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2 19931

BX 1751.2 .B82 1959 Buarque Lyra, Jorge. Catholicismo Romano a luz a B ' iblia

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Jorge Buarque Lira

MINISTRO DO EVANGELHO

(Da Academia de Letras de São Paulo e do Cenáculo Fluminense de História e Letras)

CATOLICISMO ROMANO

Luz da Bíblia; da História e da Razão

(Veemente réplica ao livro "AOS IRMÃOS SEPA- RADOS" do Prof. Eurípedes Cardoso de Meneses e ao Jesuíta Leonel Franca. Breve resposta ao escritor cató- lico Lúcio Navarro, quanto à I a parte de seu livro "Legítima Interpretação da Bíblia". Rebate enérgico dos carunchentos dogmas em que se fundamenta o Catolicismo Romano) .

/"'Saí dela, povo meu, para não serdes participantes dos seus de- litos e para não serdes compreen- didos nas suas pragas!"

(Apoc. 18:4)

OBRA X L I V Niterói— 1 9 5 9

OBRAS IMPORTANTES PARA TODOS

Pedidos. ao Prof. Rev. JORGE LYRA (Autor e Editor) Rua Gen. Andrade Neves, 51 NITERÓI E. Rio Fone 2-7637

DE INTERÊSSE RELIGIOSO:

1 HISTÓRIA GERAL DA BÍBLIA (1.° vol.) em broch e luxo

2 _ 100 MENSAGENS DA PALAVRA DE DEUS, em broch. e luxo

3 A DIVINDADE DE CRISTO Broch., cart. e luxo

4 EXCELÊNCIAS DO CRISTIANISMO Cart. e luxo

5 VERDADES SOLENES Cart. e luxo

6 O ROMANISMO À BARRA DO EVANGELHO Broch, cart.

e luxo

7 0 REDENTOR DA HUMANIDADE (Poema) Broch., cart.

e luxo

8 A MULHER DO PASTOR (folheto) Broch., cart. e luxo

9 FÁTIMA (anti-clerical) Cart. e luxo

10 UM CAPÍTULO DAS EXCELÊNCIAS DO CRISTIANISMO

brochura

11 ATOS DOS APÓSTOLOS (Comentários do Rev. Mário Neves)

12 _ A MESA BATISTA Broch., cart. e luxo

13 _ CATOLICISMO ROMANO, à luz da Bíblia, da História e da

Razão Obra n.° 44 Broch., e luxo DE INTERÊSSE HISTÓRICO-MAÇÔNICO :

1 A MAÇONARIA E O CRISTIANISMO 3.a ed., Broch, cart.

e luxo

2 A MAÇONARIA E A POLÍTICA NO BRASIL (panfleto)

Broch., cart. e luxo

3 OS TEMPLÁRIOS Origem do Jesuitismo Cart. e luxo

4 _ NOS BASTIDORES DO MISTÉRIO A Carbonária Cart.

e luxo

5 QUE É MAÇONARIA Cart. e luxo

6 SOCIEDADES SECRETAS Cart. e luxo

7 0 PAPA NEGRO Cart. e luxo

8 A IGREJA CATÓLICA E A MAÇONARIA Réplica ao livro

"A Maçonaria no Brasil" do Monsenhor Boaventura Cart. e luxo

9 HISTÓRICOS MAÇÓNICOS E HORRORES DA INQUISIÇÃO

Cart. e luxo

10 A MAÇONARIA E A GRANDEZA DO BRASIL 1.° vol.

Cart. e luxo

11 MAÇONARIA E RELIGIÃO Broch.. cart. e luxo

12-13 ENCICLOPÉDIA MAÇÓNICA, em 2 volume? Cart. e luxo

14 _ SÍNTESE HISTÓRICA DA MAÇONARIA UNIVERSAL

15 JOAQUIM NABUCO O Hom-m e a Acão Broch. cart. e luxo

16 NOS PÓRTICOS DA IMORTALIDADE Broch., cart. e luxo

17 _ RUI, O APÓSTOLO DO DIREITO Broch.. cart. e luxo

18 MAURÍCIO DE ABREU Pioneiro da Democracia Cart.

e luxo

19 COSMORAMA Vol. 1.° Biografias célebre? Cart. e luxo

20 VIDA DE GUERRA JUNQUEIRO Cart. e luxo

21 HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO Cart. e luxo

22 RUI O SOL DA NACIONALIDADE Cart. e luxo

23 _ CELESTE MORADA Oratória sobre Joaquim Nabuco Cart.

e luxo

CATOLICISMO ROMANO

QUADRAGÉSIMA QUARTA OBRA

VOLUME II

da

SÉRIE BÍBLICA

ILUSTRAÇÃO de

O ROMANISMO A BARRA DO EVANGELHO"

Niterói, 1959

JORGE BUARQUE LYRA

Ministro do Evangelho (Do "Cenáculo Fluminense de História e Letras" e da Academia de Letras de São Paulo)

CATOLICISMO ROMANO

À LUZ DA BÍBLIA, DA HISTÓRIA E DA RAZÃO

Veemente réplica ao livro do Prof. Eurípedes Cardoso de Meneses "Aos Irmãos Separados", ao jesuita Leonel Franca e a Lúcio Navarro. Rebate enérgico dos carunchentos dogmas em que se fundamenta o catocilismo romano

PREFACIO DO REV. GALDINO MOREIRA

PLANO DA OBRA

CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES SÔBRE O TÍTULO, O AUTOR E A OBRA. CAPÍTULO II

IMAGENS SAGRADAS Desculpas romanistas Opinião autoridades da Igreja Pareceres de vários concílios.

CAPÍTULO III

A TRANSUBSTANCIAÇÃO /, Cientificamente II, Bíblica- mente ///, Historicamente.

CAPÍTULO IV

A COMUNHÃO SOB UMA ESPÉCIE.

CAPÍTULO V

O UNIGÉNITO DE MARIA Virgindade perpétua de Maria. CAPÍTULO VI

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO Suas origens Lendas grosseiras Textos básicos dos romanistas Testemu- nho de doutores da Igreja Razões bíblicas contra o purgatório.

CAPÍTULO VII

ONDE ESTÁ ISSO NA BÍBLIA? A suficiência da Bíblia em matéria de A leitura da Bíblia Interrogações sibilinas 1 Inspiração e suficiência da Bíblia O título "Filho de Deus".

CAPÍTULO VIII

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS Deus não deu a ninguém o poder de perdoar pecados O poder de perdoar é apenas declarativo, e outorgado também aos discípulos A ta- refa santificadora de Cristo.

CAPÍTULO IX

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL

O "Confiteor" é sacrílego A Bíblia nega a confissão auricular Inconvenientes psicológicos e morais Lassidão de consciên- cia — Nulidade da confissão sacerdotal.

CAPÍTULO X

COSTUMES BÍBLICOS Abstinência Jejuns Adoração de santos e anjos Culto de relíquias Lugares sagrados Água benta Paramentos, luzes, incenso, cinzas, cilício Ex- trema-unção.

CAPÍTULO XI

UM MEDIADOR Por que é Cristo o único mediador? Des- necessidade de medianeiros subalternos "Teia de aranha" papal.

CAPÍTULO XII

O PRIMADO DE PEDRO Leonel Franca e Eduardo Carlos Perei- ra — O texto capital Pedro é a pedra A metáfora das chaves Pedro: nem vigário nem apóstolo de Cristo Suposto episcopado Hierarquia na Igreja Romana Testamento de Pedro Credenciais dos apóstolos Malefícios do papado Infalibilidade papal.

CAPÍTULO XIII

A SALVAÇÃO PELA Princípios da Reforma As boas obras dos salvos pela A certeza da salvação.

PREFÁCIO

. . Se me fosse dado o privilégio de fazer, executar e realizar o que a experiência do tempo me tem ensi- nado, no vasto solo da literatura de todo tipo que por há, e cada vez mais cresce, declaro para todos os efeitos, sincera, franca e positivamente, que havia de descobrir jeito ou modo de acabar, de liquidar mesmo, com esta liturgia tradicional do chamado "Prefácio" , nas obras escritas pelos homens.

Prefácio?

Prefácio, por quê? Prefácio, para quê?

Pensando bem, é uma soleníssima inutilidade, que começa não valendo nada, no próprio sentido que traz: "Prefácio" , "o que se diz, ou se fala, ou se escreve com antecipação, previamente" , Introdução, Preâmbulo, Pró- logo. Que falsidade! Pois, de fato, prefácios se fazem no fim da obra, acabada e completa, "Antecipadamente" , cousa nenhuma. Prefácio! Se o livro presta, para que êsse enchimento, e logo na entrada? Se não presta, para que a prefação inócua?

Foi esta, mais ou menos, a terrível tentação que me assediou, e me irritou, quando o meu nobre irmão, amigo ilustre, colega operoso e estimado ex-aluno de tempos idos, o Revmo, Prof, Jorge Buarque Lyra, me pediu o prefácio para esta magnífica e erudita obra de controvérsia religiosa, que os dignos leitores compulsam.

Estive para desistir da honra, sem dúvida, gentilís- sima e muito cordial. Ia mesmo declinar do elegante convite.

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CATOLICISMO ROMANO

E por muitos motivos.

Um, o de ter sido eu o prefaciadov, faz poucas se- manas, do livrinho de outro grande irmão, amigo e colega distinguido, o Rev. Dr. Laudelino de Oliveira Lima Filho, em que este lidador evangélico versa exata, justa e precisa- mente a mesma obra que aqui o Prof. Lura debate, o livro do Deputado católico, ex-protestante e ex-pastor luterano, líder leigo da ala romanista nacional, de capa e espadão, o Sr. Euripides Cardoso de Meneses.

Outro motivo é o de que considero desnecessário qualquer paraninfado a mais para uma obra do conhe- cido polígrafo evangélico, Rev. Prof. Jorge Lyra. Baste - -nos atentar ao que sobre esse dinâmico Autor diz e es- creve um dos maiores juízes, no setor árduo da crítica lite- rária, no Brasil, e mesmo fora dele, Agripino Grieco. Olhem os leitores a capa deste volume, do lado direito e de fora. Depois desta opinião, para que mais conversa?

E além do mais, o escritor que chegou, no mercado das letras, e no sítio difícil do pensamento, ao número de quase meio cento de publicações, muitas, de fato, alentadas e custosas, não precisa mesmo de prefácios e de prefa- ciadoresl

Todavia, com surpresa para mim mesmo, acabei desistindo de desistir. E peguei no convite, e aceitei a <( prebenda' .

Outras razões operaram.

Creio que a maior delas é o fato de que por índole, gosto e temperamento aprecio sobremodo um campo bem visível de qualquer polémica ou controvérsia decente, elu- cidativa, alta; é comigo e é pra mim! Ora, este volume do Rev. Lyra é todo ele, inteiro e sem sobras, polemica e controvérsia, e ambas fortes e vibrantes.

Por outro lado, vi que as duas obras, a do Dr. Lau- delino e a do Lyra, respondendo ao Sr. Euripides, se com- pletam. Uma, é a síntese, é a leveza da luta, é o diplomata em ação. Outra, esta que os leitores estão vendo e talvez lendo, é a análise, é a luta corpo a corpo, dura e terrível, é o guerreiro em atividade febril. Ora, se prefaciei uma,

PREFÁCIO

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devia introduzir a outra à meditação dos entendidos nesses assuntos.

Finalmente, fiquei com a incumbência, e fiquei na liça, e aqui estou contando coisas, penso, por outra razão maior entre as maiores. Os impulsos do coração. Não pude negar ao meu ex-discípulo e hoje respeitado es- critor evangélico a minha modesta contribuição.

Assim, ao "Prefácio"!

Desejo em boa consciência, logo de entrada, fazer um aviso justo e necessário aos leitores dêste volume. Esta obra deve, pode e convém lida depois de lida e relida e meditada bem a "Introdução" do A., antes de tudo. Estou certo que, com isto, os que compulsarem êste erudito trabalho vão ter a impressão, aliás certa e justa, de estarem frente a um homem de bem, homem de fortes convicções e lutador franco, destemido, duro e implacável, que, como diz, não tolera, não suporta e não admite o que julga ser êrro, falsidade ou ilogismo. Combate a êstes com veemência desusada, com energia às vêzes contundente, quase sempre nua e crua, sem lhe cansar a mão ou enfraquecer o braço. Não olha, nisto, cortesias, nem rendilhados. Nem conve- niências ou oportunismos tão comuns. Contra os erros não admite nada, senão ataque frontal, bombardeio certeiro, derrubada mortal.

Mas, o A. dêste volume explica, e explica com since- ridade respeitável, que, combatendo com ardor o êrro, ama, todavia, aquêle que erra. Segue a escola de Agostinho: "Odeia-se o pecado, mas o pecador, ama-se." O digno A. é assim, de fato. Usa a lealdade da correção, a ironia espor- tiva, a veemência da Verdade, mas, quer o bem e a salvação do seu adversário ou adversários.

Dirige- se ao Prof. E uri pi d es em têrmos pessoais de amigo, de "irmão separado", de velho conhecimento. Diz- -Ihe "você" para aqui, e "você" para ali.

É assim que esta obra deve ser lida e meditada. Sem esta liturgia de início, estou certo, a indignação espocará por e a raiva de muitos fará doentes e doenças terríveis-

* * *

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CATOLICISMO ROMANO

O presente volume do polígrafo evangélico é uma obra de defesa. Defesa da apostólica e das verdades neo- testamentárias puras, cristalinas, sem baldrames nem mu- letas. Contraria erros violentos de dogmas antibíblicos da crença romanista. O lado simpático, lindo mesmo, deste volume é ser defesa.

Quem primeiro começou o "barulho" não fomos nós, evangélicos. Foi o famoso líder nacional católico romano, leigo e sagaz, ex-protestante, ex-pastor luterano, Sr. Prof. Eurípides Cardoso de Meneses, que jogou na cara e na casa dos "crentes", dos evangélicos, enfim, um livro de melifluidade fementida, mas de ferina pancadaria em regra, com o esquisito nome ou título "Aos Irmãos Separados".

Se a essa cartilha ou "missal" de insinuações e de rebates à evangélica o povo protestante não deu maior atenção, em geral foi por conhecerem bem o A., após- tata várias vezes de suas fileiras, por serem os assuntos da obra do líder católico mero e simples relógio atrasado e envelhecido de repetição de cousas muito batidas, revi- radas e cacetes.

Mas, o Prof. Rev. Jorge Lyra, como é do seu feitio nato, e que Deus lhe deu, não gostou da "brincadeira" , nem da falta de respeito aos outros, vinda do ex-protestan- te ingratalhão, e pegou o "bicho" em plena corrida e pro- curou, desde logo, empatar -lhe as ousadias menos nobres que estava a fazer. Resolveu espatifar o ídolo.

E espatifou mesmo.

São 12 capítulos alentados, capazes, fortes e inte- ressantes. Perseguem os temas e teses do livro do Prof. Eurípides C. de Meneses.

Os assuntos são estes:

"Imagens sagradas". "A Transubstanciação" . "Comunhão sob uma espécie". "O Unigénito de Maria".

PREFÁCIO

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"Ovação pelos mortos". "O Purgatório" .

"A absolvição sacerdotal e respectiva confissão" .

"Um Mediador".

"O Primado de Pedro".

"O grande poder outorgado aos homens".

"Costumes bíblicos".

"Onde está isso na Bíblia.?"

Como se verifica, são todos estes assuntos de contro- vérsia e polémica seculares entre romanistas e protestantes.

Lendo-se o livro, encontram-se néle e nas respostas do A. de (o protestante) ao A. de (o romanista) algumas características bem nítidas.

São respostas completas.

O A. evangélico não foge a um dos argumentos, das razões e das críticas do líder católico. Escarafuncha tudo.

Vai ás raízes de cada tema, e esbagaça ponto por ponto, no esquema do adversário, que larga e deixa quando o percebe desalentado, sem munição de qualquer tipo, e exausto. Querem ter provas? Por simples exemplo, vejam os capítulos II, III, VII, VIII e IX. O resto, é da mesma estirpe magnífica.

Também são respostas enérgicas, fortes e às vezes, mesmo, contundentes e cruéis. A culpa não é do A. de cá, e sim do de lá, que, na sua obra, machuca devagarinho, mas terrivelmente, os mais caros ensinos da Palavra de Deus, as mais sagradas convicções dos evangélicos. É claro que quando a brasa dói, a gente grita e joga fora o fogo!

Finalmente, as respostas e discussões do Prof. Jorge Lyra, neste volume sério, são eminentemente bíblicas, ló- gicas e muito claras, que as inteligências, mesmo medíocres, podem apreender e compreender. Os capítulos referentes ao Mediador, ao Unigénito de Maria, ao Primado petrino, às Imagens, e tudo o mais, são assim. A argumentação é cristalina e mesmo brilhante.

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CATOLICISMO ROMANO

Gosto, desta obra, porque, além de tudo, o objetivo que tem em vista é o mais digno esclarecer, corrigir, servir, salvar.

É alvo sem dúvida nobre, merecedor de respeito e de carinho.

Haverá quem o negue?

Não acredito.

* * *

Estou certo de que este volume de polemica e de defe- sa do sadio cristianismo de Cristo vai ficar e permanecer nos costumes e nos arraiais evangélicos e dos estudiosos honestos, que buscam a verdade, onde estiver; vai ser pábulo para meditação em torno da Palavra divina, escrita e inspirada, tanto nos campos rasos da controvérsia ro- manista, quanto nas searas do trigal protestante. Será com- pêndio para aulas em Escolas Dominicais, Colégios, Uni- versidades, Institutos Bíblicos, Igrejas. Compêndio de consulta. Livro de obrigação e de boa consciência.

Abençoe grandemente o Senhor êste volume corajo- so, firme, fiel e bíblico, e, com êle, o seu operoso, consa- grado e diligentíssimo A., legítimo guerreiro da e reconhecido servo de N. Senhor Jesus Cristo.

Rio, março, 1959.

Galdino Moreira

INTRODUÇÃO

Faz alguns meses, recebemos a visita de um dos mais brilhantes vultos do ministério evangélico nacional, que, sabedor dos nossos pendores para a polémica, e, sendo, como somos, escritor profissional, pediu-nos, com vivo empenho, que respondêssemos ao livro "AOS IRMÃOS SE- PARADOS", do ex-pastor luterano e um dos atuais líderes católicos do Brasil Prof. Eurípides Cardoso de Meneses.

Até então não tínhamos conhecimento da publicação de tal livro, razão por que ainda não lhe havíamos dado qualquer resposta e lastimamos até que outros colegas, muitos deles mais capacitados que nós, se tenham mantido em silencio com referência ao mesmo, que agora saiu em Z.a edição, por intermédio da Editora Agir.

Atribuímos o silêncio de nossos confrades de crença ao fato de não julgarem êles digno da menor resposta tal volume, em face de suas inúmeras parvoíces e infantilida- des. Entretanto, precisamente por tais circunstâncias foi que julgamos de grande necessidade dar a resposta que de fato merece semelhante livro, a fim de que o autor não continue ludibriando, ilaqueando a boa-fé dos incautos e desprevenidos, ou dos pobres de raciocínio, como os por aí.

Ao lermos o volume, em edição melhorada e au- mentada, supúnhamos, inicialmente porque é seu autor figura muito acatada nos círculos cultos do catolicismo do Brasil e, até, professor de uma Universidade que hou- vesse algo de sério e importante no mencionado livro, es- crito, ao que nos parece, com a finalidade de converter ao

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CATOLICISMO ROMANO

Catolicismo Romano os a quem ele, Eurípides, chama de "irmãos separados" , ou seja, os protestantes.

Sitiramo-nos, então, resolutamente, ao trabalho de refutação as múltiplas incoerências doutrinárias da aludida obra; penetramos fundo, bem fundo, em outras facetas do credo romanista, que o autor nao menciona, algumas das quais procura até mesmo ocultar, tão falhas se afiguraram elas ao seu espírito . . . Isto se percebe, por exemplo, quan- do trata do assunto das "imagens sagradas" e das "santas relíquias", onde se nota, a cada passo, que ele evita o termo "adoração ', substituindo -o por "veneração" , como se "veneração" não significasse também "adoração" , no que ainda se revela ingénuo e infantil, digno de pena.

Sobre o "primado de Pedro" , que ele mesmo afirma ser da máxima importância (e para o papado é mesmo), a respeito do qual deveria argumentar com toda a força do seu engenho e sabedoria, foi, exatamente, no em que mais débil, mais impotente se manifestou, tendo-se limi- tado, como aliás o tez em quase todos os capítulos do seu livro, apenas a citar, e mal, os supostos argumentos do seu mestre Leonel Franca, fragorosamente derrotado pela pena brilhante de alguns escritores evangélicos.

Escrevendo este livro, em que usamos das mais sar- cásticas e ferinas expressões, não contra as parvoíces e infantilidades euripidinas e as dos seus mestres ( abatinados ou não), não o fizemos, entretanto, com ódio a pessoas, principalmente à pessoa de Eurípides, a quem, particular- mente, dispensamos especial afeição. Assim é que, se nos vimos forçado a usar de veemente linguagem e termos de algum modo contundentes, foi, e contra os seus cla- morosos erros, disparates, e, sobretudo, contra a sua pa- tente ingenuidade.

Não poderíamos, pois, tratá-los senão com a mesma linguagem causticante e tremendamente condenatória com que o nosso Divino Mestre verberou os escribas e fariseus do Seu tempo, chamando-lhes de "escribas e fariseus hipó- critas", "raças de víboras", "sepulcros branqueados" e outras expressões semelhantes; e contra os quais, certa

INTRODUÇÃO

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feita, teve de usar um azorrague, expulsando -os do Tem- plo, porque estavam eles transformando a "Casa de Deus" em "covil de ladrões" l

Como ministro de Deus e difusor das suas verdades eternas, nossa linguagem não deveria ser diferente. Toda- via, nossa alma, cheia de amor pela salvação dos errados, embora intransigente no corrigir os erros, está tranquila, certa de que aproveitou-se bem daquele sábio e piedoso conselho de Santo Agostinho, quando ensinou: odiemos o pecado, mas amemos o pecador!

Devemos ainda esclarecer que, com usar dos termos cáusticos que, de fato, usamos, não quisemos manifestar, de forma alguma, ódio ou malquerença aos próceres ro- manistas, a quem profundamente lamentamos, pela triste figura que fazem, diante da fragilidade de suas asserções, ao procurarem defender uma causa impossível de defesa, com os argumentos quase abstratos que possuem.

A mãe, quando zangada com o filho, incidente em faltas, exproba-lhe o procedimento e chega até a dizer-lhe impropérios. Isso, no entanto, não significa, de modo algum, que a ele dedique pouco amor. Pelo contrário, são o excesso de amor e o receio de ver o filho mal conceituado, que a fazem castigá-lo e dirigir -lhe, por vezes, amargas censuras. Tal acontece conosco em relação à linguagem que empregamos, ao atacar os erros e infantilidades dos nossos adversários.

Assim é, Eurípides, que aqui, agora, não está o pole- mista a verberar -lhe os erros e a ferir -lhe a consciência; está o simples Jorge Lira, franco, leal, sincero, que Você conhece, e a quem abraçou fraternalmente; está aquele seu "irmão separado" , que, pessoalmente, nada tem contra Você, e até lhe vota especial afeição, como membro que é da grande família humana. Mas, lembre-se bem, Eurípi- des: no terreno doutrinário, estaremos em flagrante opo- sição, enquanto Você mantiver os conceitos que advoga em seu livro, embora nutramos a esperança de que Você, qual Saulo de Tarso, ainda encontre a sua estrada de Da- masco e volte a comungar conosco na cornucópia azul do

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CATOLICISMO ROMANO

sacrossanto espírito cristão- evangélico, em cuja esplenden- te "dormiu no Senhor' o seu venerando pai, de saudosa memória, de quem se podia dizer, parodiando alguém: foi uma criança no espírito, um gigante na erudição e um san- to na piedade, e cujo nome pronunciamos com respeito, porque foi um varão de Deus, um verdadeiro santo, o Rev. Américo Cardoso de Meneses! E tanto isto é verdade que, representante de entidade eclesiástica de relevo, assisúndo- -Ihe aos últimos momentos de vida, comovido com tama- nha fé e resignação, exclamou: "Homem desse porte, se fosse na minha Igreja, seria canonizado como santol"

Praza aos céus, Eurípides, que Você ainda venha, por intermédio deste nosso livro ou, muito especialmente, pelas influências do Espírito Santo, redescobrir a verdade que tem empanado com inúmeras superstições e inúmeros formalismos religiosos do "Cristianismo romanizado" que, na frase de Rui, "tornou-se um elemento deletério, cuja fermentação gasta e decompõe a Sociedade" .

Oxalá não tenha sido em vão o nosso esforço. Que Deus o abençoe!

Cumpre justificar, agora, algumas repetições que fi- zemos, em vários passos de nossa argumentação, especial- mente. nos capítulos sobre o "Único Mediador" , "A Con- fissão Auricular e a Absolvição Sacerdotal" e o "Primado de Pedro". Tais repetições, nós as fizemos de propósito, a fim de focalizar bem as verdades e esclarecer, com novas luzes e novos têrmos, os nossos argumentos, tendo em vista que nem sempre são todos os nossos leitores dotados da devida capacidade intelectual, apta a compreender algu- mas subtilezas jesuíticas, de que os seus profitentes se armam, procurando fugir aos golpes certeiros e esmaga- dores dos verdadeiros apóstolos da Verdade.

Não tivemos, outrossim, a preocupação de beleza na forma literária, em face da exiguidade de tempo para a elaboração dêste livro.

Desafiamos, no entanto, nossos adversários, a que nos apontem uma inverdade em tudo o que afirmamos! Desafiamos e revidaremos à altura, custe o que custar, sem

INTRODUÇÃO

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o menor receio de derrota, a quem se atrever a contestar qualquer dos nossos argumentos. Sairemos a campo e re- chassá-lo-emos com os certeiros e fulminantes golpes da verdade, porque nossas armas não sao as da falibilidade humana (como as dos romanistas) , mas a da infalível Palavra de Deus!

Daí, por que estão, até hoje, sem resposta nossas obras de polemica, como sejam: "A Maçonaria e o Cristianis- mo", "O Romanismo à Barra do Evangelho" e "A Li- berdade de Consciência e o Ultramontanismo" Alguns tentaram fazê-lo, mas, coitados, saíram varados por todos os lados: esmagados e vencidos, limitar am-se a sofismar, como até hoje o fazem os corifeus papistas, porque lhes faltam as necessárias forças para a argumentação, em qual- quer terreno em que procuram firmar-se.

* * *

O significado do simbolismo da capa deste livro res- salta evidente. O padre, orgulhoso, risca a Palavra de Deus e a substitui pelas tradições e pelos preceitos humanos.

Daí, a advertência de Cristo: "Com a vossa tradição, desdizeis o que Deus disse. E praticais ainda muitas outras coisas dêsse género" (S. Mat. 7:13; 15:3).

A árvore, estéril, desfolhada, sem flores e sem frutos tal é o que produz a chaga cancerosa do pseudocristia- nismo, que se chama Igreja Católica Apostólica Romana!

Cristo disse: "Conhece-se a árvore pelo seu fruto pe- culiar; assim também não se colhem figos dos abrolhos, nem se vindimam uvas dos espinheiros" (S. Lucas 6:44).

A grande maioria dos homens que se perde no mun- danal do vício e do pecado pertence a essa igreja, ou a ela se liga pelo tradicionalismo hereditário.

E o grande mal decorre, naturalmente, do seu siste- ma antibíblico de absolver pecados mediante confissões e penitências. Isto se tem tornado, nessa igreja (como exu- berantemente provaremos) , incentivo para o pecado, pois o pecador, via de regra, em sua boa- fé, crê, piamente, que,

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CATOLICISMO ROMANO

praticando o que a igreja lhe ordena, quanto à confissão, está perdoado.

Outrossim, a invencionice do Purgatório concorre ainda mais para que o pecador nutra a esperança de ver alguns resquícios de pecados ser expungidos, na outra vida, mediante missas de efeito intercessório o que, sem dúvida, o leva a dar menos importância à gravidade da falta e às suas consequências, donde resulta, pois, sua prá- tica mais habitual, e com menos receio e remorso.

De tudo é evidente, conclui-se, que a igreja romana perdeu o verdadeiro senso da espiritualidade, e se reduz, via de regra, a simples fórmulas litúrgicas e, mais, a uma organização político -hierát quica 1 e, por fim, a um co- mércio altamente rendoso.

O eminente Dr. Huberto Rohden, ex-padre, no pre- fácio do seu livro "Cosmorama do Cristianismo" , assim se exprimiu com esplendente verdade: "Há dois fatôres primordiais que desvirtuam as relações do homem com Deus e o desviam do caminho do seu destino supremo: o materialismo e o formalismo.

"O materialismo nega a existência de um mundo es- piritual. Ora, se não Deus eterno e alma imortal, ex- ploremos, o mais possível, a vida presente, conquistemos bens de fortuna, glórias, prazeres, na maior abundância, e desprezemos todos os elementos espirituais como utopias e quimeras' .

"O formalismo admite a existência de um mundo espiritual e julga pautar por êsse credo o seu decálogo. Mas, engana-se a si mesmo. O que êle chama de religião não passa, geralmente, de estéreis fórmulas e cerimonias litúrgicas. Repetir mecânicamente certas palavras, executar determinados gestos, desfiar certos números de rezas é o que êle denomina piedade, religião, vida espiritual".

1 Como bem disse Rui Barbosa: "O Romanismo não é uma religião, mas uma política, e a mais viciosa, a mais sem escrúpulos, a mais funesta de todas as políticas" ("O Papa e o Concílio", pág. 13. Ed. Saraiva, S. Paulo, 1930).

INTRODUÇÃO

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"Se o materialismo é campo raso, o formalismo ê terreno coberto de ruínas" .

Pois bem, o Catolicismo Romano não é outra coisa senão essa caricatura do Cristianismo, e caricatura muito deformada.

O pobre infeliz, acorrentado a essa árvore estéril ( que simboliza a Igreja Romana), é todo pecador vazio de verdadeira espiritualidade, escravo do domínio papal, longe, portanto, de Cristo!

Tal não acontece, entretanto, ao que se prende a Cristo Jesus: "Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Do mesmo modo que o sarmento não pode pro- duzir fruto por si mesmo, se não ficar na videira, assim nem vós, se não ficardes em mim. Eu sou a videira, vós sois os sarmentos. Quem fica em mim e no qual eu fico, produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer " (S. João 15:4-5).

Abre, pois, a Palavra de Deus, ó pecador, porquanto conhecê-la a fundo é o melhor preventivo contra o mate- rialismo destruidor, o melhor corretivo do formalismo corruptor!

Adaptando a figura da. árvore estéril à Igreja, cum- pre-nos esclarecer, para sermos justo em tal simbolismo, que ela deu frutos opimos e sazonados, antes de se ro- manizar, quando era a puríssima Igreja de Cristo; mas, com romanizar-se, seu fruto corrompeu-se e apodreceu! É que seu fruto, da macieira do Bem que era, arruinou-se, e quem o comesse ficaria intoxicado. Ela é, pois, a maçã podre!

A Igreja Romana era, assim, o fruto podre, mas que conservava a semente boa, sã, embora em meio de excres- cências e podridões; deu-se um corte nessa "maçã" ( com a Reforma) e a semente boa, sã, extraída de seu seio e lançada sobre a- terra, vem produzindo nas igrejas refor- madas e florescentes, genuinamente cristãs, as frondosas árvores, a que chamamos macieiras do Bem e da Verdade, da Vida e da Imortalidade com Cristo! E, assim, se cum- pre a promessa do Divino Mestre, a respeito da indestru-

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CATOLICISMO ROMANO

tibilidade de Sua Igreja: "as portas do Inferno não pre- valecerão contra elal"

Eis por que, quando os nossos adversários alegam que o Protestantismo é uma "Nova Seita" ou religião fun- dada por Lutero, não exprimem a realidade histórica do que foi a Reforma do século XVI. Nada de religião nova ou "nova seita", pois os princípios preconizados pelo grande reformador em nada alteraram os fundamentos da primitiva doutrina, pregada por Cristo e Seus santos apóstolos, exarados nas páginas refulgentes das Santas Escrituras, e com os quais se harmonizam inteiramente.

É que a Igreja Católica Romana, com as suas inven- ções e adulterações dos textos sagrados, desviara-se radical- mente da doutrina do Divino Mestre, a ponto de deformar completamente o Cristianismo e acrescentar -lhe, outros- sim, vários outros preceitos meramente humanos. Louvan- do-se nas tradições, não era possível deixar de sofrer a in- tervenção cirúrgica em seu organismo, a fim de se lhe re- tirar o elemento puro e são, representado pela semente divina da Verdade (a que nos referimos), e que ela misturara, no correr dos séculos, com as prevaricações e erros humanos.

A Reforma, pois, como explicamos, foi um corte ne- cessário na "maçã" do Bem que se deteriorara, e de onde se fez a extração das sementes das genuínas verdades evan- gélicas que, semeadas sobre o solo dos corações humanos, vem produzindo, como vimos, a árvore puríssima do Cristianismo, cujos frutos são os oriundos daquela Igreja Cristã primitiva, da qual tanto se afastou a Igreja Cató- lica Romana, que hoje, de cristã, nem o nome possui.

Cremos, pois, prestar relevante serviço à Causa do Evangelho representada pelas Igrejas Reformadas, onde vicejam as sementes divinas da Graça e do Amor de Deus, revelado em Cristo com o lançamento deste livro, pe- dindo que Deus o abençoe, servindo-se dele para conversão de pecadores e para honra e glória do Seu Santo Nome.

Ao concluir esta obra, damos graças ao Altíssimo, que nos deu forças para tanto, e nos inspirou, em cada

INTRODUÇÃO

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página, de sorte que, da primeira à última, podemos afir- mar, em consciência, que não tivemos o auxílio do Divino Espírito Santo, como prevaleceu, de nossa parte, um pensamento, aquele mesmo que inspirara o profeta João Batista, quando disse, referindo-se a Cristo: ne- cessário que Êle cresça e que eu diminua } (S. João 3:30).

Daí por que o encerramos com a sentença:

Fora do papismo, dentro do cristianismo; fora de roma, dentro do evangelho ! 1

Niterói, maio de 1958.

Jorge Buarque Lira

1 Do livro de Eurípides deixamos de refutar algumas afirmações: umas, por envolverem assunto sem relevância; outras, por lhas têrmos respondido indiretamente.

CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES

SÔBRE O TÍTULO,

O AUTOR E A OBRA

O título

O verdadeiro Cristianismo não conhece ' 'irmãos se- parados". Também a idéia não nasceu de evangélicos. No Evangelho somente irmãos (At. 15:23). No Evangelho temos dois tipos de pessoas, designadas como crentes e descrentes, salvas e não salvas. E . . . salvo uma vez, salvo para sempre. Salvo não se separa de salvo (S. João 3:36 e Mt. 25:46). Judas não se separou dos seus companhei- ros de apostolado, por ser irmão. Separou-se por ser Judas. Pedro negou a Jesus, mas continuou irmão. Arrependeu-se e foi reabilitado.

Dizer ' 'irmãos separados", em soteriologia (dou- trina da salvação), é desconhecer o plano divino da sal- vação, da reabilitação do homem. A salvação do crente é certa e eterna. Disse o Salvador: "Daqueles que o Pai me deu, nenhum se perdeu" (João 17:12).

O irmão filosófico pode separar-se. O evangélico, não. O elo da graça não se parte . .

Não temos "irmãos separados". Irmãos verdadeiros são todos os que estão unidos com Cristo, pela fé.

Agradecemos a generosidade do Autor, chamando- -nos "irmãos separados", mas, corrigimo-lo, para que saiba que irmandade alguma temos com as trevas, com a idolatria. Oxalá fôssemos todos irmãos em Cristo, como

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CATOLICISMO ROMANO

o Mestre e os apóstolos apregoaram, bem assim nosso grande reformador Lutero, quando teve de romper os lia- mes com Roma, por se haver esta divorciado da Verdade.

A Igreja Romana, na realidade, foi quem se separou da doutrina do Cristo. Foi ela que, com as suas inovações contraproducentes, algumas delas em clamorosa e berrante contradição com os ensinos da Palavra de Deus, se des- viou do legítimo caminho. A ela, pois, cabe a culpa da separação, afastando-se doutrinariamente dos verdadeiros evangélicos. E o fez tanto, que a distância que separa, hoje, a Igreja Católica do Protestantismo é imensurável, e não é possível, por isso, haver mais comunhão de ideias entre os postulados deste, cristãos, e os aceitos pelos teólogos e doutrinadores daquela. Assim, pois, uma barreira in- transponível nos separa. Que comunhão pode haver 'entre Cristo e Belial", entre "a luz e as trevas"?

Daí, não sermos nós, "irmãos separados"; ideologi- camente, foram os católicos romanos que se desviaram dos cristãos evangélicos, visto que, separados ou divergindo radicalmente, em muitos pontos capitais, da doutrina bási- ca comum, o rompimento seria inevitável, como de fato foi. O que Lutero quis não foi separar-se da Igreja, mas, reformá-la, isto é, reconduzi-la aos dias gloriosos da Igreja Primitiva, levá-la inteiramente aos pés de Jesus, e subme- tê-la exclusivamente aos ditames do Divino Mestre. Não podendo fazê-lo, porque a controvérsia doutrinária era enorme, naturalmente, com o afastamento de Cristo das hostes católicas, muitos irmãos sinceros não puderam mais comungar nessa Igreja. Portanto, não fomos nós, os evan- gélicos, que deixamos Cristo, e sim, os inovadores ultra- montanos.

Dir-se-á que os evangélicos (os protestantes) não existiam antes de Lutero. Sim, e não. Não, historicamen- te, mas, sim, doutrinariamente, pois esses cristãos (os que protestaram) estavam, no seio da Igreja. Lutero, como sabem todos, era monge de Wintenberg. Estavam lá, porém, com os espíritos em revolta, prontos para o grande movimento separatista. E, para não se contaminarem,

CONSIDERAÇÕES SÔBRE O TÍTULO, O AUTOR E A OBRA 25>

romperam. É como se perguntássemos: onde estava o seu rosto antes de ser lavado?

O autor

Muito poderíamos discorrer sobre o Autor de "Aos Irmãos Separados' \ Entretanto, limitar-nos-emos apenas, aqui, a dizer que duvidamos da sinceridade de suas con- vicções doutrinárias, porque ninguém que tenha sido al- cançado pela Graça de Jesus poderá converter-se ao cato- licismo romano, com espírito sincero. Ninguém que conheça os esplendores do Evangelho poderá ficar fasci- nado pela pirotecnia da religião "dominante", tal o acervo de dogmas, cada qual mais vulnerável e incongruente, de que está repleto esse sistema doutrinário.

O dogma em que se ergue o "lindo" edifício do ro- manismo a transubstanciação é palha . . . que es- voaça ao primeiro sôpro da argumentação. Por isso é que afirmam os teólogos romanistas: "Praestet fides supple- irtentum sensuum defectui" (sirva a de suplemento ao que a vista não pode alcançar). É uma confissão tácita, em língua morta, de que o dogma se firma em alicerce inconsistente. Na "hóstia" está Cristo, dizem; mas, se isto não for uma realidade, apela-se para a fé. ou visão? . . .

A obra

Seu Autor, inicialmente, na pág. 20, afirma: "Quan- do conheci por dentro esta Igreja Bendita, que agradável sensação eu tive de novidade! ..."

Respondemos simplesmente ao ilustre apologista ca- tólico, ex-ex-protestante, que quase todos os católicos conhecem a "igreja por dentro", onde tudo é esplendor. Quem a conhece de fora, com seu manancial de persegui- ções, da Idade Média aos nossos dias, sabe que ela queimou Joana D' Are (Igreja por fora) e depois a canonizou (Igreja por dentro).

CAPÍTULO II

IMAGENS SAGRADAS

"Como os venenosos reptis que, no fermento da podridão e imundícies, se desenvolvem e pululam, a impie- dade cética de nossas eras nasceu do enxovedo das prevari- cações da hierarquia romana" (Garrett, Pott. Obr. CompL, pág. 536).

No tocante à apologia das imagens, a desculpa do Autor é infantilíssima e tem reprovação fulminante nas suas próprias palavras, pois confirma ele que, no texto do 2.° Mandamento da Lei de Deus, realmente foi conde- nada a adoração de imagens, mas que isto não implica a proibição de fazê-las.

Incrível, partir semelhante raciocínio de um moço lido como Eurípides! É de estarrecer! Então, se houve, de fato, como confessa, a proibição, por parte de Deus, de adorar-se imagem, não é isto que realmente a Escritura ensina e o protestantismo apregoa? Mas, o absurdo in- qualificável da afirmativa do Autor foi dizer que Deus não proibiu fazerem-se imagens. Mas, não foi, precisa- mente, com esta proibição que começou o Mandamento "Não farás para ti . .

Assim reza o 2.° preceito, conforme tradução da Vulgata pelo Padre Antônio Pereira de Figueiredo, apro- vada pelo Arcebispo da Bahia e pela Rainha D. Maria II, em 1842, com a consulta do Patriarca Arcebispo de Lis- boa: "Não farás para ti imagens de escultura, nem figura alguma de tudo que em cima no céu, e do que em

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CATOLICISMO ROMANO

baixo na tetra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás e nem lhes darás culto" . . . (Êxodo 20:4; Lev. 26:1; Deut. 7:25; Deut. 27:15; Is. 2:20; 42:8; 42:17, 19 e Apoc. 21:8).

Outros apologistas católicos foram mais objetivos em seus argumentos, apesar de se terem mostrado ainda fracos na defesa da tese.

Um deles, por exemplo, afirmou que o mandamento proíbe imagens de deuses falsos, pagãos, e não dos santos. Ora, o mandamento é claro: "De tudo o que no céu, na terra e debaixo da terra' . Logo, a divindade e os santos também estão incluídos.

É tão importante este assunto, que o Grande Legis- lador, recomendando ao povo os deveres e obrigações para com Deus, assim se expressou: "Guardai, pois, com dili- gência, as vossas almas: pois, semelhança alguma vistes no dia em que o Senhor nosso Deus, em Horeb, falou convos- co do meio do fogo, para que não vos corrompêsseis e façais alguma escultura, semelhança de imagem, figura de macho ou de fêmea, figura de algum animal que haja na terra, figura de ave ligeira que voa pelos céus, figura de algum animal que anda de rastros sobre a terra; figura de algum peixe que anda nas águas debaixo da terra; que não levanteis os vossos olhos aos céus e vejais o Sol, a Lua e as estrêlas, todo o Exército dos céus e sejais impelidos a que vos inclineis perante êles, e sirvais àqueles que o Senhor Nosso Deus repartiu a todos os povos debaixo de todos os céus".

Diz S. S., à pág. 22 do seu livro, que, diante dos termos categóricos da Escritura Sagrada, foi condenado o "tirar retratos" etc. Seria interessante perguntar, aqui, ao ilustre (!) Autor, o que entende por "tirar retratos". Se, por tal, entender fotografias, é profundamente lamentável o erro de anacronismo em que caiu, pois, nos tempos do A. T., não passava pela cabeça de ninguém que se viriam a usar máquinas fotográficas, que nos tempos modernos foram inventadas.

IMAGENS SAGRADAS

29

A proibição é tão veemente, que o Senhor chega mes- mo a amaldiçoar aqueles que fazem tais coisas (Deut. 27:15). Note bem, Eurípides, o verbo fazem.

Vejamos outros passos bíblicos que condenam tanto o fazer como o adorar imagens:

1) Escreve o Vidente de Patmos: "Aos idólatras está reservado o fogo que arde com fogo e enxofre, o que é a segunda morte" (Apoc. 21:8). "Em tua casa não me- terás coisa alguma que seja de ídolo, para não vires a ser anátema como ele (ídolo) também o é. Detestá-lo-ás como as coisas mais hediondas e sórdidas, porque é um Anátema",

2) "Maldito o homem que fizer imagem de escul- tura ou de fundição, abominação do Senhor, obra da mão do artífice" (Deut. 27:15). Note, mais uma vez, Eurí- pides, a terminante proibição de fazer,

3) "Eu sou o Senhor; isto é, o meu nome; a mi- nha glória não darei, nem o meu louvor às imagens de escultura" (Is. 42:8).

4) "Nada sabem os que trazem em procissão as suas imagens de escultura, feitas de madeira, e rogam a um deus que não os pode salvar" (Is. 2:20). Êste texto do vidente Isaías bem se amolda às procissões romanistas dos nossos dias, em que se carregam imagens de madeira pelas ruas! Pudera! Êle falava divinamente inspirado!

5) "Não fareis para vós ídolos, nem levantareis imagens (como fazem os católicos) de escultura, nem es- tátua; nem poreis pedra figurada na nossa terra, para in- clinar-vos a ela: porque eu sou o Senhor vosso Deus" (Lev. 26:1). "Naquele dia o homem lançará às toupeiras e aos morcegos os seus ídolos de prata; e os seus ídolos de ouro, que fizeram para se prostrarem diante dele" (Is. 2:20). E o simples fato de se proibir a adoração de imagem, em si contém a proibição de fazê-la, pois não se deve fazer o que é objeto de culto idolátrico e conde- nável ! . .

E assim inúmeros outros textos sagrados.

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CATOLICISMO ROMANO

Opinião de

autoridades da Igreja

Prosseguindo na réplica sobre o culto das imagens, vejamos a opinião das autoridades da Igreja, através dos séculos, autoridades diante das quais o Eurípides não é digno de desatar-lhes as correias das sandálias.

Primeiramente, saibam todos os católicos que os Pais da Igreja muito lutaram contra a tendência dos pagãos convertidos, que queriam introduzir na Igreja as imagens dos santos.

LACTÂNCIO dizia: "Onde imagem, não reli- gião"; OrÍGENES, célebre doutor da Igreja, dizia: "Pessoa sensata não se rirá de um homem que olha para as ima- gens e lhes dirige oração ou, contemplando-as, se dirige ao ser contemplado em sua mente?" ERASMO, sábio sacerdote do século 15, escreveu: "Até ao tempo de S. Jerônimo (A. D. 400), aqueles que professavam a verdadeira reli- gião não consentiam imagens nas igrejas, nem pinturas, nem mesmo a pintura de Cristo. É um fato de superstição prostrar-nos diante de uma imagem, falar-lhe, beijá-la e olhar para ela intencionalmente. Mas, não somente isso, como orar diante dela" (Erasmo, Tomo V, pág. 1,187) ; Henrique Cornélio Agripa, sacerdote católico roma- no, de grandes e variados conhecimentos, diz: "Os cos- tumes corrompidos e a falsa religião dos gentios corrom- peram também a nossa religião, introduzindo, na Igreja, imagens e pinturas, com muitas cerimónias de uma pompa externa, sendo que nada disso se via entre os primeiros e verdadeiros cristãos' (cap. 57, pág. 105); o ARCEBISPO ACOBARDO, de Lião, diz: "Os padres ortodoxos (da reli- gião verdadeira) tomaram providências para que pintura alguma fôsse colocada nas igrejas, para evitar que se ado- rasse o que estava pintado nas paredes . . . E continua: "Não exemplo, em tôda a Escritura, ou nos Padres, da adoração das imagens; elas podem ser empregadas como adorno, para agradar a vista; nunca, porém, para instruir

IMAGENS SAGRADAS

31

o povo" (Agobardo, seu livro, pág. 266); BERGIER, grande autoridade católica, em seu dicionário francês, edição de 1852, livro III, pág. 243, no artigo sobre "Ima- gens", declara: "Proíbe qualquer culto".

Desculpas dos

romanistas

Roma procura fugir aos argumentos, como qualquer apologista romano e apresenta as seguintes desculpas:

1. a "Que esta lei foi revogada". Ora, a Igreja de- clara que o Decálogo foi abolido? Jamais. Logo, não tem razão.

2. a Alega, ainda, que apenas tem os retratos dos santos, como temos os dos nossos pais, dos nossos irmãos, etc. Êste foi o argumento do nosso célebre Eurípides. Res- pondemos que ainda assim, mesmo que isto valesse algu- ma coisa, carece provar que esses retratos são verdadeiros. Cristo não deixou retratos, nem os santos . . . Por exem- plo, a Verônica, segundo Roma, foi uma mulher muito piedosa, em cujo lenço, ao enxugar as lágrimas de Jesus, ficou gravada a imagem (retrato) do Mestre. Neste lenço, diz, se acha a efígie de Jesus até o dia de hoje! ouviram contar história semelhante? Não é de pasmar a duração deste lenço, quase 20 séculos? . . . Entretanto, a grande autoridade católica, que é Bergier, diz que esta tal de Verô- nica nunca existiu! . . . E afirma que o Jesus Cristo da Itália é parecido com um italiano e a imagem de Cristo, na África, é preta!

3. a Outra desculpa de romanistas: devemos pedir aos santos, que estes peçam por nós a Deus. Ora, os santos não são oniscientes. Logo, é uma grande tolice tal prece.

4. a Dizem, ainda, que a imagem é apenas uma lem- brança, um estímulo. É verdadeiramente psicológico! Êste argumento é especificamente euripidino, mas, é, também, muito perigoso, porque confunde símbolo com realidade.

32

CATOLICISMO ROMANO

O crucifixo, por exemplo, é muito bonito, mas não nos mostra a realidade de Jesus Cristo. Outra objeção levan- tamos contra esta prática: Cristo está com os braços na cruz dos romanistas quando, na realidade, hoje, Êle não está mais em cruz alguma; leva-nos ao Calvário todavia, dois mil anos, Êle, da Cruz, desceu ao túmulo e de ressuscitou! Logo, ainda que quiséssemos admitir o símbolo do morto, estaríamos errados. Além disso, é absurda a teoria, porque, se algo pudéssemos fazer para nos ajudar em tal crença (qual seja o símbolo) , certamente esse poder indicaria que seríamos, nós mesmos, maiores e mais poderosos que a cousa criada. Portanto, ' 'adorare- mos a Deus em espírito, como Êle quer que O adorem, os que O adoram".

Pareceres de

vários concílios

1 O Concílio de Elvira, em 305 A. D., proibiu terminantemente a prática da idolatria.

2 O Concílio de Constantinopla, em 754 A. D., a que assistiram 438 bispos, decidiu que: a) todo o culto prestado às imagens era contrário às Escrituras Sa- gradas e à doutrina da Igreja, nos séculos de mais pureza; b) o culto das imagens era idolatria; c) o uso das imagens na Igreja era costume tomado dos pagãos; d) tal costume era de tendência perigosa, e, portanto, devia ser abolido, como mandava que o fosse.

3 O CONCÍLIO DE FRANCFORTE (cidade da Prús- sia), convocado por Carlos Magno e composto de 300 bispos, proibiu o culto das imagens.

4 O Concílio de Constantinopla, em 816 A. D., condenou também o culto das imagens.

5 O Concílio de Paris, de 825 A. D., declarou ser gravíssimo erro dizer-se que, pelas imagens, se pode- riam obter certos graus de santidade.

6 O Concílio de Trento (cidade da Itália século 16), concílio ecuménico, para reprimir, sem dúvida,

IMAGENS SAGRADAS

os abusos que se praticavam em torno do culto das ima- gens, decretou o seguinte: "Toda a superstição, pois, na invocação dos santos, veneração das relíquias e sagrado uso das imagens "SEJA EXTINTO" (Sessão 25, pág. 355).

Conclusão

i Inúmeras são as referências contrárias ao culto das imagens: pelas Escrituras, por católicos eminentes, por vários Concílios da Igreja, nos livros dos Pais da Igreja etc. etc. . .

Fica, pois, compreendido que nem na Igreja Judaica, nem na Igreja Cristã Primitiva, os fiéis adoravam imagens ou lhes prestavam qualquer culto. "Porque Deus é espí- rito, e em espírito e em verdade é que devem adorá-LO, os que O adoram".

E Eurípides confessa mesmo que não é para adorar outros!

Jesus Cristo confirmou o ensino da Lei, quando disse à mulher samaritana: "Mulher, a hora vem, e agora é, isto é, está chegada, em que os verdadeiros adoradores adora- rão ao Pai, em Espírito e em Verdade, porque o Pai quer que assim O adorem, os que O adoram. Deus é Espírito, e importa que os que O adoram, O adorem em espírito e em verdade".

Monsenhor Davine, em seu livro, explicando o cato- licismo, à pág. 60, declara que a invocação dos santos, dos anjos e seu culto absolutamente nada serve para a salvação (o grifo é nosso). Então, se para nada serve, para que fazer isto??? Não é grossíssima inutilidade de Roma? . . .

Pelo culto espiritual, o homem se eleva da terra ao céu, se dignifica, se enobrece, se santifica e se aperfeiçoa, porque se põe em comunhão com Aquele Espírito de Luz e Vida, de Sabedoria e Amor, e assim, o nosso espírito se identifica com Deus, pela comunhão do pensamento e do coração.

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CATOLICISMO ROMANO

Consoante o que escreveu Ruí Barbosa no "O Papa e o Concílio", "esta é a religião do homem novo, nascido sob a Cruz; do espírito, que vivifica e não da letra, que mata; da comunicação interior entre o coração e Deus; da caridade e brandura para com todos os homens; religião de luz e que na luz se desenvolve; religião, cujo Pontífice é o Cristo; religião de igualdade, fraternidade, justiça e paz; religião, em cujas entranhas se firmou a civilização moderna, em cujos seios sugou o leite de suas instituições e a cuja sombra, amadurecerá e frutificará a sua virili- dade".

Amigo Eurípides, amigo católico, tua alma está en- ferma, está em perigo. Em nome de Jesus Cristo, atira fora os ídolos, antes que se cumpra, contra ti, a profecia de Isaías 2:20; antes de chegares ao dia em que 'o homem lançará às toupeiras e aos morcegos os seus ídolos de prata e os seus ídolos de ouro, que fez para se prostrar diante deles".

Atira-te nos braços de Cristo, do Cristo Vivo, d' Aquele Cristo que disse: "Eu estarei convosco até à con- sumação dos séculos".

capítulo ra

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

"Como os venenosos reptis que no fermento da podridão e imundícies se desenvolvem e pululam, a impie- dade célica de nossas eras nasceu do enxovedo das prevaricações da hie- rarquia romana."

(Garrett, Port. Obr. completa, pág. 536).

Antes de entrarmos no assunto, cumpre-nos desafiar o ilustre apologista católico para revelar o nome daquele protestante anónimo, a que se refere em seu livro (pági- nas 41 e 42) e que, como afirma, estava em "torturantes dúvidas" sobre o tema da transubstanciação e lhe escrevera para pedir orientação espiritual.

Citar um protestante para tentar, com isto, defender tão absurda tese, mesmo que lhe desse a identidade, em nada abalaria a crença do protestantismo, quanto mais em se tratando de uma citação anónima.

Passemos à refutação da doutrina mais inconsisten- te, estapafúrdia e insensata do romanismo: a transubstan- ciação.

Refutá-la-emos científica, bíblica e historicamente, e, por fim, apresentaremos o seu verdadeiro significado es- piritual.

I Cientificamente

Afirma Eurípides que "repugna também aos católi- cos a ideia cafarnaítica da manducação de ossos e músculos

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CATOLICISMO ROMANO

na recepção do Santíssimo Sacramento. Não é isto, porém, que a Igreja ensina. O que nós cremos é que o Santíssimo Corpo de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo está pre- sente no Sacramento do Altar em forma de substância".

Muito bem. Segundo a filosofia aristotélica, adotada por Tomás de Aquino, cada coisa se compõe de substância e acidentes. E por substância entende-se a íntima essência de uma coisa e por acidentes, a manifestação visível dessa coisa ou substância.

Ora, ensina a teologia católica que, na hora da con- sagração dos elementos, pão e vinho, quando o sacerdote profere as palavras de Cristo "isto é o meu corpo", "isto é o meu sangue" imediatamente esses elementos se transformam na substância da carne e do sangue de N. S. Jesus Cristo, enquanto seus acidentes externos cor, forma, gosto, cheiro etc. continuam a persistir.

Entretanto, tal "transubstanciação" não se nos domínios da realidade. Começaremos a refutação, primei- ro, cientificamente, pois os mais ferrenhos adversários dessa doutrina romanista são os cientistas. Tenham a pa- lavra, portanto, Oppenheimer, Bohr, Fermi, Einstein, corifeus da ciência moderna.

Química e electronicamente se tem analisado hoje a substância do pão e do vinho devidamente "transubstan- ciados", e o resultado é farinha de trigo e vinho de uva. Nada mais.

Ora, é evidente que a substância da carne não é a mesma da do pão; bem assim, a substância do vinho não é a mesma da do sangue. Pois tal é o resultado a que tem chegado a ciência, desmoronando, destarte, o monumento granítico do catolicismo romano.

Por outro lado, ingerindo-se certa quantidade de hós- tias consagradas, verificar-se-ia, no exame químico dessa substância ingerida, a existência da substância de carne, se, de fato, tais hóstias fossem a própria carne do Senhor.

Mas, a realidade científica denota, sim, a substância de pão, e nunca a de carne. Logo, cientificamente, não

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

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houve nenhuma mudança de substância, ou seja, a decan- tada transubstanciação.

Por igual, ingerindo-se certa quantidade de vinho consagrado, a análise química deveria acusar a existência, da substância de sangue. Ora, cientificamente tal fato nunca se deu, nem se dará. Pela ciência, pois, a transubs- tanciação é o maior absurdo que se pode imaginar.

Se quisermos mais uma prova científica evidente da irrealidade dessa inconsistente doutrina romanista, beba- -se, por exemplo, um litro de vinho consagrado, e veremos se ele perdeu, realmente, a propriedade inerente ao vinho, qual seja a de embriagar. A resposta a tal argumento é óbvia para toda gente que tem um pouco de visão. Des- necessário será fazer-se tal prova, porque, a priori, todos concluem que o vinho, mesmo consagrado, jamais deixou de embriagar. Portanto, a substância do vinho não desa- pareceu de forma alguma.

Poderá duvidar alguém, com um pouco de visão, inclusive o senhor Eurípides, de que, cientificamente, a transubstanciação não é mais que evidente absurdo?

Em face de tudo isso, que cérebro algum jamais con- seguirá destruir, deixe de sofismas e subtilezas, meu caro Eurípides!

Lembre-se que in rebus scientiae, quod est, est.

Êstes são os fatos, e contra fatos não argumentos.

Como vimos, não são os protestantes os maiores inimigos da transubstanciação, mas, sim, a própria Ciên- cia, baseada ainda no grande princípio elementar da essên- cia das coisas: esse et non esse, non potest esse.

Assim, se o vinho consagrado não perdeu as pro- priedades inerentes à substância de vinho, como cientifi- camente se demonstra, não pode admitir-se que ele seja vinho e sangue de Cristo, ao mesmo tempo.

O mesmo se com a hóstia: se, mesmo consagrada, conserva as propriedades da substância do pão, não pode, portanto, ser ao mesmo tempo a substância do corpo de Cristo.

•38

CATOLICISMO ROMANO

Por outro lado, tome bem nota disto, que é de capi- tal importância, ilustrado (!) Eurípides: na última Ceia, quando Cristo deu o pão aos Seus discípulos, não podia, contra todas as leis naturais, de que o próprio Deus é Autor, dar-lhes a comer o Seu corpo e continuar intacto, como ficou, de verdade. Nem vale, aqui, o subterfúgio do argumento de que a Deus nada é impossível.

Em verdade, sabe muito bem que muita coisa que é impossível a Deus, dentro da melhor ortodoxia. Desafio o ilustre (!) autor que me conteste esta afirmativa.

Será possível a Deus cometer pecado? Será possível a Deus, que é a Suma Justiça, tornar-se injusto? Será pos- sível a Deus, que é a Suma Verdade, fazer-se mentiroso?

E quantas mais perguntas desta natureza poderíamos aqui formular!

É que Deus pode fazer tudo, sim, contanto que não repugne à Sua própria essência, ou seja, fazer absurdos ou coisas contraditórias.

Mesmo nos mistérios relacionados com a Divindade, nota-se esta mesma concepção.

Assim é que podemos não compreender os mistérios, precisamente porque são mistérios. Entretanto, neles não podem existir contradição ou absurdo.

Logo, se a teologia ensinasse que Deus era UM e TRÊS ao mesmo tempo, seria um absurdo; mas, a teologia jamais defendeu tal cousa. Ela ensina que Deus é UM, quanto à essência; e é TRINO, quanto às pessoas divinas. Repare bem nisto, amigo Eurípides: se a teologia ensi- nasse que Deus era UMA pessoa e TRÊS pessoas ao mesmo tempo, isto é que seria absurdo, porque as próprias ideias se neutralizavam.

Chegamos, assim, à conclusão de que é de valor nulo o subterfúgio do argumento de que a Deus nada é impos- sível, como Você alega.

E se quiser agora mais uma lição, completaremos o seu raciocínio, que Você deixou suspenso, dizendo-lhe: a Deus nada é impossível em tudo aquilo que está dentro da

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

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órbita do Seu Infinito Poder, ou seja, tudo, menos o que repugna à Sua própria essência, conforme vimos.

Julgamos desnecessário qualquer outro argumento para fazer ruir o castelo de cartas de que o ilustrado ( ! ) Eurípides faz consistir o baluarte da defesa dos seus fracos argumentos.

Todavia, ainda mais algumas considerações cien- tíficas.

Deus não nos poderia dar ensinamentos absurdos.

Por exemplo, Roma ensina que os acidentes dos ele- mentos — pão e vinho são conservados, no ato da bênção sacramental dos elementos, e a substância é que muda.

Ora, reflitam os srs. romanistas: como é possível a substância de uma coisa deixar de ter as propriedades dessa coisa? Não é isto absolutamente anticientífico?

Ainda mais alguns esclarecimentos.

Não foi impossível a Cristo, como Deus que era, dar a vida a um morto, na pessoa de Lázaro. Isto não encerra absurdo nenhum, mas, apenas revela o Poder Divino de que Cristo era dotado, até sobre a morte. Mas, se as Sa- gradas Escrituras nos ensinassem que Cristo ressuscitou a Lázaro e ao mesmo tempo o cadáver de Lázaro conti- nuasse na sepultura, isto envolveria um absurdo. Não é semelhante a isto a incongruência romanista que afirma estar todo o corpo de Cristo na hóstia consagrada e, ao mesmo tempo, no céu? E isto, sem ocupar espaço?! Hoc opus hic labor estl . . .

Nem venha o "mestre" Eurípides para com a his- tória de que o corpo de Cristo está em forma de substân- cia, na aludida hóstia. reparou, "sábio" escritor, que a substância de uma coisa não pode, de forma alguma, estar separada da mesma coisa? Não que isso é subtileza demasiado infantil, que não cabe na cabeça de ninguém que tenha miolo?

Para que pretende, então, fugir à dificuldade, usando de subtileza?

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CATOLICISMO ROMANO

II Biblicamente

Após da argumentação científica contra a transubs- tanciação, que se harmoniza perfeitamente com a Bíblia, passemos a tratar da matéria diretamente nos textos bíblicos.

Se ao menos ensinassem que a tal transubstanciação se dava nos domínios subjetivos da do comungante, seria menos absurda a doutrina. Tal não ensinam, porém; ao contrário, interpretam literalmente as palavras de Jesus: 'Isto é o meu corpo, isto é o rneu sangue" ou estoutras: "a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue, verdadeiramente bebida".

Esquecem-se os teólogos católicos de que Jesus Cristo estava ali, presente, em pessoa, quando pronunciou tais palavras, e que, portanto, não poderia, absolutamente, distribuir Sua própria carne e Seu próprio sangue! Absurdo!

E o absurdo se torna ainda maior, quando verifica- mos que, na instituição da Eucaristia, Cristo não dis- tribuiu os elementos, como participou deles; donde se conclui, à luz da doutrina romana, que Cristo comeu a própria carne e bebeu o próprio sangue. Absurdo dos absurdos! Não se vê, por aí, logicamente, que se deve admitir a interpretação figurativa! >

Por outro lado, tanto não deveriam ser tomadas lite- ralmente as Suas palavras, que Êle esclareceu seu significa- do em outros textos:

1 "Eu vos digo que, desde agora, não beberei mais deste fruto da vide (notai bem: "fruto da vide", e não "Seu sangue") até aquele dia em que o beba, novo, convosco, no Reino de meu Pai" (S. Mat. 26:29). Tais palavras, Jesus as proferiu logo após da instituição eucarística, e, possivelmente, com o cálice na mão, depois da comunhão dos apóstolos. Pois bem, elas afirmam cate- górica, insofismavelmente, que o vinho não foi transubs- tanciado porque êle é chamado "fruto da vide" . Logo, Jesus não ensinou a transubstanciação.

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Chamamos a atenção do leitor para a tradução, que fizemos diretamente do original grego, "que o beba, novo, convosco" , pois, na comunhão celestial não será usado mais o "fruto da vide", mas, sim, um novo néctar, que o Senhor sabe qual seja, mesmo porque não haverá mais necessidade da recordação ou da memória do suplicio da Cruz, visto como o Divino Mestre estará para sempre, pessoalmente, com os Seus discípulos fiéis.

2 "Fazei isto em memória de mim, porque, tôdas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Êle venha" ( l.a Cor. 11:26).

Ora, se é "em memória" e se, ao "comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Êle venha", é forçoso admitirmos que o Cristo está ausente e, pois, não está presente no pão e no vinho.

E mais: Sempre que na Bíblia se fala da Eucaristia, o pão é chamado "pão" e o vinho, "vinho" . Chama-se, outrossim, ao rito "o partir do pão" .

3 O próprio S. Pedro, que Roma considera o seu primeiro Papa, (o que refutaremos mais adiante), mani- festa-se contra a presença real de Cristo na hóstia, quando afirma: "O qual (Jesus) é necessário que o céu receba até ao tempo da restauração de tôdas as coisas" (At. 3:21). Ora, isto importa dizer que o Senhor é acolhido no céu até o fim do mundo. Mas o padre, pela Missa, pre- tende fazê-LO descer à terra, quantas vezes queira!

4 "Os pobres sempre os tendes convosco, mas nem sempre me tendes a mim" (S. Mat. 26:2). Ora, se Jesus estivesse na Eucaristia em toda a Sua plenitude, teria mentido.

5 "Pedirei ao Pai, e Êle vos dará outro Conso- lador, que estará para sempre convosco" (S. João 14:16). Ora, se Jesus estivesse verdadeiramente na hóstia, teria dito aos Seus discípulos que permaneceria com eles sob as espécies do pão e do vinho. Mas tal não disse Jesus!

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CATOLICISMO ROMANO

O texto básico . dos

adversários

"A minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida' (João, 6:55). Eis o texto básico dos nossos adversários, o em que mais se estribam eles, para defender a transubstanciação. Insiste o Autor, à luz deste texto, que "nada mais claro", e ainda diz que os discípulos tanto O interpretaram lite- ralmente, que exclamaram: "Duro é este discurso, quem o pode ouvir?"

Sim, Eurípides, o fato de os discípulos se escandali- zarem com a afirmativa do Mestre é mais uma prova do absurdo da doutrina, porquanto eles estavam acostuma- dos sempre a ouvir os ensinos de Jesus em termos espi- rituais (isto é, no sentido espiritual), e assim é que Ele lhes falou, no texto em apreço, conforme demonstraremos irretorquivelmente, e não em sentido literal, como Você, erradamente, julga.

Citemos o texto na Vulgata: "Caro mea vere est cibus et sanguis meus vere est potus" (João 6:55).

Através da argumentação do Autor que vimos refu- tando, nota-se perfeitamente a influência que nêle exerce o modo de ver da teologia dogmática católica. Em ver- dade, todos os autores de teologia dogmática católica fazem do advérbio VERE o seu cavalo de batalha. Entre êsses teólogos citaremos os nomes de Hurter, Pesch, Tan- querey. E ainda muitos outros.

Supondo que tal vocábulo (VERE) é de valor abso- luto, nós ousamos perguntar: Como interpretam, então, a frase de Cristo, em que Ele diz, conforme se na mesma Vulgata: "EGO SUM VITIS VERA"?

Para os leitores que não saibam latim, traduzimos a frase: "Eu sou a Vide verdadeira" (João 15:1). Se to- mamos à letra o termo "VERA", que significa "VERDADEI- RA", somos forçados a admitir que Cristo é uma planta.

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a própria videira! Que dizem a isto as inteligências romànistás? !

Corno vêem, não forçamos, aqui, termo algum; apenas usamos do mesmo argumento dos nossos adver- sários.

Dizem eles que Cristo disse: "O meu corpo é ver- dadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida". Logo, se Cristo disse verdadeiramente, não pode- mos admitir, dizem os teólogos em apreço, que Êle falasse em sentido figurado.

A pari, argumentamos nós: Cristo disse "Eu sou a Vide verdadeira" . Logo, também não se pode admitir que Êle não seja videira (planta) de verdade.

Então, perguntamos mais uma vez: Poderá Cristo ser uma planta?!

Pobre Eurípides! Terá imaginado, alguma vez, des- pautério tão grande, como este, no pensamento de Cristo? vê, portanto, que o seu argumento nada vale, é nulo.

O raciocínio é êste, meu caro: Tanto num passo bí- blico, como no outro, Cristo falou apenas em sentido fi- gurado, e nada mais.

Se pretende fugir à nossa conclusão, que é, além de lógica e esmagadora, de valor axiológico, terá, fatalmente, de admitir o absurdo de que Cristo disse ser uma planta real, pois disse ser "vide verdadeira ' .

Estará certo ou não?

A interpretação das Escrituras Santas, segundo a hermenêutica universal, dar-se-á sempre pelas próprias Escrituras, isto é, pelos contextos ou por outras explana- ções doutrinárias que vêm esclarecer o pensamento do Mestre, dos seus profetas e apóstolos. Mas, no caso do texto em aprêço, nem a tal expediente precisamos recorrer, pois Cristo esclareceu imediatamente a dúvida que não foi suscitada na mente daqueles discípulos, como profeti- camente a que tem agitado as gerações dos inovadores romanistas.

Apesar de, como acima afirmamos, não ser necessá- rio recorrer a outros textos, para deixar bem claro o pen-

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CATOLICISMO ROMANO

samento de Jesus, no texto em litígio, vamos apresentar, todavia, alguns textos correlatos e exibir-lhes a verdadeira significação.

Vejamos, pois, à luz da lógica, da razão, do bom- -senso, e, sobretudo, das Escrituras (textos e contextos), em que sentido devemos interpretar esta veemente decla- ração do Mestre.

1. ° Considerando-se que o Mestre nunca deu im- portância à matéria, a não ser no que tangia a relações ou símbolos de realidades espirituais, é claro que em todos os Seus ensinos, e, pois, no presente, o que Lhe interessava eram as energias invisíveis, espirituais.

2. ° Êle afirmou, em seguida, confirmando o sen- tido espiritual do texto, conforme a Vulgata: "Spiritus est qui vivificai; caro prodest qmdquam" (o espírito é que vivifica; a carne para nada tem proveito"). E mais, em relação com o seu ensino sobre o texto: "Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril; mas, se morrer, produzirá muito fruto"; "Não foi a carne e o sangue que to revelou, mas sim meu Pai, que está nos céus"; "carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus"; "Deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus aos que não nasceram do desejo da carne ou do desejo do varão, mas de Deus".

Esses textos são mais que suficientes para provarem que Jesus, sempre que se referia às doutrinas da vida eter- na, o fazia em sentido espiritual, e, neste sentido é que se devem entender as palavras: "a minha carne é verdadei- ramente comida e o meu sangue, verdadeiramente bebida".

Mas, o Eurípides é impagável! Responde a todas essas evidências com o sofisma tradicional jesuítico: "Sim, de fato. Nosso Senhor declarou que a carne nada vale. Mas, como observa muito bem o pastor luterano Dr. Rodolfo Hasse, não disse isso a respeito da Saa carne" (Ob. cit., pág. 47).

Isto, Eurípides, é o maior sofisma da filosofia do in- ferno! Pois, o Senhor Jesus não acabara, no texto, de sc referir à Saa, quando afirmou: "Minha carne é verdadeira comida"? Acaso, os discípulos que se escandalizaram com

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a afirmativa, não necessitavam de uma explicação clara, meridiana, sôbre a carne de Jesus? E Êle, então, ilógica e descabidamente lhes respondeu que a carne deles (discí- pulos) ou de outrem é que nada valia? Que tinha uma coisa com a outra? O têmpora, o mores!

Você, meu caro, sentiu arrepios em sustentar, por si mesmo, que não tratava Jesus da Sua carne, e foi buscar apoio na afirmativa estulta e sofística de um pastor lute- rano! Pobres criaturas! É sempre assim: quando se quer ensinar doutrina contrária à Palavra de Deus, a mente e o raciocínio de tais prevaricadores ficam como que em- botados, ao ponto de se comprometerem com afirmativas que os fazem cair no ridículo! É que satanás lhes cega o entendimento.

De resto, meu caro Eurípides, nunca se viu sofisma tão infantil como este, pois Cristo se referia à carne huma- na, em geral, incluindo, portanto, a Sua própria carne, que era igual à de qualquer ser humano, visto ser Êle "homem perfeito", da geração de Davi, e não ser etéreo, imaginário doutrina esta em que não controvérsia entre os teólogos cristãos.

E, tanto assim é, que, se um católico, por exemplo, comer muitas vezes a Eucaristia (como sucede com a co- munhão frequente), estando em pecado mortal, segundo a própria teologia católica, de nada lhe vale a comunhão; o que lhe valeria, sim, era a Graça de Deus, porque essa é que poderá salvar.

Portanto, perguntamos: De que valeu, então, no caso desse católico, o haver comido a carne do Senhor? Valeu-lhe isso de alguma coisa? Não poderíamos, porém, fazer tal pergunta, se a virtude da Graça estivesse apenas contida na recepção da Eucaristia. Mas, não está, como rimos. Logo, per se, como se diria em praxe escolástica, o que salva não é a Eucaristia, mas sim a Graça de Deus, mesmo sem a Eucaristia, porque esta não constitui, pela própria teologia católica, sacramento absolutamente ne- cessário para a salvação.

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Não, meu caro Eurípides, o que vale é o espírito, é a Graça, é a harmonia da alma do comungante com a vontade santíssima do Senhor.

3.° Vejamos outros textos que reforçam as con- siderações anteriores: "Não sabeis ainda que tudo o que entra pela boca vai ao ventre, e depois é lançado fora, num lugar escuso?" (S. Mat. 15:17). (Medite bem neste passo da Sagrada Escritura, Eurípides, e verá como se des- faz o seu fraco argumento!)

E o que é que faz o padre? De uma hóstia faz o Cristo, toma-o, parte-o e, finalmente, o come, para, sem dúvida, acontecer o que disse Jesus no texto: "vai ao ventre e é lançado fora". Parece que este passo bíblico foi escrito especialmente para os senhores deicidas, engolido- res de hóstias, como a advertir-lhes, através dos séculos, que o que pregam e fazem redunda, fatalmente, nesse sa- crilégio: Deus é digerido no estômago, vai para o ventre, e, finalmente, é lançado fora!

Estúpida, ignominiosa, absurda e altamente sacrí- lega doutrina!

no romanismo é que se semelhante bobagem! Isto é, em síntese, expor Jesus a coisas que revoltam a consciência!

Que pecado, meu Deus, que irreverência afirmar que é de Ti, a pura essência, um pedaço de massa fabricada por mãos ímpias, por mãos de pecador! E o recebem na bôca imunda e suja, certos de que lhes vem ao coração a viva e real presença do Senhor! . . . (Cit. do livro "O Roma- nismo à Barra do Evangelho", do mesmo autor).

Prosseguindo, nas citações bíblicas que confirmam o sentido espiritual indiscutível de textos similares ao de S. João 6:55, vamos comentar mais os seguintes:

"Eu sou o pão da vida; quem vem a mim não terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede* (S. João 6:35). Estas expressões foram ditas às multidões que, cientes de que Deus lhes dava "o pão que vem do céu e vida ao mundo", pediram-lho, dizendo: "Senhor, dai-nos sempre deste pão" . E a resposta foi que quem vai a Jesus

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come Jesus, e quem n'Êle crê jamais terá sede. Se se tra- tasse de comer Jesus, materialmente, na hóstia, Êle teria de aconselha-los a que recorressem ao sacrifício da Missa, que esperassem a instituição da Eucaristia, que, então, eles comeriam da Sua carne e beberiam do Seu sangue . . . Mas, Cristo, Eurípides, não era romanista, para ensinar tal dou- trina! . . .

Reitere-se, finalmente, o texto: "O espírito ê que vi- vifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos digo são espírito e vida" ^S. João 6.63;. nos referimos a éste texto e o interpretamos, à luz do bom-senso, da lógica, da razão, e de outros passos sagrados. Mas como o mesmo foi muito repisado pelo nosso adversário, como o mais forte argumento para a doutrina da transubstan- ciação, ainda precisamos esclarecer o seu verdadeiro sentido.

Diz o Autor que os discípulos entenderam literal- mente as palavras de Jesus, e tanto isto é verdade, que exclamaram: "Duro é este discurso, quem o pode ouvir?"

Muito bem. Admitamos que realmente os discípulos tivessem entendido as palavras de Cristo literalmente; mas não desfez Cristo, imediatamente, tal concepção? Não re- plicou Êle: "Em verdade, em verdade vos digo: Quem crê em mim tem a vida eterna"? E. quando assim lhes falou, não diziam as turbas, entre si. "Duro é este discurso, quem o pode ouvir"? Então. Jesus, de novo. explicou a sua doutrina: "A carne para nada presta " , isto é, para nada aproveita, pois a salvação está em crer, e quem crê, come a Jesus. "As minhas palavras são espírito e são vida".

Portanto, erra grosseira e ilògicamente o romanismo, quando pretende defender a transubstanciação, recorrendo a êsse texto.

Pobre romanismo!

"Isto é o meu corpo" Seu real significado

Alega o Autor que. ainda o que o leva a interpretar literalmente estas palavras "isto é o meu corpo" é

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que, na linguagem siríaca, em que o Mestre falava, "há mais de 40 verbos para exprimir a idéia de representar! E Nosso Senhor desprezou esses 40 verbos, para usar o verbo SER!"

Respondemos, ao brilhante polemista e filólogo (!), que é simplesmente deplorável a sua dialética linguística, no caso em apreço! Então, o verbo SER não tem o sen- tido de representar? Então, porque na língua siríaca mais de 40 verbos para exprimir a idéia de representar, não pode o verbo SER exprimir a mesma idéia, por tê-lo usado Jesus? Pelo contrário, sempre teve tal sentido, não nesta, como em outras afirmativas de Jesus, em que, abso- lutamente, não é possível nem sequer se cogitar em sentido material, como, por exemplo, quando Êle disse: "Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o viticultor", advertência que fizemos anteriormente; "Eu sou o caminho, a ver- dade e a vida"; "Eu sou a porta das ovelhas"; "Eu sou a luz do mundo"; "Eu sou o semeador" etc, etc. Tente o mestre Eurípides dar significação diferente da de repre- sentar ao verbo SER nesses textos, e verá o disparate em que há-de cair!

Assim é que, quando Cristo afirma: "isto é o meu corpo, isto é o meu sangue", trata-se de figura espiritual, como quando Êle diz: "Eu sou a videira verdadeira", "Eu sou o semeador", "Eu sou a porta" etc. É, pois, lingua- gem simbólica. Cristo é o simbolizado e não o símbolo.

Escreveu sobre o assunto o notabilíssimo escritor, reconhecido primeiro na Igreja Católica como o maior es- critor católico brasileiro, hoje ex-padre, Dr. Humberto Hohden: " . . Não quis Jesus dizer que Seu corpo fosse idêntico àquele pão, nem que Seu sangue fosse idêntico àquele vinho. Isto seria interpretação materialista, que Êle tanto profligava. Quando os judeus ouviram dizer que lhes daria Sua carne para comer, entendendo com isto o corpo real, corrigiu-lhes Jesus êsse êrro dizendo que "a carne nada valia" , mas era o espírito, a compreensão espiritual, que dava vida; e frisou com grande ênfase: "as palavras que vos digo são espirito e vida\ E continua:

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"Mesmo no alimento material, não é a matéria que nos vida, mas invisíveis energias solares nela contidas. Não é o Jesus físico que deve ser assimilado por nós, mas sim o Cristo espiritual".

Cristo sempre falava em linguagem espiritual, exter- nando Seus grandes ensinamentos, como Êle, por exemplo doutrinou: "Em verdade, em verdade vos digo que, se não nascerdes de novo, não entrareis no reino de Deus". E, quando Nicodemos quis interpretar literalmente esta ex- pressão de Cristo, Êle lhe advertiu: "És mestre em Israel, e não sabes isto?" E explicou-lhe tratar-se do renascimen- to do espírito, da regeneração e não de retorno ao ventre da mãe. Eis a resposta do Mestre: "Na verdade, na ver- dade, te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus". "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito" (S. João 3:5,6).

