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SERMÃO

SOBRE O ESPIRITO DE SEITA DOMINANTE NO SÉCULO XÍX.

D. O. C

AO CLERO PORTUGUEZ

JOSÉ' AGOSTINHO DE MACEDO ,

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LISBOA,

Na Impressão Regia. Anno i8ií; Com licença.

Vende-se na loja de Desidcrio Marquei Leãôj Largo do Çalharit, ^ N. iz.

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Dum hpc intelligaiMi qtiod intdligenditm est s tio ti magnopere curandum est quid vocetur.

S. Àug. de Gen. adLit. Lib. 16. Cap. 4*

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AO CLERO PORTUGUEZ.

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ssim como ha vícios commuíl* a todos os séculos , da mesma manei* ra ha remédios também communs , applicaveís aos mesmos vícios. Foi commum , por exemplo , o luxo a to- dos os tempos, os Mestres do Chri- «ianismo invectivarão o luxo; e des- de os discursos de S. João Chrysos* íomo ao Povo de Antiochia sobre es- te vicio até. agora , poucos são os Oradores Evangélicos, que tenhão dei- xado de clamar contra esta peste da sociedade civil , e assim dos outros vicios dos homens. Mas quando os séculos offerecem novos crimes , de- vemos buscar novos remédios* Os ma- les que sentimos , as desgraças que supponamos , o transtorno un versai de que somes testemunhas , nascem , e procedem unicamente da exaltada ipalicia dos homens pelo espirito de A %

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lium partido dominante. Era preciso atacallo da cadeira da verdade com vegJadeiro zelo Evangélico 5 e com hum ardentíssimo amor da nossa Pá- tria , eis-aqui o que eu fiz em hum dos Templos mais frequentados ^}a Capital. Eu consagro pois" este vehe- mentissirno discurso ao Venerável Gle- fo Portuguez , atrevendo-me- a fazer- lheihuma súpplica , que talvez pare- ça estranha , epara alguns génios so- berbos ^ioéúkaàos , ofensiva ; e vem a ser, que o preguem ao Povo , É se lhe oferecer occasiáo. No/i esse hnmilis in saplentia tua , nos d iz o Espirito Santo no Cap* 13. do Ecciés, Mais de 24 annos de exercícios ora- tórios me dão algum conhecimento do valor dopresente discurso , e quási me dão a authoridade de pedir ao Venerável Clero , que o pregue , e re^ petidas vezes o pregue, porque pó-= de produzir vantagens para a Reli- gião, e para o estado. Mas se vós. Veneráveis Irmãos em J. C. , achar- des outros caminhos , seguí-os , dei- xai este discurso j mas combatei o vi-

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e\o , ainda que digais de mira o que disse Santo Agostinho de Cypria- no : Mãgnus Cyprlanus Orator , sed maior Petrus piscator , per qtiem credidit non solum Orator , sed et Imperator.

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SERMÃO

SOBRE O ESPIK1TO DA SEITA DOMINAN- TE NO SÉCULO XIX.

Pre'gado t:a Igreja de Santa Justa, na tKi meira Dominga de Quares- ma de 1 3 1 1 .

Kon rcclplt stultus verb.i prudentlae , nisi ea dixeris qua% vevsantur in cordc ejus,

Prov. Cap. lg.

JlN Ós reconhecemos j e nós sentimos em nós mesmos , dada pela Nature- za, huma irresistível tendência , para indagarmos, e sabermos as causas, è as razões daqueiles effeltos que se a- presentão , eofferecem de continuo à nossos olhos ; desra natural curiosida- de nasceo essa a que chamamos Fi- losofia \ que ainda que ertí? rigor nãè

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dignifique mais que o amor da sabe- dória , por este amor da sabedoria entendemos o conhecimento das cau- sas 'de tudo quanto descobrimos , e admiramos em o vasto seio da Natu-* reza ; mas eu , não contente de me constituir no centro deste circulo im- menso dos seres íysicos , e sensíveis, me occupo muito mais do conheci- mento das causas dos effeitos espan- tosos moraes, e políticos, que de to- da a parte se me ofFerecera á con- templação, neste turbulento , e desgra- çado século em que existimos. Nun- ca este grande theatro , que se chama mundo social , qffereceo aos olhos do homem sensível , do homem pensa- dor, dosabio doChrisíianismo , hum espectáculo mais extraordinário , rrtais liorrivel , mais abominayeL Qual fa^ ria na terra o choque de outro Plane-r ta arrancado de sua orbita , e cahin- do sobre elia \ tai o estrago que tem feito na ordem social o delírio poli- tico , o delírio filosófico, que se tem apossado dos homens desde que (e talvez quç desde época mais remo?

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ta) começou a levantar do cáhos a .medonha frente , o rnpnsíro que se chama a Revolução. Abrangei com o entendimento desde as geJadss mar- gens do Volga , e do solitário Ohis acé as extremas praias do Mediterrâ- neo ,. à&de as ribeiras do Tejo até as aprazíveis barreiras do Bósfòro , vós não vereis mais que impérios ou avil- tados , ou aniquilados. Reinos levan- tados pelas mács barbaras da usurpar çso, e cimentados em sangue , depois absorvidos na insondável voragem da impudente ambição. Constituições mu- dadas, Republicas extinctas, os ho- mens alheios aos homens , sentimen- tos impróprios da humana espécie,; guerras, incêndios, mortes, ruínas, assolações , misérias j sustos , invasões , e pertinaz rapina. Vós não vereis mais que montões de estragos sobre os cam- pos , sobre as montanhas da Europa , e entre milhões de cadáveres sentado como em throno o luto atroz, aquém não abastão lagrimas , a quem não farta o sangue , a quem não conten- ta ainda a miseranda catástrofe da

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Thronos derribados , de nações quasi .extinctas , de miseráveis Reinos, cuja Lberbade se converteo em cadêas , e cuja opulência se transformou em fo- me, e entre os quaes até es mesmos suspiros são delictos. Esre he o qua- dro que temos ante os olhos , e tão próximo a nós , que dista poucas le- goas desta Capital. Hum exercito bár- baro a rodeia , e ainda que em meus ouvidos pareça troarem as mesmas vo- zes, que disse o Profeta ao Rei de Sa- maria: Não passará por cima destes muros hum a setta inimiga , nós temos este espectacuTo ante os olhos. E que cousa mais própria do liomem pensador, quando se con- duz em seu discurso ao clarão da ró» cha da Religião, que perguntar-se a si mesmo o motivo , a causa que produz no Mundo, e produz também em Portugal tão espantosos , tão de- testareis effehos? Eu mo perguntei a mim mes-no; e depois da mais atu- rada, e profunda meditação, he pre- ciso romper hoje o silencio , expor a causa , e assignalar a fonte de hum

