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1876

MARÇO

P. I.

ENSAIOS

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SCIENCIA

POR

DIYEESOS AMADORES

APONTAMENTOS SOBRE O ABaSEÊNGA 1

OS SAMBAQUIS 79

ANTIGUIDADES DO AMAZONAS 91

RIO DE JANEIRO

BROWN & EVARISTO, EDITORES 53 Rua da Quitanda 53

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Sexiior

' Tomamos a liberdade de offerecer á Vossa Magestade Imperial estes opúsculos,, dados á luz com o intuito de tornar conhecidos alguns estu- dos, feitos em horas vagas dos labores obrigató- rios, e ousamos esperar vénia para inscrevermos na nossa dedicatória o Augusto Nome de Vossa Magestade Imperial.

E o tributo de homenagem devido, não ao primeiro cidadão collocado no fastigio da hie- rarchia social, mas ao cultor das sciencias e das lettras, protector de toda e qualquer ideia útil ao engrandecimento da pátria, e propugnador do progresso, quer material, quer moral e intellectual do vasto Império sul-americano.

liiiillieime Scliiicli tic Capanenia. Baptista Caetano dW. iNogueira. JdiKi Baihnza Rndrioues.

SUA MAGESTADE IMPERIAL

O SENHOR D, PEDRO 11

COM VEMA

são oITerccidos c dedicados eslcs Ensaios.

A.OS que lêrera

A presente publicação é um ensaio sem pretenção alguma, com o fim único de reunir e aproveitar trabalhos feitos em horas vagas, como mero passa-tempo; muitos dentre elles nem mesmo poderão ser limados convenientemente.

Irão apparecendo sem regularidade, porque frequentemente acon- tecerá haver escassez de tempo para coordenar e ligar material espalhado, para completar uma ou outra cousa, até mesmo para rever o escripto.

Estes trabalhos não têm períodos certos, nada têm de obrigatório e sahirão á luz quando houver matéria para completar o folheto. Por isso mesmo não podem adimittir-se assignaturas e a publicação é supportada pelos contribuintes de combinação com os editores que os põem á disposição de quem por elles se interessar no mercado.

Nestes Ensaios pôde alguma cousa haver de bom, porque são estudos de observação, descriminação de factos confundidos, ou mal interpretados, e investigação de novos. Acceitamos coUaboração de outros amadores, mas recusamos tudo quanto fòr pura e simples reproducção de leitura.

Em taes condicções seria conveniente apresentar os estudos á um |ato circulo de leitores que os podessem julgar, visto que no Brasil é ainda muito resumido o numero dos que se occupam com taes investigações ; isto, porém, obrigar-nos-ia á escrever em lingua es- tranha, e incorreríamos em falta grave que muitas vezes temos cen- surado ; poucos são aqueljes que procuram enraizar sciencia no Brasil"

Sacrificamos a opportunidado de adquirir alguma nomeada fora, ao desejo de localisar a sciencia no torrão natal, de nacionalisal-a, lembrando-nos das palavras de Agassiz :

« As producções intellectuaes de um cidadão não são de sua propriedade, pertencem á pátria. »

Ha nisso alguma vaidade, que talvez não seja proveitosa á nós, porém, aos piratas scientificos que se prevalecem da circumstancia de ser pouco conhecida a lingua portugueza, para nos defraudarem dos nossos pequenos achados.

Se por ventura encontrarmos quem nos acompanhe no terreno que pisamos, teremos até prestado um serviço em abrir caminho.

D'entre os nossos patrícios são poucos os que tém os conheci- mentos fundamentaes necessários para se entregarem ao estudo da sciencia como distracção nas horas que não são destinadas á aqui- sição do pão; desejamos que muitos outros a adquiram, pois está apto á saborear o prazer da sciencia quem á ella se entrega por gosto, quem passarem-se horas seguidas sem enfado, occupado com algumas hervas, algumas amostras de pedras, com o microscópio armado sobre um bahú, estudando alguma alga, musgo ou lichen, arranchado debaixo de uma coberta de sapé ou de guaricanga, longe da civilisação. O que ama a sciencia prefere ás palestras dos salões o mauari do sertão onde com uma pasta sobre os joelhos e um lápis pinta ou descreve os mimos da natureza.

Aos amigos da litteratura ligeira é desconhecido o prazer de conversar com os matutos e de colher do povo dos nossos sertões noticias miúdas sobre usos e propriedades de plantas, indagando a significação de palavras de uma lingua pi estes á esvaecer-se com os últimos descendentes dos que a fallavam, e que nós viemos supplantar e aprendendo tantas cousas interessantes com os roceiros, esses bons observadores.

-(>OÍ:^0-&-

APONTAMENTOS

SOBRE O

lainbpm íliarnado

GUARANI OU TUPI

ou

Língua Geral dos Brasis

F»rimeiro Opiisctilo

Prolegomeno.

Oilhographia e prosódia.

Metapla^mos.

Adveitenria com um extracto de Laet.

PROLEGOMENO

Não ha ainda muito tempo que no Brasil tiulia-se o TUPI na conta de ling-ua diífe rente do guarani.

Hoje mesmo por pequenas differenças de pronun- ciação e por se acharem aqui vocábulos que não são usados acolá, querem difíerençar tupi austral de TUPI BOREAL e levauí talvez adiante a subdivisão ima- g'inando um tupi oriental, outro central, etc.

Procedendo por esta maneira também poder-se-hia differençar portug-uez fallado em Portug-al, de ];ortu- g'uez fallado no Brasil, e este em ling-ua de paraense, de carioca, de mineiro, de paulista, etc. Porque na realidade o guarani não se differenca do tupi senão t:\uto quanto o porfcug-uez fallado pelos nascidos na Europa differe daquelle que falla-se no império ame- ricano.

Se assim acontece em relação ao guarani e ao TUPI que são uma e a mesma cousa, não será mais de estranhar que levassem á mais de milhar o nu- mero das lingMias americanas, multiplicando-as sem critério nem exame, e fazendo de couta que cada tribu

que se encontrava com um nome diíferente, também tinha a sua ling-ua diversa. Applicando ao portug-uez esse processo podia-se dividir a ling'ua fallada no im- pério, não em tantas quantas sao as provincias ou outras circumscripçOes territoriaes, mas ainda em lin- g'uas dos Gonsalos, dos Mottas, dos Albuquerques, dos Souzas, seg^undo os nomes das familias.

Os trabalhos monumentaes que os sábios investig-a- dores dos seg-redos da ling-uag-em tem executado nos tempos modernos protestam contra este systema ou antes mania de multiplicar inconsideradamente as lin-

g-uas.

E tal é a valentia e profundeza desses trabalhos que não é o parentesco do espanhol e do portug-uez o que se investig-a e o que se demonstra.

O portug"uez, o espanhol, o italiano, o provençal, o francez e o valachio por muito diíferentes que sejam hoje em dia, embora seja diííicil que o que falia um desses idiomas possa perceber aquelle que falia outro qualquer dos co-irmãos, e lhe seja necessário aprender a ling-ua como inteiramente diíferente, estão hoje re- conhecidos como provindos da mesma orig-em, são considerados como pertencentes á ling-ua românica que se íilia á latina e á g-reg-a.

Ainda mais. Entre ling-uas inteiramente diíferentes confrontadas á primeira vista, como o allemão com qualquer das ling-uas românicas ou com o arménio, a investigadora sag-acidade dos sábios vai descobrir os laços de parentesco. Das ling-uas irmanadas em familias formam g-rupos, que são outros tantos ramos derivados de um tronco commum e á final cheg-am á constituir a g-rande arvore das ling-uas indo-g-erma- nicas á qual se filiam também o g-reg-o, o zend o sanskrit, etc.

o que acontece no mundo antig-o é n'a,tural que se também na America, porque a natureza não g-o.sta de excepções, e opera sempre em virtude de leis per- manentes e g-eraes. Perante um estudo consciencioso as milhares de ling-uas attribuidas á America têm de ser reduzidas á muito limitado numero, talvez filiadas ás do mundo antig-o, e á tronco quasi único.

O douto abbade Hervás no seu Cafaímjo de la>i Icn- guas, diz que não obstante ser gTande n numero e a diversidade dos idiomas fallados pelas nações indig'enas das duas Américas, á onze se reduziam as ling-uas priucipaes espalhadas pela maior parte do Novo Mundo. Destas onze, pertenciam á America do norte sete, de modo que vem á ser quatro as que predominaram na America do sul, as quaes são a araucana, a guarani, a KECHUA e a karibe.

Entre estas quatro liugnias, seg'undo Hervàs pre- dominantes na America meridional, se não puder-se aíiirmar em absoluto que existe alg"um parentesco e aíiinidade, pelo menos é licito dizer-se que dá-se muita counexão no modo de formar e construir a phrase ; e que ellas estiveram em estreito contacto umas com as outras deprehende-se do facto de se achar não peque- no numero de vocábulos e dicções communs á todas, ou pelo menos commuHS á duas.

Alcide d"Orbig'ny identifica o caraiba com o gua- rani, e citando o tesoro de la lengua guarani, de íjuarini guerreiro faz derivar guarani, galibi, garibi, Caribe e caraiba, e reputa esses nomes apenas corru- pções do primeiro.

O caraiba por ter alg-uns sons inteiramente diver- sos dos do guarani e por lhe faltarem outros que exis- tem nesta lingua não se poderá considerar á rigor dialecto delle, mas é inneg-avel que tem parentesco

(1

com a chamada língua geral, que é talvez idioma co- irmão ; pelo mais perfiinctorio exame das duas ling-uas conclue-se que as tribus que as fallavam tiveram es- treitos contactos, em paz ou em guerra, o que confir- mam as tradicçOes dos primitivos Íncolas, e as noticias que foram dadas por diversos exploradores principal- mente dos primeiros tempos da descoberta.

É sig-nificativo este nome de caraiba ou cauibe que se encontra por toda a parte não na America do sul, mas até na do norte, com diversas variantes mas conservando os vestígios do radical e mantendo signiíicaçOes correlatas. O radical luira corre parelhas com os vocábulos da lingua geral, tab, tupi, tamõi, tupã, gua, guaij, guaua, para, que semelhantemente se acham diífundidos por toda a parte, denunciando apezar dos pezares, uma communidade de origem ou pelo menos relações intimas das differentes gentes que possuem esses vocábulos no seu idioma.

Na republica jesuítica das Missões karaib desig- nava em geral o homem branco, e applicaram-no aos europeus. Ainda hoje no Paragniay designam os des- cendentes de Índios ou Índias puros por abá e os brancos, os europeus por kami. Ao presidente da re- publica, aos generaes, etc, dão o tratamento de xe- karal-guasú meu grão senhor, e mesmo no tratamento civil dirigem-se ás pessoas g"radas com o xe-karaí mcii senhor. Os restos de omaguas e tupis que ainda andam errantes nas margens do Amazonas e seus tri- butários em vez de xe-karai dizem hoje xe-iara ; mas agora mesmo chamam ao homem branco cariua. Em tempos anteriores os tupis da costa serviam-se do termo karaib para designar consa cxcellenie, enie superior, por kiraiba eram conhecidos uns profetas ou sacerdotes de caracter mais elevado que o paijé, e logo no começo

quando os primeiros catecliistas eoineçaram ;i preg'ação de doutrina ua língua geral designiaram os anjos por harai-bêbc (enie superior volanli').

Como se vio filia-se á este vocábulo o nome dos GALiBis e CARiBEs, isto é, O nouie mais g*eral das tribus de Tierra-ftrme, das Guyanas e das ilhas do golpho Mexicano.

Em KECHiA não se acha a expressão karaib, mas acha-se ccari vaiiio, \aroiiil, o que não deixa de ter importância em parallelo com hard-kaní-retama que António Ruiz no tesoro para desig-nar-se o Peni em lingnia de parag-uayo. Litteralmente kará-kará- retama não se pôde interpretar senão por pafriti dox eftforrados, pah dos guerreiros. Parece que os que falla- vam a língua geral chamando ao homem branco karaib e ao Peni kará-relama, entendiam que dalli (laquei las altíssimas montanhas tinha descido alg-um ])oro de côr branca, esforçado, destro e hábil, pois h;i também no tesoro do Padre Ruiz o adjectivo karár, que quer dizer liahil (vcrsutus, peritas e mesmo sapiens).

Importa ainda ver que ccúra em kechua desig'na (lar (Ic coiiKM', donde vem ccarak cl (jiio de comei' (suppeditator . conridator, hospes e mais amplificado pater- familias.j o que lembra o Moussacat que Lery de- íine le bon père de famille ([ui danne à manger aux pus- suiis. Por um lado ou por r)utro póde-se pois cheg-ar ao vocábulo karaib bocabío con qiif linnraron d sus hecJiiseros universalmente ij asi lo applicaron d los espa - íioles u muij impropriamente (d noiíihri' rliristl-ino ij d cosas benditas, diz António Ruiz.

Em ARAUCAXO apparece cara pueblo. fuerle, riudade (calepino de Febres), e admittindo por um instante que com um termo estrang-eiro se construa uni vocábulo

.

s

próprio (o que não é raro/ íicaria litteralmente em língua geral : kara-ijb iiibis diix, oppidi magisler.

Assim, nas quatro lingnias principaes da America do sul apresenta-se esse vocábulo mais ou menos re conhecivel nas suas transformações, desig-nando o mesmo predicado de eniinciicia, cousa saliente, ou iniportanie. Não fica ahi. O abbade Brasseur de Bourbourg- na sua Dissertation sur les Mythes de tAntiquité Americaine, fallando dos g-uerreiros caraibas, que elle suppõe ori- ginários da America do norte, e invasores da do sul pelo istbmo de Panamá, nota que os caramari de Car- thag-ena g-abavam-se de pertencer á valente raça dos cara'/baíf, e mais adiante observa que ficaram subsis- tindo por muitas partes as denominações cara, cari, coro, cali, etc. Elle cita Rocliefort que caribe sig'ni- ficando guerreiro, e observa que cará no sul orig-ina- riamente era como que um titulo honorifico que se oiitorg-ava aos chefes que se tinham distinguido por acção de brilho, e accrescenta que nesse nome, qne sig^nificava para elles o homem por excellencia, mani- festava-se o org-ullío de uma raça poderosa e bellicosa. Mas tornemos ao que importa sobre a g-enerali- dade da ling-ua falhula pelo maior numero de Índios do Brasil e do Parag-uay.

Das quatro lingnias que predominaram na America do sul, a que se propagou por maior extensão terri- torial, a qne era entendida e fallada por sobre mais de duus terços da superfície do continente meridional, é aquella que íbi denominada com toda a razão língua GERAL e que se desig"na ora por guarani, ora por tupi, e que com f) íiin de al)rang-er ambas com os dialectos, quaesquer que linja, delias derivados, será chamada nestes opúsculos ])elo nome de abaneènga ; tal é a de- nominação que lhe dão os parag'uayos, os quaes ainda

o

hoje a faliam se bem que mui lo deteriorada pelo esquecimento da antig-a construcçao e pela iutroducçao não de vocábulos, mas de phrases á espanhola, que demudaram quasi completamente a sua syntaxe e lhe deram um torneio inteiramente avesso á sua Índole.

Que esta ling"ua foi a fallada em maior extensão territorial da America do sul, é cousa reconhecida por diversos escriptores. É interessante e dispensa mais long-as citações o pequeno todo de transcripçOes feitas pelo Sr. Júlio Platzmann na reimpressão que fez da g-rammatica do Padre Anchieta, onde se quanto era antig-a esta opinião. Da extensão dessa ling'ua tinham fallado em tempos muitos antig'os o Padre António Ruiz de Montoya e outros; foi reco- nhecido em tempos posteriores pelo autor do Sarjíjio di Storia Americana e pelo erudito Hervás, e em tempos mais modernos o confirmam Alcide d^Orbig-u}- e outros escriptores. Citam-se, em diversos auctores e se me não engano também no Vhomme Americain de Alcide d'Orbig"ny, palavras de John Luccok dizendo que esta ling-ua era fallada na America do norte.

Na mesma Revista do Instituto Histórico estão im- pressos trabalhos, nos quaes se reconhece o extenso dominio dess:i ling-ua chamada gerai no Brasil, e o seu parentesco com aquella que fallavam os povos das missões do Parag-uay e da Guayrà.

De um curioso escripto de 1584 daJo á luz no 6.° tomo da Rerisia vê-se que «todo o g-entio da co^ta que também se derrama mais de 200 leg-aas pelo sertão e os mesmos carijós que pelo sertão cheg-am até as serras do Peru tem uma mesma ling-iia que é g-randissimo bem para sua conversão».

Alcide d'Orbig-ny foi deparar rom g-iiarayos, sirio-

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nos, e ehirigniaiios fallanndo n lixcua (tEral no centro da Bolivia, circunidados de chiquitos, moxos, kechuas e ayinaras que fallavam línguas differentes. O omagua é dialecto da lixgua geral e talvez nem simplesmente dialecto, talvez a mesma cousa que tupi e guarani, isto é, differencdndo-se apenas ura do outro como o fallar de uma província do de outra.

Eis alg-umas palavras de Hervás que vem á pro- pósito:

(( Da lin.yua Oinagua é necessário discorrer separadamente, por- que neila se acha documento claro da tenacidade que as nações americanas têm em conservar o seu idioma nativo. No cotejo que fiz (las palavras dos idiomas [luarani, omagua e tupi adverti clara- mente a sua afinidade, e que as nações que os faliam, tinham origem communi ; sobre o que íiz algumas investigações. O abbade Velasco julga que seja omagua a estirpe destas nações e outras que se acham dispersas pelo novo reino de Granada e por outros paizes, cuja ex- tensão é de mil e quinhentas léguas, e em que se faliam linguas de clara afinidade com o guarani e omagua. Velasco escreve-me de Faenza em 14 de Fevereiro de 1787.

« Os umaguas crèm-se superior ^>s aos outros indios americanos ; tem-se por gente distincta e nobre e como nação deste caracter se reconhece entre as outras nações do Maranon. O seu idioma é dos melhores da America meridional, na qual poucas nações se acham tão numerosas como a omagua. Sabe-se que esta nos seus costumes, e talvez também no idioma concorda com os guaranis muito á sul ; ella concorda também com a nação agua do novo reino de Granada, dispersa pelas planuras do Orinoco, e pela província de Venezuela da linha equinoccial para norte: concorda também com a tuiA, nu- merosa na província do Pará e em vários paizes do Brazil, e princi- palmente concorda com a nação do rio Tocantins á 5" lat. S. e á 3?õo long. N"um dos paizes do Maranon pertencente ás missões que tinham os jesuítas e estão situados á i" de lat. meridional e SOò» de long. havia um formigueiro de indios omaguas; pois o padre Gaspar Cuxía em 16 Í5, quando com elles estabeleceu a paz, achou quinze mil omaguas nas ilhas do rio Maranon, sem contar os que liavía no rio Yurum ( chamado também Yurua) onde estão os indios yurimaguas. O padre Samuel Frilz chegou A fundar trinta e três po-

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voações de omaguas e yurimaguas, tão numerosa era a nação Omagua E onde se achará a sua origem ou estirpe ? Os omaguas do reimi de Quito dizem que se deve achar no Maraiion, e que muitas tribus de sua nação ao verem as barcas dos primeiros espanhòes enviadas por Gonzalo Pizarro, tugiram para as terras baixas do Maranon, para os rios Negro e Tocantins, para o Orinoco e outros paizes do novo reino de (iranada. Candamine que observou attentamente a nação omagua na sua viajem pelo Maranon, conjectura que ella antiga- mente formava uma monarchia ou soberania por perto do Orinoco, e que ao entrarem os primeiros espanhòes, fugio e derramou-se por di- versos paizes. Não me atrevo á approvaresta conjectura que me parece arbitraria ; o certo é que acha-se pelo menos a extensão de 70 gráos entre o guaranis, os focantinos, os omaguas do Pará, do Orinoco, de Venezuela, e do Marafion de Quito.»

« Até aqui Velasco que foi missionário no reino de Quito ; na Itália, depois que alli chegou com os jesuilas espanhòes, elle impri- mio um diccionario da America meridional ém que suppõe a exis- tência de muitos dialectos do omagua.

« Gamano julga os omaguas descendentes dos guaranis \ por- que ainda que entre o^ omaguas e os verdadeiros guaranis (que são os paraguayos, os do Pará, os tupis, os uruguayos, os guaranis, etc, se interponha um cháos de nações de idiomas diversos, com tudo por acharera-se os verdadeiros guaranis estendidos desde o Brazil até Cayena, parece que dos guaranis do Brasil devem provir os omaguas que se achavam no Maranon entre os rios Napo e Yurum. Na historia do .Maranon, illustrada pelo padre Manuel Rodrigues, acha-se uma excellente discripção da provincia dos omaguas que fallavam dialecto do guarani.

« Parece pois probabilissimo que todas as nações, que faliam dialecto do guarani, descendam dos guaranis do Paraguay ou dos tupis do Brasil (que também são guara>iis,. As línguas guarani do- Paraguay e tuin do Brasil não são menos semelhantes que a espa- nhola e a portugueza entre si. Estas duas línguas tem o caracter da maior antiguidade, porque uma mesma palavra com accentos diversos, pronunciado em r,c.\R.vxv e em omagla tem differenles significações como succede na lingua china e outras. A omagua falta a grande perfeição grammatical do guarani e isto parece indicar que desta seja dialecto a lingua omagua: assim o latim, dialecto do grego, tem menos perfeição grammatical que esta ; as linguas portugueza, espanhola, franceza, italiana e valaca são dialectos da latina e menos perfeitas que estas no artificio grammatical ; e o mesmo succede aos

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dialectos teutonicos com respeito ao allenião de que provém. As nações que faliam o gtiarani, occupam grandíssima extensão nas costas de Brasil e nos paizes mediterrâneos ; o foram e são actualmente mais numerosas que as que faliam o oníagua ; mas os omaguas tem-se achado nas ilhas do rio Maranon e nas suas margens ; isto certamente faz conhecer que são tribus provenientes e separadas dos guaranis e . que por meio da navegação estabeleceram-se em umas partes, cm outras.

« As nações insulares provém das do continente.... e os caribes do golpho do México provém do continente da America. Os omaguas são os phenicios da America porque, segundo as historias das missões dos jesuítas, e a asserção dos missionários ainda vivos, elles tem sido sempre homens de grande habilidade para a navegação.

« Com a lingua omagua tem affinidade as linguas jurimagtia, payagua, yagua, cocama (como os seus dialectos rocamillo e huebo) a lingua yete (fallada por uma nação barbara das ribas do Napo no paiz dos encabellados) e talvez outras linguas de nações pouco conhecidas.»

Á esta citação que nos mostra o abaxeènga á estender- se para as bandas do noroeste com a deno- minação de OMAGUA, é bem cabido ajuntar outra de x\lcide d'Orbig'ny. Diz elle :

« Se quizermos lançar uma vista dolhos sobre a synonimia dos guaranis, sobre os nomes que tinham no tempo da conquista e tem ainda hoje as suas diversas tribus, pasmar-nos-ha o seu numero, e um volume de investigações mal bastaria para discutir todas cilas convenientemente ; porque a mesma tribu, mudando de lugar ou de chefe, mudava ao mesmo tempo de denominação ; dahi essa immensa quantidade de nações que se pretendem extinctas; de- pois cada historiador conforme a maneira como tinha ouvido o nome, conforme a orthographia que lhe dava, creava também nomes novos, que os compiladores reproduziam copiando-os sem critica, ate mesmo adulterando-os e abrindo assim nova fonte de erros. De outro lado os hespanhòes, os portuguezes, os francezes, os inglezes e os hoUan. dezes, cada qual com seu modo de escrever conforme o génio da própria lingua, apresentavam as mesmas denominações sob forma dif- ferente, o que as mutiplicava gratuitamente. A melhor prova que disso poderemos dar é a compilação, aliás bóa, que fez Warden na arte cln reripcar ns rlnfas em que para o Urasil indica 387 nações....'

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« Acreditamos não exagerar estabelecendo, depois de examinar a origem desses nomes de nações, que mais de 400 devem pertencer á ijuaruni, mencionando apenas tribus cujos nomes foram adulterados pela orthographia. »

Dando em seguida uma breve synonimia elle men- ciona Araclianes, no Rio-Grande do Snl ; Mbeg'uas e Timbués, no Baradero : Caracarás, abaixo de Santa-Fé ; Tapes, em Missiones; Cariós, no Paragiiav; Guayanas, ao da g-rande cascata do Paraná ; Guarayos, Sirio- nos e Cbirig-uanos na Bolivia.

O mesmo abbade Hervás, citadf». tractando dos Índios do Brasil e enumerando us (jne fallavam tupi adstring-e-se ás noticias dadas pelos es&riptores portu- g-uezes como Simão de Vasconcellos, etc, confirmados' ^ por outros de nacionalidade diversa. Como pertencentes ao ramo tupi ou tapi elle enumera tapes, carijós, ta- MOYOS, tupinacos, temiminós, tobaiáres, tupinambás,

TUPINAÊS, AMOYPIRAS, YBYRAIARAS, CAETÉS, POTIGUARES,

paraíbas, apantos, tupiguaes, araboyares, rarigoares e TOCANTixos. É uma lista de nomes que não tem maior importância, log'o que pertencem á língua geral, são susceptíveis de explicação neila e que principalmente ning-uem contesta serem denominações de diversas tri- bus TUPIS, isto é, que fallavam a mesma ling-ua. De passag-em apenas note-se que por tupinambás costumam os auctores desig-nar especialmente os da Babia, en- tretanto que essa denominação parece ser g-eral, e cada tribu se apropriava delia no seu tracto com os euro- peos. Os tamoyos do Rio de Janeiro deram-se á Ler}- por tupinambás; o mesmo fizeram os do Espirito Santo, os do Maranhão, etc, e assim vè-se que é erro denomi- nar-se de tupinambá unicamente a g-ente que habita- va no recôncavo da Babia. Os tupinambás do Ama- zonas, dizem, eram os restos dos tamoyos vencidos

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no Rio de Janeiro que se internaram e foragidos fo- ram dar com sig'o no Amazonas; e porqne não seriam outros TUPis, visto que tupis eram tantas tribus es- parsas por todo o Brasil ? e como é que os restos dos TAMOYOS é que puderam atravessar tantas cente- nas de leg'ua.=!, sem serem completamente extermina- dos por g"entes contrarias ? ,o caminho que seg^uiram era inteiramente despovoado ? Os omàguas da Bolívia, Peru e Nova Granada não eram o mesmo que tupis E GUARANIS? 6 não SC davauí também por tupinam- BÁs, donos da terr.i.

Isto induz á procurar a interpretação do nome tupinambá. Em outro opúsculo tracta-se disto mais desenvolvidamente, e aqui cabe quando muito uma observação.

E" possivel traduzir tupinambá, ainda que com al- g"uma difficuldade, por geiíle da lerra (finimn gens, vel, locorum incolae), resposta natural á uma perg'unta qui- nam e.síis, formulada pelos europeus no Rio de Janeiro, na Bahia, etc, e respondida por Índios pertencentes á mesma familia.

Deixando de parte estas tribus que ninguém con- testa serem da mesma familia, os auctores mencionam g-rande numero de outras inteiramente diversas, e que fallavam idiomas sem parentesco alg-um com a língua GERAL e nem mesmo entre si. No Catalogo dt las len- guas Hervás enumera não menos de 51 ling-uas ou nações mencionadas pelos escriptores portag"uezes como differentes.

Àlcide d'Orbig-ny, depois de declarar que pouco conhece os brasis, pois na sua viag-em apenas vira um botocudo, etc, referindo-se ás íig-uras e descripçOes que vira nas obras de Spix e Martins, de Neuwied, de Rug"endas e de Debret classifica-os todos no ramo

UKASiLio - GiAiíAM , íitteutos OS camcteres i)liysiol(j-

g'icos.

Se pois pelos Cciracteres etlinogTapliicos todos os BRASIS podem-se considerar como pertencentes á mes- ma raça, mais ou menos misturada aqui e acolá com g-entes de orig-era diíferente (kechuas ? chilenos?), resta apenas saber se realmente a diversidade das lin- gTias é tão grande, como dizem, resta averig'uar e as- sentar quaes eram essas ling'uas. Alii os dados são mais que parcos. Afora do que existe acerca de língua GERAL o mais cifra-se em alg-uns róes de nomes, que não podem auctorisar illação de espécie alguma. Se nestas listas de nomes ao menos houvesse algumas phrases, que supjírissem á falta de grammatica, como se no vocabulário caraiba de Padre Raymond ainda bem ; mas nem isso. Xo seu Glossaria Unguarum bra- sillensium Martins reunio a maior parte (não todas) das listas de nomes que encontram-se em diversas viagens e noticias do Brasil. Mas o que fazer com essas listas, cujas nomenclaturas são escriptas.Deos sabe como, e cuja pronunciação é a mais duvidosa possivel"? Se o abaneèn- GA escripto por portuguezes (tupi) tem-se por diflferente do ABANEÈXGA cscripto por cspaiihóes (guarani) e nem combina com o que escreve Lery, como interpretar essas nomenclaturas, com cuja orthcgrapliia podem produzir-se os sons mais differentes conforme forem pronunciados?

Entretanto prestando-se alguma attenção e levan- do-se até onde é possível a comparação acha-se que a diversidade não é tãD g-rande como parecia á primeira vista. setenta róes compilados no Glossaria exceptuados os tupis, e os do Brasil septentrional ou das Guyanas. Nestas setenta nomenclaturas não é pouco achar alguns vocábulos communs á muitas e, o que é mais,

l(i

commiius ora ao araucano, ora ao KECHUA,ora ao mes- mo ABANEÊNGA. O que se conclue daqui ? que a g-rau- de variedade de linguas em ultima analyse se reduz á nada, pode ser explicada pela simples deg^eneracao dialéctica tão perfeitamente estabelecida pelos mestres da sciencia da liug"uag'em, e que finalmente os milha- res de lingMias attribuidas á America do snl se reduzem ás quatro principaes que estabeleceu Hervás, as quaes talvez ainda se reduzam á duas o ABAísEÊNGAe o aymara, de cuja mistura, fusão, amalg-amamento, dissolução e refusão em diversas epochas resultaram o kechua, o ARAUCANO, 0 CARAiBA c OS uumerosos idiomas e dia- lectos que dalii provieram.

Dirão de certo que não é poss'ivel por exemplo confundir TAPUIAS e aimorés com g"entes da raça tupi, que são muito g-randes as diíferenças, etc. Em todo o caso, porém, sobresalie o facto mais g"eral, isto é, que as tribus americanas inquestionavelmente se diíferen- çam menos umas das outras do que cada uma delias da africana ou da caucasica. Esta questão porém per- tence á antliropologia, e não é licito em ligeiros opúsculos escriptos com fim muito limitado, aventar questões de outra ordem e que demandam conheci- mentos especiaes e profundos.

Não se trata aqui propriamente da questão ethno- g-raphica. Não se discute se os Índios que fallavam a grande língua gimíai. eram autochtones ou pelo menos dos mais antig"0s habitadores do paiz, se vieram ou não de outra reg-ião, atravessando mares com escala por ilhas, ou percorrendo continentes. Averigua-se e esta- tue-se apenas um facto : a generalidade de uma lingua que esteudeu u seu dominio por uuia vastissima ex- tensão de terras e com a qual tem mais ou menos affini- dade grande numero das linguas chamadas americanas.

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Assim pois o ABANEÍíNGA, a ling'iia g-eral doiule pro- cederam o GUARANI, o TUPI, O OMAGUA COlll OS SeUS Va-

riados dialectos nas bacias do Amazonas e do Prata, o

CHIRI GUANO, o GUARAYO, 0 CAYUÁ, O APIACÁ nOS mattOS

gTOSsos e nas campanhas do interior e talvez o kiriri, O KARiRi e outros nos sertões do Ceará, Pernambuco, Bahia, estendeu o seu dominio, pode-se dizer, desde o g-olpho de Darien, ao do isthmo de Panamá, até as boccas do Rio da Prata e desde a encosta oriental da g-rande cordilheira Americana até o cabo mais avan- çado da costa do Brazil, que penetra pelo Atlântico á frontear com a Africa. Parece que das cabeceiras donde nascem os ing-entes rios, também defluiram as tribus dessa dilatada raça de aborig-enes que se derra- maram por toda a parte á leste dos Andes. D'aquelle núcleo central, onde está a mãi d'agua, d'aquella Parasy {maris genitrix litteralmente), onde estão as nascentes dos g-randes rios, donde brotam os principaes afluen- tes dos dois colossos chamados Paraná, Maranã {a'fpiori fiímilia, SC. flumina ) é possível e crivei que também descessem as g-entes, cuja ling-ua foi fallada por toda a costa do Brasil desde o Rio da Prata, não até o Amazonas, mas ainda alem das boccas do Oyapock até Guayra, May nas e Cumana, e no interior das terras brasileiras, no Parag-uay, em parte mesmo do Chaco, no centro da Bolivia, nos limites do Peru, nas diver- sas cabeceiras dos affluentes do Amazonas e do Ore- noco.

Attento o vasto dominio desta ling"ua, derramada sobre tão considerável extensão territorial, pela maior parte pertencente ao império brasileiro, vê-se que foi muito bem cabida a desig-nfição de brasilio-guarani que lhe foi dada por Alcide d"Orbig-ny, tal e qual também fig-ura no mnppa ethnographico de Balbi. Com muita

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propriedade podia cliamar-se ainda o abaneènga, a ling'ua dos huasis, comprelieiidendo nesta desig*nação aquelles Índios que catecliisados pela companhia de Jesus em as suas aldeias constituíram as missões, a g-rande republica da companhia jesuítica; desmante- lado o domínio dos padres as antigas aldeias das Mis- sões em parte extínccas, íicarara pertencendo umas ao Parag-uay, outras ao Brasil e algumas á confederação Argjntíua.

Ainda mais. Se considerarem-se as intimas rela- ções e mesmo a fusão que se deu das gentes guaranis ou TUPIS e OMAGUAS com KARAiBAS, se roparar-se que a língua fallada pelos karaibas podia ser dialecto do ABANEÍíNGA maís OU meuos eivado de elementos estra- nhos, trazidos pela mistura de idiomas de outra pro- cedência e caracter; se refl(!Ctír-se que o karaiba de Terra firme apresenta mais traços de semelhança com o ABANEÊNGA, do que O KARAIBA fallado no archipelago das Antilhas, pode-se concluir que do abaneíínga proce- deu o karaiba ou pelo menos são oriundos do mesmo tronco e depois o karaiba alterando-se cada vez mais, tornou-se a linguagem dos karaibas das ilhas. Que esta foi a marcha das tribus confirman-no as tradições e o próprio Padre Raymond Breton no seu vocabulário ca- raira indica que os ferozes dominadores das ilhas, pro- cediam dos da chamada Terra-firme.

Sendo assim o dominio do abaneènga não se limi- tou á America do sul, propagou-se pelas ilhas do mar Antiliano, estendeu-se á Florida, dilatou-se pela costa para nordeste, e do outro lado, para oeste, chegou até as boccas do Mississipi, pois até ahi ha vestígios de passagem e estadia dos karaibas.

A denominação de língua geral, portanto, dada ao abaneènga (ou TUPI ou guarani) significava que essa

li)

ling'ua era aquella que era fallada e entendida por maior numero de tribus, esparramadas em uma vasta superfície. O kechuâ também foi chamado língua gkral DO PERU 6 com razão pois era a mais estendida e fallada no antig'0 império dos Incas. Do mesmo modo ainda houve outras na America do norte á que deram também o nome de língua geral.

Os parag-uayos como acima se disse ainda hoje dão o nome de abaneíí á ling-ua indig-ena, e cha- mam KARAiNEÍí ao espanhol, ao portug-uez e em g-eral ás ling'uas de europeus, abaneè quer dizer fallfi de Índio e karaineií, sig"niíica fall't de bran o. A elisão da syllaba final dizendo simplesmente abaneê está ventilada em outro lugar deste opúsculo.

E não é somente por ter dominado em vasta extensão territorial que tem summa importância o

ABÂNEÍiNGA.

« Não posso comprehender, diz x\zara, como é que a nação guarani sendo agrícola e por conseguinte pouco viajora, se estendeu de modo tão considerável e em tão grande numero, ao passo que todas as outras, mais vagabundas, achavam-se reduzidas á pequeno numero de indivíduos. »

Mas adiante diz o mesmo auctor :

« Cousa igualmente incomprehensivel paia mim r o modo como poude esteader-se a língua guaram pelo ímmenso território possuído pelos pertuguezes e francezes, e em parte do paiz que descrevo (as possesões espanholas) por entre meio de grande numero de hordas independentes quasi isoladas, e que não conheciam com- mercio algum e ainda menos o uso dos livros ; ao passo que vemos os governos de França e de Espanha, apczar dos seus

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esforços, das suas escolas, dos seus livros e dos seus meios de communicação, nunca poderem introduzir cm todas as suas pro- vindas o uso geral c exclusivo do espanhol e do francez. »

Essas palavras formam verdadeiro contraste com o que disse vou Martius, o emiueute botânico, à quem tanto deve o Brasil e que entretanto á respeito dos Índios e ainda mais á respeito das ling-uas por elles falladas emittio alg-umas proposições bastante erróneas.

O sábio naturalista allemão, entre outras opiniões menos justas á respeito dos brasis, diz que a língua GERAL dilatou-se tanto por influencia dos padres da companhia de Jesus, e chega á suppôr que ella é uma g-iria arranjada com o material dos vocábulos de uma ling-ua indígena com o fim de servir á catechese. Esta opinião tem largo curso, naturalmente determinado pelo prestigio do nome do sábio botânico.

Contradizem esta opinião todos os factos constan tes dos historiadores. Os padres jesuítas e assim também os franciscanos e outros, sempre que no de- sempenho de suas funcções de missionários, iam de- sencovar tribus nos sertões, a primeira cousa de que cuidavam era de estudar a língua fallada pelos sel- vagens, afim de poderem prega r-lhes a doutrina. É um dos principaes méritos das companhias religiosas o zelo, a fadiga immensa com que compuzeram gram- maticas e vocabulários dos idiomas das gentes que andaram catechisando, grainmaticas e vocabulários dos quaes alguns nem foram impressos, e outros, não obstante terem sido dados á luz, apenas são co- nhecidos de nome e de menção nas notícias bibliogra- phicas. Da língua dos chiquitos por exemplo pouco ou nada resta, entretanto d'Orbíguy noticia de um diccionario e d"uma grammatica bastante volumosos, manuscriptos, que elle poude obter na sua excursão

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pela Bolívia, que prometteu publicar na parte etlino- g-rapliica da sua g-rande obra, e de que até hoje não se tem outra noticia.

Se alg-uma vez os religiosos catechistas trataram de impor á gentes novas a lingua de que tinham g-rammatica e vocabulário, foi quando na visinhança de uma aldeia formada e desenvolvida apparecia, de algures, família differente, que elles tratavam de reduzir e amansar. Isto mesmo, porém, aconteceu raras vezes.

Sendo assim póde-se dahi concluir que o? padres da companhia tivessem tentado impor uma língua geral á todos os povos e aldeias que formaram no Brasil?

Uma cousa que mostra que os padres nem pensaram em impor língua de espécie alguma aos brasis, é que elles no principio empregavam todos os esforços para exprimir na língua indígena os mysterios e todas as cousas da religião, e procuravam traduzir todas as expressões do catechismo na própria língua dos índios. Para isso tiveram elles de forçar a ling-ua, obrigando-a á abs- tracções ainda impossíveis para o seu estado de desen- volvimento, torceram muitas vezes o sentido natural das dicções e á final alteraram até a estructura gram- matical, msttendo-lhe por via de regra pleonasmos inúteis, e procurando exprimir as cousas da religião por vocábulos e phrases de oito léguas, incomprehen- siveis talvez aos índios ou pelo menos extravagantes. Depois desistiram de exprimir essas cousas com termos tirados da língua indígena e procuraram encaixar nella -os mesmos termos do cathecismo adaptando-os á pronuncia dos índios, naturalisando-os no abaneènga. Assim chamaram á princípio á cniz ijbyra-joasá , ligiia iii\ifeiii liaiisversala ; e depois rurnusd nas missões

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portug-uezas, curuzú nas espanholas; aos anjos cha- maram kirai-bèbr e depois mesmo anjo apezar de ser este um composto de sons antipathicos ao modo de fallar dos Índios; k%niib foi adoptado pelos padres no principio para designar sanio, benlo, e assim de- signaram por fi'i)i(ly-kciraib os óleos saiilos, ij-karaib agua bcnia, a agua do baptismo. Para exprimir o verbo baplisar empregaram mowjaraibe tornar santo, tornar bento, (visto a significação dada á kiraib), mbo- jahú banhar, e Jaliú banhar-sc foi adoptado para baplisar-sc. Afora destes ainda fji empreg'ado o par- ticipio Jiobasúpyr rosto atravessado, ou encruzado, para de- signar o homem baptizado, o ehrislào ; entretanto os Ín- dios, não obstante a imposição e lição dos padres, empregaram outra expressão para dizer baptisar-se, e esta foi feroj tirar lora o nome, expressão que tem seus laivos de ironia patenteando que no pensar delles os Índios entendiam que baptinar-se não era tomar nome e sim perder o que tinham. Muitas outras expressões , adoptaram os padres á prin- cipio que depois substituíram pelos próprios vocábulos portuguezes ou espanhoes, e assim vê-se nos ca- thecísmos Espirito Santo, Purgatório, Paraíso, etc. Igreja designaram primeiro por tupãróg e tupãó(j e depois por igreja e iglesia ; ao inferno chamaram anã-retam pátria do diabo, tatá guasú apureijin fogo grande que não tem lim, etc, e depois inferno mesmo. A Virgem Senhora designaram de um modo realmente extrava- gante ou pelo menos irrisório dizendo Abá-bijko,gucr- eyma illa qnani mas nondnm lel'ebravit e posteriormente pelo mesmiO termo portuguez virgem. O verbo mongetá com o sentido de rogar á Deus, rezar, e o termo angaipab para designar peccado, são evide:itemente expressões forçadas e torcidas para exprimirem o que os padres queriam.

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Xo mais os padres concorreram para a prompta corrupção da ling-ua e mesmo precipitaram-na. Nas gTammaticas reconheceram os variados participios que chamaram substantivos verbaes ), notaram que tinham tempos, mas não viram que constituiam ver- dadeiros modos e nos catechismos construiram as phrases á maneira portug-ueza e espanhola, e ás vezes mais felizmente á latina. Nas g-ramuiaticas deram á perceber que no seu fallar próprio os Índios faziam o verbo-substantivo i nherente ás partículas pessoaes, e nos cathecismos empreg-aram o verbo ikó sei' no Brasil e o verbo in eslar ou estar sentado no Pa- rag'uay. Isto deu aos dialog-os de doutrina e ás rezas um phraseado prolixo e arrastado, qíie á primeira vista se differença daquelle que se acha nas phrases conservadas de uso quotidiano dos índios, o qual quasí sempre é de extrema concisão e g"raça.

E se tal fosse o seu propósito não seria mais na- tural que, em ultima analyse, quizessem impor e procurassem g-eneralisar o portug-uez ou espanhol, a ling-ua que fal lavam ?

Solemne protesto contra este pensar dá-se mesmo no Brasil pela simples existência dos dous catechismos dos Padres Mamiani e Frei Bernardo de Nantes. Este ultimo publicando o seu catechismo da ling-ua kariri, declara que o faz para facilitar o ensino dos catechu- menos em sua ling-ua própria, que diífere da kiriri de que havia g-rammatica e catechismo composto por Mamiani. Estes dous idiomas fallados por índios do rio S. Francisco e do sertão se bem que separados por distancia maior de 100 leg-uas, são summamente parecidos e ambos elles têm feitio de serem dialectos do ARANEÈXGA, muíto corrompídos pela introducção de vo- cábulos e phrases de outra procedência; não acha-se

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nelles relação immecliata com o galibi e outras das Guyanas, mas a constância de certos sons, estranhos ao ABANEÈNGA 6 que trocados pelos equivalentes nesta ling-ua demonstrara a sua procedência, induz á pro- curar analog-a derivação, se bem que com sons diversos para o galibi, patenteando que assim se po- deria também filiar ao abaneknga este ultimo idioma. Esta observação que occorre accidentalmente não pôde ser aqui desenvolvida porque along-aria demais este escripto.

O que fica bem assente é que em vez de inven- tarem uma ling-ua para imporem-n'a aos catechumenos, os padres tratavam de aprender todas aquellas que topavam e nellas escreviam livros de doutrina para uso das respectivas aldeias. É este o facto real não no Brasil, mas no Cliili, na Bolívia, no Peru, na Co- lumbia, etc.

Si o TUPI fosse inventiva dos padres jesuítas e não de facto a língua geral das hordas mais numerosas da America leste-austral não é possível explicar como é que o tupi é o mesmo guarani. Os padres kh- beville e Yves d^Evreux eram francezes e capuchinhos pregando no Maranham; Lery, também francez, po- rém calvinista, não pisou no Maranham e as noticias que escreveu são de Índios do Rio de Janeiro ; o padre Figueira, portug-uez e jesuíta, .''screveu a sua g-ram- raatica e fez, durante annos, serviços de catechese no Pará, e o padre António Raiz, também jesuíta, po- rém espanhol, escreveu o seu Tesoro no Paragiiay. Todos estes rais.sionarios vieram á America em tempos anteriores á meiados do século XVII; não era possí- vel a mínima combinação entre elles; cada qual es- creveu da^i cousas americanas á seu modo, com a orthog-rnphia usada na líng-iia pátria da Europa, pro-

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curando reproduzir nella com fidelidade os son.s da ling-ua estranha que ouviam dos Íncolas. Ora pois, se esta lingfua é a mesmissima, escripta apenas de diffe- rente modo, com orthog-raphia peculiar ao escriptor, não resta duvida de que tal ling-ua era a mesma espalhada por terras diversas, e é inteiramente g-ra- tuita a supposição de que foi obra dos padres jesuitas, como avançou Martins.

Outra idéa que teve muitos propug-nadores, entre os quaes também vou Martins, que foi combatida pelos illustres auctores do Brasil e Oceania, e dos Índios perante a historia, e ag-ora está de novo adquirindo vog-a ó a que suppGe todos os Índios do tempo da descoberta em um estado de barbaria tão g-rande, como aquella em que se acham os restos das tribus errantes nos sertões depois de três séculos de catechese, isto é, de persegniição á todo o transe. Uma das cousas que desmente esse pretendido estado de barbaria é a ling-ua; uma tal ou qual ag-ricultura, a preparação da farinha de mandioca e do kfnjui, a perícia de accender fog-o dispensando vestaes para conserva-lo, e outros usos ainda provam o contrario, e quem lêr com attenção as noticias deficientes, par-- cíalissímas dos christÃos, conquistadores da terra, re- conhecerá que estes pobres brutos hoje forag-idos pelos mattos, receíosos dos benefícios da catechese, re- duzidos á ultima deg-radação, em nada se parecem com aquelles homens crianças, expatisicos, alegres, que batiam os contrários na guerra, que mesmo devoravam os pri- sioneiros, mas em fim eram Jiomens como os pintam os Caminlia, Lery e outros ing-enuos narradores.

E assumpto que levaria long-e e que não cabe desenvolver n"um estudo que não passa de mero apon- tamento.

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Apenas fique consignado que é nm erro g-rave medireui-se os iudios do tempo da descoberta pela bi- tola dessas pobres malocas que boje andam corridas pelo sertão, que esqueceram a lingua, único monu- mento legado pelos antepassados, a qual ainda attesta que essas gentes não foram tão barbaras como a querem fazer aquelles, que vieram arrebatar-lbes as terras pátrias, a liberdade e a vida.

A existência da língua geral dominando em quasi toda a região cis-Andina é cousa de summa impor- tância e exprime um facto do mais alto interesse para o estudo das linguas americanas e para a etlmographia, isto é, que o tupi é o mesmo guarani e o omagua.

O padre Hervás citado acima diz que o tupi e o guarani se diíferençam um do outro apenas como o espanliol do portuguez. Ainda menos, é a verdade que salta aos olhos logo que se investiga a cousa mais á fundo. O tupi se differença do guarani tanto como o fallar dos brasileiros differe do dos filhos de Portug'al, e talvez mesmo como o de um paraense diífere do de um mineiro ou paulista. Com eífeito, confrontando-se as dicções do tesoro com as que vem em Figueira, no Diccionario Braziliano, no de G. Dias, em Lery, em Yves d'Evreux, em Piso, etc, e prestan- do-se attenção á differença de orthographia observa-se que o tupi diverge do guarani quasi que em ajuntar invariavelmente uma vogal final aos vocábulos que os GUARANIS pronunciavam sem ella e também sem a consoante que com essa vog'al vinha á formar syllaba. As dicções do abaneíínga táb, tíib, i-injr, aób, hreng, Jmár, (íl), pelos tupis eram pronunciadas taba, tuba, raijra, aúba, hrcngo, kuára, úbn, e pelos g'uaranis muito frequentemente lá, tá, ruy, aú, nre, hiuL á. Os vocábulos usados por tupis e não por guaranis, e

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vice-versa são poucos e podem ser enumerados; em geral dependem das condições climatéricas e g-eog-ra- pliicas em que viviam que fazia variar os modos de vida ; por exemplo, nomes de peixes das costas do Brasil seriam naturalmente desconhecidos no Para- g-uav. Afúra disto mais um ou outro vocábulo diffe- rente como seja texig vèi' em guarani, tepiac em tupi ; unirjuasú gallinlia em guarani, sapukai em tupi ; e poucos mais.

Não pôde deixar de ser aqui exharada uma reflexão muito importante, referente à capacidade das ling-uas para exprimir cousas abstractas. O abaneènga neste ponto apresenta-se para bem dizer em um estado de verdadeira infância e para enunciar concepções abstra- ctas resente-se da ing-enuidade e do embaraço próprio da criança que ainda não precisou bem as suas con- cepções. Na ling-ua se diíferençam bem os adjectivos dos substantivos e na construcção da phrase com as partículas pronominaes os adjectivos podem figurar de verbos passivos, ao passo que os substantivos deveriam ser considerados verbos activos. Assim rooa farvuni e mais propriamente s^í/m, messis) pode-se referir á kog alere, e dahi xc-kog messis moa, significaria qiiod me alil : mas com o adjectivo a partícula pronominal figura de verbo substantivo e xe katn significa suin bónus.

Agora havendo os adjectivos katu^ bónus, aib nialus he dulcis, kyr viridis, etc, as abstracções bondade, o bom, o bem, maldade, o mal, doçura, o doce, verdura, o verde, não se podem exprimir de um modo absoluto, con- struem-se na phrase de um modo de outro con- forme se apresenta a concepção, e os padres procu- rando exprimir isto quasi sempre por via da desinência participial kab forçaram muitas vezes a lingua á um torneio impróprio delia, e até disparatado.

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Permitta-se uma bem cabida citação do Sr. Max- Miiller; diz elle:

(( E de que modo exprimio a linguagem a mais immaterial das concepções, dado ainda que seja concepção racional, o nada? Foi pela única maneira possível, isto é, foi pela negação de alguma cousa real e palpável, ou pela comparação com algum objecto dos nossos senti- dos. Nada diz-se em sanscrit asat «não sendo»; em latim nihil isto é, nihiliim em vez de nifiliim quer dizer ne-filum, « nem um fio.»

« A dicção rien do francez hoje, é mera alteração de rem accu- sativo de res e conserva ainda o sentido negativo apezar da queda da partícula negativa que a precedia originariamente. Assim ne itas vem de non passum-j e no point de non pxmctum. O francez neant e o italiano niente são o latino non ens. Considere-se agora por um instante de que modo nascem as fabulas em virtude da magia da lin- guagem. Era perfeitamente correcto dizer-se nihilum, « dou-vos nada, nem um fio:» ahi fallava-se de um nada relativo; negava-se na realidade, ou declarava-se não dar alguma cousa. Também é perfei- tamente correcto dizer entrando n'um quarto vazio « não ha nada aqui » querendo com isso dizer não que « não ha absolutamente nada» mas que « ali não vemos o que contávamos achar no quarto.» Á custa, porem de repetirem-se taes phrases, forma-se gradualmente no espirit(j vaga ideia de um nada e então niJiil torna-se nome de algo positivo e real. Os homens começaram no principio á fallar do nada como se fosse alguma cousa e gradualmente foram indo e tre- meram com a ideia de anihilamento, de todo inconcebível á não ser no cérebro d'um louco.

« A expressão anihilação se tivesse sentido, apenas significaria ctymologicamente (e podemos dizer logicamente) «ser reduzido á cousa que nem é um íio»: e certamente este estado não seria tão terrível, pois que segundo a lógica mais rigorosa esse estado cora- prehenderia o dominio todo da existência excluindo unicamente o que se entende por fio. Entretanto quantas especulações, quantos medos c delirantes terrores á propósito do Niliil simples palavra e mais nada! Vemos crescerem e decrescerem as cousas que nos cercam, assis- timos ao nascimento e ao fallecimento dos viventes, mas nada vemos extincto, aniquilado. Ora, o que não está ao alcance de nossos sentidos e o que contradiz todos os princípios da razão não tem direito á ser expresso pe\a linguagem. Podemos servir-nos dos nomes dos obje- ctos materiacs i)ara exprimir objectos immateilaes, se estes últimos

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puderem ser concebidos racionalmente. Podemos, por exemplo, conceber potencias que escapam-nos aos sentidos, mas que têm comtudo reali- dade material. Podemos chama-los espíritos, litteralmente hálitos, so- pros, brisas, subentendendo perfeitamente que por «espirito» desi- gnamos cousa que não é simples «brisa». Ellos podem ser chamados em inglez gliosts nome que tem referencia á gust, yeast, gas , e ou- tros vapores imperceptíveis. Mas o Nada, um Nada absoluto que não é visível nem concebível, nem imaginável, jamais deveria ter achado expressão, nem lugar no diccionario de seres racionaes.»

A profundeza e belleza destas sublimes palavras sirvam de desculpa para a transcripeão long-a e exces- siva do trecho inteiro quando era necessário e pertinente uma pequena parte. Voltemos ao que motivou a citação.

Em AHANEÈNGA uão havia expressão directa para nada, ninguém, etc. Existia, porém, nos verbos a conju- g'acão neg-ativa que variava seg-uudo os modos. Hoje os parag-uaj^os usam de mbafíbê para sig-niflcar nada e abdbê, ninguém ; mas o pnmeiro ao da lettra diz : mais cousa ; e o se{j"undo : mais gente ; d"onde se que realmente querendo construir a phrase á Cípanhola elles subentendem um verbo com a sua neg*ativa ndi-pori mbãebê, ndi-pori abábê, nào ha mais cousa, não lia mais gente, para dizer: não ha nada, não ha ninguém.

Entre os tupis foi adoptado para sig-niíicar nada e também a simples neg-ativa não, o vocábulo nitio e mais modernamente intio,inti que são adulteração de ndi tyb, non est, non jacet e deste modo o torneio da l)hrase desviou-ss mais profundamente da syntaxe primordial.

Gonçalves Dias e o padre Seixas nos vocabulários da ling'ua usada hoje no Pará escrevem intimdãn nada, intiáuá ninguém, formas corruptas de ndi tyb mbaê, ndi (ijb abá, non est res, non est gens.

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É tão real o predomínio da língua geral em toda a America portiig"ueza e boa parte da espanhola do sul, assim como nas possessões francezas, ing-lezas e hollandezas, que ainda outros factos vèm confirmal-o. Por toda essa vasta extensão os nomes de plantas, de animaes e g-eog-raphicos são explicáveis por via de ra- dicaes do abaneènga; se lia excepções, em pequeno numero são ellas e não era preciso suppôr um g-rande numero de lingnias e dialectos, bastaria considerar que é a lei natural da ling-uag-em (principalmente das que não são fixadas pelo monumentos escriptos) a mudança perpetua e continua.

Alii até o que admira é que essa ling'ua, sem lit- teratura, sem nenhum dos meios r[ue concorrem para fixar as ling-uas, pelo contrario embatida por todos os modos e em todos os sentidos pelas g-entes civilisadas, tenha podido perdurar por mais de três séculos. Apezar de vencida e batida, apezar de ser ling-ua de bárbaros, uns exterminados, outros corridos pelos mattos, outros emfim escravisados, fundidos, amalga- mados com os conquistadores, essa ling'ua inoculou nas •ling'uas vencedoras e civilisadas não somente vocábulos e termos que fig"uram hoje até nos livros de sciencia, mas ainda phraseados, idiotismos e cacoethes. A sup- pressão de uma e mais lettras no final das palavras tão usual entre os brasileiros principalmente os cabo- clos e caipiras é um cacoethe herdado dos Índios e desconhecido aos portug-uezes que pelo contrario pro- curam tornar brevíssimas as syllabas não accentuadas do meio ou do principio das palavras pronunciando : mlaoo, blar, rlogio, prs taram, appnav, em vez de melarn, bolar, relógio, prestaram, approvar ; os brasileiros pelo contra- rio dizem : Itotii, diovò, arde, subi, comendo invariavel- mente os )■)• finaes. Os {)ortug'uezes tendem á confun-

:U

(lir í) pronome reciproco com o relativo ; e nâo fa- zem esta confusão nas orações de terceira pessoa; é cousa que quotidianamente se vê, que as pessoas mais lidas na litteratura de Portug-al adoptam na conversação o se e o si recíprocos dirig-indo-se á segun- da pessoa, e dizem : fallo com sigo, dirijo-inc á si, c para si que Iroiixe este livro, querendo dizer ; fallo coinligo (ou connosco, á moda de S. Paulo onde tambem'usam com mecè) dirijo-me a li, é para li que Irago este livro. Os brasileiros pelo contrario procuram diíFerençar o relativo do reciproco e herdaram i?to nacturalmeute da língua geral, onde é fundamen- tal e característica esti diíferença, que despresada altera completamente a estructura g-rammatical. Empreg-am elles também o possessivo seu, sua, dirig-indo-se á seg-unda pessoa, é certo, mas então para differençal-o mais, juntam-lhe pleonasticamente o relativo delle, delia. As- sim exprimem-se : trago recado de F., pov causa delle é que venho, e não dizem : por sua causa é que venho. Esti\e com fulano e enireguei-lhc o seu chapéo delle accrescentando pleo- nasticamente o delle porque sem isso podia sig"ni- íicar o chapéo da pessoa com (luem falia. Quanto ao mais no empreg"0 do seu, sua, se, si, procurara os brasileiros conservar o caracter de reciproco justamente como em latim, onde de modo analog-o ao do abaneênga para o relativo empreg-a-se is ou ille e cujos g-enitivos ejus, illius correspondem exactamente á delle, delia, e íig"u- ram de possessivos, sendo sui, sibi, se e siius, sua, suum usados, quando a plirase exprime alg-o de reciproco. Em todo o caso o fallar á segnmda pessoa á moda dos paulistas é mais preciso e mais bonito, e se ainda em oração de seg"unda pessoa se quizesse usar de verbos nú, terceira, era preferivel o empreg"o do vossè (deriva- do da seg"unda vós) com um certo que de brasileirismo, e um pouco correspondente ao usied dos espanhóes.

:]2

O fraiicez g^abado como ling-ua de coiiversaerio, usa em g-eral da seg-aiida pessoa do plural, «e empreg-a a seg-unda do sing-alar quaudo ha mais familiaridade e talvez carinho que exprimem por um verbo especial tutoíjer. Os ing"lezes também usam do tratamento em seg'unda pessoa. O se, ai, IJie á portug^ueza é como que um subterfug'io para tractar-se com pessoas estranhas e evitar-se tratamento mais distincto. Este tratamento em terceira pessoa, parece-se com o dos italianos e dos allemães ; os allemães, porém, empreg-am a terceira do plural quando tractam com urbanidad3 e a do sin- g-ular quando pouco se importam com a polidez ; assim dizem ícas macheu Sie, u-ie (jeJit es Ihnen polidamente, e quando querem fallar com menos cortezia ou mais fa- miliaridade wic macliH er ou svV, //;<> fielif es IJim ou ihr.

Confirmando o facto do predominio do abaxeííxga no leste e no norte da America do sul ainda importa fazer outra consideração.

A comparação do kiriui e do kauiri com o abanekn- GA induz á outras conclusões; estas duas ling-uas, reputadas diíFe rentes do abatseknga visto como têm sons que não existem nesta, depois de examinadas com mais attenção, reconhecem-se como dialectos delle mais ou menos adulterados por elementos estranhos. Daqui se é levado á outras comparações e vê-se : O galibi e outras linguas das Guyanas tem sons ainda mais diffe- rentes, tem por exemplo abundância de 11 que não ha em abaneknga ; mas substituídos estes sons pelos equi- valentes ou correspondentes em abaneènga reprodu- zem-se os vocábulos deste, e não um ou dois, porém, um g'rande numero, A esti-uctura g"ranimntir'a! ]ior iim (1(>

33

contas, tanto quanto é possível aprecial-as nas phrases dadas em deficientes vocabulários, mostra que por esse lado o parentesco não pôde soffrer contestação.

Mais uma vez será possível confirmarem-se as leis estabelecidas pela sciencia da ling-uag-em, á res- peito do desmembramento da ling-ua matriz- e forma- ção dos dialectos.

Como simples indicação dos resultados produzidos pela comparação de diversos dialectos, referindo-se as dicções de cada um á uma fonte commum, e não raras vezes achando-se vocábulos que em vez de remonta- rem directamente á matriz, denvam-se de dialecto irmão ou collateral, examine- se apenas um vocábulo de ling-ua matriz.

Por caminhos differentes, mas derivados da mes- ma fonte, adoptados em tempos diversos e em diver- sas accepçOes veja-se por exemplo nas ling-uas româ- nicas as transformações que soíFreu o verbo capere e o seu frequentalivo caplare; as notas são tiradas do dic- cionario de Diez e das licções de Max MúUer. Em portug-uez apresentam-se desde log-o captar, catar, ca- ber produzindo o primeiro captura, captor, capto (v. g-. em mentecapto), capião com os seus correspondentes em latim, e depois ainda captivar e captivo que torna-se catico em espanhol, calino em italiano, caitiu (que sig-ni- fica ruim, máo) em provençal, captif em francez ; e o que é mais notável e parece estranho, da mesma fonte provem chetif como notaram Diez e Max Miiller; ao 2." calar que significa vêr, mirar e investigar, esmerilhar, subordinam-seos compostos acatar, e recatar com g-rande numero de derivados acatamento, recato, etc-, e ainda catarento, catafalco, catacumba e outros; entre acalar e acoeplar formou-se acceitar donde se deriva de um lado acceitc (substantivol e accepção íoutro substantivo de sig-nificado

:U

inteiramente diverso) correspondente á acceptio na lin- gna, matriz; á este correspondo em francez acceptio n, e á acceitar também accepter, mas nesta lingnia apparece outro derivado acheter em sentido muito differente. Parallelo á este existe, composto com outra prepositiva, racheter, á que correspondem em italiano reccattare, em espanhol rescatar, em portug-uez resfjatar, resgate e ainda regatear, com outros derivados. Ao 3.° significado de CAPERE ( caber ) alem dos derivados immediatos próprios do verbo considerado de sig-nificaçao neutra e talvez passiva, como o adjectivo participio cabido (que se es- creve e pronuncia tal e qual outra dicção cabido pro- vin lo de capitulo e ainda cabidp ) subordina-se capa ao qual Diez reporta um grande numero de vocábulos; á capa., quia quasi totiim capiat hominem, corresponde em espanhol e italiano cappa e em francez chape ; deste veio em francez chapeau correspondente ao italiano cappello e ao portuguez capello, e dalii ainda capella (grinalda e lambem pequena igreja); d'outro lado appa- recem capuz, capucho, no italiano cappuccio, no fran- cez capuce, capuchon ; e ainda capote em portug^uez e espanhol, cappotto em italiano, capot em francez, e ou- tros vocábulos desenvolvidos da mesma fonte; dei- xando de parte a fonte latina o portug-uez tomou directamente do francez clcapeau (em antigo francez chapei) chapéo. É quanto basta para mostrar a fe- cundidade de um radical quando se o acompanha em todas as suas derivações não em uma língua, mas nas co-irmãs.

Applicando-se ás ling'uas da America este proces- so, que tão ingentes resultados tem produzido no estu- do das linguas do mundo antigo, é natural que se es- perem idênticos effeitos.

O simples facto da existência de grande numero

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de vocábulos, que com pequenas mudanças são como que universaes na America do sul e talvez na do norte seria bastante i)ara induzir á crer que pelo menos houve uma ling"ua que passeou soberana por todo este vasto continente. Fosse ou não vinda de outra parte essa lingua, o facto certo e estabelecido fundamental- mente é que ella existio e revela a sua existência no g-rande numero de vocábulos pelo menos communs á todas as ling-uas da America do sul. Cumpre lembrar apenas um preceito deduzido das licçOes de Max MúUer: para desig'nar sol ou agua, por exemplo, é pos- sível que se dèm, e na realidade se dão termos muito differentes nesta e n'aquella ling-ua; mas estudada a cousa por outro modo acha-se em umà ling'ua o sol designado por um termo que na outra significa aurora, em outra luz do dia, em outra queimar ou accendr.r ou brilhar, ou allumiar ; alii enxerg-a-se a derivação e reconhece-se o desmembramento dialéctico. No que ficou dito á respeito do termo karaiba tem-se um exemplo que confirma o facto.

Ja se vê, nesta investig-ação é preciso critério para se não cahir no extremo opposto, daudo-se por filiados ou aparentados vocábulos de orig-em inteiramente di- versa. É uma mania como outra qualquer a de achar semelhança entre cousas differentes e os mestres da sciencia da ling-uag-em notaram e estabeleceram que é um erro por meras concordâncias parciaes estabecer- se parentesco de ling-uas que todaa as considerações obrigam á .--uppôr que nunca se mesclaram nem ti- veram occasião de contacto. É deste modo que alg'uns acharam parentesco entre o abaneènga e o greg^o porque deparam-se termos como og casa que lembra oikm', poro genie, ou muitos, que assemelha-se a poly, etc.

É preci.so realmente muita vontade de achar pa-

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rentesco em toda a parte para etymolog-icamente ligar Peru, Pará, Parag-uay, Verag-ua, Paria, Parina e por fim Brasil.

É possível que assim seja; é possível filiar o KECHUA ou outras ling-uas americanas a tronco sans- kritico. Mas então é porque nesse caso se pôde provar scientificamente que houve um único Adam e con- firmar a tradicção bíblica com os dados fornecidos pela sciencia. Então os dados fornecidos pela comparação das ling-uas terão cheg-ado á mais alta precisão, dando a synthese da sciencia ling-uistica. É difinitivo que a questão ethnog-raphica pôde ser decidida pela sentença final de uma orig-em única de todas as ling-uas, ou que pelo menos a species homo no que diz respeito á ex- pressão do pensamento, também parece-se comsig-o só.

Para "se compararem as ling-uas é preciso primeiro que tudo que se as conheça e bem ; tão evidente é isto que basta dize-lo.

Pelo menos este modo de vêr conforma-se mais com o real e positivo do que tentativas como a do Sr. Fidel Lopes no seu livro As raças aryannas no Peru. Como quer se filiar esta ling*ua ao sanskrit se ainda nem se a co- nhece nem se a precisou ? Como classificar uma arvore n'um dado g-enero quando não se examinou a flor, não se sabe como é o fructo e mal se estuda a folha- g-em ? Como se dizer peremptoriamente que este ve- g-etal provem de tal reg-ião, se no mesmo liig-ar em que elle se apresenta como objecto de estudo n-ão se investig-ou ainda se elle parece-se com outros, se ha ou não espécies cong-eneres ? vai-se buscar na Ásia (está bem) e ainda em cima no tronco commum das ling-uas aryannas, isto é, das poderosas ling-uas cultas da civilisação, a filiação de uma ling-ua que g-eralmente classificam entre as de ag-g-lutiuação, entre as que não

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cheg-aram á alto g-ráo de desenvolvimento, e isto quando ainda nem definiram bera a ling-ua de que trata-se nem se estudaram as suas relações com as conterrâ- neas. É o mesmo que querer fazer a g-eolog-ia do Brasil pela geolog-ia da Rússia ou do Eg-ypto.

Embora não se admitta em absoluto que o khchua

ou o GUARANI Sejao LÍNGUAS AGGLUTINATIVAS 110 rig-0r da

palavra, com tudo não é possivel sem mais nem menos filial-as á familia sanskritica; com ig-ual razão pode- riam filiar-se á semitica. Entre o Sr. Fidel Lopes e von Martins está o caminho direito, que é o da obser- vação e estudo consciencioso das linguas americanas.

Não comporta este pequeno trabalho o necessário desenvolvimento de alg-umas ideias em' referencia ao estudo das ling-uas americanas; mas sem a menor duvida aprimeiracousa que importa é fixar qual é a ling*ua de que se tracta, coordenando e systematisando a sua orthog-raphia, afim de que se não tomem por sons da ling-ua, ag-g-reg-ados de lettras muitas vezes antipathi- cas á Índole delia, nem se supponham de idiomas di- versos, vocábulos, que differem pela forma da es- cripta.

Assim o primeiro dos trabalhos á fazer é reunir com fastidiosa paciência, e com critério tudo quanto se acha esparso nos diversos autores de diversas na- cionalidades, e por conseg-uinte annotado com a mais variada orthog-raphia, coordenar esses sons escriptos de tantos modos diíferentes, esmiuçar as phrases e assim penetrar no sentido dos primeiros radicaes. Ahi vai-se deparar até com erros de impressão, e até erros resul- tantes de esquecimento dos primeiros viajores que com o decurso dos annos não comprehenderam mais as notas que elles próprios escreveram. Dessa coorde- nação do orthog-raphias ver-se-ha que o que se tomou

-- 38

por cousas diíferentes nao no são realmente, e que até inventaram-pe nomes que nunca houve na ling-ua dos Índios. Os poetas nos seus versos têm fallado da inubia, cousa que nem os g-uaranis das Missões, nem os tupis da costa, nem os omag-uas do sertão conhe- ceram ; o nome g-enerico da flauta em abaneknga era rnimby, que escripto mybu e também inubu depois tor- nou-se inubie, expressão que á meu ver ajunta lettras de um modo avesso á Índole do abaneênga.

No mesmo caso está o celebrado piaria, que pecca pelo mesmo motivo e que procurado nos escriptores antigos não se acha, O feiticeiro, o curandeiro, o me- dico, ás vezes com certas funcçOes sacerdotaes, pelo que consta tanto de escriptos acerca do Paraguav como das chronicas dos brasis, era paijé (qui dicil finem, litteral- mente). Este nome apparece escripto pane piaye e até piache e de outros modos ; no segundo modo de es- crever plane, bastou que por erro de impressão se mudasse o y em g para tornar-se piagc, donde o piaga, cujos cantos tanto que fazer têm dado aos litteratos e romancistas.

Além deste apanhado de tudo quanto se tem escripto é preciso collig-ir com escrupulosa attenção não os dizeres dos nossos matutos, nos quaes se conservam muitos vestígios da lingua fallada pelos primeiros Íncolas, mas ainda e principalmente apanhar as falias dos índios com a maior exactidão possível e escrevel-as de modo que possam ser reproduzidas com a máxima fidelidade. Emquanto se não adoptar uma ortliog-raphia uniforme é isto impossível.

Mesmo depois de estar systematisada a ortlio- g-raphia, o apanhado das falias dos índios não é fácil e exige muito critério d'aquelle que toma as notas. Se até entre homens não selvag-ens, por exemplo

3í)

entre um inglez e iiin portiig-uez que não saK liiig-ua um do outro, é difficilimo o colloquio de mt que se entendam, e dão-se equívocos extravagante nao obstante o subsidio dos g-estos e sig-naes, o quo nao será entre homem civilisado e indio do matto'' O indio tem modos de vida e pensares diíferentes ' do homem civilisado e vice-versa; á um são inteira mente desconhecidas cousas que o outro suppõe que todo o mundo sabe. dahi quantos equivocos não resultarão?

Nem tanto será preciso. Supponha-se que queiram apenas tratar das cousas mais g-eraes que necessária mente têm uma expressão na ling-uag-em, por exemr das partes do corpo humano, e que se perg-unte g-estos ao indio como é que elle chama a cabeça, poderá responder com dicção de sua ling-ua cabeça ou tiia cabeça ou cabeça dellc conforme o o dtísig-nado, apontado pelo g-esto, mas nunca o nunca cabeça simplesmente. Nos vocabula. quente acharem-se phrases em vez de vi preciso certo desenvolvimento e cultura das phrases as partes que a compõem, - tando-se ao indio como é que elle diz responderá eu mato ou ainda mais complt d mato a cobra. Com ura exemplo do glossaria *' tornar-se-ha sensivel o que ha de vag-o . posições. No DiALECTus vuLGARis a expresH . traduzida por acançia, jacanga, canga; \\o ai-acana, no cayowá está siakan, no omagu.. apparecem yakaih, yacae. Tudo isto que ; dialectos diíferentes se reduz á nada d>'. se attende á correcção orthog-raphica e tu' fallar do indio. Akang sig-nica cabeça (caput), cabeça delle (illius caput), xe-akang miiiba cabe-.

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caput). Ora jticamja, ai-acana (orthographia franceza de Casteluau) yacae e yakaih correspondem á ij-akany, e siakan é evidentemente xe-akang.

Dir-se-lia que, tem pouca importância practica, immediata e effectiva, este estudo talvez frivolo para muita g"ente.

Não é assim. Á um estrangeiro, que saiba o

portugHiez aprendido regularmente por livros, em

todo o caso será mais fácil fazer entender-se nesta

lingua do que se nada soubesse delia e de repente se

visse na necessidade de se exprimir em portuguez.

Ainda que todos os Índios que restam pelo interior do

Brasil não fallem dialectos do abaneknga, é fora de

duvida qne, quem tiver conhecimento de língua geral,

terá menos diííiculdade de se entender com elles, ou

)elo menos com os que descendem de tipl'-; ou omaguas.

O que nãu pôde e não deve continuar é este ar-

•io e anarchia de ortliog-rapliias, que impossibilita

ido das linguas indígenas sem a minima vanta-

iara ninguém. dos Índios cajTás dos campos

Paulo e Matto -Grosso possuo três vocabulários,

rnecidos por dons amig*os e um no tomo 19 da

do Instituto; as orthographias (todas de brasi-

•,') autorisariam que se os tivesse na conta de

'ectos, da mesma lingua de certo, mas sempre

es.

pois, ha realmente vontade de se fazer alguma

ara civilisar os Índios, uma das primeiras

ules é o conhecimento da língua geral, e

dos seus dialectos e das outras linguas.

, porém, não se poderá fazer emquanto se não

uma orthog"raphia uniforme, porípie senão,

forem os organisadores de vocal)ularios, tantas

s linguas.

41

Se uão servir a orthog-raphia aqui proposta, rèjei- tem-iia, mostrem que ella não serve, mas emfim pro- ponlia-se outra mais acceitavel e definitivamente fixe- se a orthog-raphia.

No seio mesmo da sciencia vão os dislates ortho- g-raphicos influir de uma maneira desastrosa. O nome Cariama dado ao Microdaclylus de Geofroy de Saint Hilaire ou Dicolophus de Illig-er, tomado da língua geral, de- veria ser Sariama, pois que o primeiro não tem expli- cação plausivel no abaSeèxga e o seg*undo é corres- pondente á uma cousa que disting'ue esta pernalta, a crista ou topete em forma de espiga. Embora Azara o nome como onomatopaico do g-rito da ave, na dis- cripção que elle faz dos caracteres do pássaro foi que descobri a significação do nome quasi litteral em

ABANEÈNGA.

«VWW>A^^iA^>^^W^*^A^*^VK^^^^^^iA<>^^^^

ERRATA

Decidido que para representar o som sh (inglez) ou sch (allemão) ficassem os caracteres dt por ser de todo impróprio o x (portuguez), torna-se necessário notar que, por equivoco, escaparam alguns x que devem ser substituídos por eh nas paginas impressas, 6, 26 e 40.

ORTHOGHAPHIA E PROSÓDIA

Tanto na grainmatica e diccionario do abaneênga, como nestes opúsculos, os caracteres adoptados foram os seg'uintes na ordem alpliabetica g-eralmente seguida: a, b, eh, f/, e, g, h, i. J, k, m, n, n, o, p, r, s, í, u, y.

Admittiram-se os indispensáveis para exprimir os sons da língua geral e preferiram-seaquelles sobre cujo valor phonetico menos duvidas apparecem. Talvez haja no ABAísEÈNGA sons quc assim não sejam bem repro- duzidos, mas esta ling-ua não tem monumentos escri- ptos, não tem litteratura e seria pretenção irrealisavel a de apresentar com extrema exactidão as menores nuanças de sons, tanto mais quanto no decurso de mais de três séculos soífreram as vozes innumeras mo- diíicaçOes, pelas leis de evolução própria ás ling-uas, mormente das que não são fixadas litterariamente, pela mistura de vozes de outras ling-uas.

É fácil portanto e é natural que se ache imper- feito e deficiente este alphabeto, mas é o indispensá- vel e apto para a representação dos sons usuaes da ling*ua, que tem fornecido tantas expressOes e vocabu-

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los ao portiig-uez e espanhol fallados na vasta penín- sula Sul-americana, dos quaes nao pequeno numero foi transplantado para os livros de sciencia. Mais miúda descriminação de sons serviria apenas para dif- ficultar o estudo da língua geral sem concorrer muito para a elucidação dos radicaes.

Ha annos que tomo notas para a g-rammatica e diccionario do abaneênga e foi posteriormente que tive conhecimento das licções de ling-uag-em do Sr. Max Míiller e li outras obras. Tornava-se penoso refundir tudo e reproduzir o diccionario e a g-rammatica con- forme o alphabeto physio lógico que devera e tende á tornar-se universal. Por outro lado porem reconheci também que poucos sSo os sons cuja representação nao está de accordo com a adoptada no alphabeto physiolog-ico, e assim mediante alg-umas explicações podia ser acceito tal qual , tanto mais quanto é o próprio que conviria para representar taes sons em portug-uez e em espanhol. Os portug-uezes e espa- uhóes foram os primeiros e principaes conquistadores da America do sul, as suas duas linguas irmãs sRo as falladas mais g-eralmente em quasi todo o conti- nente austral da America e as que maior numero de vocábulos do abaneênga tem adoptado ; portanto por este lado até é conveniente a reproducção dos sons do ABANEÊNGA de um modo que esteja em harmonia com a pronunciaçao destas duas ling-uas de orig^em latina.

Convém apenas, como ticou dito, algumas ex- plicações acerca dos caracteres adoptados e dos sons que elles representam.

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DAS VOGAES

O ABANEKNGA é tíco de vog'ao.s e relativamente pobre de consoantes.

Comparando-se as suas vog-aes com as do scliema do Dr. Lepsius

a é eu ò

franccz francez ilaliaii»

é ô 6 ^

(lancez allemão AU : francer

i U

franccz allemão OU ; trancei

vê-se que exceptuando as da carreira central eu, o, m, elle tem todas as outras. Mesmo na carreira central ha uma sui generis que até certo ponto assemellia-se á ú e que representa-se nestes opúsculos e no dicciona- rio por um ;/. Assim o schema das vog"aes do aba- NEÈNGA pude ser

a

é ó

è ô

i y u

accentuando-se as vog-aes e, o, á portug-ueza.

A vog'al especial, representada por y carece de de- tida explicação, por ser a que apresenta maior diffi- CLildade na pronunciação e por ser característica no ABANEÊNGA. Tcui ella alg'uma semelhança com o u francez ou i.l allemão, mas é na realidade muitíssimo distincta.

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Eis o que acerca deste som vem na g-raminaticM (lo Padre Anchieta:

« i vog-al que em muitos vocábulos se pronuncia « áspero com a g-arg-anta, bem se lhe pôde escrever « (j in fine, acabando -se a dicção no mesmo i, porque « compondo-se com outra dicção começada com vog-al « exprimitur (j ut ifj rio, atã direito, composto diz újatã « rio (lireilo.

« In médio dictionis não se sotíVe i)orque quem não « sabe a ling-ua, pronuncia muta cum liquida, ut : « iinomloptra dirá i mondopígni.

« E encontrando-se com qualquer consoante no « meio ou no fim, fará um concurso muito áspero de (( consoantes ut: tígha, ajjiijb, etc. E nem com isso o « ha-de saber pronunciar de qualquer modo que se « escreva, se não fòr ouvindo-o viva você.

(( Por isso, para conhecer ser este i áspero, se es- « creve com um ponto em baixo e ficará iota subscri- « pto i porque faz muito diífe rente significação do i « leve ut: «'(sub-ponctuado) agua com i áspero, i is, ea, id, « com i Iene; «í/opi (sub-ponctuado) tanger trombeta ou.fraula, « aijopi picar uma vespa. Ou se ha-de deixar ao uso, porque ((. alg'uns muito bons iing-uas o não podem pronunciar : « mas ex adjunctis se entende o que quer dizer.'

« ia com i áspero commummente é dissyllabo, ut : ' « pia, abiar. »

O Padre Fig-ueira á respeito d'este som disse: « cos- (( fumaram os antigos linguas usar do mesmo i, jota « com dois pontos, hum na cabeça e outro no pé, e « lhe chamavam i g-rosso, porque a pronunciação he « como entre u e i. Donde nasce que alguns o fazem « u e outros o fazem i e forma-se na garganta como « ig: mas porque na impressão não se pode metter « este í' com os dois pontos, cm lugar delle se poz >j;

4:

'( o qual toda.s as vezes que .se achar no meio ou no « íim de alguma dicção, se i)ronunciará como grosso « no modo sobredito. »

A advertência do catechiSxMO do padre aiíaujo tran- scripta no diccionario portuguez e brasiliano diz: « // « é nota de voz g'uttural, que se forma na g-arg*anta, ((. dobrada a lingua com a ponta inclinada abaixo, e « lançando o hálito opprimido na g'arganta, com um (( som niixto e confuso entre / e mais u e que não é « / nem u, envolve ambos como se neste nome y (( agua. Os antigos para exprimirem este som, usaram « de jota com um ponto em cima e outro em baixo. <( Outros escreveram ig. Porém, insuíRcientemente uns « e outros, porque o jota tem diversa vocalidade que <( nunca chega á proferir este som guttural. Mais pro- « porcionado é ?/ que soando em sua origem aos gre- « gos como inj Q i)ronunciando-o como u os antig-os « latinos, os modernos em muitos vocábulos o expri- « mem como /. O Catechismo antigo usava de ambas « as lettras i, y, promiscuamente por jota. Aqui por « não se multiplicarem sem necessidade as lettras e « pôr as que são necessárias se põe * com o seu or- " dinario som e se reserva // para a vogal guttural. » No TESORO de la lexgua GUARANI O padre António líuiz declarou que :

« Toda pronunciacioii guttural, que se nota com « esta sehal házia arriba (sigual latino de breve) es <( larga siempre, ut : iti hasiira ; y assi se ha de pronun- « ciar siempre con assento largo. Lo mismo es la pro- <( nunciacion guttural y narigal simul, cuja nota es « esta (~) que se pone sobre la //, en que siempre con- « curren estas pronunciaciones. »

Assim vê-se que o Padre Anchieta para exprimir esta vogal especial do araneí^inga serviu-se de um /

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cuiji um ponto c;otoposto, o Padre Ruiz de Montoya de um semicirculo com o curvo para cima sobre o i (sig-nal de breve latino), e o Pcxdre Fig-ueira, Araújo e outros empregaram o y. Uma auctoridade competente aconselhou-me que empreg-asse o v g"reg-o, tanto mais quanto o ij nos ensaios de alphabeto universal é usado para representar a semi-consoante sanskritica corres- pondente. Já ficou dito por que ficou conservado o y.

Com esta vog-al suí cjeneris não ha, parece-me, ne- nhuma parecida nas ling-uas europeas. Cliamam-na vog-al g-uttural, mas attentando bem na maneira pela qual ella é formada, dever-se-hia antes chama-la fau- cal. O melhor modo de percebe-la e forma-la é can- tar as vog-aes ; vê-se então que ella é feita por uma emissão rápida de som da g-arganta directamente para o exterior, como que evitando discorrer pelo tubo buccal ; por isso pôde ella ser considerada como a mais breve e a mais aguda das vogaes, e tanto que, demo- rando-se um pouco sobre ella, parece que se forma em seguida uma consoante guttural g ou talvez o eh allemão. Isto explica em parte o uso que fizeram al- guns de i() para representa-la.

Para confirmar este modo de considerar a vogal especial rj do abaneênga, póde-se notar o que acontece nos vocábulos compostos. Ha um termo radical na lingLia expresso por essa vogal mera e simples ; é y agua; compondo-se esse termo com o verbo ar capere, siimere, acciperc, formou-se ygár=:ygá madidiis, niadefacliis, quod aqiiani accopil ; composto com dra (contracto de aramo) formou-se ygára super aquam, linler «canoa». Nestes exem- plos vê-se que, apenas dá-se a minima demora na pro- nunciação do y immediatamente quer apresentar-se um som consoante guttural, o qual topando uma vogal na expressão q\m se vai enunciar em seguida, cahe sobre

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ella e com ella forma syllaba. O que disse Anchieta e o exemplo por elle apresentado ygatã confirmam o exposto.

Não havendo no g-eral das typog-raphias caractere, greg"os aconselharam-me que para representar a vog-al espacial empregasse o p que se parece com o v g-regos ou então empreg'asse o ú allemão. Nem um nem outro parecem convenientes, o primeiro porque toma-se sempre como consoante, e por isso é mais impróprio que o ij adoptado, e o segundo porque o emprego do trema é necessário para outro fim como se verá.

Além disto, sendo estes opúsculos, e também o dicciouario e a grammatica, especialmente destinados ao Brasil, não convinha alterar em grande a escripta de muitos vocábulos hoje admittidos no portuguez fallado pelos habitantes do império. São numerosos os nomes de plantas, de animaes, de lugares e outros do ABANEÊNGA hoje correutcs em todo o Brasil. E se bem que o y do abaneênga na sua passagem para o uso brasileiro algumas vezes tenha tomado o som de u como em Ubatuba, Guaratuba, ubatã, usá, mais frequen- temente com tudo tomou o som de i.e continua á figurar na escripta como y tal qual se em Sapetijba, Parayba, Guaratijba, Pindaxjba, etc. O v g"rego finalmente é tam- bém representado em portuguez e outras linguas ro- mânicas pelo // nos vocábulos oriundos do grego, como se em grande numero de termos, mormente scien- tificos, compostos com hydro, polij, lympha, syno, etc.

No GUARANI fallado pelos paraguayos actualmente conserva-se o i gruesso de Montoya, mas quando esse i (jniesso tem o som nazal elles empregam um y itá- lico como vi em alguns números do periódico Lambaré. Além de outros inconvenientes o i grucsso não existe no geral das typographias.

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Assim as vog-aes adoptadas ficam sendo a, t, ê, i, ó, ô, a, ij, ás quaes cumpriria juntar mais um caracter para representar a vog-al neutra (Unocal ou vog-al pri- mitiva — Max Muller 3.^ licção da 1." serie), a qual é essencial no abaneènga. Mas como esta vog-al passa facilmente á todas as outras, no caso g-eral e quando' fôr indispensável será representada por um a sem accento, e em outros casos pela vog-al surda que oc- correr mais naturalmente. Com effeito sendo quasi todos, e podia dizer, todos os radicaes desta ling-ua monossyllabicos, na construcção das plirases frequen- temente tornar-se-hão dissyllabos, juntando-se-llie um a complementar, que não é outro senão a vog-al neutra. Assim temos: ab capilliis, tub palor, ar (lies, mundiis, hnb qiiaterc, jiir venire, tab pagus, og doniiis, Jub llaviis, e que se tornam ába, íúba, dra, hâba, jura, taba, oga, Juba.

