato de potassa Phosphato pri. Sulphato de ammonia. a Nitrato de potassa. Nitr to sa Sulphato. de-ea! Sulphato doscal Sulphato de cal Sulphato de ammonia, Sulphato de cal, (Big. 9) Nós sabemos que nenhum dos elementos do estrume obra isolado. Se pois 0 eleito na colheita for o. mesmo no primeiro talhão e em qualquer dos outros (2, 3, 4, 5) éporquera terra tem em st o elemento que no estrume se suppri- miu. “ste modo simplicissimo de analysar uma terra está ao alcance do agrieul- tor, que tem assim na sua propriedade e nas suas plantas um verdadeiro labora- torio chimico. Os guanos são estrumes sobretudo azotados 'e phosphatados que tambem se podem empregar com vantagem. Ora depois de tudo que eu acabo de expor, desde os principios e os funda- mentos da doutrma até a estes dados praticos das estramações, já prevejo que algumas duvidas existem nos espiritos «dos que:me. ouvem. Como se hão de obter estes estrumes?. Se éutil que elles se empreguem:e se propaguem, deveria 0 agricultor eds perto de si. Depois, ha falta de capitaes mesmo para beneficiar as terras. Depois ainda, se esses estrumes valem pela sua composição, pelas quan- tidades-de elementos nteis alimentadores das plantas. que possuem, quem asse- gura que não haja fraude nos estrames commerciaes? Estas duvidas são perfeitamente levantadas, e eu vou-lhes responder. O governo creou em cada districlo uma estação agricola. Eu não me alargo agora a fallar do fim e utilidade deste estabelecimento, porque conto faze-lo n'ou- tro logar destas conferencias. Direi apenas que ahi deverá haver deposito 'Ves- tes estrumes, analyses dºelles, feitas pelo director da estação, que mostrem a sua verdadeira composição, e experiencias organisadas nas culturas da localidade com os ditos estrumes. ; Pelo que respeita à segunda: objecção lembro o que disse no começo esta conferencia. Eu não quero que, acreditando-me sob palavra, executem em grande o que eu proponho. Peço apenas que façam pequenos ensaios, destes em que se póde ter uma desillusão, mas nunca uma perda sensivel, E, depois, se forem bem succedidos, se o resultado for, como eu espero, e a mstrueção e a intelligencia verdadeira do emprego dos capitaes se for propagando nos espiritos, estou certo que os capitaes apparecerão à agrietiltura. Tenho apresentado, creio eu, os pontos principaes da agronomia moderna. ; 38 Sabemos já de que qualidades de fio se compõem os tecidos que queremos formar, onde se encontram, como se combinam e o que precisâmos dispor para produzir muito, bom e constantemente. O progresso e a civilisação de um povo são factos tão complexos, prendem-se indissoluvelmente tantos elementos para a realisação da prosperidade de um paiz, que quando se falla sobre os melhoramentos e a transformação de uma industria, não se póde apenas dizer o que os methodos têem de imperfeito e a theoria de pouco racional. Esta parte technica, especial, é apenas um lado da questão. É preciso olhar para o industrial e ver como elle exerce a sua industria, em que -condições a sua actividade póde produzir. Eu já de leve apontei um ou dois lados da parte economica da questão agricola. Hoje a verdadeira theoria de uma indus- tria será a que n'uma lei formule toda a solução do problema technico, economico e social: a que na agronomia diga as doutrinas physiologicas da formação do producto, a que estabeleça as relações necessarias do trabalho, dos capitaes-e do valor, a que mostre o estado das classes ruraes como a produeção o precisa. Eu não posso, nem o estado da sciencia m'o permitliria, traçar completamente a theoria moderna d'esta industria. O que devo é tocar os pontos principaes dos seus ul- timos capitulos depois de ter um pouco desenvolvidamente exposto o primeiro deles. Direi assim duas palavras sobre o estado das classes ruraes, em cujas mãos se acha a maior parte da cultura cereal do districto de Vizeu. Duas palavras apenas, mesmo porque fallo já ha bastante tempo e não desejo abusar mais da bondade das pessoas que me ouvem. Não posso assim desenhar de uma maneira completa o estado das familias ruraes, as suas condições de posse, de trabalho e de desenvolvimento. Um' pouco mais largamente o farei na parte do relatorio ao governo, em que exponha os ele- mentos que na minha visita pude colher sobre a economia rural do districto. Li- mitar-me-hei agora a apresentar dois ou tres traços mais caracleristicos e a pro- por as reformas mais instantes. As classes em cujas mãos se acha a cultura cereal no districto de Vizeu di- videm-se em duas partes: os proprietarios e os rendeiros. Os proprietarios geral- mente, os que pelo menos eu tenho conhecido e estudado, preoccupam-se pouco com a agricultura, são pouco ambiciosos, não têem esse amor ao ganho, esse es- pirito constante de interesse que é o caracter e o grande motor do industrial mo- derno. Demais, como já notei no começo desta conferencia, as suas vistas dirigem- se para outro ponto. () rendeiro, popular nas condições originarias e ainda com todos os caracteres do operario agricola, do jornaleiro, tem a terra, a cultura de uma quasi propriedade, como o ideal de toda a sua vida. A cultura para elle, a posse de uma porção de metros que seja, de terreno, é o objecto dos seus constantes pensamentos, da sua quasi impossivel capitalisação, dos mil cuidados e dos mil esforços de que é capaz o povo na pequena propriedade. 39 Estes dois factos, — a indiflerença de um lado, o amor pela terra do outro, — têem feito com que a cultura dos cereaes se ache na Beira quasi que inteiramente nas mãos de rendeiros, distribuida em pequena propriedade. As causas deste facto não são apenas as que apresentei. À concorrencia dos rendeiros é immensa e as rendas são elevadas. Nas circumstancias acluaes 0 pro- prielario não lucraria em cultivar por sua conta. Depois o jornaleiro que póde ter a cultura por sua conta de uma terra, tem, pelo lucro que d'ahi consegue tirar, ga- rantida a sua vida e a da sua familia. - Em partes do districto em que a cultura do vinho domina, feita quasi sempre por conta do proprietario, e em que por consequencia a população se reduz a ope- rarios que vivem exclusivamente do seu trabalho, a existencia do homem é diffi- cil, a alimentação má, a formação da familia quasi impossivel. Eu regosijo-me decerto das tendencias tão bem caracterisadas que acabo de indicar. Julgo realmente que é utilissimo para todos, que estas classes cultivem e pos- suam a terra, porque melhoram as suas condições de vida, porque têem assim ele- mentos para formar o verdadeiro cidadão esclarecido e independente, e porque Julgo a familia um termo indispensavel para o viver normal, pleno e moral do ho- mem; finalmente porque em toda a parte onde o trabalho não alcança para o ho- mem os seus direitos como homem. ergue-se sob o seu aspecto terrivel e como uma ameaça a questão do socialismo. Às populações que existem como as que na Beira cultivam os cereaes, parecem-me estar bastante ao abrigo Peste perigo e a caminho da [felicidade e da Justiça. Não haverá aqui revolução violenta, porque no estado social ha já preparada uma benefica evolução. Mas a pequena cultura tem poucas vantagens sem a associação e nenhuma cultura prospera sem instrueção. À instrucção que dá todos os meios de bem cul- tivar, capital precioso que faz valer todos os outros, é tambem o que introduz nos espiritos o convencimento das immensas vantagens que resultam da associação. Ora as classes que cultivam hoje os cereaes na Beira, facto que me parece tão justo e tão util, são tambem aquellas que hoje são mais ignorantes e direi mes- mo mais difficeis de instruir. Como instruir as populações ruraes populares? Todos nós sabemos como se acha a instrueção primaria em Portugal, e todos nós sabemos tambem se os go- vernos podem no actual estado de cousas despender quantias efficazes na edu- cação do povo. E todavia a civilisação em geral, como o progresso da nossa agri- cultura, são termos presos a esta grande e quast, entre nós, insoluvel questão. E a instrucção popular que eleva as nações, dando-lhes para assim dizer mais homens e mais cidadãos, é ella que torna os povos industriaes e inteligentes, e que os faz assim amar o progresso e escutar a palavra dos missionarios da idéa moderna. 40 Nºestas condições cumpre-me dirigir-me à iniciativa particular, á inteligencia das classes mais cultas, á unidade que ha nos proveitos da civilisação de um paiz a esta solidariedade de interesses e de prosperidade que essas classes de certo com- prehendem tambem. Na Extremadura sei eu de comissões particulares que pro- movem o desenvolvimento da instracção primaria e que, sem renumeração dos governos, trabalham na instrucção do povo. Eu espero sempre mais da iniciativa particular do que da acção dos governos. Tenho appellado para ella, porque a acho hoje mais possivel que esta ultima e porque me parece que é mais proprio-das tendencias deste momento do scenlo, e do espirito digno e cultivado e energico de um povo. Permitlam-me a este respeito um exemplo espantoso, que eu,comprehendo que se não poderá igualar, mas cujo espirito se póde de certo seguir. Os grandes proprietarios-inglezes têem as suas immensas terras divididas en- tre muitos rendeiros. Uma parte porém não se arrenda. Nºella se estabelecem ex- periencias e ensaios de tudo que a industria e a sciencia vão-produzindo de novo. É uma verdadeira escola pratica esta parte da: propriedade, um campo de expe- riencias que o proprietario sustenta: e mantem com dispendio considerável para instrucção e adiantamento dos seus rendeiros, que em volta observam, estudam e applicam em grande os bons resultados obtidos. Vêem como n'aquelle paiz as classes cultas obram, como elas comprehendem que, se estão superiores, é para elevar até si o povo; vêem como a iniciativa particular póde transformar completamente um paiz. Á assembléa inteligente e ilustrada que me ouve, basta, estou certo, apre- sentar estes exemplos. Ella tirará para Portugal as consequencias necessarias. Il 5 DE DEZEMBRO DE 1870 A vinha e o vinho — Modificações a introduzir no fabrico dos vinhos — Melhoramento e conservação dos vinhos—O commercio dos vinhos — Os vinhos maduros e os vinhos verdes. Meus senhores: — Do quadro que tracei da alimentação vegetal, na mi- nha primeira conferencia, se póde fazer applicação a todas as plantas. Foi uma introdueção natural a uma missão de agricultura. Era mesmo o que me cumpria aqui expor: as bases da doutrina agricola, os principios reguladores da produc- cão de plantas. O resto depende quasi dos agricultores, das suas tentativas, dos seus ensaios, das suas experiencias. O que eu disse é da sciencia geral. No fundo todas as plantas vivem da mesma maneira. As differenças, os acciden- tes, as variedades, essas, hão de ser estudadas em cada localidade. Ora eu Já declarei francamente, lealmente direi, a minha ignorancia a esse respeito. É que são na verdade os proprios agricultores que hão de formar com os seus traba- lhos esclarecidos e applicando o que eu disse, essa sciencia puramente local, a agricultura d'esta região. Indicar os caminhos que lá fóra se ttem seguido com bom resultado, e mos- trar apenas uma direcção para ensaios, é o que eu quero fazer. Na impossibilidade de discutir completamente a agricultura do districto de Vizeu, estudarei apenas, e muito superficialmente, os melhoramentos a introdu- zir nos ramos mais importantes da sua producção. E assim que, segundo annun- ciei, vou hoje fallar da vinicultura. Dirijo-me sobretudo aos vinicultores do centro e do sul do districto, aos que produzem vinhos na região que se estende das margens do Dão ás do Mondego, e aos que cultivam os vinhos verdes de S. Pedro do Sul. Póde de certo o que eu vou dizer applicar-se a todas as regiões vinicolas. No paiz porém que eu vim estudar ha uma, que requer analyse mais extensa, e que deverá de per si só ser tratada nas condições complexas que envolve: fallo da margem do Douro. Esta região parece-me achar-se hoje n'uma notavel crise. É ella um proble- ma dificil, que para se resolver requer talvez transformações industriaes, e de 6 42 certo um profundo “estudo do seu lado economico. Ponho assim, por importante, esta questão de lado, para a não prejudicar no pouco tempo que aqui poderia destinar-lhe. Pensemos um pouco, para começar, sobre a cultura das vinhas. Digo pense- mos, é peço que não esqueçam o caracter d'estas conferencias e o das minhas pa- lavras, tal como hontem o defini. Pensemos: o que eu vou dizer está de certo no espirito de todos. E o que vem naturalmente á inteligencia quando se dá o pen- sar n'estes assumptos. Todos nós podemos saber o que é a vinha em geral, como essa planta vive, como se alimenta, de que substancias se constitue. Ha muitos livros e jornaes que nos ensinam as suas particularidades nos diferentes paizes, e os seus methodos de cultivo. Mas já d'aqui vemos que, cultivada segundo os paizes de modo diffe- “rente, a vinha é em muitos delles igualmente bem cultivada; que os systemas convenientes n'um ponto o não são n'outro. Uma planta, como um animal, é filha do meio em que existe: o calor, a hu- midade, a natureza do ar e