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mal , a que cu desde chamarei 6 contagio da nossa idade, manancial pouco observado , mas muno certo das desgraças que sente oMu^do, è nós sentimos. Eu me persuado que ne- nhum de vós terá deixado' de escu- tar ou nos discursos fsmiiares . ou nos ajuntamentos públicos, onde lei nes- ses papeis chamado^ periódicos , e que formão o teimoso emprego de tantos , e tantos prejudkiaes ociosos \ esta pa- lavra Espirito de partido. Esta pa- lavra volve tão frequemeroente em nossa maternal linguagem , que pelo seu uso pertinazissimo tem adquirido entre nós o direito de propriedade» A significação obvia desta palavra he tão com mu m nestes desgraçados tem- pos , que he preciso que eu vos di- ga, que delia nascem, etem nascido até agora todos os nossos males. Ori- gem empestada de tantas calamida- des , agente universal das desventuras todas , e de que se doem a Justiça , à Razão , a Religião , e a mesma Natureza, oífendidas em todas as suas feis. Deste espirito de partido aascê-

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rão os .estragos todos nas sçiencias , nas artes , mas he muito principalmen- te fatal á. Politica , á Sociedade, ao Christianismo. Eu o contemplarei nãp pelo que diz respeito á Politica , porque então faria hum discurso pu- ramente filosófico , mas também pelo que pertence á Religião, e aos cos- tumes> única esfera em que se devem conter os Discursos Evangélicos \ e os prantos da Religião' , e da piedade Clirista não permittem que este as* sumpto permaneça por mais tempo separado destas cadeiras da verda- de , onde não sei porque funesto a- buso se tem introduzido longas , e te* diosas relações de sítios de batalhas, de sortidas, e planos militares , com a circumsíanciada lista de nomes de Genena.es , como -se a Gazeta fpra.a Biblia , e os Santos Padres os Perió- dicos. O meu coração; se tem profun- damente magoado com este abuso , e vejo que não se busca a instruccao ç}o povo, reperindo-lhè o detestável nome de nossos, bárbaros inimigos. Vós quereis ser instruídos nas verda-

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- è&t da moral Christa , e he preciso mostrar-vos os vícios cio século", apon* rar^vos as causas oríginaes cias nossas desgraças , pâf^áíte alumiados com hJ2 do Espirito Samor, lhes possais &Ftv aqueiles remédios que tantas , e rèò''errrÍHént^í desgraças èxtj&btii» Eu degolarei esta Kydra , -cuj^s pestíferas cabeças se reproduzem tanto ; ensopa- rei a espada Ja Rflligiâo , c da= Elo- quência nas lívidas gargantas. Em . primeiro' lugar \ os farei conhecer a indole, a natureza do espirito de par- tido ; em sVgin:do; lug ' péssi- mos erPe ir es 3 sem me reparar ife 'li- mites de huría '\r:: ruê^tô Evangélica. Vos conhecêreis o cue produz o es« piíito de partido pelo que' pertence 20 'Entendimento ;' c que p?é$3z o es- pirito de-partido pelo que ps-;euce á Vontade. Táor-rave, etao •: .^orran- te matéria devi prenaer a" a t tenções dos verdadeiros fieic , femWandò-Vòá que se existe muito perto ás. cura , quando se conhece a prexima , e ver- dadeira causa do mal.

E vós , Senhor y que mandastes

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$o Pí-ofeta; que levantasse a vo2T <p£ mo o. pavoroso som de íi^nia trom- beta,., que askustasíve o povo, e re- preendesse seus crimes , sustentai a minha voz com a forca da vossa gra^ ça , e ensinaHme .vós, irtfsmo. a, com- bater monstros, que tanto -vos u] ira* jáQr e nos arruinao.

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D I S C UR SO,

ersuado-me que vos devo -snnun-

ciar primeiro que tudo , que hiirna das propriedades , ou a principal pro* priedade do espirito de partido he ■não escolher deliberadamente r e com pleno conhecimento de causa aquelíé partido que se abraça, segue, e de- fende : esta adopção sempre se fax com os olhos rapados, ou pnr moti- vos que -nao tem relação alguma com o mérito . ou o demérito dos dois partidos. Quanto he contrario a ra« *ão , e ao entendimento humano hum semelhante procedimento , vós mesmos

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o podeis conhecer , e comprehender. A necessidade de escolher he não frequente, mas necessária , e indispen- sável no homem , he huma necessida- de de tcdos os dias , e de todas s?s horas : qualquer motivo ou de utili- dade, ou de prazer nos obriga sem- pre, e effecti vãmente a fazer escolha ainda das cousas mais indifFerentes ,.e pequenas, a tomarmos mais este do- que aquelle caminho , mais este do- que aquelle sustento , mais este doque aquelle vestido ; e se nos importa es-r- colher bem para conservar a solide do corpo , muito mais nos importa escolher bem para conservar a sauJe da alma. Mas isto nem he costume , nem he lei do espirito de partido : a sua lei , e a sua fundamenral timáàv íuiqao he sempre o contrario , e o avesso de tudo isto. Sómeme o aca- so , sem se consultar a razão , obriga o homem a inciinar-se a huma d s duas partes, e a abraçaila com Cons- tança, ererinrca, ( e pois eu folio a hum século, que t3nto mosrra pre- zar as decisões da razão naiural 3 ou-

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çao as admiráveis expressões de hum Gentio eloquente , qual era Cicero : De rebus incognids judicant , et ad quamcmnqtfe snm disciplinam quasi t empe st ate de lati a d eam tamquarii a d saxum adhaerescunt. Isto os con- duz a extremos, não indignos do homem Chrisréo . mas do homem , que em tudo se dia*, e em tudo quer ser conhecido como Filosofo. Divi- dem-se os doutos de huma Cidade em duas opiniões : elle se decide por hu- ma ... não porque- entenda o que elia em si contêm , nem a doutrina que çncerra , nem as razoes em que se funda,' mas porque he opinião de algum seu adherente, ou porque he a primeira de que ouvio fallar , e foi imbuído , ou porque levado de hum certo material iniíincto, se persuadio que era a melhor 5 e a mais acerta- da. O mesmo digo de hum aconteci- mento remoto , que de huns he affír- mado , e de outros he negado , e con- trovertido ; se o partido arnrroativo^ o ganha, para elle não he opinião, mas Verdadeira sciencia , ainda que as