Quanto á accentuação o simples facto de escrever em portug-uez e para uso do Brasil determinou o empreg-o do accento ag-udo para as vog-aes accentua- das. O accento g-rave seria também necessário sobre o è e ò para diíferençal-os das mesmas lettras quando representam sons abertos. Por exemplo erraliis, di- versiis, insolcns que se pronuncia como o « allemão ou ai francez e tétè corpus que se pronuncia justa- mente como o participio passado francez élé. Mas para não multiplicar os sig-naes empreg-ar-se-lia em vez do g-rave o circumflexo, que é necessário empreg-ar em outros casos como se verá. O circumflexo demais disso também é usado em portug-uez para exprimir o som- fechado como servem de exemplo os verbos lè, cri', o nome a\u e outros. A moda portug-ueza serão cha- mados é, ó vog-aes abertas, ê, u, fechadas. O ú fechado não é frequente e nem haveria inconveniente em con-- fundil-o cora o aberto. O c fechado, porém, convinha

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ser discriminado, porque por exemplo em abaete e abaêtê a diíFerença dos soas corresponde á g-rande dif- ferença de sig-niíicação : o primeiro quer dizer herridiis ffledus, (iefoniiis, e o segundo veriis, lionorabilis, gravis.

Abundam os sons nazaes no abaneíínga e por isso serão empregados os caracteres ã, e, i, õ, u, y ad- mittidos nos ensaios de alphabeto universal. TalvoZ pudesse o til ser dispensado, considerando-se que no diccionario tem de ser escriptos os radicaes com todas as lettras que o caracterisam, como ang iimbra, anima, amb^ain siare, sislcre inimoUis, erigi, ram qiiod siimilal, imitai, slmilis. Mas como os guaranis e ainda hoje os para- g"uayos no corpo das phrases enunciam os sons per- feitamente nazaes sem fazerem ouvir' as con?oanies próprias do radical, torna-se indispensável o erapreg"0 do til para desig-nar o som nazal da vog-al. Assim elles dizem moncl facere, ctlicerc, fajjrioare e não fazem sentir o nri que termina esta dicção ; torna-se isto mais sensível no derivado nionãháb factio, fabrica, em vez de monan<jab. No mesmo caso estão porã piílcher, neê ioqiii, ãtil diiriis, rigidiis, acer, * cubare, ã erigi, />•'( mamma', iibera, similis em vez de pomnrj, íieeng, antan, in, am, kain, ran.

Á respeito da quantidade não é possível estabele- cer discriminações bem fixas e pareceu preferivel não adoptar-se designiação especial. Apenas, pois, póde-se estatuir que as syllabas escriptas com vog-aes accen- tuadas serão consideradas long-as e as não accentuadas breves ; por exemplo abá homo, geiís tem a ultima long-a, e pelo contrario ába equivalente á áb capilliis, capilli, criíies, tem a primeira longa e as egunda breve e até nulla; arame ou aramo qiiiim vel ut nascalur, tem a primeira longa e as duas ultimas breves. No mesmo caso estão os sub- junctivos tííramo ut legat, kdramo ut frangal,ut secet, éramo ut

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dical, pinamo iil carpat, ul runcal, sókamo iit punclini feriai, con- tundal. Diversas pospositivas como pe, bo, i, ne, em g-eral accentiiadas ou pronunciadas com a vog-al bem aberta, sao com tudo sempre breves e de mais á mais encliticas, mas basta a observação e escusa annota-lo na escripta, salvo separando-as da palavra que regem, por exemplo kópe ou kó-pe in arvo, ópe ou ó-pe contracto de óg-pe in domu; tábo ou tâ-bo iegenduni, leclu, húbo ou hú-bo (|ii.Ti'eiidiini, qiiíeslii,etc., em que as syllabas íinaes são sem- pre abertas, mas breves. Com tudo para evitar duvi- das ainda será necessário em certos casos empre^rar o signal circumflexo para desig-nar as longas e onde fôr esse signal empreg-ado as syllabas que se seguirem serão sempre breves, por exemplo kuramênguã arca, capsa, que tem o ê longo ainda que a ultima seja accentuada com o til ; dá-se aqui uma pronunciação semelhante á das palavras portug'uezas sólão, sarámpão, benção e outras.

Além destes signaes torna-se necessário o empre- go dos pontos diacriticos para indicar a pronunciação de vogaes concomitantes que formam syllabas separa- das. Esta concomitância de vogaes é frequentissima e até dá-se muito a repetição da mesma vogal como se em kaã frntetnm, sylva et lierba, hoõ coiporeus, lorosus, soo animal, neêng ioqui, heè pellere, huii mollis, pi'i lenuis, nii- nulns, e também neã cor et niedulla, pi/u sloniaclius et coi', húã caulis, tliallns mednllosns, spina dorsi, que se pronunciam sepa- radamente de modo que todas estas dicções são dissyl- labas .

Fazendo-se algum reparo no modo de fallar, nota- se que os parag^uayos frequentemente pronunciam, quando dá-se esta concomitância de vogaes, a segunda com alguma aspiração. Como se verá adiante exis- te na lingua a aspirada h que corresponde ao spiritus ASPER dos grammaticos, e na concomitância de vogaes.

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de que aqui se tracta, parece que na seg-unda vog-al sente-se o spiritus lenis. Na dicção liiia a primeira syllaba é pronunciada com a aspiração forte do h, e na pronuncia do seg-undo u dá-se uma como diérese na qual é sensivel o spiritus lenis diíferente do spiritus ASPER da primeira. Com o trema (••), coUocado sobre uma das vog-aes entre as quaes apparece uma como diérese, se indicará onde deve haver spiritus lenis; devia este signial ficar sobre a vog-al que tem o spiritus lenis, mas nem sempre é isso possivel, como por exemplo em nèe=nèençj loqiii, nèê=:neè m afími], hèe sapidiis, onde as syllabas que tem spiritus lenis são marcadas com outro signal.

Os pontos diacriticos são indispensáveis tanto mais quanto na lingua ha também abundância de diphton- g-os e cumpria disting'ui-los. Em pyu stoinacluis, bija conimodo esse (propriamente être à son aise) ha duas sylla- bas e na segunda o spiritus lenis ; e pelo contrario em piar se tueri, pyâ (ener, lenis, hêi lavare, hyt ciipeve as vog-aes formam diphtong-o e ha uma syllaba. Como nas typographias não ha y com accento nenhum, fica ainda um profundo defeito na accentuação de dicções como pyu, hyt e outros que deveram ter o accento sobre o y por ser o seu som predominante no diphtong-o.

Para se tornar bem sensivel a diíferença entre o spiritus lenis e o spiriuts asper vejam se por exem- plo: poõ maniis ampla, se. iniinificus, beneíicus, em que ha SPIRITUS lenis na segunda ; pohó e manii ire, effiigere, em que a seg-unda syllaba tem /i ou spiritus asper; final- mente poóg manu legere, colligere em que as vog-aes suc- cedem-se simplesmente ambas accentuadas. crassus tem SPIRITUS lenis na seg-unda, ohó it, vadit tem spiri- tus asper; assim a mesma cousa com wéé loqui, nèè- elTiindi, e nehê evacuari, com pyu slomacliiis e pyhar leiíehra'.

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Por aqui se quanto devia ser musical esta ling-ua, e quanta diíRculdade ha hoje para se fazer ideia e diffe- rençar suas variadas modulações, que necessariam.ente estão implicadas em g-rande numero de vocábulos com- postos os quaes por isso até parecem contradizer-se.

Os diphtong-os mais usuaes da ling-ua são forma- dos por i e u quer antepostos, quer pospostos ás au- tras vog-aes, e existem diphtong-os nazaes como em tãin (lens, hãníh senieii, granum, 'U iircre, harãi scabere, scalperc. Estes diphtong-os ãi, "/, ãl, etc, pronunciam-se proximamente como em portug-uez inãi, bem, imiilo, etc, á que até certo ponto correspondem em francez os sons nazaes que ha em inonlnigne, poing, regne, etc.

Para se CQuhecer quando ha diphtong-o, empreg-ar- se-ha o accento circumflexo sobre a vog-al principal ou dominante, ficando a outra sem accentuação alg-u- ma. Quando a vogal principal do dithtongo fôr nazal o mesmo til sobre ella supprirá o circumflexo. Quan- do emfiui o mesmo diphtongo fôr breve, a vog-al ac- centuada que o precede receberá o accento. Exemplo: pâi omcniiim, Jièi Javave, pêu pus, sanies, haijl scnicii, ákiià ciispis, miici'0, kaàb Iraiisgredi, Iransirc, ijuèr veliis, prelcritiis, cjuéb (leleliis, obliteralus, mib sagilla, kuí farina, piilvis, kui \as, oyalbus, craler, ãi iirere, ut piilvis, mêngiul oITeiisa, damniini.

DAS CONSOANTES

As consoantes ordenadas seg-undo o modo de for- mação resumem-se nas explosivas ou dividuas :

Gutluraes

k

0

n

Dentaes

t

a

n

Labiaes

V

h

m

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As quaes tem-se de juntar ainda alg-umas fricativas ou continuas e uma ancipite ou trinada.

A. g-uttural continua forte foi desig'nada pelos es- panhoes pelo h e pelos portug-uezes muito impropria- mente por ç. É evidente que devia ser preferido o /(. Esta g'uttural passa, não raras vezes, á sibilante den- tal s, que também por vezes muda para sli (ing-lez), sch (allemão) e que aqui vai figurada eh. Este eh em alg-uns lugares do interior e em S. Paulo, se faz ouvir também com tsh. Assim nos participios em háb ou. hár o h passou frequentemente á s e depois á sh {eh). Na saudação paragaaya maechápa re in, iil vales? echápa vem de esába qu^í antes fora eháb i substantivo participio do verbo é dicere.

Adoptado o j/ para representar a vog-al especial do abaS-eènga não houve Vemedio senão admittir o J, ainda que não muito próprio, para representar a semi-con- soante que se ouve em jakaré, jagua, jar, je, jo. A pro- nunciação deste J varia em extremo conforme as loca- lidades, ora não se differençando da vog-al i, ora soan- do como dj, ora passando á, n e até k eh. O som que mais propriamente se lhe pode attribuir o do Ja sim em allemão ou então o dj ayez tende V(is em francez. De passag-em do j para eh tem-se exemplo emeha-ha em vez de ja-há eaimis e em outros imperativos de verbos.

falta ag'ora considerar a trinada r que suppuz á principio corresponder á semi-vog-al sanskritica, e que pessoa habilitada me fez vêr que não passava de uma semi-consoante branda. O som deste r é o que se ouve nas palavras portug-uezas e espanholas cavo, sonoro, ara, ira, no francez clier, colère, sirop, lieios, no alle- mão liier, er, etc. De ser branda a pronunciação deste r ainda mesmo no começo das dicçGes provem o erro de terem escripto, quer em espanhol quer em portu-

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guez, erê em vez dere para exprimir a prepositiva ver- bal da seg^unda pessoa do singular.

Ainda é preciso uma observação á respeito das con- soantes dividuas g, d, b, dis quaes a primeira é a que se apresenta começando dicções sem pronunciação nazal. As outras duas d b em g-eral no começo das dicções soam sempre como nd, mb. Por isso talvez osse m elhor representar as dividuas do abaneênga pela serie

k y ng n t d iicl n p h mh m

Com eífeito nas dicções mbae rcs, mbói angiiis, coluber, môi?" pellis, eiilis, ?/ií>í/ pes, pedes, ?u/e In, libi, le, wcíit sonare, strepitare, etc, o b parece precedido de m e d de n. Como que se sente aqui também o spiritus lenis que nota- mos acima na concomitância de vog-aes, e que parece liaver no re prepositiva pronominal da seg-unda pessoa dos verbos.

Cabe aqui consig'nar uma nota. Embora seja ar- riscada a asserção, indico-a para que outros que tenham mais facilidade de tracto, quer com os nossos Índios, quer com os parag'uayos, a verifiquem. Este spiritus LENLS que existe na pronunciação de mbae, mbói, lule, etc, parece-me ser uma cousa inteiramente especial ao ABANEKNGA e á outras ling-uas americanas. Com al- g-uina attenção de facto nota-se um hálito inspirado e não expirado, que precede á explosão da consoante b ou d. Analogia inspiração pode se reconhecer nas con- soantes duplas do KECHUA como ccapa lelus, ttanta panis, que Tschudi escreveu com k e t especiaes. Esta ins- piração é mais diííicil de se reconhecer na pronuncia- ção do rp, prepositiva i)ronominal, mas é evidente na

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concomitância de vog-aes, de que tractou-se acima, e também na pronimciaçao do y, a vog-al especial. Houve dantes com effeito essa ins/)írafão de sons'? Parece que sim. Esforçando-me por vezes com os parag-uayos para pronunciar o y e as vog-aes duplas de so6, heè, síiii, etc. reparei que alg-uns (e estes visivelmente guaranis puros) nao enunciavam, antes propriamente enrjoliam o y e as vogaes reduplicadas. Conversando depois com outro parag-uayo que tinha tal ou qual instrucçao, e que for- neceu-me escriptos em abaneênga, elle disse-me que assim fallavam kaãygua indios do iiiatto, caboclos puros.

Donde conclui que este modo de pronunciar, próprio dos indios primitivamente, foi perdendo-se com o contacto com os europeus que não têm sons dessa natureza. Viajantes observadores que têm percorrido os nossos sertões confirmam que é frequente ouvirem-se dos indios estes sons engolidos e á final na roça, entre os caipiras e matutos, é conhecida a interjeição ehá e outros cacoethes em que se ouve essa inspiração de som.

Assim parece que não a vog-al especial /y e a duplicada das dicções que a tem, como ainda as nazaes iniciaes de dicções que começam por mb, nd, e talvez r, tinham essa inspiração devendo notar-se que com */, mb, nd, a inspiração precede, e nas dicções de vog-al dobrada a inspiração seg-ue a enunciação da syllaba immediata.

Na ARTE DE LA LEXGUA GENERAL DEL REYNO DE

CHILE O padre Andres Febres ideia de um ú es- pecial da ling-ua araucana, brevíssimo á tal ponto que, mediante certas considerações, é por vezes suppri- mido na escripta, nemúl, niamidl, peiam que também se escreviam neml, mamll, pelm. Este ú especial lembra muito o ij do ABANEÊNGA, não obstante ser fácil não

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achar anologia eutre um e outro porque esse ú apre- senta-se á formar syllabas em concomitância com sons inteiramente estranhos ao abaneènga que por exemplo não tem o /.

O desapparecimento deste u deixa vèr concomitân- cia de consoantes, como por exemplo, em neml, o que tem o seu analog"0 nas consoantes duplas do kechua ppacha, ceara, etc, e, como foi apontado, faz lembrar os mb, nd do abaneènga. Quando menos, estas ana- log-ias desafiam o estudo destas ling"uas e provocam a sua comparação.

Uma observação que interessa, é sobre a ausência de certas consoantes no abaneènga. O f e o v talvez podessem considerar-se impossiveis para aquellas tribus TUPIS ou GUARANIS quc tiuliam o costume de furar o lábio para nelle metter o batoque. Em g-eral vê-se que este uso devia influir muito na pronunciação das labiaes, e dahi também é possível que prove- nha a raridade de vocábulos ^ue tenham b por inicial; quasi sempre -neste caso as iniciaes são mb. Que influencia podia exercer isto sobre a inspiração que precede as consoantes b e p é o que será difíicil decidir.

Compendiando o exposto sobre as consoantes e comparando os sig-naes adoptados com os que tOm sido usados na escripta portugMieza e espanhola, eis as ])ou- cas differeuças: .

Eliminou-se o ç dos portugniezes e ficou o It dos espanhóes, mais próprio para exprimir a aspiração.

Foram substituídos o c (antes de a, o, u) e o q por k, universalmente usado e próprio para exprimir a instantânea gMittural forte. Salvam-se assim as am- biguidades da escripta com c e q como dão-se em quer por hrr (lormiie, rurr por kiirr vpliis, f»/'' f>ii quyrpor /íí/rlcner,

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viridis, j)dceme ou p(i({uetne uii pdcamo por pákamo cuin pxpergiscalur, {paceine escreveu Anchieta).

Preferio-se o n espanhol ao nh portuftHiez cor- respondente á (jn francez. O n é sem duvida preferí- vel nao porque é usado g'eralmente, como porque representa-se o som por um caracter, evitando am- l)ig'uidades. Escripto este som w'í á portugueza dar- se-hia confusão entre ankó {anij-hó) animai ire, suspirus e ahó soliis, uniciis. Se fosse adoptada a franceza (jn poderia ainda apparecer alg-uma confusão com os sons repre- sentadas por g e por n.

Por motivos idênticos preferio-se o s em vez de ç e de r (antes de e, /•) para a sibillante.

O emprego do ç á portug-ueza trouxe o inconve- niente de coufundir-se o s com o h. Este h representa por si um elemento grammatical ; nomes e verbos co- meçados por t representam certo estado absoluto; logo que se subordinam á nomes e pronomes mudam o t em r, e quando o pronome é de 3.» pessoa o r torna- se /í, e este muda para çju quando é reciproco. Por exemplo : liib paler, che-rub meus pater, nde-rub (uus paler, kavãi-rub cliristiaiii pater, hub ejus pater, (juúb siiiis pater. não acontece assim com o s que não varia e que até parece exigir, quando está no começo dos vocábulos, uma syllaba addicional preposta. Por exemplo oculi que faz na forma absoluta tesa oculi e depois conforme a regra das mudanças do t, che-resá, nde-resá, hesá, guesá mei oculi, tui oculi, ejus oculi, sui oculi; Tupã-resá Dei oculi. Aqui vê-se que o s do radical ficou invariável.

Para a semi-consoante quasi chiante adoptou-se j, convindo não confundi-la com i que também por si representa um pronome de 3.^ pessoa e com certa classe de nomes e verbos corresponde ao k mencionado. na grammatica pôde ser elucidalo o que diz res-

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peito à esta partícula demonstrativa, mas nos seguin- tes exemplos se verá a necessidade da distincçao entre /" ej: ai-ar=aiár eum colligo, a-jar=ajar adhereo, ai-u^ aiú eum edo, a-ju=ajnr venio, á-jú=ajúb requietus sum.

Afinal empreg"ou-se eh para o chiante sh (ing'lez) = sch (allemão)=c/t (francez). Talvez conviesse empre- g'ar X por ser um caracter com o qual se evitaria o duplo empreg-o do h, e porque é o som que lhe dão os portuguezes em muitas dicções como xadrez, rixa, lixa, praxe, etc. Mas é tão diíferente o som attribuido á x no g*eral dos alphabetos que apezar de empregar dois caracteres (eh) para um som, com tudo foi preferível. Por fim este som chiante do abaneênga que corres- ponde a sh inglez ou sch allemão, n'alguus lugares tòa quasi tsh ou ao menos como eh de chiirch igreja, e assim em todo o caso é preferível o eh.

METAPLASMOS

Para ultimar as observações acerca dos sons e das lettras que os representam resta tratar dos metaplasmos usados, muitas vezes por mera euphonía. Vê-se que lallando da troca de letras umas pelas outras tracta-se da mudança dos respectivos sons e não da troca por mera alteração de orthog-raphia.

O y especial do abaneênga é de todos o que tem soffrido maior mudança, o que é natural, visto ser o som mais diílicil e portanto mais alterável. No Pará e em geral no norte, segundo se do vocabulário do Padre Seixas e de Gonçalves Dias, e como é con- firmado por viajores observadores, o y degenerou em ê e en\ ii. O verbo tiiha jacere dizem teua, em vez

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de jasy luna dizem jasc e a neg^ativa eyma tornou-se êma.

A mudança de y para u vê-se em apijniõ niergere que tornou-se apumú, em inemby libia, fistula, tuba que passou á membu, em hayhúb amare hoje sausúb, em mytuú quiescere agora mutuií. A mudança do ;/ para / também se deu no norte, mas foi quasi g-eral nos vocábulos introduzidos no portug-aez, como se apontou em sapetyba, pindayba e outros embora escriptos com y.

Afinal, nos vocabulários de Gonçalves Dias e do Padre Seixas apparece o y representado por uma simples apostrophe como em p'a por pyã stomaelius.

As vog"aes o e deg-eneraram em u, exemplo: potiá pectiis putid, porany pulcher purang; o pronome ^o tornou-se ju, jetyk tiibera passou a jutika.

De o mudado em a ja ha exemplo no mesmo TESORO onde vem marangala por moranyatu pnlcheF, bónus id est virtute preditus, maranduba por moranduba novitates SC. corum qu» sunt auditio.

O e também por vezes muda-se em i e vice-versa, veja-se tekó esse que faz a-ikó, re~ikó, o-ikó em vez de a~ekó, re-ekó, o-ekó, e teti cubare que faz a-in, re-in o-in em vez de a-en, re-en, o-en.

As duas vog-aes a i sao as que menos mudaram. O a, porém, quando representa a vogal neutra por vezes é apresentada como outra qualquer e em composição desapparece quasi sempre, como em ybatan arbor rígida, lignum solidum de yha ou yb e antan e em ramo desi- nência do subjunctivo que desde Figueira apparece reme.

Nas nazaes apresenta-se grande tendência de es- quecerem-se as lettras complementares do radical, principalmente no Paraguay. O adjectivo antaii durus, rigidus é escripto e pronunciado ãtã e na primeira

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syllaba o som nazal é apenas sensível de modo que se podia escrever atã. No mesmo caso estão porã quasi porá em vez de porang pulcher e outros.

O som nazal de y é duvidoso que o houvesse em muitos casos, e parece antes ter sido alteração da labial b para m como se em yb arbor, mudado para ym em ymbira arboris pellis, arboris cútis.

Em e, i, õ, ha muitos exemplos de ter também desapparecido o som nazal, como mostra mano deesse que em muitos lug-ares se diz mano.

As consoante?, como acontece em toda parte, tro- cam-se umas pelas outras da mesma classe, ou forma- das no mesmo lug-ar dos org-aos vocaes, isto é, as la- biaes entre si, o mesmo com as dentaes, etc.

As gutturaes alternam-se frequentemente, e vê-se gantim por kantim ossis aciimen, ijaraib por karaib sanctus, etc. No supino dos verbos acabados em g sempre ha mu-> dança de g em k como em og supprimcre, óka; pog rumperc, póka. Alem disso o g tem desapparecido em muitas dicções, e nao o ^ mas o u que costuma acompa- nhal-o e com elle se liquida. Assim guasú grandis tem ficado uasú e asú (e até usú); jaguá fells, jauá; guatá ambulare, uatá e atá; guapy sedere, iiapy e apy.

Comparando-se o que disse Figueira, o Dicciona- rio brasiliano e outros com o que vem no Tesoro acha- se o, u em vez de gu em: oapy por guapy sedere, oasem por gaasem clamare, oára, oania, oaba, por guará, guama guaba fdesinencias participiaes). Em karamemoil por karamenguã dá-se troca de ngu por mo.

Um dos metaplasmos mais usados dá-se no abran- damento de k era ng quando formam-se compostos, por exemplo: kér somno se dare, conferre se dormltum, mongér aliquem somno dare, conferre dormilum; karu se alere, mangam aiere.

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A aspirada h em composição é inteiramente subor- dinada aos sons que a precedem e com elles muda como se nos participios em hdb e hdr. A. desinên- cia geral é por exemplo como no verbo mboé docere, que faz mboeháb quod docelur, doctrina e também scliola, mboehar qiii docel, magister. Mas conforme as terminações da radical do verbo o k soífre mudanças como se em ou nan currere, que não faz nãliár nem nãháb, mas sim namlab cursiis, nanddr qui currit, assim em mohang facere, monangdb quod fit, monhangdr factor, mondog disccrpere, mondokdb quod discerpitur, mondokdra qui discerpit, moam lollere, moambdb quod tollilur, moambdr (\m tollit. Nestes exemplos vê-se o h amalg-amado com a vog-al nazal precedente mudar-se em nd, ng, k, m.

As dentaes (/, nd, n rendem-se umas ás outras e apparecem também em lug-ar da dental forte t, mas esta nunca em lug-ar de qualquer das outras. O prono- me sing-ular da seg-unda pessoa apresenta-se sob as for- mas de, lide, ne, mas nunca te que tem sig-niíicaçao diversa, Elle apresenta-se também sob a forma re, que é a prepositiva verbal da segunda pessoa do sing-ular, e esta lig-ação entre a trinada ?- e a dental n explica o porque nos participios terminados em ar, ou ára, este r frequentemente fig-ura como n como se em : yguána, maranguiguána, sokána, apohána, jukahána, nan- ddna, nangána em vez de yguara aquaticus marangiguara rixosus, luibulentus, sokdra qui contundi!, apohdra qui facit, ju~ kahára qui occidit, nanddra qui currit, nangara qui corbe colligit. O n por r apparece ainda em =. simiiis, noin=roin locare, etc, e o inverso em re=/te oleri.

na g-rammatica pode ser desenvolvida a reg-ra dos radicaes demonstrativos, que pronominalmente se substituem uns aos outros na ordem t, h, gu, r e de que se vio exemplo.

fU

No mais quanto ás dentaes observa-se que no te- soRO nao vem um vocábulo começado por d e vem muitos começados por nd. Entretanto francezes, por- tug'uezes e outros escreveram esses vocábulos com d, e ás vezes com n ao passo que os parag-uayos ainda hoje usara do nd. O pronome pessoal por exemplo da seg'unda pessoa sing-ular no tesoro é sempre nde, ou- tros, porém, escreviam ne ou de, mas nunca te que tem sig-niíicação diversa. Pelo contrario ha exemplos de mudança de t em nd, como se no verbo mondyí terrere, composto da prepositiva activa mo e do verbo neutro tyt tremere.

O que dá-se com as dentaes, também acontece com as labiaes p, b, mb, m que alternam-se obdecendo á certas leis de harmonia e reg-ras gTammaticaes. Se o radical tem p ou b pelo facto de se compor com. dicção de som nazal mudam-se essas lettras em mb e m. 7?o é a pospositiva dos supinos g-erundios e ella se muda em ma e mo por exemplo em : ã erigi ãma e nâo ãbo, nupã eonlundere, pulsare, nupãmo e nao nupãbo, mano deesse, manõmo e nao manòbo. Nos supinos gerúndios de mais o b está sujeito á mudanças aná- logas ás que vimos para h. Pyrd calcare faz pyrãmo, pyrúnga, ty liumare, serere, tymo ou tymba, mondóg discerpere faz mondóka e nao mondóbo que corresponde ao verbo mondo jubere.

O relativo bae que como pospositiva dos verbos forma o participio presente o-mondóba<i qiii jubet, o-hay- húbae anians, este relativo, dizemos, quando isolado é mbue, como em: mbãc-pe-è-ré quid dicis?

O verbo por esse e haberc composto com outras dic- ções por vezes muda-se em bór, O adverbio mais, também posposto á dicções nazaes muda-se em me e o mesmo aronlece com a posposicão pe.

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No começo das dicções é raríssimo apparecer h simplesmente ; de ordinário vem mb e este como disfe alterna-se com p. Assim diz-se po=:>nbo manus, pir=: mbir pellis, py=inby pes, pya=mbya víscera, pokáb=mbokab tormeiíUim, pug=mbug erumpi, peu=mbeii pus.

Além destas mudanças dos sons pelos réus corres- pondentes da mesma ordem (isto é, g"utturaes, dentaes, ou nazaes entre si) ainda ha outras que parecem, porém, nao sao mais anómalas. Uma delias e das mais fre- quentes e a do ò em u e o. No verbo tyb o b dege- nerou em o; com effeito a terceira pessoa neg-ativa do siug-ular do presente indicativo é ndi-tyb que passou á nitlo como se no diccionario brasiliano e dahi ainda á intio como está no vocabulário do Padre Seixas.

A pospositiva verbal haba, com que formam-se substantivos participios, no norte descambou para dua, e ainda mesmo se havia terminação bi esta mudou-se em ua exemplo : Peba planus tornou-se peita ; tupába lectus, cubile, tupáua ; ygaliába vas aquarium ygasáua. E também no meio das dicções como em abati niilium. que ficou auati. Em portug-uez, sabe-se, trocam muito o b por V e vice-versa, mas o abaneênga nilo tendo V faz a troca do b por u.

Nem somente se cifra nesta mudança a alteração que soffre o b; elle tem sido completamente elidido e junto com elle a vogal da syllaba. Tubichába pnnceps, pelos Índios do Pará é pronunciado tucháua, morubichába ficou lauruicháua, etc. Xo fallar dos parag'uayos também ha exemplo do desapparecimento do b por exemplo no verbo kuâáb scire, noscere quando se diz ndai kuãái, em vez de ndái kuâábi ignoro, ignosco.

De outros metaplasmos e das figniras de g-ramma- tica não é opportuno aqui tractar mais desenvolvi- damente: cabe em outro log-ar quando se analysar a

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estructiira da phrase e proceder-se ao estudo dos radi- caes. É na g-rammatica que podem ser estudadas cer- tas mudanças de sons subordinados á leis alg-o unifor- mes; o ABANEÈNGA como todas as outras ling*uas tem o seu modo de variar as vozes conforme a conting-en- cia dos sons, que se compõem.

Exemplos de metathese, verbi g-ratia, tem-se em baí por aib ardiius, maliis, como ag-ora usam os paragnia- yos; de apherese em por tesa oculi ; de apocope em quasi todos 03 vocábulos na bocca das g"entes do Para- g-uay e das Missões; de synerese em tariíi por tayin seincn em tan por tãin dcns, de syncopa ou crase em tamonduá por tasymonduár niyriíiecopliaga, oii litteralmente formicaFum auceps, \enator.

A apocopa merece particular attencao porque do uso frequente delia entre os parag-uayos resultou a principal differença entre guarani e tupi como foi notado no proleg-omeno. Embora pareça repetição fas- tidiosa torna-se preciso insistir sobre este ponto, por- que isto tem induzido á muitos erros, fazendo crer que diíferia muito o guarani do tupi. Us vocábulos tub, péb, nãn, tar, iab, órj, pór, s7jb, liub, e outros eram pronun- ciados pelos parag-uayos com elisão da ultima lettra, dizendo elles : tú, pé, nã, tá, iá, d, pó, sy, hú, e os tupis juntavam sempre a v.^g-al neutra pronunciando distinc- tamente a seg"unda syllaba em tuba, peba, nana, tara, iába,óga=ok'i, póra, syma,húba. Os guaranis nem sempre supprimiam essa ultima lettra ou syllaba conforme a eupbonia ou a clareza que queriam no que diziam, mas era-lhes mais habitual a suppressão. Os tupis não apresentam quasi caso alg-uin em que elidissem a ul- tima syllaba; provam-no os nomes hoje correntes no Brasil como peróbíi, pindayba, sapetyba, karióca, pi- póka, mnndioka, etc. Confrontem-se ybernb aqiia splen-

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dens que no Brasil tornou-se iiborába e no Parai^^uay yberá; tijjúfj \u\im, no Brasil tyjáhyi e no Parag-nay tujú.

É claro que aqui tracta-se «ó de metaplasnios pró- prios da ling-ua e não de trocas, equivocos, etc, resul- tantes do modo differente de escrever e de erros de es- cripta ou de impressão. Estes são inteiramente descon- chavados e exig-eni apenas attenção para se não cahir em equivoco. De trocas de n por u, (j por y, a por u e viceversa e muitos outros erros de escripta ou typo- graphicos estão inçados os livros que tractam do Brasil e tem eng-endrado muitas extravag-ancias. No prole- g'omeno apontamos os dois nomes pidga e inubia que nada sigmificam e que são meros erros de paijé e mimbij.

Além dos- erros typog-rapliicos ou de copia lia o da orthog-raphia differente, adaptada ordinariamente pelo autor da noticia aos caracteres empreg-ados na própria ling-ua, em que escrevia. Assim em Lery, em Claude d'Abbeville e outros o u é escripto á fran- ceza ou, o é vem como ai, o d como au, o y especial como u, ua ou oa como oi, n como yn, etc. Os por- tug-uezes para quem o h é apenas sig-nal orthogra- phico, porém, mudo na pronunciação, tendo de exprimir a aspirada forte do abaneênga serviram-se do ç e deste facto resultaram muitos equivocos ; com eflfeito basta a suppressão da cedillia para que o som de c se apresente como k, completamente inadmissível. Digo inadmissível porque no abaneênga ha talvez um caso único em que a fusão de um </ e de um h (equi- valente de ç) produzem k ; é nos participios derivados de verbos acabados em rj que recebendo as pospositivas hab ou hár, reduzem o (jh a k, por exemplo em pog strepere, crepare, poMò slrepiliim et qiiod crepal, tormentiini, /jo/car slrepilans que seg-undo as reg-ras de composição da ling'ua deviam ser poykáb, póyJiár, ou ainda pógaháb, póyahár.

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Este c empreg-ado pelos portug-uezes foi tao in- conveniente que ainda acarretou outras adulterações de sons produzindo extrema confusão. A terminação do futuro dos participios em hah que é simplesmente haguã ou haguam vê-se escripta em Figueira e também em Anchieta aõama onde não se nada do som g-uttu- ral tao próprio desta desinência. Assim juká-hmjuama apresenta-se sob a forma juká-ãoama, moinrjó-hagumna como moingó-aòama , formas visivelmente inconve- nientes e não aptas.

É quanto basta para se poderem seg-uiras correc- ções e interpretações das dicções do abaneênga es- criptas conforme as diversas ortliog-raphias dos que visitaram a terra de Santa Cruz, nos primeiros tempos da descoberta, e sobre ella escreveram noticias.

^w^Mv*i^^^^^w^>^M^rww>^M<^^k/s^^wwwMV

ADVERTÊNCIA

Para escrever a grammatica e diccionario do ABÂXEÊNGA foi iiecessario tomarem-se notas e aponta- mentos de quantos auctores ponde haver á mao, prin- cipalmente dos que tractavani de brasis e guaranis e de cousas á elles relativas. Depois appareceu a con- veniência de serem coordenados alg-uns desses aponta- mentos e impressos como complemento da grammatica e do diccionario com o fim de elucidar as deducções formuladas e justificar a correcção orthographica, con- catenando umas com as outras as noticias constantes de diversos livros, escriptos em latim, portug-uez. es- panhol, fraucez, etc.

Circunstancias e difficuldades diversas tem emba- raçado e ainda embaraçam a publicação da obra, cujo plano foi preciso mudar e assim acha-se para bem dizer ainda em osso. Isto determinou a impressão dos apontamentos e notas antes do diccionario e g-ramma- tica, â que não poude dar a ultima mão de modo que possam ser entreg-ues aos typos. Falta de livros, dif- ficuldade de consulta dos que ha, n'algumas bibliothe-

To- cas, e afinal nenhuma sobra de tempo, quasi todo absorvido era serviços obrig-atorios de cada dia, evi- dentemente estorvam a conclusão de qualquer trabalho desta natureza.

Parecerá á muitos cousa de nonada ou de minima importância esta penosa tarefa de coordenar a ortho- g-raphia de palavras de uma ling-ua barbara. Embora; é um estudo como outro qualquer, e depois de con- cluido vêr-se-ha se tem ou nao alg-uma utilidade.

Tinha de começar pela reimpressão do cap. 21 de Lery. Mas com o proleg-omeno e a exposição da ortho- g-raphia, por mais que os resumisse, ficou occupada uma bôa parte do primeiro folheto dos Ensaios, com prejuizo dos que nelles collaboram. A transcripção de Lery fica, pois, para o segundo folheto.

No mencionado cap. 21 de Lery vem com bastante ingenuidade e fidelidade uma espécie de dialogo do auctor com os Índios, escripto com orthographia á franceza. Si a ling-ua de que ahi se amostra é a mesma que fallavam no Parag-uay, e si disso se demonstração por meio da correcção orthographica, parece que a cousa não deixa de ter importância para a litteratura e para a sciencia.

Será transcripto lettra por lettra o que escreveu Lery com a respectiva traducção dada por elle, e parallelamente a correcção seg-undo a orthographia adoptada. Adiante irão notas explicativas.

Ao Lery seg-uir-se-hão os apontamentos tirados de Yves d'Evreux, a traducção da viag-em de Roulox Baro e outros. De Claude de Abbeville como conheço a traducção feita peio Sr. Dr. César Augusto Marques não é possivel tirar copia fiel para ser comparada e discutida.

Sem de forma nenhuma querer desmerecer os tra-

balhos do Sr. Dr. Marques, que aliás sao óptimos e o constituem benemérito das lettras brasileiras, a enun- ciação franca de uma ideia alg"0 opposta ao seu modo de vêr e fazer não implica uma censura. Nas tradu- cçOes de Claude de Abbeville e de Yves de Evreux com que enriqueceu-se a bibliotheca pátria, foi muito incon- veniente a alteração parcial que se fez na orthogTa- phia original dos vocábulos indig-enas, alteração que podia ser feita systematicamente e com prévia de- claração, sob pena de concorrer ainda mais para a confusão da ling-ua tão incongTuente e embaralhada. Para o estudioso destas antig'Qallias linguisticas foi máo e seria mais de apreciar o que fizeram os Srs. F. Dinis, e Júlio Platzmann, reimprimindo fielmente o primeiro Yves d'Evreux e o segundo o Anchieta.

Para concluir este primeiro opúsculo e para dar uma amostra da marcha seguida na correcção ortho- graphica, eis um pequeno trecho de Laet, no qual elle fez o confronto de vocábulos da lingua geral dados por Lery com os colhidos na balda da Traição e os dados por um lingua Belga. D'entre os 23 vocábu- los transcriptos, em alguns não ha outra divergência senão no modo de escrever, e em outros mui pouca diíferença do termo empregado, o qual existe na lingua com outra significação.

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Les noms des parties du corps de Thomme

(D»sc. des l. Occ. L. 16, Cap. l.«)

Selon Je«n de Lery

Dins la baye de Tiaycion

Selon la remarque i'uTi Belge.

La teste

Acan

Acan

Yahange

Les cheveux

Aue Nembi

Aua

Les oreilles

Nambi

Namby

Le front

Shua Dessa

Suwa

Les yeiix

Desa

Scescah

Le nez

Tin

Tin

Ty

La bouche

lourou

Redniiua

Apecou

lurou

Le menton

Tedube

La laDgue

Apecong

Ypecou

Les dents

Ram

Tannie

Raaingh

Le col

Aíoedé

Aiura

Aiure

Le Kosier

Asseoc

Poça

Rousbonv

Assiocke

La poitrine Les reins

•••••■••■•■••

Potiah

Yuabebouye

Syquarre ou Tobyrre.

Les fesses

Reuire

Les espaules Les bras

Inuanpony Inua

Attiube

Giuwa

Ye

Les mains

Po

Po ou gepo

Poh

Le ventre

Reguie

Zambeh

Les tetins

Cam Rodouponani

Camme

Les genoux

Tnippha

Nupuha

Les iambes

Resemeu

Gretima

Youba

Les pies

Pouii

Gepu

Ypuch.

A' primeira vista ning-uem dirá que são vocábu- los da mesma ling-iia, por exemplo: reuire e syquarre ou tobyrre, rodouponam, tnippha e nupuha. Entretanto com alg-uma attenção vê-se que a questão se reduz à orthogTaphia simplesmente.

Akang = akã capuL se observou no proleg-omeno que era habitual entre os guaranis e ainda é entre os paragMiayos pronunciarem em certos casos o vocábulo

I

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elidindo as syllabas íiiiaes ou as consoantes do ra- dical : clie-rú por che-riib ou che-ruba, che-akã por che- akaiKj ou cJie-akamja. Em yahange ha evidentemente troca de k em /< e o y é sem duvida a partícula pronominal desig-nativa de 3.* pessoa ; i-akaiig, ou melhor 'ij-akdiig illiiis capiit.

Ab = áb.i ca|>illi. Quer Lery, quer o Belg"a es- creveram u por V e este estaria em vez de b como ainda hoje usam no Pará.

Natnbí aures. Lery escreveu á franceza em por am ; o Belga poz y por i o que é frequente em francez portug'uez, etc.

Sybá froiis. Laet errou ao transcrever Lery que tem sshua e não shua; o segundo s pode ser erro por /, e o n = r; no Belga w = i: e u é francez equiva- lente á ii allemão. Portanto o termo de Lery sihm corresponde ao do Belga suba, isto é, sybá.

Tesa octili. Em Lery e no da bahia da Traição está d por t e em um o s dobrado. No Belga apparece nc =: s e ha de mais um h final. O s inicial ex- plica-se logo que se veja que pôde estar em vez de h porque tem-se então tesa ocnii, clie-resá niei oculi, nde-resá liii oculi ; besú ejus ocnii, guesa sul oculi. Em vista do h final é possível que o vocábulo do Belga seja techag videre, que no infinito pode fazer (pcliag = techaka; em vez do / absoluto pondo-se o h, relativa pronominal, têm-se hecJuíka cum \ ideie.

7<(/i =L^ n nasus. Em francez in = rn, e isto mostra que os brasis pronunciavam Ct muito do nariz e talvez com som entre tím e tem. A escripta do Belga tij é desconchavada.

Jurub = jurú os, bueca. vio-se que a suppressão do b final é usual ; a semi vogal j, não têm conta o numero de vezes que, se acha representaíla por i e

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até por jy. Pela escripta do Belg'a o vocábulo corres- pondera é jyrú na nossa escripta.

Tendyba meiílum- Laet n3o transcreveu com exa- ctidão o Lery ; este traz che-rediniua. Com este vocábulo temos: tendybá menliim absolute, che-rendybâ, nde~re.ndybá , hendybá, guendybá nieiiiii meuliim, luiim, etc. Ora sendo visto que u vem por r equivalente á h resta a anomalia do dm em vez de lul porque o i por // nfio é de estranhar. Na escripta do Belg'a falta a designação de som naz^l de te dube = tendyh; a syllaba final não accentuada acha-se em muitas noticias dos TUPIS e é difficil explicar essa falta de accento essencial.

Apekum = apekã língua. 8eja oii ou on o que vem em Lery e no Belg-a é possível adaptar-se á verda- deira pronuncia, e apresenta-se apenas mais anómalo omj g-uttural que se no vocábulo da bahia da Traição. Quanto ao mais I-apekn ou /./■ a/W.'/! ojiis lingiia explica a escripta do Belg-a.

Tãin = tãi (iens, dentes absolute. che-rãin, nde-niin- hãin, (juãin mel, lui, etc, denles. Em Lery vem rhe- ram, Laet supprimiu rhe. Pronunciando-se Uiuníp com accento na primeira e as outras breves e não accen- tuadas approxima-se á lãih. Emfim ai valendo é em francez e wj valendo >'i o vocábulo do Belg-a equivale á râcn bastante próximo de rniii.

Aiur=ajH eolluni. Aqui se apresenta um dos casos em que se quantos erros se commettem na Iran- scripção dos vocábulos. I/iet transcreve de Lery aíoedf' e em Lery está aionrr, e na escripta de Lery é in- explicável o accento sobre o r linal. .\a escripta do Belg'a dando-se á //, o som Irancez elle se desvia mais da verdadeira ])ronuncia que não é njyr.

Jaftf'iui=Jnseó «nllni'. ]'Mra so acconunodar á verda-

/.)

cleira pronuncia, .só falta tanto em Lery como no Belga a semivog-al inicial j . A gMittural g representada por c ou mais fortemente ck não tem nada de estranho.

Potiã peclus. Em Lery evidentemente houve sup- pressão de t e mudança de i em c, O h final no vocábulo dado pelo Belga teria por effeito dar mais força a accentuaçao do final de potiá.

Tumbij renes (ou antes lumbi que faz che-rumbyy mie- rumbij, etc. Escrevendo o vocábulo de Lery segundo a pronuncia, fica elle rusbuí, pois sem duvida está n por u p V por / ; mas é possível também que houvesse erro em iis por ui e neste caso o vocábulo pronunciado seria rombu! ; em qualquer dos casos se approxiraa de ehe-rumbij, pois que Laet su])primio também a pro- nominal clir. de Lery. O vocábulo dado pelo Belga é nyd-behúi on pya-bebúi, que sigmificam pulmones, pois que o primeiro é litteralmente nya-bebúi cordia levia, e o segundo pya-bebni víscera levia. Que é um dos dous nao padece duvida: em yiiu. o // pôde ser erro por/) e pode também representar a semivogal ./ que se alterna com n ; portanto dando a w o som francez tem-se ou pua ipya para nós) ou j ua {jya=nyá i^ava, nós). O adjectivo bcbúi também é pronunciado bebúia ou bebúja e ahi te- mos o final do vocábulo do Belga, visto como ou vale u,

Tebir= tebi (Uiu^ et nates. Em Lery é claro u por 6, o /• inicial por t mostrando a suppressao feita por Laet do pronome che que o precedia. No escripto do Belga vem dous termos ; o segundo tobyrre é evidentemente tebira havendo o por e, y por i, rr para exprimir á franceza o r brando do abaneènga. O outro vocábulo suppondo-se que // vale dous i ficaria siikuara que se aproxima de hcbikuar. Ora tebikuara quer dizer naliiim foramen, podex, e tebikuar em absoluto, faz nos casos relativos che-rebikuar. ude-rcbikuar, hebikuar. etc.

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Atiyb humeri et jyba-ypy brachioruni exorius, vel junclura. O vocábulo do Belg-a nao carece de grande trabalho para se reduzir á atiyb g-eralraente usado para exprimir hombros.; o dado por Lery, porém, soffreu muita alteração; o primeiro u (valendo y) está escripto n, depois em vez de b quiz escrever v e vem u: vem em segniida n ou u por y e á final a syllaba pony talvez pouy (valendo ou em francez u) em vez de py. O termo jyba-ypy além do sig-- nificado próprio, era empreg-ado para exprimir lacertm, mas impropriamente, porque para isto havia jybá-neã. Jyba bracliia. Em Lery n por u (valendo y), e u por V ('valendo b). Em giuv-a tem-se apenas de dar á ^y o som de j, fortoar diphtong-o de iu, e fazer u-=v que está por b. O termo ye dado pelo Belg-a não pode ser senão alteração de yb, caiilis, fiislis, Iriinciis, ai'boi', malus e mesmo brachium.

Po maniis e che-po mea iiianus correspondem bem á poh e (jepo.

Tyé ou antes íyjé ahus , fambc venler e mais pro- priamente inguen, porque para venler tinham também takapc. Em tyje o j talvez por ser precedido da vog-al g-uttural y tem tendência á soar como y. O r por t se sabe que é a substituição passando de caso abso- luto para caso reg-idu, e o mesmo quando vem h por t ou r. Em zambeh é evidente o :; em vez de h.

Kam mamma, iiber. Os guaranis supprimiam o m dizendo kã, e os tupis faziam duas syllabas kama.

Tmypyâ genua. Em Lery o r por í se sabe; rodou está por reny ou rendy, e pouan {panam erro de n por u) por pyã ou pyam. Em inippha pronunciando-se duas syllabas com as lettras tni e dando-se aspiração á h o som se approxima de tenypyã; em nupuha o Belg-a supprimio a primeira syllaba te ou re e tornou bem distinctas as duas syllabas finaes pyã.

/ /

Tetijman crura, nb coxa, fémur. Em Lery houve erro de s por t fácil de dar-se com o s antigo, que se asse- melha á f; reteman não se arreda muito de rptyman vio-se (je por che portanto gretima está por geretima, que che-retymã mea crura. Afinal youba está por •fj-nb, á moda tupi ij-uba illius fémur.

Py pedes, pes. E' evidente o pouii de Lery que faz duas syllabas em py e ainda aloug-a a seg"unda. Gepu está claro que é che-py mei pedes; ypiich é sem duvida 1 i-py illius pedes.

B. G. d' A. Nogueira.

(Continua.)

Os Sanibacj[\TÍs

«JÍdíe-i

os SAMBAQUIS

Eis um nome que muito tem dado que fallar, que pensar e. que escrever, com o qual muita sciencia tem se procurado casar para dar-lhe vulto notável; nem faltaram-lhe locubrações dos sábios de caco de pote, geolog-os e anthropolog-os improvisados. Para colher provas disso, nao precisa ir long-e, basta folhear a Revista do nosso Instituto Histórico e Geog-raphico.

O que, porém, mais me escandalisou foi ler no livro de Lyell, intitulado a Idade do género humano, um parag-rapho intitulado os Diques de Santos no Brasil.

Ha ahi erro g-eog-raphico, collocando S. Paulo nas immediaçues de Santos, e ha também erro archeolo- g-ico e etlmog-raphico, comparando o que viram em Santos com os diques do Ohio e dando-lhes orig-em idêntica, devida á um povo adiantado em civilisaçao; qualificam além disso esses diques como obra de terra.

Isso evidentemente é nota de carteira de viajante que passou ao larg-o, em canoa, pelo rio da Bertiog-a, e que causticado peloí? meruins não se deu ao tra-

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balho de saltar em terra, contentou-se em dizer o que veio-lhe á cabeça acerca de uus prismas triangulares, terminados em ambos os lados por hemipyramides.

Para nao consentir em reproducçao de erros taes mandei para as Noticias Geographicas do Dr. Peter- mann, de Gotlia, um esclarecimento sobre sambaquis, com observação sobre a leviandade de viajantes apres- sados aos quaes ás vezes damos importância, nao com o fim de auxiliar a sciencia, mas para obtermos alg-um elog-io em letra redonda além-mar.

Devemos convencer-nos que sciencia exig-e pausa e perseverança; quem a quizer fazer ás carreiras, perde-se.

Aqui reproduzimos o que foi publicado em 1874, no 2.° volume pag-. 228 das mencionadas Noticias.

Para se dar ao sambaqui a importância que lhe cabe é preciso traduzir o nome e eis á esse respeito o que teve a bondade de informar-me o nosso distincto g-uara- niolog-o Dr. Baptista Caetano de Almeida Nog-ueira:

« Sambaqui, significa litteralnaente montão de conchas; de Tambá concha, e ky collinas cónicas como peitos de mulher. Nos substantivos guaranis a mudança do t em h aspirado ou em gu forma a passagem do valor absoluto ao relativo e reciproco ; como os portuguezes na sua lingua não têm aspiração davam-na por ç ou a. Além disso em palavras compostas, o genitivo occupa o primeiro lugar, e dahi resulta hambaky, coUina de conchas. Pôde também ser estropiamento de hamba-kyab, refugo ou varredura de concha. »

Servem ambas as versOes; a primeira qualifica o objecto, a seg-unda explica a sua orig-em, e é a que mais satisfaz.

É pois o sambaqui um monte de cisco composto de conchas ; quer dizer que se varreu o lug-ar coberto de casca e amontoaram-se as varreduras.

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Essa operação era indispensável para acampar no lug-ar um povo que descalço pisava e assentava e se deitava sobre o chão.

Essas varreduras naturalmente eram ajuntadas em cascas de arvore, cestos ou urupemas e amontoa- das em um lug-ar só. A primitiva forma desses montes é incontestavelmente o cone; e é effectivamente tal a forma de muitos sambaquis.

Atting-ida certa altura, encostava-se o cisco até o vértice e sempre do mesmo lado ; a consequência era formação de um prisma de trez faces, deitado, com os topos rematados por duas metades de cone, cujas convexidades às vezes g-astas passam à faces de pyra- mides.

Até aqui vemos como foram construidos esses montes de concha, que também se chamam casqueiros e ostreiras ; carecemos ag-ora indag*ar qual a orig-em de tanta casca.

Primeiro que tudo devemos observar que os sambaquis invariavelmente se compõem de uma qua- lidade de casca e esta sempre de molluscos bivalves comiveis; estes moluscos, ora são ostra, ora o saman- guayá do Rio de Janeiro , ao qual no sul deram os portug-uezes o nome de berbigão {Cryptogramrna macrodon, Lam]. Está disseminado aqui e acolá e é acompanhado de alg-umas cascas isoladas de Car~ dium muricatum, uma ou outra amêijoa, nome que dão indistinctamente á Dosinia concêntrica, Bom, e á Lu- cinia jamaicfnsis, SprgL; raras cascas de Arca, Pholas e Pinna vieram accidentalmente cahir ahi porque vivem de envolta com o samanguayá.

Ag-oia resta dizer alg'uma cousa sobre a vida desses molluscos : são elles sociáveis, formam g-randes colónias reunidas em determinados pontos, constituindo

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bancos ás vezes de extensão considerável ; sendo estes bancos em parte destruídos, em pouco tempo regene- ram-se pela geração nova.

Ora, reunindo esta propriedade de agglomeraçao e reproducçao, á qualidade muito mais importante de ali- mentícia, ahi temos dadas as condiçOes para reunir um povo em busca de sustento em um ponto e a sua perma- nência ali emquanto houvesse que comer, e o seu regresso para o mesmo lugar logo que nova seara podia se fazer.

Concluímos também dahi qual a causa dos mon- tes e varreduras das cascas ; nao é cousa devida á methodo, á espirito de ordem, é uma consequência da necessidade de limpar o terreno que se occupa, de todos os fragmentos que ferem ou cortam.

Passemos agora á algumas condiçOes de ordem secundaria, que sao: 1." stratificações ; 2." objectos diversos; 3.° influencia geológica.

Nos sambaquis encontram-se frequentemente estra- tificações distinctas separadas umas das outras por uma camada terrosa, mais ténue ; também estas têm fácil explicação combinando o modo de construcçao, com os períodos de que precisam os bancos de concha para se regenerarem. Durante estes períodos a ca- mada superficial do casqueiro soffre a acção do tempo, inicía-se uma decomposição ; quando os indígenas vol- tavam ao lugar, de vez para nova colheita, arrancavam o capim e as hervas que cresceram, varriam folhas sec- cas e onde naturalmente depositavam esse cisco era sobre o casqueiro e muito provavelmente atacavam-lhe fogo, porque a estrata terrosa frequentemente tem as- pecto de cinza ; esse processo calcinava parte das con- chas que com a humidade do ar ou com a chuva se esfarelavam, e deste modo a camada recente ficava per- feitamente separada dos depósitos anteriores.

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Essas expedições periódicas para buscar em deter- minados pontos e em epochas certas o alimento nao eram para colheita de conchas; ellas tinham lugar em occasiao, por exemplo, em que o peixe se reúne em cardumes, entrando pelas bahias ou subindo os rios para desovar; á esses cardumes denominavam pira- sema, nome que ainda hoje subsiste, e ahi prepara- vam suas provisões de pirásinumja ou peixe secco. Reunem-se ainda hoje as tribus do norte em malocas ou partidas para colheita de ovos de tartarug'a, da castanha, etc. Também para caça havia excursões periódicas e de todas ellas nao permaneceu vestigio por nao terem casca duradoura, que se varria como o samanguayá ou a ostra.

Quanto á objectos estranhos á colheita dos bancos, devem-se mencionar ás vezes conchas de outras prove- niências como uns mariscos ou mexilhões que elles iam colher nos mangues, o Mytilus pietris, Dkr., ou a Tarioba Jphigenia Brasiliensis, Lam., e os sernambys standella fra- (]Uis, Chmn, e em parte as Macoma cayennensis, Lam., que vivem enterradas na areia das praias do mar grosso; mas estas nunca avultam.

Entre as varreduras encontram-se utensis de pedra, cacos de panella e de potes ( nunca me constou que se encontrasse uma panella inteira, servi vel), pedaços de carvão, restos de tições, etc. Alem disto todos os restos de caça e pesca, como ossos inteiros e em frag- mentos e espinhas de peixe.

Os accessorios mais notáveis sao ossadas humanas, porém, relativamente raras; eu nao as encontrei; vi al- guns ossos grandes como tibias que nao tinham sido quebradas para chupar o tutano. Ha quem sustente que as ostreiras eram aproveitadas para enterrar os mortos ; nao é isso muito verosímil, porque entáo se-

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riam mais frequentes as ossadas ; parece antes que também esses ossos, de alg-um velho, ou doente que fosse abandonado, constituiam lixo como o mais e eram atirado sobre o monte.

Reduzimos assim á sua sing-ela expressão natural o sambaqui, que teve de servir para tanta producçao fan- tástica, ora sendo diques, ora trincheiras, outras vezes mausoléos, e até construcções para o culto.

Nao ha ainda muitos annos viam-se sambaquis recentes e respeitáveis produzidos em diversos pontos da bahia do Rio de Janeiro pelos pescadores de maris- co para fabrico de cal ; elles colhiam o samanguayá ainda vivo e o amontoavam. Hoje estão esg-otados os bancos, nao se deu tempo á se reproduzirem as conchas, e pesca-se cisco composto de tudo, areia e frag-mentos de concha.

Os antig^os sambaquis do Rio de Janeiro de long-a data foram consumidos pelas caieiras, e para o sul vai acontecendo o mesmo. A cal consumida em Santos é tirada das ostreiras da Bertiog-a ; em Ig-uape e Cananéa também soffreram consumo, o mesmo acon- tece em Paranaguá, etc.

O sambaqui tem em muitos pontos alg'uma impor- tância g-eologica que, nao tendo sida attendida, deu lugar á interpretações inexactas.

O samanquayá vive em lugares pouco fundos e em agua salgada ; quando penetra na barra de algum rio nunca chega onde possa predominar agua doce.

Os indigenas consumiam os samanguayds necessaria- mente na maior proximidade do banco onde os colhiam.

Portanto a existência de sambaquis á mais de lé- gua de distancia de agua salgada, como acontece n'al-' guns affluentes da bahia de Paranaguá, por exemplo no Rio Gorgossú, ou na Laguna, onde se eleva no meio

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de vasta planície em parte coberta de densa matta, á mais de 10 metros o mo7'ro do Sambaqui servindo de marco aos navegantes que demandam a barra, a existência destes denota que por alli perto havia ou- tr'ora bancos de samamguayá e ag-ua salgada.

Temos ahi o caso de haver recuado o mar como diz o povo, ou havido emersão da costa como se ex- prime o g-eologo.

A consequência dessa emersfio por levantamento lento, foi ficarem á secco cordões de bancos, fechando as enseadas, as quaes ficavam mais razas e com facilida- de eram aterradas pelos depósitos de alluviao trazidos pelos rios. Assim a Laguna, que devia ter sido uma immensa enseada, é hoje um vargedo de brejos cober- tos de tiririca, cortadas por canaes de agua doce que cada vez mais se estreitam ; a barra do Camacho por onde entrou Garibaldi com duas embarcações, é hoje terra firme e raras vezes ainda se abre.

Existe na cidade um calháo de granito meio metro acima do terreno e dois metros acima da mais alta maré ; ha ainda agarrada na sua parte superior uma casca de ostra. E', pois, evidente que o mar antigamente subia pelo menos 2 1/2 metros acima do actual nivel, o que confirma o solo sobre o qual está construída a cidade, todo elle de lodo escuro, cheio de cascas de crypto- (jramma , cardmm , arca e mais companheiros ; um pequeno sambaqui que se encontra na cidade está sobre uma elevação que foi ilha.

A existência pois de sambaquis em lugares, onde se dao condições contrarias ás que presidiam a sua cons- trucçao, revela o alteamento do littoral.

Nao posso deixar de mencionar ainda um facto curioso: Em Paranaguá diversas pessoas me referi- ram que havia no rio Piracuara, um antigo navio de

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madeira preg-ado com cavilhas de páo por baixo de um sambaqui; cada qual completava o mysterioso na- vio á seu modo e arranjava uma descripçao capaz de excitar em extremo algum cérebro de arclieologo ; acres- centavam que a madeira era desconhecida na terra. Havia em tudo isto matéria suficiente para massar o mundo com um romance de estada de phenicios ou carthaginezes nas plagas brasílicas.

A curiosidade moveu-me e fui dar com o encan- tado barco, isto é, apenas com um fragmento que com auxilio de imaginação se poderia qualificar de taboa ; mandei excavar e pouco adiante encontrei restos da proa de uma canoa, amarrada com um pedaço de imbê á um coto de vara pontuda fincada no lodo! A textura da tal madeira estranha era a da nossa peroba! e assim esvaeceu-se a poesia dos bellos con- tos, que eu havia ouvido em Iguape. O que se con- servou da ygara dos Índios foi devido ao desmorana- mento de uma porção de sambaqtii que a cobrio.

Com a elevação do littoral muitos sambaquis fica- ram estacionários ; outros também deixaram de crescer pelo desapparecimento dos primitivos donos da terra rechassados pelos invasores-.

Os costumes da população nova sao outros, em vez de construir os sambaquis ella os destróe fazendo cal e brevemente delles em vâo se procurarão ves- tígios: restará o nome.

Parece que debaixo de condições idênticas for- maram sambaquis com conchas de agua doce nas mar- gens dos aíflueutes do Amazonas como os descreve o Sr. Barboza Rodrigues na sua excursão ao Tapajós ; ali é mina de sernamby aproveitada para cal. E' um facto muito interessante, que devemos á este cuidadoso ob- servador.

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Long-as pag-inas se poderiam ainda escrever sobre o sambaqui soltando as azas á imag"ÍHação e tirar eru- ditas conclusões sobre sua forma g'eometrica orienta- ção, etc. De g-abinete é fácil discorrer sobre estado de civil isaçHO dos Íncolas, fallar dos constructores dos sambaquis, discutir a idade destes e pelos accessorios determinar a sua orig-em. Tudo isso, porém, sao futilidades ; um facto bem observado basta para aunular um livro inteiro de dissertação ouça.

G. S. de Capanema.

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ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

L'ai'clicoIogie, est une science qui coramence. Ce n'est qu'en pénétranl dans les profondeurs de Va tenc que vous arriverez à des découvertes vraiment grandes. ?<ous n'en sommes qu'à IVpi- dcrme, nous n'avons fait que gratter la superfície et soulcver un peu de poussiére.

B. DE Pertbes.— Am. cell. ei aiitid. t. !, pag. 538.

Armas e instrumentos de pedra

Se ha ramo da historia que teuha sido descurado entT"e nós e que mais precise de um estudo critico, severo e coasciencioso, é o da archeolog-ia.

A questão da apparição do homem americano, tem ultimamente despertado a attenção de alg'uns amadores, que têm aventurado alg-umas theorias, todas baseadas mais em raciocinios do que em provas que documen- tem as opiniões. Estudos de gabinete, fundados n'uma ou n'outra informação, sem o exame, sem a comparação, tem feito com que divirjam ap opiniões á esse respeito.

A falta de explorações especiaes, faz com que não conheçamos nossas antiguidades, que vão desappare- cendo ; umas levadas para Europa, por amadores e naturalistas, outras destruídas pelos indifferentes e ignorantes, e a maior parte despresadas pelos serta- nejos que as encontram. Dahi vem o atrazo em que estamos, a ignorância em que vivemos dos usos e costumes dos nossos autochtones. Se alguma cousa apparece, é sempre colhida no que nos deixaram escripto alguns autores antigos.

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Quando com o lápis na mão, no exercício da coramissao com que me honra o Governo Imperial, percorria o Valle do Amazonas, nao retratava as flores; no meu caderno de campo, á par de uma discripçao botânica, muitas vezes deixava também estampado um objecto que do seio da terra extrahia. Sempre o que dizia respeito aos habitantes das flo- restas, quer os d'outr'ora, quer os de hoje, me cha- mava a attençao e uma nota especial merecia. Por insig-nificante que fosse o achado, sempre dava lug-ar á um estudo, á uma comparação e uma analyse. As provas com que deparava de um estado de civilisação mais adiantada, do que aquella que existe nos nossos dias entre os habitantes das selvas, descendentes dos que leg-aram tantos monumentos d'arte, na infância, é verdade, mas nao degenerada como hoje, me merece- ram particular attençao.

A decadência dos povos do sertão se conhece pela comparação do que fazem hoje, com o que fizeram á quatro ou cinco séculos atraz. A decadência foi g-rande, e começou com o descobrimento das nossas plag-as. Parece um absurdo e g-rande, quando então compa- rarmos as suas relíquias de outras eras, com as dos povos mais cultos d'essa épocha, como os do Norte da Europa, Oriente da Ásia, etc. ; mas, o resultado do estudo que fiz nas horas de lazer, me leva á avançar esta opinião. É fora de duvida, para aquelles que têm tido em suas mãos as amostras dos productos da arte d'esses tempos, que o contacto de um povo mais artista e industrioso levou os primitivos habitantes de nossas mattas á um g-ráo de adiantamento superior ao que tem hoje ; mas, se então a influencia foi g-rande, como não influir hoje que o estado de progresso do liomein tem atting-ido quasi á um g-ráo de perfeição ?

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O Evangelho derramando a luz pelas selvas, as aguas do baptismo remindo os peccados, faziam chris- taos, mas em vez do progresso, traziam para elles a oppressao, o captiveiro, a tyrania e a desmoralisaçao. O contacto primitivo foi com um povo industrioso, que emigrado, fugitivo, ou aqui chegado, por um acaso, como chegaram os descobridores deste solo, tratou como amigo o povo encontrado, porque assim era mister e não como senhores e conquistadores.

Aquelle trouxe a arte e a industria, e estes atraz do lábaro da religião, empunhavam a bandeira branca, om cujo campo uma cruz trazia a cor do sangue que derramavam na passagem da cobiça disfarçada em civilisação.

A perseguição e escravidão trouxeram o avilta- mento, este o desanimo, por conseguinte a decadência. Se compararmos os productos da arte indigena de então com os da de hoje, ver-se-ha quanta diíFerença existe e quanto decahimento ! Citarei um exemplo.

Habitavam na fóz do Rio Negro os Tarumãs e os Manáos, quando pela primeira vez em 1669 penetra- ram u'elle os missionários Carmelitas, (*) introduzindo a fé. Enterravam então seus mortos em urnas mor- tuárias ou yyasáuas, uso que logo deixaram pela sepul- tura christa. Pois bem, comparada uma dessas ygasáuas que desenterrei em Manáos, com a louça de barro que fabricam os tapuyos descendentes dos primeiros catechisados , encoutra-se inferioridade não na elegância das formas, como nos ornatos e muito prin- cipalmente no preparo da argilla.

(*) Ensaio coi'og7'ophico da província do Pará por A. L. Mon- teiro Baena. Pará 1839. Pae;. 384.

9G O sábio Guilherme de Humboldt, disse :

« Cesl, en eíTet, une question importante, de savoir si Tétat sau- vage qui, mème en Amerique, se retrouve à différents degrés, doit 6tre ragardé comme Taurore d'une société à naitre, ou si ce ne sont pas plutôt les derniers débris dune civilisation perdue> disparaissant au millieu des tempétes, bouleversée par d'etfroyables catastrophes.

« Pour moi, cette derniòre hypothèse me parait la plus raprochée de la v6rité. »

E' sabido, que, si a tyrania desmoralisa um povo, muito mais a escravidão e a morte. As caisaras afug'eu- táram o povo, que subdividiu-se, tornaudo-se errante, abandonando os seus costumes e usos, para se occu- parem no fabrico de armas de defesa, com que po- dessem ving-ar a oppressão dos carmas; isto desenvol- veu um ódio, que transmittindo-sepela raça, ainda hoje é uma das causas do pouco resultado que se tira da catechese. O indio abomina o portug'uez. A sua de- gradação, o atraso em que cahio é devido á conquista ; foi sempre o resultado que encontrei nos estudos que entre os Índios fiz. A educação que ainda hoje recebem no V^alle do Amazonas, se fôr comparada com a que recebem os Índios de outras províncias, apresentará em resultado a prova do que aíRrmo.

Um profundo observador, um missionário que consciosamente estudou esta questão, veio confirmar a nossa opinião. O padre Brasseur de Bourbourg-, nos commentarios do aen Popol Vuh, {*) tratando da decadência dos selvag-ens do México, diz :

« I'our n'avoir counu que des peuplades retombées à Tétat sauvage, abruties par le contact des Européens ou dègradées par

(*) Popol Vuh Le Livre sacré et lef: nujthes de Vantiquité americaine. Paris. 1861. Pag. XX

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Ics consequences de la conquèle, la plupart des voyageurs ne leur ont trouvé qu'an dóveloppcment mediocre des facultées intellectuelles: mais cetle inactivité habitiielle de i'esprit qu'on reproche au pliis grand nombre des natious amérlcaines, et qiií doane quelque chose de si froid, de si morne à leur physionomie, à leur caractere, à toute leur existence, n'est qu'apparente chez celles qui ont con- servée quelque reste de Ia civilisation antique ; elle est produite uniqucment par la défiance que nous leur inspirons et la haine sourde que les enfauts sucf-.nt avec le lait de leurs mères, centre les descendants de ceux qui les asservirent ou les étrangers qu'ils confondent avec eux. (*)

« Cette sorte d'apathie morale que les cólons espagnols leur re- prochaient, e; disant qu'ils ne savaient rougir, u'existe point: Tin- dien ne i^ou-issait poiut sous les coups de sangle ou les mépris d'un maitre cruel ; 11 renferinait tout dans son coeur, en attendant qu'il pút se venger. Les insurrections dont on ne_ parle point et qu'on ne connait pas en Europe en sont la preuve. »

Houve 110 Amazonas, um periodo de civilisação, aiuda eticontrada pela expedição do capitão Pedro' Teixeira, representada pela numerosa tribu dos Omáuas ou Cambebas, {**) que depois desappareceu, os quaes cultivavam e teciam o alg-odão, de que fabricavam seus vestidos e descobriram e preparavam a seringa ou gomma elástica, de quem os^ portug-uezes tomaram a industria que os enriquece, arruinando o valle do Amazonas.

Interrog-ando estas reliquias, sobre as quaes os séculos têm passado, vê-se que se não pode neg-ar a

(*) No valle do Amazonas lodo o brasileiro nào nascido em terras amazonicas, é estrangeiro e como tal tratado com reserva pelos Índios e tapuyos.

(**) Corruptella de akanga, cabeça ex^cua chata. (Adoptamos a orthographia proposta pelo Sr. Dr. D. G. d'A. Nogueira).

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physionomia do povo de então sem deixar de faltar o respeito á verdade.

O povo que teve pátria, diz Boucher de Perthes e que a escravidão ou o vicio não embruteceu, deixa sempre uma lembrança da arte que lhe foi pecu- liar. (*)

A civilisação existiu.

Se veio ella pelas nascentes do Amazonas, des- cida do Peru, sem alii ter-se demorado, não sei, o que posso aííirmar é que os pontos de contacto são g-randes entre os usos e costumes dos povos primitivos do Amazonas, com os do Norte da Europa.

A pátria dos Cimbros, dos Ang-los e dos Saxões, d'onde na idade média partiram audaciosos e aven- tureiros naveg-antes, que dominaram os mares do Norte, como seus descobridores, parece que foi a dos que leg-aram aos nossos selvag-ens a civilisação extin- cta, que suas antig-uidades ainda perpe^^uam e que nossos descobridores aniquilaram, fazendo com que, tribus pacificas e laboriosas tornassem-se nómades, inúteis e ferozes. As caísaras (**) e a escravidão, o ferro e o fog"o destruíram o trabalho e isto trouxe a desmoralisação e a ociosidade. A Dinamarca, pois, parece que muito influio na vida do povo de então.

Os depósitos de conchas, chamados sernambis ou sambaquis, de que n'outro capitulo tratarei, não são mais do que os kjokkcumõddinges, ou restos de cosinha.

(*) Antiquitcs cdtiques cl, anti-diluciennes, par Boucher de Perthes. Tom. I. Pag. 41.

(*') Curraes.

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dos dinamarquezes. Estes depósitos que não se en- contrara no Peru, são mais uma prova de que os invasores do Amazonas não passaram pela terra dos Aymaras ou pouco n'ella se demoraram; tanto, que não poderam estabelecer este uso, como fizeram em Halifax e na bahia de Santa Marg-arida.

Essa semelhança entre os achados, serve para provar que a fidelidade cora que o g-entio se lig'a aos costumes de seus antepassados, a veneração que por elles tem, leva-o á perpetuar mesmo com orgulho a industria por elles legada.

Quando se cava a terra, quando se revolvem as cinzas de suas ygasduas, ao lado dos esqueletos que ellas ás vezes ainda contêm, descobrem-se armas, utensílios artisticamente trabalhados, tão iguaes, ou apenas com pequenas modificações, aos dos com- panheiros de Odin , que parecem querer docu- mentar a existência d'esses intrépidos naveg'antes, no nosso solo, anteriormente ao descobrimento de Colombo.

Na America do Norte não foram encontrados vestig-ios de fortificações e de raonticulos supulchraes, dos tempos runicos ? As pesquizas de MM. Squier e Davis, nos Monumentos antigos do valle do Mississipi, não nos provaram ser elle habitado antes de o ser pelos pelles vermelhas?

M. Graah, encarregado de estudar as antigas ruinas scandinavicas, não encontrou numerosos ves- tígios no estreito de Davis e em outros lugares? não foram também encontrados em Rhode-Island, e no Massachusetts, na America do Norte?

O Sr. Rafn, secretario da Sociedade Real dos x\nti- quarios do Norte, publicou com o titulo Antiijuitates Americana; sive Scriptores septentrionales rerum anti-co-

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lumbianarum in America (*) uma collecção de noticias tiradas dos sag-as antig-os, que provou a existência dos dinaniarquezes no novo mundo, séculos antes d'aqui ter aportado o immortal Colombo. N'um recente tra- balho o Sr. Paul Gaffarel o confirma. (**)

Pedro Victor, noticiou um achado feito na provin- cia da Bahia, ha alg-uns annos de uma lapida com caracteres do antig-o islandico, e uma estatua de Thor com seus attributos, como o martello, cintura mag-ica, etc. (***) O nosso Instituto Histórico mandou fazer pelo coneg-o Benig-no estudos ahi, infelizmente sem re- sultados. D'este achado tratam diversas memorias do Instituto Histórico.

Creio, que, se o povo scandinavico não desceu da America Septentrional para a Meridional, seus descen- dentes o fizeram e foram estes com seus costumes, que se dispersaram pelo Brasil, muito antes de apor- tar ás nossas plag-as P. A. Cabral.

A colónia scandinavica que habitou a Vinlandia, a parte oriental dos Estados-Unidos, dispersou-se no anno 1000, pouco mais ou menos, como está provado ; n'essa data talvez, parte desceu pela America Central, Mé- xico, Panamá, passando pelas Guyanas, vindo se esta- belecer na foz do Amazonas, ou desceu pelas Bahamas.

A civilisação do Peru, a g-randeza á que atting-io.

(*) Esta memoria foi traduzida pelo fallecido commendador Ma- noel Ferreira Lagos. Rev. cio Ins. Hist. Vol. II. Edic. 1858. Pag. 210.

(**) Etude sur les ixipports de V Amerique et Vancien continent avant Christoplie Colornb. Pariz. ISiiQ.

(**') Coup d'oeií sur les antiquités sranãinaves, par Pierre Victor Pariz. Pag. 3ii.

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é devida ao contacto de um outro povo mais adianta- do ainda, que não o que desceu o Amazonas, Compa- rados os monumentos que se encontram de uma e de outra reg'ião, vê-se que são distinctos. O estylo .não é o mesmo. Se procurarmos nas g-eraçOes de hoje, os traços caracteristicos, vê-se que a raça Amazonica diífe- re da Andina. Alg-umas tribus, como a dos Muras, que existem hoje no Amazonas, não tem nem os traços, nem os costumes d'aquellas, oriundas das plag-as brasileiras.

As antig-uidades que se encontram no valle do rio-mar, dividem-se em armas, instrumentos e Ídolos de pedra, louça de uso domestico, aterros, e sernambis ou kjokkenmõddinges, urnas mortuárias (yijasáwis) e em inscripções ou desenhos.

N"estes rústicos monumentos, que parecera at- testar a barbaria de então, ha alg-uns que dão uma idéa muito favorável d'essa epocha.

Brasseur de Bourbourg* diz que, com a invasão dos Incas no Perií, parte do povo que existia não que- rendo sujeitar-se ao seu jug-o desceu os Andes e es- tendeu-se pelo Amazonas e sul do Brasil reproduziu- se seg-unda e terceira vez essa dispersão de povos em consequência de seg-unda e terceira invasão de povos da America Central.

O povo que existia no valle do Amazonas é ante- rior á invasão dos Incas, e menos adiantado em civi- lisação, tanto que não conheciam a arte de fundir os metaes, como o ouro. Seria o mesmo disperso pelos Incas •?

Não o creio, porque o uso, principalmente, das cozinhas nas praias, attesta o contrario. Outra foi a marcha do povo invasor do Brasil, outra foi a invasão do povo primitivo, como n'outro capitulo procuraremos provar.

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A geolog-ia tera-se aproveitado (l'estes achados, para nos provar que a idade da pedra polida, ou pe- riodo neolithico, é muito anterior ao Génesis Biblico; que o homem é contemporâneo do mammouth, porém, no Brazil é difficil, estes instrumentos achados em terrenos anteriores á tradicção hebraica servirem de prova.

Uns, serão contemporâneos do periodo ternário, porém, outros terão um ou pouco mais séculos de existência. Desenterrei em terrenos mais modernos instrumentos de pedra polida em regiões carboní- feras (*) e devonianas (**), mas isto não nos prova serem elles contemporâneos d'essas revoluções geoló- gicas. Como distinguirem-se uns dos outros se, à ava- liarmos pelos costumes modernos, que nos guiam, os gentios não dão nm passo sem ser imitativo'? O pro- gresso não pxiste entre elles, por conseguinte a alte- ração da forma não apparece senão quando ha um modelo. A forma de seus instrumentos é sempre a mesma; não tendo elles senão a deixada pelos seus antepassados não podiam modifical-a, visto ser Índole d'esse povo não fazer mais do que imitar, como que respeitando a herança de seus avoengos. Como na geologia, na ethnographia, os factos modernos nos explicam os antigos.

Sobre esses terrenos habitaram tribus, n'elles fica- ram seus instrumentos, seus utensílios enterrados, que depois o tempo ainda mais soterrou e a floresta cobriu. Alem d^isso o desapparecimento dos instru-

*) Nos Rios Tapajós, Trombetas, Yamundá e Yatapu. **) Nos districto do Ereré, em Monte Alegre.

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mentos de pedra não data de muitos séculos, aind^ á dous séculos eram usados.

Para mostrar os usos e costumes de uma g-e ração extiucta, fazer vêr o seu adiantamento, pro- ponho-me dar uma relação das antig-uidades Ama- zonicas assignalando a sua existência, para mostrar que não é tão pobre, como o laconismo ou mesmo o silencio dos nossos historiadores, parece indicar. Na Europa mesmo as armas de pedra íig-uraram muito tempo depois da descoberta do bronze e do ferro, sendo algumas até preparadas por instrumentos deste metal.

Guilherme, o conquistador, ainda bateu-se com os Bretões armados de armas de pedra. Segundo Tho- massen, na sua Hi^toire primitive devoilée, acharam-se nos túmulos, que os Athenienses levantaram aos mortos na batalha de Marathon, pontas de flechas não de pedra como de bronze. Os archeiros ethiopicos do exercito de Xerxes, usaVam de flexas com ponta de pedra, etc. Os selvagens da America, foram os que mais se demoraram com essas armas.

Não tenho a presumpção de apresentar imi tra- balho completo e perfeito, apenas passo a limpo as notas do caderno de campo.

Tratarei primeiro dos instrumentos e armas de pedra, que encontrei no Amazonas, deixando para outros capitulo.5 as outras antiguidades. Se bem não fui o primeiro a descobrir esses instrumentos, comtudo sou o primeiro que os descreve e repre- senta no Brasil. Por elles se avaliará, o estylo da época e se poderá comparar com os do norte da America e sul do Brasil, assim como com os dos nor- mandos.

Todos os instrumentos representados foram encon-

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trados ou desenterrados por mitn, devendo um ou outro á obsequiosidade de alguim amig'o.

Nos outros instrumentos, quer antig"os quer moder- nos, para g'uerra, caça e pesca, encontramos tantos pon- tos de contacto com os dos bárbaros dos tempos histó- ricos que mereceram também um escripto em separado.

Os instrumentos de pedra, bem ou mal polida que se encontram, são armas de g^uerra, utensilios de uso agrícola e domestico e enfeites. Os primeiros com- pOem-se de massas, de pontas de flechas e de uma espécie de folha de alabarda, e os outros, de machados, enchós, cunhas, mãos de pilão, mós, etc, e os últimos de muirakytans.

A importância que ligo aos lug-ares d'onde sahiram estes instrumentos, me levam á mencional-os sempre.

Pela comparação de uns com outros, poder-se-ha ver a subdivisão da raça, com as modificações que fizeram nos seus usos, representados em seus instru- m-entos, e por um estudo comparativo e analytico chegar á poder formar-se um juizo sobre a sua

origem.

Os instrumentos de pedra, que tão grandes luzes têm derramado por meio da geologia, de que tanto se tem occupado distinctos naturalistas da Europa como Boucher de Perthes, Lartel, Lyell, Reboux, Bour- geois, Delaunay, Búchner, Husley, Worsoel, e tantos outros, ainda entre nós não tem sido estudado'-.

Figuram no nosso Museu Nacional alguns exem- plares, (*) mas que alli jazem cobertos de pó, como

(*) Devem-se estas reliquas aos Srs. Dis. Couto de Magalhães, Coutinho, Santos Souza e outros. Eu mesmo tive occasião de re- metlcr uma colleeção de 50 que se extraviaram, visto como não figuram ahi.

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O estiveram de terra, sem que sobre elles se tenha feito estado alg-um.

Se os ha uão conheço.

Nao tem havido quem delles trate, e mesmo poucos conliecem estas antig-ualbas, que para muitos passam por pedvãíi de raio ou de coriscos. Na Europa comtudo tem chamado muito a attenção dos Antiquários do Norte que possuem no seu museu uma bella col- lecçHO.

Nao tendo visto, nem estudado outras antig-ui- dades do Brasil, apenas apresento as do valle do Amazonas, para servindo de estimulo, outros mais habilitados e com mais luzes, fazerem um monu- mento, para o qual carrego esta pequena pedra ainda bruta. (*)

A oppinião que formo sobre a apparição da civi- lisação do homem no Brasil, talvez não seja verdadeira, mas vae ahi documentada com estes instrumentos que tantas fadig-as, tantas privações, me custaram para obter.

Nao é um trabalho completo, disse eu, porque me falta ainda visitar muitos lug-ares, onde espero talvez encontrar maiores antiguidades, porém, os ins- trumentos que ahi vão descriptos e representados, são amostras de quasi todos os feitios que existem,

O Apresento aqui, as que encontrei nas minlias explora- çijes, e. como ellas, segundo informações que teniio, representam todas as formas que se encontram ahi, por isso não menciono as de outras localidades do alto Amazonas, onde tem sido encon- tradas. Se por ventura achar alguma com formas diíTerentes ou que se torne notável por qualquer circumstancia, era appendice a este trabalho darei noticia.

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variando somente no tamanho era alguns, e muito pouco na forma, em outros.

Antes de entrarmos na descripção, farei algumas considerações sobre o uso que tinham.

Começarei pelas pontas de flechas de silex, que são muito raras.

Como sabemos o homem sempre viveu rodeado de inimigos, quer da mesma espécie quer de outra. Ri- validades, falta de meios de subsistência e outras muitas causas, fizeram com que o povo se dispersasse e formasse núcleos, que mais tarde constituiram tribus, que muitas vezes pelo seu desenvolvimento ainda se subdividiram. A separação da tribu, lugar á inimiza- des e estas ás lutas, e d"ahi os perigos que corre o ho- mem, precisando para isso de armas para defeza, visto Deus não ter-lhe dotado com esse meio de defeza como a todos os animaes deu. A applicação de sua intelli- gencia produzio as armas primitivas que foram a massa e o arco, e cuja invenção perde-se na noite dos tempos.

Na idade da pedra lascada, começam á apparecer as pontas de flechas de silex, que nos provam ser o uso do arco conhecido.

António de Sousa Macedo, no capitulo XXI da Eva e Ave, attribue, pelas autoridades antigas, aos povos Assyrios, a invenção do arco, porém, é certo que a tradicção biblica nelle nos falia.

Quando Agar, errante com seu filho Ismael, pelo deserto de Bersabé, sentio secco o odre d'agua que Abrahão lhe pusera ás costas, e afastando-se para não vêr seu filho morrer á sede, « assentou-se defronte tão longe como um tiro de flecha. » (*) Assistindo

(') Génesis, cap. XXI, v. 16.

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Deus á Ismael, cresceu este e « ticou vivendo no de- serto e sahiu uni bom archeiro. >; (*)

Na mytholog-ia g'reg-a vemos Apollo, armado de arco e flechas (**•) assim como Hercules, pela descripção de Homero. (***)

Sempre os poetas e os pintores nos pintaram desde a maior antig-aidade Diana, a caçadora, e Cupido armados de arco e flechas.

Parte das tropas, nos uitiraos tempos do poder militar da Grécia, era armada com arco e flechas. Os archeiros e besteiros vêm-se também nas tropas ro- manas, com o nome de sag-ittarios.

O arco, pois, é a arma primitiva e a seg'unda in- ventada, pois a primeira foi a massa, como a mais natural.

A sua forma e perfeição denota o estado mais ou menos adiantado. Como na idade media, existem no Amazonas os arcos direitos e curvos. Os primeiros se vêm entre os g-entios e os segundos entre alguns tapuyas.

O silex pela facilidade de lascar, deixando arestas cortantes, foi o primeiro empregado para a ponta das flechas. O crystal também em alguns lugares era usado ; mais tarde, porém, foi substituído pela taquara, ou pelo ferro, como as de que usam os Muras semi-civi- lisados.

Estas flechas serviam, como hoje, para a defesa contra inimigos, ou para a caça de animaes superio-

(•) Génesis, cap. XXI, v. 20.

(•*) Illiada l.n— í5.

(••*) Odissea 11." v. 20 606.

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res, porque para a caca miúda ou para a pesca, empreg-am a de ponta de osso, quer humano, quer principalmente das tibias de veado ou de macaco.

O dardo, seg-undo depois da massa ou clava, dando idéa para o arco, tem comtudo, um empreg-o diverso. Aquelle é usado quando a peleja está braço á braço, que não lug-ar á estender-se este. Tinha também a ponta de silex, que depois foi substituída pela madeira, usando-se principalmente a da palmeira pa- cliiuba, (Iryartp.a) por ser mais forte.

Com o nome de curaby, murucu e murucu-maracá é também usado por diversas tribus do Rio-NegTo, Purús e Japurá. Quasi sempre são hervadas pelo urary.

A massa foi o primeiro instrumento homicida, (pela tradição biblica,) foi d'ella que se sérvio a inveja re- presentada por Caim. Foi de madeira, com ella ten- tou Hercules esmag-ar o leão das florestas de Nemea e Cleomse, íizeram-a depois de pedra e ainda no 4.» sé- culo, pelo Schisma de Donat, os padres armaram com ellas as suas ovelhas. Entre os nossos g-entios, voltou á ser de madeira, ha séculos, tanto que d'ellas não faliam nossos historiadores. As victimas prisioneiras, seg-undo estes, sempre cahiram debaixo do peso da ymyrapema dos muruicháuas.

Entretanto, a tiveram de pedra, que mais diffi- cil de encontrar e trabalhar, foi despresada pelo páo d'arco (tecoma) e pela muirapirang-a (cccsalpinia.) (*) O ciiidaru, e a tamarana, substituem perfeitamente as massas de pedra, pela facilidade do trabalho,

{*) Ymyrd, madeira, piranga, vermellia.

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pela rig-idez, como pela duração necessária. Introdu- zida pelos normandos, foi despresada muito antes do descobrimento dos portug-uezes.

São tao raras, que bem mostram que ha long-os séculos foram esquecidas. Nossos descobridores co- nheceram a clava de madeira, tanto que Pedro Vaz de Caminha, companheiro de Cabral, que tão minucioso é no seu contar, d'ellas nao nos falia.

Como o dardo, a massa se empreg"a na luta braço á braço, quando a peleja é mais renhida, para abater os mais valentes, sacrificar os prisioneiros, ou castig'ar os mar açaimar as, feiticeiros. Com dentes de laitelu ou de queixada e ainda com as de cutia, pre- param a madeira, e depois ornam-a com desenhos g-ravados, ou com pinturas feitas de taud-tinga, (arg"illa branca) urucú e carajurú. Os tucháuas enfeitam-as de pennas e marchetam-as com a madrepérola das conchas ou com a casca dos ovos de macucáua.

As massas de pedra, eram g-eralmente de diorito, de trapp ou de syenito.

No meio de uma natureza g'ig'ante, coberto o solo por densas florestas, via-se o homem privado de cul- tivar o solo, para prover-lhe a existência. A pesca e a caça forneciam o principal alimento, porém, do solo nada podiam tirar.

A necessidade ag-uçou a intellig-encia e esta in- ventou um instrumento, que manejado por mão hábil, derrubou as florestas e fez rebentar a cultura. Appa- receu o machado, á principio lascado, tosco, e depois polido e aperfeiçoado.