das terras variam de sitio para sitio; mil acções que ainda hoje ignorâmos, imprimem nos seres caracteres distinctos. Por isso a mes- ma planta mudada de logar passa a ser uma variedade diflerente, um outro indi- viduo que se apresenta modificado na sua vida, nas suas necessidades, nas suas propriedades e até na sua apparencia. A isto mesmo se chama degenerar, que é passar a ser filho das circumstancias, no meio das quaes se vive. Qualquer de nós assim é: tão pouco nos traz o sangue e tanto nos faz a educação, as relações, os attritos sociaes, o meio emfim que insensivel mas poderosamente nos vae ca- racterisando. A mesma variedade de uva mudada de logar muda de qualidades. É por isto que uma synonymia de uvas, no sentido rigoroso da palavra, é perfeitamente im- possivel ou falsa. O agricultor, quando quer cultivar uma planta, procura saber, dadas as suas propriedades della, qual os meios de a fazer produzir melhor a parte que é para elle o producto valioso: no vinho, a uva que dê bom vinho. Conforme essas pro- priedades são, assim a cultura tem de ser. ra, como nós sabemos que essas pro- priedades variam de região para região, comprehendemos já porque a boa cultura de Bordéus não é a boa cultura da Borgonha, nem a boa cultura da Italia, nem a boa cultura da Hungria, nem a boa cultura do Rheno, nem a boa cultura de Hespanha, e como uma qualquer destas, a mais perfeita mesmo, póde não ser a melhor cultura a aconselhar para as vinhas do Dão e Mondego. Nada tão perigoso para o progresso, para o progresso, notem, das nossas in- dustrias, do que a adopção irreflectida, irracional, das praticas estrangeiras, que ás vezes não têem rasão de ser entre nós. A cultura das vinhas precisa nas suas operações especiaes ser estudada na 43 propria localidade por meio de experiencias e ensaios comparados. É preciso con- sultar as plantas devidamente, e saber ler-lhes as respostas nos resultados obti- dos na vegetação, na composição dos fructos. Já vêem pois mais uma vez a modestia das minhas pretensões e que mais uma vez tambem confesso a minha ignorancia. Ha diversos systemas de poda e de empa empregados todos com vantagem em diversas localidades. Não se póde porém dizer que haja um absolutamente mau ou um absolutamente bom. | O que digo destas duas operações, digo-o de todas: não ha uma cultura typo que se deva realisar em toda a parte. Os methodos de cultivo variam dentro da mesma região. Cada casta de uvas tem no mesmo paiz necessidades diversas, desenvolve-se em tempo diferente, amadurece em occasiões que não são'as mesmas para todas, tem um cacho, um rebentar, um formar de vara e de olhos tambem especial. Cada casta assim de- verá ter quando menos uma poda diferente, accommodada a todas estas circum- stancias. Comprehendem já isto a respeito de muitas castas de uva os habeis po- dadores do Douro. É a pratica, — este continuo errar em busca de um acerto que o tempo a final traz ao acaso, que lhes tem revelado essas differenças. Se porém os agricultores quizessem estudar as suas vinhas, e podassem a mesma casta por div ersos systemas, teriam no fim do anno uma lição proveitosa e completa. Seria a melhor dessas podas a que desse mais, a que fizesse amadurecer mais cedo, mais completamente, a que auxiliasse a conveniente robustez da plan- ta, seria essa poda que sem medo se poderia aconselhar. Quando o governo tiver estabelecido as estações agronomicas em Portugal, haverá um funccionario, cuja obrigação será o colher assim todos os dados que deverão formar a agricultura especial de cada região. Mais detidamente fallarei destes estabelecimentos. O que eu não quero é censurar quando não tenho fandamento para affirmar que ha melhor do que o que vejo fazer. , * Eis as rasões por que eu me não demoro sobre muitos dos capitulos da cul- tura da vinha, que de certo me não parecem perfeitamente estudados no distri- cto de Vizeu. O que eu posso porém é expor os principios em que têem de se fundar essas experiencias. Vejamos as bases de um estudo sobre podas applicado ás vinhas d'esta região. O que se tem em vista quando se poda uma videira? Para que se poda ? E altamente util que o homem pergunte sempre a si proprio a rasão, o porque dos processos que emprega. Conhecendo-o, póde raciocinar sobre elle e é d'aqui que vem todo o progresso. o 44 Na vinha queremos bons fructos. Sabemos que esses fructos foram na pri- mavera cachos de flores que desabrocharam em pimpolhos, em pequenos ramos, rebentados dos olhos collocados sobre as varas do anno anterior. Os olhos que nós deixámos à planta rebentam na primavera; esses rebentos estendem-se com folhas e com cachos de flores, que são depois cachos de uvas. Vara, flor e fructo, é tudo produeção do mesmo anno e da mesma estação. Quantos mais olhos deixarmos, tanto mais pimpolhos se desenvolvem delles, tanto mais inflorescencias e tanto mais fructos. Isto tem um limite, é claro: é a força e o vigor productivo da planta. Que nos cumpre pois? Procurar todos os meios de fazer varas fortes com olhos perfeitos, que dêem bons pimpolhos com grandes cachos no maior numero possivel, sem arruinar a planta. Estes são os dados do problema. A poda é a operação com que, muitas vezes nconscientemente, os agricultores o resolvem. Em vez de dividir as forças da planta por todas as produeções accumuladas de muitos annos, todos os annos o agricultor as concentra em pequenos pontos, n'um pequeno numero de olhos d'onde devem rebentar os ramos fructiferos. Bamo que uma vez deu fructo, já o não torna a dar. Ou se faz delle susten- taculo dos olhos que hão de dar fructo, ou se corta para que a planta não perca alimentos com uma vara inutil para a producção. As variadissimas podas que se usam nas differentes regiões, podem reduzir-se a quatro: A poda curta, quando deixâmosn'uma vara ou antes num pollegar até tres olhos; Poda media até seis olhos; Poda longa até vinte e mais olhos; Poda mixta a que deixa n'uma cepa um pollegar e uma vara. Qual destes systemas é o melhor ? Qual deve recommendar-se? Se estudar- mos o que se passa em França, veremos que é pela poda longa que se obtéem os vinhos mais preciosos, e que é com esta poda que melhor produzem as castas mais finas desse paiz. Se porém lermos auctores hespanhoes, veremos que a uva das vinhas podadas em pollegares é muito mais rica do que a de vinhas podadas com varas: o mosto das primeiras é mais assucarado tres graus às vezes que 0 das segundas. Nos paizes mesmo em que estes assumptos mais se têem estudado, cada lo- calidade quasi tem o seu systema de cultura. Em França, as diferentes castas de uva téem podas diversas. Já se sabe que tal qualidade attinge o seu maximo de producção com tal poda. Repito: não quero dizer o que não sei. Aos agricultores cabe instruirem -se elles proprios neste sentido, sujeitando nas suas vinhas algumas cepas a podas diferentes. 45 Um agricultor francez pretendeu, realisando todos os preceitos que a theoria das podas fornece naturalmente, apresentar uma como typo. Vou descreve-la. Não é nova; é muito applicada até em Hespanha, e mesmo em Portugal, e é descri- pta desde os tempos de Columela, que era hespanhol e romano. Quanto mais curta é uma poda, tanto mais forte é o sarmento que sáe; mas tambem tanto menor é a quantidade de fructo que produz. Para ter sarmentos bons e longos, deve-se podar curto, mas tem-se pouco fructo. Para ter mais fructo deve-se fazer uma poda longa, deixar muitos olhos para muitos pimpolhos fructiferos, mas obtéem-se sarmentos fracos. Ora, nós precisâmos produzir fructos e produzir uma boa vara, forte, bem constituida, que no anno seguinte seja a que nos dê os bons e abundantes fru- ctos. Eis o que a poda typo procurou resolver. É uma poda mixta: tem um pol- legar e uma vara. O pollegar, curto com dois olhos, a que resta provincia se chama espera, dá duas varas, que se conservam erguidas para augmentarem em robustez, — porque a seiva tende a elevar-se, e é este o seu caminho natural para alimentar e robustecer,—e uma vara deitada, gemida se quizerem, com sete a quinze olhos donde devem rebentar os pimpolhos que hão de trazer as inflores- cencias e depois os fructos do anno. : Na vara inclinada e mesmo gemida, a seiva corre lentamente, alimentando os fructos melhor e por igual. No primeiro anno o aspecto será o da fig. 13. (Fig. 43) qe 2712 (Fig. 44) A Béa vara de fructo. C D os ramos que rebentaram dos dois olhos do pol- legar. Na poda, o ramo A B (Fig. 14), será inteiramente supprimido e far-se-ha de À D, por exemplo, a vara de Íructo, cortando-se as demais varas rentes da cepa, à excepção de € E, em que se deixarão dois olhos. (Fig. 15.) (Fig. 45) Aqui temos a vara longa para o fructo; a curta para a vara do anno seguinte. É claro que o numero de olhos a deixar na vara de fructo depende do vigor da planta. É um caso que a experiencia e a observação dos vinhateiros deve regular. Immensa producção se obtem por este systema em muitas localidades. A estas podas chamarei eu podas seccas as que cortam ramos à vinha quando ella tem já entrado no seu periodo de inverno. Não devem porém ficar aqui os nossos cuidados. Guiar constantemente a planta para a producção do que quere- mos obter, é o que nos cumpre. 47 Estudemos assim um pouco as partes verdes da planta, que, como sabemos, tiram “do ar os alimentos que d'ahi recebe o vegetal, e chamam e preparam os alimentos que pelas raizes lhe vem. Junto de cada gemma, como acima de cada cacho, ha uma folha. Estas folhas alimentam as gemmas e alimentam os cachos. São ellas que preparam os alimentos, que os completam, para elles entrarem na produeção dos fructos e das gemmas, que se constituem com suecos já propriamente da planta. Na extremidade de cada ramo ha um olho terminal que o prolonga, e que chama a si os alimentos necessarios para isso. Se não dobrâmos a vide, se a não gememos, isto é, se não difficultamos o caminho da seiva que sobe, serão os olhos da extremidade superior os mais bem alimentados: a seiva tende a subir, já o disse. Formado o fructo, torna-se-nos inutil o prolongamento do ramo que o con- tém, sendo-nos apenas uteis as folhas que preparam o alimento para esse fructo. As substancias que vão prolongar a vara acima do ultimo cacho, se não tivessem esse emprego, viriam alimenta-lo-a elle. D'aqui se conclue naturalmente que se deve impedir que as varas que têem uva se dilatem quando esta se acha já for- mada, fazendo assim affluir todos os suecos á sua alimentação della. É às operações fundadas nºestes principios que se dá o nome de poda verde ou poda viva. Na poda verde inclue-se tambem o esladroar e o esparrar, sobre que não fallarei. A poda verde consiste pois principalmente, em acimar, cortar os cimos das varas que dão o fructo, na terceira ou quarta folha acima do cacho mais alto, evitando um comprimento inutil, concentrando forças no fructo. (Fig. 14 P,P,P.) Esta operação faz-se à mão e na primavera. É um trabalho facil e rapido em que podem empregar-se raparigas. Tocarei ainda n'uma questão que sobretudo póde ser importante pelo lado economico. Uma das despezas a fazer com as vinhas nesta região é a compra dos paus necessarios para erguer ou empar as varas já podadas. Em muitos pontos da França usa-se correr um arame por cada linha de cepas, atar ahi as varas e segurar depois toda a producção do fructo, que assim fica mais descoberto, mais arejado, menos sujeito a apodrecer tocando o chão. Apresentará 0 arame, pela sua duração e pelo seu preço, vantagens taes, que se deva adoptar diminuindo o numero de paus hoje empregado? Eis o que tam- bem só a experiencia póde dizer com segurança. Ha uma cousa, entre tantas que ainda esperam a sancção pratica, que eu posso com segurança aconselhar. E à necessidade de estrumar as vinhas. Creio que no meio de tantos melhoramentos que a pratica póde com as mesmas probabilida- des sanccionar ou condemnar, este será de seguro resultado. E, para responder a 48 alguma objecção que póde estar-se formando nos espiritos das pessoas que me ouvem, eu vou dizer em que termos fallo da estrumação de vinhas. A muitos lavradores terá succedido haverem estrumado as suas vinhas com prejuizo. Conheço factos identicos. Essa estrumação é feita naturalmente com os estru- mes de gados, estrumes de curraes, que são os que a agricultura portugueza co- nhece. Recordemos rapidamente alguns dos factos assentados na conferencia ante- rior: Cada planta se fórma pela transformação em partes suas de certas partes do solo. Cada planta, tendo produeções diflerentes, requer alimentações diversas, exa- ctamente como um tecido de lã se não póde formar de fio de algodão, nem um de seda de fio de la. É claro. Sabemos que os estrumes de curral têem muito azote, muita ammonia, por exemplo; vimos como por estas rasões eram excelentes alimentos para plantas, como os cereaes, em que se quer obter uma parte muito azotada que alimente os nossos tecidos musculares e nervosos. Na vinha porém, queremos obter a uva com muito assucar. O estrume de curral vae dar muito viço, muita robustez á planta, mas realisa o proverbio de «Muita parra e pouca uva». Uma parte da vinha se desenvolve à custa da outra: crescerão as materias azotadas, minguará o assucar. Pelo que vimos na conferencia passada, sabemos que precisâmos de um es- trume rico em potassa,— especial para as vinhas, —materia prima adaptada ao producto em que a queremos transformar, e que hoje se póde obter de fabricas que o preparam, ou mesmo queimando vegetaes e lançando à terra as suas cinzas. O que não póde ser é julgar que é inexgotavel a terra que produz. As vinhas perdem todos os annos, não só o que lhes tiram em uva, mas o que as podas lhes levam. Dêem-lhes ao menos as cinzas das substancias que de lá sáem, e que não são exportadas. Os mólhos de vides que vi em algumas vinhas do Dão para am- parar os arretos são já ao menos uma pequena compensação. É nesta região tão completa a falta de estrumação nas vinhas, que nem mes- mo, como em quasi toda a Extremadura, se a dubam ao menos os bacellos. Devo so- bretudo recommendar esta utilissima pratica. É dar forças á planta n'um periodo em que ella, para as sim dizer, se vae formar; é preparar a futura producção que ha de ser maior ou menor, conforme forem as forças da vinha. Deverão lançar-se nos bacellos estrumes de lenta decomposição, trapos, ras- pas de chavelhos, cascos, materias corneas, as proprias vides, que vão cedendo lentamente ao vegetal os alimentos de que elle vae precisando. E despeza, acre- ditem, que a vinha depois pagará com usura, na quantidade, na qualidade mes- mo dos vinhos, na robustez da planta para durar forte e productiva, para resistir 49 a muitas molestias, talvez a todas que atacam as plantas fracas e mal alimen- tadas. Nem o tempo nem a falta de experiencias demoradas na localidade me per- mittem avançar mais com respeito à cultura da vinha. Direi apenas duas palavras ainda sobre os vinhos verdes de S. Pedro do Sul. O que expuz ha pouco sobre a vida das vinhas e sobre as suas necessidades, analysando a sua natural maneira de vegetar, tem applicação a todas as plantas da mesma natureza, a todas as vinhas. Disse eu que, havendo na seiva uma forte tendencia a dirigir-se á extremidade dos ramos que tem a alimentar, os olhos e depois os pimpolhos, e finalmente os fructos ahi collocados, seriam bem alimen- tados, sofirendo os que se achassem mais baixos. Alem disso, a seiva, correndo rapida para os Ífructos, não se elaboraria tão bem. D'aqui se concluiram as van- | tagens e os fins da empa. Como é pois, que devendo applicar-se exactamente es- tes principios a vinhas baixas e altas, não são estas ultimas empadas ? Sei que o sr. Ferreira Lapa, o distinclissimo agronomo portuguez, de quem me honro de ser discipulo propoz no Minho a empa das vinhas enforcadas como meio da melhor producção, e do amadurecimento das uvas assim tratadas. Eu vi em S. Pedro do Sul as varas já sem folhas caírem como longos braços de cima das arvores a que as cepas se abraçavam. (Fig. 16.) Nada mais facil do que gemer essas varas e empa-las, à similhança do que se faz nas vinhas baixas da Bairrada. (Fig. 17.) Sobre cultura de vinhas eis o que posso dizer. Parece-me que ha já com effeito melhoramentos que sem receio de desillusão se podem pôr em pratica: esses indiquei-os. Ha outros que se applicam a partes da cultura que evidentemente não são perfeitas. Sobre estes indiquei os differen- tes caminhos a seguir para chegar a um resultado que eu não posso conhecer, nem pelo raciocinio, nem pelas leis da sciencia geral. Todo o agricultor intelligente-tem nas suas terras uma escola de constante li- ção. É a pratica, que elle tanto invoca que com effeito ha de sancionar qualquer melhoramento aconselhado ou apenas lembrado. Algumas plantas cultivadas de um modo diflerente do rotineiro não podem arruinar, se dão menos, e esclarecem e transformam uma propriedade, e fazem uma riqueza, se dão mais. As minhas palavras, estas conferencias, não têem outro fim mais do que acor- dar um espirito de exame, um movimento progressivo nos agricultores desta re- gião. No que eu vou dizer com respeito ao fabrico e conservação dos vinhos, ha ainda o mesmo pensamento: não pretender aconselhar do alto de uma pratica e de uma sciencia que eu não tenho, sobre usos e systemas em que ainda ninguem pôde em Portugal adquirir prafica e sciencia. Eu não sou um sabio, era inutil dize-lo; mas não sou tambem um charlatão. Zi 50 Comprehendo a delicadeza do assumpto e bem vêem quantas vezes tenho dito: «cautela». A primeira condição indispensavel para se prosperar n'uma industria, é es- tudar e definir bem o producto que convem fabricar. Saber o que se quer. (Fig. 16) Dada a especie a produzir, a variedade que nºella tem de se escolher depen- de da natureza do mercado e da natureza do meio que tem de caracterisar o pro- ducto. É preciso estudar as condições em que temos de produzir, ver o que mais naturalmente sãe dos meios que podemos combinar. Depois saber como querem esse producto os grandes mercados creados. “É esta a regra geral. Appliquemola ao commercio dos vinhos. Em duas ei classes se podem estes dividir : generosos e de pasto. Muitas classificações se têem feito de vinhos. A classificação commercial julgo ter como divisão fundamental a que apresênto. 51 Os vinhos de pasto são vinhos com pouco assucar, bons por isso para beber com as comidas mais ou menos salgadas, que constituem a principal alimentação do homem; — com pouco alcool, frescos, refrigerantes sem deixarem de ser toni- cos, proprios para se beberem em quantidade, alimentícios, pouco excitantes, dotados de um sabor e de um aroma que lembra as qualidades da uva, e que até vulgarmente se chama sabor ao fructo. (Fig. 17) Os vinhos generosos são vinhos com assucar, com alcool, espirituosos, exci- tantes, dotados de um aroma devido ás transformações dos seus principios, aro- ma ethereo intenso, filho dos alcools e dos acidos, vinhos de uma acção forte sobre os nervos. Estes ultimos são vinhos de consumo tardio por suas qualidades, são o produ- 52 cto de um trabalho intimo, precisam tempo para se desenvolverem. Os primeiros são de consumo immediato. Esta é a verdadeira distincção. Estudemos agora o mercado. Londres, que é o grande centro commercial de vinhos, está-nos fugindo. É o que dizem as estatisticas. Os vinhos generosos têem especialidades seculares de uma reputação feita e merecida. Esta tradição junta-se ao valor real e ás qualidades admiraveis desses vinhos e forma delles uma classe á parte, a que é difficilimo fazer concorrencia com um producto novo da mesma especie. São assim os Madeiras, os Portos, os Xerez. Fazer pois com um vinho desconhecido até hoje, concorrencia aos que deixo citados é uma empreza arriscadissima. Pelas suas propriedades, estes vinhos têem um consumo limitado relativa- mente aos de pasto, porque são muito mais caros, porque hygienicamente se po- dem beber menos. São mais caros, porque o fabrico, os meios de conservação, a idade, as substancias que a principio precisam ter em excesso para à producção das suas futuras qualidades os sobrecarregam no preço de custo; em Inglaterra mais caros ainda pelo systema de imposto: tanto mais pagam ali os vinhos, quanto maior é a sua percentagem de alcool. Nos vinhos de pasto, innumeraveis, mais communs, mais abundantemente produzidos nos diversos climas, é facil a concorrencia e o acreditar de um pro- ducto novo. O seu consumo é immenso, porque se deixam beber em grandes quan- tidades, e porque têem um preço mais ao alcance de todas as classes: — fabrico mais barato, direito menor. Se estudarmos o consumo do mercado de Londres, vemos que ahi se procu- ram ou os vinhos perfeitamente generosos acreditados e conhecidos, ou os vinhos de pasto frescos, aromaticos, fracos, com a indole da maioria dos vinhos francezes. É assim que a importação dos vinhos de França, que era em 1856 de 600:932 galões, subiu em 1866 a 3.234:534. Os vinhos de Portugal, que em 1856 entravam em Inglaterra na quantidade de 2.201:305, em 1866 tinham apenas chegado a 2,974:006. Cresceram os primeiros 2.633:602 e os segundos 772:701. Que vinhos portuguezes vão para Inglaterra? Primeiro vinhos generosos do Douro, mas não já na quantidade proporcio- nal á maior cultura e producção que hoje existe. Em segundo logar, vinhos que fingem ser o do Douro, vinhos que não tendo as qualidades deste, não podem com os meios que o melhoram nem com a idade, vinhos contrafeitos, que desacre- ditam o nome que levam. Finalmente, vinhos que não são generosos, porque não têem o assucar, os alcools, as qualidades mesmo latentes para isso, mas que pela EB) sua grosseria, pelo alcool estranho de que precisam para segurar-se, pela falta de aroma .e frescura, tambem não podem, n'um mercado educadissimo como o in- glez, ser considerados como vinhos de pasto. Este é, em rapidos traços, o estado, segundo me parece, do mercado de Lon- dres, com respeito aos vinhos portuguezes. Estudemos agora os vinhos do Dão e Mondego. Na minha visita a essa região provei admiraveis vinhos velhos, vinhos com todos os caracteres de vinhos generosos e alcoolicos, com uma etherificação que os dota de um aroma característico, individual. N'um encontrei até immensa simi- lhança com o bom Xerez: como que um aroma do mesmo genero, mas mais sua- ve que o aroma e sabor do vinho da Madeira. Não quero pois dizer que a re- gião dentre Mondego e Dão não possa vir a ser productora de vinhos generosos de terceira ou quarta graduação alcoolica. Pareceu-me porém, observando os vi- nhos novos, naturaes, sem aguardentações estranhas, que sobretudo era a sua indole a de vinhos de pasto, aromaticos, caracteristicos, com um sabor e um aro- ma que um dia, quando bem aproveitados no fabrico, poderão ter um nome dis- tincto nos mercados. Os vinhos de pasto notaveis, como os vinhos generosos, têem cada um dºelles a sua physionomia propria. Não se confundem. Cada um d'elles tem uma com- posição de aromas e sabores perfeitamente harmonisados. O paladar bem educado é por ora o unico juiz destas distineções subtis, que ainda se não poderam clas- sificar nem analysar nos seus componentes. Nºum vinho que provei da margem esquerda do Mondego achei eu um sa- bor que me revelou uma individualidade; alguma cousa de similhante no genero aos vinhos da serra de Thomar, e aos mais fortes da Borgonha. Estas provas e estes estudos, bem rapidos e superficiaes, é certo, e as refle- xões que já expuz, referindo-me ás condições do mercado inglez, me fazem con- siderar de uma grande vantagem para os agricultores do Dão e Mondego o pre- pararem os seus productos como vinhos de pasto. As qualidades porém que eu vi nos vinhos que observei pareceram-me, devo dize-lo francamente, mais um symptoma do que o completo desenvolvimento de uma qualidade bem aproveitada. Todas essas qualidades mostram que podem ser muito mais quando o fabrico se dirigir a aproveita-las, quando os melhodos empregados tenham por fim immediato afina-las uma a uma. Nas reflexões que eu tenho a apresentar para que se realise o que deve tor- nar exportaveis para Inglaterra, sobretudo como vinhos de pasto, os vinhos d'en- tre Dão e Mondego, ha duas partes muito distinctas. Aproveitar no fabrico todas as qualidades de que são suscepliveis estes vinhos; estudar a sua conservação sem o emprego de meios que começam pelos tornar carissimos, e terminam por lhes destruir a individualidade e o typo. 34 As boas condições que deve possuir um vinho de pasto, e que os vinhos de que nos occupâmos podem ter de uma maneira completa, são aroma — aroma e sabor ao fructo — que nestes vinhos vem directamente dos principios da uva e que se desenvolvem cedo; alcool que, em perfeita harmonia com os demais com- ponentes do vinho, o sustenta sem necessidade de addição estranha, pouca ras- cancia, pouco tanino, poucos acidos, e poucas materias crassas, que tornam in- supportaveis a maior parte dos vinhos da Extremadura. Os methodos aperfeiçoados que eu hei de descrever evitam : 1.º A perda de alcool; 2.º A demasiada rascancia ; 3.