BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
PGBLICAÇÃO DO MDSE0 ETNOLÓGICO PORTOGDÊS
DIBIOIDA POR
J, LEITE DE VASCONCELLOS
3Sr.° 1
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL M CM XX
ÇObETIiVl
DE
ETNOGRAFIA
BOLETIM
y
DE
ETNOGRAFIA
PD6LIGAÇÂ0 DO MOSED ETNOLÓGICO P0RT06UÊS
DIBIGIDA POR
J. LEITE DE VASCONCELLOS
3sr.° 1
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
M CM XX
ADVERTÊNCIA PRELIMINAR
ONSTANDO O Muscu Etiiologico do duas secções m^l I S principais, Arqueologia e Etnografia, e tendo %. S 1^ cie, já desde 1895, como orgâo d'aquela O A?- cheologo Português, terá agora como orgâo da segunda secção o presente Boletim, que porém n&o se circunscreverá nas cousas possuídas pelo Museu, mas tomarji mais largo âmbito, como O Archeologo faz.
Os assuntos tratados no Boletim serSo frequentemente análogos ou iguais aos que se tratam n-0 Archeologo, só com diferença de épocas, visto que a Arqueologia ó em muitos casos Etnografia do passado, e a Etnografia, no que toca ao estudo (Ergografia, Ergologia) dos objectos materiais que provôm da tradição, 6, por assim dizer, Arqueologia do presente.
Museu de Bolem, dia de Ano Bom do 1919.
J. Lkite de Vasconcellos.
Boletim de Etnografia
Aprestos de costura
A molher portuguesa d'outr'ora recatava-se muito mais que a moderna. De certo que amava e casava, como hoje; mas os amo- res eram mais sérios, e o casamento mais consentâneo ao intuito, e por isso mais solido. A sua vida passava-se principalmente em casa, no cuidado do arranjo d'esta e da familia.
Do ideal de uma dona do sec. xiu diz o trovador D. Fornam Oarcia Esgaravunha:
. . sabe bem fiar e bem tecev, e talha mui bem bragas e camisa, , . lava bem e faz boas queijadas, e sabe bem moer e amassar, e sabe muito de boa leiteira,
no Cancioneiro de Colocci-Brancutl *. Esta dona moía provavt-l- mente em um moinho de mEo, como o que ainda hoje se usa pelas aldeias da Beira, no Algarve, etc, menos complicado que a atafona ou zauguizarra. A roca a exalta um adagio : vão ha casa forte, onde a roca não anda^, e o tear o ennobrece outro: mais vale ma(/ro
1 N." 384 (= 1511). Cfr. também D. Carolina Michaglis, Bandglosseti . I, 6.
A propósito do Cancioneiro de Colocci-Brancuti convém perguntar porque i. que, estando ele agora (1919) á venda em Roma, por ter falecido o seu último possuidor, o D."' Ernesto Monaci, o nosso Governo o não adquire para um arquivo, biblioteca ou museu. Outros Governos, ao que me consta, estão dispostos a licitá-lo, se nós o deixarmos ir.
Não poderá sair dos cofres públicos uma quantia para a compra de um grande monumento da nossa literatura medieval?
A não o adquirirmos, não só aquelas nações onde ás cousas literárias e scien- tificas se concede mais importância do que em Portugal, se rirão de nós, por nos privarmos da posse de ura inestimável tesouro, mas os nossos próprios vindouros nos aousavão^de lh'o não legarmos.
Pôde acaso hoje parecer custoso comprar por uns tantos milhares de escu- dos um manuscrito ; contudo, d'aqui a séculos, ninguém pensará no valor pecuniário (que, seja qual for, & mínimo para um estado), e só se dirá com amargura: os Portugueses do século xx perderam a ocasião de praticar um acto eminentemente patriótico e louvável, qual o de dotar o seu património literário com uma precio- sidade tmica !
Quem quiser conhecer qual a importância do códice ou manuscrito de que estou falando leia D. Carolina Michaelis, Cancioneiro da Ajuda, tomo u, p. i9 e seguintes.
- Bluteau, Vocabulário, s. v. «roca».
Boletim de Etnografia
rio tear, que tjordo no monturo *. Que regalo de vida doméstica, tal como a compreendiíim os uossos avós do século de quinhentos, nSo se adivinha da leitura dos Contos e historias de Feruandez Trancoso! No Tableau de Lisbonne en 1796 lô-se que é principalmente nas ja- nelas que as molherps lisboetas aparecem, e poucas na rua 2. Ainda por 1870 e tantos raras vezes se via no Porto uma senhora fóra de casa em dias de semana.
Agora, nas duas capitais, e noutras terras importantes que as macaquoiam, as senhoras, tanto casadas, como solteiras, que nâo têm obrigagOes quotidianas que as prendam, passam grande tracto de tempo na pastelaria, na loja de modas, ou a mostrarem-se nos pas- seios. Os filhinhos ou os irmãozinhos ficam entregues ás amas. Que importa cuidar da casa? Elas também possuem direitos que o femi- nismo lhes outorga, ainda que uma escritora francesa, muito famosa, do sec. xiv-xv, Cristina do Pisan, que sem razão julgam alguns cam- peadora de feminismo, escreveu ;«Femmes ont Tentendement, certes, mais pour Thonnesteté oii elles sont enclines ; ce ne seroit pas chose convenable que elles se alaissent monstrer en jugement aussi baul- dement que les hommes», — ao que uma comentadora, nossa contem- porânea, acrescentou, com justa firmeza de critério: «Christine, invo- quant Vhonnesteté, c'e8t-à-dire la convonanco, pour empGcher la fem- me de paraitre en public et la retenir disérètement dans le cercle familial, cst bion de son temps, et cinq siòcles en retard sur les xuffragettes. Aussi je ne vois pas, pour ma part, comment on pourralt l'enrôler sous la bannière du féminisme sans outrer on dénaturer la portée de ses opinions» *.
As senhoras níio só, como digo, se evidenciam desarvoradameute |)or toda a parte, mas andam trajadas de modo bastante descom- posto: já nfto me refiro aos arrebiques*, usados desde sempre^, e desde sempre criticados, por produzirem fealdade 110 rosto, e fazerem
' Idem, ibid., s. v. o(<;ar». Istu é: mais vale tea modesta, qiio porco gordo-
í P. 78 sgs.
5 Vid. Le Livre de" Troíi vertiu et son milieii, por Matliilile Laigle, Paris 1912, p. 122.
* Arrebique (arrabique, ou rebique) significa propriamente «postura ou côr artificial, com que as molheres pintào o rosto» (Diccionario da Academia).
' Ovidio, por exemplo, escreveu, entre outras oljras congéneres, uma sobre cosméticos, que ficou incompleta, e sem titulo, ainda que de ordinário se llie chama Medicamina fadei . Nos vv. 5]-.'')2 diz o Poeta á dama romana: disce. . \\ cândida quo ■poiíint ora nitere modo.
8 Boletim uk Etnogbab^ia
dano á pele *: refiro-me á exposi{,'ao do peito nu, tão descoberto, que ás vezes a vista dos transeuntes penetra mistérios que lhe deviam ficar inacessíveis; refiro-me ao modo como os braços saem de entre rendas e cambraias, despidos por inteiro; refiro-me, emfim, à cur- teza do vestido e respectivas saias, ostentada com verdadeiro desas- sombro de impudicicia. Sâo modas! Parece porém que devia fazer- Ihes reacção o bom senso, e a castidade, que é a qualidade mais preçada na molher, e algo superior á formosura,, ás prendas manuais, ao luxo, á riqueza . . Pondera o mesmo Ovidio, que ha pouco citei em nota :
Prima sit vobis raorum tutella, puellat; : Ingeiíio fácies conciliante placet*,
«O Q0S80 GarçEo:
. . Todos sabem Que o valor não consiste nos vestidos, Antes seguem as modas. . '
Nfto haverá pais, irmãos, maridos, que olhem com reflexão para tanto desregramento que se desencadeia em volta d'eles? Fica-se apensar como serão as gerações que hâo-de vir d'e88a8 inconscientes, embora risonhas, escravas da tesoura de Paris !
Estou falando de Etnografia, não devo ir mais longe em consi- derações análogas, para não entrar os umbrais da Ética *. Ainda assim, bem se entendo que falo no geral.
Na cidade podem eacontrar-se, e felizmente encontram-se com frequência, esposas, mães e meninas digníssimas, que condizem de modo muito exacto com o quadro poético em que Luis de Campos
\ Diz Juvenal :
Intolerabilius niliil est quara femina dives. Interea foeda aípectu ridendaque multo Pane tumet fácies aut pinguia Poppaeana Spirat, el hinc miseri viscantur labra mariti :
nas Satirai, vi, 460 sgs.
Em tempos muito mais próximos de nós fala António Gomes d'01ÍYeyra, Idy- lios marítimos y rimas variai, Lisboa 1617, fl. 37 sgs., de uma dama que, sendo formosa, estragava o rosto com pinturas.
2 Medicamina faciei, vv. 43-44.
*^Obras Poéticas, Lisboa 1778, p. 150. ■ * Não é por falta de zumbaias que as ridículas e incóngruas modas de que a cima falo desfiguram a sociedade: dramaturgos, caricaturistas, jornalistas, moralistas, todos de oonsuni lhes põem ferrete; mas em vão!
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as pintou*; é, todavia, na aldeia que sobretudo devemos buscá-las. Aí a depravação civilizada nâo chegou ainda tanto. Ai existe, mais que algures, a molher de bom recado^, que enche a cama até o telhado^. A aldeã, quando a família, a cozinha, o forno ou o campo a nSo cha- mam, ocupa-se do ordinário em trabalhos que se relacionam com o vestuário, isto ó, com a fiaçilo, a meia, a costura. De tudo isso oferece a nossa Etnografia documentos curiosíssimos, já a folklo- rica, já a ergografica ou tecnografica. Vou aqui indicar alguns que se referem a costura. Todos provêm do Alentejo, e se guardam no Museu Etnológico, em Belém.
I. «Costura» de cortiça
~ As molheres, quando costuram, tôm as agulhas, linhas, tesoura, dedal, etc, em um recipiente que recebe na lingoa comum o nome de açafate, pronunciado popularmente çafate. O Dicctonario da nossa Academia define açafate: «cestinho tecido de verga, de três ou qua-
tro dedos de altura, sem arco, nem asas, o ordinariamente serve para trjizer a costura, roupa o cousas semelhantes». Pelo que tange á cos- tura, acrescentarei que o referido recipiente pôde não só ser do vôrga (de vimem na Beira; de vime, d& frexo, de aaice, dejambujo no Al- garve; etc), mas de cortiça. No primeiro caso dao-lhes vários nomes, além do de açafate oa çafate (Sabugal, Mondim da Beira): cacifro
* Apud PartMto PortufjuKz Moderno, de Tlieophilo Braga, Lisboa 1877, pp. 152-153. A poesia intitula-»e mesmo: «Esposa, flliia e loâe».
* Ou de bom recato.
1 Roland, Adagiou, 1." ed., p. 241. . ,
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ou gigo de costura (Tarouca), cesto da costura ou balaio (Alportel*), cesta da costura ou de costura (Avis, Loulé, Albufeira ^j e simples- jnente costura (Beja, Santiago de Cacem, Mexilhoeira^). Quando o recipicnto ó de cortiça, oun só dar-lhe esto último nome, isto é, cos- tura (Estremoz). Também pôde ter aplicação de recipiente de costura uma caixinha de madeira, o neste caso chama-se caixa de costura (Setúbal, etc). Kecipiente mais apurado (com repartições para os objectos), porém não popular, é o estojo da costura (Lisboa, etc).
Vou aqui falar de uma costura de Santa Vitoria (Estremoz).
É de cortiça, e como se patenteia do desenho (fig. 1 *), tem forma cilindrica: altura 0"',12.3; diâmetro 0'",25. Excepto o fundo, que é liso, e o interior, que é forrado de papel pintado, toda a superfície externa, ou parede, está coberta de gravuras. O desenho do bordo consiste apenas em linhas, que formam zigue-zague. O desenho da parede, se planificarmos esta, veremos que consta do quatro secções, separadas horizontalmente por linhas, e verticalmente por tiras, ou fitas, formadas da adjunção de losangos, dispostos uns sôbre os ou- tros, e também entre linhas. Além d'isso ha duas cercaduras em toda a volta da caixa: uma inferior, igual á do bordo; outra superior, formada de triângulos.
Uma das secções temo-la belamente desenhada diante de nós : um vaso de flores estilizadas, duas d'olas cordiformes (digo que sSo flores, e não folhas, por causa da disposição, e de se figurarem folhas verda- deiras noutros lugares, providas de peciolos); ao lado do vaso, tanto de um lado como do outro, o nome da possuidora, isto é, mari-a: no campo G, inicial do sobrenome ou do apelido.
As secções restantes contêm outros vasos de flores estilizadas, nSo faltando também flores cordiformes. Numa das secções lê-se: ANACLETO JOSÉ, provavelmente o nome do artista; noutro «1888», data, como creio, da feitura.
O artista revestiu de côr vermellia, preta e azul todas as gra- vuras; em alguns lugares talhou a cortiça, e do âmago d'esta re- sultou côr branca.
1 Serve também para ter cousas de comida: o pào que vai á mesa, figos da merenda, da sobremesa ou de dar a alguma visita que chega, etc.
2 É curioso que em Avis ouvi dizer o cesla da costura (parece que a termi- nação de cesto foi atraida pela de cosiwa).
' Na Mexilhoeira a costura ou é redonda, ou sôbre o comprido; lisa ou pin- tada. Ha recipientes ou canattrinhas semelhantes, para conterem fruta que vai à mesa.
* Desenho do Francisco Valença.
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2. Fdrinag de dobar
As linhas que se dobam nestas formas sRo para fazer cordões. Estão aqui diante duas formas de buxo, representadas nas íigs. 2 e 3', e ambas provenientes do Ameixial de Estremoz (têm no livro das entradas os a."' 6058 e 6059). Altura 0"',11.
A posição é a da fig. .3 (dois lados), com as duas pontas vol- tadas para cima, como já se disse na Hist. do Museu Etnológico, p. 420-421, onde se figurou uma de Fronteira. A forma representada na fig. 2 (dois lados) disponho-a invertida, porque o artista assim a imaginou, para representar nela, como se nota do desenho, um ser humano estilizado.
fig. 2f ao invés (dois lados)
Num dos lados da fig. 3 tomos, segundo parece, um vaso como docoraçilo principal, rodeado de ornatos tirados do reino vegetal, ramos o simples folhas, e outros de fantasia, para encher espaço. No lado oposto temos taiubera, como parece, um vaso (espécie de cálix), acompanhado de folhas, flores e outros ornatos do fantasia. Tudo isto é gravado.
A fig-. 2 representa no seu conjnnto, como disse, um ser hu-
« Desenhos de Francisco Valença.
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Boletim de Etnografia
mano: este é do sexo feminino, com o peito de forma de coração, cintura delicada, e os braços arqueados para a parte superior o la- teral da coxa. Do pescoço peado um fio que segura uma medalha, também cordiforme, uso muito vulgar nas molheres. A disposição das extremidades da fflrma dSo a ilusão de que a molher tem as saias arregaçadas o muito conchegadas ás pernas (como acontece em certos trabalhos campestres do Alentejo). A forma está ornamen- tada dos dois lados, e em todo o bordo, até o joelho: gravura feita ao de love, estando ao mesmo tempo pintadas as linhas da gravnra (côr
Fig. 3 (dois lados)
vermelha, azul e verde). Os ornatos sÊlo de fantasia, pela maior parte geométricos. Num dos lados representou-se a data da íeitura, isto é «1897», com dois dos algarismos na parte superior de uma das coxas, o os restantes dois na outra.
3. Furador
Na fig. 4', temos um furador de madeira (comprimento O", 125), que se aplica para fazer ilhôs. A ])arte que serve propriamente para a operação é de secção circular, e está aguçada no extremo. O cabo está esculturado de vários feitios. Este objecto veio de Fronteira.
1 Desenlio do Ruy Sedas Pacheco, Ex-Preparador do Museu Etnológico.
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Em algumas terras do Minho usa-se para rasgai* o folhelho do milho um instrumento igual, também de pau e artistico, chamado «esfolhador» (vid. adiante, p. 33).
Fig. 4
Os três objectos quo ticam descritos acima devem-se á habilidade do pastores alentejanos. Já a respeito da arte pastoril eu disse algumas palavras n-O Arch. Port>, xvil, 288, nota, e xix, 300 sgs., e bem assim na Ilist. do Mukch Etnológico, p. 221 sgs. Do uso do tcora- çlo», como tema de arte popular, falei na mesma revista, xix, 399.
J. L; DE V.
feciteiro e carapuças da /\\adeira
OS.""^ Emanuel Ribeiro, hábil Professor da Escola Industrial de Xabregas, esteve ha tempos na ilha da Madeira, e, como preza
l-ig. 5
muito a Arto c a Etnografia, tomou lá alguns desenhos e fotografias, quo me ofereceu, de cousas etnográficas.
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Boletim de Etnografia
Na fig. 5 publico a fotografia de um leiteiro, que leva na cabeça a tradicional e caracteristica carapuça.
Fig. 6
Fig. '
Fig. 8
As figs. 6 a 8 reproduzem três desenhos de formas da mesma carapuça, que é cobertura geral de vilões e vilôas: uma das formas usa-se em dias de festa, as outras em tempo ordinário.
j. L. DE y.
Isouça do Algarve
Em companhia de Guilherme Gameiro, Desenhador, que foi, do Museu Etnológico, hoje falecido, fiz em 1904 uma excursão pelo
Fig. 9 Fig. 10
Algarve. Na aldeia do Bensafrim desenhou ele três vasilhas de barro, que vao indicadas com os n.''' 9, 10 e 11.
O n." 9 é o famoso «cântaro de Loulé»; o n.° 10 uma «infusa» on «bilha»; o n.° 11 um «barril».
Acerca da louça de Loulé, diz o &."" Charles Lepierre: «Loulé é o centro mais importante para a louça comum: existem aí umas
Boletim de Etnourafia 15
25 pequenas oficinas. . Os telheiros de Loulé são muito antigos, tra- balhando neles os próprios donos, pais, filhos, etc; o pessoal é muito rotineiro . . Ainda assim a louça de Loulé é a mais apurada do
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Algarve, e, pelas peças que tenho, posso dizer que é talvez das melhores louças i-omuns do país. As formas das louças, ainda que elementares, nio deixam de ter alguma elegância; podcm-se citar aí os cântaros muito altos, de duas asas, de boca estreita, e esguios»*.
J. L. DE V.
Adelino das Neves
No estudo da poesia e musica populares portuguesas desempenhou certo papel Adelino António das Neves e Mello (Filho)-: e por isso entendo que posso falar d'ele no Boletim, e juntamente publicar o seu retrato. Pois que no Dicrionario Bibliographico de Innocencio & Aranha nSo se 16 a respeito de Adelino das Neves quasi nada, apesar de este haver escrito várias obras, e pois que nao me consta que haja alguma biografia d'ele, aproveito a ocasião para ampliar o meu artigo um pouco além dos limites que bastariam para uma notícia de caracter meramente etnográfico-'.
1 Cerâmica portuguesa moderna, 2." cil.. Ijisboa 1012, p. 74.
* Era assim que ele escrevia, isto é. : Filho, em vez de Júnior.
' As minhas fontes sâo: as obras de Adelino (umas que possuo, outras que consultei fora da minha livraria) ; informações que me deu de viva voz a Ex."* Viuva; uns apontamentos autobiográficos (incompletos) de Adelino, que a mesma Ex."* Viuva me oferoceu. O retrato obtive-o d'esta senhora, por inter- médio do S." Candiílo Auí^uBto Nazareth, de Coimbra, antes de c\i a conhecer pessoalmente.
16 Boletim de Etnoqkafia
O nosso autor nasceu em 6 de Maio de 1846 em pleno mar,' pelas alturas dá ilha de Santa Helena, a bordo d'um navio português que da China trazia para o reino a ínSe e o pai. Este chamava-se Adelino Aiitonio das Neves e Melo, casado com D. Domingas Car- neiro de Melo (natural de Manilha: Filipinas), e exercia ao tempo o cargo de tisico-mor em Macau, depois de o ter exercido na índia. Era íilho do D.""^ António José das Neves e Mello, Lente de Filosofia na Universidade de Coimbra, e Director do Museu Botânico '. Além de medico, o pai do nosso biografado gostava de coleccionar cousas antigas e curiosidades. Oficialmente, a pátria de Adelino Júnior esta ua freguesia do S. Quintino, perto de Lisboa (Sobral de Mout'Agraço), porque nela se bàtizou. Deu motivo a isso o ter aí uma quinta seu tio por afinidade o D.'"' António Ribeiro da Costa Holtreman, que lhe foi padrinho.
Eegressados a Portugal, os pais de Adelino estabeleceram-se em Coimbra, aos Arcos de S. Bento, onde seus antepassados tinham vivido. No tempo próprio começaram a dar ao filho educação lite- rária. Em 1860 concluiu Adelino os preparatórios liceais, e entrando logo para a Universidade, ficou formado em Direito em 1865, na idade de 19 anos. Em 1872 casou em Lisboa com a Ex."'* Senhora D. Felícia Leito Velho, que aí vivia*. Pôde cronologicamente ser aqui mencionado que Adelino das Neves conviveu com Camilo Cas- telo Branco, quando este esteve em Coimbra, em 1875. As relações entre os dois datavam de época anterior a 1875, mas tornaram-se agora mais intensas, como o próprio Adelino diz nos Senilià, Pará 1899, p. 11, — obra de que adiante tornarei a falar — ,e como se pa- tenteia de cartas que o grande romancista dirigiu ao seu amigo'.
Em 1878 foi Adelino das Neves nomeado Comissário da policia de Coimbra, cargo então criado; serviu até 1879, em que pediu a demissão, por queda do ministério, mas tornou a exercer as funções de 1881 a 1886, em que novamente se demitiu, indo viver para uma quinta que tinha ao pé de Coimbra. A tal propósito, diz-lhe Camilo numa carta, de que se transcreve um trecho nos apontamentos auto- biográficos :
i Vid. a sua biografia n-A Nação de 23.de Agosto de 1870 -(artigo de F. A. Rodrigues de Gusmão).
2 Originaria de Trás-os-Montes, Foi seu pai o B.«' Bernardo Teiseira de Morais Velho, do Mogadouro, que exerceu a advocacia no Brasil.
.' Algumas d'elas foram publicadas pelo D." J. M. Teixeira de Carvalho in A Galera, 1914, n." 2, e 1915, n." 4, e por Manoel Cardoso Marta, Cartas de ( 'amillo, Rio-ilo-.Ianeiro & Lislioa, Í91f, p. 2, omlo o editor poui-o iliz do Adelino.
Boletim de Etnografia 17
«Nao sei se deva dar-lhe os parabéns por se eximir de capita- wnear a policia da volteira e turbulentajCoimbra. Acho que sim, e que' • »devo dar-lh'os muitos sinceros, e adcinja-se, quanto possa, áfelici- ndade quieta o monótona da família. Abi tom de portas a dentro ))duas formas do paraiso que o ceu dos christaos de certo lhe nao idard mais perfeito: esposa e filho. Entre ollos irá serenamente «caminho da outra existência, que eu lhe concedo por hypothese; »se porem so mettor muito nos tremcdaes da vida interior, terá muitas Moccasiões de arrependimento, e raras de satisfação». *
Com o exorcicio da função de Comissário do policia se relaciona um facto que muito o honra. Tendo-se declarado incêndio na parte superior d'um prédio em cujas baixas havia uma oficina do fogueteiro, Adelino Noves, acompanhado do seu Amanuense César da Rocha, aba- lançou-so a entrar nela, e removeu de lá, já em meio de fumo e do ar- dentes chispas, um caixote que continha três arrobas do pólvora — e assim evitou uma explosão, do fatais consequências. Por isso os dois foram galardoados com a medalha de tfilautropia, mérito e ge- nerosidade» .
Em 1886 fez uma viagem a França para se instruir, a qual viagem, segundo ele diz nos citados apontamentos, influiu bastante no plano da sua vida. llesolvondo dodicar-so á vida diplomática, por o nao atrairom as subtilezas do foro, foi sucessivamente nosso Cônsul em Zanzibar (1889), Demerara (Guiana Inglesa), Pará, e llio Grande do Sul. Em 1904 voltou de licença ao reino, para a quinta de Coim- bra. Por esse tempo começou a sofrer da vista, vindo depois a cegar. Em 1906 mudou a residência pai-a Lisboa, o cá faleceu, de repente, em 1912, de sincopo cardíaca, no dia dos anos da esposa, senhora dotada do grandes virtudes, ([ue foi sempre sua desveladissima com- panheira em todos os lances da vida: em Coimbra, nas viagens, nas peregrinações, e nos ultimes e amargos dias.
Creio que deixo mencionadas as principais datas da vida parti- cular e pública de Adelino Neves. Passarei agora a tratar das obras que publicou, ás quais adicionarei uma noticia de alguns inéditos.
As obras impressas sao dez, que vou indicar pela ordem dos tempos : ^
1. Musicas e Canções Populares, coUigidas da tradição. Lisboa 1872; 241 i)ágina8. Esta obra, a que servem de epigrafe os versos de Tomás liibeiro.
Quem quer prazer suave e amor divino feche na mansa aldeia o seu destino,
18 BoTETiM DE Etnografia
e que Adelino dedico» a sua esposa, encerra, depois de breve ^(7r<T- tencia, cinco grupos do cantigas: 1.°, de Coimbra; 2.°, do Minho; 3.", de Trás-os-Montos ; 4.°, dos Açores ; 5.°, cavtif/as do berço. Muitas das cantigas vêm acompanhadas do musicas. Quando Adelino das Neves estudava em Coimbra, costumava passar as ferias (o que fez até ao 4." ano) em Penlta Longa (concelho do Marco de Canaveses) com sou tio o ])r. Adriano das Noves o Mello, antigo Lento de Teologia da Universidade, quo ali era Abade*. Ao contacto com a gente da aldeia, 'que no Entre-Douroe-Minho suaviza constantemente o tra- balho rural com cantorias, e nos dias do festa dança e toca, mais talvez que nenhum outro povo de Portugal, ganhou Adelino Neves gosto da musica do povo o da literatura oral, e ])ensou em organizar uma obra sobre o assunto. Assim apareceu o livro cujo titulo a cima copiei. O próprio autor diz na advertência preliminar: «Esto cancioneiro nRo ó mais do quo um singelo ramo de flores silvestres colhidas ao acaso polo campo». Para o livro concorreram também estudantes e amigos do autor: Icvavam-lhe cantigas das respectivas terras, e Adelino escolhia e aproveitava as que lhe convinham. Devo porém observar quo cinco anos antes do aparecimento das Musicas e Canções, isto ó, em 1867, havia Theophilo Braga publicado o Cancioneiro Popular: é pois natural que Adelino bebesse aqui a sua primeira inspiração para o estudo do Folk-Lore. Que Neves conhecia o mencionado traballio de Theophilo Braga, o confessa no já citado opúsculo Senilia, p. 31, ao referir-so <á acçJlo do Garrett na colheita da poesia popular (cf. adiante, § 11). Já nos meus Ensaios Ethnograplncos, I, 303, eu disse que a colecção de Adelino das Neves ei"a geralmente fiel. Se o trazer a lume canções populares nSo cons- tituía novida^de, como acabamos de ver, constituia-o a publicação de musicas. Nunca ninguém até entSo no nosso país se lembrara de atender a este ramo da estética popular, apesar da riqueza d'ele; só muitos anos depois tornou a atender-se a isto, e escassamente. Y6-se portanto com que discernimento Adelino das Neves iniciou a sua carreira literá- ria. E de lamentar que nSo persistisse nos estudos folkloricos. Espirito activo, mas pouco desejoso de se fixar fortemente num ponto, o que acontece com freqiiencia entre os Portugueses, preferiu divagar por outros campos, como adiante veremos. Apena^no qne toca á poesia popular, pensou Neves em fazer 2.* edição do seu livro, para o que redigiu, entre 1872 e 1889, um prologo, que existe manuscrito,
i Morre* de repente, em 1864, quando Adelino andava no 4.° ano de Direito; legou a este metade dos bens quo possuía.
Eolelim de Etnografia— N." 1 — 1920
ESTAMPA I
Adelino das Neves
Boletim de Etnogkafia 19
o que a Ex.""* Viuva espontaneamente me ofereceu*. No que toca a outros ramos da Etnografia, ou portuguesa ou de fora, espalhou observações várias por outras obras que escreveu (vid. adiante, §§ 7, 8 e 9).
2. OrençcM reUíjioKns e sociais. Coimbra 1875 (folheto).
3. Extudo sobre o 7-e(/i)nen penitenciário e a sua appHcnção em Portuíjal. Coimbra 1880. Volume do 142 páginas, dodicjido a «António Kodriguos Pinto». Diz Neves, na dedicatória, que apesar da repu- gnância que tinlia ao foro, ainda chegou a achar gosto num estudo de'direito criminal: c assim nasceu esto livro.
4. O estudo da historia, segando os processos scientificos de Henry Thoinas Backle. Coimbra 1882.
5. As formiijas. Coimbra 1883. Conferencia feita no Instituto de Coimbra. O folheto 6 separata do jornal d'esta associaçào.
6. Em 1884 realizou-se em Coimbra uma exposição distrital, que deu motivo a uma conferencia feita polo D."'' Augusto Felipe Simões acerca da Escultura coimbrã do sec. xvi. Como porém o conferente so suicidasse, som deixar redigida a conferencia para o prelo, Adelino das Neves rocompO-la, e ola foi publicada no volume intitulado Exposição districtal de Coimbra em 1884, Coimbra 1884, pp. 117-123.
7. Apontamentos para a historia da cerâmica em Coimbra. Coimbra 183G. Este opúsculo nasceu também da exposiçílo de que falei no paragrafo anterior. As observações de Adelino das Neves sao principalmente de caracter histórico, o tCm importância não só com relação á cerâmica coimbrH do sec. xiii ao xix, mas é. Etnografia geral portuguesa, pois o autor menciona muitos nomes de vasilhas e medidas do soe. xvi. — Valia a pena reproduzir o opúsculo, reto- cando o em notas.
8. Zanzibar. Coimbra 189G. Livro do viagem, onde o Autor, no que pertenço á Etnografia, fala como se vivo em Zanzibar, o traduz do suali um conto popular, adágios, e em verso uma poesia e o co- meço do um poema. A pp. 139-140 alude, do passagem, á missa portuguesa do galo (Natal).
9. Gnyana Britânica: Demarara. Coimbra 1896. Este trabalho contém 14 capítulos ; em alguns d'eles o Autor pôs observ|pões de Etnografia local (superstições, cantares, trajos, etc).
' D'cstc jirologo, em quo ha uma parte quo não merece imprimir- se, publi- carei noutra ocasião os extractos que me parecerem dignos d'isso.
20 Boletim de Etnografia
10. Senilia. Pará 1899. Livrinho dé 105 páginas : conjunto de re- cordações do passado, como o próprio Autor diz no prologo. Consta de apontamentos biográficos de vários autores, e do artigos fugitivos. Entre aqueles autores contam-se Camilo (com transcrição de cartas), Joilo de Deus, Guimarães Fonseca, etc. Os outros artigos sSo, por exemplo, sobro Coimbra o o descobrimento da Madeira.
Com excepção do n." 5, por ser de historia natural, todos os res- tantes trabaliios de Adelino das Neves patenteiam, mais ou menos, inclinações históricas ou etnográficas. Os mais importantes a tal res- peito são os que se intitulam Musicas e Canções (§ 1) e Cerâmica em Coimbra (§ 7). Embora ambos feitas sem profundeza, ninguém que trato da nossa literatura sclentifica deve deixar do os lembrar com simpatia.
Adelino das Neves deixou manuscrito o seguinte, que a Ex."* Viuva me mostrou:
11. «João de Devs. Inauguração do seu retrato no Eetiro Litte- rario Portugucz do Kio do Janeiro cm 15 de Junho de 1895f . Breve noticia com transcriçilo de poesias de JoSo de Deus. Este artigo foi reproduzido, com algumas modificações, nos Senilia; aí diz Neves, na p. 29, que o escreveu estando do passagem no líio, onde assis- tira á festa. — Lô-se neste artigo a respeito de Garrett: «Preparava também os espirites para apreciar um género poético que estava completamento desprezado entro nós ou era olhado com indifferença pelos doutos : refiro-me á poesia popular, que ellc colligio e recons- truio nos seus cancioneiros, salvando preciosissimas relíquias do pas- sado, que estavam prestes a porder-se na tradição oral: mais tarde Theophilo Braga realça o desenvolvo a importância de semelhantes estudos». Transcrevi estas linhas, por elas se relacionarem com o estudo da poesia popular, objecto principal do presente artigo.
12. Um albura, em cujo começo se lê: «Adelino das Neves e Mello II No ermo \\ poesias». Grande parte do álbum está porém em branco:
apenas existem nele dezasseis poesias, uma d'ela8 datada de Outubro de 1885 (Granja), e outra de 1888 (Vizela); algumas escritas no Buçaco. Sao versos sentimentais, de que dou aqui duas amostras (talvez as melhores):
Nnnca mais Morta!
Mal eu diria, Qíic tristeza, meu Deus! quem julgaria,
Feliz outr'ora, Ao vel-a perpassar alegremente.
Que u'uraa hora Que assim viesse a morte de repente
Acabaria Para a roubar da nossa companhia! . . .
SoLKTtM DE EriíOGEÁF"IA 21
Essa alegria, No pequenino leito, em que jazia.
Essa ventura, , Parecia dormir serenamente; De que só dura Nenhum terror de a ver a alma sente,
Na phantasia Embora esteja inanimada e fria.
Um leve esboço E ha de assim baixar á sepultura.
Desvanecido! E ha de em pó e cinza converter-se
Hoje não posso TSo gentil graça e tanta formosura! . . .
Tirar calor Mas nem toda a belleza é transitória,
Das frias cinzas Vive sempre, e jamais pode esquècer-se
Do meu amor. A belleza do bem — sopro de gloria.
13. Terminarei esta bibliografia, dizendo que Adelino das Neves durante algum tempo se habituou a escrever um diário da sua vida. Segundo a Ex."* Viuva me informou, começou a escrevo lo em 1889, na volta de Zanzibar, e forma volumes que abrangem catorze anos. Li algumas paginas, onde ha observações curiosas de acontecimentos e de pessoas.
Do que fica exposto conclue-se que as aptidões e os gostos de Ade- lino das Neves eram multiformes. Cultor da Etnografia, do Direito, da Poesia, da História Natural, da História da Arte, funcionário publico, viajante: que assunto houve para que ele nfto olliasso? Até era coleccionador de moluscos terrestres ! Diz Teixeira de Carvalho : fDe seu avO, lente de Botânica, herdara o S." Neves e Mello a paixão pelas scioncias naturais. De seu pai, coleccionador apaixonado de pedras, livros e moveis raros, o culto da Arte» *. Poderei acrescentar que á formatura cm Direito o levou a coavizinliança da Universidade, e ao funcionalismo esta mesma formatura. Ao gOsto da Etnografia ja acima mo referi. E o das viagens e o da poesia d'ondo lhe vieram? O das viagens por alóiu-mar elo próprio declara quo a ida a França muito influiu na sua vida, — além da natural tendência anibulativa ou peregrinatoria dos Portugueses, pondero eu*. Quanto à poesia, qual ó o espirito engenhoso que nflo se sento poeta em Coimbra?
Assim fica explicada toda a génese psiquica do nosso autor.
J. L. DE V.
1 In /l Galera, 1915, n.» 4, num artigo intitulado «Caraillo em Coimbra».
* Dissc-me uma vez num comboio de Ucspanha um empregado dos caminhos de ferro hespauhoia «que nunca vira quem viajasse tanto como os Portugueses; que oi encontrava sempre I». — A observação é, porém, já muito antiga.
00
Boletim de Etnografia
Estrelas de figos
A figueir!^, com quanto exista por toda a terra de Portugal, nao cresce em parte alguma com tanta abundância como no Algarve, de que constituo uma das riquezas, e onde ao mesmo tempo forma um dos elementos mais curiosos da paisagem. O povo canta-a de Norte a Sul em variadas canções, como pôde ver-se no vol. ii da obra de A. Tomás Pires, n."' 3032-3046. Pelo meu lado publico a seguir duas que ouvi a uma molber algarvia:
Quem me dera' ser figueira, Enxertada no valado, Do que ser rapaz solteiro, Enipregado num soldado 1
Da figueira nasce o figo, Do figo nasce a scicncia: Do homem nasce a maldade, Da molher a paciência.*
A primeira d'estas cantigas julgo-a inédita; a segunda ó variante dos n."' 3039-3042 de Pires, e contém nos dois últimos versos
Kig. li
Fig. IS
um conceito de antinomia entre o homem e a mollier, o qual se ma- nifesta noutras muitas cantigas, o já aparece em folhetos de «cordel» do soe. xviii ^, ascendendo mesmo aos debates da literatura medieval*.
1 Por: Muis quisera. Houve confusão com ov.tros começos de cantigas.
' O povo pronun('ía 2Mcie7iça e scíença.
' Por exemplo: liondade das mulheres contra a malicia dos homens, 17. . (está roto o exemplar <le que me sirvo) ; Malicia dos homens cuntra a bondade das mu- lheres, 17Õ9; Primeira carta apologética em favor e defensa das mulheres, 1759; Seyunda carta, etc, mesma data.
* Dos «debates», ou débats medievais, diz G. Paris : «Pusage en remontait à 1'antiquité et avait sans doute été perpetue par les^/ocuíatores» (La littérature française, 3.* ed., § 110). Se aqui fosse o lugar próprio, eu poderia juntar outras uoticias literárias acerca dos debate».
Boletim de Etnografia
23
Entro as diversas formas quo no Algarve dao aos figos secos, escolho duas quo so representam ('/j) nas figs. 12 e 13 (desenhos de Saavedra Machado), e se chamam estrelas de figos. A fig. 12 ó uma estrela de quatro pontas (também as ha de sois e mais), feita de dois figos grandes, que se abrem, se retaliiam, e se adaptam entre si, tendo-se-lhos pròviamente cortado o pé; a 13 é uma estrela redon- da, feita de um só figo (também com o pé arrancado), que se corta em redor. Uma e outra estão ornamentadas de amêndoas descasca- das, que de mais a mais servem de raios á 2.* estrela.
Ao sabor material dos figos agrega-se assim um pouco de sabor espiritual, proveniente da arte com que os prepararam.
J. L. deV.
Capote 8c lenço
Na fig. 14 (desenho de Saa"vedra Machado) representa-so uma molher de capote & lenço, segundo um modelo que existo no Museu Municipal de Beja. O capote & len- ço oram outr'ora trajo muito corrente, tanto de senhoras, como de molheres do povo, por todo o Portugal; hoje estio em decadência, postoquo já por vezes os eu observasse em Lisboa. Informam-mo de que no Algarve as viuvas trazem a extre- midade do lenço (preto) por baixo do cabeç&o, e que só as solteiras o trazem (branco) por cima, conforme o tipo da fig. 14. No sec. XIX publicaram-se várias colecções de estampas que representam trajes e tipos populares, das quais deu uma útil resenha o S." H. Ferreira Lima num opúsculo intitulado Costumes portu- gueses, Lisboa 1917. Nao raro aparecem ájvenda nos alfarrabistas estampas soltas; possuo muitas aí adquiridas, ou oferecidas por amigos, e entro elas as seguintes: mu- lher de capote'e lenço, do litografo Mac- phail, que exercia a sua profissão por 1840 o tantos; mulher de capote e lenço em Lisboa, do litografo Falhares (1.» colecção, n." 43: cfr. Ferreira Lima, p. 25). Ambas as litografias
Fig. U
24
Boletim de KriíOGltAfíA
estilo coloridas; os capotes, de cOr escura, são de cabeção e gola, e cobrem o corpo ató os pés, vendo-sc apenas om baixo uma tira do vestido azul, num, e uma levo nesga de vestido vermelho, noutro; um dos lenços forma ponta atrás, que fic;^ no ar; o outro lenço vai cair para as costas; ambos são brancos, e atam-so debaixo da barba.
J. L. DE V.
Relógios de sol
Nas seguintes figuras temos representados em pequeníssima es- cala, relógios de sol, do pedra:
Pig. 15
Fig. 17
Pig. 16
1) O primeiro (fig. 15), encimado pela cabeça, como penso, de um «Mouro», existo na EuaVerdo, em S. Gregório (Melgaço), perto do rio Trancoso, e da i)onto internacional, fixo sobre a parto anterior de um caniço ou «ospigueiro» ;
2) O segundo (fig. 16), com a forma de busto, a que o povo chama de facto Jlloia-o (como lá so IG), vô-so na Casa do Pego, do S."' Ma- noel Gonçalves Ferreira, em Eates, pousado sobre uma coluna (no vértice do «capacete» do Mouro ergue-se uma cruz que atravessa um galo, tudo de ferro: catavento);
3) O terceiro (fig. 17), om quo se lê a data de «1790», e a palavra Castro, quo creio significa o apelido do qaom mandoa fazer a obra, está também sobre um ospigueiro, no Minho, em local porém de que ignoro o nome.
A fig. 15 assenta em um esboço feito por um curioso; as figs. 16 o 17 cm desenhos do S." A. Cruz, da Póvoa de Varzim.
BoLIÍTiM ttE ÊTÍÍOClRÁftA
â6
Acerca de relógios de sol, pertencentes ao Museu Etnológico, vid. a Historia d'este, p. 240; e acerca de relógios de sol romanos e gregos vid. De Campolide a Melrose, p. 15.
J. L. DE V.
Carrancas fontanárias
Nao só o uso do carrancas fontanárias ora vulgar na antiguidade clássica, mas d'ole temos um exemplo entre nós, da época romana: vid. Religiões da Lusitânia, m, 247 (carranca do bronze, achada no Minho pelo D."' Alves Pereira, e hoje pertencente ao Museu Etnoló- gico). Como muitos outros usos antigos, este perpetuou-se até a actua- lidade.
Na fig. 18 reproduz-se o desenho do uma fonte granítica de Vila do Conde, feito pelo S."^ A. Cruz, da Póvoa do Varzim. Esta fonto é do caracter monumental, com aspecto de fachada de edifício, em cuja dianteira, em baixo, um tanque recebe a ágoa que costuma brotar do duas car- rancas barbadas, postas a par, mas afastadas uma da outra. A fachada está ladeada de pi-
Kij. 1» Vlff. 18
lastras, em cada uma das quais se levanta uma pirâmide. No frontão pousa um vaso de pedra (a (juo noutros do mesmo género corresponde por vezes uma cruz), o no tímpano vG-se um navio — brasão do armas da vila, o (|ue indica que foi a Camará Municipal quem mandou cons- truir a fonto.
Nesta fonte há, como disse, duas carrancas. Em fontes mais modestas podo existir só uma, como, por exemplo, numa fonto de
26
Boletim de Etxoguaku
S. Romilo (Seia), chamada ão Caraças (ou do caraça?)', vid. fig. 19, soguiido um desenho tomado m loco por um curioso. Nesta caraça ou carranca, que 6 do granito, a ágoa sai por um cachimbo metálico, posto despropositadamente, pois que por um cachimbo só deve sair fumo.
J. L. DE V.
Aldravas de ferro
Nas figs. 20 a 29 (desenhos do S." Abel Viana, Professor oficial de Fradolos, concelho de Famalicão) temos aldravas, de ferro,
Fig. 80
4* ft
yi
CD CO
CD
Fig. íl
■Cià?^
IDÍ
de bater á porta. Muitas d'olas ostôntam como ornato superior uma cruz, que ó originariamente destinada, como penso, a evitar que
Flg. 26
Kit'. 27
Fig. 28
os espiritos maus outrem em casa pela entrada natural ou porta. Cruz análoga se vê nos espelhos das fechaduras, pela mesma razão, como já expliquei na Hist. do Museu Etnológico, p. 200, nota G.
J. L. DE V,
BOLKTIM DE EtNOGKAPU
27
Vasilhas de barro
Nas figs. 3(J a 32 represontam-se trcs vasilhas do barro:
pig.so
rig. 31
ng. 32
Um cântaro, de 0",55 de altura; .
Um pote, do O™, 42 de altura, e de 0",29 do diâmetro na boca ;
Uma infusa, do 0™,39 de altura.
Desenhos de Saavedra Machado, feitos do natural em Faro
(^'e"^«)- J. L. DE V.
Habitação I
A fig. 33 representa uma casa de Senhorim (Nelas), segundo um desenho de Saavedra Machado, feito por uma fotografia do Ful-
IW)) [íCWÍl '(wi
rig. M
Flg. SS
gencio Rodrigues Pereira, falecido Preparador do Museu Etnológico.
BOLETIJt DÊ Ê rKOGRAí"IA
Sob o aspecto etnográfico a casa só tom notável a varanda de madeira: jjara ola dá um quarto de dormiV, de quo se vô um janêlo. As paredes Scão do grandes lajes do granito, rocha própria da região.
' II
Por todo o Portugal as casas dos pobres silo térreas. No Algar- ve, poróm, e no Aleutojo, nas aldeias, tanto po- bres como ricos forram geralmente o rés-do- ckao de formigão ou de tijolo, artisticamente disposto. Quando colocam o formigão (ainda fresco), assentam em cima capachos, e batom- nos com malhos de madeira (i"edondos), ficando
X
ã
Pig. 35
impressas no chão as voltas dos capachos, como se vê na fig. 34.
III
Na fig. 35 mostra-so a frontaria do um forno de Cacela (Algarve). No Sul ó vulgar estarem os fornos fora da casa, mas junto ou perto d'ela; umas vezes a bOca d'estos fica tambóm para fora, outras para dentro da casa.
IV
Muitas vezes á entrada da habitação lia um recinto descoberto, mas murado, que como que faz corpo com a casa, recinto quo tem
vários nomos conforme as provín- cias: terreiro, pátio, otc. Na 'fig. 3G (desenho de Gruilherme Gameiro, feito por um apontamento de um curioso) mostra-se um d'estes recin- tos, de uma casa da Granja (Baião), certamente do sec. xviii: tom por- tão largo, com cruz e pirâmides na cornija, o parreira na fronte. A cruz foi manifestamente posta para afu- gentar da entrada os maus espíri- tos. Houve aqui o mesmo intuito da cruz dos batentes figurados a p. 26. N-0 ArcJi. Port., xxii, 48, publiquei um portal de Montalegre análogo ao da Granja. — As casas de que se trata representam, de ordinário, tal ou qual nobreza ou limpeza.
fig. ss
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia
20
Çorcos de Aveiro
Kcproduzem-se nas figuras seguintes vários tij)os de barcos usados na costa de Aveiro;
lig. S?
^^ ÁÂ |
1 |
||||
IL |
|||||
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w-^ |
I'IS. 38
Fig. 37, barco ao entrar no mar; Fig. 38, barcos na Costa Nova;
30
Boletim de Etnografia
■Fig. 39, barco saleiro; Fig. 40, bateira para pesca de sardinha e outro peixe.
Fig. 39
Fig. 40
Todas as figuras assentam em fotografias quo um amigo me ofe- receu.
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia
31
Çôlo^antropotnorílco
O boneco do pXo doce, representado na fíg. 41, segundo desenho do S.°' Francisco Valença, é do mesmo tipo dos de que falei na Jlist. do Mit.ieu, p. 203 e nota (fig. 104 da p. 385) : e vid. O Arch. Fort., xix, 395-396, o a Jíev. Lusit., vi , 240. Paos d'estes vondcm-se vulgarmente em Lisboa, nas padarias, etc. — O costume existo noutros pontos do Portugal.
Tauibcm na Boira comem no dia do Todos os Santos (1 do Novembro) uqs pSes estreitos o compridos, do trigo, chamados santoios (plu- ral Aomnituro, ou sanctoro, dosanctoruiii), — vid. Ensaios EtJinof/r., ii, 18C — , que sao, quanto a mim, estilizarão do figuras zoomorficas ou auti'opomorficas, o representam provavelmente vestígios do sacrificios (aos mortos? pois no dia 2 comemora a Igreja os fieis defuntos: cf. Rev. Lusit., VI, 24G-247). Nao faltam entro nós curiosas formas de pies, cada um com sou nomo especial: cacete, violéte, bolo podre oa jyào podre (por oposiç.lo a simples h(>lo ou pão de triíjo), semea, triga-milha, bolo de milho, cancra, brendeiro (de merendeira), conforme a espocie de ceroal ou a maneira do preparo.
J. L. DE V.
ng.>i
«Çonccas» de chaminés do Sul
Quando nas Relifjiòes da Lusit., iii, 593 sgs., me ocupei de al- guns vcstigioB do paganismo existentes entro nós, falei do costume
Flg. 4Í ilg- « Flg. U
de fixar na parede da chaminé, junto á lareira, uma figura chamada hoveca em uns sítios, frade ou semprS^-noixa noutros, etc, e dei de- senhos a pp. 605-606 (figuras humanas, e estilizaçOes). Este costume,
32
Boletim de Etnografia
que suponho ascende ab paganismo, tenho-o observado muitas vezes no Alentejo, no Algarve o na Estremaditra Transtagana; na Cista- gana só o observei, que mo lembre, uma vez (concelho de Cadaval); nas outras províncias creio que nunca o observei.
Nas figs. 42 a 46 reproduzem-se /rade« de cozinhas de S. Geraldo (Montemór-o-Novo), do «monte» da herdade da Comenda da Igreja (no mesmo concelho), o do «monte» da herdade do Berlongo (Alcácer do Sal); uma boneca de Machedo (Évora, 1898); uma aempre-noiva de
rig. 45 PIg. 4G Fig. 47
Cacela (Algarve): tudo feito de tijolo. Na fig. 46 reproduz-se uma sempre-iioiva, de Cacela, ou de perto, feita do pedra, a primeira que vi d'esto material. A última tem as seguintes dimensões : O'", 64 de altura, e O"", 40 de largura na base. Por aqui se avaliam plus minu§ as
dimensões das outras.
J. L. DE V.
«Cegonha» de Grândola
Chama-so em algumas partes cegonha a um engenho de tirar ágoa de um poço, engenho e nome já provindos de épocas muito remotas,
como mostrei n-0 ^^ Arch. Port., xxii,
9-11. Na fig. 48 reproduz-se um de- senho de Saavc- dra Machado, feito por um apon- tamento do falecido Guilherme Ga- meiro, que o to- m»u em Grândola, Fig. 48 f no qual desenho se
vê um homem quo tira ágoa d'um poço por intermédio duma cegonha.
Boletim m: Etnografia
33
So » palavra cegoiilia, na forma cicoiiiaj asctíiide, pelo laouos, aos secs. vi-vii da ora cristã; se os líoinanos usaram (.sngenlios como este: o que tudo consta do citado artigo à-U Anl/eologo: a forma do poço existia já também entre nós ha opoca romana (O Ardi. 1'ort., wiii, 130). Forma de uui jxttea.t ou «poço» romano temo-lo, por oxomplo, cm Ricli, DUt. tlet (tntttj, s. v. «rjir//ilfn-tí).
J. L. HE V.
Esfolhador
As liráctiMs ([ui'' envolvom a espiga da m;içaro<-a do niilho (Zea tin dos botânicos) tf;m vários nomes, cojiformo as terras: carepa mais interna), canu-ia, folhelho, folhato, eapHo, etc. A oporaçSo de
Yi-A- V'
as rasgar, p;ira extrair a "'Sitiga, cliama-se, taiubom conforme as terras, es folhada {dexl'olhu(hi\, ih-.^^ninSmda (e-iiaininadít), de.'«a.ica, escapula,
34 Boletim dk Etnografia
e constitue por vezes grande folguedo, pois sâo rapazes e raparigas quem, juntos, a faz. A alugria <[ue então reina alude, entre outras, uma canção quo ouvi no Alto-Miiilio:
Tornara eu que viesse O tempo que ha-de vir:
O tciiq»! dita eê/uUi(td(.il, 1'urn m'«ii luteoe^rtir !
Nâo pretendo porém agora descrever uma osfoUiada, só quero falar do um instrumento artístico que serve para rasgar o folhelho, e que se mostra do tanianlui naturiJ na figura anoxa': é um poutfiro de liuxo, torneado. Podemos considerá-lo formado de cabo e puuta: as saliências do cabo e a i>arte superior da ponta estão ornados de gravuras lineares, quo formam uma espécie do zigue-zagues.
liste instrumento deuomiiia-se exfolhador. Em vez d'ele sorve também uiu simples prego, ou as ]ii-óprias uidias de quem esfolha. O esfolhador traz junto um cordão, que se ata numa das rcintrati- cias do cabo; nele se enfia o punho, não só [lara o instrumento an- dar seguro, mas para ficar pendente, se a pessoa que o maneja pre- cisa do interromper o serviyo quo está fazendo.
O exemplar que serviu para o desonlio foi oferecido, s(>giindo um costumo vulgar, por um rapaz á sua namorada. Provém do Alto- Jtiulio (Coura), o pertenço agora ao Museu l'>tiiologico.
.T. I.. DE V.
Espécimes de arte popular alentejana
Os objectos representados nas figs. 50 e 51, que ficaram de- masiado resumidos, pois o primeiro tem O", 19 de comprimento, e o segundo 0'",09, são de madeira, o denominam-se wvinoít de ffes- camisar ou desencamisar as maçarocas ou espigas do milho. Usam- «e no Alentejo. Ao acto de descamisar chama-se descamUnda, que tem aqui a mesma significação que noutras regiões enfolhàda. Aml>os os objectos estão artisticamente lavrados; o primeiro deixa vor no cabo um apêndice de argolas maciças, que permito ao objecto andar pendurado." — A palavra -ioi-ino, ainda não arquivada, que ou saiba,
1 Desenho de Manoel António M a deir», Empregado do Mujeu Etno- lógico.
Boletim de Etnografia
35
em dicionários, tom tamboiíi a forma sevhiú, quo oavi em Poute dn Sõr: representa o masculino do xovinu, palavra igualmente aí usada com a mesma aigniíicaçao.
Sooiíifi é aportuguesamento do hesp. nohina «clavo de madera», i|uo tem origem no lat. xupinm, 3: vid. Meyor-Lubke, Et. Wb., § 8462. Outra significação do xorina, mais jtroxinia da hospauhola: panzito aguçado ({ue serve para pregar a cortiça (Orandola) o, por oxtenfifio
ti»
Pi». .V)
^■l^ .ii
Fia. 33
do aigiiilicado, para espicaçar os burros (ibid. I; tem õ a 10 centímetros li^ comprimento. V'id. outras acepções nos dicionários. Em Trás-os- Montes: goiinlam «dois pregos do pau (|ue servem jtara segurar os atafais á albarda» [llfv. í.uxit., v, 10(3, artigo de A. Morenoj. Sorinha, j)or causa do n/t, pôde ter vindo directamente do lat. supina, som intermédio do hespanhol.
II
< >s objectos ropresontados nas ligs. 52 e 53 são corrente* ou cndeias do relógio, de madeira, maciças; terminam em bolotas, ornamentação fro<iiiento na nossa arte popular, jirincipalmento na do Alentejo, como região abundante de arvores ([ue as produzem. Imitam as correntes on cadmm metálicas.
Estes quatro objectos foram feitos por pastores.
J. L. DE V.
36
Boletim de Etnografia
Santo António numa mercearia
Na Beira c no Norte, (íomo provinciíis (nidy a religião possuo
mais raizes quo nas tio Sul, ('• costume nas lojas fio venda ter na
parede fronteira it porta da rua um nicho do madeira com a imagem de Santo António, ás vezes ladeada di; jarrinhas com íiores. Hoje as crenças vâo-se apagando on modificando, mas o«te costume observa-se ainda não raramente. A ele se fez referencia nas 1'dujiòes da Lu- dtania, iii, 595-59(), onde foi considerado como vestígio pa- gilo, pois os negociantes ro- manos veneravam Mercúrio, o Jiavia em Bracara Augusta um Génio do mercado, conhecido por uma inscrição gravada num cipo.
Já se entende que tanto o Génio 6 Mercúrio, como Santo
António, representavam ou representam papel de protectores do
comércio.
Dá-se na fig. 54, segundo um desenho do S.'"" A. (Jruz, da
Póvoa de Varzim, um aspecto de uma mercearia d'aquela vila: lá está
em cima o nicho de Santo António.
.1. L. DE Y.
Fig. 54
Polvorinho artistico
A caça tem sido entre nós, desde sempre, e quanto o podemos saber por documentos medievais, fonte de subsistência, e fonte de divertimento. Já vl-0 Arch. Port., xxr, 170, juntei algumae notas, sobretudo bibliográficas, a esto respeito. O mais que eu poderia, dizer deixo-o para a minha Ktnoijrdfia. Aqui só quero notar que .se hoje nSo é muito grande o mimero das pessoas (jue vivem exclusi\ amente da caça, ou alimeiítando-so d'ela, ou fazendo d"ela industria, ó infinitoó das (|uc st- divertem caçando. E como o homem
Boletim de Etnografia
37
nos seus instrumentos de trabalho gosta de pôr ás vezes um pouco lie arte, acontece (pie entre os próprios caçadores da aldeia existem aprestos venatorios que se tornam notáveis por sua beleza estética.
Ilis, por exemplo, na íigura adjunta ', um polvorinho^u^oZcanji/ío alentejano, feito de chifre de boi, no qual polvorinho dois artistas gra- varam os mais variados desenhos.
< ) polvorinho, que tem de comprimento 0'",32, está naturalmente ijividido em duas zonas por uma faixa de 0"',12 de*}argura, enfeitada (If plumas dispostas oblíqua e paralelamente. Ambas as zonas con- tiiu desenhos, mas a de cima só em parte, e os desenhos silo aí me- I amento de fantasia. Na zona infe- rior, a par de desenhos simétricos, mas de fantasia, isto é, difíceis de • li-liiiir (■ de precisar, ha outros em (|ii(j SC descobrem temas muito que- ridos da arte popul.'ir: florões, ani- mais de diferentes classes (mami- teros, aves, peixes, rtjptis), astros, uma cruz sobro uma pcanha, uma viola, uma mullu-r com um ramo na inao. A estampa reproduz uma parte "l'ostes desoniios: o «sol», represen- tado por uma rechonchuda cara cercada de raios o posta dentro d'um rírculo; por baixo d'ele, sucessivamente: uma data («189..», que <levia ser «1892», como consta do lado oposto: vid. infra); o reverso duma moeda portuguesa (acaso uma «pega»); vários desenhos cordi- formes, um d'eIos acompanhado da respectiva «chave». Ao lado do «sol» vô-se um Sereia, disposta ao invés. Noutra parte do polvo- rinho ha uma segunda Sereia, maior que a presente, Jia posição de quem vai nadando. A alguns dos referidos tomas. — flores, moedas, roraçao & chavo, cruz — , me referi noutros lugares: vid. Etnof/rafa ArtiMira, i, 6-10; O ArrJi. Port., xix, 309; De CampolirJe a Mel- rone, ]). 90, nota. Do coração & chavo, como emblemas populares, fala também o D."^ Cláudio Masto na Ltim, i, 92 sgs. e 124 sgs. A Sereia é uma das poucas entidades da Mitologia popular portu- guesa cujo nome, como creio, a antiguidade nos legou-: o povo nSo
1 Desunho de S ;i a v i; . 1 r a M a i- li a il o.
' fif. : Relif/iõen da Lusitanin, iii, 594, omlo cito um ini|iort,!iiitc' trabailio 'lo Ailolfo ('iKilliij; o Ilígt. do Miueu Elnoliif/ii:o, p. 2ÍÍ.3.
38 Boletim dk ETNoauAFíA
só a canta em caiiçi^es ', seaSo que a representa em edifícios e objec- tos-, e em brinquedos''. Para melhor se compreender como é que a mente popular concebe essa entidade, n^produz-se na fig. 55 outro desenho de Saavedra, (jue representa um assobio de barro colorido, dos qiie, pelas festas solsticiais de S. António, S. João e S. Pedro, se vendem em Lisboa ao ra|)a/Io, na Praça da Figueira: o fabri- cante do assobio figurou aqui também uma Sereia (metade mulher & metade poix(^, que se mostra em toda a plenitude das suas formas. O assobio pertence ao Museu Etnológico: vid. Historia do mesmo, p. 23.'?*. De outros temas do polvorinho nSo preciso de falar em especial.
Contigua á faixa que divide o polvorinho em zonas, e inferior- mente a ela, ha os seguintes dizeres, em duas linhas, de diferente tamanho: juaumanokl 1892 dia9 |j jacituakceí) n. As letras que dizem «dia9« significarão «dias», estando *9» por tS». Os nomes «JoJlo Manuel» e «Jacinto Arcenio (-= Arsénio) Diasw'' devem desi- gnar as pessoas que enfeitaram o polvorinho (certamente pastores i, e «1892» a data da conclus&o. É a primeira vez que me ocorre um trabalho d'estes, devido a dois artistas.
J. L. DE V.
1 Viil. : Tmãirõe» yvyi. ilc PitIiii/iiI, §^ 185 c H56; >■ Pires, Panlns popnhiret, t. 1 (1892), 11. 249 sgs.
'^ Por i'xcin|ilc): imma c:isa ilo Porto (viil. Tmd. pnp. de 1'ortugnl, jí cit.^ l 356); em tapetes (cfr. O Ai-ch. I'orl., xi, 189: artijyo ile D. .Tose Pi-ssaolia, com uma estainjia)) em ornatos de igrejas; em fontes.