A sua invenção perde-se na noite dos tempos, o seu emprego data da idade primitiva. O homem pri- mitivo, o companheiro do eleplias primigenius, do rhino- ceros trichorrhinus, do periodo quaternário, delle também

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usou, e cousa notável, milhares de annos depois, ainda os selvag-ens do Brasil usavam estes instrumentos quasi cora as mesmas formas, sendo alg-uns até ig-uaes. A própria rocha, de que eram feitos, é a mesma com pouca dilTerença.

Comparados, também, com os que usavam os normandos, ha tanta semelhança que parece fora de duvida que foram elles os mestres dos nossos selva- g-ens pois não admitto a doutrina evolutiva. Coníir- ma-me esta opinião, o facto de não encontrarem os normandos, os naturaes armados de armas de pedra e sim somente de arco e flechas como se deu no attaque que soffreu Leif Thorvald, do qual foi victima. (*) N'outro attaque, que outros expedicionários fizeram, os naturaes além da flecha traziam umas espécies de balistas que arremaçavam pedras long-e. Nao co- nheciam o machado, tanto que assim se exprime o Sr. Gravier: (**)

« Les Skrellings ou Esquimaux arrivent à portée du trait, lancent une nueé de fléches et s'enfuient. »

Empreg-avam-os nos mesmos misteres? Estudan- do-se o caracter do indio, é fora de duvida que sim. Como d'elles se serviam e para que?

Conforme o emprego que tinham, assim eram as formas e o tamanho. Havia para o corte das madei- ras, para debastal-as e para o preparo dos utensilios de que precisavam.

Para corte das madeiras serviam-se dos g-randes,

(*) Decouverte de 1'Amerique par les normands ou X siécle, par Gabriel Gravier. Paris 1874. Pag. 6*2.

(*•) A mesma obra. Gap. II. Pag. 87.

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e oblong-os, para rachal-as dos longos e cylindricos e das cunhas, para preparal-as, quando debastadas, dos chatos e dos pequenos, que eram empregados as vezes como encho.

Assim ainda se servem os indios Makahs, antes Mak-kah, da região do Cabo Flattery, no território de Washington. (*) Esta semelhança de uso, como que ainda corrobora a nossa opinião.

Conforme o emprego, assim era cabo e a maneira de encaixal-os. Uns, eram apenas amarrados ao cabo, outros encaixados e amarrados, e ainda outros, além do amarrilho, cobriam este com cerol, que ajudava á segural-o.

O comprimento do cabo e a forma era relativa ao emprego; assim os que serviam de encho, tinham o cabo curvo e anguloso, emquanto os outros eram mais ou menos direitos, mais ou menos cylindricos. (Vide a Est. I). Os cabos ás vezes eram ornados de desenhos gravados.

Como preparavam estes machados? O acaso m'o deu á conhecer, deparando com um dos lugares em que eram fabricados. Este achado mencionei em outro escripto C'*).

Passando a cachoeira do Boburé, saltei em terra e ahi encontrei, perpetuada nas rochas, uma lição, para os que hoje ignoram, como eram feitos os ma- chados de pedra.

(*) Tlie indians of cape Flattery, by James G. Sivan. Was- hington. 1869. Pag. 24.

(**) Exploração e estudo do Valle do Amazonas .Rio Tapajós. Rio de Janeiro. Pags. 97.

112 Escrevi o seffuinte :

■'O'

« Con-endo os rochedos que aqui e alli entre a arêa formam immensas chapadas, encontrei sobre alguns diversos e diflerentes sulcos, uns gastos, outros ainda perfeitamente visíveis, que mos- travam ter sido feitos pela mão do homem.

« Examinando com attenção as suas formas, comparando uns com outros, medindo as suas profundidades, cheguei a convencer-me de que ahi é que eram aperfeiçoados os machados de pedra que se encontram nas margens do Tapajós.

« São tão claros, que recordam perfeitamente as diversas formas dos mesmos, nos indicando com precisão, onde eram aperfeiçoados os grandes e os pequenos ; onde alisavam-se as faces ; amollavam-se, arredondava-se os lados, etc. Penetrando para o interior ahi vim a certificar-me que não errava quando assim pensava, encontrando vestígios de uma maloca, pelos fragmentos de louça e de diorito, do mesmo da cachoeira do Apuhy. Pelos fragmentos de diorito vê-se que os mesmos machados eram, depois de debastados em terra, aperfei- çoados sobre os rochedos, banhados pelas aguas. A rocha ahi per- petua um facto, que não admitte duvida. »

Sobre o modo porque empreg"avam estes machados no corte das madeiras, diverje a tradicção indig-ena. Disse eu, em outro trabalho (*) tratando deste as- sumpto, o seg-uinte:

a O uso que destes machados faziam está ainda duvidoso. Querem uns que servisse para picar a parte cortical do tronco das arvores, para dar-lhes a morte e depois de seccas serem destruídas pelo fogo ; outros, que para cortar as arvores, depois de queimadas, isto é. lançavam fogo em torno a arvore o quando queimada picavam com os machados, até chegar a madeira ; tornavam a queimar nesse lugar e tornavam a picar e assim até derrubar a arvore. Penso, porem, que derrubavam sem o auxilio do fogo. porque em centenares de

(*) Ej:plororã() e estudo do Valle do Amazonas. Rio Yamundá. Rio de Janeiro. Pay. (:»?.

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fragmentos que tenho encontrado, tenho observado, que muitos tem a parte cortante não gasta como lascada, o que prova que feriam parte dura. O carvão nunca lascaria o diorito. Talvez empregas- sem-os com o fogo para derrubar as madeiras e depois as lavrassem sem esse auxiliar, tão poderoso dos indios. »

A prova de que empreg-am o machado, sem o auxilio do íV>g-o, está no numero de frag-mentos desse instrumento, que se encontra nos lugares denomina- dos terras pretas, que foram não suas lavouras, como mesmo em alg-uns existio a maloca. E' tão g-rande o numero dos machados partidos, ou com o g-ume las- cado ou g-asto que nessas parag-ens se encontra, que podemos calcular em G "/e os que se encontram per- feitos. O trabalho de muitos raezes, no fabrico de grande numero de machados, era perdido talvez em um dia de derrubada. Sempre foi esse o meu modo de pensar, pelas observações que fazia quando me veio confirmar a opinião do illustre M. Broca, emittida na ])rimeira sessão da Sociedade de anthropu- loçiia de Paris em 1860, quando se tratava dos instru- mentos de silex, que justificavam a descoberta do in- cansável e finado M. Boucher de Perthes. Diz elle :

« Quand un sauvage de ce temps voulait couper une branche, il heurtait deux silex l'un contre Tautre jusqu'à ce que Tun eút un boi d plus au moins tranchant; puis, quand ce tranchant éfait émoussé, il jetait son silex et en taillait un autre ; parce qu'il ne possedait aucun moyen d'aviver le premjer tranchant.

« II ne fallait pas faire beaucoup d'ouvrage poui- user ainsi plu- sieurs liaclies en quclques heures, et quand, une faraille ou une tri- l)u avait achevé la construction d'une cabane ou les proparatifs d'une chasse lesol etait jonché d"un grand nnmhre de haches ou de oouteaux desormais inutiles. » [•)

(*) Les ancétres ã'Adarn, histoire ãe Vhomme fossilr par Victor Meunier. Paris 1875. Pag. 93.

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Esta explicação está de perfeito accordo, com o que se passava muitos séculos depois no Amazonas, como por muitas vezes, tive occasião de observar.

Ha lug-ares, que entre centenares de frag-mentos, em excavaçOes que fiz, nunca pude encontrar um perfeito.

A paciência e o tempo que era preciso para pre- parar-se ura desses instrumentos, nos uma idéa ag-radavel do povo de então. Para a realisação de ura fim, quanto não era preciso trabalhar a intellig-encia, procurando uraa forma que se prestasse ao êxito que se esperava! Pensavam alg-uns que por meio da fricção de uma contra outra pedra eram preparados estes utensílios, sem o empreg-o d'ag-ua, e é esta a crença indig-ena, que vi desmentida na cachoeira do

Boburé.

Pensa assim também M. Rig-ollot, (**) quando tratando-se do silex preparado, assim se exprime:

« Tous ces silex sout travaillés de la méme manière ; cet-à-dire qu"avec une adresse, nous n'osons dire uii art, qui souvent nous etonne, ont et parvenu en detachant les éclats, non seulment á les degrossir, mas á leur donner la forme la plus convénable aux usages pour lesquels ils étaient destines, armes ou outils. »

A parte mais notável que se encontra nas massas e nos machados é, nas primeiras, a preparada para . passar as lig-aduras que as prendiam aos cabos, e nos seg-undos, a chanfrada e furada, por onde passavam também as ligaduras.

Como podiam cortar a rocha e abrir sulcos pro-

(**) Memoire sur le^ histruments en silex troui-és á Saint- Acheiul, prés Amiens, et consideres sous les rapports fjeologi- qnes et archeolocjiqiies. Paris. 1854.

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fundos transversalmente, ás vezes em duas direcções, e fazer furos com círculos tao perfeitos V Pela fricção, nao de uma contra outra roclia, mas pela da madeira, auxiliada pela areia e também pela ag"ua.

Antes de apresentar o processo, cumpre dar as razões que me levam á avançar semelhante opinião. Os sulcos das massas, as chanfraduras dos machados e os furos que alg-uns têm, foram sempre para mim motivos para serias investig-ações. Nos costumes dos g'entios e tapuyos de nossos dias, leg-ados pelos seus avoeng"os, achei o processo.

Usam no Amazonas os tapuyos para a pesca das tartarug-as, de uma flecha denominada sararaca, em- pregada por elevação.

Consta de três partes: da flecha propriamente dita, da suumba {*) ou virote e do itapuá. (**)

A primeira é de flecha empennada n'uma extremi- dade, a segMuida é de madeira encaixada na precedente na extremidade opposta á das pennas e a terceira também de madeira com uma ponta de ferro, porém, solta, apenas unida á suumba em que se encaixa, por um fio de tucum ou de alg-odão, que se enleia na pri- meií-a. Este fio tem sempre a profundidade do rio em que se pesca.

Para servirem-se enleiam o fio todo na flecha e entroduzem o itapuá em um furo que tem a suumba na parte superior. Em outro escripto tratámos doesta flecha e da maneira de empreg'al-a na pesca ; traze- mol-a á questão, por ser a que primeiro nos levou á pensar no modo de furar-se a pedra.

[*) Corruptella de hw/b, flecha e yniO fuso.

(**) Ita, pedra, pud ponta, signifi-a também prego.

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Disse que na suumba havia um furo onde se en- troduzia o virote; como fazem elles este furo? Como civilisados, podiam servir-se da verruma ou da púa, mas, seg-uindo o costume deixado por seus antepassa- dos preferem usar d'outro meio, mais rápido e mais seg-uro.

E' o seguinte: tomam uma vara, de um metro pouco mais ou rnenos de comprimento, preg-am em uma extremidade um preg-o sem cabeça depois g-astam-o em uma pedra até achatar a ponta, de maneira a apre- sentar a forma do corte de um formão.

Com este instrumento, assim feito, prendem a suumba, antes de seg-ura á flecha, entre os dedos po- leg"ar e indicador do esquerdo, collocam a ponta do preg-o no centro da extremidade que querem furar, e de pé, fazendo g-irar a vara entre as palmas das mãos, em um instante fazem o furo. Outras vezes fazem o instrumento com a vara muito menor e servem-se d'elle como o ourives com o berbequim.

Examinando bem. os furos dos machados, pela ma- neira que apresenta a parte g-asta, conheci que era feita pela fricção de um outro corpo, pelo mesmo pro- cesso do furo da suumba, trabalhados primeiro de um e depois do outro lado, até encontrarem-se os furos. Não poderiam furar, senão com uma haste de madeira, auxiliada pela areia e pela ag-ua, para que podessem dar o movimento gúratorio entre as palmas das mãos.

Quanto ao berbequim, sempre o tive como uso aprendido na sociedade, até o dia em que encontrei uui objecto de barro cozido, que veio mostrar-me que este instrumento era usado antes da descoberta do Amazonas, o que prova, ou a g-rande intellig-encia do Índio de então, ou o contacto com um povo que

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conhecesse o uso d'elle, o que é mais provável. Pela sua forma, pelo furo que o trespassa e pelo seu peso, depois de muito o estudar, clieg^uei ú conhecer que pertencia elle á peça do berbequim em (|ue se passa a corda do arco para fazer g-irar a piía. A principio tomei-o por um enfeite de pescoço, o que o seu peso repug-nava, mas, vendo o uso do berbequim introdu- zido até em lugares remotos, não duvidei mais do seu emprego.

Tinha, nao cheg-ado á formar idéa da sua forma, como desenhado e annotado o instrumento, no meu caderno de notas, quando cahiu-me nas mãos a expe- riência do professor Carlos Rau, feita com um berbe- quim de seu invento, com que chegou á furar o diorito com uma púa de madeira auxiliada pela areia e pela ag-ua (1). (Vide Est. I Fig. 9.^)

O uso do berbequim entre os antigos Iroquezes, levou o mesmo senhor a fazer á experiência, com elle, sendo coroado dos melhores resultados.

Esta experiência confirmou muito o resultado dos meus estudos. Ainda mais, n'um aterro sepulchral, achou o Sr. Davis, um circulo de pedra perfurado, que estudado pelo mesmo professor Rau, conheceu-se ser uma peça da púa de um berbequim. Este achado dos Estados-Unidos, comprova o do Amazonas.

Para as chanfraduras dos machados, empregavam um outro processo, que vi praticar pelos Índios que- rendo partir regularmente um caroço de uauassu, (atallea).

Serviam-se de uma tala de madeira, que em])re- g-avam como serrote, molhando constantemente a parte

(1) Brilling in stone loithout metal by Charles Rau. Washing-

ton. 1868. Pag. 394.

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friccionada e addicionando-lhe areia fina. Estudando- se os cortes feitos na parte chanfrada vê-se claramente que era esse o processo empreg^ado. Em alg-uns nota- se que alem da tala empreg-avam com o mesmo auxi- lio, em vez da tala de madeira, uma corda íina, ou antes alg-uma tira de couro de anta ou de queixada.

Era trabalho moroso, de paciência e que empre- g-ava talvez mais de um individuo, mas que está na Índole do indio.

Ainda hoje não levam, ás vezes, seis mezes tra- balhando a madeira com o dente de taitetii, para aper- feiçoal-a e fazer um arco ? Os Uaupés do Rio Neg-ro, ainda furam os seus ornatos de quartzo, com madeira, ag-ua e areia, como íiz vêr (*) e nos refere ainda Wallace. {**)

Eram, pois, os machados feitos por fricção contra uma rocha lavada pela ag-ua, furados e lavrados com madeira, ag-ua e areia e empreg'ados sem o auxilio do fog-o em diversos misteres. Para cada um delles, havia formas diversas, que se applicavam em diversos tamanhos. Encontram-se ma<!hados desde 3 á 40 cen- tímetros de tamanho, aff-^ctando sempre a mesma forma, na tribu a que pertenciam, com raras excepções.

O uso da pedra polida no Brasil e em toda Ame- rica, julg-o que nasceu da ig-norancia do uso da prepara- ção do ferro para servir como instrumento.

A colónia scandinavica que desappareceu, disper- sando-se, vendo g-astos os instrumentos que consig-o

(*) Exploração e Estudo do Valle ão Amazonas . Rio Ya- 'inunãó.. Rio de Janeiro. 1875. Pag. 56.

(**) A narrative of traveis on the Aniason anã Rio Negro by .\lfred R. Wallace. London. 1853. Pag. 278.

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trouxe nao achando meios de haver outros, para substi- tuil-os couieçou talvez a imitar em pedra os seus ma- chados. Por descendência e imitação este costume passaria para os naturaes, que foram assim leg^ando os modelos, que seg-undo a habilidade do artista soffria mais ou menos alguma modificação. Não foi, com tudo, ella tão grande, pois hoje comparadas as formas ainda quasi são as mesmas. As armas e instrumentos de pedra datam na America do anno 1000, pouco mais ou menos.

Não duvido que pudessem existir em épocas geo- lógicas com o homem quaternário, mas como este no estado fóssil no Brasil ainda não foi pravado existir, não posso crer que seja a idade de pedra do Brasil, anterior á vinda dos normandos á America.

O Dr. Lund, tem encontrado ossadas humanas nos depósitos antigos de cavernas em Minas, mas não se anima á affirmar a contemporanidade com os animaes e espécies extinctas, entre os quaes se acham (*). O Dr. Liais, baseado apenas em uma nota, que existe no Museu de Paris, correspondente á uns ossos enviados para ahi pelo viajante Clausen, é o único que diz, não restar duvida que o homem no Brasil é contemporâneo do ■megatheriíim e mega- lonix. (**) As armas e instrumentos de pedra, histori- camente fallando remontam á alta antigniidade, mas não á antiguidade g'eolog"ica.

Os depósitos de sernambia ou mmbaquifi, são talvez seus contemporâneos ; nelles achei instrumentos de

(•) Memoirtis de la Societé Royale des Antiquaires dii Nonl. 1843 e 1849. Copenhague. Pag. 50.

{") Climats, geologie, faune et geographie botanique ãu Brésil par E. Liais. Paris 1872. Pag. 242.

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pedra, porém, esses depósitos, como fiz ver, não representam uma revolução g-eologica, nem um desvio do rio, mas sim o trabalho annual de uma tribu que existio não ha muitos séculos. Os instrumentos de pedra, pois, no Amazonas e para dizer no Brasil são g'uias archeologicos, que dão luz á ethnog-raphia.

Além dos instrumentos de pedra, faziam os in- dig-enas ainda em 1639, (*) quando desceu do Peru, o Padre Acnna, Ídolos que protegiam as suas batalhas, suas pescarias, etc, aos quaes não tributavam culto alo"um. D'estes Ídolos tive a felicidade de ser o pri- meiro a encontrar e a descrever. {**)

Este uso, perém, não foi herdado dos normandos, pois que no anuo 986, o christianismo estava derra- mado pela Scandinavia. A idolatria desceu do Peru, com as tribu s que não quizeram sugeitar-se ao poder de Manco Capac ; mas, o estylo parece ter sido trazido do México, por outra invasão.

A crença que existe entre os indig-enas, de que tudo na terra tem um espirito que domina os seus semelhantes, isto é que tem uma mãí (Sy) invisível, le- vou-os a representar essa creação do espirito com formas palpáveis. Para mostrar que foi uso introduzido pelo Peru, basta vèr-se que no Amazonas, entre algumas tribus a idolatria era seguida. A extincção dos ídolos data da introducção do christianismo pelos missioná- rios, que não quebravam, lançavam ao rio os de pedra, como queimavam os de páo. (**■*) A arte e a

(') Exploração e estudo do Valle Amazonas. Rio lapajós. Rio de Janeiro. 1875. Pag. 38.

(*') ídolo Amazonico achado no Rio Amazonas, por J. B. Ro- drigues. Rio de Janeiro. I87õ.

(***) Jliesouro descoberto no m,aximo Rio Amazonas por José Daniel. Revista dn Instituto Histórico. Tom. 2. n. 8. 1858. Pag. 484.

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perfeição com que eram feitos, denotam um adianta- mento, que desappareceu. A comparação entre as obras de então e os trabalhos de hoje, uma idéa muito desfavorável não da intellig'encia como da habilidade dos modernos.

A arte de então, atravessou os séculos nos monu- mentos de pedra, que se acham soterrados, para levan- tar a ponta do véo que encobre o mysterio do homem americano. Estes rústicos monumentos, desprezados até hoje por nós, servem para attestar ás gerações futuras quanto foi g-rande a decadência da raça ame- ricana, hoje representada por um povo indolente, quasi sem arte e sem industria. Pelas minhas obser- vações cheg"uei á conclusão, de que o crusamento da raça indig-ena com a caucasica, trouxe a diminuição da intellig-encia. Os mamelucos, que representam esse crusamento, são de todos os crusamentos do Amazonas o menos intelligente.

O que escrevi acerca do idolo em questão pôde lêr-se no trabalho citado.

Depois do que tenho dito sobre as armas e ins- trumentos de pedra, me resta tratar dos seus enfeites.

Os de que até hoje temos noticias, são os deno- minados pelos naturaes de muirakytans (*) que os Índios Cunurys, chamavam alibij.

Toda a tradição quer escripta, quer fallada, a sua procedência de uma tribu que desappareceu, que nunca foi vista, á que Francisco Orellana appellidou de Amazonas.

Tive occasião de me certificar de que eram usa-

(•) Muirá páo, kytan, nò.

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dos por essa tribu, nas excavaçues que fiz, quando descobri o lug^ar em que existiu a dita tribu. (*) Hoje são rarissimas esses enfeites, e d'elles deixo aqui de tratar por tel-o feito com alg-um desonvolvimento quando descrevi o Rio Yamundá. Uma tribu, ainda hoje usa também de enfeites de pedra ao pescoço (chirímbitás), é a dos Uaupés, do Rio Neg-ro, que quanto a nós é a mesma das Amazonas, como tive occa- sião de fazer ver quando d'ellas tratei, i*'^)

Eram estes enfeites de um feldspatho laminar, verde, pelo que foram conhecidas por imlraf, verdes. Os Índios hoje quando acham alg-uma soterrada, attribuem-lhe virtudes milag-rosas de maneira que substitue o amuleto antig-o, com o qual tem muitos pontos de contacto. Os chirimbitás dos Uaupés, são de quartzo e usados como symbolos de g-randeza, que é tanto maior quanto é o enfeite. Ha alg-uns de dous decimetros de comprimento, que os tucháuas ou chefes, trazem pendentes ao pescoço, enfiados em uma corda, feita de pello de macaco barrujudo (log-othrix Hum- boldtii ), enfeitada de pennas da cauda do yapú ( cas- sicus cristatus ).

Antes de terminar resta-me considerar como poderiam vir dar a costa norte do Brasil, os scandi- navos, que parecem ser os introductores da civili- sação entre os indig-enas.

Como poderiam elles, sem passar pela America Central e Panamá, onde a civilisação mexicana estava muito mais adiantada, cheg"ar á costa norte do Brasil

(*) Exploração e estudo do Valle do Amazonas. Rio Yamundá, Rio de Janeiro. 1875. Pag. 51.

(**) A mesma obra. Pa^. 41.

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se as correntes e os veatos (disios, a isso se oppu- nham '?

Como explicar que foram os normandos e não me- xicanos e peruanos que estavam então mais adian- tados, os introductores do aperfeiçoamento da arte e da industria de então ? Se as correntes e os ventos a isto se oppiínham, o archipelag-o que existe entre o golplio do México e o Attlantico o favoreciam. Costa á costa, até á Florida e d"alii pelas ilhas Bahama, Porto Rico e pequenas Antilhas, cheg-ariam ao Orenoco. Subindo por elle e pelo Cacyquiare, desceriam o rio Neg"ro e Amazonas, ou costeando as Guyanas cheg-ariam á ilha de Marajós. Além desta possibilidade que existe ha alg*uns indícios que parecem comprovar esta opinião.

No Rio Neg"ro, no Rio Urubu, onde outr'ora cor- reu o Amazonas, em Itacoatiara, e na serra da Esca- ma existem inscripçOes esculpidas, fora de duvida feitas pelo mesmo povo, que parecem indicar, que por ahi houve uma passag-em de emigrantes que deixa- vam traços para g-uia dos que se lhes seguiam, ou marcavam as suas datas memoráveis. Esta emigra- ção, parece que irradiou-se pelas Guyanas, porque nos rios Berbice e Correntyne, explorados pelo meu amigo e distincto geólogo o Sr. Charles B. Brown, Sq., exis- tem inscripçOes iguaes, cujos desenhos teve a bondade de me communicar, assim como lhe communiquei os da serra da Escama. Estas inscripçOes não tem menos de 800 annos. As da Guyana Ingleza foram calcu- ladas pelo Sr. Brown em 1000 annos.

Entre estes desenhos, mais ou menos enigmáticos existe um no rio Negro, e que alguma luz á esta questão, é o esculpido em uma rocha da ilha de Pedra, que representa uma antiga embarcação, com formas não usadas ainda no Amazonas.

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As primeiras embarcações de civilisados que sulca- ram as ag-uas do Amazonas foram : em 1541 o berg-an- tin de Francisco Orellana (*), que descendo pelo fio da corrente, não podia dar tempo á que os naturaes tomas- sem-lhe as formas; a segunda em 1637, foi a canoa dos leigos castelhanos da ordem de S. Francisco, Frei Domingos de Brieda e Frei André de Toledo (**) ; a terceira a canoa do capitão Pedro Teixeira e as de sua expedição em 1638 (***) ; a quarta e a primeira que entrou pelo rio Negro a canoa dos missionários jesuítas Francisco Velloso e Manuel Pires, em 1657 (****) ; a quinta e segunda que sulcou as aguas negras do rio que da cor delias tira o nome, é a dos missionários Carmelitas em 1668 (*****j.

De todas estas embarcações a única que podia servir de modello á que se gravada, foi a de Orel- lana, que tal qual como maior podia ter dous mastros, representa a gravura indígena ; mas esta passou tão rapidamente que era impossível os Índios reterem as formas na memoria.

Vê-se, pois, que outra embarcação, tiveram por modelo. D'ella trataremos no capitulo das inscrip- cões.

Quando essa não fosse a marcha dos invasores, temos ainda uma presumpção de que a costa do Paru

(*) Historia do Brazil de Robert Southey.— I Pag. 131

('*) Obra citada. II. Pag. 122. Compendio das Eras do Pará por A. L. M. Baena. Pará 1838. Pag. 38.

('**) Historia do Brazil de Robert Southey. II. Pag. 424. Baena Compendio das Eras Pag. 41.

{****) Historia do Estado do Maranhão, pelo padre José de Moraes. Pag. 526.

(*****) Baena. Ensaio Corograpliico. Pará. 1839. Pag. 384.

125

e a ilha de Marajó, foram os pontos escolhidos para n'ella se estabelecerem. Se por um lado temos a cor- relação nos desenhos, por outro temos o encontro de uma tribu, habitando a ilha de Marajó com usos, cos- tumes e ling-uag-em, tudo diffe rente das demais naçOes do Brasil.

Tao difficil era o seu dialecto, que os Tupinambàs deram-lhe o nome de Nhengaibas. (*) Tao numerosa era ella, que occupava toda a ilha e tão poderosa, forte e g-uerreira que todos a temiam, até os portu- g-uezes.

O que, porém, nao poude o arcabuz, poude a cruz do missionário António Vieira.

D'onde veio esta nação, com uma ling-uag-em des- conhecida em todo o Brazil ?

E' opinião gorai, que a civilisação extincta do Amazonas é andina, mas pela comparação que temos feito, nao dos costumes como das antig-uidades vê- se que é differente. Além d'isso a civilisação andina e mexicana estavam mais adiantada, do que a dos normandos.

Comparados os monumentos deixados pelos nor- mandos, com os dos Incas e Nahuas, estes deitam á sombra aquelles.

Não affirmo, mas parece-me que nossos auctoc- thenes se relacionaram com os filhos de Odin, como veremos, quando tratar da arte cerâmica, dos atterros sepulchraes, dos seniambys e das inscripções.

J. Barboza Rodrigues. (Continua.)

(*) Neeng, fallar, aib, mal.

Estampas e suas explicaçíJes

COPIADAS E REDUZIDAS A UM TERÇO DO NATURAL

PELO AUTOR

I,

ESTAMPA I

FiG. l.a Representa um machado encaixado no cabo^ preso so- mente por cordéis de fio de tucum (AstrocaryuTn vulgare, Mart.) que passam pelo furo.

FiG. 2. a Mostra um machado encaixado n'uma abertura do cabo e soldado com cerol. O cabo é enleiado com fio do algodão, para não magoar a mão.

FiG. 3.» Indica um machado meltido n'um alvado do cabo e preso pela casca do cipó uambé. (Philodendrum ambé).

FiG. 4. a Machado ligado pela mesma forma e com a mesma fibra.

FiG. 5. a Machado preso ao cabo, não pelo furo como pelos entalhes que tem.

FiG. 6.3 Machado encaixado no cabo e soldado unicamente com cerol.

FiG. 7. a Apresenta uma encho ligada obliquamente e presa com cerol e fio de algodão.

FiG. 8.» Encho encaixada no cabo e presa por fibras de uambé.

FiG. 9. a idéa do berbequim usado para furar a rocha de que faziam os machados. A peça por onde passa a corda é de argilla queimada e a púa de madeira.

Está em posição de trabalho.

Com estes machados, que também serviam de armas de defeza ou de guerra, conforme a occasião, não derrubavam como lasca- vam a madeira que precisavam para suas obras, geralmente de uso domestico ; porque para construcção empregavam, como ainda hoje, a madeira bruta. As enchós serviam para cavar as suas ubás e mesmo aplainar a madeira, como para os arcos. O berbequim julgo que em- pregavam verticalmente, calcando com a mão algum objecto próprio sobre a ponta superior da púa, porque o uso de trabalhar assentado não permittia outra posição.

I

1

ESTAMPA II

FiG. l.a Representa uma ponta de flecha de silex lascado, encon- trada na escavação que fiz na mina de Sernamby, da Serra da Tape- rinha, no districto da cidade de Santarém. Com esta ponta encontrei fragmentos de diorito e de machados, assim como ossos de peixe boi (manatus americanus), o fragmentos de louça de barro, alguns com fuligem.

FiG. 2.» Ponta de flecha de agatha lascada, que encontrei na praia de Itaituba, no rio Tapajós, confundida com os brachiopodes carboní- feros, que se encontram disseminados pela praia, quando o rio vasa.

FiG. 3.a Esta ponta de flecha foi encontrada na povoação de SanfAnna, no Rio Uatumá, quando se fazia um buraco para se en- terrar um esteio. Sendo-me immediatamente communicada, procedi á maior excavação, que não deu outro resultado.

E de silex lascado.

FiG. 4.» Encontrei na praia da mesma povoação de SanfAnna, onde a enchente do rio, tinha desbarrancado a margem. Esta peque- na arma de guerra, é muito semelhante, não ás encontradas no norte da Europa, como na America Septentrional, quer de pedra, quer de bronze. Esta é de diorito polido.

FiG. 5. a Esta outra arma de guerra, maior e da mesma rocha, encontrei sob as rochas calcareas, do terreno carbonífero, da mar- gem esquerda do rio Yatapú, pouco acima da aflluencia do Rio Capu- capu.

FiG. 6. a Representa uma outra arma de guerra, feita da mesma rocha, encontrada na povoação do Yatapu, no rio do mesmo nome, encravada na argilla de que é formada á margem do mesmo rio.

FiG. 7. a Esta massa de guerra de diorito compacto, mal polido, encontrei no alto da serra do Piquiatuba, no rio Tapajós, entre a louça de barro de que está cheio o húmus que a cobre.

ESTAMPA III

Fio, 8,a Encho encontrada na mesma localidade, e feita da mesma rocha. É semilhante a uma enviada por M. Rafn, secretario da Real Sociedade dos Antiquários do Norte, ao Museu Nacional, onde se na sala 9, armário n. 12. No Peru foi encontrada uma muito semilhante. (*)

FiG. 9. Pequeno machado de diorito que encontrei n'uma das praias do rio Uatumá.

FiG. 10. Machado encontrado também no rio Uatumá, na povoa- ção de SanfAnna, É de diorito polido e inteiramente semilhante a um que se achou na Inglaterra, quer nas formas, quer na rocha de que é feito. (**)

FiG. 11. Encontrei-o na tauaquera da ex-missão do Uatumá. en- tre innumeros fragmentes de louça, contemporânea da mesma mi«são. É de diorito polido.

FiG. 12. Este instrumento pôde ser uma arma de guerra, ou de uso domestico, inclinando-me á primeira hypothese. Encontrei na praia de SanfAnna do Uatumá. É de diorito polido em que pouco predomina a hornblenda. A maneira de servirem-se delle não pude saber.

FiG. 13. Representa um machado dos que empregavam para ra- char a madeira. Quando subi o rio Yatapu, encontrei-o em uma praia. É de diorito polido e mostra uma alta antiguidade, pela decomposição que apresenta na sua superfície.

FiG. 14. É um dos machados usados com o cabo n. 2, da estam- pa 1.» Encontrámol-o no rio Mauhes em uma extincta maloca. E de diorito polido.

FiG. 15. Representa um machado de diorito polido, encontrado no Rio Yamundá.

FiG. 16. Encontrei este machado, enterrado em uma roça d'um sitio, pouco acima de Itaituba, no lugar denominado Paredão. E de diorito polido.

(*) Exploration of the Amazon, by Lwis Herdon and L. Gib- bon. Pag. 70. Fig. 30.

(**) De In place de 1'homme dans la nature, par Th. H. Huxley. Paris. 1868. Pag. 319.

IV

/?

ESTAMPA IV

FiG. 17. Encontrei este machado em uma praia, acima de Itaituba no rio Tapajós. Estava lascado verticalmente pelo meio. É de diorito compacto^ muito polido.

FiG. 18, Encontrei este machado no rio Piracaná, acima da missão de Santa Cruz, enterrado, junto a alguns fragmentos de louça de barro lisa. É de diorito perfeitamente polido.

FiG. 19. Parte terminal de uma encho, das que se serviam com o cabo, representado na fig. 7. a, que desenterrei na mesma loca- lidade acima. É também de diorito.

Fig. 20. É um dos grandes machados de derrubar, de diorito compacto polido, desenterrado por mim n'um pacoval, do sitio do Paredão, no rio Tapajós.

Fig. 21. Outro grande machado, porém, de rachar a madeira, também de diorito muito bem polido. Encontramol-o no mesmo sitio. Fig. 21 A e 21 B. São cortes horisontaes de machados, com a mesma forma, porém, com diversas grossuras, do da fig. 21, achados na mesma localidade.

FiG. 22. Encontrado no mesmo sitio, e feito da mesma rocha.

Fig. 23, Fragmento do corte de um grande machado, que nunca raederia menos de QiJ.S de comprimento. Foi encontrado na ilha de Marajó, e foi-me offerecido por um amigo. É o maior que vi. Um, pouco menor, encontrei no rio Piracaná, que enviei em fins de 1872, para o Museu Nacional, por intermédio do governo e que ahi deve existir.

ESTAMPA V

FiG. 24. Machado encontrado nas escavações que fiz na taua- quera das Amazonas, na costa do Paru. E' polido, á excepão da parte que prende-se ao cabo. E' de diorito compacto.

FiG. 25. É um fragmento, representando a ponta de uma encho de syenito encontrada na mesma localidade acima.

FiG. 26. É uma arma de guerra, que encontrei na mesma pa- ragem, feita de diorito polido.

FiG 27. Foi encontrado também nas excavações que fiz na costa do Paru. É lodo polido, á excepção da parte que entra no alvado do cabo.

FiG. 2S. É um dos machados usados com o cabo n. 3, da es- tampa l.a, que encontrei no Rio Anibá. É bem feito, porém, não é perfeitamente polido. É feito de diorito.

FiG. 29. Encontrei este machado também no rio Anibá. É de diorito.

FiG. 30. Nas excavações que se faziam em Manáos para o aterro, foi encontrado este machado por um trabalhador, que o entregou ao director das obras publicas, o meu amigo Dr. Leovigildo de S. Coelho, que me offereceu. É de diorito polido, e muito bem feito.

FiG. 31. Encontrei este machado na tauaquera de S. Raymundo, no Rio Urubu. E' de trapp, perfeitamente polido.

V

ESTAMPA VI

FiG. 32. Representa um pequeno machado, que desenterrei no Itapéua, no rio Tapajós ; é de diorito.

FiG. 33. Com esta forma e dimensões, fabricados da mesma ro- cha (diorito), encontrei em diversos lugares do rio Tapajós, muitos machados, como em Itaituba, Itapéua e Piracaná.

FiG. 34. Este pequeno machado, naturalmente empregado no preparo de utensilios domésticos, é de diorito e encontrámol-o na praia de Itaituba,

FiG. 32. Este machado é um dos que se usava^ preso com cerol, no cabo que representa a fig. 6.» da est. I. Foi encontrado por mim, também no rio Piracaná. É de diorito e mostra uma grande anti- guidade.

Fig. 36. A forma e a dimensão deste machado é commum á Itaituba e ao Piracaná, pois quer n'um quer n'outro lugar foi desen- terrado por mim. É de diorito.

Fig. 37. É ura dos machados, de trapp, mais bem feito e polido que encontrei. Desenterrámol-o na base da serra da Taperinha, muito próximo ao monte de Sernambis, que ahi existe. Naturalmente pertenceu á mesma tribu que fez o mesmo monte, porque nelle en- contrei fragmentos de rocha igual.

Fig. 38. Machado encontrado em Itaituba. Com esta forma en- contram-se muitos, medindo maiores dimensões. É a forma mais vulgar.

Fig. 39. Representa um machado, único com esta forma que cn- contrrei. É da praia de Uixituba e de diorito polido.

Fig. 40. Representa um machado, empregado com o cabo n. 1 da eçt. I. É de trapp, perfeitamente polido e com um furo, feito com o berbequim representado na fig. 9.» da mesma estampa. O furo, como se do corte vertical, é feito de um e depois do outro lado.

Fig. 41. Este instrumento, que parece uma pedra de amollar, cujo uso não pude saber, é um dos que nos mostra o gráo de per- feição da arte de então. É tão bem polido, as linhas são tão rectas, as curvas tão bem feitas, que qualquer artista de nossos dias não se envergonharia de ser o ser autor. É feito de schisto.

Desenterrei-o com alguns fragmentos de louça c machados na terra preta da Itapéua, no rio Tapajós.

VII

ESTAMPA VII

FiG. 42. Encontrei este machado, de syenito mal polido, no rio Uauinchá, aííluente do Yamundá, próximo ao lugar d'onde desen- terrei as ygasduas que remetti para o Museu Nacional.

FiG. 48. Este machado, um dos encaixados no alvado do cabo, como representa a est, I, fig. l.a, é de diorito polido. Tem um furo que o trespassa e mais quatro principiados, em cada uma das faces. Foi-me offerecido por um tapuyo que habita na costa do Paru, onde o encontrou.

Fig. 44. Este machado, feito de diorito compacto, perfeitamente polido, encontrei-o na serra do Piquiatuba, próximo à cidade Santarém.

Fig. 45. Pela forma distingue-se bem este machado, que encon- trei no Rio Negro. É de diorito e parece que applicavam-o no preparo da madeira.

Fig. 46. Representa um fragmento de um grande machado que encontrei no Rio Tapajós. E de diorito muito bem polido.

Fig. 47. Foi encontrado no mesmo rio, e é feito da mesma rocha

Fig. 48. É uma das cunhas que empregavam para rachar a ma- deira, sobre a qual assentavam uma espécie de cabo para receber o choque que sobre ella davam. É de diorito e encontrei-a no rio Uatumá.

Fig. 49. Este machado, encontrei próximo a Itaituba. Está um pouco gasto pela acção do tempo. E' feito de diorito.

Fig. 50. Este monolitho representa uma espécie de mão de gral, julgo, porém, que tinha outro emprego. Encontrei na tauaquera de S. Raymundo, no Rio Urubu. É uma das relíquias, talvez, da tribu esterminada pelo capitão Costa Favella. E' de diorito.

VIII

ESTAMPA VIII

FiG. 51. É um dos machados mais característicos que encontrei pela sua espessura. Foi achado no lago Yuquery-assú, no Rio Trom- betas, entre alguns fragmentos de louça, onde deparei com uma cabeça de jacaré de argilla cozida, muito bem feita. É de diorito.

FiG. 59. Ainda é um dos machados encontrados em S. R;\ymun- do. E de trapp perfeitamente polido e muito bem talhado.

FiG. 53. Foi encontrado no costa do Paru e está muito deterio- rado pela acção do tempo. É de diorito compacto.

FiG. 54. Parece uma cunha, mas querem alguns tapuyos que seja antes um machado de trabalhar á mão, sem o emprego do cabo. É de diorito, e encontrámol-o na cidade de Óbidos, nas proximi- dades do cemitério publico.

FíG. 55. Machado empregado nas derrubadas, feito de diorito e encontrado no rio Trombetas, próximo do lago Batata.

ESTAMPA IX

FiG. 56. Representa um fragmento de um grande machado, de diorito perfeitamente polido e bem trabalhado. Tem uma forma elegante. Encontrei também no Rio Trombetas.

FiG. 57. Este grande machado, é um dos encontrados nos aterros sepulchraes da ilha de Marajó. É de diorito compacto, e, se bem que seja polido, não tem as formas regulares.

FiG. 58. Fragmento de um grande machado de diorito compacto, encontrado próximo ao Rio Piracaná, no Tapajós.

FiG. 59. Este machado é da mesma localidade e feito de diorito.

ESTAMPA X

FiG. 60. Este machado, único que encontrei no Rio Capim, é de diorito e parece ser uma das relíquias da briosa tribu Tupy- nambá. gasto um pouco pelo tempo, apresenta comtudo formas inteiramente differentes de todos que estudei. É de diorito.

FiG. 61. É uma outra cunha das empregadas com cabo. En- contramol-a no rio Tapajós e é feita de sienito.

FiG. 62. Um dos machados cuja forma, parece indicar que era empregado no falquejo da madeira. É de diorito e encontra- mol-o na tauaquera de S. Pedro Nolasco, no rio Urubu, dentro do recinto das ruinas do extincto forte que ahi existiu.

FiG. 63. Devo a um amigo, a acquisição d'este utensílio, encon- trado na ilha de Marajó, n'um dos aterros sepulchraes. Affecta a forma de uma ave, com as azas abertas, tendo o dorso artisticamente excavado, não para servir de vaso de 'perfumes, mas para guardar algumas miudezas das mulheres. Mais de uma razão me leva á assim pensar. Em primeiro lugar, o único ponto do valle do Amazonas onde se encontram estes objectos é na ilha de Marajó, onde somente, ainda hoje são fabricados. Na freguezia de Breves, as mulheres fa- bricam de barro cozido e pintado de cores, objectos como estes, que não usam para guardar jóias, agulhas, alfinetes, linhas, etc, como exportam para o mesmo fim, de maneira que é raro entrar-se n'uma casa de tapuyos sem se encontrar estes objectos. Em Cametá consta-me, que por imitação também os fazem. Em segundo lugar, se outr'ora houvesse perfumes que se guardassem em vasos, ainda hoje deviam existir, conservados pela tradicção como são ainda con- servados outros usos antigos. E verdade que o povo indígena usa de muitos perfumes, porém, todos são extrahídos de vegetaes, que preparam com agua no momento em que d'elles se querem servir, e nunca guardam. Os perfumes empregados são para a cabeça e mes- mo para o corpo, pelo que torna-se necessário uma grande vazilha, que geralmente é uma cuia. Outros perfumes usam, como óleos, po- rém, para estes o vaso é impróprio. Por estes motivos, julgo, que os antigos Nheengaibas, serviam-se d'esses vasos para guardar os seus pequenos objectos preciosos. E de diorito compacto e a figura repre- senta uma sexta parte do natural.

1876

JULHO

F. II.

JL

EIsTSj^IOS

DE

SCIENCIA

POR

DIVERSOS AMADORES

II

APONTAMENTOS SOBRE O ABANEÊNGA.

ESTUDOS BOTÂNICOS.

ANTIGUIDADES DO AMAZONAS.

RIO DE JANEIRO

BROWN & EVARISTO, EDITORES 53 Rua da Quitanda 53

18T6

ESTE VOLUME CONTEM:

Apontamentos sobre o Abaneênga, O colloquio de Lerij, (132 paginas) pelo Dr. B. C. d'A. Nogueira, '

Estudos Botânicos, O Género Hortia Vand., (14 paginas) pelo Conselheiro Dr. G. S. de Capanema.

Antiguidades do Amazonas, Arte Cerâmica, (40 paginas) pelo Dr. J. Barboza Rodrigues.

APONTAMENTOS

SOBRE O

também cljamaJu

GUARANI OU TUPI

ou

Língua Geral dos Brasis

'WS^WWWW^^^^

SesuTido Opúsculo

O DIALOGO DE LERY

Nota preliminar.

O dialogo.

Explanações.

o DIALOGO DE LERY

NOTA PRELIMINAR

Este. dialog-o foi copiado de uma edição latina da obra de Lery, que tive em mãos por obsequio de um amig^o. Anteriormente tinliam sido tomadas varias no- tas de uma edição franceza mais antiga, e íoi pena não ter então copiado o dialogo todo porque parece que u'aquella edição vinham com mais exactidão os vocábulos da língua geral e emfim o livro todo con- servava mais aquella ingenuidade característica com que fora escripto de principio. Agora tenho á vista a 5." edição franceza muito augmentada e bastante vo- lumosa sem proveito algum, diga-se a verdade ; con- frontada esta com a edição latina vê-se que Lery fez nesta alguns accressimos inúteis, alargando-se em suas queixas contra Thevet, dissertando sobre as crueldades de povos do mundo antigo que sobrepuja- vam as dos Brasis, etc. O dialogo que aqui é trans- cripto traz a numerado XX na edição latina e XXI na franceza, e o motivo é o seguinte :

Ao capitulo XV da edição latina correspondem os capítulos XV e XVI da franceza, isto é, o primitivo

4 APONTAMENTOS

capitulo XV foi dividido em dois e Lery depois de dizer comment les sauvages Brcsiliens traitent kurs prisison- niers prins en guerre et les ceremonies qu'ils obseruent lant à les tuer, qu'à les manger, passa à tratar mais detida- mente des cruautez exercees par les Turcs et autres peuples : et nommément par les Espagnols (queria de certo ou devia dizer também les Portugais) heaucoup pliis barbares que les Sauvages mcsines.

Ambas estas ediçOes, uma por ser traduzida, outra, por estar amplificada, parecera, nas transcrip- ções dos vocábulos da ling"ua indigena, menos exactas do que a primitiva. Nestas duas edições com effeito vê-se, por exemplo, imibia em vez de mubte ; se pois não eng-anei-me nas notas tiradas da edição pri- mitiva, lá estava éscripta uma palavra que corres- pondia mais exactamente ao termo da lingua g-eral mimby para desig-nar flaiila. Como inubia é possível e natural que fossem adulteradas muitas outras dicções nas subsequentes edições; se isto se com uma e mesma obra reimpressa pelo próprio auctor, como nao se dará muito maior estropiamento quando forem as phrases e vocábulos transcriptos por outros, mor- mente outros que nao fossem conhecedores das cousas e dos nomes mencionados no livro orig-iual ? Sem a menor duvida devia concorrer isto, junto com muitas outras cousas, para fazer crer na enorme multiplici- dade de ling-uas que attribuiram aos Índios, e muito principalmente aos da America do sul.

Examinando-se as phrases apanhadas por Lery no Rio de Janeiro, reconhece-se immediatamente que era a língua geral, e a língua geral tal qual era fallada nao na costa, mas pelos guaranis no Para- guay sem nenhuma differença fundamental á não ser a da orthog"raphia.

SOBRE O ABANEENGA 9

Nestes apontamentos vfto reduzidas à orthographia, proposta para o abaneênga, as phrases e vocábulos do dialogo, e serão explicadas nas notas subsequentes apenas aquelles que menos facilmente se adaptarem ao idioma e por isso precisarem de alguma interpretação. Se fossem discutidas todas as phrases e vocábulos um por um as explanações se alargariam de modo descon- forme. Estes apontamentos, como foi dito, deviam seguir-se á grammatica e ao diccionario e d'ahi resulta que tacitamente as notas se reportam ao que mais convenientemente é explanado.

Todas as vezes pois, que mediante a simples cor- recção orthographica se reproduz o vocábulo próprio do abaneênga está feito o que compete á estes apon- tamentos. As explicações etymologicas e determinação do radical pertencem ao diccionario.

No texto original transcripto de Lery a repetição feita entre parenthesis é a da phrase, qual se acha na 5.» edição franceza ; o texto corrente é o copiado da edição latina.

Nas columnas onde vem as traducçOes quer latina, quer franceza, o que estiver entre parenthesis, é que foi omittido por Lery e aqui se traduz, porque de tudo isso ha casos.

E' possível que me engane e erre na interpretação 6 por conseguinte na correçao de oríhographia dos vo- cábulos e das phrases, mas outro virá que conheça mais perfeitamente o abaneênga e corrija os meus erros. Como desculpa dos erros que possa commetter limito-me á tomar para mim as seguintes palavras do Sr. Max Múller : « Não se segue de modo algum, que « quando se ache a chave de inscripções antigas, se « possa desde logo dar explicação precisa de cada dic- « ção e interpretação exacta de cada phrase. Vê-se

o APONTAMENTOS

(( por vezes o mesmo texto hieroglyphico ou cuneiforme « explicado differentemeute por eruditos differentes ; « e nao é raro que alg-uns delles proponha nova inter- « pretaçao de inscripçao, poucos annos antes traduzida « de outro modo. O que se diz á respeito da decifra- « çao de inscripçCes applica-se com justeza nao menor « á interpretação de textos antig-os.... O único meio « seg-uro de descobrir o sentido verdadeiro das pa- rt lavras nos monumentos sag-rados dos Brahmanes, (f dos Zoroastrios, ou dos Judeus é comparar todos os « trechos em que se encontra a mesma dicção e pro- curar para ella ura sig-nificado que adaptando-se « ig-ualmente á todas essas passag-ens, possa também « sustentar-se em vista de razões grammaticaes e ety- « molog-icas. »

É muito pequenina sem duvida esta decifração de phrases para ser comparada com a profunda investi- gação das inscripçOes de monumentos, mas nem por isso deixa de ter applicaçao á ella o que acontece com a outra.

Procurei na transcripçao conservar integralmente a orthog-raphia de Lery, mas nao foi possível assim ser in totum, porqne, por exemplo, na typographia não ha o s antigo e semelhante á /", e porque, demais, Lery nao manteve orthographia uniforme e foi escrevendo, por exemplo, ora Sauuwje oro, sauvagr.

disse que no diccionario se elucidam as dic- çOes e nas notas que seguem apenas trata-se de har- monisar a orthographia. Comtudo, uma observação é indispensável, por isso que entende cora o nome de tribu com a qual esteve Lery.

Logo no principio do trecho transcripto vera os dois termos tooupinambaoults e toupinenkins que nao é possivel discutir e elucidar por emquanto e que

SOBRE O ABANEUNGA ^

apenas transcrevo na orthog-rapbia correcta pelas ex- pressões TUPiNAMBÁ e TupixiKK. O priuieiro, como in- diquei no proleg-omeno, parece-me sig-nifícar gen(e da terra, e o segundo os da terra vi^inhu, mas não é pos- sivel affirmar com seg-urança que assim estejam bem interpretados. A única cousa que fica bem certa e positiva em vista destas denominações dadas por Lery é que o nome de tupinambá nao era exclusivo dos Ín- dios encontrados na Bahia, nem tao pouco o de tupi- NiKÊ próprio aos do Espirito-Santo ou Porto-Seguro. Considerando que os Íncolas, que cheg-avam â falia com Europeus em qualquer parte da costa, davam-se por TUPiXAMBÁs e designavam os visinhos por tupinikí^, os adversários ou fronteiros por tobajár, etc, fui levado á interpretar os nomes da maneira acima dita, que não força o sentido nem a escripta dos vocábulos. Limito- me, porém, á enunciar o pensamento, sem pretender- affirmar que com certeza seja esse o modo de inter- pretrar com justeza taes denominações. Fica também assente que tupixambá, tupixikè, tobajár e outros, como nomes de tribus differentes, nao sao denomi- nações características, pois cora ellas seria impossí- vel differençar uma tribu da outra, e apenas se saberia que pertencem á grande família que fallava o abaxeêxga.

O nome tupi por si sem suffixo alg-um não é nem pôde ser nome de povo. Ha na ling-ua o verlx) hupir erigere, lallere, que no infinito absoluto pôde fazer tupir ; ha também a expressão hupi que me parece contracta do verbo hub na terceira pessoa, a qual serve de adverbio e de adjectivo e que inexactamente António Ruiz traduz por verdad, razon, quando a sua sig-nificaçao evidentemente é cerlò, benè, rcctè e também rettiis, a tiui. É claro que nenhuma dest^us duas dicçOe-í

8 APONTAMENTOS "

podia coiitraliir-se e mudar a ponto de formar tupi de^sig-nativo de alg-iima tribus ou geos.

O Exm. Sr. Visconde de Porto Seg-uro nas suas An- notações k obra de Gabriel Soares, até certo ponto com razão interpreta tupi como derivado de tubyr patruus. Mas note-se que elles diíferençavam lio paterno tubyr (palriius) e lio materoo tutyr (avimculus), como se no Tesoro, e que, para desig-nar com qualquer destas dicções uma multidão ou povo é em todo caso indispen- sável addicionar-lhe um suffixo aM gens, ou mí/ya popuhis, mas nunca mba, como o Ex. Sr. de Porto Seg-uro. Além disto, supposto que com um destes suííixos se explicasse tupinambá a gente ou o povo do tio, ficaria sub- sistente a dificuldade para explicar os outros nomes terminados era iké, ãe, etc.

Vê-se pois que nao é fácil interpretar o termo tupi, e inda mesmo que se faça esse nome derivar-se de tub-yb, o que nSo é contrario ás regras gramniati-- cães e prosodicas da ling-ua, tub-yb sig-nificando patrum seu parentum dux nao pótle elle sem suffixo desig-nar tribu ou povo.

Excepto SimEo de Vasconcellos, não ha um autor antig-o que mencione tribu tupi alg-úres ; esse designativo foi adoptado por historiadores quando qui- zeram abrang-er n'uma desig-naçao as diversas tri- bus da mesma raça e que fallavam a mesma ling-ua.

O Exm Sr. Dr. Couto de Mag-alhaes no seu esti- mável livro Região e Raças Selvagens do Brasil interpretra tupi pequeno raio, e o deriva de tiipá raio. É evidente que discordamos completamente, tanto mais quanto nem é admissivel a troca de vog-aes características dos radicaes como sejam ã por í accentuadas e outras.

Nao é este o único ponto em que discordo do eminente ethnolog-o e denodado viajor, que tem varado

SOBRE O ABANEÊNGA 9

OS sertões das nossas mais remotas províncias, e que g*osa de legútima nomeada como litterato e publicista. Si discordo, porém, de S. Ex. n'alg-uns pontos, prin- cipalmeute nos referentes á philolog-ia e ling-uistica (não é possivel perfeito accôrdo de ideias em tudo, mesmo entre amig-os Íntimos), ha outros do seu pre- cioso livro, nos quaes até acho que seriam poucos todos os encómios tributados á S. Ex.

Bem haja a voz autorisada que se levanta em prol desse milhão de seres humanos, esbulhados do seu pa- trimónio pela gente que se diz civilisada ; bem haja o benemérito da humanidade que apresenta um meio pratico de chamar ao grémio da civilisação esses selva- g-ens, menos selvagens (na ing-enua phrase de Lery), pelo lado moral quando mais não seja, do que a gentalha dos cortiços, porque sem duvida os sang"uinarios e brutos selvagens ao menos não são crapulosos; e elles vivem nos mattos, isto é, na treva e não no âmago das ci- dades cultas, allumiadas pela luz eléctrica da civilisa- ção. De coração applaudo á S. Ex. por alistar-se no partido dos Gonçalves Dias, Magalhães, Norberto, Ottoni, embora do lado opposto figurem nomes da plana de Lisboa (oTimon Marahense), Visconde de Porto- Seguro e outro.s.

Mas isto não é da minha competência e volto á decifração das phrases de bugres.

10

APONTAMENTOS

HISTOIRB D'VN VOYAGE FAIT EN LA TERRE DV BRESIL DITE AMERIQUE, ETC, ETC, ETC.

par JEAN DE LERY

natif de la Margelle, Terre de Sainct Sene au duche de Bourgongne.

CHAPITRE XXI

CoUoque de Tentrec ou arriuce en la terre du Bresil, entre les gens du pays nommez tououpinambaoults et toupinenkins en langage sauuage et françois.

Es tu venu?

FRANÇAIS brasil (ORTHOG. LERY,

Tupinambá

Ere-ioubé? Francez Ouy ie suis venu. Pa-aioat.

Tubinambá

Voila bien dit. Teh! aug-e, nypo.

(The! aug-e ny-po). Comment te nommes tu? Mara dérérê ?

Francez Vne grossa huitre. Lery-oussou.

Tupinambá

As-tu laissé ton pays pour Ere-iacasso pienc? venir demeurer ici ?

Francez

Ouy. Pa.

SOBRE O ABANEENGA

11

HISTORIA NAVIGATIONIS IN BHASILIAM QVM ET AMERICA DICITUR, ETC, ETC, ETC.

a JOANNE LERIO

Burgundo, gallice scripta. Nunc vero primum Latinitate donata et

CAP. XX

CoUoquiura in ipso aditu Brasiliensis ora? inter indígenas tououpi- NAMBAULTios TOUOUPiNENKiN brasilicè ac latine conscriptum.

LATINE

Venisti ne? Sic est, veni. Bene dixisti.

BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Ere-jú pé"? (1

Francez

Pa, a-júr. (2

Tupinambá

Ta aguyjé nipó. (3

Quoraodo vocaris? Marã-pe nde-réra?

Francez Ostrea magna. Yryry guasú.

Tupinambá

Patriam ergo reliquisti, vt Ere-jakasó piang? hic deinceps habitares ?

Francez

Ita est. Pa.

(4

(5

12

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

Vien doncques voir le lieu Eori deret aui oiiani re- tu demeureras. piac.

Francez

Voila bien dit.

Aug-e-bé.

Tupinambá

Voila donques il est veuu I endé répiac ? aout I en- par deçà, mon fils, nous dérépiac aout é che raíre ayant en sa memoire Teh (The!) Ouéreté Te- helas ! noy(keuoy). Lery-oussou

yméen !

As-tu aporte tes cofres? Erérou caramémo ? lis entendent aussi tons autres vaisseaux à tenir liardes que Thomme peut auoir.

Francez

Ouy, ie les ai aportez arout.

Tupinambá

Combien?

Autant qu'on en aura, on leur pourra norabrer par paroles, iusques au nom- bre de cinq, en les nom- mant ainsi.

1

2

3

4

5

Mobouy? (mabouy?)

Aug-épé (aug-é-pé). Mocouein. Mossaput.

Oioieudic (oioicoudic) Ecombo (ecoinbo).

SOBRE O ABANEENGA

13

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Adesdum ig-itur et locum E-jóri nde retãm-ag'uã re-

habitationis tuíE circum- piáka. (6

spice.

Francez

Bene est. Ag-uyjébó.

Tupinambá Ecce ig-itur, fili mi, venit Nande repiáka o-ú te,

in lias regiones, nostri

memor, papa

f

fiande repiáka o-ú te, che rayra. Ta a-jur eté, TenOi Yryrj g-uasú oi-

(7

moang-.

Attuliítine capsas ?

Eo vero nomine compre- liendirans quidquid in- cludendis omnis g-eneris vestimentis aptum est.

Ere-ru pe nde karámên-

(8

g-nã?

Etiam attuli.

Qiiot'

Francez

Pa, a-rúr.

Tupinambá

Mbobyr ?

Unus.

Duo.

Três.

Quatuor.

Quinque.

Ojepê.

MokOi.

Mbohapyr.

Moyruiidy.

Arabó.

Í9

14

APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinarabá

Si tu en as deux, [tu n'as

que faire d'en noinmer

quatre ou cinq. II te su-

fira de dire mocoueín de

trois et quatre. Sera-

blablement s'il y en a

quatre tu dirás oioucoudic.

Et ainsi des autres ; mais

s'ils ont passe le nombre

de cinq, il faut que tu

monstres par tes doig-ts

et par les doig-s de ceux

qui sont aupres de toi^

pour acomplir le nom- bre que tu leur voudras

donner à entendre, et de

toute autre chose sem-

blablement. Car ils n'ont

autre maniêre de conter, Quelle chose est--ce que tu Máé pérérout de caramémo

as aportee dedans tes co- poupe ?

fres ?

Francez

Des vestemens. A-aub.

Tupinambá

De quelle sorte ou couleur? Maravaé ? (Mara-vaé?)

Francez

De bleu. Sóbouy-eté.

Roug-e. Pirenk.

laune. loub (ioup).

Noir. Sou (son).

SOBRE O ABANEENGA

15

I

LATINE BRASIL (OHTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Si duas tantum habes, qua- tuor numerare nou opor- tet ; satis enim erit si dixeris mocouein; Si qua- tuor habueris sic di- ces oioicoudic. Et sic de reliquis. At vero si qui- narium numerum exce- dant, numerum quem voles totidem dig-itis tuis, aut si non sufflciunt, so- ciorum qui tibi adstaut, indicare poteris : Non enim habent aliam nu- merandi rationem.

Quid in capsis attulistí ? Mbae-pe re-rur nde kará-

mêng-ua pypé?

Francez

Vestimenta.

Aób.

Tupinambá

Cuius coloris?

Marã-mbâe ?

Francez

CsBrulei .

Hoby ête.

Rubei.

Pirang".

Lutei.

Júb.

Nigri.

Hún.

(10

16

APONTAMENTOS

FRANJAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez

Verd. Sobouy, massou.

De pliisieiír.s coiileurs. Pirienk (pirienlz).

Couleur de ramier. Pegassou-aué.

Blanc (et e,st entendu de Tin. chemises.)

Tupinambá

Quoi encores? Maé pámo?

Des chapeaux.

Francez

Acang-aubé-roupé.

Beaucoiip?

Tupinambá

Setápe (seta-pé)?

Francez

Taritqu'on ne les peiít nom- Icatoupaué. brer.

Est-ce tout ?

Non ou nenni.

Tupinambá

Aepogno (aipogno)?

Francez

Erimen.

Nomme tout.

Tupinambá

Esse non bat.

Attens un peu.

Francez

Coromo.

Or sus donques

Tupinambá Nein.

SOBRE O ABANEENGA

17

LATINE BRASIL (OUTHOC. CORRECTA)

Frencez

Virides. Hobyg-iiasú.

Varioruni colorura . Paráb.

Coloris columbiui. Apykasú fiabe.

Albi (et de indusiis intel- Tr=ting'. ligitur) .

Tupinambá

Quid prseterea? Mbâe-p'a[nó'?

Galeros.

Francez

Akang-aóba-rubã.

(11

Muitos?

Tupinambá

Hetá-pe ?

Francez

Innumeros.

Ikatu pabê.

Tupinambá

Id ne totum est?

Aipófiô?

Francez

Minimé.

Aan-ymã.

Tupinambá

Omnia nomina.

E henOi mbáb.

Francez

Expecta paululum.

Koromõ.

Tupinambá

Age igitur.

Ener.

18

APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERV)

Francez

Artillerie à feu, comme har- Mocap=niororocap.

quebuze grande ou petite:

car mocap signifie toute

maniére d'artillerie á feu,

tant de grosses pieces de

nauires , qu'autres. II

semble aucune fois qu'ils

prononcent bocap par b et

seroit bon en escriuant

ce mot d'entremesler mb

ensemble qui pourroit. De la poudre à cânon ou Mocap coui.

poudre à feu. Pour mettre la poudre à feu, Mocap-couiourou.

comme flasques, cornes

et autres.

Tupinarabá

Maravaé? (mara vaò?). Francez

Tapiroussou-ac (ak).

Quels sont-ils ?

De corne de boeuf.

Tupinambá

Voila tres-bien dit. Aug-é-g-atou-teg-ué.

Qu' est-ce qu'on baillera Mâe sepoujt rem ? pour ce ?

Francez

le ne les ai qu' aportees, Arou ri. comme disant, je n'ai po- int de haste de m'en des- faire: enleurfaisantsem- bler bon.

SOBRE O ABANEÊNGA 19

LATINE BRASIL (ORTHOG, CORRECTA)

Francez Ig-nea tormenta, catapultas Mbokáb = mbopokáb =

vtriíisque generis. Nam mboropokáb,

mocap omne g-enus tor--

meti significat ; maiora

etiam quse nauibus im-

ponuntur ad repellendos

piratarum insultiis. Pro-

nuntiant aiitem aliquaii-

do per b et in scribendo

si fieri possit, intermis-

cendfB essent m etb. Attuli etiam puluerem ig-- Mboká-kui.

neum. Cornua et alia instrumenta Mboká-kui- yrú=: mboká-

ad puluerem includen- kui-ryrú.

dum.

Tupinambá Caiusmodi sunt ? Marã-mbáe?

Francez

E cornu bovis confiata. Tapiir-usú-ákua.

Tupinambá

Optime dictum Afié katú tefié. (12

Quid tibi numerabitur pro Mbâe-pa hepy-rãma? eas res?

Francez

Ea instrumenta tantum at- A-rúr-eí. (13

tuli, quasi dicas, nolo tam cito vendere.

20 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

Cest vne interiection qu'ils Hé. ont acoustumé de faire quand ils pensent à ce qu'on leur dit, voulans repliquer volontiers. Ne- antmoins se taisent,afin qu'ils ue soyent véus im- portuns.

Francez Pai aporte des espees de fer. Arrou-itaygapeni.

Tupinambá

Ne les verrai-ie point? Nacepiac-ichopén-é?(naoe-

piac-icho péné?)

Francez Quelque iour á loisir. Bégoé irem.

Tupinambá

N'a-tu point aporte de ser- Néréroúp guya pat? pes à heuses?

Francez

Pen ay aporte. Arrout.

Tupinambá Sont-elles belles? Igatoupé ? (igatou-pé).

Francez

Ce sont serpes excellentes Guiapar-eté.

Tupinambá

Qui les a faites ? Aua pomognen? (aua po-

moquem ?)

SORRE O ABÂNEÈNGA 21

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Interíectio est, qua vtun- Hé. tur dum quis eos allo- quitur, quasi respondere velint Libenter ? et ta- men quiescunt, ne im- portuni videantur.

Francez Cultros férreos attuli. A~rur ita-yapem.

Tupinambá

Nunquid eos videbo? Na-hepiag--ichoé-pé-De ?

Francez Quando erit otium. Mbegné-i-rãma.

Tupinambá Nunquid falces attulisti ? Nd-ere ru-pe g-uyrapár?

Francez Attuli. A-rúr.

Tupinambá Sunt ne pulchrse? I-katú-pe ?

Francez Eximise sunt. Guyrapar-êtê.

Tupinambá Quis eas fabricauit? Abápe o-raouang?

22 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez

Ca este celui que cognois- Pag-é ouassou remymog"- sez, qui se nomme ainsi, nèii. qui les a faites.

Tupinambá Voila quí va bien Aug-é terah.

Helas, ie les verrois volon- Acêpiati-mo-mên (acepiach tiers - mo mèm).

Francez Qiielqiie autre fois. karamoiissee.

Tupinambá

Que ie les voye presente- Tâcépíak taugé ment.

Francez Atten encore. E émbe reing-ué (eêmpere-

ing-uè).

Tupinambá

As-tu point aporte de , Eréroupé itaxé amo ? cousteaux ?

Francez

J'en ai aporte en abon- Arroureta dance.

Tupinambá

Sont-ce des cousteaux qui Secouarantim vaé? (sacou- ont Ie manche fourclm? arantiu vaé?)

Francez Non A manche blanc. En-en. Ivetin.

Á demi raffe. Ivè pòp.

Des petits cousteaux. Taxe miri.

SOBRE O ABANEÊNGA 23

lATIXE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Francez

Ille qui tibi notus est, cu- Paijé-guasú remi-monã- iusque noineu tale est, ng-uér. (14

eas fabricauit.

Tupinambá

Id bene se liabet. Ag-uyjé terã. (15

Papae! Libenter eas vide- A-hepiá temomã. rera.

Francez

Alio tempore id íiet. karambohe (16

Tupinambá Iara iam videam. Ta-hepiâg- tângS (17

Francez

Expecta adhiic. E-ambé râng-S, terã,

e-ambé rang-ué. (18

Tupinambá

Attulisti-ne cultros? Ere-rú-pe itá-kysé amõ?

Francez Pleroáque attuli. A-rúr etá.

Tupinambá

Sunt-ne cultri capulo di- Hakiiar-atr-bâe? iiiso ?

Francez

Non. Albo capulo. Aãn = aãni; }ba-tÍDg' =

yb-tr.

(Plano capulo). yba-péb = yb-péb.

Parvos cultros. Itá kysé-miri.

24

APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez Des hairas. Pinda.

Des alaines. Moutemouton.

Des mirouêrs. Arroua.

Des peig-nes. kuap.

Des colliers ou bracelets Moúrobouyété.

bleus qu'on n'a point Cepiak yponeum (cepiahy-

acoustumé d'eii voir. Ce ponyéiim),

sont les plus beaux qu'

on pourroit voir, depuis

qu'on a commencé à ve-

nir par-deçá.

Tupiuambá

Ouure ton coffre afin que E asoia-vok caramémo ie voye tes biens. facepiak de maè (easo

iavoh de caramémo t'a- cepiah maè).

Francez

Ie suis empesché ; ie le Ai mossaénen ; acepiag- monstrerai quelque iour ouça irem desve (desue) . que ie viendrai à toy.

Tupinambá

Ne t'aporterai-ie 'point des Na rour ichop' Irem raaé biens quelques iours? desve ? (nârour icho p'

Iremmae dessue?)

Francez

Que veux-tu aporter? Maepe reroutpotat? (mae!

pererou potat?)

SOBRE O A.BANEKNGA 25

LA.TINE BRASIL (ORTUOG. CORRECTA)

Francez

Hamos. Pindá.

Subulas. Mbotu-mbotu, terá, mbo-

tymboty. (19

Speciila. Guâruri=âruã. (20

Pectines. kyg-ua, terá, kybáb. (21

Armillas cairuleas. Cujus- Mboy-roby-êtê. (22

modi liic non extaiit. Eíb Hepiag-ipyr-éym .

qufE pulcberimse sunt in- "

ter eas quas hic vidimus

ab eo tempore quo ad-

ferri cceperuiit.

Tupinambú

Aperi arcam vt tua bona E asóiab-óg* nde karamêii- intuear. g-uã ta-hepiag nde mbáe.

Francez

Occiípatiis sum ; alio dic A fiemo saénã; a lie- (23 aperiam ad te veniens. piag'-ukà iram ndébe.

Tupinambá

Nonne aliquando ad te bo- Na-rur-iché-pe i-rã rabiie na adferam ? ndébe ?

Francez

Quidnam vis adferre? Mbaé-pe re-rú potá-pe? (pe

=1 te = tile)

4

26 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

le ne sai, mais toy? Scéh dè? Maé peréi potat?

Que veux tu ? (maépe réi potat ?)

Francez

Des bestes. Soo (soo).

Des oyseaux. oura (oura).

Du poisson. Pira.

De la farine. Ouy.

Des naueaux. yetic.

Des grandes fobues. Commenda ouassou.

Des petites febues. Commenda miri.

Des orang-es e des citrons. Margouia ouassou.

De toutes ou plusieurs dio- Maé tirouén. ses.

Tupinambá

De quelle sorte de beste Mara-vae soó éréi usceli ? as-tu apetit de mang-er? (mara-uaésóooreinsceh?)

Francez

le ne veux de celles de ce Nacepiak, quevon-g-oua pays. aire (nacepiali, que von

g-ouaaire).

Tupinambá

Que ie te les nomme. A assenou desuoe (aasse-

non desue).

Francez Or là. Nein.

Tupinambá

Vne beste qu'ils nomment Tapiroussou. ainsi, demi asne e demi vache.

SOBRE O ABANEENGA

27

LATINE

BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

; haé nele ? Mbáe-pe re-ipotápe?

Francez

Soõ.

Guyrá.

Pirá.

Ui = hui = kuí.

Jetyg-.

kumandá g-iiasú. kumandá mirf. , Mbarakujà g'uasú.

Néscio ; quid tu ? ; haé nde ? (2-i

Quid vis ?

Feras.

Aves.

Pisces.

Farinam.

Rapas.

Mag-nas fabas.

Fabas paruas.

Áurea et citrea mala.

Omnes denique aut pie- Mbáe tetiruã. (25

rasque res.

Tupinambá

Cuius g-eneris animal co- Marã-mbáe soõ medere aues ? eréi-uhêi ?

Francez

Nolo ea comedere quíE liic Na-hepiâg' kybõ-ng-uára (26 proueniunt.

Ea tibi nominabo .

Tupinambá

A-henOi ndébe.

Ag-e vero

Francez Euer . Tupinambá

Fera quam sic vocant, Tapiir-usú. quam semi-asinum aut semi vaccam dicere pos- sis.

(27

28

APONTAMENTOS

Taíasou (taiason). Ag-outi.

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

Espece de cerf et biche. Se-ouassou.

Saug-lier du pays.

Vne beste rousse, grande

comme vn petit cochon

de trois semaines. Cest vne beste g-rande Pag-ue.

comme vn petit cochon

d'vn móis, rayée de blanc

et noir. Espece de liéure. Tapiti.

Francez

Norame moi des oyseaux. Essenon oiira ichesve, (esse

non oocay chesue).

Tupinambá

Cest vn oisean g-rand com- lacou, me vn chapon, fait com- me vne petite poule de g-uinee, dont il y en a trois sortes, c'est assa- uoir, lacoutin, lacoupem et lacnu ouassou ; et sont de fortbonne saueur, au- tant qu'on pourroit esti- mer autres oyseaux.

Paon sauuag-e dont en ya Moutou (mouton). de deux sortes, de noir et g-ris, ayans le corps dela g-randeur d'vn Paon de nostre pays (oiseau rare).

SOBRE O ABANEÈNGA 29

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tiipinambá

Genus cerui ac damse, Súasú = g-uasú = sáuású.

Aper. Tai-asú = tãinasú.

Rufam animalculum ne- Ag-uti = akuti. frendis mao-nitudine.

'G'

Fera est mag-nitudine ne- Pag", frendis, nigro et albo co- lore distincta.

Genus leporis. Tapiiti.

Francez Nomina mihi aues. E-hefioi g'uyrá ichébe.

Tupinanibá

Est auis capouis mag-nitu- Jakú. dine. Eius autem três Jaku-ting-, jakú-pemb, ja- sund species, nempè , kú-guasú. lacoiUin , lacoupem et lacou ouassou. Boni g^us- ti omnes inter cíEteras aues.

Syluester pavo. Mytu = mutã.

Sunt autem nigri et ieu-

copfei, et corpus adeo

mag-niim habent ac nos-

tri, auis rara.

30

APONTAMENTOS

\

FRAXÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá C"est vne grande sorte de Mócacoiià.

perdrix, ayant le corps

plus gros qu'vn chapon. Cest vue perdrix, de la Inambou ouassou.

grande sorte, presque

aussi g-randecommeTau-

tre ci dessus nommee. Cest vne perdrix, presque Inambou (ynambou).

comme celles de ce pays

de France.

Tourterelle du pays. Pegassou.

Autre espece de tourte- Paicauêc (piacacu).

relle plus petite.

Francez

Est-il beaucoup de bons Seta-pé pira senaé? (se-

i

poissons ?

tapé-pirá seuaé?)

Tupinambá Nan.

Kurema.

Parati.

Acara-ouassou.

II y en a autant.

Le mulet.

Vn franc mulet.

Vn autre grandpoisson qui

se nomme ainsi. Poisson plat encores plus Acara-pep (aararapep).

delicat, qui se nomme

ainsi. Vn autre de couleur tannee Acara-boutõii ( atrarabou-

qui est de moindre sorte, ten). De tres-petit . qui est en Acara-miri (atrara-meri) .

eau douce, de bonne sau-

eur. Vn g-rand poisson de bon Oura (ouara).

goust,

SOBRE O ABANEÊNGA 31

LATIXE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Est g-enus perdíeis quíe Makag*uâ.

corpus mag-nitudine ca-

ponis liabet. Est etiam perdix fera Inambú-g-uasú.

alterius magnitudinem

ípcquaus.

Perdix est non multum Iiiaiubú.

ab iis distaiis quas iii

Gallis videmus.

Turtur. Apykasú.

Aliud geims turturis mi- Pykui.

noris.

Francez

Est ne mag-nus bonoriim Hetá-pe pirá hébâe ?

pisciíim numervs ?

Tupinambá

Tot sunt. Nan=nã.

Mulus. Kurimá.

Mulus altero melior. Parati.

Akará g*uasú.

Piseis planus delieatior Akará péb. aliis.

Alius lutei coloris qui mi- Akará pitang-.

noris est pretij. Maximè parui qui in dulci Akará miri .

aqua viuunt, bonique

gustus sunt. Mag-nus piseis boni sa- Guará.

poris.

32

APONTAMENTOS

FRANCAIS

Vn grand poisson.

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinarabá

Kamouroupoúy-ouassou.

Francez

Oíi est ta demeure? Maiu- Mamope dérétam? tenant il nomme le lieu (Mamo-pe-deretam)? de sa demeure.

Tupinambá Ce sont les villag-es dii (a) Kariaiik (kariauli) loiíg" dii riuag"e entrant en la i-iuiere de Geneiire du costé de la main se-

(1

{b) Ora-ouassou ouée. (7

(c) laucLi ur assic (laue-ur

assic) . (2

nestre, nomraez en leurs ((/) Piracam, opem (piraca- propres noms : et iie sa- ni o-pen).

che quils puissent auoir {e) Eíraia (Eiraia).

interpretation selon la (/") Itanen. siffnification diceux.

Qui sont les villag-es en ladite riuiére du costé de la main dextre.

(í/) Taracouir apan.

[h] Sarapo-u.

{i) Kei-i-u. (15

(j) Akara-u. (16

(A-.) Koiiroumouré.

(/) Ita-auli (ita-aue).

(m) loirarouem(yoiârouen).

Les plus grands villag-es {n) Sacoiiarr oussou-tuue .

de dessus les terres tant (o) Ocarenti (ocarentin). (6

d'vn costé que d'autre, (p) Sa popem (Sapopen), (5

sont : (?) Nouroucuve (Nourou-

couue).

(r) Arasa tuu (Ârasa-tuue).

(s) Usupotuve (vsupotuue).

Et plusieurs aiitres, dont auec les gens de la terre ayant com- munication, oa pourra auoir plus ample cognoissance et des peres de famllles que frustratoirement on appele Roys, qui demeurent ausdils villages ; et en les cognoissant on en pourra iuger.

SOBRE O ABANEÊNGA 33

LATINE BRASIL (ORTHOG. MODERNA)

Tupiaambá

Mag-nus piseis. Kambaropy guasú.

Francez Vbinam áegis ? Mamõ-pe nde retama 1

Tupinambá

Sunt nomina própria vi- Kariog*. (28)

corum qui Ganubarã si- Guyra g-uasú rag-ué. num ing-redientibus ad sinistram latiis appa- reut, nec mihi commodé Pirà-kã mopã? explicari posse videntur.

Eira-yá. Itanã ?

Sarapoy Vici in ripa eiusdem fliiuij Keri-y ad latus dextrum. Akará-y

Ita-óg" Guararuã Maiores vici in continenti Hakuar-usú-tyba ex vtroque latere hi Yg"aranti ? sunt. Hapopemba.

Arasá-tyba. Ysypó-tyba.

Ac multi alij ab iis quí cum indigenis commercium habuerunt» cognosci poterunt, et à patribus famílias, quos falso reges vocant, qui in illis vicis habitant.

34 APONTAMENTOS ^ !

I

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez Combien y a il de grands Mobouype toubicha g-atou par deça '? c"est à dire lienou ? (móbouy-pe toií- vaíllans. picha g-atoii heuou?)

Tupinambá Ily en a beaucoup. Seta g-uè.

Francez

Nomme-m'en quelqu'vn. Essenon aug-e pequoube

ychesve (essenon auge pequoube ychesue).

Tupinambá Cest vn mot pour rendre Nân

attentif celui á qui on

veut dire quelque propôs. Cest le nom d'vn homme E apirau-i ioup (Eapira-

qui est interprete, teste ui-ioup) .

à demi pelee : ou il n'y

a g-uere de poil.

Francez est sa demeure ? Marao-pè setam?

, Tupinambá

En ce village ainsi dit ou Kariauk-bé (kariauli-bé) . nommé, qui est le nom d'vne petite riuiere dont le village prend le nom, á raison qu'il est assis prés et est interprete la maison des karios com- posé de ce mot karios et d'aw7, qui signific mai- son, et en ostant 0.9, et y adioustant auq, fera

SOBRE O ABANEÊNGA 35

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Franccz Quot magni sunt in his Mbobype tubichá katú reg-iouibus, id est, fortes? hini ? (29

Tubinambá Multi sunt. Heta-guér.

Francez Nomina mihi aliquem. E-henOi ojepê ky aubê

icliêbe . (30

Tupinambá

Vocabulum ad reddendum Nan=nã.

eum attentum ciii vis ali-

quid dicere. Nomen proprium hominis, Ij-apirábóg'-pyr. (31

quod nomen sic exponas:

caput semicaluum , et

pilo admodum raro.

Francez Ubi habitat ? Mamõ-pe hetama ?

Tupinambá

In vico quem ita appellant, Karióg-pe . (32

est autem nomen flumi- nis cuiusdam a quo no- men vicús sortitur, quia ad eum situs est. Signi- ficat autem kariasdomum. Componitur autem ex você karios et aw/t quae domum significat ; ex- trahendo us et addendo auh, erit kariauh. Bé, au-

36

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

kariauh, et be c'est Tar- ticle de Tablatif, qui sig*- nifie le lieuqii'on deman- de, ou oíi on veut aller. Qui est interprete g-arde Mossen ygérre. de medicines, ou à qui medicine apartient ; et en vsent proprement quand ils veulent appe- ler vne femme sorciére, ou qui est possedee d'vn manuais esprit ; car Mos- sen, c'est medicine et gerre, c'est ap^artenance.

La grande plurae de ce Ourauk oussou auk aren-

villaffe Des estorts.

tin (ourauli - oussou ou arentin) . Et en ce village, nommé Tau-couar-ossou-tuue g-ou- le lieu oíi on prend des are. Cannes comme de g-rands roseaux. Le principal de ce lieu-là, Ou-acan. qui est à dire ieur teste

Cest la feuille qui est tom- So ouar -oussou ( soouar"

bee d'vn arbre. oussou).

Vn gros citron ou orange, Morgouia-ou assou (mo g-o-

il se nomme ainsi. uia-ouassou).

Qui est flambe de feu de Maédu (mae-du).

quelque chose.

SOBRE O ABANEÊNGA 37

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

tem est articulus abla- tiui et sig"nificat locum quem petis aut in quem proficisceris.

Quod sig-nificat custoclem Moliang--i-g'uára. (33

medicinarum , aut ad quem medicinae perti- nent. Eo vero vocábulo vtuntur, quum mulierã velint veneficam desig-- uare, aut a cacodíemone agitatam . Nam mossen est medicina, gerre pro- prietas .

Vici illius máxima pemia Guyrá-guasú okáranti. (34

In quo cannfe instar mag- Takuár-usú-tyb-i-g'uára(35 narum arundinum le- g'untur.

Praecipuus locus eius vici O-yb-akang*. (36

quod sig'nificat caput ip-

sorum. Folium ab arbore coUap- Hob ij-ar usú. (37

sam. Ing-ens malum citreum aut Mburukujà g-uasú.

aureum, sic vocatur. Est flamma ig-nis . Moéndy. (38

38 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambà

Vne grosse sonnette, ou Maraca-ouassou.

vne cloche. Vne chose à demi sortie, Mae-uocep.

soit de la terre ou d'vu

autre lieu. Le chemin pour aller aux Kariau-piarre.

karios . Ce sont les noms des prin-

cipaux de la riuiere de

Genevre et à Tenuiron. le suis fort ioyeux de ce Che-rorup-g-atou derour-

que tu est venu. ari (che-rorup gatou, de-

rour, ari). Or tien-toi donc auec le Neintéréico pai Nicolas

seigneur Nicolas; aiusi irou (nein tereico, pai

nommoyent ils Villegag- Nicolas iron).

non. N'as-tu point amené ta Nèré roupé dèré miceco ?

femme ? (nère-roupé d'eré miceco?)

Francez

le Tamenerai quand mes Arrout-iran-cliereco ange- afaires seront faites. ruie (arrout, iranchè-

reco augernie).

Tupinambà

Qu'est-ce que tu as afaire? Marape de recouran? (me-

rapé d'erecoram?)

Francez Ma maison pour demeurer Cher auc-ouam.

Tupinambà

Qu'elle sorte de maison'? Mara-vae-auc?

SOBRE O ABANEÊNGA 39

LATIXE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupiuambá Mao-num tintinabiilum. Mbaraká-g-uasú.

Res quse partim emersit e Mbaé noliSm. (39

terra aut ex aliquo loco.

Via qiise diicit acl caríós Karió-piâr.

Sunt vero ipsi praecipui

inter eos qui íiuvium

Ganabarum incolunt. Maxime gaudeo te venisse Che rory katú nde rúr-

ári.

Mane vero cum domino Nef t-ere-ikó pai Nicolas Nicolao, (sic nominabant irunamo. Villagagnonen).

Addiixisti-ne vxorem ? Ndére-rú-pe nde rembi-

rekó ? Francez

Addiicam quum expedita A-rú terã che rekó agiiyjé erunt nego tia mea. rirê (40

Tupinambá

Quid tibi est negotij ? Marã-pe nde rekó-raraa?

Francez Domus ad habitandiim pa- Che rog-agaãma. randa est.

Tupinambá

Quod geniis domus? Marã-mbae óga?

40 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez

le ne sai encore comme ie Seth, Daé ehereco rem eo- dois faire. uap reng-né (seth, dáe

cherèco-rem-couap reng"-

nèj. Tupinambá

Or la donc pense ce que Meintereicouap recorem tu as afaire. (nein téreie ouap dèrè-

corem). Francez

Aprés que i'aurai veu vos- Peretam-repiali iréé (pe- tre pays et demeure. retanre piac iree).

Tupinambá

Ne te tíendras tu point Nôreico ichope de auem a

auec tes g-ens? Cest à iromi? (nereico ch-pe de

dire, auec ceux de ton anem a irom?) pays?

Francez

Pour quoi t'en enquiers tu'? Maraui-amo-pé ? ( maran

amo pè?) Tupinambá Ie le di pour cause. Aipo qué (aripo-g-ué) .

Ten suis ainsi en malaise : Che poutoupa g-ne ri comme disant, Ie le vou- (che poutoupag'ué déri) drois bien sauoir.

Francez

Ne hayssez vous point nos- Nenpé amotareum oré tre principal, c'est á dire roubicheb? (nèn amo- nostre vieilllard? tareumpè oréroubicheh?

Tupinambá

Nenni. Erymen.

SORRE O ABANEÊNGA 41

LATINE BRASIL (OaTHOG. CORRECTA)

Francez

Nondum seio quid sim fac- Hetyp, ndaêi clie rekora turus . kuaápa range .

Tupinambá

Cog-ita erg-o quid sit fa- E-moang" te-rei-kuaáb cieudum. nde rekó-rãma. (41

Francez

Postqua vestram régio- Pe retãma repiag ireè. nem videro et aliquandiu commoratus fuero.

Tupinambá

Nonne cum tuis, hoc est, Ndere-ikó-iché-pe nde anS- cumpopularibus tuisha- ma-iriamo ? bitabis?

Francez Cur illud petis? Marã-namo pe ?

Tupinambá

Non sine causa dico. Aipo fié,

Id me male habet, quasi Che pytupá fié nde ri (42 dicas, id scire cupio

Francez Nunquid primarium nos- pee amotáreymé ore trum, siue, senem ódio rubichába? habetis ?

Tupinambá

Minimè vero. Aanymã.

6

42 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá Si ce n'estoit vne cliose Serécog-atou pouyr eím été qu'oii doit bieii garder mo"? (séré cog-atou pouy on deuroit dire. èum été-mo ?)

Francez Cest la coustame d'un bon Secouaè apoau-é eug-at pere qui garde bien ce engatou resme yporéré qu'il aime. cog-atou.

