ea - prtirira ro 5 N r = CESTA A) dv ar 4 , “ A , VÁ Num, q o” » w Ea e N a = ' RA MA ) 0) ' a] E? k Ed a ] 7 UN é OX a. N EIS DR tm LD PRE Pe E [og een qd So: , |. “ Nº “ & | : e H—+3 br f) A s 8 » . | - . ' 1. de e) € em ) Ny. «Gol sOn-invi 408 E 5 pr —— e Ed A EU RAD A Ri Mai Re ih ad tuo NE k r ] HH do y ATER 6 ; a h Voc. III 4º E 2º TrimesTRES 1878 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL DO RIO DE JANEIRO Nunquam aliud natura, aliud sapientia dicit J. 14, 321. In silvis academi quarere rerum. Quamquam Socraticis madet sermonibus. =. | E é À UE ra cs a RO z = | TEXTO : — Os orgãos ODORIFEROS DA Raia ÁRCHEA Hiibner , PELO Dk. | Freperico MuLLER. — EsTUDOS GEOLOGICOS E MINERALOGICOS SOBRE ALGUMAS LOCALI- | DADES DA PROVINCIA DE Minas. — EsTUDO GEOLOGICO E MINERALOGICO DA REGIÃO EF. DE Ouro PRET“- COMPREHENDIDA ENTRE AQUELLA CIDADE, A POVOAÇÃO DO TAQUARAL E lo rio po £ » cor LeandrO DurrÉ Junior. — EsTUDO GÉOLOGICO DA REGIÃO DE S. BARTHOLOME. E DA MINA DA TapérA PERTO DE Ouro Preto, por Luiz | ApoLPHO CORRÊA DA Costa. ÁLGUMAS EXPERIENCIAS COM O vENENO DO Buro | Jorericus, Spix, (Crapaud du Brésil), pELO Dr. LaceRDA FiLHO.—A PREGA COSTAL | DAS HEsPERIDEAS PELO DR. FreDERICO MULLER. | ESTAMPAS: — T. Orcãos oporireros.— IL. Corte FEITO NO TAQUARAL, CORTE DA | FALHA DO RIO DO (CARMO, CORTE FEITO NAS ROCHAS.— III. PLaxtTA DE UM VEIEIRO DE | QUARTZO NA PEDREIRA DE LAGES, E CORTE FEITO NA MINA DOS CALDEIRÕES. —1V.—Praxta DA MINA DA Taperra.—V—NVI., Ponuexones SOBRE A PREGA COSTAL DAS HESPERIDEAS. RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA DO IMPERIAL INSTITUTO ARTISTICO 61 — RUA D'AJUDA, FLORESTA — 61 1838 ARGHIVOS DO MUSEU NACIONAL a 2 w a du Pa e MM so Eae > Pas! Pl o E q E 16 4 é TISTICO | IMPERIAL INSTITUTO AR , ARCHIVOS MUSEU NACIONAL RIO DE JANEIRO Nunquam aliud natura, aliud sapientia dicit Jo 14; 2: In silvis academi queerere rerum. Quamquam Socraticis madet sermonibus. FOI VOLUME III RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA DO IMPERIAL INSTITUTO ARTISTICO 61 — RUA D'AJUDA, FLORESTA — 61 1898 ARTISTICO IMPERIAL INSTITUTO IRC EL VOS MUSEU NACIONAL RIO DE JANEIRO Nunquam aliud natura, aliud sapientia dicit o dE ralo In silvis academi quarere rerum. Quamquam Socraticis madet sermonibus. JU VOLUME III RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA DO IMPERIAL INSTITUTO ARTISTICO 61 — RUA D'AJUDA, FLORESTA — 61 1838 COMMISSÃO DE REDACÇÃO —— oo bgjOoo——— padistau fetto Po do Pizarro de Bo do facerãa filho QUADRO DO PESQUAL DO Museu Nacional do Rio de Janeiro De conformidade com o novo regulamento a que se refere o Decreto n 6116 de 9 de Fevereiro de 1876 — ELE DIRECTOR GERAL SUB-DIRECTOR Dr. Ladisláu de Souza Mello e Netto. Dr. Nicoláu Joaquim Moreira. PRATICANTES João da Motta Teixeira. Lourenço José Ribeiro da Cruz Rangel. SECRETARIO Dr. João Joaquim Pizarro. BIBLIOTHECARIO PREPARADOR Manoel da Motta Teixeira. Vicónte lives Ribeiro: ra TERCEIRA SECÇÃO a e SCIENCIAS PHYSICAS: MINERALOGIA; GEOLOGIA E PRIMEIRA SECÇÃO PALEONTOLOGIA GERAL ANTHROPOLOGIA, ZOOLOGIA GERAL E APPLICADA nInEeTOR E PALEONTOLOGIA RE E NM = sb SUB-DIRECTOR Dr. Carlos Luiz de Saules Junior. DIRECTOR Dr. João Joaquim Pizarro. PRATICANTES SUB-DIRECTOR ; 4 Antonio de Souza Mello e Netto. Dr. João Baptista de Lacerda Filho. Antonio Teixoita GiBocho PRATICANTES PREPARADOR Manoel da Motta Teixeira. Carlos Leopoldo Cesar Burlamaqui. Daniel d'Oliveira Barros d'Almeida. NATURALISTAS VIAJANTES PREPARADOR Dr. Frederico Muller. e Saad, ingos rreira Pena, Eduardo Teixeira de Siqueira. Domingos Soares Ferreira Pena Carlos Schreiner. SEGUNDA SECÇÃO Guilherme Schwake. BOTANICA GERAL E APPLICADA E PALEONTOLOGIA VORTUIKO VEGETAL X E - Carlos Leopoldo Cesar Burlamaqui. CONTINUO Dr. Ladisláu de Souza Mello e Netto. João Gonçalves Pereira Garcia. DIRECTOR MEMBROS CORRESPONDENTES BO MUSEU NACIONAL Agard (G. H.) Baillon (Henrique.) Barboza du Bocage (J. V.) Beaurepaire Rohan (Henrique de) Beneden (Ed. Van.) Bentham (Jorge.) Bom Retiro (Visconde do) Broca (P.) Bureau (Eduardo.) Burmeister (H.) Candolle (Affonso de) Coelho d'Almeida (Thomas J.) Darwin (Carlos.) Daubrée (A.) Decaisne (José.) Delpino (F.) Domeyko (Ig.) Duchartre (Pedro.) Eichler (A. W.) Ernst (A.) Exner (Mauricio.) Fenzl (Ed.) Ferreira Penna (D. 8.) Fries (Th.) Glaziou (A. F.) Gorceix (Henrique.) Hooker (José Dalton.) Jobert (Clemente.) Latino Coelho (J. M.) Mantegazza (P.) Milne Edwards (Aff.) Milne Edwards (H.) Moll (Hugo von.) Morren (Ed.) Naudin (Carlos.) Philippe (R. A.) Pissis (A.) Pringsheim (N.) Quatrefages (A. de) Radlkofer (L.) Regnell (André.) Reichenbach (L. H. 6.) Reichardt (H. W.) Tulasne (L. R.) Warming (Eugenio.) Wiesner (J.) Wiener (C.) Wirchow. Zimmerman Gollheim. NECROLOG IA Alexandre Braun, Professor da Universidade e Director do Jardim Botanico de Berlim.era um dos mais illustres membros correspondentes extrangeiros do Museu Nacional. De seu profundo saber dão-nos elo= quente testemunho seus trabalhos numerosos, e de seu caracter moral fica-nos, por não menos eloquente prova, a estima de quantos o tra= taram de perto. O illustre correspondente do Museu Nacional fallecen a 29 de Março de 148%7., com 72 annos de edade; no mesmo quinquenio da existencia, portanto, em que a Botanica do presente seculo tem per= dido seus melhoros cultores ; Martius, Brongniart, Freire Allemão e tantos outros ? Philippe Parlatore, Professor de Botanica em Florença, membro correspondente tambem do Museu Nacional, foi, sobre Botanico illustre que era, o propugnador dos congressos internacionaes destinados ao estudo das Plantas. Seus trabalhos abrangêram quasi todos os ramos da Botanica, da qual foi extremado cultor. Teçamos com as flores que tanto amou fulgente corõa que lhe perpetue o nome illustre sobre Palermo que lhe foi berço e Florença que lhe foi tumulo. OS ORGÃOS ODORIFEROS DA ANTIRRILEA ARCILEA Hiúbner " PELO DE. FREDERICO MULLER NATURALISTA VIAJANTE DO MUSEU NACIONAL —os430— As differenças sexuaes da Antirrhea Archea produzidas pelos orgãos odoriferos dos machos já se acham mencionadas por varios autores. Assim Westwood, (2) considerando a Antirrhea como terceira secção do genero Hetera, distinguio esta secção pelas azas anteriores do macho dilatadas na margem interna e munidas em baixo de uma crina. Butler, (3) tomando a Antirrhea Archea como typo de um novo genero, Anchiphlebia, indicou entre os caracteres distinctivos deste genero não só. a margem interna convexa e a « plaga peclinatim cirrosa » das azas anteriores, como tambem uma differença muito notavel entre os dous sexos nas nervuras das azas posteriores « ale venis posticarum prima et secunda subcostalibus ad ori- gines mari valde approximatis et subparallelis » ; ao mesmo tempo tambem elu- cidou e illustrou por uma figura os referidos caracteres. (4) (1) Ha uma figura de Antirrhea Archea representando a femea na Enoyclopédie d'Hist. Nat. par le Dr. Cnenu. Papillons I, pag. 299, fig. 514, (2) Westwoop, Genera Diurn. Lepidopt. pag. 365, (1851). (3) BurLer, Catalogue Satyrid. Brit. Mus. pag. 106, (1868). (4) BurLer, Catal. Satyr, Pt. V. fig. 3. V. MI—l 4 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ou antes circulos de 07"002 de diametro apenas, e de contornos escuros, que se acham espalhados neste logar pela membrana da aza. Assim como a margem interna ou posterior das azas anteriores, da mesma sorte à anterior das azas posteriores é quasi recta nas femeas (fig. 3), e sensivelmente arqueada nos machos (fig. 4). A superficie superior destas azas é de côr parda, e nella avistam-se, nos machos, duas maculas que mais se distinguem pela differença do brilho, do que pela cór. A maior (fig. 4, m”; fig. 7, 8 e 9) rodeia os angulos formados pela nervura discocellular superior (des) e pelos dous ramos (6 e 7) da nervura subcostal . prolongando-se entre estes dous ramos até onde elles acabam de correr approximados e parallelos; à base da macula, de fórma quadrilatera irregular, é cinzenta escura, 0 prolongamento alvacento, e por isso mais visivel. A macula menor (fig. 4,m”) occupa o angulo situado entre as duas nervuras internas. Ambas as maculas são abundante- mente cobertas de escamas especiaes que, pela sua opacidade perfeita e falta de estrias longitudinaes, assemelham-se às escamas odoriferas de muitos outros lepidopteros ; quanto a fórma, as da macula menor (fig. 15) não differem muito das escamas ordi- narias incubas (fig. 13, A) da parte vizinha da aza; as da macula maior (fig. 16) são pelo contrario tão estreitas que quasi confundem-se com cabellos ; ellas têm cerca de 07,16 de comprimento, as da macula menor 0""13 sobre 0"”,025 até 3 millimetros de largura. Depois de escamadas as azas, as maculas tornam-se muito mais visiveis do que antes, dillerençando-se não só por certo gráu de opacidade, como tambem pela sua côr cornea, bastante pallida na macula menor, mais accentuada na base e assaz escura no prolongamento da macula maior. Na macula menor ramificam-se diversas trachéas delgadas, que nascem das duas nervuras e limitam a mesma macula. Na macula maior as trachéas allingem um desenvolvimento muito mais consideralvel, e às vezes verda- deiramente monstruoso, variando muito à este respeito, conforme os diversos indivi- duos que se observam. A maior parte das trachéas que percorrem esta macula, costumam apresentar a sua parte bazilar mais ou menos dilatada, e tortuosa, asseme- lhando-se a veias varicosas (fig. 8). Em certos individuos (fig. 9) essa dilatação das trachéas chega ao ponto de ocuparem ellas todas a área da macula odorifera, perdendo ao mesmo tempo as suas ramificações capillares. Descobre este mesmo grau de varicosidade na fig. 7, entre os dous ramos da nervura subcostal, e à esquerda da nervura discocellular superior, emquanto à direita da mesma nervura ha varias fórmas intermediarias entre as lrachéas normaes e as excessivamente varicosas e deslituidas de ramos capilares. A variabilidade das trachéas estende-se tambem, ainda que em gráu muito menos consideravel, às nervuras que percorrem as maculas e das quaes nascem aquellas tra- chéas; os dous ramos (6 e 7) da nervura subcostal ou são quasi parallelos (fig. 4, fig. 8), ou convergem (fig. 7, fig. 9), às vezes quasi tocando-se ; nas femeas (fig. 3, fig. 6) os dous ramos divergem desde o principio. A nervura discocellular superior ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 5 (des) atravessa à macula ou em linha recta (fig. 8), ou um pouco curvada (fig. 9). Essa variabilidade extraordinaria das trachéas da macula odorifera póde servir de exemplo excellente para elucidar a regra admiravelmente discutida por Darwin (1) de que « a parte desenvolvida em alguma especie, num gráu ou maneira extraordi- naria, em comparação com a mesma parte em especies alliadas, tende a tornar-se consideravelmente variavel ». Assim pois a macula cdorifera com as veias e trachéas profundamente modificadas si não se achar exclusivamente na Antirrhea Archea, ao menos parece limitar-se às tres especies semelhantes reunidas por Butler no genero Anchiphlebia. Outro ponto notavel é a separação em duas partes do orgão odorifero, parecendo ser reservada às azas posteriores a producção, e às anteriores a emissão ou exhalação do cheiro que deve seduzir as femeas amorosas. Quanto à macula opaca das azas anteriores, parece ser um orgão odorifero rudimentario, ficando por ora indeciso, si se acha em via de progresso ou de regresso, si mais tarde deve aperfeicoar-se ou desapparecer. Comparando-se os orgãos odoriferos da Antarrhea Archea com os de Epicalia Acontius, que ha pouco descrevi, encontra-se uma conformidade quasi completa entre as suas partes componentes. Em ambas as especies, aquellas margens das azas que mutuamente se cobrem, são consideravelmente dilatadas e arqueadas no sexo masculino ; em ambas, a superficie inferior das azas anteriores é munida de uma crina de cabellos compridos inseridos ao longo da nervura interna, e cobrindo uma macula odorifera bem desenvolvida na Epicalia Acontius, rudimentaria na Antirrhea Archea. Opposta à crina, conta em ambas as especies na superficie superior das azas inferiores uma macula odorifera, cuja parte central occupa o angulo situado entre os dous ramos da nervura subcostal, estendendo-se d'ahi às tres cellulas limitantes da aza. Ora tudo isso seria muito simples e explicar-se-hia facilmente si as duas especies pertencessem ao mesmo genero ou a generos alliados, si todos aquelles caracteres com que concordam os seus orgãos odoriferos, podessem ser derivados de progenitores communs. Longe disso, porém, ellas são de duas sub-familias muito diferentes, a Antirrhea pertencendo às Satyrideas e a Epicalia às Nymphalideas, e até muitos dos parentes os mais proximos de uma e outra especie são destituidos de semelhantes orgãos ; faltam, v. g. comple- tamente na Epicalia Numilia. Assim, pois, não póde haver duvida de que os orgãos odoriferos se tenham desenvolvido independentes um do outro nas duas especies, e que tudo quanto elles têm de commum é unicamente devido à cireumstancia de se terem elles accommodado à mesma funcção. Os dous orgãos não são pois « homologos » e sim simplesmente « analogos », e constituem um exemplo dos mais notaveis de « convergencia » como modernamente se tem chamado a semelhança que não resulta (1) Darwin, Origin. of Species. 4º edição, pag. 177. 6 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL de herança, e sim provêm da adaptação a circunstancias identicas. Não conheco outro caso que prove tão clara e irrefragavelmente e com tanta forca atteste a verdade de uma lhese que nunca se devia perder de vista em estudos morphologicos. E a seguinte : Si em duas especies certos orgãos que servem à mesma funcção, se acharem no mesmo logar, e se compozerem das mesmas partes occupando a mesma posição relativa, e exhibindo fórmas semelhantes, tudo isso por si só ainda não constitue prova suficiente de serem aquelles orgãos homologos, —nem siquer no caso de pertencerem as duas especies à mesma familia. Lago, — — Explicação das figuras da estampa I ——— efa — As figuras todas se referem à Antirrhea Archea Hiuúbner; as figuras 1º até a 4º são de tamanho natural, as 5º, 6" e 7º augmentadas 3 vezes, as 8º e 9º 15 vezes, e O resto 180 vezes. Fig. 1. —Aza anterior escamada da femea. Note-se nesta figura e na seguinte que, além das nervuras bem desenvolvidas, ainda se avistam dislinctamente na cellula discoidal os vestigios da nervura discoidal dividida em dois ramos, como do ramo posterior da nervura subcostal. Fig. 2.—Aza anterior escamada do macho; |, inserção da crina dilatada na base ; m, macula opaca. Fig. 3.——Aza posterior escamada da femea. Fig. 4.—Dita do macho ; m”, macula odorifera maior, coberta pela crina da aza anterior ; m”, dita menor escondida entre a aza e o abdomen da borboleta. Pag. 5.—Crina da superficie UA e azas anteriores do macho. Na figura publicada por Butler (Catal. Satyrid. - Pl. V. fig. 3) os cabellos parecem ser fixados pela sua extremidade anterior e ir para traz. Seria differença especifica? E” muito mais provavel que seja antes erro. Fig. 6 e T.—Parte das azas posteriores mostrando a differença que ha nas ner- vuras entre o sexo feminino (fig. 6) e o masculino (fig. 7); 5, nervura discoidal; 6, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL | ramo segundo; 7, primeiro ramo da nervura subcostal; 8, nervura costal; des, ner- vura discocellular superior; pc, nervura precostal. Fig. 8 e 9. —Macula odorifera maior do macho, escamada, de dous differentes individuos, para mostrar a grande variabilidade das trachéas que se ramificam na mesma macula. Para não complicar a figura, deixou-se de indicar as inserções das escamas. Fig. 10. —Escamas ordinarias da superficie inferior das azas anteriores. 4, incubas. B, súcubas. Fig. 11 e 12.—Escamas da área coberta pela crina. Fig. 13 e 14. —Escamas ordinarias da superficie superior das azas posteriores, sendo fig. 13 do angulo situado entre as duas nervuras internas ; e fig. 14 do inter- vallo entre a nervura discoidal e o segundo ramo da subcostal. 4, escamas incubas, B, escamas súcubas. Fig. 15. —Escamas da macula odorifera menor. Fag. 16. —lscamas da maior. |, EI 3 PA Nes ia os 1a pt ARO ESTUDOS GEOLOGICOS E MINERALOGICOS SOBRE ALGUMAS LOCALIDADES DA PROVÍNCIA DE MINAS GRRAES PELOS Alumnos engenheiros da Eschola de Minas de Ouro Preto (1) PREFACIO Depois dos trabalhos de d'Eschwege e de Sellow, os quaes datam do começo deste seculo, nenhum estudo sério foi ainda publicado sobre a geologia e a mineralogia do Brasil, O illustre Hartt, tão cedo arrebatado à sciencia, e cuja morte deploram todos os homens instruídos, emprehendêra a carta geologica do paiz, appellando para o concurso de todos aquelles cujos conhecimentos technicos podiam ajudal-o a levar ao cabo tamanha e tão util tarefa. Situada em meio da mais interessante região do mundo, sob o ponto de vista (1) As investigações que deram corpo ás duas memorias exaradas neste fasciculo de nossos Archivos não são sómente os primeiros fructos dos dous jovens engenheiros brasileiros, que se acabam de estrear em sua nova investidura profissional pelo estudo da constructura tão intrincada mais ao mesmo tempo tão interessante dos terrenos metalliferos da provincia de Minas Geraes; ellas representam tambem as primicias da nova Eschola de Minas de Ouro Preto, primicias que, por fallecer áquella nascente e auspiciosa instituição um orgão proprio, não lhe foi dado por si mesma trazer ao lume da publicidade. Coube, ainda bem, ao Museu Nacional, o actual paranympho dos que no Brasil têm a peito a missão sacrosanta da sciencia, o prazer de chamar para si este encargo, e tomando-o espontanea e pressurosamente aos hombros, fel-o com tanto maior desvanecimento quanto se lhe afigurou duplamente util semelhante acolhimento; util, no presente, pela acção em si propria desde já tão proficua aos dous novos engenheiros de minas; util, no futuro, pela signi- ficação de que a qualquer trabalho original e de real valia, embora procedente, como estes, de profissionaes estranhos ao Museu Nacional não lhe cerrará elle as paginas de seus Archivos, sinão que de boa mente, como a irmãos, lh'as franqueará. NOTA DA REDACÇÃO. V. mi —2 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mineralogico, no seio de um verdadeiro museu, não era dado, à Eschola de Minas de Ouro Preto conservar-se indifferente áquelle convite. Assim, desde o principio, esforcei-me por dirigir-me os estudos dos meus disci- pulos de modo que os trabalhos particulares podessem servir para semelhante em- prehendimento. Indiquei ao estudo de cada um dos alumnos do segundo anno um determinado ponto da provincia de Minas Geraes, de sorte que lhes fosse dado imme- diatamente applicar os melhodos do meu ensino, os quaes nada mais nada menos são que os dos meus mestres Delesse e des Cloizeaux. Não obstante acharem-se onerados, na Eschola, de consideraveis occupações con- seguiram todavia os Srs. Corrêa da Costa e Leandro Dupré Junior, durante o 2º anno do curso, utilisando as excursões dos domingos e dias santificados, terminar uma pequena parte dos trabalhos que lhes haviam sido designados, parte a que ora dão publicidade nos Archivos do Museu Nacional. Certamente não são perfeitas as producções com que se estréam aquelles jovens engenheiros, mas taes quaes são ellas, julgo-as dignas da attenção de quantos se inte- ressam pela prosperidade do Brasil, e acreditam commigo que na exploração das riquezas mineraes, tão prodigalisadas pela natureza à provincia de Minas, poderão oflerecer-se ao paiz novos recursos, que lhe permittam realisar os grandes commetti- mentos emprehendidos. O trabalho dos Srs. Dupré e Corrêa da Costa abrange uma limitadissima região ; é pouco extenso, mas ambos compenetraram-se da verdade da maxima: « pouco e bom vale muito. » Agradeço muito particularmente ao Sr. Director Geral do Museu Nacional à fineza de haver prestado espontaneo agasalho a estes trabalhos de dous alumnos da Eschola de Minas de Ouro Preto, dando assim uma nova prova do vivo interesse que tem sabido tomar pelo desenvolvimento das investigações scientificas no Brasil, Rio de Janeiro, em 2 de Julho de 1878. H, Gorceix Director da Escola de Minas de Ouro Preto. ES PU DO geologico e mineralovico da região E. de Ouro-Preto. comprehendida entre aquella cidade, a povoação do Taquaral 6 o rio do Carmo PELO ALUMNO ENGENHEIRO DA ESCOLA DE MINAS DE OURO PRETO LEANDRO DUPRE JUNIOR I. Orocrapnia.— Esta região faz parte do grande corpo do Itacolomy, ponto culminante do nó do systema orographico da provincia de Minas Geraes. Temos a serra ao norte de Ouro-Preto por cuja encosta é aberta a estrada de rodagem que vae de Ouro-Preto á Marianna, servindo tambem de divisa natural das aguas dos rios Doce e das Velhas. Pertence à serra do Espinhaço, e a linha anti- clinal deste região é dirigida E. O, parallelamente a uma das direcções de sublevações conhecidas no Brasil, parecendo pertencer à épocha terciaria. I. HyprocrapHia.—Às nascentes dos Rios Doce e das Velhas existem nesta serra; O primeiro nasce 'a O. da cidade, no logar denominado Velloso e em suas immediações; tem o nome de rio Funil, tomando na estrada de Marianna o de rio do Carmo. O segundo nasce na vertente norte, no morro de S. Sebastião e tem O nome de rio das Velhas até encontrar-se com o S. Francisco. IH. Facmas.— Ha neste corpo de alcantis uma uma grande falha dirigida de E. para O; sua formação deu logar à abertura do leito do rio Carmo. Tendo havido uma fractura nas camadas, deu-se em seguida, um desloca- mento de uma das partes, resultando, portanto, a falha que facilmente se observa. 12 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Verificamos este phenomeno n"um córte feito no Taquaral por um plano perpendicular á direcção da linha anticlinal e passando pelo alto do Itacolomy. Fig. 1. (Est. IL.) Analysando esta figura, vemos que a inclinação das camadas em- A sendo de 20º e em B de 25º, mais ou menos, póde-se perfeitamente admittir que as camadas em A escorregassem ao longo da parede de fractura em B, deixando uma passagem livre as aguas do rio Carmo. IV. Disposição pas Rocras.—Observam-se n'este logar principalmente as camadas de quartzito talcoso, vulgarmente conhecido com o nome de « pedra de lages. » Subindo a montanha, e em direcção à estrada, existem camadas de quartzito arenoso dirigidas a N. 30º. E, inclinadas de 25º sobre o horizonte e immergindo para N. Toda esta região, a partir das Lages, participou do grande abalo no momento da fractura da porção visinha. Parece-me que, em razão d'esse abalo, abriram-se fendas na rocha, as quaes foram cheias mais tarde pelas aguas carregadas de silica, que se depositando trans- formou-se em quartzo hyalino, phenomeno este que se póde observar ainda hoje em alguns logares. Creio que os veiciros auriferos de quartzo, de que tratarei adiante, são contemporaneos da revolução que separou a grande molle do Itacolomy em duas porções bem distinctas. O paralelismo d'esses veieiros é uma prova de sua formação simultanea; sua direcção perpendicular à falha é ainda outra prova da contemporaneidade dos phenomenos que produziram estes accidentes geologicos, admiltindo a opinião de Elie de Beaumont, que considera duas linhas de fractura como contemporaneas quando as direcções destas linhas são parellelas ou perpendiculares. As rochas superpõem-se da maneira seguinte: 4º Talco phylladiforme ; 2º quartzito talcoso; este acha-se comprehendido em duas camadas de phyl- lade ; a camada superior é que os separa dos terceiros Itabiritos compactos e algumas vezes friaveis, vulgarmente conhecidos com o nome de jacutinga; 4º canga Fig. 2, (Est. II.) V. Veremos DE quartzo.—Na pedreira das Lages, encontra-se um certo numero de veieiros de quartzo de não pequena importancia sob o aspecto mine- ralogico. O veieiro representado na Fig. 4 (A), Est. II, immerge para O. inelinando-se de 20º sobre o horizonte com uma potencia de 1,70 e uma espessura de 0,50, á 0,80. Encontrei n'elle grande quantidade de pyrites ordinarias. Em alguns logares o ouro é visivel e cravado no quartzo, como se póde vêr pelas amostras que colleccionei. Este veieiro atravessa as camadas de quartzito talcoso impregnando de pyrites toda a porção da rocha em contacto. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 13 A” distancia de 20”, mais ou menos, ha um segundo veieiro que faz com a linha N.S. um angulo de 30º, dirigindo-se de S.O para N.E. Tem uma potencia de 2”, e 1”,40 de espessura. D'entre as diversas ramificações que tem este veieiro, a mais importante dirige-se para E., com uma espessura de 0"30 e segue direcção parallela logo que deixa o troco de onde parte. Fig. 4, (Est. HI.) Ha outras pequenas ramificações que se acham indicadas na figura. O veieiro está completamente impregnado de pyrites arsenicaes. A 10», mais ou menos, ha um terceiro veieiro nas mesmas condições que o segundo e a este parallelo. Neste terceiro veieiro encontra-se grande quantidade de pyrites arsenicaes e agulhas de turmalina. Elle têm 2” de potencia e 3” de espessura : ha uma ramificação de 07,10 que pouco acima continúa parallelamente. Encontram-se além destes veieiros alguns outros de muito pequena importancia. Os trabalhos antigos que existem n'esta parte e que actualmente se acham bastante desor- ganisados pela extracção de pedras de alvenaria, mostram que esta região, como todos os terrenos ao redor de Ouro Preto e até por baixo das casas daquella cidade, foram explorados como auriferos. Parece-me, que, como terei mais tarde de dizer, foi a rocha que, se tendo até uma certa distancia do veieiro de quartzo impregnado de ouro, deu logar a tantas explorações para extracção do precioso metal. Em geral, n'este ponto como nos outros, os trabalhos faziam-se a talho aberto, tendo sido deste modo lavada a quasi totalidade dos itabiritos; esta rocha friavel, sendo arrastada pelas aguas, formava o cascalho que ainda hoje é demais, lavado pela decima vez, por muitos faiscadores do rio Carmo. Em todo o caso o ouro me parece muito irregularmente espalhado nesta parte; em algumas amostras elle é visivel, parecendo ellas por conseguinte muito ricas, e o são effectivamente, porque si as submettermos a ensaio acharemos grandes resultados ; mas não nos devemos illudir, e neste particular chamarei a altenção sobre um facto que já a minha breve experiencia me dá por verdadeiro; é que para ter idéa exacta da riqueza de uma jazida é necessario tomar muitas amostras em pontos differentes. Esta operação sempre delicada, torna-se, quando se trata da maior parte dos veleiros auriferos da pro- vincia de Minas Geraes, e ainda como me consta, da do Rio Grande do Sul, uma seria difficuldade, salvo n'aquelles formados na maior parte de pyrites, como no Morro-Velho e Pary, em que o ouro se acha n'uma região determinada, disseminado até certo ponto d'um modo bastante regular. Este facto, como muitas outras particularidades, acha sua explicação na * hypolhese com a qual o professor H. Gorceix, explica a formação destes veieiros. (1º Analyse feita sobre amostras tomadas na pedreira das Lages, no meio das pedras arrancadas para o calçamento das ruas da cidade, perto do veieiro de quartzo). Quartzito talcoso, passando perto dos veieiros, à quartzito compacto, com pyrites de ferro crystallisado em octaédro. Pyrites arsenicaes, raras. 14 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1, kil. de minerio deu apenas vestigios de ouro. (2* Analyse sobre as mesmas amostras tendo sido tomadas 300 gr. de minerio do mesmo logar). Peso do botão obtido por cupellação : 0,000,7. Proporção de prata do lilhargyrio : 0,000,12. Ouro por tonellada de minerio: 1, gr. 9. Mina pos caLDEiRÕES.—Explorado no seculo passado é este um dos veieiros importantes da região do quartzo, o qual é ahi misturado com grandes agulhas de turmalina preta e pyrites arsenicaes, que abundam sobretudo no quartzito em contacto com 0 veieiro. Os ilabiritos têm uma inclinação de 25º, erguendo-se para N. E. e sendo cortados pelo veieiro que se inclina a N. 10º E. com uma potencia media de 2. A Fig. 5, (Est. II) representa um córte feito pela galeria dos antigos exploradores. Nos pontos em que o veleiro encontra os itabiritos apparece o ouro em pequenas fendas. Mas estas na verdade, muito ricas, não constituem mais do que uma diminuta porção do corpo total do veieiro que deve ser derrocado para uma exploração cujo teôr médio é em geral inferior ao que se poderia deduzir da analyse seguinte : Ensaio feito sobre 50 gr. de minerio. Peso do botão obtido por cupellação: 0,004. Proporção de prata do Jithargyrio : 0,0012. Ouro por tonellada de minerio : 28 gr, Mas, considerando que os itabiritos são aqui muito facilmente exploraveis por meio d'agua, póde ser que o emprego de um dos processos usados na California seja vantajoso. O anno passado emprehendi um pequeno trabalho n'essa mina, o qual não deu resultado algum, em razão dos poucos recursos de uma associação que organisei, e do pouco tempo de que despunha fóra dos trabalhos escolares. Tentei o emprego da amalgamação directa, porém precisava de uma grande quantidade d'agua para a lavagem do cascalho, e só com despezas que não podia fazer, seria possivel obter esta agua; demais, o emprego das canôas aonde a amalgamação se faz directamente, necessita da solução de um problema que a expe- riencia umicamente póde trazer; porquanto, sendo a densidade do ferro oligisto bastante elevada (5,24), é diflicil determinar a inclinação que se deve dar ás canôas para que o oligisto não se deposite, impedindo assim o contacto do ouro com o mercurio. Saracoça.—Esta mina tem sido constantemente explorada. A parte mais importante da jazida é representada por um veieiro de quartzo com diversas ramificações : Fig. 6, (Est. II.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 15 O trooco principal fórma com a linha N. S. um angulo de 45º, inclinando-se de 10º sobre o horizonte do lado O. - Uma das ramificações; C. que parte a 100” mais ou menos acima da estrada, é explorada por um dos proprietarios; o mineiro é socado n'um pequeno engenho de tres mãos que se acha ao iado. Ha um outro ramo que vae atravessar o veieiro B. Creio que ainda B é tributario do grande tronco A. R As pyrites arsenicaes que ahi se encontram no quartzo e no quartzito, em contacto, formam a ganga do mineiro. Muitas vezes o ouro, invisivel nas pyrites, torna-se visivel quando estas acham-se decompostas. Resultado de uma analyse que fiz sobre esse minerio : Ensaio sobre 100 grammas. Peso do botão obtido por cupellação. . <<... 0,0039 Proporção de prata do lithargyrio . . <<. 0,00115 Ehuroipor tonellada de minerios UI Md 2teriis Este veieiro é um bom exemplo da correlação que existe entre os differentes mi- neraes que se encontram na provincia de Minas Geraes. Segundo a theoria do Sr. professor Gorceix, houve duas epochas no enchimento destes veieiros 1º a da producão da fenda, abrindo-se até a superficie e enchendo-se de quartzo aurifero; 2º a do apparecimento de pyrites auriferas de diversas naturezas, porém que não penetraram até aos itabiritos. Como a rocha era compacta, a abertura ficou livre, sendo cheias depois pelas materias que constituem os veieiros. As enormes excavações que existem na mina do Saragoça provam, de mais, que, até uma certa distancia do veieiro, a rocha foi impregana de ouro. Os itabiritos foram completamente derrocados e lavados pelos antigos mineiros. Um córte franco marca nos itabiritos e nos quartzitos talcosos o limite até o qual devia ser aprovavel a exploração da rocha impregnada. A impregnação é ajudada pelas ramificações dos veieiros que se dirigem em di- versos sentidos e que, si fossem em maior numero, constituiriam um verdadeiro stochwerk, e essa massa aurifera poderia apenas distinguir-se da rocha em que está incluida. E” isto o que acontece em ponto pequeno nas minas da Tapera, em S. Bartholomeu. Devo notar, como particularidade curiosa, a presença das turmalinas na mina do Saragoça, caracterisando as formações auriferas desta região. Ainda as encontramos em masso no veiciro — camada da Passagem e em todos os outros da região de Antonio Pereira, aonde apparece a variedade « Rubellita. » Segundo uma opinião de nosso mestre o professor Gorceix, essas turmalinas, de- compondo-se no seio da terra, produzem a curiosa formação aurifera conhecida com o nome de Bugres. 16 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Resumindo este pequeno trabalho concluo : 1º Que as minas auriferas de Ouro Preto estão em relação intima com uma falha dirigida de E. a O. e à cuja producção devem seu apparecimento ; 2º Que estas formações estão sempre em relação com os veieiros de quartzo hyalino, com pyrites ordinarias, arsenicaes e com turmalinas ; 3º Que a exploração dos veieires de quartzo é muito precaria e duvidosa ; 4º (Que estas explorações são vantajosas unicamente quando a rocha é impregnada de ouro até uma certa distancia dos veieiros de quartzo ; 5º Que o ouro é distribuido muito irregularmente nos veieiros ; 6º Que os trabalhos antigos não esgotaram a riqueza desta região e que, segundo me parece, adoptando-se um melhodo de exploração californiana, com emprego de amalgamação directa, poderia ainda haver probabilidade de feliz resultado. Porém tal exploração só será possivel si se empregar grande capital, si houver a iniciação de trabalhos dirigidos por uma unica idéa, como sabemos ser practicado no Hartz, em Freyberg e na California, nas explorações auriferas. Uma mina só por si nunca poderia pagar as despezas de uma destas obras gigan- tescas que assegurassem o escoamento das aguas e a extracção do minerio. Semelhante trabalho só deveria ser emprehendido si se destinasse ao serviço de um numero consideravel de explorações que fizessem as despezas em commum. Muitos logares, aonde é bem certo existir ainda ouro em quantidade notavel, estão no mesmo caso, e só o espirito de associação que com tão grande dificuldade começa a entrar em nossa vida industrial, poderá salvar da morte as minerações de ouro na provincia de Minas Geraes. Escola de Minas de Ouro Preto, 11 de Fevereiro de 1878. ES SC) geologico da região de 9. Bartholomeu e da mina de ouro da Tapéra perto de Ouro-Preto, PELO ALUMNO ENGENHEIRO DA ESCHOLA DE MINAS DE OURO-PRETO UT ADONFEO CORREA DA COSTA. A mina de ouro da Tapéra, antigamente explorada e ha muitos annos abando- nada, foi de novo reconhecida pelos meus collegas Francisco de Paula Oliveira e Leandro Dupré Junior. Está situada na freguezia de S. Barlholomeu, cuja povoa- ção acha-se duas leguas a NO. de Ouro-Preto. OROGRAPHIA E HYDROGRAPHIA. — À jazida aurifera dista meia legua d'essa povoação, sobre as ultimas vertentes da serra do Capanema, que o rio das Velhas separa da da Cachoeira. A situação desta região, sob o aspecto orographico e geologico é das mais in- teressantes. Ouro-Preto, a antiga Villa-Rica, como ja o fez notar o meu collega L. Dupré Junior, occupa o ponto de juncção das grandes serras que dividem as aguas da provincia de Minas e as proprias bacias mais importantes de E. e NE. do Brasil. Parece que n'esta, região em uma pequena extensão de terreno, tem-se con- centrado uma parte das forças orogenicas que, actuando no resto do Imperio sobre immensas superfícies, produziram as ondulações existentes em quasi todo o paiz, sem apresentar, comtudo, as serras enormes produzidas por essas mesmas forças quando a sua acção limita-se a um pequeno espaço. Y. E 3 18 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Para corroborar esta descripção podemos apresentar a serie seguinte de picos elevados existentes nos arredores de Ouro-Preto : Pico do Itacolomy 1756": Carapuca da serra do Caraça 1955”. Pico da Itabira Campo 1520”. Alto de D. Vicencia 1260”. Não é pois para admirar que Villa-Rica seja tambem o ponto em que se con- centraram as cmanações metalhferas, cuja relação com as forças orogenicas é das mais intimas. E tanto assim é que de D. à E. (Est. IV) encontramos a falha do rio do Carmo, que seria mais proprio chamar falha do Itacolomy, cujo estudo na parte que confina com esta cidade foi feito pelo meu collega L. Dupré Junior. N'essa falha balisada por veleiros auriferos que se tocam, é que estão situadas as minas do Pelucia, das Lages, Caldeirões, Saragoça, Passagem, Morro de Santa Anna, de Camargos, do Barão de Itabira, e, um pouco mais ao norte, as jazidas tão interessantes de Antonio Pereira que parecem ser o principio do apparelho metallifero do Itacolomy. O Noroeste da região de Villa-Rica não lhe é inferior em riquezas, pois que mal se ba transposto a linha de separação das aguas do rio do Carmo (nascentes do rio Doce) e descido do valle do rio das Velhas (cujas cabeceiras são separadas das do primeiro por uma linha muito delgada que se percorre indo Ouro-Preto a An- tonio Pereira), encontra-se a falha enorme do rio das Velhas. Esta falha é como a primeira, marcada por numerosos veieiros e camadas au- riferas, entre outras as de S. Barlholomeu, Morro de S. Vicente, Morro-Velho, Cuiabá, Taquaril e Capão. A mina da Tapéra é a primeira deste grupo, e a sua situação mais proxima do ponto em que as forças orogenicas actuaram com mais energia não é razão para desa- nimar os trabalhos metallurgicos nesta jazida. Como ja dissemos, a mina está situada sobre as ultimas vertentes da serra do Capanema, de que é ramificação a do Caraca. A Jinha culminante desta serra tem a direcção N.E—S. O. O aspecto do seu conjuncto é o de uma enorme e escura penedia que se dislir gue facilmente ao longe, e que deveria ter servido de fanal aos primeiros sertanejos a quem arrastava à cobiça de tantas jazidas auriferas cujas riquezas poderiam ser hoje exploradas com van- tagem, si não ignorassemos a situação de muitas dellas. Esta immensa penedia, como o Itacolomy, fórma um annel distincto da serra do Espinhaço com a qual vem juntar-se por uma linha que suhe da mesma serra do Capanema, entre S. Bartholomeu c Antonio Pereira. Essa linha forma um meio circulo que abrange os terrenos onde nascem as fontes que, descendo de S. Sebastião, constituem reunidas as primeiras aguas do rio das Velhas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 19 De S. Bartholomeu a Santo Antonio do Rio-acima os declives da serra do Capa- nema são muito rapidos e mal permittem algumas trilhas por onde se sobe à parte superior da montanha. “As fracturas successivas das rochas sobre as quaes as forças orogenicas têm actuado quatro vezes successivamente, desenham especies de andares analogos aos que apresentariam as ribas de um mar a que sublevações reiteradas houvessem obrigado a occupar differentes niveis. E" presumivel que essa successão de andares indique uma certa ordem entre os diflerentes horizontes metalliferos, tendente a facilitar os estudos geologicos desta região. O lado esquerdo do rio das Velhas é formado pelas ultimas ondulações da serra da Cachoeira, menos interessante sob o ponto de vista metallurgico. GEOLOGIA DA REGIAO DE $, BARTHOLOMEU O estudo geologico d'esta região é o mais interessante de quantos se podem fazer em toda a provincia de Minas, porque permittem observar em pequeno espaço a disposição de todas as rochas que constituem os terrenos desta provincia. Começando pela base, veremos no leito do rio das Velhas apparecerem os gneiss gramitoides, ricos em feldspatho e mica branca, rochas estas que constituem a base de todos os terrenos de Minas Geracs. Estes gneiss apresentão-se nas margens do rio das Velhas, perto do caminho que conduz à fazenda do Guerra, immergem neste ponto para É. e depois de passarem por baixo da serra do Capanema tornam a apparecer nas visinharças de S. Caetano, Ta- feccionado, Agua quente, Fonseca, tomando uma certa importancia nas margens do Piracicaba, desde S. Miguel até Monlevade. Do lado de O. ao contrario sublevam-se, apparecem no arraial de Casa Branca e mais perto de Quro Preto,no Pombal, continuando depois a mostrarem-se, de distancia em distancia, na estrada que conduz à Sabara, até desapparecerem de novo. Estes gneiss granitoides são notaveis pelos seus veieiros de quartzo com turmalinas pretas, que apresentam perto de Casa Branca. Certos indícios nos fazem crer que si os minerios de estanho existem nesta região, como consta, é n'esta rocha que poderão elles com mais probabilidade ser encontrados. Sobre esse facto já o professor Gorceix chamou a nossa attenção por occasião de tratar do apparelho metallifero do Brasil. A estas rochas gneissicas succedem os quartzitos micaceos que ainda se encon- tram no leito do rio das Velhas; mas estas rochas que em alguns pontos chegam a adquirir alguma importancia têm geralmente fraca potencia, accrescendo ser a mica muito rapidamente substituida pelo talco, e passando portanto essas rochas a forma- ções talcosas, que constituem a segunda grande classe dos terrenos de Minas. Na base 20 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL d'esta segunda classe existe um taleito formado de escamas de talco, passando algumas vezes a uma rocha argilosa vermelha com que se mostram de permeio alguns veieiros de quartzo hyalino esteril. Na opinião do professor Gorceix é esta formação a que constitue o talcito inferior que encontramos em quasi toda a estrada de Barbacena a Ouro Branco. Quando ao talco se une o quartzo, a rocha passa a quartzito talcoso de que é uma variedade o itacolomito. A estrada que conduz de S. Bartholomeu à mina da Tapéra permitte seguir essa transformação ; e si o taleito e o quartzito lalcoso são rochas mineralogicamente bem dislinclas, quanto ao seu caracter geologico, não ha duvida sobre pertencerem ambas à mesma épocha. A consistencia dos talcitos quartzosos é a principio fraca, mas vae augmen- tando à medida que cresce a proporção do quartzo, transformando-se finalmente à mesma em quartzitos compactos. A parte superior destes quartzitos tem um grande desenvolvimento na serra do Capanema, como se póde observar a E. de Antonio Pereira e do lado de Santo Antonio do Rio-acima, ao norte, onde tomam um aspecto fragmentario, e por vezes arenoso. Em certos pontos e na parte superior destes quartzitos existem talcoschistos dispostos em folhas (vulgo picarra) que na região de Ouro-Preto separam os quartzitos dos itabiritos. Estas são as rochas que constituem o andar médio dos terrenos de Minas. Occupando o andar superior, existem rochas, mal representadas na parte da freguezia de S. Barlholomeu à que me refiro, salvo si considerarmos como pertencentes a esta classe os quartzitos, semelhantes a grés, da região superior da serra do Caraça e principalmente as rochas que formam a orla de montanhas que circundam o collegio dos Lazaristas. Representando este andar encontramos a E de Ouro-Preto os Itabiritos fria- veis (vulgo: jaculinga) e os Itabiritos compactos (vulgo: pedras de ferro). Nas partes em que as denudações naturaes ou arlificiaes não os fizeram desapparecer, é facil notar a superposição dos itabiritos aos talcoschistos. A Oeste (estrada de Sabará, Boa-Vista e Tripui), aos itabiritos acham-se associadas rochas schistosas, phylladianas e arenaceas, que tomam uma extensão enorme na planício da Boa-Vista, onde estão cobertas pelos Itabiritos, cujas camadas atravessam muitas vezes estas formações. Encontramos ainda taes rochas desde Passagem até Antonio Pereira, é d'esta ultima localidade até o Iacolomy de Marianna, Sumidouro e Camargos, onde se tornam importantes por conterem jazidas auriferas das mais curiosas e de que são exemplos os veieiros dos Bugres, do Torquato, do Barão de Itabira, ete. Como pertencentes ao ultimo andar encontramos em S. Bartholomeu, perto ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 21 da fabrica de ferro do Sr. Machado, algumas camadas de Itabiritos compacto e Íriaveis. - Estes Itabiritos tomam maior importancia ao aproximarmo-nos da serra do Capanema e do morro de S. Vicente, onde em certos logares, como por exemplo na Bocaina do Capanema, Lôm-se feito algumas pesquizas de ouro. Em alguns sítios estas rochas têm dado origem a um conglomerato ferruginoso, vulgarmente chamado canga cuja edade qualernaria foi perfeitamente determinada em um estudo do professor Gorceix sobre a bacia do Fonseca. Este conglomerato não é muito commum na região banhada pelo rio das Velhas, ao passo que tem um desenvolvimento consideravel na região do Rio-Doce. Além das rochas mencionadas, existem em S. Bartholomeu, atravessando os talcitos e os quartzitos, varias camadas de diorito compacto. Esta rocha apresenta-se em penhascos disseminados sem ordem pelas ver- tentes mas é facil reconhecer o logar d'onde foram derrocados e rolados, logar, esse pouco distante da mina da Tapéra. Encontramos ainda a mesma rocha perto do Pombal e mais adiante no caminho que do morro de S. Vicente, vae ter á Cova d'Oncça. Uma carta exacta que indicasse os pontos em que apparece esta rochas de que já conhecemos quantidade consideravel, seria muito util e talvez que désse alguns esclarecimentos sobre os phenomenos metamorphicos e até sobre as sublevações que têm modificado esta parte dos Lerrenos de Minas. Destes dioritos, alguns são compactos, ricos em quartzo e apresentam enormes cryslaes de feldspatho que julgamos ser oligoclasea, como se pode observar no diorito da Cova d'Onça; estes dioritos tem o caracter das rochas eruptivas. Outros são intercalados em camadas nos gneiss ou nos talcitos, e mostram uma tal ou qual estratificação; os crystaes de feldspatho e de amphibole são dispostos em linhas parallelas com os elementos do gneiss em que se transformam muitas vezes por grãos insensíveis, Tendo de tratar da formação aurifera da Tapéra, somos forçados a fazer uma analyse succinta das formações que mais geralmente se apresentam nesta provincia afim de sabermos qual o logar que entre ellas occupa a mina da Tapéra. DIVERSOS HORIZONTES AURIFEROS DA PROVINCIA DE MINAS-GERAES Todas as numerosas explorações conhecidas n'esta provincia e grande numero das minas de outras provincias, do Maranhão e Piauhy, por exemplo, sobre as quaes infelizmente temos poucas informações, e provavelmente das de Goyaz 22 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL e Matto-Grosso, podem se grupar em tres niveis diferentes que correspondem ás divisões estabelecidas sobre os terrenos sem fosseis do Brasil pelo professor Gor- ceix. No entender do mesmo professor, as unicas jazidas por elle conhecidas que escapam à supracitada classificação, são as do Rio Grande do Sul. Collocadas nos granitos porphyroides e nos verdadeiros porphyros, em relação com os melaphyros, dioritos, syenitos e veieiros de chalcosina e galena argentifera, estas jazidas têm a maior analogia com as celebres minas de Chile. O desesbrimento de jazidas argentiferas nas regiões superiores do Parana, de Santa Catharina e de S. Paulo, sobre as quaes temos alguns muito incertos indicios, completaria esta analogia. Quanto ás jazidas da provincia de Minas, ellas formam um conjuncto caractéristico que não tem correspondente em nenhuma outra parte. PRIMEIRO HORISONTE: DOS GNEISS E QUARTZITOS MICACÇEOS O horizonte inferior corresponde às rochas gneissicas que passam a quart- zitos micaceos ou micachistos, apresentando às vezes crystaes de amphibole. Mal conhecemos essas formações, mais communs na parte limitrophe da provincia de Minas com a do Rio de Janeiro. Nas collecções da Eschola de Minas de Ouro-Preto, só existem duas amostras destas formações; uma de Baependy, sem outra qualquer indicação, quartzito compacto com pouca mica, pyrites arsenicaes e agulhas de amphibole, contendo segunda a analyse 12 a 15 grammas de ouro por tonelada. As outras amostras foram remettidas à Eschola pelo Sr. Alcantara e provêm da mina de Santo Antonio; umas são verdadeiros gneiss e outras, quartzitos micaceos com poucas pyrites, mas onde apparece a pyrite magnelica que veremos mais tarde ser um dos mineraes caracteristicos das jazidas da segunda classe, As minas de ouro que, se diz, existirem em Cantigallo e as do Rio de Janeiro (1) ultimamente concedidas, lalvez pertençam às formações gneissicas ou graniticas; o que não nos deve sorprehender porque são numerosas as Iocali- dades em que essas rochas apresentam vesligios de ouro; mas nem sempre a proporção de metal que contêm essas jazidas é suíliciente para remunerar os trabalhos da exploração, o que acontece por exemplo nos arredores de Limoges, sobre a chapada central da França, onde se encontram pequenas palhetas de ouro nas areias provenientes dos gneiss e granitos, mas em porção tão diminuta que não ollerecem base a uma exploração. (1) As minas auriferas do Rio de Janeiro a que parece referir-se o auctor, nunca existiram; O proprio concessionario deve estar hoje convicto de sua illusão a tal respeito. NOTA DA REDACÇÃO. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 23 SEGUNDO HORIZONTE. DOS QUARTZITOS TALCOSOS A segunda classe de fermações é incontestavelmente a mais importante de todas e é caracterizada pelo quartzito talcoso. As minas mais ricas desta provincia, conhecidas vulgarmente pelo nome de minas de pedra, pertecem a esta classe e distinguem-se das outras, não tanto pela riqueza, como pela potencia e continuidade dos veieiros. Foi no quarizito talcoso que foram feitas as enormes excavações que existem no sólo de Minas Geraes e que attestam a grande extensão dos trabalhos antigos. N'estes terrenos o ouro apresenta-se em veleiros que cortam as camadas e offerecem todos os caracteres dos verdadeiros veieiros, taes quaes os define Werner. Quando essas formações se afastam da regra geral, isto é, quando acom- panham a estratificação das camadas, não tardam a cortal-as um pouco adiante. Das minas que conhecemos, a do Pary e a do morro S. Vicente são as unicas em que o veieiro aurifero, em vez de cortar as camadas de quartzito, segue de uma maneira bem sensivel a direcção de sua estratificação em uma grande extensão; mas esses factos são raros, e em muitos casos não tarda o veieiro aurifero, um pouco adiante, a entrar na regra geral. De alguns factos singulares não podemos tirar deducção geral e asse- verar que todas as jazidas auriferas da provincia de Minas acham-se em veieiros- camadas, como não se deve concluir que o ouro se encontra sempre nos ter- renos gueissicos sómente pelo facto de existir algumas vezes nesses terrenos. Esta digressão não é tão estranha ao assumplo como parece: quando se trata de estabelecer uma exploração nova, a analyse dos factos observados nas explorações visinhas póde mostrar qual o melhor caminho a seguir, e fornecer uma indicação para dirigir os trabalhos da mineração. Ao horizonte dos quartzitos talcosos pertencem muitas minas situadas nas falhas do rio das Velhas e do rio do Carmo, entre outras as de Saragoça, Passagem, Tapéra, morro de S. Vicente, Morro-Velho, Capão, Cuiabá, Roca-Grande e Pary. HORIZONTE AURIFERO DOS ITABIRITOS A terceira classe das formações auriferas é a dos itabjritos, que consti- tuem uma rocha importante, onde o ouro apresenta-se geralmente em palhetas, às vezes de gran des dimensões. 24 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Nos itabiritos friaveis e arenosos (vulgarmente chamados Jacutinga), quando por qualquer causa se produzia uma fenda, era esta logo obstruida pela queda das paredes. As aguas ou outros agentes metalliferos podim penetrar até a grando distancia pelas fendas onde a obstrucção não [ôsse completa, e depositar o ouro à medida que atravessava a rocha desaggregada. D'ahi se conclúe que o ouro se tivesse distribuido de um modo irregular, depositando-se em mais abundancia nos logares mais desempedidos. Apezar dessa distribuição irregular, nota-se que nas formações de itabiritos as linhas mais ricas tomam sempre uma direcção fixa, o que facil é de veri- ficar no Maquiné, na Itabira de Matto-Dentro, (Gongo-Sôcco, Pitangui, ete. Quando o itabirito fôr compacto, si se produzir uma fenda, ficando esta livre, as emanações metallferas constituirão ahi o deposito das substancias acar- retadas. Foram assim formados os veieiros de quartzo que atravessam frequentemente 4 os ilabiritos; o quartzo é então pobre e o ouro existe em geral em contacto com o ilabirito. Nas rochas como os itabiritos, e até como os Itabiritos compactos, que não têm a consistencia nem das rochas calcareas, nem das graniticas, as fendas são irregulares, numerosas, ligindo-se umas às outras, sem direcção determinada de modo que só uma observação minuciosa poderá no meio desta irregulari- dade apparente permillir o reconhecimento de uma direcção principal ao redor da qual se grupam os veieiros. A mina do Campestre, perto de Antonio Pereira, apresenta-nos uma especie destas jazidas. A natureza da rocha inlue muito sobre a marcha do veieiro, pois já vimos que segundo o itabirito fôr compacto ou friavel, a formação apresentava caracteres differentes. A este horizonte pertencem os veleiros auriferos explorados nos talcitos schistosos e nos schistos argilosos superiores. As antigas minas do Barão de Ilabira, estabelecidas sobre as vertentes orientaes do Itacolomy de Marianna, estão neste caso. Siluadas a 200 ou 300º acima do nivel do rio Gualaxo, parecem ser a continuação da formação aurifera do Thesoureiro. A rocha argilosa e schistosa é atravessada por grande numero de veieiros de quartzo hyalino, raras vezes crystallisado, com linhas de limonito, oxydo de manganez e vestígios de cobalto, -segundo a analyse do Sr. professor Gorceix. Estes veieiros são algumas vezes tão conchegados que formam um verda- deiro Stock-Werck. Como nos ilabiritos, o ouro existe em maior abundancia no contacto do quarizo com os schistos e continua a existir nesta rocha até uma pequena distancia do veieiro. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 25 A direcção N.O.N. — S.E.S. parece ser a do veieiro mais rico, assim como parece ser a da fenda principal em torno da qual encontram-se os veieiros secundarios que a uma certa profundidade reuniram-se provavelmente em um corpo unico, do mesmo modo que os ramos de uma arvore se reunem ao seu tronco. Esse facto, que é muito commum nas formações de itabiritos, póde tambem apresentar-se nas formações dos quartzitos talcosos, e a mina da Tapera vem nos fornecer um exemplo delle. MINA DA TAPERA A jazida aurifera da Tapéra é um veieiro. O ouro está concentrado em uma fenda que córta distinctamente as camadas dos quartzitos talcosos. A ganga do ouro é composta de quartzo, talco, pyrites arsenicaes e magneticas; mas na parte descoberta, a rocha do veieiro mal se distingue das da capa e da lapa. Para bem comprehendermos a disposição d'esta formação somos obrigados a fazer um rapido estudo das rochas que se encontram desde a fazenda do Engenho até à mina da Tapéra. As primeiras rochas são argilosas e schistosas e correspondem aos talcitos inferiores alterados; perto da cascata, os talcitos são mais compactos e passam já a quartzitos talcosos soerguidos do lado E. 10º N. A rocha vae-se tornando mais composta e mais rica de quartzo à medida que nos approximamos da mina, e ao mesmo tempo as camadas são onduladas, sendo difficil tomar-se a sua direcção. O quartzo aparece em pequenas massas hyalinas disseminadas na rocha ou formando pequenas linhas irregulares, tor- nando-se a rocha dura e resistente aos embates do martelo. As pyrites arsenicaes e magnelicas apparecem, ora em grãos, ora em massas onde domina a pyrrothina. Nesta especie de rêde nota-se comtudo a direcção principal que é a de 3 50º EN 50º O, semelhante à da falha do rio das Velhas e á do veieiro do Morro Velho, sendo tambem a mesma dos trabalhos antigos, onde o ouro parece haver-se concentrado. A” direita e á esquerda, a rocha não parece mudar de natureza e é cortada por veieiros estereis de quartzo, ora parallelos à direcção principal, ora com direcções divergentes e até perpendiculares. O veieiro aurifero da Tapéra fôra produzido pela obstrucção de fendas abertas nos quartzitos talcosos por onde passaram as aguas silicosas que impregnaram a rocha de quartzo e de pyrites, effectuando-se depois as emanações auriferas que produziram o deposito de ouro. aos v. Im —4 20 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Estas substancias, comquanto tenham entre si relação muito intima, não nos parecem ser da mesma épocha no veieiro, como já o fez notar o meu collega L. Dupré Junior, no seu estudo geologico da região de Ouro-Preto. Em um ponto unico o veleiro foi descoberto e o resultado das analyses mostra que em certos logares a riqueza é espantosa. As difficuldades em que se têm achado os membros da sociedade de mine- ração da Tapéra, provenientes da deficiencia de Jeis e dos embaraços suscitados pelas influencias locaes que todas se dizem proprietarios de minas, têm dado causa à paralysação dos poucos trabalhos encetados na mina. Incompleta como é a nossa legislação mineira e vigorando ainda as antigas leis portuguezas, já no proprio Portugal actualmente modificadas, as explorações encontram a principio difficuldades e obstaculos originados por falsas interpretações de leis que hoje sem razão de ser subsistem. Por esses e outros motivos, o trabalho que actualmente podia estar adian- tado, limita-se a uma pequena pesquiza no veleiro; é sobre essa parte que temos feito alguns estudos, tanto quanto nos têm permittido os poucos tiros de mina que se têm dado. Como se vê na planta junta, o veleiro começa com a largura de 5”, abre-se em EF, adelgacando-se em A, dilatando-se de novo em cima de A nas explorações an- tigas, onde chega a ter mais de 10” de largura. As analyses feitas no laboratorio de Chimica da Eschola de Minas, de Ouro Preto, deram os resultados seguintes : Ponto A da planta (Est. IV) — Analyse n. 1. Ouro por tonelada em grammas. . . . cs, 5032 im » » em oitavas: . a seio go n 1B9247 Ponto A da planta — Analyse n. 2. Ouro por toneladas em grammas + . cc. 260,3 » » » em oilavas. .d da aged 12,55 Ponto À da planta — Analyse n. 3. Ouro por toneladas em grammas . . cc. SVbs »o» » em oilavas - 50 40). Ds 103,86 Ponte B da planta — Analyse n. 4. Ouro por tonelada em grammas . Egi » » » em oitavas: aivesis à 0,472 Ponto € da planta (capa) — Analyse n. 5. Ouro por tonelada em grammas . . 0,45 » » » Bm GNAVASS sr aaa DO de 0,125 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vo =1 Ponto D da planta — Analyse n. 6. Ouro por tonelada em grammas . . cc... 35,16 > » » » em oilavas MUS db dass, das»; 9,77 E e F pontos da planta (capa dos trabalhos antigos) — Analyse n. 7. Ouro por tonelada em grammas . cc. 6,12 » » » emu oravas! de ss Qu a lo doronro sa a cf rs ml Enio 966 RIQUEZA DA MINA DA TAPÉRA Dessas analyses pode-se concluir que o ouro existe em abundancia na mina da Tapéra, porém acha-se irregularmente distribuido no interior do veieiro, porque a rocha em certos pontos é de uma riqueza extraordinaria (analyses ns. 1, 2, e 3) só vista em algumas linhas muilo ricas de itabirito. Podemos entretanto, tomar para termo medio da riqueza do veieiro o resultado da analyse mn. 6, feita sobre amostras tiradas de um montão de pedras arrancadas da parte MN do veieiro e representando um peso de quasi quatro toneladas. O augmento de riqueza em certos pontos, e a variação singular da marcha do veiciro são um facto geral que apresentam as jazidas auriferas quartzosas quando as pyrites são pouco abundantes e não são distribuidas de modo uniforme, sendo que até neste ultimo caso, a mina de Morro Velho que nos serve de exemplo onde os traba- lhos acham-se a mais de 500” de profundidade, a riqueza do minerio varia de um modo sensivel nos differentes niveis, apezar de ser quasi a mesma a proporção de py- rites. Pensamos que, a dar-se o caso pouco provavel de continuar essa irregularidade, será não só util mas tambem necessario emprehender trabalhos de pesquizas com o fim de reconhecer a riqueza, direcção exacta e potencia do veieiro. Os trabalhos iso- lados, feitos com o fim de seguir esta ou aquella linha mais rica, tem o grande incon- veniente de nada esclarecer sobre a marcha do veieiro, e não tardaria a comprometter a exploração futura. A analyse n. 7 mostra que em alguns pontos o ouro penetrou na rocha em uma extensão maior do que a indicada pelos trabalhos antigos ; observação importante para guiar os trabalhos da mineração. Em resumo, o estudo mineralogico e geologico da mina da Tapéra e as analyses que lhe dizem respeito provam que existe realmente ahi um veieiro aurifero cuja explo- ração poderá ser lucrativa, mas ficando sempre sujeita às probabilidades de seme- lhantes emprezas. 28 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Os trabalhos de pesquizas deverão começar por um poço verlical em A, que é a parte mais rica (analyses ns. 1, 2 e 3). D'esse ponto partirá uma galeria quasi horizontal, seguindo a direcção do veieiro, a qual descobrirá como é provavel outros pontos ricos. O ouro foi encontrado na parte superior da galeria projectada como o revelam os trabalhos antigos, e é de suppôr que continue a existir na região inferior como geral- mente acontece nas jazidas auriferas d'esta provincia. (Quanto às pyrites, que não se acham regularmente distribuidas na rocha, vimos que a variação de sua riqueza é na maior parte dos casos muito consi- deravel e a observação mostra que algumas vezes as formações a principio muito ricas, vao-se empobrecendo até uma certa profundidade onde as propor- cões de pyrites e de ouro tornam-se mais constantes. A partir desse ponto a variação da riqueza é pequena e a uniformidade da rocha facilita a exploração. Aos lados da mina da Tapéra, existem montões de pedras, vestígios dos trabalhos antigos. Essas pedras foram fragmentadas pela acção combinada do fogo e da agua; para extrahirem o ouro, submettiam-n'as à trituração entre duas mós de diorito compacto, movidas à mão. Os fragmentos d'essa rocha, que encontramos perto da mina, têm as faces gastas, o que accusa perfeitamente o uso que d'elles faziam os antigos mineiros. O pó era depois lavado em batêas. Nessas condições as difliculdades que cercavam uma tal exploração deve- riam ser enormes; encontrando uma rocha cada vez mais compacta, não possuindo a dynamite para arrebental-a, sem engenhos para reduzila a pó, os antigos viram-se forçados a abandonar semelhantes lavras. Actualmente seria um erro deixar improdnctivas essas riquezas escondidas no seio da terra. O riacho que passa à pequena distancia da mina fornecerá agua sufliciente para mover mais de tres engenhos de 12 mãos cada um. Perto da mina existem matas contendo madeiras de lei; o que é de grande vantagem para uma exploração que sempre faz enorme consumo d'esse material em eslivamentos e oulros serviços. A visinhança das povoações de S. Bartholomeu e de Casa-Branca é tambem uma circumstancia que naturalmente concorrerá para o desenvolvimento da mine- ração, facilitando o contracto de operarios e de trabalhadores. As dificuldades que a exploração encontrara logo em seu começo não serão certamente tão grandes que devam desanimar os mineiros de hoje, os quaes têm à sua disposição os machinismos aperfeiçoados e usados na Europa e nos Estados-Unidos. Si os antigos, que tinham mil difficuldades que vencerem, exploraram com vantagem essas jazidas, é de esperar que a sociedade de mineração da Tapéra, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 29 para quem sem duvida desappareceram esses obstaculos, seja bem succedida em seu projecto. | A falta de pessoal habilitado para dirigir os trabalhos de uma exploração já de ha muito se fazia sentir em todas as emprezas deste genero; presente- mente tende ella a desapparecer, graças à creação da Escola de Minas de Ouro- Preto, que brevemente poderá satisfazer essa necessidade, Ao terminar este estudo geologico sobre a região de S. Bartholomeu é sobre a mina da Tapéra, seria falta de lealdade da minha parte deixar de declarar que o meu trabalho foi diminuto; os elementos que serviram de base à esta memoria são devidos aos estudos do professor Gorceix sobre a geolo- gia desta parte da provincia de Minas e às suas lições sobre o apparelho metallifero do Brasil. Eschola de Minas de Ouro-Preto, 25 de Maio de 1878. —e date — ANALYSES Analyse n. 1; ponto A da planta (Est. IV). Minerio da mina da Tapéra: Quartzito talcoso, talco e pyrites pouco abundantes. Minerio empregado, grammas. . . cc. 100 Peso do botão de ouro, grammas. . .. 0,5044 » da prata do lithargyrio, grammas . . 0,0012 Ouro da amostra, grammas. . . cc. 0,5032 » por toneladas, em grammas. . ... 5402 =» >» en oliavas: 1. 1397,77 Analyse n. 2; ponto A da planta (Est. IV). Quartzito talcoso com pyrites arsenicaes e magneticas pouco abundantes. Minerio empregado, grammas . cc. 1500 Peso do botão de ouro, grammas . . ... 0,3917 » da prate do lithargirio, grammas .. 0,00125 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Ouro da amostra, grammas . . +. cc. 0,30045 » por tonelada, em grammas . . 5. 260,3 puro » em iDilavasoz Ono tuEicE 12,90 Analyse n. 3; ponto A (Est. IV). Rocha semelhante a da analyse n. 2. Minerio empregado, grammas . co. 750 Peso do bolão de ouro, grammas . .. 0,2813 » da prata do lithargyrio, grammas. . 0,0009 Ouro da amostra, grammas. . Pon fis 0,28121 » por tonelada, em grammas. . ... 373,9 » » » om Soltayaso ct Mad os 103,86 Analyse n. 4; ponto B da planta (Est. IV). Quartzito talcoso. Minerio empregado, grammas . +... 500 Peso do botão de ouro, grammas . .. 0,0019 » da prata do lithargyrio, grammas. . 0,0014105 Ouro do minerio, grammas. . cc... 0,00085 » por toneladas, em grammas. . .. da » » e, Jem pitavasss “2 0,472 Analyse n. 5; ponto € da planta (Est. IV). Quartzito talcoso compacto com poucas pyrites. Minerio empregado, grammas . . .... 1000 Peso do botão de ouro, grammas 0,0018 » da prata do lithargyrio, grammas. 0,00135 Ouro da amostra . : 0,00045 » por tonelada, em grammas . 0,45 » » » , em oitavas. 0,125 Analyse n. 6; ponto D (Est. IV). Quartzito talcoso. Minerio empregado, gramas . 1350 Peso do botão de ouro, grammas O.0474 » da prata do Jithargyrio, grammas. 0,0005 Ouro da amostra . ea 0,0469 » por lonelada, em grammas. 39,16 » » » , em oitavas 9,77 Analyse n. 7;pontosE q F (Est. IV.). Quartzito talcoso. Minerio empregado, grammas . . RO) a ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 31 Peso do botão de ouro, grammas . .. 0,002 pe” da; praia; do; lithargyrios >... 0,0005 à Ouro da amostra, grammas . cc... 0,0015 » por tonelada, em grammas. . .. 6:12 » » DE em FONAVASSE: E oco dos 7 As analyses ns. 1, 2 e 3, foram feitas sobre pedras tiradas do ponto A. Nessa parte do veieiro o ouro fórma pequenas linhas visíveis na rocha que é o quartzito talcoso bem caracterisado. Essas analyses mostram uma riqueza variavel, mas sempre consideravel nessa parte. E” nesse ponto que passaram as pesquizas actuaes. A rocha contêm pyrites arsenicaes e magneticas em pequena quantidade. As amostras analysadas provinham de pedaços arrancados por um tiro de mina dado no dia 6 de Março d'este anno e que fragmentou de 100 a 150 kilos de pedra. Os pontos B, €, D, E e F acham-se marcados na planta (Est. IV). ] doa — eme (= JE Spore —— [Sp | » né mA Em Pe SO K = o o há . DEE a e o f o o, seo o E cdi SA a Pr Y CR mis do na | E o iÊ pt e o ER So, Era Des RR a! RES e b Th ' : o. e] Rai: + (a o , 1 +, q figl 419 ') o b + ú há * ' ] “ ' e q * é Í " + +“ , , a. ct ' . Í F f P, . , * q é Y » * nd . vw E 1 . + ' . A = ' o . “ e “ É ps SS e na , é +. RA . à " à So RF . Se da 5 q ' K 8 E A E o - x w= 1 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS COM O VENENO DO BUFO ICTERICUS, dpix, (Crapand du Brésil) PELO DESP ACERDA FGELEEIO Existem nas cercanias do Rio de Janeiro diversas especies de bufonerineos, das quaes parece ser a mais commum o Bufo actericus de Spix. A ignorancia completa em que nos achamos sobre as propriedades toxicas do humor parotidiano dessas diffe- rentes especies, e mais ainda, o desejo de verificarmos por nós mesmos os resultados experimentaes obtidos com o veneno das especies européas animaram-me a empre- hender algumas experiencias no Laboratorio do Museu Nacional, cujos resultados vão constituir o principal assumpto deste trabalho. E" o veneno Bufo ictericus um veneno paralysante do coração à maneira do veneno do Bufo vulgaris da Europa? Uma vez provado esse facto, poder-se-ha comparar a energia dos effeitos toxicos da especie brasileira à energia do veneno produzido pela especie européa ? Reduzida a questão a estes termos, fomos procurar-lhe a solução em uma serie de experiencias physiologicas; e não foi pequena a nossa sorpreza quando vimos os resultados obtidos com o veneno da especie brasileira divergirem em certos pontos essen- ciaes dos resultados colhidos na Europa com o veneno das duas especies já citadas. Escusado é dizer que foi justamente para tornar desde logo conhecidas essas differenças essenciaes, que nos impuzemos o dever de dar à luz da publicidade este trabalho. Cada vez se fortalece mais no nosso espirito a convicção de que não se podem v. I—S Jd ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL applicar inteiramente aos productos toxicos da America as conclusões physiologicas tiradas com relação aos productos similares do outro continente. Para o reino vegetal este principio já passou em julgado. Quem ignora hoje, por exemplo, que as Strychneas do Amazonas que fornecem a base do urari produzem effeitos toxicos paralysantes em- quanto que as Strychneas da India e de Java são, pelo contrario, venenos convulsi- vantes ? Si as differenças nos caracteres especificos das plantas toxicas, pertencentes a uma mesma familia, importam muitas vezes differenças consideraveis na acção do veneno que ellas produzem, as condições diversas do mero natural em que vivem essas plantas poderão talvez influir tambem no modo de exercerem sua acção sobre o orga- nismo. A” medida que se forem ampliando mais os nossos conhecimentos sobre as proprie- dades toxicas de diversas plantas communs aos dois continentes, ir-se-ha tambem reco- nhecendo o que ha de demasiado absoluto nessa hypothese. No tocante aos venenos de origem animal, esses pro ductos de secreções glandu- lares, é sabido que os mais activos nos seus effeitos são precisamente os produzidos sob a influencia dos climas quentes, como si as especialissimas condições do meio em que vivem os animaes habitantes desses climas fossem capazes de influir de um certo modo nas qualidades intimas do seu veneno. Essa regea, baseada em numerosos factos de observação, dava-nos o direito de suppor, antes de procedermos à experimentação physiologica, que o veneno do Bufo actericus de Spix fosse dotado de maior actividade e energia do que o veneno das especies que habitam na Europa. Os resultados das nossas experiencias vieram, porém, demonstrar positivamente que não era verdade aquillo que pensavamos. O veneno extrahido das glandulas situadas aos lados do pescoço do Bufo ictericus apresenta-se com o aspecto de um humor Jeitoso dotado de certa viscosidade, às vezes, porém, bastante fluido para formar um jacto á distancia quando se comprime forte- mente a glandula. Uma vez fóra dos acinos glandulares e exposto ao ar, elle perde lentamente o aspecto leitoso, toma à coloração amarella de ambar e endurece ao ponto de olferecer a consistencia da borracha. A quantidade que contêm cada orgão glan- dular varia com o tamanho do animal; deve-se, porém, notar que a secreção do humor toxico parece augmentar quando se approxima o batrachio de um fóco calorifico. Abandonado o veneno durante alguns dias ao ar livre sobre uma lamina de vidro, observa-se que a sua coloração torna-se cada vez mais escura e a sua consistencia mais rija. Elle é inteiramente inodoro, seja no estado liquido, seja no estado secco. Segundo uma communicação verbal do Dr. Clemente Jobert, que recebeu nos labios 0 jacto de uma porção desse veneno na occasião em que o extrahia do animal, tem elle um gosto nauseabundo e um amargor detestavel, superior áquelle que se sente pelo contacto da casca da quina ou do pau-pereira. Applicado às mucosas produz uma irri- tação das mais violentas acompanhada de dores atrozes, como leve tambem occasião de observar em si mesmo aquelle distincto naturalista. Essa irritação succede imme- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 55) diatamente à acção de contacto do veneno e é acompanhada de uma vesiculação seme- lhante áquella que produzem certas substancias causticas, - Procedendo ao exame de suas propriedades chimicas, reconhecemos que deixado em contacto com a agua na temperatura ordinaria o veneno do Bufo acteracus desa- grega-se no fim de algum tempo, mas não se dissolve. O alcohol commum frio ou quente e o alcohol absoluto não o dissolvem tambem; apenas as particulas do veneno ficam em suspensão nesse liquido quando o contacto é prolongado e o veneno tem sido previamente attritado pela ponta de um estylete de vidro. Elle é soluvel nos acidos fortes, como o chlorhydrico, azotico e sulfurico. Com o primeiro a solução não muda de cór, com o acido azotico, porém, ella toma a côr de violeta, e com o acido sulfu- rico uma bella côr verde. O acido chromico em solução ennegrece-o, como faz a todas as substancias organisadas. O acido acetico frio ou quente nenhuma acção exerce sobre elle. A potassa e a ammonia são egualmente bons dissolventes desse veneno. Com o primeiro reagente a solução toma a principio uma côr de rosa que desmaia rapi- damente, ficando a solução amarellada no fim de alguns minutos. Com a ammonia observa-se a mesma mudança de coloração. A essencia de therebentina, o chloroformio e o ether sulfurico não o dissolvem. Elle envermelhece mui levemente o papel de turnesol, isso mesmo de pois de alguns minutos de contacto. Convêm dizer que essas operações chimicas foram feitas cuidadosamente sobre o veneno fresco e o veneno guardado de dias anteriores c os reagentes empregados todos da melhor quali- dade, tendo sido especialmente fornecidos para esse fim pela acreditada drogaria do Dr. Peckolt. Submettendo uma pequenina porção do veneno ainda fresco ao exame microsco- pico, vimos que elle era constituido por innumeros corpusculos esphericos, granulosos, sem nucleo apparente, muito semelhantes pela fórma e pelo aspecto aos leucocytos. Juntando um pouco de acido acetico à preparação operava-se uma reducção no volume desses corpusculos. Relativamente às propriedades chimicas, é preciso desde já lembrar que existem algumas differenças importantes entre o veneno da especie brasileira e o veneno da especie européa. Ao passo que este tem uma reacção acida das mais pronunciadas e é perfeitamente soluvel no alcohol (1), aquelie tem uma reacção acida muitissimo fraca e é inteiramente insoluvel no alcohol. Não é de todo improvavel que estas dillerenças observadas nas propriedades chimicas dos dous venenos tenham iníluido de alguma maneira para certas differenças na acção physiologica. Experiencia em .30 de Julho. —Inoculâmos cerca de 10 centigrammas do veneno fresco na côxa de uma gallinha. No fim de 15 minutos principiou ella a arripiar as pennas : pouco depois teve uma evacuação inteiramente liquida que se repetio ainda (1) Vid. Moquin—Tandon— Zoologie medicale, 1860, pag. 263. 30 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL algumas vezes. Ao cabo de uma hora a gallinha cahio com as pupillas dilatadas, a respiração curta, o bico entreaberto. (O pescoço incurvado para traz ofíerecia uma pequena rijeza muscular; os batimentos do coração eram apressados e tumultuosos. Prolongou-se este estado por espaço de meia hora como si fôra elle a expressão de uma lenta agonia. Durante este tempo reconhecemos que os movimentos reflexos produ- ziam-se facilmente quando tocavamos ainla que de leve a mucosa oceular. As pan- cadas do coração foram se enfraquecendo gradualmente e quando se tinha completado uma hora e lrinta e cinco minutos depois da inoculação, sobreveio uma fortissima convulsão tonica, cessada a qual, a gallinha havia succumbido. Esperâmos alguns minutos, depois fizemos passar uma corrente electrica fraca sobre os musculos da côxa e vimos que elles se contrahiam perfeitamente, conservando-se a irritabilidade mus- cular até 20 minutos depois da morte. A applicação da corrente clectrica sobre o nervo sciatico provocava egualmente contracções na perna. Assistio a esta experiencia e auxiliou-nos com os seus conselhos o professor Clemente Jobert. Experiencia em 31 de Julho. —Experimentamos o veneno em dois geckos, em ambos inoculâmos sob a pelle do ventre por uma incisão feita a bisturi cerca de 10 centigrammas do humor toxico. No primeiro que soffreu a inoculação, notámos, pas- sados alguns minutos, que elle se movia com difficuldade. Solto no pateo proximo ao Laboratorio nenhum esforço fez para fugi. A respiração era curta e exigia fortes contracções dos musculos thoraxicos. No fim de meia hora elle ficou quieto, immovel, conhecendo-se que a vida não se tinha extinguido apenas pelos movimentos respiratorios. Abrimos então o lhorax e começamos a observar os batimentos cardiacos ; elles conti- nuaram ainda por espaço de 20 minutos, mas foram enfraquecendo-se gradualmente até que o coração parou em diastole. Fazendo passar nessa occasião uma corrente electrica fraca sobre o coração observamos que esse orgão não se contrahia. Não aconteceu 0 mesmo com os musculos voluntarios da côxa e do thorax, cuja irritabilidade persistio 25 minutos depois da parada definitiva do coração. No segundo gecko dotado de muito mais vivacidade que o primeiro, os phenomenos suecederam-se do mesmo modo e quasi que no mesmo espaço de tempo. Abrindo o thorax do animal estivemos pri- meiro a observar darante alguns minutos os batimentos cardiacos, que já eram lentos e enfraquecidos ; depois applicamos sobre o pericardio uma pequenissima porção do humor toxico. No fim de dois minutos o ventriculo cessou de contrahir-se, mas as auriculas continuaram ainda a pulsar por alguns momentos. Uma vez o orgão total- mente paralysado fizemos passar sobre o ventriculo uma corrente electrica fraca, nenhum signal, porém, de contraclilidade se manifestou. Entretanto os musculos voluntários continuaram ainda por longo tempo a responder à excitação electrica. Experiencia em 2 de Agosto. —Cerca de 20 centigrammas do veneno foram depo- sitados na bocca de um cão de mediana estatura. Immediatamente o animal inquietou-se e principiou a abrir a bocca e a agitar a lingua em todos os sentidos. Cinco minutos depois sobreveio uma salivação abundantissima; a saliva escorria por dous longos fios da ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 37 bocca do animal e molhava o chão. Ao mesmo tempo o cão fazia ouvir gemidos agudos e esforcava-se por sahir das prisões que o continham. Esse estado de excitação extraor- dinaria durou quasi meia hora ; elle terminou por esforços repetidos de vomito, seguidos de expulsão das materias alimentares contidas no estomago. Mais tarde repeliram-se os vomitos, e o animal excessivamente abatido foi deitar-se em um recanto do pateo, apresentando durante algum tempo um pequeno tremor muscular. Nesse mesmo cão inoculamos sob a pelle da cóxa cerca de 20 centigrammas do veneno e injectamos na outra côxa com a seringa de Pravaz 20 goltas de uma solução ammoniacal do dito veneno. Esta solução foi obtida Jançando-se duas gottas de ammonia sobre uma porção d'agua que continha o humor toxico. Minutos depois prin- cipiou o cão a soltar gritos lamentosos e a jogar-se para todos os lados como se fôra accommetltido de um accesso de furor rabico. Esses phenomenos de excitação duraram apenas meia hora, cahindo depois o animal em um grande abatimento. No dia seguinte as duas côxas apresentaram-se excessivamente inchadas e doloridas. Em uma dellas formou-se mesmo uma larga ulceração. Experiencia em 4 de Agosto. — Aplicada uma forte ligadura em volta da côxa de uma ran afim de interceptar a circulação desse membro e prival-o da acção do veneno, inoculamos-lhe sob a pelle do dorso 10 centigrammas do dicto veneno. No fim de meia hora abrimos o thorax da ran: o coração contrahia-se bem, enchendo-se e esva- siando-se de sangue como no estado normal. Esperamos ainda trinta minutos e como tardassem os effeitos do veneno, tomamos uma pequera porção delle e depositamos sobre o pericardio. Não obstante, as contracções cardiacas continuaram a fazer-se da mesma maneira que antes. emquanto o veneno foi desapparecendo pouco a pouco da superficie do coração. Nesse interim os musculos do membro ligado contrahiam-se sob a influencia da electricidade com uma energia egual à dos musculos das outras regiões. Não levou muito tempo, porém, a energia contractil do coração foi se enfraque- cendo pouco a pouco e as pulsações ventriculares tornando-se cada vez mais lentas; por fim, o orgão já batia a espaços e tendia a paralysar-se quando uma gotta de sulfo- cyanureto de potassio depositada sobre o ventrículo fêl-o parar instantancamente. Nesta experiencia o enfraquecimento do coração só começou a manifestar-se hora e meia depois da inoculação do veneno, sendo de presumir que houvesse apressado a paralysia d'aquelle orgão a applicação que fizemos posteriormente de uma porção do veneno sobre o pericardio. Logo em seguida à parada do coração levámos os electrodos da machina eleclrica aos musculos do tronco e dos membros e elles contrahiram-se fortemente. Identico resultado obtivemos fazendo passar a corrente pelos nervos lom- bares. A irritabilidade dos muscules voluntarios não se extinguio sinão no fim de algum tempo. Experiencia em 6 de Agosto. —Inoculâmos na região sternal de um pombo 15 centigrammas do veneno. Um quarto de hora depois, elle mostrou-se inquieto, saccu- dindo a cabeça, agitando as azas e movendo-se em diversos sentidos. D'ahi a pouco 38 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL teve uma evacuação liquida que se repetio algumas vezes com pequenos intervallos. Passados alguns minutos, estendeu o pescoço fazendo esforços inuteis e repetidos para vomitar. Este phenomeno reproduzio-se mais de uma vez no espaço de meia hora. Já então notava-se uma falta de firmeza e de segurança nos movimentos do pombo ; via-se bem que elle oscillava a cada instante e dificilmente se tinha em pé. Quando, porém, se tinham completado justamente duas horas depois da inoculação do veneno, elle deixou pender o pescoço, abrio o bico, cerrou as azas, dobrou-se todo em uma convulsão fortissima e morreu. Aberto o thorax immediatamente, encontramos o coração com um volume desproporcionado e insolito; as paredes desse orgão estavam flaceidas, as cavidades repletas de sangue. Empregando uma corrente electrica fraca não obtivemos a minima contracção fibrillar naquelle musculo. Applicada a corrente, porém, aos musculos dos membros e do tronco elles se contrahiram energicamente, devendo nolar-se que a irritabilidade desses musculos só desappareceu um quarto de hora depois da morte. Taes são os factos experimentaes em que nos bazeâmos para dizer no começo deste trabalho que o veneno do Bufo actericus não actúa exactamente como o veneno do Bufo vulgaris da Europa. Si é certo, por um lado, que tanto aquelle como este matam paralysando o coração, € as nossas experiencias deixaram fóra de duvida este facto; é, por outro lado, tambem certo que o veneno do Bufo actericus poupa os mus- culos voluntarios, quando o veneno do Bufo vulgaris da Europa paralysa primeiro estes musculos antes de paralysar o coração. Claude Bernard, que fez numerosas experiencias com o veneno do Bufo vulgaras da Europa exprime-se deste modo com relação aquelle veneno: (1) « Pode-se dividir os venenos musculares em duas classes bem distinctas : uns exercem a sua acção sobre a fibra contractil do coração antes de destruir as outras partes do systema muscular ; taes são o upas-anlhiar, a digitalina, o carovale o vao; outros, como o veneno do sapo (crapaud) seguem uma marcha differente nos seus effeitos: os musculos volunta- rios são os primeiros paralysados, o coração não pára sinão em um periodo mais adian- tado do envenenamento. » Não se podia ser mais explicito nem mais aflirmativo; e foi baseando-nos nas palavras de Claude Bernard, as quaes tem para nós o valor de uma sentença, que jul- gamo-nos auclorisados por nossa parte à afirmar, que existem differencas essenciaes entre o modo de actuar do veneno do Bufo actericus e o veneno do Bufo vulgaris. Salvo a menor energia na acção toxica, aquelle deve ser incluido na primeira classe dos venenos musculares de que falla Claude Bernard e posto ao lado da digitalina, do caroval e do upas-anthiar. Um facto que, por si, só exprime a pouca energia do veneno do Bufo ictericus relativamente à outros venenos da sua classe, é que estes suspendem rapidamente (1) Claude Bernard. —Pathologie expérimentale, pag. 154 e 155. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 39 os movimentos do coração, emquanto que aquelle só consegue esse resultado no fim de um intervallo de tempo mais ou menos longo. Comparado com o veneno do Bufo vul- garis da Europa sob o ponto de vista da energia da acção, este leva ainda uma grande vantagem sobre aquelle. Gratiolete Cloez (1) experimentando o veneno do Bufo vulgaris, e empregando dóses muito inferiores às nossas, fizeram morrer um cao em menos de uma hora e pequenas aves no espaço de 15 minutos. Não esqueçamos outro facto egual- mente digno de nota e vem a ser a ausencia de reacção acida nos musculos dos animaes que succumbiram ao veneno do Bufo actericus, quando tal reacção, affirma Claude Bernard, existe sempre nos animaes mortos pelo veneno do Bufo vulgaris. Aceitando estes factos physiologicos taes quaes elles são, cumpre que não percamos nunca de vista as differenças que apontámos no começo deste trabalho para as propriedades chimicas dos dous venenos. Muitas vezes factos apparentemente destacados, entre os quaes parece não existir a minima relação de causalidade, ligam-se entretanto perfei- tamente pelos elos de uma cadeia mysteriosa. Seria importante saber si as conclusões a que chegamos para o veneno do Bufo actericus, são applicaveis ou não ao veneno das outras especies do Brasil. Existe sobretudo no Amazonas uma especie de proporções gigantescas deseripta por Spix com 0 nome de Bufo-Agua, que conviria estudar sob o ponto de vista da acção do seu veneno. E” mesmo provave! que seja dessa especie gigantesca que Liram alguns indi- genas do Amazonas o veneno com que untam a ponta das suas flechas, substituindo desta sorte O urari, que pertence sómente a algumas tribus. (2) Reduzir a verdades demonstradas as hypotheses que se prendem ainda a este as- sumpto importante, era quanto bastava para tornar illustre o nome de um physiologista. (1) Vid. Moquin-Tandon,—loc. cit. (2) Ao que parece, não estão ainda perfeitamente conhecidos todos os venenos saggitarios do Ama- zonas. Além do urari,fabricado pelos Ticunas, e que é sem duvida o veneno saggitario mais commum entre os selvagens do Solimões, outros, não menos formidaveis existem alli, sobre os quaes poderam apenas colher noções vagas e incompletas alguns exploradores que se internaram nessas regiões. O Sr. Dr. J. M. da Silva Coitinho, que durante alguns annos frequentou aquellas paragens remotas do granda rio Americano, informou-nos que no Alto-Purus conseguio obter algumas flechas envenenadas, para as quaes chamou particularmente a sua attenção o indio que o acompanhava, dizendo que ellas tinham um veneno mais forte do que as outras. Instado para descobrir a procedencia e o modo de fabricação desse veneno, o Índio só pôde informar-lhe que era elle preparado com o succo de uma palmeira ana, que cresce nas margens d'aquelle rio. O mesmo Dr. Coutinhe querendo verificar por si a asserção do Indio, quanto á maior energia do veneno, ferio um animal suino com uma das flexas que irazia e vio aquelle animal succumbir quasi instantaneamente. As informações que nos trouxe o Dr. Jobert, de volta da sua trabalhosa e recente excursão ao valle do Amazonas, sobre os effeitos de um veneno até hoje desconhecido e que os Indios denominam Cu- namby (Fam. (Composit) vem ainda mais conformar a idéa de que aquella extensa região é um immenso viveiro de plantas venenosas. (Conforme os resultados da experimentação, o Cunamby mata rapida- mente, fazendo o animal contorcer-se em horriveis convulsões. (Jobert) A e | (é , . A k À l, [ j A prega costal das Hesperideas —— Amap, —— — Fallando nas differenças sexuaes das Hesperideas Westwood disse que « em certos grupos dessa familia o bordo anterior das azas anteriores é recurvado nos machos, sendo o espaço incluso abundantemente vestido de pennugem pallida. » ( 1) Herrich Scheffer deu a este bordo recurvado das azas anteriores o nome de prega costal (Costalumschlag), servindo-se como caracter distinctivo dos generos que o possuem. (2) Não me consta que já se tenha procedido a um exame mieroscopico e com- parativo da prega costal nas diversas especies em que é ella observada, nem tão pouco que já se tenha emittido alguma opinião sobre a sua funeção ; e comtudo a sua estructura é ás vezes tão variada e diversa, em especies mui semelhantes, que até, sob o aspecto puramente systematico, o estudo deste orgão não deve ser des- prezado. De muitas centenas de Hesperideas cujos machos são dotados da prega costal, só pude conseguir, por aqui, pouco mais de uma duzia, numero tão limitado, que não me permittirá deduzir resultados geraes das minhas observações ; será pois o unico fim desta notícia chamar a attenção dos entomologistas sobre um assumpto que tanto a merece. Nas Hesperideas, como em muitos lepidopteros nocturnos, o bordo anterior das azas anteriores é occupado por uma nervura à que os lepidopterologistas deixaram de dar um nome; e como tenho de mencional-a frequentemente, designal-a-hei pelo nome de nervura marginal. (fic. 2, 7, 13, 20, 24, 26, m. (Estampa V). As especies cuja préga costal examinei, são as seguintes : (3) (1) Doubleday, Westwood, «Genera of Diurnal Lepidotera», pag. 500,—1852. (2) Herrich Scheeffer, « Prodrom. system. lepidopt. », fascic. II—1868, pag. 52. (3) Usei dos nomes adoptados por Kirby, «Catalogue Diurn. Lepidopt.— 1871. V. UI. —6 42 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Telegonus Midas, Cram (fig. 1-5). Dividindo o bordo anterior das azas anterio- res em cinco partes iguaes, a prega costal occupa a segunda e terceira dessas partes, a contar da base ; 0 seu comprimento é de 15"»., e a largura de [»»,5. Desdobran- do-se a prega, apparece no bordo da aza, como se vê na fig. 1 e 2, uma figura limi- tada por dous arcos de circulo e dividida em duas partes, pela corda commum destes arcos. Estas duas partes são o bordo recurvado da aza limitado pela nervura marginal e a parte da aza coberta por aquelle bordo recurvado. Ambos os arcos que limitam a mencionada figura são orlados de uma cercadura de escamas lustrosas, côr de palha. Uma terceira orla de escamas da mesma côr, porem mais delgadas e compridas, acha- se implantada na extensão da corda commum, cobrindo completamente a parte re- curvada da aza. O comprimento das escamas desta terceira orla eguala ou excede pouco a largura da prega : são pois mais compridas no meio da corda (1,5 até 2 "=.) onde esta mais se affasta do arco ; todas ellas têm uma haste delgada e comprida, que em umas (fig. 3,4) se dilata a pouco e pouco em lórma de leque, estreito trian- cular com a margem mais ou menos distinctamente denteada, em quanto que em ou- tras (fig 3 b) a haste filiforme termina em uma lamina oval, ou em uma fita estreita com a extremidade arredondada. As escamas que limitam a área coberta pelo bordo recurvado da aza (fig.4), são de fórma muito variavel, sendo pela maior parte ovaes ou elaviformes ; quasi todas ellas são marcadas por macula escura, terminal, cheia de cranulações opacas, e separada do resto da escama por uma aureola transparente. Essas maculas escuras são ás vezes muito pequenas quasi reduzidas a um ponto, em quanto que em outros casos ellas occupam toda a largura da escama ; e nem sempre são exactamente terminaes, apresentando-se ás vezes deslocadas para um ou outro lado, havendo raras vezes duas destas maculas na mesma escama. A aureola que rodeia as maculas escuras, têm em geral a fórma de um arco de circulo, sendo com- tudo ás vezes de fórma menos regular. As estrias longitudinaes que percorrem as escamas, atravessam tambem as aurcolas transparentes, tornando-se mais ou menos confusas e indistinctas nas ma- culas escuras. A opacidade e o aspecto granulado destas maculas são caracteres frequentemente encontrados em escamas odoriferas ; ora, como as extremidades das respectivas escamas com as maculas escuras acham-se cobertas pelo bordo livre da prega costal, não parece improvavel que aquellas maculas tambem sejam odoriferas ; si assim fosse as escamas maculosas desempenhariam ao mesmo tempo duas funeções muito diversas, servindo a parte basal de cercadura para fechar a prega costal, e a terminal do orgão odorifero. Removendo as escamas inseridas ao longo da linha recta, que separe a parte curva do resto da aza, ou cortando transversalmente a prega costal, vê-se, que 0 espaço, comprehendido entre aquellas escamas e a parte curva da aza, é coberto de um pó, pardacento, composto pela maior parte de particulas soltas (fig. 5 a) tendo em geral de 0º2,016 até 0"",025 de comprimento sobre cerca de 0"=,004 de largura, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 43 as dos lados, quasi sempre paralelas, convergindo rarissimas vezes para uma das extremidades, são transparentes, de côr um pouco amarellada, e em geral atraves- sadas por uma linha mais escura e opaca, no sentido longitudinal. Entre as particulas, soltas ha outras (fig. 5 Db), dispostas em fileiras, por fios curtos e finissimos, como tambem alguns cabellos (fig. 5 e, d) mais ou menos distinc- tamente articulados. Estes cabellos revelam a origem do pó, que enche a cavidade da prega costal, e que se compõe de fragmentos de cabellos articulados. Emfim, para completar a lista das formas que as escamas podem tomar na prega costal do Pelegonus Midas. cumpre mencionar ainda certas escamas estreitas de 0º” .6 de comprimento sobre Or" 016 de largura, que encontrei na cavidade da prega, sem poder indicar o logar exacto em que ellas se achavam inseridas. TeLEGONUS (2) especie indeterminada de S. Bento (fig. 6—9). Esta especie, de que só pude conseguir um unico exemplar muito estragado, porém com a prega costal bem conservada, é notavel tanto pela extensão da prega costal, que oceupa perto de tres quintos do bordo anterior da aza (fig. 6), como pelo calibre insolito da nervura marginal (fig. 7, M), que é muito maior do que o das nervuras costal e sub-costal (fig. 7, ce sc). A cavidade formada pela prega costal é limitada e fechada, em baixo, por escamas numerosissimas as quaes nascem ao longo da linha recta que separa o bordo recurvado do resto da aza, em cima pelo bordo recurvado. A nervura costal é uma cercadura de escamas menores inseridas ao longo desta mesma nervura. A «pennugem pallida», encerrada no intererior da prega costal, nasce da pa- rede superior da mesma, tanto da nervura marginal, como do bordo recurvado da aza (fig. 7). Esta «pennugem» compõe-se quasi exclusivamente de cabellos articu- lados; os articulos, na maior parte soltos (fig. 8), variam muito em cumprimento e largura; geralmente a largura é de 07" ,008 até 0"",01 sobre 0==.04 até 0"2,06 de comprimento; os que se acham reunidos em numero mais ou menos consideravel costumam ser muito mais estreitos (fig. 9). Os artículos são transparentes, mas se- meados de pontos opacos. Telegonus Mercatus, Fabr. (fig. 10, 11). A prega costal (fig. 10,p) é menor do que nas duas especies antecedentes, sendo o comprimento pouco superior à terça parte do bordo anterior da aza, e a largura egualmente pouco mais ou menos a metade da cellula 12 (segundo a nomenclatura de Herrich Schecffer, isto é, do interstício com- prehendido entre a nervura costal e o bordo anterior da aza. No interior da prega encontra-se uma serie de escamas mui curiosas (fig. 11). Ha, em primeiro logar, representando a forma primitiva de que as mais podem ser derivadas, escamas maiores, robustas (fig. 11, i), de cerca de 0"",3 de comprimento, de que um sexto, pouco mais ou menos, é occupado pela lamina terminal triangular ou oval, e 0 resto pela haste. 44 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Esta. estreitando-se abaixo da lamina terminal, forma uma especie de collo. Em outras escamas semelhantes, porém menores (fig. 11 g, h), o collo costuma ser mais estreito e a lamina terminal menor, não excedendo e nem siquer alcançando a jargura da parte inferior da haste. A metamorphose das escamas continua no mesmo sentido (fig. 11€, f) até attingir aquellas formas especiaes (fig. 11 c, d), em que 0 collo, que liga a lamina terminal à haste, acha-se reduzido a um fio mais tenue. Finalmente. escamas ha semelhantes a estas ultimas, que terminando como ellas em um fio delgadissimo, ás vezes quasi imperceptivel, não têm lamina terminal (fig. 114 à, D). Com certeza, algumas destas escamas eram dantes providas de laminas : pois, encontrei varias laminas soltas, semelhantes às da fig. 11, e, d:; parecendo-me, porém provavel que algumas dentre ellas nunca foram providas deste appendice, porque, o numero das laminas soltas não é equivalente ao das escamas. HesperiAa SYrICHTUS Fabr. (fig. 12, 18). Esta especie, que habita não só a imerica do Sul, como tambem a America Central e a parte meridional dos Estados- Unidos, é muito frequente na provincia de Santa Catharina. A prega costal dos machos, bastante larga, occupa metade do bordo anterior das azas e estende-se até a nervura costal (fig. 12). A nervura marginal (fig. 13 m) é guarnecida de escamas mais ou menos curvas, de forma oval ou orbicular (fig. 14). Toda a superficie interna da prega costal, desde a nervura costal até a marginal, é revestida de escamas ou cabellos bastos de diffe- rentes formas. Na extensão do bordo curvo encontram-se escamas pallidas (fig. 15) de forma oval com a extremidade arredondada, de 0"",01 até Or=,03 de largura. No fundo do angulo formado por este bordo e o resto da aza, acham-se escamas menos pallidas, opacas, muito estreitas, adelgaçando-se em ponta aguda (fig. 18), de 0º»,08 de comprimento sobre cerca de 0,005 de largura. Emfim, na parte da aza coberta pelo bordo recurvado acham-se escamas de duas formas muito diversas ; as da primeira forma (fig. 17) são lanceoladas, com 0"",14 até Qmm 17 de comprimento, e 077,03 até 0,04"" de largura; as da segunda forma (fig. 16) são muito tenras, Iransparentes capillares, variando de 0"",2 até 0"",27 de comprimento e de 0"",002 ate 0"",006 de largura ; diminuindo pouco à pouco a largura, ellas terminam em um tio sublilissimo, sendo munidos, na extremidade, uma lamina extremamente exigua, que tem a forma de um triangulo isoscelos obtusangulo. Os lados deste triangulo são linhas mui delgadas quasi imperceptiveis, de modo que, à primeira vista, só apparece a base como linha recta perpendicular no extremo do fio subtilissimo que a sustenta. Estas singularissimas escamas (fig. 16) da Hesperia Syrichtus, si bem que apparentemente tão diversas das do Telegonus Mercatus, podem, não obstante, ser muito facilmente derivadas da mesma fórma (fig. 11, 1). ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 49 LeucocHITONEA ARSALTE, Linn, (NiveUs, Cram.) (fig. 19 — 22). A prega costal dos machos é muito menor do que na especie antecedente, oceupando apenas um terço do bordo anterior da aza e menos de metade da largu do rainterstício entre a dita prega e a nervura costal. A pennugem encerrada na prega nasce só da superficie do bordo recurvado da aza e acha-se protegida por duas fileiras ou cercaduras de escamas, das quaes uma é inserida ao longo da nervura marginal (fig. 20, M), e a outra ao longo da linha recta que separa a parte recurvada do resto da aza; o comprimento destas ultimas escamas eguala a largura, sendo muito mais curtas as inseridas na nervura marginal. A pen- nugem compõe-se de escamas de duas formas differentes, correspondentes ás que se encontram na Hesperia Syrichtus. As da primeira fórma (fig. 21) assemelham-se ao ferro de uma lança ; ellas têm cerca de 02,15 de comprimento, variando a largura de um nono até um quarto do comprimento, e achando-se a maior largura immediatamento ácima do ponto de in- sersão, ou à pequena distancia delle, correndo d'ahi aos lados em linha quasi recta á ponta aguda da escama. Estas escamas (que evidentemente correspondem ás repre- sentadas na fig. 17 da Hesperia Syrichtus), são pallidas, transparentes, com a ponta mais ou menos opaca, c a base quasi sempre percorrida por uma estria longi- tudinal composta de granulos opacos. As escamas da segunda forma (fig. 22) têm o mesmo comprimento de 077,15, e são tão delgadas que antes merecem o nome de cabellos, pois que a sua largura raras vezes altinge a 0"",002: sendo geralmente muito menores, terminam em um fio subtilissimo, em cujo extremo se vê um bo- tãosinho punctiforme, muitas vezes quasi imperceptivel, e que parece faltar comple- tamente em algumas destas escamas ou cabellos (que correspondem ás da fig. 16 da Hesperia Syrichtus). . TuymeLE Simpricius, Stoll. (EurycLes Latr) (fig. 23-28) Herrich Scaeffer (1) distinguiu tres variedades de Eudamus (Goniurus) Eurycles, como elle chamou à es- pecie designada pelo nome de Phymele Simplicius no catalogo de Kirby. Na primeira variedade, as azas seriam destituidas de pontos e maculas transparentes, e só no lado inferior haveria tres pontos costaes. Ainda não vi por aqui esta primeira variedade. Na segunda variedade os tres pontos costaes seriam visiveis em ambos os lados da aza, é além disso haveria alguns pontos transparentes pelo meio do bordo anterior ; esta segunda variedade, ás vezes tambem por aqui se encontra, sendo os machos sempre providos de prega costal. Emfim, na terceira variedade os pontos e maculas transparentes formariam uma fita estreita, ás vezes interrompida na cellula terceira (como na fig. 25), outras vezes mostrando-se interrompida até além da segunda ner- (1) Prodrom. system. lepidopt. fascic. I—1868, pag. 61. 46 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vura ou primeiro ramo da nervura media (como na fig. 23). Segundo Herrich Schaeffer os dous individuos machos, cujas azas interiores acham-se representadas nas figuras 23 e 25, pertenceriam a esta terceira variedade, e, não obstante, um delles (fig. 23 e 24) não possue nenhum vestígio de prega costal, emquanto o outro (fig. 25 e 26) é dotado de uma prega costal bem desenvoldida. Como esta terceira variedade abunda no Rio IHajahy, pude examinar um numero avultado de exemplares, e verifiquei que a prega costal falta em todos os machos, em que a fita transparente entra na primeira cellula (fig. 23), e que existe em todos aquelles em que a mesma fita não passa além da segunda nervura (fig. 25). Nestes individuos providos de prega costal o numero e a extensão das maculas transparentes são mui variaveis; ha um numero quasi infinito de formas intermediarias entre a. segunda variedade de Herrich Schecffer e outras semelhantes aos machos destituidos de prega costal, possuindo, como estes, maculas transparentes nas cellulas 3º e 6º, e distinguindo-se delles apenas pela falta da macula transparente da primeira cellula. Da mesma sorte tambem se observa uma variabilidade consideravel nas escamas de que se compõe a pennugem da prega costal. As escamas representadas na figura 27 são de individuos que tinham só tres pontos costaes, (nas cellulas 7º até 9), e careciam de macula transparente na cellula 3º (fig. 25); as da fig. 28 foram tiradas da prega costal de um macho que tinha quatro pontos costaes (nas cellulas 6” até 9º) e uma macula transparente na cellula 3º. As escamas encerradas na prega costal mostram duas formas principaes : na primeira fórma (fig. 27, a, Db, c, d; fig. 28, a, Db) distingue-se uma parte inferior lan- ceolada, attenuando-se em uma parte terminal mais ou menos filiforme, cujo extremo se dilata de novo em uma especie de lamina ou leque triangular. O comprimento destas escamas que em certos machos (fig. 28) é apenas de 0"”,08 até 0"",16, eleva- se em outros (fig. 27) de 0"",2 até 0r=,3. As escamas da segunda forma (fig. 27, e, fig. 28, d) costumam ser mais delgadas, sendo ás vezes perfeitamente capilliformes (fig. 28): ellas transformam-se insensivelmente em fio subtilissimo, em cujo extremo só em poucos casos (fig. 27, e) pode se distinguir um botãosinho punctiforme. O seu comprimento é o mesmo da primeira forma. Além disso costuma haver algumas es- camas mais curtas, espessas e opacas (fig. 27, f; fig. 28, c), semelhantes ás da pri- meira forma. —A prega costal occupa quasi a metade do bordo anterior da aza, porém, é bastante estreita, Si em todos os districtos habitados pela Vhymele Simplicius os individuos machos privados de prega costal distinguirem se dos mais, o que acontece aqui, pela fita transparente prolongada além da segunda nervura, convirá consideral-os constitui- dores de uma especie distincta e não como simples variedade. Como quer que seja, porém, é digno de observação que de duas formas tão semelhantes, incluidas na mesma variedade por Herrich Scheffer e outros, uma tenha a prega costal bem desenvolvida, emquanto a outra acha-se inteiramente destituidada mesma prega. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 47 Ninguem até agora parece ter reparado nesta falta da prega costal em certos machos do Thimele Simplicius ; provavelmente estes machos, por causa desta mesma falta, têm passado por femeas, erro bem perdoavel quando não se podem examinar os animaes vivos, cujo sexo facilmente se conhece pelas partes genitaes. TiymeLE ProricLos. Herr. Sch. (fig. 30). A prega costal occupa quasi a metade do bordo anterior da aza, estendendo-se um pouco além da macula tran- sparente da cellula 12. Ha no interior da prega : 1.º Escamas de cerca de 0»=,3 de comprimento (fig. 30,a) com a base lanceolada e a lamina terminal arredondada, oval, triangular ou cordiforme de lar- gura variavel. 2.º Cabellos tenuissimos (fig. 30 b) que têm o mesmo comprimento. 3.º Escamas estreitas (fig. 30, e) com os lados quasi parallelos, de cerca de 0»» 12 de comprimento, sobre 0"",004 de largura apenas, terminando de repente em um fio subtilissimo, quasi imperceptivel. ç 4.º Fragmentos de cabellos articulados (fig. 30, d), que em geral não são muito abundantes. TavymeLe Protreus, Linn. (fig. 29). Nesta especie, muito semelhante á prece- dente, a prega costal costuma não passar além da macula transparente da celula 12, sendo tambem mais estreita do que na Thimele Protillus. Predominam no interior da prega os cabellos articulados transparentes (fig. 29, c), cuja largura raras vezes se eleva a 0"”",004: o comprimento dos artículos é de O0==,016 até mais de 0"",03. Geralmente acham-se estes articulos reunidos em numero de 7 até 12. Além disso ha escamas, cuja maior parte (fig. 29, a) tem cerca de 0"",2 de com- primento sobre 0"",02 de largura ; são pallidas e percorridas por uma estria longi- tudinal de grãosinhos opacos; a base attenua-se insensivelmente, e termina em pequena lamina elliptica: sua largura não excede, ou nem mesmo attinge a maior largura da base. Ha tambem escamas menores da mesma forma (fig. 29, ). cuja lamina terminal costuma ser mais estreita ainda, e que não apresentam a estria longitudinal opaca das maiores. Extrueus Virreus, Cram. A prega costal dos machos desta elegante especie é muito estreita, e encerra cabellos articulados e transparentes ; os artículos ou são soltos ou reunidos em numero de 10, ou mais, e têm geralmente 0"”",015 de com- primento sobre 0,004 de largura ; mas tanto o comprimento como a largura são muito variaveis. Afora estas especies, examinei a prega costal de varias outras, cujos nomes não conheço ; como porém observações, que não podem ser verificadas por outros por não se conhecerem as especies, em que foram feitos, são em geral de pouco 48 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL valor, limito-me a dizer algumas palavras sobre algumas das formas mais notaveis de escamas, ou cabellos, que encontrei na prega costal dessas especies. Em uma especie de Telegonus (com as maculas transparentes amarelladas, e uma grande macula prateada na superficie inferior das azas posteriores) predomi-. navam, na prega costal, escamas capilliformes (fig. 31, a) transparentes, muito com- pridas (tendo até 0"",36), que de repente attenuam se em fio subtilissimo ; eram acompanhadas de algumas escamas (fig. 31, b), semelhantes ás escamas menores de Thiymele Proteus (fig. 29, b), e de alguns fragmentos de cabellos articulados. Em outra especie os artículos dos cabellos (fig. 32) que muito variavam em comprimento e largura, eram notaveis por serem, ligados por fios assaz compridos, que tambem se conservavam nos artículos soltos. Emfim, em uma especie muito semelhante ao Achlyodes Thraso, Hubn. (4) a prega costal, que era muito estreita, encerrava escamas lanceoladas mais ou menos opacas (fig, 33, Db, e) e cabellos transparentes (fig. 33, a) notaveis por serem provi- dos de uma especie de raiz fusiforme ou appendice vesicular, transparente, de cerca de 07",025 de comprimento, e 0,008 de grossura. Nas outras Hesperideas que examinei encontrei só uma vez uma raiz semelhante em uma escama da prega costa] de Telegonus Mercatus (fig. 11, a). Na sub-familia das Pierinas as escamas odori- feras espalhadas na superficie das azas dos machos são quasi sempre providas de appendices vesiculares. Quanto á funeção da prega das Hesperideas, creio que não póde haver duvida de que tambem pertença à classe dos orgãos odoriferos, os quaes, infinitamente diversificados, distinguem o sexo masculino de tantos outros lepidopteros tendo em certas especies do genero Papilio tomado uma forma muito semelhante ; não é, porém, a margem anterior das azas anteriores, e sim a posterior das posteriores que se acha recurvada, cobrindo, ora uma escova de pellos compridos, ora uma pen- nugem pallida muito densa. No Papilio Protesilaus a escova preta incluida n'aquella prega marginal exhala um cheiro muito intenso e desagradavel, emquanto um aroma suave emana da pennugem pallida do Papílio Nephalion. Está pois eviden- cilada nestas especies de Papílio a funcção odorifera da prega marginal das azas posteriores, e pela analogia manifesta que com ella tem a prega costal das Hespe- rieas, parece muito provavel que a esta tambem se deve attribuir a mesma funeção. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 49) EXPLICAÇÃO DAS FIGURAS ESTAMPA V Fig. 4, 5. — Telegonus Midas, Cram. Fig. 4. — Aza anterior com a prega costal (P) desdobrada, de tamanho natural. Fig. 2. — Prega costal desdobrada, augmentada 3 vezes, M nervura marginal c nervura costal. Fig. 3. — Escamas inseridas ao longo do limite entre a margem recurvada e 0 resto da aza, augmentadas 25 vezes. Fig. 4. — Escamas inseridas ao longo da area coberta pela margem recurvada, augmentadas 25 vezes. Fig. 5. — Cabellos articulados, formando um pó pardacento no interior da prega costal, augmentado 180 vezes : a. articulos soltos : b. ditos unidos : ed, ca- bellos imperfeitamente articulados. Fig. 6,9. — Telegonus, spec (?), de S. Bento, Fig. 6. — Aza anterior, com a prega costal (P) fechada, de tamanho natural. Fig. 7. — Secção lransversal pelo meio da prega costal. augmentada 25 vezes. M, nervura marginal: c, dita costal : se, dita sub-costal. Fig. 8. — Articulos soltos dos cabellos do interior da prega, augmentados [80 vezes. Fig. 9. — Cabello articulado augmentado [SO vezes. Fig. 40,44. — Telegonus Mercatus, Fabr. Fig. 10. — Aza anterior com a prega costal (P) fechada, augmentada 2 vezes. 1, nervura sub-mediana ou interna ; 2, 3, 4, primeiro, segundo e terceiro ramos da nervura mediana ; 5, segundo ; 6, primeiro ramo da nervura discoidal : 7, quinto : 8, quarto; 9, terceiro: 40, segundo : 44, primeiro ramo da nervura sub-costal : 12, nervura costal. Fig. 14. — Escamas encerradas na prega costal, augmentadas 180 vezes. Fig. 42, 48. — Hesperia Syrichtus, Fabr. Fig. 12. — Aza anterior, augmentada 3 vezes. P. prega costal, V. WI —s 50 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fig. 18. — Secção transversal pela prega costal, augmentada 25 vezes. My s, so, nervuras marginal, costal e subcostal. Fig. 414. — Escamas inseridas ao longo da nervura marginal, augmentadas 30 Vezes, Fig. 45. — Ditas da superficie interna da margem recurvada. Fig. 46, 47. — Ditas da area coberta pela margem recurvada. Fig. 48. — Ditas do fundo do angulo formado pela margem recurvada e 0 resto da aza. As figuras 15, 18 são augmentadas 180 vezes. ESTAMPA VI Fig. 19, 22. — Leucochitonea Arsalte, Linn. Fig. 19. — Aza anterior, augmentada 3 vezes. P prega costal. Fig, 20. — Secção transversal pelo meio da prega, augmentada 25 vezes. Fig. 24, 22. — Escamas do interior da prega, augmentadas 180 vezes. Fig. 23—928. — Thymele Simplicius, Stoll. (MASC.) Fig. 23. — Aza anterior de um macho sem prega costal, augmentada 2 vezes. As cellulas da aza são numeradas segundo Herrich Seheeffer. Fig. 24. — Secção Iransversal pela mesma aza no logar oceupado em outros machos pela prega costal, augmentada 25 vezes. M. c. es. nervuras marginal, costal e subcostal. Fig. 25. — Aza anterior de um macho provido de prega costal, (P). augmen- tada 2 vezes. Fig. 26. — Secção transversal pelo meio da prega costal. augmentada 25 vezes. m. c. nervuras marginal e costal. Fig. 27. — Escamas do interior da prega costal. Fig. 28. — Ditas de outro individuo. Fig. 29. — Thymele Proteus, Linn. (Masc.) Escamas da prega costal. Fig. 30. — Thymele Protillus, Herr Sch. (masc.) Escamas da prega costal. Fig. 34. — Telegonus, especie i Isca res q. 34. — Felegonus, especie indeterminada. Escamas da prega costal. 14. . Fig. 32. — Artículos de cabellos da prega costal de uma Hesperidea indeter- minada. Fi; E NA Ê j . 5 19. 38. — Cabellos e escamas da prega costal de uma especie muito seme- lhante ao Achliyodes Thraso, Hiibn. As figuras 27—33 são augmentados. 180 vezes. Lalemant qr. e a > às É e E “Ma 20-17 E, 4» b a » oo Ui . € Bass a A w nm E, o 'ê PR di ou | ESSA i » o A a i = dá » - . 4 . 1 + . q é í + q ' = á . . > o » . á . dee a, q * o 5 d 9 4 a =. E á 5 4 tod “ » : Fa A , ei j 2 > d é é d é - . E oa j o: RAL ” p + E E RA Pu v e ç. tis q 5 b DE É ' E À aà foa+ o À cepado Mk conliraçd oa à Ei “ di E À (A Pre o a Da : 3 ” A ê a. = vo eu mo “ RU As Archivos do Museu Naciona! o, e do RR ) Coute Jeito IVO Daquevial ; , SD Est de Marianna Rà (pa conglomerado, ferruginoso (Carga ) E itabirito T talo Q— quarto talcoso ) : (=) Csite feito nas Lages. Estide Marianna A — vetetro de quarto. 0 — quarzito talcoso Ant? Dias A / ba os a sims = “ . a e py + c 2 Fio +. B) : E), nb Fe Um VELCUIO de GUAM bio Fut > A He É Co, I ) | 9 Amt" Dias DO nn ra > Am Min do D Jog": ova feito o Ga o T itabarito 9 quarsto talcoso JS itabido friavel (Jacutinga ) / a) 4 DS Pá ans lr MANU do & pad a do ni f / Ú rs O A E Edessa <= E —— Estuoo Geotocico Da Regiao É. ve Ouro Preto. h Y 1/ IK f INE ng Archivos do Museu Nacional A: ova e o UU Mas pride ): «p EXOO. Frito Miller do) Estampa V = ES Archivos do Museu Nacional Estampa. V rerçãos ce E ZE iz = - - pre - Fri Mealler À th Mauser Neacurpl Lallenará ar COPY IN DO ARES y — ARCHIVOS MUSEU NACIONAL RIO DE JANEIRO Nunquam alind natura, aliud sapientia dicit J. 14. 321. In silvis academi querere rerum. Quamquam Socraticis madet sermonibus. H. SUMMARIO TEXTO:— Investigações experimentaes sobre o veneno do Crotalus horridus, pelo pr] Lacerda. — A geologia da região diamantifera da provincia do Paraná, no Brasil, por Orville | A. Derby. —Sobre as casas construidas pelas larvas de insectos Trichopteros da provincia de Santa Catharina, pelo Dr. Frederico Muller. —Supplemento ao mesmo trabalho. —A Bacia cre- [ei da Bahia de Todos os Santos, por Orville A. Derby M. S. — Observações sobre a geologia; aspecto da alha de Itaparica, na Bahia de Todos os Santos, por Mr. Richard Ra- thbun, ajndante da commissão Ichtyologica dos Estados-Unidos. — Resumo do curso de bo- tanica do Museu Nacional, professado pelo Dr. Ladislau Neito. — Bibliographia. — Indice geral do volume 1II. — Explicação das estampas. “ESTAMPAS: — VII Investigações sobre a acção do veneno do Crotalus horridus— Sobre as casas construidas pelas larvas de insectos Trichopteros. — XI. Supplemento. — XII. A Bacia cretacea da Bahia de Todos os Santos. — Observações sobre a geologia. — Aspecto da Ilha de Itaparica. VOLUME III RIO DE JANEIRO Typographia -- Economica — Rua de Goncalves Dias n. 28 IS INVESTIGAÇÕES EXPERIMENT Sobre o veneno!” do Crotalus horridus (Serpent à sonnettes) Trabalho executado no Laboratorio do Museu Nacional PELO LIBRARY DR. LACERDA FILHA NEW YORK BOTANICAL GARDEN E” ainda hoje um assumpto cercado de immensas obscuridades na sciencia aquelle que se refere aos venenos animaes. (Conhece-se actual- mente mais ou menos, é verdade, os effeitos produzidos pela secreção de certas glandulas de alguns bufonerineos, graças aos trabalhos recentes de Vulpian e de Claude Bernard; a acção do veneno das salamandras já foi tambem estudado e os seus effeitos não são desconhecidos. Outro tanto não se póde dizer e menos affirmar com relação ao veneno dos ophidios, sobre cuja acção intima no organismo continúam ainda a subsistir sérias (1) Possue a lingua franceza dois termos differentes — venin e poison, um pára significar o veneno produzido pela secreção de certas glandulas animaes, e outro que se applica, mais particular- mente aos venenos organicos e inorganicos. Na lingua ingleza existem tambem dois termos — venom e poison, com significações differentes. No portnguez ha a palavra — peçonha, que corresponde ao venin do francez; entendemos, porém, que se podia bem applicar ao producto toxico das glandulas de certos ophidios o termo generico de vexexo, preferindo-o ao de peconha, que é termo mais vulgar e menos expressivo. v. II—3 Da ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL duvidas no espirito daquelles que se têm occupado um pouco com esse estudo. | Já no seculo passado Fontana, que se havia entregado com afinco, du- rante longos annos, ao estudo dos venenos americanos, dirigio tambem a sua attenção para o veneno da vibora, e chegou a colligir grande somma de factos experimentaes, os quaes forneceram depois os elementos para uma importante publicação daquelle distincto physiologista. Os factos de Fontana, porém, além de serem exclusivos á especie européa, cujo veneno passa por ser muito menos activo que o produzido pelas especies do Novo-Continente, accresce ainda que são em si mesmos pouco concludentes. Clatide Bernard, a cuja sagacidade experimental estava talvez reser- vada a solução completa deste problema, si a morte não viesse arre- batal-o tão cedo, interrompendo importantes trabalhos, não chegou a instituir uma longa serie de experiencias nesse sentido. Apenas, quando tratava de investigar o que havia de verdadeiro na tradição transmittida aos viajantes da America Meridional, relativamente ás substancia componentes do wirary, fez elle um numero limitado de experienciasas que não tiveram outro resultado sinão demonstrar que os effeitos do wirary em nada se pareciam com os produzidos pelo veneno da vibora. Nas regiões callidas, equatoriaes e tropicaes, onde abundam as especies de ophidios mais temiveis, onde portanto são mais frequentes os casos de morte, consecutiva à picada desses reptis, a observação minuciosa de alguns medicos clinicos tem contribuido largamente para o conhecimento dos symptomas produzidos pelo veneno de algumas especies mais conhe. cidas. Rufz de Lavison, Guyon, Blot, Saint-Vel, estudaram cuidadosamente a symptomatologia do veneno da vibora amarella da Martinica /Bothrops lanceolatus), e os seus trabalhos, ainda hoje muito lidos e apreciados, in- dicaram o caminho que deviam seguir os seus successores. Ultimamente Fayrer, em Calcutá, entregou-se a sérios estudos sobre o veneno da cobra- capello (Naja tripudians), a especie mais commum e quiçá a mais temi- vel da India; as suas conclusões, porém, relativamente ao veneno daquella especie indiatica não ficaram assentadas sobre bases muito firmes. E" preciso convir que o lado clinico da questão tem sido até aqui mais explorado do que o lado experimental e physiologico. Para isso tem contribuido não pouco a difficuldade que ha em obter-se esses animaes vivos e o perigo de manejal-os na experiencia. No Brasil, ao que sei eu, ninguem proesguio ainda nessa ordem de estudos, e a propria observação dos phenomenos produzidos no homem pela picada dos ophidios, que são tão abundantes neste paiz, tem ficado m ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Do quasi restringida ao limitado circulo dos curandeiros e dos charlatães. Um ou outro viajante, dentre tantos que se internaram por estas vastas re- gioes, falla, de passagem, nas suas narrações de viagem, de algum facto por elle observado ou que lhe fôra referido por outrem. Esses factos, porém, são, por via de regra, acompanhados de informações falsas, ou de apreciações imexactas e ridiculas, não podendo, por isso, merecerem inteira confiança. - A importancia que me parecia se devera ligar entre nós a tal assumpto, encarado, já pelo lado humanitario, Já principalmente pelo lado scientifico, suscitou-me a idéa de iniciar aqui, no Museu Nacional, unico estabeleci- mento que offerece as condições favoraveis para esses estudos, uma série de investigações sobre o veneno dos ophidios do Brazil. Em 1877 principiâmos as nossas primeiras investigações e os resul tados por nós colhidos de um certo numero de experiencias feitas com o veneno da Bothrops jararaca appareceram publicados no 2º volume dos Archivos do Museu Nacional desse anno. Comquanto as conclusões exaradas naquelle trabalho fossem expressamente dictadas pelos factos submettidos à nossa observação e experiencia, comtudo, não tinham ellas ainda um cunho definitivo, e nós mesmo reconheciamos a possibilidade de modificar a nossa opinião sobre certos pontos em indagações ulteriores. Accresce mais que tratava-se alli apenas do veneno de uma especie unica, e convinha exami- nar si as conclusões finaes tiradas para a acção desse veneno podiam esten- der-se tambem ao veneno de outras especies. Postoque à priori não nos parecesse aceitavel a supposição de que o veneno dos ophidios actuasse diferentemente segundo as especies, todavia só os factos podiam levar-nos a reconhecer qual o verdadeiro valor dessa hypothese. A grande actividade que se dizia possuir o veneno do Crotalus horrulus, tornou-se sobretudo para nós objecto de particular attenção e curiosidade, e não foram poucos os meios e esforços que empregamos para obter vivo um individuo daquella especie. Frustradas, durante muito tempo, as nossas esperanças, vimol-as por fim coroadas de successo, graças à obsequiosidade do Sr. Van-Deventer, consul geral dos Paizes-Baixos, o qual, tendo recebido da Bahia um Crotalus horridus, quiz confialko aos cuida- dos do Museu Nacional, onde o aproveitâmos para as nossas expe- riencias. Seja-me licito manifestar aqui o nosso cordial reconhecimento áquelle distincto cavalheiro pela attenciosa delicadeza com que cedeu ao nosso tão justo empenho, pondo à disposição do Museu Nacional, durante algum tempo, um animal que estava destinado ao Jardim Zoologico de Ams- terdam. 54 Ê ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Das tres ou quatro especies crotalicas que habitam o Novo-Continente, o Crotalus horridus é a especie peculiar do Brazil. Nos vastos campos de Minas Geraes e de S. Paulo, nas provincias da Bahia, do Ceará e do Ama- zonas, estendem-se os dominios desse reptil, cuja formidavel reputação co. nhecem tanto os sertanejos como os viajantes que têm percorrido essas remotas provincias do Brazil. Encontra-se esta especie habitando de pre- ferencia os logares descobertos, os sitios planos e arenosos, onde a sua presença é uma constante ameaça à vida dos outros animaes e do proprio homem. Nas planícies que bordam as margens do Rio Branco, na pro- vincia do Amazonas, referio-me o engenheiro Martins Coitinho, que alli esteve algum tempo, ha uma prodigiosa quantidade desses reptis. Ao appro- ximar-sê a hora do crepusculo os animaes que pascem nos campos, adver- tidos pelo instincto do perigo que os ameaça, correm em multidão a escon- der-se no matto e abandonam o campo ao dominio exclusivo dos Crotalus. Então, no meio daquella immensa solidão, ouve-se quebrar o silencio da noite o sinistro ruido dos chocalhos e ao mais afouto faliece a coragem, para aventurar-se a taes horas naquelles campos. Ali, nas proximidades das habitações, costumam os indios queimar diversas resinas aromaticas, cujas exhalações servem para afugentar aquelles reptis. Ao alvorecer, fatigados da lucta nocturna, elles voltam aos seus escondrijos para recomeçarem na nojte seguinte a mesma peleja. O Crotalus que existe no Museu Nacional e que servio às nossas expe- riencias, tem mais de um metro de comprimento e pertence ao sexo femi- nino. Nelle se encontram bem accentuados todos os caracteres da sua especie. O extremo caudal apresenta-se munido de uma serie de peque- ninas meias espheras corneas, de côr amarellada, augmentando de tamanho à medida que se afastam da ponta da cauda. Moveis e vibrateis, con- stituem ellas o apparelho sonoro do reptil. Os dentes veneniferos são cana- liculados, ponteagudos e incurvados, attingindo nesse individuo o compri- mento de dois centimetros. Quando fustigado ou enraivecido pela presença de outro animal, elle projecta a linga bifida fóra das maxillas e imprime uma vibração tão rapida à cauda que se ouve à distancia o ruido do chocalho. A sua excitação chega às vezes ao ponto de arremessar-se fu- riosa contra as grades da jaula, ficando presa pelos dentes no tecido de arame dessas grades. Comprehende-se bem de quantas cautelas não nos foi preciso cercarmo-nos, eu e os meus ajudantes, para, collocando o ani- mal que devia soffrer a experiencia em condições de ser mordido pelo reptil, evitarmos ao mesmo tempo a aggressão delle. As nossas pesquizas, dirigidas mais particularmente para a acção phy- siologica do veneno, forneceram-nos occasião de estudar conjunctamente os ” ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 59 symptomas do envenenamento, as modificações imprimidas às propriedades dos tecidos vivos, as alterações do sangue, etc. Os caracteres physico-chimicos de veneno, a sua constituição revelada ao microscopio, a sua acção sobre os elementos figurados do sangue foram tambem objecto de um estudo acurado e minucioso. Baseado nesse estudo, chegamos a explicar o mecha- nismo da morte, produzida pelo veneno crotalico e dar a razão physio- logica de certos symptomas. O reconhecimento da efficacia de certos an- tidotos entrou tambem na ordem das nossas investigações experimentaes, cabendo-me a satisfação de haver demonstrado o poder neutralisante do alcohol para esse veneno. Cumpre dizer que pouco ou nada de positivo podemos colher sobre o ponto principal das nossas pesquizas nos auctores que, antes de nós publicaram alguma cousa sobre a acção do veneno do Crotalus. Apenas algumas observações incompletas de Brainard e de Burnett, citadas por Moquin-Tandon e Yan Beneden, sobre a deformação dos globulos do san- gue, apparecem como dignas de nota nos tratados de Zoologia medica. Não conhecemos o trabalho de Weir-Mitchell — Researches upon the venom of Ratle Snake, citado de passagem por Saint-Vel; quer-nos parecer, porém, que as questões physiologicas não constituem o assumpto principal daquelle trabalho; do contrario, ellas teriam merecido a attenção particular de Saint-Vel, quando no seu livro Maladries des régions intertropicales, se occupa das picadas produzidas pela Bothrops lanceolatus da Martinica. Dividimos o nosso trabalho em duas partes. Na primeira—reunimos os factos experimentaes, sobre os quaes vamos depois assentar as nossas conclusões finaes. Na segunda, —apoiando-nos nesses factos, descrevemos os sym ptomas, assim como as lesões anatomicas encontradas post mortem, inclusive as alterações do sangue. Fallamos depois dos caracteres physicos e microscopicos do veneno e em seguida apontamos as analogias que existem entre as mani- festações symptomaticas do veneno do Crotalus e aquellas que caracterisam certas molestias infectuosas e virulentas. Passamos, por fim, a fazer algumas considerações sobre os antidotos desse veneno, mostrando nessa occasião os beneficos effeitos do alcohol. Acompanham este trabalho diversas preparações microscopicas lithogra- phadas pelo habil desenhista do Museu, o Sr. Lallemant, representando os elementos figurados do veneno crotalico e a destruição globular pro- duzida no sangue por esse veneno inoculado. v má 56 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL I.--. Factos experimentaes Foram estas experiencias presenciadas não só por quasi todo o pessoal technico da secção zoologica do Museu, mas ainda por diversas pessoas intelligentes e instruidas nas sciencias naturaes, que manifestaram o desejo de acompanhar as nossas pesquizas. , Quando, durante ou depois de uma experiencia, acontecia surgirem algu- mas duvidas sobre a realidade de um phenomeno qualquer que exigia observação delicada e minuciosa, tive muitas vezes de recorrer ao teste- munho dessas pessoas para certificar-me inteiramente do que via e ob- servava. A observação dos animaes picados foi, na maior parte, feita, por assim dizer, minuto por minuto, desde o momento da inoculação do veneno até o termo fatal. Convem dizer que nesta primeira parte não se acham in- cluidas todas as experiencias que fizemos e que foram numerosas, mas somente aquellas que podiam servir de typo para a descripção dos sym- ptomas e das lesões encontradas post mortem. Exp. 1. — Porquinho da India, adulto, do sexo feminino. Antes da expervencia : Temperatura rectal, 38º,5 Cent. Batimentos do coração, 122 por minuto. 11 hs. 24.— Mordido na parte superior do pescoço. LL hs. 25". — Ligeiros estremecimentos nos musculos cutaneos. [1 hs. 30.— O mesmo phenomeno mas accentuado no dorso. 11 hs. 322.0 animal mostra-se muito abatido e cahe de flanco. Appa- recem pequenos movimentos convulsivos nos membros do lado direito; essas pe- quenas convulsões duram apenas alguns segundos; as patas, as orelhas, o focinho, tomam uma côr arroxeada. Velicando a pelle em pontos differentes, reconhece- se uma dimnução da sensibilidade cutanea. Os movimentos reflexos, porém, não estão abolios: approziumando-se o dedo da cornea do animal, ammediata- mente elle fecha os olhos. Nota-se que mesmo as mais fortes compressões exer- culas sobre a orelha ow outras partes do corpo não despertam gritos no animal ; apenas elle solta wm grunhido abafado e quast imperceptível. LL hs. 4). — Voltam os movimentos convulsivos nos membros do lado direito; elles duram apenas alguns segundos e não reapparecem mas. A temperatura rectal sobe nessa oceasão acima de 39 e a respiração torna-se dificil. 14 hs. 47º— Morte. Examinando cuidadosamente os pontos feridos pelo dente do reptil, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL il não descobrimos ahi nenhum signal de tumefacção; sómente notámos de- baixo da pelle e nas malhas do tecido cellular subcutaneo numerosas bolhinhas Sazosas. Os pulmões e o figado apresentam signaes de congestão. A bexiga está vasia. Nos outros orgãos nada existe que mereça altenção. Applicando sobre os musculos do dorso e dos membros o papel de turnesol, vimos que elles não davam a reacção acida. Uma corrente ele- ctrica fraca excitava-os a contrahirem-se, e a sua irritabilidade só veio a desapparecer no fim de algum tempo. Os nervos axillar e sciatico, postos em contacto com os excitadores da machina electrica, provocavam fortes contracções nos musculos correspondentes. Egual resultado obtinha-se em- pregando a pinça de Pulvermacker. O coração respondia tambem às excita- ções da corrente. As propriedades geraes dos nervos e dos musculos pareciam, portanto, não ter experimentado modificações importantes pela acção do veneno. Examinando o sangue, o que mais chamou a nossa attenção foi a sua grande fluidez: elle não coagulava absolutamente nem pelo repouso e exposição ao ar, nem pela batedura com varinhas. A sua reacção era alcalina. Exp. TE. — Pombo. 12 hs. 19. — Mordido no dorso. 12 hs. 24º.— Grande abatimento; respiração accelerada. 12 hs. 257. — Apparecem alguns estremecimentos musculares; a respiração em- baraça-se cada vez mais; o bico conserva-se entreaberto. 12 hs. 33. — Voltam os estremecimentos nos musculos das azas. 12 hs. 35.—0 pombo não pode: ter-se em pe; agacha-se. 12 hs. 40º. — Pequenos movimentos convulsivos lumitados ds azas e ds pernas; a respiração torna-se ainda mais dificil; elle dewa perder o pescoço. 12 hs. 45'.— Morte. Abrindo a ave, logo depois da morte, vimos que os musculos contra- hiam-se perfeitamente debaixo da excitação electrica e que os nervos transmit- tiam a excitação aos musculos. O sangue estava muito fluido, incoagulavel, e tinha a reacção alcalina. Uma pequena porção deste sangue, inoculado no tecido cellular sub- cutaneo de uma gallinha, produziu-lhe a morte no fim de algumas horas. Exr. HI. — Porquinho da Indim, adulto, do sexo masculino. Antes da expervenca: Temperatura rectal, 39º. 12 hs. 19'.— Mordido na parte supervor do pescoço. 12 hs. 25". — Emissão de urnas abundantes. 8 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 12 hs. 30" Dificuldade nos movimentos; pequeno lacrymejamento ; o animal deita-se. [2 hs. 32. — Levanta-se; anda um pouco e de novo deita-se. 12 hs. 35. Já não póde sustentar-se sobre as pernas; começa a respiração a embaraçar-se. 2 hs. 3%. — Ligeiros movimentos convulsivos limitados aos membros postervo- res; diminuição na sensibilidade cutanea; impossibilidade de gritar. I2 hs. 39. — Respiração muito accelerada. 12 hs. 4P.— Completa mobilidade; a sensibilidade reflexa quasi abolida. 12 hs. 43'.— Morte. Depois da morte os musculos conservaram a sua irritabilidade por muito tempo; elles não têm a reacção acida. Os nervos motores respon. dem ainda à excitação da pinça de Pulvermacker. Depositado o sangue em provetes, elle apresenta-se muito fluido, com uma coloração rosea e não coagúla. Batendo-o não se obtem o mais pe- queno filamento de fibrina. A sua reacção é alcalina. Uma porção deste sangue, tratado pelo chlorureto de sodio em excesso, não deu precipitado algum com os caracteres da plasmina de Denis (de Commercy); o que ficou no fundo era um deposito vermelho mais escuro do que o resto do liquido, parecendo ser produzido pela precipitação dos globulos vermelhos. Este deposito dissolveu-se bem em dez vezes o seu peso Vagur, e esta solução, tratada depois pelo sulfato de magnesia em excesso, depositou no fundo e nas paredes do provete vestigios de uma substancia branca, levemente avermelhada, um tanto viscosa. Exp. IV.— Cão de pequeno porte, muito novo. Antes da expervencu: Temperatura rectal, 39º. Batimentos do coração intermitentes, oscilando entre 150 e 160 por minuto. Movimentos respiratorios AS. EL hs. 14. Mordido duas vezes, a primeira na parte superior do pescoço, a segunda no olho direito, cuja cornea foi perfurada pelo dente do reptil. 11 hs. 31. Começa o animal a mostrar-se abatido; estira o pescoço repe- tidas vezes como sv estivera sentindo algum embaraço na garganta; o seu grito é abafado. LL hs. 36". Contracções fortes nos musculos abdominaes, seguidos de pequenas evacuações. 1 hs. 39.— Os batimentos do coração tornam-se mais fracos e intermittentes. hs. 40". Erque-se, dá alguns passos vacillantes e torna a deitar-se. 1 hs. 4%.— Dificuldade na deglutição dos liquidos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 59 2 hs. 9. Conta o mesmo estado; a temperatura no recto sóbe a A). 12 hs. 33. Diminuem de frequencia as contracções abdominaes; aphonia in- completa. 12. hs. AD. Diminuição na sensibilidade cutanea e reflexa. Os movimentos respiratorios attingem a 90 por minuto. Aphonia completa. Apertando-se com força a extremidade da cauda, o cão afasta as maxillas como para soltar um grito, mas este não se produz. . R 2 hs. 45. Evacuação lupuda sanguinolenta; o microscopio, porém, não descobre ahi os qlobulos vermelhos do sanque. Lh. 9. Os movimentos resprratorios reduzem-se a 68 por minuto. Lh. SD. Pequena salivação, 1h. 353". Contracções spasmodias nos musculos da cabeca, das maxilas e dos membros anteriores. Lh.35.— ds orelhas ficam erectas. Pequenas contracções na cauda e no sphincter do anus. Lh.3T— Norte. A irritabilidade muscular conservou-se muito tempo depois da morte, Os nervos hypoglosso, sciatico e cubital respondem à excitação electrica ; os musculos do pharynge e do larimge contrahem-se perfeitamente. Não se nota tumefacção nas cordas vocaes nem nas proximidades do ponto ferido no pescoço; apenas existe aqui um grande numero de bolhinhas ga- zosas esparsas em derredor do ferimento produzido pelo dente do reptil. O figado está um pouco hyperemiado; os pulmões, porém, não parecem congestos. O sangue apresenta-se muito fluido; não coagúla pela exposi. ção ao ar, nem pela batedura. Uma pequena porção deste sangue, colhido logo depois da morte e inoculado no tecido cellular de um pombo, produziu-lhe a morte em menos de 24 horas. Exe. V.— Cadela de alto porte, adulta e bem mutrida. Antes da expervencu: Temperatura rectal, 39º. Batimentos do coração 100; wm pouco irregulares. Movimentos respiratorios 32 por minuto. Da vem femoral extrahe-se uma pequena porção de sangue; elle couqula com rapiez e o coaqulo tem una certa consistencia. 1 hs. 30'.— Mordido suecessivamente no olho esquerdo, cuja cornea é perfu- rada, e na palpebra inferior do mesmo lado. Salada de wma certa porção do humor aquoso. As palpebras do lado esquerdo principram logo a inchar. 12 hs. — As duas palpebras muito inchadas cobrem inteiramente o globo oceu- V. HII—S 60 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL lar; a inchação progride para o lado da face. Batimentos do coração 78. Movi- mentos respiratorios 24. Abundante salivação. 12 hs. 30. Augmenta a inchação da face. Continha a salivação. O animal deita-se e parece muito prostrado. Os movimentos resprratorios sobem a A4 por minuto; os batimentos do coração mais fracos, não excedem a T2. A temperatura no recto é de 39. Apparecem ligeiras contracções ma perna direita e o animal grita quando se comprime a cauda ou a orelha. 12 hs. 45. Contracções fortes nos musculos abdominaes. Lh.— Observa-se que o animal deglute os liquidos sem grande dificuldade. Movimentos respiratorios IT por minuto. A ampbação do thorax durante cada wnspiração, tomada com um stethometro de escala gradunda, não excede a 14 mil- limetro. Lh. 30.0 amimal tenta erquer-se, mas não conseque fazel-o. Apovado sobre as nadegas, oscila nessa posição e cahe outra vez. Os movimentos respira- torios descem a 12 por minuto e a ampliação do thorar não vai além de 1/2 mal- metro em algumas inspirações. Batimentos do coração TO, muito irregulares, fra- cos e com largas intermittencias de mais de 2 segundos. Diminuição da salivação. Ligeiros estremecimentos nos membros posteriores. Diminuição notavel da sensibi- lidade. Comprimindo-se com a pinça ow ferindo-se com a ponta do escalpello a cauda do ammal, elle não da o menor suqnal de dor. O ammal vê bem com o olho que não for ferido e dá a perceber que ouve quando se chama por elle. 1h. 56.— Hemorragia pelo ferimento do olho esquerdo e pela veia femoral, que tinha sido aberta antes da experiencia. O sanque procedente desta ultima ori- gem não coagula absolutamente: elle apresenta-se muito fludo e deixa nas paredes da copsula que o contém manchas de um vermelho vivo. No dia seguinte o animal vivia ainda, mas o seu abatimento era profundo; elle parecia insensivel a toda a sorte de excitações que empre- gámos para tiral-o do torpor em que estava. As vezes levantava um pouco a cabeça para logo deixal-a cahir inerte. A tumefacção da face, das pal- pebras, do pescoço, havia attingido proporções enormes. Os batimentos do coração, extremamente enfraquecidos, não excediam a 60 por mimuto e a respiração era mais diaphramatica do que costal; o desvio da escala do stelhometro não ia além de meio millimetro durante cada inspiração. O sangue extrahido de uma das veias da perna, apresentou-se viscoso, com o aspecto da gelatina. Passados quatro dias vimos o animal outra vez. A inchação da face e do pescoço tinham desapparecido inteiramente ; apenas tinha ficado um resto de prostração. Segundo informações que tive, 24 horas antes elle tinha expellido uma boa porção de urina com a côr do café. No fim de seis dias elle achava-se inteiramente restabelecido. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 61 Exr. VI. — Pombo. LO hs. 20" Mordido na cóxa e no dorso. “40 hs. 30. Agacha-se e fica immovel. Respiração apressada. 10 hs. 35.— Afasta as azas, entreabre o bico e fica arquejunte. A sensibim dade cutanea est diminwnda. LO hs. 40º.—Cahe sobre o flanco, cerra os olhos e apresenta movimentos con- vulsivos nas azas. 10 hs. 45.— Repetem-se, com pequenos intervallos, as convulsões. 10 hs. 46'.— Morte. O sangue colhido nas velas que vão ter ao coração, coagulou. O mesmo aconteceu com o sangue extrahido de outros pontos. O coração continuou ainda a palpitar alguns minutos depois da morte. Os musculos e os nervos respondem energicamente às excitações electricas. Uma porção do sangue guardada no vacuo da machina pneumatica, apresentou no dia seguinte um coagulo consistente, egual, de uma colo- ração mais avermelhada no centro. A quantidade do serum existente na capsula, que continha os coagu- los, era muito diminuta. Exp. VII. — Cadela de pequeno porte. Antes da expervencia : Temperatura rectal 39º. Batimentos do coração 132. Movimentos respiratorios 30 por minuto. Extrahio-se de uma das veias da perna uma certa porção de sanque, que ficou depositada muma capsula. 11 hs. 10.— Mordido no lado externo da pata esquerda. O animal deu um grito na occasão em que for prado. Alguns minutos depois principio a pata anchar e o edema for subindo pela perna acima. 11 hs. 25.—0 animal está inquieto; erque-se, dá alguns passos vacillantes e torna a deitar-se. Elle tem a perna ferida um pouco encolhida e levantada do chão. 1 hs. 30". — Respiração apressada. Os musculos abdominaes contrahem-se com energia. Evacuação de fezes naturaes. O animal solta profundos gemidos. 11 hs. 35. — Vomitos amarellados. Emissão de urmas com caracteres nor- maes. Contracções mars fortes dos musculos abdominaes. 11 hs. 40. — Respiração accelerada: 420 movimentos respiratorios por mu- nuto. Temperatura rectal 38º,5. Sensibilidade cutanea dimimuda. 12 hs. 10º. — O animal grita quando se comprime a cauda. A cabeça est, 62 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cahida; elle não pode mais levantal-a. Movimentos convulsivos nas extremidades, que duram alguns minutos. 12 hs. 20º. — Morte. Logo em seguida à morte, derramou-se na boca uma porção de sangue fluido. Dissecando a parte que tinha soffrido a picada do reptil, descobri- mos o tecido cellular, que apresentava-se infiltrado de um liquido côr de rosa; os capillares e as venulas appareciam como strias vermelhas no meio desse tecido. Examinando com uma Jente ampliante toda essa região, descobrimos por entre as malhas do tecido cellular nas proximidades da picada, innu- - meras bolhinhas gazosas, reunidas em grupos. O mesmo observamos no tecido cellular da côxa. Todo o systema venoso, principalmente as jugu- lares, estavam turgidas de sangue. Dissecaâmos a carotida em grande extensão e depois de passar uma ligadura nessa arteria, cortamol-a debaixo d'agua, sem que se desse o des- prendimento de nenhuma bôólha gazosa. Os pulmões estavam infiltrados de sangue e na sua superficie existiam numerosas manchas de uma côr vermelha-escura; a base, porém, tinha uma côr enegrecida. O sangue que escorria dos cortes nelles practicados era muito fluido e espumoso. O co- ração estava vasto. O estomago tinha a mucosa um pouco avermelhada e o sem conteudo era um liquido amarellado e viscoso. Os rins estavam congestos. A bexiga vasia. | Exr. VII. — Cadela de pequeno porte, Antes da expervenaa : Temperatura rectal, A40º,5. Batimentos do coração 60. Movimentos respiratorios 21 por minuto. [2 hs. 15.— Mordida na face interna da córa. 2 his. 25. Contracções nos musculos abdomindes. O animal conserva a perna ferula suspensa. 2 h8..36.— Contracções repetidas nos musculos da perna. O animal levanta- se e vomita una materia semi-luquda, esbrampuçata e espumosa. Lançamos então pela boca do animal S decigrammas de wma substancia pul- verulenta, que nos fo1 entregue por um religioso de S. Bento, afim de ser expe- rimentada como antidoto. A substancia foi deglutida com um pouco agua. 12 hs. 48. Reapparecem os vomulos. mm 1 E h.— Obriga-se o animal a deglutir outra dose equal do mesmo pó. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 6:3 Lh. 2.— Fortes contracções do diaphragma. O animal conserva-se deitado e muito abatido. Éh. 10. Voltam as contracções do diaphragma e dos musculos abdominaes. O animal vomita um liquido espesso e amarelado. 1h. 30. Temperatura rectal 395. Repetem-se os vomitos. Grande pros- tração muscular. : Obriga-se o animal a deglutir outra dose do pó. 1h. 527. —Reapparecem os vomitos seguidos de wma salivação abundan- tissima. Lh. 58.0 animal conserva-se deitado sobre o flanco; a respiração é apressada; a Doce semi-aberta ; a ponta da lingua pende fora das maxilas. Dimi- nução notavel da sensibilidade cutanea. Persistencia da sensibilidade reflexa na cornea. 2 hs. 10". — Abundante salvação. O animal jaz prostrado e quasi immovel. Comprimindo-se fortemente a comla ow as orelhas elle solta wm qro surdo e abafado. Aggravando-se cada vez mas esse estado, vero elle a succumbir pelas 5 horas da tarde. Pouco antes de morrer, segundo informações da pessoa encarregada de observal-o, houve uma emissão de wrinas sanquinolentas e movimentos convulsivos nas extremidades. Examinado 17 horas depois da morte, o cadaver apresentava uma grande rijeza muscular. A cornea transparente tinha um aspecto vitreo. A lingua sahia comprimida por entre as duas arcadas dentarias. O ventre achava-se entumescido e tympanico. Existia uma larga echymose occupando grande extensão do tecido cellular da perna ferida pelo dente do reptil. Nessa região os tecidos estavam como macerados e infiltrados de uma sero- sidade avermelhada. Alli, assim como nas paredes do thorax, existiam grande numero de bolhas gazosas. Essas bolhas não mudavam a côr azul do papel de turnesol. Notava-se turgencia nos capilares superficiaes e no systema venoso geral. Os pulmões e os rins estavam congestos; O coração vasto € flaccido. A bexiga continha uma pequena porção de urina, a qual, sendo tratada pelo acido azotico e pelo calor, deu um abundante precipitado de albu- mina. Havia signaes de hyperemia nas meningeas, no cerebro e no bulbo rachidiano. Exp. IX. — Cadela manto nova e de pequeno porte. 11 hs. 35. — Mordida na perna direita. Logo depois fizemos passar durante dez minutos a corrente electrica produ- zula por um pequeno apparelho de Gaifte. As duas pontas do excitador pene- traram nos tecidos, acompanhando a direcção das picadas feitas pelo rephil. v. II-—6 64 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL O ammal a principio supportou a corrente sem dar signaes de grande sof- frimento. Apenas motou-se nelle um ligeiro tremar cuticular como aquelle que costuma produzir o frio. I2 hs. 5.— Vomaitos de um liquido pastoso e escuro. 12 hs. 40. Grande prostração. O animal conserva-se deitado. A inchação, a principio limitada à perna, começa a invadir a coxa. Fizemos então passar as extremidades do fio metallico em derredor da perna e commumeamos o fio com o apparelho de Gaiffe. Cada vez que se deixava passar a corrente, o animal erquia-se, soltava gritos prolongados e esforçava-se por lwrar- se dos laços que o prendiam. Durante meia hora mantivemos a acção da corrente, dexando apenas pequenos intervallos de repouso. | h.— Fortes contracções nos musculos abdominaes. Abatimento profundo. A maxila anferior pendente deixa ver a lingua fluceida e descorada, calundo para 0 lado sobre o qual descansa o animal, 1h. 5. Continúam as contracções nos musculos abdominaes e apparecem contracções nas palpebras. A secreção lacrymal augmenta. 1h. 35. Os movimentos respiratorios oscilam entre 15 e 17 por minuto. O animal não pode mais levantar-se, 2 hs. —Contracções dos musculos da espadua e do diaphraqma. 2 hs. 15º. Tornam-se mais fortes as contracções do diaphragma. Emissão de urnas sanquinolentas. Abolição quasi completa da sensibilidade. Transportamol-o então para cima de uma mesa, e por uma dissecção cuidadosa descobrimos a carotida, o pneumogastrico, e phrenico, o hypo- glosso e os musculos mastigadores. A excitação electrica do hypoglosso desafiava contracções na lingua. Contracções se davam tambem no masseter quando applicavamos sobre este musculo as extremidades do conductor. O pneumogastrico reagia sobre o coração, produzindo a parada momentanea deste orgão quando Taziamos passar a corrente naquelle nervo. A excitação do phrenico produzia gran- des commoções do diaphragma. Passamos depois a dissecar a perna ferida. Cortada a pelle, escorreu dos tecidos subjacentes uma serosidade avermelhada, a qual precipitou grande quantidade de albumina pelo acido azotico. Os capillares subcu- taneos estavam muito injectados, os tecidos macerados e com uma colo- ração rosea. Existiam numerosas bolhas gazosas no tecido cellular sub- cutaneo. A's tres e meia horas, conservando ainda o animal signaes de vida e não sendo possivel continuar a observal-o, cortamos-lhe a carotida. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL bo Exp. X.— Galinha. - 10 hs. 10".— Mordida tres vezes consecutivas, sendo a ultima dellas no dorso. Dois minutos depois injectou-se-lhe pelos esopiago 3 centims. cubicos de aquardente. Salvo um ligeiro abatimento que se dissipou logo para dar logar aos phe- nomenos do alcoholismo, mada de extraordinario apresentou a galinha. No dia seguinte ella servio para outra expervencia. Exp. XI.— Galinha. A mesma que servio na experiencia precedente foi aproveitada para expe- rmentar a acção neutralizante do ammoniaco. 114 hs. 40º.— Mordida duas vezes. Logo em seguia injectou-se-lhe pelo esophago 10 centimetros cubicos de aqua contendo em dissolução X gottas de ammoniaco. 1 hs. 50" Agacha-se e parece muito incomodado. Respira com dificul- dade e conserva o bico entreaberto. 1 hs. 55, — A cabeça pende para o chão, os olhos cobrem-se de wm liquido crystalno, a sensibilidade torna-se quasi extincia. 12 hs. — Convulsões. Sahida de uma pequena quantulade de liquido viscoso pela bocca. 12 hs. 5º. — As convulsões repetem-se e com mais violencia. 12 hs. 6º. — Morte. Em uma das coxas, onde tinha penetrado o dente do reptil, desco- brimos uma larga echymose, situada logo abaixo da pelle, em derredor da qual existiam espalhadas no tecido cellular numerosas bolhinhas gazosas. Exp. XI. — Frango. Mordido na cabeça. Tres minutos depois agachou-se e deixou cahir o pescoço. O bico entreabrio- se e a respiração tornou-se died. No fim de 8 minutos principiaram as con- vulsões, as quaes foram-se tornando cada vez mas violentas até que sobreveio a morte no fim de 12 minutos. Uma pequena porção de sanque extrahudo delle pouco ANTES DE MORRER fot imoculado sob a pelle de outro frango. Passados 20 minutos este mostrou-se tristonho, fugio para um recanto do Laboratorio e ahi conservou-se com a cabeça cahida e os olhos fechados. No dia seguinte pela manhã foi encontrado morto. Os membros estavam rigidos. Em diversos pontos do tecido cellular encontravam-se bolhas gazosas. Na região em que tinha sido feita a inoculação 66 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL do sangue existia ainda uma boa porção delle, já secco e endurecido. Nos tecidos visinhos começava o trabalho de putrefacção, o que fazia acreditar que a morte se tinha dado muitas horas antes. Este frango, assim como outros que haviam anteriormente succumbido aos effeitos do veneno do Crotalus, foram dados a comer a um cão, que não manifestou por esse facto soffrimento algum. Exr. XII — Frango. Mordido no dorso. Logyo em seguida anjectou-se com a seringa de Pravaz, nas proximidades do ponto ferido, 4O gottas de uma solução ammoniacal assim composta: aqua, 30 gramas, ammoniaco 20 gottas. Passado um quarto de hora repetiu-se a injecção. Apezar de tudo, a ave principiou no fim de 45 mimos a ficar muto pros- trada e progredindo esse abatimento veio a succumbir ao cabo de 55 minutos, depois de violentas convulsões. Tirou-se della, depois da morte, uma pequena porção de sangue e injectou-se na vela femural de um cão. No fim de 48 horas estava for- mada nas proximidades do ponto em que foi injectado o sangue, uma colleeção de pus muito fluido e esverdinhado. Nesse ponto formou-se de- pois uma ulceração profunda e extensa, que foi até descobrir os musculos subjacentes. Exp. XIV. — Pombo. No antulto de verificarmos si o abmzamento da temperatura dos animaes submettulos d prada podia wuflwr de alguma maneira nos resultados desta, fize- mos abmicar artificialmente a temperatura de um pombo até 35º Centig. e deixamol-o em sequida ser mordio pelo reptil. Ferido na aza e ao lado do sternon, elle sabio tonto da jaula e no fim de 8 minutos morria depois de ligeiras convulsões. Quizemos vêr tambem si o sangue guardado muitos dias e jd secco podia causar a morte dos animaes. Para isso tomamos uma certa porção de sangue extrahido de um pombo, o qual havia sido picado muitos dias antes, e reduzimol-o pela trituração a pó muito fino. Uma porção desse pó for insuflado na entrada das vias aereas de um porquinho da India e nenhum resultado produzio. Outra porção diluído magua e injectado no recto, deu o mesmo resul- tado negativo. A terceira porção, porém, diluído magua e injectado no tecido cellular subcutanco, causou a morte do animal no fim de poucas horas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 67 Portanto : O sangue alterado pelo veneno do Crotalus conserva as suas qualida- des noxias ainda depois de secco e guardado por muitos dias. Em contacto, porém, com as mucosas do recto e das vias aereas, Os effeitos toxicos não se produzem. v. 117 = SIMPTONAS, LESÕES ENATONICAS POSTO MONTEN, ALTERAÇÕES DO SINGLE, MECANISMO DA MARIE, El, A)--Symptomas Registra a sciencia muito poucas observações completas de individuos que succumbiram à acção do veneno do Crotalus. O caso do infeliz Drake, mordido em Ruão e succumbindo nove horas depois; e no nosso paiz, a minuciosa e interessante observação de um mor- phetico, que morreu 24 horas depois da picada, taes são as duas unicas fontes clinicas onde se póde ir buscar com segurança os elementos da symptomatolo- gia. Cotejando os phenomenos observados nesses dois individuos com aquelles que observámos nos differentes animaes submettidos às nossas experiencias, chegaremos a traçar o quadro completo da symptomatologia desse veneno. Os primeiros phenomenos que attrahem a attenção são os phenomenos locaes. Muitas vezes o animal ferido pelo dente do reptil da um grito, como si a inoculação do veneno lhe causasse alguma dór. Si a parte ferida não é coberta de pellos, vê-se uma ou duas gottinhas de sangue surdirem da solução de continuidade produzida pelo dente. Immediata- mente a parte principia a inchar e a tumefacção estende-se às regiões mais proximas da picada. Minutos depois, o animal mostra-se inquieto, e si a experiencia é feita em um cão, elle solta uivos prolongados. Estes phenomenos, que seguem de perto a picada, são lentamente substituidos por uma prostração geral: o animal deita-se e guarda uma certa immo- bilidade. A respiração torna-se cada vez mais accelerada; os musculos 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL abdominaes contrahem-se violentamente o diaphragma agita-se convulsiva- mente; a secreção salivar, assim como a secreção lacrymal, augmentam muitas vezes. Em alguns casos sobrevêm vomitos de um liquido viscoso e amarelado, acompanhados de evacuações e da emissão de urinas. Estes phenomenos pareceram-me ser a consequencia das fortes contracções dos musculos abdo- minaes e do diaphragma. Os batimentos do coração tornam-se por fim extremamente accelerados e intermittentes; a temperatura rectal baixa de maneira uotavel e o animal cahe em um abatimento profundo. A sensibi- lidade cutanea fica então quasi abolida. Apparecem depois contracções limitadas aos musculos da face e das orelhas, alternando com violentas convulsões tonicas dos membros anteriores e posteriores; as intermittencias do coração tornam-se mais prolongadas, a respiração suspende-se e a morte succede a essa desordem profunda das principaes funcções organicas. Algumas vezes dá-se immediatamente depois da morte uma hemor- rhagia pela bocca ou pelo anus e as urinas apresentam-se com a côr de cafe. Em alguns animaes (cão e porquinho da India) notamos tambem uma aphomia incompleta e dysphagia intermitente no ultimo periodo, phenomenos esses dependentes talvez de um espasmo dos musculos que concorrem para a phonação e para a deglutição. Nas aves foram constantes as desordens da respiração e da circulação, assim como as convulsões finaes; falta- ram, porém as hemorrhagias. Comparando estes phenomenos observados nos animaes submettidos à experiencia com aquelles que estão consignados na observação do mor- phetico, publicada por Sigaud (1), será facil vêr-se que, salvo certos sym- ptomas subjectivos, que não podem ser apreciados no animal, as desordens funccionaes foram quasi as mesmas nos dois casos. As apprehensões da morte, o terror, as perturbações dos sentidos, a cephalalgia, a angustia precordial e a anciedade extrema que acompanham no homem os outros symptomas, são tantos traços a accrescentar no quadro symptomatologico que acabamos de esboçar. A dysphagia e a aphonia com o caracter intermittente foram dois phenomenos que se mostraram bem accentuados no infeliz morphetico. Assim tambem a dispnéa, as intermittencias do pulso e as convulsões dos musculos da maxilla e das extremidades que precederam de poucas horas a morte. Observou-se tambem nesse individuo uma coloração vermelha da pelle e epistaxis; nelle a secreção urinaria não se supprimio até o fim. (1 Sigand.— Du climat et des maladies du Brésil. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 11 q). — HemorriraGias.— Constituiram as hemorrhagias um symptoma pouco frequente nas nossas experiencias. Sômente nos cães apresentaram-se ellas bem caracterisadas, fazendo-se a exhalação sanguinea, ora pelo amus, ora pela bocca, ora pelos: rins, outras vezes pelos pontos feridos. Nas aves e nos pequenos mamiferos ella limitou-se apenas a uma echymose no tecido cellular proximo à picada. Quer num, quer n'outro caso, encontrámos frequentemente globulos vermelhos no sangue" extravasado, o que leva-nos a admittir a ruptura de capillares sanguineos. Muitas vezes, porém, a hemorrhagia foi constituida apenas pela transudação do serum fingido de vermelho pela hematina. b). — Epema. — À tumefacção que apparece nos pontos visinhos da pi- cada e se estende muitas vezes a regiões mais ou menos afastadas, é pro- duzida por uma transudação do serum nas malhas do tecido cellular. Co- lhendo ainda em vida dos animaes um pouco desse liquido transudado e submettendo-o à acção do calor e do acido azotico, obtivemos sempre um abundante precipitado albuminoso. Muitas vezes elle offerece uma leve coloração rosea devida à presença da hematina dissolvida no serum. Essa transudação serosa, assim como as pseudo-hemorrhagias, de que já nos occupamos, são certamente a consequencia de modificações concomitantes do plasma, o qual participa um pouco das alterações imprimidas aos globulos pela acção do veneno. c). — Vourros. — Nos cães o vomito apparecia frequentemente como um dos primeiros symptomas; nas aves, porém, nunca tivemos oceasião de observal-o sinão uma vez. Na generalidade dos casos elle coincidio com repetidas e fortes contracções dos musculos abdominaes e do diaphragma, as quaes continuavam mesmo no intervallo dos vomitos. No homem, se- gundo as informações que tenho, esse phenomeno é tambem muito fre- quente e um dos que primeiro se manifestam depois da picada. d). — ConvuLsões. — Foi este um symptoma muito frequente nos ulti- mos periodos da intoxicação. Nas aves, sobretudo, elle attingio um grau elevadissimo, manifestando-se com toda a violencia das grandes convulsões clonicas. Nos cães não foram ellas tão intensas e limitaram-se apenas a contracções de certos grupos de musculos, como os da maxilla, das ore- lhas e da cauda. B).-- Lesões anatomicas post mortem O cadaver apresentava, depois de algumas horas, uma notavel rijeza muscular. A cornea tinha às vezes um brilho vitreo. Examinando-se o v. IS Ta ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ponto ferido encontrava-se all uma echymose mais o menos extensa, occu- pando o tecido cellular subcutaneo e os musculos subjacentes. Ahi os tecidos estavam como macerados amollecidos e friaveis e em grande parte infiltrados de uma serosidade avermelhada; o seu aspecto era o de um pouco. de sangue sobre o qual se houvesse lançado algumas gottas de uma solução de acido pyrogallico. Em alguns casos o sangue que infiltrava os tecidos nas visi- nhancas do ponto ferido formava uma placa negra. O epiderma, amolle- cido, destacava-se com extrema facilidade, parecendo cahir rapidamente em mortificação. Esparsas por entre as malhas do tecido cellular dessa região e por cima das manchas echymoticas, existiam um sem numero de peque- ninas bolhas gazosas. Encontravam-se essas bolhas tambem em outras re- giões afastadas do ponto ferido, principalmente em algumas membranas serosas, como a pleura, o pericardio, e o peritoneo. A existencia dessas bolhas guzosas for um facto constante e anvarmavel nos pontos feridos pelos dentes do reptil. Elas não turvavam a agua de cal nem envermelheciam o papel de turnesol. Em quasi todos os casos notou-se uma grande turgencia do systema venoso geral e assim tambem dos capillares superficiaes. Os pul- mões estavam engorgitados de sangue e algumas vezes apresentavam largas manchas anegradas na superficie. O sangue que escorria dos córtes pra- clicados no seu parenchyma era, em alguns animaes, dotado de extrema fluidez e espumoso. O coração apresentava uma certa flaceidez nas suas paredes e as suas cavidades não continham coagulos. O figado estava con- gesto, de uma côr avermelhada na superficie; o microscopio não denun- ciou a alteração gordurosa das cellulas hepaticas. Os rins estavam hype- remiados; a bexiga continha algumas vezes pequena porção de urina albu- minosa. As meningeas, o cerebro, o bulbo rachidiano, oflereceram quasi sempre uma notavel injecção capilar. No apparelho digestivo não podemos descobrir nada que fosse digno de menção. S1 0 animal por qualquer motivo não suecumbia aos effeitos do veneno, podia-se então acompanhar passo a passo as alterações locaes dos tecidos nos pontos que tinham sofírido a inoculação. A's vezes, no fim de um ou dois dias, st a parte offendida tinha sido um dos membros, o edema diminuia sensivelmente, a parte porém esfriava, o epiderma esphacelava-se todo e começava a destacar-se em pontos differentes. Nas visinhanças da picada forma- va-se então uma ulcera phagedenica, mais ou menos extensa, a qual, crescendo em diametro e profundidade, ia até descobrir os musculos, os vasos e os tendões. A superficie dessa ulcera, cujos bordos eram consti- tuidos pelos retalhos do epiderma descollado e destruido, apresentava uma côr vermelha escura e cobria-se de uma materia saniosa, na qual o mi- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 13 croscopio mostrou a existencia de numerosos corpusculos, animados de movimento. - Em um cão, que havia sido mordido na perna, desenvolveram-se quatro dias depois, na superficie da coxa e em grande extensão do ventre, pequenas pustulas amareladas, nas quaes se encontravam globulos de pus e bacterias. Por via de regra, o desenvolvimento dessas alterações locaes profundas coincidia com phenomenos geraes benignos, parecendo que o veneno havia - concentrado toda a sua acção na parte offendida e suas immediações, C)--Alterações do sangue Por isso mesmo que nos pareceu sempre ser o sangue a principal séde das alterações produzidas pelo veneno do Crotalus inoculado, empre- gamos o maior cuidado e attenção no exame desse liquido organico. Uma lacuna existe todavia nesta parte do nosso trabalho, por não havermos encontrado pessoa competente que se quizesse encarregar de proceder à analyse chimica quantitativa do sangue. As dificuldades dessa analyse, suas operações delicadissimas e complicadas, exigem grandes co- nhecimentos practicos da chimica physiologica, que só póde possuir um especialista. Privados desse recurso, limitamo-nos apenas a estudar as con- dições physicas do sangue, concentrando toda a attenção no exame micros- copico desse liquido. a). — AspECTO PHYsICO do saNcuE. — Um dos caracteres mais notaveis e mais constantes do sangue atacado pelo veneno do Crotalus é a sua extre- ma fhutez. Abrindo-se uma veia do animal (cão) depois de se terem mani- festado os primeiros symptomas, aconteceu algumas vezes obtermos um sangue rubro com o aspecto do sangue arterial. No maior numero de casos, porém, o sangue, sahindo negro da veia, tornava-se immeditamente rutilante ao con- tacto do ar. Guardado em logar secco ou debaixo de uma redoma de vidro encontrava-se, passados tres ou quatro dias, no fundo da capsula, uma camada escura, quebradiça, de aspecto vitreo, reduzindo-se facilmente a pó pela tritu- ração. Nos mamiferos a formação do coagulo ou é muito retardada, ou não se dá absolutamente, conservando-se o sangue fluido até entrar em decom- posição. Deve-se, porém, notar que nas aves e nos pequenos mamiferos, cuja morte era muito rapida, o sangue colhido logo depois da morte coagulava. Este facto, que chamou particularmente a nossa attenção, veio indicar que antes de se rê' ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL produzirem certas alterações do plasma, revelando-se pela incoagulabilidade e fluidez excessiva do liquido sanguíneo, jd modificações profundas se tem operado no mesmo sanque, capazes por si sós de causarem a morte. Estas modificações, como mostrou o microscopio, têm por séde o elemento globular. Não é, porém, identico O aspecto do sangue em todos os periodos da intoxicação. Quando o animal resiste algumas horas e os phenomenos succedem-se lenta- mente, o sangue sahe da veia com dificuldade; elle tem-se tornado espesso, elutinoso, negro, assemelhando-se a um pouco de cola. Para fazer o estudo comparativo do sangue normal com o sangue obtido em periodos diversos da intoxicação, procedemos desta sorte : Extrahimos de um cão, antes de ser picado pelo Crotalus, uma porção do sangue venoso, o qual foi depositado em uma capsula sob o n. 1. Do mesmo cão, depois de mordido, extrahimos no fim de uma hora outra porção do sangue venoso, o qual foi tambem depositado em uma capsula sob OD. 2. No fim de duas horas extrahimos nova porção de sangue, o qual ficou em uma capsula sob o n. 3. O n. 1. — Negro ao sahir da veia, passou logo a ter a coloração ruti- lante em contacto com o ar. Passados alguns minutos elle principiou a coagular. O n. 2.— Negro ao sahir da veia, tomou rapidamente uma coloração vermelha de lacre. Não coagulou, mas ficou com o aspecto gelatinoso, separando-se uma pequena quantidade de serum. O n. 3.— Em contacto com o ar, quasi não mudou de côr. Ficou com uma coloração vermelha escura durante alguns minutos e foi-se tor- nando depois cada vez mais escuro até ficar quasi negro. Não coagulou, No fim de 24 horas: O n. 1. Tinha o coagulo completamente separado do serum. O n. 2.—Conservava a coloração vermelha do lacre e o mesmo aspecto gelatinoso. O n. 3.— Negro e sem coagulo. Fazendo atravessar esta ultima porção por uma corrente de oxigeneo, não se operou a minima modificação na côr. Para reconhecer si o acido carbonico podia influir sobre a coagula- bilidade do sangue alterado pelo veneno e si o oxydo de carbono operava nelle modificações de coloração, procedemos da seguinte maneira: Extrahiu-se de um cão que tinha sido picado pelo Crotalus uma certa porção do sangue venoso, o qual foi depositado em uma capsula de vidro. Esta, com o seu conteúdo, tendo sido depositada no vacuo da machina pneumatica, fez-se atravessar o sangue por uma corrente de acido carbo- . ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Lo) nico, ficando elle immergido em uma atmosphera desse gaz durante 24 horas. Ao fim deste tempo o sangue tornou-se mais escuro, mas não coa- gulou. Foi este mesmo sangue depois submettido à acção do oxydo de car- bono. Obtivemos este gaz pelo processo ordinario. Entre o balão, onde elle se desprendia, e a campanula onde estava depositado o sangue, collo- camos um frasco de lavagem, contendo uma” solução concentrada de po- tassa caustica, afim de fixar as porções de acido . carbonico que se des- prendessem conjunctamente com o oxydo de carbono. Estabelecida a corrente, deixamos o gaz se aecumular no interior da campanula. A coloração do sangue, em contacto com o oxydo de carbono, foi-se tornando cada vez mais escura até ficar quasi negra. A alcalinidade do sangue manifestou-se sempre pelos reaetivos appro- priados. Estas alterações do sangue que observamos quasi constantemente, isto é: excessiva [lulez, incoagulabilidade ao contacto do ar, coloração vermelha de lacre com uns reflexos amarellados, indicam que a composição chimica do plasma vem por fim a experimentar modificações profundas. De que ordem ou de que natureza são essas modificações, só o poderá dizer a chimica physiologica, empregado os seus processos da analyse quan- titativa do sangue. Um facto fica, porém, desde já fóra de duvida, é a diffusão da materia corante no plasma. Este resultado foi obtido pelo contacto directo do veneno com o sangue sob a objectiva do microscopio. b). —Os aLosuLos. — Para examinar os elementos figurados do sangue ser- vimo-nos, ora de um excellente microscopio de Plóssl (de Vienna), com as suas duas objectivas de immersão e a série de oculares do n. Lao n. 3 podendo ampliar até 1500 diametros; ora de um pequeno microscopio de Na- chet, cuja objectiva mais forte, associada à ocular n. 3, dá aampliação maxima de 700 diametros. As laminas de preparação, previamente lavadas em alco- hol e muma solução concentrada de potassa caustica e depois aquecidas na chamma de uma lampada, recebiam a gota do sangue sem a junção de liquido algum neutro e eram immediatamente transportadas ao foco do microsco- plo; outras vezes juntavamos ao sangue uma gotta do serum iodado arti- ficial de Schultze, recentemente preparado. Os escalpellos, as agulhas e outros instrumentos, de que nos serviamos para tirar o sangue, eram tambem lavados em alcohol e na potassa, e depois passados na lampada. Principiavamos por observar uma preparação feita com o sangue extra- hido antes da picada e depois passavamos a examinar successivamente 0 sangue colhido nos diversos periodos da intoxicação, extrahindo-o de re- v. LIL—S 16 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL giões differentes do animal. Assim podemos seguir a marcha da alteração elobular nas suas diversas phases, tomando sempre para termo de com- paração o sangue normal. Comquanto variassem muito as alterações da fôrma apresentadas pelos elobulos vermelhos, as mais communs que observámos foram as seguintes : [).— ALTERAÇÃO EM FÓRMA DE RODA DENTEADA.— Na peripheria do tecido cel- lular dos mamiferos notam-se diversos recortes, dando ao globulo certa seme- lhança com uma roda denteada. Em muitos delles o disco era mas profun- damente recortado e as saliencias acuminadas do recorte davam-lhe então um aspecto perfeitamente estrelado. Na face superior do disco via-se tam- bem proeminarem pequenas saliencias ponteagudas, de numero variavel, mais largas na sua juncção com o disco do que no seu extremo livre, mui semelhantes áquellas que foram observadas por Coze e Feltz no san- gue de individuos que suecumbiram de certas molestias infectuosas e viru- lentas. Ao lado dos globulos assim caracterizados notavam-se outros cri- vados de pontinhos negros, encravados no disco globular como granulos de pigmento. Nas aves, os globulos reduziam-se de volume, perdiam muitos delles a fórma elliptica, approximando-se mais da fôrma espherica. Com esta alteração de fórma comeidia um descoramento quasi total dos globulos. Apezar, porém da sua transparencia, podia-se bem observar no microscopio as diflerentes phases da destruição desses elementos. Cobriam-se elles, a principio, de diversos pontinhos escuros; pouco a pouco esses pontinhos apresentavam-se como saliencias ou protuberancias e a massa do globulo, fendendo-se, deixava vêr perfeitamente uma abertura crateriforme. Dir-se- hia que o globulo ulcerava-se. Continuando o processo de destruição, os fragmentos do globulo se separavam e do seu interior sahiam unidos ou esparsos um certo numero de corpusculos moveis. Estes corpusculos, que tinham a fórma de pequeninos discos, refringentes, às vezes ligeiramente alongados, volteavam no meto do liquido animados de movimentos rapidos. Isto que se observou nos globulos das aves, observâmos tambem con- stantemente nos globulos dos mamiferos. (Vide a Est. Fig. Examinando o sangue alguns minutos depois da picada, já se encon- trava esta fôrma de alteração globular. Ella parece, pois, coincidir com o primeiro contacto do veneno no sangue, 2). — ALTERAÇÃO vaRICOSA. — Nesta fórma não se distinguiam mais os caracteres dos globulos; elles estavam representados por massas alongadas, varicosas, tomando às vezes fórmas esquipaticas. Esta alteração não foi muito commum, deixando mesmo de ser observada em muitos casos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pi! 3). — Fusão aLosuLar. — Aqui os globulos estavam fundidos e esbatidos em massa, apresentando-se à vista como uma larga mancha amarela côr de ocre, atravessada às vezes por strias vermelhas, dirigidas em differen- tes sentidos. Era verdadeiramente uma massa protoplasmica, sem fórmas definidas, cortada de veios de hematina. Esta fusão globular apparecia nos ultimos periodos da intoxicação, quando as modificações na composição do plasma já se tinham tornado bem visiveis.., Algumas vezes os globulos, conservando a sua fôrma normal, tinham entretanto uma coloração de castanha na superficie do disco e uma orla muito escura na peripheria. Cumpre dizer que ao lado dos globulos de- formados encontravam-se, não raras vezes, globulos normaes, e o sangue colhido em regiões differentes do animal, não offerecia alterações identi- cas. | De par com essas alterações constantes dos globulos vermelhos, notou- se que os globulos brancos conservavam, pela maior parte, as fórmas normaes. c).— Crystaes. — Em algumas preparações do sangue encontrámos crys- taes prismaticos, outros aculiformes, de côr alaranjada com os caracteres dos crystaes de hematoidina. A's vezes esses crystaes apresentavam-se agglo- merados em massa. d). —BôLuas DE Gaz. — Prolongando a observação por algum tempo, vimos constantemente de par com os globulos alterados, apparecerem no campo do microscopio infinitas bôlhas de gaz, surgindo a principio com o pequeninos discos relringentes de bordos escuros, crescendo pouco a pouco e tomando ao mesmo tempo as fórmas mais variadas. Muitas dellas, fun- dindo-se, chegavam a formar bôlhas immensas, que occupavam grande exten- são do campo do microscopio. No centro dessas bôlhas, ou por entre ellas, existiam numerosos corpusculos bacteriformes, uns completamente immo- veis, outros animados de movimentos. Este facto de observação microsco- pica vem confirmar o desprendimento dos gazes do sangue, já previsto pelos resultados da autopsia. e). — Bacrerias (1). — A existencia de corpusculos moveis, pequeninos, ora figurados por pontinhos negros, ora por pequeninos discos, mais ou (1) Os resultados das nossas primeiras observações nesse sentido, foram communicados à Acade, mia das Sciencias, sob a fórma de nota, e publicados no Compt. Rend. da sessão de 30 de Dezembro de 1878. Depois dessa communicação, continuando a colligir novos factos, cuidadosamente observados, e pondo-me em condições de evitar muitas causas de erro, que infelizmente entraram nas nossas pri- meiras investigações, chegamos a interpretar um pouco diferentemente esses factos e a modificar algu- mas das nossas conclusões exaradas naquella NoTA. 18 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL menos refringentes, cujo diametro media de 0º" ,00L a 0"",002, foi um facto constante e invariavel na observação microscopica do sangue. Moviam-se esses corpusculos por entre os globulos, alguns procus rando mais a superficie do liquido, outros mais no fundo, quasi nos limites da visão. Ora elles eram animados de um movimento rotatorio muito activo; outras vezes deslocavam-se em differentes sentidos no meio do liquido, rodando sobre si mesmos e movendo-se em todas as direcções. Acontecia não raramente, que alguns desses corpusculos, pairando sobre um globulo, nelle se fixavam, apparecendo como pontinhos pretos na super- ficie do disco globular. Outras vezes juntando-se aos dois e aos tres, sobre um fragmento de globulo já destruído, pareciam formar um corpo unico, agitado de movimento rotatorio. Acompanhando as alterações apresenta- das pelos globulos, crivados de saliencias aculiformes, ou de pontinhos pretos, vimos operar-se pouco a pouco a destruição do globulo, o qual fragmentava-se em pontos differentes, deixando sahir para o exterior corpusculos moveis, de forma discoide, cuja inclusão no globulo explicava o apparecimento dessas saliencias e pontinhos pretos de que fallâmos. Esses corpusculos moveis apresentavam-se não só nos animaes que levavam horas a succumbir, como tambem m'aquelles que morriam no fim de alguns minutos. | | Em resumo, as alterações soffridas pelo sangue após a inoculação do veneno, traduzem-se desta fôrma: A principio, fluidez, perda da propriedade de coagular, coloração ver- melha de lacre com reflexos amarellados; mais tarde estado gelatinoso e coloração escura; Globulos vermelhos destruídos desde o principio; fundidos em massa mais tarde; Desprendimento de gazes e da materia corante. D)--Mecanismo da morte Em todas as experiencias que fizemos, procuramos sempre reconhecer post mortem, as modificações imprimidas à vitalidade dos dois grandes sys- temas organicos — nervoso o muscular: e sempre achamos que os Nervosa e os musculos conservavam as suas propriedades physiologicas muito tempo depois da morte, isto é: o coração e os musculos contrahiam-se perfei- tamente pela acção da electricidade e os nervos transmittiam a sua exci- tação aos musculos. As desordens, pois, observadas durante a vida na mr ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 19 esphera desses dois systemas, parecia terem por causa as alterações produzidas no sangue pelo contacto do veneno. Um sangue alterado no seu elemento essencial e mais importante—o globulo vermelho, pois que a esse elemento pertencem essencialmente os attributos physiologicos do sangue, banhando os centros nervosos e as extre- midades periphericas dos nervos, deve forçosamente perturbar as condições normaes da nutrição desses orgãos e provocar desordens profundas no exer- cicio das suas funcções. D'ahi a dyspnéa, as contracções rapidas e inter- mittentes do coração, a prostração geral, os espasmos, as lipothymias, as convulsões, «que formam os traços mais salientes do quadro symptoma- tologico. Hoje sabe-se que é assim que actúam quasi todos os venenos hematicos conhecidos, como são o acido eyanhydrico e o oxydo de car- bono, cujas manifestações symptomaticas exprimem apenas uma revolta do systema nervoso contra as alterações produzidas no elemento do sangue, que mantém a excitabilidade normal desse systema. Quando, porém, os phenomenos suecedem rapidamente e a acção do ve- neno é prompta, o que acontece mais vezes nos pequenos animaes, a morte dá-se por uma sideração do systema nervoso. A um periodo de excitação muito curto succede uma suspensão de todas as funcções nervosas. Dir-se-hia que o veneno obra então, produ- zindo um verdadeiro shok, que esgota subitamente toda a excitabilidade da medulla. Ha um phenomeno que nunca pôde escapar à nossa attenção, e que é provavel tenha tambem uma parte nas desordens funccionaes que precedem a morte. Queremos fallar do desprendimento dos gazes do sangue, que rompendo as paredes dos vasos capillares, ou as atravessando, vão diffundir-se nas membranas serosas e em diversos pontos do tecido cellular. Conhece-se hoje muito bem, depois das experiencias de Couty e de Paul Bert, que profundas perturbações causa à circulação do san- gue a existencia de gazes livres no interior da rêde capillar. Sem nada affirmar com relação à influencia dessa causa, porque as nossas experien- cias não foram dirigidas nesse sentido, podemos entretanto suspeitar o con- curso dessa condição physica na manifestação das desordens circulatorias que se dão nos individuos intoxicados pelo veneno do Crotalus. Nas nossas experiencias, as aves, como a galhinha e o pombo, morriam no fim de 10 a 25 minutos, ás vezes muito mais depressa; os pequenos mami- feros, como o porquinho da India, no fim de 20 a 35 minutos; os cães, no fim de uma a duas horas, às vezes mais tarde. Uma cadella de grande porte, picada na cornea e na palpebra inferior, resistio entretanto aos effeitos do veneno e restabeleu-se no fim de seis dias. v. 111.—10 SO ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL O infeliz morphetico, de que falla Sigaud, succumbio ao cabo de 24 horas, e o inglez Drake no fim de nove horas (Moquin-Tandon). A instantaneidade da morte, de que tanto fallam alguns auctores, podendo dar-se com os pequenos animaes, me parece ao contrario pouco veridica quando se trata de animaes de grande porte, cuja massa relativamente enorme do sangue não poderia soflrer alterações incompatíveis com a vida em tão curto espaço de tempo. Comparativamente a outros mamiferos do mesmo porte, dois pequenos marsupios— Didelplus azare, resistiram muito à acção do veneno. Picados mais de uma vez pelo Crotalus, succumbiram, o primeiro no fim de tres horas, o segundo no fim de uma hora e 35 minutos. E )-- Caracteres physicos e microscopicos do veneno Para obtermos o veneno, ora empregavamos o chloroformio que immo- bilisava o reptil, ora, introduzindo na jaula uma porção de algodão, exci- tavamos o Crotalus até que elle se atirava sobre o algodão e nelle depositava o veneno. Chegamos, algumas vezes, a obter por este meio quantidades da substancia toxica que deviam representar mais de 20 centigrammas. Nas condições normaes o veneno apresentava-se como uma materia liqui- da, transparente, inodora, de reacção neutra, ligeiramente viscosa, um tanto semelhante à gomma arabica dissolvida. Depositado sobre uma lamina de vidro, elle secca rapidamente, deixando ficar na superficie da lamina uma substancia adhesiva, granulosa, que se fractura pelo simples attrito, redu- zindo-se a pequenos fragmentos irregulares. Outras vezes o seu aspecto é de uma massa vitrea transparente, fendida em varios pontos da superficie. Nesse estado, elle dissolve-se n'agua fria ou quente, mas não se dissolve no alcohol. Depois da morte do reptil, elle é mais viscoso, mais opaco, e apre- senta a coloração amarela do pus. Estas modificações, porém, como mos- traram as nossas experiencias, não influem absolutamente sobre as suas propriedades toxicas. No microscopio o veneno fresco e recente apresenta grande numero de pequeninos corpusculos sphericos, muito transparentes, medindo 0,"” 0001 de diametro, e às vezes menos, quasti todos animados de movimentos muito activos. Ora elles gyram sobre si mesmos, deslocando-se em todas as direc- ções; ora descrevendo largas curvas, descem ao fundo do liquido, para subirem logo depois à superficie. Muitas vezes elles apparecem em massa, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL St como si foram reunidos por uma materia glutinosa, e vê-se essa massa agitar-se até que os corpusculos desprendem-se inteiramente e espalham-se no meio liquido. Juntando-se à preparação algumas gottas de uma solução | de anilina, esses corpusculos coloram-se de vermelho e tornam-se então mais visíveis. Logo que o liquido da preparação tende a seccar, os movi- mentos vão-se tornando de mais em mais fracos, até que cessam comple- tamente. A junção, porém, d'agua distillada à preparação sécca restabelece o movimento desses corpusculos no fim de alguns minutos. Os seus movi- mentos ganham tambem em actividade quando se aquece levemente a lamina da preparação. O alcohol, o chloroformio, o acido borico e o acido phenico immobilisam-nos. Com o acido nitrico, porém, elles continuam ainda a mover-se durante algum tempo. Prolongando-se a observação, nota-se que esses corpusculos augmentam pouco a pouco as suas dimensões, offerecendo então o aspecto de pequenas cellulas redondas, de bordos escuros. Nesta phase do seu desenvolvimento elles são ainda dotados de pequenos movimentos oscillatorios. Estes factos, observados com a ampliação de 1000 diametros, foram constantes e Invariaveis, quer se tratasse do veneno fresco, quer do veneno já sêcco e guardado de muitos dias. Para que não podes- semos ser victima de uma illusão, procedendo a esses exames delicados, as laminas de vidro que serviam para a preparação, os escalpellos, as agulhas, os estyletes com que tiravamos o veneno, eram primeiro lavados em alcohol absoluto e passados depois no fogo. À agua distillada, que juntavamos ao veneno, era previamente submettida a uma ebullição prolongada e só depois juntada à preparação. Assim ficavamos certos que taes corpusculos não tinham sido transportados para o veneno, mas que elles lá existiam realmente. Fazendo um exame comparativo entre os corpusculos sphericos (Micro- coceus ), que existem em grande quantidade nos liquidos animaes que come- cam a putrefazer-se e os, corpusculos existentes no veneno crotalico não podemos deixar de reconhecer a sua quasi identidade de fórmas e de movimentos. A conclusão era que o veneno do Crotalus contém corpusculos inteiramente semelhantes aos Micrococeus da pulrefacção incipiente. Este facto foi tambem verificado mas mesmas condições no veneno da Bolthrops- jararacussu. Practicando córtes na glandula venempfera e examinando-os no microscopio, vimos ahi um strato de cellulas redondas, nucleadas, medindo 0,"” 020 de diametro, e numerosos corpusculos sphericos, transparentes e animados de movimentos como aquelles que observámos no veneno. Não só são perfeitamente identicos os caracteres microscopicos do veneno do Crotalus horridus da Bothrops-pararaca e da Bothrops-jararacussi, como tambem não differem absolutamente os symptomas e as alterações produ- SA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL temperatura superior a 70º Cent., modificam de alguma maneira as pro- priedades especificas do veneno. Para reconhecermos os effeitos do contacto do veneno com a albu- mina pura, tomámos um ôvo de gallinha fresco, perfuramos-lhe a casca e pela pequena abertura introduzimos uma certa porção do veneno recente. O óôvo foi guardado durante 48 horas no vacuo da machina pneumatica, e no fim desse tempo, examinando-o de novo, vimos que a albumina e a gemma não apresentavam alteração alguma apreciavel, quer na sua colo- ração, quer na sua consistencia e densidade. O exame microscopico da gemma mostrou alli a existencia de uma grande quantidade de corpus- culos sphericos dotados de movimentos. Estes corpusculos, porém, foram encontrados egualmente na gemma de um ôÔvo fresco, com o qual não tinha sido posto em contacto o veneno. Parece, portanto, à vista daquelle resultado, que a côr ennegrecida que apparece rapidamente na parte em que se fez a inoculação do veneno não depende das alterações soffridas pela albumina do sangue nessa parte. Duas boas gottas do veneno fluido foram depositadas em uma capsula de vidro e submettidas durante quasi meia hora à acção de uma forte corrente electrica. O veneno não experimentou modificação alguma appa- rente pela passagem da corrente. Inoculado depois em um pombo, produ- zio-lhe a morte no fim de 30 minutos. Examinamos logo depois da morte o sangue, o epiderma dos pontos proximos à inoculação, a pleura e os musculos; por toda a parte encon- tramos corpusculos esphericos semelhantes áquelles que existiam no veneno. Uma pequena porção do sangue desse pombo foi então depositado em uma capsula de vidro e guardado no vacuo da machina pneumatica durante 24 horas. Submettido depois á observação microscopica, vimos no sangue, ao lado de innumeros corpusculos esphericos dotados de movimentos grande quantidade de vibriões, com a fôrma de longos bastôesinhos, transparentes, alguns bastante longos para occuparem quast a metade do campo do micros- copio, outros porém mais curtos, a maior parte delles com o aspecto articulado, Esses vibriões, muito ageis, dotados de movimentos rapidos, atravessavam o campo do microscopio em todas as direcções. Elles conservavam-se pela maior parte immersos no liquido, surgindo apenas um instante na super- ficie para logo depois mergulharem e desapparecerem. Este e outros factos semelhantes, por nós observados, fazem-nos suppôr que os corpusculos espherios, encontrados no veneno, assim como no sangue do animal logo depois da morte, são provavelmente germens de vibriões, os quaes vão completar mais tarde a destruição da materia organisada, activando os phe- nomenos chimicos da putrefacção. Comprehende-se, porém, quão reservadas ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 85 devem ser as conclusões baseadas sómente nestes factos de observação micros- copica; e é com extrema reserva que chegamos a aventurar aqui esta hypothese. “Se fossemos classificar nosologicamente as desordens e perturbações con- secutivas à entrada desse veneno na circulação talvez não achassemos mais apropriada designação para dar-lhes do que a de septicemia aguda. O agente septico introduzido no sangue atacaria os globulos, os destruiria em grande parte, dando lugar ao desprendimento do oxigeneo (?) e da materia corante que entra na constituição dos globulos vermelhos; o plasma se alteraria por sua vez e a perturbação profunda que necessariamente deve dahi resultar na nutrição e na excitabilidade dos outros systemas explicaria os pheno- menos produzidos após a inoculação- Ha quem acredite, e com algum fundamento, que o veneno nos ophidios não representa simplesmente uma arma de aggressão e defeza; elle teria, além disso, uma utilidade toda particular na digestão desses animaes. E" certo que por um mecanismo, que lhes é peculiar, os ophidios no momento de deglutirem a presa inoculam nella o producto toxico das suas glandulas. Talvez vá então esse liquido inoculado favorecer a diges- tão, promovendo uma rapida decomposição nos tecidos do animal ingerido. Esta hypothese, porém, carece ainda de ser confirmada. Do que não se pode, entretanto, duvidar é, que os animaes mortos em consequencia da picada do Crotalus e de outros ophidios, entram maisrapi- damente em decomposição. Não se poderia então admittir que as alterações produzidas pelo veneno no sangue são como -—um acto fermentativo prepa- ratorio e amcial da verdadeira putrefacção? Os phenomenos locaes, desenvol- vidos nas circumvisinhanças do ponto inoculado, trazendo a mortificação rapida do epiderma e dos tecidos subjacentes, dão um certo grau de probabi- lidade a essa supposição. G)- Antidotos E' quasi incalculavel o numero das substancias vegetaes, das plantas e dos remedios secretos que se reputam infalliveis contra os effeitos da mor- dedura dos reptis venenosos. Não ha charlatão ou curandeiro ahi por esses sertões do Brazil que não se julgue auctorisado a proclamar as milagrosas curas obtidas com o emprego das suas drogas. São ellas quasi sempre tiradas do reino vegetal e administradas de mistura com a aguardente, que se tornou o vehiculo necessario e constante de taes remedios. Ao emprego desses meios, interna e externamente, costumam elles reunir certas practi- cas supersticiosas, certas palavras cabalistas que servem para imprimir um 86 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cunho mysterioso e sobrenatural às suas curas e fallar à imaginação aterrori- zada do doente. Os vantajosos resultados, porém, obtidos com esses meios são unica e exclusivamente devidos ao alcohol, como provaram as experiencias que fizemos. O alcohol, administrado internamente ou em injecções subcutaneas, obsta à acção do fermento no sangue e livra o animal dos efeitos do veneno. Este facto ficou plenamente provado por numerosas experiencias, algumas das quaes foram já consignadas na primeira parte deste trabalho. Uma certa porção do veneno fluido e recente, capaz de matar em poucos minutos um pombo, foi tratado pelo alcohol a 36º. Immediatamente for- mou-se no meio do liquido um precipitado floconoso, de uma côr branca aperolada, muito semelhante áquelle que se produz pelo contacto do alcohol com a albumina e com a gomma arabica dissolvida. Toda a porção do veneno, assim tratada pelo alcohol, foi inoculado em um pombo e elle nada soflreu. Este facto vem provar que as propriedades antidoticas do alcohol são devidas à acção exercida por este liquido sobre o proprio veneno intro- duzido na circulação. Si o animal é alcoholizado antes de ser mordido, os effeitos do veneno são inteiramente nullos; si o emprego do alcohol é feito poucos minutos depois da picada, os effeitos limitam-se apenas a um ligeiro edema local; si, porém, elle é administrado em um periodo muito adiantado da intoxi- cação, quando ja são profundas as alterações do sangue, pouco se deve contar com os resultados do seu emprego. O ammoniaco, que tem sido experimentado com bom exito por alguns medicos da Australia, em nossas mãos só deu resultados negativos. Nem administrado internamente, nem pelo methodo hypodermico, elle produzio os elfeitos que esperavamos. Outro tanto devemos dizer das correntes ele- ctricas applicadas immediatamente à região que soffreu a picada; ellas foram inteiramente improficuas. Quanto ao chloroformio, cuja acção torpente sobre os microbios está hoje reconhecida, nenhum effeito exerceu sobre a manifestação dos phenomenos toxicos, em uma experiencia que fizemos. Um porquinho da India, incom- pletamente chloroformisado, foi mordido no flanco esquerdo, e tres minutos depois suecumbia aos efleitos do veneno. As applicações topicas sobre a ferida de agentes causticos, assim como de outros meios que-obram mecanicamente impedindo a absorpção do veneno, so podem aproveitar quando feitas immediatamente depois da picada. O emprego delles, porém, não exclue por segurança a administração interna do alcohol, ao qual se deve principalmente confiar a salvação do doente. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 87 Contam-se numerosos factos de individuos que, em completo estado de embriaguez, foram picados por cobras venenosas e nada soffreram. Estes factos estão de accordo com os resultados das nossas experiencias. O tratamento, pois, mais simples e de mais seguros resultados nos casos de picadas feitas pelo Crotalus ou por outras cobras venenosas seria o seguinte : 1.º Incisar immediatamente as feridas produzidas pelos dentes do reptil e laval-as repetidas vezes com aguardente ou. com uma solução de al- cohol. 2.º Tomar pela bocca uma certa porção de aguardente ou de rhum até o começo da embriaguez. Os factos invocados em favor das propriedades curativas e antidoticas de certas plantas indigenas são provavelmente illusorios. “FE preciso nunca esquecer que nem sempre a picada produzida pelo reptil é acompanhada da ejaculação do veneno na ferida; ou si tal eja- culação se dá póde ser ás vezes de uma quantidade tão minima que não traga consequencias funestas para a vida do animal. Si acontece apph- car-se nessas condições um dos taes antidotos vegetaes tão apregoados pelo vulgo, os resultados beneficos que delle não dependem lhe são attribuidos e a crença popular, facil de convencer-se, aceita o facto como veridico e provado. A propria robustez do animal e certas condições peculiares ao seu organismo, que não podem sempre ser apreciadas, fazem-no às vezes es- capar à morte sem o emprego de meio algum (Exp. V). E” preciso, pois, estar prevenido contra essas conclusões erroneas e exageradas do vulgo, sempre prompto a acreditar nos factos maravilhosos e extraordinarios. Para comprovar o que dizemos; bastaria lembrar os resultados colhidos do emprego de uma substancia vegetal pulverulenta, que me foi trazida e recommendada por um religioso de S. Bento, dizendo que era um meio infallivel contra as picadas de cobras venenosas. Acompanhava as dóses dessa substancia uma guia impressa indicando o modo de administra-a. Ahi aconselhava-se entre outras cousas que se fizesse o emprego da subs- tancia na aguardente. Desde logo eliminamos a juncção desse liquido por já conhecermos os seus bons effeitos, e experimentâmos a substancia diluida n'agua. Os re- sultados da experiencia provaram que a tal infallibilidade tão apregoada não passava de uma verdadeira illusão. v. .