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mas provas não sejáo daquellas , que o público exige , isto he , capazes de desterrar do entendimento tcda a som- bra de duvida. A maior desventura he * que huma vez queelle se haja declarado por hum partido , ou toma- do a afirmativa , ou a negativa , ja- mais dá lugar a exame , ou áquella indagação da verdade, que he indis- pensável para huma , ou outra cousa. Fica para sempre desprezada esta in- dagação , e em seu lugar apparece, como sempre vemos 5 huma animosi- dade intolerável , hum discorrer fre- nético sobre o mçsmo objecto , por oue salte aos olhos a evidencia do centrara Se apparece hum escri- to , he frauaoienío , como observamos em certos periódicos efémeros , e sup- primides , que apparecêráo entre nós j se nelies vinha alguma ai legação, era sempre truncada, e infiel, esó cons- tante vemos em hum deli es ainda ã furto introduzido , como o mais in- cendiário de todos es papeis , huma fadiga, hum afan quasi perpétuo de língua para engrossar o tenebroso oar- ' B

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tido da revolução, edo cáhos. Qual- quer dos adeptos deste monstro, que lstido ao longe , foge como do Demónio de todos aquelles3 que com à razão, e com a verdade o poderiio tirar dos braços da illu^ao , e do en- gano. E quando se não pode esqui- var de quem lhe rasga a funesta ven- da que lhe tapa os olhos , ouve as suas mais convincentes provas com torvo semblante , com rizo amargo , e com todo o ar , e gesto do enjoo , e do fastio -y e toda sua resposta ser^ huma rija trovoada de palavras , e horrenda tempestade de contumelias. Nenhum de vós se equivocará com este retrato ; e eu não me admiro tan- to da pertinácia com que hum mem- bro da confraria tenebrosa resiste á evidencia das razões , quanto da du- reza com que persiste aíferrado partido assollador , vendo , e sentindo em si mesmo as desgraças , os exter- mínios , as infâmias , que elle volun- tariamente attrane sobre sua cabeça.

Estes que tendes ouvido , sião os effeitos , e as obras do espirito de

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partido , que inficionão pòr certo , e endurecem a vontade ; mas eu devo agora fallar-vos da infecção que' rrazem ao entendimento. Esta conta- giao , ou contaminação o torna , a des- peito d* evidencia , pertinazmente cré- dulo nas cousas , que são favoráveis a seu modo de sentir , e de enten- der , e pertinazmente incrédulos nas razoes contrarias , ou oppostas aos seus funestos principies. Dizei a hum destes malvados , que a revolução trouxe todos os males as presentes gerações ; mostrai-lhe para provas Sesta verdade a Europa em cadêas , õs thronos aviltados , ou aniquila- dos , a liberdade extincta , as leis eccarnecidas ; mostrai-lhe a terra hú- mida de sangue , e lagrimas de tan- tos miseráveis ; mostrai-lhe o pranto de tantas viuvas , o desamparo de tan- ros órfãos , a consternação de tantos pevos , o abatimento , e miséria de tantas Nações , o desprezo , e profa- nação de todos os direitos, a disper- são de tantas famílias ; mostrai-lhe * Re)igi4o perseguida , os Templos B 2

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desacatados, a moral vilipendiada , a Evangelho em problema na boca do» Ímpios : olhar-vos-ha com desprezo , e com hum ultrajante surrizo , a que chama a expressão da sua compaixão pela vossa imbecilidade ; e se se di- gnar fallar-vos , e responder-vos , dir- vos-ha ou que sois atrevidos, e teme- rários (como a mim se me dis- se ) em querer penetrar os profundos arcanos de hum monstro imperante, ou que tudo isto he preciso para o plano geral da causa continental , e para os grandes preliminares da paz maritima. Tanto cega , e tyranniza o espirito de partido. Fallai a este mes- mo homem em futuros brilhantes , cm canaes abertos , em Poetas resus- citados , vereis como se lhe banha o impudente , ou estúpido rosto de rizo consolador , clamando , que estes três grandes, e importantíssimos objectos realizados forma ria o a gloria , e a fe- licidade deste Reino.

Ora sahindo desta esfera dos a- conteeímentos , que ranto nos atormen- tarão na ordem civil > para a esfera.

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da Religião , a experiência de todos os séculos Christãos me obriga a di- zer , que huma alma invadida do cs- prito de partido , he de todas amais disposta a rebellar-se , e a separar-se da crença Catholica , porque não ce- de nem á authoridade \ nem aos mila- gres. Ainda que vejãô , dizJesuChri- sto , resuscitar hum mono, na o acre- ditarão ; e como se hum verdadeiro •Demónio a possuíra , tanto mais se obstina em sua cegueira , e propósi- tos, quanto he mais clara, e brilhan- te a luz da verdade opposta , que el- la considera como inimiga.

E não se isto manifestamen- te no que aconteceo ao Verbo increa- do feito homem entre os povos da Judéa ? Nos primeiros annos de sua vida santíssima começarão os homens a se dividir a seu respeito em diver- sas, e oppostas opiniões; mas toda a diversidade, e contrariedade consis- tia ao principio em acreditallo mais , ou menos Santo , e em o conhecer, ou nao o conhecer pelo esperado Mes- sias. Quem dizem os homens , que se-

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J3 o Filho do homem? Perguntou el- le hum dia a seus discípulos , e elles lhe tornarão : Huns dizem que sois João Baptista , outros Elias , outros Jeremias, ou hum dos outros an isos Profetas. Porém quando por artificio, e instigação dos Fariseos este grande objecto passou a formar partidos , e opiniões , não se tratou mais de sua maior , ou menor santidade , mas so« bre a bondade, ou sobre a tr.alic a , e não sobre qualquer malícia , mas sobre a maior que se pôde considerar em hum homem , a malícia de hum Jrypocrita > de hum seducror do po- yo , de hum inimigo declarado das legitimas authoridades. Huns dizião : He bom ; outros dizião : Não , mas he hum seductor das turbas. Dizer de Jesu Christo , que elle não era nem tão grande homem , nem tão grande Santo, como outros o publicavão, e acclamavão , seria hutna contradicção çle quem julga de hum modo divers^ fias outros homens ; mas isto não se- ria huma contradicção própria do es^ pinto de partido. A este espirito to?

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eiva , e competia , segundo -a sua na- tureza , levar as cousas ás ultimas ex- tremidades , e accumular a Jesu Chrisro as mais escandalosas maldades, até o fazer author de nefandas rebe ilides , e enormíssimos attentados centra o ?ú* blico socego : Seâncit iíírbas , aírir- mando que estas asserções não erao effeitos de meras conjecturas, mas ar- gumentos da verdade, e da experiên- cia. No? schnus , quia hic homo pec* cator est.

Mas por ventura acreditarião el- Jes intimamente isto mesmo que pu- blicavão de Jesu Christo ? Sim , Se- nhores , eiles acreditavão isto que ài- ziao , e tanto mais o acreditavão, quanto mais crescia , e se dilatava a fama -de seus milagres, e quanto mais robustas erao as provas de sua santi- dade, e virtude, porque na verdade não he crivei a animosidade , a dure- za , e a cegueira , que derrama na al-r ma do homem a mágica força disto , que se chama espirito de partido.. Eh não sou hum homem, nem de cara* ctçr, nem de autiiQrida4e, de letras.

