^0

Digitized by the Internet Archive

in 2010 with funding from

University of Toronto

http://www.archive.org/details/algunsfactosmiliOOpalm

^

n

■^

I

1

^^■■^LJ^ '.N

^^«??^^

M

i^A

ALGUNS

SÉCULO xvni

«EIVEBAIi A. X. PAIilIElBIlI

LISBOA

TYPOGRAPIilA UNIVERSAL

DE TIIOMAZ QUINTINO ANTUNES, IMPRESSOR DA CASA REAL

Rua dos Calafates, 110

1873

ALGUNS

NO

SÉCULO xvni

CiEilíEBAIi A. X. PAIilIKlBIlI

LISBOA

TYPOGRAPHIA UNIVERSAL

DE TIIOMAZ QUINTINO ANTDNES, IMPRESSOR DA CASA KEAI,

Rua dos Calafates, 110

1873

ALGDNS FACTOS MILITARES PORTUGUEZES

Entre alguns manuscriptos, que adquirimos na occasião de ser vendida em hasta publica a livraria da casa de La- fões, por fallecimento do ultimo duque, encontramos um com o titulo de Reflexões militares, que nos prendeu a altenção por ser a critica de Regulamento de infanteria de 1763, que ainda em parte rege o nosso exercito, prin- cipalmente em assumptos criminaes, e no serviço das pra- ças e guarnições. Além da critica, contem o manuscripto algumas informações curiosas dos costumes militares con- temporâneos, approveiíaveis para a historia, e accusa por tal forma a falta de instrucção, e de subordinação no exer- cito, que desvanece a idéa, quasi geralmente recebida, de que o espirito allemão do conde de Lippe, nos legara para muito tempo em plena rigidez, a observância dos sãos pre- ceitos militares, e o culto do pundonor, e do dever.

São geralmente sensatas as Reflexões, e philosophicas as suas ponderações sobre a parte moral, e penal militar. Cen- suram vigorosamente os artigos de guerra, bem como a forma do processo, posto que, alguma vez, segundo o nosso entender, revelam idéas pouco acceitaveis perante os mo- dernos princípios da igualdade. Quando as Reflexões se oc-

4 ALGUNS FACTOS MILITARES

cupam da theoria do commando, fazem-no no sentido da opinião do general Lloids, quando na sua philosophia da guerra assevera que o general não pôde compellir as acções individuaes, mas sim persuadir e dirigir, sendo n'isto qne a aucloridade, que é o poder moral, differe da força, que é a expressão do poder pliisico. Parece impossível que, decorrido mais que um século, mudados os costumes, as instituições politicas, e a Índole do direito penal, ainda os artigos de guerra de 1763, constituam o nosso código, sempre vago, defeclivo, e despi-psador da proporcionalidade das penas á quantidade, e á qnaiidade dos malefícios.

O manuscripto revela-se feiío por obediência a uma aucto- ridade que não designa, por quanto o seu auctor declara explicitamente que distava muito do seu animo querer aba- lar a memoria do marechal general, porque devia respeitar sempre o seu illustre nascimento, e as brilhantes qualida- des que o adornavam ; mas que tendo ordem para exami- nar, e criticar a sua obra, lhe não podia esconder os defei- tos. Não tem data, nem assignaiura, e parece traducção pouca limada do inglez, exigindo por este motivo frequen- tes correcções na plirase.

Posto que, quando uma doutrina é essencialmente boa pode dispensar abonador, julgámos não obstante conveniente procurar quem fosso o seu auctor, e a epocha da composi- ção do manuscripto, para que, relacionando ambos com as ins- tituições, e os acontecimentos seus contemporâneos, podes- semos apreciar melhor a auctoridade das suas aííirmações. Faltos porém de esclarecimentos externos áquelle trabalho, foi por elle próprio que leníamos descobrir o nome do auctor, e determinar a epocha em que este o compoz.

Asseverando as Reflexões, por mais de uma vez, que o Regulamento se achava praticado desde vinte annos, tor- nou obvio lerem sido escriplas em 1783, o que se ajusta com a outra asserção de se achar recente a nomeação do duque de Lafões para commandíinte em chefe do exercito, a qual linha succedido effecliva mente em 10 de dezembro 178i.

Relativamente á pessoa do auctor, tivemos que excluir toda a supposição de que fosse elle porluguez, por quanto se infere do manuscripto ler servido no exercito inglez, ter feito a campanha de 1755 na AUemanha, ser contempora-

PORTUGUEZES D

neo do conde de Lippe, e ter ainda o comraando de um regimento. N'eslas condições existiam entre tiós, no anno de 1783, os escossezes Simão Fraeser, e João Forbes Skel- laler, sendo este o que depois, no posto de tenente gene- ral, commandou as tropas porluguezas no Roussilloii, foi inspector de infanteria, e ajudante general do exercito. Occorrendo-nos porém, que na obra do general Dumouriez, intitulada Estado presente de Portugal em 1766 pode- riamos encontrar alguma noticia dos extrangeiros que n'esse tempo estivessem ao nosso serviço, a algum dos quaes pu- dessem quadrar as indicações que levamos citadas, consul- támos aquelle livro, e achámos a respeito de Fraeser as se- guintes palavras Le premier iieulenant general est un seigneur écossais, nommé Simon Fraeser, íils de mylord Lowalhe, qui eul la têle Iranchée dans les guerres de soq pays; il est jeune, et il n'a servi que deux ans en Canadá pendarit la dernière guerre, comme colonel d'un regiinent de montagnaids d'Ecosse, après avoir élé avocat le reste de sa vie : il a beaucoup d'ambilion, une valeur léméraire, de la présomplion, et fort peu de talenls.

Examinemos se algumas d'est9s circumslancias podem as- sentar no iodo, ou em parte, na pessoa do auctor das Re- flexões, guiando-nos pelas suas próprias informações.

Censurando ellas o capitulo 2.° do Hegu lamento d'infanteria, e deplorando o estado das nossas coisas mditares desde 1711 a 1743, vemos afiQrmado pelo auctor ter sido neces- sário nascer o rei da Prússia, para remir ofBciaes e solda- dos de certa superstição militar em que tinham sido educados, e acrescenta este grande general^ na guerra de 1755, deu ordem aos coronéis para que formassem os batalhões por componhias, ficando com ellas os seus capitães e outros of- ficiaes. No exercito olliado, o príncipe de Brunsivick deu a mesma ordem. O general inglez Wolfe, que perdeu a vida na America, no próprio momento do seu triumpho, prati- cou o mesmo na batalha de Quebec, ele. Esta ultima parti- cularidade parece asseverada por ^uem assistiu a esse facto, e denunciar assim o coronel dos escocezes. A asserção de que Fraeser fizera por dois annos a guerra do Canadá, Dão importa a idéa de que não assistisse elle á de Allemanha em 1755 ainda que em posto subalterno; porque embora a campanha do Canadá fosse em 1759, a venalidade dos postos

6

ALGUNS FACTOS MILITARES

qne findou na Grã-Bretanha em 1781, tornava possível que, no espaço de 4 annos, subisse de subalterno a coronel. Parece-nos pois que Dumouriez não pretendeu dizer que o referido general não fizera outra guerra senão a da America, mas sim que o maior posto em que a praticara, fora a de coronel. Por este modo se concilia a sua estada na Allema- nha com a ida posteriormente ao Canadá. _ Outra asseveração do manuscripto é a de que ainda en- tão commandava o auctor um regimento. Sabemos que Frae- ser commandára alguns, e ser possivel que ainda desempe- nhasse as mesmas funcções no anno de 1783, apesar de ser, 17 annos antes, o lenente-general mais antigo do exer- cito, porquanto esta pratica foi abolida mais tarde, tanto assim que nas próprias Reflexões se encontra ella coudem- Dada como prejudicial.

Tratando agora de provas directas, diremos que. pos- suindo nós baslantes escriptos officiaes do general Forbes, e também uma memoria assignada por Fraeser, por elle apresentada em 1798 ao ministro da guerra Luiz Pinto de Sousa Cduiinho, sot)re a defesa do reino, com o titulo de Traducção e substancia de alguns apontamentos i»Uiiares, entregados a S. Ex.\ etc. comparámos o estilo d'esta menioiia com o d'aqnelle.s escriptos, e os encontrámos muito diífereiítes, em quanto que, confrontando o da memoria com o das Reflexões, nos parece idêntico. Acrescem a esta prova outras cu-cumstancias egualmente alteiidiveis, como a de se deverem atlribuir alguns princípios de direito criminal allu- didos nas ditas Reflexões, mais depressa a quem tivesse contiecimenlns geraes de direito, como aconteceria mais naturalmente a um advogado, que a alguém exclusiva- mente nnlitar. Tíimbem se torna saliente no manuscripto uma liberdade de [)hrase, e de descripções, que a sizudez da fortna uíBcial militar cautelosamente evita, podendo-se concluir d'esle facto que não fora o auctor educado sempre nas conveniências militares, mas sim o advogado denunciado por Dmnouriez, isto não ol>slai)te a censura que as Reflexões fulminam aos letrados, quando os aprecia como juizes mi- litares.

Por todas estas considerações julgamos dever proclamar o general Fraeser, como sendo o auctor que procurávamos, e na diuturnidade do seu serviço na dupla e simultânea qua-

PORTUGUEZES /

lidade de coronel e de general, bem como na incumbência que recebeu de analysar a obra do conde de Lippe, acata- mos a sua competência e aulhoridade.

Como a asperesa com que as Reflexões mortificam, por vezes, as disposições e a gerência do conde de Lippe, possa rebaixar em alguém o conceito favorável em que estimasse este general, que, se alguma vez peccou, ou na pressa com que entendeu accudir a tudo, ou pelo pouco conhecimento morai do paiz a que era quasi recem-chegado, foi no resto militar enérgico, e muito illustrado : pede a imparcialidade que, na própria occasião em que damos publicidade a uma memoria em que nem tudo lhe são flores, e elogios, a acompanhemos de algumas noticias biographicas do conde, até ao ponto da sua vinda a Portugal, e em quanto com este manteve relações immediatas. Estimarão por certo os nossos camaradas saber mais que o vulgarmente conhecido entre nós a respeito de um varão que levantou o exercito do abandono em que o encontrou, e se tornou dislincto por mais de um motivo. Dos escriptores allemães, biographos do conde, Schmallz (178^2), Sharnost, alferes do regimento hanoveriano de Estorf, e do erudito Moysés Mendelsohn, colhemos as informações que vamos referir. Aos allemães, especialmente aos dos estados do conde, coube escrever mais profundamente da vida de quem os governou por ma- neira intelligeníe, suave e bondosa: ao nosso propósito bas- tará mencionarmos as feições principaes do referido general, 6 junlar-lhe algumas noticias e documentos, talvez que iné- ditos, não como attenuanles de algumas opiniões a elle desfavoráveis, mas principalmente como demonstração da sua louvável persistência em alcançar o melhoramento, ou a perfeição da nossa instituição militar, cujas necessidades descreveu em uma interessante memoria dirigida ao mar- quez de Pombal.^

1 Esta memoria, que transcrevemos no fim contem muitas infor- mações importantissimas, e não deixam de sollicitar a attençâo mili- tar para muitas coisas que ainda hoje se não acham providenciadas, ou que estão mal constituidas. Se cumpre a todo o militar adquirir o nivel dos conhecimentos actuaes, também lhe convém saber por es- tas excavações archeologicas, a historia das instituições do nosso exercito, das suas rasões de ser, e das suas phases. E um meio de aprender, e de lhe medir o taliantamento havido.

8 ' ALGUNS FACTOS MILITARES

Nasceu o marechal-general conde de Schaumbourg Lippe, em Londres, a 24 de janeiro de 1724. Tinha portanto 36 annos de edade quando, em posto tão subido, commandou em chefe o nosso exercito, e conjunctameiíte o corpo infjlez, seu auxihar. Estudou durante os annos de 1740 e 1741, em Leyde na Ho! landa, e em MontpeHier na França. Não encontrámos especiahsados os estudos que ahi fez. nem em algum outro logar, nem por quanto tempo seguiu os cur- sos phihjsophicos, malhematicos e militares de que du- rante a sua vida fez ostentação, parecendo-nos que não foi n'aquelles annos, mas depois, que se apphcou a estudos tão sérios, por quanto entrou muito cedo no serviço das guardas inglezas, em -jue se achava com o posto de alfe- res, quando aos 19 annos de ednde, assistiu á batalha de Dettiragen com seu pae, então general ao serviço da Hol- landa.

Alistou-se na marinha ingleza no anno immediato de 1744, despedindo-se pouco depois, por falta de saúde; mas em seguida o vemos entrado em nova campanha na Itália, às ordens do general austríaco, conde de Schulemhourg seu parente, depois do que interrompeu a vida militar.

Parece que, durante este ultimo periodo, não seguiu o conde vida muito temperada, e que fora até áspero de con- dição, defeitos que um dos seus biographos adverte todavia acompanharem por vezes sujeitos que, para grandes coisas, oÊferecem aliás qualidades especiaes. Escreve porem outro historiador que os defeitos que o fizeram arredar do exer- cito não passaram de algumas temeridades de animo, pelas quaes exposera por vezes os seus subordinados a perigos desnecessários, o que não impedira todavia que o impera- dor de Áustria, reconhecendo os seus assignalados servi- ços, lhe oíTerecesse a patente de tenente-coronel, e depois a de coronel, ambas as quaes recusou.

Retirado das lides militares viajou o conde por tempo de dois annos pela Inglaterra, Suécia e Itália, até que, por fallecimento de seu pae, e lendo 24 annos de edade, foi cha- mado ao governo dos seus estados. No anno de 1753 rece- beu da Prússia a cruz da Águia negra.

Tornou a viajar pela Allemanha, Itália e Hungria, fazen- do-o com prudente observação, pelo que, e pelo officio de governar o seu povo, lhe aconteceu profunda mudança em.

ALGUNS FACTOS MILITARES S

seu espirito, tornando-se, diz o seu biographo, de mancebo iUrevido e febril em pessoa sizuda e reflectida, e também em rfiilitar prudente e esclarecido. Foi etle quem estabele- ceu no seu paiz o serviço militar obrigatório, interessando toda a população na sua defesa, com o que o resguardou das depredações que os francezes praticaram nos estados visinhos desde 1756 a 1763.

No annu de i757 uniu-se o conde com a tropa do seu pequeno estado ao exercito hannoveriano, de cuja artilhe- ria foi nomeado grão- mestre pelo rei da Inglaterra. N'esta qualidade tomou parte nas batalhas de Crefeld, de Minden, de Lulherbergen, de Fellingnaussen; nos assédios deMuns- ter, Cassei, Wesel, eMarbourg; e na retirada de Kampsen, que foi encarregado de cobrir.

Era 1762, a pedido do rei de Inglaterra, encarregou-se do commando do nosso exercito contra hespanhoes e fran- cezes e as exigências do pacto de família, para o que recebeu a patente de general feld-marechal hannoveriano, e a de marechal-general j)úrtuguez. A historia da sua breve, mas acertjnia campanha, encontra-se a 11. 182, 427, 586 e 701 da nossa Revista militar de 1849.

Sabíamos como os estranhos deprimem por costume as nos- sas coisas, fazendo-o leviana e apaixonadamente, e portanto sem boa critica; e que por este motivo imporia não lhes re- ceber as opiniões, antes de bem averiguadas. Na apreciação do estado moral do nosso exercito citaremos, não obstante, e quasi que textualmente, as palavras de Schmaliz, dei- xando ao leitor rejeitar as proposições em que elle oCfender a justiça, ou em que antepozer o seu henie á verdade dos factos, exagerando as circumstancias. Diz elle:

«Por toda a parle (em 1762) faltava em Portugal aquelle « enihusiasmo que, ou seja pela pátria ou pela honra, é o « único que completa o soldado, pelo que não poderia o exer- -^ cito subtrair-se a cair victima do inimigo. Era todavia, como «sempre acontece aos' apoucados e menos valentes, oppres- « sor dos fracos e dos inermes. (*) Para lhe accudir de re-

1 Sem pretendermos exaltar as nossas virtudes marciaes, nem con- testar por um qualquer modo a necessidade de pi'oceder a reformas no nosso estado militar na época de que se trata, principalmente quando o grande rei da Prússia acabava de fundar nova escola de táctica, e disciplina, não podemos acceitar comtudo o conceito em

10 PORTUGUEZES

«médio deu o conde regulamento e leis fundamenlaes á «« iropa, e uma orgauisação bem pensada. Fez considerável « alteração na parte administrativa, que Scbmallz lamenta o ter íicado perdida no silencio. {^) Obteve que o soldo

que o pscriptor alleinào tiuha o nosso exercito. As qualidades moraes do nosso soldado não andavam tão arrastadas como elle as figura. Vivia sim no abandono em que o lançara o governo depois da guerra da successào de Hespanha, mas a pouca felicidade, por si, não divoreeia o homem dos sentimentos nobres.

É geralmente verdade que, quando a ti'opa se não acha em dia com a instrucção e com a disciplina, se lhe arrefece o brio militar, e o espirito de corporação, esse grande movei dos emprehendimentos nobres, tão condemnado hoje pela utopia dos amigos da paz, bem como pela idéa reservada dos internacionalistas. Vae grande differen- Ça entre o estar mal preparado moral e materialmente para a guerra, e a depravação dos costumes. No começo do século xviii, e com as Noras Ordenanças de el-rei D. João v, foram os portuguezes a Hes- panha, portaram-se honradamente, e deram boa fama de si. Na ba- talha naval de Matapan, em 1717, coube aos nossos a victoria, e um nobre procedimento.

Se depois os negócios militares foram progressivamente entregues ao esquecimento, não era para admirar que, ao despertar de somno tão prolongado no bater do inimigo á porta, a geração nova não revelasse sciencia e ainda menos experiência da ffuerra ; mas não é licito aos alle- mães accusal-a de maldosa e de cobarde. Não era a França uma nação guerreira? Não andou ella em quasi todo o século xvm de armas em pu- nho? Não procurou ella intervir sempre poderosamente na politica europêa no tempo de Luiz xv? Ninguém o negará, mas apezar de tanta actividade, e de tantos dotes militares, eis comtudo o que o general, conde de S. Germain escrevia a 11 de novembro de 1757 em seguida á batalha de Rosbach, tendo sido o encarregado de cobrir a retirada do exercito francez Je conduis une bande de voleurs, d'assas3Ín3 o á rouer, qui lacheraient pied sans tirer un coup de fusil et qui « sont toujours prêts a se revolter. Jamais il n'y a rien eu d'égal ; « jamais armée n'a plus mal fait.Le roi a la plus mauvaise infanterie t qui soit sous le ciei et la plus indisciplinée. II n'y a plus moyen de « servir avec de pareilles troupes. La terre a eté converte de nos « soldats fugitifs á 40 lieues á la ronde ; ils ont pillé, tué, viole, « saccagé, et commis toutes les horreurs possibles. Notre uation n'a « plus Tesprit militaire et le sentiment d'honneur est anéanti. On « ne peut conduire nos troupes qu'en tremblant, et Ton ne doit s'at- « tendre qu'á dcs malheurs.» Eevue des deux mondes ãe 15 de se- tembro de 1872, pag. 337, no artigo La France apres Roshach.

Semelhante estado é o de cobardia, e desmoralisação. Os portu- guezes em tempo algum o imitaram se quer de longe, nem oíFerece- ram fundamento para alguém o affirmar, maximé da totalidade do seu exercito. Nenhum general teve occasião de lhes applicar estas palavras que Tácito poz na bocca de Germânico imprecando as le- giões sublevadas: Quid énimper hos dies inausum. intemeratum vobisf

1 Supprimos esta lacuna pela contheudo no documento final.

ALGUNS PACTOS MILITARES 11

« fosse pago á tropa pontualmente, sem o que e não podia «ser exigente na subordinação dos oCQciaes.

« Para levantar o seulimento da honra estabeleceu que a « otíensa entre ofiBciaes fosse desaggravada pelo duelio, cos- « lume bárbaro e damnoso de séculos obscuros, condem- « nado nos paizes cultos, mas de muita vantagem nos di- « tos séculos, e também em Portugal onde prevalecia a «ignorância. Foi o duelio quem manteve a honra e o va- «lor heróico entre os antigos cavalleiros, qualidades que « a superstição e a escuridão do espirito, quasi que ha- « viam banido do mundo. Devia portanto o mesmo princi- « pio dar resultado idêntico em Portugal, perante circums- « tancias iguaes (*).

o Versavam os regulamentos sobre o exercício das tropas, « os campos de instrucção, e o serviço ordinário, consti- « tuiudo obra acabada. Também o conde escreveu um pro- « jeclo defensivo de Portugal, digno de um Fábio {^). »

1 O alemão Link que visitou Portugal pelos annos do 1797 a 1799 diz no tomo 3.° das suas viagens :

«Se o conde de Lippe demittiuoofficial que abandonou o seu posto, procedeu n'isso sabiamente : se porém, ao modo dos bárbaros do norte, quiz obrigar á aceeitaçào do duelio, revelou uma falta de ra- zão.» Link foi admirador, e panegirista do conde.

2 A idéa de que o conde de Lippe escrevera uma memoria ou plano defensivo de Portugal tem vogado em differentes tempos, sem que alguém, que o saibamos, o alcançasse até hoje ver. Encontrando-a agora affirmada pelos allemàes, e por ser conveniente aos nossos offi- ciaes saberem qual tem sido, n'aquelle assumpto, as opiniões em tempos diflerentes, tendo que as sujeitar aos recursos disponíveis, e ás forças prováveis do inimigo presumivel", procedemos a algumas indagações de que vamos dar conta, bem como do resultado a que estas nos conduziram.

A desastrosa campanha de 1801 tendo levantado clamorosas cen- suras sobre o duque de Lafões, especialmente por parte do desera- bai-gador José Accursio das Neves, auctor da Historia geral da in- vasão dos francezes em Portugal, levou o muito instruído general Stockler, barão da Villa da Praia, a escrever áquelle magistrado uma serie de cartas impressas no Rio de Janeiro em 1813, em uma das quaes indicou os princípios que serviram para regular o plano de defeza adoptado pelo duque no anno 1801, sendo Stockler en- tão seu secretario militar. Na referida carta diz que sendo o du- que informado casualmente de que na secretaria da guerra existiam diversas memorias, projectos, e cartas militares que podiam ser de grande utilidade para dirigir o seu juizo na formação de um pro- jecto vantajoso de defesa, tendo mesmo uma nota de quanto se ha- via facilitado em 1797 ao príncipe de Waldeck, general alem.ão, que n'aquelle mesmo anno fora tomado ao nosso serviço, para coadjuvar,

Í3 PORTUGUEZES

« Desde então foram os regimentos ol)rigaclos a exerci- « cios fi equenles, e a numerosas reuniões nos acampa-

ou substituir o duque; pediu este e obteve todos os sobreditos soe- corros, e que por ellos, bem como pelos recouhecimentos que elle du- que íizern, imiiginou e reçulou o primeiro plano geral de guerra de- feusiva, que em Portugal se projectara; devendo exeeptuar-ne d'esta geuei alidade o intelligentissimo general inglez Lloid, que em uma memoria maiiuscripta, offerecera ao conde de Lipp". algumas iJéas sobre a matéria Esta memoria preciosa foi aunuuciaua pelo coude de Lippe ao nosso governo, e devia existir em os nossos archivos. merecendo ser examinada por ser escripta por um homem de geuio. Assevera egualmente Stockler ter ouvido dizer a pessoa muito ins- truída e muito verídica, que o conde de Lippe escrevera também um plano geral de defesa de Portugal, e que atè o fizera imprimir em numero de seis exemplares, um dos quaes fora por elle dado de presente á bibliotheca de Goetingen onde devia existir, sendo crivei que alíjum dos exemplares fosse também enviado á nossa corte, sendo comtudo certo que, ou elle nào chegou ao seu destino, ou se desen- caminhasse depois ; porque se não achou incluida nos papeis envia- dos ao duque.

Seria a memoria estampada por um qualquer titulo, na obra do conde N^ouvemi sy^teme, de que apenas se imprimiram três exem- plares em iátadthageii, que Bchmaltz viu, e de cujo prefacio ex- traiu o trecho, que adiante publicamos por occasiào de exprimir os sentimentos humanitários do cnde ? Nada podemos affirmar a este respeito, mas nâo o reputamos improvável, mas até, como hypo- these particular, alheia de todo a um tratado scientifico como sa- bemos ter sido o Noiíveau systeme, a que tíchamaltz se refere.

Succedendo porém termos tido no anuo de 1859 a honra de perten- cer a uma commissào incumbida de projectos relativos á defesa do reino, soubemos entào nada existir no archivo militar escripto pelo ge- neral Lippe, nem pelo general Lloid ; e que a própria memoria do príncipe de Waldeck, intitulada Resumo de um plano sobre a de- fesa de Portugal escripta em 1798, e que no anno de 1844 tinha no uo-so archivo militar o n." 144, sairá d'este archivo pelos annos de 1848 ou 1849 para ás màos do ministro da guerra, das quaes nunca mais voltou á referida estação.

Nào esmoreceu comtudo em nosso animo o desejo de levar mais longe a indagação, e por isso, valendonos de um amigo muito re- lacionado com pessoa estudiosa e sensata residente no Hesse elei- toral, que tinha também alguns amigos em Goetingen, e uo própria condado de Shaumbourg-Lippe. lhe pedimos que examinasse o que houvesse por ali a nosso respeito, que fosse obra do coude. Tive- mos em ret^posta, no anno de 1860, o seguinte : 1." Que tendo-se di- rigido aquella pessoa a Bukbourg capital do condado de Lippe, a Goetnigen, e a Cassei obtivera a certeza de nâo existir em qualquer d'e8te8 logares plano algum de defesa de Portugal, mandado impri- mir no iutervallo de 17(j2 a 1777 pelo conde de Lippe, querem fran- cez, quer em alemão : 2." Que na bibliotheca do actual conde rei- nante em Bukbourg existia (1800) um impresso com o seguinte

ALGUNS FACTOS MILITARES 13

«mentos, praticando as tropas em grande, o que as de Buk- «bourg realisavam em pequeno (i). Muitos officiaes fran-

titulo Instnicçues relativas a varias partes essenciaes do serviço diario para o exercito de sua magestade fidelissima debaixo do mando do conde reinante' de Schaiimhourgo Lippe, Lisboa 1762- 3.» Que na biographia d'este conde, es^nipta por Warnliagen de Eade' íoJf j^^'"f"^s ao assumpto : 4.» Que o 2.- folheto da eolleccào de 1»Õ4 do Jornal das scienctas e arte da guerra, publicara o' rela- tório do conde Guilherme sobre a guerra'de 1762, vertida do frau- cez para o allemào, pelo tenente Hesterman : 5." Finalmente ser pos- sível que no archivo de Bukbourg existisse a memoria procurada mas que por intervenção diplomática se poderia alcançar al- guma copja da mesma. E singular que na livraria do conde não existisse a obra que elle fez imprimir em ÍStadtagen, e que com quanto nao referida a Portugal se contava entre as suas publica- ções, de todas as quaes pedíramos noticia.

Rematando esta inquirição transcrevemos para aqui o que lemos a Pagr- 127 do 2.0 tomo da Guerra civil em Portugal, publicado pelo , sr. b. J. da Luz Soriano a propósito dos preparativos para a defesa no anuo de 1797, por isso que esclarece o caso, e finda officialmente a qnestao.«Alemd'isto, dizosr. Soriano. o mesmo Luiz Pinto de Sousa tratava^de alcançar da viuva do marechal general, conde de Schaum- bom-g Lippe, os papeis, e planos do seu defunto marido relativos á defesa de Portugal. em 5 de dezembro de 1777 escrevera -He uma carta directamente ao dito conde, pedindo-lhe em nome da rainha D. Maria I, a entrega das obras e mappas que houvesse escripto com relação aquelle objecto ; na certeza de que a mesma Auo-ugta senhora se mostraria reconhecida por esta fiueza. D'esta carta nunca se conseguiu eífeito. No anuo de 1796, vendo a condessa viuva do referido marechal, que os escriptos de seufallecido marido poderiam approveitar na occasiào em que de novo Portugal ia entrar em guerra com a Hespanha, dirigiu ao nosso ministro em Londres uma carta em 25 de outubro do referido anno, otiterecendo lhe os sobre- ditos escriptos, mediante a gratificação em que se conviesse. D. João de Almei.-a, não se achando auctorisado para acceitar esta proposta oflifiou sobre ella para Lisboa em 19 de novembro, mandando-lhe o govferno em resposta, que negociasse effectivamente a acquisicão dos escriptos em questão, sendo cincoenta e dois a sua totalidade A ^^«"^'nlf^r^^n, ^""L ''"^^ f offereceu e deu, foi a de 24:000 cruzados (9:600,0000), oSereceudo também ao conde de Gibon, secretario que ^oTn íw?'*?- ^'^'■^^b^l' "™ presente no valor de cincoenta moedas (^4t).£,(00 reis), por occasiào da entrega dos mencionados escriptos . Depois d'isto nos resta a certeza do desapparecimento de tra- balhos que deviam ser importantes, e que tinham sido adquiridos por bom preço ; sendo inexplicável a facilidade com que dos nossos archiyos tem desapparecido trabalhos de muita consideração. A pro- posição do biographo allemâo de que o plano era o de um Fábio, ex- citou nos a curiosidade, como nos acontece para com tudo o que se refere a nossa defesa.

1 Ag instrucções do conde foram impressas em Lisboa em 1767

14 PORTUGUEZES

« cezes e allemães se alistaram enlão no serviço portuguez, « atlraliidos pelo conde, e pelo soldo dobrado conferido aos « estrangeiros, os qnaes propagaram no exercito a disci- « plina, o pundonor, o zelo pelo serviço, e fundaram o « espirito militar. O conde estabeleceu em Lisboa uma es- í cliola d'arlilheria.

«Também conslrniu sobre um morro alcantilado junto de « Elvas, na província do Alemtejo, o famoso forte de Lippe. « Havia sobre esta eminência uma amiga capella da Senliora í da Graça, que devia ser necessariamente demolida, para « segurança de nm dos baluartes d'aquella praça. O clero « oppo/.-se á demolição, mas, desatlendido, vaticinou que « a Senhora se vingaria da nffronla, destruindo milagrosa- 0 mente a nova construcção. Frustrou-lbe comtudo a profe- H cia a vigilância do conde. Succedeu porém que um dia, « acbando-se elle á entrada de uma mina carregada e « prompta a fazer saltar uma rocha, viu que d'aquella a saiam apavorados alguns artilheiros, exclamando que ahi « havia fogo, ao passo que um engenheiro asseverava ter « visto levantar-se algum fumo. Suspeitou o conde que, em « quanto os artiliíeiros fugissem, alguém se introduzisse mali- « ciosíunente na mina, e por isso desceu logo a e!la, ordenando a que os referidos soldados o seguissem, o que elles pra- « licaram muito admirados, proseguindo logo em seu Ira- «I balho (O- Este caso, continua o biographo, revela a bar-

paia uao dos eommandantes dos corpos. Veja-se nas Reflexões o que estas contam dos acampamentos.

1 Os allemães attribuem ao conde de Lippe alguns factos nota- velmente fabulosos.

Eis um d'elles. A pag. 273 do jornal inglez The royal military chronicle, do mez de fevereiro de 1811, encontramos a carta seguii-.te :

Sr. Editor. Quando o conde de Lippe commandava a artilheria no exercito do duque de Brunswick contra os francezes, convidou uma vez diíFerentes officiaes haunoveriauos a jantarem na sna bar- raca de campanha. Quando a sociedade estava na yua maior anima- ção e festiva alegria, reparou em que, por cima da barraca, c na di- recção do pau que a sustentava, passavam successivameute differen- tes balas de artilheria, bradando logo os convivas os francezes não podem estar longe! Asseguro-vos, lhes disse o conde, que não es- tão perto, e peço-vos que estejaes á vossa vontade, tornando a oc- cupar as cadeiras, para concluirmos o jantar. Proferidas apenas es- tas palavras, uma bala de artilheria derrubou o tope da barraca. Levautaram-se de novo os officiaes exclamando o inimigo está comnosco ! De nenhuma sorte, tornou o conde. Não temos o inimigo.

ALGUNS FACTOS MILITARES |5

«barie, digna do século xi em que os padres opprimiam- « o reino. O simples nome de estrangeiro e de protes- « tante, era Ião temido do povo que indo um offidal de «Bukljourg, o sr. João Chrysostomo Pretnrius, capitão ao « serviço de Portugal, sócio das academias de Leão, e de Lis- « boa, medir as fronteiras acompanhado de nm destacamento «de dragi3es, logo que chegava a qualquer aldeia lhe fu- « giam os habitantes, voltando a ellas somente quando os «pad^-es os socegavam, e persuadiam.

« N'esta situação deveu o exercito ao cuidado, e á vigi- « lancia do conde o seu grande melhoramento, para o que « não teve elle a plena conflança do rei, mas vi\eu era «relações intimas com o grande marquez de Pombal, de « quem foi amigo particular, pelo que todos os magistrados « tinham ordem de cumprirem immedialamente as deter- « minações do general, participando ao ministro, somente « depois, o que haviam feito.

« alludimos ás mudanças operadas no systema da fa- «zenda, mas tanto a respeiío da sua iniciativa, como das « que se effectuaram no civil, existiu profundo silencio, as- « sim por parte do conde, como d'aquelles que o acompa- « nharam a Portugal, porque, dizia elle, não devia abusar « da confiança de el-rei. Também exerceu grar)de influen- « cia na politica da côrle, e a procurou unir estreitamente á « Inglaterra.

Incumbiu, continua Schmallz, a uma sociedade de eruditos, versados na lingua vernácula a traducção para o portuguez' das melhores obras francezas, inglezas, e allemãas, devendo os porluguezes apurar e acrisolar por este meio a sua lin- gua com os pensamentos e phrases dos estranhos « sendo « este um dos melhores meios de esclarecer uma nação que «soffria os estragos do barbarismo. Assim como é fora de «duvida, que sem uma lingua polida, não podem existir

Fiae-vos na minha palavra, assentae-vos, e prossigamos na comida. Recomeçou todavia o fogo na mesma direcção, continuando os offi- ciaes assentados em suas cadeiras, aparentando tranquillidade, mas nao sem trocarem entre si conjecturas sobre acontecimento tão sin- gular

FinTJo o jantar, levantou-se o conde, e fez a declaração seguinte : benhores : tive empenho em convencer-vos de quanto posso confiar nos meus officiaes de artilheria. Ordenei-lhes que, em quanto jantá- vamos, dirigissem-se tiros ao pináculo d'esta barraca, e sois testemu- nhas do bem que cumpriram as minhas ordens !! G. V.

f6 PORTDGUEZES

a idéas claras, lambem o é que os conhecimentos de qual- « (]wer nação são mais proporcionalinenle finos, claros, e o ricos (juanlo mais nobre, cssliçi-, e opulento é o seu « idioma. » É notável esta apreciação que da lingua porlu- gueza formava o biographo do conde!

Na memoria sobre os exercícios e meditnções mililares, impressas em Lisboa no anno de 178^2, mandou u conde •de Lippe crear biblioliiecas de obras origitiaes ou traduzi- das que se e;npi"estasseni aos oíBciaes, não para os fazerem letrados, ou para elles ostentarem erudição, mas para exer- cício do seu talento, e aceitarem as idéas praticáveis, sem se reputarem obrÍK'ados todavia pelas opiniões dos auclo- f es, que não aceitariam senão como ibema para meditação, e se instruírem ainda pelos próprios erros alheios. .4 yuerra, diz o marechal na referida memoria, não é para os (ifjiciaes um ofpcio. mas uma sciencia, cada um de cujos ramos exige estudo, não sendo a experiência mais que uma pratica cega, que não instrue quando o official não tem o espirito pre- parado para ella.

Disitostos assim os meios da regeneração militar, regres- sou o conde á sua pátria, elevado por el-rei D. José á di- gnidade de príncipe de sangue com o tratamento de aileza, e brindado com valiosos presentes.* Nunca recebeu soldo algum ou qualquer remuneração pecuniária, nem mesmo para os seus officiaes, os quaes serviram em Portugal avec une fierté três desmteressée, segundo a expressão do gene- ral Dumnuriez. na sua obra acima citada.^

Da sua pátria coritinuou o conde a sua influen -ia sobre a instrucção e a disciplina do nosso exercito, ao qual voltou

1 Consistiram estes em seis canhões de oiro, pesando cada um 32 libras, montados em reparos de ébano chapeados de prata. Um bo- tão, e uma presilha de brilhantes. Nào recebeu nenhuma condecora- ção portufcueza, por serem todas de ordens religiosas que se não conferiam a protestantes. Hoje, que perderam este caracter, e são apenas civis ou militares, teem sido conferidas aos próprios mouros, turcos, e judeus.

2 Escreveu, alem d'esta obra, um plano de defesa de Portugal, e traduziu em francez as campanhas do marechal Schomberg, prece- dida de um prologo seu, no qual fez melhor justiça aos portuguízee, em 1807. Este general celebre oíFereceu-nos os seus serviços, que lhe nào foram aceites. Possuímos duas refutações do seu plano, escri- ptas uma pelo capitão de engenheiros Neves Costa, e outra pelo ge neral marquez d'Alorna.

PORTUGUEZES 17

em n67 por pouco tempo, afim de observar o resultado das suas ordens, e prover em outras coisas, sendo geral- mente festejado. No anno seguinte, achando-se no seu condado, lhe otíereceu o nosso governo uma pensão vitali- cia de três mil libras (13:500^000 rs.), que não quiz aceitar.

Em 1776 mandou para o nosso exercito dezaseis officiaes da sua eschola d'artilheria e engenheria de Bukbourg, os quaes se retiraram por fallecimento do Sr. D. José i. Ainda no reinado seguinte, receando-se novas complicações com a Hespanha, foi convidado o conde a retomar a direcção do nosso exercito, mas escusou-se elle pretextando pouca saúde.

A esta rápida noticia do conde em quanto influiu imme- diatamente em Portugal, acrescentaremos a do seu phisico, costumes, moral, e instrucção.

Foi muito dado a estudos malhemalicos, ás sciencias mi- litares, e sobretudo á artilheria. Cultivou a historia, a phi- losophia, a lilteratura, e as sciencias politicas, não sendo hospede em medicina. Foram-lhe familiares as linguas al- lemã, ingleza, fianceza, italiana, e a porlugueza.

Era muito versado no lalim cujos clássicos eram de sua estimação, e explicava sobretudo as campanhas de i.ezar. Foi uujilo amador de musica, que executava com nieslria no cravo. Desenhava com perfeição, era forte na esgrima, e cavalgava admiravelmente. Dot;ido de felicíssima consti- tuição pliisica, foi Sóbrio na alimentação, e de pouco dor- mir. Era tão ágil que saltava f^cilm^nte por cima de qual- quer obstáculo de 5 pés e meio de alto.

Foi de estatura mais que ordinária, magro, nervoso, e robusto. Teve a testa larga e proeminente ; olhos rasgados, penetrantes, e taes que inculcavaníi magestade e império, mas logo depois um espirito intelligente. e l)enevol('; nariz aquilino, e bocca muito pequena. Respeitável no todo, era sóbrio na palavra, mas esta corria-lhe sempre lúcida, e afiía- vel. Schmaltz qualiflca-o de varão cheio de pacifica gran- deza.

Trajava fato azul singelíssimo sempre abotoado, não se distinguindo senão pela cruz da agnia negra bordada na sobrecasaca. Usava sempre de chapéo armado, e de bolas altas.

Escolheremos agora de entre alguns casos da sua vida,

18 ALGUNS FACTOS MILITARES

citados pelos escriptores, os que nos parecerem sufficientes á definição do seu caracter, que na sua vida domeslica reve- lou sennpre amável e brando. Tendo escripto em francez uma obra que denominou Noiíveau systeme de Vart de la guerre, em cuja primeira parte se occupou da taclica, na segunda da íirtilheria, e na ultima da forliticação, precedeu-a de um discurso de Índole toda humanitária, dizendo o se- guinte *: «O homem parece ser, por natureza, propenso á « guerra, como alguns animaes á nipina ; mas o que elle faz « para não perder a sua dignidade rehaixando-se á condição «da fera, com maioria de razão o deve applicar ao seu ins- « tincto bellico, a[)urando-o e ennobrecendo-o. O uso da « guerra que, quando rude e informe, é o opróbrio da hu- « nianidride, pôde converter-se por aqneile niodo em raa- «n^ncial de notáveis virtudes como são a magnanimidade, «a valentia, e a nobreza varonil. O disveio pelo aperfeiçoa- « mento da sciencia da guerra, não deve ser considerado «um emprego triste no inventar simplesmente systemas de « matar, mas sim como um grande serviço prestado á bu- «maíiiiiade, porque quanto mais completos se tornarem os «conhecimentos militares, tanto maior risco importará a de- fclarí^ção da guerra, tornando-se esta portanto menos vulgar cr posto que lioje isenta da antiga carnificina feroz. Elevada «a guerra defensiva a uma doulrir)a generosa, decairá de «principio tão sublime e moral aquelle que a empretiender «na oíTensiva. A idéa de primeiro e espontâneo oíTensor, « nunca se poderá ajustar á da dignidade humana, etc. »

Declarados por seu punho sentimentos tão humanitários, vejamos como os revelou o seu coração ao sitiar a praça de Munsler. Tendo ordenado contra ella o terrível bombar- deamento que a rendeu, ao ver a cidade em cliammas, des- viou o rosto, e profundamente commovido chorou.

Como prova da sua indexibilidade disciplinadora posto que talvez exaggerada, transcrevemos a passagem seguinte. Um soldado portuguez levado de um falso zelo religmso e muí)ido de uma espingarda de vento, disparou-a contra o conde, que eslava entre as barracas de um acampamento. A bala furou-lhe o chapeo, mas elle, sem mudar de logar,

1 Affirma Schmaltz ter lido esta obra impressa em Stadtliagen» de que se tiraram apenas três exemplares, e compara o seu estylo ao de Plutarcho.

PORTUGUEZES 19

chamou alguns officiaes para junto de si. Repeliu-se o tiro zenindo-lhe a bala por cima da cabeça. Inslaram-n'o para que se retirasse, ao qiie não annuiu cem o filo de desco- brir o atirador, o que obteve quando este preparava terceiro tiro. Prendeu-o então, e o mandou fuzilar immediataraente. Debalde lhe representaram os capellães militares que o reu devia receber previamente os sacramentos, ou pelo menos a extrema-uncção. Foi o conde inflexivel, e a pena logo exe- cutada. Alludindo a este acto summarissimo, diz Schmaltz: « quem ponderar quanto pode a superstição que levou Ra- «vaillac a franquear o caminho do ceu pelo assassinato, « persuadir-se-ha da prudência com que procedeu o conde «de Lippe j> \

1 E notável o empenho dos protestantes em exagerar a nossa in- tolerância religiosa. Todos sabemos todavia que nas muitas occa- siòes em que concorremos com os nossos auxiliares estrangeiros na guerra da acclamaçào e depois na da successão, lidámos com pro- testantes iuglezes, siiissos. hollandezes e outrof-, sempre na melhor harmonia. Também é facto histórico que quando o general Schom- berg, também protestante, commnndou o nosso exercito, sendo elle muito aprimorado no seu trajar, lotro depois de vencidas as grandes batalhas, alguns patriotas chegaram a vestir diíferentes imagens com fatos á Schomberg ! Ablancourt que foi ministro de Luiz XIV em Portugal e grande apologista de Schomberg, diz nas me- morias d'este rein >, impressas em Amsterdam em l701, com refe- rencia ás campanhas de 1659 a 1668, ser tanta a admiração por aquelle general que ou tachait encore de Vimiter jnsqnà la ma- niere de se vétir, ce qui è eté suivi siirtout par les porfugais, depuis même son départ, quoy que dans les commencemenu les ecclosiasti- ques, j)our reprimer cet abiis, eussent publié pitis d'une fois dans toutes les paroisses que personne neul pias a Vavenir à vétir, m à pa- rer les saints, ni les saintes à la Schomberg. Cela fondé sur ce que Von empruntoit les jusf-ati-corps brodez, les perruques blondes, et les points de France, poiír eu parer les representations de saints que Von porte aitx frequentes processions, qui sont en ces pays-là »

Além d'este testemunho do embaixador france«, devemos mencio- nar que se o allemào Schmaltz nos attribuia em 1782 o que levamos transcriplo, outro allemào, Hagner, escreveu depois em 1789 (Vida de Schomberg impressa em Manheim 2 tomos in 8.»), ser notável que entre todos os obstáculos que os portuguezes tinham opposto ao dito general durante a sua estada no reino cont'ariando-lhe os pla- nos, ou tornando-ihe a vida desagradável, parecia que nem a aver- são religiosa contra elle nem contra o grande numero de oflS- ciaes e de soldados heréticos que tinha ás suas ordens, influirá no seu procedimento ; em quanto que o conde de Lippe, que com- mandára em nossos dias, dizia nas suas memorias ser detestado por este motivo, que a sua vida correra risco, e que logo que se aproxi-

20 ALGUNS FACTOS MILITARES

Diremos, por ultimo, emquanlo á sua virliide e suavidade de animo, bem como acerca das suas idéas religiosas, o se- guinte. Tendo voltado de Poriu<]:al, contrahiu estreita ami- zade com o philosoplio Abht, logo que esie lhe fez leitura da sua ohra intitulada Da morfe pela pátria i. D'estas re- lações proveio nonieal-o coiiselljeno do governo e director da instruccão publica, dando-lhe morada no seu palácio, viverem na maior familiaridade, e quasi que formando uma alma. Fallecido Abbt prematuramente causou isto pro- fundo pesar ao coração do conde que o pranteou amarga- mente, fazendolhe erigir um mausoléu na sua capella, para o qual compoz o epilaíio seguinte :

UM PURO TEiVOR DE DEUS,

UM VERDADEIRO AMOR DO PRÓXIMO,

E UM SABER VASlISSlMO,

EIS OS MERECIMEMOS KEAES POSSUÍDOS POR AQUELLE

CUJOS RESTOS AQUI DESCANÇAM,

E O QUE NO MUNDO MAIS RECOMMENDOU.