—S9 88 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Conclusões O veneno de Crotalus horridus actúa sobre o sangue destruindo os globulos vermelhos e alterando as condições physico-chimicas do plasma. H Esse veneno contém certos corpusculos, dotados de movimento, apre- sentando notaveis semelhanças com os Micrococcus da putrefacção. HI O sangue do animal que succumbe aos effeitos do veneno, sendo inoculado em outro animal da mesma especie e do mesmo tamanho, causa-lhe a morte em poucas horas com os mesmos symptomas e as mesmas alterações do sangue. Iy O veneno secco não perde por isso as suas propriedades especificas, ainda mesmo guardado durante muito tempo. V O alcohol é o mais seguro antidoto que conhecemos contra esse veneno. ——— AS 23 ——— “DGEOLOGIA DA REGIÃO DIAMANTIFERA DA PROVINCIA DO PARANÁ NO POR ORVILLE A. DERBY M. ss. Uma parte da antiga Capitania de S. Paulo, que hoje constitue a provincia do Paraná, foi por muito tempo conhecida como região dia- mantifera, porém sem que nella se emprehendessem explorações extensas, e, sendo pequenas as pedras preciosas ahi achadas, comquanto de bôa qualidade e côr, pouca attenção attrahio esta região, em comparação com os campos diamantiferos, amplamente explorados das provincias de Minas “Geraes e da Bahia. Durante uma recente excursão pelo Paraná, eu pude fazer algumas observações sobre a geologia da região e o modo de apresentação dos dia- mantes. A provincia está situada entre S. Paulo ao norte, e Santa Catharina e Rio Grande do Sul, ao sul, e estende-se desde o Atlantico até o rio Pa- raná, occupando cerca de 6 de longitude e 3 de latitude. Topographica- mente, ella é dividida em duas regiões muito distinctas, uma montanhosa ao longo da costa, estendendo-se por cerca de 100 milhas pelo sertão den- tro, e a outra formando um planalto que occupa as partes centraes e occiden- taes da provincia. A primeira, ou região montanhosa, constitue uma região geologica distincta, enquanto o planalto é dividido em duas grandes pro- vincias geologicas. Strictamente fallando, toda a provincia, com excepção de uma zona littoral de 10 a 20 milhas de largura, é uma explanada, apresentando à costa montanhas conhecidas na provincia pelo bello e ade- quado nome de Serra Gracosa, a qual constitue uma parte do grande 90 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL systema da Serra do Mar, montanhas essas que se elevam abruptamente da costa e formam a margem de um planalto de 800 a 1000 metros de altura. Na parte nordeste deste grande planalto, uma cadeia interior de monta- nhas, continuação da cadeia de Paranapiacaba de S. Paulo, eleva-se acima do nivel geral e vai morrer ao sul. A costa, a Serra do Mar e a parte oriental do grande planalto interior, quer montanhosa, como ao norte, ou quasi plana, como ao sul, têm comtudo o mesmo caracter geologico geral e podem propriamente ser grupados em uma região que eu chamarei— a primeira, ou montanhosa, ou geologicamente fallando, região metamorphica. A topographia desta região, nas partes montanhosas, é selvagem e abrupta, apresentando picos pittorescos que se elevam a uma altura de cerca de 1500 metros acima do nivel do mar, e de 600 a 700 metros acima dos valles fluviaes e das partes mais planas. As ultimas são em geral prados levemente ondulados, com restingas e capões esparsos. Na parte meridional da provincia, uma área analoga, de extensão consideravel, estende-se desde a Serra do Mar até a mar- gem da segunda região, e alcança para o norte até além da capital Curytiba ; uma outra área menor existe a oeste da segunda cadeia de montanhas, no norte da provincia, em redor da cidade de Castro. Esta ultima é geralmente incluida na segunda região debaixo do nome de Campos Geraes, porém geologicamente nada tem de commum com aquelles campos e per- tence à primeira região. As rochas desta região são todas metamorphicas, tendo os leitos muito inclinados, com uma orientação geral E. N. E. Ao longo da costa, e na Serra do Mar encontram-se gneiss graniticos, porphyriticos e schistosos, como na região correspondente da provincia do Rio de Janeiro, com uma abundancia de rochas igneas, incluindo diorito, porphyro, e uma variedade compacta de estructura basaltica. Nas planicies, em redor de Curityba, vêm-se abundantemente rochas feldspathicas chloriticas (griistone) de envolta com gneiss schistosos, em quanto mais longe, a oeste, as ultimas se acham associadas a schistos vermelhos metamorphicos não crystallinos, que são ou talcosos, ou hydromicaceos, e o porphyro vermelho metamorphico, que parece ser o mesmo schisto, em outro estado de transformação. Nas planicies, ao redor e a oeste de Curityba, um deposito espesso de materias decompostas cobre as rochas e os bons afloramentos ahi são raros. As rochas vistas wm situ são as acima mencionadas, porém uma abundancia de seixos de aitacolomito e outras variedades de, quartzo attestam a existencia de outras rochas na vizinhança. Infelizmente eu não pude visitar a parte montanhosa do norte desta região em redor das cabeceiras do rio Ribeira, que é a parte a mais interes- sante da zona metamorphica. Na margem occidental deste districto que é conhecido pelo nome geral de Assunguy, eu achei os schistos vermelhos e ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 91 porphyros acima mencionados amplamente desenvolvidos com leitos de mar- more branco e mineral de ferro. Dos specimens e informações que pude obter desta região, conclui que é muito rica em marmores, mineral de ferro e rochas auriferas. Proveniente de um logar que se acha a cêrca de 15 milhas ao norte de Curityba, mostravam-me um marmore serpentino esverdeado identico ao associado aos mesmos schistos vermelhos perto de Sorocaba, provincia de S. Paulo, como de outras partes da região de Assunguy, vi especimens de itacolumito, e do quartzito ferruginoso aurifero, chamado Jacutinga, tão characteristico da região metamorphica de Minas Geraes. Estes specimens e as poucas observações que pude fazer, confirmam a opinião que já formei de que as series metamorphicas não crystallinas compostas de quartzitos (itacolumito, itabirito, jacutinga), schistos talcosos e marmores, tão characteristicos do interior das provincias da Bahia e Minas Geraes, estende-se, em uma zona continua em direcção ao sul, provavelmente até o Rio Grande do Sul, apresentando em toda a parte os mesmos chara- cteres essenciaes. (1). Tendo apresentado algures (2) razões para referir as series metamor- phicas crystallinas ao Archeano, e as series não crystallinas ao Siluriano inferior ou Cambriano, classificação essa em que acompanho o meu esti- mado amigo e mestre, o chorado professor Hartt. Indo para Oeste de Curityba, a uma distancia de cêrca de 30 mi- lhas, encontra-se um escarpamento abrupto chamado Serrinha, que se eleva a uma altura de 1,040 metros, ou cêrca de 200 metros acima do pla- nalto de Curityba ao qual domina completamente ; este escarpamento estende-se atravez da provincia, em uma direcção geral de Norte a Sul, sendo com- tudo um pouco irregular e em zig-zag para o norte, onde confunde-se com as mais altas terras da região de Assunguy, que a sobrepuja em elevação, em consequencia do que não fórma tão completamente como ao sul, a separação dos varios systemas de drenagem. Este escarpamento é composto, nas partes mais baixas dos leitos inclinados metamorphicos acima deseriptos, os quaes são cobertos por leitos horizontaes massiços de grés branco, grosso e friavel, que em toda a parte elevam-se ao mesmo nivel, porém variam em espessura de 20 a 100 metros, sendo isso devido ás irregularidades da superficie sobre que esses leitos foram depositados. A (1) Os marmores crystallinos formam uma parte muito subordinada da serie que, por conve- niencia, chamei não crystallina para distinguil-a das series crystallinas mais antigas compostas de gneiss e outras rochas semelhantes. (2) Archivos do Museu Nacional. Vol. 11, pag. 17. Rio de Janeiro de 1878. Proceedings of the American Philosophical Society. Vol. XVII, pag. 155. Phil. 1379. v. 11-—10 992 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Serrinha fórma a margem oriental da segunda região, os muito afamados Campos Greraes. E” uma vasta planicie relvosa, estendendo-se com um suave declive até cêrca de 100 milhas para oeste, onde a elevação das mais altas partes fica reduzida a 850 ou 900 metros. A superficie ao longo da margem é quasi perfeitamente plana, porém as innumeras correntes ali- mentadas por milhares de fontes e por chuvas torrenciaes bem cedo cavaram profundos valles que descem na parte occidental da região até uma altura de 600 metros, e tornam a superficie de mais em mais ondulada, à medida que se entra nos campos. Em uma larga zona na parte oceidental ha, para accrescimo das irregu- laridades devidas à desnudação, outras de maior importancia devidas aos innumeros e immensos diques de diorito. O caracter das rochas muda tambem para Oeste, tornando-se a pedra arenosa mais fina e argilosa, e tendendo a ser substituida por leitos de schisto que apparecem intrastractificados com o grés, de tal maneira que mostram pertencer à mesma formação. Pode-se dizer, que a Oeste, a porção mais baixa da formação é, em geral, composta de schistos e grés schis- toso, tornando-se os schistos para o extremo Oeste sobrecarregados de concreções silicosas e calcareas, com alguns leitos subordinados de um calcareo peculiar oolitico silicioso. Esta porção schistosa é, totalmente ou em parte, coberta pelo grés molle que é a formação predominante a léste, e parece ter coberto os schistos sobre toda a região. Neste ponto, com- tudo, não me é possivel formar uma opinião positiva em quanto não fizer um estudo minucioso dos fosseis colleccionados, pois é possivel que na região florestal calcarea eu possa ter-me enganado em considerar o grés que ahi apparece identico ao dos Campos abertos, mais longe a leste. A rocha é em toda a parte entremeiada de seixos e muitas vezes, em regiões limitadas, apresenta-se em fôrma de pudding-stone ou de conglo- merado. Em uma quebrada, perto de Ponta Grossa, achei um destes con- glomerados contendo pedaços de pedras de quasi meio metro de dia- metro, de rochas metamorphicas, taes como gneiss, syenito, quartzito, ete. O mais interessante é um bloco de conglomerado metamorphoseado con- tendo seixos redondos do tamanho do punho, das rochas acima mencio- nadas, unidas por um cimento silicoso metamorphoseado. Estes blocos indicam indubitavelmente a vizinhança de algum ponto alto da superficie original das rochas metamorphicas subjacentes, o qual, antes de ser so- terrado, formava uma ilha no mar em que as camadas de schisto e grés se foram depositando. Nas porções desta região em que o grés é a rocha predominante na N superficie, o solo é pobre e arenoso, supportando sómente hervas, e, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 93 nos declives pequenos, capões em que 0 pinheiro (Araucaria Brasiliensis) encontra-se em grande abundancia. Esta arvore é tambem extremamente abundante no planalto metamorphico de Curityba. As porções schistosas da região apresentam um solo um pouco melhor, porém são ainda pobres nas partes oriental e central; indo para Oeste o solo melhora, cedendo os bellos campos revolsos logar a outros com pinheiros esparsos ou grande abundancia de arbustos; e estes por sua vez, no extremo Oeste onde o schisto é mais variado em caracter, e onde o diorito e as rochas calcareas abundam, são substituidos por florestas luxuriantes, mostrando a qualidade superior do solo. A edade geologica deste grés e deste schisto nunca foi satisfactoria- mente determinada. A primeira luz sobre o assumpto foi dada por alguns fragmentos de fosseis achados por Mr. Luthero Wagoner, ajudante da Com- missão Geologica em 1876, que foram determinados pelo Sr. Rathbun e por mim, como sendo paleozoicos e provavelmente Devonianos. Ha alguns mezes achei na provincia de S. Paulo, em um calcareo silicioso iden- tico ao acima mencionado, alguns Lamellibranchios imperfeitos, pertencendo aos typos Devoniano ou Carbonifero. Em minha ultima excursão visitei as localidades descobertas pelo Sr. Wagoner, e tive a felicidade de achar specimens mais perfeitos. De um leito de sehisto intercallado no grés, em Ponta Grossa, perto da Joca- lidade do conglomerado acima mencionado, achei uma especie de Ophiu- raneos, alguns mal preservados Lamellibranchios e especies de Lingula, Discina, Spifer, Rhynchonella, Streptorhynchus e Vitulina, muito semelhantes e provavelmente identicos aos do Devoniano do Amazonas. O Spirfer,o Stre- ptorhynchus ea Vitulina são typos devonianos, em particular bem caracte- risados, sendo os primeiros provavelmente identicos ao S. duodenaria, Hall. No calcareo silicoso de Ivahy encontrei grande numero de especies de Lamellibranchios, alguns dos quaes são identicos aos de S. Paulo, porém não podia, durante a excursão, dedicar-lhes o estudo requerido para determinar com certeza si elles pertencem ao Devoniano ou ao Carbonifero. Apparecem tambem fragmentos de Lepidodendron nas mesmas rochas. Como acima observámos, a elevação desta segunda região diminue um pouco para Oeste, onde as collinas, incluindo os cumes de diorito, elevam-se a 850 ou 900 metros, ainda que, em razão da excessiva profundidade e largura dos numerosos valles, o nivel geral é um pouco mais baixo. Deste nivel eleva-se um segundo escarpamento conhecido com o nome de Serra da Esperança, à altura de 1,040 metros. Sobre os declives abruptos desta serra vê-se em ordem ascendente, uma consideravel espessura de grés vermelho molle repousando sobre os schistos e grés da segunda região, 94 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL e, acima desta, um leito de 100 metros ou mais em espessura de trapp amygdaloide e porphyritico, apparentemente uma especie de trachite. O amygdaloide é cheio de bDellas agatas. Este segundo escarpamento é o começo da terceira região geologica, cujas feições topographicas são muito semelhantes às da segunda, ou região dos Campos Geraes, isto é, à to- pographia produzida pela desnudação em leitos horisontaes. O escarpa- mento estende-se inteiramente atravez da provincia em uma direcção de Norte a Sul e penetra na provincia de S. Paulo, onde reconheci a mesma rocha na margem do planalto oceidental do rio Piracicaba. Ao Sul do rio Iguassú, fm informado pelo Sr. Luiz Cleve, muito competente observador, que este escarpamento curva-se para Oeste, debaixo do nome de Serra do Espigão, e estende-se até à Serra do Mar. O pro- fessor Hartt já tinha observado que a Serra do Mar, em Santa Catharina, é coberta por trapp porphyritico. E” entretanto provavel que estas rochas cubram a maior parte do interior desta provincia, assim como a porção circumvizinha do Rio Grande do Sul, na qual o trapp agatifero é com- mum. Uma parte da Republica do Uruguay pertence provavelmente à mesma formação. A Oeste, o paiz é virgem, porém pelas poucas informações que pude obter, parece-me provavel que a formação de trapp estenda-se até o Rio Paraná. À superficie desta região é em geral uma planicie co- berta de densas florestas; porém com muitos extensos campos, dos quaes os mais importantes são os de Guarapuava, que se unem ao Sul com os extensos campos do Rio Grande do Sul. Parece haver ahi um pequeno declive para o Paraná, e, sendo profundos os valles fluviaes, apresentam-se muitas encostas altas e ingremes que foram honradas pelos geographos assim como pelo povo, com o nome de montanhas. De facto, não existem verdadeiras montanhas de sublevação na provincia fóra da área meta- morphica. Nenhuma data definida existe para determinar a edade geolo- gica desta enorme irrupção de trapp. E” certamente posterior ao Devoniano, e muito provavelmente mesozoica. Em caracteres lithologicos tanto o trapp, como o grés vermelho, que parece associar-se-lhe e ser distincto da serie devoniana subjacente, assemelham-se de um modo admiravel com as rochas triassicas da parte oriental da America do Norte. A drenagem da provincia é determinada pelas feições topographicas acima descriptas e é principalmente para o Paraná, correndo directamente para o Atlantico apenas um grande rio, o Ribeira. Este rio nasce ao Norte de Curityba, na região montanhosa de Assunguy, e corre para o Norte, na provincia de S. Paulo, abrindo passagem atravez da Serra do Mar, acima da cidade de Iguape. Alguns de seus tributarios correm pela encosta da ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 95 Serrinha, e cavaram fossos que dentéam a margem da região de grés, porém não podem ser considerados como escoadouros dos Campos Geraes. Na mesma região metamorphica, entre a Serra do Mar e a Serrinha, nasce o principal rio da provincia, o Iguassu, que corre primeiro para o Sul e depois para Oeste, atravessando a segunda e a terceira região, a desaguar no Paraná. Ao Norte do Iguassu, passando por muitos rios quasi desconhecidos, pertencendo quasi exclusivamente à terceira região, nós encontramos o Ivahy, que nasce na parte florestal occidental da se- gunda região, corre por alguma distancia para o Norte, acompanhando a base da serra da Esperança, e depois, para Oeste, entrando na terceira região que atravessa até o Paraná. Ao Norte, formando uma parte do limite Norte da provincia, está o grande rio Paranapanema, que, como o Iguassu, nasce na região metamorphica e atravessa as duas outras, recebendo da provincia, o Itararé, o rio das Cinzas e o Tibagy. O ultimo é, por excellencia, o rio dos Campos Geraes em que nasce e corre até uma pequena dis- tancia de sua bocca, onde entra na terceira região. Elle recebe do Norte o Pitanguy e o Yapô, que nascem ambos na região metamorphica, na circumvizi- nhança de Castro, e entram na região de grés por profundos canons. A região diamantifera está principalmente no valle do Tibagy. Seus tributarios, o Yapô e o Pitanguy, tambem contém pedras preciosas, porém suppõe-se que são menos ricas de que as do rio principal, talvez por causa de exame insufficiente. Diz-se que tambem se acharam no rio das Cinzas. Tanto quanto pude averiguar, ellas nunca foram encontradas no Iguassá ou Ivahy, ainda que eu não veja razão para que não devam apparecer, ao menos no primeiro rio. As pedras preciosas apparecem nas areias do rio, nos numerosos caldeirões e tambem em bancos de cascalho, conhecidos como lavras sec- cas, situados nos campos, a uma elevação maior ou menor acima do rio. Perto da villa de Tibagy ha duas destas lavras seccas. Uma acha-se numa depressão do sehisto devoniano, no valle de uma pequena corrente, e está a alguns metros apenas acima do nivel do rio. Póde-se, entretanto, suppôr que foram depositadas por este, ou pela corrente que agora atravessa O deposito. A secção apresenta em baixo um deposito muito irregular de seixos e areia de alguns centimetros de espessura, que é a parte lavada. Acima deste ha tres ou quatro metros de areia grossa variegada, com seixos irregularmente espalhados dentro do Jeito, o qual mostra linhas muito irre- gulares de deposição, como si fosse depositado em redemoinho. Algumas porções deste leito, são cimentadas com oxydo de ferro, formando folhas enrugadas, mui curiosas, globos e massas irregulares, de fôrma extravagante. No cume da secção ha cerca de metro e meio de barro vermelho-escuro. A v. J—1] 96 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL outra lava está sobre a encosta de uma collina perto do cume, em uma ele- vação de perto de 20 metros acima do leito de um pequeno riacho que corre ao longo da base da collina e despeja as suas aguas no rio, em um nivel de cerca de 100 metros abaixo da mina. O deposito foi evi- dentemente formado debaixo d'agua, porém póde dificilmente ser attri- buido a qualquer das correntes presentes. Tambem jaz sobre os schistos devonianos, cujos fragmentos acham-se espalhados em abundancia dentro do deposito que consiste em um leito de cerca de tres metros de espessura, de areia e seixos onde os diamantes são irregularmente distribuidos, havendo sobre elle talvez seis metros de barro vermelho sem estru- ctura, como a da primeira lavra. Os seixos em ambas estas lavras são bem redondos e constam principalmente de quartzo e rochas quartzozas com seixos de gneiss e de varias outras rochas metamorphicas e igneas. O barro vermelho continua até perto do cume da collina, que é um longo espinhaço com suaves declives, estendendo-se bastante, e horizontalmente, não me tendo sido possivel determinar si é sempre acompanhado ou não pelo cascalho diamantifero. Outras lavras foram abertas, algumas 12 ou 15 milhas abaixo de Tibagy, e é provavel que haja muitas outras localida- des em que os diamantes possam ser achados. Como não vi trabalho em progresso, não pude formar idéa da riqueza destas minas. Dizem que os diamantes são raros, pequenos e de pouco valor em comparação com os achados no rio. O trabalho das lavras tem sido feito em muito pequena escala e com muito deleixo, de sorte que, comquanto na realidade as minas não sejam muito ricas, todavia é impossivel aflirmar que ellas não possam ao menos remunerar um trabalho regular e bem dirigido. Uma pequena quantidade de ouro apparece tam- bem nestas lavras, como o metal geralmente distribuido por essa região. No rio, as melhores pedras são encontradas nos depositos dos caldeirões, consistindo em cascalho solidamente ligado por um cimento ferruginoso. Raras vezes acham-se caldeirões com cimento azulado muito duro, os quaes dizem conter muitos diamantes da melhor qualidade, tanto. em grandeza como em perfeição. Os mineiros notam como facto curioso que, em um grupo de caldeirões, um póde ter cimento azulado, em quanto todo o resto tem-o ferruginoso, sendo os seixos de um inteiramente diferentes dos dos outros. Muitas das pedras que me foram apresentadas estão quebradas e gastas, porém, uma boa porção achava-se em perfeitos crystaes. Os maiores que vi tinham, pouco mais ou menos, o tamanho de um pequeno grão de milho, porém eram irregulares e quebrados. A mais preciosa pedra ahi achada, de que pude obter informações authenticas, foi ven- dida por um conto de réis. As pedras são em geral de boa côr e brilho. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 97 Voltando agora à questão da origem dos diamantes, a resposta me parece facil, e é que elles são naturalmente separados do grés devoniano pelas- aguas. Como já observamos, o Tibagy é quasi exclusivamente um rio da planicie devoniana. A parte mais baixa na região de trapp não é conhe- cida como diamantifera, e si o é, desde que as pedras encontram-se por todo o curso do rio, antes que elle entre na formação de trapp, esta ultima póde ser eliminada do problema. Ficam então as rochas devonianas e o diorito. Tendo passado em redor da cabeceira do rio, e tendo-o transposto em tres logares' differentes, reconheci que são estas as unicas rochas que vem à superficie, a léste da villa de Tibagy, isto é, na região diaman- tifera. Não é impossivel que o rio tenha em certos logares talhado o seu leito até encontrar as rochas metamorphicas subjacentes, porém não ha certeza disso, e não é provavel que nenhuma area consideravel de taes rochas seja exposta, ou quando mesmo o fosse, podesse ter fornecido diamantes em tão grande extensão. Dous tributarios consideraveis, o Yapôe o Pitanguy, correm na região metamorphica, e póde-se suppôr que elles tenham trazido os diamantes das rochas que atravessam nesta região, porém não pude obter nenhuma noticia de diamantes achados naquelles rios antes de entrarem na região do grés, e o Tibagy, é diamantifero não só abaixo, como tambem acima da confluencia. Não se pôde suppôr que o diorito tenha fornecido as pedras preciosas, não só em virtude da natureza da rocha, mas tambem porque na parte superior do valile, onde ellas são communs, o diorito é extremamente raro, ou falta inteiramente; e tambem ainda porque os seixos que sempre acompanham as pedras preciosas não procedem do diorito. Este ultimo forneceu muito provavelmente, por decomposição, o barro vermelho acima do cascalho em Tibagy. As unicas outras rochas que, tanto quanto pude observar, podiam ter dado um tal barro, são as que se acham em redor de Castro, porém seria difficil explicar o seu transporte d'ahi a Tibagy, ao passo que grandes diques de diorito são com- muns perto do ultimo logar. A origem secundaria do cascalho não é difficil de achar. O grés é em toda a parte cheio de seixos; em cada declive onde esta rocha é exposta, a superficie é juncada de cascalho solto pela desintegração da rocha. A origem primaria dos seixos é egual- mente clara; estes, em commum com todo o material dos leitos devo- nianos, são provenientes da serie metamorphica. Não se póde duvidar de que os diamantes tenham a mesma origem primaria, pois não é dado suppôr que se tenham originado no grés, o qual não apresenta o menor signal de metamorphismo ou de crystallisação de qualquer especie, em 98 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL quanto os diamantes devem ter-se originado em algumas series ricas de crystaes, como prova o facto de serem sempre acompanhados por uma grande variedade de crystaes chamados pelos mineiros informações. Eu não tive opportunidade para determinar os de Tibagy, porém sei que não differem materialmente dos já descriptos da Bahia e Minas. Póde-se con- siderar como extremamente provavel, sinão absolutamente certo, que os diamantes originaram-se da serie metamorphica, que na edade devoniana elles eram lavados e depositados no grés de que foram de novo separados para tomar o seu lugar actual nos bancos de areia e caldeirões do rio, e nos depositos de cascalho do campo. Não podemos nós suppôr que os raros pedaços de cascalho com ci- mento azul são accumulos formados no grés e expostos pela formação dos caldeirões? Quanto à parte da serie extensa metamorphica que era a matriz original do diamante, não pude obter dado nenhum no Paraná. A evidencia que sobre o assumpto se está pouco a pouco accumulando, parece tender à confirmação da antiga idéa de que o diamante pertence a alguma parte da serie de itacolumito. Depois dos meus estudos no Paraná parece- me provavel que os extensos e elevados planaltos de grés do Brazil cen- tral, que nos habituamos a considerar como da edade terciaria, são na realidade muito mais antigos e provavelmente paleozoicos. E” ainda cedo para formar opinião decisiva a respeito delles, porém si minhas conjecturas são verdadeiras, podemos explicar o curso dos acontecimentos geologicos do Brazil de um modo muito mais satisfactorio do que actual- mente se explica. Os mais baixos taboleiros tendo um caracter topogra- phico e lithologico quasi identico, ao longo da costa e no Amazonas, são certamente mais modernos do que a edade cretacea, porém nenhum destes; cuja edade póde ser positivamente determinada, eleva-se muito acima de 1,000 metros e os mais altos planaltos do interior foram referidos ao terciario somente por semelhanças de caracteres lithologicos, os quaes no Bra- zu são bastante enganadores. SOBRE AS CASAS CONSTRUÍDAS PELAS LARVAS DE INSECTOS TRICHOPTEROS DA PROVINCIA DE SANTA GATHARINA PELO DR. FREDERICO MULLER LN TIRO LTCCÊ O A ordem dos insectos trichopteros é de sbido interesse debaixo de dous pontos de vista distinctos: o geneslogico e o hiologico. No systema genealogico dos insectos, os (richoptevos oceupam, em relação aos lepidopteros, a mesma posição que, entre os mammiferos, como hoje quasi todos admittem, compete aos macacos antropomorphos em re- lação ao homem; é summamente provavel que os lepidopteros sejam des- cendentes de algum trichoptero extincto, ou ao menos que ambas as ordens se tenham originado e desenvolvido de um typo primitivo commum, do qual menos se tivessem afastado os modestos trichopteros, e muito mais os brilhantes lepidopteros. Ora, si este motivo, para se dar maxima im- portancia á pequena ordem dos trichopteros, é de data muito recente, v. un—lS 100 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ao contrario já em tempos remotissimos as casas ou estojos que as larvas desses insectos construem haviam despertado vivo interesse aos que então se entregavam ao estudo da biologia dos insectos. Na opinião de varios auctores o xylophthoro ou ligniperda [| ,yxoç9opo; | de Aristoteles teria sido uma larva de Phryganea; todavia, como elle se não refere à vida. aquatica deste animal, é mais provavel que tivesse sido a larva de algum lepidoptero, do grupo das Psychideas talvez. Mas seja isso como fôr, o que é verdade é que os grandes observadores do seculo passado, a quem tanto deve a biologia dos insectos, Réaumur, De Geer e Roesel, fizeram tambem estudos muito importantes sobre a historia natural e a estructura dessas larvas de trichopteros, assim como de suas casas. No seculo actual deram-se a um estudo especial dos mesmos animaes, Pictet, Kolenati, Hagen, Mac Lachlan e outros. Entretanto, todos esses tra- balhos ficaram quasi exclusivamente adstrictos à Europa, sendo ainda hoje a historia natural das especies extra-européas como que um terreno virgem e desconhecido à sciencia. Em 1864, Hagen, publicou uma lista descriptiva de todas as casas de trichopteros, de que tinha visto exemplares ou achado alguma noticia em outros auctores (1); devendo notar-se que do vasto territorio do Brasil, só se acham mencionadas nesta lista de 150 especies a grumicha de Saint Hilaire, e uma especie de Hehcopsyche. Assim, pois, não será fóra de pro- posito dar uma breve not das especies que observei na provincia de Santa Catharina. Por mais deficiente e incompleta que seja ainda a minha lista das especies calharimenses, ao menos mostrará quantas fórmas inespe- radase curiosas podem ainda deparar-se aos que quizerem explorar as aguas do Brasil à busca das larvas de Trichopteros. Limito-me por esta vez às casas construidas pelas larvas, referindo-me apenas de passagem a um ou outro ponto notavel da estructura ou dos costumes de seus habitantes, cuja des- eripção -reservo para outro trabalho. | Quando, ha 25 annos, Bremi propoz o genero Helicopsyche, de que maquella épocha apenas se conheciam as casas das larvas, baseou-se no facto capital de que «todas as observações feitas até então a esse respeito provaram sempre que as dillerenças existentes no typo de archithectura das casas de Phryganideas indicam generos distinctos». Sigo o exemplo de Bremi, propondo generos novos para varios typos inteiramente novos de casas de Trihopteros; semelhante procedimento me parece assaz justi- ficado, comquanto sejam ainda desconhecidos os insectos perfeitos, no facto da transformação que soffrem as larvas constructoras daquellas casas. To- (1) Hagen, Ueber Phryganiden-Gehasuse Stettiner entomol. Zeitung XXV. 1864. pag. 114 e pag. 221. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 101 memos o exemplo das Helicopsyches, tão notaveis pelas suas casas encara- coladas. Tres casos podiam apresentar-se. Primeiro, que os insectos per- “ feitos, nascendo das especies já tão numerosas e espalhadas por todo o mundo, daquellas casas encaracoladas, fossem todos tão semelhantes entre st e tão differentes de todos os mais trichopteros, que constituissem um genero distincto; neste caso não haveria duvida alguma sobre o genero Helicopsyche. : Em segundo logar, podia-se suppór que fossem todos os trichopteros nascidos de casas encaracoladas, tão semelhantes às especies de algum outro genero, que, no estado de insectos perfeitos, não se podessem dis- tinguir genericamente; tambem neste caso, que não se verifica na Heli- copsyche borealis, Hag, teria sido conveniente conservar o genero Helicopsyche, visto como o caracter das casas encaracoladas é, sem duvida nenhuma, muito mais importante e signal muito mais seguro de afinidade do que aquellas ligei- ras differenças nas nervuras das azas e outras do mesmo jaez, hoje usadas para distinguir os generos dos trichopteros. Poderá, emfim, acontecer que as varias especies cujas larvas construem casas encoracoladas, estejam no estado de insectos perfeitos, tão diversos entre si, que conviria separal-os em diversos generos; tambem neste caso deveria subsistir o nome de Heli- copsyche, para designar por uma unica palavra os constructores das casas encaracoladas, e devia subsistir com o mesmo direito com que continuam a ser usados os nomes de Bipinnaria, de Plutews;Pde Nauwplius, de Zoea, etc. Ora, tudo o que acabo de dizer a respeito das Helicopsyches, vale tambem para todos os generos que vou propôr neste trabalho. à 1 - As casas das Rhyacophilideas- (fig. 1-4) Segundo Pictet (1), as larvas das Rhyacophilideas vivem sem casa em aguas correntes, e só quando estão para se transformar em nymphas, construem nas pedras uma casa tosca e immovel; não obstante, o proprio Pictet já figurou uma casa movel, feita de pedras pela larva de uma especie desta familia (2). Depois de construida ou fixada a casa, as larvas das Rhyacophilideas, antes de se transformarem, ainda fazem ao redor de si um: segundo involucro, ou casulo de uma membrana assaz resistente, de fórma oval, fechado de todos os lados, o qual se acha solto no interior da casa de pedras. Por este segundo involucroas nymphas das Rhiacophilideas facil- mente se distinguem das de todos os mais Trichopteros. Nos corregos e ri- (1) Citado por Hagen 1. c. pag. 142. (2) Hagen, 1. c. pag. 144. n. 6. 102 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL beiros affluentes do rio Itajahy ha algumas especies desta familia que, no estado de larvas, parecem prescindir de casas; os casulos de suas nymphas acham- se cobertos de algumas pedrinhas toscamente accumuladas, formando um monticulo tão irregular que não merece o nome de casa. Muito mais frequentes são algumas outras especies que já no estado de larvas vivem em casas moveis. Estas casas (fig. 1-4) são feitas de pedras de fôrma oval, com dous orifícios ou portas nos dous extremos do lado ventral. Não ha differença entre os extremos anterior e posterior da casa, podendo a larva sahir indifferentemente por uma ou outra porta. Antes de se tran- sformar em nympha, a larva remove a parede ventral, fixando toda a margem da abobada da casa a alguma pedra maior, e ao mesmo tempo reune mais firmemente umas às outras as pedrinhas da mesma abobada. As casas de todas as larvas de Trihopteros devem ser atravessadas conti- nuamente por uma corrente de agua fresca, que mantém a respiração das mesmas larvas. Ora, as duas portas das casinhas moveis das Rhyacophilideas acham-se, como já disse, na parede ventral, e applicadas à pedra em que vivem; circwmstancia esta utilissima, de certo, para impedir a entrada de qualquer inimigo, porém muito desfavoravel à circulação da agua. Este inconve- mente acha-se remediado de differentes maneiras pelas diversas especies catharinenses. Em uma especie pequena (fig. 1), cujas casas raras vezes excedem a 5"" de comprimento sobre 3º" de largura, as pedrinhas da abobada são ligadas de maneira a deixarem entre si pequenos orifícios ou intersticios irregulares, de numero, tamanho e fórma muito variaveis. A's vezes, perto de um ou outro extremo, encontra-se um orifício um pouco maior. Esta especie vive em varios corregos menores de curso rapido; geralmente no lado superior das pedras, as casas das nymphas (fig. 4. B-B'), costumam ser fixadas ao lado inferior das mesmas pedras. Outra especie (fig. 2), que encontrei no ribeirão da Gruta dos Macacos (« Affenwinkel, dos allemães da colonia de Blumenau») e que costuma empregar pedras relativamente grandes na construcção de suas casas, deixa um unico buraco maior no centro da abobada. Este buraco é fre- quentemente quadrangular e limitado por quatro pedras, fechando-se quando a Jarva vai transformar-se em nympha. Em quasi todos os logares em que um ribeirão maior ou menor corre rapidamente em um leito de pedras, estas acham-se cobertas de milhares de casinhas de Rhyacophilideas (fig. 3), que, em vez de um sim- ples buraco, possuem no meio da abobada uma chaminé ou cano mais ou menos alto, construido geralmente de pedrinhas muito mais miudas do que as do resto da casa. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 103 As fórmas e côres dessas casinhas variam ao infinito, segundo o ca- racter mineralogico do material que para a sua construcção as larvas encontram nas aguas, não só nos differentes ribeiros que habitam, como tambem na mesma localidade. As tres casinhas da fig. 3 foram tiradas com algumas duzias de outras não menos diversas de uma unica pedra do ribei- rão do Garcia. As casas das nymphas, fixadas geralmente no lado inferior das pedras, não têm mais chaminé. Por causa da extrema variabilidade e irregularidade destas casinhas, é quasi impossivel decidir, sem um exame minucioso das larvas e nymphas que as habitam e dos insectos perfeitos em que estas se transformam, si todas ellas pertencem a uma só especie. As que no mez de Agosto achei no ribeirão da Triste Miseria (Trauriger Jammer, dos allemães de Blumenau), distinguiam-se por uma chaminé menos alta, menos estreita, e frequentemente um pouco inclinada. (Fig. 4). Talvez seja especie diferente. é ?. As casas das Hydropsychideas (fig. 5-6) Não se conhece larva da familia das Hydropsychideas, que faça casa movel; quasi todas ellas vivem em escondrijos de construcção muito rude, sendo, ou corredores assaz compridos e tortuosos, cobertos de pedras, fra- gmentos de plantas, etc., ou tambem canaes cylindricos cujas paredes, tecidas pela larva, se compõem de seda e barro ou areia fina, como os construidos pela larva de Hydropsyche maculicornis (1). Na provincia de Santa Catharina abunda, por baixo das pedras, em quasi todas as aguas correntes, uma larva desta familia, a maior de todas as larvas de Trichopteros que por aqui ha. Ella vive em uma especie de canal ou corredor coberto de pedras irregu- mente accumuladas e em geral muito mal seguras por alguns fios de seda. Para se transformar em nympha ella construe uma casa de pedras firme- mente ligadas, às vezes enormes para animal tão pequeno. A fôrma externa dessas casas (fig. 5 A), fixadas no lado inferior de pedras maiores, é muito irregular, variando ao infinito, segundo a fórma das pedras empregadas na sua construcção. Ellas encerram uma cavidade cylindrica ou oval de cerca de 20” de comprimento sobre 6"” de largura. A camada interior da parede da casa é feita de barro, areia ou pedrinhas muito intimamente unidas pela seda que fornecem os «sericterios» ou glandulas fiandeiras da larva. A superficie interna da casa é lisa; em cada extremidade a parede é perfurada de cerca de meia duzia de buraquinhos para receber (1) Westwood—Introduction to modern classification of Insects. 1I pag. 62. fig. 68, 8. v. 11—16 104 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL a agua necessaria à respiração da nympha. Contiguo à superficie interna da casa de pedras acha-se um casulo de seda branca, ligeiramente ama- rellada (fig. 5 B). A membrana do casulo, comquanto tenuissima, é muito resistente; os extremos (ou bases do cylindro), são crivados de buracos numerosissimos de cerca de 0,""08 de diametro (fig. 5 B'). Mais rara é outra especie da mesma familia (fig. 6), que só se encontra em corregos de curso muito rapido, v. g. na «Gruta dos Macacos» e na «Triste Miseria » de Blumenau. As suas casas são das mais interessantes, não só na ordem dos Trichopteros, como dos insectos em geral, podendo rivalisar com as do cupim, das formigas, marimbondos, abelhas, etc. Estas casas nunca são feitas por baixo, mas sim por cima das pedras; são construidas sem grande arte, e nada mais são do que tubos ou canaes de cerca de 7º" de com- primento sobre 2º” de diametro, feito de fibras vegetaes irregularmente sobrepostas ou entrelaçadas, ou tambem de pedrinhas. Cada casa tem um vestibulo ou varanda, dilatando-se em fórma de funil, cuja entrada mede até 7º” de altura sobre outro tanto ou mais de largura. As paredes late- raes são geralmente feitas de fibras entrelaçadas, servindo de tecto uma rede elegantisssma de seda, cujas malhas quadrangulares costumam ter 0,""2 até 0,""3 de largura. As casas «são invariavelmente orientadas de tal maneira que a corrente d'agua venha bater na entrada do funil. Raras vezes estas larvas vivem solitarias; geralmente fazem as suas casas conti- guas umas ao lado das outras, formando às vezes uma longa fileira in- interrupta, perpendicular ao curso da agua, interceptando e retendo desta sorte em seus funis tudo quanto a agua possa trazer de comestivel. Para a transformação em nymphas parece que as larvas sempre substituem pequenas pedras ás fibras vegetaes das suas casas; sendo essas pedrinhas fortemente unidas e cobrindo uma cavidade de cerca de 7º” de compri- mento sobre 3”” de largura (fig. 6 B, B'), cuja parede é interiormente revestida, como na especie precedente, de uma membrana resistente. Nessas casas de nymphas não ha mais varanda, a qual não sei si foi removida pela larva ao preparar a casa para sua transformação, ou destruida a pouco e pouco pela corrente d'agua. Os insectos em que finalmente se transformam os moradores dessas interessantissimas casas assemelham-se, pela estructura. das antenas e nervuras das azas, ao genero Smridea, Mac Lácilan. Assim como ambos os sexos de Smicridea, as femeas têm tambem um unico esporão nas tibias anteriores, quatro nas intermediarias e quatro nas posteriores; porém, os machos têm só dous nas tibias posteriores. E” um caso analogo ao do genero Ieteroplectron, MLachl, da familia das Leptoce- rideas, em que as tibias posteriores dos dous sexos diferem da mesma ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 105 maneira. Proponho para o habi! architecto e tecelão o nome de Rhya- cophilas. Ed % 38. As casas das Leptocerideas (fig. 7-15) As casas de todas as especies desta familia são moveis, tendo quasi a fórma de canudos estreitos, conicos, um pouco arqueados. As larvas das diversas especies differem muito entre si, não só quanto ao mate- rial que empregam na construcção de suas casas ou estojos, como tambem em relação ao modo de fixal-as ou fechal-as quando estão para se tran- sformar em nymphas. A casa, à mais simples e rude (fig. 7), é de uma larva que se serve para este fim de fragmentos de ramos que nunca escas- sejam nos corregos do mato. Si os ramos são Ôcos, servem sem mais preparação; a larva corta um pedaço de comprimento conveniente e tira roendo um pedacinho semi-circular da margem ventral da entrada (fig. 7A €), ficando desta sorte a cabeça da larva coberia e protegida pela margem dorsal da mesma entrada. Frequentemente a larva fixa a esta margem superior da entrada uma ou algumas pequenas pedras, protegendo assim ainda mais a entrada. Si os ramos forem massiços, a larva tem de pré- viamente excaval-os, devendo, além disso, fazer um buraquinho lateral na extremidade posterior do tubo que tiver excavado, para a sahida da agua que tem servido à respiração. Os páosinhos habitados por larvas adultas têm geralmente de 30 até 39"” de comprimento, chegando só raras vezes a medir 50"” ou mais. Um só vi eu que tinha 80” de comprimento sobre 3"” de diametro; talvez a larva deixasse de cortar parte delle por ser muito leve. Em approximando-se a época da transformação, a larva fixa a sua casa pela margem ventral da extremidade anterior, por baixo de alguma pedra maior ou de algum tronco de arvore cahido n'agua. Feito isso, tapa a entrada com uma pedra (fig. 7 A',p) ligada, ou para melhor dizer, collada à extremidade anterior do casulo membranoso da nympha (fig. 7 A”, n). No interstício, entre a pedra ca parede do tubo, o casulo é crivado de buracos de cerca de 0,""12 de diametro. Da mesma sorte acha-se um crivo transversal (fig. 7, A-A”) no extremo posterior do casulo da nympha; crivo este que é quasi coriaceo, e mais grosso e duro do que a membrana que reveste a parede do tubo. A's vezes acontece que o mesmo crivo applica-se ao orificio lateral do tubo (fig. 7, B, B'). Si o tubo é ôco, geralmente a larva tapa-o com uma pedra tambem na extre- midade posterior; algumas vezes, comtudo, a larva introduz uma pedrinha no interior do tubo, applicando-a ao crivo (fig. 7, €, €). Tambem neste 106 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL caso as larvas fazem o buraco de costume (fig. 7, €”, o) na parede do tubo, buraco que, por mais indispensavel que seja, quando o tubo fôr fechado posteriormente, é absolutamente superfluo e inutil quando fôr aberto. E" um dos exemplos mais frisantes para refutar a pretendida «infallibilidade do instincto». Sobo nome de Grumicha, descreveu Aug. St. Hilaire (1) «tubos de uma substancia dura, cornea, de meia pollegada de comprimento, lisos e polidos, pretos, arqueados, a pouco e pouco adelgaçados como um chifre, habitados por uma larva e vivendo em rios do Brasil.» Essa descripção, applica-se perfeitamente aos estojos de uma larva da familiia das Lepto- cerideas, assaz frequente em alguns afluentes maiores do rio Itajahy (ribeirão do Garcia, Warnow, Neisse). Só os estojos d'aqui (fig. 8, A) são um pouco maiores; talvez St. Hilaire tenha visto só as larvas ainda não adultas. Em todo o caso, si não fôr a mesma, é ao menos muito semelhante à nossa a especie descripta pelo celebre naturalista francez. Medi 20 estojos, fixados e por isso, adultos de femeas que tinham 26"" de comprimento (2), termo medio, variando entre 24 e 28""; da mesma sorte 20 estojos fixados de machos tinham 18º” de comprimento, termo medio, variando entre 16 e 21r= Os estojos são curvados quasi uniformemente em toda a sua extensão; O raio da curvatura é de cerca de 3 centimts., augmentando um pouco na extremidade anterior. Os estojos dos machos correspondem a arcos de 36, os das femeas a arcos de 52º, pouco mais ou menos. A extremidade poste- rior ou anal do estojo tem cerca de |"" de diametro, a anterior ou oval cerca de 2""” nos estojos dos machos, e o ks m , nos das femeas. A ex- tremidade posterior é fechada por uma parede transversal, da mesma sub- stancia do estojo, tendo no centro um buraco circular cujo diametro é de 1/4 até 1/3 de millimetro (fig. 8, B). As larvas gostam de fixar-se em com- mum, umas ao Jado ou até nos estojos das outras. Não é raro encontrar grupos de mais de cincoenta, e até de cem estojos collados uns aos outros. Os estojos são fixados só pelo extremo anterior por meio de um pequeno disco adhesivo, sustentado por um curto pé ou esteio; esses discos peciola- dos, que são da mesma substancia dos estojos, nascem geralmente da margem lateral, raras vezes da margem dorsal, quasi nunca da margem ventral do orifício oval do estojo; às vezes o estojo é fixado por dous ou tres discos em diferentes direcções. Depois de fixado o estojo, quer em uma pedra, quer em outro estojo, é tapado por uma tampa ou parede transversal situada a pequena distancia (sempre inferior a 1 millimetro) do orifício anterior. Essa tampa ou operculo tambem é feita da mesma substancia do estojo. Apre- (1) Voyage ao Brésil. Tom. III, 1830 pag. 62. (2) Pelo comprimento de estojos curvados entendo a corda entre os extremos e não o compri- mento do arco. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 107 senta uma fenda transversal, situada um pouco abaixo do centro da tampa, e geralmente arqueada, voltando o lado convexo para abaixo (fig. 8, €. D). Medi os operculos de 17 femeas e de outros tantos machos, o que se póde muito facilmente fazer depois que elles são removidos pelas nymphas, ao sahirem do estojo para soffrer a sua ultima metamorphose. O diametro dos operculos das femeas varia de 2 a 2.mm 4 (termo medio: 2,º"24); o dos operculos dos machos de 1,6 até 1,»m8 (termo medio: 1""64); o compri- mento da fenda era n'aquellas de 0,5 até 0,»m8 (termo medio: 0,""69); nestas de 0,75 até 0,6 (termo medio: 0,m»52); emfim, a largura da fenda é nas primeiras de 0,1 até 0,="15 (termo medio 0,==123); nas segundas de 0,07 até O,m»]2 (termo medio: 0,27 09. Multiplicando o comprimento pela largura ter-se-ha, semerro notavel,a área da fenda, a qual para os estojos das femeas seria, pois, de 0,”"085 quadrados. Ora, a área do orificio circular na extremidade posterior, cujo diametro é de 1/3m" nas femeas e egual a = =0,2m087 quadrados. Assim os dous orificios anterior e posterior, pelos quaes dá-se a entrada e sahida da agua, que mantem a respiração da nympha, têm àreas eguaes, apezar de suas formas tão diversas. Quanto à substancia de que são constituídos os estojos da grumicha, acreditava Bremi que era fornecida pelas proprias larvas; a Hagen pelo contrario parecia mais provavel que fosse composta de fibras vegetaes (1). Acho que esta opinião de Hagen não póde ser admittida, porquanto, entre os operculos escuros, quasi homogeneos, duros e elasticos da gru- micha, e as redes ou crivos que se encontram nos extremos do casulo das nymphas de certas Hydropsychideas (fig. 5. B'), nas quaes podem-se distin- guir todos os fios de que são tecidas, ha tantas fórmas intermediarias, que não é possivel pôr em duvida que umas e outras sejam produzidas do mesmo modo. Assim, pois, as Hydropsychideas não podem nas suas casas de pedras, fechadas de todos os lados, confeccionar os seus casulos de nenhum material estranho. Tambem no caso das Ielicopsyches e outras especies, ninguem de certo porá em duvida que os operculos de suas ca- sas, já muito mais semelhantes aos da grumicha, sejam feitas de uma substancia secretada pelos sericterios ou glandulas fiandeiras das respe- ctivas larvas. Ora, entre a substancia do operculo e a do estojo da gru- micha não ha differença; este tambem é de certo um producto exclusivo da larva. Hagen não teria com certeza commettido semelhante erro se tivesse estudado os operculos da grumicha; mas nos tres estojos que elle examinou, achou os orifícios buccal e anal, tapados com pequenas pedras, sem descobrir outro operculo. (1) Hagen, loc. cit. pag. 227. v. a. — 17 LOS ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Esta observação de lHagen foi para mim por muito tempo um pro- blema, do qual em vão me esforcei por achar alguma solução plausivel. Duvidar de um facto tão obvio e averiguado por observador tão con- sciencioso e digno de toda a confiança, era-me impossivel. Mas, por outro lado, como acreditar que larvas, que fazem casas identicas, as fixassem e fechassem de modo tão completamente diverso? Entretanto o facto é muito simples. Os estojos de Hagen eram estojos de grumicha, habitados, fixados e fechados por outra especie intrusa. No ribeirão do Garcia, perto de um lugar onde abundam as grumi- chas, eu tambem achei, ha pouco, alguns estojos de grumicha fechados por uma pedra, e fixados pela margem ventral do orifício anterior por meio de um disco (fig. 9, d) coriaceo transversal, sem peciolo, e de côr parda- centa. Abrindo um destes estojos, vi que não encerrava nympha de gru- micha, e sim uma nympha identica, ou ao menos muito semelhante à dos páozinhos (fig. 7). O estojo era revestido, como a cavidade dos páozinhos, por uma membrana que formava ao redor da nympha um casulo termi- nado posteriormente por um erivo transversal; sendo tambem crivada a membrana que fechava o interstício situado entre a pedra que serve de operculo e o estojo (fig. 9, B). Os imsectos, cujas larvas vivem, como intrusas, nos estojos da gru- micha, e os dos páozinhos, são muito semelhantes; de uns e de outros vi so muito poucos, e aimda não os examinei minuciosamente; por ora, a unica differença, que lhes achei, consistia na côr, muito mais pallida em todos os intrusos, e mais escura nos insectos dos páozinhos. Vê-se, por este exemplo, que não são sómente as casas de cupim e de abelhas, mas tambem as dos Trichopteros, que podem ser habitadas por especies intru- sas, e que por isso nem sempre os insectos desta ordem podem ser consi- derados sem mais prova e exame, como os architectos das casas, em que tiverem soffrido a sua transformação. No ribeirão da Gruta dos Macacos « Aflenwinkel » vive uma segunda especie de grumicha (fig. 10), que ainda não encontrei em outra parte. E” muito menor, e por isso vou designal-a pelo diminutivo grumichinha. O seu comprimento não excede a 10", Os estojos das duas especies são curvados exactamente da mesma maneira, sendo o raio da curvatura de Jem., pouco mais ou menos. Tam- bem em tudo o mais, as duas especies são muito semelhantes, e, abs- trahindo-se do tamanho, a descripção de St. Hilaire applica-se tambem perfeitamente à qrumichinha, são «tubos de uma substancia dura, cor- nea, lisos, polidos, pretos, arqueados, levemente adelgaçados como um chifre. » D'ahi seria diflicillimo distinguir as duas especies antes de ha- ver a grumicha ultrapassado as dimensões da grumichinha, se não fosse ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 109 assás differente a estructura das larvas que produzem estojos tão seme- lhantes. Facilmente se distinguem as duas especies pela côr das pernas, mesmo sem proceder a um exame minucioso de sua estructura:; sendo as pernas da grumicha pretas e lustrosas, e as da grumicdunha pallidas e pardacentas. De vinte estojos adultos (já fixados) que medi, o menor tinha 6,"", o maior 10"" de comprimento, sendo o comprimento médio de 7,»m. não havendo, como na grumicha dous grupos bem separados “de estojos maiores e menores, correspondentes aos dous sexos masculino e feminino. A maneira de fixar e fechar os estojos é quasi identica à da grumicha; sómente é de notar que o peciolo do disco adhesivo nasce da margem ventral da entrada, o que quasi nunca se dá com a gru- micha ; além disto a fenda do operculo (fig. 10, B) acha-se sempre collo- cada por cima do centro e não por baixo, como na grumacha (fig. 9. €. D.) (1). Em um ribeirinho, tributario do ribeirão do Garcia, em cujas aguas quasi estagnadas abunda uma especie de Callitriche, achei uma larya de um trichoptero, que, pelas suas pernas posteriores, muito delgadas e com- pridas, parece pertencer à familia das Lepiocerideas, larva esta que faz a sua casa com as sementes da mesma Calhtruhe (fig. 11). A's vezes, em parte da casa, as sementes são substituídas por pe- quenos fragmentos do casulo da Callitriche. As sementes são collocadas transversalmente, isto é, em planos perpendiculares ao eixo da casa, a qual é quasi cylindrica, um pouco mais estreita na parte posterior. As casas têm de 5 a 6"m de comprimento sobre cerca de 2mm de diametro. O aspecto da entrada é bastante variavel, segundo o numero das sementes que a limitam; ás vezes é um triangulo equilatero ou isosceles (fig. 11, B), outras vezes um quadrilatero regular ou irregular, etc. Quando estão para se transformar, as larvas fecham a entrada com uma membrana transversal, deixando no centro um pequeno buraco. Nos remansos dos ribeiros maiores, v. g. do ribeirão do Garcia, vive nos troncos de arvores que alli apodrecem, ou tambem nas pedras, uma larva da familia das Leptocerideas fig. 12), que faz os seus estojos ou casas de fibras vegetaes ou pedacinhos de madeira estreitos e com- pridos que ella provavelmente tira das arvores em que vive. A largura destes pequenos fragmentos é ordinariamente de cerca de 0,2"25, variando o comprimento, de 1 até mais de 10"". O maior dos estojos ainda livres, que vi tem 207” de comprimento, da extremidade posterior até à margem superior, e 17"" até à margem inferior da entrada; o diametro é de 27" na entrada, (1) No salto da « Triste miseria » de Blumenau, vive uma terceira especie ainda menor de grumi- chas, cuja descripção darei em um supplemento à este trabalho. Ho ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL e de |”” na extremidade posterior: é pois muito adelgaçado, e ao mesmo tempo muito pouco arqueado, sendo o raio da curvatura da face ventral de cerca de Sem. As fibras são dispostas em sentido longitudi- nal, parellamente ao eixo, na face dorsal da casa; cerca de meia duzia dessas fibras longitudinaes prolongam-se além da margem superior da entrada, escondendo e protegendo a cabeça da larva. As fibras da face dorsal têm 5 a 6º” de comprimento, havendo comtudo algumas de mais de 10mm. As fibras das faces lateraes têm o mesmo comprimento e uma direcção obliqua, convergindo para o lado ventral e o extremo posterior da casa, e formando um angulo muito agudo com as do lado opposto. Emfim na face ventral, as fibras são muito mais curtas, de 1 até 2mm de comprimento, formando na parte anterior da casa angulos quasi rectos não só as de um, como as de outro lado. Esta disposição das fibras é quasi a mesma em todas as casas que vi, si bem que nem sempre seja tão re- gular como a que acabo de descrever. As larvas frequentemente fixam no extremo posterior da casa uma ou duas fibras muito longas, que exce- dem às vezes o comprimento de toda a casa. Em uma das casas vi co- berta a maior parte da superficie só de pedacinhos pretos de madeira, que apenas têm metade da largura habitual, provenientes provavelmente do tronco de alguma samambaia. As casas das nymphas são mais curtas do que as das larvas adultas; oito, que medi, variavam entre 9 e 10,mn5 de comprimento; costumando as larvas cortar a parte posterior de suas casas antes de fixal-as. Ambas as extremidades de cada casa são fixadas por meio de um disco adhesivo peciolado, que geralmente parte da margem ventral, e raras vezes da margem lateral (como acontece na extremidade anterior da fig. 12. A, A). Os dous orifícios anterior e posterior são fechados por um operculo membranoso, apresentando no centro uma fenda elliptica de cerca de 0,»=] de Jargura sobre 0,”"4 de comprimento. A fenda posterior é vertical, dirigindo-se do lado dorsal ao ventral; ignoro ainda qual a di- recção da fenda anterior por só ter visto operculos soltos. Pelo modo de fixar os seus estojos, assim como pela direcção vertical da fenda poste- rior, assemelha-se à especie precedente uma outra (fig. 13), cujos estojos são aliás de aspecto muito diverso. São tubos estreitos, roliços, quasi rectos, e pouco adelgaçados na parte posterior. Estes tubos são feitos de uma membrana resistente e elastica, coberta de areia tão fina que mais fa- cilmente se descobre pelo tacto do que pela vista, dando aos tubos um aspecto perfeitamente liso e polido. A côr pardo-escura é devida a supra- citada membrana; e não à areia que os cobre, a qual é geralmente composta de grãozinhos de quartzo hyalino de 0,2"05 até O,mm] de dia- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ii metro. O comprimento dos estojos fixados é de T7.a 8,25; o diametro anterior dos maiores é de cerca de 1,mm2, e dos menores 0,”"9, de modo que. mais differem elles pela grossura do que pelo comprimento, sendo “o diametro da extremidade posterior igual a 2/3 pouco mais ou menos do da extremidade anterior. Entre os estojos livres encontrei alguns, cujo comprimento era quasi o dobro do dos fixos; nestes estojos a extremidade posterior era muito delgada e sensivelmente curva. São os estojos fixados pela margem ven- tral de ambas as extremidades; sendo os discos adhesivos ordinariamente bilobados ou chanfrados (fig. 13, A”. Os orifícios anterior e posterior são fechados por um operculo mem- branoso. O operculo anterior (fig. 13, A”) tem um orifício central e circular de 0,2=075 de diametro, ao redor do qual vêm-se tres zonas ou amneis concentricos, muito distinctos; o segundo é mais escuro do que o primeiro e o terceiro eleva-se como um vallo circular por sobre o nivel delles; sendo muito variavel a largura relativa dos tres anneis. O operculo posterior (fig. 13, A”) tem um orifício central elliptico, sendo os eixos da ellipse de cerca de 0,m=35 e O,mmi; o eixo maior é vertical como na especie precedente. Até ha pouco considerei como muito rara esta especie, tendo achado só alguns estojos, tanto em diversos rI- beiros menores, como no ribeirão do Garcia; novamente porém descobri um ponto neste mesmo ribeirão, onde quasi não havia pedra em que não se achassem fixados de dez a vinte ou mais destes estojos. A semelhança das duas ultimas especies não se limita aos estojos fixados e fechados do mesmo modo; e a sua affinidade manifesta-se tam- bem pela estructura das larvas, nymphas e insectos perfeitos. As larvas são as unicas entre todas as dos Trichopteros catharinenses que sabem nadar, servindo-se para isso das pernas posteriores, distinguindo-se tam- bem das outras larvas da familia das Leptocerideas por antennas mais desenvolvidas. As nymphas têm na extremidade do abdomen duas pontas fortes e longas que ellas fazem sahir da fenda posterior com um movi- mento de vai-e-vem, movimento que provavelmente serve para produzir a corrente d'agua necessaria à respiração. Emfim os insectos perfeitos da ultima especie são dos mais lindos que ha na ordem dos Trichopteros; as suas azas anteriores, amarellas, cobertas de escamas, como nos Lepido- pteros, são ornadas de listras transversaes prateadas, e de malhas pretas redondas. Os insectos da especie precedente têm côres semelhantes, po- rém muito mais desmaiadas. Ha ainda, nas aguas de Santa Catharina, um outro typo de estojos de Leptocerideas representado por duas especies muito semelhantes, mas de tamanho muito differente (fig. 14 e 15). Esses v. 1I—18 1 É o ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL estojos são feitos de pequenas pedras, e são conicos, curvados, fixados, para a transformação, pela margem ventral de ambas as extremidades, e tapados com pedras, ficando uma fenda semi-lunar guarnecida de dentes ao longo da margem ventral, Os estojos da especie maior (fig. 14) são construidos de pedrinhas de cerca de 0,228 de diametro (variando comtudo de menos de 0,mz3 até 2mm). os das larvas adultas são menos curvados e alargados na extremi- dade anterior do que os das mais novas. Em uma casa de 97” de com- primento o extremo anterior tinha 322, o posterior |”” de diametro, sendo o raio da curvatura do lado ventral de cerca de Im. Pelo con- trario, em um estojo já fixado de 157" de comprimento, o extremo amn- terior tinha 4, o posterior 3” de diametro, e o raio da curvatura do lado ventral tinha cerca de 3º". O orifício posterior do estojo das larvas (fig. 14, A) é fechado por uma parede transversal de uma substancia parda ou preta, dura, semelhante à dos estojos da grumicha, à qual ge- ralmente se acham colladas algumas pedrinhas; essa parede occupa os dous terços inferiores da altura do dito orifício, ficando aberto o terço superior ou dorsal, sendo este orifício limitado em baixo por uma linha recta. Os estojos são fixados em angulos reintrantes ou fendas, do lado inferior das pedras, pela margem ventral de ambos os extremos, por meio de um ligamento duro, curto e largo, occupando 1/4 até 1/3 da cireum- ferencia do estojo (fig. 14, B', €', E). Para poder fixar a margem ventral do extremo posterior, a larva deve evidentemente remover a parede transversal que alh ha; quando depois vai fechar de novo a sua casa, segue um plano inteiramente diverso, dei- xando uma fenda estreita entre as margens ventraes da parede transversal e do estojo (fig. 14, E). Além disso ella faz nesta fenda, ao longo da margem ventral do estojo, uma fileira de 12 para 15 dentes (fig. 14, B”), que constam da mesma substancia dura e escura do operculo. O extremo anterior é fechado da mesma maneira, notando-se que os dentes da fenda costumam ser menores e mais numerosos (fig. 14, (”). A superficie externa dos operculos é quasi sempre coberta de pequenas pedras chatas fig. 14, B, €). A fenda posterior não se acha geralmente na extremidade, e sim um pouco recolhida para dentro, sendo a parte ventral do operculo um tanto curvada para o interior do estojo (fig. 14, E”, E”). Assim como na grumicha, os estojos das nymphas podem ser separados pelo seu tamanho em dous grupos distinctos, tendo os maiores (fig. 14, D, E) cerca de 157", e os menores (fig. 14, B, C) cerca de 127" de comprimento; é muito provavel que, como naquella especie, os maiores sejam habitados por femeas e os menores por machos. Os estojos da es- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 113 pecie menor (fig. 15) são em tudo semelhantes aos da maior; o compri- mento dos adultos é de 8 até 9»r, sendo o diametro anterior de cerca de 2 e o posterior de cerca de 1,""5, e o raio da curvatura do lado ventral de certa de 15”m. São construidos de pedrinhas menores, não excedendo geralmente a 0,7m5. O orficio da parte superior da parede transversal que tapa o orifício posterior (fig. 15, A”) € de fórma oval, sendo limitado em baixo por um arco, e não por uma linha recta, como na especie maior. Esta parede costuma ser de côr pardacenta, mais escura em redor do buraco, algumas vezes pallida e outras preta. A maneira de fechar e fixar o estojo para a transformação em nym- pha é identica à da especie maior; a unica differença digna de notar-se está nas pedras usadas no operculo anterior; em vez de algumas pedras menores chatas e que não se elevam a cima do plano da entrada, a especie menor tapa os orifícios tanto anterior como posterior do estojo com uma unica pedrinha, que costuma sahir muito para fóra dos mes- mos orifícios (fig. 15, B”, B”). Por mais irregulares que pareçam estas pedrinhas, vistas de fóra, ellas não deixam comtudo de ser escolhidas com muito cuidado; exami- nando-as depois de removidas pela nympha ao sahir do estojo, vê-se que todas ellas têm uma face quasi plana e circular, igual ao orifício do estojo, para o interior do qual está voltada. 9 4. Casas de especies de posição incerta (fig. 16-17) Ainda não pude examinar insectos perfeitos, nem mesmo nymphas das duas especies seguintes, nem tão pouco achei nas larvas caracteres que me permittissem. determinar com certeza a familia a que pertencem ; só posso dizer que, ou são Leptocerideas ou Sericostomideas. Em favor desta ultima familia podem ser citados os angulos anteriores do prothorax, prolongados nas larvas da primeira especie em pontas agudas e compri- das, o que faz lembrar os angulos anteriores dos segmentos thoracicos pontudos que, segundo Pictet, caracterisam as larvas do genero Trichostoma da familia das Sericostomideas (1). As casas das duas especies são achatadas e feitas de folhas; as da primeira especie (fig. 16) constam quasi sempre (1) Westwcod, Introduc. to mod. classif. of Insect. 11, pag. 68. 114 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL de quatro pedaços de folhas, formando dous o lado ventral e os outros dous o lado dorsal; o seu tamanho, assim como a sua figura são extre- mamente variaveis, como mostram as figuras 16, A, B, €, D, todas de tamanho natural. O que é constante 6: 1º, que as duas folhas anteriores cobrem a parte anterior das posteriores; 2º, que a folha dorsal anterior estende-se muito além da ventral, protegendo deste modo a cabeça da larva; 3º, que a face superior das folhas é voltada para o interior da casa e a face inferior para fóra. Esta ultima regra parece não ter excepção, e talvez que dous motivos concorram para que a larva colloque as folhas sempre desta maneira, porque, não só a face inferior é menos livre por causa das nervuras, como tambem é mais facil curvar qualquer folha, de modo que a face inferior se torne convexa e a superior concava, do que em sentido opposto. As folhas estendem-se geralmente para os lados, muito além da cavidade interna da casa (fig. 16, E), que é revestida de uma membrana tenuissima, cuja secção transversal é de fórma elliptica, sendo a altura igual à metade pouco mais ou menos da largura. As dimensões da cavidade interna são muito menos variaveis do que as das folhas; ella poderá ter uns 15" de comprimento sobre 4mm de largura e 2mm de altura. A casa das nymphas é fixada sômente pelo extremo anterior, por meio de alguns fios de seda, partindo de cada lado da entrada, e a ca- vidade interna fechada em um e outro extremo por um crivo (fig. 16, D'. Esta especie, si bem que não seja muito frequente, vive nas localidades as mais differentes, tanto em aguas quasi estagnadas, como em corregos de rapido curso. Para fixar-se, ella prefere às pedras os troncos de arvores que ca- hiram n'agua, A segunda especie (fig. 17) é muito notavel pelo lugar insolito, em que as larvas têm a sua residencia. Entre as folhas das Bromehaceas que abundam como parasitas nas arvores do matto virgem, ajunta-se e conserva-se por muito tempo agua de chuva, assim como uma variedade extraordinaria de substancias vegetaes: fragmentos “de ramos, folhas, flores, fructos e sementes, que às vezes alli germinam ; não é raro vêr-se um pésinho de gissara elevando-se entre as folhas de alguma Bromelia; encontra-se emfim, nutrindo-se daquelles restos vegetaes mais ou menos apodrecidos ou transformados em humus, uma multidão de animaes terrestres e aquaficos: Planarias (Geoplana), Hirudineas (Clepsine), Oniscos, Centopetas, Formigas, larvas de dipteros, de Lavadeiras, Pererecas, ete. Um dia lembrei-me que, como tantas outras larvas aqua- ticas, tambem podia viver naquelles tanques aereos a larva de algum Trichoptero. Tomei o facão e fui ao matto. Mal tinha cortado e examinado uma duzia de Bromelias, encontrei Jogo uma casa de Trichoptero, diffe- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 115 rente de todas quantas tinha visto em outros logares, com quanto muito semelhante às da especie precedente. Como a daquella, esta é feita de pedaços de folhas, e com effeito é a só.cousa que a larva tem alli á sua disposição. A construcção da casa é apparentemente muito semelhante à da ultima especie, mas bastará apresentar as seguintes diferenças para bem distinguil-as : 1.º As casas são muito menores; a maior que vi tem [x de com- primento sobre 4" de largura; a cavidade interna tem cerca de 27" de largura sobre I"" de altura. 2.º O numero dos pedaços de folha é muito maior; geralmente é de 11 (sendo 5 ventraes e 6 dorsaes; fig. 17, A,A”) ou de 13 (sendo 6 ventraes eu dorsaes, fig. 17, .B, B); a casa menor .que tenho visto tem 7,2m5 de comprimento, e é composta de 9 pedaços (4 ventraes e 5 dorsaes). 3.º Esses pedaços de folhas são mais distinctos e regularmente cur- vados no meio das faces dorsal e ventral, 4.º Os mesmos pedaços não excedem muito os lados da cavidade interna; dahi resulta um aspecto muito mais regular e uniforme dessas casinhas. As arestas lateraes são agudas e quasi rectilineas ou parallelas (fig. 17, A), ou convergindo sensivelmente para o extremo posterior (fig. 17, B). A largura desmedida e as margens irregulares de muitas casas da especie precedente não conviriam ao domiciho apertado do hos- pede das Bromelas (1). q 5. Ascasas das Sericostomideas (fig. 18-21) A familia das Sericostomideas é até agora representada na provincia de Santa Catharina .só pelo genero Heliopsyche. Ora, as casas encaracoladas deste genero já foram descriptas tantas vezes que só valeria a pena fallar nas especies catharinenses, quando fosse possivel comparal-as com as numerosas especies publicadas por varios auctores, e apontar os seus caracteres distinctivos. Limito-me, pois, a dar as figuras das formas que encontrei. A primeira dellas (fig. 18) é frequente em diversos corregos de curso rapido e muito abundante acima do salto da « Triste Miseria » (« Trau- (1) Ha ainda uma terceira especie, intermediaria, nas dimensões da casa e no numero das folhas de que é feita, entre as duas descriptas; hei-de descrevel-a, no supplemento que opportuna- mente darei ao presente trabalho. v. a—]19 116 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL riger Jammer » ) de Blumenau. Si me não engano, foi esta mesma especie que vi na Serra do Itajahy. A segunda (fig. 19) foi achada só no Ribeirão Branco (« Weissbach » ), afluente do Itajahy; a terceira (fig. 20) em re- mansos do Ribeirão do Garcia; a quarta (fig. 21) rarisssma, ao que parece, tanto no Rileirão do Garcia, como em alguns ribeirinhos menores. Ja que fallo nas Helicopsyches não devo deixar de tocar em um trecho de Hagen (1) relativo a esses animaes; depois de citar o facto observado por Shuttleworth de se acharem as larvas ou nymphas em todas as casas providas de operculos, Hagen continúa: «ahi resultaria que estes ani- maes, contra o costume das Phryganideas, já como larvas, munem as suas casas de um operculo, o que em outras especies só se encontra no estado de nymphas.» Ora, todas as larvas de Trichopteros fixam e fecham as suas casas antes de se transformarem em nymphas ; todas ellas, depois de prompta a casa para a transformação, ainda se conservam no estado de larvas por mais algum tempo. As Helicopsyches, a este respeito, em nada se distinguem dos demais Trichopteros; ellas tambem fazem o operculo da entrada só quando estão para se transformar, e depois de terem fixado a sua casa. à 6. As larvas das Hydroptilideas (fig. 22-30) Resta a familia das Hydroptilideas, que, em relação às casas ou estojos das larvas, é aqui de todas a mais rica em fórmas inteiramente novas e interessantes. Hagen conhecia em 1864 as casas de quatro especies desta familia; por aqui já encontrei nove especies constituindo seis typos diffe- rentes. As casas da primeira especie (fig. 22) são as que mais se parecem com as das outras familias; a não terem dimensões muito imferiores às que se observam nas Leptoceruleas e Seriostomideas, podiam passar por casas de alguma especie dessas familias. São canudos ou tubos, cujo comprimento não excede a 2,225, tendo 0,225 de largura; são feitos de uma membrana elastica, resistente, coberta de areia finissima e de côr pardo-clara. Não são roliços e sim achatados, sendo a sua altura egual á metade pouco mais ou menos da largura; a face ventral ou é plana (fig. 22, 0), ou mais frequentemente um pouco concava (fig. 22, A”; vistos por cima mostram os lados ou rectos, convergindo algum tanto para o extremo posterior (fig. 22, A), ou um pouco convexos (fig. 22, B, 0). O orifício oval acha-se na face ventral, sendo às vezes protegido por (1) Hagen, loc. cit. pag. 125. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1E% uma especie de escudilho mais largo do que o resto do tubo (fig. 22, B, D). O orifício anal é, ou terminal ou ventral. Os tubos são fixados pela margem ventral de ambas as extremidades, havendo dous discos adhesivos, ou um só bilobado na extremidade oval, e um disco simples na anal (fig. 22, 0). Esta especie pigméa é assás frequente debaixo das pedras, em quasi todos os ribeiros maiores ou menores. As larvas desta especie e da seguinte são as unicas da familia “das Hydroptilideas, em que vi branchias; são tres fios compridos na extremidade do abdomen. As tres especies seguintes (fig. 23, 25,) construem os seus estojos segundo o typo do genero Hydroptila, do qual entretanto se distinguem os insectos perfeitos por terem um esporão nas tibias anteriores. Os estojos são com- primidos lateralmente, abrindo-se em cada extremo por uma fenda vertical muito estreita. As casas da primeira destas tres especies (fig. 23) têm cerca de 3” de comprimento sobre ["” de altura e 0,"25 de largura, apresentam uma côr cinzenta, e são feitas de uma membrana resistente, coberta de areia fina. A secção transversal (fig. 23, €), é lenticular; as margens dorsal e ventral são rectas e quasi sempre parallellas (fig. 23, A, B); às vezes porém convergem um pouco para um dos extremos (fig. 23, C). Os extremos são arredondados, semicireulares (fig. 23, A, OC); ás vezes formam arcos maiores de 180º, sendo neste caso mais largos do que a parte interme- diaria (fig. 23, B). Não ha differença entre extremo anterior ou posterior, nem tão pouco entre aresta dorsal ou ventral. A larva sahe indefferente- mente de um ou outro extremo. Para a transformação, as casas são fixadas nos dous extremos por ligamentos fibrosos. Na fórma e nas dimensões são muito semelhantes as casas desta especie às da seguinte (fig. 24); porém é facillimo distinguir as casas pela diferença do material de que são compostas, e as larvas pela falta de branchias. Tambem se manifesta, no arranjo dos materiaes, uma diferença muito notavel entre as margens dorsal e ventral, sendo pela margem dorsal que começa a construcção da casa. Os extremos anterior e posterior são eguaes. Algumas casas são feitas com pedacinhos verdes, provenientes talvez de alguma alga (fig. 24, A), de especie differente. O maior numero das casas (fig. 2% B, C) são feitas de Diatomeas (fig. 24, D), varinhas microscopicas, reetangulares, de cerca de 0,""25 de comprimento sobre O,mm01 até O,Pmylo de largura; as estrias concentricas, produzidas pelo arranjo dessas varinhas, dão às ca- sinhas a apparencia de umas conchinhas bivalvas microscopicas, ou de miudas Limnadias. | De par com essas varinhas, ou tambem por st sós, as larvas empre- gam outra especie de uma bella côr de laranja (fig. 24, D'), composta de articulos de O0,m02 até O,»m025 de largura, que das pallidas e 118 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL transparentes varinhas se destacam como umas grinaldas de ouro. As casas são fixadas (fig. 24, B, €), como as da especie precedente. As casas da terceira especie catharinense (fig. 25), que as construe pelo typo de Hylroptila, são compostas só de uma substancia transparente, sem côr, produzida pela propria larva, sem concurso de corpos estranhos. Ellas têm de 3 até 3,m»5 de comprimento sobre 1 até 1,mm25 de altura e 0,º"3 de largura; são pois fortemente comprimidas, mórmente na parte superior (fig. 25, B', B”). LO A margem ventral é quasi recta, a parte média da margem dorsal muito convexa, e os extremos arredondados. Não ha differença entre os dous extremos providos de fenda estreita. A casa é fixada nas pedras em posição vertical por meio de fibras que parecem estender-se ao longo de toda a margem ventral. As tres especies precedentes não são muito raras nas pedras do ribeirão dos Bugres, que desagua na margem direita do Itajahy, perto de 2 kilometros abaixo do ribeirão do Garcia. Uns poucos de exemplares foram tambem achados em outros logares. O mesmo ribeirão dos Bugres é tambem o domicilio predilecto da se- guinte especie (fig. 26), cujas casinhas representam um typo inteiramente novo. Por causa das duas chaminés, de que as casinhas são providas, dei a esse typo o nome de Dias ( aavios —— à dous canos), dedicando a especie Diaulus Ladislavir ao ilustrado Director Geral do Museu Nacional do Rio de Janeiro. As casas, de cerca de 2,mm5 de comprimento sobre 0,275 de altura, são fortemente comprimidas dos lados, de modo que a largura seja egual de um terço até um meio de altura. A seeção transversal é elliptica ou lenticular; as margens dorsal e ventral são quasi rectas, paraltelas; os dous extremos, entre os quaes não ha differença, são arredondados e providos de uma estreita fenda. Da margem dorsal elevam-se dous canos quasi cylindricos, de cerca de 0,»”2 de diametro, e outro tanto de altura, ou verlicaes, ou um pouco inclinados para os extremos da casa. A dis- tancia dos dous canos geralmente éguala ou excede de pouco à metade do comprimento da casa; às vezes, comtudo, essa distancia é só de um terço do dito comprimento, ou ainda menor. Em uma só casa (fig. 26, B), entre milhares que vi, encontrei tres camnos, em vez de dous. As casas do Diaulus Ladislmem são contruidas com as mesmas varinhas rectangu- lares e transparentes (fig. 24, D), empregadas por uma das especies prece- dentes e que abundam nas pedras, onde vivem essas larvas. A disposição das varinhas (fig. 26, C) faz ver que a construcção da casa começa pelo meio da margem dorsal; a parte superior dos canos é feita só de uma ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 119 membrana transparente sem varinhas. Observer muitas vezes com o mi- croscopio, dentro das suas casas, as larvas vivas desta especie, assim como da especie da fig. 23. A fórma das casas, abstracção feita dos canos do Diaulus, é quasi identica, mas o procedimento das larvas é muito diverso. As das casinhas providas de chaminés conservam-se quietas, quasi sem movimento, as das casas só providas de duas fendas estreitas agitam quasi ininterruptamente o seu abdomen, executando movimentos serpentinos ou ondulatorios. A razão dessa differença é evidente. As portas estreitas, que têm a vantagem de difficultar a entrada de qualquer inimigo, têm ao mesmo tempo o inconveniente de difficultar a passagem da agua in- dispensavel á respiração da larva, que por isso precisa de fazer reforços continuos para renoval-a. Nas casas do Diaulus Ladislavir as chaminés dão facil accesso à agua, e as larvas podem descançar quando as outras trabalham. E” bem curioso que as larvas tão differentes como as do Diaulus Ladislavii e as Rhya- cophilideas que fazem casinhas moveis de pedras (fig. 3), se sirvam do mesmo expediente para facilitar a circulação da agua nas suas casas, inteiramente diversas em tudo o mais. Para a transformação em nymphas, as casas do Diaulus Ladislavii são fixadas no lado superior de pedras em posição vertical, e por toda a margem ventral. As larvas gostam de es- tabelecer-se umas ao lado das outras, de modo a formarem às vezes verdadeiras aldeias dessas lindas casinhas de duas chaminés. Depois de fixada a casa, a larva tece um casulo oval, um pouco mais largo no extremo anterior, fechado de todos os lados, como o das Rhyacophilidias, do qual se distingue por não ser solto, e sim continuo com as paredes da casa. Como o Diaulus, procedem a este respeito tam- bem as tres especies precedentes. Em alguns ribeirinhos de curso lento, cheios de Heteranthera reniformis, de Callitriche e de Spirogyre, abundavam no mez de Agosto larvas e nymphas de uma especie interessantissima de Hydrophilideas (fig. 27), à qual, pela forma de seus estojos, e pela planta em que vivem, e de que se nutrem as larvas, dou o nome de Lageno- psyche Spirogyre. Uma segunda especie do mesmo genero, para a qual, por causa da transparencia perfeita de seus estojos, proponho o nome de Lagenopsyche hyalina, (fig. 28) vive debaixo de pedras, em corregos de curso mais rapido, como no Ribeirão dos Bugres. Para se formar uma idéa dos estojos de Lagenopsyche, imagine-se cortada a base de uma garrafa, e comprimida depois a parte inferior dessa garrafa sem base até se tocarem as margens oppostas. A bocca da garrafa é circular; mais para traz a secção transversal é elhptica, tor- nando-se os dois eixos da ellipse cada vez mais differentes; o eixo maior v. 11-20 120 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vai augmentando, o menor conserva-se quasi egual ao diametro da bocca até perto do extremo opposto, onde rapidamente decresce, reduzindo-se a zero no extremo mesmo em que as paredes oppostas se applicam uma à outra. A larva sahe do seu estojo pela bocca, podendo comtudo sahir tambem pelo extremo opposto, afastando uma da outra as paredes con- tiguas da fenda, e carrega o estojo em posição tal que o eixo maior de qualquer secção é vertical e o menor horisontal (fig. 27, €). Em quanto nas casinhas do Diaulus Ladisliva não ha differença entre os dous extremos, e sim diferença muito grande entre os lados dorsal e ventral, nos estojos de Lagenopsyche, pelo contrario, as margens dorsal e ventral são identicas, volvendo o animal para cima, ora uma, ora outra indillerentemente, e os dous extremos são muito diversos, sendo o anterior uma bocca circular e o posterior uma fenda vertical. Os estojos são feitos sem corpos estranhos, só com a substancia fornecida pelos enormes sericterios, ou glandulas fiandeiras da larva, subs- tancia esta que produz, pelo endurecimento ,uma membrana coriacea e elastica. A construceção dos estojos começa pela bocca da garrafa (fig. 27 A, B, €, D,) e parece que a larva, continuando para traz a sua obra, está ao mesmo tempo reforçando de novas camadas a parte anterior; ao menos all as paredes da garrafa são muito mais grossas, sendo tenuis- simas no extremo opposto. A todas as mais larvas de Trichopteros, cujas casas têm os dous extremos differentes, serve de porta o extremo mais novo; sendo as de Lagenopsyche as unicas cuja porta se acha no ex- tremo mais antigo. A esta porta ou bocca da garrafa se dá desde o princípio o seu diametro definitivo, sem se alargar mais tarde. Parece-me provavel que as larvas de tenra edaúe vivem sem estojos; ao menos os menores estojos que vi eram habitados por larvas já assás crescidas, às quaes quasi que não podiam dar protecção alguma; eram funis muito curtos de membrana tenuissima, nos quaes nem a metade da larva cabia. Provavelmente a utilidade principal do estojo consistirá em proteger não a larva, mas sim a nympha, que é incapaz de fugir e defen-, der-se. A bDocca da garrafa tem, na Lagenopsyche Spirogyre, cerca de 0,7” 5 de diametro, sendo o comprimento de 3," 5 até 4,""5, e a altura do extremo posterior de 1,""25 até 1,""5. Nem na fórma, nem nas di- mensões, as garrafas da Lagenopsyche hyalina (fig. 28, A,) se distinguem notavelmente das da L. Sprogyre. A differença mais patente entre as duas especies, consiste na apparencia dos estojos, os quaes são incolores e perfeitamente transparentes na L. Iyalina, de uma côr roxo-escura, tirando mais ou menos ao pardo na L. Spirogyre, côr essa que é mais es- cura e às vezes quasi preta, do lado da bocca, ficando para traz cada ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 121 vez mais clara e desmaiada. Seja dito de passagem que as larvas das duas especies facilmente se distinguem pelas pernas intermediarias e pos- teriores, providas de unhas muito mais compridas na L. Spirogyre do que na L. hyalina. As larvas de Lagenopsyche Spyrogira fixam os seus estojos na face inferior das folhas de Heteranthera ou Calhtriche (conter 17 estojos em uma unica folha de Heteranthera)—as da L. hyalina no lado inferior de pedras. Para este fim o estojo é deitado em -um dos lados, e depois fi- xado de cada lado de um e outro extremo por meio de discos adhesivos peciolados; todos esses peciolos são simples na L. Spirogyre (fig. 27, E, F), na L. hyalina, os do extremo opposto à bocca da garrafa dividem-se, em dous ramos, cada um dos quaes termina por um disco (fig. 28, B, C). Fixado o estojo, a larva fia o seu casulo fechado de todos os lados, que se confunde com as paredes do estojo, do qual deixa desoccupado cerca de meio millimêtro no extremo mais largo. Esse extremo, que era o posterior para a larva, é o anterior para a nympha, porque antes de se transformar, a larva muda duas vezes a sua posição; primeiro (fig. 27. E) volta a cabeça para o extremo mais largo, e depois (fig. 27, F) volve as costas para a superficie livre do estojo. Muito differentes em tudo o mais, os estojos de Lagenopsyche assemelham-se, no modo por que são fixados, aos da Hylroptila flubellifera de Bremi, achados na Suissa, e que, segundo Hagen, podiam pertencer ao genero Agraylea (1). O primeiro ensaio de classificação das casas dos Trichopteros, parece ter sido feito por Willughby; foi publicado em 1710 nã Historia Insectorum de Ray. As casas são divididas em duas classes principaes (2): «Insecta aqua- tica thesis se contegentia sunt vel (heca. I. Immobili seu lapidibus aflixa....... vel. H. Momili aut portatil, migratoria ». Esta classificação de Willughby, é ainda seguida por Hagen (3), que tambem distingue: 1º casas fixadas immoveis; 2º casas livres moveis. E, com effeito, todas as especies conhecidas podiam ser referidas a uma dessas duas classes. Hoje o caso é diverso; nos corregos de Santa Ca- tharina ha uma larva para a qual Willughby deveria estabelecer uma ter- ceira classe: «theca lapidibus, aílixa, mobili» sendo os seus estojos fixados por meio de uma corda flexivel (fig. 29). Proponho para esta curiosa especie o nome de Rhyocopsyche Hagen, dedicando-a ao distincto entomologista do Museu de (1) Hagen loc. cit. pag. 115. e pag. 234, nº 44. (2) Hagen loc. cit. pag 139. Westwood Introduct. II pag. 63. (3) Hagen. loc. cit. pag. 142 e 228. 122 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Cambridge, Dr. H. A. Hagen. A fórma dos estojos desta especie varia um pouco com a edade da larva, conformando-se com o volume crescente do abdomen, que, na familia das Hydroptilideas costuma attingir nas lar- vas adultas, a uma grossura às vezes extraordinaria. Os estojos das larvas menos velhas, que vi, eram cylindricos, quasi rectos, abertos nos dous ex- tremos, de cerca de 4,"" 5 de comprimento sobre 0,»"4 de diametro. Da margem de um dos orificios parte uma corda de fios, geralmente pouco distinctos, mais ou menos torcidos, cujo comprimento costuma ser quasi egual ao do estojo; pelo outro extremo, a corda é fixada no lado superior de alguma pedra. A cor do estojo é parda, desmaiada; não ouso decidir si é feito sem corpos extranhos, ou si entram na sua composição fra- gmentos microscopicos de Algas. Mais tarde apparece n'aquelle lado do cy- lindro, de que nasce a corda, uma especie de hernia (fig. 29. A, B,C,H), formada por uma membrana mais lisa e pallida, que vai augmentando com o correr do tempo, tanto em comprimento como em largura, até. occupar finalmente cerca de tres quartos do comprimento do cylindro (fig. 29, C), sendo no meio tão larga como este. O limite entre o cylin- dro primitivo e esse accrescimo de data mais recente é geralmente muito bem traçado quando a larva esta para se transformar, fechando primeiro (fig. 29, D, E) a extremidade do estojo opposta à da corda por uma membrana homogenea, egual à do estojo; ao mesmo tempo toda a pare- de do estojo começa a engrossar muito por meio de novas camadas, pelo que a sua côr se torna cada vez mais escura. Depois, o comprimento da corda fica muito reduzido, e esta transforma-se em uma haste curta e rija, capaz de sustentar o estojo em posição vertical. Finalmente o segundo orificio do estojo é tambem fechado (fig. 29, F). A nympha acha-se col- locada no estojo com a cabeca para cima, fazendo para sahir um buraco no extremo superior. Esta Hydroptilidea é muito rara; pelo menos ainda não achei logar onde ella abundasse. Vive em varios ribeiros (Jordão, Gruta dos Macacos, Triste Miseria, etc), preferindo logares onde o curso da agua é muito rapido. Parece nutrir-se das algas que costumam cobrir as pedras de semelhantes Jloca- lidades. Fixando-se por uma corda, não pôde ser levada pela corrente da agua, participando deste modo das vantagens das casas Immoveis, sendo ao mesmo tempo capaz de pastar em área maior do que si a casa fosse immovel; a larva póde sahir indifferemente de uma e outra porta de sua casinha, e provavelmente poderá mudar o comprimento da corda. Este singular costume de fixar a casa por uma corda flexivel deverá parecer muito ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 123 estranho a quem só estudar as casas e as larvas mortas. Quem observar as larvas vivas poderá facilmente convencer-se de que varias outras es- pecies tambem costumam fixar, si bem que temporariamente, as suas casas. Pondo v. g. larvas de Hehicopsyche em um copo de vidro, em cujas pa- redes verticaes ellas só com muito custo podem subir e segurar-se, carregadas, como andam, de pesadas casas de pedras, não obstante, param muitas vezes durante horas inteiras em algum ponto destas paredes. Examinando essas larvas paradas, vê-se que estão perfeitamente recolhidas na casa, sem se segurarem pelas pernas, e, sacudindo levemente o copo, conhece-se que se -têm fixado com alguns fios de seda. E' bem sabido que varias lagartas de Lepidopteros, que vivem em estojos (Psyche), procedem da mesma ma- neira, fixando por alguns fios os estojos, e recolhendo-se no interior quando querem descançar. Concluo a serie de formas novas que acabo de descre- ver com uma especie (fig. 30) de que ainda não vi o insecto perfeito, mas sómente fragmentos de nympha, e por isso não sei com certeza a que “familia pertence. O abdomen da larva adulta é excessivamente dilatado, mais do que em qualquer outra especie catharimense, e foi principalmente por este motivo que a colloquei aqui. As casas são immoveis, sendo fixadas por toda a face ventral sobre as pedras de ribeiros maiores de curso rapido. Ha alguns annos vias em grande abundancia no ribeirão do Warnow (affluente do Itajahy), sendo porém muito raras no ribeirão do Garcia. Ellas são ellypticas, tendo 4 a 5"" de comprimento, e 2,m»2 até 2,"" 5 de pr largura, e raras vezes elevam-se no centro a mais de 0,"" 5. São pois achatadas, semelhantes a um escudo, ou, melhor ainda, aos casulos que encerram os ovos da Nephelis vulgaris, hirudinea frequentissima nas aguas da Europa. Assim como esses casulos de Nephelis, ellas são de côr parda, e feitas de uma substancia coriacea, producto secretado pro- vavelmente pelas glandulas fiandeiras da larva. A parede dorsal é muito mais espessa do que a ventral, a ponto de quasi não se poder separar mcolume da pedra, em que estiver collocada. Na face dorsal quasi sempre elevam-se linhas parallelas que, perpendiculares ao eixo maior da ellipse, vão ininterruptas de uma a outra margem lateral. A distancia de uma a outra linha costuma variar de 0,2708 até 0,»"12. Uma vez vi essas linhas -substituidas por fileiras transversaes de pequenos tuberculos; em outros casos as linhas são mais ou menos indistinctas. Perto de cada extremo do eixo maior ha um pequeno orificio circular ou elliptico, que a larva parece fechar completamente antes de passar ao estado de nympha. Proponho para o habitante dessa curiosa casa o nome de Peltopsyche v. 1121 124 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Sicboldii, dedicando a especie ao veneravel veterano dos zoologos allemães o professor Carl Theodor von Siebold, Taes são as casas de Trihopteros que até agora achei na provincia de Santa Catharina. Sem duvida o numero das especies que habitam as aguas desta provincia deve ser muito maior, e a minha lista precisará de supplementos, provavelmente mais extensos do que a primeira. Comtudo, imperfeito e incompleto como é, o presente trabalho talvez possa servir para animar outros naturalistas a, não só colleccionarem em outras partes do Imperio as tão curiosas casas dos Trichopteros, como tambem a se entre- garem ao estudo muito mais interessante da biologia de seus habitantes. Hajahy, Outubro de 1878. SOBRE AS CASAS CONSTRUIDAS PELAS LARVAS DE INSECTOS TRICHOPTEROS DA PROVINCIA DE SANTA CATHARINA PELO SUPER MOENTO Com este supplemento tenho em vista não só completar a lista das es- pecies catharinenses, como tambem precisar à sua posição systematica me- lhor do que me foi possivel, quando só conhecia as suas larvas e nymphas. Hoje já tenho seguido a transformação de maior numero até o estado de insectos perfeitos. é 1. Hydropsychideas Esta familia foi dividida por Mac-Lachlan (1) em cinco secções, de que ao menos tres se acham representadas na provincia de Santa Catharina. (1) Mac-Lachlan, a monographic revision and synopsis of the Trichoptera of the European fauna : Part. VII 1878, 126 | ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A casa da fig. 5 (Est. VII do vol TI dos Archivos) pertence ao genero Macronema, que constitue a segunda secção de Mac-Lachlan. Apezar de rico em especies espalhadas por todos os paizes tropicaes, e estender-se na America do Norte até 46º e na Asia até 55º de latitude, nada se sabia até agora das larvas deste genero e das suas casas. O genero Rhyacophylax (Est. VII, fig. 6) deverá entrar na quarta sec- ção, distinguindo-se de todos os mais generos, não só desta secção, como de toda a familia das Hydropsychideas pelo numero dos esporões nas tibias dos machos (1, 4, 2.). Provavelmente ha de ser da quinta secção uma pequena Hydropsychidea, de que ainda não vi os insectos perfeitos, e cujas larvas costumam abun- dar nas paredes verticaes de rochedos, que o chuvisco de alguma cachoeira conserva sempre humidas. Ao menos as casas construidas pelas larvas (fig. 1, A, B) são muito semelhantes às de Tinodes (Hydropsyche) maculicorms Pict. Essas casas, agarradas aos rochedos, têm geralmente de um até dous centimetros de comprimento sobre outros tantos millimetros de largura, sendo algum tanto adelgaçadas em um e outro extremo; às vezes o seu com- primento se eleva, sem notavel augmento da largura, a mais de quatro ou cinco centimetros. As mais compridas costumam ser mais ou menos tortuosas, asseme- lhando-se a certos vermes (Geoplanas ou Nemertineas) não só pela fôrma como tambem por serem molles. A sua côr é cinzenta, mais ou menos esverdinhada. São feitas de seda misturada e cobertas de algas microscopicas, dia- tomeas, etc. São semi-cylindros, pois não têm parede ventral, servindo como tal a propria rocha, à qual se applicam os bordos lateraes do semi- cylindro. As larvas que tecem e habitam essas casinhas, não attingem às vezes nem à decima parte do comprimento das casas; assim, quando ellas estão para se transformar em nymphas, só conservam uma pequena porção, de cerca de cinco millimetros de comprimento, da sua morada (fig. 1, O), cu- jas paredes ellas engrossam muito, ficando ao mesmo tempo com o aug- mento da grossura as paredes mais resistentes, durase quasi cartilaginosas. As casas das nymphas adherem firmemente aos rochedos, emquanto as das larvas são quasi livres, não oppondo resistencia sensivel ao serem removi- das. No rio Iajahy encontrei na superficie de pedras, parcialmente co- bertas de Podostemeas, umas poucas de casas de uma Hydropsychidea, pertencente provavelmente tambem à quinta secção de Mac-Lachlan, notaveis por serem extremamente semelhantes às casas do genero Peltopsyche da familia das Hydroptilideas. Assim como estas, são escudos chatos elli- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 197 pticos, de côr parda mais ou menos escura, de cerca de 7"" de com- primento sobre 3”” de largura. São pois maiores do que as das nossas especies de Peltopsyche. Falta-lhes uma parede ventral, sendo os bordos fixados ás pedras. São feitas de seda, que fórma uma membrana muito resistente, quasi coriacea, e cuja superficie interna é muito mais pallida ou até perfeitamente branca. Ainda não vi os insectos perfeitos, porém as nymphas pelo numero dos esporões das tibias (2, 4, 4), pelos palpos maxillares, e por outros caracteres, que não pertencem ao genero Pel- topsyche, mem a outro genero de Hydroptilideas e sim às Hydropsy- chideas. à 2. Leptocerideas Mac-Lachlan divide esta familia em quatro secções de que só a pri- meira falta à fauna catharinense. A" segunda secção, limitada na fauna européa ao genero Odontocerum, pertencem ás duas especies cujos tubos construidos de pedrinhas se vêm nas fig. 14 e 15 da Est. VIII (Vol. III dos Archivos). Elles deverão constituir um genero novo, para o qual proponho o nome de Mariha, chamando as duas especies Maria major (fig. 14) e Marilia minor (fig. 15). Distingue-se esse novo genero de Odontocerum pelas antennas não den- teadas, pelos olhos enormes dos machos (tocando-se no vertice dos machos da Marilia minor, e separados sómente por um intervallo estreito nos da Maria major), por confluirem nas azas tanto anteriores como posteriores o raio («radius») e o primeiro sector apical, e por outros caracteres. As duas especies de Marilia, cujas casas descrevi, frequentam varios ribeirões. Ha uma terceira especie, ao que parece, rarissima, cujas larvas achei no rio Itajahy. As casas differem das da Marilia major quasi que por serem apenas muito curtas; é pois escusado dar uma figura dellas; ter-se-ha uma idéa exacta da sua fórma imaginando-se cortada a metade posterior das casas da Marilia Major. (Est. VIII, fig. 14, A). A só casa dessa terceira especie que agora tenho, tem 6rm de comprimento, sendo o diametro da entrada de 2mm e o do extremo posterior de 1,7m5. O extremo posterior é tapado, como nas outras Marilias, por uma parede transversal com buraco elliptico na parte superior. Cumpre notar que a substancia de que é feita essa parede e com que se acham grudadas umas às outras, as pedrinhas da casa, é muito pállida, quasi sem côr, em quanto é preta ou parda escura nas duas outras especies. v. 11—22 128 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Talvez deva ser incluida tambem nesta mesma segunda secção de Mac-Lachlan, a Grumicha (Est. VII, fig. 8); ao menos fica excluída da quarta secção pela falta de cellula mediana, e da terceira por possuir, em todas as azas, a segunda forquilha apical ( « apical fork » ). Entram na terceira secção de Mac-Lachlan as especies das figuras 7, 9, 10, 12 e 13 (Est. VIL e VIII) e provavelmente, a julgar pelo com- primento das pernas posteriores das larvas, a da fig. 11. As ditas es- pecies pertencem a tres dilierentes generos. Tetracentron. — Os insectos, cujas larvas vivem ou em páosinhos ôcos (Est. VII, fig. 7) ou intrusas em estojos de Grumicha (Est. VII. fig. 9), exhibem todos os caracteres assignalados por Brauer no genero Tetracentron de que até agora só eram conhecidas duas especies (T. sarothropus Br. e T. amabile Mac-Lachl), ambas naturaes da Nova Zelandia. Os tubos de Grumicha não são os unicos sujeitos a ser appro- veitados por larvas intrusas; tambem os de varias especies menores, como de Setodes gemma (Est. VII, fig. 13), Marilia minor (Est. VII, fig. 15) e Grumichella (Est. VII. fig. 10) acham-se às vezes occupadas por larvas, que provavelmente tambem pertencem ao genero Tetracentron. Acompa- nham as larvas intrusas dos tubos de grumicha não só no costume de se apoderarem de casas alheias, como tambem em sua estructura v. g.: as tibias posteriores são divididas em duas articulações. Essas larvas que vivem intrusas nos tubos de Setodes, Mariha e Gru- michella, costumam fixar pedacinhos de madeira no extremo anterior dos mesmos tubos. Esses páosinhos, às vezes muito mais grossos e com- pridos do que os proprios tubos, ou se applicam a elles ou divergem para varias direcções formando com o tubo angulos raras vezas maiores de 30 grãos. (Veja-se fig. 3º, sendo A até G tubos de Setodes gemma, H e IL tubos de Marilia minor e K um tubo de Grumichella). E” provavel que os páosinhos sirvam para encobrir os tubos e sub- trahilos desta sorte aos inimigos de seus proprietarios legitimos. Com effeito, em certos casos (fig. 3, G e K) é dificil descobrir-se o tubo por entre os páosinhos que o rodêam. Si bem que seja do mesmo genero, não sei se pertencerá à mesma especie uma larva que achei no ribeirão de Bugres (fig. 4); ella morava em um páosinho ôco e apezar de ser este aberto na parte posterior, ella fez um pequeno buraco e cobrio a abertura com um pedaço de madeira, debaixo da qual ficava perfeitamente escondida: além disso furou peda- cos menores aos lados e na face ventral do extremo anterior de sua ca- sinha. Grumichella (fiz. 2). Os insectos cujas larvas fazem os estojos que fo J ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 129 descrevi sob o nome de grumichinha (Est VII fig. 10) são parentes proxi- mos do genero Leptocerus, do qual comtudo se distinguem por possuir nas azas posteriores as forquilhas apicaes 3º e 5º, quer em um quer em outro sexo, emquanto que no genero Leptocerus falta a 3º e existe a 1º que não se encontra nas grumichinhas. Proponho para estes insectos o nome generico de Grumichella. Até O anno passado só tinha achado as grumichinhas' no ribeirão das gruta dos Macacos (Aflenwinkel) onde são bastante raras; pois vivem em muito maior abundancia nas cachoeiras de varios ribeirões (da Triste Miseria, do Cae- té, etc.), preferindo os rochedos verticaes ao longo dos quaes corre uma tenuissima camada d'agua. O extremo posterior dos canudos de grumichinha é fechado, como na grumicha, por uma parede transversal com um buraco central, por baixo deste buraco eleva-se da parede terminal do canudo das grumichinhas uma saliencia triangular, especie de esporão (fig. 2 À, B, €, D) ou recto ou um pouco curvado para cima. Inserido em alguma fenda mi- croscopica da rocha, este esporão poderá servir para segurar as grumi- chinhas. Por outro meio ainda muito mais singular, as grumichinhas sabem escapar aos perigos de que parecem inevitavelmente ameaçadas nas ca- choeiras que habitam. Outros Trichopteros e entre elles tambem a grumicha, quando as nym- phas estão para se transformar em insectos perfeitos, cortam com as man- dibulas o rebordo da tampa que fecha a entrada do tubo; feito isto a tampa cahe, fixando-se o tubo; então a nympha sahe e nadando à superficie d'agua ahi soffre sua ultima transformação. Os canudos das gru- michinhas achando-se geralmente fixados com a entrada volvida para cima, em rochedos onde a agua das cachoeiras lhes cahe do alto, as nymphas depois de removida a tampa, tenros e frageis animaesinhos. que são, não poderiam sahir de seus estojos sem ficarem quasi infallivelmente esmaga- dos pela força d'agua. Esse perigo é felizmente evitado de um modo simplicissimo: o pe- ciolo do disco por meio do qual os tubos das nymphas se acham gru- dados às pedras não procede como nas grumichas, do bordo do tubo e sim da tampa (fig. 2 E). Assim, desde que a tampa fôr separada do tubo, aquella fixa-se às pedras, incolume dentro de seu estojo, e a nym- pha é levada pelas aguas até parar em algum remanso, onde descansada pode metamorphosear-se. Os tubos das grumichinhas provenientes das differentes cachoeiras cos- tumam apresentar certas diferenças: os da gruta dos macacos são perfei- 130 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tamente lizos e pretos; os da Triste Miseria são geralmente menos escuros, menores e providos de estrias circulares mais ou menos distinctas; os de uma cachoeira perto do Belxior (fig. 2 B B') costumam ter um espo- rão muito curto. Mais differentes são os do ribeirão do Caeté, que são geral- mente mais compridos, menos grossos, com o esporão curvado visivelmente para cima (fig. 2 €, De a tampa em vez de mostrar uma fenda semi- lunar em cima do centro, como as de outras cachoeiras (Est. VII, fig 10 B) tem além de uma fenda de fórma differente e variavel, um ou dois buracos menores situados em baixo da fenda principal (fig. 2 E, F, G). Não sei si esta ultima differença sera constante, porque só tenho exa- minado cerca de meia duzia de tampas do dito ribeirão; de outras lo- calidades examinei mais de 40, encontrando sempre a fenda semi-lunar. Cumpre notar que ha só uns 16 a 20 kilometros da gruta dos Macacos ao ribeirão do Caeté; e seria pois muito interessante a existencia de variedades locaes tão distinctas em logares tão pouco distantes. Setodes. (fig. 5 e Est. VII, fig 12; Est VIII, fig. 13) Os insectos cujas larvas construem os canudos das figuras 12 (Est VII) e 13 (Est VIII) são muito semelhantes não só na fôrma e nervuras das azas anteriores como tambem por outros caracteres à Setodes punctata e viridis que Mac-Lachlan considera como as especies typicas do genero Setodes. Comtudo as azas posteriores são mais largas nas especies catharinenses do que naquellas duas européas, assemelhando-se mais às do genero Homilia. Si por este motivo as nossas especies tiverem de ser removidas do genero Sedotes, restringido, como foi, por Mac-Lachlan, ao menos foram parte do dito genero no sentido mais amplo, em que até ha pouco costumava ser tomado. A respeito daquellas duas especies, diz Mac-Lachlan que são verdadeiras joias entre os Trichopteros europeus. Outro tanto e com mais direito ainda se pode dizer a respeito de uma das nossas especies (a da fig. 13), cujas azas anteriores amareladas ou de um amarello alaranjado acham se atra- vessadas de listras brancas prateadas e ornadas de malhas pretas avelluda- das. Proponho para esta bellissima especie o nome de Setodes gemma. Encontrei novamente uma terceira especie do mesmo genero (fig. 5), cujas larvas e nymphas (muito raras) habitam embaixo de pedras em varios ribeirões (v. g. no ribeirão dos Bugres), preferindo os logares em que a agua está quasi parada. Os estojos das larvas (fig. 5, A, A”) são canudos rectos conicos, feitos de seda misturada e coberta com miudissimos grãos d'areia. O maior que vi tem 14"= de comprimento, sendo o diametro da entrada de 2,mm e o do extremo posterior apenas de 0,725. A estes canudos acham-se fixados de um e outro lado da face dor- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL oa! sal, pedacinhos de madeira ou outros fragmentos vegetaes, cobrindo grande parte do canudo, os quaes ultrapassam, mais ou menos, os da parte anterior, geralmente maiores e mais proeminentes, costumam ser dirigidos obli- quamente para traz formando com o eixo do tubo angulos de uns 15 a 20 grãos. - Segundo a natureza desses appendices que variam consideravelmente nas suas dimensões, fórmas e côres, tambem variam ao infinito o aspecto do estojo, (fig. 5, A, B, €C, D). Como as das outras duas especies catharinenses, as larvas desta especie tambem cortam a parte posterior de seus estojos antes de o fixarem, de modo que os estojos das nymphas (fig. 5 B, €, D,) são mais curtos do que os das larvas adultas (fig. 5, A). A maneira de fixar e fechar os estojos tambem é a mesma das outras duas especies. Os insectos perfeitos são bichinhos muito modestos, tendo azas pallidas unicolores. A” quarta secção de Mac-Lachlan pertencem as duas especies cujas larvas vivem em casas de folhas (Est VII fig. 16 e 17), e sobre cuja posição systematica fiquei em duvida no meu primeiro trabalho. Não eram ainda conhecidas as larvas e suas casas de especie alguma desta secção. Os in- sectos perfeitos distinguem-se de todos os generos até agora estabelecidos nesta secção; pelo raio (radius) que se une ao primeiro sector apical nas azas tanto anteriores como posteriores, pela cellula discoidal aberta nas azas posteriores e pela falta nas mesmas azas da primeira furquilha apical, existindo só as furquilhas 2º, 3º e 5º, segundo Mac-Lachlan em todas as mais especies da quarta secção as azas posteriores tem a cellula discol- dal fechada, e possuem as furquilhas apicaes 1º, 2º, 3º e 5. Proponho para as nossas especies o nome de Phylloicus. (5,110,, folha e oixos casa) chamando a maior Phylloicus major e a menor, tão notavel por viverem suas larvas nas Bromelias, Phillorcus Bromeliarum. As duas especies são muito interessantes pelo numero dos esporões das suas tibias. Ha um genero californico Heteroplectron em que os ma- chos tem 2, 4, 2 esporões (isto é, 2 nas tibias anteriores, 4 nas interme- dias e 2 nas posteriores) e as femeas 2, 4,4. Ora ambos os sexos de Phullowcus major tem 2, 4, 4 e ambos os sexos do Phylloicus Bromeliarum tem 2, 4, 2 esporões. Em tudo mais, as duas especies são tão semelhantes que seria um grande absurdo o querer separal-as em dois generos, fornecendo assim um magnifico exemplo para fazer prevalecer a regra hoje geralmente re- v. HI—28 | ES Pa ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL conhecida de ser sufliciente para a separação generica qualquer differen- “ça no numero dos esporões. (1) E para tornar ainda mais frisante este exemplo ahi está uma ter- ceira especie catharinense intermedia, em todos os respeitos, entre as outras duas ec aque por isso dou o nome de Phylloicus medius, a qual tem 2,4, 4 esporões como o Phyllowus major, em quanto que por todos os mais carac- teres mais se parece com o Phyllowus Bromebarum que só tem 2, 4, 2 As larvas desta terceira especie vivem de preferencia nos menores fios d'agua em cujo leito ingreme a agua golteja lentamente de pedra em pedra. Suas casas são muito semelhantes às do Phylloicus Bromeliarum, sendo comtudo maiores e compostas de menor numero de folhas; cos. tumam ter tres ou quatro pedaços de folhas na parede ventral e quatro ou cinco na dorsal, em quanto que as casas das Phylloicus Bromeliarum só contam geralmente 5 ou 6 na parede ventral e 6 ou 7 na dorsal, tendo as do Phylloicus major 2, tanto na ventral como na dorsal. —Quan- do estão para se fixar as larvas do Phyllowus medius fecham a entrada da casa com mais um pedacinho de folha que ajuntam à parede ventral. O mesmo fazem as larvas do Phylloicus Bromeliarum, deixando de fazel-o as do Phylloicus major à 3. Sericostomideas Helicopsyche (fig 6, 7), As differentes especies deste genero distin- guem-se não só pela fôrma das casas encaracoladas, que suas larvas cons- truem, como tambem pelas tampas com que as mesmas casas são fechadas antes das larvas passarem ao estado de nympha. Já dei as figuras das tampas de duas especies (Est VII fig. 18, 19, B) em que elias possuem uma simples fenda transversal. Nas tampas das casas da fig. 20 (Est VIII) os bordos desta, fenda são guarnecidos de uma fileira de dentes, havendo cerca de uma duzia de dentes de cada Jado. A fórma da fenda, como a dos dentes, é sujeita a bastantes variações, como mostram as figuras 6, A, B, €. Nas tampas das casas da fig 21 (Est. VIII, não ha fenda; a agua ne- cessaria à respiração da nympha é introduzida por numerosos buraquinhos, formando uma especie de crivo embaixo do centro da tampa (fig. 7). (1) It has become a recognised rule that a difference in the number of spurs in two insects other wise allied in sufficient for generic separation. » Mac-Lachlan, op. cit. part ], 1374 pag 12. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 133 Entre as Helicopsyches ha tambem uma especie que vive fóra d'agua nos rochedos expostos ao chovisco das cachoeiras (v. g. na gruta dos Ma- cacos e na Triste Miseria de Blumenau); suas casas são muito semelhantes às da fig. 21 (Est. VIII) mas as tampas são providas de uma fenda simples. 6 4 Hydroptilideas Em companhia das larvas de Hydroptilideas (fig. 1) de Leptocerideas grumichinha, (fig. 2) e de Sericostomideas (Helicopsyche) que povôam os ro- chedos das nossas cachoeiras, vivem tambem as larvas de uma especie de Ilydroptilideas (fig. 8). Suas casinhas tem cerca de 3"” de comprimento sobre 0,""6 de al- tura, sendo comprimidas dos lados; em um dos extremos ellas são arre- dondadas e no outro, depois de se terem mais ou menos estreitado, são cortadas transversalmente (fig. 6 A). E' por este extremo que a larva cos- tuma deitar fóra a cabeça para comer ou andar e é por elle tambem que a casinha é fixada e pendurada nos rochedos (fig. 8 B, €.) Depois de fixada a casa, a larva tece um casulo fechado por todos os lados occupando quasi toda a casa com cujas paredes se confunde e deixando apenas vasio só um espaço estreito na extremidade inferior. Dentro deste casulo a nympha acha-se col- locada com a cabeça para baixo. Toma pois como a da Lagenopsyche, no interior de sua casa, uma posição opposta à que costumava ter a larva. Quando em Outubro do anno passado descrevi as casas de Peltopsyche (Est IX fig. 30) ainda estava em duvida sobre a posição systematica desse novo genero. Desde então tive occasião de me convencer pelo exame de grande numero de larvas e nymphas, de que não errei, collocando-o na familia das Hidroptilideas. E” um dos generos mais extraordinarios, distinguindo-se dos mais, não so da dita familia, como de toda a ordem dos Trichopteros por uma struc- tura muito insolita e complicada das antennas dos machos. Convenci-me tambem de que a falta das estrias, na parede dorsal das casas, não é só uma variação individual, como tambem indica differença especifica dos ha- bitantes, sendo muito diferentes as nymphas e a structura das antennas dos machos das duas especies. A especie de casas estriadas Peltopsyche Sieboldii, (Est IX fig. 30), é muito mais frequente, e abundam em quasi todos os ribeirões maiores, que desaguam no rio Itajahy (Garcia, Encano, Warnow etc.); a de casas lisas, para a qual proponho o nome de Peltopsy- che Maclachlani, foi até agora encontrada só no ribeirão do Warnow, onde vive em companhia do Peltopsyche Sieboldu. 134 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL é 5. Casas de origem incerta (fig. 9) Em varios ribeirões encontrei em logares onde a agua estava quasi parada, adherentes a troncos de arvores que ali estavam apodrecendo, certos estojos mais ou menos cilyndricos de 3 para 4 centimetros de compri- mento sobre 6 a 10 millimetros de diametro, compostos de pedaços de folhas e outros fragmentos vegetaes agelomerados com pouca regularidade. Essas substancias formavam varias camadas sobrepostas, de modo que o diametro da cavidade interior era muito menor do que a da superficie externa; não chegando às vezes a attingir mesmo metade delle. Segundo as substancias de que se compõem, o aspecto desses estojos é muito differente. r Assim o estojo da fig. 9, A, (do ribeirão dos Bugres) é construido quasi que exclusivamente com folhas dicotyledoneas, encontrando-se entre estas tambem algumas sementes de alguma planta da familia das com- postas; pelo contrario, entram na construcção do estojo da fig. 9 B (do ribeirão do Garcia) só fragmentos de folhas monocotyledoneas provenientes talvez de alguma palmeira. Todos os estojos que até agora vi já eram vazios, não contendo mais sinão fragmentos soltos de esqueleto de larvas que, ainda que ob- viamente provenham da larva de algum Trichoptero, não me permittem decidir a que familia devem pertencer. A BACIA CRETACEA DA BAHIA DE TODOS OS SANTOS POR OR V/ Eli ds LX JJIMIVIO E IM, D- Em redor da bahia de Todos os Santos ha depositos de extensão con- sideravel, pertencentes à edade cretacea queindicam a existencia de uma bacia cretacea, occupando uma reintrancia ou bahia da costa antiga, cor- respondendo às numerosas bahias modernas da costa brasileira, das quaes podem ser tomadas como typo as do Rio de Janeiro, Santos e Paranaguá. Como estas, a antiga bahia foi escavada na serie metamorphica, sendo as suas margens formadas em grande parte, sinão totalmente, de gneiss. Uma parte desta antiga bahia é hoje occupada pela bahia de Todos os Santos, cujas margens por uma curta distancia, a cada lado da entrada, são compostas de gneiss e, provavelmente, correspondem às da bahia antiga, sendo o resto das margens e as numerosas ilhas compostas de rochas cretaceas. Esta antiga bahia ou antes laguna, porque os depositos converteram-se em grande parte sinão totalmente em agua doce, tem muito mais extensão do que a actual, sendo não só mais larga como muitis- simo mais comprida. Provavelmente estendeu-se mais para o sul, em uma parte hoje destruida e occupada pelo mar. A extensão total não está defi- nitivamente conhecida, sendo a determinação de seus limites, nos lados septentrional e occidental, dificultada pelo desapparecimento de suas ca- madas, por baixo das formações mais modernas da edade terciaria. v. II—24 136 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A bacia é mais estreita perto da entrada da bahia actual onde, entre as cidades da Bahia e Nazareth, tem a largura de 20 a 30 milhas, porém mais para o norte alarga-se até o dobro desta distancia pelo menos. O seu comprimento conhecido é, desde a cidade da Bahia até perto da estação do Catu, na estrada de ferro da Bahia ao São Francisco, de cerca de 60 milhas. Não temos actualmente meios para determinar com certeza até onde estendem-se nesta direcção. A sua margem oceidental está soffrivelmente definida, pelo appare- cimento do gneiss nas ramificações da bahia, perto de Nazareth e Cachoeira, e ao longo da estrada de ferro de Cachoeira à Feira de Sant'Anna, ao longo de uma linha que, partindo de Nazareth, estende-se na direcção do norte. A margem oriental está tambem bem definida, apparecendo o gneiss em um espinhaço que, da cidade da Bahia, estende-se para léste ou nordeste. Esta mesma rocha apparece outra vez, no leito do rio Johannes, num logar que fica na direcção nordeste da cidade. Ao pé deste espinhaço as camadas cretaceas jazem como numa especie de enseada, e, entre este e o rio Johannes os mumerosos córtes nas camadas cretaceas, ao longo da estrada de ferro, mostram grande abundancia de conglomerado gros- seiro; e isto prova que a margem da bacia não fica muito longe da estrada. Além do rio Johannes, a estrada toma uma direcção mais para o norte e os córtes mostram-se principalmente em rochas terciarias, appparecendo, porém, de vez em quando, as camadas cretaceas, até um ponto entre as estações de Pojuca e Catú, distante 54 milhas da cidade da Bahia. Ao norte deste ponto não são conhecidas; porém, a sua existencia, debaixo de uma parte pelo menos dos taboleiros terciarios da visinhança de Alagoinhas, é provavel. Perto da estação de Pojuca achei gneiss decomposto num córte ao lado de uma estrada de rodagem, parecendo natural portanto, que, descendo o rio Pojuca, achar-se-ha logo a léste a formação cretacea, terminando contra o gneiss como acontece no rio Johannes. Numa excursão ao nordéste de Alagoinhas achei à distancia de cer- ca de 30 milhas e perto da cidade de Inhambupe, uma extensa serie de gneiss subjacente à uma serie consideravel de schisto, grés e calcareo, a qual afligurou-se-me muito perturbada, inclinada ec um tanto alterada e sem duvida alguma, mais antiga que a cretacea, sendo provavelmente da edade palâvozoica. Seixos apparentemente provenientes desta serie, ou duma outra semelhante, são muito abundantes no conglomerado cretaceo de Mapelle; está portanto provado que ella fórma, em parte, a margem da bacia nesta direcção. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL E! No lado septentrional da bacia uma linha de taboleiros de cerca de 200 metros de altura começa perto da cidade de Cachoeira e, estenden- do-se por detraz da cidade de Santo Amaro, atravessa a estrada de ferro, perto da estação de Pojuca. Estes taboleiros formam a margem de um extenso planalto ou cha- pada composta de camadas horisontaes de grés e argillas molles, certo, de edade mais moderna que as camadas cretaceas que ellas cobrem, e mui provavelmente da edade terciaria. Massas destacadas e denudadas (ou- tlhers) desta formação são communs em toda a região cretacea. Esta chapada, ao longo da estrada de ferro da Cachoeira à feira de Sant'Anna, encerra algumas das mesmas massas destacadas de rocha me- tamorphica e, finalmente, algumas milhas a oeste do ultimo logar, termina ao pé de uma cordilheira de gneiss que, estendendo-se na di- recção de nordeste, atravessa o prolongamento da estrada de ferro da Bahia ao S. Francisco, perto do ponto chamado Serrinha, onde, conforme o relatorio do engenheiro Bulhões, tem a altura de 800 metros. Dentro dos limites assim proximamente traçados, a formação cretacea apresenta-se nas margens da bahia, formando o afamado Reconcavo, e nas numerosas ilhas que a adornam. Onde não esta coberta pelo grês terciario que, é comparativamente esteril, em se achando denudado, a região possue um rico solo argilloso, conhecido pelo nome de massapé por causa de suas qualidades adhesivas. Este solo, muito differente do massapé das regiões gneissicas, mais ao sul, é devido à decomposição dos schistos cretaceos e faz-se notavel por sua fertilidade, sendo especialmente proprio para a cultura da canna de assucar. Haja vista a topographia typica da região cretacea na visinhança da es- tação de Mapelle, na estrada de ferro e na de Santo Amaro. Onde o schisto é a rocha predominante, a superficie é suavemente ondulada por morros baixos que se levantam à altura de 49) ou 50 metros e cujas encostas são levemente arredondadas, sendo em geral, mais abruptas de um lado do que do outro. Nas regiões onde predomina o grês e o conglomerado, como em redor da cidade da Bahia e perto de S. Fran- cisco, entre Santo Amaro e a Bahia, os morros são mais abruptos e mais altos, sendo as encostas muitas vezes irregulares e ingremes. A capa de rochas terciarias, em se mostrando perfeitamente conservada, apresenta-se em taboleiros e chapadas com encostas abruptas, bellos exemplos de que alguns são vistos em frente de Mapelle, do outro lado de um braço da bahia em um logar chamado Passagem, e outros na visinhan- ca de Pojuca, sendo estes ultimos muito bellos. Onde mais denu- 138 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL dada, como em redor da estação de Camassari, vêm-se, como o professor Hartt já havia notado, todas as graduações entre a larga chapada, o estreito taboleiro com o seu cume achatado e o morro conico ou em fórma de tecto, apresentando geralmente o ultimo um declive mais rapido de um lado do que do outro. A serie de camadas ao longo da estrada de ferro foi bem descripta pelo professor Hartt, e a seguinte descripção é extrahida principalmente da sua obra (1), com algumas addições resultantes das nossas observações posteriores em 1876. A cidade da Bahia esta situada à entrada da bahia, do lado oriental, na margem e à base de um baixo espinhaço de gneiss que se eleva à altura media de cerca de 65 metros. Neste espinhaço a rocha solida está geralmente coberta por uma espessa capa de material decomposto, im situ, a qual está, por sua vez, muitas vezes coberta por um deposito consideravel de barro vermelho separado da rocha decomposta por uma linha de eixos. O professsor Hartt descreve o gneiss como uma variedade muito com- pacta e um tanto parecida com o trapp, às vezes sem mica, e com os planos de estractificação muito indistinctos. A. Darwin nos fornece, na sua obra « Geological Observations » uma descripção muito minuciosa das rochas da Bahia a qual se acha citada pelo professor Hartt. Diz elle que a rocha, passa muitas vezes pelo desapparecimento do quartzo e mica e pela mudança na côr do feldspatho, a um grunstone primitivo de côr cinzenta brilhante; algumas variedades são syeniticas e a massa. se acha atravessada por numerosos diques de rocha preta, amphibolica, finalmente crystalina. A orientação dada por Darwin é E, 50º N. O professor Hartt dá uma observação de orientação N. 60E; inclinação 35º N. O.; e uma outra de orientação N. 25º E. Acompanhando a margem septentrional deste espinhaço de gneiss apresenta-se uma serie de conglomerados, grês e schistos que formam morros consideraveis ao longo da estrada de ferro. Uma parte desta serie está separada do resto por um braço da bahia entre Plataforma e o arrabalde de Itapagipe, e por uma área consideravel de modernos depo- sitos baixos e arenosos sobre os quaes Itapagipe acha-se edificada. A parte assim destacada constitue as pontas rochosas de elevação moderada de Monserrate e Bomfim. A serie de rochas expostas nestas pontas foi bem descripta por Allport (2) nos seguintes termos : (1) Geology and Physical Geography of Brazil, Boston, 187%, pag. 346 et seg. (2) Quarterly Journal of the Geological Society, London, Vol. XVI, part. 3, p. 263. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 139 « O barranco rochoso que fórma a parte sudoeste do morro sobre o qual está edificada a fortaleza de Monserrate apresenta à vista, diversas alterações de conglomerado, grês e schisto. Para o nordeste estas camadas passam a um schisto silicoso de côr cinzenta azulada mostrando-se cheias de seixos. Estes desapparecem gradualmente e o extracto superior, até onde se estende a parte exposta ao mar, consiste em camadas de schisto al- ternado com leitos de grês, contendo ambas as mesmas especies de fos- seis. Toda esta serie de depositos acha-se coberta pelo barro vermelho commum, e tem a inclinação geral para o noroeste. A parte do barranco de Monserrate, exposta ao mar tendo a altura de cêrca de dez metros, consiste principalmente em conglomerados com leitos irregulares e em fórma de cunha, e em schisto e argilla tambem com leitos de grês. O conglomerado é composto de seixos mais ou me- nos arredondados de gneiss, granitos, quartzo e outras rochas crystalinas, e, às vezes, de grês, formando o todo uma rocha extremamente dura. Os seixos variam em tamanho desde o cascalho o mais fino até aos grandes bloques. « No schisto, perto da base do barranco, foram achados alguns fosseis, consistindo principalmente em escamas e outras partes de peixes, dentes, ossos de repteis, juntamente com Jignito, alguns molluscos e Entomos- trica. » Da localidade acima descripta, os paredões se estendem por alguma distancia na direcção nordeste até a ponta de Bomfim, apresentando uma ponta proeminente e intermediaria, conhecida pelo nome de Pedra Furada. O professor Hartt descreveu esta parte da secção no seguinte trecho: (1) « Na costa ao sul da Pedra Furada estão expostas camadas espessas de grês, schisto, conglomerado e calcareo, que são a continuação da mesma serie que Allport descreve. Este calcareo é de textura compacta e matisado de pardo, cinzento e verde; contém alguma areia juntamente com peque- nos seixos de gneiss e quartzo, geralmente angulares. Quebrada de novo, a rocha mostra muito indistinctamente os fosseis, porém nas superficies que têm sido expostas ao tempo, elles se apresentam em bello relevo. Ao mesmo tempo a superficie torna-se granular como si a rocha fosse composta de grãos redondos ou ovaes de areia grossa. Estes grãos, po- rêém, são calcareos e a sua estructura póde ser oolitica, apezar de pare- cerem ser arredondados mechanicamente. » (1) Op. cit. p. 348, v. 11—25 140 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL « Associado a esta rocha ha um calcareo argilloso de textura fina e de côr cinzenta em que não ha nada desta estructura oolitica (?), porém acha-se, às vezes, bem desenvolvida a estructura chamada cone-in-cone; circumstancia um tanto rara em rochas desta edade. Nestas rochas que, quando muito, for- mam uma camada da espessura de tres palmos, ha diversas especies de mollus- cos em grande abundancia. Ossos e dentes de crocodilos e ossos de repteis dinosaurios são tambem encontrados juntamente com escamas e ossos de Lepidotws e outros peixes. « Ha tambem nesta secção grossas camadas de schisto, em parte preto e bem laminado, porém em geral mal laminado, muito molle, de côr clara e cheio de pequenas laminas de mica. Neste schisto encontram-se leitos com abundantes restos de Entomostracas,dos quaes o mais interessante é um Estheria com as suas valvulas marcadas com linhas concentricas como um Astarte, sendo apparentemente novo. Escamas e esqueletos de peixe são communs. Apresentam-se perto da Pedra Furada espessas camadas de grés de textura fina, molle e de côr cinzenta esverdeada; raramente contém fosseis, e estes, quando apparecem, são pedaços carbonizados de vegetaes. » Esta secção foi examinada de novo pelo Sr. Rathbun e por mim mesmo em 1876. Perto do'forte de Monserrate achamos o conglomerado numa camada muito espessa, consistindo em seixos de varias qualidades de gneiss com quartzo e trapp, rochas que se apresentam com abundancia in situ, na visinhança da cidade. Junto com estes ha raros seixos representando uma série de rochas não crysta- linas e pouco alteradas, que não são ainda conhecidas nesta região. Consistem em grês, schisto, calcareo amorpho e marmore côr de rosa, contendo seixos de quartzo. A maior parte do conglomerado é composta de seixos de tamanho re- gular e de areia, porém massas de oito palmos de diametro não raras vezes tambem se apresentam. Leitos de grés fino, variando em espessura de meio palmo a palmo e meio, apparecem irregularmente distribuidos na massa e mos- tram melhor do que a parte mais grosseira a inclinação do deposito, que é de 20º N. E., sendo a orientação S. 60º E. Acima do conglomerado e do outro lado da ponta, na direcção do hospital, ha grossas camadas de schisto molle, de côr preta, esverdeada e avermelhada, contendo Cyprides e restos de peixes, e, em dous ou tres leitos delgados de grés calcareo, conchas de molluscos de agua doce. Acima do schisto ha uma espessa camada de grés molle interstractificada, com leitos de schisto e contendo grandes massas concrecionarias de calcareo pardo, cheias de conchas de gasteropodes. Por detrás do hospital do Bomfim vê-se uma secção interessante em que se vê uma camada de grés augmentar subitamente a sua espessura, interceptando uma camada de schisto que em parte da secção jaz por debaixo della. Estas ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 141 mudanças bruscas dos estractos são muito caracteristicas de toda a secção e indicam deposição em cireumstancias que variaram constantemente. “A inclinação varia muito, tanto em angulo como em direcção. Na Pedra Furada o grés é quasi horizontal; sobre um lado ha camadas de grés alternando com schisto, e inclinando-se N 10º E, e, a algumas braças mais adiante, a incli- nação muda-se para N 10º O. Em outro logar vê-se um leito delgado de grés dobrado sobre si mesmo, formando um arco Semi-circular. A altura dos paredões é de cerca de 20 metros devendo ter espessura das camadas, assim irregularmente estractificadas, 15 metros. A secção de Monserrate é a mais completa em toda a região, sendo typica no caracter das rochas, nas rapidas e irregulares alternações das camadas e nas variaveis condições da stractificação, de todas as secções da bacia cretacea; estas não precisam de descripção tão minuciosa; porque seria afinal repeti- ção do que está acima escripto. A unica secção examinada que se approxi- ma em perfeição e interesse à de Monserrate éa de S. Francisco, perto de Santo Amaro. Do lado septentrional da peninsula de Monserrate estende-se uma longa e baixa projecção arenosa sobre a qual acha-se edificado o florescente arrabalde de Itapagipe. Exactamente defronte estã a estação de Plataforma, estendendo-se entre os dous um longo braço da bahia, razo e irregular, o qual penetra um tanto profundamente na terra do lado da cidade. A estrada de ferro margeia este braço por uma curta distancia, atravessando uma ramificação delle por uma ponte comprida, perto de Plataforma, e depois segue a margem da bahia até perto da estação de Agua Comprida. Da bahia até a ponte da Plataforma, ella acompanha a base do espinhaço de gneiss, sem, porém, tocar nelle até cerca de duas milhas da cidade. Grés e schisto, acham-se expostos nas sargêtas ao lado da estrada; e em um córte consideravel perto da ponte, descripto pelo professor Hartt, ha camadas espessas de schisto muito decomposto, em que se acham peixes fossilizados semelhantes aos de Monserrate, juntamente com grande abundancia de Cyprides. Pouco antes de chegar a esta localidade, ha, cerca de 200 metros à direita da estrada, uma pedreira aberta no gneiss, tendo defronte tres ou quatro baixas ondulações compostas de grés e schisto. Em um rego, ao lado da estrada, achei muitos Cyprides. Deixando a estrada na extremidade oriental da ponte e seguindo a praia para o norte, encontra-se exposto na baixa-mar, um schisto molle, preto, em que achei um bello dente de crocodilo e muitos restos de peixes. Mais adiante ha grés molle cinzento, que era extrahido para a cantaria da ponte e que é coberto de uma camada de schisto. 1492 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Este grés levanta-se, n'um morro adjacente, à altura de 15 metros e inclina-se 20º N. O., sendo a orientação N. 60º E. Cerca de um quarto de milha da ponte e perto do engenho de refinação de assucar, ha um aflo- ramento de gneiss decomposto numa altura de 25 metros, sendo que em toda a costa esta rocha apresenta-se pouco afastada da margem da bahia. Atraz do engenho ha um espinhaço estreito, da altura de 65 metros, coberto com terra solta em que se acham massas de grés grosso, e fer- ruginoso, apparentemente mais modernas do que o cretaceo, e provavelmente devidas a consolidação pelo oxido de ferro das materias superficiaes, em épocha recente. Um valle estreito separa este espinhaço de outro mais alto, sendo aquelle occupado por um rego que dirige a agua de um pe- queno riacho para o uso do engenho. A meia milha mais ou menos acima do engenho e quasi opposto à cabeceira da bahia da Platafor- ma, está o açude colocado no alto de uma graciosa cascatinha formada por um afloramento de gneiss. Fronteiro a esta, no lado opposto da bahia, e distante cerca de um quarto de milha, ha, num riacho, um afloramento consideravel de conglomerado duro e grosseiro que fórma outra cascatinha chamada Cobre, provavelmente por serem as rochas cobertas por uma incrustação da côr deste metal. Esta ultima localidade acha-se entre os morros atraz de Plataforma, os quaes, pelo menos ao longo das margens da bahia, são compostos principalmente de conglomerado. Mais a oeste, atraz da estação de Plataforma, os morros, à uns 60 metros de altura, são cobertos de areia branca solta em que se acham es- palhadas com bastante abundancia, conchas do genero Arca, Astro, Venus Strombus, etc. Estas conchas, que são communs na bahia, tambem se acham, da mesma maneira, na superficie dos morros, na ponta da Sapoca, perto de Mapelle. Alguns pedaços de louça foram tambem ahi observados. Si estas conchase a areia solta que têm toda a apparencia da areia da praia foram depositadas ou não pelo mar antes ou durante a sublevação da terra, não pude determinar. E” possivel que as conchas fossem levadas pelos passaros ou pelos in- digenas e que a areia tenha sido levada da praia e depositada nos morros pelo vento, como noticiou o professor Hartt nos morros a léste da cidade da Bahia. A ponte da Plataforma é de cerca de meio kilometro de comprimento, sendo o fundo da bahia, onde ella atravessa, composto apparentemente de schisto com um deposito de lôdo por cima. As camadas além da ponte foram bem descriptas pelo professor Hartt, nas palavras seguintes: « Passando a ponte ha diversos grandes córtes, nos quaes, como tambem na praia, pela maré baixa, são bem expostas as rochas que consistem em ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 143 camadas de conglomerado alternado de schisto escuro e às vezes, de leitos de grés, tendo as camadas a orientação, termo medio, de N. 60º E. e a inclinação de 30º N. 0». « No córte da Plataforma que é muito grande, vê-se uma camada es- pessa de schisto com algumas listras de grés em que se encontram peixes e Cyprides fossilizados. Sobre esta jaz uma grossa camada de conglomerado composta de fragmentos das principaes rochas da visinhança, apresentando a mesma apparencia que nas camadas de que foram derivados. Os seixos deste conglomerado, pela maior parte, de quartzo e gneiss, são de todos os tamanhos até dous ou tres palmos de diametro. São pouco arredondados e sempre mais ou menos angulares. Parece ser um deposito accumulado rapidamente, tornando-se pela sua dureza, um morro agora elevado. Este conglomerado está cimentado n'uma camada massiça que mostra em si poucos signaes de estractificação e tem fornecido alguns restos de repteis. A mesma ca- mada apparece na praia onde, na baixa-mar, póde ser examinada». « Todas as camadas são bem desenvolvidas na praia, em toda a extensão, desde a Plataforma até a pequena enseada de Piripiri e, sendo a orientação tangencial à curva da costa, entre estes dous logares, e a sua inclinação para omar, póde ser examinada sobre uma área consideravel, tanto em ordem ascendente como descendente. Acima do nivel da praia-mar, a desintegração torna-se pouco satisfactoria a seu exame, porém abaixo deste nivel as rochas têm soffrido menos e, salvo uma capa superficial meio decomposta, estão quasi em seu estado natural. » Em muitas das camadas, especialmente das que são mais finas em caracter, alguns restos de repteis e outros fosseis são abundantes, porém, sendo as rochas muito compactas, são elles extrahidos com difficuldade. Estes fosseis consistem em espinhas de peixe com uma vertebra ás vezes, ossos de Dinosaurios e alguns dentes, tanto de peixes como de repteis. Dos dentes derepteis, os mais interessantes são de crocodilos. Estes restos de vertebrados são especialmente abundantes n'um conglomerado calcareo que fôrma uma camada de dous ou tres palmos de espessura e que denominei camada de ossos (bone bed). « Ha algumas camadas de schisto arenoso e grosseiro que offere- cem esqueletos muito perfeitos de um peixe telcosteo apparentemente differente da especie de Monserrate. E” digno de nota que este schisto, bem como algumas das outras rochas da secção, seja bituminoso e calcareo. » Ensaiando fazer uma secção geologica das rochas expostas nas praias da Plataforma a Piripiri, achei que a orientação e a inclinação são tão variaveis, e que as camadas são tão pouco expostas que a determinação de sua espessura exacta affigurou-se-me difficillima. A serie consiste princi- v. 11126 144 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL palmente em schistos com leitos delgados de grês e de conglomerado intercalla- dos, e com duas camadas consideraveis de conglomerado. Ella em sua totalidade provavelmente, não tem menos de 200 metros de espessura, podendo ter mais até. Pouco adiante da estação de Peripiri, a estrada atravessa por um tunnel, uma peninsula que fórma um lado da bahia de Mapelle, sendo o tunnel escavado em schisto e grês. Esta peninsula foi examinada pelo Sr. Rathbun e por mim mesmo, nas pontas da Sapoca, de S. Thomé e de Toquetoque. E” composta principalmente de grês, semelhante ao de Monserrate, tendo em certos leitos muitos fragmentos de madeira carbo- nisada e restos de plantas. A côr predominante é a cinzenta, porém, as camadas do morro sobre o qual se acha edificada a egreja de S. Thomé são avermelhadas. A inclinação na ponta de Sapoca é 36ºN.E, sendo a orientação S.60ºE. Debaixo deste grês encontra-se schisto um tanto are- noso e mal laminado. De Piripiri à Mapelle os córtes são em schisto e grês, predominando o ultimo. Perto de Mapelle a companhia da estrada tem aberto diversas pedreiras donde se tem extrahido a pedra para a construcção e conser- vação da estrada. A pedra é de qualidade ordinaria, sendo muito molle e sujeita a decomposição rapida, quando exposta ao tempo; porém é a melhor até hoje descoberta ao longo da estrada. Existem quatro pedreiras de que tres, no lado de Peripiri, foram abandonadas; a. quarta, em que se trabalha actualmente, acha-se a leste da estação perto do tunnel. As pedreiras abandonadas mostram ca- madas espessas de grês molle amarellado que, quando tirado de novo, desfaz-se facilmente na mão, porém endurece um pouco quando exposto ao ar. Em uma destas pedreiras certas partes da camada são azuladas e um pouco mais duras. Os fosseis são extremamente raros. A pedreira nova perto do tunnel, offerece maior variedade nas suas rochas, sendo algumas dellas de boa qualidade; esta pedreira é um verdadeiro cemiterio de vertebrados antigos. Vêm-se all expostos cerca de 8 metros de rocha, inclinando-se as camadas um pouco a léste do morte. A direcção da inclinação varia bastante, mesmo na pequena área exposta e a elevação parece existir antes na fórma de um zimborio do que ao longo de uma linha recta. A secção em ordem ascendente é a seguinte: 1.º Schisto molle, azulado, e não laminado, formando o pavimento da pedreira. 2.º Uma camada de cerca de oito palmos de espessura média, que é, na base, um pudding-stone ou conglomerado fino, passando em cima ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 145 a grês de grão fino, e variando em côr de azulado a amarellado. Esta parte arenosa tem, de vez em quando, fosseis e seixos, e intercalladas pequenas massas de schisto. 3.º Uma camada irregular de schisto molle, decomposto, variando em espessura de um e meio a tres palmos, tendo muitos seixos e alguns fosseis. 4.º Uma camada de oito palmos de espessura de grês amarellado, de textura fina passando em cima a pudding-stone cheia de fosseis. 5.º Schisto molle e esverdeado, sendo perfeitamente decomposto, e formando uma argilla roxa da espessura de 15 a 20 palmos. No pudding-stone os seixos são de todos os tamanhos, até o da cabeça do homem, apparecendo raramente massas maiores; na camada inferior os seixos são principalmente de calcareo amorpho, ao passo que, na segunda camada, são mais variados e representam tanto rochas meta- morphicas como rochas não alteradas, predominando as ultimas. De vez em quando apparecem pequenas massas de agatha occupando cavi- dades que foram evidentemente deixadas pela dissolução de um seixo de calcareo. Além de calcareo, trapp, quartzo, granito e gneiss, apparecem entre os seixos, grês e schisto. Massas concrecionarias consideraveis de calcareo branco composto de grãos-ooliticos de dois a cinco millimetros de diametro apresentam-se no greês, sendo os grãos perfeitamente esphe- ricos e formados por camadas concentricas. Este deposito é em appa- rencia puramente local e parece ter formado o leito de alguma corrente antiga. Os ossos fosseis são muitas vezes gastos e quebrados e provavel- mente têm sido acarretados, juntamente com os seixos, a uma distancia consideravel por algum rio ou corrente da épocha cretacea. Um carater especial das camadas de schisto, tanto em Mapelle como em Plataforma, é a presença de delgadas linhas de grés assemelhando-se à veeiros que cortam o schisto em linhas rectas ou onduladas. Estes, que fazem lembrar diques e veeiros, foram apparentemente formados por pe- quenos lagrimaes carregados de areia e correndo sobre os bancos de lódo, que são hoje transformados em schisto. Nas praias, em frente de Mapelle, a rocha é principalmente grés molle amarellado com massas mais duras, azuladas; as quaes, resistindo melhor à acção do tempo, apresentam-se com uma certa proeminencia. Um pouco retirados da bahia, n'um logar chamado passagem, ha alguns bellos ta- boleiros, sendo as camadas cretaceas evidentemente sobrepostas pelos depo- sitos horisontaes terciarios nesta direcção. Na circumvisinhança de Mapelle a superficie é irregular, accidentada e coberta com barro vermelho, excellente para a cultura de canna de assucar, 146 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Além de Mapelle a estrada faz uma volta para léste, deixando a bahia e entrando de novo em uma região de conglomerado grosso, como a de Plataforma. Ha em diversos pontos córtes em conglomerado e schisto e, perto da estação de Agua Comprida, ha um longo córte muito inte- ressante que expõe tres camadas de conglomerado, uma das quaes é de consideravel espessura, interstractificadas com camadas espessas de schisto. A inclinação é de 20º um pouco a léste de norte. O conglomerado é grosseiro, semelhante ao de Plataforma e tem poucos fosseis. O schisto é muito variavel em caracter, sendo em parte duro, arenozo, ou com seixos, e concreções calcareas lenticulares, sendo em parte molle e de côr esver- deada ou preta. E tambem um tanto micaceo e, muitas vezes, papyra- ceo na sua structura. Fragmentos de madeira carbonisada e esqueletos muito perfeitos de peixe apresentam-se em certa abundancia, e uma bella colleeção dos ultimos tem sido feita pelo Sr. Manzon, superintendente da estrada de ferro. Restos de repteis são raros, mas o professor Hartt menciona uma abundancia de Cyprides. Em Agua Comprida fiz um excursão entre os morros que ficam atraz d'aquella estação e o de Mapelle. Composto principalmente de conglomerado, o espinhaço de gneiss no seu prolongamento para o norte da cidade, passa a tres ou quatro milhas distante da costa da bahia. E” digno de nota que a Bahia tenha destruido a terra neste lado até encontrar o duro e resistente conglomerado, estendendo os braços compridos e estreitos nas áreas de grés e schisto entre as de conglomerado. Além de Agua Comprida não apparece mais conglomerado nos córtes, porém vê-se esta rocha nos morros, ao lado da estrada, até perto da ponte sobre o rio Johannes. Ha diversos córtes em schisto e, perto da estação de Muritiba, encontra-se uma pedreira abandonada, de grés molle branco e de uma côr muito rara nas rochas da bacia. A rocha endurece consideravelmente quando exposta ao ar e as ca- madas inclinam-se 25º S. E. Logo adiante apparecem camadas horisontaes de grés incoherente-e, por uma distancia consideravel, não se encontram mais rochas que possam ser referidas ao terreno cretaceo. Perto do rio Johannes em cada um de seus lados, ha grandes córtes em gneiss decomposto e, a uma pequena distancia abaixo da ponte, a rocha solida acha-se exposta no leito do rio com a inclinação de 50º ao norte, A rocha wn sifio é uma variedade muito dura e amphibolica, si bem que sejam abundantes fragmentos de uma variedade feldspathica. Desta localidade até a terminação da estrada em Alagoinhas a su- perficie é, pela maior parte, composta de camadas mais modernas do ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 147 que a edade cretacea. O professor Hartt deu uma descripção muito com- pleta das feições geologicas e topographicas desta região, que não póde ser aqui incluida por ser um pouco extranha ao plano que se acha indicado no titulo desta memoria. Os córtes são feitos principalmente em camadas horizontaes de areia muito ligeiramente consolidada, brilhante e diversamente colorida. Acima destas camadas ha de ordinario uma linha de seixos rolados, jazendo em baixo de um deposito de terra que é composta de areia quasi pura. Este ultimo deposito é, às vezes, como na circumvisinhança de Camassari, de consi- deravel importancia, sendo ahi e em Pitanga, como provavelmente em outros logares tambem, bastante diamantifero. Perto da estação de Malta de S. João, as rochas cretaceas reapparecem nos córtes em camadas inclinadas de schisto e grés decompostos, e ás vezes, com, um leito delgado de minereo argilloso concrecionario de ferro. Estas camadas apresentam-se de vez em quando até perto da estação de Catu. No schisto destes córtes, o professor Hartt achou Cyprides em diver- sos logares, e no material tirado do tunnel de Pojuca, restos de peixes e de plantas. Perto da estação de Pojuca, ao lado de uma estrada de rodagem, achei um schisto podre apparentemente da edade cretacea, jazendo em cima de gneiss decomposto, muito atravessado por veeiros, sendo este o unico ponto em que tenho visto as duas formações em contacto actual. A uma pequena distancia atraz destes afloramentos ha uma bella série de taboleiros que se levanta à altura de cerca de 70 metros acima delles, taboleiros compos- tos de camadas horizontaes que são evidentemente mais modernos do que os aqui descriptos. Um pouco além da estação da Pojuca ha afloramentos de grés molle amarello, inclinado para SO., e n'um outro córte, uma camada delgada de grés duro e branco. A rocha mais interessante desta visinhança é um cal- careo pardo e duro que se apresenta em uma camada de espessura de tres palmos e está interstractificado com schisto. Este é, quanto pude ver, o unico -calcareo conhecido na bacia, salvo os leitos muito delgados de Monserrate e S. Francisco. Parece ter uma extensão horizontal consideravel, porque a mesma rocha, ou uma outra muito semelhante, foi ultimamente encontrada pelo Sr. Mawson, em dois córtes, entre as estações de Pojuca e Catú, a uma distancia de 54 milhas da Bahia. a” O Sr. Mawson escreveu-me que as camadas são inclinadas em um an- gulo moderado e jazem, em ordem descendente, como a que se segue : 1º —Terra solta, 6 palmos de espessura, tornando-se gradualmente em N.. 9. v. 127 148 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 2º — Schisto lamacento, amarello, 4 palmos. 3º — Schisto duro, amarello, 1 palmo. 4º — Schisto molle, menos de 1 palmo. 5º — Calcareo arenoso, 1 palmo. 6º — Schisto, 1 1/2 palmos. 1º — Grés duro 4 palmos até a base do córte. No calcareo arenoso (N. 5) acham-se em abundancia restos de peixes e repteis semelhantes aos de Monserrate e Mapelle, e no schisto duro ama- rello, em addição aos restos de vertebrados, acham-se Cypridres e Lamel- libranchios. Passando Pojuca, a estrada entra no valle do rio Catú o qual segue até Alagoinhas. Nesta secção ha poucos córtes e não sendo bem exposta a estructura geologica por uma distancia consideravel, a extensão total da bacia cretacea nesta direcção não póde ser determinada com certeza. O Sr. Mawson tendo examinado com cuidado todos os córtes, diz que o ultimo em que as rochas cretaceas se apresentam é no kilometro 86, entrando a estrada então em depositos terciarios e superficiaes. Perto de Alagoinhas a região é de grês [riavel e abunda em taboleiros semelhantes aos de Camassari e Pojuca. Numa excursão nesta região, achei que as partes mais elevadas têm a altura de 230 metros, determinados pelo: aneroide. Estende-se com o mesmo caracter geral de chapada arenosa para o nordeste, entrando na provincia vizinha de Sergipe, e acha-se limitada a leste por gneiss, apparecendo o prolongamento, ao longo da costa, da área metamorphica da cidade da Bahia e por uma serie de rochas não crystalinas inclinadas. Esta ultima serie parece ter fornecido os seixos de grês, schisto e calcareo do puddimg-stone de Mapelle e é provavelmente de edade paléo- zoica. Encontrei-a primeiro perto de Inhambupe, porém é provavel que estenda-se ao sul a algum ponto muito mais proximo da cidade da Bahia. Para o nordeste de Alagoinhas, ao longo do prolongamento da estrada de ferro, o paiz é, conforme sou informado pelo Sr. Mawson, a continuação da região terciaria de Alagoinhas, por uma distancia de so milhas, quando o caracter muda-se e as rochas metamorphicas offe- ecem nas montanhas da vizinhança de Serrinha que se elevam á altura de 800 ou 1.000 metros. Indo da Bahia a Santo Amaro, cidade pequena, porém muito flo- rescente, no centro da região assucareira do Reconcavo, situada n'um rio que desagua num estuario ao norte extremo da bahia, passa-se por muitas ilhas cujos caracteres geologicos e topographicos são semelhantes aos da ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 149 ilha de Itaparica, descripta na memoria junta pelo Sr. Rathbun. Estas são a Ilha do Frade, da Maré, da Madre de Deus, do Bom Jesus, de Cajahyba e outras. Os paredões da Ilha do Frade e da Maré, que se avistam do vapor, na viagem a Santo Amaro, são principalmente de grês branco, amarello e azul. Schisto esverdeado, decomposto apresenta-se na ilha da Madre de Deus e grês esverdeado na de Bom Jesus. A ilha de Cajahyba, na foz do estuario, ca terra firme do lado occidental são baixas e onduladas, apparentemente compostas de rochas muito molles, ao passo que o terreno do lado oriental do estuario, na vizinhança da villa de S. Francisco é mais alto e mais abruptamente accidentado, sendo o grês a rocha predominante. Nos paredões, perto do convento de S. Francisco vê-se uma serie extensa de camadas muito parecida com a de Monser- rate, sendo porém as camadas mais bem definidas. A secção em ordem ascendente é a seguinte: 1.º — Schisto escuro, molle com madeira carbonisada e alguns leitos de grês e listras e concreções de calcareo. 2.º — Grês molle azulado e amarellado. 3.º — Schisto semelhante ao N. 1. 4.º — Camada espessa de grês azulado na parte inferior, amarello na superior com alguns leitos delgados de schisto. 5.º — Calcareo pardo, composto, duro, camada de 1 1/2 a 3 palmos em espessura. 6.º — Schisto. 7º —— Grês. A inclinação. é 20º N. 0. Nas paredes do convento ha massas de conglomerado contendo restos de repteis. Os seixos são principalmente pedaços achatados de calcareo com algum quartzo. Em S. Francisco o terreno do lado oriental do estuario, por uma distancia de 4 ou 5 milhas, até acima do Instituto Agricola, é abrupta- mente accidentado, apresentando morros conicos separados por valles estreitos. A rocha-é em geral de grês com concreções calcareas, duras e azuladas e com alguns fragmentos de madeira carbonisada. O terreno, do lado opposto do estuario, é mais baixo, sendo composto de uma zona. de manguezal, seguido por uma outra de terreno levemente ondulado e de elevação moderada que se estende por uma distancia de algumas leguas, terminando na base de uma linha de taboleiro que apparecem na direcção da cachoeira. Acima do Instituto Agricola, o terreno torna-se menos accidentado e 150 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL irregular. A cidade de Santo Amaro acha-se collocada na margem d'um pequeno rio que desagua no estuario, e m'uma região de morros suave- mente arredondados que se levantam à altura de 50 ou 60 metros. Esta região é pela maior parte composta de schisto, dando pela decomposição um rico solo argilloso. Nos pontos mais altos apparece grês molle. Em virtude da decomposição, os afloramentos de rocha são raros e geralmente pouco satisfactorios. Ao lado da rua principal da cidade, ha um afloramento de schisto papyraceo, molle e esverdeado, com listras irregulares e concre- ções de pedra argillo ferruginosa (clay iron-stone). Alguns fragmentos do schisto e da pedra ferruginosa acham-se muitas vezes cimentados em massas grandes, por carbonato de cal. O schisto contém restos mal conservados de peixes e repteis. No outro lado do mesmo morro acha-se exposta uma camada de marga compacta amarela, que está quebrada naturalmente em fragmentos cubicos, e cuja superficie é preta e lustrosa. Esta camada tambem contém nodulos de pedra argillo ferruginosa e estã em parte solidificada por depositos de calcareos. Parece ser inferior ao schisto papy- raceo de outra localidade. Num córte na estrada de ferro ao Bom Jardim o schisto esverdeado acha-se sobreposto por depositos de edade mais moderna, consistindo em uma camada de argilla plastica com seixos e às vezes uma massa conside- ravel de grés amarello, e em uma de areia pintada coberta por solo preto. A fertilidade do solo na região de Santo Amaro parece ser devida á pre- senca em abundancia da marga ou schisto calcareo. De facto, quasi todos os schistos da bacia cretacea são um tanto calcareos, porém em geral em gráu menor do que os de Santo Amaro. A industria assucareira é ha muito a mais importante, porém a região produz muito bem o fumo e outros productos. Desde a primeira oceupação pelos europeos que esta região tornou- se celebre pela cultura da canna; ultimamente a planta tem soffrido mo- lestias, provavelmente devidas à cultura defeituosa e velhice dos productos agricolas. O systema seguido, tanto na cultura da planta como na extracção do assucar, é extremameute primitivo e a região está actualmente ficando atraz das de Pernambuco e Rio de Janeiro, onde a introduceção de methodos aper- feicoados e especialmente o systema cooperativo de engenhos centraes tem dado grande impulso à industria. Os fazendeiros da Bahia começam agora a comprehender a necessidade de melhorar os seus methodos antiquados e cremos por isso que a região será logo restituida à sua gloria primitiva. O Instituto Agricola tem um campo largo para trabalho util, e sendo bem dirigido póde contribuir muito para este resultado Na viagem por terra de Santo Amaro à Cachoeira, atravessa-se primeiro ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 151 uma região de sub levação moderada e de topographia suavemente ondulada, que torna-se mais elevada e accidentada à medida que se vai para o oeste. A rocha predominante é um schisto calcareo semelhante ao já descripto em redor de Santo Amaro. Esta região estende-se por cerca de duas leguas para o oeste e termina abruptamente na base da chapada ou planura já mencionada a qual atravessa a região, limitando no lado oceidental o Reconcavo. A structura desta cha- pada é bem visivel na encosta ingreme onde vêm-se expostas camadas espes- sas de grés friavel avermelhado, amarellado esbranquiçado com pequena inclinação para o norte. Logo em frente da base da chapada ha algumas massas destacadas de um grés especial que não vi in situ. São duras e nas superficies expostas ao tempo assemelham-se a bloques de gneiss, sendo a isto devida à proeminencia dos grãos grossos de quartzo que são unidos por um cimento parecido com porcellana e que parece ser Kaolin solidificado. A chapada levanta-se à altura de cerca de 160 metros, sendo o cume perfeitamente aplanado e coberto por densa floresta que estende por alguns kilometros da margem. O solo é arenoso, porém com uma quantidade con- sideravel de humus e com manchas bastante grandes de terra preta, que fazem lembrar a chapada semelhante de Santarém, no rio Tapajós. A julgar pelas poucas pequenas roças de fumo, milho e mandioca que se vêm ao longo do caminho, a terra é boa e especialmente propria para a cultura de fumo, pelo que a visinhança de Cachoeira é notavel. Ali como ao longo da estrada de ferro de Cachoeira à feira de Santa Anna predomina sobre a pequena lavoura, sendo os habitantes pobres, porém independentes, cultivando cada um a sua pequena roça com poucos ou nenhuns escravos. Com a extincção da escravatura e com o augmento no numero 'e na actividade desta classe de lavradores, não está muito distante o dia em que esta região póde rivalizar em riqueza e prosperidade com o Reconcavo. Já ha nestes planaltos signaes de vigor e progresso, que apresentam contraste notavel com o ar de decadencia nas grandes pro- priedades da região baixa. A” medida que se approxima da Cachoeira a superficie torna-se mais irregular, sendo cortada por numerosos pequenos valles pouco fundos; passa-se quasi insensivelmente da chapada de grês à região de gneiss, encontrando-se em seguida um declive ingreme que conduz ao rio Paraguassú e à cidade de Cachoeira. O professor Hartt deu a seguinte descripção do rio Paraguassú abaixo da Cachoeira: O Paraguassú é o maior e mais importante rio da provincia da Bahia v. NI—28 152 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nasce na serra da chapada, na região diamantifera, ao oeste da Bahia de Todos os Santos e, obstruido por muitas cachoeiras, alcança afinal, al- gumas milhas abaixo da cidade de Cachoeira, a cabeceira de um estuario que desagua na extremidade septentrional da bahia de Todos os Santos, no lado occidental e ao nordeste da extremidade septentrional da ilha de Itaparica. « A entrada do Paraguassu é bastante estreita e é margeada por terras altas, sendo funda a agua. « Alguns dos morros na estrada podem ter a altura de cento e cincoenta metros e, como mostram Dbarrancos no lado meridional, são compostos de camadas horisontaes de grês molle de côr parda amarellada. Acho que esta é uma extensão da formação terciaria da costa. « Entrando na bocca estreita o rio alarga-se immediatamente em uma expansão semelhante a um lago em que houvesse uma ilha comprida e estreita. « Altos paredões nas margens da ilha e no lado esquerdo do rio opposto à ilha mostram grês vermelho com listras brancas e com bella laminação obliqua. Cerca de uma legua da foz, logo acima da barra do rio Camu- rugipe, o rio estreita-se abruptamente e tem ahi a profundidade de mais de trinta metros. A terra de cada lado mede cem a cento e vinte metros de altura, nivelada em cima com encostas ingremes para O rio e occasio- nalmente com barrancos que mostram grês vermelho em camadas horison- taes como os de baixo. O solo é vermelho, porém em pequena proporção e a vegetação escassa, consiste em Piassabas e pequenos arbustos com alguns Coqueiros (Cocus nucfera) e Dendêzeiros (Elãeis guinensis L.) « Em um logar perto da fortificação chamada Fortinho, as camadas de grês parecem ter uma pequena inclinação para o norte, porém esta é evi- dentemente local, porque a formação considerada em sua totalidade é horisontal e não foi perturbada. « Acima da ponte, o rio alarga-se em uma outra expansão larga, e uma bella paisagem se apresenta. A região inteira é uma planicie elevada com encostas ingremes para o estuario e suas ramificações. Estas encostas têm o mesmo caracter que as de baixo e são pela maior parte cobertas pela palmeira Piassaba. Desta expansão do rio assemelhando-se a um lago, esten- de-se um largo braço na direcção sudoeste por uma distancia de cerca de seis milhas em um valle largo, na extremidade do qual desagua o rio Ca- panema em cuja margem está collocada a villa do mesmo nome. Da parte septentrional da dilatação do Paraguassú estende-se para o norte um outro braço chamado o Iguape em que desagua um pequeno rio. O valle do Igua- pe é largo e extremamente fertil, contendo muitos e grandes engenhos de assucar. « A chapada terciaria torna-se mais alta à medida que se sobeo rio e ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 153 no Iguape parecem ter a elevação de duzentos e tantos metros. Passando Iguape o rio estreita-se repentinamente e d'ahi até a cidade de Cachoeira tem a largura de uns cento e tantos metros apenas. Strictamente fallando é essa à foz do Paraguassú sendo, a expansão de agua em baixo, na direcção da bahia, um estuario sujeito à influencias da maré. « No ponto onde o rio desaguano estuario, a rocha se apresenta nas ri- banceiras, que o Sr. Przewodowski meu companheiro nessa viagem, € a rocha coração de negro, como a da Bahia. A orientação é N. 40º E, sendo vertical a inclinação. O paiz que margêa o rio consiste em morros arredon- dados, atraz dos quaes estão as chapadas elevadas. » A cidade de Cachoeira está situada no ponto onde acaba a navegação a vapor no Paraguassu, tomando o seu nome das obstrucções do rio na- quelle logar. Está edificada ao longo da base e sobre a encosta dos morros de gneiss que são alli um pouco affastados da ribanceira dando logar a uma platafórma estreita sobre a qual está a parte commercial da cidade, como Santo Amaro, ella tem grande commercio com a Bahia por meio de vapores, de dous em dous dias e de numerosas barcas à vela, d'onde lhe provém uma actividade raramente vista nas pequenas cida- des do interior do Brazil. | | Cachoeira e S. Felix, no lado opposto do rio, são os centros do ne- gocio de fumo; primeira recebe importancia addicional do facto de ser o porto do districto diamantifero e da maior parte do interior ou sertão da provincia. Uma estrada de ferro cuja extensão de 44 1/2 kilometros une-a com a Feira de SanVAnna, notavel por suas feiras de gado; uma outra linha está em construcção no valle do Paraguassú para a chapada diamantifera, tendo a cidade de Urubú no rio S. Francisco como o seu ponto objectivo. As rochas da visinhança são bem expostas nos córtes da estrada de ferro. São mais micaceas e schistosas do que as da Bahia, notando-se leitos delgados de gneiss feldspathico avermelhado que alternam com as camadas espessas de gneiss preto micaceo ou de mica-schisto. Perto da cidade, a inclinação é 40º-—50º; a léste, porém mais adiante na mesma estrada chega a ser de 80º, sendo a orientação quasi sempre de NS 40º E. A estrada de ferro sobe os morros por um ziguezague com declives fortes, alcançando uma altura de 110 metros numa distancia de seis e meio kilometros da cidade, sendo todos os córtes desta secção em gneiss. Visto do alto, o paiz é comparativamente plano, elevando-se a linha no ponto mais elevado a uma altura de cerca de 200 metros. Os córtes nesta parte plana são principalmente em camadas horisontaes de areias vermelhas e 154 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL amarellas, em que a linha de seixos, tão commum na estrada da Bahia ao S. Francisco só apparece, raras vezes e isto sómente perto da juncção com o gneiss. Considero estas areias como parte da formação terciaria da chapada que alh jaz em lençol sobre o gneiss visto de uma ponta mais alta da estrada, n'um córte baixo em Jacaré. A” esquerda da estrada uma massa de gneiss, levanta-se de vez em quando, acima da planicie; a mais notavel desta saliencia é um bello morro perto da Conceição, o qual tem cerca de uma milha de comprimento e 70 metros mais ou menos de elevação acima da planície. A superficie do planalto é geralmente formada por um deposito de terra preta que produz bem o fumo e a mandioca. A” medida que se approxima da Feira de Sant'Anna, a superficie torna-se mais irregular, porém é ainda quasi plana e arenosa. A cidade é mais ou menos do tamanho de Cachosira e tem uma apparencia de prosperidade e actividade que é raro encontrar no sertão. Exporta grande quantidade de fumo e mandioca, porém é principalmente conhecida pela sua feira de gado, da qual originou o nome. Parece estranho que apezar de haver a estrada de ferro da Bahia ao S. Francisco, penetrado ha muito tempo na região criadora ao norte e a léste da Feira de Sant'Anna, com facilidades especiaes para o transporte de gado, Alagoinhas nunca podesse disputar com a primeira a sua supremacia como o mercado de gado para a Bahia. Em 1876, achei os fazendeiros da Bahia oriental e de Ser- sipe fallando da conducção de seu gado para a Feira de Santa Anna, deixando Alagoinhas 18 leguas atraz; ora naquelle tempo Sant'Anna só tinha ligação ferrea temporaria com a costa, por não se achar terminado o ziguezague da serra Ao norte da cidade, a distancia de cerca de duas leguas, a planicie termina contra uma cordilheira de gneiss que alli toma o nome de serra de S. José, esténdendo-se de N. E. para S. O., sendo eviden- temente a mesma que atravessa o prolongamento da estrada de ferro da Bahia ao S. Francisco, na Serrinha, O Sr. Mawson informou-me que indo da Feira de SanfAnna a Ala- goinhas, encontrou gneiss logo depois de deixar a primeira, e seguio-o na distancia de duas leguas até o rio Pojuca, mas por causa da escuri- dão não pôde determinar até onde estende-se na direcção da Purificação. Disse tambem que foi informado pelos engenheiros inglezes de que na construcção da estrada entre Cachoeira e Feira de Sant'Anna encontraram dentes que elle infere ser da edade cretacea. Se esta inferencia fôr exacta, é extremamente interessante achar as camadas cretaceas em uma posição tanto para oeste e em uma elevação tão grande, porque em ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 155 redor da Bahia e ao longo da estrada de ferro, nunca as achei em uma altura maior de 70 metros. O tunnel de Pojuca onde ellas se apresentam tem quasi esta mesma altura desapparecendo de todo, antes de chegar em Alagoinhas, cuja elevação é de 186 metros. Indo de Cachoeira à Feira de Sant'Anna “pelo trem, não vi cousa alguma que me levasse a suspeitar a existencia da camada cretacea na- quella região. : A cidade -de Nazareth, no rio Jaguaripe, foi visitada pelo Sr. Rathbun que achou a geologia muito semelhante à do Paraguassú já descripta, isto é, camadas horisontaes de grês terciario molle na parte inferior do rio, dando logar a gneiss perto da cidade de Nazareth, onde termina a navegação a vapor. A descripção da geologia da ilha de Itaparica pelo Sr. Rathbun, meu distincto collega na commissão geologica, póde ser tomada como typica da das outras ilhas da bahia, as quaes apresentam os mesmos carac- teres geologicos. Os fosseis tantas vezes mencionados nas paginas precedentes não têm sido examinados detidamente com excepção das pequenas collec- ções feitas, ha muitos annos, pelo Sr. Allport e pelo professor Hartt em 1867. Ultimamente collecções enormes do mais alto valor palaconto- logico têm sido feitas pelos membros da commissão geologica e pelo Sr. Joseph Mawson, e habil superintendente da estrada de ferro da Bahia ao S. Francisco, e dedicado amador que se tem applicado com grande enthusiasmo e successo ao estudo da geologia e palaeontologia local. O estudo destas colleeções dará muita luz sobre a geologia do Brazil e revelará sem duvida muitas fórmas novas á sciencia. Posso dar a presente sómente em esboço geral dos diversos grupos de fosseis com algumas notas sobre as localidades e o modo em que elles se apre- sentam. Os fosseis mais importantes, geologicamente fallando, são os Cyprides e molluscos, porque provam a origem em agua doce dos depositos. Os Cyprides colleccionados pelo Sr. Allport foram descriptos pelo professor Jonnes (1) que os refere a sete especies das quaes identificou a Cypris (?) concultata, a Candona candida Muller,a Cypris (?) monserratensis,a Cypris (?) allpor- ana ea Cypris (?) sp. não desecripta. Estas especies são do schisto do Monserrate, onde se acham em abundancia, como tambem são na mesma rocha ao longo da estrada de ferro perto da ponte de Plataforma e da ilha de Itaparica. Estes fosseis se apresentam no schisto molle escuro (1) Quarterly journal of the Geological Society, London. Vol XVI, part. 3, p. 263. v. UI—29 156 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL em toda a região cretacea. O professor Hartt menciona-os em diversos logares ao longo da estrada de ferro e no tunnel de Pojuca. Os collec- cionados pela commissão geologica parecem pertencer ás especies acima mencionadas e talvez não contem especies novas. Numa collecção que ulti- mamente me foi mandada pelo Sr. Mawson, de S. Thiago, entre as esta- ções de Pojuca e Catú, ha uma especie caracterisada por estrias radiadas cruzadas por outras concentricas, menos distinctas, dando uma bella reti- culação à superficie. Esta fórma parece pertencer a uma especie diffe- rente genericamente das já mencionadas e até hoje é só conhecida desta localidade. Cinco especies de gasteropodes têm sido descriptas do Monserrate, todas pertencentes a generos fluviaes. Uma destas, a Melania terebriformis foi descripta por Morris da colleeção do Allport, sendo as outras des- criptas pelo professor Hartt da sua collecção feita em 1877. Estas são à Melina Nicolayana,a Vivipara (Paludina) Lacerdae, Vivipara (Paludina) Wal- lhamsii e a Planorbis monserratensis. Estas especies acham-se” em grande abundancia nos leitos calcareos deseriptos pelo professor Hartt e numa grande concreção calcarea enterrada no schisto perto do Bom Fim. Pela desintegração da superficie desta massa, os fosseis apresentam-se soltos em estado perfeito de conservação e grandes numeros foram colleccio- nados pela commissão geologica, porém o ligeiro exame que tenho os dados não revelam a presença de especies novas. Estes fosseis não tem sido encontrados em abundancia, salvo em Mon- serrate, onde mesmo não são distribuidos regularmente na massa da rocha, porém se apresentam em leitos e manchas limitadas. No conglo- merado da Plataforma, o professor Hartt menciona uma concha seme- lhante ao Planorbis que é talvez uma Valvata e no schisto da Agua Com- prida foram achados dous fosseis quebrados que parecem pertencer ao Planorbis e Paludina. Um só Lamellibranchio de Monserrate foi descripto pelo professor Hartt com o nome de Unio (Anodon) totium-sanctorum. Ultimamente o Sr. Mawson descobrio em S. Thiago algumas conchas sem charneira que parecem representar duas especies de Anodon, differentes da do Monser- rate. Uma é estreita e alongada como algumas das especies modernas do Amazonas, sendo a oulra mais arredondada. Restos de peixe apresentam-se muito communs em toda a região. Os mais abundantes são escamas de Lepidotus de varias fórmas e tama- nhos, representando provavelmente mais que uma especie. Estas têm sido encontradas no conglomerado de Monserrate e Plata- forma e são especialmente abundantes no Mapelle. Apparecem tambem no ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 15 leito calcareo da Plataforma e mais raramente no schisto daquelle logar, de Monserrate, Itaparica, Santo Amaro, Agua Comprida e S. Thiago. Nunca tinha visto estes fosseis no grês. Um exame cuidadoso demons- trará, sem duvida, a existencia de outros generos de peixes ganoides. De Santo Amaro, ha na colleeção uma pequena escama ganoide de fórma pentagonal muito diferente das escamas de Lepidotus. Restos de peixes osseos são os fosseis mais abundantes" em todas as localidades examinadas, com excepção do Mapelle, onde são extremamente raros. As localidades principaes são Itaparica, Plataforma e Agua Comprida, e têm fornecido além de muitas escamas e esqueletos perfeitos, diversas ma- xillas: bem conservadas com os dentes. Um numero consideravel de especies é representado nestes restos. As escamas representam os dous typos de Ctenoides e Cycloides. As especies são pela maior parte pequenas,- porém algumas têm o comprimento de dous palmos ou mais. Os peixes carti- laginosos parecem ser representados por especies da ordem das arraias. Restos de repteis são tambem muito abundantes e amplamente dis- tribuidos em toda a região. A pedreira do Mapelle é um verdadeiro cemiterio destes animaes; cujos ossos apresentam-se desunidos e um pouco gastos, mostrando que, semelhante aos seixos com elles associados, foram transportados por alguma distancia pela agua. Como já disse o deposito em Mapelle parece ser o leito ou talvez a embocadura de algum rio da edade cretacea e os fosseis e seixos nelle enterrados têm sido talvez trazidos de logares mais centraes. As amostras desta localidade nunca foram examinadas por um palacontologo competente. As colleccionadas no Monserrate e Plataforma pelos Srs. All e Hart foram examinadas pelos professores Awen e Marsh, e referidas aos grupos dos Crocodilos e Dino- saurios. Os dentes de (Crocodilos são muito abundantes e o professor Marsh ja descreveu duas especies, Crocodilus Harttu e Horacosaurus balhmensis. Entre os fosseis de Mapelle parece haver mais duas especies. Entre os Di- nosaurios é provavel que se acham representados diversos generos e especies, quando as collecções do Mapelle vieram a ser examinadas. Tenho esperanças de realisar este exame por uma pessôa competente num futuro proximo. A madeira carbonisada que se apresenta em toda a região está bem descripta na memoria junta pelo Sr. Rathbun. Apparece tanto no grês como no schisto, sendo geralmente mal conservada e pulverurenta no primeiro e muito solida e perfeita no segundo. Esta differença é prova- velmente devida à retenção mais perfeita dos hydrocarbonos na materia impermeavel do schisto. | 158 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Os fragmentos do schisto têm muitas vezes a apparencia de azeviche, com a textura lenhosa perfeitamente conservada e com uma tendencia notavel a quebrar-se em fragmentos cubicos. Algumas das amostras têm perdido a textura lenhosa e parecem ter estado em uma condição semi- fluida como bitume. Fragmentos de troncos e ramos são bastante com- muns, porém nunca tenho visto folhas ou fructas por meio das quaes as especies ou mesmo as familias possam ser determinadas. Uma analyse desta substancia feita pelo Sr. Luiz Adolpho Corrêa da Costa, e publicado no Auxiliador da Industria Nacional, de Junho de 1879, dá: Materias volateis........ 46,25 Carbono fixo. scan o BRA sr 5 CTNIZAS es er re ed REMO 106,00 As observações do Sr. Rathbun, a respeito de seu modo de occur- rencia e o seu supposto valor como combustivel, na ilha de Itaparica são applicaveis às outras localidades. Não ha em parte alguma evidencia de uma camada distincta deste material, e a quantidade total espalhada nas rochas é muito diminuta, representando provavelmente menos de uma millesima parte das camadas em que é mais abundante. A carta da região em redor da bahia de todos os Santos, que acompanha esta memoria é apenas um esboço introduzido para mostrar as posições relativas dos logares mencionados, sem pretenção alguma de ser exacta. E” realmente lamentavel que uma provincia como a Bahia, que é das maiores, mais antiga e mais rica do Imperio não tenha carta alguma que represente sufficientemente a região mais proxima á capital, as poucas cartas que existem variando muito entre si, e nenhuma dellas sendo exacta. A ilha de Itaparica é baseada na carta de Mouchez, com algumas correcções pelo Sr. Rathbun, e é muito mais exacta do que a outra. Em memorias subsequentes espero dar uma descripção das outras bacias cretaceas da costa, todas das quaes differem da da Bahia em ser de origem maritima em logar de fluvial ou lacustre, DBSERVAÇÕES SOBRE 4 CEO CIA ASPECTO DA IL DE TAPARICA, MA BAIA DE TODOS OS SANTOS POR MR, RICHARD RATEIBUI Ajudante da Commissão Ichtyologica dos Estados-Unidos Antes do anno de 1876, nenhuma informação exacta existia à respeito da estructura geologica da Ilha de Itaparica, si bem que por muito tempo tivesse attrahido a maior attenção, por causa dos seus suppostos depositos de carvão. Nesse anno, como ajudante da commissão Geologica do Brasil, visitei esta ilha, e gastei cerca de dois mezes no estudo de suas feições na- turaes e do recife de coral que lhe fica fronteiro. Achei que a sua composição é egual à das costas orientaes da Bahia, ao norte da cidade e da região ao longo da Estrada de Ferro da Bahia à S. Francisco. Isto é, a base é composta de rochas cretaceas de agua doce, sobre as quaes existe uma extensa serie de camadas de grês molle, identicas às que tão largamente se desenvolvem na visinhança de Camassari e Pojuca, na Es- trada de Ferro. Não descobri, porém, traço algum de carvão, nem signaes de sua exis- tencia, em parte alguma da ilha, e julgo mesmo impossivel que ahi exista, em virtude da natureza da formação dos depositos. Isto nos offerece um outro exemplo e mui notavel da maneira porque sem exame competente, alguns individuos aventuram dinheiros publicos ou v. 1130 160 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL particulares constantemente em emprezas, cujo unico merito é a riqueza, que poderia ser realizada se fossem taes empresas baseadas em recursos reaes, e não nos que são apenas pintados pelo espirito imaginativo, si bem que sincero, dos que as concebem. Si, quando appareceu a primeira noticia de carvão em Itaparica, um geologo competente tivesse estudado a questão e examinado a relação das suppostas camadas carboniferas com as sertes carboniferas de outras regiões, ter-se-hia immediatamente resolvido, si era dado ou não resarcir o tempo e dinheiro, que têm sido gastos em procura do combustivel mineral. A unica prova, até hoje apresentada a favor da existencia do car- vão, nessa ilha, é a fornecida pelo grande numero de pequenos fragmentos de madeira carbonizada, que se acham espalhados irregularmente nos schis- tos e grés cretaceos, e que podem existir em qualquer deposito de agua doce, si ao redor delles houver vegetação terrestre do tempo de sua for- mação,sem que, entretanto sejam acompanhados de camadas do mesmo material. Ainda mais, os numerosos depositos de rocha, nas margens da bahia, dão pro- vavelmente uma secção completa ou quasi completa de toda a serie cretacea ahi existente, e si esta serie incluisse algumas camadas de carvão, estas deveriam apresentar-se em alguns dos muitos córtes naturaes ou artificiaes. Pelo contrario, não apparecem em parte alguma. O verdadeiro carvão mi- neral é, raras vezes, encontrado em quantidade aproveitavel nos depositos de edade cretacea, e as formações de edade carbonifera faltam completamen- te na região que cerca a bahia de Todos os Santos. Tem-se dito que os mais altos montes de Itaparica são compostos de gneiss, mas, o espinhaço ou serie de collinas de gneiss, que limita a oéste a bacia cretacea da Bahia, e corresponde ao espinhaço à léste, occupado pela cidade de S. Salvador, fica bastante distante na cidade de Nazareth, na terra firme, e estende-se para norte e sul desta cidade. Tem-se tambem fallado em camadas maritimas, fossiliferas subjacentes aos depositos de agua doce da ilha; semelhantes camadas, porém, não existem. A serie cretacea de Itaparica, mais simples que a do lado oriental da bahia, é constituida exclusivamente por schistos e grês, faltando nella conglomerados e calcareos. A ilha de Itaparica fica na parte sudoeste da bahia de Todos os Santos e occupa quasi uma quarta parte de sua extensa área. E” de forma alongada e representa uma figura sigmoide. O comprimento em linha recta é de cerca de 16 1/2 milhas geographicas, sendo a largura uniforme e de pouco mais de 4 milhas, excepto nos extremos norte e sul, onde a ilha estreita se, terminando em pontas agudas. E” limitada a oéste por um canal bastante largo, porém, raso e coberto de ilhas. A” léste, na sua maior ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 161 parte, faz face ao oceano e apresenta uma serie de pequenas, porém abruptas, pontas, de rochas unidas por praias concavas. A costa externa, na metade septentrional da ilha, é composta de rochas cretaceas, que formam geralmente as praias inclinadas e que, nos seus extremos, levantam se muitas vezes em forma de barrancos, de um até dez metros ou mais de altura. Existe de ordinario uma praia arenosa, que se estende de um ponto pouco acima do nivel do prea- mar até uma distancia variavel, porém em geral pequena, e que é com- posta de areia fina silicosa, de mistura, às vezes, com seixos grandes e pequenos, conchas e coraes triturados. Na parte inferior da praia, a rocha acha-se geralmente descoberta. Caminhando para o sul esta rocha torna-se menos frequente e é substituida pela areia de que se compõe a costa da extremidade meridional da ilha. A costa interna, a chamada contra-costa, é d'uma estructura mui dif- ferente, por causa da tranquillidade comparativa da agua do canal que banha aquelle lado, protegido dos ventos e correntes maritimas. As margens quasi que não soffrem desnudação e estão cobertas de um de- posito de lama, trazida pelos rios, que desembocam no canal. Por esta razão as rochas pouco ficam a descoberto. Os terrenos mais altos de Itaparica, cujo ponto culminante é o pico de Nossa Senhora da Penha, que attinge a altura de cerca de 80 metros, occupam pela maior parte o centro e norte da ilha, ficando uma planicie muito baixa na parte meridional. O solo é por toda parte muito arenoso; os terrenos baixos do norte possuem geralmente uma rica vegetação, sendo porém, estereis muitos dos terrenos altos e alguns dos baixos. Geologia de Itaparica Começaremos as nossas observações pela extremidade do norte, na visi- nhança da villa de Itaparica. Ahi, no lado occidental da ilha, perto da extre- midade sul da villa, achamos rochas a descoberto. A praia, entre os niveis de préa e baixa-mar, é composta de camadas de schisto, que tem uma inclinação quasi identica à da praia, na direcção norte e nordoeste, em angulos que va- riam de 5º a 16º. Os unicos fosseis encontrados neste schisto foram fragmentos de madeira carbonisada. Sobre o schisto nota-se uma camada de rocha dura, variando de grés im- puro a conglomerado, e contendo, espalhados na massa, fragmentos de schisto subjacente. 162 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Esta camada é, provavelmente, de origem muito mais recente que o schisto. Em uma pequena elevação, por detraz da costa, encontra-se uma camada de grés amarelado, variando a sua espessura de alguns centimetros a um metro ou metro e meio. Esta camada acha-se sobre o schisto da praia e é por sua vez coberta por camadas de schisto, cuja espessura não póde ser determinada. Este grés contém, às vezes, muitos seixos, geralmente de quartzo, e fragmentos de madeira carbonisada identicos aos encontrados no schisto. Assemelha-se muito às espessas camadas de grés da Pedra Furada, em Montserrate, no outro lado da bahia, e parece laminado nas partes expostas ao tempo. A margem de toda a extremidade septentrional da ilha é provavelmente formada por estas rochas, que, em geral, acham-se encobertas sob as areias e cascalho da praia, ou sob os numerosos depositos de conchas trituradas, que são aproveitadas para o fabrico da cal. A parte sul da villa de Itaparica é edificada em um terreno de 10 a 15 me- tros acima do nivel do mar. Em diversas grutas deste logar encontrei schisto e grés muito descompostos, que, com toda certeza, pertencem à mesma série exposta nas praias. Uma gruta me forneceu a seguinte secção: emcima, tres metros de grés apresentando manchas irregulares, coloridas de oxido de ferro, variando em côr de vermelho claro a vermelho escuro, depois em baixo, ha quasi um metro de schisto azulado, contendo muitos fragmentos pequenos de madeira carbonisada; finalmente apparece uma camada de grés de grão mais grossa do que a da camada superior. Nas secções feitas em pedreiras, em um nivel mais baixo, encontrou-se grés mole de grão fino, não decomposto, assemelhando-se ao de Bom Fim e Mont- serrate. Estas exposições mais altas da rocha são Interessantes, porque mostram que o schisto e o grés cretaceos não se limitam ao nivel das praias, porém ele- vam-se mais alto para formar a maior parte, sinão todo o terreno alto da extre- midade septentrional da ilha. Caminhando para o sul e seguindo a margem exterior da ilha, encontramos somente a continuação desta mesma série, successão constante de schisto e grés, que assumem, porém, maior importancia em certos logares, fornecendo grande quantidade de fosseis determinados. E” impossivel dizer si os schistos e grés das margens augmentam em espes- sura para o centro da ilha, por causa da decomposição excessiva e mudança consequente do caracter das rochas em todo e qualquer logar onde não são sujeitas à acção corrosiva do mar. Sou, porém, levado a crer que a formação cretacea, tão bem exposta nas margens, forma realmente uma consideravel parte dos ter- renos mais altos do centro da ilha, sendo, porém, cobertos pela série mais espessa do grés terciario, que é mais desenvolvido na parte occidental. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 163 Antes de discutir a estructura geral da ilha, examimares com algum cui- dado a estructura geologica da sua longa costa, começando pela externa. Pouco depois de deixar a villa encontrei na praia da costa oriental, cama- das de schisto e leitos delgados de grés, com inclinação quasi egual à da praia. Apenas uma unica camada espessa de grés é encontrada. D'ahi até à Ponta da Manguinha, nenhuma rocha está a descoberto, porém, em logar della existe uma longa praia de areia na margem de terreno, um pouco em baixo no prin- cipio e que se levanta gradualmente para o interior. Logo, ao sul da Ponta da Manguinha, ha tres pequenos pontos formados de paredões, não excedendo o mais alto de seis metros de altura. Estes paredões são compostos pela maior parte de schistos bem laminados, de côr clara, asso- ciadas aos quaes ha algumas camadas ou manchas intercalladas de grés, muitas vezes reduzidas a fileiras de massas em fôrma de concreções. O schistos são friaveis e muito irregulares em sua estractificação. Apparecem tambem na praia fronteira aos paredões, onde, pela maneira irregular porque estão gastos pela agua, é impossivel determinar com cer- teza a direcção e angulo de sua inclinação. Parece-me, comtudo, que se inclinam em um angulo pequeno para léste ou noroeste. Pequenos esqueletos de peixes e conchas de Cyprides, são muito abun- dantes no schisto. Nas secções formadas pelas faces dos paredões, vê-se que as diversas camadas não seguem uma linha recta horisontal, porém curvam-se mais ou menos, produzindo assim uma serte de linhas, onduladas, as quaes são devidas em parte ás ondulações dos paredões e da costa. As curvas são algumas vezes muito longas e tão pronunciadas, que uma serie de camadas formando um paredão póde ser substituida em um outro por uma serie inteiramente differente, reapparecendo a primeira em differente ponto mais distante. Por esta razão encontra-se grande difficuldade em demarcar as camadas sobre uma extensa área e em determinar a sua espessura. Além de que, sendo todas as secções em direcções quasi perpendiculares à inclina- ção das camadas, ellas fornecem dados muito insufficientes para a deter- minação da espessura da formação cretacea nesta parte da bacia. A Ponta da Manguinha é formada de um terreno baixo, que se levanta gradualmente para os terrenos altos do interior. Foi antigamente occupada por armações de pesca de baleia. Entre Manguinha e Porto Santo ha mais tres pequenos paredões semelhantes em structura aos já descriptos, tendo o mais alto de 6 a 8 metros de altura. Estes terrenos são compostos pela maior parte de schisto muito friavel, finamente laminado, de côr muito escura e geralmente um pouco esverdeado ou azulado. No primeiro e no segundo ha sómente poucas camadas de grês v. m1—8] 164 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL muito decomposto, que só apparece na parte inferior dos paredões. As camadas são muito pouco curvadas e inclinam-se um pouco para léste e nordéste. Approximando-se do terceiro paredão, perto da casa Dr. Costa, as ca- madas curvam-se um pouco para baixo, de modo que as que estavam na parte superior do primeiro e do segundo paredões formam a parte inferior do terceiro. A parte superior e media deste consistem em diversas grossas camadas de grés, alternando com schistos e sendo todos quasi horisontaes. Algumas das camadas de grés têm um metro de espessura em certos logares, mas são muito irregulares, terminando abruptamente, tornando-se mais del- gadas ou dividindo-se em duas camadas finas separadas por schisto. Algumas manchas de schisto apparecem muitas vezes completamente embutidas no gres. O schisto e o gres são quasi eguaes em quantidade na parte superior do paredão e as camadas do ultimo são às vezes abruptamente torcidas como pela acção de alguma força poderosa, Na extremidade do sul do pa- redão o gres é outra vez limitado à parte superior. A verdadeira inclinação das camadas é ainda a mesma já determinada para as outras localidades, Onde acaba este paredão começa um outro de caracter inteiramente diverso, sendo composto dos materiaes de uma praia consolidada, e esten- dendo-se em frente da povoação de Porto Santo, na distancia de cerca de 300 metros. A descripção desta structura interessante será reservada para uma outra parte desta memoria. O terreno, em que está situada a povoação de Porto Santo é um pouco baixo, e forma um valle curto e largo em que corre pequeno re- gato, em cujas margens achei camadas volumasas de gres sem schisto. Logo depois do paredão do Porto Santo, ha um outro composto de gres e schisto que se estende quasi até a igreja do Bom Despacho, que em nenhuma parte tem mais de seis metros de altura. Quasi no meio ha uma falha que se estende N 33º E, tendo sido as camadas ao sul abaixadas em distancia egual à altura do paredão. Ao norte da falha, os schistos são muito escuros, quasi pretos em côr e apparentemente um tanto betuminosos; são ondulados. Ha tambem varias camadas de grés cinzento, tendo a maior apenas 40 centimetros de es- pessura. Estes estão sujeitos tambem ás mesmas irregularidades acima descriptas. No meio do schisto observei uma unica massa arredondada de gres, e em outro logar, uma fileira de gres composta de leitos curtos e embricados, tendo por cima e por baixo camadas horisontaes de schisto. Ao sul da falha, os schistos são cinzentos ou azulados e do mesmo ca- racter que os do norte da Ponta da Manguinha. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 165 Ha algumas camadas intercalladas de gres que são quasi sempre muito irregulares; em certos logares são abruptamente torcidas, tendo os schistós ahi a mesma conformação. A's vezes uma lage dobrando-se para baixo na testada do paredão toma a falsa apparencia de uma grossa camada de gres; apparecem tambem frequentemente algumas massas que asseme- lham-se a concreções. Determinando na praia a inclinação, notei ser ainda para léste ou nordeste, variando o angulo de 10º a 20º. A mais notavel emersão da rocha na ilha é apresentada pela longa e abrupta testada da Ponta do Bom Despacho; o paredão ahi existente levanta-se perpendicularmente à altura de cerca-de 8 metros, terminando o fórte declive de um morro. Asrochas são schistos arenosos e gres, tão altera- dos e decompostos pelo tempo que difficilmente distingue-se seu verda- deiro caracter na superficie. Na secção vertical apresentada pelo paredão, as camadas formam uma curva suave inclinando-se para o sul na extremi- dade do norte, e elevando-se outra vez na do sul. Na praia, e na occa- sião da baixa-mar, as mesmas camadas são amplamente expostas, inclinando-se tão irregularmente que difficil é determinar-lhes a inclinação geral; todavia, parece estar entre as direcções léste e nordéste, variando o angulo de 8º à 45º. Os schistos são de côr clara, e o gres varia de pardo cinzento a pardo vermelho escuro. No lado norte do paredão ha 6 ou 7 camadas consideraveis de gres com inclinação de 5º a 10º para o S. E., que parece ser inferior ao schisto; offerecendo ellas pouca extensão. Os schistos continuam por uma pequena distancia ao sul da Ponta onde são bem expostos entre os niveis da préa e baixa mar, mas cobertos por camadas espessas de gres que formam um paredão baixo margeando a praia. O angulo de inclinação ahi é de 10º a 15º na direcção de 40º ao norte de léste. No grés da ponta não achei fosseis, mas encontrei no schisto nume- rosos fragmentos de madeira carbonizada e esqueletos de peixe. Acima de quasi todos os paredões que tenho descripto e especialmen- te do Bom Despacho, existem camadas espessas de gres molle que parecem estender-se até a um nivel elevado. Do Bom Despacho para o sul desapparecem os paredões altos, porém outros menores os substituem até Santo Antonio, e além deste logar, elles desapparecem totalmente sendo as unicas rochas expostas as das praias. De Bom Despacho até a Ponta da Penha, os schistos estendem-se quasi con- tinuamente; em certos lugares, porém, occultam-se, cobrindo-se de camadas de areia que ahi se depositam. Estes schistos variam bastante em caracter: ás vezes são duros, assemelhando-se a ardosia, outras vezes são muito friaveis, ou, impregnados de areia transformam-se, em grês argiloso, e 166 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 4 sua côr nunca é muito escura. Associadas aos schistos em quasi toda a parte, ha duas ou tres camadas um tanto espessas de gres mais puro. Um estudo da costa desde o Bom Despacho até perto da extremidade meridional da ilha, provou que em toda esta região só existe exposta uma serie limitada de camadas ou stractos que apparecem repetidamente em toda a parte em que as condicções da costa permittem o seu exame. As incli- nações locaes são muito variaveis; em geral, porém, as camadas inclinam-se quasi perpendicularmente à orientação geral da costa, isto é, para E, ou S. E., sendo o angulo raras vezes maior de 15º. Os stractos são ordina- riamente muito dobrados ou torcidos. A” meia distancia, mais ou menos, de Bom Despacho a Santo Antonio, numa zona de dois a tres metros de largura, e estendendo-se quasi de Norte a Sul, os schistos inclinam-se abruptamente tanto para E. como para O., ficando quasi verticaes nos bordos da zona. Nesse mesmo logar os schistos que beiram as praias inclinam-se, n'uma secção, para o sul, variando o angulo de 15º a 50º. Outras torsões semelhantes occasionalmemte se apresentam. Na secção apresentada por esta costa, os traços geologicos que deter- minam a margem da ilha, e o seu aspecto extremamente sinuoso são bem patentes. Aqui, como na extremidade septentrional, as camadas expostas são onduladas, apresentando uma successão de curvas para cima e para baixo; as primeiras formando as pontas salientes da costa, e as ultimas as praias concavas entre estas pontas. Como já disse, duas ou tres grossas camadas de gres acompanham os schistos de perto da ponta de Santo Antonio para o sul; formando ellas a parte superior da serie, e ora são junctas, ora separadas por schistos, ou até subdivididas em mais de tres leitos. As pontas principaes da terra são por ellas formadas; as de Santo Antonio são muito gastas pelas ondas e espalhadas em grandes blocos. Em Jaburú ellas destacam-se da praia para formarem um recife submergido que, fronteiro e distante della de cerca de meio kilometro, estende-se quasi parallelamente até a Ponta da Penha, tocando antes na ponta intermediaria da Cruz da Penha. Este recife submergido tem formado a base de um outro de coral muito interessante que será descripto mais adiante, De Santo Antonio até Jaburú, sómente duas camadas de gres são ex- postas; destas a inferior tem cerca de meio metro de espessura, e a superior cerca de um metro, sendo esta de gres mais puro; são geralmente de côr cinzenta e raras vezes colorida de amarelo pelo oxydo de ferro, e em muitas partes são extremamente duras. A superficie superior que se acha exposta apresenta-se às vezes crivada de caldeirões. Em frente á capela ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 167 de Santo Antonio foram descobertos neste grés muitos ossos, dentes de repteis e escamas de peixe do genero Lepidotus. A ponta de Jaburú é formada principalmente por schistos arenosos irregularmente dispostos, contendo massas irregulares de grés e alguns veios delgados verticaes da mesma rocha, como os da Plataforma do lado oriental da bahia. A direcção geral da inclinação é de E. à S. E. Nos leitos superiores achei o esqueleto de um grande reptil, que não pôde ser extrahido em perfeito estado, em consequencia de não o permittir a natureza da rocha; os outros fosseis que encontrei nos schistos desta re- gião foram os. numerosos fragmentos de madeira carbonizada, medindo o maior 20 a 25 centimetros de comprimento e cerca de tres de largura, sendo muito achatado; apparecem tambem ás vezes nestes schistos seixos rolados. Ao sul de Jaburú ha poucos afloramentos interessantes da rocha. Logo ao norte da Penha vêm-se schistos expostos correspondendo em inclinação áà da praia; em muitos logares, porém, conservam-se cobertos por camadas de areia. Schistos nas mesmas condições, foram notados em intervallos entre a Penha e a Conceição, bem como ao norte da Ponta da Cruz. O gres, pelo contrario, é muito commum e apresenta-se bem exposto, formando as pontas da Penha, da Cruz e Aratuba, e algumas das praias intermediarias. A Ponta da Penha é um prolongamento um tanto agudo da costa dirigido para léste e composto inteiramente de gres em seis ou sete ca- madas, sendo a superior a maior e a mais importante; tem ella alguns palmos de espessura e póde ser dividida em dois ou tres leitos indis- tinctos. Em baixo é dura e de côr cinzenta, superiormente mais molle, e de uma côr pardo-amarellada; está crivada de innumeros caldeirões de varios tamanhos, que se apresentam, às vezes, muito juntos uns dos outros e dão uma apparencia especial à superficie. Sendo o grés coberto na préa- mar, os grandes caldeirões e as maiores escavações produzidas pela união de muitos delles, formam poços ricos em animaes e plantas maritimas. Na extremidade da ponta, a superficie do grés é muito gasta pelas ondas e em parte coberta de tubos de Serpula, Nulkiporas e Balanus(?); na parte extrema ha um deposito consolidado de fragmentos de coral. Abaixo da camada superior, ha 5 ou 6 outras de grés e schisto are- noso variando de 1 a 2 palmos de espessura. Estas camadas inferiores são mais schistosas e de côr azulada ou cinzenta; contêm unicamente fragmentos de madeira fossilifera. Em baixo do gres, tanto ao Norte como ao Sul da Penha, ha camadas de schisto semelhantes em caracter ás de Jaburú e às do norte daquella ponta. Pe- quenos fragmentos de madeira carbonizada são abundantes em toda a parte v. 11—32 168 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nestes depositos. A inclinação geral dos stractus na Penha é quasi Sul com pequenos angulos. Na Ponta da Cruz, ha um outro afloramento de gres, semelhante ao da Penha; a sua disposição é tambem em diversas camadas, das quaes a maior e a superior é um tanto dura; a sua côr varia do esverdeado ao amarellado. As camadas ou são horisontaes ou inclinam-se 3º ou 4º para léste; ahi, tambem apresentam-se os caldeirões, mas não são tão grandes nem tão numerosos como os da Penha; não pude, porém, desco- brir fosseis. Esta emersão fica inteiramente occulta na préa-mar, e é em parte coberta por depositos consolidados de fragmentos de coral. A” meio caminho, entre as pontas da Cruz e de Aratuba, em frente de Parapatinga, a praia é formada por tres ou quatro camadas de gres ordinario que cobrem uma área consideravel e têm a mesma inclinação que a praia; os unicos fosseis que contêm são os fragmentos communs de madeira carbonisada. A Ponta de Aratuba, semelhante à da Cruze à da Penha, é formada por camadas de grés que são quasi continuas com as que acabo de des- crever; a superior é grossa e dura, e as inferiores são schistosas, incli- nando-se com pequenos angulos para o S. E. De Aratuba até a extre- midade meridional da ilha, ha uma praia continua, larga e ligeiramente inclinada, composta de areia fina e sem rocha, salvo algumas massas con- solidadas de materias da praia que apparecem em alguns pontos. Em Pa- rapetinga, a cerca de uma milha da costa, sobre as margens de um riacho acha-se exposta uma grossa camada de gres cretaceo. Passemos agora a descrever a costa da ilha, do lado occidental, chamada geralmente a contra-costa. O caracter desta differe inteiramente do da costa do lado do mar, e é de muito menos interesse geologico. Como ja disse, as suas pratas são, pela maior parte, formadas por depositos de lama; em geral ao nivel da préa-mar, ha uma zona de areia devida á. decomposição do gres molle da ilha, em frente da qual vê-se uma zona lamacenta coberta de mangue, de largura variavel, sem, comtudo, esten- der-se ate ao nivel da baixa-mar; e finalmente vem os depositos de lama que, partindo do manguesal, estendem-se por baixo d'agua, surgindo depois para formarem na superficie largos bancos. Este caracter das praias não se limita exclusivamente ao canal que estamos descrevendo, é com- mum a todas as enscadas e saccos da Bahia de Todos os Santos e outras partes do Brasil. A larga praia arenosa que margeia a extremidade meridional da ilha, estende-se para o norte na contra-costa até a povoação de Caixa dos Pregos. Na povoação de Catú ha um afloramento de cerca de 300 metros de comprimento, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 169 composto de tres ou quatro camadas de gres semelhantes às de Ponta da Penha e outras da costa externa; são muito decompostas na superficie, e parecem não conter fosseis. Deixando por ora de tratar de varios afloramentos de gres terciario na visinhança, vamos traçar a continuação para o norte da serie a que perten- cem as camadas do Catu. Logo ao sul do Sobrado o gres reapparecç em uma pequena secção, tendo como dantes a mesma inclinação da praia. A povoação de Santo Amaro apresenta a secção mais interessante e de mais difficil exame da contra-costa. Na praia, em frente à povoação, haum pequeno paredão de cerca de 8 me- tros de altura e cento e tantos de comprimento, composto pela maior parte de uma grossa camada de gres que na parte mais desenvolvida mede 6 metros de espessura e torna-se mais fina para o norte, tomando a forma de uma cunha. À superficie superior é irregular, porém, indicações vagas de stractificação mostram que a sua inclinação é pequena e na direcção do norte; em baixo desta camada de gres apparecem, na parte ao sul, varios leitos delgados de schisto e gres, conformando-se em stractificação com a camada superior. Uma serie de camadas de schisto e gres, inclinadas 10º para o norte, encontra em parte a extremidade norte do paredão de gres e prolongando-se o resto por cima delle. Esta serie de camadas estende-se até certa distancia para o norte, tor- nando-se quasi horizontal. De fosseis só encontrei nestes schistos fragmentos de madeira carbonisada. A parte inferior do gres é quasi um conglomerado, contendo muitos fragmentos mais ou menos angulares de schisto inferior a elle; a parte superior é de granulação grosseira, porém os seus caracteres são confusos em consequencia da decomposição da superficie. Tanto os schistos como o gres apparecem na praia, onde são tambem encontrados em grandes massas destacadas muito duras e parecidas com as do gres cretaceo da outra costa. Pela sua posição especial podemos suppôr que a camada do gres fosse de origem posterior à dos schistos, tanto de cima como de baixo, porquanto muito se assemélha em estructura, nas partes não decompostas, com o gres cre- taceo que temos estudado. Torna-se, porém, mais provavel que pertença à mesma serie e não à do terciario, que temos agora a considerar. Nota-se ainda nesta camada de gres uma pequena falha que a tem quebrado na extre- midade do sul. O pequeno paredão acima descripto constitue a ultima emersão das rochas cretaceas na contra-costa, e temos agora de voltar a uma pequena distancia ao 170 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sul para começar o estudo de uma outra formação que constitue a maior parte dos terrenos baixos e todo o terreno alto da contra-costa e o do lado opposto ao canal. Em frente do Catú, na ilha da Carapeba, ha uma camada ou serie de camadas de gres molle e esbranquiçado, que tem mais ou menos a espessura de 6 metros. Esta serie é quast horisontal e póde ser observada por uma distancia consideravel ao longo da costa. Ao norte da bocca do rio Sobrado, na Itaparica, ha um outro afloramento. da mesma rocha; ahi ella fôrma uma só camada horizontal de cerca de tres metros de espessura, sendo a rocha um gres silicoso e molle, de granulação grosseira e de côr, na parte inferior, pardo-escuro-amarellada, sendo, na parte superior, de côr mais clara. Esta rocha assemêlha-se em apparencia e estructura ao grés terciario de Cammassari e de sua circumvisinhança,na estra- da de ferro; e apezar de se apresentar perto da emersão das camadas cretaceas na contra-costa, não se conforma com ellas em stractificação, sendo sempre quasi horizontal e, portanto, de origem mais moderna; o seu caracter pôde ser melhor apreciado mais ao norte. O canal, entre a ilha de Santo Amaro e a de Itaparica, torna-se tão raso na baixa mar que não é transitavel nem mesmo pelas canôas; não pude, por- tanto, examinal-o. Seguindo o mesmo canal, navegavel ao oeste de Santo Amaro, póde-se facilmente observar os caracteres geologicos geraes de cada lado. O terreno é geralmente alto e fôrma collinas, cujas encostas são um tanto ingremes e geralmente cobertas de vegetação. Muitos paredões de diversas elevações, nas ilhas de Santo Amaro e S. Goncalo, e na terra firme, na visi- nhanca de Cacões, nos fornecem a chave da estructura da região. Os aflora- mentos são todos de gres molle, semelhante em caracter ao do Sobrado. A rocha apresenta-se em camadas muito espessas e horizontaes, salvo, às vezes, com ligeira inclinação ao norte; e os morros, desde a base até ao cume, são compostos exclusivamente deste gres. Desde a ilha de Santo Amaro, até a villa de Itaparica, as margens da ilha não apresentam rocha alguma; são em geral baixas, lamacentas e rodeiadas de mangue. Na Boa Vista, porém, vi o mesmo gres molle que acabo de descrever, nas margens de um riacho. Em toda esta região o solo é muito arenoso, às vezes composto de areia pura, porém geralmente mistu- rada com humus. Em diversas excursões pelo interior, na metade septentrional da ilha, achei em toda a parte o mesmo caracter do solo, e n'uma alta elevação atraz da Ponta de Jaburú encontrei varias camadas de schisto e grés in situ, porém muito decompostas. No mesmo logar e algures ha tambem grande abundan- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 171 cia de grés ferruginoso, formando leitos delgados, ou espalhado em fragmen- tos sobre a superficie. É Como não pude descobrir fossil algum em nenhuma das localidades inte- riores que visitei, é impossivel determinar, si as argillase gres que lá existem pertencem à série terciaria do lado occidental, ou à série cretacea da costa oriental da ilha. Assim como o demonstrou a descripção circumstanciada do lado oriental de Itaparica, a inclinação das camadas, daquella parte, corresponde approxima- damente à da praia, seguindo tambem a mesma direcção. Assim, a secção for- mada pela linha da costa é quasi parallela à orientação das camadas, e, como temos visto, apresenta uma espessura muito limitada de camadas, e fornece dados muito incompletos para calcular a espessura total das series cretaceas. Por meio de medidas imperfeitas tenho calculado a espessura das camadas expostas na costa, desde a villa de Itaparica até a capella do Bom Despacho, em 25 metros, pouco mais ou menos. As camadas que formam o paredão do Bom Despacho são mais altas nas series e têm, quando muito, 16 metros de espessura, os quaes sommados aos primeiros dão uma espessura total de 41 metros para todas as camadas expostas na costa oriental, porque os schistos e grés ao sul do Bom Despacho são pro- vavelmente simples continuação das camadas expostas naquelle logar. As camadas cretaceas, quando apparecem na contra-costa, têm geralmente a mesma inclinação da praia, como acontece na costa oriental, e parece que a ilha foi mais ou menos determinada na bacia primitiva, antes do deposito das camadas cretaceas, por alguma porção elevada de formação metamorphica subjacente, em redor da qual as rochas mais modernas foram depositadas. As séries cretaceas, porém, apresentam, como temos visto, muitos signaes de desarranjos posteriores nas dobras bruscas das camadas e nas falhas que às vezes apparecem. Os fosseis encontrados nas rochas de Itaparica não foram ainda devida- mente examinados. São, porém, tanto quanto podem ser determinados, identicos aos já descriptos do lado oriental da bahia. As principaes localidades em que foram encontradas, ja têm sido mencionadas. Os schistos, na parte septentrional da ilha, estão cheios de pequenos esque- letos de peixes, mais ou menos perfeitos, escamas de Lepidotus, dentes de Crocodilos, conchas de Cyprides e fragmentos de madeira carbonizada. O gres, porém, é mais raramente fossilifero e contém, às vezes, fragmen- tos de ossos de repteis, escamas de Lepidotus e madeira carbonizada. Os pequenos pedaços de madeira carbonizada, tão frequentemente men- cionados, acham-se espalhados por toda a parte, tanto no gres como nos ve I— 33 19 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL schistos, porém nunca sº encontram em abundancia n'uma só localidade. São geralmente de uma textura muito firme e solida, com brilhante lustre na su- perficie e conservam a estructura da madeira. Não encontramos traços de folhas nem outros restos de vegetaes. Alguns dos schistos escuros perto da Ponta da Manguinha e ao sul de Porto Santo, são quasi pretos, assemelhando-se a schistos betuminosos. Dizem arder quando collocados em pequenos fragmentos sobre uma chamma, e este facto tem sido aceito como uma prova em favor da existencia do carvão na ilha. A praia consolidada e sublevada e o Sambaquis de Porto Santo Na descripção da geologia da visinhança de Porto Santo, situado logo ao sul da Ponta da Manguinha, na costa oriental, referi-me a um barranco de areia e cascalho endurecido, que não pertence nem à edade cretacea nem à terciaria, mas que é de origem comparativamente moderna. Com effeito, é apenas o resto de uma praia consolidada elevada acima do nivel em que foi formada, e depois gasta na parte externa pelas ondas, de maneira que apre- senta actualmente uma face perpendicular ao mar. Provavelmente pertence à mesma série de formações, como o recife arenoso de Pernambuco, tão bem descripto pelo fallecido professor Hartt, e constitue o unico exemplo conhecido da elevação de semelhante material. Este barranco estende-se ao longo de toda a frente da povoação, tendo um comprimento de cerca de 300 metros e uma altura muito constante de A metros acima da praia. Para o sul e norte, abaixa-se gradualmente até des- apparecer, e para o interior o material que o constitue, não póde estender-se mais de 75 ou 100 metros, quando muito. Até a altura de 3 metros é composto quasi exclusivamente de materiaes consolidados, acima dos quaes ha um deposito de menos de um metro de espessura de terra preta e arenosa, cheia de conchas de molluscos comestiveis e contendo tambem restos humanos. Este deposito superior cobre todo o barranco e tem por toda parte quasi a mesma espessura. Da praia consolidada distinguem-se duas divisões, tendo approximada- mente a mesma espessura, porém um tanto differentes no caracter dos mate- riaes componentes e no grande endurecimento ou consolidação. A metade inferior é muito dura e consiste em grande parte em coraes e conchas gastas e arredondadas, perfeitas ou em fragmentos, misturadas com areia e cascalho fino. Algumas partes são quasi exclusivamente compostas de fragmentos cal- careos e podem ser aproveitadas para o fabrico de cal. Esta parte do bar- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL rias ranço assemêlha-se em estructura e dureza às praias consolidadas da costa a léste do pharol da Bahia. O endurecimento parece ter avançado mais rapi- damente em certos niveis do que em outros, e assim, a frente do barranco exposta ao tempo mostra claramente uma especie de estractificação falsa. Na maré alta a agua chega acima da base do barranco e está constante- mente a solapal-o, de maneira que massas enormes cahem sobre a praia. Estas massas são planas nas superficies superior e inferior e assemelham- se aos fragmentos angulares que se acham destacados ao longo da margem do recife de Pernambuco. A metade superior é de consolidação muito imperfeita e facilmente se desfaz em pó pela pressão dos dedos; é mais consistente na superficie que no centro e parece endurecer-se pela exposição ao ar. Consiste pela maior parte em areia fina e raras vezes contem fragmentos de coraes ou conchas. Ao lonzo da margem inferior desta divisão ha frequentemente, mas não sempre, um deposito de grandes seixos redondos. O barranco diminue em altura para ambas as extremidades, primeiro pela diminuição gradual da divisão superior do material consolidado, depois do que a divisão inferior tambem desapparece, deixando sômente o Sambaqui. Este, porém, estende-se somente a uma pequena distancia além das extremidades do barranco. | Uma grande collecção dos objectos do Sambaqui foi organisada, mas, como não tive occasião para fazer um estudo cuidadoso delles, não posso agora descrevel-os completamente. Os molluscos são principalmente de diversas especies, tanto bivalvos como gasteropodes, que ainda existem na bahia de Todos os Santos. Elles Se encontram espalhados em todo o deposito, formando muitas vezes camadas distinctas. Os ossos de peixes são mais raros, e não achei instrumento ou lança que podessem ser identificados com esta formação. Os objectos mais interessantes que encontrei, foram restos humanos. Dous crancos foram achados em posição directa na terra arenosa com alguns ossos do corpo em baixo. Não estavam protegidos por envolucro algum e achavam-se tão deteriorados que se desfize- ram em pó no acto do extracção. E” muito provavel que fosse este deposito recente dos materiaes consoli. dados da praia que originasse a idéa da existencia de camadas maritimas da edade cretacea na ilha de Itaparica. O primeiro auctor que trata desta forma- ção parece ter sido Pissis, e outros mais modernos têm seguido a sua opinião, sem fazerem ao que parece observações proprias. Basta, porém, um rapido exame para convencer a qualquer observador que o paredão de Porto Santo e. um deposito muito superficial, formado depois da ilha ter assumido a fórma é 17h ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL feições actuaes. O estudo das conchas e coraes nelle contidos, que são de espe- cies recentes, offerece provas ainda mais concludentes sobre a edade da formação. A estructura geologica de Itaparica, descripta nas paginas anteriores, é muito simples. Qualquer pessoa que já conhecer a geologia do lado oriental da bahia, póde, em uma excursão de um dia, ao longo da costa externa da ilha, obter a chave de toda a estructura e nunca mais fallará em uma formação cretacea maritima formando a base dos depositos de agua doce. O Recife de coral do Mar Grande A parte média da costa oriental da ilha de Itaparica, chamada pelos naturaes Mar Grande, faz frente ao Allantico, que nos temporaes bate alh numa resaca forte e tumultosa. Costeando uma grande parte desta praia ha um recife de coral pouco elevado e quasi continuo, que está, porém, tão perto de terra, que de longe não se percebe. Este recife entende-se da Ponta Jaburú até à Ponta da Cruz, tendo apenas uma ou outra abertura sulliciente para admittir as pequenas em- barcações, que navegam naquella costa. Dentro do recife o canal é estreito e muito raso, porém, em geral tranquillo, excepto na maré alta, durante os temporaes. Fóra do recife a agua é tambem pouco funda em uma distancia consideravel variando perto do recife, de alguns palmos até quatro ou cinco braças, quando muito. O recife na parte septentrional chega até perto do nivel médio da maré alta, porém é mais baixo para o sul, e, recebendo toda a força das ondas, serve para proteger a costa, na qual, pelo menos atraz da parte septentrional do recife, raras vezes encontra-se a areia silicosa pura, tão caracteristica das praias brazileiras. Mouchez representou o recife em sua carta da Bahia de Todos os Santos com bastante exactidão talvez para o seu fim, porém fêl-a muito curta de mais e representa mal as suas relações com as costas. Parece que antes da minha visita este recife nunca foi cuidadosamente estu- dado por nenhum naturalista. Sabija-se que as grandes quantidades de cal fornecidas pela ilha procediam de coraes, porém não existia Infor- mação exacta a respeito do modo porque os coraes se apresentavam. Em quanto estudei a geologia desta região a minha attenção foi attrahida pelo caracter elevado do recife e a maneira interessante por que ainda continúa a descer até na parte mais exposta na maré baixa, pelo crescimento de certos organismos muito diversos dos coraes verda- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 175 deiros. Fui assim levado a gastar algum tempo no estudo desta curiosa estructura, que certamente é digna de uma descripção. Apenas um outro recife de caracter semelhante é conhecido na costa brazileira: é o da foz do Rio Parahyba do Norte, que foi examinado pelo Sr. John C. Branner da Commissão Geologica. O recife de Itaparica, collocado em agua muito rasa, tem compara- tivamente pouca altura, e é muito denteado nos lados e irregular e aspero na superficie. Começa exactamente em frente da cidade da Bahia, logo ao norte da ponta do Jaburú, em face de uma emersão baixa de gres, que interrompe a praia arenosa e fórma alguns recifes rochosos, que ficam fronteiros a esta ponta. Estendendo-se para o sul, em uma linha quasi recta, approxima-se muito da ponta da Penha, onde acaba bruscamente, tendo em toda esta extensão uma só quebrada importante, a Barra da Cruz. Comecando outra vez, logo ao sul da Penha, esten- de-se até à Ponta da Cruz, onde termina na praia rochosa. Nesta ultima secção ha numerosas quebradas e o recife é em geral muito menos re- gular que entre Jaburú e Penha. O recife segue as ondulações geraes da costa, porém, considerado como um todo é muito mais recto que as praias. Ha pouca duvida, que este recife marque as margens submergidas das camadas de gres, as quaes, como ficou descripto na parte sobre a geologia da ilha, ap- parecem na praia formando as pontas rochosas de Jaburú, Penha e Cruz. Pela posição destas pontas esta margem deve seguir approximada- mente a mesma linha que o recife. A esta comprida e estreita, porém, solida base, é devida a existencia do recife, visto fornecer todas as condições necessarias para formação de tal estructura. O comprimento total do recife é de 8 a 8 1/2 milhas geographicas, e a sua distancia da costa varia de 1/4 a 173 e raras vezes de 1/2 milha. E” composto exclusivamente de materia calcarea e foi construido pela maior parte por polypeiros, que já não crescem mais, porque o recife tem-se elevado juntamente com a praia a um nivel maior do que aquelle em que os verdadeiros polypos podem viver. Presentemente a sua altura e largura augmentam apenas pelo crescimento de nulliporas, tribus de vermes e balanos, que cobrem a maior parte da superficie. O recife está mais bem conservado e póde ser estudado com mais pro- veito na parte septentrional, entre as pontas de Jaburú e Penha, onde observam-se facilmente todos os seus caracteres. Por esta razão proponho- me a descrever minuciosamente esta secção, que examinei com bastante cuidado. v. II— 34 176 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL De Jaburú à Penha o recife forma uma ligeira curva, porém é um pouco em zig-zag no seu curso. O extremo norte consiste em numerosas massas de rocha coralifera, mais ou menos destacadas, achatadas na superficie superior, e elevando-se muito pouco acima do nivel da maré baixa, ou não chegando até este nivel. Torna-se logo, porém, continuo e estende-se com uma só quebrada importante até a Penha. Ambas as margens do recife são muito denteadas e irregulares, com prolongamentos baixos e irregulares, que são geralmen- te mais numerosos e melhor definidos no lado interno. As dos dous lados differem muito em apparencia e estructura. Um exame ligeiro nos mostrou tres variedades geraes de forma, assumidas em diversas localidades pela parte superior do recife, porém em areias exten- sas estas variedades unem-se umas às outras e não podem ser bem definidas. A parte septentrional é geralmente elevada no lado externo, baixa e nivelada no interno. A parte mais alta varia muito em largura e bem como em altura ; nunca é achatada na superficie, porém levanta-se com maior ou menor rapidez, ás vezes bruscamente, da agua, e desce mais gradualmente para o lado interno, até o nivel de cerca de palmo e meio acima da maré baixa ordinaria e então a superficie estende-se quasi plana até a margem interna. Esta parte baixa e plana póde ser bastante larga, porém é, às vezes, estreita e deve até faltar quasi inteiramente; continua-se em geral além da margem do recife, por numerosas massas destacadas de diversas formas e tamanhos, muitas das quaes têm a mesma altura que a parte interna do recife, porém a maior parte dellas não ultrapassa o nivel da maré baixa. Estas massas destacadas são tambem achatadas em cima, e podem ser mais ou menos unidas umas às outras; ellas estendem-se ao longo de quasi toda a margem interna do recife, sendo, porém, mais desenvolvidas perto das extremidades e das quebradas que atravessam. As massas destacadas do lado externo são menos extensas que as do lado interno, e existem geralmente em forma de prolongamentos angulares e irregulares da margem, sem forma definitiva. Raras vezes ellas chegam muito acima do nivel da maré baixa. Entre as duas divisões do recife, a parte elevada externa, e a achatada interna, ha contraste muito pronunciado. Ao passo que esta ultima tem sido completamente arredondada e alizada, a ponto de quasi não apresentar projecção angular alguma, a primeira olferece todas as asperezas, que se podem reunir n'uma área tão pequena. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 177 Toda a parte mais elevada da rocha é cheia de buracos de todas as formas e tamanhos imaginaveis, sendo as margens sempre muito agudas. Cada pequena superficie, que não seja ponteaguda por si mesma, sus- tenta um grande e forte Balanus com valvulas agudamente anguladas, e grandes grupos de projecções denteadas encontram-se à intervalos peque- nos. O declive externo é o mais irregular de todos, porque, as ondas ajudadas por um exercito de ouriços, tem-no quebrado e cavado ahi milhares de buracos irregulares, muitos dos quaes ficam escondidos sob accumu- lações de algas. Esta parte mais alta do recife é de uma côr parda escura, que, em estando o recife molhado pelas ondas, é bastante agradavel, apezar de ter elle uma apparencia morta. A parte interna mais baixa, com as massas destacadas que o acom- panham, é de côr mais clara, e, considerada na sua totali dade, apresenta uma superficie quasi plana, apezar de ser perfurada com buracos e quebrada por numerosos canaes e bacias, tendo estas communicação constante e directa com o canal interior ao recife. Ali, não crescem Balanus, e esta parte recente ainda é mais falta de vida do que a parte elevada. As massas destacadas têm, muitas vezes, alguma connexão com a parte principal do recife, ou entre si, e têm a mesma structura, nunca assumindo, porém formas definitivas. Passando agora para o sul, achamos que, a meio caminho, entre Ja- burú e a Barra da Cruz, a superficie baixa e plana augmenta em largura, à custa da parte externa e elevada, que fica reduzida a uma borda estreita e pouco elevada. Esta area larga e plana apresenta todos os caracteres da superficie interna da extremidade septentrional. Logo ao sul da Barra da Cruz, como tambem ao norte della, o recife muda de caracter, e a superficie baixa e plana, que acabamos de des- crever, parece elevada de modo a formar uma grande parede perfeita- mente chata em cima e com margens perpendiculares, faltando, porém, a elevada borda externa. A altura desta parede é quasi à mesma que a da borda elevada na parte do recife mais ao norte. O cume é plano, porém um tanto mais irregular que o da parte interna já descripta, e, como esta, costeado por canaes. Os Balanus cres- cem sobre elle, e a este respeito assemélha-se à parte elevada ao norte. Coma já tinha observado, estas tres formas assumidas pelo recife em diversos logares, não são constantes, porém unem-se uma à outra e assim produzem uma structura muito irregular, . tendo os mesmos caracteristicos repetidos varias vezes. Em frente de Jaburú, o recife propriamente dito, tem a largura de cerca de 35 metros, porém incluindo as massas destacadas, é muito mais 178 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL largo. Para o sul, torna-se mais estreito até perto da Ponta da Penha, onde ha a largura total, inclinando-se as massas destacadas, de 50 a 60 metros. Perto deste lugar, medi uma secção semelhante à já deseripta no norte, e achei sera largura do recife propriamente: dito, de cerca de 20 metros e a da borda elevada, de 6 à 8 metros. A parte que tem a forma de parede é geralmente mais estreita que as outras. Na margem interna e entre as massas destacadas mais proximas ao recife, a profundidade d'agua na occasião da baixa-mar varia de 4 a 6 palmos. A parte interna tem na mesma occasião a altura de, termo médio, palmo e meio acima do nivel da baixa-mar, e a parte mais elevada a de 4 a 6 palmos acima do mesmo nivel. Assim, a parte que pode ser obser- vada tem a altura total de 8 a 12 palmos, porém isto, provavelmente, não representa a espessura total do recife, porque a areia tem-se accumulado na sua base, e coberto a parte inferior. A Barra da Cruz é uma abertura abrupta atravez do recife, quasi no meio da secção, entre Jaburú e Penha. As margens do recife ao lado da Barra são baixas e parcialmente quebradas na parte superior em massas destacadas, porém, nos lados do canal, são cortadas a prumo. O bem definido canal assim formado, tem aguas mais fundas do que qualquer parte do espaço dentro do recife, e o seu fundo está coberto de areia. Uma mancha circular submergida de rocha coralina, semelhante às massas des- tacadas do interior do recife, fica perto do centro do canal na linha do eixo do recife, e divide o canal em duas partes quasi eguaes. Em resumo, os característicos do recife entre Jaburú e Penha são os seguintes: A extremidade septentrional fica perto da costa, porém é separada della por um canal definido. A structura primeiramente descripta começa ali e continúa por uma distancia consideravel e então da logar a uma su- perficie larga, baixa e plana, que só é exposta na baixa-mar. A esta, segue uma outra secção semelhante à primeira, porém com a borda elevada e externa bem desenvolvida, e depois vem a parte em forma de parede que termina na Barra da Cruz, começando outra vez logo ao sul. A meio ca- minho, entre a Barra e a Ponta da Penha, reapparece uma secção baixa e plana, e a esta succede uma outra semelhante à parte septentrional que se estende até perto da Penha. Esta tem a apparencia do recife na baixa-mar, ficando, porém, na préa-mar inteiramente coberta d'agua que passa sómente um pouco pela parte mais alta, formando uma linha de resaca que nos temporaes ha de ser bastante agitada. Vem a pêéllo a questão mais interessante a respeito do recife, isto é, a de sua estructura e modo actual de crescimento, questão esta um pouco difficil de resolver-se. Quem visita o recife e sorprehendido pela extrema ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 179 escassez de vida; no lado externo ha abundancia de Algas e Nulliporas, e no interior, algas calcareas e ouriços que o têm penetrado por toda a parte. Os Balanus cobrem densamente a parte mais elevada, e nos poços e ao longo da margem interna ha abundancia dos animaes menores que existem em toda a costa; sendo os coraes, porém, extremamente raros. Uma pesquiza de muitos dias me forneceu apenas uma duzia de pequenos specimens de Symphylha Harttii, Sierastrea stellata, Fava, Gravida e Orbicella aperta, todos da margem interna do recife. Facil é comprehender o porque não crescem os coraes sobre o cume do recife; a razão é que não podem viver em um nivel em que estão expostos ao ar durante a baixa-mar. Sendo abundantes, porém, sobre as rochas submergidas ao norte do recife, seria natural encontral-os tambem ao longo das margens submer- gidas deste recife. Felizmente, pude examinar diversas pequenas escavações na substancia do recife, que mostram ser elle um verdadeiro recife de coral, quasi inteiramente construido pelos animaes polypos. Logo ao norte da Penha tem-se escavado a parte baixa do recife, à pro- cura de pedra para o fabrico da cal; nestas escavações achei grandes massas de Orbicella aperta e outros coraes na sua posição natural. Ao sul da Penha ha outras escavações na parte muriforme do recife, que descobrem grandes massas de Nullipora, Siderastroea e Orbicella. Estas foram collocadas na posi- ção em que cresceram e associadas a uma consideravel accumulação de Nul- liporas, sendo os espaços intermediarios entre as massas cheios de calcareo compacto. A” vista disto, parece concludente, que o recife em forma de parede e a parte baixa e plana têm resultado do crescimento de polypos como os que estão actualmente formando outros tantos recifes ao longo da costa brasileira e na região dos Abrolhos. A parte elevada externa parece, porém, ser de caracter bem diverso, mas não pude obter secções profundas para estudal-a. Quebrando-a em-diversos niveis, achei a rocha excessivamente dura e de textura muito firme e densa; examinando bem a sua structura, vê-se que é composta de duas formações differentes, sendo a primeira caracterisada por uma especie de listras finas onduladas e coloridas; e a segunda de apparencia mais homogenea, sendo às vezes perfurada com pequenos bu- racos vermiformes, e cuja côr é pardo escura. As duas especies de struc- tura encontram-se em toda a parte da rocha e a compõem inteiramente, formando massas irregulares ou laminas delgadas que são intercalladas uma a outra sem ordem alguma. São tão ligadas entre si que é sómente pela côr que se póde distinguil-as; a ultima, porém, parece ser mais dura, apezar de serem ambas compostas inteiramente de carbonato de cal. A primeira, cujas laminas são claramente visiveis pelas listras alter- ve 1135 180 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nadas de diversas córes, variando de branco sujo a pardo, e facilmente referida às delgadas e incrustantes Nulliporas que ainda existem sobre toda a margem externa do recife e nas margens dos poços adjacentes, chegando à altura de palmo e meio ou um pouco mais acima do nivel da baixa-mar. A parte homogenea, porém, tem outra origem e nos leva ao rigoroso exame da superficie superior do recife, que é formada por pequenos tubos de Serpula, densamente unidos uns aos outros. Estes formam um Jeito continuo sobre a parte elevada externa do recife, e à medida que crescem para cima, os espaços deixados em baixo ficam obstruidos por um deposito de carbonato de cal, dando origem à estructura acima descripta. Os Balanus são às vezes enterrados nesta substancia e assim contribuem com algum material para o recife; em geral, porém, quando mortos, acham-se desta- cados pelas ondas. As Nulliporas vivas são comparativamente molles na superficie, porém a rocha que resulta dellas é muito dura. Parece que, não ha muito tempo, o recife era collocado n'um nivel um pouco mais baixo que o actual, em que as Nullporas e Serpulas po- deram crescer juntas, pois que as primeiras são actualmente limitadas ás partes mais baixas do recife; e é evidente que toda a parte elevada externa do recife typico, tão desenvolvida no norte, bem como a beira menos elevada da secção larga e achatada são devidas a estes dous or- ganismos tão dissemelhantes e não aos verdadeiros coraes. As Nulliporas e algas têm alli como algures servido para acabar o recife de coral, que, ou pelo crescimento dos proprios coraes, ou por alguma força phy- sica mais activa, tem sido elevado acima do nivel a que é limitada a. vida dos coraes. As formações de Nulliporas e tubos de Serpula semelhantes ás que acabo de descrever, porém menos extensas, são communs em toda a costa bra- zileira e têm sido observadas em connexão com quasi sinão. todos os recifes de coral de outros mares. A minha razão para apresental-as aqui com tanta proeminencia, é que a sua importancia na construcção de recifes não tem sido devidamente apreciada, e, onde ellas podem pro- duzir uma estructura quasi egual senão superior em espessura ao recife do coral propriamento dito, e mesmo superior a elle em dureza, mere- cem seguramente mais do que uma ligeira noticia. A margem externa do recife de gres de Pernambuco é em grande parte protegida por uma formação de Nulhporas e tubos de Serpula, e si fosse coberta por um espesso deposito do mesmo material como acontece com o recife do Mar | Grande, haveria muito menos perigo de sua destruição. Temos agora a examinar o canal interno, antes de continuar o nosso exame do recife ao Sul da Penha. A costa atraz do recife fórma uma ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 181 praia arenosa que se estende até a um nivel médio das duas marés, e é frequentemente collocada acima de um deposito de cascalho solto, com- posto de pequenos fragmentos de coral e conchas. No fim da praia ha geralmente emersões de schisto mais ou menos occultas por depositos de areia e cascalho, e mais adiante, este schisto é coberto por um outro deposito de fragmentos de coral muito differentes dos que ficam por baixo da areia da praia, sendo composto de pedaços grossos accumulados sem ordem e consolidados por carbonato de cal. Este deposito, que parece não conter conchas, estende-se até perto do recife, o qual acompanha em quasi todo o seu comprimento e fornece quasi toda a pedra de cal aos fornos da costa vizinha. Os fragmentos do coral que compõem este deposito foram todos que- brados, como si fossem arrancados violentamente do recife pelas ondas, quando este estava em um nivel inferior ao actual; não são muito gastos ou arredondados, porém são geralmente cobertos por uma espessa crosta proveniente das Nulliporas, que não podiam ser formadas depois que os coraes foram depositados no canal, e isto parece provar que os coraes não foram arrancados do recife senão quando chegou este a uma altura suffi- ciente para permittir a existencia sobre elle de Nulliporas. Este deposito cobre quasi todo o fundo do canal, sendo, porém, coberto às vezes por extensos depositos de areia. Não tive meios de calcular a sua espessura; é em geral bastante alto, e na baixa-mar manifesta-se sobre grandes areas. $ Em regra geral, a agua fica um pouco mais funda, à medida que se approxima do recife, onde tem a profundidade já mencionada ; em algumas partes, porém, ella é de metro a metro e meio por uma distancia consi- deravel atraz do recife. Em plena vasante, canôas grandes, tripoladas por escravos, vão collo- car-se em algum logar proprio onde o deposito calcareo possa ser facil- mente quebrado com alavancas. As massas da rocha, assim extrahidas, são transportadas nas canôas que na enchente seguem para a costa e descarregam em frente de alguns dos numerosos fornos alli existentes. O recife pro- priamente dito é raramente procurado por ser mais duro do que os depositos do canal. Os coraes observados neste deposito pertencem todos à especies que ainda existem na Bahia ou em outras localidades proximas. O cascalho solto em baixo da areia da praia, é composto de pequenos fragmentos arredon- dados de coraes e de conchas, sendo os primeiros derivados do deposito consolidado do canal. Este cascalho estende-se para a terra firme, for- mando a base da baixa planicie do fim das praias ao Sul de Jaburú. 182 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A secção do recife ao sul, entre as pontas da Penha e Cruz, é es- sencialmente a mesma em structura e formação que a do norte; é, porém, em geral, menos regular e no extremo sul muito quebrada, tomando muitas vezes a forma de massas destacadas e separadas por largos canaes. Estas irregularidades provêm provavelmente em parte do crescimento menos vigoroso dos coraes, e em parte tambem da invasão do mar, que é mais aberto na extremidade do sul, e por consequencia, mais agitado durante os temporaes, do que na do norte. Esta secção do recife começa bruscamente logo ao sul da ponta da rocha da Penha, havendo entre ella eo recife um deposito consolidado, mais ou menos continuo de fragmentos de coral, estendendo-se conside- ravelmente pela praia. Por alguma distancia, o recife forma uma grande parede alta e qua- drada, e bastante regular, com numerosas massas destacadas do lado interno, entre as quaes algumas levantam-se acima do nivel da baixa-mar, e até ficam unidas ao recife. Logo, depois de passar uma pequena abertura, encontra-se uma grande barra que, em logar de ser uma simples abertura, forma um comprido canal margeando por grandes extensões do recife propriamente dito, e estendendo-se obliquamente pelo canal interior na direcção da costa, a uma consideravel distancia. Estas projecções internas têm a mesma structura que o récife, porém são mais baixas. Nesta visinhança e mais para o sul, o recife propriamente dito, é tambem baixo, tendo a altura de tres a quatro palmos acima do nivel damais baixa maré, e ao mesmo tempo augmenta em largura, sendo em muitas partes tres ou quatro vezes mais largo do que em qualquer ponta entre Ja- burú e Penha. A superficie é perfeitamente nivelada, porém com pequenas irregularidades, e tem geralmente uma borda externa ligeiramente elevada, que muitas vezes falta ; esta superficie tem a mesma apparencia morta ob- servada na secção do norte, e sobre ella não achei Balanus. O canal atraz do recife é excessivamente raso; o fundo, que é formado pela maior parte, de um deposito consolidado de coral e pouco inferior em nivel à margem interna do recife, apresenta uma superficie quasi plana, estendendo-se do recife até à praia. E” as vezes parcialmente coberto de areia fina, e fica na baixa-mar quasi totalmente descoberto. Esta especie de estructura estende-se até a Ponta da Conceição e a Barra Grande, além d'aquella ponta. Um pouco ao sul da Conceição, ha uma larga abertura chamada Barra Grande, onde as margens do recife curvam-se ligeiramente na direcção da costa; por uma curta distancia ao Sul da Barra, o recife é mais alto do que ao norte, porém começa logo por quebrar-se em massas destaca- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 183 das; sendo o canal por traz dellas mais fundo e raramente obstruido pelo deposito consolidado. As praias são tambem compostas de areia mais pura. O recife termina, finalmente, em frente da Ponta da Cruz, que é uma pequena saltencia da costa, formada por tres pequenas pontas rochosas que estendem-se para unirem-se com o recife. Em frente de cada uma destas pontas ha uma massa ou secção do recife banhada pelo lado externo por agua bastante funda. O recife, propriamente dito, é estreito, baixo e nive- lado, com a borda externa ligeiramente elevada ; e está muito proximo à costa com que é ligado por um deposito consolidado de fragmentos de coral quasi tão alto como o proprio recife. As ondas têm destruido tanto a superficie do recife e do deposito consolidado, que os coraes se apresentam em alto relevo. No recife os coraes (Nulliporas e Orbicellas pela maior parte) acham-se na posição em que cresceram, ao passo que no deposito interior do recife são quebrados e confusamente amontoados. | Ao norte da Ponta de Aratuba ha extensos depositos de fragmentos consolidados de coral que se estendem por alguma distancia no mar e terminam abruptamente, porém não vi neste logar vestigios do recife pro- priamente dito. Algumas massas do mesmo material consolidado existem tambem na circumvisinhança do gres da costa. v. HI—36 RESUMO DO CURSO DE BOTANICA DO Museu Nacional, em 1878 PELO RESPECTIVO PROFESSOR OR: bADISGAU NEVVO Os cursos publicos do Museu Nacional, professados pelos directores e subdirectores de secção, effectuam-se à noite, n'um vasto salão do edi- ficio do Museu e são ordinariamente frequentados por todas as classes da sociedade. Pela fórma das prelecções das diversas cadeiras deste ensinamento publico de tão manifestas vantagens, dadas com o auxilio de estampas muraes e com a demonstração dos proprios objectos a que se refere cada lição, os cursos do Museu são inquestionavelmente o mais agradavel e proficuo methodo doutrinario de quantos possue a instrucção superior do Imperio na sua capital. A's senhoras, aos estadistas, aos medicos, aos advogados, aos jorna- listas e a todos emfim que presam as bôas letras e as sciencias naturaes, instruem os cursos publicos do Museu, porque todos podem aqui haurir conhecimentos especiaes de que sómente com a leitura de muitas obras e de raras memorias ser-lhes-hia possivel obter egual peculio. S. M. o Imperador costuma honrar tambem estes cursos com a sua presença, e justo é dizer-se que muito se lhe deve da grande aceitação e geral sympathia que têm tido nesta córte as prelecções scientificas dos professores do Museu. O curso da cadeira de Botanica do Museu Nacional, professado pelo respectivo professor o Sr. Dr. Ladisláu Netto, durante o anno de 1878, 186 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL teve por assumpto inicial, a historia das plantas sob o aspecto de sua distribuição, nas diversas zonas do globo, e de sua influição sobre a industria humana, No tocante á historia das plantas, fôra impossivel apresental-a com- pleta, desde o apparecimento do Fozo0n canadense até à épocha actual. D'ahi para cá o grande livro de pedra, cujas paginas são as phases geo- logicas em que ficaram gravadas milhares de gerações agora extinctas, refundio-se muitas vezes ao fogo das erupções vulcanicas e muitissimas outras, diluio-se pelas allnviões frequentes dos primeiros tempos. O grande livro, portanto, descompletou-se para sempre, ou por que se lhe destruissem algumas de suas mais eloquentes folhas ou porque se lhe apagassem muitos caracteres de seus melhores trechos. Accresce a isso que apenas insignificantissima porção da superficie do Globo é por emquanto conhecida para a geologia, e consequentemente para a paleon- tologia, sendo que não nos satisfazem, como indice do trama da vida no seu arrebol, essas algas gigantescas, coevas de alguns imperfeitos crus- taceos e de vertebrados acraneos do terreno cambriano. Discorrendo neste assumpto, disse o professor que si tamanhas lacu- nas o adstringiam forçosamente a uma esphera putativa, no tocante à evolução da vida vegetal, não menos actuavam sobre quanto podesse elle dizer a respeito da distineção dessa organisação, relativamente aos orga- nismos que lhe são superiores no reino organico. Quem ousaria pôr hoje limites e raias definidas aos caracteres dos animaes e dos vegetaes? Onde terminam equelles e começam estes? Quem se atreveria a negar hoje em dia, à luz dos descobrimentos modernos da physiologia das plantas, uma tal ou qual percepção, si é permittido assim chamar certas manifestações biologicas de alguns vege- taes ? Na menção das plantas que caracterisam determinadas estações, tentou explicar o como pela adaptação aos elementos cuja influencia geral re- cebem, passaram, por transformações graduaes até chegarem ao typo que lhes exigia o meio em que lhes era forçoso viver. São exemplos notaveis dentre estes vegetaes: os mangues, os cactus, algumas plantas aquaticas, os vegetaes sarmentosos, Os parasitas, OS pseudo- parasitas e outros muitos de singular e de anormal constructura. O professor, desenvolvendo a these que da por primeira base das leis transformistas, a adaptação, fez sentir quanto neste particular é ad- miravel o conjuncto de circumstancias de que se soccórre a planta para a disseminação de suas sementes, ou tenha o auxilio dos ventos ou O não menos efficaz das aguas pluviaes e Auviaes, om ainda tambem o das ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 187 correntes oceanicas, conforme a configuração das suas mesmas sementes se foi ageitando a este ou áquelle vehiculo de sua propagação. k Depois de haver descripto as fórmas principaes das sementes que têm por locomovel o vento, occupou-se, em seguida mais detidamente, das que são transportadas pelas correntes oceanicas. Destes rios que têm por leito e mar- gens o proprio mar, torna-se mais notavel o Gulf-Stream ou corrente do Golfo. E” um extenso caudal que parte das cercanias da Africa occidental, auxiliado com a confluencia de algumas pequenas correntes do mar das Indias, e dirige-se para a extremidade oriental da America ou cabo de S. Roque, em cuja latitude bifurca-se ao Sul e ao Norte; ao Sul para formar a corrente denominada brazileira, a cuja imfluição se deve o des- cobrimento casual deste Imperio; ao Norte, para internar-se no Golfo do Mex co, submetter-se à calefacção daquelle clima abrasador, rodopiar ao longo daquella bacia receptôóra do maximo calor equatorial, e seguir depois para os mares arcticos, amenisando neste percurso, com o calor de suas tepidas ondas e com o germen do mundo tropical que conduz em seu seio, a costa da Islandia, as ilhas britannicas e até a Escandi- navia e a Laponia. E O professor adduzio, no tocante a este phenomeno, factos curiosissi- mos com relação às numerosas sementes, que a favor de taes correntes têm-se transportado de um ao outro continente, de uma ilha à fronteira costa e que ahi germinaram, cresceram e tomaram todos os caracteres da mais completa naturalisação. Em sentido opposto à do curso da cor- rente do Golpho e na opposta face do continente americano, uma corrente de menor velocidade, porém de extenso curso, affluindo das terras in- diaticas, funde as aguas que banham as praias do Japão com as ondas do littoral da California, estendendo-se pela costa do Panamá até ás ilhas Gallapagos, onde Hooker diz existirem acclimadas nada menos de 114 especies indigenas daquelle isthmo e deste modo para ahi transportadas. Da mesma sorte emigraram da costa do Brazil para o littoral da Africa Occidental alguns vegetaes de que Martius occupou-se e que alli se naturalisaram. Prende-se a migração de taes vegetaes, que poderiamos denominar pseudo- endemicos, em virtude de sua prompta e muitas vezes natural acclimação, a migração que seguiram primitivamente as familias humanas, migração não só possivel, mas tambem probabilissima, mórmente do extremo ori- ente da Asia ao extremo occidente da America.. Da influição destes meios de propagação dos vegetaes sobre O aspecto de certas regiões que de um momento para outro constituiram-se patria adoptiva de muitas plantas, passou o professor a tratar de uma v. 11—37 188 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ordem de phenomenos curiosissimos de que se tem occupado nestes ul- timos annos e sobre os quaes registra actualmente grande numero de observações proprias. Esta ordem de phenomenos apresenta-a de modo notavel, propriedade que mostram alguns vegetaes de ampliarem a super- ficie da terra, em detrimento da aria occupada pelas aguas fluviaes e maritimas adjacentes, em determinados sitios, cujas disposições hydrogra- phicas ou topographicas lhes facilitam uma tal propriedade e como que de algum modo lh'a exigem. Neste assumpto, que tanto e tão particu- larmente se enlaça à geographia Dbotanica, claro é que nada têm que vêr as alterações da costa exterior do Oceano: estas competem mais em par- ticular ao professor da cadeira de Geologia, que a seu tempo explicará o porque nessa lucta entre a Terra e o Mar, ora vence este, e solapados e derruidos os fraguêdos, baquêam no abysmo que as ondas, lhes dão por tumulo; ora vence aquella e diante de seus elevados cômoros de areia, como phantasmas cobertos de alvissimos sudarios, parece recuar espa- vorido o Mar, rechassado a pouco e pouco de seus antigos dominios. As modificações de que trata não são desta natureza, embora em alguma cousa lhes pertença; são as que produz exclusivamente a vege- tação aquatica ou semiaquatica na foz dos rios, nas abras e enseadas menos sujeitas ao embate das vagas do Oceano. Esta vegetação compõe-se de plantas cujas raizes immergem profun- damente nas aguas: o Mangue, por exemplo, à beira-mar, e a Tabibuya como outras plantas pertencentes a diversas familias, nas aguas salôbras e nos pantanos do interior. As aguas em que taes plantas se apresentam não terão mui longa duração, porque a estas plantas que são como os arautos da conquista da terra, succede de ordinario uma vegetação abastosa e compacta em que dominam ou os Fetos, ou as Cyperaceas, ou as Gramineas, e muitas vezes estas tres familias simultaneamente. A estas modificações graduaes da vegetação corresponde gradual transformação no solo, o qual, sendo a principio um lamaçal, vai-se revestindo de proporção sempre crescente de silica, e em seguida de detrictos de rochas, de pequenos fragmentos de quartzo de cujo accumulo resulta ulteriormente um areal e por fim uma nova porção de solo descoberto, onde, apoz o volver dos annos, vão constituindo pouco e pouco habitação e patria os arbustos característicos das praias arenosas ou da terra firme nas orlas das bahias. Muitas vezes algumas das Rhyzophoras, das Avicenias e de outras antigas povoadoras daquelles sitios, por mais refractarias ás leis evolutivas e fataes da Creação, conservam-se ainda ao lado dos cajueiros, das pitangueiras e de outras muitas plantas que habitam as praias brazileiras. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 189 As Pontederias, como algumas especies essencialmente aquaticas de outras familias, são tambem as precursoras da ampliação da terra sobre os locaes outrora inundados; e deste facto dão exemplos notaveis em alguns rios da Bahia, nas lagôas e nos rios da provincia das Alagôas e de Pernambuco. Lançando, em seguida, um volver de olhos sobre outros factos iden- ticos e que tamanho alcance hão de ter no futuro, sobre os terrenos sedimentosos e sobre a obstruição das bahias e portos maritimos de grande importancia actualmente, accrescentou que si, entretanto, tamanha influição reconhecemos da parte dos vegetaes phanerogamos, neste par- ticular, força é confessar que muito maior a têm os cryptogamos, e com especialidade a familia das Algas. O professor, lembrando o que já dissera sobre as correntes oceani- cas, esses rios de agua tepida que têm por margens e leito as aguas frias do Mar, accrescentou que além de taes margens e leito, os mesmos rios formam ilhas que são de ordinario o receptaculo de quantos detrictos vegetaes aquelles rios gigantes arrancam às praias dos Dous Mundos. Nestes remansos de que é magnifico exemplo o mar de Sargaço, crescem, desenvolvem-se e formam impenetravel trama Algas descommu- naes que fazem já hoje alli de todo o ponto impossivel a navegação. Volvam-se os seculos; progridam constantemente aquellas plantas, venham-lhes em auxilio os Zoophytos madreporicos de que se reveste 0 fundo do Oceano; encrustem-lhes estes piratas dos abysmos os filamentos e as delicadas membranas em seus arcabouços calcareos, e um dia virá em que todo o vasto remanso surgirá, nova e verdadeira Atlantida, do seio das ondas com o quadruplo da superficie das Ilhas Britannicas. Um exemplo em miniatura do que pode influir uma planta cryptogama sobre tão profundas transformações offerece, no dizer do professor, uma Alga do genero Spirogyra que de ha muito se tem apossado da lagôa de Ro- drigo de Freitas, estendendo seus longos filamentos e tramando-os em tão espesso tecido que uma densa téla assim constituida, já reveste actual- mente todo o leito daquelle lago; um pouco mais e delle só ficarão alguns vestigios que os modernos sedimentos apagarão de todo. Si, entretanto, tão sorprendentes se mostram estas correlações entre a acção da vegetação e a configuração das costas e do mesmo Oceano, mais intimas as vemos nós de certo entre a producção vegetal de determinadas regiões e os povos que as habitam. O primeiro ensaio do confórto de habilitação ou de simples abrigo, tiveram-n'o os primeiros homens debaixo das copas ramalhudas e ao sopé dos troncos recurvados das grandes arvores. Os primeiros dons da 190 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL natureza, primicias de uma vegetação inteiramente virgem, sentiram aquel- les homens no perfume de suas flóres, contemplaram nas magnificencias de suas galas, saborearam na substancia alimenticia de seus fructos. Aos vegetaes que lhes podiam offerecer qualquer utilidade tributaram desde logo verdadeiro culto. A sagração que receberam, nas regiões orien- taes, a Bananeira,as Palmeiras alimenticias, o Cedro, o Sycomoro, a Oli- veira e tantas plantas d'ahi oriundas não teve outra origem. A Europa occi- dental, na sua edade semi-barbara, tinha o culto do Carvalho e especialmente do Visco,que lhe é parasita pelo supporem sua mais pura essencia. Assim tam- bem os povos das regiões mais incultas da Africa, têm ainda hoje por divino habitaculo o Baobat, que lhes dá a um tempo, abrigo, alimento e um efficaz antidoto ás febres inflammatorias que os atormentam. D'ahi a afinidade entre os vegetaes de um paiz e o caracter e a industria do povo que o habita; d'ahi a representação das plantas mais bellas ou mais prestimosas da flora de uma região, nas fórmas das columnas, na ornamentação dos capiteis, na total constructura, em summa, dos tem- plos que nesta região foram os monumentos primogenitos da arte no seu arrebol. A theogonia dos tempos heroicos da Grecia, consagrando o Casta- nheiro e o Carvalho a Jupiter, a Vinha a Baccho, o Myrtho à Venus, a Oliveira à Minerva, o Louro a Appollo, e os Cereaes à deusa de Eleu- sis, é prova inconcussa das aflinidades que existiam entre a veneração offerecida áquellas divindades e a que se tributava no reino de Flora às suas figuras symbolicas de uma divindade certamente mais providen- cial, pois que mais pressurosa em soccorrer às humanas necessidades. O professor mencionou algumas graciosas e poeticas imagens das que se encontram nos Vedas e na Biblia, imagens affins ao caracter da vegetação local. Nenhuma planta, porém, no seu dizer, figurou tanto e com tamanha veneração nas theogonias do Oriente e com especialidade da India e do Egypto, como o Lotus, cuja flôr figura como ornato principal de seus velhos templos. O culto do Lotus, na India, considera-o como um ser divino e filho dilecto das aguas e do Sol. Tem nesta crença origem a allegoria egypcia que representa Horus, emergindo da corolla do Lotus, como a imagem do Sol nascente. De todas estas referidas causas, resulta o grande quinhão que têm muitas plantas no amor que tributamos à patria, no interesse que ligamos à terra que nos foi berço. Quantos fructos ha, para os seus conterraneos, de dulcissimo sabôr, que os não póde siquer sentir extranho paladar ! A nostalgia, si não tem cura no gozo dos productos vegetaes da terra natal, deve encontrar nesse gozo com certeza ingente lenitivo. Di- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 191 zem alguns historiadores que foram por isso construidos os famosos jar- dins suspensos de Babylonia, que o professor descreve e representa como o primeiro ensaio de jardins de acclimação. “Dizer onde e quando appareceram os vegetaes que deram ao homem primitivo as primicias de sua desde logo inestimavel utilidade, o mesmo fôra descrever precisamente esse homem, definir-lhe as aptidões physicas e moraes, figurar-lhe miudamente a terra natal. Até lá, porém, não che- gam nem o tacto, nem o alcance das velhas tradições, posto que nas paginas umbrosas das lendas theogonicas, sejam figurados como oriundos das cercanias do Caucaso: o Trigo, o Centeio, a Cevada, a Aveia, a Oliveira, a Nogueira e outras muitas plantas de universal proficuidade. Quando o alvião do geologo houver partido a lousa que reclue, em quasi todos os recantos da terra, as ossadas de milhares de gerações humanas, mui provavel é que seja o solo fecundo da India o principal reivindicador dos fóros patrios de muitos vegetaes, havidos hoje por na- turaes da Asia Menor, da antiga Media, da Arabia, do Egypto e até da propria America. O milho, por exemplo, que Colombo depoz aos pés de Fernando e de Isabel, como um dos mais notaveis productos vegetaes do Novo Mundo, que elle lhes havia achado além dos mares do Occidente, está hoje averi- guado que teve na India a sua origem ou pelo menos que a tivera simultaneamente no velho e no novo continente. Admittida porém, que seja a hypothese de que sómente a India lhe fosse patria, d'ahi se teria provavelmente transportado á America por meio das correntes migradoras das primeiras familias humanas, como é possivel se tenha dado com o ananaz e com outras plantas da zona tor- rida da America. O que é digno de reparo é que o milho parece ter tomado no solo americano um desenvolvimento que nunca attingira no solo indico, onde ao contrario, em virtude de uma evolução retrograda, havia quasi desapparecido on siquer notavelmente deperecido. No tocante a estas plantas que mais se enlaçam à historia dos primeiros homens, muito é tambem para observar-se que se lhes tenha, na maior parte dos casos, desapparecido a reproducção sexual, como consequencia natural do longo dominio humano. Estão neste caso a Bananeira e a Canna, egualmente de vaga ou incertissima origem. A Bananeira, a que se dá por primitiva patria a zona torrida do Globo inteiro, é um dos typos mais caracteristicos da planta social e em tão elevado grau de adaptação possue esta faculdade, de que tambem gozam quasi todos os outros monocotyledones uteis que, plantado um v. I— 88 192 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL = unico individuo, nunca tomará seu completo desenvolvimento em quanto lhes não crescerem os filhos, em touceira, ao redor do tronco, amparan- do-lhos como no conchego da familia. Plantas ha entre as dicotyledoneas, que não podendo viver sinão em familia, e não possuindo a reprodueção bulbiferatou radicular destas mo- nocotyledoneas exigem que na cultura dellas supra-lhes o homem a falta da natureza, plantando-as em grandes grupos, afim de que haja o apoio reciproco de uns aos outros troncos. As Eucalyptus constituem o mais bello exemplo deste phenomeno. A historia do Café e o sorprendente influição deste vegetal nos tempos modernos occupou como vegetal ligado à historia da humanidade toda uma prelecção do professor. Não menor attenção soube elle chamar em favor da batata e outras plantas hoje notaveis no presente seculo. Como vegetaes havidos em conta de entidades sagradas e tratou detidamente do Betel, na India com uso e fim correlativo aos da Coca, em eguaes latitudes, na America. Entre muitos exemplos de vegetaes que por sua utilidade poderam attrahir povoações inteiras a logares outr'ora ermos, é digno de reparo uma juncacea com- mum na Lagôa Santa, em Minas, com a qual se creou o fabrico de es- teirões e albardilhas, cuja industria mantém pequena vitalidade da po- voação que exorna as pittorescas margens daquelle lago. Em mais alto grão póde-se mencionar tambem a extracção da Pias- sava nas ferteis paragens da costa meridional da provincia da Bahia, in- dustria em que se occupam actualmente milhares de individuos e sobre a qual foram estabelecidas algumas fortunas dos mais abastados negociantes da capital daquella provincia. Vai o mesmo na vida das plantas que na existencia da humanidade; o apreço dado a estes modestos vegetaes não ultrapassarão nunca provavelmente da região que elles habitam incultos e obscuros, sobre arriscados que são a desapparecerem d'ahi pela cons- tante destruição daquelles mesmos a quem mais cumpre conserval-os. Estes vegetaes são como individualidades obscuras, a quem o professor antepoz o Tabaco, cujas victorias excedem em muito as mais notaveis plantas de recente cultura, posto seja aquelle vegetal uma planta mais ou menos fetida, venenosissima, de effeitos todos maleficos em nosso or- ganismo e conhecida, como producto agricola, pelo que mais depressa esterilisa o solo. O Tabaco assemelha-se, pois, no seu dizer, aos grandes conquistadores; com a differença, porém, que estes destroem para do- minar, ao passo que elle domina para destruir. Nem outro vegetal se aponta, dentre os mais uteis mesmos, que tão de prompto fosse acolhido na esphera da economia agricola. A Batata ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 193 ingleza, por exemplo, teve de disputar palmo a palmo, o solo de seu actual dominio, que o mesmo fôra dizer: a superficie de todas as regiões conquistadas pela civilisação. E effectivamente, nenhuma outra planta teve contra si, no limiar dos mercados publicos, nem tamanho desconceito, nem maior numero de detractores. Estes perguntavam, não sem apparente razão, o que se podia esperar de uma creatura nascida de uma familia de malfeitores, e o que tinha de dar uma erma do Stramonio, da Bel- ladona, do Ruibarbo, da Herva-moura, do Meimendro, da Mandragora e do Tabaco, tetrico productor da nicotina | Nem os esforços de Parmentier, em favor da conquistadora ameri- cana que possuia então seu nome, nem a delicada lembrança de Luiz XVI de mostrar-se publicamente em dia de gala com a flôr desta planta ao peito, pareciam capazes de extirpar, de todo ao espirito publico, o mal fundado preconceito. Coube esta gloria à Inglaterra, que entreviu desde logo nos tuberculos de Openankh o futuro principal alimento de seus fi- lhos proletarios; e tanto bastou para que todos os povos continentinos a imitassem. Fazendo vêr, em seguida, o papel importante que representam nos climas tropicaes e temperados alguns vegetaes como compensadores das demasias que ahi se observam no alimento da carne, citou o Matte, e até certo ponto a propria Coca. O Matte, posto que de tamanho e de tão importante uso em todas as provincias meridionaes do Imperio, é infeliz- mente um vegetal completamente inculto, como a Quina no Pará, a Borracha no Amazonas e a Ipecacuanha em quasi todas as nossas provincias; ve- getaes estes, cujos productos utilisaveis são extrahidos por homens, que para se dedicarem a uma tal industria, sujeitam-se a abandonar, durante boa parte do anno, o gremio da sociedade, o seio da familia e o con- chego do lar. Volvendo-se para a genesis da planta, achou o professor conveniente tratar, por analogia organica, da genesis da cellula que elle apresenta como a primeira individuação dos mais elevados organismos. A identidade de con- structura que offerecem todas as cellulas, tanto vegetaes como animaes, justifica no mais alto grão a perfectibilidade da doutrina evolutiva que lhes dá por fonte o reino dos Protistas: nihilidades, sem valor algum apparente na ordem physica, mas que se hão constituido ultimamente possantes e atleticos allumiadores das primeiras phases da genesis dos organis- mos, até ha pouco ainda tio mal conhecida no mundo animado. O que seja este organismo tão simples na fórma e tão complexo, entretanto, nas faculdades de que é dotado, demonstram-n'o os vegetaes cellulares: a familia das Algas, por exemplo, em que é tudo a cellula. 194 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL São, com effeito, verdadeiras cellulas os zoosporos dos zoosporangeos, nas Algas de reproducção sexual e não menos o são as antherozoides, os sporangeos e os oosphereos, sendo que até as paraphyses, pellos cellulares de immensa utilidade no interior dos conceptaculos, nada menos são do que cellulas cuja vitalidade plasmica desapparece ou diminue com a sua multiplicação. A” descripção do nascimento destas plantas unicellulares se- gue-se a do nascimento dos vegetaes phanerogamos, a muitos respeitos semelhante ao daquelas plantas. Nos phanerogamos, com effeito, o ovulo exerce exactamente a mesma missão do sporulo e o grão de pollen, com o seu tubo pollinico, repre- senta na phase da fecundação o mesmo papel do antherozoide. As analogias resaltam, não sómente das funcções destes orgãos, sinão tambem de suas fórmas, e o professor, encarecendo-lhes a importancia tornou-as patentes, tanto pela descripção, como por estampas muraes. Não menos interesse prendeu a este assumpto, proseguindo no exame da de- senvolução da semente e tratando de tecidos envolventes do embryão,— tecidos em que aquella pequenina e debilissima creatura encontra simul- taneamente alimento e abrigo, como acontece com o feto animal no de- curso da phase da gestação. Este alimento, que toma o nome de albumen, é ordinariamente con- stituido pelo amido, pela inulina, pela aleurona, ou por substancias oleoginosas; materias todas estas muito promptamente assimilaveis no tenro organismo da plantula. O que muito é para notar-se é que si por inaptidão organica, ou por uma deficiencia até o presente, pouco ou mal estudada, succede faltar ao feto vegetal o albumen indispensavel a sua subsistencia, a planta ma- terna, providente e solicita, acha, de prompto, efficazes meios de receber egual quinhão de alimento, adquirindo-o com o auxilio dos raios do sol na transmutação da propria seiva, e enthesourando-o cuidadosamente no tecido das folhas cotyledoneas do mesmo embryão, as quaes consti- tuem-se desde então verdadeiros alforges de nutrição para manutenção delle. Tal é o caso por exemplo em que se acham as plantas legumino- sas,—caso tanto mais para se apreciar, quanto é evidente o ensinamento que elle virtualmente nos ministra a respeito de uma das mais impor- tantes funeções da folha. Per accidens, lembra o professor que é o albu- men, a tanto custo elaborado, aperfeiçoado e por fim accumulado, grão a grão, junto ao embryão, como o peculio formado com avaro e materno carinho, a substancia que o homem rouba para seu alimento, ao Trigo, ao Milho, ao Arroz, ao Feijão, à Amendoa, à Noze ao Côco. O sie vos non vobis do poeta, é pois com muito mais propriedade de expressão applicavel ao ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 195 reino vegetal do que ao outro reino organico; e tanto o é que ninguem mais do que a planta espoliada teria razão de repetir eternamente o tulit alter honores do mesmo poeta. “Antes de tratar da estructura do caule, o professor descreve e representa graphicamente as diversas fórmas que tomam os tecidos cellular, fibroso e vascular; correlativos ao primeiro destes tecidos acham-se os pellos de fórmas variadissimas e de interessante destinação, quer sejam considerados como apparelhos secretores das camadas externas do tecido cortical, nos ramos recem-formados, ou como orgãos protectores do mesmo tecido. Como quer que seja, nota-se-lhes a sua immediata correlação com as glandulas sub-epidermicas de grande numero de vegetaes. Ha uma tal ou qual affinidade entre as funcções dos pellos secre- tores externos e as dos vasos lacticiferos. A differença é que os primeiros excretam oleos essenciaes, liquidos balsamicos, como na familia das La- biadas, ou substancias causticas, como nas Urticaceas, e os segundos — substancias plasticas, granulosas, compactas, às vezes nutritivas e de agradavel sabor, como na familia das Sapotaceas, mas quantas outras vezes venenosissimas, como nas Longaniaceas, nas Asclepiadaceas e nas Euphor- biaceas! Quanto à forma do caule de cuja estructura occupou-se em algumas lições, nada é mais notavel do que a variabilidade que elle apresenta, de harmonia com as modificações da adoptação que foi tomando o vegetal, se- gundo o clima e o solo da primitiva patria ou do paiz em que se natu- ralizou. Assim explica-se o corpo carnudo das Mammillarias, das Opun- tias e dos Melocactus, povoadores das aridas rochas e das arêas do deserto; a organisação quasi identica das parasitas saxateis; a nulla ou exigua importancia da raiz para as plantas aquaticas, cujo caule apresenta por isso uma constructura especial, e finalmente a structura singular dos bolbos, que na sua esphera representam o papel de um vegetal completo ao qual só faltassem os merithalos. Dá-se o mesmo com os vegetaes que em muitas ordens de superior orga- nismo. Quantas imperfeições ou irregularidades lhes não suppomos que o não são na realidade ! Como plantas que mais notavel exemplo offerecem com afinidade à anatomia e funcções do bolbo, sobresahem a Bananeira e a Piteira, plantas monocarpas, porém de agigantada estatura e que conservam, principalmente na base de suas folhas, nutrição indispensavel ao crescimento de seu hastil floral. À Piteira chega a viver oito e mais annos, accumulando o material requerido pelo desenvolvimento deste hastil que attinge às vezes trinta pés v. 11—39 196 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL de altura. A Bananeira cujo hastil não poderia suster o peso enorme dos fructos, obteve progressivamente, no desenvolvimento das bainhas de suas folhas, a força de que precisava para proteger e ao mesmo tempo sustentar o pesado racimo. Nestas duas plantas e em particular na primeira, mal se desenvolve e cobre-s: de flores ou de fructos a haste, observa-se o des- vigor e o deperecimento das folhas, deperecimento progressivo que se effec- tua até o completo termo da vida do vegetal. Dos caules das dicotyledoneas é o das plantas sarmentosas o que mais particularmente interessa aos que se consagram ao estudo das florestas bra- sileiras. O professor, explicando a structura de tão interessantes vegetaes, de que ha alguns annos se ha occupado, faz ver como e quanto para a con- formação espiral de alguns concorre o crescimento unilateral do tecido cor- tical e lenhoso na peripheria do caule, acerescentando que pelo aspecto do transformismo não é mais irregular o sarmento de structura anormal, porém aquelle cujo tecido lenhoso em nada se afasta do das dicotyledoneas normaes, porque este attingiu ao mais alto gráu de um crescimento incompleto, isto é, quasi exclusivamente longitudinal, ao passo que aquelle é uma especie de atavismo para o duplo desenvolvimento typico das dicotyledoneas. Numerosos são os caracteres deste atavismo, caracteres tanto mais dignos de attenção quão pouco estudados sinão totalmente descurados e ignorados hão sido até hoje. No seu entender são as plantas sarmentosas, de par com as epi- phytas os mais notaveis caracteristicos das florestas seculares do Brazil. Ora, si o estylo architectonico do antigo Egypto teve por modêlo de suas pesadas columnas os troncos dos Cedros do Lybano, do Sycomoro e da Figucira Sagrada; si os bosques druidicos da Europa crearam ou inspiraram os monumentos golhicos daquella região, que architectura seria capaz de copiar a magestade e a graça, a variedade e a riqueza de nossas matas? Por entre tão curiosas plantas rastejam as de caule serpentante que relembram, na apoucada orbita de sua existencia, esses pequenos navios de cabotagem, os quaes, não ousando aventurar-se ao alto mar, navegam terra à terra, de costa à vista, e de momento a momento volvendo a ella para pedir-lhe auxílio e abrigo. No tocante aos caules sarmentosos insiste O professor em represêntal-os, formando um dos mais distinctos grupos conhecidos entre tantas e tão variadas fórmas ve- gelaes. Demonstrou como por meio da luta pela vida poderam taes plantas transformar-se, de arbusculos que eram (como o indica o pequeno nu- mero de folhas que produzem), em extensas cordas que ss lhe figuram agora ser: — umas voluveis, outras gavinhosas, conforme a sua: maior ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 197 ou menor predisposição ao desenvolvimento do caule em linha helicoi- dal,—a mais bella, a mais commum e ao mesmo tempo a mais natural desenvolução da vida vegetativa. Para que estes vegetaes tomassem uma fórma tão singular foi ne- cessario que se exagerasse extraordinariamente o desenvolvimento Jongi- tudinal do caule com quasi completa paralysia de seu crescimento Jate- ral, de que foi decidido e muito efliciente auxiliar o tecido do estojo medullar, muito mais largo nestes do que em quaesquer outros vege- taes. Tratando dos caules chamados anormaes, o professor apresentou-os como um caso de atâvismo: — um primeiro grão de reversão ao typo dicotyledoneo normal, mas reversão que traz à lembrança as medidas “coersivas empregadas com excesso ou indevidamente, na ordem social, contra abusos que, si deixam de existir, são substituídos por irregulari- des mil vezes mais desastrosas. A causa principal, sinão unica, da distensão longitudinal dos caules das trepadeiras é, no seu entender, a necessidade que têm estas plantas de romper a espessa e alta ramagem das florestas onde vivem para re- ceber na sua folhagem a inifuição dos raios solares que tão de perto entendem com os phenomenos physiologicos da chlorophylla; e claro é que tanto menos crescem ou, o que é o mesmo, tanto mais se appro- ximam do typo dicotyledoneo regular, quanto menor é o obstaculo que lhes intercepta a luz do sol. Tal é o caso em que se acham os sarmentos das capoeiras ou das orlas das mattas, como geralmente o são os de estructura anormal, de que houve anteriormente menção. De suas proprias investigações, disse o professor que resaltavam nu- merosas illações dentre as quaes a de que constituem as plantas enre- dicas o typo mais recente, o ultimo modelo de flora actual. Assumptos são estes, porém, que sobrelevam ao nivel de um curso popular em que lhe era mister ficar adstricto unicamente à succinta descripção das (ór- mas innumeraveis que tomam os caules das plantas, ou para se ergue- rem altivas às maiores alturas, ou para se coserem humildes à terra, ou ainda para se apegarem, parasitas impertinentes, aos rochedos ou às outras plantas. Tratando da morphologia da folha abre mão o professor da vastis- sima nomenclatura que ella toma nas suas innumeras modificações e li- mita-se a explicar a transformação evolucional deste importante orgão, desde os primeiros e mais singelos recortes do limbo até o mais alto grão de subdivisão do tecido parenchymatoso do mesmo, em redor de cada ramusculo nervural. A folha chamada composta é portanto uma 198 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL folha decomposta, posto seja forçoso confessar que vai nessa decompo- sição não uma inferioridade morphologica, mas aperfeiçoamento manifesto. Em relação aos meios em que viveo vegetal e a adaptação que toma para harmonisar-se com elles, cita alguns exemplos que tornam mui clara esta adaptação. Assim é que para afazer-se uma planta às planuras seccas e arenosas do interior ou das provincias do Sul, sobre tantas modificações porque sóem passar em casos taes as camadas externas das duas faces das folhas, franja-se-lhes o bordo em aguda serrilha, que, não raras vezes, o recorte mais profundo do parenchyma ouriça, em muitas especies, de longos espinhos. Facil é dahi colher-se que a planta appropriada à existencia do viso dos montes ou dos planaltos, tão sujeitos ao frio do inverno e da periodica irradiação nocturna, deve ter a folhagem revestida de pêllos ou de cotanilho que lhes sirvam de cobertura, caso em que se apresentam algumas especies de Lychnophoras e muitas outras plantas tormentosas das serras e altiplanuras do sertão. Supponha-se agora que é na agua que deve viver o vegetal; — um sem numero de alterações experimenta immediatamente a folha para accommodar-se a este ambiente. Em umas especies, transforma-se ella em cabelladura pseudo-radicular que nutre e mantem o vegetal no meio das aguas; m'outras avoluma-se-lhe o peciolo, alveolando-se o tecido deste e enchendo-se de ar, como boia de fluctuação incumbida de suster os orgãos reproductores à tona d'agua, para que estejam em contacto immediato com o oxygeneo da atmosphera e sob a acção directa da luz do Sol. E este o caso em que se acham algumas Pontederias ou Eichornias, a Trapa natans e outras plantas aquaticas. Os vegetaes armados deste modo pela natureza para a luta pela vida são os Alexandres e os Napoleões do mundo vegetativo; deu-lhes o Creador toda a energia dos conquistadores e não ha cortar-lhes o passo, como o demonstra a Bihorma azurea, a qual sob o nome de dama do lago, na Bahia, e de baroneza, nas Alagõas, ha causado os maiores damnos aos rios do littoral daquellas provincias. A folha transforma-se, não raro, em gavinhas nas plantas sarmentosas» a quem a natureza negou o movimento espiral, de modo que sem elle podem estas plantas erguer-se às maiores alturas e attingir os pontos inac- cessiveis, muitas vezes aos proprios sarmentos voluveis. im conclusão, —a folha presta-se aos mais importantes phenomenos da vida, do vegetal, influenciado mui directa e eficazmente, assim nas tuneções de nutrição, como tambem na florescencia, na fecundação e da são 6 porém, que só serão desenvolvidos nas nen “anno subsequente, em continuação ás que estão condensadas no a v. mi—40 h : o En: 3 EE £ E; no = ECONOMICA, DE MACHADO & €. RUA DE ee (CU) = S d GONCALVES DIAS N. 28. 1 6a 9 COMMISSÃO DE REDACÇÃO a PD mm LISRARY Sudislas Mato Saito ú Dol. , Na 4 o GARDEN QUADRO DO PEsSUAL Museu Nacional do Rio de Janeiro ADMINISTRAÇÃO DIRECTOR GERAL Dr. Ladisláu de Souza Mello e Netto SECRETARIO Dr. João Baptista de Lacerda BIBLIOTHECARIO Manoel da Motta Teixeira AMANUENSE João da Motta Teixeira PRIMEIRA SECÇÃO ANTHROPOLOGIA, ZOOLOGIA GERAL E APPLICADA E PALEONTOLOGIA DIRECTOR Dr. João Joaquim Pizarro” SUB-DIRECTOR Dr. João Baptista de Lacerda PRATICANTE Manoel da Motta Teixeira PREPARADOR Eduardo Teixeira de Siqueira SEGUNDA SECÇÃO BOTANICA GERAL E APPLICADA E PALEONTOLOGIA VEGETAL DIRECTOR Dr. Ladisláu de Souza Mello e Netto SUB-DIRECTOR Dr. Nicolau Joaquim Mureira PRATICANTE João da Motta Teixeira PREPARADOR Vicente Alves Ribeiro TERCEIRA SECÇÃO SCIENCIAS PHYSICAS; MINERALOGIA; GEOLOGIA E PALEONTOLOGIA GERAL DIRECTOR Dr. Orville Adalberto Derby SUB-DIRECTOR PRATICANTES Bacharel Antonio de Souza Mello e Netto Antonio Teixeira da Rocha PREPARADOR Carlos Lepoldo Cesar Burlamaqui NATURALISTAS VIAJANTES Dr. Fritz Muller Domingos Soares Ferreira Penna Carlos Schrener Guilherme Schwacke PORTEIRO Carlos Leopoldo Cesar Burlamaqui CONTINUO Joao Gonçalves Pereira Garcia MEMBROS CORRESPONDENTES DO MUSEU NACIONAL Agard (G. H.) | Glaziou (A. F.) Baillon (Henrique) | Gorceix (Henrique) Barboza du Bocage (J. V.) Hooker (José D.) Barcena (Marianno) | Jobert (Clemente) Beneden (Ed. Van.) Latino Coelho (J. M.) Bentham (Jorge) | Mantegazza (P.) Bom Retiro (Visconde do) | Milne Edwards (Aff.) Bureau (Eduardo) | Milne Edwards (H.) Burmeister (H.) | Morren (Ed.) Candolle (Affonso de) Naudin (Carlos) Coelho d'Almeida (Thomaz J.) Philippe (R. A.) Cordella (A.) | Pissis (A.) Couty (Luiz) | Pringsheim (N.) Darwin (Carlos) Quatrifages (A. de) Daubrée (A.) | Radlkofer (L.) Decaisne (José) Regneli (André) Delpino Reichenbach (L. H. G.) Domeyko (Ignacio) | Reichardt (H. W.) Diniz (Fernando) | Schlegell Eichler (A. W.) | Tulasne (L. R.) Ernst (A.) | Virchow (R.) Exner (Mauricio) | Vulpian Fenzl (Ed.) Ferreira Penna (D. S.) Fries (Th) Warming (Eugenio) Wiesner (J.) Wiener (C.) NECROLOGIA Carlos Frederico Hartt, Director da 3º Secção do Museu Nacional, Chefe da Commis- são Geologica do Brasil e Professor da Universidade de Cornel!, falleceu a 18 de Marco do anno proximo findo (1878,) deixando neste Museu, que se honrava de contal-o entre os seus mais distinctos auxiliares, uma lacuna tanto mais difficilmente preenchivel quanto mais a sentem as saudades deixadas pelas distincções individuaes de quem as sabia alliar na maxima fidalguia do coração aos mais profundos estudos que foram até hoje em- prehendidos sobre a natureza geologica do Brasil, como a respeito das linguas que fal- laram seus aborigenas e da archeologia brasileira. Carlos Frederico Hartt, alguns annos antes apenas iniciado no estadio luminoso dos tabores da sciencia, deixou inconcussos testemunhos de sua activa e fecunda intelligen- cia nos trabalhos a que se havia ultimamente dedicado e cuja maxima parte aguarda a luz da publicidade. Cumpra este sagrado dever o Governo Imperial; empenhe-se n'isso a alta adminis- tração deste paiz que o illustre geologo chamava sua nova patria e que tao de coração idolatrava,que vai n'isso menos o tributo de respeito devido ao sabio que succumbiu em afanoso labor ao servico deste Imperio, do que um encargo emprehendido em beneficio e honra do proprio paiz. Carlos Luiz de Saules Junior,sub-director da mesma secção, a quem em Março de 1878 enlutara a irreparavel perda de Carlos Hartt, sete mezes depois d'aquelle fatal aconteci- mento, immergia tambem nas sombras mysteriosas do sepulchro. Uma coincidencia fatal envolve à existencia destes dous jovens naturalistas. Si um feliz acaso parecia havel-os enlaçado caprichosamente pela identidade de seu nome, pela homogeneidade de seu caracter e de sua florente juvenilidadee finalmente pela semelhança de seu amor á mesma sciencia, uma horrivel coincidencia dessa fatali- dade, que é sempre logica nas angustias da morte como nas trévas da ignorancia, quiz que arrancados fossem ambos à vida, quasia um tempo e sem que tempo houvessemos siquer a prevenirmo-nos de tamanha perda ! Carlos de Saules Junior, falleceu a 11 de Ou- tubro de 1878, contando 28 annos e 4 mezes de edade. EECIDOCTEROS O lJepidoptero, que vamos estudar em todas as phases de sua existencia, tanto sob o ponto de vista anatomico como physiologico, encontra-se desenhado nas obras de Historia Natural de Chenú e Bois Duval e como pertencendo à fa- milia das Heliconidias, genero Helicoma, especie Nareta. Copiando dos specimens que lhes foram offerecidos os caracteres do lepi- doptero, aquelles naturalistas confessam lhes serem desconhecidas a vida do insecto, a natureza da larva e a conformação da chysalidade, esta, aliás, de uma belleza admiravel. Existe, é verdade, a descripção da Heliconia narcea das Antilhas, porém este lepidoptero distancia-se do nosso na grandeza do corpo, na extensão das azas an- teriores, nas fortes nervuras que ellas apresentam, na modificação e disposição das cores e no pontuado branco que se observa na superficie superior das azas posteriores. O mesmo acontece relativamente a Lycorea astergastes de Doubleday. Do que acabamos de dizer deprehende-se facilmente a existencia de dous ve iv—l 2 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL lepidopteros com diversos caracteres, collocados no mesmo grau generico da classificação insectologica, porém não bem determinados em relação à especie. Para remover este inconveniente julgamos satisfactorio o seguinte recurso—Reservar para o lepidoptero das Antilhas o epitheto—narcea— indicando a especie e para o que estudamos o de—aurea — altendendo ao magnifico dourado metallico que apresenta a chrysalida. Em Sciencias Naturaes, como em qualquer outro ramo de conheci- mentos humanos, não somos, nem podemos ser legisladores, e pois, a in- dicação que fazemos sómente terá curso legal quando pelos mestres da sciencia fôr sanccionada. Borboleta O corpo do insecto, comprehendendo o thorax e o abdomen, mede ordinariamente dous centimetros de comprimento. Dizemos ordinariamen- te porque, quando a nutrição da larva é perfeita e abundante, esta toma maior desenvolvimento e por conseguinte mais desenvolvidos se apresentam os corpos da chrysalida e do insecto. A cabeça é coriacea e arredondada; os olhos são simplices, ovaes, par- dacentos e salientes, notando-se entre elles e na parte superior alguns pontos brancos, ordinariamente em numero de quatro. Uma tromba molle, comprida, enrolada em espiral, quando em repouso, bifurcada na extremidade livre, acha-se collocada na parte anterior e in- ferior da cabeça. Essa tromba, modificação das mandibulas, em consequencia das con- dicções de existencia do insecto, compõe-se de dous filetes mais ou me- nos pilosos e unidos em toda a sua extensão e apresenta, em sua base, como se observa em todos os lepidopteros, de um lado uma especie de tuberculo, e de outro um corpo membranoso, vestígios, no pensar dos en- tomologistas, das mandibulas modificadas em sua forma, estructura e dispo- sição. Duas antennas formadas de diversas peças articuadas, engrossando pa- ra as extremidades livres, amarelladas nesses pontos e pretas no restan- te de sua extensão, mais curtas que o corpo do insecto, porém tendo ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 3 o duplo do comprimento da cabeça e do thorax reunidos, servem de orgão do tacto. O thorax, que se compõe do proto-thorax, meso-thorax e meta- thorax, quasi inteiramente confundidos, é escuro e coriaceo e nelle se fixam as patas do insecto, bem como as suas azas. Tanto a cabeça como o thorax são levemente avelludados, sendo este mais do que aquella. O ventre é cylindroide, molle, como que annellado, mais consistente na parte superior (dorso) do que na inferior, sendo aquella pardacenta e esta amarellada, e grossa para a extremidade caudal, afinando para o corselete. No corselete, que tem a forma oval, inserem-se as quatro patas do insecto; as duas dianteiras no meso-thorax, e as duas trazeiras no meta- thorax. As patas são pardas na região femural e escuras ou quasi pretas na tibial e no tarso, sendo este mais extenso do que a região tibial e esta do mesmo modo quanto à coixa ou região femural. Estas patas chamadas—verdadeiras—porque se prestam essencialmente à progressão e sustentação do insecto, são pilosas para as extremidades. Além dessas encontram-se mais duas rudimentares, cobertas de pellos amarellados, formando, por sua posição, uma especie de colleira em volta do pescoço do insecto; são as patas chamadas palatinas, de que falam os na- turalistas e que não servem à progressão. O insecto apresenta quatro azas : duas grandes, anteriores, superiores, ou dianteiras e duas pequenas, posteriores, inferiores ou trazeiras; todas, porém, fixadas no corselete; as anteriores no meso-thorax, as posteriores, no meta- thorax. Estas azas conservam-se perpendiculares e ordinariamente unidas quando o insecto pousa em qualquer objecto. As azas anteriores tem de dous e meio a tres centimetros de exten- são longitudinal e de um e meio a dous no diametro transversal; sua for- ma approxima-se à de um triangulo irregular. O bordo anterior da aza é convexo e fibroso; o posterior anguloso, sendo a linha externa quasi recta e a interna concava; o apice insere-se no corselete. As azas posteriores, inteiramente livres, oferecem uma forma oval, medindo em seu maior diametro dous centimetros folgados e um no sen- tido transversal. A ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL As grandes azas são matisadas da maneira seguinte: a extremidade livre da aza, na extensão de centimetro e meio, é de uma côr escura pardacenta, apresentando em seu terço externo uma lunula branca, a qual, algumas vezes,se mostra bi ou tri-partida. Unida a esse espaço escuro acha-se uma facha larga, transversal, amarella, côr de canario e logo após um largo campo alaranjado, Do ponto de inserção da aza no corselete destaca-se uma listra es- treita, côr de havana, curva, margeando, à distancia de alguns millimetros, o bordo posterior e indo ao angulo que nesse bordo existe. Tres manchas da mesma côr das listras se encontram ainda no es- paço alaranjado; uma perto do bordo anterior da aza e as outras junto à facha amarellada, Face inferior —A face inferior das grandes azas é matisada do mesmo modo que a superior, sômente as cores são desmaiadas, notando-se no lado externo da lunula tres pequenos pontos esbranquiçados. As pequenas azas apresentam o colorido no sentido de seu maior diametro; assim temos, principiando do bordo anterior da face superior, uma superficie de côr amarella palha que corresponde ao bordo posterior da grande aza; uma linha estreita de côr parda clara; uma facha amarella, côr de canario; uma listra côr de café, com o bordo inferior recortado; uma outra faixa amarela alaranjada e tambem recortada, finalmente uma fita curva e côr de café, margeando o bordo posterior da aza. A face inferior differencia-se da superior por ser mais limitada ou antes estreita a superficie côr de palha do bordo anterior; por apresentar no bordo posterior doze pontos brancos, e por serem as cores mais des- maiadas. Nos dous primeiros dias de sua existencia as faixas centraes e amarelas côr de camnario que se observam nas pequenas azas são com- pletamente transparentes, tornando-se carregadas na côr pela idade do le- pidoptero. A borboleta que acabamos de descrever, vôa rasteira e em compa- nhia de suas congeneres, não doudeja no esvoaçar, e apraz-se em procu- rar O alimento, das 10 horas da manhã ás tres da tarde, quando o dia é claro e o sol brilhante. Dorme em communidade e para isso escolhe um arbusto esgalhado e pouco provido de folhas e ahi passa a noite conjunctamente com as suas companheiras; não deixando de ser interessante ver, à noitinha, o arbusto - ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL D apresentar em seus galhos numerosas borboletas suspensas pelas patas e com-as azas unidas e pendidas para a terra. O individuo masculino é algumas vezes maior que o feminino; a copula se faz sobre as folhas dos vegetaes, permanecendo por largo tem- po deitadas de lado as borboletas e começando este acto da fecundação por negaças feitas pelo individuo-femea, o qual, por seus variados e aereos volteios, parece querer esquivar-se às solicitações amorosas do macho, Apenas fecundada, a borboleta trata de verificar a postura, o que tem lugar duas vezes annualmente, em Junho e Dezembro. Levado pelo instincto de conservação da prole, o lepidoptero reune todos os meios favoraveis ao desenvolvimento de seus filhos. Assim é que prefere aninhar-se nos vegetaes, cujas folhas devem servir de alimento às larvas, depondo os ovulos na pagina superior e perto do bordo da folha, afim de que a evolução ovular se faça sob a necessaria influencia dos raios solares e as larvas, apenas nascidas, possam passar com facilida- de para a pagina inferior, ficando por este modo a coberto dos ardo- res do sol e das chuvas copiosas que lhes seriam prejudiciaes. Durante a postura, a borboleta fica indifferente a tudo, de modo a deixar-se facilmente apanhar. Firmando as suas quatros patas sobre a folha e nas proximidades dos bordos desta, tendo as azas perpendiculares e unidas, o corpo um pouco ar- queado, tocando o limbo da folha por sua extremidade anal, a borbo- leta depõe, um a um, equidistantes e em linhas diversas, numerosos ovos tão pequenos como as cabeças de alfinetes de pregar lenços de senhoras. Os ovos são brancos, perfeitamente redondos, tornando-se de mais em mais ellipticos, acinzentados, e maiores, à medida que se aproxima a epo- ca do nascimento das larvas, as quaes levam. pouco mais ou menos oito dias a gerarem-se e isto segundo as influencias climatericas. A borboleta verifica a postura por diversas vezes e em diferentes folhas do vegetal preferido. Não nos foi permittido reconhecer o facto de morrer o insecto ape- nas cumprida a funeção da reproducção, verificamos porém, muitas ve- zes, tanto com a heliconia como com o attacus, que o individuo macho, preso convenientemente a um fio de linho e exposto, não attrahe a fe- mea, entretanto que invertidos os papeis, encontra-se dentro de maior ou menor espaço de tempo o macho em cohabitação com a prisioneira. É mais uma prova da lei natural que rege todos os seres vivos. Ao v.iv— 2 6 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sexo feminino pertence a passividade, influindo apenas pelas formas es- beltas; ao sexo masculino a actividade solicitadora. O primeiro é uma praça sitiada que se defende; o segundo o sitia- dor que emprega todos os recursos para fazel-a render-se. Larva Ao nascer, a larva tem de 1/2 a 1 millimetro de comprimento e 2 centimetros quando attinge sua completa evolução. Neste ultimo caso o corpo da larva é alongado e composto de am- neis em numero de 12, arredondados, menos na parte inferior, onde se inserem as patas do animal; 6 verdadeiras, escamosas e armadas de pe- quenas garras e fixando-se nos tres primeiros anneis; e 10, membranosas, chamadas intermediarias, inermes, servindo tambem à progressão da larva e destacando-se do 6º, 7º, 8º, 9º, e 12º anneis abdominaes. O corpo da larva, em geral, é mais ou menos brando e flexivel, con- forme a idade e apresenta lateralmente oito prolongamentos esbranquiça- dos, ponteagudos, macios e de 2 a 3 millimetros de extensão. Na base desses prolongamentos notam-se os estigmas por meio dos quaes se opéra a funeção respiratoria do animal. Apenas nascida, a larva tem uma côr cinzenta escura, que mais tarde passa ao cinzento claro, depois ao verde garrafa, ao amarelo esverdinhado, amarello claro e finalmente ao amarello côr de canario ou levemente alaranjado. Duas linhas de côr branca acinzentada estendem-se, longitudinalmente» pelo dorso do animal. Convém notar que estas diversas mutações de cores coincidem com as differentes idades do individuo. A cabeça da larva é de grandeza regular e um pouco coriacea. Os olhos são quasi ovaes, simplices, pretos, luzidios e collocados de modo a deixarem entre si um espaço livre de forma triangular, simulando uma especie de fronte. O completo desenvolvimento do animal leva de 15 a 20 dias, se- gundo a estação, sendo mais precoce a evolução quando as larvas se acham livres, do que quando se as cultiva no estado domestico; a grande- za porém é sempre a mesma, como por muitas vezes verificamos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1 As larvas, em quanto pequenas, vivem em grupos, distanciando-se po- rém umas das outras nas epocas das metamorphoses. Os caracões e aranhas fazem das larvas um excellente repasto, devo- rando-as em grande quantidade. Como todas as suas congeneres, as larvas alimentam-se do limbo das folhas, atacando-as pelo dorso. Comem desmesuradamente, sendo as dejecções abundantes, de cheiro es- pecial, porém supportavel, e constituídas por pequenas granulações escuras e de mediana consistencia. As larvas creadas em casa reclamam ar e brando calor; à falta do primeiro elemento succumbem, à do segundo ficam entorpecidas. A larva que estudamos não forma casulo, nem fornece fio sedoso, além do necessario para suspender-se na epoca de sua transformação em chrysalida. Ao aproximar-se a época da metamorphose a larva deixa de co- mer e procurando um ponto de apoio na pagina inferior da folha da planta de que se alimenta ou no alto da gaiola onde se acha encerra- da, tece um pequeno fasciculo de fios sedosos, prende com elle a cauda ao ponto escolhido para fixar-se e recurvando-se de modo a unir à cauda a cabeça, adormece, produzindo de quando em vez e durante o estado de somnolencia certos estremecimentos indicativos da metamorphose que come- ça a verificar-se. Sustentam alguns entomologistas que as borboletas formam-se de to- das as suas peças no interior da larva e Olivier chegou a destacar a pelle de larvas, immergidas em alcool, dous dias antes da transformação em chrysalida, e dentro daquellas encontrou borboletas completamente de- senvolvidas e d'ahi surgiu a opinião do distincto naturalista—não haver verdadeira metamorphose na passagem da larva ao estado de nympha. Partilhamos a idéa de Olivier; procurando conhecer até que ponto era ella exacta praticamos algumas dissecções, nas quaes, apezar de nosso pouco geito, reconhecemos alguns orgãos do futuro lepidoptero, como fos- sem a cabeça, a tromba, os olhos, etc. Depois de 48 horas decorridas em uma especie de invernação, a larva deixa pender o corpo, ficando este apenas preso pela extremidade caudal. Pendente e de cabeca para baixo conserva-se a larva pouco mais ou menos 24 horas, findas as quaes a pelle rasga-se pelo dorso, desprega-se e cahe, levando comsigo a cabeça da larva e outros appendices, patenteando-se então a 8 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nympha ou chrysalida, essa especie de berço em que deve permanecer oc- culta a borboleta até que seus orgãos se aperfeiçõem e tornem apto o insecto a viver no ambiente para o qual o destina a natureza. A posição que a larva toma nos ultimos momentos de sua existen- cia denuncia uma força muscular extraordinaria. Sem apoiar, mas tambem não negando as asserções de Lyonnet emitti- das a respeito do—cossus lgmiperda, o que asseveramos é que a larva, ob- jecto de nosso estudo, apezar de pequena e fragil, fixada pela cauda, sus- tentou pezos maiores de tres oitavas, sem que seus musculos se rompes- sem ou o animal se despegasse. Nympha ou chrysalida Ao romper-se e destacando-se a pelle da larva, a chrysalida mostra-se sob a forma de um triangulo irregular, com 2 centimetros de compri- mento e de uma côr de óca desmaiada. A parte da chrysalida que corresponde ao dorso do insecto é ao principio ligeiramente concava, tornando-se depois convexa, arredondada e annelada ao aproximar-se da cauda. | A parte opposta à dorsal é excessivamente convexa. Na cabeça da chrysalida notam-se dous pontos salientes e escuros, indicando a posição dos olhos do lepidoptero; em baixo uma saliencia correspondente à tromba e lateralmente, partindo do thorax para o abdo- men, uma superficie triangular, sensivelmente margeada, desenhando o es- paço occupado pelas azas. Diversas linhas de côr parda cortam em diversos sentidos a super- ficie do que chamamos cabeça da chrysalida e lateralmente e no dorso linhas de pontos da mesma côr se estendem no sentido longitudinal. Nos primeiros momentos o corpo da chrysalida é molle e glutino- so, em poucas horas porém se endurece, tomando um aspecto vidrado e transparente e offerecendo consistencia regular. Emquanto este estado não se verifica notam-se contracções nos anneis que constituem a parte ab- dominal, parecendo ter por fim conchegal-os o mais possivel, A chrysalida é, durante a estada da borboleta em seu interior, sensivel a qualquer impressão; basta pegal-a para que entre em movimento toda a parte annelada que a constitue. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 9 Por nove dias, espaço de tempo menor do que requer o estado de larva, permanece suspensa a chrysalida, rompendo-se por fim o involucro pela parte anterior e dando sahida a um completo lepidoptero, o qual, apenas enxutas as azas, começa a esvoaçar adejando de flôr em fiór. E no estado de chrysalida que se verifica o curiosissimo phenomeno que nos levou a fazer estas observações. Como já dissemos, a chrysalida, ao despontar, apresenta uma côr de óca desmaiada; pois bem, dentro de 24% horas ella toma um brilho me- tallico tão completo que simula um objecto de ouro sahido de alguma ourivesaria. O fulgurante dourado da chrysalida permanece por alguns dias, sendo depois substituido por um aspecto purpurino, vidrado, o qual refractando a luz apresenta todas as côres do spectro solar. No dia em que a chrysalida tem de romper-se para dar sahida ao insecto, aquella perde o brilhantismo, torna-se transparente, deixando vêr as côres caracteristicas do lepidoptero. “A que será devido o dourado que caracterisa a chrysalida que estu- damos ? A's côres das azas do insecto ou do involuero que o encerra ? Nenhum destes agentes póde ser invocado para explicar o facto. As córes de que se matiza a borboleta, vistas atravéz de um corpo branco, transparente e vidrado não são elementos apropriados a obter-se aquelle effeito como cabalmente o demonstra o que se observa no ultimo dia da existencia da chrysalida, e, pois, o dourado não depende nem do invo- lucro, que é completamente transparente, nem das côres do lepidoptero ; resulta, porém, da presença de uma substancia unctuosa aperolada e refle- clidora que reveste, em delgada camada, a superficie interna do involucro. Esta substancia muda de aspecto com o desenvolvimento do insecto : desapparece completamente nas vesperas do rompimento da chrysalida ; decompõe-se exposta ao ar, putrifica-se pela morte da borboleta dentro do imvolucro, conseryando-se todavia no alcool enfraquecido ou no collodion. Uma outra indagação não menos digna de interesse seria a de reco- nhecer o papel que representam, relativamente ao typo caracteristico da chrysalida, as duas plantas que servem de alimento à larva e que per- tencem à familia das Solanaceas, uma ao genero solanum, e outra ao ey- phomandra de Martius. Nem todas as solanaceas podem prestar-se à nutrição da larva, como + verificamos fornecendo ao animal folhas do solanum lycopersicum, do ces- ve IV—3 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL trum nocturnum, da datura fastuosa, do solanum arrebenta e de uma asclepia- dacea — asclepias curassavica. Todas as tentativas que fizemos neste sen- tido foram infructuosas; a larva succumbia sempre. Entretanto, cousa notavel, no logar de nossa residencia, cercada de matas em nossa infancia, abundando o insecto, jámais encontramos a chrysalida com o typo das que obtivemos depois que começamos a cul- tivar aquellas solanaceas. Dar-se-ha porventura que a larva nutrindo-se de uma outra planta, a chrysalida se modifique em seus caracteres ? Não seria muito desarrasoado aceitar esta hypothese à vista dos co- nhecimentos adquiridos sobre a influencia que exercem, na morpholo- gia, as diversas condições de existencia em que se acham os animaes e os vegetaes. Entretanto, não fazemos nossa tarefa sustentar tal idéa, apenas a for- mulamos, atirando-a no tapete da discussão. Ninguem que tenha observado a larva que se nutre do solanum arre- benta e tanto a nympha como a borboleta della procedentes, jámais po- derá confundil-as com as que descrevemos neste momento. A larva do solanum arrebenta, em seu perfeito estado de desenvolvi- mento,tem a cabeça pardacenta, o corpo ceruleo com diversas listras circu- lares e amareladas. A chrysalida é prateada, apresentando listras transversaes amarellas e duas de côr preta longitudinaes. A borboleta tem as antennas amarelladas, os olhos pardos, e as cores —amarella côr de canario,—amarella alaranjada e preta, que matisam as azas, se acham dispostas de um modo todo especial. O Sr. Dr. Frederico Muller, distincto naturalista viajante do Museu Nacional, residente, ha muitos annos, na provincia de Santa vatharina e cu- jos trabalhos sobre Historia Natural são conhecidos e apreciados no mundo sclentifico europeu, abrilhantando alguns delles as paginas da Revista do Museu Naconal, em resposta a uma consulta que lhe dirigira o Sr. Director Geral Dr. Ladislau Netto, limitou-se ao seguinte:——« Conheço as larvas « e chrysalidas da Mechamites Lysimnia, que costumam ser frequentes « em varias especies de solanum de folhas espinhosas. « As chrysalidas merecem este nome mais do que qualquer outra « borboleta porque são verdadeiros brincos de ouro. Tambem as larvas « da Ilhomia e da Dircenna vivem em plantas da mesma familia (sola- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 44: « num, cestrum) em quanto as da Thyridia se encontram nas folhas de « uma Franciscea. « Uma larva muito semelhante à «la Mechanites Lysimnia acha-se « figurada em Boisduval, —Species Generale des Lepidopteres—planche IV, fi- « gura 9, sob o nome de Nerias Euterpe. » As considerações que nos suggerem as palavras do autorisado natu- ralista são as seguintes: 1º O lepidoptero que descrevemos não vive sobre solanaceas espinhosas; quer o solanum semi-arboreo, quer a cyphomandra de cujos parenchymas foliaceos se alimenta a larva são completamente imermes. r 2º A larva da Nerias Euterpe é espinhosa e alaranjada, sendo a chry- salida esverdeada, pontuada e de configuração especial e dissemelhante à da Heliconia aurea, como se vê nos desenhos da estampa IV do Tractado dos Insectos, por Boisduval. 3º Os lepidopteros que se aproximam ao descripto nesta memoria, são a—lleliconea Dacta e a Eresia Eumca, ambas pertencentes às Heliconidias, porém differenciando-se da Heliconia aurea pela disposição das cores que ma- tisam as azas e deficiencia na Eresia, de pontos brancos nos bordos arre- dondados das azas superiores. 4 Em todo o caso, a monographia do lepidoptero, considerado quer physiologicamente quer em relação a seus usos e costumes, achava-se ainda por fazer, tão completa e acentuada como a apresentamos. O processo que seguimos para a classificação do insecto foi simples e seguro, levando-nos directamente ao genero—lleliconia. Considerando as horas do dia em que esvoaçam as borboletas, esta- belecemos 3 grandes turmas—diurnas, crepusculares e nocturnas, e se não dei- xam de ter algum cabimento os reparos feitos por entomologistas de no. ta sobre essa classificação, todavia convém aceital-a para facilidade do es- tudo. Ora, a borboleta esvoaçando, como já o dissemos, das 10 horas da manhã às 3 da tarde, pertence à grande turma das diurnas, que corres- ponde ao genero—Papilio—creado por Linneu, admittido por seus discipu- lose subdividido por Latreille em duas tribus—Papilionidias, caracterisadas por conservarem as azas perpendiculares durante o repouso e—lesperidias, que conservam, ao menos, as azas inferiores horisontaes. Ainda no genero—Papilio—pode-se admittir duas divisões em relação 12 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ao numero de patas que apresenta o insecto; assim é que as borboletas podem ser hexapodas, isto €, possuir tres pares de patas, ou tetrapodas, apre- sentando unicamente quatro patas bem visiveis e servindo a locomoção e duas em estado rudimentario. Na tribu das Papilionidias nós encontramos os seguintes principaes sub- generos —Papilionides, propriamente ditas; Parnassus (Latr); Dorites (Fabr); Pieris (Franck); Pavoma(Latr); Polymmatus (Latr); Satines (Latr); Vanessa (Fabr); Mor- phos (Fabr); Nymphalis (Linneu); Heliconia (Latr); Colias(Fabr ); Danades (Franck); Arqumnis( Fabr). A tribu das Hesperidias encerra apenas dous generos—Hesperis e Ura- ma. Além de diurna, como se vê da descripção, a borboleta é tetrapoda, pertencendo à tribu das Papiltonidias pelo modo de conservar as azas, quan- do em repouso. Para conhecermos o genero a que pertencia o lepidoptero, procurâmos examinar o caracter essencial da chrysalida, unico meio que modernamen- te se aconselha como capaz de restringir o immenso campo em que se acham esparsos os numerosos generos das Papilionidias e Hesperidias. Segundo a maneira por que se acham fixadas as chrysalidas, podem ser classificados os lepidopteros em tres secções : 1º Lepidoptero, cujas chrysalidas, se fixam pela cauda por meio de um fasciculo de fios sedosos. 2º Lepidopteros, cujas chrysalidas além de fixadas pela cauda, um fio sedoso as mantém suspensas horisontalmente. 3” Lepidopteros, cujas larvas para se transformarem em chrysalidas in- volvem-se em folhas de arvores ou tecem casulos sedosos. A's chrysalidas da primeira secção—suspensas—pertencem as Libytheydias Brassolidias, Nymphalidias, Satyridias, Danaidias, Morphidias, Biblidias e Helico- nidias; as da segunda secção —succintas—aos generos Papilio, Pierides, Eume- nides,Lycenides, Peridronides etc;as da terceira secção —envolvidas—as Hesperides e Uranias. Suspendendo-se a chrysalida do nosso lepidoptero unicamente pela cau- da, pertencia sem duvida alguma à secção das suspensas. Ora, dos sete generos pertencentes a esta secção, exceptuando a Liby- theydes por ser hexapoda; a Nymphalides por ter na aza posterior a cellula discoidal, e o bordo interno cavado para adaptar-se ao abdomen; a Brassolides cujas larvas vivem em communidade e involvidas em um tecido compa- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 6 cto, donde sahem apenas à noite; a Satyrides, possuindo azas denteadas e com especies de olhos tanto nas inferiores como nas superiores; as Danaides, por sua corpulencia; a Morphides, por sua pequenez e azas denteadas, e finalmente a Biblides pela conformação ponteaguda da cabeça; somente nos ficava a Helico- nia, genero cujos caracteres se achavam impressos em nosso lepidoptero. Nicorau MoRrEIRA. velv—4 VR Er > ALGUMAS PALAVRAS a DA LINGUA DOS ARUANS POR DOMINGOS SOARES FERREIRA PENNA Membro correspondente e Naturalista Viajante do Museu Nacional Em 1877 tive noticia de que no districto de Chaves, Ilha de Marajó, ainda existia um velho Aruan, de nome Anselmo José. Instigado pelo de- sejo de vêr este homem, — unico representante vivo da formosa e hoje extincta nação dos Aruans, —e de obter delle, si aimda fosse possivel, um vocabulario da lingua dos seus antepassados, fui duas vezes procural-o n'aquella ilha. A primeira viagem foi mal succedida; mas, na segunda, graças à obsequiosa intervenção dos meus amigos M. C. de Almeida e Ferreira, con- segui encontral-o na povoação do Afuá, onde já me esperava. Posta á minha disposição uma casa que estes meus honrados e bons amigos tinham alli desoccupada, nella compareceu o velho Anselmo. Con- versamos um pouco; depois começámos a nossa tarefa para a qual mos- trava elle a melhor disposição. Por uma lista de palavras d'antemão escolhidas e registradas em uma caderneta, fazia-lhe eu as perguntas em portuguez e escrevia em seguida as suas respostas em Aruan. Anselmo respondia, ora promptamente, ora com mais ou menos de- mora; muitas vezes, porém, depois de um vivo esforço, em que sua boa 16 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vontade de acertar com a palavra entrava em lucta com a fraqueza de sua memoria, exclamava: « Hê!... Já esqueci!... » O calor era fortissimo, e o bom Anselmo, lavado de suor, mostra- va-se contrariado por não satisfazer à muitas das minhas perguntas; mas eu que tinha o maior interesse em não fatigal-o e dispunha de um praso de 30 horas, no Afuá, — dizia-lhe que fosse descansar em casa e vol- tasse à tarde ou na manhã seguinte, e elle assim fazia. A despeito da boa vontade do respondente, não pude colleccionar si- não 224 palavras e phrases, e isso mesmo com grande difliculdade, por estar Anselmo, além de bastante velho, muito esquecido da sua lingua, «ua qual, disse-me elle pezaroso, ha muitos annos não tenho tido com quem fallar. » Eu não havia recuado diante das despezas das duas viagens à vapor que tive de fazer e nem faltou-me paciencia bastante para alcançar o que queria. Em presença das circumstancias mencionadas, o resultado destas diligencias não foi, nem podia ser tão satisfactorio como eu esperava ; mas nem por isso deixa elle de ter, si não me engano, um merecimento relativo, sobretudo si nos recordarmos de que não existe vocabulario algum nem bom nem mão, da lingua dos Aruans (1). A” colleeção das 200 palavras e phrases que obtive dou o nome de lista, por não merecer o titulo de vocabulario de que tanto, aliás, se tem abusado. Emquanto interrogava à Anselmo e aguardava suas respostas, às ve- zes muito lentas, eu ia tomando de memoria algumas notas sobre a sua pessoa. E homem de 75 annos, segundo parece; estatura um pouco inferior à mediana, corpo proporcional à altura; cabello corrido, ainda quasi todo preto, barba pouca, feita de poucos dias e toda branca; cabeça approxi- mando-se ao typo pyramidal, testa pequena e inclinando-se para traz, arcadas superciliares grossas e salientes, rosto oblongo e maçãs não sa- lientes, olhos horizontaes e medianos, nariz arqueado, quasi aquilino, com azas largas, orelhas largas, bocca regular, queixo curto ou retrahido; côr cupreo-bronzeada, mas desbotada pela edade e um tanto baça ou pallida, (1) D'uma carta do Provincial dos Frades Franciscanos do Pará, dirigida ao rei João V consta que um dos principaes Monges desta ordem formára, ha 200 annos, um vocabulario da lingua dos Aruans dos quaes elles eram Missionarios , mas este documento que nunca se imprimio póde-se contar como perdido, pois não se sabe mesmo qual o lugar ou archivo em que se possa procural-o. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 17 — accidente que é devido às febres intermiltentes, e que se manifesta ordinariamente no Pará, em homens de todas as raças, accommettidos por-essa molestia. Anselmo anda sempre descalço, apoiando-se em uma pequena vara ; veste-se do modo o mais simples possivel (camisa e calça); é casado e tem filhos. Não sabe ler nem escrever; e sua capacidade intellectual parece muito limitada. Não obstante esta ultima circumstancia individual, como em Marajó não ha medicos, Anselmo é o Doutor e sobretudo o Parteiro, a quem recor- rem as familias analphabeticas que precisam de seus soccorros; mas, além de não receber dinheiro de ninguem, as suas prescripções therapeuticas são extremamente simples; ellas consistem na applicação de algumas her- vas imnnocentes, e sobretudo em benzer os doentes e o ventre das partu- rientes, recitando o Doutor ao mesmo tempo uma oração em giria aruan que o paciente não entende e que, por isso mesmo, lhe inspira uma confiança e fé a toda a prova. O aspecto vulgar do velho Anselmo e seu caracter moral não con- dizem com a figura imponente e orgulhosa altivez do antigo Cariba do Orenoco, isto é, das provincias Orientaes e Austraes de Venezuella; mas esta diferença nada significa, pois que—além de não ser possivel julgar de um povo ou nação por um só dos seus membros; — principalmente quando este se approxima à decrepitude, —ninguem ignora as profundas modificações porque têm passado os povos americanos desde que se acha- ram em contacto forçado com os conquistadores europeus, que nada mais e nada menos fizeram do que enxertar-lhes os vicios que traziam de so- bejo, em troco da liberdade de que os privaram. Não devo entrar aqui nos dominios da Historia, e, pois, terminarei esta parte, com a seguinte observação que a justiça e a verdade exigem : Si todos os missionarios do Caroni e do Orenoco asseveraram à Hum- boldt que os Caribas eram, talvez, os menos anthropophagos de todos os povos do novo-continente, — os Aruans, que eu insisto em considerar como um velho ramo daquella mesma raça, estavam, quanto a este ponto, na escala das relações ethnicas, em um grão superior e muito mais lison- geiro para a civilisação : nunca se mancharam com o repugnante vicio da anthropophagia.—Nem na historia, nem nas tradicções do Pará e Ma- V. Iv—5 18 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL rajó acho um facto ou mesmo uma noticia acceitavel de que elles jámais a praticassem. Volto ao meu assumpto. Notas sobre a pronunciação Na persuasão de que o conhecimento da pronuncia das palavras desta lingua possa ser de utilidade na investigação de sua origem, exhibo em seguida algumas notas que tomei, baseadas nas flexões e sons taes como os ouvi da bocca de Anselmo, embora às vezes sahissem com al- guma variação ou incoherencia — muito desculpavel em um velho indi- gena que ha longos annos não conversa em sua lingua, nem mesmo com sua mulher e filhos que só sabem fallar o portuguez e um pouco da lingua geral. Não sendo possivel exprimir com o auxilio só do nosso alphabeto certos sons aruanicos que não têm equivalentes em portuguez, para sup. prir esta falta faço uso do wu allemão e do diphthongo francez éêu, com o som que lhes é particular, e do « latino com o som especial do o al- lemão; e para não se confundir o som do nosso diphthongo eu com O dos francezes, só este terá o accento circumflexo. Quanto aos outros caracteres alphabeticos ha a observar o seguinte : c— é sempre substituindo pelo k antes da vogal w, —tanto no fim como no meio e no principio das palavras. ch e sôóam do mesmo modo como na palavra portugueza xarope. e—no fim das palavras, é mudo, e no meio dellas é quasi insen- sivel. e—y— fôrma um diphthongo que será longo quando tiver accento circumflexo; em caso contrario será semi-longo. A palavra dissylaba huêyey, que sigmfica Mocoim (pequeno insecto), é um exemplo para os dous casos. h— é sempre aspirado no começo das palavras, mas no meio dellas, quando precedido duma vogal, dilata o som desta e não é aspirado. j—tem o som guttural como no hespanhol. k—substitue sempre a lettra —q —e tambem ao c antes da vogal —u, — e accidentalmente antes de a, o. |—sôa quasi sempre como »l reunidos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 19 nh-— sôa como em portuguez. o, é— soam como na palavra portugueza coróa, quando pronunciada rapidamente (c'rõa). p— (vid. Prefixa, no final). r—tem ordinariamente o som forte ou de r dobrado, mesmo entre as vogaes. (Vai isto notado nas principaes palavras). s— sôa como em portuguez. y — é sempre breve. Accentos e syllabas Para representar com clareza as flexões das palavras, eu emprego, não só os dous accentos mais usados, mas tambem o grave ow inclinado. f: O accento agudo é sempre sobre-posto à syllaba dominante, sendo as outras breves ou semi-longas ; semi-longas serão as que tiverem accento grave ou circumflexo. Quando a palavra não tiver accento agudo, a syllaba dominante será aquella em que se achar o wu allemão ou um diphtongo. As syllabas terminaes, em cuja vogal não ha accento, são sempre breves. Prefixa Todas as palavras que exprimem qualquer parte do corpo humano e muitas das que designam certos ornatos e mesmo alguns utensílios ou instrumentos, são caracterisadas pela particula prefixa—pe, —a qual tem um som especial que não se pôde emittir sinão fazendo brandamente re- bentar, por assim dizer, dos labios fechados uma bolha ou jacto de ar. Este jacto será a prefixa—pe. E, como a sua vogal é essencialmente muda, eu a represento por uma apostrophe nas palavras em que depois d'ella seguir-se uma consoante, como em pepantan que eu escrevo p'pan- tan. Em contrario, isto é, seguindo-lhe uma vogal, a da prefixa será conservada, ficando ambas ligadas por um hyphen, como por exemplo, na palavra pe-ayndu. Advertencia. — Para facilitar a leitura das palavras e a collocação dos seus accentos, os nomes em aruan, na lista seguinte, principiam sempre por lettra pequena. ; Belém 1879, Maio 8. D. S. Ferreira Penna. Lista de algumas palavras da lingua dos Aruans, colhidas da bocea do ultimo representante desta tribu extincta q [4 Nomes em portuguez Amcon(demflecha)Sststareroo po joia fotoa fo Fafe tofa too! foi fo efe fo oPa Ro oa Nau (einen ba condo cegas dade DODR E Da ES fa dio ADO! o ioio alelo e oro SS dd COD sussa OR Eno BeDidarsersfotasisforato cratora;s! Croroolafero/olofolo (ei ar creio Siena S io o Bejui(derfarinha) sms ofstecre o obra person te oyo aale roi À Cachimbo... derrote a RES boi EF ooo fofo to) oroR tata SS os ato Chapeo. sec cs. rio o ars nao en araro lose rio toa po eras avo CobertaloustelhadO;. enero o se fotójalo soe alba ol cisto Lo oro iara Soro Conosco nor cr ars nora oc e ne co nano sr on o 00 04 4 ERADos E gas masa pa Bas CO A DIDI A a Monitanias(canda pequenas cd. o. japao oisreparo aro axotoça io foroio o Baneiron(paramifarinhal cer code cotado jo cre) lote ato fote ao no o jo Panella ecra so o O OU dna os ans an a o. q nc 00 Botel (paramagua; farinha ele. )E Sai soa eperoto sletes bia to BoteBerandes srta e sto jorave orais to sqoko crer RE ari if bo afecto eis Ea to orehosio at credora Po nalo Laje ra So oa PAES ASS A eai SO areas Redel(delpescar) las ele jo aroLotolatoio eFoneto feaio! | ronepafa fel sofolo Redel(deidormini o ejsta ereto oieee seia foralto fes ore toco ora to é Salg esse aro eletro CONGO NDA EDS DO CE ADO ESTE Macaca (ls arrasta certa ms dns Ram parided po tertajste ester el. axoloto fo olarero eso jojoo DO DO DO MORE Abu Pro AZ PEA A Nomes em aruan malày ôrapay ” p'teparméane (e mudo) camucáua totóre (e mudo) eytána yçahale pkyaávra p'chyróla p'camissa nôroáany (1 forte) s0o fayny (a aberto) p'çapeua púdy sapanâna, ou sapanâno p'kúpiún lápu (Lêde rlápo) kuake p'puditeou p'pópudite p'tepare (e mudo) tepáuctekúy ou tepectekúy nóroândey (x forte) alamáy môto chyrridya p'partân pe-uiisse dykiche dykixe reáte calay totóre mamete ou yuáte mamike ” p'ducanúku p'púye duny ucatáca dykiche yuady catamare (y forte) (Le 2) Tacacá e Tucupi são' productos extrahidos da mandióca e muito apreciados no Pará: o 1º. é simplesmente 'a gomma'; o 20. é o sutco da mandioca que, depois de passar por uma decoe- ção; perde 'a parte toxica' quê contém e converte-se em um molho agradavel a que se ajunta quasi sempre a piménta pára tornal-o picante e mais digestivo. Este molho é applicado ao Ta- catã" ou' gomma'e' a" outrás substâncias alimentícias como á carne: e sobretudo ao peixe. ve iv— 6 ly RO) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Nomes em portuguez Nomes em aruan Tanga (1) pequeno artefacto de argilla fina destinado a encobrir o distinctivo sexual feminino.............. babale ou babal BULA, core jo fofo aja o fo io forno fe aka ta te oo o foio vao e Tarefa CASS dSabooe uny DEUS oo E eo TSçA RS EAR e E REP RRD RIRTE Re A AR amade (DEh dit EPE LEY) Pe Ned A Ra REDE PE EAR de gp uyruma (r forte) EOPO Sessorere aro qafo SDLODDO ADSB DOGS BAGA COCn Co DUO dade dissy Elba or rear otoratoraistovo iodo ore ara a oo E fofo oe NOTA OBD IadGRar canukudey SO aa B a ASA OS SRD RA CARO SR SSIS AA ae heriyan Do adbrgasDe fofas jofo favo notado fe taie Ro foatato [eta o eleja to of tete to o torkupc EO a A As EGO Os SOR SO RR ADO ME Os torkipe ryáte » DR pote raro SSDOGIDND005DO SOD0DÓD 5550565006 uny batéure (7 forte) » PEQUONO a as tao ee aintejo fo oo ro atorio [ola jo soe aan ore Fava lo orkiipedey » WD | Boocanso dB SODA BOB SISCETAGOBDAS uny madekikedey ME Ro tea jeteia Tra e e Verte rela loia o E na die a a SS semirle ou symirle (x forte) Marajó (ilha)....... ER E CRT RR RR analáu ychyrhaku Pedras eee jato pior retete nen ore fere o stato Elo ola do SRA ls e hiiua Merrajoibatro ideilouça!-. sjereo refereseieroro oo orais ro ata alas pôro (r forte) d; NM esora E (o Pp a e a/STe loja tele toLo (oie la (ore or a elo t ae Dao háyu » (ojde)rr- cp nteisrela creio e ota nato re o, Grito (efS feio aee! Daio heráyun (7 brando) AUT] SA So fere deja tino ioro Tolosa ES fo fofo Ro fooo ns o foT oO fo EAST TS Poe siny AV ORO rs ro sjojafatoss cpojo fado Po hoje to foro tolo Foo Ten rafa To pda do P(A oo adamána heurkcele Cacana srs aisoLa fo ie te tejo S9050600 DONS ESC OBS AA E yuára poro (r forte) CEU SS ASSADAS NICE SGA ADD TOCADO uiúiua CGapimiouheryas =. re eteiaroioio OSADO SON GR Sor QUE mának Rolhas cito teto toro ateio sSaG ob Aco Bo DC Do rare feno GOA GN Cie E adamaâna ELUCLAS EI Pero [Mo foa ato fo Pel Rot Ro STO Reto SoUnOob Haas Duoae adamaneuco (ro Taba a. a eras rs ojojota jo oo las opor ralo foto ro soa eU So ei fee sora tes RS RE Voa comache LEENIEL poado soc DolaNdas AS 9d FSB Dao LADDLOB 0 Oda naráya (7 brando) Mandiocal o sastej 'otafatojojaro o teterotala ofolaie to foge to Son dBba Odd cayty MUDA GUIAS fora ota fo fo foge oy fe rota To afora eta f=too Te sofa voto fo fee ego fera cafato madahále Etr scans as Sos Bando TASSO MOS LO BO canúku Bauiou unadeira- = perito ctajojo fejero Loja o oposto roj= leo (ai ala foro adamiúuna TALCO MTO scr Saondoa doados davoBno Sao sa dno E yameketeuco INV a sooqoas sb Da DDS DDA Bros Bocas ssLosnan Sado ma Borboletas: -setejejai-tojatofo fofo tato Lotofolo SODA ADE NAS IdbaDO QUE tupiupo (CAE OSS.45 OND eoBas SnponDas oca ds dowanado mãykun COMES Ao 300 doeL oe nbs Dada dds oba asda nuade funhile poison sono DON soBo mao do od auLAdoDOGBDo E kutyey Dane UCHU CAD rate fotalnfo Re iotataha aforoto ofelata fo alo fo ratofo af oo fera efe ra kumatú SENgonsaTBSa os OCA TOVALOUBOGaMDace cs nosúacaE uarábo (»º brando) (1) Desenhando no chão com um giz e perguntando a Anselmo como se chamava na lingua Aruan este artefacto usado pelas mulheres, respondeu-me promptamente: « E" Babúle ». O pro- fessor Hartt, cujo passamento foi tão lamentado por todo o mundo scientifico, não conhecendo o nome verdadeiro e natural desse artefacto, deu-lhe o de Tanga, em um artigo inserto no 1.º trimestre dos— Archivos do Museu Nacional. O povo de centro da ilha Marajó dava ao mesmo artefacto o nome de—Dragonas, pela tal ou qual semelhança que tem com esta insignia militar ; depois, porém que se lhe explicou qual era o uso verdadeiro do mesmo objecto começaram a, chamal-o Saia. Mas Tanga e Saia não podem exprimir bem o que os Aruans chamaram Babále. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 23 Nomes em portuguez Vi CamalcdoRsa.,folojereis o iaforeiate oroperororo fofo Ro Pao tarovofbdo: 020] fofo APRA Jabotifo o sie jo MOTO DO COL VU NCO SO BOpA DAdaddCLAn Ode JEGENTÓ A Oo SDEONONA CABAL Tas SODA ANDI SBD dA PBR Jacuruarú......... COD OPA TRC NT OCS dog. 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ANsio (ol ATER (con o ae açd o aoloraio MARRECA o area arora e otatolo ovo ro ao p oro ee Sb avo af oo (atol fofo e naDoha a Papagaios. cris voto O OTC RED DE OCULAR dO dO ao E PASSARINHO sto stereo foro jaseraio Evo EA CO E RR RT Passaro!s:. cce e» SOS OO AS COROA SO DAE DOCE GODA BID O ator ersrciete foro to;s 4 orato lá e: NUON AF orenóaio E EI o BIBI QUILO trajeto têjotola jeto orais o lêra srs oras si o jorójetorolonala ds o Dae Bombac... o Doro o SER E etila! o food ola sia a elo siofolojora oleroredo Rouxinol! (dos Pará)... =. cer BRO AD GOA OCA Re Sana CURAR cioroio ojo e fato ro elo lorajo AESA NAAS O DO E Tuijuijú UU DU roo ereto o» CARR PAES SI SAE DAS Caetitin oueaitibuisA e cierersisasiera sis, aisfóioa) exclo) Chaos ab Sra Cao our cachÔrroR rsss ele aroiere DES e Capivara........ DOC ODD ODE Srstotetãa So nabo Ge eiogo Cotia..... ASS ERON PI RIA PR aa rere als ojnta la e Macaco; sea ei ielorero erosaiere Dieta reiSa (fale joia AS poa isso Macaquinhos (sauna) eis erei-ieto fo iosofo o oie; eterno aja co reroiareto avcca sa sa CORRER CR RC CR CR Dias eres os À arocah ars ale eta ARARAS RS ES arise usb INOIteR sea sro sjare o sferora raso REC Si E RP RR erálitivo Céu ter sioje orar O aaiora art otáio bia ataroe alastra ae oe PURE die E Nomes em aruan yuána yurúku (r brando) uáhmu (a aberto) adule yânâu chacháry (y brando) mátamáta kure (7 brando) kuayáre (r brando) arymocôço (r brando) uêrrapáyu hôa (h muito aspirado) yauiúrru mahrade (7 brando) maceulile, ou maceurlile uauátu kudeytáldey kudeytáie bajedey báje, ou babje kichekiche ôtukúy vtuky kuatére (r brando) tuyu uárro miile (Lêde miirl]) tapiira (7 forte) ôrumáru (7 brando) uauáu cáyu fáyua (palavra dyssillaba) puáte marlile; ou máryly diny rah biity tâmanuúa úyte hâmo (a fechado) heth (E” tão diflicil pronunciar co mo escrever este- nome) menaáku yuáca lenáku cákenáu une Ohacál àarycál ayualissu 34 ARCHIVOS DO SS SS MUSEU NACIONAL Nomes em portuguez Nomes em aruan Temporal......... SRT e foto JStot ooo o jo fo Ta NONO E afete ita o | Docháca dhacál an =o aero PES oe eec000.00.++| bochãca nêuroncle (r brando) RAIO. seio fator DEtaNaba Moo o Ter ora oras a o ao ER DS AO TETO «| tarayoâle INCONÃO cleo into io SGD 506 ANS TATO SOS SSD DDT SIC UNS DOE « Enchente (de maré) .......cceccceccceres termo unyáua Vasante MR Tot ajosoj= neles AiaiotonarolofaRototo oral oli-jo Tete o makalály Hoje ore ratefofera E Ro RaNel= elo 1 a fo Jo ora fofa efe fofo apo bo A aajo o feio nto fa a ypáyal yupadáte Amanhã. close untoro ro fato Loto [alfa Lota (o fo] oo ooroto ota fo fo Le fofa foN of») o mákayahá Hontem = setor ODBC SME CS SACADO makaynhãyáne Cores: Branca... .c.u ces u cá syisonrenro atoio oseropetetaro ersinia o tóróle (r forte. Lêde—torroul) Pretaf os fot jolie ota jora fo joke efa o fo) rololeMo (aro fapiroto po To mykú Vermelha = nie arere lo friMoRemol afoi alo /o joroo tao] Nela to Roo é ôytára, ou Oytatára (1º brando) AZUL pavoa e fofo voe poe ABAS OS AD OA Crua ACASO conde WO Uso sopas cocHoDOs PAC ABC AB Ons doada CE ne a Numeros to == feng Veto e o jepa aa ARA SN Cos Dan LR OB GO aucéyre, ou aucêre (1º brando) 2 eps co sis. Cececoce codec Oro Coe coco oro ota 0 00 0 00 dekurâma (2 forte) DRT ES BEANOS AMADO Rd ar gos toy onto Be cano 4 eo qua 0 01 .......... oc cor... cones... .. arayxvaduke (r forte) Deus Ss oraeio no vojoie o e STO (o oTo to o loo (oo Tolo fo [oe nay ave fatohio toeeto fo jo uêcoromálo (1 forte) E ONNSING AD a ass Do SSoSPOBosDuDS DADA LoE Soo Go 290.08 ateynál » (em geral) .......... a fatorofolono fe oo o Joe fo) ER eReTE fo oje yahry (1 forte) Mulher ie iate jeto nicretoretoio SOS ONdA GAI S ND do VOO LB “| eyxakal, ou ychakal ManceboO =. 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SECR OPINA PAIO 5 | l pe-iiuácu (7 brando) p'dide pe-áynau p'daua p'dúku p'kire (r forte) p'kade p'kyêure (7 forte) p'kuráydateuco (7 brando) pe-tranáu (7 brando) matá aroanáu intá (y brando) batêure eysále (7 forte) mánakuáyku nuy mamike nuy yuáte nuy mamike nuísso peu mamike fáyny reáte fayny dey (2) ateynál reate ateynál nuy nuy nuy nuy nuy ateynál reáte ateynal caraiiua (7 brando) ateynal ypáyra madekikedey (1 brando) ay kucyára (r brando) piay kucyára ( brando) pi pianáy kucyara núy naytál tamanúa li naytál ôrumáru (1º brando núy tepar alkcle caniúku yuáke fayny batêurre nuy figuiál » » latal sapanateu (ultima longa) eytateu yukurrite » » sapanáke sõ0 sapanál d makanál camaynhil sapanái da aníul calykeynál figuiatên yúpadáte u2coromálo dakál nuisso yuáke yssinhá nuy synadal úckoromálo (r forte) Ee mem Belém 1879. Maio 8. D. S. FerreIRA PENNA. ve lyv= 7 DESCRIPÇÃO DIUM BRONELIMAUN CRUSTAGEO DA FAMILIA DOS CYTERIDEOS PELO 20 ( Naturalista Viajante do Museu Nacional DRI NSCINDO e Já nos tempos geologicos mais remotos, de que nos ficaram restos fosseis, os Cytherideos achavam-se representados por numerosas especies, e desde então elles se têm mostrado frequentes até hoje. As especies fosseis viviam todas no Mar, sendo que ainda hoje estes pequenos Crustaceos encon- tram-se em todos os mares. Na agua doce, povoada pela familia alliada aos Cyprideos, elles são excessivamente raros; ainda não sobe a meia duzia o numero das especies observadas nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Scandinavia. A essas pouquissimas especies da agua doce vou ajuntar mais uma, que ha pouco achei n'aquelles tanquezinhos, que nas arvores do matto virgem formam-se entre as folhas das Bromeliaceas parasitas. Ella ali vive em abundancia e quasi que não ha Bromelia sem a sua colo- nia de Cytherideos; é provavel que, com as Bromelias, ella se estenda por todo o Brazil. Além de ser notavel por esse domicilio singular, que ella habita e por ser a primeira especie de agua doce achada na America do Sul, a 38 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL especie das Bromelias é interessante tambem pela sua forma insolita. As conchinhas bDivalvas das numerosas especies não só da familia dos Cytherideos, como de toda a ordem dos Crustaceos Ostracodes, costumam ser comprimidas lateralmente, tendo o feitio de um mexilhão ou de um feijão preto; na especie das Bromelias, pelo contrario, a conchinha asse- melha-se a um grão de café, sendo a largura muito maior do que a al- tura, a face dorsal convexa, a ventral plana e percorrida por um sulco longitudinal. Por este feitio da conchinha a especie se afasta de todos os Ostracodes da actualidade até agora descriptos e só entre as especies fosseis mais antigas ha uma especie muito semelhante. E" a Elpe pin- quis (fig. 26) descoberta por Barrande nas camadas silurianas da Bohemia ; desta, com effeito, a especie das Bromelias parece ser uma cópia fiel em escala cinco vezes menor. Foi por este motivo, que lhe dei o nome de Flpidium Bromeliarum, As conchinhas do Elpidium Bromeliarum (fig. 1-4) têm até 1,""3 de comprimento ; já com metade desse comprimento todos os membros têm ad- quirido a sua fôrma definitiva e os animaes começam a propagar-se. À largura é egual à cerca de seis setimos e a altura à metade pouco mais ou menos do comprimento. A parte posterior da conchinha é mais larga e mais alta do que a ante- rior, a face dorsal é convexa, a ventral plana. O ligamento elastico, que une os bordos dorsaes das duas valvulas da conchinha e pelo qual, como nas conchas dos molluscos Lamellibranchios, as valvulas são abertas, desde que os musculos adductores deixam de se contrahir, estende-se até ao extremo posterior da face dorsal, acabando a pouca distancia do ex- tremo anterior. A valvula esquerda é quasi insensivelmente mais com- prida do que a direita, de modo que o seu bordo cobre o desta, quando se fecha a conchinha. Ao longo do bordo ventral as partes sobrepostas das duas valvulas, na occasião de estar fechada a conchinha, são assás largas (fig. 2); ellas são transparentes, menos grossas do que o resto das valvulas e formam um sulco longitudinal nas conchas fechadas: A superficie da conchinha é lisa e lustrosa; ha nella alguns pellosinhos muito raros, curtos, delgados, pela maior parte rectos; só uns 5 ou 6, inseridos ao longo do bordo anterior de cada valvula, são curvos, sendo a sua ponta volvida para baixo. A côr das conchinhas é parda, ora mais pallida, ora mais escura; o pigmento é granuloso e encerrado em cellulas grandes polygonaes, situadas por baixo da camada chitinosa externa das valvulas; o pigmento ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 29 começa a depositar-se ao redor dos nucleos das ditas cellulas (fig. 6) e acaba por enchel-as inteiramente, ficando transparentes só os nucleos e os limites entre as cellulas. Perto do extremo anterior do ligamento dorsal elastico ha em cada valvula uma macula redonda, transparente, destituida de pigmento; para vêr bem essas duas maculas cumpre enca- rar de frente as conchinhas; ellas são geralmente tanto mais visiveis, quanto mais escuras forem as conchinhas; servem de janellas para ad- mittir a luz aos olhos. Tambem falta o pigmento no logar em que se inserem os musculos adductores das valvulas As impressões musculares fig. 4m. fig. 6), que mostram differenças caracteristicas nas diversas es- (pectes de Cytherideos e Cyprideos, distam do extremo anterior cerca de dous quintos do comprimento das valvulas, achando-se só pouco acima do nivel da face ventral; ha uma macula maior composta de quatro impressões ellypticas, contiguas, de que as duas extremas são menores e cujos eixos maiores vão obliquamente de cima e de diante para baixo e para traz; além disso, ha uma impressão muito menor, quasi circular, às vezes pouco visivel, situada um pouco adiante das quatro maiores. Os dous olhos simples, existentes nas familias dos Cyprideos e Cythe- rideos costumam confluir em um unico olho impar, naquela familia e ser separados nesta. Além disso, segundo Zenker, os olhos dos Cytherideos adheririam ás valvulas. Ha comtudo excepções a esta regra em uma e outra familia e entre ellas figura tambem o Elpidium Bromeliarum. Esta especie tem um unico olho impar com duas lentes lateraes (fig. 7-9) situado em baixo do extremo anterior do ligamento elastico, junto do logar em que anteriormente o corpo do animal separa-se das valvulas; não adhere à conchinha e sim póde ser movido com o corpo um pouco para traz e para diante. A fórma do bulbo coberto de pi- gmento preto é bastante variavel, parecendo serem as differenças independen- tes tanto da edade como do sexo dos animaes. As antennas anteriores (fig. 3,a, fig. 10) tem cinco articulos; a articulação entre o primeiro e segundo permitte um movimento extenso de cima para baixo; a mobilidade dos mais articulos é muito limitada; o primeiro e o segundo são muito mais grossos e compridos do que os outros articulos; o terceiro e o quinto têm só metade pouco mais ou menos do comprimento do quarto, o qual se formou pela confluencia de dous, como mostra a disposição das suas sedas; em certos, bem que rarissimos, individuos, esses dous ar- ticulos primitivos se têm conservado perfeitamente separados, constando neste caso as antennas de seis articulos. E” uma prova do pouco valor, v. 1v—8 30 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL que na classificação dos Cytherideos possa ter o numero dos articulos das antennas, que certos autores têm usado como caracter distinctivo dos generos novamente estabelecidos na dita familia. No extremo do primeiro artículo, ha no lado superior externo um pequeno processo triangular ou digitiforme, guarnecido de pellosinhos bastos, tenros, curtos, rectos. Do se- gundo articulo nasce, a alguma distancia da base do bordo inferior, um pello grosso, flexivel, plumoso na parte terminal, cujo comprimento excede o do primeiro articulo da antenna; no extremo do terceiro articulo ha no bordo superior uma seda curta e rija; ha duas sedas semelhantes no meio, e tres mais compridas no extremo do bordo superior, uma no meio e outra no extremo do bordo inferior do quarto articulo; emfim, ha tres ou quatro sedas no extremo do articulo quinto ou terminal da antenna. As antennas posteriores(fig. 3, a 2; fig. 11-12), inseridas um pouco em baixo e para fóra das anteriores, têm quatro articulos, de que o terceiro é o mais comprido; o primeiro é um pouco menos comprido, porém muito grosso; o segundo e o quarto são muito mais curtos; não parece haver mobilidade alguma entre os articulos segundo e terceiro; o segundo articulo póde descrever um arco consideravel para haixo,e o quarto é capaz de se mover tanto para cima como para baixo. No extremo do segundo articulo ha no lado inferior uma seda del- gada e comprida, chegando até ao fim do articulo seguinte, o articulo terceiro é munido de duas sedas curtas pelo meio do lado inferior, de um pello delgado perto do extremo do lado superior e de um forte es- pinho recto e movel no extremo do lado inferior; emfim o artículo ter- minal é armado de tres espinhos fortes, moveis, cujas pontas são curva- das algum tanto para baixo. Nas fêmeas (fig. 11) esses tres espinhos são lisos; nos machos (fig. 12) 0 primeiro, geralmente um pouco mais curto do que os dous terminaes, é serreado, isto é, provido de uma fileira de den- tes agudos. No extremo do artículo basal das antennas posteriores, articúla-se ainda, como nos mais Cytherideos, um appendice biarticulado (fig. 11, a), muito esbelto, em cuja ponta se abre um canal, que vem de uma bexiga (fig. 11, 6) cheia de um liquido um pouco amarellado e mais refringente do que a agua. Comprimindo a antenna isolada com a bexiga, entre. laminas de vidro, vi algumas vezes sahir esse liquido da ponta do appendice em um fio delgado, que não se misturava com a agua. Pela posição, que occupa o appendice, poderia elle ser comparado ao ramo externo existente nas antennas posteriores de muitos Crustaceos; é comtudo mais provavel, que ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 351 corresponda ao processo conico das antennas posteriores dos Amphipodes, em cuja ponta tambem se abre o canal excretorio de uma glandula. A bexiga é muito maior no Elpidium Bromeliarum, do que (segundo Zenker) na Cythere viridis do mar Baltico. As partes bocaes constam de dous pares de appendices, designados ge- ralmente pelos nomes de mandibulas e maxillas, (ou, por Zenker, de pri. meiro e segundo par de maxillas |) As mandibulas (fig. 3, m d. fig. 13) têm, como nos generos Cypris e Cy- there, uma grande parte basal triangular, percorrida e como que esteiada por diversas varas chitinosas. A parte inferior da base do triangulo pro. longa-se em um processo mandibular, terminado por uma serie de den- tes agudos. Do bordo anterior da mandibula nasce um grosso palpo, com- posto de tres ou quatro articulos, que, com excepção do ultimo, são pouco distinctos. O palpo tem duas sedas maiores no primeiro artículo, uma cur- vada e plumosa no extremo do penultino e umas quatro no ultimo ar- ticulo. Do lado externo do primeiro articulo do palpo eleva-se uma la- mina membranosa, volvida para cima, cujo bordo superior se prolonga em tres pellos grossos, compridos, rectos, flexíveis e plumosos, com excepção de uma curta parte basal, que é nua. Ha na mesma lamina nm quarto pello, semelhante aos outros tres, porém muito curto e dirigido em sentido opposto. Em individuos suffi- cientemente transparentes se póde vêr, que a lamina está em movimento continuo na parte da conchinha situada para diante dos musculos ad- ductores. As maxillas(fig. 3, mx. fig. 14) mostram uma grossa parte basal, de cujo bordo terminal nascem quatro processos quast cylindricos, contiguos, paral- lellos, armados na ponta de pellos ou sedas; destes processos o que pro- longa o bordo inferior ou interno da maxilla termina em duas sedas; de que a inferior tem a metade terminal plumosa e curvada para baixo ; cada um dos dous processos intermedios acaba em tres sedas rijas, agu- das, um pouco curvadas; emfim o quarto processo, formando o prolonga- mento do bordo superior da maxilla, é mais comprido que os outros e acaba em duas sedas mais compridas tambem ; este quarto processo é biar- ticulado nos generos Cypris e Cythere, porém na especie das Bromelias não me foi possivel distinguir dous artículos. Ha na maxilla, como na man- dibula, uma lamina membranosa, guarnecida de compridos pellos plumo- sos; ella é muito maior do que a das mandibulas; o numero dos pellos marginaes parece ser de 16 em todos os animaes adultos. Além dos pel- 32 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL los marginaes ha um que nasce à pouca distancia do bordo e se esten- de em sentido opposto; é semelhante em tudo ao pello que se acha no segundo articulo das antennas anteriores. A lamina membranosa da ma- xilla é dirigida para fóra e está em movimento vibratório constante no espaço situado atraz dos musculos adductores. A's partes bocaes seguem tres pares de pernas (fig. 3,p lp 2 p3;fig. 15-17); muito semelhantes entre si, tendo comtudo cada par certos caracteres distinctivos. As pernas são compostas de cinco articulos; o articulo basal é muito mais grosso do que os mais, tendo o bordo posterior mais com- prido e mais convexo do que o anterior; quando o animal está andando este articulo está virado para baixo, recolhidas as pernas na conchinha, dirige-se obliquamente para diante. A pouca distancia da base nasce do bordo posterior um pello plumoso semelhante ao do segundo artículo das antennas anteriores; nos dous primeiros pares de pernas o comprimento desse pello excede as do articulo basal, no terceiro par é muito mais curto. Um segundo pello semelhante, porém, muito menor, naste no meio do bordo anterior, e um terceiro, muito mais curto ainda, no extremo do bordo anterior do articulo basal. Ao lado deste terceiro pello ha no pri- meiro par de pernas (fig. 15) um gancho ou espinho forte, curvado e agudo, que falta aos dous pares posteriores. Os artículos segundo até quarto são esbeltos, quasi cylindricos, diri- gidos para traz, sendo o comprimento do segundo articulo egual ou pouco superior ao do terceiro e quarto unidos. No extremo do lado ventral do se- gundo articulo ha nos dous primeiros pares de pernas um espinho forte, curvado um pouco para baixo, o qual se acha substituido no terceiro par por uma seda recta, muito mais tenra. O articulo quinto ou termi- nal forma nos dous primeiros pares uma unha vigorosa esbelta, pouco curvada, cujo comprimento iguala ou pouco excede ao do artículo ante- sedente. No terceiro par de pernas(fig. 17) o articulo terminal é muito mais comprido e delgado do que nos pares anteriores, egualando o com- primento do s:gundo artículo, a sua metade basal é recta, a terminal um pouco curvada, havendo um pequenino espinho entre essas duas me- tades. Na configuração das partes bocaes e das pernas não ha differença entre os dous sexos. As partes gemtaes, situadas posteriormente às pernas, são muito volumosas e complicadas nos machos (fig. 19-22.) O membro viril (fig. 19, mv.) é um gancho duro, escuro, curvado em semicirculo, movido por um forte mus- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 33 culo. Para dentro e para diante do membro ha, como. nas Cytheres exa- minadas por Zenker, um processo digitiforme (fig. 19-22, pd.) ha tambem, como nas (Cytheres, uma grande Jamina terminal de forma muito varia- vel(fig. 19-22, It. fig. 20-21), de cuja face ventral nasce junto da base um pello quasi egual em comprimento à mesma lamina. Os orifícios ge- nitaes das femeas (fig. 18,0g) são situados de wm e outro lado do abdo- men entre o terceiro par de pernas e os appendices caudaes Os appenidices caudaes (fig. 18, 19, 22, ac.) são duas pequenas laminas triangulares ou ovaes, munidas de duas sedas plumosas terminaes e de uma terceira seda mais comprida, que nasce de sua face ventral e que pare- ce faltar às vezes nos machos. | O corpo aimda se prolonga um pouco além dos appendices caudaes, terminando em uma protuberancia guarnecida de curtos pellinhos. Os ovos (fig. 23) quasi esphericos, de cerca de 0,7 4. de diametro, desenvolvem-se como na (Cypridina Agassizei, (1) dentro da conchinha da mãe. Nas femeas maiores conta-se às vezes mais de trinta entre avos e filhos. Os filhos ali ficam até terem chegado a 0,2 até 0,77» 25 de comprimento. A sua conchinha então já tem approximadamente a sua forma caracterisca e definitiva (fig. 24, 25); ella mostra só quatro pellos, havendo um junto de cada extremo de uma e outra valvula; o olho e os musculos adductores se acham situados muito mais para traz do que nos animaes adultos, devido isso à cireumstancia de estar ainda pouco desenvolvida a parte posterior do corpo; em lugar dos tres pares de pernas, ha apenas um unico par de ganchos simples; as antennas, pelo contrario, já possuem a sua organisação definitiva. O Elpidium é quasi o unico entre os numerosos visitantes e habi- tantes das Bromelias, que nellas nasce e morre. Muitos animaes vão vi- sitar as Bromelias, seja para se agasalharem, seja para se nutrirem das substancias organicas, que entre as suas folhas se aceumulam, seja emfim para alli depositarem os seus ovos. Esses visitantes passageiros são varia- dissimos; ha entre elles Vermes Turbellarios (Geopiana), Crustaceos Bsó- podes ( Philoscia) Arachinides, Myriapodes, muitos Insectos, Batrachios (perere- cas) e até cobras. Outras especies vivem lã como larvas, sahindo depois de concluida a sua metamorphose, como sejam as pererecas e varios in- sectos Urthopteros ( Agrionideos), Neuropteros, Trichopteros, voleopteros ( Par- nideos) e Dipteros (Culuideos), Tipulideos, Syraphideos e outros. Nem para (1) Fritz Muller, Bemerkungen uber Cypridina,Jenaische Zeitschrift fur Natirw. Vol V, pag. 255. ve Iv—9 BL! ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL aquelles visitantes nem para estas larvas ha difficuldade alguma em ex- plicar a sua estada nas Bromelias. Com o Elpidiun o caso é diferente. Não podendo esses pequenos Ostracodes migrar de uma Bromelia e mui- to menos ainda de uma arvore a outra, como é que não obstante isso podem elles estabelecer novas colonias? Elles não poderão fazer as viagens ne- cessarias sinão adherindo ao corpo de qualquer visitante das Bromeiias. Apezar de assim parecer abandonada ao acaso a sua transmigração, ella se faz com a mesma regularidade com que o pollen das flores é trans- portado de uma planta a outra pelos insectos pronubos, como prova o facto de quast não haver Bromelia sem a sua colonia de Elpidium. Resta resumir os caracteres, pelos quaes o genero Elpidium pode ser distinguido dos mais, que se têm estabelecido na familia dos Cytherideos: Conchinha com a face ventral plana e a largura muito superior à altu- ra. Olhos reunidos em um unico impar. Antennas anteriores com cinco (ou excepcionalmente seis), posteriores com quatro artículos. Ultimo arti- culo das antennas posteriores com tres espinhos, sendo um delles serreado nos machos. Pernas iguaes nos dous sexos, semelhantes entre si. Artículo basal do primeiro par de pernas armado de um gancho terminal. Articu- lo ultimo (unha) do terceiro par muito comprido e delgado. Appendices caudaes não articulados, munidos de tres sedas. — E" CÊ9= a "CRANEOS DE MARACA' GUYANA BRASILEIRA CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO ANTEROPOLOGIOO DAS RAÇAS INDIGENAS DO BRASIL PELO DR. BACBRDA mm GNL TRL NS e Em um vasto territorio, como o do Brazil, outrora povoado por nu- merosas tribus indigenas, espalhadas por uma área immensa, sem estabili- dade nem habitação fixa; ora percorrendo as altiplanuras do interior ora estanceando nas cercanias do littoral, deve-se forçosamente encon- trar aqui e acolá vestigios indeleveis da sua passagem nessas ossadas que a forja destruidora do tempo não póde facilmente consumir. Colher esses restos humanos repassados muitas vezes da mais alta antiguidade, estudar os seus traços característicos e as suas formas par- ticulares, marcar as suas analogias e dissimelhanças, comparal-os entre si, e dessa confrontação de caracteres destacar as formas typicas, que devem representar raças differentes, não é empreza facil de realisar em pouco tempo. Tão custosas e dificeis são ainda as explorações anthro- pologicas neste paiz, tão incertas e vagas as informações que devem ser- vir de guia ao explorador que, as mais das vezes, o valor dos resultados obtidos mal compensa a enormidade dos sacrificios. 36 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Muitos annos, pois, hão-de decorrer ainda antes que a reunião de uma copia de materiaes suficientes, perfeitamente bem estudados e dis- criminados, venha dar a chave para a differenciação das raças que par- tilharam em remotas epochas a poss: do vasto territorio do Brazil. Emquanto, porém, não se attinge esse desideratum, aproveitemos com malsoffrido interesse os raros specimens, que vão entrando pouco e pouco para as collecções anthropologicas do Museu Nacional. Além da importante colleeção de crancos e ossadas humanas en- contrados pelos membros da extincta Commissão Geologica nos samba- quis da costa meridional do Brazil, craneos e ossadas que devem cons- tituir mais tarde o assumpto de uma memoria especial; são dignos de nota dois craneos, acompanhados de alguns ossos do esqueleto, que foram remettidos o anno passado ao Museu Nacional pelo Sr. Ferreira Penna. Estavam esses ossos encerrados em duas urnas funerarias e guarda- dos no recesso de uma gruta natural, que existe no territorio banhado pelo rio Maracá, na Guyana brazileira. Dall os trouxe o mencionado naturalista, hade haver tres annos, para o Museu do Para. Desacompanhado; de qualquer artefacto ou obra de industria huma- na, elles ali jaziam isolados no interior da gruta, que lhes servira de sepultura secular. Uma das urnas, que guardara por longo tempo esses restos humanos, feita de uma argila vermelha, como tantas outras que têm sido encontradas em varios pontos do Brazil, chegou-nos aqui já re- duzida a pedaços. Formava o seu conteúdo um espesso e emmaranhado tecido de radiculas vegetaes, dentro de cujas malhas estavam mettidas as differentes pecas componentes do esqueleto, Ou porque livesse sido ella al depositada no interior da gruta, sem uma ocelusão perfeita, ou mesmo porque o embate de uma por- ção de terra derruida a houvesse quebrado, em qualquer das hypothe- ses, uma larga abertura de communicação devera ter existido com o ex- terior, pela qual penetraram pouco e pouco os filamentos radiculares que envolviam o esqueleto. E tão fortemente [foram comprimidos os ossos pelas malhas apertadas desse tecido, que muitos delles destacaram-se, perdendo as suas relações naiuraes. Ássim é que as vertebras achayam- se dispersas por entre a trama do tecido; o tibia esquerdo applicado à face anterior do femur correspondente; e o maxilar inferior de um dos crancos perdido no meio dos filamentos radiculares. Parece assaz pro- vavel que tal deslocação das differentes peças do esqueleto se deu pos- teriormente à entrada das raizes na urna funeraria; essa questão, porém, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 31 não tendo importancia real para o assumpto de que nos vamos occu- par, não nos demoraremos sobre ella. Determinar a edade desses ossos seria uma das questões prelimi- nares importantes para resolver antes de começarmos o estudo descri- ptivo dos craneos. Quando, porém, se pretende chegar a uma determina- ção mais ou menos approximada da edade desses ossos, reconhece-se immediamente que não são muito seguros os elementos de que dispo- mos para uma tal determinação, pois o facto de se apresentarem elles nimiamente frageis, leves e porosos, com o tecido compacto folheado, ape- nas autorisa-nos a admittir para esses restos uma grande antiguidade, Ora, comprehende-se bem quanto vai de relativo e até mesmo de con- vencional nessa expressão vaga e indeterminada que não tem significação chronologica precisa. Demais, a influencia do meio a que elles estiveram sumettidos, a acção corrosiva dos agentes physicos, a compressão exercida pelas raizes podiam ter apressado a decomposição do tecido osseo, com- municando-lhes uma feição de antiguidade maior do que elles teriam realmente. Seja, porém, como fór,o que se póde affirmar sem medo de errar é que esses ossos têm uma existencia superior a um seculo. Os dois craneos, que deviam ter pertencido ambos a individuos do sexo masculino, como inculcam certos caracteres anatomicos, apresentam entre si a mais completa semelhança de formas, indicando desta sorte, serem representantes de um mesmo typo ethnico. As alterações qne se notam nos ossos que compõem a caixa craneana são quasi identicas em ambos os craneos, o que prova que elles da- tam da mesma epocha e estiveram submettidos à acção das mesmas causas physicas. Ambos apresentam erosões em pontos differentes da su- perficie exterior e em um delles - existem mesmo perfurações multiplas, com diametros differentes, de forma circular, abrindo por esses pontos uma livre commanicação do exterior para a cavidade do craneo. Foi atravez desses orifícios que penetraram muitos dos filamentos ra- diculares, cujas expansões multiplas se vêm ainda apegadas à superficie interna da aboboda craneana. Ao lado dessas perfurações accidentaes, atravessando toda espessura do osso, existem outras que ficaram imcompletas, chegando apenas à lamina interna do osso, sem comtudo atravessal-a. Um dos craneos apresenta a destruição parcial da face no lado di- reito, onde não existem o assoalho inferior da orbita, o osso malar, grande parte da arcada zygomatica, e a metade do maxillar superior. Neste v. iv— 10 38 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL craneo os ossos proprios do nariz e a arcada zygomatica do lado esquer- do acham-se tambem fracturados e incompletos. Existe apenas a mandibula de um dos craneos; a semelhança, porém, que se nota nos caracteres craneologicos de ambos induz-nos a admit- tir uma mandibula semelhante para o outro. O craneo n. 1, isto é, aquelle, que tem uma parte da face destruida diverge um pouco do craneo n. 2 pela conformação da abobada, que é ogival, quando no outro ella é Lecliforme,. O achatamento do oceiput é tambem mais pronunciado no primeiro do que no segundo. Salvo estas differenças minimas, as analogias entre ambos são completas, de modo a fazel-os representantes de um mesmo typo. Pelo que a simples inspecção só pôde mostrar, independente da confron- tação das medidas crancometricas, as formas esculpturaes destes dois cra- neos afastam-se consideravelmente dos que caracterisam o typo craneolo- gico dos Botocudos. Considerados pelo lado esthetico notam-se nelles con- tornos mais suaves, angulos menos abruptos, linhas mais regulares e correctas sobretudo maior harmonia das partes com o todo, o que forma um perfeito contraste com o aspecto feroz e brutal dos craneos dos Bo- tocudos. Estas expressões estheticas, porém, não é preciso dizer que são todas relativas ao sentir de cada Individuo, por isso não podem ellas ter um valor real e determinativo nas indicações anthropologicas. Cumpre, pois, proceder a um estudo comparativo completo, fundado em caracteres anatomicos fixos. E na verdade, do exame anatomico comparativo entre os represen- tantes das duas series, resultam para ellas, como vamos ver, differenças excessivamente notaveis nas formas particulares do craneo. Logo à primeira vista reconhece-se que os craneos de Maracá têm a fronte mais larga e menos inclinada para traz, o verlice menos saliente, as fossas temporaes menos deprimidas, as bossas frontaes mais proeminentes. A sua curva frontal, sendo menos extensa, o bregma acha-se nelles situa- do mais adiante do que nos craneos dos Botocudos; dahi resulta tambem que o seu diametro basilo-bregmatico é um pouco obliquo. O diametro antero-posterior maximo atlinge nos craneos de Maracá “17.3, emquanto que nos craneos dos Botocudos da colleeção do Museu só um apresenta o diametro antero-posterior de 14.9; em todos os mais tal dia- metro oscilla entre 17 cent. e 18.6, como é facil de ver na tabella das medidas crancometricas, que acompanha o nosso primeiro trabalho. Cum- pre dizer que esse mesmo craneo de Botocudo, cujo diametro antero-pos- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 39 terior maximo não excede a 14.9 pertence a um individuo do sexo fe- minino, que devia ter edade nunca superior a 15 annos Estas duas cir- cumstancias — de edade e de sexo —diminuem muito o valor comparativo daquelle algarismo em uma serie formada na sua quasi totalidade de individuos do sexo masculino, tendo atingido a edade adulta, As mesmas differenças metricas se notam -relativamente ao diametro transverso; porquanto, à excepção do craneo feminino, a que acima nos referimos, em todos os mais o diametro transverso oscilla entre 12.5 e 13.8, algarismos ainda superiores aos que dão os craneos de Maracá, cujo diametro transverso é representado em um por 12.3,e em outro por 12.4. Da pequenez relativa dos dous diametros—antero-posterior e trans- verso—nestes craneos, resulta o seguinte facto: que elles, postos ao lado dos craneos dos Botocudos, parecem mais largos e mais arredondados, descrevendo a calote craneana uma ellipse menos alongada. Para este resultado não contribue pouco tambem a egualdade que existe entre o diametro biorbitario e o diametro bistephanico representados ambos pelo algarismo 10 cent., o que faz parecer a fronte nos craneos de Maracá mais larga do que nos craneos dos Botocudos. Nestes a differença entre os dous diametros attinge algumas vezes 1 cent., resultando dahi um certo grau de estreiteza da fronte logo acima das arcadas superciliares, como se podera bem verificar, examinando as heliogravuras que acompa- nham o nosso primeiro trabalho. Continuando o parallelo entre as duas series, chega-se a descobrir novos pontos differenciaes que separam os dois typos. A curva cerebellosa, comprehendida entre o inion e o bordo poste- rior do buraco occipital, é, salvo differenças muito pouco sensiveis, iden- tica nos craneos dos Botocudos e nos craneos de Maracá; para as duas series ella oferece o mesmo algarismo de 5 cent. A distancia, porém, em linha recta da base do nariz ao bordo anterior do buraco occipital é nos craneos de Maracá de 92 cent., ao passo que na serie dos Boto- cudos ella varia entre 9.8 e 11 cent. Si a esta divergencia nas duas medidas craneometricas accrescentarmos as differenças que se notam nos diametros do buraco occipital, considerado nas duas series, não será dif- ficil chegar a esta conclusão: que a região anterior nos craneos dos Bo- tocudos é mais desenvolvida do que nos craneos de Maraca. Com efeito, nestes o buraco oceipital é mais largo e menos alon- gado; seu comprimento é de 3.8 cent., e a largura de 3.2 cent. emquanto AO ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fr nos craneos dos Botocudos a primeira medida é representada por 4 cent.e 4.2 e a segunda por 3.3 cent. Nos craneos de Maracá o buraco occipital aproxima-se muito da forma circular, emquanto nos craneos dos Botocudos elle é quasi ovalar. Fazendo a projecção das duas series na taboa graduada, nota-se para alguns craneos dos Botocudos o excesso de 5 millim. na projecção anterior, o que quer dizer que o ponto basilar considerado o centro da cabeça está nelles collocado mais posteriormente do que nos craneos de Maraca. Cumpre entretanto advertir que esta differença depende tambem, em parte, do maior prognathismo da face nos craneos dos Botocudos. A circumferencia transversal biauricular, tomada de um buraco auditivo a outro, passando pelo bregma e pela base do craneo, attinge 43 cent. nos craneos de Maraca, ao passo que nos craneos dos Botocudos ella varia entre 44 e 49 cent. Entretanto, nos craneos de Maracá, a porção supraauricular dessa curva é superior à que se nota em alguns craneos dos Botocudos; na- quelles ella é de 29 cent., nestes não excede a 27 cent. E” verdade que em um craneo de Botocudo, o mais volumoso da collecção, ella chega mesmo a 31 cent. As grandes proporções, porém, que tem este craneo relativa- mente aos outros, exagerando a maior parte dos traços caracteriscos da serie a que pertence, pôoem-no fóra de questão neste exame comparativo. Que tal diferença na curva supraauricular não depende nos craneos de Maracá da maior altura do craneo, plenamente o demonstra o seu pequeno diametro basilo-bregmatico, representado pelo algarismo 12.2 cent., quando o mesmo diametro nos craneos dos Botocudos varia entre 13 e 15 cent. O facto explica-se, porém, perfeitamente pelo maior relevo que apresenta a região auriculo-temporal nos craneos de Maracá. A superiori- dade da curva supraauricular nesses craneos depende, pois, da grandeza relativa do seu diametro bitemporal. A abertura do conducto auditivo correspondendo nos craneos de Maracá a um plano vertical tirado do ponto basilar (bordo anterior do buraco occipital) e achando-se a dieta abertura nos craneos dos Botocu- dos quasi 5 millim. atraz desse ponto; sendo por outra parte o nivel das arcadas zygomaticas mais elevado nos craneos dos Botocudos do que nos de Maracá, logico é concluir que aquelles indigenas tinham as ore- lhas situadas mais acima e posteriormente do que estes, S1 da comparação destes dados craneometricos, como vimos, resultam differenças notaveis para as duas series, póde-se affirmar que é sobretudo ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 41 pela confrontação dos caracteres da face que mais se distanciam os dous typos. Começamos por dizer que o relevo das arcadas superciliares e a sa- jencia da glabella são muito menos pronunciados nos craneos de Maracá. Nelles o espaço interorbitario, tomado de um dacryon a outro, excede 5 millim. à mesma medida tomada nos craneos .dos Botocudos, o que quer dizer que naquelles indigenas a base do nariz era muito mais larga do que nestes. As diflerenças metricas, porém, mais notaveis são justamente aquelas que se referem à altura e à largura da face. À distancia comprehendida entre a raiz do nariz e a espinha nasal Inferior é menor 4 millim. nos craneos de Maracá do que nos craneos dos Botocudos e o esqueleto do nariz muito menos desenvolvido em comprimento naquelles craneos do que nestes. O diametro bijugal é mais longo 9 millim. nos craneos de Maracá do que nos craneos dos Botocu- dos. Quanto ao diametro biorbitario, elle apresenta differenças tão insi- gnificantes que se póde consideral-lo egual nos craneos das duas series. Por outro lado, a abertura das narinas anteriores é mais alta e mais larga nos craneos de Maracá, ao passo que a altura da arcada alveolar nas duas series não apresenta diferenças sensiveis. SL passarmos agora a considerar a região orbitaria, veremos que as orbitas divergem muito por suas dimensões nas duas series. Nos craneos de Maracá ellas são mais altas, sendo a differença para a altura repre- sentada por 8 millim., emquanto as differenças na largura são quasi insignificantes, Dahi vem que a abertura das cavidades orbitarias nos craneos de Maracà figuram um quadrado mais perfeito do que nos craneos dos Botocudos, onde ellas se approximam mais de um quadrilongo. Em com- pensação as orbitas dos Botocudos são mais profundas, sendo mnelles a differença representada por quasi 1 cent. Assim, pois, sommando todos esses caracteres differenciaes, e apre- ciando em seu justo valor cada um delles, chega-se a este resultado final, que o caracter mais saliente de distincção entre os dois typos está exa- ctamente nas dimensões da face, cujo desenvolvimento em altura e projecção anterior é muito maior nos craneos dos Botocudos. Cumpre ainda assignalar dois caracteres pertencentes à face que divergem inteiramente nos craneos das duas series. Nos Botocudos a chan- fradura submalar é muito mais alta e profunda do que nos craneos de Mara- v.iv— 11 h2, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sd ca. Estes, por sua vez, apresentam no bordo inferior da abertura ante- rior das narinas uma conformação muito commum nos craneos chine- zes, (Vopinard) que vem a ser: a divisão desse bordo em duas golteiras, de sorte a não haver limite bem marcado entre o dicto bordo e a face anterior da arcada alveolar. As fossas caninas são tambem muito menos escavadas nos craneos de Maraca, dando-se, neste particular, um verdadeiro contraste entre aquelles craneos e os craneos dos Botocudos. Quanto à região alveolo-palatina, as diflerenças, com serem pouco apreciaveis à primeira vista, não são todavia menos importantes. Pondo de parte o prognathismo alveolar muito pronunciado nos Botocudos e quasi nullo nos craneos de Maraca, ha a notar para essa região os se- guintes caracteres difierenciaes nas duas series: nos craneos de Maracá a distancia em linha recta do ponto alveolar ao extremo opposto da abo- bada palatina é menor 1 cent. do que nos craneos dos Botocudos. Nem se pode attribuir essa diflerença tão notavel a um atrophiamento da arcada alveolar superior, porque, sendo tal processo atrophico dependente da edade avançada ou da queda prematura dos dentes, nenhum destes dois factores se acham aqui representados. Com effeito, o estado das su- turas leva-nos a admittir para os indigenas de Maracá edade mediana ; por outro lado a permanencia das cavidades alveolares deixa fóra de duvida que a queda dos dentes só teve logar depois da morte. Accresce ainda que a curva alveolar que é representada por uma parabola nos craneos dos Botocudos, aproxima-se mais da ellipse nos craneos de Maraca. Differenças não menos notaveis apresentam estes no maxilar inferior. Os dois ramos horisontaes da mandibula divergem muito para traz, de tal sorte que a distancia transversal tomada de um angulo a outro da mandibula é representada por 10 cent., quando a mesma distancia tomada nos craneos dos Botocudos é apenas de 9 cent. a 9.4. Essa diferença de quasi 1 cent. na distancia dos dois angulos da mandibula está de accordo com a diflerença na saliencia da região auriculo-temporal nas duas series, facto amnatomico que já foi devida- mente considerado. Os dois ramos horizontaes da mandibula no craneo de Maraca apre- sentam-se, além disso, mais finos e delgados do que nos craneos dos Botocudos ; esse facto, porém, póde bem ser explicado por um atrophia- mento da mandibula, visto como observa-se nella a obliteração de al- guns alveolos posteriores, cujos dentes respectivos cahiram durante a vida. As modificações que exerce a queda dos dentes sobre as dimensões ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL h3 dos maxillares é hoje um facto reconhecido e provado por numerosas observações comparativas. O angulo do maxillar inferior é de 110º no craneo de Maracá, ao passo que nos Botocudos elle varia entre 117º e 120º. Naqueles a altura da mandibula ao nivel da apophyse coronoide é de 5.6 cent., emquan- to nestes ultimos ella varia de 6.1 até 7.6 cent. Um facto, porém, attrahe sobretudo a attenção, fazendo-se o estudo anatomico do maxillar inferior no craneo de Maraca e é o seguinte: a curva alveolar inferior, cujos dentes são implantados perpendicularmente nos alveolos não corresponde, como é natural, à mesma curva do ma- xillar superior; ella acha-se situada muito mais adiante, de tal sorte que o bordo livre dos dentes incisivos da arcada superior não deviam attingir nesse individuo os dentes homonymos da arcada inferior. Essa disposição, que se encontra commummente nos individuos avançados em annos, não póde ser aqui attribuida à edade, porquanto, como já vimos, o estado das suturas inculcam para os craneos de Maracá uma edade mediana. Será essa disposição anormal a consequencia de um atrophia- mento dos ramos horizontaes da mandibula, que, diminuindo na altura, cresceram ao mesmo tempo em comprimento ou pelo contrario o effeito de uma deformação posthuma? Qualquer das duas hypotheses é admissivel, porém a primeira é mais provavel. Nos craneos de Maracá o angulo facial attinge 70º, ao passo que nos Botocudos esse angulo varia de 62º a 67º. Aquelles, porém, como estes estão incluidos na classe dos dolicocephalos. Podemos agora deste longo parallelo de caracteres craneologicos e craneometricos tirar uma conclusão ethnogenica? O que parece, à primeira vista, fóra de duvida, é que os Botocu- dos e os indigenas de Maracá (Guyana brasileira) constituem dois typos differentes. Si pelo seu indice cephalico devem ser elles incluidos, como os Botocudos, na classe dos dolicocephalos, essa identidade de classe não póde por si só estabelecer uma identidade de typo, quando con- correm notaveis diferenças em outra ordem de caracteres. Sem querer desde já emittir uma proposição absoluta, porque os elementos que temos à mão não são ainda assaz numerosos, todavia quasi chegamos a aflir- mar que a verdadeira brachicephalia não tem representantes nas raças hA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL aborigenes do Brasil. O futuro provará ate que ponto é verdadeira esta presumpção. (1) Não póde, porém, escapar à nossa apreciação um facto anthropo- logico que nos parece ter aqui grande valor. Queremos fallar da mistura de caracteres dos dois typos que se nota em alguns craneos de epocha muito recente, trazidos ha dois annos de S. Matheus pelo finado Prof. Hartt. Esses craneos, ao mesmo tempo que se aproximam por certos ca- racteres dos craneos dos Botocudos da nossa collecção, apresentam por outro lado caracteres de afinidade com os craneos de Maraca. Nelles o espaço interorbitario, a altura da face, o diametro bizygo- matico e bijugal, a elevação dos pomos são, salvo differenças insignifi- cantes, identicos com os craneos de Maracá. Entretanto a forma quadran- gular das orbitas, o achatamento da região parietal, a saliencia da gla- bella e das arcadas superciliares, a projecção anterior de 10 cent. na taboa graduada aproximam-os muito dos craneos dos Botocudos. Teremos aqui um typo mixto resultante da fusão ou da mistura desses dois typos primitivos? Ainda que seja lícito aventurar esta hypothese, cumpre todavia con- fessar que actualmente não dispomos de elementos suficientes para com- proval-a. Si novas collecções de craneos, trazidas da Guyana brazileira, vierem reunir-se aos dois unicos specimens dessa procedencia que possue o Museu Nacional, é possivel que a luz se faça no futuro sobre esta questão obs- cura e que tenhamos então um ponto de partida para a solução de outras questões elhnologicas mais complexas. Pelo que toca, porém, à raça prehistorica da Lagõôa Santa, cujos res- tos foram colhidos por Lund nas cavernas que existem proximas áquella lo- calidade, temos actualmente razões para afirmar que os seus caracteres distinctivos não se perderam com o tempo, antes transmittiram-se in- tactos atravez de uma longa serie de seculos, às gerações que viveram ainda nos nossos tempos e foram talvez coevas do descobrimento da America. Esta supposição é fundada principalmente nas analogias que se notam entre os craneos fosseis da Lagôa Santa e os craneos neanderthaloides (1) Communicou=me ultimamente por carta o meu ilustre amigo Dr. Conty que encontrara em Corityba ( prov. de Paraná) alguns indigenas brachycephalos. Aguardamos informações mais mi- nuciosas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ) h5 dos Sambaquis do sul do Brazil; entre aquelles craneos de um lado, a calote do Ceará e o frontal do Pará de outro, os quaes pertencem hoje às Colleeções anthropologicas do Museu Nacional. O descahimento excessivo da fronte com o achatamento do vertice constitue um caracter commum a todos esses craneos e estabelece uma ligação ethnogenica entre as diferentes raças. indigenas que elles repre- sentam. Si, aceitando as hypotheses geologicas de Lund, as quaes, seja dito de pas- sagem, não devem ser aceitas ainda sinão com certas reservas, admittirmos que o plateau central do Brazil, onde foram encontrados os craneos da Lagôõa Santa, foi uma das primeiras porções do continente americano, que emergiu do seio do oceano universal, a hypothese do povoamento da America meri- dional por correntes de emigração, vindas pelo estreito de Behring ou pela costa do Pacifico, ou mesmo pelo Yucatan, segundo a opinião de Brasseur de Bourbourg, perde todo o seu valor. Essa conclusão de Lund acharia talvez mais uma probabilidade à seu favor nessas analogias anatomicas tão notaveis que existem entre os craneos pertencentes à raça prehistorica e os craneos modernos dos Sam- baquis e dos Botocudos. Levando mais longe ainda as nossas inducções chegariamos mesmo a admittir que os actuaes Botocudos são os descenden- les directos da raça da Lagôa Santa e que o typo guyanense, que descre- vemos e estudamos neste trabalho, é de origem differente, representante talvez de uma raça conquistadora exotica, que veio posteriormente fundir-se ou superpôór-se à raça primitiva. Guardamos para mais tarde, quando tivermos à mão maior somma de elementos, dar a demonstração desta hypothese, a qual poderá consti- tuir um ponto de partida para novas e importantes investigações anthro- pologicas com relação à origem e procedencia dos primitivos povos da America. Vo Iv— 12 TAMORPEOSE DE UM INSECTO DIPIERO PRIMEIRA PARTE DESGRIPÇÃO DO EXTERIOR DA LARVA PELO DR. FRITZ MULLER Naturalista viajante do Museu Nacional. Aa É pd No ribeirão do Garcia, tributario do rio Itajahy (provincia de Santa Catharina) e nos seus afiluentes, os ribeirões do Jordão e do Caeté, vive pegado às pedras das mais rapidas correntezas um animal curiosissimo. E' provavel que se encontre tambem em outras localidades analogas da mesma e de outras provincias do Brazil. Tão estranha é a apparencia do referido animal que naturalistas abatisados, a quem eu remettera exemplares seccos, im proprios para exame aprofundado e anatomico, não ousaram pronunciar-se definitiva- mente nem mesmo sobre a classe em que devia ser collocado. «Myriapede não é, e entre os Insectos não se conhece cousa alguma, que lhe seja semelhante », disse-me o distincto autor da Bibliotheca Entomologica. Valerá pois a pena descrevel-o circumstanciadamente. A” primeira vista, quando o vi andar lentamente nas pedras, em que habita, o animal fez me lembrar de certos Crustaceos Isopodes do genero Idera, que ha mais de trinta annos estudei na costa do mar Baltico. Com effeito, como nas Ideras, o corpo é dividido profundamente em segmentos (fig. 2,3), que tem todos a mesma largura, sendo os intermedios iguaes entre si, o primeiro e ultimo arredondados nos extremos anterior e poste- terior. Ha comtudo uma differença notavel no numero dos segmentos; as ks ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Ideras têm nove (cabeca, sete segmentos thoraxicos e abdomen), o animal dos nossos ribeirões só tem seis, tendo cada um dos quatro intermedios só metade ou pouco mais do comprimento do primeiro ou oral, como do ultimo ou anal. O comprimento total, que costuma ser de 8 a 9”"” nos animaes adul- tos, é igual ao triplo, pouco mais ou menos, da largura, não compre- hendendo nesta os espinhos lateraes, de que são armados os segmentos. O corpo é muito mais convexo do que nos Crustaceos Isopodes, a que alludi, sendo a altura igual ou pouco inferior à metade da largura fig. 4-7). Entre os segmentos o corpo é muito constringido, sendo geral- mente a largura das junctas inferior à metade da dos segmentos. Dos lados, cada um dos seis segmentos, é armado de um fortissimo espinho bifido, do qual um ramo é horizontal e o outro virado para cima. O compri- mento relativo dos dous ramos é extremamente variavel; em certos ani- maes (fig. 4)o ramo superior é o maior dos dous e neste caso a sua ponta costuma ser curvada para dentro; em outros é muito menor (fig. 5), sendo às vezes reduzido a um tuberculo insignificante (fig. 5), ou desap- parecendo até completamente. O ramo superior costuma terminar em ponta aguda, o que raras vezes se dá com o inferior, cuja ponta é frequente- mente munida de um pincel de pellos, entre os quaes se distinguem dous ou tres mais fortes e compridos (fig 13); não é raro, mórmente em ani- maes de menoridade, haver outros pellos espalhados nos espinhos lateraes, Os espinhos lateraes dos quatro segmentos intermedios dirigem-se para fóra, achando-se os de cada par no mesmo plano perpendicular do eixo longitudinal do animal; os de segmento oral são virados obliquamente para diante, e um pouco para traz os do anal. Muito menos constan- tes do que os lateraes são os espinhos dorsaes; dos quaes um par se acha geralmente em cada segmento, podendo comtudo faltar em um ou mais dos segmentos extremos ou até completamente . Tambem nas suas dimensões elles variam consideravelmente, sendo quasi sempre menores os dos segmentos oral e anal. Examinei estes es- pinhos em 138 animaes maiores e menores; 92 tinham os seis pares com- pletos; em dous faltavam os do segmento oral;em 14 os dos segmentos oral e anal; em 3 os dos primeiro, quinto e sexto segmentos; emfim 27 animaes eram destituidos inteiramente de espinhos dorsaes. Nota-se certa correlação entre o desenvolvimento dos espinhos dorsaes e o do ramo su- perior dos lateraes; quanto maiores e mais numerosos aquelles, tanto maior é tambem em regra geral o ramo superior destes. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL AS) Em todos os animaes sem espinhos dorsaes tambem faltava ou era rudimentario (fig. 5) o ramo superior dos lateraes, o qual pelo contrario at- tinge o seu maior desenvolvimento naquelles animaes que se distinguiam pelo tamanho dos espinhos dorsaes. Examinei, em seperado, 24 animaes, que mal tinham chegado à metade do seu comprimento definitivo e delles só achei 7 munidos dos seis pares de espinhos dorsaes. Assim, dos animaes pela maior parte adultos 67 0/0 ti- nham os espinhos completos esó 20 0/0 eram sem espinhos, emquanto dos animaes menores só 29 0/0 tinham os 6 pares e 540/0 careciam ainda inteiramente de espinhos dorsaes. Parece pos em regra geral augmentar com a idades o numero destes espinhos, bem queem certos individuos elles nunca appareçam e é muito provavel que ao nascerem os animaes te- nham espinhos lateraes simples ( isto é, sem ramo superior) e careçam de espinhos dorsaes. Ainda não tive opportunidade para examinal-os em tão tenra Idade. Os espinhos dorsaes (fiz 9) são conicos reetos, variando muito a razão entre o diametro da base e altura; a sua côr pardo escura ou quasi preta, é mais carregada na ponta, a base rodeada de uma área lisa, mais pallida, amarellada, cingida de contornos grossos escuros, destacando-se as- sim do resto da superficie dorsal, cuja côr é ou parda mais ou menos escura, ou cinzenta, e às vezes quasi preta, parecendo-me que, em regra geral, se torna mais desmaiada nos animaes mais velhos. O tegumento da superficie dorsal é bastante duro, como coriaceo e mostra ao tacto certa aspereza devida a linhas salientes ou rugas microscopicas muito densas e irregulares, predominando comtudo a direcção transversal. Em cer- tos individuos acham-se espalhados na superficie dorsal raros pellinhos trans- parentes muito tenros (fig. 15), de cerca de 0,04" de comprimento, ge- ralmente mais ou menos dilatados no extremo, assemelhando-se desta sorte às escamas das borboletas. São implantados, como costumam ser os pellos dos insectos em póros do tegumento. Ha outros individuos em que os pellos faltam, persistindo não obstante os póros; ha outros, emfim, e creio que é a maioria, em que não ha nem pellos nem póros. E o que se vê na superficie dorsal de todos os segmentos; resta dizer algumas palavras sobre o que cada um delles tem de particular. O segmento oral(fig. 1))tem os seus espinhos lateraes collocados no terço posterior, estreitando-se d'ahi para o extremo anterior, de sorte que o bordo anterior tenha apenas metade ou pouco mais da largura da parte de que nascem os espinhos lateraes. v.av— 13 50 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Do bordo anterior nascem dous pellos rectos, tenros, hyalinos, e dirigidos para diante. A pequena distancia do mesmo bordo destacam-se, separadas umas das outras, e circumscriptas por suturas ou linhas trans- parentes algumas áreas, a que chamarei áreas cephalicas, e que oceu- pam cerca de dous quintos do comprimento do segmento oral. A sua superficie é polida, carecendo das rugas microscopicas do resto da superficie dorsal, ellas são cobertas de verrugas mais escuras, ellipti- cas, muito baixas, às vezes reduzidas a simples malhas, que não se ele- vam sobre o nivel das áreas; entre as malhas ha numerosos póros mui- to distinctos; esses póros nunca faltam, mas são raros os animaes, em que delles se elevam pellinhos curtos (0,016"") e muito tenros (fig. 16). As áreas são cinco, a saber: uma central ou impar, duas lateraes, oceu- pando os bordos lateraes do segmento oral e duas intermedias. A área impar é lanceolada, isto é, mais larga no meio (onde a largura iguala a terça parte do comprimentoje adelgaçada para os extremos anterior e posterior, sendo a maior largura mais perto do extremo anterior. As áreas intermedias são contiguas à central na sua metade posterior, alTastan- do-se della na parte anterior, onde se acham separadas da mesma por angulos agudos reintrantes. Os limites posteriores dessas tres áreas formam uma linha continua transversal; os limites lateraes das áreas intermedias são quasi parallelos na sua metade posterior; ellas conservam pois alh a mesma largura, quasi igual à da área central; mais para diante os li- mites lateraes convergem, terminando as áreas um pouco aquem da cen- tral. As áreas lateraes estendem-se com largura uniforme ao longo dos bordos lateraes do segmento oral, sendo arredondadas no seu extremo posterior. No extremo anterior das áreas lateraes costuma haver ao longo do seu bordo interno um espaço pallido, transparente, sem póros nem ma- lhas. Na sua parte anterior as áreas lateraes são separadas das interme- dias só por um intervallo muito estreito; mas divergindo aquellas, e cor- vergindo estas para traz, esse intervallo vai se alargando cada vez mais. A sutura que limita o lado interno daárea intermedia, prolonga-se anterior- mente além da mesma área, curvando-se para fóra e sendo acompanha- da de uma linha escura. Essa linha de um lado,e do outro o bordo anterior da área Jateral limitam uma listra estreita, pallida, dirigida oblhi- quamente para fóra e para diante, e dilatando-se junto do bordo ante- rior do segmento oral em uma pequena área circular, na qual se acha ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 51 inserida uma antenna biarliculada. As duas antennas são pretas, os seus articulos subcylindricos, sendo o primeiro mais curto a 3 grosso; no ex- tremo do segundo articulo ha dous ou tres filetes transparentes, que fa- zem lembrar os filetes olfactorios das antennas dos crustaceos. No ani- mal de que tirei a fig. 10,0s angulos reintrantes que separam as áreas cephalicas intermedias da central, eram muito. pallidos; escolhi este ani- mal por destacarem-se melhor as áreas; cumpre comtudo notar que, em regra geral, aquelles angulos são tão escuros como as proprias áreas. Entre as áreas intermedia e lateral existe em todos os animaes que examinei, uma pequena macula escura, estreita, longitudinal. Da mesma sorte nunca faltava outra macula preta, elliptica [achei os eixos longitu- dinal e transversal de 0,02 e 0,03"" em um, e de 0,025 e 0,03"" em outro animal;, situada um pouco atraz da longitudinal. Pela sua fórma e côr, estas duas maculas pretas ellipticas podiam passar por olhos; en tretanto, o microscopio não me mostra mais nada que viesse em apoio dessa opinião. Emfim ha, mais para traz ainda, e um pouco diante dos espinhos dorsaes uma fileira transversal de pontos ou malhas miudas es- curas; para velas bem convem examinar o tegumento depois de des- pojado dos musculos e mais partes que a elle adherem. Os quatro se- gmentos intermedios são iguaes entre si. Ao longo do bordo anterior elles têm uma fileira transversal, interrompida no meio, de malhas miudas es- curas, e mais algumas malhas se acham espalhadas um pouco para traz. Quando o animal se contrahe em sentido longitudinal, o bordo an- terior de cada segmento é recolhido embaixo do bordo posterior do so- gmento que o precede, como é regra geral nos insectos. O segmento anal é fortemente comprimido atraz dos espinhos late- raes, o que parece indicar a sua composição primitiva de dous segmen- tos. Em um unico animal (fig. 3), entre centenas, que vi, havia uma segun- da constricção menos forte e entre as duas constricções um segundo par de espinhos lateraes muito pequenos, indicio este de um terceiro segmen- to, que entra na composição do segmento anal. Viremos agora o animal para examinarmos a sua superficie ventral (fig. 1). Prendem a nossa atenção em primeiro lugar seis anneis pretos, um no meio de cada segmento. O seu diametro em animaes adultos é de cerca de 0,5"" e a sua largura igual à terça parte do diametro, de maneira que o diametro do circulo pallido interno, que elles rodeiam, é igual tambem à um terço do diametro da circumferencia externa do annel. São ventosas por meio das quaes o animal adhere firmemente ás 92 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pedras, como às mãos de quem o apanha e que são ao mesmo tempo os seus unicos orgãos de locomoção, pois não ha nem vestígio de pernas, Teremos depois de examinal-os mais detidamente. Nos quatro segmentos intermedios o annel preto é rodeado como de uma corda mui elegante de filetes brancos, havendo geralmente 8 ou 9 de cada lado nos animaes adultos. Faltam no segmento oral e no anal só existem do lado anterior do annel. A superficie ventral é mais pallida que a dorsal, mórmente ao redor dos anneis até a inserção dos filetes brancos; na mesma parte ven- tral dos segmentos o tegumento perde a sua rigidez, consistindo em uma membrana delicada e flexivel; em virtude desta flexibilidade as ventoesas podem, ou sahir muito para fóra do nivel da superficie ventral (fig. 6) ou recolher-se ao mesmo mnivel(fig. 4). A superficie ventral é mais lisa que a dorsal, excepto, porém, um logar aspero ao pé de cada espinho lateral (fig. 13); as asperezas consistem em arcos salientes finamente denteados, (o que não se vê na figura por não ser sufficientemente augmentada), tendo a convexidade para fóra. Junto deste logar aspero começa uma fileira de escamas rijas do feitio dum leque, a qual d'ahi se estende ao longo do bordo lateral dos segmentos. Estas escamas (fig. 14) variam ao infinito em dimensões, fórmas e cores. Em certos casos ellas representam um leque, cuja largura é quasi igual ao comprimento, e cujo bordo terminal é guarnecido de numerosos dentes agu- dos (LO a 12), dos quaes os dous extremos costumam ser os maiores; estes leques bem desenvolvidos e largos são geralmente tambem muito escuros ; em outros casos as escamas são mais estreitas, com os dentes terminaes desbotados e às vezes perfeitamente descorados e transparentes, Deslocando-se um pouco as ventosas, vê-se que dos lados de cada uma dellas existe um pequeno ponto preto que, na posição normal das ventosas, se esconde de- baixo da costa dellas; é o orifício de uma glandula (fig. 6; fig. 11 gs.) Passemos ao que mostram de particular os diversos segmentos. A parte anterior do segmento oral é occupada pela bocca e os orgãos que servem para reconhecer e ingerir as substancias, de que se nutre 0 animal; descrevel-os-hei quando tratar do canal intestinal, A ventosa, cujo centro se acha um pouco adiante da linha transversal, que une as bases dos espinhos lateraes, é frequentemente, porém não sempre, um pouco menor do que as dos outros segmentos. Em um unico animal, infelizmente mal conservado, vi no segmento oral uma segunda ventosa situada mais para traz, cujo diametro era igual a dous terços do da primeira. De cada lado da ventosa, onde nos outros segmentos se vêm os filetes brancos, ha no ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 55 segmento oral tres, pellos fortes; mais para fóra costuma haver outros pellos geralmente menores, cujas dimensões, posição e numero variam muito, em- quanto aquelles tres pares são muito constantes e nunca faltam. As esca- mas do bordo lateral estendem-se muito pouco além dos espinhos lateraes, faltando na metade anterior do segmento oral. No bordo posterior ha duas grossas protuberancias tuberculadas, apenas separadas por um estreito inter- vallo. O segundo segmento distingue-se pelo seu bordo anterior privado de um processo triangular, que existe em todos os segmentos posteriores. O bordo posterior tem duas protuberancias muito menores e mais afastadas uma da outra do que as do segmento oral. Os segmentos terceiro até quinto são quasi iguaes; só as protuberancias do bordo posterior costumam tor- nar-se cada vez menores e mais distantes, de modo que no segmento quinto se acham muito perto do bordo lateral. No meio do bordo anterior destes tres segmentos, como tambem no anal, ha um processo triangular, que entra no segmento precedente, por cujo bordo posterior a sua ponta se acha coberta. Na base do processo triangular ha dous pequenos tuberculos, que, como os dos lados, servem de pontos de inserção à musculos. No segmento anal as escamas em fórma de leque estendem-se ao longo dos bordos lateraes até o bordo posterior ; o limite deste bordo que alias está formando com os lateraes uma curva continua, é marcado de um e outro lado por um par de pellos transpa- rentes, nascendo do mesmo ponto e dirigidos obliquamente para traz e para dentro; no mesmo bordo ha outros dous pellos semelhantes e um numero variavel de pellos menores. Junto do bordo posterior à ventosa abre-se o orificio anal, formando uma elipse transversal, Desse orificio emergem quatro bolsos membranosos, transparentes, de fórma oval, sendo dous maiores dirigidos lateralmente, e dous menores vi- rados para traz. Entre o bordo anterior do orifício anal (fig. 8. ae o pos- terior da ventosa (fig. 8 v) pelo qual frequentemente se acha coberta, ha uma lamina (fig.8) fendida profundamente ou até separada completamente em duas metades triangulares, sendo o bordo interno de cada triangulo armado de dentes em numero variavel. Em certos individuos essa lamina anal é sub- stituida por dous pequenos tuberculos arredondados apresentando sómente dous ou tres dentes, ou até sem dentes. Não sei se seja isto indicio de differença sexual. À lamina anal é movel, podendo as pontas dos triangulos ser viradas para dianfe, o que mais frequentemente se observa, ou para traz. A área central mais pallida e molle, que rodeia a ventosa e os bolsos voiv— 14 54 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL anaes é mais distinctamente circumscripta no segmento anal do que em qual- quer outro. Resta examinar a estructura das ventosas e das suas corôas de filetes bran- cos, que por serem as singularidades as mais notaveis do animal, mere- cem um estudo especial. Examinando-se as ventosas, quando se acham elevadas acima do nivel da superficie ventral (fig. 6, fig.-11), vê-se, que o seu esqueleto preto de chitina consiste de duas partes completamente separadas, das quaes chamarei a inferior e maior de disco, a superior e menor de annel O disco circular, ora plano, ora mais ou menos con- cavo, tem no centro um furo circular, (é o mesmo dos circulos da fig. 12), ao redor do qual se distinguem varias zonas concentricas de estructura diferente. Em primeiro logar, o furo central é cingido de uma zona membra- nosa e transparente, cujo diametro é igual ou pouco superior ao do annel, o qual se póde ver atravez desta mesma zona pellucida (fig. 12); na parte central a membranosa parece homogenea; em alguma distancia do furo central apparecem linhas radiaes finissimas, tanto mais distinctas quanto mais se aproximam á circumferencia. Segue em segundo logar uma zona escura, que na parte central mostra distinctamente a sua composição de fibras radiaes; a parte peri- pherica é quasi homogenea, descobrindo-se só algumas linhas radiaes trans- parentes e finissimas. Na circumferencia desta zona ha tres pares de póros circulares; os do par anterior são menos distantes um do outro do que os do par posterior; os do segundo par estão quasi no meio entre os anteriores e os posteriores. Medi em tres animaes, com a possivel exa- clidão, as cordas tiradas entre estes póros e calculei as suas distancias angulares, o que deu o segninte resultado : Designando-se por A, A os pares anteriores, por B, B os intermedios, por €. € os posteriores, tinham: No 1º animal No 2º animal RATE A a e and po Doo OMS aiB RES gs ur sat To Mmearco “ABHEBCO sos: MS Pao rea A ol O sem pi A8º DEAnCONG( Lo gases AD Sri CA o 96º No 3º animal No 4º animal OS ECDE A Acao o aee se RS dy Fel! So RAE RS orancor AB Bla ada s, A ater (TS Sa DE RA fa NE o K DEL CO GO o qi Sa RR eo ODE e Rr De ELO ” ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL E) De cada póro nasce um pello, cujo comprimento é quasi igual à lar- gura desta segunda zona. Vem em terceiro logar uma zona estreita, escura tambem, que das mais se distingue por seus elementos constituintes não serem dispostos radialmente. Em animaes menores, ella se mostra composta de pedacinhos polygonaes; em animaes adultos despedaça-se, sendo comprimida entre laminas de vidro, em fragmentos maiores irregulares. A quarta zona fôrma uma corôa elegantissima de raios soltos de cerca de 0,057" de com- primento. Esta corôa de raios soltos é interrompida por um intervallo estreito no extremo anterior do diametro longitudinal. Ha emfim ao redor do disco uma lindissima orla membranosa, guarnecida de franjas, a qual tambem mostra uma incisão correspondente ao intervallo da corôa de ralos. O annel preto circular, que pôde ou descer ao nivel do disco ou afastar-se delle(como nas figuras 6 e 11) dilata-se um pouco na sua parte superior, sendo, em animaes adultos, o seu diametro inferior de cerca de 0,2mm, o superior de 0,257m e a altura de cerca 0,067, O annel é tapado por uma membrana convexa, na qual distincta- mente se vêm as impressões dos musculos, que nella se inserem (fig. 11 a PA Para se fixar a ventosa, o disco provavelmente será applicado à pedra com o amnel descido ao mesmo nivel, sendo em seguida elevado o annel, que desta sorte fará as vezes de um embolo; neste caso os pellos nascendo dos póros do disco, provavelmente servem de orgãos de tacto. Os filetes brancos geralmente se acham, como já disse, em numero de 8 ou 9 de cada lado da ventosa, nos segmentos segundo até quinto, e de 6 no segmento anal. Isso nos animaes adultos; nos mais novos o nu- mero é menor c, como os filetes anteriores e posteriores de cada grupo são sempre muito mais compridos do que os do meio, é de presumir que aquelles sejam os mais velhos e estes desenvolvidos em ultimo logar. Em cada filete entra (fig. 11) uma trachea ou canal aerifero, que se di- vide e subdivide em um sem numero de raminhos subtilissimos. E ao ar contido nessas tracheas que os filetes devem a côr branca. Elles são pois guelras ou branchias aeriferas. Eis os factos. Vejamos as conclusões que se podem deduzir delles ácerca da posição systematica do animal. A existencia de branchias aeriferas põe fóra de qualquer duvida o ser elle a larva de algum insecto. Ora, sendo ápode, é exclui- do das ordens dos Orthopteros, Neuropteros, Trichopteros, Lepidopteros 56 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL e MHenipteros, cujas larvas possuem todas os tres pares de pernas tho- racicas. Nem tão pouco poderá entrar na ordem dos Hymenopteros, cujas larvas, quando aápodes, carecem ao mesmo tempo do orificio anal; além disso, não ha larva de Hymenoptero vivendo n'agua e dotada de bran- chias. Entre os Coleopteros ha larvas aquaticas, cujo abdomen é guarne- cido de um e outro lado da face ventral de bellissimas branchias aeri- feras (na familia das Parnideas); porém essas larvas não são aàpodes; ha outras larvas de Coleopteros privadas de pernas, mas estas todas vivem fóra da agua. Restam pois unicamente os Dipteros; nesta ordem todas as larvas são àpodes, muitas são aquaticas e entre estas não escasseiam as dotadas de branchias aeriferas. Assim, já pelo exame do exterior, fica summa- mente provavel o ser o animal a larva de algum Diptero. As ventosas e a disposição das guelras ao longo de quasi toda a face ventral, são factos inteiramente novos entre as larvas dos Dipteros. Muito mais extraordinario ainda é, para uma larva de insecto, o numero dos segmentos. Por mais profundamente modificadas que sejam as larvas dos differentes insectos, por mais que ellas se tenham afastado da sua fórma primitiva, todas ellas conservam bem distinctos os seus 14 ou ao menos 13 segmentos (cabeça, 3 segmentos thoracicos e 10 ou 9 abdominaes). Não ha larva em que o numero dos segmentos bem separados fosse menor, do que no insecto perfeito em que ella se vai tranformar. Uma larva de insecto com seis segmentos sómente é um verdadeiro paradoxo; falta mais da metade para completar o numero normal. Surge pois ahio problema de determinar a que segmentos do insecto perfeito correspondam os seis da Jarva e de quantos segmentos pri- mitivamente distinctos se componham os seus segmentos oral e anal. Para resolvel-o, ha dous caminhos: estudar a anatomia e seguir a metamor- phose da larva. Irei pois expôr na segunda parte do presente trabalho a estructura anatomica da larva, dedicando a terceira às suas transfor- macões ulteriores, TAM ORPHOSE BE UM INSECTO BIPTERO SEGUNDA PARTE ANATOS PELO DR. FRITZ MULLER Naturalista viajante do Museu Nacional. Encetei o exame anatomico da larva, que descrevi na primeira parte do presente trabalho, com o fim principal de determinar a que segmen- tos de outras larvas de insectos correspondam os seis segmentos de que ella se compõe, esperando ao mesmo tempo achar um ou outro facto, que indicasse inequivocamente a ordem e familia de insectos, em que devia ser collocado animal tão extraordinario. Deixei de indagar a es- tructura dos orgãos de circulação (vaso dorsal), e os primeros vestigios, que de certo já existem, dos orgãos sexuaes; teria sido uma tarefa bas- tante difficil, e superior talvez à minha pouca habilidade, não promet- tendo aliás resultados aproveitaveis para o fim que almejava. 1. Canal intestinal e partes annexas A bocca eos orgãos annexos occupam a parte anterior da face ven- tral do primeiro segmento. Esta região boccal é limitada posteriormente por um sulco transversal (fig. 9, st.), percorrido por numerosas linhas fi- nissimas transversaes (fig. 1, st.). v.av— 15 s ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL [Al De cada lado da mesma região boccal ha uma peça chitinosa larga, dura e escura (fig. 1, pc.) formando as duas peças um verdadeiro qua- dro boccal (« cadre buccal ») como Milne Edwards o chamava nos crusta- ceos Decápodes. Anteriormente essas peças coincidem com o bordo late- ral do segmento oral, do qual se afastam um pouco para traz. Os seus extremos anterior e posterior são arredondados; dos bordos lateraes é concavo o interno, o externo convexo e guarnecido de pellos fortes, curtos, curvados. Junto do bordo interno nasce um pello muito mais comprido, recto e se- melhante aos tres que se vêm de cada lado da primeira ventosa. Das duas peças chitinosas parte um complicado esqueleto de processos e prolon- gamentos chitinosos, que atravessam o interior do segmento oral, servindo à articulação das partes boccaes e à inserção dos seus musculos. As partes boccaes são em numero de oito, a saber: o labio anterior ou superior, tres pares de orgãos lateraes e a lingua. O labio anterior ou superior (La, fig. 1.2.3.) tem uma fórma pouco commum nos insectos, bem que frequente nas larvas de crustaceos, de uma carapuça membranosa; é coberto de curta pennugem, e munido de dous pellos rectos, tenros, hyalinos, dirigidos para diante, e se- melhantes em tudo aos dous que nascem junto do bordo anterior do segmento oral, na face dorsal. Serão pellos sensitivos? As mandibulas ou primeiro par das partes boccaes lateraes, articulam (fig. 4) em dous proces- sos chitinosos, partindo de perto do extremo anterior do quadro boccal. Ellas são duras, pretas, de largura quasi egual ao comprimento. O seu bordo terminal é dividido mais ou menos profundamente (fig. 4.5.) em tres porções separadas por estreitos intervallos menos escuros e um pouco transparentes; a porção anterior ou interior excede às outras duas em comprimento e termina por um forte dente triangular; a porção inter- media é a mais larga das tres, tendo o seu bordo terminal ás vezes canaliculado e o bordo externo armado de numerosos dentinhos agudos. As mandibulas dos insectos, como tambem dos crustaceos, costumam ser articuladas de modo a poderem afastar-se uma da outra, ou apro- ximar-se, movendo-se para fóra ou para dentro; servem para apanhar, segurar, cortar ou mastigar as substancias elementares. Dessa regra geral fazem uma excepção muito notavel as mandíbulas da nossa larva por não se moverem lateralmente, e sim de diante para traz. Quando viradas para diante (md. fig. 2 3. 