Como muito sàbiamente respondeu ao jesuíta Leonel Franca o Dr. Ernesto Luís de Oliveira:

"Ensina a Igreja de Roma que nosso Salvador, por Sua encarnação, tornou-se verdadeiro homem; assumiu um corpo humano, tão humano como o nosso, e uma alma, tão alma como a nossa, e isso, a despeito da sua divindade; ensina ainda que as propriedades das natu- rezas humana e divina, conquanto unidas em uma pessoa, se conservaram distintas, sem mistura ou con- fusão".

"Como, então, sucedeu que, no ato da instituição eucarística estivesse Nosso Senhor sentado à mesa e com o próprio corpo levantado pelas próprias mãos? Eram dois Cristos ou um só? É possível que um corpo humano ocupe dez, mil e mais lugares ao mesmíssimo tempo? Se tu me disseres que, sendo Jesus verdadeiro Deus, o seu corpo hu- mano pode estar inteiro em toda a parte ao mesmo tempo, eu te respondo que estás caindo nas malhas da heresia con- denada pela Igreja, a de confundir as duas naturezas na pessoa de Cristo; estás atribuindo à natureza humana pro- priedades que à natureza divina pertencem!"

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"Entre o erro e a heresia, escolham, os romanistas!"

E outro absurdo é que, se Cristo, na hóstia, está in- teiro, quer no vinho, quer no pão, quer no todo da hóstia, quer numa de suas partes, segue-se que Ele, ao tomar os elementos, sendo homem como qualquer ser humano (em- bora sem pecado), colocou-se inteiro dentro da própria bôca e do próprio estômago!

E qual foi a saída do "Doutor Angélico" para tão evidente absurdo? Foi esta: "Não, Cristo sentado à mesa estava localmente, e dentro da própria bôca e do estômago, sacramentalmente".

Respondeu-lhe, então, E. de Oliveira:

"O sofisma se desvanece, quando consideramos que a bôca é também um local onde o Cristo estava inteiro ao mesmo tempo que localmente inteiro sentado à mesa. Não há, portanto, réplica possível! Neste caso, o todo coube numa das suas menores partes! É absurdo!"

Por oportuno, transcrevemos, aqui, do nosso livro "O Romanismo à Barra do Evangelho":

"Isto é meu corpo" ensina o bom Jesus, como ensinou também "eu sou a porta"

ou "vide verdadeira", ou quando os Seus discípulos exorta a produzirem frutos verdadeiros,

quais ramos da Videira! Como Êle também disse "eu sou a luz", "sou Caminho, sou Vida e sou Verdade,

sou Mestre e sou Senhor"! E assim foi que falou à Humanidade: "Isto é meu sangue" para redimir

o pobre pecador! Na linguagem simbólica tão clara, basta o bom-senso para interpretar

o que Cristo ensinou! A todos Êle quis foi revelar a vontade de Deus a obedecer,

e como Êle a imitou!

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Vide, finalmente, textos das Santas Escrituras, além dos citados que impugnam, de modo absoluto, o dogma da transubstanciação, a doutrinação mais irracional da Romanismo: Rom. 6:9,10; Hebr. 10:10,12,14,48; 7:28,27; l.a Pedro 3 : 18; Mat. 26:28; Hebr. 9:22; João 6:35 comparado com o cap. 6:54,63; At. 3:21, comp. com Col. 3:1; l.a Cor. 4:1; Efés, 2:18; Apoc. 1:5,6;; Mat. 26:27; Mare. 14:23; l.a Cor. 11:25,28 etc.

Desfazendo

outro

argumento

Pretende o Autor, páginas 46 e 47, estabelecer a re- lação entre o "maná" que alimentou os filhos de Israel no deserto, e o novo "mana' da Eucaristia, para dizer, repe- tindo as palavras de Cristo: "vossos pais comeram o maná e morreram; quem come este pão (a Eucaristia) viverá eternamente".

De harmonia com o pensamento do Autor, seguir- -se-ia que ninguém que tivesse comido a carne do Senhor (a Eucaristia) morreria eternamente, ou seja, nunca pode- ria ser condenado eternamente.

Ora, segundo a doutrina corrente na mesma Igreja Católica coisa que o Autor não poderá contestar se uma pessoa receber a Eucaristia em pecado mortal, fica sujeita à condenação eterna, supondo que morra imedia- tamente, sem tempo de se arrepender.

Somos forçados a concluir, nós e o nosso próprio adversário, que não está na comunhão da Eucaristia a sal- vação, mas sim na Graça que nos vem do próprio Deus. Ora, meu caro Eurípides, é precisamente a esta Graça alimento divino, de que Cristo é a fonte suprema, por excelência que Êle próprio se refere, quando afirma que quem comer a Sua carne e beber o Seu sangue, isto é, aquele que se alimentar de Sua Graça, esse, sim, é que tem a vida eterna, ou seja, a salvação.

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Não é, portanto, no fato de comer a Eucaristia que consiste a salvação, mas, sim, em receber o dom da Graça do Senhor, que é o próprio Cristo dado pelo Pai, para que tenhamos a vida, e vida em abundância, pro tempore et aeternitate.

No mesmo sentido disse Jesus: "Eu sou o pão vivo que desci do céu". Para quê? Para alimento das nossas almas. Ora, as nossas almas não se alimentam do pão ma- terial, mas, da Graça do Cristo.

Concorda, amigo Eurípides? Se não, destrua nossos argumentos, se é capaz.

Mais um argumento

Corroborando a argumentação que vimos apresen- tando, é preciso não esquecer o que S. Paulo, o "doutor das gentes", afirmou, diante dos atenienses mais cultos daquela época, membros do Areópago: "O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos pela mão do homem" (Atos 17:24).

Como poderia o grande apóstolo fazer tal afirma- ção, se Cristo, o Verbo Eterno, pelo qual foram feitas todas as coisas, visíveis e invisíveis, habitasse nos sacrários dos templos católicos?!

E, para terminarmos este capítulo, fazemos-lhe ainda mais uma observação.

Segundo Você afirma, à pág. 43 do seu livro, Jesus Cristo estaria presente na Eucaristia "em forma de subs- tância".

Também aqui temos de reconhecer que Você, ou para fugir à dificuldade, (fraqueza que não recomenda nenhum argumentador) , ou porque é ignaro da teologia católica, cujos preceitos pretende defender, não se expressou confor- me a própria ortodoxia romana.

Em verdade, a fórmula com que a Igreja Católica se refere a este assunto contém mais dois têrmos de capital importância, a que Você não faz a mínima referência.

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Quando Você diz que Cristo está no Sacramento do Altar "em forma de substância", apenas faz menção ao termo latino " substantialiter" , mas, comete falta lamen- tável, porque omite os mais importantes, que são, como se nos compêndios de Teologia Dogmática Católica, "rea- liter (realmente, na realidade) e "totaliter" (totalmente). Por força do significado dêstes têrmos, fica reduzido a zero o seu paupérrimo argumento. Se parece, em certo sentido, haver menos dificuldade no admitir a presença de Cristo "em forma de substância" na hóstia, como Você diz, a dificuldade torna-se pavorosa, quando se ensina às gentes admitirem que Cristo está "realmente" e "totalmente" na mesma hóstia. Nada de sofismas, nem subterfúgios, meu caro Eurípides!

Não se pode deixar de ter presente o grande princípio da essência das coisas: SER ou NÃO SER. Por isso, devemos pôr aqui a questão em têrmos mais fáceis, sem lugar, por- tanto, para ambiguidades, que espíritos malévolos pro- curam explorar.

Sendo assim, toda a discussão do assunto se deve re- sumir nisto: Cristo ou está presente na hóstia, ou não.

Você diz que está, porém desvirtua a eficácia da afir- mação, dizendo que está " substantialitev", quando deve- ria afirmar, em consonância com a teologia católica, que está " substantialitev ' , "vealitev" ac "totaliter".

Por que não fêz a afirmação, com a clareza dêstes têrmos, mas apenas empregou "em forma de substância"?

Qualquer pessoa menos compreensiva poderá ficar na dúvida sobre o que Você quer dizer. Se Você fizesse a afirmação honestamente, na íntegra da teologia de sua Igreja, não seria possível qualquer incompreensão sobre a matéria em litígio: todos, fatalmente, ficavam sabendo a dura realidade do ensino real da Igreja.

E por que não foi Você fiel à exposição doutrinária da sua própria Igreja?

Ah! Eurípides, bem sabemos da sua luta íntima, da sua tremenda dificuldade em sustentar tão absurda, in- consistente e paupérrima tese!

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Tão impotente Você se sentiu em fazer a apologia da transubstanciação, que se escorou na autoridade do insigne orador francês Monsabré, citando-lhe um sermão sobre a Divina Eucaristia.

Se vivo êle fora, meu caro, poderia ficar, como outras inúmeras autoridades católicas, com toda a pomposa elo- quência, sem poder articular um argumento sequer, em favor dêsse absurdo doutrinário, bastando que o interro- gássemos: Venerando mestre, diga-me: Onde está a subs- tância, está ou não a coisa? Tal pergunta tem sido feita aos maiores luminares do catolicismo, e êles, muito natu- ralmente, ficam sem poder responder, porque a resposta afirmativa, única que é, lógica e cientificamente, cabível no caso, os condena.

Ou julga Você, 'mestre" Eurípides, que nos é des- conhecida a alicantina encerrada em tôda a prosa escrita pelos escolásticos, à volta do conceito de "substância"? Espremendo tôda essa habilidosa prosa, ficamos sempre triunfantes, sem permitir ambiguidades e subtilezas, que os seus filósofos e teólogos dela pretendem extrair.

Portanto, que é impossível estar a substância do corpo de Cristo na hóstia, sem que esteja êsse mesmo corpo.

III Historicamente

Diz Eurípides que "em tôda idade patrística não houve quem pusesse em dúvida a presença Real de Jesus Cristo na Eucaristia" (Ob. cit., pág. 53). E fica muito satisfeito como se tivesse descoberto a pólvora em pleno século XX !

Oiça, agora, Eurípides:

Não é verdade que, durante muitos séculos, antes e depois de Cristo, ' 'ninguém pusesse em dúvida" que era o sol que girava, e não a terra?

Tudo isto por quê? Porque todos interpretaram à letra aquela passagem do livro de Josué em que se faz menção da batalha de Jericó.

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Afinal, passaram-se séculos e séculos, e aparece um sábio que se chamou Galileu e ensina teoria diferente, afir- mando, em nome da Ciência, que era a terra que girava e não o sol!

Se Você sabe um pouco de História, deve recordar-se muito bem de que o grande sábio italiano, por defender tal teoria, aliás com base sólida na Ciência, foi logo pro- clamado herege pela "Santa Madre Igreja" (Madre para Você, claro!), que lhe moveu perseguição de morte, por intermédio da "Santa Inquisição" obra infernal, amal- diçoada por todos os espíritos nobres, através dos séculos! E não foi queimado vivo, porque se retratou. Mas, quando prestes a morrer, voltou a afirmar, "E pur se muove!", que era a terra que se movia!

Responda, agora, Eurípides: Quem tem razão? São os muitos milhares de pensadores e cientistas dos séculos passados, antes de Galileu, ou o grande sábio italiano?

vê, portanto, que o seu argumento, de que "em toda a idade patrística não houve quem pusesse em dúvi- da a Presença Real de Cristo na Eucaristia" é argumento meramente fictício e destituído totalmente de valor pro- batório.

Quer ainda outro argumento da mesma espécie? vai.

Durante muitos séculos, no seio da sua própria Igreja, ninguém sustentou a doutrina do dogma da imaculada conceição de Maria.

Deve saber que o magno doutor católico, Tomás de Aquino (assim como outros doutores de sua Igreja), nunca encontrou nada em que se pudesse basear para sus- tentar tal dogma. Afinal, no século XIX, aparece o Papa Pio IX e decreta "Urbi et Orbi" que a Virgem Maria foi imaculada em sua conceição!

Perguntamos, mais uma vez: Quem estará certo? A opinião do ''Doutor Angélico" e de outras grandes fi- guras do catolicismo, desde 19 séculos atrás, ou o Papa Pio IX e seus teólogos?

I

CATOLICISMO ROMANO

Dentro do seu parecer doutrinário, que é o de sua Igreja, nem sequer lhe é lícito duvidar de que o Papa Pio IX é que tem razão, em face de sua infalibilidade.

Durante quase 20 séculos, não houve um papa que tivesse coragem de sustentar o dogma da assunção de Maria; no entanto, em pleno século XX, apareceu um Pio XII, que a decretou "Urbi et Orbi". Em que situa- ção ficaram seus antecessores? Quem andou certo? Não afirmam serem todos infalíveis?

Então, Eurípides, se nesses pontos doutrinários, como em outros semelhantes, os que vieram mais tarde é que tiveram mais visão, deitando por terra as teorias que durante tantos séculos tinham prevalecido como certas, por que é que a teoria, admitida como certa, acerca da presença real de Cristo na Eucaristia, entre os primeiros doutores da Igreja, por Você citados, não poderá estar errada? Por quê?

Portanto, estêve Você a perder tempo, quando es- creveu no seu livro: "De capital importância é o teste- munho dêsses campeões da Verdade que professavam a mesmíssima doutrina que os católicos de hoje

lhe demonstramos, com os argumentos acima, cuja força lógica nem Você, com toda argúcia e subtileza, nem ninguém jamais poderá destruir, que êsse raciocínio de "capital importância" fica reduzido a zero.

Por outro lado, nos primeiros séculos da Igreja, não aparece um único autor que nos prove a existência, nela, de sacrários, o que prova que, a êsse tempo, não existia o culto da Eucaristia, consoante se faz hoje, nos templos católicos.

O fato de o Autor mencionar, nos séculos em aprêço, em defesa do seu parecer, grandes doutores da Igreja (Sto. Irineu, Sto. Inácio, Sto. Agostinho etc.) não prova a existência de sacrários, visto que o dogma, cujo proge- nitor fora o eclesiástico Pascácio Radberto (no século IX) , encontrou quem o tornasse artigo de na pessoa do Papa Inocêncio III, no século 13, precisamente em 1215 (A.D.).

A TRANSUBSTANCIAÇÃO 67

E tão grande foi a reação da Igreja, mesmo no século IX, quando o sacerdote Radberto teve a tensa oposição do bispo Urbano, que 4 séculos depois foi a mesma consubstanciada em dogma (1215).

Vale isto dizer que tal dogma é uma das muitas inovações romanistas e das mais graves, e sem o menor apoio, nem na Bíblia, nem nos primeiros séculos da Igreja.

E o "mestre" Eurípides nem sequer teve a possibili- dade de nos apontar, nos tempos apostólicos, um único testemunho que milite a favor do seu raciocínio.

Pretende o Autor fazer ver que é argumento de muito valor, e o considera mesmo de "capital importân- cia", o testemunho de alguns padres e doutores da Igreja acima referidos. Mas não tem isso, de forma alguma, a importância que lhe quer emprestar o Autor, pois nada mais prova do que o modo de pensar desses doutores da Igreja. Interessante seria, e de valor real, que eles provas- sem, com argumentos indestrutíveis, que, de fato, Cristo está substantialiter" , "realiter" ac "totalxtev" na Euca- ristia.

Com referência à Eucaristia, é bem evidente, houve divergência entre os protestantes: uns criam na interpre- tação espiritual; outros, na interpretação real, da presença (consubstanciação, no caso de Lutero), etc. Mas não nos esqueçamos de que também as mesmíssimas divergências, através dos séculos, dividiram os maiores espíritos, que a Igreja Romana honra entre seus santos, mas de cujos en- sinos se esqueceu lamentavelmente. No entanto, é quem tem tão diversas opiniões, entre seus santos, que tem a ousadia de sustentar a infalibilidade de sua Igreja, através dos séculos!

Pobre infalibilidade! . . .

A verdadeira significação da

Eucaristia

Alega Eurípides: "A interpretação figurativa das palavras de Nosso Senhor implicará, necessariamente, na

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CATOLICISMO ROMANO

negação da Sua onipotência, da Sua onisciência e da Sua misericórdia" (Ob. cit., pág. 50).

Nunca vimos tantas sandices, em tão poucas pa- lavras!

Absolutamente! Acaso, a interpretação figurativa das palavras do Mestre deixa de ter o mais alto significado? Acaso, considerar-se Cristo o pão da vida espiritual, o alimento das almas consiste em negar-se onipotência, onisciência e misericórdia ao Filho de Deus? Acaso, não são Suas doutrinas eminentemente e supremamente espi- rituais? Quem desconhece que é, de fato, neste caráter, supremamente espiritual, que reside todo o valor incompa- rável de Sua doutrinação? Quem desconhece que a supre- macia do Cristo sobre todos os doutrinadores, sobre todos os santos, sobre todos os filósofos, de tôdas as eras, con- siste precisamente em se ter Êle sobreposto a tudo e a todos, pelo esplendor de Suas doutrinas espiritualistas, ao extre- mo? Finalmente, qual foi o mais alto significado da morte física de Jesus? Não foi, precisamente, ter sido Seu corpo carnal martirizado, pisado, torturado, esmagado, para que, 'pelas Suas pisaduras, fôssemos nós sarados"? E tudo isto foi "o castigo que nos deveria trazer a paz, que caiu sobre Êle", segundo a visão do magnífico profeta messiânico, Isaías, 700 anos antes do nascimento do Cristo? Se Cristo não tivesse morrido fisicamente, se Sua carne não padecesse, para que depois Seu Espírito sobre- vivesse e, destarte, Êle pudesse vencer a morte (como, de fato, venceu, ressurgindo), seríamos nós as mais infelizes criaturas, sem esperança alguma de redenção; ou, como escreveu S. Paulo: "se Cristo não tivesse morrido e res- suscitado, seria a nossa f é e a nossa pregação". Daí, a necessidade da morte física de Jesus, para que seus elemen- tos físicos se transformassem em símbolos das grandes realidades espirituais.

E esta esplendorosa crença nas realidades do Além, que Cristo nos revelou pelo suplício de Sua carne, vale ou não vale, meu caro Eurípides? Vale ou não como o mais

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

S9

doqiiente testemunho de sua Onipotência, Onisciência e Misericórdia?

E tanto é isto uma gloriosa verdade espiritual, que Cristo prometeu aos Seus discípulos que, após da Sua morte e ressurreição, lhes viria o Espírito Santo, a que Êle chamou de Consolador, e lhes lembraria tudo o que lhes ensinara.

Daí, a estupenda transformação espiritual operada nos discípulos, com a vinda d'Êsse Celeste Mensageiro de Jesus.

Onde está, pois, o demérito da onipotência, da onisciência e da misericórdia de Cristo, se Êle exercia, exer- ce e ainda continua exercendo o Seu império nas almas que Lhe são fiéis, e nos assegura plena e absoluta assis- tência através do Seu Santo Espírito, per saecula saeculo- rum? I E não é pelo domínio do Espírito que Cristo exerce, realmente, o Seu Santo Ministério Celestial sobre as almas?

O Cristo verdadeiro, portanto, não é recebido por meios materiais; não é pela boca, nem pelo estômago, mas pelo espírito, pela fé, pelo coração, pelo amor.

Assim é que, também, se devem entender as Suas pa- lavras: "Onde dois ou três estiverem congregados em meu nome, eu estarei no meio deles". Esta Sua presença não é, pois, por meio de elementos materiais, mas, pelo cora- ção, pelo amor e pela fé, espiritualmente.

Que dizem os romanistas sobre a presença de Cristo no texto acima mencionado? Não prometeu Êle estar presente, sem auxílio de qualquer meio material? Não é o próprio Cristo quem está dando valor, e valor infinito, em todos os tempos e em todas as circunstâncias, à Sua presença espiritual entre os que, 2 ou 3 que sejam, em Seu nome, estejam reunidos? Acaso está Êle diminuin- do Sua Onipotência, Sua Onisciência e Sua Misericórdia, por se expressar, não material, mas espiritualmente?

Outrossim, quando o Mestre ordenou que fôssemos pregar o Evangelho, que Êle estaria conosco até à consu- mação dos séculos, não disse que Sua presença seria no Santíssimo Sacramento da Hóstia. No entanto, não havia

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CATOLICISMO ROMANO

ocasião mais propícia do que essa, para prestar tal escla- recimento.

No livro em apreço, o Autor chega a afirmar, na pág. 52, que, "admitindo a interpretação zuingliana, es- taríamos considerando desastrada (!!!) a obra de Cristo e por culpa do próprio Cristo, que se não explicou clara- mente quando podia e quando mais do que nunca o de- veria fazer".

Lamentamos, profundamente caro Eurípides, sermos forçados a dizer-lhe que Você, neste passo, mais do que em outro qualquer, nos deixa a impressão de que desconhece, por completo, as leis que regem a Dialética. De outra forma, Você saberia muito bem que nunca podemos tirar qualquer conclusão que não esteja baseada nas premissas. Em que se baseou, então, para afirmar, lamentavelmente, como fêz, que a obra de Cristo seria "desastrada" , se admi- tíssemos "a interpretação zuingliana"? Porventura, terá Cristo algum grau de culpabilidade com qualquer inter- pretação ou tolice que os homens, sempre passíveis de errar, possam dar à Sua santa doutrina?

Sua conclusão, Eurípides, é apenas o reflexo do seu modo de pensar pessoal, que aqui se manifestou sem qual- quer luminosidade ou lucidez.

Eurípides! Nem hipoteticamente lhe seria lícito admi- tir que a obra admirável de Cristo seja desastrada, como Você escreveu! Certamente não reparou na gravidade do seu raciocínio. Queremos fazer-lhe a justiça de pensarmos que, se tivesse refletido, não o teria escrito. Estaremos cer- tos, ou não?

Quer mais outra prova da sua falta de reflexão, Eu- rípides? Repare bem: Pergunta Você, na pág. 52 do seu livro: "Então, desrespeitar o retrato do Presidente é o mesmo que assassiná-lo?" Mais uma vez se mostra Você ignorante das leis da lógica. Que premissas lhe serviram de base para tal conclusão? Quem falou em assassinar alguém?

Quando S. Paulo diz: "Portanto, qualquer que comer êste pão ou beber o cálice do Senhor indignamente,

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

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será culpado do corpo e do sangue do Senhor", não quer dizer, necessariamente, que o crime daquele que receber "indignamente" o sacramento, seja igual ao assassinato do mesmo Cristo, mas sim, que a ofensa é tão real, como se fosse feita ao próprio Cristo em pessoa, isto é, em corpo e alma. Esta é que será a conclusão lógica a tirar, e nunca a de um assassínio. 1 Estamos convencidos de que Você não mediu bem o alcance das suas palavras; aliás, nunca estabeleceria paralelismo entre a ofensa a Cristo, feita por comungante indigno, e o assassínio do mesmo Cristo.

Note-se: Paulo fala, no texto focado, em "discer- nir". E como se pode discernir, senão espiritualmente?

Em conclusão, podemos admitir tal doutrina no sentido espiritual. Pretendermos sair desse rumo será cair- mos num abismo, de onde não sairemos ilesos.

A misericórdia de Cristo em face da doutrina eucarística.

Depreende-se dos comentários do Sr. Eurípides, a pá- ginas 44 a 48 do seu livro, que Jesus não teria sido mise- ricordioso para com os Seus discípulos, escandalizados com Suas afirmativas, deixando não de explicar-lhes clara- mente que lhes falava em sentido figurado, e até permi- tindo que eles se retirassem na ignorância dos Seus ensi- nos, indagando mais, aos que ficaram, se não queriam também retirar-se . . .

Primeiramente, não é verdade que Êle não houvesse explicado claramente o sentido de Suas palavras, pois, vimos, anteriormente, que Êle as explicou: "As minhas palavras são espírito e vida'. Quer coisa mais clara?

Em segundo lugar, Cristo não tem culpa alguma da ignorância de quem quer que seja, acerca de sua doutri- na, tampouco jamais forçou a quem quer que fosse a per-

1 Por isso o texto diz expressamente "culpado (ou réu) do corpo e do sangue do Senhor". Ou será, acaso, concebível que alguém assassine o sangue de outrem?

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CATOLICISMO ROMANO

manecer com Êle. Sempre deu a mais ampla liberdade. Se Cristo, pela Sua doutrina, forçasse os homens a segui-LO, custasse o que custasse, teria de tirar-nos o livre arbítrio,, o que nos tornaria simples máquinas, e não seres conscien- tes de sua responsabilidade.

É o caso de perguntarmos: Por que tem Êle permi- tido tanta divisão dos homens em torno de Suas dou- trinas?

Não culpemos a Cristo pela ignorância dos seus se- guidores, através dos séculos! Nada mais claro, na Bíblia, do que o combate ao pecado e a tudo o que a êle induz; no entanto, nada mais desprezado pelos homens! Será que eles desconhecem a gravidade do pecado, por culpa de Cristo, de Deus ou da Bíblia? Será por falta de clareza do seu perigo, de suas tristes consequências? A dolorosa reali- dade é que a grande maioria, maioria esta que faz parte de sua Igreja, de pecado nada entende, não quer entender e tem raiva de quem entende! ... E de quem é a culpa? Exclusivamente dos que "têm olhos para ver, e não vêem; têm ouvidos para ouvir, e não ouvem".

Por outro lado, a onipotência, onisciência e miseri- córdia de Jesus não O devem forçar a ensinar coisas con- traditórias, ilógicas, irracionais, para satisfação dos capri- chos e das tolices humanas . . . Êle jamais agiu violando as leis da lógica e do bom-senso. Cristo não poderia ensi- nar um absurdo, como os padres, quando, por exemplo, afirmam que Cristo está na hóstia, invisível, impalpável, sem forma, sem figura, sem ocupar lugar, e, todavia, "to- taliter" e corporalmente.

Ao contrário, para dissipar as trevas da increduli- dade, fêz-se Êle palpável, concreto, real, como quando censurou a incredulidade de alguns dos Seus discípulos, após da Sua ressurreição, nas palavras: "Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vêde, porque um espírito não tem carne, nem ossos, como vêdes que eu tenho; e dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés" (Luc. 24:39 e 40). "Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e as minhas mãos, e chega a tua mão, e

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

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mete~a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente'* (S. João 20:27).

Portanto, entende erroneamente as palavras de Cristo quem quer; isto é, quem está obsecado e com ce- gueira mental, ou mesmo por interesse económico ou má-fé, como demonstraremos mais adiante.

A presença material ou

espiritual do Mestre

Como prova de que não é a presença material do Mestre que vale, é que, mesmo quando Jesus estava ma- terialmente, pessoalmente, entre os Seus discípulos, muito maior era a incompreensão dos seus deveres espirituais; e, tanto é isto verdade, que viviam brigando entre si, ambi- cionando os primeiros lugares, pedindo fogo do céu para destruir seus inimigos, negando o Mestre e traindo-o mi- seràvelmente, como nos casos de Pedro e Judas. depois do derramamento do Espírito, é que se verificou, em Pen- tecostes, sua grande, estupenda e extraordinária transfor- mação. É que eles não poderiam obter santificação espi- ritual, senão através do poder do Espírito Santo, como ainda hoje se entre os que verdadeiramente desejam crescer em santidade de vida. Não alcançarão vitórias espi- rituais por meios materiais, mas pelo Santo Espírito.

Finalizando, cumpre-nos advertir que o leitor com- preensivo e desapaixonado entende perfeitamente que o que realmente vale é o espírito em verdadeira comunhão com Cristo; portanto, basta que a alma se identifique com Cristo, na prática dos Seus santos ensinamentos, que viva em santidade de vida.

Entretanto, por que assim não o entendem os padres?

razões que podemos apresentar bem plausíveis. A primeira delas é de ordem econômico-financeira: o Ca- tolicismo romano tornou-se um balcão comercial. O su- posto poder do sacerdote romano (e dele) de transfor- mar um pedaço de pão em Deus (que blasfémia!), dá-lhe

CATOLICISMO ROMANO

rica fonte de proventos materiais; o suposto sacrifício in- cruento de Cristo na Missa constitui o segredo de sua pros- peridade material: por este meio consegue a sua fabulosa renda, com obter dinheiro dos pecadores (ignorantes, se vê), para lhes perdoar os pecados no tempo e na eter- nidade. Na eternidade, também, porquanto, a fim de am- pliarem a sua fonte de renda, criaram o Purgatório, no Além, lugar, dizem, para onde vão os que morrem com pecados veniais, e para cuja purificação, mister se faz que se rezem missas e mais missas, pagas e bem pagas, de con- formidade com a bôlsa da vítima, para que as almas pos- sam alcançar o céu. Por isso, a Religião Católica Romana se transformou em balcão comercial, dissemos atrás. A es- perança de salvação do Purgatório está baseada na dou- trina da Missa. Logo, o sacerdote, por necessidade, de- fende com unhas e dentes a veracidade de tal doutrina, porque seu estômago reclama, sua bôlsa o exige! Verda- deira necessidade, sim! Destrua-se esta crendice do povo, e desaparecerá totalmente o prestígio econômico-político do Clero. Por esta razão é que a leitura da Bíblia tem sido proibida ao povo; quem, de fato, examina cuidadosamente a Palavra de Deus, não pode rezar, de forma alguma, com o romanismo, a menos que tenha interesses subalternos, ou, por ou hipocrisia, obscureça a verdade, para ser agradável aos senhores padres e auferir posições. Nesta classe estão quase todos os políticos venais, sem consciên- cia, que se vendem, se deixam subornar em troca do apoio dos abatinados . . . Outros que se curvam, e fingem aceitar as doutrinas romanas, pelo interêsse de um emprê- go, de uma posição social de relevo, e assim por diante . . .

A indispensabilidade do sacerdote, na missa e

uma consequência doutrinária perigosa

A falta de não observarem, mormente os romanistas, pela sua doutrina da Missa, a alta espiritualidade dos en- sinos de Cristo, faz com que o ensinamento do Mestre

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

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passe a ter valor relativo e limitado, o que será até uma irreverência pensarmos, mesmo em hipótese. Se não, vejamos.

A doutrina da presença de Cristo na Missa, coisa que, segundo o romanismo, poderá realizar-se com a presença de sacerdote católico, não pode, absolutamente, te* aprovação divina. Se Deus a ensinasse, estaria a pregar doutrina, cujos benefícios não alcançariam todas as Suas criaturas, em qualquer parte e em tôdas as ocasiões e cir- cunstâncias, pois que, em inúmeros lugares e ocasiões, onde não houvesse sacerdote, ou, havendo, não estivesse ainda em verdadeira comunhão com Deus, para fazer o milagre do Santíssimo Sacramento, os pobres pecadores (que no caso, são milhões) deixariam de ser beneficiados pela Graça de Deus! Perguntamos, então: não seria injus- ta, descaridosa e anticristã tal doutrina? Que descaridade falta de misericórdia teria Jesus, se ensinasse ao mundo tal meio de graça, que, por ser impraticável pela grande maioria, seria contrária à essência da Divindade misericor- diosa! Dever-se-ia, acaso, considerar misericordioso seme- lhante Deus?! E como poderia Êle, com justiça, julgar os que não tivessem podido pôr em prática a Sua dou- trina? Não se vê, pois, claramente, que essa doutrina não poderia merecer a aprovação divina, como, de fato, não merece? A doutrina de Cristo, srs. romanistas, foi, é e sem- pre será para ser praticada por todos, em todos os lugares, ocasiões e circunstâncias. E lembre-se de que Cristo, na entrevista com a mulher samaritana, mostrou, exuberan- temente, que o culto a Deus não tem limites nem frontei- ras, não depende de circunstâncias nem de altares, nem de hóstias ou sacerdotes! . . .

Coitado do pobre pecador, diante de semelhante Deus diante de semelhante Igreja, que chega, até, por suas dou- trinas incongruentes, a afirmar que, fora dela, não salvação!

Dissemos atrás que três razões, pelo menos, bem plausíveis por que o Clero mantém o absurdo de tais en- sinamentos. Da primeira falamos: o interêsse econômí-

OS

CATOLICISMO ROMANO

co-financeiro. A segunda, que ora vamos expor e comen- tar, é a obsessão, a cegueira mental e espiritual. Mercê dela, os maiores absurdos são admissíveis, e, como os cegos, que nada vêem, os que, espiritualmente, mesmo diante das maiores evidências, não se convencem dos seus erros! É uma lástima!

E a terceira razão? É a ingenuidade, ou espécie de embrutecimento espiritual pelo pecado, a ponto de se não sentir o menor arrepio por usar a falsidade, a farsa, a dissimulação, não dando a isto a menor importância. Puro ceticismo espiritual!

Grande maioria dos católicos que aceitam tais dou- trinas pertence a esta última classe. Podemos dizer que é a grande maioria de clérigos e leigos! E, por isso, talvez haja mais céticos religiosos dentro da Igreja Romana do que fora dela! . . ,

Dura veritas, sed veritas! . . .

Para que a verdadeira doutrina do Cristo?

A verdadeira doutrina do Cristo, do verdadeiro Cristo dos Evangelhos, é para ser posta em prática uni- versalmente, em todos os lugares e em tôdas as ocasiões e circunstâncias, e por tôdas as Suas criaturas, porque, ao contrário, seria Cristo culpado pela não observância dos Seus ensinas, donde resultaria a perda de milhões de almas, e Êle deixaria de ser o Sumo Pastor das almas, o infinita- mente misericordioso Senhor do céu e da terra, que veio para trazer, na Sua vida, morte e ressurreição, a vida e a ressurreição para a raça decaída!

Sua presença divina não fica a depender, portanto, de elementos materiais, mesmo porque, o que vale no homem é o espírito, e êste, para se ligar a Deus, a Quem Lhe é semelhante, não depende senão da fé, da oração e da peni- tência (arrependimento) virtudes estas supinamente

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

(57

divinas, ensinadas reiteradamente pelos profetas, pelos apóstolos e, sobretudo, pelo Cristo, especialmente quando disse, sempre salientando a fôrça do espírito sobre a ma- téria: "Vigiai e orai, porque o espírito, na verdade, é forte, mas a carne é fraca1/'

Ponhamos a última de cal no assunto.

Comemoração e

união espiritual com Cristo

Comemoração e união espiritual com Cristo eis, em síntese, o que significa a Eucaristia, traduzida nas pa- lavras: "Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Êle venha" (l.a Cor. 11:26).

Se é comemoração, é porque se trata de alguém au- sente; se é "ATÉ QUE êle VENHA", muito mais claramen- te quer o santo apóstolo, divinamente inspirado, dizer que Êle não está presente, senão espiritualmente, todas as vezes que se celebra tal sacramento.

E o objetivo dessa cerimonia é o de levar as almas aos pés de Cristo, fazendo-lhes sentir a sua grande res- ponsabilidade pela morte do Mestre, induzindo-as à f é e ao arrependimento, condição sine qua non para que alcan- cem os benefícios dessa morte vicária e redentora!

E tanto é isto verdade, que, em outro passo sagrado, o mesmo apóstolo exorta os comungantes a que procedam a rigoroso exame no estado de suas almas, antes da comu- nhão eucarística, para que não venham a receber conde- nação, ao invés de bênção, e participem indignamente dos elementos sagrados. Textualmente, afirmou S. Paulo: "Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma desse pão e beba desse cálice, porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para si condenação, não dis- cernindo o corpo do Senhor" (l.a Cor. 11:26-29).

O que vale, pois, na santa comunhão, é o propósito de uma vida santa, agradável a Deus, disposta a sacrificar

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CATOLICISMO ROMANO

o ' 'homem velho" do pecado, para se unir ao "homem novo" em Cristo, por e amor.

Eis o significado real da Eucaristia, nas almas.

Amigo católico, se as demonstrações evidentes do significado real da Eucaristia, que ficam, ainda te não convenceram, lança os teus olhos para os apelos reiterados da Palavra de Deus, pois em cada página santa verás como Deus, em toda a Sua Divina Revelação, te faz sentir que és pecador, e que somente pelo arrependimento sincero e pela é que poderás obter a graça do perdão e da sal- vação consequente. E, se isto não observares, de nada te valerá a comunhão, seja ela na forma da ' 'missa" católica ou da comunhão simbólica espiritual protestante. Pelo contrário, como vimos do comentário de S. Paulo, se não estiveres em verdadeira contrição espiritual diante de Deus, tua comunhão pode aumentar a tua condenação.

Em última análise, o que Deus requer de ti e de todos nós, no-lo respondeu o profeta Miquéias: "Êle (Deus) te declarou, ó homem, o que é bom; e que é que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, ames a misericór- dia, e andes humildemente com o teu Deus?!" (Miq. 6:8).

Isto importa morreres para o pecado, a fim de que possas viver para Cristo e teus irmãos.

"Se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica- rá estéril; mas, se morrer, produzirá muito fruto", disse o Divino Mestre, referindo-se à Sua morte vicária, para redimir a Humanidade, e de que os elementos eucarísticos Êle nos deixou como lembretes divinos, para que não nos esqueçamos de que Êle foi morto pelos nossos pecados; de que "o castigo que nos deveria trazer a paz estava sobre Êle e de que pelas suas pisaduras fomos nós sarados".

Assim sendo, para que real e suficientemente nos apropriemos do Cristo, mister se faz que morramos para o pecado. Repita-se: desta maneira é que nossa comu- nhão com Êle produzirá frutos da vida eterna.

A TRANSUBSTANCIAÇÃO

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Esta espécie de comunhão, tu a poderás realizar dià- riamente, em tua própria casa, no silêncio de teus aposen- tos, como o Cristo recomendou que orássemos, sem auxí- lio de qualquer sacerdote ou mediador. E, deste colóquio íntimo, fruirá para tu'alma a Graça do Jesus imortal, do Cristo Vivo, d' Aquele que disse aos Seus discípulos: "EU ESTAREI CONVOSCO ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS".

E lembra-te que tal promessa se cumprirá, em qualquer parte e lugar, sempre que estiveres em comunhão íntima com Cristo.

CAPÍTULO IV

A COMUNHÃO SOB

UMA ESPÉCIE

Advoga Eurípides, ainda, a comunhão sob uma espécie, com a mesma fragilidade com que defende as de- mais doutrinas da Igreja. É mais uma das inovações do Romanismo.

Foi no século V (A. D.) que teve lugar este costume da Igreja. Apesar de reconhecer, biblicamente, que a co- munhão deveria ser sob as duas espécies, como Cristo a ensinou, alterou, por argumentos vulgaríssimos (com os quais não perderemos nosso tempo, de tão pueris que são), a instituição do Senhor, sob o falsíssimo pretexto de que fora tal instituição uma das coisas que Jesus facultara à Santa Madre Igreja modificar!

Os papas Gelásio e Leão protestaram, porém.

Até o século 15 (A.D.), a Igreja comungava nas duas espécies (Gel. in Corpus Júris, Canon, dis. II, Cap. XII, Col. 1168. Ludg. S. Marcos 16:22 a 26; S. Luc. 22:19-20; S. João 6:54 e 55;. l.a Cor. 11:23-24).

Um Concílio em Constança alterou a fórmula do santíssimo sacramento: nega o vinho ao povo e satisfaz, destarte, os caprichos e preconceitos dos maniqueus, que eram favoráveis à meia comunhão. Então, o referido Con- cílio decretou a comunhão sob uma espécie, para os leigos, reservando o vinho para os sacerdotes (1414 A.D.).

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CATOLICISMO ROMANO

No entanto, o clero confessou, no célebre Concílio, em apreço, que, realmente, Cristo ordenou a comunhão sob as duas espécies, mas, à revelia de Sua vontade, decre- tou a espécie única.

Daí a razão por que exclamamos, em nosso livro "O Romanismo à Barra do Evangelho":

É ridículo o clero confessar no célebre Concílio de Constança, como Cristo ordenara comungar, e, no entanto, fez ele essa mudança, sem de Cristo a vontade respeitar! . . . Por isso decretou, sem mais tardança, que o cálice fosse ao povo recusado e que pão lhe fosse apresentado! . . .

O Concílio de Trento, começado em 1545 A.D., de- cretou, finalmente, esta heresia.

E exclamamos, ainda, em nosso livro citado:

O Concílio de Trento sancionou com máxima franqueza esta heresia: não dar ao povo o vinho, e transformou todo o cerimonial da Eucaristia! À Palavra de Deus ele alterou, apesar de saber que não devia alterar uma lei do próprio Cristo! E o Romanismo sempre faz isto! O "bebei dele todos" de Jesus, instituindo a Santa Eucaristia,

vem sendo desprezado . . . Tal doutrina um castigo lhe traria: o receber de Deus reprovação

por mais este pecado!

Por se que, historicamente, no século XVI, afinal, é que se consumou, oficial e definitivamente, mais uma violação da doutrina do Cristo, mais uma inovação romanista!

A COMUNHÃO SOB UMA ESPÉCIE

73

Vejamos o que diz claramente a Palavra de Deus, citando-lhe alguns passos e comentando-os.

1 "Então, enquanto comiam, tendo Jesus toma- do o pão, e tendo dado graças, o partiu e o deu aos discí- pulos, dizendo: tomai e comei; isto é o meu corpo. Depois, tomou o cálice, e tendo-o abençoado, deu-o a eles, dizendo: "Bebei dele todos" (S. Mat. 26:26-27).

É evidente que o Divino Mestre, como que anteven- do que a igreja apóstata iria, no correr dos séculos futu- ros, adulterar-lhe a instituição eucarística, frisou, ao dis- tribuir o cálice, "bebei dele todos".

A evasiva euripidina, que quer ser mais realista que o rei, foi esta: "Tais palavras, entretanto, não foram diri- gidas ao povo em geral, mas aos apóstolos somente, como também a ordem: "fazei isto em memória de mim".

Perguntamos-lhe, Eurípides: Quando Cristo insti- tuiu o sacramento da Eucaristia, não o fez igual para todas as almas o receberem? Acaso o Mestre estava apresentan- do uma ordenança exclusiva dos Seus apóstolos?

Contra o seu argumento, não temos a praxe, segui- da pelos apóstolos, que davam o pão e o vinho aos cren- tes, em geral?

E não sabe o amigo Eurípides que Cristo, depois de ressuscitado, deu os mesmos elementos aos discípulos de Emaús, e nesse momento foi que eles abriram os olhos e conheceram quem era o "forasteiro" misterioso que se aproximara?

Por outro lado, a expressão "fazei isto em memória de mim", acaso se aplica, no seu entender, aos apóstolos e não aos discípulos e irmãos em geral?

Ah! pobre Eurípides, como é infantilíssima e fragi- líssima a sua saída, a sua evasiva! Pois, nem Você, nem ninguém pode negar, à luz da Bíblia, que a ordenança de Cristo foi para todos os seus fiéis: apóstolos de todos os tempos e discípulos, em geral; mesmo porque a comemo- ração de Sua morte vicária não era de exclusivo dever de sua classe apostólica ou sacerdotal.

7-4

CATOLICISMO ROMANO

Dividindo o sacramento, sob a suposição errónea de que Cristo tanto está inteiro no pão como no vinho, na base do erro doutrinário da transubstanciação, entende Roma que, dando o pão, nele também está o sangue do Cristo, e, portanto, é dispensável a distribuição do vinho...

Ora, isto é simplesmente adulteração da verdade eu- carística: o pão é símbolo do Corpo de Jesus, e o vinho do Seu sangue.

Se Roma ensina que está na hóstia o Cristo inteiro, com todo o sangue, e, portanto, não ser necessário que se aos leigos o cálice a beber, perguntamos: Se assim é, por que o sacerdote é obrigado a consagrar ambos os elementos?

Se no pão ou hóstia está o Cristo inteiro com Seu sangue, por que se consagra o vinho?

2 "Porventura, o cálice de bênção, que benzemos, não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que par- timos não é a comunhão do Corpo de Cristo?" (l.a Cor. 10:16). Eis o trecho paulino, que foi endereçado não aos padres, mas a todos os irmãos da Igreja de Corinto. E a êles S. Paulo ordenava a comunhão do pão e do vinho.

3 Finalmente, o texto capital da instituição não admite qualquer evasiva: "Todas as vêzes que comerdes dêste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha*'.

Assim, comer o pão e beber o cálice são a essência da Santa Ceia; deixar de dar aos leigos o cálice é alterar o sacramento que recorda o corpo de Jesus na Cruz, e o Seu sangue derramado para redimir a Humanidade, bem en- tendido, os que O receberem pela Fé.

CAPÍTULO V

O UNIGÉNITO DE

MARIA

Ignorante, maldosa ou cinicamente deu Eurípides, no 4.° capítulo de seu livro, o título de "UNIGÉNITO DE MARIA" a Jesus, para tentar provar que Maria não teve outro filho, além de Jesus. Pois bem, tal título está erra- do, porquanto o mesmo não se encontra na Bíblia, pois aí, Êle é chamado "o primogénito de Maria" enquanto, como Filho de Deus, é chamado "UNIGÉNITO DE DEUS" (São João 1:14,18; 3:16,18: 1.» João 4:9).

Que significa isto? Que Jesus é o ÚNICO Filho de Deus, e que é o PRIMEIRO filho de Maria, no que está implícita a possibilidade de ela ter tido outro filho, con- clusão a que Eurípides procurou fugir, e, daí, seu ardil ultra-alicantinado de engendrar maliciosamente ao extre- mo, já se vê, o título de "UNIGÉNITO DE MARIA", quando na Bíblia tal não existe, e sim, "PRIMOGÉNITO DE MARIA".

É por uma dessas, Eurípides, que os protestantes estão sempre a exigir 'onde está isto na Bíblia?" Aliás, este é mesmo um capítulo de seu livro, que na oportuni- dade refutaremos esmagadoramente. É o caso: Aponte-nos isto na Bíblia!

Então, Eurípides, se o termo "PRIMOGÉNITO", por não ser de exclusão, admite a possibilidade de Maria ter tido mais de um filho, nem Você, nem ninguém pode de- monstrar, à evidência, que a Bendita Mãe de Jesus não tivesse outro filho, além d'Êle.

76

CATOLICISMO ROMANO

Certamente Você não reparou na mesma conclusão que se pode tirar, logicamente, daquilo que S. Jerônimo afirma, e por Você citado, à página 86 do seu livro.

Preste bem toda a sua atenção e aplique bem ao caso a sua inteligência.

Para lhe facilitar o raciocínio» vamos repetir o que Você escreveu, citando S. Jerônimo:

"Primogénito" é não somente aquele depois do qual vem outro filho, mas aquêle antes do qual não houve nenhum" (S. Jerônimo).

Permita-nos, agora, Eurípides, que exponhamos, fielmente, o parecer de S. Jerônimo, de harmonia com os têrmos da cita.

Segundo esta, "o primogénito" encerra duas idéias: a primeira, a de que antes dêle não houve nenhum, e todos estamos concordes com isto; a segunda, a de que, depois dêle ("o primogénito"), vem mais algum.

Vê, portanto, que o argumento por Você emprega- do (e ao qual parece atribuir muito valor, para defender seu modo de ver), torna-se, ao contrário, mais uma arma contra Você. É o caso de dizer-se, pelo rifão popular: o tiro saiu pela culatra!

Para não ficar Você com dúvida, insistimos no ar- gumento.

S. Jerônimo diz: "PRIMOGÉNITO" (o versalete é nosso) é aquêle depois do qual vem outro filho", segundo as palavras por Você mesmo citadas em seu livro, como vimos. Ora, Jesus é chamado "o PRIMOGÉNITO de Maria"; logo, depois d'Êle vem outro filho.

Chegamos à conclusão, finalmente, que Você não viu com inteligência a afirmativa de S. Jerônimo. Aliás, não a teria citado, visto que ela mais corrobora nossa assertiva. Mas, como Você parece entender tanto de Ló- gica como um lixeiro entende de medicina, não é para estranhar mais êste seu disparate.

Quanto à afirmativa de S. Mateus, 1:25, onde se lê: ". . . non cognoscebat eam donec . . (isto é, "não coabitou com ela, não a conhecia, até que deu à luz ..."),

O UNIGÉNITO DE MARIA

77

estas palavras implicam uma resolução, da parte de José, de caráter apenas temporário, excluindo por isso a idéia de uma resolução permanente.

Então, pelo menos, este passo bíblico afirma duas coisas: l.a até o nascimento de Jesus, Maria conservou- -se virgem; 2.a daí por diante, conforme Você mesmo afirma, à página 87 do seu livro, "faz abstração do fu- turo". Neste ponto estamos de acordo; mas, quem lhe disse que "fazer abstração do futuro' ' é o mesmo que negar pudesse Maria vir a ter mais algum filho?

Como vê, Eurípides, estamos sempre a apontar-lhe o caminho das leis da lógica, que Você tanto mostra des- conhecer.

Repare, pois: "fazer abstração" de uma coisa é uma questão; negar a mesma coisa, é questão diferente. Ora, foi isto que Você não soube distinguir. Abra os lhos e veja o que escreveu: "Nega o passado, diz S. Jerônimo, sem afirmar o futuro. Sobre o futuro, portanto, nada afirma (os grifos são nossos).

Portanto, procurando demonstrar Você a força pro- batória do "donec" ("até aqui"), apenas está certo no re- ferente ao tempo anterior ao nascimento de Jesus. "Sobre o futuro", se "nada afirma", uma conclusão se tira, Eurípides: não diz sim, nem diz não.

Não acha, portanto, muito mais perfeito o nosso argumento?

E, se ficou com alguma dúvida, voltamos a expli- car-lhe mais. Dizendo o Evangelista: "Não a conhecia até que deu à luz o seu filho primogénito' , fica demonstrado que Maria foi Virgem até o nascimento de Jesus. Depois disto não afirma no texto em apreço que teve mais filho algum, porque, se o afirmasse, não haveria lugar para dú- vida. Mas . . . (hoc opus hic labor estl) TAMBÉM NÃO NEGA QUE TIVESSE TIDO MAIS ALGUM; apenas, para nos servirmos da sua própria expressão, "faz abstração do futuro".

78

CATOLICISMO ROMANO

Sendo assim (e Você não pode negar que é assim mesmo), em que premissa se baseou para afirmar que Maria não teve mais filho, depois de Jesus?

Precisa de aprender mais um pouco de díalética, Eu- rípides !

Certamente, nem a inteligência euripidina, nem a dos padres da sua religião, devem ter observado o dislate de sua lógica, a que melhor chamaríamos de falta de lógica.

A virgindade perpétua

de Maria

Depois da lição de lógica que acabamos de lhe dar, Eurípides, somos forçados a aplicar-lhe umas palmatoa- das, como dantes os mestres-escola faziam aos meninos...

E note, desde já, Eurípides, que não é sem razão, e bem forte, que o fazemos. Se não, veja bem. Abra os olhos, que parece não serem dotados de grande capacidade visual. Queira abrir o seu livro. Veja o que Você escreveu à página 85. Se nos permite, para lhe pouparmos trabalho, vamos transcrever aqui a passagem que se pode ler quase ao alto da página mencionada: "Estranha a atitude dêsses "irmãos separados", que, aceitando, como aceitam (o grifo é nosso) a virgindade de Nossa Senhora até o nascimento de Jesus, não a querem admitir daí por diante. Crêem no que é humanamente impossível que houvesse sucedido; negam, porém, o que qualquer cristão medíocre (católico ou mesmo protestante) deveria considerar a coisa mais na- tural e mais fácil dêste mundo!"

Estamos em crer que "mestre" Eurípides, depois de um arranco desta natureza, deve ter esfregado as mãos de contente, antevendo as palmas da turba ignara dos carolas e simplórios e da legião acéfala dos batino-tonsurados. Mas, pobre dêle! Nem uns, nem outros lhe poderão valer, no abismo em que se afundou . . .

Ainda bem que o ex-pastor luterano não tem assen- to no meio dos paladinos e cavaleiros fortemente encou-

O UNIGÉNITO DE MARIA

7&

raçados para defesa da nobilíssima dama a Verdade moradora no castelo da Sagrada Bíblia. Mostrando ser tão fraco e tão inábil espadachim, não mereceria mesmo ser admitido ao serviço de tão excelsa Dama.

É que "mestre" Eurípides não é capaz de terçar armas com cavaleiros hábeis e valentes. Nem outra con- clusão se pode tirar, depois de lermos o seu livro que, no entanto, lhe valeu a "Bênção" (com letra maiúcsula, como se logo no princípio do seu livro) de Sua Santidade, bênção "implorada", certamente, com a maior humilda- de, pelo Autor (!)

Nem o fato de tal "Bênção" nos admira, pois sa- bemos de outras bênçãos dadas, sempre benignamente, a "cavaleiros" idênticos. Basta lembrarmos o jesuíta Leonel Franca que mereceu, também, uma chuva (!)... de bên- çãos, pelo seu livro "A Igreja, a Reforma e a Civilização", livro de tanto valor e consistência histórica e doutrinária, que a pena brilhante, a inteligência lúcida e a lógica es- magadora do pastor Lisânias de Cerqueira Leite reduzi- ram a cinzas, desfazendo-os por completo, como se desfaz uma nuvem acossada por forte rajada de vento.

E não passam disto os lídimos valores (!) de que, apenas, se pode ufanar o ultramontanismo jesuítico-papa- lino, que ainda não foi capaz (nem será) de encontrar, nas suas fileiras, um espadachim de mérito, para deitar por terra "O Papa e o Concilio" , que, mais de meio século, está, em campo aberto, desafiando, sobranceiramente, um contendor dentre as hostes do papismo!!!

Mas, passemos adiante, que temos de tirar umas ca- taratas dos olhos do "mestre" Eurípides, porque lhe tol- dam a visão e o levam a fazer confusões à tort et à travers . . .

Mesmo na hipótese discutível de haver alguns pro- testantes que pensem como o ex-pastor luterano, nunca será lícito, pelas leis da lógica, afirmar isso de todos os, protestantes, pois nunca se pode tirar uma conclusão geral de uma premissa particular. Seria o mesmo que raciocinar

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CATOLICISMO ROMANO

desta forma: Esta laranja é doce; logo, todas as laranjas

são doces!

Ora, vejamos.

Escreveu "o convertido" ao amálgama de paganis- mo, religião e politica, que a história apelidou Catolicis- mo Romano: "Estranha a atitude desses "irmãos separa- dos", que, aceitando, corno aceitam, a virgindade de Nossa Senhora até o nascimento de Jesus (o grifo é nosso), não a querem admitir daí por diante. Crêem (também aqui o grifo é nosso) no que é humanamente impossível que hou- vesse sucedido ..."

Como, pela Graça de Deus, temos vista para ver e inteligência para entender, vimos e entendemos tudo o que "mestre" Eurípides quis expressar com suas palavras balo- fas. E, de palmatória em riste, puxemos-lhe pelas mãos, que hão de sofrer-lhe o castigo, e perguntemos-lhe: Quem lhe concedeu autorização para afirmar que os protestantes, a que Você chama "irmãos separados", ' 'crêem no que é humanamente impossível que houvesse sucedido"? Repa- rou, Você, na gravidade de tal afirmação?

Talvez não tenha reparado, porque a sua visão deixa muito que desejar . . .

Pois fique sabendo que os protestantes, que não sen- tem honra alguma em que lhes chame de "irmãos", não "crêem" nisso a que Você alude. "Humanamente impos- sível" é o nascimento miraculoso de Jesus, como se fora Êle imaterial, etéreo e não material, como os outros me- ninos. Isto não é admitido pelos protestantes: não, não "crêem" em tal parlapatice!

Em que se fundamentou, então, para fazer tão des- cabida, inexata, falsa e comprometedora afirmação ? (Tenha santa paciência, mas tem de levar mesmo as pál- matoadas prometidas).

E note ainda, Eurípides: os protestantes aceitam, sim, a virgindade da Bendita mãe de Jesus até ao nasci- mento, ou, melhor, até ao parto do qual Êle nasceu. E, para crerem nisso, basta-lhes, apenas, a que depositam nas Sagradas Escrituras. Ora, nestas, é claro, como a água

O UNIGÉNITO DE MARIA

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cristalina, que a mãe do Salvador não teve união carnal com o marido, "até que deu à luz o seu filho primogénito* \

Portanto, quando afirmamos tal crença, não a supo- mos, não a inventamos, mas baseamo-la nas Sagradas Es- crituras (S. Mat. 1:25). Por isso, não pomos em dúvi- da a virgindade de "Nossa Senhora", para empregar a sua própria expressão, até o momento do parto de que nasceu Jesus. Désse momento por diante, não admitem tal, pois o nascimento de Jesus foi tão natural como o de qualquer criatura, tendo, portanto, em virtude dêste parto, desaparecido o véu da virgindade.

tem, "mestre" Eurípides, aquilo em que crêem os "irmãos separados", como Você lhes chama, que difere daquilo que Você lhes atribuiu, indevidamente, por con- trário à verdade.

Temos, ou não, motivo forte, para lhe aplicarmos umas boas palmatoadas?

Para terminarmos a réplica à tese da "virgindade per- pétua de Maria", resta-nos desfazer mais uma das muitas confusões de que é pletórico o pobre espírito de Eurípides.

Procurou êle, escudando-se na autoridade, aliás sem- pre suspeita e vulnerável, do seu festejado teólogo Tomás de Aquino, para melhor poder impingir a parlapatice do nascimento miraculoso de Jesus. Mas, também, desta vez, se levanta "o feitiço contra o feiticeiro", conforme diz rifão muito antigo. É preciso ter bem presente, "mestre" Eurípides, que entre o Jesus menino, que "sai do seio ma- terno", e o Jesus ressuscitado, que "atravessa a laje do sepulcro", uma diferença que importa frisar com inte- ligência e fazer desaparecer. O corpo de Jesus Menino era, apenas, material, físico, sem os dotes do corpo glorioso; ao contrário, Jesus ressuscitado estava dotado dos atri- butos de um corpo glorioso, também espiritualizado. Nada de confusões!

Pelo fato de Jesus ser o Filho de Deus, Encarnado, a ninguém é lícito supor, e muito menos afirmar, que o Seu corpo não fosse, exatamente, como o de qualquer homem, isto é, material, carnal, palpável, visível etc. Aliás, Jesus

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CATOLICISMO ROMANO

Cristo não seria verdadeiro homem. Mas, pela Sagrada Es- critura se prova, à evidência, que Jesus Cristo era um homem perfeito, e estava, por tal motivo, sujeito às vi- cissitudes a que estão sujeitos todos os homens, menos as das consequências do pecado, porque Ele não tinha ne- nhum. Assim, Ele teve de pagar o seu tributo à natureza: sentia fome, sêde, fadiga etc.

Dentro desta ordem de ideias, fique sabendo, "mes- tre" Eurípides, que os protestantes, ao número dos quais nos honramos de pertencer, não admitem o nascimento de Jesus de modo miraculoso. Admitem, sim, que a Sua con- cepção é que foi miraculosa. Entre concepção e nascimento vai um abismo de diferença. Mais uma vez, Eurípides, deixe-se de confusões.

Como é que Você afirmou que 'os protestantes crêem no que é humanamente impossível' '? Nao! Crêem, antes, que o nascimento de Jesus foi normal, como o de qual- quer menino. O contrário disto é parlapatice que devol- vemos a Você e aos seus irmãos (não os "separados" mas, os bem unidos).

De resto, nem outra lição se pode tirar do signifi- cado dos têrmos da Sagrada Escritura, onde se lê, expres- samente, que Maria "pepcrit fiiium suam primogenitum" (Vulgata S. Mat. 1:25).

Pois, "mestre" Eurípides, o têrmo "peperit", per- feito do verbo pario, (cujo supino é partum) , significa pariu, e assim se pode ler em livros antigos.

Se "Nossa Senhora" pariu o seu filho primogénito (Jesus), como expressamente se afirma, nem a Você, nem a ninguém é lícito sofismar o texto citado. À luz, pois, desta versão (que não pode ser outra), é claro que o nas- cimento de Jesus foi natural e não miraculoso, como pre- tende insinuar o ex-pastor luterano, e hoje servícula cle- ricalista.

que Você creia em patranhas: é de seu feitio men- tal; mas, afirmar, como fêz, impudente e inveridicamente, sem o menor viso de probidade, que os protestantes, os seus

O UNIGÉNITO DE MARIA

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"irmãos separados* ' 'crêem" nessas mesmas patranhas isso não se pode admitir, absolutamente, e é, até, desaforo!

"E vindo para a sua pátria . > "nonne mater ejus dicitur Maria, et fratres ejus, Jacobus, et Joseph, et Simon, et Judas". (Vide ainda S. João 6:42). "Et soro- res ejus, nonne omnes apud nos sunt?" (S. Mat. 13; 54-56).

Eis o argumento fulminante! Lemos, até, nos passos acima os nomes dos quatro irmãos, a saber: Tiago, José, Simão e Judas. "E não estão entre nós todas as suas irmãs?" Menciona-se, até, todas as suas irmãs.

E que dizem os senhores padres, diante de versículos tão claros?

Ah! a evasiva, sempre a evasiva alicantíníca! Dizem eles: "esses irmãos são primos-irmãos e primas-irmãs de Jesus".

Absolutamente, pois no texto da Vulgata, que cita- mos atrás, de propósito, encontra-se o termo fratres (irmãos uterinos) e sorores (irmãs uterinas).

E, se formos ao grego, original de onde o padre São Jerônimo fez a tradução na Vulgata, encontraremos o termo adelphoi (irmão) e adelphai (irmã).

Ora, esses dois termos, vertidos para o português, nunca podem significar senão irmãos e irmãs. Em grego, os têrmos que significariam em português "primos" e "primas" são suggneis e suggnes. "Hoc opus hic labor est!"

E, como se isto não bastasse, para maior clareza dêsses textos, passemos à crítica que, sôbre êles, nos apresentou o grande exegeta Howel, no seu brilhante Co- mentário ao Livro de S. Mateus:

"Se não fosse a suposta necessidade de sustentar uma teoria a respeito da virgindade perpétua de Maria, a mãe de Nosso Senhor, ninguém se teria lembrado de dar outra significação a estas palavras, senão a natural e usual, isto é, a de serem as pessoas mencionadas irmãos e irmãs uteri- nos de Jesus. Nos Evangelhos fala-se doze vêzes dos "irmãos" de Jesus, e, salva uma exceção, e.g., S. João 7:3-5, êstes estão sempre em companhia da mãe do mes-

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CATOLICISMO ROMANO

mo Jesus, e nada há, absolutamente, que a entender ou que implique não serem eles literalmente irmãos seus.

Sugestionados pela ideia errónea do merecimento su- perior do celibato, e entendendo que, admitir-se que a Virgem Maria houvesse tido mais filhos além de Jesus derrogaria dalguma forma a santidade quase divina que lhe querem atribuir, os teólogos da igreja romana têm sus- tentado que as pessoas aqui chamadas irmãos e irmãs de Jesus eram realmente seus primos-irmãos (os grifos são nossos), filhos e filhas de Maria, mulher de Cléofas, ou Alfeu, a qual, segundo esta teoria, era irmã da Virgem Maria. Isto é apenas uma suposição que não somente não acha confirmação nas Escrituras, senão que, pelo contrá- rio, é por elas mesmas refutada".

verdade que, entre os judeus, se usava, às vêzes, a palavra "irmão" em sentido lato que incluía os "pri- mos-irmãos"; mas o fato é que não exemplo deste modo de empregar a palavra nem no Novo nem no An- tigo Testamento, em cujo emprego (dizemos nós, escla- recendo o espírito do comentador) haja qualquer sombra de dúvida a respeito de seu real significado. E, se nos ci- tarem o trecho de Gên. 13:8, em que Abraão chama Lot de "irmão" "fratres enin sumus" não padece dú- vida, no próprio texto, que se trata não de irmão uterino. Logo, sempre clareza, quando se trata de qualquer dos sentidos. E, consoante a exposição do comentador acima, desafiamos a que nos provem tenham sido "fratres" e "sorores", ou sejam, "adelfoi" e "adelfai" empregados, não no A. T. como no N. T., no sentido de "primo- -irmão" ou "prima-irmã". Portanto, não procede o argu- mento clericalista.

"Demais", continua Howell, "se Jesus tivesse tan- tos "primos" e fosse necessário falar deles tantas vêzes, era inexplicável que nem uma vez se usasse a seu respeito a palavra "primo" (ou "suggneis") e "prima" (ou "suggnes"), que exprimiria a verdadeira relação".

Por outro lado, Maria, mulher de Cléofas, ou Alfeu, teve dois filhos que pertenciam ao número dos "doze"

O UNIGÉNITO DE MARIA

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apóstolos; no entanto, c claro., pela Escritura, que nenhum dos irmãos do Senhor era apóstolo. Logo, os filhos de Maria, mulher de Cleófas, e os irmãos do Senhor, não são idênticos. O Evangelista afirma, muito tempo depois de estar organizado o corpo dos 4 'doze" apóstolos, "nem ainda seus irmãos criam n'Êle" (S. João 7:5), o que se não podia dizer se dois destes irmãos pertencessem ao número dos "doze". Também em Atos, cap. 1:14, se dis- tingue entre os apóstolos, e os irmãos do Senhor. Men- cionam-se os apóstolos todos por seus nomes, fala-se em seguida da "mãe de Jesus' , e depois, "dos irmãos d'Êle". Se os nomes de dois destes irmãos estivessem incluídos na lista dos apóstolos, dir-se-ia, então, OS OUTROS irmãos d'Êle.

"Da versão de Gál. 1:19, feita por Figueiredo, se podia concluir que Tiago, irmão do Senhor, continua Howell, era apóstolo. Segundo os melhores intérpretes, porém, assim se devia ler este trecho: "E dos outros apóstolos (além de Pedro) não vi a nenhum; vi a Tiago, irmão do Senhor". Também é bom notar que o ser ele chamado apóstolo neste lugar, não indicaria que pertencesse ao número dos "doze", pois Paulo e Barnabé são também chamados apóstolos e não pertenciam ao nú- mero dos "doze" (Atos 14:13).

* * *

Vejamos mais dois textos, para comprovar o que afirmamos.

"Depois disso vieram para Cafarnaum, Êle e Sua mãe, e seus irmãos, e seus discípulos . . ." (S. João 2:12).

O termo empregado é ainda o mesmo.

"Disseram-lhe, pois, seus irmãos: sai daqui e vai para a Judéia . . . Porque nem ainda seus irmãos criam nÊle" (S. João 7:3-5).

O termo empregado é ainda o mesmo.

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CATOLICISMO ROMANO

Assim, os quatro evangelistas falam todos na exis- tência dos * 'irmãos" de Jesus, e o termo pode explicar-se no sentido de irmãos uterinos.

Entretanto, os padres o negam. E, porque susten- tamos que Maria teve outros filhos escudados em textos insofismáveis, que ficam comentados, somos taxados de ímpios e de sacrílegos, como se fosse pecaminoso ou de- sonroso, para uma mulher casada, ter filhos!

Se somos ímpios por isso, também o foram os evan- gelistas que afirmam expressamente que Jesus teve irmãos e irmãs; quando, se quisessem dizer "primos" e "primas", empregariam "suggneis" e "suggnes" .

Certamente, nem a inteligência euripidina, nem a dos "doutores" de sua igreja, useira e vezeira em matéria de invencionices, devem ter observado o dislate de sua lógica, melhor diríamos, de sua falta de lógica! . . .

Insistimos no argumento: Onde a desonra para uma mulher, legitimamente casada, ter filhos de seu legítimo esposo? Onde? Acaso, o próprio Senhor Jesus não santi- ficou e honrou o matrimonio, comparecendo, pessoalmen- te, às Bodas de Caná da Galiléia, onde, até, realizou o seu primeiro milagre, transformando água em vinho?

Por outro lado, não considera a própria igreja cató- lica tão santo o matrimonio, que o tornou, até, grande sacramento!

E mais: se Deus não permitisse; se acaso Êle jul- gasse que a Virgem Santa, a escolhida para ser o Vaso condutor de Seu Divino Filho, sofreria qualquer desdouro moral unindo-se maritalmente a S. José, depois do nasci- mento de Jesus, não lhe teria permitido desposá-la.

E, finalmente, onde a desonra, sobretudo, para uma mulher judia, ter filhos, se, ao contrário, sob o pacto em que viviam as judias (e Maria era uma judia), constituía até uma honra e uma bênção, o ter filhos, e, ao con- trário, desonradas e malditas eram as estéreis ? E mais: infelizes!

Por isso, ao contrário do que propalam os padres, é precisamente o Protestantismo quem mais honra tributa

O UNIGÉNITO DE MARIA

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à Santa Virgem Maria, exaltando-lhe a glória da mater- nidade, incluindo-a entre as mulheres mais felizes da Ju- déia, para o que mister se fazia que não ficasse inferior na missão mais sublime que Deus conferiu à mulher, qual seja, a de gerar e ter filhos legitimamente. (Vide ainda At. 1:14 e Gál. 1:19).

CAPÍTULO VI

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

Antes de mais nada, cumpre-nos advertir ao Prof. Eurípides que sua citação do cap. 32 (!) de S. Mateus, no seu livro, à página 101, está errada, pois, o Ev. de S. Mateus apenas contém 28 capítulos.

Você afirma, no suposto cap. 32 de S. Mateus, tex- tualmente: "Jesus Cristo, Nosso Senhor, que combateu vigorosamente as tradições contrárias à doutrina . . . um longo catálogo de inovações na e na disciplina, não re- preende ao povo que Êle sabia acreditar num purgatorium e rezar pelos seus mortos*'.

Perguntamos-lhe: Onde está essa "lista de inova- ções", de que Você nem sequer apontou-nos o capítulo onde se encontra? Prestar-nos-ia um grande favor, se fosse capaz de nos indicar qualquer passo bíblico, onde se fale em purgatorium, como Você afirmou.

Quanto à sua citação do Livro de Macabeus (2.° Macabeus 12:46), devemos observar-lhe: 1.° Como Você sabe muito bem, o testemunho dêste livro é contro- vertido, porquanto, depois do Concílio de Trento por consequência, no declinar do século XVI é que tal livro (assim como o seu irmão, o 1.° dos Macabeus) foi incluído no catálogo dos livros divinamente inspirados. 2.° Abstraindo, mesmo, essa circunstância, sua citação apenas pode provar a convicção pessoal de Judas Maca- beu, ou seja, que êle tinha "como sendo santo e salutar pensamento orar pelos mortos".

CATOLICISMO ROMANO

De resto, esta concepção de Judas Macabeu era admitida pelos povos pagãos da antiguidade, como pas- saremos a provar.

Suas origens

Os primeiros germes da doutrina do Purgatório apa- receram no XI século, na França, no mosteiro de Cluny, cujo superior, Santo Odilon, havia alcançado (!) a repu- tação de poder, por suas orações, livrar as almas do Pur- gatório.

O papa Bento VIII, cuja vida esteve longe de ser a de um santo, mereceu a gratidão de Odilon, excomungan- do-lhe os adversários que se haviam apossado de parte dos bens do Mosteiro. Foi por causa desse ato de Bento VIII, conforme refere a lenda, que Êle não foi condenado senão às penas do Purgatório, e não às do Inferno.

Algum tempo depois da morte de Bento VIII, o cardeal Pedro Damião teve uma visão: viu a alma do ex-papa, sob aparência de um urso, com orelhas e cauda de burro, e soube, da boca deste mal-aventurado papa, assim tão singularmente transformado, que êle estava con- denado a se espojar na lama de imundícies até o dia do Juízo Final. A notícia dessa visão se espalhou ao longe, e santo Odilon, sabendo do fato, pediu a Deus que li- vrasse a alma daquele papa de semelhante tormento.

Alguns dias depois, Bento VIII, resplandecente de glória, apareceu a um dos frades do Convento de Odilon e lhe contou que Deus havia ouvido a oração de santo Odilon e o havia admitido no céu.

Por aquêle tempo, um cavalheiro francês, regressan- do de uma peregrinação a Jerusalém, deteve-se alguns dias na Sicília, num lugar próximo ao Monte Etna, e ali en- controu um eremita que lhe referiu que, havendo-se um dia aproximado da cratera de um vulcão, ouviu não so- mente o grito das almas que ali estavam sendo atormen- tadas pelo fogo, mas também a conversação dos demónios que lastimavam amargamente que Odilon lhes arrancasse tantas almas, por suas orações.

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO 91

O cavalheiro, tendo voltado para a França, não dei- xou de divulgar as palavras do eremita, o que muito con- tribuiu para a glória de Odilon, e ao mesmo tempo para a riqueza do Convento, que se tornou Um lugar de pere- grinação.

Essas fábulas e outras muitas, espalhadas com zelo interesseiro, foram as primeiras origens da doutrina do Purgatório, mas este não foi aceito definitivamente como dogma da Igreja Católica senão no Concílio de Florença, em 1439.

O seu progresso foi gradual. Roma bebeu isso tam- bém das fontes do paganismo.

No ensino religioso dos persas, o fogo era o elemento supremo, pelo qual as mudanças sucessivas na vida das almas eram efetuadas. Dos persas, a ideia passou para a doutrina dos estóicos, e, destes, para a filosofia de Platão. Êle ensinava que ninguém podia entrar na habitação da felicidade, sem expiar seus pecados, depois da morte.

Assim, o Purgatório é originário do paganismo. Êste suplício foi tirado da mitologia pagã. Foi que o papis- mo o encontrou. É o Tártaro da mitologia greco-romana. Para se livrarem do Tártaro e alcançarem os Campos Elísios (o céu), as almas necessitavam que seus parentes ou amigos colocassem na boca dos respectivos corpos, que iam ser sepultados, uma moeda de certo valor, para pagar a Caronte o dinheiro de Caronte, como era chamado e atravessar, na barca deste, o Estígio e o Aqueronte para os Campos Elíseos, ou seja, o Paraíso.

Cotejando esta parte da mitologia com a doutrina do Purgatório, podemos ver, sem que seja necessário ser- mos dotados de grande ilustração, que os ensinos papistas sôbre êste terceiro lugar vêm das fábulas da mitologia greco-romana.

Ninguém irá para os Campos Elíseos, isto é, não ficará livre do Tártaro, se alguém não lhe pagar pela alma muitas missas, ou deixar em testamento o dinheiro para essas missas.

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CATOLICISMO ROMANO

Lendas grosseiras: seu fim interesseiro

vimos, anteriormente, as origens pagãs do Pur- gatório e das orações pelos mortos.

Corroborando, agora, com tais origens, vejamos algumas lendas que se criaram, através dos séculos, sobre tão estúpida heresia.

Segundo as lendas papistas, o Purgatório está colo- cado um pouco acima do Inferno, e é uma espécie de mar em chamas.

quadros por que representam as almas afoga- das nessas chamas do Purgatório; o sangue de Cristo, der- ramado de um cálice do sacrifício da Missa, apaga essas chamas, e as almas saem daquele tanque de fogo. Com a indulgência da batina, não se precisa de Missa para os devotos do Carmo saírem do Purgatório.

Segundo grandes teólogos papistas, o Purgatório é em tudo semelhante ao Inferno, exceto na duração. O In- ferno é eterno, mas o Purgatório pode durar mil, dez mil, talvez mesmo cem mil anos, mas, afinal, acabará; não é eterno.

O Bispo D. Silvério Gomes Pimenta conta, nas suas pregações de 1904, que tinha, havia pouco tempo daquela época, uma filha de Pilatos saído do Purgatório! Por con- seguinte, lá esteve dois mil anos!

Relata-nos o ex-padre Hipólito de Oliveira Campos, de saudosa memória, que, em Juiz de Fora, o bispo de Ma- riana contou do púlpito, entre muitos outros casos estu- pendos, o seguinte:

"Havia um devoto das almas do Purgatório, que, embora fôsse pobre, mandava todos os meses celebrar uma missa pelas almas. Muitas vezes se privava de coisas de primeira necessidade, até do próprio alimento, para reser- var o dinheiro da missa do mês. Rezava diariamente cinco padre-nossos pelas almas, além de muitas indulgências que procurava ganhar a favor das mesmas. Quando passava por um cemitério, ou diante de uma Cruz, à beira de uma

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

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estrada, descobria-se e rezava cinco padre-nossos pelas almas do Purgatório etc.

Pois bem; um dia, aquele devoto de almas, numa viagem que fez, montado em certa alimária, passando por uma mata, viu um homem enforcado numa árvore, à beira do caminho. Incontinenti, apeou-se, e, de joelhos, com o chapéu na mão, rezou cinco padre-nossos e cinco ave-ma- rias pela alma do enforcado.

Terminadas as rezas, fez o sinal-da-cruz e montou no seu animal; mas, ao partir, olhando ainda uma vez para o enforcado, viu que o defunto com uma das mãos tomava a corda acima da cabeça e erguia-se; com a outra mão tirava a laçada do pescoço.

Observou estupefacto aquele movimento, quando o defunto, de um salto, lhe montou na garupa do animal.

Assombrado, tremendo de medo, o devoto das almas pôs o animal a toda a brida, correndo quanto podia.

Em certa altura saiu um tiro do mato, que deu com o 4 'defunto" em terra; mas aquele devoto continuou a correr, ainda mais desesperadamente, até encontrar casa. Mal avistou a primeira casa, para ela se dirigiu, e, apean- do-se, quase sem poder falar, contou o que lhe sucedera.

Soube mais tarde que aquele tiro era de um inimigo, que o fora esperar para matá-lo. Mas a alma daquele en- forcado pedira a Deus que lhe consentisse retomar o corpo e montar na garupa do animal do seu benfeitor, obrigan- do este, pelo pavor, àquela carreira, e recebendo, em seu lugar, aquele tiro que o livrou da morte!

Pois esta história foi contada do púlpito de Juiz de Fora, por um bispo brasileiro, reputado uma das maiores ilustrações do Clero!!!

Uma senhora distinta, do Rio de Janeiro, que estava na Igreja naquela ocasião, mulher, aliás, muito piedosa, foi procurar o rev. Hipólito e lhe disse: "Sr. vigário", (naquela época o rev. Hipólito ainda não havia deixado a batina), "como é que um bispo conta um caso desta natureza? !"

94 CATOLICISMO ROMANO

- "A senhora ainda não ouviu nada", respondeu- -lhe aquele padre. Frei João de Santo Antônio, um mis- sionário desse bispo, conta, em quase todas as suas prega- ções, que, na cidade de Curvelo, em Minas, um maçom que não quis confessar-se para morrer, ficou transformado em burro, na sepultura! Certificaram-se disto por terem, alguns anos depois, aberto a sepultura do maçom para en- terrar outra pessoa. Na cova daquele excomungado, em vez de ossos humanos, encontraram um esqueleto de burro!

O certo é que, depois dos casos milagrosos do bispo e de seus padres, começaram a chegar envelopes com di- nheiro para missas pelas santas almas, e o santo prelado e os seus auxiliares não davam vasão aos pedidos de missas nas diversas igrejas daquela grande cidade!

Que tal? Que dizem a uma destas?

A salvação por dinheiro, a salvação por indulgência, quando Cristo mandou dar de graça o que de graça rece- bemos! Que blasfémia, que zombaria de Deus e dos homens! Esta humanidade é muito tola, muito imbecil, para aceitar esta exploração clerical como meio de obter a salvação! Ó pobre e infeliz humanidade, quão iludida estás! . . .

Assim, a Igreja Romana tem esse tesouro inesgotável: as indulgências, as missas, os jubileus para salvar os ricos, os que têm dinheiro com que resgatar os seus pecados. E os pobres que continuem sofrendo neste mundo e paguem na Purgatório, por séculos sem fim, o castigo dos seus peca- dos, porque não têm dinheiro para missas e indulgências!

Se a alma pode sair do Purgatório ao som das moedas que caem nos cofres dos Tetzéis, como poderá a esposa pobre livrar daquelas chamas a alma de seu ma- rido?!

Não se vê, por isso, que tal doutrina não poderia ser de origem divina? Então, que Deus será êsse?

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

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Textos básicos dos

romanistas

1.° "Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não acon- teça que o adversário te entregue ao Juiz, e o Juiz te en- tregue ao Ministro, e te encerrem na prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali, enquanto não pagares o último ceitil" (S. Mat. 5:25-26).

Entendem os romanistas, erroneamente, como vamos provar, que referencia, no texto acima, a um lugar de expiação, e, portanto, um Purgatório.