Tendo O conde perdido sua filha única, a qual prezava em extremo, bem como um seu intimo amigo, rer)unciando

mava de alguma povoação com as suas tropas extrangeiras, todos fugiam, homens, mulheres, e crianças.» Parece-uos que Haguer cornmetteu erro attribuiudo ao conde, que nào escreveu memorias de si, o que tão somente tinham affirmado os seus biographos; e fica ainda por saber se os habitintes fugiam mais depressa de alguma violência a que muitas vezes se tinham dado os mercenários extrau- geiros, que da infecção herética.

Emquanto á auecdota do tiro, havemol-a como pura invenção, primeiro porque as espingardas de vento não andariam por mãos de soldados sendo n'aquelle tempo raras, ou quando menos ob- jecto de museu : segundo porque nem a acçào do tiro, nem a força do projéctil revelariam facilmente o atirador, nem a direcção da trajectória : terceira porque tendo ouvido contar a meu pae, secreta- rio que foi do general de Valleré, general que tratara repetidas vezes com o conde de Lippe de quem foi muito amigo, casos notáveis acontecidos ao mesmo conde, em nenhuma occasiào se referiu elle a simiihantH acontecimento, o qual temos portanto na mesma conta em que reputamos a auecdota do jantar e da artilheria que acima trans- crevemos, copiada litteralmente do jornal inglez.

1 Thomaz Abbt fallecido em 1766 aos 28 annos de edade, tendo regido uma cadeira de philosophia em Francfort sobre o Oder, e uma de mathematica na Westfallia, escreveu differeutes obras, que pu- blicou em seis tomos, sendo a mais estimada a da Morte pela pátria, e

PORTUGUEZES 21

a sua costumada actividade se entregou á dor e melanco- lia, e abreviando com isto seus dias, se llie escapou a vida aos IO de setembro de 1777, na edade de 53 annos, no mesmo anno do faliecimento d'el-rei D. José, a quem pres- tara relevantes serviços.

Dada esta concisa noticia do marechal general conde de Lippe, passemos agora ás Reflexões militares do general Fraser, examinando se ao primeiro foi ou não bem appli- cado o :

« Âliquando bónus dormitai Homeriis »

Reflexões militares sobre o regulamento para o exer cicio, e disciplina dos reg-imentos de iu- fan teria de 18 de fevereiro de 1763 K

CAPITULO I

(Pag. \) Do estado e formatura das companhias

Um regimento de 6 companhias de fuzileiros e de uma de granadeiros, tendo cada companhia 3 oíSciaes, 8 oíficiaes . mfenores, 2 tambores e íOi soldados é contrario a todas as máximas militares colhidas da experiência da guerra, por ser principio assen-ado o haver 1 oíiicial inferior e 1 BDspeçada para cada 9 soldados. A razão d'este preceito

a Do mérito. Traduziu para o allemão a Conjuração de Catilina de ballustio, e em francez as Indagações sobre os sentimentos moraes de Moyses Mendelshou.

1 Foi-uos necessário co-rigir algumas phrases do authographo, bem como alguns anglicismos nos logares em que isto nos pareceu conveniente á intelligeucia do que o auctor dizia, mas n'Í3to proce- demos sem a miuima alteração do sentido.

Também para intelligencia d'este capitulo, e do seguinte, e para evitar cmfusòes, cumpre advertir que, no sentido táctico é aqui o regimento considerado bataihào. Que as companhias se dividiam em quatro pelotões (cap. 1.», art. 16;, e o batalhão em oito pelotões (cap. -.°, a,rt. 24). Que a companhia de granadeiros se dividia em dois pelotões (cap. 2.0, art. 25). Que dois pelotões formavam uma divisão (cap. 2.», art. 27). Finalmente qu«i na formação das columuas, e no seu desinvolvimento em linha, existiam pelotões, divisões, meios e quartos de divisão e meios batalhões.

22 ALGUNS FACTOS MILITARES

apparece com evidencia nos acampamentos, deslacamentos e marchas, além da conveniência de haver sempre uui nu- mero de officiaes e ofliciaes inferiores promptos não para supprirem immediatamente a falta dos que morrera na guerra, mas ainda porque nem todos os officiaes podem as- sistir sempre aos seus regimentos pela variedade do serviço a que estão obrigados, e por outras casualidades, como por exemplo a do soberano ser obrigado a formar regimentos novos, liypolhese para a qual deve ter á mão um excedente de officiaes e officiaes inferiores, sem deterioramento dos re- gimentos velhos, aos quaes fariam grande falta.

De seis companhias de fuzileiros não se pode formar um batalhão sem as dividir ou separar arruinando portanto a combitiação primitiva e a ordem interior, sendo aliás regra geral o conservar as companhias juntas quanto fôr possivel para despertar-lhes a emulação, avivar os espiritos pela competência entre si, e para que sejam os seus próprios officiaes os que combatam á sua frer;te.

Parece-me lambem mau systema conservar em tempo de paz lul soldados em uma companhia, não pelo grande gasto que com elles tem que fazer o soberano, mas por op- primir o povo de um pequeno paiz não bem povoado, o grande numero de recrutas a que está obrigado, diminuindo com isto a sua população, e consequentemente o trabalho dos campos e das villas. E como d'este vexame resulta maior numero de deserções, muitas prisões, bastantes con- selhos de guerra, e haver muitos degradados, melhor fora conservar em tempo de paz apenas os quadros de muitos regimeiitos, porque no principio da guerra se lhes poderia então augmentar o numero dos soldados, que brevemente se adestrariam, divididos que fossem pelas companhias disciplinadas. Não será por este modo preciso levantar re- gimentos novos senão em ultuna extremidade, o que. pelo systema presente deve acontecer logo que haja rompimento de guerra, por serem actualmente poucos os regimentos, e porque uma companhia que tem 101 soldados se nâo pôde elevar immediatamente a maior numero sem grandes inconvenientes ^

^ As considerações feitas n'este capitulo nâo são inflexivelmente procedentes, nem as contrarias ás companhias numerosas. Moderna- msnte considera-se o batalhão como sendo a unidade táctica por ex-

PORTUGUEZES 23

A formatura da companhia é destituída de razão. Deter- mÍDa os logares para os oíjíiciaes inferiores por sua altura, contentando a vista á custa da ordem necessária, por isso que a regra geral é pôr nos flancos e no centro os mais ra- pazes, e os peiores na rectaguarda. Esta formatura phanta- siosa de parada e que faz perder muito tempo (tão pre- cioso aliás em todas as occasiões de guerra), pódese reme- diar facilmente formando logo desde o principio as compa- nhias em pelotões, e destinando officiaes e olíiciaes inferio- res para cada um para ahi ficarem permanentes, de sorte que no momento em que se mande formar a companhia, seja sufficiente entrarem ds pelotões em linha, ficando tudo prompto e sem demora. Assmi o praticaram os romanos, e se alguém se o[)pozer a isto, lenho ainda muitas razões para o sustentar. Determinada uma vez a ordem primitiva se deve esta conservar sempre até nos corpos maiores, na parle que fôr possível.

CAPITULO II

(Pag. 11). Da formatura do batalhão para a parada

N'esta formatura a cuja descripção se destinam 1''2 pagi- nas fica arruinada toda a ordem interior das companhias, porque furmando-se as 6 de fuzileiros em 8 peintõrs, parle de uma companliia se juntará á de outra, e nenhum offi- cial ou oíBcial inferior ficará exclusivamente com os soldados d'aquelia a que pertence, mas com os de ouiras que não conhece e que por se não acharem hahiluaimente debaixo das ordens mmiediatas dos seus próprios officiaes, são mais

celleucia, sendo a sua força minima de 500 homens e a máxima de 1:200. D'isto se encontram exemplos nos prineipaes exércitos da Eu- ropa. É também variável o numero de companhias em cada bata- lhão, sendo na Allemanha de quatro por se prestar ás melhores com- binações, não sendo aliás engeitavel o numero de seis, assim por se prestar ás reservas nos quadrados, como aos supportes dos flancos, ou ao serviço em ordem extensa. Na Prússia e na Rússia é de iioO homens o máximo de uma companhia, e de 90 o minimo. Entre estes limites deve pois ser constituída a companhia para se prestar ás con- dições tácticas e administrativas, e a esta quantidade se devem pro- porcionar os ofiiciaes inferiores, hoje mais que nunca indispeusayeia no campo pelas novas idéas tácticas, necessidade das tropas ligeiras e modo de combater.

24 ALGUNS FACTOS MILITARES

attreitas a faltarem ás suas obrigações, e a causarem desor- dens. Afastada assim a emulação fica desfallecido o brio interior e especial da companhia por se encontrar dividida pelos pelotões; nem os soldados entenderão tanto as vozes, ou mandamentos de oíBciaes estranhos, como as dos seus próprios capitães, a que estão acostumados, e dos qnaes po- dem esperar por outro lado favor e adiantamento, ou tam- bém castigo quando o mereçam. Se um pelotão irahalha mal, o coronel não pode criminar tanto o official que o com- manda, coaio se o pelotão fosse constituído ex( lusi\amente da sua companhia. O capitão a quem os soldados perten- cera, mas que se acha em differente pelotão do batalhão, dirá que se estivesse com ds seus, muito melhor teriam elles obrado; ou que se o pelotão que dirige trabalhou mal, não é elle o responsável porque não foi o seu disci- plinador. Assim cada ofíicial terá desculpa pronipta, e até ceito ponto allendivel, e os soldados muitas occasiões para enganar quem os governa.

É igualmente muito o tempo que se perde n'esta for- matura porque pelo mau modo de formar ns companhias na linha, são tantas as repetições de mandamentos inúteis de uma para outra companhia, que o todo parece uma es- cola de meninos dando lição.

Cara principiar esta formatura do batalhão mandam-se os granadeiros á direita, os fuzileiros á esquerda, e tíuios ba- tem com o a uns signaes dados nos íKincos. Os offi. iaes, e olliciaes inferiores marcham então para o cenlro, forman- do-se os primeiros por antiguidade, e os segundos por al- turas, como se fossem a aniiguidade e a altura condições attendiveis na collocação de um militar em presença do ini- migo.

Segundo este systema os capitães e os outros officiaes são afastados dos pontos que o rei lhes conferiu e separados das companhias que lêem criado e disciplinado, nas quaes tenham talvez filhos, parentes, amigos, ou pessoas conhe- cidas bem capazes de darem por elles a vida; ao passo que vão governar soldados a isso indifTerentes, e dissabo- reados por não terem comsigo íis seus pn pri(>s oííiciaes, excepto o coronel. Volto aos soldados que esli?,o marchando, e desfazendo a união das compaidiias, e que depois de sa- patearem por muito tempo, e de ficarem mal perfilados, o

PORTUGUEZES 2S

coronel lhes manda alto. Os granadeiros acham-se en- tão a ^8 passos do batalhão quando deviana estar somente 5 separados d'elle, facto que obriga a mandal-o> depois á esquerda para occnparem o seu terreno, seguindo-se a isto vir o ajudante dividir a massa em 8 pelotões, do que pro- vém nova desordem, empurrando tilas á direita e á es- querda para que cedam os inlervallos necessários, de sorte que é preciso tornar a perfilar tudo o batalhão. Os officiaes, officiaes inferiores, e tambores vão enlão aos seus [)Ostos. Todos os sargentos ficam com o 5." pelotão, quando seriam muito mais iiieis divididos pelos flancos e pelo centro para commandarem o pelotão em que falte oíBcial. Mandam-se depois as bandeiras ao centro, e quando finalmente se o batalhão por formado, ninguém está no seu próprio lo- gar ou fracção a que ordinariamente pertence, excepto o co- ronel.

Esta formatura heterogénea é quasi a mesma que a do antigo regulamento da Prússia hoje abandonado, e tomou sua origem de outros reinos por uma economia mal pen- sada, como é a dos regimentos serem compostos de pou- cas companhias, sendo porém cada uma numerosa em sol- dados a fim de haver poucos i>íBciaes a quem pagar; tendo lambem por ignorância dos verdadeiros e práticos princí- pios da guerra, abraçado a idéa de fazer fogo por pelotões da direita e esquerda para o centro, não podendo ter para isto menos de 8 pelotões, e de distribuir por esies as cinco, seis, ou sete companhias. Consequentemente repartiram os officiaes, e os officiaes inferiores da mesma forma. A pen- samento tão mesquinho é devido o deplorável estado em que ficou a disciplina militar desde o anno de 1711 até ao de- 1743, periodo em que tendo morrido os militares bons e peritos, e não tendo os novos nenhuma escola de ins- trucção ou de guerra, porque nunca viram senão as ridi- cularias das explanadas, das paradas, dos manejos de armas, dos fogos inúteis, das praças vasias, das alturas de solda- dos, e das antiguidades foi necessário que nascesse el-rei de Prússia para os remir da superstição em que foram cria- dos e instruídos. Este grande general, na guerra de 1755, deu ordem aos coronéis para que formassem os batalhões por companhias, ficando com elles os capitães e outros offi- ciaes. No exercito alliado o príncipe Fernando de Bruns-

*1

fte

ALGUNS FACTOS MILITARES

wick deu a mesma ordem. O general inglez Wolfe qne per- deu a vida na America no próprio momento do seu Irium- pho, praticou o mesmo na batalha de Quebec. No flm d'aquella campanha deliberaramse os coronéis inglezes a saltar por cima dos muros da ignorância, e seguiram igual systema. A razão mostra que assim se devia fazer, seudo certo que os homens que comem, bebem, dormem e vivem juntos pelejarão muito melhor unidos que separados; e que o que não possuir firmeza de espirito muito mais se animará com isso, e terá por outro lado maior pejo em se mostrar cobarde ('uando cercado de amigos e commandado pelo seu capitão, que na companhia de pessoas eslranlias. Não devo omitlir que no anno de 1777 quando se accrescen- taram 3 companhias a cada regimento de iníanteria do nosso exercito, no aviso que mandou o general Mac-Lean * aos coronéis, declarou que El-Rei dava aquella oroanisição á sua infanteria para haver 8 companhias de fuzileiros em cada regimento, formando cada companhia um pelotão, e t de granadeiros para cobrirem o flanco de cada batalhão, o que aliás não vejo praticar.

Não me atrevo a importunar a v. ex.* circumstanciando- Ihe os benefícios que resultariam ao serviço de se formarem sempre os batalhões por companhias porque sabe melhor que eu que apenas as companhias se ordenassem em linha, formado ficaria o batalhão, e cada um se acharia no seu primi- tivo posto. Se no batalhão se notasse alguma falta saber-se-ia logo que fora devida á companhia inteira do capitão fulano, e se poderia com justiça ordenar ao tal capitão que trabalhasse com a sua companhia no dia de folga, quando as mais des- cançassem. Estas zombariam da que errasse, a qual se pos- suiria de ambição e de zelo em reganhar o seu credito, e poder tan)bem descançar. Entre os capitães haveria maior compe- tência 6 emulação sobre qual teria melhor companhia no batalhão, e esperaria o adiantamento como premio do seu disvelo e applicação. Em fim esta formatura natural mos- traria os seus bons effeitos em todas as occasiões de guerra, por poupar muito tempo, e muito trabalho inútil á tropa, por conservara uniào dos differentes elementos, livrar-nos-ia de uma pratica perniciosa e nos sublrahiria á fastidiosa re-

^ 1 Mac-Lean foi antes de general, coronel do regimento d'infante- ría de Penamacor.

sordr

-r'HÉítUi

i«.m

PORTUGUEZES

27

petição de mandamentos que devem ser aliás lacónicos 9 resumidos.

Poderão talvez os crilicos, ou os homens de chimeras, que nada sabem aliás do ofiQcio (abundara em lodos os exércitos), arguir-rae de que esta formatura por companhias não pôde fazer-se por- serem as dos flancos do coronel, tenente co- ronel e a do major isto é, a segunda da direita, todas três conduzidas por tenentes que não devera commandar nos flancos, havendo capitães nas outras partes do batalhão. Terei a honra de responder de plano a estes senhores que posto que os tenentes actuaes do exercito por serem moços e educados desde sua infância n'essa disciplina que teraos, ainda que não boa, são todavia melhores offlciaes que o maior numero de capitães que principiaram a servir niuito antes de i762, em que o exercito foi levado a melhor pé, e direi mais, que tenho rapazes e offlciaes no meu regi- mento que preferiria para os postos de perigo, quando ne- cessário, isto com preterição de alguns capitães posto que d'estes me não queixo. Se instarem replicando-me que os offlciaes devem formar dos lados para o centro, sustentando ainda a falsa idéa da antiguidade obrigada, responderei que, formando um batalhão por companhias (provada ser esta a verdadeira ordenança), nunca será possivel observar a ordem escrupulosa da antiguidade cora que nos martelam a cabeça, pela simples razão de não mudarem as compa- nhias do seu logar primitivo no batalhão. Suppondo que morre o capitão da 5.' companhia, por exemplo, e que este fosse o mais antigo dos fuzileiros, sua mageslade leria que nomear-lhe outro, que ficaria por consequência sendo o ca- pitão mais moderno do regimento. Como porém a 5.^ com- panhia será sempre a 2.* da esquerda quando o batalhão se formar em linha, e antes de se dividir como determina o regulamento, o capitão d'aque!la companhia se achará no quarto posto. Pergunto agora se não seria grandissimo ab- surdo tiral-o da sua companhia porque um outro foi feito capitão antes d'elle? Queiram entender e persuadir-se de que nenhum official debaixo de armas perde a sua an- tiguidade quando se achar á frente da companhia ou do regimento que o rei lhe confiou. Se ainda negarem isto, poderão ir aléra, e dizer-me lambem que um general for- mando tantos regimentos em linha de batalha deve antes

^]

.rssxí-:-';^

26 ALGUNS FACTOS MILITARES

wick deu a mesma ordem. O general inglez Wolfe que per- deu a vida na America no próprio momento do seu trium- plio, praticou o mesmo na batalha de Quebec. No flm d'aquella campanha deliberaramse os coronéis inglezes a saltar por cima dos muros da ignorância, e seguiram igual sysiema. A razão mostra que assim se devia fazer, seudo certo que os homens que comem, bebem, dormem e vivem juntos pelejarão muito melhor unidos que separados; e que o que não possuir firmeza de espirito muito mais se animnrà com isso, e terá por outro lado maior pejo em se mostrar cobarde (}uando cercado de amigos e comm;n;ilado pelo seu capitão, que na companhia de pessoas estraníjas. Não devo omittir que no anno de i777 quando se accrescen- taram 3 companhias a cada regimento de infanteria do nosso exercito, no aviso que mandou o general Mac-Lean * aos coronéis, declarou que El-Rei dava aquella organisição á sua infanteria para haver 8 companhias de fuzileiros em cada regimento, formando cada companhia um pelotão, e t de granadeiros para cobrirem o flanco de cada batalhão, o qup aliás não vejo praticar.

Não me atrevo a importunar a v. ex.* circumstanciando- Ihe os benefícios que resultariam ao serviço de se formarem sempre os batalhões por companhias porque sabe melhor que eu que apenas as companhias se ordenassem em linha, formado ficaria o batalhão, e cada um se acharia no seu primi- tivo posto. Se no batalhão se notasse alguma falta saber-se-ia logo que fora devida á companhia inteira do capitão fulano, e se poderia com justiça ordenar ao tal capitão que trabalhasse com a sua companhia no dia de folga, quando as mais des- cançassem. Estas zombariam da que errasse, a qual se pos- suiria de ambição e de zelo em reganhar o seu credito, e poder lambem descançar. Entre os capitães haveria maior compe- tência e emulação sobre qual teria melhor companhia no batalhão, e esperaria o adiantamento como premio do seu disvelo e applicação. Em fim esta formatura natural mos- traria os seus bons efiíeitos em todas as occasiões de guerra, por poupar muito tempo, e muito trabalho inútil á tropa, por conservar a união dos dififerentes elementos, livrar-nos-ia de uma pratica perniciosa e nos subtrahiria á fastidiosa re-

^ 1 Mac-Lean foi antes de general, coronel do regimento d'infante- ria de Penamacor.

PORTUGUEZES 27

petição de mandamentos que devem ser aliás lacónicos 8 resumidos.

Poderão talvez os críticos, ou os homens de chimeras, que nada sabem aliás do ofQcio (abundara em lodos os exerciíos), arguir-rae de que esta formatura por companhias não pode fazer-se por- serem as dos flancos do coronel, leiíente co- ronel e a do major isto é, a segunda da direita, todas três conduzidas por tenentes que não devem coramandar nos flancos, havendo capitães nas outras parles do batalhão. Terei a honra de responder de plano a estes senhores que posto que os tenentes actuaes do exercito por serem moços 6 educados desde sua infância n'essa disciplina que temos, ainda que não boa, são todavia melhores otíiciaes que o maior numero de capitães que principiaram a servir muito antes de 1762, em que o exercito foi levado a melhor pé, e direi mais, que tenho rapazes e olliciaes no meu regi- mento que preferiria para os postos de perigo, quando ne- cessário, isto com preterição de alguns capitães posto que d'estes me não queixo. Se instarem replicando-me que os ofBciaes devem formar dos lados para o centro, sustentando ainda a falsa idéa da antiguidade obrigada, responderei que, formando um batalhão por companhias (provada ser esta a verdadeira ordenança), nunca será possível observar a ordem escrupulosa da antiguidade com que nos martelam a cabeça, pela simples razão de não mudarem as compa- nhias do seu logar primitivo no batalhão. Suppondo que morre o capitão da 5.' companhia, por exemplo, e que este fosse o mais antigo dos fuzileiros, sua magestade teria que nomear-lhe outro, que ficaria por consequência sendo o ca- pitão mais moderno do regimento. Como porém a 5.* com- panhia será sempre a 2.* da esquerda quando o batalhão se formar em linha, e antes de se dividir como determina o regulamento, o capitão d'aque!la companhia se achará no quarto posto. Pergunto agora se não seria grandissimo ab- surdo tiral-o da sua companhia porque um outro foi feito capitão antes d'elle? Queiram entender e persuadir-se de que nenhum official debaixo de armas perde a sua an- tiguidade quando se achar á frente da companhia ou do regimento que o rei lhe coníioa. Se ainda negarem isto, poderão ir além, e dizer-me também que um general for- mando tantos regimentos em linha de batalha deve antes

28 ALGUNS FACTOS MIUTARES

de tudo chamar á frente todos os coronéis, ou os ofliciaes superiores em geral, e nomeal-os por suas antiguidades para aquelles regimentos. A consequência d'isto seria a de que nenhum coronel ou oflScial superior ficaria no seu re- gimento, importando isto grave transtorno. Bem sei que me redarguirão que esle caso não pôde succeder a respeito dos coronéis, por tomarem em Portugal os regimentos precedência na linha conforme ás patentes e graduações dos seus coronéis, de forma que o regimento de um tenente general, supponhamos feito de novo, terá superior antigui- dade ao legimento de um m-rechal de campo muito antigo; mas ainda n'esta hypolhese sustentarei que seiá isto con- sequência somente da falsa idéa da antiguidade exaggerada até onde pôde ser, porque se este tenente general morrer e o rei der o commando a um tenente coronel, que forço- samente ficará sendo o coronel mais moderno na linha, aquelle regimento terá que se mudar para o centro, e de contender a respeito de logar com outros regimentos, cau- sando com isto desordem nas brigadas e na disposição geral do exercito, de tudo o que se pode deduzir que os regi- menios devem ter a sua antiguidade primitiva contada do lem[io em que os creou o soberano, circumstancia que nada tem com a graduação dos seus coronéis, que se mudam frequentes vezes principalmente em tempo de guerra. E como goslará um regimento antigo que tem feito proezas na guerra, e obteve nome na historia, de vêr ao seu lado direito nm regimento novo, porque o seu chefe é mais antigo ? *

Para contentar os parciaes das antiguidades ouso dizer- Ihes que a sua idéa tem logar no serviço interior dos cor- pos, nos conselhos de guerra, nas guardas, destacamentos, e nas partidas dos differentes corpos por occasião de se encon- trarem, aífirmativa esta que os deve satisfazer. Estou porém certo de que necessitando um general para qualquer ser- viço importante, de algum bom oíTicial, o não escolherá de certo pela antiguidade. Devo também observar que se um oíBcial não tem oulio titulo para se adiantar além do da antiguidade, o serviço se achará provido de menos bons mi- litares ; e que se este principio se estender até ao com-

1 Parece incrivel como não occorresse preferível a idéa da nume- ração.

PORTUGUEZES 29

mandanle em chefe, o general que embora com pouco prés- timo chegar a idade avançada obterá o logar.

Milito perdeu Malhusalem em não ser militar porque sus- tentada a antiguidade absoluta nas promoções, teria chegado hoje a generalíssimo do mundo I!

Torno a fallar do batalhão. Dir-me-hão que fazendo das companhias pelolões, e não podendo ellas conservarem-se jguaes em força, resultará para os pelotões lerem mais fi- las uns que outros, não podendo por isto marchar com exa- ctidão. Responderei que tanto na guerra como na paz, de- pende do coronel o conservar as companhias em boa igual- dade: 1.° pela proporcional distribuição das recrutas : 2.° passando soldados das companhias fortes para qualquer que tenha perdido gente em combates, sendo de mui pouca con- sequência o ter uma companhia uma ou duas filas a mais, ou de menos que outras.

Se a despeito de tudo persistirem na crença de que o ba- talhão disposto com toda a formalidade de parada, com pe- lotões de filas iguaes sairá do combate com perdas lambem jguaes em todos os pelolões, perderia eu qualquer tempo que empregasse em responder a similhante imaginação.

Para completar a formatura do batalhão por companhias, como temos oito de fuzileiros, me parece convir a Sua Magestade nomear para cada regimento de infanteria ires ca- pitães de brevele para commandar as 3 companhias dos oífi- ciaes superiores qne ficarão sempre capitães commandantes das mesmas, pois que se as companhias do centro necessi- tam de ter capitães, as dos flancos muito mais os precisam; e se a mesma senhora se não resolver a dar mais soldo a estes capitães graduados que o de tenentes (accrescimo que no gasto mensal de cada regimento subirá a 21)15600 réis, despeza não muito beju empregada, mas ainda muito necessária, porque os Ires officiaes superiores nunca pode- rão pela própria natureza das suas obrigações, servirem de commandantes de suas companhias), quando vagar algum dos cinco capitães de fuzileiros, se noaieará em seu logar um dos capitães de brevete cuja antiguidade, ainda que não tenha o soldo de capitão, se contará da data das suas pa- tentes como se fossem capitães de companhias, para evitar disputas quando os ofiQciaes de differenles corpos se encon- trem em acção de serviço. Por este modo as três compa-

30 ALGUNS FACTOS MILITARES

nhias dos oíBciaes superiores serão melhor disciplinadas, lendo capitão, tenente e alferes como as outras, o bataltião se achará sempre formado sem tirar alguém do seu logar, e haverá promoção mais viva nos regimentos com pouco gasto, que se poderá ainda assim altenuar por outros mo- dos. Os officiaes subalternos mostrarão também maior emu- lação por lhes apparecer a esperança de vagar mais um ca- pitão em dez companhias que em sete, e com ella maior alcance na honra e no adiantamento de postos.

Adoptada esta lembrança parece-me igualmente, que os tenenies coronéis eíTectivos nos regimentos comraandados por ofiBciaes generaes, devem ter a patente de coronel, pela razão de que os officiaes generaes não podem assistir tanto aos seus regimentos como os coronéis, por isso que se acham attentamente occupados em outro serviço. Além de que tendo por seus postos, nascimentos, negócios particulares, 6 idades mais em que cuidar que os coronéis, e possuindo por outro lado estudos mais elevados, se veriam sem duvida incommodados com a sujeição ao mechanismo interior da disciplina, das paradas e dos pequenos exercícios. Um ge- neral de certa idade não pode correr com um batalhão como faria um coronel ainda moço e trabalhador. Por esta razão deve elle ter um tenente coronel capaz e hora enten- dedor do serviço para conservação do regimento na sua ausência, e se este tiver patente de coronel gozará de maior respeito, e se animará com a esperança de passar a marechal de campo, não sendo necessário haver brigadeiros por muitas razões que darei em seu logar, sendo uma a conveniência de haver officiaes ainda com força e saúde nos postos maiores.

Se os officiaes aggregados são necessários, é certo que a pratica actual vae muito errada. Na guerra ha muitas occa- siões em que o Monarcha deve nomear alguns officiaes ag- gregados para premiar instantaneamente os que se distin- guirem por não haverem n'essa occasião postos vagos que lhes dar, mas logo que possível seja se lhes devem converter em eífectivos.

PORTUGUEZES 31

CAPITULO III

(Pag. 23) Observações relativas a algamas evoluções

Nunca vi em outra ordenança mas tão somente n'esla, principiarem as evoluções logo depois de formado o bata- lhão em parada, sem estar carregado e ordenado para combate. Em qualquer regulamento se deve observar a or- dem progressiva até chegar aos deveres mais altos do ser- viço, afim de não suscitar confusão aos militares novos. Em toda a parle tanto na ordem de parada, como na escola elementar do serviço, quando o batalhão está formado, se principia pelo manejo das armas ou por alguma parte d'este, e logo depois se manda carregar e reformar o batalhão para executar os fogos. Findos alguns dos melhores, mar- char por pelotões, divisões, ou meios batalhões, formar em batalhão, e romper em cotumna de marcha repelidas ve- zes. Perfeito que seja n'esies movimentos e tempos, se manda marchar o balalhão com toda a frente, mas sem fa- zer repetidas meias voltas á direita e á esquerda como se costuma n'este paiz. sendo pelo contrario preciso achar terrenos largos e planos, por convir dar muita instruc- ção e pratica n'este género. Procurar-se-hão depois ter- renos peiores, que se irão variando até se chegar aos péssimos, rompendo para isto ora por pelotões, ora por di- visões, reformando-se depois a batalha. Sabendo um regi- mento marchar bem de frente, deve logo executar algumas evoluções das úteis na guerra, que nunca são de sobejo e isto em terrenos de qualquer natureza, e não em espla- nadas ou terrenos planos, que são convenientes apenas nas primeiras vezes. O regimento que marchar bem em frente, ou pelos flancos, e fizer bem os quartos e as pequenas porções de conversões por frentes ou por filas, é sus- ceptível de praticar bem todas as evoluções. Muitos ofiB- ciaes fazem estas em maior numero que as contradanças, causando e arruinando assim a tropa, desgostando os solda- dos, e não ensinando coisa alguma por lhes faltar a pra- tica, estudo e meditação. Repito pois que as evoluções de- vem ser poucas mas muito bem explicadas aos soldados, para que as possam executar com satisfação, e saberem tbeoricamente o que devem obrar na guerra.

^.

',7

'/i

ii

32

ALGUNS FACTOS MILITARES

N'este capitulo ordena-se que o regimento marche por peldtões, mal postados os oíBciaes e as bandeiras; os offi- ciaes adiante dos peloiões em occasiSo de manobra, quando nas evoluções se devem postar nos flancos para os verem e dirigirem.

Apresenta uma idéa falsa a respeito dos quartos de con- versão formando da linha em colnmna e o contrario me- diante o passo obliquo, sem rpparar em que este passo se achava abolido antes de se escrever o regulamnin, que é muito mais curto que o do flanco, que serve para do- brar uma frente de 42 flias em terreno plano; que é im- praticável em máos terrenos, e que nunca pode ser certo e determinado, qualidades estas que o devem fazer regeitar. Também falia de um passo obliquo no mesmo alinhamento, passo que aliás nunca existiu, e que é contradictorio consi- derado geometricamente, pois que, se o passo é obliquo não pôde ser no mesmo alinhamento. É verdade que existe um passo para ladear servindo para unir um pelotão a outro, ou para se afastar d'elle no mesmo alinhamento, mas nada tem elle de obliquo nem serve para manobrar. Muitos mandamentos necessários foram esquecidos, e os que se es- creveram são muito extensos. Manda por exemplo apresen- tar armas com fileiras unidas para fazer continências às bandeiras, quando estas se devem transferir para a direita acabado o exercício, sem formar o batalhão em parada. Finalmente todo este capitulo em vez de instruir o militar novo, confunde-lhe o entendimento, motiva-lhe duvidas, ori- gina-lhe disputas, e manifesta a necessidade de outro sys- tema de evoluções úteis e fáceis de perceber, como se pra- ticam hoje nos exércitos do imperador, e no do Rei da Prússia, adequados a Portugal, especialisando os movimen- tos praticáveis na guerra.

CAPITULO IV

(Pag. 42) Da formatura do batalhão para exercício de fogo

Tenho perguntado a bons ofiQciaes de dííTerentes paizes, se tinham visto este modo de preparar um batalhão para executar os fogos ; todos me responderam que não, e não quizeram mesmo acreditar que se achasse escripto no novo

SlUliiRlK

PORTUGUEZES

33

regulamento. Para saber quanto este foi mal combinado, basta ver a confusão que protiuz no regimento. Os soliJados correm a arbilrio para unirem fileiras, e ao mesmo tempo ga- nharem 3 passos sobre os lados. Destroe toda a ordem do batalhão. Os pelotões perdem os seus intervallos, de sorte que os officiaes não tem logar para mandarem à vontade. As filas apertam-se. Os soldados pisam-se uns aos outros, procurando logar, e começam a fallar. Finalmente, depois de muita agitação, acha-se o batalhão em ondas e precisado de tempo para se perfilar novamente. Nenhum commandante de pelotão tem algum official ou otEcial inferior no corres- pondente intervallo á sua rectaguarda onde devem estar aliás os que largarem os intervallos da frente, e que são njanda- dos para a rertaguarda dos pelotões. O pelotão das bandei- ras não tem official que o dirija, mas apenas ura simples ofQcial inferior que fica ao seu lado direito, e não apto para este i>osto. Junto ao lado esquerdo d'este pelulJ^o encon- tra-se um sargento que ahi não deve estar porque de nada serve, embaraça o capitão do quinto peiotão por estar á sua direita, e occupa parte do seu intervallo entre elle e o pelotão de bandeiras. O tenente coronel está na frente do batalhão, mas airaz do coronel, em vez de se achar na re- ctagiiarda do centro do batalhão, que é o segundo posto de official superior em dia de acção para vigiar a rectaguarda, conservar a boa ordem e dirigir o batalhão quando marcha em retirada. Todos os tambores do batalhão, sem espadas, estão expostos nos flancos da primeira fileira. O larnbor- mór acha-se atraz do tenet)te coronel, e não ha tambor al- gum no centro. Se o coronel precisa de mandar locar, tem de correr aos flancos para encontrar quem o faça, quando é certo que no centro se deve tocar a marcha para ser ou- vida melhor em todo o corpo. Os pifanos estão fechados na segunda fileira entre as bandeiras onde de nada servem. Emfim o tambnr-mór, os tambores, e os pifanos estão dis- tanciados entre si pela dispersão. Todos os porta-machados estão no pelotão de bandeiras qu-ndo se deviam achar na rectaguarda dos flancos dos batalhões para ajudarem a abrir caminhos. Estes porta-machados devem ser bons carpintei- ros para haver no exercito bastantes doestes artífices sem- pre úteis nos regimentos, negocio de que Dunca alguém tem cuidado, nomeando-se indistinctamente para porta-ma-

l

82 ALGUNS FACTOS MILITARES

N'esle capitulo ordena-se que o regimento marche por pelotões, mal postados os oíBciaes e as bandeiras; os oflQ- ciaes adiante dos pelotões em occasião de manobra, quando nas evoluções se devem postar nos llancos para os verem e dirigirem.

Apresenta uma idéa falsa a respeito dos quartos de con- versão formando da linha em columna e o contrario me- diante o passo obliquo, sem rpparar em que este passo se achava abolido antes de se escrever o regulamntn, que é muito mais curto que o do flanco, que serve para do- brar uma frente de i2 íilas em terreno plano; que é im- praticável em máos terrenos, e que nunca pode ser certo e determinado, qualidades estas que o devem fazer regeitar. Também falia de um passo obliquo no mesmo alinhamento, passo que aliás nunca existiu, e que é contradictorio consi- derado geometricamente, pois que, se o passo é obliquo não póile ser no mesmo alinhamento. È verdade que existe um passo para ladear servindo para unir um pelotão a outro, ou para se afastar d'elle no mesmo alinhamento, mas nada tem elle de obliquo nem serve para manobrar. Muitos mandamentos necessários foram esquecidos, e os que se es- creveram são muito extensos. Manda por exemplo apresen- tar armas com fileiras unidas para fazer continências às bandeiras, quando estas se devem transferir para a direita acabado o exercício, sem formar o batalhão em parada. Finalmente todo este capitulo em vez de instruir o militar novo, confunde-lhe o entendimento, motiva-lhe duvidas, ori- gina-lhe disputas, e manifesta a necessidade de outro sys- lema de evoluções úteis e fáceis de perceber, como se pra- ticam hoje nos exércitos do imperador, e no do Rei da Prússia, adequados a Portugal, especialisando os movimen- tos praticáveis na guerra.

CAPITULO IV

(Pag. 42) Da formatura do batalhão para exercício de fogo

Tenho perguntado a bons oííiciaes de díííerentes paizes, se tinliam visto este modo de preparar um batalhão para executar os fogos : todos me responderam que não, e não quizeram mesmo acreditar que se achasse escriplo no novo

PORTUGUEZES 3^

regulamento. Para saber quanto este foi mal combinado, basta ver a confusão que produz no regimento. Os soldados correm a arbítrio para unirem fileiías, e ao mesmo tempo ga- Dharem 3 passos sobre os lados. Deslroe toda a ordem do batalhão. Os pelotões perdem os seus intervallos, de sorte que os oíBciaes não tem logar para mandarem á vontade. As filas aperlam-se. Os soldados pisam-se uns aos outros, procurando logar, e começam a fallar. Finalmente, depois de muita agitação, acha-se o Ijatalhão em ondas e precisado de tempo para se perfilar novamente. Nenhum commandante de pelotão tem algum official ou otBcial inferior no corres- pondente intervallo á sua rectaguarda onde devem estar aliás os que largarem os intervallos da frente, e que são manda- dos para a rectaguarda dos pelotões. O pelotão das batidei- ras não tem ofiQcial que o dirija, mas apenas um simples ofQcial inferior que fica ao seu lado direito, e não apto para este posto. Junto ao lado esqueido d'este pelotPo encon- tra-se um sargento que ahi não deve estar porque de nada serve, embaraça o capitão do quinto pelotão por estar á sua direita, e occiípa pnrte do seu intervallo entre elle e o pelotão de bandeiras. O tenente coronel está na frente do batalhão, mas airaz do coronel, em vez de se achar na re- ctaguarda do centro do batalhão, que é o segundo posto de official superior em dia de acção para vigiar a rectaguarda, conservar a boa ordem e dirigir o batalhão quando marcha em retirada. Todos os tambores do batalhão, sem espadas, estão expostos nos flancos da primeira fileira. O tambor- mór achase atraz do tenente coronel, e não ha tambor al- gum no centro. Se o coronel precisa de mandar locar, tem de correr aos flancos para encontrar quem o faça, quando é certo que no centro se deve tocar a marcha para ser ou- vida melhor em todo o corpo. Os pifanos estão fechados na segunda fileira entre as bandeiras onde de nada servem. Emfim o tambnr-mór, os tambores, e os pifanos estão dis- tanciados entre si pela dispersão. Todos os porta-machados estão no pelotão de bandeiras qumdo se deviam khar na rectaguarda dos flancos dos batalhões para ajudarem a abrir caminhos. Estes porta-machados devem ser bons carpintei- ros para haver no exercito bastantes d'estes artífices sem- pre úteis nos regimentos, negocio de que nunca alguém tem cuidado, nomeando-se indistinctamente para porta-ma-

34 ALGUNS FACTOS MILITARES

chado a qualquer granadeiro, no momento da formatura. Os machados actuaes pesam muito e não cortam nada. ignoro a razão porque os porta-machados não trazem um serrote a tiracolo ou ás costas, sendo instrumento tão pre- ciso como sempre vi em outros exércitos.

CAPITULO V

(Pag. 46) Detalhe do exercício de fogo

O primeiro fogo é p(ir pelotões dos lados do batMJbão para o centro. Creio que esta pratica traz sua origem do tempo de Gustavo Adolpho rei de Suécia, e do de Maurí- cio príncipe dOrange. Estes generaes estabeleceram uma boa dií-ciplina para o seu tempo, e seguindo as pisadas dos romanos, lançaram os fundamentos á láctica moderna. Toda a Europa esquecida da disciplina, e sem possuir systema milii^»r que fosse melhor, não lhes offereceu resistência e pensou purtanto que para poupar a tropa, lhes C()iivinha usar d'estes fogos de longe, obrigando os mal disciplinados a fugirem antes que os seus adversários se avizinhassem, melhodo com o que se ganhavam viclorias a pouco custo. Se o inimigo lhe oppunha alguma Qrmeza avançav;im então as trojjas muito de vagar, e saiam da linha os peloiões fa- zendo fogo atacante do qual tiveram muitas vezes bom re- sultado, ainda que sem rasão. 3e encontravam demasiada resistência ou forças superiores, não arriscavam então os seus pequenos exércitos e se retiravam fazendo fo^o, zom- bando assim dos inimigos que não tinham melhor disci- plina. Os costumes que nos vem de pães a filhos persistem por muito tempo, ainda quando homens de capacidade lhes descobrem defeitos, É esta a razão por que enconiramos ainda hoje estes fogos em diííerenies regulamentos, mas os tácticos modernos sabem que as scenas estão muito muda- das, e que se não usam de taes fogos na guerra, con- vencidos também de que devem ser sustentados com itiual- dade em todas as partes do regimento, brigada, ou linha próxima do inimigo. O marechal de Saxe e outros muitos, nos provaram o pouco efíeilo do fogo a distancias, para o que basta citar os dois regimentos turcos de que falia o mesmo marechal quando serviu como voluntário no exer-

PORTUGUEZES

3^

cio do príncipe Eugénio, os quaes se perderam e foram destroçados por haverem empregado o seu fogo de longe, em quanto que o inimigo empregou o seu quasi á queima roupa. É certo que o fogo não foi igualmente forte em to- das as partes accommettidas, e que a cavaKaria, e tam- bém a infanteria atacaram vantajosamente para penetrar e vencer, dispondo de toda a reserva. Este fogo por pe- lotões não é igualmente forte em todas as partes, pois que em quanto se verifica nos lados do batalhão falta no centro, e vice-versa quando o fogo é do centro para os lados. O primeiro pelotão que faz fogo não atira em quanto os sete restantes não teem descarregado, o qne suc- cede progressivamente a todos os mais, (içando assim os pelotões por largo tempo de armas ao hombro em quanto o inimigo atira sobre elles; e o peior é que por não esta- rem os soldados occupados e entretidos, se acham por isso mais sujeitos ao medo e á fuga. Oito pelotões conservando sempre quatro carregados (n que é prudente), não podem fazer fogo muito vivo e continuado, sendo além d'isto im- praticável ao official commandante do oitavo pelolão perce- ber e distinguir as vozes do official que commanda o pri- meiro, para lhe corresponder em symetrica harmonia (base do mencionado fogo), não por causa da distancia mas também pela do estrondo da artillieria e da fuzilaria, pelo fumo, pelo sussurro e vozes do coronel, conservando-se no meio de tudo isto os pelotões em linha e firmes na pre- sença dos mortos e feridos caldos no terreno. Se ao coro- nel cabe destino igual, perder-se-ha muito tempo antes que venha outro official substiluil-o. Este fogo acaba sempre em desordem, obrando afinal cada pelotão como pôde e o que pôde.

Se este fogo é mau a firme peior é na occasião de ata- car. Sem união alguma do batalhão, mas antes por peças separadas, sem haver dois pelotões no mesmo alinhamento, no risco de se arcabusearem uns aos outros, quasi que im- possibilitados de se reformarem em linha e ainda menos em columna.

Se o terreno se estreitar mais crescerá ainda a desordem, sobretudo se lhe apparecer qualquer cavallaria ou corpo de infanteria unido, porque n'esse caso se perderão inevitavel- mente.

36 ALGUNS FACTOS MILITARES

Se o fogo atacando é péssimo, mil vezes peior será em reliraila, porque os inimigos mais facilmente e a seu salvo cairão sobre os pelotões desunidos e desordenados, aper- tando-os accelerada e vigorosamente na certeza de que assim separados lhes não poderão oppôr resistência, e menos ainda escapar aos seus golpes, ficando por estas e outras razões que se poderiam referir, bem comprovado que estes fngos do novo regulamento devem ser abolidos, parecendo-me me- lhor substituir Ibes o seguinte, por mais ajustado á união e á força da infanteria, como os vi praticar na guerra de 1755, e de que muitas vezes uso no regimento do meu commando.