' Costuma o povo ter um papel eom várias figuras, que se (lol)ra niul tiplanientc, de modo que com parte d'»mas figuras se coiopleteni outras, sendo rada figura acompanhada d'uma quadra. Possuo alguns dVste? papeis em que se vê, por exemplo, uma Sereia, o Sol & a Lua, (Jristo erucifiradn, os martirios, um coração, uma chavo, uma «agulha de marear», ura vaso com um ramo, um castelo, uma viola, um navio, uma mullicr. Estes papeis chamam-se curtas, e por vezes earttu da Sereia, e trocam-se afectuosamente entre namorados e pessoas amigas. Conheço o coítunie ]ior todo o Portugal; cie contudo tem maiiifestaiiiente origem culta. As mais antigas cartas que possuo silo dos meados ilo sec- xix, mas sei de uma, que nâo possuo, a qual será dos conu^ços d'csse século, seuilo dos fins do xvai. Ás vezes as figuras de que falo estão desenhadas numa carta propriamente dita: tenho uma carta assim. X cartas ile araor com (/«líiimiii/io.", como coração asse- teado, coração levado em unhas de lião, se refere Jorge Ferreira (sec. xvi) na Eufy-osina, III, ii (ed. do Farinha, p. 181). — Acerca do emldema do Sol Jb da Lua vid. o que escrevi n-0 Arch. Port., xxii, 137-138.
* Cf. também Rev. Lusit., iii, 82 sgs. (artigo do D." Ferraz de Macedo).
* Pelo exame da disposição das palavras no polvorinho é que digo que Dias pertence ao segundo nome, e não, eimio ao repente ])arece. ao primeiro.
4
Boletim de Etnografia
39
Chumitiés da Estremadura e Algarve
Por mais de uma vez tealio falado de chaminés arlisticas do Alentejo e Algarve: vid. Hist. do Museu Etnoloyicu, y. 206, onde
Klg. 5« • Pisr. M
faço várias referencias bibliográficas; na mesma obra, pp. 385 e 387, |)iil)liquei desenhos du algumas.
Na fig. ÕT) pul)lico o de ama do Cadaval (Estremadura), feito polo S". Avelino Pereira em 1918; o nas figs. 57 e 58 desenhos de chaminés de Cacela (Algarve), feitos por Saavedra Machado, segundo apontamentos de um curioso.
J. L. DB V.
Costumes e panoramas do Alentejo
As estampas ii e iJi, que assentam em fotografias que de Safira se dignou enviar-me o Rx."" Conde do mesmo titulo, tiradas por um amador, representam o seguinte:
Est. II. — Uma monda de utirrfaço, nnmíi folha de montado d' azinho: as azinheiras lá se erguem na parte posterior do (juadro, torcidas e esguodelhadas. As raparigas da mqnda chamam-se mondadeira.'* (termo também aplicado ás <|ne mondam o trigo): no seu trajo avulta o avental, de que fazem grande uso neste serviço. A direita da fila das mondadeiras vG-se o manageiro, que vinha trazer ás raparigas ágoa numa bilha, e ficou parado, como elas, a olhar para o fotografo,
40
Boletim 1)k IÍtnogkafja
que so entende estaca adianto; no traja do managoiro note-se o bar- rcte, cuja ponta so dobra para o lado, c o pelico, (\ao nesta ]);irte do Alentejo se chama também camarra.
' Est. III. — Uma campina, estendida adianto dum compacto e ra- malhudo montiido de. .sôhru, e separada d'ele por um regato, ein cujas margens ha choupos, e que corro num valeziniio ontre estes e o ujou- tado, — valezinho próprio p;ira cultura <le milho.
J. ].. ueV.
Espécime português de raça negra
N-O Arclieoloijo, i, 67, falei dos MulatoH de Alcácer do Sal, pro- venientes de Africa, nos quais espc^ciffquoi os seguintes caracteres, alóm da côr: cabelo encarapinhado, forma platirrinica do nariz. Na
ocasifto em que escrevi o artigo (189;")) informaram -me de que em alguns se sentia • linda o cheiro especial cliamado catinyu. Ultimamente tive ocasião de ver alguns exemplares dos mesmos Jlulatos; ])or eu nâo me dedicar espetriahnonte á Antropo* logia, jijío fiz as observaeOes que um antro- pólogo faria, mas notei em uma molher prognatismo nun'to manifesto. Eles pro- |ii-io8 dizem que sRo utravessadirox, isto é, «mestiços», am sentido geral'. A côr \aria: ha individues que são, por assim dizer, pálidos ou morenos, e outros muito foscos, quasi pretos. A titulo de curio- sidade reproduzo na hg. 50 o retrato de um individuo do S. llomão do Sado, pertencente á raça de (i\ie estou falando: é amulatado, com as níãos mais brancas na palma, que no dorso, cabelo e barba iim pouco encarapinhados, nariz largo. Os vizinhos chamavam d'au- tes a lista gente Pretos do Sado ou Pretos de S. Eomâo, porque havia lá realmente muitos Pretos. «S. Romão era uma ilha de Pre- tos», ouvi referir a Víirios Mulatos; ou: «algum tempo havia lá muito >
' Os antropólogos chamam eapecialmente «mestiços» aos indivíduos que resultam do cnizamcuto do índios com Europeus ou com Pretos; vid. G.Friz/.i, Anllirnpoliigie (coliuu-.^io ;ilemri ili! Giisclicn), ]). ti). Nos Ajiiil-ii/nx 1 Jinliii/ala. \i. '2i, diz U. Francisco Manoel: «mlsliça, fdlia dit llracmunou.
Bolelim de Etnografia— N." 1—1920
ESTAMPA III
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Boletim de' Etnogkafia 41
Preto eneurapinliado». Ainda hoje se usa Preto como alcunha ou ape- lido: Fulano Preto, Fulana Jostí Preta. E natural <[ue a singularidade da existoncia de pessoas pretas ou mulatas o encarapinhadas entre brancas provocasse lendas como a da mencionada «ilha de Pretos», ou cantigas nn gOsto da seguinte, originaria, já se vê, de brancos:
< • Sailu, ij Sado, Meus olhos nio virão
<• Sado, Sadcte', Tanta gente jireta,
cantiga cantada num «baile». Noutro «baile» alguém cantou também:
É o pai dos Pretos De toda a Ribeira',
Sc elo é pai dos Pretos, Tafiiheiíi o é se\i.
< • Senhor dos Mártires, <'á da Carvalheira*
ao que outrem respondeu:
Lavrador João, Ilida aqni s't<Hi ou:
Pouco a i>ouci> a raça \ai-se diluindo no grosso da população
circunvizinha; nmrecia a pena estudar ])n>fiindamentc o assunto, e
para ele mais uma vez chamo a atenção ilos nossos antropólogos,
que ai encontrariam elementos para a soluçAo de vários problemas
(cruzamento», transmissão de caracteres, otc); esse estado devia es-
teuder-se a<» d;is localidades para onde os Pretos ou ^fiilatos do Sado
têm emigrado. P(uia é que nílo se descobrisse ainda algum documento
que nos esclarecesse acerca da data em que na Ribeira do Sado se
fixou a raça africana («raça negra»), cujos descendentes estilo
diauti' de nós.
.1. L. deV.
Capador
Na lig. 60 (desenho do S.*" (A. Filipe, Coimbra) vé-se um ca^ pudor que toca a «flauta de Pau». A respeito d'esta «flavlta» vid. Ilist. lio .Uiisen Kfnolof/iii), p. 244 r- nota (^e lig. 10') da p. 409).
' SitdêU, torma i-riada jiela rima, qiKs fica, ainda assim, iiniitsrfeita.
' Ermida da Carvalheira, oikIo está a imafçeiii do Seidior dos Martir<'s (concelho de Alcácer).
' Ribeira, isto é, Riheirn ilo Sado: é o imiiie que em Alcácer se dá ás terras do ícineadura da» duas margens do Sado. A Ribeira do Sado çonstitue pois uma divisiio natural, ou região secundaria, da Kstremadiira Transt.agana. Coligi a propósito muitas cantigas curiosas:
lUhtira (lo Sado \ Toda ela é minha
de tal a tal (mas da localid.ade). Não c agora ocasiSo de as [nddicar.
42
Boletim de Etnografia
O capador anuncia-se á entrada das povoaçOes rurais com a ino- tlulaçao prolongada e repetida da «flauta», propriamente chamada (jaita de capador, que ele toca levando-a da esquerda da bOca para a direita, o seguidamente da direita para a esquerda. Logo que o som se ouve, as melhores acodem pressurosas, e chamam-mi paj-a junto das porcas que devem ser capadas; ao mesmo tempo véem-se as crianças (rapaziniios e meninas) fugirem ])ara todos os lados, transidas do teri-or qu(,> o estranho lhes causa, pois a cada passo as mSes as aumaçam com o capador, como com o Papão. O operador
Piír. 60
trahaliua, isto é, capa ou castra, pondo o pé no pescoço da porca, que está deitada no chSo, com as pernas seguras por outros: (consiste a operação no arrancamento ou extracção das i-vf/aii (ovários), para a ])orca poder engordar melhor, impossibilitada, como fica, de criar.
E claro f|ue o capador, além de capar ou castrar as porcas, castra outros animais: os próprios machos d'elas quando velhos, etc. Os por- quinlios pcqueiuos sSo em geral capados (pelo menos na Beira) pelos donos, ou por curiosos, nilo se tornando pois necessária aqui a pre- sença da sinistra e imponente pessoa de que estou falando.
Um individuo da Beira Baixa inforniou-me que nessa provincia, pelos meados do sec. xi.\, os capadores eram franceses,. e que li-
Boletim de FjTNografia 43
uliam uns uma área de trabalho, por exemplo, a Beira, outros outra, por exemplo, a vizinha província do Alentejo. Um amigo meu da Beira Alta informou-mo que por ess(.^ tempo também lá havia um capador francês. A respeito das domais províncias flâo tenho presentemente informações.
Na primorosa íigura a yue (>stas linhas servem de comentário, o capador, do jaqueta, manta ao ombro, encostado a um bordSo, e grande cha))eu na cabeça, o ([ual o defende do sol nas ambulaçfíes, passa ])elos lábios com a mfto direita a «flauta», que pela sua forma tanto se aproxima da «yrinx greco-romana, e também tem lieje paralelos em vários paises. A gaita chamada na Extremadura npiid e hespanhoI/)í<o (cf. o ditado: em quanto se capa, nflo se assol)Í!i). denomina-a Blnteau no Vomhnlario '«capador», e diz: «instrumento portátil de vários canos em diminuição, que se tange correndo pela bOca, e se chama ropadnr. jiorque o costumam tanger aqueles que vem ás vilas a capar porcos». O capador, se anda muitas vezes a pé, como do desenho do S.'"' Filij)e se «leduz, e eu assim os tenho visto, auda também nfto raro a cavalo.
.1. L. DE V.
Francisco Holland
K eoniiecidaujonte Francisco Holland autor de um livro de Adayios, impresso a primeira vez em 1780: vid. Innoconcio, Dice. liihliog., s. V.; e os meus En»<iioít E/hnof/., i, 15()— 158.
Francisco Holland nasceu em Fraiu;a, em Saint-Antoine de Val- louise (Briançon), e ostabeleceu-se oui Ijisboa, como livreiro-editor, no sec. xviii. Outros livreiros franfes(>s teve Vortugal pelo mesmo tempo: Bortrand, Boi"el, .Alartin, Orcei, ainda hoje em parte repre- sentados [lor sucessores. No navio em (|ue v(mo Holland vinha para o reino uma senhora, do nns lõ anos, chamada afaria Catarina van Bockstail, 1'olaca de naçfto (talvez porém de origem holandesa), filha de um emigrado. Holland, que em idade se llie .-nantajava ajienas nnm lustro, conheceu-a, e depois casou com fia, de <|uem teve vários filhos.
llavondo-mo eu, após a iMildifaçfto dos Enuntog. relacionado em Lisboa, por interniódio (bi meu (•iiora<lo Mestre e amigo o 8.'"' Epi- phanio Dias, com umas senhoras diíscendentes de Holland, obtive d'ela8 notícia das poucas particularidades biográficas que aqui pu- blico, e autorização para reproduzir na est. iv um retrato d'este, a
44 Boletim de Etnogkafia
oloo, que as mesmas senhoras possuem (fotografia do D."'' .Toaqiiiin
Fontes) o um autografo, que igualmente Jlies pertence, i- no (|u«l
S(í fa/ roferoncui ao tomo ii do Tliesouro ãe prhijadorcK, do Uispu <lo
Mnianiião, J). Prol António de Pádua. Por descargo do consciência
(li'\o acrescentar qutí ao autografo se segue no mesmo papel outro
documento lun que o Procurador (ler.-vl da 1'rovincia da Arraluda
di/. que i-ecebeu a (juantia quf Rollaiid no docnnicnte se olirigára
a ])agar (não ^■ale a pena copiar o reciho).
J. !.. J.K V.
Os pinhões na Etnografia
rirelo (|ue é na Estremadura e ao Sul do Tejo que a /'/««,* Phica dos botânicos, ou pinlioiro manso, mais abunda. Quanto ;i denomi- nação, direi que ^m algumas localidades (Ílhavo, Avis, Ponte de Sor) se diz pwJieira: em Sesimbra esta denominação convém unicamente ao pinlieiro manso quando ainda j)equeno. Pinheira, como substan- tivo, parece ter tido outr'ora extensão maior, pois aparece na toponímia do Minho, do Algarve, da Estremadura Cistagana. Em casos porém como casdl da Pinheira, quinta da Pinheira, quo se lêem em dicio- nários geográficos, nao pôde facilmente decidir-se se Pinheira de- signou originariamente a arvore, ou nao passa de mero apelido de molher, como feminino de Pinheiro, vulgar apelido de homem '. A semente do pinheiro manso chama-se vulgarmente pinhão, (|ue pode sor durazio (de tegumento ou casca dura), e molar (de tegu- mento ou casca branda).
A colheita dos pinliões varia com as terras, e com a importância dos pinheiros, segundo lia mais ou menos. No distrito de Leiria, por exemploj os pinhões constituem apreciável fonte de receita. Vou indicar os diversos actos na sua collieita e preparo.
Quando as pinhas estão criadas ou maduras, derriba in-rnis ou derruham-nas : dei-ribar ou derrubar as pinhas é fa/.ê-las cair ])or
' Já noutro lugar me referi a este costumo ile ilar feminino a sobrenomes e apelidos, originariamente masculinos: vid. O Arch. Port., xxi, 170, uota. omle citei exemplos do sec. xvi. Nos Livros de linhagens não faltam testemunljos mais anti- gos (sec. XIV e xiii-xiv), como Brava, Coelha, Gala, Giroa. Modernamente a cada passo ouvimos: Maria Moirôa (filha de um Moirão), Mariana Pimpona (des- cendente de um Pimpão), e congéneres. O S.°' .T. J. Nunes, na sua copiosa Gramática Histórica, ao tratar do género (secção ii, cap. 9). n.~io fala d'isto. O cos- tume existe tnmbcm- em galeiío: Maria Brava, Isabel Feijoa, ete., .sec. xni, xvi e xvir, no Bolr.t. de la Academia Gnlleija, i, 7-,S (artigo di; MurgniJi).
Boletim de EtnograEa— N.» 1 — 1K0
ESTAMPA V
Frajicisco Rolland
Amostra do aiitogralb:
1.
nvt Jt- U-*uJ ■
. .yfdJLCf e^-íJ^JP )a- ^^ ^^^^ '^^'
)l iUu*tí~nj /íTt^u Zé^ií
(JynJuj (J^aZ A^ fil^f^rcMLM ctr<^.^M^ í«v6r>- w*^^^-^
A quantia a qui' aqui se faz referencia foi paga pelo signatário: vid. p. 44.
Boletim de Etnografia 45
intermédio ile uiu gancho, que se adaptou á extremidade do iiiiia vara. Quem faz a opcrai^fto (o dei-rubador das pinhas), sobe á arvore, seguraiido-se na própria vara, depois do fixa numa pernada: é de cima da arvore que as pinhas se derribam ou derrubai» . Os derrtibadores, ao mesmo tempo (|ue derrubam as pinhas, derrubam lenha (ramagem dos pinheiros) e estjidliaiu as pernadas. Para tudo isto'levam consigo uma machadinha de mão, à cinta.
Derribadas ou caidas as piulias no chJlo, transportam-nas para casa em poceiros ou cestos de vime (poveiro è o mesmo que no Norte e ua Beira chamam resto vindimo), se sao em pouca quantidade, ou em carros, se silo em quantidad»^ grande'.
Em seguida silo esifiientadas numa fogueira, ftíita no pátio ou na eira, e esbòchadas. com uma pedra ou uma marreta: esbòchar quer dizer icxtrair os pinhões». A este acto chamam desbócJia (njlo esbóchu, como seria mais natural).
Os pinhões, depois de separados das escíjmas, ticam uuui znontào, o sâo limpos das impurezas que os acompaniiam (peda^"Os de cascas, etc,), e medidos ao alqueire ou seus submuitiplos [quarta e oitava).
Nesta altura do trabalho os pinhões podem ter dois destinos: serem torrados no fi>rno, com a própria casca; ou s<íreui britados.
Quando torrados com a casca, forma-se neles uma greta, o ai si; introduz um canivete, a fim de acabar de abrir a casca,' o se extrair a amêndoa, {)ara se comer. Pelo Natal, Ano-Bom e Reis é cos- tume as tamilías tô-los em casa em pratos, para comerem, ou para oferecerem a visitas: neste último caso, v;"lo-nos descascando e co- mendo, à medida da conversa. Também ó costume os rapazes trazO- lõs nó bolso, donde (js vslo descascando e comendo pelo dia adiante. Estes costumes estão tfto generjilizados, que, por ocasião das referi- das festas, não ha ninguém que não procure arranjar pinhões. As familias pobres até permitem que os seus filhos (rapazi>s) v?io alguma» semanas antes do Natal ao rabisco, quer dos pinhões que os derruba- dores por acaso deixaram de derrubar, quer dos pinlieiros que, por terem produzido [louco, ou estarem insulados, Uc^o valeu a pena derrubar em forma.
Passemos agora á britada. Esta ou é feita por conta do dono dos piídíOes, ou, o que é mais geral, por conta do quem os compra para negócio.
• 0> i'i»rri>s podem ir aiinados ile ííií^kkV, ou Je xeAet d(! vime, ou simiile.s- nimitf r.'>ii\ fmfiieiroK (toeiíos). Neste último (-aso faze,m nma carroda At' ram<.xda (rainageni), iluixaiid" no coiitro uma eavidade, onde as yiinlias se lançam.
4G
]?()li;tia[ de Etnografia
Jiuitíim-Hu ú iioittí, em sorílo, iia eoziítlta ou na <iitiadf.fõra, várias raparigas do campo, cada uma das quais segura no regaço, com a mSío cHquerda, uma pedra arredondada e achatada, e tem na direita outra menor: na primeira pedra, disposta liorizontalmeate, apoia o^ piuhfios, imi por um, a pino, (^ com a outra, que 8er\'i'' de niurfel",.
Fl?. «1
brita-os, isto é, descasca-us. A jiedra maior eiiuma-sc fíilru. a menor chama-se britadeira. Sao objectos de caracter prtiliistoricol
Na tig. 61 representa-ííe, segundo uma lotogralia tirada pelo meu antigo aluuo universitário D."'' Manuel Heleno, uiua britada: raparfgas de cliapoliiiho sentadas, e junto d'elas dois tocadores, e três namorados. Nas ligs. (52 e G3 reprosenta-se, segundo desenhos do S." Fraftcisco "Valença, um aiko, de O'", 11 de hirgura e O^jO? de altura, e uma britadeira, de ()"',07 de largura, e 0'°,04 de altura.
Nao raro na britada se crantam cantigas, como:
be me qiicr'rf uiivir cantar, Madruf^ailas u acrues, Vai ao lugar dos Bai-ruirus' A britada dos piíiliSe?.
Acabemos, acabemos, Neiíja de morrer agora! ^'aIMos a britar, pinhões Para nos innos embora.
' Lugar da Iròguesia de Amor, perto de Leiria, couhecido ao longe pe!» grande quantidade do pinheiros que lá ha.
Boletim de Etnografia
47
De ordinário o trabalho termina por dança.
Tudo o quo afé aqui fica dito do distrito de Leiria, roloro-so a Moute-Real e basoia-se oiu inlbrmaç5es do D."'' Manoel Heleno, a qnem já acima me referi.
Noutras terras, onde os pinhões nSo tfini tanta importância co- mercial, vogam costumes mais simples. No Cadaval, por exemplo,
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os liotnens f rapazes sobem aos pinheiros, fiiifiilinhiniilo, o é com as n).^os ((uu apanliíuu as pinhas e ns deitam ao chão; sóiuonto, se as pi- nhas ostao fora do alcance da tnilo, as batem com uns paus ([iic já levam consigo para isto.
(guando está caido certo número de |)itihas no chàu, i"orma-se com elas uma roda, o deitii-se-lhes |)or cima leniia (tojo, urzes e xovna), a que se lau^a fogo. ('haina-se a isto uma asmida. O fogo uiautem-se por espaço de uma hora. Em seguida britam-so as pinhas com uma pedra ou com um martelo, e assim se extraem os pinh5e!<.
Os pinliftes, depois de Ijritados, po<lem também sor torrados, ou em monte, ou enfiados em linhas brandas | neste último caso mais levemente torrados): levam-nos ao forno em latas, ou colocam-uos no próprio lar do forno, após a cozedura da broa. Os pinhões en- fiados em linhas chaniam-se mesmo enfiadas, e veudem-se de terra em terra, pelas portas, ou em arraiais de festas. Nas festas os ra- pazes fazem momeutanoauiento com as enfiad(i.<< correntes de relógio, e as raparigas colocam-uas ao pescoço em guisa de cordões ou co- lares : depois uns e outros levam estes objectos para <;asa, e comem- noB, ou olerecem-nos a pessoas amigas. — Uma das festas em que
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Boletim de Etnografia
mais pinliOes se vendem é a de S. Amaro, na freguesia do Soito (la Parvalliosa: o Santo venera-se em uma capela.
A voada das ciiHadas ostá a cargo do juolliorcs, (|U(^ se denominam pinhoeiras (liciria). Na fig. 64 roprodiiz-se uma litografia, n." 39 da colecçilo do Palharos (cf. supra, p. 23), e aa fig. K) a ostaníi)a 17." do lasciculu 3." da colecção intitulado Buas de Lisboa^, em ambas aS quais se vGem molhoi'es que vendera pinhOes, uma até especificada
KiS. fil
Fig. cr,,
como de «Leiria». As estampas datam dos mekdos do sec. xix, i- sào coloridas, mas, paru maior facilidade da reprodução, faz-se aqui esta sem as cores originais. Em Monte Real são ás vozes as próprias pinhoeirtut quom dc.shorlia em casa do dono. (guando compram os pi- nhões, é já com esta condição. O don<) aproveita assim os resíduos (cascox ou pinhas) para quwmar.
' Este lasciculu, bom como alguns outros exemplares de e!>tamj)4S etnográ- ficas que possuo do mesmo gcncro, dovo-os ao obsequio do meu umigo o S.*"^ An- tónio Victorino Ribeiro, a <iiiem por serviços anal'igos já me reteri noutros trabaliios: De CaiiqtoUde a Melro»e, pp. 121(-122), nota I; Dii Xiiiiihmutira fm 'Portttyal, p. 104, nota 1, e p. lõO, nota t.
Boletim de Etnografia
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Os pinhões torrados sem casca ou sem serem enfiados costumam vender-se já simples, já de mistura com passas de uvas, num caso ou noutro em cabazinhos, que se denominam medidas (medida de pataco, de meio-tostao, etc. : outr'ora!).
Independentemente de servirem para se comerem, os pinhões servem também para jogo de rapazes. Ha várias espécies de jogos: ao par tt niinea (nones) ou par tfr per não, ao rapa, ao palmo, á bar- roca, á parede. Na fig. 66 reproduz-se, também segundo um d(^senho do S." Francisco Valença, um í-ajsa de pau de Museu Etnológico: espécie de piaozinho, de secção quadrada, o qual tem em cada face uma letra que significa respectivamente K(apa), d'onde o nome do objecto, T(ira), D(eixa), P(Oe); joga-se, torcendo entro o dedo pollex e o índex ou o maximus o eixo su- perior do rapa*.
Brinquedos d'estes se encontram noutros paises. Em França, por exemplo, uma das espécies do toton tem em cada uma das quatro faces respectivamente A{ccipe), D(a), K(íert), T(oíiím), e o nome toton veio-lhe de T(o<«m), como ao nosso jogo veio de ^.(apa). Em Itália corresponde-lhe o girlo «sorte di dado segnato con lottere su i quat- tro lati, con una punta o porniuzzo in mezzo per farlo girare» : a pa- lavra nfto se encontra no Dicionário da Crusca, mas trá-la o italiano- francêí de Barberi, Paris 1884. O rapa. cliama-so em hespanholpert- nola: «el cuerpa de esto jugueto es á veces un prisma de cuatro caras marcadas con letras, y sirvo entonces para jugar á interés», diz o Dicionário de la leng. caatelL, publicado pela Academia. Quanto á Alemanha devo ao S." D."' Johannes Bolto o conhecimento de um livro de F, M. Bõhme, Leipzig 1897, intitulado Deiitsches Kinderlied und Kindersjnel, onde a p. 643, § 554, se desenha um brinquedo (Kreisel) análogo ao nosso rapa; tem quatro faces, em
Fig. 66
' Os verbos tirar e pôr, que aqui aparecem, usam-se juntos, era várias frases, por causa do sentido antitútico que têm : donde tirão e não põem, cedo chegão ao fundo (cm Bluteau, Vocab., viii, 176), ou, com íórma moderna, d'onde K tira e não te põe, falta faz (Algarve); tem tirar nem pôr, por «exactamente») o que no citado Bluteau se diz eu não tiro nem ponho («he modo de falar pro- verbialn, acrescenta ele).
50
Boletim de Etnografia
cada uma das quais se figura respectivamente uma das seguintes letras : A=gewinnt Alies (ganha tudo), H=Halb gewonncn (ganhada só metade), 0 = NicJitii (nada, ou zero), S=Setzen (isto é, o que joga tem de acrescentar alguma cousa, ou2>ôr), — -e joga-so pelo Natal a nozes, ou, na sua falta, a feijões. Vid. um desenho na fig. 67. O próprio S." Prof. Bolte reproduz na Zs. der V.f. Volkskunde, xix, 403, n." 30, uma notícia d'este jogo no sec. xvii {Spielholtzlein, com as palavras latinas Omnia, Nihíl, Pone, Trahe), ajunta em nota valiosas indicações bibliográficas. Também na Boémia,
segundo informação do S." Prof. Ziibati, da
Fig. G7
Fig. 68
K y~ ~\ Universidade txeque (ou cheque) de Praga, se — usava ainda nos fins do sec. xix e começos
do XX (hoje parece que já nSo) um brinquedo constante de uma espécie de piilo do seis faces, denominado òamhurina, fig. 68, o qual se jogava a dinheiro nas festas religiosas: cada face tinha um número representado por pontos, e os jogadores eram seis: cada um apostava que, deitando o pião com os dedos, ficaria ao de cima certo número: se ficava, recebia quintuplicado o preço da aposta (isto ó, recebia os cinco valores postos pelos restantes): por exem- plo, so cada um dos jogadores havia posto uma coroa, o que ganhava recebia cinco. — Já os Etruscos e os iRomanos tinham dados ou tes- seras, de jogar, com números e letras, os quais podiam ao mesmo tempo servir para adivinhações e sortilégios: vid. Diet. des antiq. gr. et rom., s. vv. atessera» e «turben» («turboi).
J. L. DE V.
Çerços infantis
Usam-se entre nós muitas espécies de berços, geralmente de pan, mas ás vezes de cortiça; tambóm pôde servir de berço uma ca- nastra: vid. alguns desenhos na Rev. Lusit., x, 14-16: sâo berços, pelo menos três, de gente pobre, e por isso modestos; só um é mais apurado, ila porém berços muito ricos. Uma cantiga do Natal diz:
Filhos d'homem rico Em berço doirado:
Só vós, meu Menino*, Em palhas deitado ^
1 O Menino Jesus.
' Revista de Elhnologia, de Adolpho Coelho, p. 33.
Boletim de Etnografia -N - 1—1920
ESTAMPA VI
Um berço infantil
Boletim de Etnografia
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De facto está, por exemplo, um berço com doirados, no Palácio Nacional de. QuMuz, berço em que dormiram alguns príncipes portugueses: vid. fig. G9 (desenho de Francisco Valença). No Nordiska Museet de Estocolmo, ou «Museu do Norte», admi- ram-sG também os de Carlos XII, rei da Suécia, que nasceu em 1682, e de Gustavo Adolfo IV, que nasceu em 1778: berços doi- rados e artísticos. Do outro berço principesco com doirados, onde
dormiram todos os filhos da Bainha Vitoria de Inglaterra, berço feito em 1840 para a que depois foi Imperatriz Frederico, da Alemanha, se fala na revista intitulada Zur guten Stunde, xiv (1894), p. 28-B, num artigo que se denomina «Eino fiirstlicho Wiege». Nio de berço doirado, mas de um rico berço do pau preto, de estilo do sec. xviii, pertencente á familia dos Sepulvcdas, do Bragança, da-se uma re- produção na est. v, segundo uma fotografia.
J. L. DE V.
52 Boletim de Etnografia
OBSERVAÇÃO FINAL-
A figura emblemática cjae oxoma o frontispício d'é8te Boletim- reproduz um famoso q^uadro de um dos consagrados mestres da pin- tura portuguesa o S."' José Malhoa; o cabeçalho da «Advertência preliminar» (composto á vista de coisas tipicas da nossa Etnografia) e a letra capitular (tipo de lenço provinciano) devem-se à inteli- gência do S.'"' Francisco Valença, Desenhador do Museu Etno- lógico, que para a soa execução se inspirou em objectos existentes- n.a mesmo lilusou (1920)..
J,. L. DE V.
índice
Advertência preliminar /)
Aprestos de costura <>
Leiteiro c carapuças da Madeira : 13
Louça do Algarve *. 14
Adelino das Neves 15
Estrelas de figos , 22
Capote & lenço . . < 23
Relógios de Sol 24
Carrancas fontanárias 2.")
Aldravas de ferro 26
Vasilhas de barro 27 .
Habitação 27
Barcos de Aveiro 29
Bolo antropomórfico 31
uBonecas» de chaminés do Sul 31
«Cegonha» de Grândola 32
Esfolhador 33
Espécimes de arte popular alentejana 34,
Santo António numa mercearia 36
Polvorinho artístico . 36
Chaminés da Estremadura e Algarve 39
Costumes e panorama do Alentejo 39
Espécime português de raça negra 40
Capador 41
Francisco Rolland 43
Os pinhões na Etnografia . ^ 44
Berços infantis 50
Observação final 52
Além do emblema do frontispício, do ornato do cabeçalho, e da letra floreada que inicia o texto, ha neste 1." numero do Bolelim 69 figuras, e vi estampas.
i
BOLETIM
ETNOGRAFIA
POBLICAÇÃO DO MOSEO ETNOLÓGICO PORTOGOÊS
niRIGIDA POB
J. LEITE DE VASCONCELLOS
LISBOA IMPRENSA NACIONAL M CM XXIII
ÇObETI/W
DE
ETNOGRAFIA
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
PDBLICAÇÃO DO MUSED ETNOLÓGICO PORTOGDÉS
DIUIGIIIA POH
J. LEITE DE VASCONCELLOS
1>T.° S
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
M cm XXIII
Os cinco sentidos
O Aíiiseu do Miicliado d(> Castro, om Coimbra, f^iiarda-so um prato //rande, do faiança, que vai adianto gravado, segundo um dosoulio do S."'' Álvaro do Lo mos, Pro- fessor da Kscola Normal Primaria (Faíiuela cidado, o meu antigo e distinto aluno iio Curso do Pibliot('cario-Ar([uivista.
O prato tom na orla do anverso uma cercadura provida de ele- mentos vegetais, o no campo, ao meio, dentro do uma espécie do «silva» ou coroa, umas palavras f[uo dizem: o qfuin/to apalpar; por baixo das ])alavras está um desenho, a modo de ramo linear, e fora da silva uma data: 1707 (ou 1708).
Em meu entender, este prato, como a primcíira vez que o vi, em 1910, ou disso a alguém que me acompanhava, faz parte de uma serio reproseutativa dos cinco sentidos: o dcíscnho que se vô sob as palavras, e qucí descrevi como parecido com um ramo, será um azorrague ou discij)linas, emblema a([ui do sentido do tacto. Outros pratos deveriam ter respectivamente: um ôUio, um ouvido, um nariz, o acaso uma lingua, ou emblemas semelhantes.
A sorio cerâmica do quo estou falando é paralela a uma serio do painéis, do caracter popular, como o jirato, os quais uma vez vi na Beira-Alta: a eles me referi n-0 Arch. Port., xxii, 1.34-1,35, onde citei, como comparação, cantigas populares, e versos de Al- meida Garrett,^ e para lá remeto o leitor.
Boletim de Etnografia
No prato de Coimbra as cores empregadas na pintura, em campo ou fundo brando, sSo azul e castanho.
O Director do Museu, Ex.™ S."'' A. A. Gonçalves, tao compe- tente em cousas d'arte, como amável para com os visitantes, — e á sua
amabilidade devo a per- missão de publicar o prato — , não deixou de concordar com a minha explicação, quando em conversa lh'a expus.
Para ilustração do assunto, juntarei aqui mais umas notas.
Na exposição de Arte Ornamental que se realizou em Lisboa em 1880 figurou «uma col- cha do linho bordada a retrós de cores, com figuras emblemati-
Fig. 1 j
cas dos cinco sen- tidos, designadas com palavras portuguesas», o que mostra que fora fabricada cá. Obra do soe. xviu, pertencente em 1880 a uma casa do Viseu ^
Vê-se que o tema dos cinco sentidos era bastante geral na arte, pois nos aparece em pintura, em cerâmica, e em bordados.
Pelo que toca á poesia popular, já no Arch. Fort., xxi, 172, publiquei esta cantiga de Estremoz, dirigida á figura do Gadanha, que encima o tanque do líossio de S. Brás, naquela A-ila:
Quando a Estremoz cheguei, Ao laffo me fui lavar:
Cinco sentidos que tinha Ao Gadanha os fui entregar,
a qual cantiga com outras que juntamente eu ali- publicara, e com parte do meu artigo, foi reproduzida no Eco de Estremoz, de 3 de Junho do 1923, sem indicação da origem.
A cantiga do Gadanha é imitação da primeira de uma serie de outras que, como disse n-0 Arclteologo, se cantam, com o titulo
• Vid. Filippe Simões, A exposição retrospectiva de arte ornamental, Lisboa 1882, p. 19.
Boletim de Etnografia
de «Os cinco seatidos», em varias partes de Portugal, e de que dou aqui um espécime, segundo uma versUo do Loulé (^cantigas de amor):
Passei pela oliveira, Cinco folhas lh'acúlhi: Ciaco sentidos que ou tinba Todos em ti erapregui*.
O primeiro é vêr,
Esse ú o meu desejo :
Olho p'ra ura lado e pra outro,
Eu por mim nunca te vejo!
O segundo é ouvir,
Eu por mim não oiço nada :
Oiço suspiros e ais.
Que se me parte esta alma!
O terceiro é cheirar Num raminho de alecrim: Todas as paixões se acabam, Só a minha não tem fim!
O quarto é gostar, Que gosto poderei ter. Vivendo de ti ausente? Mais me valia morrer!
O quinto é apalpar.
Só a ti apalparei,
Só p'ra dar-te gosto a ti,
O minha alma, ó meu bem !
Vale a pena observar que análogas cantigas populares se can- tam na Galiza:
N'an jardín do teu pais Cinco rosiuas coUín : Eran 03 cinco seatidos Que eu tiíla postos era ti.
O primeiro, é ver a prenda Qae no rauado mais cu quero : Durmindo estou, c souando, Soílando estou que te vejo.
O tegundo, é oir sempre Vozes do teu corazón : Eu non sei de que maneira Lhe coUín tanta afizón.
O terceiro, é ogustar: 4E que gusto poido eu ter Estando ausente de ti E non poderte ir a ver?
O cuarto sentido é ubir Entre rosas de um jardín: Solo lhe pido, rapaza. Que non te olvides de min.
O quinto, é solo tocar: Eu nunca nada toquei; O que te pido, rapaza, É que me gardes a lei'.
As tradições galegas andam tao unidas com as portuguesas, por causa da comunidade das origens e da vizinhança geográfica, que esta analogia nas cantigas nada tom que nos surpreenda. Surpresa nenhuma ha também em vermos que, sondo por intermédio dos sen- tidos que nos pomos em relação com o mundo, a namorada seja para o namorado tudo quanto nesse mundo existe, tudo quanto possa ser
objecto de sensibilidade.
.T. L. deV.
1 = empreguei. Linguagem local.
* Vid. Bolctin de la R. Aca<l. Gallega, n.» 64 (1912), p. 110.
Boletim de Etnografia
Coleira de cão
Foi sempre costumo vulgar, desde a antiguidade até hoje, dar nomos aos animais domésticos, para os chamar, e para eles se afa- zerem a lidar com o homem, e a obedecor-lhe, como escravos ao seu senhor. A nomes d'ostos mo referi no meu hvro De Campolide a Melrose, Lisboa 1915, pp. 48(-4:9), nota 1. Nomes gregos é latinos de cães lôem-se muitos no Dict. des antiq., de Daremberg & Saglio,
s. V. canis (artigo de E, Congny), p. 889, col. 2, e em Die antike Tiericelt, do q. Keller, i (1909), pp. 134-135. Ás vezes, modernamente, os no- mes gravam-se nas coleiras com que se prendem os cJles: vid. um exemplo na figura junta, copiada de uma das estampas que acompanham a Oati^ canea, poema heroi-comico de JoSo Jorge do Carvalho, edição de 1816 (Lisboa). A coleira tem escrito ma- luco, nome do cSo. Na estampa reprbsonta-se um gato a morder a perna traseira direita do cao, e outro a morder a perna dianteira esquerda; mas suprimiu-se isso, e desenhou-se por inteiro o cfto'. Debaixo da estampa lê-se a seguinte sextilha:
Por forte e vencedor, a clara Fama Me cinge de carrasco a invicta frente, E em ruidoza vôz meu nome acclama Por ver que fiz á força d'unlia, e dente A sisco reduzir, em brava guerra. Quantos gatos miavão sobe a terra.
Efectivamente adeja no ar a figura da Fama, qoe coloca sobre a cabeça do cflo uma coroa de carrasco (carvalho), e toca uma trom- beta, segura pela mào esquerda.
Coleiras antigas de cSes com os nomes d'eles nSo conheço ne- nhuma; todavia Otto Keller, oh. cit., i, 129-130, fala de uma que tinha junto uma chapa com uma inscrição respectiva ao dono do animal, e a quem achasse este, se se perdesse.
J. L. DE V.
' Dosenlio de Francisco Valença, Desenhador do Museu Etnológico.
Boletim de Etnografia
Apontamentos para a etnografia madeirense ' Habitação troglodítica
Percorrendo quási toda a ilha da Madeira, em sucessivas ex- cursões, observámos que o Madeirense ainda hoje tom, por vezes, habitação troglodítica.
Não nos devemos espantar cóm esta verdade, porque ela não revela uma característica de selvagem, como é opinião de alguns autores. Nem sempre o trogloditismo é cunho de povos no limiar
Habita^io troglodítica; oonstmçSo de 1922 — Sitio da Ponte Vermelha Concelho da Ribeira Brava — Madeira
da civilização: é muitas vezes o resultado das condiçOos do ambiente fisico que obriga o homem a construir na rocha a sua habitação. N.lo ó o desconhecimento do progresso, mas sim a falta do espaço o do segurança que leva, algumas vozes, o Madeirense a viver om meio duma encosta numa furna, vendo cair por dianto as que- bradas que vêm do cima sem danificarem a sua liabitaç^o. E ^ ulgar saber-se que uma destas derrocadas soterrou uma casa e matou tantas pessoas, principalmente no tempo do inverno; é precisamente por isso que o iiabitante da Madeira, lutando com falta do espaço o segurança, resolve fazer a sua Iialiitação cavada na rocha, ora basalto do cõr escura, qu(í alterna variadamente com diferentes conglomerados, ora tufo, ora conglomerados unicamente.
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Boletim de Etnografia
E tudo isto porque a ilha da Madeira é extremamente aciden- tada, de montanhas o picos emmaranhados, donde a multiplicidade e diversidade do vertentes, apresentando nos seus 828 quilómetros quadrados de superfície vinte e três picos cuja altitude máxima varia entre 975 a 1:950 metros; no sentido do seu comprimento estende-se uma elevação geral donde partem serranias irregulares e sinuosas, cortadas por sulcos profundos, que vêm mergulhar-se abruptamente no mar ou que ficam suspensas à beira do Oceano, em posição majestosa, dando-nos abismos que como o «Redondo
Habitação meio trogloditica
dos Ingleses», ou «Eira do Facho», se olha a 589 metros de alti- tude. Diremos de passagem que, em virtude destes factos, a Madeira nao tem praias extensas.
E pelos sulcos das montanhas, pelos vales profundos, que correm os ribeiros e as ribeiras, aumentando as suas águas, em correria doida, e arrastando tudo no percurso; põem assim essas correntes de águas caudalosas em perigo a habitaçflo edificada em sitio des- cuidado. Mas a acidentaçao do terreno oferece-nos aspectos que nao podem ser excedidos, de lindos e majestosos que sJo.
A habitação trogloditica é, ora permanente, ora temporária, e estão neste último caso as fumas onde dormem os lavradores na época da colheita dos cereais e alguns pastores.
Boletim de Etnografia
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A furna ó uma cavidade feita na rocha com auxílio de picareta e por vezes do brocas, ou explosões de pólvora ou dinamite, com umas aberturas regulares, alargando interiormente e tendo geome- tricamente forma rectangular. Sao bastante regulares, por conse- quência, as suas paredes. Umas vezes tom uma ou duas aberturas, às quais se aplicam portas vulgares, quási sempre de madeira de castanheiro, que giram sobre si mesmas, e que têm superiormente duas aberturas circulares ou quadradas, vedadas por uma rede metá- lica, para ventilação; ora dá-nos a improssiío duma casa térrea vul-
Rainas dama oaaa de habitação de colmo, meio metida na rocha. Sitio do Lugar — Vila da Ribeira Brava — Madeira
gar, que fosso encaixada na rocha, porque apresenta a fachada toda caiada de branco, onde so vêem as portas e janelas com persianas, com o beiral de tellia de Marselha, tendo os compartimentos estu- cados e assoalhados. Sao habitações de um só pavimento e que cons- tam geralmente do três compartimentos, dois cora portas exteriores o um com janela, o que comunicam interiormente por duas portas onde se empregam as ferragens das modernas construções. Estas últimas características pertencem às furnas do segundo tipo, porque as do primeiro quási nunca têm divisões, e quando as têm sào esteiras de cana de roca pregadas ao alto em paus que se encaixam nas pa- redes.
12 Boletim de Etnoghafia
O conforto destas habitações (2 tipos) é muito pouco, porém oferecem por vezes um bem-estar que as habitações, mais vulgares ali, feitas de pedra solta, cobertas de colmo, e quási sempre calçadas ou de terra batida, nos podem dar ; contudo as fumas sã,© anti-hi- giénicas o desconfortáveis, comparadas com as casas dos remediados das vilas e dos próprios campos.
Nas vivendas do primeiro tipo a mobília compõe-se, geralmente, dum catre e duma caixa ou arca de qualquer madeira indígena, um alguidar de barro vidrado, uma gamela de til, um banco ou cadeiras toscas, por vezes também uma mesa tosca, e pouco mais; a caixa ou arca quási sempre serve de mesa.
Nas do segundo tipo encontramos o mobiliário mais apurado, se bem que nEo vai muito além do já exposto. Estas têm, geralmente, como disse, três compartimentos: um é destinado ao casal, outro aos filhos, e o terceiro é sala de visitas e de jantar e onde as mu- lheres se entregam ao bordado durante a estação do inverno, porque quando o tempo é bom, tomam as refeições e bordam ao ar livre, cantando desde o pôr do sol até á noite como os bandos do passa- rinhos que perto as desafiam. A cozinha fica quási sempre ao lado numa gruta ou abrigo, ou, quando ó possível, num telheiro duma só água, ou palheiro; por vezes é na cozinha que se come.
As fumas s^o habitadas por alguns lavradores e pescadores; encontram-se estas vivendas em toda a ilha, quer no litoral quer no interior. Citaremos, ao acaso, duas habitações do segundo tipo no sítio da Ponte Vermelha, ao lado direito de quem segue da Ri- beira Brava para a Serra de Agua: estas construções são relativa- mente modernas, pois foram edificadas há uns oito anos.
O número de liabitações deste tipo é menor do que o do primeiro. Deste encontraremos, por exemplo, as furnas do sítio do Ilhéu, no concelho de Câmara do Lobos, e muitas moradas nos concelhos da Ribeira Brava e do S. Vicente, etc.
Há também habitações meio encaixadas na rocha: delas temos um exemplo frisante no sitio da Tintagaia, no concelho da Ribeira Brava. Sa,o om muito menor número que as descritas anteriormente ; apresentam a mesma divisJlo interna e têm, por vezes, lojas e primeiro andar. A parte que sobressai é coberta com telha, zinco ou colmo, havendo para isso um travejamento parcial de madeira de castanho.
Muitas vezes a furna deixa de ser habitação, e passa a ter outras aplicações. Em alguns sítios dJlo-lho a designação de Japas.
Como habitação temporária devemos mencionar as muitas furnas, hoje desprezadas, que os trabalhadores fizeram quando construíam
Boletim de Etnografia 13
as levadas da Eiboira do Inferno, do ]\Ionto Medonho o do Eabaçal; aí guardavam os explosivos o as ferramentas do sou ofício, o ai dormiam muitas vezes, pela grande distância a que estavam dos casais mais próximos da Serra.
Ao lado destas /itni«jí-habitações há também aquelas onde criam gados e arrecadam os produtos das fazendas e aparelhos do pesca, havendo algumas k beira das estradas transformadas em pequenas mercearias, tabernas, armazéns, etc.
Ainda modernamente se fazem estas construções com todos os intuitos indicados, apesar de, com o ouro que a colónia madeirense traz do Brasil o América do Norto, se terem edificado dispendiosas vivendas onde existo mais elegância, iiigieno o conforto, mas indubi- tavelmente mais perigo.
Quantas e quantas vezos, ao passarmos por certas casas à beira de abismos ou com verdadeiras muralhas a suster alguma derrocada, nos tememos de ali vi\er!
João Estêvão Pinto
(Aluno díi Faculdade do Letras do Lisboa)
Vida portuguesa antiga segundo documentos iconográficos
«Vultiiiiiu.s Uh ollios [i;ii';i os monumentos ir;iqm:llas i^ras antigas em que ellas fiidinente se reíleclem».
IIeuculano, OpvaculoUjW (3.° ed.j, 101.
As artes [ilasticas, se podem constituir por si mesmas elementos de Etnografia, tornam-so também para o etnografo muitas vezes fontes de informação, pon[U(' o artista possiie o dom de reproduzir na pintura, na gravura, na escultura, e na ar([uitectura, isto é, no desenho, as impressfie» que recebe na contemplação do que o rodeia. Tais fontes sao sobretudo preciosas para o indagador das cousas do passado, na impossibilidade em ([ue elo se encontra de as examinar directamente.
Ora certos livros antigos contêm vinhetas, tarjas, letras capitu- lares, o outras gravuras, que representam scenas venatorias, [)iscato- rias, campestres, domésticas, e bem assim industrias, edificios, trajos, veículos, armas, instrumentos nmsicos, concepções míticas e reli- giosas, aspectos de batalhas, tipos sociais, numa palavra, tudo quanto forma assunto etnográfico. Em caso análogo estão alguns manus-
14
Boletim de Etnogeafia
critos, no que toca a ornatos que os embelezam. Por outro lado ha esculturas, do pedra, do madeira, de barro, que representam pessoas, lendas, quadros do género; ha azulejos, loiças, vidros, telas, retá- bulos com pinturas de variados actos da vida humana. Percorrendo as demais artes, a da medalha, a toreutica, a tapeçaria, etc, nâo escassearão materiais etnográficos da mesma natureza.
Creio que com arquivar reproduções de desenhos como os que ficam mencionados se prestará serviço á sciencia. A isso se destina pois a secção que ora se inaugura no Boletim. A ten- tativa oferece po- rém ás vezes difi- culdades, nao só °^^ quanto á denomi- nação exacta de objectos que dife- 'O ^x> I \[p pgjjj (jog actuais,
^'s-^ para a qual nos ^'«"^
faltam seguros pontos de apoio, mas quanto ao julgamento do ca- racter nacional de alguns desenhos, por exemplo, dos de livros impressos por indivíduos de nacionalidade não portuguesa. As gra- vuras que exornam esses livros sao originais, ou vieram de fora? Nem sempre se saberá responder. Vid. o que a este respeito dis- seram: Ribeiro dos Santos, «Origem da Tipografia em Portugal»
in Memor. de Lit. da Acad. das 8c., t. VIII, 2." ed., pp. 72 o 136; Sousa Viterbo, A gravura em Portugal, p, 4; e D. Carolina Michaêlis, Autos portug. de OU Vicente, Madrid 1922, pp. 60-69. Em todo o caso^ quando as gravuras, ainda as que porventura não tenham origem nacional, concordarem com cos- tumes e ideias nacionais, não hesitarei em as reproduzir. Por causa das duas dificuldades que apontei, sobretudo da primeira, não se admirem os leitores se no que vão ler se lhes depararem por vezes erros, omissões, e dúvidas.
Embora o Boletim se destine primeiramente á Etnografia mo- derna, as cousas que o constituem estão ás vezes tâo. unidas ás que constituem a Etnografia antiga, que mais vale estudar tudo junto,
Kg. 3
Boletim dje Etnogeafia
15
do que em separado. Não seguirei nenhuma ordem cronológica ou especifica. O meu estudo uSo passa de mera colecção de achegas avulsas, destinadas a obra maior.
1. Scena de caça, do sec. xvi. Gravura tirada do frontispício do t. II das Ordenações manuelinas, do 1514 (exemplar da Biblio- teca Nacional)*. — Um individuo com um pau na mão esquerda cami- nha em terreno hervoso e pedregoso, e açula com a direita dois cães
contra duas lebres e um
coelho, que fogem a
bom fugir adiante d'ele,
por um bosque. O ca- çador tem na cabeça
chapéu de grande /raZ-
f/a*, veste pelote^, e
calça çapatos. — Vemos
aqui um exemplo de i"ig. 5 caça primitiva, em que
o caçador leva por única arma um pau, sistema ainda hoje, em certos casos; corrente entre nós.
2. Scena de pesca, do sec. xvi. Gravura que tem a mesma procedência que a anterior. Um individuo, sentado numa escarpa á beira-mar, pesca á linha, descansadamente: tem como o caçador, chapéu e pelote.
3. Scena agraria, do sec. xvi: gravura que tem a mesma procedência das anteriores. Um individuo, de pelote e gorra, com uma enxada nas mios, está cavando a terra com grande atenção.
Fig.6
' As Ordenações, por causa das estampas que as adornam, são bastante curiosas, quanto ao assunto de que me estou ocupando. Vid. uma descrição d'elas no t. XVII do Dice. Bibliográfico de Innocencio & Aranha, p. 121 sgs., onde se reproduzem as estampas. Estas correspondem aos assuntos tratados nos diferen- te» livros das Ordenações.
' Para sabornioi os nomes de alguns trajos antigos, podemos ás vezes recorrer aos dicionários latino-portugueses, quando esses trajos se pareçam com os roma- nos. Jerónimo Cardoso (sec. xvi) no seu iJiclionarium traduz o latino galerus por «chapéu de pouca fralda^', isto é, de «pouca aba». Por isso empreguei no texto fralda. — Por «chapéu», também outr'ora se dizia sombreiro, por exemplo, G. F. Trancoso, do mesmo século, Contos, ed. de 1G24, fl. 76; mas esta palavra tinha a par a significação de «guarda-sol», pois Cardoso traduz com ela o latim um- bella. Hoje sombreiro conserva ainda as duas significações, conforme as terrai.
* J. Cardoso traduz o latim túnica por «pelote», e túnica manicata por «pe- lote com mangas». Também Trancoso fala de pelote de mangas e fralda: Contos, fl. 12. — O trajo que usa o nosso caçador parece-se com a túnica manicata.
16
Boletim de Etnografia
Fig. 7
Kig. 8
Porto d'clo jaz um cestinho arredondado, do duas asas, com a merenda.
4. Scena agraria do sec. xvi: gravura procedente das Orde- nações, como as três anteriores. Um individuo lavra pacificamente
a terra: com a mão esquerda pega na rabiça de um arado, que levam dois bois, de cujos corpos só porém se vêem os quartos trazeiros; com a direita segura uma aguilbada, provida de pàzinha ou arrelhada, na extremidade inferior*. O la- vrador, de pelote, tem na cabeça um chapelinho do pouca aba, mas alta, como os das Varinas, á maneira de barrete do- brado para cima; nos pés calça çapatos iguais aos do caçador e cavador, de que já falei; nas pernas veste meias- calças ou polainas^. — ^ Acerca das formas do arado português e nomenclatura das suas peças, vid. Adolfo Coelho in Portugália, I, 407 sgs.
5. Três prisioneiros descobertos e carregados de ferros, e de mãos postas pedem misericórdia (ao rei): gravura extraída
das Ordenações de 1514 (ultimo tomo). Os prisio- neiros estão de joelhos so- bre um estrado. A figura da esquerda representa um homem, de barbas flutuan- tes; a do meio representa ç^ provavelmente uma mu- lher, como se vê do cabelo ; a da direita, que tem des- coberta uma perna, repre-
Fig. 4
sentará tambom um homem. O vestuário da figura do meio tem mangas, de larga abertura dianteira. Os ferros ou»cadeias prendem
1 O termo arrelhada vem em Bento Pereira, Thesouro, que o define : «instru- mento (lo alimpar o arado», e liie dá ruUa como equivalente latino. A í-ulla, ou rallum, ora de facto uma espécie de pá que se adaptava ao topo inferior da agui- Ihada.
2 Cardoso, num raro livrinho que possuo, intitulado Diclionarium, e que deve sor o frugiferum (no meu exemplar falta o rosto), põe a p. 28, entre o vestuário das pernas, as meas-calças, ao lado das ciroulas, calções, piugas, borzeguim, ete.; e traduz essa expressão por tibialia.
Boletim de Etnografia
os pescoços de todos os três prisioneiros, c alem d'isso os dois punhos do primeiro, e uma perníi do cada um, ligando-se por íim entre si num dos ângulos do estrado, onde os segura uma íeciíadura quadrada.
6. Pessoa algemada e levada de rastos por um cavalo, que vai montado por um cavaleii'0 que empunha na dextra um chi- cote. Gravura extraída do Fios Sanc- torum, ed. de ir)l,3, fl. 122 v (exemplar da Biblioteca Nacional) '. O castigo ou suplicio de atar á cauda de um cavalo uma pessoa condenada á morte, já aplicada na antiguidade^, ainda se aplicou em Lisboa em 1728'''. Numa
U*i Wjâ^^^^ttJI sentença impressa, que possuo, <ie __^^it^s^^^S-r^^ 183<J, manda-se igualmente que certos *'*■" reiís, condenados á morte, sejam «ar
rastados desde a cadôa até o lugar do postibulo» : devo entender-se arrastados por cavalos. Também igual pena figura no romanceiro popular: quando o marido de D. Ana ou D. Infanta vem de longe, nílo conhecido por ela, o lho pede o corpo, a esposa responde-lhe ofendida:
iig. U
Cavaleiro que tal diz Devia ãer amarrado
A volta do iiiou jardim. Ao rabo do meu cavalo *.
Os romances populares conservam notícia do muitos costumes do passado.
7. Gaiteiro, vestido analogamente ao lavrador do § 4: gravura extraída da Rvla- (jam dos arredoreu de Lixhoa, 1625 (^exemplar da Biblioteca Nacio-
Fig. 10
nal,
vermelho'
Bocçào de reservados). No meu livro l)c Campolide
1 O Fios Sanctorum não ó original portiiguíis. Ele iiroprin si; dá ivinio ti'adu- yão (la Y'stoiea Lombarda, isto i', da llinloria Lombardica, ou LeijCndii aarca, de Jaeobo de Voragine (»ec. xm). Algumas das f,'iavuras do tios Saiiclonim aparo- cein noutras oliras, por exemplo, na Co[iila(;aiii da reijra. . do Padre. . Sam Fran- cisco, Lisboa 1530 («per Hermã tJalliarti!»!, qu(; vem descrita no tíatalogo 10.° da Livraria de .losé dos Santos, Lislioa l'Jll, p. 49 sgs.
* Vid, Du Hoys, Hist. da droit criminei des peiípUs anciens, Paris 1815, p. 432.
' Pinho Leal, Portug. aiit. e mod., iv, 3H1.
♦ Vid. o men lioinanceiro PorUujaez, Lisboa 18W, p. 41.
18
Boletim dí: EtsíujiiauA
a Melrose, Lisboa 1915, pp. 83 (-85), nota, juntei algumas notí- cias acOrca da liistoria da gaita do Iblo. Esto instrumento musico foi muito querido outr'ora entre nós, e ainda o é em algumas rc- giftos: a arte o a poesia apodoraram-se d'ele, o iiflo faltam nem obras que se lhe refiram, nem gravuras ou esculturas que o exaltem. — Ha uma figura igual numa obra hcspanhola, impressa em Lisboa
ácm 1589, em casa de B. Rodrigucz, com o titulo dtí El i^astor de P/l ilida (exemplar da Biblioteca Nacional, soc(;iio de reservados, porém a primeira fi-
Hg. 15
ijura, o não esta, ape- sar de mais antiga, porque a vara da gaita está aqui iig- 12 incompleta. Uma mesma gravura serviu para as duas
obras, como não raro acontece.
8. Pregador que prega num púlpito modesto, séculos xv-xvi. Do Fios Sanctoruvi (já citado), fl. 199.
9. Ex-votos do sec. xv-xvi, levados a S. Antão. Do Fios Sanctorum (já citado), fl. 2G. Os ox-votos, pendurados de uma vara horizontal, consistem em duas pernas, uma mão e dois corações. Já
me referi a esta gravura na Ifist. do Museu Etnológico, pp. 28-29. Acerca do ex-votos antigos (sec. xiv), vid. O Arc/t. Port., xxii, 142.
10. Temos aqui a figura de um berço com uma criança (sec. xv-xvi): a um lado um bispo, sentado numa cadeira, de mitra e báculo, abençoa a criança; do outro a mãe, de lenço na cabeça e mãos postas, reza com ^'k-'* devoção; na parede abre-sc um postigo de
rotula (postigo de arco de volta redonda, com uma divisão horizon- tal ao meio). Poderá entender- se quo a criança está doente; a cabeça envolta num lenço, sobrcssao d'entre a roupa do berço, e pousa numa almofada. Gravura extraída do Fios Sanctorum (já citado): vid. fl. 27, 159, 165. A forma do berço é mais uma para juntar ás que publiquei na Revista Lusitana, x, 14—16.
11. Concepção antiga do Diabo: de unhas nos pós, e ga- lhos na cabeça, como um bode. Do Fios Sanctorum (já citado), fl. 41.
lioj.ETlM DE ETKOGHAflA
19
t'<l
A figuríi tom um letreiro, numa titã, quo.diz «Siitan». O focinho parece-so com o do luu orango-tango ; o apêndice que sobressae abaixo do gallio direito deve ser uma oreliia disforme.
12. Grrelha antiga: do Fios tíanctoriun (já citado), ti. 121. Igual ás de hoje.
13. Personagem que traljaliia -soJire um cepo com formão e maço. O trajo ó análogo a outros do que já falei: chaptui de aba
curta, pelote, capa- r^
tos. Do Fios iSajic-
tortim (já citado),
fls. 176 V o L% f.
14. Uui bispo,
do mitra na cabeça, rig. n
báculo na mão direita, o um livro na mão es-
,v.^-r..-f- »Mj-,.>->,i qi'iíi"da, está sentado numa cadeira. Na parede
^''■'^t~*V' "Vl^f^ai; (lu coiiipartimento abre-sc uma janela rectau-
FiK. i« giiim- Je rotula (cf. supra, fig. 10). — Do Flo.^
Sanctorum (já citado), fl. 41.
15. Personagem em cabelo, de pelote (sem mangas) e ca pa- tos segura com as mãos uma tenaz. Do Fios tíanctoruin (já citado), H. 105.
10. C'oncej)eão antiga da Iforte: um escpielcto, de pé, em chão remexid(j (de cemitério), sobraça á es(piorda um caixão, e en- costa-so com a mão direita a uma pá. Do Fiou Sanrtorum fjá citado), fl. l<j(3. lOntende-se que a pá é para tirar a terra da sepultura, o o caixão para con- ter o cadáver de cada homem.