º À perda de aroma. Permiltem que um vinho se faça tão secco, isto é, com tão pouco assucar, — o que é importante para os vinhos de pasto, — quanto convenha. A perda de alcool tem no vinho em fabrico duas causas: Uma é o arejamento, a outra é a prolongada immersão dos engaços no mosto. Os engaços são como uma esponja que toma a si o alcool. Através da sua pelli- cula estabelece-se uma troca de liquidos: o mosto cede o alcool formado, o en- gaço cede tannino, acidos, materias acerbas. O vinho fica menos alcoolico e mais rascante. Nos paizes em que se compra bagaços para distillar, depois de tirado o vi- nho, têem mais preço os que tiverem tido mais maceração. O aroma perde-se pelo arejamento como o alcool, e porque muitas vezes o me- do de demasiada rascancia faz com que a pelle da uva não esteja tanto tempo, como devêra, mergulhada no liquido. Tendo pois um meio de conseguir fazer o vinho quasi fóra do contacto do ar livre, desengaçando a uva e conservando-a em condições em que se não prejudi- que com uma fermentação prolongada, teremos resolvido o problema. Eu vou apresentar apenas os principaes systemas, aquelles em que julgo que ha alguma verdadeira innovação na essencia. Nem tinha tempo para mais. Mas, antes d'isso, vejamos em duas palavras o que se passa na formação do vinho. Todos sabemos que uma vez esmagada a uva, os liquidos resultantes aque- cem, a massa levanta-se á superficie e um como que movimento e rumor de cre- pitação se estabelece. No liquido observâmos um gaz que vem rebentar em bolhas à superficie, gaz que apaga qualquer luz, e que nos suffoca se o queremos respirar. Isto é o que qualquer póde observar. É a isto tambem que todos chamam fermentação. Quando a uva se esmagou, o liquido era doce: quando dizemos que o vinho está feito, depois da fermentação, achâmo-lo muito menos doce, com al- cool e com acidos. O que é a fermentação ? Como é que esta acção produziu no mosto taes trans- formações ? E) O que é a fermentação? Ninguem o sabe. Ha hypotheses, supposições, jul- ga-se provavel uma certa cousa, ha uma lheoria que explica rasoavelmente os fa- ctos; não digo bem, ha tres ou quatro: resultado positivo nenhum. Todos os dias mesmo se estão produzindo novas explicações, igualmente hypotheticas. Não me parece pois util trazer para o campo pratico um ponto de sciencia n'este es- tado. Mas o que podemos saber é o que resulta da fermentação. Para nós o ponto importante é o seguinte: Desapparece o assucar e apparece o alcool e outras substancias, taes como acidos, uma materia gorda, etc. Para isto é preciso o oxigenio do ar e calor: 20 a 30 graus. O gaz de que ha pouco fallei, que rebenta à superficie do liquido em fer- mentação, é o acido carbonico. É o que nos basta saber. Passemos agora aos methodos de fabrico. A proximidade do Douro e o grande credito dos seus vinhos fez com que os vinhateiros do sul do districto de Vizeu imitassem muitos dos seus usos. O vinho é aqui, como lá, fabricado em lagares de pedra. Sem me referir ao Douro, onde esta pratica tem talvez até certo ponto rasão de ser, fallarei dos inconvenientes” que ella apresenta para a maioria dos vinhos. Nºum liquido como o que nos dá o vinho, não se póde apenas dar a fermen- tação de que fallei; podem dar-se muitas acções da mesma especie muitas transformações, combinações diversas entre os variadissimos elementos que se' acham em presença. Estas acções distinguem-se pelos productos : a que nos im- porta, a que primeiro se realisa, dá-nos os alcools e acidos que constituem os nossos vinhos; outras podem produzir corpos que no-los estraguem. A fermentação vinosa precisa de um certo numero de condições, que reali- sadas e mantidas, a levam regularmente ao que desejâmos. Uma perturbação im- portante nestas condições póde trazer as favoraveis ás outras acções nocivas. A regularidade no trabalho dos vinhos, a marcha successiva das acções, sem paragens nem retrocessos, eis o que é indispensavel realisar. Sabemos já que a fermentação precisa de uma dada temperatura, e compre- hende-se como os lagares de pedra devem primeiro dificultar a sua realisação, depois diminui-la e altera-la. Os lagares resfriam os mostos, é claro. Depois, se o oxigenio do ar é preciso para a fermentação, e se nos lagares ha uma grande superficie em contacto com elle, tambem é certo que o alcool e o aroma, uma vez formados, adquirem a propriedade de se evaporar, e que o alcool depois de formado póde com mais oxigenio passar a acido acetico a vinagre. Encerrar a fermentação n'um local onde as acções transformadoras se dêem sem que os productos se percam, é assim o primeiro problema que se nos apre- senta. 56 A sua solução não é em Portugal uma novidade. Todos os vinhos tintos se fazem na Extremadura dentro de vazilhas de madeira, de fórmas differentes, às vezes apenas um tonel posto ao alto e destampado. Este systema torna mais regular e mais elevada a temperatura do que nos lagares ; evita uma evaporação que empobrece o vinho, e um contacto de ar que póde ser perigoso. Os balseiros são geralmente cobertos por grandes esteirões. O engaço, a casca das uvas, emfim toda a parte solida, sobe à superficie im- pellida pelo movimento tumultuoso do liquido, pelas bolhas de acido carbonico que provem de toda a massa. Ahi a temperatura é mais elevada que em baixo, a fermentação mais energica, a affluencia do oxigenio, pela natureza esponjosa das partes solidas, mais abundante. Ha assim uma desigualdade de acções, duas fermentações quasi, ou, se quizerem, uma fermentação irregular que já sabemos ser nociva. Nos lagares e nos balseiros faz-se quanto possivel mergulhar esta parte so- lida no liquido para realisar uma massa homogenea com a mesma composição em todas as camadas, e assim com a mesma temperatura, e emfim com todas as condições de uma acção continua e uniforme. Nos balseiros impelle-se a massa com [orquilhas, espera-se que esta volte acima para se mergulhar novamente. Esta inmersão é momentanea. Pela persis- tencia das causas que tendem a eleva-la, vem a massa occupar immediatamente o logar que antes tinha. | Alguns agricultores, querendo realisar a permanencia da immersão da massa em lagares, téem-lhes adaptado grades mantidas abaixo da borda. O alcool e o aroma, todas as partes que se formam no vinho com uma natu- reza fugaz, que facilmente se reduzem a vapor, ainda nos balseiros com as suas coberturas de esteira, perdem-se na atmosphera. A fermentação prolongada, que póde ser precisa, não se faz ahi sem riscos e sem perdas. No vinho estão-se a formar mil principios, tanto mais delicados quanto mais volateis, que lhe não ficam pertencendo. Deveria nestas circumstancias descobrir-se um apparelho, que, tornando uni- forme a constituição da massa que fermenta, impedisse que os productos volateis se dispersassem no ar. Quanto a mim este problema acha-se hoje resolvido por dois systemas: o de Mimard e o de Perret. Dentro de um balseiro (Fig. 18), deita-se a massa que ha de fermentar, col- locando em seguida, a alguma distancia da borda, uma tampa cheia de buracos K K, presa a uma outra P P, que fecha o balseiro pela parte superior. Como o balseiro está cheio, e como a primeira tampa K K, está abaixo da superficie do que o enche, acontece que o liquido passa pelos buracos e que o solido fica mergulhado. 57 Esta primeira parte é a que, mais imperfeitamente, se realisa com as grades dos lagares. Na segunda tampa ha tres aberturas: na primeira H, está fixado um tubo por onde entra o ar necessario para a fermentação; por a segunda N, passa a extremidade de uma serpentina mergulhada na agua fria de que está cheia uma caixa de folha M. Esta serpentina tem na sua ultima volta duas saídas, uma de retorno para o balseiro O, a outra de descarga para a atmosphera S. O acido carbonico, os vapores de alcool, os aromas fugazes desenvolvidos na fermentação e soltos da massa, sobem pelo tubo N, e percorrem a serpentina. O alcool e 0 que à temperatura da agua da caixa é susceptivel de condensar-se, escorrerá pelo tubo O, e voltará ao vinho em formação; o acido carbonico, esse, desapparecerá no ar pela saída 5. (Pig. 18) Comprehende-se a força que a massa solida exercerá nas tampas, comprimida como fica por ellas e colocada abaixo do logar onde naturalmente costuma estar. É muitas vezes necessario pisar a uva, lançar no balseiro a parte mais solida, collocar a tampa, e deitar depois o liquido. O apparelho está mesmo prevenido contra a impulsão da massa por duas fortes tábuas B B/, ligadas entre si por dois varões de ferro E E. A fermentação caminha ás vezes lentamente neste balseiro pela falta de ar. Convem pisar toda a uva que se lhe deite padeja-la e areja-la bem. Esta precau- cão é indispensavel. Como condensação dos productos volateis da fermentação, este systema pa- 8 8 rece completo. A parte solida porém da massa, se não fica exposta ao ar, sus- ceptivel de se seccar, de azedar mesmo, tambem se não espalha regularmente pelo liquido. Tirar do contacto do ar os corpos em que elle poderia excitar com dema- siada energia fermentações nocivas, é de certo um dos dados do problema, mas a sua solução completa consiste em tornar a massa homogenea, quanto possivel de uma só composição, quasi de uma só densidade. (Fig. 19) O balseiro de Perret approxima-se mais d'este ideal. Nºelle as partes soli- das não são apenas cercadas de liquido na região mais superior da massa: são divididas por toda ella. E um balseiro (Fig. 19). dividido em andares por grades G. G) de madeira. A uva pisada e arejada, como para a cuba de Mimard, é successivamente lançada ao balseiro e sustida em camadas pelas grades. Resolvida a condensação dos productos volateis por Mimard. e a uniformi- 59 dade na composição da massa, por Perret, poderão sem duvida juntar-se n'um só apparelho, o condensador e o balseiro em andares. D'esta maneira a fermentação será regular, a força e o aroma dos vinhos não soffrerá perdas. a fermentação poderá prolongar-se sem riscos o tempo neces- sario. Applicarei agora o que tenho exposto aos vinhos desta região. Eu disse que as suas qualidades os indicavam como vinhos de pasto destina- dos a serem celebres um dia, — qualidades individuaes e ao mesmo tempo quasi as de uma especie hoje notavel entre as mais notaveis, qualidades que todavia me não pareceram haver chegado ao seu maior grau de intensidade. Disse que os vinhos de pasto se queriam hoje ligeiros, sem aguardentações estranhas; que para isso convinha impedir as perdas do alcool natural por eva- poração, por infiltração nos engaços; que deviam os vinhos ser seccos, pouco do- ces para se tomarem com comidas salgadas, e para não fatigarem o paladar nem enjoarem o estomago, — para serem mesmo mais fluidos, leves; que convinha poder transformar todo o assucar, ganhar toda a força natural, extrahir todo o aroma do fructo, sem que ao mesmo tempo a fermentação prolongada arriscasse á aze- dia ou à rascancia e fraqueza produzidas pelos engaços longo tempo mergu- lhados. Vimos já como tudo isto se póde obter nos apparelhos simplicissimos que descrevi. Ora, os vinhos do Dão e Mondego, mesmo como hoje os fabricam, têem um aroma que uma fermentação mais prolongada com as pelliculas das uvas deve desenvolver, e um maduro que essa mesma fermentação deve destruir. Compre- hende-se a vantagem de ensaios n'este sentido. Para os vinhos verdes as vantagens dos processos indicados são muito maio- res ainda. A força alcoolica nesses vinhos é sempre diminuta; a addição de al- cool perfeitamente impossivel para os conservar com as qualidades que os cara- eterisam. O aroma n'elles, este aroma fresco, que parece estar já no fructo, forma uma das suas mais apreciadas propriedades. Convem pois não perder nem o alcool saído naturalmente do pouco assucar que têem as uvas, nem o seu aroma. O commer- cio hoje já mostra o futuro que podem ter estes vinhos quando se aperfeiçoarem. O bom fabrico dos vinhos, meus senhores, está ligado a mil cuidados a mil pequenas disposições que parecendo insignificantes representam todavia pelos resultados um papel importantissimo. Estes cuidados são na maior parte independentes dos methodos e apparelhos aperfeicoados de que fallei. O enchimento por exemplo, quer dos lagares, quer dos balseiros, deve fazer- se com rapidez; toda a massa deve fermentar ao mesmo tempo. O vinho que se 60 forma é como que um organismo, um ser vivo, um todo;—nas acções que o constituem é precisa uma grande harmonia. Vêem bem que eu não posso demo- rar-me em todas as partes da vinificação. Muitos d'esses cuidados mesmo têem de variar com as localidades. A inteligencia dos agricultores creará a sciencia local. Depois como sabe o agricultor que o seu vinho está feito? O que quer mes- mo dizer na bôca do agricultor esta phrase: o vinho está feito? O vinho que fermenta no lagar ou no balseiro perdendo assucar e adqui- rindo alcool continua a fermentar no tonel e a perder assucar e a adquirir alcool. Como se póde conhecer o momento de passar o vinho do seu primeiro logar de formação para o segundo? do balseiro para o tonel? Devo agora descrever um instrumento que de resto é já conhecido de mui- tos agricultores. Esse instrumento chama-se Gleucometro ou Peza-mosto e é in- ventado pelo sr. Guyot. Diz-nos elle duas cousas importantes: primeiro, a força alcoolica que o sumo das uvas ha de ter quando convertido em vinho; segundo, como gradualmente o assucar vae desapparecendo do mosto que fermenta. A prova, o paladar, unico meio até hoje empregado, nada nos diz emquanto à primeira parte, e bem pouco e bem imperfeitamente nos esclarece sobre a se- gunda. O Peza-mosto é um instrumento da configuração dos alcoometros, dos areo- metros vulgarmente chamados peza-licores. Na sua haste tem tres escalas: uma azul, outra amarella, a terceira branca. A azul é uma escala de Baumé: diz-nos a densidade do liquido em que mer- gulhâmos o instrumento, comparando-a à da agua distillada indicada pelo zero. A amarella diz-nos quantas partes de assucar se contéem em cem partes do liquido que observâmos. A branca diz-nos quantos por cento de alcool produzirá pela fermentação o liquido em que achámos o assucar marcado pela escala amarela. Por este instrumento podemos saber se as uvas terminaram a sua maturação, isto é, mais verdadeiramente, se essas uvas Já não adquirem mais assucar. Esmagam-se umas poucas de uvas, côa-se 0 liquido resultante