Procedamos à exegese, louvando-nos nos melhores intérpretes:

' 'Concilia- te sem demora com o teu adversário" Nosso Senhor, sob a forma de um conselho puramente humano, de relações terrenas e de grande importância, à semelhança de Salomão, em Provérbios 6:1-5, uma exortação espiritual ainda mais importante. Por motivos temporais, terrenos, convém apressar-nos em nos harmo- nizarmos com o nosso adversário. Se a nossa falta para com Ele tem sido tal, que pode levar-nos aos tribunais, prudente será que nos entendamos, em particular, com Êle, a fim de evitarmos uma peleja judicial, de que poderá re- sultar não nossa prisão, como ainda muitos dispêndios materiais. Por motivos espirituais, devemos também apres- sarmo-nos em obter a reconciliação com o nosso irmão ofendido. Porque, enquanto continuar a discórdia, a pes- soa, pelos maus sentimentos que nutre para com seu irmão, não está em condições espirituais de participar dos elemen- tos sagrados, tampouco em condições de morrer (Roma- nos 2:8). Nossa reconciliação com o nosso irmão, enquan- to é tempo, para não sofrermos posteriormente o castigo da lei, não é prudente, mas de nosso rigoroso dever. Igualmente, e a fortiori, muito mais obrigação temos de procurar a reconciliação com Aquele a Quem temos ofen-

96

CATOLICISMO ROMANO

dido constantemente, e que tem mais razão de queixa con- tra nós, isto é, Deus, antes que a morte impeça tal recon- ciliação e venha sobre nós o castigo inexorável que nossos crimes merecem.

"Em verdade te digo que não sairás de lá, até paga- res o último ceitil" É lei de hermenêutica universal, in- discutível, que não se deve basear um argumento sobre qualquer doutrina, numa metáfora. Por isso, não se pode provar, por esse versículo, qual o tempo de duração em que terão de penar os condenados por violarem a lei de Deus; todavia, a linguagem aqui empregada deixa trans- parecer que o castigo de durar, enquanto a dívida não for resgatada. Ora, segundo nos ensinam outros passos das Santas Escrituras, em referência à dívida do pecador para com Deus, impossível é, ao homem, pagar essa dívida. Então, é igualmente impossível que o castigo um dia se acabe. Certamente nunca atentaram bem nesta tremenda conclusão as encerebrações dos próceres papistas!

Êsse verso, pois, não autoriza concluir-se que li- mite, quanto à responsabilidade do pecador para com Deus, de sofrimento marcado para os condenados. Tam- pouco dá margem a que pensemos num lugar de purgação ou expiação, no Além, porque, assim como uma dívida não é resgatada ou diminuída pelo fato de o devedor ir para a cadeia (antes aumenta, pelos juros que se vão acumulando, pelo tempo que êle permanece), de igual modo o que sofrem os condenados no Inferno em nada diminui a sua obrigação para com Deus.

Embora seja verdade que, aquilo que um criminoso sofre na prisão, em certo sentido, é uma expiação de seu crime, todavia, o que um devedor sofre não paga, por êste modo, a dívida, pois esta continua por saldar. Ora, neste versículo não se fala de criminoso, mas de devedor, É de suma importância frisar bem isto, pois os conceitos de cri- minoso e devedor não são a mesma coisa.

Compreendeu, Eurípides? Compreendeu, meu amigo católico romano?

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO 97

bem, que Nosso Senhor aqui está dando uma ilus- tração parabólica da necessidade da imediata reconciliação com Deus. Êste é o supremo ensino de Sua metáfora, além dos outros de interesses terrenos e humanos.

O homem, por natureza, está nas mãos de Deus, como um oposicionista de justos reclamos está nas mãos de um adversário mais poderoso. Para a sua própria sal- vação, o homem deve imediatamente fazer as pazes com Deus. Para aquele que morre fora da comunhão com Êle, não esperança de restauração. Mesmo porque, se hou- vesse, não haveria tão grande necessidade de Nosso Se- nhor, em seu sermão, plataforma do Seu Reino, tanto en- carecer esta necessidade. No caso de sua exigência de tal reconciliação e o mais rápido possível, é evidente, é in- contestável que o perigo no Além é irremediável, é inape- lável e o sofrimento indizível!

Destarte, a passagem encerra mais uma advertência, quanto ao futuro, acerca de uma irremediável desgraça, para o homem que morre fora da comunhão com Deus, e não se refere a um lugar de purificação. Assim é que está certo!

Quanto ao texto de S. Mateus 12:32, que Eurípides cita: "pecado que não será perdoado, nem neste mundo nem no outro" , não referência, absolutamente, à pos- sibilidade de perdão na vida futura, nem a um lugar de purificação.

Trata-se de expressão proverbial enfática bem conhe- cida, para significar que, em tempo nenhum, e em circuns- tância alguma, haverá perdão para quem cometer o pecado de blasfémia contra o Espírito Santo; isto é, não há, abso- lutamente, perdão para quem, consciente e deliberadamen- te, rejeitar a presença e o Poder do Espírito Santo. É im- possível a êsses tais serem perdoados, simplesmente porque negam o Cnico Agente, pelo qual a Graça de Deus pode ser comunicada. É um pecado que expõe o pecador à ira temporal e eterna; à ira no tempo e no Grande Dia de Julgamento Final.

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CATOLICISMO ROMANO

Há, Eurípides, uma lei de hermenêutica universal, que Você e seus "irmãos" romanistas parece desconhece- rem, segundo a qual não se deve interpretar nenhum texto das Sagradas Escrituras em desarmonia com outros textos absolutamente claros, insofismáveis, sobre a doutrina que se quer firmar. E, por isso, ainda que pairasse a mínima dúvida no passo em apreço, numa multidão de outros tex- tos da Bíblia, a verdade sôbre a existência de tal lugar de expiação, temporária, não é admissível, de forma alguma, como, mais adiante, provaremos.

Quanto ao texto de L3 Cor. 13:14-15, em nada razão para se arquitetar um Purgatório, porquanto o Apóstolo S. Paulo tem em vista uma prova que terá lugar depois da morte, mas no julgamento final. Trata-se de uma prova de fogo, segundo a qual o crente obterá ou não a recompensa, de acordo com suas obras. Se estas têm ele- mentos corruptos, são seus autores queimados, e, embora sem recompensa ou galardão, serão salvos, "como que, pelo fogo".

E quando Você, Eurípides, cita S. Lucas 12:47-48, acerca do servo que, conhecendo a vontade do Seu Senhor, não se preparou nem a cumpriu, e recebeu, por isso, mui- tos açoites; enquanto o que, não a conhecendo, fêz coisas dignas de açoites ("receberá poucos açoites"), de for- ma alguma tal passo pode significar, no juízo de Deus* uma espécie de castigo, que não é eterno. De forma alguma ! E por quê? Pela simples razão, Eurípides, de que o Divino Mestre, nesse texto, apenas se refere a graus de castigos e não à sua durabilidade.

E a verdade é fácil de compreender, para quem tem um pouco de miolo na cabeça ou não usa em sua dialética. Dizer que um condenado será castigado com poucos açoites, ou com muitos, consoante a gravidade de sua culpa, não é o mesmo que declarar-se que sua penali- dade seja ou limitada a certos números de anos ou perpe- tuada pelas galés. Não se trata, no caso, de tempo, mas de intensidade.

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

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Testemunho

de grandes padres e doutores da Igreja

Das páginas 103 a 128 do seu livro, prcocupa-sc Eurípides com citar o testemunho de muitos padres e dou- tores dos primeiros séculos da Igreja, e alega que eles re- comendavam a oração pelos mortos e ensinavam a dou- trina do Purgatório!

Ora, meu caro, é sempre o mesmo argumento de quem apenas pretende impressionar os incautos com o número de aderentes e pregadores das inovações romanistas, como se isto tivesse força de argumento probatório de sua tese an- tibíblica.

O que valeria era se esses "Gigantes da Fé", a que Você se refere, provassem, insofismàvelmente, com textos bíblicos, a veracidade das afirmações fortuitas, inconsis- tentes e erróneas que ou impensada, malévola e calculada- mente fizeram, ou por reconhecida ignorância do sentido da Palavra de Deus.

Qua adianta a fatuidade de todo esse arrazoado?

É caso para lhe lembrarmos o que, divinamente ins- pirado, disse o grande Profeta Isaías: "Antes à lei e ao testemunho é que se deve recorrer" , porém, "se eles não falarem na conformidade desta palavra, não raiará para eles a luz da manhã" (Is. 8:20).

É que, simples testemunhos de autores não inspira- dos não poderão prevalecer contra o testemunho inequí- voco, insofismável e incontrovertível da Bíblia Sagrada I

Citem-na! Provem o que afirmam, com textos bí- blicos insofismáveis!

lei e ao testemunho" da Palavra, disse o grande Isaías. O mais é conversa fiada para engazopar os trouxas, ou fazer cair nas malhas os pobres incautos e ignorantes!

O que vale, pois, não é o testemunho dessa gente, ainda que amontoe e enfileire milhões: O que vale é o tes- temunho bíblicol

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CATOLICISMO ROMANO

E, que Você enche a boca, ao falar em "gigantes da fé", vai o testemunho de alguns deles.

Cirilo, eminente bispo de Jerusalém, diz expressa- mente: "Nem ainda o mínimo dos sacros e divinos misté- rios da deve ser transmitido SEM AS DIVINAS ESCRITU- RAS (o versalete é nosso). Nem me acrediteis quando vos falo destas coisas, se não tendes a prova do que digo na Palavra Santa. Pois, a certeza e a preservação da nossa não são sustentadas pela habilidade da palavra (palavra humana), mas pela prova da Escritura Sagrada' (Catec. 4, Sect. 17, pág. 108). Como vê, Eurípides, até este gran- de "gigante da Fé" afina pelo mesmo diapasão por que sempre afinamos.

E poderíamos citar-lhe outros, entre os quais o bispo de Cartago, S. Cipriano, que verberava o papa Estêvão, acusando-o de "cegueira", "dureza" e "obstinação", di- zendo-lhe mesmo que, "a tradição sem a verdade é a velhi- ce do êrro".

E mais S. Jerônimo, que escreveu: "Assim como aceitamos as coisas que estão descritas (na Bíblia), tam- bém rejeitamos as que não estão escritas". (S. Jerônimo, Adv. Helvid.). Abra os olhos e deixe de necedade:

E perdeu seu tempo também, citando, em abono de sua crença, o testemunho de um pastor protestante, qual seja, Tomás Pinheiro Guimarães, que, sobre ser um de- sertor da verdadeira crença evangélica, tornando-se um modernista, sua autoridade vale tanto quanto a de Você, ou como a de qualquer outro, seja quem for, quando afirma o que não está na Escritura!

Eurípides: lei e ao testemunho"!

"Errais, não conhecendo as Escrituras . . ." (S. Mat. 22:29).

Razões

e testemunhos bíblicos contra o purgatório

Pretendemos encerrar, aqui, a discussão sobre o Pur- gatório, relacionando os principais textos bíblicos que não

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

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admitem, absolutamente, a possibilidade, sequer, de tal ensinamento:

1. ° Porque nas Escrituras não se encontra tal dou- trina. É uma invenção dos homens. o demonstramos pela sua origem e evolução através dos séculos.

Chamamos, pois, a atenção para estas palavras de Cristo, que serão proferidas no dia do Juízo Final: "Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo". "Apartai-vos de mim, malditos, ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos". Irão estes para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna" (S. Mat. 25:34,41,46).

No julgamento final, os justos irão para o céu, e os maus, para o Inferno.

"E ao servo inútil lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes" (S. Mat. 25:30).

"E toda esta multidão dos que dormem no da terra, acordarão, uns para a vida eterna; outros, para a vergonha e nojo eternos" (Daniel 12:2).

S. Paulo diz: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Resta-me agora a coroa da Justiça, que o Senhor reto Juiz me dará naquele dia e não a mim como a todos os que amam a sua vinda".

Vemos Cristo dizer ao bom ladrão: "Hoje estarás comigo no Paraíso".

Madalena ouviu essas palavras de Jesus: "Perdoados são os teus pecados; tua te salvou, vai em paz".

Onde em todas essas palavras referência ao Pur- gatório?

S. Paulo dizia: "Eu desejo partir e estar com Cristo"» Não esperava o Purgatório.

2. ° Porque Deus declara, em Sua Palavra, que "não mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus"; não obstante, os padres os enviam ao Purgatório para expiação de uma falta perdoada na terra!

Que disparate! (Vide Rom. 8:1).

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CATOLICISMO ROMANO

3. ° Porque Deus não queima seus filhos no Pur- gatório para satisfazer à Sua Justiça, visto que esta foi satisfeita pelo sacrifício da Cruz.

Logo, a doutrina do Purgatório implica em tirar o valor infinito do sacrifício do Calvário, e isto basta para invalidar o mérito de tal doutrina e demonstrar a nenhuma razão de ser de sua recomendação, para quem de fato se diz cristão e a Cristo o valor infinito que Sua obra na Cruz tem, realmente.

4. ° Porque Deus, condenando-nos a sermos quei- mados durante alguns milhares de anos, exerce Sua mise- ricórdia pela punição, e procede como os tribunais huma- nos, que absolvem o delinquente da pena de morte, mas o condenam a galés perpétuas!

5. ° Porque Jesus, que intercede no céu pelos peca- dores, vê-se impossibilitado de livrar as almas do Purga- tório, porque o papa tem a chave daquele cárcere!

E senhores, o papa tem um coração mais duro do que Harpagão, que talvez desse alguns escudos para retirar seus filhos das galés, ao passo que Saa Santidade deixa queimar os seus, durante milhares de anos, e não levanta o ferrolho da porta, senão para aqueles que deixaram neste mundo dinheiro ou amigos ricos!

Daí, dizer-se que o Purgatório é "a galinha de ouro da Igreja".

6. ° Porque o Purgatório não purifica coisa algu- ma, visto que as almas dos justos que descem estão purificadas de todos os seus pecados ( l.a João 1:7). "O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado". Não diz de algum, mas, de todo. E, se nos purifica de todo, que necessidade de ainda irmos expiar algum pecado, venial que seja, no Purgatório? É de todo ou não é? E que mais será preciso dizer?

Não se vê, por aí, que tal doutrina desmerece o valor total, integral, perfeito do sacrifício de Nosso Abençoado Senhor Jesus?

7. ° Porque dizer-se que as almas expiam suas faltas no Purgatório é atribuir ao fogo do sofrimento o

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

103

poder do sacrifício, e desconhecer completamente a obra Vicária de Cristo sobre a Cruz.

8. ° Porque é admitir que os criminosos perdoados pelos reis da terra são corporalmente melhor tratados do que os filhos de Deus. O rei perdoa dispensando as galés e deixando a vergonha sobre a fronte do criminoso; Deus apaga a vergonha do pecado, mas não dispensa seu cas- tigo, sua pena!

Então, que espécie de perdão será este?

9. ° Porque o castigo do pecado permanece, depois de perdoado o pecado!

10. ° Porque, neste caso, existe um fogo de mais virtude purificadora do que o sangue de Cristo! Entretan- to, como citamos: "... O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado". (l.a João 1:7).

Então, repita-se o argumento, que é de capitalíssima importância: PARA QUE SERVE O SANGUE DE CRISTO?

Ah! Respondem: Jesus Cristo satisfez a pena devida aos pecados cometidos antes do batismo, e não a daqueles que foram cometidos depois do batismo!

Maldito sofisma! Roma tem sempre saída para cada dificuldade, mas cada qual destituída de fundamento nas Santas Escrituras e aberrando do bom senso e da razão!

"De sorte que como bem observou um ex-padre na Igreja de Roma seria mais vantajoso não se ser ba- tizado do que sê-lo, e seria humaníssimo da sua parte ter milhares de padres que se ocupassem exclusivamente em batizar, na hora da morte, a fim de evitar aos seus fiéis as dores tremendas de um fogo, cuja lembrança faz enlou- quecer!"

Quantos absurdos e incoerências, pelo capricho de sustentarem uma doutrina em flagrante contradição com os ensinos da Palavra de Deus!

Entretanto, o nosso bom senso e as Escrituras nos dizem que o Juízo de Deus é imutável. Julgado por Deus, quem poderá modificar esse julgamento? (Hebr. 9:27).

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CATOLICISMO ROMANO

11.° Finalmente, não podemos aceitar o Purgató- rio, porque, segundo a Escritura, "após da morte segue-se o juízo".

A Escritura diz que "a árvore há-de ficar no lugar em que cair: se cair para a parte do meio-dia, ou para a do norte, em qualquer lugar onde cair, ficará" (EcL 11:3).

A sentença de Deus é imutável Deus não muda como os homens. Graças a Deus está escrito: "O que crê no Filho tem a vida eterna" (João 3:36).

Aquele que aceita Cristo como Seu Salvador, para esse não mais condenação de espécie alguma: passou da morte para a vida, das trevas para a luz.

Que doutrina gloriosa e que verdade consoladora!

;}c s|c sfs

Aceitai o Evangelho puro do Divino Mestre. Con- fiai exclusivamente no Seu sacrifício vicário na Cruz do Calvário, "que nos purifica de todo o pecado", e para vós não Purgatório.

"Aquele que tem sede, venha; e quem quiser tome de graça da água da vida" (Apoc. 22:17).

O Purgatório: um poema

Do nosso livro "O Romanismo à Barra do Evan- gelho" extraímos o poema, com que pretendemos pôr a última de cal no túmulo dessa incongruente doutrina romanista, pois, quem não houver ficado satisfeito com a nossa prosa, talvez se satisfaça com nossos versos:

O Purgatório *

Doutrina bem mais grave apareceu, invento da ganância clerical

* Textos que combatem tal doutrina: Mat. 1:21; Mare. 16:16; João 1:29; 5:24; Efés. 1:7; Luc. 16:22,26; Hebr. 9:27; Apoc. 22:11; Rom. 3:20,21,24,28; Gál. 2:16.

ORAÇÃO PELOS MORTOS. PURGATÓRIO

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foi a do Purgatório, que nasceu da ambição desse clero tão venal! . . . No célebre Concilio de Ferrara, 1 pela primeira vez foi discutida

estoutra inovação; porém, foi mais tarde permitida no famoso Concilio de Florença 2

a tal doutrinação. Dois lugares existem tão somente: Céu e Inferno, que Cristo revelou: 3 Sendo o Céu reservado para o crente, e o Inferno para quem Cristo negou! Mas a Igreja o que ensina é diferente: que o Purgatório existe, e servirá para purificar inteiramente o pecador, que, então, se salvará! . . . Com o fim de apressar a salvação, e o pecador poder no Céu entrar, inventou para o povo a obrigação de missas pelo morto celebrar! . , Apressar podem missas a saida da vitima que cai no Purgatório, que terá sua pena reduzida por meio do metal expiatório] Para essa fonte ser mais produtora de lucros, esse clero explorador vive ensinando à raça pecadora que para o Céu a missa é o corredor! . . E declara, para isso, afoitamente, que os fiéis vão terminar no Purgatório, e do qual subirão ao Deus Clemente, pelas missas de efeito intercessóriol . . . Explorando a crendice popular, com o seu tão famoso Purgatório,

1 A. D. 1438.

2 A. D. 1439.

3 S. Mateus 7:13-14; S. Mateus 25.

106

CATOLICISMO ROMANO

consegue o Romanismo dominar,

com todo o seu cinismo bem notório! . . .

Transformou-se isto em transação rendosa,

por causa da crendice rabujenta,

que a gente clerical indecorosa,

cada vez mais nos tolos alimenta!

O sangue do Cordeiro Imaculado,

que purifica, inteiro, o pecador, 1

com tal doutrina fica desprezado

desprezado também o Redentor!

i l.a João, 1:7.

CAPÍTULO VII

ONDE ESTÁ ISSO NA

BÍBLIA?

O capítulo do livro euripidino, que traz o título acima é dos mais infantis de sua obra; chega a ser mesmo um atestado da sua fatuidade mental. Com pouca coisa se destrói.

Basta dizer que ele faz tábua rasa da exigência pro- testante de que tudo quanto se afirma, em matéria de Fé, deve ser comprovado pela Bíblia.

Sim, Eurípides, para se firmar qualquer doutrina, em matéria de Fé, é preciso que esteja contida explícita ou implicitamente nas Santas Escrituras. (Vide Isaías 8:20).

Eis a razão da exigência não dos protestantes, como ainda de todos aquêles que precisam, a qualquer doutrina, dar o cunho de verdadeira.

O mesmo se no campo científico e até no jurídico.

Em que de basear-se, por exemplo, um advogado, para firmar-se numa lei, se a mesma não estiver contida explícita ou implicitamente no Código das mesmas leis?

Exatamente, a mesma coisa sucede quando se discute a constitucionalidade ou não dêste ou daquele decreto do Poder Executivo. Neste caso, para que se apela logo? A resposta é intuitiva: para a Constituição.

Pois, meu caro Eurípides, fique sabendo que, em ma- téria de Fé, a Bíblia é a Magna Carta da Constituição Divina, pela qual todas as leis humanas se deviam reger.

Cada vez mais estamos admirados da irreflexão pa- vorosa que se manifesta em todo êste seu paupérrimo arrazoado!

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Permita, Eurípides, que lhe digamos, com toda a franqueza, que Você, ao engendrar este seu trabalho, pelo qual nenhum espírito cintilante, ou desempoeirado, o po- derá felicitar, parece ter tido, apenas, em vista os leitores ignorantes ou semi-analfabetos. Ora, na sua igreja, nem todos são deste jaez.

Sendo assim, profundamente lamentamos!

Depois deste preâmbulo que representa ainda uma exortação, própria de quem não lhe quer mal, mas o seu bem, e em proveito das almas a quem procuramos escla- recer e salvar entremos na matéria do capítulo 8.° de seu desvalioso livro.

É interessante notar, antes de mais nada, que Você, em todo o seu livro, manifesta a preocupação máxima de mostrar que é erudito, que tem conhecimento profun- do (!) da matéria que se propõe versar.

Daí, os seus malabarismos sibilinos em citar este e aquele teólogo, aquêle e aqueloutro doutor e padre da Igreja etc, etc.

Isto, para qualquer espírito medíocre (ou abaixo), resultado. Mas perante espíritos dotados de visão, que nem a poeira consegue diminuir, toda a sua erudição e sabedoria caem por terra, qual castelo de cartas, que não resiste à primeira rajada de vento forte!

Vejamos.

Quem lhe disse, porventura, que, em matéria de Fé, não é a Bíblia que nos deve servir de base? Se sairmos da Bíblia, que CONTÉM TUDO o que é mister para a salvação, onde nos poderemos escudar para crermos, ou não, em determinado artigo de Fé?

De propósito, meu caro Eurípides, grifamos TUDO» E sabe por quê? Para cortarmos, radicalmente, "in ra- dice", o mísero argumento que Você e os seus caríssimos mestres os padres costumam empregar, citando o último versículo do cap. 21 do Ev. de S. João: "Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez . . /\ como se isto tivesse o mínimo valor probatório contra a nossa tese.

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E, como Você nos tem dado a impressão de que não é dotado de lúcida inteligência, vamos explicar-lhe, cuida- dosa e atenciosamente, o nosso raciocínio, para que Você possa compreender bem.

Se tivesse algum valor o seu modo de ver, baseado no texto de S. João, supracitado, scguir-se-ia que Jesus não teria ensinado tudo o que era necessário para nos salvar.

Tem alguma coisa a depor contra este raciocínio, Eurípides?

Cremos que não.

Neste caso, vamos continuar.

Cumpre-nos observar, desde já, que o citado passo de S. João não autoriza ninguém a tirar tão inconsistente ilação.

De fato. Abra bem os olhos e verá que se diz, ex- pressamente: ' 'Muitas outras coisas que Jesus FÊz". Note bem que não diz que Jesus ensinou, mas que FÊZ.

Daqui poderíamos concluir, sempre dentro das leis da lógica, sem o mínimo sofisma, nem subtilezas, que o Evangelista deixou de referir muitos atos do Divino Mes- tre, que, em ordem à salvação ou à Fé, seriam julgados supérfluos, e, sendo assim, seria desnecessário mencio- ná-los, como provas a mais do provado.

Isto para lhe respondermos à letra e desfazermos esse argumento, a que nós chamamos de mísero, mas ao qual a alicantina clerical procura dar muita importância, e nós sabemos muito bem por quê. É nesta fragilíssima base que o clerícalismo pretende alicerçar o seu ruível edifício da tão decantada TRADIÇÃO!

A suficiência da Bíblia em matéria de

Caro Eurípides, como vimos de demonstrar, ante- riormente, o texto de João 21:25 não admite, abso- lutamente, a sua interpretação, de que a Revelação Divina

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não tivesse ficado completa. Temos os olhos muito bem iluminados, para vermos tudo isso e mais do que isso.

Agora, veja a clareza do nosso argumento.

Quando afirmamos que a Bíblia CONTÉM TUDO o que é mister para a salvação, temos duas bases sólidas, entre outras, para fazermos tal afirmativa.

A primeira é esta: Cristo tinha de deixar a Sua obra completa. Qual foi esta obra? A salvação das almas, finalidade única para a qual Êle encarnou.

Dentro desta ordem de ideias, é absolutamente im- possível admitir-se a desgraçada hipótese, por Você admi- tida — e pelos mestres clericais, aos quais Você, reverente e subservientemente curvou a cabeça: a hipótese de a Bíblia ser insuficiente para nos ensinar tudo para a salvação. em tal hipótese é que seria necessário recorrer-se à tradição dos homens.

Será isto admissível, Eurípides: deixar Cristo os Seus divinos ensinamentos incompletos e entregues à tradição de homens, sempre passíveis de errar?

Ignora Você o adágio: "quem conta um conto, au- menta um ponto"? Pois é isso mesmo o que sua Igreja tem feito através dos séculos, sempre a acrescentar, aqui e ali, pontos e mais pontos!

Quer agora ver a segunda e indestrutível base do nosso argumento, que o mesmo é dizer, da nossa tese?

Basta um pouco de atenção, e nada mais.

Note bem. Sustentamos nós que a Bíblia CONTÉM TUDO o que é suficiente para a salvação. Verifique, agora, a exatidão de tal doutrina, em confronto com a Divina Palavra.

Para lhe pouparmos trabalho, aqui mesmo lhe es- tampamos o que se afirma no último livro da Sagrada Escritura. Em Apocalipse, cap. 22:18.19, lê-se: "ninguém pode acrescentar alguma coisa" ou "tirar" dêste livro ins- pirado, sob pena de lhe ser tirada "a sua parte da árvore da vida e da cidade santa, que estão escritas neste livro".

Agora, caro Eurípides, raciocinamos nós: Se nin- guém pode "acrescentar" ou "tirar" alguma coisa a um

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livro divinamente inspirado, segue-se que, fatalmente, e ainda dentro das leis da lógica, que o mesmo CONTÉM TUDO o que é suficiente, não lhe faltando, portanto, coisa alguma.

Para que vem, então, Você, com argumentos infan- tis, que lhe são despejados no crânio pelos novos "mes- tres", perante os quais, reverentemente se encurvou?

Quanto o lamentamos, meu caro Eurípides!

A Revelação de Deus, sendo completa, como aca- bamos de provar de modo irretorquível, dispensa, abso- lutamente, a inoportuna e misérrima intervenção dos homens. E, sobretudo, porque tal intervenção incorre na maldição divina: "Deus fará vir sobre ele" (aquele que acrescentar ou tirar alguma coisa) "as pragas que estão escritas neste Livro", conforme citação anterior.

E é preciso observar-se ainda, amigo Eurípides, que a sua tese do enxerto das tradições é perigosa, pois, jul- gando-o necessário como complemento da Revelação Di- vina, nega a eficácia da Sagrada Escritura, que o mesmo equivale a dizer serem insuficientes os ensinamentos de Jesus.

E aqui é que está a chave do problema, Eurípides: por mais malabarismos, tão próprios das subtilezas e arti- manhas clericais, nunca poderão sair deste abismo em que, cega ou ardilosamente, se afundaram.

De fato, na hipótese da insuficiência da Bíblia, dos ensinos de Jesus, é que seria admissível a decantada tradição! . . .

Convém, ainda, em reforço bíblico de nossa tése, que citemos mais alguns passos da Santa Bíblia. Ei-los: "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti só, por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17:3). Por se vê, claramente, que a salvação está no conhecimento de Deus e de Seu Divino Filho, o Enviado. Que adiantam, pois, os sofismas jesuíticos? E mais: "O que vimos e ouvimos, vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão está com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo. Estas coisas vos es-

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crevemos, para que o vosso gozo se cumpra" (l.a João 1:3,4). Estoutro texto não afirma que a nossa comu- nhão íntima com o Pai, com o Filho e com a Igreja nos capacita para a salvação, como ainda assegura-nos que o nosso gozo de cumprir-se. Que queremos mais, Eurí- pides? Que mais nos falta, se na Santa Palavra temos tudo?

A leitura da Bíblia A teoria do livre exame

Analisando o arrazoado do 'mestre" Eurípides, à página 133 do seu livro, achamos interessante, entre outras, esta passagem, em que ele, muito sentenciosamente, manifesta haver "flagrante contradição com a teoria do livre exame" o fato de nos seminários calvinistas se estu- dar a teologia dogmática!

Mais uma vez ficamos de boca aberta, de tão pas- mados que nos sentimos, em face de tão desconcertante e tão ilógico raciocínio !-

Com que, então, acha s.s. "flagrante contradição com a teoria do livre exame" o estudo da teologia dogmá- tica nos seminários calvinistas?

Mas, por quê?

Onde, mais uma vez, foi buscar base para formular tal raciocínio?

Porventura ficará mal a um calvinista, ou seja a quem fôr, estudar todo e qualquer ramo de ciência, máxi- me, a Ciência Teológica?

Que num seminário católico se não estude a teologia daqueles a que chamam de protestantes, ainda é compreen- sível, porque toda gente sabe que a formação do padre católico é puramente unilateral, visto que é vedado aos seminaristas até a simples leitura de qualquer livro que não esteja de harmonia com o credo romanista. E o que mais é: a autoridade eclesiástica é fulminante com a exco- munhão contra os católicos que tenham a ousadia de ler qualquer livro contido no terrível "Index".

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Mas, aos evangélicos, como Você sabe ou deve saber muito bem, nenhuma leitura é proibida, e nisto está uma das razões de nossa superioridade, em relação aos católi- cos, que podem ler pela cartilha papalina!

E não vê, não enxerga o amigo que pode haver EXAME, e livre, ainda por cima, como nós evangélicos acreditamos, onde se lê, se estuda, se examina, se raciocina? ! Como haver EXAME, sem exame ou sem exames? Livre exame exige o estudo de tudo o que está sob juízo ou verificação; logo, a dogmática (teologia, no caso), deve ser objeto de estudo. Não é mesmo?

Portanto, não tem nenhuma razão de ser essa sua infeliz saída, falando numa "flagrante contradição", onde tal não existe.

E Você não pode desconhecer que este nosso modo de proceder está fundamentado nas Santas Escrituras, que, pela pena de S. Paulo, divinamente inspirado, disse: "Examinai TUDO e abraçai o que é bom" (l.a Tess. 5:21).

Porventura êste "examinai TUDO", de inspiração di- vina, poderá alguma vez sofrer restrições por inspiração ou mandado humano? Oh! cegueira humana!

Como vê, portanto, caro Eurípides, nós gostamos de apresentar os nossos pareceres doutrinários, com funda- mento na Palavra de Deus.

Interrogações sibilinas

Entremos, agora, na refutação das interrogações sibi- linas, formuladas pelo Autor, à página 134 de seu livro.

Vejamos a primeira dessas interrogações.

Pergunta o "mestre" Eurípides: "Onde, na Bíblia, a supremacia do Rei (ou da Rainha) em matéria reli- giosa?"

Em vez de respondermos a tão frívola e descabida pergunta, seja-nos permitido perguntarmos também: a que propósito vem tal interrogação?

Será que alguém, no campo evangélico (se o caro Eurípides prefere, como os seus "venerandos* ' mestres,

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diremos antes, no campo protestante), será que alguém nesse campo evangélico defende ou defendeu, algures, que o Rei (ou a Rainha) tem alguma supremacia em matéria religiosa ?

Se não, qual a razão de ser de tal afirmação?

Para que inventou o "mestre" Eurípides "um bicho de sete cabeças", quando nada existe, que não, possivel- mente, alguma teia de aranha na sua cabeça?

Tal pergunta parece-nos totalmente destituída de fundamento.

Passemos à segunda interrogação sibilina: "Onde está na Bíblia a legitimidade do uso de armas, a obrigação do culto público, a guarda do domingo, o batismo das crianças?"

Divide-se em quatro partes, esta pergunta: uso de armas, obrigação do culto público, guarda do domingo e batismo das crianças.

Uso de armas

Nesta pergunta uma pavorosa confusão do huma- no com o divino.

Antes de mais nada, Eurípides, nós não exigimos que a Bíblia contenha todos os conselhos e preceitos, que di- ríamos, de ordem humana, porque, nesse caso, os livros santos teriam de ser inúmeros. O que nos interessa é que a Bíblia contenha (e é isso que sustentamos) os conselhos e preceitos de ordem divina suficientes para alcançarmos a salvação eterna, e princípios que dirijam nossas ações e desejos.

Nem outra coisa nós podemos exigir dos livros santos.

Leia-se: "Toda a Escritura, divinamente inspirada, é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja per- feito' (2.4 Tim. 3:16,17).

E o Divino Mestre não deixou de inculcar que erram aquêles que não conhecem as Escrituras, quando expres-

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sãmente diz: "Errais não conhecendo as escrituras,.." (S. Mat. 22:29).

Daqui se conclui, clara e logicamente, que não erram os que conhecem as Escrituras.

Nem venha ninguém pretender contestar a nossa con- clusão, absolutamente lógica, dizendo que houve e mui- tos que tiveram e têm conhecimento das Escrituras e, no entanto, têm errado. Tal não ocorre por falta de conheci- mento das Escrituras, mas sim porque êles não puseram em prática os ensinamentos nelas contidos.

Em face do exposto, achamos absolutamente desca- bida a interrogação do Autor, no atinente legitimidade do uso de armas". Isto será assunto para os Códigos das leis humanas.

Pretender encontrar base na Bíblia para esta e outras lucubrações do pensamento humano, será o mesmo que exigir que as Santas Escrituras nos ensinassem as regras gramaticais ou da lógica, as leis que regem os combinados químicos ou os processos jurídicos, etc. etc. !

Neste caso, a Bíblia usurparia o lugar a todos os tra- tados das ciências humanas, e das leis que regem ou re- gulam as relações dos homens em sociedade.

Além do mais, no A. T. e no N. T. exemplos claros e princípios evidentes que ensinam o uso legítimo de armas. Deus e seu povo as usaram. Jesus e os seus ti- veram até espadas. E Romanos 13 chega para limpar a mente do caro Eurípides, no caso. E Roma, que usou e usa armas à bessa, e tem até um pequeno exército no Vaticano . . . onde foi tirar licença para tanta cousa? . . .

Onde, Eurípides?

O Culto público

Quanto ao "culto público, guarda do domingo e ba- tismo das crianças", cumpre-nos adverti-lo de que tudo isso está na Bíblia, senão explícita, pelo menos implici- tamente.

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Vamos responder ao que o Autor chama 'obrigação do culto público".

Jesus Cristo deu a ordem aos seus discípulos: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatu- ra . . (S. Marcos 16:15,16). Daqui podemos tirar duas ilações: a primeira é que, se Jesus deu ordem (e não se deve fugir à realidade da significação dos termos) de se pregar o Evangelho, tal ordem constitui uma obrigação. A segunda ilação é que, tratando-se de pregar "o Evan- gelho a toda a criatura", depreende-se, claramente, que tal pregação deveria ser feita de tôda e qualquer maneira pos- sível, isto é, particular e publicamente. E não serve o exemplo da Igreja Apostólica, com seu culto público? É ver Atos...

Guarda do domingo

Vejamos o que diz a Palavra de Deus.

Abra a sua Bíblia, caro Eurípides, e leia: "E no pri- meiro dia da semana, (isto é, domingo), ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e alargou a prática até à meia noite" (At. 20:7).

Leia ainda: "No primeiro dia da semana (portanto, ainda no domingo) , cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade . . (l.a Cor. 16:2).

Ora, nesses textos acima, não referências ao domingo ("primeiro dia da semana"), como na sua obser- vância ou guarda, porque se depreende, especialmente do texto paulino, que era praxe, entre os discípulos, depois da ressurreição de Cristo, a sua guarda, razão por que eles se reuniam em assembléia, para a prédica, oração e "o par- tir do pão". E tanto é isto verdade, que S. Paulo deu instruções sôbre coletas, que deveriam ser feitas naquele dia, a saber: "No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte . .

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Jesus aparece, após de Sua ressurreição, aos discípu- los, "que estavam reunidos no primeiro dia da semana" (S. João 20:19).

O "primeiro dia da semana" , que tinha entre os pagãos o nome de "Dia do Sol" (domingo, chamado pelos ingleses "sunday" "dia do sol"), é reconhecido por Justino Mártir, na sua Apologia (150 A. D.) ; refe- re-se às assembléias e aos serviços religiosos, que os cris- tãos efetuavam no "dia do sol". A mesma terminologia também se encontra num édito do Imperador Constanti- no (321 A. D.).

As designações "dia do sol" e "dia do Senhor" se acham num édito de Graciano como sendo o mesmo dia (386 A. D.).

Portanto, a "guarda do domingo, que é o primeiro dia da semana", como o "dia do Senhor", reconhecido e adotado pela cristandade, desde os dias dos apóstolos, como dia de descanso, em comemoração da ressurreição de Cristo vem expressa na Bíblia, não pelos textos citados e em muitos outros que poderíamos acrescentar, como pelas considerações históricas que acabamos de fazer.

Daí, Eurípides, mais uma prova de sua ingenuidade, ignorância ou fé, com referência às Sagradas Escrituras e à própria história da Igreja, quando faz a pergunta: "onde está isto na Bíblia?"

Batismo das

crianças

Passemos à última parte da pergunta, sobre o batis- mo das crianças, que Eurípides alega não estar na Bíblia.

Respondemos, simplesmente, à sua- alegação, reme- tendo o Autor aos compêndios de Teologia, inclusive os de sua própria Igreja. verá, claramente, sustentada, por dedução de inúmeros passos bíblicos, a obrigação do batis- mo das crianças.

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Sc não, repare bem: Segundo a própria teologia ca- tólica ensina, e damos-lhe razão neste ponto, o batismo é, no Novo Testamento, o que era, no A. Testamento, a circuncisão.

Donde é lícito concluírem, tanto os teólogos católi- cos como os protestantes, que, terminada a obrigação da circuncisão, depois de Cristo começou a obrigação do batismo.

E isto mesmo que se infere no resultado do Concílio Apostólico, em Jerusalém, onde ficou sepultada, de vez, a dúvida que ainda tinha persistido, durante algum tempo, •na mente de alguns apóstolos, se os novos crentes deveriam ou não ser circuncidados. Está claramente expresso em Atos 15:5-20.

Aqui fica bem expresso que os apóstolos terminaram de vez com a cerimónia da circuncisão, que era, como se disse, simples figuração do batismo no N. T.

Para sermos mais claros ainda, resta-nos dizer ao "mestre" Eurípides que a ordenação do batismo veio dire- tamente de Cristo, pois foi Êle Quem, mandando aos seus apóstolos ensinar a todas as gentes, acrescentou: "bati- zando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo" (S. Mat. 28:19).

Em corroboração desses testemunhos, temos, ainda, Atos 16:15, onde se que Lídia, mulher da cidade de Tiatira, "foi batizada, ela e a sua casa" , isto é, família.

Daqui se pode inferir, que em sua casa (de Lídia) possivelmente havia alguma criança. Tanto mais que casa está empregado, aqui, sem a menor sombra de dúvida, em sentido metafórico, e significa toda a família da casa, gran- des e pequenos.

Veja-se, ainda, a respeito, Atos 16:33.

Firme-se, pois, a doutrina verdadeiramente bíblica que os filhos dos crentes não têm menos direito ao batis- mo, no regime evangélico da Graça, do que a descendência de Abraão tinha ao rito da circuncisão.

Sobretudo, não nos esqueçamos de que N. S. Jesus Cristo mandou que se batizassem "todas as gentes", sem

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distinção de pessoas, grandes ou pequenas. E mais: tendo Êle abençoado as criancinhas, e dizendo que , . delas é o Reino dos Céus", têm estas, por consequência, direito ao batismo, pois quem tem direito ao máximo (que é ó reino dos Céus), certamente terá ao mínimo, que é (no caso) o batismo rito de iniciação na Igreja ou no Reino de Deus (S. Mat. 5:3; S. Mare 10:16).

Os de outrora, ignorando os esplendores da doutrina cristã, inclusive alguns discípulos atrasados do Mestre, não não tratavam bem as mulheres, como as próprias crian- ças. Jesus lhes ensinou uma lição importante, quando disse: "Deixai vir a mim os pequeninos e não os emba- raceis". Quer dizer que Jesus não tinha apenas uma mis- são referente aos adultos: tinha-a também, quanto às crianças. "Porque disse Êle das tais é o Reino dos Céus', Vê-se, de tal ensinamento, a importância que Nosso Senhor deu às crianças. Noutros passos bíblicos, Nosso Abençoado Senhor apresenta as crianças como mo- delos do Reino de Deus, e assim procede, precisamente, porque elas possuem as qualidades do verdadeiro cidadão de Seu Reino: a humildade, a docilidade e a simples con- fiança. Com tais características, pois -— inerentes aos que de fato pertencem ao Reino dos Céus as crianças têm o privilégio de entrar nesse Reino. Ora, o rito de iniciação ou de admissão nesse Reino é o batismo, como farta- mente demonstramos e não o desconhece quem quer que conheça um pouco das Sacras Escrituras.

No tempo de Josué, as crianças partilharam das bên- çãos prometidas a seus pais na Terra da Promissão (Deut. 1:39). Por semelhante modo, os filhos dos fiéis da Nova Dispensação devem partilhar das bênçãos do pacto feito entre Jesus e Seu povo, e têm, portanto, direito ao sêlo dêste pacto, que é o batismo.

E acrescente-se, como consequência da doutrina em apreço, que a salvação das penas da Lei violada, realizada por Jesus, torna-se efetiva para aqueles que nunca viola- ram conscientemente a lei, como os que morrem antes de chegarem à idade de compreenderem a responsabilidade

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dos seus atos, como também os idiotas, os imbecis, e todos quantos são incapazes de avaliar as suas ações, por dese- quilíbrios mentais graves de que tenham sido vitimas.

Logo, forçosa e implicitamente, acha-se na Bíblia o batismo infantil.

Mais uma vez, revela-se Eurípides um ignorante da Palavra de Deus, quando interroga: 'onde está isto na Bíblia?"

Por último, se Você desejar mais esclarecimentos acerca de assunto como este, em que não parece versado (como em tudo o mais que alega em seu livro), vamos prestar-lhe um grande serviço, indo ao encontro das lu- cubrações em que parece debater-se o seu pobre espírito. Remetemo-lo às teses que a própria Teologia católica apre- senta a respeito, ensinando a obrigatoriedade do batismo infantil.

Em conclusão, sendo o batismo das crianças a reali- dade do Novo Testamento, simbolizada pela circuncisão, do Antigo Testamento, deve concluir-se ser aquele obri- gatório, como obrigatória era esta.

Inspiração e

suficiência da Bíblia

Nas interrogações que formula, no que tange à von- tade de Jesus, à Sua pessoa e natureza, pontos essencial- mente teológicos, queira o prof. Eurípides abrir os com- pêndios de teologia católica, de que se constituiu sequaz e defensor, e encontrará os esclarecimentos de que sua mente carece.

Vamos responder suas duas últimas interrogações (página 134 de seu livro), embora sejam infantilíssimas e ingénuas, como, aliás, quase todas que tem formulado.

Pergunta onde está, na Bíblia, "que os livros que a constituem é que são os livros inspirados, os que devem formar o cânon das Escrituras".

Que pretende, Você, com tal pergunta? Acaso ignora que foi longo, durante mesmo muitos séculos, o processo

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da formação do cânon das Sagradas Escrituras, precisa- mente para se fazer a escolha dos livros verdadeiramente inspirados? Ignora, porventura, o valor que o próprio Cristo lhes deu, quando expressamente invocou o seu tes- temunho? Acaso ignora que Cristo se referiu, de maneira claríssima, a esses livros, conforme se lê: "Era necessário que se cumprisse o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas e Salmos" (S. Luc. 24:44)?

Não temos, aí, a própria autoridade do Cristo? Quer Você mais autoridade do que esta? Seria preciso, então, no seu conceito, que estivesse escrito: 4 esses livros são ins- pirados"? Ó santa ingenuidade! Ó parvoíce de quem nada entende da Verdade! . . .

Demais, não tem lido Você, Eurípides, a introdução dos profetas, quando falam: "Assim diz o Senhor Todo- -Poderoso' \? E, se me arguir que tal afirmativa não prova a inspiração dos livros sagrados, dir-lhe-ei que prova que tal autoridade se estriba nos fatos. É que Êsse Todo-Pode- roso deu provas sobejas do que disse e do que fêz pelo Seu povo. E, contra fatos, não argumentos. Por exem- plo, quando o Senhor disse a Moisés tudo aquilo que se acha no Génesis, referente às pragas sobre Faraó, Sua au- toridade foi comprovada, a inspiração divina se fêz sentir, porque as pragas vieram, e, quando Êle bem quis, as soube remover. Quando Cristo doutrinou: 1 'perdoados são os teus pecados", demonstrou que, de fato, tinha autoridade para perdoar pecados; quando operou, em seguida, o mi- lagre, dizendo "Para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder para perdoar pecados, eu te digo (disse ao paralítico) : toma o teu leito e anda". E êle andou! Está cheia a Palavra de Deus dêsse tipo de autoridade que com- prova, sem sombra de dúvida, a Sua divina inspiração. Assim é que o Divino Mestre afirmou: "pelos frutos é que se conhece a árvore", regra aplicada para se reconhecerem os verdadeiros cristãos, e que, ipso-facto, se aplica ao re- conhecimento da divina autoridade dêsses livros santos. Os frutos que êles têm produzido na mente de milhões, como

1.22

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nenhum outro escrito dos maiores santos eis a prova iniludível de que náo se trata de obra puramente humana.

É o caso de chamar a atenção de Hurípides e de quan- tos ainda estão carecentes de provas da inspiração da bí- blia, para aquele acontecimento importantíssimo e histó- rico: quando a rainha Vitória foi interrogada acerca da razão de ser da prosperidade incalculável de seu Império, ela respondeu apontando o LIVRO, isto é, a Bíblia. Con- vém, outrossim, referir-nos àquele outro fato histórico: um cético, tendo chegado a certa aldeia, de índios conver- tidos ao Evangelho, começou a fazer pouco caso da reli- gião cristã; o pagé levou-o até certa parte, onde havia um grande tacho e algumas caveiras, e, apontando-lhe aquilo, disse: "O senhor está vendo o que fazíamos antes de co- nhecer o Livro (a Bíblia) ? O Sr. iria para aquela caldeira e, depois de cozido, nós o comeríamos, se não fosse esse Livro, do qual o Sr. está fazendo tão pouco caso". E o cético emudeceu.

Se ainda paira qualquer dúvida de que, evidentemen- te, nenhum livro, a não ser divino, pode revelar o futuro, cujos acontecimentos se vêm cumprindo através dos sé- culos, com a precisão e firmeza que a Bíblia revela, en- contrarão todos prova infalível de que não foi o homem quem falou, mas Deus. E onde poderá o amigo Eurípides encontrar isto em outra parte? Onde? Portanto, a Bí- blia é que, de fato, foi inspirada por Deus.

Temos, ainda, na Bíblia, um Plano de salvação, que não existe em livro algum no mundo, cuja maravilha, por si, atesta indiscutivelmente que se trata de uma obra ímpar, sem igual; portanto, nenhuma outra pode merecer a que este Maravilhoso Compêndio nos inspira, o que nos convence de sua divina inspiração.

Se não, vejamos.

"A Palavra de Deus declara, desde o princípio, o que de ser no fim. Ela não guia o fatigado viajante ao descanso eterno, mas revela o grande plano e desígnio do Onipotente, no que diz respeito ao mundo que Êle criou e à Igreja que remiu. E quem ler tão somente três capí-

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íulos no princípio e outros três no fim, ficará admirado com a harmonia que existe entre eles.

"No princípio da Bíblia achamos um novo mundo (Gên. 1:1); no fim, também o achamos (Apoc. 21:1). No princípio, vemos o demónio entrando no mundo, para enganar e destruir; no fim, vemo-lo expulso, 'para que não engane mais as gentes". No princípio, o pecado, a dor, a tristeza, o gemido e a morte entraram no mundo; no fim, não haverá mais dor, nem tristeza, nem morte. No princípio, a terra, pela transgressão do homem, foi amal- diçoada com espinhos e abrolhos; no fim, não haverá ali jamais maldição, mas os tronos de Deus e do Cordeiro estarão nela (Apoc. 22:3). No princípio encontramos a árvore da vida no Paraíso, da qual o pecador não se podia aproximar, por estar guardada pelo Anjo com uma espa- da de fogo e versátil, para que ele não comesse dela e vi- vesse para sempre; no fim, tornamos a encontrar a árvore da Vida "no meio do Paraíso de Deus", e os remidos e purificados têm direito à árvore da vida e entram na cidade pelas portas (Apoc. 22:12-14). No princípio, os homens estavam debaixo do domínio da morte e da sepultura; no fim, "os mortos grandes e pequenos estão em diante do Trono" o mar os seus mortos: a morte e o inferno são destruídos no tanque ardente (Apoc. 20:12-15). No princípio, o primeiro Adão perdeu o seu domínio sôbre a terra, e foi expulso do Jardim do Éden, com vergonha e pesar; no fim, achamos um segundo Adão, vitorioso sôbre o pecado, a morte e o inferno; entronizado como Rei e Senhor de todos, e reinando em triunfo e glória eterna.

Agora, que temos o Plano dêsse Livro Maravilhoso, vemos que é muito mais do que um livro de boas máxi- mas e palavras consoladoras. É um Livro que manifesta um desígnio Divino: não revela o caminho da salva- ção, mas aponta o caminho dos filhos de Deus, por este deserto da vida, e prediz o destino do mundo que Deus criou e da Igreja que Êle remiu. Assim, quando encaramos estes fatos, não vemos que a Bíblia não é obra pura- mente humana, mas é, outrossim, obra que não tem rival,

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CATOLICISMO ROMANO

sem igual, e, portanto, ela pode merecer a honra da inspiração divina total, absoluta, incomparável; razão por que Ela é digna de fé, é inspirada realmente por Deus.

"Quando Colombo viu o rio Orenoco, houve quem dissesse que ele tinha descoberto uma ilha. Êle respondeu: "Um rio como este não pode nascer numa ilha; aquela grande torrente deve receber as águas de muito longe". Assim, também este livro não foi concebido nos corações de embusteiros, mentirosos e enganadores, mas nasce das eternas profundidades da sabedoria, amor e graça divinos. É um traslado (cópia) da mente divina, o desenvolvimen- to dos decretos de Deus, a revelação da Sua soberana vontade".

Segundo S. Paulo, eram os judeus os guardas dos oráculos de Deus, e tiveram, pois, o grande privilégio de ser o povo a quem Deus confiara os inspirados ensinos de seus profetas (Rom. 3:2).

Ora, se Cristo não objetou contra a escolha dos livros inspirados feita pelos judeus, mas, ao contrário, em inú- meras ocasiões e circunstâncias os citou, não negar que Êle os considerava de inspiração divina, e, portanto, únicos a serem obedecidos.

E outra vez advertimos: Não pode haver autoridade maior do que a do Divino Mestre. Acaso, Seu apoio às Es- crituras não seria suficiente para autenticar-lhes a divina inspiração? Seria preciso que encontrássemos as palavras textuais: "esses livros são inspirados e canónicos"?

Mas, ainda assim, encontramos as palavras textuais, que o "mestre" Eurípides afirma não haver encontrado. Abra a sua Bíblia e leia: "Toda escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a obra" (2.a Tim. 3:16,17). E não está a resposta à sua pergunta, por ex., em Romanos 10:17?

Está, ou não, Eurípides, na Bíblia, o que Você per- gunta? Aí está não a sua divina inspiração declarada,

ONDE ESTÁ ISSO NA BÍBLIA

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como sua suficiência, e até mais, como vemos pelas afir- mações em grifo.

E, finalmente, quanto à sua última pergunta, pági- na 135: "em que lugar da Bíblia se diz que se deve crer o que está explicitamente revelado na Bíblia?'1 responde- mos-lhe com S. Lucas, 10:26: "E Êle (Jesus) lhe disse: Que está escrito na Lei? Como lês tu?"

É a palavra autorizada do Mestre, que vale infinitas vezes mais do que tôda e qualquer sabedoria humana.

Quanto à sua citação, pela segunda vez, do texto de S. João 21:25, na pág. 135 de seu livro, deixamos de rebatê-lo, aqui, porque o fizemos, ampla e fartamente, quando tratamos da suficiência das Sagradas Escrituras em tudo o que é matéria de e em tudo o mais.

O título "Filho de Deus"

Quanto à dúvida revelada na página 136 do seu livro, quando tem o desplante de afirmar que a Bíblia não explica em que sentido Cristo é o Filho de Deus, remete- mo-lo, novamente, aos compêndios de Teologia de sua própria Igreja, caso não queira consultar os nossos, por- que é matéria por demais clara nas Santas Escrituras. Basta ler os seguintes passos, onde se a Cristo o título de ' 'Filho de Deus", pelos evangelistas, pela voz divina no Seu batismo e no monte da Transfiguração, por S. Pedro, pelos homens que viram os milagres, pelo espírito das tre- vas na Tentação, pelos possessos, pelos sacerdotes e outros, pelo centurião que estava no Calvário, pelo próprio Cristo, pelos Seus acusadores diante de Pilatos, pelos Apóstolos etc, etc: S. Luc. 1:35; 22:70; S. João 5:18; S. Mat. 3:17; 17:5; S. Mare. 1:11; 9:7; Luc. 3:22; 9:35; São Mat. 16:16; 14:33; 4:3,6; S. Luc. 4:3,9; S. Mare. 3:11; 5:7; S. Luc. 4:41; 8:28; S. Mat. 27:43; S. Mat. 27:54; S. Mare. 15:39; S. João 1:34; S. João 9:35,37; 11:4; 19:7; 20:31; 3:16,17,18,35,36; 5:20,21,22 etc; Atos 8:37; 9:20; 13:33, e em muitos outros textos.

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CATOLICISMO ROMANO

Todas essas passagens sacras esclarecem suficiente- mente suas dúvidas, sobre o sentido em que se deve en- tender a expressão "o FILHO DE DEUS" referente a Cristo. E, se, lendo-as, ainda não entender, não culpe novamente a Bíblia, pela sua ignorância e falta de inteligência.

E para abrir-lhe mais um pouco o caminho da com- preensão desses passos, basta observar que, na Bíblia, quando se a Cristo o título de "Filho de Deus", sem- pre se lhe antepõe o adjetivo determinativo definido, isto é, "o Filho de Deus", querendo significar, com isto, que Êle é Filho de Deus em acepção tôda especial, única, aplicada à Divindade; o que não se com os demais filhos de Deus, que são suas simples criaturas. Note que qualquer de nós é filho de Deus, mas Jesus é o Filho de Deus. Reporte-se, ainda ao nosso livro "A DIVINDADE DE Cristo", ao capítulo em que esgotamos esta matéria.

E saiba, finalmente, que as interpretações que não estiverem fundamentadas nos textos sagrados, não sobre este ponto, como ainda em todos os mais, devem ser repelidas como falsas. Para resolver a sua última dificul- dade: "no meio de tantas interpretações possíveis . . ., qual será a verdadeira?", diremos que, quando a Escritura trata do problema da salvação, não admite controvérsia algu- ma, pois é de meridiana clareza sôbre o que deve fazer o pecador, e isto nos basta, que ninguém será condenado por não saber explicar a doutrina da Divindade de Cristo ou da Trindade, etc.

É o caso de lhe lembrarmos o testemunho de um humilde roceiro, mas crente sincero, diante de um padre enfatuado: "Sr. vigário - disse o roceiro eu não sei como se explica esta doutrina, mas uma coisa sei: ela me faz bem à alma, e isto me basta. Também não sei como sc processa, na terra, a germinação da semente, mas uma coisa sei: ela cresce, me frutos e com eles eu supro todas as minhas necessidades".

E o padre emudeceu.

Também lhe devemos lembrar aquele passo bíblico do cego curado por Jesus, o qual, sendo interrogado pelos

ONDE ESTÁ ISSO NA BÍBLIA

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inimigos do Mestre que O procuravam aviltar, respondeu incisivamente: . . uma coisa sei, e é que, havendo eu sido cego, agora vejo" (S. João 9:24,25).

Aplique, Eurípides, a Você a lição do roceiro e do cego acima referidos.

CAPÍTULO VIII

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS

Nós supúnhamos ser Você mais inteligente, mais arguto e, sobretudo, dotado de maior visão. Todavia, Você emprega, por vêzes, em defesa dos seus pareceres, argumentos tão infantis, tão inconsistentes, tão carecentes de base e valor probatório, e, uma ou outra vez, contra- producentes, que o ficamos a lamentar profundamente. Veja-se.

Em nota, ao fundo da página 143 do seu livro, cita Você a opinião do cardeal Gibbons, julgando-a capaz de lhe servir de esteio. Agora mesmo, vamos demonstrar-lhe que melhor fora nem sequer aludir a tal argumento, pois ele lhe cava um abismo, do qual não se sairá incólume.

Abra bem os olhos, Eurípides, e veja o fio da nossa ponderação.

Vamos trasladar a parte mais importante da citação do cardeal Gibbons: "A intenção de Nosso Senhor, pelo que se infere do texto bíblico, era que, ordinariamente, se alcançasse o perdão mediante o ministério dos Apósto- los e seus sucessores; era dêles, outrossim, que o povo de- veria receber a Palavra de Deus e a graça do Batismo, com o perdão que advém da lavagem da regeneração. Era uma prerrogativa concedida aos Apóstolos".

Segundo a citação em aprêço, o perdão dos pecados se poderia alcançar "MEDIANTE O MINISTÉRIO DOS apóstolos E seus sucessores" (o versalete é nosso) .

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CATOLICISMO ROMANO

Ora, bem, Eurípides: Você deve saber que a doutrina corrente na Igreja Católica é que os sucessores dos Apósto- los são exclusivamente os bispos, e nunca os padres ou presbíteros»

Eis o abismo !

Se esta doutrina é verdadeira, nunca os padres da Igreja Católica, porque não são sucessores dos Apóstolos, poderão perdoar pecados.

Em que ficamos, Eurípides?

Depois disto, não concorda em que teria sido mais conveniente não citar o cardeal Gibbons?

Para melhor explicação, e em auxílio de sua inteli- gência, dir-lhe-emos ainda: se vier à carga com a obser- vação de que os bispos, sucessores dos apóstolos, podem transmitir tal poder, desde lhe retorquimos que o argu- mento é destituído de base, não tem razão de ser, e está até em contradição com aquilo que se ensina em sua pró- pria Igreja.

Se quer ver mais um exemplo de como é verídico o conceito que aqui expressamos, repare: ANTES DE MAIS, nunca os bispos transmitiram aos padres, ou seja, aos presbíteros da sua Igreja, os poderes que êles dizem ser exclusivamente seus.

Assim, por exemplo, os bispos têm poder para orde- nar padres e sagrar bispos, mas jamais o transmitiram aos padres; nem admitem, na teologia, que êstes possam ter tal poder, que é, como alegam, prerrogativa exclusivamen- te sua.

Quanto a perdoar pecados, diz o mesmo cardeal Gib- bons, segundo a citação feita por Você, que tal poder <(era uma prerrogativa concedida aos apóstolos e seus sucesso- res" (o grifo é nosso).

Como conclusão de tudo isso, ter-se-á de admitir, forçosamente, que o poder de perdoar pecados seria prer- rogativa concedida aos bispos, e nunca aos padres. Logo, os padres não podem perdoar pecados!

Foi esta tremenda conclusão que sua inteligência nunca viu, pois, caso contrário, não teria citado Gibbons.

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS 151

Lembre-se também, Eurípides, que o PAPA, sendo infalível, como ensina sua Igreja e obriga a crer, visto que é dogma de (para a Igreja Romana, claro!), não pode, entretanto, transmitir sua infalibilidade, que é prerroga- tiva exclusiva do Papa!

Se o poder de perdoar pecados prerrogativa con- cedida aos apóstolos e seus sucessores" , nunca a mesma se poderá estender aos padres, aos presbíteros da Igreja Ro- mana! Nunca! o abismo em que se precipitou, com invocar o cardeal Gibbons?

Não tinha visto isto. Eurípides? Mas, é isto mesmo!

Resta acrescentar-lhe, a quanto dissemos, a contra- dição notória da doutrina expressa na citação do cardeal Gibbons, contra a realidade manifesta na ordenação dos presbíteros romanos, aos quais, expressamente se confere o poder de perdoar pecados, conforme se pode ler no "Pon- tifical Romano".

De maneira que, temos, de um lado, a autoridade do cardeal Gibbons afirmando que 'o poder de perdoar pe- cados é prerrogativa concedida aos apóstolos e seus suces- sores"; de outro lado, o "Pontifical Romano", a conferir essa mesma prerrogativa aos presbíteros, isto é, aos padres, que não são sucessores dos Apóstolos.

Não acha, Eurípides, uma contradição clara nos fatos que acabamos de frisar?

Não vê, Você, que o próprio cardeal Gibbons está em contraposição com o ensino do "Pontifical Romano"? Quem é que está errado? Se é o cardeal Gibbons, para que o citou? Se o cardeal não está errado, seguír-se-á que está errada a Igreja Romana, que todo apoio ao "Pontifi- cal Romano", que ela mesma mandou fazer, e através de cujas cerimónias ordenatórias, ela (a Igreja) confere aos padres o poder de perdoar pecados. Depois de tudo isso, chegamos à conclusão, mais do que lógica, de que o "mes- tre" Eurípides não teve visão intelectiva para ver o abismo em que irrefletidamente se afundou e carregou consigo o próprio cardeal Gibbons!

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CATOLICISMO ROMANO

Observe-sc a vida e mais, que, segundo o vezo que o caracteriza, "mestre" Eurípides faz, a propósito, algumas citações bíblicas, a que nós chamaríamos melhor citações a despropósito, pois não têm fôrça alguma pro- batória em favor do Romanismo. São, por consequência, palavras lançadas ao vento, ou, como se diz em gíria muito nossa, é tudo "conversa fiada"!

Vejamos algumas dessas citações:

"Todo o poder me é dado no céu e na terra", pala- vras proferidas por Jesus (S. Mat. 28:18).

Em vez de estarmos a perder tempo com êste passo das Escrituras, desde diremos a Eurípides que, precisa- mente porque é uma afirmação de Cristo, nós não a con- testamos, e confessamos que Êle, de fato, tem todo o poder; observemos, porém, que Jesus nunca usou do Seu absoluto poder, enquanto na terra. Assim, por exemplo, sabemos (e Eurípides não pode contestar) que Êle tinha poder para se atirar do pináculo do Templo, e não sofrer o menor dano; entretanto, não o fez. Igualmente, Êle tinha poder para transformar "as pedras em pães", mas também não o fêz. Por igual modo, tinha pleno poder, visto ser Deus, para descer da Cruz, quando nela estava crucificado, conforme invectiva que Lhe foi dirigida pelos judeus, no Calvário: "Se és o Filho de Deus, desce da Cruz, e creremos em ti!" E Jesus ainda não o fêz.

Portanto, em face disto, o argumento por Você in- vocado é tão genérico, que não prova nada daquilo que pretende.

Empós da citação supra, acrescenta "mestre" Eurí- pides estas outras: "Eu estarei convosco todos os dias, até à consumação dos séculos", "Tudo o que ligardes na terra, será ligado nos céus; e tudo o que desligardes na terra, será desligado nos céus", "Quem vos ouve, a mim ouve; quem vos despreza, a mim me despreza", "Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós".

Qualquer leitor inteligente estas passagens da Bí- blia e percebe, imediatamente, sem necessidade de pedir as boas graças de um ministro do "Magistério Infalível" da

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS

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Igreja Romana, que de tais palavras nada se vislumbra a favor do modo de ver euripidiano.

Pretende o Autor, no citado cap. IX de seu livro, impingir aos desprevenidos ou ignorantes a patranha da absolvição pela Confissão Auricular, perfilhada, pertinaz e audaciosamente, pelo sistema jesuítico-papista, que pro- clama ter N. S. Jesus Cristo outorgado o poder de perdoar pecados.

Das passagens bíblicas citadas pelo Autor, e por nós aqui transcritas, não transparece sequer uma idéia que sirva de alicerçar tal doutrina balofa, pois nem explícita, nem implicitamente, ditas passagens contêm uma premis- sa concreta, clara, donde, segundo as regras da Lógica, se possa tirar conclusão também concreta e clara. E, para darmos ao "aluno" Eurípides uma lição completa, em todo o sentido, tranquilizemos, desde já, o seu espírito, garantindo-lhe que, nem de longe, pretendemos sofismar o que ele escreveu, nem omitiremos qualquer dos seus ar- gumentos ou alegações. Não cometeremos a deslealdade de omitir o argumento maior que o Autor, que pela car- tilha única que lhe é permitido ler a dos seus mestres abatinados aduz em prol da sua tese. Diríamos, talvez melhor, argumento único, pois, além dêsse, nenhum outro pode apresentar. Referimo-nos à passagem da Bíblia que aqui transcreveremos, usando as próprias palavras da ci- tação de Eurípides: "A todos aqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos* (Ob. cit., pág, 144; S. João 20:23; S. Mat. 18:18).

A fim de nos tornarmos claríssimos na refutação da tese romanista, que alega ter Deus outorgado o poder ju- risdicional de perdoar pecados aos apóstolos, e, por inter- médio dêstes, aos seus sucessores, dividiremos nossa réplica em três partes distintas, e provaremos que:

I Deus não outorgou tal poder; II O poder de que fala o texto é meramente declarativo;

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CATOLICISMO ROMANO

III Êsse poder declarativo, Deus o outorgou aos discípulos, e não aos apóstolos.

I Deus não deu a ninguém

o poder de perdoar pecados

Segundo o testemunho da própria Escritura, não contestado por Cristo, Deus pode perdoar pecados (& Mare. 2:7; S. Mat. 9:2-6,7).

N. S. Jesus Cristo, nos textos supra, acabara de de- clarar a um paralítico: "perdoados são os teus pecados", o que provocou a resposta incontinenti dos seus inimigos: "Quem pode perdoar pecados, senão Deus?" Êles estavam certos, no reconhecer que, realmente, Deus pode per- doar pecados, conforme Is. 43:25; 40:22; entretanto, errados, pondo em dúvida o poder do Divino Mestre em exercer tal poder, pois ainda não se tinham convencido da divindade de Cristo.

É evidente que, se nenhum dos profetas teve o poder de perdoar pecados, Jesus, apresentando-se como possui- dor de tal poder, deu a entender que era divino; e ope- rando, em seguida, um milagre, expressamente com o fim de comprovar a sua afirmação, conclui-se que Êle é Divi- no, e, portanto, igual ao Pai.

Então, Jesus retorquiu-lhes: "Pois, qual é mais fácil, dizer ao paralítico "perdoados são os teus pecados" ou dizer "levanta-te e anda"? Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar peca- dos, disse então ao paralítico: Levanta-te, toma a tua cama e vai para tua casa. E levantando-se êle, foi para a sua casa".

Por aqui se claramente que era crença dos judeus, e Cristo não a contestou, que Deus realmente pode per- doar pecados. Releve-se, ainda, que Cristo não disse aos judeus que êles estavam enganados, nem que o poder de perdoar pecados seria transmitido ou delegado a simples

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS 135

homens. Apenas lhes retorquiu que Êle tinha esse poder e, com isto, demonstrou-lhes que era Deus também.

No entanto, se Êle tivesse em mente transmitir (ou delegar) tal poder, nenhum ensejo mais propício do que este para ensinar tal doutrina.

Além disso, é preciso ter bem presente que os atri- butos exclusivos de Deus, como a Onipotência, a Onisciên- cia, a Onipresença, etc, jamais podem ser transferidos para as criaturas, por mais perfeitas que sejam.

Assim se explica por que Jesus Cristo, tendo afir- mado (e o próprio Eurípides vem com esta citação em seu livro) "todo o poder me foi dado no céu e na terra" nunca delegou a plenitude de tal poder a quem quer que fosse; de maneira que, nenhum apóstolo pôde dizer que recebeu de Cristo a plenitude do Seu poder. E a razão é simples: Se Êle podia, como homem, transmitir a outro homem todo e qualquer poder compatível com as possi- bilidades humanas, não podia, no entanto, como Deus, transmitir a homens qualquer poder inerente à Divindade.

Assim é que Deus, com poder para criar quantos mundos quiser, jamais dará a qualquer homem tal poder, que é exclusivamente Seu; jamais poderá fazer qualquer homem igual a Si mesmo.

E quando nós dizemos que muita coisa que Deus não pode fazer (como atrás afirmamos, em esclareci- mento a Eurípides), não pretendemos, de forma alguma, limitar o poder divino; quer dizer: Deus pode fazer tudo, exceto aquilo que é contrário aos Seus divinos atributos, o que equivaleria a negar a Sua Divindade.

Deste modo, não temos o menor receio em procla- mar, alto e bom som, que Deus não pode pecar, no que temos a certeza de que nem Eurípides nem seus festejados mestres nos contestarão. Pelo mesmo motivo, Deus não pode transmitir a qualquer homem a Onisciência, porque Êle é Onisciente.

É este, a nosso ver, um ponto nevrálgico que os ro- manistas não conseguiram notar com nitidez. Daqui nasce ou se origina a série de inconvenientes que chegam mesmo

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CATOLICISMO ROMANO

a implicar contradição dentro da própria doutrina do ca- tolicismo romano, acerca do poder de perdoar pecados.

Ponhamos as coisas a claro: se o sacerdote, bispo, ou padre tivesse o mesmo poder de Cristo para perdoar peca- dos, sempre que o sacerdote proferisse a fórmula da absol- vição: ' Ego te absolvo a peccatis tais, in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti" , os pecados ficariam mesmo perdoados. Jamais Cristo disse a alguém: "teus pecados são perdoados", sem que o pecador ficasse mesmo livre de tais pecados.

Ora, aqui é que está o abismo em que os romanistas parece não terem reparado! Triste condição do homem, mesmo tonsurado e abatinado!

Desafiamos toda a argúcia e subtileza da sabedoria dos corifeus jesuítico-papalinos a que destruam o que es- tamos afirmando e vamos afirmar.

Demos, então, a palavra ao "Segundo Catecismo da Doutrina Cristã", aprovado pelas firmas de nove bispos, à frente dos quais se acha o extinto cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, o cardeal Joaquim Arcoverde.

Falando acerca do sacramento da Penitência (a Con- fissão, que Roma considera sacramento) , diz o referido Catecismo que, "não havendo arrependimento, os pecados não ficam perdoados' (pág. 117 da ed. 59. a).

Diante de tal afirmação, que encerra o ensino exato da doutrina romanista sobre tão momentosa questão, fica a saber toda a gente, mesmo a não letrada, que, se um pe- cador, depois de confessados os seus pecados ao padre, não tiver arrependimento, não lhe ficam perdoados os pecados. Isto é tão claro como água cristalina.

reparou, Eurípides, e os seus mestres, o abismo que se encerra em tais palavras? Se não, explicar-lhes-emos melhor.

De tudo que acabamos de dizer, verdades que nin- guém pode contestar, ressalta, à evidência, o seguinte: O padre a absolvição ao penitente dizendo: "Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, do Filho e e do Espírito Santo". Parece que, em virtude do suposto

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poder que o Catolicismo Romano sustenta ter recebido de Cristo, pretendendo impingir tal patranha à Humanida- de, uma vez que o padre proferisse a fórmula da absolvi- ção dos pecados, estes deveriam imediatamente ficar per- doados. Mas . . . , ó tristeza e miséria da condição huma- na! . . . Pode o padre dizer mil vezes "eu te absolvo dos teus pecados", mas, se o pecador não tiver o arrependi- mento, os pecados não lhe ficam perdoados!

Assim, chega-se, fatalmente, à conclusão de que, por mais absolvições que os padres dêem, se os pecadores não estiverem arrependidos, tais absolvições não têm o míni- mo valor! São estéreis, improfícuas, ineficazes, e, coisa mais grave ainda, saem os penitentes do confessionário com mais um pecado sobre as costas o de sacrilégio conforme o próprio Eurípides confirma em seu livro, à página 166, quando escreve: ((E se não formos sinceros na manifestação desse propósito, lerá sido sacrílega a nossa confissão e nula a absolvição (o grifo é nosso). Sai do confessionário o falso penitente com os pecados de que se não arrependera, e mais um: o de sacrilégio \ E, confir- mando tal doutrina, cita Eurípides o Dicionário da Dou- trina Cristã, do Revdmo. Pe. Lourenço, nas págs. 60 e 61.

Em face disto, tão triste, deplorável e ridículo é o papel do padre, quão mísero o seu poder: nunca che- ga a saber o valor desse poder, nem se as suas absolvi- ções foram ou não eficazes, visto não saber, nem adivi- nhar, se os penitentes estão arrependidos ou não, e isto porque o pobrezinho do sacerdote não sabe o que se passa no íntimo de cada um.

É agora a altura de dizermos aos senhores romanis- tas que, para admitir-se que Jesus Cristo tenha conferido a homens (padres ou bispos, não interessa . . .) o poder de perdoar pecados, teria o Mestre de, primeiramente, dar- -lhes o poder de ler nas consciências, ou seja, um pouco da Sua Onísciência; mas, tal não sucede, infelizmente, para os pobres padres. Logo, chega-se à conclusão de que Cristo nunca conferiu (ou delegou) tal poder a homens, pecadores como todos os tristes mortais.

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E, se os romanistas insistem que Jesus Cristo, de fato, conferiu tal poder aos padres, têm de, forçosamente, con- cordar conosco em que Êle zombou, ao máximo, dos mes- mos pobres homens, expondo-os à irrisão da nulidade de suas absolvições, por parte dos penitentes sem arrepen- dimento.

Depois disto, poderá um curioso qualquer pergun- tar: Afinal, que vale a absolvição do padre, se o pecador não estiver arrependido?

Respondemos: NADA!

Por outro lado, ensinando a própria Igreja Católi- ca que do ' 'arrependimento perfeito" nos advém logo o perdão dos pecados, conforme se ensina no Catecismo ci- tado (pág. 83), pergunta-se agora: Que vale "o arre- pendimento perfeito" sem a absolvição do padre?

Respondemos: TUDO !

Conclusão a tirar: no "arrependimento perfeito" é que está o poder do perdão dos pecados. Ora, como tal "arrependimento" é fruto da Graça, segue-se que o perdão dos pecados se obtém, em última análise, pela Graça, que nos vem diretamente de Cristo, e nunca através da absol- vição do padre. E, como Cristo é a Suprema Graça de Deus, sendo Deus Êle próprio, Deus pode perdoar pecados.

Há, inquestionavelmente, um argumento profunda- mente teológico e de ordem moral excelente, que diz res- peito à dignidade de Deus. De fato, se Deus delegasse tal poder ao homem, isto importaria em nivelar, de certa forma, a mísera criatura humana com Êle (o Criador), e, precisamente para realizar função da máxima importân- cia: perdão dos pecados, que custou a imolação do Filho de Deus, entre torturas e infâmias mil, entre apodos e humilhações vergonhosíssimas, diante de bandidos e mal- feitores monstruosos, e, por fim, a morte ignominiosa na Cruz!

Ora, se para o nosso perdão, (de que resulta a nossa salvação). Deus, para no-lo conceder, sacrificou Seu pró- prio Filho, e em circunstâncias tão humilhantes, é eviden-

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS

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te que semelhante Graça, de infinito valor, não poderia Êle tê-la confiado à Sua frágil e pecaminosa criatura hu- mana, mesmo à mais santificada e fiel aos Seus divinais preceitos!

não é pequena a honra que Deus nos confere, quando nos torna Seus embaixadores, para, em Seu Santo nome, anunciar-Lhe as "Boas Novas" redentoras, que são o Seu Divino Evangelho "poder de Deus para a sal- vação de todo aquele que crê"!

Assim, tendo sido infinitas as Suas agonias no Gól- gota, infinitos os pecados que "tomou sobre Si", "em nosso lugar", e igualmente infinita a Justiça ultrajada, que Êle satisfez na Cruz, seria aberração moral, verdadei- ro descalabro e tremendíssima contradição do próprio Deus, com referência à Sua própria dignidade, se Êle hou- vesse confiado ao juízo sempre imperfeito, sempre mal- doso e falho do homem pecador, "aquela jóia, a mais bri- lhante do Seu diadema esse precioso tesouro, cujo preço foi o sangue do Seu próprio Filho. Deus não delegou ao homem o poder de perdoar; assim como não lhe deu o de criar; os padres e os ministros da Religião teriam tanto direito de pretender possuir a divina prerrogativa de criar, como o que têm em pretender possuir a prerrogativa di- vina de perdoar. Não faria maior ofensa à Glória do Criador aquêle que, homem mortal e decaído, ou mesmo anjo puro e imortal, pretendesse ter o poder divino de criar, do que faz aquêle que pretende ter o poder divino de perdoar pecados.

Em face disto, não teremos razão para chamar irri- sório a tal suposto poder?

Na verdade, o padre faz aqui o mesmo papel do char- latão que, fazendo-se profeta de Deus, dissesse, diante de um cadáver: ressurge, que eu te dou a vida!, e o cadáver permanecesse imóvel!

Assim é o padre, quando diz: "Eu te absolvo", e o pecador continua imóvel, morto espiritualmente!

vê, agora, "mestre" Eurípides, que todo o seu palavrórío, e o dos mestres que lhe impingiram tal dou-

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CATOLICISMO ROMANO

trina, não passa de bombas-de-lágrimas, fogos de artifí- cio: sobem, mas não têm força para dar um estampido, desfazendo-se na atmosfera, como qualquer nuvem acos- sada por simples rajada de vento!

Não passa todo esse palanfrório ôco, que se preten- de impingir como doutrina aos néscios e lorpas, de um castelo de cartas, que o sopro de uma criança é capaz para deitar por terra!

Tal é a pobreza e inconsistência da patranha dou- trinária do Catolicismo Romano, acerca do "grande poder outorgado aos homens"! Afinal de contas, nem grande nem pequeno é êle, porque não existe do modo corno pre- tendem os corifeus do jesuitismo papista!

Vejamos ainda outro argumento: Se Cristo tivesse, de fato, delegado o Seu poder de perdoar pecados aos padres (cónegos, monsenhores, bispos, arcebispos, car- deais e papas), tinha de, fatalmente, admitir-se que tal poder seria o mesmo do próprio Cristo, da mesma forma que um procurador, para determinado efeito, pode fazer tudo que entender, em nome daquele que lhe passou a procuração (tudo, se vê, do que lhe foi outorgado).

Jamais o padre recebeu procuração de Cristo e, pois, nunca o que faz tem o mesmo valor que o teria, se fosse feito pelo próprio Cristo.

O poder de Cristo de perdoar pecados é absoluto, eficaz e ilimitado. Porque assim é, sempre que dizia a alguém: "os teus pecados estão perdoados", se cumpria Seu desejo, (o que, estamos certos, também é admitido pelos romanistas) .

Mas, agora, perguntamos aos romanistas: Poderão os senhores, porventura, afirmar o mesmo dos padres? Não! Ao contrário, são forçados a confessar que, sem o arrependimento do pecador, é inútil ao padre dizer: "eu te absolvo os pecados", porque o pecador não fica, na verdade, absolvido de tais pecados.

Nem vale de nada o subterfúgio de que também Cristo não perdoa o pecador, se êste não estiver arrepen- dido. Isto é mero sofisma, a que não damos a menor im-

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS 141

portância, porque não destrói nada do que afirmamos. Quando Cristo dizia a qualquer pecador: "Os teus peca- dos estão perdoados", sabia, como Deus que era, que, na consciência desse pecador havia o arrependimento.

Por isso, muitas vezes, sem que êle abrisse os lábios suplicando-Lhe perdão ou manifestando-se arrependido, o Divino Mestre perdoava, como, por exemplo, no caso da pecadora que fora levada à Sua divina presença pelos fariseus, e a quem Jesus perdoou, sem que ela esboçasse um pedido sequer de misericórdia; quando a despediu perdoada, disse: "Vai e não peques mais". É que Jesus lia nas consciências, e, por isso, quando perdoava, o fazia porque, de fato, o pecador merecia perdão.

Por isso, as suas palavras nunca foram em vão. Ao passo que, o padre, não conhecendo o que se passa nas consciências (visto não ser Deus), profere, em vão, a fórmula da absolvição, ainda que o pecador não tenha arrependimento.

De resto, como atrás dissemos, se o pecador tem o arrependimento, não é o padre que lhe perdoa os peca- dos, mas sim, a Graça de Deus, que lhe veio pela contrição.