Formadas em linha as oito companhias de fuzileiros, cada capitão divide a sua companhia em duas partes iguaes, que, para abreviar, podem vir para o terreno em dois pelo- tões. O capitão commanda o primeiro, e o tenente o se- gundo. Quando o coronal a vriz de fogo por pelotões, principia o capitão mandando dar fogo ao seu peíolão, e preparado este, o tenente faz o mesmo a respeito do seu, e assim seguidamente, havendo sempre um pelulão em fogo, e outro preparado para elle até á voz de acabar o fogo. A vantagem resultante d'este fogo é a de que as companhias Dão dependem umas das ouiras, tem o batalhão dezeseis fogos em vez de oito, aquelles são iguaes em todas as par- tes, está sempre carregado metade do batalhão, não ha con- fusão de vozes ou de mandamentos, vè-se claramente qual a companhia que sobresae, ou o melhor official, e evitam se gritarias por serem mais baixas as vozes dadas a cada com- panhia. Além d'estas vantagens tem ainda outras que se não encontram no fogo de ordenaiiça e que explicarei mais de vagar, como por exemplo : sendo necessário destacar uma companhia para ganhar o flanco do iniujigo, não se con- funde com isto a ordem das outras companhias, o que não acontecerá nos fogos segundo o regulamento. Em vez do fogo atacando, póde-se avançar em linha unida e no passo conveniente, segundo as circumstancias forem, e tendo que disparar fazer alto e fogo a firme, ou algum outro mais conforme ao caso. Havendo que retirar fazer meia volta á direita marchando devagar ou depressa segundo a ur- gência. Se o inimigo se avizinhar demasiado fazer meie volta á esquerda, e usar da qualidade de fogo mais coq-

PORTUGUEZES 37

veniente á defeza, conservando sempre a linha unida, ou a columna promptas a tomar qualquer disposição preferível ou para usar da baioneta, o que é impraticável com os fogos actuaes quer atacando quer retirando. As forças se mante- rão por aquella forma em ordem e união, e se acharão á mão para serem empregadas segundo a opportunidade ou as circumstancias. Este fogo é facílimo, poupa muito traba- lho â tropa, e na minha opinião é o único praticável por pelotões.

Nunca vi fogos oblíquos mencionados em qualquer outro regulamento, e n'esle os encontrei, parecendo-me que foi porque o marechal se lembrou do tiro das peças d'arlilhe- ria, e não possuir elle a pratica da infanteria. Mas ha muita differença entre uma brigada de artilheria, e um regimento de infanteria. Nenhum fogo é obliquo para o soldado que atira, porque tem que fazer frente para onde dispara, e o tiro é Ião somente obliquo em relação á linha da tropa. Se o angulo do tiro fôr muito agudo para algum dos flancos, é porque o inimigo se acha então muito sobre este, e se torna necessário mudar a posição da linha.

Ha um fogo obliquo que se faz sem pôr joelho em terra, e de que se pode usar quando o inimigo passa pela frente. N'este caso mandar-se-ha que os pelotões dirijam o seu fogo um pouco sobre a direita, a esquerda, ou o centro e também sobre os lados. Se o fogo precisar de maior obliquidade far-seha uma pequena conversão por pelotões ou meios pelotões, para que o fogo consiga o seu fim, e se livrem do perigo. Assim tenho praticado sempre o fogo obliquo, mostrando aos meus soldados quando elle é pro- veitoso.

Quando os granadeiros se acham com o batalhão, o que raras vezes acontece na guerra, será bom mostrar-lhes como podem defender o centro do batalhão cora o seu fogo não obliquo, mas fazendo uma certa porção de roda à voz dos seus capitães.

O fogo obliquo não tem direcção certa, mas sim aquella para onde o soldado faz frente e aponta.

O fogo pela fileira da rectaguarda deve pralícar-se para instrucção dos soldados, mas não como mandão regulamento, porque todos os que estão na rectaguarda devem passar para a frente se não quizerem morrer. Â segunda fileira

38 ALGUNS FACTOS MILITARES

deve ensinar-se o modo de se converter em primeira, e á primeira em segunda, para que o soldado saiba fazer fogo, e marchar sem indagar nem pensar em que fileira se aclja.

O fogo de bil-bode é na verdade morlifero, mas não pra- ticado em campo raso e ainda' menos em terrenos ou sitios inaccessiveis por isso que tem defeitos, sendo que o ho- mem ()ue atira coníia sempre pouco na arma que não car- regou, e a(|uelle que o faz, como não atira, desempenha-o mal e negligentemente, receioso de castigo por não carregar depressa; além de que, sempre ba com isto confusão nas fileiras. Nenhum soldado velho e caçador, ou que tem atindo bem ao alvo, quer brgar a sua arma a outro para a carregar, porque elie por experiência lhe conhece as qualidades.

No caso de se fazer novo regulamento, terei a honra de mostrar quaes são os fogos que deve executar o soldado, sendo também de grande conveniência o instruir a tropa no verdadeiro uso das suas armas, no que os nossos solda- dos são inteimmente ignorantes, fado de que todavia os não arguo, porque nunca foram ensinados, tendo por oulro lado passado vinte annos em aprender ninharias de nenhum prés- timo na guerra. Concluirei as reílexiões sobre este capitulo afifirmando que elle para nada presta.

CAPITULO VI

(Pag. 68) Observações respectivas ao exercício das tropas, e o modo de as ensinar

Tenho provado que os exercícios do regulamento as- sentam em princípios falsos, pelo que deve ser abolido o capitulo que os contém, subsiituindo-se-lhe uma escola elementar e completa, intelligivel para todos, e que sirva de base ás manobras.

Para nos conduzirmos com maior certeza temos diante de nós pratica mais moderna, que nos levará com pouco trabalho á verdadeira disciplina, removendo dos oíBciaes e dos soldados os erros que muitos annos de paz teem intro- duzido, e adoptando o que a experiência tem mostrado de melhor nas duas ultimas guerras havidas na Europa e na America, seguido pelos bons generaes do tempo presente,

PORTUGUEZES 39

e acceite pelos auctores de melhor nota. Não devo com- ludo findar este capitulo sem apontar alguns d'aquelles er- ros de entre os muitos que são.

No I 2.° Unidos os calcanhares. Um homem bem feito pôde unir os calcanhares, mas nunca flcar tão firme como se deixasse 4 polegadas entre elies, porque n'esle caso as duas columnas que sustentam o corpo, serão como duas 11- Dhas parallelas até ao chão, em que o firmarão a prumo. Se pnrém os calcanhares se juntarem, cessará aquelle pa- rallelismo, e as linhas se encontrarão em um ponto no terreno, com o que não poderão sustentar tão bt-m o peso, isto é, ofTerecer tanta força e firmeza, como se houvessem com o intervallo de 4 polegadas, maior base, e melhor cor- respondência á configuração do corpo, juntamente com o emprego da força muscular do homem, desde o (juadrii ao calcanhar.

Perguntando-se a qualquer soldado se isto é assim, logo responderá que, separados os calcanhares se eocnntra mais a seu commodo, e que sente maior firmeza, e uma posição natural, em quanto que, juntos elles, qualquer impulso que receba nos hombros o prostrará por terra. Tenho feito esta experiência mechanica muitas vezes, e por isso os soldados do meu regimento não unem os calcanhares, Os cambaios, e os de peruas muito musculosas, não podem mesmo unir os calcanhares sem molestarem os joelhos, violentarem as pernas, e não poderem portanto trabalhar. Alguns ha que por nenhuma maneira o podem conseguir. Em geral nenhum soldado terá boa posição debaixo d'armas se não se houver attenção á conformação do homem, á natureza e ao pezo da arma que tem de usar, a qual se lhe deve alíeiçoar ao corpo, e não o corpo a ella, para não estar constrangido, ou contrafeito; verdade esta que muitos não querem entender.

Como prova dMsto hasta vêr os regimentos do nosso exer- cito. Quasi todos põem a arma ao hombro levando os feixos quasi sobre este, e a mão esquerda muito alta, resuilando d'aqui o terem que abaixar o direito, entortar a cabeça, e voltal-a muito para a direita, defeito terrível, porque os ho- mens a inclinam insensivelmente para onde olham, e encos- tando se para a fila visinha, se apertam de sorte que não podem marchar livre e perpendicularmente sobre a sua frente.

4b

ALÍiUNS FACTOS MILITARES

Collocando a arma tão alia pez^r-llie-ha do dobro, e se fará sentir a cada passo que o soldado der; incommodo tanto níiaior quanto o passo fôr mais largo. Além de que o soldado se achará sempre violentado, tanto pela posi- ção da arma, como por não ter o corpo em posição natural, e se encontrar apertado ora na fila, ora na Oleira pela união errónea que o marechal mandou observar n'estas por occa- sião dos fogos, dos ataques á baioneta, e das conversões. Supponhamos uma columna com as fileiras muito unidas, marchando em frente, se a mandarem à direita, arrebentará, isto é. desorganisar-se-ha immediatamente.

Para nos convencermos d'isto imaginem-se 6 homens, lins atraz dos outros, e unidos para a frente, como o mare- chal ensina a marcha. Mandando-os volver á direita, e re- commefidando ao 1.° e ao 6.° que não larguem o logar que occupan), veremos que estes 6 homens íicarão sem es- paço para executarem a ordem, e que cederão insensivel- mente pelo centro, pela simples razão que ninguém pôde ignorar, de que o homem é muito mais largo de hombro a hombro, que do peito á espalda. Se esta desordem succede ás columnas de 6 de fundo, muito maior será em outra de 12 ou 16. Â regra infallivel para determinar a distancia en- tre as fileiras consiste pois em mandar uma columna vol- ver á direita ou á esquerda. Se os soldados se acharem então a seu commodo ficará evidente que as fileiras se acham em distancias accommodadas para marcharem, ou para carregarem as suas armas,

Os militares que teem por systema cerrar muito as filei- ras querem justifical-o, dizendo que esta união ura grande im[)ulso á infanteria ; mas como nunca e.xaminaram este ne- gocio desde a sua raiz, ignoram que um corpo, marchando em frente, não pode receber impulso do fundo emquanlo caminha, porque os peitos dos soldados não podem nnir-se ás cnstas dos que marcham directamente em sua frente, form;mdo com elles quasi que um todo physico. Se os [leitos dos da segunda fileira tocassem e empurrassem com força as espaldas dos da primeira, deital-os hiam por terra; a ter- ceira faria o mesmo á segunda, e se finalmente os solda- dos se unissem em tanto aperto, nenhum poderia marchar excepto os da primeira fileira, que ainda assim o fariam muito mal, porque os pés dos da segunda tropeçariam nos

PORTUGUEZES 41

calcanhares dos da primeira. Está provado desde muito tempo, sem replica, qne a infanleria não recebe impulso do fundo em quanio marcha, e que o adquire a quedo, quando a frente da columna experimenta resisleni:ia, porque n'esie caso, achando-se a primeira tiluira impedida na sua marcha, as outras cairão sohre ella formando então uma massa tão compacta quanlc.s homens a podem faxer. Se esta massa tiver maior fundo que a opposta, ha-de iinpehil-a, assim como um homem muito forte o pôde fazer a outro de menos robustez, luctando peito a peito, sendo o resul- tado que o primeiro obrigará o ultimo a ceder.

Varias experiências confirmam com eITeilo que o impulso chega à 36.* fila, ainda mesmo quando a columna faz alto. Repito pois que as fileiras podem unir-se fazendo alto, ou quando a frente encontra resistência. Que para se continuar uma marcha em boa ordem, e os officiaes pode- rem governar os soldados, não basta uma certa distancia en- tre as fileiras de um pelotão, divisão ou meio batalhão; mas também que haja entre os referidos corpos e os que marcham na sua rectaguarda, uma distancia não menor de três passos, afim de se não tornarem em massa confusa, e impossivel de dirigir. Ne dium táctico pôde negnr isto le- vando-o á pratica, embora com um.a peima de lápis, e em phrases geométricas pretenda justificar o contrario, por isso que vae sempre jíraíide differença do papel ao terreno. Po- derão dizer me talvez que se na marcha não ha imimlso do fundo, o haverá de flanco, ao que respondo que, se mar- cho em frente, não posso communicar impulso aos que es- tão ao meu lado, porque o emprego n'aqueiroutra di- recção, e lhe applico as minhas forças pelo movimento mais ou menos accelerado do meu corpo ; em quanto que, se me apertarem muito, empuchaiido-me ora para a direita, ora para a esquerda, as minhas forças se dividirão para os lados, e converterei por conseguinte cada passo na diagon;d, im- pedido como ficarei de marchar perpendicularmente em li- nha recta. Portanto, quando eu queira marchar bem, devo ficar desembaraçado, e sem aperto. Se não existindo aperto se não consegue impulso, também dado este não haverá ainda assim marcha perfeita, mas somente contiguidade de muitos homens, tão unidos quanto é possivel, sem emba- raço de seus movimentos. Será esta a única união da infan-

42 ALGUNS FACTOS MILITARES

teria tanto na fila, como na fileira, sendo preciso exercitar muito a infanteria para ainda assim lhe conseguir esta reci- proca união, sem exigência de tanU) aperio que os soldados se não possam mover á vontade, erro em que o marechal caiu.

O ponto delicado consiste pois em ohter rasoavelmenle esta união, porque aquelle que poder formar 124 filas em um terreno de 40 pés de coínprido, tendo cada fila 20 pol- legadas de frente para se mover emquanto o seu inimigo, posto em linha parallela, em egml extensão de terreno, não poder ordenar mais que 20 lil^s pela união da sua tropa, 6car-lhe-ha o primeiro muito superior, e deverá vencer o adversário que por aquelle modo terá menos 4 filas do que elle. A consequência d'isto será lamhem que o general que possuir a arte de postar, no mesmo espaço de terreno, mais tropa que o seu contrario, haverá summa vantagem sobre este, uma vez que toda a tropa assim disposta, se possa mover sem estorva. O marechal excedeu porém os limites plausíveis, imaginando que os homens píideriam obter uma união physira, e isto por ler estudado sempre a artilhe- ria, mas desconhecer a infanteria da qu;il se requer também muita pratica.

Ainda volto ao capitulo. Diz o | 21 que seis semanas bastam para habilit^ir para o serviço um recruta. Não ha sol- dados no mundo que aprendam em menos tempo que os porluguezes, mas que lambem mais depressa se esqueçam. É portanto necessário haver a maior exactidão nos exercí- cios pequenos, e nas paradaS;, em crear b(tns oíBciaes, e oflQciaes inferiores para instruirem os soldados, em mandar por alguns dias os soldados feitos á escola do ensino, bem como todos os que recolherem das licenças, ou que te- nham estado presos, doentes ou destacados, lendo sempre mão n'aquelles que commetterem erros nos exercícios, por minimos que sejam. Como por este meio os soldados se res- tauram em breve, não devem os exercícios ser extensos, com[)licados ou causadores, mas sim frequentes e instru- ctivos. Nenhum homem pôde aprender em seis semanas, e de raiz, o serviço. A gente que vem ás fileiras é ordi- nariamente da mais rústica. Para se adestrar carece de muito temjio, e principalmente no adquirir amor ao serviço. Se a faz em entrar do batalhão antes de bem instruída dos

POBTUGDEZES 43

exercícios, e de naver atirado ao alvo, nunca épresenlará bons soldados, porque pelo fado de entrarem no batalhão, se repulann sabedores de quanto é preciso, e dispensam o resto. F/ portanio necessário serem bem ensinados, e cui- dadosamente exercitados antes de servirem debaixo das ban- deiras, ou de serem destacados, porque o homem que aliás parece bom no pelotão de recrutas, não lhe aconiece outro tanto no batalhão. Assim adoptei como regra não os man- dar nunca para a companhia antes de os ter por três me- zes na escola de instrucção. e ainda assim alguns ha que accusam necessitar de mais tempo segundo a sua pouca ha- bilidade. Poderá o marechal ter visto em tempo de guerra, e de muita precisão, encorporar no batalhão soldados ape- nas com pnsino de seis semanas, e ainda de menos tempo. Também eu vi, na guerra de 1755, regimentos novos, que não tinham seis semanas de creação, apresentarem-se em frente do inimigo. Lembro-me mesmo de um regimento monlanhez da Escossia, embarcado em Embden, com- posto de recrutas fardados e armados, chegar ao exercito alliado sem saber nada ; rnas isto podia tolerar-se porque teve que entrar logo em quartéis de inverno. A necessidade não tem lei, mas em tempo de paz ninguém pensará com- tudo em apromptar um soldado em seis semanas, porque se- ria este o modo de o perder para sempre. Accrescentarei mais ser impraticável formar um bom regimento pelas dis- posições do presento ca|)itiilo, por lhe não conceder elle o tem[)o necessário para trabalhar em pequenas partidas, mas depois, conforme vae sendo o seu progresso, permittir o augmentar o numero dos que trabalham juntos aié reunir a companhia inteira, o que tudo demanda muito tempo, e paciência. As companhias devem pois trabalhar por mais tempo sobre si antes de pensar nas divisões, ou nos meios batalhões, porque os regimentos lêem a mesma natureza de um relógio, cujas peças se não forem bera feiías, polidas, e ajustadas antes de reunidas para comporem a machina, nunca esta andará bem nem será perfeita.

Aconteceu portanto, que os princípios e o plano de ins- trucção foram errados, que nunca o exercito obteve dis- cii)lina, o que demonstrarei contando factos. Logo depois da guerra foram chamados a Villa Viçosa todos os majores e alguns officiaes inferiores dos regimentos, e se lhes deram

44 ALGUNS FACTOS MILITARES

para nieslres alguns rapazes dos recem-chepados d"Alema- nha tom o iiarnchal, precisando elles próprios de ensino, p(ir(piH nunca o haviam rect^bulo em sua vida, ao (jue re- uni un a i<ínorancia da Inigua do pai/,. Em pouco lenipo co- nieçtram a foi mar os re};im(M)lns das self C('(n[tanliias, e a di>ci|iliiial-os a ioda a piessa, com o que sabiam, que aliás era pouco ; e islo pcrqne o marechal queria regressar á Ale- manlia. Para mostrar a Kl-Hei o grande progresso que a tropa havia lido tMii poucas semat)as, mandou vir à corte alguns regimentos das provindas, e or<ienou que se acam- passem na h)rcalhí)ta, onde manobraram como Deus foi ser- vido. A corte, assim como a nação, pouco acostumadas desde o prmcipio d*esle secido a verem tropa fardada, ficaram admi- radas em presença d'aquelles regimentos de largas correias e bi-ldriés brancos, armas luzidias, calções brancos, chapeos pequenos adornados de borl.ts, cordões, e de oulras quin- qudherias de parada, do manejo acomi^anhado de notáveis pancadas, e grandes patadas, manobras em passo obliquo posto que razoavelmente abolido por Kl-Rei Frederico, pe- loiões marchando para nm lado. e olhando para ouiro; tudo como se se houvesse aherio sobre a arte miliiar a boceta de Pandora ! I Esles regimentos deram grarule satisfação a to- dos os homens e mulheres que então foram merendar ás barracas novas, com o que os oíTiciaes gastaram muito mais do que tinham. Voltaram os corpos para as suas províncias, festeja-los e applaudidos, julgando possuir toda a arte nriililar. Outros coronéis vendo este resultado, desejavam naíiiMlmenle merecer idênticos obséquios, principiaram a dar muitas pranchadas nos soldados, gritando lhes firme, perfila, peito porá fora, barriga para dentro, certa a mar- cha, ele, sem nenhuma oritra instrucção previa. Os regi- mentos ficaram para islo debaixo d"armas por muitas ho- ras, e.x|iostos á ardência do sol, e os soldados vendo-se mal- Irataihts procuravam fugir, mas logo se encontravam sub- meltidos a conselho de guerra, ou a novas leis militares, feitas por quem pouco ou nada sabia d'eslas. Os inspecto- res visitavani os regimentos, e o coronel que mais cedo o fardava, era reputado possuir o melhor. Por este modo se introdii/iu o péssimo costume de galopar a instrucção, an- tes de a terem os próprios fitliciaes inferiores, sem os quaes Dão ba tropa possível. Limpavam um regimento, como quem

PORTUGUEZES 45

veste camisa lavada, e logn o apresentavam em publico, e davam por disciplinaílo. Foi d'esi'atie que se perdeu a dis- cifiliiia niilitíir tiVste reino, appíi;is vinfjoi] o regulamento. Muitos soldados fiigir;im, e os re>lanles licarani sem iiislruc- ção alguma, solii eludo nas piovincuis. Ha coniiudo quem pense existir disciplina, avali.uido a pela afiparencia do exerciío ; mas se forem consiiliados os que cavam nas coi- sas, e se não deixam illudir pelas appaif-ncias, são estas da minha mesma opinião, que é a da necessidade de começar tudo de novo, e de crear bons officiaes inferiores para ins- truírem, e adestrarem os soldados.

Se d'este capitulo separarmos a parte elementar do nosso cilicio, nada restará d'elle que sirva na guerra. Nada diz das diíTerenles pontarias apezar da importância d'esta meteria, e do solilado dever saber regular o tiro segundo a configu- ração alta ou baixa de terreno ; não ensinando senão o que se deve observar em logar [)laiio, e ainda alii expondo prin- cípios falsos, porque as elevações das armas devem depen- der das ciicumstancias, não servindo a mesma elevação con- tra uma tropa que varia em distancia. Sobre este ponto ha tudo que dizer aos ofliciaes e aos soldados, por isso que in- felizmente desconliecem o uso das suas armas, e o para que prestam.

Paragrapbo 36. Em parle alguma conservam os sol- dados as armas á cara depois de atirar, esperando que o officia! lhe faça signal para tornar a carregar. Em regra ge- ral desde (]ue o soldado disparou, ptincipia logo a carre- gar aíim de não perder o tempo que tão precioso lhe é; mas obsta lhes o regulamento, porque não podem ver o si- gnal antes de passado o fumo, que maior duração terá quanto mais extensa fòr a linha de fogo. Se o oílicial que de\er dar o signal não fòr muilo activo, ainda se perderá mais tempo.

Quantas vezes se tem visto um batalhão dar uma descarga, e ficar hiigo tempo com as armas á cara aié que um rapi- tão de granadeiros e velho, avance no lado direito para dar o signal, que por causa do fumo não é percebido, mesmo quando dado a tempo I Outras vezes esquece-se o capitão de sair á frente, e padecem os soldados na demora de car- regar, quando elles não lem n'essa posição outros cuidados que os de se proverem de fogo, ou de empregar a bayo- neta.

^

m ^

p

46

ALGUNS TACTOS MILITARES

Talvez que este principio dos regulamentos convenha para recrutas novas, demoraiido-as u«i pouco com as armas á cara, afim de se ob§ervar se voltaram a cabeça, se fecham o olho esquerdo na occasião do tiro, ele; mas não pôde servir aos soldados feitos, ou durante o combate.

Paragrnpho 55. A arma deve ser posla mais que um palmo acima do boldrié para diminuir a distancia entre a boca do soldado e a cassolêta, e ser escorvada em menos tempo. E como se poderá conseguir isto tendo a arma tão baixa, sendo o movimento de mão incerta, e não se con- sentindo ao soldado abaixar a cabeça para examinar a cas- solêta, coisa aliás indispensável para escorvar bem, e não perder pohora I Pelo methodo seguido succede quasi sem- pre que uns não deitam na cassolêta a pólvora necessária, e que outros o fazem com demasia, resultando do primeiro erro não arder a escrva, e do segundo não se fechar bem a cassolêta, não oppor o fuzil a resistência necessária à pe- derneira para ferir lume. engordurar-se a cassolêta, crear ella com o aperto da pólvora uma crosta que lhe impede todo o eífeito, e negar-se a arma ao fogo em virtude de to- das estas imperfeições.

O soldado deve pois ter a arma muito mais alta quando escorvar, formando um angulo recto com o braço esquerdo, encostando fortemente contra o corpo o cotovello respectivo para melhor sustentar a arma n'essa posição, e não olhar para a cassolêta quando escorvar, porque desta sorte o fará mal, mas cuidar da pederneira quando fôr preciso, á imitação dos caçadores. Estimaria saber se quando o ouvido da arma esli\er entupido, não será licito abaixar a cabeça para o limpar? Quantas vezes, durante um combate, se verá o soldado obrigado a praticar tudo isto ! Todavia os sãos princípios são por vezes despresados e sacrificados ás ap- parencias em pa.^ada, sendo de resto indififerenle que os sol- dados carreguem bem ou mal.

Paragrapho 68. Aqui se reproduz um erro que tem cento e cincoenla annos de edade, quando manda pôr o esquerdo junto ao direito, e andar á esquerda. O soldado, para carregar deve repetir o que fez nos mais fogos, e car- regada a arma fazer volta á direita sobre o calcanhar es- querdo, no que terá pouco trabalho pela posição em que se acha, levando no mesmo instante a arma ao hombro, e

\iO'.

'^'

Tií&KA

^'^^^^^^^m^--.:Á\

wp vy^i-^£s<-

PORTUGUEZES

47

.1 '^

movendo immelialMmente o esquerdo, sem ter os dois encommcdos de le-var primeiro o direito para a frente, e fazer depois uma meia volta desengraçada á es- querda.

NTio perderei tempo commentando as explicações que nos ofJ^-recem acerca dos fogos da ordenança por ser obvio a todos os militares que elies nada valem, não esquecendo os oblíquos, os da primeira iileira com o joelho em terra, e o jogo geométrico que as três fileiras fazem com as pernas, e que nunca vi praticar bem, parecendo mesmo coisa im- possível; filém de que não é preciso^pnr o joelbu em terra para o executar o unico fogo oblíquo, que em certos casos pode ser proveitoso, como demonstrei.

Paragraplio 73. Descrave um melhodo de formar qua- drado que diz ser ò mais simples, mas que na pratica se revela o contrario, porque formando uma parte dos yi^ana- deiros em cada face, é preciso dividu* e>ta novamente em quatro pelotões pelo accrescimo da quarla parte dos gra- nadeiros, com o que se origina grave desordem por se des- fazerem os pelotões primitivos do batalhão; e ainda novo transtorno ao desfazer o quadrado, para reformar o regi- mento em batalha. Nenlium outro regulamento manda for- mar quadrado por este modo. l*or muitas razões não devem os granadeiros ser incluídos nas faces, mas antes conserva- dos soltos e hberlos, não para defenderem os ângulos, mas ainda para acudirem a qualquer face por onde a ca- vallaria intente peneirar, sendo certo que destroçada que seja qualquer das faces, o qua<hado se achará (ie lodo per- dido; e se penetrar no interior do quadradO;, ainda (juando as faces restantes façam meia volta para lhe fazerem fiente, succederá infallivelmenle que as du.-iS farão fogo uma con- tra a outra. Por estas e outras razões, os antigos apaíxo- Dados dos quadrados, época em que a cavallaria não havia chegado á disciplina e perfeição actual, obraram com elles maravilhas, mas conservavam não obslantp os granadeiros no interior para reforçarem os ângulos. Ás vezes manda- vam-nos sair para fazer fogo, mas praticado este punham armas á frente, e voltavam ao interior do quadrado para carregar de novo. Outras vezes os soldados dos ângulos abaixavam-se para os granadeiros fazerem fogo por cima d' elles, mas conservando-se aquelles sempre dentro dos qua-

'm

*^1

>2jÍ8SSiêffl^^ii^-srí^^-^

46 ALGUNS FACTOS MILITARES

Talvez que este principio dos regulamentos convenha para recrutas novas, demoraodo-as um pouco com as armas á cara, afim de se ob§ervar se voltaram a cabeça, se fechara o olho esquerdo na occasião do tiro, etc; mas não pode servir aos soldados feitos, ou durante o combate.

Paragrnpho 55. A arma deve ser posta mais que um palmo acima do boldrié para diminuir a distancia entre a boca do soldado e a cassolêla, e ser escorvada em menos tempo. E como se poderá conseguir isto tendo a arma tão baixa, sendo o movimento de mão incerta, e não se con- sentindo ao soldado abaixar a cabeça para examinar a cas- solfta, coisa aliás indis[)ens3vel para escorvar bem, e não perder pohoral Pelo melhodo seguido succede quasi sem- pre que uns não deitam na cassoleta a pólvora necessária, e que outros o fazem com demasia, resultando do primeiro erro não arder a escorva, e do segundo não se fechar bem a cTssoIeta, não oppor o fuzil a resistência necessária à pe- derneira para ferir lume. engordurar-se a cassoleta, crear ella com o aperto da pólvora uma crosta que lhe impede todo o effeito, e negar-se a arma ao fogo em virtude de to- das estas imperfeições.

O soldado deve pois ter a arma muito mais alta quando escorvar, formando um angulo recto com o braço esquerdo, encostando fortemente contra o corpo o cotovello respectivo para melhor sustentar a arma n'essa posição, e não olhar para a cassoleta quando escorvar, porque desta sorte o fará mal, mas cuidar da pederneira quando fôr preciso, á imitação dos caçadores. Estimaria saber se quando o ouvido da arma estiver entupido, não será licito abaixar a cabeça para o limpar? Quantas vezes, durante um combate, se verá o soldado obrigado a praticar tudo isto ! Todavia os sãos princípios são por vezes despresados e sacrifii-ados ás ap- parencias em parada, sendo de resto indifferenle que os sol- dados carreguem bem ou mal.

Paragrnpho 68. Aqui se reproduz um erro que tem cento e cincoenta annos de edade, quando manda pôr o esquerdo junto ao direito, e andar á esquerda. O soldado, para carregar deve repetir o que fez nos mais fogos, e car- regada a arma fazer volta á direita sobre o calcanhar es- querdo, no que terá pouco trabalho pela posição em que se acha, levando no mesmo instante a arma ao hombro, e

PORTUGUEZES 47

movendo imme'Viat,?imente o esquerdo, sem ter os dois encommodos de l^var primeiro o direito para a frente, e fazer depois uma meia volta desengraçada à es- querda.

Não perderei tempo commentando as explicações que nos oíJerecem acerca dos fogos da ordenança por ser obvio a tOflos os militares que elles nada valem, não esquecendo os oblíquos, os da primeira Oleira com o joelho en> ttjrra, e o jogo geomeliico que as três fileims fazem com as pernas, e que nunca vi praticar bem, parecendo mesmo coisa im- possível ; -Aém de que lião è preciso *por o joelho em terra para o executar o único fogo obliquo, que em certos casos pode ser [iroveitoso, como demonsliei.

Paragropho 73. De^^crtve um methodo de formar qua- drado que diz ser o mais simples, mas que na pratica se revela o contrario, porque formando uma parte dos grana- deiros em cada face, é preciso dividir esta novamente em quatro pelotões pelo accrescimo da quarta parte dos gra- nadeiros, com o que se origina grave desordem por se des- fazerem os pelotões primitivos do batalhão; e ainda novo transtorno ao desfazer o quadrado, para reformar o regi- mento em batalha. Neniium outro regulamento manda for- mar quadrado por este modo. l*or muitas razões não devem os granadeiros ser incluídos nas faces, mas antes conserva- dos soltos e libertos, não para defeuilerem os ângulos, mas ainda para acudirem a qualquer face por onde a ca- vallaria intente peneirar, sendo certo que destroçada que seja qualquer das faces, o quadrado se achará de todo per- dido; e se penetrar no interior do quadrado^, ainda quando as faces restantes façam meia volta para lhe fazerem frente, succederà infa Uivei mente que as du;<s farão fogo uma con- tra a outra. Por estas e outras razões, os antigos apaixo- nados dos quadrados, época em que a cavallaria não havia chegado á disciplina e perfeição actual, obraram com elles maravilhas, mas conservavam não obstante os granadeiros no interior para reforçarem os ângulos. Ás vezes manda- vam-nos sair para fazer fogo, mas praticado este punham armas d frente, e voltavam ao interior do quadrado para carregar de novo. Outras vezes os soldados dos ângulos abaixavam-se para os granadeiros fazerem fogo por cima d'elles, mas conservando-se aquelles sempre dentro dos qua-

48 ALGUNS FACTOS MILITARES

drados, levanlando-se depois os que se tinham abaixado apenas disparavam.

Ainda qne esles modos tenham grandes defeitos, são com- indo preferíveis aos de um (juadrado nu, sem iropa solta para acudir a Ioda a parle. Vejamos agora como este qua- drado pode defender (ts seus aiigulus, mandíindd se que os dois peloiões dos lados de cada face façam fogo obliquo em relação ao ceíilro da face. Estimaria ver como um fogo di- rigi('o dos flancos de quahjuer corpo, pode defender estes, como se claramenle impresso no § 721 Estou persuadido de que o maré 'ha! nunca leu, nem mandou escrever simi- lliante absurdo, e de que ninguém ignora que este jogo pôde servir para defender o centro; mas cnmo este e mui- tos outros paragrapbos levantaram disputas, reputo com- provado o seu parentesco com os fogos obliquos que pre- dominando em lodo o nosso system^i, assim cumo o passo obli(]U(i, foi o Ídolo a que o novo regulamento sacrificou.

Indicarei opporlunamente um quadrado que defende os seus ângulos perfeitamente. Mas de que servirá isto, e que defensa poderá hoje oppor um quadrado vasio, tendo as fa- ces a três de fundo, contra uma boa cavallaria, a cujos ata- ques successivos por corpos separados, nada poderá resis- tir em campo raso, a menos que se lhe opponham columnas unidas, compostas da melhor infanteria, e officiaes de muita firmeza, e experiência mas conservando fogos em reserva? Assim mesmo devem-se tomar as precauções militares pos- síveis contra a cavallaria em campo raso ^

1 Adinira-no3 encontrar n'este logar tão criticada a formação dos quadrados pelo regulamento de 17(53, sem attender á circumstancia attenuaute de haver o próprio conde de Lippe escripto três anãos mais tarde, no § 2." do capitulo iii do seu Novo met/iodo para dispor um corpo de infanteria de sorte que possa combater com a cavallaria em campanha raza , approvado por alvará de 23 de dezembro de 1767, que o methodo praticado até então para a infan- teria se oppôr á cavallaria, isto é o da praça vasta ou batalhão quadrado^ era insnfficiente.

E verdade que a formação ordenada por este novo methodo, de- nominada cruz de Bukhourg, dependia de guarnecer o batalhão com armas de differeutes espécies e extensões (piques, partazanas, paus das barracas com baionetas e mosquetes), além do concurso da pequena artilheria denominada falcorietes distribuída aos bata- lhões, e do uso do fogo solto ou engrainé: mas tudo isto denota a pouca confíança do próprio marechal nos quadrados de 1763, cir-

PORTUGUEZES 49

Paragrapho 76. Quando se t\z uma debamiada não deve o balallião reíorinar se sempre no terreno que largou,

cumstancia a que Frazer deveria imparcialmente attender, por isso que a sua censura se yerificava dezasete ânuos depois

A brevidade do inter;';Ulo succedida de uma a outra disposição do conde comprova ser este conduzido pelo desejo do melhoramento táctico, sendo louvável a franqueza com que julga pouco sejOfuro ou de menos bom effeito o que antes estabelecera. Advirta-se a par d'Í8to que o coude assistia entào á calorosa discussão travada entre os partidários da ordem linear e os da ordem profunda, appare- cendo entre os defensores d'esta ultima alguns apaixonados pela conservação das citadas armas compridas, de mistura com as de fogo. Muitos militares distinctos vacilavam então entre as duas es- colas, não sendo portanto de admirar que o marechal adoptasse a dita mistura na cruz regulamentar.

A cruz de Bukbourg adoptada pelo nosso exercito era uma das novidades propostas pelo conde no seu por vezes citado Nouveau systeme impresso em Stadtagen, e elogiada pelo seu biographo o alferes Scharnost, a que temos alludido. E para que se não haja em menos conta moral este testemunho de approvaçâo, note se que foi d'est.e alferes que se fez o grande e hotavel general Scharnost, re- generador do exercito da Prússia, a qual lhe erigiu por isto uma estatua.

Rustow diz na sua arte militar do século xix (Estratégia e arte militar l8tí9j,'que8charnostaprenderaa guerra na escolado prineipe de Schaumbourg Lippe Bukbourg. Que deixou em 1801 o serviço do Hannover para entrar no exercito prussiano no posto de tenente coronel. Que ahi foi professor da arte militar, fazendo comprehender ao pequeno numero de seus discípulos os principios da gueira mo- derna, introduzidos pela revolução franceza. Que foi presidente da commissão incumbida em 1808 de reorganisar o exercito prussiano. Que foi elle quem estabeleceu em principio que todo o prussiano tinha obrigação de servir militarmente. Que presidiu á commissão que de 1810 a 1812 redigiu a ordenança táctica da infanteria prus- siana simples, clara, e rasoavel por modo que ainda pode servir de modelo aos trabalhos d'esta espécie. Que o seu trabalho inces- sante no servir uma grande idéa lhe grangeára o glorioso epitheto de armeiro da liberdade allemã.

Transportando-nos porém á actualidade diremos com relação aos quadrados de infanteria de cuja natureza, formação, vantagem e inconvenientes se occupou por modo largo e claríssimo o distincto general Renard, que o acima nomeado Rustow, em uma outra sua importantíssima obra ou táctica geral escripta ultimamente, diz que a adopção das armas de tiro rápido, e sobretudo as de repetição, modificaram muito mais as idéas recebidas a respeito doa quadra- dos, do que o tinha feito a mudança das armas lisas para as raiadas e de precisão. Que fora até agora principio que cada face do qua- drado devia ter pelo menos quatro homens de fundo, para que as ul- timas fileiras occupando-se constantemente em carregar as armas,

'SO ALGUNS FACTOS MILITARES

erigindo isto em principio, porque haverá muitos casos em que lhe convirá mudar de p(tsiçrio. Assim ponho pnnlo a esle capitulo, base do no.^so regulamento.

CAmULO VII

(Pag. 96). Do manejo das armas

Encontro nos regulamentos que lenho lido, e é praticado em todos os serviços de que tenho noticia, que antes do batalhão começar o manejo d'armas se mandam as bandei- ras para a rectaguarda bem desempedidas dos soldados, bera comoos oííiciaes, ollQciaes inferiores, e tambores para que. dpsembaraçados os pelotões e b^m á vista, se fiolem melhor quaesquer erros que os siildados commettam. Com- tudo n'este regulamento lodos hcani nos logíires que linham no batalhão, a quatro passos largos da primeira íileira, e sem se mecherem ainda. quando os soldados se movam nas meias voltas, ou á direita, ou á esquerda, o que, além de pouco militar, pôde encobrir falsos movimentos d'aquel- les.

O manejo de armas, que foi traduzido do antigo regula-

coucorressem para que o quadrado estivesse sempre provido de tiros, e para além d'isto oppôr á cavallaria a resistência material, se o ataque d'esta arma nào fosse suspenso pelo fogo.

Pode-se comtudo dizer hoje ser bas^^ante a sua profundidade de duas fileiras para o quadrado se achar guarnecido de fogo até ao ultimo momento, sendo por outro lado permittido acreditar que o fogo sustentaJo por duas fileiras é geralmente sufficiente para re- pellir a cavallaria antes que obtenha chegar ao alcance dabnioneta, podendo o quadrado dispensar por tanto a força ou a sua resistência material, resultando d'aqui facilidade no adoptar o quadrado vazio apenas com duas fileiras de profundidade.

A formação do quadrado vazio fica por esta maneira consideravel- mente simplificada e muito mais rápida, desapparecendo com ella uma das razoes que davam a preferencia ao quadrado cheio ou ma- cisso, por assim perder de sua importância. O maior alcance e a ac- ção mais mortífera da artilheria raiada, é motivo a mais para a ado- pção do quadrado vazio, mas admittido este importa que tenha no seu interior um ou dois pelotões de reserva.

Estabelecido o quadrado vazio ficarão removidas as diflSculdades na formação dos quadrados de uma companhia, elemento táctico de grande consideração na ordenança prussiana pelo emprego iso- lado e importante que muitas vezes lhes incumbe.

PORTUGUEZES 5!

mento da Frussia, é frouxo e pesado, sendo minha opinião que deve ser aliviado de muilos tempos, para assim se tornar expedito ligeiro, com elegância, e forrar trabalho inútil á tropa. Em nulros paizes poucas vezes é praticado pelo batalhão o manejo de armas, flcando este reservado ás companhias quando, no principio dos mezes, trabalham se- paradamente em exercício, pertencendo aos batalliões come- çar logo movimentos tácticos apenas chegados ao campo. O manejo é entre nós de grande empenho porque o povo, e os que nada sabem gostam d'elle, eraquaoto que os solda- dos pelo contrario o aborrecem com razão, por conhecerem que, reduzido á metade, ainda sobrava do necessário.

Desde o anno de 1755 me tenho occupado bastante dos manejos praticados em outras nações da Europa e quando, no de 1763, publiquei o que me pareceu necessário para a tropa da marinha ingleza, em que eu servia por aquelle tempo, estabeleci os prinripios de um manejo breve, fácil e ulil, e até hoje tenho conservado a mesma opinião por me parecer que deve ser ensinado ao soldado, o que for proveitoso.

MANDAMENTOS

Mencionarei n'este logar a superfluidade que d'elles ha:

17.° Descançar sobre as armas 6 tempos— bastam 2

20.° Descansada a arma, pol-a ao hom-

bro 5 » » 3

2o.° O modo de apresentar a bayoneta não é bom. poderá servir contra cavnllaria, mas nunca contra a infanteria.

27.° Pôr armas debaixo do braço es- querdo 5 D » 2

28.° Pôr armas sobre o braço direito 5 » » 3

29.° Do braço direito pôr armas ao

hombro 5 » » 3

Os tempos para carregar, e sobre tudo para o exercido da vareta, devem ser muito corrigidos e abreviados.

Entre cada tempo do manejo manda o regulamento con- tar pausadamente 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, o que pro-

82 ALCIUNS FACTOS MILITARES

duz eíTeito terrível. Todas as nações abandonaram esta mo- lesa e ptepiiiça no manejo, paiecendo-me não se deverem contur senão até 4 de um a ouiro niovimenlo, incluindo o da pancada.

No lim do capitulo mand,i-se fazer o manejo sem vozes, começando pelo de A mão direila ás armas—, coisa absurda.

Na Piussia rufa o tambor advertindo os soldados que at- tendam ao signal, e logo principia o maíiejo sem que se profira p;davra.

Como o regulamenio diz que o batalhão deve fazer o ma- nejo á calada (e tem rasão para isto), pralica-se o mesmo DOS exercícios das companhias. Resulta d'aquí um ritual lodo niechaiiico e índistinclo, e poder acontecer que se alguna general ordenar a qualquer coronel que mande executar o manejo ínierpollando os mandamentos, este o não saberá fazer, costumados elle e os soldados a uma espécie de ro- tina que seguiram sempre.

CAl.CUtO SOBRK O TEVJPO DO MANEJAR DAS ARMAS, OHDENADO NO REGULAMENTO DE INFANTERIA

O manejo emprega 84 tempos, e manda con- tar 10 segundos

Entre ca<la um, ao todo 840 »

O tempo enlre a pancada e a execução, sen- do de 1" 84 »

O total do manejo occupa portanto 924 »

isto é, 15'— 24".

O mesmo manejo abreviado, sem faltar a coisa alguma, e comiudo mais vistoso e ligeiro, gasta apenas 66 tempos.

Contando 4" enlre um e outro tenipo, incluindo a pan- cada ou mudança, necessitará apenas de.... 264 segundos

Que reduzidos a minutos, dão para todo o

manejo 4' 24 »

poupando portanto 11' que podem ser aproveitados em coisa de maior utilidade.

Os inglezes e ouiras tropas, completam o manejo em 3' 30 segundos.

PORTCGUEZES 53

CAPITULO VIII (Pg. 113) Das guardas nas guarnições, e quartéis

Parece que um paiz que viveu por lantAs annos em paz, e em que a disc'i[ilina militar eslava iiileiramenie esíjtiecida cnrnd acorileceii em Poiiu^^a! alé ao anuo de 17(5i. si^ia in- dispensável estabelecer com toda a exactidão o serviço das praças, para c^e as tropas acostumadas à pontualidade, e ao rigor dVquelle serviço se doutrinassem Item nos prin- cípios e regras militares, tornando-se capazes de manolira- rem depois nos campos, como é de pratica em todas as boas constituições militares. Neste régulnmento não se en- co[ilra porém este systema, mas apenas um mettiodo confuso para as paradas e para montar e render as guardas, mas tudo Ião mal ordenado que faz vergonha, bem como o relativo ás obrigações dos oíBciaes e das senlinehis, por escassas e mal explicadas. E todavia são estas coisíis muito essenciaes à instrucção dos oíTiciaes e dos soldados, |)or(pie a não es- tar a tropa bem versada n'estes primeiros rudimentos da milícia, e estes explicados com miudeza, nunca se poderá julgar a milícia habilitada para o serviço do campo, como claramente se viu no Monle-branco, e nos Olhos d'Agua ^ nos quaes se não apiesentíiu um regimenio que conhecesse a parte elementar do serviço, e se não levelasse mais ne- cessitado, e mais próprio para passar ás mãos de bons ca- bos de esquadra que lhe ensinassem o exercício, e os rudi- mentos, que para emprehender grandes movimentos tá- cticos.

Este capitulo não se occupa do serviço essencial e da economia das praças, nem designa o modo porque um ou mais regimentos ou corpos de tropa devem concorrer ao serviço da guarnição, a m.aneira porque o go\ernador as deve receber, ou como se hão de aquartelar. Não trata dos hospítaes, nem das munições de guerra ou de boca, nem de muitas outras coisas pertencentes ás guarnições, que to-

1 No secundo acampamento de Tancos, em 1867, tornou-se repa- ravel a ialta de inttruççâo no tocante ao serviço de guarnição e de campanha, sobretudo nos corpos das provincias, pelo que foi orde- nado pelo general seu commandante que, uma vez por semana, fos- sem as tropas industriadas na especialidade dos referidos serviços.