por um panno, deixa-se fluctuar nºesse liquido o instrumento, e observa-se a que numero da es- cala amarela chega a superficie liquido. Imaginemos que esse numero é 24: O h-- quido contém 24 por cento de assucar. Repete-se esta operação no dia seguinte, e o numero obtido é 26: O liquido augmentou em assucar, tornou-se mais espesso, e 0 instrumento pôde entrar me- nos na sua massa. Imagine-se agora que, repetindo anda o ensaio, a marcação continua a ser 61 de 26. Póde concluir-se então que o augmento de assucar parou. Póde-se então vindimar: o amadurecimento é, sob o nosso ponto de vista, completo. Ao numero 26 da escala amarella corresponde na escala branca o numero 17 proximamente, o que significa que o vinho resultante do mosto que tem 26 por cento de assucar, dará um vinho que terá 17 por cento de alcool. Comprehende-se que para estes resultados serem perfeitos é indispensavel que os ensaios se façam no sumo das uvas em que ainda não tenha começado a me- nor fermentação. Vê-se tambem como durante a fermentação este instrumento nos póde indi- car a gradual desapparição do assucar, e a lentidão ou rapidez com que ella se produz. É necessario porém não exagerar a utilidade d'este instrumento. Desde que o mosto entra em fermentação a sua densidade acha-se alterada pelo alcool que se vae formando, de modo que se o Peza-mosto diz sempre que o assucar diminue, não póde já dizer, n'esse periodo, de quantos por cento é essa diminuição. Quando depois de alguns dias o Peza-mosto indica que o liquido está a zero, tem este ainda assucar em si. O que pois nos póde indicar que um vinho está feito no balseiro ou no la- gar? O termos obtido, mergulhando nºelle o Peza-mosto, duas marcações iguaes. O que nos indicava nas uvas que o assucar deixára de augmentar, diz-nos agora que elle deixa de diminuir nas proporções em que o deve fazer nºesses logares. O vinho continuará a perder lentamente o seu assucar, mas nas vasilhas, nos toneis, e continuará ahi a fazer-se. Comprehende-se tambem que, se queremos fazer o vinho maduro e não sêcco, o deveremos envasilhar antes, e às vezes bem antes que o Peza-mosto nos mar- que o zero da escala amarella. Já vimos tambem porque os vinhos de pasto devem fazer-se sêccos. Eu não quero hoje abusar da bondade dos que me ouvem. Amanhã termi- narei o que resta a dizer sobre este assumpto. sente Mi rat poa Ai A ota sato evo ini fimo RE RR TR bm tir PER à f van t dengue rt aa in bi Re E o ernpti ne um prnioiod RR O ro Mud E) metade | Rb ce amo a fem e E nto ] | vi A em io gl: us Pr, vei Via fittod T Más a Htn ma uh vamu am " ' | A a dei Hobie. foi E inot pe linadds k th ok ne Repeat hds be Fã ; aii Zé | om ati io teste Ro Mir e come: vt mlesalh e nur m Dr nishy sv: ug A Mp rei o? guita dimidi dá TE DANE +; vio Pao af e oii pd a o nha! 6 ag ano da fofo Morgado olha Prado oba tira GM ini bongonç roseira a it E step perbapado o go punai + “ho pg usa! pa TA US fa mobi RI, up vesti lies bo Ing atm Mu ETA (sig O di mta) EMEA voto! 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Muito tinha eu ainda a dizer se podesse estudar detalhadamente o material das nossas adegas e lagares. Fallarei apenas nas imperfeitissimas prensas de que usâmos, indicando uma modificação que póde melhora-las consideravelmente. Todos sabem que os bagaços são espremidos pela pressão exercida por um peso de pedra suspenso na extremidade de uma longa vara. O maior grau a que póde chegar essa pressão, na mesma extensão de vara, mede-se pelo peso da pedra. Tiremos a pedra e fixemos a extremidade inferior do fuso ao chão. A vara descerá então ao longo desse fuzo, e quanto mais baixar, tanto mais força exer- cerá sobre o pé. Neste caso 0 limite da pressão mede-se pelo comprimento do fuzo. podendo nós fazer descer a vara quanto quizermos. Esta modificação é muito empregada lá fóra. E evidente o seu bom resul- tado. Fallei hontem sobre fabrico de vinhos, e vou hoje fallar da sua conservação. É claro que quanto mais bem fabricado é um vinho, tanto mais facil é a sua conservação. É mesmo uma das cousas que se tem em vista no que se chama bom fabrico, é o fazer vinhos facilmente conservaveis. Um vinho é uma especie de edificio, que durará de pé se os elementos que o formaram foram de principio bem combinados. Ha uma harmonia de partes, um equilibrio, uma justa propor- ção entre 0 alcool, o assucar, os acidos e a agua: ha alem d'isso o emprego de meios que evitem a desigualdade na fermentação, o accesso do ar, ete., o que, tudo bem dirigido, assegura logo no fabrico a conservação dos vinhos. 64 Ha porém cousas que permanecem nos vinhos e que reclamam cuidados. Es- sas são tanto mais inevitaveis quanto nos foram uteis até um certo momento. A fermentação é uma acção continua que cria hoje um producto para âmanhã o transformar n'um outro que por sua vez seja tambem transformado. Uma das creações da fermentação é o vinho, o vinho bom e em boas condições. Nºeste ponto se deve fazer parar no vinho a acção vivamente transformadora dos fermentos. O grande movimento que nos foi util para fazer em vinho o mosto assucarado deve agora substituir-se pela immobilidade. Ás acções suecessivas que elle produz no vinho depois de feito chamimos-lhes nós doenças porque no-lo alteram. Se, como já vimos, se não sabe bem o que se passa na fermentação, tambem a natureza dos fermentos tem sido muito discutida. Exporei os ultimos resultados. Nos vinhos ha tres especies de causas que determinam as suas transforma- ções: a primeira é a propria natureza dos elementos que o compõem, que se com- binam entre si, e que produzem os etheres, os aromas, as qualidades, emfim que [azem de um vinho velho uma cousa bem diferente do que elle era ao fabricar. A segunda causa é o ar, que se dissolve no vinho e que se combina com elle. A terceira são uns pequenos organismos, uma especie de plantasinhas que só se vêem bem ao microscopio que, como sabem, augmenta á nossa vista 0 seu la- manho natural. Essas pequenas vegetações desenvolvem-se, crescem no vinho, e à custa dos seus elementos produzem a apparição e o desenvolvimento de muitos corpos. É a esses organismos que se dá o nome de fermentos. Parece que estes fermentos mudam de natureza, tendo uma organisação especial com que produzem cada especie de alteração nos vinhos. Aqui podem ver (Fig. 20) o fermento do vinho, e (Fig. 21), o que produz a azedia. Sendo estes fermentos as causas das acções transformadoras nocivas aos vi- nhos, azedia, amargo, gordura, emfim as doenças que os estragam, cumpre-nos, para os conservar, 0 amiquilarmos essas pequenas plantas. Esta parece ser hoje a base de todo o estudo nºeste sentido. Essa aniquilação consegula-se até hoje pela aguardentação. A aguardente, o alcool, precipita no fundo das vazilhas os fermentos, e tor- na-os inertes. Os vinhos por este systema não só se conservam, mas melhoram- se, porque o alcool combina-se com os principios do vinho, para lhe dar aroma, e, com o tempo, as preciosas qualidades do vinho velho. Temos bem proximo um exemplo, que é o vinho do Douro, cujas preciosas qualidades, se em parte são devidas ao clima e ao terreno especiaes em que se criam, tambem o são às aguardentações que recebem. Parece pois, em vista do que acabo de expor, que nenhum meio poderá ser melhor que o já conhecido e empregado, a aguardentação. ii (Fig. 20 65 O alcool melhora os vinhos quando encontra nºelles uma composição propria, quando póde, com os elementos que lá acha, formar as combinações de que fallei. Isto com muito tempo. Ora, nós já vimos que ha dois typos muito diflerentes de.vinhos: os que cha- mâmos generosos, doces, fortes, e os que chamâmos de pasto, seccos, fracos, li- geiros. Sabemos que os primeiros se devem consumir velhos, e que os segundos são vinhos de um consumo mais ou menos immediato. Que assim, nestes ultimos, nem a composição favorece a addição de alcool, nem este teria tempo de exercer as suas boas acções. Assim, n'um vinho de pasto, o alcool altera a justa proporção, a harmonia de elementos de que ha pouco fallei, e depois torna o vinho muito caro. À todas as rasões que temos da propria natureza do vinho, junta-se uma commercial: o vinho aguardentado tem de pagar o preço da aguardente, e se for para Inglaterra tem ainda de pagar o direito, que é excessivo, logoque tenha mais de 15 por cento marcados no alcoometro de Gay Lussac. Torna-se pois indispensavel o descobrir meio diflerente da aguardentação para destruir as materias perturbadoras e limpar dellas os vinhos. Ha muito que se empregam para isso clarificações e collagens. Às turvações nos vinhos são quasi sempre o primeiro symptoma de qualquer alteração. Todos sabem em que as collagcas consistem: deitam-se no vinho substancias que, atravessando a sua massa, arrastam para o fundo das vasilhas todas as ma- terias solidas que nella se achavam espalhadas. São processos conhecidissimos sobre que não me demorarei. Direi apenas que muitas das materias empregadas roubam aos vinhos partes que lhes são ne- cessarias, empobrecendo-os. Não quer isto dizer que eu entenda que se devam to- talmente banir da pratica do agricultor, mas que este as deva empregar com pru- dencia, e que em muitos casos as deva substituir por filtrações feitas ao abrigo do ar. As filtrações têem-se feito até hoje em França em machinas que satisfaziam quasi completamente ás condições exigidas. Vou porém descrever um appar elho portuguez, superior de certo a todos pela simplicidade e pela perfeição do trabalho. É este devido ao notavel agronomo que já tenho citado, o sr. Ferreira Lapa. Este apparelho é a applicação á filtração dos vinhos de um rarefactor inven- tado pelo sr. Silva Pinto. Vejamos em que elle se funda. A agua que câe do tubo T (Fig. 22), antes de entrar no tubo T”, acha-se em contacto com 0 ar que existe dentro da camara formada pela peça €. que separa os dois tubos. Cada porção de agua que entra em T' arrasta comsigo uma porção de ar, que assim está continuamente entrando pelas aberturas b b. 9 66 Vejamos agora a applicação que deste facto fez á filtração dos vinhos o sr. Fer- reira Lapa. E (Fig. 23) é uma vasilha dentro da qual se dispõe o filtro. O fundo superior tem uma abertura por qnde entra o vinho da vasilha V. O fundo inferior é todo eri- vado. Sobre elle colloca-se um feltro como os que servem para os chapéus de Braga no primeiro grau de apizoamento, e ainda sobre elle uma camada de areia do mar bem lavada, e que deve ser formada quasi exclusivamente por a pulve- risação do que nesta provincia chamam seixo. Sobre a areia deve ainda collocar-se uma roda ou fundo crivado como o in- ferior.. A vazilha filtro F, adapta-se hermeticamente à 'vazilha R. Da parte superior desta dois tubos O O' se dirigem ao apparelho t. Este apparelho é o rarefactor do sr. Silva Pinto. A agua cáe pela parte superior e sãe em jorro pelo tubo in- ferior, que se vê na Fig. O ar que essa agua arrasta é fornecido pelos dois tu- bos 0/0" que o tiram da vazilha R. Abi produz-se um vazio pela aspiração con- tinua de ar, que obriga o vinho que cáe em F da vazilha V, a atravessar rapida- mente o filtro. Um tubo de vidro. n, nos faz ver a altura a que o vinho tem che- gado em R, depois de filtrado, podendo despeja-lo para a vazilha A, e continuar a filtração. 