Resumindo tudo quanto temos apresentado, fulmi- nando a estulta pretensão padresca de tal poder de perdoar pecados, reiteraremos alguns pontos básicos de nossa re- futação, e concluiremos, neste capítulo, nossa réplica.

É verdade incontestável, aceita não pelo Protes- tantismo, como pelo Catolicismo Romano, que, se o peca- dor se arrepende sinceramente, tem a afirmativa categórica da Palavra de Deus que seus pecados estão perdoados: "Arrependei- vos e convertei- vos, para que os vossos peca- dos vos sejam perdoados" (At. 3:19).1

Ora, sendo assim, o pecador não necessita mais do poder do padre (ainda que este o tivesse), para obter a

1 Reparem, romanistas, que as palavras citadas por nós (Atos 3:19) foram proferidas pelo primeiro Papa, o Romano Pontífice n.° 1 S. Pedro da Galiléia!...

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absolvição, porquanto a Palavra Divina, que é a Suprema e Infalível autoridade, lh'o declarou, e, por consequên- cia, ele tem o perdão de Jesus Cristo, tem a absol- vição de Quem realmente lh'a pode dar.

Sendo assim, todo o argumento que temos exposto, até aqui, para provar que Deus tem o poder de perdoar pecados, resume-se no seguinte:

Se o pecador se arrepender sinceramente dos seus pe- cados, Jesus Cristo assegura-lhe, sem qualquer subterfú- gio, o perdão, isto é, a absolvição. Ora, tendo a absolvição de Jesus Cristo, a do padre é supérflua, de nada vale.

Mas, se o pecador não se arrepende, não terá, conse- quentemente, o perdão de Jesus Cristo, e, neste caso, tam- bém a absolvição do padre é-lhe inútil, sem efeito, porque nada pode.

O assunto faz-nos lembrar uma história gozada, mas autêntica, que se passou num Seminário Católico, em Portugal.

Encontrava-se, na Capela do Seminário, um frade, que fazia a admissão de seminaristas para o grau 3.° de sua Ordem.

Em certa altura, começa a cerimonia, e um semina- rista, lendo a fórmula que o frade lhe tinha passado às mãos, proferiu, mais ou menos, estas palavras: "Eu, F. de Tal, prometo em nome de Deus e da Virgem Maria, guar- dar os 10 Mandamentos da Lei de Deus, assim como os da Santa Madre Igreja, evitando qualquer pecado/'

Então, o frade, impondo o escapulário da sua Ordem, ao noviço, disse, mais ou menos, estas palavras: "E eu, se cumprires o que prometeste, também te prometo a vida eterna, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" , traçando com a mão uma cruz sobre o noviço.

Ao ouvir êste palanfrório do frade, um seminarista dos "gozados" disse, muito chistosamente: "Olha o gran- de favor do frade! Se alguém me prometer a mim cumprir os Mandamentos da Lei de Deus, e não cometer pecado nenhum, também eu lhe posso prometer, em nome de Deus, a vida eterna!"

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E tinha mil carradas de razão o "gozado" semina- rista!

Aqui está uma figura do ridículo poder do padre no Confessionário: se o pecador está arrependido, e promete emendar-se, também o padre o pode absolver; mas, pelo contrário, não havendo arrependimento, bem pode o padre traçar mil cruzes sobre o penitente e prometer-lhe a absol- vição dos pecados, que isso de nada também valerá ao pecador !

Além do mais, mesmo admitindo, para argumen- tar, que os padres podem perdoar os pecados, deviam possuir, com esta prerrogativa suprema, dom de Deus máximo dado a uma criatura, no ministério santo, a sua lógica, indispensável e necessária consequência ou contra- parte — conhecer os que podem e devem ser perdoados, os que estão em condições de receber a benção magna. Cristo conhecia e por isso perdoava sem outras informa- ções. E os padres? Ignoram as condições reais de quem vai ser perdoado! Mesmo quando confessem os pecados ao padre, auricularmente, aqueles, os padres, ignoram se esta confissão é séria, justa, verdadeira, sincera! Logo, não adianta o poder que o padre usa, de jeito nenhum! Para que um poder sem poder?

II O poder de perdoar

e

meramente declarativo

demonstramos, exuberantemente, que Deus tem o poder exclusivo de perdoar pecados. E, se Cristo pôde perdoar pecados, usou de um poder divino, por- quanto Êle era Deus.

Vejamos agora (indo ao encontro daquilo que chamamos, em capítulos anteriores, o maior ou mesmo o único argumento que poderia ser invocado pelo "mestre'' Eurípides), em que sentido Jesus Cristo disse: "Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (São João 20:23).

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Segundo vários exegetas cristãos, ' o poder de per- doar pecados", contido no texto citado, não se deve en- tender senão no sentido declarativo.

O poder de que nos fala o texto supra, bem como o seu correlato e similar de S. Mat. 18:18 é meramente de- clarativo. Prová-lo-emos, insofismavelmente.

A mensagem do Evangelho proclama, pela palavra de Cristo: 4 'Aquele que crer e for batizado, será salvo; o que, porém, não crer, será condenado" (S. Mare. 16:16). Ora, o Ministro do Senhor, ao proferir estas pa- lavras, não pode salvar, nem condenar com elas. Apenas declara que, quem não satisfizer as condições de salvação por Cristo estipuladas, por si mesmo se condenou; bem como, quem atender à ordem do Mestre, candidatou-se, automaticamente, à salvação, por si mesmo, pela sua pró- pria obediência e disposição.

Assim, se não é o pregador quem condena ou quem salva, segue-se que ele não tem poder, de si próprio, nem para condenar nem para perdoar; portanto, seu poder é meramente declarativo, quando diz o Mestre: "A todos a quem perdoardes os pecados, ser-lbes-ão perdoados: e a quem os retiverdes, serão eles retidos" ou "a quem ligar- des, serão ligados; e a quem desligardes, serão desligados".

Primeiramente, observe-se que no Antigo Testamen- to nenhum profeta nem sacerdote teve poder de perdoar pecados. Tanto assim que, como vimos, alguns escribas e fariseus se escandalizaram quando ouviram de Jesus, o Profeta de Nazaré, que eles supunham ser mero homem, a declaração peremptória, ao paralítico: "perdoados são os teus pecados!", e O incriminaram de blasfemo, dizen- do: "Quem pode perdoar pecados, senão Deus?" É que eles ainda não estavam convencidos da Divindade de Cristo, e, portanto, julgando-o mero homem, tal declara- ção lhes parecia blasfema, e louvavam-se, sem dúvida, em passos como Is. 43:25; 40:20 etc, etc, que citamos an- teriormente.

Logo, tal poder não fora concedido aos profetas, nem aos sacerdotes do Antigo Testamento.

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Demais, que tal poder é meramente declarativo, re- ferindo-se aos homens, e não no mesmo sentido em que Jesus o executou (o que logo ficou comprovado, pelo milagre da cura do paralítico), prova-se também com en- sinamentos, sobre o mesmo assunto, da lei levítica. "Por esta lei se dava ao sacerdote autoridade para examinar toda pessoa atacada de lepra, e a lepra, sob a lei antiga, era considerada como um símbolo do pecado. Feito o exame, se o sacerdote achava que o homem era leproso, tinha , autoridade para declará-lo imundo, e imediatamente o "ligava" ou prendia, para que se não misturasse com o povo. Depois de certo tempo, o sacerdote examinava-o de novo, e, se a lepra tinha desaparecido, devia declará-lo limpo, isto é, são, e deste modo o "absolvia" ou "desli- gava", permitindo que de novo se misturasse com o povo".

Assim, as palavras de Nosso Senhor são uma alusão a esta prática. É evidente, pois, que o poder dos sacerdo- tes levíticos não era mais do que declarativo. Não faziam o homem nem são nem enfermo; não davam a lepra nem a tiravam: isto era ato exclusivo de Deus e o poder con- cedido aos sacerdotes consistia em declarar e pronunciar o que Aquele fizera.

Ora, se, na verdade, o Senhor Jesus aludia a êste costume entre os sacerdotes israelenses, quando disse "o que ligardes, será ligado; o que desligardes, será desligado" ou "a quem perdoardes serão perdoados; a quem não per- doardes, não serão perdoados", é lógico deduzir-se que o poder que lhes deu não foi senão declarativo: declarar ou proclamar que o pecador arrependido é perdoado, está "ligado" a Deus, e o ímpio está "desligado" de Deus.

O perdão é um ato do próprio Deus e o poder do sacerdote reduz-se, assim, a declarar e pronunciar o que fez o próprio Deus.

Portanto, o verdadeiro sentido das palavras de Nosso Senhor, bem como a verdadeira natureza do poder con- cedido, está na Bíblia, e esta se interpreta pela própria Bíblia.

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Leia-se, ainda, em confirmação do argumento acima exposto, Lev. 23:2-6; 11-13, 20, 37 e 43.

Pois bem, nestes e noutros textos sagrados afirma-se que o sacerdote deveria declarar imundo ou limpo o homem. Não se diz que podia causar-lhe a lepra ou sa- rá-la. Poder meramente declarativo, portanto!

Isto mesmo se confirma na antiga versão grega dos Setenta, a mais usada entre os judeus, e a que é tida como fidelíssima pelas próprias autoridades católicas. Estas não deixam de observar o fato de que tal versão conquanto feita por tantos intérpretes, 70 em números redondos, que trabalharam isoladamente tenha sido achada igual en- tre todos eles (donde concluem, alguns autores, ter sido isto obra do Espírito Santo).

Temos ainda testemunho interessantíssimo no Anti- go Testamento, que se pode ler em 2.° Reis 12:13 (nas edições católicas, como a que temos em mão, do Pe. Matos Soares, ed. de 1943, S. Paulo e em 2.° Samuel, nas edições do Pe. Ferreira de Almeida e de outros).

Citemos, textualmente, o aludido passo bíblico:

"E Davi disse a Natã: Pequei contra o Senhor. E Natã respondeu a Davi: Também o Senhor perdoou o teu pecado (por ver o teu arrependimento) ; não morrerás".

Neste exemplo são evidentes duas coisas: l.a, o arre- pendimento sincero de Davi, pelo pecado cometido contra Deus; 2.a, a declaração, feita pelo profeta Natã, de que Deus tinha perdoado a Davi.

Evidencia-se, aqui, o poder declarativo do profeta Natã, garantindo, "declarando" ao rei Davi que seu pe- cado estava perdoado, em face do manifesto arrependi- mento.

Êste mesmo poder declarativo, que na antiga Lei fora dado aos Profetas, é que foi outorgado aos Apóstolos e Discípulos de Cristo, na nova Lei.

Não é mais que evidente tratar-se apenas de um poder declarativo?

A interpretação, pois, do texto em apreço, com re- ferência não à lei levítica, como ao consenso unânime

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da doutrina em todas as Santas Escrituras, é que os per- doados (isto é, os limpos do pecado) seriam "ligados'"' x Deus; e os não perdoados ( portanto, os impuros, imun- dos), "desligados" de Deus.

Logo, Nosso Divino Mestre, com tal linguagem, não podia, absolutamente, outorgar autoridade ou poder aos Seus discípulos para conceder ou recusar perdão dos pe- cados (faculdade que a Êle pertence), mas apenas o de declarar e pronunciar o perdão, em Seu nome.

III Poder declarativo também aos discípulos

Para provarmos nossa alegação, basta que recorra- mos ao texto e contexto citado pelos nossos adversários romanistas: S. João 20:19-23. Por êle se verifica que Nosso Senhor Jesus Cristo deu poder para declarar 4 per- doados os pecados" ou "retidos" a todos os discípulos que se achavam reunidos "numa casa, com as portas tranca- das, por medo que tinham dos judeus" e, certamente, a outros mais, que não estavam presentes, inclusive o Apóstolo Tomé. Temos de inferir, necessariamente, que Jesus Cristo teria em Sua Divina mente conferir tal poder (fosse êle qual fosse) a outros discípulos, mesmo os que não estavam presentes, como é o caso claríssimo e insofis- mável do Apóstolo Tomé, que não ouviu as referidas pa- lavras do Mestre, segundo se pode inferir do v. 24 do mes- mo capítulo 20 de S. João: "Porém, Tomé, chamado Dídimo, um dos doze, não estava com eles, quando veio Jesus".

E, se alguém pretender excluir tal raciocínio, terá, forçosamente, de admitir que o Apóstolo Tomé ("um dos Doze") não teria recebido tal poder, a não ser que Jesus Cristo lh'o tivesse conferido antes ou depois dessa ocasião, hipótese para a qual não se encontra fundamento na Bíblia.

Têm os senhores romanistas que objetar algo contra este raciocínio?

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CATOLICISMO ROMANO

Devemos insistir, mais uma vez, na importância do texto por nós referido: quando se fala em discípulos, de modo genérico (S. João 21:1-3), por tal expressão não se deve entender Apóstolos, no sentido rigoroso do termo, mas simplesmente discípulos, mesmo os não enu- merados entre os "Doze". É o caso de Natanael, que, em- bora simples discípulo, figura ao lado dos Apóstolos no passo em apreço, que é: "Chegada, porém, que foi a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e es- tando fechadas as portas da casa onde os Discípulos se achavam juntos, por medo dos judeus, veio Jesus e pôs-se no meio deles, e lhes disse: a paz seja convosco. E, dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Alegraram-se, pois, os Discípulos de terem visto o Senhor. E Êle lhes disse segunda vez: a paz seja convosco. Assim como o Pai me enviou a mim, também eu vos envio a vós. Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles, e disse-lhes: recebei o Es- pírito Santo: aos que vós perdoardes os pecados, ser- -Ihes-ão eles perdoados; e aos que vós retiverdes, ser- -lhes-ão eles retidos" (S. João 20:19-23, conforme Novo Testamento do Pe. Vicente Zioni, com aprovação da au- toridade eclesiástica, ed. de 1943). Daí ressalta que o poder a que o mesmo se refere foi concedido "a todos os Discípu- los que se achavam juntos, por medo dos judeus", sem discriminação de Apóstolos e não Apóstolos.

É intuitivo que, entre os Discípulos, de que fala o texto, se encontravam os Apóstolos.

Mas, desde convém frisar, para tirar macaquinhos das cabeças de "mestre" Eurípides e quejandos subalternos de 5. Santidade, o Papa, que nunca é dado a ninguém en- sejo de afirmar que pelo termo "Discípulos" do texto se deve entender tratar-se exclusivamente dos Apóstolos.

Sendo assim, é insustentável a opinião de que dito poder (qualquer que fosse) fôra outorgado exclusiva- mente aos Apóstolos.

Nossa tese, pois, escudada na Bíblia, nos próprios textos e contextos, é que tanto os Apóstolos como os Dis- cípulos de Cristo receberam tal poder (fosse qual fôsse).

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS 149

Se é certo, em boa exegese, admitirmos que algumas vezes os Apóstolos são designados por "Discípulos", não se pode, no entanto, afirmar que sempre o seja, o que re- dundaria disparate muito grande.

Na verdade, em várias passagens do Novo Testamen- to, quando se intenta referir exclusivamente os "Doze" (ou os "Onze", depois da defeção de Judas), sempre se "Apóstolos", e não "Discípulos". Outras vezes, porém, empregam os evangelistas o termo "discípulos" para signi- ficar, em conjunto, os Apóstolos e alguns dos discípulos de Cristo.

Sendo assim, e nada nos autoriza a dizer o contrário, que autoridade terá alguém para afirmar dogmàticamente que aqueles "Discípulos que se achavam reunidos, com as portas trancadas, por medo dos judeus" eram exclusiva- mente Apóstolos? Pelo contrário, e em corroboração do nosso argumento, vejamos o que diz o cap. 21 do mesmo Evangelho de S. João, versos 1 a 2: "Depois disto, Jesus tornou a manifestar-se aos discípulos, na Praia do Mar de Tiberíades; e manifestou-se deste modo. Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros dois dos Seus discípulos estavam juntos".

É claríssimo, por esse texto, que, como afirmamos anteriormente, quando se fala em discípulos, sempre razão para supormos que algum estranho aos "Doze".

Vimos, pois, nos dois primeiros versículos do cap. 2 1 de S. João, além de alguns Apóstolos, designados genè- ricamente pelo nome de Discípulos (como Pedro, Tomé etc), UM, que era exclusivamente discípulo: NATANAEL, de Caná da Galiléia.

O texto paralelo de Lucas 24:33 e seguintes infor- mam que, nesta ocasião, achavam-se presentes "os onze, e os que estavam com eles". Havia mulheres também! (Versos 9,10). Logo, ali estavam "leigos e clérigos", na fraseologia romanista!

Depois deste e de outros fatos semelhantes nos Evan- gelhos, quem tem autoridade para dizer que as palavras

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de Cristo, no fato enfocado, foram ditas exclusivamente aos Apóstolos, quando o texto fala expressamente em Discípulos?

Que mania será essa dos líderes jesuítico-papistas de pretenderem, obstinadamente, que o termo Discípulo não significa discípulo, e sim apóstolo?

Tal o disparate a que chegam os líderes romanistas (entre os quais o cardeal Gibbons, a que fizemos alusão noutro capítulo desta obra), quando afirmam que o de- cantado poder, de que estamos tratando, prerrogativa dos Apóstolos e seus sucessores" ("Aos Irmãos Separa- dos", pág. 143).

Não será isto baralhar conceitos de termos diferen- tes, misturar alhos com bugalhos?

A todos os discípulos disse Jesus, citando as Escri- turas: "Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressuscitasse de entre os mortos; e em Seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão (absolvição) dos pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém" (S. Luc. 24:46,47).

Não ressalta, evidente, neste passo, como o afirma- mos nos anteriores, que Cristo deu a ordem, a autoridade, o poder a todos os Seus fiéis discípulos, indistintamente, de proclamarem, de declararem, "'EM SEU NOME" (poder representativo, portanto) o arrependimento e a absolvi- ção (remissão) dos pecados?

E, como vem o "anjinho" Eurípides impingir a pa- tranha preconizada pelos seus mestres?

É caso para exclamarmos com o Apóstolo S. Paulo:

"O deus deste século cegou os entendimentos dos in- crédulos, para que lhes não resplandesça a luz do Evan- gelho da Glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus" (2.a Cor. 4:3-5).

E é gente dessa espécie, que claudica tanto contra os ensinos claríssimos de Cristo, teórica como praticamente, que enche a boca com as palavras do Mestre: "Quem vos ouve, a mim ouve" aplicando-as à sua classe sacerdotal, esquecendo-se, porém, que Cristo se referia, quando tal

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sentença proferiu, aos Seus fiéis discípulos, que ouviam e punham em prática os Seus ensinamentos!

A tarefa santificadora

de Cristo

Em aditamento ao que vimos refutando, não quere- mos, de modo algum, deixar sem resposta condigna algu- mas tiradas das lucubrações euripidinas, em torno do assunto, que nos provocam risos.

À página 143 do seu livro, escreveu ele:

"Jesus Cristo fora "enviado" pelo Pai para realizar a Redenção, para vencer o pecado e santificar as almas. Essa tarefa santificadora teria fracassado, se durasse ape- nas o tempo que Jesus passou na terra".

Antes de respondermos, diretamente, como sempre o fazemos, pois não receamos qualquer "tirada" do "mestre" Eurípides, não podemos deixar de lhe lançar em rosto a ousadia da sua afirmativa, o disparate que a mesma representa e a quase heresia que daí se pode deduzir.

De fato, a conclusão lógica que se tira de semelhante parlapatice resulta numa confusão de conceitos e de idéias que a pobreza do cérebro do Autor parece não ter atin- gido. Deduziríamos, do seu palavrório, que a Redenção por Cristo efetuada de fato não se realizou (e o "mestre" Eurípides não consegue fugir do abismo em que se meteu . . .) ou que Sua Obra, a que o Eurípides chama "tarefa santificadora " , é passível de fracassar!

Mais uma vez ficamos abismados pela falta de visão, insegurança cerebral e falta de raciocínio naquilo que ele escreve.

Então, Eurípides, mete-se-lhe na cabeça que alguma vez a Obra da Redenção de Cristo pode fracassar? Não confessa Você, nestas mesmas palavras, que Êle deixaria de ser Deus, se a Sua Obra fracassasse?

Não, Eurípides, a Obra de Cristo jamais pode fra- cassar, em hipótese alguma.

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CATOLICISMO ROMANO

Pensa Você, com os seus mestres, que Jesus Cristo teria necessidade de sua Igreja (a Católica Romana), para que Sua Obra divina não fracassasse?!

Puro e grave engano, Eurípides!

E se quer um argumento tremendo, que esmaga, a Você e a sua Igreja, vai.

Tão eficaz é a Obra de Cristo, e tão certo é ela jamais poder fracassar, que nem tôda a cadeia interminá- vel de inovações, dogmas, erros e tropelias engendradas por sua Igreja (a Católica), seus papas cruéis, imorais e sanguinários, seus bispos devassos e simoníacos, e seus padres pervertidos e corruptos conseguiram destruir nos séculos passados.

Não fosse a assistência do Espírito Santo à Igreja de Cristo, de cristianismo nem sequer hoje se falaria, em vir- tude da ação deletéria do Romanismo. Esta é que é a ver- dade, Eurípides!

Mais uma vez lhe temos de dizer: Não, Eurípides! A Obra santificadora de Jesus Cristo foi por Êle asse- gurada até o fim dos tempos, não através de homens, sempre falíveis e propensos ao êrro ("errare humanum est"), mas através do Espírito Santo, o perpetuador da Obra santificadora de Cristo. Oiça, Eurípides, a Palavra de Deus, que Você não ou desconhece seus ensinos, se a lê. Disse Jesus: "E eu rogarei ao Pai, e Êle vos dará outro Consolador (o Espírito Santo, o Paráclito), para que fique convosco para sempre; o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o nem o conhe- ce: mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós" (S. João 14:16-17).

O que se depreende desta sua ignorância religiosa é que, realmente, nem Você nem seus mestres religiosos pos- suem Êsse Divino Paráclito, que é o verdadeiro e legítimo continuador da obra santificadora de Cristo, nas almas.

Tudo, fora disto, Eurípides, é patranha inadmissí- vel, é estultícia, é sofisma.

E fique sabendo: a maior fraqueza, a tristíssima con- dição de sua Igreja (não obstante o seu tradicional orgu-

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lho, a sua petulância e arrogância) é não poder demons- trar aos espíritos luminosos, às inteligências desempoeira- das, com fatos verídicos, palpáveis e não sofismáveis, que o que ela executa, na terra, é sancionado por Deus, no Céu.

Aliás, a maior prova, a prova irrefragável disto está contida nas páginas sombrias e calcinadas de sangue da sua Igreja.

Entremos um pouco na matéria, que o Eurípides a isto nos força.

Tome nota, Eurípides! Não se contam as vezes que os ministros de sua Igreja têm lançado absolvições estéreis, improfícuas, sobre penitentes indignos, sobre reis e gran- des corruptos da terra! Quantas bênçãos, igualmente inú- teis, sobre casamentos engendrados pelas conveniências políticas, sem se atender à liberdade de consciência! Quan- ta "água benta", derramada inutilmente pelos ministros da sua Igreja sobre cadáveres ou ataúdes de monstros de imoralidade que, pelo simples fato de serem ricos, tiveram a acompanhá-los, à última jazida, luzida e orgulhosa fa- lange de clérigos e tonsurados! Quantas "graças" e mer- cês, e indulgências dispensadas, a pêso de ouro, a mortos, cujas vidas, diante de Deus, que tudo vê, podem me- recer a condenação eterna! Mas . . . que importa? Êles deixaram muito dinheiro para as missas, deixaram muitos amigos "devotos", que não os esquecem nunca, e o padre nunca é tolo para perder a "mina" . . .

Talvez nunca tenha pensado Você nas inúmeras mis- sas rezadas ou cantadas pelos ministros da sua Igreja, em sufrágio de almas, a quem a Justiça Divina terá conde- nado às penas do Inferno!

Pobre e coitada Igreja, que se arroga, diante de desprevenidos e ignorantes, o poder de mandar na terra em nome de Deus, que está nos Céus!

Não fica exuberantemente demonstrado, em face destes e de inúmeros fatos, registrados nos anais da His- tória, que Deus nada tem de comum com essa Igreja que, arrogando-se detentora de poder porventura maior do que o do próprio Cristo (que jamais atentou contra as liber-

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CATOLICISMO ROMANO

dades alheias), tem pretendido impor o domínio absoluto sobre tudo e todos, 1 entendendo que povos e nações ape- nas se devem curvar, reverente e subservientemente, a ela?

Autoridade exclusiva da Igreja

A autoridade exclusiva da Igreja na interpretação das Santas Escrituras (!).

Mais um argumento que encerra um desabafo a "mestre" Eurípides e a todos os próceres de sua Igreja, de crânios tonsurados ou não.

Arroga-se a Igreja Romana (e "mestre" Eurípides compartilha desta doutrina), ter ela (a Igreja) recebido de Deus o poder exclusivo de ensinar e de interpretar as Sagradas Escrituras. Esta é, a nosso ver, talvez a maior façanha e a mais audaciosa pretensão do Catolicismo Romano!

Pois bem: se assim é, por que a Igreja ainda não foi capaz (nem o será jamais!) de interpretar muitas passa- gens escríturísticas, sobretudo contidas no Apocalipse? Se não, queira dizer-nos quem é a "Besta"; quem é o "Homem", cujo número é 666; assim como quem é o "Anticristo"; quem é a "Babilónia do Apocalipse", etc?

Bem sabemos que no seio da própria Igreja Romana têm surgido várias interpretações acerca de tais assuntos bíblicos.

Seria interessante aparecer ao menos um Papa, ou um teólogo católico, que tivesse recebido comunicação direta de Deus e proclamasse "URBI ET ORBí" a verdadeira in- terpretação desses e de outros temas misteriosos que se en- contram na Bíblia, de modo que satisfaça as consciências de todos os espíritos sedentos de verdade! (Enfim, "hoc opus hic labor est" temos de exclamar mais uma vez!)

1 D. Carlos Vasconcelos, de S. Paulo, chegou a afirmar: "A Igreja não quer vencer alguém, quer vencer a todos!"...

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Mas . . . Pobre Igreja! Ao menos leve inspiração sobre tais assuntos não nos pode dar!

Pelo testemunho das Santas Escrituras, sabemos que existiram vários profetas que ouviam e falavam a Deus. Por isso, os povos se podiam deixar guiar por eles (porque eram intermediários das ordens que dimanavam de Deus ao Seu povo. De tal maneira eram verídicas e seguras as ordens dadas ou transmitidas pelos profetas, que, seguin- do-as, os homens eram felizes. Mas, sempre que não que- riam ouvir a voz dos Profetas do Senhor, tornavam-se desgraçados e sofriam duros e tremendos castigos.

No entanto, é curioso focar ou frisar esta nota: os profetas eram pessoas acessíveis, modestas, afáveis, huma- nas, simpáticas, cândidas, humildes e, numa palavra, ti- nham o selo das qualidades mais amoráveis do Cristo que havia de vir e por eles anunciado.

A Igreja Romana, porém, destituída do poder confe- rido aos Profetas, e carente de argumento comprobatório para demonstrar que recebe comunicações diretas de Deus, é arrogante, soberba, sanguinária, pervertida, despótica e antipática, que a História tão bem conhece; não esmorece na ânsia incontida de subjugar ao seu domínio, que nada tem de misericordioso e caritativo, todos os povos e nações da terra! 1

Sim, Eurípides, esta é a tristíssima condição de sua Igreja! Mau grado seu, esta é, igualmente, a não menos triste realidade!

Se a Igreja Romana não recebe comunicação de Deus, em cujo Santo nome pretende subjugar o mundo inteiro, como convencer as inteligências dos homens de que a pre- tensão dela não é a mais deslavada patranha? 2

1 Disse o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arce- bispo de S. Paulo, em entrevista ao Correio Paulistano, de 7-5-946: "A Igreja não quer vencer ninguém quer vencer a todos"! Mas... vence, mesmo?

2 Escreveu no Jornal Última Hora, de 7-7-58, do Rio, D. Estêvão Bittencourt O.S.B., Religioso e Sacerdote no Mosteiro de S. Bento, do Rio: "A Igreja Católica, convidada para aderir ao Movimento Ecumé- nico Protestante, recusou-se a tal. A razão disto é que, sendo ela a de-

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É por isso que a Igreja não nos convence a nós, Eu- rípides, nem àqueles que, antes de engulirem as ' 'pílulas" que ela lhes oferece, têm o cuidadinho de examiná-las aten- tamente! . .

tentora da Revelação Cristã e da verdade, não pode participar de algum certame que se proponha elaborar uma fórmula de capaz de satisfazer a todas as confissões cristãs. A Igreja possui o credo genuíno e guar- da-o incontaminado vinte séculos; toca-lhe apenas a missão de o apresentar ao mundo e de mostrar a autêntica face do Evangelho, a quem está fora da Igreja..."

Mas..., Ex.mo e Rev.m? Prelado, fique sabendo V. Rev.mft que a gente lê, relê, treslê o que fica firmado peia sua grande autoridade eclesiástica, e fica mesmo em dúvida se V. Rev.ma é, ou não, de verdade, um Apóstolo de Cristo e se sua Igreja tem algo que se pareça com a humildade dos primeiros discípulos do Meigo, Dócil e Sábio Nazareno, que jamais recusou qualquer entrevista a quem quer que fosse, que lhe solicitasse auxílio ou pedisse a cooperação fraterna! Demais, Rev.mo Prelado, se V. Rev.ma afirma que a sua Igreja é que é a "detentora da Revelação Cristã e da verdade", não seria o caso de ter a caridade de ir ao encontro dos pobrezinhos dos protestantes que, humildemente dirigiram o convite amigo e fraterno para que sua Igreja, isto é, seus clérigos tomassem parte com êles no Santo "Movimento Ecuménico Pro- testante"? Não seria uma oportunidade de V. Rev.ma, caridosa e cristã- mente, mostrar-lhes, nesse certame, que, na realidade, a sua Igreja é possuidora da verdadeira e genuína "Revelação Cristã"? Fique sabendo que os protestantes querem seguir mesmo, e seguem a verdade, a Ver- dadeira Revelação Cristã, segundo o conceito genuinamente bíblico dessa Revelação, e não segundo o conceito das "fábulas ineptas e senis" de sua Igreja Romana, que, de Cristo tem quase nada! Mas... quem sabe, Rev.mo Prelado, se sua Igreja, através de seus luminosos sacerdotes de Deus ( ! ) , não poderia convencer esses pobrezinhos dos protestantes de que estão errados, muito errados, e, com a caridade evangélica de que os senhores, reverendos e reverenciados discípulos de Cristo, enchem a bôca, mas que, como o disse o genial Rui Barbosa, "têm a consciência cauterizada de interêsses mundanos" quem sabe se esta sua Igreja, apesar de tudo que os protestantes notam de errado nela, não poderia convencer, do erro em que vivem, esses pobres diabos, essas infelizes criaturas destituídas de uma Igreja sem poder e sem a Revelação Divina'?! Quem sabe, Rev.mo, se não é possível convencer êsses infelizes] Não diz V. Rev.ma que sua Igreja "possui o Credo genuíno, incontaminado 20 séculos" e que lhe "cabe apenas a missão de apresentá-lo ao mundo e de mostrar a autêntica face do Evangelho"? Sabe V. Rev.ma o que significa: "res, non verba"? Pois, então, por que esconde a sua lâmpada debaixo do módio, e não nos a sua luz? (1) Por que não obedece, como bom soldado de Cristo, à ordem do Mestre: "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura"? Por quê? Ah, Reverendo! Sa- bemos por que V. Rev.ma e seus parceiros da comandita jesuítico-papista não querem saber de se aproximar de Protestantes ! Sabemos . . . é que as trevas temem a luz! É que nem V. Rev.ma, nem tôda a caterva dos sa- pientíssimos doutores de sua Igreja, bispos, arcebispos, cardeais e papas, dos séculos passados e do presente, jamais tiveram coragem de enfrentar, ombro a ombro, o mais humilde protestante; êste, sim, conhece, de fato,

(1) Ref. a S. Mat. 5:15.

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Por esta simples razão as inteligências mais preemi- nentes, sobretudo dos tempos modernos os encíclope- distas franceses, Rui Barbosa, o expoente máximo da raça latina e o orgulho da espécie humana; e Einstein, que foi

a Bíblia, de que Vocês, ''falsos apóstolos de Cristo", apenas conhecem, e muito mal, alguns textos, em que procuraram estribar suas invencionices anticristãs e algumas até diabólicas!

Não esqueça, Rev.mo Prelado, a nobreza e a isenção cristãs de Lutero, quando, ao ser intimado a retratar-se das suas teses doutrinárias, diante do Cardeal Caetano, "Legado" do Papa, afirmou que, da melhor vontade, o faria, se lhe demonstrassem, com argumentos convincentes, extraídos da Escritura, estar êle errado. Que mais se deveria exigir? Não era esta uma atitude nobre e, além disso, isenta de soberba ou pretensão de fazer prevalecer o seu modo de pensar?

É isto que, ainda hoje, os protestantes estão dispostos a fazer, repe- tindo aquela atitude correta e sensata do grande reformador.

Afinal, se a sua Igreja (a Romana) é detentora da Revelação Cristã e da verdade, por que não confundiu, então. Lutero, destruindo toda a argumentação, em que êle baseou suas teses doutrinárias? Se êle aceitou, lealmente, a peito aberto, a luta, no campo que lhe foi proposto, por que não fizeram uso de suas poderosas armas (!) os campeões da Igreja "detentora da Revelação Cristã e da verdade"?

A razão é simples: Lutero estava escudado na "Rocha" firme e indestrutível da verdade candente, contida nas Santas Escrituras.

Como sempre acontece com lutadores cobardes, em vez de desem- bainharem as espadas, em luta leal com seus adversários, preferem in- sultá-los miseràvelmente! No caso da sua Igreja, então, a cobardia e malvadez excederam todos os limites da perversidade humana: em vez de convencer do erro aquêles a quem apodou de "hereges", maquinou, ignobilmente, a ruína e desgraça dos mesmos, atirando-os para os horro- res das fogueiras e outras inomináveis torturas, como nos atestam as páginas mais tétricas da História!

Não seria antes, cristão e humano, refutar os pontos doutrinários em questão? Por que o não fizeram? Porque não foram capazes, nem jamais o serão!

De vocês, salvo raras exceções, casta de "escribas e fariseus hipó- critas", bem se pode dizer o que S. Paulo disse com referência a alguns falsos cristãos do seu tempo "que aprendem sempre e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade, e, como Janes e Jambres resistiram a Moisés, assim também êstes (vocês) resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé. Não irão, porém, avante: porque a todos será manifesto o seu desvario, como também o foi o daqueles" (2.a Tim. 3:7-9).

Sim, "mestres" da "infalibilidade", vocês não aceitam debates com os protestantes, porque temem a manifestação dos seus desvarios. Se, de fato, o ministério de vocês fôsse igual ao de Cristo e Seus Apóstolos, vocês jamais se recusariam a ir ministrar os ensinamentos do Evangelho aos^ que estão em trevas e na ignorância das verdades cristãs, de que vocês se julgam os únicos depositários! Não o fazem e fogem, e se esquivam; temem os açoites da Verdade, da Palavra de Deus, de que não são os observadores. Nós, os evangélicos, os protestantes, não tememos, não temos receio de ir até aos Infernos (se possível fora), para pregar o Evangelho, obedecendo ao mandado do Divino Mestre: "Ide por todo

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o maior sábio contemporâneo jamais se deixaram narcotizar com o ópio da doutrina romanista, que ser- viu para irritar essas inteligências ultraluminosas, como o caso do nosso genial Rui Barbosa, exuberantemente de- monstrado em "O Papa e o Concílio" a mais fulmi- nante e arrazadora obra contra o Catolicismo Romano, que saiu da pena humana! . . .

Continuando a rebater a estulta pretensão da Igreja Romana de se arvorar em única intérprete das Santas Es- crituras, provaremos, agora, pela Bíblia, que falsa é a ale- gação.

Vejamos o que diz a Santa Palavra:

1 "Examinai as Escrituras, pois julgais ter nelas a vida eterna, e elas mesmas são as que dão testemunho de mim", disse Jesus (S. João 5:39), na versão de Figuei- redo, católica.

Esta ordem do Mestre não foi dirigida a padres, bis- pos ou papas, mas às multidões de leigos; a todos, enfim. O povo, portanto, pode e deve examinar as Escrituras, e, por consequência, está capacitado a entendê-las.

2 "Buscai diligentemente no livro do Senhor e lede" (Is. 34:16).

3 "Bem-aventurado o varão que não anda se- gundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores, mas o seu prazer está na lei do Senhor, e na Sua lei medita de dia e de noite" (Salm. 1:1-2).

o mundo e pregai o Evangelho a tôda a criatura. . ."! Não tememos, e até nos sentimos felizes, e, por isso, com S. Paulo exclamamos: "Ai de nós, se não evangelizarmos! Porque o Evangelho continua o Apóstolo é o poder de Deus para dar a salvação a todo aquele que crer"!

Preguem êste Evangelho, preguem o amor de Cristo, preguem a paz, a harmonia e o amor entre os homens e a salvação em Jesus, e, então, juntos, ombro a ombro, fraternalmente, poderemos marchar, resolutos, cantando a estrofe eterna da Oração Sacerdotal de Cristo, nas Suas últi- mas instruções aos Seus discípulos (capítulos 15, 16 e 17 do Evangelho segundo S. João). Leiam e meditem solenemente no abismo imenso que entre vocês e Cristo, entre vocês e os verdadeiros discípulos do Divino Mestre.

E, então, assim, com a conversão a Cristo, por parte de vocês, é que deixaríamos de ser "irmãos separados"!

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temos o grande profeta Isaías ordenando que leia- mos a Palavra do Senhor e nela aprendamos Sua vontade; temos um rei, simples leigo, como Davi, que não se deleita na Lei do Senhor, como exorta seus súditos a que façam o mesmo, e chama de bem- aventurados aos que assim procedem. No entanto, o Concílio Tridentino acha e proclama que as Escrituras têm de ser interpretadas pelo consenso unânime dos padres da Igreja. E quantos desses padres têm apresentado ao mundo as opiniões mais diver- gentes! Quantos se têm retratado de muitas das suas inter- pretações! Santo Agostinho chegou mesmo a escrever um livro, retratando-se de muitos erros cometidos em inter- pretações da Bíblia!

4 "Êstes, pois, (os habitantes de Beréía), eram mais generosos que aquêles de Tessalônica: os quais rece- beram a Palavra com ansioso desejo, examinando todos os dias nas Escrituras, se estas coisas eram assim" (Atos 17:11).

Não se diz que êles tenham recorrido aos sacerdotes. £ observe-se que se tratava de saber se, realmente, S. Paulo lhes estava a ensinar conforme as Escrituras. Êles mesmos faziam o exame, sem recorrerem a intérpretes. Prova de que estavam certos é que o Espírito Santo os louva, por esta nobre e sensata atitude, quando diz "foram mais generosos \ Pois, precisamente isto fazem os protestantes em face das afirmativas dos romanistas: abrem a Bíblia e examinam, para saberem se o que ensinam está conforme à Santa Bíblia; em não estando, seu dever é impugnar, porque o que vale é a Palavra de Deus e não a palavra do homem; em matéria de e prática, para as consciências.

Fica patente, portanto, que Deus não acha empeci- lho algum em que qualquer um leia e entenda Sua Carta Magna. Mesmo porque, se Deus tivesse revelado Sua von- tade de modo ininteligível a todos, Êle seria injusto e, logicamente, culpado de não lhes haver dado inteligência suficiente de entender Seus ensinos. Se fosse isso mister de inteligências privilegiadas ou verdadeiramente cultas, especialmente instruídas nas ciências teológicas (no que sc

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julgam exclusivos, os padres), seria preciso admitirmos o absurdo de que os padres foram "criados à imagem e semelhança de Deus", Não; tal patranha e injustiça cla- morosa não se poderia admitir a Deus, Justo e Misericor- dioso!

É bem verdade que textos sagrados de difícil in- terpretação, e alguns até que não foram, nem o serão jamais interpretados, satisfatoriamente, por teólogo algum; mas isto não acarreta qualquer prejuízo doutri- nário ao sistema da Religião Cristã ou à Palavra de Deus, porquanto tais textos, que escapam mesmo às mais ful- gurantes e cultas inteligências, não contêm doutrina fun- damentais de salvação. Estas, as essenciais, estão clara- mente expostas na Bíblia, de modo que qualquer pessoa que saiba ler, ou raciocine um pouco, pode entender per- feitamente. E tanto é assim, que ninguém se perderá ou condenará, por não ser capaz de explicar os mistérios da doutrina da Trindade, da Encarnação do Verbo ou da concepção miraculosa de Cristo. Não! Ninguém será con- denado por isso, ainda que tenha as mais disparatadas concepções sôbre o assunto. Entretanto, se despreza o amor de Deus, revelado em Seu Filho (S. João 3:16); se re- jeita a "Água da Vida", que Êle gratuitamente oferece para dessedentar a sêde de salvação (S. João 4:14); se des- preza o Sumo Pastor ou faz, o pastor de sua alma, ao homem (S. João 10:11) ; se não crê no "sangue d' Aquele que nos purifica de todo o pecado" ( l.a Ep. S. João 1:7); se não atende ao convite de Cristo (S. Mat. 11:28); se não se arrepende dos seus pecados, e, portanto, não recebe o poder do Espírito Santo o único capaz de transfor- mar radicalmente a vida do homem, livrá-lo da intranqui- lidade e tristezas da vida, suprimir-lhe os vícios e paixões desenfreadas, purificar-lhe inteiramente o coração das im- purezas e ímundícias do esterquilínio do pecado, subjugar o mau caráter, os ódios e malquerenças, e finalmente, o único remédio eficaz para produzir nova vida de paz, tranquilidade, gozo espiritual e a mais fagueira e santa esperança (At. 2:38) se despreza esses verdadeiros e

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eficazes meios de graça, jamais alcançará a salvação, E tudo isso não encerra dificuldade alguma de ser entendido por quem quer que seja. O remédio é facílimo de uso; não o toma quem não quer mesmo.

Tão fácil é compreender-se a aplicação desse remédio salvador, que ele se resume em quatro palavras que en- contramos na Palavra de Deus, a saber: l.a Arrepen- dimento: At. 2:38; S. Tiago 4:8; Rom. 3:10; 2.a Confissão (não ao padre, mas, diretamente a Deus) : "Se confessarmos os nossos pecados, Êle é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e para nos purificar de toda iniqui- dade" (l.a Ep. S. João 1:9); 3.a Receber a Cristo como Seu Salvador pessoal (S. João 1:12); 4.a Con- fiar nas promessas de Deus, que garantem a salvação "de todo o que crê em Seu Filho Jesus Cristo" (S. João 20:31 ; Rom. 1:16; At. 16:31).

Agora, romanistas, dizei-me, se ou não profunda e radical diferença entre o que preceitua o Catolicismo Ro- mano e a Palavra de Deus, consoante a claríssima revela- ção que está, e que todos podem compreender e pôr em prática, dependendo exclusivamente de obedecer "mais a Deus do que aos homens"? E por que vossos ministros, que se julgam os únicos e verdadeiros intérpretes das San- tas Escrituras, não apontam o remédio para as vossas chagas, e as de todo o mundo, e que Cristo nos oferece de graça?

Não outra resposta, senão esta: vossos ministros (romanistas) engendraram a beberagem do cristianismo dos homens, e, por isso mesmo, se distanciam cada vez mais do Cristianismo de Jesus!

Lede o que, a respeito dessa corrupção, escreveu, de modo irretorquível (porque se baseia em fatos), a pena sem rival do maior génio da raça latina, o imortal Rui Barbosa, que mostra a enormíssima diferença entre o Ca- tolicismo Romano e o Cristianismo de Jesus:

"Nós cremos na fatalidade das leis morais, como cre- mos na fatalidade das leis físicas. Por mais que os céticos riam, as primeiras são tão necessárias, tão eternas, tão

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divinas quanto as segundas. Por isso nossa alma não é quanto à vitória definitiva da liberdade que estremece agora de apreensão; é pela pátria. A esta, sim, é que par- tidos e governos menos corruptos podiam poupar a amar- gura de esgotar até às fezes o cálix das lutas religiosas. Quanto à liberdade, seu dia pode tardar, mas virá; summa dies et ineluctabile tempus. Infalivelmente, mais cedo ou mais tarde, há-de ser vitoriosa. Há-de sê-lo, por si e por essa religião em cujo nome a reclamamos; religião não de "fábulas ineptas e senis"; 1 não de praxes farisaicas e sensualistas; 2 não sepultada no mistério de uma língua morta; não a desses pseudo-apóstolos 3 do paganismo in- falibilista, caluniadores do Evangelho, 4 pregadores hipó- critas e mentirosos da opressão sacerdotal, com a bôca cheia de Deus e a consciência cauterizada de interesses munda- nos, 5 não a das diatribes no púlpito, na imprensa, nas pastorais, nas letras apostólicas; não a do ódio, da cisão entre os homens, da desconfiança no lar doméstico, da separação entre os mortos, do privilégio, do amordaça- mento das almas, da tortura, da ignorância, da indigên- cia no espírito e no corpo, do cativeiro moral e social; mas a do "homem novo", 6 renascido sob a cruz; do es- pírito que vivifica, e não da letra, que mata; 7 da comu- nicação interior entre o coração e Deus: da caridade 8 e brandura 9 para com todos os homens; religião de luz, 10 que se alimenta de luz, e que na luz se desenvolve; 11 re- ligião cujo Pontífice é o Cristo; 12 religião de igualdade, 13

1 2.a Tim. 4:7.

2 2.a Tim. 2:16; Coloss. 2:16.

3 2.a Cor. 11:13.

4 2a Cor. 4:2.

5 Ia Tim. 4:2.

6 Efés. 4:22,24. ^ 2a Cor. 3:6.

8 Ia Ep. S. João 4:8; Ia Cor. 13.

9 Tit. 3:2.

10 Ia Ep. S. João 1:5.

11 2a Cor. 3:18.

12 Hebr. 3:1.

is Gál. 3:28; Coloss. 3:11,25.

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS

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fraternidade, 1 justiça e paz; religião em cujas entranhas formou-se a civilização moderna, em cujos seios sugou o leite de suas liberdades e de suas instituições, e a cuja som- bra amadurecerá e frutificará a sua virilidade; religião de tudo quanto o ultramontanismo nega, amaldiçoa e enfer- ma. Por ela o altar, algum dia, e não longe, não será mais uma especulação; por ela os consciências não terão mais contas que dar de si senão ao Onipotente; por ela todas as crenças serão iguais perante a lei, todas as convicções igual- mente respeitáveis perante os homens/' 2

Eis o retrato fiel, fidelíssimo mesmo, desses falsi- ficadores do Evangelho de Cristo, e que ainda se arrogam detentores do poder exclusivo de interpretá-Lo!

O padre não é um homem como outro qualquer

Vejamos mais uma "anjice" de Eurípides Cardoso de Meneses.

À página 145 do seu livro, afirma que "o padre não k um homem como outro qualquer . .

Estamos de acordo, nisso. Basta dizer que é um homem que veste saia, e saia preta! Diverge, ainda, de outros homens, por ter "marca zero" na cabeça, que é "a marca registrada do fabricante "Indústria e Comércio do Vaticano S.A.", segundo glosa do imortal poeta Guerra Junqueiro! Aprendeu repetidas lições de mestres eminen- tes na ciência sofismática . . . Além disso, é prático no exer- cício de raciocinar pela cabeça de outrem, visto como não lhe é lícito discordar (sob pena de incorrer em graves pe- nalidades) de todo o mistifório que lhe é ministrado pelos encarregados da manipulação das drogas doutrinárias, únicas que lhe poderão servir de beberagem! . . . Inclusi- vamente, é o padre tão diferente dos outros homens, que

1 Hebr. 13:1.

2 "0 Papa e o Concílio", de Rui Barbosa (págs. 331-332).

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é raro ver-se um nos lugares mais frequentados pelos demais homens. E há, ainda, muitas outras diferenças, na mentalidade e pessoa, que não achamos conveniente reproduzir aqui no papel. Estamos, pois, de acordo, Eu- rípides, em que "o padre não é um homem como outro qualquer". (Aliás, nem sequer tem a culpa de ter nascido como os demais homens, e seria interessante que, logo ao nascer, fosse radicalmente diferente dos outros homens; e nós apoiaríamos tal lei, se a natureza estivesse disposta a promulgá-la).

Aqui está um ponto que não discutimos com Você, Eurípides.

De resto, estamos convencidos de que todos aqueles que conhecem a fundo os padres, sabem perfeitamente que eles são muito diferentes do comum dos homens! Inclu- sive quanto ao pretenso poder de perdoar pecados, que antes esclarecemos convenientemente . . .

Por fim, vamos responder à última "anjice" euri- pidína da página 145 do seu livro.

Afirma ele: "Obviamente, o poder de perdoar con- fiado ao ministro de Deus implica, da parte do pecador, a obrigação de se confessar".

É o caso de se lhe perguntar mais uma vez: que têm os alhos com os bugalhos?

Então, se eu recebo uma faculdade ou poder, qual- quer que seja êle, terão porventura, os meus vizinhos, al- guma coisa com isso? Qual seria o compêndio de lógica onde o "mestre" Eurípides teria ido colher ensinamentos, para fundamentar as suas singulares e geniais deduções?!

Puxa vida! Nunca nos passou pela cabeça que "mes- tre" Eurípides fosse capaz de possuir algum compêndio de lógica fornecido por potestades da ciência oculta, capaz de deitar por terra tudo aquilo que de mais profundo, até hoje, os grandes filósofos têm ensinado e escrito! . . .

Mais uma vez, "mestre" Eurípides parece ter acor- dado de um sonho que lhe tolheu as faculdades mentais, e ainda, como sonâmbulo, teria escrito os despautérios de que é pletórico o seu livro singular!

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Limpe bem os olhos, tire-lhes as escamas, para ver um pouco melhor, e repare nisto: Você diz e muito bem (neste ponto estamos de acordo), à página 142 do seu livro: "O essencial é saber se, de fato, conferiu Nosso Se- nhor Jesus Cristo aos Seus Apóstolos o poder de perdoar pecados. Êsse o ponto importante".

lhe demonstramos, anteriormente, com sobejos argumentos, que êsse poder é a patranha mais ridícula de sua venerada Igreja (venerada por Você, é claro). E tanto assim é, que até mesmo muitos católicos (a maio- ria, possivelmente), apesar de irem à missa, aos domingos repetimos, vão à missa, mas não acreditam no poder da confissão auricular, e não se confessam mesmo, como Você deve saber.

De resto, tendo conhecido vários católicos, por êles mesmos temos sabido que não se confessam, pela simples razão de não admitirem parlapatice dêsse jaez!

Quem lhe disse, então, que o poder confiado ao mi- nistro de Deus implica, por parte do pecador, a obrigação de se confessar? Ignora, acaso, Você, que essa obrigação foi imposta pela sua Igreja, oficialmente, a partir do sé- culo XIII ? 1

Nem o próprio Cristo obrigou ninguém a confessar- -se, nem disse aos Apóstolos que obrigassem, a quem quer que fosse, a confessar seus pecados.

Mesmo na hipótese (por nós, aliás, destruída) de que Jesus Cristo teria concedido aos Apóstolos poder de perdoar pecados, tal poder seria exercido para aquê- les que, espontaneamente, se aproximassem dos Apóstolos, suplicando-lhes perdão. Assim é que está certo.

Mas dizer, como Você disse, que o referido poder "implica" para alguém a obrigação de se confessar a homens, é uma dedução que não tem lugar na Ciência lógica, nem na cabeça de ninguém com um crânio de me- diana fosforescência.

Você, realmente, é curiosíssimo e único no raciocinar!

1 Cone. de Latrão, em 1215 A. D.

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Cristo e Seus Apóstolos jamais forçaram a quem quer que fôsse a solicitar-lhes perdão de pecados! Mas . . . apa- receram os padres e . . . como são mais do que Cristo ( ! ) , trataram de impor a obrigação aos pobres pecadores, sob pena de pecado mortal!

E foi esta a sentença da heresia, que quem não confessasse cairia

em pecado mortal! Transformou-se, destarte, o confessor, em carrasco do pobre pecador,

e a Igreja em Tribunal! E o seu confessionário ficou sendo, a quem não confessava, o mais tremendo

julgamento de Deus (!) Um pecado mortal cometeria quem não levasse aos pés da Sacristia

pecados, sempre os seus!

Desgraçados pecadores! Não lhes bastam os pecados que têm, senão ainda aqueles de que ficam sobrecarre- gados e que lhe foram decretados pela sua Santa Madre Igreja!

Se Você não nos compreendeu, Eurípides, vamos ex- plicar-lhe melhor.

Um pecador tem, por hipótese, 10 pecados mortais, a pesar-lhe sobre a consciência. Como não se foi confes- sar, no prazo que a Igreja prescreve, o desgraçado, em vez dos 10 que tinha, ficou com 11.

Pobre pecador! Até a Igreja, que é sua mãe, o sobre- carrega com mais pecados! Não acha isto o cúmulo da per- feição da única Igreja perfeita na face da terra? !

Pobres dos cérebros que nunca pensaram nessas mi- sérias que aqui estamos apontando! Bastava que todos abrissem os olhos à luz dessa realidade: uma Igreja que ainda sobrecarrega o pecador de pecados, não pode, de forma alguma, ser chamada de "Mãe", mas de tirana e

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS 167

déspota, numa palavra, de anticristã! Porventura fez assim, alguma vez, Jesus?

Por outro lado, com a doutrina da confissão obriga- tória, expõe a Igreja os seus fiéis ao perigo permanente de outro pecado grave (segundo ela mesma ensina) a que chama de "sacrilégio", no caso de o confitente não ser sincero em sua confissão!

Que abismos tremendos se encerram nas doutrinas de tão "Santa" Igreja!

Os padres não têm o poder de perdoar pecados

Julgamos ter respondido a 4 'mestre" Eurípides, quando ele, indiretamente, pergunta "se, de fato, conferiu N. Senhor Jesus Cristo, aos Seus Apóstolos, o poder de perdoar pecados".

Diz ele (e nós concordamos) que "esse é o ponto importante".

Refutamos-lhe as pobres alegações e demonstramos que N. Senhor Jesus Cristo jamais conferiu tal poder, senão em sentido declarativo, conforme explicamos.

Acrescentamos, ainda, que o aludido poder declara- tivo foi outorgado não aos Apóstolos (aos "Doze"), como também aos discípulos, aos crentes.

Mas, vamos repisar um pouco o que atrás explica- mos sobre este assunto, para clareza de tôda gente, e fixa- ção da verdade.

Suponhamos, agora, por momentos apenas, que, de fato, tal poder tinha sido conferido, exclusivamente, aos Apóstolos, como quer o cardeal Gibbons, citado por Eu- rípides, em nota ao fim da página 143 do livro que vimos refutando. Admitamos, portanto, segundo o mesmo car- deal Gibbons, que esse decantado poder "era uma prerro- gativa concedida aos Apóstolos".

Certamente, nem o cardeal Gibbons, nem "mestre" Eurípides, nem aqueles que abençoaram seu livro e o seu autor, notaram o abismo que se encerrava em tal doutrina.

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Com efeito, partindo do argumento que contesta- mos, ter-se-ia de admitir que o poder de perdoar pecados (poder que nos crânios tonsurados e nos dos seus "subalternos" pode ter guarida), sendo "prerrogativa dos Apóstolos e seus sucessores", jamais poderia ser exercido por alguém que não fôsse sucessor dos Apóstolos.

Ora, segundo ensina a teologia católica, por "suces- sores dos Apóstolos" devemos considerar, exclusiva- mente, os bispos.

Sendo assim, os padres (os presbíteros) não têm, de modo algum, poder de perdoar pecados, pois não são "su- cessores dos Apóstolos".

E, prevendo, desde já, que nos podem retorquir com o frágil argumento de que os bispos têm poder para dele- gar aos padres a faculdade de perdoar pecados, aniquila- mos o feto negando o suposto, e provando o que afirmamos.

Na verdade, "prerrogativa" quer dizer: privilégio, concessão exclusiva, pessoal, intransmissível. Sendo assim, os bispos não têm poder para delegar tal faculdade aos padres, simplesmente porque dito poder é prerrogativa dêles, bispos. Assim também, o Papa, dotado de "infali- bilidade" (segundo a patranhice romanista, claro), não tem poder para transmitir essa "infalibilidade" a bispos ou cardeais; do mesmo modo, um Profeta não tinha poder para conceder o dom da profecia, que era prerrogativa sua, a outrem.

Em face do exposto, nem "mestre" Eurípides (a quem não é lícito empavonar com as vestes rubras dos pontífices ou cardeais romanistas), nem qualquer dos lí- deres da doutrina jesuítico-papista, pode abrir a boca e muito menos deitar por terra os nossos argumentos.

Quanto a nós, temos a doutrina mais simplificada, de harmonia com o Espírito que ditou o ensino da Divina Palavra, afirmando, peremptoriamente, que, afinal, nem padres, nem cónegos, nem monsenhores, nem abades, nem bispos, nem arcebispos, nem cardeais, nem papas têm o

O GRANDE PODER OUTORGADO AOS HOMENS

169

poder de perdoar pecados, visto ser, tal poder, prerrogati-. va de Deus, como provamos suficientemente.

Afinal de contas, para que gastarmos tanta cera com* tão ruim defunto? Vistas bem as coisas, tudo que temos exposto se resume num simples argumento: Assim como Cristo é o único credenciado por Deus para salvar o peca- dor, do mesmo modo é o único credenciado para lhe per- doar os pecados. Vejamos agora, a recíproca: Assim como a nenhum homem foi outorgado credencial para salvar o pecador, também a nenhum homem foi outorgado poder de perdoar pecados.

Ou, em outras palavras: Como a salvação do pecador é obra exclusivamente de Deus (por meio de Cristo), do mesmo modo o perdão dos pecados (sem o qual não pode haver a salvação) pode ser dado por Deus.

CAPÍTULO IX

CONFISSÃO AURICULAR E

ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL

A confissão auricular ao

sacerdote

Abra a sua Bíblia, Eurípides (Dan. 9:4,5), e verá que foi diretamente a Deus que Daniel se confessou. Eis o texto: "E orei ao Senhor meu Deus e fiz confissão das faltas e disse: Digna-te ouvir-me, ó Senhor Deus grande e terrível, que guardas a tua aliança e a tua misericórdia para com os que te amam e que observam os teus manda- mentos. Nós pecamos, cometemos a iniquidade, procede- mos impiamente, apostatamos e afastamo-nos dos teus preceitos e das tuas leis" (Dan. 9:4,5 Versão Católica do Antigo Testamento, pelo Pe. Matos Soares, devida- mente autorizada pela autoridade eclesiástica S. Paulo, 1943).

Leia mais, Eurípides: "Se dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos, e não verdade em nós. Porém, se confessarmos os nossos pecados, Êle (Cristo) é fiel e justo para nos perdoar esses nossos peca- dos e para nos purificar de toda iniquidade" (l.a Ep. S. João 1:8,9, conforme o Novo Testamento do Pe. Vi- cente Zioni, aprovado pela autoridade eclesiástica).

Não diz, o Apóstolo do Amor, que devemos confes- sar ao sacerdote, ou a qualquer ministro de Religião, mas

172

CATOLICISMO ROMANO

Àquele (Cristo) , "que é fiel e justo para nos perdoar esses nossos pecados" e mais: "para purificar -nos de toda ini- quidade".

E note-se que tal ordenança do Apóstolo, a de nos confessarmos diretamente a Cristo, ele a deu anos depois da ressurreição do Senhor, depois, portanto, de ter sido dado o suposto poder de perdoar pecados!

Depois de textos tão claros, que poderíamos corro- borar com vários outros, tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento; depois de deduções tão lógi- cas, como as que ficam, pode ficar com ' 'minhocas" e confusões na cabeça quem não quiser ver a verdade e a luz que dimanam de tais palavras.

Não há, pois, nas Escrituras, a confissão auricular, ou seja, a confissão em particular, a um sacerdote ou a qualquer ministro de religião.

Os textos evocados por Eurípides e pelos seus mes- tres (Tiago 6:16; S. Mat. 3:6 e At. 19:18) não tratam, absolutamente, de confissão sacerdotal, mas, sim, confis- são fraternal, uns aos outros. Isto é, sempre que pecamos contra Deus ou contra o nosso próximo, não devemos encobrir, nem negar, mas sim, confessar mutuamente, como irmãos. Trata-se, pois, de confissão fraternal e não sacerdotal. E tanto isto é verdade, que nos textos em apreço se trata de confissão e oração concomitantes; não é, pois, oração pelo sacerdote, tampouco confissão a ele.

Por exemplo, o passo de S. Mat. 3:6 ensina-nos, fora de qualquer dúvida, que as gentes iam ' 'aberta e publica- mente" a João Batista, e que ele as batizava com a mesma publicidade; e, quando diz que confessavam os seus peca- dos, evidente que era isto ato tão público como o do batis- mo que eles recebiam. O mesmo se pode dizer com refe- rência ao texto de Atos 19:18 ato de confissão pública, e nada de confissão auricular, isto é, em particular, ao sacerdote ou profeta.

É pena que Eurípides ignore a versão do N. T. pelo estudioso padre A. Negromonte que, no local citado, de Mat. 3:6, diz, em nota explicativa, que esse texto nada

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 173

tem que ver com a confissão auricular, pois nem existia ainda, nessa época!

Eurípides refutado por sua própria Igreja! Coitado!

Evocam os romanistas (no que Eurípides servilmen- te os acompanha), em favor da confissão auricular, o tolo argumento de que a confissão é salutar, porque imprime medo ao pecador, por se ter, este, de confessar a um sa- cerdote, e tal prática o impede, por vezes, de pecar.

Pobre fundamento! Pobre confissão!

Pois é precisamente que está a grande diferença entre a confissão preconizada pelo Catolicismo Romano fundada no temor do homem, do mortal, do peca- dor — e o que ensina o protestantismo, baseado na Bí- blia — que é a confissão a Deus, pelo temor a Deus, a Quem, de fato, devemos temer e obedecer. Nesta altura, convém citemos a Sagrada Escritura: "Não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disto não têm mais que fazer. Mas eu vos mostrarei a Quem deveis temer: temei Àquele que, depois de matar, tem poder de lançar no Inferno' ' (S. Luc. 12:4,5).

Isto, pois, da abstenção do pecado pelo temor do homem, é próprio do Catolicismo Romano, que coloca o poder da absolvição na mão dos seus sacerdotes; mas, absolutamente, como demonstramos anteriormente, tal poder não passa de estulta pretensão, sem fundamento algum na Bíblia e na razão. Não! Tal doutrina não é de Cristo! Aquele ensina o temor do homem (que nada vale) ; Cristo, porém, ensina o temor de Deus (que vale tudo) : por mais oculto que seja nosso pecado, Deus o conhece, e um dia o proclamará ao universo inteiro.

Daí, enquanto a confissão ao sacerdote leva o peca- dor a temê-lo, a confissão a Deus, leva-o (o pecador) ao temor e ao amor de Deus.

Está a grande diferença entre uma e outra con- fissão.

De onde se conclui ser este tipo de argumento roma- nista uma espécie de argumento de superstição para ila- quear a boa-fé de crianças . . .

174

CATOLICISMO ROMANO

A doutrina cristalinamente evangélica é que o peni- tente deve deixar o pecado pelo temor e pelo amor de Deus que nos induz a fazer o que Lhe agrada e à santa reverência para com Êle, que nos faz evitar o que Lhe desagrada,

O "Confiteor" é sacrílego

Tendo patenteado a não existência da instituição da confissão auricular na Bíblia, e sem fundamento nem mesmo psicologicamente, na concepção romanista de in- fundir terror ao penitente diante do confessor, e ainda, tendo ficado sobejamente provado que nem o padre, nem homem algum pode perdoar pecados, e que tal confissão, acima de tudo, deve ser feita a Deus, o único que nos pode perdoar, passemos ao "Confiteor".

Citemos, na íntegra, o texto da confissão auricular romanista, chamado "Confiteor" , conforme usualmente se diz no Confessionário: "Eu, pecador, me confesso a Deus, Todo-Poderoso, à bem-aventurada sempre Virgem Maria, ao bem-aventurado S. Miguel Arcanjo, ao bem-aventura- do S. João Batista, aos santos Apóstolos S. Pedro e São Paulo, a todos os santos e a vós, padre, que pequei muitas vêzes, por pensamentos, palavras e obras, por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa. Portanto, peço e rogo à bem-aventurada sempre Virgem Maria, ao bem-aventu- rado S. Miguel Arcanjo, ao bem-aventurado S. João Ba- tista, aos santos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, a todos os Santos e a vós, padre, que rogueis por mim a Deus Nosso Senhor." (2.° Catecismo Católico, pág. 9). A seguir o pecador descreve os seus pecados pormenorizadamente, declinando-os, um a um, e particularizando as circuns- tâncias em que foram perpetrados.

Vê-se, nestas palavras do célebre "Confiteor", ini- cialmente, um grande erro, que tresanda mesmo a blasfé- mia: é que a confissão do pecado é feita a Deus, aos santos e ao padre, como se não houvesse diferença alguma entre

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 175

eles (Deus, santos e o homem pecador, ainda vivo), e como se o pecado fosse cometido igualmente contra os santos, contra o outro pecador (o padre) e contra Deus. Em seguida uma oração dirigida aos Santos e também ao padre (não a Deus, mas somente aos Santos e ao padre) , para que roguem a Deus pelo pecador!

Não há, outrossim, menção alguma ao nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, por Quem, unicamente, pode- mos alcançar o perdão dos nossos pecados; tampouco se fala no Espírito Santo, único por Quem alcançaremos a santificação.

É, portanto, uma oração e uma confissão genuina- mente anticristã, e altamente blasfema!

Percebe-se, em tal confissão, que um alijamento de Cristo e do Santo Espírito, dando a entender claramen- te (como ensina mesmo o romanismo) que o penitente, em última análise, deve é confiar no poder do sacerdote.

Na Escritura Sagrada não se ensina confissão auri- cular, e muito menos semelhante confissão blasfema (a completa negação do consenso geral da Palavra de Deus), que é o "Confiteor" supracitado.

À luz da Bíblia, o "Confiteor" é altamente sacríle- go, e portanto, anticristão.

É, outrossim, provaremos agora, sacrílego à luz da razão e do bom senso, porquanto o pecador é submetido a uma humilhação diante de outro homem, pecador como ele, e que, muitas vezes, espiritualmente, acha-se em piores condições. E, tanto isto é uma dolorosa realidade, não raro, que a maioria absoluta dos católicos não se confes- sam, por não darem crédito a semelhante "meio de graça" ou falso "sacramento da penitência". E, em se tratando da mulher, ainda mais repugna ao bom senso e ao decoro sua confissão a um homem e que homem! solteiro, e sujeito, por isso mesmo, às maiores tentações, como mais adiante provaremos.

Daí, sentirem muitas mulheres, nomeadamente moças, relutância em acusar certas faltas, e chegam mesmo a omitir graves pecados . . .

176

CATOLICISMO ROMANO

A razão ou o bom senso repele, outrossim, tal prá- tica, porque não é o confessar, meramente, os pecados o que agrada a Deus, mas, sim, o arrependimento; e este, alguém o pode ter sem ser preciso sujeitar-se à humilhação vergonhosa da confissão diante de outro pecador, como ele também!

Efeitos danosos da

confissão auricular

Exporemos, agora, os efeitos perniciosos, tanto para os confessores, como para os penitentes, da confissão au- ricular.

A revelação dos segredos, sentimentos e inclinações de u'a mulher, por exemplo, aos pés de um padre, tanto expõe à tentação o confessor, como torna a mulher escrava daquele homem, especialmente no que ela tem de mais reservado e que jamais confessaria às pessoas de sua maior intimidade (salvo é claro, em casos de evidente devassidão, quando a mulher perde completamente a vergonha e o pudor). Tomando conhecimento, o confessor, de tais se- gredos, bem sabemos o que pode ocorrer: brotam os casos relatados no livro "O Padre, a Mulher e o Confessioná- rio", do ex-padre Charles Chiniquy.

Desde o IV século, quando começaram as primeiras confissões. A princípio eram feitas publicamente, mas, sendo julgadas como escandalosas, resolveu-se, então, que fossem feitas em segredo, ao padre. Logo se tornou fonte de perigo e sedução. Tanto assim, que, no nascedouro dessa prática, Nectário, bispo retíssimo, ao tomar conhe- cimento da primeira sedução, fruto do tal confessionário, decretou sua extinção.

Daí, o havermos exclamado em nosso livro * O Ro- manismo à Barra do Evangelho":

Cada um que consultasse a consciência, e que tomasse ou não da Eucaristia

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 177

pois, tal é do Evangelho a pura essência, que o clero pouco a pouco corrompia! 1 Foi no século oitavo, novamente, que Chrodegang, um bispo revoltado, doutrinou confissão do penitente, sob a pena de ser excomungado! . . , Êsse costume foi-se propagando, e do clero, a moral se corrompendo, pois, cada pecadora confessando, mais pecado no clero ia mantendo! . . .

Finalmente, apesar de o clero ir observando inúme- ros casos de seduções do confessionário, em Latrão, 1215, reunido em concílio, oficialmente decretou a confissão au- ricular, "para salvar da morte o penitente". E mais, de- cretou que, quem não confessasse, cairia em pecado mortal!

É ou não, o Confessionário, fonte de tentação, para o confessor, para o penitente? Quem o pode negar, diante de tantos e tão escabrosos casos de sedução, que ti- veram sua origem, desde o 4.° século, nos cochichos aos pés do padre?

É o que condenamos em versos, no nosso livro "O Romanismo à Barra do Evangelho", e que aqui, em parte, reproduzimos:

E o seu Confessionário ficou sendo

a quem não confessava, o mais tremendo

julgamento de Deus! Um pecado mortal cometeria quem não levasse aos pés da Sacristia

pecados, sempre os seus! Um abismo chamava mais abismo Em que se corrompia o Cristianismo

e com tanta maldade! É isto que sucede ao pecador, quando altera a palavra do Senhor

aumenta a iniquidade!

1 l.a Cor. 11:28.

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CATOLICISMO ROMANO

Um ex-padre escreveu um livro sério confessando esse mal tão deletério

do clero seu sacrário . . . E nele descreveu, e com verdade, a mais grosseira e vil sensualidade

do seu Confessionário. 1 E não foi esse o mal da confissão: O meio se tornou de baixa informação do clero arteiro e mau, a fim de dominar a consciência do povo e de corporizar seus planos infernais, a perseguir os crentes, andar por toda parte a convocar as gentes que presas viverão a tão feroz domínio do Papa e do Concílio, e tramam o extermínio dos que protestam, como espíritas, maçons de todos que não têm as suas intenções! . . . Rotarianos até que são excomungados por confessores tais e tais degenerados! . . . Tudo isso produziu o seu Confessionário, em nome do Senhor, em nome do Calvário do Cristo Redentor! Foi êste o resultado: Em vez de a Igreja ser a fonte salvadora passou a ser, então, a grande tentadora do pobre pecador! Ó grande maldição! Maldito o confessor! Maldita a confissão! Unicamente a Deus devemos confessar, porque Êle pode as faltas perdoar! Quem vai aos pés do padre expor-lhe o seu pecado, não crê no Redentor, e sai mais condenado! . . . "Quem pode perdoar pecados, senão Deus?" Falaram dêsse modo os próprios fariseus! E a maior parte, então, da gente religiosa, estúpida, animal, sem brio e indecorosa, cultua o deus DINHEIRO e a deusa CORRUÇÃO . . . e as almas fermentando assim, em negra orgia,

1 "O Padre, a Mulher e o Confessionário" do ex-padre Charles Chiniquy.

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 179

afundam-se, sensuais, no mar da hipocrisia

no mar da perdição! . . . O padre transformou a Igreja em lupanar, e o seu Confessionário, enfim, se fez altar

das suas seduções! . . . e, como se viu, os males foi gerando e, em vez de santidade, o pecado aumentando

em vastas proporções! . . E um abismo chamava, assim, um outro abismo, em que se corrompia o puro Cristianismo,

e com tanta maldade! . . . É isto que sucede ao pobre pecador quando altera a Palavra expressa do Senhor

aumenta a iniquidade! ... 1

Contra fatos não argumentos!

por isto, pelos descalabros morais que tem sus- citado o Confessionário, desde o IV século até os nossos dias se ainda outras razões não militassem contra tal instituição devia ele ser repelido pela consciência cristã.

Estamos certos, pois, que Cristo, que nos ensinou, na Oração Dominical "não nos deixes cair em tenta- ção" — não poderia aprovar uma instituição que, pelos fatos, pelos seus funestos frutos, tem provado, em inú- meros casos, ser fonte permanente de pecado e sedução!

Outro grande mal do Confessionário é a profanação do Lar. O Lar é um santuário inviolável; no entanto, deixa de sê-lo, para o confessor romanista, que tudo de- vassa, e fica a saber não o que está no recôndito da alma da mulher, mas também do marido, e por intermédio dela mesma, seus sentimentos mais recônditos; muitas vezes, suas fraquezas carnais e infidelidades. De tudo, fi- nalmente, fica senhor o sacerdote romanista sabedor da secreta intimidade de ambos marido e mulher! Um homem solteiro (!) a intrometer-se na vida conjugal de outrem, inclusive nos recônditos da alcova, como refere

1 Vide "0 Romanismo à Barra do Evangelho", livro em versos do mesmo Autor.

180

CATOLICISMO ROMANO

o ex-padre Chiniquy, no livro citado: um sacerdote desce a indagações escabrosas sobre a união conjugal, a fim de saber se o casal está cometendo algum pecado qu« a sua teologia moral classifica de "onanísmo" e coisas se- melhantes! Sabedor de tudo, pode fazer disto; e muitas vezes muitos têm feito coisas tremendas, que clamam aos céus! A ' 'carne" é sempre * 'carne"! . . .

Tem razão, pois, o Autor de "Noite com os Roma- nistas", quando conclui suas considerações combatendo a confissão auricular e baseado nos fatos da História dessa perigosa instituição romanista nos seguintes termos :

"Ali (no Confessionário) se junta, algumas vezes

como bom conselheiro, e outras, como lascivo sedutor. Ali se senta o vivo representante da cena que teve iugar no Éden, quando o homem e a mulher viviam em mútuo afeto, e eram ditosos e santos; mas, logo que entrou um outro . . ., que segredou ao ouvido da mulher, dirigindo- -Ihe perguntas insidiosas, ela caiu! Eis o tipo do Con- fessionário" !

Perigosa, tremendamente perigosa tal instituição!

mesmo no Catolicismo Romano que perdeu toda a flor da piedade celeste em meio do tremedal do vício, do erro e das paixões humanas, e transformou si- moniacamente a Religião em comércio, a Virtude em in- teresse material é que se pode conceber a defesa de se- melhante instituição, cujos frutos, estamos vendo, deno- tam a espécie de árvore que é! (S. Mat. 7:17-20).

Pois bem, é esta instituição sem base bíblica e de efeitos altamente perniciosos, como temos visto que o Catolicismo Romano, para cúmulo do despautério dou- trinário, transformou em "sacramento da Penitência" de "extraordinária importância na vida pastoral". 1 Mais uma inovação, entre as muitas do seu sistema, que cada vez mais se distancia do Cristianismo, da História e da

1 "Aos Irmãos Separados", pág. 172.

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 181

Verdadeira Igreja de Cristo e dos Seus celestiais ensina- mentos!

E, como prova, finalmente, do ridículo a que se expõe o Confessionário romanista, basta considerar que ele fomenta como que um hábito para muitos fiéis da Igreja Romana; acabam eles por cair na rotina de cometer os mesmos pecados, na certeza antecipada de que, no Con- fessionário, há sempre um confessor disposto a absol- vê-los»

Daí, a multidão de reincidentes pecadores e sobretu- do pecadoras, que são o calvário e, às vezes, o consolo . . . de alguns padres!

Esta a razão que ditou a quadra popular, que en- cerra muita filosofia:

"Peca, menina, à vontade! . . . Não tenhas nenhum temor: Pois, para tirar pecados, Se criou o confessor! . . ."

A confissão obrigatória limita

o poder de Deus

Provaremos, finalmente, que a obrigatoriedade da confissão auricular, pelo padre, limita o poder de Deus a atuar diretamente junto ao penitente! . . .

Vejamos como este raciocínio se infere das próprias palavras de "mestre" Eurípides, como se à página 143 do seu livro, e que, de resto, são a expressão exata da dou- trina proclamada pela sua Igreja.

Diz êle: "O perdão dos pecados otdinàriamente (o grifo é dele) 1 se alcança mediante o ministério dos Apóstolos e seus sucessores, por isso que pode suceder que

1 Chamamos a atenção de "mestre" Eurípides para seu êrro de por- tuguês, neste período, quando disse: "o perdão dos pecados ordinaria- mente só. . . ! Quê? Não que "só" e "ordinariamente" se excluem? Para exprimir a ideia que Você tinha no pensamento, deveria escrever "ordinàriamente", pois, escrevendo os dois advérbios de exclusão, como o fêz, produziu pavorosa confusão, dando um grande disparate grama-

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CATOLICISMO ROMANO

sc não encontre sempre o ministro de Deus. Em tal con- juntura, um Senhor misericordioso não exigiria mais do que uma verdadeira contrição, com o desejo de recorrer, o mais cedo possível , ao Tribunal da Penitência

A ser verdadeiro o asserto de ' 'mestre" Eurípides, teríamos de concluir por mais um disparate, e tremendo! Sempre é certo que o erro nunca vem sozinho. É como diz a Divina Sabedoria: "Abyssus abyssum invocai"!

Vejamos como é real e verdadeira a nossa afirmação.

Também aqui, ''mestre" Eurípides mistura "alhos com bugalhos", e degenera, o seu arrazoado, numa brin- cadeira de idéias que equivale a desfazer com os pés aquilo que fez com as mãos.

Ora, vejamos.

Admite s. s. que, "em tal conjuntura" ("quando se não encontre o ministro de Deus"), o pecador pode alcan- çar o perdão dos pecados por meio de uma "verdadeira contrição". Se ficasse por aqui, estaria tudo bem. Mas o pobre Eurípides, useiro e vezeiro em cometer "anjices", acrescenta: "com o desejo de recorrer, o mais cedo possível, ao Tribunal da Penitência"!

Afinal, em que ficamos?

Se o pecador obteve o perdão do seu ou dos seus pecados por "uma verdadeira contrição", que necessidade terá ele (o pecador), <fde recorrer, o mais cedo possível, ao Tribunal da Penitência"? (o grifo é nosso).

Além de tudo isso, (e repare no abismo que tem diante de Você!), quem o autorizou, Eurípides, a dizer que Deus exige do pecador "o desejo (a que chamaríamos, antes, propósito) de recorrer ao Tribunal da Penitência", depois de êsse mesmo pecador ter feito um ato de "ver- dadeira contrição"?!

Então, isto não é o mesmo que pretender impingir-se a patranha de que não chega o perdão de Deus obtido pela

tical, no sentido da frase, visto que, se é "ordinariamente", não é "só". Por conseguinte, sua frase estaria correta, se escrevesse assim: "0 per- dão dos pecados... se obtém, ordinariamente, mediante o ministério...; c, extraordinariamente...

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL

' verdadeira contrição", a que chamaríamos o arrependi- mento sincero?

Sim, porque nesta hipótese é que haveria necessi- dade de se "recorrer ao Tribunal da Penitência"!

Não será audácia, e audácia blasfema, pretender li- mitar o poder de Deus, fazendo-O depender da intervenção do homem?!

Então, se o pecador está perdoado, em virtude do arrependimento (da 'Verdadeira contrição"), deverá exi- gir-se do pobre pecador a obrigação de voltar a confessar esse mesmo pecado ao padre? Pode admitir-se, porventura, que, depois de ter obtido o perdão de Deus, seja o pecador obrigado a ir pedi-lo ao padre?

se viu patranha mais deslavada?

Isto, reduzido a miúdos, importa submeter o poder de Deus ao poder do padre! Que blasfémia!!! . . . 1

E é com patranhas desse jaez, perfilhadas pela sua Santa Madre Igreja, que "mestre" Eurípides pretende sal- ' var os a quem ele chama de "irmãos separados"!