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e talentos taes , que possa suscitar par- tidos ; mas se o fosse , e em vós hou- vesse as disposições necessárias pa- ra -me- seguir \ em primeiro lugar eu vos pediria que o não fizésseis , se o não podesseis , ou o não soubésseis fazer de outra maneira que não fos- se a do espirito de partido ; e vos di- rei também que o meu nome, a mi- nha fama, e á minha opinião nao me- recia ser defendida com tanto dispên- dio da vossa paz , e com :anto escân- dalo quanto causaria hum sci?ma , e huma separação hosti! nvrevòs. Ain- da vos direi mais , que todo o vosso afan , e trabalho de nada me apro-^ veitaria ; peio contrario accenderia , e inflammaria contra mim ainda mais aquelles espíritos , que fossem escravos desta paixão , da qual he próprio crer, e dizer todo ornai possível dos outros , quanto mais opprimida se da authoridade contraria , e das con- trarias razoes. Em mim tendes a pro- vada experiência desta verdade quan- do me resolvi , e determinei atacar a uiais ridícula de todas as manias , *

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Cjtiem eu honraria muito, se lhe dei se o nome cie opinião, Vós sois tes~ xemunbas das soltas tempestades : que contra mim levantou o espirito de partido : fama , nome , reputação , tu- do foi sacrificado.

E que será do homem quando se resolva a tomar hum partido por -hum parecer, por huma prática , por hum systema , que seja perigoso , ou contrario á ? Acontecerá o que a- conteceo sempre na Igreja de Deos, que elle , e seus sequazes depois de não longo tempo de tumultuosas , e fraudolentas disputas , longe de se con- fessarem vencidos , merem debaixo dos pés as mais veneráveis -authorida- des, e até as formaes dererminacce^ , e decretos do throno Apostólico* A- contecerá , que cessando algum medo , cu pavor que osimpellio a darem al- guns signaes , ou a mostrarem alguns vestígios de submissão , tornem de -novo a espargir dissimuladamente , e como entre sombras as sementes de sua nunca deposta , nem renunciada opinião. Perguntai hum pouco a qual*

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quer dos Povos rebeilados contra a ver- dadeira Religião , se se interessarão muito em o principio pela doutrina , que este , ou aquelle innovador lhes annunciava ? Responder-vos-ha que não, frias que visto ter o mesmo in- novador a astúcia , ou o talento de se formar hum partido, dilatando-o, eengrossando-o até no meio da Ple- be , então pouco a pouco passará da submissão devida á Igreja, á indiíFe- rença ; da indiferença á animosida- de; da animosidade a hum manifes- to furor ; e levado deste Ímpeto ce- go , e fanático , fechando os ouvidos aos brados da razão , e da justiça , chegara até a tomar nas mãos as ar- mas, e a estabelecer, e arreigar com ellas a própria crença. E tende por cousa assentada , que esta , que vos tenho fielmente exposto, he a histo- ria de todos os scismas , e de quan- tas heresias tem até agora despedaça- do , e ainda despedação o seio pu- ríssimo , e santíssimo da nossa Fé. Estes scismas , e estas heresias sem o espirito de partido que as ajudasse 9

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£ sustentasse , ou nao houverio tida es.stencia, ou nao a terião fjra da- quelas cabeças ou ignorantes , ou vol- ca nicas , e sacrílegas , que a? inventa- rão , e produzirão.

Esta experiência tão notória , e tão lastimosa , como sabe .qualquer que sabe alguma cou--a , augmenía so- bre maneira a admiração que me cau- sa o silencio funesto , que os Orado- res sagrados tem guardado sobre hu- rra semelhante paixão , deixando de admoestar os Povos sobre a força in- crível que dia possue de obscurecer.* e anuviar os entendimentos mai: cia- res ? de seduzir as almas mais pene- trantes , de subverter , e arruinar as consciências mais delicadas a as tor- nar surdas , e desprezadoras de to- dos os clamores do Evang-iho , e de todos os respeitos devidos á Reli- gião.

Eis~aqui porque eu vos peço , que se vos he amável a verdade , que a to- das as vistas vos deve ser amabiJissi* ma, se he para vós apreciável o do- te singularissimo da razão que Dees

vos fts 02^0, cu vos peço, que vos não alisteis jamais , nem militeis de- baixo das revoltosas bandeiras de qual- quer partido; vede que se endurecerá de moJo tal o vosso coração , que che- gareis a ser dominados , e pizados co- mo vis escravos. Vigiai sempre , è não vos deixeis levar senão da equi* dade; abri os olhos á verdadeira luz, segui sempre seu fulgor , e seus im- pulsos ? por mais que contra vós se arme § e queira guerrear o empenho , -a antiparhia , ou a amizade , que em nenhum coração deve ter tanta for- ça , e predomínio que o faça inimi- go da verdade ; ou menos parcial da justiça. Conheço perfeitamente , e até por experiência , que existem entre nós muitos , que querem escusar em si o espirito de partido com as leis -da amizade ; mas inútil , e indigna- mente o querem , porque as leis de huma verdadeira amizade são inimi- -gas juradas de suas acções irracionaes, -e de seus cegos transportes. Onde, ■senão entre gente barbara , e inculta , ise vio, ou se escutou jamais este es*

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tranho medo de discorrer : aquelle lie do numero de meus amigos, logo he preciso que eu entre sem outra razão em seus sentimentos, e paixões, he preciso que eu me vista de seu cara- cter, que me ponha da sua parte, e que por clle peleje ; he-me preciso perseguir quem o persegue, infamar quem o infama , discorrer como elle discorre : cffenda-se embora a f a iustiça , ea verdade. Onde, senão en- tre gente barbara , e povos devasta- dores, se escutou este modo de pen- sar, e de sentir? Ecual he o Povo f até á época do presente Vandalismo, ende se não escuiou aquella contraria sentença nascida no mesmo seio da Icloiatria : Amigo até aos Altares y que quer dizer que he pe-sima , e de- testável aquella amizade , a qual se sacrifica ou a verdade , cu a carida- de , ou como acontece não raras ve- zes , a mesma Religião.