67 Vê-se como este apparelho contém todas as condições de uma pratica vanta- josa : a simplicidade, o motor que obra por si, uma vez estabelecido, e que é fa- cilimo de obter: uma quéda de agua que, ou se tem naturalmente ou se produz estabelecendo um deposito que póde ser limitado, porque a mesma agua póde servir muitas vezes. Filtrações e collagens liram pois aos vinhos as materias solidas que nºelles se acham em suspensão. Tiram-lhe assim os fermentos, as vegetações de que fallei e as materias com que elles parecem desenvolver-se. Todavia esta depuração não parece exercer-se de um modo tão profundo que completamente aniquille os pequenos organismos. E muito mysteriosa ainda hoje a sua vida. Tirados da atmosphera ou formados na massa do liquido os seus germens e as materias que os constituem parecem n'um momento dado achar-se dissolvidos ou numa tenuidade que os filtros não podem fazer parar, nem as collas arrastar comsigo. Filhos esses germens da natureza intima do liquido, parece que a sua des- 68 truição só póde dar-se por algum meio que actue intimamente nos elementos dos vinhos. É para isto que se propõe o aquecimento. De tres modos parece elle obrar sobre os vinhos. Primeiro, porque as pequenas vegetações que produzem as fermentações no- civas perdem toda a vitalidade quando aquecidas de 50 a 60 graus de tempera- tura. Segundo, porque as substancias que existem dissolvidas nos vinhos e à custa das quaes essas vegetações se desenvolvem, são pelo calor precipitadas no estado solido e por um trasfego completamente tiradas do vinho. Terceiro, emfim, porque o calor favorece entre os elementos do vinho, as boas combinações que só a idade lhe daria. Como já por vezes me tenho referido a esta combinação dos elementos do vi- nho, darei um exemplo para melhor se apreciar a sua importancia. Imaginemos um vinho que comece a azedar e que aguardentemos. No fim de algum tempo o vinho tem perdido o acido e adquirido um aroma delicado que antes não tinha: é que o alcool combinou-se com o acido acetico e formou um ether aromatico. Esta combinação dos alcools com os acidos produzindo ethe- res. dá-se nos vinhos com a idade, e rapidamente mesmo com o calor. Por tudo isto podemos concluir que o calor destroe os fermentos e as causas de alteração prejudicial nos vinhos, melhorando-os consideravelmente. O aquecimento dos vinhos tem sido objecto de muitas experiencias e de muitos estudos nos paizes estrangeiros. Eu vou apresentar o resumo desses trabalhos descrevendo os apparelhos que para isso se têem proposto. (Fig. 24) O mais simples de todos é de certo o inventado pelo sr. Pasteur. Consiste (Fig. 24) num tubo serpentina, passando através de um batoque. Este tubo in- troduz-se na vazilha onde está o vinho que queremos aquecer, fixando o batoque no logar proprio. Deve ser de cobre estanhado pela parte exterior, que é a que 09 está em contacto com o vinho. Pela extremidade O" do tubo faz-se entrar vapor de agua que, seguindo as voltas da serpentina, aquecerá o vinho, saíndo por O. Querendo aquecer o vinho de mais de uma vazilha e aproveitar o calor do vapor produzido, póde o ramo O comunicar com o ramo de um outro tubo que se ache n'uma vazilha proxima, e assim por diante, em tantos quantos os que se queiram aquecer. O vinho aquecido por esta fórma à temperatura necessaria para que os fer- mentos se aniquilem e as materias albuminosas se deponham, dilata-se e sãe pela batoqueira, que deve ficar pouco fechada; isto causa uma perda. Por outro lado o vinho esfria lentamente na propria vazilha em que se aqueceu: os seus principios volateis podem assim perder-se na atmosphera fria que os fica rodean- do e com a qual o vinho vem a pór-se à mesma temperatura. No apparelho de Gervais modificado por Velten não se dão estes inconve- nientes. Consiste n'uma caldeira de folha de ferro cheia de agua quente BC (Fig. 25) onde está mergulhada uma serpentina, cuja ultima volta communica com uma segunda mergulhada na agua fria do refrigerante B'C'. O vinho entra por O, per- corre a primeira serpentina aquecendo, esfria percorrendo a segunda, e sãe frio e preservado pela temperatura que sofireu por O. e ig. q Descreverei ainda o apparelho do sr. Rossignol, que me parece muito sim- ples. Colloca-se sobre uma fornalha a a (Fig. 26) uma vazilha. O fundo inferior é substituido pela tampa de uma caldeira k, de cobre. Esta tampa, que tem de estar em contacto com o vinho, deve ser exterior- mente estanhada. Deita-se o vinho que se quer aquecer na vazilha, enche-se a caldeira de agua e accende-se o lume na fornalha. Um thermometro à dá-nos a temperatura a que chega o vinho pelo seu contacto com a caldeira. Pela torneira [, que se adapta ás vazilhas que queremos encher, se póde ir tirando o vinho já preservado. 10 A Fig. 27 representa mais perfeitamente a operação. Este apparelho simples, como se vê, tem ainda o inconveniente de deixar saír o vinho quente. Semana Cd é um TIT ju! E) [7 A / AU ; ALBERTO NANA MM Rss SSSSS (Fig. 26) O apparelho mais perfeito e mais economico que até hoje se tem inventado parece ser o dos srs. Giret e Vinas, negociantes em Beziers. Compõe-se este de duas partes: a primeira onde o vinho se aquece A, a segunda B, onde se esfria, (Fig. 28) ambas formadas por dois cylindros de ferro. O vinho que deve estar collo- cado n'um logar superior ao apparelho entra no refrigerante por [ G, em com- municação com o tubo K, sobe por elle até ao tubo €, descendo no esquentador pelo túbo e no sentido indicado pela flecha marcada na figura A. Este ultimo tubo passa ao longo do cylindro esquentador cheio de agua aquecida pela fornalha collocada em 1. O vinho aquece e passa para 0 tubo E N,—no meio do qual ha um thermometro onde podemos observar à sua temperatura, — derramando-se final- mente no interior do cylindro refrigerante, pela parte inferior do qual se póde ti- rar para as vazilhas. Pelo tubo O se deita agua no esquentador, por P,P sãe o ar do refrigerante; por t,t sáem os productos de combustão da fornalha 1. Estudemos agora as vantagens reaes d'este apparelho. 4 O vinho é aquecido a banho maria, como vêem. Sabem que é facil, quando assim não suecede, o apparecer n'elle mau gosto. À operação faz-se fóra do con- tacto do ar. O liquido esfria descendo pelo cylindro B e cedendo desde logo o seu “calor ao vinho, que sobe por K .de que apenas está separado pela parede metal- lica do tubo que o conduz. Esta disposição apressa o resfriamento do que desce, e o aquecimento do que sobe. d'onde resulta uma economia importante no com- bustivel que é preciso queimar. h [A n [4 Md 1 WO DO | | | £ | e PÁ LD ; “8 z É 4 A E! FO LL O UA | OM o NA O Im O À HI A rc DT ee O A do a O O ut A ON AAA E O MON Z O O O CO O DO O «AAA WWW N O apparelho, facilimo de dirigir, é facil tambem de construir e de concertar. Darei ainda algumas indicações sobre o seu trabalho. O vinho deve, como disse, vir para o apparelho de um sitio elevado 1 me- tro pelo menos acima delle. D'esta maneira é completa a circulação necessaria do liquido nos diflerentes orgãos. Só quando a agua do esquentador estiver n'uma temperatura elevada é que se começará a deixar cair o vinho. Às primeiras porções de vinho não sairão con- venientemente aquecidas. O thermometro de que fallei será misto o melhor guia; 12 tendo de interromper o aquecimento “por mais de dois dias deve-se despejar e limpar cuidadosamente o apparelho. O aquecimento do vinho em garrafas, que lá fóra se faz em estufas, aquecidas artificialmente, podemos nós obte-lo no nosso clima, aproveitando o calor do sol- Reconheceu-se que os efleitos uteis sobre o vinho se obtinham conservando-o a uma temperatura elevada por alguns minutos apenas, e que essa temperatura nunca deveria exceder a 55º centigrados. Hr ASSWWWWNANNS ALBERTO (Fig. 28) Ha muito de certo ainda a fazer n'este sentido. Ha vinhos. os mais ordina “ rios, os mais pobres, que não me parece que tenham a ganhar com o aquecimento. Para os finissimos da Madeira se usa ha muito de estufas. Este meio de conservação dos vinhos é, para se ensaiar despendioso. Seria ne- cessario para isso que em Portugal houvesse mais espirito emprehendedor e mais 73 fé no progresso que não ha. Só as estações agricolas de que eu hei de hoje fallar detalhadamente poderão talvez resólver esta questão. Vou agora fallar do ultimo meio de conservação dos vinhos, o mais simples, o mais economico de todos. O enxofre queimado combina-se com o oxigenio do ar e produz um gaz, o acido sulphoroso, cujo cheiro todos conhecem, — que nos suffoca quando o respi- râmos. O acido sulphuroso é ha muito empregado nas adegas; na Extremadura é empregado por todos: não se enche de vinho uma vazilha que se lhe não queime enxofre dentro, e os maus cheiros que ella possa ter são tambem combatidos por este gaz. Estudando por ensaios e experiencias o effeito do acido sulphuroso, reconhe- ceu-se que elle tornava impossivel a vida das pequenas vegetações. Os bafios, os bolores que são pequenas plantasinhas, desapparecem das vasilhas onde se quei- ma enxofre. O gaz é muito avido de oxigenio, e as pequenas vegetações vivem delle. Assim tambem se reconheceu que o acido sulphuroso destroe os fermentos de que fallei. A mesma avidez pelo oxigenio parece explicar como o acido sulphruoso con- segue destruir o começo de azedia. Tira alem d'isso o contacto do ar ao vinho, evitando os seus maus effeitos nºeste. Clarifica o vinho, opera na sua massa uma precipitação de substancias que o torvavam e modifica-lhe a côr tornando-a mais bella e aberta. Depois da aguardentação, das collagens, da clarificação e do aquecimento, aqui temos ainda um meio de aniquilar os fermentos e de depurar e conservar os vinhos. Esse meio é o acido sulphuroso. Os meios com que até hoje se tem applicado o acido sulphuroso aos vinhos são defeituosissimos. Com a mecha, meio mais antigo e mais empregado, quei- mava-se no vinho trapo e trapo velho e apodrecido, que se embebia em enxofre quando não servia para mais nada. Depois, quer na mecha quer no tubo Rozier, — pequeno tubo cheio de buracos onde o enxofre arde dentro das vasilhas,— é muito limitado o numero de casos em que elle se póde empregar. Estudos feitos no fabrico de vinhos, com o fim de apurar toda a utilidade que lhes póde prestar o enxofre, levaram ultimamente a inventar o apparelho, que parece satisfazer completamente a todas as necessidades. Esse apparelho chama-se Theionoxiphero, que quer dizer gerador de acido sulphuroso. O seu inventor chama-se Antonio Batalha Reis. É, como vêem, simplicissimo. (Fig. 29.) Dentro de uma caixa de folha CT, da fórma que se vê na figura, ha uma pequena capsula de folha de ferro M, elevada por dois pés, e levemente inclinada. Dentro della colloca-se o enxofre que se ha de queimar. As paredes da caixa es- 10 74 tão inferiormente guarnecidas de buracos por onde entra o ar. Na parte poste- rior T ha uma porta corrediça de ferro; na parte anterior um tubo e uma tor- neira por onde se communica com a vasilha a enxofrar. Consideremos agora os diferentes papeis que os estudos de que fallei nos di- zem representar o acido sulphuroso, e vejamos em cada um d'elles o serviço deste apparelho. O acido sulphuroso é primeiro um preparador de vasilhas. Quantas vezes os vinhos se estragam por maus gostos communicados por vasilhas que téem bolor, ou emfim que não têem um cheiro perfeitamente puro! Depois é um aniquilador dos fermentos e das fermentações que queremos evitar, depois ainda é um util e completo resguardo do ar, e finalmente um remedio para doenças. Tratemos primeiro do caso mais geral. Uma vasilha está cheia de vinho, que se quer despejar, acompanhando-o com acido sulphuroso e enchendo com elle a vasilha: (Fig. 29) Colloca-se o apparelho como se vê na Fig., deita-se o enxofre na capsula M, accende-se, fecha-se a corrediça T, abre-se a torneira do apparelho, e por ulti- mo a da vasilha. O vinho começa a correr, o ar a entrar pelos buracos das pa- redes da caixa a transformar-se em acido sulphuroso e a entrar para a vasilha, occupando o logar que o vinho vae deixando. É a corrente do vinho que produz a corrente de acido sulphuroso. O diametro da torneira por onde sãe o vinho deve ser igual áquelle por onde entra o gaz. Pela primeira classe de utilidades que nos presta o enxofre se vê que muitas vezes precisâmos enxofrar uma vazilha despejada. O acido sulphuroso é mais pesado que o ar; naturalmente pois virá tomar a parte inferior, o bojo da vazilha enchendo-a gradualmente. Um pequeno artifi- cio porém torna mais certa esta operação: pelo mesmo batoque por onde enfiá- mos o tubo do apparelho, enfiamos um outro tubo mais comprido; na extremi- dade superior ajustâmos um folle; abrimos a torneira do. instrumento e a da 75 vazilha e, á proporção que o folle for impellindo pelo comprimento do tubo o ar in- ferior da vazilha para fóra della, irá o gaz sulphuroso entrando. Este tubo é facilimo de arranjar e um folle acha-se em todas as adegas. Como aniquilador de fermentações, abafador mesmo, como remedio para um começo de azedia ou para o gosto que a enxofração das vinhas ás vezes deixa nos vinhos, emprega-se como no primeiro caso que descrevi. Sómente o vinho que se deixou correr, se torna a lançar na vazilha,— tirando o instrumento, — por cima da fumarada sulphurosa que a enche e com que o vinho se mistura. Para evitar os maus efleitos do contacto do ar, nos trasfegos, por exemplo, deve o vinho tirar-se de uma vazilha onde esteja o apparelho, para outra já cheia de acido sulphuroso. O sulphurador, cujo serviço eu estou descrevendo, deve até empregar-se com vantagem nos usos domesticos e na venda a retalho dos vinhos. Todos sabem que o vinho em vazio n'um barril, donde se tira para os usos quotidianos ou para a venda, se arrisca a azedar e a estragar-se; por outro lado tambem sabem o trabalho e a despeza que produz o engarrafamento d'esse vi- nho. Pois bem collocado o sulphurador de Antonio Batalha Reis sobre a vazilha, e acceso o enxofre todas as vezes que se tire vinho, este, sendo constantemente substituido por um igual volume de acido sulphuroso, deixará de poder deterio- rar-se. Os diferentes meios de conservação de que fallei não se excluem. Ha vinhos que precisam do emprego de todos, e o mesmo vinho de certo apresentará pha- ses na sua existencia, em cada uma das quaes precisa um meio differente de cu- ra, de melhoramento ou apenas de conservação. A aguardentação, que deve ser conservada, segundo me parece, nos vinhos generosos, deve quasi banir-se nos vinhos de pasto, sobretudo em quantidades que lhes mude a natureza e as condições requeridas hoje nos melhores mercados. O aquecimento com vantagens incontestaveis, deve de certo começar a empre- gar-se, bem como o enxofre, processo baratissimo, sem inconveniente, que cada um póde quasi sem mais despeza ensaiar ámanhã nos seus vinhos. Julgo haver nisto um grande futuro. Descoberto e afiançado assim um meio de conservação para vinhos de pasto e para vinhos fracos, o nosso commercio renasce e a nossa