A Bíblia nega

a confissão auricular

Vejamos, agora, como as Santas Escrituras nos apre- sentam a negação formal do suposto recurso à confissão auricular»

1 A verdade cristalina da Palavra de Deus é que realmente vale a verdadeira contrição, isto é, o verdadeiro arrependimento, sem o qual não terá o pecador a absolvição de Deus, e, portanto, também de nada e para nada lhe valerá a absolvição do sacerdote. Quando os fiéis cató- licos recorriam a Lutero, queixando-se de que os padres se recusavam a dar-lhes a absolvição dos pecados, sob a alegação de que eles apoia- vam as teses do reformador, êle lhes respondeu: "Regozijai-vos, por- que sois absolvidos por Deus mesmo. Êles podem muito bem recusar-nos o sacramento, mas não podem privar-nos da força e da graça que Deus a êle ligou. Êle não faz depender a nossa salvação nem da vontade nem do poder do confessor, e sim da nossa (o grifo é nosso). Deixai, de parte, sacramento, altar, padre, igreja; a Palavra de Deus, condenada na bula, vale mais do que tudo isso. A alma pode passar sem o sacra- mento, mas não pode viver sem a palavra. Cristo, o verdadeiro bispo, se encarregará de vos nutrir espiritualmente" ("História da Reforma", por J. H. Merle D'Aubigné Vol. II, pág. 201). É isto mesmo.

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CATOLICISMO ROMANO

Falando aos coríntios, disse o Apóstolo S. Paulo "Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma dêste pão e beba deste cálix" (l.a Cor. 11:28).

Vejamos quanta luz dimana desse pequeno texto sagrado.

S. Paulo estava doutrinando a Igreja, acerca da re- cepção da Santa Eucaristia. Chamando a atenção dos fiéis, para que se não aproximem indignamente (isto é, em pe- cado) da Santa Comunhão, o Apóstolo das gentes reco- menda-lhes, com toao o cuidado, que evitem a profanação de tão santo Mistério. Por isso, lhes diz para que se exa- minem nas suas consciências, como para ver se têm algum pecado. Ora, seria de estranhar, e mais ainda de lamentar, que, existindo a "santa confissão" ou o "Tribunal da Pe- nitência", o grande Apóstolo não inculcasse êste "salutar" recurso aos fiéis a quem estava doutrinando!

Mais do que isso: nem S. Paulo, nem Apóstolo ne- nhum recomendou tal prática! É que nenhum dêles tinha a prática de ministrar aos incautos, ignorantes e parvos, "pílulas" como essas, de que "mestre" Eurípides é distri- buidor e propagandista!

Notem bem, os senhores romanistas, que o Apóstolo recomendou (mas não obrigou) o exame de auto-suficíên- cia, ou seja, o exame de consciência pelo próprio pecador, como suficiente para se poder, "dignamente", participar dos elementos sagrados.

Cada um que consultasse a consciência, e que tomasse ou não da Eucaristia pois, tal é do Evangelho a pura essência, que o clero pouco a pouco corrompia!

Quer dizer que o Santo Apóstolo deixou, nitidamen- te claro, ao arbítrio de cada crente, receber ou não a Santa Comunhão.

Logo, onde se vislumbra, nos textos sagrados, a obri- gatoriedade da confissão auricular? Onde? Vemos, sim, exortações, e nada mais.

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 185

É o que se infere, também, da leitura de Atos 8:22, em que o Apóstolo S. Pedro, lançando em rosto o pecado de Simão Mago, o adverte nos seguintes termos: "Arre- pende-te, pois, dessa tua iniquidade, e ora, a Deus, para que porventura te seja perdoado o pensamento [mau] do teu coração".

Se S. Pedro estivesse investido do poder de perdoar pecados, não seria muito fácil e mais prático, o Apóstolo dizer a Simão que se ajoelhasse em confissão, para resgate do seu pecado? No entanto, o Apóstolo exorta-o a "re- correr" a Quem, de direito único e exclusivo, podia per- doar pecados.

Depois de passos tão claros das Santas Escrituras, como esses e outros mais, que ninguém pode sofismar nem torcer-lhes o sentido, não seria obstinação miserável e con- denável cegueira, e manifesta fé, engendrar como dou- trina uma patranha indefensável como esta, que o ma- quiavelismo jesuítico-papista poderia engendrar?

Emudeçam para sempre lábios cauterizados pela bílis da mentira, e limitem-se a ensinar a puríssima doutrina de Jesus, tal qual nas Santas Escrituras!

Resta-nos acrescentar que, do texto citado (Atos 8:22)/ podemos tirar, logicamente, duas conclusões: l.a S. Pedro manifestou, com sua atitude (que nin- guém pode sofismar), que não tinha recebido nenhum poder de perdoar pecados: 2.a Com o fato de exortar Simão Mago a que se arrependesse do seu pecado e orasse a Deus, para que Êste lhe perdoasse, não o obrigou a fazer tal.

E repare o nosso Eurípides naquele delicioso "por- ventura" que Pedro usa, revelando IGNORAR se Deus iria ou não perdoar. . . Não é um tiro, esse "porventura"? Tiro é, e dos bons! . . .

E onde se viu, em matéria de religião, crença e consciência, na Religião Cristã, admitir-se qualquer coa-

1 E notai bem, senhores romanistas: quem assim falava era o vosso primeiro Papa, o S. Pedro, natural da Galileia!...

186

CATOLICISMO ROMANO

ção? mesmo no Romanismo, que é a pura negação do Cristianismo.

Logo, pelo ensino refulgentíssimo da Divina Pala- vra, de ponta a ponta, não foi dado aos homens poder de perdoar pecados, nem nunca se obrigou ninguém a confes- sá-los, muito menos sob ameaça de pecado mortal!

Na Oração do Pai Nosso, ensinou-nos Jesus que nos dirijamos, em confissão, diretamente a Deus: "Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores" (S. Mat. 6:12).

A doutrina da liberdade e responsabilidade indivi- duais não permite, absolutamente, que a intervenção hu- mana, seja de que Ministro for, coaja alguém à obediên- cia, inculcando-lhe a convicção de que, se não obedecer, está sujeito à condenação!1 Isto é o mesmo que o homem pretender usurpar o poder e o lugar de Deus! Tola pre- tensão! Que ensinou S. Paulo? "De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus" (Rom. 14:12).

Ainda, Nosso Divino Mestre disse à mulher peca- dora, sem a ouvir em confissão: "perdoados são os teus pecados" (Luc. 7:48).

Em várias ocasiões perdoou Jesus aos pecadores, sem ouvi-los em confissão.

Note-se bem, não estamos a negar a confissão e o seu valor; o que não admitimos, por não ser bíblico, é a confissão a um homem pecador! A Deus somente devemos confessar-nos, porque Êle nos pode perdoar!

Alegam os defensores da confissão que Cristo não precisava ouvir ninguém em confissão, porque, sendo Deus, e, portanto, onisciente, sabia o que estava n'alma de cada um, sem ser preciso ouvi-los.

Pois bem, é precisamente por isso, como o demons- tramos sobejamente, anteriormente, que Êle (com o dom de ler no íntimo dos corações) tem o poder de perdoar os pecados, porque sabe, verdadeiramente, mesmo

1 Pode apenas declarar qual a vontade de Deus, e os perigos da

desobediência. Coagir, jamais!

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 187

sem qualquer palavra do penitente, quem está ou não sinceramente arrependido.

E não foi o que se deu, precisamente, naquele qua- dro da mulher pecadora, que fora levada à presença do Mestre, pelos fariseus, e a quem eles queriam apedrejar? Jesus, diz-nos o texto sacro, baixando a cabeça, sem ouvir e sem dizer mais palavra, começou a descrever, um por um, os pecados daqueles perversos fariseus, e, a começar pelos mais velhos, um a um foi-se ausentando, porque não re- sistiram ao depoimento do Divino Senhor, ali no da terra; diante da terrível interrogação do Mestre: "Quem, dentre vós, se achar sem pecado, seja o primeiro a atirar- -lhe a pedra' 1 ninguém mais resistiu! Emudeceram, e, cabisbaixos, todos se retiraram. Foi quando, estando Jesus com a pecadora, perguntou-lhe: "Ninguém te con- denou?" — "Ninguém", respondeu ela. "Pois nem eu tampouco te condeno. Vai e não peques mais".

E ressalta desse magnífico episódio bíblico mais uma grande verdade doutrinária, a favor de nossos argumentos: é que homens pecadores (e o somos todos nós) não podem condenar seus semelhantes, nem, por consequência, per- doar-lhes, em matéria de pecado, pois que, "todos são pe- cadores", e estão debaixo da mesma maldição, e para dela nos libertarmos TOTALMENTE, Deus nos deu o Seu Di- vino Filho, que se fez maldição por nós, para que, "pelas Suas pisaduras, fôssemos sarados"!

As chagas de noss'alma são curadas pelo sangue do Filho de Deus, que nos "resgatou", para Êle, da escravi- dão do pecado, e Seu Divino perdão é uma consequência lógica e teológica dessa maravilhosa operação da Miseri- córdia Celestial!

Não nos esqueçamos, outrossim, que no A. Testa- mento não havia confissão ao sacerdote ou ao Profeta, e, todavia, como vimos, em outra parte, eram declarados perdoados, pelo Profeta ou pelo sacerdote, os que em ver- dade se arrependiam espontaneamente. Ora, se isto se observava na Dispensação terrível e severíssima da Lei,

188

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a forliori, não seria justo, e muito misericordioso mesmo, que a mesma doutrina prevalecesse sob o regime da Graça?

Afinal de contas, ainda temos um argumento mais frisante em favor do nosso parecer.

Consideremos o que se passou junto à Cruz (S. Luc. 23:39-43).

Vemos "o mau ladrão" fazendo côro com os judeus, blasfemando de Jesus. Mas, "o bom ladrão" repreende o seu companheiro e, voltando-se para Jesus, humildemente Lhe implora: ' 'Senhor, lembra-te de mim, quando entra- res no Teu Reino!" Tanto bastou, para que Jesus lhe prometesse que naquele mesmo dia estaria, com Êle, no Paraíso.

Por aqui se vê, claramente, que "o bom ladrão" não confessou os seus pecados a Cristo; apenas se humilhou diante do Mesmo Jesus, reconhecendo nas palavras que Lhe dirigiu, a Sua Divindade, pedindo-Lhe que se lem- brasse dele, quando entrasse no Seu Reino.

Isto lhe valeu a salvação.

Daqui se concluem duas grandes verdades: Jesus Cristo não obrigou "o mau ladrão" a confessar-Lhe o seu pecado (como também não obrigou "o bom ladrão"); 'o bom ladrão" obteve a solene promessa da Vida Eterna, conforme as palavras de Jesus, sem Lhe ter confessado o seu pecado.

Logo, nem de Cristo se deduz a obrigação de alguém se confessar. E a razão de tudo é muito simples: não está nas palavras, no exterior, o segredo do perdão, mas, sim, no interior, nas consciências.

Finalmente, resume-se tudo em duas palavras: O se- grêdo do perdão não está na confissão, mas na contrição.

O resto são balelas!

A confissão sacerdotal

e

outras confissões

Escrevendo Eurípides sobre a necessidade da confis- são auricular, começa declarando que "nos confessamos

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 189

ao médico, ao advogado, ao guarda-livros", e exclama, então: "Só ao sacerdote, que tem poderes divinos para nos absolver, é que não nos confessaremos?" (Ob. cit., pág. 196),

Replicamos-lhe, inicialmente, que esse argumento pode convencer crianças ou lorpas, mas não a quem tem um pingo de raciocínio, pois enormíssima diferença entre as confissões "ao médico, ao advogado, ao guarda- -livros, etc", e confissão auricular: aquelas dizem respeito a coisas terrenas e passageiras; esta, às coisas celestiais e eternas.

Ora, não havendo paridade entre tais confissões, não passa o argumento euripidino de mais uma infantilidade de seu pobre espírito!

Mais uma vez o advertimos de que não confunda alhos com bugalhos, coisas terrenas e triviais com as coisas que dizem respeito ao nosso destino eterno!

Quanto à alegação de que 4 o padre tem poderes di- vinos para perdoar pecados", deixamos de responder-lhe, aqui, porque o fizemos anteriormente, quando trata- mos do "grande poder outorgado aos homens".

Para esse capítulo, pois, reportamos os leitores.

* * *

Provamos com argumentos insofismáveis e indestru- tíveis que Jesus Cristo jamais outorgou a homens o poder de perdoar pecados, no sentido em que o entendem os ro- manistas. Demonstrado isto, como ficou, sofismando (como fazem), os textos bíblicos de S. João 20:23 e São Mat. 18:18 pretendem tirar base para sustentar doutrina indefensável, mormente levando-se em conta que, por outros textos claríssimos das Santas Escrituras, enfim, pelo consenso geral da Santa Palavra, não é possível admitir-se tal poder (no sentido em que o entendem os romanistas), porque cairiam eles em franca contradição e evidente he- terodoxia.

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CATOLICISMO ROMANO

Demonstramos, outrossim, a triste e mísera condição de um padre que se expõe à irrisão de um confítente que se confessa arrependido (quando, na realidade, não o está), ao mesmo tempo que expõe à nulidade aquilo a que o Catolicismo Romano considera sacramento.

Destituído o ministro católico do dom de ler nas consciências, profere muitas e muitas vezes (segundo a doutrina romanista, porque, segundo a nossa, não dize- mos "muitas", mas sempre) em vão "eu te absolvo".

Fizemos ver os perigos e os perniciosos efeitos resul- tantes da prática do confessionário, através dos séculos. 1

Focamos, ainda, a inconsistência da doutrina católica ao impor, aos fiéis de sua crença, a obrigatoriedade da confissão auricular, e demonstramos com provas irretor- quíveis, pela Bíblia e pela razão, de que isto importaria na limitação do poder de Deus, ficando subordinada, a Sua ação, ao arbítrio do homem pecador, disparate seme- lhante à doutrina contida na parlapatice de que basta um padre proferir as palavras da consagração do Cálix, sobre um pote de vinho, para imediatamente todo aquêle vinho se transubstanciar no sangue do Divino Jesus!

Tal é a patranha inadmissível, oca e audaciosa en- sinada pela teologia católica, que, assim, pretende ridicula- rizar o próprio Deus! Igual tolice ensina a teologia roma- nista, afirmando que, se um padre proferir as palavras da consagração da hóstia sôbre o pão contido numa padaria, todo aquêle pão se transubstancia no Corpo de Cristo! Querem descôco maior do que éster* Se verdadeira tal san- dice, teríamos uma padaria tôda transformada em Cristo! Êstes romanistas são impagáveis!

Vejamos agora como a História, que é "a mestra da vida", nos lição preciosa sôbre o assunto que vimos tratando.

1 E quem quiser ficar conhecendo melhor o assunto, queira ler a obra "O Padre, a Mulher e o Confessionário", do ex-padre Charles Chi- niquy, que descreve inúmeros casos escabrosos, que fariam corar até criaturas devassas !

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 191

Graças à ingenuidade de "mestre" Eurípides, é ele mesmo quem nos oferece, neste assunto, mais de um pre- cioso argumento, em favor de nosso modo de ver. O pri- meiro argumento colhe-se na leitura das primeiras linhas, à página 151 do seu livro.

Com efeito, "o decreto do 4.° Concílio de Latrão, promulgado em 1215, que obrigava os fiéis a se confessa- rem, ao menos uma vez por ano . . introduzia na Re- ligião Cristã gravíssima inovação, atentatória dos direitos de Deus.

Na verdade, obrigando o preceito da confissão, sob pena de pecado grave, mesmo pecado mortal (segundo a doutrina na Igreja Católica), criou-se para os pecadores mais uma fonte de condenação, e não de salvação, ao invés do que pretende a mesma Igreja, consoante demons- tramos.

Não é atentar contra a soberania de Deus o pretender tornar tão grave a falta pelo não cumprimento de um pre- ceito humano, como se o mesmo estivesse em de igual- dade com uma falta cometida contra um preceito divino, como, por exemplo, qualquer dos 10 mandamentos?

É sempre a mesma mania de a Igreja (romana, se vê) outorgar a si o poder que Deus tem, inclusive o de decretar preceitos, e atribuir pecado grave para a não observância dos mesmos.

E aqliêle ' 'confessar ao menos uma vez por ano", do concílio referido acima, mostra que Roma não cria na sua "confissão" como necessária, pois, confessando alguém, por exemplo, logo no dia 1 de janeiro suas faltas, ficava livre para o resto do ano . . .

Pelo menos, é o que parece! . . .

Não devem ter reparado bem nisto "mestre" Eurípi- des e a seita à qual ele aderiu. Não nos admiramos disso, tendo em atenção a carência manifesta de visão de que são dotados ou então a cegueira mental e a de que são possuídos!

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CATOLICISMO ROMANO

Do I ao IV Século

O segundo argumento que "mestre" Eurípides nos fornece, encontramo-lo à página 152 do seu livro.

Parecendo jogar com pau de dois bicos, Eurípides, como se tivesse osso atravessado na garganta, pergunta muito sentenciosamente:

"E do ao 4.° século?"

Com isto, mostra claramente não ter argumentos para demonstrar que, naquele espaço longo de anos, exis- tisse a prática da confissão auricular.

No entanto, usando de capciosidade, que pode ter algum peso para ignorantes ou néscios, mas a nós pro- voca irrisão, pretende insinuar que a tal confissão de- veria existir antes.

Por isso, ele mesmo diz: "Nessa época não haveria força humana capaz de introduzir na Igreja cousa nenhu- ma que não fosse indiscutivelmente de origem apostólica" (o grifo é nosso).

Mais uma vez somos forçados a exclamar: "Hoc opus hic labor est"! "Aqui é que está o gato", como diz certo rifão popular.

Pois, "mestre" Eurípides, esta insinuação não encon- tra base alguma em que se firmar. Assim sendo, seu ra- ciocínio cai por terra, como vamos demonstrar.

Começamos por observar-lhe que estamos de acordo em que, "nessa época, não haveria força humana alguma capaz de introduzir cousa nenhuma que não fosse indis- cutivelmente de origem apostólica \ E, tão bem formulada está a premissa, que tiramos já, dela, a conclusão lógica de que nesse longo espaço de tempo (do 1.° ao 4.° século) não houve, de fato, nenhuma inovação, no atinente à con- fissão auricular.

Esta sua confissão (e não podia ser outra, porque a História não se inventa), vem trazer muita lenha para nossa fogueira, onde, sem dúvida, Você será queimado, juntamente com todos a quem servilmente segue.

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 193

Agora, "mestre" Eurípides, repare bem: Para que seu raciocínio fosse verdadeiro (poderíamos dizer-lhe, em gíria: para que possa "puxar a brasa à sua sardinha"), seria mister que Você tivesse bases para demonstrá-lo, com argumentos de peso, indestrutíveis, evidentes, porque estes é que possuem valor probatório indiscutível (sofis- mas e subtilezas conseguem atordoar cérebros menos luminosos) ; sim, seria mister que Você pudesse demons- trar que nos tempos apostólicos e nos primeiros três sé- culos que se lhes seguiram, existia a prática da confissão auricular.

Mas, pobre Eurípides! Pode correr todos os compên- dios de História Eclesiástica, desde Eusébio, cardeal Barô- nio, Rivaux, Brúk, etc. até os de história profana, in- cluindo os católicos César Cantu, Bergier e outros mais; pode correr todos êles, e podemos assegurar-lhe que nenhum lhe fornecerá uma única linha que lhe sirva de argumento para demonstrar que a prática da confissão auricular existia nos tempos apostólicos, ou mesmo nos três primeiros séculos da era cristã!

Agora, argumentamos nós: Se não testemunho verídico e insofismável de que existisse a prática a que nos vimos referindo, nos tempos apostólicos e nos três primeiros séculos seguintes, deduz-se, forçosamente, que ela foi introduzida tempos depois.

O nosso raciocínio é, pois, claro como água cristalina. Você mesmo, sem dar por isso, nos fornece valiosa pre- missa, que nos lenha para o abrasarmos mais um tanto.

Na verdade, é de lamentar (para Você e para sua seita) não poder afirmar o mesmo de todas as épocas da História da sua Igreja.

É que, real e infelizmente, depois dos séculos a que Você mesmo chama de "idade de ouro" da Igreja, deixou de "haver força humana" para se opor, como seria de toda a conveniência, à introdução, à inovação de doutri- nas e preceitos, entre os quais o da confissão auricular, que, como preceito, foi mesmo introduzido no século 13

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(em 1215), por determinação expressa do 4.° Concílio de Latrão. E isto numa época em que imperava absoluta e despoticamente o sistema papal que, pelo terror dos seus métodos de domínio e dada a ignorância dos povos de então, era campeão único, subjugando, sob seu tacão, povos e nações. Nestas circunstâncias, qual seria a força capaz de se opor ao menor capricho do despotismo papa- lino? Podia, este, decretar tudo que entendesse. "Roma lo- cuta, causa finita est!"

Em vista de tudo isso que fica referido, e de muito mais que fica por referir, será para admirar o número largo de inovações que se introduziram no seio da Igreja?

Pobre Cristianismo, que quase desapareceu, para, em seu lugar ser implantado o Romanismo! Na realidade, entre um e outro cavou-se profundo abismo!

Daí, o haver afirmado o grande Rui, no exame consciencioso dos fatos da História, em sua monumenta- líssima obra "O Papa e o Concílio", até hoje sem res- posta: "O Cristianismo romanizando-se tornou-se um elemento deletério, cuja fermentação gasta e decompõe a sociedade!" . . .

É caso para exclamarmos como Cícero:

O têmpora! O mores!

a realidade, que nem Você, nem a totalidade das inteligências contidas em crânios tonsurados jamais con- seguirão destruir!

Veja, Eurípides, qual o resultado das lucubrações do seu fraco cérebro! Em parte nós o justificamos: sua causa é indefensável. Por isso mesmo, nem os mais poderosos cérebros jamais conseguiram, nem conseguirão jamais sus- tentar com bases o que a própria História nega, sem pon- tas e sem bicos!

Pretendendo Você dar lições àqueles a que chama de "irmãos separados", teve a sorte de quem, segundo o afo- rismo antigo, julgava que ia buscar lã, e saiu tosquiado!

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL

Um disparate de

S. João Crisóstomo

Useiro e vezeiro no emprego do chamado "argumen- to da autoridade", tanto do agrado do Romanismo, sem- pre que tal argumento lhe sirva para alicerçar as suas patranhas, "mestre" Eurípides, impando de basófia, trata de apresentar aos incautos ou menos privilegiados da inte- ligência, algumas citações de padres da Igreja.

O que afirmamos em capítulo anterior, em re- ferência à Eucaristia, aplica-se, igualmente, a esta tirada de Eurípides (Ob. cit., pág. 153), em que êle invoca o testemunho de algumas autoridades da Igreja em favor da confissão auricular e de sua consequente doutrina a absolvição auricular.

Neste sentido, Eurípides, bem como em quaisquer outros, pode Você enfileirar um exército de milhões de autoridades humanas, em favor do seu parecer, mas isto não prova senão o modo de ver dessas autoridades huma- nas. Algo valeria, se elas nos provassem, com indestru- tíveis argumentos, que, de fato, o romanismo está certo em seus ensinamentos. Entretanto, êstes são, como vimos, diametralmente opostos às Santas Escrituras, e inteiramen- te contrários ao próprio bom senso.

Repita-se, aqui, apenas, que simples testemunhos de meras criaturas sem inspiração divina, não se podem equi- parar ao que, insofismavelmente, clarissimamente negam os sagrados escritos, reconhecidos como inspirados por Deus. Daí, o que escreveu o grande Profeta Isaías: "Antes à lei e ao testemunho é que se deve recorrer; porém, se eles não falarem na conformidade desta palavra, não raiará para êles a luz da manhã" (Is. 8:20). Vejam-se, ainda„ outras muitas considerações que, sobre êsse falho "argu- mento da autoridade", expusemos em capítulos anteriores.

Todavia, como prova da nossa magnanimidade em lhe concedermos atenção, não queremos passar adiante, sem lhe dizermos mais duas palavras.

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Cita Eurípides, em favor de sua opinião, a autori- dade de S. João Crisóstomo.

Para melhor esclarecimento dos leitores, transcreve- mos, aqui, a citação feita por Eurípides: "Aos sacerdotes é dado um poder que Deus não concederia aos anjos nem aos arcanjos; é tal esse poder que o que os sacerdotes fazem na terra, Deus ratifica no céu; e o Senhor confirma a sen- tença dos seus servos' (Ob. cit., pág. 156).

Também aqui se conclui (pois o argumento não pode ir mais além), que o grande padre da Igreja estava convencido da mesma peta de que Eurípides se tornou propagandista.

Vejamos, agora, o grave erro em que incidiu S. João Crisóstomo.

Não queremos duvidar da inteligência do grande lu- minar da Igreja Cristã, mas, como ouvimos a um nosso amigo: 4 os maiores génios também são capazes das maio- res ingenuidades". E, porque assim é, não nos admira- mos, embora lamentemos em extremo, ter o mesmo dou- tor da Igreja afirmado "que o que os sacerdotes fazem na terra, Deus ratifica no céu' e até que "o Senhor confirma a sentença dos Seus servos"! . . .

Ora, nisto um abismo, de cuja profundeza não se apercebeu aquela inteligência. De fato, um espírito medíocre ou possuído de poderia fazer tal afirma- tiva, que é absolutamente indefensável, como provamos em capítulos anteriores, e contra a qual trazemos, agora, mais outro argumento para corroborar o que afir- mamos.

Com efeito (e não se pode fugir à dedução lógica), se Deus ratificasse "o que os sacerdotes fazem na terra", nos respeitante à confissão auricular e à consequente dou- trina de absolvição dos pecados, fatalmente deveria ser Servo (!) dos mesmos sacerdotes, neste particular, pois ficaria obrigado a sancionar TUDO o que os sacerdotes sen- tenciassem no confessionário.

Ora, a realidade é bem outra e nos referimos ao fato de muitas vezes Deus não ratificar o que tais sacer-

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL lífi

dotes fazem, quando dão a absolvição a pecadores "sem arrependimento", que se confessam arrependidos (de boca, é claro!) .

Se o mesmo S. João Crisóstomo nos ouvisse, não seria capaz de destruir o nosso argumento.

O fato ainda é mais flagrante, em outra circuns- tância.

Suponhamos (hipótese nada absurda) que um peca- dor está de verdade arrependido dos seus pecados, mas a quem o padre não absolvição. Ratificará Deus tão es- tranho e injusto ato do padre?

Pela nossa parte, respondemos: NÃO!

Agora, outra hipótese, e esta sempre fácil de admi- tir. Suponham que num Confessionário está o penitente contrito dos seus pecados, confessados. O confessor (o padre) dispunha-se a dar-lhe a absolvição, mas foi vítima de uma síncope, e não absolveu o penitente. Será que este não ficou mesmo absolvido dos seus pecados?

Sem a menor hesitação, respondemos: FICOU !

Nem se venha com a subtileza de que valia a intenção do padre em absolver. Se assim é, se um padre estiver ce- lebrando missa, com intenção de consagrar as espécies sa- cramentais, mas, por idênticas circunstâncias, não chegar a pronunciar as palavras da consagração, valerá isto algu- ma coisa? Pelo fato de o padre ter tido a intenção de con- sagrar os elementos, segue-se que os mesmos ficaram consagrados?

Não, mil vezes não! É isto mesmo que nos diz a Igre- ja Católica!

E, se não é assim, conteste-nos, Eurípides, se é capaz!

Logo, a intenção não chega.

Jamais a intenção, segundo ensina a própria Igreja Católica, realiza, per se, o sacramento.

Assim, é claro como água cristalina, por exemplo, que, se uma pessoa tiver a intenção de batizar, mas não realizar o ato do batismo, não batiza mesmo.

Caso idêntico se pode dar com um bispo, na Igre- ja, que tenha a intenção de ordenar um sacerdote. Chega-

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da a hora da ordenação, o ordenando adoeceu subitamente, e não pôde comparecer. Ousará alguém afirmar que a sim- ples intenção do bispo conferiu a ordenação? Claro que não!

Mais outra suposição: O padre confessor faz a uma penitente determinada exigência, a que ela não se submete; então, o padre recusa-lhe a absolvição. Supondo que tal confitente está deveras contrita, poderá meter-se na cabeça de alguém que Deus ratificará o ato desse indigno sa- cerdote?

Julgarão os romanistas que todos no mundo estão cegos ou embrutecidos, a ponto de engulirem, sem mais nem menos, todas as "pílulas" de patranhas doutrinárias que pretendam impingir-lhes? !

Qual a cabeça equilibrada onde possa aninhar-se o pensamento de que Deus tenha ratificado tantos e tantos abusos cometidos por padres salafrários, perversos e in- dignos, no confessionário?

Não sejam tolos, nem queiram fazer tolos aos outros, senhores romanistas!

Os homens do século XX não são aqueles ignoran- tes e atrasados dos ominosos tempos do obscurantismo da Idade Média. Nesses horríveis tempos era possível ao Ro- manismo ensinar e até impor as patranhas doutrinárias que muito bem (ou muito mal) quisesse. Era o tempo hor- rível do mais despótico domínio do sistema papal, diante do qual eram obrigados a curvar-se, miseràvelmente, reis e príncipes da terra. O dilema satânico e cruel imposto às consciências era o celebrizado "crê ou morres", de nefanda memória! Mas, para bem da humanidade, a consciência universal emancipou-se, quebrando os grilhões a que a tinha escravizado o papismo, e hoje é mais difícil impo- rem-se tais mentiras. A Humanidade está saturada de nar- cóticos e mistificações e, mais do que nunca, carece de que se lhe ensine a verdade pura contida nos preciosos ensina- mentos de Jesus Cristo e do Seu Evangelho, sem mistura de lendas ou mitos forjados pela arteirice clericalista.

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Mais uma de

S. João Crisóstomo

Para completarmos a refutação a S. João Crisósto- mo, na parte do testemunho invocado por Eurípides, res- tam-nos mais duas palavras.

Se é erro, e bem grave, como demonstramos no ca- pítulo anterior, admitir-se "que o que os sacerdotes fazem na terra, Deus ratifica no céu", mais grave ainda é pre- tender inculcar aos incautos, como doutrina verídica, que tresanda ainda mais a heresia, aquilo que se contém no final da citação de S. João Crisóstomo (página 156-fim), quando tem este a ousadia de afirmar que os sacerdotes têm o poder "de purificar totalmente as manchas e impu- rezas das almas"!

Realmente, parece impossível, e chega a ser incrível que se tenha feito afirmação tão grave, que encerra tre- menda heresia, e tudo tenha passado despercebido aos que se dizem responsáveis pela defesa dos puros ensinamentos da doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo e se julgam pos- suidores da "Revelação Cristã e da Verdade"! E mais: cobrirem seu autor e o livro com uma chuva de bênçãos!...

Constitui isto pura e simplesmente a apologia da mais estulta e repelente doutrina, qual seja a da preten- dida deificação de sêres mortais e míseros pecadores!

Se fosse verdadeiro tão disparatado assêrto de São João Crisóstomo, assêrto perfilhado por Eurípides e tôda a caterva papalina, tornar-se-ia o padre um salvador do género humano, visto que "tem o poder de purificar TO- TALMENTE as manchas e impurezas da alma"!

Quem poderá livrar tal doutrina do apodo de heré- tica, se a mesma está em flagrante contradição com a Sa- grada Escritura, quando afirma: "O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado"?! Demais, se tal doutrina é verdadeira, como se lembraram os romanístas de inventar o Purgatório? Na verdade, se o padre "tem

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o poder de purificar TOTALMENTE, não fica nadinha para ser purificado no tal Purgatório!

Ah! Eurípides, Você e os seus confrades romanistas sempre caem em cada uma, de se lhes tirar o chapéu!

É o que faz a mania de criarem doutrinas contrárias às Sagradas Escrituras!

É que, além de Cristo, não padres, nem santos, capazes de purificar as almas totalmente do pecado! 4 'Há um legislador e um juiz que pode salvar e destruir. Tu, porém, quem és, que julgas a outrem?" (Tiago 4:12).

Ora, é precisamente esta miserável idéia que tem pro- vocado as maiores censuras e reprovações de espíritos luci- díssimos, através dos séculos, contra tal maquinação do famigerado clericalismo.

Entre nós, brasileiros, vimos bem quanto tal ma- quiavelismo provocou as iras da maior celebridade lati- no-americana: Rui Barbosa!

Na verdade, ficamos pasmados ao extremo, diante de sandice doutrinária desse singular jaez!

É espantoso! É horripilante!

Padres a purificarem TOTALMENTE (o versalete é nosso) "as manchas e as impurezas das almas"!

Desgraçadas das pobres almas, se a sua purificação TOTAL estivesse nas mãos mais que impuras dos padres!...

Mas, para consolo (!) do "mestre" Eurípides, pode- mos assegurar-lhe que a maioria dos católicos (homens) está bem longe de acreditar em semelhante patranha; e tanto é assim que, muito poucos são aqueles que se con- fessam aos pés do padre, e, assim mesmo, são os próprios padres a atestarem, não o fazem bem feito!

É que, por mais voltas que lhe demos, chegamos sem- pre ao mesmo ponto de partida. E, graças ao Altíssimo Deus por tudo! Ao contrário de patranha tão audaciosa e até herética como essa que fica, nós temos a maior satisfação e santo júbilo em proclamar, sem o menor re- ceio de sermos apodados de hereges, que (e damos, aqui, ao termo o significado real que ele tem, ou seja, o de exclusividade) , graças a Deus que "o sangue de Jesus

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Cristo nos purifica de todo o pecado" (l.a Ep. S. João 1:7).

Esta é que é a doutrina da Vida Eterna a única que pode realmente fazer a purificação TOTAL de todas as impurezas das almas!

O mais é balela, é conversa fiada!

Deixar a Fonte da Vida Eterna, da Graça que está no Senhor Jesus, para nos entregarmos, servilmente, nas mãos de homens que se arrogam, escandalosamente, um poder que os faria iguais a Deus, seria a maior injustiça e ingratidão contra o Nosso Bondoso e Dileto Salvador, o ÚNICO que sofreu o martírio inaudito e vicário, para nos salvar!

E agora: que sofreram os padres, os bispos, os papas, para salvarem as nossas almas?

Que sacrifícios tem feito o Catolicismo Romano, nas pessoas de seus bispos e papas, de uns séculos para cá, a favor dos infelizes pecadores? Será que algum deles ver- teu sangue pelos pecados dos homens, como Cristo verteu o Seu, até à última gota?

Em contrapartida, quantos infelizes, vítimas inde- fesas da sanha feroz do papismo, que condenava irremis- sivelmente, aos tormentos mais ignominiosos, desde a fo- gueira, até às torturas mais bárbaras, todos aqueles que se não queriam curvar diante do ídolo do Vaticano, nem se mostravam dispostos a rezar pela sua cartilha?

Que estranha história é essa, por exemplo, de "cris- tãos novos", senão a mais torpe e ignóbil invenção do sistema jesuítico-papísta contra criaturas indefesas, cujos corpos acabavam, miseràvelmente, nas torturas da Santa Inquisição, pelo único crime de se revoltarem contra as prevaricações da Palavra de Deus?!

Deixemo-nos de sandices!

Se o mundo está mal, e não que negar, deve-se, em grande parte, à ineficácia da ação providencial e salva- dora que deveria ser a missão da Igreja que se arroga ser "detentora da Revelação Cristã e da Verdade", atreven- do-se a ensinar como doutrina que os seus ministros têm

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poder de perdoar pecados e ' 'incredibili dictul" que são outros Cristos! . . .

Com tal precedente doutrinário, ou seja, com tais ministros, será para admirar a obra espantosa (!!) no mundo, nomeadamente no Brasil, onde o clericalismo ainda não deixou de imperar, mais ou menos sub-repti- ciamente? !

Não será caso de lembrarmos, aqui, as palavras do Divino Mestre 'pelos frutos se conhece a árvore"?

É o que somos forçados a dizer-lhe, Eurípides, em face das petas que V. pretende impingir, indistintamente, àqueles a quem designa pelo nome de "irmãos separados"!

Infantilidades do

Eurípides

Ainda acerca da confissão, entendemos não deixar sem reparo uma afirmação de "mestre" Eurípides, à pá- gina 161 do seu livro, último período, em que se diz: "Não teriam sido eles (os padres), é evidente, os invento- res de tal tortura" (a confissão).

Mas, quem lhe disse o contrário?

Parece (e lhe fizemos notar) que Você está es- crevendo só para gente ignorante. Não somos nós quem lhe contesta tal afirmação. A este respeito, poderíamos mesmo acrescentar que, desta como de outras invencioni- ces de sua Igreja (v.g. a escandalosa lei do celibato cle- rical), são os pobres padres as primeiras vítimas a sofrer as consequências funestas de tão inconvenientes inova- ções.

Por isso, sua observação é inútil para nós.

Não, Eurípides, não foram os pobres padres, real- mente, que inventaram a confissão, que tem sido e con- tinuará a ser a ruína de muitos! Foi o papismo; foi o Romanismo (o que é bem diferente), êsse belo (!) sis- tema vampirista, que, para se alimentar capazmente, tem feito e continuará a fazer muitas e muitas vítimas, co-

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meçando pelos seus padres que, no meio do mundo, aban- donados à sua sorte, vezes sem conta, se arrependem de ter vergado a cabeça ao jugo de Roma! Desafiamos sua Igreja a conceder a liberdade de abandonarem a vida cle- rical aos que dela não gostam ou simplesmente, a que se conceda aos padres direito de se casarem, e verá o que lhe acontece! Ou julga você e seus abatinados tutores que nós e todo o mundo do século XX estamos de olhos ven- dados?

Continuando na nossa tarefa de aplicar palmatoadas no "menino" Eurípides, somos ainda forçados a aplicar- -lhe mais uma, e desta vez bem rija.

Se não tivéssemos verificado a infantilidade e a ingenuidade do "menino" Eurípides, dificilmente acredi- taríamos que tivesse feito uma afirmação como esta, pro- curando sustentar que o sigilo da confissão é respeitado pelos confessores. "Podemos ficar absolutamente tran- quilos, que o que ali (no Confessionário) se diz, jamais transpirará, mesmo que se veja o sacerdote sob ameaça de torturas ou de morte . . ."

Santa ingenuidade a sua, Eurípides!

Quem ler estas suas balelas, pode ficar a supor que nunca houve revelação do sigilo da confissão!

Como Você está profundamente iludido, se conven- cido da verdade daquilo que afirmou!

De fato, Eurípides, bem sabemos que Você não tem obrigação de ler e saber tudo. Porque, do contrário, po- deria ter conhecimento de mais de um fato da revelação do sigilo da confissão. (Se não leu você o livro a que vamos fazer referência, está desculpado; mas, não pode ser desculpado por fazer afirmações tôlas).

Pelo que afirma, é fácil deduzir que desconhece a existência de um livro escrito por um moço que deixou nome em Coimbra, e enlutou as letras da Nação irmã, pela sua morte prematura. Referimo-nos a Silva Gaio, autor de um único livro intitulado MÁRIO.

Nesse livro se fala, claramente, da revelação de um segrêdo de confissão, fato observado por pessoas ainda

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vivas, cujos pais foram contemporâneos dos protagonis- tas do fato, ocorrido, aliás, nas imediações da "Serra da Estrela", em Portugal. (1)

Além deste caso de funestas consequências, o jor- nal português "Diário de Notícias', de Lisboa, de cuja data certa não nos recordamos, (entre 1944 e 1945 mais ou menos), dá-nos conta de caso semelhante, ocorrido com o confessor Padre Morgado, da Companhia de Je- sus, em Portugal. Revelou êle, do púlpito, que um as- sassino se confessara, declarando que 1 1 anos matara um homem, mas ainda estava impune.

Era, então, em Portugal, Ministro da Justiça, o Prof. Cavaleiro de Ferreira, catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa.

Pelo fato da revelação dêsse sigilo, o criminoso, ven- do-se perdido, parece que teve de fugir para a Espanha. Não conseguimos saber o resultado final do caso.

Como o fato se passou numa pequena povoação do Norte de Portugal, na Província de Trás-os-Montes, (salvo erro) começaram a indagar quem foi ou quem não foi e acabaram por descobrir o criminoso, conquanto o padre não tivesse revelado o nome.

Com a revelação, pelo menos indireta, do sigilo da confissão, o criminoso veio a sofrer as duras consequên- cias de se ter confessado!

Não tivera êle confessado o crime, continuaria a ser pessoa de bem entre seus concidadãos; após a confissão, porém, passou para o rol dos assassinos!

Além dêsses casos, que tiveram pública notoriedade, outros que têm ficado no conhecimento de poucos, visto o empenho, por parte do clero e de católicos, de se abafarem casos desta natureza!

Contou-nos um intelectual europeu e ex-padre que um vigário de certa freguesia, em Portugal, costumava fre-

1 Quem quiser conhecer melhor o episódio, queira ler o livro citado "Mário" de Silva Gaio, escritor português, livro que existe no Gabinete Português de Leitura, no Rio.

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qúentar um bar da cidade, onde comumente tomava parte nas conversas e pândegas, em promiscuidade com secula- res. Determinado domingo, chegou ele para as costumeiras palestras e, ao defrontar-se com vários companheiros de prosa, foi-lhes dizendo: "Tive hoje manhã muito afa- nosa. Imaginem que a primeira confitente que ouvi é uma . . . (solta um palavrão, coisa imprópria para reli- gioso que zela pela dignidade do seu ofício dito sagra- do). . . mulher que pusera "chifre" no marido. 1 Todos riram, com exceção de um, que, ao contrário dos demais, franziu o rosto e ficou pálido: era o marido da dita mulher. E tal coisa soube ele, não porque tivesse o sacerdote reve- lado o nome da confitente, mas por ter mencionado ter sido ela a primeira a confessar-se naquela manhã. De fato, sua própria esposa antes lhe houvera dito que fora a primeira confitente daquele dia e que, tão feliz se sentia, que comprara um bôlo para oferecer-lhe.

Aquele marido, assim atraiçoado, retira-se do grupo e, dirigindo-se ao lar, furioso, chicote em punho, investe contra a esposa, insultando-a e maltratando-a com violên- cia incrível. Estava possesso.

Teria matado aquele mísero padre, se o fato se tor- nasse notório. Felizmente, por compreensão dos seculares, a conversa não transpareceu daquele grupo e o "caso" ficou sepultado.

Eis aí, pois, mais uma revelação dos segredos da con- fissão, que quase se transformou em tragédia. Sabemos, outrossim, que aquela confitente nunca mais pisou na Igreja.

E "mestre" Eurípides afirma que o segredo da con- fissão jamais será revelado, que podem os confitentes ter certeza de que todo sigilo será guardado!

Então, Eurípides, "podem", os que se confessam, "ficar absolutamente tranquilos, que jamais transpirara' o sigilo da confissão? !

Jamais, é?!H . . .

Isto é, infidelidade conjugal.

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Seria interessante, que "mestre" Eurípides, por si, ou por intermédio dos seus mestres abatinados, ou por qualquer outro meio ao seu alcance, se pusesse em con- tato com a Corte Celestial (!) e nos informasse, depois, se Deus tinha ratificado ou não os atos desse e de outros sacerdotes levianos, que têm revelado o sigilo da confissão!

Não será isto mais um argumento em favor da as- sertiva de que Deus, de modo algum, poderia deixar a perfeição da Sua Obra do perdão dos pecados à mercê de homens sempre imperfeitos e levianos?

Logo, uma instituição desta natureza o Confes- sionário Romanista não poderia ter sido de origem divina. Mas, sim, humana, e de homens frágeis, pecado- res, muito própria mesmo do celebérrimo Catolicismo Romano "velha e fatal ilusão da Sociedade" como bem o cognominou um ex-padre 1 (a que acrescen- taríamos desgraçada e repetindo mais uma vez Rui Bar- bosa, em "o Papa e o Concílio" "o Cristianismo ro- manizando-se tornou-se um elemento deletério, cuja fer- mentação gasta e decompõe a Sociedade"!

Confessionário. Inconvenientes psicológicos e morais

De quantos inconvenientes e de quantas desgraças tem sido origem a confissão auricular, poderá qualquer fazer uma idéia, lendo o livro ''O Padre, a Mulher e o Confessionário", de Charles Chiniquy. Nas páginas can- dentes dêsse livro, escrito por uma autoridade no assun- to, porquanto foi padre católico cêrca de 30 anos, poderá qualquer curioso verificar os males imensos, muitos de- les de consequências péssimas e irremediáveis, que foram tramados nos bastidores do confessionário! 2

1 Rev. Hipólito de Oliveira Campos, autor do livro, "Catolicismo Romano Velha e Fatal Ilusão da Sociedade!"

2 Convém frisar, aqui, que o ex-padre Chiniquy, muito longe de ser um sacerdote pervertido, foi, ao contrário, o homem mais distinto do seu tempo, entre a falange clerical que pisou as terras do Canadá e

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São inúmeros os casos da corrução de almas cân- didas e inocentes, algumas delas ainda nos albores da pu- berdade, que se têm escandalizado, até ao ponto de per- derem a por completo, consequência das perguntas in-

depois dos Estados Unidos. Foi conhecido pelo epíteto de "Apóstolo da Temperança", merecendo a maior amizade e distinção do Presidente Lincoln, que tinha por êle a máxima estima e consideração. Mais ainda: era venerado como raro exemplar de virtudes, até pelos seus pares, tendo recebido de alguns bispos provas de alta deferência; tudo isso o fêz o mais lídimo representante do Catolicismo no Norte do Continente Ame- ricano. Até possuía fama de santo, e não era em vão que, como tal, o considerassem. Tão grande era a sua ânsia, o seu desejo de perfeição e virtudes, que, vivendo no meio de um clero dominado pela corrupção, deliberou ingressar num convento, julgando com isso ficar livre do convívio contaminador do vício reinante na classe clerical.

Mas . . . , no convento esperava-o a mais amarga e tremenda desilu- são, por que seu espírito passou . . . Também ali não encontrou o am- biente de virtude que êle tanto almejava!

Convencido, com estas e outras provas terríveis, para a sua consciên- cia, de que sua Igreja não podia ser a de Cristo, tendo em mente aquelas palavras de Jesus, sobre as quais tantas vêzes meditara "pelos frutos se conhece a árvore" e isto depois de ter conseguido uma vitória que rarlssimamente um padre pode alcançar, qual seja a de conseguir do Vaticano a destituição de um bispo, no caso, o Monsenhor Oregan, que era um bispo indigno. Acabou, finalmente, por abandonar essa Igreja, cuja doutrina a sua consciência e inteligência lhe diziam estar muito afastada da puríssima doutrina do Cristo.

Fato único, até então, na História do evangelismo universal, tôda a paróquia, antes católica, se pôs ao lado do seu pastor, apesar de êste os ter exortado a que fizessem o que as suas consciências ditassem. E, foi assim que, guiado somente pelo Espírito Santo, o padre Chiniquy que se converteu no Pastor Evangélico que operou maravilhas de con- versões, começando pela sua antiga paróquia católica, no Norte da Amé- rica, que se converteu inteiramente ao Evangelho, declarando seus fiéis que não queriam outro pastor, além de Jesus Cristo no céu e o ex-padre Chiniquy, na terra.

E dissemos até então, porque antes não se tinha verificado ainda fato semelhante a êsse. Entretanto, poucos anos, numa pequena pa- róquia do norte da França, aconteceu coisa absolutamente idêntica, com um padre católico que se converteu ao Evangelho de Cristo com tôda a sua paróquia. Êste fato se deu mais ou menos entre 1950 e 1951.

Entendemos ser nosso dever frisar aqui essas notas sôbre êsse grande gigante e apóstolo do Evangelho de Cristo, que foi o ex-padre Chiniquy, para que se não pretenda conspurcar-lhe a memória perante espíritos ignorantes ou atrasados, pelo simples fato de êle ter abandonado o Catolicismo Romano.

Pode a Igreja Católica, que vota ódio de morte (tão contrariamente ao espírito de Cristo, que foi sempre misericordioso e benigno) a todos aquêlps que têm a dignidade e a coragem de se libertarem dos grilhões que lhes oprimiam a consciência; pode essa Igreja Católica menosprezar ou caluniar (como é seu costume) tão elevada figura do espírito cristão. Mas, o que essa Igreja nunca poderá dizer é que êsse "herói da fé",

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discretas, inconvenientes e repulsivas mesmo, feitas no exame inquisitorial do famigerado "Tribunal da Peni- tência". Para ilustrar, um caso da obra "O Padre, a Mu- lher e o Confessionário".

Conta-nos, o citado volume, que um padre perver- tido, verdadeiro monstro de imoralidade, escandalizou ao máximo uma inocente mocinha que se fora confessar. Tal foi a tortura moral a que esse indigno sacerdote sub- meteu aquela alma inocente, com perguntas repugnantes de malícia e sabor sensual, que a jovenzinha, ao chegar a casa, saltou ao pescoço de sua mãe, derramando lágri- mas de sangue, e, no meio de soluços intermitentes, ro- gou à mãe que nunca mais a mandasse a confissão: Mas . . . pior que isso: a mãe dessa mocinha era uma das vítimas desse monstro padre, era sua amante, a despeito de ser casada! Indignada, foi ter com ele e exprobou-ihe, com palavras as mais terríveis, o infame procedimento: além de a ter feito sua vítima, pretendia fazer o mesmo com sua filhinha inocente ! . . .

Isto porque, no Confessionário, mesmo entre os sa- cerdotes não pervertidos (que são raros), a própria dou- trina da moral católica, contida nos seus compêndios de Teologia Moral, exige que a confissão deve ser feita ri- gorosamente com todos os pormenores, fustigando os pobres pecadores e pecadoras com perguntas as mais es- cabrosas, especialmente para a mulher ! . . .

Daí, o sacerdote católico, por mais virtuoso que seja, e destituído de qualquer malícia, ver-se-á na iminência de escandalizar (mesmo que não seja esta a sua inten- ção), as almas inocentes, que ali vão na sua boa fé, jul- gando encontrar nas palavras do ministro de Deus (!)

que se chamou Charles Chiniquy, teve qualquer mancha em seu caráter ou na sua dignidade de homem.

Muito diferente seria essa mesma Igreja, se os seus ministros fossem todos da craveira moral e intelectual do autor do livro "0 Padre, a Mulher e o Confessionário"!

Quem quiser melhores esclarecimentos sobre a conversão e a vida desse paladino do Evangelho de Cristo, deve ler a sua obra intitulada "Cinquenta Ajios na Igreja Católica Romana".

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um bálsamo para as feridas de sua alma, e, afinal, tais feridas ficam a sangrar mais ainda ! . .

Esta é uma das razões por que muitas senhoras e moças católicas têm um horror instintivo à prática ne- fasta da confissão auricular, e, por isso mesmo, ainda, muitos maridos, pais e irmãos (no que têm mil carradas de razão) não admitem que suas esposas, filhas e irmãs se confessem, pois que têm verificado que, pelo con- fessionário, elas ficam sabendo muitas misérias que dan- tes ignoravam. E bastava isto, que se patenteia a cada passo, para que tal instituição devesse desaparecer da face da terra, até mesmo como profilaxia moral.

Tomem bem nota os leitores de que nos estamos referindo, agora, à confissão perante sacerdotes virtuo- sos. As exigências doutrinárias da Igreja, que dêles exige descer a pormenores, na arguição dos pecados, muito na- turalmente ocasionam reação e mal-estar à alma peniten- te, nomeadamente a mulher, sobretudo tratando-se de moça.

Por isso mesmo, como vimos, as mais sensatas e decorosas esquivam-se, muito naturalmente, de relatar ao confessor certos pecados referentes ao 6.° preceito (aliás é o 7.° Mandamento, mas até no número do mandamento claudica o Romanismo, face à Palavra Revelada).

E pensaram os leitores no perigo que tais per- guntas escabrosas, mesmo dirigidas na melhor das inten- ções, no confessionário, representam para as almas sen- síveis, ou de temperamento libidinoso?

Pensem!

E que assim é o confessionário, êle tem deixado de ser o que devia ser, pois que inúmeros são os casos de católicos e católicas que se confessam, periodicamente, e, no entanto, continuam a cometer os mesmos pecados, por culpa da própria doutrina errada do Catolicismo que, praticamente, tanta importância ao pecado, que ensi- na, como vimos, que o padre tem poder de perdoá-lo, e leva o pecador incauto e ingénuo, crente dessa patranha, a não dar tanta importância ao mesmo; são até inúme-

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ros os casos de católicos, e dos beatos, que pecam cons- tantemente, e constantemente se confessam, na doce ilusão de que seus pecados ficam mesmo perdoados. E, daí, o grande significado daquela quadrinha popular, a que nos referimos anteriormente:

"Peca, menina, peca, Não tenhas nenhum temor; Pois, para tirar pecados, Se criou o confessor !"

E é isto mesmo: a facilidade que encontram certos penitentes ignorantes (e são a maioria; se não o fossem, certo não se iam confessar ao padre), sim, a facilidade que encontram certos ignorantes penitentes em obterem o perdão dos seus pecados (segundo o ensino romanista), leva-os a não sentir a gravidade da prática dos mesmos, e, portanto, a reincidirem, periodicamente, nos mesmos delitos e, às vezes, em outros mais! . . .

E, tratando-se da ignorância absoluta da maioria de tais penitentes da consciência de pecado (julgam mui- tos, até, que não são pecadores, porque não roubam, não matam, etc), e, sendo a quase totalidade composta de penitentes da chamada "religião da maioria", é evidente que os seus ministros, em vez de ensinarem aos fiéis, con- forme se exorta na Palavra de Deus, que todos somos miseráveis pecadores, e que pecado é, realmente, "toda e qualquer falta de conformidade com a lei de Deus ou qualquer transgressão dessa lei", segundo o que ensina a Santa Escritura, em vez disso, dizemos, fazem convergir a alma e o coração do pecador para as palavras, tão fá- ceis de serem proferidas: "Eu te absolvo dos teus peca- dos, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". E pronto!

Quando, se o pecador fosse real e verdadeiramente instruído sobre a tremendíssima gravidade dos seus pe- cados, e induzido a tomar a resolução inabalável do seu abandono e usar a terapêutica divina, a única que, de

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fato, tem o poder de sará-lo de suas chagas espirituais, outra, possivelmente, seria a sorte de milhões de almas que inadvertidamente, ou por ignorância, recorrem à confissão ao homem, que nenhum poder tem de libertá- los da mais tenebrosa escravidão, que é a do pecado, da qual Jesus, pelo Seu sangue expiatório, nos pode ver- dadeiramente libertar. Daí por que Êle mesmo disse: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (S. João 8:32). E a Verdade é Cristo mesmo, como Êle próprio confessou: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; nin- guém vem ao Pai, senão por mim" (S. João 14:6). Ve- ja-se ainda S. João 17:17.

Mas .... os trapaceiros doutrinários do Romanismo exortam os fiéis a ir ao Padre! Se o padre ainda os levasse a Cristo . . . Mas que decepção! Como temos vis- to (e a História, que ' e a mestra da vida", não nos deixa mentir), quantas e quantas vezes, o desgraçado pecador é conduzido, cegamente, para longe das verdades evan- gélicas, pois, diante dos padres, ficam ignorando, na sua maioria absoluta, o que é realmente o pecado e o que significa na sua vida espiritual!

Entço, em matéria do pecado contra a castidade, den- tre os católicos se tiram poucos que reconhecem ser pecado a satisfação dos seus instintos sexuais com uma rameira, atribuindo pecado quando isto afeta a honra de um lar!

Pobres pecadores!

* * *

Eis aí, à luz da psicologia humana e da moral cristã, as inconveniências resultantes de um sistema antibíblico, da inversão do que Deus ensina e ordena em Sua Divina Palavra, pelos ensinos e preceitos puramente humanos!

Por isso, a mesma censura que N. Senhor Jesus Cris- to fez aos fariseus do seu tempo se aplica, mutatis mu- tandis, aos fariseus hodiernos, de que está cheio o Catoli- cismo Romano:

"Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: E este povo honra-me com os lábios, mas o seu

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coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens". (S. Mat. 15:7-10).

Continuando a missão, a que nos propusemos, de abrirmos os olhos e darmos umas boas lições ao * 'menino" Eurípides, vemo-nos forçados a dar-lhe mais uma lição, além das que lhe demos.

Faz ele uma afirmação, em nota ao fundo da pá- gina 165, que encerra, além de uma injustiça, uma des- lavada má fé.

Vejamos.

"A maioria das senhoras católicas que não comun- gam, se mantêm em tal estado exatamente por se negar o Confessor a absolver quem não manifestar firme pro- pósito de emenda. Pertencessem a uma igreja 'reforma- da", e provàvelmente não estariam afastadas dos sacra- mentos, suspensas da Comunhão.

Temos aqui, nesses dois pequenos períodos, mais dois disparates euripidinos, que representam duas outras tantas inexatidões.

Assim, começamos por contestar-lhe a patranha por ele engendrada no primeiro período, quando se refere às "senhoras católicas que não comungam. . ." Se fôsse- mos dar importância ao que ele afirma, teríamos de con- cluir que os confessores (os padres) negam a absolvição à tovt et à travers às "senhoras católicas". Ora, isto é pura fantasia do Autor, que se manifesta, aqui, como em ou- tras passagens do seu livro, de uma infantilidade inacre- ditável, por se tratar de um homem de maior idade e apa- vonado com vários títulos, entre os quais o de lider ca- tólico!

Pois saiba, Eurípides, que, se Você pensa ser verdade o que escreveu, então temos de confessar que é mais in- génuo do que uma criança! Ou julgará que estamos de olhos fechados, e não sabemos o que se passa nos basti- dores de suas igrejas e igrejinhas e nos respectivos con- fissionários? !

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Não, Eurípides! Sabemos mais do que Você pode julgar!

E assim é que, desde lhe afirmamos que, tratan- do-se de * 'senhoras católicas" de alta estirpe, e, sobretudo, de alta finança, dificilmente terão uma recusa de absol- vição.

Nem isto é para admirar, sabendo todo o mundo que não é cego, como os padres se derretem por exercer influência na mente dessas tais damas, que lhes vão un- tando bem as mãos e enchendo as algibeiras.

Acaso, passar-lhe-á pela cabeça que os padres (com raras exceções) terão a coragem de concitar as iras ou malquerenças de tais eminentes damas? Que seria deles e da sua Igreja sem elas?

Acaso, ignora Você que a fonte inesgotável de be- nesses, de que a Igreja se alimenta, tem o seu principal caudal nas bolsas recheadas de tão ilustres damas, que, além de darem de si, ainda saem a pedir gordas contri- buições para a Santa Madre Igreja? . .

E, se elas são tão generosas como as suas bolsas, seriam os padres tão indelicados e ingratos, a ponto de as contrariarem?

Acreditamos tanto na patranha por Você aqui en- gendrada, como no fato semelhante de confessores de reis e rainhas, de príncipes e princesas, duques e duquesas lhes negarem a absolvição!

a evocação do estendal de miséria moral e da tris- te condição dos padres confessores, sem independência económica e moral, que exerciam o seu ministério como assalariados dos reis e grandes da terra, é suficiente para a demonstração cabal da comédia que o confessionário tem representado através dos tempos!

Admitimos, por um princípio de retidão, que haja um ou outro padre, que recuse a absolvição a senhoras católicas , . na circunstância por Você aludida, mas, êsses casos são raríssimos.

E que falamos de reis e grandes da terra, quere- mos perguntar-lhe, Eurípides, aqui muito à puridade, se

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Você acredita na sinceridade das absolvições dadas por padres confessores a libertinos da estofa de um Luis XIV, na França, de um Felipe II, da Espanha, de um D. João V. em Portugal!

E quantos deste jaez podíamos aqui citar!

Não tinham, igualmente, confessores, certos mons- tros de iniquidade, como um papa Sérgio, escandaloso amante de sedutoras matronas que se chamaram Teodora e Marózia; um Alexandre Sexto, bem como seu filho César Bórgia, feito cardeal ainda imberbe!?

Se os confessores lhes negassem a absolvição, o que lhes aconteceria? Acredita Você que algum dos confes- sores lhes tivesse negado a absolvição? Ai dêles ! . . .

Como Você é lamentavelmente ingénuo, Eurípides!

E, agora, falando de damas católicas, teria sido, acaso, recusada absolvição à devassa Lucrécia Bórgia, fi- lha do Papa Alexandre VI ?

Ignora, acaso, Você, que esta distinta dama, da mais alta hierarquia social e religiosa, visto ser filha muito amada de seu digno pai, é considerada o tipo mais completo de devassidão e degradação moral? Onde es- tavam os confessores da dinastia de Bórgias & Cia? ! . . .

Teriam, acaso, os confessores dêsses monstros de imoralidade, que campeavam em Roma, a ousadia de ne- gar-lhes a absolvição?

Poderá algum supor, mesmo de longe, os sacrifícios em tais confissões?

Pobres das almas, se a sua "purificação" estivesse de- pendente de criaturas dessa estirpe miserável!

Fiquemos em divagações, por aqui; se não, iríamos parar muito longe ! . . .

Lassidão de consciência.

Libelo de Rui

Prepare-se agora, Eurípides, para aguentar outra pal- matoada.

Você teve a audácia de insinuar que, entre os protes- tantes a lassidão de consciência é superior à lassidão entre

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os católicos . . . É isto que se infere da sua afirmação se- guinte: "Pertencessem (refere-se às senhoras católicas a que os confessores negam a absolvição) "a uma igreja re- formada, e provavelmente não estariam afastadas dos sa- cramentos, suspensas da Santa Comunhão ..."

A aleivosia por Você expressa, em tais palavras, é bem a manifestação da sua perfídia e de quanto o seu espírito está afastado da justiça.

Será Você, porventura, tão destituído de bom senso e de tão pequena visão da realidade, palpável e evidente para todos os que não padecem de estrabismo incurável, a ponto de estabelecer paralelo entre a mentalidade, a consciência e o conceito de moral cristã que têm, por um lado, os católicos, e os protestantes, por outro?

Você, Eurípides, devia saber muito bem, que não há, entre os protestantes, essa lassidão de consciência diante da Santa Comunhão, pois, embora não tenhamos a con- fissão auricular (graças a Deus!), todavia, os crentes não precisam valer-se dela para saberem se estão ou não em condições de participar dos elementos sagrados; mesmo porque, Você deve saber muito bem que, antes da celebra- ção da Santa Ceia, entre os evangélicos, o pastor adverte, citando as palavras admoestativas de S. Paulo: "exami- ne-se, pois, o homem a si mesmo . . ." E, assim, quem não estiver em condições, por si mesmo se exclui da Comunhão, sem ser preciso valer-se da confissão auricular. Você sabe disso, Eurípides; no entanto, por que escreveu aquela frase maliciosa, em que transpira tão clamorosa inverdade e in- justiça contra os protestantes, como se êstes, pelo fato de não se confessarem a homens (porque êles se confessam é a Deus), podem comungar, mesmo em pecado? 1

Saiba, pois, Eurípides, que não as senhoras pro- testantes, mas os homens também, têm o Confessor Divi- no, diante do Qual descobrem as suas almas, e que, o caso

1 Pode haver, não duvidamos, um caso ou outro de algum degene- rado e fingido, inescrupuloso, mas é coisa muito rara em nosso meio. E o mesmo Você não pode afirmar, com verdade, em referência aos seus irmãos católicos! . . .

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de comungarem ou não dignamente, isto é questão do fôro íntimo, da consciência de cada um, e, portanto, não depen- de de confessar ou não ao padre, mesmo porque quantos católicos que engolem a "hóstia", sem se confessar, ou quantos tomam a Santa Eucaristia tendo feito, apenas, um arremedo de confissão, por omitirem pecados, de que se envergonham em confessar?!

Acaso terá Você a infantilidade de admitir paralelo entre a moralidade e dignidade individual e coletiva rei- nantes nos países protestantes, em contraste flagrante com o que se nota nos países católicos?

Queira verificar as estatísticas de criminalidade nos países nórdicos da Europa: Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Suíça, etc. !

Que miséria e degradação moral, social e espiritual apresentam os pobres países onde impera o catolicismo, em contraste com a prosperidade e a elevação moral, social e espiritual evidente e não contestada desses países protes- tantes! Aqui mesmo, neste nosso bem amado Brasil, quan- ta diferença entre os componentes da "grande maioria" católica, de um lado, e os componentes da "pequena mi- noria" protestante, de outro!

Será Você tão ceguinho que não veja esta realidade palpitante?

Ah! como o Brasil se ia bem diferente, se aqui domi- nasse a mentalidade e a honestidade dominantes no pro- testantismo!

E não pense que isto é palavreado oco. Não, Eu- rípides!

Veja um simples exemplo.

Em março dêste ano (1958), contou o pastor Ba- tista Rafael Gioia Martins, que se encontra à frente de uma das igrejas da Capital Paulista, que determinado pas- tor solicitou autorização para ir prestar assistência religio- sa aos presos das Penitenciárias paulistas. O Diretor, que possivelmente era católico, mas um espírito desempoeíra- do e reto (como, louvado Deus, ainda temos entre nós), estaria disposto a deferir a petição, desde que se encon-

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trassem protestantes entre os presos. Neste sentido fêz-se o inquérito entre os presos, e, talvez com surpresa do Dire- tor, verificou-se que nem ao menos um protestante havia!

Concluiu aquele pastor que deveria guardar o do- cumento em que se lhe fazia tal comunicação, pois era o mais irrefragável e eloquente testemunho do poder do Evangelho sôbre as almas, e quanto os protestantes são cidadãos mais ordeiros e mais perfeitos na sua moral e na sua mentalidade!

Acrescentemos, a isto, outra nota, possivelmente mais interessante ainda.

Queremos referir-nos aos antros de prostituição. É quase tão difícil encontrar-se num lupanar uma protestan- te convicta, como encontrar-se uma agulha num palheiro!

Poderia Você dizer-nos o mesmo de certas irmãs "ca- tólicas", Eurípides?

A propósito, lembramo-nos do que nos referiu um reformado da nossa Marinha Mercante, felizmente ainda vivo. 1 Disse que, na Inglaterra e noutros países protes- tantes, visitados pelos nossos marinheiros, havia muita di- ficuldade em se encontrarem rameiras, e as poucas que existiam eram "mercadoria importada". Ao contrário, nos países católicos, a começar em Portugal, Espanha, França, e de para a Itália, vindo a terminar no Brasil, sobre- tudo nas nossas capitais, a praga das tais é intermi- nável e monstruosa, e elas são encontradas aos milhares!

Mas, como não gostamos de ser injustos, e tememos que sejamos mal interpretados, pela exposição que acaba- mos de fazer, desses fatos lamentáveis de degradação moral, observados na "maioria" que se diz católica, devemos aqui frisar que não é nosso intuito cometer a injustiça de in- sinuar que a Igreja Católica apoie a prostituição ou o crime. Aqui apenas relatamos fatos, e nada mais, respon- dendo ao repto que, indiretamente, nos fez "mestre" Eu-

1 Trata-se do Sr. Luís França de Oliveira, residente no "Lar Sa- maritano", em S. Gonçalo Est. do Rio.

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CATOLICISMO ROMANO

rípides. E, com tais fatos (que ninguém pode contestar), ficou patenteado que a lassidão moral entre os povos ca- tólicos é muito maior do que aquilo que se observa entre os povos protestantes. Nem mesmo é possível um termo de comparação!

Outrossim, fica patenteado, também, a culpabilidade indireta da Igreja Romana, em tais delitos, visto que, por falta da rigidez moral dos seus ensinos e lassidão de sua disciplina e quase que desassistência espiritual dos seus ministros aos fiéis, atiram-se estes, na sua maioria, na estrada larga do vício e da perdição! . . . É que eles se preocupam mais com exterioridades, cerimónias, ladainhas, rezas decoradas, "bentinhos", "patuás" e rosários, ritua- lismos, liturgias, aparatos e pompas religiosas, deixando vazias as almas acerca do verdadeiro Pão da Vida, que é Cristo, como se piedade, virtude ou santidade se pudessem conseguir ou obter dessas exterioridades! . . .

Mire-se agora, Eurípides, neste espelho, reflexo fi- dedigno da candência do que deixamos afirmado que é esse passo de um dos mais patrióticos e eloquentes dis- cursos, dirigidos à Nação, pelo grande luminar da mais elevada intelectualidade latino-americana, Rui Barbosa:

"O Protestantismo nasceu da liberdade da consciên- cia individual, cuja consequência é a liberdade religiosa; do protestantismo é filha a instrução popular, 1 que cons- titui o grande característico, o principal instrumento e a necessidade vital da civilização moderna: ao protestantis- mo encontra-se associada, em toda a parte, uma exube- rância de prosperidade individual, luxuriante e vigorosa como a vegetação dos trópicos, em contraste com os países onde os processos com os governos católicos, aplicados em seu rigor, cansaram as almas e esgotaram a energia moral do povo, êsse húmus da riqueza pública, como os métodos da lavoura antiga esterilizavam as mais belas regiões da terra."

1 Disse também Rui: "Uma Nação analfabeta é o Eldorado do Ultramontanismo!" ("0 Papa e o Concílio").

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 219

"O Protestantismo é a anglicana Inglaterra; é a lu- terana Alemanha; é a calvinista Suíça; é a América puri- tana; são as nações moralizadas e robustas do Norte; é a tendência antipapal, que, pelos galicanos e pelos hugueno- tes, salvou a independência do espírito francês, dessa gan- grena ultramontana, que teria convertido a Itália em um desdobramento de Roma, se o princípio desse renascimen- to prodigioso, que enche de admiração o mundo contem- porâneo, não houvera sobrevivido nas obras dos grandes reformadores italianos, ao cárcere de Giannone, às foguei- ras de Savonarola e Giordano Bruno."

"O Catolicismo Romano, o ultramontanismo continua o grande Rui é o inverso de tudo isto; é o fenianismo irlandês; é o lazaronismo napolitano; é o cau- dilhismo espanhol; é o falanstério religioso do Paraguai; é a Roma claustral do govêrno pontifício; é a França da bandeira branca e de Henrique V; é a Ciência caluniada de falsa; é a exploração das populações rurais pelo clero; é a charlatanice divina da Água de Lurdes, especulando com a saúde pública; é o casamento católico equiparado à liber- tinagem; é o marido substituído pelo diretor espiritual; o pai suplantado pelo confessor; a mãe trocada pelas irmãs de caridade; é a família absorvida pelo confessioná- rio; é a beatice impingida como ensino; é a história falsi- ficada nos catecismos . . . é tudo o que se conhece por mais antagónico à ordem secular do Estado, tudo o que tende a negar ao homem a independência da razão, na família a função educativa, na sociedade a autonomia leiga, na investigação científica os direitos da realidade, na liberdade a sua ação moralizadora."

Eis aí, meus leitores, como Rui Barbosa resumiu a história dessa gente.

Para que dizer mais? Diante de depoimento tão ras- gado e tão repassado de verdades indestrutíveis, e ao mes- mo tempo de uma atualidade tão flagrante para todos os povos católicos, nomeadamente para o Brasil, entendemos nada mais acrescentar, sobre o assunto, para não dimi-

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CATOLICISMO ROMANO

nuirmos o brilhantismo de tão formidável quão oportuno depoimento!

Ah! se todos os povos dominados pelo romanismo, inclusive nosso estremecido Brasil, tivessem presente essa genial advertência que fica, o mundo e o Brasil seriam bem diferentes daquilo que nós vemos!

Confissão dos

mais piedosos

À página 167 do seu livro, afirma Eurípides:

são os mais piedosos os que frequentemente se con- fessam. E quanto mais se confessam, e mais de acordo com as prescrições da Igreja, maior progresso fazem na vida espiritual" (o grifo é nosso).

Ainda neste ponto se observa mais uma vez a santa ingenuidade de "mestre" Eurípides!

Pobres das nações, se dependessem do "progresso" desses "mais piedosos"!

Pois fique sabendo, Eurípides: Êsses a quem Você chama de "mais piedosos" e "mais de acordo com as pres- crições da Igreja", muitas vêzes, além de sêres estéreis à sociedade em que vivem (exceto à Igreja), chegam até a ser elementos de escândalo para o próximo.

É isto que acontece, desde os padres "mais piedosos" ' e mais de acordo com as prescrições da Igreja", até às freiras e às simples devotas, a quem o vulgo designa pelo epíteto de "beatas".

Comecemos por fazer referência a um "jesuíta", que foi o "célebre" Padre Júlio Maria.

Precisamente porque era padre muito "de acordo com as prescrições da Igreja" (dêsses é que ela gosta! . . .), era bom para os "beatos" ou "beatas". Todo aquele que não estivesse disposto a ler pela sua cartilha ou a deixar-se dominar por êle, incorreria, fatalmente, nos seus ódios ou rancores. Era dêsses tais "santos" que devotam o mais en- tranhado ódio a todo e qualquer que não se deixe tocar

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 221

pelo seu cajado de "mandões" absolutos, déspotas que não admitem que os outros tenham cérebro, senão para pensarem como eles! Sequer manifestou em sua vida estar possuído de qualquer dote evangélico, nem ser continua- dor da Obra do Cristo cheio de Bondade e Misericórdia! Bondade (sincera ou fingida), a tinha para aqueles que por ele estavam dominados. Mas, se alguém se permitisse discordar de suas opiniões ou não vergar a cabeça às suas imposições, tinha nesse hipócrita Padre Júlio Maria o mais terrível e figadal inimigo!

Diz-se, num aforismo muito conhecido, que se deve "fazer o bem, sem olhar a quem". Para o Padre Júlio Maria e sócios da mesma estirpe, o "fazer o bem" era uma coisa muito subjetiva. "Fazer bem", sim, mas aos da "família"; os outros, hereges, devem ser perseguidos como cães raivosos! E era assim que fazia esse odiado membro do clericalismo brasileiro, que assentou arraiais de déspota absoluto na cidade mineira de Manhumirim!

De tal maneira esse singular fanático e observador das "prescrições da Igreja" era a negação da Bondade e Mansidão do Divino Mestre, que chegou ao extremo de dizer, em praça pública, diante de uma multidão por ele mesmo enfurecida como u'a matilha de cães raivosos, que lhe bastava levantar um dedo, e não ficaria vivo um protestante no então arraial do Jequitibá, cujo Templo protestante, bem como o de Manhumirim (cidade onde morava essa fera humana), foram algumas vezes apedre- jados por fanáticos açodados por ele! . . .

Conquanto não nos arroguemos o dom de penetrar nos arcanos divinos, não deixamos de comentar, nós e muitos que tiveram o ensejo de conhecer, pessoalmente, essa "santidade" clerical, esse singular obreiro da "Santa Madre Igreja \ não deixamos de comentar a morte horro- rosa de que ele foi vítima, única e exclusiva de um desas- tre de viação, ficando varado por uma estaca, precisamen- te no dia em que, dominado pelo seu "zelo" ad majorem Dei ac Sanctae Matris Ecclesiae gloriam, impando de so- berba e de ódio, se dirigia para os arredores de Jequitibá,

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CATOLICISMO ROMANO

a fim de fundar um Colégio de orientação jesuítico-papis- ta (muito "de acordo com as prescrições da Igreja"), o qual, na sua mórbida fantasia, faria ruir por terra o gran- dioso Colégio Evangélico de Jequitibá, que tem sido, na extensa região da zona da mata mineira, o educandário mais proveitoso à causa da instrução de muitas e muitas gerações que por ali têm passado, sob a proficiente direção de seu fundador, o virtuoso e benquisto 'Varão de Deus", que se chama Aníbal Nora, assim como de sua digníssima consorte, e, de trinta anos a esta parte, sob a provecta direção do casal Rev. Siqueira e Prof.a Cecília Rodrigues Siqueira, que têm sido os maiores propulsores dessa gran- diosa obra educativa e evangélica, de larga projeção pa- triótica.

Terá Deus querido demonstrar aos homens que não Lhe agradava que se consumasse a diabólica urdidura da- quele detestado representante do Romanismo? ! . . .

Quem sabe?!

De nossa parte, não não lhe desejaríamos tão trá- gica morte, como ainda formulamos votos para que Deus lhe tenha perdoado os muitos pecados, muitos dêles co- metidos por causa do seu espírito irascível e impulsivo, comum, de resto, a muitos próceres do Romanismo jesuí- tico, que estão "de acordo com as prescrições da Igreja"!

E, de quantos padres como êsse Júlio Maria, pode- ríamos nós contar exemplos idênticos?!

É que êles são tantos, que dariam obra de grosso volume, se fôssemos enumerá-los!

Não sabemos se "mestre" Eurípides será desconhece- dor de um fato muito notório acerca de uma freira muito devota que, tendo vaga em seu Colégio, recusou a admis- são de um menino, porque seu pai era protestante. Mas este não se conformou e apelou para o Supremo Tribunal, que lhe deu toda a razão.

Conquanto não conheçamos a freira, estamos certos de que se deve tratar de alma muito piedosa, dessas que "frequentemente se confessam, e mais de acôrdo com as prescrições da Igreja". E, pelo visto, estamos igualmente

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 223

certos de que a sua "piedade" e a sua "bondade" devem pôr-se em prática para meninos filhos de pais católicos, desses que vão à missa e "se confessam frequentemen- te"! . . . Sim, porque se não forem cordeirinhos dispostos a se embalar à vontade dela (freira), então a coisa muda de figura!

Se formos penetrar bem nos meandros da questão, teremos de concluir que muitas freiras como essa, "de acordo com as prescrições da Igreja"!

Como são a negação do espírito de Cristo, tais padres e tais freiras, em face do ensino claríssimo e exemplo do Divino Mestre, que exortava Seus discípulos para que amassem também aos Seus inimigos: "Pois, se amardes os que vos amam, que galardão havereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?" (S. Mat. 5:46) ! Bem se como padres e freiras (com apenas algumas exceções) estão imbuídos do Espírito de Cristo!

Vejamos, agora, a pouca piedade de certas "beati- nhas" que, não obstante se confessarem frequentemente, não tiram o menor fruto de tal prática, ao contrário do que pretende "mestre" Eurípides.

Sabemos de uma jovem, pertencente à Ação Católi- ca, aliás considerada boa moça, que desabafou, com pes- soa amiga, o seu aborrecimento com algumas "beatinhas", pelo fato de, em vez de estarem recolhidas na Igreja a rezar, como seria de supor, estiveram a reparar no tempo que ela (a moça) se demorou no confessionário, onde per- maneceu mais de meia hora. Quando soube que as tais "beatas" tinham murmurado a respeito dela, ficou pro- fundamente aborrecida e escandalizada com a falta de piedade das tais "beatas", que, afinal, pouco mais fazem do que caminhar para as igrejas, e raro é o dia em que faltam à missa!

Note-se que esses casos não são isolados: são comuns e inúmeros, de todos os dias e de todas as partes! . . .

Deixe-se, portanto, de parlapatices, como a que pre- tende impingir, dizendo que "são mais piedosos os que frequentemente se confessam"!

2-24

CATOLICISMO ROMANO

Ou, então, "são piedosos", sim, mas à moda roma- nista! . . .

Inexistência do sacerdócio na nova aliança. Nulidade da confissão sacerdotal

Conquanto tenha sido suficientemente provada a inanidade da confissão auricular, bem como do suposto valor da absolvição do padre, entendemos, no entanto, não deixar sem refutação outra afirmativa feita por Eurípides.

Escreveu ele:

"Onde, porém, não sacerdócio, não sacerdote capaz de absolver; e onde não sacerdote capaz de absol- ver, não destruição absoluta do pecado, nem retorno ã graça nem perdão total".

Antes de começarmos a nossa contestação, convém lembrarmos a "mestre" Eurípides um aforismo do conhe- cimento do público: "Frita-se o porco com a própria banha".

Pois é isto que vamos fazer agora: com silogismo baseado na premissa que "mestre" Eurípides nos fornece, tiraremos conclusão que lhe destruirá o raciocínio.

Vejamos a premissa:

"Onde não sacerdócio, não sacerdote capaz de absolver". Ora, na Nova Aliança não sacerdócio; logo, "não sacerdote capaz de absolver".

Demonstrar-lhe-emos, agora, que não mais sacer- dócio na Nova Dispensação da Graça, visto como Cristo é o único Sacerdote, e de cujo sacerdócio os da Antiga Aliança eram apenas sombra e prefiguração.

Vindo Cristo ao mundo, desapareceram os sacerdo- tes, porque o sacerdócio de Cristo é a realidade do que estava prefigurado no Antigo Testamento. E, sendo o sa- cerdócio de Cristo estável e eterno, não pode ser delegado a qualquer outra pessoa (Hebr. 7:24). E este caráter do sacerdócio de Cristo é devido ao fato de que o Seu sacri-

CONFISSÃO AURICULAR E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL 225

fício é superior infinitamente aos sacrifícios do Antigo Testamento, pois é completo, espiritual e eficaz para a Redenção. Eis a confirmação desta verdade incontestável na Palavra de Deus: "Mas, vindo Cristo, o Sumo Sacer- dote dos bens futuros, foi um maior e mais perfeito taber- náculo, não feito por mãos, isto é, não desta geração, nem por sangue de bodes e bezerros, mas POR SEU PRÓPRIO SANGUE, entrou uma vez no santuário, havendo EFETUA- DO UMA ETERNA REDENÇÃO" (Hebr. 9:11-12). E ainda os vs. 13 e 14.