54 ALGUNS FACTOS MILITARES

das dão aliás nos outros paizes para um pequeno voluaie, resultando d'esta falta a existência de disputas e differenças entre dS governadores e os conainandanles das tiopas que sohre islo importunara a corte, confundem o servi(;o eco- nómico, e t;iinbem a harmonia interna sem a qual nada se faz l)em feito ^

Principia este capitulo por mandar tocar á assembléa pe- las II hords da manhã, o que em Portugal conduz a quei- mar a tropa pela ardência do calor áqueU^i hora. N'este clima devem as guardas, durante o eslio, ser rendidas e recolhidas a quartéis antes das 7 horas da m;iiihã, em que deve acabar lodo o outro serviço. Não se attendeu porém a esta circumslancia, e porque na Prússia, e de inverno, se loca à assembléa ás 11 horas da manhã, devem os portuj^ue- zes fiizer ouiro tanto no verão! O resultado é que lodos os que pensam, desprezam este preceito. Advirl;i-se porém quanto é prejudicial estabelecer coisas que o bom senso não le executar, deixando por este motivo que cada um se resolva pelo arbítrio, peio que não ha no reino duas praças em que o serviço se faça por modo igual e ás mesmas ho- ras, podendo o preguiçoso ficar na cama até muito tarde para ir ^br^zar depois os pobres soldados, que tem ainda de ficar por 24 horas na guarda, estatuídos antes d'isso em exercícios ddatados ao sol, sem se attender a que hão de fazer sentinelas em noites frias, tendo os poros da pelle abertos e lassos ; e a que vão depois deitar-se sobre Inrimbas dos corpos de guarda em que por toda a parte penetra o vento ou a chuva, provindo de tantas incoherencias o en- cherem-se os hospitaes com doentes, e recolherem muitos soldados a quartéis, construídos aliás de madeiras podres como são todos os de Lisboa, oiiginando-se d'ahi não poucas moléstias e desordens.

0 marechal tratou os homens como a simples brutos. Os regimentos trabalham quasi sempre á força do sol, e com o passo largo e agigantado a que os obriga, ficam quebrados muitos soldados moços e robustos como é notório.

Nunca vi homem de gueria que não diligenciasse libertar os soldados do calor, da chuva, e do vento sempre que o serviço o permitlia, segundo a reg''a dos antigos; e não é

1 Ainda hoje íaltam a este respeito os regulamentos indispensáveis.

PORTUGUEZES 55

sem fundamento que o soldado aborrece quem lhe não cuida da sande.

T^mhein me pareceu muito duro que o soldado, em tempo de paz, durma duas noiíes na cama, e a terceira na fjuar- da dbrigado à senliiiella. Este trabalho continuado arruina o corpo, e não allende a que o habitante d'este clim;i não tem a força e a robustez dos filhos do norte. Este rij^or pôde ser exigido em tempo de guerra, ou quando não haja outro remédio. O soldado não tem hoje tempo para o des- canço necessário a toda a creatura humana ; e como pôde elle melliorar o seu estado por alguma industria honesta e traballio, embargado sempre por guardas e exercícios^ re- vistas e limpeza d'armas I Estas e muitas outras coisas que ainda terei a honra de mencionar, e que motivar originam muitas deserções. Paliando do soldado declaro que sou seu amigo sempre que o merece, mas que o não quero ocioso e brando mas vivo e agd, para conseguir o que, o desejo bem tratado dedicando-lhe o maior cuidado, como sempre vi praticar nos outros serviços. Muitos indivíduos ha, que eu poderia nomear, que entendem que os soldados são seus escravos; mas que serviço podem elles' esperar de homens com o espirito abatido, mal nuiiidos, sempre vexados, e por cujo aninho ninguém se interessa!? Como prova de que não exaggero contarei a vida actual do soldado durante as 24 horas do dia, advertindo que, não tendo a tropa quar- téis capazes, a maior parte dos soldados procura ler casi- nhas de baixo preço em que encontrem mais commodos, que ainda assim mal podem pagar, principalmente os casa- dos. Em outros paizes vivem as mulheres e filhos dos sol- dados com estes em quartéis que lhes o rei.

Os soldados devem apresentar-se todos os dias na re- vista da manhã, em que perdem muito tempo sem necessi- dade. A ordem que então recebem é a de que se devem ahi achar outra vez de tarde, porque talvez o regimento fará exercício. O soldado vae então ver se a sua arma está limpa, 6 em bom estado. Alguns vão fazer cartuxos, que aliás de- veriam estar promplos. Mas a ordem para o exercício so- brevem de repente. O soldado não tem tudo preparado para se apresentar em publico, e como teme a prisão, apenas limpa a arma ou satisfaz a tarefa que lhe deram, vae não obstante o calor do sol e apressadamente, acear-se a sua

56 ALGUNS FACTOS MILITARES

casa, que muitas vezes é longe. Corre á lavadeira a buscar a camisa e <is calções hraricos. Volla tje híjvo a casi colierlo de suor e todo afadigado, afim de procurar al}<uiii.t cmisa para comer, para o que quasi sempre encoiilrd pão e la- ranjas.

Ip.jtíilado este parco alimento sem substancia, e olhando sempre p.ira o sul para n'elle adivuihar as lidias ijue são, corre, atravessando as ruas. e (lie{,'a ao quartel ahiasado outra vez para assistir á revista das armas, e ser alii talvez martyrisadu pela it;norancia dos cabos desqiiadra (pie, al- gumas vezes com segunda tenção, outras porque tardou um instante, o mandam para a prisão no seu melhor trajo, que com desgosto anodoar-se-lhe, elle que por geido é aceado.

Escapo d'esta primeira [)rovação forma na companhia, que por vezes fica muito tempo em frente do seu quartel pelas voltas (jue lhe o capitão, até que por ultimo vae entrar em linha com as outras. Ahi é o sojilado novamente atormentado com o perfilar das filas e fileiras, o que pou- cos sabem, porquanto o conhecimento lhe não pôde chegar por inspiração. Acabada esta fieira, e quando tudo está prompto, ainda espera ás vezes pelo coronel, que devera comtudo ser o primeiro a estar no quartel para ver se to- dos cumpriam os deveres interiores do regimento. Sae fi- nalmente o regimento, transita por muitas ruas, íaz ^dros desnecessários que lhe alon^'am o caminho, até que chega ao logar destinado ao exercício, onde succede também al- gumas vezes encontrar o coronel, que não quiz ir ao quar- tel para se não incommodar. Não fique no esquecimento que por lodo o caminho marcharam os soldados com a arma firme no hombro, porte insupporlavel. Formam batalhas, descançam armas, e incontinente lhes mandam armas ao bombrõ, e principiar a formar o batalhão pelo methodo péssimo e laborioso acima especificado.

Começa-se então o exercido quasi sempre pelo manejo d'armas. Muitos chefes teem depois a mania de importuna- rem os soldados com todos os fogos do regulamento, que não causam [xmco tédio, e os perseguem de repetidas mar- chas, e mil voltas a cada cincoenta passos, fazendo evolu- ções abstractas, e sem objecto; ao que tudo poderei cha- mar tropel confuso e desordenado em que os soldados pu- cbam uns pelos outros, ignorando quasi sempre o que em

PORTUGUEZES 57

Terdade d'elles se pretende, saindo não obstante estafados sem se Ibes ensinar aliás cousa alguma. Concluído o exer- cicio e mandado reformar o batalhão por companhias, o que constitue novo exercicio, voltam para o quartel a passo do- brado, correndo o capitão de granadeiros sem nunca olhar para os que o seguem, obrigando com isto os últimos pe- lotões da columna a acompanhar esta, anhelanles, á car- reira, e como que desatinados. Chegados ao quartel ao qual voltaram- outra vez com as armas Qrmes no hombro, tor- nam a formar batalha sem perdoar nenhum ceremonial da tarifa. Por ultimo destroçam para a frente dos seus quar- téis, onde esperam ainda as ordens dos seus capitães.

Se o exercicio se fez com pólvora vae logo o soldado limpar a sua arma, o que não pode conseguir á luz do dia, e immediatamente o nomeiam para no dia seguinte entrar de guarda, muita vez sem ainda lhe pertencer na es- calla. Se se anima a representar contra isto, é descomposto de nomes injuriosos. Despedido eraflm d'este rosário de obrigações, torna a emprehender a jornada do quartel para sua casa, exposto ao ar fino deste paiz. Quando chega ao seu lar, supposto que mal jantado, não tem vontade de co- mer por estar cançado e moído, e prefere deitar-se blas- phemando do serviço. De madrugada levanta-se para voltar ao quartel do regimento, sem saber mais nada do seu ofíi- cio do que na véspera. Tudo isto é quasi que a verdade quotidiana, e ha vinte annos que o vejo praticar. Corno é possível então que este homem seja bom soldado, ou possa gostar do que considera seu flagello?! Desgostoso, empe- nhar-se-ha em obter a baixa, ou desertará. Esta pintura de nenhuma sorte encarecida, é simples amostra do que tenho que dizer a respeito do mau tratamento do soldado, e da falta de ensino á tropa d'este paiz.

Em climas quentes os exercícios devem portanto ser feitos de manhã, e também nos climas frios por muitas ra- zões obvias a todos os bons militares. No verão a salda dos quartéis para os exercidos deve ser pela madrugada, para que a tropa se possa recolher antes do calor. Nos me^ zes de julho e de agosto quasi nunca se devem formar os batalhões. Poucos soldados sabem hoje as obrigações das sentinellas, e como pôde ser de outra sorte se eu pró- prio vi por muitas vezes estabelecer senlinellas ás quaes

^^

58

ALfiUNS FACTOS MILITARES

l.i

t

Dão diziam senão p,ca aqui; e quando eram rendidas che- garera-se a ellas outros soldados, aos quaes os rendidos rosnavam algumas palavras que improvisavam da sua cabeça, figurando serem do serviço, e reliiarpm-se com o cabo, que Dão reparava sequer se os soldados marchavam bem, ou mal ! Feilo o pequeno serviço ou de detalhe com negli- gencia, nunca o soldado chegará a praticar qualquer outro com exactidão. Os officiaes inferiores não prestam, por duas razões: a primeira porque o seu maior numero é provido por empenho, e não ensinad'» como deve ser; a outra por- que os que poderiam ser bons, são desprezados por não terem protectores, emquanto que os que não tem préstimo, os procuram e sempre topam.

O entrar de guarda é uma comedia. Quasi nenhum oífi- cial faz a sua obrigação. Não se verificam as chamadas nem se examina ao tocar d'alvorada o eslado dos soldados, prática esta tão essencial, tão recommendada, e tão rigorosa em todas as nações, por isso mesmo que não ha que con- fiar demasiadamente do soldado, o que não deve servir de admiração. Todo o homem que tem tantos superiores, procura meios, para ao menos enganar um, e é por isto mesmo que se lhe devem oppôr tantas vigias. Se estas por incúria, ou por negligencia se afrouxam ou não prestam cuidado, perderão a disciplina. Quasi nunca se uma guarda a pos- tos quando passa um general, porque o ofiBcial vae para os cafés, o sargento segue-lhe o exemplo, e este se propaga ao anspeçadal

Quando servi em Lisboa vi muitas vezes os cadetes, e os soldados parciaes dos commandantes das guardas que en- travam de serviço, despedirem-se e não tornarem a appa- recer logo que estas tomavam posse do posto, mas no dia seguinte quando se iam encorporar nas mesmas ao volta- rem rendidas, apparecendo-lhes repentinamente saidos dos becos, travessas e esquinas em que lhes fazia mais conta espe- rar as guardas, e unirem-se a estas para então darem entrada DO quartel! Existe com effeito actualmente uma sombra de serviço, mas não a substancia do serviço. Falta a disciplina, em tudo ha descuido, tudo se disfarça ao ponto de vermos os soldados de uniforme vpstido feitos vendilhões públicos, 6 convertidos sem vergonha em adelosll!

Chegado o mal a este ponto em que dos paliativos não

*»?T^«?P!dP

■«^'mÊÊ^Si^^

PORTUGUEZES

S9

M y< ■.l'l-

pôde resultar beneficio nem eCfeitos radicaes, reputo prefe- rível deixar tudo no mesmo estado até que se lhe possa applicar remédio completo pelo estabelecimento de uma Dova constituição assente em princípios seguros, e militares; não servindo para coisa alguma decotar a arvore quando o tronco está podre. Creio que v. ex.^ pela sua alta compre- hensão, pensará também assim, por cuja razão fecho este capitulo affirmando ser preciso um systema novo e bem pensado para o serviço das praças, quando sua magestade se resolva a ter um bom exercito.

CAPITULO XIV

(Pag. 148). Da assembléa das companhias nos dias de festa e nos do pagamento

A parada de missa deve ser inspeccionada com o maior cuidado, e nunca ser perdoado quem a ella faltar, porque lodo o homem tem obrigação restricla de respeitar e de observar a sua religião, e de se apresentar no templo de Deus com toda a decência, aceio, e veneração, coisas que não vejo bem cumiiridas pela tropa d'este paiz.

Esta parada, fallmdo militarmente, é de muita utilidade para o serviço, porque não havendo exercícios nns domin- gos e dias santos, fica mais tempo para examinar com se- gurança, se os soldados cuidaram bera de seu aceio desde a ultima parada, e para que ninguém se possa eximir ou pretenda illudir, tenho por costume não dar nunca exercí- cios aos sabbados, deixando tempo a todos para se acearem 6 apresentarem como devem.

Sendo opinião de que os chefes devem acompanhar sem- pre os seus regimentos á missa, e a todos os actos públi- cos da religião para exemplo, e também para verem co- mo se comportam os seus súbditos nos logares sagrados. Digo isto porque tenho visto regimentos portarem-se ahi cora muita irreverência, o que além de ser um insulto e falta de respeito, suggere ao povo opinião da tropa.

Paragrnpho 8. fatiei sufficientemente do soldo da tropa no capitulo 2.° d'estas minhas observações, pelo que accrescentarei que acho preferível fazer o pagamento to- dos os sabbados, examinando no mesmo dia a roupa limpa

88 ALGUNS FACTOS MILITARES

não diziam senão fica aqui; e quando eram rendidas che- garem-se a ellas outros soldados, aos quaes os rendidos rosnavam algumas palavras que improvisavam da sua cabeça, figurando serem do serviço, e relirarem-se com o cabo, que não reparava sequer se os soldados marchavam bem, ou mal ! Feito o pequeno serviço ou de detalhe com negli- gencia, nunca o soldado chegará a praticar qualquer outro com exactidão. Os oíBciaes inferiores não prestam, por duas razões: a primeira porque o seu maior numero é provido por empenho, e não ensinado como deve ser; a outra por- que os que poderiam ser bons, são desprezados por não terem protectores, emquanto que os que não tem préstimo, os procuram e sempre topam.

O entrar de guarda é uma comedia. Quasi nenhum oíii- cial faz a sua obrigação. Não se verificam as chamadas nem se examina ao tocar d'alvorada o esiado dos soldados, prática esla tão essencial, tão recommendada, e tão rigorosa em todas as nações, por isso mesmo que não ha que con- fiar demasiadamente do soldado, o que não deve servir de admiração. Todo o homem que tem tantos superiores, procura meios, para ao menos enganar um, e é por isto mesmo que se lhe devem oppôr tantas vigias. Se estas por incúria, ou por negligencia se afrouxam ou não prestam cuidado, perderão a disciplina. Quasi nunca se uma guarda a pos- tos quando passa um general, porque o official vae para os cafés, o sargento segue-lhe o exemplo, e este se propaga ao anspeçada !

Quando servi em Lisboa vi muitas vezes os cadetes, e os soldados parciaes dos commandantes das guardas que en- travam de serviço, despedirem-se e não tornarem a appa- recer logo que estas tomavam posse do posto, mas no dia seguinte quando se iam encorporar nas mesmas ao volta- rem rendidas, apparecendo-lhes repentinamente saidos dos becos, travessas e esquinas em que lhes fazia mais conta espe- rar as guardas, e unirem-se a estas para então darem entrada DO quartel ! Existe com efifeito actualmente uma sombra de serviço, mas não a substancia do serviço. Falta a disciplina, em tudo ha descuido, tudo se disfarça ao ponto de vermos os soldados de uniforme vestido feitos vendilhões públicos, e convertidos sem vergonha em adelosll!

Chegado o mal a este ponto em que dos paliativos não

PORTUGUEZES

59

pôde resultar beneficio nem effeilos radicaes, reputo prefe- rível deixar tudo no mesmo estado até que se lhe possa applicar remédio completo pelo estabelecimento de uma nova constituição assente em princípios seguros, e militares; ' não servindo para coisa alguma decotar a arvore quando o tronco está podre. Creio que v. es.% pela sua alta compre- hensão, pensará também assim, por cuja razão fecho este capitulo affirmando ser preciso um systema novo e bem pensado para o serviço das praças, quando sua magestade se resolva a ter um bom exercito.

CAPITULO XIV

(Pag. 148). Da assembléa das companhias nos dias de festa e nos do pagamento

A parada de missa deve ser inspeccionada com o maior cuidado, e nunca ser perdoado quem a ella falíar, porque todo o homem tem obrigação restricla de respeitar e de observar a sua religião, e de se apresentar no templo de Deus com toda a decência, aceio, e veneração, coisas que não vejo bem cumpridas pela tropa d'este paiz.

Esta parada, faltando militarmente, é de muita utilidade para o serviço, porque não havendo exercícios nos domin- gos e dias santos, fica mais tempo para examinar com se- gurança, se os soldados cuidaram bem de seu aceio desde a ultima parada, e para que ninguém se possa eximir ou pretenda illudir, tenho por costume não dar nunca exercí- cios aos sabbados, deixando tempo a todos para se acearem e apresentarem como devem.

Sendo opinião de que os chefes devem acompanhar sem- pre os seus regimentos á missa, e a todos os actos públi- cos da religião para exemplo, e também para verem co- mo se comportam os seus súbditos nos legares sagrados. Digo isto porque tenho visto regimentos portarem-se ahi com muita irreverência, o que além de ser um insulto e falta de respeito, suggere ao povo opinião da tropa.

Paragrnpho 8. fallei sufficientemente do soldo da tropa no capitulo d'estas minhas observações, pelo que accrescentarei que acho preferível fazer o pagamento to- dos os sabbados, examinando no mesmo dia a roupa limpa

60 ALGUNS FACTOS MILITARES

do soldado e todos os seus pertences, ao fazel-o de cinco em cinco dias como determina esle | e o seguinte. Este ultimo melhodo embaraça hastanle nos dias de verão quando ha milito calor, e se lhe junla o pagamento com o dia de exercício, porque, ainda que o soldado se levante de ma- drugada, e íe lhe principie logo a revista e o pagamento, é certo que pela demora que hão de ter n'islo, sobrevirá o calor antes da tropa recolher do exercício. E cumpre obser- var também que muitos soldados dormem em suas casas por falta de quartéis, e quo portanto acabada a revista de- terminada no I 9, é de justiça d i-lhes (empo pjra levarem as mochilas a suas casas por não lhes ficar b^m segura a roupa nos quartéis que não habitam, sendo esla ainda uma das causas porque a tropa não pode largar o quartel para marcliar cedo p;ira o terreno destinado ao seu exercício. Segundo o meu modo de pensar seria preferível destinar a tarde de sabbado ao pagamento, ao exame do armamento, e do mais pertencente ao soldado, deixando-lhe livre a ma- nhã para se preparar para a revista. Tenho a certeza de que tudo se faria então com melhor ordem, não podendo os sol- dados allegar (como acontece muitas vezes em dias do pa- gamento), que não encontraram a roupa, e se a que trazem no corpo não é limpa, se deve ao costume das lavadeiras a entregarem aos sabbados. Por este modo, e coai estas rasões, a revista se fará com maior perfeição aos domingos, e ninguém se poderia então desculpar, havendo ficado livre ao soldado a véspera para se aprontar. Regulado que seja este serviço nunca ficarão pretextos aos soldados que os possam eximir. Insisto n'esias miudezas que muitos repu- tarão ninherias, e o parecem com eífeilo ser ao juizo do commum dos homens, n)as de facto o não podem ser a olhos militares, como judiciosamente o affirma o marechal de Saxe, isto é, que na tropa se deve mover tudo como um relógio, e que a despeito de todas as precauções, é a guerra por sua natureza tal que o soldado tem occasião de praticar mil infracções, e desordens, como v. ex/ terá presenceado. Tira-se portanto por consequência, que sempre que cada coisa se colloque em seu logar e no tempo próprio, se pou- parão muitas fracções do tempt), que sommadas que sejam, revelariam o muito que d'elle se perde nas minúcias do nosso ofiQcio. Perante esla verdade se não deve nunca ensi-

PORTUGUEZES 61

nar coisa alguma ao soldado que lhe não seja preciso, por que é do bom aproveitamento dos instantes que multas ve- zes procede a victoria e a salvação da pátria, verdade que deve achar-se sempre presente ao escreverem-se os regula- mentos, aflm de que provjdenceie em tudo o necessário desde a cama do soldado, até á carga de bayoneta, e á inflammação do seu uUimo cartuxo.

Paragrapho 10. É minha opinião que se não leiam ar- tigos de guerra aos soldados em cada 5 dias, isto é 6 ve- zes por mez, em primeiro logar porque se lhes tornam aborrecidos, demasiadamente familiares, e d'elles não fazem então caso. Em segundo porque aquillo que se ridicularisa não infunde respeito, não sendo raro o regimento cujos soldados não digam logo pela manhã, nos dias de paga- mento « hoje temos dia de candura » ^ e outras chocarrices. Julgo portanto preferível lêrem-se os artigos de guerra ape- nas uma vez mensalmente, mas essa com bastante solem- nidade, formado o balaltião no maior aceiu, bandeiras sol- tas, presentes lodos os officiaes, estando o capellão e o au- ditor juntos ao coronel. Isto produziria maior impressão porque o vulgo recebe e flxa mais as suas idéas pelos ob- jectos exteriores, muito mais quando lhe apparecem de tempo em tempo.

Os capitães deveriam comtudo mandar ler os artigos de guerra ás recrutas em todos os sabbados dentro dos seus quartéis, explicando-ihes a força de cada artigo .-ité se acha- rem promptos a entrar na batalhão, considerando isto como educação prévia. Também conviria que fossem lidos aos sol- dados ao voltareni de licenças, ou quando tenham estado por muito tempo doentes, ou presos.

Paragrapho 12. Não é fácil organisar bem o rancho sem que Sua Magestade seja servido dar bons quartéis e lenha a todos os regimentos, nem se poderá a tropa habi- tuar a este modo, como em outros paizes que tenho visto, porque conservando-se a portugueza quasi sempre nos mes- mos logares contrahem os soldados tanta intimidade com os paisanos ligando-se mutuamente, que chegam a repar-

1 Allusão a este art. 29 dos de guerra « Todo o militar deve re- gular os seus costumes pelas regras da virtude, da candura, e da probidade, etc.>

é2

ALGUNS FACTOS MILITARES

tir entre si o pouco ou o muito que tem, vivendo assim em commum. O serem filhos do mesmo districlo não é dos me- nores obstáculos pela quantidade de parentes e amigos que os cercam, O numero de casados que se encontram nos cor- pos, a cuja mulheres se não permitte viverem nos quartéis, é ainda outro embaraço a este estabelecimento, para o qual se conseguirá aceitação quando os regimentos girarem por differenies terras.

A experiência demonstra evidentemente que a residência sedentária de qualquer corpo na mesma terra é opposta ao caracter e- á disciplina militar, e logar a que o soldado medite em que um paisano ganhando tanto por dia, é tal- vez mais feliz do que elle.

CAPITULO X

(Pag. 151) Dos interrogatórios, e dos conselhos de guerra

A respeito d'este capitulo podia escrever-se um volume, mostrando a sua insufficiencia e disposição, assim como a pouca justiça com que o prezo é tratado, defeitos que se reconheceram Iojío aos primeiros conselhos de guerra, que se fizeram, o que a corte quiz obviar de futuro, promul- gando a lei de 16 de julho de i763, mas cora pouco re- sultado. Vendo o marechal general que todos os dias se offereciam casos novos que o capitulo não previra, lhe acrescentou uma ordem sua, com poder régio, em 29 de juntio de 1764, na intenção de que os officiaes das guar- das não dessem maior numero de licenças aos soldados que as determinadas pelo regulamento, condenando a 10 annos de carrinho qualquer oíficial inferior que infringisse a dita ordem, e prendendo-o rigorosamente por tempo de um anno se fosse ofíicial de patente, não recebendo mais qne a oi- tava parle do seu saldo, do que resultaria qne, se o delin- quente fosse alferes de infanteria, ficar apenas com 50 réis diários para se sustentar sem distinguir se isto caberia ao crime de traição, ou também quando a culpa fosse ape- nas a de ornmissão, ou negligencia! Parece-me semilhante ordem exlremrimente cruel, e creio que perante taes casti- gos será dillicil obter bons ofiBciaes. Não posso remelter-rae ao silencio deixando de observar a v. ex.* que punindo-se

PORTUGUEZES 63

Ião rigorosamente o descuido e a neglicencia se não ar- bitrasse expressamente nenhum castigo para o caso de traição. ...

0 mesmo marechal deu posteriormente, em 13 de juino do mesmo anno, outra ordem com poder regio sobre o artigo 8.° dos de guerra para evitar differenças e disputas o que o artigo ahás não conseguiu remediar. ^ Reprehendeu

1 Este art. 8." do Regulamento de 1763 a que as Reflexões se re- ferem é insufficiente, mal redigido, e muita vez peior interpretado e applicado a casos para que uão foi escripto, apesar dos additamen- tos que lhe foram feitos no anno de 1764. E comtudo o umco de guerra que se refere ao homicidio, comquanto d'este so trate em um caso especial. Os crimes d'esta espécie eram em qualquer outra hy- pothese do dominio da legislação commum. Hoje que por esta se acha abolida a pena capital tornou -se o preceito e a pena do citado artigo em thema para opiniões e applicações muito desencontradas. Ainda ha pouco um soldado assassinou espontânea, premeditada e traiçoeiramente um official seu commandante, achaudo-se no uso pleno da sua rasâo. O crime foi julgado muito acertadamente como um dos que a lei qualificava, e mandava punir como violação do de- ver militar nos termos do art. 16.» do código penal commum

Procurada pois a pena militar correspondente áquelle grande ma- lificio, encontraram -n'a os tribunaes n'aquelle art. 8.°, que diz : ^Todas as diferenças e disputas são prohibidas, sob pena de rigorosa .prisão : mas se súcceder a qualquer soldado ferir o seu camarada traição, ou o matar, seivá condemnado a carrinho perpetuamente; «ou castigado com a pena de morte conforme as circumstancias.»

Mas do processo não constava ter havido disputa ou dilierença entre o réo e a sua vietima, e esta era superior e não camarada do assassinado. O regulamento de 18 de fevereiro de 1763, a que per- tence este artigo rege na iufanteria, porque o de cavallaria tem pelo alvará de 17 de agosto de 1764 um outro art. 8.°, parallelo ao de infanteria, mas ampliado na incriminação e na penalidade. Fodia ser applicado á hypothese do assassinato fora de dilferença ou disputa, o disposto em qualquer d'estes dois artigos oitavos ? A lei geral nao admitte analogias ou inducções por paridade ou maioria de rasao. No foro militar existe o alvará de 15 de julho de 1763 nao consen- tindo que os artigos de guerra de 20 de fevereiro desse anno, este- iam sujeitos a interpretações e intelligencias que ou gravem alguns dos culpados com penas maiores d'aquellas que contra elles se achem estabelecidas, ou moderem a outros os castigos a que pelos seus cri- mes se achem necessariamente sujeitos; e manda outrosim que aos juizes não fique arbítrio algum livre para alterarem ou modificarem o artigo ou artigos de guerra que houvesse sido transgredido ; nem para usarem na sentença de outras palavras que não sejam as mes- mas idênticas do sobredito artigo ou artigos, que na condemnaçao das mesmas sentenças devem fazer copiar litteralmente assim como

64 ALGUNS FACTOS MILITARES

OS auditores e os vogaes dos conselhos de guerra, mas con- tinuando sempre as desordens e as irregularidades, muitos

se acham escriptas no novo Regulamento, sem acresceutarem ou di- minuirem uma palavra.

O capitulo 11.» do Eegulameuto, tratando dos castigos, diz que oa delictos maiores, e sobretudo o motim, o homicídio premeditado, e a traição tenham pena de morte, mas acrescenta conforme o julgue o conselho de guerra em consequência dos artigos militares (de guerra). N'estas difficuldades e apesar de ter sido usada a invocsiçào dos cita- dos artigos em casos de homicidio, o supremo tribunal de justiça, re- correu também ao art. 156.» das Novas ordenanças de 1708, seguidas subsidiariamente no foro militarem casos omissos, ou na falta de le- gislação expressa, porquanto nenhum dos alvarás de 1763 e 1764 re- vogou designadamente aquellas ordenanças senão emquanto fossem oppostas aos Regulamentos de 1763 e 'ò^, ficando aliás em seu vigor. Este facto recente accusa grande deficiência na lei criminal mili- tar, e na do respectivo processo. Acrescentaremos ainda outras pon- derações justificativas da rasão com que o auctor das Reflexões las- timava os acontecimentos, e também as providencias que se ado- ptaram. Era ainda o art. 8." o discutido.

Os artigos de guerra de 1763 mandam que por elles se julgue in- fallivel, inviolável e litteralmente sem diminuição ou interpretação alguma, e a primeira cousa que nos causa reparo é que sendo o Regulamento uma lei complexa porque se occupa de quasi tudo, ordena todavia o alvará de sua confirmação que não seja anuunciada nem feito ver a pessoa alguma que não esteja no real serviço, em ordem a cujo fim, quando qualquer oíEcial falleeer, o coronel, ou o commandaute do regimento a que elle tocar, faça apprehensão no regulamento que elle deixar e o guarde em deposito para o entregar ao successor, quando o posto for provido. É notável qne devendo a lei ter a maior publicidade, ficasse o seu conhecimento reservado aos officiaes arregimentados, revestido de uma certa natureza con- fidencial.

O marechal Lippe que foi na realidade homem instruído, parece não tpr sido comtudo forte em legislação penal militar. Segundo ve- mos da critica que publicamos, o art. 8." foi causa das muitas irre- gularidades e abusos. Fazendo todavia parte de umaleiassiguada pelo soberano, este o podia revogar. Mas com despreso d'este principio foi não obstanti! substituido e ampliado particular e como que escondi- damnte, pelo documento seguinte, que pode ser consultado no sup- plemento á colleeção da legislação portugueza do dr. Delgado, refe- rida aos annos de 1763 a 1790. Tom. 1.» 1840, sendo ahi copiado de outra colleeção do dr. Galvão.

«Tendo advertido que não obstante o artigo de guerra 8.», estar «concebido com uma clareza exclusiva de toda a duvida e equivoco^ «e conter para os casos n'elle especificados uma disposição certa e «positiva, houve comtudo, quem o reputasse conter a alternativa de «ficar ao arbítrio a eleição dos votantes para qualquer dos ditos ca- «803, ou a pena de carrinho perpetuo, ou a da morte natural, qual

PORTUGUEZES 65

conselhos foram recambiados, e repreherididos com mais asperesa os auditores e os dilos vognes, fazendo-se por iil-

melhor parecesse, o que é totalmente opposto á sua verdadeira in- ttelligeneia : Mandará v. s.' fazer no seu regulamento, e nos dos «seus oíSciaes, para se lêr aos soldados nos dias de 'pagamento, a «mudança seguinte : Todas as differenças e disputas são prohibi- «das sob pena de rigorosa prisão, mas se sueceder a qualquer sol- idado ferir o seu camarada á traição, será condemnado a carrinho «perpetuo, ou castigado com pena de morte, conforme as circumstan- «eias. Porém aqueíle que matar o seu camarada, ou qualquer otitro «á traição, será punido com a pena de morte sem remissão, e esta «pena de morte será aggravada na forma do eap. H.<», conforme as «circnmstancias do caso, por exemplo, se o morto for seu superior, ete.

«Da mesma forma fará v. s." trasladar na ultima folha do seu

Regulamento, e communicará aos seus officiaes para o mesmo eífeito «a nota seguinte ao cap. 10." § 8.°, para se observar quando o caso «o pedir. Se o conselho de guerra faltar em observar as formalidades «prescriptas, ou os votos se desviarem, do alçará de Sua Magestade «de 15 de julho de 1763, o auditor com palavras brandas as insi- «nuará aos membros do conselho, e os encaminhará ; mas suí ced'udo «recusar o presidente, ou algum dos ditos membros a conformar-se «com as representações legaes que lhe tiver f-rito o auditor, suspen- «derá este o conselho de guerra, e dará immediatameute parte ao «coronel ou commandante do regimento para que este o faça execu- «tar com promptidão, pena de ficar responsável o presidente e mais «vogaes pelas ordens do dito senhor, e o conselho de guerra conti- «nuará as suas sessões, e bc não separará até que a sentença seja «proferida segundo as leis militares ou civis, conforme as circum- «stancias do caso. Se algum dos ditos membros se obstinar a não «votar na confi^rmidade das leis e ordens de Sua Magestade, o co- «ronel ou o seu commandante o fará immediatameute prender, como «no crime de desobediência, e mandurá substituir o seu logar por

aqnelle que se seíjuir immediatamente ao preso. Deus guarde a «V. s.* muitos annos. Pedroiços, 13 de julho de 1764. O conde *reinante de Schamhourg Lippe.*

Esta forraa de estender e de aggravar a lei penal, e de intimidar simultaneamente vogaes dos conselhos entregando-os ao auditor, dependente este do coronel, é com efteiroirregularissima e despótica, além de inquisitorial. Creio ser devido a esta circumstancia não andar similhante aviso em eollecção alguma das nossas leis milita- res, comquanto a parte penal acrescentada saisse depois encorporada no art. 8." do Regulamento da cavallaria do anno de 1764, o qual, como dissemos, não obriga a infanteria.

O modo porque esta medida tão grave foi mandada estabelecer pela simples transcripção nos Regulamentos sujeita mesmo a erros de copi«, contrasta completamente com a solemnidade empregada pelo conde no mesmo anno de 64, quando ainda depois dos artigos de guerra foram incriminados outros factos, e se lhes estabeleceram penas severíssimas, ordenando-se ao mesmo tempo, que os conselhos

M

ALGUNS FACTOS MILITARES

timo e de ludo confusão tal, que o primeiro ministro im- poríunado por tantas incoberencias e irregularidades dos

de guerra começassem e terminassem no mesmo dia. Para tornar bem salientes as nossas considerações sobre a diflFerença de formas, transcreveremos o principio do diploma a que nos referimos, datado de Salvaterra de Magos, aos 17 de fevereiro de 1764. (Vide o Sys- tema dos regimentos, tomo 5.", pag. 3U4), dizendo assim : Nóa Guilherme, por graça de Deus, conde reinante de Schaumbourg, conde e nobre de Lippe e Staumberg, marechal general das rropas de Sua Magestade fidelíssima, cavalleiro da Ordem real da Águia ne- gra, etc. Por quanto el-rei, meu senhor, pela lei de 20 de outubro próximo passado, etc. Porque motivo se deu esta publicidade, e se invocou aqui o nome do soberano, e para aquelle outro acto, bastou um simples officio particular!? Não tem isto explicação fácil : comtudo estas e outras irregularidades, que muitos annos depois s-- tem mos- trado damuosas á justiça e á disciplina militar, foram até certo ponto sanadas e auctorisadas por occasiào do regresso do conde paia a AUemanha, mandando o sr. rei D. José, em 14 de outubro de 1764, «que ficassem em execução inviolável as ordens do conde expedidas «até á hora da tua partida, como se elle estivesse presente, sem al- «guma ditferença e sem a relaxação, que nào esperava.»

O nosso código militar de 1763 e 64 apresenta frequentes Hifficul- dades na sua intellitrencia e applicação. No caso do assassinato, a que nos referimos, teem-se vulgarmente entendido que quando 03 artigos de guerra mencionam camaradas, abrange nVssa palavra os officiaes e praças de pret, o que comtu lo nos nào parece que seja assim, porque os artigos 8.», l8.° e 20.» alludindo a camaradas, in- criminam acções vulgarmente praticáveis por soldados, e quando no art. 2G.° prohibe ao soldado emprestar dinheiro, estabelecem que o nào faiá ao seu camarada, nem ao seu superior. O próprio art 8.° do Regulamento de cavallaria distingue o simples camarada d'aquelle qufi é superior. Esta analyse lógica applicada a muitos outros ca- sos torna diíBcil a intelligencia, ou sentido de alguns artigos de guerra, resultando d'elles penas muito desproporcionadas aos de- lictos, o que tudo deu origem ao cordatissimo alvará de 13 de no- vembro de 1790, confiando ao tribunal superior um prudente arbi- trio sobre as sentenças de primeira instancia.

Deixaremos ao auctor das Reflexões a critica mais desenvolvida do Rfgulameuto, mas chamaremos com o general Cunha Mattos a attenção do leitor, sobre outras anomalias do sobredito código, taea como as seguintes. Os crimes a que se applica a expulsão com infâ- mia acham-se mencionados no Regulamento de 1763, cap. 13 § 7.», cap. 14 §§ 1.» e 2.° Nos artigos de g:uerra 2 ", 8.", 15.°, 16.», 17.», 18.», 25.» e 28.» O Regulamento de 1764 ainda complica mais, dizendo umas vezes expulso com infâmia e outras simplesmente expulso. Ora a expulsão é regulada pela natureza do crime, mas indagada esta parece crescer a escuridão, como resulta da comparação do § 7.» do cap. 13 com os 2.» e 3.» do cap. 14. Em um crime como o de se em- pregar o oflicial em alguma coisa que não seja serviço militar, é elle

PORTUGUEZES 67

conselhos de guerra se saiu a 4 de setembro de 1765 com uma lei pela qual se lisonjeava de que com três termos subs- tanciaes poria fim a todas as desordens e duvidas que po- dessem acontecer f Esta lei não lhe sort/u ainda o effeito desejado porque continuaram as mesmas irregularidades, e os mesmos abusos nos processos e sentenças, dominadas ora por empenhos e falsas compaixões, ora por vinganças e segundas tenções ; mas acima de tudo isto succedeu o demurarem-se os conselhos cinco, seis, e sete annos sem obterem confirmação, soffrendo no entretanto tanto os cul- pados como innocentes, e gemendo estes nas cadeias e nas fortalezas com estrago de fazenda, ruína de saúde, perigo de vida, balanço de credito e da honra, e qualquer inferior sempre no risco de se vêr perdido pelo ódio ou pela igno- rância do seu chefe, baslando-lhe entrar em conselho de guerra para logo soffrer aspérrimo castigo na ddatada pri- são. Este, e tantos outros abusos, tornaram temíveis os conselhos de guerra ainda aos homens de bom procedi- mento, não lhes sendo de menor cruz o servirem debaixo d^s ordens de homens imperitos ou despóticos, porque dos primeiros rereiavam a incapacidade, e dos uliimos o abuso do poder, resultando d'aqiií com muita rasão ddigenciarem tanto oíBciaes como soldados mudar de uns para outros re- gimentos, procurando por esle modo um seguro contra in- justiças que os opprimiam. Também não é raro enconlrar-se n'isto o augmento das deserções. É para lastimar que esta ulcera por velha se convertesse em cancro, que precisa de

expulso como indigno ; mas provindo o lucro de concessão de abusiva licença, é simplesmente expulso. D'aqui acontece persuadirem-se al- guns que a expulsão do serviço importa a idéa de infâmia, mas que, quando se não faz uso da palavra expulsão como no § 8." do cap. 14, e se diz apenas será lançado fora do serviço, não íia infâmia e apenas uma equivalência da demissão absoluta, por serem coisas muito differeutes o furtar, ou o exceder a licença sem motivo justi- ficado.

Os militares sentenciados á morte na forca eram expulsos e de- gradados de suas honras e uniformes antes de entregues ás justiças civis ; não assim os comdemnados a serem passados pelas armas, porque a execução d' esta ultima sentença era feita por soldados, cuja profissão é nobre.

De tudo o que levamos perfuntoriamente referido, resulta-nos a convicção de haver toda a necessidade de um novo código penal, e do respectivo processo.

68 ALGUNS FACTOS MILITARES

ser cortado pela raiz para alcançar cura formal; e com quanto Sua Magestade desde a sua feliz exaltação ao throno, animada no desejo de fazer justiça a todos, fez dar expe- diente mais promto e decidir com brevidade a confirmação das sentenças definitivas, comiudo ainda resta muito que fazer para melhorar os conselhos de guerra, conseguido que o castigo sobrevenha rápido ao crime para freio e terror dos delinquentes, e como os crimes militares tem natureza di- versa dos civis ou communs, e o praticado por um militar o/Tende a todos os que trazem insignias de guerra, devem ser publicados os crimes e suas sentenças a toda a tropa pela mesma forma que se lhe noticiam as acções heróicas, 3 fim de se lhe patentear bem a grande diíTerença que pe- las leis divinas e humanas vae da virtude ao vicio.

Pela formula e indiscreta mandada sfguir nos conse- lhos de guerra não pode hoje ser bem administrada a jus- tiça, nem o preso defender-se e mostrar a sua innocencia por isso que antes de comparecer perante os juizes acha tudo disposto [lara lhe ser lançada a corda ao pescoço, arcabu- zado, sentenceado para as fortificações, ou para o estado da índia com infâmia, e isto tudo porque, concluídos os inter- rogatórios, é de repente chamado a dar a sua defeza sem mais aviso ou preparo que o d'aquelles lhe serem lidos de corrida pelo auditor, por estar cançado e aborrecido do con- selho, assim como o medico deseja a morle do miserável doente que soííreu muito nas suas mãos. e que não lem di- nheiro para lhe pagar. O infeliz preso, ou por falta de ex- periência do mundo por nunca t^r visto um conselho de guerra, ou por vir pelas ruas maneatado e apparecer com ferros ante os seus juizes em cujas mãos está a sua vida, e (o que é ainda mais para o hoinein de bem) a sua honra e reputação, considera-se Cfiudemoado antes de ouvido, e pertuhando-se com esla fúnebre idéa, nenhinn alivio pôde sentT n'esta secca pergunta do auditor, tem alguma coisa mais que accrescentar d sua defeza ? isto no mesmo tom en\ que se pergunta na rua a (pialquer. « Que ha de novo?í> O preso não deve ser conduzido como determina o | 8.° d'este capitulo senão por algum crime horroroso, nolono, e comprovado. Digam embora que isto se fez por formalidade legal e até á presença do conselho: o certo é que tanto basta para aterrar homens desembaraçados, quanto mais os

PORTUGUEZES 69

tímidos ! Como pôde o preso organisar, e offerecer repen- tinamente a sua defeza?! Ou se cala, ou se defende mal. Volta então para a cadeia e, começa o auditor a relatar summariamente os interrogatórios, a resumir para breves palavras a culpa e a defeza, e sem mais demora tomam-se votos, e fica lavrada a sentença I Desejo saber como se pôde relatar um processo era que depõe testemunhas quasi occul- las ao arguido, sem este se achar presente aos seus de- poimentos como devera ser afim de poder contestar e des- truir aquelles, e offerecer outros em seu abono, tendo a seu lado por conselheiro e advogado um oíBcial antigo, expe- riente, e de capacidade, ou na falia d'este, um bom letrado infori^ado antecipadamente do caso e das leis militares, por- que d'esta maneira as testemunhas seriam mais cautelosas e verídicas, e temeriam o castigo pronto d'esle mundo, sendo que as penas do outro, peU rasão de se acharem me- nos próximas, e ficarem mais á misericórdia de Deus são menos temidas, e por isto o homem vil e sem pHo nem remorso, jura conforme a seus interesses e paixões. Assim ficaria evitada a fraude e o suborno, bem persuadidas as testemunhas de que logo que fossem convencidas de falsi- dade seriam julgadas no mesmo conselho, e punidas com a lei.

Repito, não sei como se possa julgar a culpa sem ser ou- vido o accusado acerca dos depoimentos a si contrários para os contestar e justificar a sua innocencia: de dutra sorte apparecerão criminosos. Poucas vezes tenho visto mili- tares entrados em conselho de guerra, sairem limpos, e innocenies. Não sei comlndo como se pôde lavrar uma sen- tença, e reunirem-se votos decisivos, qu.jndo o crime se não ache snfficientemenle provado f Porém tenho os vogaes de um conselho de guerra que se governam pelo regula- mento como assassinos forçados, e muitas graças devem dar iioje á soberana por lhes consentir que recomraendem o réo à clemência real. Com eífeito, porque motivo se não ha-de permittir que o innoc.ente mostre em poucos dias, e conforme ás leis a sua isenção de culpa, sem os tormentos de uma longa prisão, certo de que as mesmas leis lhe pro- tegerão a honra (que para o militar é tudo), de que verá in- tacto o seu credito, e de que poderá apparecer em publico, onde os seus amigo:< porfiarão em qual será o primeiro em

\

70 ALGUNS FACTOS MILITARES

O abraçar I Convencido porém do crime importa que seja logo punido e despresado, para o exercito ler um velhaco de menos. Se o exemplo firmeza aos que servem bem, contribue de igual sorte para eaiendar os que não tem pro- cedimento louvável. O conselho de guerra não é mais que uma contenda legal para o apuramento da verdade; mas logo que esteja sabida, execute-se a lei, absolvendo ou cas- tigando conforme o caso fôr. Concluído o consellio espera- llie o monarcha a sentença, ou para restituir á liberdade e salvar a honra; ou para reprimir, e castigar segundo as cir- cumslancias ; ou finalmente para perdoar consultando a sua clemência real, Parece-me comludo que o marechal Lippe nunca leu o sábio, e ju.sto marquez de Beccaria Dei de- litti e delle pene. * Creio bem que este autlior, de cora- ção tão cheio de Immanidade, nunca escreveria o | 8.° do Cap. li) do novo regulamento de infanteria, que nem a mou- ros e gentios deve ser applicado, quanto mais agentechristã, e boa catholica! É minha opinião que reunido o conselho de guerra, deve chamar o preso, sendo este conduzido com decência á sua presença, não lhe servindo a prisão senão para custodia e segurança, mas não para castigo. Chegado o réo deverá o prf*sidente perguntar-lhe se conhece os vogaes, e se tem que allegar suspeição de algum, ou se os quer para juizes. Ajustados estes preliminares, deverá o presidente man- dar ler ao preso o crime ou crimes de que é accusaiio em pa- ragra[)hos claros e separados, do que lhe fará dar copia assignada, quando o requeira. Em seguida conceder-lhe-ha liberdade ampla para fallar sem sujeição, e propor as suas testemunhas.