Tupinambá N'iras tu point à la g-uerre Nereico icho pirem ouarini? au temps aduenir'? (neresco icho pirem oua-

riui ?) Francez Py irai quelque iour. Asso irénné (assoirenuè)

Comment est-ce que vos Mara-pé perouagérré rèrè ? ennemis ont nom ? ( marapé peronag-érré -

rèrè ? ) Tupinambá Cest vne nation qui parle Touaiat, siiie, Marg-aiat,

comme eux auec lesquels (Tou aiat, ou Marg-aiat).

les Portug-ais se tieu-

nent. Ce sont vrais Sauuag-es, Ouétaca.

qui sont entre la riuiere de

Mac-he et de parai. Ce sont Sauuag-es qui sont Ouèanem.

encores plus Sauuages,

se tenans parmi les bois

et montagnes. Ce sont gens d'vne plus Caraia.

noble façon, et plus abon-

dans enbiens, tant viures

qu'autrement,que non pas

ceux-ci deuant nommez.

SOBRE O ABANEÊNGA 43

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá Nisi res esset máxima cura Herekó-katu-pyr-éym eté dig-na, dicenduni esset. mo. (43

Francez Est mos boni parentis, vt Hekuai aipóbáe nimgá quodamatdiligentercon- aug-aturama i porerekó seruet. katu. (44

Tupinambá

Nõiie in bellura postliac Ndere ikó iclioé pe ira es profecturus ? g-uarini pe ? (45

Francez Aliquando profiscar. A-hó ira ne. (46

Quod est nomen vestris Marã-pe pe - robá ^ g-iiára liostibus ? rera ? (47

Tupinambá Gens est quae eade est Tobajár, terã, mbarakajár.

cum illis lingiia, apiid

qiiam Lusitani habitant.

Verè sunt barbari et de- Guatahár.

g-unt ad fluuium Mach-he

et parai. Hi Barbari caeteros ante- Abá anam.

cedunt; in sylvis et

montibus habitant.

Hi nobiliores sunt, atque- Karajá. etiam cibis, tum aliis rebus ad vitam necessa- riis prse cseteris omnibus abundant.

44 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG, LERY)

Tupinambá

Ce sont une autre ma- Karios. niére de gens demeurans par dela les Toiiaiaire Yers la riuiere de Plate, qui ont un mesme lang-ag-e que les Toúoup. Toupi- nenkin

La diference des langues ou langage de la terre, est entre les nations des- sus nommees.

Et premierement les To- uoupinamhaoults, Toupi- nenkin , Touaiaire , Ten- reminon et Kario par- lent un mesme langage ou pour le moins y a peu de diference entr'eux, tant de façon de faire qu'autrement.

Les Karaia ont une autre maniére de faire et de parler.

Les Ouetaca diferent tant

en langage, qu'en fait

de Pvne et Tautre par-

tie. Les Oueanen aussi au sem-

blable ont toute autre

maniére de faire et de

parler.

SOBRE O ABANEÊNGA 45

LATINE BRASIL (ORTHOG, CORRECTA)

Tupinatnbá Est populus qui degit vltra Karijó. Touaiare ad fluvium Pla- tam, cuius ling-ua eadem est cum Tououpinamba- ultíis et Tououpinenkin.

Diíferentia idiomatis est inter eos quos supra no- minauimus.

Ac primiim quidem Tou- pinambaultijs , toupinen- Izin, Touuaiarre, Tenre- minon et Karió ferme ean- dem habent ling-uam.

Karaia diuersam à reliquis habent et viuendi et lo- quendi rationem.

Ouetaca Diíferunt ab vtris- que et viuêdi et lo- quendi ratione.

Oueanem : hi etiam diiier- sum et victuset serraonis ab aliis modum habent,

46 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinarabá

Le monde cerche l'vn l'au- Teh'oioah poeireca à paa- tre, et pour nostre bien. uué, iendéue (teh? oioac- Car ce mot i endéue est poeireca à paauué, ien- vn dual dont les Grecs de ue. vsent quand ils parlent de deux. Et toutesfois ici est prins pour ceste maniere deparler à nous. Tenons-nous g-lorieux du Ty ierob ak apóau ari monde qui nous cerche. (ty ierobah apò au ari). Cest le monde qui nous est Apó au ae mae g-erre, ien- pour nostre bien.C'est,qui desue (apóau ae mae g-er- nous donne de ses biens. re, iendesnej. Gardons le bien. Cest que Tyrèco-g-atou iendesue (ty nousletraittions en sorte rèco-g-atou iendesue). qu'ilsoit content de nous. Voila vne belle cliose s'o- Iporenc eté-am reco ien-

frant à nous. desue.

Soyons á ce peuple ici . Ty maran-g-atou apoau-apé Ne faisons point outrag-e à Ty momourou, mae ceux, qui nous donnent g-erre iendesue. de leurs biens. Donnons leur des biens Ty poich apoaue iendesue

pour viure. (ty poih, etc).

Trauaillons pour prendre Ty poeraca apo aué (typor- de la proye pour eux. raça apoaué). Ce mot yporraca est spe- cialement pour aller en pescberie au poisson. Mais ils en vsent en tou- te autre industrie de prendre beste et oyseaux.

SOBRE O ABANEENGA

47

tATINE

BRASIL ORTHOG. CORRECTA

Tupinambá Aliiis alium qnaerit, atque Teijé oio-ehé pororaká-há id magano nostro bono. pabê-i jaudé-be. (48

Nam vox haec icnde ue est daalis quo graeci utua- tur cum de duobus sit sermo; hic tamen resol- iiitur você nobis.

Exultemiis quod nos hoini- nes invisunt.

Gens est nostri commodi studiosa, qiiae nobis bona sua larg-itur.

Dilig-enter eam conservemus id est, eam ita excipia- mus ut ipsi satisfaciamus

Praeclara se nobis res of- fert.

Huic populo nos dedamus

Ne iniuriam faciamus Gen- ti quse sua bona nobis affert .

Suppeditemus eis cibos ad viuendum.

Laboremus ut praedam pro ipsis venemur. Vox ypor- raca praecipue de pisci- um venationè intellig-i- tur, sed eam ad alia eti- am g-enera extendunt.

Ti-jerobiág- amboâê ari. (49

Aipobáe i meeng-ára jan- dé-be. (50

Ti-rekó katu jandé-be (51

I porang--ettí-mo rekó jan- dé-be.

Ti morang-atti aipobaeupe.

Ti momburú yme meeng*a- jandé-be.

Ti poi aipobáe jandé-be.

Ti poraka aipobáe upé. (52

48

APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá Aportons leur de toutes Tyrrout mae tyrouam ani

choses qui nous leur apé (tyrrout maé tyro-

pourrons recouurer. nam aui apé).

Ne traitons point mal ceux Tyre comremoich meiendé-

qui nous aportent de maé recoussaue .

leurs biens. Ne soyez point manuais,

mes enfants. Afin que vous ayez des

biens. Et que vos enfants en Toerecoib peraire amo.

ayent. Nous n'auons point de biens Ny recoib iende ramouyn

de nos grads peres. mae pouaire.

Pai tout ietté ce que Opap cheramouyn maè po-

Pe peroinb anu mecha rai- re oueh (pe poroinc, etc,) Tapéré coih mae.

mon grand pere m'auoit

laissé. Me tenant glorieux des

biens qui le monde aporte Ce que nos g-rands peres

voudroyent auoir veu

et toutes fois ne Pont

point Yeu. Or voila qui va bien, que

Teschang-e plus excellent

que nos grands peres

nous est venu.

uaire aitih. Apoau-mae ry oi ierobiah.

lendè ramouyuremiépiae potateg-ue aou-aire. (ien- deramouyn - remié - pyac potat eg"ue a ou aire.

Teh! oip otarlièté iende- ramouyn recohiare eté, iendesve. (Teh ! oip otar- hèté inderamouyn reco-

hiare te indesue.) Cest ce qui nous met hors Iende porrau-ossou vocare.

de tristesse. Qui nous fait auoir de lende-co-ouassou 'gerre.

grands iardins.

SOBRE O ABANEÊNGA 49

I.ATI.VK BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Adferamus illis quidquid Ti-rii mbáe tetiruã ahê

iimeuire poterimus. upé.

k Ne illos male excipiamus, Ti-rekó meng-uã yme jandé

qui nobis adfenmt bona mbâe rekoliáre. (53 sua.

Ne mali sitis piieri mei. Pe poro-aug-aó yme che

rayré ahe upé.

Vt bona consequamini. Ta-pe-rekói mbáe.

Et vestri etiam liberi. To-i-rekói peê rayre amô.

NuUa bona liabemus ab Ndi rekuábi jandé ramõi

auis nostris. mbáe-kuéra. (54

QiUTBCumque mihi auus Opa che ramOi mbáe-kuéra

reliquerat proieci. a-ityg-.

Mag-ni estimans ea bona, Aipóbáe mbáe ri ja-jerobià'

quae nobis aíferuntur.

QusB cum nostri videre op- Jandé ramôi remi-epiág"

tassent nec tamen vide- potá-teiné g-uéra. (55

runt .

Id bene est, quanta potior Teijé oi-potar heté jandé

nostra conditio patrúm ramOi rekobiar-eté jan-

nostrorura conditione. dè-be. (56

Id nobis tristitiam omnera Jandé poriahúb-okaré.

exirnit. Id eíiicit vt mag-nos hortos Jandé g-uasú-g-uára.

habeamus.

50

APONTAMENTOS

FRAXCAIS

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

II ne fait plus de mal à nos enfanchonets quaud on^les tond. J'entend ce diminutif enfanchonets pour les enfants de nos enfans .

Menons ceux-ci auec nous contre nos ennemis.

En sassi piram, memynon apé.

lendere

iende

Tyre coib apouan rouag"erre ari.

Qu'ils ayent des harque- Toere coib mocap ò maé- buses, qui est leur pro- aé. pre bien venu d'eux.

Pourquoi ne seront ilspoint Mara-mosenteng-atou euin-

amo?

Mème-taé morerobiarem (me me-toé .'morerobia- rem.)

forts ?

Cest vne nation ne crai- nant rien.

Esprouuons leur force es- Ty senenc apouau, maram tans auec nous autres. iende irou (ty senene

apouau , raarem iende irou.j

Sont ceux qui deífont ceux Mènre-tac moreroar ro rou- qui emportent les autres, piare (falto ro na edic.

assauoir les Portuffais.

franc.)

Comme disant. II est vrai Ag"ne-be ouehy (ag-ne lie tout ce que i'ai dit. oucli.)

Dieu sons ensemble de ceux Nein-tya mouetâ iendéré

qui nous cerchent; ils entendent parler de nous en la bonne partie com- me la plirase le requiert.

cassariri (nein-tvamouet a iendere cassariri,)

SOBRE O ABANEÈNGA 51

LATINE BRASIL [ORTHOG. CORRECTA)

Tupinanibá

Non amplius dolent pueruli Na hasy pi-rába jandê re- nostri quum tondentur. miraenO upê. 57

lios nobiscum contra hostes Ti-ja rekói aipobáe jandê deducamus. robag-uára ári. (58

Habeant catapultas, quod Tog-ue- rekói mbokáb o- g-enus armorum sibi vin- mbáe aé. dicant.

Cur non essent strenui? Maràmo hantã ngatú ey-

mo-ne ?

Est g-ens impávida. Mêmê taè morerobiá-

ram. (59

Experiamur ipsorum vires, Ti haã aipobáe raarã iandê dum nobiscum erunt. irumo.

Illi sunt qui debelant alios Mêrae táe mbororoár orê

id est. Lusitanos. rupiára.

Quasi diceret, quidquid- Anebê háe. (60 dixi verum est.

CoUoquamur de iis qui nos Nein, tià mong-etá jandê

invisunt, quod in bonam rekahára ri. partem est accipiendum.

52 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez Or donc mon allié. Nein-che atour-assauep

Mais sur ce point il est à (nein-che-atour assaue).

noter, que ce mot. Atour-

assap et cotou-assap dife-

rent. Car le primier sig"-

nifie vne parfaite alliance

entr'eux, et entre'eux et

nous, tant que les biens

de rvn tíont communs à

Tautre. Et aussi qa'ils

ne peuvent auoir la filie

ni la soeur dudit premiei*

nomnié . Mais il n'est pas

ainsi du dernier. Car ce

n'est q'vne legere ma-

niere de nommer rvn Pau-

tre, par vn autre nom

que le sieu propre, cora-

me ma iambe, mon oeil,

mon oreille e autres sem-

blables.

Tupinambá Dequoi parlerons nous? Maé-resse iende moneta '?

(maé resseiende moueta?

Francez De plusieurs et diverses Scéh macrouemresse. (Scéh choses. maé tirouen resse.

Tupinambá Comment s'appele le ciei"? Mara-pieng* ovak reré '?

(mara-pieng* vah reré?

Francez Le ciei.

SOBRE O ABANEÊNGA 53

i.Ari.vr. BRASIL (oRTiior,. correcta)

Francez Ag-e ig"itur mi socie: Hic Enei, che tyrú-hábáe. (61 vero notandum est vocês Atour-assap Pt Cotouassap differre. Nam prior sig"- nificat perfectum foedus inter eos ac nos factum esse, quod fit vt bona sint comniunia, cujus fi- liam aut sororem ducere in uxoreranon possumus- Non ita vero de Colonas - sap, nam appellatione nominis alicuiusvtuntiir, iit tibise, oculi, auriculfp et alia pleraque eius ge- neris nomina.

Tupinambá

De quibus loqiiemur ? Mbáe relié-pe ja mong-etá-

ne? (62

Francez De raultis ac variis rebiis, Heé, mbáe tetiruã rehé.

Tupinambá (^iiomodo vocatur cnelum "? Mara piãng* ybág*a réra?

Francez Cíplum. Ybág.

54

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

Cest bien dit.

Cest bien dit.

Le ciei.

Le soleil.

La lune.

La grande estoile du matin et du vespre qu'on ap- pelle communement. Lú- cifer .

Ce sont touies les petites etoiles.

Cest la terre.

La mer.

Cest eau douce.

Eau salee.

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

Ag"nebe.

Cyh reng-netastjenouhmae- tirouen desve (desne.) Francez

Ang-ebe (aug-e-bé.)

Tupinambá

Mak (mac.)

Couarassi.

lascé (iasce.)

lassitata ouassou (iassi tatá

ousson.)

autres lassitata miri.

Ybouy (vbouy.) Poirauem (paranau) Vh ete. Vh êen.

Eau que les matelots appe- Vh--een buck (vh cenbuhk)

lent le plus souvent som-

maque. Est proprement pris pour Ita

pierre. Aussi est prins

pour toute espece de me-

tail et fondement d'edi-

fice, comme : Le pillier de la maison. Le feste de la maison. Les gros trauersains de la

maison. Toute espece et sorte de

bois.

Ao ita (aoh ita) Yapurr yta. lura-ita.

Ig-ourab , seu , ybouirab (Igoura hou y bouirah).

SOBRE O ABANEENGA

55

LATINE

Eecte.

BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá

Afiebê.

Téi rang-ê ta henOi mbâe tetirua ndêbe. (63

Francez

Afiebê.

Tupinambá Ybág\

Kuârahy.

Yasv.

Recte.

Coei um .

Sol.

Liiiia.

Stella matutina et vesper- Yasytatá g-uasú.

tina, qupe Lúcifer voca-

tur.

Alise omnes stellíP parvfe. Yasytatá miri.

Terra. Maré.

Aqua dulcis. Aqua salsa.

Yby.

Paranam. Y-eté. Y-ee.

Aquae quas nautae vocant Y-eêmby. Sotnmaqiie.

Propne lápis est; accipitur Itá, etiam pro quolibet me- tallo et edificii funda- mento, ut:

(64

Domús columna. Fastig-ium domus. Trabes domus

Og--ytá=okytà.

Ij-apyr-ytá.

Jurá-ytá.

Omne ^enus lig-norum.

Ybirá.

5G APONTAMENTOS

FRAXÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá Vn are. Oiirapat.

Et neaiitmoins que ce soit

vn nom composé de

ybouyrah qui sig-niíie bois

et apnt croclm ou partie ;

toutes fois ils prononceiít

oraiMt par syncope. L'air. Arre.

Mauvais air. . Arr-aip (arraíp).

Pluye. Amen.

Le temps disposé et prest Aineu poytou (poyton).

a pleuoir. Tonnerre: Toup-en (Toupen).

Cest Pesclair qui le pre- Toupea verap.

uient. Les nnées oule brouyllard. Ybuo ytin (yory-liu.) Les montag-nes. Ybueture.

Campag"nes ou pays plat Gnum (Quum).

ou il n'y a nulles mon- tag-nes. Villag-es. Tave (tauej.

Maison. Auh (auc).

Riuiere ou eau courant. Vh écouap (uh ecouap). Une Isle enclose d'eau. Uh paou (vh paon).

Ces toutj sorte de bois et Kàa.

forest. Cest un bois au milieu Káa paou (kaa paon).

d'une campag-ne. Qui est nourri par les bois. Káa ouau (kaa onau). Cest vn esprit malin, qui Káa g-erre.

ne leur fait que nuire

en leurs afaires.

SOBRE O A.BANEÊNGA 57

LATINE BRASIL (ORTHOf,. COBRECTA)

Tupinambá Arcus. Uyrapár.

Et quamvis nomeu sit com-

positura exybouyrab qiiod

est lignuni et apat iinciim,

tamen pronuutiant ora-

pat.

Aêr. Ára.

Malus aér. Ár-aib.

Pluuia. Amã=aman. 65

Tempestas pluvia ing-ru- Amã pytú.

ente.

Tonitru. Tupã.

Coruscatio. Tupã-mberáb.

Nubes autbrumse.

Ybyti—ybyting-.

Montes .

Ybytyr.

Campestria loca vbi nulli

Num nu.

montes.

Vici.

Taba tab.

Domiis.

Og— ok.

Fluvius decurrens.

Y-akuã.

66

Insula.

Y-pau.

67

Omne genus sylvarum et

Kaá.

nemorum.

Sylva in media planitie.

Kaá-pau.

Qni in syluis educatas est Kaá o-úbáe. 68

Cacodíemcn qui ipsos ve- Kaáguára. hementer vexat.

8

58

APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERV)

Tupinambà

Vne nasselle crescorce qui Ygat. contient trente ou qua- rente liommes allaiis en g-uerre. Aussi est pris pour nauire qu'ils appel- lent. Yg-iierroussoii.

Cest une saine, ou rets Puissa ouassou. pour prendre poisson.

Cest vne grande nasselle lugue (Inguea). pour prendre poisson.

Diminutif, nacelle qui lug-ueia (Inquei).

sert , quand les eaux

sont debordées de leur

cours.

Que ye ne nomme plus de Nomog-not mae tassenom

choses. desue ( Nomoquot, mae

tasse nomi desue).

Parle moi de ton pays et Eraourbeouderetam iches-

de ta demeure. ve (deret aniichesue).

Francez

Cest bien dit, enquiers toi Aug-ébé de reng-ué epou- premierement. rendoup (eporen doup).

Tupinambà

Ic facorde cela. Comment Ia eh, marape de retara a nom ton pays et ta rere ? (retani rere ?] demeure ?

Francez

Rouen, c'est vne ville ainsi Rouen. nommee.

SOBRE O ABANEÊNGA 59

LATINE BRASIL (ORTHOG. MODERNA)

Tupinambá

Linter ex cortice arborum Yg'ár.

triginta aut quadrag-iuta

homines ad bellum eun-

tes capiens, ; accipitur

etiam pro. Naiii. Yg-ar usú.

Rete piscatorium. Pysá-guasú.

Mag-na cymba ad piscan- Jequeá. dum.

Cjmba (diminutiuum) qiise Jequeí. uáiu est cum fluiiii ex- undanto .

Quseso lie quid amplius Nambyi note mbâe ta he- nomines nOi-mi ndebe. (69

Iam de tua pátria et ha- E mombeu nde retam iche- bitatione dissere. be, vel, nde retama rêra.

Francez

Bene est, primum ergo in- Aguyjebê, nde range e terroga. porandúpa.

Tupinambá

Hoc faciam, quod est pa- la-é te, marã pe nde re- trise ac regioni tu?e no- tama réra? nien ?

Francez

Rothomagum, urbs quse Rouen. dam.

60 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

I

Tupinambá

Est ce vn grand villag-e'? Tau oiiscoupe ouni'? (Tav lis lie mettent point de ouscoupe ouim?)

diíference entre ville et

villag-e á raison de leur

vsag-e, car ils n'ont point

de ville.

Francez

Ouy. Pa.

Tupinambá

Combien aiiez vous de sei- Moboy pe peroubichab ga- gneurs ? tou ? (Moboii pe rerou-

pichahg-atou ? Francez Un seulement. Aug-epe (aug-e pe).

Tupinambá

Comment a il nom? Mara-pe sere 9

Francez

Henry, c'estoit du temps Henry, du roy Henry 2, que ce voyag-e fut ;fait.

Tupinambá

Voila vn beau nom. Tère-porrenc.

Pourquoy n'auez-vous plu- Mara-pé peroubicbauetá- sieurs Seig-neurs '? Róis euin? (mara pe perou pi- commandaus absolu- chau-eta-enim?) ment.

Francez

Nous n'en auOs non plus. Moroéré chih-g-ué. Ore Des le temps de nos g-rauds ramouim-aué. peres.

SOBRE O ABANEÈNGA Gl

LATINE . BRASIL (OUTUOG. CORRECTA)

Tupinambá

Est ne mag-nus yícus ? Tab-iisú-pe oini?

Nullam ponuut diífereií-

tiam inter urbera et vi-

ciim ; quia ipsi niillas

habent urbes.

Francez Sic est. Pa.

Tupinambá

Quot habetis dominós ? Mboby-pe pe rubixáb ka-

tú?

Francez

Vnicum. Ojepé.

Tupinambá Quod illi est nomen ? Mara pe hera.

Francez

Tempere Henrici secundi Henry, baec navig"atio fuit sus- cepta.

Tupinambá

Proeclarum nomen est. Téra porang-.

\ Cur non habetis plures do- Marã-pe pe rubixáb eta- minos ? eym ?

Francez

Non plures habemus. A Ma ro-rekói tené oré ra- temporibus maio rum mOy iabé. nostrorum.

62 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tubinambá

Et vous autres estes qui Mara pienli pee? (marapi- vous ? eiic pee ?j

Francez Nous sommes conténs ainsi. Oroicôg-né foroicógue.j Nous sommes ceux qui a- Oree-mae gerre. uons du bien.

Tupinambá

Et vostre prince a-il point Epè, noerécoib peroubi- de bien ? cbab mae ? fperoupichah

mae ?j

Francez II en a tant et plus. Tous Oerecoib foerecouh.j Oré- ce que nous auons est maé g-erre ahépé foree- à son commandement. maeg-erre-a hépé?)

Tupinambá

Va il en la g-uerre? Oraiuype og-épe ?

Francez Ouy. Pa.

Tupinambá

Combien auez vous de vil- Mobouy-taue-pe-iouca ny les ou villages ? mae?

Francez

Plus que ie n'en pourrois Seta gatou, dire.

Tupinambá

Ne me les nommeras-tu Niresce-nouih-icliopeue ?

point?

Francez

II seroit trop long- ou pro- Ypoycopouy. lixe.

SOBRE O ABANEÊNGA 63

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá Vos vero quid. Mara piang* peê ?

Francez

Nos eo contenti suraus. Oro ikó ué.

Et beue nobiscura ag-itur. Oré i mbáe guára.

Tupinambá <

Vester autem princeps bo- Hâepe no-g-ue-rekói-pe pe na ne habet ? rubicháb mbáe ?

Francez Infinita habet. Quidquid Og"ue-rekói,ore mbâeg-uéra habemus in ipsius arbi- asosépe. (70

trio positum est.

Tupinambá

In bellumne proficiscitur ? Guarini pe o pe?

Francez Ita. Pa.

Tupinambá

Quot urbes aiit viços ha- Mboby taba pe rerikoni betis'? raé? (71

Francez Plures quam possim dicere Hetá-katú.

Tupinambá

Nunquid mihi recense- Nde-re henOi-ichepe-ne ? bis?

Francez Id nimis long-um foret. I pukú pukú ei. (72

64 APONTAMENTOS

FRANT.AIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tupinambá

Le lieu dont vous estes Yporrenc pe-peretani? Y- est-il beau? porreiíe pe-peratani?

Francez

II est fort beau. Yporren-gatou.

Tupinambá

Vos maisoiLs sont-elles Eug-aya-pe per-auc ! fEu- ainsi ? k saiioir comme gaya-pe-per auce ?) les nostres?

Francez

II y a grande diífereuce. Oicoe-g-atou.

Tupinambá Comment sont-elles ? Mera-vaé ? fmaro-vaé ?)

Francez

Elles '£ont toutes de pier- Ita-g-epe. re.

Tupinambá

Sont-elles grandes? Toroussoiipe? fyouroussou-

pe? Francez Elles sont fort g-randes. Toroussou-g-atou fTorrou-

sou g-atou.j Tupinambá

Sont-elles fort grandes ? à Vate-gatou-pe ?

sauoir hautes ?

Francez

Beaucoup. mot emporte Matimo. plalimo.j

plus que beaucoup, car

iis le preneent pour chose

esmerueillable.

Tupinambá

Le dedans est-il ainsi, à Engaya-pe-pet-anc-yim ? sauoir comme celles de ( Engaya pe-pet-ancy- par-deça. nim.)

SOBRE O ABANEÊNGA 65

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Tupinambá Locus vestríe orig-iuis est I porâng--pe pe retama? ne pulcher?

Francez Pulcherrimus. I porã-ng-atú.

Tupinambá

VestrfB domus sunt ne si- Ang-a jabê-pe pe róg-a? miles nostris?

Francez

Multum abest. 0-ikoékatú.

Tupinambá

Cuiusmodi sunt erg-o ? Mara mbáe-pe ?

Francez Sunt prorsus lapideíE. Ita jepé.

Tupinambá

Sunt ne magnse ? Turusú-pe ?

Francez Maximse. Turusú katú.

Tupinambá .

Sunt ne multum excelsee ? Ybaté katú-pe ?

Frencez Multum. Id vero vocabu- Ybaté ru. (73

lus admirantis est.

Tupinambá Interior pars accedit ne ad Anga jabé-pe tóg* ybyi-i. similitudnem nostrarum?

9

66

APONTA.MENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Francez Nenny. Erymen.

Tupinambá

Nomme moi les choses ap- Esce-noii de rete renomdau partenantes au corps. eta ichesué.

Francez

Escoute. Escendoup.

Tupinambá

I-eh.

Me voila prest.

Ma teste.

Ta teste.

Sa teste.

Notre teste.

Votre teste.

Leur teste.

Mais pour mieux entendre ces pronoms én passant, ie declarerai seulement les persones , taut dii sing-ulier, qui de pluriel. Premierement.

Cest la première personne qui sert en toute ma- nière de parler tant pri- mitiue que deriuative, possessiue ou autrement.

Et les autres personnes aussi.

Mon chef ou cheueux.

Mon visage.

Mes oreilles.

Francez

Chè acan.

De acan.

Y can ('ycan.)

Ore acan foreacan.j

Pe acan fpèacan.j

An-atcan ('au-atcau.j

Ché.

Ché-ave fché, aue.J Ché-voua fclié rouá.j Ché-nembi.

SOBRE O ABANEENGA

67

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Francez

Non. Aan-yma.

Tupinambá

Recita mihi ea quse ad tu- E-henõi nde reté renOindáb um corpus pertinent. etâ ichébe.

Francez Audi. E-hendúb.

(74

Tupi

oambá

Paratus sum.

lé-te.

Francez

Caput meum.

Che akang"

Caput tuum.

Nde akang-

Caput suum.

Ij akang-.

Nostrum caput.

Oré akang-

Vestrum caput.

Peê akang-

Eorum caput.

Áé akang.

Vt autem haec pronomina

melius intellig-antur

,per-

sonas sing-ularis et

plu-

ralis numeri tantúm de-

clarabo. Primúm.

Est prima persona sing-u- Che. laris numeri, quíe in omni sermoni g-euere, sive derivativo, possessi- vo aut alio denique in- seruit.

Caput aut capilli. Mea fácies. Mefe aures.

Che áb. Che robá. Che narabi.

(75

68

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

Mon front.

Mes yeux.

Ma bouche.

Mon nez.

Mes louès.

Mon menton.

Ma barbe.

Ma lang-ue.

Mes dents.

Mon col, ou ma gorge.

Ma poictrine.

Mon derriere.

Mes reins.

Mes espaules

Mon g-osier.

Mon deuant generalement.

Mon eschine.

Mes fesses.

Mes bras.

Mon poing".

Ma main.

Mes doig-ts.

Mon estomacli ou foye.

Mon ventre.

Mon nombril.

Mes mamelles.

Mes cuisses.

Mes g-enoux.

Mes condes.

Mes iambes.

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Chésshua. Ché--ressa. Ché-iourou Chè-tin. Ché-retoupaué. Ché-redmiua. Ché-redmiua-auè. Ché-ape-cou. Ché-ram.

Ché aiouré (aioueué). Ché poça. Ché-atoucoupè. Ché rousbouy fché rous- bony.j

Ché-inuanpony.

Ché-asseoc.

Ché-rocapé.

Ché-pouyas soófche pouy-

asóo.) Cbé-reuiré. Chè-iuva fcbé inua.) Ché-papouy. Ché-po.

Ché-pouen fche poneu.) Ché-puyac.

Ché-reg"uie fche requie.j Ché-pourou-asseu. Ché cam. Ché-oup. Ché-roduponan. Ché-porace. Che re temeu fche retemen.)

SORRE O ABANEENGA

69

LATINE

Mea frons.

Mei oculi.

Meum os.

Meus nasus.

Mese gense.

Meum mentum.

Mea barba.

Mea ling-ua.

Mei dentes.

Meum collum, mea gula.

Meum pectus.

Mea pars posterior.

Mei renes.

Mei humeri. Meum guttur. Mea pars anterior. Mea spina.

Meae nates.

Mea brachia.

Meus pugnus.

Mea manus.

Mei digiti.

Stomachus meus aut jecur.

Venter meus.

Umbilicus meus.

Mammse meae.

Coxge mese.

Genua mea.

Cubiti mei.

TibisB mese.

BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Che sybá. Che resá. Che jurúb. Che tim. Che ratypy. Che rendybá. Che rendiba-áb. Che apeku. Che rain. Che ajúra. Che potia. Che atukupé. . Che rumby.

Che jybá-ypy.

Che jaseóg.

Che rakapé.

Che pysua vel pyásuã.

Che rebir

Che jybá.

Che põapy.

Che pó.

Che pua.

Che pyá.

Che ryjé.

Che puruã.

Che kam.

Che úb.

Che renypyã.

Che rose (po-rakang?)

Che retymã.

70

APONTAMENTOS

FRÀNÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERT)

Mes pieds. Che pouy.

Les ong-les de mes pieds. Che pussempé.

Les ong-les des mes mains. Che ponampe,

Mon coeur et poulmon, Che-gny-enegf (che g^uy-

eiicg".j

Mon ame ou ma pensée. Che-encg*.

Mon ame apres qu'elle est Che enc-g"ouere. sortie de mon corps.

Noms des parties du corps Che rencouem.

qui ne sont honnestes à Che rementien.

nommer. Che rapoupit.

Et pour cause de briefueté

ie n'en ferai autre difini-

tion. II est à noter qu'on

ne pourroit nommer la

plupart des choses. tant

de celles ci devant escri- tos qu'autrement, sans y

adiouster le pronom, tant

première, seconde, que

tierce personne, tant en

sing-ulier qu'en pluriel.

Et pour mieux les enten- dre separement á part : Premierement.

Moi. Che.

Toi. De.

Lui. Ahe.

Nous. Oree,

SOBRE O ABANEENGA

71

LATINE

Pedes mei.

Vng-ues pediim meorum. Vng"ues mearum manuiim. Cor meum et pulmo.

BRASIL (ORTHOG, CORRECTA)

Che py.

Che pysape.

Che poápe vel puãpê.

Che nya=neang".

AQÍma mea, aut mens. Anima mea, post quam è

corpori exijt. Nomina partíun corporis

pudeudarum, (Membrum g-enitale). fVe renda muliebria). (Membrum muliebre).

Quae quidem brevitatis cau- sa non fusius persequar. Notandum vero est, no- mina rerum accommodari non posse nisi pronomina primíe, secundae, ac ter- cise personse utriusque numeri attribuantur. Vt autem melius capiantur hoc sit exemphim. Primo

Che ang-. Che ang-uéra.

Che rakuãi. Che ramatiá. Che rapypy.

Eg-o.

Che.

Tu.

Nde.

Ille, illa, ilhid.

Ahe,

Nos.

Oré.

(76

72

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

Vous.

Eux.

Quant à la tierce personne du singulier ahe est mas- culin, et pour le femenin et neutre sans aspira- tion. Et au pluriel au-ae est pour les deux g^en res tant masculins que femenins, et par conse- quence peut estre com- mun.

Des choses apartenãtes au mesnagfe et cuisine.

Allume le feu.

Estein le feu.

Aporte de quoi allumer mon feu.

Fait cuire le poisson.

Rosti-le.

Fai le bouyllir.

Fai de la farine.

Foi du vin ou buurag^e

ainsi dit. Va à la fontaine. Aporte-moi de Teau.

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Pee. Au-ae.

Vien moi donner á mang-er,

Que ie laue mes mains.

Emiredu tatá. Emo-g-oep-tata. Erout che-rata-rem.

Emog-i-pira.

Essessit.

Emoni (emeui).

Fa vecu-ouy amo fFa-vecu

oug- amo). Emog-ip caouiu-amo.

Coeiu upé fcoein vpé. Erout-u-ichesue. Che reuni aug-e.pe. (Che-renni aug-epe).

Quere me che-remyou-re- coap.

(Quereme clie remyou racoap Taie-poeh.

SOBRE O ABANEENGA

73

LATINE

Vos.

Illi.

Quòd ad tertiam personam ahe est masculinum, et pro foeminino et neutro ae siue aspiratione. Et in plurali au-ae est mas- culini ac faiminini g'ene- ris et proinde commu- iiis.

BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Peè.

Haébáe. (âõ-d, aúbáej

De rebus ad domum et culinam pertinentibus.

Accende ig^nem.

Exting-ue igiiem.

Adfer fomites ad suscitandum.

Pisces coque.

Torre.

Elixa.

Fac farinam.

E-moendy tatá.

E-mbog'ué tatá.

ig-nem

E-rú che ratá-rã

E-mbojy pirá.

E-hesy.

E-mõin .

Hapég- hur amu

(11

Compone potum.

E-nibojy kag-ui amO

Vade ad fontem. Adfer niihi aquam. Da mihi potum.

E-kuá y upé. E-rúr y ichêbe. Che mbo-yú épe.

Veni vt mihi cibum praí- Koromó che>embiú e-rekó beas. épe.

Manus meãs lavem.

Ta-je-pohêi.

10

74

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

Que ie laue ma "bouche.

rai faim de mang-er.

Ie n'ai point apetit de

maiiger. Tai soif. Tai froid. J'ai cbaut, ie sue. Pai la fienre. Ie suis triste. Neantmoins que carouc si-

g-nifie Ie vespre ou Ie

soir. Ie suis en malaise de quel-

que affaire que ce soit.

Ie suis traité mal-aisé-

. ment, ou ie suis fort

pauurement traité. Ie suis ioyeux. Ie suis cheu en moquerie,

ou on se moque de

moi. Ie suis en mon plaisir.

BRASIL (ORTHOG. LERY)

Tae-iourou-eh. Che embouassi. Nam che iourou-eh.

Che usseh. fEhe vsseh), Che roú (che rou). Che-reaie ('che raie). Che racoup. Che carouc assi.

Aicoteue.

Che poura oussoup.

Che roemp. Aico memouoch. (Aico inemouoh).

Aico g-atou.

Mon esclaue. Che remiac-oussou.

Mon seruiteur. Chere miboye.

Ceux qui sont moindres Che roiac.

que moi et qui sont pour

me seruir. Mes pescheurs , tant en Che porracassare (che pou-

poisson, qu'autrement. racassare).

Mon bien et ma marchan- Che mae.

dise ou mouble et tout

ce qui m'apartient.

SOBRE O ABANEÈNGA 75

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Abluam os ineum. Ta je-juruhêi.

Esurio. Che ne-mbyáhyi.

Nou esurio. Na che jiirúhêi.

Sitio. Che yúhêi.

Frig-eo. Che rõy.

Caleo, sudo. Che ryai.

Febricito. Che rakúb.

Tristis sum. Che kaárú hasv. Carouc tamen vesperam sig-- nificat.

Me res qufEdam excruciat. A-ikó tebe.

Pessimè ag-itur meciim. Che poriahúb.

Lctítus sum. Che arúãi.

Ludibrio expositus sum. A-ikó mêng-uã.

Res mihi cedunt ex sen- A-ikó katú.

tentia. Meum mancipium. Che rembiar-úsú. (78

Meus servus. Che remi-ng-uái.

Qui sunt minores me et ad Che bojar.

mihi ministrandum na-

ti. Pi.scatores mei. Che i)oraká-há;-.

Bona mea, mercês, suppel- Che mbáe. lex. Denique quidquid meum est.

76

APONTAMENTOS

FRANÇAIS

Cest de ma façon.

Ma g-arde.

Celui qui est plns grand

que moi : ce que nous

appelons nostre Roi, Duc

ou Prince. Cest vn pere de famille

qui est bon et donne á

repaistre aux passans

tant etrangers qu'au-

tres. Vn puissant en la g-uerre

et qui est vaillant á fai-

re quelque chose. Qui est fort par semblance

foit en g-uerre ou autre-

trement. Mon pere. Mon frere aisué. Mon puisné. Ma SDeur.

Le íils de ma soeur. La filie de ma soeur. Ma tante. Ma mere.

Un dit aussi. Ma mere : et le plus souvent en parlant d'elle.

La compagnie de ma mere qui est femme de mon pere, comme ma mere.

Ma filie.

BRASIL (ORTHOG. LERV)

Clie remigmognem. Che-reré couarré. Che roubichav.

Moussacat.

Querre-umbou. ('Querre-muhau.J

Tenten.

Chè roup. Chè requeit. Che rebure. Che renadire. Ché reue (rure). Ché tipet, Ché aiché. Ai.

Che si.

Che siit (che sut).

Chè raiit (che rayt).

SOBRE O ABANEÈNGA 77

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

líst ii](liistri?B inese. ('he rtíini-inonang".

Meus custos. Clie rerekuára.

(^)ui est uiaiur me, quem Che rubicháb.

lios re^^-eui nostnim, du-

cem, principem denique

vocanius. Est bónus parter-fumiliâs Clie mbosaká.

qui j ereí^Tiuos viatore.s

excipit.

Potens in bello et iu qua- Kyreymbáb.

dam re perficienda stre-

nuus.

Qui videtur in bello, aut Tautan.

in alia re fortis.

Pater meus. Che rúb.

Meus frater natu maior. Che rjkéyr.

Meus frater natu minor. Che rvbvr.

Mea soror Che reindyr.

Filius sororis raeje Che riyr.

Filia sororis meae. Che jetipé.

Amita. Che jáiché.

Mater mea. Ai^iai.

Mater mea, dicunt etiam : Che sv. et ssepe quidara dum lo- quuntur de ipsa.

Sócia matris mefe, q\uv Che syyr. patris etiam est vxor.

Mea filia. Che rajyr.

78

APONTAMENTOS

FRAJÍÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Les eufants de mes fils Clie re:neiiiynou.

et de mes filies. 11 est

á iioter qiron appel-

le cominunement ron- de com me le pere. El

par semblable le i)ere

appelle ses neveiix et

nieces, mon fils et ma

filie. Ce que le Grammariens

nomment et appelleat

verbe, peut estre dit eii

nostre lang-iie parole ; et

en la lang-ue Bresilienne

guengaue, qni vaut autant

a dire que parlement ou

maniere de dire. Et puur

en auoir quelque intelli-

g-ence, nous en mettrons

en auaut quelque exem- ple. Indicatif ou demonstratif.

Je suis, tu est, il est. Aico, ereicj, oiço.

Nous somines, vous estes, Oreico, peico, auraé oiço.

ils sont. La tierce personne du sin-

g-ulier et pluriel sont

semblables, excepté qu'il

í>iut adjouster au pluriel

an-ae pronora qui sig-

ni fie eux ainsi qiTil

appert.

SOBRE O ABANEENGA

79

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Filii filiorum meorum et Che remi-menO. filiarum. Notandum est auunculum nomine pa- tris vocari, et patrem nepotes et neptes suos filios ac filias appel- lare.

Qiiod grainmatici nostri verbum nominant, apiul brasilienses dicitur (j7ien- gace quod idem est ac loqueudi modus. Ut autem aliquam ejus rei notitiam liabeamiis exempium in médium proferemus.

fieêng-áb.

Indicativiis aiit demonstra-

tivus. Sum, es, est. Sumus, estis, simt.

Tertia persona singnilaris et pliiralis símiles sunt, nisi quod in tertia auaé pluralis numeri prono- men est addendum, quod sig-nificat, Illi, utapparet

(79

A-ikó, re-ikó, o-ikó. Ro-ikó, pe-ikó. háebâe o- ikó.

80

APONTAMENTOS

FBANCAtS

BRASIL (ORTHOG. LRRY)

Aquoéraé.

Aico aquoémé

Ereicó

))

Oico

»

Oroico

i)

Peico

>}

Aurae-oiro

))

Au temps passe imparfait et non du toiít accompli. Car onpeut estre encores ce qii'oii estoit aloi-s, resout par TAdverbe :

Eu ce temps là. J'estoye alors. Tu estois » II estoit »

Nous estions » Vous estiez » lis estoyent »

Poiír le temps parfaitement passe et du tout acom- pli ou reprendra le ver- bo oico comme devant, et y adioustera ou cest aduerbe Aquoemene, qui vaut á dire au temps iadis et parfaitement pas- se, sans nulle esperance (Postre plus en la manie- re que Ton estoit en ce

temps là. Exemple :

*

Je Tai aimé parfaitement en Assau-oussou-g-atou- aquo- ce temps là, mais main- eméné , quo-uénén-g-a-

tenent nullement : com- me disaut : 11 se deuoit tenir à mon amitié du- rant le temps que je liii portois amitié. Car on y peut reuenir.

tou teg-né.

*

SOBRE O ARANRENGA

81

LATINE

BRASIL (ORTHOG. CORRF.CTa)

in prneterito imperfecto quod resolvitur per ad verbiiim aqnoemé, de.st :

Eo tempore. Tiinc eram. eras.

» » )) ))

erat. eramus. eratis. eraiit.

Akóiramo. A-ikó akóii-amo. Re-ikó »

0-ikó »

Ro-ikó ))

Pe-ikó ))

Aebae o-ikó »

Pro prfFterito perfecto sin- g'ularis accipieinus ver- bum oiço ut ante et lioc adverbiam Aquoé-méiié, Akóiramo -iie. quod est temporis prsete- riti et pi usq liara perferti. Exemplam.

Eamperfectèamaai eo tem- pore, iiunc vero nullo modo, qua.si dicas, debe- bat amititiam meam co- lere qaando ipsam ama- bam.

A-hayhii katú akóiramo- ne, ko liinã ng-atú tefié.

11

32 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Pour le temps avenir qii'on

apelle futeur Aico-iren

ie serai pour í'adeuenir.

Et eii ensuyvant des

autres personnes corame

devant tant au singulier

comme pluriel. Pour le commandeur qu'on

dit Imperatif. Sois, qu"il soit. Oiço, toicó.

Que iious soyons, que vous Toroico, tapeico, aurae toi-

soyez, qu"ils soyent. co.

Et pour le futur il ne faut

qu' adiouster Ircn ainsi

que deuant. Et en com-

maudant pour le present

il faut dire Tauge, qui

est á dire Tout mainte-

nant. Pour le desir et afection

qu'on a enquelque chose,

que nous ajjpelous Opta-

tif. O qui ie serois volontiers : Aico-mo-men.

poursuyvant semblable-

ment comme deuant. Pour la chose qu'on veut

ioindre ensemblement ,

que nous appelons Con-

iontif, on le resout par

vn Adverbe iron qui

signitie avec ce qu'on le

veut ioindre. Exemple :

SOBRE O ABANEENGA

83

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Pro futuro Aco-irem. Ero A-ikó ira. in poste rum. Et ita dein- ceps de sing-ulis perso- nis tarn sing"ularis quam pi u ralis.

Ill imperativo.

Sis, sit.

Siraus, sitis, sint.

E-ikó, to-ikó.

Toro-ikó, tape-ikó, to-ikó.

Pro futuro vero oportet addere Iren, ut ante. Et irã. Imperando pro presenti dicendum est Tauge,qiioá est, Statim.

Pro optativo.

tang-e.

,.<síJ0íiiyJj

.,i'y/.

.Jíiaé9'iq

J-lJc

-.uii nti

^íllIUi'. íi

. 'jídíjoji

ycíio')fifí'ii sim

Quam libenter essem. Et sic deinceps.

A-iko momã.

Conjunctivum resól^Má' '^''^- ^^ ^''' "'"^^^^ ^''^

per adverbium /ro/iV"^ *' - -''^'^'^ >^'' ^'^ ''''-'" ^^

.ÍUOi 3'íO

yru.

-9V íSy.rf

.JlJOD-yiUl/ .JIJU-U-UH í)i.

.>.IHÍ

84

APONTAMENTOS

FHANÇAIS

Que ie soye avec toi. Et ainsi des semblables. Le Participo tire de ce

Verbe : Moi estant.

Le quel Participe ue peiít bonnement estre enten- du seul, sans y adioustcr le prenom de ahe et aé, et le pluriel semblable- ment oreé, pèe, an ae.

Leterrae indefiin de ce Ver- be peut estre prins pour vn infinitif mais ils n'en vsent g-nere souuent.

La declination du Verbe Aiout.

Exemple de Tiiidicatif ou demonstratif era temps present. Neantmoins qu' il sonne en nostre lan- gue Françoise double , c'est qu'il sonne comrae passe :

le viens ou le suis venu. Tu viens ou es venu. II vient ou est venu.

Vous venez ou estes vé- nus.

Vienent ou sont vénus.

BRASIL (ORTHOG. LERV)

Taico de iron.

Chéré coruré.

Aiout. Ere iout. O out. Ore iout.

Au ae-o-out. (Anae-oout.^

SOBHli U ABANliÈNGA 85

I-*TINE BRASIL (ORTIUmí. CORRECTA)

Tecum siin. Ta-ikò mie vru.

Et sic deinceps.

Participium.

Eus. Clie rikó rire.

Qijod participiura rectè per se intelligi iion potest nisi addatui* pronoinen de-ahe-i l-aé. VlnvâVis qno- clie, nde, aliè=aè. que Oreé, peé, an aé. oré, pèe, liáe.

Vox indeíinita pro infi- nito accipi potest. Sed ea raro utuntur.

Conjiig-atio verbi Aiout.

Exemplnm indicatiui aiit denionstratiui in prse-sen-

ti tempore.

Veniu aut veui A-júr.

Venis aut venisti. Ere-júr.

Venit aut venit. U-iir.

Uro-júr, ja-júr. Veniti.s aut venisti.s. Pe-júr.

Veniuut aut venerunt. Hiie o-ú ^liáebáe o-ú).

86

APONTAiMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

Pour les autres tenips, on

doit preiídre seulement

les Adverbes ci-apres de-

clarez. Cai* nul Verbe

n'est aiitrement decline,

qu'il ne soit resout par

un Adverbe, tant au pre-

terit, present imparfait,

plusque parfait iudefini,

qu'aa futiir ou ternps à

veiiir. Exemple dii preterit im- parfait et qui n'eát du

tout accompli : le venoye alors. Exemple du preterit par- fait et du tout acompli : le vípus, ou estoye, ou fii.s

venu en ce temps la. II y a fort long- temps que Aiout dimaè-iié.

ie vins. Lesquels temps peunent

estre plustost iiideíinis

qu"autrement, tant en

cestendro!tqu'en parlam. Exemple dufutur ou temps

à venir.

Aiout aynioème.

Aiout ay"uoèmène.

Ie viendrai vu certain iour. Aiout iran-nè.

Aussi on peut dire iran sans y adiouster ne, ainsi comme la phrase ou ma- nier^4j3 pií^r^e^fi Je rtíq,uitíi!íl

■.I i-".!!!'-)

'■■liiir-iV

;i;í)-!'-)iím / r:ti-, iii ;:;{,">/

SOBRE O ABANEtíNGA

87

LATINE

In aliis temporibus acci- pere debemus aduerbia quag post declarabi- mus. Nullura eiiim ver- biim conjug-atur, quiii per aduerbium resolua- tur, tum in praeterito, prcies<^iiti i m p e r f e c t o , plusquam perfecto, inde- finito et futuro.

BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Exemplum praíteriti non- dum perfecti.

Tunc veniebam. A-júr akóiramo.

Exemplum prseteriti im-

perfecti et perfecti. Veni aut veneram eo tem- A-júr-akóirarao-ne.

pore. Long-um tempus elapsum A-júr vraã-ne.

est à quo veni. Quíe têmpora potiús inde-

íinita sunt rensenda.

Exemplum futuri.

Yeniam certa die. A-júr-ira-ne.

Possumus etiam dicere iran quamvis non addatur né.

88 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOO. LERV)

II est ànoter qu'en adious- [

tant les Adverbes, con-

uient repeter les persoii-

nes, tout ainsi qii"aii pre-

sent de rindicatif ou de-

monstratif. Exemple de riinperatií' ou

cominandeur. Vien. Eori, eyot.

N'ayant que la secoiide per-

sonne. Car eii ceste lan-

g-ue on ne peut cominan-

der á la tierce personne

qii'on ne voit point, mais

on peut dire. Fai-le venir. E mo out.

Venez. Pe ori, pe-iot.

Les sons escrits eiui et pe

iot, ont semblable sens,

mais le premiei- eiot, est

plus honueste á dire en- tre les hommes, d'autaut

qui le dernier /te-iot est

communement pour ap-

peler les bestes et oy-

seaux qu'ils nourrissent.

Exemple de TOptatif, nean- tmoins semble commau- der en desir de priant, ou en commandant.

Je voudrois ou serois venu Aiout mo. volontiers.

SOBRE O ÂBANEÊNGA 89

LATINE BRASIL (ORTHOG. CORRECTA)

Notandunl est etiam quód dum adduutur aduerbia, persoiiíP repetendíB stiiit, Yt sic in presenti indica- tiui et demonstra ti LU.

Exemplura imperatiui siii-

g'ularis numeri. Veai. E-jori, e-jó.

Habet tautum secundam

personam. Nam in hac

ling'ua non possumus im-

perare tertifie personfe,

quam non videmus. Pos- sumus quidem dicere. Fac vt veniat. E-mbÕúr.

Venite. ' Pe-jori, pe-jó.

Soni eiot et peiot similem

sensum habent, sed prior

eiot honestius est inter

homines, quoniam vlti-

mus peiot vsurpatur in

vocandis bestiis et avi-

bus, quas domi alnnt.

Exemplum optatiui tamen qui videtur imperare.

Libenter venissem. A-jú-témo.

12

90 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

En poursuyvant les per-

sonnes comme en la de-

clination de Tindicatif.

II a vn temps à venir in

adioustant Tadverbe,

comme dessus. Exemple du conionctif. Que ie vieiíe. Ta-iout.

Mais pour mieux emplir

la sig-nification on ad-

iouste ce mot Neinqiú est

vn Aduerbe pour exhor-

ter, commander, inciter,

ou de prier. Ie necog-nois point d'mdica-

tif en ce Verbe ici, mais il

s'en forme vn Participe. Venant. Tovvme (tevvme).

Comme en venant i'ai ren- Clie rourmè Assovavitin

contré que i'ai gardé ( che - rourme - Assoua- 'autresfois. nitin). Ché - remièreco

pouère ( clie remiereco pouere). Sang-sue. Senoyt pe,

Des cornets de bois dont Inuby-a.

les sauvages cornent.

FIN DU COLLOQUE

Au surplus afin que non seulement ceux auec les quels j'ai passe et re- passe la mer mais aussi ceux, qui m'ont veu en

SOBRE O A.UANEENGA

91

LATINE

Et sic de cseteris personis vt in iudicatiuo ; liabet terapus faturum addito adverhio.

BRASIL (ORTUOG. COBRECTA)

Exemplum coujiunctiiii.

Veniam.

Sed ad implendam sig-nifi- cationem addenda est híEC vox Nein qufe est aduerbium exbortandi , imperandi , oraiidi et iucitandi.

Verbiim hoc infinitivo ca- ret ; attamen ab eo for- matar participium.

Veniens.

Vt veniens inueni quod aliás perdideram.

Ta-júr.

Túramo.

Che rúrarao a hobáití die rembi-rekó-kuér.

Hirudo. Stíbóipéb.

Cornua lig-nea quibus bar- Mimby. bari sonitus cient.

FINIS COLLOQUII

Insuper iit facilius iiidi- cium de rebus a nobis in hac historia comme- moratis ferre possint tum iis quibuscum eundo

(80

92 APONTAMENTOS

FRANÇAIS BRASIL (ORTHOG. LERY)

rAmerique (dont plusi-

eurs peuuent estre en

vie) mesmes les mari-

niers et autres, qui ont

voyag-é et quelque- peii

seiourné en la riuière de

Genevre ou Ganabara ,

sous le tropiquede capri-

corne, jug-ent mieux et

plus promptement des

discours que i'ai faits ci

dessus , touchant les

choses par moi reraar-

quées en ce pays-la;

j'ai bien voulu encores

particulierement en leur

faveur, après ce Colloque

adiouster à part le Ca- talogue de 22 villag-es

ou i'ai este , et fre-

quenté familiérement

parmi lesSauuag-es Bre-

siliens. Premierementceuxqui sont

du costé g*auclie quand

on entre en la dite ri- uière. . 1 Kariauc. Les François appelent ce 2 Yaboraci (ybouraci)

second Pepin , á cause (Jaucu-ur-assic ?)

d'vn nauire qui y cliar-

g"ea vne fois, duquel le

maistre se nommoit

ainsi.

SOBRE O A15ANEÈNGA 93

L.VTIXr BRASiL (ORTHOG. MODERNA)

ac rodeundo nauigaui, tnm ij omnes qui me in America viderunt (e qui- bus non paucos supers- tites esse credo) ipsique adeò nautse, aliique qui vel tautillum ad Siniim Ganabara sub Capricor- ni Trópico vixerunt ; in eorum g-ratiam colloquio catalogum hunc, qui no- mina pag-orum 22, ad quos non semel aberrar i, adjung-ere visum est.

Ac primúm quidem Iubc

sunt corum nomina qui

siti sunt ad sinistram

ingredienti sinum illum, Karióg. Quorum postreinum Galli

Pepinum nominabant de

nauarchi cuiusdam nu-

mine, qui nauem ali-

quaudo ad eum paguin

onerarat.

94

APONTAMENTOS

FRANCAIS

Les François Tappelent Gosset, à cause d'Lin tru- chement ainsi appelé qui s'y estoifc tenu.

Beau village.

Vn nommé la Pierre pal- ies François á cause d'uii petit rocher, presque de la façon d' um meule de moulin, lequel remar- qiioit le cliemiii en en- trant au bois pour y aller.

Un autre appelé Vpec par les François parce qu'il y avoit forces can- nes d'Indes, les quelles les sauuag-es nomment ainsi.

Item vn, sur le cliemin da quel, dans le bois la pre- miére fois qui nous y fiismes, pour le mieux retrouaer puis après,ay- ans ti force flesches

BRASIL (ORTHOG. LERY)

3 Euramyry.

4 Piraouassou.

5 Sapopem.

6 Ocarentin.

7 Oura-ouassou oueé.

8 Tentimen.

9 Cotiua.

10 Pauo.

11 Sarig'oy.

12 (Itá ?)

13 Upec.

14

SOBRE O ABANEENGA

95

LATINE BRASIL ORTHOG.[ CORRECTA)

A Gallis Gosset nominatur, Eíra-miri. de interpvetis cuiusdain nomine, qui aliquandiu ibi habitarat.

Pirá-g'uasú. Sapó-peinba. Pag'iis amoenissimus. Yg-arauti.

Guym guasú rag-ué.

Kotyba ?

Upabún V

Sarig-iiéj? Alium prfçterea Galli pe- tram vocant, ob rupecu- lam a mola noa absiini- lera, qufesylvam ing-re- dientibus iler ad irtum pag-iiin indicabat.

l

Alium quoque Galli Vpec Ypeg". nommant de Indicarum g-allinarum nomiue, quas barbari Vpec nuncupaiit.

Alium prfeterea sag-ittarura vicuin appellabanuis quòd quum primum ad eum iterfaceremus,in sylvam iug-ressi, sa-gittas multas ad procerissiniEe cuitis-

96

APONTAMENTOS

BRASIL (ORTHOG. LERV)

FRANÇAIS

au haut d'vn fort g-rand et gros arbre i3ourri, les quelles y denicurèrent tousiours fichées, nous nommasmes pour ceste cause le villag-e aux fJesches. Ceiíx du costé dextre : 15 Keriu.

16 Acam u.

17 Morg'ouia ouassoa. Ceux de la grande Isle. 18 Pindo-oussou.

19 Coronque.

20 Pirauiioti. Et vn autre duqiiel le nora 21

m*est escliappé, entre

Pindo-oussou et Pirauiiou,

au quel i'aidai vne fois

à acheter quelques pri-

sonniers. Puis vn autre entre Cou- 22

rouque et Pmdo oussou,

du quel í^aí aussi oublíé.

le nom. J"ai dit ailleurs quels sont

ces villag-es et la facon

des maisons.

SOBRE O ABANEENGA

97

LATINE

dam arboris putrefactae cacumen emissas defixe- ramus,quae in posterum indicis vices nobis praes- tarent.

BRASIL (ORTUOG. CORRECTA)

Qui ad dexteram

Qui in Insulam mag-nam.

Keriy. Akaray.

Mburukiijá uasú. Pindob-usú.

Alius praeterea cuius nomen mihi excidit, situs inter Pindo oussou et Pirauí- jou, ad quem in quibus- dam captiuis emendis operam posui.

Alius quoque inter Cavou- que et Pindo oussou, cuius etiam appellatio non occurrit.

Quae sit tum pag"orum , tum aedium forma alibi demonstrauimus.

13

98 APONTAMENTOS

EXPLANAÇÕES

1. Eram estas as phrases de que usavam g-eral- mente os brasis para saudarem-se ; fazem delias menção outros que não Lery só, e também acliam- se mencionadas no Tesoro de la lengua guarani. Nem era exclusiva dos tupis e g-uaranís, e sim usada g-eralmente pelos íncolas do Novo Mundo ; esta sauda- ção era tão g'eral nas duas Américas que Chauteau- "briand a adoptou nos Natchez.

2. O tliema do verbo vir (venire) erajúr. Os tupis o conjug-avam a-jur, re-jur, o-úr, etc. ; os guaranis quasi sempre supprimiam o r final; mas em Guanabara, pi- ratininga e outras partes do sul costumavam, como nota Figueira e vem no Anchieta, trocar esse r em (, dizendo a-jut, re-jut, etc. Ig-ual troca se dava em outros vocábulos terminados em /'.

3. Pronunciando á franceza auge é oje, mas sepa- rando-se as vogaes âii a dicção podia corresponder á aijjr, pois que em Lery a vog-al especial y é represen-

SOBRE O ABANEÈNGÂ Ô9

tado por u francez. Em G. Dias vem aucjé como verbo sigTiificando basta ; na Chrestomatliia o Dr. França es- creveu aujé, Fig-neira traz aijé=^anhé e todos estes cor- respondem evidentemente ao ayé=aue de Montoya. Cumpre, porém, attender também á sigmiJÈicação dada por Lery e ao seu modo de escrever que também se pode interpretar por aguyjé phrase adverbial. Te ou ta pode ser adverbio ou conjuncção, conducente cada qual ao mesmo sig^niíicado . Portanto a phrase podia ser te aguiijé nipó igitur ila bene est. Figuirando de adverbio nipó (terceira pessoa de por, esse) é frequentíssimo em Montoya e ainda hoje no fallar paraguayo ; nos escrip- tos referentes á tupis vem ipó simplesmente como ad- verbio. Quanto ao verbo por o mesmo Montoya não deu com elle ; é verbo que corresponde bem ao y-avoÍF dos francezes, e nipó ou ipó traduz-se exactamente por il-y-a; os parag-uayos usam muito da phrase neg^ativa ndi-póri i! n'y a pas.

4. Yryry desig-nando ostra não vem no Tesoro, nem achei ainda a dicção de que usavam nas missões do Parag-uay para esse fim. E' possível que os gua- ranis do interior das terras ig-norassem a ostra, e assim se veja esse nome entre os tupis na costa ? Pelo menos Azara diz expressamente, que, não obstante abundar de peixe o Parag-uay, un n'y trouve ni huttres tii coquillages. Quanto ao mais é cómica e infantil a admiração dos Índios ao verem um europeu chamar- se ostra á moda delles, no que, acharam muita g"raça, conta Lery.

5. Ere jakahó piang ? quer dizer habitationem seu patriam demutasne ? Excepto a orthographia nada se altera nesta phrase.

100 APONTAMENTOS

6. Salvo melhor decifração dos erros typog*raphi- cos ou de orthog-raphia, a phrase não pode ser outra, attenta a traducção que deu o auctor : E-jori nde re- tãm-aguã repidkaym ad locum tuse hahitalionis fulurae spectandiim; o erro de escripta ou typog-raphico está em em vez de m, e emendada a phrase, o Lerj diz Eori de retam oúam repiãc que corresponde á interpretação. De erro de escripta basta esta amostra, e não farei mui- tas outras.

O que mais importa considerar é o verbo tepiáij usado em todo o Brasil e no Parag-uay não; entre os guaranis dali o verbo videre dizia-se techdg como vem no Tesoro. Que em vez de techáy usavam os TUPIS de tepiág ficou vestig-io no nome da serra Para napiakába que não carece de g-rande alteração para se vêr que provem de pará-repiakába maris conspecliini seu aspectum. Mudança de na em re é muito natural

no ABANEÊNGA.

7. Evidentemente ha muito erro de escripta ou typog-raphico nesta phrase. O sig-nal de interrog-ação de- pois de repiak não tem cabida. Interpretando a escripta pela traducção que delia deu Lery a correcção orthog-ra- phica dada na 4.' columua pode servir, pois que essas palavras ao da lettra dizem : nos ad videndiim venit igitur, nos ad videnduni venit igilur, filii mei- lia veni verè, niincupatus Lery dixit vel nieniinil. Este modo de fallar dos brasis re- petindo o que outrem dissera era muito g-eral e usual em toda a America, e mais característico entre os Arau- canos, que davam g-rande apreço á arte oratória e eram puristas em ling-uag-em. Dahi resulta um torneio de phrase desconhecido em g-eral aos nossos litteratos e que dava ás narrativas em abaneènga, em araucano e outros idiomas certa vivacidade e movimento e mesmo

SOBRE O ABANEÈNGA 101

certa energ"ia, que não tem as phrases ligadas por via de relativos e conjuncçOes.

8. Faltou aqui a particula de interrog-açao pe. O vocábulo como se acha no tesoro e como ainda é usado pelos parag'uayos é karamenguã ; a mudança para karaviemo não é de estranhar como viu-se no prolegomeno. Por outro lado como este vocábulo não vem nem no diccionario brasiliano nem no de G. Dias crêr-se-hia que não no empregavam os tupis; não é assim ; caramemo vem em Lery e Yves d'Evreux, caramemoa em Marcgraf e karamemoá na Chrestomathia do Dr, França. E o que é mais, é termo que vem em vocabulário omágua, no karaib e até no kiriri.

Este vocábulo perdura nas províncias do norte, onde desig-nam o sacco ou alforg-e da matalotag-em por caraminguá. Em S. Paulo e Minas o termo usado é piqua, que pôde provir de pykuar, de pygiiá com alguma translação nos seus significados.

9.— A designação do numero 1 ainda hoje é feita pelos paraguayos com o vocábulo petei. No Tesoro vem pete7=:nepetei = mohepetet:=mohepé. Ora monepetei quer dizer o que o faz de per si só; o tupi oyepé também diz elle por si ou elle de per si. E' cousa que faz lembrar o modo de fallar de S. Paulo, do sul de Minas e outras partes, onde para dizerem por exemplo um ovo dizem ovo de per si só. A expressão monepetei., levando-se em conta o adverbio teí que a completa, verte-se então pela phrase dos caipiras ovo de per si no mais que. Seria difficil exprimir em latim ou francez estes torneios de phrase.

As expressões para os números 2, 3, 4 podem ser interpretadas o que fa:^ par 2, o que faz, ápice ou vértice

102 APONTAMENTOS

3, O que fat parelhas 4, qiiod ellicil par, qiiod cflicit verlicein, quod eflicit paria.

O numero 5 nao dao nem Montoya nem Anchieta; a dicção ambó quer dizer Iiominis vel gentis nianiis e vem não em Fig^ueira como em outros que tractam de brasis.

Para designar números superiores á 5 nos aucto- rec. tenho visto somente che-pó mcíc maniis 10, e che-po che-py meíB nianiis inei pedes 20. Os números entre 5 e 10 vi algures designarem-se por 1, 2, 3, 4 mais 5, isto é, ojepé hae ambó ou ojepé ambóbé 6, mokõi hae ambó ou mokõí ambóbé 7, etc. Os paraguayos hoje usam dos numeraes espanhoes tal e qual se acha no cate- chismo de Montoya.

O que explana Lery acerca do modo de dizerem números superiores á 5 parece que também se dava com as dezenas, pois achei che-pó che-py hae nde-pó que corresponde á 30, che-pó che-py hae nde-pó nde-py que daria 40.

10 Nos qualificativos de cores os vocábulos de Lery em geral carecem de correcção orthographica para concordarem com os dados por Montoya e os outros. Em sobouy massou, porém, dá-se novo exemplo de troca de yu por m como em karamemo. No Tesoro hoby siggifica azul e também verde ; Lery distingue-os, desigmando-os pelos sufflixos eté real, verdadeiro (o azul) yiiasú grande, grosso (o verde). De hoby vem uvú que empreg'am os caipiras para dizer azul. Em pirienk é diííicil dar com o que é de facto. Esta dicção está longe de pirybytl que quer dizer escuro, de côr dui)ia (color dubius); por emquanto a solução possível é sup- pôr-lhe grande erro de escripta em vez de parab multicolor, ou de pinim que quer dizer variegado e corres- ponde ao variorum coloruni que Lery.

SOBRE O ABANEÍÍNGA 103

Como se nas duas edições donde transcrevemos ha pirienk e a variante pirienlz ; neste mesmo dialog"o acha-se por vezes k por c e vice-versa; em pirienc é postíivel ver erro ortliog-raphico ou typog-raphico de pinim.

Em pegassou-aué que corrig'imos para apijkasú-nabe faltou o a inicial, veio g por /.-, ou por u, faltou n e á final o b está representado por t^ ou antes u como á cada passo se em Lery. Para evitar repetição fiquem aqui notadas estas trocas de lettras que se reproduzem em todo o colloquio.

11 Até ulterior e melhor explicação pode-se es- crever a phrase como está na columna das correcções porque akang-aób quer dizer cliapéo (roupa da cabeça), e nbã sig^nifica forrado, portanto akangaóba-rubã cliapéo forrado. Outras interpretações são possiveis, por exem- plo akangapé exprime o casco da cabeça, e akangapé riibã seria forro do casco da cabeça ; mas sem achar dicção usada que corresponda mais exactamente á phrase de Lery é fazer vag-as conjecturas ; chapéos elles não tinham e por isso (como sempre em casos idênticos) multipli- cavam-se as exprossões para designal-os, attendendo á forma, á matéria de que era feito, etc. Por exemplo crrapuçi, que o padre D. Vieira deriva de crespo por ini,ermedio de crespuça parece que mais facilmente se podia derivar do abaneènga onde se acha akangaó- pysá expressamente dado por Montoya, ou ainda akang-apyr-pysá pileiís (litteralmente capitis apicis reliciiluiii) onde para formar karápijm é necessário reduzir ngapyr á ra, contracção admissível mormente para evitar a repetição de py e para tornar sensível o r do thema apxjr. No mais apenas elidiu -se o a inicial, o que é natural, e a accentuada final perdeu o accento. Esta

104 APONTAMENTOS

abreviação da final accentuada é frequente nos vo- cábulos que do abaneènga passaram para o portug-uez como vê-se em mucama derivado de mokamby qu» mamam proebet, qu.-e lactai, sig-nificando altrix, nutrix e posterior- mente ministra. No sentido de ministra na Bahia usam de mumbanda em vez de mucama, e mumbanda vem de mo-ubã quae vestit, quíE vestem induit. O facto de vir carapuça no cancioneiro de Rezende, em Fernão Mendes Pinto e outros não deve invalidar a derivação do abaneènga pois que todos escreveram depois de 1500. Constâncio o deriva do g'reg'o, mas elle é termo do vulg-o, não apparcce em clássicos antig-os e por fim não vem no Etymologisches Wõrterbuch der RoMANiscHEN Sprachen do Dicz.

12. Reportemo-nos ao que vem na nota 3; se em au existem duas syllabas auge corresponde á aguy- jé, se, porém, ha uma syllaba então pôde corresponder á aijé=ané; do mesmo modo também tegiié pôde ser teijé=tené. Ao da letra ane katú tene sig-nifica elle é bem certo, que o diga, outro torneio de phrase dos nosssos matutos, parece-me, não usual em Portugal.

De passag-em fique notado como entra aqui o verbo é dieere, verbo de summa importância no abaneènga que fig-ura n'um g-rande numero de dicções e phrases, que por vezes corresponde aos defectivos latinos, ait, inqiiit, e por fim é um verdadeiro verbo auxiliar, com o qual se compõem vários advérbios como tue, ndae, hae, etc.

13. A-rur-eí frustra vel ncquicquam id alluli (trouxe isto debalde, atoa).

Nas outras phrases que se seguem é apenas acompanhar-se a correcção orthog-raphica em vista das observações que tem sido feitas.

SOBRE O ABANEENGA 105

Apenas importa uma observação sobre o nome itaijoapem que vem mais abaixo ; g-eralmente os nossos litteratos tem escripto tangapema. Montoya yapem que litteralmente sigmifica clava, isto é, maoa ou cacete de ponta grossa; itáyapè vem a ser lapidis vel ferri clava, applicada aos machados de pedra de que usavam, es- tendido depois aos machados de aço; dalii menos naturalmente a espada ou culler, como Lery, e talvez ainda gladius.

14. Desta phrase parece que paijé era não aó- mente o medico, o feiticeiro, mas também o mestre artífice, o magister arlium; a tradução não condiz e carece de sentido.

Na correcção accrescentei ainda a desig-nativa de pretérito kuér (convenientemente inflexionada pela in- fluencia do som nazal que precede;) á rig-or porém podia ficar paijé-guasú remi-monã simplesmente.

15. _ Terã como vem no Tesoro é um adverbio que traduzio-se por talvez, pôde ser (forsitan.) Este adver- bio pôde provir de é diccre e de he placere. A phrase como se acha pode traduzir-se por tal e qual pode ser (sie enim erit).

16. Karambohê ; a explicação deste adverbio é difiS-cil. Montoya dá-lhe a sig-nificação de antigamente, o que parece não mui admissível no lug"ar em que está empregado. Entretanto é analog-o á resposta que cos- tumam dar 03 caipiras quando, pedindo-se-lhes qual- quer coisa, elles a neg-am dizendo simplesmente dantes.

17.— Xa g-rammatica de Fig-ueira e em G. Dias vem taiijé logo. Em Anchieta, Fig-ueira, G. Dias e na

U

106 APONTAMENTOS

Chrestomathia vem ranhe depressa como adverbio levan- do o verbo ao gerúndio. Correspondem á tange forma absoluta para adjectivo era Montoya, e que também serve adverbialmente. A ta-hepiág tange serviria a traducçao ut id videam opus est vel iirgel e ta-hepiág range quer dizer id qiiain primiiin videam.

18. Esta plirase carece de estudo, e pode interpretar-se de dois modos : do primeiro modo cor- responde á traducçao dada ; do seg'undo a traducçao teria- uma forma condicional tu esperarias talvez; ranguér é a desinência de um pretérito condicional que vem em Montoya e que Anchieta e Fig-ueira dão na forma ramboér.

No que se seg-ue não ha difiiculdades na phrase; succedem-se nomes cuja orthog-raphia apenas é cor- rig"ida.

19. Como no Tesoro vem mbotú labanus {mutuca g"eralmente) e o verbo mbotúg sig-nifica furar, o frequen- tativo mbotú-mbotú podia exprimir bem a subula ; o vo- cábulo porém mais usado para este fim é kutukáb subs- tantivo verbal de kutúg que tem quasi a mesma sig'ni- ficação ; d'ahi a expressão usada no Brasil cutucar. Quanto a mboty-mboty a sig-nificação mais própria seria botões (vestis globuli, alabastri) mas está mboty expressamente empregado para flor (flos), e para botões apparece o verbal mbotxjkáb que sig-nifica o com que se abotoa, aperta, ataca, prende e é traduzido também por alamarcs.

20. Guaruã escripto em g-eral aruã é outro vo- cábulo deste coUoquio que se diíferença do usado pelos guaranis que era je-echakáb. No sentido que parece mais litteral aruã quer dizer assente, bem parecido, que qua-

SOBRE O ABANEÈNGA 107

dra bem. Este adjectivo tornado reciproco pelo pronome gu servia aos tupis para exprimir espelho. O termo g'aarani je-echakába (de je-echâfj vèr-se) é aquillo em que se vè. Os GUAR.-iNis ainda empregavam para espelho ne-angechakába de ne-ang-echág vèr-se a própria sombra ou imagem.

21. Differe também um pouco no guarani. Nos diccionarios Brasiliano e de G. Dias, vem para pente kybúba composto de /c)/6-piolho (pediculus) e ab cortar, truncar e também tirar (earpere). Em Lerj lendo-se o que está tem-se kyáp ; o desapparecimento do b de kyb na com- posição não é cousa de estranhar. Quanto ao kyguá dos GUARANIS, O verbo guar sigmificando tomar (corripere) equivale ao outro quasi no mesmo sentido.

22. Para braceletes e para collares vem no Tesoro outros vocábulos, mas mbõy sig*nifica contas de rosário, avellorios e até acha-se no Tesoro o verbo nembo-poy poner-se cuenlas.

23. A hemo-saenã quer dizer estou com pressa (aprope- ratus sum) ou estou me preparando (me comparo) e não estou occupado. Como está escripto ai equivalendo a e não tem propósito, pois que é-mosaènã no imperativo sig-nifica apressa-le, prepara-te, cuida disso (id age igitur.)

24. Recompondo a plirase pela traducção que Lery vê-se que devia estar hé, hae nde ? Na phrase precedente para evitar a repetição da interrog-ativa pe elles preferiam a conjuncção te, ou o adverbio tãé.

25. No TESORO com o sig-nificado varias coisas vem tctirò ; nos diccionarios tupis tetiruã.

108 APONTAMENTOS

26. A traducção de na-hepiág está errada pois que é non video e não nolo comedere. Foi talvez devido á trocar-se no escripto de Lery vois por veux. Na-hepiag kybõ-nguára quer dizer non video quae liic proveniunt.

27. Nos nomes de animaes e plantas devia se es- perar maiores differenças entre os vocábulos guaranis e TUPIS, quando mais não fosse pela simples diflferença do clima e condições g-eog-raphicas. Entretanto a maior parte dos nomes dados por Lery vem no tesoro, e outros que ahi não acham-se, são explicáveis pelos radicaes da ling-ua.

Nem mesmo foi preciso alterar-se muito a ortho- g-rapliia para reduzirem-se os nomes dados por Lery aos seg-uintes do abaneeênga :

Tapir nome do maior pachyderme americano to- mado pela sciencia para caracterisar o género tapirus. Esse nome os brasis deram também ao género bos na forma tapiirã tapiro similis.

Siiasú = soasú = sáuasú = guasú nome g*enerico do cernis no Brasil e Parag-uay ; debaixo da forma suasumé (em que o suffixo é onomatopaicoj foi dado também ao g-enero capra, importado pelos Europeus, e até mesmo estendeu-se, muito impropriamente á uma espécie de felis na forma suasurãn similis cervo ou talvez qui cervi mllos seu lanam (se. iiabel).

Táíasú = tãhasú nome g-enerico do pachyderme suillio do g-enero dicotyles e estendeu-se ao sus do- MESTicus ajuntando-se-lhe um suffixo.

Aguti outro nome adoptado para qualificar um g-enero de Roedores chamado na sciencia dasyprocta, aonde escrevem também acuschy; delle provem o nome vulg-ar cotia, o qual não se deve confundir com quati ou antes kuati, nome do nasua. O nome kuaã não

SOBRE O ÀBANEÈNGA. 109

vem no Tesoro nem na forma ákuatt mais próxima á etymolog'ia, porém menciona-o Azara e empregam-no os Paraguayos.

Pa(j era o nome dado g-eralmente ao ccelogenys

PACA.

E finalmente Tapiiti nome do lepus brasiliensis applicado também á alguns cuniculus.

Quanto ás aves Lery :

Diversos jacus (penelopes) e o mytú (crax).

HJakagui donde o nome vulg-ar do maciico designa- tivo do tinamus e outros gallinaceos.

] nambu é o nome dado em geral pelos brasis aos CRYPTURUS e á diversas espécies do género perdix.

Apykasú e pijkui nomes dados pelos brasis ás columbas.

Os nomes de peixes dados por Lery nao vêm no Tesoro, mas concordam com os dados em Piso, G. Soares de Sousa e outros; e deve-se notar que no Paraguay os peixes d'agua doce que havia e ha, diíferem essencialmente dos peixes do mar; dahi a ausência de nomes para designar estes no Paraguay. Um dos nomes applicado á grande numero de peixes na costa do Atlântico akará é susceptível de varias inter- pretações no abaneènga conforme os caracteres geraes dos akarás; algumas até conduziriam á derivações do quichua, designando cascudo, escamoso, ou armado de barbatanas.

Estas e outras concordâncias, quer léxicas quer grammaticaes, confirmam a minha opinião de que os Americanos são mais parentes uns dos outros do que de qualquer outro povo do Mundo Antigo e ainda do Novíssimo. A meu vêr nem a anthropologia, nem a ethnographia desmentem esta proposição. Apezar da enorme mistura de hoje não se confunde o caboclo ou bugre com china, ou com africano.

lio APONTAMENTOS

No corpo da interessante, ing-enua e verídica Histoire (Pun voyage ha muitas outras noticias de ani- maes, plantas, sitios, etc, cujos nomes seria interes- sante iuvestig'ar. Mas estes apontamentos com o colloquio se estenderam de mais, nEo obstante ter me esmerado em ser conciso.

28. Dos nomes de lug-ares enumerados neste col- loquio alg'uns ainda hoje são fáceis de se reconhece- rem taes como Karíóg, Eiraijá, Sarapoij. Os outros é pena não se poderem elucidar. Os que escreveram de cousas do Brasil, em geral, bem pouco se occupáram com cousas delle e delias tractavam somente emquanto interessavam como novidade ou como cousa que inte- ressava ao reino. Desciam á minuciosidades e á fri- volidades contando até as filiações de sujeitos perfei- tamente nullos,sao prolixos e fastidiosos á narrar inclu- sivamente milag-ros, mas omissos e deficientes em re- lação ás cousas que realmente interessavam. Descrip- ção de lugares e das aldeias de índios são tão incom- pletas que á não ser o nome conservado, por outra forma não se pode saber onde e qnal foi qualquer das de que se tracte. Mesmo lug-ares celebres por fa- çanhas, com que se occupam os narradores de rebus geslis in Brasília, não estão sufíicientemente precisados. O Urusúmirim, onde se deu a batalha decisiva em consequência da qual tornou-se o Rio de Janeiro defi- nitivamente possessão portug'ueza, aniquilando-se a França antárctica, foi com effeito na Praia do Fla- meng-o, como dizem ? E a aldeia velha foi na Praia Vermelha ou no lugar onde está hoje a fortaleza de S. João ? Se isto não se pode precisar, quanto mais as aldeias enumeradas apenas e não descriptas em Lery, as qaaes íls changent aussi souvent de placecn place?

SOBRE O A.BANEÈNGA 111

Se ellas entretanto conservavam sempre os seas nomes, apezar de mudarem de assento, como diz Lery, sao apenas nomes dos quaes alg-ims ainda hoje podem se reconhecer; de outros nem mais lembrança resta e então mais diíficil é a interpretação nao do que significam, porem ainda do modo de se os dizer e escrever exactamente.

Desses nomes das aldeãs, o próprio Lery declara que ne mche qti^ils puissent auoir interpretation selon la segnification d'iceux.

Em g-3ral esta interpretação e também a dos no- mes de plantas e animaes é difficil e requer muita prudência e cautela para não se descahir, -pelo cami- nho dos improvisos, nas inventivas sem critério. Nestas explanações também evitei as interpretações, cujo lug-ar próprio é no vocabulário, onde quanto é possivel dão-se as sigmificações e o sentido etymolo- g-ico do que poude entender. Se ellas fossem dadas aqui, estes apontamentos pe estenderiam de mais, sem adiantar grande cousa para provar que o que Lery escreveu é o mesmo que se fallava então no Parag-uay.

Voltando aos nomes das aldeias: a enumeração feita por Lery neste trecho do colloquio não concorda com a outra que vem no fim. elle conta 22 al- deias e desças ha 3 cujo nome esqueceu e 1 de que apenas o nome usado pelos francezes Pierre (Petram).

Eliminadas as 4 de que elle não o nome indi- g-ena, os numes das 18 restantes, enumeradas no fim, deviam combinar com os que vem neste trecho do colloquio. Assim porem não acontece, e começa log-o por enumerar aqui 19 aldeias.

Para evidenciar o desaccordo destes nomes com os do fim annotei os deste trecho pelas lettras do alpha- beto, e os do fim pelos números 1 á 22.

112 APONTAMENTOS

O primeiro nome de ambas as listas é o mesmo : karióg. A explicação porem que não satisfaz. Elle diz que sig-niíica casa dos karijôs (karijó-óg com elisão do jó) e elle é o próprio que diz depois, que o nome da aldeia deriva-se do nome de um rio.

Tem-se dado diversas interpretações ao nome Ca- rioca. Uma das que mais naturalmente occorrem é a de kari-óg casa do branco ou do guerreiro, (gentis albíe vel gcniis In bello egregiíe domus). Veja-se o proleg-omeno.

Considerando porem o que diz Lery que era o nome de um rio donde proveio o do ídba, seria possi- vel interpretar-se kaa-ry-óg corrente sabida do niatto (e sylva toprens exiens) ; mas para isso força-se a sig"nificação de óg (que é transitiva) tornando este verbo neutro.

Em todo caso é um dos nomes cuja interpretação depende de mais elucidações como os vocábulos tupi, ma,ndióg, e muitos outros, cuja decifração acarretará de certo esclarecimentos de summa importância.

Guyraguású-ragiié pennas do pássaro grande, avis grandis plunim é a plirase que autorisa a suppôr-se o que diz o próprio Lery.

Será laucii-ur-assie o mesmo que laboracy escripto no fim? Qualquer dos dois é de difficil interpre- tação.

Piracamopem escripto também Piracau-io-pau sem nenhuma indicação, pôde ter as mais diíferentes sig-nificações conforme forem interpretados os sons.

Eiraya cuia ou cabaça de mel (niellis vas, mellis scypbus) conserva-se ainda bem no nome actual Ira já.

Itanem pôde ser itá-nã, itá-anã, ytã-y e talvez ainda (attentos os erros de escripta), y-tauá ou y-íagiiá e outros sig-nificando cousas diversas. O mais próprio porém parece ser ytã-yá cuia ou vaso de concba, ou ytã-gíiá ensea- da das concbas.

SOBRE O ABANEENGA 113

Taracouir-apau além de outros modos de interpre- tar as letras e os sons, pode ser taraguir-upd pousio das largâlixas. (lagartavuni stabiiliini.)

A Sarapoy corresponde sem mudança alguma nas letras har-apõ-y rio das espigas, grossas erassarum spicarum flu- vius. Mas será elle o mesmo que a aldeia n. 11 do jâm, escripto Sarygoi/1 Este sig-nííicaria rio dos Sarigtiés.

Keri-u é claramente keri-y rio ou agua do somno (sonini (luvius vel doruiiens unda) soífiivelmente applicavel ao sacco de S. Lourenço em Nictlieroy; mas á este sacco cabe também a desig-naçao de y-terõ ou xj-teron agua torta, rio torcido ;aqua seu rivus tortus) donde talvez proviesse o de Nictheroy.

Ak2ra-u é sem duvida akará-y agua ou rio dos akarás (piseis akará fluvius). Seria o nome do actual Icarai? Este porém pôde ser sem mudança alg*uma y-kjraíb agua beiíla, agua santa, agua clara perfeitamente applicavel ao lug-ar,

Kouraumouré é susceptivel de varias interpretações mas falta tudo quanto possa servir de indicação do que quer dizer, e então seria arbitrário qualquer modo de o explicar.

Ita~auc conserva-se em Itaóca e é exactamente itá~ óg casa de pedra.

Iroirarauem parece ser a actual Araniãma que me- receu o nome y-aruã agua transparente ou y-guaruã espcilio d'agua.

Sacouarr-ousúu-tuve é exactamente íakuár-usú-tyba taquarusú-zal justamente como se diz feijoal, arrozal, etc.

Ocarenti pôde ser interpretado de modos diversos mas o sentido que oceone mais naturalmente e ygar- antl proa de navio, ou mesmo okár-anti ponta da praça.

Hapopem ainda se conserva no nome Sapopemba designando lug-ar, e é o nome muitíssimo apto de um

15

114 APONTAMENTOS

ficus abundantíssimo em serra abaixo , que deita raizes de grande altura e por larg-o âmbito, e que como uma parasita cheg*a á abraçar-se com outros troncos de arvores formando rede em roda delias. Sapopemba quer dizer raiz trançada, ou ainda alastrada e deve-se notar que além de pem=pemb iiJaqiieatiis, involii- tus e talvez iiivolvens e sparsa, ha também líeò-planus e ^en-angiilalus, aiigiilosus, epithetos que podem qualificar o ficus.

Nouroucouve é susceptível de varias interpretações,

Arasa-tuve é claramente Arasá-tijb correspondente a Arasá-zal a portug-ueza.

Usupotvve também é sem duvida ysypó- tyb, em por- tug"uez cipoal ou cJpozal, e parece ser ainda actualmente no nome Sapetiba.

Passando aos outros nomes de aldeias que vem no fim e que differem dos dados aqui temos ainda:

Eura-miri que pode ser guyrá-mirl, pássaro pequeno, círa-miri, abelha pequena etc.

A' Pirauaassau o que mais naturalmente occorre é pirá-guasú peixe grande.

Para Tentimen não occorre sig^nificação alg"uma im- mediata.

Cotiua não carece de trabalho alg-um para se tornar ko-tyb, que sig^nifica lugar ou pousio de roças, applicando á roea a mesma terminação tyb que vimos que cor- responde á portug"ueza ai (fcijoal) e á latina etiim (fruíe- tuni.)

Pano parece ser hupdb-ún, pouso negro ou hupáb-iil pouso ou lugar aloladiço e conserva-se em Pavuna.

De Upec o propio Lery deu o sig-nificado que é pato, em Abaneênga yp^g (anãs, anser).

De morgouia-ouassou para mburukujd-guasú com que designavam laranja não é difficil a passag-em,

SOBRE O ABANEÊNGA 115

O mesmo acontece com pindo-oussou que se torna facilmente pindo-usú ou pindob-usú,

Corouque e Pirauiiau cora pequena mudança nas letras podem sig-nificar diversas cousas e nada auto- risa que se prefira qualquer uma.

29.— António Ruiz de Montoya emprega sempre li um i final nos casos chamados « terceira pessoa rela- tiva )) por Fig"ueira e, tanto Anchieta como este, em- preg-am ora i ora u; por exemplo dão sôu=:sói'ú, euiit, seikèi=seíkèu, iiilrat, iiitraiil, hi'ni=liini est, sunt.

30. Não é ojcpé-ky e sim ojepé tet a plirase mais g'eralmente usada. Ky significa pouco, ojepé hj pode ser um pouco, ali|;um, um ; aubé quer dizer ao menos. A traducção terbo ad verbuiu pôde pois ser : nomina aliquem saltem mihi.