Mais expressivamente ainda, temos condenado o sa- cerdócio romanista no seguinte texto sagrado: "E assim todo o sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecen- do muitas vezes os mesmos sacrifícios, que NUNCA PODEM TIRAR OS PECADOS. Mas este (Cristo), havendo oferecido um ÚNICO SACRIFÍCIO PELOS PECADOS, está assentado para sempre à dextra de Deus". ''Porque com UMA OBLAÇÃO APERFEIÇOOU PARA SEMPRE os que são santi- ficados" (Hebr. 10:11,12 e 14).

Pode haver porretada maior no pretenso sacerdócio romanista? !

Deste modo, o Cristianismo nos ensina a grande ver- dade de que ele é a "Religião do Acesso" direto ao Pai, exclusivamente pelo sacerdócio de Cristo, porquanto desa- pareceram os sacerdotes terrenos da Antiga Lei, que eram, como vimos, apenas sombras d'Aquêle que viria, e que ofereceu "UMA ÚNICA OBLAÇÃO" e efetuou "UMA ETER- NA REDENÇÃO"!

E, assim, em Cristo, todos os crentes são considera- dos, na Escritura, sacerdotes (não no sentido romanis- ta ...) : porque, mesmo o Ministro do Evangelho, posto seja distinto do leigo, nunca é mencionado como sacerdote no Novo Testamento (nem mesmo naquele sentido da Antiga Aliança). Êle é, ali, chamado Presbítero ou An- cião, palavras que têm ideia inteiramente diferente da de sacerdote.

Confirmando tal ensino do sacerdócio espiritual de todos os crentes, (leigos ou não), escreve S. Pedro: "Vós

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CATOLICISMO ROMANO

também [os crentes], como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo" (l.a Ep. S. Pedro 2:5). 1

Logo, está cabalmente provado que não existe mais, na Nova Aliança, na Nova Dispensação, o sacerdócio, isto é, a classe sacerdotal (nem na semelhança da Lei antiga, quanto mais no sentido romanista!).

Logo, firme, de pé, está nosso silogismo, baseado em premissa do próprio Eurípides.

Repitamo-lo.

"Onde não sacerdócio, não sacerdote capaz de absolver"; ora, provado, como ficou, que não mais sacerdócio (isto é, classe sacerdotal na Nova Aliança), não pode haver, também, absolvição de pecados por essa classe, que não existe, credenciada por Deus.

E, ainda que o Romanismo repita milhões de vezes o sacrifício de Cristo na Missa, num suposto exercício de um sacerdócio que, como vimos, não mais existe porque temos o Perfeito e Eterno Sumo Sacerdote, Sumo Pon- tífice, que é o Cristo está perdendo seu tempo e preva- ricando miserável e ridiculamente contra a Palavra Santa, que repetimos, para salientar, ao vivo, a inutilidade não dos seus sacrifícios, como ainda de sua tão decantada absolvição de pecados: "E assim, todo o sacerdote aparece, cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mes- mos sacrifícios, que NUNCA PODEM TIRAR PECADOS!" (Hebr, 10:11).

Quanto à sua afirmativa de "destruição absoluta do pecado" e "perdão total" , mediante confissão auricular, é lógico concluir-se que pode haver destruição parcial do pecado e consequente perdão, também parcial, do mesmo, e isto quando não haja a confissão auricular!

1 Vêde, romanistas, que tais palavras são do vosso primeiro Papa, o S. Pedro da Galiléia!

CONFISSÃO -VCRICULAE E ABSOLVIÇÃO SACERDOTAL

É esta, não húvida, a conclusão que, fatalmente, se há-de tirar destas suas palavras!

Para que bandas põe Você, Eurípides, a graça e o poder de Deus que atuam diretamente no coração do pe- nitente?

Em que Bíblia Você descobriu mais esta inovação de "destruição total" ou parcial "de pecados", na absolvi- ção dos ministros de sua Igreja, ou 'o perdão total" ou parcial desses mesmos pecados? Onde? Como? Quando? Na nossa Bíblia referências a pecados perdoados, ou não. Mas. como Você mistura coisas divinas com huma- nas, pode muito bem ser que esteja tratando de coisas tri- viais e banais aqui da terra, misturando-as, em gozada brincadeira, com coisas espirituais e da Vida do Além! . . . Pode ser! . . .

Concluímos, pois. advertindo aos romanistas que abram bem os olhos e vejam: bíblica e racionalmente, não mais sacerdócio de intercessão na terra; Cristo é o único e Sumo Sacerdote, que intercede pelos crentes no Céu, sa- cerdócio êste perfeito e eterno, título que conquistou pelo Seu Infinito Sacrifício, feito "uma vez para sempre"; 1 se não mais sacerdotes terrenos, de sacrifícios temporais, de sombras e figuras do que havia de vir, segue-se que, também, não pode haver absolvição de pecados pelos su- postos sacerdotes romanistas ou quaisquer outros minis- tros de religião!

Logo. Cristo, o Nosso Sumo Sacerdote da Nova Aliança, que é de sacerdócio não temporal, perfeito, eter- no, está no Céu a interceder sempre pelos crentes, e. por isso mesmo, credenciado não a interceder eficazmente junto ao Pai, mas a perdoar os que, com sinceridade, n'Êle confiam, e, quando Êle perdoa (porque não é o homem . . .)» Seu perdão não é e não pode ser parcial, mas, perfeito, absoluto, total!

1 "...Mas agora tem sido manifestado uma vez para sempre na consumação dos séculos, para a abolição do pecado pelo sacrifício de Si mesmo" (Hebr. 9:26).

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CATOLICISMO ROMANO

está, em síntese, mais uma razão por que n'Êle devemos confiar, porque está provado que Êle nos ama de verdade, nos perdoa completamente os pecados, e, pelo Seu Santo Espírito, purifica-nos de toda a iniquidade!

E aqui pomos um ponto final nesta questão.

CAPÍTULO X

COSTUMES BÍBLICOS

Abstinência

A teologia romana ensina que, em certos dias, não se pode comer carne, e, noutros, até ovos e laticínios são proibidos. Em defesa deste proceder, alegam os teólogos romanistas, entre os quais o cardeal Belarmino e S. Tomás de Aquino, que "a Igreja proibe certos alimentos que dão ao paladar mais prazer, é que mais levam o homem a praticar obscenidades . . Citam, então, Daniel, cap. 10, o cap. 3 de S. Mateus e o passo de Paulo, recomendando ao jovem Timóteo usar um pouco de vinho, etc, como se tais restrições alimentícias feitas por essas pessoas constituís- sem preceito legislativo de Deus, como se tivesse força de lei divina! Neste caso teríamos de abolir completamente o uso da carne, do pão, de alimentos excitantes, que provo- cam erotismo, etc, etc.

Sobre isto, cada organismo é que sabe o que pode e o que deve comer.

O cardeal Belarmino, useiro e vezeiro em tolices, pa- rece que tinha os intestinos na cabeça, como os camarões, para ter semelhante raciocínio! Essa estulta mentalidade parece tinha os miolos do cérebro no meio de excrescências, para querer impingir ao mundo patranha dessa natureza e muitas outras similares.

Alto lá, cardeal!

Que diz a Palavra de Deus?

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CATOLICISMO ROMANO

"Não é pecado o que entra pela boca, e sim o que sai", disse Nosso Senhor Jesus Cristo, em S. Mat. 15:11.

E assim, enquanto o Divino Mestre afirma catego- ricamente que não é o que comemos, seja o que for, que nos causa pecado, e sim o que sai da nossa bôca, isto é, as palavras torpes, a exteriorização dos maus sentimentos etc. vem o padre, sob o prestígio do Sr. Cardeal e do Sr. Papa, e diz que, se comermos determinados alimentos, que fazem bom gôsto ao nosso paladar, em determinados dias, come- temos pecado!

Mais uma sobrecarga para o infeliz pecador!

Mas, não! Mesmo no Antigo Testamento, a ordem, a determinação divina (a despeito das prescrições nas leis levíticas que, conquanto recomendassem aos judeus se abstivessem de certos alimentos como carne de porco etc. não eram de caráter religioso, mas por questão de higiene e saúde) era que se podia comer de tudo: "Tudo o que se move e vive vos poderá servir de sustento: eu vos entreguei todas estas cousas, como as viçosas hortaliças'* (Gen. 9:3).

É o próprio Deus que, no texto acima, nos está di- zendo que podemos comer "de tudo o que se move e tem vida". Não será por determinação de Belarmino, de Tomás de Aquino, dos supersticiosos papas ou padres, que deve- mos fazer abstenção de certos alimentos, por prescrições religiosas!

Que têm essas coisas materiais com as espirituais?

Cuide a Igreja das coisas espirituais (o que não é pouco), e não esteja a meter o nariz em coisas triviais da terra, naquilo "que é lançado em lugar escuso" e depois expelido como imundícia. Demais, cada um é que sabe, de conformidade com o seu organismo e o seu médico, o que deve, ou não, comer.

É o cúmulo do ridículo isto a que se expõe o Catoli- cismo Romano!

Então, será pecado comer carne em certos dias, porque a Igreja Romana quer?

Algum interesse teve ela em tais prescrições.

COSTUMES BÍBLICOS

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Conta-nos o Rev. Hipólito de Oliveira Campos, ex- -padre, em seu livro ' 'Catolicismo Romano velha e fatal ilusão da Sociedade" o seguinte:

"Em certa época, os negociantes de bacalhau salga- do viram-se em apuros, por não ter saída êste género, de que possuíam armazenadas enormes quantidades. Exco- gitaram o meio de se desfazerem, com vantagens, da mer- cadoria e conseguiram-no. Solicitaram do papa uma bula, que estabelecesse por preceito, a abstinência de carne, em certos dias da semana e do ano, e conseguiram-na, me- diante bons ducados, se vê; e o bacalhau teve, então, a saída desejada. Esta traficância não deveria transpirar dos têrmos da bula . . . Recorreu, é evidente, a motivos reli- giosos! Cessou, com o correr dos tempos, a causa do pre- ceito, mas êste continuou, e ainda hoje constitui fonte de receita; porque aquêle que possuir a bula da cruzada pode comer carne nos dias em que os outros não podem. E tal bula custa muito dinheiro, e seu prêço varia, de conformi- dade com a bolsa do bobo do comprador! Os párocos re- cebem, todos os anos, maços de tais bulas, para vender aos seus paroquianos; e os confessores têm a recomenda- ção de exigirem a apresentação prévia da dita bula, sem o que não admitem o penitente à confissão"!

Vejamos mais alguns passos escriturísticos que lan- çam luzes sobre o assunto de tais abstinências.

Disse Jesus: "Em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei o que se vos puser diante". A re- comendação de Nosso Senhor, embora não encerre nenhum preceito espiritual, teve por fim combater, precisamente, certos costumes judaizantes, que faziam seleção de alimen- tos tais e quais, como se houvesse qualquer falta ou trans- gressão perante a lei divina, no fato de comer êste ou aquêle alimento. A mesma advertência do Mestre se aplica, mu- tatis mutandis, aos romanistas de hoje, que procuram imitar as práticas judaicas»

Disse mais Jesus: "Ao que Deus purificou não cha- mes tu imundo" (At. 10:15). Disse-o a S. Pedro e, no passo em aprêço, se referia à carne, que o padre diz tor-

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CATOLICISMO ROMANO

nar-se imunda, em certos dias e, por isso, cair em pecado quem a comer! . . .

''Escribas e fariseus hipócritas, vós engulis um came- lo e vos engasgais com um mosquito"! Então, até nas coisas que entram pela boca e vão ao estômago, aos intes- tinos e depois serão lançadas nas sentinas, Vocês metem o nariz? E delas determinam preceitos e prescrevem pe- cados?

Infelizmente ainda muitos ignorantes e lorpas que aceitam sem discussão tais patranhas e ingenuidades ridí- culas! Sabei, no entanto, que ainda quem tenha os olhos abertos, diante da Palavra de Deus, como temos os nossos, para advertir aos incautos e desprevenidos, procla- mando em que realmente consiste a Religião, o Reino de Deus, como S. Paulo, divinamente inspirado, doutrinou: "Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas, justiça, paz e gozo no Espírito Santo" (Rom. 14:17).

E é ainda este mesmo Apóstolo quem, também, com- batendo as superstições e escrúpulos dos judeus, sôbre o assunto de coisas que deviam ou não comer, ordenou taxa- tivamente: "De tudo que se vende na praça, comei, sem perguntar nada, por causa da consciência" (l.a Cor. 10:25). E ainda o mesmo Apóstolo, reforçando a conde- nação dos costumes escrupulosos judaizantes daquele tempo e dos seguidores dos israelenses de hoje (os roma- nistas . . .), doutrinou: "Ninguém, pois, vos julgue pelo comer, nem pelo beber, nem por causa dos dias de festa, ou das luas novas, ou dos sábados" (Coloss. 2:16).

Alguém disse (e com muita graça e verdade) : "Se S. Paulo tivesse feito semelhante afirmativa nos dias dos Papas Inocêncio III e Pio V, certamente ia direitinho para a fogueira, como "herege"! No entanto, é a Igreja Roma- na (que diz considerar muito o Apóstolo, dedica-lhe ora- ções e o faz um dos seus medianeiros diante de Deus) que miseravelmente pisa por cima dos seus ensinos, ensinos que são até proféticos, porquanto não tiveram aplicação nos dias do Apóstolo, contra os maliciosos escrúpulos de consciência dos fiéis do seu tempo, como, profèticamente,

COSTUMES BÍBLICOS

através dos séculos, à igreja romanizada e judaizante, que é esta celebérrima e famigerada "Igreja Católica Apostóli- ca Romana"! . . .

Jejuns

O que acabamos de dizer com referência à abstinência de certos alimentos, mutatis mutandis, se aplica ao ensino da Igreja Romana sobre os jejuns.

"Quanto ao jejum, nada mais bíblico: Moisés je- juou 40 dias; Elias, 40 dias; Nosso Senhor Jesus Cristo, 40 dias. Dêsses 40 veio a palavra QUARESMA . . .", afir- mou Eurípides, procurando justificar o costume da Igreja Romana, que prega e ordena aos seus fiéis, sob pena de pecado, a prática do jejum.

Mas, Eurípides, tenha santa paciência! Por pouco somos forçados a confessar que sua cabeça está no mesmo lugar onde estava a cabeça do seu mestre, o cardeal Belar- mino! Que infantilidade, Eurípides! Você pensou que seu livro seria lido por ignorantes ou pacóvios? Quem jamais, dos protestantes, negou que não haja jejum pres- crito na Bíblia? Quem? O que os protestantes não admi- tem, porque não é bíblico, e aberra do bom senso, é a sua obrigatoriedade e, muito mais, que sua Igreja prescreva penalidade espiritual ou crie pecado para o penitente que não jejuar em dias determinados, como se fosse violação de um preceito como um dos 10 pilares do Decálogo! Isto é que não admitimos, pois em tal patranha não crêem os protestantes e todos que têm um pouco de senso e não estão fossilizados espiritualmente, como os romanistas da sua marca, e de outros, que engolem tôdas as "pílulas" dos mistificadores e falsificadores da Palavra de Deus! Não! Em tolices condenadas pela Santa Palavra nós não cremos, absolutamente!

Que nos diz, então, a Santa Bíblia?

"Acaso o jejum que eu escolhi o próprio Deus quem fala) consiste em afligir um homem a sua alma por um dia? Está, porventura, em retorcer a sua cabeça como

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CATOLICISMO ROMANO

um círculo, e em fazer cama de saco e de cinza? Porven- tura, chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao Senhor?" (Is. 58:5).

Perguntamos agora a Eurípides: Será este o jejum praticado em sua Igreja? O padre diz que é, e Você engole a 'pílula", servilmente! . . .

Tenha mentalidade desempoeirada, Eurípides, e não se confunda no meio dos parvos e lorpas, que tudo acei- tam sem nada examinar. Seja como os bereenses dos dias dos Apóstolos, que foram louvados pelo Espírito Santo precisamente porque examinavam tudo, de conformidade com o ensino das Escrituras.

E o Profeta Isaías continua explicando, por inspira- ção divina, pois é a palavra de Deus que está em sua boca, qual o verdadeiro jejum que o Senhor requeria não dos judaizantes do tempo do Profeta, como de todos os tem- pos, e máxime, os continuadores dos costumes israelenses, que em nossos dias são os romanistas e acompanhantes.

"Acaso não é antes este o jejum que eu (isto é, que Eu, Deus) escolhi? Romper as ligaduras da impiedade, e desatar os feixinhos que deprimem, deixar ir livres aque- les que estão quebrantados, e romper toda a carga? Parte o teu pão ao que tem fome, e introduze em tua casa os pobres e os peregrinos: quando vires o nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne" (Is. 58:6-7).

E similar ensinamento nos deu o Profeta Miquéias, quando, combatendo as exterioridades dos sacrifícios, dos holocaustos de gorduras de animais cevados e do seu san- gue, fez ver aos religiosos do seu tempo, em nome de Deus, o que realmente lhe agradava, quando disse: "Que é o que o Senhor requer de ti? Senão que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes humildemente com o teu Deus?"

está o verdadeiro jejum que Deus requer: humi- lhação em face do pecado cometido, seu consequente arre- pendimento e, enfim, amor para com os que sofrem, que deve induzir-nos à obra da beneficência virtudes essas que a Igreja Romana nunca possuiu, porque sempre se preocupou com as cerimonias, com o ritualismo, com as

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€Xterioridades, em flagrante contradição com o espírito e, inúmeras vezes, com a própria letra das Santas Escrituras.

Por outro lado, o jejum entre os judeus e na Igreja Cristã Primitiva era observado em tempos de provações, de angústias, ou quando, em estado de profunda humi- lhação, se rogava alguma Graça especial de Deus; mas, nunca foi instituído como preceito, e muito menos sob ameaça de qualquer penalidade temporal ou espiritual, como focamos.

Assim é que, em Juízes 20:26, lê-se: "Pelo que todos os filhos de Isarel vieram à Casa de Deus, e, assentados, choravam diante do Senhor: e jejuaram durante aquele dia até à tarde". Nada de prescrição imposta sob qualquer penalidade, como ensina o Catolicismo Romano, que diz: "sob pena de pecado mortal deve-se jejuar em certos dias". E, como prova de que não estamos a inventar, que assim mesmo ensina a teologia romanista, citamos, na íntegra, o Mons. Abelly, Medull EcoL II, cap. 5, sect. unic. a saber: "CERTA E INCONTESTÁVEL COISA é para todos os católicos que o preceito eclesiástico do jejum obriga sua guarda, sob pena de pecado mortal ... De onde se con- clui que peca mortalmente aquele que, sem causa legítima, quebra algum jejum ordenado pela Igreja".

Logo, entre o que ensina a Palavra de Deus sobre o jejum e o que ensina o Romanismo, vai um abismo imensurável!

Disse o Divino Mestre, ainda com referência ao que significa, espiritualmente, o jejum, e como ele pode ser feito: "Mas, tu quando jejuas, unge tua cabeça e lava o teu rosto, a fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai, que está presente a tudo o que de mais secreto: e teu Pai, que o que se passa em secreto, te dará a paga" (S. Mat. 6:17). No Novo Testamento temos diversos exemplos de jejuns particulares e especiais. Ana servia a Deus de dia e de noite, em jejuns e orações (S. Luc. 2:37) ; Paulo esteve em muitos jejuns (2.a Cor. 11:27; l.a Cor. 9:27); os cristãos primitivos, em certas ocasiões solenes, jejuavam (At. 13:3; 14:22). Em ne-

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CATOLICISMO ROMANO

nhum lugar, porém, se fala em jejuns reguiares, periódico* e obrigados, impostos por Deus ou pela Igreja. De ma- neira que são claramente sem autorização bíblica os jejuns das sextas-f eiras e da quaresma, etc, que a Igreja de Roma impõe como dever religioso aos seus sectários. Nenhuma palavra há, na Escritura que apóie tais jejuns obrigató- rios, e nem a própria Igreja Romana afirma que há, pois confessadamente baseia sua autoridade unicamente na tradição.

Diz o comentador João Howell: "A estes jejuns que não são mandados por Deus e não são observados de conformidade com os jejuns que Deus aceita, a Igreja Ro- mana dá importância demasiada e antíbíblica; antibíbli- ca, sim, como podemos provar citando Colos. 2:16 e 17. O inspirado Apóstolo S. Paulo chega a qualificar de "dou- trina de demónios' o proibir que se faça uso das viandas que Deus criou para nosso uso, e diz que ela seria ensi- nada nos últimos tempos por alguns que apostataram da (l.aTim. 4:1-8). Estamos, pois, avisados, e, prestando ouvidos à exortação que S. Paulo dirige aos crentes nos versos seguintes, desprezemos "as fábulas impertinentes e senis", e exercitemo-nos em obras de piedade, lembran- do-nos de que, ao passo que os exercícios corporais para pouco são proveitosos, a piedade para tudo é útil, porque tem a promessa da vida que agora é, e da que de ser."

De resto, o Divino Mestre, cuja palavra é a Suprema autoridade e verdadeiramente infalível, no mesmo de igualdade da palavra dirigida pelo próprio Deus-Pai (que ouvimos ser igual), definiu quando se pode jejuar e o que realmente significa para a alma, além do que mencionamos.

Vejamos as Suas palavras:

"Porventura, podem estar tristes os filhos do Es- poso, enquanto está com eles o Esposo? Mas, virão dias, em que lhes será tirado o esposo: e então, eles jejuarão" (S. Mt. 9:15).

Tais palavras, o Mestre as dirigiu aos discípulos de João Batista, quando estavam profundamente tristes com

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a reclusão do Profeta no cárcere, e em razão do que, esta- Tam sempre a jejuar, atestando, assim, que o jejum era praticado em momento de profunda tristeza, e nunca em dias de festa, de regozijo, o que seria injustificável tal prática, em face da situação de alegria.

Mas, a fim de melhor entendermos o passo acima, recorramos ao v. 14 ( anterior) desse mesmo capitulo, e Teremos que Nosso Senhor quis ensinar, verdadeiramente, uma extraordinária lição sobre o jejum e sua oportuni- dade: "Foram ter com Jesus os discípulos de João Batista dizendo: "Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam?" Está uma prova insofismável de que o jejum não era praticado pelos dis- cípulos de Jesus, e, portanto, não havia preceito do Mestre obrigando-o; se não preceito obrigando-o, também é certo que não temos nenhum preceito condenando-o. Somos justos, e, por isso, os protestantes, em face do silên- cio de Cristo, sôbre o ponto em apreço, isto é, sôbre sua obrigatoriedade ou não, considera ser o caso de consciência de cada crente. Quem se sentir bem jejuando e, com isso, se sente com mais força espiritual, que jejue; mas, que não venha atirar pedras contra os que não adotam essa prá- tica; que não venha ser fariseu e querer tornar obrigatório aquilo que, nem implícita, nem explicitamente se acha ordenado na Santa Palavra, como regra de conduta cristã, como lei taxativa, como qualquer dos preceitos do Decá- logo! Isto, não!

Mas, a fim de prestar melhores esclarecimentos acerca do assunto, vejam qual foi, realmente, a razão da con- sulta a Jesus sôbre o jejum por parte dos discípulos de João Batista.

Referindo-se o Ev. de S. Mateus ao rompimento das hostilidades entre Jesus e os fariseus, fala em seguida, o evangelista, da oposição que moviam a Jesus os próprios discípulos de João, por causa do jejum, oposição a que, possivelmente, foram levados pelos próprios fariseus (São Mare. 2:18). O pretexto foi uma aparente incoerência entre o que Jesus ensinava e o que os Seus discípulos pra-

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CATOLICISMO ROMANO

ticavam; pois que, declarando Jesus que não passaria da lei um jota ou um til, sem que tudo fôsse cumprido, os Seus discípulos não estavam cumprindo o importante re- gulamento da antiga lei, em referência ao jejum. É que os fariseus jejuavam regularmente duas vezes por semana, além dos grandes dias nacionais de jejum (S. Mat. 6:16; S. Luc. 18:12). No entanto, prova de que o Senhor não se agradava de suas práticas, puramente exteriores, é que foi a esses ' 'escribas e fariseus hipócritas" "sepulcros branqueados", que "limpavam o exterior do corpo, mas o seu interior estava cheio de rapina e iniquidade" (reve- lando-lhes, assim, ao vivo, o estado denegrido em que se achavam suas almas danadas) foi a esses salafrários espirituais que Jesus dirigiu os Seus mais tremendos ais! . . . Então, de que lhes valiam tais jejuns? É a mesma coisa hoje, entre os romanistas: de que lhes vale jejuarem, obedecerem cegamente às prescrições ditatoriais da Igreja Romana, sem que os seus corações estejam purificados de tôda a iniquidade?

Mas, o que mais nos importa, agora, é transmitir a lição que Jesus Cristo deu, sôbre o assunto, aproveitando a oportunidade da consulta dos discípulos de João Ba- tista.

Possivelmente, quando os discípulos de João Batista se dirigiram ao Mestre, o Precursor estava preso, e eles, provàvelmente, por isso mesmo, estavam jejuando, pela profunda tristeza em que suas almas estavam imersas. E, muito naturalmente, censuravam os discípulos de Cristo, porque eles não faziam o mesmo.

Escreve um comentador: 1 "Nosso Senhor aproveita^ então, o ensejo, para ensinar, por três comparações (vs. 15, 16, 17) bem frisantes, que, na prática de deveres re- ligiosos, para cuja observância a lei não marca tempo certo, o que deve regular e decidir é a oportunidade quanto às: circunstâncias e aos sentimentos de quem as observa."

* * *

1 Rev. João Beatty Howell, do Ev. de Mateus.

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Julgamos nada mais ser preciso acrescentar, portanto, sobre o assunto. Pelo que fica, claramente exposto, o jejum nada mais era e nada mais é que uma prática, um costume do cerimonialismo judaico, que o Romanismo conserva em seu sistema, sem que, todavia, nem ao menos o seu sentido espiritual seja observado, o que é ainda mais grave, de maior condenação para a Igreja, da qual, mais uma vez, afirmamos: tem muito de judaísmo, muito de paganismo e uma pequena "pitada'', apenas, de Cris- tianismo!

Adoração de

santos e anjos

Escreve Eurípides: "Entre as relíquias mais venerá- veis estão os objetos, as roupas, os restos mortais dos nossos irmãos que selaram com o martírio a sua fé, e os que, colaborando com a graça de Deus, chegaram ao alti- plano da santidade. Porque estes objetos ficaram im- pregnados da santidade daqueles cristãos, e não é raro que, ao simples contacto com essas sagradas relíquias, se res- tabeleçam os enfermos* (o grifo é nosso ob. cit., pá- gina 209).

Primeiramente, estranhamos que o Eurípides não tenha tido a coragem de afirmar, sentenciosamente, (e apenas nas entrelinhas), que tais "relíquias" são mesmo adoradas pelos fiéis de sua Igreja, consoante doutrina a mesma Igreja, através dos seus teólogos, a saber, mistu- rando o culto a tais relíquias com o dos santos e dos anjos: "Deve-se culto menor que o divino e maior que o cívico e humano às coisas sagradas, aos anjos e aos santos . . (Cardeal Belarmino, De Sanct. beati, lib. I, Cap. 13 e Concílio Tridentino, sess. XXV, "De invocat vener et reliq. Sanct.").

E com tal doutrina concordam todos os teólogos romanos.

Então, Eurípides, não se trata apenas de simples re- cordação, simples veneração; mesmo porque, ainda que

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CATOLICISMO ROMANO

fôsse isso, quem venera adora. Seja qual for o nome que os teólogos romanistas dêem a tal culto: perdulia, dália ou mesmo latria (classificação, aliás, que não existe na Bíblia), é adoração. Tanto mais que a própria teolo- gia romanista, pela autoridade de Belarmino e pelo Con- cílio de Trento, declara taxativamente que, além das relí- quias dos santos, os anjos e os próprios santos devem ser adorados.

Não há, pois, que fugir: sua Igreja é mesmo extre- mamente idólatra; e, como tal, está condenada nas Santas Escrituras, como provaremos, mais uma vez, a saber:

(1) "Temerás ao Senhor teu Deus, e a Ele ser- virás" (Deut. 6:13).

(2) "Ninguém vos seduza, afetando humildade, e prestando culto aos Anjos, que nunca viu no estado de viador, inchado vãmente com seus pensamentos carnais" (Colos. 2:18, segundo a versão do Pe. Vicente Zioni, devidamente aprovada pela autoridade eclesiástica).

Pelo texto supra, são condenados, como idólatras, pelo Apóstolo S. Paulo, os que prestavam culto aos Anjos, sob pretexto de humildade.

(3) "E eu me prostrei aos seus pés para o adorar" (ao Anjo). "Êle me disse: Vê, não faças tal: eu sou servo contigo, e com teus irmãos, que têm o testemunho de Jesus. Adora a Deus (Apoc 19:10; a mesma coisa temos no Apoc. 22:8,9).

Portanto, os próprios Anjos (que não são romanis- tas), repelem o culto que lhe querem prestar; e, por uma razão simples: êles não querem usurpar os direitos exclu- sivos do seu Criador e Senhor.

E, quando o cardeal Belarmino, para justificar o culto dos Anjos, cita Gên 18, e diz que Abraão adorou o Anjo, e o mesmo o fizera Ló, não tem razão, porquanto os três personagens que apareceram a Abraão, no capítulo citado, receberam apenas uma saudação, e isto na supo- sição de que eram três homens, e foram saudados à moda oriental, prostrando-se o Patriarca Abraão em terra . . . (Gên. 18:2). Onde, pois, a adoração?

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Suponhamos, por momentos apenas, que a adoração dos Anjos constasse no exemplo acima e noutros passos da Bíblia; acaso poderá deduzir-se, daí, ser lícita tal ado- ração? Há algum preceito positivo ordenando que os mes- mos podem e devem ser adorados? Pelo contrário, a Bíblia, peremptoriamente, declara: "Ao Senhor teu Deus adora- rás, e a Êle servirás" (S. Mat. 4:10).

Por outro lado, não vimos os espíritos celestes (os Anjos) abominar tal adoração, nos textos citados por nós, em Apoc. 19 e 22 ?

E, como a Palavra Divina é tão clara, e proíbe, ter- minantemente, a adoração a TUDO que não seja Deus, será lícito ao cardeal Belarmino, a qualquer enfatuado da in- dumentária do clericalismo, ou a quem quer que seja, pro- palar doutrina contrária?

E, quanto ao culto dos santos, basta citar um teste- munho, o de Pedro: "Quando Pedro estava para entrar, saiu Cornélio a recebê-lo; e, prostrando-se aos seus pés o adorou. Mas Pedro o levantou, dizendo: "Levanta- te, que eu também sou homem!" (At. 10:25-26).

Eis o testemunho de um Santo e que Santo! o primeiro papa da Igreja Romana, S. Pedro da Galidéia, que recusa, terminantemente, culto, dizendo: levanta-te, que eu também sou homem! . . .

No entanto, este célebre Catolicismo Romano não cita textos como este da Santa Palavra! E por que não o faz? Porque os textos o condenam; e quando o faz na ilusão de defender a sua idolatria, apenas, como vimos, revela a crassa ignorância ou de obstinados feti- chistas e idólatras!

S. Paulo também, certa vez, recusou culto; e outros.

Culto de relíquias: fonte de superstição lucrativa

Êsse culto tem sido mais uma fonte de superstição lucrativa, para iludir ingénuos e tolos, com o objetivo de

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sugar-lhes o dinheiro, que é o alvo supremo de quase todas as patranhas romanistas.

Àssim é que os restos mortais dos mártires do Cris- tianismo "foram conservados pela sagacidade devota, para servirem depois de santo lucro. Por igual, os instrumentos de suplício de Jesus: a cruz, a coroa de espinhos, os cravos, o lençol, até a túnica inteiriça do Mestre; tudo reduzido a pequenos fragmentos, começou a extração no mercado das consciências dos imbecis; e o interessante é que jamais se acabou! viram milagre igual?! . . .

mesmo no Romanismo é que se uma dessas!

"Por várias vêzes têm, também, aparecido corpos in- teiros de indivíduos que, dizem, por suas virtudes, em vida, mereceram resistir milagre estupendo! à cor- rupção necessária da matéria orgânica; guardaram-nos inteiros em carne e osso. Os milagres chovem, as promes- sas e oferendas fervem também. Tem-se visto (!) a mui- tos dêstes, e até aos que são de pau ou pedra, chorar ( ! ! ) para compungir o povo; suar (!!), verter sangue (!!), para mostrar o poder de Deus ( ! ) ; fazer ademanes, ora de contentamento ( ! ) , ora de indignação ( ! ) , que tudo excita a piedade dos fiéis a abrirem, de novo, a bôlsa, de boa vontade. Tal é o poder das relíquias"! 1

imbecis e crianças ingénuas ou então, "beatos" tardos de entendimento é que podem acreditar nessas bru- xarias e superstições tão grosseiras! . . . No entanto, isso tudo é aceito pela crendice rabujenta de muitos católicos romanos1 Digo muitos, porque nem todos "compram o bonde"! . . .

E mais: "Houve tempo em que a Igreja se possuiu do fervor devoto contra os infiéis. À voz do papa, de fra- des e concílios, tudo que, então, havia de devotos, mal- vados e malandros, acode ao santo chamamento, e partem, aos milhares, para o Oriente, a fazer crapulosas orgias, estupros, roubos e vastas hecatombes de sêres hu-

1 "O Catolicismo Romano", do ex-padre Hipólito de 0. Campos, pág. 179.

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manos, arregimentados sob o símbolo da redenção da Hu- manidade! Levavam do papa carta branca para tudo: era a bula da SANTA CRUZADA, em que se prodigalizavam aos defensores da religião indulgências plenárias, privilégios e muitas outras graças especiais." 1

A tal bula da "Santa Cruzada" , outrossim, ainda hoje é vendida a alto preço pelo papismo, que, sob pro- messas das mesmas graças, conseguem extorquir dinheiro dos parvos! É mesmo a religião simoníaca do co- mércio! . . .

Lugares sagrados. Romarias e peregrinações

Ninguém ignorava, outrossim, os vários "lugares sagrados' designados pelo romanismo: Jerusalém, Nazaré, Roma e vários outros, por possuírem santos milagrosos, como, por exemplo, onde se supõe ter aparecido N. S. de Fátima, em Portugal, a "Aparecida do Norte" e o "Bom Jesus do Iguapé", no Brasil, e assim por diante, para onde os fiéis são exortados a fazerem peregrinações e roma- rias, a fim de pagarem suas promessas aos santos! . . .

E se vão milhares e milhares de devotos, ingé- nuos, crentes desse fetichismo grosseiro, para enriquecerem os bolsos dos padres e da sua comandita!

Verdadeiro comércio! Verdadeiros simoníacos! Ver- dadeiros continuadores de Simão Mago, que mereceu a condenação do Apóstolo S. Pedro, quando lhe exprobou o pecado de pretender comercializar com as coisas santas, dizendo: "Pereça contigo o teu dinheiro, que te per- suadiste de que o dom de Deus se adquire com dinheiro" (At. 8:20).

Como o romanismo ensina que imagens e luga- res mais santos do que outros, e que se deve, por isso, fazer romarias a tais lugares (chamaríamos, a isso, culto de re- líquias de lugares sagrados), vejamos o que, a respeito, nos diz a Palavra de Deus:

1 "O Catolicismo Romano", do ex-padre Hipólito de 0. Campos, págs. 179-180.

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(1) Nosso Senhor Jesus Cristo não fez depender o valor do culto de onde ele é feito, mas, sim, do coração. Assim é que Êle disse à mulher samaritana: chegada a hora em que vós não adorareis ao Pai, nem neste monte, nem em Jerusalém . . mas, a hora vem, e agora é, quando os verdadeiros adoradores hão de adorar ao Pai em espí- rito e em verdade. Porque assim é que o Pai quer que O adorem. Deus é espírito, e em espírito e verdade é que O devem adorar os que O adoram" (S. João 4:21,23,24) .

(2) O profeta Malaquias, a fim de combater a superstição, corrente entre os israelenses, de visitarem ao menos três vezes por ano o Templo de Jerusalém, no seu tempo, fez ver que não havia lugar especial para se adorar a Deus porque o Templo de Deus é o Universo, e Êle está em todo lugar. Igualmente não apoiou peregri- nações a santos lugares, com o fim de se pagarem pro- messas a santos, etc. Eis as suas próprias palavras: "Por- que desde o nascente do sol até ao poente, é o meu nome grande entre as gentes, e em todo o lugar se sacrifica, e se oferece ao meu nome uma oblação pura: porque o meu nome é grande entre gentes, diz o Senhor dos Exércitos" (Mal. 1:2).

(3) Disse Jesus, em corroboração, ainda, sôbre o assunto: "Onde dois ou três estiverem congregados em meu nome, estou eu no meio dêles." (São Mat. 18:2).

Logo, Jesus está em todo e qualquer lugar onde os fiéis (mesmo dois ou três) se reunirem em Seu nome, ou a Êle estiverem unidos. Pode ser em casa, na rua, na toca, no mato, no monte, onde quer que seja, desde que estejam os pecadores contritos e submissos à vontade do Mestre!

Ao contrário, pode o pecador estar até diante do Santo Sepulcro ou da Cruz de Cristo que, se o coração não estiver com Jesus, de nada lhe valerá a sua localização material! Pode até estar ajoelhado na Igreja, e engolir a "hóstia": se o fizer hipocritamente, está "comendo e be- bendo para si condenação".

(4) Exclama, por isso, S. Paulo, em consonância com esse ensinamento: "Quero, pois, que os homens orem

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em todo o lugar, levantando as mãos puras, sem ira e sem contenda''' (1/ Tim. 2:8).

Eis o que nos importa obedecer: observai as palavras grifadas acima.

E, para cúmulo de superstições, esse romanísmo fe- tichista ainda ensina que a estátua de um Santo é mais milagrosa que a de um outro, para fazer convergir os fiéis, sempre iludidos, sempre ilaqueados cada vez mais na sua boa de ignorantes, a fazerem romarias para onde o santo mais milagroso ( !). E. assim, enquanto é aumen- tada a renda de certos padres, diminui a de outros, por- que escasseiam romeiros nos lugares de santos menos mi- lagrosos!

Xa Sicília, por exemplo, a população (católica, se vê), está dividida em dois partidos contrários, tendo cada um o seu santo predileto!

Pobre Humanidade, que vive dominada por tão grosseira e rabujenta crendice e idolatria!

Fôssemos descrever os pecados que se cometem nessas romarias e peregrinações, sob pretexto da Religião . . ., a pena havia de tremer! . . .

Mas. é isto mesmo: quando os homens não obede- cem à Palavra de Deus, "um abismo chama a outro abismo"! . . .

Água benta

E que estamos tratando das superstições roma- nistas sôbre relíquias de santos, relíquias de lugares, não devemos omitir a celebérrima superstição da Água Benta. 1

1 Julgamos interessante transcrever, aqui, o que a respeito escreveu o ex-padre Rev. Hipólito de O. Campos, em seu livro "O Catolicismo Ro- mano'', à pág. 182: "A Água Benta, que é herdeira da água lustral do paganismo e sua legítima representante, é um dos maiores benefícios que a humanidade recebeu da Igreja e um prodígio de alquimia clerical. É aplicada para curar muitas enfermidades internas e externas, e afugen- ta o demo; lava as manchas da alma, virtude ao pau, à pedra e a qualquer metal; as estátuas, por mais toscas e ridículas que sejam, depois de borrifadas com ela, tomam o nome de SAGRADAS IMAGENS, e sem ela não podem fazer milagres; até as vestes, alfaias e utensílios desti- nados ao culto, carecem de água benta, pois, pode ser que êstes objetos

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CATOLICISMO ROMANO

Sôbre isto, aqui reproduzimos alguns versos do nos- so livro "O Romanismo à Barra do Evangelho":

Entre os pagãos havia uma Água Benta que punham, em crendice rabujenta,

nos templos e nos lares . . . E, nesta Água julgavam tal virtude, que a própria Igreja, enfim, também se ilude

c benze seus altares! . . .

O abuso da Água Benta a foi corrompendo,

e o bispo de Palermo os dons foi descrevendo:

"Ela afugenta o demo e salva os pecadores,

aumenta a devoção e cura os sofredores,

concede graças mil, faz bem ao pensamento

e induz logo a alma a crer no "Santo Sacramento . .

Esta Água Benta mais outras virtudes tem:

"cura a esterilidade e a todo mal também,

e mesmo ao moribundo ela conforta e alenta!

Entre o povo de "Roma", assim fêz-se a Água Benta!

Esta superstição a contaminou e a pureza da Igreja em tudo ela afetou: Ninguém que rejeitasse a tal feitiçaria <era filho de Deus. Assim o povo cria! . . .

tragam da natureza algum defeito, ou estejam influenciados do porco sujo. Um navio molhado com ela fica mais seguro; uma locomotiva caminha mais desimpedida e galharda ; um edifício fica mais sólido e oferece mais cómoda vivenda; a terra, de excomungada que era, torna-se sagrada, etc. etc. Contudo, apesar de coisa tão preciosa, a que está na pia, à entrada da Igreja, não custa um ceitil (como é admirável o desin- teresse da santa madre igreja!) e serve para com ela se benzerem os fiéis, quando vão ouvir missa ou assistir a outro ato religioso. Mas, •quando é empregada nas encomendações dos defuntos, no batismo, em certas benzeduras de luxo e a pedido ou requerimento, então fazem-na pagar bem paga, em compensação da que os fiéis gastam de môfo. Era aqui ocasião de falar das benzeduras] mas estas estão intimamente liga- das à água benta, visto que aquelas não se podem fazer sem o emprêgo desta." ...

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E até hoje esta crença, em Roma depravada, tem sequazes os seus, co'a alma condenada! . . Maldita a inovação e infame o inovador que afasta o pecador da Graça do Senhor! . . .

Licenças. Dispensas. Batizados. Casamentos. Indulgências. Bênçãos

Licenças, dispensas, batizados, casamentos, indul- gências por isso, por aquilo, bênção para este ou aquele fim, etc. tudo isso não passa de especulação e meios in- dignos de conseguir dinheiro dos tolos e supersticiosos!

É mesmo o Catolicismo Romano o mercado inter- nacional das nações, a comerciar com os santos, sub-san- tos e também não-santos, porque, mesmo que haja in- justiça ou contradição, o papismo não liga, desde que os cobres encham o seu insaciável saquitel!

Ó Deus! Como se tem corrompido o Cristianismo na mão dos homens!

Em que comércio, Senhor, se tem transformado aquela que se diz ser a Tua verdadeira Igreja (! !), es- peculando com a crendice das Tuas pobres e infelizes criaturas, sempre ilaqueadas, sempre iludidas, sempre ex- ploradas por esses sanguessugas da Humanidade, que se dizem Teus ministros! . . .

"Relíquias mais veneráveis"

Escreve Eurípides: "Entre as relíquias mais venerá- veis estão os objetos, as roupas, os restos mortais dos nossos irmãos que selaram com o martírio a sua fé, e os que, colaborando com a graça de Deus, chegaram a atin- gir o altiplano da santidade" (Ob. cit. pág. 209).

E a seguir cita exemplos escriturísticos "de graças e milagres concedidos por Deus ao simples contato com as relíquias dos seus santos". E o primeiro caso citado

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CATOLICISMO ROMANO

foi o do A. Testamento, daquele defunto que ressusci- tou quando o seu corpo tocou nos ossos do profeta Eliseu.

Esquece-se Eurípides que o milagre não se operou pelo fato de o defunto ter tocado nos ossos do profeta, e sim, pelo poder de Deus!

Quanto aos demais casos por ele referidos no N. Tes- tamento, como o da mulher que tocou na borla da tú- nica de N. Senhor (Luc. 8:44); quanto aos panos e lenços que haviam tocado o corpo do Apóstolo S. Paulo, os quais, colocados sobre os enfermos, curavam-nos (At. 19:11-12); quanto à cura milagrosa, outrossim, que S. Pedro operava, ao passar junto aos doentes, pela sua simples sombra, etc. tudo isso foi, também, incontes- tavelmente, atribuído à no poder que Cristo havia con- ferido aos Seus servos, conforme se em S. Mat. 10:1; "E, chamando (Jesus) os Seus onze discípulos, deu-lhes poder sôbre os espíritos imundos, para os expulsarem, e para curarem tôda a enfermidade e todo o mal", e, no v. 8: "curai enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demónios: de graça recebestes, de graça dai".

Logo, os apóstolos foram investidos de poder para realizar tais obras milagrosas, e noutra ocasião Jesus chegou até a dizer-lhes que eles "fariam até maiores obras" que as d'Êle! Porque também disse o Mestre: "Tudo é possível ao que crê."

Portanto, não era por feitiçaria e ademanes, que eles efetuavam tais milagres, e muito menos através do simples contato de suas vestes ou sua sombra ao passar junto às vítimas! Bastava a intenção do Apóstolo em curar, orando a Deus, e a cura se dava, pois fora isto uma promessa do poder que lhe dera o Divino Mestre.

Os contemporâneos dos apóstolos, especialmente os que eram curados, entenderam que era o simples toque nos panos, ou a sombra do apóstolo que tinham o po- der de curá-los, à semelhança do impagável 4 mestre" Eu- rípides de hoje, tão-sòmente por causa da ignorância ou

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fé, conforme parece ser o caso de o Autor de "Aos Ir- mãos Separados".

E, depois de citar essas maravilhas operadas pelos Apóstolos do Senhor, exclama o ingénuo Eurípides:

"Que é isto, senão a mesmíssima coisa que continua a suceder na Igreja Católica? Não diz S. Paulo que Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem, hoje e para sempre? E que é a Igreja senão Jesus Cristo continuado pelos sé- culos em fora? Nada de se admirar, portanto, que o que acontecia no século primeiro, aconteça também no século 20. Legítimo, pois, e absolutamente bíblico o uso e a veneração das sagradas relíquias".

Responder-lhe-emos a seguir.

Cristo e a Igreja através dos séculos

Aqueles milagres, pois, operados pelos apóstolos e por Cristo eram devidos não ao toque nos panos e ves- tes dos enfermos, nem ao toque em lenços ou à sombra, mas sim à que os sofredores depositavam no poder que Deus outorgava aos Seus servos para operarem tais maravilhas.

Prosseguindo, agora, na refutação, vamos rebater, com fatos insofismáveis, euripidinas afirmações.

Para maior clareza, reproduzamos novamente as suas palavras.

Depois de enumerar os casos dessas curas milagrosas realizadas pelos santos Apóstolos do Senhor Jesus, e por Êle mesmo, exclamou o ingénuo Eurípides, com ares de triunfo:

'"Que é isso, senão a mesmíssima coisa que continua a suceder na Igreja Católica? Não diz S. Paulo que Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem, hoje e eternamente? E que é a Igreja senão Jesus Cristo continuado pelos sé- culos em fora? Nada de se admirar, portanto, que o que acontecia no século primeiro, aconteça também no século 20.° . . . Legítimo, pois, e absolutamente bíblico o uso e

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a veneração das sagradas relíquias/* (os grifos são nossos) .

Nunca ninguém disse tanto erro em tão poucas

frases!

Então, Eurípides, Você tem a coragem (e quase di- ríamos loucura . . . ), de afirmar que os milagres operados pelos Àpóstolos "são a mesmíssima coisa que continua a suceder na Igreja católica?"

Será que, com isto, Você quer mesmo afirmar que os bispos, arcebispos, cardeais, papas e até padres, através dos séculos, e até "no século 20", continuam a fazer o mesmo, "a mesmíssima coisa" que faziam os Apóstolos do primeiro século? !

Será que Você nos poderia citar ao menos um exem- plo de tais curas milagrosas efetuadas por êsses senhores tonsurados?

Será que algum dêles, de entre os vivos ou de entre os seus santos mortos, pelo simples fato de os enfermos tocarem em suas vestes, operou o milagre da cura ou ressuscitou algum cadáver?

Acaso, "a sombra", a simples "sombra" de um dê- les, ao menos pela sua e poder, curou alguma vítima ou expeliu algum demónio?

Será, pois, que a sua Igreja continua fazendo os mesmíssimos milagres que Jesus e Seus Apóstolos faziam?

Será que algum enfêrmo ficou curado, ao tocar na orla de alguma batina?

Ó Eurípides, Você expõe cada vez mais ao ridículo a sua pobre Igreja!

A propósito, não se lembra de um episódio, assaz humorístico, de uma entrevista que teve Tomás de Aqui- no com um papa?

Êle prova que a Igreja perdeu o poder que tinha antes de romanizar-se, naqueles dias áureos dos após- tolos.

Disse Tomás de Aquino ao papa, comentando o fato da cura miraculosa do paralítico, à porta formosa do Templo, por S. Pedro: "Hoje, Santidade, a Igreja não

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pode dizer, como S. Pedro disse: "não tenho prata nem ouro."' Ao que lhe respondeu, tristemente, o papa: verdade, Tomás: mas também não pode dizer ao pa- ralítico, como S. Pedro disse: "levanta-te e anda"!

Foi a confissão tácita da realidade: a Igreja perdeu o poder!

Como tem Você coragem e coragem mesmo de afirmar que ' a mesmíssima coisa", isto é, o mesmo (no superlativo) que faziam os Apóstolos, continua a Igreja Católica a fazer, até hoje, no século 20? !

Pelo que vemos, Eurípides, Você quer ser mais rea- lista que o rei! Um seu papa confessa que a sua Igreja perdeu o poder: Yocè, porém, sustenta o contrário: que ela continua sendo a "mesmíssima coisa" dos dias apos- tólicos e com o mesmo poder, procurando justificar isto com o fato de N. Senhor Jesus Cristo ser o mesmo on- tem, hoje e para sempre, coisa que nenhuma paridade tem com a Igreja Romana.

Não, Eurípides! Você está redonda e miseravelmen- te enganado!

Cristo é. realmente, o mesmo ontem, hoje e eterna- mente, mas a Igreja, especialmente a sua. é que não é a mesma . . .

E. teologicamente, ainda que sua Igreja fosse a mes- ma, inteiramente fiel a Cristo, como nos dias apos- tólicos, não seria "o próprio Jesus Cristo continuado pe- los séculos em fora", porque, uma coisa é a assembléia dos fiéis, e outra bem diferente é o Seu Celeste Esposo! Como sua cabeça é fértil em confusões!

E, como poderia a sua Igreja ser a continuação de "Cristo pelos séculos em fora", se ela tem "as suas vestes manchadas no sangue dos mártires": se ela tem mistu- rado o poder temporal com o espiritual, e desse conúbio maldito, os seus interesses materiais tem suplantado e sufocado os interesses espirituais, tornando-se verdadeiro comércio a sua especulação com as almas e com as coisas santas, num simonismo tantas vezes condenado na Palavra de Deus, como temos provado? Como pode a

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Igreja de Roma ser o Cristo continuado pelos séculos em fora, se os seus ministros, à semelhança dos fariseus de outrora, transformaram a "Casa de Deus" em covil de ladrões?! Como poderia ser a sua Igreja "Cristo conti- nuado através dos séculos . . se até hoje seus minis- tros votam ódio de morte a todos que se não submetem ao seu jugo tirânico, diferente daquele que disse: "O meu jugo é suave, e o meu fardo é leve" (S. Mat. 11:30)? ! Como pode a sua Igreja ser a "continuação de Cristo pe- los séculos em fora", se Cristo nunca excitou a que ape- drejassem os Templos dos seus adversários, mas, ao con- trário, doutrinou, no Sermão do Monte: "Fazei o bem aos que vos fazem o mal; orai pelos que vos caluniam; bendizei os que vos maldizem; bendizei-os e não os amal- diçoeis"?! Como a sua Igreja o próprio Cristo através dos séculos", se os mestres, tonsurados ou não, excomun- gam, amaldiçoam, infernam a todos os que lhes apon- tam os erros, as prevaricações, fundamentando seus argu- mentos na Palavra de Deus? Como pode ser a sua Igreja "o Cristo seguido pelos séculos em fora", se a maioria, finalmente, dos seus fiéis, segue a estrada larga do vício, do crime e do pecado, vício, crime e pecado, de que são co-participantes, em grande parte, os seus próprios sacer- dotes, via de regra? ! Vade retro, satana!

Façamos-lhe, agora, Eurípides, mais uma pergunta: Se como Você afirma o que sucedeu na Igreja Primitiva a mesmíssima coisa que continua a suceder na Igreja Católica," até o dia de hoje, por que é que seus bispos, que se dizem sucessores dos Apóstolos, e seus padres, que se julgam com poderes delegados desses bispos, não ob- tiveram aquele mesmo poder que Cristo deu aos Seus Apóstolos, isto é, o dom de curar enfermos, expelir de- mónios e ressuscitar mortos? !

Se eles, de fato, fossem os sucessores dos Apóstolos, era de se esperar que tivessem esse mesmo poder, especial- mente se, como Você diz, o que sucede na Igreja Cató-

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lica hoje, é a ' 'mesmíssima coisa" que sucedia na Igreja, nos dias apostólicos!

Não se julgam com o poder de perdoar pecados?

É que, dizer: "perdoados são os teus pecados", qualquer um pode dizer, porque a prova de que tais pe- cados são mesmo perdoados não se pode demonstrar à vista.

Dizer, porém, a um paralítico: "levanta-te e anda" é coisa muito diferente! Por isso, nem papas, nem bispos, nem padres se atrevem a dizer tal! Nessa não caem eles! É que nenhum paralítico se lavantaria, e os senhores aba- tinados seriam corridos pelas multidões!!

Por que não dão os ministros católicos a prova de que têm, de fato, o poder de perdoar pecados? Dizer que têm tal poder, porque receberam por transmissão, sem provar coisa alguma, isso não adianta! Res, non verba! . . .

Cristo deu a prova, quando disse: "Para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder para per- doar pecados, disse ao paralítico: "levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa"! E êle se levantou mesmo e foi para casa!

Mas, os ministros da religião Católica, que nem sequer podem fazer os milagres que os Apóstolos de Cristo faziam, não se arvoram em continuadores do seu apostolado (!), com o mesmo poder (!!) que êles ti- nham, e ainda outro, que nem êles tiveram: o de perdoar pecados!

Ó raças de víboras! Escribas e fariseus hipócritas, onde estão as vossas credenciais para tão ousadas preten- sões? ! Onde vos podeis estribar para afirmardes que "a prostituta das nações" (como é o epíteto da vossa Igreja, na Escritura), o próprio Cristo pelos séculos em fora"? Quem vos autorizou a dizer que os vossos ministros, bis- pos, cardeais, abades, papas e padres fazem o mesmo que fizeram os Apóstolos de Cristo na Primitiva e Santa Igreja que vós corrompestes doutrinária e moralmente? !

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Nem os próprios católicos que têm um pingo de discernimento das coisas e dos fatos da sua Igreja dão crédito a semelhante parlapatice!

Se assim é, se de fato tendes aqueles poderes a que estamos aludindo e que vos são emprestados pelos fa- náticos e "beatos" da marca euripidina, presunçosos e en- fatuados, enfileirai- vos, vós todos: padres, abades, bis- pos, arcebispos, cardeais, papas de todos os séculos pas- sados e do presente, sim, enfileirai-vos para que a vossa "sombra" opere os milagres que a "sombra" do Após- tolo S. Pedro, através do Poder de Deus, que estava nele (e não na sombra) operava diante das multidões que afluíam, crentes na Palavra do Divino Mestre!

Sim, enfileirai todos esses tonsurados, do Oriente ao Ocidente, de Norte a Sul, e vamos ver se, ao menos um deles é capaz de fazer andar algum paralítico, ou dar a vida a um morto! Experimentem, se são capazes!

Então, Eurípides, onde estão as credenciais dessa sua Igreja, que você teve o arrojo de dizer que é "Jesus Cris- to continuado pelos séculos em fora"?

Depois dos duros apertões que acabamos de lhe dar, ainda terá força, para afirmar que o que sucedia na Igreja dos tempos apostólicos é "a mesmíssima coisa que con- tinua a suceder na Igreja Católica"?

Pobre e miserável Igreja, que não tem poder para fazer andar paralíticos, para dar vida a mortos, nem nada! No entanto, arroga-se direitos e privilégios superiores a Cristo e aos Apóstolos, pois êstes não consentiam que ninguém se prostrasse a seus pés!

Paramentos, luzes, incenso, cinzas, cilício. . .

À página 203 do seu livro, "mestre" Eurípides pro- cura justificar o uso, na Igreja (Romana, se vê), de paramentos, alfaias, etc, e cita a Bíblia, em Êxodo 36, 37 e 39, "em que se que o inventor dessas coisas foi o próprio Deus . . ."

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Sim, não dúvida que tais paramentos, alfaias, al- tares, colunas, velas, castiçais e turíbulos no Tabernáculo são encontrados na Bíblia, mas, na dispensação da Lei, no A. Testamento, entre os judeus. Não vemos, porém, na dispensação da Graça, de que o antigo Tabernáculo dos judeus era um tipo da obra de Cristo, nada daquele cerimonialismo, não tendo o mesmo, pois, nenhuma ra- zão de ser na Nova Dispensação; pois tudo nesta se re- sume em Cristo, para Quem o cerimonialismo em apreço não perdeu a sua razão de ser (pois n'Êle tudo se consumou), como ainda não foi, não é e nunca será o do Seu sistema. Nada interessam as formalidades exterio- res, e sim, o interior, o que realmente sente e pratica o penitente. Isto, sim, é que vale para Cristo e Sua santa doutrina.

Demais, o culto público era celebrado pelos israe- lenses nesse Tabernáculo, desde que andaram pelo deserto até o reinado de Salomão. Assim, era ele não o Templo de Deus, como o Palácio do Rei invisível. Era a Sua "Santa Habitação", lugar em que Êle encontrava o Seu povo, tendo com os israelitas, comunhão; e por isso tam- bém era chamado "o tabernáculo da Congregação", isto é, o Templo do encontro de Deus com o homem.

Ora, com a vinda de Cristo, que veio demonstrar, como vimos anteriormente, que Seu culto não poderia ficar adstrito a determinado Templo ou local, desapa- receu a necessidade de tal Tabernáculo, e, consequente- mente, todo o seu faustoso cerimonialismo; Cristo nos veio mostrar que Deus pode e deve ser adorado no Ta- bernáculo do nosso coração. Foi esta a grande e extraor- dinária revelação do Cristo à mulher samaritana, a que nos referimos em estudos anteriores.

Daí, exclama, divinamente inspirado, o escritor de Hebreus: "Ora, a súmula do que temos dito é que temos um sumo-sacerdote tal, que está assentado nos céus à des- tra do Trono da Majestade, Ministro do Santuário, e do verdadeiro Tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem" (Hebr. 8:1-2).

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E que a Igreja de Roma tem adotado, da liturgia e costumes judaicos, muitas coisas, por que não erigem, hodiernamente, os mesmos tabernáculos de outrora, en- tre os judeus, com tudo, ipsis littens, consoante a sua des- crição bíblica? Por que preferem suas suntuosas cate- drais, tão diferentes daquela habitação do culto judaico? Por que, ainda, não imitam os judeus, criando, anexo ao tabernáculo, um páteo, semelhança do que faziam os israelenses), e onde se realizavam os serviços religiosos e ainda o sacrifício de animais?

que os romanistas são tão zelosos dos costumes e liturgias do judaísmo, deviam adotar muitas outras coi- sas que este preceituava, e praticava, inclusive a cerimonia do "Bode Emissário", enviado ao deserto, para expiar os pecados, cerimonia que se realizava no "Grande Dia da Expiação", entre os israelenses"! (Lev. 16:8, 10, 26).

Eurípides, note bem que, se algum dia sua Igreja efetuar a cerimonia do "Bode Emissário", aquele que for portador do tal "Bode", ao deserto, para ser rigorosa- mente de conformidade com o ritual judaico, deverá ob- servar o que prescreve Levítico 16:26: "lavará os seus vestidos e banhará sua carne em água", para depois en- trar na cidade!

Vê-se por isso, Eurípides, como Você é ingénuo e mais que infantil!

Refere-se o Autor, ainda em seu livro, às páginas 204 a 206, ao uso de cinzas, cilício, luzes litúrgicas e incensos, na Igreja Católica, louvando-se no seu uso na Igreja Judaica, e exclama: "São, pois, de inspiração bí- blica todos esses e outros costumes católicos", e acrescen- ta: "lamentável seria, isso sim, que ficássemos apenas nas exterioridades, como os fariseus do tempo de N. Senhor".

Ah! Eurípides! se formalismo religioso, se ritualis- mo e pompas religiosas contribuíssem para imprimir res- peito e santidade às almas, Cristo não teria fustigado os mestres religiosos do seu tempo, que eram até extrema- mente rigorosos com os outros, mas eles mesmos não pas- savam de "sepulcros branqueados", "hipócritas" e "ra-

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ças de víboras", como foram apodados pelos profetas e pelo próprio Cristo!

E quer dizer Você, ingenuamente, que a sua Igreja não tem ficado nas mesmas exterioridades que caracteri- zavam os fariseus do tempo de Nosso Senhor? !

Oh! Como Você mostra desconhecer a triste e do- lorosa realidade da vida dos seus irmãos em todas as na- ções católicas, especialmente em nosso mal-aventurado Brasil católico!

Ouça, então, como lhes descreve os sentimentos re- ligiosos o génio puríssimo de Rui Barbosa, quando es- creve: "Percorrei toda a Europa neolatina; contemplai toda a América espanhola; estudai o Brasil; e da piedade cristã não achareis nada. Por toda essa área imensa o joio do fanatismo, da beataria, do farisaísmo religioso, A verdadeira piedade, a flor celeste da caridade cristã, de- finhou, perdeu-se, no meio da semente maldita. Apenas nas regiões mais altas, como detritos fósseis de um mundo exausto e granitificado, estende a incredulidade a sua su- perfície árida e nua. É debaixo dessa superfície que dormem os vulcões inextinguíveis, as revoluções sinistras do ser- vilismo, da intolerância ou da corrupção. Por cima o solo talado e inerte. Por baixo a chama sanguinolenta dos maus instintos populares, as conjurações do ódio, da supersti- ção e da rapina" ("O Papa e o Concílio", pág. 231),

Eis aí, Eurípides, o lamentável estado espiritual das nações católicas, apesar de tôda a sua pompa ritualística, que não têm conseguido, e jamais conseguirão elevar o seu nível moral e espiritual!

Santidade, Eurípides, não se adquire por supersti- ções, nem por cerimonias externas, que tanto N. Senhor verberou !

Pode, pois, o povo repetir com o sacerdote o introibo ad altare Dei um milhão de vêzes, e mergulhar num ocea- no de luzes litúrgicas, e embebedar-se com todos os in- censos de todas as catedrais católicas, e vestir-se com o cilício e as cinzas que existirem no mundo inteiro; mas, se o Espírito Santo não tiver domínio em seu coração,

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de nada lhe valerá tudo isso, e, muito ao contrário, a sua hipocrisia religiosa ainda mais o condenará, pois "Deus não é Deus de mortos, mas de vivos" (S. Mat. 22:32).

Daí, a exortação do Apóstolo: "Revesti- vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus". (Efés. 6:11,17).

Mas, os padres romanistas, em vez de inculcarem ao povo esses recursos ordenados pelo Apóstolo, para que vença realmente as suas fraquezas, e triunfe sôbre os ma- les deste século, adornam os seus templos, ornamentam- Ihes os altares, marcam-no com cinzas na testa, entonte- cem-no com luzes e incensos, de mistura com ladainhas e rezas sepultadas no "mistério de uma língua morta", quando não transformam o púlpito em diatribes, insul- tos, impropérios e calúnias contra os que, pugnando pela pureza e santidade das vidas, verberaram-lhes os seus mé- todos e práticas tão distanciados da letra e do espírito do Evangelho! . . .

Não, Eurípides, santidade não se adquire pelas ce- rimonias externas!

Por esta escada que Você recomenda o cerimonialis- mo o introibo ad altare Dei" de sua Igreja, jamais se pode chegar "ao conhecimento pleno da verdade e ao altiplano da santidade", se o coração não for lavado pelo sangue de Cristo e se o Santo Espírito não fizer nele guarida!

Portanto, se Cristo não for a Escada, através do Seu Santo Espírito, jamais alcançaremos a Verdade e muito menos a santidade! (a não ser que se confunda santidade com "beatice" . . .)

"Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo"! (At. 2:38) (1)

1 Reparai, romanistas, que quem assim nos falou foi o vosso pri- meiro Papa S. Pedro da Galiléia!

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A extrema-imção

A teologia romana ensina que a extrema-unção é um sacramento. E Eurípides cita, para defender tal doutrina, S. Mare 6:13 e S. Tiago 5:13-16.

Ora, tais textos, de modo algum, autorizam a quem quer que seja a concluir deles a prática da extrema-unção aos moribundos, quanto mais que seja um sacramento instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo!

Nesses passos escriturísticos faz-se referência ao cos- tume que a Igreja Primitiva adotou no primeiro século, e dizem que foi até o 2.°, de untarem o doente com óleo (não bento), como remédio.

Daqui, portanto, não se pode inferir que, pelo fato de os discípulos ungirem enfermos com óleo, se tratasse de sacramento. Os 70 leigos faziam isto (Luc. 10).

E, em referência a passo idêntico, descrito na Ep. de S. Tiago 5: 14-16, passamos a transcrever, na íntegra, para tirar dúvidas da cabeça de quem quer que seja: "Há alguns enfermos entre vós? Chame os presbíteros da Igreja, e êstes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da salvará o enfermo, e o Senhor o aliviará. E, se estiver em pecados, ser-lhe-ão perdoados" (segundo a versão do N. T. do Pe. Vicente Zioni).

Antes de mais, convém frisar o que parece não ter sido percebido pelos sectários romanistas. É que, segundo a clareza dos têrmos empregados pelo Apóstolo S. Tiago, a unção do óleo, a que se refere o texto, era feita pelo con- junto (e não por um, pois o plural presbíteros é manifesto). Ao mesmo tempo, êstes deviam fazer oração "sôbre" o enfêrmo. É isto, precisamente, que se contém nas palavras do Apóstolo, que expressamente intima os presbíteros: . . e êstes façam oração sobre êle" (o en- fêrmo) .

Continuando, esclarece ainda, o mesmo apóstolo, que "a oração da salvará o enfêrmo e o Senhor o alivia- rá. E, se estiver em pecados, ser-lhe-ão perdoados".

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Julgamos indispensável repetir a citação para que a ninguém seja lícito sofismar o texto e a verdade que nele se contêm. Assim, é claro como água cristalina, que "a oração da fé" é que salvaria o enfermo, e, através dela, os pecados lhe seriam perdoados. Fica, assim, excluída, e de modo inequívoco, a pretensão romanista de que a unção é sacramento, com poder de tirar pecados ao enfermo.

E, para destruir, de vez, a patranha romanista, como a Igreja ensina ern seus catecismos que tal pretenso sacra- mento teria sido instituído por N. S. Jesus Cristo, basta atentar bem na clareza do texto citado, para se depreender claramente que foi S. Tiago quem determinou tal prática. Quanto a Jesus Cristo, nem sequer, pelos textos sagrados, se pode demonstrar que o Divino Mestre tenha feito a menor referência a tal costume, quanto mais fazendo dêle um sacramento! . . .

É muito fácil à Igreja Romana impingir pêtas a crianças, que ainda não raciocinam, ou a pacóvios, cujos cérebros têm pouco pêso. Mas, pretender insinuar essas patranhas a homens adultos, com cérebros desenvolvidos, habituados ao raciocínio e dispostos a não engolirem qual- quer 'pílula" que lhes ofereçam, como manjar de salva- ção, já se torna difícil ou mesmo impossível!

É por isso que, para se poder ser "católico", ao sabor do Catolicismo Romano, será preciso abdicar da inteligên- cia e da sua faculdade de raciocinar.

Realmente, cegos é que podem recorrer a tal igreja, para os conduzir na senda da vida! cegos. Mas, aquêles que têm os olhos abertos dispensam tal auxílio, e, em assuntos concernentes à f é e à salvação, basta-lhes a direção do Espírito Santo e a doutrina do Cristo, tal qual se con- tém na Sagrada Escritura.

Fora disso, tudo são balelas!

Demais, a unção dos doentes com óleo que, como vimos, era um costume da Igreja Primitiva, e se pro- longou, dizem, até o 2.° século se acompanhava da oração e da cura, quando ainda a Igreja, através dos seus discípulos, tinha o dom de curar; porém, quando cessou

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o dom, desapareceu também o costume. Os papistas, porém, nunca usaram tal costume para curar o enfermo, como o usavam os Apóstolos, mas o transformaram em sacramento aplicável ao moribundo, não para o curar, mas (dizem eles) para lhe transmitir poder (!), no seu extre- mo momento de vida, de extirpar os últimos resquícios de pecado, e para que tenha ele força e resignação para suportar esse transe doloroso!

Tudo isto está inteiramente em desacordo com o uso, nas Santas Escrituras, onde, como vimos, destinava-se, tal costume, de permeio com a oração, à cura do enfermo, e nunca como meio de graça para extirpar pecados ou for- talecer e confortar a alma na luta entre a vida e a morte. Até nisso o romanismo adultera a Palavra de Deus!

Vejamos, agora, em confirmação da nulidade de tal ensino romanista, alguns textos sagrados, contrários à extrema-unção.

( 1 ) "Pelo qual também temos acesso pela a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na espe- rança da Glória de Deus" (Rom. 5:2).

Logo, é pela em Cristo, que Deus nos a graça salvadora e santificadora, e não pela unção de óleo santo.

(2) "Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo . . . nos deu consolação eterna ' (2.a Tessal. 2:16). Não é o óleo, conquanto bento, que nos de consolar.

(3) "O Senhor o sustentará no leito da enfermi- dade. Tu lhe amaciarás a cama na sua doença" (Salmo 41:3).

(4) "Em tudo tomando o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno" (Efés. 6:16).

Assim, o triunfo sobre satanás não nos vem de unção alguma de óleo que faz um padre a um pobre mo- ribundo, mas da que luta, firmada sobre o poder de Cristo, que não nos ordena que recorramos a óleo bento, mas a pedir ao Pai: <elivra-nos do mal" (S. Mat. 6:13).

Historicamente sabemos que tal heresia teve sua ori- gem em 528 A. D., por parte dos valentinianos, e depois,

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no século 7.° (628 A.D.), Félix IV fez dela devoção. Aprovada e sancionada pelo Concílio de Trento na Sess. XIV, De Extr. Unct., cap. 1, can. L

Portanto, tudo pura invenção romanista!

Parece-nos ainda importante focar aqui a ideia compartilhada por vários médicos, e, sobretudo, por muito boa gente, inclusive a católica de que a prática desse pretenso sacramento (extrema-unção) não é bem aceita.

Na verdade, a presença do padre, nesses casos, é pre- núncio de morte certa ou pelo menos provável, para o pobre enfermo. E, porque assim é, muitos doentes parece começarem a sentir-se piores, quando se fala em chamar o padre. Esta a razão por que muitos médicos não con- cordam com tal prática, que, por vezes, vem agravar o estado de certas doenças, sobretudo as de caráter cardíaco, podendo até sobrevir um colapso. Pela mesma razão, cer- tas famílias católicas se opõem a que se chame o padre para administrar a extrema-unção, pois pretendem poupar os seus doentes queridos à antevisão de morte iminente.

Êste fator psicológico é, talvez, o motivo mais forte, pelo qual a maioria absoluta dos católicos não recebem o tal pretenso sacramento.

Pelo exposto, vê-se que, enquanto a presença, ou- trora, dos Apóstolos à casa dos enfermos constituía pre- núncio de alegria e vida, porque eles de fato ungiam e curavam, de verdade; a presença do padre, em tal circuns- tância, tem sido, precisamente, o oposto: prenúncio de tristeza e morte; porquanto, a sua unção, nem esperança de vida traz ao moribundo, mas, ao contrário, a desilusão, a morte que se avizinha!

É sempre assim: quando o pecador altera a palavra do Senhor, ''um abismo leva a outro abismo"!

CAPÍTULO XI

"UM MEDIADOR"

Não nega o Autor o que também ensina o Pro- testantismo — que Jesus Cristo é o ÚNICO MEDIADOR entre Deus e os homens. E cita, Eurípides, em seu livro, pág. 225, o próprio Papa Leão XIII, textualmente: "Só a Jesus Cristo se aplica de modo absoluto o nome de Me- dianeiro, pelo que escreve o Apóstolo: "Há um me- diador entre Deus e os homens". "Todavia, essa media- ção, absolutamente necessária, superabundante, suficien- tíssima, e que não carece, de modo nenhum, do auxílio de quem quer que seja, não exclui os medianeiros subal- ternos e dependentes de Cristo" (grifos nossos).

Primeiramente, advertimos que não existe na Bíblia tal distinção de medianeiros: um, "de modo absoluto" e outros, "subalternos" , nem explícita, nem mesmo impli- citamente.

Ora, se a mediação de Cristo é ÚNICA "HÁ UM MEDIADOR" (e do mesmo modo cremos), segue-se que, qualquer outro que se Lhe interponha é falso medianeiro. E, ainda, se a mediação de Cristo é reconhecida pela Igreja (no que estamos absolutamente de acordo), conforme ci- tação supra, como "superabundante, suficientíssima e que não carece, de modo nenhum, do auxílio de quem quer que seja" (o grifo é nosso, e apoiamos inteiramente a citação), não é realmente cair em grave contradição, o Papa, afir- mar categoricamente, como afirmou, que, "todavia", tal mediação "não exclui os medianeiros subalternos e depen- dentes de Cristo"?

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CATOLICISMO ROMANO

E onde está a base, o fundamento escriturístico, no texto em apreço, onde se fala que Cristo é "o único me- diador" (no que faz a exclusão, naturalmente, de qualquer outro), para o exegeta romanista afirmar que não há, ali, a exclusão de outros medianeiros subalternos"? Onde se podem firmar os exegetas e dialeticistas católicos, para in- ferirem desse texto o que alegam?

Nem mesmo tal inferência se pode tirar de qualquer outro texto da Santa Palavra.

Vejamos, na íntegra, o texto paulino supramencio- nado, porque ele tem mais alguns termos que servem para reforçar nossa tese: "Porque um Deus e um Me- diador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo homem" (l.a Tim. 2:5).

Em face das palavras que acabamos de citar, e que são divinamente inspiradas (o que o Autor aceita, como nós também), poderíamos raciocinar da seguinte maneira:

Do mesmo modo que um Deus, há, igualmen- te, um Mediador.

Ora, como é inadmissível, de modo absoluto, a tola idéia de mais de um Deus (ficando cortada a hipótese de deuses secundários ou "subalternos") , pela mesma razão é igualmente tôda a idéia de mediadores secundários ou "subalternos", para empregarmos o termo do Papa Leão XIII, citado pelo Autor.

Por que é Cristo o único mediador?

No v. 6 do citado texto paulino, o Apóstolo as razões por que Cristo é o "ÚNICO MEDIADOR", o suficien- tíssimo, o perfeitíssimo e fora do Qual não outro: por "haver-se dado a si mesmo como preço de redenção (morte de Cruz) por todos".

Dirão nossos opositores romanistas que também crêem assim, e, daí, podem acusar-nos de "estar chovendo no molhado" ou perdendo tempo em aduzir provas de que realmente Cristo é o "ÚNICO MEDIADOR".

"UM mediador"

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Não, senhores romanistas. Temos sobejas razões para insistir neste ponto e deixá-lo o mais evidente pos- sível. E o principal de tudo é isto: se Jesus é o único cre- denciado pela própria obra que fez (morte na Cruz, res- surreição, ascenção aos céus, etc), o que nenhum outro realizou, nem podia realizar, segue-se que, de forma algu- ma, nenhum outro poderá ser nosso Mediador, nem mes- mo na hipótese absurda e antiescriturística de Leão XIII, a de ser "subalterno", o que não tem apoio na Revelação Divina nem na razão.

E, repisando o argumento anterior: como "há um Deus e um Mediador", segue-se, logicamente, que, para admitir-se a existência de outros mediadores, dever- -se-ia também admitir a existência de mais de um Deus!

Daí, o Apóstolo estabelecer a mesma relação entre a unidade de Deus e a unidade do Mediador.

Está enxergando, Eurípides?

pensou no que seria poder admitir-se uma dou- trina que redundaria, fatalmente, numa demonstração da ineficácia da mediação de Cristo?

Se não, vejamos.

Jesus Cristo na Cruz cumpriu a Sua missão de Sal- vador: e no Céu está cumprindo a de Intercessor, Pois bem; são estas funções gloriosas de Nosso Senhor que constituem como que a cadeia áurea que faz a ligação entre a criatura e o Criador, isto é, a Sua obra ímpar de Me- diador.

Ora, se interpusermos, ao lado d'Êsse Cristo ímpar, absolutamente perfeito na Sua Vida e obra (que realizou o que nenhum outro realizou e nem poderia realizar) a possibilidade de outro ou outros intervirem para desem- penharem o que a Escritura Sagrada Lhe considera ou Lhe atribui como sendo prerrogativa exclusiva d'Êle, não é isto, evidentemente, desmerecer o valor infinito e único da obra do Divino Senhor? Não constitui essa interpolação de outro ou outros, sem as mesmas credenciais do Filho de Deus (porque também não quem as tenha . . .), não constitui isto um demérito para a obra intercessória

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e ímpar de Nosso Divino Mestre e Salvador único? E não será isto, de certa forma, a destruição de Sua obra, visto que Êle é tão perfeito Salvador, quanto Mediador?

Outra ilação não é possível tirar-se. Com efeito, se não é excluída a hipótese de haver * 'medianeiros subalter- nos", segundo julga Leão XIII, segue-se que ela é admis- sível, o que é ponto assente para todo o romanista. Mas, admitida tal hipótese, como se poderá fugir à sequência lógica de que não basta a mediação de Cristo?

Também nos custa crer que os cérebros dos eminentes próceres do catolicismo, com o seu chefe Leão XIII à frente, não tenham refletido na enorme e tremenda con- tradição contida na sua engenhosa e maquiavélica dou- trina !

Na verdade, como se pode afirmar, conforme o fez Leão XIII, que, sendo "essa mediação" (a de Cristo), "absolutamente necessária, superabundante, suficientíssi- ma, e que não carece, de modo nenhum, do auxílio de quem quer que seja" , e depois acrescentar que isso "não exclui os medianeiros subalternos e dependentes de Cristo"? Como se podem conciliar essas duas idéias?

É sempre a eterna história da alicantina jesuítico- -papista: o sofisma do é e não ê\ . . .

É como se alguém dissesse: Eu sou incapaz de vin- ganças; mas, quem mas fizer, há-de mas pagar"! . . . Em que ficamos? É para vinganças, ou não? Se não é, para que diz que "quem mas faz, paga-mas"?

É, precisamente, semelhante raciocínio que se pode concluir da citação do infalível Leão XIII !

É interessante!

Chama-se a isto apagar com os pés aquilo que as mãos escreveram!

Quando chegará o dia em que o papismo romano se convencerá de que a humanidade atingiu um tal grau de civilização e progresso, que não mais é possível exigir dela que acredite em patranhas tão desconcertantes, como as que se encerram neste e em semelhantes assertos de sua incoerente e sofística doutrina?!

"UM MEDIADOR"

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Têm de se convencer, mau grado seu, de que os homens do século XX são muito diferentes dos bisonhos mortais do obscurantismo medieval, que se curvavam tí- mida e miseravelmente perante todas as imposições do des- pótico papismo, então imperante!

É o caso para exclamarmos, parodiando um passo de Cícero:

Quousque tandem, abutere, Catholica Ecclesia, pa- tientia pauperum hominum? Quandiu eos iludet ille notus furor tuus ac aeternum et diabolicum sophisma tuum?!

Desnecessidade de

medianeiros subalternos

Graças ao Altíssimo Deus, viemos ao mundo no sé- culo XX. Se vivêssemos naqueles ominosos tempos me- dievais, teríamos sabido, antecipadamente, que o nosso fim último seria sermos convertidos em torresmos, nas for- nalhas da "Santa Inquisição", obra eternamente odiada da não menos odiosa instituição anticristã que se chama Catolicismo Romano!

É profundamente lamentável que tal instituição, que proclama, "URBI ET ORBl", defender e propagar os salu- tares ensinamentos do Divino Jesus, antes se coloque em discordância manifesta com eles!