Acabado isto principiará o audilnr, por parle da coroa, a interiogar as testemunhas para descobrir a verdade, in- qnirindo-as. Na sua mesma presença as confrontará o au- ditor, seguindo o melhor methodo de interrogar as teste- munhas de uma e outra parle.

Feito isto voltará o preso, e lhe será lido pelo auditor

1 Não era isto possivel porque escrevendo o conde de Lippe o re- gulamento de infanteria em fevereiro de 1763, o fez anteriormente á citada obra do marquez de Beccaria, que mudou a face do direito cri- minal na Europa, e que foi publicada a primeira vez no anno de 1764. O general Frazer não consultou portanto as datas, e partiu de um grande anachronismo.

PORTUGUEZES 7t

muito pausadamente quanto se acha escripto pró ou contra elle, naoslrando-lhe assim haver-se procedido era tudo cora legalidade. Dando-se o réo por satisfeito, se lhe marcará tempo necessário para preparar a sua defeza, e corrido o praso tornará ao conselho ou um amigo por elle, para lêr a sua resposta á qual não tendo que accrescenlar, voltará para a prisão a esperar a sentença que, sem demora, será reraeltida ao monarcha, ao commandante do exercito, ou ao general da província segundo as ordens forem, afim da confirmação se não fazer esperar, sendo absolvido o inno- cente. ou punido o criminoso.

Durante o depoimento das testemunhas devem as por- tas do conselho estar patentes, facilitando a entrada não aos militares que as quizerem, mas ainda a toda a gente de bem que deseje ser admittida, o que será muito conveniente para os militares, abrindo-lhes por esle modo uma eschola não para se habilitarem a serem membros de outros con- selhos de guerra, mas para ainda alcançarem docuunentos, e doutrinas concernentes à sua profissão quando tenh.un que decidir casos que interessem as operações das tropas.

Tenho conhecido oííiciaes que fizeram largas jornadas para assistirem a conselhos de guerra em casos importan- tes. Também julgo de utilidade para o serviço que ainda as pessoas não militares tenham liberdade para presencea- rem os conselhos de guerra, por quanto o povo fic;irá sa- tisfeito sabendo que seus filhos e parentes militares são tratados com justiça. Acredito* que seguindo-se esta pratica haverão menos empenhos para a libertação de criminosos, vindo a nação a reconhecer que o officio militar esiá as- sente na sua verdadeira base, isto é na honra, na virtude, e no valor, e que seus filhos se não perderão com o per- tencer ao exercito.

Fui sempre de opinião que os cabos d'esquadra, anspe- çadas, e soldados não deviam ser vogaes nos conselhos de guerra, porque além de proferirem mil parvoíces, nada entendera da matéria que n'elles se trata. É certo que nin- guém pôde ser juiz na causa em que por ignorante não tem competência de voto, mas se apesar d'isto fôr resol- vido que esta pratica continue, sejam pelo menos escolhi- dos de entre os mais capazes, com seis annos de serviço, e 30 de idade pelo menos.

72 ALGUNS FACTOS MILITARES

Para Analisar este oilioso capitulo, que tanto mal faz à nação, aliás contra as boas intenções da soberana, afSrma- rei que se continuar o systema presente, um conselho de guerra será sempre havido por mim como a lanterna ma- gica ou como o prisma de Newton, que mostra as cores segundo os ângulos era que recebe e reflecte a luz.

CAPITULO XI

(Pag. 456) Dos castigos

Não se podem determinar acertadamente os castigos que se devem adoptar em quahjuer exercito sem attender ao clima, à natureza do paiz, às leis antigas, aos costumes es- tabelecidos e ao modo de pensar dos habitantes, ponde- rando se estes são paciíicos ou ardentes, intrigantes ou de procedimento liso, e se lhes é sufficientt^ um castigo brando para os emendar; sendo para isto necessário saber de raiz qual a idéa que formam da honra e do brio, por quanto até das preocupações de uiiia nação se pode tirar partido, approveitando-as no otBcio militar.

Conhecidos os homens e o paiz, podem-se então calcular as qualidades, e as medid.is de punição applicaveis aos cri- mes commettidos pelos mililares contra a religião de Deus, as leis do Soberano, o socego publico, a boa ordem, a subor- dinação e a obediência tão indispensáveis á conservação da disciplina militar.

È operação ilelicadissima o proporcionar o peso do cas- tigo á natureza do (-rime, bem cf)mo encontrar um minis- tro civil capaz de fazer leis mililares por não comprehen- derem bem a consequência de uma falta na execução do dever, parecendo a seus olhos tudo de pouco momento, o que aliás pôde trazer na actualidade do serviço grande desordem a um exercito, e tanta que seja necessário accu- dir-lhe desde logo, castigando sem demora e publicamente o criminoso, a fim de que outros lhe não sigam o máo exemplo; em quanto que no governo dos povos não se torna precisa tanta promptidão e vigor.

Um general é sempre o melhor juiz das desordens com- metlidas pelas tropas, bem como das consequências fataes que podem resultar de muitos desconcertos que o vulgo

PORTUGUEZES 73

reputa aliás insignificantes, mas de cujos effeilos aquelle sabe o perigo assina pelo estudo, conao pela pratica.

Por tanto quando se constrne um regulamento novo, que requer muita ponderação, é o general que deve estabelecer os castigos, embora tenha a seu lado ura jurisconsulto sá- bio e inteiro para evitar que a lei militar contrarie a con- stituição civil ou o interesse do paiz, mas sendo a porção da pena para cada crime militar, calculada pelo general.

Dir-me-hão que seguindo-se esta idéa, os castigos mili- tares serão muito mais rigorosos em relação ás punições ci- vis, ao que respondo que por força assim deve acontecer, porque de outra sorte um lif)mem por si nunca poderá governar um exercito quando todos os que estiverem de- baixo do seu commando não tremerem de faltar ás suas or- dens, por leves que sejam : e se o general não encontrar no regulamento, nas ordens regias, e na confiança que o So- berano depositar na sua pessoa, a faculdade de applicar castigos proporcionados desde os delidos aié aos crimes mais horrorosos. Um general prudente e humano, nunca usará d'este [deiio poder senão para a conservação do exercito, e antes de chegar a granles extremos procurará por certo influir nos corações dos seus súbditos pela doçura, benevo- lência, generosidade, agrado, e pela justiça imparcial con- forme ao génio de cada um e o alentado pundonor do seu brio, ou o melindroso receio de obrnr mal. Os castigos maio- res, e os mais horrorosos ficarão reservados para aquelles que não tiverem pejo, nem honra, nem verdade, nem sen- timentos sublimes de valor que sempre distinguem o booa christão, e o verdadeiro e modesto militar.

O soberano ao conferir grandes poderes a um bom gene- ral deve esperar que este não abusará, nem consentirá que os chefes seus subordinados tratem as tropas com cruel- dade, vingança ou injustiça ; e verá se antes d'elle chegar ao commando em chefe, terá dado provas de prudência, refle- xão, circumspecção, e maduro juizo.

Os castigos que convém a um paiz não procedem em outro quando o clima, a religião, as leis e os costumes são differenles. Nos climas de muito calor sendo os homens mais caseiros, mais inclinados á moleza, á vida sedentária, e a ganharem o sustento com pouco trabalho, não lhes custará muito o ficarem por largo tempo detidos em uma cadeia;

74 ALGUNS FACTOS MILITARES

era quanto qne isto mesmo seria penozissimo aos homens do norte, quasi sempre em movimento, mais ágeis, robus- tos, e ardentes de génio. A estes torna-se insiipportavel o verem -se privados do movimento a que andara acostuma- dos, e para se restitnirem á liberdade que é o seu idolo, despedaçarão as portas das cadeias, e empenharão n'isso to- das as suas forças, e ardis.

Estas são as razões naturaes em que me fundo para jul- gar por menos adoptado ás tropas portuguezas o castigo de uma prisf;» demorada como (determina o regula: ;pnto, não contribuindo por tanto para a emenda dos deiuKjuentes, porque, pela natureza do clima e seu modo de viver, se acham predispostos a soíírerem a prisão com notável indif- ferença. Além d'isto o liomem torna-se n'estas circumstan- cias mais frouxo, abale-se-lhe o espirito, aprende mãos cos- tumes, e por sua diuturna prisão vê-se obrigado a recorrer a empenhos, a repetidos requerimentos, a perder a espe- rança de um qualquer adiantamento, e com ella a disciplina. Gasta os bens que possue, destroe os uniformes, arruina quasi sempre a saúde, e adquire sobeja razão para se dizer maltratado por isso que não se seguindo o castigo á culpa, mas continuando subjeito a elle, se lhe aggrava a pena com a demora. Com o tempo arrefece a lembrança do crime, parece este menos horroroso, e quando a final o delifujuente é [)unido, o castigo não produz o mesmo effeito.

Se a final é perdoado, muitos outros com semelhante máo exemplo se abalançam a crimes fiados em achar |)rõtecto- res pnra o seu livramento, por quanto a longa prisão sus- cita sempre empenhos, rogativas, e mesmo falsas represen- tações que são a ruina do exercito, destroem a subordina- ção, e põe em parallelo o vicio e a virtude, o culpado e o innocente. Em conclusão, não pôde haver tropa sem pré- mios e sem castigos, mas promplos e públicos.

Este capitulo não faz distincção entre os castigos dos offi- ciaes e os dos soldados, pelo que pôde acontecer vêr-se um olTjiial general delinquente, trabalhar nas fortificações de grilhão e rotulo f Quem quizer continuar esta critica achará novo e vastíssimo campo para isso no | 2.", pelo qual um general ou um soldado (não se sabe qual d'elles), é condemoado a viver em estreita prisão e a penar de fome,

PORTCGUEZES

pojs que não pôde receber mais que o striclamente necessá- rio para sustento da vida. Para calcular esta ultima condição será necessário chamar então nm chymico que qualifique e pese diariamente o alimento, e avalie as forças do preso em quanto vivo.

N'esta miserável situação têem que sahir para trabalhar com violência em obras de fortificação, e á noite que re- colher á masmorra supporlando tão triste vida até se fi- nar no hospiíal, porque não poderá durar por muito tempo em similhante consternação.

O paiagrapho 3.° não é mais aceitável que o 2.° O 4." é consequência do 3.°, e contudo ninijuem em Portugal deve seguir similhante systema penal. Fatiarei mais amplamente dos castigos quando me occupar dos artigos de guerra. O desejo que me anima de ser uiil ao serviço, obriga-me a di- zer que não é empregando a tyrannia, a vmgança, e a fraude ao modo dos capitães mores, nem com a vileza de alcaides, e o horror dos cárceres, das algemas, dos grilhões, do pão 6 agua, da mizeria, dos empenhos, dos Maniqiies, d^s leis de Pombal, e do regulamento de Lippe que se pode crganisar ura bom exercito ; mas esperando judiciosamente o que for necessário das rectas e benévolas intenções de sua Magestade, e das lu/es do general.

,lá disse em outra parte, e não acabarei de o repetir que antes de tudo se deve convidar é animar a gente boa a ser- vir no exercito; estimular os oííiciaes de patente pelo brio natural da nação; usar de (odos os meios SHidaveis e exci- talivos (>ara lhes mo deixar adormecer os espíritos; tratal-os por modo que se envergonhem de aparecer diante dos seus camaradas logo que o seja notório lerem esquecido o de- ver, a honra, e o valor; fazer maior estimação dos olficiaes; respeitar muito mais o uniforme dando aos militares fá- cil entrada na côrle e admisão á presença real, e realçar quanio for possível o caracter militar na certf^za de que por e>tes estímulos se despertarão os sentimentos generosos, e o zelo da honra (^ue Deus impremiu no coração da maior parte dos homens, não esquecendo, mas antes dando-lhes a par de tudo, meios com que possam viver decentemente por que sem isto se não fará nunca cousa limpa e completa.

Encontrando-se oíiiciaes incorregiveis devem-se-lhes ap- plicar castigos promptos, com certo ressaibo de infâmia, con-

76 ALGUNS FACTOS MILITARES

forme a natureza fôr da culpa, por quanto adoptado uma vez nos regimentos o systema da honra, deverão uns serem despedidos por falta de préstimo militar, outros expulsos com infâmia, outros degradados para fora do reino, e em geral punido todo o oíBcial que andar em companhia, e correspondência com outro que tenha sido expulso, eslabe- leceiído-se isto por tal forma e segurança, que o ultimo dos soldados do exercito possa dizer: Esíe homem é vil por que foi expulso do serviço com muita razão; e eu o des- despreso j"irque tenho a ho?v a de servir no exercito. Logo que cheguemos a este ponto estará feita a reforma da ins- tituição militar poriugueza, e teremos exercito.

Por culpas horrorosas e grandes casos que ás vezes su- cedem nos exércitos, perderão os militares a vida conforme as circunstancias, mas não será conservado nenhum em cár- cere perpetuo a não acontecer que seja homens tão vil e tão indigno que não deva aparecer mais enlre os outros; mas então tirem-lhe as insígnias militares na presença da tropa e declarem-no indigno de as trazer. E^^tou certo de que seguindo-se rigidamente este systema e dando ao uni- forme o maior realce, não se encontrarão esses taes que o enxovalham.

Aos oíBciaes inferiores devem-se inspirar sentimentos de probidade, e de generosa ambição segundo seus postos e nascimento. Se alguns forem incorrigíveis, tenham logo baixa e sejam redusidos a soldados. Se depois perseverarem nos mesmos desatinos, e forem filhos de i^enie limpa, sejam immediatamente expulsos do serviço; sendo plebeus e re- duzidos a soldados então hajam punição corporal, e se ainda depois d'estes; meios não houver esperança de os emendar por seus génios indómitos e hábitos do mal, sejam então expulsos da tropa por sentença de conselho de guerra, e seus nomes e crimes publicados na Gazeta pata noticia do exercito, sendo em seguida transferidos para as conquistas.

Emquanto aos soldados convém estimular- lhes todo o brio, dando-lhes esi)erança de adiantamento segundo o seu bom procedimento, sendo em todas as hypotheses bem tra- tados quando não falteiín ao serviço. Os seus castigos que sejam promplos quando necessários, e os culpados por ne- nhum modo retidos nas cadeias. Em regra nenhum militar deve ser castigado com rigor sem se lhe provar algum defeito

PORTUGUEZES 77

radical de coração ou qne lhe são inúteis os remédios applica- dos. São estes os meus principios fundamentaes, isto é a mi- nha opinião a respeito da tropa, sigificando ella que vai bem a pena examinar com vagar e meudamente o intimo do coração humano, porque são infinitos os meios de curar verduras da mocidade, os descuidos, negligencia, e a pró- pria preguiça, até que o homem por sua idade, instrucção, madureza, e assento chegue ao que deve ser. Que satisfação não terá a alma generosa empregada na salvação do homem que soube emendar-sel?

Pela pratica que tenho da tropa portugueza não approvo nem a prisão, nem as pranchadas para corrigir descuidos e culpas leves não premeditadas. Nunca mandei dar pran- chadas senão por culpas vis, ou quando muitas reincidências denotavam incorrigibilidade. Poucas vezes chegará a tal ex- tremos aquelle coronel que tiver estabelecido um systema seu, e modo de estudar o caracter, e o génio porluguez. Na Intílaierra e na Allemanha é quasi indispensável o uso da chibata na punição dos soldados, mas em Portugal raras vezes haverá necessidade de o fazer, porque o portuguez se leva mais por estímulos briosos que peias penas corpo- raes. É lastima que nem lodos queiram estudar o génio da sua própria nação, e lembrarem-se de que os soldados não deixam por isso de serem homens, e que alem d'este ti- tulo merecem estimação, favor, e acolhimento quando pro- cedem bem, sendo este o verdadeiro modo de os ler capa- zes. Não me reputo mais hábil que outros, mas é notório que se passam 6 e 7 mezes no meu regimento, sem que um único soldado receba pranchadas. Ao ladrão não as per- doo, não porque d'elle espere emenda, mas para intimida- ção dos mais, principalmente dos soldados novos ou dos re- crutas.

Nunca mandei soldado algum para a prisão a pão e agua por saber que este castigo não convém ao portuguez, e que por elle perderia o soldado. Também nunca o mandei car- regar de armas porque reputo esta punição cruel pela sua duração, e por entender outrossim que a arma que o mo- narclia lhe confiou para defender a pátria e a sua própria vida, se lhe não deve converter em instrumento de castigo 6 ainda menos lornar-se-lhe aborrecivel. Também não sou muito amigo de mandar que o soldado entre de guarda sem

' li

J.

TO

ALGUNS FACTOS MILITARES

N

lhe pHrtencer porquanto nem a honra, nem a obrigação do serviço se devem mudar em castigo, nem o trabalho deixar de correr eguabneíiie por todos. E como sigo a pratica de que os presos por culpas leves entram de guarda quando a escalla os chama, nunca lhes retiro a metade do soldo, como aliás determina o Alvará junto ao livro de registo 1, porque, se todos devem trabalhar (excepto os presos por cri- mes maiores), necessitam elles todos do seu soldo para vi- verem. Isto é melhor que prende-los em cárcere, mesmo porque lenho encontrado soldados que preferiam a qual- quer obrigação o ócio da prisão. A seu tempo mostrarei que até existem alguns que querem antes trabalhar nas fortiflcações, que servir em seus regimentos I

Para me não vér constrangido a empregar os castigos es- tabelecidos pelo I 3." d'este capitulo por culpas leves, tenho recorrido a differeiítes meios que o tempo me não per- mitte agora descrever, mas de que mencionarei somente um.

Quando encontro algum soldado pouco exacto em suas obiigações. negligente e sem brio, ou que não cuida das suas armas e fardamentos, poucas vezes o mando prender, porque pela prisão difficilmeíite se restabeleceria voltando ao hum estado, mas ordeno ao seu capitão, e ao oííicial da guarda ao quartel, que o não deixe sahir d'este mas antes o obrigue a se lhe apresentar todos os dias armado e tiem aceiado á hora da parada até que o capitão me afiime achal-o emendado, condição de que torno dependente a revogação da minha ordem. Ora, apesar do soldado não estar pre-o, mas antes gosar da liberdade de andar por todo o quartel, afiflige-se muiio de não ()oder gosar e estender essa liber- dade á que disfrulam os seus camaradas, como por exem- plo a de se irem divertir, e aos logares !]ue lhes aprazem, quando desocupados do serviço. Se eu o encerrasse na pri- são não se enlrestecia talvez tanto, por encontrar ali outros mal procedidos que o distratiirião logo, não o deixando pen- sar na sua falta de liberditde; emquanto que de outra sorte presenciaria a alegria geral do quartel sem que ninguém se occupasse da sua magoa individual. O desejo, e a espe- rança de sahir do (piartel a«uilhnam-no, e despertaiu-no a final. Aceia se gradualmente, procura encoiiirar-me e alra- hir a minha attenção á limpeza do seu armamento ou do seu fardamento, o que não poderia fazer estando recluso.

I

~

«»«»k^»í«eu;-i»* ■^, 0<.<tMMi

PORTUGUEZES

79

Se depciis de solto recahe, o que ás vezes acontece, moslro- Ihe semblante carregado, levo-o á frente da sua companhia e digo aos seus camaradas ser vergonha terem entre si se- melhante soldado, e os encarrego de me responderem por elle. Por este modo cooverto-lhes os camaradas em outros tantos fiscaes que lhe inspeccionam o comportamento, e o reprehendem. Se ainda assim apparece reincidente, nego- Ibe licenças, ou os favores que concedo aos mais, e se ainda apesar de tudo insiste em seu man procedimento, re- corro, e então, a meios mais rigorosos que os bons sol- dados appruvam onímimemeníe.

Com l;ies e outros meios se conduzem os soldados não dependenlemeiíle de pranchadas, porque desde que soffrem humiliação qiiasi sempre perdem o brio, e continuam nas mesmas desurdens. Expliquei assim parte do meu sysiema no corregimeiílo de culpas leves, desde que comecei a co- nhecer o car.icter pcrluguez. Nos dois regunentos que cnm- mandei não tive desordens, e poucas foram as deserções ; portanto nunca recorrerei a castigos maiores emquanto sem elles pi)der reger qualquer corpo, mas procurarei persuadir os soMaiJos de que serei muiio rigoroso para com elles, se procederem mal, (lu se não se emendarem. Por outro lado nunca me familiarizei com os ('fficiaes ou com os soldados, porque raras vezes deixam de abusar, o que não acontece em outras nações em que os inferiores communicam inti- mamente com os seus chefes d^^pois do serviço, mas nunca lhes sabem faltar ao respeito. Nós ainda não chegámos a esta perfeição, e será a razão d'islo.

Trataremos dos Ir.ibaihos de fortificação, quando chegar aos artigos de guerra.

CAPITULO Xil

(Pag. 158) Do jarameDto de fidelidade às bandeiras

Parece-me prudente não dizer quanto penso a respeito d'esle juramento que os recrutas prestam contrariando ma- nifestamente a sua vontade, e desertando quando podem sem que elle lhes sirva de impedimento. em outra parle fallei do recrutamento provando como pelo presente meihodo, nem o exercito esiarà bem servido, nem o povo contente.

TS ALGUNS FACTOS MILITARES

lhe pertencer porquanto neníi a honra, nem a obrigação do serviço se devem mudar em castigo, nem o trabalho deixar de correr egualmenie por todos. E como sigo a pratica de que os presos por culpas leves entram de guarda quando a escalla os chama, nunca lhes retiro a metade do soldo, como aliás determina o Alvará junto ao livro de registo 4, porque, se todos devem trabalhar (excepto os presos por cri- mes maiores), necessitam elles lodos do seu soldo para vi- verem. Isto é melhor que prende-los em cárcere, mesmo porque tenho encontrado soldados que preferiam a qual- quer obrigação o ócio da prisão. A seu tempo mostrarei que até existem alguns que querem antes trabalhar nas fortificações, que servir era seus regimentos I

Para me não vér constrangido a empregar os castigos es- tabelecidos pelo I 3." d'este capitulo por culpas leves, tenho recorrido a diÉferenles meios que o tempo me não per- mitte agora descrever, mas de que mencionarei somente um.

Quando encontro algum soldado pouco exacto em suas obiigações. negligente e sem brio, ou que não cuida das suas armas e fardamentos, poucas vezes o mando prender, porque pela prisão difficdmente se restabeleceria voltando ao hom estado, mas ordeno ao seu capitão, e ao official da guarda ao quartel, que o não deixe saliir d'esle mas antes o obrigue a se lhe apresentar todos os dias armado e íiem aceiado á hora da parada até que o capitão me afirme achal-o emendado, condição de que torno dependente a revogação da iTiirdiH ordem. Ora, apesar do soldado não estar pre-o, mas afites gosar da liberdade de andar por lodo o quartel, afflige-se muito de não [»oder gosar e estender essa liber- dade á que disfruiam os seus camaradas, como por exem- plo a de se irem iliveri.ir, e aos logares ijue lhes aprazem, quando desocupados do serviço. Se eu o encerrasse na pri- sãi» não se enlresteci;i talvez tanto, por encontrar ali outros mal procedidos que o distraliirião logo, não o deixando pen- sar na sua falta de liberdade; emquanlo que de outra sorte presenciaria a alegria geral do quartel sem que ninguém se occupa.sse da sua magoa individual. O desejo, e a espe- rança de sahir do ipiartel atíuilhoam-no, e desperlaiu-no a final. Aceia se gradualmenle, procura encontrar-me e alra- hu- a minha altenção á limjjeza do seu armamento ou do seu fardamento, o que não poderia fazer estando recluso.

PORTUGUEZES 79

Se depois de solto recahe, o que ás vezes acontece, moslro- Ihe semblante carregado, levo-o á frente da sua companhia e digo aos seus camaradas ser vergonha terem entre si se- melhante soldado, e os encarrego de me responderem por elle. For este modo converto-lhes os camaradas em outros tantos íiscaes que lhe inspeccionam o comportamento, e o reprehendem. Se ainda assim apparece reincidente, nego- Ihe licenças, ou os favores que concedo aos mais, e se ainda apesar de tudo insiste em seu mau procedimento, re- corro, e então, a meios mais rigorosos que os bons sol- dados approvam unanimemente.

Com l;ies e outros meios se conduzem os soldados não dependentemente de pranchadas, porque desde que soíTrem humiliação qiiasi sempre perdem o brio, e continuam nas mesmas desdídens. Expliquei assim parle do meu systema no ccrregimeiílo de culpas leves, desde que comecei a co- nhecer o caracter portuguez. Nos dois regimentos que com- mandei não tive desordens, e poucas foram as deserções ; portanto nunca recorrerei a castigos maiores emquanto sem elles poder reger qualquer corpo, mas procurarei persuadir os soldados de que serei muiio rigoroso para com elles, se procederem mal, ou se não se emendarem. Por outro lado nunca me familiarizei com os ftfficiaes ou com os soldados, porque raras vezes deixam de abusar, o que não acontece em outras nações em que os inferiores communicam inti- mamente com os seus chefes d^fiois do serviço, mas nunca lhes sabem faltar ao respeito. Nós ainda não chegámos a esta perfeição, e será a razão d'islo.

Trataremos dos trabalhos de fortificação, quando chegar aos artigos de guerra.

CAPITULO XII

(Pag. 158) Do juramento de fidelidade âs bandeiras

Parece-me prudente não dizer quanto penso a respeito d'este juramento que os recrutas pteslam contrariando ma- nifestamente a sua vontade, e desertando quando podem sem que elle lhes sirva de impedimento. em outra parte fallei do recrutamento provando como pelo presente meihodo, nem o exercito estará bem servido, nem o povo contente.

80 ALGUNS FACTOS MILITARES

CAPITULO XIII

(Pag. 160) Do modo de prover os postos vagos de officiaes, e de officiaes inferiores

O I 2.° diz que se proponham os oíTiciaes conforme forena suas antiguidades. No 4." que o nascimento deve preceder a todas as outras considerações. No 5." Que o coronel con- sultará sempre a utilidade do serviço sem a menor altea- ção a (]u,il(jiier outro respeito, contradizendo-se assim, sendo ora a favor da antiguidade, ora ao do pr^-stimo.

Diz no 7.° que os oíBciaes não poderão exercer nenhuma espécie de emprego, nem fazer serviço que não seja o de El-rei. No 8.° como se deve promover os officiaes inferio- res, mas d^ixa tudo na mesma confusão. Como porem em outra [larle dei a minha o[)inião sobre antiguidade, e a ma- neira de atiender ao merecimento, e notei o mau arranjo d'estes capiíulos não sou obrigado a repetições.

CAPITULO XIV

(Pag. 160) Das licenças absolutas por tempo determinado

Nada acrescento a este capitulo sobre licenças, e os me- zes de exercícios.

CAPITULO XV

(Pag, 169) Das recrutas

tratei largamente do recrutamento. Por isso não tenho que addicionar, mas tão somente (jue reduzir a poucas pa- lavras a minha opinião, que é a da completa insitfficiencia deste capitulo.

CAPITULO XVI

(Pag. 471) Do armamento, fardamento, ferramenta e instrumentos. Das barracas, da pólvora e bala

Este capitulo é da maior importância para o exercito. Tor- na-se indispensável que sua mageslade se digne prover de remédio contra os enormes abusos existentes, afim da tropa

PORTUGUEZES

81

D0(1»^r ser bera servida. Os regimentos estão mal armados, mal veslidos. e em tudo mal fornecidos. O concerto das ar- mas causa grande dispêndio, e sua mageslade perde muito dinheiro tanto n'esle ponto como em todos os de que irata este capitulo, podendo a tropa ticar aliás mais bem servida

e satisfeita. . .

Quando eu tratar do systema económico, direi a v. ex. a minha opinião u este assumpto.

CAPITULO XVII

(Paq 178) Da escolha dos cirurgiões, e do cuidado que deve haver dos soldados enfermos

no 2 ° capitulo fatiei dos cirurgiões. Não ha escola es- necial para estes, nem sabem curar os soldados. Os seus aiudantes o sabem ainda menos, e n'esle ramo a reforma deve ^er completa.. Dito isto não me devo demorar por mais tempo com similhanie capitulo, posto que me nao possa sub- trahir a notar que, recommendando o § 3." que os cirur- oiões não recebam ajudante algum que não seja baslante- mente versado na sua arte, determina o 4.« que os capitães se dpvem contentar quando o cirurgião que seguir a sua companhia fizer a barba aos soldados todas as vezes que fôr preciso! ^^^^^^^^ ^^^^^

(Paq 183) Alguns pontos respectivos aos governadores e comman- dantes de praças, cidades, ou villas de guarnição

Diz com verdade que são... alguns pontos, porque se não explicam aqui as obrigações dos governa.lores. Nas praças não se executa metade do que aqui se propõe de maneira qup se torna necessário que outro capitulo determine as obrigações e os poderes dos governadores.

CAPITULO XIX

(Pag. 190) Da ordem

Este capitulo ensina apenas o como se a ordem a uma pequena guarnição em tempo de paz, sendo omisso a

82

ALGUNS FACTOS MILITARES

respeito de praças íle guerra nas diíTerenles circiimslancias em (pie se pedem enrduitar. São capiliilos iliiiiirmtos e íq- compl^'^lS, (jne nem seíjiier mencionam o como i-e deve dis- tribuir as ordens ao exerciUt.

CAPITULO XX

(Pag. 193) Do modo como se devem abrir e fechar as portas

Esie ra[>itnlo é demasiadaminle breve, e devendo o seu conlexlo [)erlt'íicer ao serviço iihs pnças, não Iih motivo para da sua doutrina se consliluir capitulo separado.

CAPITULO XXI

(Pag. i%) Das rondas e patrulhas

De todos os capítulos do regulamento é o que me parece melhor coordenado, posto que não completo. Foi escriplo quasi como eslava no antigo regulamento da Prússia, e por este motivo saiu menos mau.

CAPITULO XXII

(Pag. 210) Do que deve fazer uma guarnição em caso de fogo

Este capitulo não contém tudo o que se costuma praticar em outros paizes em caso de incêndio. Na Inglaterra vi que, logo ao primeiro rebate, manda cada regimento um certo numero de soldados com os seus uniformes velh«'S, sem outras armas além da bayonela na bainha, mas acompanha- dos de uma escolta armada, pnra acudirem e apagarem o fogo, remunerando-se depois a guarnição com uma certa paga. Depois dos destacamentos ou piqiietes das guardas era sempre aquella tropa a primeira a chegar muito antes portanto dos paizanos, tanto por esperar premio como por mais costumada á boa ordem, pelo que trabalhava muito me- lhor. Quando fui coronel de um regimento em Lisboa, o te- Dente general M^c-Leane me deu ordem egual, porque me achava aquartelado no centro da cidade. Pouco depois pegou fogo de noite na egreja de S. Uoque, aleando-se muito antes de

(1 §ii:r

i<:'i

i'.

%^

Ufa

PORTCfiCEZES

83

descoberto. 0"< mens solilndus. sem armas, foram os primei- ros que 1^ clie^'.itHin. leNaiidn <'(»m>iy() os machados do re- pimeiílo. (jiip pre>lHr^in {íramln serviço salvanno a e^reja. N'essa uccasião (uileiinii me o general que lhes aLMHderessô da sita |t.Mie a ellif^ciH cnin que liavuim iiabnlliado, mas Coiiiii hão I ect liH-sem niiif.i I emii(iera(.ão. nem por isso fica- ram miiilii >a'i>feii(.s, a pi-nto de que fni otintfaflo a pedir ao geiiei;d qne ou desse a meMiia oídem a I(k1'is os ree>nie[i- IdS da yii;u iii(,'rio. oii (pie me dexiliri^asse d'ella, o que as- sim acniiieceu, não vull.uidu mais os soldados a acudir a iljceiídins.

I'arece-me que a fropa está miiiio mal industriada nas cau- telas com ijue deve acudir aos fogos, atalhando-os. Pelo me- nos assim era quando servi em Lisboa. São lantos os sol- dados que se cmservam debaixo de armas, que impedem lodo o trabalho. Em vez de assegurarem as bocas das ruas e das travessas, e de mariterem em boa arrecadação o perlen- cente ás «asas que eslão ardendi> ou às vizinhas, todos dão ordens fora de melhodc ou systema, desfazendo uns o que ouiros leem começado. Não ha [)reparos para apagar o fogo. Oc<ullam-se os yallegos f.irrando-se a irabaiho penoso uão gratificado, e ap[)arece agua depois de ardido meio edifi- cio. Não chegam bonibas emquanlo não vem as do arse- nal^ sendo poucos os particulares que as tem, quando tudo isto devia estar aliás bem prevenido e regulado na capital, nas praças e nas yuarnições.

l)eve-se insiiiinr em Lisboa uma companhia, pelo menos, de ariifices apagadores de fogos, instruida n'este trabalho, e vestida, como succede n'outros paizes. por modo que se resguarde quanto fôr possivei dos perigos a que se expõe. Desde muitos aíinos que os regjmentns de Lisboa, marcha- vam logo para o loyar do iíicendio sem deixarem alguém nos quartéis além das guardas ordinárias, e o povo acclamava pelomellioroque primeiro chegava, sem mesmo atlender [lara isto ao que tinha quartel mais próximo. Para conseguir este Iriumpho lodos corriam ao fogo em muito ordem, alô que o marquez de Alvito deierminou que não saíssem dos quartéis antes que elle o determinasse *.

1 O marquez de Alvito cominandava o exercito quando, chegado O conde de Lippe, lti'o entregou no mez de julho de 1762.

82 ALGUNS FACTOS MILITARES

respeito de praças de guerra nas diíTe-rentes circnmslancias em que se [x-dem enroniríir. São cHpitulos diminutos e íq- cornplt-tns, (jiie nem se(jiier mencionam o como j-e deve dis- tribuir as ordens ao exercito.

CAPITULO XX

(Pag. 193) Do modo como se devem abrir e fechar as portas

Esie ra[>ilulo é demasiailaminle breve, e devendo o seu CODlexlo pertt-ncer ao ser\iço nns pr^iças, não Ua motivo para da sua douinna se constituir capitulo separado.

CAPITULO XXI

(Pag. 196) Das rondas e patrulhas

De todos os capítulos do regulamento é o que me parece melhor coordenado, posto que não completo. Foi escriplo quasi como estava no antigo regulamento da Prússia, e por este motivo saiu menos mau.

CAPITULO XXII

(Pag. 210) Do que deve fazer nma guarnição em caso de fogo

Este capitulo não contém tudo o que se costuma praticar em outros paizes em chso de incêndio. Na Inglaterra vi que, logo ao primeiro rebate, manda cada regimento nm certo Dumero de soldados com os seus uniformes velhos, sem outras armas além da bayonela na bainha, mas acompanha- dos de uma esioita armada, para acudirem e apagarem o fogo, remunerando-se depois a guarnição com uma certa paga. Depois dos destacamentos ou piquetes das guardas era sempre aquella tropa a primeira a chegar muito antes portanto dos jiaizanos, lanlo por esperar premio como por mais costumada á boa ordem, pelo que trabalhava muito me- lhor. Quando fui coronel de um regimento em Lisboa, o te- nente general M^c-Leane me deu ordem egual. porque me achava aquartelado no centro da cidade. Pouco depois pegou fogo de noite na egreja de S. Uoque, aleando-se muito antes de

POBTUr.UEZES 83

descoberto, O-í meus soldatlus. sem armas, foram os primei- ros que chejiiiram. levaiidii niiiisiyn os m^^chailds do re- pimenlo. (pie pre>lfir«m {jramle serviço salvHimi» a ejíreja. N'essa nccHsiãu oftleiítiii me o general qiie lhes aLMaderesse da sua p.itie a ellic^cia cnip. i|iie haviam iiahíilhado, mas Comti nãti lecthe^sem (iiilí.i lemiuieração. tiem |inr isso fica- ram miiilti >a'i>ft'it(is, a pciiti» <le que hii ohrij/ado a pedir ao geiíeial 'pie ou desse a me>ii!a oi dem a lod<"s os regmien- los da yiiaiiiiçãd. ou que lue de>íihrigassp d'p|la, o que as- sim aconteceu, não vuUhihIu mais os soldados a acudir a

iuceodins.

I'arece-me que a fropa está muiio mal industriada nas cau- telas cí)m que deve acudir aos fogos, atalhando-os. Pelo me- Dos assim era quando servi em Lisboa. São tantos os sol- dados que se conservam debaixo de armas, que impedem todo o trabalho. Em vez de assegurarem as bocas das ruas e das travessas, e de manterem em boa arrecadação o perlen- cenie ás rasas que esião ardendo ou ás vizinhas, todos dão ordens fora de uiPthodo ou systema, desfazendo uns o que ouiros leem começado. Não ha preparos para apagar o fogo. Occultam-se os gallegos firrando-se a trabalho penoso não gratificado, e apparece agua depois de ardido meio edifí- cio. Não chegam bombas emquanlo não vem as do arse- nal^ sendo poucos os particulares que as tem, quando tudo isto devia estar aliás bem prevenido e regulado na capital, nas praças e nas guarnições.

Ueve-se insiiiuir em Lisboa uma companhia, pelo menos, de artifíces apagadores de fogos, instruída n'esle trabalho, e vestida, como succede n'oulros paizes. por modo que se resguarde quanto fôr possível dos perigos a que se expõe. Desde muitos annos que os regimentos de Lisboa, marcha- vam logo para o logar do incêndio sem deixarem alguém nos quartéis ^léin das guanias ordinárias, e o povo acciamava pelo melhor o que primeiro chegava, sem mesmo atlender para isto ao que tinha quartel mais próximo. Para conseguir este Iriumpho todos corriam ao fogo em muito ordem, alô que o marquez de Alvito determinou que não saíssem dos quartéis antes que elle o determinasse *.

1 O marquez de Alvito commandava o exercito quando, chegado O conde de Lippe, lb'o entregou no mez de julho de 1762.

84 ALGUNS FACTOS MILITARES

O costume que achei estabelecido por Ioda a parle é o de ficur cada regimento em armas no seu quartel con» pól- vora e b;\h na patrona, esperando ordens do general. Era- quanto assim está, manda um piquete ao logar do fogo para refí»rçar os pequenos destacamentos dns guardas da guarni- ção, que devem ser os primeiros a comparecer nos incên- dios. Parecendo ao general ser precisa mais tropa, maoda-a enirio maichar dos quartois, onde a tom prompia. Se esta regra não lôr observada, poderão aconte-cer coisas falaes ao socpgo publico, sendo possível mesmo que algum traidor, que tenli;i plano delineá-lo, mande largar fogo em um« extre- midade da cidade, euarnição ou villa, e conhecedor pela ordem que vê, de que toda a tropa acudirá áquelle sitio, achando-se tamhem diminuidas as guardas lie policia, sem atlenção a que as mais partes ficam sem defensa, e a que os próprios h.thitantes correm ao logar do fogo, saberá aproveitar-se d'este momento favorável, antes que a tropa llie possa obstar pela distancia em que está ou pela confu- são causada pelo incêndio ou motim. Se isto acontecer era tempo de guerra, urdido por algum estratagema do inimigo ou de seus parciaes, não sei como acabará.

CAPITULO XXIII

(Pag. 216) Da subordinação

Este capitulo é deficientissimo por não mostrar ao mili- tar novo, com a clareza necessária, o modo de servir e de obedecer. Matéria tão importante de que depende a conser- vação do exercito, e, como consequência, a da pátria, devia não ser tratada ião ligeiramente, porquanto se os militares não receberem logo de principio as verdadeiras idéas da subordinação, custar Ihes-ha depois muití) sujeitarem se s ella, porque o mau costume inveterado converte-se em na- tureza.

Os fundamentos certos e infalliveis da arte e disciplina militar são a obediência e o valor, e se nomeio aquella era primeiro logar é porque sem ella nada se pode obrar na guerra com acerto e segurança. Á obediência mais que ao valor se deve o desprezo que os homens fazem dos perigos a que arriscam a própria vida, além de que, nunca saberá

PORTUGUEZES °^

commandar aqiielieque não liver sabido obedecer cegamente, sem ottieclar duvidas. .

É notório que hoje não ha tanta subordinação no exer- cito como existia antes de se publicar esle ''-f '^"'^n^, porquanto qualquer soldado, ou amda mesmo M^a '^f ,^ ™- bor se atreve a pôr na real presença requermíentcs calum- n òsos e falsos co.ttra o s.u coronel. Ulrados e escnvaes e Ião sempre p.omptos pnra fabricarem esies papeis c^m acrmon.a, escândalo e indecencia. Os .ntr.Rantes acl.am sem- níeTrole lores. Quantas vezes não experimente, em minha K ssoa este pernií'oso abuso da tropa! E sea ramha nossa senhora pela sua conhecida justiça e protecção aos innocen- les não f(^sse servida attender á razão que me assistia, dca- ria' eu oerdido sem remissão. Muitos officiíies se teem en- conud^ mesmo caso. É por este motivo que alguns se não atreviam a fazer as suas obrigações, ^ q^V^tts oo? vão agora animmdo outra vez, tendo o duque de Lafões por

''Nfo"post deixar de observar a respeito do § 1.°, que o offic ai deve ser havido por doido quando de ao mfenor occa- sião de lhe dizer que a sua ordem é contraria as de ^ua mauestad Se o superior se achar afíectado do entendi- mento nãò deve por certo conservar o cominando da tropa oTuperior que sabe o que faz, não deve insistir em que as sua^odens s.jam cumpridas pontualmente, mas ainda mand Drender logo, e, conforme o caso, castigar sem dila- Soq^roqpozer^ menor duvida em as cumprir. Nunca deve^ar sem execução qualquer ordem concernente ao ser- íiço! amda quando aquelle que tiver de a cumprir entenda haver inconvenientes na sua execução.

Quem mand. é o jui7, e porianio o responsável pelas COD- sequenaas, ao outro toca apenas ol.edecer. Sempre que este nrincip o não seja mantido inviolavelme.Ue os officiaes tor- SsT o letrados, e o serviço sa converterá em argumeD- "acão ou disputa perante a tropa como ja por vezes tem aSecl, duvidando o ignorante se o «"l«™; '^^d^;; ^'^ para o mandar ou o manda bem, e esperand, , q"»"^»»™^» L absurdo, ler protectores que o sa vem. '"•'8»' ° P"" '^^° o intrigante objecções e sophismas na« P»"°"«/''^^° ^,".\'',! ao superior não assista direito, mas por se lia ««"•«'f f^^ uc as falsidades e representações, descrevendo o caso em

ALGUNS FACTOS MILITARES

SPíi f;ivor, e esperando topar por ultimo fraqneza no procedi- Dit^íilf» do sen coronel, í)n no de aiyiifn onlm sen snfiericr.

Como firova coiu'lndenle de n;"io existir h^je mhartHna- fãn no fXiTCito. lenlia-se presente ;»n»íitt'cid(i cm vatios rei/niienhis. O amolniadur i)Uh p< r in«l(ile, fomenia discor- di'S e arma mil laços aos sens siíperimes, Sftido por isto renreliHndido. procura lego fn/er pariiaes no coipd. urde qiiHÍ\Ms, e'<'|nadiinlia le>lHnm(ili;íS, tnina cnusellios dd advo- gados e de onlros ardilosos, darxlo em sen alsotio fixoravels inlt-rpreiações ao rej.'n'anieiin), e lo^'0 qne lhe parece con- solidado o spu partido com loilos os iniriijantes do rejíi- nieitto. desconlenies e revoltosos, principia a inaclnnar snida* menle, e a segurar bem as suas idéas. Feilo isto vem á côrle e dis[)ara sem pejo representações e calnmnias. Se não al- cança immediatamente o seu iníenio, pede proro^ação de licença para se filtrar e minar por todas as casas dos gran- des, e se os seus segredos são por acaso descobertos, fica não (ibstíinte im[>une. Grande razão tem o marechal de Saxe quando diz : Toda a tropa que tem muita papelada, nada vale.

Este capitulo é finalmente miserável, porquanto nos diz DOS seus II que o superior é mais que o inferior, e que o pode prender.

CAPITULO XXIV

(Pag. 224) Observações geraes respectivas ás obrigações dos coronéis ou chefes dos regimentos

0 § l." afBrma que ser coronel e ser cliefe de um regi- mento é a mesma coisa. No '2.° que um oíBcial general ou um coronel que governarem um re-gimenlo tem as mesmas obrigações. No 3.° que um coronel é responsável pelo sea reuunpnio, e por qualquer falta será expulso sem remissão*. No 4.° que o coronel assignará os mappas do seu regimento. e conclue o capitulo pela nota seguinte : Nenhum soldado se poderá casar sem licença do coronel, e este não a dará a mais de quinze por companhia ! I Admirável e profunda regulamentação 1 1

1 A 24 de outubro de 1765, em virtude dos artigos de guerra recentes, foi fusilado por três praças suppostas no seu regimento, o coronel Henrique Luii de Graveron.