riqueza é segura. Vejamos porém ainda outro lado da questão. Achado um meio de transportar os vinhos de pasto fabricados em Portugal até ao mercado de Londres, sem uma aguardentação que os adultera e os enca- rece, e preparados por esse meio os vinhos desta região, resta ainda vencer as dificuldades que se apresentam a um commercio que principia; mostra do pro- ducto, faze-lo acreditar, arranjar encommendas, e muitas vezes enganos emquanto se estuda, ensaios de grande lição mas infelizes pelo lucro directo que deveriam dar. 16 Nao se póde, creio eu, neste caso fabricar o producto bem, com todos os cui- dados de preparo e conservação, e esperar um commercio interno de consumo no paiz. Não é desse que eu espero a prosperidade d'esta terra. Por outro lado, os que hoje se empregam no commercio dos vinhos de expor- lação, não me parece que tenham completamente estudado, nem a natureza dos mercados, nem o devido preparo, em harmonia com ella, dos nossos vinhos. O agricultor teria talvez para vantagem sua de n'este momento ao menos se fazer negociante. Junte-se a tudo isto a falta de iniciativa, de audacia industrial, que nos cara- clerisa a todos nós os filhos da peninsula, e digam-me se não occorre a todos que a formação de uma companhia, resolvendo todas as questões, seria uma se- gura fonte de prosperidade e o unico meio de crear o commercio dos vinhos. Fallo de uma companhia particular, com forças particulares, nada que po- desse nem de longe lembrar a celebre companhia oligarchica do Douro. Dizia eu que o agricultor deveria fazer-se negociante para o estrangeiro do seu proprio producto. Para que seja facil ao negociante preparar os vinhos que exporta, é necessario que o agricultor já lh'os tenha feito bem. A conservação, como já vimos, é já muito o resultado do fabrico; quando o vinho começa nos lagares a fermentar, cria, segundo as condições em que está, ou os primeiros elementos da sua boa vida, ou os primeiros germens da sua des- truição. A companhia que devesse exportar os vinhos seria a que os fabricasse ou a que dirigisse o seu fabrico, mesmo nas adegas dos particulares. Seria uma com- panhia exploradora e exportadora. Creio que já alguma tentativa aqui se fez a esse respeito. Porque ha de ser em Portugal tão grande a difficuldade de uns pou- cos de homens unirem os seus interesses, para que todos elles augmentem ? Porque não hão de reunir-se os vinhos de uma localidade, que de mais a mais apresenta sensivelmente o mesmo typo, para os fabricarem bem e os exportarem com segurança? Os pequenos lavradores, que sabem as dificuldades de venderem e exporta- rem, sobretudo para o estrangeiro, os seus vinhos, porque se não reunem para destruir de vez essas difficuldades ? Não é uma idéa nova a que apresento, e ainda bem que não é uma idéa no- va. Deve por isso mesmo ser retomada, examinada nas causas que impediram a sua realisação pratica, e levada a effeito com coragem, e com um pouco desta dedicação, desta abnegação, ía eu a dizer, que destroe as difficuldades, que des- troe mesmo a inercia de um povo inteiro. É para emprezas destas que eu desejaria ver voltada a actividade e a intel- ligencia desta terra, tão activa e tão intelligente. Ha tanto ainda a fazer na nossa agricultura, tanto a fazer de lucrativo, no- 77 tem, de immensamente lucrativo, que, incitar ás emprezas agricolas, é quasi o mesmo que pedir aos povos que enriqueçam: pedido estranho, de certo, mais es- tranho ainda, quando é feito sem resultado. Quando eu me dispuz a começar a minha visita a este districto, lancei os olhos para um mappa e examinei a porção de terrenos incultos que nºelle existem. Depois, percorrendo-o, tenho-os atravessado e visto de perto. Nós não vivemos, meus senhores, na America, nova e virgem, onde a terra espera pelo homem que vive ainda em pequenas nações ao pé della, cheia de florestas em que desdobra a sua força productiva e organisadora, o seu excesso de actividade, a sua plethora, para assim dizer. Nós estamos na Europa, na ve- lha Europa, no mundo cansado de produzir e de alimentar, no mundo, em que as conquistas e as invasões avidas têem seculos já, no solo extenuado que, não podendo sustentar os seus habitantes, os manda emigrados pelo mundo das des- cobertas. Como acontece pois que nesta Europa, haja terra inculta, solo d'onde ha muito o esforço do homem não procura tirar substanciá? Como acontece que aqui, ao pé das casas miseraveis das classes populares, junto dos homens mal alimentados, que vivem e morrem n'um trabalho que lhes não garante a familia, a instrucção, a arte, existem terras quasi virgens, verdadeiras terras, — hoje, em 1871, na Europa, — por conquistar? Eu quereria que as camaras reunissem em companhia os operarios e os pe- quenos proprietarios agricolas das diferentes freguezias, dando-lhes essas terras a cultivar. Ou então que uma grande empreza, que poderia estender-se a todo o paiz, se proponha a cultiva-lo, estabelecendo colonias nos pontos mais incultos, e não deixando um palmo de terra sem uma seara ou sem uma floresta. Sei que alguma cousa se tentou já n'este sentido, mas ignoro porque ainda não passou de tentativa. O que em todo o caso é preciso, é que o paiz intente civilisar-se, é que a iniciativa individual se compenetre do alcance dos empregos que se offerecem hoje ao industrial portuguez, e que para os levar a cabo esqueça os governos, fiando-se apenas nos seus recursos. Já creio que o disse: Portugal é ainda hoje uma mina por explorar. Nós acordâmos agora para a industria, e acordâmos ri- cos, muitos ricos para começar. Não nos desanimemos. É certo que o paiz não tem sido extremamente bem governado, é certo que estamos muito ignorantes e que até ás vezes por isso parecemos pouco intelligentes, mas é verdade tambem que um grande movimento se apodera de nós, e que as grandes vozes que têem commovido o mundo trabalhador começam já a escutar-se em Portugal. A Inglaterra é um paiz feito pela energia e pela intelligencia do esforço do particular; a America é uma grande producção filha do trabalho individual: se- jamos nós, em condições muito mais favoraveis, alguma cousa de similhante; determinemos-nos um dia a tirar d'esta terra toda a sua riqueza, a applicar aqui 18 o que o genio humano tem tirado dos actuaes meios de producção; reunamos em Portugal o trabalho que se tem levantado sobre os solos civilisados, que ha fon- tes immensas de riqueza que pouco esperam para correr sob o esforço intelli- gente. Tão variada é a industria agricola e tanto campo apresenta por explorar ás actividades! Eu é que não posso senãa rapidamente indicar as minas já em co- meço de trabalho. Vejamos ainda: Tenho até agora fallado dos ramos mais importantes da industria agricola neste districto, e das industrias que se fundam mais naturalmente na agricultura desta região, dando aos seus productos, pela transformação noutros novos, uma consideravel importancia. Vou agora, em virtude dos mesmos principios que me têem guiado n'esta ra- pida revista, dizer algumas palavras sobre uma industria que, quando estudada, quando desenvolvida racionalmente, póde transformar pela riqueza e pela pros- peridade um paiz inteiro. Fallo da industria dos gados. Terei assim tocado bem de leve, é certo, todos os capitulos mais notaveis da producção e da riqueza do districto. N'este, como nos outros, neste mesmo mais que nos outros, apenas aponta- rei 0 que me parece serem as bases da reforma a emprehender. A Beira é já hoje importante pela creação dos seus gados, produ-los porém, segundo me parece, muito ao acaso, sem esse estudo reflectido, que faz milagres, os milagres de hoje, transformações, creações de tal modo importantes, que uma vez applicado esse estudo nem podem prever-se os resultados. Os gados da Beira são sensivelmente os que o acaso da producção ou do commercio, e a influencia sem direcção do meio, têem aqui produzido e feito des- envolver. É claro que os não pude estudar o bastante para indicar as transformações a operar senão nos traços geraes que sempre é facil dizer, e nos exemplos espan- tosos que oflerece n'este ponto a historia do progresso agricola dos outros paizes. Demais, só posso deter-me poucos minutos n'este assumpto. Sao boas as raças que se produzem no districto de Vizeu? Investigou-se já o que são nas raças bovinas d'esta região, as aptidões para a engorda, para o trabalho, para a producção do leite? E nas raças ovinas a pro- ducção da lã, e a carne, tão geralmente descurada no nosso paiz? Começa, é certo, por ser dificil o saber a que n'uma dada região se póde “chamar uma boa raça, isto é, a melhor raça, a que n'um dado meio, n'um certo clima e n'uma dada alimentação póde melhor produzir os mais fortes animaes para trabalho, ou os mais gordos, ou os mais fartos em bom leite, ou os produ- ctores de mais bella lã. 79 Aqui apparece uma consideração já bastante descurada, senão inteiramente esquecida pelos creadores desta região; é que se devem especialisar quanto possivel as aptidões. Esta é a primeira base de trabalho para o ereador. O seu trabalho deve ser pois o crear o desenvolvimento de uma produeção no animal em grau muito subido. Faze-lo com muita gordura, com o maior peso possivel de carne limpa, embora a robustez do seu esqueleto, e a riqueza dos seus musculos soffram com isso, ou sacrificar ao desenvolvimento destas ultimas partes a pro- ducção e crescimento da carne de açougue. Esta especialisação é indispensavel se se quer fazer uma industria nas melho- res condições e que lute com as simillares lá de fóra. O creador quer nos seus gados uma d'estas aptidões muito desenvolvida. Isto no equilibrio e harmonia da organisação, faz-se à custa das demais aptidões. Por- que o esforço que robustece o animal para o trabalho emagrece-o e tira-lhe con- dições de peso para o açougue. Esta divisão de trabalho nas raças animaes é pois a base do seu aperfeiçoa- mento como creação de raças industriaes. Que meios temos nós de exercer esta acção transformadora, desenvolvendo as aptidões e fazendo boas raças de engorda, boas raças trabalhadoras, e na espe- cie ovina boas raças lanigeras? O primeiro methodo é o que por toda a parte nos salta mais á vista. E aquelle de que primeiro se lança mão, é o que faz mais barulho em toda a parte, é o que para as vistas superficiaes parece representar o papel mais importante: a intro- ducção de animaes estrangeiros e o cruzamento. Qualquer creador que póde comprar um animal das raças apuradas lá de fóra, lança mão deste meio para transformar as suas. Este é tambem, é certo — quando vinga—, o meio mais breve. Quando em 1780 se quizeram aperfeiçoar as lis em França, importou-se um rebanho de merinos. Desse só, descendem os carneiros de là merina que a França possue. Este systema tem todavia grandes riscos. Quando em Inglaterra quizeram tambem introduzir merinos, viram-nos morrer uns após outros. Crearam-nos por fim, mas mais por curiosidade do que como producto definitivamente adquirido e acelimado. As raças estrangeiras creadas em climas muito differentes, habituadas a uma alimentação diferente tambem, poucas vezes continuam a dar no paiz para onde vão o que davam no que os creou. Se demais a mais são das raças mais perfei- tas que os processos aperfeiçoados téem creado, são animaes delicados, forçados a uma aptidão, filhos do esforço do homem e do meio convenientemente estudado. Tudo isto os torna difficeis de transportar e de dobrar às vicissitudes do trans- porte. Depois não havia de certo primitivamente um paiz fadado para naturalmente 80 possuir animaes que tivessem em alto grau as aptidões divididas, que constituem as raças preciosas ao homem, nem, — podemos descansar a esse respeito, — somos nós o unico paiz que tem raças ruslicas e pouco productoras. Todos começaram por isto. O que fizeram pois os outros paizes para crear as raças aperfeiçoadas que possuem? Que fez a Inglaterra para ter as suas prodigiosas raças bovinas de en- gorda e de leite, e os espantosos carneiros de carne? Um processo simplicissimo, um processo que a natureza, nºoutro sentido, segue todos os dias, quando nesta luta de organisações ella vae mantendo as que se apresentam mais aptas para viver e para se desenvolverem. Esse methodo natural, sem riscos, sem acção de raças estrangeiras, é o que eu recommendarei ao districto de Vizeu. Fallei da Inglaterra; vou contar uma historia acontecida nesse paiz ha cento e cincoenta annos. E d'ahi que data a sua riqueza em gados. Vae ver cada um dos agricultores que me ouve como pó- de elle tambem dotar Portugal de uma espantosa prosperidade. Em 1755 existia no condado de Leicester um agricultor chamado Bakewell. Creava uma raça de carneiros muito altos de pernas, magros, chatos dos lados, com os ossos grandes e salientes; esses carneiros eram incapazes de engordar bem ou mal antes dos tres annos. Tinham uma lã aspera e quebradiça, e um vello que pesava de 4 a 6 kilogrammas. Bakewell começou por observar que tanto custava crear 1 kilogramma de lã como 5 de carne. Olhava-se então geralmente para a lã como o producto do car- neiro. Bakewell escolheu a aptidão para que queria desenvolver uma boa raça, e