He neste passo que o 2<clo me referve n' alma , e todo me abraza o coração , e mo devora pelo bem da Paíria, e da Religião, me obriga á

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tíàmar contra as contradicçôes emqtití ãndão comsigo mesmos os modernos

Filosofantes , cujo peitifcro , e subtil veneno tantos indivíduos tem corrom- pido até no meio do fidelíssimo Po- vo Portuguez. Estes Filosofantes com hum diluvio de palavras até corru- ptoras de nossa maternal linguagem > dizem em todos os lugares , e escre- vem em 'todas as paginas, que o ho- mem deve fazer uso da própria razão até nas mesmas matérias de Fé, erros mais profundes Dogmas que ella nos ensina; e estes mesmos que assim cia- mão , que assim dogmatizáo, easçim se assoalhão por gravissimos pensado- res são os mais levados do espirito de partido , que he o maior , e o mais de- clarado inimigo de toda a razão. E he possível que não conhecão , que discorrendo desta arte fazem da pró- pria razão hum uso inútil, e arrogan- te , devendo fazer da mesma razão hum Uso' proveitoso, e necessário! He ne- cessário , e proveitoso o uso que se ftz da razão humana nas cousas hir- manas , mas he arrogante, eiautil o

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que se faz da razão humana nas coe- sas divinas ,' e he tal a cegueira des- tes soberbissimos átomos da sapien-, cia gazetal , que quando rallão das cous2s humanas , fallão y e sentem con- forme a índole da paixão do partido que tomarão ; e quando fallão das cou- sas divinas , não querem acreditar se- não aquillo que chega a comprehen- der hum entendimento orfáo de lu- zes , e huma razão sempre envolra nas sombras da ignorância > duas vezes ce- gos, nas cousas humanas cnde pode- riâo ver , e nao querem ; nas cousas divinas onde quererião ver, e nao po- dem : Videntes non vident , et ãtidisn- tes non intellipvnt.

Mas tornando a vcs com o dis- curso , eu vos considero bem alheios de quererdes introduzir o espirito de partido em matérias de Religião; mas se em outras matérias lhe dais lugar y he porque ignorais o que ç\1g seja, e quão impróprio, e ind;gno pareqa da razão humana; ?e o conhecêsseis , eu fico que nao quereríeis fazer a vós mesmos huma tão grande injúria co

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mo he aquella de dever dizer sem* pre : Eu amo , eu aborreço , eu lou- vo, eu reprovo , eu sigo este pare- cer , eu refuto aqueloutro , mas nãa sei o porque , nem outra razão me posso dar mais que hum certo instin» cto semeihante áquelle , que move as operações dos brutos , e que lhe mo* veria a língua , se livessem o dom da palavra. Mas se quereis desviar-vos- desta mancha da natureza , e até do perigo de a contrahir , e se quereis para isto acceitar-me hum maduro conselho , e escutar, e entender quaí seja a prática mais segura , sabei que nas diversas, e encontradas opiniões que todos os dias surgem, e nas con* tinuas vicicitudes das cousas humanas, que todos os dias vão fazendo tão grande estrépito pelo Mundo , se vos não tocarem por algum respeito do vosso estado , e condição , não to- meis nellas parte nem com a obra , nem com a palavra, nem com o pen- samento , se tanto vos for possível , se- não quereis perder o tempo , a paz , a consciência , c faltar a vossos essen*

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ciaes deveres por muito vos intromet* terdes nos alheios.

Esta causa que seguis , que em tudo vos impece > que tanto vos atri- bula, e vos consome j que tanto ba- ralha vossos pensamentos , que vos. faz commeíter tantos pecc^dos de o- dio , de maledicência , de contume* lias , de temerários juizos , e de cul- páveis complacências ; esta causa , di- go, não he vossa, nem vos toca por maneira alguma , mas he causa de hum estrangeiro , de huma Nação , de hum Príncipe , que não he o vosso , eque o não será jamais. Eseeu vos disser ainda mais : Esta causa , porque tantos se decidem , e por quem tem tomado" partido ,- he a causa da iniquidade > da perfídia, daoppréssão, do roubo, da violência, da irreligião, da ruina. total de todos os Povos , de todas as leis , de todas as constituições , que os homens se havião ha tantos séculos, formado , e á sombra das quaes vi- vião tranquilios , e descanqados ? Para que vos martyrizais , e consumis tan- to ? Para que vos privais voluntária- C

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mente de tantos cómmodosfPara qtie vos expondes com ella, e por ella a tantas desgraças^, não sem damno, c damno muitas vezes gravíssimo, e ir- reparável da vossa mesma Patcia qutí aborreceis -como ingratos , e a quem perseguis como ferozes monstros ?• Mas inúteis são , e serão sempre meus brados , se elies forem dar nos ouvidos de alguns , que existirem tomados , e possuídos de rão cega , e abominavei paixão. Vão sempre de abysmo eni abysmo , nenhuma razão os convence , nenhuma experiência os desengana 9 nenhuma desgraça os contêm 3 nenhu- ma infâmia os envergonha. Mostra i- Ihes a Capital em sustos, mostrai-1 hes as ruas, e as praças atulhadas de mi- seráveis desterrados , e fugitivos com os pés descalços , os vestidos immun- dos , os rostos macilentos , os olhos afFogados, e quasi extinctos de pran- to ; fazei-lhes escutar os ais , que rom- pem de seus corações partidos de má* goa , os dolorosos clamores com que pedem hum pão , que lhe prolongue a imperfeita morte que comsigo ar-

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râátrãò , que não he vida , é exk- tcncia ; mostrai-lhe tantas mais , ambu- lantes estatuas da desventura , apertan- do nos x acamados braços os filhos f ou cadáveres , que buscão languidos o? defecados peitos , donde tirão não o leite , mas as ultimas gotas de nem tépido sangue ; abri-lhes aquella porta da pobre casa , onde a meus o- lhos se offereceo , e patenteou o mais terrível , doloroso , e sensibilissimo es* pecta.culo , qíie os séculos tem visto sobre esta grande scena de horror , e desventuras , que se chama Mundo ; huma , e á mais desgraçada mãi , mas cadáver frio , com a gelada cabe- ça ainda encostada na descarnada mão , com os olhos mal fechados , os pés descalços , e estendidos , e hum íris* te menino envolto em miseráveis pan- nos , pegado ao frio peito livido , e horroroso como a sepultura , mal sus- tendo nos trémulos beiços o ukimo ar- ranco , e procurando por hum instin* cro maturai conservar a vida sobre hum despojo da morte. Levai-os aos mais *ev amados moníes desta mesma Capi*