5.) o seu bordo terminal ultrapassa um pouco o bordo anterior do segmento oral, emquanto o mesmo bordo terminal quasi tocará a lingua, quando estiverem viradas para traz (md. fig. 1.4). Por este movimento de diante para traz as mandibulas poderão raspar ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 59 a superficie das pedras e introduzir na bocca as algas microscopicas e outras substancias de que se nutre a larva. As maxillas, ou segundo par das partes boccaes lateraes (mx. fig. 1. 2.3.6.7.8.9.) são inseridas um pouco para traz e para fóra das man- dibulas; grossas e como inchadas na sua parte basal, ellas na parte terminal se adelgaçam em um gancho virado geralmente para cima ou para fora; junto do bordo convexo desse gancho nasce da face dorsal das maxillas uma crina de pellos bastos e rijos. Na face ventral da base das maxillas apparece uma figura circular, transparente, com contornos mais ou menos escuros, e dentro desta fi- gura se destacam dous pequenos circulos com contornos grossos e escu- ros e um ponto central tamhem escuro, exhibindo tudo isso à primeira vista uma semelhança sorprendente com orgãos auditivos, com os seus otolithos, dos molluscos e de certos crustaceos. Essa semelhança, com- tudo, desfaz-se completamente a um exame menos superficial; vê-se que aquelle curioso orgão consiste em uma bexiga membranosa quasi he- mispherica, rodeada frequentemente de um annel escuro, a qual se ele- ya na parte basal da maxilla, e cuja superficie é munida de dous ma- millos ou tuberculos salientes (fig. 7, m) compostos de um annel cylin- drico escuro basal, e de uma calote transparente terminal. Entre esses dous mamillos maiores ha um grupo de quatro ou cinco muito menores. Junto à base da bexiga hemispherica aimda ha uma fileira curvada de cerca de dez pontos mamillares (fig. 7, p) ou antes circulos muito miu- dos, pretos, elevando-se do centro de cada um delles uma pontinha, preta tambem. Parece-me provavel que tanto estes pontos mamillares como aquelles mamillos maiores e menores da bexiga sejam mamillos gustativos. (Comparem- se os mamillos gustativos «papilles gustatives » figurados pelo Dr. Augusto Forel nas maxillas e lingua das formigas na sua interessantissima obra : « Les fourmis de la Suisse ».) O terceiro par de partes boccaes são duas almofadas (alm. fig. 1. 2.3. 9.), que dos lados da lingua se estendem obliquamente para fóra e para diante ; quando bem expandidas a sua face externa lisa (visivel na fig. 9), é apph- cada à face ventral do segmento oral; a sua face interna (ou inferior nas almofadas expandidas) é convexa e armada de cerca de uma duzia de fileiras de pontinhas e ganchinhos microscopicos, parallelos ao eixo maior da almofada e dando-lhe a apparencia da lingua de certos molluscos gas- teropodes; ao longo do bordo da almofada, entre as faces externa e in- 60 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL terna estende-se uma listra densamente coberta de pellos. Si essas almofadas corresponderem, como é de presumir, ao terceiro par de partes oraes de outros insectos, isto é, às maxillas posteriores, seria notavel o serem ellas perfeitamente separadas; porque em regra geral essas maxillas posteriores são unidas, nos insectos, em um orgão impar a que os entomologistas chamam labio inferior. Emfim a lingua ou hypopharynx (h, fig. 1. 2.3. 13) é uma eminen- cia conica ou arredondada, no bordo posterior da bocca No interior da ca- vidade boccal nota-se, além de outros pellos menores, uma guedelha ou feixe de pellos tenros e compridos, nascendo junto da base de cada mandibula (p, fig. 5). Quanto à funcção das differentes partes, que rodeiam a bocca, tocará aos pellos sensitivos do bordo frontal e do labio superior, como aos mamillos gustativos das maxillas o papel de examinarem as sub- stancias que tenham de servir de alimento. As almofadas applicando-se às pedras, para o que são excellentemente apropriadas pelas suas fileiras de pontas e ganchos, formarão, com as maxillas guarnecidas de uma crina basta de pellos rijos, uma camara bem fechada, dentro da qual poderão jogar as mandibulas raspando o que houver nas pedras e puxando-o para 0 interior da bocca, sem risco de lhes ser levado pelo impeto das ondas, que levam as mesmas pedras. Na base da lingua acha-se uma lamina chitinosa (le, fig. 11. 13). prolongada para traz em dous filetes (fi, fig. 3. 13) que se estendem até o limite posterior da região boccal. Essa lamina chitinosa curva-se para cima até quasi se tocarem os seus bordos lateraes, constituindo assim um annel ou collar quasi com- pleto, só interrompido em cima por um pequeno intervallo, ao redor da entrada do esophago (fig. 153). De um e outro lado desse annel partem laminas chitinosas estreitas e compridas, um pouco curvadas, do feitio de alfanges (fig. 11. 12 13), que se estendem ao longo da parede dorsal do esophago e cujas pontas são encerradas em um pequeno appendice cego (ac. fig. 11) partindo da mesma parede dorsal do esophago. Desses alfanges ha tres de cada lado (fig. 12) e além disso dous filetes (f.p. fig. 12) muito mais estreitos, mui tenros, applicados ao longo do seu bordo ventral, do mesmo comprimento dos alfanges, entre os quaes se acham escondidos. O canal intestinal compõe-se de tres partes ou secções distinctas que differem tanto pela sua structura como pelas suas funeções, a saber: a parte oral (« Munddarm » dos autores allemães) ou esophago, a parte media (« Mitteldarm ») ou estomago, e a parte terminal(« Enddarm ») ou ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 61 intestino. Achei sempre vasio o esophago e só raras vezes encontrei ma- terias fecaes no intestino, emquanto o estomago estã quasi sempre re- cheado de substancias alimenticias de um até outro extremo ; aquellas duas secções, pois, só servem para a entrada dos alimentos e sahida dos escrementos, que nellas não se demoram, e o estomago accumula as func- ções não só que lhe são proprias como de grande parte dos intestinos dos animaes vertebrados. No tocante à estructura, o esophago e intestino mostram uma membrana intima ou cuticula chitinosa, circumdada de fortes musculos, tanto longitudinaes como circulares, formando estes a camada exterior, como é regra geral nos crustaceos e insectos. Tanto a membrana intima chitinosa como as duas especies de musculos existem tambem no estomago; porém ahi estes são muito menos fortes, não cons- tituindo camadas continuas e sim limitando-se a fitas estreitas separadas por largos intervallos. Mas o que caracterisa principalmente o esto- mago, € a existencia de uma grossa camada intermedia entre a mem- brana intima e os musculos, composta de grandes cellulas (fig. 18, 19) com conteúdo granuloso, opaco, que facilmente se separam umas das outras, e que faltam ao esophago e intestinos. A parede dessas cellulas é consi- deravelmente engrossada na parte contigua à cuticula, formando ali um limbo transparente (fig. 18). Varios autores aflirmam que o estomago dos insectos se distingue do esophago e intestino, pela falta de membrana intima, de que são estes dotados, ou pelo menos se esta membrana existia, não é chitinosa. Na nossa larva a membrana intima é a parte mais resistente do es- tomago e póde ser isolada com a maior facilidade, e resistindo ella à acção prolongada da solução de potassa caustica fervendo, não póde ha- ver duvida, de que consista de chitina. Não seria aquella opinião erronea ao menos neste caso especial, de- vida simplesmente a preconceitos theoricos, negando-se a cuticula chi- tinosa ao estomago, só para derivar este do endoderma, concedendo-a ao esophago e intestino por derivarem do ectoderma, que fornece o esque- leto chitinoso dos insectos? O esophago vae até pouco além da primeira ventosa, principiando ainda no segmento oral o estomago, que d'ahi estende-se em linha recta até ao ultimo segmento, acabando acima da ultima ventosa ou pouco antes (fig. 14-15). O limite entre o estomago e o intestino é marcado não só pela mudança repentina do diametro, o intestino sendo muito mais estreito, V. Iv-— 16 62 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pelo desapparecimento da camada cellular e pelos musculos fracos no estomago, fortes no intestino, como tambem pela inserção dos vasos uri- narios (fig. 14-16). O intestino dirige-se primeiro para diante, geralmente situado no lado direito da superficie dorsal do estomago, sendo, porém, raro encontral-lo no lado esquerdo. Esta parte ascendente do intestino tem apenas o comprimento de um unico segmento; perto da quinta ven- tosa volta para traz, indo em direitura ao orificio annal, que se acha na face ventral do ultimo segmento à pouca distancia da ultima vento- sa. A fôrma do orifício annal é variavel, podendo ser elliptica ou a de um trapezio com vertices arredondados e com a base menor virada para traz, variando muito as dimensões relativas das duas bases e da altura do trapezio; a base maior ou anterior costuma ser recta ou até conve- xa, quando a lamina annal fôr bem desenvolvida, curvada para dentro ou concava, quando a dita lamina fôr substituida por dous pequenos tuberculos (fig. 10). Annexo ao canal intestinal acha-se um par(talvez mais) de glandu- las salivares e os vasos urinarios ou malpighianos. As glandulas salivares (gs. fig. 13) são tubos simples cylindricos, situados na altura da primeira ventosa, dobrados de maneira que ambos os seus extremos estejam vira- dos para diante. As cellulas glandulares cingem um estreito. canal excre- torio. Sahidos da glandula os dous canaes exeretorios dirigem-se obli- quamente para diante, convergindo e encontrando-se na linha mediana um pouco adiante do limite posterior da região boccal, embaixo do ganglio nervoso infraesophageano ; ahi elles reunem-se em um unico canal impar, o qual segue para diante na linha mediana, abrindo-se provavelmente na base da lingua. Vi uma pequena glandula perto da base da mandibula que prova- velmente tambem é salivar, e tambem i junto da margem frontal do segmento oral numerosas cellulas transparentes muito grandes, se- melhantes ás que constituem a glandula salivar superior das abelhas, si- tuada no mesmo logar. (1) No limite entre o estomago e o intestino, nasce de um e outro lado um estreito vaso wrmario (fig. 16, vu), que acompanhando o estomago se dirige para diante. No penultimo segmen- to um desses vasos se divide em dois e o outro em tres. Parece que é mais frequente haver tres vasos urinarios no lado direito e dous no esquerdo (fig. 14.16.17.); mas dá-se tambem em certos individuos o caso (1) Leydig, Lehrbuch der Histologie 1857. pag. 349, fig. 186, B. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 6:3 contrario (fig. 15). Um dos vasos de cada lado (fig. 17. 1) acompanha o es- tomago até o seu extremo anterior; entra pois no primeiro segmento, donde volta outra vez para traz até o lado ou além da ultima ventosa. O segundo vaso de cada lado (fig. 17. II) vai geralmente só até a quarta ventosa ou pouco além, donde volta para traz, e o terceiro (fig. 17, HI), que só de um lado existe, costuma voltar para traz logo depois de ter entrado no quarto segmento. Todos elles terminam aos lados da ultima ventosa, ou um pouco além, ou áquem. Os vasos urinarios são mais ou menos tortuosos (geralmente muito mais do que os do animal da fig. 17)e por isso nem sempre é facil acompanhal-os em todas as suas voltas. Quasi sem côr da inserção até a sua divisão em dous ou tres ramos, os vasos urinarios tomam depois uma côr pardacenta ou arruivada, a principio desmaiada, mas tornando- se depois tanto mais carregada e escura quanto mais se afastam da in- serção; ao mesmo tempo augmenta tambem, ainda que muito pouco, O diametro dos vasos. As cellulas glandulares dos vasos urinarios são tão grandes que uma só occupa toda a largura do vaso. (fig. 20) E” muito raro existirem os vasos urinarios dos insectos em numero de cinco; se- gundo Siebold (1) este numero só teria sido observado nos grupos dos Culicinos e dos Tipulinos noctuiformes (ou Psycholinos), ambos perten- centes às Tipularias ou Dipteros Nemoceros. O facto de haver, na nossa larva, cinco vasos urinarios, vem pois não só confirmar o resultado dedu- zido do exame do exterior, de ser ella a larva de algum Diptero, como tambem indicar a secção dessa ordem de insectos, a que provavelmente deve ser referida, a saber, as Tipularias. Nas larvas dos insectos o esophago costuma percorrer todo o thorax, principiando só no abdomen o estomago; pelo contrario os vasos uri- narios costumam limitar as suas voltas ao abdomen, sem entrarem no thorax. Si essa regra valer tambem para a nossa larva, o primeiro dos seus seis segmentos comprehenderia não só a cabeça e todo o thorax, como tambem parte do abdomen. (1) Siebold, Lehrbuch der vergleichenden Anatomie der wirbellosen Thiere 1848, pag. 626. O CR | OR DR ão obado SEREM + Rr | Sd VA, NY À PHOSE DE UM INSECTO DIPTERO TERCEIRA PARTE BM ETA DA DARVA PELO DR. FRITZ MULLER Naturalista viajante do Museu Nacional. ANATO ? 2. Vasos aeriferos Com excepção de certas larvas e chrysalidas ou aquaticas ou para- sitas, o apparelho respiratorio de todos os insectos consiste em um sys- tema de tracheas ou vasos aeriferos, que communicam com o ar am- biente por meio de uma serie duplice de stigmas ou spiraculos dispos- tos symetricamente por pares occupando os lados do corpo. De cada spi raculo parte um tronco inicial ou primario (« tracheé d'origine »), cu- jos ramos (« trachées de distribution ») dividindo-se e subdividindo-se em raminhos innumeraveis, penetram todos os orgãos, trazendo-lhes o ar vi- vificador. Só em casos rarissimos essas arvoresinhas aeriferas ficam inde- pendentes umas das outras; em regra geral ellas communicam entre si por anastomoses (« trachées de communication ») tanto longitudinaes (« tra- chées connectives » de Milne Edwards) como transversaes (« trachées com- missurales » de Milne Edwards). Em diversas larvas parasitas, como sejam as de Anomalon e de Microgaster; e em muitas larvas e chrysalidas aquaticas os vasos aeriferos não communicam directamente com o ar, sendo fechados de todos os lados; neste caso o ar contido nos ditos vasos não póde ser renovado directamente, e só atravez das paredes d'aquel- les vasos que se ramificarem, seja na superficie do corpo, seja em branchias aeriferas, o acido carbonico resultante do processo da respiração poderá ser substituido pelo oxygeneo dissolvido no fluido ambiente. Desde que ve iv—lY 66 ARCHIVOS DO MUSEU NACIQNAL se principiou a applicar as idéas de Darwin aos insectos, surgio neces- sariamente esta questão: qual dessas duas fórmas do apparelho respiratorio devia ser considerada como primitiva, e como della podia ser derivada a outra. Um dos juizes mais competentes em questões morphologicas e phylogeneticas, Carl Gegenbaur, pronunciou-se em favor das tracheas fecha- das. (1) Segundo elle os vasos aeriferos teriam tido primitivamente uma fun- cção puramente hydrostatica; distribuindo-se os seus ramos na superficie do corpo ou nas branchias teriam passado a servirem tambem à respiração; emergindo finalmente os insectos da agua para viverem no ar, teriam cahido as branchias e pela ruptura dos seus vasos aeriferos teriam re- sultado orifícios ou spiraculos, ficando desta sorte abertas as tracheas primitivamente fechadas. Paul Mayer, e outros (2) declararam-se contra esta hypothese de Gegenbaur, a qual comtudo só ha pouco foi victoriosa e definitivamente refutada por Palmen. (3) Este observador circumspecto e con- sciencioso mostrou que em todas as larvas aquaticas já existem prefor- mados, bem que aimda fechados, os spiraculos dos futuros insectos, e que elles nada têm com as branchias aeriferas; mostrou que tambem já exis- tem desde a mais tenra edade, bem que reduzidos a cordinhas impervias os troncos iniciaes dos vasos aeriferos, cabendo-lhes um papel importan- te no acto de despojarem-se as larvas de seu tegumento e ao mesmo tempo da membrana intima dos vasos aeriferos; mostrou finalmente que estes factos só são explicaveis admittindo-se que as ditas larvas são des- cendentes de avós providos de tracheas abertas. No tocante a esta questão tão importante para a morphologia e a phylogenia dos insectos a nossa larva é muito interessante, confirmando plenamente os factos es- tabelecidos por Palmen, como provará a descripção, que passo a dar de seu apparelho respiratorio. Na face ventral de cada um dos segmentos segundo até sexto, acha- se nos angulos formados pelos bordos lateraes e anterior um ponto de inserção de um tronco inicial dos vasos aeriferos, isto é, um futuro spi- raculo (fig. 4. p. IV até p. VII). No segmento anal esse ponto de inserção (fig. 4. p. VII) costuma ser um pouco mais afastado do bordo anterior do que nos segmentos que precedem. Neste mesmo segmento ha um se- (1) Carl Gegenbaur, Grundzuge der vergleichenden Anatomie. 1870, pag. 440. (2) Fritz Muller, Beitrage zur Kentniss der Termiten. IV Jenaische Zeitschr: fiir Nat. IX, pag. 258. (3) Palmen, zur Morphologie des Tracheensystems. Helsingsfors 1877. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 67 gundo par dos ditos pontos (fig. 1. p. IX) na altura da constricção que existe atraz dos espinhos lateraes. Enfim ha dous pares no segmento oral (fig. Ri p. IL, p. II), pouco distantes um do outro, immediatamente atraz da primeira ventosa. Fóra dos oito pares de pontos ventraes ha ainda um par sifuado na face dorsal do segmento oral (fig. 2, p 1), quasi opposto ao primeiro par (fig. 1, pag. 11) dos ventraes. Em certos, bem que rarissimos individuos, todos aquelles pontos podem ser vistos com facilidade por se acharem marcados de uma pequena mancha preta; geralmente, porém, para vel-os, é necessario tratar os animaes com solução de potassa caustica fervendo até tornar-se transparente o integumento chitinoso. Nos quatro segmentos intermediarios ( segundo até quinto) a distribui- ção dos vasos aeriferos é identica. O tronco imicial (fig. 1, ti) reduzido a cordinha impervia, dirige-se para traz e um pouco para fóra e para cima, percorrendo dous quintos ou pouco mais do comprimento do seg- mento, inserindo-se no lado interior de um grosso vaso aerifero. Esses troncos iniciaes, reduzidos a cordas impervias, são muito mais compridos no nosso animal do que em qualquer outra larva, em que até agora foram observados por Palmen e por mim. O vaso aerifero, em que se insere o tronco inicial, fôrma neste logar um arco, cuja convexidade é virada para fóra, e que de diante e de cima desce para traz e para baixo. À parte que desce é o ramo bran- chial (fig. 1. rbr.); chegado à parede ventral do segmento, divide-se em dous ramos principaes, um anterior, outro posterior, e estes subdividem- se em tantos ramos secundarios quantas são as branchias, nas quaes entram e dissolvem-se em raminhos numerosissimos e finissimos. (Para não complicar demais a figura deixei de representar as ramificações do ramo branchial). Antes de se bifurcar o ramo branchial emitte um ramo muito mais delgado (fig. 1, rv p) bifurcado a pequena distancia da sua ori- gem e que se ramifica nas partes, que occupam a parede ventral do segmento, mórmente na parte posterior; pôde, pois, ser chamado ramo ven- tral posterior. A parte, que sobe, ou o ramo dorsal do arco (fig. 1, rd) vai para dentro e geralmente mais ou menos para diante até chegar acima do intestino; ahi elle muda de direcção, indo para diante em linha recta até encontrar o ramo correspondente do segmento, que precede. Assim, estes ramos unidos formam de um e outro lado um tronco longitudinal (fig. 1, tl) situado em cima do intestino (fig. 3, tl). Estes dous troncos 68 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL longitudinaes, que segundo a opinião de Gegenbaur e outros seriam a parte primitiva do syslema aer'fero, mostram mui distinctamente em a nossa larva a sua origem secundaria pela união de diversas partes consti- tuintes; porque ao entrar de cada novo ramo elles augmentam consideravel e subitamente de grossura. — À pequena distancia do bordo posterior de cada segmento nasce do lado interno do tronco longitudinal um pequeno ramo superior (fig. 1, r.s,), que perto de sua origem se curva para traz, corren- do por cima do intestino. Alem do grosso tronco longitudinal ha outro ramo connexivo (fig. 1, rc), muito mais delgado, ligando entre si os ramos dorsaes dos diffe- rentes segmentos. Nasce do lado convexo do arco, em cujo lado concavo se insere o tronco inicial quasi opposto a este; (seria talvez mais acer- tado dizer, que neste ponto o tronco inicial se divide em tres ramos: o branchial, o dorsal e o connexivo); o ramo connexivo corre para dian- te e abre-se no ramo dorsal do segmento precedente, para dentro do tronco inicial. A alguma distancia da sua origem o ramo connexivo dá do seu lado interno, um ramo, que, passando entre o tronco inicial e o ramo dorsal vai para dentro a ramificar-se na parte anterior e ventral do respectivo segmento, (ramo ventral anterior fig. 1, rv.a). E" muito notavel a falta completa, nestes segmentos, de ramos trans- versaes, que ligassem os vasos aeriferos de um lado aos do lado oppos- to, [« trachées commissurales » M. Edw). Apenas existem algumas anasto- moses entre ramos finissimos. A distribuição dos vasos aeriferos, que nascem do par anterior de troncos imiciaes do segmento anal, é quasi a mesma dos segmentos in- termedios; existem os ramos branchial, dorsal e connexivo e o tronco longitudinal; não vi bem os ramos ventraes. Muito mais interessante é o par posterior do mesmo segmento, o tronco inicial; em vez de ser uma cordinha impervia, como em todos os pares anteriores, é Óco e cheio de ar até o seu ponto de inserção (fig. 1, p IX). Só em um ou outro individuo elle parecia-me ser par- cialmente obliterado. Sem dar ramo maior, elle vai do ponto de inserção para dentro e para cima, curvando-se depois para diante a unir-se ao ramo dorsal do par anterior. Os pontos de inserção tambem deste ultimo par differem notavel- mente dos outros, exhibindo ainda o feitio de spiraculos; vê-se (fig. 1. B) uma lamina chitinosa percorrida por um sulco longitudinal, que tem a apparencia de uma fenda, sendo entretanto completamente fechado. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 69 Esta difflerença entre o ultimo par de troncos iniciaes e todos os que precedem, é muito interessante. Sendo, como mostra Palmen, a unica funccão dos ditos troncos nas larvas destituidas de spiraculos, a de ser- vir no despojar a membrana intima dos vasos aeriferos, não havia necessi- dade que o ultimo par como todos os mais fossem Ôcos e aeriferos. Ha ahi uma difliculdade muito séria para os adversarios de Dar- win, que não admittem a transformação das especies, e sim, com Agas- siz, as consideram como pensamentos encarnados do Creador. No entender dºelles, desde o principio o Creador teria concebido um plano typico e inalteravel para cada grupo de seres organicos; as partes rudi- mentares e sem funcção só existiriam por assim o exigir o tal plano ou, como tambem disseram, para guardar a symetria do organismo. Pouco ou nada vale esta explicação das partes rudimentares; mas nem mesmo ella é applicavel ao presente caso. Como poderia o plano typico exigir que o ultimo par de troncos iniciaes seja acrifero e todos os mais ru- dimentares, se a todos elles cabe a mesma funcção, resultando d'ahi uma symetria evidente? Para elles, pois, haverá aqui um capricho inexplica- vel do Creador. Para os partidarios de Darwin, pelo contrario, o facto é muito significativo e de facil explicação, fornecendo até uma das pro- vas mais frisantes da verdade do transformismo. As especies, cujas larvas tem os vasos aeriferos fechados, são des- cendentes de outras, em que os spiraculos eram abertos e os troncos niciaes pervios. Habituando-se à vida aquatica, conservavam fechados os spiraculos, emquanto estavam debaixo d'agua, estabelecendo-se e aperfei- coando-se successivamente a respiração cutanea ou em toda a superficie do corpo ou em branchias aeriferas. Seguia-se a obliteração successiva dos spiraculos e dos troncos iniciaes, que não serviam mais para ad- missão do ar, progredindo esta obliteração dos spiraculos para dentro “com o andar do tempo. O facto de serem impervios os troncos iniciaes anteriores emquanto os do ultimo par ainda são aeriferos, mostrando os seus pontos de in- serção ainda o feitio de spiraculos, explica-se simplesmente pela diffe- rença do tempo, que decorreu, desde que estes e aquelles deixaram de funccionar. Antes de chegar à respiração puramente aquatica, que hoje têm, as larvas dos ascendentes da nossa especie devem ter vivido na agua, respirando comtudo o ar por meio de spiraculos collocados no extremo posterior do abdomen, tendo já desapparecido os spiraculos na parte anterior do corpo, que ellas conservavam constantemente submer- v. Iv—l8 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL gida. E” bem sabido, que isso se dá com as larvas aquaticas de varios Dipteros e outros insectos, (« larvas metapneusticas » de Schiner e Brauer, ) v.g. com as do genero Culex, que, apezar da differença enorme no exterior, con- cordam tambem com a nossa larva no numero insolito de seus vasos urinarios. Restam os vasos aeriferos do segmento oral. Os troncos longitudinaes continuam até um pouco áquem do ultimo dos tres pares de pellos (fig. 1. pl) inseridos de um e outro lado da primeira ventosa. All ter- minam abruptamente; a parte terminal é virada obliquamente para fóra e tem as linhas transversaes da membrana intima muito mais grossas e espaçadas do que os mais vasos aeriferos; essa parte terminal é mais desenvolvida nas larvas adultas, apresentando no fim da vida larval uma côr pardacenta. No limite entre o primeiro e segundo, ou um pouco além ou áquem, nasce do lado exterior do tronco longitudinal um ramo del- gado dirigindo-se para diante e para fóra, e unindo-se com o ramo con- nexivo do segundo segmento; depois de ter dado do seu lado interno um raminho ventral, elle se transforma em cordinha impervia, que, con- tinuando na mesma direcção, vai inserir-se na parede ventral. O ponto de inserção (fig. 1, p. HI) é situado junto da inserção de um processo chitinoso, que, partindo da parede ventral, se dirige obliquamente para dentro, para diante e para cima e termina em um pequeno gancho. Um pouco mais para diante, na altura do extremo anterior do tronco longitudinal, ha outro ponto de inserção (fig 1, p. IL) de uma cordinha impervia, a qual vai a um pequeno vaso aerifero, que, sob um angulo muito agudo, se insere no tronco longitudinal. Emfim ha no mesmo segmento oral uma terceira cordinha (fig. 2) partindo do extremo do tronco longitudinal, dirigindo-se para fóra e para cima, e inserindo-se na parede dorsal (fig. 2. p. 1). Tambem nas larvas das Libellulas o primeiro spiraculo (fechado, ainda que alias bem formado) é situado na face dorsal, entre o prothorax e o mesothorax (1) Perto do extremo anterior do tronco longitudinal nascem varios ramos, que seria longo enumerar, e descrever minuciosamente ; só merece menção um ramo superior situado em cima do canal intestinal e unido por um raminho commissural ao ramo correspondente do lado opposto. Yamos às conclusões deduziveis dos factos que acabo de expôr. (2) (1) Palmen, Morphologie des Tracheensystems, pag. 35. (2) Sinto não poder examinar, para comparal-os com os da nossa larva, os vasos aeriferos das larvas de Culex, que apezar de quasi sempre abundantissimas não pude achar agora, devido isso ao tempo invernal e uma secca prolongada. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL gi Nas larvas de Corethra plumicornis, (1) cuidadosamente examinadas por Palmen, ha dez pares de troncos iniciaes. transformados em cordinhas impervias, sendo dous thoraxicos e oito abdominaes; elles faltam, como sempre, no ultimo segmento abdominal. Na nossa larva ha tres pares de cordinhas no segmento oral, que provavelmente são as do mesothorax, do metathorax e do primeiro seg- mento abdominal. Seria pois este segmento oral um verdadeiro cephalothorax, compre- hendendo não só a cabeça e os tres segmentos thoraxicos, como até o primeiro segmento abdominal, o qual, segundo Palmen, entra na compo- sição do thorax tambem na Corethra plumicorms e de outros dipteros, logo que chegam ao estado de insectos perfeitos. No segmento anal ha dous pares de troncos iniciaes, e como o ultimo segmento abdominal ca- rece de spiraculos em todos os insectos, o dito segmento deve compre- hender ao menos tres segmentos abdominaes, se forem quatro, seria com- pleto o numero de segmentos, que geralmente se observa nas larvas dos insectos dipteros. ? 3. Musculos Os orgãos principaes de locomoção são as ventosas, as quaes são movidas por numerosos musculos. Ha em primeiro logar um par de mus- culos fortes (fig. 3-m”), que nascem juntos no interior do annel, na tam- pa ou membrana transversal, que o tapa, e sobem divergindo aos lados do intestino para se inserir na parede dorsal do segmento. Dos lados da circumferencia do annel nasce outro par de musculos (fig. 3, m”) situado embaixo do primeiro e inserindo-se mais para fóra na parede dorsal. Os outros musculos da ventosa nascem entre o annel e o disco ou na face superior deste e estendem-se ao longo da parede ventral do segmen- to (fig. 4). Ha um par de musculos lateraes muito largos, um outro de musculos posteriores, que vão ter nos tuberculos ou protuberancias (fig. 4, t-p) do bordo posterior do mesmo segmento e tres pares de musculos anteriores, dos quaes o extremo se insere nos angulos lateraes do bordo (1) Palmen, Morphologie des Tracheensystems. pag. 55 72 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL anterior do mesmo segmento, o Interno nos tuberculos (fig. 4, ta) situados na base do processo triangular do bordo anterior do mesmo segmento e o intermedio nos tuberculos do bordo posterior do segmento precedente. Os outros musculos, que servem à locomoção, ou são dorsaes ou ven- traes. Os dorsaes formam uma camada de fitas longitudinaes, que nas- cendo do bordo anterior de qualquer segmento estendem se ao longo da parede dorsal do segmento precedente, perto de cujo bordo anterior se inserem. Os musculos ventraes (fig. 4) são todos mais ou menos obli- quos e situados em cima dos das ventosas. Um par de musculos, que passa por cima de todos os mais musculos ventraes, vai dos lados do processo triangular (fig. 4, p t) do bordo anterior aos angulos lateraes do bordo anterior do segmento precedente; um segundo par vai dos tuber- culos lateraes posteriores aos tuberculos anteriores do mesmo segmento, situados na base do processo triangular, um terceiro par nasce dos an- gulos lateraes do bordo posterior e insere-se nos tuberculos lateraes pos- teriores do segmento precedente; um quarto par estende-se entre os tu- berculos posteriores e os angulos lateraes do bordo anterior do mesmo segmento. Ha pois dous pares (primeiro e quarto) que divergem e dous (segundo e terceiro) que convergem para diante; os dous pares, segundo e quarto, não sahem do seu segmento; os primeiros e terceiros ligam dous segmentos limitrophes. Numerosos e antricados são os musculos. que servem aos movimen- tos do esophago e dos orgãos da bocca; a sua descripção carece por ora de interesse, visto que não podem ser comparados com os de outras es- pecies, em consequencia da pouca attenção, que até hoje se tem pres- tado aos musculos dos insectos. % 4. Systema nervoso O gangho supraesophageo ou cerebro (fig. 6,g. s-), situado acima do esophago, é bilobado e unido por duas commissuras bastantes longas ao ganglio infraesophageo (fig. 6, gi), situado abaixo. A este ganglio liga-se por commissuras brevissimas um grande ganglio thoraxico (fig. 6, g th), havendo apenas entre elles um pequeno buraco circular ou elliptico. Tratando-se o ganglio thoraxico com solução de potassa caustica, elle in- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 13 cha e neste estado apresenta-se composto de tres porções separadas por construcções bem distinctas. E” pois formado pelo menos de tres ganglos primitivos. Em cada um dos segmentos intermediarios (segundo até quinto) ha um ganglio fusiforme muito menor do que o thoraxico e situado s; entre a ventosa e o bordo anterior do segmento. O ganglio do segmento anal é um pouco maior do que os precedentes, mostrando-se distincta- mente composto de dous. Os ganglios ventraes (thoraxico e abdominaes ) são unidos por duas commissuras quasi contiguas. Os nervos partem, nos segmentos intermediarios, perto do extremo posterior do respectivo gan- glio, emittindo cada ganglio dous pares de nervos. No ganglio do segmen- to anal ha dous grupos de nervos, partinlo do limite entre os dous ganglos primitivos, de que se compõe o dito ganglio e outro do extre- mo posterior do ganglio. Um pouco diante de cada ganglio abdominal, no limite entre dous segmentos limitrophes, acha-se fixada ao lado dor- sal das commissuras nervosas, uma pequena lamina membranosa quadri- latera (fig. 5, la), cujos angulos lateraes se prolongam em ligamentos del- gados (fig. à, li) fixados ás protuberancias lateraes do bordo posterior do segmento precedente. Na descripção do exterior da larva mencionei uma parte lisa, transparente, que se observa ao longo do bordo interno do ex- tremo anterior das áreas cephalicas lateraes. Essas partes transparentes das ditas areas são as corneas da larva; porque em baixo dellas acha-se um corpo oval composto de substancia nervosa e coberto de pigmento escuro, atropurpureo. (fig. 7). à 5. Resumo Resumindo o resultado do exame anatomicgo da larva, vimos: 1) No tocante á sua posição systematica, que é a larva de um in- secto diptero alliado ao grupo dos Culicinos, com o qual concorda no numero (5) dos vasos Malpighianos, e descendente de avós, cujas larvas aquaticas, como as de Culex, respiravam o ar por meio de dous spira- culos situados no extremo posterior do abdomen ; 2) No tocante à homologia de seus segmentos, que o segmento oral é um cephalothorax correspondente à cabeça, o thorax e mais o primeiro segmento abdominal de outras larvas; que cada um dos quatro segmen- v. 1y— 19 14 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tos intermediarios corresponde a um unico segmento abdominal, como prova a disposição dos systemas respiratorio e nervoso e que o segmen- to anal provavelmente corresponde aos quatro segmentos abdominaes, que ainda faltam para completar o numero normal. Veremos adiante que a metamorphose plenamente confirma estas conclusões. & METAMORPHOSE DE UM INSECTO DIPTERO QUARTA PARTE CHRYSALINA É INSECTA PERELITO PELO DR. FRITZ MULLER Nalturalista viajante do Museu Nacional. é 1. Chrysalida (fig. 2-6) Em companhia das larvas encontram-se pegadas às mesmas pedras, em que estas vivem, certas chrysalidas, frequentes onde as larvas abun- dam, raras onde escasséam. Muitas vezes essas larvas e chrysalidas são os unicos habitantes das ditas pedras, pois mui raros são os animaes que podem re- sistir à força das correntezas, que ellas preferem, e entre as poucas larvas, que às vezes se lhes associam, como sejam as de certas Perli- deas e de Trichopteros (Rhyacophylax, Peltopsyche, ete), não ha nenhuma, de que possam ser derivadas as chrysalidas. Assim pois ja esta conveniencia por si só é prova suficiente das larvas e chrysalidas serem da mesma especie. A chrysalida (fig. 2.3) tem a fôrma de um escudo oval, bastante con- vexo, cuja largura cabe quasi duas e altura cerca de tres vezes no comprimento; a maior largura e altura acham-se pelo fim do terço an- terior. Medindo sessenta chrysalidas, achei, como termo medio de compri- mento, 6,""6 e da largura 3,”"7; a maior, que vi, tinha 7,”"8 de com- 16 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL primento sobre 4,""S de largura, e a menor só 4,""8 de comprimento sobre 2,»"6 de largura. Junto do extremo anterior, que é o mais largo dos dous, elevam-se dous: chifres verticaes, cada um dos quaes se com- poe de quatro laminas triangulares (fig. 2, ch; fig. 6). A superficie dorsal é lustrosa e de côr parda escura; a face ventral é pallida, quasi branca nas chrysalidas novas, tornando-se com o tempo cada vez mais escura e acabando por ser preta, quando o insecto acha-se prompto para sahir. A superficie dorsal é dividida por suturas transversas em doze segmentos (fig. 4) a saber: a cabeça (c), os tres segmentos do thorax: prothorax (p) mesothorax (ms) e metalhorax (mt), e oito segmentos abdominaes (| até (VET). A superficie da cabeça e do lhorax é lisa, a do abdomen mostra sulcos pouco profundos, longitudinaes no meio dos segmentos, obliquos nas suas partes lateraes; além disto o abdomen é coberto de pontos ou pequenas malhas escuras, bastas, geralmente quasi circulares, com exce- pção do primeiro segmento, onde são ellipticas. Raras vezes estas malhas apparecem tambem no metathorax e até no mesothorax, sendo comtudo menos distinctas, menores e muito mais raras. Dos doze segmentos só nove attingem o bordo lateral; o metatho- rax e os dous primeiros segmentos abdominaes (fig. 4, mt, 1, II) achando- se encravados entre o mesothorax e o terceiro segmento abdominal. A parte dorsal da cabeça (fig. 4 c; fig. 6, c) occupa com o seu bordo inferior ou frontal metade da largura do corpo; é de figura triangular com os lados arqueados, um pouco convexa e sóbe quasi verticalmente; mostra duas suturas, uma transversa e semicircular, que separa o terço superior, e outra longitudinal, que do meio da transversa vai ao vertice do triangulo. Os dous primeiros segmentos do thorax, prothorax e mesothorax (fig. A p, ms) são unidos em uma unica peça no meio da face dorsal, sendo só lateralmente separados por uma sutura; no meio, elles são eguaes em comprimento, mas, para os lados o mesothorax tanto se alarga, que no bordo lateral occupa mais do dobro do prothorax. Ambos estes segmen- tos são percorridos no meio da superficie dorsal por uma sutura longi- tudinal, que continúa o da cabeça e que provavelmente se abre para dar passagem ao insecto perfeito, quando tem de sahir da chrysalida. O bordo posterior do mesothorax é no meio uma linha recta transversal, emquanto as partes lateraes do mesmo bordo descem obliquamente para traz. Na parte posterior do prothorax elevam-se os chifres prothoracecos, tão ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Phi frequentes nas chrysalidas de insectos Dipteros; cada um delles compõe- se de quatro laminas triangulares, dispostas transversalmente umas atraz das outras; as laminas anterior e posterior (fig. 6. cha. chp.) são rijas, pretas e têm ponta aguda; as duas laminas intermediarias (fig. 6. chi.) são mais tenras e geralmente mais pallidas, tendo as pontas embotadas. A" base de cada chifre applica-se o extremo anterior muito avolumado de um tronco longitudinal dos vasos aeriferos. Nas chrysalidas de Culex e de varios outros Dipteros os chifres pro- thoracecos passam por servir à respiração; não seisi na nossa chrysalida lhes cabe a mesma funcção. A parte dorsal do metathorax (fig. 4. mt) tem apenas metade, a do primeiro segmento abdominal (fig. 4. 1) cerca de 2/7,e a do segundo seg- mento abdominal (fig. 4. Il), 2/3 da largura do mesothorax ou do terceiro segmento abdominal; assim o primeiro segmento abdominal fica encerrado entre o metathorax e o segundo segmento, e estes dous entre o meso- thorax e o terceiro segmento abdominal. Deste terceiro segmento para traz a largura do abdomen vai suc- cessivamente diminuindo ; no setimo segmento ella se acha reduzida á metade e vo oitavo à terça parte. Este oitavo ou ultimo segmento abdo- minal da chrysalida (fig. 5 VII) mostra pela disposição das suas malhas escuras ser composto de dous outros unidos sem vestigio de sutura; no meio do seu bordo posterior, o mesmo segmento tem uma pequena inci- são ou chanfradura. A face ventral da chrysalida (fig. 3) é plana e tão fir- memente collada às pedras, que só com muito cuidado as chrysalidas podem ser removidas incolumes. Nas chrysalidas cuja face ventral já as- sumio côr mais carregada, vê-se às vezes de cada lado dos segmentos abdominaes: quarto, quinto e sexto, (ou tambem setimo), no angulo for- mado pelos bordos anterior e lateral, uma grande macula branca (fig. 3. g); é uma camada tenue da substancia adhesiva por meio da qual as chry- salidas se collam às paredes; comtudo esta substancia quasi sempre fica nas pedras quando dellas se tiram as chrysalidas. A maior parte da face ventral é occupada pelas azas, antennas, pernas e partes boccaes; todas essas partes são tenras, membranosas e applicadas à superficie ventral da ehrysalida, porém livres, não adherindo nem à referida superficie, nem umas às outras. São pois as chrysalidas da nossa especie chrysalidas livres ( « pups libere ») como as dos Neuropteros, Coleopteros e Hymenopteros, e não chrysalidas cobertas (« pupae obtecte ») como as dos Lepidopteros, cujos v. 1v—20 78 ARCHIVOS DO MUSEU NACIGNAL membros todos adherem ao corpo, sendo cobertos por uma pelle com- mum, mais ou menos dura. Segundo os auctores que pude consultar, as crysalidas de todos os Dipteros ou seriam coarctadas ( « pupa coarctade ») isto é, encerradas na pelle endurecida da larva, ou cobertas e semelhantes ás dos Lepidopteros. Constitutriam pois as chrysalidas livres da nossa es- pecie uma excepção notavel na ordem dos Dipteros, como entre os Lepi- dopteros as crysalidas livres dos Cochliopodes. E” provavelmente um caso de atavismo; achando-se firmemente unida às pedras a face ventral, as chrysalidas podiam dispensar a protecção que aos seus delgados membros dava a pelle dura e continua que os cobria ; assim voltavam à fórma mais antiga de chrysalidas livres, não sendo mais contrabalançada pela selecção natural a tendencia atavica, que parece existir em todos os seres organicos. As azas (fig. 3) az) nascem de todo o bordo lateral do mesotho- rax, dirigindo-se obliquamente para traz e para dentro, de modo que se tocam, ou só são separadas por um estreito intervallo pelo fim do ter- ceiro segmento abdominal; estendem-se até o meio do quarto segmento; por ellas se acham cobertas as clavinhas («halteres, Schwingkolbchen » (fig. 3. cl) ou azas rudimentarias do metathorax, como tambem grande porção das pernas. Fica assim entre os bordos anteriores das azas e o bordo anterior do corpo uma área triangular, na qual apparecem a cabeça com as partes dependentes e as côxas. A cabeça occupa cerca de um terço do comprimento e metade da largura da dita área. Dos seus angulos anteriores partem as antennas (fig. 3, a) que são uns chifres curvos, acompanhando o bordo lateral do prothorax e depois a base do bordo anterior das azas. No meio do bordo posterior da cabeça (é o inferior no insecto perfeito, porém posterior na posição que tem na chrysalida) estendem-se para traz as partes boccaes, das quaes bem se distinguem os labios superior e inferior (fig. 3 Is, li) e os papos maxillares (fig 3 pm) que são dous chifres curvos semelhantes às antennas e vão da base das partes boccaes à das antennas, applicando-se aos bordos lateraes da cabeça. Ao longo do bordo anterior das azas vêm-se as côxas das pernas; as das pernas posteriores são contiguas; as das intermediarias e anteriores são separadas pelas partes boccaes situadas entre ellas. Emfim, vê-se na mesma área, entreas côxas anteriores, os palpos ma- xilares e as antennas, o femur das pernas anteriores (fig. :3 1). Sendo as pernas muito compridas, devem dar muitas voltas para poderem caber na face ventral da chrysalida; as posteriores, que são as mais compridas, são ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 19 por isso tambem as mais tortuosas; o seu femur vai primeiro para traz, depois para fóra, e chegando ao bordo externo da aza curva-se para diante, acabando perto do angulo anterior do mesothorax ; d'alli a tibia serpenteia para traz e depois para dentro, terminando de traz da parte transversal do femur; dal emfim o pé (« tarsus ») entende-se até quast o fim do abdo- men. As pernas anteriores terminam um pouco diante das posteriores, e as Intermedias só chegam até o fim do sexto segmento abdominal. À trans- formação de uma larva com seis segmentos apenas em chrysalida com doze é cousa tão estranha (1) que julgo adequado dar della prova mais irre- fragavel ainda do que a conveniencia constante de que já fallei. Abrindo qualquer larva adulta encontram-se debaixo do integumento dorsal do segmento oral os chifres prothoracecos da chrysalida; a princi- pio são muito pallidos e molles e só se vêm distinctamente as pontas das laminas anterior e posterior de cada chifre; pouco a pouco vão endure- cendo e escurecendo, e finalmente são até visiveis de fóra, sem se abrir a larva. Tratando uma larva destas com solução de potassa caustica fervendo até ficar transparente o seu integumento, apparecem além dos chifres tam- bem todos os segmentos abdominaes da chrysalida com as suas malhas escuras (fig 1,) tornando-se desta maneira facillimo verificar a relação mutua que ha entre o segmento da larva e os da chrysalida. Apparece: no segmento oral da larva, coberto parcialmente pelos chi- fres prothoracecos, o primeiro segmento abdominal da chrysalida; vê-se outro segmento abdominal da chrysalida em cada um dos segmentos se- gundo até quinto da larva; emfim apparecem no segmento anal da larva tres segmentos abdominaes da chrysalida, de que o ultimo se mostra com- posto de dous. Fica assim plenamente confirmada a conclusão, a que nos levou a anatomia da larva. à? Insecto perfeito. (fig. 7--25) Removidas do seu logar nativo as larvas e chrysalidas em pouco tempo morrem; das que trouxe para minha casa nem uma larva viveu para se (1) « Não conheço exemplo de semelhante transformação ; parece-me muito arriscado accei- tal-a até ser directamente provada », escreveu-me um distincto professor de entomologia depois de ter examinado as larvas e chrysalidas. Ss ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL transformar em chrysalida, mem chrysalida para soffrer a sua ultima me- tamorphose em insecto perfeito. Nem tão pouco encontrei até agora os insectos perfeitos voando na proximidade dos logares onde passam pelos primeiros estadios da vida: Para poder, pois, examinal-os foi mister tiral-os eu mesmo das chrysalidas, o que aliás se faz com muita facilidade, ainda que as azas costumam sahir tão enrugadas e são tão tenras que apenas rarissimas vezes consegui desdo- bral-as perfeitamente. (1) Não vou descrever minuciosamente o insecto perfeito; apenas tocarei naqueles pontos, que possam elucidar a sua posição systematica ou que oflerecam algum interesse biologico. O facto biologico mais notavel, que se observa em o nosso Diptero, é o serem as femeas dimorphicas ; das duas fórmas ou castas, uma, a julgar pelas partes boccaes, chupa o mel das flóres, como os machos, (2) e a outra ataca os mammiferos para nutrir-se de seu sangue, como as femeas dos pernilongos, motucas, borra- chudos, etc. Nunca vi fórmas intermedias entre estas duas castas diffe- rentes de femeas. Os sexos parecem existir em numero quasi egual; de 40 chrysalidas apanhadas no mesmo dia e logar e cuja côr preta da face ventral indi- cava esta prestes a se transformar, tirei 20 machos e outras tantas femeas e destas, 13 eram mellisugas e 7 sanguesugas. Us machos são em geral menores do que as femeas, das quaes as sanguesugas parecem ser um pouco maiores do que as mellisugas. Medi as AO chrysalidas, que acabo de mencionar e ellas me deram o seguinte resultado. Comprimento e largura em millimetros. Termo medio Maximo Minimo Os 20 machos 6,3 e 3,6 1,1 e 4,4 9016 dis As 13 femeas mellisugas 6,7 e 3,9 1,4 e 4,1 5,9 e 3,9 As 7 femeas sanguesugas 7,1e 4,2 1,ACA,8 6,7e 4,1 (1) Nos compendios de zoologia se diz, que as azas dos insectos ao sahirem da chrysalida ainda são muito curtas e só no fim de certo tempo depois de dilatadas pelo sangue, que nellas entra e pelo ar, que enche os seus vasos aeriferos, adquirem as suas dimensões definitivas. Assim com effeito é nas borboletas, porém não em todos os mais insectos; vi muitas vezes pequenos Trichopteros irem-se embora voando no mesmo instante, em que sahiram das chrysalidas, que nadavam à tona d'agua. Tambem as azas do nosso Diptero tem as suas dimensões definitivas já dentro da chrysalida. (2) Os machos dos pernilongos (culex pipiens) e das motucas (chrysops cecutiens) foram obser- vados sugando o mel das flores do Rhamnus Frangula e da Potentilla fructicosa pelo meu irmão Dr. Hermann Muller, Die Befruchtung der Blumen diúrch Insecten. 187,3, pag. 153 e 209). ARCIHIVOS DO MUSEU NACIONAL 81 A largura está, termo médio, para o comprimento, assim como 58 para 100, não havendo differença sensivel entre as chrysalidas das tres formas. A differença a mais obvia das tres fórmas, de que se revestem os insectos perfeitos, e pela qual à primeira vista póde-se distinguil-as, está no ta- manho dos olhos. Nos machos (figs. 7e 15), como nos de muitos outros Dipteros, elles oceupam quasi toda a superficie da cabeca, sendo conti- guas em parte mais ou menos extensa do vertice. Nas femeas sanguesu- gas (fig. 14) elles occupam tambem quasi toda a altura da cabeça, dei- xando comtudo entre si um intervalo largo, de quasi um - terço de lar- gura da cabeça. Nas femeas mellisugas (fig. 13) elles são muito menores; o intervallo que medeia entre elles, tem metade pouco mais ou menos da largura da cabeça. Os olhos são cobertos de pellinhos curtos (figs. 16 e 17) inseridos nos vertices dos pequenos hexagonos, em que a superficie dos olhos é dividida ; o diametro (do circulo inscripto) desses hexagonos é de cerca de 0,""018 nas femeas, como tambem na parte anterior e inferior dos olhos dos ma- chos, emquanto na parte posterior e superior, neste sexo, elles são maiores na razão de 3:2, tendo 0,""024 de diametro. O limite que separa os hexa- gonos maiores dos menores (fig. 15,1) principia perto da inserção das antennas. Na parte posterior do vertice ha tres olhinhos (« ocelli, stemmata » ) ou olhos simples, dispostos em triangulo quasi equilatero nas femeas (fig. 13); nos machos os olhinhos tambem são maiores do que nas femeas, de modo que mal caberiam entre os olhos; elles são collocados no extremo de um pequeno processo cylindrico, de que o anterior ou impar, que é maior, occupa a ponta, achando-se os dous lateraes ou posteriores immediata- mente por baixo delle (fig. 15,0). As antennas (fig. 12) têm quatorze articulos, cujos dous primeiros são mais grossos; o seu comprimento é pouco superior à largura da cabeça. Duas vezes vi quinze articulos; em um dos casos, O terceiro articulo e no outro o ultimo era dividido em dous. Entre os machos e as duas castas de femeas ha só diferenças levissimas nas antennas e nem mesmo sei si são constantes. As partes boccaes constituem uma especie de tromba composta das mesmas partes, que se observam nos pernilongos (Culex) e motucas (Tabanus), a saber: o labio superior (figs. 14, 18, e 21 Is); um ferrão impar situado por baixo do mesmo labio (fig. 18 f; fig. 19); as v. 1v—21 82 ARCHIVOS DO MUSEU NASIONAL duas mandibulas (figs. 14. 21, md), que entretanto só existem nas femeas sanguesugas, faltando nas mellisugas e, como sempre, nos machos as duas maxillas (fig. 14. 20, mx) com os seus palpos (fig. 14e 20 pm) e o labio inferior (fig. 14. li. fig. 21. 22). O labio superior, inserido no bordo frontal da bocca e cobrindo por cima as demais partes boccaes, é uma especie de punhal comprido e agudo; a sua ponta é pelluda nos machos (fig. 18 Is), núa nas femeas de ambas as castas (fig. 21, Is); nas femeas sanguesugas este labio é mais largo do que nas mellisugas e nos machos. O ferrão impar, situado embaixo do labio superior, é semelhante a este, porém mais estreito e um pouco mais curto; nas femeas sanguesu- gas (fig. 19) os seus bordos lateraes são armados de dentes curtos, cur- vados para diante; nas mellisugas e nos machos (fig. 18, f) os bordos são inermes. O ferrão é percorrido por um canal longitudinal cylindrico que, pelo que sei, ainda não foi visto em outro Diptero; nos machos e nas femeas mellisugas este ferrão abre-se na ponta mesma do ferrão (fig. 18); nas femeas sanguesugas à ponta avança ainda um pouco além do orifício do canal. Segundo Westwoed, Milne Edwards e outros o ferrão corresponderia à lingui- nha ( « languette, ligula ») de outros insectos; Savigny o chama hypopharynx e Gerstaecker dá-lhe o nome de cpipharynr. Entretanto, não ha a menor prova de ser elle homologo a alguma das partes que em outros insectos se designam por aquelles differentes nomes. As mandibulas existem só em poucos Dipteros e unicamente nas fe- meas que se nutrem do sangue de mammiferos, faltando aos machos das mesmas especies, os quaes vivem do mel das flores. Na nossa especie parte das femeas as tem, parte dellas não; parece pois fóra de duvida que aquellas sejam sanguesugas e estas mellisugas, como os machos. As mandibulas (figs. 14. 21, md) são duas laminas estreitas, do com- primento do labio superior; o seu bordo interno é serreado, isto é, ar- mado de dentes agudos, cuja ponta é volvida para traz. As maxillas (figs. 14. 20, mx) são duas laminas delgadas estreitas, ponteagudas, tendo só metade pouco mais ou menos do comprimento da tromba. Do lado externo da sua base partem os palpos maxilares (figs.r14.20,pm) compostos de cinco articulos, sendo comtudo pouco distincto o limite entre o primeiro e o segundo; o primeiro articulo é curto e mais grosso; Os outros quatro estão na razão pouco mais ou menos de 3:2:1:3. Perto do extremo do terceiro articulo nota-se uma pequena mancha opaca, que ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 83 tambem vi no mesmo articulo em alguns outros Dipteros, v. g. nos bor- rachudos. Endireitados os palpos, passam um pouco além da tromba. O labio inferior (fig. 14, li) é um semi-canal, que, coberto pelo labio superior, serve de estojo às mais partes boccaes. Termina por duas val- vulas ovaes, correspondendo provavelmente aos palpos labiaes; na base da face inferior (fig. 22) cada valvula mostra uma peça chitinosa em que se insere o que parece ser um tendão de musculo; provavelmente as val- vulas podem, como em outros Dipteros, applicar-se uma contra a outra depois de sahir o insecto da chrysalida. Na parte basal do labio inferior podem-se distinguir duas partes lateraes unidas pelos seus bordos inter- nos, e em cima dellas uma terceira parte impar; ella acaba na base das valvulas terminaes, e do seu extremo partem dous filetes (figs. 21. 22, lg) vestidos de pellos curtos e raros, os quaes creio que correspondem à lin- gueta de outros insectos; não os vi nos poucos outros Dipteros, cujas partes oraes examinei. Na configuração do thorax, do abdomen (excepto as partes sexuaes,) das azas e suas nervuras, e das pernas (excepto as unhas e o ultimo ar- ticulo do pé) não parece haver differença entre as tres fórmas do insecto perfeito. As tibias posteriores são armadas de dous esporões terminaes (fig. 11); as anteriores e infermedias são inermes. As unhas e o ultimo articulo do pé são tão differentes nas tres fórmas que si isolados fossem apresentados a qualquer classificador moderno, elle provavelmente as classificaria não só em generos, mas até em grupos di- versos. (Com effeito, Osten-Sacken classificando em 1859 as Tipulideas brevi- palpas da America do Norte, empregou como caracter distinctivo dos grupos que estabeleceu, as unhas simples em uns, denteadas em outros. O nosso insecto prova que essas duas fórmas de unhas podem occorrer não só no mesmo genero, como até na mesma especie. Nas femeas mellisugas (fig. 8) as unhas são simples, do feitio de uma fouce e muito mais curtas do que o quinto articulo do pé, que é recto, de grossura quasi uniforme e uniformemente coberto de pellos pouco densos. Nas femeas sangue- sugas (fig. 9) as unhas são muito mais compridas e pelo contrario o quinto articulo do pé muito mais curto do que nas mellisugas, sendo inteiramente differente tambem o feitio; as unhas são pouco curvadas, caniculadas pelo meio do bordo inferior, e na base do mesmo bordo fran- jadas de pellinhos curtos e finos; o bordo inferior do quinto articulo do vé tem na base uma grossa protuberancia, da qual partem cabellos for- tes, compridos e curvados, e mais para diante o mesmo bordo inferior S4 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tem, em vez dos pellos que cobrem o resto do articulo, só uma pellu- gem curta e finissima. Emfim nos machos (fig. 10) o comprimento da unha e do quinto articulo do pé, como tambem o feitio deste mesmo articulo, são quasi como nas femeas sanguesugas ; as unhas pouco cur- vadas são armadas embaixo de uma fileira de dentes agudos, cujo nu- mero é variavel. Medi as unhas e ultimos articulos do pé nos 40 individuos, de que já faller, e achei-lhes as seguintes dimensões : Comprimento das unhas em millimetros : Termo medio Maximo Minimo Os 20 machos 0,28 0,35 0:25 As 7 femeas sanguesugas 0,28 0,31 0,25 As 13 femeas mellisugas 0,18 0,20 0,16 Comprimento do ultimo articulo do pé, em millimetros : Termo medio Maximo Minimo Os 20 machos 0,34 0,38 0,31 As 7 femeas sanguesugas 0,34 0,57 0.32 As 13 femeas mellisugas 0,50 0,57 0,45 Comprimento da unha, sendo o do ultimo articulo do pé— 100 Termo medio Maximo Minimo Os 20 machos 82,2 95,1 Pad As 7 femeas sanguesugas 81,2 88,1 18,9 As 13 femeas mellisugas DD) 38,2 32,4 Nos machos e femeas sanguesugas tem pois as unhas cerca de 4/5 e nas femeas mellisugas só cerca de 4/11 do quinto artículo do pé. Vê-se pois que as femeas mellisugas cujas partes boccaes são quasi us mesmas dos machos (differindo só pela ponta núa do labio superior), afastam-se delles muito mais do que as sanguesugas na configuração dos pés. O mesmo succede com os olhos. Aos machos servem de certo os seus olhos enormes, as unhas denteadas e o feitio singular do ultimo articulo dos pts para poder melhor descobrir, perseguir, agarrar e segurar as fe- meas. Ora tambem as femeas sanguesugas tem de perseguir outros ani- maes e agarrar-se a elles. D'ahi talvez aquella semelhança entre essas duas fôrmas. As flores melliferas não fogem dos insectos, que vêm chupar o seu nectar, antes pelo contrario os attrahem, adornando-se de cores vis- tosas; assim as femeas mellisugas podem contentar-se com olhos menores, assim como com pés e unhas simples, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 85 Os appendices sexuaes nos ultimos segmentos do abdomen são, como sempre, muito differentes nos machos (fig. 24) e nas femeas (fig. 23); porém não parece haver differença entre as duas castas de femeas; nem era de presumir que houvesse semelhante differença, visto que ellas tem de se copular com machos identicos. Os ovos (fig. 25), tirados dos ovarios de femeas ainda encerradas na crysalida, são brancos e tem 0,”"5 de comprimento e 0,2=[S de grossura ; um dos lados é mais convexo e um dos extremos um pouco mais obtus O do que o outro; no lado convexo parece em via de formação uma casca coberta de pequenas asperezas ou verrugas. Antes de me despedir do insecto, que com tantos factos novos e insperados, pagou o tempo, que em examinal-o gastei, ainda me resta dar-lhe um nome. Segundo me informa-o distincto entomologista da uni- versidade de Vienna d'Austria, professor Frederico Brauer, pertence à familia dos Blephancerideos e ao genero Paltostoma ; proponho pois o nome de Paltosto a torrentium. (1) (1) Veja-se Zoolog. Anzeiger,n. 51 de 22 de Março de 1880, pag. 134. v. 1v— 22 COI RENA PARA O ESTUDO DA GEOLOGIA DO VALLE DO RIO S. FRANCISCO PELO Em um relatorio ultimamente apresentado ao Ministro da Agricultura, o Exm. Sr. Conselheiro Dr. Manoel Buarque de Macedo, dei uma des- cripção geral dos caracteres topographicos e geologicos do valle do Rio S. Francisco. Circumstancias especiaes não me permittiram então tratar com o devido desenvolvimento certas questões relativas à geologia da re- gião, sendo aliás a sua discussão impropria num documento d'aquella natureza, em que a brevidade e a clareza são as qualidades mais dese- jadas. Reservei, pois, para uma discussão subsequente, as observações e argumentos sobre que foram baseadas as conclusões alli apresentadas. Agora proponho-me discutir mais largamente algumas dessas questões. O valle do S. Francisco acha-se naturalmente dividido em duas partes por um systema de cachoeiras (entre as quaes é a de Paulo Affonso a mais notavel) começando pela de Itaparica, logo abaixo de Jatobá, e es- tendendo-se até o porto das Piranhas, ou antes, até a cidade do Pão d'Assucar. A parte superior, que abrange quasi todo o valle, tem de altura 300 metros ou mais, acima do nivel do mar e pertence ao grande 88 ARCHIVOS DO MUSEU NACIGNAL e elevado planalto brasileiro Preso n'este planalto e obrigado, por uma alta cadêa de montanhas que fórma a parte oriental do mesmo, a correr por centenas de leguas quasi parallelamente à costa, o rio acha afinal uma sahida e, chegando à margem do planalto, desce bruscamente a um nivel muito inferior, entrando logo depois no Atlantico. Abaixo da cachoeira de Paulo Affonso, o leito do rio aprofunda-se n'um grande canon que dentêa a margem do planalto, alli composto de rochas graniticas e gneissicas. Estas rochas estendem-se de cada lado a alguma distancia abaixo da cachoeira, de modo que a verdadeira margem do planalto, geologicamente fallando, fica algumas leguas a léste da ca- choeira, na cidade de Propriá, onde desapparecem as rochas metamorphi- cas que caracterizam a base do planalto e começam as da zona mais baixa do littoral. Resulta d'ahi que a divisão geologica em alto e baixo valle não corresponde exactamente com a divisão hydrographica, sendo que a parte encachoeirada e mais à do curso inferior do rio, entre Paulo Affonso e Propriá, devem ser consideradas juntamente com o valle superior. A estructura geologica da parte baixa do valle é muito simples, e já foi descripta pelo fallecido professor Hartt na sua obra « Geology and Physical Geography of Brasil.» Ao sahir da região gneissica, em Propriá, o rio entra numa região de grés, a qual o acompanha, for- mando morros de 50 a 100 metros de altura, até a cidade do Penedo ou um pouco mais abaixo, n'uma distancia de seis ou sete leguas. Este grés é de côr amarelada, de grão fino e angular, circumstan- cia que o faz muito apreciado como pedra de amolar, e, em geral, um tanto molle e friavel. No morro do Chaves, perto de Propriá, apresen- tam-se camadas de conglomerado e calcareo associadas com as do grés. Nesta interessante localidade a camada inferior é um calcareo schistoso de côr cinzenta, cheio de grãos de arêa e seixos de quartzo leitoso e de schisto azulado, os quaes são às vezes de tamanho consideravel e tão numerosos que a rocha póde ser considerada como um conglomerado. Abundam neste calcareo pequenas conchas bivalvas, apparentemente do genero Nucula. Sobre elle assenta uma camada de grés molle, vermelho, sem fosseis, a qual é succedida por uma serie de camadas mal expostas, sendo al- gumas compostas de schisto calcareo micaceo, esverdeado, cheio de pe- quenas conchas e ossos de peixes teleosteos. Segue-se depois uma camada de calcareo crystallino, vermelho, de granulação grossa e porosa, tendo acima camadas de schistos e grés molles. Nas visinhanças de Propriá tam- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 88) bem apparecem, num grés grosseiro amarellado, escamas de peixes do genero Lepidotus, como prova uma amostra tirada do muro do cemiterio darcidade e trazida pelo ilustre director geral do Muzeu Nacional, o Dr. Ladis- lau Netto. Perto de Villa Nova, em frente de Penedo, foram encontradas pequenas conchas bivalvas num grés schistoso micaceo, mas em tão máu estado de conservação que é impossivel identifical-as. Em Penedo appa- recem restos de plantas mal conservados, Estes fosseis indicam que as camadas pertencem ao terreno cretaceo, mas não bastam para fixar a que parte deste terreno devem ellas ser referidas, nem para determinar a relação das mesmas com as que, ricamente fossiliferas, jazem logo ao sul nas visiuhanças de Maroim, provincia de Sergipe, e ao norte, nas visinhanças de Pernambuco. As camadas cretaceas do S. Francisco, como as da Bahia, Sergipe e Pernambuco, estão ligeiramente perturbadas, apresentando uma inclinação de 10º a 20º. No morro do Chaves a inclinação é de 20" para N. E. e a direcção E. 15º S. No morro Vermelho, entre Propria e Penedo, a inclinação é para N. N. O.; nas visinhanças de Penedo ella é geralmente para S. E., tendo uma observação em Villa Nova dado de 15º a 20º S. E. para a inclinação e N. 50º E. para a direcção. Em toda a costa do norte do Brazil desde as ilhas dos Abrolhos até o Pará, encontram-se de vez em quando emersões de rochas cretaceas que, mostrando-se em bacias separadas, talvez formem uma zona mais continua do que à primeira vista parece. As rochas dos Abrolhos, descriptas pelo professor Hartt, assemelham-se às de Penedo, no S. Francisco e, como estas, contêm restos de plantas e escamas de peixes teleosteos. Ellas apresentam a particula- ridade, ainda não observada em outras partes, de estarem associadas com extensas erupções de trapp. A região cretacea da Bahia, ultimamente descripta n'esta Revista, parece estar inteiramente separada da dos Abrolhos ao Sul e da de Sergipe ao Norte. As rochas consistem em grés conglo- merado e schistos betuminosos e marnosos, sendo d'agua doce a maior parte de seus abundantes fosseis, sinão todos. Da Estancia, em Sergipe, até a cidade da Parahyba do Norte tem-se observado em varios pontos uma serie de camadas que talvez forme, entre estes dous logares, uma zona continua marginando a costa. Em todos os pontos em que tem sido examinada, esta serie apresenta, além de outras, camadas de calcareo arenoso, amarellado, ricamente fossilifero, sendo todos os fosseis de animaes marinhos. Um calcareo semelhante foi observado pelo Sr. Ferreira Penna, perto de Bragança, na provincia do Pará. ve 1v— 23 90 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Carecemos ainda de um estudo minucioso dos fosseis, que constam de pei- xes, repteis, ammonites, lamellibrachios, gasteropodes, etc., para determi- narmos as relações das camadas observadas nas diversas localidades e fixarmos a parte do terreno cretaceo a que ellas devem ser referidas. O professor Hartt referiu provisoriamente as camadas da Bahia à primeira divisão do cretaceo e as de Sergipe ao cretaceo médio. Ha alguma pro- babilidade de que o estudo dos fosseis venha a provar a existencia em Sergipe do terreno jurassico, mais antigo do que o cretaceo, já tendo sido provisoriamente referido pelo professor Hartt a um terreno ainda mais antigo, ao triassico, o grés vermelho sem fosseis que na Estancia jaz por baixo das camadas fossiliferas. O terreno cretaceo da costa, em todos os logares em que tem sido observado, apresenta certos caracteres constantes. Os depositos acham-se a um nivel relativamente baixo, nunca superior a 100 metros; são sempre de caracter grosseiro e variavel, indicando que se formaram em agua pouco profunda, e sempre se mostram perturbados e sublevados, sendo a incli- nação das camadas bem distincta, porém geralmente moderada. As rochas do terreno cretaceo desapparecem ordinariamente por baixo dum extenso deposito de grés friavel, argilloso e ferruginoso, disposto em camadas horizontaes. Neste deposito apparecem leitos de. argilla, que, como ogrês, é de côres vivas e variadas; ahi, porém, não se tem re- conhecido calcareos. Nestas camadas não foram, até hoje, encontrados fosseis que podessem dar idéa exacta de sua edade geologica, a qual só póde ser determinada pela posição estratigraphica. Estando ellas intercaladas entre as camadas fossi- liferas do cretaceo e os depositos quaternarios contendo restos de Mas- todontes e outros mammiferos extinctos, é bem fundada a opinião do professor Hartt quanto a pertencerem ao terreno terciario. E” provavel que se achem representadas diversas divisões deste terreno, mas na au- sencia de fosseis é esta uma questão difficil de resolver. De cada lado da foz do S. Francisco, nas provincias das Alagôas e de Sergipe, estas camadas marginam a costa formando uma baixa planicie nivelada, cuja altura é de cerca de 60 metros nas partes não denudadas. E” nesta formação que se acham excavadas as bacias dos numerosos lagos característicos da provincia das Alagõas, nas margens d'alguns dos quaes existem leitos de sehistos betuminosos, que ainda não é certo se perten- cem ao terreno terciario ou ao cretaceo subjacente. No anterior das provincias da Bahia e» de Sergipe, e provavelmente ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 91 em outras, ha planicies mais elevadas, apparentemente identicas em es- tructura e no caracter das rochas às acima descriptas. Sendo a sua altura muito mais consideravel (de 200 a 300 metros) parece provavel que estas, apezar de semelhança ou identidade dos caracteres, não sejam contempo- raneas com as da costa, mas pertençam a outras snbdivisões do mesmo terreno terciario. Exemplos de taes planicies são os taboleiros de Alagoinhas na Bahia e osde Almeyrim no Amazonas, as” unicas conhecidas que, na minha opinião, pódem ser definitivamente referidas ao terciario. E" de notar que as camadas terciarias se conservem horizontaes, emquanto as do cretaceo se acham sempre inclinadas e perturbadas. Foi esta circumstancia que induziu o professor Hartt a referir ao terciario as camadas que no interior do Imperio formam vastas planicies de cerca de 1.000 metros de altura, as quaes elle só conheceu por descripções de outros e por um exame feito em circumstancias muito desfavoraveis, de parte da grande planicie do Jequitinhonha. Esta opinião é compartida pelo Sr. Liais, que foi mais longe, incluindo no terciario parte das rochas perturbadas e metamorphoseadas da provincia de Minas. Depois de apre- sentar as minhas observações no valle do Rio S. Francisco e maquella provincia, discutirei esta opinião. De Propriá até a cachoeira de Itaparica, as rochas que se encontram no rio e por certa distancia de cada lado são todas metamorphicas ou igneas e crystallinas, consistindo em diversas variedades de gneiss, syenito, etc. Esta serie, que terei de considerar detidamente mais adiante, eleva-se ao longo do rio a uma altura quasi uniforme de cerca de 300 metros, e fôrma uma especie de platafórma estendendo-se desde Itaparica até perto de Propriá, a superficie abaixando-se um tanto para léste, mas conservando-se nota- velmente uniforme, ainda que não inteiramente plana. Este aplainamento, muito notavel em rochas desta qualidade, estende-se de cada lado do rio muma zona de uma a tres ou quatro leguas, correndo o rio de Itaparica para baixo num profundo abysmo, em um nivel muito inferior ao da superficie geral. Apparecem então as mesmas rochas em morros e serras destacadas, que se elevam a uma altura de 600 a 700 metros acima do nivel do mar. Entre estes morros notam-se alguns de fórma achatada e encostas in- gremes, fazendo lembrar os taboleiros da Bahia e do Amazonas. Taes morros, que têm uma altura quasi uniforme de cerca de 600 metros, apresentam inferiormente as rochas crystallinas e superiormente uma serie de camadas de grés branco, avermelhado ou amarellado. Esta rocha 92 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL em geral, é friavel e um tanto argillosa, contendo às vezes camadas pouco consideraveis de argilla ou de schisto argilloso. E” ordinariamente grosseira, encerrando muitos seixos misturados com a arêa constituinte, e passando ás vezes a um conglomerado. A” primeira vista, as camadas parecem horizontaes, porém têm frequen- temente uma inclinação de 5º a 10º para o Norte. As seguintes observações mostram algumas das variações na posição das camadas: Córte grande do Curralinho, perto de Olho d'Agua, —inclinação 5º N. N. E., direcção N. 80º O. Estação de Quixaba, na estrada de ferro de Paulo Affonso, —inclina- ção 10º a 15º N. Cachoeira de Itaparica, — inclinação 15º a 28º N. O., direcção N. 60º E. Cachoeira da Vargem Redonda, —inclinação 10º N. N. O., direcção N. TOBE: Na serra da Maria Valeria, perto da cachoeira de Paulo Affonso, do lado da Bahia, o Professor Hartt notou uma inclinação para sudoéste. A bem desenvolvida laminação obliqua do grés occasiona muitas vezes uma falsa apparencia de inclinação com um angulo muito maior. A espessura desta serie varia nos diversos morros conforme a exten- são das rochas crystallinas inferiores. Na serra de Maria Valeria o pro- fessor Hartt observou uma espessura de 100 metros; na de Itaparica, onde o grés se apresenta ao nivel do rio, as camadas não têm muito menos de 300 metros de espessura, sendo talvez em outras partes ainda mais espessas. De Itaparica para baixo, até perto de Piranhas, encontram-se do lado esquerdo do rio, nas provincias de Pernambuco e das Alagôas. morros des- tacados de grés. Rio acima, estes depositos tornam-se mais continuos, for- mando uma longa linha de morros que, começando na serra de Tacaratú, estende-se para o interior da provincia de Pernambuco. Do lado direito do rio, na provincia da Bahia, o grés parece ter ainda maior extensão e, a julgar pelo caracter da superficie, cobre quasi toda a vasta região que para aquelle lado se avista dos altos de Tacaratú. Ao longo do rio, entre Ita- parica e a foz do Pajaú, na distancia de 10 a 12 leguas, não se encontra outra rocha senão o grés com os schistos intercalados. Salvo alguns taboleiros de largura relativamente pequena nas visinhan- ças de Itaparica, a superficie do grés acha-se bastante denudada, apresen- tando largas e suaves ondulações, inferiores em nivel aos taboleiros. O terreno, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 93 em geral, levanta-se gradualmente a partir do rio, à beira do qual, porém, em certos pontos, apresenta pittorescos penhascos representando ruinas. Em muitos logares as praias do rio e a superficie dos morros de grês estão cobertos de seixos, evidentemente deslocados do grês pela acção das aguas. Entre estes seixos, frequentemente de tamanho consideravel, nota-se uma variedade de rochas ainda não reconhecidas, in situ, na região. Além de seixos de gneiss e syenito, ha muitos de um grés ou quartzito duro, indicando a presença, no local, de uma serie de grés mais antiga do que aquella em que são encontrados. Ha tambem grande abundancia de pe- quenas agathas e outras rochas silicosas, muitas das quaes encontrei ainda enterradas no grés, no qual parece que tiveram origem pela acção concrecionaria ou, mais provavelmente, por um processo de substituição, tomando a materia silicosa o logar d'algum seixo de rocha soluvel, talvez. o calcareo. Com estes seixos ha uma quantidade extraordinaria de madeira sili- cificada, encontrando-se numa barranca do rio, no logar chamado Campi- nhos, perto da foz do Pajeú, um specimen muito notavel, ainda enterrado no grés. Este specimen é um tronco de arvore medindo 22 metros de com- primento, quasi um metro de diametro na base e 56 centimetros de diame- tro na extremidade superior. Além da madeira fossilisada, outros fosseis se encontram menos abun- dantemente. No Atalho apparece, aguas baixas, à beira do rio e no leito dum pequeno riacho que all afíilue, uma camada de schisto vermelho marnoso, que exposto ao tempo, torna-se esverdeado e desfaz-se em terra. Intercaladas com elle existem massas lenticulares d'alguns centimetros de espessura, compostas d'um calcareo esverdeado em que se acham conchas de cyprides, ossos, dentes e escamas de peixes e repteis, sendo estes fosseis raras vezes tambem encontrados no schisto. Cerca duma legua acima deste logar, no sitio chamado Angico, acham-se os mesmos fosseis n'uma pequena camada de schisto vermelho e tambem n'um Jeito de grés que jaz sobre o schisto. Ha uma outra localidade algumas leguas acima, em Caissara, onde numa pequena praia, ao pé d'um barranco de grés, encontram-se soltos alguns fosseis, que apparecem igualmente no grés. Os fosseis que pude reconhecer são dentes de repteis e de tubarões e escamas de peixes do genero Lepidotus. Além destes, ha outros que só pódem ser determinados por um especialista, a cujo exame espero submettel-os. Estes fosseis serão provavelmente bastantes para determinar com certeza a que parte da serie geologica pertencem estas camadas. Por emquanto, Vv. IV=—24 94 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL o mais que posso aventurar é que ellas são da edade secundaria e prova- velmente do terreno cretaceo. Em aspecto, mostram certa semelhança com as das margens da bahia de Todos os Santos, mas parece pouco provavel que sejam exactamente contemporaneas destas, porque, sem outra evi- dencia do sublevamento desegual da superficie nos dous logares, é difficil admittir a deposição, no mesmo tempo, de camadas em niveis tão diversos, apresentando em ambos indícios de terem sido depositadas em agua raza, senão mesmo em agua doce, pois a presença de cyprides indica formação Vagua doce ou salobra. A questão da edade relativa d'estas camadas do S. Francisco e as da costa só póde ser resolvida pela determinação definitiva dos fosseis das diversas localidades, e é inutil discutil-a agora. Deve-se notar que os peixes fosseis, abundantes em certas partes das provincias do Ceará e Piauhy, encontram-se em circumstancias muito se- melhantes às acima descriptas. Ao pé de taboleiros de grés, que pelas descripções se assemelham muito aos do S. Francisco, apparecem concre- ções calcareas contendo os fosseis entre os quaes se notam especies de Lepidotus. E” evidente, como ja foi observado pelo professor Hartt, que estas concreções são provenientes "alguma camada molle, inferior ao grés que fôrma os taboleiros e serras. Os fosseis do Ceará foram referidos pelo professor Agassiz ao terreno cretaceo, e esta determinação serviu de base para Gardner referir ao mesmo terreno não só o caleareo como tambem o grés sobrejacente que reveste uma parte consideravel das duas provincias. O professor Hartt disse, com muita razão, que a evidencia da edade cretacea do grés apresentada por Gardner é insufficiente, e foi levado por considerações estratigraphicas a referillo provisoriamente ao terreno ter- ciario. A força deste argumento diminúe com a descoberta no S. Fran- cisco de fosseis semelhantes não só em camadas de calcareo e schisto in- feriores ao grés como tambem no proprio grés. E” preciso notar, porém, que até hoje estes fosseis só têm sido encontrados na parte inferior da extensa serie de camadas de grés, e que, portanto, é ainda possivel haver camadas terciarias na parte superior. Como, entretanto, não pude descobrir motivos para separar em duas esta serie, sou levado a considerar como mais correcta a opinião de Gardner, segundo a qual toda ella pertence ao terreno secundario. O professor Hartt, e depois delle o Sr. Liais, era de opinião que no fim da edade secundaria ou durante a terciaria houve um abaixa- mento do territorio brasileiro, permittindo o deposito de camadas tercia- rias nas regiões que hoje constituem as planicies e chapadões do centro ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 95 do Imperio, e que depois houve um sublevamento fazendo as camadas al- cançarem o nivel actual de 100 metros proximamente. (Como ver-se-ha adiante, não considero suflicientes as provas da edade terciaria das pla- nicies elevadas centraes, algumas das quaes, como, por exemplo, as dos Campos Geraes do Paraná, são com certeza muitissimo mais antigas; e acho provavel que já no fim da edade secundaria o grande planalto central do Brasil tivesse a altura actual, com a differença d'algumas centenas de metros apenas. Assim, até que se prove um grande movimento de depressão depois da edade secundaria, parece-me mais rasoavel considerar toda a serie do grés acima das camadas fossiliferas do S. Francisco e Ceará como pertencente ao terreno secundario ou mesozoico. Um motivo que levou o professor Hartt a formar a opinião acima citada, foi que as camadas secundarias em toda a parte em que têm sido examinadas acham-se ligeiramente perturbadas, apresentando sempre uma inclinação mais ou menos notavel, ao passo que as terciarias da costa se mostram em estratificação horizontal e discordante com a das de edade secundaria, que lhes são subjacentes. Ora, as camadas das planicies, cha- padões e taboleiros elevados do interior são geralmente descriptas como perfeitamente horizontaes, e de facto assim parecem à primeira vista; mas já vimos que no S. Francisco, pelo menos, esta apparencia é falsa, e que as camadas do grés têm uma inclinação variando de 5a 15 ou 20 graus. Assim, ao contrario do que por informações inexactas, pensou o illustre geologo, estas assemelham-se mais às camadas secundarias do litoral do que às terciarias. Esta serie de grés só se apresenta ao longo do S. Francisco n'uma zona de poucas leguas de largura, estendendo-se desde perto da foz do Pajeú até ou um pouco além da cachoeira de Itaparica. Acima do Pajeú o rio corre por uma distancia de mais de 150 leguas sobre um leito de rochas crystallinas, que formam, com poucas excepções, as terras ele- vadas que o marginam. Mais ou menos afastados do rio, apparecem, porém, de cada lado, morros ou serras de grés jazendo sobre as rochas meta- morphicas, sendo de suppor que grande parte deste grés, sinão todo, pertença à serie já descripta. E” certo que as camadas fossiliferas da serra do Araripe tem grande extensão na provincia de Piauhy e formam parte ou toda a divisa entre o S. Francisco e o Parnahyba, facto este provado com a descoberta de peixes fosseis semelhantes aos do Ceará em diversas localidades do Piauhy. Do pouco que se sabe, a respeito da divisa entre o S. Francisco e o Tocantins, parece que ella é em grande parte seme- 96 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL lhante em caracter à do Parnahyba e S. Francisco, pertencendo talvez à mesma serie geologica, mas, como é de crer que haja no valle do 5. Francisco diversas series de grés apresentando caracteres semelhantes, apezar de serem de differentes edades geologicas, é impossivel por ora determinar n'esta região quasi desconhecida a extensão de cada uma. Do outro lado do valle, na provincia da Bahia, o Sr. Liais encon- trou escamas de Lepidotus num logar chamado Engenho, no caminho da cidade da Barra a Jacobina, parecendo, portanto, provavel que esta serie de depositos se estenda pelo menos até aquelle ponto. O Sr. Liais é de opinião que a extensão é muito maior, e que o grés da parte superior do valle pertence à mesma serie; sendo porém a prova pouco satisfactoria, ainda póde haver duvida a este respeito. A esta serie tenho eu chamado serie do grés, porque é esta a rocha mais abundante e caracteristica. Todavia, ha nella camadas de schisto, mas estas raramente se apresentam na superficie em grande porção, visto que, sendo molles e de facil destruição, transformam-se logo em argilla quando expostas, e são por conseguinte dificeis de reconhecer. E” de suppôr que ellas tenham muito mais importancia na serie do que parece à primeira vista, porquanto as emersões até hoje examinadas são de pouco valor. Ainda que o schisto, do Atalho ja referido, apresente expostos sómente alguns metros de espessura, ha razões para crer que esta seja realmente consideravel. Já notei o caracter marnoso deste schisto, Em certas partes tambem apresenta quantidade consideravel de gesso, e este facto é de certa importancia, pois em toda a região em que esta serie apparece ha abundancia de salinas. Ora, os depositos de sal gemma da Europa e da America do Norte acham-se sempre associados com gesso, schisto marnoso e gypsozo e grés argilloso, associação que se reproduz no S. Francisco. E” evidente que o sal de que está impregnado o solo superficial das salinas provém d'algumas rochas da região, sendo natural suppôr que taes rochas sejam as da serie em questão. Em alguns logares vê-se uma efilorescencia de sal nas rochas tanto no gneiss como no grés, tendo dado a reacção para o sal uma amos-. tra tirada duma porção deste ultimo. (Como esta amostra foi colhida num pequeno espaço completamente cercado de um lado pelo rio e dos outros por altos barrancos de grés, parece claro que o sal é ou nativo na amostra ou a ella trazido d'alguma das camadas expostas no bar- ranco. A efflorescencia no gneiss explica-se facilmente pela presença junto delle de terra impregnada de sal. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 94 As salinas estão muitas vezes longe das emersões do grés, às vezes n'uma região toda gneissica, mas isto não depõe contra a idéa de ser o sal originario da serie do grés, uma vez que as aguas que se escôam deste passem pela região das salinas. De facto, esta região, estendendo-se desde Itaparica até perto da cidade da Barra, acha-se limitada de cada lado por morros de grés e cortada de-riachos que descem d'elles, sendo nos pequenos lagos formados no tempo das aguas por estes riachos que o sal se encontra. E” esta a razão porque os annos seccos, em que os riachos não enchem, são reputados menos proprios para a colheita do sal. Rio acima, segue-se, à serie do grés, uma extensa região metamor- phica, que deixo para considerar depois. Até a villa de Chique-Chique não se vê no fundo do valle sinão rochas metamorphicas e depositos de origem fluvial. Logo acima da cidade de Joazeiro, apparece do lado di- reito um vasto chapadão, elevando-se de 200 a 250 metros acima do nivel do rio. A margem d'este chapadão, ora junto à corrente, ora afas- tada de uma a tres leguas, apresenta numerosos esporões, que vistos do rio parecem estreitos taboleiros destacados; porém, com excepção da bella serra da Cumieira, logo acima da cachoeira do Sobradinho, e que é realmente destacada, o mais parece constituir uma planicie continua. Este chapadão apresenta do lado do rio uma encosta ingreme, quasi a prumo, em que se vê bem a estructura geologica. Na parte inferior da encosta notam-se as camadas metamorphicas in- clinadas, tendo em cima espessas camadas horizontaes que se estendem para léste na direcção de Jacobina e Villa Nova da Rainha. Infelizmente, não tive occasião de examinar a interessante serie das camadas que formam este chapadão. Pelas feições topographicas, pode-se dizer com certeza que ellas são ou de grés, ou de calcareo, ou talvez de ambas estas rochas. A léste de Joazeiro, no Rio Salitre, que atravessa o cha- padão, Spix e Martius mencionam calcareo ou dolomia, e o Sr. Liais diz que no Engenho, que parece ficar na parte oriental d'esta região, ha possantes camadas de grés sobre o calcareo, sendo o grés, como temos visto, provavelmente identico ao de Itaparica. O Sr. Allen, citado pelo professor Hartt, descreve a região de Chique-Chique como composta duma planicie de calcareo coberto em certos logares por camadas de grés. Parece, portanto que o chapadão compõe-se de calcareo e grés, perten- cendo este provavelmente à serie já descripta, ao passo que aquelle, ve lv—25 98 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL conforme os Srs. Liais e Allen, é identico ao tão largamente desenvol- vido na parte superior do valle do S. Francisco e no do Rio das Velhas. Na villa de Chique-Chique apparece uma camada de calcareo branco, cheio de pequenas concreções redondas de argilla ferruginosa. A camada é horizontal e parece não ter fosseis. O Sr. Allen descreve o calcareo das planicies entre Chique-Chique e Jacobina como compacto e azulado, mas diz que muitas vezes torna-se branco na superficie até a profundi- dade d'alguns palmos, sendo assim provavel que o da villa pertença à mesma serie. Ao Suéste da villa vê-se a alta e alcantilada serra de As- surua, que, conforme o Sr. Burton, compõe-se de grés semelhante ao das serras perto da Diamantina. Um pouco antes de Chique-Chique as chapadas do lado direito des- apparecem de vista a quem viaja no rio, mas apparecem algumas de forma semelhante do outro lado, a algumas leguas de distancia por traz da cidade da Barra, apresentando-se ellas de novo logo abaixo de Bom- Jardim. Do lado direito, entre Chique-Chique e a villa do Urubu, só se vêm morros metamorphicos, que tambem predominam do lado esquerdo até o mesmo ponto. Da villa do Urubú para cima, até e além da cachoeira de Pirapó- ra, o caracter do paiz muda. As rochas metamorphicas não são mais vistas no rio nem nos altos, tanto de um como de outro lado. A larga depressão occupada pelo rio e pelas terras de alluvião que o acompa- nham, é marginada por chapadas que se elevam a uma altura de 200 a 300 metros acima do nivel do rio e apresentam para este uma encosta ingreme. Estas chapadas, em geral, ficam a alguma distancia do rio, e às vezes apresentam na frente alguns morros destacados. O primeiro destes que tive occasião de examinar foi o celebre serrote do Bom-Jesus da Lapa, em que ha uma gruta transformada em igreja sob a invoca- ção do milagroso santo que deu o nome ao logar. O morro tem um kilometro e tanto de comprimento e cerca de 500 metros de largura, elevando-se 90 metros proximamente acima do rio e da planicie de al- luvião que o cerca de todos os lados. E” composto de camadas massiças e horizontalmente estratificadas de calcareo amorpho azulado. A superfi- cie levanta-se em fôrma de tecto e acha-se gasta pelo tempo duma maneira exquisita, apresentando milhares de pequenas e delgadas torres pyramidaes com faces concavas, que fazem lembrar a ornamentação da cathedral de Milão. A extremidade que faz frente para o rio é talhada a pique numa magnifica escarpa, que, ornada em cima pelas torres, é excessi- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 99 vamente pittoresca e dá um aspecto imponente à entrada da gruta. Esta não corresponde ao magnifico exterior, sendo pequena, baixa, feia e sem cousa alguma de notavel, excepto o rico altar e a milagrosa imagem do santo. Perto da entrada da gruta encontrei no calcareo algumas amostras silicificadas de coraes, que foram os unicos fosseis que consegui achar no limitado tempo de que dispunha. Estes fosseis pertencem a dous ge- neros. Uns apresentam claramente a structura columnar prismatica ca- racteristica do genero Favósites, e outros são evidentemente do genero Chetetes ou d'alguns dos generos relacionados a este. Não se acham todavia, conservados de maneira a permittir a identificação das especies. Ora, estes dous generos são caracteristicos dos terrenos paleozoicos, e o primeiro, o Favosites, é mais característico das divisões siluriana e de- voniana; parece, portanto, que o calcareo da Lapa pertence mais pro- vavelmente a um destes dous terrenos. Infelizmente, sem a determinação das especies, é impossivel dizer a qual dos dous deve ser referido. Os mineraes associados com o calcareo são poucos. Apparecem raras vezes manchas de calcito branco crystalisado, bem como massas de pederneira e quartzo enfumado. Em cima do morro ha massas de quartzo cavernoso, parecendo provirem dum veio deste mineral. A terra em volta do morro acha-se impregnada de salitre, e apresentaram-me uma amostra de sal ammoniaco, que segundo consta, esta associado com o salitre. O morro da Lapa acha-se completamente isolado ficando os outros mais proximos algumas leguas distantes, na direcção da cidade de Monte Alto, no interior da Bahia. Subindo o rio, vê-se acima da Lapa, de cada lado e a alguma distancia, uma linha de morros achatados ou chapadas, que, segundo informações de pessoas praticas da região, constam em grande parte de calcareo. Formam em geral uma linha continua, tendo às vezes, na frente, alguns pequenos morros destacados. Destes o mais im- portante é a serra da Malhada, distante do rio cerca de duas leguas, perto da villa do mesmo nome. Mais acima, em Morrinhos, ha do lado direito, junto ao rio, um morro de caracter semelhante ao da Lapa. Perto da cidade da Januaria, as chapadas do lado direito approximam-se mais do rio, ficando geralmente à distancia duma legua, o pequeno mas pitto- resco morro do Angu, levantando-se à beira d'agua. De cada lado da foz do rio Caranhanha existem, expostos na vasante, leitos de schisto calcareo preto, que se divide em laminas muito regu- lares de dous ou tres centimetros de espessura, muito proprias para lagedos, 100 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mezas e outras obras semelhantes. Cerca de duas leguas abaixo, do mesmo lado, num sitio chamado Cachoeira, reapparece o schisto no leito do rio, ficando totalmente submergido quando o rio enche. Alli a rocha é irregu- Jarmente laminada, não se dividindo em chapas grandes e uniformes, e contém numerosas concreções de calcareo argilloso. Não encontrei fosseis n'este schisto, mas é provavel que elle pertença à mesma serie que o calcareo da Lapa. A serra do Brejo ou de Itabiraçaba, perto da Januaria, eleva-se a 170 metros acima do rio, e esta é quasi a altura geral da margem da chapada, tanto abaixo como acima da cidade, salvo nos dous picos de Iacaramby e Itabiraçaba, que parecem ser mais altos. Estes picos têm a forma de pyramides truncadas, e são evidentemente compostos das mesmas camadas que as chapadas da serra do Brejo, as linhas horizontaes da es- tratificação sendo bem visiveis. Avaliei a sua altura em 250 a 300 metros, mas é possivel que a sua posição isolada apparente uma altura maior que a real. Perto da Januaria a serra é exclusivamente composta de calcareo amorpho, geralmente azulado, mas com alguns leitos côr de roza. Na base as camadas são de pouca espessura, mas em cima tornam-se mais massiças e assumem o caracter e apparencia das da Lapa. A inclinação das camadas é de 5º a 10º para Oéste, devendo aqui a espessura ser de 100 a 150 metros. Parece quasi certo que o calcareo da Januaria é identico ao da Lapa. Os calcareos tornam a apparecer na cidade de S. Francisco ou Pedras dos Angicos, formando um baixo paredão em que se notam alguns leitos delgados de schisto argilloso intercalados na rocha. A inclinação ahi é de cerca de 5º para o norte. Conforme Halfeld, os calcareos estendem-se até a legua 26º abaixo de Pirapóra e, quando não apparecem bem expostos, a sua existencia póde muitas vezes ser determinada pela abundancia de massas de pederneira, que, como observei na Januaria, fórma concreções dentro da rocha calcarea. Em alguns logares acima das Pedras dos Angicos notei schistos argillosos, que decompondo-se dão uma argilla amarelada. O Rio das Velhas tambem atravessa uma zona calcarea, que começa perto de Santa Luzia e estende-se muitas leguas rio abaixo. Conforme os Srs. Liais, Allen e Burton, os calcareos deste rio são identicos aos do 5. Francisco, e não vejo razão alguma para duvidar d'esta conclusão, posto que, não tendo visto os calcareos do Rio das Velhas, esteja impossibilitado de julgar por observação propria. Mesmo sem as observações d'estes Senho- res, é natural concluir do que se vê no S. Francisco, que ao Oéste da serra do Espinhaço ha uma extensa zona calcarea, e que esta zona deve apparecer ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 101 no Rio das Velhas perto do logar onde elle deixa a serra, conclusão esta confirmada pelas observações citadas. Conformando-me com a opinião do Sr. Liais sobre a identidade dos cal- careos dos dous valles, sinto mão poder concordar com elle a respeito da edade geologica dos mesmos. Como já disse, os fosseis que encontrei indicam que são da edade paleozoica, provavelmente do terreno devoniano ou siluriano superior. O Sr. Liais, ao contrario, referiu as camadas ao terreno cretaceo, baseando esta referencia sobre um fossil cirripedes do genero Pollicipes, en- contrado no calcareo da Lapa do Urubú, no Rio das Velhas, n'uma ostra fossil achada no Rio Abaeté, bem como nos restos de peixes e repteis já mencionados, encontrados no Engenho, na provincia da Bahia. D'estes fosseis os do Abaeté e Engenho são, conforme diz o auctor, provenientes de camadas de grés superior ao calcareo, que, portanto, póde ser mais antigo. Fica, pois, o fossil da Lapa do Urubú sendo o unico que possa dar idéa certa da edade dos calcareos, e, a ser exacta a identificação do genero, procedente a conclusão do ilustre autor a respeito d'essa edade. Acontece, porém, que o genero Pollicipes é um d'aquelles de sobre cuja identidade póde haver duvidas, porque as valvas deste crustaceo estando separadas, como geralmente se apresentam no estado fossil, assemelham-se muito às de grande numero de lamellibranchios, podendo muito bem o Sr. Liais ter-se enganado, tomando uma destas por uma d'aquellas. Convém examinar de novo este fossil, se ainda existe, e, provado que não houve engano na sua identidade, devemos concluir que existem dous calcareos pertencentes a duas series de edades muito difierentes. Nas visinhanças da cachoeira de Pirapóra e da Barra do Rio das Velhas o calcareo desapparece, sendo então a rocha predominante um grés que fôrma chapadas elevadas, de cerca de 300 metros acima do rio. Estas cha- padas têm uma extensão consideravel no valle do S. Francisco, tanto abaixo como acima de Pirapóra, bem como no valle do Rio das Velhas, onde se estende até perto do sopé occidental da serra do Espinhaço. De cima dos morros, perto da Barra do Rio das Velhas, vê-se bem o caracter topographico d'uma área enorme. De cada lado dos largos e profundos valles dos dous rios levantam-se muralhas quasi a prumo, terminadas superiormente por vastas planicies niveladas, e tendo por toda a parte proximamente a mesma elevação ou apresentando declives tão suaves que as diferenças de nivel não apparecem n'uma vista geral, Ha, porém, a Léste e talvez nas outras dire- cções, uma elevação muito gradual, tanto que na serra do Cabral, que fórma a margem oriental da chapada, na estrada da Barra à Diamantina, e que v. Iv—26 102 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL fica umas quinze leguas ou mais distante da mais proxima, a elevação é de perto de 600 metros, levanfando-se tão suavemente a superficie que só com instrumentos se lhe percebe a differença. Tive occasião de examinar bem a estructura destas chapadas na ca- choeira de Pirapóra, nos paredões perto da Barra do Rio das Velhas, e no arraial do Jequitahy, no valle do rio do mesmo nome. Na cachoeira aprc- sentam-se camadas de grés duro, avermelhado-escuro, com algumas parti- culas de mica e concreções de argilla rôxa. Em baixo, cada camada tem cerca de um metro de espessura; porém torna-se mais schistosa em cima, onde apparecem lages espessas apenas de poucos centimetros. Uma das camadas consiste em massas concrecionadas, composta de folhas concentricas. As superficies expostas tornam-se molles, e a rocha é bas- tante friavel; no interior, porém, ella é muito dura e compacta, fazendo lembrar o grés do valle do Connecticut, tão estimado como pedra de construcção nas cidades da costa attlantica dos Estados-Unidos. A inclina- ção das camadas é quasi nulla, parecendo ser sómente de 2 ou 3 grãos para o norte. Na subida da margem escarpada da chapada, perto da Barra do Rio das Velhas, vêm-se expostas até a altura de 200 metros camadas de schis- tos arenosos, brancos ou amarellados, alternando com outras delgadas de grés argilloso esverdeado. A mais de 200 metros predomina um grés schis- toso contendo seixos e laminas de mica, apresentando-se esta rocha em cima da chapada em espessas camadas de côr avermelhada. Nesta subida todas as rochas estão mais ou menos decompostas e não apresentam os seus verdadeiros caracteres, taes como são vistos no leito dum pequeno riacho que desce em magnifica cascata perto da povoação da Porteira. As rochas, que na subida se apresentam molles, friaveis e de côr es- branquicada, amarelada ou avermelhada, são no riacho muito duras, compactas e de côr azuladada ou esverdeada. O caracter schistoso é menos pronunciado na rocha, que não tem soffrido decomposição, podendo ella ser classificada como grés argilloso ou schisto arenoso, conforme predo- mina um ou outro elemento. Parece-me que, em geral, é o elemento arenoso que mais prevalece, e por isso dei a esta serie o nome de serie de grés. As camadas são quasi horizontaes, a espessura da serie tem ali cerca de 300 metros. No Jequitahy a rocha é semelhante à acima descripta, comquanto as camadas sejam geralmente mais massiças e arenosas, passando ás vezes a um conglomerado contendo seixos rolados de todos os tamanhos, até ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1053 o da cabeça de um homem. Os seixos compõóem-se de gneiss, quartzito, schisto metamorphico, jaspe, itabirito, calcareo amorpho azulado, etc; os mais interessantes são os de calcareo, que parecem identicos á rocha das camadas calcareas da Januaria e Lapa. A decomposição do conglo- merado fornece um cascalho grosseiro em que se encontram diamantes em certa abundancia, sendo de suppor que estes tambem procedam da rocha, que é apenas um cascalho antigo consolidado. Nota-se na rocha de Jequitahy um facto muito interessante e que deve ser sempre lembrado para evitar erros graves na apreciação dos caracteres das rochas. Pelos efeitos da decomposição a rocha apresen- ta-se em quatro estados bem diversos, podendo qualquer d'elles m'uma observação superficial ser tomado como o original. Vêm-se massas duras azuladas em que difficilmente se percebe a granulação, outras mais molles, amarelladas e granulares, outras muito molles, quasi terrosas e avermelhadas, e, finalmente, outras brancas, friaveis e granulares, re- presentando itacolomito. Ura, não é muito difficil encontrar massas que, quando quebradas, mostrem no centro os primeiros caracteres, que são os originarios, e em torno deste nucleo uma ou duas zonas apresen- tando os outros caracteres, de modo a provar que estes resultam da decomposição. Acontece que, em geral, são estas fórmas decompostas que apparecem na superficie, e dão assim uma idéa muito erronea do caracter da rocha inferior; seria, pois, muito facil confundir este grés de caracter especial com outros inteiramente differentes. Por exemplo, as partes decom- postas mostram muita semelhança com o grés cretaceo da região de Paulo Aflonso, emquanto que a rocha no estado original é muito diffe- rente. Não pude descobrir fosseis neste grés, e portanto a sua edade fica em duvida. Certamente é mais novo do que o calcareo já descripto, porque este, conforme o testemunho de todos os viajantes no Rio das Velhas, passa por baixo do grés, o que é confirmado pela presença de seixos de calcareo n'este ultimo. O Sr. Liais referio esta serie ao terreno terciario, basean- do-se n'uma evidencia que não posso deixar de considerar insufficiente. O seu argumento principal foi a superposição do gres ao calcareo, que elle classificou como cretaceo; mas sendo o calcareo mais antigo, como vimos, a edade do grés fica em duvida. O fossil do Abaeté referido pelo Sr. Liais ao genero Ostrea provém, segundo a descripção, d'um grés micaceo distincto do considerado aqui, e que se suppunha ser mais antigo; porém, quanto a isto, não ha provas concludentes Parece possivel, se a iden- 104 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tificação fôr exacta, que haja na região do Abaeté uma rocha represen- tando o fossil do grés de edade cretacea tão largamente desenvolvido na parte inferior do valle; se assim fôr, é provavel que elle se ache limitado à depressãodo valle e não se estenda às chapadas lateraes. Os caracteres lithologicos do grés das visinhanças de Pirapóra são tão differentes dos do grés cretaceo, que seria arrojado identificar os dous sem a evidencia dos fosseis. Parece-me mais provavel que o pri- meiro seja palwozoico, e, portanto, mais antigo do que o segundo; a este respeito, entretanto, não pude colher dados definitivos. As camadas deste grés são em geral proximamente horizontaes, porém em alguns logares parece terem soflrido perturbações locaes, que as têm levantado com um angulo de 15 a 20 gráos. São atravessadas por alguns veios de quartzo e, conforme o Sr. Liais, por dykes de diorito, dos quaes nenhum encontrei em caminho. As depressões occupadas pelos rios na região do grés e do calcareo são evidentemente devidas à denudação, mas a sua largura é tão consi- deravel que não parece provavel terem sido produzidas exclusivamente pelos rios. Ao longo do S. Francisco as margens das chapadas, de lado a lado, distam uma da outra de uma a cinco leguas. Nesta larga depres- são vêm-se as alluviões do rio, as partes denudadas das formações das chapadas e alguns depositos de arêas e argillas, que parecem ser dis- tinctos dos dous primeiros e pertencer a alguma formação propria à depressão, porém mais antiga que as alluviões. Acima do Bom Jesus da Lapa ha alguns barrancos notaveis, compostos de argilla branca e rôxa, tendo de 10 a 15 metros de altura; depositos semelhantes apre- sentam-se em varios outros pontos. N'um logar entre Caranhanha e Ja- nuaria, chamado Manga do Amador, existe um barranco de 20 metros de altura, composto dum barro esbranquiçado, que contém numerosos nodulos phosphaticos e que talvez resulte da decomposição "alguma rocha. Tendo considerado as varias series de rochas sedimentares e não me- tamorphicas que apparecem no valle do S. Francisco entre o mar e a cachoeira de Pirapóra, voltarei a tratar das rochas metamorphicas e em grande parte crystallinas, que se mostram n'uma extensão de 240 leguas entre a villa de Propriá, na provincia de Sergipe, e a do Urubu, na Bahia. Acham-se ahi incluidas sob o titulo metamorphicas, algumas rochas igneas. Entrando ellas em proporção relativamente pequena na estructura da região cujos caracteres principaes são determinados pelas rochas metamorphicas, e faltando-me os dados necessarios para a perfeita discriminação das duas ARCHIVOS DO MUSEU NACIQNAL 105 classes, acho preferivel deixal-as juntas a fazer uma separação que não ha de deixar de ser incompleta e imexacta. Na maior parte desta extensão ellas mostram-se na superficie, pelo menos nas visinhanças do rio. Em outras partes, porém, só apparecem por baixo das series sedimentares já descriptas, ou em virtude das denudações destas. Entre Propriá e Joazeiro predominam as rochas gneissicas, graniti- cas e syeniticas, havendo nas visinhanças de Boa Vista um ou outro morro de quartzito chloritoso ou ferruginoso e de calcareo. De Joazeiro para cima, as rochas crystallinas apparecem raras vezes, e as que pre- dominam então são os quartzitos, itabirtos e schistos, semelhantes aos que se acham tão largamente desenvolvidos na parte central da provin- cia de Minas Geraes. As feições topographicas desta parte do valle já foram brevemente referidas. A superficie perto do rio, considerando a natureza da estru- ctura geologica, é em geral notavelmente regular e quasi plana, forman- do uma especie de plataforma da qual se levantam muitos picos conicos, isolados ou em grupos, e pequenas serras de poucas leguas de comprimento, destacadas umas das outras sem ordem apparente. Um estudo prolongado revelará sem duvida um systema nesta confusão; mas numa viagem rapida pelo rio, em que é raro obter um golpe de vista de grande extensão, torna-se impossivel perceber a ordem que governa o agrupamento destes accidentes. Elles são mais abundantes do lado pernambucano, abaixo de Pilão Ar- cado, e parecem formar um systema de serras metamorphicas fronteiras às de grés situadas na divisa entre o S. Francisco e os rios de Piauhy e Ceará. Perto da villa de Cabrobó existe, a algumas leguas do rio, como que uma linha continua de montanhas, entre a qual e o rio ha nu- merosos serrotes destacados, parecendo esta linha estender-se para o norte nas provincias de Pernambuco e Parahyba, e formar o systema de Bor- borema. Do lado bahiano estas serras metamorphicas são menos numerosas, sendo a superficie ali em geral mais nivelada e provavelmente formada na maior parte por camadas horizontaes de grés, pertencentes aos ter- renos mais modernos. E só acima de Cabrobó que as serras metamorphicas assumem, a léste do rio, uma certa importancia perto de suas margens, tornando a superficie da região que margina orio perto de Joazeiro a ser composta, como já ficou dito, de grés ou de calcareo. v.lv Zi 106 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL De Joazeiro para cima o lado occidental (geralmente chamado lado pernambucano, ainda que na provincia da Bahia) torna-se mais plano, ficando os poucos picos e pequenas serras mais distanciados uns dos outros, até que afinal começam a apparecer perto da barra do Rio Grande as chapadas já descriptas, em frente das quaes surgem nas vizinhanças de Bom Jardim e Urubú algumas serras metamorphicas destacadas. Do lado bahiano apparecem muitas e pequenas serras metamorphicas, defronte dos chapadões que se estendem de Joazeiro até a barra do Rio Grande, e d'ahi para cima ellas continuam n'uma zona mais larga, por traz da qual levanta-se a alta e escarpada serra de Assuruá, que, com outras mais para o sul, fórma uma linha apparentemente continua, estenden- do-se tambem por traz das chapadas que caracterizam a região acima do Urubu. As rochas crystallinas da serie gneissica na parte inferior do valle, abaixo de Paulo Affonso, foram estudadas pelo professor Hartt nas duas excursões que fez no S. Francisco, em 1867 e 1876. Na ultima viagem elle desceu o rio em canôa desde Piranhas até Penedo, e a seguinte noticia sobre esta parte do valle é tirada das notas que então tomou. De Propriá ate a cidade do Pão d'Assucar, n'uma distancia de 20 leguas, as rochas são pela maior parte de gneiss schistoso, passando a micachisto ge- ralmente com granadas, as quaes em algumas camadas constituem uma grande parte da rocha. Na Lagôa Funda, 4 leguas abaixo de Pão d'Assu- car, apresenta-se junto com o micaschisto granatifero uma camada de mar- more branco. As camadas inclinam-se de 25º a 40º, sendo a immersão para N. E. ou S. O. quando a direcção é para N. O., porém quando esta é para N. E. aquella é então para N. O. ou S. E. Em Propriá a direcção é N. 85º 0., mas 2 1/2 Jeguas acima é de N. 30º-40º E., pouco adiante voltando outra vez a ser para N. O.; assim continuando, as camadas apresentam direc- ções que variam entre N. O e N. E. Em um logar chamado Morro do Defunto a direcção é para N. O. e a inclinação para N. E., emquanto que esta é para S. O. no Curral da Pedra, do lado opposto do rio. Estas variações na posição das camadas indicam a existencia de dobras relativamente pequenas e bastante complicadas, que difficultam muito a determinação das relações das diversas camadas. De Pão d'Assucar para cima as rochas são mais massiças, consistindo em gneiss pouco schistoso, granitos e syenitos. Com a diflerença no caracter das rochas, o valle tambem muda de caracter, ficando muito apertado e limitado ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 107 de cada lado por altos paredões quasi a prumo, e assim assumindo cada vez mais a fórma de um caron à medida que se sóbe para o porto de Piranhas. AO mesmo tempo começam a apparecer no meio do rio ilhas rochosas e ban- cos de rochas, tornando-se estes tão abundantes acima de Piranhas que im- pedem completamente a navegação. Devido ao caracter massiço das rochas nesta parte, é difficil ver a posi- ção das camadas, cuja direcção parece scr quasi para o Norte, sendo a incli- nação para Léste e superior a 50º. Nos córtes da estrada de ferro abertos na rampa que, partindo de Pira- nhas, sóbe por um lado do caron, vêm-se bem as rochas que se apresentam nesta parte. O primeiro córte, perto da estação, é em gneiss porphyrico se- melhante ao do Rio de Janeiro, caracterisado por grandes crystaes de felds- patho côr de carne. Nesta rocha como em todas as outras da região, apre- sentam-se dykes de rochas amphibolicas e veios de quartzo. Em outros córtes apparece syenito, composto de feldspatho rôxo em grandes crys- taes, amphibolio e uma pequena proporção de quartzo. Em algumas partes o feldspatho desapparece, deixando uma rocha composta exclusi- vamente de amphibolio. São muito commues veios ou dykes de amphi- bolio, apresentando pequenas cavidades cheias de calcito transparente. Em outros córtes ainda, apparece asssociado com estas rochas um porphyro quartzoso d'uma brilhante coloração rôxa, constituido quasi exclusivamente de feldspatho amorpho. Na parte superior da rampa abunda mais um gneiss granitico preto, composto de mica preta, feldspatho branco fina- mente granular e uma pequena proporção de quarizo, sendo a massa atravessada por veios de feldspatho rôxo. Apparece gneiss schistoso no valle dum pequeno corrego secco, logo abaixo de Piranhas, onde é penetrado pela rocha amphibolica. No mesmo valle encgontram-se rochas com finas agulhas de turmalina preta. As mesmas variedades de rochas se mostram em toda a região entre Piranhas e a cachoeira de Paulo Aflonso, ou, antes, até a cachoeira de Itaparica, onde as rochas metamorphicas desapparecem por baixo do grés cretaceo. Na cachoeira os phenonenos geologicos mais interessantes são os que se prendem à formação do canon e da gruta chamada Furna dos Morcegos. O rio, que acima da cachoeira corre quasi ao nivel geral das terras adjacentes, precipita-se num estreito canon com paredes talhadas a prumo, cuja altura junto à cachoeira é de cerca de 50 metros. Logo abaixo da quéda principal e inferior, este canon faz uma volta quasi em angulo recto, e do cotovello assim formado estende-se uma especie de LOS ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cul-de-sac terminando na gruta. Este cul-de-sac constitue um braço do caion, em que a agua penetra até a extremidade no tempo das cheias, mas só entra na bocca por occasião das seccas, sendo esta differença devida ao declive do fando, que desce cerca de 15 metros da bocca da furna até ao nivel do baixo rio. A furna é um prolongamento subterraneo do cul-de-sac na parede terminal, e tem 100 metros de comprimento, 20 de altura e 9 de largura, sendo na entrada dividida em duas partes desiguaes por um pilar de rocha, estendendo-se do chão até o tecto. A bocca é de fôrma rectangular, o eixo vertical do rectangulo sendo o maior e apresentando uma ligeira inch- nação para o Norte. Interiormente o chão e o tecto da furna se appro- ximam até que afinal se encontram. A direcção da furna, como a do cul-de-sac e do canon abaixo do cotovello, é para ENE. A rocha em que a furna se acha excavada é o syenito roxo, que está muito fracturado, com as fendas cheias de calcito. Não só na furna, como em toda a circumvisinhança, as rochas estão muito cortadas por fendas quasi verticaes, entre as quaes as mais pronunciadas são as que correm nos rumos ENE e ONO. Estas fendas, que correspondem ao que os inglezes chamam joints e Daubrée deu ultimamente o nome de hthoclases, parecem ter determinado a formação não só da furna e do cul-de-sac, como tambem em parte a do canon. A direcção d'aquelles corresponde com a de um dos systemas de lithoclases, e comprehende-se facilmente que estes estabelecem linhas de menor resistencia. As aguas, correndo abaixo da quéda com grande velocidade e encontrando a volta abrupta de que já fallei, tendem a recuar no lado convexo da volta e reagem sobre a rocha que, fracturada pelos lithoclases, cede mais ou menos facilmente. Na entrada do cul-de-sac ha um movimento continuo de vae-e-vem, que actual- mente pouco influe sobre as rochas na época das aguas baixas, mas que nas enchentes, quando as aguas chegam até a furna e se movem com mais força, deve produzir bastante effeito. Ao desmoronamento da rocha pela acção mecanica da agua, devemos ajuntar a sua decomposição, que é ali mais activa em virtude -da accumulação das materias vegetaes no remanso do cul-de-sac, materias que, apodrecendo, desprendem gazes que reagem sobre os silicatos alcalinos da rocha. As consideraveis accumulações de estrume de morcegos em fermentação dentro da furna, contribuem pro- vavelmente para mais rapida decomposição da rocha. Seja esta a razão ou outra qualquer, o certo é que a decomposição manifesta-se mais rapida ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 109 na furna do que em outras partes, as paredes e o tecto estando sempre se desfazendo em argilla, e assim a gruta alargando-se gradualmente. * Nas paredes e no tecto da gruta vê-se muitas cavidades irregulares, geralmente em fórma de funil, que são claramente devidas à decomposição, e mostram como esta e a acção mechanica da agua influiram para a for- mação da gruta. Sob a acção das mesmas agencias, favorecidas sempre pelos lithoclases, o tecto na entrada é solapado e cãe, estendendo-se assim o córte aberto ou cul-de-sac à custa da gruta. O caracter que esta apre. senta d'uma perfuração na rocha, da qual deixa em cima uma enorme massa continua, mostra d'uma maneira concludente que o cul-de-sac não póde ser uma grande fenda aberta como parece à primeira vista. Estas considerações lançam alguma luz sobre o modo e origem do grande caion que se estende de Paulo Affonso até perto de Pão de Assucar. Parece inverosimil attribuil-o à denudação causada pelo rio, e à primeira vista somos levados a acreditar em alguma grande convulsão da natureza, abrindo uma enorme fenda em que o rio depois se precipitou. Attendendo, porém, ao braço do caiton que vae ter à furna, parece mais razoavel suppor que o caron foi excavado pelo rio, seguindo as linhas de menor resistencia produ- zidas pela intersecção dos diversos systemas de lithoclases, que cortavam as rochas em blocs promptos a serem deslocados e levados pelas aguas. As voltas do rio na cachoeira e um pouco abaixo favorecem esta theoria. O rio desce até a quéda principal correndo no rumo de ENE., que é o de um dos syste- mas principaes de lithoclases. Perto da quéda elle faz uma volta em angulo recto para NO., direcção do outro systema, e algumas centenas de metros abaixo faz outra volta igualmente em angulo recto, retomando a direcção primitiva. Parece, pois, que o rio excavou seu leito na direcção dos litho. clases, seguindo um ou outro systema, conforme o maior ou menor grâu de fracturamento que estes apresentaram. E” possivel tambem que em certas partes o caúon siga a direcção da estratificação, o rio escavando uma camada mais molle entre duas mais duras. Entre as rochas metamorphicas das visinhanças de Paulo Affonso, uma das mais interessantes é um marmore que se apresenta ao pé da serra de Craunan, perto da estação do Talhado. Esta serra, uma das do grupo que fica ao nordéste de Paulo Affonso, é uma estreita e isolada lombada que, elevando-se cerca de 250 metros acima da planicie, parece ser pela maior parte formada de syenito. Cerca de dous kilometros ao norte da extre- midade oriental da serra, no logar chamado Moreira, encontra-se o cal- careo associado com camadas de gneiss. Elle apresenta-se numa camada v. 1v—28 110 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tendo 20 ou 30 metros de espessura, com uma inclinação de 30º para noroéste. A rocha é branca e grosseiramente crystallina, assemelhando-se muito com o marmore da Barra do Pirahy e outros pontos do valle do Parahyba. Em certas partes tem uma mistura de serpentina, que se apre- senta em laminas finas e granulos disseminados no calcareo. Tendo estas partes serpentinosas muita semelhança com o calcareo de Canadá contendo Eozoon canadense, enviei algumas amostras ao descobridor deste fossil, o distincto Dr. J. W. Dawson, que fez sobre ellas a seguinte communicação, publicada nc American Journal of Science de Abril de 1880: «U exame (tratando as amostras pelo acido nitrico diluído ) mostrou em alguns pontos grupos de canaes semelhantes aos do Eozoon canadense, cheios de dolomia- Estes canaes provavelmente representam fragmentos de Eozoon. Não existe aspecto de laminação, e a rocha parece consistir de calcareo e dolomia intimamente misturados, contendo grãos de serpentina côr de azeitona pallida. A rocha e os fragmentos de [ozo0n mella contidos parecem-se com os de algumas camadas de Petite Nation e tambem com os calcareos de Chelmsford, Massachussets, e do condado de Warren, New York. Não tenho duvida de que este calcareo seja da época Laurenciana e em parte composto de Eozoon, e julgo provavel que pesquizas mais prolongadas possam descobrir n'elle massas inteiras do fossil. » Esta descoberta do Eozoon vem confirmar a referencia já feita pelo professor Hartt da serie gneissica do Brazil à idade laurenciana. As ultimas explorações têm demonstrado que os calcareos são mais abundantes nesta serie do que anteriormente se suppunha. Além das camadas do S. Fran- cisco e Parahyba, encontram-se calcareos da serie gneissica em Pernam- buco, Ceará, Espirito-Santo, Rio de Janeiro (perto de Belém) e S. Paulo, nas visinhanças de Iguape. As rochas metamorphicas crystallinas desapparecem na cachoeira de Itaparica, passando por baixo do grés cretaceo já descripto, mas reappa- recem no leito do rio 16 leguas acima, na cachoeira do Vão, perto da Missão de Rodellas. D'ahi até à cachoeira do Sobradinho, acima do Joa- zeiro, são com poucas excepções as unicas rochas que se encontram, apparecendo de vez em quando acima deste ponto até a foz do Rio-Verde Pequeno, perto de Pilão-Arcado. Nesta extensão de cerca de 100 leguas não observei o syemto e o porphyro característicos da região de Piranhas e Paulo Affonso. As rochas predominantes são gneiss granitico, rôxo e de granulação grosseira, gneiss branco de grão fino e gneiss preto muito micaceo e schistoso, passando a ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1114 micaschisto muitas vezes com granadas. Em varios pontos entre Rodellas e Cabrobó apparecem - calcareos, e entre Cabrobó e Boa-Vista começam a apparecer quartzitos, que se tornam mais abundantes de Sobradinho para cima. Não pude n'um exame rapido determinar as relações que têm entre si as camadas das diversas qualidades de gneiss. Como na região entre Propriá e Paulo Affonso, a posição das camadas é muito variavel, e mesmo dentro dum espaço limitado notam-se differenças importantes na inclina- ção e direcção das camadas. Parece que além das ondulações grandes c bastante complicadas, ha outras secundarias que dificultam muito o estudo da posição e relação mutua das camadas, de modo que só com muito tempo poder-se-hia determinar exactamente a estructura da região. Das observações que pude fazer, resulta que nas duas leguas abaixo de Rodellas a direcção é em geral N. 10º E., variando para N. 60º E., sendo a inclinação de 40º a 50º para N. O. Cerca de uma legua acima de Rodellas nota-se à direcção N. 25º O. e a inclinação de 50º para NE.; porém logo acima, na cachoeira do Boi Velho, a direcção torna a ser para NE. e a inclinação para SE. Quatro leguas acima observa-se a direcção N. 60º O., a qual n'uma distancia de 29 leguas varia apenas entre N. 30º O. e N. 60º 0., sendo a inclinação abaixo de Cabrobó para SO., com um angulo de cerca de 50º. Nas 10 leguas entre Cabrobó e a cachoeira da Panella do Dou- rado a inclinação muda para NE., voltando a ser para SO. entre aquelle ponto e Capim-Grosso. A's vezes, como nas llhas de S. Miguel e Inhanhum, as camadas estão em posição vertical, mas em geral inclinam-se com angulos de 40º a 60º. De Capim-Grosso a Sobradinho a direcção é geralmente N. 40º E. e a inclinação de 40º a 70 para NO.; em alguns logares, porém, nota-se uma direcção para NO. O calcareo que se acha associado com o gneiss apparece primeiro num logar chamado Poço-Cercado, tres leguas distante do rio e oito do Atalho, ao pé da serra do Sacco. Entre este ponto e Cabrobó elle se mostra em diversos logares, dos quaes Sabiucá e Jatanam, do lado per- nambucano, distam do rio de meia à uma legua, emquanto que Belém, Caxuhy e Santa-Catharina, do mesmo lado, Imbuzeiro, Imburama e Abaré, do lado bahiano, ficam à margem do rio. Examinei esta rocha no Poço-Cercado e no Abaré. Na primeira locali- dade ella está mal exposta, mas parece formar uma camada bastante es- pessa intercalada no gneis: é um marmore branco crystallino e de gra- nulação grosseira. No Abaré ha tres camadas, das quaes a central e mais 112 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL grossa tem tres metros de espessura e as outras apenas um metro. Entre estas camadas acham-se intercalados cinco ou seis metros de gneiss, con- tendo granadas e leitos finos de calcareo. O marmore é branco e geralmente de granulação grosseira, porém ás vezes finamente granular. Tem uma mistura abundante de mica branca, e apresenta em algumas partes uma coloração esverdeada. Em nenhum destes dous logares encontram-se os grãos verdes que no marmore de Craunan representa o Eozoon. Entre a villa de Cabrobó e a da Boa-Vista começa a apparecer com a serie gneissica uma segunda serie metamorphica, que não assume grande importancia até a cachoeira do Sobradinho. D'esta serie as primeiras rochas que observei foram no Serrote da Ponta da Ilha da Assumpção, logo acima de Cabrobó. Este serrote é composto de possantes camadas de quartzito branco jazendo sobre micaschisto, as camadas tendo a inclinação de 40º para NE. e a direcção N. 70º O. O Sr. Halfeld, cujas observações geolo- gicas são em geral muito exactas, menciona n'este serrote a existencia de minereo de ferro, mas eu não o encontrei. Algumas leguas rio acima, na pequena ilha do Serrotinho, apresentam-se sobre micaschisto camadas de quartzito granular branco, com laminas de chlorito duma bonita côr de esmeralda. Cerca duma legua acima, no serrote da cachoeira da Panella do Dourado, apparece um quartzito ferruginoso, schistoso, que me parece identico aos itacolumitos passando à itabirito, existentes na pro- vincia de Minas. Ha nesta Jocalidade uma falta apparente de confor- mabilidade entre o quartzito e o gneiss subjacente, o qual, inclinando-se para SO., parece passar por baixo do quartzito, que se inclina para NO.: Esta observação tendo sido feita de longe. através de um braço de rio, não pude ter plena certeza do facto. Na villa da Boa-Vista encontram-se massas soltas de quatzito chlori- tico e talco, com camadas de micaschisto, Um pouco abaixo da villa do Capim-Grosso, apresenta-se de lado bahiano, à beira do rio, uma espessa camada de calcareo, differindo bas- tante de todas as outras que vi no valle, e sobre cujas relações geolo- gicas estou em duvida, porque não ha outras rochas expostas nas visi. nhanças. A rocha é um marmore finamente granular, de côr branca e azulada, com alguns leitos delgados côr de rosa. Contém uma mistura consideravel de quartzo em grãos finos e de laminas de talco ou de mica de aspecto talcoso, sendo estas impurezas geralmente distribuidas em lami- nas irregulares e onduladas. Além destes mineraes encerra, particularmente na parte superior, massas irregulares de quartzo branco e crystaes de py- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1133 rito espalhados. A espessura é de cerca de 100 metros, e as camadas incli- nam-se com um angulo de 45º para NNO., sendo a direcção N. 80º E, Perto d'esta localidade existe, a alguma distancia do rio, um morro con- sideravel de cerca de 150 metros de altura, chamado serra de Capivary, a qual, segundo as informações que tive, é composta de calcareo. Sou levado a crer que este calcareo pertence à serie de quartzitos que apparece algu- mas leguas abaixo, na cachoeira da Panella do Dourado. Em aspecto a rocha assemelha-se mais ao calcareo que nesta serie se apresenta na serra do Curral "El-Rei, perto de Sabará, do que a qualquer outro dos que tenho visto. Conforme as observações de Halfeid, o calcareo apparece tambem em diversos logares entre Capim-frosso e Jonzetro. Na ilha do Fogo, fronteira à cidade do Joazeiro, ha uma emersão de rocha amphibolica, que parece formar um dike no gneiss. Apparece tam- bem, com um metro de espessura, uma rocha branca de aspecto calcareo, mas que parece ser uma rocha phosphatica em decomposição, contendo finos veios de turqueza. Em outra parte a rocha apresenta um aspecto esco- riaceo, e encerra graphito impuro, oxydos de ferro e alguns phosphatos amorphos. Para o mineralogista é este um dos logares mais interessantes do rio; infelizmente, porém, não tive occasião de examinalo com muita minuciosidade. Na cachoeira do Sobradinho, seis leguas acima de Joazeiro, apparecem sneiss porphyritico no leito do rio e quartzito granular (itacolumito) no pico do Sobrado, junto ao rio, do lado pernambucano. D'ahi para cima o gneiss se mostra mais raramente, e a maior parte das elevações perto do rio são compostas de quartzitos, cobertos do lado bahiano por camadas quasi horizontaes de outras rochas formando chapadas e taboleiros, como já ficou dito. Na secção entre Sobradinho e a villa do Urubú as emersões à beira do rio tornam-se mais raras, e, tendo eu atravessado em vapor esta parte do rio, não consegui fazer estudos minuciosos. Os morros que pude examinar são compostos de quartzitos ou itabiritos, que, constituindo as partes mais duras e resistentes da serie a que pertencem, têm permane- cido, ao passo que, segundo parece, outros membros da serie têm sido destruidos. Não póde haver duvida de que esta serie é a mesma que caracterisa a provincia de Minas-Geraes. Os schistos unctuosos, geralmente chamados talcosos, que formam a parte mais importante d'aquella serie, não appa- recem em abundancia à beira do rio antes de Bom-Jardim, onde elles formam importantes morros fronteiros à villa. Esta falta póde ser attribuida v. 1v—20 114 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL à denudação, e provavelmente elles se apresentam ao pé das chapadas do lado bahiano. Perto da villa de Sonte-Sé os morros são de gneiss, Algumas Jeguas acima existe, do lado pernambucano, um lindo grupo de serras, das quaes a que examinei, chamada serrote do Pico, compõe-se de itabirito ou quartzito ferruginoso, sendo a inclinação 75º NO. e a direcção para NE. Em frente e um pouco acima da villa do Remanso, visitei um outro morro, chamado serrote do Velho, que é composto de uma espessa serie de ca- madas de itabirito, em baixo das quaes existe uma camada consideravel de calcareo ferruginosso, que por sua vez jaz sobre ilacolumito. Entre os itabiritos ha valiosos minereos de ferro. A direcção das camadas é N. 30º O., e a inclinação 70º NE. Na villa do Pilão Arcado reapparece o gneis, composto de feldspatho branco em grãos finos, quartzo e pouca mica. Entre as camadas ba algu- mas de feldspatho cinzento em grandes crystaes. Vi ali, proveniente do serrote do Rio Verde, uma rocha particular que, muito semelhante à de Cori- tiba, na provincia do Paraná, compõe-se de crystaes de feldspatho rôxo e de um mineral indeterminado de côr esverdeada. Outros morros, que tive occasião de visitar, são os das Pedras do Ernesto e da Tapera, algumas leguas abaixo do Chique-Chique. Neste logar apparecem, de cada lado do rio, dous morros alongados, distantes uma legua uni do outro, e dispostos de modo que o rio parece ter atravessado dous lombos, ficando de cada lado do rio uma parte de cada um d'eiles. A rocha é um itabirito passando a hematito puro, tendo associado algum magnetito. A direcção das camadas é N. 10º E. e a inclinação de 65º a 80º para leste. O minerio é alli de excellente qualidade e extremamente abundante, achando-se para a extracção nas condições mais [avoraveis que se póde imaginar; infelizmente, porém, não ha em toda a região combustivel para fundil-o senão em escala muito limitada. Na encosta de um dos morros existe um deposito abundante de tufo calcareo, o que faz suppor que ha muito perto uma camada de calcareo. A partir da villa de Chique-Chique não tive mais occasião de estudar esta série senão nos morros vistos ao longe, nos quaes, pelo aspecto ou pelas informações, [foi-me revelada a existencia de itacolumitos, itabiritos ou schistos. Tendo logo depois atravessado a região aurifera e diaman- tifera da provincia de Minas, notei a maior semelhança entre as rochas do S. Francisco e as d'aquella região, e não hesito em referil-as à mesma ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 115 serie geologica. Acho muito provavel que as rochas do S. Francisco sejam tambem auriferas e diamantiferas; de facto, já se tem tirado diamantes na comarca de Chique-Chique, a uma distancia de cinco leguas do rio, sendo a serra de Assurruá, que se avista do rio, reputada muito rica tanto nestes mineraes como em prata e chumbo. Da villa do Urubu para cima, a série em questão parece internar-se para léste, correspondendo com a área montanhosa que, como já referi, afasta-se do rio a partir do mesmo ponto, ficando por detraz de uma região de chapadas compostas de calcareo e grés. Pelas descripções dadas por von Martius, e ultimamente pelo Dr. Theodoro Sampaio, membro da Commissão Hydraulica, é evidente que as montanhas de Monte-Alto, Caeteté, Sincorá e da Chapada Diamantifera, levantam-se mais ou menos bruscamente d'uma região calcarea que fica a oéste, e são compostas de grés ou quartaito, jazendo por cima de gneiss, schistos, quartzitos schistosos (itacolumito) e minereos de ferro. A julgar por estas descripções e pelas amostras das rochas trazidas pelo Dr. Sampaio, as montanhas desta parte da provincia da Bahia correspondem muito de perto com as das visinhanças da Diamantina, na provincia de Minas-Geraes, o que alias era de esperar, pois formam o pro- longamento destas no mesmo systema de sublevamento. A léste d'estas serras, no valle do rio Paraguassu, ha extensas regiões de caicareo semelhantes às do valle do S. Francisco e provavelmente perten- centes ao mesmo systema geologico. Se assim fôr, é mais uma prova de que o sublevamento da serra do Espinhaço foi anterior ao deposito das camadas calcareas do S. Francisco, e de que as mesmas condições pre- valeceram tanto a léste como a oéste das montanhas que, constituindo hoje a divisa entre as aguas do S. Francisco e as da encosta do Atlantico, formavam naquelle tempo uma ilha, ou quasi ilha, comprida e relativamente estreita, separando do mar, que então cobria grande parte da provincia da Bahia, o golfo onde hoje se acha a bacia do S. Francisco. Na provincia de Minas-Geraes, a série de schistos, itacolumitos e ita- biritos acha-se largamente desenvolvida na serra do Espinhaço, na divisa entre o S. Francisco de um lado e o Jequitinhonha e o Doce do outro, e nas cabeceiras do rio das Velhas. Estas rochas têm sido tantas vezes descriptas, que não preciso entrar aqui em minuciosidades a seu respeito. Direi apenas que ellas se apresentam em uma serie de enorme espessura, na qual os diversos membros se acham varias vezes repetidos com pouca: variação nos caracteres; que são em geral ricamente auriferas e às vezes diamantiferas, e que, sempre mais ou menos metamorphoseadas e profun- 116 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL damente perturbadas, apresentam uma forte inclinação geralmente para léste, fazendo suppor que foram levantadas em dobras ou anteclinaes estreitos e cahidos, e provavelmente atravessados por grandes falhas. Acima destas rochas, na mesma região, acha-se em estratificação discor- dante uma possante série de grés, que apresenta certa semelhança com o itacolumito e tem sido com este confundido muitas vezes, mas que delle differe por apresentar muito menos evidencia de metamorphismo e por ter as laminas micaceas e chloriticas dispostas irregularmente e sem arranjo na massa arenosa. Este grés fôrma a parte superior da serra de Itacolumi, perto de Ouro Preto, e constitue mais ao norte, na região da Diamantina, um lençol continuo margeando as encostas da serra do Espinhaço, cujo centro se compõe de camadas de schisto, itacolumito e itabirito. Nas mon- tanhas ao oéste de Diamantina, na encosta occidental da serra do Espinhaço, as camadas de grés inclinam-se para oéste com um angulo de 15º a 20º, e na margem da região do grés, perto do rio Pardo, vê-se bem a discordancia da estratificação entre esta série e a dos schistos e itacolumitos, pois que alli se apresentam camadas de itacolumito flexivel passando por baixo do grés, sendo a inclinação d'aquelle para léste, com um angulo de 45º e a deste para oéste com um angulo menor. Passando a zona central da serra do Espinhaço, composta de camadas da série mais antiga, o grés reapparece a léste da Diamantina com inclinação opposta, isto é, para léste. Allio caracter da rocha é muito grosseiro, e ella passa muitas vezes a um verdadeiro conglomerado contendo fragmentos de ita- columito e outras rochas. Muitas das lavras de diamantes estão situadas em taes relações com este grés, que fazem acreditar que os diamantes sahiram desta rocha, na qual elles têm sido encontrados actualmente na celebre localidade do Grão Mogol. Este facto é citado como prova de que os dia- mantes se originaram no itacolumito, conclusão esta menos exacta, porque, em primeiro logar, a rocha não é verdadeiramente itacolumito, porém um deposito mais moderno formado à custa do itacolumito e de outras rochas, e, em segundo logar, o diamante parece existir nella da mesma maneira que nas arêas e cascalhos modernos, isto é, em segundo deposito. O seu logar primitivo parece ser em veios de quartzo e duma outra rocha só conhe- cida em estado de decomposição, associados com os sehistos unctuosos da série metamorphica, achando-se estes veios expostos nas minas do Barro e do Duro no arraial de S. João da Chapada, quatro leguas a oéste da Dia- mantina. Pelo que fica exposto acima, é evidente que as camadas de itacolumito, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL à Rá LTÁ schisto e outras rochas metamorphicas foram sublevadas e metamorphoseadas antes da deposição do grés, e que depois da formação deste houve outro movimento de sublevação sem metamorphismo ou em gráu muito inferior, o qual levantou a superficie em dobras muito menos complexas do que as produzidas pelo primeiro. Este affectou sômente as camadas metamorphicas, emquanto que o segundo influiu tambem sobre o grés. A estructura da serra do Espinhaço, na região da Diamantina, é a de um largo e achatado anti- clinal, como mostra o facto das camadas de grés inclinarem-se de cada lado do centro da cordilheira. Coloco este sublevamento antes do deposito das camadas do calcareo do valle do S. Francisco, e se este calcareo fôr, como supponho, da edade Devoniana ou Siluriana superior, as camadas sublevadas devem ser mais antigas. Na ausencia de fosseis ellas não podem ser classificadas definiti- vamente. Parece-me fóra de duvida que são muito antigas, e sou levado a referir provisoriamente o grés à edade Siluriana inferior e os itacolu- mitos, schistos e itabiritos à Cambriana ou Huroniana. Assim, estes ultimos correspondem em edade geologica com uma série largamente desenvolvida na região montanhosa da parte oriental da America do Norte e cuja edade não está ainda definitivamente determinada, mas que se tem provado ser mais antiga do que as camadas fossiliferas do Siluriano. Já expuz as razões que me levam a não aceitar a opinião do illustre Sr. Liais a respeito da edade do calcareo do S. Francisco. Quanto à sua outra opinião, identificando a série calcarea com a dos itacolumitos e schistos e o grés do valle do S. Francisco com o da serra do Espinhaço, parece-me egualmente insustentavel. E” certo que a série metamorphica reapparece com os mesmos caracteres na provincia de Goyaz, prova de que a acção do sublevamento e metamorphismo foi geral, não se podendo admittir que a região intermediaria do S. Francisco estivesse isenta desta acção, se já existissem as camadas que a caracterisam. Demais, os caracteres das rochas, deixando de lado os que resultam do metamorphismo, são muito diffe- rentes. Na série metamorphica são as rochas argillosas, arenosas e ferruginosas que mais abundam, o calcareo occupando um logar relativamente insignificante n'esta série, emquanto que na do S. Francisco são os calcareos que mais abundam, sendo as rochas argillosas e arenosas menos importantes e as fer- ruginosas até hoje desconhecidas. Viv 30 LIS ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Nos grés, tambem se notam diferenças importantes entre o de Itacolumi e a serra do Espinhaço e o do S. Francisco. Este, quando não decomposto, é de côr azulada, tornando-se amarellado, avermelhado ou branco sómente depois de ter soffrido alguma alteração, ao passo que aquelle apresenta estas córes no estado primitivo. Esta diflerença e as que se notam na dis- tribuição e posição bastam, na falta de prova concludente em contrario, para rejeitar a idéa da identidade, que assenta apenas sobre a semelhança na espessura das duas séries de grés e uma supposta semelhança nos caracte- res lithologicos. Posto que na minha viagem, rapida e ao longo duma só linha, não obtivesse secções que o provassem directamente, tudo me leva a crer que o grés da serra do Espinhaço é mais antigo do que o calcareo, e portanto ainda mais antigo do que o grés do S. Francisco, superior a este. Na linha que atravessei ha uma interrupção de mais de uma legua entre as duas séries, mas a julgar pela topographia existe um logar mais ao sul, no valle do Curumaty, em que ellas se acham em justaposição e em estratifi- cação discordante. Nesta revista dos terrenos encontrados por mim na viagem do S. Fran- cisco, esforcei-me por lançar um golpe de vista sobre a estructura geologica da região visinha ao rio, abaixo da cachoeira de Pirapóra, e das que ficam ao longo da margem oriental da bacia. Não me foi possivel n'uma viagem rapida, através dum territorio enorme, sobre o qual existiam muito poucos dados seguros, fazer mais do que um ligeiro esboço da geologia, o qual deverá ser preenchido e corrigido por estudos subsequentes. E” de esperar que brevemente esta interessante região seja mais accessivel, e que outros mais habilitados e dispondo de mais tempo e meios, completem e estendam estas observações. A respeito da parte superior e occidental da bacia pouco se sabe com certeza. Pelas noticias devidas aos limitados viajantes que têm visitado estas regiões, parece que se apresentam rochas metamorphicas calcareas e grés, o ultimo predominando. E” de suppor que alguns, senão todos os terrenos acima descriptos, se estendam nestas partes da bacia; mas na falta de dados positivos, e à vista da facilidade com que um terreno se confunde com outro, sera arrojo querer identifical-os. Não ha duvida de que o grés cretaceo fôrma uma parte da divisa entre o S. Francisco e os rios do Ceará e Piauhy. Tem-se identificado com este todo o grés da vertente occidental do valle do S. Francisco, incluindo as chapadas de Goyaz e as de oéste de Minas-Geraes, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 119 mas esta identificação era baseada na supposição de que todo o grés da região do S. Francisco pertencia a uma só divisão geologica. Estando reco- nhecida a existencia de grés pertencente ás diversas divisões, torna-se neces- sário um exame critico em Goyaz e Piauhy, para determinar quaes d'estas divisões se acham alli representadas, caso aconteça isso com algumas. no Pini TRA, FAT 1 “4 JURID o Ui OMAVE MOncitaa Jo FrEnnão cgê agdairib y ,- ORonaMedabE: nas dand: vi 9h nionniBixo paguiaatira fi ro “OMI ) AT GAS HE OVIO OBSERVAÇÕES SOBRE ALGUMAS ROCHAS DIAMANTIFERAS DA PROVINIA DE MINAS GORARS PELO DR. ORYILLB A. DBRBT A opinião emittida por d'Eschwege, de que o deposito primitivo do diamante é a rocha, a que elle deu o nome de itacolumito, tem sido apparentemente confirmada pela descoberta de diamantes embutidos n'aquella rocha, e está hoje mais ou menos firmemente estabelecida. Proponho-me examinar essa opinião, baseando-me em observações que fiz ultimamente muma parte da região diamantifera da provincia de Minas-Geraes. Perto da cidade do Grão Mogol, no norte de Minas, ha uma celebre localidade onde os diamantes foram antigamente extrahidos da rocha, e algumas amostras provenientes d'alli têm sido enviadas para diversos museus. Os Srs. Claussen, d'Helmreichen, Heusser e Claraz, visitaram a localidade e conseguiram, posto que não extrahidas por elles, obter amostras da rocha com diamantes. Numa destas amostras, que foi obtida por Claussen e existe no Museu Nacional, verifiquei que o diamante se acha enterrado de maneira a não admittir a idéa de fraude. Os Srs. Heusser e Claraz (1) dizem que no corrego dos Bois, distante (1) Zeitschrift der Deutschen geologischen Gesselschaft, Berlin, 1859. v. IY—Bl 122 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL um quarto de milha da cidade do Grão Mogol, encontram-se diamantes num enorme bloc isolado de itacolumito, do qual foram antigamente ex- trahidos pelo processo de quebrar e pulverizar a rocha, tendo sido esta mineração abandonada depois de alguns annos por ser mais difficil e menos rendosa do que a dos materiaes soltos que abundam nas visinhanças. Estando assim fóra de duvida o facto de existirem diamantes n'esta rocha, ha duas questões a considerar: — E” esta rocha verdadeiramente itacolumito? Os diamantes originaram-se n'ella ou estão n'um deposito secun- dario, como acontece nos cascalhos consolidados modernos dos leitos do Jequitinhonha e de outros rios ? O nome itacolumito, tal como é empregado por d'Eschwege e por todos os escriptores subsequentes, com excepção de Claussen e Liais, inclue rochas Pertencentes a dous horizontes geologicos muito distinctos, a um ou outro dos quaes deve ser limitado. Restringindo o nome à rocha quartzosa schistosa e muitas vezes flexivel a que propriamente pertence, e às rochas seme- lhantes, flexiveis ou não, que se acham na mesma serie geologica, 0 ver- dadeiro itacolumito é um dos membros d'uma extensa serie de camadas mais ou menos metamorphoseadas, serie esta largamente desenvolvida na parte central do Imperio. Ahi elle se apresenta em camadas frequente- mente repetidas e variando em espessura de poucos centimetros a muitos metros, em associação com schistos unctuosos geralmente chamados talco- sos, com schistos argillosos alterados, com itabiritos e mais raramente com calcareos. Oflereceem si pouca evidencia de metamorphismo, salvo se fôr tomada como tal a presença de laminas de mica hydratada ou de chlorito e ferro specular, mineraes que nos sedimentos originaes não existiram pro- vavelmente em sua condição actual. Em aspecto o itacolumito difere pouco de muitos grés não alterados, porém estando associado com uma serie meta- morphica deve dar-se-lhe o nome de quartzito. Esta serie acha-se magnificamente exposta na cidade de Ouro Preto e na base da serra de Itacolumi, onde os numerosos córtes naturaes e ar- úficiaes não deixam duvida quanto ao logar e às relações do itacolumito na serie a que pertence. O pico de Itacolumi, bem como a proxima serra do Ouro Branco, é pela maior parte constituido de possantes camadas de grés, muito semelhante ao itacolumito quando visto em amostras des- tacadas, mas jazendo em estraclificação discordante sobre as camadas meta- morphicas entre as quaes se acha o verdadeiro itacolumito. Nas partes mais grosseiras deste grés encontram-se seixos das rochas inferiores, não sendo difficil reconhecer entre elles amostras do verdadeiro itacolumito. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 195 Este facto e a sua posição provam que o grés pertence a uma serie distincta e mais moderna. A falta de concordancia entre as duas series não é muito apparente no Itacolumi e tem escapado à attenção de observadores habeis; ou antes, póde-se suppôr que estes, enganados pela semelhança das duas rochas quartzosas, não deram bastante importancia às ligeiras differenças na di- recção e inclinação das camadas e attribuiram estas diflerenças a variações locaes, muito communs nesta região, pois as rochas inferiores se apresentam na extremidade de um anticlinal. A inclinação de ambas as series é em geral para léste, sendo a da superior menos forte do que a da inferior; de longe a falta de concordancia é mais apparente do que nos pontos da juncção das duas series de camadas, onde não se encontram córtes satis- factorios. De Ouro Preto para o norte,não se vê mais o grés por uma distancia de muitas leguas,na estrada para Diamantina, até passar a divisa entre o Rio Doce e o Jequitinhonha, perto de Diamantina. Elle reapparece então formando nu- merosos lombos montanhosos, que correm para onorte e passam a léste da ci- dade da Diamantina, ao longo do flanco oriental da serra do Espinhaço, da qual formam uma parte. Ali, como em Ouro Preto, a inclinação de ambas as series rochosas é para léste, havendo a mesma difficuldade em dis- tinguil-as; ou antes, as evidencias da falta de concordancia não são bas- tante apparentes para facilmente prender a attenção de quem, por meio duma viagem pelas montanhas ao oéste de Diamantina, não está prepa- rado para procural-as. Ao longo do Jequitinhonha, ao sudéste da Dia- mantina, a rocha é muito grosseira e passa a um conglomerado conten- do às vezes, como no Curralinho, enormes blocs de rochas metamorphicas. O valle do Jequitinhonha, perto da Diamantina, acha-se principal- mente excavado no grés, os itacolumitos e schistos subjacentes mostran- do-se frequentemente no fundo do valle. Ao océste d'esta zona e em toda a parte central da serra do Espinhaço, os itacolumitos e schistos appa- recem na superficie tendo apenas uma ou outra massa destacada de grés. Na região da Diamantina a inclinação destas rochas inferiores é sempre para léste e com um forte angulo, o que indica que ellas foram levan- tadas em estreitas dobras cahidas. Ao longo da divisa entre o Jequitinho- nha e os affluentes do Rio das Velhas e do S. Francisco, o grés reapparece formando um lençol continuo; ali, porém, a inclinação é para oéste, as camadas da serie mais antiga passando por baixo com uma inclinação para léste. Perto do Rio Pardo observou-se a direcção N. 5º O para o ita- 124 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL columito flexivel e tambem para o grés, sendo a inclinação d'aquelle 45º L, e a deste 15º 0. O grés neste logar forma todo o flanco occidental da serra do Espinhaço, estendendo-se da divisa até a base. A serra, portanto, parece ser ali uma dobra anticlinal simples e larga, com as rochas me- tamorphicas e mais inclinadas no centro e flanqueadas de cada lado pelo grés, que se inclina com angulos moderados para um e outro lado a partir do eixo da serra. Mais ao norte, a julgar pelo aspecto da serra, o grés estende-se n'um lençol quasi continuo sobre o centro da dobra. Tanto quanto se póde julgar pelas poucas noticias da parte septen- trional da serra do Espinhaço, o grés estende-se por toda a serra não só no norte de Minas como tambem na chapada diamantifera da provincia da Bahia, pois ha na região de Lenções e Sincorá grés e conglomerados identicos, segundo penso, aos de Minas acima deseriptos. Estamos agora habilitados a considerar a questão de saber si os dia- mantes do Grão Mogol pertencem ao verdadeiro itacolumito, isto é, a uma rocha metamorphica, ou ao grês, rocha mais moderna, que tem soffrido pouca ou nenhuma alteração. Dos auctores que têm visitado o logar, Claussen foi o unico que fez a distineção das duas series, dizendo explicitamente que os diamantes se encontram no grés atacolumito, nome pelo qual distinguiu o grés do itacolumito. Von Helmreichen deu à rocha o nome de itacolumito, mas disse que em algumas partes ella tem o aspecto de conglomerado contendo seixos de quartzo, schisto e rocha quar- tzosa granular, micacea ou talcosa. Heusser e Claraz tambem a chamaram itacolumito, mas disseram que ella contém seixos de rocha quartzosa (ita- columito), parecendo que estes foram considerados por elles como de origem concrecionaria. A amostra existente no Museu Nacional tem o as- pecto de itacolumito, mas examinando-a eu em companhia do meu illus- tre amigo o professor Henrique Gorceix, que tem feito um minucioso estu- do microscopico destas rochas, achamo-nos de accordo em que a amostra pertence à serie do grés e que o diamante não podia ter-se originado mella, achando-se ahi em deposito secundario. Portanto, conforme esta opinião, a localidade do Grão Mogol nada mais prova a respeito da origem do diamante do que os depositos modernos de arêa e cascalho em que ordinariamente é achado. Ella prova, porém, que a epocha da formação do diamante foi anterior ao deposito do grés. A questão da edade geologica destas duas series está ainda de pé. A serie mais antiga, a do itacolumito e schistos, tem sido referida por diversos au- tores às edades Huroniana, Cambriana ou Siluriana, sendo estas identifica- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 125 ções baseadas nas semelhanças lithologicas que as rochas apresentam com as das referidas edades em ontros paizes. O Sr. Liais a considera como mais moderna e, identificando esta serie com a do calcareo e schisto do valle do S. Francisco e a do grés com ada rocha semelhante que cobre o calca- reo e o schisto m'aquelle valle, refere uma á edade cretacea e outra à ter- claria. Esta identificação, quer a respeito da identidade das rochas metamorphicas com as não metamorphicas do S. Francisco, quer a respeito da edade geo- logica, parece-me muita duvidosa. Já discuti esta questão nesta mesma revista, mas convem tratal-a aqui succintamente. Na serie cretacea do Sr. Liais, isto é, na mais antiga, as camadas rochosas da área montanhosa são sempre muito perturbadas e metamorphoseadas, ao passo que as do valle de S. Francisco, logo a oéste desta área, têm soffrido pouca pertur- bação e não se acham alteradas. Nas montanhas as rochas predominantes são schistos de caracter especial, entrando tambem como membros abun- dantes e caracteristicos da serie itacolumitos e minereos de ferro (itabiri- tos), ao passo que os calcareos são de importancia relativamente insigni- ficante. Nas camadas do S. Francisco, ao contrario, os calcareos predo- minam, sendo os grés e os schistos de importancia secundaria na parte inferior; os depositos ferruginosos (os quaes pelo metamorphismo poderiam ter produzido itabiritos) não são mencionados pelo Sr. Liais nem, que eu saiba, por qualquer outro auctor. O grés que fica em estractificação concordante sobre os calcareos do S. Francisco tambem diflere bastante do que se acha sublevado na serra do Espinhaço, e não vejo razão para considerar os dous como identicos. K” minha persuasão que as camadas horizontaes do S. Francisco, tanto as de calcareo como as de grés, foram depositadas numa bacia formada pelo sublevamento da serra do Espinhaço e de outras ao sul e a oéste, e que este sublevamento, posterior ao deposito do grés da serra, foi o ultimo dos grandes movimentos de elevação com dobramentos das camadas, os quaes deram fôrma e caracter aos grandes systemas montanhosos do Brazil ou foram de importancia mais que local. Num paiz cuja superficie se acha tão profundamente modificada pela decomposição e denudação, como acontece com o interior do Brazil, é muito dificil numa viagem rapida e ao longo duma só linha obter córtes que mostrem indubitavelmente as relações das diversas series geologicas. Assim, posto que eu tivesse seguido os depositos pouco perturbados do S. Francisco até bem perto da margem occidental da área perturbada mon- v. Iv—32 126 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tanhosa, não live a fortuna de obter evidencia positiva das relações geologicas destes depositos com os das montanhas. Claussen apresenta um córte geologico perto de Sabara, o qual, real ou imaginario, representa o que tenho como sendo as verdadeiras relações das series rochosas desta região. Neste córte o calcareo mostra-se em estractificação horizontal de encontro às camadas muito inclinadas da serie de itacolumitos e schistos unctuosos, d'onde se deduz que elle é mais moderno e só foi depositado depois da elevação das montanhas. Quanto à edade geologica das camadas do S. Francisco, a evidencia é pouca e discordante. Em Bom Jesus da Lapa, na margem do S. Fran- cisco, achei no calcareo amostras de coraes dos generos Favosites e Che- tetes, sendo por isso levado a referir os calcareos à edade Siluriana supe- rior ou Devoniana. O Sr. Liais diz que achou no calcareo do Rio das Velhas um cirripede fossil do genero Pollicipes, o que indica a edade Cretacea; é possivel, porém, que elle tivesse tomado como tal outra concha semelhante às d'aquelle genero. A ostra fossil que elle affirma ter encontrado no Rio Abaeté, provém dum grés cujas relações com as outras camadas da bacia não estão claramente especificadas e são duvidosas, sende os restos de pei- xes e repteis achados no interior da provincia da Bahia provenientes do que parece ser uma outra serie de camadas largamente desenvolvida na parte inferior da bacia, e na qual tambem eu achei fosseis semelhantes logo acima da cachoeira de Paulo Affonso. Estas camadas são indubitavel- mente da edade Secundaria, mas nos caracteres lithologicos differem tanto das camadas de grés da parte superior do valle, que por ora não posso consideral-as identicas. Em todo o caso, qualquer que seja a edade do grés do alto S. Francisco e do Rio das Velhas, a antiguidade do calcareo se acha provada pela presença de Favosites e Chetetes, e as duas series da serra do Espinhaço, que são mais antigas, devem pertencer às edades Siluriana, Cambriana, ou Huroniana, sendo provavel que se achem representadas duas destas edades. Em outras partes do Imperio encontra-se evidencia indirecta sobre a edade das camadas sublevadas e metamorphoseadas. Tanto no norte como no sul, nas provincias do Para e do Paraná, as camadas devonianas não estão alteradas, mostrando-se pouco ou apenas localmente perturbadas; e como no Parana ellas jazem sobre uma serie perturbada de schistos meta- morphicos que parece corresponder com a de Minas, é certo que o sub- levamento das montanhas maquella provincia foi pre-devoniano. No Pará tambem ha camadas quasi horizontaes da edade Siluriana superior; e si foi ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Tl geral o movimento que sublevou a serra do Espinhaço, como é de suppór pela extensão da região por elle affectada, este movimento deve ser referido à edade Siluriana inferior ou a algumas das edades anteriores a esta. Sem ligar demasiada importancia a estas considerações, sou levado a referir provisoriamente o grés da serra do Espinhaço á edade Siluriana, e os itacolumitos, itabiritos e schistos unctuosos à Cambriana. E” interessante notar que estes ultimos, tanto nos caracteres lithologicos como provavel- mente na edade geologica, correspondem muito de perto com uma serie de rochas largamente desenvolvida na parte oriental da America do Norte. Se, como creio ter provado, os diamantes do Grão-Mogol só existem no estado de sedimentos ou em deposito secundario, a sua origem deve ser procurada na serie mais antiga, isto é, na dos itacolumitos e sehistos. Quanto às lavras diamantinas, estando quasi todas nos leitos dos rios ou nos depositos superficiaes, nada offerecem que esclareça este assumpto. Em todo o Brazil só ha uma localidade conhecida em que os diamantes pa- recem estar na sua matriz original: é o arraial de S. João da Chapada, o qual, situado quatro leguas ao oeste da Diamantina, tem geralmente o nome de S. João do Barro, referindo-se este nome ao material (barro) em que as pedras preciosas foram ali descobertas pela primeira vez. O arraial acha-se no cume de um largo e arredondado dorso entre dous corregos, dos quaes um, ao sul, corre para o Rio Pardo, afluente do Rio das Velhas, e o outro, ao norte, é o famoso Caethé-mirim, tributario do Jequitinhonha. Duas minas, o Barro e o Duro, abertas nos lados oppostos do dorso, encontram-se no centro, de modo a destruir a continuidade da superficie, produzindo um córte d'algumas centenas de metros de compri- mento e cerca de vinte metros de profundidade no centro, muito parecido com os das estradas de ferro. A direcção deste córte é proximamente N.—S., e o material, com excepção d'alguns palmos de terra vermelha em cima, é um barro unctuoso de côres variadas, e evidentemente de- rivado da decomposição de camadas de schisto. Na entrada da mina de Barro encontram-se camadas de itacolumito, cuja direcção éN. 5º O. e a inclinação 40º L. Esta rocha acha-se muito decomposta, mas conserva-se ainda bastante dura para ter-se em pé, e nella abriu-se um canal que serve de esgoto à mina. As rochas estão de tal modo decompostas na mina propriamente dita que o barro escorrega cons- tantemente pelas paredes, sendo mesmo impossivel obter um logar em que se possa ter certeza de que o material se acha wm situ. A deslocação, porém, é, quando muito, d'alguns palmos ou metros. As camadas de schisto de 128 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL que provém o barro são inferiores às de itacolumito acima mencionadas, e parecem ter intercallados com ellas leitos finos da mesma rocha. Na occasião da minha visita, os trabalhos tinham sido suspensos por alguns mezes, e, devido ao escorregamento do barro molle das paredes, não me foi possivel vêr o barro diamantifero no seu logar primitivo. Um preto intelligente, que trabalhára muitos annos na mina e disse conhecer perfeitamente o material, examinou cuidadosamente commigo ambas as minas, mas não conseguiu achar sinão duas massas de cerca de um metro cubico, que me assegurou serem o barro diamantifero legitimo. Ambas as massas tinham sido deslocadas, porém era evidente que o movimento fôra pequeno e que os materiaes dentro das massas nunca tinham sido perturbados. No tempo de que podia dispor, faltaram-me os meios para verificar a identificação do meu informante; porém, como ver-se-ha adiante, ha uma outra evidencia que confirma a sua asserção de serem estas massas O barro diamantifero. Ambas eram differentes da rocha predominante da mina, e foram as unicas da sua qualidade encontradas à vista. Uma das massas, que elle disse ser diamantifera, porém mais pobre do que a outra, é um barro de côr preta azulada, facilmente reduzido pela leve pressão dos dedos a um pó impalpavel sem grãos duros. Que- brando as partes mais duras, vê-se que consistem em leitos alternados e muito delgados de argilla branca, semelhante em aspecto ao kaolin, e duma substancia preta que dá côr à massa. A parte preta é inteiramente soluvel nos acidos e consiste em oxydo de ferro. A outra massa consta em grande parte de quartzo de veeiro partido em pequenos fragmentos an- gulares, os quaes, porém, retém ainda o seu logar, sendo as fracturas en- chidas com delgadas e brilhantes laminas de ferro specular, que tambem se estende um pouco no barro adherente. Este ultimo é uma materia ter- rosa sem estructura e matizada de vermelho e amarello, formando uma zona Valguns centimetros de espessura a um lado do quartzo. Adheren- te a este barro de um lado e ao quartzo do outro, existe um barro de qualidade differente, tendo a estructura schistosa e uma côr vermelha mais brilhante. Este é evidentemente um sehisto decomposto. Os materiaes desta massa ainda conservam o logar e disposição primitiva, e acho que não póde haver duvida de que a massa é um fragmento deslocado de um veeiro com- posto de quartzo e de algum outro material contendo uma parte da rocha atra- vessada pelo veeiro. Que este é realmente o barro diamantifero, parece con- firmado pelo facto de que os montes de cascalho lavado, junto ao lavadouro, consistem quasi exclusivamente em fragmentos angulares de quartzo de veei- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 129 ro com ferro specular. Sendo facil regeitar o quartzo junctamente com o outro material improductivo, elle não teria sido lavado, se os diamantes não fossem encontrados em connexão intima com elle. As formações ou mineraes que acompanham o diamante em São João, segundo as minhas observações e as informações que obtive, são muito poucas. Na bateia de um mineiro que estava lavando arêas já lavadas, vi apenas ferro specular, e pequenos octaedros de martito (pedras de Sant Anna) com duas pequenas palhetas de ouro. Fui informado que estas são as unicas formações, e que o ouro é excessivamente raro; mas Heusser e Claraz dizem que as formações são as mesmas que as das lavras superficiaes (servicos do campo) das vizinhanças, e consistem em rutilo, anataz, distheno, amphi- bolio (?) e varias fórmas de ferro. A julgar por uma partida de 50 a 100 pedras que vi, proveniente de São João, os diamantes ali encontrados são muito uniformes em tamanho, côr e fôrma. Nºessa partida eram todos dodecaedros de quinas agudas pe- zando de 6 a 8 grãos, e de côr esverdeada. Disseram-me que as pedras de São João, sempre são assim uniformes, sendo facilmente reconhecidas pelos entendedores, como o são as de qualquer outra localidade bem conhecida. Assemelham-se muito com as do Caethé-mirim, que corre ao pé da mina no lado do norte. Heusser e Claraz são de opinião que os diamantes provêm do schisto que elles chamam hornblendico. Porém, pelo que fica acima exposto, pa- rece que provêm antes de veieiros que atravessam o schisto e se confor- mam provavelmente mais ou menos com a disposição das camadas deste. Quanto a este ultimo facto, todavia, a unica observação que pude fazer foi que os trabalhos têm seguido a linha da direcção das camadas. O Sr. Rose, mineiro inglez de muita pratica e que foi por muitos annos o engenheiro da mina do Duro, informou-me que os varios corpos diaman- tiferos correm em zonas inclinando-se a léste com um angulo entre 35º e 40º, correspondendo assim á inclinação das camadas de schisto. Disse mais, que elles lhe fazem lembrar os veleiros de Cornuailles, na Inglaterra, e que a parêde de baixo (foot wall) era distincta, não se tendo porêm encontrado a de cima (hanging wall); d'ahi póde-se julgar que o Sr. Rose não reconheceu como rocha o barro decomposto acima dos corpos diaman- tiferos. Disse ainda, finalmente, que raras vezes se tem encontrado dia- mantes no proprio quartzo. Numa amostra de barro que tirei do veieiro de quartzo, separam-se pela lavagem magua uma parte argillosa, rica em ferro e contendo um Ve IVv—33 130 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pouco de cal, e uma parte arenosa que constitue mais da metade da subs- tancia. Esta aréa é em parte preta, e sob o microscopio mostra uma porção de prismas transparentes muito pequenos, que apresentam uma ligeira co- loração esverdeada quandoos atravessam a luz. O resto é uma arêa quartzosa muito fina. Este material foi examinado pelo professor J. W. Mallet, distincto mi- neralogista da Universidade da Virginia, nos Estados Unidos, o qual teve a bondade de fornecer-me a seguinte nota: «No material do veieiro de São João, achei fragmentos espedaçados de quartzo mais ou menos cimentados pelo ferro hydratado e uma porção grande de argilla ferruginosa, alguns fragmentos d'um silicato preto crystallino,que, dando a reacção ao acido borico,é indubitavel- mente turmalina, e, finalmente, alguns fragmentos dum outro silicato ferru- ginoso. O todo me faz lembrar os restos da decomposiçao de um veleiro gra- nitico,se isto é possivel na região em questão,mas com o material tão alterado, tanto chimica como mechanicamente, que me parece duvidoso terem os diamantes formado parte da substancia original. Umas pequenas depressões, apparentemente cubicas, suggerem a idéa duma origem pyritosa. » Crystaes microscopicos de turmalina (?) semelhantes são mencionados pelo Sr. G. Rose na nota que acompanha a memoria dos Srs. Heusser e Claraz, sobre uma amostra de barro contendo ferro specular e um diamante trazido de São João por estes senhores. Essa nota vem confirmar a informação que tive de ser a massa vista por mim a verdadeira matriz do diamante. O Sr. Rose descreveu tambem um barro schistoso com quartzo e os crystaes prismaticos, mas sem crystaes de ferro, o qual corresponde em caracter com o barro vermelho adherente à massa do veleiro e que supponho ser a rocha atravessada pelo veieiro (country rock). As minas de São João foram tambem visitadas por Burton (1), que teve a vantagem de vel-as em trabalho e em companhia do descobridor e pro- prietario do Duro, o tenente-coronel Felisberto Ferreira Brant. Elle descreve tres corpos diamantiferos, dous dos quaes parecem corresponder aos exami- nados por mim. «O mais rico é o corpo n. 3, ou o mais alto. Através do grés ferruginoso (borra) e da materia branca feldspathica, correm diques e linhas de crystal de rocha fragmentario, às vezes fibroso como o arago- mto e muitas vezes finamente pulverizado. Grandes pedaços de ferro spe- cular e delgados stractos de quartzo, amarello e pardo na juncção, atra- vessam a argilla, Os característicos deste corpo, são: uma argilla mais (1) Exploration of the highlands of the Brazil, V II, p. 129. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 131 secca, silica, um traço de cobre (?), de cimento de ferro e de ganga em pequenos pedaços. Quando o ferro specular se acha em pedaços grandes e abundantes, a rocha é rica em pedras preciosas. Mais abaixo encontra- mos o corpo segundo ou medio. Ahi a taua (argilla feldspathica), é concreta e arenosa, matizada com marne azulado, lamacento e gordo, que deixa sobre os dedos um traço unctuoso côr de aço. Dá tambem uma argila côr de azeitona escura, mais dura que o resto. Como os outros, este corpo tem consistencia in situ, mas depois de tirado e secco cáe em pedaços. O tenente-coronel Brant deu-me um fragmento de barro duro extrahido deste corpo, com uma granulação grossa e avermelhada pelo oxido de ferro, mostrando um pequeno diamante enterrado n'elle. » Comquanto pareça provavel que a rocha decomposta do veieiro que exa- minei seja a verdadeira matriz do diamante, a questão não póde ser conside- rada definitivamente resolvida, pois ainda falta a extracção immediata das pedras preciosas deste material por um observador scientifico competente. Esta prova, porém, é de menor importancia nas questões relativas à posição geologica do diamante do que nas que se referem ao seu modo de origem, estando estas apparentemente tão longe de solução como antes. O facto de se achar o diamante em São João na sua matriz original, qual- quer que ella seja, está, segundo creio, fóra de duvida. As duas minas têm penetrado profundamente na rocha decomposta, muito abaixo dos limites de qualquer acção mechanica na superficie, e,conforme é testemunho geral, foram extremamente ricas até o fundo, havendo probabilidade de continuarem a ser mais para baixo. E” certo que o ultimo proprietario gastou uma quantia avultada para aprofundar a mina do Barro e teve muito pouco resultado; mas elle me assegurou que esse trabalho póde dar bom resultado e que, não o tendo abandonado, suspendeu-o por motivos inteiramente independentes da riqueza do deposito. Não se tem aberto em outros logares minas semelhantes às de São João, mas é possivel que hajam muitas ainda por descobrir. As mais semelhantes estão no material chamado sopa, algumas milhas ao sul de São João, nas visinhanças de Guinda. Este material, onde eu o examinei, consiste em uma mistura de arêa e cascalho, jazendo sobre camadas inclinadas de schistos unctuosos decompostos, e coberto de arêas e cascalhos modernos, dos quaes differe bastante em aspecto. Parece que elle provém da de- composição de um conglomerado antigo, e é provavelmente um resto das in- feriores e grosseiras camadas do grés que se apresenta nas montanhas 132, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL immediatamente a oeste. A semelhança d'estas minas com as do barro é mais apparente do que real. E” evidente que o diamante póde ser encontrado no estado de seixo trans- portado em qualquer rocha mais moderna do que a sua matriz e derivada da destruição da serie rochosa a que esta pertence. Já indiquei a evidencia que me faz crer que elle assim se apresenta no grés do Grão Mogol. Acha-se tambem em muitos logares do valle de S. Francisco. nos rios que correm através do grés mais moderno do que o da serra e provavel- mente de edade paleozoica, e a distancias consideraveis de qualquer affloramento conhecido das rochas metamorphicas. Em um destes logares, no arraial do Jequitahy, perto da barra do Rio das Velhas, o rio Jequitahy é margeado por um conglomerado que tem fornecido os seixos e provavelmente os diamantes aos depositos mais modernos do leito do rio onde actualmente se encontram. Numa memoria recente (1) sobre a região diamantifera do Paraná, apresentei as rasões que tenho para crer que n'aquella provinciaos diamantes foram extrahidos da mesma maneira de um grés da edade devoniana. (1) Proceedings of lhe American Philosophical Society, Phils ja, 187 25 EA À di o y, iHadelphia, 1879, p. 251. chivos do Museu Nacional, vol. HH p, 89. Rio de Janeiro, 1879, p 1 Archivos dc NOTA AS CONDIÇÕES QUE FAVOREGEM A DECOMPOSIÇÃO DOS OSSOS PELO JOKI. LACERDA, Nesta curta nota vamos resumir algumas observações que temos feito re- lativamente à rapidez e à natureza das alterações por que passa o tecido osseo segundo as condições de meio, assaz variaveis, em que foram conservados os cra- neos e as outras partes do esqueleto. Não se póde deixar de reconhecer a im- portancia e o valor destas observações, quando se sabe que, na mór parte dos casos, o estado mais ou menos adiantado da decomposição dos ossos constitue o principal elemento de apreciação para se julgar approximativamente da an- tiguidade de uma jazida. A anthropologia vai ahi buscar a base dos seus cal- culos e inducções ; e a medicina legal, a quem cabe achar a solução, às vezes difticil, de certos problemas que exigem o previo conhecimento da data de uma inhumação, deve tambem achar interesse n'estas observações. As condições do meio, em que se pôódem encontrar os ossos são muito va- riaveis : ellas variam com a constituição do terreno, sua humidade, sua porosi- dade, e a espessura das camadas sobrepostas ao esqueleto; ellas variam ainda com o contacto mais ou menos directo dos ossos com a terra ambiente; com o curso livre do ar no jazigo, com a introducção de filamentos de raizes até o lo- VOL. IV—34 134 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL gar em que se acha depositado o esqueleto e provavelmente tambem com o grau médio de temperatura d'esse logar. Nos terrenos em cuja constituição entram normal ou accidentalmente ma- terias ferruginosas, opera-se no decurso de um periodo de tempo que não póde ser determinado, uma verdadeira infiltração ferruginosa do osso e essa impre- gnação metallica, algumas vezes limitada ás camadas mais superficiaes, chega em outros casos a invadir toda a espessura do osso. D'esta especie de alteração temos um exemplo muito frisante nos craneos encontrados por Lund nas cavernas da Lagôa Santa, e em um craneo, proce- dente do Pará, que faz parte das collecções do Museu Nacional do Rio de Ja- neiro. O craneo da Lagôa Santa, que faz tambem parte destas collecções tem uma coloração geral de ferrugem, intercalada de grandes placas negras de fórma irregular. Examinando-se nesse craneco algumas superficies de fractura recente, como, por exemplo, a da arcada zygomatica, vê-se que a impregnação metallica, revelando-se pela coloração da ferrugem, não chegou a invadir toda a espessura do osso em alguns pontos do craneo. Assim tambem o som metal- lico que dá a percussão não é identico para todos os pontos, o que indica que o grau de impregnação da materia ferruginosa é diflerente segundo certos zonas do craneo. O peso relativamente grande deste craneo, comparado com outros de volume approximado e cujos ossos não tem maior espessura, explica-se per- feitamente pela presença n'elle de uma materia extranha de natureza metal- lica. Apezar de desprovido da mandibula e da perda de uma pequena porção da arcada zygomatica, o seu peso attinge 700 grammas. Em um fragmento de mandibula, procedente da mesma localidade que o craneo, a que acabamos de nos referir, a impregnação metallica é total, com- prehendendo toda a espessura do osso. O peso deste fragmento attinge a 60 grammas. Ao passo que o tecido osseo presta-se a essa lenta infiltração da materia metallica, como provam estes dous exemplos, os dentes, seja os do craneo, seja os da mandibula permanecem com a sua coloração e o seu aspecto normaes. Esta differença é naturalmente a consequencia da constituição laminar e da compacidade das camadas do esmalte, que não se deixam atravessar facilmente por materias estranhas. Ao lado, porém, destes ossos metallisados, cuja natureza fossil é hoje in- contestavel, vamos achar um craneo de data muito mais recente, porque foi encontrado em terrenos de alluvião, no qual a impregnação da materia ferru- ginosa é muito mais completa. Referimo-nos ao craneo procedente do Pará. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 135 Este craneo encontrado na ilha de Marajó tem uma coloração de castanha ge- neralisada e egual em todos os pontos; a sua superficie é lisa, polida, sem ero- sões ; e o seu peso consideravel. Desprovido de mandibula e de uma pequena parte da arcada zygomatica, o seu peso attinge a 850 grammas. Examinando- se m'elle uma superficie de fractura recente, vê-se que a impregnação metal- lica atravessou todas as camadas do osso. Por uma analyse chimica feita pelo Sr. Dr. Th. Peckolt, a meu pedido, reconheceu-se que, ao menos para um pe- queno fragmento da arcada zygomatica, a quantidade de oxydo de ferro attinge a 10,447 por 100. Trata-se, portanto, de um cranco completamente metalli- sado. A metallisação dos ossos é, já se vê, uma alteração que se encontra algu- mas vezes, posto que raramente e que depende das condições especiaes do meio em que foram conservados os mesmos ossos. Essa alteração, porém, embora exija, para effectuar-se n'um grau mais ou menos adiantado, um periodo de tempo mais ou menos longo, não póde todavia servir de criterium seguro para a determinação da antiguidade. Um craneo relativamente recente, como o de Marajó, póde apresentar um grau de metallisação muito mais adiantado do que um craneo de data assaz remota, como o craneo da Lagõa Santa. As condições especiaes da jazida pódem contribuir para apressar ou retardar a impregnação, e as inducções baseadas sobre o grau dessa alteração perdem, por isso mesmo, muito de seu valor. Accresce ainda que, apezar d'essa impregnação, ou melhor, por effeito dessa mesma impregnação, os ossos se conservam e resistem por muito mais tempo aos agentes decomponentes telluricos e atmosphericos; de sorte que um craneo muito antigo metallisado póde apresentar um grau de conser- vação, que não tenha um craneo moderno não metallisado. O que parece provavel, segundo outras observações que temos feito é que, dadas mesmo as melhores condições, ainda depois de um seculo, a impregna- ção metallica não tem podido atravessar senão as camadas mais externas e su- perficiaes do osso, isso mesmo em pontos esparsos. Assim, em alguns fragmentos de croneos, desenterrados ha apenas alguns annos do largo do Paço, e que deveram com muitas probabilidades ter perten- cido aos companheiros de Duclerc, mortos em 1710, quando os francezes ata- caram a cidade do Rio de Janeiro, encontra-se uma infiltração incipiente de manganez, limitada em alguns pontos a pequenas porções da lamina externa dos ossos parietaes. Se é verdade, como deixamos dito, que a impregnação metallica contri- bue muito para a boa conservação dos ossos, não é menos verdade, por outro lado, que os terrenos porosos, contendo grande quantidade de materia calca- 136 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL rea, favorecem e apressam notavelmente a decomposição dos ossos. Esta nossa supposição é baseada no estado em que têm sido encontrados os ossos humanos desenterrados dos sambaquis. Como se sabe hoje, esses monticulos artificiaes, devidos à indolencia dos nossos indigenas, e que se encontram em grande numero por toda a costa do Brasil, desde o Pará até Santa Catharina, formaram-se lentamente pela accu- mulação dos residuos da alimentação dos indigenas, na qual entravam em grande parte ostras e mariscos, que abundam nas nossas praias. Esses monticulos artificiaes, aos quaes os indigenas conferiam muitas ve- zes as sagradas funcções tumulares, são formados de camadas soltas, porosas, contendo grande quantidade de materia calcarea, e sujeitas a infiltrações repe- tidas das aguas pluviaes. Ora, segundo refere o professor Hartt em um trabalho ainda inedito, nas excavações a que elle procedeu nos sambaquis de Santa Catharina, os ossos en- contrados achavam-se em um estado tão adiantado de decomposição, que mui- tas vezes reduziam-se a pó na occaslão em que se os tocava. Entretanto, segundo os calculos do mesmo professor Hartt, essas forma- ções são de data muito recente ; ellas devem datar apenas da epocha do desco- brimento da America. Em alguns craneos dessa procedencia, que poderam ser retirados com todo o cuidado, e que existem actualmente no Museu Nacional do Rio de Ja- neiro, nota-se que os ossos são frageis, de uma coloração exterior amarelada, a lamina externa fendida em varios pontos e as lacunas do diploe muito am- plas com o aspecto de um crivo de largas malhas. Alterações tambem consideraveis e rapidas se dão nos ossos conservados em igaçabas, quando os filamentos de raizes chegam a penetrar até a urna fu- neraria, formando um tecido em redor do esqueleto. Assim, em um esqueleto encontrado dentro de uma igacaba, no interior de uma gruta natural da Guya- na brasileira, e que foi depois transportado para o Museu Nacional, encon- tram-se alterações profundas e muito adiantadas do tecido osseo, produzidas pelo contacto das raizes. A taboa externa da abobada do craneo apresenta-se com erosões largas e profundas, atravessadas em muitos pontos de lado a lado por buracos irregulares, quasi sempre redondos, por onde se insinuaram os filamentos das raizes. O corpo das vertebras principalmente era de uma fra- gilidade notavel. A lamina externa dos ossos longos, sobretudo do femur es- foliava-se pela menor pressão dos dedos. As raizes tinham trançado uma rêde de malhas muito estreitas em redor de todo o esqueleto, de modo a deslocar ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 137 todas as suas peças, que ficavam soltas e irregularmente dispersas no meio do tecido. - Esta serie de observações, que aqui deixamos rapidamente consignadas, mostram quanto é arriscado concluir a antiguidade de uma jazida do grau de decomposição dos ossos. Para evitar erros, que pódem ser colossaes, é preciso sobretudo attender muito para as condições especiaes do meio em que estiveram os ossos antes de formular uma opinião sobre a sua antiguidade provavel. Baseado n'essas observações, poderemos talvez desde já, emquanto não colligimos outros materiaes mais abundantes, estabelecer as seguintes con- clusões : 1.º A decomposição dos ossos effectua-se muito rapidamente nos terrenos calcareos, muito porosos, sujeitos a infiltrações. 2.º A metallisação completa dos ossos não constitue por si só um ele- mento seguro para se lhes attribuir uma grande antiguidade. 3.º O espaço de um seculo é apenas suficiente, mesmo dadas as melhores condições do meio, para principiar o processo da metallisação. 4.º A metallisação dos ossos constitue uma condição favoravel para a boa conservação d”elles. cce D) eee = V. 11-35 . a BIBLIOGRAPIIA Nota das publicações recebidas em permuta com os «Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1079 Ae xandria.. ecos ojetoa vol: — Institut Egyptien. Ns. 8 et 9. Augers ....... ceccecrcecce-— Société Linneénne du Departement de Maine et Loire, Yme et 8me années. 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ESTAMPA II (Descripção do Elpidium Bromeharum) São augmentadas 25 vezes as figuras 1-4; 90 vezes as figuras 5 e 23- 25: 180 vezes as figuras 6-22. v. 1737 146 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fig. 4. — Elpidium Bromeliarum, visto da face dorsal. Fig. 2.—O mesmo, face ventral. Fig. 3. —Femea; vista do lado direito depois de removida a valvula do mesmo lado; o olho. a, antenna anterior. a», antenna posterior. md. mandibula. mx. maxilla. p;, po, ps, pernas. og orificio genital. ac. ap- pendice caudal. Fig. 4. — Individuo menor, visto do lado direito. m. impressões mus- culares. Fig. 5. — Impressões musculares da valvula esquerda. Fig. 6. — Fragmento de uma vaivula. Higj. 7.— Olho visto do lado direito. Fig. 8, 9.—0O mesmo visto de cima, de dous differentes individuos. Fig. 10. — Antenna anterior. Fig. 14. — Antenna posterior de uma femea. a appendice biarticulado, em cuja ponta se abre o canal excretorio da bexiga b. Fig. 12. — Extremo da antenna posterior de um macho. Fig. 13. — Mandibula. Fig. 14. — Maxilla. Fig. 15. — Perna do primeiro par, distinguindo-se pelo gancho no extremo no articulo basal. Fig. 16. — Perna do segundo par. Fig. 17. — Perna do terceiro par, distinguindo-se pelo comprimento do articulo terminal (unha). Fig. 18. — Extremo posterior do corpo de uma femea, face ventral. ac. appendices caudaes. 09, orifícios genitaes. Fu. 19. — Orgãos genitaes do lado direito de um macho, vistos da face ventral. ac appendices caudaes. lt. lamina terminal. mv. membro viril. pd. processo digitiforme. Fig. 20, 21.—Lamina terminal dos orgãos genitaes de outros dous machos. Fig. 22. — Extremo posterior do corpo de um macho, visto da face dorsal. ac. appendices caudaes, lt. laminas termimaes dos orgãos genitaes. pd processos digitiformes. Fig. 23. — Ovo, tirado da conchinha de uma fêmea, Pig. 24. — Larva, tirada da conchinha da sua mãe, vista do lado dorsal. o olho. m musculos adductores. Fig. 25. —Secção transversal da mesma. Pij. 26. — Elpe pinquis Barr, copiada de Gerstaecker, Klassen und Ord- nungen der Arthropoden. ARCHIVOS DO MUSEU NACIGNAL 147 a LSTAMPA IV 1º Parte da Metamorphose de um Insecto Diptero) Fig. 1. —Larva adulta, face ventral, augmentada 15 vezes. Fig. 2.— Outra larva adulta, face dorsal, augm. 8 vezes. Fig. 3.— Contornos de uma larva menor, tendo dous pares de espinhos la- teraes no segmento anal; face dorsal, augm. 15 vezes. Vê-se o canal intes- tinal estendendo-se por todos os segmentos. Fig. 4-7. — Secções transversaes de differentes larvas, augm. 15 vezes. Fig 8.—Lamina anal situada entre os bordos posterior da ventosa (v) e anterior do orifício annal (a), augm. 90 vezes. Fig. 9.— Espinho dorsal, augm. 45 vezes. Fig. 10. — Segmento oval de larva adulta, face dorsal, augm. 45 vezes. Fig. 11. — Ventosa de larva adulta, vista do lado posterior; augm. 90 vezes. br branchia aerifera. gl canaes excretorios de glandulas. m pontos de in- serção dos musculos lateraes da ventosa. m musculos do annel da ventosa. Fig. 12. — Ventosa de larva menor, face ventral, augm. 90 vezes. Vê-se atravez da zona transparente do disco o annel preto situado em outro plano. Fig. 13.—Escamas que guarnecem o bordo lateral dos segmentos, sendo A, B. € de tres differentes animaes, augm. 180 vezes. Fig. 14. —Escamas da superficie dorsal dos segmentos, augm. 180 vezes. Fig. 15.—Pellos das áreas cephalicas, augm. 180 vezes. ESTAMPA YV 2.º Parte da Metamorphose de um Insecto Diptero) Fig. 1—Região bocal da larva, com as mandibulas viradas para traz (45:1). Fig. 2—A mesma de outra larva, com as mandibulas viradas para diante (45:1). Fig. 3—Bocca e partes boccaes, as mandibulas voltadas para diante |90:1). Nestas tres figuras significa : « antenna; alm almofadas, constituindo o ter- ceiro par das partes boccaes; fi filetes chitinosos partindo da lingua; la labio anterior ou superior, do feitio de uma carapuça, munido de dous pellos sensi- 148 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tivos; là lingua ou hypopharyx; md mandibula; mz maxilla (na fig. 3 não se vê o gancho terminal da maxilla por achar-se virado para cima) pc pecas chiti- nosas, limitando lateralmente a região boccal; st sulco transversal limitando posteriormente a mesma região; v primeira ventosa; vc varas chitinosas, que do limite posterior da região boccal se estendem aos lados da primeira ven- tosa. Fig. A—Mandibula esquerda, virada para traz, com os processos chitinosos, nos quaes articula (90:1). Fig. 5—Mandibula direita, virada para diaute (90:1), p pellos que nascem junto da base da mandibula; t tendão de um de seus musculos. Pig 6—Maxilla esquerda, comprimida entre laminas de vidro, face dor- sal (90:1). Fig. 7—A mesma, face ventral (90:1), m maxillas gustativas na superficie de uma bexiga membranosa; p pontos mamillares, cercando parte da base da mesma bexiga. Fig. 8—-Maxilla direita não comprimida, face ventral (90:1). Fig. 9—Vista lateral das partes boccaes, as mandibulas viradas para baixo (90:1). A significação das lettras é a mesma das figs. 1-3. Fig. 10—Orificio annal (a) de um animal, cuja lamina annal é substituida por dous pequenos tuberculos (t). V bordo da ultima ventosa (45:1) Fig. 11.—Entrada do esophago da larva da fig. 9, vista do lado es- querdo (90:). es—esophago. ac—appendice cego do mesmo. —alf.—alfanges chitinosos encerrados no mesmo appendice e procedentes de uma lamina chitinosa (la) situada na base da lingua. Fig. 12.—0s alfanges do lado esquerdo de outra larva maior, separadas para mostrar os dous filetes em forma de pente fino (f. p.) escondidas entre os alfanges em sua posição natural (90:1). Fig. 13.— Os alfanges e artes visinhas vistas do lado dorsal (90:1) li — ponta da lingua. le—lamina chitinosa da lingua, que curvando-se para cima fórma uma especie de collar ao redor da entrada do esophago.— fi—filetes procedentes da mesma lamina e estendendo-se na parede ventral do esophago até o limite da região boccal. alf-—alfanges, procedentes da parte superior do collar.—qs glandulas salivares. Fig. 14-—Parte posterior do canal intestinal, vista pelo ladojdireito (15: 1): e estomago. 1 intestino. vu vaso urinario. ba bolsa annal. No segmento ante- penultimo acha-se removida a camada cellular do estomago. (1) V. Siebold, Lehruch der vergleichenden anatomie der werbellosen Thiere 1848, pag, 626. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 149 Fig. 15. —Parte posterior do canal intestinal, vista de cima (25:1). vu extremos cegos dos vasos urinarios. í Fig. 16. —Inserção dos vasos urinarios vista de cima (25:1). e estomago. | intestino. vu vasos urinarios, Pig. 17. —Larva de 5º" de comprimento, mostrando a disposição «dos vasos urinarios (25: 1). Ê Fig. 18.—Cellulas do estomago, vistas em secção transversal do mesmo estomago (90:1). pi parede interna das cellulas, contigua à membrana intima do estomago. Fig. 19.—Cellulas do estomago, vistas da superficie externa (90:1) Fig. 20.—Parte "de um vaso urinario. (45:1) ESTAMPA VI (3º Parte da Metamorphose de um Insecto Diptero) Fig. 1. —Vasos aeriferos do lado esquerdoe systema nervoso da larva (45:1). a ano. ga glanglios nervosos abdominaes. q th parte do ganglio tho- raxico situado no segmento oral. la laminas annaes. pl até p'X pontos de in- serção dos troncos iniciaes dos vasos aeriferos. pl pellos ao lado da pri- meira ventosa. rbr ramo branchial dos vasos aeriferos, (este ramo divi- de-se em dous, anterior e posterior, e estes subdividem-se em tantos ramos secundarios, quantos são as branchias; estas ramificações foram omittidas na figura, para não complical-a). rc ramo connexivo, ligando os ramos dorsaes de dous segmentos limitrophes. rd ramo dorsal. rs ramo superior do tronco longitudinal. va ramo ventral anterior, partindo do ramo conexivo. rvp ramo ventral posterior partindo do ramo branchial. ti troncos iniciaes dos vasos aeriferos, sendo todos reduzidos a cordinhas imperceptiveis, com excepção do ultimo, que é pervio, aerifero e fechado apenas no ponto de inserção. tl tronco longitudinal, situado em cima do intestino e formado pela união dos ramos dorsaes. Fg1l 4 e 1 B-—Pontos de inserção dos troncos iniciaes do segmento annal (180:1) 4 —anterior B—posterior, mostrando ainda a fôrma de espi- raculo. Fig. 2.— Extremo anterior do tronco longitudinal esquerdo com o tronco v. IV—3S 159 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL inicial () em fórma de cordinha, que se insere na parede dorsal do segmento oval (45:1). Fig. 3. —Secção transversal do quarto segmento (15:1). à intestino, m musculos inseridos na tampa do annel da ventosa. m” musculos inseridos na circumferencia do dito annel. tl troncos longitudinaes dos vasos aeriferos. Fig. 4-—Musculos ventraes dos segmentos quarto e quinto, achando-se representados no quarto segmento os musculos da ventosa e no quinto os outros musculos ventraes, (25:1). ga gamglios abdominaes. p-t processo triangular do bordo anterior dos segmentos, ta tuberculos anteriores situados na base do mesmo processo. tp tuberculos ou protuberancias posteriores, situados no bordo posterior dos segmentos. Fig. 5.— Parte posterior do systema nervoso (45:1). gu ganglios nervosos abdominaes. la lamina membranosa fixada no lado dorsal das commissuras nervosas. li ligamentos, que da mesma lamina vão às protuberancias do bordo posterior dos segmentos. Fig. 6.—Parte anterior do systema nervoso (45:1). ga ganglio abdominal. qi gangho infraesophageano. gs ganglio supraesophageano ou cerebro. g-th ganglio thoraxico. Fig 7.—Parte da área cephalica lateral direita (45:1). a antenna. e cornea transparente. o olho. ESTAMPA VII (4º Parte da Metamorphose de um Insecto Diptero) Fig. 1—Larva prestes a se transformar em chrysalida, tratada com solução de potassa caustica, (15:1). Vê-se atravez do tegumento da larva chifres prothora- xicos (ch) e os segmentos abdominaes (I-VII) da chrysalida. Fig. 2-—Chrysalida vista do lado direito (5:1). Fig. 3—Face ventral da chrysalida (15:1). a antennas. az azas. el elavinha coberta pela aza, nascendo do metathorax. / femur das pernas anteriores. q ca- madas do grude pelo qual a chrysalida está fixa às pedras. li labio inferior. Is labio superior. pa pernas anteriores. pi pernas intermedias. pm palpos maxilla- res. pp pernas posteriores. Fiy. +—Tegumento dorsal da chrysalida, comprimido entre laminas de vidro (5:1). e cabeça. p prothorax. ms mesothorax. mt metathorax, I-VIII segmentos abdominaes. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ay | Fig. 5—Os ultimos segmentos do abdomen (15:1), mostrando a composição do ultimo segmento de dous unidos. — Fig. 6-—Chrysalida vista de frente (15:1).c cabeça. cha laminas anteriores. ch ditas intermedias. chp ditas posteriores dos chifres prothoraxicos. p prothorax. Fig. 7—0 insecto perfeito. macho (8:1). Fig. 8—Articulo quinto do pé e unhas de uma femea mellisuga (90:1) Fig. 9—As mesmas partes de uma femea sanguesuga (90:1) Fig. 10. —As mesmas partes de um macho (90:1.) Fig. 11-—Extremo da tibia posterior, armada de dous esporões, de uma femea sanguesuga (25:1.) Fig 12. — Antenna de um macho (45:1.) Fig. 13.—Cabeça de uma femea mellisuga, vista de cima. (15:1.) Fig. 14. —Dita de uma femea sanguesuga, vista de frente (15:1.) hi la- bio inferior. Is labio superior. md mandibulas. ma maxillas. pm palpos ma- xillares. Fig. 15.— Dita de um macho, vista de frente (25:1). a articulo basal das antennas. [limite entre os hexagonos maiores e menores dos olhos. o olhi- nhos. tr base da tromba. Fig. 16.—Parte do olho de uma femea mellisuga, vista do lado (180: 1.) Fig. 17.—Parte do olho de um macho, vista de cima (180:1.) Fig. 18. —Extremo do labio superior (Is) e do ferrão impar (f) de um macho (90:1.) Fog. 19. — Extremo do ferrão impar de uma femea sanguesuga. (90:1.) Fig. 20. —Maxilla (mx) e palpo maxillar (pm) de um macho (90:1.) Fig. 21.—Extremo da tromba de uma femea sanguesuga (90:1.) Ig lin- guinha (?) li labio inferior. |s labio superior. md mandibula. v valvulas termi- naes do labio inferior. Fig. 22.— Extremo do labio inferior de um macho, face ventral (90:1.) Fig 23.—0s ultimos segmentos do abdomen de uma femea tratada com solução de potassa caustica, vistos da face ventral (25:1). e ultimo espiracu- lo. rs os tres receptaculos espermaticos. Fi 24.—Os mesmos de um macho (25:1.) Fig. 25.--Ovo (25:1.) NO DO 4 VOLUME WE We Quadro do pessoal effectivo dos membros correspondentes do Museu Nacional Necrologia . E Web Spec duca do dE Insectologia. Metamorphose da uma ion o Dr. Nicoláu Moreira . Algumas palavras da lingua dos Aruans, por D. Soares Ferreira Penna. Descripção do Elpidium Bromeliarium, pelo Dr. Fritz Muller. Craneos de Maracá, pelo Dr. Lacerda. RR DE DER PM A Metamorphose de um Insecto Diptero, pelo Dr. Fritz Miller. Primeira parte, Descri- pcão do exterior da Larva. Segunda parte, Anatomia da Larva. Terceira parte, Anatomia da Larva. : Quarta parte, Chrysalida e Insecto Perfeito. ; : Contribuição para o estudo da Geologia do Valle do Rio a: s. Francisco, pol Dr. or ville A. Derby. E E to : Observações sobre algumas Rech Diomamnhifpras da provincia de nas Corda pelo Dr. Orville A. Derby. RR ni ; : ; Nota sobre as condições que favorecem a decomposição dos Ossos, pelo Di agora Bibliographia. Es AREAS I —Metamorphose de uma Heliconia. H —Elpidium Bromeliarum, HI —((raneos de Maracá. IV-VIL —Metamorphose de um Insecto Diptero, ANE Rá lg df | AR ) a v , Y AE, sonha ey Nacional. e ) Archê do Mus pisa Frutx Mhadler cel ELPIDIUM BROMELIARUM 0) Archê do Museu N Jath J z tivos do Museu Nacional ANS ATA r O, f RT RS d Parte E to Diptero A metamorphose de um Insec PALTOSTOMA TORRENTIUM. va “Archivos do Museu Nacional NA mx ENMEL ) 2% Parte da Metamorphose. Cas M Vo IV» Estampa Vi, Va uh si UEMA a = pn a pg to o 34 Parte da Metamorphose voo ds PE LMMAENTA DOTADO 00 PIPA PA seit E E sd 7 ritx Valter dp “Arohivos do Museu Nacional E orphose. Metam 4º Pate da K, Art. 19. O Museu Nacional publicará trimensalmente, pelo menos, uma revista intitulada : Archivos do Museu Nacional. Nessa revista dar-se-ha conta de todas as investigações e trabalhos realisados no estabeleci- mento, das noticias nacionaes ou estrangeiras que interessarem às sciencias de que se oceupa o Museu, do catalogo das collecções mais importantes, dos donativos feitos ao estabelecimento, e dos nomes das pessoas a quem seja conferido o titulo de que trata o art. 7º$ 5. Serão publicados de preferencia os trabalhos originaes do pessoal docente. Art. 20. A commissão encarregada da redacção e publicação dos Archivos do Museu Nacional compor-se-ha do Director Geral, um Director de Secção e um Sub-Director. O orçamento da despeza será, porém, organisado pelo Conselho Director, em cada anno, e submettido à approvação do Ministro. Art. 21. Será remettida gratuitamente a revista ás bibliothecas e estabelecimentos scientificos e litterarios do Imperio, fundados pelos poderes publicos ou por iniciativa particular, e bem assim às bibliothecas e estabelecimentos estrangeiros com os quaes mantenha o Museu relações ou convenha estabelecel as. Egual remessa poderá ser feita às redacções dos periodicos e revistas, nacionaes e estrangeiros. (Do Regulamento do Museu Nacional). Toda a correspondencia d'esta publicação deve ser endereçada ao Director Geral do Museu. Os Archivos do Museu Nacional serão distribuidos gratuitamente aos Membros Corresponden- tes, da mesma sorte ás Instituições Scientificas, em permuta às suas revistas. As assignaturas pagam-se ao amanuense João da Motta Teixeira, no mesmo Museu, ASSIGNATURA 6$000 POR ANNO A v A Mi h um MP PE Ba A aa AM Pao ER PR PR ] y! Vs Mr Dia N ', MAEM A hj > RE Na | US, TN e Eutido E [ A á ' n RN ra F, ACO! digo dé Eu o Td