PORTUGUEZES 87

CAPITULO XXV

(Pag. 224) Da paga dos oíDciaes novamente creados para a infanteria, e dos ulliciaes inferiores, soldados e arliiices

Reporto-me ao que disse no capitulo ii.

CAPITULO XXVI

(Pag. 227) Dos artigos de guerra

Os arti^r^s de guerra, que consliluem o cndign penal mi- litar (levem ser claros e concisos pnstoque cirrumstanr.ia- dos, inipondo em cada um d'elles a pena correspomlenie á culpa, para que o caslij^o nunca possa ser arhiUario, e aqiielle que os quebraiitar saiba a lei que o corrige, sem que possa a paixão ou a vingança influir na punição do de- linquente.

Postos estes princípios para base de toda a legislação, que juizo poderemos formar de uns artigos de guerra que, se excephiarmos três ou quatro, são imperfeitos, confusos e puras generalidades pouco militares, podendo uns serem tomados antes por conselhos e advertências que preceitos, e estabelecendo outros penas raras vezes prooorcionadas aos delictos, mas de todo o ponto arbitrarias?! Assim os de- nunciará qualiiuer exame, por leve que seja.

Em lodos os regulamentos e serviços que conheço ou de que tenho ouvido fallar, o primeiro artigo de guerra tem por assumpto o culto devido a Deus, o respeito para com a re- ligião, a reverencia nos templos e para com os ministros do Evangelho, determinando castigos a todos os que falta- rem a estes deveres essenciaes, sendo certo que todo o ho- mem que não teme a Deus, não pôde bem servir o seu rei, nem obedecer a seus superiores.

. Nos nossos artigos de guerra não se acha uma palavra a respeito da religião, além das três seguintes, e estas no ultimo capitulo Deve temer a Deus , o que parece íq- crivel em um paiz sempre tão fiei á sua religião, e que a conservou pura de pães a filhos por tantos séculos ! O que devem pensar os portuguezes quando nas suas antigas cr-

88 ALGUNS FACTOS MILITARES

deiiançíis militares achavam determinados os castigos a que ficavam siijt^itos aquelles que faltassem aos deveres dechris- tãos, vendo qne de nenlinm modo se aliende no regula- mento novo á rcligiãn, impondo freio aos irreligiosos?

Creio ser isfo bastante a |)ersuailir sua magestade para que ao seu exercito outro regulimenlo que defina as obrigações de bom calhulico, e de bom militar, pois que a expí^-riencia de vinte annos nos tem mostrado, bem á nossa custa, que o que boje temos não serve para um nem para outro.

Diz o artigo i.°: Todo o militar de quídquer graduação que seja, desde o general em chefe até ao alferes, está su- jeito aos trabalhos das fortificações sem haver distincção entre o general e o tambor, o que não acontece em nenhum regulameíilo penal que mereça este nome.

É bem certo que sem obediência não pôde haver disci- plina, e que, intimada a ordem, a menor repiesent^ção do inferior pôde ser culpa, a replica desobediência, a demora na execução um crime de importante consequência quando Dão comprovada a su9 impossil)ilidade, e tudo tanto mais perigoso quanto valerá um contagio, que insensivelmente induz á indisciplina, á rebellião. e á sedição. Impor n'este caso ao oíBcial o castigo de trabalhos nas fortifica-ções, é comtudo degradar e envilecer o caracter militar, deslruir pela raiz a distincção mantida por todos os governos entre o nobre e o peão, sujeitando o filho do rei, se for militar, a trabalhar com a grilheta no á semelhança dos escravos. Todas as nações europeas pasmariam ao lêr este artigo, e haveriam por louco o eeneral que o redigiu, no que se não enganariam. Cora effeito, o otficial que desobedece ao seu superior em coisas pertencentes ao real serviço deve soffrer baixa de posto, ser expulso com infâmia, ou ainda perder a vida, segundo as circumstancias forem ; mas estas devem ser definidas e bem classificadas nas leis militares *.

1 A mesma culpa pode ser de maior gravidade se praticada por um offieial. A maior intelligencia, e instrucçâo qup se Itie presuppõe deve talvez agírravar-lhe a pena. Nào por este motivo, mas por attenção á disciplina, todos os códigos fazem distincção na maneira de punir o official. É comtudo mister toda a reflf-xão no incriminar 08 factos, e no proporcionar lhes as penas, tornando evidente a jus- tiça, e a utilidade da excepção, ou distincção entre ofiSciaes e praças de pret perante o código, sempre que isto convenha moralmente.

PORTUGUEZES 89

O artigo 2.° foi escriplo com demasiada generalidade. Se por exemplo um official der falsa informação ao seu supe- rior na intenção de entregar uma praça, ou um corpo de tropa ao inimigo, bastará soffrer a expulsão do exercito com infâmia !?

O artigo 3.° carece de modificação porque na guerra se apresentam occasiões em que convém abandonar um posto antes de accommetlido pelo inimigo, e em que um general em chefe não poderá deixar de arguir o official que ata- cado em nm posto por força muito superior sacrificar in- utilmente a vida dos seus soldailos, facto que pôde ser desculpado quando tenha recebido ordem expressa para se não retirar succeda o que suiceder, sendo-lhe n'este caso gloriosa a morte, porque (l'8lia poderão resultar consequên- cias importantes para o bem geral.

O vocábulo posto é ex[)ressão muito vaga que pôde causar notáveis inconvenientes, e a ruina de muitos oííiciaes nos conselhos de guerra.

O artigo 4.° não satisfaz, posto que justo seja na essên- cia. É certo que o castigo por cobardia deve ser tão forte que o militar encontre menos perigo em atacar o inimigo, que na fuga, mas é não obstante pos<ivel que uns se es- condam e que outros desappareçam quafido seja neces- sário combater, sabendo que o risco em que os põe o ini- migo lhes está mais eminente que a punição devida á sua fraqueza, affigurando-se-lhes mesmo poderem esca[)ar-llies ou por eííeito de uma falsa e mal entendida piedade, ou por serem aprisionados. É preciso ter presente que pela combinação e formatura da tropa não é fácil o fugir, e sim que muitos liomens faltos de animo são por ellas le; vados para a frente, com quanto tremam a cada passo. É também verdade que depois cobram alento recet)ido o pri- meiro Ímpeto, e se comportam melhor, esperando salvar a 'ida como na primeira vez lhe acontecera. Parece- me comtndo conveniente estabelecer dilíerença na punição de um crime que sempre envilece quer o delinquente seja nobre quer plebeu, acreditando romtudo que se o homena fôr de nascimento e educação, terá por isso mesmo mais obri- gações que o peão, e que, ao não cumpri > ento d'eslas deve corresponder pena maior que o horrorise do seu mesmo opprobrio, e sirva de exemplo terroriflco aos da classe a que

J90

ALGUNS FACTOS MILITARES

pertencia. N.io basta o perder a vida como consequência da fu;,'a mas ú talvez conveniente conservar alfíuns dos laes que fojíem (»ara servirem de espectáculo ao publico e conservação do exercito, porque no continuar se-lhes por algum tempo a vida torpe, acharão elles o morrer sem acabar de viver. Quanto aos homens de baixa esphera parece-me não haver mais remédio que enlregal-os á morte, pena exemplar para cc.nservaçâr. do exercito, e porque o seu maior numero ori- ginaria consequências fataes, se encontrasse clemência.

O ailií') ô.° é juslissimo. e veriíicando-se ^imilhanle caso, deve ser logo applicado.

O artigo 6.* não se pôde considerar lei na sua primeira parte, tendo o gnindissimo defeito de deixar ao arbilrio de quem sentenceia a quantidade da pena. Sempre se; entendeu militarmente que um artigo de guerra é um preceito con- cebido enri pfiucas palavras, estabelendíi o castigo por ma- neira clara, e em correspondência á culpa; mas como esta, por sua natureza pôde sermaisou menos aggravada, o mes- mo artigo lhe deve graduar e proporcionar correcção. Ora como succedem casos que nenhuma lei pode prever, cum- pre deixar eiilão o augmento ou a diminuição da pena ao arbítrio do conselho de guerra, confiando isto ás luzes dos que o compõe, de sorte que da sua decisão não possam resultar más consequências, pertencendo ainda depois ao soberano modiíicar a sentença quando o con.selho se exce- da. Mas registoo ainda, a lei deve estabelecer que a um certo crime corresponda infallivelmente certa correcção, por- que de outra sorte ficará imperfeita, e a pena dependente de arl)iirio.

Em quanto á segunda parte é certo que quem se atrever a atacai uma seniinella, merece ser arcaltusado.

O artigo 7.° é um bom conselho para meninos de escola mas não lei. e a elle respondo por igual modo que fiz aq artigo 6,''

No ailigo 8." as palavraspmão rigorosa não especifican» a quantidade da punição como disse com referencia a ou^ tros artigos, ficando ejla dependente da opinião, da bran- dura onda fereza de quem sentenceia, o que é sempre mau. Daso[)íniões nascem as disputas, pela brandura perde-seo respeito, e com a fereza offende-se a humanidade Debaixo de armas a menor disputa deve ser castigada comtudo se-

O Hl» âeoféf

PORTUGUEZES

n

ktxà

HM

veramente, sem demora, e na presença da tropa. A se- gunda parte d'este artigo é conforme às leis militares. *■

O artigo 9.° acba-se escripto em tom de conselho, mas se o soldado se não achou onde fôr mandado, e á hora determinada, que castigo tem? O arbítrio pode ser despó- tico 011 pusillamine. A ultima parle do artigo é muito justa, mas por que se não determina pena ao que tratou o soldado com injustiça ? I

O artigo 10." tem muitas excepções e distincções, que devera ser melhor definidas. Ainda aqui deixa quasi tudo ao arbítrio segundo o costume.

O artigo Il.° é na realidade um artigo de guerra, e es- tabelece castigo justo.

O artigo 12.° é erróneo na primeira parte, porque deter- mina dois castigos para o mesmo crime. Na segunda parte deve ser modificado conforme forem os casos, aimla mesmo em tempo de guerra. Um exercito que reatisa de noite uma marcha forçada e comprida depois de uma batalha, e que quando faz alto tem que estabelecer guardas e postar sen- tinellas, difficultosamente achará a todos isentos do somno. Vi na guerra de 1755 sentinellas a passear, que dormiam 6 acordavam ao encontrar alguma coisa. O mesmo observei em navios de guerra, acordando os officiaes ao darem alguma topada contra as peças de arti Ibéria. Na In- glaterra quando se observa uma sentinella dormida appli- ca-se-lhe a pena de morte, mas isto depende não obstante da importância do posto que vigia, ou da proximidade do inimigo.

0 artigo 13.° lambem me não agrada, e sou antes de parecer que em tempo de paz se dêem prémios a todos os soldados que tiverem animo e traça para se introduzirem em algum posio por parte dificultosa da fortificação.

Seria este um meio de descobrir algum dpfeito da mesma e de o poder remediar de tal sorte que ainda o inimigo mais

1 Veja-ae a nota i da pag. 63.

2 E hoje frequentíssimo responderem a conselho de guerra, e se- rem punidos muitos iudividuos em virtude de provocações e de mo- tivos recebidos dos próprios superiores. Esta consideração serve-lhea de attenuante na imposição da pena, mas reclama a justiça que oa fiscaes da disciplina militar promovam também a correcção, ou pelo menos a censura dos superiores que abusam. A prudência, e uma educação militar intelligente devem pôr termo a estes casos.

' i\

^ãpçs.^y

90 ALGUNS FACTOS MILITARES

pertencia. Não basta o perder a vida como consequência da fu^a mas é talvez conveniente conservar alj^uns dos laes que f()^'em [)ar;i servirem de espectáculo ao publico e conservação do exerciío. porque no continuar se-lhes por algum tempo a vida torpe, acharão elles o morrer sem acabar de viver. Quanto aos homens de baixa esphera parece-me não haver mais remédio que entregal-os á morte, pena exemplar para ccnservaçâo do exercito, e porque o seu maior numero ori- ginaria consequências falaes, se encontrasse clemência.

O aiti ) 5.° é justíssimo, e veriíicando-se -iiíiilhante caso, dp\eser logo applicado.

O ajtigo 6.° não se pôde considerar lei na sua primeira parte, tendo o gnindissirao defeito de deixar ao aibilrio de quem senlenceia a quantidade da pem. Sempre se eiiieiideu militarmente que um artigo de guerra é um preceito con- .cebido eui pf>ucas palavras, estabelendíi o castigo por ma- neira clara, e em correspondência á culpa; mas como esta, por sua natureza pôde sermaisou menos aggravada, o mes- mo artigo lhe deve graduar e pioporcionar correcção. Ora como succedem casos que nenhuma lei pode prever, cum- pre deixar eiitão o augmento ou a diminuição da pena ao arbítrio do conselho de guerra, confiando ist'i ás luzes dos que o compõe, de sorte que da sua decisão não possam resultar más jonsequencias, pertencendo ainda depois ao soberano modilicar a sentença quando o conselho se exce- da. Mas registos ainda, a lei deve estabelecer que a um certo crime corresponda infallivelmente certa correcção, por- que de outra sorte ficará imperfeita, e a pena dependente de arbiU^io.

Em quanto á segunda parte é certo que quem se atrever a atacai uma seniineila, merece ser arcahusado.

O arligo 7.° é um bom conselho para meninos de escola mas não lei. e a elle respondo por igual modo que fiz ao artigo 6,"

No arligo 8." as palavras pmão rigorosa não especificam a quantKJade da punição como disse com referencia a ou-^ tros artigos, ficando ella dependente da opinião, da bran- dura onda fereza de quem sentenceía, o que é sempre mau. Das opiniões nascem as disputas, pela brandiu-a perde-seo respeito, e com a fereza offende-se a humanidade Debaixo de armas a menor disputa deve ser castigada comtudo se-

PORTUGUEZES W*

veramente, sem demora, e na presença da Iropa. A se- gunda parte d'este artigo é conforme às leis militares. *

O artigo 9.° acha-se escripto em tom de conselho, mas se o soldado se não achou onde fôr mandado, e á hora determinada, que castigo tem? O arbitrio pôde ser despó- tico ou pusillainine. A ultima parle do artigo é muito justa, mas por que se não determina pena ao que tratou o soldado com injustiça? !

O artigo 10." tem muitas excepções e distincções, que devem ser melhor definidas. Ainda aqui deixa quasi tudo ao arbitrio segundo o costume.

O artigo 11.° é na realidade um artigo de guerra, e es- tabelece castigo justo.

O artigo 12.° é erróneo na primeira parte, porque deter- mina dois castigos para o mesmo crime. Na segunda parte deve ser modificado conforme forem os casos, ainda mesmo em tempo de guerra. Um exercito que realisa de noite uma marcha forçada e comprida depois de uma batalha, e que quando faz alto tem que estabelecer guardas e postar sen- tinellas, difficnitosamente achará a todos isentos do somno. Vi na guerra de 1755 sentinellas a passear, que dormiam e acordavam ao encontrar alguma coisa. O mesmo observei em navios de guerra, acordando os ofHciaes ao darem alguma topada contra as peças de artilheria. Na In- glaterra quando se observa uma sentinella dormida appli- ca-se-lhe a pena de morte, mas isto depende não obstante da importância do posto que vigia, ou da proximidade do inimigo.

0 artigo 13.° também me não agrada, e sou antes de parecer que em tempo de paz se dêem prémios a todos os soldados que tiverem animo e traça para se introduzirem em algum posto por parte diíBcultosa da fortificação.

Seria este um meio de descobrir algum df^feilo da mesma e de o poder remediar de tal sorte que ainda o inimigo mais

1 Veja-se a nota i da pag. 63.

2 É hoje frequentíssimo responderem a conselho de guerra, e se- rem punidos muitos individues em virtude de provocações e de mo- tivos recebidos dos próprios superiores. Esta consideração serve-Ihea de attenuante na imposição da pena, mas reclama a justiça que oa fiscaes da disciplina militar promovam também a correcção, ou pelo menos a censura dos superiores que abusam. A prudência, e uma educação militar intelligente devem pôr termo a estes casos.

92 ALGUNS FACTOS MILITARES

atrevido se não arrisque a tenlar-Ihe a entrada, quer por industria quer por traição em tempo de guerra. Também seria este um meio de conhecer quaes são os soldados dOr tados de engenho, agudeza, ou astúcia tão úteis na mesma guerra por occasião de empenhos arriscados e importantes. Levado d'esta persuasão julgo que, no caso de se achar algum soldado moço, robusto e de boa figura sentenciado á morte, não sendo o seu crime dos atrozes, se ulilisaria muito remittindo-lhe a pena, com a condição de que tentasse penetrar m praça por alguni.i parte da fortificação, que a todos parecesse impossivel. Se o conseguisse salvar-se-ía não a vida a um homem talvez que admirável no combate, mas ficariam prevenidos alguns desgraçados successos em tempo de guerra. Lembro isto para o tempo de paz, posto que o general Eliolusou d'este meio no de guerra, man- dando depois cortar o rochedo de Gibraltar por lhe ter des- coberto eiri al^'umas partes saliências de uma pollegada a mais que em outras, com o que atalhou ao inimigo haver par- tido de tal circumstancia. Tamliem me parece que deveria ser incriminada qualquer pessoa que tendo descoberto e mani- festamente sabido lograr por onde se podesse entrar occulla- inenle em al^'uma praça, não desse logo parte ao respectivo go- veruítdnr.Muilobem leria andado o marechal Lippe se primeiro pozesse as nossas f)raças em bom estado antes de escrever este artigo, porque é hoje fácil entrar em quasi todas, e creio que o dinheiro que se gastou no forte da Graça ou de Lippe, teria lido melhor applicação em outras parles do reino que por sua topographia podessem oppôr grande defesa. E ainda que não porei por escripto o que posso provar a respeito do forte de Lippe, direi comtudo que o marechal teria conseguido deixar o seu nome na memoria dos portuguezes sem fazer aquella obra supérflua e dispendiosa, dando á tropa melhor regulamento, e pondo-a em bom pé, para o que el-rei eslava bem disposto e promplo *.

1 O forte de Nossa Senhora da Graça, chamado vulgarmente de Lippe foi plano do conde, mas muito addicionado pelo general de Va- lerA, por modo que tornou aquella fortaleza consideravelmente mais apta para os fins a que era destinada. Assim o afiirma o general Stockler, barào da Villa da Praia, no elogio histórico d'aquelle. re- citado na academia das sciencias He Lisboa em 20 de janeiro de 1798.

Os aperfeiçoamentos que se praticaram constam a pagina 4a do livro que a filha única do mesmo Valleré publicou em Paris no

PORTUGUEZES 93

O artigo 14." a respeito da deserção obriga-me a affirmar que antes de ser escripto fora mister precedel-o de outro systema de recrutamento para o exercito, mais a contento do povo, o que é muito possivel, evitando tantas deserções e movendo homens capazes a alistarem-se voluntariamente DO serviço. As leis contra a deserção devem ser calculadas sobre o estado do paiz e o das outras leis.

Em Portugal é pouco o trabalho em fortificações, e seria muito mais acertado destinar os sentenciados a obras pu- blicas do reino como faziam os romanos. Todas as vezes que o castigo se torna familiar aos homens deve ser abolido por inefficaz. O trabalho nas fortificações é apenas um nome, e nada penoso aos que a elle são condemnados. Os senten-

anno de 1808, na imprensa de Firmin Didot, com o titulo de Elogio histórico d'aquelle general.

A pagina 242 do mesmo livro encontrase a seguinte affirmação do distineto oíEcial de artilheria Caetano José Vaz Parreiras : < O qua- drado que se fortificou na serra de Nossa Senhora da Graça, nào foi projectado por mr. de Valeré, porque se o fora teria elle elegido um poiygono afim de haver mais espaço para manobi-ar maior numero de combatentes, e não teria também adoptado muitas coisas que ali Be acham executadas ; mas somente lhe tocava obedecer a S. A. o marechal general conde de Lippe, que foi quem fez o projecto d'a- quella fortaleza, e quem entregou a planta dVlla a mr. de Valeré para a fazpr executar, o qual começou logo a mostrar os seus gran- des conhecimentos em fortificação pelos muitos additamentos que fez ao mesmo plano, que tendo merecido a approvaçào do conde de Lippe, náo resulta a este menor louvor por haver consentido nas mu- danças feitas no seu projecto. »

Provavelmente deve se a tudo isto a reticencia que o autor das reflexões emprega no tocante ao forte de Lippe.

Diremos, de passagem, que este forte, construído desde 1763 a 1778, custou 7tí7:199i>039 réis, e que foi tal a importância que Be lhe deu como augmeuto de defeza da praça d'Elvas, que na cor- respondência diplomática dirigida pelo marquez de Pombal a Luiz Pinto de Sousa Coutinho em 25 de novembro de 1775 (Vid. His- toria do reinado d'El rey D. José, pelo sr. Luz Soriano, tom. ii), noticiando-lhe o nosso estado favorável no caso de conflicto com a Hespanha, lhe disse : « Temos a província do Alemtejo (que é a mais importante e a mais vizinha da corte), fechada com a praça d'Elvas, e com a outra inexpugnável praça do monte da Praça a ella supe- rior, que foi a maior e mais útil obra do referido conde marechal ge- neral, formando ambas uma mesma fortaleza, que nem se pode si- tiar com menos de 80:000 homens, que Castella nunca poderá ter, e quando os tivesse, nunca faria o siiio d'ella com esperança provável de vir a ser rendida a referida praça. » Quantum mutatus ah illo !

94 ALGUNS FACTOS MILITARES

ciados que vi no arsenal do exercito em tempo de Manuel Gomes de Carvalho, viviam ali muito melhor que em seus regimentos. Pediam tamhem esmola, a tarifa era limitada, a fadiga pouca, e o povo lastimava os condoído. Conheci alguns sargentos que depois de sairem do arsenal, deser- tavam nova e pensadamente para voltarem á mesma pena. Também muitos saldados criminosos appetecem ir para a ín- dia, e quando o soldado pôde escolher assim o castigo está moralmente perdido o serviço. É indispensável pensar por- tanto e muito seriamente em Portugal no castigo mais pro- fícuo nos casos de deserção, mas antes disso conviria ter as coisas militares em melhor pé, que convidassem os vas- sallds a servirem gostosamente na tropa *.

O artigo 15.' não soífre duvida para o tempo de guerra, mas no de paz deve ser modificado, deíinindo-llie as cir- cumslancias, e lornando-o explicito.

Pelo artigo It^." é condemnado a trabalhar nas fortificações

'^ A lei actual de 1S56 a respeito das deserções, carece de ser re- vista para se acominodar melhor á do recrutamento, sobre tudo em re- lação aos que sào auctorisados a contractar o serviço sendo de me- nor edade, mas sem que o principio da deportação militar seja eli- minado porque é justo, politico, e efficaz. Assim o entendeu pruden- temente a commissào encarregada de propor o projecto do código penal militar, commissào de que tivemos a honra de fazer parte ; pro- jecto submettido hoje ao conhecimento do poder legislativo. A expe- riência mostrou que a lenidade das penas creadas pela ordenança de 1805 em substituição da acerbidade das anteriores, se tornaram prejudicialissimas á disciplina, excitando a apetência de que o au- ctor acima se queixa, nos que preferiam a penalidade á actividade do serviço.

Na Bélgica, cujo código penal militar de 27 de maio de 1870 é o mais brando dos que são do nosso conhecimento, a prisão, e o ser- viço em companhias de disciplina sào as punições decretadas para as ditierentes espécies de deserção em tempo de paz. O paiz que como o nosbo tem colónias em que falta o elemento europeo para constituir a força publica uma vez que não recorra aos degredados pelos ci'i- m< 3 mais i-evoltantes, é politico que o cidadão que renuncia volun- tariamente a servir em Portugal ou nas ilhas adjacentes, veja trans- ferir a obrigação que tinha de completar o serviço em que se achava alistado, para o de um corpo nas províncias ultramarinas, transfe- rencia sem infâmia porque lhe não veda subir ali aos differentea postos da milícia.

Muitos espíritos tem se affligido ao parecer-lhes muito forte a dis- posição da lei actunl, mas o coração cederá á razão, desde que pon- dere a conveniência de não admittir a supposição legal de quatro graus de deserção como fora em 1805, e de ser suffocada a propoi-

PORTUGUEZES 95

aquelle que fallar mal do seii superior no corpo da guarda, ou ria companhia. Se porém murmurar contra el!es nas ruas, se os caiumniar nas assembléas, se fizer faisas repre- sentações á corte ou aos generaes, não se lhe pôde appli- car a pena. Aléai d'isto lemos ainda aqui repetido o caso do official poder andar de braga ao em companhia de desertores, ladrões, e de outros malfeitores por causa de uma murmuração procedente muitas vezes de leviandade, de soltura de lingun^ ou de mau humor. Comludo se isto fôr encaminhado á rebellião, e se provar, o criminoso deve sof- frer pena capilnl.

O arii<ío 17.° parece-me inconsequente. Entendo im minha consciência quo um pobre soldado pôde dizer não ser bom o que o rei lhe manda dar. Qne no quartel que habita soffre grandes inclemências do tempo, sem que por isto mereça ser castigado como amolinador. PresenteuíPnte quasi tudo o que elle recebe do arsenal não lhe presta para nada,

são para tal criuie logo no primeiro grau, mediante puuiçào mais pesada.

A Iti aclual de 1856 foi muito discutida no seio da commissão de guerra da camará dos srs. deputados, em que também tivemos a honra de ser relator. O parecer da commissão, lavrado em 4 de maio de 1854, foi extenso, ponderoso, e qual convinha á razão da lei que 66 propunha. D'elle copiamos para este logar trechos que nos pare- cem ter illueidado bem o assumpto, e cuja doutrina lucra em sei de vez em quanto lembraia aos que pretendem guiar-se apenas pela philosophia absoluta, sem olharem para a sociedade a que a preten- dem applicar.

Diz-se em parte d'aquelle relatório. O crime de deserção éum dos de maior gravidade que o militar pôde commetter. Assim o classifi- cou o alvará de 6 de setembro de 1765 denominando-o também um dos mais peiniciosos. E&te alvará reconhecendo que a Lgislaçâo de 20 de fevereiro de 1708, o regulamento de infanteria, o de cavalla- ria, e o alvará de 15 de julho de 1763 com quanto h< uvessem esta- belecido penas muito severas, não bastavam para reprimirem a de- serção, não as manteve, mas promulgou algumas outras centra os aliciadores, e estatuiu de mais que os desertores fossem convocados por éditos e declarados infames e haniãos.

Foram acerbas taes disposições no primeiro grau d'esta criuiiuali- dadesem distiucçàode circumstancias aggravantes ou de attenuação, e talvez que por isto caissem em desuso, conduzindo mais tarde o legislador a principio opposto. No reino visinbo aconteceu outro tanto. A sua ordenança de 1763 soffreu grande reacção na de 8 de janeiro de 1815, assim como a nossa de 1763 a tivera na de 1805 ; e com tudo nem a rigidez exagerada, nem a suavidade possível repri- miram a deserção nos .dois i'einos peninsulares.

96 ALGUNS FACTOS MILITARES

e o não pôde vestir com decência. Para se poder portanto vedar a boca ao soldado é preciso que antes d'isso se lhe forneça de boa qualidade o que ilie pertencer, e ser para com elle justo.

O artigo 18 ° manda castigar severamente o que commette furto, ou qualquer género de violência para extorquir di- nheiro, assim como a sentinella que rouba, ou consente nos roubos. Nlo me parece isto confurme á boa politica, e ao espirito das leis principalmente em relação ás seniinellas, pois não resalva a incoherencia do artigo a declaração de que estas incorrem em pena capital segundo as circums- tancias. Por este artigo o militar que não roubou armas, munições, e outras coisas pertencentes ao estado; que não roubou o seu camarada ; ijue não furtou com fracção, ou que não foi ladrão d'estra(la, seja (jual fôr a natureza do facto que commelleu deve ser punido severamente, (içando o seu castigo de;)en(lente do arbitrio, do affeclo, ou da ma-

Entre nós a prisão no calabouço, e os trabalhos públicos impostos á seíjunda des-rçào pela ordí^nança de 1805, deviam reputarse pe- nas suaves e equitativas quando o soldado entrava nas tileiras, umas vezes legalmente mas muitas outras a capricho da auctoridade, e sem peiíixaçào de t- mpo de serviço. Passava então nas tili-iras a flor da sua idade, e ahi chegava a encanecer adscripto á espingarda e á moxila como o servo d'outr'ora á gleba. A sua remissão lhe pro- vinha ou do estrago da saúde, ou da compra de algum substituto.

Hoje, porém, que as ctrcumstancias são completamt-nte diversas, porque a lei do recrutamento riistribue o encargo com a maior so- lemnidade e segurança de igualdade : hoje que o tempo do serviço está definido, e as penas correccionaes são muito mais brandas que as antigas, nota -se com tudo que os meios de obstar á deserção não bastam, e que são até prejudiciaes. Com elles perde-se a disciplina: perde-se a despeza feita pelo estado com o tratamento do soldado desertor: illude-se a força publica votada pelas corres porque com- prehende o desertor que se acha em processo, ou que cumpre sen- tença : perverte-se finalmente amoralidade do soldado no calabouço e no presidio, havendo até, desgraçadamente, muitos que são indiffe- rentes ás penas estabelecid-is, chegando mesmo a preferir as devidas a primeira deserção ao serviço ordinário do regimento ! Este modo de pensar faz por certo contraste notável ao sentimento de dignidade que em algum paiz considera a privação temporária do laço nacio- nal como um dos castigos graves do desertor.

Nos mappas oflficiaes presentes á commissão da camará viu ella que, desde 1846 até ao fim de 18!^3 subiram as deserções a 12:914, ou a 1:69^ por anno, termo médio, e que sendo de 700 o numero or- dinário dos desertores em processo ou cumprindo sentença, se devia orçar em quasi 30:000;í;00D réis a sua despeza annual improductiva,

PORTOGUEZES 97

levolencia do juiz. Tem esle artigo, aiéni dos mesmos defei- tos dos seus antecedentes, o de ser confuso e concebido em termos vagos suscepliveis de diversas inlelligencias, prestan- do-se com isso a disputas e a diíficuldades nos conselhos de guerra.

O artigo 19.° precisa de ser muito revisto. Poucos serão os casos, que menciona, em qualquer regimento bem disci- plinado, nem os soldados portuguezes chegam nunca a tanto excesso: mas suppondo ainda o peior, creio que bastaria o castigo de pranchadas para amansar algum soldado, sem recorrer á pena de morte.

O artigo 20.° contém incoherencia. Se o soldado não tem em bom estado tudo o que lhe pertence ou ao Estado, pu- nido deve ser o seu capitão. Estimava que me explicassem de uma vez bem claramente, o que signitica em bom por- tuguez prisão rigorosa castigado severamente punido

bem como n'aquelle numero a diminuição da força de 18:000 homens votada annualmente para o serviço ordinário do paiz.

A estes factos que de per si chamam toda a attençào dos milita- res, e não podem desmerecer a das cortes, deve accresceutar-se o transtorno que resulta á contabilidade dos corpos por tantas casua- lidades; e o do numero de sentinellas necessário á guarda dos de- sertores.

Se a utilidade material da pena podesse ser a única conselheira do legislador, fora por certo preferível para o nosso caso deixar im- pune o desertor, riscando-o somente do quadro do exercito, forrando com isto a naçào a despezas, e a ser testemunha de tantas repres- sões ; mas nem a disciplina o comporta, nem o consente o dever de impedir que pela repetição escandalosa de tal crime ande em conti- nuo sobresalto o cidadão que, havendo concorrido obediente ao sor- teamento militar e ficado livre, não pode dispor completamente de si por lhe estar sempre eminente a obrigação de substituir a vaca- tura que o desertor occasiona no exercito em certos casos. É por- tanto evidente a necessidade de atacar o mal na sua origem, alte- rando a penalidade de que o díscolo zomba por muito branda e que o soldado ausente de sentimentos pondenorosos não duvida jogar contra a possibilidade, que hoje se lhe apresenta muita vez, de esca- par frequentemente, ou para sempre, ao serviço e ao castigo militar.

O serviço no ultramar comquanto mais arriscado em alguns pon- tos pela influencia do clima, é também indispensável. Pela medida proposta será possível levar a força militar das nossas colónias ao numero conveniente á sua segurança, sobretudo na Africa oriental e na Ásia. A força publica em todas as nossas possessões não chega hoje a 4:000 praças de pret, nem será possível proteger com ella o

^

98

ALGUNS FACTOS MILITARES

5 \tn

corporalmente conforme as circumstancias do caso e siniilliariies ; palavns eslas nunca lulas em outros artigos de guerra e que se lem prestado a mil abusos, nullidades, e subterfúgios em damno das leis, e contrariamente á boa razão; quando aliás em disposições d'esta ordem convém fazer a anatomia dos crimes, estabelecendo-lhes punições certas que se tornem leis invioláveis nos processos militares.

Se o soldado não conservar em bom estado quanto lhe pertence, não é por certo na prisão que melhorará de aceio. Se é incorregivel seja-lhe o castigo pronto, empregando o seu Cipitão meios ora brandos ora rigorosos que o nicitem a cuidar de si e do que é seu, o que produzirá elíeito ainda no soldado mais enxovalhado. É porque lenho visto muitos milagres d'e.stes, que entendo que ao capitão [lertence a responsabilidade sempre que a sua comp.uihia se não a|)re- seiítar em coiiformidaile das ordens, sendo o primeiro a res- ponder pelo que está a seu cargo.

(juando a arma do soldado necessitar de concerto, tem forçosamente que se servir de outra, e neste caso não de- lÍDque.

O artigo 21.° carece de explicações. Soldados muito bons,

seu cnmmt^rcio interior, facilitar a sua industria mineira, assegurar 08 mercados nem a coíonisaçào agricola, fazendo vergontioso aban- dono de extensas regiões, e deixando muitos estabelecimentos expos- tos á concorrência possessória de estranhos, ou ás consequências de combates infelizes com os indígenas, como por vezes nos tem acon- tecido modernamente. A estas ponderações devem accrescentar se as de que a força militar do ultramar existe quasi toda nas mãos dos degradado?, que por essa circumstancia sân obrigados a assentar praça a despeito de suas edades, de suas forças, e do seu estado de casados, chegando muitas vezes a ficar nas tileiras por mais tempo que o cominado na teutença do seu degredo.

A commispão prevê que a medida proposta pode causar estra- nh> za nos primeiros momentos da sua apresentação, mas desde que a reflexão tornar obvio que o governo tem o direito de mandar guar- necer qualquer das nossas possessões por corpos ou destacamentos de Portugal ; que a nossa força naval vae estacionar-se por com- missões de três annos nos mesmos climas ; e que os inglezes man- dam guarnecer as suas colónias por tropa que destacam regular- mente da Grã Bretanha para as diiferentes partes do mundo, era- quanto que a comnji-sào propõe um serviço obrigado no ultramar para aquelles que scientemente a elle se arriscam abandonando vo- luntari» mente o do solo natal, ficarão desvanecidos por certo todo» escrúpulos.

f

CO/;

\\ HA

'le* T '

PORTUGUEZES

99

«•ou «tw-

•.na»»

encontram-se ás vezes obrigados a valerera-se de outras pes- soas, facto que nunca pôde ser criminoso uma vez que não contraiam empréstimos com vileza ou animo de os não pagar. Este artiero corta as relações lizas que devera subsis- tir entre camaradas, impede alè acções humanitárias e que os soldados se valham uns aos outros, e ainda de estranhos em casos apertados, ou de aíílicção.

O artigo 2^.° pune apenas de prisão rigorosa o que fizer passaportes falsos, ou que uzar mal de sua habilidade por qualquer modo que seja; e o manda classificar e pnnir como desertor, se por aquelle meio facilitar a fuga a alguém Se porém o tal passaporte proporcionar a fuga de um ladrão, de um faciíiora, de um assassino, ou de um preso por crime de lesa-magestade ; ou se com a sua habilidade fizer sigriaes falsos, que pena terá?! Infeliz legislador!!

O artigo 23." parece querer corrigir o antecedente, mas com quanto seja justo que o encarregado de algum preso que o deixar fugir por negligencia, ou por cotduio substi- tua o fugido; nem por isso deixam por vezes de existir cir- cumstaricias em que repugnaria á natureza e á humanidade não occuitar um certo criminoso, ou pro[)orcionar-lhe meios de esca|)ula Qual seria, por exemplo, o pae que, podendo. Dão desse fuga ou abrigo a um filho, o irmão ao irmão, o amigo ao antigo?! Rmquanto a mim emendo também que ainda que não houvesse o vinculo sagrado de apertado pa- rentesco, ou o da amizade, não pode ser tão culpado, nem portanto tão castigado pelas disposições d'esle artigo, aquelle que não sendo o immedialamente responsável pelo preso, lhe facilitar a fuga.

O artigo 24 ° é seguido geralmente onde ha disciplina militar, mas deve não obstante admiltir modificações em algumas hypotheses.

O artigo 25.° é justo até certo ponto, mas cumpre que previna o caso em que um mau trato nn serviço lenha obri- gado o soldado a precipilar-se em similhanle excesso, cir- cumsiancia de que se deve inquerir miudamente.

O artigo 2ft.° contém doutrina tão errónea como o 21.*

O arliyo 27.° estabelece que nenhum soldado possa casar sem licença do seu coronel. E se o fizer que pena terá? Sei que a opinião corrente no exercito è a de que n'este caso desobedeceu, e que portanto deve ser castigado. Esta

98 ÂLODNS FACTOS MILITARES

corporalmente conforme as circumstancias do caso e sirnilliantes ; [talavns eslas nunca lidas em outros artigos de guerra e que se tem prestado a mil abusos, nullidades, e subterfúgios em damno das leis, e contrariamente á boa razão; quando aliás em disposições d'esta ordem convém fazer a anatomia dos crimes, estabelecendo-lhes punições certas que se tornem leis invioláveis nos processos militares.

Se o soldado não conservar em bom estado quanto lhe pertence, não é por certo na prisão que meiliorarà de aceio. Se é incorregivel seja-lhe o castigo pronto, empregando o seu capitão meios ora brandos ora rigorosos que o incitem a cuidar de si e do que é seu, o que produzirá elfeito ainda no soldado mais enxovalhado. É porque tenho visto muitos milagres d'e.stes, que entendo que ao capitão pertence a responsabilidade sempre que a sua comp.Jiihia se não a|)re- sentar em conformidade das ordens, sendo o primeiro a res- ponder pelo que t;stà a seu cargo.

(juando a arma do sohiado necessitar de concerto, tem forçosamente que se servir de outra, e neste caso não de- iinque.

O artigo 21.° carece de explicações. Soldados muito bons,

seu comm^rcio interior, facilitar a sua industria mineira, assegurar 08 mercados nem a coíonisaçào agricola, fazendo vergonhoso aban- dono de extensas regiões, e deixando muitos estabelecimentos expos- tos á concorrência possessória de estranhos, ou ás consequências de combates inft^lizes com os indígenas, como por vezes nos tem acon- tecido modernamente. A estas ponderações devem accrescentar se as de que a força militar do ultramar existe quasi toda nas mãos dos degradados, que por essa circumstancia sâo obrigados a assentar praça a despeito de suas edades, de suas forças, e do seu estado de casados, chegando muitas vezes a ficar nas fileiras por mais tempo que o cominado na teutença do seu degredo.

A commis^ào prevê que a medida proposta pode causar estra- nh> za nos primeiros momentos da sua apres^^ntação, mas desde que a reflexão tornar obvio que o governo tem o direito de mandar guar- necer qualque-r das nossas possessões por corpos ou destacamentos de Portugal ; que a nossa força naval vae estacionar-se por com- missões de três annos nos mesmos climas ; e que os inglezes man- dam guarn»"cer as suas colónias por tropa que d^stacam regular- mente da Grã Bretanha para as ditíerentes partes do mundo, em- quanto que a comini.-sào propõe um serviço obriga lo no ultramar para aquelles que scientemente a elle se arriscam abandonando vo- luntarÍH mente o do solo natal, ficarão desvanecidos por certo todos os escrúpulos.

PORTUGUEZES 99

encontram-se ás vezes obrigados a valerem-se de outras pes- soas, fado que nunca pôde ser criminoso uma vez que não contraiam empreslimos com vileza ou animo de os não pagar. Este artigo corta as relações lizas que devem subsis- tir entre camaradas, impede alè acções humanitárias e que os soldados se valham uns aos outros, e ainda de estranhos em casos apertados, ou de aíílicção.

O artigo 2á.° pune apenas de prisão rigorosa o que fizer passaportes falsos, ou que uzar mal de sua habilidade por qualquer modo que seja; e o manda classificar e punir como desertor, se por aquelle meio facilitar a fuga a alguém Se porém o tal passaporte proporcionar a fuga de um ladrão, de um facínora, de um assassino, ou de um preso por crime de lesa-magestade ; ou se com a sua habilidade fizer signaes falsos, que pena lerá?l Infeliz legislador!!

O artigo 23." parece querer corrigir o antecedente, mas com quanto seja justo que o encarregado de algum preso que o deixar fugir por negligencia, ou por conluio substi- tua o íugidd; nem por isso deixam por vezes de existir cir- cumstancias em que repugnaria á natureza e á huníaiiidade não occu!tar um certo criminoso, ou pro[)orcionar-lhe meios de esca[)ula Qual seria, por e.xemplo, o pae que, podendo. Dão desse fuga ou abrigo a um filho, o irmão ao irmão, o amigo ao amigo?! Rmquanto a mim emendo lambem que ainda que não houvesse o vinculo sagrado de apertado pa- rentesco, ou o da amizade, não pode ser tão culpado, nem portanto tão castigado pelas disposições d'esle artigo, aquelle que não sendo o immedialamente responsável pelo preso, lhe facilitar a fuga.

O artigo á4 ° é seguido geralmente onde ha disciplina militar, mas deve não obstante admiltir modificações em algumas hypotheses.

O artigo 23." é justo até certo ponto, mas cumpre que previna o caso em que um mau trato no serviço tenha obri- gado o soldado a precipilar-se em similhanle excesso, cir- cumslancia de que se deve inquerir miudamente.

O artigo 26° contém doutrina tão errónea como o 21."

O artigo 27.° estabelece que nenhum soldado possa casar sem licença do seu coronel. E se o fizer que pena terá? Sei que a opinião corrente no exercito é a de que n'este caso desobedeceu, e que portanto deve ser castigado. Esta

100 ALGUNS FACTOS MILITARES

opinião deve ser discutida com madureza. Militarmente fal- lando a desobediência é crime gravissirao, e muitas vezes punida de morte ; mas nole-se que pode acontecer ao sol- dado de maior prudência e valor o casar sem licença do coronel, e ler para isto motivos atlendiveis. Supponhamoí-o muito namorado de uma mulher bem procedida, que cor- responde ao seu afferto. Que o capitão lhe não é amigo, e se empenhou com o coronel para lhe negar licença para ca- sar com ella. Supponhamos mesmo que um ou outro d'estes oíBciaes são inclinados á mesma mulher, e como laes se oppoem ao seu desposorio; ou que havendo na companhia 45 soldados casados, o coronel lhe não pode d^r licença. Qual será o estado moral do iíifeliz? Omnia vincit amor, et nos cedamus amor Creio que ninguém recusa força ao amor, e á superioridade d'esla paixão sobre as outras, e que, sendo o amor cego, o namorado é capaz de atropellar tudo para obter o que deseja pensando noite e dia no objecto que o disvella, ao passo que tem por seu maior inimigo, quem lhe embarga o casamento. Por acaso o soldado por esta forma preoccupado e m(»vido de tantos alTectos nas cir- cumstancias ponderadas, lembrar-se-ha do terrível artigo 21.'* dos de guerra, ou da obediência? Arrastado pelo amor, fechando os olhos aos maiores precipícios, casa-sesem licença persuadido de haver obrado com muita razão. Em seguida o coronel manda-o prender para mostrar e sustentar a sua auctoridade. Recorre a este artigo de guerra, e não sabendo depois o que lhe ha de fazer, resolve-se quasi sempre pela menos justiça.

Não é porém este o único damno que resulta d'este mal calculado systema, que em Portugal tem péssimas consequên- cias como vou provar. Em paizes extensos, muito povoa- dos, e sujeitos a guerras frequentes, em que a tropa gira activamente de umas províncias para outras, sendo estas ás vezes muito distantes entre si, e em que o prazo para o serviço é limitado, poderá convir diflQcultar o casamento aos soldados; mas em Portugal será isto prejudicialissimo : 1.° pela falta que ha de [)opulação: 2.° Porque raras vezes sae a tropa das suas guarnições, e, se marcha, é até ás fron- teiras, distancia pequena que lhes não embaraça soccorrer suas mulheres e filhos; 3.° por se recrutarem os regimen- tos de homens que para elles vão contra vontade: 4.* por

PORTUGUEZES 101

não ser este paiz, por sua posição e interesses, tão sujeito ao flagello da guerra: 5.° porque ainda quando a duração do serviço lhes fosse imposto por tempo ou demora favo- rável, nem por isso haveria razão para se lhe prohibir o casamento, porque havendo muitas terras baldias no reino, que se perdem por falta de cultura, poderiam estas ser dadas de premio aos soldados casados quando acabassem o seu tempo de serviço. Além d'estas razões, outras ha que demonstram quanto n'este ponto é errada e desegual a lei militar, como se verá no seguinte:

CALCULO DOS SOLDADOS EM TODO O EXERCITO QUE PODERÃO TER LICENÇA PARA CASAR, E DOS QUE DEVEM FICAR SOL- TEIROS.