17. Leito do sec. Xii. Do Comentário d(j Apocalipse de Lorvão (na Torre do Tombo)'. Leito do certo luxo, com co- lunas o rendilhado d(^ madeira (espécie do balaustrada).
18. Naus o barcos do sec. xv-xvi. Das Ordenações manueli- nas (já citadas), frontispício do t. iii. As naus tôm porém já para o tempo caracter um tanto arcaico c estereotipado.
J. L. Di: V.
Fig. 18
* Acerca iTcstc Cuinoiítario, cl". O Arch. l'orl., xxiii, 238.
20
Boletim de Etnografia
Teares
Tecer era antigamente uma das ocupações mais vulgares e cons- tantes da mulher portuguesa. Quasi não havia casa que nSo possuísse
um tear. Cf. Boletim de Etnografia, n." 1, p. 6, e O Arch. Port., V, 199.
Na impossibili- dade de, por falta de tempo, especificar aqui, com os seus nomes, todas as pe- ças que constituem os teares, segundo as províncias, vou po- rém publicar três es- pécimes d'essa curio- sa e útil máquina. 1. Temos na fig.l uma fotografia de um quadro exposto pelo S.'"' Alberto Sousa, ha anos, no Museu do Carmo (fotografia tirada pelo S." A. F. Settas, da Imprensa fík. 1 Nacional).
2. Na fig. 2 um desenho do mesmo ilustro artista Alberto .Sousa, extraído do um seu álbum. O tear desenhado pertence a Nisa.
3. Na fig. 3 uma fotografia de um modelo de tear (de dimensão pequena) existente na secção etnográfica do Museu Etnológico, e provindo do Jllnlio.
Ultimamente ])ublicou o D."'' Laranjo Coelho, na lierhta Luni- tana, xxii, uma gravura de um tear como ilustração de um impor- tante artigo que aí inseriu respectivo á industria dos cardadores de Castelo de Vide. A gravura está acompanhada de nomenclatura da peça. Esta nomenclatura suprirá por agora a falta que acima notei no meu artigo, e para ela remeto o leitor.
Boletim de Etnografia
21
R V).-,^V.
Boletim de Etxogeafia
«Espelhos» de portas
Chama-se esppJho de porta ou de fechadura uma chapa de ferro quo so prpga na porta exterior de uma casa, no lado oposto ao da
.í^ W ^;
Kig. 3
Flg. 1
Fi?.2
Kig. 4
fechadura, chapa em que ha uma a1)ertura para entrar a chave. Um espelho d'estes podo ser muito singelo, com fóriua puramente geométrica, por exemplo, de losango, ou recortado, to- mando então várias formas artisticas.
Já no Boletim n." 1, p. 20, se publicou um de uma casa de Estremoz; aqui se publicam outros, existentes no Museu Etnológico: figs. 1 a õ*.
Excepto o tipo da fig. 5, todos os outros são vulgares, ainda que o tipo da fig. 2 ('; mais com])licado do que de costume. O tipo da fig. 5 forma verdadeiramente uma cruz, quo na sua parte superior faz lembrar a da Or- d(mi de Avis. Como noutros lugares tenho dito, a cruz que se vê em alguus d'estes tipos destina se na origem a afugentar os espirites maus, isto é, na crença popular, o Diabo. Cfr. Ilisf. do Museu Etno- lógico, p. 20G, nota 6.
J. L. DE V.
1-i?. ;
' Desenhos Jo S.°' Saavoílra Atachaflo, antifro Desenliatlor do Museu.
Boi.KTIM DE EtXOGRAFIA
23
Pescador da Figueira da Foz
A fig. 1 roprcseata um pescador da Figueira da Foz, no mo- mento de concertar uma rede de pesca: tipo de lobo do mar, mãos calosas, cara de grossas feições, enrugada, o coberta de barba, bar- rete na cabeça, com a ponta terminada om borla, o caida para trás. Tem nas milos uma agulha de rede, de madeira'.
O barrete, de extremidade cónica, tal como o vemos na cabeça do pescador, usa se mais ou menos por todo o Por- tugal; na Beira Alta charaain- -llie carapuça, palavra cor- respondente? a caperiiza, em iiespanhol, onde se aplica a um ol)jecto da mesma iurina. An- tigamente também as Saloias usavam carapuça, como ainda agora as Viloas da Madeira (cf. Boletim, n." 1, p. 14)*. A palavra barrete relaciona-se com fxirrete em licspanliol, fir. i
harette ou barrette em francês, hurretta em italiano: tudo vindo do lat. l)irrus ou l)irrum, manto de capuz.
' A {gravura a-;si'iila numa f(ito(,'rafia ilo S."' Pereira Afuiiteiro, que mi- r.)i iifiTciiila jiftlo D."' (íorrcíia Monteiro, Assistente ila Kacnlilade ilo Letras ili Universiilade de Coimbra.
. 2 ( > trajo ila.5 Saloia eonlieiíemo-lo ])or várias estampas dos fins do séc. xviii e eome<;os ilo xix, pnhlieailas em 1'aseienlos (Cfr. Ferreira Lima, Coslumes yorluyue- «e<i, liisboa 11M7). Informam-me <iiie á porta de eertas igrejas do território saloio, •por ftxemplo S. João das Lampas, ha umas mesas de pedra, chamadas «das ea- r.ipMeas'., ond<! a-. Saloias ponham as earapuças, ao entrarem para a missa. Uma eantiga p:>piilar, ou popularizaila, diz:
Sou Saloia, traí;o Uotas, S Tamhem Um a carapuça
Tambtím tra^^o o meu minteu, 3 A ((uein me tira o «diapeu.
<iue ouvi uns Saloios, e ile ípu' .V. 'l'li. Pires dá uma variante nos seus Cantos yi')/i. jiortui/., t. IV, p. 4.5ít.
24 Boletim de Etnografia
Os Sardos usam ura barreto que lembra o nosso, como observei em Roma; chama-se berrita em logudorês*. Num folheto italiano que tenho presente, impresso em Florença em 1921, figura-se igualmente um individuo de barrete como os que cá se usam.
Todos estes barretes se assemelham ao que os Gregos chama- vam ttí/.o; (^ os Romanos pi/eun ou pileui», também usado por outros povos. A palavra pileits confundem-na os autores latinos ás vozes com ape.r, gaíerns, e tutubtu. O pilus ou o -íJiOi; era usado por gente modesta: pastores, caçadores, artífices, trabalhadores rurais, mendigos, J'^ marinheiros ; e também ás vezes por mulheres. Caía * para diante, ou para trás, como o nosso barrete. Do "n^ assunto tratou o S.*"" Pierre Paris num artigo do Dict.
(leu fintiqnit. de Daremberg & Saglio*. Veja-se na fig. 2', de tamanho natural, nm bronzezinho romano do Museu Etnológico, provindo do Algarve: cabeça feminina, de pilus, cuja ponta pende para diante. Em latim toma-se pãeus ou pileum por simbolo da liberdade, por(|ue, ao passo que os homens livres podiam trazer coberta a cabeça, os escravos nSo, e só punham o barrete quando recebiam a alforria, d'onde a expressão: serros ad pileum vocare''. No citado Dict. des antiquités, s. v. «Libertas», num artigo do S." A. Blan- chet, reproduz-se uma moeda de ouro do imperador Cómodo, em que se representa a deusa Liberdade com o pileus na mão, análogo ao nosso barreto. A moeda faz também referencia o S.*"" Paris. Costuma chamar-so barrete friç/io a esse simbolo da liberdade: de facto, em latim ha phripjium (scil. pileum) no sentido de barrete
frigio'''.
J. L. PE V.
Gestos artísticos I
Tendo visitado ha anos em Viana do Castelo o museu cerâmico do S."'" D."'' Luis de Oliveira, chamou a minha atençRo, entre outras peças d'ossa colecção rica e notável, uma saboneteira de faiança, em
' Cf. Max L. AVagncr, Das lUndliche Leben Sardiníenx, p. 140.
2 s. V. pileux, pileum.
3 Desenho de Francisco Valença, Desenhador do Musen Etnológico. '^ Cf. Forcellini, Lex. tot. latinit., s. v. njiileum».
^' Em Ocorges, Lat.-deiitsches Hdw., s. v. «Phryges».
Boletim de Etnografia
25
cuja tampa se figurara uma rapariga nua, com a mfto esquerda pou- sada na coxa, a cabeça encostada á dextra, e o respectivo cotovelo fixo no joelho : gesto de meditação.
A saboneteira, segundo o S." D.»' Oliveira, é do sec. xvii, e foi fabricada em Lisboa.
Na fig. 1 reproduzo uma fotografia que ele me enviou em 1919. Certamente está já incluida no livro que depois deu a lume sObre a exposição de faianças que se realizou em 191.') em Viana. Nao posso agora verificar: em todo o caso, escrevo a presente noti- cia para poder dar aos leitores do Boletim amostra do um curioso gesto que pertence á classe dos que publiquei na minha Etnografia Artistica, fase. vol. u da Alina Xova.
II
FiK. 1
m, Lisboa 1917, soparat.a do
No Institato de Medicina Legal do Porto ha algumas amostras de tatuagem encontradas om cadáveres, o conservadas na ])ro|iria pele que se separou d'este8, entre elas a que se representa na fig. 2, segundo uma fotografia que me enviou o D." Pedro Victorino. Temos aí o amu- leto emblemático da fé, esperança, e caridade (cruz, ancora, e coração) ', sob o qual, entre dois ramos ou silvas, se vêem duas m^os, com parte dos respectivos punhos, aportadas uma na outra, isto t'", o gesto de aperto de mfio. Em linguagem familiar diz-so dar uma mãozada por «dar ou aper- tar a mâo».
Aperta-se a milo:
1) como cumprimento de saudação, e também de (lesp<Mliaa
Kl(f. 2
também de
da
' Cf. De Campoliãf a Melroxe, pp. 92, 9.3 (o nota 1).
26 Boletim de Etnogkafia
2) em siaal de agradecimento por um beneficio recebido;
3) para felicitar alguém, ou dar-lbe pêsames;
4) para confirmação do palavra dada, ou acordo;
5) como simbolo juridico: casamento, etc.
6) de modo geral, como sinal de amizade.
Ao gesto de dar a mão se refere um pouco Diogo de Paiva de Andrada, Casamento perfeyto, ed. de 1726 (o A. é do sec. xvii), p. 65. Do mesmo gesto nos antigos se ocupa Sittl, Dte Gebãrden der Oriechen und líúmer, Leipzig 1890, p. 28, etc. Acerca dos Germa- nos Grimm, vid. Deutsche Rechtsalterthumer, cap. iv, Symbole, li, § 1. A propósito do rito da mão velada ou coberta, estudado num artigo de 11. Bachtold, em alemflo, nas Archives suisses des trad, pop., vol. XX, cita ele, a p. 11, esta frase de Du Méril: «cn accordant une main ouvorto, on la donnait réallement et irrévocableinont».
Duas mãos apertadas uma na outra, como na tatuagem aqui desenhada, aparecem ás vezes como emblema de sociedades comer- ciais.
J. L. DE V.
Tipos e cousas do Alentejo I
Ao primoroso lajjís do S.'"' Alberto Sousa se devem os se- guintes desenhos de pessoas e cousas que ele observou numa feira de Castro Verde, desenhos que me permitiu extrair de ura dos seus álbuns para aqui :
1. Aldeão, de suiças, cabelo desalinhado que cai na nuca, e chapéu de pano, de largas abas, na cabeça (fig. 1). O pobre homem está meditabundo. Ao chapéu aqui desenhado j)ode aplicar-se esta cantiga alentejana, tão rica de conceito, como característica da provinda em que se canta:
Alentejo não tem sombra 8 Assenta-te aqui, menina.
Senão a que vem Jo eeu : \ Debaixo do meu ehapeii.
2. Quatro aldeãs: uma d'elas (fig. 2) com lenço na cabeça, atado no alto d'esta; outra (fig. ,3) de chapéu, e também com lenço na cabeça, atado sob o queixo, e a ponta caida para as costas; duas (figs. 4 e 5) igualmente de chapéu e lenço, mas este atado em ambas
Boletim de Etnografia 27
de outra maneira. Entre nós é frequente as mulheres da aldeia an- darem de chapéu, ainda que nlo em toda a parte. Em algumas re- giões da Estremadura, da Beira e Entre-Douro-e-Minho o chapéu ó de forma muito especial.
Também o chapéu das Alentejanas, considerado em geral, nSo deixa de sor lembrado em cantigas; por exemplo, nesta dos Cantos pop. port., de A. Th. Pires, ii, n." 4523:
— Ó minha pombinha branra, i — Tenho-a na minlia gavota, Qne ú da fita do chapéu? § <> meu soraphirn do pou.
Nas figs. 3 e 4 vôom-so cm verdade fitas largas nos chapéus, cada uma com seu laço.
3. Formas do vasillias do barro: respectivamente, pa/ie/a (fig. 0), infiimiiha (jng. 7), quartas (figs. 8 e 9), tigela (fig. 10).
E enorme não só a quantidade do formas de vasilliame que ha cntn» nós, mas a nomenclatura; e esta varia do n^giSo para região. Assina em Tolosa, conc(dlio de Nisa, a par do quarta dizem infusa ou cantarinha ; noutras partes hlllia; no Algarve ouvi chamar quarta a uma vasillia de forma de ânfora romana, isto ó, do duas asas. Ahím das significações que os dicionários dilo a quaHa, como vasilha, e como medida do coroais e legumes, tem na Heira-Baixa a de me- dida do vinho (20 (|uartilhos).
II
O mesmo ilustre artista, a quem a Etnografia portuguesa devo tantos serviços, divulgada como está i>or ele em inúmeros desenhos e aguarelas de alto valor, consentiu quo do sou alhum se copiasse mais o seguinte:
Fig. 11 do uma casa de Estremoz: suj)onho ser postigo d(> porta, análogo ao (jue se publicou a pag. 184 do vol. xxi do Arcli. Port., fig. 10-í/. Do ferro, um o outro.
Fig. 12 — esjipl/io de |>orta, com st^u apêndice artístico, um o outro de ftjrro. O expellio ostá encimado do uma coroa rt,'al ; o a|)endic(í é cruciforme. Do uma casa de EstrcMnoz. Parece obra do sec. xvm. Cf. l{ol>'tÍH), n." 1, i>. 20.
Fig. 13 — batente do porta, do forro: cão d(* «rabo alçado». Sendo o cão um animal que guarda a casa e a porta, ó muito natural O escolliorera-no como ornato de um batente; mas tenho visto ba-
28 Boletim de Etnografia
tentes que representam outros animais: lagarto, etc. Num artigo do D."' Teixeira de Carvalho, publicado n-A Pátria de 22-VI-1920, fala cio também de um uhatente de j^orta, do quinta», que represen- tava «um animal de forro, de dentes á mostra, lingua de fora, cauda encaracolada, produto ingénuo de industria popular, batente que ele possuía em sua casa, om Coimbra, onde uma vez m'o mostrou. Pode ver-se um espécime d'estos batentes no Museu Etnoloííi<"o de Belém, exemplar vindo do Braga. Hojo, os batentes zoomoi-ficos estão subs- tituídos por outras formas {mão, porque é com a mao que se bato á porta, etc), e já nfio se usam; os que conheço, datam do sec. xviii ou de séculos anteriores. O seu protótipo está na época romana, como consta de um de bronze, achado em Coruche, e agora guar- dado igualmente no Museu Etnológico: representa um gamo.
J. L. DE V.
Adelino das Neves
artigo
Este artigo tem por fim ampliar a notícia biográfica publicada no Boletim, n." 1, pp. 15-21.
1. Outros trabalhos do Adelino das Neves, de que tive conheci- mento por comumeaçao da Ex.'"" Viuva:
«) Historia de Portugal, manuscrita (principiada a passar a limpo, como consta de uma nota a lápis, em 1 de Abril de 1892). Começa por um prologo onde diz (pie condena a divisão da historia om rei- nados, e propõe dividi-la cm épocas, indicadas por acontecimentos importantes :
1.* época (autonomia nacional), de 1112 a 1383, precedida de uma breve introdução acerca de diversos actos ocorridos anterior-' mente na Península Ibérica;
2." época (conquistas e descobrimentos), do 1383 a 1536;
3." época (decadência), de 1536, data do estabelecimonto da In- quisição, a 1640;
4.* época (restauração), do 1640 a 1820;
5." época (liberdade), de 1820 á actualidade.
Com 3 apêndices: cronologia dos reis; geologia do continente; Portugal extra-continental ; dinastias nacionais.
Forma um volume in-folio de 379 páginas (contando o índice), escrito polo A. com boa letra. Tem uma dedicatória a Adolfo Lou-
Bolelim de EtaograSa— N.» 2— 19S3
ESTAMPA I
Fig. 1
KiB. 2
Hl
hl
V
^^4
Fig. 4
Fig. 5
Boletim ds Etnografia— N.° 2—1923
ESTAMtA n
Fig. G
Fie ■
Tig.S
Flg. 13
Fip. II)
Fig. 11
Boletim de Etnouhafia 20
reiro, em duas follias soltas: uma cum o nomu (feste, outra com uma espécie de carta.
Nao mo foi possível ler a obra, do modo quo pudesse aqui talar d'ela pormenorizadamente; apenas a percorri, e vi ([ue contém no- ticias valiosas, e está geralmente documentada com monção de obras impressas.
Mereceria a pena que alguém competente a lesse, a analisasse, e a julgasse.
b) Dois artigos mss., pequenos, intitulados, respectivamente: O Brasil e as viissões no século XVI; Socialismo.
c) Tradução versificada d' O Estudante de Salamanca, por D. José de Espronceda. Manuscrita.
d) Folhetins em jornais: «A cama», no Tribuno Popular, do 22 de Abril de 1871 (Coimbra): «A cozinha», ibidem, do 29 de Abril de 1871; «A nova primavera», traduçilo de lleine, na Correspon- dência de Coimbra, de 15, 18 e 22 de Julho de 1876 ;« O testamento do Olivette», tradução do Catulle Mendes, no Tribuno, já citado.
e) Apreciação literária dos Estudos sobre ahjuns portos comerciais, do A. Ferreira Loureiro, publicada num número do Conimbricense do 1888.
2. Das Musicas e canções Tez-se uma tiragem em papel comum, o outra (do pou(-os exemplares) em papel melhor. l'ossuo um exem- plar do cada nm dos papeis. O exemplar de papel melhor, oforeceu- -m'© afectuosamente o D."'' A. Cvmbron Borges de Sousa. Tem uma dedicatória autografa do autor feita a um seu amigo.
3. Quando a mesma oijra se publicou (1872), alguns jornais de Coimbra, Porto o Lisboa, por exemplo, o Conimbricense, o Primeiro de Janeiro o o Diário de Xoticias. deram notícias d'ela, as (piais 83,0 concordes em louvar a novidade da empresa. Taml)eiii Adelino das Neves recebeu cartas de vários escritores, (|ue o elogiam pela publicação, por exemplo: de D. Maria Amália Vaz do Carvalho, de Innocencio Francisco da Silva, de A. A. Teixeira de Vasconcellos (possuo os originais, por dádiva da Ex."'''' Viuva). Visto que estão firmadas por nomes de pessoas muito coniiecidas na nossa litera- tura, o já falecidas, copio-as a(|ui por ordem das datas:
Primeira carta
Kedaç.^0 do Jornal da Xoite — 11. da Paz, 7. — Lisboa, 18 de Fe- vereiro de 1873. — Ex."'" S."'' — liocebi o seu livro o a carta mui atenciosa que o acompanhava. Por ambos lhe fico em grande obri- gação.
;{0 Boi-ETIM UK EtNOUKAFIA
O livro voiu preencher uma lacuna o tenho -o na conta de serviço nacional. Foi pona que nas musicas nilo venha escripta para piano a mao esquerda, dar-lhe-hia maior voga.
Os estrangeiros andara serapro a perguntar pelos nossos cantares nacionaes, agora já so lhes pôde responder com o seu curiozissinio livro. Eu que rae criei na aldeia e vivi n'ella os primeiros 22 anos da mocidade, sinto prazer intenso em ler aquelas cantigas, algumas das quais tfío minhas conhecidas sao. Keceba com os meus agradeci- mentos o testemunho da consideração e estima com que sou
Do V. Ex." att." v.**"' e obrig.'''' — ^1. A. Teixeira de Vascoiicellon.
Segunda carta
Lisboa, Kua de S. Filipe Nory, 26. — Fevereiro 25, de 1873. — Ex."'" Snr. — Tenho á vista a sua obsequiosa carta de 10 do c/ mez, e o formoso volume das Municas e canções jw/ndares, que com ella me enviou. Uma e outro llio agradeço cordialissimamente, desejando que o acolliimento e aplauso do publico lhe sejam compensação condigna das fadigas o despezas, que decerto empregou no desem- penho desta árdua tarefa. Quanto a mim devo V. Ex." lisongiár-se do haver prestado ás letras pátrias um atendível serviço nesta pu- blicação de nova espécie entre nós, o que muito abona o seu judi- cioso discernimento, não menos que o seu amor ás cousas da terra que nos viu nascer.
Kcscrvo para depois da leitura mais pausada e reflexiva que a obra merece comunicar a V. Ex." as observações inherentos ao assumpto, (pie por ventura me ocorrerem. - Sou com afectuosa consideração, Certo V.'''"' o Obvl.^^"- -Innoceacio Francisco da Silva.
Terceira carta
Ex."'" Snr. Agradeço com profundo reconhecimento a carta de- licada e o valioso brinde que V. Ex."'' teve a bondade de enviar-me.
Criada na aldeia desde a infância, teem-mo embalado aquelas agrestes cantigas os sonhos c as alegrias da mocidade, 6 por isso que ellas se ligam aos meus olhos a muitas recordações queridas o immortaes; o ([ue duplica o valor da colleção que V. Ex." juntou com tão inteligente o fino gosto.
E muito para imitar-se o exemplo que V. Ex.'"* acaba de dár, e tanto mais que todos os paizes se orgulham justamente das suas poéticas tradições populares, e que só nós as votamos a bárbaro desprezo, sem nos lembrarmos se(iuer que o povo 6 o maior de todos os poetas, porque bobo as suas inspirações na natureza, fonte
Boj-KTiu DE Etnografia .31
nuiis haurivel o sempre limpida, quo os falsos sistemas e as falsas escolas não logram turvar.
Creia V. Ex.'' que conservarei agradabilissiiua recordação da sua primorosa delicadeza, e que me assiguo com distiata consideração
DoV. Ex.^ Veneradora e reconiiecida. — Pinteus, 26 do Março de 1873.^ — Maria Amália Vaz de Carvalho.
4. Os AjKmtamentos jjara a historia de cerâmica vílo ter 2." edi- ção em 1024, na importante livraria d'esta cidade, «Portugália», que fará reproduzir no princípio do livro a biografia que escrevi de Adelino das Neves.
5. ILavendo-so dito no Boletim, p. 21, com palavras do l).*"^ Tei- xeira de Carvalho aí transcritas, que o pai do Adelino das Neves era coleccionador do livros, vem a propósito lembrar quo na Biblio- (jrajia das bibliofjrajias portuguesas, de Albino Anselmo, p. 33, se cita o Catalogo da sua livraria, como impresso em Lisboa cm 1881; volume de lõG páginas in-H."
J. L. DE V.
Etnografia do jornalismo
O Jornalismo começou entre nós no século xvii. Já em Ilela<;òes manuscritas do Sovorim de Faria (lGlO-1641) se lhe pôde descobrir o protóti[>o'; todavia, como isso ticou inédito, temos de buscar os co- meços da nossa imprensa periódica na Jieta<jão do 1025-1627, e mais particularmente na Gazeta do 1641'.
D'ent?lo ató hoje, com maior ou menor desenvolvimento, e subor- dinados a vários [>rincipios, nunca deixou de haver jornais em Por- tugal: e tao intenso ó o gosto (|ue d'eles existe, ((ue até em vilorias de somenos categoria acontece encontrar a gente um jornaleco, ás vezes mal impresso, em mau papel, cheio d<> impropérios contra esto o contra aquele, — mas como laiupiílo social!
' Vid. o (jiie (íSCTCvi MO flolethii da 2.* classe da Academia das SciCiicias de Lisboa, t. viii, pp. 238-210.
* Vid. .\lfredo da Cunha, O Diário de Noticias (sua fundação, etc), Lisboa 1914, pp. 253 u 281.
^2 Boletim de Etnografia
E serão os jornais sempre, ainda os que se publicam nas cidades, verdadeiros lampiões sociais, de boa luz? Quemquer responderá nogativamente. Nao é a imprensa tão amiúde responsável do des- norteamento de pessoas e classes que mal sabem ler, mas que se deleitam ouvindo gabar deletérias doutrinas? Ainda que cabe a livros, ao teatro, e ao cinematógrafo a mesma responsabilidade, os jornais insinuam-se dia a dia, pela sua leveza literária, em todas as mentes, e pela facilidade da compra, em todas as mios. Nâo se produzem tantos crimes por imitação dos que eles periódica e enfaticamente, o em páginas salientes, se comprazem de relatar, pormenorizando diálogos, e juntando gravuras de locais de delitos, e retratos de criminosos? Nao deponde de louvaminhas de jornais a má direcção que muitos espirites tomam na carreira literária ou na carreira politica, imaginando que os elogios que lhes fazem os compadres ou os parceiros são os que ha-de fazer-lhes a posteridade? Se, em vez de louvaminhas inconscientes ou levianas, se exercesse critica sábia o sã, os resultados variariam! E que direi de certos anúncios? Custa a admitir que em- terra civilizada se disfarce tão pouco o im- pudor, a trôco do uns niiseros centavos, o outr'ora a troco de dez reis! Sem duvida que a missão da impivnsa periódica é muito elevada: e muitos jornalistas ha, ou têm havido, que a compreendem perfeitamente; mas eles formam acaso a minoria.
Vieram estas comcsinhas considerações a propósito de eu querer dizer, como vou de facto dizer, que do jornalismo, considerado em geral, pertence também algo á Etnografia. Já não falo de titules do caracter regional, v. g.: O Trasmontano, O Mirandez, O Minho, O Beirão, A Beira-Baixa, A Bairrada, Terra Estremenha, Jornal Saloio, O Ribatejano, O Azeitonense, AUo-AlemteJo, O Alemtejo, O Al- garvio, Eco do Algarve, Diário da Madeira, Correio dos Açores, nem de emblemas que acompanham ou justificam títulos, por exemplo, uma Jiga. num raro jornal de 1826, chamado assim mesmo, isto é, A Figa, o um pastor serrano num jornal de Seia, A Serra: falo de circunstancias exteriores, como locais de venda acomodados a isso, com mais ou menos caracter, e de rapazinhos que apregoam jornais pelas ruas.
Especializarei os vendedores. Alguns artistas têm já aproveitado para tema de suas composições o tipo do garoto doa jornais, por exemplo, Bordalo Pinheiro, em jornais de caricaturas; c até se agregou um á estátua levantada ao jornalista Eduardo Coelho na alameda do S. Pedro de Alcântara, em Lisboa. Desejando eu que na Etnografia Portugiieísa, que estou preparando, figurasse também
Boletim dé Etnografia
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um rapaz dos jornais, tomoi a liberdade de pedir á ilustre artista
a Ex.""* Senhora D. Alico Rey Colaço tivesse a bondado do
m'o desenhar, e ela correspondeu ao pedido com a perícia e graça
quo os leitores admiram no desenho junto: aí se vê um rapaz
de barroto na cabeça com a ponta ao vento, em mangas do camisa,
calças curtas, o descalço, o qual rapaz
transporta pendente do ombro esquerdo,
e apoiada pelo braço o mão do mesmo
lado, a mala, e na dextra um jornal
avulso, cujo nome vai declamando, um
pouco inclinado para diante. Mala ó o
nomo quo os rapazes dão á sacola aberta
em quo levam os jornais, feita de pano,
de sarapilheira, ou do oleado.
No momento em que á porta da redacção ou tipografia de jornais im- portantes elos sao distribuídos aos ra- pazes quo hao-do vendê-los, ó curioso vor com qno fúria estos os agarram, o com gritos partem para todos os la- dos: como se um molho do foguetes se inflamasse do repente o dispersasse no ch<1o, sem poder ninguém apagá-los! Outra particularidade digna do nota: quando vários ven- dedores estilo por acaso juntos em conversa amiga, e vem alguém p.ira comprar um jornal, a familiaridade desapareceu logo, o cada um, o qual mais lesto, procura paS8ar-lh'o. Primeiro eu, depois ta!
A par com rapazes ha também adultos qno exercem a mesma profissão, embora aqueles sejam mais tipicos. Jfulheres ó que nimca observei quo apregoassem jornais pelas ruas; vendem-nos, sim, ás vozes, mas sentadas o quietas em sítios certos, o geralmente caladas.
Por ocasiílo das festas do ano novo e páscoa costumam, monos poróm hoje do que outr'ora, os entregadores do jornais doixar nas casas dos fregueses papeis com versos aí impressos, em que dUo as boa» feKtaa, o pedem uma gratificação pelo trabalho que exercem quotidiamente. Como a civilização moderna tendo, ou nos parece isso, para prosificar muitas cousas da vida social o doméstica, tor- nando-as mecânicas, o por isso mais práticas o mais simples, os vendedores ou entregadores de jornais vao substituindo os versos por insipidos bilhetes de visita. Estes costumes silo comuns aos car- teiros.— Para que n^o se percam, reproduzo aqui dois dos papeis
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Boletim de EiNotiHAiaA
poéticos a quo aludi, os quais mo ofereceu em Braí,'a um amigo: num d'eles fala um entregador de jornais, no outro um carteiro. Conservo a ortoírrafia.
.1 A DAR-vos as boas festas, Hojo aqui vcTibo, seiílior, Cumprir um dovcr sagradu, Devor d'um entregador.
Prestai, prestai atteu(,'ão Au que é promto cm vos servir, E com muita anciedade Um favor vos vem pedir. . .
A consoaia de vós Eu espero receber, Para cm noite do Natal Mais d'um brinde vos faí4e,r.
Ao entregador ã' Atalaia Dai uiis cobrinho», senlior, Qu'clle por vós rogará Ao Divino Rkdemi-tou.
B
i) .Moraes, tão diligente No serviço do Correio, Ousa dar as boas festas A seus A(nos sem receio.
Espera se lhe perdoe O seu grande atrevimento; Lhe despaclicm — Como pede — O seguinte ReqVimento:
lllustriasimos senhores, Diz o pobre c bom Moraes, Que, falto de cabedaes, Do estro não sente os ardores. Anda frio, sem calores, Todos bem sabem porquê .... — Pede pois, que se lhe dê Por um pouco attenção, Que lhe deis algum tostão: E Receberá Mercê.
Do jornal {Atalaia} a que na primeira composição se alude, apareceu a lume o tomo i em Braga cm 18õ4; o carteiro Moraes que fala na segunda composição exerceu na mesma cidade o seu oficio por 1860. -Os requerimentos feitos a alguma autoridade aca- bavam d'antes com as seguintes iaiciais «E. R. M.» (= espero re- ceber mercê; mas cm geral iatcrpretava-sc «E.», como a conjunção e, o assim so lia), c que o despacho favorável se resumia por vezes em «como podo».
Com esta explicação se cnteaderflo melhor os versos do carteiro (ela não será necessária para muitos leitores modernos, mas sê-lo ha para leitores futuros). j_ j^_ pg y_
Canho santo
A agua que se colhe para bebida, ou com que se lava ou banha o corpo, ou algumas do suas partes, por ocasifío da festa de S. João Baptista, tem muitas virtudes, no conceito do vulgo: cf. Ad. Coelho, Revista de Etnolofjia, pp. 7G-77, o as minhas Trdd. pop. de Por- tugal, §§ 163 e 165.
BoLKTlM UE EjíSOGUAFIA
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Na Figueira da Foz toma-so então u òaiiJto santo, do (|ue a gra- vura adjunta dá um exemplo'. Proi)riamciito silo trcs banhos: uni, to-
mado de tarde, cm 23 de Junlio; outro, tomado á mcia-noite de -.'j para 24; outro, ua maniiil de 24.
J. L. I>K \'.
Cozinha alentejana
Temos na página seguinte, um lindo dfseidio ((uc representa um canto de uma cozinha alentejana do gente [lohre. Foi ieito pela Ex.""' Senliora I). Fausta Sá, jovem o esperançosa artista, cpie com esta produeílo se apresenta pela primeira vez em público.
A cozinha no Alentejo (rotiro-me ao eoncellio do Avis, ao ipial pertence a cozinha desenhada) raramente se chama assim, mas cttsa de fora, porque é o primeiro compartimento que se patenteia a (piem entra na casa: a porta da rua dá logo [lara eia. A coziniia, além do desempenliar a primacial função ([ue o seu nome indica, serve de refeitório. Os camponios comem em mesinhas baixas, como a que so publica adiante, p. 52, fig. 2.
' Fotugrafla An S.»' 1'eroira Moutoircí, da Kigifira, qiio aiiiavolíiieiite ra'a ofereceu.
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Boletim de Etnogeaiía
Ao lado esquerdo está o jjial (poial) dos cântaros, de alvenaria, e caiado ; vêem-se aí pousadas duas quartas *. Uma rapariga da casa ou cachopa, do casaco (blusa de riscado), saia e avental, lenço
na cabeça, hotòes («brincos») nas orellias-, e calcada de tairocos ou taiiuincos (de sola do pau), propara-se para deitar agua do uma das quartas num copo de vidro, grosseiro o de asa. Sob o poial ha um
' AcDrca ila quarta vid. supra, p. 27, figs. 8 o 9.
- Quando os briíios são arcados, chamam-se ar<jolas. E só quaudo são pequenos que se clianiani botões.
Boletim de Etnografia
vao om quo so guarda loiça de forjo (isto 6, do ir ao lume: panelas e tigelas), e alguidares. Na parede está pendurada uma copeira de pau, descanso do copo de beber. Ainda que o j)oial dos caniaros tem em cima geralmente quartas c não caniaros, o nome indica quo ele na origem se destinou a estes. O mesmo acontece com a paílavra cantareira, quo em algumas cozinhas alentejanas fica so- branceira ao poial, o significa «prateleira», e com a equivalente pala- \Ta estanheira, destinada primitivamente a pratos do estanho, e agora a quaisquer pratos.
Já noutros lugares eu disse que as casas dos Alentejanos são em regra muito asseadas e arranjadas. Cf. O ArcJi. Porf., xxi, IGO.
J. L. DE Y.
Nicho de uma casa
Por devoção religiosa era costumo d'antes colocar na parte ex- terna de algumas casas, para o lado da rua, niclios com santos dentro. Tais nichos muitas vozes orara alumiados por um candeeiro, pen- dente de um suspensório de ferro, candeeiro que om aldeias sertanejas, ou burgos esque- cidos, constituia não raro a única iluminação -^^-^y^ da respectiva rua. í^l
Na figura junta, feita por uma aguarela de Saavedra Machado, temos um nicho d'estes, quo se vO em Estremoz, fronteiro ao Hotel Comercial. Niciío e sus])ensorio são aqui mais ou menos artísticos.
Outr'ora, o em grande ])arto ainda hoje, a casa de haliitação era, p(do que toca ao so- brenatural, isto (';, á superstição o á crença, verdadeiro baluarte contra o influxo de entidades mágicas, e verdadeiro santuário em comunicação com o Ceu, i)ara oração e acção de graças.
Logo sobre o portão do pátio unia cruzlentre pirâmides', e na porta de entrada da casa um <>spelho de fecliadura e uma aldrava
« Vid. TMelim, n." 1, p. 28.
38 Boletim de Etnografia
crucilbrmes*; pregada na porta, por dentro ou por fora, uma fer- radura esquerda de inula^, ou pintado um sino-saimao^ ; na tran- queira ou no telhado uma pedra-raia (on pedra de raio) contra raios o coriscos*. Na parede interior de uma sala, outra ferradura, reves- tida de estofo, como que oculta a olhares estranhos e curiosos^; por todos os lados, já também em salas, já em quartos de dormir, esta- tuetas de santos, molduras com ima^^ens, crucifixos; á cabeceira da cama, ou perto d'esta, uma pia d'agua benta do loiça, geralmente artistica, um agnus-Dei contra trovões, um rosário, bentinhos. E cos- tume trazer da procissão dos Kamos, e ter em qualquer sitio da casa, suspensas do tecto, ou nos frisos, pernadas de alecrim e de louro, que foram benzidas pelo padre, e livram igualmente de tro- voadas. Do mesmo modo se guardam assim, ou em gavetas, ale- crim e marcela, colhidos em dia de S. JoHo, antes do sol-uado: o ale- crim é contra bruxedos, e a macela, tomada ( m chá, tem virtudes estomacais (Arganil). De certo que a marcela ou macela ó, por si mesma, estimulante do estômago, e tónica, mas, quando apanhada d'a([uela maneira, as suas propriedades terapêuticas aumentam, se- guniio o povo. Ao que fica dito agreguemos amuletos vários, livros religiosos; campainhas <jue so tocam quando troveja; e já nílo falo de bençrios", nem fpor s<!utido muito profano) do um gato preto que é l)om ter em casa, realmente, ou imitado de i>ano, com olhos de botões de madrei)(>rola': a significação do gato do pano está obliterada, mas ;i do gato verdadeiro, não, e aqui mesmo na capital vigora grandemente. l)iz(!m alguns que quem tem um gato preto em casa, tem sempre di- idieiro: foi talvez por isso que em tempo houve em Lisboa uma loja de louça artistica, chamada do fíato Preto. Também tenho ouvido (|iie quando uma doença está para cair numa casa, cai no gato preto, (í não na g;'nte. Vaw Arganil generalizam este papel expiatório do gato a todos os animais da casa. D'entre os animais domésticos ha-os que são ])articuhirment(' benéficos, como o boi, cujo bafo (^ sagrado*.
1 Yi.l. riul-tlm, 11." 1, 1». 20.
2 Cf. O Ardi. 1'ijrt., xxin, 241.
1 Via. O Arch. 1'orl., xxiir, 241.
"i Pur exisiiiiilo, 110 Cailaval.
■' 'l'('iilio olisiírvailo istii cm IjÍsUo.i.
•i Vi.l. Cnlleri;ãn de lienrnox (•crlesiaxticax, nova ed., Li-lma láfjS, ]>]). 25-28 (lii^iirãos (lii rasa e do leito).
' Viil. I!ir. Lnailntni, x, 74, nota 5.
" Viil. Trail. piiji. ih- l'itrtiii/íil. ]>. 177.
Boletim de Etnografia 39
As andorinliils, quo fazem ninho nos beirais do telhado, dão igual- mente protecção: c ninguém por isso as mata. Espécie do totemes!
Vô-se como a casa está protegida sobrenaturalmente. A lúesnlaL classe pertencerão as bonecas, sempre-noimis, frades das co/.inJias meridionais, conforme o quo escrevi nas Religiõefi da lAtsitanla, iii, 597; e pertencem os nichos do tipo aqui figurado. Paralelos aos nichos são painéis de azulejo, com imagens, que fazem parte do revestimento exterior das parcd(>s. E devem alem do quo fica dito mencionar-se oratórios no interior da casa, e capelas junto d'esta, ou internas, nas quais se diz missa semanalmente, ou em c»>rtas circunstancias.
É provável que na- origem fosse protecção supersticiosa da casa uma pomba de barro que costuma enfeitar os ângulos dos telliados, por exemplo, na Estremadura Cistagana e nos Açores; mas d'isso nio posso aqui tratar.
No forno, tfio relacionado roín a casa, grava-se com earactt;r apotropaico um sino-saimao o uma cruz: cf. Arclt., xxiii, 238.
Se nao enumerei todas os casos respectivos á ])rotecçno sobrena- tural da habitaçílo, mencionei contudo factos suficientes ao etnólogo para estabalecer longa serie de elos no encadeamento liistorieo da superstição, e ao moralista ou ao estadista para \(>r quanto tem ainda quo fazer ])ara libertar do jieias o (íspirito di> pessoas (pie mais crêem na eficácia de um amuleto contra trovoadas, do ([ue na de um solido pára-raios.
.1. L. DK V.
I
Objectos etnográficos do Alto Alentejo
Numa excursilo que em 1920-1921 fiz nos arredores de Tolosa do Al<Mitejn ()l)tive para o ^[useu Etnológico os seguintes objectos etnográficos, com o concurso de meu Primo o D.'"' A ntónio Maria de Gouvêa Biscava Horta, objectos deseidiados por Fran- cisco Valença, Desenhador ilo Museu Etnológico.
(i) De cortiça: dois recipientes de forma de cái/itilo. e assim chamados, os (juais servem para neles se ter pimentão em pó, desti- nado á comida: um d'eles do 0"',15.'i de comprimento, \ ai -desenhado na fig. 1 (parte superiori (* na fig. 2 (perfil, de tamanho nienor). Um coc/io para beber agua, provido de cabo (todo o objecto tem de
40 Boletim ue Etnografia
comprimento O"', 230). Outro cocho, ospocie de prato, que sorve para nele se comer (tem de diâmetro O"', 232; ha outros maiores). Figs. 3 e 4;
h) Corna, com fundo e tampa do cortiça, de 0'",085 de altura máxima (6, pois, menor que as usuais); tem na superfície exterior a data de «1919», e as iniciais A F, que significam A(ntonio) F(elicio).
Fig- 5.
c) Cabaço, ou recipiente feito do bojo superior d'uraa cabaça, com fundo do cortiça (na parto mais estreita) e tampa da mesma substancia, — o qual tem várias serventias: para conter sal; para fazer as vezes de corna (vílo aí, por exemplo, azeitonas para se co- merem no campo); para se guardarem sementes; o pescador leva nele minliocas com que pesca; altura 0"',114. Fig. 6.
rf) Outro cabaço, feito d'uma cabaça a que se cortou parte do bojo inferior; serve de vasillia para tirar o vinho da pipa, e também de funil. Comprimento 0'",195. Fig. 7.
e) Tabuleta de madeira, de O"', 122 de largura, para desmamar os bozerrinhos, segurando-lh'a no septo do nariz. Fig. 8.
/) Duas chares de madeira para fixarem as extremidades do colar das cabras, feito do coiro. Comprimento de cada um: 0"',93. Figs. 9 e 10.
g) Aguilhao de pedra de um rodízio de moinho; antigo, achado no campo (Tolosa): cf. Historia do Museu Etnolofjico, p. 226. Com- primento: O^OSõ. Fig. 11.
h) Candeia do lata, de gancho, o com os espeliios de forma de coração, voltado com a ponta para cima. Altura: 0"',173. Fig. 12.
Todos estos objectos, excepto o último, tem caracter de indústria primitiva, embora o objecto e) fosse certamente importado. A can- deia, pelo seu ornato, pertence á serio artistica a que se fez refe- rencia nO Arch. Port., xix, 399.
J. L. DE V.
Trajos alentejanos
O S." Alberto Sousa, a quem já neste número do Boletim me tenho referido, fez o obsequio de permitir que aqui fossem repro- duzidos de um dos seus álbuns os seguintes desenhos de trajos que ele observou numa feira de Nisa:
1. Mulher de chaile pela cabeça, e nesta, sobre o chaile, chapéu desabado, como o dos homens, senão realmente um chapéu de ho-
Boletim dí Elnogiaiia— N.« 2—1923
ESTAMPA m
Hi. 2
Flg. 3
Fig. 1
Fig. 4
Flg. 6
Fig. 5
Boletim de Etnografia— N." 2—1923
ESTAMPA IV
l'ÍK. 11
Fig. 10
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FiR. 12
Flg. íl
Fig. 8
Boletim de Etnografia
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mem. Leva por acaso um embrulho debaixo do braço direito, e na mão respectiva uma vasilha. Fig. 1.
2. Penteado. O modo de compOr o cabelo varia constantemente, tanto em homens como em mulheres: e sempre assim foi, desde a antiguidade.
No cabelo das duas raparigas aqui desenha- das figs. 2 o 3 temos um modelo de penteado de martelo, ou do põpo. Por jiôpo entenda-se poupo, masculino de poupa, outro nomo (Val- paços) do rolo que as mulheres fazem no toutiço (occiput). Pois que a ave chamada poupa, Upvpa epoj)8, LiNN., tem o alto da cabeça adornado de um conjunto de penas, o ])ovo comparou com ele o rOlo do cabelo da mu- lher, e aplicou-lhe o nome da ave. Em Guima- rães dizem, no mesmo sentido, /)Mr/<o (com cJi) ou toco; em Avia, trõço; em Lisboa, monvte; em líio Maior, carrapito; e algures, carrapi- cho, palavra que só difere d'aquela no sufixo.
Vom a pôlo dizer que na Memoria histórica de Nisa, do D."' Motta e Moura, parte ii, Lisboa 1877, ])p. 110-113, se d.lo algumas notícias de vários trajos de Nisa.
Fi». 1
Flg. • o 3
3. Homem de caUfies. Os calçfies foram outr'ora multo usados entre nós, sobretudo nos secs. xvii e xviii, moda comum a outros paises. A Eevolução Francesa acabou com os calçOes (cidotte, culot-
42.
Boletim de Etnoghafia
pig. 1
tes), substituindo-os por calças, e por isso os revolucionários foram chamados pela aristocracia savs-culottes (no singular aans-culotte). A substituição fez-se também cá, mas ainda modernamente se encontra em varias locali- dades, não só tradição pouco antiga do uso de calção, senão ainda o próprio uso d'ele8. Dos meus apontamentos etnográficos ex- traio as seguintes notícias :
— No concelho de Miranda do Douro os calções são ainda trajo corrente (calçou, cal- eones).
— Em 1892 vios pelas ruas da Guarda em homens da raia.
— Em Monsanto, concelho da Idanha, ainda um ou outro velho os usa, como lá observei em 191G.
— No concelho de Castelo-Branco os cal- ções íbram por fim só usados no campo por. porqueiros e ganadciros (era desprezo nflo os usarem); mas em 1916 havia ainda na própria
cidade dois homens não pastores que andavam com eles.
— Em Malpica (concelho de Castelo-Branco), cujos habitantes se chamam Malpiquêros, os calções têm ainda alguma voga. Eu mesmo vi na cidade em 1910 um Jilalpiquêro assim vestido.
— Ha anos conheci em Castelo do Vide um homem que usava ás ve/es calções, e que até os vestiu uma vez de propósito para eu ver.
Por 1890 existia no Sousel um individuo, por alcunha o Carujo (isto é, o relho Carujo, como no Alentejo costuma dizer-se), que os usava.
— Em 18G3 esta peça de vestuário era ainda comum em Manteigas, como se diz no Almanach de Lembranças dVsse ano, p. 8G.
— Em pequeno conheci um bento, de cujo vestuário os calções faziam parte: vid. Trad. pop. de Portugal, p. 308.
— Disseram-me em 1921 (|U0 eram ainda usados em Alegrete. Um velho de 80 anos contou-me em Monchique em 1917 que
no seu tempo conhecera ainda os calçOcis do alçapão.
informaram-me no Alto-Minho que os calções eram lá trajo usado n(j começo do sec. XIX.
Vov 187(5 liavia na Taipa, concelho do Aveiro, um velho que os usava; em 1898 faleceu em Re(|ueiio, do mesmo concelho, um in-. (lividuo de 85 anos, que ainda vestiu calções depois de homem feito.
Boletim de Etnografia 43
No tempo dos calçõas coucorriam com eles polainas do liorel, com carreira de botOes o pala. Muitas pessoas traziam meias por baixo das polaiaas, outras nao traziam nada. Como tradição dos calções costumam os camponeses velhos, no referido conccliio de Aveiro, arregaçar as calças e pôr polainas. Esta tradição apoia-se em utili- dade prática, pois quando roçam mato não tôm do estragar calças.
— Aos calções dos Campinos me refiro adiante, pp. 49-50.
— Outra tradição dos calções, mas literária, a encontramos em cantigas e parlengas populares, onde essa palavra se emprega, por eafemismo. Basta dar aqui dois exemplos de cantigas:
Fui á figueira ar>s figos, Ataquei-me de limões: Veio o dono dos marmelos, Agarrou-me Jios calções.
Os olhos requerem olhos, E os corações corações : Os folhos da sua eiiúgoa' Requerem os meus calções
Vfi-se que os costumes nunca morrem de repente, mas a i)oueo e pouco.
Deixo de falar do uso dos calções no Entrudo, nas crianças, e:u certos actos cerimoniosos (a Academia de Sciencias de Lisboa, \wv «íxemplo, permite pelos estatutos aos sens sócios usarem-nos), e ainda ha ponco tempo na corte.
No deseulio do S."' Alberto Sousa (fig. 4) está represi'nta<lo, como ele me informou, um indi\iduo de Maipique: calções o polainas do botões amarelos e pala, colete assertoado, jaqueta (! oliapeu d(! ab.", larga. Tudo de saragoça. Debaixo do braço csijucrdo \ai um pano dobrado e um guarda-sol, de que só se vê a mão ou cabo. — Como no concelho de (^astslo Branco lia Malpi((ue e X[ali)ica, não sei se o individuo é realmente d"a(piela terra, se hou\e confusão do nome d'oIa com o da si'gunda, por(|ue é de ^lalpica que conheço calções, segundo disse acima. .Semlo exacta ;i priíneir.a suposição, ficariaiiios sabendo de mais um local na geogr.atia dos calções.
.1. E. i>K V.
I
' Por ani'ii/ua.
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Boletim pe Etnografia
Etnografia cstrcmenha
1. Fiandeira Mtndrica (de Minde).
Mulher de meia idade, que traja vestido inteiro, do riscado, com vivos da mesma fazenda ao nivol dos seios, avental de barra, e lenço na cabeça, atado na nuca. Está fiando grande roçada de linho com toda a satisfação o delicadeza, em moio de um mato; o fuso gira-lhe entre o dedo polegar e o indicador da mao direita, e nele se vai for- mando a maçaroca. Fig. 1.
Flg. 1
Flg. 2
2. Um Mindrico.
Mostra-so na fig. 2 um pedaço da serra de Minde, ermo e es- calvado, onde se vO de pé um habitante da região, calçado de sapatos, á moda do Sul, e com barrete na cabeça; traz além d'Í8so cíHía ou faixa, o está em mangas de camisa, com a jaqueta dobrada uo antebraço esquerdo. No restante vestuário nSo há nada que especificar.
3. Panorama cartaxeiro.
Tomos na fig. 3 um trecho de panorama cartaxeiro, isto é, dos arredores do Cartaxo: á direita do observador um casal, com porta do postigo, para o qual casal se dirige um carreiro ou atalho que
Boletim de Etnografia
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parto da estrada, ondo estão paradas duas senhoras; á esquerda, iim moinho de vento, de velas desmanteladas. De cada lado do car-
reiro sobressai um valado, com jiif^eiras, planta muito meridional, entre nós.
4. Moinho de vento.
Na fig. 4 patenteia- se; mais amplamente, o mesmo ou outro
Klg. 4
moinho do vento da figura anterior, com seus postigos rectangu- lares, que dão luz pura o interior.
•16
Boletim de Etnogratia
5. Capela.
A capelinha n^prospntada na fig. õ, ])ertencnnte ao lugar da
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Fig. 5
é igual ao que se encontra em algumas casas antigas da Estremadura eis- o transtagana, como tenho visto, por exemplo, nos concelhos do Cadaval, Leiria, e Alcácer.
6. Um festeiro.
Ordinariamente, quando se quer la- zer uma festa religiosa, de certa pompa, e com caracter geral, nomeia-se uma comissão que se encarrega de, por pedi- tórios, leilões, etc, alcançar dinheiro jiara acudir ás despesas. Os membros da comissão chamam-se mordomos e mordomas, por exemplo, nos distritos de Viseu e Portalegre, e festeiros e fes- teiras, por exemplo, na Estremadura. Em algumas terras estremenhas é costume, alguns domingos antes da festa, ir a comissão pelas povoações próximas angariar donativos e esmolas, acompanhada do uma filarmónica, que desperta as gentes, e provoca generosidades-.
Boletim ue Etnoukafj.'
4T
A tig. G cxpõc-nos um dos /'tísífíVo*-, iísto é, o juiz, da lostíi da Senhora da Graça dos Boj^alhos, concolho de Alcam^na: estií em cabelo, de saiças, veste opa, e segura com a mão esquerda a ban- deira da .Senhora, que ele dá a beijar pelas casas. — Ao lado vô-se um rapazito, de barrete caído para o lado direito, om mangas de camisa, com uma vara horizontalmente na mn,o, e a olhar para o festeiro. — Algumas carvalliiças completam o quadro.
Nao ha festa som sermão'; ao lindar o sermão, o pregador cos- tuma ler do púlpito um rol com os nomes dos festeiros que hão-de promover a festa do ano seguinte. Depois os festeiros antigos vão
Kig. '
cora musica entregar as bandeiras ao principal, ou juiz, dos f(>steiros recentemente nomeados.
7. Levantar de redes.
Vô-se na fig. 7 um grupo de pescadores no momento de levan- tarem as redes do sável no local em í|ue a vala de Santo António (Ribatejo) entrega as suas aguas ao Tejo.
* Ou sermôii! Assim ouvi nina vez om Mciiclim a um pailio cla3^ifif■al• pur sátira, o talvez por clespeito, um liaco .sermão que outro prígara. A palavra é-me também conhecida lie outras terras. E atr iVr/. o povo ás vezes «oh! rpie icrmôa!», pouco mais ou menos no sentido de «uli ! que sermão'.», para indicar longa rcpriínenda ou ralho. Tamliern tcnh) ouvido (di.strito de Coimbra) na
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Boletim de Etnografia
8. Pescador da Nazaré.
Traja Musa de flanela de la (por dentro camisa) e calças da mesma fazenda. Tem barrete na cabeça caído para a direita, e cinta de la
na cintura. Fig. 8.
No verão, quando anda no mar, usa ceroulas brancas.
9. Barcos do Tejo. Fig. 9: barco que conduz pessoas do Campo nas inundações do Tejo. Cha- mam-se Campo os terrenos marginais do rio, destinados a pastagem, semea- dura, e vinha: propriamente, só até onde chegam as inundações (terrenos de aluvião). O Campo toma diferentes apelidos: Campo da Golegã (direita do Tejo), de Almeirim (esquerda), de Al- piarça (esquerda), de Vila tranca (di- reita), da Alhandra (direita), de Valada (freguesia do Cartaxo: direita do Tejo). Esto último Campo figura já num do- cumento do sec. XV (vid. Gama Barros, Tlist. da Administração, iv, 64): Campo de Valada. Também tenho ouvido Valada do Ribatejo, para a dis- tinguir do outras Valadas.
Campinos sao os guardas das propriedades do Campo, e de gado
Fig. 8
mesma aeepção seraiiiôa c seramonete (por *sermonele), com suarabacti de o. Frases: «hoje temos sermão!», «hoje teraos seraínonele!» Para se arredondar o completar a frase: «hoje temos sermão c missa cantada!» Como d'entre as ideias que dominam a vida do nosso povo a religião ó uma, a par, por exemplo, com o campo, o mar, e outr'ora a realeza, acontece que ela se reflecte a cada passo na linguagem em frases estereotipadas, como esta, em metáforas, etc. : está a dar a alma ao Criador, diz-se de uma cousa que está a acabar; este ano temos a páscoa ao domingo como o ano passado, isto c, acontece o que d'antes acontecia; fiat lux! quando se acende uraa luz; estar sempre com o credo na boca, isto é, em aflição ou temor de perigo; pobreza franciscana, por muita pobreza (ás vezes em sentido irónico); a ordem c rica e os frades são poucos, por abundância de meios de vida, que podem ou lião-de gastar-se á vontade; trabalhar para o bispo, isto c, de graça, ou (jratis pro Deo; ao fundo todos os santos ajudam. Tenho a pro- pósito d'isto muitos apontamentos que não posso aqui publicar, por vir fora de propósito.
Boletim de Etnoghafia
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grosso (bovideo o equidoo), sobretudo do gado bovideo bravo. Caractc- rizavam-se polo seu cavalo competontemento aparelhado ', e pelo tra-
FiB- •■»
Kig. U)
' O aparclhu consta <lc : albarda i'om cncliiiiiciito <Io (lallia cciitcia, |por cirna lima |iele de carneiro ou ilo cabra, ainda com as unlia»; estribos ile jiau com forraf^em do ferro. No aparelho vai á frente uma manta de côr (mmila raiana; mania da Goleijã), e atrás o alforge.
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Boi-EiiM DE Etnografia
jo: barrete vcrdo, de cercadura ou carapinha encarnada; colete en- carnado, atacado na frente e nas costas ;JaZeca, ordinariamente rnuHo curta, o trazida com freqiiencia a tiracolo, o nela, como ornato, muitos botões de madrepérola; calção escuro com fivela do prata a baixo do joelho; meia branca o bordada; sapatos do salto de prateleira, esporas de fivela; no inverno casaco de oleado. Na mão, pampilho, quando guardadoi"es de bois bravos. Hoje quasi só aparecem assim em touradas e solenidades. Nas horas vagas em que estão guardando o gado, ocupam- se muito a fazer não só fjalrkhos (alcofas pequenas.
f ig. u
de junco ou de junca, para transporto de peixe miúdo que cies pró- prios })escam, ou que compram), cacliimbos de i)au o coliiéres de chifre, mas trabalho próprio de mulheres : renda, meia, croché, — quasi como Hercules, quando vestido de trajos femininos, fiava ao pé de Omphale, para se lhe tornar querido! No Museu do llafael Bordalo Pinheiro, or- ganizado com tanto gosto \mí\o S.'"' Cruz Magalhães, está exposta uma agua-forto em que o grande Artista desenhou um Campino no acto de fazer meia; no mesmo ^luseu me mostrou a S." U. Julieta Ferrão, afilhada e inteligente colaboradora do S."' IMagalliàes, outro desenho de Bordalo Pinheiro, de igual assunto, trayado a lápis num álbum.
10. Pastagens.
Na fig. 10 panorama cartaxeiro, composto do oliveiras e pinheiros. Ao lado das arvores pasta gado bovino e caprino.
BOLKTIM UE EtNOííUAFIA
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Na tíj^. 11 um pedaço do Ribatejo, junto da vala de Sant'AiKi, onde está em descanso uma manada de touros. Perto lia poços de sígua. Esta vala, na linha do iígua, vem dos lados do liio ^laior ao Tejo: acaba na Azambuja, no sitio das Obras Novas. Diz-se quo d'antes era navegável ató S. João da Ribeira (Rio Maior): hoje só ó navegável de Sant'Ana para a Azambuja.
As onze fotografias em (juo assentam as gravuras que acom- panham este artigo foram tiradas pela Ex.'"'' Senhora D. Berta Mayor do Oliveira Machado, do Cartaxo, que amavelmente m'as ofereceu.
J. L. UE V.
/yiobilia popular alentejana
As figuras quo acompanham este artigo assentam em fotografias amavelmente tiradas em Gúfoto (Alto-Alentejoj pelo S."' António do Gouvêa.
Pig. :
Na fig. 1 temos um raílcirão, tambt^m chamado <a<lelr(( do encõMo. de madeira. Correspondo ao que noutras localidades chamam hancão (Beira).
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Boletim ue Etnoguafia
Na fig. 2 vc-so uma mesa de comer, o bancos cm que se sentam quando comem. E notável que, passando os Alentejanos por gente
Fig. -i
encorpada, aqui se sirvam de mobilia tao deuiluuta. Esta provavel- mente ó assim, para se poupar espa<;o nas casas.
J. L. de V.
Etnografia vária
1. De um bilhete postal do Plioto-editor M. C. (Lisboa 1911), extr<'iio, com a devida vonia, a lig. 1, onde se vê um rapaz do Unhais da Serra (concelho da Covilhã) no momento em que regressa do mato, carregado com um feixe de lenha. Está de barrete na cabeça, aqui chamado gamujo •, em mangas de camisa e jaqueta caída do ombro esquerdo, calças dobradas em baixo, e descalço.
2. Nas figs. 2, 3 o 4, temos respectivamente vasilhame de Nisa (empedrado), Pampilhosa do Botão, o Vila lleal de Tras-os-Montes ; na tig. 5, nui coração de filigrana do ouro, feito em S. Cosmo do Gondomar, o usado por mulheres, suspenso de um cordão que trazem ao pescoço.
1 Palavra que creio deriva de i/ôrro : * ijorriíi;o> * ijuerrU';o> (jarrui;o.
Boletim de Etnografia— N.° S— 1923
ESTAMPA V
KiK. 1
Flg. 2
Fig. 3
Flg. 1
Boletim de Etnografia
53
Os desenhos em quo assentam as gravuras dovo-os á amizade do S.°' Emanuel llibeiro, distinto Aríjuitocto, o Professor da Escola Industrial de Xabregas.
Ao coração na arte e poesia populares me referi em O ArcJt. Port., XIX, 398, e no meu livro De Campolide a Melrose, p. 93, nota. Cf. também Luís Chaves, O amor português, Lisboa 1922, pp. 35-39.