31. Escripto este nome de modo que sig-nifique caput pilis defeclum (o peliado), devia ser íj-apiráb-oópyr; o r final elide-se usualmente, mas ainda assim consi- derando que o u de Lery é v, respeitando as outras lettras fica a expressão i apiravi íoup : esta, adaptada á nossa orthogTaphia, corresponderia á Ij-apiráb-i júb significando illc qui capilis pilos flavos (liabct) ; dando-se á au o som ó a expressão ficaria E apiró i iúb que não pôde sig-nificar nada á não accrescentar-se-lhe alffuma coisa.

'O '

37. Cumpre notar que os guaranis e ainda hoje os paraguayos em expressões como karióg-pe elidem o consoante final quando se lhe seg'ue a locativa pe ou outra pospositiva qualquer. Assim dizem che-ró-pe em vez de che-róy-pe ou cJie-roya-pe in domu meã ; oká-pe

116 APONTAMENTOS

em vez de okdr-pe, ou okára-pe donium extra, foris; karió pe na carioca.

33. Mohánrj-i(judra=-Puhâng-i-guám litteralaiente qiii medieamen pro-bel, medicalor (o medico, o curandeiro).

34. Não é fácil verificar esta phrase nem tao pouco adapta-la ao sig-nificado que lhe o auctor, tanto mais quanto diverg-em as escriptas das duas edicçOes transcriptas aqui. O nome da aldeia okar- aníí qne elle traduz por village des Estorls (aldeia dos assaltos, ou do ajuntamento de povo para combate) não pode sig-nificar isto e sim ponlas da praça ou praça cercada de pontas. A' muito puxar portanto admittindo- se que a expressão toda seja fjuiiní guasú okdrantl, ella sig-nificaria a praça estaqueada do pássaro grande.

.33. O infinito do verbo tyb jacere (jazer) servia também como substantivo significando jazida, pousio, pouso, logar; ainda é muito usual e perdura hoje como desinência em muitos nomes g-eographicos ; esta desi- nência corresponde exactamente á latina etum, á por- tug"ueza ai, como se em takuá-tyb arundinetuni (cannavial), pindó-tyb palmetuni (palmeiral, aliás palmar,), e em outros nomes que vem na nota 28. A desinência guám como se verá na grammatica corresponde á um participio.

36. Yb significa arbor e também dux, princeps (chefe, principal); ybakan =^ ybakang pôde pois signifi- car arboris vel arborum caput (copa de arvore) ou ducum caput (o cabeça, o chefe dos chefes). O determinativo o proposto á ybakang está na regra correspondendo á ille qui (aquelle que é, o que é) e desse modo figura em muitas dicções

SOBRE O ABANEÈNGA 117

como 0-pi-bo qiii in pelle, se. nudus (o nú), o-pó-bo qui in nianibus se. est, (de gatinhas) etc.

37. Approximando-se a escripta ao que desig'na Lery, a phrase não pode ser outra e litteralmente Hób-ij-ár usú quer dizer ille cui folia cadiint grande.

38. Os do Paragfuay cliamavam á isca (fomes) aó- rwjué, isto é, semusliis pannus (panno que foi queimado). Mo- endy litteralmente quer dizer incendere, accendere, ignem sucoendcre, lucem facere, e por consequinte pela reg^ra do infinito pôde ser qui vel quod ignem incendit, se. fomes.

39. Mbae-nohe quer dizer saea coisas , justamente como saca-trapo, tira-duvidas, que sendo plirases empre- gam-se como substantivos e como nomes próprios. A traducção de Lery não é bem intellig'ivel e não sa- tisfaz.

40. De dois modos pôde ser o começo da phrase: a-rú terã adducam fortasse, ou a-rur-irã adducam verè. O final do periodo que Lery escreveu angerure deve ser ange-rire=angirê. Entretanto em vista da resposta seria mais conforme á regra syntaxica se estivesse a-rur-irã che-rckorám é rire adducam posterius quum quod me esse dicatur (liei-de trazer depois que decidir como ha-de ser miniia vida).

41. Na traducção, para corresponder á phrase toda e ficar esta completa faltou alguma coisa, isto é, ul scias, correspondente á terei kuàab ; a phrase com- pleta portanto diz : cogita ergo ut scias quod sit faciendum.

Na phrase precedente a expressão seth que occorre por vezes, eu aqui interpretei pela negativa helyp non licpt fazendo vêr a possibilidade do erro de h em vez

118 APONTAMENTOS

de p e da queda de uma vogal entre as duas con- soantes íinaes.

42.— A dicção ne=:je além de pronome reciproco, também, quer em Anchieta, quer em Fig-ueira, vem como particula adverbial, sig-nificando debalde, acaso, sem íim; no tesoro porém vô-se que é o verbo dizer na phrase diz que. Assim todo este trecho aipo ne che py- tupá ne nele ri litteralmente é: isso diz que é o porque estou afflicto diz que com ligo.

43.— O chamado optativo desta lingua é quasi sempre difficil de traduzir-se. Para verter mais ao da lettra esta phrase dever-se-hia dizer iitinam res non esset reservanda (vei rcservata). O final da traducção di- cendum esset não vem explicito na phrase do abaneenga.

44.— A correcção aqui limita-se á repetição da phrase com orthographia diíferente da do original. Quanto ao mais muitas duvidas so dão. Para signi- ficar costume o Tesoro tekuátyb e não tekiiáb ; também tekuâi mas então na phrase caberia o absoluto tekuâi ou o reciproco guekuái mas não o relativo he- kucli. Além disso falta depois de nungá a pospositiva pe ou ri. Se estivesse pois tekuâi aipo niuigá ri an- (jaturama i porerekó corresponderia mais exactamente á traducção.

45. Se é o verbo ikó qae se acha nesta phrase, ndere-ikó-ichoé pe iram significa não estás ou não estarás tu para, mas se fosse o verbo /<d-ir, então ndere-hó-ichoé pe irara significaria não vais ou não irás tu para. O adverbio iram servindo de suffixo verbal para designar fnturo era usado pelos tupis mas não pelos guaranis, e em

SORRE O ABANEKNGA 119

Montoya oirã sig-iiiíica amanhã. No final da phrase alem de faltar a interrog^ativa pc parece que cabia mais justamente a desig'nativa de futuro do infinito que ficaria (juarini-haQuãma pe.

46. O verbo /)ó-ire é escripto por Anchieta e Fi- gueira ço, e a primeira i)essoa do indicativo que ambos escrevem a-çó=a-hó nunca foi empreg-ada por Montoya que escreve sempre a-Jiá como ainda hoje dizem e es- crevem os paraguayos.

47. No diccionario, em via de execução, tem-se procurado dar e vão-se dando as interpretações possí- veis dos ncmes de tribus ; pareceu porém- opportuno apresentarem-se aqui alg'uns, aquelles que são dados por Lery.

Tobajar quer dizer adversiis, adversarius, litteralmente o fronteiro. (Escapou na 4.* columna um erro, escrevendo robá-guára em vez de robajár que corresponde ao roíta- (jerre do orig*inal).

Vbarakajá, traduzindo mbaraká por fistula, tibia, (gaita, flauta), eig-nificaria aulcedus, tibicen (gaiteiro, frauleiro) ; mas elles chamavam á viola e aos instrumentos de corda mbaraká e aos de sobro mimby. Por outro lado mba- rakajá é também o nome do fclis pardalis (o gato bravo.)

Gualahár. Na descripcão que o próprio Lery desta tribu courant couime un leirifr, nas margens do do Parahyba, nas pag*s. 54 e seguintes apresenta-se jus- tificação sufficiente para que se interprete guatahár como ambulator, cursor (andejo, corredor). A denominação usada ge- ralmente de Goilacaz desviou-se muito da originaria.

Aba anãin: Aos sauvages encores plus sauvages qua- dra perfeitamente o nome de abá anã gens fera, agrestis, rudis, bruta; abá significa gens mas notando -se que Lery

120 APONTAMENTOS

escreveu oue este e que representa a vog-al neutra pôde || ser o a surdo de dí^a-capillus e então pode contra- hir-se e formar ah -anã capilli crassi. Todas estas tribus , seg-undo Lery , exceptuados os karajár , giiatahár e abáanã fallavam a mesma ling-ua que a dos tupis: mas na pag". 335 falia dos Aba-anam em com- panhia dos Tupitiainbás, de modo que se depreliende serem alliados, e anam com effeito sig-uiíica parente. Paliariam com effeito ling-ua diversa? Da pag-ina ei- tada nao parece.

Karajá Ficam em as duvidas sobre os radicaes kara e kari que demandara ulterior estudo para se vêr a sig'nificação de karajá, kirijó e outros. Justamente por serem radicaes que, como tupi, fig-uram em g-ran- de nimiero de nomes, torna-se difficilima a interpre- tação.

De karajá não trata Lery no corpo da narrativa ; é possivel que os Caraia que aqui menciona sejam os Cara'/v (erro de a por v) sobre os quaes se estende.

D'outro lado os Tamoyos alliados dos francezes deram-se á estes por Tupinambás e chamavam aos alliados dos portug-uezes Margaia (mbarakájá), quando estes nas chronicas portug-uezas são Tupinambás, Ta- pinikés, etc.

48. Para dizer uns aos outros devia estar ojo-ehé mas ojo-aè pode também servir, dizendo uns e outros mesmo ; o participio pororuká-há é o que occorre para approxi- mar-se ao que está escripto por Lery, mormente atten- dendo-se ao dativo jandcbe do pronome pessoal da pri- meira do plural chamado inclusivo porque com preben- de os que faliam e aquelles á quem falla-se. Lery o chama dual erradamente.

Os dous pluraes da primeira pessoa, chamados,

SOBRE O ABANEÊNGA 121

um exdusico e iaclusico o outro, vejo-os em mais de cem dialectos ou ling-uas americanas. E' um caracter gTammatical muito g-eral e que não poucos autores disting-uem erroneamente em plural e dual.

O trecho que aqui cStá é uma plirase que se não pode traduzir litteralmente nem em latim, nem em portug'uez ; procurando-se porem imita-la, que- reria dizer: Digam embora, de uns para jiUros ha procuramento (ou prucurança) de recursos entre nos e vos ou entre elles e nos. No-em-tanto assim apparecem dois dativos ôjô-ehé e jandêbe ; se porém poraká fosse para supino ficaria -a phrase Teijé ojo-aé porakábo pabê jandebê Igitiir alii alios benefacere quaeraimis nos omnes ad inviceni. O sapino porakábo podia dizer-se também po~ rakãpa e qualquer dos dois por mudança dopou b em u podia tornar-se poirecaua.

Quanto ao teh do principio não pode ser senão a particula adverbial teijé que nos vocabulários tupis vem sig-niíicando basla, e que de certo aqui é o modo permissivo do verbo é que leva o verbo subordinado ao g-erundio e em geral ao modo infinito.

49. Póde-se interpretar apo nu de dois modo.*?: omboãe o outro, os outros, ou aipoae=aipó-abá esse hoinein, esses homens. Do primeiro modo ficaria a phrase ti-jej^obicUj amboàe ári, mas apresenta-se úri em vez de ri=rehé que é o que convinha no caso ; do seg-undo resultaria ti-je-robiá(j aipo abá ri credatur his liominibus ; na primeira forma a traducção em vez de his hominibiis, seria aiiis.

50. Conforme a nota precedente sig-nificaria esta phrase gens bife nobis largilatnx e parece subordinada á precedente principalmente empregando aipobae que encerra o relativo gens quae,

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122 APONTAMENTOS

51. Nesta e nas seg-uintes phrases onde vem o dativo jamUbe existem equívocos ou no caso deste pronome pessoal, ou no verbo ; cing-indo-se á traducção dada por Lery tem-se de mudar ora o dativo para outro caso, ora o verbo para a passiva ou reflexiva. Subordinando porém este permissivo á phrase se- g"uinte, todas as outras se succedem como comple- mentos, mas estas em vez de virem no permissivo seria mais reg-ular virem no futuro do infinito. Ti-jé rekó k itâ jandébe iil illi se bene geraiil noliisciim i-poranrj ele mo rekó jandébe nobis oporlerel ti morangatú aipobiie upé boiíi essemus apiid illos etc, porque todas as outras phrases que seg-uem estão no permissivo. Note-se porém que o infinitivo cabia mais que o permissivo.

52. Em vista da traducção falta no final da phrase a pospositiva de dativo upé no texto de Lery.

53. Para ciog-ir-se á traducção é necessário al- terar o participio do verbo rekú que deve ser rekóhdr e e não rekohdh.

54. O suffixo de pretérito do infinito, dos par- ticipios etc, em g-eral é kuér mas os tupis usavam de puér como ve-se em Anchieta, Fig-ueira e outros. No mais é com muita duvida que interpreto recoib ora como rekói oi*a como rekuáb .

55.— Esta phrase como se da mesma traducção é lig-ada á precedente e o prova o participio passivo do pretérito teiabi-epiátj poiá-kuéra, sem outro verbo que o reja.

56. Não fui possível perceber e coordenar esta e

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as phrases que se seguem ; a traduccão de Lery nao exprime cousa perceptível nem g-uia a iuterpretaçao. Lig-ando esta com as duas seguintes e forçando de alg-um modo a construcção que não fica exacta, eis como parece possível tal ou qual interpretação. Teijé, oi-potár-hé te j ande ramòi rekobidr-eté jandêbc jandé po- riahúb-oharé, jandè ijuasú-qnéra. Que o digam (ou de- balde) quizerani pois os nossos avós (roear realmente comnosoo a nossa condirão livre de lastima, as nossas rocas grandes. A desig-naçao de tempo pretérito, como é de costume na grammatíca do abaneènga está nos pretéritos okarér e ijuéra, o primeiro infinito de verbo, e o segundo li- g'ado á substantivo.

Tudo isto porém carece de reconsideração.

.57. Da traduccão de Lery parece haver o verbo piníb raspar a pellc e, como diz elle, tosquiar. Sendo assim, a plirase ao da lettra diz : não doe o raspar a pelle aos nossos netos, o que pôde servir suppondo que u índio alludísse aos meios adquiridos, pelo contacto com os Francezes, para cortar os cabellos, sem pre- cisarem mais de os arrancar com dôr. Quanto ao mais é característica esta naturalidade do que diz Lery aqui e em toda a narrativa; n'ísto se patenteia a sinceridade do ingénuo íiiho de la Marg'elle, que faz contraste com a pedantesca effronterie de Tlievet, o comosgraplio do Rei, o qual estropia o que copiou, e ainda em cima inventa.

.">8. Esta e as duas plirases que seguem, correctas como se acham adaptam-se á traduccão dada por Lery. A differença única é que sendo a 1\ pessoa do plural o sujeito de rekó nesta primeira phrase faltou o pro- nome Ji. Podia ficar ti-rekjí na 3.* pessoa mas a

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tradncçao seria á frauceza qu^oa mene e não menons qual se acha escripto. Sendo em francez oi=oa era possível que aqui estivesse o participio rekoáb, mas oppOe-se á isso o torneio da traducç.ao, e na segunda phrase 'seria inadmissível esse participio. Além dis?o, mesmo na primeira phrase o participio activo devia ser rerckoáb e nao rekoáb.

59. A traducçao exacta é : fodos, diganio-lo, serão soberbos ou impávidos. Nas duas seg'uintes phrases a traducçao dada por Lery mais ao menos confórma-se com a escripta .

60. Esta plirase pode ser como a escrevemos e ainda das seg-uintes maneiras anebé aguié, ahebé ae èi com pouca diíferença nas sig-nificaçOes.

A phrase que segnie concorda com a traducçao.

61. Dois nomes de mais variada escripta aqui se nos apresentam. Attendendo á orthog-raphia franceza, segundo Lery, um delles é alurasape ou aturasave, e o outro kotuasnpe ou kotuasabe. Yves d'Evreux se dííferença e apresenta o primeiro tiiasape ou luambe. No Figueira e na Chrestomathia (Dr. França) vem atiiasaba significando compadre. ' No diccionario portu- guez-brasiliano e em Gonçalves Dias vem luasaba ou toasaba. Southey escreveu como Lery, Martins no dic- cionario tupi como G. Dias com a diíferença de não cedilliar o ç; e assim o mais é repitição destes.

No Tesoro vem koty(juara o do'meu lado, do meu partido e á este corresponde proximamente 'kotuasdbae, pois ha os participios em guára e hdbãe que se jdentiíi- cam por vezes em significação. Quanto ao outro nome nota-se no Tesoro o adjectivo í>jr jtinlo, ai'om|»anliado, e

SOBRE O ABANEENGA 125

delle derivado o verbo tyrã acoiii|iaiiliai' que no infinito pôde fazer tynimo ou Hjrnnga, donde podem provir participios tijniiKjâbae, íyrurKjára, tijruhdr aquelle que acompanha.

62. Na phrase de Lery falta tanto a interrog-a- tiva pe como a desig-nativa de futuro ne.

Daqui por diante é mais fácil a confrontação das orthog-raphias, mais simples a verificação dos vocá- bulos que vem nos diccionarios e que sSo mesmo co- nhecidos por se terem empreg'ado em obras diversas. Escusam portanto notas mais minuciosas e long'as.

63. Quer na edição latina, quer na franceza não vem traducção da seg-unda parte deste trecho. Quanto á traducção, correcta a orthog-raphia como na 4.* co- lumna, pode ser: opus est prinuim noniinarc res varias (ibi. Neste colloquio ypresenta-se, aqui outra vez, exemplo do verbo é com rangt levando o verbo subordinado (henôi) ao permissivo em vez de o levar ao g-erundio como vem nas g-rammaticas de Anchieta, Fig-ueira e Montoya.

64. Lery confunde itd lápis et quolibet nietallum com í/íá-edilicii fundanientum ou antes tignum, fuKura, sublica, trabs. Pouco acima também chama ao mar paranam quando este sigMiifica flumen e parei é que é maré.

65. Amã propriamente sig-nifica nubs, se bem que os TUPIS o empreg-avam também dizendo pluvia ; porem para pluvia e pluere o mais próprio é oinjr.

J'u;jã-nombi'c que aplicaron ;i Dios, diz Montoya. A questão tão debatida, se povos no estado de barba- ria tinham ou não a noção de Deus, não tem razão de ser, á meu ver. .1" cansa, oh caams 'maxjnitas de pheno-

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menos inexplicáveis naturalmente se applicavam nomes conforme a impressão produzida pelo phenomeno, e dahi a chusma dos deoses mytholog-icos ; a duvida e em seg-uida a neg-açao é que presuppue exame, discus- são de phenomeno, e final subordinação delle á lei, independentemente da causa. As dicções para dizer qiii tonat, qui pliiit, qui luect, etc, tem servido sempre no começo para exprimir Dem e dahi explica-se como Tupã sig-nificou simultaneamente fonitru e Deus. Os Aryas também applicaram á noção Deus os nomes do ce'o, do sol, da aurora, etc.

66. Montoja ij-ukamj fdiis (litteralmente íliivii raput), y-kabakuã íluvius deciirrens ; mas akaâ sig-nifica tam- bém qui cuitil e pode por conseg-uinte ter o sentido que lhe deu Lery. Querendo attender-se mais de perto á orthographia de Ler}'- o verbo kiiáb é Iransire (passar) e então foi-se a traducção que Lery, pois ahi ficaria aqufp fransire, vel, transilus.

67. Pau, que Montoya traduz por médio entre dos, inlervallo, propriamente é nesga, pedaço, poreão (interjecliis, fnisluni, portio). k' vista disso y-pail deveria significar lacus e nao insula, pois com a mesma dicção formados existem kaã-pal (islã de monte) que quer dizer silva inlerjeclus (se. in campo), n't-pa'i = nu)nbau campi inlerjcclus. Assim parece que insula, isto é, lerraí inlerjeclus deveria ser ybij-pal, e Montoya fez aqui alguma confusão, como em outras partes. Quanto ao mais ijbar,=ijpa~i, Com o significado de ínsula corresponde ao karaiba oiibio que tem a mesma sigmificação (Dict. de R, Breton). Creio pois que, visto dar Slontoya yb.jl como ilha, A (pie neste termo deu-se contracção de ubij-pa', elidindo-stí do meio np. O termo cipão desig-nando

SOBRF O ABANEKNGÂ 127

porção de matto no meio de campo, e tao g-eral no Brasil, vem de kia pai e não de kaa-puã como expli- cam geralmente; puã quer dizer levantar-sc e kia puã nada sig-nificaria.

68. Nem kaii anã, nem kaa v/a, nem kaã guybo- podem dar o sig^nificado editcafuit in sijlris e á este sentid.) se adaptaria mais facilmente o termo seguinte kaaçjvára que o auctor traduz por caco- (ioemoii. Por causa da traducçílo dada infere-se a phrase como se acha na columna das correcções. Alem disso kaaguara sig"niíica comedor ou bebedor d'berva, e para designar o morador dos mattos seria kaa-ri- guára.

69. Corrigida a prase nos termos era que se acha na quarta columna, quer ella dizer ao da lettra: Deniqne eas res tanliiminodo tibi dieam.

70. Estas duas phrases parecem ligadas e, postas na forma correcta, significam verbo ad verbum: elle pos- siie de nossos bens acima. Compondo a phrase para dar- llie traducção que corresponda á que vem em latim deveria mais ou menos estar na forma ogue-rekói ka[u- tté, oré mbné-kué ahê upe guára.

71. Para se adaptar á traducção dada nao ha remédio senão suppôr que houve grande erro da parte de Lerv na transcripção das palavras do indigena. Até mesmo falta a interrogativa pe depois de mbobij, que devia estar mbobij-pe.

72. Esta phrase foi muito alterada; como. está ella, é susceptível de outras interpretações.

128 APONTAMENTOS

73. Está escripto no original Matimo e Mahmo. Tractando-se de altura evidentemente não pode ser se- nao ybaté e isto serve de mostrar á que ponto é possi- vel cheg'ar o erro de escripta. Em vez de Mali ou Mah na perg-iinta precedente vem Vate que g-uia a in- terpretação.

74. U-te, litteralmente, ãuja-i^e pois ; o /( que aqui se aclia é sem duvida erro por te, justamente como viu-se anteriormente em mahmo. Si na traducção esti- vesse (lize-lo a phrase seria erci ou melhor terei. Sim- l)lesmente ie não pode ser, e então estaria antes he, como nas pag's. 20 e 21.

75. Lery previniu que ia escrever as primei- ras pessoas do sing^nlar e do plural dos pronomes, mas apenas antepoz á cada nome da lista o possessivo da primeira pessoa do sing-ular che. Os nomes são os mesmos dos vocabulários tupis e guaranis com diffe- rença de orthog-raphia e parte delles foi exami- nada no final do proleg-omeno em confronto com deLaet.

76. Em Anchieta, Montoya, Fig'ueira e mesmo outros vem os mesmíssimos pronomes apenas com va- riantes no modo de escrever. Lery porem traz a no- vidade de dois pronomes da terceira pessoa ahe mas- culino, aè feminino (e neutro, diz elle). Isto é impor- tante, tanto mais quanto nenhum g-rainmatico men- ciona distincção de géneros nos substantivos e nos jadectivos.

77. Os erros de escripta são notáveis em alg-umas destas phrasGsad doiniiin et cnliiiam pcilinenlibiis, como: emiredu tala por emoendij-tata e outras que taes. Em fa vecu-

SOBRE O ABANEÊNGA 129

oiiy amo por hapeg kui amo apresenta-se f em vez da aspirada /(, quando é sabido que elles não tinham os sons f, /, r (áspero), o que motivou o dizer simplório de Simão de Vascoucellos que as Brasis nao tinham nem fé, nem lei, nem rei; apresenta-se v por p e os sons cu-ouij em vez da g-uttural (j (íinal de hapeíj) e À7a' ou hui.

A phrase traduzida em latim da mihi potum não foi traduzida na edição franceza. Por causa talvez de confusão possível do verbo ur vonire com lí-edere, esse, hibere não usavam compor este e seus compostos com as prepositivas mo e ro. Entretanto aqui apresenta-se cke mbo-y-u único modo de interpretar d<i mihi potum ou antes fac me potare. Os parag-uayos dizendo ainda hoje e méê chebe y-mi príebe mihi aqiiíe tantillum indicam que em certos casos evitavam o verbo u no sentido de bibere, potare.

78. A' respeito deste vocábulo e do seguinte ha muito que considerar, mas estas notas se estende- ram de mais, e estão alem dos limites. As desig-na- oOes para escravo, prisioneiro, captivo, criado caçador, criado pes- cador, etc, tem sido tomadas umas pelas outras, expres- sas de modo differente e até alg-umas íig-uram como nomes de tribus. Como exemplo veja-se a semelhan- ça que ha entre bojar que Montoya escreve boyâ com mbayâ, numerosa tribu do Chaco.

79. A amostra de grammatica que Lerj, con- firma o que é essencial em Anchieta, Montoya e Figueira e fornece mais alguns dados para o syntaxe. Desgra- çadamente todos elles quizeram afeiçoar á latina a construcção do abaneenga e isso tem servido desde então até agora para difíicultar o conhecimento exacto

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30 APONTAMENTOS

da lingua. Assim acontece por exemplo á respeito de conjugação, que é um dos caracteres fundamentaes das ling-uas de flexão e por tanto da latina e suas descendentes, e que no entretanto, no rig-or da pala- vra, não existe no abaneènga e nas ling-uas america- nas (pelo menos nas do sul). Com eff^eito no abaneènga o radical do verbo permanece integro e as determina- €Ce? de pessoa, tempo e modo são feitos por via de prefixos e sufíixos inteiramente distinctos, se bem que alg-uns intimamente lig^ados ao verbo de modo que simulam verdadeira conjug-ação.

Considerações destas, porém, podem ser desenvol- vidas em lug-ar conveniente e não cabem nestes apon- tamentos. Notarei apenas que os sufíixos para desig*- nar tempo e modo, e mesmo os prefixos pessoaes, os •quaes constituem a principal differença de um grande numero de dialectos, reputados geralmente como lín- guas diíferentes, aqui n(» Lery não se differençam dos -de Montoya e Figueira e acliam-se como que entre^ meio dos dois.

80. Remata Lery o colloquio, passando dispara- tadamente da conjugação de verbos para vocabulário, do qual mais dois nomes, e repetindo em seguida a enumeração das aldeias de Guanabara que, como viu-se, diífere da lista inscripta no corpo do colloquio, pag. 32.

SOBRE O ABANEÊNGA 131

O Exm. Sr. Dr. Couto de Mag-alliães obsequiou- me no final do seu precioso livro O Selvagem com uma menção honrosa destes apontamentos. Nrio tenho expressão com que agradecer ao nosso distincto eth- nolog*o a lisonjeira apreciação que teve a bondade de fazer dos meus estudos, e sinto não ter autoridade para nr<;s retribuir. Farei apenas uma observação.

O seu livro O Selvagem, quando mais não fosse, quando não tivesse muito mérito em si e valia de primeira monta, é o único em que vem cousa que aproveita eííicazmente aos estudos ling-uisticos, pois vem ling-uag-em, isto é, vem discurso, pbrase, e era- fim g*rammatica. A' S. Ex. cabe de certo a gdoria de ser o primeiro d*entre os viajores modernos que não se limita á dar listas de nomes, inteiramente incapazes por si sós de darem noção da Índole da ling'ua. Qual é o auxilio que presta por exemplo aos estudos linguisticos o grosso Glossaria linguarum brasiliexnium ■? quasi nenhum, e até ás vezes presta des- serviço.

Com effeito fundados na semelhança dos sons vão muitos procurar filiação e parentesco entre as ling-uas, não impossível, como absurdo, como acontece a propósito do radical de kara que existe em g-rande numero de linguas de caracter inteiramente diverso, e mediante o qual pretendera aparentar muitas lin- g-uas americanas até com o tronco indo-g-ermanico.

Bem haja S. Ex. que põe de parte as listas de nomes e trata de dar noticia de linguagem, e assim nos offerece preciosos specimens do neengatu'.

Quanto á observações sobre este dialecto do aba- neênga, são muitas as que desejaria fazer, e não é posôivel inseril-as em ura canto destes apontamentos. me limitarei a uma reflexão :

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O NEENGATu' tal qual O apresenta o Exm. Sr. Dr. Couto de Mag-alhães desvia-se do abaneênga em sen- tido analog-o ao desvio que se no guarani fallado no Parag'uay, isto é, ambos alteraram muito a cons- trução g-rammatical e o léxico, um segundo o portug-uez, o outro seg-undo o hespanliol.

Além disso o neengatu' approxima-se muito do TUPI dos catechismos. O Sr. Dr. João Barbosa Rodri- gues, com o seu distincto espirito de observação, se bem que fizesse as suas explorações Amazonicas por amor de estudos botânicos, colligiu notas preciosis- simas dos fallares de Índios com que tratou, e delias se que no valle do Amazonas ainda fallam-se dia- lectos do abaneênga menos eivados de portuguez, do que o neengatu' fallado no Baixo Amazonas e espe- cialmente no Pará ou antes Belém e suas immediações. Muitas malocas, não catechisadas, com as quaes tratou o Dr. B. Rodrigues faliam dialectos que em tudo lem- bram a derivação omágua, e portanto filiam-se ao abaneênga ramificando-se delle por ;modo diverso do do neengatu'.

estavam no prelo estes Apontamentos quando re- cebi o livro do Ex. Sr. Dr. Couto de Magalhães, e senti porque nas Explanações tinha occasião de me referir á elle com proveito, se bem que nem sempre estejamos de accordo, como é muito natural era traba- lhos em que tantas difiiculdades se encontram, o que de modo algum pôde diminuir o subido mérito do Selvagem.

Estudos Botânicos

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ESTUDOS BOTÂNICOS

CAVACO

Eu tive um dia a infantil velleidade de dar im- pulso ao estudo da botânica na minha terra, esbarrei, porém, com um terrível veto, capaz de extinguir a mais robusta sciencia e o mais fogoso enthusiasmo ; magna auctoritate me foi declarado que eu era enge- nheiro e não botânico! Durante a minha longa labuta- ção com electricidade, e cercado de raios e coriscos nunca sofifri tamanho choque. Fui pretencioso, con- fesso-o; nunca tinha publicado além-mar cousa algu- ma que em lettra redonda attestasse ao mundo a minha aptidão para a cou?a. Eu não sabia que era necessário soltar aos ventos com máximo desplante os maiores absurdos, e ter a coragem de assegurar aos estranhos á matéria, que esses absurdos são as mais bri- lhantes chispas de profundo saber. Verdade que a coragem não é o meu fraco ; se me virem em campo reparem bem que me abrigo com escudo de fino aço maior do que eu ; apresentar-me atraz do envoltório de filó, é cousa de que a lembrança me produz calafrios.

4 ESTUDOS BOTÂNICOS

Por conseg-uinte ning-uem espere 'de mim traba- lhos botânicos ; um intruso e curioso não pôde produ- zir cousa que preste. Peço perdão ás notabilidades competentes da minha terra de lhes charlatanear pelas suas searas, e espero apenas que attendam que apre- sento vadiação em horas vag"as, rabiscadelas em via- gem sobre a tampa de meu bahú, emquanto dava des- canço aos meus animaes de sella e de carg-a.

Também prometto não me metter muito pela botânica transcendente, nas altas reg-iOes aristocráticas desses colossos que consomem séculos para ser alg-uma cousa ; eu procurarei conservar-me por baixo, no meio do lixo das praias, no lodo de nossas lag-ôas e rios, pelos charcos, nessas reg"iões intimas emíim, onde dominam o carang-ueijo, o sapo e outras bicharias, de que tem nojo a g-ente de g-ravata lavada.

Ag"ora seja-me permittido dar uma pequena expli- cação á quem sarcasticamente perg-untar com que di- reito tenho o arrojo de intrometter-me em cousas que não são da minha conta. Ahi vai : são reminiscências do passado ; amores de outfora !

Quando criança eu sabia uma porção de nomes latinos plantas, andava fazendo travessuras pelos jardins do velho Riedel, homem distincto que toda vida lidava com plantas e conversava nellas ; a força de tanto ouvir chamar tudo por g-enero e espécie me ficou grudada muita cousa por dentro do craneo.

Depois fui para Vienna estudar na Escola Poly- technica ; um dos meus primeiros conhecimentos foi com o lente de botânica e director do respectivo jar-

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ESTUDOS BOTÂNICOS 5

dim,Endlicher, O malung-o de Martins na flora brasilien- se; era sujeito que entendia do riscado, testes ei genera plantarum, e mais alg-uinas cousinhas de bom quilate. Tinha elle em casa reuniões ás seg-undas feiras que rescendiam á hervas á valer ; eu pouco faltava : não era planta mas bicho exótico, estava pois alg-uns furos acima dos nacionaes. appareceu um anno em que as horas lectivas da Escola não iam de encontro ás do curso botânico de Endlicher, e fui eu para os bancos phytologicos, com hervario e jardim botânico á minha disposição.

Acabei o meu curso de engenharia, se por que o de botânica foi de horas va(jas, por isso não conto.

Depois dei com os ossos em Munich ; fui na uni- versidade estudar mineralog-ia e chimica analytica practica. Ali vivia o venerando Martins, maníaco por botânica como é publico e notório; esse deu comig'o na sua aula, no seu horto botânico, e carreg-ou-me para seu hervario e laboratório de palmographia ; até cheg-amos á brig-ar por causa de embryão, micropyle, e fiapos poUinicos de um coqueiro !

Ora, amizade de Endlicher e de Martins, dois cur- sos de botânica, frequente vadiação com microscópio, que não podia ter cosmorama em casa, 'reniexidelas em hervas seccas entre papeis, tomar ares em jardins onde tudo andava rotulado, a mania de embarafustar por quanto caldarium havia nos lug-ares por onde eu passava, tudo isso besuntou-rae um canto do cérebro com botânica, e por mais que eu procure curar-me d'essa mazella não o consig-o. Considerem pois a mi-

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nhã hervanarice como moléstia incurável, e convençam- se de que nada procuro g-anhar com ella.

Agora peço vénia para fazer continência á quem de direito.

Li algures, em livro de um malandro de philoso- pho, o seguinte :

« Brilhar entre seixos é uma triste gloria, luzir entre brilhantes é alguma cousa. »

Prefiro a retaguarda dos brilhantes, á ser gene- ralíssimo dos seixos. Façam o mesmo todos que aspi- rarem á gloria, e á nome limpo em sciencia.

ESTUDOS BOTÂNICOS

O GÉNERO HORTIA VAND

Ha uma arvore preciosa que se encontra empre- gada na matéria medica popular, de long-a data classificada, mas cuja descripção ainda está incompleta em relação ao fructo, e vai se tornando cada vez mais errada. Como tive occasião de colher fructo maduro dou aqui a rectificação.

Aproveito a opportunidade para fazer algumas observações sobre o nome vulg-ar desta arvore, que varia segundo as localidades, e confunde~se com o de outras plantas.

Mais geralmente a Hnrtia se designa no Rio de Janeiro com o nome de Páo para tudo. Na serra da Estrella foi me dado como Casca iVanta; em Capivary fui achal-a qualificada de Quina-quina, q na Bahia en- contrei-a ainda muito empreg-ada pelo Dr.José Firmi- no de Araújo debaixo do nome de Casca de camainú. O Dr. Freire de Cisneiros, de saudosa memoria, correndo as antigas boticas desta corte com um fragmento dessa droga deparou em uma com amostra análoga entre os alcaides do uso de passados tempos, rotulada Casca de Guiné.

8 ESTUDOS BOTÂNICOS

Este ultimo nome poderia fazer suppôr origem africana, tem, porém, a sua explicação no facto de que esta casca nunca falta no sacco de pandorico conteúdo dos negros curandeiros e feiticeiros, em um estado que revela frequente uso, e é realmente um dos ingredien- tes com que fazem milagres. De mistura com esta casca no mesmo sacco encontram-se raizes de Petiveria tetrandra, e Anona longiflora, tóxicos temíveis igual- mente designados como Guiné.

Para-tudo é nome com que se designam plantas muito diversas pertencentes ás famílias de Magnolia- ceas, Canellaceas, Rutaceas e Synanthereas, mas o que é curioso notar-se é a uniformidade das proprie- dades que attribuera aos Para-tudos. Em primeira plana fig"ura a efficacia dessa planta para acalmar cóli- cas, depois applicam-na para diarrhéas e indigestões , e uma ou outra propriedade mais que se lhe attribue varia segundo as localidades. As plantas que co- nheço com este nome são Dnjmis Granatensis, Cinna- modendron axíllare (também casca de cutia , não se confunda cora Stifftia chrxjmntho.) Hortia brasiliensis, e Gomphrena officinaiis. E' provável que ainda existam outros Para-tudos em províncias por onde não tenho andado. Ao menos ha mais um do género Cássia men- cionado no precioso formulário do Dr. Chernoviz.

Casca d^anta em Minas cresce frequente. A Drimys, Granatensis, variedade da D. Winteri, ali tem esse nome ; era exportada como casca de Winter. No alto das ser- ras do Rio de Janeiro também existe e fui encontral-a, á beira mar em abundância, o que era negado por S. Hilaire, em Cananéa. A" Hortia ouvi dar esse nome na serra da Estrella por velhos caçadores, e por alguns moradores das margens do rio Parahyba. Re-

ESTUDOS BOTÂNICOS 9

cebi ultimamente outra Casca d'anta de Minas que diífere da de Drimys.

Quina quina em uma localidade ouvi, e ainda ahi o nome mais corrente é Para-tudo. Tenho com esse nome a Coj^tarea speciosa vinda do norte também conhe- cida como Quina do Rio (no Ceará quando se falia do Rio, eníende-se o S. Francisco).

Casca de camamú é o que conservarei em trabalho posterior sobre as propriedades da mesma, porque foi o nome debaixo do qual encontrei rshabilitada por pessoa Professional essa drog-a da nossa antig-a maté- ria medica, quando tive de experimentar em mim a sua efficacia. Desde então tornou-se-me uma insepa- rável companheira de viag-em.

Passemos a descripção do fructo:

Hortia. Genus apucl Bentham, Mooker Genera Plantarum ^ incertos sedis forsan ad Galipeas relatum, ob fructum ac seminu imperfecte cognita.

Ut fructus maturos Icgi, diagnosis generis ita corrigenda.

Bacca pulposa, 5 (abortu i) locularis, pericarpio subcoriaceo glanduloso punctato, pulpa granulata.

Semina duo in quoms loculo siíperposita, pêndula anatropa, locuU parietibus adherentia, testa crustácea atra. Mio lineari ven- trali, albumine oleoso-carnoso .

Embryo centralis, cotyledonibus maximis planis. Mio paral- lelis. . ^

Radicula supera subglobosa.

S. Hilaire nas Plantes usuellcs des Bresiíiens em 1824 descreve a Hortia brasiliana Vell. encontrada rachitica nos campos de Goyaz. A sua descripção é como todas do mesmo autor conscienciosa '_e completa. Elle observou uma bag"a com polpa carnosa, e semen- te já de vez ; mas modesto como era, não quiz ir de encontro á Velloso que qualifica o fructo de capsula, e deixou passar o erro d'este.

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10 ESTUDOS BOTÂNICOS

Endlicher no seu Genera plantarum admitte a cap- sula. Bentham e Hooker ig'ualmente revelam descon- fiança até na descripção da semente, pois perguntam se esse género não caberia de preferencia entre as Gn- lipeas. O embryão justifica inteiramente a posição que lhe foi dada na secção das Toddalia^; sinão tivesse en- dosperma, quadraria entre as .4 urarUiaccas, com as quaes se confunde a nova planta de Hortia ao g-ermi- nar.

O que, porém, não posso comprehend er é como En- gler em 1874 na Flora Braúliemk de Martins o fructo de Hortia como drupa ! Além d'isso uiími- ciona um septo que divide os compartimentos do fru- 'cto ; é cousa que não pude observar mesmo nos dis- permos.

Vamos ensaiar uniii justificação de Yelloso. Co- lher fructos maduros na matta é difficil, eu os obtivo da serra do Sambe dv) Rio Bonito, pelo cuidado de um distincto empregado da Repartição dos Telegraphos, o Sr. João M. Furtado de Mendonça, o qual fez cerca- dos por baixo da arvore para preservar os fructos que cabiam, da voracidade das pacas e cutias que parece os esj)eram. Velloso talvez não tomasse essas precau- ções e levaram-lhe fructos verdes, quando muito con- servados' em aguardente.

O fructo da nossa Hortia é pyriforme o pentágono ou abortivamente tetragono (Fia. 1 e 2) ; os gomos salientes são obtusos, a casca é lisa, desigual e cheia de grandes olhos oleosos, como a da laranja. Uma destas fructas que conservei por algum tomi)o no alcohol mostrou uma linha saliente sobre cada protuberância; ora, isto observado em fructo verde, \)óde dar lugar á suppòr que elle se transformará eui capsula, por apresentar indicies de dehiscencia.

ESTUDOS BOTÂNICOS 11

Obtive em Capivary um fnicto inteiramente redon- do, cuja secção se ua íig-ura 4. Não pude verificar se pertence á espécie distincta ou se é variedade.

Os fructos têm cheiro forte, y-osto amarg-o e api- mentado e são muito succnlentos.

As sementes nas fructas frescas adlierem em todo o seu comprimento pelo hilo á parede do comparti- mento, próximas ao centro, sem que haja comtudo phicenta distincta. Nos fructos conservados, porém, a adherencia é na parte inferior em torno da chalaza, o que facihuente pôde conduzir á erro na apreciação da posição da semente. O funiculo, comtudo, nfio adhere á semente porque entre ambos se acha a pelli- caln que constituo uma espécie de arillo.

Parece que alternam na sua adherencia, log-o que haja duas sementes no compartimento, íicandu uma pela direita e outra do lado esquerdo.

Deixando-se seccar a fruta depois de ter sido con- servada em alcoohol vê-se facilmente, no funiculo e tecido que o cerca, embaixo uma expansão que repre- senta a inversão da chalaza, e desta continua ainda um apoio achatado (Fiij. 7 e 8j; é o inesmo que parece nas íig'uras 5 e G um podosperma roliço.

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Explicação aas llguras

l.a Fructo tetragono colhido no Rio Bonito (1874).

2.a;|Secção transversal do mesmo, mostrando os quatro pequenos vergões sobre os cantos salientes que alternam com os compartimen- tos.

o.« Secção longitudinal com os compartimentos, contendo as duas sementes.

4.a Secção transversal de um fructo redondo colhido em Capivary (1870) com 5 compartimentos.

5.3 e 6. a Semente vista do lado : 5 com a massa contendo o funi- culo e a rhaphe tnm; em 6 vé-se o hilo, em ambos o podosperma falso X X que se destaca depois de maceração em alcohol.

7. a e 8.* Um compartimento mostrando a inserção lateral da se- mente.

9.» Secção longitudinal da semente apresentando embaixo a chalaza, no cimo a cicatriz do micropyle e a posição do embryão no endos- perma.

10.3 Secção transversal, mostrando o parallelismo do embryão ao hilo.

11. a e 12. a Dois embryões com difterença nos cotyledons.

ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

ARTE CERÂMICA

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4 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Se nas armas e instrumentos de pedra, nota-se a paciência e o tempo que era preciso empreg-ar para cheg-arem á aperfeiçoar qualquer d'estes instrumentos, na louça depara-se com um espirito creador, g'uiado pela phantasia, imprimindo na mão do artista às vezes uma firmeza dig-na de inveja. É que a liber- dade permittia o empreg-o do tempo com a arte e com a industria. Se a luta ás vezes occupava os g-uerreiros, sobrava comtudo tempo para as matronas e as donzellas, prepararem os camutijs para o cachiry e o tarubá, com que eram recebidos os victoriosos, e as igasáuas, onde se recolhiam os ossos dos infelizes mortos nas batalhas.

Org-ulhosas, com suas mãos talvez distribuíssem aos valentes as bebidas enebriantes, emquanto uns dansavam e outros cantavam a paranduha de suas proezas, cheios de si por suppôrem extinctos os ini- mig-os que pisavam o solo livre que os vio nascer.

Que a liberdade proteg-ia a industria é fora de duvida ; comnosco também assim pensa o ethnolog-o americano Carlos Reau, (*) quando assim se exprime:

« In former times, when the aboriginal inhabitants of this coun- try were still in possesion of their own lancis, and their mode of living had not been changed by the intrusion of the pale-faced Cau- casian, the art of pottery was practised by them to a considerable extent. »

A escolha e o preparo da arg-illa se denota um estado mais culto do que o da infância de um povo, o desenho da gravura e da pintura de seus utensílios, serve de cadinho para aquilatar o g"ráo de adianta-

(*) Annual report of the Smithsonion institution. 18G7, In- ãian 'pottery, Pag. 3í6.

ARTE CERÂMICA 5

mento á que tem atting-ido. A comparação, quer do empreg-o de certa qualidade de arg-illa, quer da gra- vura, ou da pintura da louça de então, com a fabri- cada lioje, nos uma triste idéa, não da intelli- g'encia, como do estado decadente do infeliz tapuyo. Escravisado, a familia desmoralisada, educado com princípios viciosos, o filho do selvag-em, vive para o patrão, d'elle é seu trabalho, d'elle seu suor, e d'elle todos os passos de sua vida. Como empreg-ar a intel- lig-encia, como ser artista, se desde os verdes annos, vive n'uma athmosphera pervertida, onde a embria- g'uez impera, para facilitar o commercio d'aquelle que o educa.

Se no estado civilisado, o indio decahio, por estas causas, como não encontrar-se no g-entio, que vive nas selvas, a civilisação extincta, perpetuada por he- rança 6 tradicção ?

disse no capitulo anterior, que quando desceu o Amazonas o Padre Acunã, com o Capitão Pedro Tei- xeira, ainda encontrou uma civilisação adiantada, quan- do comparada com a de hoje, e que despapareceu com a entrada dos capitães de bandeira pelas ag"uas do sobe- rano dos rios. As ciladas, a escravidão, as caiçaras, o ferro e o fogo, que empregavam os colonos portug-ue- zes, satisfazendo á sua ceg-a ambição, contribuio para a dispersão das tribus, que subdivididas, nómadas, ater- rorisadas, procuravam ving-ança, despertando -se-lhes um ódio contra os cariuas (brancos) que passando de raça em raça cheg-ou até nossos dias, com o desprezo do trabalho, leg-ado por aquelles que não mais pode- ram trabalhar, porque pouco era o tempo para fug-ir dos invasores. A falta de trabalho trouxe a ociosida- de, que foi leg-ada por aquelles que tanto se destin- g'uiram na arte cerâmica. A maior parte dos gentios

6 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

de hoje sao descendentes de tribus outr"ora catechi- sadas.

Era apoio do que avanço, deixo fallar um missio- nário consciencioso e insuspeito o padre João Daniel,

que viveu no Amazonas mais de 18 annos. Tratando

das tropas de resg-ate autorisadas pelos Fidelíssimos Eeis de Portug-al diz :

« Se transportavam á cidade, onde se vendiam em publica praça, e o preço se lançava no thesouro, assim para as despezas da tropa, etc, etc. » (*)

Eram estes escravos os g-entios encontrados prisio- neiros de g-uerra por outros, e que tinham como taes de ser mortos pelos vencedores. As tropas de res- g-ate tirava-lhes a morte g-loriosa do g-uerreiro, para dar-lhes em troca os ig-nominiosos ferros da escravi- dão. Quantos não imitaram Catão !

Se por um lado o g-overno autorisando, contribuía para a dispersão do povo indig-ena, por outro, as ban- deiras acabavam a obra, póde-se dizer de extermínio.

« Começou logo a ambição a reinar (*') nos brancos e com a capa da Tropa de resgates para os miseráveis encurralados se estendiam aos livres, e a quantos podiam haver; umas vezes induzindo aos Ré- gulos a darem assaltos uns aos outros e apanharem os que podessem para os entregar aos brancos : outras vezes induziam aos mesmos Ré- gulos a venderem os seus vassallos, E muitas vezes davam de repente os mesmos brancos nas povoações, e como n'ellas moram os Tapuyas muitos juntos em cada casa, as cercavam, e entravam logo dentro, onde amarravam quantos achavam e conduzindo-os ao arrayal affir- mavam ser dos encurralados, para o que não lhes faltavam testemu- nhas falsas 6 desta sorte captivavam innumeraveis. Uma das leis destes resgates, determinava que fosse em certo districto : porém,

(*) Máximo thesouro descoberto no Rio Amazonas. Rev. do Inst. Hist. Bra::. Tom. II. Pag. 469.

('*) Obra e pags. citadas.

ARTE CERÂMICA 7

não se dando por satisfeitos, não sahiam fora dos limites, mas nào iiavia rio em que não entrassem, nem povoação que não assaltassem; e quantos cada um podia maneatar, tantos contava por seus escra- vos, etc, etc. »

Ainda hoje reina a escravidão no Valle do Ama- zonas; ainda se vende o indio, e o tapuyo. A escrip- tura da venda tacita, é um titulo de devida. Nao ha quem não deva; um criança de dous annos deve ao patrão, ás vezes oitocentos mil reis. Parece incrí- vel, mas é a pura verdade. Infelizmente esta desmo- ralisação introduzida pelo regatão, echôa na Euro- pa, já um estrangeiro observador escreveu o seguinte, em uma nota :

« Regatão, derived from « resgatar » to Hberate the prisioners of war of the indians, whose lives were forfeited. On this pretext the Regatões, at the same time the pedlars of those regions, not only kept up a very llourishing and lucrative slave trade, but they practi- sed ali sorts of cruelties and crimes in the huts of the savage and half-civilised inhabitants of these countries. On several occasions Li- beral deputies have warmly spoken, in the Chambers at Rio de Ja- neiro against this inescusable abuse, which still continues, though on a minor scale ; but in vain. The distances are too great, and the politicai influence of the interested parties is too powerful for a suc- cessful persecution of the criminais in these out-of-the-way places. To this day Portuguese merchants keep, on the borders of the Japu- rá, Purus, Teffé, etc, a great number of aboriginal families in such degree of dependence that it dilíers from real slavery only by the circunstance that their masters wisely refrain from selling such useful domestic animais ! » (*)

Foi assim que despovoaram o antigo reino do Urubu, hoje o deserto e desconhecido rio d'este nome

;*} The AmazQn and Madeira rivers, by Franz Keller. London.

1874. Pag. 28.

8 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

onde de uma vez mataram 700, captivaram 400 Ín- dios e incendiaram 300 malocas. (*)

Da louça destes desg-raçados, qae pagaram com a vida e a escravidão a morte que fizeram no Sargento mór António Arnaud Villela, mais adiante tratarei.

A matança do rio Urubu em 1664, é uma das pro- vas, de que a decadência da população indigena, data do descobrimento d'este solo.

Então a população d'este rio e a sua industria era tal, que era conhecido como Reino do Urubu.

A civilisação estendia-se desde a America septen- trional até a meridional, provada pelos monumentos dos Estados-Unidos, México e Perii. Tractando da louça de barro do Perii e Guatemala, em uma nota aos commentarios, do Popol A^uli, diz o autor das Ruinas de Palenqué, que como arte cerâmica é superior á do Egypto e da Etruria.

A' pag"S. CLXVI dos mesmos Commentarion, diz ainda, que a louça das nações da Florida são « de um notável preparo, d'uma riqueza de cores e de formas igualmente admiráveis. »

Com eíFeito comparadas, também a louça que a voracidade do tempo respeitou enterrada, com a dos povos da antiguidade e do mundo antigo, vO-se que não ficavam muito aquein, como muita semelhança existe não nas formas como nos desenhos ornamen- taes.

Não farei a historia da arte cerâmica, darei ape- nas noticia da que examinei nas minhas explorações, fazendo as considerações que entender necessárias.

(*) Vide Explor. e Est. do Valle do Amazonas . Rios Urubu e Yatapu, Rio de Janeiro. 1875. Pags. 6—7 e Compendio das eras de Baena. Pags. 115.

I

ARTE CERAISIICA 9

A louça antig-a que se encontra soterrada, é re- presentada por utensílios domésticos e pelas urnas mortuárias (ygassauns) (*^).

Pela quantidade de fragmentos que se encontra, vè-se que essa industria não occupava muita gente, como era muito apreciada, o que denota também o capricho dos arabescos com que ornavam o mais iu- sig-nificante objecto. Entretanto era essa industria exclusiva das mulheres, como nos prova a historia, a tradição indígena, e o costume ainda hoje seguido em todo o valle do Amazonas. Sempre vi a mulher occu- pada n"esse labor, que é deshonroso para o homem, seg'undo dizem.

Em toda a America, foi sempre a mulher a oleira, como poderíamos provar, soccorrendo-nos de diversos autores.

Oleira d'outras eras, por tradicção, é ainda a mu- lher que nas horas de descanço, emprega-se n'essa industria.

Como hoje, então devia haver artistas mais perfeitos, que se occupassem no fabrico da louça, e tivessem mesmo esta industria como meio de commer- cio. Sendo g-eralmeníe a louça feita por cada um para seu uso particular, não havendo fabricas, com tudo ha famílias cujas mulheres n'isso se occupam para trocar a louça por outros g-eneros, com as mais pre- g-uiçosas. Outr'ora julgo que se dava a mesma cousa; porque, nas terras pretas, signal sempre ou de roça ou de aldeia, onde se encontram centenas de fragmen-

(*) Corruptella de iucãçaua, do verbo iticd, matar com a termi- nação verial áua, abá de Anchieta que faz çáua ou caba, por ter- minar o verbo em vogal; significa o lugar onde se mata, ou se enterra um morto e as vezes o instrumento.

10 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

tos dispersos por larg-as extensões, apparece sempre um ponto onde a acumulação de frag-mentos é tal que denota o lug-ar em que havia a fabrica. Os restos que se encontram, não são os da louça quebrada em uso, são principalmente os da que se quebrava no processo da queima.

Estes frag-mentos, estudados com attenção, apre- sentam diversas formas de panellas, de alquidares, e de potes (camotys) com formas muito correctas. Entre esta louça, encontram-se também muitas fig-uras, quer humanas quer de animaes, que serviam para os brin- cos das crianças e não representam Ídolos, como al- guns querem. Para provar que serviam de brinque- do, basta dizer que achei entre estas íig-uras, também - diversas panellinhas, que tinham o mesmo fim.

Ainda hoje, as tapuyos, quando fabricam a sua louça sempre fazem algumas figuras, com que pre- senteam aos curumis, (*) que as rodeiam.

Os mundurucús, fazem, não de barro mas dos fo- liolos de palmeiras, uma grande variedade de brin- quedos muito engenhosos para seus filhos, como vi.

Esta louça é ornamentada por gravuras e por pinturas. Quer n'um ou n'outro processo nota-se que os desenhos são quasi sempre compostos de linhas mais ou menos rectas e curvas ou quebradas que pela combinação apresentam desenhos não trabalhosos, como filhos de uma intelligencia creadora e esclare- cida.

Antes de tratar do modo porque gravavam, pin- tavam e ornavam seus vasos, convêm dar não o processo empreg-ado na factura d'elles, como da maté- ria prima que empregavam.

(*) Meninos.

ARTE CERÂMICA 11

Era esta a argilla, hoje conhecida por tabatituja, (*) que como melhor era a preferida. Com este nome, ha comtudo no Amazonas diversas qualidades, umas mais ou menos inferiores, alem das conhecidas por tauá piranrja, tauá juba, que não tem emprego na ola- ria. Hoje o tapuyo procura também a tabating-a, mas como não capricha na obra que faz, apanha onde a encontra sem fazer muito caso da qualidade; d"ahi a inferioridade de sua louça. Empreg-avam a tabating-a pura ou misturada com o da pedra-pomes, que desce do Peru, pelas aguas do Amazonas, as cinzas do cauichxj (**), ou as das escamas do pirarucu, (Sudas gi- gas) as do casco das tartarug"as, dando-se hoje prefe- rencia as da casca do caraipé (Uoquilea utilis). Estas cinzas reduzidas á impalpável e amassada com ar- g-illa, tem por fim evitar que se arrebente a louça na occasião da queima, e faz consistência, para não se tornar muito porosa.

A mistura d'outras substancias á arg-illa, para não tornal-a quebradiça ao fog"o ou mesmo ao sol, não é exclusiva do Amazonas ; é conhecida desde épocas im- memoriaes. Pharáo, não querendo deixar sahir o povo de Israel do Eg-ypto, ordenando aos prefeitos de suas obras, disse :

« Não torneis a dar palha, como antes, á este povo para fazer tijollo, sejam elles mesmos os que ajuntem a palha. » (***)

Este systema da olaria primitiva, foi empreg-ado pelos portug-uezes, nas obras da edificação da cidade

(*) Corruptella de tctuá argilla e tinga branca.

(**) Uma espécie de esponja d'agua doce, que cresce nos páos que durante a enchente vão ao fundo. As cinzas contem muitas particu- las silicosas.

(***) Esodo. Cap. V. ver. 7.

4 a

12 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

e dos fortes, conhecida por taipa de pilão. São os ado- bos, que nas províncias de Minas e S. Paulo, ainda hoje em alg-umas localidades usam. A substancia que entra no preparo da argilla depende sempre do cha- racter mineralog-ico da localidade onde habita o povo ou a tribu. Assim, empreg-avam na Europa a areia, o carbonato de cal, scorias volcanicas, e o amyantho, que também era empreg-ado nos vasos chinezes.

Na America do Norte, g-eralmente a louça antig-a encontrada é feita de arg-illa, misturada com cinzas de conchas, como nos referem diversos viajantes e ex- ploradores.

Do conhecimento da boa arg"illa e da substancia empregada na mistura, depende a boa qualidade da louça, que a de então levava a palma. No amassa- mento e na intima lig-ação da substancia á arg"illa, consistem a sua delicadeza e duração. Na finura do grão e no peso, sobres alie a antig-a louca. Encontrei fragmentos seccos ao sol, que chegavam, lançados n'agua a fluctuar, como a louça dos antigos gregos.

A louça moderna além de muito pesada não tem o grão tão fino, e o motivo da sua inferioridade está no ser mal escolhida e amassada a argilla e na subs- tancia empregada, que não prestando -se a reduzir-se a impalpável, pouco se liga e é muito mais pesada do que a empreg"ada outr'ora, que como vimos eram as cinzas do cauichy e a? das escamas do pirarucu e ás vezes mesmo o da pedra pomes, ou o da louça queimada.

A tabatinga que não é mais do que finas partícu- las de feldspatho decomposto, misturadas com mais ou menos silica, torna-se preferível conforme a maior ou menor porcentag-em que tem, d'estas substancias.

A boa tabatinga, que se encontra nas terras de

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ARTE CERÂMICA 13

aluvião do Amazonas, servia pois, para as oleiras de então, fabricarem os seus utensilios, que passaram até nós, para ving-ar a injustiça que se lhes faz, dando- se-lhes uma iutellig-encia pouco acima do instincto do animal.

Oleiras do passado, artistas d'outras eras, ainda não tivestes nos vossos descendentes, filhos da civili- sação, quem imitasse as obras que sem modelo, bem acabadas sahiram de vossas mãos!

O processo que empreg-avam no fabrico louça é ainda o mesmo, que a tradicção trouxe até aos ta- pu^^os. (*) Toda ella era fabricada a mão, com o au- xilio de alg-uns instrumentos sabidos da natureza.

Estes instrumentos, são : a cuípéua, a itapuquity, alg-uns espinhos de tucumá, (Astrocanjum tucuma, Mart.) dentes de cutia, e pequenos canudos de taquara.

A artista trabalha assentada no chão, ou em um pequeno tambo--ete, porque todo o processo é feito no chão ou sobre alg-um banco. Tive occasião, de ver fabricar diversas peças de louça, em muitos lug-ares do Valle do Amazonas, e nunca vi trabalhar-se senão no chão.

Em todas os tejupares (**) de tapuyos vê-se sempre g'randes bolas de arg-illa de 2 a 3 deciraetros de diâmetro, que são as provisões para quando falte a louça.

Quando querem fazer qualquer peça, tomam uma d'estas bolas e depois de molhada, amassam- a bem,

(*) Conhecera a boa argilla, provando-a ; se tem um sabor azedo, como dizem, é a de melhor qualidade. Quando não tem mistura de areia, é esta a preferida.

(**) Corruptella de Te^i, gentalha, e upab, pousio, morada. E' a oca, miserável, fora da maloca.

14 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

dentro de uma vazillia, que commumente é um casco de tartai'ug'a (Podocnemis expansa). Depois de bem amas- sada, misturam o do carvão da casca do caraipé, tornando a amassar-se até ligar-se bem este com a arg-illa.

Preparada assim a massa, tomam uma porção cor- respondente á precisa para o tamanho do fundo do vaso que pretendem fazer e assentando sobre uma forma para o fundo, estendem por compressão a massa sobre ella, até darem o tamanho preciso.

Esta forma, os mais civilisados fazem de madeira, mas em g-eral é d'uma porção do casco da tartaruga que cortada circularmente, oíferece uma dupla vanta- gem; a da forma semi-concava, onde estendem a ar- gilla, que assim uma concavidade ao fundo do vaso, e a da facilidade que apresenta em girar sobre a face exterior ou convexa, que facilita o trabalho. Geralmente passam areia fina sobre ella para não li- gar-se á argilla. Preparado por compressão o fundo, fazem uma espécie de corda ou torcida de argilla, do comprimento pouco mais ou menos da circumferencia do vaso, com um diâmetro proporcional á grossura que querem dar ao objecto, e unindo esta espécie de corda ao fundo, com os dedos da mão esquerda vão ligando a massa, emquanto com a direita seguram a corda e imprimem á forma um movimento giratório da direita para a esquerda, á medida que a parte la- teral vai se levantando. Doeste modo, sobrepondo e ligando, as cordas de argilla, vão levantando os lados, que, segundo o diâmetro que querem, apertam ou alar- gam mais a dita corda. Trabalham pela parte inter- na os quatro dedos da mão esquerda, e pela externa o polegar, que de vez em quando são molhados para melhor alisar e não pegar na argilla.

ARTE CERÂMICA 15

Terminada assim uma volta, tomam a cuipéua, (*) que é uma concha ou g-eralmente um pedaço de cuia arredondado, e, molhado n'ag-ua alisam as faliencias que deixam os dedos quer pela parte interna quer ex- terna. Assim, levantando os lados e alizando cheg-am a concluir o vaso. Quando este tem de apresentar a parte superior abobadada, diminuindo a corda de ar- g-illa, trabalham com os quatro dedos da mão esquer- da voltados para cima, e com os da direita vEo ligando a arg-illa, servindo os da esquerda de amparo. Ter- minado o vaso, deitam-o á sombra a seccar por espaço de 2 ou 3 dias e quando está quasi secco, servem-se então do itapuquety. (**)

Tem este nome um pequeno seixo rolado, ou um caroço de inajá [Maximiliana 7'egia, Mart. ) com que alisam o vaso, dando-lhe alg-um lustre, antes de ser queimado. Se o vaso é liso, está assim prompto para ir para o fogo e depois servir; mas, se querem ornado, soífre então ainda outro processo.

disse que por dous modos ornavam os seus vasos: por g-ravura, ou pela pintura. Hoje, porém, este uso decahio, apparece alg'uma louça, pintada extraordinariamente com diversas cores; fabricada pelos civilisados de Breves e Cametá. Os Índios Cautanichis do Purus, são os únicos que pintam ainda sua louça. Conforme o ornato feito por gravura, assim eram os instrumentos empregados.

As bordas dentadas eram feitas comprimindo-se a arg-illa entre o dedo poleg-ar e indicador, como ainda hoje se usa, ou comprimindo-se a arg-illa com um canudinho de taboca. Com os espinhos de tucumá.

t*) Cui, cuia e péua chata^

(**) Itd pedra, puquitij esfregar.

16 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

faziam a gravura chamada tamnatá pirêra, isto é, em forma de escama; com os dentes de cutia lig-ados a um osso, (Est. I, fig-. I.) g-eralmente de macaco, faziam as outras g-ravuras. Além da g-ravura de pontilhado e de linhas, ornavam sua louça com íig-uras de ani- maes ou humanos que eram feitas fora e depois li- g-adas. Faziam também círculos, que eram feitos pelo corte horizontal dos canudos de taboca. Empregavam também um pontalete de madeira, ou talvez antes de osso para os furos com que também ornavam as diversas peças e faziam os olhos e ouvidos de suas fig'uras.

Ainda com a louça fresca, faziam também ornatos, feitos pela compressão de tecidos de palha de pal- meiras ou de arumã, que variavam como variam os mesmos tecidos.

•Todos estes desenhos pedem não muito cuidado como paciência e um estudo particular para que as figuras terminem sempre simetricamente, a ponto de não se saber o lugar em que foi começado.

No desenho de linhas, a sua combinação ás vezes imita os tecidos de palha, pelo que dão-lhes diversos nomes, alem do taniuatá pirera, ha a miasáua, que é o cruzamento das linhas obliquamente formando quadrados. Nos tecidos de palha das hipés (esteira) de miasáua formam o japa, que serve de porta aos tejupares, ou de tolda ás igariíés (*) no cruzamento das linhas do tamuatá pirera, o ponto central onde se dividem as linhas é chamado pacú (**), e quando

(*) Igara, canoa, e eté, verdadeira.

(**) Por assemelhar-se á divisão das escamas do peixe d'este

nome.

ARTE CERÂMICA 17

faz alg-uma volta esta é chamada curuary. Um dos desenhos fáceis, é o tapururapé (*), que é uma linha quebrada em zig--zag's, é o mais usado, seg-uindo-se log-o o acutyranha (**) que é o mais fácil e o mais simples, pois aífecta a forma de dous apostrophes unidos. O saracura pepóra (***) é de bonito effeito, mas pouco usado; n'este caso está o rnuruicháua apecá (****) que pela difficuldade de fazer-se por meio de linhas, sempre é feito pela compressão do tecido, que é sempre ou de uarumã ou de ianjtara e empre- g-ado nas urupemas, (**^-*) e nos tipitijs (***^**). E' semelhante ao tecido do assento das nossas cadeiras. Quanto á pintura, era empreg-ada, como ainda hoje, depois da louça lisa pelo itapuqueté, antes de ir para o fog-o. As tintas empreg-adas são o g-esso, que também chamam tauatinga, o urucú (bixa ore- Ihana), o carajurú, ( bignomia chica), a oca, tauá juba, e algumas tintas que fabricam de seivas ve- g-etaes, e tomam a côr preta, expostas ás evaparacões ammoniacaes da ourina, como o cumaíy ou em contacto com as partículas ferrug-inosas, que contém a terra como a aryuauá (qualca). Alguns misturam o leite da sorva (callophoratinoj na tinta, para a tornar mais brilhante e segura, como fazem ainda os Catanichvs e como faziam os habitantes de Marajó. A pintura

(*) Tapurú, bicho e apé caminho.

(**) Acuty, cutia e tanha dente.

(***) Pegada de saracura; pássaro d'este nome.

(****) Assento de chefe.

(*•*•*) Peneiras.

( ) Cylindro de palha, empregado para espremer a massa

da mandioca. Muito conhecido.

18 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

era feita ou com ura pincel de pello animal, ou com o feitio de cipó.

Pisam bem a extremidade de um cipó, e depois descascam-o, de maneira que forma assim um excel- lente pincel.

Todos estes processos que encontrei representados na louça antig-a, tive occasião de vel-os empreg'ados pelos tapuyos, que os aprenderam de seus antepassados.

Lisa, ornada, ou pintada, soffre depois o processo da queima, que é o seg-uinte: depois de seccaa louça, á sombra, é exposta ao sol e quando bem secca, levam-a ao calor brando do fog-o acabando por mettel-a dentro de uma fog-ueira. Coberta de lenha, exposta a um calor intenso, quando está vermelha, tiram-a e deixam-a esfriar. Se a querem vidrar, é então a occasião própria. Tomam um bolo de resina de jutahy (hymcenea courbaril) mais conhecida pelo nome vulg'ar de jutahy icica, e com elle esfreg-am a parte interna, que absorvendo a resina derretida pelo calor, deixa uma camada semelhante ao verniz, que depois com o uso perde. Na louça de Breves e Cainetá, em- preg-a-se também a resina do jutahy, porém, dissolvida em álcool, como verniz.

Por este processo fabricam não panellas, como potes, (camutysj, jarras, yg-asáuas, alg-uidares, fig-uras para g-uardar miudezas, etc, como os fornos (yapona) para seccar a farinha d"ag"ua. Estes demandam muito cuidado no seccar, porque pelo seu tamanho, ás vezes 2,"5 de diâmetro, com muita facilidade se quebram.

Este é feito sobre um tupé ou sobre folhas de bananeiras, cujas formas e nervuras sempre ficam impressas. Quasi sempre depois de secco ao sol, fazem fog-o sobre elle, no mesmo kig-ar em que foi fabricado .

ARTE CERÂMICA 19

O USO de envernisar a louça com resinas, es- tende-se também aos índios da America do Norte, aos antigos eg-ypsiacos, e outros povos da antigui- dade.

Outras peças que exigem muito cuidado no fabrico e na queima são as igassáuas (*) que as ha de duas espécies, as para agua e deposito de bebidas ene- briantes ou não, como o cachirij {**■), o tarubá (***■), a tiqityra (****), a maniquera (^^■'^^^jja caisuma (^^i'*-*-*^')^ e as que serviam outr'ora de urnas funerárias, cujas formas são diversas A palavra igassaua, por isso tem duas etymologias, a que dei para mortuárias e a que se na nota abaixo. Não é no tupy a única palavra, que tem dous significados, temos exemplos, que para os que se têm familiarisado com a lingua logo os encontra.

A maneira de fabrical-as é a mesma das demais louças, apenas esta, quando não são lisas, são mais ornadas, não com gravuras, como com figuras.

Estas figuras são feitas em separado e depois liga- das, quando a argilla, ainda fresca, como se deprehende das que se encontram soltas, ainda com signaes de terem sido grudadas. N'estes depósitos fúnebres, era

(*) Y que se pronuncia ig, agua e sara, que é o verbo carregar significa vasillia de carregar agua.

(*♦) E' a bebida extrahida por decoção depois de fermentado o beiju-assú, com batata roxa, ralada.

(***) Bebida feita também com o beijii-assú, que depois de fer- mentado dissolvem n'agua e coam.

(*•**) E' a aguardente extrahida do beijá-assii fermentado.

(♦****) E' o tucupy (caldo de mandioca) da macacbêra ou aypim, engrossado com cará, batata^ farinha, etc. Este processo culinário é chamado moagica, d'onde originou-se o verbo mugicar, significando engrossar.

(•*«*•*) de folha.

5 a

20 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

onde a mulher artista mais caprichava, talvez por ser a ultima obra que preparava, para o ente caro que partia para a vida de além-tumulo, muitas vezes, com o coração despedaçado pela saudade, e pelo amor sem mais uma esperança. Penso que não se despediam para sempre do finado com o seu enterramento, que mais tarde preparavam-lhe ceremonias fúnebres, pe- rante a ig-asáua.

Dous motivos tenho para assim pensar : um o cos- tume de algumas tribus de indicar o sexo na parte ex- terna da mesma igassáua ; outro, o de enterral-as quasi á superfície da terra. Um indicava a urna que então era preciso e outro facilitava a exhumação. Entre as ig-asáuas grandes, ás vezes encontram-se também pequenas, o que prova que para as creanças havia também essas urnas.

No lugar do extincto forte de S. José do Rio Ne- gro, levantado em 1668 por Manoel da Motta Falcão, onde hoje é a praça de Tenreiro Aranha (*■), no des- barrancamento da margem, encontrei uma pequena igasáua entre outras grandes, partidas. Foi ahi o cemitério da primitiva aldeia. Na ladeira do Bairro dos Remédios, em Manáos, se encontram também al- gumas igasáuas, inutilisadas, como vi.

Tratando da arte cerâmica antiga, fui levado a comparal-a com a moderna, dando os processos em- pregados, pelo que não posso também deixar de fallar no fabrico dos cachimbos, industria que julgo moderna, não usada pelos Índios primitivos. Tanto não usa- vam, que nunca foram encontrados entre a louça an- tiga, se bem que na lingua geral exista a palavra

(*) Primeiro Presidente da Provincia do Amazonas.

ARTE CERÂMICA 21

petijudiia, seg-ni ficando cachimbo. Entre os g-entios, é usado o cig-arro de tauary (couratary).

Hoje fabricam-o do seg-uinte modo : Amassada bem a arg-illa, sem caraipé, até tomar uma consistência forte, dá-se a uma certa porção, com os dedos, uma forma espherica e aperfeiçoa-se depois a tomar a de um cachimbo. Depois alisa-se com uma pequena taquara de forma lanceolada, que repetidas vezes passam no rosto para eng'ordural-a e dar um certo brilho na ar- gúlla.

Com um dos lados da taquara, fazem então os cordoes circulares que costumam ter e com a ponta os desenhos com que os adornam. Feitos os ornatos, deixam seccar um pouco e depois abrem, não o furo para o taquari, como o receptáculo para o fumo. Feito isto, passam ao processo da queima, que consiste em seccal-o á sombra e depois enchel-o de cinza metten- do-o em cinza quente e depois ao fog-o. Quando está vermelho, tira-se do fog-o. Geralmente os cachimbos são pretos e como que envernisados, o que se obtém expondo elles depois de frios, á fumaça do pau d'arco, (tecoma) e quando bem pretos pela fulig-em que apa- nha quando ainda quentes, sendo esfreg^ados com um panno.

Entre a louça antig-a, nunca encontrámos nenhu- ma envernisada de preto que parece mostrar que, en- tão, não era usado esse processo.

Expendi o que vi e o que observei nas minhas explorações no Amazonas, resta-me depois de alg-umas considerações, apresentar a louça que encontrei.

O g-ráo que tinha atting-ido no valle do Amazonas a industria do oleiro, toda exercida pelas mulheres ; a semelhança que se encontra, quer nas formas, quer nas g-reg-as ornamentaes, da louça com a dos Estados-

22 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Unidos e com as do Norte da Europa, parece ser ainda uma prova, de que um povo em contacto com outro Europeu emig-rou para o Amazonas. A peça do ber- bequim de que tratei no primeiro capitulo e que adiante representarei , veio me robustecer n'esta crença ; Hão pela analogia entre ella e as encontradas nos mounds dos Estados-Unidos, como pelo uso de um ins- trumento, que não parece ser tão natural, para deixar de ter sido feito por imitação.

O uso que faziam das panellas, prova que n'aquel- la época usavam mais das comidas cozidas, do que nos tempos que correm, pois os g-entios, alem do mu- quem, fabricam vasilhas para o tucupy e para as bebidas que animam os seus porassés. Geralmente suas comidas são frias.

Este uso de lioje é mais uma prova de que o povo volta ao estado primitivo.

Não fecharei este capitulo, sem mais alg-umas pa- lavras sobre as g'reg'as ornamentaes, que se em toda a louça, do povo primitivo do valle do Amazonas, que dividido em tribus, oriundas comtudo do mesmo tron- co, a necessidade da divisão fez também adoptar, ten- do a mesma lingua, dialecto, uso e costumes diíferen- tes. Si estudar-se, com cuidado, a evolução da arte cerâmica, no povo que se extinguio, deixando uma pallida imagem da sua industria nos descendentes, que ainda vivem foragidos pelas florestas, ou debaixo do jugo da civilisação, ver-se-ha que tendia á um estado progressivo e com elementos para illustrar uma época. Si não havia muita correcção nos desenhos, com que illustravam seus artefactos, havia comtudo o g-enio que manejava o buril, que representava g-reg-as, que ainda hoje os modernos copiam dos utensílios gregos e etruscos para ornar as suas manufacturas de Sòvres.

ARTE CERÂMICA 23

Aquella semelhança que se nota entre as greg-as dos vasos da antig-a Europa, com as do Amazonas, nao se nos dig-a, que é própria da infância de um povo ; que é a maneira de se exprimir a arte, que é a unidade que prendia os elos da cadeia da orig-em dos povos. Unidade de idéas representadas, não pôde existir entre dous povos de orig^em, costumes, clima, tudo diffe- rentes.

A natureza, a vida que passam, tudo os faz affas- tarem-se d'esses principios da doutrina evolutiva, que, querem que exista entre todos os povos em estado sel- vag-em. As greg-as ornamentaes, que tão g-rande pa- pel representam na industria do povo primitivo do Amazonas, não parecem partilhar d'essa unidade, antes querem nos mostrar, que um mestre houve que apresen- tou o modelo, embora fosse um povo altamente intel- ligente e creador. Que nas primeiras armas de defesa, houvesse unidade, acredito, o páo, a pedra é o que mais facilmente deparavam, mas, com o correr dos tempos tendo inimigos diversos á bater, diversos se- riam os instrumentos mortiferos, diversas seriam as formas adoptadas.

Que haja unidade na forma da louça, vá, mas nos desenhos ornamentaes, não creio. Ainda hoje entre duas tribus, oriundas do mesmo tronco, vê-se que se- parando-se, não modificam os desenhos, sem achar um modelo.

Os desenhos das gregas, nos provam ainda o con- tacto com um povo estranho, adiantado em civilisação. Qual foi elle, não o sei, mas, penso que havendo entre outros usos, pontos de contacto com os Normandos, é de crer que foi esse o povo introductor da civili- sação Amazonica.

ESTAMPAS

' E SUAS EXPLICAÇÕES

f

I

ESTAMPA I

FiG. l.a Representa uma faca, quicé, como lhe chamam os ín- dios, ou o instrumento com que se serviam para gravar os ornatos na sua louça. E' composto de duas partes : do cabo e da parte cor- tante; o primeiro feito de uma tibia de macaco e a segunda de um dente de cutia encravado e ligado por fios de algodão torcido, ás vezes coberto de serol. Usavam e algumas tribus ainda usara também paríf* abrir ornatos nos seus cuiãarús.

Figura 2. a e 4.» Representam duas igasáuas que desenterrei no largo do Imperador, antigo do Pelourinho defronte da porta do quartel ; onde foi o antigo cemitério dos Tarumás, tribu que habitava o Rio Negro, quando o capitão Costa Favella e o missionário Frei Theo- dosio n'elle penetraram em 1668. A primeira é oval, com uma abertura de 0,23, de bordos retorcidos, ornada essa abertura por dous enfeites globulosos. Tinha 0,60 de altura, 0,01 ,de espessura, e 0,7 no maior diâmetro. Era de argilla vermelha, lisa e sem de- senho algum. Enchiam-a de terra preta no meio da qual enterravam os ossos, como verifiquei, difterençando-se bem a terra que a enchia da que a rodeava. Era enterrada com a bocca para baixo.

A n.» 4 era cylindrlca, com o fundo achatado, feita de argilla cinzenta, com mais de 1 metro de altura, 0,025 de espessura e 0,75 de diâmetro. Era enterrada com a abertura para cima, tapada com uma tampa, ornada de desenhos feitos pela compressão de tecido de palha. pude aproveitar metade. N'ellas enterravam os corpos, o que prova que depois eram exhumados, para mudarem-se os ossos. Não tinham endicação de sexo.

FiG. 3. a Representa uma outra que desenterrei na subida do bairro dos Remédios, em Manáos. E' de argilla cinzenta, com as dimensões, pouco mais ou menos das da fig. 4.», ornada exteriormente com um bordo saliente na bocca e de desenhos, por gravura, de linhas mais ou menos obliquas.

6 a

í

ESTAMPA II

FiG. l.« E' uma pequena panella, desenterrada, acima de Cu- dayás, no rio Solimões.

Entre muitos fragmentos conseguimos esta perfeita, que nos uma idéa muito favorável dos antigos Omáuas ou Omaguas, depois conhocidos por Cambebas, cujas denominações, significam cabeça chata. Para differençar-se dos antliropophagos, tinham o costume de quando pequenos achatarem a cabeça. Este utensílio cujo ornato é todo gra- vado, naturalmente a dente de cutia, quando fresca ainda a argilla, como se deprehende dos sulcos que formam as gregas, quer da sua parte superior quer da inferior, denota não muito engenho no ar- tista como grande paciência. A symetria que se nota ; a arte com que foi proporcionada e aberta, a ponto de não se saber onde principiou ou acabou o desenho, prova grande habilidade e uma longa pratica em trabalhos semelhantes. Parecendo que a arte cerâmica estava mais adiantada em Marajó, vê-se comtudo no Alto Amazonas, uma tribu disputando com vantagem e primazia, a palma artística. Leva o artista Amazonico de vencida o Paraense, não na forma do de- senho, como no trabalho e cuidado especial que era preciso empre- gar na sua gravura. Para melhor fazer-se idéa do desenho, repre- senta a fig. 2, parte do desenho do bojo da panella.

Se n'um objecto tão vulgar empregavam tanto trabalho, quanto não empregariam nos depósitos dos ossos ou dos corpos d'aquelles que lhes eram caros ?

E' feita de argilla fina e cinzenta, amassada com canichy. Mede 0,2 de diâmetro, 0,15 de altura, e 0,001 de espessura.

FiG. 2.» Representa uma parte do ornato da panella acima.

Fig. 3. a Representa uma igasáua que desenterrei na barranca da Praça Tenreiro 'Aranha, antigo cemitério que havia junto do extincto forte de S. José do Rio Negro.

E' de uma forma elegante, de argilla vermelha, lisa, com tampa e pé. Mede de altura 0,6, e de diâmetro 0,4 e de espessura 0,01.

Fig. 4. a Representa um fragmento, um terço menor que o natu- ral, da borda interna de um utensílio domestico. O desenho é feito por gravura, com muita regularidade e elegância. A argilla é escura e misturada com canichy. Achado no Rio Urubu.

Fig. 5. a Representa um fragmento, um quarto do natural, do bojo de uma panella. E ornado por gravura, feita com dente de cutía. E' de argilla vermelha. Encontrada na raiz da serra Maçumimy, no rio Anibá.

FiG. 6. a Outro fragmento de uma vazilha maior, feito da mesma argilla com a mesma gravura, apenas mostrando que para ella tinham um instrumento que terminava em três dentes de cutia. Encontrado na mesma localidade.

FiG. 7. a Parte do bojo de uma panella, ornado por gravura de linlias e pontilliado, com dentes ae cutia. E' de argilla vermelha^ amassada com canichy. E' da mesma localidade.

FiG. 8. a E' uma porção, um quinto menor, da borda interna de um vaso grande, ornado por gravura, feito, com a parte circular de um corte transversal de uma taquara. E' de argilla cinzenta. Encon- trei no Rio Urubu.

FiG. 9.a Representa um fragmento do beiço de, alguma panella. Tem desenhos gravados e é feita de argilla vermelha.

FiG. 10. a Bordo de uma igasáua, para agua, de argilla cinzenta amassada com areia, fina. Encontrei no Rio Urubu.

N'esta estampa estão comprehendidos os fragmentos de louça que encontrei, não no rio Urubu, como no seu afQuente o Rio Anibá. Por elles vê-se, que não era infundada a crença que havia do adian- tamento do povo do Reino do Urubu destruído pelas armas por- tuguezas, para vingar a morte de um seu sargento-mór.

As missões que o virtuoso Frei Theodosio ahi fundou como as de S. Raymundo e S. Pedro Nolasco, procurando reunir os restos das tribus dos Guanavenas, Caboquenas e Burururus, não deram resultado ; porque, apezar do forte que fizeram na segunda para os defender, não impedio que os naturaes vingassem por sua vez^ a perda de quasi 2,000 companheiros sacrificados, e abandonassem u rio que de então para ficou deserto, temido e respeitado pelos civilisados. Depois dessa época desoladora, fui eu o primeiro que n'elle penetrou, trazendo estas poucas relíquias que ficaram da gran- deza d'aquelle rio.

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I

ESTAMPA III

Esta estampa representa diversos fragmentos de louça domestica, que encontrei no Rio Uatumá. Por ella se vê, que também usavam os bordos de suas vasilhas, ornados de figuras. Ahi a louça é toda ornamentada por desenhos gravados, quer com dentes de cutia, quer com pontaletes de madeira. Toda a argilla empregada é a vermelha, porém, tào bem preparada, que, quer na consistência, quer no amassamento excede à das nossas fabricas. Tão delicada é, que a sua espessura nunca mede mais de 5 milímetros. As figs. 1.* e 8. a da Est. Ill e fig. ò.a da Est. IV., representam bordas de panellas e outros vasos, assim como algumas figuras que os ornavam.

As fig. 7. a da Est. III e 3. a da Est. IV dão a forma de dous camutys, que desenterrei próximos á povoação de SanfAnna.

Fig. 4. a Cabeça de urubu, que servia de ornato, na borda de alguma vasilha. E' de argilla cinzenta.

Fig. 11. a Bordo de um vaso, de argilla vermelha, cujos desenhos sào gravados.

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ESTAMPA IV

FiG. l.a E' um camutij, onde se guardavam as bebidas para os festins, que geralmente eram cobertas por uma rede de fios, para se poder ter suspensa ao tecto das casas.

E' de argilla escura e sem deseniio algum. Encontrado junto á vasilha que representa a figura.

FiG. 2. a Representa uma grande vasilha de forma cónica, com uma facha saliente de 0,14 de largura, na parte superior. Tem o diâmetro da bocca 0,65, o do fundo 0,30 e de altura 0,35. E' lisa, de argilla escura, com 0,01 de espessura.

Parece-me que pertenceu á extincta tribu dos Uabôys, que outr'ora habitaram o Rio Yamundá. Desenterrei na restinga das cabeceiras do Rio Uauinchá, allluente do Yamundá, província do Pará.

FiG. 4. a Representa outro camuty geralmente empregado para se guardar farinha. Foi encontrado na mesma localidade.

E' também de argilla escura, sem ornatos. Estes três objectos foram remettidos por mim para o Museu Nacional por intermédio do ministério da Agricultura, e figuraram na ultima Exposição. Não quero crer que de propósito occultassem o nome do descobridor d'elles, mas se bem que d'isso não provenha gloria para mim, como figuraram como objecto de estudo, cumpre-me dizer que a nota que tinham de achado no Alto Amazonas, não é exacta. São das cabe- ceiras do rio Uauinchá, afíluente do Yamundá, que desagua no Baixo Amazonas.

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ESTAMPA V, VI, VIT, VIII, IX, X, XI

Representam estas estampas não os desenhos gravados e por compressão, da parte externa de ditTerentes fragmentos de vasos, que encontrei na tauquéra das Amazonas, e no aterro sepulchral do lago Paru, como difterentes figuras que ornavam não os utensílios domésticos, como, as suas igasáuas.

Por estas, se vê, que a arte de esculpir, estava muito mais adeantada do que em Marajó e que suas allegorias, têm um estylo que revelia já. grande progresso na arte.

Seguindo o uso d'outras tribus de ornar os bordos de seus uten- sílios com figuras, faziam-as comtudo com mais gosto, desenho e cor- recção. O preparo da argilla, pura ou com auichy, era tão bem feito, que alguns fragmentos que lancei n'agua fluctuaram.

Pela licção da historia, descobri, que a localidade onde se en- contra esta louça, foi a em que habitou a tribu immortalisada por Francisco Orellana, com o impróprio nome de Amazonas, pelo que dei-lhe o nome de tauaquéra das Amazonas . *

Para maiores esclarecimentos sobre a louça e localidade lêa-se o o meu relatório a este respeito. (*j

A perfeição que se nota em algumas figuras e desenhos, não parece filha da evolucção da arte, parece antes querer attestar o contacto com um povo mais civilisado.

Estes fragmentos que intrinsicamente nada valem, são docu- mentos preciosos, que aqui ficam gravados, para os sábios especialistas darem a sua ultima palavra. Forneço este pequeno contingente ; maiores apparecerão, que darão mais luz, para esclarecer este ponto ainda tão obscuro.

As gregas ornamentaes que se representadas nas Est. VIII, IX e X dão uma prova, que desmente aquelles que tanto têm calumniado os indígenas de outras eras, baseados em escriptores, suspeitos, que procuraram justificar a crueldade com que eram então tratados esses filhos das selvas, menos selvagens do que os seus civilisadores. Não eram omimaes como se tem dito.

(•) Expl. e Est. do Valle do Amas. Rio Yamundd. Rio de Janeiro 1875. Pag. 89 e seguintes.

XII

ESTAMPA XII

FiG. l.a Representa a peça do berbequim, de que tratei no 1.» numero destes Ensaios, á pags. 116—117, reduzido á metade do natural. (Vide n. l.o Est. l.a, Hg. 9.») E' de argilla pura queimada, ornada por gravura feita com pontas de espinhos, formando o ta- muatã-pirera ou escama de tamoatá.