Casados Solteiros

23 Regimentos de infanteria, a 1:022 sol- dados, divididos por 10 companhias, lendo 15 casados em cada uma 3:450 20:056

12 Regimentos de cavallaria a 336 solda- dos, divididos por 8 companhias, a 12 casados por cada uma 1:152 2:880

4 Regimentos de artilheria a 840 solda- dos, distribuídos por 14 companhias, tendo 15 casados por cada uma 840 2:520

2 Regimentos de marinha a 961 solda- dos, distribuídos por 14 companhias^ lendo 15 casados por cada uma 420 1:502

5:862 26:958

O regulamento é omisso em quanto ao numero de ofíi- ciaes inferiores que pode casar. Vê-se não obstante por este calculo, que a cavallaria leva notável vantagem ii'estas licenças sobre a infanteria na relação de 12 em 42 para 15 em 101, quando é sabido que um soldado de infanteria pôde auxiliar melhor a familia que o de cavallaria, e que por tanto não é justificada a proporção. Também resulta que na artilheria e na de marinha existe maior liberdade para o casamento, por se comporem os regimentos de 14 compa- nhias; sendo de advertir aliás que estes soldados embarcam pelo que não podem occupar-se tanto de suas famílias, não

102 ALGUNS FACTOS MILITARES

sendo por isso justificada a sua maior liberdade de casa- mento.

Viu-se acima como n'este pequfno exercito de 41 regi- meiílns, 26:058 soldados teem proliibição de casar, não fat- iando dos oíTioiaes e officiaes inferiores que não casam [)ela impossibilid.ide de sustentarem família, e, sem levar mais lonjje a enntneração do prejuízo que ao Estado resulta de similbante lefjislação, por sprem óbvios ao tiomem observa- dor, estou certo de que o bom polilícít aíTirmará com se- gurança que o princípio de conservar tantos solteiros na tropa, junto à grande quantidade que ha de frades, cléri- gos, e freiras bastará para diminuir sensivelmente a popu- lação. Além d't\stas cnnsiderrirões existe ainda a de que o casamento da tropa diminuirá a deserção, os pecc.idos, e as desordens. Que augmenlará a população dos campos e dos povoados, e também o numero de vnluntarios. porque os filhos dos soldadíiS ;ifTeiçoam-se ao oíEcio dos pães, e o aprendei ão desfie mnilo cedo.

Este artiyo de guerra não priva os homens do direito que Deus lhes conferiu para a união conjugal, de que aliás fez preceito ; mas os arrisca a grandes precipícios, e a cas- tigos arbitrários, o que tudo contraria a razão humana.

O arligo 28." é com eíTeilo de guerra ou militar, mas carece de explicação.

O arligo "-29.°, e ultimo, contém obrigações communs a to- dos os homens, porque aquelle que fòr bom mihtinr é ne- cessariamente honrado, por isso que a profissão das armas se funda em pundonores de brio, de valor e de virtude. Se o militar, por mau, deve ser expulso e banido como in- digno e vil que desacreditaria vida tão nobre, como cbrís- tão deve o militar amar a Deus, e ser religioso. O espirito de religião infunde no coração a probidade, e outras virtu- des. Será lambem óptimo v^ssallo, porque todo o homem religioso é fiel. E sendo vasallo leal, conio poderá não ser bom cidadão? Não pôde o militar que servir a Deus deixar de amar com zelo a sua pátria, e o seu soberano. Estas ver- dades devem tornar-se bem sensíveis pela instriicção de um sahio e prudente capellão, pela disciplina, pelo exemplo, e pelo viver interior das companhias, mas nunca baralha- rem-se, e cifrarem-se em um artigo de guerra composto de palavras mal escolhidas. Por isso os soldados tomaram á sua

PORTUGUEZES 103

conta a parle moral do mesmo artigo divertindo-se cora ella nos quartéis, e nos corpos de guarda, passando entre el- les em provérbio que os dias de pagamento (em que lhes são lidos os artigos), são dias de virtude e probidade.

OBSERVAÇÕES GERAES SOBRE OS ARTIGOS DE GUERRA

Ainda que nos artigos de guerra a que venho de refe- rir-me existam arbitradas penalidades havidas como pro- porcionadas aos crimes, nunca d'elles poderá formar-se um código perfeito, senão definirem, e explicarem com a clarexa necessária os fados que incriminam; e esquecerem, parece até que arteiramente, defeitos capitães cujos castigos cum- pria determinar para conservação do exercito; nascendo d'esta faha ntitavel que os vogaes dns conselhos de guerra, por Dão encontrarem no regulamento diS[)Osição em que se fun- dem na applicação do castigo a alguns delidos commeltidos por militares, são obrigados a dar o seu voto segundo a ex- plicação que o auditor lhes faz de certas leis do reino, que elles não não estudaram, mas alé de que nunca ouviram fallíir antes da própria occasião em que tem de sentenciar nada menos que á pena de morte, ou á de baixa com infâmia, de fóima que, se o auditor fôr homem de máos figados, pode levar a opinião do conselho de guerra na diiecção que lhe aprouver, inierpretando leis cujo verdadeiro espirito os militares ignoram, como repetidas vezes succede; tirando por esta forma dependendo a vida, a honra, e o credito de militares beneméritos, da boa ou da vontade de um au- ditor que por oulro lado nada entendendo dos casos inti- mamente militares, pucha sempre para as leis civis, dando- Ihes preferencia sobre os artigos de guerra, preferencia que estes facilitam por incompletos, i ^ perfeitos e impreviden- tes Por esta industria os auditores prevalecem em quasi todos os conselhos de guerra, e do seu capricho depemie a fortuna ou a desgraça do preso militar. Além d'isto dirigem elles os presidentes e os vogaes a seu sabor, coisas estas que leem produzido funestíssimas consequências, que ainda se reproiluzirão em quaiito os milit^ires não tiverem leis suas a que se encostem para sentenciarem bem, altendendo ao seu sentido ou ao seu espirito a bem do serviço militar.

O marechal conde de Lippe antes de nos dizer no capi-

404 ALGUNS FACTOS MILITARES

tulo 26 do regulamento que os artigos de guerra obrigam a lodo o militar de qualquer grau que seja, e que sem ex- cepção alguma servirão de base, ou de lei fuiulamenlal em lodos os conselhos de guerra, leria andado melhor, e feito grande serviço ao exercito, se previamente assentasse uma base, e levantasse essas leis por modo que os conse- lhos de guerra achando Indo previsto e providenciado, po- dessem sentenciar militarmente. Infelizmente entregou des- cuidoso as nossas vidas e honra nas mãos dos desembar- gadores, ministros, e letrados que nunca poderão ser juizes muito competentes em matéria militar. É finalmente caso de riso para todos o vêr que nm desembargador decide até se um general dirigiu bem ou mal um corpo de exercito, se atacou ou defendeu bem uma praça, se era ou não instruído Da arte da guerra, etc.

Se algum ministro das leis vier a lêr estas observações espero que se não aggrave por ellas, porquanto lhe concedo desde e mãos abertas, toda a sabedoria que pretenda no seu tribunal, e na sua profissão; mas sustentarei apard'isto, e sempre, que não pôde elle entender nada do meu oííicio, a não me apresentar provas evidentes de ser algum inspirado pelo céo, ou de que a sua toga, bacalhau, e cabelleira occul- tam magia maior, mas por tal forma melaphysica que se torna incomprehensivel ao meu acanhado intelleclo.

disse a v. ex.*, em conversação, que. cada regimento devia ter um auditor em quanto durar o systema presente em que os militares são obrigados a votar nos conselhos de guerra em conformidade das leis communs do reino, de que elles não entendem: mas que desde que o exercito ti- ver um bom código militar que se occupe de todos os cri- mes, e lhes proporcione castigos, se tornará dispensável o mesmo auditor, porque um bom capitão desempenhará n'esse caso e até muito melhor esla obrigação, não por ter experiência militar, mas por encontrar na lei o necessário, o que hoje não acontece.

Não esquecerei dizer que produz em lodos admiração ser o regulamento omisso em punições correspondentes aos crimes seguintes: 1.° desattenção, ou deseslimação da reli- gião: 2.° proferir blasphemias: 3.° delrahir os artigos da lei de Deus: 4.° profanação dos templos: 5." irreverência para com os santos, e imagens: 6." fallar mal do rei, e da

PORTUGUEZES lOo

família real : 7." desacreditar o general em chefe por qual- quer modo que seja : 8.° incitar a motins, revoltas, inquieta- ções, e partidos na tropa: 9.° o superior maltratar o inferior: Í0.° mostras falsas pelos commandantes, ou commissarios: H." segunda, e terceira deserção: i 2. '^ abandono das guar- das, destacamentos, acampamentos, e movimentos de guerra: 13.° assentamento de praça em um regimento tendo jurado bandeiras em outro: 14.'* provocação a qualquer militar por palavras que sejam injuriosas á sua honra: 15.° fomentar desordens e intrigas no regimento, brigada, corpo de exer- cito, ou em qualquer outra porção de tropa: 16.° requeri- mentos falsos, calumniosos, ou faltos de fundamento ao sobe- rano^ ou aos generaes contra o superior, ou qualquer outro militar: 17.° testemunhar falso perante o conselho de guerra, em matéria militar ou civil: 18.° os duellos, especialmente os que não procedem de pontos de honra: 19.° pedir bi- lhetes falsos para aquartelamento da tropa em marcha, ou para guarnição: 20.° commetter desordens, ou maltratares povos por qualquer motivo: 21.° negação de justiça, e de reparação aos povos quando provadamerle lenham sido vio- lentados: 22." forçar mulheres; 2.3.° ofifender sacerdotes: 24.° não entregar fielmeiáe aos súbditos tudo o que para elles fôr recebido da fazenda real: 25.° o oíBcial inferior, ou soldado que, sem licença por escripto, fôr encontrado um quarto de legoa além do acampamento: 26.° o soldado que, para enganar procura outro que lhe faça a obrigação: 27.° o militar que, em combate, larga o seu pelotão ou corpo, occupando-se no saque ou pilhagem não auctori- sada: 28.° o militar, ou outra pessoa qoe se comportar sem respeito, com indecencia, ou insolência perante os conselhos de guerra: 29.° o que coramunicar o santo e senha a quem o não dever: 30.° o que se corresponder com o inimigo sem auctorisação: 31.° os militares que obrigam o com- mandante de uma pi-aça, posto ou fortificação a entregal-a ao inimigo: 32.° o inferior que, sem auctoridade^ solta al- gum preso: 33.° aquelle que, estando preso, abandona a prisão de seu motu próprio: 34.° o militar que não ajuda ou auxilia a justiça na execução das reaes ordens, ou na conservação do socego publico: 35.° aquelle que rouba as vivandeiras, ou as bagagens do exercito: 36.° os jogos illi- cilos, etc. etc.

Í06 ALGUNS FACTOS MILITARES

Além d'eslas ha muitas outras coisas que elevem ser apontadas em um código militar, incriminando-as e desi- gnando-llies penas proporcionadas, mas tudo circumstan- ciada e bem expressamente definido, assim como pruden- tes e bem medidas devem ser as correcções.

Por que motivo não foi consultado o regimento com novas ordenanças de 20 de fevereiro de 1706, e o alvará de 7 de maio de 1710 em que se encontram artigos muito uleis e aproveitáveis para entrarem em novo código militar? Foi despresado tudo o que se achava estabelecido no paiz, para DOS darem 29 artigos de guerra imperfeitos, mal combina- dos, e em linguagem, fazendo lembrar o Martinus Scri- bleris do deão Swift K

CAPITULO XKVII (Pag. 238) Termo de juramento para os officiaes

Esle termo do juramento prestado pelo ofiBcial parece-me judicioso, escriplo com reflexão, e accommodado ao homem de valor e de vassallo fiel a quem também se soldo com que viver decentemente. A respeito do juramento dos ofiQ- ciaes inferiores e soldados prefiro vel-os primeiramente en- trar no serviço por sua própria vontade, e que além de se- rem sempre bem tratados e disciplinados achem prevenido em um estabelecimento publico o pão para a sua velhice.

Instracções geraes

0 marechal duque de Broglie escreveu estas instrucções no primeiro anno em que commandou o exercito de França na yuerra de 1755, e o marechal general conde reinante de Schambnrgo Lippe as mandou verter em portuguez no anno de 1762 para uso do nosso exercito. Sup[)Osto que te- nham algum merecimento são tão abbreviadas que devera ser lidos como ura resurao apenas do serviço da tropa, assim era tempo de paz como no de guerra.

1 Martinua acribeleris sinking in poetry .

PORTUGCEZES 407

Conclusão

Esta conclusão é parenta do ultimo artigo de guerra e faz lembrar um mau sermão e peior pregado. A desculpa que ao exercito por lhe haver offerecido tão pequeno tomo, reduz o homem de juízo que se emprega gostosamente no serviço a ler muito pouco, e a esperar luzes militares de alguma inspiração que por favor lhe queiram revelar, o que os mais grossos volumes lhe não poderiam fazer, apezar das suas qualidades! Prometleu tomar á sua cunla os inte- resses e a protecção do exercito esperando como retribui- ção que todos concorressem a facilitar as suas rectas inten- ções, que tiveram por objecto o interesse de sua mages- tade fidelíssima, a gloria da nação, e a ruina dos inimigos!!

E' certo que o exercito por occasião da campanha de 176i fez mais que o que d'elle se podia esperar, attento o mau estado em que se encontrava ; nem é preciso repe- tir que os portuguezes são valorosos, e que possuem qua- lidades admiráveis que os distinguem na guerra sempre que são bem tratados, e conduzidos por generaes de habi- lidade. Mas também é certo que o marechal, depois da cam- panha, em vez de cuidar do interesse e da protecção do exercito como promettera, o deixou com o maior abando- no e pobreza do que antes se achava ao tomar o commando em ch^^fe *

Deu-lhe péssimo regulamento como fica provado. Sujei- tou-o a um serviço rigoroso, mal comi)ioado, e de um dis- pêndio diário excessivo para todos, sem lhe augmenlar o Sdldo. Cobriu a tropa de uniformes arlequinados muito cus- tosos pelos ííalões, franjas, e esquipações com que imaginou que o adornava, resultando d'ahi fitarem na apparencia mais dispostos para comparsas de thealro, que para a guerra. As leis que ideiou para o recrutamento do exercito e para a justiça militar esião abaixo da critica, para o que basta examinarlhes os terríveis eífeitos que tiveram com prejuízo do soberano e detrimento da nação. ^

1 Veja-se a nota que inserimos no fim contendo a correspondência do conde de Lippe para o marquez de Pombal.

2 A propósito d'este epilogo e opinião formal de Frazer sobre a lei do nosso exercito ao tempo em que escrevia, parece-nos insrructivo juntar aqui o modo de ver do intelligentissimo prussiano Rustow

„/.<•

Í08 ALGUNS FACTOS MILITARES

As direcções do marechal para os grandes movimentos das tropas, contradizem a táctica seguida nos melhores ex- ércitos, são algumas vezes antinomicas, impraticáveis na presença do inimigo, e sujeitas a cada passo a grandes riscos.

Expediu ordens diversas e oppostas para as províncias, resoKvndo aliás o mesmo assumpto. Deixou tinahuente o exercito em tal confusão que todos se acham perplexos sobre quando acertam nos differentes pontos do serviço, por modo que custará muito ao soberano, e aos generaes o as- sentarem uma boa constituição militar sobre fundamentos de Ião pouca critica e segurança.

(Die Feldherrknnst des 19 Jahr hunderts. Zurich, 1867), acerca da influencia exercida por Frederico ii nas coisas militares do sé- culo xviii Eis aqui os trechos que d'elle co2iiamos :

"Depois da paz de Huberstbour^ Frederico fez executar, nos cam- pos de exercicio, manobras scieutificas em que aliás nunca pensara durante as suas guerras. Attraíram ellas a attençào do mundo mili- tar euro2)eu, e foram admiradas em Postdam nas manobras do ou- tono, a que concorriam officiaes de todos os paizes como a uma grande escola militar, levando depois estas lições ás suas pátrias. As victorias de Frederico foram então attribuidas universalmente ao simples mechanismo das evoluções prussianas. Todos copiaram os exercicios prussianos sem indagação da sua conveniência ao caracter particular dos seus. A formatura prussiana o regulamento prus- siano o seu vestuário incommodo e insufficiente e até a basto- nada convertida em agente disciplinar, foram ttiema da admiração geral.

«Temos a convicção de que o grande Frederico não andou com sin- ceridade nos exHi-cicios que fez praticar depois da paz de Huberst- bourg, mas um acaso caprichoso quiz que, na própria Prússia, um grande nemero de officiaes o tomasse a serio.

«A táctica prussiana durante as guerras da Silesia não era difife- rente da das outras nações da Europa. Frederico deveu as suas vi- ctorias á iutelligencia com que estudou esta táctica para lhe corrigir 08 defeitos, e ao espirito que soube inspirar ás suas tropas.. A vai- dade dos seus inimigos impediu que estes reconhecessem que se tinham servido mal do instrumento de que dispunham, e que encontrassem a rasào daquellas victorias no génio de Frederico, e não na sua tác- tica. Foi assim que se julgaram tão bons capitães como o rei da Prússia, e que somente líie haviam faltado os instrumentos. Frederico acceitou esta opinião, e deliberado á renuncia de futuras guerras, couverteu se em professor militar das outras nações, certo de que estas não sonhariam sequer em atacar o mestre da sua própria es- cola. >

NOTi^S DO AUTHOR

Antes do novo regulamento os granadeiros gozavam de muito respeito entre a tropa. Nenhum soldado era admittido entre ellea Isem um préstimo comprovado, ser íilho de pães honrados, e eseo- chido entre os de maior valor e bom comportamento com beneplá- cito do seu capitão, e acceitaçào pelos granadeiros, que reservavam

direito de expulsar da sua companhia o homem que desse signal de fraqueza, ou de mau procedimento. Tinham maior soldo que oa fusileiros, e sabemos quanto se distinguiram sempre nas victorias portuguezas. Na guerra de 175.Õ vi os granadeiros terem avantajada primasia sobre os demais soldados, trazendo sempre espada á cinta por serem homens muito capazes d'e3ta honra. Nos destacamentos, guardas, e em todas as occasiòes da guerra marchavam em corpos separados, sem nunca se misturarem com os fusileiros, aos quaes se reputavam tão superiores, que nào os admittiam facilmente á sua sociedade.

Em França, e em outras nações, gozam de varias preeminências e distincçòes. Em Portugal, porém, perderam com o novo regula- mento o seu antigo brio, por falta de escolha e de paga, e ainda de estimação, confundindo-os com os outros soldados. Alguns comman- dantes, ao receberem os recrutas, destinam os mais altos ás compa- nhias de granadeiros, coisa não praticada em outro paiz a nào ser no momento de se levantar algum regimento novo, em que os solda- dos não tem precedentes; mas, ainda assim, escolhemse n'essa oc- casião moços robustos, bem quadrados, e procedentes de bons pães. E crasso e lastimoso erro erigir um homem em granadeiro sem ou- tra qualidade que a da sua maior altura, como se o valor se me- disse pelos pés e poUegadas de cada um. Quantos homens de estatu- ra mediana se teem immortalisado por um valor destemido e cons- tância de coração, a par de muita agilidade, resolução e actividade? Oa granadeiros de hoje, que nào querem usar de bigode, nào se differençam dos outros soldados senão por trazerem uma granada sobre a patrona, e uma aza de panno da côr da divisa do regimento em cada hombro, distincção que se não revela ao longe, e nào faa

{ í o ALGUNS FACTOS MILITARES

conhecer um corpo de granadeiros senão ao pé, coisa que me nào parece militarmente boa, porque o inimigo sempre vacilará mais no ataque, sabendo que se ha de medir com os granadeiros, que muitas vezes evitam. Por este motivo convém que tragam em seus unifor- mes coisa que os distinga mais dos fusileiros, como se pratica nos outros paizes. É, finalmente, preciso restituir os nossos granadeiros á sua antiga estimação e preeminência.

Capitulo 1." Os tambores são tão despresados n'e8te paiz, que custa a achar quem exerça este officio apezar da sua paga em dobro. Nin- guém quer ser depois tambor mór, por este não ter maior soldo que os simples tambores. Em outros paizes cada aprendiz de tambor um tanto do seu soldo ao tambor-mór emquanto o ensina. Nunca pude achar um tambor-mór capaz sem que eu lhe desse, em todos os me- zes, dinheiro da minha algibeira ; e apezar de governar os outros tambor» s, n'este regulamento se lhe arbitrado o mesmo soldo que o do seu inferior ! Consta-me que existe um alvará d'El Rey D. Pedro II, (a) declarando não ser vil a profissão de tambor, sendo certo que todo o homem que serve debaixo das bandeiras do rei, deve ter estimação na republica. Pedro o Grande da Rússia, tocou tambor perante as suas tropas, para mostrar quf todo o oflicio mili- tar era nobre ; e foi moda aprenderem os officiaes a tocar caixa para divertimento, e melhor se instruírem nos toques.

Como n'este mundo tudo depende da opinião que se forma a res- peito de qualquer coisa, é necessário proceder de modo que os filhos de gente pobre se não envergonhem de serem tambores, e para o conseguir parece-me acertado que, em tempo de paz todo o tambor que tenha altura e forças possa passar a soldado, querendo ; e quando por seu nascimento, comportamento e préstimo merecer adiantamento como qualquer outro, seja promovido a cfficial infe- rior, e também a ofBcial. Por este modo, segundo o meu conceito, se se não desterrar de todo extinguir-se-ha pelo menos em grande parte a idéa que domina a maioria da gente a respeito d'esta classe. Com- tudo não facilitaria eu esta passagem em tempo de guerr?i, por cus- tar muito a ensinar e crear bons tambores. E para confirmar quanto

(a) É o alvará de 20 de junho de 16ÍI0 que estribelecera, noventa e sete an- nos antes, quanto o auctor agora propunha. O logar de tambor-mór fora de rauita importância. Brito e Lemos escreveu a fl- 134 do seu Abcedario militar em KÍ31, que o tambor mór devia ser hahil p;ira dar o recado que levasse, e para entender a resposta que lhe dessem, e sabel-a explicar depois. Ter adver- tência para reconhecer as muralhas «e tinham fosso dagoa, troneiras altas ou baixas, e de tudo o mais que visse difficultoso. Saber todos os tnques de tambor das nações que praticávamos que eram francezes allemães esfíuiçaros gascões escossezes turquescoí mouriscos e oland zes. que italiano era o próprio que hespanhol. Saber fullar e entender todas estas liiigoas sendo pos- sível Saber tocar arma furiosa, batalha soDerba, retirada suave par reformar, ele, ele.

PORTUGUEZES 111

no mundo tudo é opinativo direi que, se em Inglaterra se desse or- dem a um cabo de esquadra para castigar um soldado na frente do regimento, nenhum por certo o faria, maa antes responderia que essa obrigação era a dos tambores, e que elle não era algoz. Em Portu- gal succede porém que um cabo de esquadra, talvez mesmo que fi- lho de um official, chamado a espaldeirar um soldado, obedecerá sem repugnância por ser costume recebido, resultaudo portanto da pratica dos differentes povos, que a opinião conduzida por espíritos hábeis pode ser instrumento muito aproveitável aos fins políticos diflBceis aliás de conseguir por outro meio. '

3.»

Capítulos 4.°, 5." e 6." Não é possível que o soldado carregue a sua arma bem e com ligeireza se obsè-rvar os preceitos estabeleci- dos n'estes capítulos, apezar de terem sido postos de lado ha maia de cíncoeuta ânuos nos outros exércitos. Tratando de preparar o ba- talhão para o fogo, o cap. 4." começa assim : O batalhão deve execu- tar 08 seus fogos Sentido Apresentar as armas Armas a es- corvar — Carregar. Quando o soldado tem enchido de pólvora a cassoleta espera o sígnal do oâicial da direita do batalhão para pas- sar armas e carregar, e quando a tem quasí posta ao hombro. espera ainda novo sígnal para executar o mais que é ordenado no § 7.° do cap. 4.", o que não é pouco, porque tem que ganhar logo três passos largos sobre o flanco, e de ao mesmo tempo unir fileiras, como atraz fica dito, dando tudo em resultado ser puxado ora á direita, ora á esquerda, e encontrar-se a final entalado tanto na fila, como na fi- leira sem se poder mover.

Para dar principio aos fogos manda-se : Pelotão preparar á qual voz a segunda e a terceira fileira se movem sobre a direita para formarem a escarpa, e logo se segue o Apontar, fogo. Dis- parada a espingarda continua o soldado a tela á cara, até que a novo sígnal do oâicial do pelotão a escorva, dando se depois ainda outro para pôr a arma ao hombro, e se desmanchar a escarpa. Sem- pre que se a voz de Preparar, o soldado forma a escarpa, que desfaz cada vez que ha o mandamento de Ai-mas ao hombro, gi- rando para isto ora para fora, ora para dentro em moto continuo, e esperando sígnaes que a todo o instante embaraçam os movimentos, dando saltos exquisitos, pisando se uns aos outros, e perdendo de vista o objecto principal, como é o de carregar a arma com viveza, e brevidade. Empregando-se tanto tempo em tudo isto, é impossível que 03 fogos sejam eflicazes, e que o batalhão não pareça de gente bisonha.

Ora, se todos estes defeitos acontecem a firme, peior ser4 quando, nos fogos oblíquos a primeira fileira ajoelhar. Quando um batalhão tiver de carregar armas pode o executar facilmente evitando quasi todos os movimentos que vão mencionados, não sendo preciso apre- sentar armas, fazer sígnaes, nem correr três passos para os flancos, e unir fileiras por aquelle methodo péssimo, quando bastaria um

112 ALGUNS FACTOS MILITARES

BÍgnal para acabar os fogos, e perfilar o batalhão para marchar. Te- rei a honra de mostrar, com tropa armada, com muito maior clareza do que pela escripta, quanto este methodo é abreviado, vendo-se para logo que o soldado nào perde um instante, não faz movimento que não seja necessário, e portanto que os fogos serão muito mais activos, poupando trabalho á tropa e confusão.

Capitulo 7.» apresentei um calculo tendente á abreviação do manejo das armas, mas como d'elle se origina a maioria das desor- dens nos fogos por assentado em principios errados, parece-me que deve ser substituído, e por isso apresentarei um manejo em que não esqueci coisa necessária, e se executa em dois minutos como se verá debaixo d' armas.

Declaração

Antes de me despedir do regulamento cumpre-me declarar so- lemnemente que dista muito do meu animo querer abalar a memo- ria do marechalgeneral, porque devo respeitar sempre o seu illus- tre nascimento, e as brilhantes qualidades que o adornavam ; mas tendo ordem para examinar e criticar as suas obras, não posso oc- cultar os seus defeitos.

Se o meu limitado préstimo e trabalho podem contribuir para o bem do serviço de Sua Magestade, darei por muito bem empregado o tempo, e me animarei a trabalhar ainda sobre outros objectos mi- litares, oíFereceudo-me desde a provar que formando se um regu- lamento novo, estabelecendo-se systema mais breve e acei-tado de instruir officiaes e soldados em suas obrigações, abolindo tudo o que, sendo de apparato, se torna inútil na guerra ; a tropa não terá a quarta parte do trabalho que hoje experimenta pelo methodo moUe e pesado proveniente de principios errados, e de antigualhas que movem ao riso. Os militares aprenderão a parte elementar do seu oíRcio em pouco tempo, e servirão com muito mais gosto e prompti- dão, por não serem obrigados a exercícios penosos que originam tédio.

O mais depende do estudo e da pratica em campanha, e de ver em repetidas oecasiòes o rosto ao inimigo.

FIM DAS REFLEXÕES MILITARES.

IVota bene

Agora que suppomos estar habilitado o leitor a apreciar este tra- balho, tendo tomado nota dos casos que o author aflSrmou de si, de- cidirá sobre a plausibilidade da conjectura arriscada a pag. 6, de ter

PORTUGUEZES H3

íido aquelle o geueral Frazer. Se ella for regeitada, sem ao mesmo tempo se apresentar outro nome com melhores docunentos, n^-m por isso ficará estragada a importância real d'estas Heflexões mUilares. Acreditamos mesuiO que os pensadores encontrarão bastante con- veniência em receber e seguir ainda hoje grande parte da doutrina proposta n'e8ta memoria.

iVota a qae se referem aa pag. 9 e t09

Parece nos menos bem informado o auctor dando a entender que o conde de Lippe tomara pouco interesse pelo exfM-cito, nào obstante as suas promessas Justificando a nossa proposição offere- cemos ao leiror, traduzidas do original, umas Observações militares escriptas em fríincez pelo conde, dirigidas ao marquez de Pombal em f> de setembro de 1764, e além d'estas a traducçào de uma carta que no smo sentido lhe escreveu d'Allemanha, dez annos de- pois. Ambos estes documentos comprovam a solicitude do mare- chal general em favor de um profundo melhoramento das coisas mi- litares, nào se esquecendo, entre ellas, do augmeuto do soldo, inuti- lisando assim o estylo irónico com que o auctor se retere á Conclu- são que se encontra no fim do Regulamento de 1763.

O destino tem feito com que o nosso exercito soffra grandes ec- clipses após notáveis fulgores, e também que deva sempre a mãos estranhas o remédio a seus males. Vimol-o regenerado no tempo de grandes crises pela escola frauceza de Schomberg, pela allemã do conde de Lippe, e pela ingleza de Beresford. Os portuguezes con- tentam-se apenas com o sou amor á pátria, e com o terem disponível a sua grande aptidão nacional para receberem a doutrina militar n'aquelle grau de progresso em que ella estiver no momento em que tal acquisição seja necessária, sem reflectirem comtudo em que, nem tal patriotismo, nem tal aptidão podem supprir no tal momento os fructos da instrucção e da disciplina. Dão d'isto testemunho a Hes- panha na guerra da sua independência, e a França no anno de 1871, em que a valentia dos seus soldados nào poude supprir as outras condições militares que faltavam nos seus exércitos.

Os dois documentos que publicamos em seguida informam -nos de muitas particularidades da vida militar portugueza no século passado na parte relativa á sua organisação. administração, etc. As Befle- xôes militares de Frazer surprehendem-nos quando affirmam ter exis- tido maior disciplina sob as ordenanças de D. João v, que sob os regulamentos propostos peíb conde de Lippe, deixando-nos todavia duvidosos sobre se isto proveio antes do esquecimento d'aquelles re- gulamentos, que do seu uso.

Todos sabem que em resultado da revolução franeeza tivemos ao nosso serviço muitos officiaes exclarecidos fugidos á anarcbia da sua pátria, além de possuirmos officiaes portuguezes muito distin- ctos como o marquez d'Alorna, Gomes Freire à'Andrade, Pamplona, e outros. Não obstante o concurso d'este3 officiaes foi notória a pouca felicidade com que nos apresentávamos em 1801 logo depois da 2

H4 ALGUNS FACTOS MILITARES

campanha do Roussillon, e tal a nossa decadência nos dezoito an- nos decorridos de^de a escriptura das Reflexões militares até aos desastres daquelle anno, que o conde de Goltz, íintigo secretario de Frederico u, cbaniado ao commando em chefe do nosso exercito, di- rigiu-lhe as palavras que abaixo transcrevemos, copiadas de uma oníem geral publicada no seu quartel general em Buenos-Ayree, a 4 de marco de 1S()2.

Tendo sido presente a S. A. R. o principe regente Nosso Senhor, o estado de inãiseiplina e de desorgonifação em que se acha o seu exercito, oci asionudo principalmente pela extrema e muito censurá- vel iiK bservancia dos regulamentos militares ex stentfs, cuja stricta e littfral execução deveria ter sido o constante objecto da attençâo e vigilância d'aqnelles a quem o mesmo Senhor incumbiu o cumpri- mento dVUes : e querendo S. A. R. occorrer e obstar á continuação de uma tào nociva relaxação cujos fataes efifeitos se tem manifes- tado em tào grave detrimento do seu real serviço, e da reputação do seu exercito : é o mesmo Senhor servido que, emquanto se não organisam as novns ordenanças que tem mandado forujalisar i, para extirpar radicalmente o vicio introduzido na disciplina das suas tro- pas pela total negligencia e esquecimento dos <ieveres prescriptos pelas leis militares que se não acham revogadas, remetto a v. ex.» um exemplar para que, assim como a v. ex.* bem como a todos os chefes dos corpos do seu exercito, seja constante a suprema aucto- ridade e o mando com que S. A. R. prescreve e me reiomineuda que lhe inrime a positiva ordem de observar stricta e inviolavelmente as leis da di?ciplina estabelecida no regnlsíiicnto militar existente, es- pecialmente as que respeitam á subordinação, as que regulam o grau de obediência passiva que o inferior deve prestar ao superior, as que estabelecem a porção de auctoridade e de inspecção que com- pete aos graus intermediários, dt-vendo aquella ser respeitosa, prom- pta e litferal, sem replica que retarde a execução das ordens ; mas devendo por outra parte a auctoridade dos chefes ser exercida com decência, e praticada segundo os dictames da razão, e expressa dis- posição das leis. Para esse effeito ordena S. A. R. que hajam de se observar litteralmente as disposições do capitulo 23." do regula- mento, e os artigos 1.°, 7.°, 15.°, 16.° e 17." dos artigos de guerra; mas ao mesmo tempo que S. A. R. se acha resolvido a mandar pro- ceder com o maior rigor contra todo e qualquer official que abusar da sua auctoridade, ou que se achar comprehendido no artigo 27.» dos de guerra, quer também que eu mande castigHr exemplarmente todo o inferior que não provar a queixa que produzir contra o seu superior, etc, etc. »

0 conde de Goltz retirou-se pouco depois de Portugal, desanimado de poder levar o exercito ao ponto em que o considerava útil. Todas

1 Consulte se a pag. 341 da nossa Revista Militar de IS de julho de 186.3, o artipo do {reneral barflo de Wiederold, sob a epigraphe Crise do exercito portupupz no anno de 1801, e sua organisaç3o era I^OH. Ahi acbarx o leilor desenhado o l.istimnso estado do nosso exercito, e os meios que se empregavam para o rehabililar. Também abi se denuncia, como extraviado, um plano de defesa do paiz esi ripto pelo marquez d'Aiorna, fado que justifica o que dissemos na nota a respeito dos trabalhos do conde de Lippe.

PORTUGUEZES H5

as considerações que lançamos ao papel u'estas diftVreutes Dotas advertem, cremos nós, a necessidade de atteiider por t>^te ramo de administração publica, no momento em que todos os ext-rcitos nos levam vantagem em suas instituições reorganisando-se a muitos res- peitos.

Tombem é máxima confessada pelos publieiístas que nrs paizes em que a liberdade é maior, a instituição militar deve ser perfeita e forte. Napoleão i escrev- u nas suas memorias, não ein referencia a este ultimo principio, mas tratando em absoluto dos exert-itos. que «Un bon general, de bons cadres, une bonne organisatiou, une bonn-- ins- truction. unp bonne et severe discipline font de bunn.-s troupes, in- dependament de la cause pour la quelle elles se bateat. .

Observações militares dirigidas ao marquez de Pombal

pelo marechal general conde de Lippe,

em 5 de setembro de 1764.

O essencial da obra está feito. Existe um exercito. Ha leis, e arti- gos de guerra. Um regulamento sobre a orgauisaçào, a composição, a disciplina, o serviço, a mstrucção, a justiça, o pagamento, e o re- crutamento da tropa. Estas leis acham se em execução, e são obser- vadas habitualmente em quasi três quartas partes dos regimentos. Sào disposições completas, inquestionavelmente novas, e de espé- cies differentes, pelo que poderiam encontrar iriaiores difSculdades na adopção. Tudo se acha todavia em pratica, e removidos os seus obstáculos. Actualmente ainda é preciso o sempre necessário, isto é, uma vigilância incansável no fazer cumprir escrupulosamente as ul- timas leis, regulamentos e artigos de guerra. Para o conseguir con- virá :

1.0 Que além das revistas e exames da obrigação dos inspecto- res, prasa a Sua Magestade mandar que de três em três mezes al- guns officiaes superiores passem revistas extraordinárias, sobretudo aos regimentos que, em virtude da longitude dos seus quartéis, ou por outro motivo qualquf>r, se não achem mais vezes sob as vistas do inspector do departamento. Os officiaes nomeados para taes com- missões devem examinar o estado da economia interna dos regimen- tos, e visitar os livros de registo para ver se n'elles se acham men- cionadas todas as alterações, segundo o fim a que são destinados. E também se a justiça anda bem administrada. Se o serviço se faz con- forme o estabelecem os regulamentos. Se as propostas dos coronéis para o preenchimento dos logares vagos, e as informações sobre o comportamento dos officiaes contém imparcialidade e inteireza, con- forme ao zelo do sei-viço definido nos regulamentos. Devem exa- minar com o maior escrúpulo a exactidão dos mappas, que os co- ronéis são obrigados a enviar mensalmente á corte, não com refe- rencia ao estado completo (o que se verifica pelas revistas dos com- missarios pagadores) ; mas também se os regimentos se acham eflfe- ctivamente providos de armamento, barracas, uniformes, correame, utensílios, etc, etc, conforme as ordens. Se ha todo o cuidado na

H6 ALGUNS FACTOS MILITARES

conservação dVstas coisas. Se o que se por falta noa uiappas, o está effectivíiineiite, por que motivo e por culpa de quem. Se as li- cenças se CdiifiMcm aos officiaes, e ás praças de pret segunda man- dam os regulamentos, e nào de outra maneira. Apresentado o resul- tado da iiiHptH-çào dignar Be ha Sua Majestade, julganiio o necessá- rio, ordenar quf" ou o governador da praça em que se aehar o regi- mento, ou o governador da província, ou algum general para isso nomeado exprit-samente, adopte contra o coronel, ae a falta for con- siderável, as pr< videncias estabelecidas no Regulanienti», e expressas no alvará da sua confirmação; ou quaesquer outras, que mais uteia sejam, contra os indivíduos militares ou civis que houv rem faltado aos seus deveres esquecendo se de cumprir rigorosamente os decre- tos de Sua Magestade, tanto a respeito do recrutamento, como do pagamento, fornecimentos, ou outro qualquer objecto necessário á conservação d'estee.

2." As inspecções extraordinárias podem ser desempenhadas em relação á infanteria pelos senhores marechaes de campo Maek Lean e d- Bohm, pelos senhores brigadeiros António Furtado, e marquez de Lavradio, pelos coronéis conde do Prado, e Freire de Andrade do '2.» regimento do Porto, Raymundo Cliichorro, e pelo major D. Joaquim de No' onha, oíiicial muito instruído para a sua idade, aetivo appiíeado, e outios mais. Os geueraes inspectores das tropas apre- sentarão, cnda três mezes, informações geraes a respeito das do de- partamento de suas in^^pecções, segundo o methodo estabelecido ha um anno. A cada um dos ofíiciaes incumbidos de inspecções extraor- dinárias será designado por Sua Magestade um certo numero de re- gimentos que lhe aprouver, por nào convir que algum d'elles ee ache particularmente informado, por meudo, de todas as circumstaucias que acompanhem parte considerável do exercito.

3." A respeito da cavallaria deve praticar-se o mesmo, confe- rindo idênticas commissões e condições ao marechal de campo conde de Bobadella, ao ajudante general concie-barão de Alvito, ao coro- nel Smith (olhcial de cavallaria de primeira ordem), a D. Diogo da Cunha, e a muitos outros. O inspector Chauney desempenha ordina- riamente este serviço em relação á cavallaria do sul, isto é, a res- peito dos regimentos da corte, e d'aquelles d'Elvas, Olivença, Évora, Beja, e Castello Branco.

4." Se algum dos inspectores ordinários vier a deixar o serviço de Sua Magestade poderá ser substituído por um dos officiaes pro- postos para as inspecções extraordinárias. O assistente inspector Ve- lasco é trabalhador, e está ao facto de como se organisam os mappas geraes. Os officiaes chamados a estas commissões extraordinárias, devem ter ajudas de custo para as despezas de suas jornadas. De- vem fazer o seu relatório a v. ex." directamente, não occultando cir- cumstancia alguma em que o serviço seja interessado, e não proce- derem levados de qualquer sentimento que não seja o de informar a Sua Magestade da verdadeira situação dos objectos cujo exame lhes foi incumbido, e isto pela maneira mais clara e adquada ao desco- brimento dos remédios convenientes. E preciso que façam justiça em seus relatórios áquelles que merecerem ser recommendados á bene- volência de Sua Magestade. Os relatórios devem ser por escripto,

PORTUGUEZES | 1 7

guardando o maior segredo nas informações que derem ; e será bom conserval-os.

5." Convirá que rs senhores inspectores geraes me enviem, cada três mezes, os relatórios geraes indicando as alterações acontecidas, e que me informem dos assumptos, sobre que eu lhes pedir esclare- cimentos particulares.

6.» Nada contribuirá tanto para manter no exercito o nobre es- pirito de emulação que n'eHe se manifesta como o dignar-se Sua Magestade mandar comparecer na sua presença, de vez em quando, algum regimento. Os de l^isboa podem passarem revista, uns depois dos outros, perante Sua Magestade no cães de Ped-oiçcs ou em Campo de Ourique. Os que estào em S. Julião e CascaeN poderão ter esta honra quando Sua Magestade pa^seiar para aquellns lados. Us de Peniche. Setúbal, Abrantes, Beja e Oollega (Castello Branco) po- dem alternar com os de Lisboa, vindo aqui fazer serviço por um ou dois mezes. Por este modo parte > onsideravel do «serei to estará sob as vistas immediatas de Sua Magestade que poderá examinar pes- soalmente a força, a estatura, e as qualidades dos homens, e dos ca- vallos. A sua dextreza r)a execução das manobras deve excit;ir a at- tençào permanente dos inspectores, dos commandantes dos corpos, e a dos officiaes destinados ás comniissòes de exame ; bem como a das pessoas encarregadas do recrutamento, e dos fornecimentos de qual- quer espécie. Kste e pirito de applieação ao desen.penho do dever se propagará entào por tddo o f-xereito, sendo de esperar que ninguém se entregue á negligencia, peln idéa tixa de que lhe poderá sobrevir subitamente alguma ordem de comparecimento perante Sua Mages- tade.

7." Convém que os conselhos de guerra que condemnarem os criminosos sejam, snbmettidos a um general de posto elevado para os relatar, e sobre elles pedir as ordens de Sua Magestade. Será muito a propósito nomear para este serviço o conde- barào, não por sua graduação e a honra que tem df^ se aproximar de Sua Ma- gestade, mas, sobretudo, pela sua rectidão no cumprimento das or- dens de El -Rei em pontos do serviço militar. Éao sr. marechal conde- barào que importa igualmente que os coronéis participem quaes os officiaes que pedem licença registada, a fim de o levar ao conheci- mento de Sua Magestade. Convém ao bom serviço que haja avareza na concessão d'estas licenças.

8." Em quanto ás propostas do^i coronéis para o preenchimento das vacaturas dos officiaes, e ás informações de que trata o eap. xiii § 2.° do Regulamento de infanteria, é preferível que se dirijam a V. ex.'' Será bom que estas propostas sejam communicadas aos inspe- ctores ordinários, e também aos extraordinários, para que escrevam a sua opinião á margem acerca de cada proposta. Importará estabe- lecer um livro para a inscripção de todos os officiaes do exercito por suas idades e antiguidades de postos, renovando se o livro annual- mente no mez de janeiro.

9." Cumpre haver grande attenção em que os governadores das praças se não afrouxem na mais escrupulosa observância do que lhe está prescripto, não no tocante ao Regulamento, mas ainda no pertencente á conservação das fortificações, da artilheria, munições

as ALGUNS FACTOS MILITARES

de guerra e de boca, e arranjos estabelecidos pela tabeliã das des- pezus e entretimeutos. É também preciso verificar ae os relatórios que os governadores maniam á corte .sào exactos e lançados cui ia- dos?am'^nte nos livros, para que d'esdt^â modelos se conheça o existente nos arm izens e arsfu es, e o que t-ntra, sae, ou se incapacita. O ma- rechal de campo Chennont pod ria ser utilmente destinado a estaa commissòes. Al^nm official intelligente e sem relações, tendo pelo menos a graduação de coronel de artilheria, mas sem a deii'Mniua- çào de inspector p(5.1e se-- também incumbido d'- stas commissòes, recebendo para (rada vez ord<-m eóp<'cial. Convém empregar n'esta3 visitas muitos officiaes S'paradamente, a fim de que nenhum possa achar- se muito {íeralmente conhecedor do estado das praças Estes inspectores extraordinários são mandados sobre tudo ás prxças em que se presumam descuido.-, ou se qualquer outro motivo. Crf-io po- der df^positar-se toda a confiança nos governadores actuaes das pra- ças d'Elvas e d'Almeida, mas torna-se indispensável estabelecer soli- damente a execução da tarifa das despezas de nntreti mento por parte dos que administram os dinheiros a ellas destinados, e sustentar a auctoridade dos governadores

10.° Existem ainda grandes abusos em Elvas e Extremoz no modo de trabalhar nas officiuas das vedorias de artilheria. Os operários nem sempi-e são dirigidos por ( fficiaes d'esta arma, de maa ira que muitas obra.s d'ahi sabem sem as dimensões necessárias, e as qualidades convenientes Não se deve fazer nem mesmo ura prego para a arti- lheria, sem que um oâicial da profissão para elle as dimenções. E' isto um dos objectos essenciaes dos estudos nas escolas que instrui- ram os officiaes n'est''S pontos. Quando pessoas ignorantes dirigem as obras acontece muita vez que o que se fabrica não serve p.ara coisa alguma, e se perde a despeza. Teuho exemplos quotidianos disto, porque este abuso existe por todo o reino. E' prcfiso pedir de futuro ao coronel comioa^daute do regimento, ou ao do destacamento n.ais próximo, um official de artilheria para isso entendido, sempre que haja que fazer reparos, rodas, ferragens, carros ou que os con- certar, segaindo-se as suas direcções, pelas quaes ficará responsável. O mesmo se praticará para com os engenheiros em relação aos traba- lhos uas fortificações. Os commissarios pagadores não devem em caso algum pretender a direcção d'estas coisas, mas occuparem se tão so- mente dos desembolsos segundo o estabelecido nas tabeliãs. E' inex- plicável a ambição que elles tem de dirigir tudo a torto e a direito, e de manterem quanto podem os militares na sua dependência.