Sem sairmos do capítulo do livro euripidino que vimos esbagaçando, é aqui a altura de pormos a nu uma das discordâncias do ensino da Igreja, de que se constituiu arauto e propagandista o "mestre" Eurípides, em oposi- ção ao ensino de Jesus.

Ensinou Êle: 4 'Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á" (S. João 10:9). Em oposição, o cato- licismo romano ensina que Maria é que é a porta!

Por isso, a Igreja ordena que se cante nas ladainhas em honra da Mãe de Jesus, conforme podemos ouvir, em qualquer Igreja Católica, a seguinte invocação: "JANUA COELI, ORA PRO NOBIS" !

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Quer dizer, afinal, que Maria é que é "a porta do Céu" (tradução da invocação latina supra).

Leia, ainda, Eurípides, estoutro texto de Cristo, em que Êle doutrina, insofismavelmente, que atende a tudo e a todos, para o que estabelece uma única condição, a de pedirmos (diretamente) ao Pai, em Seu nome: "E tudo quanto pedirdes a Meu Pai, em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho" (S. João 14:13), E repete a mesma promessa no v. 14, e põe a maior ênfase possível em Seu ensino, ao salientar que a Deus (o Pai) é que devemos pedir pela mediação única d'Êle, e assim fazendo disse-nos, afinal, o Senhor Jesus estamos glorificando o Pai no Filho. Logo, Jesus não ensinou que é por meio de Maria ou por qualquer outro santo ou anjo. Êle também afirmou ser o ' 'caminho, a verdade e a vida", a" porta das ovelhas", o "Sumo Pastor", o verdadeiro Sumo Pontífice de nossas almas! . . .

Admitindo-se a hipótese da necessidade e existência de outros medianeiros junto a Deus, seria o caso de Jesus encaminhar as petições dos pecadores à Bendita Virgem, aos Santos, etc. (os tais "medianeiros subalternos"), a fim de que examinassem os méritos das petições em aprêço, emitissem, então, as razões de sua razoabilidade e necessi- dade, para, enfim, passarem pelas mãos do Supremo Advogado dos pecadores (o Cristo). Êste as encaminha- ria ao Onipotente (o Deus Pai), para o despacho final.

Ora, isto é fazer do Céu e do Trono do Altíssimo e de Cristo uma espécie de instituição similar às dos homens, na qual, em face das imperfeições humanas, o chefe supremo carece sempre de que seus subalternos ou subordinados examinem os papéis, emitam seu parecer etc, até que, perlustrando todos os caminhos da burocracia, os documentos sobem à sua consideração para receber a sua rubrica, e, pois, o despacho final.

Não! O Nosso Salvador não nos deixaria nesta mi- serável contingência. Êle é Onipotente (tudo pode, sem de- pender, pois, de ninguém), é Onípresente (está em tôda parte) e é Onisciente (sabe, portanto, tudo, sem precisar

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de esclarecimentos de qualquer criatura angélica ou ter- rena) .

Sendo assim (e assim o é), Êle não precisa, para atender-nos, dos miseráveis "pistolões" ou dos paupérri- mos e ínfimos serviços especiais ou intercessórios, mesmo que tais intercessões ou auxílios sejam de anjos ou santos.

Graças a Deus que o Nosso Cristo é o Cristo Vivo e não o Cristo morto do Catolicismo Romano.

Então, se alcançamos tudo pela Mediação de Cristo, não é inutilidade e parvoíce muito grande estarmos a per- der tempo com outros, ainda que tivessem o mesmo poder de Cristo?

Não é, realmente, Eurípides, inútil, além de ineficaz e perigosa tal doutrina?

Finalmente, em que lógica se estribam, Você e os seus mui reverendos e reverenciados mestres, com o Papa à frente, para poderem afirmar que a expressão "há um Mediador" não exclui os "medianeiros subalternos"?

Porventura, se alguém lhe disser que tem um filho, pode Você ou alguém ficar a pensar que tenha êle dois, três ou mais? Não seria isso um disparate e grande?

Acaso, a expressão "um só" , não exclui, por força da própria significação, a hipótese de haver outro ou outros? Ou dar-se-á o caso de Você e seus infalíveis mes- tres julgarem que aquêles que lêem suas parlapatices são doidos ou imbecis?

Ora, tenham juízo, senhores romanistas! Deixem-se de necedades!

Convençam-se, para sempre, de que, empregando, como fazem, argumentos tão irrisórios, tão infantis e tão incoerentes, como o do Papa Leão XIII, citado pelo Autor, apenas poderão ludibriar crianças ou néscios!

A infantilidade do argumento papista acêrca da exis- tência de "mediadores subalternos", que seriam interces- sores junto a Cristo, cai por terra, ao menor sopro.

Segundo esta teoria, sibilina e sofisticamente elabora- da, teríamos Cristo como Mediador entre Deus (o Pai)

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e os pecadores; e os Santos, à frente a Virgem Maria, se- riam os medianeiros entre Cristo e os pecadores.

Conquanto tal teoria nos a ideia de uma teia de aranha muito bem urdida, merece ela nossa irrisão, pelo fato de não nos poder embaraçar. A teia de aranha pode embaraçar ou prender apenas os míseros insetos que por- ventura lá venham a cair; jamais foi capaz de prender um pardal ou um sabiá: um e outro zombam da habilidade da aranha, esfarrapando-lhe a teia de meio a meio. É precisamente, o que estamos fazendo à teia hábil e astu- ciosamente tecida pela velha e ardilosa aranha do Vaticano.

A "teia de aranha" do

Vaticano

Voltemos, ainda, à citação, feita por Eurípides, do Papa Leão XIII: "Há um Mediador entre Deus e os homens". Todavia, essa mediação, absolutamente necessá- ria, superabundante, suficientíssima, e que não carece, de modo nenhum, do auxílio de quem quer que seja, não exclui os medianeiros subalternos e dependentes de Cristo" (o grifo é nosso).

Ao pretender a seita romanista impingir patranha deste jaez (como a que se encontra sob grifo), nem sequer se deu conta da posição insustentável que tomava e da con- tradição em que viria a cair.

Assim, faz-nos pasmar a incoerência desse Papa, ci- tado, pela inteligência euripidina, como patrono da sua parlapatice!

Com efeito, como poderia o astucioso pontífice ro- mano conciliar a idéia de um Mediador com a da exis- tência de outros mediadores, a que chamou "subalternos' 7

Querem maior incoerência do que essa?

Façamos uma comparação, para melhor esclareci- mento.

Deus é o Juiz, num Tribunal; os pecadores, réus;

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e Cristo, o Advogado destes (l.a S. João 2:1), o que está de harmonia com a Sagrada Escritura.

Segundo a crença protestante, a causa está entregue a um Advogado do máximo saber, competência e hono- rabilidade moral, capaz de conseguir a absolvição (o per- dão) para os réus (concepção, aliás, que, em teoria, o cato- licismo romano não impugna).

Mas, Êsse Advogado (Cristo) é o ÚNICO capaz e credenciado para livrar os "réus" (pecadores) da con- denação.

A doutrina expressa neste exemplo, e que, como se disse, é defendida e crida por todos os protestantes do mundo inteiro (e ainda, teoricamente, pelo próprio cato- licismo) tem a sua base na Sagrada Escritura (l.a S. João 2:11; Tim. 2:15; Rom 8:33,34).

Pois a alicantina clerical ou jesuítico-papista engen- drou, sorrateira e sub-repticiamente, com fins inconfessa- dos, a subtileza de, no citado Tribunal haver lugar para outros advogados, além de Cristo, aos quais o referido Papa Leão XIII chamou de "subalternos"!

Esmiuçando esta genial ( ! ) teoria, chegaríamos, assim, a esta interessante conclusão: ou Cristo não é o Advogado em condições para defender com eficácia abso- luta os seus "constituintes" (os pecadores), ou estes não terão inteira confiança no Seu Patrono, em virtude de eles recorrerem a ésses "medianeiros subalternos". nesses casos é que se faria mister a interferência de outros advo- gados. Ora, qualquer das hipóteses é tão disparatada, lo- gicamente, que o Catolicismo Romano não pode abalar a fôrça deste argumento, visto que os romanistas não con- testam nada do que atribuímos a Cristo (o Advogado), conforme as expressões do Papa Leão XIII, que, como vimos, afirmou, categórica e enfàticamente, com referência à mediação de Cristo, que ela é "superabundante, suficien- tíssima, e que não carece, de modo nenhum, do auxílio de quem quer que seja".

Sendo assim (e não pode deixar de ser), a que pro- pósito vem, então, essa doutrina balofa, que o Catolicis-

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mo Romano pretende impingir aos pobres mortais, que não tiveram ainda a ventura de se livrar à sua escravi- zação?

E não venham impingir a patranha audaciosa, petu- lante, estulta e ridícula de que a Igreja Católica a de- tentora da Revelação Cristã, e da Verdade", e, por isso, recebeu toda a sua autoridade de Deus, na afirmação au- daciosa do frade D. Estêvão Bittencourt, ao jornal "Última Hora" (7-7-958). Tal parlapatice pode con- vencer criancinhas, que ainda não raciocinam, ou os imbecis.

Não vêem, senhores tonsurados, que tal pretensão da Igreja equivale a ela querer sobrepor-se às leis da Sobera- na e Infinita Vontade Divina? Por tal teoria a Igreja (assembléia de homens mortais e pecadores) decreta aces- sôres para Cristo, para o próprio Deus. Que blasfémia!

Se alguém confiasse uma causa a um Advogado sa- pientíssimo e honestíssimo, e além de tudo amicíssimo de seu constituinte, enfim, o melhor de todos, e depois a con- fiasse, ainda, a outros de capacidade inferior, não seria isto suprema tolice? Pois essa é a atitude descabida do Catolicismo Romano com a sua interpolação da doutrina dos seus "medianeiros subalternos"! 1

1 Faz-nos lembrar a teoria pagã da multiplicidade de deuses: Dii Majores e Dii Minores; os homens, para chegarem aos Dii Majores, a Júpiter etc, tinham de chegar aos Dii Minores, ou semideuses, aos quais julgavam capazes de servir-lhes de medianeiros e intercessores para com os deuses maiores! E, assim como os pagãos canonizavam os seus heróis e vultos mais importantes, fazendo-os seus medianeiros (Dii Minores), junto aos Dii Majores, o Catolicismo Romano, por semelhante modo, tem canonizado os seus vultos mais conspícuos, mais zelosos da Religião, e mesmo alguns dos que mais sacrificaram ( ! ) , põe-nos no calendário dos santos, e os faz medianeiros. Assim, pois, o princípio fundamental dos dois sistemas é um . . .

Vemos, assim, que o Catolicismo Romano (salada de paganismo, ju- daísmo e uma pitada, apenas, de cristianismo) é, na realidade, a conti- nuação do sistema pagão.

E o sistema cristão, de que o Romanismo cada vez mais se distancia, é para dar a preeminência exclusivamente a Cristo, e nada a nenhum outro. Êle é que é osso de nosso osso e carne da nossa carne, e, portanto, pode simpatizar conosco, tendo passado pelas mesmas tentações e prova- ções por que passamos, e nos amou como ninguém jamais amou ou pode- ria ter amado; por isso, pode solidarizar-se conosco como nenhum outro

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Mais futilidades e

sofismas eurípidinos

Afirma Eurípides: "cada vez que pedimos as orações de alguém, estamos fazendo essa pessoa de medianeira

o pode fazer. Êle, pois, exclusivamente Êle, é quem pode satisfazer integralmente todas as maiores angústias e aflições e necessidades da natureza humana. As expressões da Revelação divina sobre este assunto são claríssimas. Ouçam-nas, senhores romanistas idólatras: "Porque um Deus, e um Mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo homem (l.a Tim. 2:15). "Porque, ainda que haja alguns que se chamem deuses, ou no céu ou na terra (e assim sejam muitos os deuses e muitos os senhores), para nós, contudo, um Deus, o Pai, de quem tiveram o ser tôdas as coisas, e nós n'Êle. E um Senhor Jesus Cristo, por quem tôdas as coisas existem, e nós por Êle" (l.a Cor. 8:5,6). E mais: "Eu vos escrevo estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém ainda pecar, temos por Advogado para com o Pai a Jesus Cristo, o Justo" (l.a S. João 2:1).

Ouvi, pois, carolas romanistas, a voz das Santas Escrituras, da Re- velação Divina, e deixai de parlapatices e invencionices pagãs. Cometeis grande pecado: embora reconheçais a tremenda necessidade de a alma humana aliviar-se de seus pesados fardos pecaminosos, ao invés de en- caminhá-la Àquele que é apontado e credenciado na Revelação Divina, preferis seguir pelo mesmo trilho do miserando paganismo, substituindo seus heróis pelos vossos. Ao invés de romperdes com o sistema ultrade- letério da corrupção pagã, vós, que vos dizeis seguidores do Cristo e "detentores da Revelação Cristã", sois a negação absoluta dêste sistema, pois tendes consagrado o maldito sistema mitológico pagão dos semi- deuses, canonizando santos (muitos dos quais de santos nada tiveram, e muito ao contrário...), e os tornando (pelos vossos decretos, humanos, falhos e pecaminosos) "medianeiros e intercessores "subalternos".

Como afirmamos acima, muitos dos tais santos do Catolicismo, de fato, de santos nada tiveram. Vamos às provas incontestáveis. Pode-se considerar, por exemplo, santo a um monstro como o tal S. Domingos, fundador do tribunal mais odioso de todos os séculos, que milhares e milhares de vítimas fêz tombar ao solo a malditíssima "Santa (que ironia, meu Deus!) Inquisição"? Pois êle, que "se embriagou com o sangue dos santos e mártires de Jesus", foi canonizado Santo pelo Catolicismo Romano! O arcebispo Lourenço, negação daquele ensino de Cristo: "bem- -aventurados os pacificadores . . . ", e que, em certa época, se tornou o terror da Irlanda, também é outro santo romanista! O faccioso Tomás de Becket, que durante anos destruiu por completo, com suas facções, a paz no Império Britânico, é também outro santo romanista! E, assim, muitos outros, que deixaram seus rastros de sangue nos anais da His- tória, suas pegadas de perseguidores, blasfemos, infames, perjuros e trai- dores, foram canonizados como santos romanistas ! . . . Temos ou não, senhores romanistas, bem fundadas razões para impugnarmos o culto dos santos que engendrastes? Temos ou não razões muito fortes para não os invocarmos? Temos ou não justificados motivos para não darmos cré- dito a tais santos do Romanismo? Confessar-nos a gente dêsse jaez nã« será enganarmo-nos a nós próprios, não será invocarmos almas conde-

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CATOLICISMO ROMANO

junto de Deus, sem com isso excluirmos o "único Me- diador". (Ob. cit., pág. 225).

Ora essa, Eurípides! Era o que faltava! Que tem uma coisa com a outra? Você parece criança! Que têm as orações que dirigimos a Deus, ou que nossos irmãos e amigos em nosso favor dirigem a Deus, que ver com a doutrina do "Mediador Único" da salvação? Acaso, orar- -se pessoalmente ou pedir-se a oração de terceiros, constitui algo de substituição da obra de Cristo? Em que parte da Bíblia se diz que a recomendação de Cristo a que se ore "uns pelos outros" (ob. cit., pág. 226) esteja ligada à obra medianeira de Cristo?

Como o assunto de que se está tratando é o da me- diação de Maria e dos santos, se quiser Você fazer com- paração entre a mediação dêstes e as orações dos nossos irmãos e amigos, aqui na terra, dirigidas a Deus, por nós, cai no disparate de ignorar completamente, frontalmente, o sentido de uma e outra intercessões. Aliás, isto não é

nadas, que estarão mais certamente no Inferno do que na Mansão dos Justos?

Dura veritas,* sed veritas !

No entanto, a essa gente, porque S. Santidade decretou que é santa, os pecadores podem e devem confessar-se ou dirigir invocações! Pobres pecadores!

E dizer-se que tal parlapatice é crida por milhões! Um homem, o Papa, tão pecador como outro qualquer, decretou, e consumatum estl

Ó gente tôla! Ó gente sem raciocínio e sem reflexão! O pecado os embruteceu, como, de fato, embrutece e cega ! . . .

Encerramos, aqui, essa digressão muito necessária, que veio reforçar a nossa tese da nulidade absoluta, pelo sistema genuinamente cristão, dos "medianeiros subalternos", induzindo o amigo católico, meu amigo Eurípides a que busque Jesus, a Quem êle tanto considera, teoricamente, mas, na prática, esquece e avilta a que O busque, com sinceridade de coração, com toda a pureza d'alma, vertendo lágrimas de sangue e ex- clamando: tem compaixão de mim, pecador! Que a Cristo, e a Cristo. diretamente a Êle, que é, verdadeiramente, o Sumo Sacerdote de nossa Fé, único Mediador de redenção, consoante se na verdadeira fonte da Revelação Cristã a Bíblia: "Tendo nós, pois, um grande Pontífice (não é o "Sumo Pontífice'' Romano) que penetrou os céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. Pois não temos um Pontífice (Sumo Sacerdote) que não possa compa- decer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança, ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos socorridos em tempo oportuno" (Hebr. 4:14-16).

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tanto para se admirar, em sua mentalidade jesuítico-pa- pista! . . .

Responda-me, agora, onde se acha na Bíblia a reco- mendação de que Maria Santíssima e os outros santos foram constituídos por Deus como intercessores junto a Êle, não no sentido da intercessão e da mediação de Cristo por nós, como ainda de nossa intercessão, aqui na terra, "uns pelos outros", junto a Deus? Demais, ainda que fôsse a mesma coisa, teologicamente, ainda assim as orações, em nosso favor, peios nossos irmãos e amigos, aqui na terra, nós as podemos pedir, porque eles estão aqui diante de nós para nos ouvir e pode encaminhá-las ao Trono de Deus, e não se dará o mesmo no caso de pedirmos a intercessão, as orações da Virgem e dos demais santos, porque eles, seres finitos como nós, sem o dom da onisciência e ubiquidade, jamais poderão atender!

O que na Bíblia é a ausência completa de autori- dade para tal invocação; muito ao contrário, e com cla- reza meridiana, vemos nela que nossas preces devem ser dirigidas diretamente a Deus.

Se não, vejamos.

(1) "Invoca-me (diz Deus) no dia da angústia: eu te livrarei, e tu me glorificarás" (Salm. 50:15).

está a ordem de Deus acompanhada de uma pro- messa: a libertação. Acaso, se afirma isto, na Escritura Santa, com referência à invocação da Virgem ou dos outros santos?

(2) . . Senhor, ensina-nos a orar" foi a pe- tição de um discípulo ao Mestre. Qual a resposta? "Dirija-se a Maria, aos santos"? Não, mil vêzes não. Cristo não era romanista para ensinar isto. Ao contrário, ordenou, incisivamente: "Quando orardes, dizei: "Pai nosso, que estais nos céus .. ." (Luc. 11:1-2).

Mandou, portanto, que orássemos diretamente a Deus, o Pai, e a seguir apresentou, em essência, os termos da oração-mõdêlo a do Paí-Nosso.

(3) "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei'', disse Jesus (S. Mateus

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11:28). E isto sentenciou o Mestre em plena harmonia com os demais ensinos a Seu respeito (como se em São João 6:35; Al 16:31; Fil 4:6,7; Hebr. 4:10, etc).

Ora, se Cristo, pelos textos supracitados, oferece pleno alívio, plena satisfação, plena salvação, aos que forem com corações puros e sinceros a Êle, arrependidos dos seus pecados e dispostos ao Seu serviço; se nos reco- menda, e ordena mesmo, que podemos ir díretamente a Êle, para que recorrer a intermediários? Não é isto, por- ventura, duvidar da promessa do Salvador?

Se temos necessidade de conseguir, de algum pode- roso da terra, qualquer coisa, e êle declara, abertamente, e até com insistência e grande interêsse, que o procuremos díretamente, porque seremos atendidos, que necessidade de irmos à sua presença por intermédio de terceiros? Não seria isto uma tolice muito grande e até perda de tempo?

(4) Quando o carcereiro de Filipos, diante da abertura miraculosa das grades da prisão, onde se acha- vam injustamente presos Paulo e Silas, exclamou: "Se- nhores, que farei para me salvar?" êles responderam imediatamente, sem subterfúgios, sem rodeios, sem sofis- mas jesuíticos ou sem invocação de santos: "Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa!"(At. 16:30,31).

(5) No glorioso dia de Pentecostes, no seu dis- curso, aquele que a Igreja Romana considera como tendo sido o seu primeiro Papa, S. Pedro (se êle soubesse disso, ciaria boas gargalhadas no céu . .), disse: "Todo aquêle que invocar o nome do Senhor será salvo" (At. 2:21).

(6) Veja-se, finalmente, o que escreveu o "Doutor das Gentes": "Segundo o eterno propósito que fêz em Cristo Jesus nosso Senhor, no qual (Cristo) temos ou- sadia e acesso com confiança pela nossa n'Êle" (Efés. 3:11,12).

Então, quando S. Paulo doutrina categoricamente que nosso acesso ao Pai Eterno é exclusivamente por meio de Cristo, não temos outro caminho que seguir. (Veja Hebr. 4:16; Rom. 8:33,34, etc, etc. e em muitíssimos outros textos.)

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Outra invencionice e futilidade euripidina é quando afirma que a Virgem Maria "ia interceder junto ao Pai, suplicar a realização do primeiro milagre na história da Igreja: o milagre de Pentecostes!" Ao lermos mais uma sandice do jaez da que está, ficamos pasmados de que a mesma tenha saído do cérebro de um professor de univer- sidade e firmada, em livro, pela pena do mesmo mestre! E o nosso pasmo subiu ao extremo, quando verificamos, com os nossos próprios olhos, que o livro de Eurípides Cardoso de Meneses, pletórico de infantilidades e afirma- ções gratuitas, como a que acabamos de registrar, atraiu sôbre o autor uma chuva ... de bênçãos (!!!), de parte dos seus excelsos mestres, desde o Pontífice Romano até vários eminentes prelados!

É o caso de perguntarmos a Eurípides: Em que se fundamentou para fazer tão descabida quão insustentável afirmação?

O que se na Bíblia a respeito (At. 2:1-36) foi o cumprimento de profecias, de promessas de Deus e do pró- prio Cristo. E, quando se viu Deus, para cumprir Suas divinais promessas, depender da pobre intercessão huma- na? Então, Deus não sabe o que faz e o que tem prome- tido fazer? Seria Êle, acaso, como qualquer de nós, que, muitas vêzes, prometemos e nos esquecemos das promessas, necessitando que nos lembrem e nos implorem o seu cum- primento? Não será isto fazer-se juízo muito deprimente da Divindade?

Paupérrima e ingénua mentalidade euripidina!

Vejam que parvoíce, esta!

Escreveu Eurípides: "E que a nossa passagem para o céu não nos priva da memória, da vontade, da in- teligência; se o próprio Cristo, diz a Bíblia, está no Céu "sempre intercedendo por nós" (Hebr. 7:25); se até S. Pedro diz que trvhn\hnrir i, mnsmo depois da sua morte, em favor dos que iam ficar no mundo (o grifo é do pró- prio Eurípides) (2.a Ep. de S. Pedro 1:15) que de estranho acreditarmos que a grande Associada do Reden- tor, Aquela que melhor se identificou com Êle, com Suas.

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intenções e Seus interesses; Aquela que, como "Mãe do Corpo Místico, é Mãe de Jesus e nossa Mãe, interceda por nós junto do Trono da Misericórdia? Não o faremos nós mesmos pelos nossos filhos e pelos nossos amigos que aqui ficaram?" (Ob. cit., págs. 227 e 228).

Ó Eurípides, quantos erros Você escreveu nessas pobres frases!

Dissequemos um por um.

A primeira asneira sua é a afirmação, sem prova, de que a nossa passagem para o céu não nos priva da me- mória, da vontade, da inteligência, para daí concluir (sem cabimento, se vê) , a fortiori. que, em face disto, nada para estranhar que a Bendita Virgem, tão intimamen- te ligada à obra do Redentor, "interceda por nós junto ao Trono da Misericórdia".

Ora, Eurípides, mesmo admitindo-se a hipótese de que após da morte ainda persista em nós a memória, a vontade, a inteligência (coisa que não é para se discutir agora), ainda assim, que tem de ver isso com a questão da mediação da Virgem e de outros santos, que Você e seu romanismo querem impingir aos trouxas?

Passemos à segunda afirmativa: "se o próprio Cristo, diz a Bíblia está no céu "sempre inter- cedendo por nós que de estranho acreditarmos na in- tercessão da Virgem Maria "junto ao Trono da Miseri- córdia?"

Ora, Eurípides, este texto, ao invés de ser argumento a seu favor, sobre a intercessão dos santos, é, precisamente, a sua condenação, conforme claramente se entende, pela leitura do texto em sua íntegra: "Portanto, pode (Jesus) também salvar perfeitamente os que por Êle se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Hebr. 7:25).

Viu, Eurípides, como o "tiro saiu pela culatra" e o ''feitiço virou contra o feiticeiro"?

Querendo Você provar a razoabilidade da mediação da Virgem Maria, sob a alegação de que Cristo vive "sem- pre intercedendo por nós no céu", citou precisamente um

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texto, cuja conclusão é inteiramente contrária ao seu modo de ver, porque nele se afirma, como vimos, que Jesus pode salvar perfeitamente os que forem ao Pai por seu inter- médio, ficando sem razão de ser, por consequência, a in- tervenção de outros medianeiros, acrescentando-se a isto a grande consoladora verdade, para os crentes em Cristo, de que Êle está no Céu ' 'sempre a interceder' ' por eles. E, se temos o mais poderoso intercessor, mesmo que hou- vesse os tais "subalternos", de que falou Você (e que refutamos sobejamente), que necessidade temos, então, de recorrer a êstes, e não diretamente Àquele, tanto mais que o ensino claríssimo do texto em aprêço (isto é, Hebr. 7:25), é para que nos cheguemos a Deus "POR ÊLE", isto •é, por intermédio de Cristo?

Não vê, Eurípides, que a citação em aprêço constitui a sua própria condenação, e a de todos que rezam pela cartilha das inovações romanistas?

Não vê, até, que constitui pecado, e gravíssimo, a desobediência à Vontade expressa de Deus, que aconselha seja a intercessão exclusivamente "por intermédio d'Êle" (Cristo) ?

Se temos o privilégio de dirigir-nos diretamente a Quem tudo pode fazer por nós, porque é o Todo-Pode- roso, e nisto Êle se deleita imensa e gloriosamente, quando o fazemos por intermédio de Seu Filho, para que perder- mos tempo em recorrer aos "subalternos" a quem Êle não ordenou que recorrêssemos em nossas aflições, porque não nos poderiam, como de fato não podem, socorrer-nos e cometermos ainda o pecado de transgressão de Sua Divina ordem?

* * *

Vejamos outra parlapatice euripidina, firmada na interpretação sibilina do texto da 2.a Ep. de S. Pedro 1:15, citado e grifado pelo próprio Eurípides: "se até S. Pedro diz que trabalharia, mesmo depois de sua morte, em favor dos que iam ficar no mundo, que de estranho que a própria Virgem Santíssima interceda por nós?*'

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Está errado, Eurípides!

S. Pedro jamais afirmou isso que Você diz, isto é, que ele continuaria, depois de sua morte trabalhando em favor dos que iam ficar no mundo" (grifos seus), no sentido que Você quer insinuar.

Para não haver a menor sombra de dúvida, quanto à verdadeira interpretação das palavras de S. Pedro, no texto citado, vamos transcrevê-lo na íntegra, extraindo-o da versão portuguêsa pelo Pe. Zioni, devidamente apro- vada pelas autoridades da Igreja Católica, em 1943: "E tomarei providências para que mesmo depois da mi- nha morte possais ter ainda repetidas vezes a recordação destas coisas \

Ora, como depreender, exegèticamente, no texto em aprêço, que S. Pedro está prometendo que "trabalharia, mesmo depois de sua morte, em favor dos que iam ficar no mundo" ?

Que exegese disparatada é esta, Eurípides?

S. Pedro, é evidente, está, nesta Epístola, fazendo como que o seu testamento espiritual, visto como, por uma revelação de Cristo, êle, em breve, teria de morrer (V. 14). Sendo assim, chama a atenção dos seus fiéis para que retenham na mente o que êle lhes ensinara, es- pecialmente que se esforçassem para "juntar à a Vir- tude", etc. ou, noutras palavras, demonstrassem, pelo seu modo de viver, em perfeita harmonia com os ensinamen- tos de Cristo, em suma, pelas suas obras, que realmente eram de Cristo. (Cap. 1:5).

E então, depois de rememorar-lhes os principais de- veres cristãos, exorta-os, com grande veemência (V. 12), para que êles não se esquecessem dos referidos ensinamen- tos, das suas admoestações, visto como "em breve" teria de morrer (V. 14), e era seu ardente desejo de ministro, de servo de Deus, que êles retivessem estas coisas, conti- nuassem observando tudo o que êle lhes ensinara, conti- nuando sempre com esta fidelidade, para que não acon- tecesse que, ausente o apóstolo, êles viessem a desobedecer e a voltar aos erros anteriores. Daí, as suas palavras :

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"E tomarei providências para que mesmo depois da mi- nha morte possais ter sempre na lembrança, repetidas ve- zes, a recordação destas coisas".

Pela afirmativa para que possais ter sempre na lem- brança ressalta evidentíssimo que S. Pedro não disse, ab- solutamente, que iria recordar-se deles e muito menos "trabalhar" por eles depois de sua morte, mas sim, muito ao contrário, que eles (seus fiéis) é que deveriam recor- dar-se do apóstolo e de seus ensinos! Esta é que é a le- gítima, a verdadeira interpretação do texto.

Não está, pois. o Apóstolo, afirmando que iria to- mar providências no Além. depois de sua morte, para que os crentes se conservassem fiéis aos ensinos de Jesus! Não. Simplesmente fazendo uma exortação apostólica e fraterna, similar àquela feita pelo vidente Isaías, quando exclamou a respeito de Jerusalém: Jerusalém! sobre os teus muros pus guardas, que todo o dia e toda a noite de contínuo se não calarão: ó vós. os que fazeis men- ção do nome do Senhor, não haja silêncio em vós!" (Is.62:6).

É. pois. uma exortação para que os crentes jamais deixassem de guardar as preciosas verdades, e de concla- má-las "repetidas vêzes" (segundo o próprio original), para o seu bem-estar e felicidade eterna.

Estava o apóstolo, sim, envidando todos os seus es- forços, enquanto vivia, para que os crentes propagas- sem e perpetuassem as verdades cristãs.

* * *

Continua ainda Eurípides com mais parlapatices, e cada qual mais grave.

Querendo aparar o golpe de uma objeção muito sé- ria que lhe fêz um "irmão separado", sobre a não pos- sibilidade de a Virgem Maria e os Santos nem sequer po- derem tomar conhecimento de nossos pedidos, no céu, (verdade esta incontrovertível para quem tem um pouco de senso e raciocínio, pois êles não são oniscientes, nem

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têm o dom da ubiquidade; antes, são seres finitos) querendo aparar o golpe dessa fortíssima objeção, dizía- mos, o Eurípides saiu-se com este disparate: "Fosse ele, porém, contemporâneo da Virgem, ou se ela lhe apare- cesse, não teria, certamente, a menor dificuldade em lhe dirigir a saudação angélica, em suplicar-lhe a sua interces- são. Não o faz unicamente (o grifo é dele) por imaginar que ela não pode ouvir".

Perguntamos, então, a Eurípides: Por que neste caso, os contemporâneos da Virgem não se dirigiam a ela, mas a Cristo, quando tiveram os seus problemas de ordem espiritual, quando necessitavam de obter qualquer cura para seus males físicos e para suas aflições? Por quê? Pode exibir-nos, então, provas dessas consultas à Virgem ou pedidos para que ela intercedesse junto a Seu Divino Filho, nos seus dias aqui na terra? Nem na tradição Você me poderá citar exemplos?

Não sabe Você, como também os padres, que a Ben- dita Mãe de Nosso Senhor era uma criatura finita, de poderes limitados, portanto, como qualquer humano, embora a mais santa das criaturas?

Acaso, possuía ela ou qualquer dos santos, dantes como hoje, o dom da onisciência, atributo exclusivo da Divindade?

Pois bem; dizer-se que Maria ou os santos podem ouvir as nossas orações, inevitavelmente ter-se-á de admi- tir a hipótese, totalmente inverossímil, de que êles são oníscíentes!

Mas, a teimosia euripidina é por demais fátua, e conclui, referindo-se ao ' 'irmão separado" que afir- mara que a Virgem não podia ouvir cometendo ou- tro disparate: "Não motivo para tal receio"; e cita, erroneamente, a Palavra de Deus, dizendo: Não disse Nosso Senhor que os anjos do céu se alegram quando um pecador se converte? (Luc 15:19). "E dêsse fato, que se passa no íntimo dalma (o grifo é dêle), TOMAM CONHE- CIMENTO (o versalete é nosso) os anjos no céu, seme-

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ihantes aos quais nós mesmos seremos, quando estiver- mos" (Tuc. 20:36).

Mas, Eurípides, tenha santa paciência! Que têm esses textos em defesa dos seus argumentos?

Então, pelo simples fato de "os anjos se alegrarem no céu, por um pecador que se arrepende", pode-se con- cluir que essa alegria seja proveniente de um conheci- mento direto que êles tenham de ocorrência terrena?

Acaso, Deus não lhes revelaria o fato. conclamando a corte celestial, para comparticipar do seu regozijo, por um pecador que se arrepende, de acordo com as figuras do texto de Luc. 15?

Pois é precisamente este um dos sentidos do texto.

Demais, os anjos são ministros e mensageiros da Vontade de Deus. e de quem se diz na Escritura que "são espíritos administradores, enviados, por vezes, para exer- cer o seu ministério a favor daqueles que hão-de herdar a salvação" ( Hebr. 1:14). São distintos dos santos, que não são espíritos angélicos, mas homens glorificados; e depois da ressurreição serão semelhantes aos anjos na santidade, fidelidade e amor de Deus. embora não nos ofícios que desempenhem.

E não é fora de propósito que estamos aqui a fazer distinção entre anjos e santos, pois o "mestre" Eurípides embaralha tudo e mistura anjos e santos, indistintamen- te em suas funções, como se tivessem as mesmas atribui- ções e possibilidades.

Temos, ainda, explicação mais razoável para jus- tificar êste júbilo dos anjos, pela conversão de um pe- cador. Lendo o cap. 1 5 de S. Lucas, onde se registra o fato, verifica-se que se trata de ensinamento verdadeira- mente muito glorioso, qual seja o do júbilo que sente o Pai Celestial, pelo qual faz Êle conclamar às entidades ce- lestiais Sua imensa alegria pelo arrependimento de um pecador. Daí, a comparação do Mestre, do regozijo que sente o pastor, quando encontra a ovelha perdida. Tal é o regozijo divino, quando um pecador se arrepende e volta para Êle.

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Esta é a verdade que o Senhor ensina em 3 parábo- las contidas no cap. 1 5 de S. Lucas. Da leitura, pois, des- sas parábolas, depreende-se, inquestionàvelmente, que o objetivo de Jesus não era ensinar-nos o gozo e conheci- mento dos anjos, muito menos que eles sabem, por si mesmos, o que se passa na terra; porém, o que de mais importante é o conhecimento, gôzo e amor do próprio Deus, regozíjando-se pela alma que se volta para Ele, E, tão grande é a satisfação divina, pelo auspicioso fato da conversão de um pecador, que Deus o publica a todos os seres angélicos, para que participem de Seu júbilo. Daí, pois, deriva-se o conhecimento, indireto, que esses anjos têm.

Logo, sua citação não procede, para provar que os anjos sabem o que se passa aqui na terra; e, se eles não sabem, muito menos o saberão os santos, cujas atribui- ções e poderes ainda são mais limitados que os daqueles.

Portanto, a Revelação Divina não apoio ao en- sino romanista de que os anjos têm conhecimento direto das coisas da terra. E não podem ter, sobretudo, porque são sêres limitados, e, portanto, não oniscientes.

Logo, não a Bíblia, como a razão repelem o ab- surdo da teoria romanista.

Quando a sofística jesuítico-papista procura sair da dificuldade declarando que Deus revela às entidades ce- lestiais o que nós pedimos, então, o disparate de tal eva- siva ainda vem confirmar cada vez mais nossa tese: a real impossibilidade de essas entidades nos ouvirem e nos aten- derem, além de ser isto mais uma grande e irracional pa- tranha que o jesuitismo procura impingir aos lorpas!

A verdade bíblica e racional é esta: nem os anjos nem os santos conhecem as nossas necessidades e aflições, a não ser que Deus lhas revele.

Além do que aduzimos, podemos afirmar que não podem e não devem saber as misérias sobre a terra, por- que, neste caso, a sua felicidade converter-se-ia em des- dita, mormente ao saber que as mesmas atingiram, na. terra, aos seus entes queridos! . . .

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Então, não haveriam de sofrer com isto, Eurípides:' E. sendo assim, não é lógico supor-se que deixariam de ser felizes, no céu? É evidente.

Ainda rebatendo a tese romanista de que os "me- dianeiros subalternos" isto é, os santos, tendo à frente a Virgem, podem ouvir nossas orações, reportemo-nos a al- guns textos bíblicos que nos afirmam que os santos nada i m do que se passa na terra.

(1) "Eu te farei descansar com teus pais, e serás se- pultado em paz no teu sepulcro, para que os teus olhos nk;o vejam todos os males que cu hei de fazer cair sobre este lugar." (2.° Reis 22:20).

Por se vé, claramente, que os santos mortos não vêem e não sabem o que acontece na terra. No texto supra, o Senhor chama, pela morte, o rei Josias, para que este não visse o mal que Êle (Deus) haveria de trazer sobre Jerusalém!

(2 ) "Os que estão vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos NADA SABEM \ [Ed. 9:5).

(3) O patriarca, fazendo referência a um homem morto, disse: "Estejam os seus filhos exaltados, ou es- tejam abatidos, ele (o morto) NÃO O SABERÁ" (Jó 14:21). Citação da Vulgata, conforme a versão portu- guesa pelo Pe. Vicente Zioni.

Ora, se o morto não sabe nem ao menos o que acon- teceu de bem ou de mal aos seus próprios filhos, como saberá, então, das necessidades das demais criaturas?

Quanto à referência que, na página 228, Eurípides faz à oração dos Santos (Apoc. 5:8). devemos observar- lhe que tal citação nada prova, absolutamente, em favor de sua tese. E, como nos habituamos, vamos dar-lhe mais uma liçãozinha de exegese, para melhor demonstrar- mos o que acabamos de afirmar.

Oiça, então. Eurípides: As "orações dos Santos", de que nos fala o Apoc. 5:8, estão simbolizadas no "in- censo", de que estão cheias "salvas de oiro", como se no texto citado.

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Ora bem.

Não se pode daqui deduzir senão que se trata de fatos passados, pois que, estando as salvas cheias de in- censo, e que representa "as orações dos Santos", estas se fizeram, ou seja, passaram, porque tudo o que é representado existia antes de ser representado. Por isso, tais orações podem ser as que foram feitas pelos santos neste mundo".

Sendo assim, (e de outra maneira não é) essas ora- ções a que se refere o texto não podem ser atuais, mas passadas, porque são representadas.

Deste simples fato, tiramos, com fundamento, duas conclusões: A primeira é que essas "orações" passadas se foram acumulando pelos anos a fora, até encherem as "salvas de oiro", de que nos fala o Apocalipse. A segun- da é que, quando se fala, aqui, em "santos", que o mesmo é dizer "bem-aventurados", devemos entender todos aque- les que "lavam as suas vestes no Sangue do Cordeiro", isto é, aqueles que foram purificados pelo sangue de Cris- to, (único "que nos purifica de todo o pecado"), como expressamente se no Apocalipse, cap. 22:14.

Se admitíssemos que as referidas orações tivessem sido feitas no céu, poderíamos entender que elas se- riam de louvor a Deus, como o próprio Apocalipse (4:8) nos deixa antever, quando fala dos louvores a Deus fei- tos pelos espíritos angélicos, aos quais, certamente, se associam todos os "bem-aventurados", dizendo: "Santo! Santo! Santo! etc.

O texto é ainda mais explícito sob o nosso modo de ver, porquanto diz que esses espíritos, que tributam lou- vores a Deus, "não descansam nem de dia nem de noite", o que equivale a dizer que O louvam incessantemente!

A oração no céu, portanto, é oração de louvor a Deus, não havendo ali lugar para orações intercessórias feitas pelos santos.

Na tirada final do seu capítulo sôbre "medianeiros", em nota na página 228, temos uma chuva de confusões

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que o inoperante cérebro de Eurípides criou contra ele próprio, quando afirma: "Pode, pois, o meu "irmão se- parado" dirigir tranquilamente as suas homenagens e pedir a valiosíssima intercessão da Rainha dos Anjos e dos Santos, que. diretamente, ou pelo ministério dos nos- sos anjos custódios, que sempre vêem a face do Pai (S. Mat. 18:10), ou por qualquer outro meio pode o Onipotente fazer com que ela nos ouça e nos atenda".

Tantos disparates em tão poucas palavras!

Vejamos alguns.

O 1.° é a referência à "valiosíssima intercessão da Rainha dos Anjos, e dos Santos".

Antes de mais nada, compete-nos contestar-lhe que a "Rainha dos Anjos e dos Santos" não tem, diante do Trono do Altíssimo, intercessão valiosa, quanto mais "valiosíssima" !

O 2.° disparate: Trata-se agora de pavorosa con- fusão de concordância sintática, que representa uma "ca- misa de onze varas", que o próprio Autor não sabe como desvencilhar-se dela.

Lendo e tornando a ler o período acima citado, fi- ca-se em dúvida sobre se o Autor percebe alguma coisa ou não de análise sintática, como em dúvida ficamos so- bre o que faz "a Rainha dos Anjos e a dos Santos", pois o Autor, com uma prosa que origem a um môlho de brócolos, tanto parece querer dizer que a "Rainha" pode tudo, e não pode nada, quando conclui ( num pe- ríodo vazado em português suficiente para lhe conferir- mos um zero num exame), que "pode o Onipotente fa- zer com que ela (a "Rainha dos Anjos") nos oiça e nos atenda" !

Por esta tirada, percebe-se o seguinte: podemos "pe- dir" qualquer coisa à "Rainha dos Anjos e dos Santos",, na esperança de o Onipotente fazer com que ela nos oiça e nos atenda".

Trocando isto em miúdos, chegamos à conclusão, segundo a lógica euripidina, que a "Rainha dos An- jos . . ." não nos ouve, e é necessário o "ministério dos

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anjos custódios", ou é preciso "o Onipotente fazer com que ela nos oiça e nos atenda". Querem disparate maior? !

Segundo o que acabamos de transcrever, vemos "o Onipotente" atuar junto da ' 'Rainha dos Anjos e dos Santos" para que ela "nos oiça e nos atenda". Sendo as- sim, temos de admitir o disparate inconcebível (que não pode entrar em qualquer crânio de mediana fosforescên- cia) de que Deus ("O Onipotente") faz o papel de in- tercessor entre nós e "a Rainha dos Anjos e dos Santos". Quer dizer: o pobr? pecador atribulado dirige as suas preces ' Excelsa "Rainha", que fica insensível ao apélo. Então, "o Onipotente" "faz com que ela nos oiça e nos atenda" !

Daqui, seguir-se-ia que o pecador poderia dizer de si para si: que foi "O Onipotente" que fez com que "ela" me atendesse, nada tenho que agradecer à "Rainha dos Anjos", mas ao próprio "Onipotente".

No entanto, o pobre Eurípides, por força da obe- diência que deve à sua Madre Igreja Católica, tem de ad- mitir e propalar doutrina absolutamente contrária: é a "Rainha dos Anjos" que intercede por nós, diante do Onipotente, e não "o Onipotente" que intercede por nós, diante dela!

Afinal, em que ficamos, Eurípides?

É ela que nos pode atender, ou é preciso que "o Oni- potente" faça "com que ela nos atenda"?

Onde estava a sua lógica, quando escreveu tantos dislates num período?

Seria caso também de perguntarmos: onde esta- riam as inteligências dos seus reverendos e reverenciados mestres, que não viram o vírus da heresia que se depreen- de, quando Você a idéia de que Deus é que tem de atuar "para fazer com que ela nos oiça e nos atenda"?

Para o cúmulo de sua tremenda falta de visão, re- mata, "mestre" Eurípides, o seu argumento, com esta ti- rada: "aliás, de que isto (o grifo é nosso) realmente se dá, temos a prova experimental de fatos incontestáveis"!

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Chamamos a tenção do leitor para o seguinte: o período que acabamos de citar vem escrito em sequência aqueloutro que diz ' pode o Onipotente fazer com que ela (a Rainha dos Anjos) nos oiça e nos atenda". Ora, com este esclarecimento, vamos destruir, e sem esforço, mais um dos muitos disparates euripidinos.

Escrevendo ' 'mestre" Eurípides nos termos em que o faz, quer ele significar que tem "a prova experimental de fatos incontestáveis", para demonstrar que "isto" real- mente se dá. Ora, o "isto" é o mesmo que "pode o Onipotente fazer que ela (a Virgem) nos oiça e nos aten- da"; que "isto" se tem ele "prova experimental de fatos incontestáveis"!

Vamos tirar as conclusões lógicas de toda esta ba- rafunda, que é o seu desajeitado raciocínio.

Escrevendo o Autor que tem "a prova experimental de fatos incontestáveis" para demonstrar que "isto real- mente se dá" não é possível ficar de aquele "pode".

Na verdade, se alguém afirma que tem a prova ex- perimental de uma coisa, ipso facto, quer dizer que fez a experiência dessa mesma coisa.

Assim, "mestre" Eurípides, o seu raciocínio ficaria exato, se dissesse que Deus pode fazer e faz mesmo "com que ela (a Virgem) nos oiça e nos atenda".

E não pode fugir à força lógica de nosso argumento. Se ele experimentou (do contrário não lhe seria lícito afirmar que tem a "prova experimental") , segue-se que Deus fez mesmo "com que ela (a Virgem) tivesse ou- vido e atendido a ele (Eurípides) e, possivelmente, a mais alguém, visto referir-se ele a "fatos incontestáveis".

Depois dessas considerações, a fim de esclarecermos com fidelidade o pensamento que o Autor deixou con- fuso, chegamos à conclusão de que "mestre" Eurípides, no seu arrazoado, quer dizer o seguinte: Deus pode fa- zer, e tem feito mesmo, mais de uma vez (o Autor diz que tem "a prova de fatos") com que a Virgem oiça c atenda àqueles que a ela recorrem. Está isto bem, Eurípides?

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Estamos certos de que Você não poderá afirmar, nem por sombra, que estamos aqui a adulterar-lhe o pen- samento. De harmonia com os termos em que Você se expressou, temos a corda que Você mesmo nos forneceu para o seu enforcamento. E desde o advertimos de que não lhe será possível desviar a cabeça ao tremendo laço que lhe armamos.

Pobre Eurípides! Lamentamos muito, mas foi Você mesmo quem nos forneceu a corda. Prepare-se, pois, para ser enforcado.

Certamente, Você, Eurípides, nem se apercebeu do tremendo abismo em que se precipitava, ao escrever o que, irrefletidamente, escreveu. Se voltar a escrever obra desta natureza, tenha muito cuidadinho. Antes de confiar ao papel as suas idéias, veja bem os têrmos em que o faz.

Entrando agora no ponto culminante da questão sus- citada e algo desenvolvida, cumpre-nos lançar-lhe em rosto os dislates imperdoáveis numa pessoa que usa, em aditamento ao seu nome, os títulos de "líder" católico e "professor universitário"!

Em que se fundamentou, Eurípides, para lançar a tristíssima idéia (que, para cúmulo, tresanda a heresia, até mesmo no seio da sua própria Igreja), de que Deus, "o Onipotente", o Criador do Céu e da terra e de tudo quanto existe, se preste ao papel de intercessor perante uma cria- tura Sua (embora a mais santa de todas), para "FAZER COM QUE ELA OIÇA E ATENDA" os pobres pecadores, que a ela porventura recorram?!

Acaso, não será isto heresia, e gravíssima?

Que inteligências são essas, as dos seus mais excelsos mestres Papa, arcebispos, bispos e outros figurões apavonados da sua Igreja que não não viram a enor- midade do seu inqualificável dislate, como ainda, por cima, o cobriram com chuvas de bênçãos (!!), elogiando-lhe tão disparatado livro?! . . .

Diante de tal chorrilho de disparates, ficamos, de fato, perplexos, e não sabemos se as bênçãos ministradas ao Autor serão o resultado de falta de inteligência (o que

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seria deveras para lamentar) ou da mais cretina cegueira deste mundo!

Depois de ler despautérios doutrinários desta catego- ria, quem poderá prestar atenção ao cretinismo católico-* -romanista?

Na verdade, por um lado, proclama-se que o poder de Maria é imenso, a ponto de ser doutrina corrente que ela é 'medianeira universal de todas as Graças", e, neste caso, pode atender às súplicas de todos os que a ela se diri- gem, sem necessidade de intercessores. Por outro lado, asse- vera-nos "mestre" Eurípides, como intérprete do mesmo catolicismo romanista (que aprova o que ele escreveu em seu livro, elogiando-lhe até a obra), que tem "a prova experimental de que Deus tem feito "com que ela nos oiça e nos atenda"!

Em que ficamos, veneráveis mestres romanistas?

É a Virgem que ouve e atende o pobre pecador, por si mesma, ou é Deus "que faz com que ela nos oiça e nos atenda"?

Mais uma vez a mania do ilogismo do e não é" l . .

Santo Deus!

Perdoa-lhes, Pai: a um, por não saber o que escreve; a outros, porque não sabem entender o que aquele escre- veu (!), dando-lhe ainda, por cima, uma chuva de bênçãos!

Oh! Que cegueira desses romanistas! 1

1 Tão cegos andam, que não enxergam o caminho em que estão pi- sando, pois se deixam guiar por esses cegos, que os levam ao abismo, onde uns e outros se precipitam!

Assim é que, por exemplo, nestes tempos calamitosos de crise pavo- rosa, e em que vivem, miseràvelmente, sem teto condigno, pelos morros e penhascos da "Urbis" maravilhosa, sem disporem mesmo do pão-nosso- -de-cada-dia, é de arrepiar e estarrecer ver-se a Igreja Católica sugando milhares e milhares de contos de réis do nosso povo, para a exibição do seu luxo e opulência, como, pouco tempo, presenciaram os cariocas, numa procissão em honra à "Nossa Senhora de Copacabana", que exibia uma coroa de ouro cravejada de brilhantes, produto extorquido desse mesmo povo fanatizado e ignorante, que, na sua boa ou fé, julga prestar culto à sua padroeira, com tal ostentação de riqueza, quando

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Como bem disse o Apóstolo S. Paulo: "O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandesça a luz do Evangelho na glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus"! (2.a Cor. 4:4).

E parodiando o que disse o Divino Mestre na Cruz:

Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que escrevem e o que lêem! ! !

Se estamos abismados com a série de disparates eurí- pidinos, que temos apresentado e patenteado e de que é pletórico o seu írrecomendável livro atestado de pobre- za intelectual, doutrinária e dialética mais abismados ficamos, ao deparar com o maior de todos, contido no Jivro em questão.

Stupete, omnes Brasiliae gentes, ac totius orbis ter- rarum, populi!

Custa-nos acreditar que alguém, com meridiana in- teligência e acima de semi-analfabeto, fosse capaz de escre- ver um dislate de tal natureza, como o que vamos apontar. No entanto, tal dislate é da responsabilidade (ou irres- ponsabilidade) de um homem que, entre os vários títulos de que vaidosamente se enfeita, ostenta os de * 'líder cató- lico" e 'professor de Universidade" (da Católica, claro) !

vai o disparate, constante da p. 228 de seu livro:

milhares e milhares de seus filhos estão perecendo de inanição, pela falta das mínimas coisas para a sua subsistência!...

Estamos certos, portanto, de que, se a Santa Virgem soubesse disso, ela que, em vida, fôra tão humilde, ao ponto de ser forçada a agasalhar seu Primogénito "naquele sítio abjeto, onde a última das mães sentir- -se-ia humilhada" ao ver nascer o fruto do seu regaço! se ela soubesse disso, ficaria muito triste com tais homenagens!

Sim, por certo que a Bendita Virgem Maria dispensaria tal home- nagem, ou, se viva fôra, faria vender tão rica jóia e distribuiria a fabu- losa soma com os deserdados da sorte, com os infelizes sofredores, a fim de minorar-lhes a desdita, pois nisto consistiria a verdadeira caridade evangélica que esses "adoradores" da Virgem desconhecem ou que, pelo menos, não a praticam. Preferem inverter tão fabulosa quantia "naquilo que não é pão e o produto do seu trabalho naquilo que não pode satis- fazer" (Is. 55:2), e que nenhum proveito trará aos próprios "adoradores", a sairem distribuindo víveres e outros recursos aos pobres necessitados, socorrendo-os nas suas aflições e angústias, no que não verdadeira- mente agradariam a Deus, como à própria Virgem, se ela, dêsse ato caridoso viesse a ter conhecimento!

"UM MEDIADOR"

293

"Não nos esqueçamos, outrossim, de que na época do rádio, da televisão e da ciência atómica, não existe mais, praticamente, o problema das distâncias . . ."

Nunca se viu argumento mais infantil e ingénuo do que este! Que terão os alhos com os bugalhos? Que liga- ção lógica pode haver entre o que Você vinha tratando acêrca do papel mediador de Maria Santíssima e "a época do rádio, da televisão e da ciência atómica"? Será que Você pretende inculcar não haver dificuldades para os pobres pecadores dêste "vale de lágrimas" se porem em contacto com as entidades celestiais, através do rádio?

Então, Eurípides, passou-lhe pela cabeça que o rádio e a televisão poderão ser, alguma vez, meios de comuni- cação da terra com o céu? Onde estava a sua cabeça, quan- do escreveu isso?

Se Você é possuidor de algum aparelho de rádio ou televisão que possa proporcionar-nos a maneira de encur- tarmos "as distâncias" que nos separam das maravilhas e das entidades da Corte Celestial, queira ter a caridade de nos tornar co-participantes de tão singular e alto privi- légio! Pode crer que, por deferência dessa ordem, ficar-lhe- -íamos eternamente gratos . . .

CAPÍTULO XII

O PRIMADO DE PEDRO

Leonel Franca e

Eduardo Carlos Pereira

Longo tem sido, através dos tempos, o debate sobre o ponto controvertido, e que reputamos insustentável, em tôrno do "primado de Pedro".

Compreendemos perfeitissimamente o empenho for- midável demonstrado pelo Catolicismo Romano em defen- der, a todo transe, custe o que custar, tão inconsistente, quão audacioso dogma!

A razão é muito fácil de compreender. É, o papado, o alicerce desse edifício acastelado no ar, a que se chama Catolicismo Romano. Destruído tal alicerce, ruiria frago- rosamente por terra o edifício, e, com ele, todo o sistema do Romanismo.

Ora, é isso que os homens da Igreja Romana vêem muito bem, donde resulta a tenacidade insofrida, própria de mareantes que, na iminência de catastrófico naufrágio, se apegam, desesperadamente, a frágeis batéis, como meio de escapar ao exício.

Posta a questão nestes termos claríssimos, vejamos, na Escritura Sagrada, os frágeis batéis, a que desesperada- mente se agarram, para não soçobrarem, triste e vergo- nhosamente, no mare magnum do dogmatismo papalino.

E que "mestre" Eurípides, no seu livro, remete os leitores "aos escritos do R. Pe. Leonel Franca, que tão

296 CATOLICISMO ROMANO

magistralmente versou a tese' (o grifo é nosso), é, pre- cisamente, aqui, que vamos começar»

Afirmamos, desde já, que a tese em apreço do Pe. Leonel Franca apenas pode ter impressionado (não cre- mos tenha convencido) os "carolas" , com a legião dos tonsurados na vanguarda e demais espíritos medíocres daqueles que, nos domínios doutrinários somente sabem beber pelas ' 'taças" que lhes põem diante os seus mestres infalíveisl

Fique sabendo Eurípides, e com ele todos os seus mestres ou consócios: Tão vulnerável, tão inconsistente, tão pletórica de sofismas (aliás bem visíveis para qualquer inteligência esclarecida) é a tese do jesuíta Franca, que todo o arrazoado por ele escrito a respeito cai fatalmente por terra, como edifício falho de alicerce, do qual não restará pedra sôbre pedra!

E mais lhe dizemos ainda, Eurípides: O aparente êxito dêsses "escritos", tão celebrado pelo ultramontamV mo jesuítico-papal, é o mais triste e vergonhoso certifi- cado que até hoje se pretendeu passar ao que de mais nobre e elevado existe nos domínios da inteligência e da capaci- dade intelectual dos brasileiros!

Na verdade, faz-nos corar de vergonha que alguém nos possa dizer, como disse um intelectual europeu, que pasmou de "como foi possível obter sucesso tão retumban- te um livro que, pelos seus sofismas audaciosos e falta de consistência nos argumentos, apenas pode convencer inte- ligências medíocres ou de lorpas!"

Ainda bem que, ao ouvirmos tal expressão, sentimos logo não sermos nós os atingidos pela reprimenda. Graças a Deus, não pertencemos ao número daqueles acéfalos e inconscientes que, por falta de massa cinzenta ou de cons- ciência, se deixam conduzir como cegos, por outros cegos!

É que nós não lemos pela cartilha jesuítico-papal.

Jamais, em qualquer escrito humano, apareceu tão manifesta e tão insólita audácia, como na obra dêsse cérebro jesuítico-papista "A Igreja, a Reforma e a Ci- rilização".

O PRIMADO DE PEDRO

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Como o nosso livro não tem por escopo refutar a obra do Pe. Franca (o que, aliás, foi feito com grande merecimento por mais de um escritor evangélico, dentre os quais é de justiça salientar o Rev. Lisânias de Cerqueira Leite e o Dr. Ernesto Luís de Oliveira), mas sim, reduzir a cinzas o arrazoado euripidino, limitar-nos-emos, aqui, a apresentar a "mestre" Eurípides, dois ou três argumen- tos do Pe. Franca, certamente reputados "geniais" pela casta abatinada e pelos "carolas", mas que, considerados à luz da verdade desempoeirada de sectarismos tão pró- prios do papismo, são uma demonstração cabal da inépcia do empavonado, com famas de "líder" entre as capacida- des do romanismo no Brasil, e da mais refinada do sofista inveterado, que foi o enfatuado jesuíta Leonel Franca.

Abra bem os olhos, Eurípides, e veja a realidade tre- menda do que acabamos de afirmar.

O Rev. Eduardo Carlos Pereira citou com a maior fidelidade o passo bíblico que se em Atos 8:14, confor- me se pode ver nas Bíblias Católicas, tal como se encon- tra na versão do N. T. do Pe. Vicente Zioni e que trans- crevemos: "Ora, os Apóstolos que se achavam em Jerusa- lém, tendo ouvido que a Samaria recebera a Palavra de Deus, MANDARAM-LHES (o versalete é nosso) Pedro e João".

Pretendendo contestar a verdade candente e indestru- tível do argumento que demonstra, sem o menor sofisma, que Pedro jamais deu ordens jurisdicionais aos outros apóstolos (o que seria lógico admitir-se, se, de fato, fosse ele o seu chefe ou o chefe da Igreja), mas, ao contrário, foi MANDADO por êles; querendo destruir esta verdade que ressalta da citação em aprêço, o jesuíta Leonel Franca cai no abismo de assacar a Carlos Pereira a acusação de tresler o texto latino da Vulgata traduzindo o têrmo "miserunt" por "mandaram", quando deveria antes ter traduzido por "enviaram".

Desde desafiamos Eurípides ou qualquer dos seus mestres, abatinados ou não, que pretenda ser advogado de

298

CATOLICISMO ROMANO

defesa do jesuíta Franca, a que nos refute o argumento que vamos expor.

Em primeiro lugar, devemos verberar, e acremente o fazemos, o descuido lamentável, ou, o que é pior ainda, a deslavada do jesuíta Franca. Na verdade, é indes- culpável tal evasiva, pois ele tinha obrigação de saber muito bem que a versão "mandaram" encontra-se mais nas versões católicas da Bíblia, do que nas protestantes.

Aqui tem, "mestre" Eurípides, uma demonstração cabal da mísera improbidade de que estão eivados 'os es- critos", que Você talvez julgue geniais!

Aqui tem o valor moral do campeão da sua Igreja!

É, na verdade, recurso miserável, esse de se pretender que foi preciso "tresler o texto", para se verter miserunt latino para o mandaram português!

Isto é o cúmulo de e, ao mesmo tempo, con- fissão de derrota!

Desafiamos "mestre" Eurípides ou todo e qualquer defensor do jesuíta Franca a que nos apresente um único (um único, repare bem!) dicionário latino que não assi- nale ao verbo "minere' o significado de "mandar" .

E, mesmo, que valor poderia ter tal argumento, ainda que tivesse base? Porventura, "enviar" e "mandar" não são palavras sinónimas? Se tem alguma dúvida a respeito, abra qualquer dicionário de sinónimos, e verificará se es- tamos certos ou não.

E Vocês ainda elogiam semelhante polemista! . . .

Quanto a nós, porém, teríamos vergonha de aplaudir um "campeão" dêsse jaez, que se apresentasse em nossas fileiras.

Julgando-se senhor absoluto em terreno conquista- do e supondo (de hoje em diante os romanistas jamais poderão fazer) que todos à sua volta seriam cegos ou ignorantes, com a costumada empáfia jesuítico-papísta, o Pe. L. Franca, jactando-se, possivelmente, de profundo conhecedor das Sagradas Escrituras, faz esta afirmação categórica: "Três vêzes, em tôda a Escritura, mudou Deus o nome das pessoas e em tôdas três se tratava de elevar um

O PRIMADO DE PEDRO

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particular à dignidade de chefe dos eleitos" (nota à pági- na 7 de IRC). Aos nomes de Abraão, Jacó e Simão alude o Pe. Franca.

Repare bem, Eurípides, nesta saída de seu mestre Pe. Franca!

Então, este é o homem "que tão magistralmente ver- sou a tese do primado de Pedro"?!

Fôsse um imbecil que tivesse escrito uma inexatidão tão flagrante, ainda poderia ter desculpa, mas, tratando-se de um homem a quem o ultramontanismo brasileiro quase divinizou, e o apresenta aos incautos ou ignorantes como sumidade nos domínios do pensamento católico, tal homem não pode ter a mínima desculpa!

Por isso, somos forçados a taxá-lo, aqui, como ele merece: de ignorante, audacioso, inescrupuloso. Ignoran- te, sim, lhe chamamos nós, e provamos. Ignorante, porque pouco versado no conhecimento das Sagradas Escrituras: referiu que nas mesmas se encontram três mudanças de nomes, quando, na realidade, são sete os passos escritu- rísticos que nos falam de mudanças de nomes.

E, se duvida do que estamos afirmando, queira abrir a sua Bíblia e verá as sete vezes em que houve mudanças de nomes ou acréscimos. Além dos três casos apontados pelo jesuíta, temos ainda mais quatro: Gên. 17:15; 2.° Sam. 12:25 (nas versões protestantes e 2.° Reis, nas católicas) e Mare. 3:17.

E, o que é mais grave: em nenhum dos casos por êle citado, como nos demais casos por nós agora citados, a mudança de nome importava "cm elevar alguém à digni- dade de chefe"; no caso de Simão, nem sequer tratou Nosso Senhor de mudar-lhe o nome, e sim o de acrescen- tar-lhe ao nome "Simão" o sobrenome "Pedro '.

Daí, cometeu o malsinado jesuíta três erros imper- doáveis: 1.° quanto ao número de tais mudanças; 2.° quanto ao sentido de tais mudanças ou acréscimos de nomes; 3.° quanto ao caso particular de Simão, em que não houve mudança, mas acréscimo de nome. Dêste decorre outro êrro, e clamoroso, que foi o seu paralelis-

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CATOLICISMO ROMANO

mo entre a mudança do nome de "Jacó" para "Israel" (Gên. 32:28) com o caso de Simão, pois neste, como vimos, não houve mudança, mas acréscimo, o que se prova em Luc. 6:14; At. 15:14; S. João 21:16; 2.a Pedro 2:1.

Tudo, pois, afirmou o jesuíta com clamorosa inver- dade, em face da Palavra de Deus.

Então, uma sumidade jesuítica, como outra não se encontrou igual (!) em terras do Brasil, nem sequer apre- sentou a metade dos casos de mudanças de nomes, citando apenas três "em toda a Escritura" , caindo em tantos erros que um semi-analf abeto coraria de cometê-los?!

Vejamos mais uma prova da falta de senso do je- suíta Leonel Franca:

Segundo êle refere, "até o dia de Pentescostes os dis- cípulos de Jesus não lhe entenderam o ensino acêrca do primado de Pedro" (IRC, págs. 9, 10 e 11). No entanto, inculca que o ensino a respeito do "primado de Pedro tinha sido dado de modo tão claro, tão isento de equívoco e duplicidade, que ninguém podia deixar de entender o Senhor, principalmente os Seus discípulos ..." (IRC, pág. 21).

Que lhe parece, Eurípides?

Afinal, em que ficamos?

Os discípulos, antes do Pentecostes, tinham ou não tinham entendido o ensino que Jesus lhes dera acêrca do "primado de Pedro"?

Se tinham entendido, porque afirma expressamente, Leonel Franca, que não entenderam? Se não tinham enten- dido, como é que s.s. pôde afirmar que "ninguém podia deixar de entender o Senhor, principalmente os Seus dis- cípulos"?

Que pavorosa confusão!

Por êste simples pano de amostra, qualquer inteli- gência, de mediana para cima, poderá aquilatar a belez* cessa "peça" jesuítica, tão magistralmente engendrada pelo gigante do Catolicismo!

Leonel Franca, com êsse seu livro, representa o la- mentável papel do advogado que, conquanto muito ilustre

O PRIMADO DE PEDRO

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competente, faz, todavia, tristíssima figura em pleno Tribunal, em defesa de uma causa indefensável!

E esta é a lamentável condição da causa do Papado e do seu consequente romanismo! Não advogado capaz de defendê-la. E quem a tanto se aventurar, está condena- do, fatalmente, a fazer a mesma figura que fez Leonel Franca, metendo os pés pelas mãos, não obstante os aplau- sos dos ultramontanos, incapazes de ver a luz da verdade, tal o estado de cegueira e em que se encontram! 1

O "texto capital": "Pedro é a pedra''

Entramos, agora, propriamente, na refutação do in- sustentável dogma do papado acerca do primado de Pedro. Achamos conveniente frisar que não vamos mencionar todos os argumentos que até hoje têm sido empregados por escritores anti-romanistas. Dentre estes, seja-nos lícito citar o referido Eduardo Carlos Pereira, Lisânias de Cerqueira Leite, Dr. Ernesto de Oliveira, Hipólito de Oli- veira Campos, Eliéser dos Santos Saraiva, autores, res- pectivamente, das seguintes obras: "O Problema Religioso da América Latina", "Protestantismo e Romanismo" (em 2 volumes), "Roma, a Igreja e o Anticristo" e "Cato- licismo Romano Velha e Fatal Ilusão da Sociedade". Além de outros muitos, entre os quais figura, como estrêla de primeira grandeza, Rui Barbosa, em sua monumental obra "O Papa e o Concílio", até hoje sem resposta alguma dos ultramontanos!

De tanta importância é, para o Romanismo, a tese do chamado "primado de Pedro", que lhe poderíamos chamar a espinha dorsal do papado, o mesmo que dizer, o

1 Quem quiser conhecer mais erronias das muitas de que está eivado o decantado livro "A Igreja, a Reforma e a Civilização" de Leonel Franca, que leia a réplica fulminante que lhe deram Lisânias de Cer- queira Leite, em sua obra em 2 volumes, intitulada "Protestantismo e Romanismo", e a obra "Roma, a Igreja e o Anticristo" do Dr. Ernesto Luís de Oliveira.

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CATOLICISMO ROMANO

fundamento do sistema do Catolicismo Romano. E tanto assim é, que, se este fundamento se esboroar, ruirá, fatal- mente, todo o edifício do papado, e, com ele, os seus con- sequentes dogmas.

À falta de argumentos sólidos e insofismáveis para a defesa de suas teses, apega-se o papismo, com unhas e dentes, ao texto de S. Mateus 16:18, como "a cidadela central, o baluarte mais importante, a trincheira procla- mada inexpugnável das usurpações papais", a que cha- mam, também, de "o texto capital".

Assim resulta que, toda a controvérsia à volta do dogma do "primado de Pedro" está na interpretação de quem era a "pedra" referida no texto citado.

A tese romanista consiste em afirmar que a "pedra* é Pedro.

Ao contrário, todos os não católicos e mesmo muitos católicos mais esclarecidos sustentam que a pedra funda- mental da Igreja é Cristo.

Vejamos, agora, se é possível sustentar a tese roma- nista: "Pedro é a pedra".

Sobre o assunto, o saudoso e eminente colega Rev. Eduardo Carlos Pereira, ministro presbiteriano como nós, discorreu magistralmente, em seu livro "O Problema Re- ligioso da América Latina", obra que o jesuíta Leonel Franca pretendeu refutar, chamando-lhe "obra de fanca- ria", mas que, no entanto, (como em parte, vimos), nem de leve conseguiu destruir um único argumento da- quele eruditíssimo ministro, limitando-se, apenas, a sofis- mar toda aquela argumentação granítica do arauto-mor do presbiterianismo brasileiro, no seu tempo!

Assim é que, a obra do genial colega continua de pé, irrespondível, desafiando todos os corifeus do papismo! 1

1 Em outro capítulo faremos menção de alguns dos argumentos da- quele ilustre confrade. De qualquer maneira, entretanto, seria interes- sante que os leitores procurassem adquirir a obra do citado confrade "0 Problema Religioso da América Latina".

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Quem é a pedra?

Comecemos, pois, por ver quem pode ser a "pedra* de que fala "o texto capital", de S. Mat. 16:18.

Em parte, o Catolicismo Romano é coerente com o seu sistema, quando diz que Pedro é a pedra fundamental de sua Igrejal

Está uma coisa que não contestamos, porque so- mente um sistema como o Catolicismo Romano é que po- deria ter como fundamento de sua igreja um simples homem. A verdadeira Igreja de Cristo, evidente, não se estribaria em tão frágil alicerce.

Sim, estamos de acordo, em parte, em que a pedra fundamental da Igreja Romana seja Pedro, como ela prega e ensina. Mas, é Pedro para ela, porque, na verdade, repita-se, a Igreja Católica Romana (ou outra seme- lhante a ela, se fosse possível existir semelhante monstren- go religioso . . .) é que pode ter, como fundamento, tão frágil alicerce, caracterizado mesmo, pela sua fragilidade humana, como "fragmento de argila" ou "seixo", que é o significado da palavra "Petrus", no grego! Para a ver- dadeira Igreja de Cristo (da qual a Igreja Romana se afastou), que se funda não no homem, mas na "Rocha" inquebrantável dos séculos, na "Rocha" indestrutível, fir- me, inabalável que é o significado da palavra "petra" a pedra é Cristo!

Por consequência, o Catolicismo Romano, sistema de doutrinas engendrado pelos homens, e, portanto, falível, é algo coerente, quando defende, com unhas e dentes, que "Pedro", "o fragmento da argila", o homem, afinal, é o fundamento ou a pedra fundamental de sua Igreja! É isso mesmo, o fundamento da Igreja Romana, porque o da Igreja de Cristo, do verdadeiro Cristo, d' Aquele que disse que fundaria a Sua Igreja "e as portas do Inferno não prevaleceriam contra ela" o fundamento da Igreja d'Êsse Salvador Todo-Poderoso, "Deus Bendito para sem- pre", na frase paulina nunca foi, não é, jamais poderá

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CATOLICISMO ROMANO

ser a frágil e pecaminosa criatura humana, ainda que seja a mais santa das criaturas de Deus! (Efés. 1:22; 2:20).

Fique-se, pois, a Igreja Romana com o seu funda- mento humano, que nós, (por isso mesmo nos afastamos dela) ficamos com a Igreja de Cristo, cujo fundamento é, não podia deixar de ser, e sempre será divino!

Dissemos que, em parte, concordávamos com o pa- pismo em que Pedro seja a pedra fundamental da Igre- ja . . . Romana. Na realidade, a Igreja Romana está tão eivada de erros e fraquezas tantas, de tanta corrupção doutrinária, repleta àz tantas doutrinas anticristãs, enfim, que poderíamos admitir fosse Pedro o seu fundamento, por ser Pedro homem, e, portanto, sujeito a erros e fra- quezas, como todas as pobres criaturas humanas. atra- vés desse prisma se justificaria ser ele, Pedro, o fundamento de tal Igreja! pelo fato de ele ser homem, notai bem! Sob o aspecto doutrinário, moral e espiritual dessa Igreja, S. Pedro seria rebaixado, e muito, em servir-lhe de funda- mento, porque não chegou ele a cometer, em vida, a mi- lionésima parte dos despautérios, inverdades, fraquezas, erros, crimes e pecados que tem cometido, através dos sé- culos, essa Igreja que ensina ser ele o seu fundamento! Neste caso, pois, seria uma honra para a Igreja Romana; para S. Pedro é que não seria honra nenhuma, mas, ao contrário, desdouro.

Estamos certos de que, se S. Pedro soubesse disso, não daria até boas gargalhadas no céu, como ainda seria capaz de requerer a N. S. Jesus Cristo desse Êle ordem p'ra baixo a fim de que tal abuso fosse coibido. Sim, porque o santo apóstolo, munido de binóculo, dos altos céus, ficaria escandalizado com o luxo e riquezas e toda a opulência dominante no faustoso palácio de um papa que se diz seu sucessor; e sentír-se-ia êle, sempre tão humil- de, chocado com a visão de tal espetáculo! E mais, revol- tar-se-ia o santo, ao ver a corrupção doutrinária, moral e espiritual a que se afundou a Igreja, ao se apartar de Cristo! Tudo isso, para o espírito de S. Pedro, seria deve- ras humilhante, seria o mesmo que fazê-lo pedra funda-

O PRIMADO DE PEDRO

mental de um prostíbulo, porque a Igreja Romana, apar- tando-se de Cristo, como se apartou, é chamada, na Bíblia, "a prostituta das Nações"! (Apoc. 19:2).

Portanto, o fato de invocarem o seu nome como fun- damento de tal instituição, não seria considerado pelo santo apóstolo honraria alguma; muito ao contrário, seria desonra. Nem S. Pedro, nem santo algum, quer ter con- luios com a Roma do maquiavelismo papal, usurpadora das prerrogativas e dos direitos exclusivos de Cristo; tam- pouco admitir que se explore o seu nome para servir de apoio a salafrários e cafajestes espirituais, como o são, na maioria absoluta, os representantes dessa religião da "maioria".

Defenda-se a honra, pois, do apóstolo Pedro, tão amigo do seu Divino Mestre, que jamais, nem por pensa- mento, pretendeu usurpar qualquer direito ou título a Êle devido; e, muito ao contrário, sequer consentiu lhe fossem prestadas homenagens que pudessem ser interpretadas como culto ou adoração. Foi assim que êle, conforme se em Atos dos Apóstolos 10:26, fêz levantar a Cornélio, que se havia prostrado aos seus pés, dizendo-lhe: "levan- ta-te, que eu também sou homem!"

Pelo exposto fica demonstrado, à evidência, a pro- fundeza do abismo que medeia entre aquêle que dizem ser o fundamento da Igreja Romana e seus decantados su- cessores ! !

S. Pedro não consentiu que ninguém se ajoelhasse aos seus pés; seus pretensos sucessores (os papas), não consentem, mas têm como norma exigir que toda a gente se prostre diante dêles.

Que abismo profundo e intransponível existe entre Pedro (que teria sido o primeiro papa) e os seus pretensos sucessores, os papas do romanismo!

É de lastimar que ainda existam na face da terra tantos e tantos atacados de cegueira, que não vêem aquilo que é tão fácil de ver, nem compreendem o que tão fácil é de compreender! . . .

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CATOLICISMO ROMANO

É tão lamentável a triste cegueira humana, por parte de muitos, que não enxergam esse desvario abominável de homens, que não receberam a plenitude do Espírito Santo (como receberam os apóstolos no Cenáculo de Jerusalém, no dia de Pentecostes), pretenderem alçapremar-se infi- nitamente acima daquele apóstolo, de que se dizem, em- busteiramente, sucessores! E mais: que se dizem com po- deres suficientes para desentronizarem os soberanos da terra; que podem desobrigar do juramento de fidelidade para com os soberanos, pelo que, ensinam ser justo o pró- prio regicídio; que o papa não pode ser julgado por nin- guém pelo que diz ou faz; que pode doutrinar e decretar doutrinas contrárias àquelas que os autores inspirados nos transmitiram; que é, também, o único intérprete das Es- crituras; que o clero e os leigos estão sujeitos ao papa; que este é, finalmente, infalível, e mais que tudo, que é Deus ( ! ) e mais que Deus ( ! ! ) . Sobre isso, o servilíssimo e subservientíssimo cardeal Belarmino chega a afirmar: "Se o papa errasse, ordenando vícios ou proibindo virtu- des, a igreja, se não quisesse pecar contra a sua consciência, seria obrigada a crer que os vícios são bons e as virtudes são más. Pois que a igreja, em casos dúbios, é obrigada a aquiescer ao juízo do Sumo Pontífice e fazer o que ele ordenar, e deixar de fazer o que ele proibe; e, para não agir contra a consciência, é obrigada a crer que é bom o que ele ordena, e não o que êle proibe"!!!

Haveria, acaso, animal mais irracional e sem perso- nalidade do que o despersonalizado e sacrílego cardeal Be- larmino?

Iríamos longe se fôssemos mostrar, exibir, aqui, todas as sacrílegas pretensões dêsses pseudo-sucessores do santo e humilde S. Pedro!

Foi a um papinha em embrião, chamado Diotrefes, precursor dos papas romanistas, que, querendo obter o primado, excomungava os que se lhe opunham, que o Apóstolo S. João, em sua 3.a Ep., cap. I, 9-11, condena acremente, como se lê: "Eu talvez tivera escrito à Igreja, mas aquele Diotrefes, que ama ter entre êles o primado,

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não nos recebe: por isso, se eu for, darei a entender as obras que ele faz, chilrando com palavras malignas contra nós; e como se isto não lhe bastasse, nem ainda quer re- ceber a nossos irmãos, e veda aos que os receberem que o não façam, e os lança fora da Igreja. Irmãos, não imiteis o mal, mas o bem". Pois bem, tais palavras de S. João se aplicam, com muita propriedade, a todos os papas!

Afirmamos, atrás, que o Papa se apresenta ao mundo como mais do que o próprio Deus e vamos provar. Basta que nos reportemos ao Compêndio de L. de Sanctis e G. Moreno, págs. 238 e 239, que transcrevemos, na íntegra :

"Por decreto de Nicolau II (1059) o papa é eleito pelo Colégio dos Cardeais. Antes a eleição pertencia ao Senado, ao povo e ao Clero de Roma ... O Papa é o últi- mo degrau da hierarquia eclesiástica é o que de grande, de majestoso e de excelso pode haver sôbre a terra. A inte- ligência humana não pode idealizar a outrem que o su- pere — é o último têrmo das grandezas terrenas. Ele dis- põe das coisas do céu, da terra e do inferno. Dispõe do céu, porque é S. Pedro que está à porta do céu e tem as chaves do mesmo. Tentai entrar no céu sem o salvo-con- duto do Papa, e vereis ser impossível. Dispõe das coisas da terra, porque do Papa foi dito: "Per me reges regnant, et legam conditores justa decernant" (por mim governam os reis e os legisladores conhecem a justiça). Dispõe do in- ferno, e o Purgatório é o seu Patrimônio, de tal maneira, que, se o Papa quisesse, poderia esvaziá-lo com um fiat. Quereis, leitores, compreender mais claramente que não quem se iguale ao Papa? Entrai numa Igreja Católica e vede: os que passam diante do Altar do SS. Sacramento dobram o joelho em sinal de reverência; se o SS. Sacra- mento está exposto sôbre o Altar, a reverência é feita com os dois joelhos. Em seguida, ide ao Papa e, se por uma graça especial, fordes admitidos, tereis que prostrar-vos três vêzes, tocando a terra com a fronte, e aniquilar-vos quase diante de tanta elevação e todavia êle come, bebe, fala, e dorme como vós, e, como vós . . . será roído pelos

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vermes. Quereis outra prova mais humilhante, mais nítida e clara? Ei-la: Antes de 1870, quando em procissão saía da Igreja o SS. Sacramento, a Fortaleza de Castel Sant' Angelo o saudava com três tiros de canhão era a honra que se dava a Deus. Saía o Papa do Vaticano? Castel Sant' Angelo o saudava também, anunciando o aconteci- mento ao povo com vinte e um tiros de canhão honra que se dava ao Vigário de Cristo! Três tiros de canhão, salva para Jesus! VINTE E UM, para o Papa! Quem maior e mais poderoso?"