J. L. DE Y.
Çatcntcs de porta zoomórficos
Nas figs. 1 o 2' publicam-se dois batentes de porta, do tipo igual ao da fig. 13, est. II (vid. supra, p. 27), e também de ferro: ambos
FlK. 1
FiK.8
representam mais ou menos fantasticamente, animais : um parece que um lagarto, mas com a cauda enrolada para cima; outro um cJlo, com a cauda om posição semelhante. Estes dois batentes podem ver-se no Museu de Machado de Castro, em Coimbra: o rótulo que os acom- panha diz que foram aí depositados por Teixeira de Carvaliio.
' Ao meu amigo S."' Álvaro il<! Lemos, distinto Professor da Espola Normal Primaria <l'aquela cidade, di;vo os desctilios que serviram para as pra- vuras, e que ele fez com toda a exactidSo.
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Boletim pe Etnoorafia
Nem (los batentes aqui publicados, nem ãu que tem o n." 13, est. II (\). 27), teaho as medidas; eles porém liSo-de ter de comprimento entre 1 e 2 decimetros.
J. L. deV.
Caleira da Afurada
O desenho que acompanha este artigo, e que devo á amizade do distinto i)intor o H.'" Joaíiiiini Victor! no Ribeiro, representa- -nos uma òiiteira da Afurada. A Afurada fica no conceliio do Gaia, fronteira a Lordclo do Ouro, c o barco destina-se a pesca em geral, e principalmente á do vtexoalJ/o (que serve para adubo dos campos).
No barco estilo dois barqueiros, de carapuça e camisola: as per- nas não se vêem por inteiro, contudo eles costumam andar de calças
,-*.vi V.
curtas, e descalços. Cada um empunha seu remo. lia remos que frahalliam em Ibrcpiillias de ferro. Os que se figuram no desenho têm na parti^ inferior e mais larga um buraco onde encaixa um eixo d(í madeira, que está fixo na borda do barco. Ao conjunto do eixo e r(>spectivo remo chania-se tolete*.
J. L. deV.
' Cf. Victoiino domes da Costa, Guia ãe inslrncção jirofissional ih marinheiro, Lisboa, Impr<Misa Nai'iiiiial, 18'.t8. — A iialavia tolde vein ilo fr. ío/cí Ole origem gerinaiiiea, isto r, cseaiulinavica ; et. ileyer Lílbkf, R. E. TI'., n.° S710).
Boij:tim de Et.voghafia
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Azulejos etnográficos
Os azulejos, sobretudo os dos séculos xvii e xviii, s?lo boa fonte para o estudo da Etno<i;rafia, pois frcfiuontemento se roprosontam neles scenas da vida quotodiaaa, pescarias, ca(,'adas, bau(|uett's, joí^os o também actos da vida jurídica e religiosa, e, por outro lado, trajos, móveis, jardins. Qu''ni pudesse publicar todos os azulejos de carácter etnográfico, fazer deles um corpit,^, com comentário e comparações, que linda obra levaria a cabo!
No que vou dizer procuro unicamente reunir, a este respeito, apontamentos avulsos.
Rede de pesca
Na fig. 1 reproduz-se' uma das scenas dos azubjos que en- feitam o jHirque do Santa Cruz de Coimbra, os (|uais, segundo uma data que neles se lê, reproduzida de outra antiga, foram fabrica- dos em 1749. A scona h muito simples : uma .
praia cora arbustos, que _^À^J em frente «o reflectem na água, o nesta uma rede, (piiota, do tipo chamado r?rco, com dois peixes que tentam esca- j)ar-so, fazendo sair fora a metade anterior do corpo.
Para melbor eluci- daçilo do leitor, af[ui se transcrevi' o (juo da palavra ri^n-M diz Ba!da([uc da Silva, 1'jsfiirlo (ictiuti dn-i pesca.') em Porfiii/td. Lisboa 19Õ8, pág. 490:
1) «Rode ([ue se emprtíga nas arinaçOes de atuni".
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fig- 1
* Segiimlo um (Icseiilii) ilii Sr. Álvaro li p I^ e mo s , Professor da Escola Normal Friínúria de Cuimbra.
56
Boletim de Etnografia
2) «Nome gonórico de todas as rodes que circundam ou cercam um determinado espaço das águas, uâo permitindo a íuga do peixe. Antigamente, para encaminhar os peixes para as armações de pesca, usavam-so os cercos de con-er».
Quanto aos peixes pintados no azulejo de Coimbra, creio que nJlo se pode dizer se sa,o realmente atuns, se peixes indeterminados.
II Caça e pesca ao candeio
Em azulejos do mosteiro de S. Vicente de Fora, que datam do sec. XVIII, represontam-se algumas scenas que correspondem a tra- dições nacionais, a par de outras que tõm origem estrangeira.
A primeira classe poderá pertencer a caça ao candeio, quo se reproduz na lig. 2 (desenho de Francisco Valença), e se vô em
Fig. 2
azulejos da escada que conduz ao actual Liceu de Gil Vicente. Ainda hoje, por exemplo, na região de Vila Franca de Xira se caçam ao candeio as seguintes aves: calhandras, cochichos, labercas (lavercas). Em Avis e outras terras caçam-so ao candeio coelhos e lebres. O candeio ó um recipiente de aramo, aberto no alto, e de uns 3 a 4 decimetros de altura, com dois arames em cima, que se prendem ao pescoço do caçador, o uma haste de madeira, com forcado, que se
Boletim de Etnogkafia 57
prendo á cintura. Dentro do candeio vai cortiça acesa, com chama, que encandeia ou deslumbra os animais que se desejam caçar, e an- dam a pastar de noito.
A caça ao candeio se referem as Ordenações Manuelinas, citadas por Moraes, o qual produz também um trecho da Kova Floresta do Bernardos, ondo este diz que a filosofia do tempo deslumbra «e pesca os que vivem cegos nas trevas da ignorância». O candeio servia, de facto, igualmente para pescar: cf. Constâncio, Xoro Dic- cionario: tcandeo ou candeio, facho que se accende de noite para pescar, caçar perdizes, ele». As formas do instrumento (' que va- riavam.
J. L. deV.
Vários tipos de jugos c cangas de bois
I
Creio que fui eu quem principalmente chamou a atonçílo dos etnografos para os jugos e cangas artisticas dos bois portugueses: primeiro, em 1879, nnma nota do Boletim do Cancioneiro Portu- guês, n." 5, p. 18; depois, em 1881, num opúsculo especial, intitu- lado Estudo Ethnographico (com estampas)'. Sem ter j)odido voltar ao assunto, reservo-me para tornar a tratar d'ele com algum desen- voh^imento na Etnofjraiia Portuguesa, que estou organizando. Ei*tro- tanto aqui publico mais alguns jugos o cangas, como preparaçilo para osse tral)alho:
Fig. lijugo muito ornamentado (Porto), segundo uma fotografia que devo ao meu amigo D." Carlos do Vasconcelos. xVo centro vô-se o sino-saimao; cf. o meu livro Signum Salomonis, ])p. 95 e 122.
Fig. 2: jugo de Ponte de Lima, do tipo do jugo roprosontado na figura antecedente. Segundo uma fotografia.
Fig. 3: canga do Azoeira, concelho de Mafra: com um sino- saimSo em duas partes.
1 Acôrca do jugo na Ilcspanha conlieço dois importantes estudos do Aranzadi: FA yugo vcwo-uztarrin, San Sel)astian 1905; o umas páijinas na Etnografia (obra ilo mosmo autor puMioada cio colaboraçTio com Iloyos Sainz), 1917, pp. 39-.55.- — -Tendo eu estado em Astorga o. Lião do Ilespai.Iia orri 1922, vi que os bois puxam aí os carros junf^idos \)ot jugos (yiujos) que pousara om molhelhas (mollidas).
58 Boletim df, Etnografia
Fig. 4: canga de Bucelas; está ornada com figuras do sino- sahiião dobrado: cf. o meu citado livro, pp. 111 o 119.
Fig. .'): jiiffo do Lisl)oa; tem também repetida a figura do s!no- saimão dobrado.
Fig. G: carifja da Barrosiuha (Alcácer do Sal); tem um mono- grama duas vezes, que significa J(oaquim) A{ntune8) R{eis) P{ires). dono antigo da casa a que ])ertenceu o jugo.
Fig. 7: canga do Montemor-o-Velbo, com uma figura que o povo chama simplesmente sino-saimão, mas que é o dobrado: «para não ■ vir mal aos bois».
Fig. 8: cangalho de QuiMuz, que serve para nm só boi: desenho de Francisco Valença (1922).
No Porto fazem diferença entro canga e jugo, conforme o que escrevi no Estudo Ethnographico. Noutras terras, umas vezes dizem canga, outva,s jugo, sem diferença essencial nos objectos. Em Cami- nha ouvi chamar cangão h canga, e canga ao jugo alto de «varan- das» (cfr. figs. 1 e 2). Quer os jugos, quer as cangas, ou cangões. de que aqui falo, assentam imediatamente no pescoço dos bois, sem intermédio do molhelha, qne porém so usa em muitas terras. Vid. nas figs. 9 a 11, extraídas de bilhetes postais, a maneira como os bois andam jungidos nos arredores do Porto, onde eles silo de ordinário guiados por crianças do um ou do outro sexo.
Como comparação publico a seguir cinco jugos da Galiza (xugos),
figs. 12 a 16: a fig. 12 assenta em um desenho que me enviou
o meu amigo D. Federico Macinoira y Pardo, etnografo
galego bem conhecido; as ([uatro restantes assentam em desenhos
de Saavedra Machado, feitos por esboços que eu próprio lá
tomei'.
*
Qu:;;-.(lo num povo observamos factos ou objectos etnográficos iguais ou semelhantes aos de outro povo, nem sempre a semelhança ou a igualdade resultam dií relações genéticas ou liistoricas; elas ás vozes são apenas fortuitas, devidas a coincidência nas circuns- tancias geradoras: diz-se então quo ha convergência.
* Em 1887 fez uma referencia aos jugos o cangas o S.»' Joaquim de Vas- eoncellos no ii." xxviii do uma serio de artigos sobre «Industrias portuguesas», publicada no Comercio do Porto (vid. 11 de Setembro do 1887^, o em 191C publicou o S."' E. Frankowski em I^isboa um follicto, que me enviou, com o titulo de «As cangas e jugos portugueses» (separata da Trrra Portuguesa), onde naturalmente, após tantos ajios, vai mais ab'-m do que eu tora em 1881.
ê
líOLETIM DE ExNOnRAFIA 59
Atentando no paralelismo quo existo entro os objectos escandi- navicos, do Upland (Suécia), representados, segundo fotografias, nas figs. 17 a 24, e os jugos o cangas do Baixo-Minho (figs. 1 e 2) o Beira Ocidental (vid. o meu citado opúsculo), seriamos levados no primeiro momento a considerar esse paralelismo como mera convergência; talvez baja porém aí mais alguma cousa do que convergência.
Os objectos oscandinavicos sSo de madeira, como os jugos e can- gas: só diferem no emprego, visto que, embora destinados a faze- rem ffarte de arreios de animais do tracção, servem (ou serviam, pois já nSo se usam) para o dorso do cavalos e nao para o pescoço de bois. Sao uma espécie de cangalhos a que se prendiam os varais de uma carroça, quando tinha d(í ser puxada por um só animal.
Vi muitos d'estes objectos uo «Museu do Norte» (Xordiska }fu8eet) de Estocolmo, em 1921, o de lá sâo as fotografias que aqui publico, as quais me foram amavelmente oferecidas pelo ilustre etnografo sueco D."'' Nils Litberg, Conservador d'aquole Museu. As semelhanças dos cangalhos de Estocolmo (ou hoir-.mddleit, como se lhes chama no Guide to t/ie col/ections of thf Northern Museiim Stoehholm, de S. Ambrosoli, 1012, p. 30), sobretudo dos quo t3m neste artigo os n."* 17 a 21, com os jugos minhotos, é palpitante: até em alguns se esculpiram estrelas de sois raios, como no Minho; os vasados do corpo superior dos cangalhos n." 17 a 19 lembrara também os dos jugos.
Em museus de Ifelsingfors (Finlândia) o do Egor (Txeco-Slo- vaquia) vi objectos semelhantes. De objectos da Finlândia nos dá muitos desenhos a notável obra do Sirelius, intitulada Suomen kansanomaistn kuHuuria («Civilização do povo tinico»), tomo i, pp. 401-4<I4.
Da fig. 25, tirada de uma fotografia de um quadro do mencionado Museu do Estocolmo, que me foi enviado pelo S."'' D."'' N. Áberg, Professor da Universidade de Upsala, vê-se tambom como é que se usavam os how-sacldle-i.
Em Lisboa os varais das carroças puxadas por muares ligam-so aos manf/oteg do arreio quo vai sobre o dorso do animal : e ha alem d'isso tirantes ilo coiro, do borracha, do corda ou de forro ('corron- les) que pr<;nileni a carroça á colheira ou roalJieira onciuimaoada do pescoço, para o animal poder puxar. A palavra colheira velo-nos dl' Hespanha (collera), com outras palavras conexas: ravalhariqa (quo usamos a par do tuvalnrira), o raralheiro (forma paralela a ctirídciro). A parto do arníio escandinavico (fig. 2;}) correspondente á colheira portuguesa ó ])oróm do madeira, oonio o bowxuddle.
60 Boletim de Etnografia
Aventei acima quo a semelhança que existe dos jugos e cangas (lo Baixo Minho, e Beira Ocidental, com os escandinavicos nHo seria ' simples fenómeno de convergência. Efectivamente, nos séculos ix a xi, estiveram naquelas regiões povos da Escandinávia, otc, isto ó, pira- tas normandos, ou como eles a si próprios so chamavam, Wikinrjer^. Ora, supondo ou que talvez niío fosse absurdo atribuir á arte dos Wikinger essa curiosa ornamentação dos how-saddlea, consultei um bom conhecedor do assunto, o S."'' D.""' N. Âberg, a quem já acima me referi, e ôle me disso: «L'origine de rornemontation des bow- -saddles est une question tròs dlficile i\ résoudre. La plupart des saddlos appartient au 17-18 siòcles; mais c'est bien súr qu'ils signifient un développement qui remonte au moyen fige (etc.)». Com esta remota data concorda o que so lê no citado Guide, p. 29. «A coUection of carved and painted harness saddles: among tliese is tho oldest . . from 1638. It is decoratod witli the ornements cliaracteristic of the East of Upland, which has manj' anciont features. As is woU known, Upland has a groat numbor of runic stones, wiiich ai-e boautifully adorned. It seoms as if in somo parts of tho province the traditional decoration, wliich is now nearly 1000 years old, has not yet been given up».
Poderemos assim talvez admitir (jue a ornamentação dos arreios dos cavalos dos Normandos ouWiivinger passou para os jugos e can- gas medievais dos bois do Baixo Minho e Beira, aí conservada até hoje.
J. L. DE V.
OBSERVAÇÃO FiNAL
A figura emblemática que embeleza o frontispício d'este número do Boletim foi feita pelo insj)irado artista S."'' Saavedra Machado, antigo Desenhador do Museu lítnológico.
1 Viil. o mpu opiisoulo Orirjrm do povo porlugwx, Lisboa 1923, pp. 5-6.
Boletim de Etnografia — N." 2 — 19S3
ESTAMPA VI
t
Fifr. 1 — Jugo do Porto
Fig. 2 — Jugo de Ponte de Lima
Fír. 3 — Canga da Azoeira
Fig. 4 — Canga de Bucelas
Boletim de Etnografia — N.° 2 — 1923
ESTAMPA VII
c^izrS
Fig. 5 — Jugo de Lisboa
Fig. e — Canga da Barrosinha
Fiií. 7 — Canga de Montemor -o -Velho
Fig. 8 — Cangalho de Queluz
Fig. 9 — Arredores do Porto
Eoletim de Emograíia — N.» 2 — 1923
ESTAMPA VIII
Fig. 10 — Arredores do Porto
Klf. n — Arredores do Porto
Kit'. 12— .Xugo. galego
lifc'. 13- .Xugo. galego
Boletim de Eliiogiafia — H.» 2 — 1923
ESTAMPA IX
Fig. 14 — .Xugro> galego
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Fip. 15— .Xugo- galego (de Santiago)
KiK. n; - .Xago- galego (de Santiago)
Fig. 17 — Cangalho esoandlnavioo
Bolitim de Etnografia — N." 2 — 1923
ESTAMPA X
Fig. 18 — Cangalho escandinavico
Fík. r.i — Cangalho esoandinavico
Fig. ao — Cangalho escandinavico
Boletim de EmogiaEa— H.° 2 — 1923
ESTAMPA XI
Fií?. 21 —Cangalho escandinavico
Fig. i'2 — Cang-alho escandinavico
Fijf. 2^ — Cangalho escandinavico
Boletim de Etnografia — N,° 2 — 1923
ESTAMPA XII
Ki_'. 24 — Cangalho esoandinavioo
Fit'.2'i — Cavalo aparelhado (Escandinávia) (Do iiiii quadro do Mtiseil do Xorte)
ÍNDICE
Oâ cinco sentidos 5
Coleira de cão 8
Apontamentos para a etnografia inadciroiisc — Habitação troglodítica . . O
Vida portuguesa antiga, segundo documentos iconográficos 13
Teares 20
«Espolhos« de portas 22
Pescador da Figueira da Foz 23
Gostos artísticos 24
Tipos e cousas do Alentejo '^f'>
Adelino das Neves (2.° artigo) 28
Etnografia do jornalismo 31
Uanho santo 34
Cozinha alentejana 35
Niclio do uma casa 37
Objectos etnográficos do Alto Alentejo 3'J
Trajos alentejanos 40
Etnografia estremenha 44
Mobília popular alentejana 51
Etnografia vária 52
iiatentcs de porta zoomórficos 53
Bateira da Afurada 54
Azulejos etnográficos:
1) RCdo de pesca 55
2) Caça e pesca ao candeio. 56
Vários tipos de jugos e cangas de bois 57
Observação final CO
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
PUBLICAÇÃO DO MDSEU ETNOLÓGICO FORTDGDÊS
DIRIGIDA POR
J. LEITE DE VASCONCELLOS
2sr.° 3
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
IN CM XXIV
ÇObETI/W
DE
ETNOGRAFIA
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
pdblicâção do mosed etnológico português
DIRIGIDA POR
J. LEITE DE VASCONCELLOS
isr.° 3
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
M CM XXIV
Vida portuguesa antiga segundo documentos icono|graficos
10.— o "Livro das fortalezas do reino» como fonte de Etnografia
ÍÁcro das fortalezas do reino íeito á pena por Duarte d'Armas no reinado de D. Manuel I (149Õ-1521), e ainda existente na Torre do Tombo, SC é precioso pelo seu assunto princi- pal (do- se u li o s e plantas de fortalezas fronteiriças), ó-o igualmente pelo ([ue toca á Etnograíia. Duarte tinha gosto artistico, e era grande observador: por isso, ao desenhar as forta- lezas, vistas de ordinário com a bandeira real arvo- rada nas torres, agrega aos desenhos, como decoração, panoramas variados (^arvo- redo, rios, ])ato8 a nadarem), c i)riiicipalmentc, para o meu caso, esbo(;os etnográficos, relati\os á vida religiosa, vida politica, (? vida quotidiana. Antes, poróni, ile especificar um pouco estes esbo^-os.
i-ig. 1
Boletim de Etnogeafia
desejo chamar a atenção do leitor para uma circunstancia que creio nâo foi ainda notada.
No decorrer dos desenhos deparam-se-nos com muita freqiiencia
í
Fig. 2
duas figuras sempre juntas: um cavaleiro, de lança ao ombro, ou na mão, e um peão, muito lesto, também de lança, e ao mesmo tempo
de espada curta á cinta, fig. 1, o qual vai ora na frente (e quasi sempre), ora atrás. Primeiro as duas figuras aparecem só de meio corpo, modestamente (fls. 24); depois por inteiro, e ás vezes estacadas diante das fortalezas a contemplar as altas muralhas;
Fig. 3
Fig. 4
A fls. 48 o cavaleiro fala com o poSo, e este como que está res- pondendo; a fls. 65 passam a ponte do Côa, no Sabugal, e o peão pára voltando- se para o cavaleiro, fig- s fig- 2 ; a fls. 115 atra-
vessam o rio Minho sentados num barco, um á proa e o outro á popa, tig. 3; uma vez, fls. 61, na subida de um monto vêem-se os dois em
Boletim de Etnografia
baixo, o em seguida surgem mais acima, numa volta da ladeira; no desenho de fls. 105 o cavaleiro apeou-so, o o peão leva o cavalo
Fig. 6 Fig. 7
adiante á rédea para lhe dar do beber num poço que se vê á direita, cÔrca do caminho: isto permite observar melhor a sela d'onde pendem
Fig. 8 Fig. 9
estribos largos, de que contudo só naturalmente se vê um (o da di- reita), fig. 4.
Quem sao estas figuras? No meu entender, e isso parece-me evi- dente, sao o próprio Duarte d'Armas montado num cavalo, e um
Fig. 10 Fig. II
moço a pé. As lanças nfto representam aqui insígnias do milícia, servem de armas de defesa, pois também a tis. 52 se vê um moleiro de capucha, o (jual, acoinpaniiando dois muares carregados do sacos de farinha, um d'eles (o do trás) até com chocalho, a leva ao ombro esquerdo, segura pela mão do mesmo lado (na m^o direita tem uma
8
Boletim de Etnogeai'ia
espécie de arrocho ou vara para tocar os animais), fig. 5. Julgo bastante curioso o ter-nos deixado aqui Duarte d'Arma8, embora não propriamente o seu retrato, ao menos um esboço da sua figura,
e ter-nos dado uma idea de como, para de- senhar as for- talezas, jorna- deava de umas para outras, a cavalo, e acom- panhado de um moço, e ipso facto de como
ambos trajavam: ele de gorro, a modo de turbante, e tabardo de capuz, o moço de gorro simples e pelote, e ambos armados como já vimos.
Passemos agora á Etnografia.
Na vida material ora vemos, além do que já indiquei, um pescador com o seu moço, que leva a cana de pescar e um cabaz
Fig. 12
para o peixe (8), fig. 6, ora azenhas ou moinhos (1, 4, 65, 95). fig. 7, uma fonte coberta (Ouguela, 3U), fig. 8, um tanque (83), fig. 9, uma
Boletim de Etnografia
scena de mulheres que tiram água de um poço (Sul?) e a transportam em bilhas á cabeça, íig. 10; a fls. 30 uma mulher não só leva uma bilha á cabeça, mas na mão direita uma cesta, fig. 11, aqui mostra-se- nos um estaleiro (115), fig. 12, ali navios á vela ou ancorados, barcas com os respectivos re- madores. O que respeita a vestuário, já o ilustro artista Alberto Sousa
aproveitou na sua obra o Trajo em Por- tugal o que havia importante. Duarte d'Armas repre- senta sempre as povoações que pertenciam ás *■'«• 1^ fortalezas. Em-
bora as casas estejam estilizadas, observa- mos vários tipos: de andar baixo, do andar alto (i)or exemplo, 16, 19, 20, 29), com ou sem chaminé (a chaminé porém é rara: por exem- plo, 3õ, 66), e no Norte casas cobertas de colmo, fig. 13. Quasi sempre as telhas, tanto de casas como de igrejas, silo quadradas; mas ás
vezes ha telhas compridas, curvas, por exemplo, a fis. 59; ha telhas quadradas a par de telliados do colmo, Hs. 59 (Peua Garcia) e fis. 1
10
Boletim de Etnografia
(Penas Koyas). Não faltam casas de alpendre, nem também hortas e pomares perto das povoações.
Na vida religiosa tomos no Livro das f(y>'talezas muitos ti- pos de igrejas e capelas, por exemplo, fls. 56, a igreja de Segura,
(innnAAAnM
Fig. 18
Fig. 19
com torre encostada á parede direita, e alpendre ou galilé á entrada, o na torre uma ave como catavento, fig. 14; varias formas de cru- zeiros, por exemplo, fls. 50 (Montalvão), entro dois renques de varas, fig. 15. A fls. 65 vê-se junto do Sabugal uma cruz pousada num montão de pedras (calvário), e adianto d'ela uma mesa, que parece de pedra, com dois bustos em cima, fig. 16; o autor chama altar
á mesa, e diz: «nes- te altar estâm dous santinhos velhos de paao». Todavia o que ele tomou por santinhos são ex- votos de madeii'a, que ainda hoje em ^'8- 2" Santo Amaro do
Cortelho, precisamente no concelho do Sabugal, é uso pôr no adro da capela do santo. Conheço o mesmo uso na Beira Alta: entro Tarouca e Lamego havia por 1870 (ao presente não sei se ainda lá está) um cruzeiro de pedra em cujo pedestal e em cujos braços se acumulavam braços e peruas de pau, ali levados como promessas, e já carcomidos da chuva o do sol. No Museu Etnológico, secção de Etnografia, pode o leitor ver objectos semelhantes a estes que adquiri no concelho de Sátão em 1896. As idoas religiosas persistem muito tempo, e por isso não admira que esta prática do sec. xv-xvi so conservasse até agora.
No que toca á vida politica dá-nos Duarte d'Armas muitas informações, como já sabemos, a respeito do fortalezas e da ban-
Boij;tim de Etnografia
11
V\g. 31
doira e armas nacionais; contudo, como ele era muito observador, e amigo de assinalar aquilo que julgava característico das localidades, desenha a cada passo forcas em várias posições, e picotas de vários e artísticos feitios, como consta de íls. 14, 31, 92, 95, 97 (forcas), figs. 17 a 21. e 55 (picota), fig. 22, e das figuras que de outras folhas extraiu o D."'' Manuel He- leno para a monografia que, com o titulo de «Antiguidades de Monte-Real», deu a lume no volume xxv do Archeologo Português (d'onde fez ediçiío aparte).
Lô-se por vezes em antigos documentos uma frase que sintetiza o rigorismo da justiça medieval: tronco, picota, e forca. Os desenhos de Duarte d'Armas tornam bem expressivos, pelo menos, os dois últimos termos da fra- se. Desenhos de pri- sões, suponho que os não fez, ou nJlo os pôs claros.
Eis ai, expresso de modo sucinto, o que mais adequado me pa- receu para servir num estudo etnográfico; o tudo isso conto apro- veitar na minha obra de Etnografia Portuguesa, em que ha muito tempo trabalho.
P.S. — Os desenhos que se publicam a([ui foram extraídos do itvro pelo S." Francisco Valeu(;a, desenhador do Museu Etno- lógico.
Lisboa, Setembro de 1925.
J. L. dkV.
Fig. :
Çonccd de chdtnlné
Por várias vezes, em escritos meus, me tenho referido á boneca que costuma fixar-se á parede da coziuha: vid., por exemplo, //ís- toria do Museu, p. 209, e nota, e Boletim, n." 2, pp. 31-32. VMg costume, que primeiramente só obsei'vei no Alentejo e Algarve, observei-o depois taml)em ua Estremadura, isto é, nos conceliios do Cadaval o do Porto de Mós.
12
Boletim de Etnogkafia
Na figura junta reproduz-se uma boneca de tijolo de uma cozi- nha do Peral. A dona da casa informou-me que os pedreiros que
a haviam construído eram de longo, e também me disse que não sabia que tivesse nome especial.
Será conveniente arquivar maior número de exemplos de bonecas na Estremadura, para ver se se pôde averiguar so o costume é aqui antigo ou nâo.
Se bem me lembro, encontrei ou- tra boneca ha anos numa cozinha da Vermelha, do referido concelho do Ca- daval, a que o Peral igualmente per- tence.
Ueixa-se á boa vontade do leitor o imaginar que a parte inferior da bo- neca, sobre a qual pousa o losango, é formada, nâo de um só tejolo, como ao i-epente parece do esboço, mas de vários; o todo apresen- ta-se uniformente caiado, — e é por isso que de facto ha a ilusão de ali estar um tejolo único.
J. L. DK V.
Chaminé cxtremcnha
A cliamiiió que se representa na figura junta, existente numa casa da Estremadura Cistagana, é feita de tijolo, e caiada. O fumo sai
pelas aberturas angulares que se vêem em cima.
Esta chaminé está muito longe de se parecer com outras chaminés artísticas quo se admiram nas pro- víncias meridionais, o até na própria Estremadura: vid. Boletim, n." 2, p. 39. Onde o gOsto artistlco mais predomina a esto respeito croio sor no Sul. Cf. também o que escrevi na Alma Xoca, n." 3, do 15-IV-1926, p. 10 (artigo quo saiu mutilado).
J. L. DK V.
Boletim de Etnoghafia
13
Azulejos etnográficos 111
Cães com coleiras
Os dois desenhos figs. 1 e 2 foram extraídos do azulejos do parque de Sauta Cruz de Coimbra (1749), ao qual já me referi no Boletim n." 2, p. 55. Foi tam-
bém o S."' Álvaro do Le- mos, de quem aí falo, que teve a bondade de os extrair a meu pedido.
Eepresentam cães, de co- leira e guiso. Acerca das coleiras vid. o mesmo número do Boletim, p. 8. Quanto ao guiso, esfera metálica, ôca o fendida, que tem dentro uma bolinha cujo movimento a faz soar, relaciona-se com os cho- calhos dos solipedes e do gado, cuja historia pôde entre nós soguir-se já desde a opoca lu- sitana, como consta de exem-
)'ig. 1
piares existentes no Museu Etnológico Português (armários 15, 19,
l-ip. 2
40, etc, do salão chamado «de Estacio da Veiga»). No meu enten- der, guiso o chocalho dostinavam-so na origem a expulsar os ospi-
14
Boletim de Etnografia
ritos maus que pudessem perseguir os animais: cf. O Ar eh. Fort., XXII, 332(-333), nota. Acerca do papel profilático de tais objectos vid. Dict. des antiq., s. v. amuletum, p. 258 (artigo de Ch. Morei) o s. V. «tintinabulum», p. 341 sgs. (artigo de Espórandien).
IV
Um veado
Nos azulejos artísticos figuram-se a cada passo scenas de caça: o voado o o gamo eram animais de que as nossas matas outr'ora
'^-mr A w '
abundavam, e por isso muitas vezes aparecem em scenas de caça. O veado que vai representado na fig. 3 pertence á mesma serie de desenhos de que se falou no capitulo iii.
J. L. DE V.
Recipientes de couro para vinho
Sendo Portugal terra vinhateira, não admira que haja mil ma- neiras de envasilhar e transportar o vinho. Nas figs. 1 e 2 temos, por exemplo, respectivamente, uma borracha e um gato, de couro, des- tinados a serem transportados ao ombro de \ãajantes, caçadores, etc.
Estas duas vasilhas ou sacas pertencem ao Museu Etnológico, para o qual foram adquiridas pelo ex- Preparador Chaves Lopes. Os desenhos f6-los do natural F. Valença, Desenhador do mesmo Museu.
Boletim be Etnografia
15
A propósito de gato, nome dado àquele recipiente por causa, da perfunctorla semelhança que ele apresenta com um gato, quando en- roscado no chão ou numa cama, lembrarei que ha muitos outros utensílios cujos nomes provêm metaforicamente dos de animais, e ató em particular do de ga- to; porém nSo posso aqui tratar agora do assunto.
A nossa palavra bor- racha corresponde á pa- lavra hespanhola que tem a mesma forma, á francesa bourrache, que vem d'esta, e á italiana borraccia. Como sinoni- mo de «borracha», tam- bém em português ha Fig. i Fig. 3 bota (cf. botija, fv. bouteille, etc.j, palavra comum ao galego e ao hes- panhol. Ouvi algures uns versos hespanhois, que dizem: Esta nocije es noche buena, |{ alza la bota, morena, || que mo quiero embebedar (por emborrachar).
J. L. DK V.
t
Esmolas religiosas
As imunidades, ou confrarias destinadas a sufrágios e a obras piedosas, são em parto sustentadas por esmolas. Para as receb(>r
Fig. 1 Fiit. L'
existem ás vezes nas sacristias das igrejas caixas próprias, de pau, chamadas caixas das esmolas.
16
Boletim de Etnogkafia
Na fig. 1 (desenho do S.'"' Francisco Valença, feito de um apontamento de um curioso) ropresenta-se uma de uma igreja alen- tejana, de O", 20 de comprimento, com uma fenda para se deitar o dinheiro; na parte anterior do encosto está a imagem de Santo António, na sua posição hierática: Menino- Jesus apoiado na mão e braço esquerdo, e cruz na niRo direita.
A mesma igreja pertence uma caixa de lata em que á hora da missa se pedem esmolas aos fieis, as quais ali se recolliem, — caixa de O™, 10 de largura, e representada na fig. 2.
Na parte anterior do encOsto vemos duas almas a arder no Pur- gatório. A razão do tema está em se destinarem as esmolas princi- palmente a sufrágios.
.T. L. DE V.
Depois dd tndtânçd do porco
Rico como um porco ó expressão vulgar, deduzida da variedade de aplicações que tem a carne d'esse pobre animal, cuja morte, tao barbara, constituo motivo para grande festa de familia.
Uma das espécies culinárias preparadas com carne de porco é o chouriço. Em Moncorvo talham a carne em um prato de ma- deira que tem a forma indicada na figura junta, segundo o exem- plar do Museu Etnológico (de- senho de F. Valença). O prato consta de uma espécie de taça onde ao centro se levanta intei- riço com ela um cepo de forma de tronco de cone, que tem a base para cima: ó na base do cepo (juo propriamente se miga a carne, a qual cai migada o ensanguentada na taça. Diâmetro da taça: 0,282. A operação chama-so: migar a carne.
A palavra migar deriva do latim mica, que significa «migalha», e aplica-se também ao acto de esboroar pão sobre uma tijela ou prato de caldo, e no vSul ao de segar couves para a panela. Se as couves se dilaceram com a mão, diz-se aterçoar (as couves), palavra derivada de torção: *atorçoar (com dissimilação vocálica), por isso (jue as couves se torcem ao serem rasgadas.
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia
Fonte de uma sacristia
A fonte que vai desenliada na figura junta (ístá na sacristia da igreja deTolosa (Alto Alentejo): compOe-se essencialmente de reser- vatório, bica, e tanque. Por causa da carantonlui, cuja l)ôca serve
do bica, pertence ao tipo já estudado neste Boletim, n." 2, ]). 25. A agua que alimenta a fonte não é nativa, mas trazida de fira para o reservatório.
Visto ter a carantoniia ou carranca em sua ori^-em significação mítica, ó curioso que apareça num templo; em todo o caso vemo-la aqui suplantada pela cruzl
O desenho que serviu para a gravura executou-o o S."' F. Va- lença por um esboço devido a um curioso.
.T. ].. Di: V.
18
Boletim de Etnografia
«Copeiro» alentejano
A casa popular do Alentejo prima por boa ordem e asseio. D'essas duas qualidades depende, por exemplo, o copeiro que se representa na figura junta (desenho de F, Valença).
Consisto numa espécie de varandinlia quadrangular, segura por duas tábuas: uma vertical, pregada por duas partes na parede, e outra inclinada, que sustenta por baixo a varanda propriamente dita. — Cf. Historia do Museu Etnológico, p. 207.
O exemplar que serviu para o desenho 2)ortence àquele Museu, e adquirl-o no Alandroal.
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia
19
Esmolas para S. Isazaro
Do antigo Hospital do S. Lazaro, do Lisboa, costumava ir (['an- tes, polas casas dos liahitantes, um (miprogado coliiOr esmolas para
SLAZARO Acl>«C!ado de LepraMorffeiae ^ MaldeTelle
Ad-d, Udo Q mal dg Pelln
FiR. 1
esso ostabelecimento de beneficência pública. Quando lh'a davam, entre- gava como lembrança dois papelinhos em que se representavam respectiva- mente a imagem do Santo, colorida ou não, e uma cruz vermelha posta num pedestal.
As vezes o empregado, ao chegar a uma casa, estava já tilo certo da caridade dos moradores, por os co- nhecer, que apresentava logo á pessoa que abria a porta os papelinhos, para ela os levar para dentro, e trazer depois a esmola.
O empregado vestia do modo comum, sem trajo que o assinalasse.
Nas figs. 1 e 2 reproduzem-se dois papelinhos que rei)rosenlam
Kig.
20
Boletim de Etnografia
a imagem de S. Lazaro, e na fig. 3 um que representa a cruz e uma logenda com o ano era parte em branco.
Os tros papolinlioã existem no Museu Etnológico por oferta (]'uma Senhora que mo informou de que se lembra de qu(! as esmolas se pediam n'aqaelas condições, ainda por 1860 o tantos.
.l.L. deV.
Velador c candeia
Os veladores em que so penduram as candeias chamam-se em algumas terras mancebos. Na figura junta re]tresenta-se um, de ma- deira, que consta d'uma parto fixa e d'outra movei, com incisões, em uma das quais se pendura uma candeia, ])or um gancho de forro.
A candeia é de lata, com dois espelhos, d'um dos quais pende o espe- vitador. O recipiente está tapado com tampa, também de lata.
De candeias já se falou no Boletim, n." 2, fig. 12.
O desenho em que assenta a gravura foi feito por F. Valença, Desenliador do Museu Etnológico.
.T. L. Di: V.
Boletim de Etnografia 21
Para a venda do peixe
Os veudedoros ambuliintes do poixe aiumeiam este, umas vezos com pregões, outras com uma corneta.
Xa figura junta ropresonta-se uma corneta de lata do Museu Etnológico Português, de forma cónica, e asa, a cpial corneta ó usada
pelos peixeiros e peixeiras no coucellio de Melga(,»o, quando vão i)elas terras vendendo poixe.
A exactidão do desenho de F. ^'alonça, Desenhador do Museu, dispensa maior descri(;ão. Basta acrescentar cpio o instrumento tem do comprimento 0"',44.
.). L. DK V.
/Vledição poética do vinho
Na tiragem do vinlio do tonel para o canco, após a venda ao ne- gociante, ocuiiam-se geralmente três liomons: o medidor (em regra o dono da adega ou pessoa de sua confiança); o (juo transporta o viniio I>ara o casco; o carreiro, (|ue está dií pé no carro em que ha-de ir o casco. Quem transporta o viniio para o casco ó um companiieiro do carreiro, excepto se há só um carreiro, o (|ue raras vezes acontece, sendo ontilo preciso um moro. O carreiro rocobe uns tantos litros do vinho para beber pelo caminho: metade á custa do vendedor, e a outra á do comprador; como outr'ora, antes de so usarem os litros, se usavam canadas, chama-se ainda iioje a este acto dar as canadas. Se em negociíjs de vinho, ele nilo liavia de correr a jorros! — Tudo o que digo refere-se ao Cadaval, o que não significa (|ue seja só de lá.
O viniio está correndo do tonel [)ara uma cclJia i\\w se colocou sob a torneira. Então o medidor \ai enchendo o almude, mergu- Ihando-o na ceiiia, o despejando-o em seguida num caneco que o moço entrega ao carreiro, para este, por seu turno, o despejar no casco. Obsorve-se (pie a pala\Ta almude tom duas significações: «medida» (20 litros, isto é, um dui)lo dt-caiitro, ou, como abreviadamente dizem: um duplo), e ^ vasilha» (feita de lata). O caneco é de madeira, e por natureza ó m!iior que o almude.
22 Boletim dk Etnografia
A proporção que o segundo carreiro ou o moço transporta cada caneco para o casco, enumera os almudes, junta uma rima ao número, e repete este no fim d'ela: o ([ue tudo executa cantando. A rima ouvi chamar remate ou arremate. Os remates são bastante curiosos, e aqui vou dar alguns exemplos que colhi no Peral.
Pois que ha poucos cascos que levem quarenta duplos, as rimas chegam só ató esse número, quando chegam.
1. O jirimeiro é Deus. — Em regra dizem só isto; mas também
ouvi: Deus é o primeiro. || E bom ter muito dinheiro. — Muita gente, quando começa um trabalho, sobretudo no Norte e na Beira, benzc-se e reza. Assim uma mulher, quando começa a fazer meia; os trabalhadores rurais até ás vezes se benzem maquinalmente com o chapéu ua ca- beça. Conheço a este propósito uma cantiga popular mi- ^ nhota que começa:
/
Em nome de Ueus, amén, Padre, Filho e Espirito Santo !
e se cauta no princípio de um desajio poético. A gente do Sul não é hoje tâo religiosa como a do resto de Portugal; mas a rima de que estou falando representa tradição antiga.
2. Um e ui/i são dois. \\ Quem tem vacas espera bois. || Olha os
dois! — Variante do remate: Quem padece são os bois.
3. Dois e um são três. \\ Inda cá volto outra vez. || Olha que são
os três! — Variante do remate: Estes vieram da feira das Mercês (com referencia aos bois).
4. Dois e dois são quatro. \\ Dela carne tem o pato. \\ Olha que
são quatro! — Variante do remate: Belo arroz é o do pato. b. Três e dois são cinco. j| Bebo J)ranco (se. «vinho»), quando
não ha tinto. || Olha que são cinco! — A^ariantes do remate:
a) E melhor a (jalinha que o pinto; b) Falo verdade, não
minto. tí. Três e três são seis. \\ Depois do Natal vem os lieis. || Olha
que são seisl 7 Quatro e trcs são sete. \\ Quem não pôde 7ião promete. || Ollia
que são sete! 8. Quatro e quatro são oito. || Xão ha bolo como o biscoito. ||
Olha que são oito!
BoLKTiM DE Etnografia 23
U. Quatro e cinco são nove. jj Ei-se (ou canta) o rico, e chora o pobre. || Olha que são nove.'
10. Cinco e cinco são dez. \\ Descansam as mãos c trahalliam os
pés. II Olha que são dez! — Variante do reiíuite: Xão ha homem como Moisés.
11. CÍ71C0 e seis são onze. || É melhor a prata que o bronze. \\ Olha
que são onze! — Variantes do remate: «) Toca o sino que é de bronze; b) I oa o papel e tine o bronze, por alusão ao dinlieiro que é em notas o em metal.
llí. Seis e seis são doze. ou Duas vezes seis são doze. || Toca o sino (ou os sinos) que é (ou são) de bi-onze (cf. n." 11). || Olha que são doze!
í'ò. tíete e seis são treze. í| E meia pipa. — A pipa corresponde ali a 2b almudes. Por ser metade da conta, não se diz muitas vezes remate; entende-se que o número íica assim bem expresso. Outras vezes dizem realmente remate, porém nao tenho nenhum exemplo.
14. Sete e sete são catorze. || Bota o pobre (se. «a esmola») jjara
o alfõrf/e. || Olh>i que são catorze! — Variante liipérmetra do remate : Sete para trcís e sete para diante, á moda de alforge.
15. Oito e sete são quinze. \\ O dano da adcqa 6 que tem o timbre
(o que, creio, quero dizer generosidade do dar vinho).- ^ Olha que são quinze!
Ití. Oito e oito são dezasseis. || Sou o Jilho da Maria dos lieis. \\ Olha que suo dezasseis!
17. Oito e nove são dezassete. \\ Quem quiser palha que a acar- rete, li Olha que são dezassete! — Parece que palha estará aqui ironicamente por «comida». Cf. uma cantiga popu- lar, em que se fala de serralha, e termina assim:
Que ó o sustento dos homens Nos anos do pouca palha. . .
a qual ouvi algures. Também num. yo^o ou dança de roda se cauta:
O ladrão do meio | JjA \irá o ano
Está preso a uma estaca: Da palha l)arata!. . .
versos quo conliego do várias terras, e do próprio Peral. Dizer que o homem come [)aliia ó chamá-lo burro. Tão freqiioute ó assimilar por graça o homem ao burro, que
24 Boletim de Etnografia ''
na Boira Alta, quando um sujeito passa por outro c nSo o saiida, este comenta: «Nem sequer me disse: ó burro, tu queres agua?» Na mesma provinda, por ocasião de so dar de comer a muitos convivas, por exemplo, jornaleiros, músicos (numa festa), diz o patrão ao criado: o melhor é dar a cada burro sua faixa (entendc-se de palha), isto é, sua ração.
18. Nove e nove são dezoito. Não ouvi remate especial; creio
que so repete o do n." 8.
19. Dez e nove são dezanove. || Quem jjadece é o pobre. || Olha
que são dezanove. — Em vez d'este remate, também se re- pete o do n." 9.
20. Dez e dez são vinte. || Boa carne é a do pinto. || Olha que são
vinte! — Cf. a variante 1." do n." 5.
21. Dez e onze são rinte e um. || Não ha carne conto a do pirum. \\
Olha que são vinte e um!
22. Onze e onze são vinte e dois. || Anda o carro adiante dos
bois. II Olha que são vinte e dois! — Variante do remate: O vinho melhor vem depois.
23 a 29. Repeteiu-se as rimas dos números das respectivas uni- dades. Ao n." 25 ouvi porém aplicar esta rima: Não ha vinho como o tinto, a qual certamente se emprega também com o n." 5.
30. Quinze e quinze são trinta. \\ Não ha vinho como o de quinta. \\ Olha que são trinta!
De 31 a 40 ropetem-so as unidades nas rimas, como já a respeito d'alguns números vimos acima.
A repetição dos números, alto, faz que eles se fixem melhor na memoria, para nâo haver engano na contagem. As rimas devem ter a mesma razão, ainda que o nosso povo gosta sempre de pôr um pouco de poesia no que diz, como com freqiiencia gosta também do pôr um pouco de sátira. Alem d'isso o canto ajuda o trabalho. Umas vezes as rimas, que ficam transcritas, são despidas de graça, destinando-se simplesmente a produzir efeito acústico; outras vezes dá-se-lhes forma de provérbio, ou até rei)roduzem expressões pro- verbiais, como na segunda frase do n." 22. Em muitas alude-se a dinheiro, a comida e a bebida, ideas que estão sempre presentes ao espirito do povo. Não faltam igualmente alusões á religião, e á vida do campo, ideas (jue do mesmo modo lhe são muito fa- miliares.
Boletim de Etxogkafia
25
Kit'. 1
As rimas, ou se iuveutauí ua ocasião, mais ou monos vivazes, segundo a capacidade ou veia d'aquelc que as emprega, ou trans- mitem-se tradicionalmente, dentro d'uma mosma povoação ou região, o até em parte correspondem ás que se usam no jogo do eixo, oiido se diz, por exemplo: (/uatro, belo arroz faz o pato; seis, ^[aria dos
Reis; oito, biscoito; nove, r/uem jiadece é o pobre, ou dà dez reis ao pobre, que a minha algibeira não tem cobre; onze, os sinos de Mafra são de bronze; doze, reval doze, dez e quatro são quatorze. Cf. na oração do Anjo Custodio: diz-me as duas. líesposta: I as duas são as tábuas de Moisés. Diz-ine as três. Resposta: as três são as três pes- soas da Trindade. Etc. Vid. Rev. Lusit., I, 246 (F. A. Coelho). Os rapazes, tautu em Portugal, como lá fora, usam igual- mente uma numeração rítmica especial: vid. os meus Ensaios etlinograpldcos, iv, 190, e 193-196.
Quando, ao tirar-se o vinho da cclha, ola começa a esvaziar-se, deixando de conter j;í bastante para o al- mude aí se mergulhar, tira-so
aquele com uma vasilha cha- mada no Peral indiferentemente Canavarro (e canabarro) ou c/ii- farro. No conceliio de Óbidos ouvi-Ihe somente chamar do se- gundo modo. Xo Museu Etno- lógico ha dois exemplares, um diferente do outro, os ((uais obtive no concelho de Óbidos, (' vão representados respecti- vamente nas figuras 1 e 2 (de- senhos do F. Valença).
a) Chifarro n." 1.- Tem forma de tronco de cone, com a base para cima: é feito de aduelas de madeira cingidas de arcos de ferro, exactaaionte cumo os Ijarris, cascos, o outras vasilhas de adega. Uma das aduelas prohjnga-se para cima e serve de cabo. Dimeiísòes: diâmetro da boca O'", 217; altura fy",196.
b) Ciiifarro n." 2. — Tem iorma semi-ciliudrica: é feito do foUia
26 IJOI-ETIM DK EtNOGKAFIA
(lata), o apresenta uma asa na ponta convexa. Dimensões: largura (na secção vertical) 0"',186, altura 0"',147.
A propósito da palavra Canavarro lembrarei que em Tras-os- Montes se entoam nas malhas do centeio uns versos em que ela entra:
Naquela ribeira. . . Anda lá um peixinho vivo, Anda lá um peixinho bravo . . . Vamo-lo comer cozido ... Vamo-lo comer assado. . . Cum canabarro de bom vinho tinto . . . Cum canabarro de bom vinho claro . . .
vid. Anuário das tradiçõeit populares, Porto 1882, p. 22;
Talvez alguns leitores achem curiosidade em saber que o casco, de qne acima falei, é uma vasilha de forma de pipa, e que leva de 30 a 40 duplos. Pipa, na regiilo de que estou falando, e noutras do Sul, não é vasilha, é medida de 25 almudes. Abaixo do casco está a car- tola, vasilha da mesma forma do casco, porém mais curta, e que leva de 25 (ou menos) a 30 almudes; abaixo da cartola está o barril, que leva até 15 duplos; abaixo do barril está ainda o tinôco, barril pe- queno, que leva até 3 almudes. O casco taiubem pôde ter menos de 30 duplos, ir só até 15; com menos de 15 duplos, já se chama barril, que tem a mesma forma do casco, diferindo apenas no tama- nho. Cartola, por quavtola, (juere dizer "4 de tonel, porque, no antigo sistema de medidas, o tonel levava duas pipas, o a pipa duas carto- las. Tinoco, palavra que deriva de tina, com o sufixo -õco (deminutivo um tanto depreciativo), vai caindo em desuso, posto que eu a ouvisse no Peral a várias pessoas ; em vez d'ela diz-se habitualmente barril pequeno, barrilinho. Pôde chamar-se também barrilinho a um barril que leve até uns dez litros. As palavras pipo, inpote o caneco, em pleno uso no Centro e no Norte do Portugal, desconheço-as no povo da Extremadura, polo menos no Cadaval e noutras terras.
O vinho não é levado directamente no almude para o casco,
porque emquanto o moço transporta o caneco e canta, o medidor
enche outro almude, e assim poupa tempo, que tão necessário é a
quem trabalha.
*
Nos costumes que tenho mencionado, o vinho do que se fala é o de pasto. Eelativameuto á tiragem do vinho generoso, ou vinho tra- tado, eutoam-se as mesmas rimas. , , ,,
Boletim de Etnografia
27
Trajo de mulher
O desenho reproduzido na figura junta deve-se a A 1 b or t o Sousa, quo já por outras vezes tem honrado as páginas do Boletim: vemos aí uma camponesa, de lenço na cabeça, atado sob o ([ueixo, e chailo pelas costas. A mulher, isto é, a tia Kita Gre- ^
gória, que o artista encontrou em Gouveia al^ ^x
em 1916, tem as mflos pousadas uma na ou- tra, e está voltada para a direita, na grave postura de quem conhece, embora não saiba definir, que alguma cousa extraordinária se passa junto d'ela, pois Alberto Sousa, com uns traços de lápis, ia entregá-la á imorta- lidade.
.1. L. i)i: V.
Encosto de panelas
Por quasi todo o Portugal se seguram com uma simples pedra (quando muito, com um seixo rolado) as vasilhas que ao lume se colocam no lar, e nao têm em si mesmas apoio suficiente.
Pois o Alentejano até nisto mostra gosto de asseio! Em vez de se servir de pedras, encosta as panelas on a um valro de barro, ornamentado de linhas curvas enlaçadas entre í^ si, — para melhor vista — ,ou a um tr-te panela, de ferro. Nas figs. 1 o 2 (desenhos de F. Valença) mostram-se espécimes d"estas duas classes de objectos: um de O'", 085 de comprimento, o outro de U"',14 de largura.
Pelo que toca ás palavras:
Calço não passa do um nome verbal, tirado de calrar, do latim calcoare, e ouvi-o no distrito de Évora, aplicado ao objecto repre- sentado na fig. 1, sendo todavia muito comum por todo o Portugal, até referido a qnahiuer encosto de pedra.
Tè-te panela manifostii certa graça do formação: propriamente «tè-te, panela!» (sustenta-te!), com personificação imaginosa da va- silha, e o verbo no imperativo. Na linguagem ordinária também dize-
28
Boletim de Etnoguafia
mos «tem-te, nâo caias!». O tè-te panela ouvi-o na vila de Avis, onde ó eorreute. Comparável a tè-te panela ó Caiagua (= cai, agua!), nomo de uma povoação próxima de Cascais (hoje chamada S. Pedro do Estoril), onde passa agua que cai no mar; cf. igualmente tátácégo (= cata, cego!), bufagato (= buía, gato!), nome de um objecto de
Fig. 1 Fig. 2
brinquedo infantil, Cantagalo, alcunha (= canta, galo!). Em todos estes compostos o segundo elemento é um vocativo.
Em vez das mencionadas palavras ouvi dizer a pessoas do Er- vedal do Alentejo, e do Moura: arrimador; no Ervedal ou\-i a par iirnimador, com u, por etimologia popular ou por influencia do m.
J. L. DE V.
/Vlaquíd
Mai[nia é uma «medida do grfios c lariuiias», o também «a porção (jue os moleiros tirão da farinha, o os lagareiros, do azeite que
fazem para outrem» (Moraes). D'ai vem maqtdar, não só em sentido próprio, mas em sentido translato, «roubar parte de . . .».
O moleiro figura na tradição pojjular com pouca simpatia, por se pagar por suas mãos; sem em- bargo, ao mester do que so ocupa anda anexa muita poesia, o muita cousa de grande valor etnográfico. Cf.: Trud. poj). de Portugal. % 343, c, o llidoria do Museu Etnológico, p. 2:i6. Só o moinho, de agua o do vento, l)astava para escrever longo artigo! Tantas são as peças do que consta e os nomes respectivos.
Boletim de Etxoghafia
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A figura junta (desenho de F. Yalonça) mostra-nos uma antiga medida de ferro, de O'", 275 de comprimento total, a qual servia aos moleiros para tirarem a maquia. Obtivo-a no Poral (Cadaval), c j)er- tence ao Museu Etnológico.
.T. L. Di: Y.
Fontes
As fontes, além de formarem um dos mais l)clos ornatos da Na- tureza, quer quando artisticamente construídas, ([uor ainda quando simples borbotões surgontes á superfície do solo, dão a cada instiinte
aos etnografos ensejo para fazerem observações ou escreverem no- ticias.
Na figura junta reproduz-se um bilhetc-postal que representa a Fonte da Várzea, na Figu(nra da Foz; foi-me enviado d'esta cidade em 3 de Setembro do 1923 polo D."'' ^lanuel Heleno. LTm grupo de raparigas volta da fonte com vasilhas á cabeça, clioias de agua; a fonte avulta no fundo de um monte; o pouco antes de chegar a ela, á direita de quem a olha, vC-se um banco de pedra, feito de três peças: assento e dois /)é«. Raparigas sfto na verdade quem mais frequenta as fontes; e desde o sec. xvi os nossos poetas as cantam com agrado. Também elas aparecem nniitissinias vozes em cantigas.
30
Boletim de Etnografia
Nas Tradições j^op. de Portugal falei de superstições ímitologia e religião) relacionadas com as fontes: §§ 160-168; e no Arch. Port., 11, 248-251, publiquei duas inscrições latinas que se lêem em fontes.
Ultimamente um amigo enviou-me uns apontamentos em que mo diz que á saida da povoação do Tojal, cOrca de 7 quilómetros do Loures, na Extremadura, ha um chafariz em que esculpiram um quadro representativo do Purgatório, o qual quadro tem na parto superior um letreiro latino que se reduz facilmente a estes dois versos :
Venditiir, haud (jratis tibi nostra exponitur unda. Solve preces, tantum venditur hoc pretio,
isto é, a um distico, que significa á letra: «a nossa agua não to t') apresentada gratuitamente, vende-so. Eeza; só por tal preço se vende». Entende-se que quem fala sSo as almas do Purgatório, aqui quasi tidas por divindades tutelares da fonte.
Por baixo estão pois estas letras: /^(adre) A''(os8o) ^(ve) -¥(aria), com que se recorre á caridade dos viandantes.
.1. L. DE V.
Coleiras de cão
M
As coleiras de cão (cf. Boletim, n." 2, p. 8) têm várias formas, segundo o seu emprego. Por exemplo, as dos cSes de guardar gado que pasta em locais onde pôde ser atacado por lobos, sao de forro
c estão revestidas de puas, como se vô na figura junta (desenho de F. Valença, tomado do natural). O original guarda-so no Museu Etnológico, o ol)tive-o em Vila Viçosa.
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia
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Gato preto
Aludiu-so no Boletim, w." 2, p. 38, ii iim gato do pano proto, com ollios do botões do madroperola, qiio costuma ostar pendurado nas salas, no Sul do Portugal, como enfeite; e já se havia dito na Rev. Lusit., X, 74, nota 7, quo este enfeito devia ter origem na su- perstição que atribuo aos gatos pretos significação magica, segundo
a qual, os males que deviam ir para as pessoas vão para os gatos de tal côr.
Agora publica-se na figura junta (desenho de F. Valença) um espécime do gato de pano preto, existente no Jluseu ; o gato tem ao pescoço uma fita verde e encarnada.
J. L. dkV.
Foice de mão
A foice de mão ilo que so vô um dosenlio ua figura junta, de- vido ao S."' F. Valença, que so regulou por apontamentos do um curioso, consta de duas partes: foliia (do aço) e ca])o (do buxo).
^^^urt
No cabo mandara o dono gravar um sinsolimao (sino-saimão), «que livra de cousas ruins»: cf. O Anh. l'ort., xxrii, 239-240. A foice quo serviu para o desenlio tem do comprimento 0"',38.
J. L. DE V.
32
Boletim de Etnografia
Gaiolas para grilos
Dos brinquedos infantis há uns que são inocentes, por exemplo, o paj)agaio, certos jogos, rouxinóis (apitos de barro), etc., c outros que poderemos chamar malfazejos, pois se destinam a cansar dano aos pobres animais: estão em tal caso as (gaiolas do grilos.
1. As crianças em S. Tiago de Cacem, quando caçam um d'estes insectos, oncerram-no numa gaiola feita, de uma haste de cana em que se retalhou uma das extremidades: aí se colocou uma rrdha
de cortiça, e o grilo fica metido no espaço que medeia entre ela o um nó da cana. A gaiola dispõe-se com a cortiça para baixo, e pendura-se, como se vê da fig. 1. Comprimento do objecto: 0"',282.
2. Na fig. 2 representa-se também uma gaiola de grilos, usada em Miranda do Corvo: é porém de barro e tem o nome especial de grileiro. O grilo introduz-se por um orifício que fica nas costas da parte aqui visivel. Comprimento do objecto: O™, 15.
Os desenhos que serviram para as gravuras fê-los o S."'" F.Va- lença, de exemplares existentes no Museu Etnológico.
Acerca de outras gaiolas de grilos em Portugal vid. um artigo do S."' Luís Chaves na Atlântida, vol. viii (1918), p. 696.
J. L. DE V.
Boletim de Etnogeafia
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CdSdS dd Praia da Vieira
Em corta extensão da zona marítima da Beira Ocidental e Exti'e- madura usa-se nas praias um curioso sistema de casas, construídas de madeira (paredes e sobrado), e suspensos em esteios da mesma substancia, enterrados na areia. A tais casas chamam na Extrema- dura barracas, e na Beira palheiros. Conheço-as de visii na Praia da Vieira (Leiria), na Costa Nova (Aveiro), e na Costa de Lavos (Figueira); e sei que existem também em Palheiros de Mira, como
vie. 1
o nome o indica. É natural quo o mesmo sistema existisse, ou exista, ainda noutras praias. Em Buarcos, por exemplo, ha um sítio cha- mado Palheiros, onde eles hoje nao se observam, mas onde se vê que 08 houve. Temos pois uma linha destas construções em bastante ex- tensão de costa.
Creio que (juem primeiro falou do casas assim construídas foi Carlos Ribeiro, no Relatório do Congresso de Bruxelas, p. 84. Tendo eu estado ha muitos anos na Cova de Lavos, refori-me aos palheiros de lá na Rev. Lusitana, iii, 227: cf. Hist. do Museu Etnoló- gico, p. 57. Depois do mim trataram do assunto, com outro desen- volvimento, o hoje falecido Rocha Peixoto na Portugália, i, 02-96, e Correia Monteiro na citada Rev. Lusit., xix, 142-156. Vid. também
3
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Boletim de Etnografia
E. Frankowski, Ilórreos y -palafito» de la PenlnHula Ibérica, Madrid 1918, pp. C6-G9. Se mais alguém tornou a tratar, nSo o posso dizer ao corto.
Aqui reproduzo uns apontamentos que, em Outubro de 1923, tomei na Praia da Vieira, aonde fui em companliia do D.'"' Manuel Heleno, Conservador do Museu Etnológico. Devo notar que ha Praia da Vieira e Vieira, povoações que distam pouco uma da outra, o ficam separadas pelo pinhal de Leiria, ou Pinhal Jieal. Yieira é terra indus- trial de alguma importância (fábrica de limas e do vidros); a Praia
é habitada sobretudo por pescadores, a que no verão se agrega certo número de doentes que ali acodem do muitas localidades para to- marem banhos. Perto da praia entroga-se ao mar, variando por vezes de desembocadura, o rio Lis, que vem da serra de Porto de Mós, passa em Leiria, e foi cantado no sec. xvii por F. Rodrigues Lobo, Obras, ed. de 1723, p. 164, e em muitos outros lugares:
Formoso rio Lis, que entre arvoredos Ides detendo as agoas vagarosas . . .