Tem aqui logar o fallar do corpo dos engenheiros. Devem estes ser reunidos sob o commando de um chefe, como o tenente general Maia. ou um dos marechaes de campo. E' necessário que os enge- nheiros uas praças ou nas províncias, dêem mensalmente conta ao chefe do logar em que se acharem do serviço que praticam, afim de que o chefe possa dar informações também mensaes de todos os of- ficiaes d"> mesmo corpo. Nas praças principaes os officiaes enge- nheiros darão também conta ao governador. Estando em praças de menor consideração mandarão os engenheiros a sua conta ao governador da província, afim de que as informações que este en- viar ao general commandante do corpo, sejam sempre comprovadas

PORTUGUEZES H9

por aquellas que subirem aos governadores das praças, ou aos das provincias. Os eDgenheiros devem constituir duas classes, isto é, de engenheiros propriumenre ditos, e de engenheiros g^-ograplios. Os pri- meiros devem saber pe- feitamente a areometrin, a furtiticaçào, o ata- que e a defesa das praçiis, e além disso dirigir a consrrucçào das fortalezas. Os bvros que devem estudar, até d'estes ha ver. -m conhe- cimento perfeito, são pri^neirameute o curso de mHthemHtica do sr. Belidor. e a analyse demonstrada do padre Reyueau, ariín de nào ficarem embaraçados em certos ligares da architectura hydrnulica de Belidor, que os mais halieis se nào podem dispensar de ler. Além d'estes estudos, cumpre que adquirira conhecimento perfeitís- simo da qualidade dos materiaes uas dififerentes províncias. Os en- genheiros que tiverem conhecimentos devem receber sold.) dobrado ou mesmo triplicado para os animar. E' preciso n'este caso nào fa- zer reparo na despeza. Os engenheiros d'esta qualidade serào sem- pre poucos, porque raros chegam á perfeiçào requerida A segunda espécie de engenheiros deve entender os elementos de Euclides, a trignometria, a :«rithfnetica, e o desenho, e t- rem alguns princípios de fortificMção que podem encontrar em le Blond, e no engenheiro de campanha de Clairac. E' mister que se achem na edade e vigor de supportar o trabalho das jornadas, muitas vezes a pé, mas ordi- nariamente a cavallo, desempenhando o serviço da sua profissão. Devem saber levantar plantas das fortificações, e d- qualquer ter- reno com a maior exactidão, sem omittir a menor circumstancia de interesse militar. Para isto precisam de talento nutural, de vi -ta ati- nada, de conhecimentos da guerra, e sobretudo da castrametação, e marchas.

Parte d'estes engenheiros geographos estarão em tempo de guerra juntos do quartel me.=tre general. U tenente coronel Bassemond, e o capitão de Champalimaud, são bons engenheiros geographos. E' ne- ces'íario mandar um numero sufficiente de engenheií-os de primeira espécie para as praças de guerra em pripoi-çqo da sua gi-andeza e importância, ou das precisões do trabalho. Os da segunda espécie serão destinados a levantar plantas de posições, correntes de rios, costas, etc, etc. E se for possível introduzirem se com habilidade nas provincias hespanholas visiuhas d'este reino, colher se-iam mui- tas informações necessárias para o tempo de guerra, informações que se devera procurar obter em quanto a paz o facilita.

11.° Os governadores vão ser providos com as tabeliãs de Vau- ban, afim de poderem conhecer as necessidades das suas praças, e fazerem por ellas intelligentes requisições.

12.» Creio ser conveniente adoptar a respeito da inspecção do re- gimento e das escolas de artilheria o que deixo proposto em relação á visita das praças, isto é, incumbir d'isso um coronel de artilheria, por commissão particular. O coronel HoUard recém chegado podia ser n'ÍHS0 empregado de tempo a tempo, sobretudo em quanto o coronel Valleré se achar occupado na conatrucção do forte de la Lippe. Os coronéis de artilheria devem corresponder- se comigo cada dois me- zes, dando me miúda conta do progresso havido nas escolas, man- dando-me outrosim duplicatas dos mappas que enviam á corte. Se por alguma circunstancia não for possível empregar nas inspec-

J20 ALGUNS FACTOS MILITAHES

çòes extraordinárias um coronel de artilheria, bera instruído cm to- dos os ramos da sua profissão afim de examinar a fundo o que se pratica nas escolas, e o modo porque se ensinam as ohras doa aucto- res deaipfnados no plano dVstas (a), importará saber, e obter por alfjum modo o como proseguem as mesmas escolas, e se sào frequen- tadas sem interrupção assim theoric-*, como praticamente em con- formidade do que se acha determinado. E' preciso destinar dinheiro para as despezas extraordinárias e inevitáveis n'edta3 escolas tanto para a conservação da pólvora e das munições, como para os pré- mios aos artilheiros e bombardeiros, e despezas miúdas como a do transporte de farinhas e inaferaes, plataformas, anifidos, etc, etc. Esta somma nâo pode baixar de mil cruzados anuualmente em cada escola. Aos coronéis do- reginientos incumbe requisitar o necessário ao deposito, ou ao arsenal mais próximo.

13.° Deixar o regimento de artilheria de Lagos perto de S. Jntiâo, cu nas suas proximidades, evitando com isto a despezad outra escola prati a, mesmo porque este regimento não alcançaria a sua perfeição no reino do Algarve, nem ahi se conservaria era bom estado, per- dendo logo a instrucçào que tivesse adquirido.

14.0 Nunca sorá demasiada a attf-nçâo em conservar a todos os coronéis do exercito a auctoridade que os regulamento» lhes conferem. A muitos parece grande, mas aos que assim pensam faltam os co- uheeimentos necessários para julgar das conveniências militares, ou parecem então movidos de interesses particulares. Diminuir a au- ctoridade dos coronéis seria dispensai os da responsabilidade do es- tado dos regimentos que sua magestade lhes faz a honra de confiar, filuir por consequência o alicerce do exercito, e inutilisar o essen- cial do regulamento. Grande parte da magistratura, e os que per- tencem ao resto da antiga vedoria, vêem com maus olhos o novo sys-

(a) Como testemunho da nimia exigência official do conde de Lippe citare- mos aqui um trecho da nota -^G do Ensaio histórico sobre a origem e progres- sos das malhemiiticas em ^orlugal pelo general Stockler. <> (juando o conde- rcinante de Schambourg; Lippe, murcclial general dos exércitos de Portugal, pas- sou se^'unda vez a este reino, José Anastácio da Cuiiha que então era segundo tencole, lhe apresentou uma memoria sobre a balística, em que reprovava e con- vencia de falsas algumas doutrinas de Belidor e Dulac, auctores que o marechal havia recommendado. para servirem de guia n'csta parte aos offlciaes de arti- lheria [lortugnezes. Este passo, tão próprio para o acreditar, lhe motivou ura pe- queno dissí.bor com o m;irechal, que havendo prohibido aos ofBciaes artilheiros a leitura de outros livros além dos que se achavam indicados no seu plano do anno de I76:>; e vendo pela memoria de José Anastácio, que este havia lido, e consultado outros, o tratou com desagrado, e o mandou prender por alguns dias. Reconhecendo porém a falta de justiça intrinsica, oom que havia tratado este be- nemfri!o official o deixou recommenilailo ao brigadeiro Ferrier, commandante do regimento, apontando lho como digno de accesso na prinseira promoção. Este celebre acontecimento foi causa de que o marquez de Pombal, então conde de Ocinis, fosse informado do dislincto merecimento de José Anastácio da Cunha, e que na ociasião da reforn>a da Univi rsidade, se ieiiibrasse dV-lle para empregal-o ali na qualidade de lenle da faculdade de mathematica.

Diz também o sr. Castro Freire na Memoria histórica da faculdade de mathe- malica nos cem annos decorridos até 1872, que José Anastácio dera logo princi- pio ás suas lições, posto que ainda não se achasse incorporado na faculdade de mathemalica.'

PORTUGURZES 121

tema. Os primeiros empenharão todo o seu esforço no rehaver a au- ctoridade que exerciam outr'ora sobre os militares, e que aa novas leis acabam tâo sabiamente de abolir : os segundos não se podem conformar a serem actualmente simples caixeiros, e commi&sarios pagadores, quando se tinham outr'ora arrogado, com natural pre- juizo do serviço, parte considerabilissima do poder do ministério da guerra e dos generaes do exercito. Uns e outros procuram por faz ou por ntfas recuperar o terreno perdido e suscitar embaraços, li- sonjeando-se com a esperança de voltarem ás antigas praticas. 15.° O serviço faz- se actualmente na praça de Elvas com mais exa- ctidão que em qualquer outro logar. Será portanto útil mandar alli, de tempo em tempo, os regimentos mais próximos, como são os de Campo Maior, Olivença, Castello de Vide, e Moura rendendo-se uns aos outros, íiíim de que o numero e a espécie de tropa que compo- zer as guarnições, não seja alterada, o que não conviria que sucC'»- desse, a menos de occorrer motivo extraordinário.

16." Paraque o fui te deLippe se conclua com brevidade, conforme ao meu plano, e á indicação das muralhas e abobadas construídas, convém confiar a direcção da obra ao senhor coronel de Valleré, instruido egualment<" no pertencente á eugenheria, e á artilheria. A todas as excellentes qualidades do coração, reúne aa do espirito. E' muito activo, tem boa saúde, e se dedica por gosto e inclinação a todon os deveres da sua proíis^^âo. Veríssimo é excellente para di- rigir os trabalhos de alvenaiia, o corte de pedras, e executar escru- pulosamente o que lhe fôr ordt^uado. Entende bem os planos e perfis, e 86 acha ao facto de todas as dimenções das paredes e abobadas. Conhece perfeitamente os materiaes, e trabalha com a maior assi- duidade exigível. E' preciso portanto conserval-o no seu logar até ao acabamento do forte, recompensal-o quando o tiver concluído, e em- presíal-o em outros trabalhos de architectura militar para os quaes é muito próprio. O sr. de Valeré deve repartir o seu tempo entre os cuidados do seu regimento e a direcção dos trabalhos do forte, aonde pode ir e voltar duas vezes por semana, fornecendo-lhe para estas idas e voltas dois cavallos, e corn^spondeutes forragens ; ou pa- gar lhe a d-speza com ns cavallo.i da posta. Acabada que seja a obra merece uma gratificação. Será muito a propósito i^ue elle conta a V. E. do que faz duas vezes por mez, por escripto e directa- menfe, spm passar por outras mãos, ahm de que alguém não intente dirigil o na execução dos planos, e perfis que d' ixo sellados em suas mãos, dos quaes terá V. E. um duplicado afim de que a obra se acabe com exactidão ; o que não succederia se o sr. de Valleré fi- casse n'este trabalho subordinado a qualquer pessoa intermediaria porque nVsse caso a obra se acharia infallivelmente estragaria \. O sr. de Valleré também se corresponderá mensalmente comigo a este respeito, dando-me conta meuda do progresso dos trabalhos. Os que se devem fazer acima do nivel do terreno, poderão terminar se dentro de um aimo, ou ainda em menor tempo. Se o numerados ope- rários se não diminuir, as construcções inferiores ou contraminae não tem outro limite, porque com a profundidade do terreno, ou da rocha que ahi ha. se poderão fazer tantas ordens de fornilhos, quan- tos se queiram O sr. de Valeré fiicará munido das instrucçòes neces-

422 ALGUNS FACTOS MILITARES

saiios para a execução dos dois primeiros andares, e de algumas das galenas salientes. Em quanto aos andares mais íjaixos, como se estào a concluir dar-lhehei pesaoalu.ente, e nos próprios logares, ulteriores instrucçòes. O trabalho das galerias normaes custará poui'o a sua magestade porque será feito exclusivamente pelas com- panhias de mineiros.

17." Parece-me conveniente não differir a publicação do alvará contra os desertores, estabelecendo irremisivel a pena de morte con- tra os que desertarem para além das fronteiras, tirando-lhes para sempre a esperança de perdão; e a mesma contra os que desertarem com armas ou equipamento para o interior do reino. Isto não será mais que a execução do art.° 18." dos de guerra. Deve o mesmo al- vará ser acompanhado de ordem efficacissima a todos os magistra- dos para que exijam os passaportes (guias) dos coronéis, aos solda- dos que passarem pelos seus districtus, fazendo conduzir aos respe- ctivos districtos os que não possam legitimar a sua ausência.

IB.» Creio haver mencionado os objectos niais dignos de atten- ção na conservação do que s*' aeaba de estabelecer no exercito ; o que resta por fazer diz respeito a arranjos económicos.

19." Devo fallar em primeiro logar do armamento. A maior parte dos regimentos d'infanteria acham se actualmente bem armados. Aa suas armas são de bom comprimento, e iguaes no adarme. Na maior parte dos regimentos tem os soldsdos a disciplina bastante para as conservarem bem no que d'elles depende ; mas em muitos corpos, sobretudo nos do departamento do norte, faltam serralheiros e coro- nheiros, o que concorre necessariamente para a deterioraç:iO das ar- mas. Não devem os thesoureiros pôr ditficuldades n'este pnnto ao pagamento das despezas extraordinárias e exclusivas, nem ao dos serralheiros pelos pequenos concertos diários. Acaba de se publicar no arsenal de Lisboa uma tabel'a reguladora dos preços de cada peça que devem ser pagas extraordinariamente. Penso que, por causa de alguns preços, esta tabeliã não poderá servir geralmente em qual- quer província, e ainda menos no departamento do norte. j\s armas de fogo acham-se na CHVallaria geríilmente em máo estado. Também as espadas não são da melhor qualidade. As clavinas e pistolas de- vem ter o m<^smo calibre. As do regimento d'Alcantara podem ser- vir para modelo. E' necessário prover os arsenaes de uma quantidade de armamento de reserva para o exercito, que não pode ser inferior á metade da quantidade do armamento em serviço, isto é, serão ne- cessárias :

PORTUGUEZES

Armas de reserva para o exercito

123

Mosqueies com

bayonetas,

braçadeiras

e miras

Clavinas

Sabres

Pistolas

Para 27 regimentos d'in- fanteria

11:000

800

1:400 (curtas)

2:460

800 1:400 2:460

Para 2 regimentos de ma rinha

Para 4 regimentos d'arti Iheria

Para 12 regimentos de ca vallaria

2:460

Fuzis raiados

Espadas curtas

Pistolas de cinto

Para os voluntários reaes de infanteria (suissos) . .

400

400

400

Os artilheiros devem ter duas carfuxeiras .=endo uma para car- tuxos de espingarda e outra para espoletas, agulhas de '^esobstruc- çâo e bolsas de coiro para as peças, a 18 tiros para cada uma de calibre 3, e a 12 para as de 6, ao todo 60 bolsas para cada regi- mento.

O que digo a respeito do armamento deve extender-se ao farda- mento, correame, e equipamento de todo o exercito segundo as quan- tidades, espécies, qualidades e dimensões de cada objecto mencio- nados no regulamento. As armas devem em tudo ser iguaes ás mais compridas que tem presentemente os regimentos de Lisboa; adver- tindo que dw Inglaterra vieram todns diiferentes no lomprimento, posto que iguaes em adarme. Quando se preveja que as fabricas do reino não poderão fornecer depressa o numero necessário, devem-ee mandar vir de fora, enviando lhes o modelo das armas. Como as dos regimentos de Lisboa tem o grande adarme inglez, provavelmente será de Inglatera que o fornecimento poderá ser feito com mais brevidade, mas escolhendo-as e veriíicando-as depois com todo o cuidado. As braçadeiras e as miras poderão ser postas aqui. É es- sencial que as u iras se façam sempre da altura d'aquellas p-ra que fiz construir os modelos, sem profundar mais o pequeno entalhe Ao sr. Inspector da cavallaria Chanmes deve ser entregue um modelo de sabre. Pedem em Inglaterra meia moeda de oiro por cada sabre conforme ao modelo. Penso que. por agora, haverá economia em OB importar d'alli segundo o dito exemplar. Independentemente das ar-

124 ALGUNS FACTOS MILITARES

ma3 de reserva para o exercito, importa pôr em estado de serviço todas as armas susceptíveis d'isso, ainda existentes nas fortalezas.. Na d'Elva3 ha perto de 20:000. Estas armas servem também nos sí- tios para substituição, ou para armar os auxiliares e as ordenanças etc. Bra^a part-ce ser o logar mais pn-prio pai'a o estabelecimento de uma fabrica d'armas de munição. O extincto convento dos jesuí- tas é para isso muito adquado i.

20.» O decreto de 7 de abril estabeleceu o modo porque deve ser fornecido á tropa o vestuário, o calçado, e as peças miúdas do uni- forme, mas isto não tem sido geralmente praticado até hoje. As bar- racas, equipigeus, e utensílios indicados nos regulameutos se acham promptos para um pequeno numero de regimentos; e as mo- xílas do novo modelo, quero dizer Je co^ro e pello de cabra, faltam geralmente, pelo que convém que os regimentos dMnfanteria, e de artilheria as mandem vir da Inglaterra, ou d'Allemanha, porque os soldados não podem prescindir d'ellas em campanha. As informações geraes dos inspectores, os mappas da ordem, e os grandes livros de registo, de que aliás nunca foi provido o Intendente geral dos arma- zéns em Lisboa, farão vêr cl«ra, e circumstanciadamenre o que falta, e o que se deve a cada regimento. O Intendente geral dos armazéns deve ser provido de todos os modelos que ainda faltarem jiara o fei- tio de alguns objectos de cavallaria mencionados no regulamento: dos de infauteria não falta nenhum.

21 » - Devem se tomar providencias para o estabelecimento de uma remonta permanente para a arma de cavallaria a fim de a ter completa, não em tempo de paz, mas ainda para lhe reparar aa perdas no de guerra, calculando a lO cavailos por augmento de com- panhia, o que prefará 409 ein cada regimento, doze dos quaes n'es3e caso aí-ceuderào a 4:908. Deve-se tomar em conta que no tempo de guerra morre '/j do numero de cavailos, em cada campanha, o que, com o quinto dos 400 voluntários a cavallo, fará l:06i, ou 1:000 ca- vailos a pedir aunualmente á remonta. Isto excede em muito o que podem lornecer os capitães. E portanto nece-sario recorrer, em tempo de guerra, a soccorro^^ extraordinários. Os capitães recebem h^je (se- gundo o estabelecido no soculo passado), 200^000 réis annualmente do thesouro para 100 cavailos, e 25Ji000 rés para um cavalllo sobre 20. Tem além d'isto, pela arca e contracto, para entr^tiur.ento da companhia 200 réis por cada cavalleiro, inclusive officiaese offi- ciaes inferiores, sendo as companhias elevadas cm tempo de guerra, ao novo de 5" e 51 cavailos. Os capitães recebem também para a remonta, e sustento.

Do thesouro para a companhia, a 50 cavailos por anno. . . 100^000

Mais 25^000 réis para um cavallo sobre 20 62^500

Da arca, mensalmente 10^000 réis 120i^000

Total 282^500

Destinando ás despezas de entretimento das armas, sellas, etc, 82iS500 réis por anno, ficarão 200^000 réis para a remonta. Cada

1 Hoje lyceu.

PORTUGUEZES 425

cavallo não se compra hoje em tempo de guerra por menos de 665000 réis, de maneira que os 200^000 réis não podem chegar para 3 ca- vallos por companhia. No entretanto deve o calculo ser feito para o tempo de guerra a razão de 10 por companhia, e de 3 para o es- tado maior da mesma. Fica pois evidente a necessidade de uma grande alteração no modo de remontar em tempo de guerra, além de ser o actual sujeito a grandes inconvenientes, por se prestar a toda a qualidade de abuso. Como sua magestade dispõe de meios que os particulares não possuem para o fornecimento de cavallos em grande, augmentando, por exemplo, as coudelarias, contratando com os re- montadores e com habitantes a acquisição de um certo numero de potros e de prados, mandando finalmeute proceder á remonta na sua totalidade, ou por muitos regimentos simultaneamente, pode assim obter prr ços favoráveis que os capitães nunca poderiam aliás alcan- çar em detalhe. É fora de duvida ser muito mais conveniente aos in- teresses de sua magestade que a remonta se faça por sua conta, ad- ministrando as sommas que actualmente para isso abona aos capitães. Se esta minha proposta topar ditHculdades em tempo de paz (porque no de guerra não se pôde seguir outro expediente), convirá juntar uma massa com o dinheiro que hoje se distribue aos capitães, e d'ella distribuir por cada regimento uma receita, destinando também a cada corpo um districto em que proceda á sua remonta entendendo- se com os habitantes, prevenindo também o augmento para o de guerra, ou a extraordinária resultante d'esta.

Para poder mobilisar o exercito com a sua aitilheria, viveres e bospitaes, etc, e se oppôr a uma invasão súbita do inimigo, ou o pre- venir, é preciso adoptar com muita antecipação oa meios necessários, isto é, obrigar os magistrados de cada districto a alistar todos os cavallos, bois, muares e burros, e a entender-se com os habitantes para que se achem providos da quota que pode caber ao districto da totalidade de animaes necessária ao serviço do exercito. Os habi- tantes devem informar o magistrado de quando vendem o seu gado, ficando obrigados a substituil-o immediatamente. No tempo de paz 03 habitantes servir- se-hão livremente do seu gado, mas no de guerra sua magestade lhes fará pagar, ou «lugar cada um animal, por um preço taxado, a titulo de compra, ou de embargo *. Os goveruadorea das províncias devem fiscalisar o exacto cumprimento de tudo isto, e mandar proceder em cada trimestre á competente visita e arrola- mento, fazendo reverificar este em sua presença.

O mappa que se segue contém o resultado do orçamento do gado de tiro e de carga necessários á mobilisaçâo do exercito, com o seu parque de campanha, munições, pontões, utensílios, etc.

* £ o que S6 pratica actualmente na Allemanha.

12(

ALGUNS FACTOS MILITARES

-£5

O

a

o

0"n

s ►-o

ri *- * 01 ee ,

ri a

C3 Qp

> 3

í-S^

3

a

2

ai

-O

"" n

O)

■O

g ào

iI íO

«^ í£

_o

CO

> ce

<^ =3

•ri

*"

s-o

o (S

:3

■^ca

^

■o

O

.2

5i°-

re gj o

5 CO nj

crgtS

* => oi u 5

-í> 2

~ C3 "O

È J «

(i: > CO J; CO t- ^3 CJ CO

ai j_ c- tr a>

2^ -

=5-0 0

5-9 .^ *

o " ce

Eh «

i=^i;

TS cr

= "r cu o '=^■0 =»- o = -a o

PORTUGUEZES 127

Sobre estas totalidades, uma quarta ou quinta parte arruina-se durante a campanha, de soite que se deve estar preparado para, no caso de necessidade, a substituir em cada anno, mas quando for indispensável. Nào especialiso aqui os objectos que cada animal deve carregar, ou serem transportados em carro, e que me serviram á conatrucção d'este mappa. Isto pode ser feito ao começar a campa- nha, mas a presente tabeliã servirá de base aos arranjos necessários nas diversas províncias, sem se lhe poder fazer nenhum abatimento considerável, sem prejuízo das tropas, ou embaiaço nas operações militares. N'e8te calcu!o não se menciona a artilheria de sitio, que coustitue objecto separado, no qual se podem empregar bois.

Este mappa refere se somente aos 27 regimentos de infanteria sem attPiider ao augmento de 25 praças por companhia proposto para o tempo de guerra, sendo a razão d'isto o fitar uma parte da infanteria nas guarnições. Advirfase que, ainda que se calcule or- dinariamente em 9 arrobas a carga, de uma muar, e em 5 a de um burro, se nào deve computar, na hypothese actual, mais que em 8 arrobas a primeira carga, e a outra em 4.

Ainda que n'este logar falo em muares de tiro, penso que os ca- vallos valem muito mais que ellas, mas seria necessário importal-os. Quando a guerra d'AlIemauha andava mais accesa, e fazia enormis- simo consumo de cavallos, a artilheria do exercito alliado pagava pelo departamento inglez, 22 ducados de Hollanda, e pelo departa- mento do Hanover, 19 ducados por cada cavallo apresentado ao seu parque. Reputando em 30 ou 35 moedas de oiro o preço de cada muar, própria para o serviço d'artilheria, umas por outras, haveria talvez não obstante as despezas de transporte grande economia em mandar vir cavallos allemães, hoUandezes, ou inglezes para a arti- lheria se completar, pois que a grande mobilidade do exercito não deve ficar dependente do gado, e para ella deve o paiz aehar-se sem- pre pieparado, o que vejo lhe nào poderá succeder senão precaven- do-se sufiicientemente em tempo de paz a respeito de cavallos de tiro, quando não tenha augmentado consideravelmente a raça caval- lar no reino, coisa que não acho difficil.

23.'^ O parque não pode dispensar 400 a 500 conductoree de arti- lheria que prestem juramento de soldados, e de submissão aos artigos de guerra, tendo uniforme, pão e pret. Â artilheria e suas munições não podem ser confiadas a cri j^ dos, a almocreves e a paisanos sempre promptos a desengatar e a fugir. Dando-se uma pequena gratifica- ção extraordinária, podem-se obter dos regimentos de infanteria os conductores necessários á artilheria, preenchendo-se depois aquelle» regimentos nos seus districtos.

24.»— Os transportes de viveres devem regular-se pelo numero e grandeza dos depósitos, e o das rações necessárias. Os indispensáveis aos hospitaes variam com a longitude e o numero dos doentes. Isto pede attençâo particular, tendo presente que no fim de três ou de quatro mezes de campanha, uma decima parte dos soldados, e ás vezei ainda mais, teem baixa ao hospital.

25.» Não trato aqui do relativo ao estado maior do exercito, porque esíe pôde ser organisado ao entrar em campanha.

26.* Restam-me ainda que regular alguns pontos económicos em

128 ALGUNS FACTOS MILITARES

relação aos hospitaes, fundições e moinhos para pólvora. Estas duas ul- timas coisns se acham bem estabelecidas, supposto carecerem ainda de alguns melhoramentos. Convirá fundir 100 obuzes e morteiros de differenfes calibres, cujos desenhos entreguei ao sr. major Bartholo- meu 1. Emquanto a fundição de Lisboa se occupa d'isto, devem-se fundir 200 bombas para cada um d'estes morteiros e obuzes na fun- dição de Paço de Arcos (?). e construir também 25 ou 30 pontões pe- los modnlos a que mandei proceder pelo coronel de Valerè em Es- tremoz. Valia a pena construir os ponfòes de cobre, e não de fo- lha, mas a despcza será muito maior. São necessárias forjas e carros de artilheria em proporção com o numero e o calibre das peças de que julgo dever ser composto o parque, de que dei nota ao sr. fie Va- lerè, o qual se acha também incumbido de construir um modelo para carros de munição de artilheria, guiando-se por certos princípios que lhe confiei. Os vindos de Inglaterra não servem por modo algum para este paiz. Não ha que perder tempo demorando a construcçào d'es- tes carros e forjas segundo o methodo de que o sr. de Valeré se acha instruido, e sobre que com elle continuarei a corresponder-me par- ticularmente. O numero d'estes carros será determinado pelo peso, volume e numero de tiros para cada obuz ou peça estabelecido para fornecimento das bocas de fogo que marcham, e suas reservas. Estas idéas estão no plano do parque de artilheria que communiquei ao Br. de Valeré, ineuinbiudo-o de acabar na parte restante.

27.0 Para em tempo de guerra tirar algum partido da milicia, cha- mada— auxiliar cumpre tel-a bem armada, revistada e exercitada nos seus districtos, uma ou duas vezes por mez. Convém que, em ne- nhuma occasião ella faça serviço misturada com a tropa, não sol- dado com soldado, mas official com official. D'ahi resultaria maior damno á disciplina, que o bem que podesse provir á iustrucção dos auxiliares. Em geral não é a minha opinião favorável ás milícias, porque são amphibios meio paizanos meio militares, que não pres- tam bom serviço nas guerras aetuaes. Acredito que foram úteis a Portugal na guerra do século passado. Os motivos d'esta guerra, e a maneira porque a Hespanha a conduzia, prestaram-se a isso. Es- sas guerras acompanharam se de eircutnstancias tão particulares, que dVlIas se não podem tirar consequências paia os tempos aetuaes. Não me atrevo comtudo a aconselhar a sua suppressão, amenas que lhe podesse substituir coisa melhor. Pen^^o que 6:000 ou 8:000 ho- mens de uma boa infanteria, isto é, a quinta ou a sétima parte do numero de auxiliares, calculado em 40:000, prestariam em tf mpo de guerra serviço muito mais seguro, empregando-os nas fortalezas e praças. Os privilégios, isenções e foros concedi-ios aos auxiliares, e o pão que se lhes dá, compensariam bem a despeza dos, 6:000 ou 8:000 homens com que a infanteria fosse augmentada. As subidas luzes de v. ex.*, bem como ao seu superior conhecimento do interior do reino, submetto esta idéa, assim como os outros assumptos conti- dos n'e8ta memoria, cujas irregularidades peço a v. ex » me desculpe,- porque a escrevi a furto, no meio das muitas occupaçòes do meu em-

' Depois general Bartbolomeu da Cnsts, notável inspector do arsenal do exei tito, antiga fundição.

PORTUGUEZES 129

prego. Nada disse das fortificações que se devem construir ou repa- rar ao louío das fronteiras, ou das costas. o tinha feito nas mi- nhas reflexões sobre es-ta matéria, á pressa, uihs por escripto nas viagens que fiz nos mezes de março e de maio d'este anno. E assum- pto vastíssimo, e, posto que de grande alcance, menos impoitante toda>ÍH e urgente que a maior parte dos apontados n'esta memoria. O trabalho é calorosamente feito no levantamento do forte de Lippe em Elvas, e na reparação de Almeida. Uma moJica despeza benefi- ciará H de Valença do Minho O restabelecimento de Salvaterra, e a reparação de Juromenha parect-m ser as maia necessárias. Tudo isto darsi obra para algum temi o. Independente dMsto são sempre neces- sárias algumas pt^quenas despezas de conservação em Olivença, Campo Maior. Castello de Vide. Marvào, e também em Elvas, Almeida e Valença. Ê preciso conseivar Mourão, Castello Rodrigo, as fortale- zas das co«tas, as das entradas de barras, e mais algumas. Emquauto ao que conviria fazer em Abrantes, sobre as alturas de Lagos, em Castro Marim bem como a respeito do novo fortf proposto em frente de íSegura sobre a altura (^e CJuerreiros na passagem do Erge, a construcçâo de uma boa praça em Traz-os-Montes (porque a ue Cha- ves i.ào é susceptível de o ser), a reparação solida de Peniche, e ou- tros trabalhos da mesma espécie não pode ser emprehendido senão d'aqui a algum tempo, porque n tardaria as ourras indicações da presente memoria, que são inquestionavelmente de maior urgência, como essencialmente necessários á mobilisacào do exercito.

Extracto de uma carta em francez datada de 9 de julho de 1774, dirigida também pelo conde de Lippe ao marquez de Pombal, sobre assumptos a que se referem as observações antecedentes, dez annos depois estando na Alemanha; de cujas insistências se infere que o governo não fora sollicito em seguir as suas propostas.

1.° Um dos objectos mais essencialmente necessários é o estabe- lecimento de uma remonta para a cavallaria, por modo seguro, ado- ptando também providencias para que não faltem animaes de tiro e para carga, assim na artilheria, como para bagagens.

2.° Um parque completo para serviço do exercito. Além d'esta artilheria, devo recommeudar novamente.

3.» Um grande numero de peças e de morteiros liíreiros. man- dei o desenho e a descripção das peças ligeiras, a que me refiro, ao sr. Arriaga, e a respeito d'ellas tenho tido a honra de escrever mui- tas cartas a v. ex.' O sr. coronel Ferrier viu aqui (Alemanha), o uso das peças falconetes, bem como a maneira de as brocar e provar. falta portanto ordem para as fuudii-. A despeza de um falconete não excede a dezeseis ou dezoito moedas de oiro. Occupo-me actualmente da explicação miúda das suas vantagens em um artigo destinado a fazer parte da memoria e continuação do Novo methodo, cuja pri- meira parte foi traduzido pelo sr. de Veinholtz. Em caso de guerra serão estas peças de muita vantagem, e deve havel-as aos centos.

4.° Propuz em 1764 que o aprovisionamento das praças fosse se- gundo as tabeliãs de Vaubau, e oi'denei-o em uma circular aos go- vernadores e commandantes. E para desejar que ao menos as praças

130 ALGUNS FACTOS MILITARES

principaps pomo sâo Elvíis e Almeiíla, se achem mniiieiadas tanto quanto for píiísivel spíjimflo as qualidades indicxdas, att^'ndendo ás circiiiiiftíinciiís particulares de cada uma ; e que, iiidepeudi'iit>-meute d'isto. os errHtides depósitos perto de Lisboa e do Porto se achem pro- vidoH de qiiHiitidades consideráveis; e também "m acrividadfí as fa- bricas de (lolvora e as fundições de pn jecteis. Os f^raiides depósitos de pólvora iiAo se conservam nas praças sem grande perigo, mas este pôde ser diminnido contentando nos de, ter, em logar de toda a pól- vora ]A f^biienda, e separfidíimente os materiaes de que ella se comiòe, e um grande numero de moinhos a braços porrat^-is. tnaji'^e5 «o sr. de Valeré desenhos destes moinhos Desejo que se eunpre^-UP pólvora fina na artilheria e no uso da tropa, porque como por este meio se diminue a quantidade das cargas na proporção da qualidade da pólvora, poupar-^e ha no transporte o que a mais se deepende na fabricfiçào da fina, determinan ;o--e a dimiimiçào das cartías pela experiência nas escolas praticas. Independentemente d'es- tas vantacT' ns também as p(-"ça9 soflpretn menos com a boa pólvora, e esta se consí^rva melhor nào attr.iindo tantM huinidade.

5.° Convém fazer provisão de cereaes e de fariíihaf, em grande quantidade, tendo-as antecipadatnente para todo o exercito durante um anuo, eah-nhido isto para o de guerra approvado em ITfii.

6." Na memoria de 5 de setembro de 17(>4, tratei do armamento e dos utensilios que deve sempre haver de reserva.

7.» O exercito tem hoje força inferior á que foi approvadâ em 1764. Se o incompleto durante a paz se torna inevitável, nào deve estender-se isto aos officiaes e officÍHes inferiores. O soldad^^ novo pode ser promptamente disciplinado se nào faltar o numero necessá- rio d'aqu(^llas duas classes, mas será impossível obtel-o a tempo se ellas faltarem, instruídas e atteitas de antemão á disciplina e aos re- gulamentos.

8." Propuz muitas vezes augmentar o soldo aos srs. officiaes na- cionaes, o que me parece cada vez mais necessário p' la subida de preço em todas as coisas. Não podem viver cora o antigo soldo por- tuguez conservando a decência necessária, e pe votarem essencial- mente aos seus deveres militares. Xa minha carta de 1771, indiquei modo de elevar o soldo aos officiaes portuguezes sem desarranjo da despeza militar do thesouro durante a paz.

9.° Teria sido bom, quando se julgou reformar o regimento de voluntários reaes (suissos), conservar-lhe pelo menos um pequeno casco afim de o poder restabelecer facilmente, sendo este corpo o único da sua espécie em Portugal, mas que não poderá dispensar-se em caso de guerra.

10.'^ Devem-se adoptar providencias para haver solida confiança na milicia chamada auxiliares. d'isto tratei na minha, memoria de 5 de setembro de 1764, e no plano de rotação em 1768. E preciso, por um qualquer modo reunil a regularmente de tempo a tempo para a exercitar e acostumar ao serviço e á disciplina. Para isto devem existir nas praças a quantidade de armamento suffieiente, e bem conservado, para a exercitar ou armar, segundo a necessidade.

11.0 j\g informações precisas e circumstanciadaa das espécies e qualidades dos cereaes e de pastos, e, em geral, o conhecimento exa-

PORTUGUEZES 431

cto da fertilidade de cada provincia, é indispensável para o regula- mento das medidas que se deverem adoptar para o aprovisiona- mento das fortalezas e a subsistência do exercito e dos habitantes, segundo a^variedade de circumstancias, que possani resultar da guerra.

12." É também preciso ter conhecimento exacto do numero de cavalls, bois, muares e burros existentes em cada província, ado- ptando a este respeito as medidas que propuz na minha memoria de 5 de setembro de 1764.

13,° Deve-se estar attento, e procurar noticia dos preparativoa que se fazem na Hespanha, e obter todas as informações possíveis a respeito das suas praças, guarnições, depósitos, e fertilidade das pro- víncias limitrophea de Portugal.

Fim.

<J

índice dás matérias

Pag.

IntroducçSo 3

Reflexões militares sobre o regulamento para o exercício e dis- ciplina dos regimentos de iufanteria de 18 de fevereiro de

1763 21

CAPITULO I Do estado e formação das companhias. » n Da formatura do batalhão para a parada 23 III Observações relativas a algumas evolu- ções 31

IV Da formatura do batalhão para exer- cício de fogo 32

V Detalhe do exercido de fogo 34

"VI Observações respectivas ao exercício das

tropas, e o modo de as ensinar 38

VII Do manejo das armas 50

VIII Das guardas nas guarnições e quartéis. 53 IX Da assembléa das companhias nos dias

de festa, e nos de pagamento 59

X Dos interrogatórios, e dos conselhos de

guerra 62

XI Dos castigos 72

Xn Do juramento de fidelidade ás bandeiras 79

XIII Do modo de prover os postos vagos de officiaes e de officiaes inferiores 80

XIV Das licenças absolutas por tempo deter- minado »

XV Das recrutas "

XVI Do armamento, fardamento, ferramenta e instrumentos. Das barracas, da pól- vora e bala »

XVII Da escolha dos cirurgiões, e do cuidado que deve haver dos soldados enfer- mos 81

XVm Alguns pontos respectivos aos governa- dores, e commandantes de praças, ci- dades, ou villas de guarnição . , »

XIX Da ordem >

XX Do modo como se devem abrir e fechar

as portas 82

^

7 -»-r A

vi.

p(

Itl

Pag.

CAPITUI-0 XXI Das rondas e patrulhas 82

» XXII Do que deve fazer uma guarnição em

caso de fogo >

» XXIII Da subordinação 84

» XXIV Observações geraes respectivaa ás obri- gações dos coronéis, ou chefes de re- gimentos 86

« XXV Da paga dos otiiciaes novamente ereados para a infanteria. e dos (fficiaes infe- riores, soldados e artífices 87

» XXVI Dos artigos de guerra >

» XXVU Termo de juramento para os officiaes. . 106

Instrucçòes geraes »

Concíu.-^ào 107

Xotas do author :

1.» A respeito dos granadeiros 109

2.* » dos tambores 1 10

3.^ -> dos fogos 111

4.'' » da abreviação do manejo das armas 112

Decl.iraçào do author. >

Kotabene do editor , >

Sobre as qualidades moraes do exercito portuguez 9

Opinião de Link a respeito do dueilo 11

Memoria do conde de Lippe sobre a defeza do reino »

Demasiada confiança nos seus artilheiros 14

Brinde que lhe fez el-rei D. José i 16

General Dumouriez »

Intolerância religiosa attribuida aos portuguezes 19

Sobre a divisào do regimento 21

A respeito da força das companhias 22

Acerca dos quadrados da infanteria 48

Recommendaçào havida no acampamento de Tancos 53

Considerações importantes a respeito do art. 8.°4Í03 de guerra. 63

Marquez de Beccaria 70

Execução do coronel Gra veron 86

Distiniçào perante o código entre os officiaes e os outros mili- tares.' 88

Provocação dos superiores 91

Referencia curiosa ao forte da Graça junto de Elvas 92

A respeito da punição dos desertores 94

Espirito das reformas de Frederico ii 107

A respeito dos tambores, e sua importância (a) 110

Acerca das circumstancias moraes do exercito 113

Observações militares dirigidas ao marquez de Pombal, pelo

conde de Lippe, em 5 de setembro de 1764 115

Rigidez do conde de Lippe para com o nosso famoso geometra

José Anastácio da Cunha (a) 120

Extracto de uma carta do conde de Lippe ao marquez de Pom- bal em 9 de julho de 1774 129

> i t

> tt

n

mtwr «c^^íSKs.-

ERRATAS

ag. 4 Li

nh. 29

1782

1783

> 5

20

estão

aquellas

6

37

FrcHer

Fraser

» 15

42

diriffiasem-se tiros

dirigissem tiros

. 17

21

eram

foram

. 20

30

ou quando menos

e até mesmo

. 23

33

ligeiras

ligeiras e

» 29

34

servirem

servir

. 30

36

lhes

lh'08

. 32

23

continências

continência

. 47

12

para o executar

para executar

. 50

41

lhes incumbe

lhe incumbe

. 59

11

CAPÍTULO XIV

CAPITULO IX

» > 1

> 13

e nos do

e noa de

. 60

40

revelariam

revelaram

. 61

5

providenceie

providenceiem

. 63

30

assassinado

assassino

> 66

29

estabelecem

estabelece

» 71

14

que as quizerem

que 0 quizerem

. 80

9

á antiguidade

da antiguidade

» 89

22

fuga mas

fuga, mas

» »

25

imminente

eminente

. 95

14

bom que o

bom 0 que

^zP^"-^

Pag.

CAPITUI.O XXI Das rondas e patrulhas 82

» XXII Do que deve fazer uma guarnição em

caso do fogo >

» XXIII Da subordiíiiiçào 84

» XXIV Observações geraes respectivaa ás obri- gações dos coronéis, ou chefes de re- gimentos 86

» XXV Da paga do? ottieiaes novamente ereados para a infanteria, e dos (fficiaes infe- riores, soldados e artifiees 87

> XXVI Dos artigos de guerra »

» XXVII Termo de juramento para os officiaes. . 106

Instrucçòes geraes »

Conchi^ào 107

Xotas do author :

1.» A respeito dos granadeiros 109

2.* » dos tambores ! 10

3." » dos fogos 111

4." » da abreviação do manejo das armas 112

Declaração do author. . »

Xotabone do editor , »

IMOTAS

Sobre as qualidades moraes do exercito portuguez 9

Opinião de Link a respeito do duello 11

Memoria do conde de Lippe sobre a defeza do reino

Demasiada fontiauça nos seus artilheiros 14

Brinde que lhe fez el-rei D. José i 16

General Dumouriez »

Intolerância religiosa attribuida aos portuguezes 19

Sobre a divisão do regimento 21

A respeito da força das companhias 22

Acerca dos quadrados da infanteria , . . 48

Recommendaçào havida no acampamento de Tancos 53

Considerações importantes a respeito do art. S.o^los de guerra. 63

Marquez de Beccaria 70

Execução do coronel Graveron 86

Distineçào perante o código entre os officiaes e os outros mili- tares 88

Provocação dos superiores 91

Referencia curiosa ao forte da Graça junto de Elvas 92

A respeito da punição dos desertores 94

Espirito das reformas de Frederico u 107

A respeito dos tambores, e sua importância (a) 110

Acerca das circumstaucias moraes do exercito 113

Observações militares dirigidas ao marquez de Pombal, pelo

conde de Lippe, em 5 de setembro de 1764 115

Rigidez do conde de Lippe para com o nosso famoso geometra

José Anastácio da Cunha (a) 120

Extracto de uma carta do conde de Lippe ao marquez de Pom- bal em 9 de julho de 1774 129

ERRATAS

Pag. 4 Linh. 29 1782 1783

5 > 20 estão aquellas

6 » 37 Freser Fraser 15 » 42 dirigissem-se tiros dirigissem tiros 17 » 21 eram foram 20 » 30 ou quando menos e até mesmo 23 » 33 ligeiras ligeiras e

29 » 34 servirem servir

30 > 36 lhes lh'oa 32 > 23 continências continência 47 » 12 para o executar para executar 50 » 41 lhes incumbe lhe incumbe

59 . 11 CAPITULO XIV CAPITULO IX > » 13 e nos do e nos de

60 í 40 revelariam revelaram

61 » 5 providenceie providenceiem 63 30 assassinado ' assassino 66 » 29 estabelecem estabelece 71 » 14 que as quizerem que o quizerem 80 » 9 á antiguidade da antiguidade 89 > 22 fuga mas fuga, mas

» » 25 imminente eminente

95 > 14 bom que o bom o que

PLEASE DO NOT REMOVE CARDS OR SLIPS FROM THIS POCKET

UNIVERSITY OF TORONTO LIBRARY

UD Alguns factos militares por- 249 tuguezes no século XVIII A7

líz o

"o T-

z

-^U-

>

_l

^=5

o

(/) T^

Q

=^=>-

^m

«

= 00 <=>

UJ

!=(1

h-=

^

^^

==< ^

CT>

'^

O CT)

I