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ta! , c mostrai-lhes os arraiaes dos bar* baros , e como indignada a terra de* baixo de seus pés infecunda, e abra* zada ; mostrai-lhes os grosas turbi- lhões de fumo rasgs dos pelas lavare- das ca sacrílega conflagração de tan- tos Pcvcs, de tantos Templos , de tantos Mosteiros , de tantos monumen- tos que o valor, e a Religião tinhão levantado, ecs séculos tinhão respei- tado ; mosírai-lhes tantos campos ta- lados, e ermos, onde nem tumulo en* contra o os que delles tiravão , e ar- rancavão com suor o sustento da vi- da: mostrai-lhes tantas dcnzelias vio- ladas aos olhos de seus mesmos pais, tantas matronas profanadas na presen- ça de seus mesmos esposos: mostrai» lhes os ardentes vestígios da lava , que de seu seio vem vomitando o vulcão vandálico por onde quer que passa ; mostrai-lhes.. . ^u direi tudo, mos- trai-lhes hum Francez , mostrai-lhes o inferno , e ouvir-lhe-heis dizer tran- quillos , e barbaramente estúpidos , que tudo he preciso para se ultimar a paz marítima ; que o bem da causa comi-

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nental traz comsigo esres ligeiros ma- les , bem corno a ordem , e formosu- ra da Natureza rraz comsigo a osci- lação da terra , e o pavoroso appara- to da tempestade, e do raiei que se os homens conhecessem os seus verda- deiros inreresses , que he aeceder á cau- sa continental para vir o futuro bri- lhante, e se começarem os canaes a abrir , e os Poetas a resuscitar , até havião de apetecer, que esta confla- gração , que reduzio a cinzas duas es- téreis , e insignificantes Provindas , se estendesse a todas as manufacturas Bri- tânicas... Oh Ceos ! E porque nSo direi que estas blasfémias contra a ra- zão , e contra a Natureza talvez sahis- sem de algum daquelles asiles da pie- dade , que a máo de nesso primeiro Monarcha levantara , ertáp liberalmen- te enriquecera ! Monstros vomitados pelo Inferno , deshonra da espécie hu- mana , e eterno opprobrio do nosso perseguido Império ! Corramcs hum véo espessíssimo , e sombrio sobre es- tes horrores.

He pouco ver , como temos yis-

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to , tantos indivíduos tocados deste mal , levando-o cprasigo por onde quer que dirigem os passos para inficiona- rem , e corromperem os outros. Eu, sei de algumas casas , e o tenho escu- tado de outras , que seriáo por cari- dade fraternnl , e por união de vonta- des huma viva imagem do Paraizo , se nella não houvera penetrado a es* pirito de partido. Todos os ânimos ahi existjão algum dia concordes : não se escutava a expressão do ódio , e da amargura ; o discreto império 5 e a de- vida dependência conservavão no seu seio huma tranquiliissima paz. Mas a, desgraqa , ou mais depressa o Demó- nio , quiz que hum , ou dois çlaquel- la familia se deixassem embair , ou ar- rastar do funesto partido dominante no Mundo , repentinamente fugio a paz daquelles ditosos lares j o ódio, a altercação , a contumelia transfor- marão aquella casa em hum campo de batalha , ou em huma fornalha sem- pre ardente de desordens , e dissabo- res, e talvez que não para a ge- ração presente, mas também para a

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geração futura. He. possível que em hum Mundo , onde são tantas as causas , e tão poderosos os motivos dos dissabores , e onde as paixões hu- manas , e os verdadeiros vicios dos homens semêão tantas discórdias , e póe tantos obstáculos á caridade fra- ternal , queirão os homens acinte com este espirito de partido , chamar so- bre si novos desgostos , novas inquie- tações , novos peccados , fazendo nos- sos os negócios alheios , nessas as cau- sas da iniquidade , e da perturbação' publica , e particular dos outros Po* vos, e Nações estranhas? ..

Ainda chega a mais sua demên- cia, e frenezira : querem fazer pró- prias as offensas alheias. Dilatão o ex- cesso , e a loucura de ter e de tratar como offen sores , e como inimigos a- quelles, que ou são d'ourro partido, ou não são daquelles , que elles se- guem. A este cúmulo de mal se che» ga em Lisboa, como se chegou em Je- rusalém depois que se formou a liga , e o partido contra o Redemptor do Mundo; Que razão havia para tratai?

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como excomungado o mancebo cego de nascimento ^ e lançallo fora da Sy-* nagoga ? Nenhuma outra razão mais do que haver sido restiruido porjesu Christo como hum milagre á luz do dia , de que nunca gozara : Et ejece* runt eum foras. E que razão havia para fulminar a mesma pena contra seus progenitores r Não havia outra mais que haverem estes cedido í evi- dencia, e terem testificado por grátis dão aqueile milagre. Qonspiraverani Judei , ut siquh eum confitereiur es* se Christum extra Synagogam fierit. E que razão tem tantos, e tantos de separar-sev não sem escândalo, do a- nimo, e da pessoa de hum íntimo pa* rente, de hum honrado Concidadão , a quem são unidos com os laços de san- gue , e a quem devem ser mais estreia lamente unidos com as prizoes da Ca* ridade Christâ ? Não ha outra razão senão ser aqueile hum parente , hum amigo , huma família , que não sen- tem como elles sentem , nem seguem aferrada mente o partido que elles se? guem. Ora eu ráo creio que algum

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de vós me queira perguntar se as ex- posta? hostilidades serão escandalosas fraudes , se rantas obras , e ramas pa- lavras de quem he p2Í o espirito de partido, sejáo peccados? Se esta per- gunta fosse feita a algum engenho mais agudo , a'gum entendimento mais -illustrado do que o meu , mas domi- nado desta paixão , e contaminado desta pesre , eu fico que lhe diria que ■na o èrâo peccados. Eis-aqui ourra não menos deplorável cegueira , que esta psixáo derrama nos entendimentos , *]ue chega a suffocar , e aniquillar nel- Jes os ulúnos vestígios da ra?ão , e .da justiça.

Mas se estas cousas sao verda- deiras, dirá algum de vós, C)mo ver- dadeiras semostráo pelos factos,- não poderá, nem deverá jamais haver no -Mundo diversidade de génios, oudi^ versidade de opiniões , e pareceres. Respondo, que pôde haver opiniões, c pareceres diversos, mas sem espiri- to de partido , dizer o contrario seria privar a razão humana, e o entendi- mento humano de sua honesta, ede»

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vida liberdade. O Apostolo não permittio a cada hum poder sentir nas cousas , e negócios humanos que acon- tecem, como razoavelmente lhe pare- cer , mas abundar alguma cousa em seu mesmo sentido , e opinião: Unus- quisque suo sensu abundet : prohi- bio abundar com aquelle calor, per- tinácia, e emulação, que apagão , ou que minorao o espirito da caridade : Charitas non aemidatur , non infla- tur 5 non agit perperam* Deos creou o Mundo , como elle protesta no Ec« clesjastico , o póz nas mãos dos ho- mens , deixando-o a seus estudos , e a suas disputas. E por isto poder-se-ha dizer que elle introduzira no Mundo o espirito de partido ? A Igreja per- mute a diversidade de opinar nas cou- sas não essenciaes , e todavia indeci- sas , de Religião , e por ventura se- meou elia entre seus filhos a zizania da discórdia ? O Senhor concedeo , e approvou a divisão das possessões , * divisão dos domínios , e por isto he Deos acaso o author das contendas, ç dos litigiosa As guerras, as. liei»