Aludindo á foz do Lis, publica-se em Vieira quinzenalmente, com o mesmo título, um jornal «defensor dos interesses regionais».
Quando visitei a Praia da Vieira, encontrei-me com vários pes- cadores que estavam sentados ou deitados na areia, à beira-mar,
Boletim de Etnografia
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uns conversando e fumando, outros fcizendo redes com agulhas de pau. Convidei dois d 'eles a acompauharem-me a ver as barj-acas. As tábuas que formam as paredes acham-se dispostas quasi sempre verticalmente; só raro se vêem tábuas atravessadas. Exceptuando o lar o a cliaminé, que são de tijolo e cal, e o telhado, que é de tellia, tudo o mais ó construído de madeira de pinho, levada do adjacente Pinhal Real, ou, como também diz o povo. Pinhal do rei. Nenhuma pedra entra na construção. Quando as barracas ficam altas, sobe-se para elas por escadaria externa, já se entende, igualmente de madeira.
Flir. 3
Na frente, do lado do Oceano, correm extensas varandas, com portas que dão para dentro: d'ali, nos meses calmosos, se apanha o fresco, e no inverno o sol para remédio do desconforto que reina em toda a habitação, onde nada reveste a madeira das paredes dos quartos, o ondo os leitos são feitos de tábuas postas sobro bancos. O gado acomoda-se cm lojas formadas no rés-do-chão.
O uso do bai-racas vai em decadência; nilo só muitas quasi jazem no solo desmanteladas o destelhadas, senão que não raro os esteios d'outras se escondem era meio da areia que o vento impele para lá som cessar. Pessoas abonadas, ou mais desejosas de bem-estar, subs- tituem-nas a pouco e pouco por casas propriamente ditas, com pa- rede de tijolos o de sorraipos.
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Boletim de Etnografia
Apesar do que fica dito, aiada ali abundam barracas junto do mar. A parte oposta da povoação é que é coustituida mais por
Fig.4
^i^M^^Ê^^Ê^
■ Pig. 5
casas. Os pescadores tanto habitam casas, como barracas; preferem porém uaturalmeute aquelas, deixando estas para uso dos banhistas,
Boletim de Etnogbafia
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pelo qne, fora da época dos banhos, isto é, na mór parte do ano, elas ficam deshabitadas.
Vem a propósito mencionar um curioso costume. Os banhistas mais pobres e que levam consigo poucos aprestos caseiros, utilizam como candeia certas conchas que encontram na praia: para isso furam-nas no extremo mais estreito, se já não se acham furadas, metem no orifício uma torcida, e deitam azeite na concavidade. É um dos muitos modos de iluminação de caracter primitivo: cf. História do Museu, p. 211. Parecidas com tais candeias são as que se usam
Fig. 6
de barro nos lagares de azeite do Sul do Tejo, e muitas antigas, mas da época portuguesa, que se guardam no Museu Etnológico, aparecidas na Extremadnra e noutras províncias: consistem em um recipiente concavo, que num dos bordos se adelgaça, formando um bico, para a torcida. Já as mortas civilizações do Oriente nos legaram lucernas assim fabricadas.
Temos de certo nas candeias da Vieira um fenómeno de etnografia que costuma chamar-se convergência, por oposição a supervivencia. Fenómenos do supervivencia sHo aqueles qne datam do passado, des- toando da civilização actual. Fenómenos de convergência são aqueles que, embora semelhantes a fenómenos antigos, não os continuaram historicamente, mas se produziram de modo espontâneo por um con- junto de circunstancias análogas ás que geraram os primeiros.
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Boletim de Etnografia
Voltemos á Praia. Notou-se acima quo o rio Lis muda por vezos de desembocadura oa foz, por causa de assoreamentos. Uma das vozes arrastou consigo muitas barracas; e os pescadores improvisa- ram a propósito a seguinte canção:
Vamos todos atalhar Esta desgraça tamanha:
O rio leva as barracau, Ficam fiteios para leniial
a qual ouvi da boca do um d'eIos. Nau ó grande obra de arte, mas,
Fig. 7
alóm do documentar as palavras barraca e esteios ou steios (por aqui pronuncia-se est- inicial como st-, por isso steios), mostra que á ins- piração poética do povo raras cousas escapam, quer no campo social, quer no da Natureza.
#
Para a ilustração d'osto artigo juutam-se as seguintes gravuras: ligs. 1 a 6: aspectos do mai-, de barcos de pesca e de algumas bar- racas, segundo fotografia que me enviou o D."'' Vorgílio Guerra Pedrosa, natural da freguesia de Vieira, c Professor de um dos liceus de Lisboa; fig. 7: desenho de uma candeia de concha, feito por F. Valença.
J. L. DE V.
Alminhas do ^inho
Quem viaja, sobretudo pelas províncias do Norte o Centro, en- contra a cada passo á beira dos caminhos nichos om quo se pinta o Purgatório, e quo se destinam a provocar orações dos viandantes a favor das alviinhas ali figuradas. Umas vozes os nichos são mais ou menos artísticos, com sua porta de vidro o lampeão, outros muito singelos.
Boletim de Etnografia
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Na gravura junta representa-se um quo está ao lado da estrada quo couduz do Peso á vila de Melgaço: a gravura assenta num
desenho do distinto artista, o S.'"' Frederico Ayres, que a meu pedido o fez.
Acerca das alminhax (>m geral, vid. Ilint. do Mn.seu Etnológico, p. 60, onde SC reproduz um trecho de um romance do Camilo, ilus- trativo do assunto.
Nas alininha.s costuma iiaver uma espécie do mealheiro, ou uma caixa, para os fieis lançarem esmolas.
J. L. dkV.
/Vlodos de acender o lume
O conhecimento do lume viria ao gonoro humano pelo raio, o pela chama resultante do atrito de arvores com arvores numa tioresta, como se lê om Lucrécio (1), ou pelos vulcões e fogo natural do interior da terra. Segundo o mesmo i)00ta, o sol, com o seu calor, ensina-lo- hia a cozinhar os alimentos (2). Tilo útil invenção foi pelos (íregos atribuída a Prometeu Pírforo {Uv^yj^o;) (ò); outros povos criaram a esto respeito muitas lendas (4).
Conquanto o uso do lume date de remotissinias eras, já segu- ramente do periodo prehistorico que os arqueólogos chamam che-
40 Boletim de Etnografia *•
lense (5), qne é, em data, o segundo na sucessão da vida social, parece que ele nSo se generalizou logo por toda a terra; pelo menos, como diz um autor nosso, do sec. xvm: «os habitantes das ilhas Marianas, descobertas em 1521, nao tinham alguma ideia do fogo. A primeira vez que o virão, entenderão que era hum animal, que se nutria de madeira: os que se chegavao perto, queimando-se, atemorizavâo os outros, e só olhavSo de longe, dizendo que eles tinhâo sido mor- didos de hum bicho terrível, cuja respiração só era perigosa» (6), Para a imaginação dos Gregos e Romanos o lume era também um animal vivo. Nao por concepção propriamente mitica, mas por efeito de metáfora, dizemos no falar corrente que, quando se ateia fogo numa cousa, a labareda a lambe. O citado autor português prossegue afirmando que ainda no tempo, em que escrevia, vários povos das Filipinas, Canárias, America e Africa se nao serviam de lume (7). Hoje, porém, nao se sabe de tribu, por infima que seja, que nao possua uso de lume (8), e do modo como os povos selvagens, por exemplo, o acendem inferiremos como o acendiam os povos pri- mitivos.
Os principais modos elementares de acender lume sao: fricção ou atrito de dois paus entre si; e percussão de duas pedras ou de duas pirites uma com a outra, ou de uma pedra com uma pirite. No rodar dos tempos a pirite foi substituída por um pedaço de ferro (por exemplo, um prego) ou de aço (fusil). A faisca produzida por aqueles dois modos recebe-se numa isca que se acende ou se inflama. Também se produz lume, mas menos usadamente, com espelhos ustorios, vidros bi-convexos, e compressão de ar (9). Como o que estou escrevendo é mera introdução ao que tenho de dizer de cos- tumes portugueses, nao preciso de descer a minudencias, qne o leitor encontra nas obras indicadas nas notas.
Tanto os Gregos como os Romanos se serviram de percussão e íricçao para produzirem lume, do que tratou com ampla informa- ção de textos helénicos e latinos o D." Planck na sua dissertação, que já citei, Die Feuerzeuge der Griechen und Rõmer, Estugarda 1884 (10). A nós importam-nos sobretudo os métodos dos Romanos, dos quais também tratou eruditamente A. Jacob no Dict. des antíq. de Daremberg & Saglio, s. v. «igniaria». Os Romanos chamavam igniarium (e ignitabulum) ao conjunto dos instrumentos ou utensílios com que acendiam lume (alemão Feuerzeuge): os habitantes da ci- dade empregavam de preferencia o método da percussão, os pastores ejos exploratoi-es do exército o da fricção. Nas povoaçOes contudo fazia-se pouco uso de qualquer dos dois métodos, porque geralmente
Boletim de Etnografia 41
tinha-se lume aceso em casa (11), e quem incidentemente o não tinha recorria a um vizinho: é bem conhecida nas nossas aulas de latim a fábula fedriana em que se diz:
Aesopus domino solus cum esset familia, Parare caenam iussus est matnrius. Ignem ergo quaerens, aliquot lustravit domus, Tandemque invenit ubi lucernam accenderet:
em m, 19 (12).
Dar lume aos que o pediam era um dever moral e religioso nos povos antigos, e ficava amaldiçoado quem o recusasse (13").
O uso de ferir lume, percutindo com um pedaço de ferro, ou aço, uma pedra, manteve-se universalmente até tempos modernos, om que novos métodos se descobriram e propagaram, e o substituiram em grande parte do globo. Todavia a Igreja, que conserva muitos hábitos antigos, manda fazer lume novo em sábado de aleluia, com fusD, pederneira e isca, e benzô-lo com três orações (14). O hime vovó é tradição paga, pois os Eomanos, como o lume, nilo só o do lar domestico, senão também o do templo de Yesta, onde sempre ardia, se tornava corrupto ao contacto do ar o das cousas, rono- vavam-no ou substituiam-no no começo de cada ano (1 de ]\rarço) (15).
Ocupar-me-hei agora dos costumes portugueses.
(1) De natura rerum, v, 1091-1101, ed. de Monro, Cambridge 1886, t. I, pp. 238-239; vid. notas no t. ii, i)p. 336-337. O leitor português tem a tradução de Mendonça Falcão, Os seis livros de Lu- crécio, Coimbra 1890, p. 207.
(2) V, 1102-1104.
(3) M. Planck, Die Feuerzeuf/e der Griech. und Rõmer, Estugarda 1884 (Programa do Gimnasio), pp. 5-6. Acerca de Prometeu vid. tam- bém Dict. des antiq. gr. et rom., s. v. «igniaria».
(4) A. Heilborn, Allgemeine Vôlkerkunde (Aus Natur u. Geistes- wolt), I, 8 sgs.
(5) Obermaier, El hombre fosil, 2.» ed., IMadrid 1925, p. 106; e cf. Forrer, Reallexikon, p. 222.
(6) D." José António de Sá, Compendio de observações, Lisboa 1783, p. 29. O mesmo diz Letournoau, La Sociologie, 3.* ed., p. 56t).
(7) Ibidem. Cf. também Letournoau, loco citato.
(8) Deniker, Les race-i et les peuples de la terre, Paris 1900, p. 178.
42
Boletim de Etnogkaiia
(9) Vid. sobro o assunto: Deniker, Les races et les ])euple8, já cit., p. 178 sgs. ; e Heilborn, Allgemeine Võlkerk., já cit., p. 14 sgs.: obra em que ha gravuras que ajudam o entendimento do texto. Cf. também Dottin, Anciena peuples de VEurope, p. 27.
(10) A obra consta do introdução o quatro capitules. A. Jacob no lugar do Dict. des antiq., que cito adianto, faz-lhe uma observa- ção a p. 372, nota 11.
(11) Planck, ob. cit., pp. 38-39.
(12) Ed. do Epiphanio Dias, Lisboa 1883, p. 62.
(13) Planek, ob. cit., pp. 29-34.
(14) D.'"' António do Vasconcollos, Litunjia romana, ii (1902), pp. 465-467.
(15) 1'lauck, ob. cit., pp. 38-39, o nota 1 da p. 40. (Conliiviía).
J. L. i>E V.
Uma rua de Gáícte
No Alentejo ó muito frequente a cozinha ser no compartimento da entrada das casas, a um canto: por isso as altas chaminés de quo as cozinhas são providas avultam para o lado da rua, o dao-
llios aspocto imponente, como consta da gravura junta (feita do uma fotografia) (juc representa por 1905 a Eua da Carreira, em Gáfoto,
concelho de Nisa.
J. L. deV.
Boletim de Etnografia
43
/WLodos de avivar o lume
II;i muitas maneiras de fazer avivar o lume que se acendeu numa cozinha, num fogareiro, etc. A maneira mais natural ó soprar, mas podem também empregar- so instrumentos para isso: um fole, um tubo de madeira, ou do ferro (por exemplo, um pe-
Qi-
Fig. 1
tiJUi ujLLUuiiiK^s '^'"«■"'^ ''^ cano de espingarda, cumo
jL, ■■ — !'■ tenho visto no Alentejo); e principiíl-
mente ahanadoreti, também chamados
alxinoH o abduicos. Na //w-
toria do Aluseu Etnológico
jiludiu-so, a p. 209, aos aba-
nadores ((uo a(iui existem.
Nas Hgs. 1, 2 o 3 rcpro-
dnzem-so três, respectivamente de S. (íião, de Seziml)ra e de Vila
Real do Tras-os-Montos : o primeiro, feito de vergas; os dois últimos,
44
Boletim de Etnografia
de penas, fixas entre ripas de madeira: todos eles com cabos, igual- mente de madeira.
No mesmo Museu existem também três tubos de madeira, de asso- prar ao lume, um com a nota de que se chama assoprador (Vilar Seco de Tras-os-Montes), dois de alandro ou heloendro com a nota
(»)---rr„.i"oi 1 w^ i,i,ti„.„. t:^i,iiiini„^J-"(v
Flg. 4 Fig. 5
t^'^3k.miM.'M^."!'Si!::s:p^:ys^'^'''^^^^--*^'
^rg7:g.Tg3r?Tare:at
p:;ts..^m.^
Flg. 6
de que se chamam canudos (Alandroal). Nas figs. 4, 5 e 6 repre- sentam-se todos três. O ultimo foi feito por um camponês de Vilar Seco (Vimioso, na terra de Miranda), e tem uma inscrição distribuida pelas quatro faces do instrumento, a qual se transcreve integralmente na fig. 7 : J(esus) M(aria) J(osé). Saúde i paz i graça devina Deu»
fomofo s ao di€ A pêil à \ ^m
i (á^ ¥ Pi© S(?R)[bi0TrPaíir Ifà
AOT© nÂ@tanTA[ni(5soDSw;
Flg. 7
nus a dê. V(iva o?) R(e)h(erend)o (na região confunde-se h com v)
Senhor Padre António Cantinho (por Quintino) 30 d(e) Maio
d(e) 1898 (Ha umas letras que não posso explicar).
Vem a propósito lembrar atjui uma superstição. Diz-se no Alto Alentejo que quom sopra bem ao lume mostra que tem boa madri- nha, e que, pelo contrário, quem apaga uma hiz com dificuldade tem madrinha má.
Os desenhos que serviram para as gravuras cxecutou-os F. Valença, Desenhador do Museu Etnológico.
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia— N." 3—1924
ESTAMPA I
Flg. 2
Boletim de Etnogeafia
45
Tipos de /yiontalegre
Devo a um amigo a fotografia que serviu para se fazer a adjunta gravura, o que representa vários tipos de Montalegre (Barroso): homens de jaqueta ao ombro encostados a varapaus, e de chapéu
do pano; outros em mangas de camisa, e com carapuça (barrete); uma mulher, de capucha, sentada na escaleira de uma casa, etc. Quanto á capucha, cf. O Arch. Fort., xxii, 27 e 50.
J. L. DE V.
Pertenças de uma quinta do /Vlinho
Nos meus Opúsculos, u, 268-209, insiro um breve vocabulário de Esposende, onde aparecem vários termos respectivos a algumas dependências da casa rústica do iCnho. Nao podendo ali acompanhá- los de gravuras, publico estas agora como ilustração d'eles, e junto mais umas noticias.
As figs. 1 e 2 mostram-nos, da esquerda (do observador) para a direita:
1. Um espigueiro, coberto de telha. O espigueiro ou canastro, também chamado caniço (segundo as localidades), ó muito conhecido,
46
Boletim de Etnografia
e tom sido várias vezes descrito, o publicado, pelo que me dispenso de falar d'ele agora mais de espaço;
2. Uma casota de madeira para o cílo, como guarda vigilante da eira e suas dependências;
3. Um varandão, e respectivo cohêHo, de madeira: no varandão, ou compartimento superior, guardam-se e secam-se as espigas de milho; o coberto abre-se para a eira, e tem adiante uma porta larga, ou empanada, que se move horizontalmente;
4. Uma eÍ7-a;
o. Um coberto dos carros, ou alpendre, onde, como o nome o diz, RO guardam os carros de bois, e outras alfaias agrari.as.
Fitr. 3
Ao pé da eira fórma-se a meda, pirâmide de palha de milho, d'onde esta se vai tirando pelo ano adiante para o gado. Podo ter 3 metros do altura, o 1"',5 a 2 metros de diâmetro. Fórma-se acumu- lando as canas ou palha de milho em volta de uma coluna do pau, a que so encostam angularmente três varas seguras por um arame. A uma meda de palha triga ou centeia, formada do modo semelliante, mas de maior base, chama-se barreia. Quer a bai-rela, quer a meda, tom um remate foito da mesma palha, chamado corucho.
A fig. 3 mostra-nos uma casa de caseiro, ensombrada por grande ramada ou latada, suspensa em esteios de pedra, de que se avista um, e junto da casa uma cortêlha. Esta palavra tem aqui a signifi- cação que noutras partos, por exemplo, na Beira-Alta, tem cortêlho; em Esposende cortêlho é um campo pequeno de cultura.
Boletim de Etnografia
Tudo aquilo de que tenho falado pertence á quinta da Seara, na freguesia da Palmeira de Faro, concelho de Esposende, onde de mais a mais ha um belo edifício para liabitaçjio, com escadaria exterior, o varanda soalheira.
As gravuras assentam em fotografias que me foram enviadas pelo meu amigo D.'"' Artur de Barros Lima, jiresentomonte dono da quinta.
J. L. DE V.
Pontão de segurar a tampa das caixas ou arcas
Quando se abre uma arca (ou um baú), o se deseja ter algum tempo aberta, para tirar qual([uer cousa quo lá esteja guardada, ou guardar outra, segura-se a tampa com uma haste de pau, ou des-
canso, quo em algumas terras é artisticamente lavrada em part(> da extensão.
Veja-so na figura junta um objecto <rostos, do Alcoutim, chamado ponttlo (desenho de F. Valença). As extremidades estão excavadas, para que a haste possa fixar-se numa das bordas da arca ou do baú, o noutra da respectiva tampa. Comprimento do pontuo: 0"',íi2.
J. L. PE V.
índice
Vida portuguesa antiga suguiido docuraontos iconograíioos 5
Boneca de chaminé 11
Chaminé extremenha 12
Azulejos etnográficos 13
Recipientes de couro para vinho . 14
Esmolas religiosas 15
Depois da matança do poico 16
Fonte de uma sacristia 17
«Copeiro» alentejano 18
Esmolas para S. Lazaro 19
Velador de candeia 2('
Para a venda do peixe 21
Medição poética do vinho 21
Trajo de mulher 27
Encosto de panelas 27
Maquia 28
Fontes 29
Coleiras de cão 30
Gato preto 31
Foice de mão 31
(laiolas para grilos 32
Casas da praia da Vieira 33
Alminhas do Minho 38
Modos de acender o lume 39
Uma rua de Gáfote 42
Modos de avivar o lume -13
Tipos de Montalegre lõ
Pertenças de uma quinta do Minho 45
Pontão de segurar as tampas das caixas ou arcas 47
EBte número do Boletim contiin 71 gravura- c 1 (.'stani))a.
r
Li/
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
PDBLICáÇÃO DO MDSEO ETNOLÓGICO PORTOGDÊS
DIRIGIDA POR
J. LEITE DE VASCONCELLOS
IT.° 4
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL M CM XXIX
ÇOIsETI/W
DE
ETNOGRAFIA
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
PDBLICAÇÃO DO MUSEU ETNOLÓGICO PORTDGUÊS
DIRIGIDA IMJR
J. LEITE DE VASCONCELLOS
isr.° 4
LISBOA IMPRENSA NACIONAL IH CM XXIX
A Antropologia portuguesa como fonte de investigação etnográfica *
ICSTUDO SCIKNTIKICO DA AxTUOPOLOGI A COmeÇOU,
om Portugal, em 1857. ou mais exactamente em 18G5: o quem quiser fazer com método a sua his- toria ha-de, primeiro do o apreciar no conjunto, isto é, na cronologia e no desenvolvimento in- terno, considerar em separado os três centros sociais cm que o mesmo, ou sucessiva ou paralelamente, tem tido aceitação: Lisboa, Coimbra, Porto.
Antes de 1857 apenas se nos depararão cousas como as seguin- tes: obsorvaçOes avulsas, o em regra subjectivas, de módicos, coro- grafos, historiadores, viajantes, etc, a respeito de caracteres físicos, iisiologicos (temperamento, coniploissao), patológicos e psíquicos, — do que, no decurso da. presente obra, o leitor obterá amostras; artigos de vulgarização, sem importância, por exemplo, no Pano- rama, 1842, «Anthropologia», de Ribeiro de Sá, pp. 320 e 362;
' Ksto artigo, redigido em 1928, faz parto da Etnografia Por- tugwna, ([ue o autor está escrevendo: Introdução, cap. iii.
Abreviaturas a(|ui empregadas: AP {= ArcJ/eoloqo Porturjnês); IIL {== Ri-vUta Lu.ntana)\ II UC (= Revlxta da Universidade de Coimbra); TSPAE (= Trabalhos da Sociedade Portuguesa de An- tropologia e Etnologia).
Boletim de Etnografia
incompletas definições lexicais, por exemplo, no Diceionario de A. M. do Couto, de igual ano, o qual autor, ainda assim, foi talvez o primeiro que incluiu num dicionário português a palavra Antropo- logia em sentido «humano» (a j)rincípio tomava-se só em sentido teológico).
Ajuntam-se nas linhas subsequentes alguns apontamentos de historia e literatura antropológicas, que sirvam de orientação ao etnografo.
a) Lisboa:
Em 1857 (Decreto de 8 de Agosto) fundou-se na capital a Comis- são dos trabalhos geológicos, de que era chefe Carlos Ribeiro, e a que pertenciam ao mesmo tempo o D." Pereira da Costa, e Nery Delgado. A ola se devem não só trabalhos o publicações de Geo- logia, senão também do Arqueologia e Antropologia pre-historicas : cf. Religiões da Lusitânia, i, 6-9. Entre as publicações de Antropo- logia pre-historica conta-se a de Pereira da Costa, Da existência do homem em épocas remotas no valle do Tejo, 1." (e único) opúsculo: «Noticia sobre os esqueletos humanos descobertos no Cabeço d 'Ar- ruda». Temos nela, quanto sei, o mais antigo escrito de Antropologia publicado em Portugal.
Logo passados dois anos trouxe a lume Nery Delgado as Grutas da Cesareda, onde também se fala de Antropologia, e em virtude de grandes e fecundos esforços de Carlos Ribeiro, realizou-se em Lisboa, em 1880, um Congresso de Antropologia e Arqueologia pre-historicas, que impulsionou de novo os estudos antropológicos: Gruta da Furninha, de Nery Delgado (no Compte-rendu do Con- gresso); primícias de Paula e Oliveira (1880-1881), pouco depois, e tão cedo, arrebatado á Sciencia (vid. a lista dos sens trabalhos na RL, i, 386-388). É igualmente de 1880 a Craneometria de E. Burnay; de 1881 a Anthropologia de Oliveira Martins; de 1885 o 1." volume das Comunicaijões da Comissão Geológica, onde ha várias dissertações paleoetnologicas ; de 1886 o livro de Cartailhac, Les ages préhistoriques, enriquecido com um estudo antropológico feito por De Quatrefages. Para o Congresso havia sido preparado na Comissão Geológica o Museu de Antropologia, que ainda existo, e que, ao lado de crânios e outros restos humanos, guarda copioso espolio arqueológico. Decerto nâo foi a fundação d'este Museu a menor vantagem que resultou da ideia de se celebrar em Lisboa o Congresso, posto que cronologicamente o precedesse!
O que até aqui se mencionou, concerne á Antropologia pre- historica, e a método antropológico, generalizações, e generalidades.
Boletim de Etnografia
As primeiras investigações de Antropologia propriamente portu- guesa partiram do D." Ferraz do Macedo, quo em 1882, sem dúvida instigado ainda pelo brilhantismo do Congresso de Antropologia o Arqueologia pre-liistoricas, reunido em Portugal dois anos antes, pediu autorização á Camará de Lisboa para medir certo número de crânios pertencentes aos Cemitérios oriental e ocidental: vid. o que
D. " Francisco António Pereira da Costa
Uculogo O Anlropolugo (f ISK'.l)'
escreveu nos Vários ensina mentos, Lisboa 1882, pp. 25-36,349-393. O resultado das medições aciía-se consignado nas «Taboas antropo- metricas», manuscritas, que, por falecimento do autor (1907), ficaram pertencendo á Faculdade do Sciencias do Lisboa; das mesmas ofe- recOra elo um extracto a Estado da Veiga, quo o inseriu em 1887 nas Antiguidades monument., ii, 492-493. Acerca da vida o trabalhos
' Na gravura roproduz-se uma fotogravura existente no Museu
Etnológico Português.
8
Boletim de Etnogeafia
literários de Ferraz vid.: Portugália, ii, 481 (F. Cardoso); AP, xiii, 186; O anthropologista Ferraz de Macedo, por Costa Ferreira, Lisboa 1908; TSPAE, iv, 85 (Bethencourt Ferreira). Cf. também Revi>sta
D."' Francisco Ferraz de Macedo
Médico e Antropólogo (t 1907)
de Se. nat. e soe, ii, 185-189. Ferraz dedicou-se com particular afinco á Antropologia criminal. Tanto em trabalhos que publicou sobre esse assunto, por exemplo, Crime et criminei (1892), Bosquejos de Anthropologia Criminal (1900), Os criminosos «evadidos do Li-
* Gravura extraída do opúsculo de Costa Ferreira, intitulado O Anthropologista í. de Macedo (vid. supra).
Boletim de Etnogeama
9
moeiro em 1847» (1901), como noutros, por exemplo, Luzitanos e romanos em Villa Franca de Xira (1893), dá-nos sempre algo do Antropologia nacional, — ainda que o que no último trabalho se IC de Lusitanos deverá pôr-se de reserva. A secção antropológica do Museu Zoológico e Antropológico de Lisboa, ou Museu de Bocage, pertencente á Faculdade de .^ciências, onde ha centenares de crânios portugueses, identificados, foi organizada por ele.
Costa Ferreira, amigo íntimo de Ferraz de Macedo, a quem aijelidava de «mestro) íopusc. cit., p. lõj, diz dVle que com justiça se
Arruda Furtado
Aiilr..p.ilog.i u Klnograf.i (f IN-7)'
lhe chamará «o patriarcha da Anthropologia portuguoza)i [ibid., p. .'5), no que o acompauiia Bethencourt l"^erreira (in TSPAE, iv, 84-85). Acrescenta Costa Ferreira que foi nas observações e medidas feitas por Ferraz de ^[acodo que, tanto Álvaro da Silva Basto, ('omo ele próprio, se basearam para escreverem as memorias que respectiva- mente escreveram sobre o Índice cefálico e a capacidade craniana dos Portugueses. Como discípulos do Ferraz, ou auxiliados scientifi- camentc por ele, se declaram do nn^smo modo Sant'Ana ]\[arques, e Gonçalves J^opes.
' Na gravura reproduz-se um retrato (luo o I)."'' Carlos Arruda Furtado, tilho do Antropólogo, emprestou ao autor da presente obra.
10 Boletim de Etnogeafia
lletomando a ordem cronológica que iamos seguindo, e que foi necessário interromper, encontramos agora outro antropólogo, que, como Ferraz, trabalhou sozinho: Arruda Furtado, o qual em 1884 publicou em Ponta Delgada Materiaes para o entudo anthropologico dos povos açorianos («Observações sobre o povo michaelense»), se- guidos, em 188G, de Notas psychol. e ethnol. sobre o povo português. Cf. RL, I, 386, onde porém a data do óbito de Arruda saiu errada: «1877», em vez de «1887». Nos Materiaes, além da parte antropo- lógica, anunciada no titulo, ha uma parte etnográfica.
Em 1893 fundou-se o Museu Etnológico Português. Uma das secções d'elo destina-se á Antropologia, secção que, todavia, por muitos motivos, nao adquiriu o desenvolvimento das restantes. Vid. lEst. do Museu, pp. 259-2C0 e 430-431, e cf. supra, pp. 000 o 000. Aos crânios antigos do Museu Etnológico se refere Sant'Ana Mar- ques numa obra que adiante se cita (Distribuição do indice cepha- lico, eic).
lia pouco SC aludiu a Costa Ferreira. Este antropólogo principiou a escrever de Antropologia portuguesa em 1898, em Coimbra, cuja Universidade então frequentava, e onde estudou Antropologia com o Prof. Bernardino Machado, que o iniciou na mesma sciencia. Por tal motivo o nome do Costa Ferreira poderia exclusivamente ser posto na secção b, respectiva a Coimbra ; contudo incluí-o do preferencia nesta secção a, porque o nosso antropólogo, exceptuando breves estadas em Paris, fixou-so em Lisboa em 1907, e aqui exerceu os cargos de Assistento-voluntario de Anatomia (1917), de Naturalista do Museu de Bocage e 2." Assistente-efectivo de Anatomia (1919), o de Professor-livre de Anatomia Antropológica (1921). Da sua bio- grafia e escritos, e do que mais importante se publicou a respeito d'ole depois da morte, ocorrida em 1922, tratou o D." Victor Fontes no Arquivo de Anatomia e Antropologia, viu, 563-595, e reporta-se a outros artigos do mesmo assunto (do D.*"" II. de Vilhena, etc). Especificarei alguns dos trabalhos de Costa Ferreira: Négroídes pré- historiques en Portugal (1907), Crânes préhistoriques du type négroide (1908), Contribuição antropológica para o estudo de alguns cemitérios antigos de Portugal (1913), Sur quelques crânes de VAlemtejo et de V Algarve (1909), Mésaticéphales du Siid de Portugal (1910), Crânios portugueses (3 opúsculos: 1898-1899), La capacite du crâne et la composition ethnique probable du jjeuple portugais (1903), La capa- cite du crâne et la profession cliez les Portugais (1903), La capacite crânienne chez les crimineis portugais (1905), O povo português sob o ponto de vista antropológico (1909).
Boletim de Etnografia
11
Os outros dois discípulos, ou amigos, de Ferraz de Macedo, do que supra se indicaram os nomes, isto é, SanfAna Marques, e Gonçalves Lopes (hoje falecido), publicaram, o primeiro: Estudo de Anthropometria portuguesa (1898), Distribuição do Índice cepJia-
D. " António Aurélio da Costa Ferreira M'jiiico o Antropólogo (t 1922)'
lico em Portuijdl (lOOíl); o segundo: Os Beirões, «cstuilo antropoló- gico» (líHX)).
Um dos priuiordiais actos, c mais notáveis, do Governo da Re- publica Portuguesa consistiu na relbrma da instruirão pública, decre- tada eiu 19 de Abril de 1911, do ([ue resultou criar-se, melhor devia cu dizer, restaurar-se, a primitiva rniversidado de Lisboa.
' Gravura reproduzida (com a devida vénia) do Arquivo de Ana- tomia e Antropologia do Prof. II. Vilhena, vol. viri (cf. supra).
12 Boletim de Etnogeafia
Falo em restaurar-se, porque já aqui havia sido fundado em 1290, por D. Denis, como é sabido, um Estudo Geral, ou Universidade, quo depois passou para Coimbra, restituindo-se em 1308 á capital, onde funcionou passante do dois séculos, isto é, no período mais estrondoso da nossa historia, o só voltando definitivamente para as margens do Mondego em 1537. Com a aludida reforma da instrução ficaram pois coexistindo, nSo rivais, mas amigas uma da outra, duas Universidades: a de Coimbra, herdeira da antiga olisiponense; e a moderna de Lisboa. A par criou o citado Decreto terceira, no Porto.
Em 12 de Maio de 1911 novo Decreto organizou as Faculdades de Sciencias, e nSo esqueceu os estudos antropológicos, pois deu uma cadeira de Antro])ologia ás Faculdades de Sciencias de Lisboa e Porto; em Coimbra já havia uma, como logo se verá. Devendo apenas ocupar-me agora de Lisboa, direi que a recente cadeira a regeu de princípio o Prof. Baltasar Osório, a ([uem, depois que falecera, sucedeu o Prof. Artur Ricardo Jorge. De 1926 a 1928 foi regida pelo primeiro Assistente, D." Frade Viegas da Costa, que a rege ainda.
Em 1912 saiu á luz, como órgão do Instituto de Anatomia de Lisboa (Faculdade de Medicina), o vol. i do já citado Arquivo de Ana- tomia ('. Antropolofjia, dirigido pelo Prof. H. do Vilhena. Neste Arquivo têm aparecido, de Antropologia, ou de assuntos relacionados com esta sciencia, além do trabalhos do Director, outros de Costa Ferreira, Mondes Corrêa, Joaquim Fontes, etc. A data em que escrevo (fins de 1928), estão publicados onze volumes, sendo o xi de 1927.
Ao mesmo temi)o que o Decreto de 1911 atendeu aos estudos antropológicos, atendeu aos etnológicos, estabelecendo nas Faculda- des de Letras das três Universidades cadeiras de Etnologia. Os res- pectivos professores tratam naturalmente algumas matérias antro- pológicas.
b) Coihiíka:
O ensino oficial da Antropologia começou em Coimbra em 1885, em que uma Carta de Lei criou na Faculdade de Filosofia da Uni- versidade uma cadeira de Antropologia, Paleontologia humana e Ar. queologia prehistorica, em substituição da de Agricultura, que lá existia. O respectivo projecto de Lei deve-se aos D." Bernardino Machado, e Corrêa Barata. Estava então ainda muito viva na mente dos nossos homens de letras e do sciencia a lembrança do Congresso de Lisboa, de 1880, e continuava pois a produzir frutos.
A cadeira inaugurou-se no ano lectivo de 1885-1886, sendo o D.'"' li. Teixeira Bastos quem primeiro a regeu, como Professor
Boletim de Etnografia
13
substituto. Seguiu-se-lhe como Professor proprietário o U.'"' Ber- nardino Machado, e a este o actual Professor catedrático D."'' Eu- sébio Tamagnini. A cadeira, como vimos acima, p. 12, ficou posta paralelamente ás de Lisboa e Porto, criadas pela reforma de 1911. Da actividade dos alunos, na primeira fase da cadeira, isto é, e sob o incitamento do D."'' Bernardino Machado, dá
r
D." Bernardino Machado
Primeiro Professor proprietário da primeira cadeira de Antropologia
que houve em Portugal, e qne a ele principalmente se deve.
Foi também o D.*" Bernardino Machado quem,
por Decreto de 23 de Dezembro de 1893, criou o .Mnseu Etnológico Português'
conta um volumo do 320 páginas, de dissertações, intitulado Aula de Anthropolor/ia, vol. I (o único), Coimbra 1904. Abrange disser- tações que vao do 188") a 1904. De al^çumas, ou do todas, se fizeram edições separadas. Foi pena quo nilo se publicassem outras disser-
• (Com o titulo de «Etnográfico»). A gravura reproduz um re- trato (|ue o S."'' D."'' Bernardino Machado ofereceu ao autor da pre- sente obra em 1^0."), pouco tempo de[iois da eriaçilo do Muscni.
14 Boletim de Etnografia
tacões. Naquele volume se inclue o trabalho de Silva Basto a que acima, p. 9, se aludiu, acerca dos Índices cefálicos, e também o de Costa Ferreira sobre crânios portugueses, pois como se disse supra, secção a, Costa Ferreira começou em Coimbra os seus estudos antro- pológicos.
Em 1898 fundou-se na mesma cidade uma Sociedade de An- thropologia, já planeada em 1896, em sessão do Instituto de Coimbra, presidida também pelo D," Bernardino Machado: vid. os Estatutos, Coimbra 1899, p. 3, nota. Esta Sociedade ainda dura, mas com pouca vida, como me informou um dos seus mais Uustres membros.
A cadeira de Antropologia está anexo um Museu, um Labora- tório, e um Instituto do Antropologia. Aquele começou a organi- zar-se em 1890: vid. O Im^tituto (revista), xli, 44. Consta do crânios, e esqueletos, e também de artefactos de várias proveniências (etno- grafia colonial, etc). Antes de 1890 já havia alguns objectos refe- rentes a Antropologia e sciencias correlativas, mas estavam distri- buídos por várias salas: ibidem.
No ano lectivo de 1908-1909 abriu-se na Faculdade de Sciencias um curso de Antropometria, de que se publicou o programa naEUC, I, 203. Nao se mencionou o nome do Professor.
Sendo dificU relatar aqui quanto de Antropologia se tem feito ou publicado em Coimbra sob a égide da veneranda e vetusta Uni- versidade, remete-se o leitor para a Revista que a mesma publica, e ha pouco citada, onde tem aparecido uns tantos artigos sobre o assunto: por exemplo, vol. ii (Ribeiro Gomes), iii (Barros e Cunha), IV (Tamagninl), v (Tamagnini & Vieira de Campos), ix (Costa Fer- reira), X (A. Themido). Também no Instituto (revista), da Sociedade de igual nome, ha vários trabalhos, do vol. XLiv (1897) em diante, de AA. já mencionados nesta resenha da literatura antropológica portuguesa, e de outros.
Como sucessora da Aula de Antropologia (trabalhos dos alunos), de que antes se falou, encetou ultimamente o Instituto de Antro- pologia a publicação de uma serie de Contribuições para o estudo da Antropologia portuguesa, que até 1926, data do último fascículo publicado, constava de: vol. i, fases. 1 e 2, vol. ii, fases. 1 a 4: separatas da Rev. da Universidade. Segundo indicações que recebi do Instituto, este tem para saírem do prelo, ou em preparação, vários trabalhos dos D."'' Tamagnini, Barros e Cunha, e A. Themido. Alem d'isso, o mesmo Instituto conserva ainda inéditos muitos outros (sobre Índices cefálicos, pigmentações, etc).
Boletim de Etnografia
15
Vid. também: de A. A. Themido: Sobre um iiuadro j^adrão para a diagnose sexual nos humeros portugueses, 1925; Le trou marginal ou perforation osseuse sus-épitrochléenne, 1926; de Barros e Cunha: Sur leg différences sexuelles dans les indic. céphal. horizontal, vertic.
Fonseca Cardoso
Oficiiil do Exercito e Antropólogo (t 1'.I12)*
et vertico-transvers., 1927 ; Observações sobre a população do Algarve oriental, 1927 ; Quelques nouvelles obxervations sur les crimes préhist. de Cascaes, 1928.
c) Porto:
Por 1887 organizaram no Porto vários moços, entusiastas da Sciencia, uma Sociedade intitulada «Carlos Ribeiro», que tinha como um dos seus alvos o estudo da Antropologia. Vid. : Rev. de Sc. nat. e soe, I, 199 (R. Peixoto), e AP, xviii, 203 (J. Fortes). U'entre os aludidos moços apreciavam dois particularmente a Antropologia: Ricardo Severo, e Fonseca Cardoso. A mesma Sociedade começou
' Gravura extraída do AP, xviii. 201 (cf. adiante).
16 Boletim de Etnografia
a publicar em 1889-1890, como órgão pi'oprio, a Revista agora ci- tada, de que sairam a público cinco volumes; o último data de 1898. Nela porém a Antropologia portuguesa teve quasi nenhum cabimento; só outras sciencias, como a Etnologia, estão aí um tanto represen- tadas. A Sociedade veio depois a extinguir-se.
Para seguidamente acharmos melhor representada no Porto a Antropologia, devemos consultar a Portugália («Materiaes para o estudo do povo portuguez»), que principiou a ver a luz nessa cidade em 1888-1889, e durou até 1908: dois volumes. Fora seu fundador e director Ricardo Severo, que associou a si Rocha Peixoto (redac- tor-chefe), e Fonseca Cardoso (secretário da redacção). Apareceram na Portugália, além de artigos menores (i, 338, 598), os seguintes trabalhos antropológicos: «O Minhoto d'Entre Cávado e Ancora», «Castro Laboreiro», «O Poveiro», por Fonseca Cardoso; e «O os- suario da freguesia de Ferreiro», pelo mesmo, de colaboração com Ricardo Severo. — Em 1908 dou a lume Fonseca Cardoso um cons- pecto de «Antropologia portuguesa» nas Anotas sobre Portugal, i, 58-72: como penso, o seu último trabalho antropológico. Fonseca Cardoso faleceu em Timor em 1912. Vid. a biografia, com o retrato, no AP, XVIII, 201-205 (J. Fortes).
Com haver cessado de publicar-se a Portugália, não acabou de todo na cidade o gosto da Antropologia, antes em breve se reacendeu.
Acima se disse que no Porto estabelecera o Governo em 1911 uma Universidade, que foi constituída em parte com escolas que ali pre-existiam. A ela se agregaram depois outros estudos. Da nova Universidade ficou sendo elemento integrante, como em Lisboa e Coimbra, uma Faculdade de Sciencias, com uma cadeira de Antro- pologia, para a qual se decretou no mesmo ano a fundação de um Museu, que porém só começou a organizar-se em 1913, e consta de três secções: Antropologia, Arqueologia e Etnografia. Como comple- mento d'estes estudos criou o Governo em 1923 um especial Insti- tuto de investigação scientifica de Antropologia. Também na referida Faculdade ha um Laboratório antropológico.
Escolhido para reger a cadeira de Antropologia o D.'"' A. A. Mondes Corrêa, que tinha para isso preparação médica, inaugurou o seu ensino logo em 1911, como Assistente, passando a Professor proprietário em 1921. Foi também ele o nomeado para organizar e dirigir o Museu e o Instituto, ilãos á obra, — ou ás obras! e ei-lo, desde 1912, data do seu primeiro trabalho (índice cephalico dos cri- minosos) até o presente, a publicar trabalhos após traballios sôbre
Boletim de Etnografia 17
Antropologia geral, Antropologia nacional, Antropologia criminal, a Antropologia nas suas relações com a Arte, etc. Como mais im- portantes para o nosso intuito, particularizarei os seguintes:
— Antropologia, Porto 1915, por ser um resumo das lições pro- fessadas pelo A. na sua cadeira, ainda como Assistente, e porque a generalidades (conceito da Antropologia, etc), indicações do mé- todo antropológico, origem do homem, classificação das raças hu- manas, e outros assuntos, agregou um capitulo consagrado á Antro- pologia portuguesa;
— Os povos primitivou da Luiitania, Porto 1924, por conter um resumo do que o A. publicara ató então a respeito de Portugal, e porque na obra se expõem muitos factos e ideias que ele ainda nao havia exposto antes. Veja-se principalmente o cap. viii («Raizes profundas»), o o cap. vii, em que se faz um ensaio retrospectivo, e se esboça a antropologia física do Português actual.
Posteriormente aos Povos primitivos trouxe a público Mendes Corrêa : Essai sur V Ethnologie j)ré-romaine du Portugal, 1925 (se- parata da Rev. d' Anthropologie) ; O problema eugcnico em Portugal, 1828 (separata do Congresso Nacional de Medicina, Porto).
Não se tem circunscrito a actividade do nosso autor em ensinar ou escrever. A sua iniciativa se deve a fundação de uma agremiação scientifica (1919), com sódo no Porto, e denominada «Sociedade Portuguesa do Antropologia e Etnologia», com estatutos aprovados em 1918, a qual publica uma revista, Trabalhos da tíoc. Portug. de Antropologia e Etnologia, até agora (1928) três volumes, estando o 4." em começo. Contém, por exemplo, artigos de Mendes Corrêa, Alfredo Ataíde (Assistente de Antropologia), Santos Júnior, o uma secção bibliográfica destinada a informar o leitor dos progressos da Antropologia portuguesa e geral. Ao mesmo tempo que Mendes Corrêa ensina, e escreve, — e subentende-se que, para escrever e ensinar, precisa de colhôr materiais para o Museu, e dar-se a trabalhos do laboratório — , instiga os alunos a produzirem disser- tações baseadas em investigação original, algumas depois entre- gues ao prelo : vid. o mencionado Santos Júnior, in TSPAE, vol. ii («Estudo antropológico e etnográfico da população de S. Pedro do Mogadouro», de que se fez edição separada. Porto 1924), o A. Me- dina na liev. dos estudos da Univ. do Porto, vol. i («Crânios portu- gueses: relações cranio-faciais»). Já em 1922 se apresentaram ao Congresso luso-hespanhol as conclusões de vinte trabalhos originais de alunos do curso de Antropologia da Universidade do Porto, como consta do Curso de Antropologia da Universidade do Porto,
18 Boletim de ETNOGB.tFiA
do nosso autor, Porto 1922. Vid. também o mesmo in TSPAE, III, 18-42.
Outro Instituto scientifico portuense, que contribuo para os es- tudos antropológicos (e etnográficos) é o de Anatomia, da Facul- dade de Medicina, dirigido pelo Prof. J. A. Pires de Lima, que no abrilhantamonto d'ele, isto é, no enriquecimento do respectivo Museu, e no estímulo, instrução, e exemplo dados aos alunos tem posto sempre o maior empenho.
A súmula geral dos trabalhos de investigação anatómica exe- cutados desde 1911, em que eles começaram mais activamente, até 1925, data das festas do 1.° centenário da mesma Faculdade, consta do opúsculo publicado por ocasião d'essas festas com o titulo de O Instituto de. Anatomia: vid., no que toca á Antropologia e Etnografia, o cap. i, pp. 13-20 (Alfredo Ataíde, Costa Santos, E. Valença, J. A. Pires de Lima, etc).
De 1925 em diante, novos trabalhos sairam do Instituto de Ana- tomia, por exemplo: de Constâncio Mascarenhas (Assistente), Le ptérion chez les Portugais; de Hernâni Monteiro & Amândio Tava- res, Sur l'occipitalÍ8ation de 1'atlas chez les Portugais; de Luís de Pina, Le muscle présternal chez les Portugais.
Em teses ou dissertações apresentadas á Faculdade de Medicina, por Costa Santos, O angulo facial dos crânios portugueses (1924), E.Valença, A fronte nos Portugueses (1925), A. J. da Cunha, Cam- ptometria nos crânios portugueses (1926), os autores manifestam-se reconhecidos ao auxílio que receberam dos dois Institutos. Outro trabalho apresentado á Faculdade de Medicina do Porto é o de D. Adélia Seirós da Cunha, intitulado Grupos hemáticos nos Portu- gueses, Porto 1926, cujo valor é enaltecido pelo D."'' Santos Júnior in TSPAE, IV, 110-112.
Com o titulo de Pe vista de Antropologia criminal iniciou-se em 1902 uma publicação do antigo Posto antropometrico portuense; porém teve vida efémera. Este Posto chama-se hoje EepartiçSo de Antropologia criminal, e está a cargo do já várias vezes mencionado D."' J. A. Pii'es de Lima, Professor da Faculdade de Medicina.
Do que fica dito infore-se que na historia da Antropologia na- cional se distinguem três fases: 1) de 1857(-1865) a 1880, ou dos primórdios; 2) de 1880 a 1911, como consequência da ideia que motivara a celebração do Congresso de Lisboa, e da própria realiza-
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çSlo d'este; 3) do 1911 para cá, ou fase moderna, resultante da reforma da instrução pública. Alguém desejaria acaso levar a 2.^ fase apenas até 1885, ano em que se instituiu em Coimbra o ensino oficial da Antropologia, e fazer começar a 3." nesse ano. Os espe- cialistas que julguem*.
Nâo obstante faltar fazer ainda muitas investigações parciais, em todo o sentido, e resolver difíceis problemas impendentes, al- guma cousa importante, como fica dito, se tem cá feito, — e o etno- grafo colhe desde já na literatura antropológica portuguesa elemen- tos que o esclarecem a certos respeitos, e subsídios indispensáveis: por exemplo, no que toca á nossa génese, aos nossos caracteres somáticos e fisiológicos, e ás subdivisões do povo.
.1. L. i)K V.
Objectos feitos de cabdço e cabdçd
Nos usos populares encontramos a cada passo objectos do ca- racter primitivo, de cujo estudo podemos ás vezes concluir quais seriam muitos que devia haver em tempos pre-historicos, mas de que nos faltam amostras directas. Nas figuras seguintes ropresentam-se objectos actuais d'csso caracter:
Fig. 1 — Funil feito do uma cabaça, para passar vinho do uma vasilha grande para uma pequena (Tolosa). Comp. O"', 21. N." do entrada 6:616, do catálogo 406.
Fig. 2 — Recipiente feito d'outra cabaça, para ter os fósforos em casa («cabaço dos lumes», — ou cabaça? Baixo-Douro). O suspen- sório da parte superior é a própria haste da cabaça. Alt. U"',2G7. N." de entrada 2:519, do catálogo 1:918.
Fig. 3 — Recipiente feito de cabaço, para ter garfos, geralmente garfos do ferro (Baiáo). Chama-se «cabaço ou colomlro dos garfos». Comp. 0'",39. N." de entrada 5:435 bis, do catálogo 1:899.
Fig. 4 — Ca^Hiço de tirar agua, do cabo muito comprido, fixo no cabaço por uma travessa interior (Caldas da Rainha). Cf. Ilis-
• O meu amigo e colega D.""' A. A. Mendes CorrGa, que fez o favor de ler todo este artigo, assim que o escrevi, disse-mc concordar plenamente com a divisão tripartita.
20
Boletim de Etnografia
to)'ia do Museu Etnológico, p. 228. Comp. do cabo 1"',84, do cabaço 0'",54. N." do catálogo 420.
Fig. 5 — Botelho ou recipiente para pimenta em pó, com tampa de cortiça (Medelim). Alt. 0"',13. N." do catálogo 1:925.
Fig. G — Cabaço para azeitonas. Tem como ornamentação no
Fig. 1
fie. 2
Fig. 3
bojo o escudo das quinas, encimado de uma coroa, que se entende ser coroa real. Tampas de cortiça, uma na parte superior, maior, outra na inferior, menor, — aquela com um preguinho de ferro que
serve de puxador. Pro- priamente feito de meia cabaça. Alt. 0'°,112. N." do catálogo 1:928. Fig. 7 — Cabaça ordinária para vinho (Baixo-Douro). Tem no bojo inferior uma marca (dois triângulos ligados pelo vértice). No colo da cabaça ha um cordão para ela poder andar suspensa. Alt. 0™,145. N." de entrada 5:518, do catálogo, 1:906.
Fig. 8 — Outra cabaça com rÔlha de cortiça. Está achatada arti- ficialmente, o que se efectuou durante o crescimento, pondo-a entre talas (Castelo Novo). Alt. 0'",182. N.» do catálogo 1:919.
Fig. 9 — Cabaço para sal. O fundo é formado por uma roda de cortiça. A abertura superior tem uma tampa ou rolha da mesma
Fig 4
Boletim de Etnogkafia
21
substancia. No bojo vê-se um pcntalfa ou signo-saimão, oncimado de um ponto; este sinal mágico tem por fim evitar quo alguém faça
Flg. 5
Fig. C
raaleíicio no «il. Cf. O Arch. Fort., xxiir, 240. Alt. 0"',10. N." do catálosro 1:92G.
Todos os objectos que ficam descritos e dcsenliados pertencem ao Museu Etnológico Português. O catálogo do quo se fala é o do mesmo Museu.
J. L. deV.
Etnografia colonial
Quando eu regi, na Faculdade do Letras da Universidade de Lis- boa, a cadeira de Arqueologia, costumava ás ve/.es, para explicar objectos pro-liistoricos ou proto-historicos, mostrar objectos similares usados por selvagens, ou reproduções: método etnográfico. Adiante se publicam algumas d'estas, segundo fotografias que me comunicou o S." Pereira, de Paderne (Melgaço), e informações que me dou o S." D.°^ Artur de Barros Lima. Nem todas as reprodu- ções que obtive se destinavam ao intuito indicado, mas creio não ser inútil agregá-las ás restantes.
A. — Africa Ocidental
1. Preto de Angola (Benguelaj, de turbante, o (pie representa in- fluencia maometana.
2. Caçador Quissama (Angola) que tem na mao direita uma aza- gaia, provida inferiormente de penacho, que serve para ajudar o mo-
Fig.
Fig. 2
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Fig. 4
Fig. 5
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vimento de arremesso. À cinta tem uma bolsa ornamentada, na posição em que anda a cartucheira dos nossos soldados.
3. Preto montado em boi-cavalo, em viagem pelo interior de An- gola. Assim se viaja vulgarmente. O cavaleiro leva na cabeça um barrete, tomado dos costumes maometanos.
4. Rapariga solteira, de Novo-Redondo (Angola) : tem colares de
Fig. 3
conchas ao pescoço. Toucado: cabelo enrolado a modo do dois chi- fres, e tornado consistente com auxilio do pomadas o oloo.
5. Rapariga solteira do Angola: tem também colares de conchas ao pescoço, e no braço um bracelete do arame. Toucado: cabelo calamistrado, e consi-ítente também com óleo e pomadas.
6. Mulher casada, do Ilumbe (Angola). Usa coifa, vel símile, que lembra um enfeite egípcio.
7. Preta do Hnmbe (Angola). Tem na cabeça um enfeite que lembra asas de borboleta; talvez enfeite de festa.
8. Mulher de Llbolo (Angola), com (jiiito de azeite. O quito é feito pelos pretos. A mulher usa xorcas na parte inferior das pernas.
9. Preta do litoral de Angola, no acto de dar de mamar a uma criança. Esta costuma-a trazer ás costas, mas aqui tem-na por diante, para comodidade da amamentação. Pois que a mama é grande e com- prida, permite que a criança mamo do lado.
Fig C
FifC. 7
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Fig. 10
Fig. 11
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Fig. 1»
10. Família de pretos do Benguela. Cinco das jiessoas que estilo do pé, o uma das crianças sentadas, têm á caljoça estoiras o sa(!OS de manufactura indígena.
11. Familía do Zaire (Angolaj, junto de uma palhota. Na extre- midade da esquerda do observador está um manipanso com relicá- rio (?) ao peito. Pelo chão vê-se loiça indígena e europeia.
Flg.13
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12. Pescador da ilha de Loanda (Angola), que trabalha em rede numa palhota de canas forrada do barro e lodo (como nos tempos
calcoliticos). Na costa oriental chamam-se tais habitações palhotas maticadas; são sempre assim, [)or conforto, do Zanzibar para cima.
15. — Africa Oriental
13. Preto do Inhambane (lIo(,-arabique), com cabelo rapado atrás, o poupa adiante. A oporaçilo de rapar faz-se com nm vidro. Cf. o meu livro A barba em PortiKjal, Lisboa 1925, pp. 21-22.
14. Preto de Téte (Zambezia Alta, Moçambique), com penteado resultante do rapagem feita com vidro (rapagem parcial). O preto está sentado numa cadeira, vendo-se as bordas das costas d'ela atrás dos braços do preto.
Fíg-. 13
Fig. 16
Fig. 15
Fig. U
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Flg. 17
15. Muloquo de Quelimane (Zambozia, Moçambique). Leva no ombro direito, amparada pelas duas milos, uma bilha calreal, isto ó, feita pelos pretos, do barro vermelho.
16. Caçador de elefantes (Zambezia, província do Moçambique); talvez cipai.
17. Palhota situada na margem direita do Chue (Manica, pro- víncia de Moçambique).
18. Povoação indigena da Zambezia Baixa. — Vid. p. 20.
19. ilalheres que pilam arroz com pilões (Zambezia, Moçambi- que). Emquanto elas trabalham, os homens costumam descansar, quando nSo vlo servir, ou não andam na guerra. Por detrás v6-se uma palhota entre coqueiros. E curioso observar que, como são ár- vores altas, dois d'elos têm degraus entalhados para se subir a apa- nhar o coco (tipo de escada primitiva, semelhante ás que usam no iaterior do Alentejo, as quais porém não são taliiadas na própria árvore, mas num pau que se lhe encosta). — Vid. p. 20.
20. Grupo de indígenas das margens do Chue (Moçambique). No chão vêem-se cestos do fibra vegetal com raiz do mandioca, ali- mento predilecto dos pretos. O mnleque, ([ue está do pé, conduz ás costas uma cangarra, espécie de gaiola i)ara levar galinhas, feita de vôrga; tem a cabeça rapada com poupa na frente (á plerrot), e vai quasi todo envolvido num pano, á moda arábica, em vez de levar tanga (capelana). Todas as mulheres têm xorcas ao pescoço,
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Boletim de Etnografia
Kig. 20
6 nas pernas ou nos braços. O preto que está sentado á direita do observador mostra, atravessado sobre os joelhos, um cachimbo.
II
Objecto de madeira
usado pelos Macondes,
que habitam o Norte (Nyassa),
na província de Moçambique
Representa uma cabeça humana, pescoço e tronco, sem braços. Adaptou-se-lhe na parte inferior uma capsula de bala de espin- garda, em que anda pólvora, ou tabaco para se mascar. A figura tem na cabeça um chape- linho do feitio de tronco de cone, e ao pescoço um fio vegetal, para suspensão, o qual se prolonga muito pelo boneco a baixo. O mais curioso d'este é o prognatismo da face, muito bem especificado, e a tatuagem de que a ador- naram, formada de linhas rectas, dispostas de diversos modos.
Boletim de Etnografia
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Este objecto, pertencente hoje ao Museu Etnológico, foi-me ofe- recido pelo meu amigo o S.°' Fernando Canedo, Capitão de In- fantaria, que o trouxe de Africa.
Vid. a fig. 21: um torço do tamanho natural (desenho do F. Valença).
J. L. DE V.
Etnografia do Cadaval
Quem diz Cadaval, diz Estremadura Cistagana. Nada ha ali que nJlo se encontre, mais ou menos, noutros concelhos da provín- cia: por isso, com o titulo do presente artigo quero apenas significar que as cousas, cuja notícia constituo este, foram observadas no Ca- daval, propriamente no Peral, lugar pertencente ao mesmo conceliio.
1. Cabana ou acabana (fig. 1):
Arma-se no campo, ao pó de uma eira, de um meloal, etc, para o respectivo guarda dormir, e também para aí se guardarem petre- chos agrários. O povo pro- nuncia acabana; «durmo na acabana, vem da acabana».
Temos primeiramente dois esteios ou espeques encru- zados á frente, e presos um ao outro com um atilho, vimes, por exemplo; do ponto de cruzamento parte para trás uma trave ou trisia (isto é, trísia de cima), que, ou ])Ousa obliquamente no chilo (o mais usual), ou noutro cruzamento "^
de esteios paralelos aos primeiros. As paredes da cabana silo formadas por três ou mais varas, dispostas paralelamente á trave, chamadas trisias dos lados, e atadas do mesmo modo; a elas se encostam giestas, fetos, caniços, ou palha de milho, colocandose por fora outra ordem de trísias que apertam este chumaço contra as primeiras, e o mantêm na devida posição. As varas sao de pinho, salgueira, etc. Nao entra aciui prego algum, o que dá á construção aspecto muito i)rimitivo.
32
Boletim de Etnogeafia
Quando acontece existir perto da eira uma árvore, a cabana en- costa-se a ela posteriormente, quer haja dois pares de espeques, quer só um.
2. Duas casas de habitação, contíguas (fig. 2): A da esquerda do observador tem varanda de parapeito e es- cada dupla, uma de cada lado, e dirigidas ambas para a rua pública.
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Fig. 2
Este tipo encontra-so frequentes vezes noutras terras. A casa do Peral, de que se está falando, apresenta chaminé alta, de base redonda.
A casa da direita tem também varanda, mas com escada unila- teral, mais baixa que a de cima. A chaminé piramidal, de base qua- drangular.—Ao lado da escada fica a pocilga, encostada á parede, onde está o porco, de dia e de noite: é um telheiro, de pequeno ta- manho, com vedação, porém, até meia altura, formada de tábuas . paralelas entre si, um pouco afastadas umas das outras.
Ambas as casas sEo caiadas, como ó usual nas povoações do Sul de Portugal.
Por estes sitios a varanda não é corrida, nem de balaustres de madeira, como no Norte e no Centro (Beira): compõe-se apenas de um patim com guardas ou encosto de alvenaria ou com grades de ferro. Corresponde ao que noutras localidades se chama balcão, peitoril, etc. Aqui chama-se peitoril a uma tábua assente na parte superior da cantaria da janela, e onde se encosta o peito de quem aí está ao pé.