Um furo a trespassa de lado a lado, por onde passava a pua que furava o machado. O bojo oíTerece uma concavidade própria para nella passar-se a corda do arco do berbequim, para fazer girar a pua.

Entre outros fragmentos de louça, encontrei esta peça, enterrada no alto da serra do Piquiátuba, próximo á cidade de Santarém, na provinda do Pará.

FiG. 2. a Representa uma das igasáuas do aterro sepulchral da ilha dos Camutys, no Rio Anajás, na ilha de Marajós. No estylo, afasta-se inteiramente das que se encontram nos cemitérios antigos.

E' de argilla cinzenta^ muito bem trabalhada, delicadamente pin- tada de vermelho e preto, sobre um fundo branco ornada com relevos que indicam não os olhos, bocca e nariz, como os braços, pés, seios, umbigo e sexo. Pertencia ao sexo feminino. Sua forma e a delicadeza da pintura, prova o alto gráo de adiantamento que tinha a industria entre os Nhungaybas.

Servia para guardar ossos, mede de altura 0,80, de diam. 0,45 e de espessura 0,01 . Está no muzeu paraense.

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I

ESTAMPA XIII

FiG. 1.» E' uma outra encontrada na mesma localidade, do mesmo estylo, porém, com formas differentes, indicando também, os órgãos dos sentidos, os pés, o umbigo e o sexo. Pertencia ao sexo mascu- lino, e pelo seu tamanho creio que guardava os ossos de algum curumy. (*)

E' toda ornada de caprichosos desenhos em espiraes, pintados de vermelho sobre ura fundo branco. A tinta vermelha empregada julgo ser caragirú, (bignonia chica) e a branca, a tabatinga (**) desman- chada oom leite de sorva.

Está no rauzeu paraense e mede a metade do tamanho da pre- cedente.

FiG. 2. a Representa uma parte de uma igasáua, desenterrada do aterro sepulchral da ilha das Pacovas, no lago Arary, na ilha de Marajós.

Aproximando-se na forma, às precedentes, affasta-se comtudo nos desenhos, que são caprichosos e muito correctos, feitos com tinta encar- nada. O preparo da argilla é bom, e contém alguns grãos de Rareia fina. Pertencia ao sexo feminino, mas não indica os pés, e prova- velmente havia de indicar os órgãos dos sentidos.

FiG. 3.» Tem a mesma forma, porém, o desenho do contorno é um pouco differente, assim como inteiramente differentes são os or- natos, feitos por meio da pintura. Compõe-se estes de lonsangos e rectângulos, mais ou menos unidos, feitos com tinta encarnada, sepa- rados por Unhas quebradas finas e parallelas, da mesma côr. Julgo que tinha a forma pouco mais ou menos da da fig. 2.», Est. XII. E' feita de argilla escura, com o gi'ão tino, misturada com areia fina. A porção que pude examinar mede no maior diâmetro 0,80 que perece indicar que servia, para receber um corpo assentado e nào simplesmente os ossos.

Raras são as igasáuas que se podem desenterrar perfeitas, quasi todas estão reduzidas a pequenos fragmentos, que se encontrara mis- turados com diversas pequenas figuras, que serviam de ornamento não das tampas, como das orelhas, {namby). Poderosa, guerreira e valente, primava a tribu dos Nhungaybas, principalmente na arte cerâmica. Além das igasáuas cora as formas aqui representadas, existem no Baixo Amazonas, nas cabeceiras do rio Maracá, em uma

(*) Menino.

{**) Tauá, argilla, tir,(jfi.. branca.

espécie de gruta, acima de um grande lageado, algumas enterradas, donde o distincto 1.° tenente Lisboa, tirou algumas que figuram no muzeu paraense e que com cuidado examinei. Não tendo podido desenhal-as, deixo de aqui represental-as, porém, o farei mais tarde. Estas não têm o feitio de potes, mas representam figuras humanas em posições sedentárias, servindo a cabeça de tampa, ou de animaes. guardavam as ossadas, que nellas ainda se conservara, mas em estado que a decomposição dos ossos mostram uma alta antiguidade. São de argiila queimada e com ornatos e indicação de sexo.

FiG. 4. a Curiosos objectos, não raros, mas usados na ilha de .Marajó são as impropriamente chamadas drogonas, que se encontram nos iitteiros sepulchraes do rio Arary.

Como o cueyú dos actuaes gentios, servia este objecto para reca- tar a parte vergonhosa das mulheres. Era preso por três cordões dous passavam pelas verilhas e prendiam-se nas costas e o terceiro por entre pernas a unir-se aos primeiros. Affecta a forma triangular^ é coavexo, feito de argiila muito fina e bem amassada, pintado todo de bianco tendo na parte exterior desenhos feitos ou cora tinta preta ou encarnada.

Os desenhos são compostos de linhas rectas, ou quebradas, for- mando ângulos, alguns concêntricos, que não tinham um modelo e variavam conforme o gosto do artista.

Eram usados em todas as idades porque vi-os de difterentes tamanhos.

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Por esquecimento nao se assig-noii o artig'0 Estudo Botânico, que é do Conselheiro G. S. de Capanema, e Antiguidades do Amazonas, que é do Dr. João Barboza

Rodrig-ues.

5

ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

ATTERROS SEPULCHRAE3

III

Atterros sepulchraes

Como mais uma prova, de que a civilisação do Valle do Amazonas e quiçá do Brazil, parece ter vindo da America septemptrional, se apresentam os atterros que denominamos sepulchraes, porque n'elles como em sarcophag"os eram depositados os mortos.

Os .atterros, mounds dos Norte Americanos, serviam de túmulos, pelo que elles dão-lhes o nome de burial p laces.

Antes de tratar dos atterros que se encontram no Valle do Amazonas, cumpre rapidamente historiar a sua existência nos Estadus-Unidos, para se poder es- tabelecer um parallelo.

Subindo, cm 1819, as ag-uas do rio Missouri, com destino ás montanhas Rochosas, uma commissão de eng-enheiros cujo chefe era o coronel, então major, S. H. Long- e demorando-se em S. Luiz para reparar o vapor em que iam, os Srs. Thomaz Say e T. R. Peale, ambos membros da commissão, aproveitaram-se d'essa

4 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

circumstancia para estudarem os atterros das visinhan- ças da cidade, que lhes chamavam a attenção. (*)

O primeiro volume do Relatório da expedição Long-, publicado em 1823, em uma nota la pag-ina 59, trata dos estudos que fizeram. Mais tarde, o Sr. R. C. Taylor, d'elles também se occupou (**) assim como o Sr. S. Taylor. Aproveitando-se do material dos estudos des- tes distinctos archeolog-os, os Srs. Squier e Davis, es- creveram um importante trabalho, com o titulo de Ancient monurnenls of the Mississippi Valley, que veio esclarecer este ponto da historia da g-entilidade. Em 1853 o eng-enheiro civil I. A. Lapham, publicou o re- sultado dos estudos que fez sobre o assumpto, descre- vendo e representando todos os atterros que encontrou no estado de Wisconsin, que explorou como membro da Sociedade dos Antiquários Americanos. Este estado coraprehende o terreno limitado pelos parallelos 32° 30' e 47" de Lat. N. e meredianos 87° e 93° de Long-. de O. de Greenwich.

O que sâo estes atterros ?

Para se poder fazer um estudo comparativo entre os que têm sido tratados, por sábios investigadores e os de que vae tratar o humilde autor, darei uma noti- cia em primeiro lugar d'aquelles.

Encontra o viajante ou o explorador g-eralmente á pouca distancia das ag-uas de um rio ou de um lag-o, pequenos outeiros cobertos de vegetação, que observa- dos, pela vista perspicaz do observador interessado no prog-resso da sciencia, não deixa de apresentar formas

(•) Annual report of the Smithosian institution. Ancient mounãs at St. Loicis: Washington 1861. Pag. 386.

, (**) SiUiman's Journal— Yo\. XXXIV. 1838.

ATTERROS SEPULCHRAES O

extravag-autes, não feitas pelo acaso qtie log'o lhe prendem a attençao. Sao g-eralraente formados de areia e cascalho, sobre um leito de arg-illa como os que se encontram nas visinhanças do lag-o Michig-am {*'), tendo de 5 a 400 pés de extensão as vezes com 50 de altura. Suas formas sao cónicas ou quadrilong-as e o mais das vezes aífectam a de alg-uns animaes como lag-artos, tartarug'as, pássaros, etc. O mais notável é que alg-LUis apresentam a forma de uma cruz, (**) como as que se encontram na margem sul do Rio Milwaukee. Esta forma como que parece attestar que os indig"enas de então, estiveram em contacto com os normandos, ou com seus descendentes.' Um sig-nal christao, n'elles se vc representado ; será elle obra fi- lha do acaso ou do capricho dos executores "? Cremos que não, porque este costume de enterrar-se os mor- tos em montículos era também usado pelos scandina- vicos, que na época da sua chegada á America, começavam a deixar o paganismo.

D'esta era ainda se encontram vestígios na Suécia, representados por montículos de pedras e raonolithos que representam, não altares, como recintos de as- sembléas, muralhas e sepulchros.

« A ces quatre classes de monuments, escreve Paulo Victor (***), on en ajoute une cinquième: celle des monceaux cie terre, três nom- breux dans le Nord, qui, selon leur disposition et leur forme, pre- sentent des tombeaux, deslieux d'assises, des remparts, etc, les collines artificielles lorsqu'elles sont élevées à la memoire des róis et des héros, sont quelquefois entourées de plusieurs rangs de pierres concentri- ques, etc. »

{*) Ilie eintiquities of Wisconsin, by I. A. Lapham. 1853. Pag. 5.

(*•) Obra citada Pags. 18 e 20 Tab. VIII e X.

(***) Coup d'ceil sur les antiquités scandinaves. Paris 1841, Pag. 18.

6 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Os atterros sepiílchraes da America do Norte sao d'eâta ultima classe, provada pelas múmias e ossadas, que n'elles se tem encontrado.

Aquellas que se tem desenterrado foram encontra- das n'uma posição encolhida como de quem está sen- tado.

No Brasil, comtudo, refere-nos Barlaeus, (*) foi encontrado no interior de Pernambuco, por Elias Herk- man, enviado pelo Conde de Nassaii, uin monumento de pedra, que vem confirmar o juizo que faço sobre este assumpto.

Diz elle:

« Itaque devitatis montium acclivibus, incessere per planiora, ubi duo lapides molares exactíe rotiinditutis et stupendte magiiitudinis visi; quorum diameter sedecim erat podum, crassities vero tanta, ut terraí superfície vix media lapidis pars attingi extremis digitis ab erecto posset. Alter alteri superincumbebat, major minori.

« E centro, miro spetaculo, frutex se attollebat Karawata. Quo fini hos congesserint Barbari. in tanta harum rerum ignorantià, non facile dixerim.

« Visi iteriem magnae molis lapides humano labore congesti, quales etiam in Belgio Dreutia régio habet, quos nulla vectatione, nulla hominum vi illuc deportari potuisse ob magnitudinem credas : ea forma, ut aras referre videantur. »

A natureza do paiz em que viviam os indig-enas, modificou o plano e o desenho, que para seus se- pulchros tinham recebido dos sectários de Tliorr. Os animaes que os rodeavam, foram os modellos de que se serviram para pôr em execução a idéa recebida.

(*) Barlaeus resgestoe in Bra^iUa. Pag. 217 el 218. Amstelo- dami. 1(347.

ATTERROS SEPULCHRAES 7

Uma causa qualquer, fez cem que o povo ou parte d'elle que ahi existio por larg-os ânuos abandonasse o terreno e emig-rasse para o sul. Por terra ou pelo oceano cheg-ou á reg-ião Amazonica, onde ainda hoje se nota a identidade destes costumes.

Os mouyids e buríal places da America do Norte existem no Valle do Amazonas; com as modificações que soffrem os costumes, como as ling-uas, com a dispersão dos povos. Que na horda que se estabeleceu na America haviam christãos, que não eram todos pag-ãos, o prova as diíferentes cruzes de metal achadas nas excavaçOes Americanas. E^palhando-se o uso das sepulturas Odinas, abraçado pelo paganismo da g-en- tilidade, derramou-se também o sig-nal da redempção do g-enero humano. Este sig-nal que se representado em muitos objectos indig-enas, para alg-uns parece filho do acaso, como o desenho mais fácil e natural de fazer-se, mas para mim parece querer indicar antes o vislumbre de uma época da christandade, que se perdeu na noite dos tempos da terra da liberdade.

A natureza do solo e a diíferença do clima, o afastamento do povo que introduzio a civilisação, o correr dos tempos tudo isto fez com que o povo emi- grado perdesse a crença no martyr do Golgotha e alterasse os costumes. Os atterros sepulchraes Ama- zonicos apresentam algumas diflferenças dos biirial places do Norte, na maneira de enterrar-se os mortos.

Descrevendo aquelles, mostrarei os pontos de contacto que existem entre elles e a diíferença que apresentam. A unidade de costumes que resulta da comparação entre os atterros brazileiros e americanos, comparada com os costumes da velha scandinavia, nos uma prova da influencia que a pátria dos skaldas teve sobre os íncolas do novo mundo.

8 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Provado está hoje que os atrevidos naveg-antes scandinavos, cheg-arara a America e n'ella se de- moraram tanto que deixaram seus costumes per- petuados pelos túmulos, pelas fortificações, pelos templos, etc.

Restava saber se cheg-ariam estes costumes á America do Sui, nisso se empenham os Antiquarias do Norte, mas nada conheço que trate d'este assumpto em relação ao Brasil, pelo que apresso-me em expor o resultado dos estudos que tenho procurado fazer a este respeito, sempre que meus trabalhos botânicos o permittem.

Poucos são os lug-ares em que encontrei estes atterros no Valle do Amazonas; apenas posso men- cionar os da ilha de Marajós antig-a Joannes {*) o da costa do Obydos e o de uma ilha que existe no lago Paru, entre os rios Yaraundâ e Trombetas. Os mais notáveis são os da ilha de Marajós, estando os outros quasi destruídos pela cultura.

Os da ilha de Marajós, em numero de quatro, estão situado? na ilha de Camul\i no rio Anajás, perto da fazenda de S. Luiz; nos campos da fazenda da Fortaleza ; no campo perto do lago Guajará e na ilha das Pacovas, no lag-o Arary, ao Sul da foz do ig-arapé das Almas.

Comquanto não seja novo o achado destes atterros, pois não dahi tem se extraindo muitos fragmentos

(*) Este nome deriva-se do da tribu Jniona, posteriormente chamada dos sardra.v. A origem do nome sacáca nasceu da palavra sacacun, que repetiam commumente quando trabaliiavam no íorte da Barra, querendo dizer que apressassem o trabalho. Os Ín- dios d'outras nações ouvindo sempre esta palavra, começaram a appellidal-os de sacácas. que depois estendeu-se, á toda nação Juiona.

ATTERROS SEPULCHRAES 9

de urnas e mesmo alg-umas inteiras das quaes o pro- fessor C. F. Hart deu uma noticia (*) como mesmo fossem incidentemente mencionadas pelo Sr. Dr. Couto de Mag^alhães, (**) comtudo ning-uem ainda ligou im- portância á sua forma, nem pensou nas relações que existem entre elles e os da America do Norte.

O illustrado Sr. Dr. Couto de Mag"alhães, attribue estes atterros à necessidade que tiveram os Índios, de então, para evitar as inundações produzidas pelas cheias, de atterrarem a localidade, para sobre ella ha- bitarem, não podendo se estenderem muito por causa das g-uerras. Mas o erudito escriptor ha de permittir que discorde de sua opinião.

Outro, julg"OU ou era o motivo que tinham para assim proceder. Se compararmos os atterros de Ma- rajós, com os dos Estados-Unidos, veremos que g-eral- mente em terrenos alagadiços eram elles levantados e alg-uns são tão pequenos, que, quando muito darão lugar á construcção de uma tyupar sobre elles. Não é crivei, que se destacasse da tribu uma familia para viver separada da delia muitas leg-uas distante. Além disso, aquelles que têm viajado o sertão do Amazonas, que estudaram os diversos usos das tribus selvag-ens, sabe que nunca os g"entios moraram sobre a selpultura dos seus.

Aquelles como os Mauhes e os antig-os Omag-uas que enterram seus mortos nas casas que habitam, sob a rede em que o morto viveu, abandonam a casa que serve de tumulo ao finado e construem outra ás vezes

(*) The American natiiralist.—Y Ai71 . Pags. 259. The ancient inãian pottery of Marujos Brasil.

(**) Região e raças selvagens do Brasil. Rio de Janeiro 1874. Pags. 54—55.

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10 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

bem long-e da primeira. Geralmente a gentilidade tem um cemitério separado da maloca (*)

A superstição, creio, era o motivo que levava o homem de então, a fazer em toda a America cemité- rios na proximidade d'ag"ua ou em lug-ares alaga- diços.

Como os Atlienienses que levavam o obulo para pag-ar a barca de Caronte assim acredita o indio na vida de além tumulo, com as mesmas necessidades da deste, pelo que é costume quando se enterra um morto vertir-lhe os trajes g-uerreiros, com todas as suas ar- mas e deitar-se provisões de bocca a seu lado. Pre- cisando bater-se, tem de alimentar-se; não terá então de beber?

Se as suas malocas, são sempre nas proximidades d'ag'ua, pela necessidade que delia têm, também fa- zem seus tybyretás (**) próximos d'ag"aa para que esta não falte aos mortos.

As muralhas, pallissadas ou baluartes que prote- g-iam as aldeias, que se encontram nos Estados-Unidos na mesma reg"iao dos mounds e burial places, nos pro- vam, que a vivenda era separada do cemitério. Este costume cheg-ou, até hoje entre os nossos g"en- tios.

Os Uasahys do Rio Jatapú, os macus, etc, ainda hoje circulam as aldeias com uma dupla ou tripla pallissada de madeira que as protegem.

O Sr. Dr. Couto de Magalhães, isto mesmo confirma dando noticia de um monumento muito separado dos atterros.

Seu Ensaio Anthropologico á pag. 60 diz :

(•) Aldeia. (**) Cemitério.

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« E' uma espécie de forte circular de terra, que existe na illia de Marajó, na citada fc-zenda dos Cajueiros, propriedade do Dr. Joa- quim José de Assis. Este inonumento é evidentemente contctnpora- nco, ou posterior aos atterros da mesma ilha. »

Não tivemos infelizmente occasião de vêr este mo- numento, pelo que não podemos entrar em conside- rações.

Começaremos, pois, a tratar dos atterros sepulcliraes que se encontram na ilha de Marajó. Antes, porém, de descrevel-os, obrig-a-me o dever, entrar em algumas investig-açOes, para sabermos por quem foram erg-uidos esses monumentos, que daqui a alg-uns annos talvez tenham desapparecido.

Desde o anno de 1616, estavam os Portug-uezes senhores do Pará ; tinham sulcado as ag-uas do Ama- zonas até o Perií, porém, não conheciam ainda a ilha dos Nhangaybas, (*) porque uma barreira de ferro se antepunha aos seus desejos, a valentia dos seus ha- bitantes.

Foi preciso que o temor os excitasse.

Por vezes tinham querido conquistar a ilha ; cora sacrifício repelliam as sortidas dos Nhang-aybas que sempre voltavam victoriosos, porém, nunca poderam escravisal-os.

Diz o padre António Vieira na sua carta de 11 de Fevereiro de 1660:

« Por muitas vezes quizeram os governadores passados e ultima- mente André Vidal de Negreiros, tirar este embaraço tão custoso do Estado, empregando na empreza todas as forças delle, assim de indios como de portuguezes, com os cabos mais experimentados; mas nunca desta guerra se tirou outro effeito mais que o repetido desengano de que as nações Nhangaybas eram inconquistaveis, pela ousadia, pela cautella, pela astúcia e pela constância da gente, etc. »

{*) Hoje de Marajó.

12 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Temeram os Portug-aezes a união dos Nhang-aybas com os HoUandezes, com quem commerciavam e jul- g-ando-se então perdidos, porque teriam de abandonar o território conquistado, tentaram fazer um pequeno esforço, uma g-uerra decisiva. Preparavara-se para ella, quando o padre Vieira, em 1658, com a sua pa- lavra, avassalou-os á coroa portug-ueza. E' sig-nifica- tiva a resposta que deu o tucháua Piyé, ao Pahy assu quando este lhe fez jurar fidelidade e prova porque razão o ódio do indio pelo portug-uez, ainda hoje trans- pira no tapuyo.

Disse elle:

« Que sempre foram os indios amigos e servidores dos portugue- zes, mas se esta amizade e a obediência se {uebrou, foi por parte delleS, por isso, isto que nos dizes, vai dizel-o aos portuguezes, pois são elles e não nós quem tem faltado a e a amizade. »

D'essa data, começou a ser conhecida a ilha e as nações que a habitavam. Não usav^am, então mais, de armas de pedra, pelo que vê-se, que os atterros, datam de uma época muito mais n-inota. Foram seus ascendentes quem os fizeram. E q^iem seriam elles? De quem descenderia esse povo fal laudo outra ling-ua, bravo, como nenhum do Amazonas, ousado, intellig-ente e tão inimig'o da escravidão ? Era oriundo do mesmo tronco, de tantas tribus dominadas pelos conquistado- res? A sua civilisação, vinha pela imig-ração Peruana? Diz o Director do Museu Nacional em uma cartinha ao Jornal do Commercio, aproveitando-se das informações do Sr. Ferreira Penna : (*)

(*) A Constituição de 8 de Maio de 1874.

ATTERROS SEPULCHRAES 13

« Naquella ilha quer me parecer, que se fixou por largos annos a tribu mais industriosa e mais culta de quantas povoavam ao prin- cipio o Brazil e tenho que alli é que por mais tempo se hão conser- vado os vestígios e as pallidas tradições da civilisação Andina trans- ferida para essa porção da America, etc. »

Quanto a mim parece-me que nao ha base, para se sustentar essa opinião. Vejamos se a historia auxilia os meus estudos.

A primeira imig-ração que appareceu no Peru, 15 séculos A. C. foi no reinado de Manco Capac I, a dos Atumu Runas, (*) segundo a tradicção, que hypo- theticamente se pensa, que descendo o Apurimac, veio ao Amazonas Peruano. Nessa época, notáveis edi- fícios mostravam o adiantamento dos Incas, que sabiam respeitar os monumentos de seus antepassados ò tra- balhavam a pedra com instrumentos de ferro, que denominavam quillay (**)

Outras imig-raçOes houve no Peru, porém, nenhuma delias, fez o povo expatriar-se para o lado do Brazil, pelo contrario apparecem no Perii imig-rações partidas do Amazonas, entre ellas, cousa notável, uma com alg-uns individuos pretos, segundo refere Brasseur de Bourbourg. Esta côr julgo ser artificial.

As grandes imigrações para o Peru, os seus gran- des desastres datam do anno 1000, da nossa era, pouco mais ou menos e do lado do Brazil, é que parece que partiram, atravessando os Andes. Até então, nenhuma imigração desceu ao Amazonas, segundo todos os his- toriadores que tenho lido, como Garcillaso, Herera, Velloso, Balboa, etc. Vejamos com o estudo dos factos,

(*) Montessinos, Memoires sur Vancient Perou. Pag. 6.

(**J Velasco, Histoire ãu royaume de Quito. Liv. II, § 7. Art. Armes.

14 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

se a civilisação dos Nhang-aybas, foi trazida pela invasão hespanhola.

O que encontrou Pizarro ? Templos, monumentos, arce, industria, calendário, etc, civilisação, que ves- tig-ios não deixou em Marajó.

Onde estão os Ídolos de ouro, onde está o sig-nal da fundição dos metaes, onde estão as ruinas dos monumentos, que haviam de deixar ? A simples idade da pedra polida, com a industria de então se apresenta. Como admittir, que um povo, em tão alto g-ráo de civilisação occupe um paiz, sem deixar mostras de seu adiantamento?

Comparemos ag-ora o que apparece em Marajó com o que existe daquella época no Peru. Onde apparece o uso de atterros sepulcliraes no Peru? Onde estão as ig-açauas ? Não ha prova material, que justifique a civilisação andina, assim como a historia não parece querer justifical-a.

Os Nhang-aybas não descendem dos Peruanos e se formos a procurar a sua origem, com as relíquias que nos legaram, forçosamente somos levados a buscal-a entre as tribus que descendem ou estiveram em con- tacto com os Normandos. Estarei talvez em erro, mas com os factos.

Além dos pontos de contacto com os Normandos, temos as inscripçOes, que como vimos no capitulo an- terior e como veremos quando delias tratarmos, pa- rece marcar a marcha de um povo mais atrazado ou decahido do que os Incas.

Além das considerações que fiz, temos ainda, as circumstancias de não se encontrar no alto Amazonas, vestig-ios da passagem dessa imig-ração e a do dialecto, tão diíferente, que fez impressão, quaudo não tinha impressionado nem o dos Omaguas nem o dos Tapajós

ATTERROS SEPULCHRAES 15

e (los Muras, tribus descidas do Peru por occasiao das conquistas de Mauco Capac, ou hespanliola.

Infelizmente este dialecto desappareceu, que quanto a miiu era a única chave que poderia abrir a porta da verdade.

A phantasia sempre faceiía, não pôde sobraçar a sciencia que pela seriedade repelle aquella.

Com os factos, com a lição critica da historia, deve o historiador preparar-se para o estudo de nossas antig-uidades e não de g-abinete, tomar como realidade aquillo que a phantasia inspira ás vezes tão differente como é a aranha de uma larva.

Subindo o Amazonas o primeiro atterro sepulchral que se encontra é na costa de Obydos, entre a fazenda Capella do Dr. Casemiro de Assis e a Caryramba (*) do capilão Machado Ang-ico.

Encontrando ahi frag^mentos de louça de barro, comecei a estudar a disposição do terreno e a sua structura e cheguei a avaliar o seu tamanho, pouco mais ou menos, apesar de estar quasi todo destruído pela cultura e coberto hoje de g-rossa capoeira.

Sobre um leito natural de arg-illa erg-ue-se o at- terro feito de cascalho, terras pretas e areia, coberto pelo húmus e quasi todo destruído. O resto, porém, que se encontra ainda pôde me dar uma idéa ap- proximada da forma, que era de um Y deitado. Tem de comprimento 85 mettros, de larg-ura 10, não j)o- dendo calcular a altura que hoje quasi desppareceu. Dirig-e de SE para NO. (Vide a Est. I, Fig-. 1."). Informaram-me algumas pessoas antigias, que outr'ora

(*) CorruptcUa de carybamha, pássaro deste nome do género Ca^irimulgus.

16 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

ahi existia um long-o montículo que as enchentes des- truíram, onde se encontrava não ig-açauas como também ossadas humanas e fig-uras de pedra. Hoje infelizmente, se encontram frag-mentos de louça de barro que pela sua disposição e g-rossura, vê-se que foram de igaçauas e não de utensílios domésticos. As terras da sua circumvisínhança, alag-am-se pela en- chente e cobre-se de uma veg-etação baixa, onde pre- domina a pitomba e o sabão de soldado, (sapindiis), e o urucury (Altalca excelsa, Mart.)

Creio que ahi foi o cemitério dos ascendentes dos antigos Pauxis, que tinham a sua aldeia na costa fronteira onde hoje é o cemitério publico da actual cidade de Obydos. Nas escavações que nella se fazem abrindo sepulturas tem-se encontrado não frag-men- tos de louça, como panellas inteiras e machados de diorito.

Quando em 1874 se abriam os alicerces para o muro que devia fechal-o, ahi encontrei os ditos ves- tig-ios que provaram-me ser esse o lug-ar da antig-a aldeia depois missionada pelos Capuchos da Piedade que durou até 1758, época em que foi elevada á ca- thegoria de viUa pelo Governador Capitão General Francisco Xavier de Mendonça Furtado.

Habitavam a barranca elevada da marg-em opposta e jul.o que enterravam seus mortos em ig-açauas no atterro sepulchral de que tratei e iam fazer suas pes- carias no antig-o lag-o Tucumá, hoje lago Grande, no lugar denominado hoje Pâu mulato, onde se aldeiavam, como prova o Sernaraby que ahi existe. Nesta época o lug-ar em que hoje se o atterro sepulchral não era mais do que uma ilha circulada pelo Amazonas 6 o lag-o Grande mais do que o braço que a rodeava. Ainda hoje este lag-o não é mais do que um deposito

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daâ ag-uas do mesmo rio que com elle se communica. O Sernamby dista uma legfua do atterro sepulchral, em uma linha recta ao sul. Quando tratarmos destes monturos do resto das pescarias e da cosinha, veremos que ainda hoje os Índios seg-uem este uso, com pouca modificação.

Continuando-se a subir o rio Amazonas, encontra-se na marg-em esquerda, no lug-ar denominado Costa do Paru, pouco acima da foz do rio Trombetas os sig-naes de uma extincta aldeia, que denominei tauaquera das Amazonas pelos motivos apresentado-^ em um outro es- cripto. (*) Nesse ponto, segundo a historia, foi que se encontrou o aventureiro Francisco Orellana em 1541 com uma tribu que o hostilisou a que deu o nome de Amazonas, por vêr entre homens alg-umas mulheres, Os descendentes dessa tribu, que por larg-os aunos habitou nessa parag-em, como se deprehende da quan- tidade, por assim dizer infinita, de frag-mentos de louca domestica que ahi existe, também tinham o seu at- terro sepulchral, distante do ponto de vivenda.

No lag-o Paru que corre quasi parallelo á costa do Amazonas, a qual tira o seu nome do delle, encon- tra-se uma peqnena ilha, onde está o atterro se- pulchral.

Esta ilha que quasi some -se debaixo d'ag'aa nas g-randes cheias, vai -se a ella a enxuto na vasante.

Hoje é um dos pontos em que se reúnem os ta- puyos quando vão á salg-a do pirarucu, e ahi fazem as suas feitorias. A distancia que medeia entre ella e a tauaquera, nSo cheg-a a uma leg-ua.

Este lag-o pela abundância de peixe foi sempre um dos pontos das maiores pescarias e diz a tradição

(*) Exploração e estudo do Valle do Amazonas. Rio Jamundá. Rio de Janeiro 1875, pg. 87.

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que outr'ora houve nelle ura pesqueiro real. Em outro trabalho fiz vêr que o actual lag-o, era outr'ora um braço do Amazonas.

Nesta ilha, pois, levantou o povo de outr'ora um atterro, onde enterravam seus mortos em ig-açauas, cujos restos ainda hoje se espalhados pelo terreno. A forma que affecta este atterro é pouco mais ou menos o de uma tartarug-a. ("Vide Est. I, Fig-. 2.^)

Este atterro é g-rande, mas em consequência da enchente que ainda cobria parte delle nao pude deter- minar bem, quer a sua forma, quer as dimensOes. Muitos fragmentos de louça e machados encontrei ahi. Da louça de barro e dos desenhos delia, tratei no capitulo anterior.

Tendo noticiado estes atterros amazonicos, estabe- lecerei agora os pontos de contacto que encontro entre elles e os americanos e as diíferenças que apresentam.

Na America de Norte os atterros sSo sempre a beira dos rios ou lag-os, em lugares alagadiços, raros ou em campos, no Amazonas também o sSo. Os de Marajó, sao em lag-os, em campos alagadiços, o de Obydos, a marg-em do rio e do Paru em uma ilha dentro do lago.

Nos burial places enterravam os mortos em uma posição assentada, nos atterros do Amazonas em ig'a- çauas, onde os mortos eram raettidos, encolhidos, assentados dentro delias. Geralmente, porém, serviam de jazigo perpetuo para as ossadas, assim também usavam no Amazonas, porém mettidos em igaçauas. Ainda hoje algumas nações indígenas seguem este costume, sepultam os mortos e tempos depois rocolhem os ossos, que depois de limpos sao guardados nas iga- çauas que se interram era cemitério especial. Os Pa- riquis, os Arauaquis, os Mundurucus, etc, ainda hoje

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assim o fazem. Os antigfos Manáos e Bares e outros mettiam os cadáveres encolhidos dentro das igaçauas, que enterravam em cemitério próprio, como pelo tamanho e forma pude verificar, como vimos no capitulo anterior e depois separavam os ossos que eram g-uardados em outras ig-açauas.

No enterro dos mortos, apparece esta differença, que julg-o foi modificada pela emig-raçao. Em vez de prepararem a sepultura no atterro, sepultavam as ig-açauas ossiferas, quasi unidas umas ás outras e em camadas, que attestam a duraçSo da tribu na mesma localidade.

Os moimds além dos cónicos haviam os de formas de animaes, os do Amazonas também eflfeetuam estas formas.

Encontram-se armas de pedra, fragmentos de louça nos sepulchros americanos, nos brasileiros encon- tram-se também estas armas com as mesmas formas. Emfim, sao tantos os pontos de contacto, que depois de maduramente pensar neste assumpto cheguei quasi a fixar minha opinião a respeito.

Estes atterros ainda me levam a fazer uma boa idéa, do estado de civilisaçao de então, comparando-a com a dos tapuyos descendentes dessas g-erações ha séculos extinctas.

Dao elles idéa de uma sociedade mais numerosa, mais intellig-ente e mais laboriosa do que a de hoje. Para levarem avante a construcção de um desses atterros, era mister nSo uma g-rande população, como a facilidade de meios de subsistência que era preciso ter á mão ; o que me leva a crer que eram agricultores, porque a pesca e a caça dispersa a tribu diariamente e um povo agricola poderia empre- hender taes obras.

20 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

As formas e os desenhos que ornara as suas ig-a- çauas, como vimos, demonstram que era também um povo em caminho para o templo da arte. Mas, a quantos séculos levaram a eífeito essas obras '? Nenhuma tradição encontro entre os nossos indigenas, e tendo a lavoura de nossos tempos, distruido o que nos podia servir de g-uia. isto é, a veg-etação, não posso senão me valer de uma autoridade. Sendo, como parece, contemporâneos dos Estados-Unidos, pelas formas animaes que apresentam, nunca terão menos de õOO annos, pelo calculo que fez o Sr. Laphara, servindo de base para elle as arvores que existem sobre os mesmos atterros.

Por essa idade vê-se que a civilisação araazonica, sendo posterior á do Peru, não foi comtudo introduzida por elle, porque então devia existir o uso de fundir os metaes, que não se encontra nas antig-uidades do Amazonas.

Estes atterros sepulchraes são os mais antig-os cemitérios que se encontram, porque os outros poste- riores, sendo sempre em terrenos elevados, quasi sempre também á raarg-ens de rios ou lagos, são feitos em terrenos naturaes.

Nas barrancas de Serpa, hoje Itacoatiara, em Manáos, no Tapajós, no Uauinchá afíluente do Jamundá, no Urubu, etc, encontrei cemitérios destes sempre em terrenos naturaes.

Procurei ir ao Rio Maracá, onde constava-rae haver preciosas relíquias sobre este assumpto, mas infelizmente, a epidemia que ahi reinava m'o im- pedia. Comtudo algumas informações pude obter do tenente da marinha imperial Lisboa que explorou este rio em 1872.

As igaçauas que ahi se encontram, e que elle

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ATTERROS SEPULCHRAES 21

trouxe, estão próximas a um grande lag'eado que ahi existe, mettidas em cavernas naturaes.

Estas ig-açauas examinei depois no Museu Paraense. Umas tem formas humanas, em attitude sedentária, com a indicação do sexo, outras de animaes com or- natos de phantasia.

O costume de enterrar os mortos em lug-ares ele- vados, nas proximidades de corrente d^ag-ua per- petuou-se até hoje, porém, como a população é menor, e as tribus entregam-se mais a caça e á pesca do que a agricultura, deixaram de fazer os atterros.

IV

Sernambys

Depois do que escreveu o meu amigfo o Exra. Sr. Conselheiro Dr. Guilherme Schúch Capanema sobre os Sambaquys no !• numero d'estes Ensaios, nada tenho a dizer acerca dos que existem dissiminados pelo sul do littoral, que, mesmo não os conheço, apenas trata- rei dos Sernambys do Norte, que a isto me leva a analogia que entre elles acho, com os kjoekkemmo- ding-3 da Dinamarca e Estados-Unidos. Por demais estão conhecidos os Sambaquys, no mundo scientifico, com o estudo que d'elle fez o mesmo Conselheiro em 1874, depois de ura estudo esforçado. (*)

A importância archeologica e ethnog-raphica que tem o Sernamby, está quasi sempre lig-ada a um facto geológico, como veremos quando entrar na descripção

(*) Este escripto foi publicado enj allemãe no Mitheilungen aus justus porthes geo^raphischer anstalt úber Wichtige neio eaforS' chungen auf den gesammtgebiete der geographie von Dr. A. Pe- termam. VI 20 band. 1874, pg. 2?8.

24 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

dos (lo Rio Amazonas. Não trataria d'este assumpto, sobre o qual tive occasiao de escrever, se não se prendesse a elle um facto que parece dar alguma luz ao descobrimento do Brazil, em tempo anti-Colom- biano.

Antes de entrar na appreciação dos Sernambys, como tenho de comparal-os aos kjoekkeramoding-s di- namarquezes, cumpre mostrar o que são estes. Deno- minam os dinamarquezes kjoe kkenmoedding os grandes montes de conchas que se encontram próximo ao seu littoral, dirivado de hjoekken cozinha e moeddimj resto, monturo, entulho, etc, Datam as suas pri- meiras investig-ações do anno de 1845. A primeira commissão que investig-ou os seus mysterios, foi com- posta dos Srs. Forchammer o pae da g-eolog-ia na Dinamarca, Worsae, celebridade archeologica e Steen- strup zoolog-o e botânico muito distincto, que apre- sentaram seis relatórios, publicados de 1850 - 56, dirigidos á Academia de Copenhague.

Acham-se estes restos de cozinha, hoje longe da costa o que denota o deslocamento do már, e encon- tram-se n'elles instrumentos de pedra, ossos de ani- maes, espinhas de peixe, restos de louça e outros objectos que provam que são montes artificiaes feitos com os restos das conchas que comiam, segun- do uns, em épocas geológicas. Entre nós havendo as naturaes, formadas pelos berbigões. {Cryptogramma macrodo7i, Lam.) existem também os artificiaes todos, porém, pertencentes a um período comparativamente moderno. Quer uns, quer outros, sempre nos provara a emersão da costa ou o deslocamento do rio.

Nos Estados-Unidos, segundo refere o Dr. Jeífries Wymen, existem os de Mouut Dessert, Crouch's Cove, Eagle Hill e Cotuit Port, além do que existe em Da-

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mariscotta, examinado pelos professores Jackson e Chadbourne, o da ilha de S. SiiiiTio, na Georg:ia, des- cripto por Lyell e os de New-Jersey e K eyport, des- criptos por Charles Raw. Como nos da Dinamarca, nos dos Estados-Unidos sempre o homem apparcce, ao lado da emersão da costa. Vem sempre os seus ins- trumentos, com o seu costume provar que então o oceano ou o rio d"onde tirava o alimento estava a seus pés.

Se bera que a forma que os Sernambys apresen- tem, seja a de todos os monturos ^'eitos pela mão humana, comtudo o uzo que deu lug-ar á sua for- mação nos uma idéa de costume dos Dinamar- quezes, o (jue parece ser comprovado pela forma e matéria dos instrumentos que n'elles se encontram. O achado destes kjoekkenmoeddmg-s, em lug-ares onde os traços normandos se encontram, é um facto, que vem dar luz sobre os Sernambys do Amazonas.

Neidmma noticia até o presente existia sobre estes montes de conchas, no interior dos rios, fui eu quem primeiro noticiou em um Relatório dirig-ido á S. Ex. o Sr. Ministro da Ag'ricultura, em 1872.

Estes montes de conchas, são conhecidos por Ser- nambys, [*) nome que dão os indígenas á toda e qualquer porção que se encontre de conchas {ilnn) quer pelas marg-ens dos rios, quer pelas praias.

A palavra Sernamby, hoje corrupta, pode ter duas traducçOes ; uma exprime perfeitamente o pensamento do Índio, outra parecendo traduzil-a melhor, nada explica. Quanto a mim, quer dizer: restos da vazante

{') Dão também, pela semelhança, este nome aos restos que se perdem no processo da coagulação da í^omma elástica, [Siphonia elástica) que formam a borracha ordinária,

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ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

e não orelha de narangueijo. Cora effeito, quando es- tudei o caracter do iudio, uma das cousas que mais me chamava a attenção era a propriedade na appli- cação das phrazes, que sempre caracterizava a ex- pressão do pensamento. A contracção das syllabas, deu a suppressão de lettras, que a diíficuldade plio- netica fez com que o civilizado formasse uma palavra quasi differeníe da primitiva. Sernamby, diriva-se de senjc, vazante da maré, e sembyr restos e não sery caraug'ueijo e nambxj orelha. Parece ser esta a ver- dadeira traducção, mas, esta nada exprimindo em re- lação ao objecto, aífasta-se do génio da ling'ua que tão bem aqui explica a origem. Com eífeito é sempre depois que vaza a maré, que nos pontos onde en- contrei os Sernambys ainda influe, que se encontram as conchas, que ficara pelas praias como, reatofi ou como refurjo da maré.

Os molluscos da classe conchifera que formam estes monturos, não são d'aquelles de vida social, como o marinho berbigão que formara raontes quando ficam em secco, quando ha emersão da costa do oceano ; não, as espécies que tive occasião de examinar, vivera solitárias e apparecem na vazante do rio, em muito pequena escala. São por conseguinte artifi- ciaes estes montes, e mostrando a quantidade que então havia, faz ver qne foram erguidos por uma tribu que annualmente ia á sua pesca.

Na foz do Amazonas, onde ainda o mar tem in- fluencia, onde os molluscos marinhos se apresentam, existiram ouVora tarabem grandes depósitos d'elles, naturaes e artificiaes.

Transcrevo aqui integralmente um raanuscripto antigo, que lera por titulo « Memoria sobre duas minas

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de conchas de Seruamby, pelo ajudante Pedro de Fig'ueiredo Vasconcellos,

« No meio do secco Miridumba, que passag-em para a Bahia do Atapú, para a parte do N, em dis- tancia de 1[2 lew-ua, entrando pelo mato para o dito rnmo, es;t5o 2 minas de Sernamby, que a maior terá de circumíerencia 40 biaças e de profundidade 25 palmos, e a segunda terá de circumíerencia 15 braças, e de profundidade 20 palmos.

« Nestas duas minas pois, trabalhando os mora- dores de Cintra a mais de 80 annos, se nao tem per- cebido diminuição sensível. Nellas se acham, além das cascas de Sernamby, peixes petrificados, ossos de corpos humanos, pedaços de louça de barro de cozinhar, e outra de louça branca, muitos ossos de aniraaes terrestres, búzios g*randes e pequenos, cascas de ostras e de outros muitos mariscos. Outras mais minas destas cascas ha, da outra parte do Atapú, e me dizem por toda costa que d'aqni vai até o rio Gurupi, se encontram outras. Elias se acham na sua superfície cobertas de uma pequena codêa de terra, e sobre esta se achão nascidas algumas arvores de pequena grandeza, e as suas raizes lançadas á su- perfície da terra. As differentes qualidades de cascas de peixes, de insectos e pedaços de louça dao uma certeza phisica de que o Oceano cobria esta terra, pois que estes mariscos não se criam senSo nelle ; a sua prodigiosa e infinita quantidade mais a cer- teza de que o dito Oceano cobria largo tempo estas si- tuações, pois (pie este ainda hoje lhes está vizinho, e eíitre as muitas cousas que ainda hoje se vem en- costar pelas praias, são sempre em quantidade estas cascas. Algumas outras destas minas se encontram em partes altas, e distantes do már ; mas nem por issso se lhes deve dar outra cauza para sua forma- tura, senão a do Oceano. Esta raridade é um pro- digiozo manancial donde se pode extrahir cabedal immenso na factura da cal, etc. »

Por esta memoria, vê-se que sendo natural ò banco de Sernamby, houve emersão da costa, mas quer me parecer que um povo ahi se reunia annual- mente, indo á pesca dos molluscos, e voltando para

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talvez com festas fazerem seus loanquetes. (*) O cos- tume do partirem para a pesca, para a caça, ou para o apanho dos fructos anaual mente, para depois faze- rem festas ainda hoje se perpetuado entre os gentios 6 os tapuyas.

Os Mundurucús festejam annualmente a mãe dos animaes, que consiste na reunião do povo das di- versas malocas em uma, onde passam dias comendo a caça miiqueada de mezes de caçada; os Pariquis reunem-se para comerem fructas que trazem para as malocas, e os tapuyos ainda hoje, no tempo do piquiá, do uixi, do pajurá, abandonam suas casas e vão para as mattas onde passam o tempo d'essas fructas, co- mendo-as e reduzindo-as a óleo para suas ig-uarias ou para alumial-os. Com a salg-a do pirarucu dà-se também o mesmo facto, de abandonar seus commo- dos pela vida nos lagos durante o tempo da secca. Tinha pois a população de outr'ora o mesmo costume, que se perpetuou, porque a matéria de que se compõe o resto de seus banquetes é não duradouro orno também porque dando pouca comida fornecia muito entulho, o que se não com os fructos. Com a di- minuição sensível que tem tido as ag-uas do Amazonas, foram desapparecendo as conchas, e a civilisação atravessando as suas margens, foi acabando com esse costume, que me parece foi ligado pelo.s antepassados dos que habitam nossas florestas. A idéa do diluvio que tem quasi todas as tribus com que tratei, a idéu do Creador, expressa por Tupana, e a da de utn filho d'est3, Rairu, dos Mundurucús, parece que veio por aquelles, que desceram a America, vindos do Norte da Europa.

(*) Além d'esle Sernamby, existem outras minas nos actuaes mangues próximos á Salinas, que provam ainda a emersão da costa.

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U.s kjoekkerninoddiiig's, que se encontrara na Dinamarca, quando na Europa muitos sao os paizes banhados pelos seus diíferentes mares, indicam o re- sultado do uso peculiar do povo de Odin, que também apparece representado na America do Norte, em certos lug-ares onde o mesmo povo habitou ou passou, e assim sempre que apparocera esses restos de cozinha, acham-se objectos que nos lembram a sua orig'em. No Brazil, onde appparecem os Sambaquis, quasi todos naturaes, em alg-uns encontram-se vestig-ios humanos, que muito nos faz lembrar os costumes normandos. No Amazonas apparecem os Semauibys, todo da fei- tura de homem, que mais ainda nos recorda o uso skandinavico. O primeiro que examinei foi na base da Serra Taperinha, no rio Ayayá, (*) onde está as- sentado o eng-enho do meu amig-o e Exm. Sr. Barão de Santarém. (**)

Distante da marg-em do rio, onde raríssimos são os molluscos que se encontram, na base da serra onde hoje nem as maiores enchentes attiug-em, ahi existe a mina de Sernamby.

Quando se estabeleceu o eng-enho, s^^ndo preciso a^iia para mover suas machinas, buscou-se uma pe- quena lag-ua que ahi ha, e para trazer-se as ag-uas foi necessário abrir-se um canal. Na abertura d'este encontrou-se o Sernamby, que depois tem sido apro- veitado para o fabrico da cal, d'ahi o nome de mina. N'essa occasião foram encontrados, entre o mesmo Sernamby al^^-uns ossos humanos principalmente cra- neos. Examinando, excavando em alg-uns lug-ares, pude também encontrar não machados de diorito,

(*) Colhereira, (Plataléa).

(**) Rio Tapajós, por J. Barbosa Rodrigues. Typ. Nac. pg. 36,

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como frag-mentos dos mesmos, de louça, alg'uma com fuligem, espinhas de peixe-boi, ossos de pássaro, etc, que existiam encravados nos diversos stractus de que se compõe a mina de Sernamby.

Estudando vi que as conchas sao modernas, ainda com representantes nos rios Amazonas e Tapajós, e que apresentaram três espécies dos géneros Cas- talia, Unio e Hyarea.

Estão quasi todas em decomposição, promis- cuamente, em stractus, separados por pequenas ca- madas horisontaes de húmus, que mostram que o deposito foi feito era varias épocas. Diíferentes de- pósitos ou monticolos d'estes, existem espalhados, todos com a forma cónica, tendo a base do maior mais de 25 metros de diâmetro. Serrada vegetação os cobre, deixando transparecer aqui ou alli a sua superfície. Examinando a structura geológica do ter- reno cheguei ao conhecimeuto de que outr'ora o Ama- zonas corria quasi pela fralda da serra, deixando uma pequena margem onde os Índios tinham formado o Sernamby. Uma ou mais enchentes cobriram essa margem quando o Sernamby estava feito, e reti- rando-se depois deixou-o rodeado de terras de allu- vião, que formam hoje vargem, fícando o terreno primitivo coberto por um igapó. N'esse deslocamento do rio, formaram-se diíFerentes ilhas, o Ayayá tomou outro curso, forrnou-se o furo Ituqui e novo aspecto tomou ahi a natureza. Estes deslocamentos e forma- ções e distruição de ilhas ainda é de nossos dias. Exa- minando o alto da serra encontrei as terras pretas, onde existiram as malocas, e n'ellas encontrei di- versos instrumentos de pedra, como machados, (Vide Est VI flg. 37, do numero destes Ensaios) assim como fragmentos de louça, iguaes aos que encontrei

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no Sernamby. Habitava ahi a tribu que formou o deposito, o que mais me certificou o achado de al- g-umas conchas na mesma terra. Desciam do alto da serra para a marg-era, por um fundo vallo, artifi- cial, que os encobria, o que parece indicar que pro- curavam ahi andar sem serem vistos, talvez por alg-uma tribu inimig-a que nas proximidades existisse.

Dou aqui um traço vertical que mostra a posição do fcernamby e a structura do terreno que o rodeia.

Este deposito é todo artificial e a enchente que em parte o cubrio, foi tao gradual que não destruio a sua forma primitiva. O encontro das espinhas, dos ossos de pássaro, mostram que ahi se reuniam, de volta da pesca e da caça e não eram tão bárbaros, porque uzavam as comidas cosidas em vasilhas de barro bem preparadas, o que se deprehende dos fragmentos com fuligem que encontrei.

O encontro das ossadas humanas nos stractus do Sernamby, faz vacillar meu espirito, não tendo en- contrado nenhum facto que justifique a sua presença entre esses restos, sem duvida alguma de cozinha .

Seria algum cadáver abandonado ou sepultado ahi? Serviria esse deposito também para sepultura ?

Creio que não ; os Índios que tanto fog-em dos mortos, não banqueteariam sobre as suas sepulturas. Não ha exemplo de uma tribu que tenha este uso.

Serviriam os corpos d'essas ossadas de iguaria para seus festins, mostrando assim que eram anthro- pophagos ?

Também não o creio. As tribus ribeirinhas, são echthiophagas e carpophagas, raríssimas são as que se entregara ao alimento da carne humana. Profundo véo, cobre este mysterio que se tivesse tido mais tempo, alguma excavação m'o descobriria. Quero anteg

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pensar como o Conselheiro Capaneraa, que fosse alg-um morto ahi abandonado como lixo. E' também o que se deprehende d'esta phrase relativa aos Índios do interior do littoral do Sul : « Pois se alg-um indio morria no tempo da pescaria, servia de cemitério a ostreira na qual depositavam o cadáver e depois o cobriam com conchas. » (*)

Outro Sernamby também existe retirado das marg-ens do actual Amazonas a uma leg-ua para o interior da marg-eni direita, no sitio denominado Pau mulato, próximo á marg-em do lag"o grande de Villa Franca. Este lag-o outr'ora denominado Tucumá, e depois das Campinas, foi o antigo leito do Amazonas, que por ahi passando, costeava a actual Villa Franca, marginando depois a Serra do Piquiatuba. que não é mais do que o prolong-amento da Serra da Taperinha. Tinha então o Rio Tapajós outra foz á alg-umas milhas do Sul, com uma largura excessivamente g-rande em relação á que tem hoje.

N'essa época, o mesmo povo construio o Ser- namby do Páu mulato. Esta tribu foi a que também construio o aterro sepulchral do Cariramba.

Está situado o Sernamby à marg-em do lag-o, coberto em parte pela vegetação, e occupando uma g-rande extensão. Parte está soterrado pela mesma alluvião que também soterrou o da Taperinha, porém como o terreno ahi ficou mais baixo, e as enchentes annuaes cobrem esse espaço, a parte cónica superior tem sido destruída e espalhada pela circumvizi- nhança. As conchas do Sernamby do Páu mulato também são bivalves o da mesma espécie dos g-eneros citados, primando o Unio.

(•) Madre de Deos, Memorias para a Historia da Capitania ^eS. Vicente, etc, lib. I, n. 3i.

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Como no da Taperinha alii também os instru- mentos de pedra, os fraí^'inentos de louça se encon- tram ; então com a superfície decomposta pela acção dos aguentes uaturaes á que estão expostos.

Julg-o que este monturo é contemporâneo do da Taperinlia, e que a mesma enchente que actuou sob''e um, aterrou o outro, destruindo também a ilha em que existiu a tribu das Amazonas, lig"ando-a á terra firme por meio da alluvião. Uma g"rande enchente cobriu terrenos onde hoje a maior raras vezes tem attingido.

Estes Sernambys, ou restos de cozinha, mostram um costume que não era g-eral no Amazo.nas, pois se o fosse, havendo facilidade no apanho dos moUuscos, como os mesmo>: monturos o provam, g-eral devera ser também o encontro d'estes. Perpetuam pois estes restos de cozinha, o costume de um povo que ahi existiu, ou por larg-os annos ahi viveu em época anti-colombiana.

Razões me levam a crer, que aquelles que fize- ram esses monturos, vinham emig-rados do Norte, onde deixaram os mesmos monturos e atterros sepul- chraes, perpetuando sua estada, além d'outros sig-naes que parece também deixaram como traços de sua passagem, logo que pizaram nas terras Sul Ame- ricano ; quero fallar das Inscripções.

De quando datam esses monturos, hoje monu- mentos archeolog"icos "? Nem a tradicção nem os factos nol-o podem responder. Julg'o, porAm, serem contem- porâneos dos aterros sepulchraes e muito anteriores ao anno de 1500, porque depois do anuo de lõiS, foi que ligou -se a ilha, onde Orellana encontrou com as Amazonas, ao continente. O abandono é do século XVI.

Qiu' a invasão dos descendentes dos colonos Nor-

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mandos, foi antes da grande alluviao Amazonica, nos vem provar as inscripçues das quaes passamos a tratar ; por conseg-uinte sao os nossos Sernambys muito mais modernos do que os kjoekkemmoding-s Dinamarquezes.

Inscripções

O viajante que sobe o rio Amazonas, ao chegar á Itacoatiara, (*) olhando para a margem esquerda, pouco abaixo da cidade d'esse nome, sobre as rochas que formam a alta encosta umas figuras gravadas; o regatao que penetra para o centro, sempre da margem esquerda, encontra em alguns lugares outras figuras, sempre gravadas nas rochas, mas, quer um quer outro passam indiff^erentes por essas relíquias d'outras eras, sem se quer parar para ob- serval-as.

Entretanto quanto nSo tem ahi o archeologo e mesmo o ethnologo que estudar !

Representam essas figuras, quasi todas symbo- licas, o passatempo do indio ocioso, ou representam ellas uma inscripçao, para nós indecifrável ? Se umas sSo filhas do ócio e ao mesmo tempo da habilidade

{'] Ita, pedra, coatiara, pintada.

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do Índio, quando descançava das fadigas da caça ou da pesca, outras parecem attestar que nao o ócio mas sim a necessidade levou a sua mao a gravar pacien- temente fig-uras, que para mim são inscripçOes. Entre as fig-uras que se encontram no Valle do Amazonas, desde a Guyana Ingleza até á marg'em do rei dos rios, de duas formas se encontram ellas feitas : por gravura e por pintura. Estas modernas como veremos, são os fructos da ociosidade, que nos perpetuam o grão de adiantamento do povo de então, mas, aquellas são provas de que uma necessidade houve que levou, não um, mas talvez muitos homens, por dias conse- cutivos de um trabalho assiduo, infadonho e rude, a abrir a face das rochas. Por muito ocioso que fosse o Íncola, admitte-se que levasse elle dias mesmo mezes, occupado n'um trabalho que lhe molestaria o braço, e que não lhe dava proveito algum ?

O Índio ocioso atira-se á rede, fuma o seu tauary, mas não se emprega u'um serviço que mostra não ociosidade, passatempo ou divertimento, mas sim um trabalho paciente. Comprehende se que nas figuras pintadas, feitas em minutos houvesse um passatempo, mas não n'aquellas gravadas, onde o tempo, a cons- tância, a força mostram a assiduidade e um trabalho mais duro do que a caça e a pesca. O individuo que as gravou, não fel-as por distracção, algum motivo o levou a isso.

Convém dar aqui uma ligeira ídéa da formação das margens actuaes do Amazonas. Conhecem-se n'ellas os igapós, as vargens e as terras firmes. Os igapós são os terrenos de alluvião moderna, cobertos em geral quasi annualmente pelas aguas, apezar de às vezes serrada matta as cobrir, primando quasi sempre n'ella as crcropias (embaúbas) as bombax (bar-

inscripcOes 37

rig"uJa) as bnelris fmarajás), alg'iimas, leguminosas , militas ipomceas, a urania Amazonica e muitas plantas sarmen tosas, além das gramíneas (canarana e miiry). Log-o depois de uma alluvião que altêa o terreno fi- cando pela vazante um pouco em secco, a primeira veg-etação que se apresenta sao as g-ramineas, se- g'ui(las log^o das cecropias e das salix Humboldtiana (Ayuranasj.

Log'o depois do ig^apó, seg-ue-se a varg-em, que é o terreno que vae alteando, mas que annualmente conforme a enchente também vae ao fundo. Ahi a veg'etaçno é mais forte, por ser o terreno mais antig-o, apparece o Astrocaryum mnrumuru, as geonomas, as bauhinias, as myrtaceas (pau mulato), a bombax ceiba (mungabaj, o Astrocaryum jãuary, a raphya taedigera (jupaty) a W alschanellia ( acapurana) , a syphonia elástica, a hiira braziliense, fassacu) a maurilia flexuo- sa, e muitas outras plantas como o louro [cordia] a rauirating-a, o arapary [caesalpinia] e muitas bauhi- nias e leguminosas

Estes terrenos ás vezes, minados pelas ag-uas sao arrebatados pelas correntes, e formam as terras ca- hidas, qne vão mais long-e formar uma ilha, aug-men- tur uma marg-em, atterrar um canal, etc, de forma que constantemente as marg-ens apresentam aspecto diverso. Vi n'uma noute, no Arapirang-a, o Amazonas arrebatar ura terreno eleva-lo com 500 pés de cacau.

Mr. G. Gravier na seg-unda sessão do Cong-resso dos Americanistas, que se celnbrou em Nancy, no dia 19 de Julho de 1875, tratando das inscripções da Dighton Wriíing Rock, que existe no Estado de Massa- chusset, no território de Berkeley, condado de Bristol, assim se exprime : « L'horame à Tètat barba re, dont les déplacements sout determines par la g-uerre ou

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par la faim, n'a jamais rien fait de pareil. Les peu- plades que nous avons troiivées daas TAmérique dii Nord, savaient graver sur les arbres quelques signes hiéroglyphiques pour sig-naler une victoire ou le re- sultai d'une chasse ; mais ig-norant Tuzag-e des mé- taux, ils n'eurent jamais Tidée ni les moye is de tracer sur le granit un soavenir durable de leurs aventures. Cette particularité porte naturellement à conclure que toutes les inscriptions lapidaires de TAmérique du Nord, sont Toeuvre des races étran- gères plus ou moins civilisés. »

Essas figuras que parecem pela sua naturalidade e pelo que representam, serem feitas por mão infantil ou pela do curioso guiado pela natureza, compara- das, apresentam tal unidade de pensamento que me parece nâo foi o que a imaginação na infância da arte produz, o que levou o artista a representar. Essas figuras comparadas, e aquilatado o trabalho, mostram-se como inscripções.

Mais uma razão, se me antolha, para assim pensar.

Habitadas como foram outr'ora, e como seria nos tempos prehistoricos as margens do Amazonas, por- que não appareceram artistas gravadores na margem direita ? Se a natureza, o passatempo levava uns a gravar, porque não empellia a outros *?

O Índio, como a criança, começa sempre os seus desenhos por linhas rectas, que combinadas quando a arte progride, produzem uma variedade de modelos, que mais aperfeiçoados chegam a attestar certa ci- vilisação.

Como vimos na arte cerâmica, todos os desenhos, quer gravados, quer pintados, não são mais do que a recta aproveitada e combinada com arte.E' sempre n'um periodo mais avantajado, que apparece a applicação

INSCRIPÇÕES 39

da curva, ou a sua combinação. Na serie das gregas que apresentei, que combinadas formam os mais bellos ornatos, não se a curva senão n'uni gráo de muito adiantamento. Se as fig-uras não passassem de mero divertimento por desenfado, deviam ser do mesmo estylo das da louça porque os mesmos talvez seriam os g-ravadores.

Mas, não ; a mão que g-ravou a rocha a ser con- temporânea da que cinzelou a argilla, aífastou-se do estylo para representar uma idéa, que parece ser a mesma em todas. Não podem essas figuras deixar de ser inscripções, senão commemorativas de um feito no- tável, guias de uma população que emigrava.

E tanto mais razão me parece que tenho, quando n'uma das modernas vejo uma data, que de propó- sito, por mão civilizada, foi notada, como adiante veremos .

A linha que as inscripções gravadas seg-ue são sempre de um lado do rio; a direcção que toma, comparada com o estudo geológico, indica claramente que essas figuras são inscripções que serviram de g-uias a um povo que emigrava em dous ou mais bandos.

Se comparar-mos os costumes que tenho descripto, attendendo-se aos instrumentos, á louça, aos atterros e aos sernambys, com a direcção das inscripções, vê-se que foi do Norte que desceu a emigração ; do Norte onda foi a Vinlandia.

A posição que occupam hoje as inscripções, abs- trahindo-se o estudo geológico, a attribuir-se a gra- vura á emigrados desceram por terra.

Entretanto assim não é. As inscripções que hoje estão long-e da margem do Amazonas, outr'ora eram banhadas pelas suas aguas.

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Vejamos ; a marg-em esquerda do Amazonas desde a foz do rio Negro até á do rio Uatumá, é considerada como terra firme por todos os g-eogn-aphos : e entre- tanto, todo este espaço não existia outr'ora, e era oc- cupado pelo Amazonas que muito posteriormente, com as suas alluviOes unio as ilhas que existiam ; formou a actual margem, mudando as fozes dos Rios Uatumá, Anibá, Urubu e Matary e conservou alg-uns lagos.

Assim as ilhas de Matapy, Arauató, Ayby, onde hoje está Itacoatiara, Canacar, Panema, Uretu e Cu - cuar, que existiram até 1785, pouco mais ou menos formam todas unidas, a marg"em esquerda hoje cor- tada por alg-uns furos nas enchentes.

Transcrevo aqui o que publiquei no Diário do Grao-Pará de 20 de Fevereiro de 1875, à respeito de uma parte d'essa margem.

Quando, escreveu-nos nosso illustre amig"o Sr Dr, João Barbosa Rodrig-ues, dirig-i-me a S. Ex. o Sr. mi- nistro da ag-ricultura, depois da arriscada exploração do Urubu, ao tratar do curso deste rio e da sua cons- tituição g*eolog"ica, fiz ver que todo o terreno com- prehendido entre o braço do Amazonas chamado Arauató e a actual foz do mesmo Urubu, era de al- luvião moderna, que ainda hoje se alag-a e que outr'ora não existia, devendo então o Amazonas passar pelo espaço comprehendido entre o Arauató e a villa de Silves, desag-uando nesse tempo o rio em questão pouco acima do Arauató e o seu affluente Anibá mais abaixo.

Pela diminuição sensivel que tem tido as ag-uas do rio-mar elevaram-se os terrenos e formaram ilhas, cujos canaes depois de se fecharam, ou pela enchente dão passagens ás aguas do Amazonas. Demonstrando que o Urubu tinha uma foz, que se commettia erros considerando o Arauató como desaguadouro do Urubu, como querem todos os autores que por informações escreveram sobre esse rio, fiz ver que ainda hoje existiam nove canaes (Cana, Santo António, Cainamá, Arauató, Uixityba, Carão, Canaçary, Curuçá e Pyra-

inscripçOes 41

mirim) e nao seis, como diziam os mesmos autores, mas que contribuem com águias do Amazonas para o aug-mento do volume do lago Saracá, (Rio Urubu) e não dão sabida era época alg"uma ás ag-uas negras deste rio para o Amazonas.

Tal era minha opinião baseada nos estudos a que procedi, quando inesperadamente veio-me ás mãos o Mappa da capitania de Mato Grosao, de que dei no- ticia, e que confirma o meu juizo. Ainda no século passado apresentava-se o terreno como eu disse acima. Demonstra o mappa que então de S. José do Amatary ás barreiras hoje chamadas Carará-ucú, formava o Amazonas um vasto archipelago, que se lhe estendia pela margem esquerda, composto de nove ilhas, por entre as quaes largos canaes levavam as aguas do Amazonas, que iam banhar as fraldas das serras agora denominadas Jaraquy e Uatá-pocú, que marginam a parte N do lago Saracá, de hoje, e ahi formava uma ampla bacia em que havia sete pequenas ilhas, na mais oriental das quaes ficava a aldeia Saracá.

A primeira, de que o referido mappa não a denominação, faz hoje parte do lugar Amatary e era separada da ilha do Matapy por um canal que é hoje o Furo de Santo António. Separava-a da ilha do Arauató o canal que hoje existe com esta deno- minação que também a dividia da do Ayby com o canal' deste nome ou da Trindade. Nesta ilha ficava a aldeia Itaquatiara. Um outro canal, o Canaçary de hoje, distanciava a ilha Ayby de outra sem nome, que era separada da do Canacar por outro canal que não existe. Seguiam-se-lhe immediatamente as ilhas Paneraa e Uretú, entre as quaes corria um largo canal que ainda hoje passagem a vapores e que chama-se Paraná-rairim de Silves ; ahi desagua o rio Urubu. A esta segue-se a ilha Cacuar divididida em três pelos furos Urucará e Cucuiary. A maior delias era a do Ayby, defronte da qual desaguava o rio Anibá.

Estes canaes, considerando-se-Pho pela escala do mappa que chega quasi a meia légua de largura, deviam então offerecer facílima navegação aos mais possantes barcos, até aos maiores vapores que hoje sulcam em todos os sentidos o rio-mar. A acção das aguas do Amazonas porém, fez desapparecer alguns 6 estreitou por tal forma outros, que durante as enchentes podem navegal-os pequenas montarias, que

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42 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

pelo verão ficam totalmente seccos. Assim todo o ar- chipelag-o não forma hoje mais que urna vastissima ilha, limitada ao norte pelo rio Qrubú, as sul pelo Amazonas, ao oeste pelo Paraná de Silves (Amazonas) e a leste no inverno, pelo Arauató. Depois de ter creado este novo terreno, vai o Amazonas destruil-o, em demanda de seu antig-o leito, e ante& que tenhain- se passado alg"uus annos ha de a ilha de Silves estar outra vez no Amazonas. Os terrenos próximos ao furo Caruçá estão tão destruidos que é impossível que uma ou duas grandes enchentes mais, não consigam abrir passag-em por ahi e unir o pretendido lag-o Saracâ ao Amazonas.

Tendo encontrado a confirmação plena da opinião que baseava em estudos mais ou menos especulativos, escrevi esta noticia que serve de complemento á que dei ha tempos sobre o Urubíi. Fui o primeiro que explorou este rio, e deve-se-me relevar que occupe- me com tudo quanto com elle tiver relação, mormen- te tendo por fim fazel-o bem conhecido.

As inscripçOes que existem, nos mostram a marcha do povo emigrado, desde o Norte até á foz do Ama- zonas, onde os Neeng-aybas, essa tribu de costumes e civilização adiantada com sua ling-nagem diJBTerente, parecem ser os últimos descendentes.

Como temos visto a semelhança entre os uzos e costumes do povo que habitou o Amazonas com os dos Normandos é g-rande, e parece que foram seus descendentes que para o Sul emigraram.

Creio que depois de interrompido o caminho que tomavam os Normandos estabelecidos na America do Norte, para Europa, em procura d'outro, aventuraram- se aos mares tomando para o Sul.

Costa á costa, desceram ás Bahamas, e posto que as correntes e os ventos alizios lhes fossem centrarios, de ilha em ilha cheg-aram as Antilhas e á Trindade e tocando no continente, pelo Orenoco e pelo Ezequebo

INSCRIPÇUES 43

appareceram no Amazonas, atravessando as serras, ou descendo pelo Caciquiare e Rio Negro.

O que era esta marcha, para os ousados nave- gantes, que atravessavam da Dinamarca á Islândia, desta á Groelandia e vinham á Helluland it Mickla, (terra do Lavrador), Litla Helluland, (Terra Nova), Marckland, (Nova Escossiaj e cheg-avam á Vinlandia, Estados-Unidos ?

O caminho a percorrer era menor, e pouco tempo tinham a terra fora das vistas.

No Amazonas, costeando sempre a margem es- querda demorarara-se entre o rio Jamuudà e a Serra da Escama.

Na Costa do Paru, deixaram vestígios, com os muiraquitans das pretendidas Amazonas e no atterro sepulchral, que fica uo lago próximo. D'alii seguiram atravessando para outra margem e encontrando uma ilha que ahi devera existir, e que mais tarde foi o casco que sérvio para a formação da Costa dos cacoaes, a que forma hoje a do lago Grande, e n'ella se demoraram. O atterro sepulchral e os sernambys o confirmam.

Descendo ainda foram dar á foz do Rio Tapajós.

Cumpre notar, que a geologia mostrou-me que, toda essa região compreliendida entre o lago Grande e Villa Franca, no Tapajós, nRo existia. Essa grande lingua de terra que vem d) rio Arapinns á Ponta Negra foz actual do Tapajós, onde estão os lagos Ca- rariacá, do Veado, furos Arapixuna, Jary, etc, tudo isso não existia então. Por conseguinte a marcha então foi da ilha fronteira a Obydos (qne não existe hoje) á ponta de Villa Franca onde desagua o Rio Arapiuns, que conflnia com o Tapajós, e ahi levados pela corrente foram dar á Santarém, onde ainda se

44 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

demoraram. Que a foz do Tapajós era outr'ora entre Villa Franca e a ponta do Cururu, tive occazião de o dizer. (*)

Parecendo os sernainbys estarem longe do Ama- zonas, estavam à sua marg-em então, na mesma di- recção e caminho da Serra da Escama, ultimo ponto das inscripções.

Esta marcha que dou ao povo vindo do Norte e que terminou em Marajós, é toda marcada pelas ins- cripções, pelos atterros e pelos sernambys.

Passo a dar aqui as inscripções, que se encon- tram desde a Guyana Ing-leza até o Amazonas, mos- trando antes como sao e como me parece que foram feitas. Como disse, duas espécies de fig-uras existem, umas pintadas e outras gravadas ; estas são as anti- quíssimas e aquellas as modernas. Tratarei por ordem g-eogTaphica d'aquellas em primeiro lugar que me parece se prendem â marcha do povo que supponho e em segundo das pintadas que datam de pouco mais de um século.

As figuras que se gravadas, são abertas nas rochas, quasi todas de grés, formadas de areia grossa cimentada por uma argamassa quasi sempre de sex- quioxido de ferro. São rochas extremamente duras, diíiiceis de gastar-se, a não ser por decomposição ou trituração.

A forma das figuras e o que representam, -se pelas estampas e são formadas por sulcos fundos, ás vezes de 2 pollegadas de profundidade, cujo leito é liso e concavo, semelhante á face interna de uma me- tade de um entrenó de bambu.

Esta forma claramente indica que foi feita por

{*) Rio Tapajós. 1875.

inscbipçOes 45

ura iiistriimeato roliço de pau, pedra ou ferro por fricção, auxiliado pela agua e a areia. O parallelisrao que conservam as duas linhas marg-inaes, que termi- nam os sulcos que formam as fig-uras, mostram que o instrumento corria em todo o comprimento das partes componentes.

Este processo moroso e fatigante, que duraria dias a obter o resultado, que ainda hoje se observa, não podia deixar de ser feito senão com um fim útil e não por passatempo.

A profundidade dos mesmos sulcos, que tem atra- vessado os séculos e desapparecido com a acção do s agentes naturaes que tem actuado sobre toda a rocha, indica que esse trabalho procurou perpetuar algum facto notável.

Exprimirão ellas um pensamento? E' fora de du- vida que sim, sem que representem letras. Cada fi- gura é um symbolo e combinadas produzirão um pensamento, cuja decifração ainda não teve uma chave. Se coraparar-mo-las com as inscripções runicas, nada ha de semelhante, mas no entretanto encontram-se figuras de reptis, como cobras que se também em alguns cipos dos descendentes de Odin.

Devo ao meu amigo, Sr. Dr. Charles Brown, (*) as informações que tenho sobre as inscripções da Guyana ingleza, estudadas por elle quando commis- sionado pela Sociedade Geológica da Guyana. En- controu elle diversas inscripções no Rio Quitaro, perto da aldeia de Karahanang, na Serra de Paracaina, no rio Correntyne, no rio Berbice e nas cachoeiras de Marlissa. São gravadas em rochas de granito, quartzo porphyro e gneiss.

{*) o jornal da Sociedade authropologica Ingleza, publicou sua observações sob o titulo Indiam pictures Writing.

46 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Levando eu em 1874, o mesmo Sr. á Serra da Escama, no Amazonas, onde tinha eu descoberto al- g-umas inscripções, achou elle tanta analog-ia entre estas e as encontradas por elle na Guyana, que disse- me, nSo duvidar aífirmar, que uma emigração da Giiyana houve para o Amazonas e calculou a sua idade em 1000 annos, pouco mais ou menos idade que tinha achado depois do estudo que fez nas da Guyana. Essa idade achada pelo Sr. Brown, vem em meu auxilio.

Eis o que ultimamente disse o mesmo Sr. :

« A few days after our return, in company with our friend Dr. Barbosa Kodrig-ues, the Government botanist from Rio de Janeiro, who at the time was making- collections on the Amazon, we visited the isolated hill called Serra da Escama, which lies close to the town, in order to view the Indian pictnre writing- on some rocks upon its summit. Following- ag-ood cart-rood until it terminated at a quarry, some distance of the hiirs southorn side, we struck of up an open grassy slope to its clear top, 300 feet above the river, where amongst a few scathered trees lay larg-e blocks of coarse, ferrugiuoLis sandstoue upon which were depicted numerous inscriptions of scroll- work, and, in one or two instances, rude represen- tations af bird's heads.

These forms were very similar to those seen in British Guiana, but instead of beiug- cut in very hard rock were deeply grooved in soft ones, evidenthy because there were no harder rocks in the neigh- bourhood. One block shouwed plainly that a large portion of it had cracked, and subsided to a slighthy lower levei, since the writing was made upon it ; while a large basin chai)ed cavity, formed by sub- sequent weathering-, attest the great antiquity of the sculpturing-. (*)

(*) B. Brown. Fifteen thouzand miles on the Amazon and its tributaires. London. 1878, pg. 217.

INSCRIPÇÕES 47

Datara as inscripoues do anno 800 á 1000, época anterior á descoberta da America e que quasi coincide, cora a do desapparecimento dos povos da Vinlandia. Outra prova apparece na aaalog-ia que existe, entre as nossas inscripções e as JN'orte-Americanas. A tra- dicção nada nos esclarece ; os Índios actnaes não tem a menor idéa de quem as fez, e um ponto de con- tacto encontro nas respostas dos Índios nossos cora os da Guyana.

Quando a elles se perg-unta quem fez essas g-ia- vnras respondem : Ttipana.

Além das inscripções da Guyana Ing-leza, que se estendem até próximo ao rio Capú, no Trombetas, existem as do rio Neg-ro, em Venesuella e as que ficam perto de Sta. Izabel, S. José e Castanheiro, em território nosso. As mesmas inscripções levam-me a crer que em dous ou mais bandos desceram os emi- grantes ; g-uiando ellas o caminho aos mais atrazados.

Um bando vindo do Orenoco, desceu pelo rio Neg-ro e outro submdo pelo Ezequebo, cheg-ando a Serra da Paraima, desceu pelo Rio Urubu, até Ita- coatiara.

Uma espécie de poço aberto na rocha viva, e en- feitado internamente por inscripções que existe na Serra da Escama leva-me mais long-e esta hypothese, a marcar ter sido ponto de reunião ahi dos emig-rantes.

Apresento em primeiro lug"ar as inscripções da Guyana Ing-leza e em seg-uida alg*umas do Rio Neg-ro.

Não faço descripção, porque a vista melhor com- prehende, mas farei alg-umas observações sobre a que se encontra no Itacapam, no Rio Neg-ro. (Vide a estampa).

No primeiro capitulo d'este tosco trabalho, fal- lando das inscripções, fiz ver que uma que dava muita

48 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

luz, a mesma crença de que o Brazil foi visitado pelos Normandos, e d'elle nasceu a civilização que se expressa nos restos soterrados, era uma que repre- sentava uma embarcação, com formas não conhecidas. Com effeito a data da g-ravura sendo superior a 800 annos, não era possivel, que os Índios habitant(ís do Rio Neg-ro tomassem por modelo, as que apparece- ram depois da primeira que passou em 1541, condu- zida por F. Orellana. A' America não tinha ainda apportado Christovão Colombo, quando o artista re- presentava na pedra barcos que então uzavam.

E' sabido que os antig-os dinamarquezes, esses, Soekongar, ou reis do mar, tinham as suas embarcações solidas e feitas com luxo, ás vezes até com dourados e esculpturas. Chamavam-se drakar, por terem não na proa como na popa, figuras as vezes de drag-ões.

Ora, comparando as formas da gravura da es- tampa com as das embarcações antig-as da Dinamarca, vê-se que são muito, semelhantes.

E' um drakar, com o seu drag-ão na frente, que se a gravura não mostra esculptura, indica uma fi- gura, que nada tem de semelhante com os gurupés das nossas embarcações.

As figuras que se seguem são copiadas das que Wallace, encontrou no rio Uaupés (*). Como se vê, estas parecem querer indicar, serem feitas sem uma significação, porque representam, apenas figuras hu- manas e de animaes como as fazem a infância, ou um povo bárbaro, e não ter significação ; mas, o indio indolente por natureza, não empregaria largo tempo em graval-as por passatempo, para distrahir-se as

(*) Traveis ou the Ama:ton and Hio Negro.

INSCRIPÇUES 49

faria com a linda tinta vermelha, que preparam com o sipó Carag-irii.

Seg"uem-se as da Serra da Escama. Fica esta Serra próxima do Amazonas, na cidade de Obydos a 300 pés acima do rio.

No seu cume em diversas rochas esparsas estão gravadas as iuscripcOes, pela maior parte hoje des- truídas pela alavanca do cavoqueiro. Entre ellas en- contrei uma, profundamente cavada, com raâis de um metro de diâmetro em forma de poço, _]ue penso que servia de reservatório para agma dos que ahi se es- tabeleceram. O trabalho de perfurar a rocha e depois ornar a face superior e interior com desenhos, ujna idéa muito iisong-eira do povo que ahi se demorou.

Esse reservatório poderia ser para o de aguas pluviaes, para d'ellas se aproveitarem, visto como a ag'ua do rio é difficil de para ahi ser levada,

Se foram os emig-rantes, parece que o primeiro bando ahi se demorou largo tempo, e talvez cansado de esperar, seg^uiu para a marg*em fronteira e d'ahi foi ao Tapajós, onde os primeiros Sernam.bys se en- contram, deixando a inscripção para guial-os.

As inscripções do alto da Escama vao desappa- recendo, debaixo do marão do calceteiro, para calçar as ruas de Óbidos, onde em alg-nns lug-ares se en- .contram pedras com signaes de inscripções.

Quando ahi estive, instei para que se acabasse com esta destruição, porém sem resultado. Cabe aqui dizer o que disse o mesmo Sr. Gravier, da destruição de rochas semelhantes : « Le pionnier des savanes n'est pas un artiste ; il ne voit sur les rocs que des g-riflfonnag-es insignifiants, traces sans but au hazard de Toutil, par des paresseux Indiens. Aussi, quand le sol est en culture, Thomme de science arrive trop

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50 ANTIGUIDADE? DO AMAZONAS

tard pour détromper le cólon ; la precieuse épave, comme un vulg-aire bloc de granit, a pris place dans uu mur ou dans les piles d'un pont. » (1)

Depois d'estas inscfipções não apparecem outras no baixo Amazonas, senão as que se nas rochas do alto da serra do Ereré, (1) na parte denominada Aruchy, que não são g-ravadas e sim pintadas. Estas tem de existência hoje cento e treze annos e foram feitas em 1764, segundo consta da data ahi feita com a mesma tinta das fig-uras, e seis annos depois de ser a missão de Gurupatyba elevada á villa.

Foram feitas pelos Índios de alg-uma das tribus Guarauará, Cuçary, Curiuré ou Jacypuia que ahi ha- bitavam, aldeados pelo padre jesuita Manoel da Costa, que pertencia á missão de Gurupatyba, que o mesmo fundou, e que durou até o anno de 1692, época em que passaram os Capuchos da Piedade a tomar d'ella conta, em virtude de uma Ordem Reg-ia d'essa data, passada a pedido dos padres da Companhia de Jesus.

A tinta empreg"ada foi a feita com o extraido do cipó Carag"iru {liignonia chica) que ahi abunda, dis- solvido em azeite de yandiroba, [Garapa Guyanensis) .

A tra dicção fallada conta uma historia referente á expertezas dos jesuítas, que não passa de uma fa- bula, pois a própria data encarreg'a-se de a desmen- tir, visto como 03 jesuítas n'es3a época tinham sido espellídos do Pará; salvo se se referem ao Padre Brasileiro Doming-os Caetano de Lima, que era n'essa época o vigário d'ahi.

(I) Congrés ães Amerieanistes de Nancy. Vol. I, pg. 1G9.

(1) Gonuptella de Ererij, ostra, nome tirado talvez da presença dos fosseis, Brachiopodes, que no campo próximo se encontram.

INSCRIPÇÕES 51

Contam que as duas figuras que representam o SÓI e lua, os protegia na época em que se dirig-indo á metrópole, queixaram-se a S. Majestade que «esta- vam passando mal, dormindo sobre pedras duras e furadas chamadas mnhám^icus e comendo bichos fero- zes chamados yurarás. »

A metrópole compadecendo-se d'elles abarrotou-os de presentes, nao sabendo que cunhãmucus, eram donzellas e yu'^ard, tartarugas.

Pregavam então a doutrina do Crucificado na gruta de Tatupaoca, (1) obrigando os índios a satis- fazer sua cobiça, com a capa da relig'iao.

Impunham um tributo com o qual podiam res- gatar seus peccados e que consistia em certo numero de potes de óleo, e arrobas de salsa, etc, que deviam depositar ora debaixo da figura do sol, ora da lua. Dous ou três dias depois de pago o tributo, é que podiam ir ver se Deus acceitara a oâ\3rta.

Se esta era pequena, encontravam-a no lugar, se grande eram absolvidos, cuja prova era o desap- parecimento da ofíferta.

Eis como contam a fabula, querendo-se attribuir sua feitura aos missionários, o que nao é exacto. Nao duvido que elles assistissem a esse trabalho, o que prova a data escripta, mas o que é fora de du- vida é que o missionário que datou, estava então reunido a grande numero de individues, onde haviam nao somente homens, como mulheres e crianças. Pro- va-se isto pelas marcas que entre as figuras, existem, de mãos de homens, mulheres e crianças, que mo- lhadas na tinta, eram calcadas sobre a rocha, que é

(i; Ita, pedra, tupan, Deus, oca, casa, isto é, Igreja.

52 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

argillosa, deixando assim impressas as suas formas e que como a inscripção tem resistido á acção do tempo.

As formas das fig-uras vê-se na estampa.

Nao sendo contemporânea, das inscripções de que acabo de tratar, marcam comtudo ellas uma época ou um feito talvez notável, mas, que por mais es- forços que fizesse nem a historia, nem a tradicção me revelou.

A.qui as consig-no para que com o tempo nao se percam, ou desapparecendo a data outra interpretação se a ellas.

Antes de terminar este escripto, cumpre notar que grande analog-ia ha entre os desenhos das inscripções e alg-ans da louça de então, principalmente com a encontrada na antiga aldeia das pretendidas Ama- zonas e as da ilha de Joannes, onde a cruz fig-ura muitas vezes. Póde-se tomar como o desenho mais infantil, mas ante as provas que existem, não reve- larão ellas sig-naes do christianismo dos Normandos?

Os muirakitans uzados pelas Amazonas, en- contrados também no Orenoco, não é uma prova de emigração ?

A jade ou obsediana está provado existir, na Ame- rica, só no México, e como veio ella apparecer artis- ticamente trabalhada na mão da tribu que Orellana encontrou ?

No tempo anti-colombiano a jade foi uzada na America do Norte, muitos annos antes, do appare- cimento dos pelles vermelhas ; esta unidade de uzo, não mostra um commercio entre as duas Américas, antes uma emigração ?

Para mim é fora de duvida, que a comparação entre as inscripções Norte Americanas, com as do Amazonas, mostram, a existência e a marcha de um

I

INSCRIPÇÕES 53

povo de costumes ig-uaes, quando mesmo nao compa- rar-mos, as armas de pedra, a louça e os Sernam- bys.

Concluo aqui este lig-eiro trabalho, íVucto dos meus estudos no Amazonas.

E' imperfeito, mas oxalá, possa elle ser continua- do, por outro observador consciencioso, e que tenha as luzes que faltam a seu autor.

Rio de Janeiro Maio de 1877.

J. Barboza Rodrigues.

Explicação das estampas

EXTAMPA I

FiG. 1. Ropreseiila um coite vertical ciando a idéa approximada do Sernambij dn Taperiyiha. a. Sernamby ou monte de conchas, onde se encontram além de instrumentos de pedia, espinlias de peixes, e ossos liumanr.s. b. Terrenos de ailuviào moderna cobertos de maltas, c. Canal artiliiiial, atravessando o Sernamby. d. Ter- renos de ailuviào antiga, praia primitiva banhada pelo Amazonas, e. Nivel actual das aguas do Amazonas. /. Encosta da serra da Tape- rinha, na qual existe um vallo, que desce do alto á antiga praia e sobre a qual existio o aldeamento, dos que fizeram o Sernamby.

FiG. 2. Representa um plano imaginário do rio Amazonas, para mostrar a sua eatructura geológica, a. Terrenos antigos, leito do Amazonas, estendendo-?e em alguns lugares ás margens, formando as terras firmes, b. Margens formadas posteriormente sobre as quaes estende-se a vargem, c. Margens da ailuviào moderna, que formam os igopós 6 ás vezes vargens, d. Ilha de formação moderna, que ás vezes é destruída pelas aguas. e. Terras firmes cobertas de floresta. f. Terras cahidns, isto é, margens de formaçào moderna, que mina- das pelas aguas destacam-se e são levadas pelo Amazonas. Ha uma crença, que diz ser isto produzido pelas excavações feitas pelo tatu- assú ou mboia-assú, a cobra grande.

ESTAMPA II

FiG. 1. Inscripção encontrada no rio Correntyne, acima da ca- choeira Wonotobo. FiG. 2. Inscripções em um braço do Rio Cor- rentyne. FiG. 3. Inscripções encontradas acima da cachoeira Christmas, no rio Birbice. As figuras sem numeração são encontradas em diffe- rentes lugares, perto de Marlisa, no rio Berbice.

ESTAMPA III

Inscripções encontradas no rio Ucayary, vulgarmente conhecido por Uaupes, nome que tira da tribu desse nome que nelle habita.

ESTAMPA IV E V

Estas inscripções muito reduzidas encontram-se no alto da serra da Escama, em Óbidos, abertas em differentes rochas todas esparsas, julgo, porém, que estavam sobre uma rocha, que a alavanca e o marrão do cavoqueiro despedaçou, não para o calçamento das ruas como para a construcçáo dos alicerces das casas da cidade.

As que aqui represento são as únicas que existem.