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gios , as animosidades , as fraudes quê jos acompanhão, não rem de Deos , tmas das nossas paixões. Undc hella^ et lites in vcbis ? Kon n? hinc ex concupisccritiis vestris* E verdadei- ra guerra he aquella que se faz corn .o espirito de partido , e guerra não qual a faziao os Monarchas Catholi- cos , mas qual a faz o monstro que quer tyrannizar o Mundo , na qual toda a perfídia lhe parece honesía , com tanto que contribua ao rim de suas escandalosas usurpações, usando indisrinctamente da mentira , e da ver- dade , da sciencia militar , e da trai- ção , e servindo-se de todas as mal- dades como de cousas indiíFerentes.

Oh caridade ! oh Evangelho ! oh entranhas de Jesu Cnristo , patentes até áquelles mesmos, quesedeclarão seus infensissimos inimigos ! E poderieis vós esperar ( perdoai-me este desafo- go , es?e transporte da minha dor ) e poderieis vós esperar , que se devesse pregar o perdão , e a paz a quem não foi ultrajado , § offendido , mas que a si mesmo se offendeo , c se ultra-

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jou, offendendo, e ultrajando sua ra- .zao i constrangendo-a a dobrar o pes- coço ao jugo férreo das leis , e da ty- rannia de hum partido, que o preci- pita em mil en os, que o contamina com mil culpas? Mas de outra par- te são tão fortes as razões contrarias , que vos tenho declarado , e tão me- donho , e abominável se mostra por todos os lados o brutal aspecto do espirito de partido, que se á sua vis- ta vós me dissésseis que o não que- ríeis abandonar para sempre , eu o não acreditaria e tenho por cousa firmís- sima , que ajudando- vos Deos , que he hum Deos da verdade , e da paz , o expulsareis de vosso coração, se nelle lhe tendes dado entrada , ou que lhe fechareis para sempre as portas , e vos não deixareis contaminar de seus háli- tos pestíferos.

Antes que adiante o meu discur* so , e chegue com elie a pintar-vos os terríveis efeitos deste espirito de partido, não pelo que pertence á Religião ; mas pife que pertence á sociedade, deixaiqueeu vos diga que

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a maledicência assim" como he a-arma mais fácil , assim também lié a mais commum do espirito de partido. Nem todos tem astúcia, nem todos tenr ca-* bedaes , nem to-os tem amizades po- derosas com que facão guerra ao bem público, e sustentem huma opinião,- ou persigão a mesma Pátria- que lhes déo o berço ; mas todos tem huma língua com que rebatão hum mérito, com que obscureçao hum nome; eos mais imperitos a costumão ter sem- pre mais atrevida que os outros-, e sem se eccuparem em discursos sobre cousas particulares, que pedem en:en- dimento , e perícia , dirão huma lou- ca malignidade, S tão poucas tenho eu ouvido ? DHo , para irem por diante com o partido 5 a rebatida fra- se do concelho dos ra:ucs cc-s doira- dos domicílios da criípu-a , que.nós devemos suecumbir , percue o monstro recruta em teda a Europa, isto que he hum perfeitíssimo deliria he o si- gnal menes equivoco doespirito.de partido. Do Rçderr.ptc.r do Mundo disserão estólida mente seus inir

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em Jerusalém : Nunquiã potest ali* quid a N azar et h boni esse ? Eis-aqui huma «laneira bem compendiosa de eonfotar a santidade , a doutrina > e es milagres do Messias , dizer , que de Nazareth , donde eile era , não po- dia vir cousa boa. Pois os habitantes de Nazareth não são homens ? Não tem entendimento ? Não prcfessão também a mesma lei santa, que os de Jerusa- lém professa vão ? Isso he verdade ,< mas de Nazareth não pôde vir nem bom zelo , nem boa doutrina , nem cousa que boa seja. Dissessem ao me- nos que hum Nazareno, ou dois Na- zarenos tinhao podido errar comoer- rariâo outros tantos , c mais em Je- rusalém. Mas dizer que todos ! Cons- tituir a todos na absoluta impossibi- dade de obrar bem , de pensar bem , de fallar bem ! Isto que parece hum portento de cegueira , e de inveja , tem sido sempre conhecido por hum effeito naturalíssimo do espirito de partido. Mas qual he a intenção , ou o fim desta maneira de fallar ? O seu fim nem he, nem pôde ser outro mais

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que denegrir, e abater a fama alheia; e fazer triunfèr a obra da iniquidade. Huns murmurao no Mundo por di*- cacidade, outros por passatempo pa- ra que a conversação não seja muda , nem insipida a companhia ; mas ne- nhum destes motivos obriga a fallar, e discorrer esses inimigos do públi- co socego , esses fataes anarchistas , esses voluntários gratuitos , ou escra- vos emissários do Tyranno, não que- rem mais que a propagação , e a di- latação do sy stema destruidor , que para ser aborrecido basta unicamen- te ser conhecido, e contemplado. Ss vos quizerdes , sem paixão , lançar hum instante os olhos sobre seus eífeitos , então vós podereis formar huma ad- quada idéa de sua infernal enormida- de.

Considerai a Europa no estado, na situação, na época em que a aui- zerdes considerar, vós não descobri- reis nella hum quadro tão horroroso como agora se vos apresenta. Consi- derai-a naquella de nós remota , e apartada época , em que se comeqou

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$ estender , e engrossar ò espahtoço* Impei 10 Romano , vós vereis a Gèr> íiUnia.rcjuasi vencida, as Gaiias avas- saladas , a Hespanha depois de per- tinacíssimos combates de duzentos an- bos submettida ao jugo; passai.com: a imaginação o Adriático , vede a Epiro subjugado , a Grécia dividida a Macedónia , a Trácia agrilhoadas ,, a Syria j e seus vastos Reinos asober- bados pelas Águias, tyrannizados por orgulhosos Procônsules. Vede Crasso- accommettendo a Arménia , vede-o in- feliz , mas destruidor entre os Panhoív Vede Pompeo levando no coração a Republica , e a conquista , encadean- do ilhota a numa as Ilhas do Medi- terrâneo , arvorando as Águias até as vertentes do Nilo , assustando o Eu- írates, desfechando raios na aterrada Mesopotâmia, penetrando triunfante pela Palestina , e deixando por- toda a- parte cadeas , e pavor. Retrocedei . hum pouco com a imaginação , e ve- de na Mauritânia Tingi. ana os dois Scipióes , e apôs elles o ferocíssimo Mário conservando na condição pie-