Boletim de Etnogeafia
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3. Casa baixa (fig. 3):
Uma das entradas tem um postigo na porta; outra entrada tom meia-porta, que fica adiante da porta verdadeira. Ao lado da primeira
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Fig. 3
fica o poial, espécie do bancada una, onde as pessoas se sentam para tomar o fresco ou descansar, e onde também podem pousar-se trausito-
Vig. i
riamente objectos ([uú se levam na mão (uma cesta, etc). O poial apre- senta uma interrupção, para dar passagem para outra entrada. — Creio que no prédio habitam dois moradores.
4. Telhado de pombinha:
O telhado que se desenhou na fig. 4 tem no alto, como adorno ama pombinha feita de argamassa (cal o areia).
3
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Boletim de Etnogeafia
No Mês de sonho, Junho de 1926, p. 40, me referi a este adorno das casas, que observei nos Açores, e também tenho observado noutros locais da Estremadura. Nos Açores o havia já observado o D. ""^ Leite de Ataíde, como digo ibidem.
5. Arribaria:
A arribaria é um telheiro ou «coberto» extenso, construido numa das extremidades de um pátio: serve para logradoiro da casa, e para aí arrumar alfaias agrarias ou outros objectos relacionados com ávida do campo. Geralmente ficam próximos da arribana o forno, a adega.
Fig. 5
o celeiro, um pocilga (vid. § 2), capoeiras e currais. — Debaixo da arribana^ representada na fig. õ, e pertencente a meu primo e afilhado António Leite Pereira de Melo, estudante de Medicina, e natural do Peral, vê-se um carro de bois, um balseiro, uma escada encostada a este, e um bwro de serrador. Fura da arribana, por uma das suas aberturas laterais, divisa-se parte de um quintal em que ha um poço com seu cambão ou engenho de tirar agua. De engenhos análogos se fala em De terra em terra, i, 75.
Tellieiro é um espaço pequeno e quadrangular, coberto de telhas, em regra fechado só por um lado e aberto pelos três restantes, es- tando o telhado encostado a uma parede da casa, e suspenso pelo outro em espeques. O telheiro, que em algumas terras se chama co- berto e coberto, serve para resguardar da chuva, por exemplo, um poço, um lavadeiro, um forno, etc. Na Beira e no Minho pôde abri- gar também um cruzeiro.
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6. Adega e lagar (fig. 6):
Na Estremadura a adega costuma ter uma porta muito alta e larga para facilmente passarem os toneis que para lá se levam
Fig. 6
quando vazios, e lá se enchem de vinho, e guardam. Tem ao mesmo tempo frestas largas para se arejar o ambiente, mas baixas, ainda que feitas de modo que os ratonoiros nao possam caber por elas. Quando o lagar se construiu na adega, o que é o caso mais frequente, esta tem uma janela na direcção d'aquele, a qual janela serve para por aí se descarregarem as uvas que vao no carro para o lagar. Na parte inferior da janela, por fora, ha uma pedra saliente da parede, onde o lagareiro que descar- rega as uvas põe um pé, ficando o outro pousado no carro. Lagareiros se chamam todos os homens que trabalham no fa- brico do vinho.
7. Cesto de madeira (fig. 7):
O cesto que se representa na figura, feito de aduelas, que costumam ser de castanho, pinho, carvalho, ou outra ma- ^'^' '
deira, semelhantes ás das tinas, celhas, etc, tem forma de tronco de cone invertido; as aduelas estão fixas entre si com arcos de ferro, e estes ligados nas suas duas extremidades por pregos do mesmo metal, que se chamam rebites ou cravos. No arco superior cravam-se, em posição oposta uma á outra, duas asas também de ferro. O fundo do cesto ó formado por uma ou mais tábuas.
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Boletim de Etnogeafia
Altura do cesto: 0'",29; diâmetro da boca: O™, 36; do fundo: 0™,27.
O cesto serve para nele se acarretarem as uvas da vinha para a tina (§ 5), que, na oca- sião em que se realiza a vindima, está num carro ao pé.
8. Carro de bois: A fig. 8 mostra um carro empinado, e visto pela parte inferior.
Para se poder compreender a estrutura do carro, é neces- sário ter presentes outros desenhos de pormenores, os quais me faltam agora. Em os obtendo, farei novo artigo no Boletim- Kefiro-me ao caiTO do Cadaval, pois d'outras localidades tenho muitos apontamentos.
9. Canga de bois (fig. 9) :
1 — tamoeiro, correia de couro ;
2 — cangalhas, de madeira;
3 — piarça (piaça), de couro;
4 — brocha, correia de couro;
5 — sobre-brócha ou ganga, de couro; Cf. Boletim, n.» 2, pp. 57-58.
A expressão vulgar trazer alguém á brocha, por trazê-lo sub- misso, é tirada da nomenclatura da canga, pois a brocha passa por
Fig. 8
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Fig. a
Boletim de Etnografia
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baixo do pescoço do boi, e não o deixa escapar-se. Também se diz: andar á brocha, por «andar forçado».
10. Padiola (fig. 10) :
Utensilio do madeira, constante de um rectângulo encurvado (com a curva para cima), os lados maiores do qual se prolongam um
Fiff. 10
pouco, para diante o para trás, e servem para so pegar no utensílio. Estes prolongamentos chamam-Bo porém pernas. A padiola utiliza- -80 para transporto de pedra, estrume, torra, otc, a curta distancia.
Figs. :i, 12 c 13
38 Boletim de Etnografia '
11. Enxada e sacho:
Uma enxada consta das seguintes partes:
1 — cabo, de pau (carvalho, salgueiro, freixo, oliveira, urmo etc);
2 — olho, abertura onde se introduz o cabo;
3 — garganta, a parte que liga o olho á pá;
4 — pá, espalmada, que serve para rasgar a terra;
Flg. 14
5 — pescaz, cunha exterior, que faz firmar a extremidade do cabo no olho;
6 — cunha propriamente dita, ou interior, que se introduz no próprio cabo, comprimindo-o contra as paredes in- ternas do olho. A pá recebe vários nomes, conforme o seu tipo :
fagueira, as de ponta de faca;
de meia-lua;
■rasa, chamada também sacheira, por servir para sachar. Vid., respectivamente, figs. 11, 12, e 13.
Um sacho, fig. 14, é menor que a enxada vulgar, com uma pá pequena, oposta á verdadeira. Emprega-se para sachar hortas, dis- por flores, etc.
*
Todos os desenhos que serviram para as gravuras que orna- mentam este artigo foram executados pelo S." JoSo Herculano Pereira, natural do Peral, antigo aluno da Escola Industrial de Kodrigues Sampaio, e apreciado jornalista, a quem mais uma vez os agradeço.
J. L. DE V.
Boletim de Etnografia
39
/Viouros c Judeus na arte portuguesa I
Mouros
Tomo aqui Mouro nu acepção usual, pois esta palavra entre nós tanto significa Mouro propriamente dito, como Árabe.
Antes de 1490, data da provisão manuelina que os expulsou do nosso solo, a qual atingiu também os Judeus, creio serem muito raras
N'
l'ig. 1
om Portugal representações artísticas do ^louros. Todavia já no meu livro A harbii em Porttif/aJ. Lisboa 1925, p. 63, falei de um capitel de Amorim, do se<-. xii, hoje no Museu do Porto, no qual se repre- senta um guerreiro cristílo que ostenta com a mão esquerda uma cabeça de Mouro decepada por ele: vid. a fig. 61 a p. 04 da mesma obra. Aqui reproduzo agora em ponto um pouco maior a mesma fi- gura, mercê de um desenho que me ofereceu o meu amigo o S."'' Ema- nuel Kibeiro, distinto Professor de Desenho de uma Escola Indus- trial d'aquela cidade. Vid. tig. 1.
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Boletim de Etnografia
No brasão de Évora, em que se memora o conhecido feito his- tórico de Giraldo Sem-pavor, aparece o herói também como mata- Mouros, visto que lhes conquistou a cidade. O brasão apresenta várias formas ao longo dos séculos: vid. Gabriel Pereira, Estudos Eborenses, n." 10, onde trata minuciosamente do assunto, citando a Crónica dos
Fig. 2
Godos, como fonte histórica mais antiga do feito, o outras obras de séculos posteriores, alusivas ao próprio brasão.
D'este existem hoje vários exemplares, de pedra: um, que está no claustro da Sé eborense; outro, que está no subterrâneo de uma casa da Eua do Eaimundo, n." 4; outro, que esteve em tempo na frontaria da antiga casa da camará, e hoje se guarda no Museu de Cenáculo: vid G. IVreira, oh. cit., p. 8, ondo se atribuo ao primeiro como data o sec. xiii, ao segundo o xiv, e ao terceiro proximamente os principies do xvi.
No brasSo da Sé está Giraldo a cavalo, vendo-se no campo do escudo, superiormente, uma cabeça de Mouro, e outra de Moura. Vid. fig. 2, extraída, com a devida vénia, da Democracia do Svl, de 1 de Janeiro de 1925, segundo um cliché do S." Inácio Caldeira.
No do Museu de Cenáculo as duas cabeças sSo imberbes, «nSo se conhece bom a masculina e a feminina» : G. Pereira, p. 12.
Boletim de Etnogeafia
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Do brasão da Kua do Eaimundo mandou o mesmo erudito inves- tigador, com louvável [jatriotismo, tirar nm molde de gesso, depois de haver limpo a pedra da grossa camada de cal que a cobria. Esto molde guarda-se hoje no Museu de Cenáculo, e aqui o reproduzo na tig. 3, segundo um desenho do S.*"' Mário dos Vultos, que o S."' Tenente Pombinho Júnior teve a bondade de me obter. Eis a descrição dada por G. Pereira, p. 10: «os emblemas, como no escudo da Sé, estão num todo ogival; o cavalleiro armado de espada erguida, galopa á esquerda. A esculptura é grosseira, ingénua, mas minuciosa. A cabeça da Moura á esquer- da, a do Mouro á direita; . . inferior- mente, sob o cavallo, outras duas cabeças mouriscas. O escudo do cavalleiro mos- tra cinco objectos tao rudemente feitos, que não se percebo o que representam». A data que, como vimos, G. Pereira lho atribue, o sec. xiv, «bem antes do fin- dar», doduziu-a elo da forma do escudo real que se colocou acima do cavaleiro.
A Jlnstrarão Alentejana ^ n." 1, Maio de 1925, publicou também uma forma do brasão eborense, «segundo o Litro de nobreza e re/pio de Porttir/al, de Brás Pereira Brandão, 158.3» : Giraldo a cavalo, a mao direita erguida, com a qual devia empunhar uma espada, o a es([uerda no acto de agarrar pelos cabelos uma figura de Mouro. O cavaloií-o tom na cabeça um turbante. Reprodu/.-se aqui, com a devida vénia, na fig. 3.
Depois do capitel de Amorim, as mais antigas representações que possuimos do Mouros síío, que eu saiba, as três de Évora, pro- venientes ainda, pelo menos as duas primeiras, do periodo em que eles cá estavam, ou como dominadores, ou como Mouros forros, ou como escravos, ou como Jíouriscos^ isto é, convertidos ao Cris- tianismo. O brasão do Livro de nobreza 6 j;í bastante tardio.
Outros espécimes de representações de Aloures, igualmente tar- dias, os devemos á heráldica. A Armaria, códice do sec. xviii, existente na nossa Biblioteca Nacional, simboliza o brasEo dos Bo- letos, fls. 118, num busto do Mouro, imberlx", em posição de lançar uma pedra com a mão direita (vid. fig. -t); e a fls. 240, simboliza-se
Fiff. 3
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Boletim de Etnografia
o brasão do Belchior Vioira, de Ternate (índia), noutro Mouro, de cara barbada c bigodada. Em ambos os casos estão de turbante (vid. fig. 5). Cópias ieitas pelo S.'"' F. Valença, Desenhador do Museu Etnológico. Acerca d'estes brasões vid. também : Villasboas, Nobiliarehia Portuguesa, Lisboa 1676, pp. 24õ o 340; e Braamcamp Freire, Armaria Portuguesa, pp. 83 e 505. O Mouro do brasão dos Botetos diz porém Villasboas que tem barba longa, ao passo que no códice da Biblioteca Nacional, como vimos, não tem nenhuma. — Incidentemente notarei ([uo Boteto é apelido vindo do fora; conheci na Catalunha um escritor, hoje falecido, do nome Botet.
Se nos dois ou três primeiros brasões de Évora os artistas tive- ram em mente os inimigos de ao pé da porta, habitadores do próprio
solo nacional: nos dois últimos os Mouros eram já de fora, por isso que, depois de os escorraçarmos do Continente, continuámos a per- segui-los na Africa e em re- giões orientais. Figuras de Mouros não an-
tigas as acha-
^^«■^ remos porven-
tura em azulejos e gravuras ou esculturas alusivas a outras lendas pátrias, como as de que falei no Boletim da 2." Classe da Aca- demia das Sciencias, viu, 248-250. Aí mencionei um painel da igreja da Senhora dos Mártires de Castro Marim, datado de 1572, realmente com um Mouro. Cf. também a minha obra De terra em terra, u, 10-11.
A parte o que acontece nestas lendas, a imaginação popular im- pressionou-se sobretudo com os Mouros do Continente. Para o povo, tudo aquilo que cheira a antigo ou parece extraordinário data do tempo dos Mouros, isto é, do tempo em que dominaram o território que hoje é nosso. Encontra por acaso um trabalhador, ao cavar um campo, uma cabeça de pedra, resto de escultura romana ou pre- -romana, é uma cabeça de Mouro: tenho ouvido isto muitas vezes. Quando descobri em Baião o curiosissimo baixo-relêvo lusitano-ro- mano que publiquei nas Religiões, iii, 483, fui guiado por me haver dito um aldeão que possuia á entrada de um curral uma pedra em que se via um Mouro e uma Moura. Certos ornatos esculturais da frontaria da igreja românica de Paderne são nialguinhas dos Mouros.
Boletim be Etnografia
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As modestas estatuetas pertonceates a relógios do sol, publicadas neste Boletim, n." 1, p. 24, já sabemos que o povo da localidade as considerava retratos do Mouros, o que no pedestal de uma d'elas até se gravara uma palavra designativa d'isso.
J. L. deV.
Desmantela
O «mandar da manta»
Ciiama-se manta ao conjunto de quatro cavadores que cavam ou desmantelam em fila um terreno para certas culturas que exigem cava funda, por exemplo, vinha. Perto da manta, no sentido em que
Flg. 1
esta caminha, vai o eslonador cortando á enxada, a tona da terra, na profundidade de um golpe, para enterrar as ervas e vários detritos superficiais: assim se prepara e delimita o chão que a manta tem do cavar.
Um dos quatro cavadores da manta (fig. 1), o da direita ou o da esquerda, conforme a direcção do trabalho, regula este, e dâo-lhe por isso o nome de mandador: emquanto todos estão ainda com as en- xadas no ar, diz ora a meia voz, ora alto, ora ás vezes até cantando, umas palavras (o mandar da manta), ([uo servem para indicar a su- cessão o espécie dos golpes uo banco, ou porção do terreno mais
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Boletim de Etnogeafia
ou menos rectangular, que os quatro cavadores abrangem sem se deslocarem. Estas palavras têm ritmo algo gracioso, o que anima o trabalho, como as que no presente Boletim, n." 3, pp. 21 sgs., se publicaram a respeito do tirar do vinho.
Podem trabalhar muitas mantas ao mesmo tempo, mas a certa distancia umas das outras, por causa do trabalho que os estonadores do antemão executam.
Quando, por exemplo, para semear batatas, a desmantela se faz a pouca profundidade, muito embora com as regras que ficam es- pecificadas, recebe o nome do mantinha, continuando cada grupo de quatro trabalhadores a denominar-so manta como acima. Temos pois manta, grupo de trabalhadores, e ao mesmo tempo designação de acç3.o, e mantinha, apenas designação de acção: cavar á manta, cavar á mantinha; manta, falando dos homens, nSo porém mantinha, neste sentido.
Eis agora as palavras do mandador, ou «mandar da manta». Representemos o banco pelo seguinte esquema:
b a
três tiras, sendo A e B iguais e quasi iguais e C maior.
1.' versão
a) Começo: quando os trabalhadores estão para /errar no chão a primeira vez as enxadas, diz o mandador:
Vamos com Deus,
E cada um conto co'os seus!'
Anda, rapaz,
Outra* no fundo, e uma para trás!
* Querem dizer: com as suas forças; seus ò provocado por Deuf. Isto é: C0771 o que é seu, quanto á força física. ^ Scilicet: cavadela.
Boletim de Etnografia 45
b) No meio do banco:
Alto, e dobra
Que é terra nova*.
Uma para o fundo o duas para trá
Cada qual como do que traz*.
Variante: Cada qual come do seu cabaz.
c) No ultimo golpe do banco:
Venha, o risco ^, Que é um corisco».
Outra como esta, E lava-lhe a testa ^.
2.' versão
a) Volta e vira''
Stá o dono á mira!
b) Dobra o passo, e venha o meio', Borrachinho* do seio'!
Torna as mJos a apertar. Que é para afundar.
c) Venha a risca. Fura, fadista!
* Isto é, outra parcela do terra que nâo cortar.
* Porque andam a seco, o necessitam pois do trazer de casa a comida.
^ O risco marca a largura do banco.
* Para rimar, o também para imitar a força do corisco. ^ Isto é, lava o deixa lisa a rampa do banco.
* Voltar e virar a terra.
' Venha o meio do banco.
**• Nao explicaram bem. Será «bebedinho de dentro: do moio dos quatro, que está entre os outros dois». Ouvi esta expressão várias vezes.
46 Boletim de Etnografia
Torna a fundar Que é para lavar *.
Abica^
Que até a pele da barriga estica.
3.* versão
a) Venha gente
Sardinha assada, café quente!
b) Corta ao meio, Borrachinho do soio^!
c) Vamos á risca, Que ò fadista!
Torna a puxar para trás Puxa e manda rapaz!
Agora, carrega e manda, Maltês da Alhandra!
4." versão
a) Venha!
Dá-le do cabaço Ferra abaxo!
Dobra o passo Venha o pedaço.
h) Corte que é moio.
c) Altas engaleadas
Na marca'' bem mandadas risca.
' Limpar.
2 Para aprumar mais o golpe. ^ Ouvi a vários. Inexplicado. * Marca, isto é, «risca».
Boletim de Etnografia 47
Expressões que ouvi avulsas
Venha geute!
Sardinha assada, café quente!
Mete p'ra frente!
Abaxo! que é o vinho do Cartaxo!
A risca, 1| que é fadista!
Vamos a puxar, que c galinlia temos que a gramar!
Puxa e vira, bogalhão', Paxá a leiva, deixa o torrão!
Puxa, camarada, Senfio nao ganhas nada!
Mete e puxa,
Senão nao ganhamos para a l)uclu'i.
E tornemos a puxar
Que é para outro banco irmos cavar.
Puxa, por rente,
O fraco ajuda o valente.
Para a frente, Brinca a gente!
Carrega abaxo,
Como a manta do Cartaxo.
Posto que os trabalhadores andem a seco, isto é, comam á sua custa, e nao á do dono da fazenda, este dá-llies agua-pé para bebe- rem durante o trabalho. Bebem geralmente por um copo de corno (fig. 2) ou direito, ou encurvado, como o que se representa na fig. 3 (comp.: 0,105: diâmetros na boca: 0,068 x 0,0.37; fundo ó quasi
Bogalhão de terra.
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Boletim de Etnografia
sempre de cortiça). Ha-os de outros tamanhos. O copo, por causa da sua solidez, pois tem de andar de mão em mão, quando cheio, e ás vezes quando vazio, de envolta com talheres, pâo, etc, em
cestos, emprega-se não só neste tra- balho, mas em todos os rurais, e até
Fig.3
Fig.2
serve para estar na adega, ao pó do tonel, onde os visitantes bebem de quando em quando, — costume muito corrente nestas terras do vinho.
Maltês é o trabalhador que vem de fora da terra, ou que, habi- tando aqui, vive sozinho, sondo ele próprio quem trata da sua casa o comida. Quando vêm muitos de fora dormem todos numa mesma casa que se chama quartel^. Cada um faz então a sua comida, mas ás vezes alguns rounem-se em sociedade, para a fazerem em comum.
Malta é o conjunto de trabalhadores rurais, sejam malteses ou nâo. Por extensão de sentido chama-se malta a um adjunto do quais- quer pessoas, e sobretudo chama uma mai assim aos filhos quando são muitos: «a minha malta».
' Em Lisboa: casa de malta, mas com maior aplicação.
Boletim de Etnogeafia
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Tudo o que fica dito refere-se ao Peral, concelho do Cadaval. Quanto a considerações gerais, reporto-me ao que fica dito no Bole- tim, ibidem. As figs. 1 e 2 assentam em fotografias de meu primo e afilhado António Leite Pereira de Melo.
J. L. deV.
tonio Gomes da freç/.' do Sal- vador de Padreiro, He Em algum dia o perder o Snr. que lho achar, terá a honra de lho In- tregar, que Elle o seu tra va- lho lhe ha de pagar
«Ex-libris» manuscrito
Dos 130 ex-Uhris manuscritos de caracter popular, que consti- tuem o opúsculo que em 1918 publiquei' sobre esta matéria etno- gráfica, aí tratada pela primeira vez ^^jg i^i^,.^, ^^ ^^ ^^^^^ ^„. entre nós, no conjunto, e com algum desenvolvimento, nenhum tem carac- ter artístico: o seu caracter é apenas literário, e frequentemente poético.
Ha tempos, já depois de publicado o opúsculo, obtive porém um ex-libris, onde ha um pouco de arte: vid. a fi- gura adjunta. Consta de uma parte, toda literária, que aqui se reproduz tipograficamente, e de um coração es- tilizado, que encerra a assinatura do dono do livro, e a data em que aí foi posta (esta parto artística vai reprodu- zida em tamanho natural, por zinco- grafia). O livro intitula-se: Tratado ceremonial pelo P.° Manoel Corrêa, Coimbra 1733.
O coração é tema tão corrente na nossa arte popular, que não admira que pudesse servir para compor um ex-libris. Acerca dVste tema vid.: De terra em terra, u (1927), 142-144. No Alentejo ató tenho encontrado, em habitações de gente camponesa, tampas de cortiça cordiformes, postas em vasilhas destinadas a agua ou a outros líquidos !
J. L. DE V.
1 Separata da Revista Lusitana, vol. xxi.
50 Boletim de Etnogeaeia
Amuleto de coral
O coral pôde usar-se como amuleto, ou informemente (ramo, ou pedaço), ou sob forma de conta, ou de figa. Em vez de coral pro- priamente dito emprega-se ás A-ozes também uma substancia vermelha que o imita: cf. o meu livro A figa, Porto 1925, p. 100. O modo mais vulgar de o usar é sob forma de conta, ou para melhor dizer, de colar de contas.
O povo entende que o coral anuncia melancolia ou prazer na pessoa que o traz, conformo está baço ou límpido: vid. as minhas Trad. pop. de Portugal, § 259. Por outro lado pensa, como ouvi contar em Vila do Conde, que vale o mesmo que o azeviche, contra Bruxas e mau olhado, e que uma conta, sob a influencia d'este, estala como a de azeviche. Analogamente cuida que um colar de contas, tiradas de um mesmo polipeiro, e posto no pescoço, «tira a icterí- cia» : superstição de que colhi notícia algures.
1. usos PORTUGUESES DO CORAL, AKTIGOS:
No Museu do Bispo (Coimbra) ha uma figura da Virgem que amamenta o Menino Jesus, e tem ao pescoço um raminho de coral. O S." António Gonçalves, Director do Museu, atribue-a ao sec. xiv.
No mesmo Museu guarda-se igualmente um ramo de coral, com ornamentação, e tem em cima um relicário com o santo lenho. Dizem-no também do sec. xiv (dádiva de Santa Isabel ao mos- teiro de Santa Clara), mas o brasão das armas reais, que nele se vê, mais parece do século seguinte.
São estes os apontamentos mais antigos que possuo do uso su- persticioso do coral entre nós.
Num Ululo de 1510, das cousas de prata da ermida de Nossa Senhora da Troya (defronte de Setúbal) no sec. xvi, conta-se «huu corall encastoado ê prata»: vid. P. de Azevedo in O Arch. Port., III, 262.
Uns versos A' O Lyma, de Diogo Bernardes, sejam d'esto ou não, dizem:
. . . hum crespo galho de vermelho coral,
isto ó, um ramo: vid. p. 63 da ed. de 1820 (a 1." é de 1596).
Boletim de Etnografia 51
Fr. Manuel de Azevedo (sec. xvii), na Correçam de abusos, t. II, 1705, pp. 88-89, preconiza o coral contra o quebranto, para o que se apoia na opinião de vários AA. antigos, Galeno, Avi- ceno, etc.
Também em Bluteau, Vocabulário, t. i, 1712, p. 542, so 16: «dizem que (o coral) trazido por homem he mais vermelho, do qoe trazido por fêmea, e accrescontao que muda de côr quando a pessoa que o traz adoece, significando com a sua pallidoz a enfermidade», — com o que um pouco se conforma a tradiçUo actual.
Outros antigos médicos portugueses, além de Fr. Manuel de Azevedo, já citado, conheceram ou inculcaram as virtudes do coral. Fonseca Henriques, Medicina Lusitana, Amsterdão 1731, diz que esto livra de quebranto a quem o traz no braço o no pes- coço, e que os pós, tomando-os os meninos antes de outra cousa, quando nascem, os preservam de gota coral (analogia do nome!), pp. 163 o 259, baseando-se em parto em autores estrangeiros antigos. l$ernardo Pereira, Anacephaleosis, Coimbra 1734, em apoio da «propriedade do coral», transcreve de Jlardobeo Gallo: «umbras Daemoniacas Thesalaqno monstra repelli» (vid. p. 214).
í. A SUPERSTIÇÃO LÁ FORA:
Cf. Religiões, i, 88, onde menciono um trabalho de Simpson, que a propósito de qualidades magicas atribuidas na Escócia ao coral cita Discorides e Plinio. A superstição na Ilespanha no sec. xvii alude o Tesoro de Covarrubias, o no xviii o Diccionario de autoridades: vid. Osma, Azabaches compostelanos, Madrid 1916, p. 25, e nota 1. No seu traballio sobre The evil et/e, p. 368, fala Ellworthy de amu- letos antigos do coral que protegiam as crianças, e hoje se encastoam em prata; e cf. a nota 598. Ser-me-hia fácil juntar aqui outras re- ferências ao corai em obras, que possuo, em fraiicOs, alemão, etc, sObre Etnografia; mas que valeria isso em comparação com o que brevemente, de certo, aparecerá no Ilandwòrterbuch d es deutschen Aberglaubens, que se está publicando em Berlim? De mais a mais o S." .John Palingren, Docente da Universidade de Upsala, escre- veu-me em 1922, pedindo-me informações portuguesas acerca do coral para unia obra cm que ao tempo estava trabalhando: aí virá também muita cousa fnao sei se a obra já apareceu a lume).
52 Boletim de Etnogeafia
Na figura adjunta reproduz-se de tamanho natural um amuleto feito de um pedaço de coral, encastoado em prata, e provida de duas argolas, uma fixa, outra movei, para andar pendurado. Faz parte da colecção que organizei no Museu Etnológico, e obtive-o no con- celho dos Arcos em 1928.
3. APÊNDICE:
Não só coleccionei no Museu Etnológico Português grande número de amuletos nacionais (cfr. a História do mesmo, pp. 233-235), senEo que possuo, eu próprio, nas minhas pastas etnográficas apon- tamentos descritivos, literários, e comparativos concernentes aos seguintes (pelo menos):
AGNUS-DEi; ALHO (cabeça, dente); ambae; amêndoa; amuletos CONSIDERADOS EM GEEAL OU NO CONJUNTO (arreliqucs ou arrelicas, diches, cambolhada) ; ancoka ; anel ; andiais vários ; argola (argo- linha) metálica; armação de carneiro (vid. corno); arrelicas, ABRELiQUES, CAMBOLHADA (vid. supra); ARRUDA (ramo); azeviche; AZOUGUE (vid. mercúrio); batata; bentinhos; bicha (vid. vibo- ra); bicho (das sezões, dos dentes, etc); boi (corno de); bolota;
BOLSINHAS várias; «BREVE»; BREVE-DA-MARCA ; BRIZIO ; CABEÇA (vid.
alho, saudador, vibora); cabra (corno de); caidjolhada (vid. arreli- ques) ; campainha, chocalhinho ; canudo com azougue ; carneiro (armação de, corno de); carocha (corno de); caroço (de tâmara, etc); castanha; casulo; cebola; chave; chavelho (vid. corno); chibo (corno de); chocalho (vid. campainha); cobra d'água (pedra de) ; conchas ; contas de várias substancias ; coração (de vidro, de latão, etc); coral; corda de enforcado; cordão umbilical; cores; cornacha; cornacho; cornêcho; cornicha; cornicho de carneiro branco; cornipo; corno de veado, carneiro, etc. (vid. chavelho); correia; cruz; cravo (metálico); crescente lunar (vid.
lua); DENTE DE ALHO; DENTES DE VÁRIOS ANIMAIS (lobo, etC."); ESCA- PULÁRIO; «ESCRITO»; espelho; estanca-sangue (pedra); ferradura;
FERRO ; figa ; FITA ; FÓRMULAS MAGICAS E RELIGIOSAS ; GALO (osporâo
de); garrafa; grão-besta (unha da); hexalfa (vid. moeda e sino- saimão); hipocampo; javali (dentes soltos, ou dispostos semi-lnnar- mente) ; lacre ; lagartixa ; leituaeio ; letras de virtude ; lua
Boletim de Etnografia 53
(meia-lua); mÀo (de toupeira); mascote; medalhas (veneras, veróni- cas); medida; meia lua (vid. lua); mercdrio; metais vaeios; moe- das COM orifício (vintém de Santo António, etc); moeda com hI':xalfa; nó; nómina; noz de três esquinas; orações; osso; ouriço (queixo de); palavras de virtude; pedras várias (de ara, de raio, etc); pentalfa (vid. sino-saimao) ; ponta (vid. corno);
«PORTE-BOXIIEUE»; PREGO METAUCO ; QUKIXO DE OURIÇO (já S. V.
ouriço); rabada (vid. vassoura); rabo dk jíoi; ramos (raminhos) DE vegetais; rosário; sal; santos (imagens de); sapo espetado NUM PAU (no campo); sapo (pedra de); saquinho (lat. saccuhis); sator-arepo (medalha com esta fórmula); saudador (cabeços de),
isto É, CAliEÇA DE CRISTO TRAZIDA POR SAUDADOR; SINO-SAIMAO ;
talisman ; TERRA DE SEPULTURA ; TESOURA ; TOUPEIRA (mão dej ; TREVO DE QiTATRo FOLHAS; UNHAS (de varios animais); vassoura OU babada; VEADO (corno de); vegetais vários; venera (medalha religiosa); verónica (medalhinha); vestks sacerdotais (fragmen- tos); vinoK V (cabeça de).
A respeito de Sator-arepo, do sino-saimão, c da figa dei já a lume um folheto e dois livrlnhos especiais, em 1918 e 1925. A respeito da meia-lua estou preparando, como alguns amigos sabem, trabalho análogo, que entregarei ao prelo assim que possa. O estudo geral dos amuletos, bem como o estudo parcial dos (|ue nSo estiverem ainda estudados por mim, conto fazê-los na Etnofjmfia Portuguena, res- pectivamente no livro iii, pt. iii (vida psíquica), o no volume consa- grado ás Superstições.
J. L. ukV.
Estampas etnográficas
A grande quantidade de materiais que tenho colhido em todos os campos dos meus estudos obi-iga-me não raro a usar de muita concisio, quando tenho de escrever a respeito d'eles, e me falta tempo para desenvolvimentos. Isso acontece agora com os que cons- tituem o assunto do presente artigo, c ha-de continuar a acontecer em números subsequentes do Boletim, e porventura noutros traba- lhos qae publicar. Vale mais porém ser conciso, do que deixar os materiais era es(jueciniento.
54
Boletim de Etnografia
Fig. 1
Fig. IO
Fig. 2
Fig. 1
-4
Fig. a
Fig. G
FIff. 5
Fig. 8
Fig. ;j
Boletim de Etnografia 55
As figuras que so vêem nas estampas juntas representam os seguintes objectos pertencentes ao Museu Etnológico, de Belém, para onde os adquiri :
1 — Barrete açorico, espécime de trabalho feminino: barrete de algodão, de cOres várias, muito em uso no Arquipélago, na gente do povo, geralmente em rapazes. Fig. 1.
2— Modelo de aneiíilio ou engaço barrosão; consta de três partes :
1, cabo;
2, travesseiro, por ser posto de través (transvcrsarius),
relativamente ao cabo, e nRo porque os que assim o de- nominaram pensassem no «travesseiro da cama», embora esta palavra tivesse a mesma origem ;
3, aentes, inseridos no travesseiro. — Fig. 2.
3 — Banco de cozinha, feito de um tronco de arvore, inteiriço. Comprimento: O"" ,91. De caracter muito tosco e primitivo. Fig. 3. Em aso no Sul, onde se ciiama cavalo (Alentejo Central) e burro (Alentejo Baixo, e Alcácer do Sal). A forma do objecto lembra a posiçfto de nm homem estendido no chão, sobre as pernas e os bra- ço», de abdómen para o ar. Várias vezes, quando ou era moço, vi na Beira Alta, como parte de espectáculo dado nas ruas por come- diantes, um homem assim deitado, com uma grande pedra (granito) sobre o peito o abdómen, na qual outro batia com um malho. A po- bre vítima chegava a deitar sangue pela bôca, e nâo raro tinha de intervir a autoridade local para proibir a scena.
4 — Pingadeira de barro, para onde escorre o jnnfjue da carne do porco, ao lume. Comprimento: 0"',286. Fig. 4. Obtive-a no Alentejo.
õ — Esfolhador tie madeira, que serve para rasgar o folbelfio das espigas do milho, quando so vâo malhar. Fig. 5. Foi-me oferecido pelo Rev.''" Silva Maia, Abade de Canidelo (Vila do Conde).
G — Garrafa do barro vidrado de amarelo, feita numa fábrica de Vil a -Viçosa. Altura: 0'",34; n." de entrada: 1:815. Fig. 0. Obtive-a numa casa particular do Alentejo.
7 — Bicado, vasilha de barro vidrado. Altura: (r,116. Leva moio litro, e usa-se nas tabernas. Fig. 7. Obtive-o também no Alentejo.
5G
Boletim de Etnografia
Fig. 12
Fig. 12-A
Fig. 13
Boletim de Etnogeafia 57
8 — Outro esfolhador, como o do n.° 5, mas de osso. Usado em Baião (S. Tomé de Covelas) para esfoJhar o milho. Comprimento : O"', 147. O objecto aqui representado tem uma concavidade na parte oposta á ponta, e nela se encaixa uma espécie de cunha de madeira, também aqui figurada. Fig. 8. No catalogo etnográfico do Museu tem o n." 311.
9 — Cabrita de madeira, usada em Baião. Serve para andar pendurada á cinta, e o trabalhador trazer nela a foice; a lamina d'esta segura-so no encaixe, ficando o cabo a geito do se lhe poder pegar com facilidade. Altura do objecto : 0'",079. Fig. 9.
Tem no catalogo etnográfico do Museu o n." 300.
Cf. Ilist. do Museu Etnológico, p. 405, fig. 155.
Comparável a este objecto, é o que se representa na fig. 10, usado no Alentejo, o aí chamado borsal; para machado, E de cortiça, e tom de cada lado da estrela central uma letra que representa uma inicial de nome, ou do artista, ou da pessoa a quem ele destinou a sua obra. Comprimento: 0™,15. N." de catalogação: 80.
10 — Modelo de canga açorica: apõo-se aos bois quando puxam o trilho, instrumento da debulha dos cereais na eira. Ilha Terceira ou de Jesus Cristo. Fig. 11.
11 — Modelo de canga de bois, dos Arcos de Valdevez, visto por dois lados. Figs. 12 o 12-A. O que aí tomos mais notável é a ropro- sentação dupla do sino-saimão, símbolo magico muito querido do nosso povo, como consta do meu livro intitulado Signum Salomonis, Lisboa 1918 (separata d- O Arch. Port., vol. xxiii).
12 — Garfeira alentejana. O Alentejo, quanto ao caracter dos objectos caseiros de que faz uso, toca os extremos: ora estos sao toscos, simples, como o banco que se representou na fig. 3, o como muitos outros, de cortiça, cabaça, etc, que neste Boletim temos visto; ora podem chamar-se belos produtos de arte popular, como o que se representa na fig. 13: espécie de descanso, do madeira, suspenso da parede da cozinha, e em que se penduram os garfos do ferro: chama-se garfeira, e tem de comprimento 0"',38. O uso do objecto vai em decadência, porque a civilização faz que os garfos de ferro singelos, como os de que se aqui fala, estejam sendo substituídos por outros mais apurados.
J. L. DE V.
5
58 Boletim de Etnografia
OBSERVAÇÃO FINAL
A figura emblemática do frontispício, bem como todos os outros desenhos que serviram de base ás gravuras cuja procedência não se declara nos respectivos artigos, e que são a maior parte, devem- se a Francisco Valença, Desenhador do Museu Etnológico.
índice
A Antropolofria portuguesa como fonto de invostig:ação etnofírifica ... 5
Objectos feitos de cabaço e cabaça 19
Etnografia colonial:
I.— A) África Ocidental 21
B) África Oriental 27
II. — Objecto do madeira usado pelos Macoiides, que habitam o Norte
(Nyassa), na província do Moçambique 30
Etnografia do Cadaval 31
Mouros e Judeus na arte portuguesa: I. — Mouros 39
Desmantela 43
«Ex-libris» manuscrito 49
Amuleto de coral 50
Estampas etnográficas 53
Observação final 58
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
RUBLICAÇAO
DO
MUSEU ETNOLÓGICO DO D."" LEITE DE VASCONCELIOS
LISBOA IMPRENSA NACIONAL M CM XXXVII
ÇObETI/W
DE
ETNOGRAFIA
BOLETIM
DE
ETNOGRAFIA
RU BL.I CAÇÃO
DO
MUSEU ETNOLÓGICO DO D."'' LEITE DE VASCONCELLOS
I3iR.ic3-ir> A. FOR — J. Ij- de "V-
3Sr.° 5
LISBOA IMPRENSA NACIONAL M CM XXXVIi
Fontes de investigação etnográfica'
1. Generalidades
Iara so escrever um tratado de Etnografia portuguesa im- porta, primeiro que tudo, submeter à observação directa o imediata a terra, o o povo (isto é, o conjunto dos Portugue- ses, o nao só o vulgo, embora o vulgo constitua o principal objecto da Etnografia); depois as cousas e actos do mesmo; investigar tudo aquilo em que se exterioriza tipicamente o seu modo de pensar, sen- tir e querer; e ao mesmo tempo fazer farta colheita na messe da tra- dição oral.
Se o tratado abranger, como no nosso caso, já o presente, já o passado, tem também do se consultar a literatura antiga, e documen- tos e monumentos arqueológicos ou arqueologico-artisticos.
Como porém, de um lado, possuímos obras importantes, no que toca ás scioncias auxiliares da ICtnografia, e já ha séculos se coligem entre nós tradições populares (nâo se alcunhará de pobre a nossa literatura folkioristica), e se publicam a cada passo descrições, de- senhos, fotografias de objectos, de tipos populares, do monumentos^ ou estes se reproduzem plasticamente; e do outro existem museus de Etnografia, Arqueologia, etc, o de vez em quando se organizam
' Este artigo ó extraído da Etnografia Portuguesa (jue o autor d'ele está compondo para o prelo.
Boletim de Etnogeafia
exposições industriais, artisticas, agrarias, ondo algo aparece que convom ao otnografo: está claro que ele nao deve deixar de beber em tais foates.
Rigorosamente falando, quasi nâo ha manifestação colectiva, obra sciontifica, literária ou artística, produto algum, omfim, da vida, psi- cologia, e civilização do um povo, que directa ou indirectamente, e mais ou menos, nâo apresente ao estudioso da Etnografia uma faceta digna de contemplação. Muitas vezes acontece que uma cousa ou um fenómeno etnográfico so transforma por seu turno em fonte do Etnografia relativamente a outras cousas ou fenómenos. Um tu- mulo medieval, que ó em certo sentido objecto etnográfico, pôde, quando nele se representa esculturalmente uma scena venatoria, contribuir para o estudo da caça: cf. De terra em terra, ii, 1G2-163. Uma feira, que é fenómeno economico-social, mas que ostenta, pela qualidade e disposiçílo das suas partes componentes, o por outras razões, grande cunho etnográfico, está no mesmo caso que uma ex- posição como as de que acima se falou: cf. o que de uma feira de Vila do Conde se diz na citada obra, i, 37-38, o o que de uma de Évora se diz nos EE, iv, 315 sgs. De uma feira de Vila Real de Trás-os-Montes, chamada dos piicarinhos, fala o D."' Cláudio Basto na Lusa, iv, 118-121. Espécies de museus de Etnografia são cortas ruas de vilas e cidades: a respeito de uma do Chaves assim, vid. também De terra em terra, i, 67-70.
Na impossibilidade de atender aqui a tao extensa matéria (muita cousa se enumerará no decurso da presente obra), e restringindo-se apenas a certos pontos essenciais, considerará o autor as seguintes espécies de fontes: observação directa da terra e do povo, e do viver d'este; museus e exposições; fontes escritas (literatura geral, o literatura especial ou etnográfica propriamente dita).
Com a literatura desejaria cie emparelhar, se isso se lhe tornasse fácil, menção de obras de arte, pois raro será o artista, antigo ou moderno, que nilo dirigisse ou não dirija, ao menos por incidente, uma faisca do seu talento a um tema etnográfico: a uma torre len- dária, a uma igreja cercada da devoção popular, a um mercado, a uma cerimonia tradicional, a uma lavoura, a um recinto de uma aldeia, a uma oficina rústica. Só pelo que toca a azulejos dos sé- culos XVII e XVIII, que manancial de informações acerca dos nossos avós! Já do azulejo que tem data, já do azulejo em geral, diz um grande conhecedor da nossa industria artística, o S."'' Joaquim de Vasconcellos, na liev. da Soe. de Instmção do Porto, iii, 187-188: «..o azulejo datado é .. uma preciosidade, mormente quando os
Boletim de Etnografia
assumptos que ello representca se relacionam com a vida nacional, com os factos da historia, com as tradições e lendas religiosas, com os usos o costumes do nosso povo, porque lia de tudo. Geralmente suppõe-so que o azulejo serviu apenas para illustrar a paixão de Christo, a vida da Virgem, o martyrologio dos santos. O valor da obra seria, nestes casos, secundário, porque não é dilicil provar que esses assumptos representam muitas vezes copias mais ou menos disfarçadas de gravuras allomas e flamengas do século xvi a xviii . . As scenas da vida profana, as grandes caçadas, as touradas, as merendas ao ar livre, os encontros galantes, as batalhas de terra e mar, a vida dos oíKcios : tudo forneceu elementos ao artista peninsular». Podem ainda especificar-sc: jogos, pescarias, actos da vida jurídica, e por outro lado, trajos, móveis, jardins, ediflcios'. O mesmo se dirá na,o só do vinhetas, iluminuras, desenhos vários que oxornam antigos livros e pergaminhos^, scnSo também das produ- ções dos barristas: imagens o «bonecos» de Estremoz^, o de outras procedências*; o presépio, «poético grupo do barro da Natividade, o alpendre tosco forrado de palha, o Menino Deus sorrindo no feno da mangedoira, o as figuras clássicas dos pastores e das alimárias compassivas»^. A propósito d'isto escreveu já o S.'"' Joaquim do Vasconcellos em 1883: «Em Portugal foram celebres os presépios de figuras de barro. Cada convento de freiras tiniia o seu; era assunto indispensável para as senhoras devotas. Hoje ó raro en- contrar algumas poucas figuras dispersas, — o essas mutiladas, geral- mente. As mesmas mHos babeis do operário popular, que fazem hoje as figuriniias do costumes, executaram as dos presépios, ingénuas na sua expressílo, mas mal modeladas, em geral»".
Artistas propriamente ditos tomos tido em Portugal — sensíveis impressionistas — que mais particularmonto ató se inspiraram na
* Cf. Boletim de Etnof/rajia, n." 2, pp. 55-07; n.° 3, pp. 13-14.
* Cf.: Aiiai.i dai Bibliotecas e Arquivos, i, 270 (artigo de Júlio Dantas); ii, 284 (artigo de Aquilino Ribeiro); Boletim de Ktnocjrajia, n.' 2, p. 13, n." 3, p. 5; Anais, \k cit., i, 182 (artigo de Júlio Dantas).
3 Vid., adiante, Literatura especial (Ergografia).
* Nas feiras vendem-se com froqiiencia figurinhas do barro, fabricadas em vários locais. No ^luscu Etnológico lia muitas. Vid. o que d'esta8 figurinhas se diz adianto, secçlo li (trecho de um artigo do S.*"" J. de Vasconcellos).
^ Matos Sequeira, Jíelação de varias casos, Lisboa 1925, pp. 1-2. " Na Ilev. da Soe. de InstruçOo do Borto, iii, 541.
8 Boletim de Etnogkafia
Etnografia: omitem-se, por brevidade, brilhantes nomes que o leitor conhece do sobra e venera. Mereceria no entanto a pena que um es- pecialista pusesse ombros a resenhar critico-etnograficamente os va- liosos subsídios que para o conhecimento da vida popular dá a arte culta: a pintura, a escultura, a gravura, a caricatura.
A própria caricatura, sim! Falando-se nela, evocar-se-ha por força a individualidade do genial e complexo artista que foi Bordalo Pinheiro (t 1905), a leveza do seu lápiz travesso e original no fazer sobressair as feições cómicas mais definidoras de uma personagem, e inteiramente adequadas ás circunstancias de certo momento social.
Críticos e historiadores analisem as aptidões artísticas de Bor- « dalo, e a função politica que desempenhou na nossa sociedade; o autor somente pretende lembrar que também nos trabalhos do fecundo caricaturista alguma cousa se depara ao etnografo. Bordalo criou a figura do Zé-PovinJio (fig. Ij', crua sem dúvida, e pouco lisonjeira para o vulgacho e para todos; mas imaginou-a com agudo conhecimento das fraquezas do próximo, e dos hábitos nacionais. Esta figura, a que deu varias formas, transportou-a ele amiúde do papel para o barro, porque a par de caricaturista exerceu Bordalo com esplendor paralelo a arte de cerâmico, igualmente plena de etno- grafia: lavadeira montada em burro, velha de capote e lenço, pes- cador, vendedor de peixe, varina dançante; artefactos, por exemplo, canastra, alcatruz, rede do pescar. Em jornais que fundou e dirigiu, O António Maria (1879), Pontos nos ii (1885), Parodia (1900), abundam alusões a divertimentos populares, superstições, festas, costumes caseiros, gestos, trajos — tudo sempre vivificado por inex- cedivel chiste^.
Passemos a especificar algo das fontes acima indicadas. A estas fontes nao se agregam, como já se disse, e pela razão declarada, as obras de Arte; mas haverá bastas vezes ensejo de incidentemente falar d'elas (vid. Literatura artistico-industrial, e Ergografia) e de no corpo da obra aproveitar muitas.
• Figura extraida do António Maria, de 12 de Janeiro de 1882: O Zé- Povinho no momento de falar satiricamente com um cão. Este tipo do Zé-Povinho é um dos mais suaves que Bordalo criou.
2 Acerca do nosso artista vid.: Raphael Bordallo Pinheiro, i, <cO caricaturista, desenhos escolhidos por Gustavo B. P., com um estudo de M. de Sousa Pinto», Lisboa 1915. O artista JoSo Saavedra Machado começou também a publicar um trabalho (ainda n.lo ter- minado) acerca do nosso caricaturista.
Boletim de Etnografia
Fig. 1 - Zé Povinho
10 Boletim de Etnografia
2. Observação directa da terra e do povo, e do viver d 'este
O estudo da superfície da terra é da competência especial do geógrafo; a do homem, sobretudo como ser físico, é da competência especial do antropólogo. O etnografo recebe de ambos, e bem assim de outros especialistas, relacionados do perto ou de longe com estes, as noções que mais lhe importam, e que completam as que por si mesmo naturalmente colhe: na secção das fontes literárias se enu- merarão algumas obras a tal respeito. Só o trabalho de observação dos elementos tradicionais, que fazem parto do viver do povo, per- tence ao etnografo como próprio d'ele. — Aqui tem-so em mente apenas a observação directa ou imediata.
Observar é sempre, sem dúvida, o melhor método («. . mais so aprende observando que lendo . . », diz o Peregrino da America, i, 8), porque, o que aparece espontâneo possuo caracter mais genuino. Queremos coniiecer um sorEo, uma romaria, um halharico, uma esfolhada, — vamos assistir! Queremos saber como funciona um moinho, qual o interior de uma habitação, — entremos! quais as peças de um carro de bois, os aprestos de um oleiro, o vestuário de um serrano, — examinemo-los! qual o perfeito teor de uma canção, de uma xácara, das fórmulas de um jogo infantil, — escutemos, e num caso ou outro sem que ninguém suspeite que estamos a escutar! Contudo, nem sempre so apresenta aos olhos o aos ouvidos do etnografo o que ole deseja sabor. Para remediar a falta utilizará fotografías e desenhos exactos, consultará pessoas fidedignas, ou in- terrogará ele mesmo o povo. No lidar com o povo, no perguntá-lo para o observar etnograficamente, use de muita precaução, pois de contrário sujeita-se a ser informado de modo incompleto, ou a ser enganado.
O povo, quando fala com estranhos, supõe frequentemente que o iludem, ou lho pretendem extorquir assuntos que depois sirvam de galhofa om jornais ou no teatro. Convém que o etnografo, que vai estudar uma localidade onde o desconhecem, se acompanhe de pessoa da terra que o familiarizo com a gente de lá. Ao autor já aconteceu suporem em várias povoações que ia lançar impostos, causar malefícios, ou preparar campo para roubos. Cf. De terra em terra, i, 55. So o observador nSo ó novo, empregue um eficaz argumento, de que quem escreve isto lança mão muitas vezes: — Então uma pessoa da minha posição o idade, com estas barbas
Boletim de Etnografia 11
brancas, esta cabeça luzidia, viaha agora escarnecer de Vosse- mecê?
Uma ocasião, na Estremadura Transtagana, ao desejar averi- guar de uma liorda de Ciganos, quo encontrou num caminho, so usavam certo amuleto, conseguiu isso mostrando-lho um quo levava pendente da cadeia do relógio como enfeite: os Ciganos, vendo o amuleto, ficaram convencidos que as perguntas que lhes eram feitas nilo tinham mau intuito.
Já om 1882 nas Tradições Populares de Portugal, p. xv, se reco- mendou que para se obter de uma pessoa do povo, principalmente de uma mulher, uma narrativa completa (oração, perlenga, etc.) ou notícia da existência de um costume, de uma superstição, devia primeiro falar-se-lhe de cousas análogas, e até recitar versos ou de- finir qualquer particularidade. Assim ha quasi a certeza de chegar a resultados positivos. Nilo faça todavia o observador por outro lado, em certas circunstancias, ao seu interlocutor, ou interlocutora, perguntas directas: siga linhas travessai. O povo tende para responder a tudo que sim (ob. cit., ibidem). Quo pena que as mulheres mostrem tanta relutância, como em regra mostram, para comunicarem ao etnografo o pecúlio tradicional quo guardam em si! Desculpam se amas com outras: — Fulana ó que sabe, eu nao sei, ou já nJo sei nada. Com as da cidade então, pOsto que originarias do campo, ciiega a perder-so a paciência. Respondem petulantes, a cada passo: — Can- tigas, só nas aldeias!
Naturalmente cada classe constituo a fonte do observaçOos mais valiosa no ([ue toca ás respectivas tradições. Rapazes, s.lo quem melhor informa acerca do jogos usados por elos. Marítimos, acerca da vida do mar. Raparigas, acerca de canções e adivinhas. Caça- dores, pescadores, pastores, lavradores, acôrca da caça, pesca, etc. Artífices, acôrca dos seus mesteres. Benzedeiras, acerca de deitar cartas e de recitar ensalmos e rezas. Mulheres idosas, acOrca de contos e romances. O P.° Bluteau, ao compor o sou precioso Voca- bulário, tao rico e tao atraente, andou pelas «officinis mechanicas, para colher os termos próprios das artes», como declara no vol. i, na dedicatória ao Rei. Já Cícero disse que as muliíeres conservam as tradições antigas, — pensamento trasladado para a Corte na aldeã: vid. EE, I, 147. E I). Francisco Manuol alarga idêntico papel ás velhas: Cartas de guia, p. 122. Também Fernão d'01iveira consultou velhas para esclarecer significados de dicçõ(ís desusadas: Granunatica de linguagem portuguesa, cap. .3(i; o aí so lembra igualmente do Cí- cero. Anteriormente ainda a Cícero, observou Piatilo no Cràtilo,
12
Boletim de Etnografia
pela bOca de Sócrates, ao falar com Hermógenes, que as velhas mantêm 2)ronúacia arcaica do vocábulos: Diálogos, § 74.
Os romances populares estão em grande decadência: sao sobre- tudo graves matronas quem ainda os conserva, e nfto raro apenas em fragmentos. «Muyto sabe Ima velha», diz em sentido gorai o
Fig. 2— A tiaMlqueUna
autor das Ribeyras do Mondego, fl. G5. Na Menina e moça, p. 21-22, é uma velha quem conta historias. Lê-se no cod. 1147, da Torre do Tombo, fl. 106 (informação de Pedro de Azevedo): «quando uirmos a noiva no tamho (ou tambo: tálamo), então lha mão beijarei, que assi dizem na minha torra as uelhas». Nos Vilhalpandos, i, 2, p. 175, fala-so de «mezinha de velhas». Referindo-se a indivíduos que nao têm capacidade genosiaca, informa o D.""' Mirandela, Luz da medicina, p. 2G8, que «alguns buscão os remédios das velhas
Boletim de Etnografia 13
e feiticeiras». Foi também na linguagem das velhas que Curvo Semedo, Polyanthes, p. 67, n.° 27, colheu certo vocábulo anatómico: «sotura coronal, aonde as velhas chamao moleiras, vocábulo ainda existente.
Vem a propósito notar que existem mulheres de prodigiosa memoria. O autor, quando era estudante, copiou da boca de uma rapariga minhota tantas canções e romances, que davam para um livro não pequeno: ela estava num qaintal a lavar roupa num tanque, em Guimarães, e ele ao lado a escrever num caderno. Não havia tema que a moçoila nâo esgotasse. — Margarida Eosa, venham de lá cantigas ao lenço, ao anel, á fonte! E saía uma torrente. Depois encontrou entre muitas mullieres de sabença aná- loga duas que merecem especial reparo, porque, sendo ambas idosas, a possuiam ainda mais vasta.
Uma das referidas mulheres, antiga criada do autor, costumava a cada palavra que ouvia, a cada acontecimento que soava, res- ponder com um adagio. Assim se explica que Jorge Ferreira intro- duzisse tantos na Eufrosina, e na Olisqyo: é que sabia muitos de c6r! Além de adágios, a mulher de que se está tratando guardava no cérebro materiais com que se podia formar outro nâo menor livro: contos, superstições de toda a espécie, notícia de costumes, nomes de animais marinhos, receitas mágicas.
A segunda mulher, a tia Miquelina, do Golaos (Melgaço), (retrato na fig. 2) *, era parteira muito considerada, no concelho, e por longe : contava 76 janeiros quando o autor a conheceu, e recitou-lhe, em três conversas, todo o dialogo extenso de uma comedia; muitos trechos de uma narrativa da guerra da Liberdade (om prosa); versos históricos; cantigas, orações, romances ou xácaras, ensalmos, pro- fecias do D. Sebastião, pormenores da Revolução de 1640. Pessoa muito agradável, viva, desembaraçada. Era vô-la, e ouvi-la, de chi- nelas, sem meias, lenço caido da cabeça em volta do pescoço, chambre azul, saia preta mosqueada do verde e branco, mandil, sen- tada nos degraus da varanda, a falar, a falar. . .
Se quanto a folklore os velhos ficam inferiores ás velhas, nem por isso sao leigos na matéria. Lembremo-nos do ditado: muito sabe o Diabo, porque é velho; com frequência os nossos maiores tinham na
* Este retrato foi amavelmente tirado pelo S.'"' A. V. do Castro Silva, da Covilhã, a pedido dollev.''» Celestino de Figueiredo. Abade da Sé primacial de Braga. A ambos dou cordiais agradeci- mentos.
14 Boletim de Etnografia
boca a expressão: como diz o sengo, ainda que as duas expressões podem tomar-so em sentido gorai, e nao só a respeito dos varões.
E certo que nas pessoas de idade a memoria se enfraquece; esta lei fisiológica tem porém ás vezos excepções, sobretudo quando o exercício ajuda a manter aquela.
Conheceu o autor um velho em Baião, o moleiro Elias, repertório inexaurível de anedotas o sentenças tradicionais: não raras vezes, para o ouvir, lho foi bater á porta do moinho, que se alcandorava pobremente sobre o Ribeiro Largo, — e o velho acudia do pronto, baixinho e trôpego, encostado a um pau, e discorria longamente como um filosofo grego!
Tais memoiias permitem entender melhor o que Cosar, De Bello Gallico, VI, XIV, informa dos druidas : quo aprendiam de cór grande número de versos, e se demoravam na aprendizagem vinte anos.
Com quanto por toda a parte haja homens, mulheres o gente moça que o otnografo consulte lucrativamente, sabe-se, ainda assim, de regiões mais férteis de tradições do que outras, — isto é, de feiç.lo mais arcaica, por exemplo, lugarejos remotos, solidões do inland ou sertão, montanhas, costas marítimas pouco frequentadas do ba- nhistas. Cfr. EE, II, 150 sgs., acerca da Beira, o De terra em. terra, I, 3-4, 20-21, 65, otc, acerca de várias províncias. Nos mesmos EE, IV, 349-350, se referiu o autor aTrás-os-Montes, como província tí- pica a este respeito, por estar em contacto com Lião e Galiza, «duas regiões muito conservadoras de costumes do passado, armazéns in- calculáveis de riquezas ethnographicas». No liv. iv da presente obra se tratará desenvolvidamente do assunto.
A fertilidade etnográfica a que se fez referencia ó contudo rela- tiva. Muitos romances ou xácaras, segundo já se disso, estão meio obliterados, e o mesmo acontece ás cantir/as retornadas ou parale- listicas. Cousas que ainda vigoravam na primeira metade do sec. xix, desapareceram: por exemplo, a çanfona*. A própria gaita de fole, tao sentimental, ouve-se hoje quasi somente no Alto-Minho e na raia transmontana, mantida pela vizinhança da Galiza. O milho miúdo quasi só se come nas margens do Coura, e sob forma de papas. Curiosos jogos correlacionados com festas anuais, o outros, su-
* Bordalo Pinheiro no António Afaria, n." 5, referindo-se ironica- mente á çanfona, já não a soube pintar, e pintou um órgão.
Boletim de Etnografia
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cambem perante o foot-ball. O actual Bispo de Portalegre pros- creveu a entrada do boi de S. Marcos numa das capelas do Santo. A macadame atravessa já Barroso! Não vale a pena acumular exemplos. Urge pois continuar a colher e a estudar, com o maior afã, o que nos resta das tradições e costumes do passado, porque a civilização tende para destruir tudo isso.
3. Vista da secção etnográfica do Museu Etnológico,
de Belém
A gravura dá um aspecto de parte da secção etnográfica do Museu Etnológico, de Belém, ou salão de Almeida Garrett.
Da esquerda para a direita do observador encontramos um mo- delo de espigueiro do Minho, de que porém só se divisa metade;
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Fig. S— Vista parolai da secfio etnogra&oa do Hnsen Etnológico, Belém
depois, encostados á parede, dois armários com apetrechos de cos- tura, ferragens (espelhos do porta, etc), faianças portuguesas do século xvii-xviii; ao meio do salão, mostradores com instrumentos músicos, brinquedos infantis de barro e de lata, vasilhame vário
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Boletim de Etnografia
moderno, uma colecção do objectos chamada mondinenae (veu de caliz, de seda, impresso com conclusiones académicas, século xviii; um foral de 1504 — nao de 1540, como por erro tipográfico se lê na Historia do Museu, p. 257 — ; dobadores; e outras cousas); junto da grade, nmjugo de madeira, também do Minho; o penduradas de outro lado da grade colchas coloridas (industria caseira açorica: de Nordeste).
J. L. DE V.
Estampas etnográficas
(Coutiuuaçâo do Boletim, n,**4, p, ^>^)
13- — Mantilha. Mulheres de Gáfete (Crato), trajadas de mantilha, a caminho da igreja, ou vindas de lá, em dia de missa. Fig. 4, que assenta num desenho tirado de uma fotografia.
Fig. 4— Mnlher de mantilha, O&fete
Boletim de Etnografia
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14 — Procissão em Arcoçó, ao pé de Vidago (Trás-os-Montes), no momento de sair da igreja. Vai a imagem agigantada de S. Cris- tóvão, do pau, conduzida por um homem. O santo leva ao ombro direito a imagem do Menino Jesus, muito pequena, amparando-a
Kig. 5. — ProoiasSo em Arcoçó
com a mão do mesmo lado. — .Tunto do santo v6-so parto de um andor. Na rua algum povo, tendo duas pessoas guarda-sóis abertos. Fig. 5. A gravura assenta numa fotografia.