ESTAMPA VI

Representam as inscripções, que se encontram na parte norte das serras do Ereré e Aiucliy, espalhadas em diffeientes alturas das ro- chas. As ^l.^s. a e b, representam o sol e a lua, de que falia a tra- dicção, tondo o primeiro Om,','l de diâmetro e a segunda C^SO. As (igs. c d e estão unidas quasi ao solo.

Em geral todas as figuras não tem menos de dez centímetros.

II.

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■SI.

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OBSERVAÇÕES

SOBRE AS

Duas urnas (Est. VII, figs. 3' e 4^) descriptas e figuradas pelo Sr. Domingos Soares Ferreira Peuna em seu artigo Apontamentos sobre os ceramios do Pará, inserto na revista Archivos do Museu Nacional,

Deparando no vol. Ill dos Arrhii-os do Museu Na- cional do anno de 1877, publicado em Fevereiro de 1879, com umas observações sobre o que escrevi sobre duas urnas da ilha de Marajó neste trabalho, pas- sando n'ellas de relance os olhos a principio pareceu-me um forte castello inexpiig-navel, mas apenas encetei a leitura, vi que o que parecia ser dura rocha não eram mais do que cartas de jog-ar, tao bem combinadas que escondiam o desapontamento e o despeito, mas tão fracamente cimentadas que não os descobrimos pelas fendas, como o seu desmoronamento os patenteia.

Dando graças á minha boa estrella, que assim proporcionou-me o ensejo de publicar mais dous ob- jectos de Marajó, farei a meu turno observações sobre o escripto em questão, que não faria talvez se não se tratasse de ura escripto com o cunho official.

Não para defender-me, mas para que se possa bem patentear a natureza da acusação, e o leitor

8

58 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

lavrar a seu talante a sua sentença citarei ipsis verbis os trechos necessários.

O illustrado Sr. Dr. Couto de Mag-alhííes nas suas Raças Selvagens do Brasil^ unidas posteriormente ao seu Selvagem, o nome de Atterros, ás eminências ou collinas artificiaes antig"as de cemitérios que se encon- tram não na ilha de Marajó, como em outros pontos do Brazil e posteriormente propuz o de Aiter- ros sepulchraes para esses mesmos cemitérios parecen- do-me que devia disting'uil-os bem dos que são feitos em lapas e grutas, como os do Rio Maracá, no Pará e o da Serra do Castello, no Espirito Santo, e os dos terrenos naturaes, que ainda se dividem em antigos e modernos.

A pag-. 48 do citado volume lê-se :

« A.'s que se acham em pequenas eminências ou collinas artificiaes, como no Pacoval e nos Camutins, tem os mais entendidos dado o nome de atterros e atterros sepulchraes, palavra e expressão que podem sig"niíicar um pântano, uma baixa ou um valle que se nivellou, intupindo-o com terra e cadáveres humanos. »

Que a denominação atterros foi bem dada pelo Sr. Dr. Couto deMag-alhães o justifica o autor dizendo á pag-. 49 que a ilha « é uma vasta planície cuja superfície não se eleva sensivelmente acima das ag"uas

que a rodeiam não tem montes nem collinas

No verão fica enchuto e secca excepto em alg-uns lag-os e no immenso pantanal mondongos, etc. » Para se elevarem as pequenas eminências e collinas artifi- ciaes, acima das enchentes annuaes, haviam de ter carregado terra os habitantes de um ponto para outro para altearem o espaço que desejavam ver sobranceiro

OBSERVAÇÕES 59

ás ag'uas. Atterrar não sig-aifica nivelar, entupir ura espaço completamente, significa também altear ura ponto qualquer por camadas de terra, se também não erra o velho Moraes. Ora alteando-se ura ponto de uma planície que se alag-a no inverno, com cama- das de terra trazidas de « uma excavação, do outro lado do ig-arapé Camutins, semelhante ás que são feitas na construcção das estradas de ferro » como nos diz o illustrado Sr. Derby (*), parece-me que esta colliaa ou monte alteado annualmente, deve ter o nome de aterro, quando mesmo, como Atlas, esses montes fossem trazidos ás costas dos naturaes.

.Muito propositalmente adoptei o nome de aterro, para que se não confundisse com os crQmlechs, dolmens cainis de pedra ou mesmo com os moiuids, que dão também uma idéa de fortificação. Poderia denominal-os acervos, collinas, monles, mas preferi o nome de ater- ros por caracterisar o facto de serem elevados sempre em logares que se alag'am.

Vejamos se mal denominei esses atterros com o adjectivo sepitkhral. O que é um sepulcbro '? Uma sepultura mais ou menos distincta para uma ou mais pessoas. Um monte de terra que se eleva annualmente no meio de uma planície qae se alag-a, formado de stractos de urnas mortuárias, que formam um cemi- tério, não é o .sepulcbro da aldeia que devera existir? É um cemitério, mas pela forma monumental, este deve forçosamente tomar o nome de sepulchral por que se afasta do vulgar.

« Quando, porém se lhes mostra, na ilha de Ca- viana ou na mesma ilha de Marajós, no meio de

(*) o Vulgarisaãor, n. T pog. 60.

60 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

uma vasta planície, por toda a parte egual depósitos semelhantes, sem que haja ahi o menor signial de aterro, nem de elevação, nem depressão do terreno não lhes occorre um nome que a isto possam expli- car. E' verdade, o alcrro scpulchral é um monumento, o cemitério vulgar não o é, por isso procurei um nome que á primeira vista exprimisse o objecto e o distin- g'uisse. Nas minhas Antiguidades não tratei dos cemi- térios vulg-ares, e sim d'aquelles que davam alguma noção dos seus constructores.

Aventurei-me a propor o nome de aterro sepul- chral, para os monumentos elevados em terrenos ala- gadiços formados de terra movediça e de igaçauas ou urnas mortuárias, mas tive o dissabor de vêl-o despresado pelo de Ceramio, que segundo o ar- ticulista « exprime, por sna etymologia, ura locai em que abundam artefactos de barro, como Pacovai, Santa Izabel, Camutins, Maracá etc, e por sua appli- cação entre os greg'0S, jazigos onde rrponsain os ossos ou cinzas de homens distinctos por seus serviços. Ainda n'este ultimo sentido o nome Ceramiô é plenamente applicavel aos chamados Aterros scpiílcJiraes, pois não resta duvida que as urnas mortuárias que 7i'estes: se tem encontrado pertenciam unicamente a pessoas, que por qualquer principio, goz-avani de certas honras e distincções entre as populações indigenas. »

Querendo adoptar para os meus Aterros sepulchraes o nome de Ceramio, passo a ver se elle preenche o seu fim, se exprime characteristicamente a formação, a composição, a estructura, etc, etc. A archeologia é hoje uma sciencia, por isso n'ella tudo deve ser exacto e preciso ; os nomes creados para os seus mo- numentos devem perfeitamente cliaracterisal-os.

Etymologicamente Ceramio, vem de ILlpa^j-oç, ar-

OBSERVAÇÕIÍS Gl

gilla de oleiro, de xaio, queimar e spoc terra, por con- segui inte comprehende tudo quanto a arte cerâmica produz, ou mesmo as olarias. Ura cemitério monu- mental por conter urnas de barro cozido pôde ter esse nome ? Como diíferençar-se um cemitério antig-o de uma olaria? Ceratnio, que o autor modificou, como diz, da palavra latina Ceramicus, historicamente segundo Plinio, era um golplio, na Caria, província da Ásia menor e se deriva de Ceramium, que mais se aproxima da nova palavra creada, sig-nifica a praça de Roma onde morou Cicero. Ceramici é que era, é verdade, um g-rpnde terreno onde houve alg-umas olarias e que mais tarde desapareceram, para n'elle "se edificarem grandes templos, theatros e pórticos formando assim a mais bella praça de Aihenas, o melhor passeio onde o povo se reunia. Parte d'este terreno, com a edifi- cação, ficou extra-muros da cidade e formou outra praça onde havia o jardim da Academia, conservando o mesmo nome. Na praça, pois, intra-muros é que quando havia alg-uma g-uerra o povo se reunia e á sua custa faziam-se funeraes e orações publicas pelos soldados mortos pela pátria que nem todos eram illustres, e que nos campos, longe d'ahi tinham sido enterrados, Dirivando, mesmo, das olarias o nome da praça e nrio de Ceramos, filho de Bacho e Ariana, como glguns querem, pergunto eu que relação havia entre os- mortos e os enterrados long'e d'essa praça, com as officinas, Kerameion^l O povo perpetuou a lem- brança das olarias, conservando o nome para o da nova praça, tinha razão ; mas devemos nós adoptar um nome, que no tempo dos funeraes nada signi- ficava, para um cemitério indígena porque contem vasos de barro "?

Eram as cinzas dos mortos guardadas em urnas

G2 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

de barro superpostas e estratificadas em alg-um templo d*essa praça? Existe alg-am acervo assim feito, que os nossos nol-a recorde? Creio qne não.

Não resta duvida que as íirnas morluarias são de pessoas que gnzavauí de certas honras e distinção, como saber-ae ? Oudeapparecem os perg-arainhos eos titulos de nobresa ? O que se encontra? milhares de urnas, com desenhos e formas difl'erentes, de vários tamanhos, de differentes sexos e idades, contendo alg"umas frag-- mentos de ossos. Como saber-se que na republica doesse povo a classe superior não se confundia jamais com a inferior nem mesmo depois da morte ou no silencio dos sepulchros? (1) Pelo tamanho dos vasos? Pela desenho e colorido? Pela forma? Pelo sexo? Pela idade? ou pelos ofsos ?

Reconhecer-se-hão como os dos soldados de Du- clerc achados no Rio de Janeiro ? Qual o distinctivo que a conhecer os illustres ? Onde está o cemitério da plebe ? É o dos terrenos naturaes ? Mas ahi as urnas também offerecem os mesmos distinctivos. A admit- tir-se que ahi se sepultavam os que tinham honras e distinções havemos de admittir ou que toda a tribu ahi existente era illustre, porque não os homens o eram, como as mulheres e as crianças, oii então era uma espécie de exercito de g-eneraes commandados por alg-uns soldados, como indica os milhares de individues ahi enterrados. 'Essa multidão era illustre, onde está a que o não era? Pela proporção deve ser muito menor, porque não ha vestig-ios d'ella, quando natu- ralmente devera ser maior.

Qiiizera adoptar o nome que oíficialmente se pro- prie, mas não o posso ; não vejo analog"ia entre os

(*) Arc?i. do Mus. Nac.

OBSERVAÇÕES G3

potes de Marajó, com as orações da praça de Athenas ; iiílo posso reconhecer as honras que tinham ao mortos do Pacoval, nem tão pouco na palavra vejo sua sig-- nificaçao. Entrei n'estas observações, como entra ura pai quando um filho atacado, ainda que seja por outrem mais illustrado do que elle, defendendo-o.

Para justificar ainda mais a minha repulsa, vem este periodo, a pag- . 49 : « este nome tem a vantagem da g-eneralidade, isto é, abrange em sua significação toda sorte de depósitos de urnas, louça e mais utensis de argilla ». A vautag-em que tem o nome Ceramio, é a da confusão, é a de com os objectos de argiUa cons- truir uma nova torre de Babel.

O estrangeiro que chegar ao Brazil e quizer exa- minar um atterro sepnlchral (Ceramio) tem de cahir em muitas decepções. Supponha-se um peruano que chega a Manáos. Ha aqui algum crramio'^ Perg-unta. —Muitos, respondem. Levam-o ao cemitério da Praça do Terreiro Aranha; não é. Levam-o á olaria do Sr. Coronel Papajós ; não é. Faz uma viag-em, uma tauaqxiera; não é. Faz seg-unda e terceira e muitas viag-ens assim, sempre com decepções, para afinal depois de muitas despezas cheg^ar a ver o que deseja, muito longe d'ahi. ,0s frag-mentos de louça que indi- cam nas terras pretas a antiga aldeia, (tauaquera,) não é o cemitério, (tybyritá) o cemitério não é a olaria e a olaria não é monumento archeologico para o qual dei uma denominação, que não tinha. Tauaquera, tyby- ritá e atterro sepukhral, não podem ser synonimos, para serem abrang-idos pelo nome commum de Ceramio.

Mag-na aqui é a questão, o articulista ataca-me di- rectamente os foros de observador, apresenta-me como um escriptor que sem critica toma qualquer informa- ção e intriga-me com o estrangeiro. Parecerá a quem

G4 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

ler o artig-o vèi- ante si uma raiirallia, que se eu tentar transpol-a ficarei esmag-ado, mas não passa de papelão pintado.

Não estive era Marajó, não vi os aterros sepul- chraes, mas tenho desenhos e a planta do Rio Ârarv, e do Pacoval, levantada e informada pelo l." tenente J. M. Mancebo, que foi ao Pacoval com o autor do artig-o. D'ahi offereceu-me o mesmo senhor alguns objectos e muitas informações do pessoas insuspeitas tive e que não as aceitei sem quarentena.

Cumpre notar, que as minhas Antiguidades não é um trabalho descriptivo, entram os objectos e os monu- mentos para comprovarem a opinião que formo da civilisação ami-Columbiana no Amazonas.

A pag-. 74, diz-se que para sanar incorrecções deu (pag-. 57) lima descripção circumstanciada, e passa a apresental-as :

1.0 A urna maiur (Est. XII fig-. 2) não é pintada de preto, côr que dificilmente ou rarísnmas vezes se achará em artefactos dos antigos índios... as cores que mostrava era vermelha ou rósea e acinzentada ou pardo claro.

2." As dimenções não são exactas.

3." A urna menor não pertencia ao sexo mascu- lino. ♦

4." Ha uma novidade digna de nota, na urna menor, a urna mostra tuna grunde fractura na bocca, emquanto que eu a representei inteira mes7no nos lugares em que o original está quebrado,

5." Fiz uma restauração, commettendo uma falta irre- parável.

Passo a forçar as muralhas do grande castello uma a uma.

§ 1.» A urna não é pintada de preto: Nas vésperas de minha partida de Belém para o Rio de Janeiro,

OBSERVAÇÕES 65

depois de ter examinado as igacauas de Maracá de- positadas no Musen Paraense, sabendo que existiam duas de Marajó em casa do pliotogTapho Sabino, para me dirigi acompauliado do 1.* tenente J. Marques Mancebo. Ahi cheg-ando disse-me o mesmo photog-raplio que tinham sido levadas para o Museu, en- contrando ahi somente uma espécie de bacia de rosto da mesma procedência, que disse-me o mesmo senhor ser a base da urna menor, o que nao acreditei, apezar de ser louça de Marajó.

No dia seg-uinte fui ao Museu, e me communica- rara ainda não terem cheg-ado. N'esse mesmo dia recebi do Sr. Mancebo, nao uma boa photographia de ambas, como as medidas em palmos e as informa- ções que eu pedira. Note-se que esse senhor viu as ig'açauas e por ellas tirou as medidas. Quanto á cor disse ser a encarnada e a preta costumada em quasi ioda a louça de Marajó. Não podia duvidar da pa- lavra desse araig"o que me tinha dado louça do Paco- val, pintada de preto, branco e vermelJio, cores que também existem em algMima louça que está no Museu Paraense. É verdade que a urna não tem pinturas pretas, eng-ano fácil de dar-se sabendo-se das cores de quasi toda a louça e vendo-se na photog-raphia desenhos neg-ros muito differentes em tom dos mais que ornam o fundo da igaçaua, mas também não é pintada em releco de cinzento ou pardo-claro, como o diz na circumstanciada discripção a pag". 57 como adiante veremos. Se cahi neise fácil engano, admira- me que quem é tão conhecedor da louça de Marajós» dig'a que dificilmente ou raríssimas tezes se encontra essa côr na louça antig-a. Nos Archivos do Museu Nacional {*'

(*) Vol. I, pags. 21-25. Est. IlI-lV.

9

66 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

estilo descriptos e representados alg-uns objectos do Pacoval, todos de cores vermelha e côr de terra de Um- bria quasi preta, que provam o contrario.

Quando disse preto, (atratus) disse em geral, nao especifiquei a qualidade. Preto não é o nankim, que tem também g-radações do cinzento e do pardo claro até ao negro. As tintas negras, quer dos civilisados, quer dos selvagens sao sempre producto de um vegetal, assim o cumaty indígena, o os noirs de vigne, de pêche, de Prusse, dos francezes também o são. Todos são pretos, mas com gradações diversas. O preto daS igaçauas é sugeito a esta gradação, assim vê-se no mesmo objecto do pardo claro ao negro, conf )rme a camada da tinta e a porção que foi estragada pela acção do tempo. O selvagem não usa outra cor sinão a branca, a vermelha, a roxa e a pret ;, feitas c.e tana- tinga, urncu, caragiru, caa-piranga, e a que obtém com a fuligem da fumaça dos cocos, e das lesinas. Esse preto é semelhante e obtém a mesi ia grada ião das aguas do Rio Negro, que negras como tinta no centro do rio, á medida que se aproximam das margens tomam a côr de café pouco mais ou menos, e tornam-.- e cris- talinas n'um copo. Um objecto que foi pintado de preto, mas a que o tempo esclareceu a côr, dando-lhe quasi outra, não devia dar-lhe senão a côr que tivera.

§ 2.° Aqui, como no § 1.", confesso, as dimençOes que dei não são exactas, mas exactas também não são as suas, porque cometteu uma falta imperdoável como a de não dar a medida do maior diâmetro ou do bojo da urna, que é de O, "31.

As medidas n'este caso, não dão motivos, para um artigo especial, quando não se quer fazer questões, porque é uma cousa secundaria. Medidas nunca fize- ram characteres genéricos, quando muito entram no

OBSERVAÇÕES 67

especifico, porque variam com as circumstancias, tanto que uao se me poderá apresentar outra urna cora o mesmo desenho, porém, com ig'ual dimensão. As mi- nhas medidas não tiram as formas, nem a fazem muito maior; diflFerença de alg-uns centimetros.

§ 3.° Um erro typog-raphico, mudou femenino para masculino, que passou por nSo terem sido as provas correctas por mim, que me achava em Minas Geraes, quando foram publicados os Ensaios de sciencia. Mas tendo eu representado o sexo feminino, serei tão inno- cente, que por não estarem vestidas as urnas não podesse disting-uir os sexos ? Ou não saberei disting-uir o org-ão feminino do masculino ? Creio que sim. Sei pintal-o, mas não sei disting-uil-o, quando mesmo esteja claro e bem representado, como o está na photographia e viu no orig^inal o Sr. Mancebo. Poderão dizer que então o erro não foi a palavra masculino, estendeu-se a estas algum curuniy. Curumy, criança, no tuj-y, como em todas as ling-uas, é em- pregado por ambos os sexos, e usado no Pará e no Amazonas sempre no masculino, quer se refira ao menino, quer á menina.

§§ 4—5 A urna tinha uma parte da bocca quebrada e eu rcstaurei-a. Que faJta irreparável ! Tinha um lado perfeito, como se na Est. VIL fig-. 4, dos mesmos Archivos, e por elle restaurei o outro, por meio de linhas de pontos, como o fiz nas outras jiijuras ; mas ao passar para pedra foi completamente restaurado. Disfig"urou a urna ? Omittiu-se alg-uma cousa ou accrescentou-se '? Por um lado perfeito não se pôde avaliar o outro, ou seri i tão differente o outro lado, que essa restauração disfigurou ? Senão disfigurou o objecto porque é falta irreparável ?

Falta Irreparável, imperdoável e mesmo scientifi-

68 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

caraente criminosa, é dizer que a urna tem dupla face e não a descrever ou representar, quando diz qvie é caracter que a distingue de todas as owíras. Descreveu ambas as faces? Não. Phantasiando uma Atheniense, cobre a urna com vestes requissimas, sem descrever os desenhos, dizendo apenas que são ligeiros relevos, sem dizer o que íig-urara ou o que elles representam. Diz que pertencia a uma mulher casada. Admittindo mesmo que a civilisação da illustre defunta, conhe- cesse o sacramento do matrimonio, como sabe que em certas circumstancias a mulher casada usava do distinctivo na ig-açaua? Em que circumstancias? Porque ao tocar a nubilidade e depois do casa- mento ? n'essas duas épocas a mulher tem pudor ? Chegada a nubilidade a cunhãmucu perde o pudor, para adquiril-o mais tarde?

Na circumstanciada descripção lê-se que as duas faces são perfeitamente iguacs em cores, ornatos, forma, estylo, em tudo (malmente. Nego, é apenas semelhante. Quando mesmo fosse um lado moldado por outro haviam de haver diíferenças.

Passo a provar ; examinei no Museu Nacional a urna e posso corrigir alg^umas incorrecções da cir- cumstanciada descripção. Os desenhos que a descrip- ção dos Archivos diz ser em relevo são em gravura, depois do fundo pintado de branco. A cór cinzenta ou parda claro, não é mais do que a argilla do terrena que entrauhou-se na gravura, destruindo a tinta ver- melha que a cobrio e que em muito poucos logares ainda se vê; em relevo existem os olhos, o nariz, as sobrancelhas, os peitos, o umbigo, os pés, os braços, a facha e a tanga, cuja pintura é também feita por gravura sobre ella. Para mostrar que não é igual, basta citar-se estas dimensões : do umbigo

OBSERVAÇÕES 69

á ponta da facha de um lado mede 0,™055, e do outro O, "065 ; do bico de um á outro peito de um lado 0,™15, de outro 0,20 ; do angnilo iuterno de um á outro olho passando-se a medida por sobre o nariz 0,"1, de um lado e 0,09 de outro; os desenhos além de não g'uardarem as proporções não são semelhantes por que compostos de linhas que se unem mais ou menos em ang-ulos, esses não são ig-uaes e os lados não proporcionados. Na tanga vê-s» em ambos os lados seis linhas de pontos grandes, mas o numero delles não são iguaes nas duas faces. Falta irrepará- vel commetteu em não ter figurado ambas as faces, ou ao menos de lado, para que se vissem ambas as faces de perfil, e não sei como escapou á sua perspi- cácia este character de primeira ordem e tão importante que falta gravissima seria omilil-o era qualquer descripçâo por mais lacónica que esta fosse.

Griflfando differentes palavras da explicação e não descripçâo que acompanha as minhas figuras parece querer mostrar que em todas ha incorrecções. Vermelho sobre fundo branco, o fundo (não o do vaso), mas o fundo artístico, é pintado de branco, eu o affirmo, e os desenhos são de tinta vermelha ou encarnada, ha delica- deza n'elles, e se não estão no museu Paraense, era de presumir e assim me informaram que para iam.

Disse que julg-ava ser a tabatinga desmanchada em leite de sorva^ porque ainda hoje os Índios isso uzam. As panellas de fundo branco pintadas de preto (dirão pardo, cor de café ou que quizerem), dos Catauichys, são pin- tados assim de branco.

Quanto ás considerações quasi do final do artigo do Archivo do Museu, não se podem entender commigo porque no trabalho a que o auctor se refere não fiz uma descripçâo.

70 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

No corpo do artig-o não fallei das urnas e apre- sentei-as, com uma curta explicação e nSo descripção, para a simples vista fazer esclarecer as idéas que ex- pendi e sinto ter tido occasião de apresentar alg-umas faltas da circumstanciada descripçfio do auctor que tiram-lhe uma particula do mérito do seu escripto.

Terminando o artig-o, o auctor busca atirar sobre mim a odiosidade do estrangeiro, intrig-ando-o.

Tratava- se de arcbeologia, e porque carg'as d"agua havia de ir buscar a miuba opinião em um artig-o botânico, n-anm Revista de Horticultura'^ Para mostrar a minha incoherencia, cahindo em faltas descriptivas quando não admitto o concurso dos estrangeiros, (char- latães) ! Não cahi era incoherencia, porque não fiz des- cripção alg-uma, e se pequei foram faltas que não disfig-uram o objecto.

O meu estrang-eirismo não vae aos sábios estran- geiros, nem áquelles que procuram este rico torrão para tjazer as suas lazes e o seu trabalho, Yae áquelles que menos habilitados do que muitos dos nossos patrícios, aqui chegam e apregoaudo-se nota- bilidades, empolgam as melhores commissões, em quanto que o brazileiro é atirado para o canto, e quedepjis de replectos vão para suas terras chaman- do-nos tollos e macacos e redicularisando as nos- sas inslituiçues, os nossos costumes ; chegando a en- trar até em individualidades. Clamo contra áquelles que se aproveitam do trabalho do brazileiro para apresental-o como seu, e acho humilhante para o brazileiro buscar antes o que é estrangeiro, desde o homem até ao ultimo artefacto, preferindo-o, posto que ás vezes inferior aos productos da terra. A opi- nião do brazileiro raríssimas vezes em sciencias, é admittida na Europa, emquanto nós, tendo os homens

OBSERCVAÕES 71

illustres no paiz sempre procuramos escudar nossas opiniões sobre cousas do paiz na de estrang"eiros, que por aqui passaram a col d^oiseau. Venham os Martius, os Saint-Hilaires, os Agassix, os Harts, e outros, mas nao os Biards, os Browns, os Joberts, os Trails etc, e as Lidias Poscoífs. Quando disse ser uma humilhação para brazileiro, foi no sentido de estimulo, para que todos trabalhando levantem o edifício da sciencia brazileira, e nos seus cong-ressos possam dar leis que sejam respei- tadas na Europa. Ahi as nações í:e respeitam mutua- mente, porque nao procurarmos ser a ellas ig-ual? O estrangeiro que aporta ás nossas praias, conhece a nossa natureza, o nosso solo, as nossas antigui- dades ? Traz muitas theorias, muito estudo de gabi- nete, traz o que podemos e o que temos aqui, porque lemos e estudamos nos mesmos livros que elles e nSo somos menos intelligentes. Temos mais o q.ie elles nao conhecem, o grande livro da natureza; pois bem, estudemos as suas pgginas, para quando algi m aqui chegar, antes delle soletrar as primeiras p. .lavras, possamos lel-o para elle ouvir. O que elles n fazer façamos nós, e unidas as luzes de ambos, façamos um facho que illumine a abençoada terra do Cruzeiro. A sciencia é cosmopolita, os seus obreiros são irmãos, do concurso de todos nasce o progresso, por isso devemos trabalhar para que não vivamos sempre como filhos familia na sciencia.

A diviza que tenho e legarei cora a pobreza a meus filhos é Deos, pátria e caridade ; não praticar uma acção sem ser baseado nos preceitos do Evan- gelho, trabalhar para o engrandecimento da terra °atal ainda que com sacrifício de vida, e estender a mão e perdoar até aos inimigos.

72 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Não posso deixar de aqui notar, que no mesmo volume dos Archivos do Museu a pag-. 141, vem uma uota {*) explicativa, que parece me dizer res- peito, posto que nâo se cite o meu humilde nome. No meu Relatório publicado em 1875 intitulado Rio Jamundá, a pag-. .51 dei a traducção da palavra muyra kytã, ou como vulg-armente se diz imnrá quitan diri- vada de mbyrá, páo, madeira, e kytã nó, pela seme- lhança que tem a verdadeira jade, cora as resinas. N'uma nota se diz que muito de sciencia usa da ortho- graphia mira kitd, porque suppõe injustificaxel a signi- ficação de de pau. Quando tivesse razrio, o illustrado autor, porque a sua sciencia aqui o eng-anou, não ganhava alviçaras. O Sr. José Virissimo, posto que Paraense e escrevendo no Pará, cahiu no mesmo erro dizendo na nota a pag-. 184, das suas Primeiras paginas que o autor d"estas linhas dando aquella sigmificação, tinha errado e que, com a tradicção, elle a traduzia «por pedra de gente, de mira g-ente e itá [itan no Paráj pedra.»

Aqui ha erros de pronuncia e erros de sig-nificados ; erros de pronuncia porque em todas a parte, quer no Pará, quer no Amazonas, tratando-se d'essa pedra ouve-se perfeitamente a pronuncia de muiráquitan, como o mesmo Sr. escreve. A pronuncia de mbyrá aífasta-se muito de mira e kytã de itá e erros de significado porque itan significa concha e nenhum tapuyo mesmo muito civilizado confundirá itá com itan.

Não tendo em conta a pronuncia o autor do artigo sobre o stembeta"s, entendeu escrever mirákytá e o traduzio dividindo simplesmente a palavra mira ki—iiá com a significação engenhosa, porém sem

(*) Nota 2.

orpervaçGes 73

razão de ser, de pedra dn chefe dn povo. Vejamos se tenho razHo ; Mhid ou inirá significa gente, antes vulgo e não poro que é taua ou taba (povos tabetã) ; K% não é palavra tiipy e raríssimas vezes encontrada no qui- chua, por conseg-uinte é ura enxerto feito na ling-ua g-eral sem razão, porque difficilmente se encontrarão palavras tupys compostas de alg'uma quichua. Ou ado- ptam a palavra toda ; como murumuru ou não a adoptam; Itá sigfnifica pedra, mas, a pronuncia long-a da ultima syllaba, itan, daria outro sig-nificado, concha, como vimos.

O tapnyo se quizesse exprimir pedra do chefe do poro não precisava do soccorro quichua diria simples- mente: tanatuchauitd ou tahatuchabità .VqIo que acabamos de ver a única traducção que tem a palavra myrakylã é de pau, que perfeitamente nos pinta a apparencia da jade com alg-umas resinas. Um outro eng'ano apresenta o illustradissimo autor dizendo ser o myrahyta pedra facial, isto é, de pendurar-se no beiço como o tembetd, dando as duas palavras indig^enas como synonimas, com a passagem para o sul. Não a myrakytã não passou para o sul, como se estendeu á região entre o Jamundá e o Tapajós. O verdadeiro myraky- tã é um adorno de pendurar-se ao pescoço, perfurado sempre para esse fim, e não para trazer-s.e introdu- zido no beiço. O tembetá não existe no Valle Amazo- nico senão no Tocantins. As fornias de animaes que apresentam os myrakytã, e os faros nada denotam que possam ser facial. Tembetá é uma cousa e myra- kytã outra.

Não podia deixar de neste ponto tocar, tendo sido eu o que primeiro no Brazil tratou desse or- nato e lhe deu a importância que merecia, impor- tância que foi justificada pelo sábio Conselheiro

10

74 ANTIGUIDADES DO AMAZONAS

Fischer, Director do Museu Mineralog-ico de Baden, único que na Europa tera-se occupado com a jade, e que em carta ao autor nSo approva sua opinião, como rende-lhe alguns elogios. Para mostrar a difife- rença entre o myrakytã e o tembetá, basta dizer-se que um é sempre de jade, jadeite e chloromélanite e outro de quartzo compacto, feldspatho, de resina de ju- tahy ou de páu.

A tribu dos Uaupes descendente das pretendidas Amazonas, que conserva ainda os usos do povo que usou esse enfeite em tempos históricos, hoje nos o exemplo, trazendo o myrakytã pendurado ao pescoço.

O Museu Nacional possue esses objectos, que hoje sSo todos de quartzo, e d'elles nos falia também Wallace.

Jl|rpnâiq

Como os costumes hodiernos, assim sSo differentes os monumentos archeologicos que se encontram no Norte e no Sul do Brazil. Na minha ultima excursão ao sul de Minas Geraes, tive occasião de encontrar alguns objectos que aqui represento, para servirem de estudo comparativo. As moletas que se não encon- trara no norte, são communs no Sul ; os machados que todos são mais ou menos dentados ou entalhados lateralmente na reg-ião do Amazonas, nos trópicos não apresentam depressão alguma, e a argilla de que são feitas as igaçauas é mais grosseira e estas não apre- sentam desenhos, e, quando os tem, são muito imper- feitos.

O uso da alimentação entre os Mineiros, tendo por base a farinha de milho, é herdado da gentilidade d'ahi, e d'esse uso nasce o apparecimento constante das moletas de pedra, que no Amazonas não são co- nhecidas, porque a farinha ahi é feita de mandioca e esta é amassada com as mãos.

Um facto importante devo aqui mencionar, e que vem confirmar o que expendi sobre a marcha do povo que emigrou da America do Norte para o Brazil. O Dr. Leemans descrevendo o."? objectos encontrados na

76 APPENDICE

Giiyana Hollandeza e conservados em Leide, no Museu Real de Antiguidades, diz :

« Les liaches de la Guyane néerlandaise se dis" ting-aent à ce qu'il me parait, de presque tentes les haclies des autres pays tant de TAncien que du Nouveau Monde, par cette particularité, qu'elles portent à la partie supérieure des deux faces latérales une entaille plus ou moins profonde, mais toujours parfaitement reconnaissable. » {*)

Figurando estes machados, vê-se que elles são iguaes em tudo aos do Amazonas, o que prova a es- tada ou a passagem do mesmo povo que se derra- mou pelo baixo Amazonas. Os instrumentos das outras Guyanas e os do Peru, são diíferentes, e iguaes se encontram na região dos mounds nos Estados Unidos. Esta observação do Dr. Leemans, parece confirmar, que razão tenho, quando digo que a civil isação anti colombiana do norte do Brazil, foi trazida pelos des- cendentes de Odin ou pelo povo que com elles por largos annos esteve em contacto.

Não é fora de propósito mencionar aqui a crença que ha em Minas sobre as pedras de raios ou de coriscos, os Dondersteenen da Guyana. Os naturaes acreditam que as cunhas e machados de pedra são outros tantos raios que se encontram soterrados, que annnal mente sobem uma braça para a superfície da terra e que no fim de sete annos um novo raio vem buscar aquelle que se acha á flor da terra, pelo que, quando os en- contram tratam logo ou de inutilizal-os ou de lançal-os ao rio, para evitar a a proximação das faiscas eléctricas.

(*) Congres diS Americanistes de Luxembourg. ll,pas.s. 294-205.

APPENDICE 77

FiG. 1. Representa o fundo de um vaso com os bordos quebrados, achado no Pacoval, da ilha de Marajó, é de argilla vermelha, fina e bem trabalhada, e mede 0,™145 de diâmetro na bocca, 0,12 de diâmetro no fundo, 0.09 de altura e. 0,01 de expessura. Internamente lem um fundo pintado de branco, sobre o qual regular e caprichoso desenho orna-lhe todo o interior. Este desenho, que mostra a pericia do artista, pela dificuldade de execução, é feito de linhas vermelhas, sobre as quaes em alguns logares foram os claros cheios com tinta preta, que com o tempo está côr de sépia. N'esse desenho vê-se representado o signal do christianismo, que pela maneira represen- tada, não parece indicar o acaso, como o cruzamento de duas linhas o podem.

FiG. 2. Representa o desenho do interior do vaso acima; as linhas, mais claras assim como os contornos, são vermelhas e a parte escura indica a parte preta.

FiG. 3. É uma espécie de panella, feila da mesma argilla, com 0,18 de diâmetro na bocca, 0,"12õ de diâmetro no fundo, 0,"'07 de altura e 0.01 de expessura. E pintada interna e externamente de branco, tendo em roda do lado externo, desenhos regulares feitos por gravura. Sobre as linhas abertas, o artista passou outras de tinta preta. Quer o desenho quer a sua execução não é feita a ca- pricho. Foi encontrado no mesmo local.

FiG. i. Representa uma igaçaua, que desenterrei na fazenda Correnteza, próximo do Rio Sapucahy, districto do Carmo do Rio Claro em Minas Geraes. É de argilla grosseira, sem desenhos, muito fotte, com o aspecto de ser de ferro, medindo no maior diâmetro 0,34, de altura 0,30, sendo 0,05 de gargallo, e de expessura 0,008. Eucontrei-a cheia de ossos humanos de adultos, todos quebrados, o que indica que exhumados os ossos da terra eram limpos e que- brados para n'cssas urnas serem guardados, em um cemitério espe- cial, que não posso deixar de aqui noticiar. Tinha visto em uma vargem da fazenda Jerubiaçaba de meu irmão João Baptista Barbosa Rodrigues, que confina com a da Correnteza, um espaço de 30 metros, cheio de pequenos círculos, dos quaes o maior podia ter trez melros de diâmetro. A superfície dos círculos é nivellada pelo terreno adjacente, e em volta dos mesmos ha valias de um metro pouco mais ou menos, de largura e profundidade, onde as aguas da chuva se empossam, não podendo ter esgoto. Estudando o terreno, vi não poder ser feito pela acção das aguas, nem devido á structura do terreno, e sim obra humana. Chamam a esse terreno que se encoa-

78 ÀPPENDICE

tram, quando se derrubam as florestas virgens, covas de mandioca, pela semelhança que ofFerece com os monticolos que fazem para essa EuphorbJacea. Com esse nomo são conhecidos também em Minas os terrenos nas vargens húmidas, escavadas pela passagem do gado no seu pastio. N'esses terrenos artificiaes sempre se encontram frag- mentos de louça de barro.

Derrubando-se uma matta virgem entre dous outeiros na fazenda da Correnteza, depois da queimada encootraram-se as covas de mandioca n'um espaço plano de uns vinte metros. Convidado para ir vel-as, ahi encoiitrei innumeros fragmentos de louça, resultan- tes da acção do fogo e da queda dos troncos. Procedendo a uma escavação nos mesmos circulos encontrei a igaçaba em questão, apenas com os bordos quebrados, enterrada de lado, com a bocca para fora. Estes cemitérios são muito característicos.

FiG. 5. Machado de guerra, encontrado no Carmo do Rio Claro, de serpentina (?), muito polido, em forma de crescente, com um lado partido, com 0,108 de comprimento, tendo o punho 0,083 de largura, e 0,015 de expessura.

FiG. 6. Ponta de flecha de cristal, finamente lascado, represen- tada de tamanho natural e encontrada próximo á ponte do Parahy- buna, em .Minas Geraes. É a maior e o mais bello speciracm que se tem encontrado no Brazil, que me conste. Foi achada perfeita, mas, por acaso cahindo-me das mãos partio-se nos dous togares indicados na estampa.

FiG. 7. Representa uma moleta de diorito perfeitamente polida, e cylindrica adelgaçada para o cume, com 0,46 de comprimento e 0,05 de diâmetro na base. Encontrada no Descai vado.

FiG. 8. Representa outra moleta de diorito, polida ; menor e mais grossa, cylindrica adelgaçada para o cume e semi globulosa na e. Mede de comprimento 0,™36,

Fic. 9. Representa ainda outra moleta de diorito, não polido, encontrada na cidade de Alfenas. Mede 0,19 de comprimento e 0,07 de diâmetro na base. É a única que se conhece d'esta forma.

FiG. 10. Representa uma espécie de alvião, feito de diorito polido terminando de um lado em gume de machado e do outro mais adelgaçado, porém obtuso. E comprimido lateralmente, semi-concavo de um lado e convexo do outro, tendo ahi quasi no centro uma elevação escavada, que servia para n'ella encostar-se o cabo a que se prendia. Este instrumento único que se conhece, foi achado em

ÂPPENDICE 79

S. Gonçalo da Campanha, tem 0.26 de comprimento sobre 0,04 de espessura e 0,05 de largura.

FiG. 11. É um machado de diorito compacto, perfeitamente polido com 0,22 de comprimento, 0.06 de largura, e 0,03 de espessura. Parece ser usado sem cabo.

FiG. 12. Com esta forma se apresentam quasi todos os machados do Sul, feitos de diversas rochas e apresentando diversos tamanhos em geral, desde 0,08 até 0,16 de comprimento. Eucontrei alguns em diversas localidades do Sul de Minas Geraes, e vi a metade de um (a parte do gume] na Agua Comprida em S. Gonçalo da Campanha, que servia de peso de uma arroba.

Todos os objectos mencionados n'este appendice estiveram ex- postos na Exposição Industrial Fluminense, e foram premiado, com uma medalha de ouro.

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APONTAMENTOS

SOBRE O

TAMBÉM CHAMADO GUARANI QU TUPI

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língua gsral dos brasis

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ou A ORAÇÃO DOMINICAL

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OU A ORAÇÃO DOMINICAL EM ABANEENGA

Estes apoiítameiííos, quando foram começado?, coordenaram-se para serem publicados nos Ensaios de Sciencia, creados pelo Exm. Sr. conselheiro G. S. de Gapanema. Tendo porém sobre-vindo occurrencias e estorvos que embaraçaram ao meu amigo, e que in- terromperam a publicação da Revista, na qual elle admittia os meus apontamentos, transtornou-se o pla;io traçado. Depois que foi publicado o fascículo do? En- saio; tive occa^ião de imprimir alguma cousa no< An- naes da Bibliotheca Nacional, por fineza que devo ao muito dislincto e digno Director da Bibliotheca, o lllm. Sr. Dr. Ramiz Galvão.

Entretanto como não pos.-o refundir totalmente o quejàetava escripto (falta tempo e vagar), embora se algum de conchavo, e appareça alguma repe- tição de cousa dieta, com tudo entrego á imprensa a continuação dos apontamentos alterando apenas uma ou outra cousa, que seria á propo ito, si o fascículo seguisse immediatamente ao 2°, mas que, havendo tam longo interstício de tempo, seria descabida.

81 5; ANDE RU15A

Continuarão pois à ser publicados estes apontamen- tos (sempre que for possivel) não para se irem pondo de accordo as variadas ortliographias das cousas atti- nentes ao Brasil e á America do Sul, que parecem dif- ferentes sem o serem, como para se explanarem algumas outras considerações, mormente relativas á lingua e grammatica.

Em seguida ao golloquio de Lery, deviam versar estes apontamentos sobre a Doctrine Ghrestienxe en

LA LANGUE DES TOPINAMBAS, qUO Vem IVã VOYAGE DANS LE NORD DU BRESIL, FAIT DURANT LES ANNÊES 1(313 ET

1614 PAR LE PÉRE YVES d'Evreux, reimpressa por Mr. Ferdinand Denis, que tanto se interessa pelo nosso Brasil e o ama mais do que muitos íilhos desta terra, que a menospresam, e envergonhando -se de serem bra- sileiros, preferem estrangelra/'-se.

Transcrevendo porém a oração dominical que vem na pagina 272 do livro reimpresso por Mr. F. Denis, pareceu mais conveniente reunir de uma vez outras formulas do Pater Noster, compara-las, discuti-las, e depois continuar os apontamentos com o mais que vem em Lery, em Yves d'Evreux etc. Assim pois agora segue a collecçao dos Pater Noster que ponde apanhar.

No entretanto é bem pouca cousa o que se depara nos escriptos e esse pouco é quasi repetição de duas ou três formulas primeiras, feitas, uma por portuguezes (Anchieta e os padres do Brasil), outra por padres hispa- nhôes (Montoya e os do Paraguay) e outra afinal dos francezes, que parece echo da do 5 portuguezes.

Alem destas orações em tupi e guarani existe ainda alguma em omágua, dialecto da lingua ger^l, que differe menos do abaneenga do que o hispanhol e o portuguez entre si. Depois disto, das linguas falladas em toda a super ncie do Brasil, do Uruguay. do Para-

NAXDE RTRA í^"»

guay e de Corrientes, em partes da Bolívia, do Peru, e nas Guayanas, exceptuando o kairiri e o kiriri irmão um do outro, e o caraiba ou galibi, todos três com al,í?um parentesco com a lingua geral, restam curtos vocabulários e nào ha mais orações que não sejam as da língua geral; e os vocabulários que ha são des- acompanhados de grammaticas.

Exceptua-se apenas a lingua dos Botocudos ou \y~ mores, da qual existe um pedaço truncado de elementos grammaticaes, feito pelo benemérito e nunca assaz lou- vado Guido Marliere, que foi pai para com os míseros Botocudos tão escorraçados, os quaes depois da morte delle acharam novo amigo, posteriormente, em Theo- phílo Ottoni.

Dos modernos viajantes, como o incansável Hartt tão cedo morto para a sciencia, o Sr. Barbosa Rodrigues e outros ha vários vocabulários, mas não alguma outra formula nova do Pater.

Assim tem-se para se compararem quasi as for- mulas do Pater Noster em tupi e guarani.

As differenças entre umas e outras mormente pres- tando-se attenção á orthographia, que variava conforme os auctores, vem a ser em ultima analyse nenhumas, porque, por exemplo em portuguez podemos dizer: «PafZ/'e nosso que estás no cèo,iKu nosso que és no céo, que habitas ou moras no céo, que existes no céo, ou no empyrio ; podemos mudar para o plural cpie estais, que sois, que raorais no céo; podemos empregar, em vez de orações subordinadas, participios ou substantivos ver- baes, dizendo íaorador, habitante, habitador do céo etc, sem que por isso deixe a prece dominical de estar em portuguez e bom. E exactamente o que acontece com o Pater Noster vertido do abaneenga por diversos au-

80 NANDE RUBA

ctores no Paraguaj, em S. Paulo, no Maranhão, no Pará, eíc. '

Começaremos pela formula que vem lo.i^o no prin- cipio do GATEGHISMO EN LENGUA GUARANI POR NiCOLAS

Yapuguay gon direggion DEL P. Paulo Restivo de la

G0AIPANL4. DE JESUS EN EL PUEBLO DE SaNTA MaRLV LA

Mayor Ano de 1721.

Eisa formula e alg-umas o atras são precedidas da formula do Per signum crugis também vertida para a lingua indígena.

A ortliograpiíia seguida ne-jse Gategiiisíío é a do P. António Ruiz de Montoya, ainda hoje u.-ada pelo5 Paraguayos com uma ou outra mudança, e da qual pouca diíFerença tem a que foi adoptada nestes aponta- mentos. Com effeito essas diíferenças se reduzem ás seguintes :

O 1 gruesso de Montoya é a vogal especial do aba- NEENGA, representada por y nestes apontamentos.

O y semi-consoante de Montoya vem nestes apon- tamentos representado por J o qual precedido ou seguido de sois nazaes pode soar e se qígvqvq como h.

O ç quer de Montoya quer do> escriptos portugue- zos, é .V neste i apontamentos; alguns ç dos portuguezes são o li de Montoya e destes apontamento-;.

O 6- e (/ de Montoya e de quasi todos o, que escreve- ram de cousas do Brasil nos representamos invariavel- mente por li.

Os sons nazaes de Montoya na nossa orthographia são anuotado-5 com til ã'ã i õ ', exactamente como Mon- toya fez no ca^o e-;pecial do t /yrwesso, quando é também nazal, o qual elle representa por //, e neste ponto com- bina com a annotação aqui adoptada.

xVfora disto temos ainda o splHtizs lenis figurado aqui mediante o< ápices e que Montoya não discriminou.

is AN DE RUBA 87

Afinal emprega-se nestes apontamentos o circum- fiexo sobre a vogal dominante dos dipthongos.

No mais accentuam-se á portugueza: as vogaes ahertas com o accento agudo, as fechadas com o grave e ficam sem signal as mudas, por ex : nM homo, aba capillus, tètè corpus, falsus, erratus.

«Rezo «Que compuso «El Ven. Padre Fray Luys de Bolafios «De la Orden Seráfica de San Francisco «Y mandado guardar por la Sinodal «de este Obispado de el «Paraguay

« Santa Cruzraângabarehe oreamotarej^mbara he- «gui orepíçírõ epe Tupâ oreyara,Tuba, liae Taj^ra, bae « Espiritu Santo rera pípe. Amen Jesus. »

«Padre nuestro

« Oreruba ybape ereibáe ymboyerobiarpíramo nde- «reramarangatu toico, tou ndereco marangatu orebe, « tiyaye nderemimbotara quie ybípe ybape yyayefiabê, « orerembiú aranabonguara emeê curiorebe, hae nde- « nyrô anga ore yuangaipabaecuera upe ore rerecome- « guâhara upe orenyrônunga, eypotareme angaipa pípe « oreá,orepíçíroepe catu mbae pochíagui. Amen Jesus.»

Reduzida esta formula á orthograpbia adoptada nos apontamentos e ^otopoúa. ad verbmn a traducção temos:

Santa Cruz raangába rehé, oré amotar-e.v-mbára

SaiK-ti« crucis siyauui per, qos diliyuut non qui (liis)

hegui oré pysyrõ epe, Tupã oré jára, tuba, báe

ex nos libeca tu, Deus noster uoniiae, patris et,

tayra, hãe espiritu santu réra pypé. Amen Jesus.

lilii et spiritús saiieti noiuine iii Amen Jesus.

8<S NAXDE RUB.V

Oré riib, ybà-pe ere-i-inbâe, i-iuLo-je-robiári-

Noáter pater, coelo in tu es qui, quod hoiKjratim sit

pyranio nde réra morã-ngatú to-ikó; to-iir nde

sicut tuum noiíien pulcliruiu bouuiii sit : veuiat tua

rik(j morã-ngatú ore-be; tij-aijé nde-reini-mbotára

Cuuditio puljhra buna nobis ; liat tu quod vis

kié yby-pe, ybá-pe ij-aijé fiabS; oré rembi-ú ára

hic terra ia, ccpIo iu id lit sicut: aos quod ediuius, diei

nabõ-nguára e-meã kuri oré-be, hae nde íiyrõ

uaiuscujusque niunus, da hotlie iK^bis et (esto) leais

aiiga oré ifi-angaipá-báe-kiiéra upé, oré-rerekó-

deaique nos peeatores qui 1'uiiuus circa, aos iadueuat

menguà-hára upe oré nyrõ nungá ; ei-potar-eme

niala qui (eos) circa (sumus) Ienes sicut ; id velis non

angaipà pype oré ar; oré pysyrõ épe katú mbáe

peccato in nos cadere : nos libera tu bene rebus

pocby agui,

malis ex.

A analyse se adstringirá o mais que fôr possível ás regras dadas nas grammaticas, segundo as quaes se ver- teram as preces paraalingua dos íncolas, e em comparar os dizeres entre si, para se ver em que se differençam.

Não obstante ter publicado algumas succíntas considerações grammaticaes á respeito desta língua, convém que aqui, sem prejuízo da brevidade e claresa, sejam apresentadas as que occorrerem, e servirem para esclarecer os dizeres.

Não ha declinação no abaneenga, mas para faci- litar a indicação das relações designadas por casos, nas línguas que os tem, aqui se empregarão as expressões nominativo, genitivo, dativo, etc. Da mesma maneira servirão os designativos de modos e tempos, como vem nas grammaticas, cbamando-os indicativo, subjunctivo, permissivo, pretérito, presente, etc. Assim também as outras categorias grammaticaes, como participios, con-

NANDE RUBA 89

juncções etc, embora muitas delias não exprimam exa- ctamente o que se acha no abafieenga.

1^ Santa cruz raangaha rehe sanctae crucis sij^num per.

O genitivo precede sempre o nome regente, e assim está Santa Cruz (tomado do hisi)auliol) prepoóto á ra- angalia.

Raangdba traduzindo «signum» é substantivo (s. verbal o cliamam nas grammaticas) derivado de lia-ang {taang no abs.) signare, notare, nietiri, etc. O sufflxo háb forma com os verbos um participio (ou substantivo ver- bal) que denota o logar, o tempo, o modo, o in- strumento com que se o que exprime o verbo: iJiboé docere, niljoèhah lectio, doutrina, schola etc. Termi- nando o verbo em g (liaang) em vez de haang-hríb tem-se haangdb.

Em raangaba o /• não faz parte do verbo que pro- priamente è aang. Os verbos começados por vogal pela maior parte admittem uma OJrma geral com t iáicial, taang eum, eam, id metiri, uotare. Este í muda-se em r, h, ga, do seguinte modo : che raanga me notare, nele raanga te notare, lubae-raanga reni notare, haanga eam nota.re,gtcaanga se notare, iaanga id notare (generice).

Rehe posposioão de ablativo, per, cum, ob, propter, etc; em abafieenga as preposições das outras liaguas são verdadeiras posposições.

2^ ore amotar-eh nibára hegui, nostris inimicis ex: Orè pronome pessoal, que dão também como posses- sivo. Ha no abaneenga duas classes de pronomes pes- soaes, que se podem chamar pronomes agentes ou do nominativo e pronomes pacientes ou do accusativo, do genitivo e dos outros casos regidos. Os primeiros que chamam uns notas oufr'o> abtkíos pessoaes) são no

90 NANDE RUBA

singular P pessoa a, 2^ re (ou cpy'), 3^ o, no plural P pessoa iíí^fia e ro (ou oro), 2^ x^^, -^^ o.

Os segundos ou os pronomes pacientes são, no sin- gular : P pessoa clie, 2^ 7ide, 3^ i=ij^ih e /i=í (is, ea, id), com os seus reciprocos o,git, ogii (se); no plural P ^q.'á- •èoaLJandè^^hande, ou or^è, 2'^pee,pendé, 3^ a. mesma que no singular. Veja-se acima em 7^aangaba como é que os verbos começado-; por vogal admittem um pronome t que pode-se mudar era r, h, gu. Na P pessoa do plural ha dois ])Voi\om.e^ jandè^^handè nos omnes, sem exclu- são de ninguém, e orè nos extra alios ou praeter nonnul- los, á espanhola nosotros.Nos pronomes agentes tem-se igualmente ja=na inclusivos, ro exclusivo.

Assim vê-se: no Pater o vocativo oré ruba refere-se ao pai de nôsoschristãos, excluindo os pagãos, que não são filhos de Deus (no pen^^ar pelo menos do catechista). Em outras circumstancias orè podia exprimir: nos in- digenas, excluindo europaeos, nos homines excluindo animalia, nos viros excluindo foeminas, ou vice-versa si fosse mulher quem fíillasse. Si os que traduziram a prece dominical em ahafieeenga tivessem mais caridade ou mais philosophia, é natural que dissessem jandè ou nande rúda, chamando á Deus pater noster com a maior generalidade, pai de nós todos sem exclusão de ninguém e de nada, pois no pronome inclusivo Jandé=na)idé se podem comprehender nós todos, eu, tu e elle, chri-^tào, pagão, animal, vivente, emfim tudo.

Regra geral, os pronomes são prefixados aos verbos, nomes e outras partes da oração, e quando concorrem pronomes agentes com pronomes pacientes, o immediato ao verbo é o paciente (ha alguma excepção que veremos adiante em epe).

Para fixar ideias deduzamosa conjugação no tempo geral do indicativo (geral porque serve egualmente

5:ande ruba 91

para presente, pretérito e imperfeito). Em verbo intran- sitivo tem-se: ker àormive, no inf. servindo de subst, liera somnus, dormire, que faz: «-/{e dormio, dormiebam, dorniivi, re-kó dormis, o-ké dormit ,ja-hè ou 7'O-kè dor- miuius, pe-kè dormitis, o~kc dormiunt. Si o verbo for transitivo tem necessariamente de intercalar o accusa- tivo (nome ou pronome): a-nibae-apó rem facio (ego rem facio), a-ij-apò ego eum (eam, id) facio. Os pronomes i z=:ij=iíi ou h representam em geral o accusativo e assim tem-se: ped amoreve, a-i-peá eum, eam, id amo- veo, amovebam, amovi, re~i~peá id amoves, o-i-peá id amovet, ja-i-peá ou ro-i-peà id amovemus, pe-i-pjeá id amovetis, o-i-ped id amovent. ( «id» o pac. em geral ),

Com outros verbos (a maior parte dos começados por vogal) o pronome do accusativo em vez de ■i=ij=m è h: auhãb amare, aijhuba amor, a~Ji-aijhud eum, eam id amo, amabam, amavi, re-Ji-aijhãb id amas, o-h-ayhúb id amat, ja-h-ayhãb ou ro-h-ayhúb id amaraus, pe-h- ayhúb id amatis, o-h-ayhúb id a.ma\\t.

Grande numero de verbos monosyilabicos em vez do paciente i ou /i adniittem jo^=ho, e assim ajo-kab eum, eam,id ferio, rejo-kab id feris, o yo-kab=^o-kríb id ferit, etc. ; a no-ty id planto, re no-ty id plantas, o no-tfi=o-ty id plantat, etc.

Os verbos transitivos admittem uma conjugação com os pronomes pacientes com ou sem o pronome agente expresso : cJie ped ou cJie psd-i me amovet ou amovent (/, ille ou illi), ncle-ped~i te amovent, i-ped~i eum amo- \Q^i,Íanclè-peá~ioM oré-ped-i nos amovent, pe^ peá-i vos amovent, i~ped-i eos amovent; cJie-r-ayh/lb-i me a.n\a.nt. nde-r-ayhãb-i te amant, h-ayhub-i eum amant, gu~ ayhàb-i se amat, jamlé ou oré r-ayhàb-i nos amant, pjende-r-ayhàb-i vos amant, h-ayhub~i eum ou eos amant, gu-ayhúb-i, se amant.

92 NAXOK RCRA

A final ha verbos que podemos chamar verbos ad- jectivos, os quaesnão apparecem conjugados com os pro- nomes a;:>"entes, mas o são evidentemente com os prono- mes pacientes: che-r-asy me dolet(doleo, permitta-se-nos o erro em latim para poder mostrar o pronome paciente) nde-r-asy te dolet, Ji-ctí^y eum dolet, gu-asy se dolet, jatidc-r-asy nos dolet, pende-f-asy vos dolet, h-um eos dolet, gu-asy se dolet. Suppuzemos o pronome em accusativo ; é indiíferente porém que se considere em genitivo ou dativo; a questão é que elle é regido, e tanto que, quando consideram af^y substantivo, tem-se clic.-r- asy que traduzem «mea dolor» alias «mei dolor». Quanto ao mais estes verbos são considerados nas grammaticas como simples adjectivos e ahi dão a existência do verbo substantivo, interpretando che-r-asy sum dolens. Entre- tanto o dizer completo dos Índios é sempre clie-r-asy 7'aé me dolere dico, ou mihi dolet dico, me dolentem dico, etc. se que estes pronomes preposto-; á nomes podem se considerar em genitivo, o assim podem representar O'^ possessivo >: che rub mei pater (pater meus), nríe akang tui caput (caput tuum), i-pú ejus manus, eorum manus, o-po sui manus (sua manus). etc.

Seguidos de po^poições tem-se os outros ca^os: che-be núhi,7ide-7idWe tecum, 0}'é-ri nos propter, h-esé eo pro etc.

Ord amotar-er-jiibára Jiegai pode-se traduzir por « e inimicis nostris»; nesse caso amotar-ey-nibára (ini- micus, inimici) será substantivo regido da posposição hegiti e,ex,de. Dissomos «iuimicus ou inimici» porque em abaãeenga não ha distincção entre plural e singular do> nomes, e nem géneros; uma e oulra cousa, quando precisam ser determinados, o são mediante qualificativos como età multus, niulti, para designar plural, huha

NANDK KLli.V 93

foemiiia, lntiiribae mas, para géneros: kog ager, cam- pus, /vO<7-t'/ít agri, campi; gmjra aris, guyrd kitimbae avis mas, yuyrá himã avis foemiiia.

Amotar-efi-z^íbàra porém é um participio derivado do verbo aniotar bene-vele, dili^ere. Gomo vimos hál) é sulíixo de participio que exprime o logar, tempo modo, etc. em que se ou se faz o que diz o verbo : também liár é o suíflxo que exprime o auctor da acção do verbo: a/notar bene-vele, rt/Mo/cí/2fl7> benevolentia, a>notahár benevolens. Quando o verbo é intransitivo prefere-se outro participio formado com o sulíixo bae: ire, /<o/íd& « itus, itio » e ainda « iter » , o-hó-bae qui it, iens.

Ey è a negativa que sempre posposta ao verbo pôde ser anteposta ou posposta aos suílixos que formam parti- cipios, assim: a?/ioter-e.v male-vele, e aiaotd-hdr-efi ou amotar-efi-Mbdr male-volens, (nibdr pro lidr por in- fluencia do som nazal efi=efitti).

Ilcgui posposição e, ex, de ; usa-se mais delia na forma gai, agm com os nomes e de hegui com os prono- mes; entre os tupis apparece sempre escripto çiii, entre outros liai.

3.^ Orépysyrõepé nos libera tu. O verbo 'pijsyvo liberare, é transitivo, e por isso admitte a conjugação com os pronomes pacientes (vê nota 2^) che pysyrõ, me liberat, me liberant, nele pysyrõ te liberal, te liberant, ipysyrõ eum liberat, eum liberant, etc. Isto em geral ; quando porém se tem de determinar o sujeito ha dous casos ainda á considerar. I. Sendo a 1* pessoa sujeito e a 2* paciente, os accusativos não são nde te, pe vos, e sim o/'Ote, opo vos: oro pysyrõ te libero, te liberamus, opo pysyrõ vos libero, vos liberamus ; o nominativo então vem a ser che, oré,jandè (pronomes pacientes na regra geral) ante-postos ou pospostos á phrase: oré oro pysyrõ

94 i^ANUl': RCBA

úiioropysijrõ 0}-è uos te liberamus. II. Sendo a 1^ pes- soa paciente, e a 2=^ agente,oaccusativo continua á ser um dos pronomes clie, oré,jaudé, mas o nominativo sempre posposto á phrase é çpè owjepè tu, 2^ejepé vos; che jnj- syrõ epe me liberas tn,c}ie pysyrô pejepe me liberatis vos, etc. A estes accusativos especiaes chamam algumas grammaticas transições.

4.=^ Titpã orejara. Deus noster domine, ou antes «Deus nostri domine» considerando ore não como pos- sessivo, mas como genitivo do pronome pessoal paciente (nota 2^).Tuj)ã substantivo invariável ;jdra substantivo dominus, pôde-se interpretar como infinitivo de um verbo ar capere, iára qui capit, e como participio formado pelo suffixo hdr contracto do verbo ê dicere, jubere, Ja7'a qui dicit, qui jubet e até «qui gignit».

5.=^ TãM, hae tayra, hae espirito santo 7'éra pype, patris et filii et spiritús sancti nomine in ; a posposição pypem, rege tér a nomen,e esta dicção, por ser precedida dos genitivos tuM, taijra, espirito santo muda o t (da forma absoluta) em r, pois conforme a nota 2'^ íem-se: téra nomen (em geral), che réra mei nomen, nde rèra tui nomen, li-era ejus nomen, gu-éra sui nomen, liunã rèra mulieris nomen, etc. Os substantivos tuba, tayra pertencem á mesma classe de dicções e mudam também o t em r, h,gu conforme os casos ; Jiae é a copulativa «et» 2}yPG è a posposição «in.»

(j_a Qj.Q rúlja pater noster, ou antes «no.-tri pater», pondo o pronome pessoal da I^ pessoa do plural excl. em genitivo ; tuba precedido do nome ou pronome á que rege muda o t em r, e por estar em vocativo perde o a final.

7.^ Ybá-pe ere-hndae qui es in coelo ; o subst. regido da posposição pe costuma perder em guarani a consoante final ybdg^-ybcn: j](' \\)oão que fie;) ybd-pe ca^lo

ísAXDK RU BA í)5

iii; OS tupis diziam ij!)d!il-pe ou ybdlia-pe e os para- giiayos hoje preferem ybáya-pe.

Ere-ijiibae qui es, é o participio presente do verbo iiitransitivo que uo infinitivo faz ien—tem—tin esse, e que no tempo geral se conjuga a-i=:a-m sum, re-ín es, o-m est,ja-m ou ro- 1 ii smaiis, jje-i/i eatis, o-in smit. O participio feito pelo suílixo bae corresponde ao parti- cipio latino em tí/is, eíts (amans, tegens) e é mais usado nos verbos intransiti vos do que o formado por /ior (nota 2^). Nas grammaticas diio este participio em bae com o prefixo o ou í que representa o demonstrativo geral qui aquelle que, e assim o-ã-bae veniens, qui venit, o-gua- bae capiens, qui capit, o-hébae dormiens, qui dormit, i-catú-bae qui bónus, etc, o-im-bae qui est, qui jacet, jacens ; desta maneira segundo as grammaticas a plirase seria yba-pe o-uu-bae qui sum, qui es, qui estinccelo, etc, conforme a pessoa á quem se refira o participio. Da formula porém, que aqui examinamos se depreliende que usavam do participio em bae coiijugaLào com os pro- nomes agentes a h/i-bae ego qui sum, re-i/n-bae tu qui es, o-iiii-bae is ou ille qui est, etc. Escreveram em geral ere em vez de re tu, para exprimirem o som brando de /" que nunca soa em abaueenga áspero como em carro, rico, roupa.

8,^ I-mbo-je-robiar-i-pyramo nde rèra, lionora- tum sit nomen tuum, devia ser a traducção, mas juncta- ram-lhe ainda toico sit.

I-mbo-je-robiari-pyramo é um participio passivo que se collocouno subjunctivo mediante o suflixo ramo. O verbo transitivo robiar credere, conjuga-se com o pronomes agentes a-robiar credo, re-robiar credis, ogue-robia credit etc. (por ser um verbo composto com uma prepositiva ro, na 3^ pessoa o pronome é ogue) ; conjuga-se também com os pronomes pacientes che-re

00 ÃANDE KLHA

robiar-i me credit, mo crediiut, nde-re-robiar-í te cre- dunt, he-roMar-i eum credunt, gue-7^ol) iar-i i^e crednni, etc. Todos os verbos transitivos admittem a pronominal prernudL Je-=ne para formar verbos pronominaes, ou re- flexivos e que até certo ponto servem de verbos passivos ; 3LSsim je-roJ)iar se credere, a-je-rohiar me credo, 7-'e-Je- rolnar te credis, o-je^roMar se credit, etc. Todos os verbos intransitivos (inclusive os pronominaes) podem se tornar transitivos prepondo-se-lhes mo^=ml)0 que sig- nifica «facere, efíicere»; Rs^imnido-Je-robiar facere se credere, se. eum honorare, eum venerare. Todos os verbos transitivos tem participios passivos mediante o suffixo^yr. vimos antes três participios dos quaes um formado pelo suífixo Jidb exprime o logar, o tempo, o modo, etc. do que diz o verbo, e os outros dous (dos suííixos ]tdr e bae) exprimem o auctor, o factor do que diz o verbo. Alem destes ha dois participios passivos, um formado por uma prepositiva (do qual se tracta adiante) e outro formado pelo sulíixo i7y>*; este ultimo tem sempre um pronome prefixo i—ij=ih ou h=:hc ; no caso actual temos i-íiibo-je-robiari-pijrqxú honoratus. Afinal todo e qualquer verbo ou participio seguido da pospo-;itiva ramo {reme em tupi) fica em subjunctivo i-nibo-ye-rabiari-pyramo honoratus sit. A lettra i in- tercalada é apenas euphonica pois é licito dizer-se ro- biar-i-pyr ou robid-2)y elidindo-se até os rr finaes. No abafieenga não se duplicam consoantes e por isso vai-se em pyramo um dos r de i)yr ou de ramo.

Nele rèra tuum nomen, ou tui nomen se viu acima; tyiorangaiii adjectivo composto de porã pulcher, e haiu bónus ; vé-se que o encontro do som nazal com U faz ng.

Toico sit, O verbo intransilivo lecò-=teicó=^ticò significa lainhem <.<esse» como fen=^(eui^:^íin, com

NANDE KlUA 97

a diílerença que aquelle é «esse, sistere, existire, sub- sistere, etc. » e este «esse, sedere, jacere. » Aquelle se conjuga a-iho sum, re-ilio es, o-iho est, etc. no tempo geral do indicativo ; o futuro do indicativo em todos os verbos é esse mesmo tempo geral seguido da pospositiva ne, e assim : a-ikô-ne ero, re-ikó-ne eríi, o-ihó-ne erit, etc. Si em vez de ne vier a pospositiva mo tem-se uma espécie de tempo condicional, e ta-no um condicional composto. O tempo geral serve para presente e para pretérito, discriminando-se ura do outro ou pelo sentido da phrase ou por advérbios que a completam, como cuehè heri, jei hodie, irã eras, etc. Mediante a prepo- sitiva t que se antepõe aos pronomes obtem-se um modo permissivo, que também serve de subjunctivo : íít-í/id sim, tere-íkò sis, to~íhó sit, etc. e a este modo junc- tando-se as pospositivas ne, mo, tamo obtem-se outros tantos tempos correspondentes aos do indicativo.

A phrase toda podia ser simplesmente i-ml)0-je-ro- MaH-pyramo nde réra lionoratum sit nomen tuum ; mas attendendo-se à força da po>po dção ramo de sub- junctivo, e á natureza do participio que implica o rela- tivo (qui, quae, quod) preferiam quasi sempre os padres completara phrase mediante o permissivo toiho, ficando a phrase como se acha no texto.

9.* To-ur.nde rihó morangatã oré-be veniat nobis regnum tuum. O verbo úr venire, é dos que tem t no infinitivo {túra), e no tempo geral se conjuga: a-júr venio, re-/wr venis, o-wr venit, etc; como se é irre- gular, mas não obstaiite prepondo-se-lhe t do permissivo tem-se : ta-Jur veniam, íere-Jur vénias, to-uv ve- niat ele.

Tikô infinitivo do verbo que acima conjugamos a ilió, re-ihó, o-iliò etc, serve também de substantivo dizendo :

status, statio, modus, vita, natura, Índoles, condiíio, lex.

13

fs

08 SXSDE 11 LBA

Morangatu, adjectivo vimos.

Orè-J)e nobis, dativo do pronome da P pessoa do plural exclusiva.

9.^ Tij aijè nde remi-jitbotàí-a hiè yl)y-x>c fiat vo- luiitas tua hic in terra.

Aijè è um verbo composto da ordem d'aquelles que se conjugam com os pronomes pacientes (vê v. adjec- tivos na nota 2''), e demais que costumam ter 3^ pes- soa : no tempo geral ij-aijé fit, factum est, tij-aijè fiat, foctum sit, aijè íieri. Em guarani escrevem-no ayè=z anè, em tupi do mesmo modo e também aje^=aiè^=an]iè.

Nde-re)tii-rtibotára tua voluntas, ou tui voluntas (com o pron. em genitivo). O verbo potar velle, é transitivo e por isso tem participios passivos. Alem do formado pelo suffixo 2'V'' ha outro participio passivo formado pelo prefixo mi, que precedido do Índice pro- nominal torna-se temi no caso geral, e remi, hemi, guemi nos casos relativos. Tem-se assim por exemplo no verbo ar capere, que se conjuga a-i-ar eum capio, re-i-ar eum capis, o-gu-ar ewm capit etc, dig-o, tem-se o participio passivo temM (ou temi) ar quod capitur, praeda, cJie-reniM-ar (\\iodi capitur a me,mea praeda, nderemhi- ar quod capitur a te, tua praeda, /iey>i?>í-ar quod capitur ab illo, illius praeda, gu-eriibi-ar sua praeda. Este par- ticipio é quasi sempre traduzido por um substantivo, e assim se applica bem no caso vertente, onde tem-se : cJie-reyni-mhotára mea voluntas, se. quod Yo\o^nde-remi- mhotára quod vis, hemi-ynbotára quod vult, ejus volun- tas, gaemi-mbotára sua voluntas, Tupã-remi-ml)otára Dei voluntas, temi-rnljotára voluntas (generice) etc. O prefixo temi torna-se temhi antes de vozes não nazaes. liiè adverbio de logar, «liic»; yl)if-pe, in terra ; |/?íí/ subs- tantivo «terra» seguido da pesposição de locativo ^e in. 10' ylià-iie ij-aijè naM sirut in cnelo fit ; yhòg

NANDE RUBA UU

C(elimi, regido da posposição 29e in (v. retro); na&e adver- ])io «sicut» ; póde-se tambein interpretar como uma conj micção.

IP Oi-c rciiibiú ára nohõ-ngucu-a^ iio.slrum cibiim quotidiaiiLim. Outro exemplo do particijjio passivo de jjii:=nibi vè-se em oré rembiil uoster ciljus (aqui em accusativo por ser paciente do Terbo meeng mais adiante). O verbo u esse=edere é transitivo e se conju<j;'a a~u edo, re-u edis-, o-?í edit. O participio passivo, que se costuma traduzir por substantivo é temhiú quod esum est, cibus, pauis ; elie-renibià quod edo, meus. cibus, nde-remMú quod edis, tuus cibus, Jiemhiú quod edit, illius cibus, fjtce/ubuir suus cibus.

Ara substanlivo dies, mundus, tempus etc.

S^abo adjectivo : quisque, unusquisque etc.

Giiára [ngiiàra]}ov causa do som nazal que precede) é um participio contracto, muito usado para dizer «o que é de, o que pertence á» O verbo teUò não obstante ser intransitivo admitíe o participio em há)\ que é teliòár =zteTiiia)' ens (participio de esse). Empreg-ado com subs- tantivo ou outras dicçjes regidas, elide-se o ijronome íe e muda-se por euphonia o k em g fazendo guará. Litte- ralmente oré reiabia ara habô-nguara e meê oré-be nostrum cibum diei uniuscujusque ens (unicuique atti- neus) da tu nobis.

12'' E ine2 ku/-i orc-be da hodie nobis.

O verbo meeng dare, é transitivo e se conjuga a-iueeng do, re-meeng das, o~nieeng dat etc. Todos os verbos terminados em consoante costumam perder as íinaes na conjugação em guarani. No imperativo os pronomes agentes tem pequenas diíferenças dos usados no indicativo, e são e em vez de re na 2" pessoa do singular, e cha para V do plural (inclusiva ou exclusiva); a 3" pessoa de ambos os números é o precedida do t

lOO NANbK RU BA

do permissivo ; assim e~mec da, 2)e me7 date, clia rael demu^;, a 3' é propriamente a do permissivo to mel det, dent.

Kuri adv. liodie, lioc momento, lioc puncto.

Oré-be, dativo do pron. exclusivo «nobis».

13\ Hae nde nyrõ anga et te lenito denique (re- leve-se o latim bárbaro). se viu a copulativa hae. O verbo nyrò é dos chamados v. adjectivos (conjug-ados com os pronomes pacientes).

Anga éum adverbio muito usado, de indeterminada sig-niíicíição, que por vezes representa um vocativo, ó dilecte, ó dilecta, ó anima mea.

14\ Orè in-angaipahae-liuera upe circa nos qui peccatores fuimus. A dicção angaipàJ) de formação muito irregular é a que os padres adoptaram para dizer «peccatum, peccare». Como verbo admitte o participio em hae: iíi-angaijjábae i[mi)QCC'<xt, peccator; huér é o suffixo do pretérito e npé a posposição que reg-e a pkrase toda.

Kuér desig-na pretérito, e ram desig-ua futuro, e são os dois sufíixos mais g-eraes de tempo, que não se ajunctam ao iníinitivo e aos participios, mas ainda á nomes e pronomes,e por meio dos quaes se formam cinco tempos do modo segniinte : a dicção simples diz o presente, com o suííixo Jiicer o pretérito, com o suífixo 7nm o futuro, e com Uuemm e ranguer {rankuer) dois tempos mixtos : mboè docere , mhoe-liuèr docuisse ml)oé~ram docturum esse, mboè-kuercua pretérito com- posto, e mJ)oe-rariguer futuro composto. Com os parti- cipios tem-se : mboefidr doctor, qui docet, mboelmrèr (quando a dicção termina em /• ajuncta-se èr e não liuer) qui docuit, mboeharam qui docebit, mboehavéram qui docuerat mboeliáranguer qui docuisset (propria- mente o condicional do portug-uez. do francez, do

NANDE RUBA 101

allemãn etc.) Com um dos participios passivos tem-se : iembicu- quod capitur, chc-rcniblá quod cnpio che- renibia-liuer quod cepi, clie-renibia-raiã quod enpiam, cJie remhid-kueram quod ceperam ou cfipis.seui, che rcmhiá-ranriuèr quod caperem. etc. Do mesmo modo cora os oulros participios e até com alg-uus pronomes que tomam certa forma participial mediante o suííixo liae. Este participio pode-se interpretar Jme qui est, MeJiiter qui fuit, baeram qui erit, baehueram qui fuerat vel fuisset, haeranguer qui esset.

15\ Oré rerehò-menguã-hára upe, ciaca eos qui nos inducunt mala, onde se conhece a posposieão ujie que reg"e a plirase toda ; esta plirase íigmra como um substantivo, a é o participio de um verbo muito composto.

Todos os verbos intransitivos tornam-se transitivos mediante não o prefixo mó=mbo, como se viu, mas ainda medmnte o prefixo roz=:no^& este implica a ac- ção de fazer simultaneamente com o paciente do verbo : uy venire iiíbo-iir facere eum venire, eum vocare, ro-^ir (rur) venire eum eo, eum aíferre ou portare ; ire, mondo (inbohò) facere eum ire, eum mittere, vaM (rohò, tanto que em tupi é raso) ire eum eo, eum ferre. O verbo íí/íd^/e/íd esse, cuja raiz deve ser 27íd ou eftd, com ro contrae-se em reftd tenere. Este conjug-a-se a-7^eTiò teneo, re-rekô tenes, ogue-rehó tenet, etc. che-re- rehô me tenet, nde-re-reM te tenet, h-e-reliò illum te- net gue-rcUò etc.

O verbo iTiò admitte muitas composições, taes como niò-bè esse manens, vivere, eliò-porã pulchrum esse, pla- cere, enõ-nugiiã malum esse, displicere etc. Todos estes verbos podem tornar-se transitivos mediante a pre- positiva ro, e assim tera~se re/id menguã (roehò-men- guã) displicere. ou antes «malum inducere» com o accu-

102 NAXDK IlUBA

sativo de pessoa : ore rereliô menpuã nos (nobis) indu- cunt malum. Na phrase tem-se o participio em liar deste verbo, regido pela posposição upe.

16^ Oré nyrõ nungd, nos Ienes sumus (nos leni- mur; a forma passiva exprime bem os verbos que cha- mamos «adjectivos» do abaneenga; che maenduar memini, nãe maenduar meministi etc.)

iVMn^rír adverbio ou conjunceão ((SÍcut,lioc modo».

17\ Ei potar-eme angaipá pype oré ar, ne velis inpeccato nos cadere. O verbo potor sendo transitivo, intercala necessariamente o pronome paciente i depois do ag-ente e que é o pronome do imperativo ; eme é a pospositiva de negação (correspondente â ef/=:ei7w que é geral) para os modos permissivo e imperativo.

Angaipá substantivo regido da posp. pyjpe : in peccato.

Oré ár nos cadere no infinitivo, como complemento directo de potar. O verbo ar cadere, nasci etc. é in- trauí^iiivo.

18." Oré pijsyrõ epe haiú mime pocliy agui nos libera tu bene ex rebus malis.

Oré pysijrõ epe no imperativo, foi examinada na formula do per signum cruéis.

Katu adv. bene.

Mdae subs., em caso regido da posposição agui ex.

Poc/iy adj. malus"

Seguem-se agcra as outras formulas do Pater para serem comparadas. Vai em primeiro logar a mais an- tiga de todas, a do Padre António Ruiz de Montoya, que vem no catecismo de la lengua guarani publi- cado NUEVAMENTE SIN ALTERACION ALGUNA POR JuLIO

Platzmann. Não seria esta a mais antiga de todas si algum explorador de antiguidades tivesse podido des- cobrir e dar á luz a do Padre .í. de Anchieta.

NAxnK itniA

\(r^

El, TEXTO DE L.V DOrTlMX.V ríTTíTSTI.VX.V Kx i,]:N"(;rA

GUARANI

Santa Cruz Rnaano-ália relié Ureamota re.ymlHi-

rag-iii (a)^ Orepí çírô epè Tupã Oreyàra . Tuba, liae Taíra hae Espiritu Santo rera-

pípé Amen Jesus.

PADRE

Orerúba, íbápe ereíbae Imboyerobiâ ripira

mo Xderéra (b) toycó Tou nderecomâran

g'atiiorébe. Nderemímbotára, Tiyayê íbípe íbápe yyâyèyâbê (c) Orerembiú Ara iiôbaguâra, Emeê coara pípe (d)

orébe. Xdenyro (e) Oreynang-ai pábae (f)

upê. Orébe mârâhárupê (g") Oréfiú rôn5'ngá Haeorepo eyârímé Toremboá ímégan

oaipâ (h) OrepíçiTÔ epécatú, Mbae pochí gnú. (i) Anien Jpsns.

L- fASTELLAXA

Por la sefial

De la Santa Cruz,

De nue.strosenemig'os Libranos Sefior, Dios nuestro. En el nombre dei Padre,

Y dei Hijo,

Y dei Espirito Santo Amen Jeçus.

XUESTRO

Padre nuestro

Que estás en los Cielos,

Santificado

Sea el tu nombre.

Yenga à nos el tu

Reyno. Hag'ase tu voluntad, Assi en la tierra Como en el Cielo. El pan nuestro De cada dia

Danoslo oy.

Y perdonanos

Xuestras deudas,

Assi como nosotros

Perdonamos

A nuestros deudores,

Y no nos dexes caer En la tentacion, Mas libranos de mal. Amen .Tosns.

1<j4 naxdk ncn.v

Poucas são as differenças que apresenta este rezo comparado com o que analysamos antes. Para se verem mais distinctamente os trechos que diíferem, estão mar- cadados com um sig-nal.

As differenças são as que segniem :

(a) gui em yez de hegai. Como posposição que cor- responde ás preposições «a, de, ex, ab))Monioya gui e agui\ no corpo das phrases porém acha-se também liegui, principalmente com os pronomes cUe, nde etc. A pospo- sição parece ser gui (ou hui e sui) que recebe a eupho- nico e que torna-se Jiegui junto com o pronome da 3" pessoa.

(b) falta nesta formula o adjectivo morangatú que vem na primeira.

(c) Houve apenas inversão dos vocábulos e suppres- são do adverbio Uie que vinha na primeira, e também ayte por nabS.

(d) Em vez &QCuri (/ii^vliodie) vem: coara p'ipe (Iw dra pijpc liac die in) in hac die.

(e) Falta a copulaxiva Me antes de mjrõ e falta o adverbio anga depois.

(f) Na formula analysada o participio ih-angaipn- haêhué está no pretérito, ao passo que aqui in-angaipá- baè está no presente. Qual das duas maneiras seria pre- ferivel vê-se pela traducção que pelo pretérito : perdoa

o QUE TEMOS PECCADO, pelo preseute : PERDOA o QUE PECCAMOS.

(g-) Em vez de rerelw-menguà-liárd acha-se marà- Mr.Deveria aqui estar momarà-hór, e não marã-har, porque sig-niíicando mara malum, damnum, momarã sig-nifica malum ferre, Iredere, e momarà-hár qui malum fert, qui loedit, loesor. No mais mo7narà-hár equivale d'alg'um modo á rekô-menguã-hdr.

NANPE nUBA. 105

(li) líaeorepo eyàrimè Torenihoà 7megan oaipá ; primeiro que tudo está incorrectamente impresso ou escripto; reduzindo este trecho á nossa orthog-rapliiaíica : haè orc-povJâr-\imé torê-mlioá-ymè angaipá pype et nos e manu non ejicias ut nos cadere non facias in peccato. vimosacopulativa Jiae e o pronome paciente ui'é: o verbo composío pocjar póde-se traduzir por «e manu ejicere», no imperativo 2* pessoa do sing-ular coiu o neg"ativa|//iic; assim ore-^oe-Jíír-T/v/ie diz «nos e manu ejicias non». Seg'ue-se a oração no modo que chamaram permissivo : torè inhoar ymè ut nos facias cadere non. Antes vimos o verbo ár cadere, que se torna activo prepondo-se-llie mbor=mo. Xo resto phrase hou^'e eng-ano de escripta em angaipà e suppressão da })ospo- sição pype. Comparando atinai a phrase toda com a outra : eipotareme angaipa pijpé oré-ar, vè-se que eUaS' se correspondem.

(i) Aqui está gm^=agui, p; imposição.

Em seg:aida temos a oiíArÃo dominical, que \ eia no

CATECISMO brasílico DA DOUTRINA CHRISTÂ, COMPOSTO PELOS PADRES DOUTOS DA COMPANHIA DE JESUS, APICP.FEI- ÇOADO E DADO Á LUZ PELO PADRE ANTÓNIO DE ARAÚJO, EMENDADO NA 2' EDíÇÃO PELO PADRE BAHTHOLOMEU DE

LEAM (ambos da mesma companhia) lisròa 1886.

SKJNAL DA CUrZ Santa (Jruz raang-aba reco, ore pycyrn iépé Tupã

Sunta Cruz ruiiuyíiba rulu^, cn-e |)ys\ru é[>é TupS

ore iár, oré amotaréyinbtira nu. Tuba, Tayra, Espirito

oré jára, oré aiiiotar-ey-iiib;írá ym. Tulnt, 'J'.iyi'ii, Ji.^iurit

Santo réra pupé. Ameii Jesus.

Santo rpra li^p**- Aiiinn Jpsiis.

14

o

10() NANDM UMUA

PADRE NOSe^O oré rub. ybakype tecoar (a), imoeté, pyramo (b) nde rèra

oré nili, yljájii-i)ê tekiuir. i-iubo(^ti''-])\ r;iiiio lule rèra

toicíj : toiíi' nde reino [c] ; tonhemonliang" (d) nde remi

to-ikó; to-úr ude reino; to-neuiori;iUL;' nde ivini

motàra ybype, ybàkype inhemonhang- iabè. Oré

nibotára y'jy-pe, ybagi-pa i-ãeiuorianç jabè. Oré

rembiú ara iabíõ ndoàrafe) eimeeng' (f) cori orèbe ; nde

reiubiii ára jabõ-ii(lu;ira ei lueeiíg kiifi oré-be; nde

nliir.j oré ang"aiplba recé orèbe, oré rereco

nyrõ oré angaipába relié oré-be, oré rerekó

memoãç\ra çupí oré nliirõ inhà (g") ; ore moarucar

menguíi-hára upé oré iiyrõ jabé : oré mboar- ukár

ume iépé tentação pupé (li), ore pycyru ie.pé

yme épe tentação pypé, ore pycyrõ epe

mbáé aíba çui (i), Amen.

mbàé aiba liui. Aineu.

-oojaíííoo-

Pouco ou nada difíere desta a formula, que vem no compendio da doutrina christã na língua portugueza e brazilica, composto pelo padre joãq felippe beten- dorf, antigo missionário do brasil, e reimpresso, por ordem do príncipe regente, por frei josé marianno da Conceição Vellozo. Lisboa 1800.

A correcção orthogTaphica empreg-ada na formula do Padre Araújo serve do mesmo modo á esta. Basta um pouco de attenção para se vêr.

ORAÇÃO DO SIGXAL DA SAXTA CRUZ

Pelo sigmal da Santa Santa Cruz râang-âba

Cruz, livra-nos Deos nosso recé orepycyrõ iepé, Tupã

Senhor, de nossos inimig-os. cre iâr, oreamotaréymbâra

Em nome do Padre, e do çúi. Tuba, Tá'ra, Espirito

Filho, e do Espirito Santo. Santo réra pupé. Amen

Amen Jesus. Jesus.

NANDlí T5UBA 107

PADRE ^'OSSO

Padre nosso que estás nos Oré riib, ybákype to- Céos, santiâoado seja teu f*f>:'^i'' i^) imoetépynimo (b)

n , ' . + >,, nde rèm tòicó. Toúr nde

nome, venha a nos o teu / \ n^ i •,

' Remo: (c) Tonhe monhang"

Reino, seja feita a tua vou- (d) nde remimotâra ybvpe, tade assim na terra como ybàkype inhemonhàng-a no Céo : o pão nosso de ií'^^^^ <Jre rembiú àra iabiõ

, T T -i nduâra (e) eiméêna- (f)

cada dia nos da noie, e ^ ' i i -

•' ' cori orebe: nde-nhiro ore

perdoa-nos nossas dividas, anpipàba recé ore-be,

assim como nós perdoa- Orérerecomemoàçàra cupé

mos aos nossos devedo- oreuhirõ iabé íg-) : ()ré-

res : e não nos deixes cair "1'^arucàrumé iepé tenta- ção pupe, (b orepycyrõ te em tentação, mas livra- j-^pe ^^^^ ^j^^ ^.-^ ^.^

nos do mal. Amen Jesus. Amen Jesus.

Xota. Desta formula deii-me o Sr. Alfredo do Valle Cabral uma cópia inteiramente idêntica, tirada de um manuscripto da Bibliotheca Xacional, e ao mesmo tempo a seguinte anal^-se feita pelo nosso famoso botânico Velloso, que ajunctamos como mera lembrança de seus trabalhos em tão diversos ramos.

PADRE NOSSO

(pelo P. F. JOSÉ MARIANO DA COXCEIPÇÃO VELLOSO)

Ore nosso.

rud Pae-pro-r-w&íí.

ylxúiype ceos em, \)vo-Y'balia-çii][)è.

V ecoar que estais. imoelepijrarno honrado. nde vosso. rera nome. í-0i6'ó— seja-o. T-our nos venha Ajur. nrlpReyno teu reino.

108 NA Mil': \{\nx

T-onlie-monhang—\\\Q seja feita.

ndere—i\m.

mimotara vontarle.

ia-J)e do mesmo modo.