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bea o cófa$ò de César , e a magna> himidade de Alexandre, não deixan- do huma pedra sobre outra pedra nos levantados muros de Carthago. Vede antes delle a mesma Itália assolada pelas barbaras Legides Garthaginezas * tomprando os Rorríanos huma vi- ctoria pela ruína de tantas Cidades * pelos lutos de tantas famílias , pela morte de seus illustres Cônsules . .% basta, Considerai a mesma Europa de- baixo da dominação Romana no quar- to , e quinto século da era Christã, dividi:'^ o vacilante Império , eop^ frímldò da sua mesma grandeza , g cõinsnas intestinas discórdias, abrin- do as portas á aluvião des Bárbaros ^ <jue do norte , e do levante da mes- ma Europa rebentarão como vulcões ,• e correrão a vingar as não esqueci-* das, posto que antigas injúrias, que á sua natural liberdade tinha fekd & soberba Romana. Vede àquêlles den-2 sissitíKrô enxames deGépidas, de Sei- tas , de Hunos , de Hérulós , de Vân- dalos , de Godos , áéframándo-se co- fcio impetuosas- torfétiteá àts iaonuf- D

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nhãs da Scandinavia, por onde quef que vem pondo os pés , não deixarem outros vestígios mais do que estra- gos, e cinzas. despedação o Im- pério usurpador , e de cada pedaço formão hum Reino 3 querendo a regu- ladora Providencia , que aonde tinhão chegado com o voo as Romanas A- guias , ahi chegassem também os vin- gadores dos ultrages , e affiontas, que os conquistadores do Tibre tinhão feito á Nacureza , e á sociedade hu- mana. Penetra , e transpõe os mares Genserico , e naquelía mesma Africa , onde tantos troféos tinha levantado a vaidade Romana , levanta sobre suas ruinas hum novo , e mais bárbaro Im- pério. Considerai a mesma Europa no começo do oitavo século , e vede a mais espantosa vicissitude nos aconte- cimentos humanos. sehaviao ama- ciado os costumes dos bárbaros ; Th eo- dorico , e Amalasunta íizerão leis , que ainda admiramos > e o celeste poder do Christianismo desarmou a fúria Gótica , e viviao as Nações tranquil- las: eis das montanhas, e dosareacs

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da Arábia com a nova seita então le- vantada correm legiões de novos con- quistadores, a!aga-se de sangue a ter- ra , e os mais florescentes Impérios da Europa gemerão picados , e des- truídos pela ferocidade dos Sarrace- nos. Eis os homens sujeitos a novas leis , e a novos dominadores , e pas- são os séculos sem mudarem de gri- lhões , e a terra não oíferece outro espectáculo mais que o da miséria , e da escravidão. Pois nós podemos cha- mar a tantas catástrofes os séculos da felicidade , quando as compararmos com o quadro das calamidades , que nos orrerece a Europa infelicíssima ha vinte annes. Os estragos , que ella sorfre não pareceu: ser obra das mãos dos homens , mas dos Demónios. Ve- de a que se reduzio a magestade 5 grandeza, e constituição do Império Germânico. Vede como está o poder guerreiro da guerreira Prússia ; a in- dependência da Polónia ; a mágestòsa soberanb da Hollandâ ■; a divisão tran- quilla , e equilibrada da Itália ; o po« der pacifico de Roma \ a representa-

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jão de Nápoles, a politica, e diu? turna existência de Veneza , a confe- deração fraternal da Suissa , a liber-» dade do Piemonte , o magestoso , $ venerável colosso da. Monarchia Hes- panhoia , a conservação triunfante dg Portugal ; vede tudo , e dizei-rae , sg pode outra 5 ou mais medonha , ees-r pantoaa a. \ín^g:m , e representa çao 4q cabos. Korrofisãorvos tan;as çzbz-> ças decepadas , tanto sangue vertido , tantas lagrimas derramadas , tarçtos lu.-» tos constantes , tantas proscripqoe^ sanguinárias, tan os cativeiros injus-f tissimos , pasmais de ver a Natureza ©frendida x a liberdade encadeada, a, Religião perseguida , os homens trans-» formados em fáras indómitas, e car- niceiros Abutres ? Pasmais de ver ca- dêas mais grossas , grilhões niais pe- zados , escravidão mais insupportavel do que a que vira , e sentira, a mes=. ma Europa nos séculos mais barba-. ros ? Assombra- vos ver que homens,. q.ue se dizião fieis > e ÇhristianissU mos , excedão 90 orgulho os Roma- nos > na ferocidade Seitas > $as des.-

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fruições os Vândalos , na desHumaú nidade os Hunos , m brutalidade .sen- íual os Herulos, no fanatismo revo* lucionario os Sarracenos % na condu* çra , nas blasfémias , nas profanações , nos desaca.t.03 , pç*5 insultos feitas aos jnqrros , e ás rr.escu* sombras dos sepylçhros o$ Demónios > Pasnjaj&ile ver Canib.iís na Europa mais $edeh« tos d ^sangue, mais vagabundos, mais carnivoros , mais incultos ? Adnairá^ vos ver huma nova Nação de Caraí- bas t sem pátria , sem lares , sem re- lações narura.es, e humanas? Trans» porrais-vos de horror veado não nas bordas do Aniasonas , roas nas m3r- ganf do Tejo huma horda de Topi- j?s estúpidos, brutos , insensíveis ^ sem idéas d 5 moralidade, commetten- do assa s>; aos sem remorsos ,. roubos sem turvaçao , incêndios sem emoção. Tudo isco existe , tudo isto nós vi- mos, e sentimos três vezes. E se vos não horrorisais multo , e quereis ver tudo isto junto em hum qua- dro , eu vo-lo mostro. Vede , e ob- servai bem de perto hum apaixonado,

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dos Franceses; seria Jionrallo muito dizer que he hum Antrçpophag^; se Satanaz se torna visível, eu não sei quem seja mais o seu retrato... Per- doai-me que não cabe em mim a dôr de ver oabysmo em que hião lançan- do a nossa Pátria , ò nosso Rei , a nossa Religião . . . Perdoai-me , e pois me cancárao , ou se me secarão os olhos de chorar , tenh'a o meu abafa- do coração hum desafogo pela lín- gua. Eu detestarei , eu ensinarei to- dos o? séculos a detestar estes malva- dos. Ha -quatro annos não derramei ainda huma lagrima , que suas Ím- pias mãos as não expremessem de meus olhos. E se estes espantosos ef-, feitos vos assustão , fugi , Povos , fu- gi , fugi! da sua causa , que he , esó- inente he o Espirito de F ar tido.

Disse»

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