essa aptidão foi a carne. Observou que os carneiros mais pequenos, os que tinham por qualquer cir- cumstancia o esqueleto menos desenvolvido, apresentavam um tronco mais arre- dondado, mais disposição para engordarem, e estavam assim mais cedo em estado de irem para o açougue onde davam mais carne limpa. Estas diferenças a mais eram pequenissimas, mas existiam. Bakewell fez d'ellas a base do seu trabalho. Separou os animaes em que as viu. Nos filhos d'elles fez uma nova escolha, guiado pelas mesmas disposições, obtendo filhos dos parentes mais proximos e estremando sempre os que lhe íam apresentando as fórmas de desenvolvimento de gordura de carne que elle queria obter. Ora, aconteceu que essas disposições foram crescendo, que nos filhos de um carneiro e uma ovelha escolhidos as qualidades procuradas como que se somma- vam, e que em 1760 Bakewell tinha formado a admiravel raça de novos Leicester ou de Dishley, nomes das suas terras, que toda a Inglaterra lhe pagava por im- mensas sommas. A este tempo a raça Dishley já tinha a cabeça pequena, o peito largo, o tronco parallellogramico, o lado redondo, os ossos fimos e exteriormente invisiveis, a pelle 81 fina e elastica, produzindo em media 50 kilos de carne limpa, podendo estar gor- da em um anno. Compare-se este retrato ao que primeiro tracei, e imagine-se como um pro- cesso tão simples póde transformar uma raça, uma industria e fundar a riqueza de uma nação inteira. O processo que descrevi empregado por Bakewell chama-se a selecção. Todos sabem que as especies estão a todos os momentos produzindo o que vulgarmente se chama variedades, isto é, individuos que possuindo os caracteres geraes da especie, todavia apresentam um certo numero que lhes são peculiares. Esses caracteres adquirem lixidez, não são accidentaes, transmittem-se de paes a filhos, e constituem uma raça perfeitamente definida, accentuando-se, robustecendo cada vez mais esses caracteres, a ponto de que, como diz um grande naturalista contemporaneo, as variedades são verdadeiras especies nascentes. Estes caracteres desenvolvem-se favorecidos por um regimen proprio, e transmittem-se aos filhos, onde parece que se sommam as qualidades similhantes existentes em pae e mãe. Ha individuos em que as circumstancias do meio que vão desenvolvendo a qualidade que nos serve não actuam de um modo tão poderoso; outros em que pelo contrario tudo parece favorecer uma tendencia existente. São estes segredos que a selecção separa e cria como elementos da raça em formação. ; A selecção é assim verdadeiramente o melhoramento de uma raça por si mes- ma, accentuando a herança de certos caracteres. O methodo é, como vêem, facil e racional. É uma formação de boas raças, porventura de notaveis raças, que se faz n'um paiz com os seus proprios meios sem a dificuldade, a despeza e o risco de re- productores estrangeiros. É certo que a estes cuidados deve juntar-se uma alimentação intelligente- mente dirigida, de accordo com a aptidão que se quer desenvolver. O que eu disse das plantas, e que para algumas pessoas poderia ser menos novidade, é perfeitamente conhecido com respeito aos animaes e aos seus difle- rentes tecidos e produeção. Os alimentos são materias primas, que devem variar segundo a edificação em que queremos introduzi-los. Ha, como sabem, industrias transformadoras dos productos dos gados, a dos lacticinios, queijos, manteigas. Os queijos desta provincia, que têem uma tão justa reputação no paiz, são pouco ou nada conhecidos nos paizes estrangeiros. Julgo-os superiores a muitos dos afamados lá de fóra. Porque não ha de tentar-se alguma cousa neste sen- tido? Não me é permittido entrar n'este assumpto, cuja importancia conheço. Aponto-o porém á cousideração intelligente dos homens de quem eu espero a transformação da provincia. 4 82 Quando se diz que um paiz é essencialmente agricola, diz-se por isso mesmo que elle é muito industrial. Serão industrias annexas à agricultura de certo, mas tal deve ser o seu numero e a sua importancia, que será mesmo extrema a va- riedade de trabalhos que ali devem existir, se o paiz de que se falla for intelli- gente e illustrado. A agricultura tem como producto a planta, mas essa planta é por sua vez materia prima de uma segunda industria, de modo que de transformação em transformação um paiz só deve exportar os productos quando já não podér por meio algum augmentar-lhes as utilidades. O limitar-se uma população a obter o producto primario, deixando a outros o transforma-lo para ás vezes virem de fóra abastece-lo dos productos resultantes, é uma triste prova de actividade e de edu- cação industrial. Vêem que, se a minha primeira conferencia estudou o modo obter a planta em geral, as outras se têm referido a transformações secundarias do objecto ob- tido. Falta-me o tempo para tratar largamente das industrias agricolas que Já aqui existem, que devem aperfeiçoar-se, e para descrever muitas outras mais mo- dernas, de cuja existencia, é certo que recente, nem talvez se desconfie nos nossos campos. Limitar-me-hei a dizer estas palavras. Eu espero muito da curiosidade inteligente das pessoas que me ouvem. Espero muito tambem dos estabelecimentos que vou descrever e a que por tanta vez me tenho referido no decurso das minhas conferencias. Eu disse que não queria que me acreditassem sob palavra, e pedi para que se aconselhassem a respeito dos principios que expunha com as proprias plantas; Que compozessem um estrume segundo os principios expostos, e que o appli- cassem em pequenos pedaços de terra ás diferentes plantas da cultura usual; Que ensaiassem podas diversas nas mesmas variedades de vinha; Que fizessem vinho do mesmo anno nos antigos lagares e nos balseiros aper- feiçoados que descrevi; Que ensaiassem os novos processos de conservação, o aquecimento, a filtra- ção, a sulfuração; Que finalmente começassem a applicar às nossas raças de animaes a selecção, tendo em vista as aptidões especiaes, desenvolvidas e auxiliadas por uma alimen- tação bem dirigida. Muitas destas experiencias quasi que não têem despeza; outras porém, mesmo ensaiadas em ponto pequeno, exigiriam mais sacrifícios do que os que de ordina- rio o agricultor está disposto a fazer ao progresso. Imaginemos um estabelecimento em que estas experiencias se fizessem nos apparelhos e nas disposições convenientes, de modo que os agricultores podessem todos observa-los e aprender todos tambem á custa de um só. Imagine-se que 83 neste estabelecimento ha um homem habilitado que dirige os ensaios, que cultiva com os diversos estrumes, que faz diante dos agricultores do districto os vinhos pelas diferentes maneiras apontadas. Isto realisaria todas as condições para que as boas transformações se appli- cassem em breve. Para começar a fazer experiencias já, é preciso uma deliberação, uma iniciativa, que indicam uma certa crença no resultado, crença que as mais das vezes não existe. A desconfiança pelo que é novo, faz com que elle se não ensaie. À quem não acredita n'um resultado, como se lhe ha de exigir que empregue metos. Depois, experimentar exige tambem um certo tacto e um certo conhecimento do que se experimenta. Havendo um funccionario encarregado de ensaiar as novas descobertas e de as estudar mesmo por o seu lado economico, o agricultor havia de imitar o que visse claramente bom e lucrativo. Esses estabelecimentos experimentaes são as Estações de agronomia, os fune- cionarios os Agronomos de districto, seus directores. Os estrumes industriaes que me parecem, como já disse, indispensaveis na cultura moderna, valem como todos os estrumes pela quantidade de phosphoro, de azote, de potassa, ete., de materia activa, de alimento effectivo que contéem. Não é a apparencia que revela a composição de um estrume, é a analyse chimica. Sem este meio a fraude é facilima. O agricultor precisa pois ter perto da sua proprie- dade um chimico e um laboratorio que lhe assegurem o valor do que compra. Esse chimico será o Agronomo director da estação. O governo deverá mesmo fazer nas estações depositos de estrumes analysa- dos e garantidos para venda nos districtos, e depositos de machinas. Isto obviará tambem ao incommodo de procurar e fazer conduzir os novos adubos e os novos apparelhos. Quantas vezes, sobretudo nas regiões interiores como esta e quasi incommu- nicaveis, o agricultor deixa de usar de melhoramentos que lhe é dificil ir buscar longe, muitas vezes fóra do paiz? São ás vezes estas pequenas previdencias que mais efficazmente concorrem para implantar um melhoramento e destruir a inercia de um povo; é muitas ve- zes apenas necessario fazer-lhe dar o primeiro passo. O Agronomo terá um campo para experiencias, e os pequenos capitaes ne- cessarios para estas. Antes de gastar num estrume cujo effeito ignora, ou n'uma machina que desconhece, o agricultor verá no campo de experiencias a planta que o estrume alimentou e o trabalho que a machina produziu. É uma experien: cia sem perdas e sem prejuizo, é uma aprendizagem quasi gratuita, é uma instruc- ção detalhada e completa, se o resultado é bom. Tem demais o director da estação conhecimentos especiaes para guiar o agricultor, 84 Muitas vezes tenho eu declarado aqui, que não conheço a agricultura do dis- tricto de Vizeu, para sobre ella poder fallar, estudando completamente a sua trans- formação. Tenho dito que a agricultura de uma região se faz depois de muito estudo e de muito tempo de permanencia nºella, colhendo todos os dias os dados precisos, averiguando do clima, da natureza particular do solo, da maneira mesmo sempre especial por que as plantas ali vivem e se desenvolvem. Este estudo só póde ser proseguido durante muito tempo pelo Agronomo do districto. Será elle quem forme a agricultura local e quem possa em muitos casos acon- selhar o agricultor que queira emprehender um melhoramento. Aprendendo os processos mais perfeitos, e aprendendo o trabalho das novas machinas, póde a Estação tambem ser escola de feitores e de operarios ruraes. Como exemplo, como estudo da região e das feições particulares da sua cul- tura, ou como coordenação dos estudos fragmentados e dispersos, como experien- cia obrigada, deve assim em cada localidade haver uma estação e um funccionario especial, cuja vida e inteligencia dedicadas ao estudo da sua industria lhe pre- parem a transformação. O director da estação pregará com o exemplo e com a palavra o progresso racional, a prosperidade, a riqueza da agricultura inteligente. Será o missionario constante, o apostolo da-civilisação rural. A rotina, respeitavel até certo ponto, porque é prudencia, dá às vezes combates teimosos e irracionaes ao progresso evidente. A luta demorada, constante, da palavra e mais ainda dos actos do Agro- nomo de districto, não póde então deixar de vencer. Eu bem sei que hão de os primeiros que occuparem estes logares fazer mais que o que podem regularmente fazer funccionarios, mas é certo que são elles, se quizerem dedicar-se a essa grande obra, que hão de transformar e engrandecer esta terra em que a actividade industrial precisa acordada, inspirada, dirigida, inventada, se assim posso dizer. Duas palavras mais e vou terminar. Não falta quem apregoe amor da patria na nossa terra, e direi mesmo, quem o sinta. i Resta porém saber se no espirito da maior parte esta idéa contém os elemen- tos que a devem formar. Teem-se transformado as idéas e os sentimentos, cada idéa tem o seu voca- bulario e a sua alma. Ha modos diversos de pensar, de crer e de sentir. Sejamos nós do nosso tempo. Hoje amor da patria é amor do engrandecimento moral pela extincção da miseria, pelo progresso das industrias, pela elevação das populações á abundan- cia, até um nivel em que possa assentar-se o desenvolvimento igual de faculda- 85 des, que não são nos homens tão virtualmente desiguaes como as faz o estado actual da sociedade e da civilisação. Deve-se nesta idade ser homem, isto é, uma inteligencia tomando todos os trabalhos e todas as acções, uma força obrando, creando, que é a grande missão humana. Que sobretudo desappareçam os trabalhos machinaes, que haja as crea- ções, as translormações constantes mas inteligentes. Que o esforço seja sempre a conclusão do raciocinio e.o espirito do homem o motor activo de todos os tra- balhos e nunca mais veremos como agora a industria seguir por seculos o seu ca- minho tornado uma imitação mconsciente. Amor da patria é isto, e vêem como tambem se lhe póde chamar amor da humanidade. E, se é necessario combater, se ainda ha egoismos vivos e ardentes nos nos- sos corações, se nos não basta realisar os fins d'esta idade, se não queremos só que a nossa patria iguale como deve as outras nações que produzem com intelhi- gencia, então que o amor da patria seja para nós o faze-la celebre entre os paizes mais adiantados na industria e no trabalho, e que a gloria que hoje busquemos, nós que tanto fallâmos ainda das que já não têem significação perante o espirito moderno, seja a gloria do trabalho adiantado. No aa o) Batalha Reis, Jayme 469 A agricultura no districto P8B3 de Vizeu BioMed PLEASE DO NOT REMOVE CARDS OR SLIPS FROM THIS POCKET UNIVERSITY OF TORONTO LIBRARY