Ore~7' nosso,

eiubiú-pam comida.

ara dia.

ninou cada.

ndo-ara frequência c^uotidiana.

einieeiíQ seja-dado.

cori hoje,

ore-bc para nós.

nde-yihirõ tu perdoas.

ore nossa.

angaipaha ruindade.

rece pelo.

ore&e— a nós.

ore nossos.

reco—? que são. Or é repí^tido por causa da YOg-al.

A consoante a mesma á memoãqara—dtíveáoreti. çupe aos.

orè-nlíirõ nos i)erdoamos. m&c— do mesmu mudo. ore nos.

moarucarume d. zepe— debalde. tentação, pnpe em, oi-e nos. 2? í/c iro— livrai. ie2Je debalde. mbae cousa. aiba— ma., çui—áe.

N.VNOK liUUA lOl)

Passando ao e <.nme d;i reza não será escusada uma observação á respeito de orthog-raphia, para não so voltar ao primeiro folheto.

Na orthog-raphia que adoptamos, o caracter /i al- terua-se por vezes com 6*, por ex: rehé:=resé, pyhijrõ=: pysijrO; tilteruam-se jíi i/ib, b e iis vezes p, por ex : iuo(ar=/}ibot(h'=poía)-, bôi=^hibòi\ e finalmente a vo- g'al neutra a de que se tratou na pag". 50 do primeiro lolheto é escripta ou não, indiíferencemente. Do mesmo modo imitando o fallar do Paraguay tambeiu se eli- mina ás vezes a consoante final de g-rande numero de vozes. Assim temos taba=iáb=.tà, aiigaipába^=cuigai- pàb— angaipà, che-rèra = che-rér = cíie-ré, ybâga = ybàg=:ybá ou ybdka^= ybah= ybá porque g eh tam- bém se equivalem e se substituem.

Quasi sempre em tupi apparece k onde em guarani está g. Ainda mais, quando os g-uaranis elidem a ul- ima syllaba. que de ordinário contem a vog'al neutra a, os tupis apenas adoçam-na e abreviam-na dizendo ybdki-pe, quando os g-uaranis dizem ybápe.

Acima se viu também que quando no vocativo os os tupis elidem a vog'al neutra final oré-rúb, oréjár, é justamente quando os g-uarauis não na dispensam oré rãba pater noster, oréjdra noster domine.

Em alg-uns casos raros o g guarani vale h ou s em tupi e ahi temos a posposição giu=zluti=sui que os por- tug-uezes sempre escreveram çai.

Finalmente a posposição do dativo ujyc em tupi apparece sempre escripta çupé que equivale na nossa escripta ksupè^=liupè, mas contendo em h um pronome.

A posposição pype em tupi vem sempre pupc.

Afora disto cumpre ainda notar que os sons nazaes representados em g-uarani por ng por vezes em tupi foram escriptos nd e n'alguus casos mudou-se comple-

tamenteesse ng em m; do 1" temos exemplo em vlaZ^o- ndiiára por ncibo-nguàra, e do em memuã por étienguã. O som nazal rorna j^=n e ij^in,

Ag'ora a comparação das formulas da oração do- minical :

No PER siGNUM CRucis, aléui do que acabamos de vêr á respeito dos sons, ha a diíferença de iepe em vez de epe na primeira oração, e a ausência da copu- lativa liae antes de Tayra e de Espirito Santo.

U pronome de 2' pessoa é (nota 6) êpe no sing-ular, Vejépè no plural quando sujeiío do verbo, tendo por paciente a l\ O padre Fig'ueira (g"rammatica fim da pag". 87), e começo de 88) mostra não tel-o compre- liendido como Montoya (g-ramm. pag\ 3(3), e o con- funde com o adjectivo. /epe.

No PATER NOSTER temos :

(a) Tehuar em vez de ere-l-níbáe o substantivo verbal de tikò em vez do participio activo de tiii:=ten.

Como não era usado o verbal tendàra de íea os padres do Parag-uay empregaram o participio activo o-úiíbde. Os caiecliistas da costa oriental preferindo porém empregar o verbo telw, usaram do seu verbal tekuára [te-hòhár) para exprimir aqui est», por tanto Ybàki-pé teliuar coelo in slator, corresponde exacta- mente á yôcípc erc-^/^^tóc' cwlo iu tu sedens.

Jj) Iml)oèté-piiraj)io em vez de i-i/iho-Je-rubiái •i-piii Vi- mo. Montoya o verbo mhoetèxQWQVàvi^ colere, que os padres da costa empregaram muito no sentido de «laudare benedicere.» Correspondem-se pois mbojerobiáremhoeié collocados ambos no mesmo modo e ambos passivos e seg'uidos ambos do complemento de pbrase no modo per- missivo io-ilió.

No mais apenas na formula tupi falta o adjectivo morã-ngatn qualificando j-crd.

NANDE RU"bA 111

c) To-úr mie reino em vez de to-úr nele rihó rao- râ-ngatú orébe. Os catecliistas do Brasil preferiram o vocábulo portug-uez /'eiiio em vez de traduzil-o. Além disso falta na formula tu})i o dativo orè-be nobis. que é essencial.

d) Tohemohang em vez de iij-aijè para traduzir tlat; Moutoya o verbo nionang facere e o derivado delle hemohang fieri. No mais a formula g-uarani tem de mais o adverbio ftíc hic, precedendo í/&í/ terra que falta na formula tupi mas não lhe altera o sentido.

e) Jabiõ-ncluá)Xi=uabõ-ngucb'a;yà vimos que /:=fr, o i intercalado é apenas enplionico, e ncl=ng.

f) Ei-meèiig por e-meé; os guaranis dispensam sempre o pronome i paciente quando o verbo é dos que se tornam activos mediante a prepositiva mo=:ml)0\ os tupis não prescindem do pronome paciente.

g) Nde nyrõ orè angaipàb resé orêbe, orè 7^erehò mej)iuã-háva supé orè nyrÕ jaW, diífere do que vem na formula guarani: P em não ter a copulativa Mc' e o adverbio cuiga o que não altera o sentido, em estar orè angaipaba resé nostra peccata super, orébe nobis, quando na outra está «peccatores» no pretérito regido de upé e não seguido de orébe nobis, o que modifica um pouco o sentido, em ter j'abê=:nabe em vez de nun- gár que tem significação equivalente. Da troca de ínemuã por /iienguã, e de supé por upé tractamos. Na formula de Betendorf vem o erro iaabé ^orjabé.

li) A plirase o?'é raboáv-uliár-ijme épe tentação pype nos facere cadere jubeas non tu tentatione in, diíFere em tudo da outra mas sig'nifica o mesmo. O verbo ar cadere, tornou-se activo mediante a prepositiva ralto ; a pospositiva uliár exprime «causar, mandar, fazer com que>'. Afinal os padres em vez de traduzirem emprega- ram ?i pahnrn portugnc/ca fenfnrão.

112

NANJJli l!i: BA

i) No ultimo trecho da oração vera mTjaê aida em vez de nibae pochij que se equivalem.

Quanto ao mais sobre jepé por epê, hui por gai, moar por mhoar, resé em vez de rehé etc. se disse acima o que importava.

Por muito diíferente que seja a oração dominical dieta em g-uarani da dieta em tupi, vè-sequeo são ambas em uma e única liug-ua. Não ha um vocábulo, uma única phrase tupi que se não ache também em <,'"ua- rani.

•— oOÍfrJo-o

A formula que em seg-uida vamos transcrever é a que vem no livro de Yves de Evreux, citada no começo deste arLÍg'o na pag. 272.

Vem simplesmente o Pater Nosteu não precedido

do PER-SIGNUM CRUCIS.

DOCTRINE CHliESTIEN NE

EN LA LANGUE DES TOPINAMBOS & EN FRANÇOLS ET PREMIÉREMENT l'ORALSAN DOMINICALE.

Ore-rouue vuac peté couare Ymoe-tepoire derere-toico. To-oure de-reig"ne Teiè-mog-nan deremimota-

reyboipé vuacpe iémog-

nan eaue

(Jroremi(ju-are a i e d o na r e eimé ioury oreue

l)e-ieurou orè yangaypaue ressè

Ove recome-mossaré soupé ore-ieuron eaue

Moar-ocar humé yepé teco- memo poupe

O pessuron pe^-epé mãe avue souv.

Nostre Pere és Cieux qui es Sanctifié soit ton nom. Aduienne ton Royaume Soi faicte ta volonté en la terre comme aux Cieux.

Nostre pain quolidien don-

ne auiourd"hui à uous Pardonne nos oítences

Comme nous pardonnons à ceux qui nous ont oífen- cez.

Et ne nous induits point

en tentai ion Mais nous deliure du mal. Amen Jesu.

I

NANDE RUBA li3

Posta esta oração na ortliog-rapliia correcta temos :

Ore rui) yMU-pe tehuàr, i mboêtépyrnde rêrto-ihô to-úr nde reine. To-Je-monã cle-i^emi-mhotár yby-pe yhali-pe je-monã Jabe. Ore y^enibiú àr oje ncludr ei meã liitri orêbe, nele jijrõ ore iangaijKib resè, orerelw me- muãharé sapé ore jyro jabè. Moar uliar-yme jepè leliò memuãpype. Ore yysyrõ pejepè mbaè aib suL

Comparando-se com a formula tupi vê-se que é a mesma apenas mais incorrecta. Na correcção orthog-ra- pliica devemos lembrar-nos [que a escripta de Yveg d"E\Teux é feita com a ortliog-rapliia franceza e esta antig-a ; isto dá-nos a maior parte dos caracteres equiva- lentes em uma e outra escripta Mas alem disso ha mais observações á fazerem-se. A vog-al neutra que desig- namos por a vem aqui representada por e mudo francez no final dos vocábulos. O y especial do abaueêng-a está representado por oi em moetepoire (mboetepyra) e na seg'unda syllaba de yboi (yby) ; por u em vuac (ybág)', por eu em ieuron {jyrõ—nyrõ); i^ovhu em hume [ymè); por u e "^Qv e empessuron [pysyrõ). O & apresenta-se quasi sempre como u tal qual se em rouice [ruba]^ em vuac [ybág], em eaue {Jabe), em oreue {orèbe), em ayue {aiba). O caracter y de Yves d'Evreux vale na nossa or- thog-raphia como i ou./ excepto em yboi {yby) onde vale o mesmo y especial. Em memo por memuã {menguã) falta sig-nal que indique o som nazal de Õ. Em recome- mossaré {reliò'memuã-harè=^7^eliò-menguã-harè) os ss representam Ji e o participio está no pret erito [harèr differente do que se acha na formula tupi. Temos ainda eiúiè por ei-mee [ei-meeng) e loury por auri {kuri) onde ha evidentemente o erro de i por c.

A diíferença mais importante está em aiedouare por

oJendiMr comparado com iabiô-ndõára [Jadõ-ngmrd)

15

114 NANDE RUBA

(la íbrnmla tupi. Ti-àànzimos cb-a nabõ-nguára por «diei uiiÍLiscujiisqu9 iniinii.s» e eira oje-nduar [nguar] pôde ser traduzido por «diei liodierni miinus)) porque oje é o adverbio «liodie».

Vê-se em ultima analyse que esta formula é a mesma da oração dominical em tupi.

Ag'ora perg'unta-se : os franciscanos íVancezes que estavam no Maranhão no começo do século XVII apren- deram esta formula com os jesuítas (missionários portu- guezes) para ensinal-as aos Índios, ou ouviram-n'a decorada e atamancada pelos próprios Índios do Mara- nhão *? Tudo induz á crer na seg-unda hypothese. Fran- cezes e portug-uezes viviam em hostilidades quer no Maranhão, quer no Rio e em outras partes. Um século depois da descoberta do Brasil os Índios, desconfiados das insidias e maus tractos dos portug"uezes, desg-ar- ravam-se para long-e dos colonos do reino, mas de- pois de terem estado em contacto com elles, depois de terem sido baptizados e catechisados e por tanto levando para os sertões uma boa parte das orações que tinham decorado e repetiam á maneira de lendas. Encontrando- se com francezes, com cujo tracto elles sympathisavam mais (porque ao menos da parte delles não soífriam o captiveiro, as perseg-uições e a g-uerra traiçoeira e exter- minadora que lhes vinha dos hispanhoes e portug"uezes) é natural que ao serem re-catechisados repetissem o que sabiam.

Não era natural que os capuchinhos aprendessem o tupi com os jesuítas.

Seria fácil e g'eral entre os padres francezes n'a- quelle tempo o conhecimento da ling-ua portug-ueza, na qual estavam escriptas a arte e catechismos da ling-ua g"eral"? A mesma duvida não se pôde apresentar á

NANDE RUBA 115

respeito do que escreveram Piso e Marc^"raíf que á cada passo revelam conhecer o portug'uez. Também os hollandezes mais tarde é que estiveram de posse de terras brazileiras e por mais tempo.

As noticias sobre ling'ua tupi que se aprendem de Yves de Evreux, em tudo e por tudo, parecem recebidas directamente dos mesmos Índios. Entretanto é notável a coincidência das formulas das orações com as ensinadas nos catecliismos portug-uezes, apenas com a diíferença de serem em orthog-raphia franceza e extremamente estropiadas, o que se não pode explicar senão por ser traducção de traducção.

A DOCTRINE CHRESTIENNE EN LA LANGUE DES TOPI-

NAMBOS dada por Yves d'Evreux é a mesma que vem no catecliismo do Padre Araújo, truncada e estropiada. Si elle a tomasse de livros portug-uezes não poderia ser tão estropiada quer na ortliog-rapliia, quer no modo de separar os sons e as plirases e de lhes dar traducção franceza. O transtorno de phrases que se vè, mormente em alg-uns trechos, se pôde explicar por terem sido ouvidas as orações da bocca dos Índios, e mal explica- das por estes que de certo não poderiam reter com summa exactidão as doutrinas e mysterios, embora se dissessem traduzidas em sua ling-ua.

Na formula do creuo por exemplo, es te trecho de Yves d'Evreux.

A rubiar... Puiice PiUUj Muuruuuicliuue amoseico sericomemo l)yire íimo.

Je cro)j. . .Soubes Ponce Pllale Prcáident a souffevt.

Yiouca poíre anio youira. loasaue ressé.

A este tué sur le boiís de la croi.c. II eat 7noyt.

Yinoiar ypoire ytemini bouire amo.

Et a este enscuebj et e.iterré au Sepulchre.

ll<í NANDE RUBA

Posto isto na orthograpliia correcta, e coordenada a phrase seg-iindo a formula tupi ( d' onde nos parece orig-inaria ), temos :

Arobiar Pouce Pilate luburubicliab-amo liekó (reme ).

Credo. .. Poncius Pilatus prUioeps cum faissat serekó-memuã-pyramo, i jucá pyramo, ybirá-joasáb rehé lUam afflictum faisse, mortutun faissè, lirj.io deciisscUo in

i mbojári-py (reme). I tymi-mbyramo.

flcíam faisse. Sepultura fuisse.

Para se traduzir ioasdue t^esse por U est mort era preciso desconhecer quasi completamente a ling-ua, g-ui- ando-se, para escrever, pelo som das palavras, e dan- do-se-llies a interpretação que se ouvia do interprete. Copiado de um livro qualquer não era possivel tanto transtorno e eng-ano.

Estava isto escripto quando o Sr. Valle Cabral me deu a seg-uinte formula, extraliida da mui rara Cos- moot^a2)hie imimnelle cV André Thevet, impressa em Pariz, em 1577, in-foL, tomo IV, livro XXI, pp. 925.

Ore rure vbacpé Ereico. Toicoap paueingatu aua vbu

lagotou oquoauae cliarai b'-amo derera reco Oreroso Jeppé vuacpé. Toge mogaanga

dei-emipotare vbiipé vuacpé igemonang iaué. Araiauion ore remiou Ziuiéeng cori oreue. De guron oréuo. orememoanangaipaue supé, orerecomeinoa-sara supeoregiron iaué. Eipotarume aignang orememoaiigé. Eipea pauemgiie ba ememoam

ore suy.

Emona toico, Jesus.

Segundo nota do Sr. Cabral, foi este o primeiro trabalho que se publicou em lingua tupi, pois que Lerj foi impresso em 1578 e o Anchieta em 1595. Portanto esta « oração dominical » ensinada por padres francezes aos Índios da colónia Villegaignon é pelo menos con-

NANDE RUBA 117

temporanea da que compozera o padre Anchieta, esta em Piratining-a, aquella em Ganabara. E' opporturío observar aqui a improcedência do que dizem Vascon- cellos e outros quando afíirmam que os Guayanás fallavam lingnia differente da dos Carijós. A ling*ua que aprendeu desde log'o o padre Anchieta e na qual cate- chisava os Índios foi a língua geral, o tupi dos Carijós de Piratining-a e dos Tamoyos de Nyterói e Ganabara, e essa ling'ua devia ser a do chefe principal TijLyrxjsà ( o nome o diz ), o moriihicJiada dos Guayanás, e o mais dedicado amig^o dos padres da companhia, á que perten- cia o padre José.

Esta oração dominical em puro abafieeng^a, tem alg'uns erros de escripta ou talvez typog-raphicos : era orerure por ore ruve está r por i^;oquoauae está muito errado, quando muito devia estar oiquouae para se poder interpretar como oihoTme; em Zimeeng o Z deve valer E; afinal pauemgne M ememoam não pôde ser senão pauemtj indae memoam, onde o m se separou do b e se escreveu erradamente como ne.

Reg-ularisada esta formula pela orthog-raphia adopta- da, e traduzida temos :

Oré rub, ybak-pe ere-icó ; toi-kuaáb pabê ng-atu

Noster pater coelo in tu es ; sciant omnes

aba, yby jakatú o-ikó-bae, karaib-amo nde rera

gentes, terram universam qucc incolunt, sanctura tuum nomen

rekó ; ore roso jepé ybakpe ; to-je-mofiang- nde-remi-

esse ; nos efferto tu coelum ad ; fiat tua

mbotar yby-pe, ybak-pe i-je-mohang iabé; ara

voluntas in torra, in coelu ea íit sicut ; iliei

jabion ore rembiu ei meeng" kori oré-be; nde

uniuscujusque nostrum cibum da tu hodie nobis; le

jyru oré-bo ore mêng-uã ang-aipába supé, oré-rerecó

lenito nobis nostra damnns;i peccata cipfa, nos q\ú

118 XANDE RUBA

meng-uã, hára siipé ore jyrõ jabè. Ei-potar-yme anã oré

(la;nnu;n faciíint eis nns Lniimiis sifut. N')lito (lial)oluni nos.

mo-moáng'5 ; ei peá pahemby m^rào meng-uã oré-g-ui.

an,^'''!'!'' ; amovt» cirirtas ri^s daninosas e nnliis.

Emonã ne ln-ik('). Jesus.

Ita sano sit . Josiis.

Em alg"iins pontos diífere muito das outras esta for- mula. Em vez de oraç.lo de relativo «que» aclia~se oraçlo no indicativo: Pai nosso, tu estás no céo.

A seg'unda plirase é outra inteiramente, e nella se acham dicções ainda não encontradas no que temos examinado.

Kuaàh \\ trans. scire, cog-noscere, agnioscere ; está no permissivo (que serve de imperativo, e também como substantivo.

PaT)è-ngatu, adjecttivo composto: omnes.

^Ms. homo, g-ens, indig'ena : persona, aliquis, qui qufe, quod.

Jacatic, «adj. composto» uni versus, totus. Devia jacatu ser seg-uido da posp. de locativo j)e ou pupe.

Oicoljae part. act. de ihó equivalente ao part. te- Jiudra, que vera na oração em tupi.

Karaid s. e adj. de que fizeram diversas applica- ções ; tem esta dicção os sig-nificados de «sanctus, bene- dictus, sapiens, doctus, peritus, distinctus, excellens, dominus, princeps» ; applicaram~na á «europaeus» em contraposição á «indig^ena» desig-nado por add. Adop- tada pelos padres serviu para desig-nar como subst. «baptismus» donde í-karat-dae baptizatus, christianus, i-limn-ey-dae non baptizatus, ethnicus, g-entilis, pa- g'anus.)) Na vertente oração está como «qualificativo» reg'idn da posp. amn ut, de subjuntivo.

XANDE RUB.V 119

Orê roso jejJé ydríh pe é tamhem differente do que se viu nas outras formulas. Xa nota 15^ se fallou do verbo ho ire, do qual se deriva ro/iO=:rosò ferre, verbo este que os guaranis e hoje os paraguayos dizem raJirí. Acha-se elle no imperativo com o paciente ore pre- posto e com o sujeito jepé=epé tu, posposto (nota 3^).

Seg-uem-se dicções vistas precedentemente e mais abaxo aclia-se JyrÕ=iiijrõ que se examinou, e é sabido quei=:n, como se eiajandé^nandé, etc.

Mais adiante encontram-se dois substantivos raenguã e angaipàd consecutivos e servindo um de adjectivo, e em vez de upe posp. de dativo, supè como se quasi sempre em tupi.

O verbo moang2 ang*ôre, vexare, se acha re-acti- vado por seg-unda prefixação de mo. e pois mo-moangl facere vexare, talvez inutilmente. Notando-se que na formula está auge e não ange pode-se interpretar de outra maneira : em tupi auge. em g-uarani aguijjé é um adj. composto sig*niíicando . «victus, domatus, sub- missus» donde o verbo mT)o-aguyjé vincere, domare, submittere, que também serve para o caso.

O adjectivo pab2 acha-se também frequentemente YiQ.íovmdipaT)emTJ\j cunctus.

Emonã, adv. «ita» seg-uido de ne que alem ser posp. de futuro do indicativo, serve de adv. asanè, certè».

-ooJOÍoc

Seguem-se as formulas que vem no tomo 3" do Mi- thridatPS. alli transcriptas sob os ns. 367 á 374.

120 NANDE RUBA

' GUARANISCH

AUS CHAMBERLAYNE, S. 91 Unser Vater Himmel in clii l)ist der

Orerúba ibápe ereibae ;

Verehrt dein Nahme sey

Imboyerobià ripíramu nderéra toycò ;

komme dein Seyn giit uns zu

Tounderecomávân gatúorebe ;

dein Wille sich thue Erde aiiC Himmel in sich

Nderemimbotára tiyayê íbiípe ibape yyà-

thut anch

Yêyâbé

Unsre Speise Tag jeden gehorig: gib diesen Tag an

Orerembiú ara nâÍ3Ôg-uâra emêé coara pi

uns

peorêbe ;

Verzeihe unsere Sunden uns

Ndefijrô oreynáng'ai pábaeupe orébe

AVir verzeiken

ráhánipê orefi yr unúng"á haeorepo eyâriíné ;

Toremboá imégan oaipá ;

uns befreye vielmekr Sache uIjIp von

Orepicyro epecatu mbae poclií g-ui. Amen.

Desta formula deram-me os Srs. Dr. K. Henning" e Alfredo do Valle Cabral cópias inteiramente idênticas. E' justamente a do padre Montoya com mais erros de es- cripta, como r^ecomavan em vez de recomaran, roehe em vez de orede etc. A. do Sr. Cabral trazia o titulo e a nota que seg^uem.

NANDE RUBA 121

ORATIO DOMINICA

BRASILICE, GUARINICA DIALECTO

Ex Cliaml3erlaynio. Vem na pp. 142 da seg-iiiiite collecção : « Oratio dominica C L ling-uis versa, et propriis

cujusque ling-uoe cliaracteribus plerumque expressa;

edeiite J. J. Mareei. Parisiis, Tupis imperiamus 1805,

in-4°,

GUARANISCH

NACH ANT. RUYZ CATECISMO DE LA LENGUA GUARANI

Orerúba,

íbápe erei bae ;

Imboyerobiâ ripíra mO,

Nderéra toycó ;

Toii lidere comarân gatúorébe ;

Nderemi mbotára,

Tiyayô íbípe,

íbápe yyâyêyàbê;

Orerembiií,

Ara fiâbôg-iirira,

Emeê coara pípeorébe ;

Ndefiyrô,

Oréyúâng-ai pábaeupè,

Orébe mârâhariipé,

Oréfiyrônung'á,

Haeorepo eyârTmé ;

Toremboá íinég-anoaipá,

Orepíçyrô epécatú ;

Mbae poclií g-ui.

Amen Jesus.

E" justamente a formula do padre A. R. de Montoya, transcripta com mais exactidão que a precedente.

16

122 NANDE RUBA

DASSELBE

NACH ANT. SEPP. UND ANT. BÕHM RKISEBESCHREinUNG NACH PARAQUARIEN, (NfJUNB. 169o 12) S. 213

Ore riiba.

íbápe ereíbae.

Imboyero bià ripíramo.

Nderata maranha tu toyco.

Tou ndereco marânga tuoivbe..

Tiyaye nderimimbotára.

Quia íbípe.

tbape yyaie fuibé.

Orerembiu.

Aranàbô g-uara.

Enieè curi orébe.

Ndenyi'©.

Oreyfiang*ai pabae upé.

Orere recomeng"u ahara upa

Oreuyro núng*a.

Haé eipotaremé.

Ang-aipape orca.

Orepíçírô epecatú.

Mbae pochia g-uâ.

Amen Jesus.

Esta é copia da formula de Yapug-uay mas bastante errada. Alii se ncle-rata por ncle-y^era, quia por quie, lopa por upè, orca por orea ; em vez de mdae-pocJii gui ou agià vem mdae pochia guâ.

NANDE RUBA 123

3 TO

DASSELT3E

NACH MART. DOBRIIZIIOFER IN VON MUUR"S JOURNAL P. K.

n. L. TH. IX. s. 106.

<(■ Ore ruba. ybape ereíbae,

« Ymombeu catupíramo toico ang-Ci nderera

« maràng-atu, « Ndereco maràng-atu toii ãnga orebe, « Nderemimbota tiyave âng-a coíbipe, ybape

« yyaye nabé, « Orerembiura ara nabôiig*oara teremeê ang-a orebe. « Xdenyrô ânga ore ynang-aypabae upe, ore

« rerecoliare upe orenyrô nabé. « Oremboa eme ang-aypá pipê. « Orepíbíro epe opàmbuepoclii hequi. Amen. »

Ainda é o rezo g-uarani com alg-umas variantes e muitos erros.

1.° Em vez do imdo jerodiari-pyramo do g-uarani ou do i-niboèiè-injramo do tupi vem imomdeú-liatú-py- ramo que lhes equivale em sig-niíicação (v. no Tesoro momdeú dicere, momdeú hatú benedicere).

2." angu é erro por anga e este adverbio ou in- terjeição intercalado aqui não existe nas outras for- mulas.

3." transposição do verbo toiho.

4." Nas duas plirases que se seg-uem dá-se outra vez inversão das palavras, e intercala-se duas vezes o adverbio anga que ainda reapparece mais adiante.

5." Em vez do imperativo e-meè. está o permissivo tere-meê, o qual seg-undo as g-i-ammaticas também .serve de imperativo.

124 NANDE RUBA

6." Em vez de rerehô-menguã-liar está rerehò- harè que pode servir porque t^erehô também sig-nifica propriamente «tractare»; quanto ao mais o substantivo verbal rereliô-haré, está no pretérito.

7." Falta uma plirase inteira e depois em vez do permissivo toremdoá Montoya), está o im- perativo orèniõoá.

8." Pydyrõ errado em vez áepyJiyrõ.

9.° Opànibuepoclú liegui^ deve ser escripto opá- mbaè pochy hegui omnibus rebus malis ex, que pouco modifica o rezo de Yapug"uai.

Escusa notar erros de menor monta, como nahe por halbê, etc.

BRASILTANIPCH ODER GUARANISCH

(UNTER DEM FALSCHEN NAHMEN MEXIKANISCH). AUS DURET THRÉS DE L. S. 944.

« Ore rure vbacpé, Toi coap. Pauemg-atu

« aua vbu « Jag"aton; oquoavae charaib'-amo de-

« rera rico « Ore roso Jeppé vuacpé. Tog-e mogmang-a « Deremi potare vbupé vuacpé igemonang*

« iaué (( Araiauion ore remiouz imeenvcori oraué.

« De g"ouron oreuo « Orememoan angai parcé supé, orereme

« moa será supe oreg'iron

« iaue « Eipotarume aig-nang- oreme moaug-é. Ei-

« pea panemg"ne ba emémo-

« am ore suy « Emona toico. Jesus. »

Esta é justamente a formula tupi, que considera mos a mais antiga transcripta do Tlievet. Tem va-

NANDE RUBA 125

rias differeiíças de lettratj, e acha-sejocaton i>or iagatou ifacaiu); rico=reco; imeemj cor unais exacta em parte que zimeeng cori em vez de ei-meeng-cori ; orauè por oreuè {orèhe); garon por goaron {jyro=nijro)\ angai- parcé i^or angai-imue {cuigaipáda); orerememoa será por oreremeinoa-sara ( ore-recò-mS)iguá-liara).

O Sr. Alfredo do Valle Cabral obsequiou-me com a seg"uinte copia que é mais exacta.

Cliamberleynius (Joan.) Oratio dominica in diversas

omnium fere g'entium ling'uas versa, cum dissertatione

de linguarum orig'iue (edeute D. Wilkin.s). Amstel.

1715, in 4".

ORITIODOMINICA*

MEXICANE

« Ore rure u bacpe Ereico: Toicoai) pavemg-a tu a « va. Ubu jacatou oquoa vac. Charai bámo derera reco « Oreroso leppè wacpe. Tog-e mog'nang"a dere mi potare « vbupè wacpe ig-e nionang'iave. Ara ia vion ore remiou « zimeeng- cori oreve : de guron erevo ore come moa « sarasupeoreg"ironjavè; epipotarume aig-nang- oreme- « moaug'e ; pipea pauem g-ne ba ememoau ore suy. « Emona. »

Postas uma juncto da outra e interpretadas temos :

Ore rure vbacpe \ / Ore rúb ybak-pe ere-ikó,

Ore rure u bacpe Ereico \ \ aostcr pater ccelo in tu es,

Toi coap. Pauengatu ava vbu Toi-kuaá pabê-ngatú abá, yby

Jagaton ; oquo avae { \ jakatu (ri) oikobàe

Toicoap pavcaya tu a va Ubu \ > Illuin agnoscant omnes gentes, jagaton o quo avae ( \ tcrram totcmi (super) cp.d sunt

(essentes, propriamente),

Charail)' amo de rera rico \ | karaib-amo nde rera toikó,

Charai bámo derera reco \ \ beneãictum tuum nomen sit (est).

Ore roso Jeppè vuacpè l __ | oré rohó jepé ybak-pe_,

Oreroso leppè ivacpe j \ nos aclduce tu ccelum in,

Toge mogaanga Deremi potare , , ro-je-monang nde-reraimbotar

ubupé ) f yijy-pe

Toge riiogaanga deremi povtare i ( fiat tua voluatas terra in

vbi'p3 ^ '

12(5

NANDE RUBA

vuacpè igemonaug laue loacjie ifje nioiiangiace

Araiauion oré remiour inie-

enycori oraué Ara ia vion ore reniiou :i-

ineeng cori oreoo

De goiu"OQ oreuo oremeinoan

angai parcé supé De guroii orevo

orerememoa será siips ore i;i- ron iaue )

ore come moasara supe oregi- j roa javé ^

Eipotarunie aiguang oreme

nioangé )

EpipotaruYiie aignang o)-enie j

iiioange '

Eipea pauemgiie ba ememoam

ore suy pipea paueingue ba eúicniownu

ora mnj

Einona toicó Eiiwiia

ybák-pe, i-je luoãang jabê ; coelo in fàcta est sicut;

ára jabõ oré rembiu re meeng kuri orébe ;

diei uniuacujusque nostrurji ci- bum tu da hoclie nobis ;

nele nyrõ oré-be ore menguã

angaipabae siipé, til mitis sis nobis nos male p)ec-

catores cirea,

oré-rerekó-nieuguã-hára supé

oré nyrõ jabé. nos damnant qui eis nos Ienes

sicut.

Ei-}iotaryiue anang orenio-

moaugé, tu velis non doeiíwníum nos

ve.vare,

ei peà pabè ãé aibué menguã

oríí suí, tu amove onínes res tiialas nos-

trúm,

Emonã ne to-icó. Ita certè sit

BRASILIANISCH

NACH DEM CATECISMO BRASÍLICO, 1641. 12, AUS J0RDAN'S SUPPLEM. ZU LÚDEKEN S. 59.

« Ore rúb íbácTpé tecoár <( Imong-ara íbipíramo réra toicô « Toúr lide i-eiíio « Toyenionliàiig- ndô reininiotára íbípé íbácipe

« oyemonliáiig-a jabé « Ore remiu ára yabiõdoára eimeôiig' cori orébe « Ndê iihírô ore aiig-aipápa recê orébe, ore recome-

« moánçara cupè ore nbírôjabe « Ore mboarúine yepé tentação pupê. (( Ore pícíro yepê mbaè aiba çui. « Reino, popírata, inoetecába ndè mbaéramo

« cecórinie auyeramanliê. Amen. »

Eíita reza é a tupi, mais inçada de erros e mais estropiada, e, o que é notável, escripta com a ortliogra-

NANDE UUBA 127

pliia liispauhola, em que o y especial é escripto íe o c vale fe antes do mesmo í (isto também se em Ancliieta).

Na seg-unda oração foi supprimido o pronome nde indispensável antes de rer<2. Na penúltima oração está mboarit/ué em vez de mbo-ar-uhdr-yme o que muda um pouco o significado.

Termina a formula com as palavras : Reino popi- rata nioeleçaha no nde níbaè ramo cecorHme auyera- ínanJie, que não pertencem ao Pater noster, e que não oíferecem sentido algum, apszar de serem dicções do abaneenga. Para se poder entender e traduzir seria pre- ciso introduzir alii algumas outras dicções.

DASSELBE

Aus dem Catecismo Brasílico (Lisb. 1686. 8) S. 1.- nnd eben so in von Murr's Journal, Bd. VI. S. 211.

« Oré Rúb, ybákypé tecoar ; « Imõeté pyramo ndé réra toicó ; « Toúr ndé Reino ; (( Tonhemonháng* ndé remimotárá ybypé ybá

« kypé inhemonhânga jabé ; « Ore rèbiúára jabiè nduára eimeéng* cori orébe; « Ndeliirõ ore ang"aipába recé orébe, oré re-

« recomemoãçára çupé orenliirõ jabe.

« Orémemoaracaruméjepé tentação pupé;

« OrépycyrÕ jepé mbaé çui. Amen,

« Nach Eckart in v. Murr's Journal stelit Bitte III

(( inhemonhang, B. IV. rembiú, cori ohne Accent, B. V.

« ndebyrõ und orenbyro, B. VI. ore moaracáryme, jepe

« ohne Accent, tentação, B. VII. mbae und çui. >

E' a formula tupi, onde está hirõ por nhirõ [hyrõ)

e ore-rnemoa-racar-ume, isto é, orè-niemguá-rahar-

yme, onde se emprega o verbo rahd ferre, em vez de

rnboar facere cadere.

128 NANDE llUBA

GUARÂNISCH

BEY HFRVAS SAGGIO, NO. 10, '

Verzeilie doch imsern Súndig-enden uns

Tandeiiiro anga oreínaiigaipabaeupe ore

Tliuenden Sclianden wir verzeihen

rereco-mèguâhareraupe oreiiico

wie

núnga

Wolle nicht Súude iu iinsern Fali

Eipotaremé angaipapipe orea ;

uns befreye vielmelir sache úble von

Orepiciruepècatu mbae pochi liegui.

Por ultimo temos nesta formula o trecho final do rezo guarani analysado.

Idêntica com a formula 373 do Mithridates deu-me o meu amigo o Sfir. Valle Cabral a seguinte oratio DOMINICA, BRASiLicÉ COMPÓSITA, sotoposta á traducção latina.

Noster pater, coelo in ens: houoratum tuum

Oré Rúb, ybákypé tecoar ; imoetépyramo ndé

nomen sit veniat tuum regnum: fiat tua

i'éra toico : toúr ndé Reino: tonhemonháng ndé

voluntas terra in coelo in ôt sicut; nostrum

remimotára ybypé ybákypé inhenionháng jabé : oré

uictum diem quemlibet attinentem da hodie

reiíibiú ara jabiõ ndoára eimeéng cori

nobis: ignosce iiostra peccata propter nobis, nos

orébe: ndehyrõ oré angaipába recé orébe, oré

qui malé tractàrunt ignoscimus sicut: nos

rerecomemoãçára çupé orenhyrõ jabé: orè

fac cadere non tentationem in : nos libera tu

moarucáryme jepé tentação pupé: oré pycyrõ jepé

re mala â Amen.

mbaé aiba cuí. Amen.

Do Jounial zar KiuistgesclUchte iciod zit)- allgc- meineii Líileratur de Christoph Gottlieb vou Murr, parte YI (Niirnberg-, 1778, iii-8.°), a pp. •211e21'2.

Como se vè, é exactaiucute o Padre Nos.so tupi, bem tielineiite transcripto.

->-j'f0^t'-

Do tupi moderno aimla hoje fallado no Amazonas deu-nos o Exm. ^^r. Dr. Couto de Jlag-alliães uma g'rammatica no seu livro ultimamente publicado, sob o titulo O Selvagem.

Nesse livro á pag-. 142 vem uma formula da oração dominical, que S. Ex. apresenta como mais accommo- dada á simpUcidade. á iafaiicia por assim dizer, da ling-uag-em do indio. Precede á esse Padre Nosso na pag-. 140 o Padue Xosso transcripto de Chrestoitialhia da LiiifjaaTJrasiliGa do Sr. Dr. E. F.França, o qual é apenas uma copia muitissimo descurada do Padre Xosso do Padre António de Araújo, que foi transcripto na pag-. 105.

U Sr. Dr. Couto Mag-alliães censura essa formula na pag'. 141 do seu livro, e depois apresenta a su-i.

Tenho pezar de não poder concordar com S. E\., nem poder admittir um dos pontos em que basèa a sua censura á formula do padre Araújo, mas não me deterei em arg-umentar, porque da analyse feita do Padre Nosso nestes apontamentos se pode vêr o porque não posso concordar com a sua critica.

Vai em seg-uida a formula que prefere o Sr. Dr. C. de Mag-álhães, a qual será bom examinar-se e con- IVontar-se lig'eiramente com as outras.

17

130

NANDE RUBA

PADRE NOSSO

Pai nosso que estais no céu;

Santificado seja o teu nome ;

Dai-nos o céu onde estás.

A tua vontade seja feita no céu e também na terra ;

\ Dai-nos hoje o nosso sus- tento de cada dia ;

Dae teu perdão ás nossas culpas, assim como dare- mos áquelles que forem culpados para comnosco :

Não deixeis, Senhor, que façamos más obras.

Livrai-nosde tudo quan- to fòr mal. Amen Jesus.

NHANE RUBA

Nhané rúba oíkó ualiá íuáka opé ;

Ne réra oiúmuité toi-

Remehè iané arama íuá- ka, mame reikó ;

remimutára toiumu- nliã luákapé, iuíre íuípe;

. Remehè oiií iané arama, iané remiu ára iepé iepé çuiuára ;

Remehè ne iirón ianéan- yaipáua. recé, maíiaué ia meliò curi iané iirón aitá çupé inti omunhãna catú uahá iané arama ;

Inti rexári, iané Iara ia- munhã puxí mahã itá.

Repícírú iané opaí mahã aíaa cuí. Amen Jesus.

Esta formula quanto á construcção se approxima muito, e mais que todas as outras, do portug'uez, si bem que ainda com um tal ou qual caracter da língua

GERAL.

Por falta de typo especial empregamos o i de Mon- toya nos casos em que S. Ex. empreg"ou um i particular.

Niiane ruim na nossa orthog*raphia é nane ruba=- nancle ruda. A novidade aqui, comparando-se com as outras formulas, é o empregar-se o inclusivo nancle

NANDE UUBA 131

(uú-s todos), em vez do exclusivo oi'é (nos oiiLrob). Pelo menos é mais liumaniiario e...evang'elico.

Oilio uahà corresponde ao participio oikò-dde. aqiielle que és ; uaJid propriamente é uáa, porque o h não tem aqui razão alg'uina de ser; ora ?írf« cor- responde a váa=-l)àa, e vai ao autig-o Tme suííixo do participio activo, o qual também perdura no paraguayo moderno ninna forma contracta Tm, va, ma, pa, e que elles torcem para representar o imperfeito do in- dicativo.

Yuaha ope corresponde á ijTjáha-pe=ijdahi-i}e= ydaga-pe in coelo ; a ultima forma é *ainda a dos pa- rag-uayos. A mudança do Tj primitivo em v e depois em ti no Amazonas é muito g'eraL e não é em iudhci que se encontra.

A posposição de locativo 2;e, mudada em ope, mais abaxo vem 2^e mais exactamente.

Ne vera oiuniuctè ioiliô teu nome louvado seja, está bem áportugueza até na collocação ; mas para isso é preciso considerar-se como adjectivo participio oiit- muelé 3' pessoa do verbo pronominal derivado de 'indoeté eng-randecer, louvar, o-Je-JiiJ)oeté=^o-ne-nidoetè elle se engrandece, se louva, ou é louvado. Os para- g-uayos também empreg'am o verbo pronominal como qualificativo, e o que é mais, em todas as pesssoas.

Reinehe iané arãjjia ataha, /naijie r-eikò. Pondo isto na nossa ortliog'rapliia e traduzindo temos: re me} jaadè guarama yTjdka, tuamc i-eíkó, tu para nos estarmos o ceo, onde estás; a traducção é bem litteral e bem portug-ueza.

O ardina actual do Amazonas servindo de suliixo df) futuro parece ser fusão de suffixos de participio JiáD ou lidr com a posposição rãni de futuro, e ás vezes

l3"-2 NAM»i': i;liía

cuuiu a(|Lii, pre.sla->c a .ser cuiisideradu cuino ÍLiluru de guar (contracto de teliuav).

Mame dos tupis, taciinõ do.s yuarani.s é adverbio «onde» .

Ne remiíruitàra tomniunhã tuakapé mire íulpe a tua vontade seja feita (faça-se) no céo é também na terra; vai também muito á portug-ueza. Conforme a orthog'rap]iia adoptada tem-se : nde remi-mboidra io- jemoha ijTxiJiape, jedyri yJjy-pc. Aqui se apresenta ydaka regido da posposição pf? de locativo, quando acima vimos opé, e o verbo jeTjijr volver e tornar, está empreg-ado como adverbio «outra vez.»

Remelie oiii ianè aràiiia^ ianè remiu dra iepè ièpé çui udra. Na outra ortliog-rapliia e traduzido ao da lettra ; re mee ojei nande guarama, hanãe remMú arajepèjepé sui guará, tu (o indicativo pelo impe- rativo, o qual faz e-mee) lioje para nos termos, a nossa comida á cada dia pertencente. Ojei adv. é de uso g-eral, remiú=^7'emTjíú, comida, sustento; jepé era muito usado em tupi no sentido de «um», arajepèjepé dia um um, dia por si por si, dia um por um; siii=^gui "pos^. «de» Precedendo ag'ora a guará approxima-se á cons- trucçao antig-a em que guará como participio contracto de ico ser, pedia sempre uma posposição para o seu complemento ou caso regido.

RemeJte nc iiron ianè angaipdua recé, em outra or- tliog-rapliia.- re me2 nde nyro nande angaipdLa rehe litteralmente « tu teu perdão aos nossos peccados»; mediante os dois substantivos nyrõ perdão, angaipaTm peccado, toda a collocação é puramente portug-ueza com excepção da proposição recè.

Maiiaue iamelu curi ianè iiron aità çupe. Na nossa orthog-rapliia majabêja mel liurij ande hyrõ aità upè V aluda (puisi litteralmente «íassim como nos damos

NAXDi': iirn.v \'M\

ag'ora (ou aqui; nosso perdão á aquellos...» .^e«4'iin(lo se da gTammatica do Sr. Dr. C. de Magalhãas hoje cwH é um de.sio-nativo de futuro, mas collig-e-se da phrase acima, que ainda é possivel interpretar cuiH com a sig-niíicação antig'a, a qual reside essencialmente no de- monstrativo JiO regido do posp. ri, fazendo korí nisto, neste instante, em isto. etc. E destas encontram-se fre- quentemente nos fallares modernos, nos quaes a phrase apezar de querer se adaptar á construcção do fallar euro- peu, com tudo sempre se acha algmma coisa torcida ágei- to, que revela o modo de construir antigo. O pronome aitá aquelles, regido de npé, e fazendo esperar a oração incidente (com relativo que), é evidentemente formado de ã demonstrativo e ita^=eiá adj. (muito, muitos) adop- tado para designar plural ; a única diíferenca é que ã designando «este» alta devia dizer «estes», notando-se porém que, como ainda ha o demonstrativo 7,' o este, ã propriamente quer dizer «o» e aifá «os».

Inti omunliãna cat>i ícaJul ianc arama, é a oração de relativo «que», com a qual se completa a phrase de «perdão á aquelles que», e também aquella em que a construcção se arreda um pouco do portuguez e lembra a antiga, apezar da irregu- laridade da neg'ativa intí e outras. Também é diíflcil reproduzi-la na nova orthographia por causa das dicções estranhas ^>^í^■, i«ftM etc. Inti neg'ativo figura no dicc. braziliano na forma nUio.qne vai ter á phrase antiga ndityTi non est (não ha); ualiá é o suffixo de participio, que ja vimos contendo o relativo «que» arama é o novo desig-nativo de tempo futuro que também vimos ; catu=Jiatu adj. e adv. «bom, bem,» aqui está como subst. «o bem» ; 7nuiihana=monang é o verbo «fazer.» Assim pois o munhana uahd corres- ponde á o-;>?on«nôr-?wf? qui facit. .là vimos que a ne-

134 NANDE RUIiA

tiva e,7 dos participios é sempre posposta ao verbo, de modo que aqui a neg-aiiva inti preposta exprime um g-rande desvio da antig-a, e catic co:no subsL servindo de accusativo de mohang é outra g-rande irreg-ularidade para se approximar á construeção portugniez-a. Afinal ianè arama corresponde á nandè guaram?i que se examinou.

Portanto transportando o sufíixo uahà que re- presenta o relativo para o principio temos aità çupè á aquelles, ualiá iiifi o mimhana cata ian? arama que não fazem bem para nós termos.

Em se attendendo á collocacão da neg-ativa inti na phrase, visto como se acha collocada no principio, pode ella se considerar como ani ou amli, mas então inti em vez de nd com o verbo representa uma mudança seme- lhante á que se faria em francez pondo-se non em vez de ne na phrase ]e nc le fais pas.

Inti rexclri, ianèiára^ ia munhã puxi malia itá, é, palavra por palavra, construc«ão porUig-ueza : não deixes, meu senhor, fazermos más cousas. Inti rexàri não tem nada que indique o imperativo antig-o, embora alii se veja o verbo liéjár deixar, al- terado ^ViVhrexari tu deixas, precedido da negativa inti; o reg-ular seria e-Jiejár-ymé não deixes (imperativo ne_ g-ativo) com a neg-ativa posposta; iané iára e jandejára nosso senhor ; ia munhã corresponde á ja mona nos fa- zemos, mas aqui está como infinitivo pessoal «nos fa- zermos» ; mahá correspondo á nibae coisa, que seg-uido do adj. iid muito, faz rnalid itá [mdae itá cousa muita) cousas; afinal o íidj. puxi (pochy) está anteposto ao subs- tantivo, o que não é reg-ular em abaneeng-a.

Repldtrú ianè opdi malia anta çici, construeção toda portug-ueza. Na orthog-rahia adoptada tem-se : rc pys\)rõnande opáMmlme aita gui tu livra-nos de to-

NANDE TÍTRA 135

das as coisas ruins (só ha a posp. gui que se desloca como preposição na traduceão) : O imperativo seria epysirõ livra, e não rcpí/syro tu livras; o pron. paciente devia ser preposto e então desapparecia o sujeito c tu, nande Vl)S\))'õ livra-nos, ou então seria o pron. sujeito (de 2" pessoa) posposto nande pysijrõ epè livra-nos tu; opá como adjectivo apresentou-se com um y demais, que se pôde interpretar por Zíi; lia erro em atua que devia ser aiiia [aib); ínahd vimos que é 7nbae=imae= mad, e si o não parece é porque desgraçadamente se representa no Selvag-em o spiritus lenis pela aspiração h inteiramente imprópria, e que adultera maã emmaha, uaã em ualia^ í?^!?^em melu^ soô em sbhô.

Os vocábulos Kão da ling-ua g-eral, como vemos. A construcção não, pois apenas resta a collocação das posposiçjes e do designativo de futuro no fim da plirase: mais nada.

Quanto á orthog-rapliia temos em primeiro logar sigmaes diíferentes para o mesmo som, taes são : 7ih em vez de n destes apontamentos, ç e c por s, a aspirada h pelos ápices, a) por eh, um i especial por y. Os sons n^= nd, m^=ml) no livro o Selvagem apparecem sempre como n Qm.

Mudança real de som se em & que no livro o SELVAGEM veui coitio %(, [íaue em vez deja&e)? e do mesmo modo o c e o o {íemimhã t^ov je-monã). O g desapparece [udi^a por gicdra): o nosso ./ é alli representado sempre por i.

Esta mudança de sons é confirmada pelo que se no vocabulário do padre Seixas e n'aquelle que foi im- presso pelo Dr. Gonçalves Dias no tomo 17 da Revista do Instituto Histórico. E ella é mais geral e se estende por todo o Brasil, como o confirmam alguns vocabu- lários que tenho e até o que vem no livro do Sr. Dr. Mou-

135 NAXDlí ]\Vl)\

tinlio (em Matto-Grosso). Mesmo no Pará ,se o ij mu- dado em è o que raro se no livro o selvagem,

O J representado no livro o selvagem por i sòa íi mesmo no Pará, sôa clj, as vezes sôa ./ como em portu- gniez e chega á passar á cJi como se mesmo no pre- sente Padre Nosso rexári em vez de rejári. A. final o eh, tem por vezes o som icli.

i)esíes sons de j e de c/í se pode ter exemplo com os matutos do interior, e principalmente com alg-uns ca- boclos velhos de Minas, S. Paulo, Goyaz etc, dos quaes innda muitos faliam a lingua indig^ena.

Por ultimo sejíi-nos licito dizer: Seria muito bom que se reimprimisse com mais cuidado (e com ortho- g-rapliia mais adequada) a grammatica do Sr, Dr. (.'. de i[ag*alliães, e que S. Ex. lhe junctasse o promettido gdossario; o traballho de S. Ex. é todo practico e está prestando reaes serviços aos que tendo de tratar com os Índios do Amazonas, se premunem da sua grammatica e a estudam para entrar em conversa não com os tapuyos, mas ainda com varias tribus ainda S9lvag'ens, que faliam o tupi mais ou menos alterado.

Uma das cousas que caracterisam a g-rammatica do abáfieênga é a ausência de dicção separada e distincta do verbo para exprimir o relativo «que» ( qui, quae, quod), e mesmo a conjunccão « que» que liga a oração incidente (de infinitivo e até de subjunctivo) á oração principal. Positivamente na ling'ua geral o relativo « qui, quae, quod» é expresso e é implícito no verbo mediante ossufíixos departicipio com os prefixos pronominaes. e a conjunccão «que» pelo verbo no infinitivo, ou no sub- junctivo, e também por alguns participios. Nde liò ndai potári não quero que vás. isto é, te ire nolo, te ires não quero; não é possível que sare sem que se tracte n/J/ li/iltri ]>cmi-hafitf/l pol/niig-ojinin. isto é.

NANDl'] líinv 137

não ('' po.ssivel elle sarar [O sarar delle, em futuro) sem elle se tractar. ou si elle não se tractar. No dia em que ( ou no qual ) te foste elle morreu, ara nde-Uo-liaguè-pe o mano, no dia ara-pe, a pospo- posição pe em, está no fim, e o relativo « que» juncta- meute com o desig-nativo do tempo pretérito está no suííiKO participial liagaér. Demais esta phrase não é a mais exacta porque empreg-a ahi um substantivo ara dia, o qual á ser necessário se empregar, deveria estar depois áeho-Jiagiiè que também, considerado como sub- stantivo, devera estar em g-enitivo. O tempo poderia ser designado independentemente do substantivo ara. di ^endo-se nde ho-7Yi/Jio o mano em te indo, ao te ire elle morre.ízrfc ho-ramo-bé o mano log-o que te foste ou immediatameute ao ires-te elle morreu, nde lio- haguera-líè o rnan^), depois que te foste ou em seguida ao te teres ido elle morreu ; e cada partícula que alii se mette introduz certa determinação, donde se que não lia as inculcadas partículas de adorno, que plianta- siam as g"rammaticas, as quaes são completamente inad- missíveis, porque não se pode procurar enfeites quando ainda se tracta de vestir bem os dizeres.

Os participios activos e passivos incluem sempre

em si o relativo «que, o que ». OJuliá-bae rama o manõ-

ne, o que matar morrerá : ojichá-bae-liué o mano-ne,

quem matou morrerá, i-fulid-haré-ramo he to mano, por

ter sido elle quem o matou, morra, liuna cJie í^embi-ayhã-

Jiuéra ndo-ihóbé-i, a mulher a quem amei não vive, ou

antes, a mulher, que foi por mim amada, não é mais;

htcnã, cJierembi-7''ehô-ki(éra, ndo-iliòbè-bêi, a mulher,

que foi minha esposa (que foi tida por mim), não vive

mais. AM, guemiml)otà o-mJjo-aje-uhá-baè jeprl, no-

ml)0-ory guoMitl-liâr, o homem, cujas vontades são

sempre satisfeitas, não g-osta de quem o conlraria.

18

lo8 NANDE RUBA

E' característico tambani no nbafieeng-a que as partículas para desig-nar tempo, não sejam inherentes ao verbo, e possam s:^:* posi^as como suíFi^os até depois dos nomes e pronomes. Assim :

inhae a coisa, o que é. abi a pessoa, quem t'-.

iiibag kué o que foi. abâ kaé quem foi.

rtibcos ram o que será. ab:'o ram quem será.

^iiibae kueram o que fora. abá kueram, qnem fora.

riibae ranguer, o que seria. abâ ranguer quem seria.

Junctando-se a neg-ativa, a qual é sempre posposta ao nome ou verbo, mas pode se prepòr ou pospor aos suffixos de tempo, tem-se mhae efi o que não é, abd e]i quem não é. ynbae-liuerãm-eym ou mbae-efi-kuerã o que não fora, aba ram-eJi ou abd ey-7''am qiiem não será, etc.

Xo portug-uez dá-se a existência do infinito pessoal ou infinitivo conjug"ado, que não ha nas outras lin- g*ua3 cultas. Si esse facto se desse também no hi.spa- nhol poderia aucíorisar o pensamento de que fosse isso por influencia da lingiia geral e de outras do conti- nente americano.

Os roceiros e a g-ente do povo fazem uso frequen- tíssimo do infinito pessoal e á cada instante o estamos ouvindo reg'ido de preposições, como elle o é de pospo- sições no abaneeng-a : Queria que mecè me desse um capote para eu me ag"asalhar (para que me ag-asalhe); elle não veio por amor de o terem estorvado (porque o estorvaram ) ; precisa nós irmos ( é preciso que vamos ); litteralmente na lingoa geral : haebe orè hò-haguã.

A respeito dos pronomes: no abaneeng'a é funda- mental a distincção entre o pronome demonstrativo g'(!í'al i^=n^:íj=:ÍH OU Ji {[^, ca, id, ou ille, illa, illu(l)e o reciproco o, gu{^m, sibi, se, e o .seu derivado po.ssessivo «suus, sua, suuni»). Devido talvez á isso os brasileiros, mormente os caipiras, tem no seu dizer mais precisão que os portuguezes, pelo uso impropriissimo que fazem

NANDE RUBA 139

estes do reciproco se. foi isto dicto no primeiro fo- lheto, mas vale a pena repetir. Com d existe o tracta- mento de Y. M., V. S., V. Ex., etc, d'alii vem a neces- sidade de se empregar o verbo em 3'' pessoa : V. M. hem vê, em vez de tit ces, ou vós vedes. Do mesmo modo vem oempreg-o do possessivo seu, sua; J\ M. tome' a sua 'bengala^=toma a tua 'bengala^=tomai a vossa bengala. Aqui porém se apresenta ambig"uidade por- que sua podia ser clelle ou delia. Os nossos caipiras sáo mais precisos dizendo embora pleonasticamente : r. M. tome a sua bengala de r. M.

Na plirase seg-uinte : Kstive com o seu compadre e elle faltou de si, como nos dizem os portug-uezes, fica mos em duvida se elle fallou de si ou de vós, e ewtu^o deixa de haver pleonasmo no fallar dos nossos caipiras, que é mais preciso, dizendo: es/i^e com seu compadre de V. M. e elle fallou de V. M.

E' evidente: elle fallou sobre si, da maneira como dizem os portug-uezes dirig-indo-se ao interlocutor é completamente ambig-uo, e ahi o nosso matuto falia com mais precisão porque diz expressamente uma das duas cousas contidas na phrase á portug-ueza, isto é, ou elle fallou de V. M., ou elle falloit de si {si reci- proco referindo-se á elle ). Prefiro á estas ambigniidades a precisão dos nossos matutos com todos os seus pleo- nasmos, quando dizem : elle tomou a sua beng-ala deite para que eu a trouxesse á V. M. ( d si diriam os por- tug-uezes ) a fim de V. M. ( de si á portug-ueza ) troca-la pela sua de V. M. ( concluem os nossos).

O portug-uez vem do latim, e na ling-ua mãi tam- bém é fundamental a ditferença entre os demonstrati- vos is, id, id, ille, illa, illud e o reciproco sui, sibi,sc; aos possessivos suus, sua, suum correspondem os g-eni- tivos dos demonstrativos ejus, illius.

140 NAXDK IU'n.\.

Lsto e.stá escripto li?i imiilos aiiuos, mas feli>;niente antes ds ser dado á luz é corroborado e esclarecido pelo aiictor do Idioma do Hodieuno Portugal comparado fOM o DO Brazil, que muito proficientemente elucidou esta questão do pronome reflexivo, o outras de pronun- cia e de syntaxe do porrug-uez.

E até o auctor ( ({ue modestamente occulta o seu nome ) desse bom livro uie compelle á esclarecer mais o questão do pronome reflexivo e na pag'. 22 da P parte do seu escripto precisa bem o como deve ser entendido esse reflexivo.

<( O pron. refl. se e os adjectivos como elle reflexi- vos, se referem ao ag-ente. »

E' exactamente o que se em latim e também na lingua geral onde ao pron. i ou Ji (is, ea, id, ou ille,illa» illud) correspondem os reflexivos (que chamei reciprocos) o ou gu (sui, sibi, se). Dahi também a explicação dos pleo- nasmos usados pelos caipiras, porque empregada em portugniez a 3* pessoa pelo 2' como ag-ente do verbo o sentido do refl. se e dos adj. correspondentes seti, sua fica duvidoso e elles o determinam por meio dos pron. elle ella ( is, ea, id, ou ille, illa, illud) e dos adj. cVelle, cVella ( ejns, illius ) : e meã chehe ntle hysé dá-me a tua faca i Jiysè a faca d' elle e nunca o hysé a sua faca, por- que o aguente do v. é tu; em porlugniez porém servindo a 8' p. por 2' p. o caipira usa do pleonasmo para de- terminar : «dê-me a sua faca delle ou de mecê». Oi mel ahebe elle deu-me o hysé sua faca gual hysé de seu fillio a faca, aM hysé do homem a faca, i hysé delle a faca; em portug'uez « deu-me a sua faca » precisa de pleonas- mos para determinar a « sua inca áe mecê (2^). sua deWe (o ag-ente), ou delle (o outro).

A lingua geral no seu contacto com a portug'ueza e a lrs])anhola foi supplantada. não ha ilnvida. e nem

NANDi: liir.A 111

ha o que adiiiircir, porque na peuiusula ibérica íaiubeiii o foi o árabe, alg-um tempo vencedor e dominante, pelo latim, donde nasceram o poríug'uez e o hispanliol. Venceu o latim não obstante ter leg'islado e dominadn na peninsula o elemento arábico durante alg-uns sécu- los; não é de admirar que o tupi sempre vencido e es cravisado, perecesse perante o poríug-uez. O que admira porém é que no portug-uez hoje faltado pelos brazileiros abundem muitos dizeres herdados dos Íncolas, mais talvez do que íicou do árabe no portug-uez. Com effeito não é a parte léxica que passou para a lingua do colono conquistador ; passou também alg-uma cousa do torneio de phrase, alguma cousa do modo de pensar e sentir, e de dizer, que sem destruir completamente a gTammatica portug'ueza, adaptou-a com tudo á um modo de fali ar diíferente.

De perfeito accordo com o Exm. Sr. Dr. Couto de Mag-alhães neste ponto, tenho prazer em reconhecer com S. Ex. a influencia exercida pela ling"ua indígena nofallarda nossa gente do povo. S. Ex. mais que nin- guém o podia apreciar, percorrendo tantas províncias em sucis longas viag'ens, e pondo-se em contacto com diversas g'entes das diversas localidades que per- correu.

Para concluir a analyse dos PtUer Nosler vamos apresentar a formula que ainda ouvimos da bocca de um ou outro caboclo, em cuja memoria perdura al- guma cousa da língua de seus pais. Mais ou menos alteradas,mais ou menos aportuguezadas, com tudo, ain- da conservam certo caracter da antiga língua geral. Sirva-nos de exemplo uma que tomamos de um caboclo que tinha pertencido ao antigo aldeiamento de Ita-

142 NANDE liUBA

guahy, u qual em ^'rande parte concorda com uma aprendida na minlia infância com caboclos do Sul de Minas Geraes. Este Padre Nosso parece ter sido ensina- do por padres que conheciam a ling-ua tupi, conforme o que sul)siste no Diccíoncu-io BrazUiano, que as pesqui- zas dos digmos empregados da Bibliotlieca Nacional attribuem a Frei Yelloso.

PADRE NOSSO

Santa curuca rang'aba recé tere pycyron, Tupana jandé jára. jandé çobayána çui, Paya, Tayra, Espirito Santo abé réra pupé. Amen.

Jande Paya, oicó-oaé ybáke pupé, to-je-mombeú- pyr nde réra carayba, to-ur jandé-bo indé cobáya, to- jemonhang- inde remimotára yby-pupe yabecatú ybáke pupé. Tere-meéng- cuyr jandé-bo jandé meapé ara yabê yabêg-oárã ; tere nliyron jandé ang-aipába çupé njbê nong'ára yande nliyron jandé çupé tecoayba g-oára, aitio cejá jepé jandé ár eng-aneçába pupé ; Tupãna, xe jára, nde abé jande pycyron mbae-ayba pabê çui.

No signal da cruz encontram-se poucas differenças da formula antig-a tupi. Em vez de Santa Cruz perfeita- mente portug-ueza, aclia-se a palavra tupinisada em curuca, e o mesmo aconteceu no g-uarani onde se intro- duziu curuzu á liispanliola.

Em vez do pronome exclusivo ore ja se aclia aqui o inclusivo e genérico Jandé, como se viu na formula do Sr. Dr. Couto de Magalhães. Como, quando, e porque se deu essa mudança em tupi, ao passo que em guarani continua o emprego do pronome exclusivo, é o que não é fácil dizer.

Nas formulas paraguayas continua o uso do pro- nome exclusivo o;'e, para dizer pai í^05.so, de nós outros, oschristãos, os catholicos ; no tupi de certo tempo cm

ÍÍAM) UUBA 143

diante começam á usar do incluúy o Jandê, chaman- do-se á Deus, pai de nòs todos, incluindo os homens na sua g-eneralidade, e talvez os animaes, os seres vivos todos e até a creação inteira.

Para traduzir immigo empreg-ou-se aqui çobaya- na que, no diccionario brasiliano, vem com o sig-nificado «o contrario, o adversário». Propriamente toliaichuar =. toljai-gimr quer dizer «fronteiro, o que está na frente» porque tohài diz «a frente». Pela regra' dada á respeito do demonstrativo í, tem-se toMi, roMi, Iiobáí, guobdí.

Em tupi ç,e a desinência ára é frequentemente mudada em ana, mormente quando occorre voz nazal. Masnote-se que diíferem toljaichuar e todaijdr signi- ficando um «o fronteiro» e o outro «cunhado.» Os tupis pois confundiram ioMichuana ou toMiguana com /obáídiía, e em ultima analyse tem razão, quer quanto á derivação do radical, quer quanto ao signiíicado.

Não vale a pena apontar pequenas diíferenças nas dicções como rángaha em vez rácmgaM, hoje no Pará rdngáiia etc.

No Padre A/^osso além da novidade do pronome in- clusivo fandé, temos ainda a do substantivo Paya. E" penoso estar á repetir as mesmas explicações, mas como não sei qual dos escriptos, que faço simultaneamente, será primeiro publicado, é preciso dizer aqui em breve alguma cousa. No abaneenga a dicção que propriamente designa «pai» é fiib {cherub^tide ruli, ticl),Jiicb,giiúb ) ; pai (nunca usado com pronomes) é uma espécie de vo- cativo, e como diz Montoya, «palabra de respeto con que nombram a sus viejos, hechiceros y g'ente grave» correspondendo a hai mãe, como íub corresponde a syg; paijéè o nome dado ao «sacerdote, proplieta, me- dico (hechizero, como diz ^Montoya) ; de i?íí?/a não ha exemplo em g-uarani, mas no tupi equivale á /w& como

144 >íANDi; n\:n\

se 110 dicciouario bmziliaiio, e como se aclui ein muitos dizeres dos caboclos, notando-se com tudo que, 110 tupi constante do diccionario braziliano, lia muito vocábulo portug'uez, como : maricá barrig-a, jOrtj/a pai, maya mãe, pít;^a panno {pana peteca lavandeira). 'papera escripto (papel). Atinai ajjparece o vocábulo tayíá usado pelos i)arag'uayos para designar paler-fa- milias, o pai, o ancião, vocábulo explicável pelo abane- Cãfja como contracto de iayr-eíd muitos filhos ; este vocábulo, porém, se adia no kecliua também, e em alg-uns outros dialectos que não são do tronco abaneen- g"a. Em Basco lia também alta, note-se por demais.

O suffixo de participio háé aqui se nos apresenta sob a forma ode, donde o usado hoje no Amazonas uáa. que o Sr. Dr. C. de Mag"alhães escreve uahá.

Em io-je-inoiíibeu-pyr se acham dous desig'nativos de passiva, pois o-je-monibeú é «louve-se ou seja lou- vado» e i-niOíJiheu-pyí' o louvado, ou louvável.

Is o diccionario braziliano dá-se também á pijr a sig-nificação de um adverbio «mais.»

O pronome n^k' na forma indè vem em Fig'ueira e até em Anchieta.

Nas rezas mais antig"as vinha reino e na formula iVanceza reir/nea dicção que aqui é çobáya. aliás hohója a fronteira delle.

Nada diremos de dicções que mais ou menos esião explicadas como yabe-calú, cay/'=Jioy/\ nongára= ntmgára, etc.

Par designar «pão» era anteriormente usado quer em g-uarani, quer em tupi tembi(c=te)HÍà, comida, ali- mento em g-eral ; aqui vem ag-ora meapè, miapè mais g-eral, em g-uarani mbayapè que vem de lemhiúapé bolo, pão.

NANDK líllíA 145

E' notável ainda achar-ae aqui em forma i)Ui'a au- tig-a yabé-goara equivalente á nahô-^ig tiara servindo de adjectivo. Essa forma participial em goàr ainda se reproduz mais adiante em tccô-ayha-goára construído contra as reg-ras da g-rammatica antig-a, mas confir- mando a interpretação, que lhe foi dada, de ser o par- ticipio contracto telioára aquelle que é, ieco^ayM (em g-enitivo, por estar preposto) de condição.

Em Tupãna verifica-se o uso dos tupis de comple- tarem a syllaba final, que os guaranis elidiam dizendo Tiipã=^tiqmn.

No resto da formula vem dicções que foram examinadas, havendo de novo unicamente o substan- tivo enganeçaha, do portug-uez engano com a desinência háha.

Ha muitas outras variantes, que na essência se redu- zem á esta ou áalg-uma mais antig-a, variando apenas em uma ou outra dicção, como ndemimotara por nele remi- mbofára, momdoete ou mbuete por mombeu, jabebê por jabehatu, ojei por ftoj/r equivalentes em sig-nificação. Em uma, em vez de nele çobaya teu reino, vem nde renclába o teu pousio, em vez de çobaydna {fio- baijára), çuraarã {liumarã puxa brig-a), e nesta,, que ouvi de um soldado do Ceará vinha ainda pazú sig-nifi- cando «pai» o que traz reminiscências do kiriri.

Não fallo de outras formulas onde se introduziram em maior numero diccGes portug-uezas. O Sr. Dr. Couto de Mag-alhães fallou dessa mistura de duas ling-uas e deu specimens de versos em tupi e portug-uez, como os ha também em g-uarani e castelhano.

No tempo da independência eram muito em voga

esses.versos onde vem de mistura vozes porcug-uezas com

vozes tupis, e tanta g-ana havia de se disting-uirem os

19

14(i NANDK KUBA

brazileiros dos portug-uezes, que até se introduziu em grande o costume deajunctar ao nomeeappellido algum vocábulo indigena.

-o-oJOÍo»—-

Para completar este ligeiro exame das formulas do Pater Noster será bom addiccionar-se pelo menos uma das mais usadas entre os parag"uayos.

Tenho colligido algumas que differem entre si, como as que acabamos de vêr em tupi. Diíferem principal- mente as do gniarani fallado em Corrientes, das do que se falia desde Humaitá até Assumpção ; o guarani fallado em Villa-Rica e mais para leste se parece com o das serras do Norte descambando para Matto-Grosso; o de Corrien- tes tem mais parecença com o do Rio Grande do Sul, que pelo seu lado se approxima ao tupi de S. Paulo.

O REZO que aqui transcrevo foi-me dado por um bom e sizudo parag-uayo de nome Francisco Canol, prisioneiro em Uruguayana log-o no começo da guerra. Era um bom homem na extensão da palavra que aqui chorava saudades da pátria, onde tinha deixado a idosa mãi, a mulher e um filhinho. teve noticias delles depois dos famosos feitos de Angostura e Lomas Va- lentinas, mas ponde obter permissão de reg-ressar á pátria e de ir abraçar os seus tecohè (vida) depois do des- fecho do drama sang-uinolento do lieraquandai (mal- afamado) Lopes no dia de Março de 1871 em Aqui- daban.

Era um pobre paraguayo, com tudo bem instruido, e muito em comparação dos nossos matutos, si bem que elle não passasse também de um matuto de Villa-Rica.

Aqui vae para ser examinado o hezo que me deu o bom Cahol e mais um que ouvi de outro prisioneiro ; do tíeg"undo não apanhei o Signal da Cruz.

NANDE KUBA 1 i7

EL PERSIGNAKSE EX LA LEx\GUA DE GUARANI

« Curuzú marang*atú raang-á rupi t ore miiãtã reí « mbarag'ui f ore rcpV pe Sefior, Tupã oreyani f Tuba, « liae Taíra, hae Espiritu Santo rerape. Taupeicha « catú..

EL PADRE NUESTKO

« Ore Kuba pabê ereyba ybape ; toyerecó nde rera « marang'atii imbueteplíramo bae hialaba píramo. Ei « ore pípe nde g'racia rupi bae upegiii eniee orebe nde « gloria. Toyeyapó nde rembipoíá co ibípe ybape « guaychabe. Emeé orebe ang"a opá-arape ere meeba « yepi opa tecotêbêba o sustenta baerâ ore relê hae ore « ang*a; hae ore perdona opa ore culpas hae penas « rodebeba hesecuera, orecuera oro perdona haychabe a orebe o debebape, hae ani ere permiti oroá tentacion « pípe, mas ore rejíibe catu íbaybagúi. Taupeyclia a catú.

PADRE NUESTRO t

« Ore ruba, reima ybape, i-mboeté-pí nde rera ; toú « orébe nde reino; iyapó ne voluntá íbagTi-pe upeicha « ybvpe. Ore mbuyape cada ara g'ua emee oreve ang-a, « hae perdona oreve ore deudas oré ro perdona haichá « abé oré devehár. Ha ani oré i-eyar roá mbaé baí-pe, « hae oré livra mbae-ljaí g"ui.

Escusa repetir considerações sobre vocábulos que foram -vistos até aqui, como curuzú cruz, morangatú sancta, raangá sig"nal, orè nos outros, rwj)ãDeus, tuba pai, Uae e, táira filho, rèra nome etc. A posposição 7'U'pi vimos, e aqui se tem de notar apenas que ella está empregada onde e quando em geral usavam de rehè.

148 NANDE BA

Ein jHuatar-ejj-inbái^a temos o participio neg^ativo do V. trans. niboaiar fazer andar, g"uiar, encaminhar, donde resulta o signiiíicado mboatar-ey-mI)dra os que desencaminham, os desencaminhadores. O suff. hár se torna mdar por influencia dos sons que precedem.

Oré repípe Senor, Tupãoré ijara nos livra tu se- nhor, Deus nosso senhor. Vem em qualquer vocabulário o V. trans. tepy ou /ie^;!/, ving'ar,pag'ar, e também livrar, libertar. No imperativo com paciente de P pessoa e ag-ente da 2" dir-se-hia em regara orè rejjy epé nos livra tu, e alii se pe por epé.

Ta-upe-icha caiú^ amen, ou «assim seja». Aqui temos novidade maior em upé e ichá muito usados hoje pelos parag'uayos e que de certo correspondem ao antig'o ipó e ijáb, o que se evidencia log-o que se analysa a phrase parag*uaya em cada caso em que se apresentam essas dic- ções e se lhes attribuem as sig-nificações verbaes g-eraes por haver {y avoir francez) ydb caber, convir, ser con- veniente, opportuno efcc. Ta prepositiva do subjunctivo, é também adv. sig'nificando a sim» e a phrase ta ipô ijàb é de perfeita construcção e puro abaheeng"a para se dizer « que elle haja (seja) como elle convém, ou, o que convém. Este upjè parag-uayo moderno tem ainda por vezes em outras phrases o emprego e valor do aipo antig-o, como demonstrativo, o que prova a derivação dei?dr. Quanto a ichá serve para mostrar que tive razão em adoptar / para representar a semi-consoante que o Sr. Dr. Couto de Mag-alhães quer que seja sempre i ; oj é sem duvida alg*uma o caracter próprio para representar em ling-uas oriundas do latim os sons equivalentes ia, na, já, cJia, os quaes embora distinctos, pelo menos se confundem e se alternam na pronuncia.

No Pater temos : pcíft? adj : todos » posposto ao subs- tantivo e sig-nificando ore ruba pab^ nosso pai de todos, ou antes nosso pai á uma, por jiincto, emfim.

NANDE RUBA 149

Na primeira formula erey ha ylja-pe, na seg-imcla reima yha-pe se equivalem, e corresponde o participio ao antig-o re-l-mbae que não obstante ser participio nota- mos que era conjug'ado com pronomes pessoaes. N'outro log"ar também se notou que o suffixo bae tornou-se no Parag'uay ba, ma^ va e no tupi do Amazonas ua.

l-mljoeté-pí nãe réra da 2^ formula foi exami- nado e confere com outras formulas, faltando-lhe porém a syllaba íinal de py e o verbo toihò no permissivo. Esta oração na formula do Cafiol differe inteiramente e é mui long-a : to-je-reJiô nele réra morangalit i-mboete- pyramo Jiae lii-alaba-injramo seja fractado teu nome sancto como o que é engrandecivel e louvável» bem ao da lettra, pois tal é o torneio da phrase, quando se attende ao verdadeiro valor das part cuias. Reliò tractar, je-reliò tractar-se ou ser tractado, io-Je-rekô tracte-se ou seja tractado (no permissivo, ou no imperativo), nele- rera-morangutu teu nome bom ou sancto ; i-mboeté- pyimmo é um participio passivo figurando de verbo me- diante a posposição de subjuntivo rawzo como, si, quando» e com a forca do id latino ; assim mboetè eng-randecer, i-mboetê-pyr o que eng-randecido ou eng-randecivel, levado ao subj. pela pospositiva ramo o sentido que apresentamos. No mesmo caso está o dizer lii-alabá- pyramo formado pelo vocábulo alaba louvar (do hispa- nhol). Convém notar aqui o pronome hi equivalente a i, ij\ in, h antig*os que mais modernamente se apresen- tam com frequência na forme Jii, o que prova ainda a correspondência de i e h como o mesmo pronome.

Toú orebe nele reino, venha a nós o teu reino» da segunda formula, não carece de mais explicação. Não é assim a do Canol. Eu disse alg"ures que com o verbo é dizer» podia-se fazer um vocabulário do abaneenga bas- tante rico de dicções, e com efFeito entre os variadissi-

150 NA^'DE RUllA

mos crapreg'o.s e sig^niíicaçõss do verbo c dizer (o qual gera nom^.^, advérbios, conjuncçã3.3 ex.) ahi está um exemplo na formula presente: ei oré pijpc nele graoia riipi, hae upe-gui e-me2 oré-be nele gloria, dize em nós falia em nós com a tua graça (por meio da tua g"raca) e disto (por isto) á nós a tua gioria. xlpezar de estar muito liespanliolisada esta plirase; por causa do em~ preg-o característico dos dois verbos ê dizer, meeng dar, e das posposições tem--se nella uma feição inteiramente diversa do liispanliol. Aqui temos ttpe (de que se tractou pouco antes) no caracter de pronome regido de guL Escusam explicações as outras dicções, inclusive os vo- cábulos gracia e gloria liispanhóes.

Corresponde o dizer da l' formula tojej-dpó nele renibi-potá lio yl>y-pe ybd-jje gaa4cliá-M, com o da 2* ij-apó 7ie voliuita ybaga-pe lípe-icJiá yby-pe. Menos pró- prio que o verbo m&o aijè, mdoliatu ou outro, acho o verbo apô aqui enipreg-ado em ambas as formulas : aiJÔ sigmiíica fazer, mas «fazer, operar com a mão, manear» e no seja feita a tua vontade está fazer-se no sentido de cumprir-se. Quanto ao mais lo-jej-apò no permissivo ou imperativo é regular e ij-apô no infinitivo irregularissi- mo ; no primeiro caso em vez de je=^ne vê-se JeJ=nej onde o J será apenas euplionico. Na segunda formula Yê-se ne voluntd hispanliola) em vez de ne remi- mbotá ou nde-rembi-potd.

Agora as duas formulas differem na collocação, e nas dicções ou pelo menos no modo de as dizer. x\. diz: faça-se atua vontade /iOiz&i/pe nesta terra, i/&«- pe guaichatè no ceu isto como também, pois guaicliahe corresponde a lio ã iclia M; na 2^ está : faça-se a tua von- tade ydaga-pe no céu, upe iclid isto como, ybij-pe na terra. Além disto o substantivo, ydag se contraiu em yha-pe na 1' e está com a syllaba final em yddga pe da 2\

NANDR RUn.V 151

No que aegne ainda diíferem collocaçlo e dicções. Na P formula vem : e meê ore-he anga tu á n vs ag'ora, opá clrape ere-mecba yepi, em todo dia ( todos os dias ) o que tu dás sempre, oim teJiótèbSba {pe em) todas as necessidades, o siistentá-baerã o que deve sustentar, ore reté fiaeorèánga nosso corpo e nossa alma ; menos o v. sustenta todas as outras dicções são do abaúeeng-a, mas não tantoa collocação; demais o paríicipio do suff. hae está ha em meêba e tehotêhcba ( onde falta a posp. pe ) e adiante está exacto no futuro haerã apposto á verbo liispanliol. A 2'' formula appro- xima-se á uma tupi que vimos, dizendo quasi á liispanhola ou portug'ueza : orè rjibuyapè^ o nosso pão, cada ara gua de cada dia e mee tu dá, orebe á nós, anga ag-ora.

Muito recheadas de vozes castelhanas seg"uem ag-ora ambas diíierindo em diversas cousas. Na 2^ mais breve diz -se : liae perdond orehe ore deudas e perdoa a nós ( com dativo ) as nossas dividas, orè ro-perdoná haichd nós perdoamos tal e qual, ahê também, oré deve-hár os nossos devedores ( cumpre accrescentar upé posp. de dativo, pois assim está orébe no primeiro membro); demais aqui se acha a agglomeração dos pronomes oré e ro como usam actualmente quer no Parag-uay, quer no Amazonas, O dizer da 1* formula é mais long-o :

Hae oré perdona e nos perdoa {nos em accusativo) opá ore cidpas todas as nossas culpas, hae penas e penas, ro debela que nos devemos (participio de suffixo &ae, conjug*ado com pronomes ag-entes) hese- huera aos outros lá, orehuéra nos cá, oro perdond nos per- doamos ha-ichdbe tal e qual também, orè-be o-debeba-pe aos que á nós devem ; o dativo «á nós» é oré-be e o dativo «aos que» está no participio o debeba reg'ido de

152 NANDE RUBA

pè. Note-s8 o empreg-0 de huéra (suffixo de tempo pre- térito) como determinativo (digamos) de espécie : ae- huera elles lá, oré-lncera nos cá, hésehuéra á elles (em dativo), Isto era muito usado no tupi e g-uarani an- tig-os, mas pouco appparece nos catecliismos e rezas.

Na 1" formula: hae ani ere permiti e não tu per- mittas (com o verbo hispanliol ;) na 2" ha ani oré-rejar e não nos deixes; o?'od na 1.% 9^oá na 2'' nós caliir- mos; na P tentation pype em tentação, na 2/ nibaè- mbai pe em cousa ; mas ore repy-dó katu, mas nos livra mais bem na 1% hae ore livra e nos livra, na 2" ; ybaUmgiti na 1.% r/iMe bàigui na 2% de cousas más. A copulativa Me apresenta-se também ha; roá=oroâ são irregulares com o pronome ag-ente no infinitivo; devia &evoréá; ydaibaémk escripta de parag-uayo em vez de ínbae-daiM, e este bai corresponde ao aib do Tesoro.

A neg-ativa ani no indicativo não se aclia nos di- zeres antig-os e corresponde ao inti do Amazonas como se viu ; ani no dizer antigo é negativa absoluta, e não como ncl prefixo e i suíSxo de verbos.

As dições hispanliolas que estão n'uma ou noutra formula, como se vê, são agglutinadas á determinativas do abaneenga como se fossem tliemas da própria lingua.

A phrase final taupeicha catú ja vimos no per sig- num crucis.

O que temos visto até aqui não auctorisa á que se considerem como dialectos differentes o guarani e o tupi. A diíferença maior e essencial está na orthogra- pliia, isto é, na representação dos sons ao órgão da vista. Si assim fosse também não seriam em portug-uez os gaiatos versos do poeta santista :

Em giria de preto :

Mia sinhára, ieu ána reneg^áru Cu amòru qui pinica mia pètu,

NANDE UUBA 153

Sinhára no rembra sua prêtu, Na verári, quero bem cússa cáru. Em g'iria de g-alleg-o : Devaixo du altu pinhu alubantadu. Uúa xésta passei munto á savôri, Pois nos vraços da minlia Liunôri Bia cumer la yerba e andar lu g-adu.

Corrija-se a orthograpliia e tera-se nesses impagá- veis versos bom poríuguez e bem correcto.

Que se dig"a que o parag'uayo moderno, e o tupi do Amazonas são dialectos da Riitigâ língua geral ha razão de ser, pois que não em um e outro ha grande introducção de vocábulos estranhos, mas ainda, o que é mais essencial, a construcção varia. Entretanto como vimos, no meneio da phrase ha sempre tendência de adaptar-se ella ao g-enio da lingua g-eral mediante as partículas demonstrativas collocadas á maneira antiga.

Conforme o que se acabou de vêr, realmente o tupi antigo não póde-se considerar diíferente do g-uarani á ponto de se suppôr um delles dialecto do outro. Os pro- nomes e os vocábulos são os mesmíssimos com a diífe- rença apenas de um ou outro vocábulo muito raro, usado aqui mais do que ali i; os verbos ícco e ten existem em tupi, tanto como em g"uarani e a diíFerença única é que o é mais usado em tupi com a signi- ficação de «ser ou estar» e o guarani empreg"a ambos.

Que se digam dialectos do antig"o abaheeng-a o g"uarani moderno fallado pelos parag"uayos, e os dia- lectos tupis fallados por diversas tribus do Amazonas, de Matto-Grosso e de Goyaz, é admissível ; e ainda assim são dialectos ainda tão pouco desviados da fonte commum, que em relação á ella podem ser comparados com os diversos latins bárbaros da media idade em re- lação ao latim.

20

134 NANDE RUBA

Também se póds rsputar dialecto o omág-aa, no qualjáhamais profunda alteração phonetica, e diífe- rença de vocábulos, dos quaes grande numero é evi- dentemente de orig*em kecliua. Delle temos poucos specimens e não seria fora de propósito examinarmos o seu Pater Noster, que vem no Mitliridates sob o n. 395 das formulas alli colleg'idas. Como porém, para melhor discutl-o seria preciso também examinarmos o succinto vocabulário que ali vem transcripto, convém g-uardaresse exame para artig"o esp3cial qne natural- mente será de dimensões ig-uaes a do que aqui fica con- cluido.

Não se formulou lei alg"uma, deduziram-se os factos; discutidos elles, concatenadas as alterações phoneticas e os sigmificados conforme o uso mais ou menos g-eral de certas dicções, clieg-ar-se-lia á determi- nação dos radicaes e então se deduzirão as leis de va- riação phonetica que fazem parecer diíTerentes vocá- bulos originários da mesma fonte.

Ma/itàta G^. M. -J^a^dcem^a

o o* íí 'fx>—

isroT.A.

estava na prálo este escripto, quando me obsequiou o muito enidito e clistincta Snr. Dr. K. Honninjj: com três formulas do Pa- ter NosTER extraliidas, creio que, de uma coUecção italiana sob ns. II, 12, 13. A de n. 11 quasi nada dilFere da que se acha na pag. 120 sob n. 307 do Mithridates : as outras duas são as que seg-uein.

« Xella mentorata raccolta com notabile sbaglio si mette sotto il nome di língua Messicana la seguente orazione, ch'è di um ilialetto Guarani, e che si legjíe ancora nel tesoro delle linyue dei Duret ai capitulo 79 o di:-e cosi.

Ore-rure itbacpc ereico : Toicap pareiíir/a, tu ava : Ubu jfKjatOií akuotoae.

Charai báriío devera reco oreroro leppe vanpe togr, mognaixja, derenúpotare ubape vaepe iye 'iiwaroníjiave.

Ara ia vioa ore re.niii zimeeníj c.wi oreve : Deyuron oreve ore comemos sara supa oregiro.i jcive : Epipotaru.ne aignang ore i-ememo auge. Pipea paucM gne ba e.nemoare ore xid.

L'ortograria di questa orazione ò francese, e non espriíne liene la pronnnzia Guarani: e p'rò sembrano troppo sligurate le parole Guarani, bench n'ho cori-ette algune lettere.

Xo 13, Altro dialetto Guarani.

Ore-ruba ibabe ereibae : Iknaabipiiramo nderera r.iarangatu toico : Ton ndereco marangatato orebs : Tiynije ndercuiimbotara gate ibipe ibape iijayeijabe, Ore-reaibiu aranabo-guara emce curi orebe : Xdeniro ore angaib:ib:i rupè, orereco menguahára upe oreniro nunga yabe hae :

Epoitareme angaipaba pipe orea nde cxta : Ore piciró epé embaa pochi gui.

A formula n. 12 é a inculcada mexicana que vem na pag. 125, e as pequenas diíferenças que tem não merecem ser apontadas. A de n. 13 é uma das formulas guaranis mais alterada. Ahi .se ibabe em vez de ibcipc, marxingatato por marangatà, guie em vez de quie, rupè em vez de ui^c, embae em vez de onbae e pochi por pochi. O mais notável porém é vir em vez de i mboje-robiari-piramo para significar «louvado seja» i kuaabi-

piilXVilXO.

O verbo kuaáb significa «saber, conhecer» e portanto i kuaábi- pirarao quer dizer «seja conhecido».

A^a penúltima phrase tem demais nde catu (tu bom) no fim. A ordem das phrases também está alterada.

(^