15 — Outra procinsão, que desfila ao pé do uma capela, situada a uns 3 on 4 quilómetros do Montalegre. Vai uma mulher a cavalo numa burrinha, a qual mulher representa a ^'i^goul quando fugia para o Egipto. A arreata devia ir S. Jos»'', que porém nilo figura na fotografia d'onde se extraiu a gravura. Jluitas mulheres ao pé, e um rapaz. A procissão costuma fazer-se em lã de Agosto. Fig. G (de uma fotografia).
2
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Boletim de Etnografia
Fig. 6.— Procissão em Montalegre
16 — Caldeireiro ambulante, fotografado em Folgosinho (Serra da Estrela), na rua, ao pó da sua habitação, de que se vê parte de uma parede e os degraus fundeiros do uma escada que sobe para ela.
Fig, 7. — Caldeireiro ambulante
Boletim de Etnografia
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Fig. 7, extraída (com a devida vénia) de um bilheto-postal da pa- pelaria de Borges, de Coimbra.
17 — Fuso ou fwddor, do laranjeira, para fazer il/ióses (illiós) iios coletes das mulheres, nos coadores de leite, em sacos, etc. Alandroal.
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Fig.f*. — Fuso de fazer ilhòses
Este instrumento tem o nomo de fuso no campo; olianiaso porém furador na vila, como noutras terras. O nome de ft(so provém da analogia do instrumento com o fuso de fiar. Fig. 8. Do O'", 170 do comprimento.
O original guarda-se no Museu Etnológico, para o ({ual o obtive em 1930, estando no Alandroal.
18 — Fôrcd.i de fazer cor- dões, que se empregam para enfiar em bolsas (onde se mete fato, se leva uma merenda, etc):
a) Fig. 9 (Alandroal). De O"", 195 de comprimento. Objecto feito de piorno.
b) Fig. 10 (Fronteira). De O"", 145 de comprimento.
Ambos estes oijjectos per- tencera ao Museu Etnológico, e devo-os á amabilidade, res- pectivamente, da Ex.'"'' S."'^'' D. Mariana líosado Belo, do Alandroal, e do Ex.'"" S."' Carlos Moreira Pinto, do Fron- teira. O primeiro objecto obtive-o cm 1930, o segundo anteriormente. No Alandroal usa-so também coiu a mesma aplicai.-ilo da. forca, tí igualmente assim chamado, outro instrumento muito mais simples, feito de um esgalhiuho de arvore.
j. L. DE y.
Fig. 9
F6roa de fazer
cordões
Kift. 10
Fôroa de fazer oordões
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Boletim de Etnografia
Um bobo do século XIV
Repro(lnz-se na fig. 11 um desonho quo parece representar um bobo, e so extrai da Cluincdarin de D. Afonso IV, Liv. iil, fl. ÍJ, (íxistento na Torre do Tombo, segundo indicação dada por Pedro de Azevedo no Boletim da 2." Cl. da Acad. das Sc. de Liahoa, vr, 184. O desenho no porgaminlio da Chancelaria mostra ter sido feito com a mesma tinta dos titulos que encabeçam os documentos. O bobo está esboçado comicamente: descalço, tal- vez do calção até o joelho, cauda, cabeção, e a cara e cabeça protegidas por um envoltório, que se prolonga posteriormente, adelgaçando-se o ar- queando-se sobre a cabeça, como gorro, a modo de ciiifre que sai do occiput: quereria o desenhador ridiculizar neste último caso uni capacete?
Nao conheço nenhuma representação artística de bobos em Portugal; por isso o desenho desper- tará certa curiosidade no leitor.
O gosto, ou mau-gôsto, de ter bobos e anfíos em casa para divertimento, como se fosso um cSo- zinho de raça ou outro animal, passou da antigui- dade clássica para a idado-média, o d'esta para tempos posteriores, o para diferentes partes. De bobos escreveram entre nós, sobretudo, que me lembre: Júlio Cardoso, Os bobos, Lisboa 1891 (n." 192 da «Biblio- theca do povo o das escolas»); Conde de Sabugosa, no Diário de No- ticias de 1-1-1922; idem. Os bobos da corte, Lisboa 1924. Vid. tam- bém: breves noticias em Bluteau, Vocabulário de nomes, p. 55, s. v. Balúla, o Panasco; e a Enciclopédia de Maximiano Lemos.
Na literatura portuguesa ninguém ha que nílo lesso, ou ouvisse mencionar, O Bobo, romance de Herculano, publicado a primeira vez no Panorama em 1843, o depois em volume á parto: 9.'' edição, 1919. Eis aqui porém mais umas indicações literárias, que julgo menos sabidas. O Pinto Renascido de Th. Pinto Brandão, Lisboa 1732, contém a pp. 425-429 um romance com este assunto: Acção de graças a certo Fidcãíjo, que l/ie ' deu lium vestido, e llie j)edio, que fzesse hum retrato a hum mulato chamado Poldão, que he anão
Fii;. 11
* Isto ó: ao autor.
Boletim de Etnografia
21
do Conde da Ribeira. Por sor extenso, não tfiinscrovo n;i integra o romance, o só umas estrofes caracteristicas:
Roldão, salio cá para fora, que os o nada do meu thoma, o não lii; justo em tal dia estar debaixo da mesa.
Kste iJCijuenino monstro, eu jurara (jue nascera de cachorro com bugia, ou de mono com cudoUa.
Ora sah(s em (|iiaiito (ui tiro os óculos da algibeira; mas ainda cuiu (juatro ollios receyo que te não veja.
Quando corre pela sala, parece, todo em cambotas, liuni . .
No Anatómico Jocoao (soe. xviii) lê-so tambom:
I, 162. E:
.. testemuniias que forão: . . o anão do Diupie . .
(bobo) Não destes (|U(.' andão nas sogos A garupa do seus amos • .
Ill, 252.
O D." Jordão de Freitas, Director da Hibilioteca da Ajuda, tovo a bondade do mo dar cópia da seguinte certidão de óbito antiga, quo so refere a um anão de luxo do Duiiue do Cadaval, o qual, porém, poilia não ser boixj proi)rianiento dito, e apenas sorvir do riso.
«Aos dous dias do mes de Dezembro de mil e sotto ceutijs e siii- coenta faleceo Diogo Brunei, solteiro, Aiiani do Duque de Cadaval, morador no lugar de Pedrom.-os*; não recebeu os Sacramentos por se achar ao listado da íunocencia havia mais do dous an."' Hntor- ronso no Jazigo da Irmandad." do Kozario no Conv.'" do 15om .Su- cesso — O Reitor llmriípio Garcia Galhardo».
(I.iv." t." ilos Oliito^ .la l''i-..',^'iiesi:i da Ajinla, fl. '_>51 r).
Este anão, como constado apelido, tinha origem estrangeira. O seu defeito Hsico o o sou oficio tizer.un i[uo liemontasso anos antes de morrer: isso signilicam os di/.eres do reitor: «por se aciíar no es- tado da iimocencia».
* Em Pcdrouços era o jiaeo do Du([ue do Cadaval.
22
BoLKTiM DE Etnografia
O Marquês de Castelo-Melhor ainda nos fins do século xix, como me informaram, tinha um anão á porta do seu palácio, em Lisboa, ao pé do porteiro. O Conde de Sabugosa, 0^ bobos da corte, p. 9, falando do mesmo anEo, diz que ele «se colocava sobre a meza de jantar para d'alli apodar os convivas».
Num armazém ou loja de venda da Kua do Ouro esteve algum tempo, já ha anos, um anSozinho, fardado, á porta, como chamariz de frè<;uoses: uma vez, em que estava um magote do pessoas diante d'ele, mirando-o, e acaso escarneceado-o, vi-o eu chorar, o desgra- çado. Tantos sfio os contrastes neste diablo mundo!
J. L. deV.
Isume e iluminação
(Vid. JíoWim, 11." 3,pr.39-í2)
Produção de lume
No Alentejo, por «exemplo em Tolosa, os camponios produzem lume, introduzindo isca em um canudinho de cana, tapado com rolha do cortiça: tig. 12. A isca ó trapo (jueimado. Pe<i«c(i-;íe ou produz-se o lume batendo, de lado, com um fusil num pedaço de cascalho (quartzo).
Isqueiro de bogalho
Os bogalhos têm ás vezes umas excrescências tais, que, quando se encaram duas que fiquem próximas uma da outra, o bogalho
Fig. 1.3
Fip. U
toma o aspecto de cabeça de toiro, com galhos: e por isso se dá aos bogalhos, no Alentejo Alto, o nome de toiros. Vid. as figs. 13 e 14; na última ao lado dos galhos até se vêem as orelhas!
Boletim de Etnografia
23
O povo faz isqueiros d'estes toiros. Aparam-se as excrescências com uma navalha, e pratica-se na parte superior uma espécie de coroa eclesiástica, fazendo-se um morrão no miolo que fica á vista. Depois, com o usual fusil e pederneira, tiram-se faiscas junto do morrão, que em seguida as recebe: e assim se tem lume para acender um cigarro, etc.
Observei o costume em Tolosa ha ainda pouco tempo, e de lá trouxe para o Museu Etnológico dois exemplares dos bogalhos que serviram para os desenhos.
Ha várias espécies de isca, segundo se dirá noutro lugar.
III Vendedor de «mechas»
Mecha, diz Moraes no seu Diccionario, s. v. : «tira de papel enxofrada : e assim astillias de pao enxofrado^ para se tomar o fogo da isca, e accender chamma de candeya, car- queja, ou fogo de lenha, ou carvão».
As mechas vendiam-so d' antes pelas ruas. A fig. 15 é extraída de uma colecçAo de litografia de tipos o usos populares intitulada Ruas de Lisboa, n.° 3, est. 17, que possuo na minha livraria. Cf. Ferreira Lima, Costumes portugueses, p. 14 (aqui a fi- gura vem no n.° 3). O meu exemplar não tem data ; o d'ele tem a de «1819«.
Como ilustração do assunto transcreve-se do Dicc. biblio- graphico, de Inocêncio, ix, 267-268, a seguinte noticia a propósito do escritor Francisco Baptista de Oliveira de Mesquita, o Mechas:
«N. na província da Beira, do pães pobres, e veiu para Lisboa procurar fortuna pelos annos do 1804. O seu primeiro nogocio foi o trafico das mechas, de que hoje poucos leitores do Diccionario
Fig. 15
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Boletim de Etnografia
jini
u
Fig. 16
FiR. 21
Fig. 17
Boletim de Etnogpafia
::.'o
podom fazor idóa, mas quo era pouco mais ou monos comparável ao quo tem sido modernamente o dos pJiosj/íioros. Eilo mosmij se mandou retratar depois, trazendo ás costas uma alcofa com as taes mechas. Como fosse ladino e muito esperto, conseguiu n'aquella os- ])0cic do industria lucros que em breve o liahilitaram para estalje- lecer-se com uma casa do compra e venda de livros novos e usados, a ([ual tove em Lisboa por alguns annos, e n"ella gauliou com (jiie sustentar-so o á sua familia, estendendo e general isando o seu coui- mercio até ás províncias ultramarinas».
O citado escritor S."' Ferreira Lima, meu confrade na Academia das Seiencias, que foi (juem mo (diamou a aten(,'ào jiara este i)asso do JJiccionario hihlidijraphico, levou a sua amal)i]idade a comunicar- -mo mais o seguinte:
«Possuo trez pequenos impressos ([ue costumam aparecer colados no interior das pastas das oncaderna(;ões ile vários li\ ros, como se fossem ox-libris, o que são do teor seguinte:
Lisboa Esta fJ/ira fou K-ita Livro) foi i-om/)ni<l(i em ra- sa (Ic F. B. O. de J/. =^0 M(kJni,i^- na Travessa dos Romn lares A'." N, .1, junto ao Cães do Sodré; onde tam- lieiit compra^ veiule e troca Livros de todas as qualidades; as.iini roniii famhein vende Indo quanto lie neces- sário para uso de hutn Escritório de Cominercio.
Iluminação de caracóis
lia i)Ouco tempo (escre\o eui lU^ll), [lor ('\i'ni[il(j, iia p.issagcui de uma procissilo nocturna, fa/,iain-se cm Tuiosa (Alentejo A lio) candeias de cascas de caracoles^, providas de torcida o azeite. Vid. fig. 1(3.
Estas candeias ou si- pousavam ás [)ortas, solire uma ('(jrtira, em quo so faziam cavidades para elas se meterem e não cairem, ou
• Assim diz o po\ o.
26
Boletim de Etnografia
se fixavam em canas, de uns O^jõOô de comprido, rachadas em vários lugares, segundo a disposição dada pela fig. 17.
Adquiri exemplares que trouxe para o Museu Etnológico e ser- viram para as gravuras.
V
Para serviço dos soldados
Na Milícia pratica, de B. Gomes Coelho, Lisboa 1740, t. i, p. 68: «He obrigação, do cabo do esquadra, .levar na sua patrona fuzil, isca, podreneira, e mocha de enxofre, porque a ele toca . . o conservar candea, e lume: e servem-lhe estes instrumentos para acender luz. .».
VI
Outros apetrechos de petiscar lume para uso dos fumadores
1. Fusil, de aço, moderno. Fig. 18; de tamanho natural.
2. Pederneira, quandrangular, comprada numa feira, onde é cos- tume vendê-las. Fig. 19, de tamanho natural.
3. hqueiro. O corpo é de ma- deira, e tapado em cima com uma rolha da mesma substancia, a qual rolha SC liga a elo por uma corren- tinha metálica. Todo o corpo tem or- natos angulares, e está excavado e atravessado pela isca. Serve a rolha para apagar a chama e deter o morrão, depois do aceso o cigarro. í^ig. 20, de tamanho natural. O respectivo objecto veio da Figueira da Foz para o Museu Etnológico, onde se guarda com os restantes.
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VII Comparação de f usis
A fig. 21 mostra-nos um fusil de aço, vindo do Fundão para o Museu Etnológico.
E-lhe comparável, por causa dos ornatos que lhe servem de pega, o da fig. 22, que representa um briquet romano do Museu do St.-Germain (França): vid. Cagnat & Chapot, Manuel, p. 464.
J. L. UE V.
Boletim de Etnografia 27
Arte Sc Etnografia
Três «estudos» de Malhoa
O ilustre artista José Malhoa deu-me a honra de mo oferecer um estudo que tinha feito j)ara o quadro que se intitula A caminho da romaria, o qual estudo, que representa um «fogueteiro», será publicado na Etnografia Portuguesa; além d'isso teve a bondade de me emprestar, para sairem no Boletim, três outros estudos, que são:
1. Zé-Pereira. Homem que toca bombo. Segue-o o gaiteiro, com a gaita de fole. Aquele só deixa ver a perna esquerda, porque assim convinha ao quadro; mas a outra perna está esboçada. Es- tudo pertencente ao quadro anterior. — Vid. a fig. 23.
2. Promessas. Várias muiiíeres fizeram promessa de ir de joelhos dar volta a uma igreja: uma porém ficou tHo abatida e cau- sada, que foi preciso duas das companiieiras ampararera-na. Estudo feito para o quadro que tem o mesmo titulo d'este paragrafo. — Vid. a fig. 24.
3. Meninos cm cestos. Rua da aldeia (Figueiró dos Vinhos), onde é costume as mulheres, eiuquanto trabalham em casa, depor os filhinhos na próxima rua, ao sol, uns em berços de madeira, outros em cestos. Este estudo, que serviu para o quadro que se intitula As8im se criam, mostra um dos meninos doutro de um cesto, e protegido da violência do calur jior um guarda-sol aberto. Ao lado ha esboços parciais que nío fazem parto do quadro. — Vid. a fijr. 2ò.
Comentário :
Ao § 1." — O Zé-Pereira figura com freqiioncia nos arraiais festivos do Norte e da Beira. Nas festas da Agonia, om Viana do Castelo, assistiu unia vez o autor destas linhas a um arraial em que tocaram a um tempo dezenas de bombos, que faziam estrondo ensurdecedor, verdadeiramente selvático. O nosso Artista obser- varia o costume em Figueiró, terra em que habitualmente passa o verJo. K bom lembrar que Figueiró dos Vinhos pertencia outr'ora á comarca ou província da Beira.
Ao § 2." — Promessas religiosas em circunstancias práticas da vida, executadas de joelhos, fazom-se também muitas nas mencio- nadas regiões. Uma das mais brutais de que tenlio notícia é dar voltas uma pessoa a uma igreja, de joellios, lambendo a parede, polo que nao raro a lingua llie fica a escorrer sanj:ue. — Ha muitas es])o- cies de promessas, v. g.: 1) actos que a própria jjessoa executa ou manda executar em seu nomo, como os que ficam indicados, e bem
28
Boletim de Etnografia
Fig. 21
Fig.
Boletim de Etnografia 29
assim ir em simples romaria ou cirio, ir amortalliada, ir cm um caixão, como morta, ir em peregrinação A Terra Santa (do que em documentos medievais s(> dá por vezes testemunho); 2) actos ecle- siásticos realizados a expensas do quem faz a promessa: responsos, missas rezadas ou cantadas, sermões, festividades, etc; ;3) ofe- renda de objectos de maior ou menor valor: simbólicos (de i)rata, (lo cora, etc), velas, coroas, andores para procissões, o quadros ou retábulos em que se relatam ou pintam milagres — são aos objectos d'esta última espécie e os simbólicos que costumam clia- mar-se ex-votoa propriamente ditos; 4) oferenda de géneros (milho, etc.) e animais, para festividades, ou em benefício de santuários, a fim do serem vendidos em leilão ou de outro qualquer modo; 5) oferenda de priniiclas: cachos de uvas que se penduram em an- dores, ramos do folhelho que se colocam junto de imagens em altares ou também em andores; (3) oferenda para festas, por (exemplo, dar o fogo, pagar á musica; 7) oferendas várias: cf. Ensaiox Ktlniu- graficoí, ii, 1G4, 70.
Ao § 3.° — Acerca do uso de canastras que servem de berço normal ou acidentalment(!, vid. lievifta Lusitana, x, IG. Ao que eu aí já disso de várias terras, acrescentarei que tenho notícia de que om muitas outras partes as mulheres, quando vão traballiar para o campo e levam consigo os tilhiulios, (h'itam estes em (piaisípier canastras perto de si, [)ara dormirem ou repousanun, e elas os
j)odcrom vigiar.
*
MalliOa é um dos nossos pintores que mais trm tomado por
tema os usos tradicionais. Mal pôde o etnografo prescindir de [lelo
menos coniiecer algumas das suas inspiradas o adiuirascis telas
o estudos.
.1. L. i)K V.
Esmolas para S. bazaro
No Anatómico Jocoso, i, 285, falando-se de um letreiro, diz-se: «como letras de almagre', como cruz de S. Lazaro».
A cruz de S. I^azaro, de (|ue se tratou no Holctim, u." ^, pp. Ht- 20, era pois tão coidiecida, que a côr servia para S(! estalielecer com ela uma comi)araç.1o trivial!
.1. L. Di: V.
' Isto 6, vermelhas.
30 Boletim de Et.vogeafia
Espécimes de Etnografia por provincias
I
Entre-Douro-e-Minho
1. Sino lie Koitiarigaes
Ao referir-se á igreja do llomarigaes, freguesia do concelho de Paredes de Coura, diz o P." Narciso A. da Cunha, na monografia intitulada Paredes de Coura, Porto 1909, p. 536, que ela tnâo tem torro. O sino pende de uns paus ou vigas, espetados no adro». O desenho que serviu de base á Hg. 1, traçado a lápiz, do natural, pelo hábil escultor-estatuario o S.""^ Júlio Vaz Júnior, que fez o favor de m'o oferecer, mostra-nos o sino pendente de uma tra- vessa de madeira, que se fixa ao mesmo tempo em paus como os de que fala o P.' Narciso, o em pernadas grossas de uma oliveira que está perto da igreja.
Quando soube d'esta espécie de campanário, supus que tal maneira de colocar o sino fosse provisória, até haver campanário verdadeiro ou torro; mas do que averiguei, o do que diz o P.* Nar- ciso, vê-se que o sistema é antigo, embora na origem certamente provisório, como muita cousa em Portugal, que depois se torna de- finitiva.
-. Musicn popular
a) Castanhetas de madeira, que obtive no Gem, fròguesia de S. Tomé de Covelas, concelho de Baião (fig. 2). Alt. 0"',215. Exem- plar pertencente ao Jluseu Etnológico, de Belém. Nao é esto o tipo mais usual. Cf. outro na llist. do Museu EtnoJog., p. 409, fig. 163, também do Museu. O tipo mais usual está naturalmente sem orna- mentação.
b) Pandeiro usado nas romarias do Minho (fig. 3). Alguns, pelo menos, vôm da Galiza, como este, que comprei em Braga para o Museu Etnológico, em 1904. Diâmetro 0'",230. Os discos metálicos que rodeiam o aro do instrumento, e que produzem som quando este é batido e agitado com as mãos, recebe o nomo vulgar de soa- lhas.
Boletim de Etnografia
31
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J-ig. 1— Sino de Romarigãea
3. (ôfo
Espécie d(! cesto (tig. 4), leito do ri'rija (salgueiro, carvalho, ttc), que se adapta ao focialio dos bois, a modo de acamo para estes, quando andam no trabalho, nilo amarrarem á comida, e poderem trabalhar á vontade. Kxemplar do ^[useu Ktaologico'.
* Para se indicar pequenez, costnraa-se dizer no Minho (Barce- los): cabe ih baixo d' um côjb.
32
Boletim de Etnografia
1'ig. 2. — Castanhetas
Ki;;. 3. — Pandeiro
Kig. l.-Còfo
Os desouhos em que assentam as gravuras dos §§ 2 o 3 dovem-se
a F. Valença, Desenliador do Museu Etnológico.
Boletim de Etnogeafia
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II Trás-os-Montes
1. Malha de centeio
A gravura adjunta (fig. 5), extraída de uma fotografia, tirada em 1928 6 que me foi oferecida pelo D." Alexandre de Faria, de Bra- gança, representa uma malha de centeio nos arredores d'aquela
Flg. 5. — Halha de centeio nos arredores de Braganga
cidade: o sitio fica nas abas de um monto denominado o Cabeço do Mendonça. Os malhadores estio em mangas de camisa e chapéu de palha.
O trabaliio do centeio, sobretudo a segada o a malha, serve de tema a curiosas poesias populares, tipicas do Norte do Trás-os- -Moates.
2. «Boclras» do telhado
Rigores do clima hibernal obrigam o homem a defender de muitas maneiras a casa em que habita, — precaução que sobretudo é neces- sária onde eles se tornam mais sensíveis, por exemplo, em Bragança. Usam aqui o seguinte. Conjunto do telhas postas a pino o cobertas
34
Boletim de Ei-nografia
Fig. G.— <Boelra8> do telhado
do argamassa. Sobro elas lia uma sorio de dentes formados também de argamassa e de pedaços de telhas, na qual assentam duas telhas inteiras. Isto serve para evitar que a chuva penetro na cozinha.
Vid. as gravuras adjuntas (fig. 6), conformemente a desenhos do S."' Acácio Cruz, Professor do Liceu da cidade de Bragança, feitos em 1932.
Boletim de Etnografia 35
III Beira
Usos de Vilar Seco (do concelho de Nelas)
Artigo consagrado, como preito de saudosa amizade, á memoria de Álvaro
de Albuquerque, autor das «Matinais» (volume de sentidas
poesias: 1895), e falecido em 12 de Setembro de 1934, na sua
casa solarenga, existente naquela povoação.
1. Fontes de chafurdo, de mergulho,' ou cobertas'
a) de S.'° António.
Tanquo de pedra enterrado, e cujas paredes se prolongam para cima (fig. 7). Agua nascidia, que se extrai para uso doméstico, mergulhando nela os cântaros. Por isso é o menos higiénica possivol. A pedra inferior da dianteira apresenta um desgaste, devido ao rogar das vasilhas. Ao lado vO-se um poial para estas se pousarem. A volta, paredes de campos; e ao longe, oliveiras.
Houve certamente ali uma imagem do santo, hoje desaparecida.
b) do Castanhal^.
O tecto era abobadado, e por isso se via adiante um arco. Temos pois aqui um tipo do antiga fonte arcada: vid. o que diz a este res- peito o P.* Vasco do Almeida Moreira, Cernancelhe e seu alfoz, Porto 1929, p. 242 (cf. figs. de pp. 32 e 136), e as minhas adições, a p. VIU do mesmo volume (proemio): povoações com esse nome-*.
Ao lado da Fonte do Castanhal, de Vilar Seco, avulta uma casa de varanda, com entrada pelo interior; o telhado é ilo angulo muito agudo, talvez imitação do Centro da Europa, trazida por emigran- tes (tig. 8).
' Nenhuma d'estas expressões se usa poróm em Vilar Soco. O povo só dil nomes próprios ás fontes de que se aqui trata.
' Hoje quasi destruida. Restaurada de memoria no desenho.
2 Na toponimia também ha Fonte Coberta, como vestígio local de antigas fontes d'esto tipo.
36 Boletim de Etkoghafia
2. Engenho de tirar agna nos cauipog
Já neste Boletim, n.° 1, pp. 32-33, se falou do um engenho do mesmo género, existente em Grândola: ibidem, fig. 48. Cf. também De tem-a em terra, i, 74-75, onde se figurou um engenho romano ou tolleno, o so citaram variados nomes dados aos nossos engenhos, a que podem acrescentar- se outros, como zabumba (Carregal do Sal), burra cega (Cebolais, concelho do Castelo Branco), aarangonha (al-
Fig. 7. — Fonto de Santo António, em Vilar Sêoo (vid. p. 35)
gures), zangarela (Arganil), varola (palavra derivada de vara: na Sobrena, concelho do Cadaval). Em Vilar Soco dizem cavaleiro, que ó propriamente o nome da haste d'onde pende o peso e o balde.
Vid. fig. 9. Ao pé do engenho está uma pia rectangular de gra- nito, onde se deita agua para se lavar roupa, etc.
E frequente haver ao lado dos poços vasos de flores, como aqui. Pois que os jardins tomam terreno, que podo dar lucro, o povo subs- titue-o muito por vasos do flores, na disposição que vimos agora, e tam- bém pousados ao longo da parte superior de paredes que dão para hor- tas ou para caminhos, sobro o parapeito do uma janela, sobre uma tábua assente em duas pedras saidas (cachorros) de cada lado d'esta, etc. Os vasos do quo se fala estão encostados a uma grade do madeira.
Boletim de Etnografia
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Fig. 8. —Fonte do Castanhal, em Vilar Sêoo (p. 35)
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rig. 9 — Engenho do tirar agua em Vilar Sêoo (vid. p. 36)
Fig. 10. — Engenho de tirar agua em Cngir, Transilvania (vid. p. 44)
Boletim de Etnografia
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3. Desenho de casas
a) Casa do varanda (de entrada intorior), o chamlnó do tipo me- ridional. Vôem-so dois postifjos e nvajanêlo^, em cima, e uma, porti- nhola de lagar om baixo. Num dos janôlos ha uma taboa exterior e horizontal com vasos do flores, costume muito vulgar.
Fora ha um páteo, com porta do entrada (porta dupla), de grade, do madeira (fig. 11.)
h) Casa de balcão, a qual dá para wxa. patim, ou patamar, coberto do alpendre. Balcão chamam por estes sítios a uma escada exterior, de pedra, com degraus; o também ás vezes a uma interior, do ma- deira (escalelra ó uma escada de mao, volante). Ainda que os degraus do pedra sejam três ou dois, recebem o nome de balcão-. Xo nosso caso o patim, com grados, balaustrada e alpendre, passa a denomi- nar-so varanda. Por este so entra para a casa. Em fronte da casa estende-80 um páteo fechado, onde se vO, á direita, segundo alpendre, térreo, que serve para arrumação do objectos agrários: corresponde á arribana estromenha (vid. Boletim, n.° 4, p. 34). A esquerda da casa, no páteo, está um curral, que significa «loja» (fechada) do qual- quer animal, boi, burro, porco, etc. (fig. 12).
c) Casa alpondrada, que dá para a raa. Dois alpoidres, cada um dos quais protege sua entrada, isto é, portas situadas ao cimo do balcões, aem patina, — Fig. 13.
* O postigo ó estreito; o j anelo é largo, quási janela pequena, que ó o que quer á\zQr janêlo.
* Noutras terras balcão é o patamar da escada (Fozcoa, Celorico da Beira, etc; em Trás-os-Montes: liev. Lusit., v, 29, artigo do A. Moreno). O povo canta om Vilar Seco duas cantigas quo dizem se- guidas, como uma oitava:
Liberdade, liberdade. Quem na tem chama-lhc sua: Eu nao tenho liberdade Nem do pôr os pés na rua,
Nem do pôr os pés rua, Nem de chegar ao balcão: Liberdade, liberdade. Amor do meu coração!
Para as pessoas de Vilar Soco, «cliogar ao balcãoti quer dizer «chegar á escada». So a cantiga so cantar, como ó natural, em po- voações ondo balcão tenha outro sentido, com ele muda também o da poesia. Em todo o caso as cantigas s^o muito expressivas: pintam bem o recato, quasi arábigo, com quo as mulheres, sobretudo gra- ves matronas, d'antes viviam. Cf. Boletim, n." 1, p. 7.
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Boletim de Etnografia
d) Duas casas contíguas, cada uma com sua oscada exterior ou balcão. Em frente d'olas, do outro lado de uma quelha, ou rua es- treita*, que passa junto das casas, ha uma propriedade (terra de milho), de paredes toscas, na qual avulta uma casinhola {palheiro), de que só porém se vê parte. — Fig. 14.
e) Entrada ou portal de jxitio, olhada de perfil, por onde entra o carro de bois, que se avista dentro, a pouca distancia. Ao pé, um
Fig. 11. — Casa de varanda em VUar Seco
porco e duas galinhas. Mais longe, casa de varanda (de entrada inte- rior); debaixo d'esta, uma dorna a pino. — Fig. 15.
/) Cozinha. A lareira, quadrilateral, posta em nivel inferior ao do sobrado, que forma bancada por dois lados (o que o desenho nSo mostra). Ao fundo da lareira, em frente de quem se aproxima directa- mente do lume, avulta a pilheira, onde se recolhe a cinza, e em cuja parte superior, de forma de mesa, pousa alguma lenha para secar, e utensilios culinários. Uma mulher, á esquerda do observador, sopra
* A respeito do quelha vid. as minhas Memorias de Mondim da Beira, p. 470.
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Tig. 12. — Casa de balcão em Vilar Sêoo
Fig. 13. — Casa alpendrada em Vilar Sèoo
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Fig. 14.— Dnas oasas oontlgrnas em Vilar Sêoo
Fig. 15. — Entrada de um pátio em Vilar Sêoo
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ao lume com uma caaa furada *. Adiante da pilheira vê-so o cambeiro, que é o cabide das panelas^. Junto da parede, do lado direito, está a cantoneira, com os cântaros da água, em baixo, e um armário para a loiça, om cima. Sobranceira á pilheira fica a chaminé, do cujo bordo anterior pendem as marcelas e chouriços (enchido) que estão em
Flg. IC — Cozinha de nma oaea de Vilar Sèoo (p. 40)
fumeiro. Ao canto esquerdo da cozinha encontramos a masseira, espécie do caixa onde se amassa a farinha de quo se fabrica o pilo (do millio)f e na parede, superiormente á masseira, duas peneiras, e á direita d'ela um banquinho com um alguidar. Finalmente, temos pendurada na parede da esquerda uma mesa levadiça, muito estreita quo, quando posta horizontalmente se segura na parede, num gan- chinho que mal se avista. — ^Fig. IG.
* Costume usual no Alentejo, onde ás vezes e para isto se ser- vem do um cano do espingarda velho.
* Noutros pontos da Beira- Al ta (Mondim) dizem rjaUieiro, por ser um pinheiro com esgalhas, tíxo no chão; nos esgalhos metem os púcaros.
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1. FogacciraH da procissito da «Senhora do Ó»
A festividade da Senhora do O, que está a cargo de uma irman- dade da mesma invocação (que data do 1644)^, e a que assisti em 18 e 19 de Agosto de 1934, consta do compasso, na véspera, geral- mente em sábado, e da íesia projmamente dita (missa cantada, ser- mão, e procissão). O compasso 6 já do si uma procissão, que sái da igreja matriz e a ela recolhe, depois do ter percorrido algumas ruas da freguesia, que tem a sua sede no Outeiro, um dos lugares da mesma: constituem o compasso os membros da irmandade (de capa ou opa branca), com o seu reitor ou presidente*.
Dá-se o nomo de fogaceiras a meninas que levam /opacas á ca- beça, isto ó, açafates cheios de cereais (trigo, milho, centeio), pro- metidos á Senhora, e vendidos em leilão em proveito d'esta, os quais açafates têm por cima uma armação com flores artificiais o fitas de várias coros. Vid. uma fogaceira na fig. 17.
Os desenhos que serviram para as gravuras foram foitos do na- tural polo S.'"' Henrique Loureiro, hábil e culto Professor de en- sino oficial no Montijo, que veraneava em Vilar Soco quando eu lá estivo.
Apcudice a este capitulo
Como ampliação do § 2." reproduz-se na fig. 10 um desenho do S.'"' Paul Scortesco, insigne artista rumeno, que em 1935 fez uma exposição de quadros seus em Lisboa, na Sociedade Nacional de Bolas Artes, ondo mo relacionei com ele. O desenho representa um poço de Cugir (Transilvania), a que está adaptado um engenho de tirar água, igual aos nossos. Tendo eu lembrado na minha obra De terra em terra, i, 75 (mencionada supra p. 36) que o uso dos engenhos ou cegonlias se estendia da Ásia, da Grécia, do Egipto, de Koma, em
' A designação de «Senhora do Ó» provém de se cantarem sete antífonas da Alagnificat que começam pela interjeição «ó»: vid. Blu- teau, Vocah., s. v. «ó». Os Estatutos da irmandade foram aprovados por alvará do governador civil do Viseu de 7 de Agosto do 1867, e impressos em Coimbra em 1891. Tenho presente um exemplar, e d'ele constam muitos vocábulos locais, por exemplo, co7njmsso e rei- tor, já citados.
* O cargo ó exercido por um secular.
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Vig. 17. — Fogaoelra da Senhora do O (Vilar Seco)
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tempos antigos, á Peniasula Ibérica, onde já se assinala no sec. vii da nossa ora, fica assim indicado aqui mais um paralelo de fora. O desenho do S."'' Scortesco apareceu a lume primeiramente num folheto ou prospecto om francês, de que teve a bondade de me ofere- cer um exemplar, o de lá se extrai a presente gravura.
IV
Estremadura
1. Marcas de propriedade de objectos
Os vindimadores, em muitas terras, marcam com sinais próprios as asas dos cestos com que vao á vindima. Aqui se reproduzem al- guns, observados em Alguber (Cadaval), numa quinta do meu amigo J. M. das Nevos Fogaça.
Fig. 1." — O sol dentro do nm halo. Em cima as iniciais do nome do vindimador ou vindimadora. Fig. 2." — Arvore ou ramo. Fig. 3.* — Estilizaçao humana. Fig. 4.* — Cruciforme, mas que ó estilizaçao ainda maior que a anterior: distingue-se a cabeça, os braços, os seios, o tronco. Fig. b.'^ — Ou guião, ou melhor: bandeira das almas. Fig. 6.* — Outra, como creio, bandeira (na parte central parece que se quis representar uma capela). — Tudo isto constituo temas usadis- simos em cousas de arte popular. A fig. 4.* faz lembrar certos dese- nhos ou insculturas de arte pre-historica que os arqueólogos que tra- tam do assunto denominam rupestre: cf. Relig. da Lusitânia, i, 364, fig. 78. Esta figura está ali ao invés, devia ficar da seguinte maneira:
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Em De t. em terra, ii, 38-39, dei notícia de muitas marcas de pescadores, nilo porém gravadas em objectos do pesca, e sim em uma cómoda ou mesa de sacristia, a modo do registo. O nosso povo faz muito uso de marcas congéneres, gravadas om foices, em acinchos
Fig. 1
(do queijo), em aros de peneiras, em manguais, para quando esses objectos se emprestam nlo se confundirem com outros, ou para quando se perdem se saber de quem silo, etc. Igualmente marca animais (gado lanigero, cavalar, e outros).
O uso das marcas leva-mo a aludir a sinais de conta, ou assen- tos, abertos com canivete em instrumentos do uso (cajados, cabos de sacho, aros do queijo), em pedacitos de cana, ou do pau prepa-
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Fig. 5
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rados ad hoc. Em Tiuis-os-Moates ha para estos últimos o nome do talas: vid. ITist. do Museu Etnolog., pp. 235-23G; e cf. o Elucidário do P/ Viterbo, s. v. «talha do fuste». Também so fazem traços em simples papeis, cora lápis ou tinta, o em paredes, em tampos de va- silhas, etc, com gis, carvão, sabão.
Em algumas povoações do Sul usa-so verdadeira escrita conven- cional na indicação do preço do certos frutos, e em assentos de di- vida a merceeiros que nflo sabem escrever: uma cruz significa um tostão (originaria nos anti- gos tostões de prata), o traços verticais, um vin- tém ou dez reis, consoante o tamanho, por exemplo:
+
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sistema X representa 20 centavos, O dez centavos, etc. Curiosa maneira de in- dicar que uma divida, no primeiro sistema, está pa- ga, é envolver a conta den- tro de um circuito traçado com lápis ou pena. Em pe- daços de pau, utilizados como fica dito, em cabos de sacho, e em cajados, iiidica-so, por exemplo:
o número do carradas do adubo que uma parelha de muares levou para o campo, ou o número de goiras que ela executa lavrando;
o número de cestos quo um homem acarretou na vindima para o lagar, ou o numero de tinas do uvas levadas para lá em carros do bois;
o número de cabanejos que uma mulher apanha de azeitona;
o número do dias que uma mondadeira ganha ou perde;
o número de cântaros do azeito que so tiram do lagar;
o número do vasilhas de vinho que se lançam num tonel ou numa pipa, ou d'aí so tiram;
o número do borregos que nascem num rebanho;
o número de cabeças de gado quo so viMidem de um rebanho; etc.
Do tudo isto possuo muitas noticias, e tambom apontamentos literários o comparativos. No I^iv. III da Etnografia Portuguesa tra- tarei do assunto metodicamente, o com algum desenvolvimento.
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As talas trasmontanas, os assentadores, etc, fazem lembrar um registre de comjjtes prehistorico de França, de osso, que citei nas Religiões, i, 344, e outros que Max Verworn desenhou num artigo publicado em 1911 no Correspondenz-Blatt der deutschen Gesellsch. f. Anthroj)olog . etc, n.° 7, pp. 53-55. Na citada Ilist. do Museu Etnológico, p. 408, n." 162, dá-se o desenho de um assentador de Baião, que pôde a propósito aqui lembrar-se. — Para o conhecimento da escrita e contagem primitivas ministra pois a investigação dos costumes do nosso povo, no campo indicado e por comparação, al- guns elementos dignos de apreço. Ainda que nem sempre semelhan- ças etnográficas importam necessariamente comunidade de origem, importam polo menos comunidade do operações psicológicas.
2, Preparativos de casamento
D'antes, quando estava para haver um casamento nas povoações rurais do concelho de Mafra, eram os noivos quem ia á vila comprar o enxoval, que costumava ser conduzido para o respectivo lugar ou
Fig. 7. — Preparativos de casamento
povoaçílo em carro do bois enrameado. A gravura adjunta, que assenta numa fotografia que mo foi oferecida pelo D."'' Carlos Gal- vão, mostra uma scena d'estas: carro de bois, com enfeites; carreiro,
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ou condutor do carro, do barrete ou carapuça na cabeça, e botas; o noivo, também de barrete, e calças de «boca do sino», com joelhoiras. Parto decorativa e casual da scena: olmeiros da praça de Mafra; uma casa de habitação; curiosos.
3. Festeiros de «cirlos»
Na Rev. Lusít., xxx, 5 sgs., começou o signatário a publicar um artigo a respeito de círios estremenhos, desacompanhado porém de gravuras. Kemedeio agora um pouco a falha.
As figs. 8 e 9 reproduzem fotografias em que se representam vários festeiros de dois cirios da Senhora do Cabo, no momento de irem para o Cabo do Espichel, concelho de Sesimbra, onde ha um
Fig. í
Cirio de Montelavar
santuário em que a Senhora se venera: a fig. 8 ó de um cirio de Montelavar, do 1910; a fig. 9 é de um cirio do .S. Jon,o das Lampas, de 1930. Tanto Montelavar como S. João das I>ampas silo freguesias do concelho do Sintra. Antigamente iam ao Cabo cirios ue vinte o
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Kiíc. 9. — Cirlo de S. João das Lampas
cinco frèg/uesias. Hoje a concorrência é menor, pois a imagem da Senhora passa ás vezos do freguesia para freguesia, sem ir de cada uma em pompa até o santuário.
As duas fotografias dovo-as ao obsequio do meu colega o amigo D.*"" Carlos Galvilo, de Mafra, a quem já me referi.
4. Casas da Praia de Yieira
Suspensas em estacas, como as das estaçOes prohistoricas, que se construíam em lagos (habitações lacustres), o também em terra firmo (em italiano terramare, plural; em português podemos dizer terramaras): umas e outras com muitos vestígios do civilização da idade da pedra o do bronze.
Paralelos a estos sistemas do construçjio temo-los em vários po- vos selvagens do Dahoméi, America do Sul, Malásia, etc. ; e já AA. gregos se referiram ao mesmo sistema.
Por brevidade omito citações, que tenho feito, ou farei noutros lugares.
Depois que o nosso notável geólogo, o ao mesmo tempo um dos primeiros que entro nós cultivaram scientificamonte o estudo da Prehistoria nacional, Carlos Ribeiro, no Relatório do Congresso de
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n?. 10
FiK- U
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Fig. 12
Bruxelas, Lisboa 1873 (o Congresso foi om 1872), falou de cabanas portuguesas construídas á beira-mar sobre estacaria, alguns dos in- vestigadores da Etnografia portuguesa tomaram conta do caso, o hoje conliecem-se entre nós muitos exemplos de tais tipos de construção. No próprio Boletim de Etnografia, n." 3, pp. 33-38, se falou de casas
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Fig. Vi
da Praia do Vieira (Leiria), mas como a fotografia do que se fez a gravura da fig. 2 dou apenas um levo aspecto de barracas, e como es- tas vão a desaparecer, o que já aconteceu totalmente aos palheiros da Costa Nova (Aveiro), nao hesito em publicar aqui cinco amplas fotografias de casas d'aquela localidade, as quais fotografias me fo-
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ram enviadas polo meu amigo, e ilustre publicista, João Tomé Fe- teira, de Vieira de Leiria*. Vid. figs. 10 a 14.
* O S.""' Feteira é, por exemplo, autor de um bem arquitectado soneto etnograíico, intitulado Numa tourada, que faz parto das Pri- meiras Rimas (1927), e que penso reproduzir om ocasião conveniente.
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5. Costumes da vindima (Lourinhã)
Os cachos que se cortam das videiras deitam-so om cestos, e os cestos despejam-se om tinas ou dornas, que, depois do calcados aí os cachos pelos vindimadores com os pés, são levados para o lagar, em carros de bois. Empregam-se dois carros, mas só serve uma junta. Emquanto está um carro a encher na vinha, vai-se despojando no lagar o que para lá havia sido levado, e depois a junta que trouxe aquele leva esto já vazio.
O carreiro marca numa haste de cana delgada (caniço) ou de vide, abrindo moças com um canivete, o número do tinas que vão para o lagar, ondo depois tornam a marc;ir-so as que entram nele. Também ás vozes, em lugar de utilizar o carreiro uma haste especial (fig. 15: haste de vide, de tama- nho natural, com 23 golpes), aproveita para isso um varapau de trazer na milo, como arrimo, um angulo do carro, ou do escadote que sorvo para subir a este, quando so lançam os cestos das uvas dentro da tina.
A marcação das tinas que entram no lagar faz-so no tampo dianteiro do tonel que liá-do por fim receber o vinho (fig. !(>).
No mesmo tampo, quando o tonol ostá cheio do vinho, e d'ondo este se tira, aos cascos, para venda, marcam-so com traços de gis os cascos vendidos, como so vô na mesma fig. IG.
Com o quo fica dito cl", o quo do contagem so lõ no § 1 .
II
Terminada a vindima, os donos da casa dão a adiafa aos caseiros, lagareiros (os homens do lagar, isto ó, do trabalho do lagar no fabrico do vinho), abegões (os quo trabalham com os bois), carroceiros (quo, como os abegõos guiam tamboui carros, mas puxados por burros ou mulas).
A adufa consta de bacalhau com batatas, azeitonas, pão, o vinho, cozinhado com tanta abundância, que chega ainda para o dia seguinte.
O preparo das batatas com o bacalhau ó feito pelos próprios trabalhadores junto da adega; e a refeição ó tomada rig. 15
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dentro d'esta, estando eles sentados om bancos que arranjam ad hoc (tábuas assentes ao acaso, etc). Naturalmente reina grande anima-
Fig. 16
ção em todos os convivas, motivada sobretudo pelo espumante licor, que já os Gregos adoravam como dom de um deus.
O que na primeira parte d'este artigo se diz da contagem das tinas de uvas obsorvei-o eu próprio na Lourinha, em 1934, na quinta om que habita o mou ilustre amigo o D.'" Mário Braga, que com muita amabilidade me liavia convidado para ir lá passar dois dias, e a cujos filhos devo a fotografia que serviu para a fig. 16. A haste representada na fig. 15 ofereceu-m'a o caseiro da quinta. A segunda parte do artigo baseia-se em informações que lá tomei.
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V Alentejo
1. Penedo dos casamentos
Na herdade do Montinho, á beira da estrada que conduz á Aldeia do Mato, concelho de Reguengos de Monsaraz, e perto da povoação, ha um monólito de granito, de pouco mais de um metro de alto, com uma saliência em cima, que faz lembrar um chapéu.
Rapazes e raparigas solteiros qae por ali passem, e desejem saber se casarão nesse ano, tomam três pedrinhas do chão, sobem acima de outro penedo mais baixo, que dista d'aquole cinco ou seis metros, para o Sul, voltam as costas ao primeiro penedo, e aventam as pedras, seguidamente, com a mão esquerda, para cima da sa- liência de que se falou: se as três pedras ficam lá, casam todas; se não, não.
Outra versão diz que, se se deitam abaixo pedras que já para o penedo haviam sido atiradas, permanecem os consulentes ainda solteiros tantos anos, quantas forem as pedras caídas.
Também alguns dizem que as pedras podem aventar-se de fronte, o que indica decadência da superstição.
Temos aqui vários ritos : — número três;
— costas voltadas; — mSo esquerda;
— arremesso a distancia: o que tudo dificulta o acto.
Deve notar-se que no monólito está gravada uma cruz grossei- ramente. Não deve sor cristianização do rito pagão, senão mais fácil teria sido derrubá-lo; deve ser reforço da superstição.
Esta vai entrando em decadência, já porque nem todas as pes- soas contam o facto, tal qual acima se expôs — foi preciso ouvir muitas para apurar o que se disse — já porque, segundo outra versão, basta atirar as pedras de frente.
Ao penedo dão-se três nomes : jjedrejêra, ouvido a um rapazito ; penedro do sombrêro, ouvido a uma veliia; ^;rí'mê/-o somhrêro, o mais usual.
Pedrejêra está por apedrejêra, acto de apedrejar; cf. brincadeira, de brincar.
GO
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Somhrêro nflo mo ó fácil explicá-lo, porque nesta região não se usa essa palavra, isto ó, sombreiro, nem no sentido do «guarda-sol», como, por exemplo, na Beira, nem no do «chapéu», como no Minho (cf. hesp. somhrêro). Apenas se usa como sinonimo de somJ/raclio,
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Fig. 1
espécie do toldo, ou pano, posto sobre paus, no campo, para os trabalhadores se recolherem á pressa, o momentaneamente, do sol, ou da chuva.
Usar-so-hia algum tempo somhrêro no sentido de «chapou», ou tomar-se-hia do hospanhol a palavra, por zombaria? O mais natural seria em verdade denominar metaforicamente a saliência do penedo pensando em chapou. Tão semelhante é ela a este, que eu, no meu caderno de apontamentos, ao descrever o penedo, empreguei ins-
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tintivamente, como comparação, a palavra cJ/ajjeii, antes de ter ouvido o nome que o povo emprega.
Quanto a primêro, ou primeiro, provirá o epitoto de estar o pe- nedo antes do outro de que so falou, e que serve para se subir a ele, ou provirá, como alguém me explicou, do ser ali a primeira paragem dos acompanhamentos quando os cadáveres iam d'antes a enterrar á igreja de S. Pedro, antiga matriz, que fica solitária no monte (rural) de S. Pedro (hoje a matriz 6 dentro da Aldeia do Mato: orago a Senhora do Rosário)?
Quem escreve estas linhas esteve in loco em 19-X-1932, e de lá trouxe, como curiosidade, uma das muitas pedrinhas que juncavam o chão junto do monólito.
Por falta de tempo, abstenho-me de juntar paralelos d'este uso, que conheço, de cá e do fora.
*
A fotografia em que assenta a gravura foi tirada pela Ex.™* S.'* D. Maria Inácia Perdigão, prendada e gentil filha do meu amigo o S."' Inácio Carneiro Perdigão, rico proprietário em Reguengos de Monsaraz.
2. Chocalhos e objectos congéneres
Os objectos gravados nas figuras adjimtas são todos eles de metal, e trazidos pelo gado ao pescoço:
a) chocalho de debrum, e badalo de madeira, para bois, vacas, éguas: alt. 0'",25* (fig. 2);
b) esquila para cabras: alt. 0"',075 (fig. 3);
c) chocalho para cabras: alt. 0"',19 (fig. 4);
d) chocalho para porcos: alt. O'", 11 (fig. 5);
e) outro chocalho para porcos: alt. O"', 105 (fig. G);
f) chocalho sem debrum (o batente), também para porcos: alt. O^QÒlfig. 7);
g) cascarei, para fazor parte de rjuiseirn do gado muar: alt.
(r,04 (fig. 8).
*
As gravuras assentam em des(Mihos feitos no Sibôrro, em 1933, por F. Valença, Desenhador do Museu Ktnologico.
* Também ha chucalhos som dol)rum, de badalo de metal.
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Fig. :
Flg. S
Flg. 4
Fig. r,
Fig. 6
Fig. 7
Fig. 8
VI Algarve
1. Carrinha
É múltipla em Portugal a nomenclatura do instrumento de trans- porte, chamado, de modo geral, carro.
No Alto-Aloutejo (Tolosa), por exemplo:
— carro, por excelência; puxado por duas mulas, com ou sem toldo, o qual carro serve para condução de pessoas, e de fardos. Corresponde ao que noutros sítios do Alentejo
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se chama vulgarmente car7-o alentejano, e que quando tem toldo se chama cai-ro de canudo, por causa do as- pecto que apresenta.
— carroça, menor que o antecedente, e com uma tábua
atravessada, quo servo do assento; é puxado por um só animal (burro, etc).
— carreta. E o carro de bois. Todos estes carros têm duas rodas*.
No Algarve distinguem-so os seguintes tipos.
— carro de carga, de duas rodas, e de molas d'aço. Eara-
mente sem molas. A um carro que não tem molas d'aço chamam por graça, tanto no Algarve, como no Alen- tejo, de molas de azinho. O carro de carga é de duas espécies:
a) de besta só-, e por tanto de varais; h) de parelha, e por tanto de príteca (prítica), espécie de timão (tomilo) ou cabeçalho. O carro de carga, como o nome bem o indica, servo só para transporte de fardos; raramente o utilizam para transporto de pes- soas.
— carrinho de Lagos. Em regra tem duas rodas, raras vezos
tem quatro. O carrinho de Jjigos 6 como o carro de carga, mas menor, o mais aperfeiçoado. De varais, pois o puxa um burro ou um muar pequeno. Servo apenas para transporto de pessoas.
— carrinha, que vai ocupar-nos um pouco mais: vid. a fig. 1.
Tora duas rodas e dois assentos laterais, o um na dianteira para o cocheiro. Do cortinas, o capota ou tejadilho. Com ou som molas, puxado por um cavalo. O leito sobro o comprido, e do uns 2 metros X 1"',20, é de pinho; os limões (vigas longitudinais onde assenta o madeiramento do carro, o transmitem o pCso da carga ao eixo) e os varais sao de eucalipto; os raios das rodas são do manguo, ou do azinho; a príteca, de castanho.
— carreta, ou carro do bois.
• Carro de quatro rodas, só o trem; mas este pertence á civi- lização geral.
* Besta no Algarve designa propriamente um equino, um asinino, um muar.
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Fig. 1 — Carrlnlia algarvia
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2. Tenda de batata doce
A batata está om um panelão de lata, de duas asas, e tampa correspondente, o qual é levado num carro de mão, puxado por um rapazinho, rapariguinha, ou mulher, que volta as costas para o panelao, e segura com as mios os varais. O panelao tem estas dimensões: altura 1"',5; diâmetro O'", 55. Pendente d'elo vEo as balanças; e ficam ao pé os pesos.
Vid. a fig. 2, que nos mostra que quem conduz o carro é, no nosso caso, uma rapariguinha descabelada. Temos aí representado ao mesmo tempo um cabaz, que pendo de um dos varais. Este ó de cana, e contém bolos (doces), que se vendem a par com as batatas.
Um kilo de batatas custa um escudo; antes da actual crise económica vendia-se por 20, 30 reis. Os bolos custam, cada um, 10 centavos; outr'ora vendiam-se a 5 reis.
A venda de batatas doces faz-so, mais ou menos, por toda a Boira-mar algarvia, mas algures o panelao não vai em carro : levam-no dois rapazitos, segurando-o cada um por sua asa.
3. Chaminé
No vol. III da Revista Lusitana (1893-1895), num artigo reprodu- zido depois na Historia do Museu Etnológico, p. 56, escreveu o autor d'estas linhas o seguinte: »Em chaminés ha grande variedade: no Alentejo parecem túmulos (por exemplo, om Ponte-de-Sôr), no Al- garve semelham elegantes zimbórios e minaretes; com alguns tijolos e um pouco de cal, o Algarvio edifica sobro o telhado ás vezes obras de arte verdadeira». Posteriormente alguns especialistas e curiosos trouxeram a lume vários desenhos de chaminés, o escreveram a res- peito das mesmas. O próprio signatário publicou desenhos, por exem- plo, na mencionada J/ist. do Museu, pp. 385-387, no Bulet. de Etno- grafia, n." 1, p. 39, n.» 3, p. 12, e cf. n." 4, p. 32; na Alma Nova, de Lisboa (artigos reproduzidos nos Opúsculos, v, 491-495).
A fig. 3 mostra-nos belo exemplo de chaminé algarvia, a qual existe em uma casa de Monchique; difere dos tipos usuais.
Muitas casas do Algarve não têm chaminé. O famo sai por três fendas do telhado formadas pela elevação de três cobertores, que recebeu para isso um pouco mais de argamassa.
Nota.- -Em técnica de Arquitectura, cobertor é a telha (tolha curva) voltada com a concavidade para baixo; canal é a telha vol- tada com a concavidade para cima.
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Fi^'. 3 — Chaminé algarvia (em Monchique)
Fig. 4 — Casa popular do Algarve
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4-5. Casa popular e forno
Fig. 4: tipo de casa algarvia, dos arredores de Faro (S. João da Venda), — aspecto exterior. A casa tem de frente a porta de entrada, entro duas janelas baixas; na parede do lado ;ibre-so outra, de serventia; do telhado sobressai elegante chaminé. Casas de rés-do-chao, com a porta de entrada posta entre duas janelas
Fig. S — Fdrno dos arredores de Portimão
baixas, como aqui, sSo frequentíssimas por todo o Sul do Portugal, e o sen uso chega ató os Açores: cf. Mês de sonho, est. x.
Pois que estamos falando de casas algarvias, demos na fig. 5 a vista, também exterior, de um forno do Monte de S. Sebastiílo (arredores de Portimilo), construído do per si, fora de casa, como também acontece no Alentejo, ao contrario do que geralmente se usa no Centro (Beira) e no Norte do Portugal.
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6. Cabanas de pescadores de Monte-Gordo
Monte-Gordo é uma povoação de 218 fogos (Censo de 1911), que fica ao pó do mar o tem praia do banhos. Grande parte dos habitantes dedlcam-so á posca.
Alguns pescadores vivem num areal, afastado da praia, em cabanas cobertas de colmo. A um grupo de cabanas chamam bairro.
Flg. 6
lia outras que sSo soltas. Figs. G a 8. Estivo de fugida num d'estes bairros om 15 de Abril do 1933, em companhia do meu prezado amigo, o ilustro Engenheiro José do Sousa Nunes. Tomei ape- nas, pola rápida demora, breves notas etnográficas.
As cabanas são do junco, o, como já se disso, com tecto de colmo. A armação faz-so som ferro: travessas de canas encruzam-se em traves. O chão 6 de ladrilho. Cada cabana possue dois compar- timentos: um de entrada, onde estão comestíveis e outros arranjos domésticos, bem como, a um canto, a cozinha; e um compartimento interior, que serve de quarto de dormir. Se bem me lembro, os dois compartimentos separa-os um tabique onde existem aberturas fe- chadas por cortinas em vez de portas. Compartimento total da cabana, desde a porta de entrada, que é de madeira, até o topo, uns 5 metros; largura 3 a 5 metros. A cozinha forma-a uma caixa de
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pedra, alvenaria caiada, do paredes muito pequenas: 0,80x0,50; o fumo sai pela porta de entrada, única abertura da habitação.
Para a chavo da porta na,o se perder atam-na á ponta de um entrançado de cordel, a que se prende na outra ponta um huzio: a tudo chamam cabo ou cobónJio da chave. O mesmo se faz pliui miniLS em todo o Sul de Portugal. A este emprego de uma concha, matéria prima que gente marítima tem sempre á mSo, fica paralelo o servirem-se os pescadores do Monte-Gordo do outras conchas para vasilhas de azeite.
Em pouco mais de um quarto de hora que estive no local não pude colher número maior de apontamentos; nem ou aqui publicaria tao pouca cousa, senão fosse o querer corresponder á amabilidade do S.""' Engenheiro Sousa Nunes, que por minha causa, mas em beneficio do estudo etnográfico tirou as fotografias, não somente das cabanas senão todas as outras que cxornam o § 5 deste artigo (Al- garve).
Historia c Etnografia
Por poderem servir de utilidade a algum leitor, piibli- cam-se adiante uns extractos do t. v, inédito, e incompleto, da Hist. da administr. publica do D."'' Gama Barros, os quais tomei com permissão do D.""' Henrique da Fonseca Barros, fillio do grande historiador, e meu amigo de há longos anos *.
Se os referidos extractos — como de matéria ainda pouco estudada — têm principalmente valor histórico, ou historico- geografico, tem-no também etnográfico, segundo o plano que adoptei na Etnografia Portuguesa'^: pelo que cabem muito bem no presente Boletim, que eles sobremaneira enri- quecem e honram.
* Quando tomei estes apontamentos, destinava-os a meu uso par- ticular, para os aproveitar, citando, já se vê, o manuscrito — como fiz, por exemplo, na Etnografia Portug., i, 20 — e por isso não os transcrevi todos, na integra; depois foi que pensei que valia a pena trazê-los a lume, assim mesmos.
^ Vid. o vol. I, p. 24: divisões tradicionais do território por- tuguês, antigas e modernas. No nosso caso: divisões antigas. A res- peito do t. V de G. Barros^ cf. o que se diz ibidem, p. 119.
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O lugar do t. v donde se extraíram os trechos tem o se- guinte cabeçalho:
LiVEO IV — Administração geral^ . Titulo I — Organização administrativa; Capitulo i — Divisão do território; Cap. ii-- Agentes da administração: 1, Condes; 2, Meirinhos.
G. Barros costumava juntar no fim dos seus volumes notas extensas ou anotações, como já Herculano fizera. Nos meus extractos segui o mesmo método, formando dois capí- tulos: um com os extractos do corpo da obra, o outro com os das notas finais. Por brevidade resumi em todos eles várias vezes a matéria, mas as palavras textuais do A. colo- quei-as entre comas. De modo que não deve o artigo levar no fim assinatura. — Alguma leve observação que fiz, ou
acrescento, vão entre colchetes.
J. L. DE V.
Extractos do corpo da obra
Do cap. I — Divisão do território:
Eesumo :
As circunscrições em que so dividia a região peninsular onde veio a constituir-se a monarquia portuguesa eram nos séculos x e xi:
território
terra menos vezes que território, mas foi a que prevaleceu depois do sec. xi. urhs \ ou > muito excepcionalmente
civítas )
comitatus ó raro, posto que comes seja frequente.
Entre território e terra nâo se fazia diferença. Um mesmo terri- tório se chama assim em uns documentos, e terra noutros, p. exemplo, Alafões {Dipl. et Ch., do 1030 e 1083, documentos 268 e 621, G40.— Fls. 1. Em 1059, chamava-se terra Portucale a vasta regiSo onde existiam as propriedades do mosteiro de Guimarães. — Fls. 1 r,.
* [Como sequencia do Liv. III, que constítue o vol. iv, impresso, da Historia da administração^.
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Conquanto nao digam respeito propriamente á divisão do terri- tório, não julgou descabido fazer algumas observações a respeito das seguintes palavras:
comissorium
mandacio. Parece-lhe sinonimo de mandamentum.
mandamento. «É a nosso ver terra senhorial, um grupo de vilas, casais, cujos moradores estão sujeitos a jurisdição do mesmo se- nhorio e obrigados portanto para com ele a serviços pessoais ou outros encargos».
urbs, civitas, onde havia igrejas catedrais. Ás vezes urb^ no sentido de território e de reino. — Fls. 6v.
subúrbio significação mais extensa que hoje.
coneilium, fls. 9.
t Provinda, na significação de cirtíunscripçâo mais vasta do que a indicada ordinariamente por território ou terra, ó termo que se vê na Península ibérica em documentos dos séculos ix, xexi, alguns dos quais se referem á que chamam portugalenso».
. . Em 915 Ordonho II doa a villa Corneliana, nas margens do Lima, e a igreja de S. Thomó, á Só do S. Tiago, e diz ser esta situada na província da Galiza . . «in finibus Amaeo» {DC, w." 18 — DC, n." 866) fls. 23 r.
«Na doação feita por Ordonho II cm 922 ao bispo Gomado o mosteiro de Crostuma, usa-so o termo tFortugale», ora no sentido que parece ser de território ou provinda, ora no de villa» {DC, n.°25. — Fls. 23-A).
«[No sec. X o] Nos primeiros anos da ultima década do soculo xi o território Portugale fazia ainda parto da Galliza . . (933, DC, doe. 37, » o mosteiro do Lorvão, in finibus Gal/eciae». O doe. de 986 põe aí o mosteiro de Guimarães; em 1092 o de Arouca, doe. 152 o 790). Fls. 24 V.
Provituia portugalense no tempo do D. Henrique, doe. 871, do 1098.
D. Afonso Henriques: «principo de toda provincia portugalense, Diss. c/iron., iii, pt. l.^ p. 94, n." 273, o p. 108, n.« 223, p. 116, n." 355 . . Ainda depois do Aflbnso I dar a si o titulo de rei, ha exemplo do elo chamar provincia a Portugal {Le;/es i, p. 432 . . Nos primeiros anos da ultima década do século xi o território Portugale fazia ainda parte da Galiza . . [desenvolve]». Fls. 24;;'.
* [O ultimo período ó repetição do que está supra. Como revejo estas provas sem ter presente o original do A., deixo estar o que está].
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território ainda no século xii no sentido antigo, mas terra pre- domina. E cita exemplos. — Fls. 25.
«Aproximadamente ató findar o século xiii as mais graduadas circunscrições administrativas, judiciais e militares em que se dividia o reino, umas maiores do que outras, chamavamse terras, e o superior governo de cada uma (ás vezes de mais) estava a cargo d'um chefe, tenens, escolhido pelo rei entre a ordem mais elevada da nobreza, os ricos-homens. As terras comprehendiam um ou maior numero de Julgados, e estes constavam de freguesias. Depois que, no correr do século xiv, a existência dos concelhos foi abrangendo todo o paiz, sao estas instituições mais vezes designadas nos actos ofRciais do que os julgados, e a designação fazia-se muitas vezes pelo nome da villa que era o centro do concelho, sem mencionar esta palavra.
»Pelos districtos dos ricos-homens ostendiam-se também os cou- tos e honras com as suas imunnidades, os concelhos, e os prestamos, isto é, como já definiu Herculano (//. de P., iii, 1858, p. 300) = ca8aes, aldeias ou freguesias cujos rendimentos, no todo ou em parte, rever- tiam em beneficio de um ^/^'^^^('■ineiro (prestamarius): eram a retri- buição de um encargo publico, geralmente militar, mas ás vezes civil ==.
«Desde o governo do Aftbnso III encontram-se os meirinhos mores de várias circunscripções; ao districto da sua jurisdicçao chama- vam meirínhado, mas commummonte designavam-no pela natural divi- são chorographica do paiz, determinada pelos rios ou montanhas, e á qual, em parto do século xiv e no seguinte se dava também o nomo de comarca. Em 1342, á circunscripçâo territorial a que per- tencia S. Martinho de Mouros, onde um corre^erfo?- exercia jurisdicçao, ainda chamavam meiriíihado ou comarca do meirínhado da Bcyra (Costumes do S. Martinho do Mouros, nos Ined. de Ilist. Port., iv, pp. 579 e 607)» . . Fls. 2Õ-A a 25-C.
« . . Alem de meirinhos do reino, depois meirinhos da corte, havia duas classes de meirinhos : os menores, que representavam uma insti- tuição antiga, já existente no principio da monarchia, e na qual nâo consta haver-se dado mudança d'atribuições; e os mores (os de dis- tricto), que em Portugal só apparecem desde o reinado d'Affonso III, e eram os ministros que os soberanos enviavam em correição por determinadas circumspcrições com poderes extraordinários para que nao se faltasse á justiça, e cumprissem as leis». Fls. 27 e 21 v.
Extintas as tenencias, as suas atribuições passaram, crê G. Barros, no reinado de D. Denis, para os meirinhos mores. Fls. 27-C.
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Ao nome de terras sucedeu o de meirinhados : fl. 28.
«Para o fim do reinado de D. Diniz iia exemplo não só de se usar a palavra comarca, em sentido de circunscripçao adminis- trativa superior ou julgado, mas também de se chamar corre- gedor ao nioirinho-mor» : fl. 28.
D. Diniz dá licença «a Mom Rodrigues de Vasconcellos, meirinho- -mor de Alem Douro, de fazer uma casa forte [i. ó, «fortificada»] no couto de Penagati, para ter abi o corpo salvo quando Ibe cumprisse e ter abi a mulber e os filbos, isto, por se temer de alguns que vi- viam entre Douro e Minho e Uie mostravam má vontade pelo serviço que fizera a elle D. Diniz . . AUude de certo h revolta do herdeiro da coroa . . ». Fls. 28-a e v.
Na Monarch. Lvsit., v, escritura 35.*, fls. 331 vem o codicillo do 1." testamento de D. Diniz, 1299, o aí se faz referência aos con- celhos :
D'antre Tojo o Odiana e de Moura o de Serpa;
Da Estremadura;
D'antre Douro o Mondego, ondo se refere a Coimbi'a;
Da Beira, onde se refere à Guarda;
D'Antre Douro e Minho.
«Omitte-so o Algarve, como nota G. Barros, que talvez andasse então aggregado a Entre Tejo e Guadiana; também não falia do região transmontana, acaso por estar unida n'osse tempo ao governo d'Entre Douro e Minho; o refere o território. Entro Douro o Mondego, a que só achamos nova referõncia na proposta feita pelas cortes do Coimbra de 1385. Das villas de Moura faz o codicillo menção especial, pro- provávelmento por haverem estado usurpadas pela coroa de Castolla, que as restituiu a Portugal em 1295 [ . . Monarch. Lusit., v, liv. 17, caps. 2G, 27 e 28] «.
«Depois que desde o princípio do séc. xiv, o uso da língua por- tuguesa nos documentos públicos, em substituição do latim, so tornou mais geral, a palavra comarca apparece com diftbrentes significações ». Fl. 29.
«Chamavam comarca a divisão territorial a que depois do séc. xv foi dada também a denominação do província; e neste sentido já ora 1406 as comarcas existentes eram as que seguidamente enumeramos, e que correspondiam em numero, o aproximadamente em nomes, às
' [lísquèci-me de tomar nota das páginas a que pertenciam estes dois trechos, que estavam aparte, mas portoncom cronologicamente aqui].
76 Boletim de Etnografia
proviacias dos séculos posteriores até o estabelecimento do regimen constitucional em 1834:
sAntre Tejo e Odiana, e aalem d'Odiana, reyno do «Algarve; Estremadura, como parte de Lisboa inclusive, e poUo ))llio do Tejo ataa o mar, o ataa Coimbra inclusivo, como ora anda »a correiçam, que traz Martim de Santarém, Corregedor por nós na ))dita Comarca; Beira, como parte por essa correiçam e Antre o »Tejo e o mar atee o rio do Doiro, e como parte com Castella; íAntre Doiro o Minho; Tralos Montes». (Lei de 30 do Agosto da era 1444=anno 1406, sobre coutos d'homisiados, nas Ord. Aff., V, tit. XL, 2 e 24). Fls. 29 o 29 v.
Nas Ovd. Aff., ii, tit. Lxxxi, 24, no regimento do arraby mor dos Judeus, diz-se: Viseu para os da comarca da Beira d'aqueii da Serra, e Covilhã para os de Riba de Coa, pela Serra aalem ataa contra o Tejo»*.
*
[Correição correspondo ás vezos a comarca]:
1391: «Vasco Gil, corregedor na correição da Estremadura», fl. 29-A hi8.
1336: «Attbnso Annes . . corregedor no reino do Algarve». Fls. 29-B.
1414: «Comarca e correição da Estremadura», fls. 29, n." 2.
« . . se havia na comarca (província) mais de um distrito a cargo de corregedor, o que suppomos ter sido pouco vulgar até o fim do sec. XV, davam o nome de comarca a qualquer d'essas circunscrip- ções». Fl. 32.
«Alem da significação restricta de província, ou de circunscripção a cargo do corregedor, tinha também a palavra comarca um sentido lato».
Do cap. II — Agentes da administração:
1. Condes:
«A organização administrativa da província portugalenso antes de constituída em condado sobre si, quasi nos fins do século xi, era do certo muito semelhante, senSo idêntica, á da Galiza, de que fazia parte até então. Na portugalense, ao governo das circunscripçôes
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* [Este apontamento estava noutro lugar, mas fica melhor aqui].
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maiores presidia um conde, e assim chamavam também nos outros distritos de LcSo e Castella ao magistrado que exercia ii'elles a auctoridade suprema por delegação do rei, como já temos por vezes allegado. (Por exemplo tomo i, p. 108 a 118, o 112 e 120 a 130...
(Também aos condes se chamava ás vezes duces, sem que se descubra diferença, e remete para Amaral, vii, 148-149, notas 170, 171).
E cita vários exemplos do condes no nosso território: DC, n." 259, de 102Õ; n." 384, atribuído aí a 1053; n." 42, 33 o 34.
— n." 420 condes e condessas: — Fls. 1
— Villa de Comité, sec. x a xi, ris. 1-A
— n.» 782.
Outros exemplos, e signiticaçao do conde, fís. 2-Qhis.
Diz que no governo de D. Ilonriquo aparecem nos documentos algumas vezes condes, mas como confirmantos, o jamais expressa- mente como presidentes de districtos administrativos. No governo de D. Ilonrique, do Minho ao Tojo, foi olo o único, fls. 4, o cf. fls. 6.
2 Meirinhos:
Maiorini rerjiit, maiorini maiores. [Difícil a diferença]: fls. 1.
«O nome do terras, dado aos districtos em que se dividia o reino, deixou de se usar no governo de D. Diniz, e julgamos que nos fins do século xiii». Fls. 2() bis.
A fls. 26 cita um doe. de 1283 em que D. Diniz fala já do um seu meirinho.
1323: meirinho mor do entre Douro e Minlio, o remete para as Reflexões hint., do Ribeiro, pt. ii, p. 40 in fine. Fls. 20 v.
1303: Pêro Esteves meu meirinho, fls. 26 r.
1.327: «meirinho mór do Entre Douro o Minho». Fls. 31-B.
1331. fAs cortes de Santarém de 1331 é que mostram existirem já os corregedores como instituiçilo permanente». Fls. 31-B
Os cargos de meirinho mór de comarca representavam primeira- mente uma comissílo extraordinária de serviço público, e portanto nflo faziam parte da organizaçilo administrativa e judicial que tinlia o caracter de pormanonte. Fls. 31 his.
Cita Amaral, vr, p. 1(")1.
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No reinado de Afonso IV, 1325-1357, os corregedores de comarca, nome que nos fins do reinado antecedente se encontra apli- cado a um moirinho-mór, sucederam aos meirinhos-mores, . . mas aqueles encontram-se na organização administrativa e judicial com caracter de magistrados de exercício permanente; contudo a insti- tuição dos meirinhos-mores não acabou logo. Em documentos que vão até D. Joilo I aparecem ainda, não poucas vezos, em exer- cido, principalmente no reinado de D. Fernando os meirinhos-mores. Fls. nibisv.
E preciso que meirinho-mór se declare expressamente, porque só meirinho pode ser o menor. Ib.
«Pelo fim do reinado do D. Diniz, e sem a natureza de cargo permanente, já há exemplos de se dar o nome do corregedor a um magistrado, a quem el-rei commette attribuições que nSo difierem das que se incumbiam aos meirinhos-mores».
II
Extracto das Notas do fim do volume
Da «Nota i. Para o fim do vol. v que está para imprimir. Refe- rencia ao Borrão, fl. 3v.
Territórios e torras.
Em igual sentido, de que fazem menção os Port. Mon. Tlist., Diplomata et Chartae, até o fim do sec. xi. Não se compreendem senão, com poucas excepções, as villas ou legares a cujo respeito os documentos declaram expressamente o território ou terra onde existiam. Para se estender a Nota a todas as villas e legares a que fosse possível fixar a situaçilo, apesar da obscuridade da matéria, seria necessário um grosso volume».
E tem a lápis ao lado: sSao 49 territórios».
Depois menciona:
Aguiar — ver Aquilar.
Alaplioen, Alaholeines otc. — Alafões.
Alvarenga. — Pi'oximo do Paiva (vila de Alvarenga, cone. de Arouca).
Anogia.
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Aquilar, terra. — no concelho de Paços de Ferreira. .. Do antigo
concelho de Aguiar de Sousa. Arauz. — No concelho da Lousã, Serpins. Eio Arouce. Arouca. Baian, terra.
Basto: território, doe. n.° 755, de 1091. Fala-se de povoações per- tencentes hoje a Cabeceiras e Celorico de Basto, talvez também a Penafiel.
Bemviver, terra. Igreja de Tuias, no território de Bemviver, hoje no cone. de Jlarco de Canavezes.
Bracarense
Calambrie. Doe. 877, de 1098: Freg. de S. Pedro de Castellõcs, con- celho de Macieira de Cambra: villa Castellanus. Castro-Portolla. Doe. 870 de 1098. Nao localiza. Centum Cortes. Doe. 6G0, de 108G. No curso do Vouga.
ColimbriensG
Condeixa. Anlubria villa, Doe. 658, «Anlulria suppomos ser a actual
freguesia de Anohra, conceliio do Condeixa a Nova». Ezebreiro. Doe. 12, de 897. Noutro doe. Zebreiro.
Faria, terra.
Ferraria.
«Por território Ferraria siguificava-so talvez alguma das re- giões em que era maior a industria do ferro. As Inquisições gerais do 1220 comprohendiam a freguesia de S. Pedro das Ferrarias, terra de Celorico, onde se pagavam foros ao rei em objectos de ferro». Remetto para o tomo iil, p. 69-71.
Território Fornos. Doe. 438 do 10<)4
No concelho de Castelo de Paiva. Território Gironzo. território Inter amhas ares.
Doe. ;U do 926. território Karnota. Doe. 12, de 897. território Labrense. Doe. 281 de 10i5."». Lamego, Lamecense, liamicense.
Doe. 484 de 1069
Freguesia de Covelo de Paivó
80 Boletim de Etnografia
Lattite território.
Kemeto para Bracarense. Miranda. Doe. 127, de 980
Miranda do Corvo Muro, mons Muro fracto ete., território. Cimphanes, doe. 538 de 1070. Montis Maioris, doe. 38Õ, de 1311 Panoias. Doe. 764, de 1091: território Pavia: território Penafidel ou Penafiel Penafidolo de Covas Pennadelo doe. 211, do 1009
«Parecc-nos quo território Pennadele em 1009 se pode julgar denominação puramente chorographica.
Portugalense :
«Território portugalense: ató ser dado ao Condo D. Henrique tinha a significação nao só de p r o v i n c i a , que fazia parte da Galliza, mas também, n'alguns casos, a de circunscripção adminis- trativa existente nessa provincia; nâo é raro, porém, que a distincção seja difiicil, senilo impossível, de attingir.
. . Ainda no meado do sec. xii aparecem exemplos da mesma expressão [território portugalense] posto que já de longa data não representasse nenhuma ligação com a Galliza.
. . Não pode haver duvida em que já nos princípios do sec. x o território portugalense, que ficava até uma certa região ao Norte do Douro, e que se extendia para o Sul até onde iam chegando as conquistas . . mencionava-se ordinariamente só por si, embora como parte da Galliza; todavia em 1092 . . era ainda na Gallitia que se dizia ficar o território d'Arouca (Doe. 790). Quanto ao lado Norte do Douro faltam provas sufficientes para affirmar ató onde chegava, anteriormente ao governo do Conde D. Henrique, essa terra que os documentos do sec. x e xi chamam portugalense». E cita Herculano, Ilist. de Port., 2.* ed., 1853, p. 189, onde fala do districto do Porto (desmembrada d'ele a Feira) como pertencente ao districto de Coimbra do cônsul Sis- nando.
«Delegada no Conde pelo sogro a administração da pro- vincia, o território d'esta deixou de estar incorporado no da Galliza, o servia-lhe de limites, talvez já antes, as margens do Minho ató o Tejo (Doe. 849 de 1097)».
Boletim de Etnografia 81
Portus Carreiro, Doe. 179, de 1137, iuxta Sanctum Petrum do Ca- naveses.
Santa Craz, Doe. 672.
Sancta Maria (Civitas), DC. n." 977, discurrente rivulo Mediano in território Portugalense. — Feira.
Pinitelo, doe. 767. Pindelo, concelho do S. Pedro do Sul.
Sancti Salvator. — Cinfães Doe. 491.
Sause.
Sena.
Senabria, doe. n." 459. Faria perto de Gironzo.
Seniorim.
Timillopus doe. 101 e 107.
Tulensis, doe. 778. — Desconhecido.
Varganense.
Velaria.
Visense'.
Da «Nota ii» do fim do volume:
Foraes dados por D. Fernando I de Castela a varias terras da província portugalense (S. JoSo da Pesqueira, Penella, Paredes, Li- nhares, Ansiães): Leges, i, 343. —Remete para o texto ms. fls. 13 v.
Da «Nota iii:» «Nota III, Observ. sobre a data do documentos atribuídos ao sec. ix e alguns a respeito dos Diplomata et Chartae, Borrão, fi. 23».
Da tNota iv: Tenencias.yt
Tenencias de terras, desde o Conde D. Henrique, com designações de nome igual ao de territórios ou terras que existiam anteriormente ao seu governo. Aguiar, Alafões, BaiJlo, ete.
Da f Nota v para o fim do tomo v» : Referencias ao Borrflo, fls. 29 A.
Províncias Alqàrve :
1254: uma doaçSo régia da Chancell. de D. Af. III, liv. i, fls. 81: Petrtia lohania de Purtello tenens Algarbium.
' [Nos manuscritos de Gama Barros há um maço que diz: «Villas, legares, etc, mencionados nos Diplomata et Chartae^. Alfabetado. D'e8te maço foi que ele extractou o que fica dito das terras].
82 Boletim de Etnografia
1260: doação de Miranda, e foral de Silves, com a mesma data: Affonso Peris, na doação como teente o Algarue, no foral como tenens Algarhium. Legea i, 707.
Sec. XV : correição do Algarve e d'Entre Tejo e Guadiana.
1482: corregedor do reino do Algarve. No mesmo ano: Conde do Faro, adiantado em o reino do Algarve d'aquein e Entre Tejo e Guadiana.
Cliaucelaria de U. JoSo II, fl. '?>Qv. G. Barros, fls. 1 e li/.
Antee Doiro e Minho: 1253: o Minio usque ad Dorium nas Leges, i, 192.
«Também na opinião de Ribeiro, Rejlex. hiat., parte 2.*, p. 4, lhe chamavam Aquém dos Montes. Já citámos um exemplo da era 1388 (anno 1350), alegado por Viterbo no Elucidário, vb. Talha, mas sem explicar a que província correspondia esse nome. Ribeiro, que tan)l)em o aponta nas Reflexões históricas, é que lhes acha a correspondência referida. [Faz referencia ao Borrão, fls. 28-B]. D'outro modo se lhe refere el-rei D. Diniz cm carta do 10 de Janeiro de 1323, dirigida a todolos Meyrinhos alcaides comendadores juizes tahaliões e a todolos meus vassalos e aos vassallos do Inffante Don Affonso meu filho e a todalas as outras justiças e aportelados e concelhos d'ANTKE Doiuo e Mixno também d'AALEM DOS MOXTES como d'aquem (Chancellaria de D. Diniz, liv. III, fls, 148 d).
As expressões d'aalem dos montes come d'aaquem^, referidas a instituições que ficavam entre Douro e Minho, parece-nos que se podem interpretar por alto e baixo Minho.
Em 1437 passavam a pertencer á correição d'Entre Douro e Minho os legares de Gaia e Villa Nova, que, por estarem na margem esquerda do Douro, se diziam situados na Estrema- durasi. — Fls. 1 u o 2.
Corregedores A' Entre Douro e Ave.
[Cita Ribeiro, Reflex. hist., pt. 2.", p. 3. Corregedores em 1328, 1330, 1388, 1409, 1429: ib., pp. 54-55].
[No parágrafo anterior está escrito d' aquém em vez de d'aaquem].
Boletim ])e Etnoguaiia 83
Inquirições de 1258 aí nessa regifio.
«Vè-se, pois, que a segunda comarca [Entro Douro e Ave] andava algumas vezes aggregada á de Entre Douro o Minho». Fls. 2-A, e 2-A v.
Antre Tejo e Odiaxa:
«Alemtejo ó designação do território já usada em 1271. D. Jofio d'Aboim, mordomo do rei, exercia n'esse auo a tenencia ultka Tagum (Chancell. de D. Affonso III, liv. i, f1. 105, e liv. iii, fl. 1 v)] ainda a conservava em 1273 (Foral de Montalegre o no dos Moiros forros d'Evora (Leges et Cbnsuet.); e em 1278 com o cargo de mordomo do rei accumulava o de teexte Alemte- Gio . . (Chancell. de D. Aftbnso III, liv. i, ti. 144). -Fls. 2 e 2v.
«Com o nome de Riba de Odiaxa existia uma comarca em 25 de Maio de 1490 . . (Chancell. de D. João II, liv. xiii, ti. 53); mas não sabemos se existia só por si, ou fazendo parte da comarca de Entre Tejo e Odiana. Neiu antes nem depois a tornámos a ver mencionada». — I''ls. 2 òis.
Beira (Berta, Tkaxssekuam):
[Cita a miuliu exjjlicação de Beira na Jlist. <lo Mii)<en Etno- lógico, p. 52. e acrescenta :j
«A lei de Atlbnso III . . que proibia exportação da prata, é fa- vorável a ossa etimologia: . . omne?, frontarian berias et jwi-tits tam per maré quam per t erram (Leges, i, 2.53, n." 59)».
iBeira, sem data de auno, encontra-so . . na doação de Tendaes por D. Aftbnso III». (Chancell. de D. Aftbnso III, liv. i, foi. 17).
«No século xiii chamavam indistintamente Beuia, Bkika ou Traxssekka à região cujo nome depois, mas só no século xiv, ficou sendo de Heika.
«Nao se deve portanto confundir a província Tkans Serram com aquella que se designou primeiro pelo nome do PANOIAS, e mais tarde por Tralosmoxtes, mas abrangendo então um território muito maior •.
[Menciona textos em que se faz distinção entro Tranaserra e Paiioiiias, por exemplo, no Arc/ieulogu Furtug., vi, 1901, pp. 202 a 204].
Fls. 2t). e 3.
84 Boletim de Etnogeapia
1262: Martiaus Egidii tenens de Trasseream. 1268: Petrus lohanis tenens terram de Beria. 1270: O mesmo: tenens Transserram. Fls. 4.
1265: «bens situados in Beria»; Celorico de Bena, in loco qui
decitur ]^>spedrada in Beiia. Fls. 3 A.
o . . parece nRo ter sido menos vulgar do que Beira o termo Transekra para designar a tenencia a que davam ambos esses nomes. Ueika ó que se encontra menos vezes».
Fls. 3 bis.
«As Reflex. hist., 2." parte, p. 56, citam (em 1363) . . um corre- gedor Entre Douro e Tejo e Riba de Côa . .
Nas Orden. Affonsinas (v, tit. lxi, 2 e 24) a Beira, segundo uma lei de 1406 . . estendia-se da correição de Estremadura entre o Tejo e o Mar até o rio Douro, e partia com Castella».
1463: comarca de Ruía de Coa (com um meirinho menor); e toda Comarca da Beira, cujo corregedor o investiria. «Vo-se, pois, que não tinha então Riba de Coa corregedor próprio, o era o da Beira que ahi superintendia».
Fls. b ebv.
« . . entendemos que se trata . . da correição da Beira, e que esta se estendia até as margens do Coa . .
«Ribeiro, Rejlex. Hist., parto 2.''', p. 4, entende também que cor- regedor entre Douro e Tejo corresponde a cornígedor da Beira».
Fl. 5 A.
Estremadura :
«Até o século xiri, durante quasi todo o período da reconquista, a palavra stremadura designava os territórios onde já dominavam 08 christãos, mas fronteiros àquelles que estavam ainda sujeitos aos musulmanos».
Cita um doe. de 960, Dipl. et Chart., n." 81, em que se men- ciona: in ipsa stremadura.
Boletim de Etnografia 85
«O condo D. Henrique e infanta sua muliíer . . em 1114 diziam de si quo reinavam em Portugal e na Estremadura, Coimbra, Visou, o Seia». Ler/es, i, 359. «Contra a authonticidade (resto foral nuuii- festa-se Ribeiro nas Dissert. Chroti. iv, pt. 1.*, p. 15, e a favor Herculano, Ilist. de Port., i, nota vii no fim do volume».
Portugal e Estremadura: 1130, Leges, i, 368.
1145: LoiKjrovia in Extrematara, Elac. vb. Tempreiros, t. ii,
nota de p. 353, 1169: Extrematui-am tenens: Ehic, s. v. Maiorino. 1179: Eluc, s. v. Portatíco.
Talvez 1211: Orden. Aff.. tit. xxxi; Leçjes, i, 164, n." 32. 1235, Mon. Lus., iv, fis. 273 í- e escrito xiu (aliás xvii).
«Tornadas definitivas até Lisboa as conquistas que Fernando líagiio levou até Coimbra, converteu-se a denominação Extremadura em nome próprio de provinda, na qual se comprehendia também a região chamada modernamente Beira Baixa, mas essa região pertencia á correiçílo da Beira, o designava-se por Comarca de Riba -Côa.
«Ribeiro, (Memor. autlienticas para a Ilist. do Real Archivo, p. 168, nota 1) observa que no tempo do rei D. Manuel a Beira Baixa se representava comarca de Extremadura. Importa porém adver- tir que o sentido que o auctor usa aqui da palavra comarca, é induliitavelmeate, a nosso ver, o de p7-ovincia, única accepçao que nos parece ella pode ter n'osse trecho. Nas Reflexões Jiistó- ricas, parte 2.*, p. 3, também Ribeiro diz que no reinado de D. Pedro I a correição d'Eutre Douro o Tejo se oxtendia a Riba-Côa, mas alii também, p. 4, refere (pie a pruruwia de Estremadura terminava pelo Norte no Douro, comprehendendo toda a Beira Baixa até o reinado de D. Duarte, (jue d'ella des- membrou, para o Minho, Gaia o Villa Nova do Porto. Fez-se esta alteração por carta de 27 de Novembro de 1437, como informa o mesmo auctor a p. 116 dos Additamentos á Si/nopsc ClirviiologiccD).
Orden. Affoiís., no regimento do arraby mor dos Jud<íus, distingue:
Antre Doiro e Minho.
Trallos Montes.
Comarca da Beira d'aquem da Serra (Viseu),
86 Boletim de Etnografia
Elba de Côa pela Serra aallom (Covilhã).
Estremadura (Santarém).
Entre Tojo e Guadiana (Évora).
Algarve.
Liv. II, tit. Lxxxi, 24.
1533. Uma carta rogia de 12 do Março: Coimbra o varias vilas constituíam «uma correição e ao mesmo tempo provedoria apartada das da Extremadura».
1572. Um alvará régio diz que a comarca do Coimbra está na comarca da Beira. — Fls. 6 a 8i;.
Tras-OS-Montes:
«Na última década do sec. xi apparece um documento citando Panonicu, como território onde existiam varias propriedades (Dipl. et CJiart., doe. 764, de 1091). Sob esse nome abrangia-so um terreno que podemos dizer vasto, pois as inquirições gerais de 1220 já registaram n'elle trinta o três freguezias (i, p. 39 a 40); mas não com- prehendia todo o espaço que pertence ao actual distrito de V. Real.
Para designar todos os mais territórios que entestavam com o do Panoias parece que não havia então um nome especial, o que também o não tinha o território do moderno distrito de Bragança, que forma agora com o de V. Real a província de Tras-os-Montes. Era porém Bragança uma terra já de certa importância antes de lhe ser concedido o foral de 1187 {Leges, i, 463), que lhe chama algumas vezes vllla, mas ainda mais civitate, e conclue declarando que por elle dá o soberano á cidade de Bragança e aos seus povoadores inte- gralmente e para sempre a cidade de Lampazas com seus termos. O foral foi confirmado por D. Aflf. II em 1219 (ibid., p. 464) e por D. Aff. Ill em 1253 (N. Malta, i, 486, nota»).
1258. Inquirições: terra de Bragança, N. Malta, i, 485, § 279.
(G. Barros, fls. 9- A). Importância de Bragança: Revordanos' de Bragancie, isto é,
talvez dependente de Bragança. Tenencia de Bragança é das
(jue mais vezes se citam nos documentos.
[Rebordãos].
Boletim de Etkografia 87
«Quando foi quo so principiou a usar d'essa denominação [Tras- -os-^Iontes], que comprehendia toda a província liniitropho de Entro Douro o Minlio, por lado do Occidente, e da Beira, pelo Sul, nfto o sabemos. Vemos porem quo na carta régia de 10 de Janeiro do 1335 o na de 4 de Julho do 1340. relativas a inquirições e confirmações de jurisdicções, já D. Atibnso IV denomina d'Alem dos ^Iontks a província cujo nome corrente foi depois Tralos Montes: Ribeiro, Mem. (las inquirições e das conjírmaçòes réf/ias: does. n.* 42, p. 121 das Inq., e n.° iv das Conjiria., p. 8».
138Õ: cortes de Coimbra, num dos capp., menciona-se Tralos Montes.
1305: Trás os Montes, carta regia, na Chancell. do D. João I,
liv. II, fl. 132. (Fls. 8i-. a 9A bis).
Àquem Douro e Alem Douro:
«Sao expressões, usadas nos documentos, i)rincipalmonte do século XIV, relativas a divisão de território, e cuja significação portanto importa que procuremos definir.
Aquém Douro. Em 2 de Outubro do 1307 (era 1345) occupava o cargo de meirinho-mór d'AQUEM Douro Estevam Rodriguis, o d'ALE.M Douro Pedro Esteveins . . Nessa data participa-lhes El-Rei D. Diniz que enviava ahi Appariço Goncalvis . . com as instruções que havia de observar contra o facto de posteriormente ás inquiri- ções realizadas sobre a existência de logares privilegiados (etc,)». E cita Ribeiro, Mem. das Inqiiir., does. 23 e 24.
Os julgados onde Appariço Goncalvis exerceu o mandato do Rei eram na Beira, em Trás os Montes, e Beria.
De Trás os Montes restam só as cartas relativas a Mesão Frio e V. Real. E cita Ribeiro, oh. cit., p. 82.
Parece do texto (jue os julgados eram:
Entre Douro e Minlio; — Lanhoso. B. Alta, Lamego. B. Baixa, Trancoso.
Traz os Montes -Penaguião, V. Real, ^lesfío Frio. Fls. 10-10 r, e outra sem numero.
Seguom-se duas pastas com Aquém Douro e Alem Douro.
88 Boletim de Etnogeafia
Aquém Douko:
«Para acrescentar em Beira». Resumirei:
Em tempo de D. Diniz dava-se o nomo de Aqukm Douko a um melrínhado que não sabemos se abrangia toda a provinda da Beira, ou só parte d'ela.
Eiu 1321 compreendiam-se nele os julgados de Lamego, Castro Rey, Pena Juyam (^Penajóia), S. Martinho de Mouros, Aregos (concelho cuja cabeça era a actual freg. de Anreade), e mui/tos ou- tros lugares. Cita Eibeiro, Me7n. das inquir., doe. 35.
Em 1307 era meirinho-mór de Aquém Douro Estevam líodri- guis (Mem. das Inquir., doe. 23.°, p. 61).
Depois cita o Eluc. s. v. Algo, 1: Castrorrej que foi chamado Tarouca^.
Alem Douro:
«Para artigo separado» Resumirei:
1050, Dipl. et Chart., n.° 378: Trás Doiro, e acrescenta G. Bar- ros: «é preciso dizer . . onde os prédios aí citados ficam situados».
1321. O julgado de Penella, entre Douro e Minho, em Ponte de Lima o Villa Verde fica neste território de Alem Douro, Ckancell. de D. Diniz, liv. iii, fl. 134.
«Alem Douro. Este nome abrangia a região d'Entre Douro e
Minho, e aquela que se designou primeiro por Panoias».
. , ^^ l Entre Douro e Minho
Alem Douro: \ „
I Panoias.
1286: Garcia Rodrigues, «meirinho-mayor d'Alemdoyro». G. Pe- reira, Does. de Évora, i, 32, n." 22.
1318. «Ainda aparece exemplo de se abrangerem na expressão Alem Douro as duas provindas de Entre Douro e Minho, e a que depois se chamou Tralos Montes» : ChanceU. de D. Diniz, liv. III, íl. 197 V
* [Das relações entre Castro-Rey e Tarouca, e das ruinas d'aquele perto da povoação de Dalvaros, iala-se no Livro da fundatjào do mosteiro de Salzedas, de Fr. Baltasar dos Reis, Lisboa, Imprensa Nacional, 1934: vid. a Introdução que fiz a esta obra, p. xxiv].
Boletim de Etnografia 89
1339. Alem Douro numa carta regia: Chancell. de I). Aff. IV, liv. IV, fl. 39».
«O termo Alem Douro não é de applicação forçosamente restrita, porque o que é Aquém para os habitantes do uma margem, ó Alem para os da margem oposta. Compara com Alem-Tejo.
«Servem estas considerações para abonar a possibilidade de que no século xii a expressfto Alem Douro tivesse um sentido opposto ao que lhe deram depois».
[O maço é conjunto de apontamentos].
Da mesma Nota v:
Algarve fis. 1
Antro Douro e Miuhu fls. 1 v
Aalem dos Montes =Alto Minho. . . . fls. 1 v o 2
Aaquem dos Montes = Baixo Minho . . fls. 1 v e 2
Antre Tejo e Odiana tis. 2
Alentejo Hs. 2
Beira, Transerram íls. 2i;
Riba de Côa fls. 5
Estremadura íls. 6
[Traz os Montes, sem nome] tis. 8 u
Alem dos Montes tis. 9 e 9j;
Aaquem Douro, aalem Douro Hs. 10
Em pasta separada, outra vez: Aquém Douro. Alem Douro.
Num maço de gen|eralidades (divisões do território).
«Circunscripções especiais que nJlo tinham a qualidade de perma- nentes, e apparecom portanto só durante o tempo om que se exercia a missão para a qual se tinham creado. Corregedorias que não correspondiam a províncias, nem a correição ordinária de corregedor.
Alguns exemplos até o fim do sec. xv:
Meirinho mór de Alem Douro em 1280 fíeflex. Iiiat., 2." pt., p. 40, «nota minha».
Meirinho mór antre Douro e Mondego 1324. Ih. p. 42.
Meirinho mór entre Douro e Tâmega 1325 Ib. p. 42.
Meirinho mór aquém Douro, 1282, 1284, e muitos outros, dos quais o mais moderno ó de 1326, Ib. p. 43.
90 Boletim de Etnografia
;\[eirinho mór entre Douro e Tejo, 1345, 1359, 13G6. Ib. p. 43. Corregedor entre Douro e Ave, 1328, e outros . . Ib. p. 54. Corregedor entre Douro e Tejo, 1345, Ib. p. 55. Corregedor entre Douro eTejo o Iliba de Coa, 1363, Ih. p. 56».
<iUm doe. de 1053, n.° 384, Dipl. et Cliart., chama terram por- tuí/alensiu a um logar entre Douro e Vouga».
«Para certos oíieitos houve uma divisão especial. Por exemplo, iiouve um tabelUado d'Entre Doiro o Mondego. 1482. Chancell, de D. João II, liv. m, íl. 60.
Seguem-se outros maços ou pastas, com apontamentos:
Condado. Vários sentidos d'e8te termo.
Julgados, villaa, concelhos, vmtenas, e freguesias : «Chamavam condados a grandes terras, dadas pelos reis aos fidalgos» (Linha- gens); condado talvez no sentido local, onde havia caça grossa; nome de terras.
Vintena. «Era a infima divisão administrativa». Kemete para: «Administração geral: agentes da administração gorai: vàitanariosv. (Da Nota v).
Comarca dos contadores, e almoxarifados:
Divisão de território: almoxarifado da Guarda, 398; de Leiria e Óbidos, 1473, ete. Para os efeitos fiscais.
Contador da comarca de Tralos Montes pertencialhe: Mon- corvo, 1435.
Termina a nota V e o volume ou maço grande da Historia da Administração de Gama Barros
/yiouros c Judeus na arte portuguesa
II
Judeus
O que aqui poderia dizer, ainda que resumidamente, da historia e vida dos Judeus conto dizê-lo um pouco mais de espaço no Liv. II da Etnografia Portuguesa, Pt. ii. Cf. já também o cap. ix da minha Antroponimia, p]). 387-421.
Boletim de Etnocírafia
91
Zacuto Lusitano
Para contudo iiào Ht-ar esto arti^ío sem ii." ii, visto (jue o n." i o consagro! a Mouros, reproduzo do um livro i)ortuíruês, Zacuto Lusitano, de Maximiano L(ímos, Porto 1909, uma gravura com quo este distinto iiisturiador da nossa ^lodicina o adornou artisticamente: vid. a fig. adjunta. Zacuto Lusitano nasceu em Lisboa em 1575, de pais judeus, e faleceu em Amsterdilo em 1G42. Tendo estudado
92 Boletim de Etnografia
em Salamanca e Coimbra, e tendo-so formado em Siguenza em ^ledieina, notabilizou-so nesta scieneia, já como cliaico, já como autor de várias obras. Depois de viver entre nós por vinte anos, retirou-se para Holanda, impelido por perseguiçáo religiosa. Além do que o D.""' M. Lemos escreveu d'ele no mencionado livro, já do mesmo médico ele lalara na Ilist. da Medicina em Portugal, ii (1899), 30-40.
J. L, DE V.
Expediente
Conquanto editado pela Imprensa Nacional de Lisboa, o n." õ do presente Boletim, continua a sair a lume sob a égide do Museu Etnológico. Por isso podia figurar no frontispício o nome do actual director efectivo do Museu, o D."' Manuel Heleno; mas o ilustre professor e arqueólogo quis declinar de si aquele direito, transfe- rindo-o inteiramente para mim, como único responsável, que sou, da publicação : e muito lhe agradeço a condescendência que teve comigo, e que devo á sua amizade.
Lisboa, Vò de Abril de 1938.
J. L. DE V.
Observação final
A figura emblemática do frontispício foi extraída da Ilist. do Museu Etnológico Português. Lisboa 1915, p. 393, n." 127: brin- quedo infantil, feito de casca de nóz, e denominado rela ou arreia.
As gravuras que embelezam o texto das páginas 19 (n.°* 8, 9, 10), 22 (n."' 13, 14), 24 (página inteira), 2G (n.° 19), 32 (página inteira), 47 (n.» 1), 48 (página inteira), 49 (n.» 6), 57 {n." 15), 62 (n.°* 2 a 8), assentam em desenhos executados do natural, com o costumado esmero, pelo S.*"" Francisco Valença, desenhador do Museu Etnológico. Quanto ás restantes gravuras diz-se a proveniên- cia dos desenhos nos respectivos artigos.
J. L. deV.
ÍNDICE
Fontes de investigação etnográfica 5
Estampas etnográfica? 16
Um bobo do século xiv 20
Lume e iluminação 22
Arte & Etnografia 27
Esmolas para S. Lazaro 29
Espécimes de etnografia por províncias :
I. Entre-Douro-e-Miiilio 30
II. Trás-os-Montes 33
III. Beira 35
IV. Estremadura , . 40
V. Alentejo 59
VI. Algarve G2
Historia & Etnografia 70
Mouros e Judeus na arte portuguesa: 11 — Judeus 90
Expediente 92
Observação final 92
(
índice alfabético do «Boletim" n."^ i a 5
abanadores, abanos, abanicos, para avivar o lume: iii, 43.
açafate: i, 9.
Adelino das Neves (etnografo). sua biografia e obras: i, 15- 21; II, 28.
agua, engenho do a tirar dos po- ços, ou cegonha: i, 32-33; v, 36. Comparação com um exem- plo da Transiivania.
aguadeiras do sec. xv-xvi: m, 7.
aguilhào de pedra, do moinho: II, 40.
aldeãos do Alentejo: ii, 26.
aldravas de ferro, artísticas, de bater á porta: i, 26.
Alentejo, panoramas e costumes:
I, 39; tipos de aldeãos: ii, 26-27; objectos etnográficos:
II, 39; arranjo, asseio na casa:
III, 18-27.
alminhas do Minho: iii, 38-39.
alpendre de capela: ii, 46; alpen- dre do sec. xv-xvi: iii, 10.
amuletos, lista de muitos amule- tos portugueses: iv, 52; amu- leto de coral: iv, 50-53.
ancinho (ou engaço barrosão):
IV, 55.
animais domésticos. Vid. choca- lhos, côfo.
Antropologia Portuguesa: resumo da sua historia. Bibliografia: IV, 5-19.
antropomórficos (bolos): i, 31.
arado, sec. xvi: ii, 16.
armas do sec. xv-xvi, lança e espada: iii, 6-8.
arreios do sec. xv-xvi: iii, 7.
arribana: iv, 34.
arte e etnografia: ii, 13; v, 27- 29 (três estudos de Malhoa).
arte popular: i, 34-35.
assobio de barro, com figura de sereia: i, 37.
assoprador de madeira para avi- var o lume: m, 44.
azenhas do sec. xv-xvi: iii, 8. azulejos etnográficos : ii, 55-57 ; do parque de Santa Cruz do Coimbra: iii, 13-14.
B
bancão da Beira: ii, 51.
banho-santo: ii, 34.
barcos e naus, sec. xv-xvi: ii, 19; barcos do sec. xv-xvi: III, 8-9; barcos do Tejo: ii.
96
Boletim de Etnogeafia
48-50; barcos de Aveiro: i, 29-30.
barqueiro, trajo: ii, 54.
barracas, casas do litoral assen- tes em estacas: iii, 33.
barreia (moda de palha milha ou centeia): iii, 46.
barrete, apontamentos históricos: II, 23-24; étimo: n, 23; bar- rete açorico: iv, 55.
batata doce (venda de): v, G5.
batente de porta (de forma de animal): ii, 27-28, 53-54.
berços infantis : i, 50; berço prin- cipesco: i, 51.
bicado, vasilha do barro (Alen- tejo): IV, 55.
bispo (figura de um), sec. xvi: II, 19.
boas-festas dadas pelos vendedo- res de jornais e carteiros: ii, 33-34.
bobo do sec. xiv, algumas noti- cias históricas: v, 20.
boeiras de telhado: v, 33-34.
bolo antropomórfico: i, 31.
bonecas. Vid. chaminés.
botelho, recipiente feito de ca- baça, para conter pimenta: iv, 20.
cabaça, objectos feitos de cabaço ou cabaça: iv, 19-21; cabaça para vinho: iv, 20; como uten- sílio: II, 40; para sal: iv, 20; de tirar agua: iv, 19; dos lu- mes ou fósforos: iv, 19; para azeitonas: iv, 20.
cabana (ou acabana) de guarda de campo : iv, 31-32 ; cabanas
cobertas de colmo, de Monte Gordo: v, 68-70.
cabrita (espécie de estojo para andar a foice á cinta): iv, 57.
caça, sec. xvi: ii, 15; ao can- deio: II, 56; representada em azulejos: iii, 14. E vid. pol- vorinho.
Cadaval (Etnografia do): 1) Espé- cimes de cabana; 2) Casas de habitação; 3j Telhado de pom- binha; 4) Arribaria; 5) Adega e lagar; 6) Cesto de madeira; 7) Canga de bois; 8) Padiola; 9) Enxada e sacho: iv, 31—38.
cadeirão alentejano: ii, 51.
cágados (recipientes de cortiça): II, 39.
calção (indicações geográficas e literárias): ii, 42.
caldeireiro ambulante: v, 18.
calvário do sec. xv-xvi: iii, 10.
campinos do Ribatejo, que fazem meia, etc: ii, 48-50.
campo do Tejo: ii, 48.
canabarro (vasilha): iii, 25-26.
canastro. Vid. espigueiro.
Cancioneiro deColocci-Brancuti: proposta para a sua compra para a nossa Biblioteca Na- cional: I, 6.
candeia de lata, com enfeites: II, 40.
candeio na caça e na pesca: ii, 56.
cangalho: ii, 58.
cangão: n, 58.
cangas e jugos: ii, 57-60; de bois : IV : açoricos, 57 ; minhotos, 57 ; do Cadaval: iv, 36-37.
caniço. Vid. espigueiro.
Boletim de Etnografia
97
canudo de madeira para acender o lume: iii, 44.
cão, nomes e coleira. Vid. coleira de cão.
capador: i, 41.
capela de alpendre, do Alcanena: II, 46.
capote & lenço: i, 23.
caracóis para iluminação: v, 25.
carapuça do pescador: ii, 23; de saloia: ii, 23, nota 2; na Ma- deira: i, 14.
carrancas fontanárias: i, 25.
carrinha do Algarve; v. 02-64.
carro de bois do Cadaval: iv, 37.
carteiros. Vid. boas-festas.
casamento, preparativos: v, 50; penedo: v, 59.
casas (do sec. xv-xvi): ui, 8-10; assentes em estacas: v, 52-56; de aldeia: v, 39-44; batente de porta: ii, 53; de pombi- nha: vid. barracas, cabana. Cadaval, chaminés, cozinha alentejana, espelhos do por- tas, nicho do uma casa.
castanhetas: v, 30.
cava de terreno cultivável. Vid. desmantela.
cavador, sec. xvi: ii, 15.
cavalo que arrasta um criminoso, sec. XVI : ii, 17.
cegonha de tirar agua: i, 32.
chaminés do sul (bonecas): i, 31; V, 65; da Estremadura: i, 39; de boneca, Algarve, Alentejo o Estremadura: iii, 11-12.
chaves de madeira (como parte de colar de cabras): ii, 40.
chifarro: iii, 25.
chocalhos e objectos congéneres : v, 61. E vid. guises.
cinco sentidos, representados em faiança no Museu ]\Iachado de Castro, em Coimbra, noutras obras artísticas o na poesia popular: ii, 5-7.
círios (estremenhos) ou roma- rias: v, 51.
coberto (ie arrecadar os carros de bois, no Minho: iii, 46.
cocho (para beber aguaj: ii, 39; (para se comer): ii, 40.
côfo para o focinho dos bois: V, 31.
colar de cabras. Vid. chaves.
coleira de cão: ii, 8; iii, 30.
colmo (casas cobertas de): iii, 9. E vid. cabanas.
colónias, algo de etnografia das nossas colónias de Africa Oci- dental e Oriental: iv, 21-31.
comarca (divisão territorial na idade-niédia): v, 75; comarcas medievais: v, 76.
comissorium na idade-média: v, 73.
comitatus na idade-média: v, 72.
condes (agentes na administração medieval): v, 76-77.
contagem de caracter primitivo: v, 47 e 57.
convergência, em etnografia: ii, 58.
copeiro, descanso para guardar copos: Hl, 18.
coração na arte e poesia popu- lar: 11, 53; coração de ouro, enfeite corporal: ii, 52.
coral, como amuleto: iv, 50; na superstição lá fora: iv, 51.
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Boletim de Etnogeafia
corna: ii, 40.
corregedor de comarca na idade- -média: v, 78.
correição na idade-média: v, 76.
correio. Vid. carteiros.
correntes de relógio, de madeira, maciças: i, 35.
cortêlha: iii, 46.
cortiça (objectos feitos de): ii, 40.
corucho das medas: iii, 46.
costura (aprestos): i, 6-9; «cos- tura» de cortiça alentejana: I, 10.
cozinha alentejana: ii, 35; (banco de): IV, 55.
criminoso arrastado por um ca- valo, sec. XVI : ii, 17.
cruzeiros do sec. xv-xvi: iii, 10.
r>
desmamar os bezerrinlios. Vid. tabuleta.
desmanteia, na agricultura: iv, 43.
Diabo, sua representação figu- rada, sec. XVI : ii, 18.
divisão do território na idade- -média: v, 72.
dobar (formas de): i, 11.
dona do sec. xiii, seu ideal: l, 6.
Duarte d'Armas a cavalo, o um moço a pé: iii, 5-8.
:e
eira: iii, 46.
engaço barrosão: iv, 55.
escrita de caracter primitivo : v,
49. esfolhada do milho: i, ,34.
esfolhador: iv: de madeira, 55; de osso, 57; i, 33. E vid. fu- rador, sovino.
esmolas religiosas: iii, 15; (para Santo António): iii, 19; (para S. Lazaro): v, 29.
espécimes de etnografia por pro- víncias: v, 30.
espelhos do portas: ii, 22 e 27.
espigueiro de uma quinta do Mi- nho, o mesmo que canastro ou caniço: iii, 45.
espingarda (cano de) para avivar o lume: iii, 43.
estaleiro, sec. xv-xvi: iii, 8—9.
estampas etnográficas: iv, 53; V, 16.
estrelas de figos, guloseima: i, 22-23.
etnografia antiga portuguesa, re- presentada em obras de arte:
II, 13; etnografia e arqueolo- gia: I, 5.
ocex-libris» manuscrito: iv, 49. «ex-votos», sec. xv-xvi: ii, 18; do madeira: iii, 9-10.
F
festeiro: ii, 46.
figos secos, guloseima: i, 22- 23.
fogaceiras de uma procissão : v, 44.
foice do mao, de cabo ornamen- tado : III, 31 ; que anda á cinta numa espécie de estojo: iv, 57.
fole de avivar o lume: iii, 43.
fontes (de agua) na etnografia:
III. 29; fonte de chafurdo e
Boletim de Etnogiiafia
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cobertas: v, 3õ; fonte de uma sacristia; iii, 17; fontes de in- vestigação etnográfica: v, 5. Vid. carrancas fontanárias.
forcas do sec. xv-xvi: iii, 9-11; para fazer cordões: v, 19.
formão e maço, sec. xvi: ii, 19.
forno de cozer pio: v, 67.
fortalezas fronteiriças; iii, õ.
funil de cabiiça: iv, 19.
furador para fazer illió.s: i, 12; para rusgar o folhelho do mi- lho: I, 13.
fusis de petiscar lume: v, 26.
fuso ou furador para fazer ilhús : V, 19.
G
gaiolas de grilos: iii, 32.
gaita de foles. Vid. gaiteiro.
gaiteiro, sec. xvii: ii, 17.
Gama Barros. Extractos de uma obra sua: v, 72-78.
garfeira alentejana: iv, òl.
garrafa de barro (Alentejo): iv, 55.
garruço da Beira Baixa: ii, 52.
gato preto: iii, 30.
gestos artísticos, meditação o aperto de mão (indicações li- terárias): H, 2-^-26.
gorro, sec. xv-xvi: iii, 8.
grelha, sec. xvi: ii, 19.
guisos ao pescoço de animais, apontamentos para a sua his- toria. Seu caracter magico: III, 13-14. Vid. chocalhos.
H
habitação: i, 27. Vid. chaminés.
igreja, sec. xv-xvi: iii, 10.
ilhó. Vid. furador.
iluminação com caracóis: v, 25.
imagens do santos em lojas de venda: i, 36.
instrumentos músicos, castanhe- tas, pandeiro: v, 30-31. E vid. gaiteiros.
isqueiro de bogalho: v, 22.
jornalismo (considerações gerais, e tigura de um vendedor): ii, 31-33; boas-festas dadas pelos vendedores de jornais, escritas em verso: ii, 33-34.
Judeus na arte portuguesa: v, 90.
jugos e cangas de bois. Compa- ração com a Galiza: ii, 58, comparação com a Escandiná- via; II, 60.
lavrador, sec. xvi: ii, 16.
leiteiro da Madeira: i, 13.
leito, sec. XII : ii, 19.
Livro das fortalezas do reino: III, 5.
lojas de venda, com imagens de santos: i, 36.
louça do Algarve: cântaro, in- fusa, barril: i, 14.
lume. Concepções antigas da sua produção. Maneiras de o pro- duzir: III, 39-42; costumes em Portugal, modos de o avivar: III, 43-45; V, 22; petiscar lume: v, 26; lume e ilumina- ção: V, 22-26. Vid. tubo.
100
Boletim de Etnograeia
m:
maço e formão, sec. xvi: ii, 19.
Madeira (arquipélago), furnas em que se habita: ii, 9-13.
malha (em Trás-os-Montes): v, 33.
Malpique ou Malpica (homem de calção de): ii, 43.
maltês (na Estremadura): iv, 48.
mancebo ou velador de candeias : III, 20.
mandacio na idade-média: v, 73.
mandador (em trabalho do cam- po). Vid. desmantela.
mandamento na idade-média: v, 73.
manta (mandar da). Vid. des- mantela.
mantilha usada em Gáfete: v, 16.
maquia: iii, 28.
marcas de propriedade. Vid. pro- priedade.
mato (condutor de): ii, 52.
mechas (vendedor de): v, 23.
meda de palha de milho : lU, 46.
medição poética do vinho: iii, 21.
meirinhado: v, 74.
meirinho-mor: v, 74.
meirinhos na idade-média: v, 77.
milho. Vid. esfolhador, furador, sovino.
Minho, uma quinta (suas perten- ças): III, 45-47.
mobilia popular alentejana: ii, 51-52.
modas ridículas, inconvenientes:
I, 8; mulher da aldeia: i, 9. moinho do sec. xv-xvi: iii, 8;
moinho de vento do Cartaxo:
II, 45. E vid. aguilhão.
moleiro do sec. xv-xvi: iii, 7; na etnografia: iii, 28. Vid. maquia.
monda, no Alentejo: i, 39.
Monte Gordo. Vid. cabanas.
mordomo ou festeiro: ii, 46.
morte (concepção antiga da), sé- culo XVI : II, 19.
Mouros e Judeus na arte portu- guesa: IV, 39; V, 90.
mulher do Porto em 1870: i: mulher moderna, seu desleixo, 7; mulher em Cristina de Pi- san, 7; mulher moderna des- composta, 8 ; palavras de Oví- dio e Garção, e Juvenal, 8 e notas; mulher portuguesa an- tiga, ou dona, seu viver, 6-7 ; mulher lisboeta do sec. xviii: i, 7; II, 20.
IV
naus e barcos, sec. xv-xvi: ii, 19.
Neves (Adelino das). Vid. Adelino das Neves.
nicho de uma casa: ii, 37. Enu- meração de modos de defen- der sobrenaturalmente a casa, contra males supostos ou reais.
padiola: iv, 37.
palheiros, casas do litoral assen- tes em estacas: iii, 33.
pandeiro: v, 30-31.
panelas na lareira, sen encosto: III, 27.
panorama cartaxeiro, com com- ponentes etnográficos: ii, 44- 45 e 50.
Boletim de Etnografia
101
peixeiro, como anuncia a venda do peixe: iii, 21.
pelote, sec. xv-xvi: iii, 8.
penteado de mulher: de poupa, de pucho, troço, monète, car- rapito, carrapicho: II, 41.
pesca, do sec. xvi: ii, 15; ao candeio: ii, 56—57; com ba- teira: II, 54; levantamento de redes: ii, 47; cerco: ii, 55.
pescador do sec. xv-xvi: iii, 8; pescador da Nazaré: ii, 48; da Figueira da Foz: ii, 23.
picotas (ou pelourinhos): iii. 11.
pingadeira no Alentejo: iv. 55.
pinhões na etnografia: i, 44; pi- nheiro manso, pinheira, der- rubador e instrumento de quo 86 usa, poceiros, desbocha. Pi- nhões nas festas de Natal, Ano- Bom e Reis. Rabisco. Britada. Assada. Enfiadas. Pinhoeiras. Rapa.
poço d'onde se tira agua, do sé- culo xv-xvi: III, 9.
polvorinho artístico: i, 36.
pombinha, enfeito do telhado de casa: iv, 33-34.
pontão de segurar a tampa das arcas ou caixas: ui, 47.
porco, sua carne migada num prato de pau para se fazerem chouriços: iii, IG. E vid. ca- pador.
postigo do porta: ii, 27.
poupa de penteado: ii, 41.
prato de pau. Vid. porco.
pretos do Sado: i, 40.
primitivo (caracter de industria) : II, 40.
prisioneiros carregados de fer- ros, sec. XVI : ii, 16.
procissão em Arcoçó: v, 17.
propriedade de objectos (marcas): V, 46.
províncias. Vid. espécimes de etnografia; províncias portu- guesas na idade-média. Noti- cia histórica de cada uma em particular, v: Algarve, 81; An- tre Doiro e Minho, 82; Antre Tejo e Odiano, 83; Beira, 83; Estremadura, 84; Trás-os- Montes, 86; Aquém Douro, 87; Além Douro, 87.
Q
quinta minhota, suas pertenças: iii, 45-47.
n
raça negra, representada em Al- cácer do Sal: i, 40.
raça preta, em Alcácer do Sal: I, 40.
ramada ou latada: iii, 46.
recipientes de couro para vinho: III, 14.
rede de pesca em azulejo: ii, 55-56.
religião. Vid. procissão, banho- -santo, cirios, esmolas religio- sas, fogaceiras de uma pro- cissão, nicho de uma casa, sacristia, Santo António, sino sem torre.
relógios de algibeira. Vid. cor- rentes; relógios de sol feitos de pedra: i, 24.
remate. Nome de rima em certos ritmos: iii, 22.
102
Boletim de Etxogeaiia
ritmos (em trabalho campestre),
manta: IV, 44. roca (provérbio): i, 6. Rolland (Francisco), livreiro e
autor de um livro de adagio:s :
I, 43. rua de Gáfete: in, 42.
sacristia, fonte: iii, 17.
Santo António numa mercearia:
1, 36. santos, suas imagens em lojas de
venda: i, 36. S. Lazaro. Esmolas para ele. Vid.
esmolas religiosas. sentidos. Vid. cinco sentidos. Sereia. Entidade mitica mui usada
como tema de arte popular : i,
37-38. sino sem torre, de Romarigães:
v, 30. sovino de descamisar o milho:
I, 35. superstições. Vid. nicho do uma
casa.
tabardo, sec. xv-xvi: iii, 8.
tabuleta de madeira para des- mamar bezerros: ii, 40.
tear (vários exemplos): ii, 20.
telhas de casas, sec. xv-xvi : III, 9.
tenaz, sec. xvi: ii, 19.
terra (divisão administrativa na idade-média). O mesmo que território: v, 72.
território na idade-média: v, 74. E vid. terra. Territórios e ter-
ras na idade-média (lista): v, 78-81.
tê-te, panela: iii, 27.
tipos de Montalegre: iii, 45.
tolete (em barco): ii, 54.
trajos do sec. xv-xvi: iii, 8. Vid. barrete, capote, cara- puça, pelote, tabardo. Trajo de Minde: ii, 44; trajo da Serra da Estrela: ii, 52; tra- jos alentejanos de mulher: chaile e chapéu, penteado; de homem: ii, 41; trajo de mu- lher beirã: iii, 27.
transporte (instrumentos de).Vid. carrinha, carro de bois.
trogloditismo (observações): ii, 2-9.
«tronco, picota, e forca»: ni, 11.
tubo de ferro para avivar o lume, de madeira e de ferro: iii, 43.
varandào (e seu coberto) de uma quinta do Minho: iii, 46.
vasilhame de Nisa (empedrado), de Pampilhosa do Botão e de Vila Real (Trás-os-Monles): ii, 52; vasilhame para vinho: vid. medição poética do vinho.
vasilhas de barro : cântaro, pote, infusa: i. 27. Vid. louça do Algarve; vasilhas de barro alentejanas: ii, 27.
velador o candeia: iii, 20.
vida antiga portuguesa: ii, 13; III, 5.
Vieira (de Leiria) e suas casas. Vid. casas assentes em estacas.
Vilar Seco, vários usos: v, 35-46.
Boletim de Etkoghafia 103
vindima: v, 57. racha (de couro), gato (reci-
vinho, medição poética: ui, 21. picnte feito de couro): iii, 14.
Vid. recipientes de couro. Bor- Yid. cabaça.
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