Não temos sobejas razões, quando afirmamos que, sobre tal aspecto, seria até grande desmoralização para o santo, ser ele fundamento de crença de uns espíritos diabó- licos como estes, que se arrogam direitos e poderes até superiores aos de Deus, e cuja voz não admite contes- tação?!!!

Repita-se: Defendamos a honra do Apóstolo Pedro, por justiça e por direito, pois que, apesar de frágil cria- tuia humana, foi ele um seguidor de Cristo, reabilitado pela Graça de Deus ao Ministério Santo, e cuja religião, que pregou, até o fim de sua vida, e pela qual morreu como mártir, foi a verdadeira Religião de Cristo, e não a religião do ultramontanismo, que tão magistralmente, tão fídelissimamente, como vimos, em capítulo anterior, o genial Rui Barbosa descreveu em O Papa e o Concílio".

E, sendo que o intrépido e fiel apóstolo Pedro era. na sua vida e nas suas prédicas, o oposto dessa religião paganizada e altamente mundanizada e corrupta, segue-se que, nem mesmo ele, apesar de humano, perecível e mortal, sob o aspecto doutrinário, moral e espiritual, pode ser a pedra fundamental da Igreja Romana.

Se fosse possível admitir-se como fundamento da Igreja Romana aquele Pedro, pescador da Galiléía, im- petuoso, impulsivo, pecador, instrumento nas mãos de sa- tanás (como Cristo certa vez o increpou), o cobarde que negou seu Mestre, por três vêzes, diante de uma mulher, no pátio de Caifás ainda poderíamos estar de acôrdo.

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Mas, que seja fundamento da mesma igreja, eivada de erros clamorosos, como vimos, e de inovações anticristãs de tôda a ordem, aquele Pedro transformado, pela Graça do Espírito Santo, em Santo Apóstolo de Jesus Cristo, isso, de modo nenhum, podemos admitir!

É que o grande Apóstolo, pelas suas atitudes da mais evangélica humildade, pela sua pobreza ("não tenho prata nem ouro"), pela sua fidelidade a Cristo, pelas ver- dades eternas que ensinou, sempre de harmonia com a divina Revelação contida nas Santas Escrituras por tudo isso, e muito mais que poderíamos acrescentar ele se nos apresenta em contraste tão flagrante com a Igreja Romana, que tem sido precisamente a antítese das virtu- des e doutrinas do santo Apóstolo, que, de modo nenhum,, se pode admitir seja ele o fundamento de tal Igreja! Seria injuriar a memória do Santo!

E, para maior clareza, frisemos, ainda, (embora em pálida síntese), o flagrante contraste entre S. Pedro e os seus pretensos sucessores!

De tudo o que ficou sobre o Papado, é mais que evidente que um abismo imensurável entre S. Pedro e essa falange sinistra e diabólica de hipócritas e sacrílegos mundanizados e podres como ovos arruinados; mas, ainda, para reforçarmos esta nota, vejamos alguns dos mais frisantes e berrantes contrastes.

S. Pedro (o Pedro santificado pela Graça) levou vida sem mácula; a vida dos papas de Roma está repleta de máculas de tôda ordem. S. Pedro foi a encarnação da humildade evangélica; o papismo tem sido a personifi- cação do máximo orgulho humano e da maior arrogância e soberba e o expoente mais alto do despotismo de que menção nos anais da História. S. Pedro foi tão pobre e destituído de bens terrenos, que pôde dizer em verdade: "não tenho prata nem ouro"; ao contrário, o Romanis- mo, com o seu Vaticano e "sucursais" pelo mundo inteiro, tem sido uma das maiores ostentações de riqueza humana

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CATOLICISMO ROMANO

e parece insaciável a sua sede de dinheiro. 1 S. Pedro, fiel a N. S. Jesus Cristo, declarou não haver salvação fora d'Êle (Cristo) ; o Romanismo ensina que "fora da Igreja Católica não salvação". S. Pedro ensinou verdades eternas de harmonia com a Revelação Divina, contida na Sagrada Escritura; o Romanismo ensina e preceitua dogmas contrários às mesmas verdades eternas, em fla- grante desarmonia com a Divina Revelação!

Não, senhores romanistas! Ficai sabendo, para vossa suprema humilhação e para descrédito absoluto dos vossos sofismados dogmas, que nem sequer podeis arrogar-vos o direito de terdes como fundamento da vossa Igreja o humilde pescador da Galiléia, que se tornou, pela Graça do Espírito Santo, o grande apóstolo de Jesus Cristo!

Buscai onde quiserdes o fundamento para a vossa igreja, que não vos será dado o direito de proclamardes S. Pedro como vosso fundamento!

Reparem bem nisto, Eurípides e seus consócios ro- manistas: Igreja que tenha por fundamento um homem, não pode ser divina. Ora, a Igreja Romana (segundo a sua própria doutrina) tem por fundamento um homem: S. Pedro. Logo, a Igreja Romana não é divina.

E a recíproca do silogismo é verdadeira:

S. Pedro fundamento humano não pode ser, absolutamente, pedra fundamental da Igreja de Cristo, que c de origem divina!

Pode a Igreja Romana continuar a sustentar que Pedro é o seu fundamento; quanto a nós, protestantes

1 Sêde de dinheiro, sim, comprovada pelas licenças, pelos batizados, casamentos, restauração das excomunhões papais, indulgências parciais e plenárias, missas de corpo presente, do 7.° dia, do 30.° dia, de aniver- sários, simples, solenes ou cantadas, em ações de graças ou em sufrágio pelas almas do suposto Purgatório (que é "a galinha de ouro da Igreja"), exéquias, absolvições sôbre os mortos (em casa ou sobre o túmulo, res- ponsórios, canonização dos santos, a ordem, o matrimónio, as bulas; di- nheiro para tudo isso e mais dinheiro ainda para as suas catedrais intermináveis, para as suas obras "pias" e de "caridade" (que quase nunca aparecem . . . ) , espórtulas para os santos, dinheiro, dinheiro, di- nheiro e sempre para sustentar o luxo e a opulência dos nababos papa- linos, antístites e mais confrarias e irmandades!...

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de todas as denominações, e os gregos, ortodoxos e hete- rodoxos, e todos os fiéis que têm Cristo como seu Salva- dor (com a exclusão dos romanistas), jamais deixaremos de sustentar que o fundamento de nossa crença ou Igreja é o mesmo Jesus Cristo, para Quem convergem tôdas as nossas esperanças. Nisto reside a diferença profunda entre nós e os romanistas: eles têm um fundamento humano, terreno, material e corruptível; nós, Graças ao Altíssimo Deus, temos o fundamento divino, celestial, espiritual, in- corruptível! Êles (os romanistas) podem dizer que têm como seu chefe e generalíssimo a S. Pedro; nós temos como tal a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus!

Quem tem olhos para ver, que veja!

"Quem tem ouvidos para ouvir, oiça. . (Apoc. 3:13).

Dissequemos o que, para os romanistas, é o 4 'texto capital" (S. Mat. 16:18): "Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja . .

Antes de mais nada, convém frisar que a Igreja fun- dada por Nosso Senhor Jesus Cristo é uma Sociedade com fins supremamente espirituais atinentes à salvação eterna. É, portanto, uma Obra divina, porque Deus pode sal- var. E, tão verdade é isto, que foi necessário, para a sal- vação do género humano, que o Filho de Deus se fizesse homem.

É que o sacrifício de qualquer ser criado, e, portan- to, finito, jamais seria suficiente para satisfazer a Justiça divina ultrajada.

Sendo assim (e ninguém pode contestar o que afir- mamos), torna-se evidente que a mesma Igreja, fundada por Cristo, com o fim único e exclusivo da salvação dos pecadores, não pode ter como fundamento um elemento material ou humano, mas sim um elemento espiritual e divino.

Poderia, acaso, de alguma forma, um homem ser fundamento de uma Obra divina? Se pudesse (admitin- do-se o absurdo), tal Obra deixaria de ser divina.

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Pode o homem, sim, ser 'cooperador" de uma Obra divina ou instrumento de Deus na realização de uma Obra divina, 1 mas não pode passar pela cabeça de ninguém, possuidor de cérebro equilibrado e desempoei- rado, a idéia de um simples mortal ser o fundamento de uma Obra divina, ou mesmo qualquer das entidades an- gélicas.

Assim como o fundamento do budismo, do confu- cionísmo, do maometismo está nas doutrinas ensinadas pelos seus fundadores, respectivamente, Buda, Confúcio e Maomé, por semelhante modo, o fundamento da Religião Cristã está no Seu Divino Fundador Nosso Senhor Jesus Cristo! E não é isto tão lógico, tão evidente? Acaso, poder-se-ia imaginar, sequer, que Deus iria buscar um fundamento humano, para alicerçar as Suas verdades eternas, verdades que têm o escopo supremo da salvação desse homem ' 'decaído", que foi o objeto de Sua Infinita Misericórdia, visto que estava "morto em seus delitos e pecados"? Acaso, é concebível admitir-se que Deus iria fundar o Seu sistema de salvação ou a Sua Santa Igreja sobre as ruínas espirituais de um "cadáver"?

"Que é o homem para que te lembres dele, e o filho do homem para que o visites? exclama o salmista! Não seria isto, pois, dar Deus ao homem, ao mísero mor- tal, valor e importância que jamais teve nem jamais terá?

Tanto isto é verdade, tão miserável, ínfimo e sem forças é o homem, que, mesmo a salvação, obra da livre Graça de Deus, oferecida gratuitamente, em Cristo, mes- mo a salvação, assim de graça, ele dificilmente alcança! Ora, se para ele próprio, muito dificilmente pode acimentar ou alicerçar o edifício de sua salvação, (por- que isto depende exclusivamente da Graça de Deus), como poderia ser ele o alicerce, o fundamento da salvação dos outros?

i l.a Cor. 3:9.

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Tal concepção, mesmo na mentalidade dos ro- manistas, que passaram procuração ao Papa para que pense por eles!

Ora, (prossigamos), se o fundamento da Religião Cristã está em Cristo, de que depende a nossa vida eter- na, consoante o próprio Mestre nos ensina: "A vida eter- na, porém, é esta, que conheçam a Ti, único verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo, aquele que Tu enviaste" { S. João 17:3), segue-se que tem de ser nesta crença, pelo Divino Mestre exposta, que se deve fundamentar todo o sistema do Cristianismo, e não no pobre homem, pois, repita-se, é lógico e mais que evidente que este não pode substituir a Deus nem em pensamento, muito menos dar-nos a certeza dessa vida eterna, senão mediante a inabalável no elemento divino, que implícita e explicitamente se ba- seia não na palavra do homem, mas, sim, na própria palavra de Deus!

Fosse o fundador de nossa Religião Cristã um mero homem, como poderia assegurar que as suas promessas de vida eterna, mediante mesmo a observância dos seus preceitos, seriam cumpridas? Quem nos poderia conven- cer da possibilidade de tal salvação?

Precisamente por isso, por ter como fundamento um homem, é que ela chega mesmo a doutrinar que ninguém pode ter certeza de que será salvo! Pudera!

Nós, porém, que cremos n' Aquele que disse: "Quem crê em mim tem a vida eterna", não nos resta a menor dúvida de que estamos salvos, porque nos fundamenta- mos não na palavra do homem, mas na própria palavra de Deus!

Sendo assim, (e é mesmo), o fundamento, o sus- tentáculo de tal doutrina não pode ser a impotente cria- tura humana. Para que ela mereça a nossa e crença, mister se faz que se fundamente na certeza divina.

Daí, que assim é, essa Religião ou Igreja tem de ter, fatalmente, fundamento capaz de resistir a todas as investidas do ceticismo e remover, para bem longe de nós, qualquer sombra de dúvida em torno das promessas. Ora,

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CATOLICISMO ROMANO

a Religião Cristã é a única que nos certeza, no meio das incertezas deste mundo, certeza quanto ao objeto da Cristo, e ao destino eterno das almas; por isso mes- mo o seu fundamento não pode ser outro senão o divino. E, se nos retorquirem que, além desse fundamento divi- no, Deus constituiu outro, humano (a tal "pedra" se- cundária, o Pedro), aí, então, nós lhe respondemos, muito logicamente, que, neste caso, quem tem o divino tem o máximo, e pode muito bem dispensar o mínimo, que, no caso, seria o fundamento humano! Portanto, se foi dágua abaixo o tão decantado edifício do "prima- do de Pedro", e rui, fragorosamente, pelos próprios dar- dos que lhe atiraram os seus impotentes defensores!

Logo, mesmo Cristo pode ser o fundamento, e fundamento único, ou pedra fundamental de Sua Santa Igreja, por Êle fundada, que não se funda em doutrinas humanas como as do budismo, confucionismo ou mao- metanismo.

A propósito, lembramo-nos de uma discussão que houve entre um maometano e um cristão. Aquele disse a este: Nós temos a caveira de Maomé, em Meca, e Vocês têm uma sepultura vazia, em Jerusalém! ... "Pois é precisamente por isso que a nossa tem valor, e valor infinito: é que Nosso Salvador venceu a morte, ressur- giu, e, portanto, pode assegurar-nos a vida eterna, o mes- mo não podendo Você afirmar da sua no maometanis- mo, de cujo fundador apenas resta a caveira!

"Se Cristo não ressuscitou, é a nossa e a nossa salvação e pregação", e "seríamos as mais miseráveis das criaturas", como no-lo diz S. Paulo, porque as nossas esperanças estariam concentradas num simples mortal. Segue-se, daí, que o fundamento inspirador da absoluta certeza de salvação tem de estar ligado com a doutrina, com a vida, e finalmente com a própria imortalidade dêsse Fundador da nossa Religião Cristã!

Como prova de que nosso raciocínio está em har- monia com a Palavra Santa, abramo-la e veremos cla- ríssimamente como em grande número de textos encon-

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tramos base sólida, insofismável, para nossa tese, qual a de ser Cristo a base única, o fundamento único, numa pa- lavra, a verdadeira pedra fundamental da Sua Igreja, por Êle mesmo fundada:

1. ° "Edificados sobre o fundamento dos Apósto- los e dos Profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra angular" (Efes. 2:20) A isto, que saída dão os se- nhores romanistas? Respondem que Jesus é o fun- damento principal e o Papa é o secundário! Pura confis- são de derrota!

2. ° . . NINGUÉM PODE PÔR OUTRO FUNDAMENTO, senão o que foi pôsto, que é Jesus Cristo" (l.a Cor. 3:2).

3. ° "E sujeitou todas as coisas aos seus pés, e so- bre todas as coisas o constituiu (a Cristo) CABEÇA DA IGREJA" (Efés. 1:22).

4. ° "O marido é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça da Igreja: êle mesmo que é o seu corpo, do qual é o Salvador" (Efés. 5:23).

Aqui temos duas afirmações, uma dependente da outra. Cristo é cabeça da Igreja, como o marido é cabeça da mulher, mas, se para a Igreja se admitem duas cabe- ças — uma principal e outra secundária então não se pode condenar a poliandria, isto é, que a mulher tenha dois maridos um que seja o Vigário do outro! Mas, isto é suprema tolice! E Deus, que proíbe à mulher que tenha mais de um marido, permitirá que sua Esposa a Igreja tenha dois? (1) É a conclusão a que se che- garia, face à lógica disparatada, sofística e diabólica do jesuitismo!

5. Paulo acrescenta: "E Êle mesmo é Salvador do corpo" , isto é, da Igreja: o que equivale a dizer: "Quem salvou a Igreja tem direito a ser Chefe da mesma. O Papa salvou a Igreja? Não a tem, antes, profanado? (2)

1 "Compêndio de Controvérsia entre a Palavra de Deus e a Teologia Romana" de L. de Sanctis e G. Moreno, pág. 50.

2 E, enquanto a Palavra de Deus é tão clara assim, o cardeal Belar- mino afirma que a cabeça da Igreja, seu fundamento, com os 15 títulos

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5. ° "E Êle (Cristo) é a cabeça do corpo da Igre- ja; é o princípio e o primogénito dentre os mortos, PARA QUE EM TUDO TENHA A PREEMI- NÊNCIA" (Col. 1:18).

6. ° "Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai n'Êle, arraigados e sobreedificados n'ÊIe, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, abundando em ação de graças. Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs subtilezas, segundo a ir adição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo" (Col. 2:6-8).

Os grifos, nesses textos, falam por si.

7. ° "E chegando-vos para Êle pedra viva, re- provada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por cuja causa se acha na Escritura (cita S. Pedro Is. 29:16): "Eis que ponho em Sião COMO ALICERCE uma pedra, pedra provada, pedra preciosa, do ângulo de FIRME FUNDAMENTO; e aquele que nela crê, não será envergonhado. Para vós, portanto, que credes, é a honra; mas, para aqueles que descrêem, a pedra que os edificadores rejeitaram, esta foi posta como a pedra an- gular e como uma pedra de tropeço e uma rocha de es- cândalo" (l.a Ep. de S. Pedro, cap. 2:4-6). 1

etc, que atribui aos papas, através dos séculos, provam seu primado! Êle "poderia ter citado 666, se quisesse, queimando e excomungando aquêles que lhos não reconheceram. O fato consumou-se, apesar da demo- cracia do Evangelho, porque o calor das fogueiras e o gume das espadas sempre tiveram força persuasiva de respeitável valor. Permaneceram os nomes que os papas a si atribuíram ; logo, os papas são o que êles disseram ser" "Risum teneatis, amici..." (L. Sanctis e G. Moreno, p&g. òj.;.

1 Reparai bem, romanistas, que é o próprio S. Pedro, a quem quereis, por força, fazer papa, que taxativamente, citando o profeta Isaías, afirma que a pedra é Cristo. É que S. Pedro viveu na época que ainda não existia esse monstrengo doutrinário que se chama Catolicismo Romano, e só, aprendeu na Escola da verdadeira Revelação Divina, e, daí...

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Os grifos falam por si, mais uma vez.

8. ° "Esta é a pedra, (continua S. Pedro), repro- vada por vós, arquitetos, que foi posta pela primeira fundamental do ângulo, e não salvação em nenhum outro, porque do céu abaixo nenhum outro nome foi dado aos homens, no qual e pelo qual nós devamos ser salvos" (At. 4:11-12).

Notai, romanistas, que é ainda o vosso "primeiro papa" quem está falando! E que Vocês ouvem aos papas, reparem bem no que ésse "primeiro papa" está dizendo, porque é coisa muito diferente do que ensinam os vossos mestres e guias espirituais: a pedra é Cristo'.

9. ° E discorrendo S. Paulo sobre essa "pedra" misteriosa das visões proféticas, e da qual especialmente Isaías nos falou, disse: "Todos beberam de uma mesma bebida espiritual, porque todos bebiam da pedra miste- riosa, que os seguia: e ESTA PEDRA ERA CRIS- TO" (1/ Cor. 10:4).

10. ° "E o próprio Cristo, citando Isaías 28:16, atribui qud aquelas palavras proféticas têm o seu cumpri- mento n'ÊleT isto é, que Êle era a pedra de "firme fun- damento"; "Nunca lestes nas Escrituras: a pedra que os edificadores rejeitaram, esta foi posta como cabeça do ângulo: pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhosa aos nossos olhos"? | S. Mat. 21:42; S. Mare. 12:10).

Diante de palavras tão claras, que não encerram o menor mistério, temos, forçosamente, de concluir que Jesus Cristo é a pedra fundamental de sua Igreja, e não S. Pedro, como querem, à viva força, os corifeus do pa- pismo.

Pela Bíblia, pela razão, pela lógica, pelo bom sen- so, a interpretação romanista não procede, é falha, é iló- gica, é insensata.

Estamos fartos de observar que os cérebros ro- manistas (onde, aliás, podem residir boas inteligências), talvez pela falta de liberdade de raciocinar, pois que o sistema jesuítico-papista tem pavorosa aversão aos que chama de racionalistas, são obstinados em nunca verem

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aquilo que não lhes agrada. Assim, é fácil de observar que a nenhum abatinado é permitido tirar nenhuma conclu- são, por mais lógica que seja, contra as suas correntes doutrinárias. Daí resulta o fato de se meterem (os cori- feus do Romanismo) em autênticos labirintos ou mesmo abismos, de que, depois, se não conseguem libertar. A ver- dade desta afirmação foi demonstrada em capítulos an- teriores, mais de uma vez.

Quando os cavaleiros do papismo entram em campo para defesa da sua dona a Igreja e o seu fundamento no papado acabam, fatalmente, por serem derrotados. Tão frágeis são suas espadas, tão falhos de visão são os seus golpes que, dificilmente, podem oferecer resistên- cia aos seus adversários. Assim, por exemplo, não poden- do fugir ao esmagador golpe dos adversários, quando lhes põem diante dos olhos vários passos das Sagradas Escrituras, pelos quais se prova, até à evidência, que a Cabeça ou Pedra fundamental da Igreja de Cristo é o próprio Cristo, descem à arteirice, facilmente desmascará- vel, dizendo que S. Pedro é a pedra secundária.

Fazendo tal afirmação (incredibili dictu!) os cori- feus do papismo nem sequer se aperceberam do tremen- dal em que tombavam! Na verdade, se êles afirmam, como fazem, que S. Pedro é a pedra secundária da Igreja, ipso facto, confessam que êle não é aquela pedra sobre a qual Jesus disse que edificaria a Sua Igreja, como se em S. Mateus, cap. XVI, v. 18. Com efeito, no passo bí- blico em aprêço, a pedra de que ali se fala não é secun- dária, mas primária ou fundamental. Ora, se S. Pedro não é a pedra primária, mas secundária, como dizem os romanistas, segue-se, fatalmente, que êle não é a pedra do texto citado.

Com este argumento, que os romanistas não conse- guem, nem conseguirão destruir, fica reduzido a escom- bros ou ruínas o inconsistente baluarte do papado ro- manista!

E, repita-se: diante de textos tão claros, absoluta- mente insofismáveis, referências do próprio Cristo, do

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Apóstolo S. Pedro, de Isaías e de S. Paulo mormente quando este declara: "NINGUÉM PODE PÔR OU- TRO FUNDAMENTO, senão este: Cristo" sim, diante de tão veementes e claríssimas palavras, será pre- ciso ter os intestinos na cabeça, tal ocorre a um cardeal Belarmino, a um Eurípides ou a um Leonel Franca, para, contrariando todas as regras de hermenêutica universal, que nos ensinam que devemos interpretar a Bíblia pelo sentido do seu contexto (pois a Bíblia se interpreta por si mesma, isto é, pelos textos relacionados, de verdades paralelas), para dizer que a pedra a que se refere o texto de S. Mateus 16:18 seja Pedro e não Cristo!

Argumentação de

Eduardo Carlos Pereira

Quando o eminente pastor Eduardo Carlos Pereira fez a análise do "texto capital" de Mat. 16:18, sobre o tríplice aspecto: a) pelo confronto dos textos paralelos; b) pela tropologia profética e c) à luz das leis da gramá- tica e da linguagem, provando, exuberantemente, por todos esses aspectos, que a "pedra" não era, absolutamen- te, Pedro, e sim Cristo, o famigerado jesuíta Leonel Franca, criticando o grande gramático que provara a dis- tinção entre "Petrus", do primeiro termo, e "petram" do segundo, saiu-se com esta de sendeiro: "Distinção injusti- ficada, ridícula, contrária às regras mais comezinhas da hermenêutica . . . antigramatical, ilógica, filha de precon- ceitos dogmáticos e tendências sectárias" (IRC, págs. 14 e 20).

Mas, a Verdade é que a obra de Eduardo Carlos Pe- reira aí está, erguida e sobranceira, a desafiar todos os espadachins do romanismo, os quais nos provocam a maior irrisão!

E, como não somos discípulos do jesuíta, que se limita a xingar, sem nada provar, não queremos seguir- -lhe as pegadas, e, por isso mesmo, "mestre" Eurípides,

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desde lhe prometemos que, além dos nossos argumentos, que serão originais, vamos aqui mesmo empregar, de pro- pósito, alguns do abalisado mestre E. C. Pereira, para mostrarmos, à evidência, que aquele famigerado jesuíta Leonel não conseguiu destruir um deles!

1.° Do confronto dos textos paralelos, por nós citados, e aos quais também se referiu E. C. Pereira, é in- discutível que, em tôda a Escritura, Cristo é a pedra fun- damental da Religião Cristã.

Eis o que escreveu aquele nosso eminente colega: "Ao terminar seu célebre discurso da Montanha, fa- la-nos Cristo de duas casas: uma "edificada sobre a rocha" (supra peitam), e a outra sobre a areia. Aquela resiste à chuva, aos rios transbordados, aos ventos rijos; esta é arrastada ao desencadear destes elementos" (S. Mateus 7:24-27;.

"A Igreja, que "Cristo, o Filho do Deus vivo" ia edificar, é chamada na Escritura "Casa de Deus vivo, co- luna e firmamento da verdade" (l.a Tim. 3:15). A "pedra", pois, do texto (Mat. 16:18) é a rocha ampla e firme sôbre que assenta a "Casa de Deus", que deve, através dos séculos, resistir aos vendavais destruidores, que no precipitam todos os artefatos humanos. A pedra da Igreja representa, portanto, metaforicamente, aquele poder incontrastável que, em todo o tempo, tem sido o seu sus- tentáculo. Êsse poder é a pessoa divina do Cristo, confes- sada por Pedro; declara, porém, Roma, que é a humana pessoa de Pedro, rediviva nos seus sucessores"!

Vejamo-lo.

"De caminho com os apóstolos, ínterpela-os Jesus: "Quem dizeis vós que sou eu?" "Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo" responde Pedro, tomando a dianteira a seus colegas e confessando a divindade e o caráter mes- siânico do Filho do Homem. "Bem-aventurado és, Simão Barjona, porque foi meu Pai quem te revelou este grande mistério, objeto constante das visões dos Profetas. Eu também confesso o teu nome: tu és Pedro, e sôbre esta rocha (Mat. 7:24), que acabaste de assinalar na confissão

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que meu Pai pôs em teu lábios, e de que tens a honra de ser um fragmento (petrus), edificarei a minha Igreja, que, assim firmada, prevalecerá contra todas as potências des- truidoras da morte (Hades)/'

"A confissão de Pedro, reconhecendo Jesus como o divino Messias dos Profetas, o Cristo de Deus, é, incon- testavelmente, a 'pedra" fundamental sôbre que se apóia a f é e a esperança de todos os filhos de Deus, cuja totali- dade constitui a Igreja/' 1

A seguir, passa E. C. Pereira a fazer o confronto dos textos paralelos, para confirmar a mesma verdade, e a que nos referimos anteriormente, a saber: (1) Ef. 2:20; (2) 2.aCor. 3:2; (3) Ef. 1:22; (4) Ef. 5:23; (5) Col. 1:18; (6) Col. 2:6-8; (7) Is. 28:16; l.a Ep. S. Pedro 2:4-6; (8) At. 4:11-12; (9) l.a Cor. 10:4; (10) São Mat. 21:42; S. Mare. 12:10. Tôdas essas passagens e muitas outras, que poderíamos citar, lançam abundantís- sima luz sôbre o sentido real do termo "pedra" a que se referiu Jesus em Mat. 16:18.

Daí, concluirmos que não podiam tais textos ser mais explícitos na justificação do nosso entender, ao in- terpretarmos o texto de S. Mat. 16:18, reprovando, por- tanto, a interpretação romanista. Citamos ainda N. S. Jesus Cristo, que aplicou a si a figura messiânica de Isaías 28:16, em S. Mat. 21:42.

Citamos, por igual, S. Paulo, que "traz valioso sub- sídio à interpretação dessa "pedra misteriosa" das visões proféticas, quando escreve: "E ESTA PEDRA ERA CRISTO" (l.aCor. 10:4).

"Diante de tais citações", continua Carlos Pereira, "como podiam deixar de estar presentes ao espírito do Senhor Jesus essas profecias, quando declarou aos apósto- los: "sôbre esta pedra edificarei a minha Igreja"? 2 "São elas, evidentemente, a chave interpretativa da soleníssima

1 "O Problema Religioso da América Latina", pág. 217.

2 Ob. cit., pág. 219, de E. C. Pereira.

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declaração de Cristo, e, na ignorância da Idade Média, 1 e perante quem não abre a Bíblia, pode a igreja de Roma pretender que S. Pedro seja a pedra!" 2

Reiteremos, ainda, o parecer evangélico, com o que escreveu S. Paulo aos coríntios e efésios:

"Segundo a graça de Deus, que me foi dada, lancei o fundamento como sábio arquiteto . . . e veja cada um como edifica sôbre ele. Porque NINGUÉM PODE PÔR OUTRO FUNDAMENTO, senão o que foi posto, que é Jesus Cristo" (La Cor. 3:10-11) e "Vós sois (os crentes). . . edifica- dos sôbre o fundamento dos Apóstolos e dos Profetas, sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular' " (Efés. 2:19-22).

Deste modo, adeus primado de Pedro, e, com ele, todas as pretensões papalinas!

"O confronto dos textos paralelos derrama, pois, vi- víssima luz sôbre o famoso texto, e varre, por completo, toda a dúvida que possa incutir a autoridade de uma tra- dição forjada nas trevas de tempos de barbária, onde apenas lampejava, a espaços, a luz furtiva da verdade divina!" 3

Evidência da

tropologia profética e hebraica

"Os passos do A. Testamento" (citados nos capítu- los anteriores) "têm valor literário, 4 que não é de some- nos importância, no estudo do assunto que nos ocupa", que é o "texto capital" de Mat. 16:18. E, depois de des- crever os encantos da natureza em Israel e mencionar-lhe os rochedos multisseculares, de extraordinária firmeza e encantamento, em que se inspiraram os profetas hebreus, para produzirem tropos ou "imagens prediletas de rara

1 Ou, diríamos nós, na obstinada de um Eurípides, de um jesuíta como Leonel Franca e quejandos...

2 Ob. cit., de E. C. Pereira, pág. 220.

3 E. C. Pereira, ob. cit., pág. 220.

4 E melhor diríamos: valor moral e espiritual também.

O PRIMADO DE PEDRO

325

beleza", sob o símile ou a metáfora da 'pedra", como vimos, e como ainda podemos ver, em expressões como estas: "Ninguém santo como o Senhor; pois não outro, fora de ti, nem outra ROCHA como o nosso Deus" (1.° Sam. 2:2, na versão brasileira, e l.° Reis, nas versões católicas) ; "Senhor, ROCHA minha e redentor meu!" (Salm. 19:4), e, finalmente, em muitíssimas seme- lhantes, sim, depois de, em um sem-número de expressões similares a estas, ainda mais o argumento da tropologia hebraica, evocado por Q Pereira, vem reforçar o signifi- cado divino da expressão "pedra", no "texto capital", pois, sempre tais tropos ou imagens proféticas se referiam à divindade e às Suas Obras poderosas, e nunca a seres humanos ou angélicos, e, daí, o que escreveu, a respeito de tais tropos, E. C. Pereira:

"Tais figuras . . . aplicam-se uniformemente a Deus e a Suas obras poderosas, e nenhum judeu, conhecedor de sua literatura, se lembraria de aplicar 1 a palavra "pedra" ou "rocha" das palavras de Cristo a um homem, embora fosse ele apóstolo ou profeta".

E tanto é isto verdade, aduzimos nós, que nem um dos contemporâneos de Cristo, não entre os Seus discí- pulos, como entre os Seus próprios inimigos, jamais le- vantou tal questão, tão óbvio foi o sentido da expressão de Cristo, à luz do que eles conheciam, acerca da tropolo- gia hebraica!

Demais, se as palavras de Cristo tivessem o sentido de elevar à categoria de fundamento da Sua Igreja a um homem, este, por certo, não seria o impetuoso S. Pedro, mas o "Discípulo Amado", o "Apóstolo do Amor", a quem Jesus muito amava, e a quem, em face dos liames de amor e deferência que para com ele tinha o Mestre, ao despedir-se, na Cruz, de Sua "mater dolorosa", aos seus cuidados filiais a confiou!

Depois dessa digressão ou explicação adicional ao que vínhamos referindo de Carlos Pereira, vejamos, finalmen-

1 Como não se lembrou jamais, em tempo algum!

324

CATOLICISMO ROMANO

te, como ele termina a sua argumentação, sob o prisma da tropologia hebraica: " Viria isto corroborar, se preciso fôsse, a aplicação que dessa expressão consagrada da poesia hebraica, fazem Cristo, S. Pedro e S. Paulo".

O "texto capital" à luz da

gramática e da linguagem.

Sobre o assunto, assim se expressou o inimitável gra- mático brasileiro: 1

"Longe de rebelar-se a sintaxe contra essa interpre- tação diretamente patrocinada pelo próprio S. Pedro, tem ela a seu favor a própria crítica gramatical e as leis fun- damentais da linguagem, como órgão do pensamento. Sobre a gramática, basta apenas dizer que em "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" esta, demonstrativo da primeira pessoa, vai melhor com Cristo, que falava, do que com Pedro, com quem Êle falava. Ora, a La pessoa gramatical é, no texto, logica- mente idêntica com a 3.a, isto é, com a coisa de que se falava, que não podia deixar de ser a confissão de Pedro "Cristo, o Filho do Deus vivo". Assim, independen- temente do "gesto no espaço elucidativo do pensamento", de que nos fala Bréal, inerente à 2 índole dramática da pa- lavra, o adjetivo pronominal esta melhor se acomoda com Cristo do que com Pedro."

Em outras palavras, diríamos nós, em aditamento explicativo ao acima exposto: Se fôsse a intenção de Cristo fazer de Pedro a pedra fundamental de Sua Igreja, gra- matical e logicamente, deveria ter-se expressado assim: Tu és Pedro, e sobre ti, Pedro, edificarei a minha Igreja. Isto

1 Eduardo Carlos Pereira, em »eu livro "0 Problema Religioso da América Latina", págs. 221 a 224.

2 Embora a cita "inerente à índole" seja do gTamático Carlos Pe- reira, deveríamos escrever, todavia, seguindo Rui Barbosa: "inerente da", inerente da índole, e não "inerente à índole", como escreveu Carlos Pe- reira. Todavia, ambos são autoridades, posto que entre um e outro, in- clinamo-nos para Rui. (O Autor).

O PRIMADO DE PEDRO

32í

é que seria correto, se tal fosse o pensamento do Mestre. Mas, à luz da análise acima, dar a esse texto a interpre- tação de Pedro ser a "pedra", seria admitir não um disparate de gramática, como de linguagem saído do* lábios do Perfeitíssimo Senhor Jesus!

Alto lá, senhores romanistas! Os senhores ainda acham pouco adulterarem os ensinos espirituais e celestiais do Divino Mestre, e querem imputar-Lhe, ainda, um disparate gramatical e lógico, na Sua linguagem? Fiquem sabendo que Cristo sabia tudo era o Mestre perfeito, e, portanto, não poderia, absolutamente, proferir uma frase que o levasse ao ridículo de ser considerado um igno- rante das leis que regem o nosso modo de expressar-nos!

"Quanto às leis da linguagem", continua Carlos Pe- reira, "observaremos apenas que a diferença genérica signi- ficativa existente entre petrus e peita mostra que Cristo estabelece um contraste entre esses dois termos: "Tu és Pedro e sobre esta pedra" não encerra um mero tro- cadilho ou jôgo de palavra, mas um recurso poderoso de linguagem, para indicar com ênfase ou salientar pelo con- traste o fundamento da Igreja. Petrus é masculino, e signi- fica um fragmento de rocha, uma pedra de pequenas di- mensões; petra é feminino, e significa uma pedra de maio- res dimensões, uma rocha." 1

"A interpretação papal, fazendo de Pedro a pedra , identificando Petros com petra, amesquinha a linguagem elevada de Cristo, reduzindo a mero trocadilho, destrói a beleza e a energia do contraste entre os dois termos, e des- preza, sem motivo lógico, a diferença de género e de signi- ficação, que existe entre as duas palavras originais."

"Respeitando a conexão lógica e o valor gramatical dos termos, a elevação da linguagem e a grandeza do pensamento, bem como a tropologia profética e as decla-

1 Sobre o valor significativo dos têrmos gregos petroa e petra, dado no texto, temos a opinião abalisada do seguinte léxicon:

PETROS: a stone, piece of stone, fragment of a rock;

PETRA: a rock, large stone; a mass of stone. (A Greek and English Dictionary, by the Rev. John Groves).

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CATOLICISMO ROMANO

rações peremptórias de S. Pedro, de S. Paulo e do próprio Cristo, afirma a Igreja Evangélica, com a maioria dos "santos padres", que não a pessoa de Pedro, mas a pessoa teantrópica de Cristo, exaltada na "confissão de fé", que nos lábios do Apóstolo imprimira o Espírito do Senhor "o Cristo, o Filho do Deus vivo*', é a pedra, a rocha, o amplo fundamento indefectível da Igreja de Cristo/' 1

Repto a Eurípides

está, Eurípides, a granítica argumentação do grande gramático Carlos Pereira, que foi suficiente para esmagar o jesuíta Leonel Franca, que, incapaz de refutar qualquer desses argumentos, limitou-se, como vimos, a considerá-los "distinção injustificada, ridícula, contrária às regras mais comezinhas da hermenêutica' ' (IRC, pági- na 14)!

Sentimos que esteja morto aquele jesuíta, porque, se vivo fora, nós lhe lançaríamos um repto para que justifi- casse suas expressões de crítica descabida e injusta que fez ao ínclito gramático.

Lamentamos sinceramente ainda não viver aquele "Golias" dos arraiais romanistas, porque, então, enfren- tá-lo-íamos, qual pigmeu Davi, com a funda da Palavra de Deus e da própria gramática, que ele desprezou, e aba- tê-lo-íamos, deixando-o estrebuchando no chão, a babar- -se na peçonha de áspide de sua lógica infernal, que apren- deu, por certo, na filosofia do Báratro!

Mas, que Eurípides afirmou que aquêle jesuíta "versou tão magistralmente a tese" do primado de Pedro, não lhe será difícil assacar as poderosas armas ( ! ) daquele jesuíta, e enfrentar-nos, não para defender a honra e a cultura do seu grande mestre, como ainda, e sobretudo, para defender as arraigadas e formidáveis pretensões do seu Catolicismo Romano, que, ante as revelações da Pala- vra de Deus, a razão, e o bom senso, está fragorosamente

1 E. C. Pereira, ob. cit., pág\ 221 a 223.

O PRIMADO DE PEDRO

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derrotado, pasmosamente ridicularizado, espezinhado em suas arrogantes pretensões, máxime, do * 'primado de Pedro".

Assim sendo, Eurípides, Você deve sair em socorro do seu romanismo, e, como bom e fiel católico, "mais de acordo com as prescrições da Igreja", que se constituiu seu apologista, e se diz convicto de suas patranhas!

fica o repto.

Cresça e apareça, se é capaz!

Mas, advertimos-lhe que não se nos apresente com armas semelhantes àquelas do seu livro "Aos Irmãos Se- parados", ou com as do seu "magistral" Pe. L. Franca, para não ter a mesma triste sorte de ser presa fácil a adver- sário hábil e adestrado.

Cuidado para não ter também a mesma desgraçada sorte de levar a pecha de "jesuíta infamante" e "falsário", que recebeu o Pe. Franca! Cuidado, pois!

O testemunho das

autoridades

Essa interpretação protestante, afirmou o Dr. Hen- rick, é secundada por 68 líderes dos primeiros séculos, con- tra apenas 1 7 que se inclinam para a interpretação roma- nista. E, como o argumento da quantidade tem muito peso para a Igreja Romana, ainda aqui ela fica em situação, porque a maioria está de nosso lado.

O Pe. Antônio Pereira de Figueiredo reconhece que a interpretação protestante sobre o texto de S. Mat. 16:18 é a do grande Santo Agostinho (a Águia de Hipona) e de muitos outros doutores antigos.

Eis como ele se pronuncia, citando Sto. Agos- tinho:

"Santo Agostinho, no Tratado 94, sobre S. João, entende por esta pedra não a Pedro, mas a Cristo, en- quanto confessado Deus por Pedro, como se Cristo dis- sera: Tu és Pedro, denominado assim da pedra, que con-

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CATOLICISMO ROMANO

fessaste, que sou eu, sobre a qual edificarei eu a minha Igreja: Ecclesia fundata est super petrum, unde Petrus nomen accepit . . . Ideo quippe ait Dominus: super hanc petram aedificabo ecclesiam meam: quia dixerat Petrus: Tu es Christus Filius Dei vivi. Super hanc ergo, inquit, petram, quam confessus es, aedificabo ecclesiam meam".

Afirma C. Pereira: 'Pelas mesmas palavras de Santo Agostinho expôs Santo Izidoro de Sevilha este lugar no Liv. VII das Origens, Cap. IX. E é uma interpretação comuníssima dos outros padres, quer anteriores, quer pos- teriores a Santo Agostinho. Veja-se o mesmo Apêndice da Tentativa Teológica, pág. 240 e seguintes". E conclui: "De alta relevância é esta confissão leal do Pe. Antônio Pereira de Figueiredo, abalisado tradutor da Vulgata, que mostra o fundamento de areia em que assenta o artefato colossal do papado".

A metáfora das "chaves"

"Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus: o que liga- res sôbre a terra, será ligado nos céus; o que desligares sobre a terra, será desligado nos céus". (S. Mat. 16:19).

O famoso sofista Leonel Franca escreveu: "As cha- ves do Reino dos céus é a segunda metáfora usada por Cristo. Possuir as chaves de uma casa, de uma cidade, de um reino é enfeixar nas mãos o direito de abri-los e fe- chá-los, de admitir ou rejeitar estranhos, é, numa palavra, ter o poder de dono da casa, de governador da cidade, de soberano do reino" (IRC, pág. 22).

Refutando as afirmações do jesuíta Franca, comece- mos por dar-lhe preciosa lição de lógica, de que tanto carece o seu livro, onde, sobretudo neste passo, ele se ma- nifesta um sofismador de truz, desses capazes de ludibriar qualquer inteligência medíocre.

Vejamos, pois, servindo-nos de base das mesmas pa- lavras do jesuíta, para a nossa argumentação. Diz ele:

O PRIMADO DE PEDRO

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"Possuir as chaves de uma casa, de uma cidade, de um reino é enfeixar nas mãos o direito de abri-los e fechá- mos ..." Até aqui estamos plenamente de acordo, por ser a dedução perfeitamente lógica. Daqui por diante, o pala- vrórío do jesuíta não pode passar como certo, visto que está errado, como vamos demonstrar, mas, com razões ciaras, como sempre o fazemos, sem necessitarmos de re- correr a sofismas, de que é useira e vezeira a lógica (ou falta de lógica) jesuítica.

Continuando, devemos esclarecer melhor o alcance da ilação.

Assim, afirmamos categoricamente, sem o mínimo receio de contestação, que, quando alguém entrega nas mãos de outrem as chaves de uma casa, ipso facto confe- re-lhe liberdade plena de abrir e fechar, de entrar e sair, quando muito bem quiser e entender. Isto é que é perfeita- mente lógico. Se avançarmos mais, quanto ao direito de quem recebe as chaves, estamos fora da lógica, expon- do-nos a cair em erro grave, conforme aconteceu ao jesuí- ta Franca.

Vejamos, agora, como a dedução do jesuíta não está certa, quando ele infere que o fato de alguém receber as chaves de uma casa significa "direito" de "admitir ou rejeitar estranhos". Ora, tal raciocínio não está certo.

Suponhamos que uma pessoa qualquer tem em sua casa dois ou três hóspedes. Como regra, estes hóspedes têm as chaves da casa; por êste simples fato, êles ficam com o direito de entrar e sair, de abrir e fechar quando quiserem. Mas, daqui não se pode inferir que os mesmos hóspedes tenham liberdade de "admitir ou rejeitar estranhos" nessa casa. Tal direito é exclusivo do dono da casa. E, tanto assim é que, se, por hipótese, um dêsses hóspedes, em dia de aniversário, quiser dar uma festa nessa casa, e convidar amigos (que são os "estranhos" para o dono da casa), necessita primeiro de pedir autorização ao dono. É que, pelo fato de ter as chaves da casa, tal hóspede não se torna dono dela.

330

CATOLICISMO ROMANO

se vê, portanto, que é erróneo o raciocínio do jesuíta.

Consideremos, agora, outro caso, para melhor escla- recimento.

Suponhamos que uma pessoa aluga uma casa a outrem. Neste caso, o locatário pode, de fato, admitir ou rejeitar estranhos em sua casa, à vontade; mas, note-se, desde já, que este caso é muito diferente do primeiro. É que, nesta última hipótese, o dono da casa não se limitou apenas a entregar as chaves, mas entregou a casa, cuja posse passou para o arrendatário pelo tempo em que ele a ocupar. Foi, portanto, uma cedência da casa ao locatário, pelo prazo estipulado em contrato escrito ou verbal. Tivésse- mos de admitir a ilógica ilação leonelina, seríamos força- dos a concluir que Jesus Cristo tinha feito cedência do Céu, (que é a "Casa de Deus"), ao pobre S. Pedro!

Êsses jesuítas sempre têm cada saída! . . .

E o ingénuo Eurípides, sem refletir no disparate leo- nelino, ainda cita êste argumento bêsta de seu mestre! Pobre Eurípides!

Prosseguindo, refutaremos, agora, a última parte do sofisma leonelino.

Escreveu o jesuíta:

"Possuir as chaves de uma casa, de uma cidade, de um reino, . . . é, numa palavra, ter o poder do dono da casa, de governador da cidade, de soberano do Reino".

Em relação ao 4 poder do dono da casa", vimos como o argumento cai pela base.

Vejamos, agora, o caso no concernente ao "governa- dor da cidade". Também neste ponto prevaricou a lógica (diríamos melhor, a falta de lógica) do jesuíta.

Com efeito, por "governador de uma cidade", enten- de-se a suprema autoridade nessa cidade; mas, quando o governador entrega as chaves da cidade a um subalterno seu, pessoa de sua maior confiança ou a um visitante ilus- tre, para que êle abra ou feche as portas da mesma cidade, não significa que êsse governador abdique do seu cargo

O PRIMADO DE PEDRO

331

em favor do seu subalterno ou visitante ilustre . . . Com tal atitude, o governador da cidade apenas deu uma prova da sua confiança a essa pessoa, mas não lhe outorgou o poder de se tornar o governador da cidade. Isto é claro como água cristalina!

Resta-nos desfazer, agora, a última estirada leoneli- na, acerca do conceito do poder de ' 'soberano do reino". O que dissemos no argumento anterior, aplica-se, mutatis mutandis, aqui. Na verdade, também neste ponto ressalta o disparate do sofisma jesuítico que pretende insinuar que aquele que recebe as chaves de um reino se torna soberano do mesmo. A ser verdadeiro tal asserto, temos de admitir que S. Pedro, que recebeu as chaves do Reino dos Céus, ficou, ipso facto, com o poder de soberano dos Céus! 1

Querem maior disparate do que este? Pois é a con- clusão a que se chega de todo aquele palavrório do jesuíta Franca!

Que dizem a isto, Eurípides e seus mestres roma- nistas ?

E é um polemista desta marca que o ingénuo Eurí- pides tem o desplante de afirmar que "versou tão magis- tralmente a tese" do primado de Pedro! Um polemista que nem ao menos teve a visão para perceber que o seu raciocínio daria como conclusão transformar simples mor- tal em dominador do Reino Eterno de Nosso Senhor Jesus Cristo! . . .

Se não foi falta de visão daquele jesuíta, teremos de admitir que ele supôs que o seu livro seria lido apenas por ignorantes ou néscios!

Está claro, portanto, que, quando N. S. Jesus Cristo prometeu as chaves do Reino dos Céus a S. Pedro, não estava abdicando do Seu direito exclusivo de Soberano do Seu Reino, nos Céus! Nem podia abdicar!

1 Mais adiante explicaremos em que sentido Jesus deu as "chaves" a Pedro, bem como, igualmente, o poder das mesmas a todos os apóstolos e discípulos.

332

CATOLICISMO ROMANO

Quem tem o poder do

reino dos céus

Demonstremos, agora, que o poder de abrir e fechar o Reino dos Céus não podia ser dado a um simples mortal

Não podia ser um simples pecador, ainda o mais santo, o detentor de tão grande poder (no sentido em que o entendem os romanistas), porque, pela expressão ''Reino dos Céus", na Bíblia, se entendem todas as verdades eter- nas ligadas com a vida z a Obra de Cristo, e, portanto, a ninguém, nem mesmo aos seres angélicos, jamais foi con- ferido o poder de decidir quem deve ou não ter ingresso ou ser afastado dele!

O ingresso ou não ingresso no Reino de Deus de- pende não do homem, mas da observância ou inobservân- cia das leis que o regem. Ora, a lei fundamental, que abre ou fecha as suas portas, é a lei do ARREPENDIMENTO e DA FÉ: "Arrependei- vos e crede no Evangelho"! disse Jesus (S. Marcos 1:14). O mesmo pregou o Batista, Seu precursor (S. Luc. 3:4-8). A mesmíssima verdade, que é central e culminante em toda a Bíblia, foi pregada por todos os Profetas e Apóstolos!

isso é tão evidente que não carece mais demonstre- mos com textos.

Se o arrependimento, como a fé, é coisa do íntimo de cada penitente, segue-se que o poder dessas chaves que abrem e fecham o Reino dos céus está, em última análise, na consciência de cada um, dependendo não de Pedro, nem de Paulo, nem de Apolo, nem de Papa algum, nem de ninguém, senão mesmo da observância ou não da lei fun- damental, isto é, da obediência ou da desobediência do pecador à determinação expressa da Palavra de Deus: "Arrependei- vos e crede no Evangelho!" Não depende, portanto, de um poder advindo de outro homem ou mes- mo de um ser angélico qualquer.

O PRIMADO DE PEDRO

333

Por outro lado. as "'chaves" do "dono da Casa" I para usar a expressão do jesuíta Leonel), não poderiam ser dadas a Pedro, no sentido de pleno poder para deixar ali entrar quem quisesse, ele ou pretensos sucessores. Neste sentido, continuam as mesmas nas mãos de Cristo, como se pode ver: "Isto diz o Santo, o Verdadeiro, o que tem a chave de Davi (ou seja. a chave do Reino de Deus), o que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre" 'Apoc. 3:7). Leia-se ainda Apoc. 1:9-20. onde se o verdadeiro fundamento glorioso do Reino de Deus!

Então, jesuíta, com quem estão as chaves do Reino dos Céus?

A admitir-se | e não pode ser outra a interpretação), que "o dono da casa" é o próprio Deus. isto é. o próprio Senhor Jesus, como se pode verificar em 1/ Tim. 3:15. quando S. Paulo considera a Igreja de Cristo como "Casa de Deus vivo. coluna e firmamento da verdade", que tam- bém se compara a uma cidade, a cidade de Deus, do Grande Rei, a Esposa do Cordeiro, conforme referem GáL 4:26 e Apoc. 21:9 sim, a admitir-se como certa a interpreta- ção romanista de que as "chaves" dessa "Casa de Deus" foram entregues por Cristo a S. Pedro. e. através dele, aos seus pretensos sucessores, importaria isto em um absurdo de Nosso Senhor, determinando que pecadores decidissem da sorte eterna de outros pecadores, abrindo-lhes ou fe- chando-lhes as portas dessa mesma "Casa", o que equivale a dizer, as portas do próprio Reino de Deus! Isto seria o mesmo que comparar Nosso Senhor amoroso e justíssimo Salvador a um Senhor tirano, despótico, cruel e parcial para com os súditos do Seu Reino, que confia a certa classe de homens o direito absoluto de. na administração dos Seus bens e tesouros I que. no caso de S. Pedro, seriam os tesouros dos céus), admitir ou não quem quisesse, no Seu reino.

Sendo assim, coitadinhos dos protestantes de todos os tempos, dos livres pensadores, dos católicos ortodoxos gregos, e dos próprios católicos romanos liberais e mais esclarecidos, que não crêem em muitas patranhas, como

334

CATOLICISMO ROMANO

esta, do Romanismo, porque todos seriam excluídos do Reino de Deus, como, de fato, para essa Igreja estão mesmo excluídos!

Onde estaria a caridade de Cristo para com os demais súditos do Seu Reino? Onde? E ainda mais se agrava o perigo para os não católicos, em face do dogma estapa- fúrdio e altamente pretensioso desse Catolicismo Romano, quando afirma, taxativamente: "Fora da Igreja (a Cató- lica), não salvação"!

Parecer do

Concílio de Trento

Pela doutrina do Concílio de Trento, na sessão 14.\ fica "especificado" o poder das chaves, a que tinha alu- dido a sessão 4.a. Ora, pelo poder das chaves entendeu o Concílio tratar-se do "perdão" dos pecados. Continuan- do, diz o mesmo Concílio, que "as chaves dos sacerdotes lhes foram concedidas não somente para "desatar", mas também para "ligar" (Cone. de Trento, Tomo I, Sess. 14.a, cap. V e VIII).

Exposta, agora, em termos mais claros, esta momen- tosa questão, que tanta inquietação provoca nos ânimos jesuítico-papistas, é a hora de darmos mais uma tremenda lição ao "menino" Eurípides, que tão pouco mostra saber da matéria em que pretende dar lições àqueles a quem chama de "irmãos separados". E mais uma vez é ele quem nos fornece lenha para o queimarmos.

Comecemos, antes de mais, por lhe aplicarmos uma forte palmatoada, ao mesmo tempo que o advertimos de que deve ser, para outra vez, escrupuloso e fiel, sobretudo quando fizer citações das Sagradas Escrituras.

Quem o autorizou, por exemplo, a citar como bíbli- ca "dar-te-ei as chaves da minha Igreja", quando, em São Mat. 16: 19 se "dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus"?

Com que direito adulterou ele o texto sagrado em apreço? É este o respeito que ele manifesta pela Divina

O PRIMADO DE PEDRO

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Palavra, preferindo mutilá-la, substituindo-a pelo que ele tem na cabeça!

Dada esta palmatoada no "menino" Eurípides, somos forçados a dar-lhe agora mais uma lição, de que tão necessitado está.

Citemos as suas próprias palavras:

"Ao dizer Jesus a Pedro, e a Pedro (grifo nosso) : "dar-te-ei as chaves da minha Igreja", estava, evidente- mente, prometendo ao Seu Apóstolo a suprema autorida- de sobre o rebanho ,

Suponhamos, por mera hipótese, que, de fato, o Di- vino Mestre prometera a Pedro que lhe daria "as chaves do Reino dos céus", ou mesmo "da Igreja" (como quer Eurípides). Que se pode concluir daqui? Que Jesus apenas fez uma promessa, e nada mais. Qual será a inte- ligência capaz de afirmar que estamos errados no nosso raciocínio?

Não pode daqui concluir que Jesus tivesse conferido, nesse passo, qualquer poder (fosse ele qual fôsse), a São Pedro; mas, apenas lhe fez uma promessa: "dar-te~ei".

É curioso, porém, o raciocínio sempre falho e aprio- rístico de "mestre" Eurípides e quejandos! . . . Não pres- tando a atenção devida aos termos, interpretam, a seu modo, como presente, coisa que é futura: (( dar -te-ei' \

Quanto a nós, porém, e conosco estão todas as inte- ligências desempoeiradas, raciocinamos de outra forma: Se Cristo promete determinada coisa a S. Pedro, temos de verificar quando cumpre a promessa, para depois tirar- mos qualquer conclusão.

Em vista dêste raciocínio, muito de harmonia com a lógica, devemos procurar, na Bíblia, o cumprimento da promessa do Divino Mestre. Assim, chegamos, primeira- mente, ao cap. 18:18 de S. Mateus, e vemos que, o poder das chaves de "ligar" e "desligar" é extensivo a todos os apóstolos e discípulos, consoante vimos noutra parte dêste livro.

Em face disto, é manifesto que Jesus Cristo fêz aos outros apóstolos e discípulos a mesma promessa que

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CATOLICISMO ROMANO

fizera a S. Pedro. Logo, a promessa não foi exclusiva a S. Pedro, embora tivesse sido feita primeiramente a ele. Corrija, pois, Eurípides, seu grave erro, porque afirmou: "só a Pedro" \

nos falta agora ver quando Jesus cumpriu a pro- messa feita nos dois passos bíblicos citados.

A promessa de Cristo, em apreço, foi cumprida no passo referido por S. João 20:22,23, e, precisamente, para todos os apóstolos e discípulos!

E o mais interessante é que isto mesmo foi verificado pelos padres do Concílio de Trento, como vimos, li- nhas atrás, pela sua sessão 4.a, corroborada pela 14.a !

Logo, não foi São Pedro somente quem recebeu o "poder das chaves", mas todos os apóstolos e discípulos que estavam presentes no passo bíblico citado!

Como para a Igreja de Roma o Concílio Católico é infalível, ainda aqui ela está em maus lençóis ou em palpos de aranha para poder sustentar a sua errónea tese de que "o poder das chaves" fora exclusivamente conferido por Cristo a Pedro!

Está em que deu para Vocês, romanistas, a inven- cionice de "concílio infalível"! Aguentem, agora, as con- sequências! . . .

Finalmente, é o próprio Senhor Jesus quem, com a Sua autoridade divina, explica as Escrituras aos Seus dis- cípulos, e fá-los compreender sua real missão:

"Então, lhes abriu (Jesus) o entendimento para alcançarem o sentido das Escrituras, e disse-lhes: Assim é que estava escrito, e assim é que importava que o Cristo padecesse, e que ressurgisse de entre os mortos ao terceiro dia, e que em Seu nome se pregasse penitência (arrependi- mento) e remissão de pecados em todas as nações (S. Lucas 24:45-57, segundo a versão do Pe. Vicente Zioni) .

Temos aí, pois, a explicação claríssima de Nosso Senhor do sentido real que Êle quis dar às Suas palavras em S. João 20:23, isto é, o perdoar e o reter os pecados, que é "pregar o arrependimento e a remissão de pecados"

O PRIMADO DE PEDRO

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em nome de Cristo. Trata-se, pois, não de um poder legis- lativo, jurisdicional, mas de um poder declarativo das "chaves".

Assim explica, sabiamente, o grande gramático Car- los Pereira:

"A linguagem de João obedece ao génio das línguas antigas: é sintética, atribui ao mensageiro a eficácia da mensagem; a de Lucas é analítica, distingue a mensagem do mensageiro, e atribui o perdão dos pecados à aceitação, pela fé, da prédica da remissão deles em nome de Cristo, "o Filho do Deus vivo".

"O sintetismo de S. João é, como se sabe, o caráter distintivo entre as línguas clássicas e as línguas modernas. Estas são o resultado de uma evolução analítica, que acusa o esforço constante do espírito humano em exprimir, com mais discriminação e clareza, o pensamento. A linguagem de Lucas manifestamente obedece a este esforço, e por isso deve ser explanatória da de João, que revela, na ousadia de sua expressão, o génio da língua hebraica. De fato, encontramos no Antigo Testamento, de que é o hebreu a língua original, expressões idênticas às de S. João, que, justificando as considerações que acabamos de aduzir, vêm, por sua vez, projetar luz sobre o texto, em que Roma tem baseado o seu Tribunal de Penitência. Em Jeremias 1:9- -10 encontramos igual espécimen da ousada síntese do "Discípulo Amado". "Eis te pus, diz o Senhor a Je- remias, na tua boca as minhas palavras. Eis te cons- tituí eu hoje sôbre as gentes, sobre os reinos, para arran- cares e destruíres, e para arruinares e dissipares, e para edificares e plantares ' . Aqui, como em S. João 20: 19-22, confunde-se o mensageiro com a mensagem, e atribui-se àquele o que pertence a esta. Quem "arranca e destrói", "planta" e "edifica" reinos, não é, por certo, a pessoa do profeta, mas a palavra de Deus de que era êle portador autorizado. Assim também, quem "perdoa e retém peca- dos" não são os Apóstolos e os outros discípulos do Senhor, mas a palavra do Evangelho de Cristo, de que

3S8 CATOLICISMO ROMANO

eram eles pregadores. É o que S. Lucas explica, como mos- tramos acima",

E continua Carlos Pereira: "O poder de perdoar e reter pecados, conferido aos Apóstolos, e à Igreja em geral, não é, portanto, um poder sacerdotal, porém, ministerial e declarativo) não é ele inerente ao pregador, mas à pre- gação; não cria um Tribunal exterior de Penitência, mas ergue-o no foro íntimo da consciência. "Ce qui sauve une ame, ce n'est pas Thomme qui porte la Parole, c'est la Parole que 1'homme porte". Este belo conceito de D'Au- bígné exprime a grande e preciosa verdade de que aquilo que salva uma alma não é o homem que prega a Palavra, mas a Palavra que o homem prega. É êste o ensino de todo o Novo Testamento, que Cristo concretizou no grande mandato, contido nas memoráveis palavras pro- feridas na noite do primeiro dia da ressurreição: "Ide", disse Êle, "ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a tôda a criatura. O que crer e for batizado será salvo; o que, porém, não crer, será condenado" (S. Mare. 16:15- -16). E o próprio S. Pedro, em At. 2:38, explica, pelo seu ministério, em que consiste o poder das "chaves", pre- cisamente em harmonia com o ensino do Mestre e que acabamos de expor".

E, como o Romanismo considera o testemunho de grandes autoridades eclesiásticas de grande pêso, quando elas estão de conformidade com os seus argumentos, aqui aduzimos, do nosso lado, inúmeras testemunhas, inúme- ras autoridades, mesmo entre os romanistas, que estão com a nossa interpretação.

Assim é que, ainda citando Carlos Pereira, exibi- remos a prova:

"As "chaves" que conferem o poder de ligar e des- ligar, de perdoar e reter pecados, foram dadas, conforme os antigos e muitos modernos, aos Apóstolos e a todos os cristãos, que pertencem à comunidade eclesiástica. Tem sido isto demonstrado, fora de tôda a dúvida, pelos mais ardentes amigos do Papado, tais como Du Pin Calmet,

O PRIMADO DE PEDRO

Maldonat e Alexandre. As provas da doação das ' 'chaves' ' a todo o Colégio Apostólico e a tôda a comunidade cristã foram coligidas por Du Pin e Maldonat. Os da Sorbona e os jesuítas declaram a unanimidade dos antigos sobre esta opinião (Antiqui, unanimi consensu, tradunt, claves istas, in persona Petri, toti ecclesiae datas, Du Pin 308). Du Pin, para exemplo, cita os santos Cipriano, Jerônimo, Ambrósio, Agostinho, Leão, Fulgêncio, e os santos Padres Tertuliano, Optatus, Gaudêncio, Teofilato, Eucário, Beda, Raban, Hinemar, e Odo. Maldonat especifica, em favor da mesma interpretação, os nomes de Crisóstomo, Ambrósio, Orígenes, e Teofilato . . . O sistema, portanto, ora repelido pela escola italiana do Romanismo, foi pa- trocinado por tôda a cristandade desde Cipriano até Ful- gêncio e Crisóstomo,,.

Assim, pois, conclui Carlos Pereira: "As "chaves", como a "pedra", não contêm, como mostramos, nenhum apoio ao suposto primado de S. Pe- dro. S. João, elucidado por S. Lucas e Jeremias 2:9-10, e por todo o ensino do Novo Testamento, não oferece nenhum endosso ao Tribunal da Penitência, nem a prer- rogativas exclusivas de S. Pedro". 1

E, se a "pedra", bem como as "chaves" dos textos de S. Mat. 16:16-19 não contêm, absolutamente, o menor apoio para o primado jurisdicional de Pedro, muito menos tê-lo-ão para os seus pretensos sucessores, os Papas, que, além de estarem fora dêsse apoio oficial do E. Santo, não receberam a herança divina de tal função (como prova- remos mais adiante), e, além de tudo, sempre estiveram, moral e espiritualmente, longe, muito longe de merece- rem as honras de embaixadores de Cristo (porque Lhe são a negação), quanto mais o direito de se arrogarem seus Vigários (substitutos) na terra, com Seus plenos poderes!

Que blasfémia! Pasmai, céus!

1 Carlos Pereira, ob. cit., pág. 233. Ed. l.a, de julho 1920.

CATOLICISMO ROMANO

O "ligar" e

"desligar" das chaves

Provaremos, agora, com maiores reforços, que o po- der das chaves, de que depende o "ligar" e o "desligar", não foi concedido somente a S. Pedro, como o pretende o jesuíta Franca e ensina a sua Igreja, mas, ao contrário, aos apóstolos e discípulos. Basta abrir-se o Ev. de S. Mat. 18:18, para que a verdade de nosso asserto fique plenamente demonstrada.

E, para maior esclarecimento, é da máxima importân- cia atender ao seguinte: No versículo 1.° do cap. 18 em apreço, lê-se: "Naquela mesma hora chegaram ao de Jesus../'; pois, foi a esses mesmos "discípulos" que Jesus disse como se no v. 18 do mesmo capítulo: "Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será li- gado no céu, e tudo o que desligardes na terra, será des- ligado no céu".

Diante de palavras tão claras como essas que fi- cam, é impossível manter-se de o sofisma do poder de "ligar" e "desligar" que, segundo Roma, fora con- cedido a S. Pedro!

Fica-se, assim, com a impressão de que o Divino Mestre, que anteriormente, no cap. 16:19 do mesmo Ev. de S. Mateus, tinha concedido tal poder (fosse ele qual fosse) a S. Pedro, quis depois, em particular, esten- der esse mesmo poder aos apóstolos todos e discípulos, como de fato fez, quase em seguida.

Daqui podemos também conjecturar que Nosso Se- nhor teria previsto a interpretação errónea que poderiam tirar das Suas palavras referidas em Mat. 16:19, e, por isso, quase que imediatamente, repetiu as mesmas pala- vras do poder de "ligar" e "desligar" aos outros após- tolos e discípulos, como citamos, em Mat. 18:18.

Em face disto, fica destruída a fábula de que S. Pe- dro teria sido o único a receber o poder de "ligar" e "des- ligar", inerente às "chaves".

O PRIMADO DE PEDRO

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Pobre jesuíta Franca! Como ele desconhecia a Es- critura!

Se vivo fora, a que artimanhas seria possível recorrer, para responder "magistralmente" aos nossos argumentos!

Acaso, iria ele pedir uma ajuda a "mestre" Eurí- pides?

Em que fica, pois, o tão decantado "primado de Pedro", do poder das "chaves" delegado aos seus preten- sos sucessores? !

Será preciso ter os intestinos na cabeça, como os ca- marões, para admitir-se que um poder (fosse ele qual fos- se), que fôra concedido, claramente, como vimos, a "apóstolos e discípulos", quase a seguir à mesma declara- ção do Mestre a Pedro, somente a este tenha sido reconhe- cido pelo maquiavélico papismo!

Seria preciso, então, rasgar-se a Palavra de Cristo em S. Mateus 16:79; S. João 20:22, 23, para admitir-se a patranha jesuítico-papista!

Logo, por terra cai, fragarosamente, todo o soberbo edifício do papado, com a sua pretensão infernal do "pri- mado de Pedro" pelo poder de "ligar" e "desligar", re- ferido na metáfora das "chaves"; como igualmente ruiu, pelo pretenso poder de ser ele a pedra fundamental da Igreja! Por terra também fica todo o dogmatismo das demais patranhas romanistas!

Por tudo isso, lógico é concluir-se que o bispo de Roma, pseudo-herdeiro de S. Pedro, não pode invocar para si a exclusividade de tal poder "das chaves" sobre os demais bispos, nem mesmo sobre a Igreja Romana!

Mas, além das granadas por nós lançadas, ainda temos uma bomba, de altíssimo poder destruidor para os arraiais romanistas, a nós fornecida pelos arsenais triden- tinos.

Reparai bem, senhores Romanistas, que é ainda o Concílio de Trento que vai reforçar a nossa argumenta- ção! Com efeito, declara ele (Sessão IV), que o poder das chaves, de ligar e desligar, prometido a S. Pedro (e, aliás, aos outros Apóstolos em S. Mat. 16:19) foi con-

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ferido por Cristo no Ev, de S. João 20:22,23, na noite mesma do dia da Sua ressurreição. Jesus aparece inespe- radamente no meio dos Apóstolos e outros discípulos, e assoprando sobre eles diz: ' 'Recebei o Espírito Santo. Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos". Em sua Sessão XIV declara o concílio tridentino que nestas palavras 4 4 temos especificado o poder das chaves

Em face das citações, ressaltam fàcilmente duas idéias que são outros tantos argumentos de peso, capa- zes de deitar por terra o baluarte carcomido e carunchoso sobre que assenta o dogma do papado.

A primeira ídéia é-nos fornecido pelas Atas da Ses- são IV do referido concílio. Ali se que 44o poder das chaves de ' ligar" e "desligar", prometido a S. Pedro em S. Mat. 16:19, foi conferido por Cristo no Evangelho de S. João 20:22,23 . . .", que, para maior clareza, pas- samos a transcrever: "Tendo dito estas palavras soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos".

Por esta passagem se claramente que o poder a que se refere o Concílio Tridentino, conforme aludimos FOI CONFERIDO A TODOS OS QUE ESTA- VAM ALI PRESENTES, que ouviram as palavras de Cristo. É inadmissível poder deduzir-se de tal passagem, que o referido poder somente fora conferido a S. Pedro, o que aliás, demonstramos.

Pelo exposto, fica demonstrado, até à evidência, que o próprio concílio tridentino reconhece, explicitamente, que o decantado "poder das chaves" de "ligar" e "des- ligar" foi conferido a S. Pedro e a outros discípulos.

A segunda idéia, a que fizemos referência, é-nos for- necida pelas Atas da Sessão XIV do mesmo concílio. Ali se diz que, nas palavras citadas de João 20:22,23 "temos especificado o poder das chaves".

De modo que, fazendo a comparação entre a dou- trina das duas Sessões, aqui aludidas, do concílio triden-

O PRIMADO DE PEDRO

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rino. vemos que elas completam o mesmo pensamento. Destas duas ideias, portanto, ressalta a conclusão de que o próprio concílio faz o cotejo dos dois textos de Mat. 16:19 e João 20: 22. 23, e declara explicitamente que os dois se completam no atinente ao poder das chaves de "ligar" e "desligar".

Pela doutrina do concílio tridentino, na Sessão XIV, fica "especificado" o poder das chaves, a que ja tinha alu- dido a Sessão IV. Ora. pelo poder das chaves entendeu o concilio tratar-sc do poder de "perdão" ou "retenção" dos pecados. Diz. ainda, que "as chaves dos sacerdotes lhes foram concedidas não somente para "desatar", mas também para "ligar" (Cone. de Trento, Tomo L Sessão XIV. Cap. V e VIII).

Depois de tudo isso. chegamos à interessantíssima conclusão de que o concílio de Trento nos forneceu dois preciosíssimos argumentos: o primeiro, foi a generaliza- ção do poder das "chaves" aos apóstolos e discípulos ( conforme a Sess. IV) e o segundo, tornando extensivo esse poder aos padres ou sacerdotes (conforme Sess. XIV) .

Agora, quem. depois disso, poderá sustentar a in- consistente tese romanista do "primado de Pedro"?

O testemunho da Sagrada Escritura é o que real- mente vale para remover qualquer sombra de dúvida; mas. como para o Catolicismo Romano, os seus concílios ecuménicos são infalíveis nos seus decretos, em que fica a doutrina do "primado de Pedro', quanto ao poder das "chaves", em face do que doutrinou o concílio de Trento, que. implicitamente, negou que tal poder fosse privilégio exclusivo de S. Pedro, tanto que o tornou extensivo até aos simples padres, contrariamente ao que ensina a teolo- gia romanista? A discordância do concílio com a teologia jesuítico-papista é um argumento irrespondível.

Afinal, em que ficamos, senhores romanistas?

Ainda não se aperceberam do tremedal em que estão afundados?

Das duas, uma: ou o Concílio de Trento doutrinou bem. ou mal. Se doutrinou bem, (e ele é infalível!), cai

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CATOLICISMO ROMANO

por terra o inconsistente edifício do papado, de que é alicerce o "primado de Pedro"; se doutrinou mal, cai por terra a própria Igreja Romana que ensina "erros" por intermédio de um concílio que ela considera infalível. De qualquer dos modos, cai o "primado de Pedro", base do papado, e a Igreja assente sobre esse passado! (1)

Pedro:

nem vigário de Cristo, nem chefe dos apóstolos

Tendo provado esmagadoramente que Pedro não foi a pedra fundamental da Igreja de Cristo, nem rece- beu sozinho o chamado "poder das chaves", passemos agora a demonstrar que nem sequer foi chefe dos após- tolos, e, consequentemente, vigário de Cristo, como pre- tende o Romanismo. Uma vez demonstrado isto (como o faremos cabalmente) , fica reduzido a escombros o edi- fício do papado, de que é alicerce também o suposto pri- mado jurisdicional de Pedro.

Concedamos, no entanto, por mera hipótese, ape- nas, que Nosso Senhor Jesus Cristo tenha constituído S. Pedro chefe dos apóstolos. Se assim tivesse acontecido, era naturalíssimo que se encontrasse, depois, ao menos uma demonstração clara, concreta, insofismável, portan- to, como prova desse fato. Mas, caso curiosíssimo: folhea- mos e tornamos a folhear o Novo Testamento, sobretu- do os Atos dos Apóstolos e todas as Epístolas, e nem uma demonstração ali se encontra a tal respeito. Muito ao contrário: tanto a conduta pessoal de S. Pedro, assim como as atitudes dos demais apóstolos para com êle, tudo isso vem demonstrar, claramente, que jamais passou pela

1 Julgamos ser desnecessário insistir ainda em provas que o tal poder das chaves é meramente declarativo, não porque está suficien- temente provado, em face das considerações que acabamos de fazer, como ainda porque tratamos exaustivamente do assunto, quando analisamos o texto de S. João 20:23, que é paralelo ao de Mat. 16:19. Portanto, as amplíssimas explicações que ali apresentamos, para provar tratar-se, tanto num texto como noutro, de mero poder declarativo, projetam tam- bém luz vivíssima sobre o poder de "ligar" e "desligar" das chaves.

O PRIMADO DE PEDRO

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cabeça do humilde ex-pescador da Galiléia o pensamento de que ele era vigário de Cristo ou chefe dos Apóstolos!

Pretender tirar da Escritura Sagrada qualquer ila- ção contrária à nossa é mero e mísero sofisma, que não se aguenta ante uma argumentação, fraca que seja.

Vejamos, pois.

É fora de qualquer dúvida não existir o mínimo testemunho, com os predicados por nós atrás referidos, que nos prove estar Pedro convencido de ser detentor do suposto cargo de vigário de Cristo e chefe dos Apóstolos,

Quanto aos demais apóstolos, em relação ao suposto ou hipotético vigário de Cristo e chefe dos apóstolos, não as Santas Escrituras (desde o livro dos Atos ao fim do Novo Testamento) não nos fornecem o mínimo ar- gumento a favor, mas, o que é muito mais importante, estão os mesmos repletos de testemunhos bem expressivos contra a decantada tese romanista!

Antes, porém, de entrarmos na demonstração do que acabamos de afirmar, seja-nos lícito abrir aqui um pa- rêntese para fazer referência a um passo bíblico da má- xima importância, para a discussão da tese em apreço. Re- ferimo-nos a S. Lucas 22:24-30, que, para maior clare- za, passamos a transcrever, na íntegra: "E levantou-se também entre êles uma contenda sobre qual dêles se devia considerar o maior. Jesus, porém, disse: os reis dos gentios dominam sobre êles e os que têm autoridade sobre êles chamam-se benfeitores. Não assim entre vós, mas o que entre vós é o maior, faça-se como mais pequeno, e o que governa, seja como o que serve. Porque, qual é maior, o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é maior o que está sentado à mesa? Pois eu estou no meio de vós, como um que serve; e vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tribulações. E (por isso) eu preparo o reino (celestial) para vós, como o meu Pai o preparou para mim, para que comais e bebais à minha mesa, no meu reino, e vos senteis sobre tronos a julgar as doze tribos de Israel" (grifos nossos, versão do Pe. Matos Soares) .

CATOLICISMO ROMANO

Temos no texto citado dois preciosos argumentos em favor de nossa tese, os quais nos são fornecidos pelas palavras do próprio Cristo.

Vejamos, pois.

O primeiro argumento deduz-se claramente do v. 25, no qual Jesus afirma: "Os reis dos gentios do- minam sobre eles . . no verso 26, "porém, não de ser assim entre vós/' 1

Pelo exposto, Jesus Cristo proíbe, terminantemen- te, que haja entre os Seus Apóstolos algum que pretenda ser o maior, à maneira dos "reis dos gentios que "domi- nam*' os mesmos gentios. Depois de palavras tão claras, como essas, nenhum mais poderia acalentar o pensamento de se arvorar em chefe ou mandão dos outros. É que Je- sus Cristo não queria na Sua Igreja um governo monár- quico ou hierárquico, à semelhança dos reinos do paga- nismo ("dos gentios"), nos quais um que manda (o rei) e outros que são mandados (os súditos). Com isto, procurou destruir de vez o pensamento tão humano, que por mais de uma vez assomou à mente de Seus após- tolos, sobre qual deles seria o maior, como ainda pode- mos ver em S. Lucas. 9:46; Mare. 9:34,35.

Comparando-se agora esta oportuna lição do Di- vino Mestre aos Seus Apóstolos, com o governo teocrá- tico de um papa, que põe na sua cabeça a tiara 2 ou seja, uma coroa tríplice, símbolo da suprema monarquia ou realeza, e exige a subserviência de seus súditos (os seus fiéis), ao ponto de sua autoridade se julgar infalí- vel, acima da dos próprios concílios; comparando-se tal

1 Segundo a. versão do Pe. Zioni.

2 Para que se tenha idéia da soberba papalina, explicamos que, por essa tiara, êle quer ser o detentor da realeza terrena, da realeza sacerdotal e da realeza divina! Melhor lha definiríamos, com uma estrofe de nosso livro "0 Romanismo à Barra do Evangelho":

A tríplice coroa quer dizer: é orgulhoso, hipócrita e venal! É assim que se deve compreender o tríplice poder da Papal!

O PRIMADO DE PEDRO

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prepotência do suposto chefe da cristandade com a hu- mildade pregada por Cristo, que nos ensina que quem quiser ser o maior" deve ser o servo de todos, é notória a diferença entre a vida do suposto papa (S. Pedro) e a de seus pretensos sucessores!

Daí, medeia uma diferença infinita entre o doutrina ensinada por Jesus Cristo e a prática adotada ou seguida pelo papado.

O segundo argumento a que aludimos é-nos for- necido pelo v. 3.° do citado cap. 22 de Lucas.

Com efeito, o Divino Mestre, falando do Seu Reino, assevera que os Seus doze apóstolos se hão-de assentar "sobre tronos, julgando as doze tribos de Israel". Sendo os apóstolos também doze, é fácil deduzir-se do texto que cada um deles será o juiz de uma tribo. Sendo assim (e é mesmo), fica comprovado, mais uma vez, que o Di- vino Mestre nem por sombras teve em vista constituir qualquer dos Seus apóstolos acima dos outros; pelo con- trário, ressalta, com a maior clareza, o plano de perfeita igualdade, em que Jesus Cristo constituiu os "Doze, des- truindo-lhes qualquer pensamento de supremacia que pu- desse surgir.

Estabelecendo, o Senhor Jesus, o- princípio da igual- dade entre os Seus apóstolos, em virtude de lhes ter des- truído a idéia de supremacia de um, além de vibrar golpe de morte na arrogante pretensão papista do "primado de Pedro" sôbre os seus colegas de apostolado, mostrou-lhes, outrossim, o caminho da humildade, que seria a caracte- rística marcante de todos os apóstolos e seguidores de Cristo.

Fôssemos procurar nos papas e bispos, e até em ou- tros muito menos graduados da Igreja Romana, esta nota marcante dos diletos de Cristo a santa humildade evangélica quão poucos encontraríamos possuidores c praticantes da mesma! Papas, bispos, etc, ou Igreja Ro- mana, têm a nota marcante contrária: a soberba e arro- gância! !

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Na humildade é que está o padrão especial da ver- dadeira grandeza, colocado por Nosso Senhor diante dos Seus Apóstolos, 1

Quão diferente é o mandonísmo papalino, na sua sede incansável de dominar, de subjugar, de fazer preva- lecer os seus preconceitos, a sua vontade, e, sobretudo, fazer que os povos se curvem aos seus decretos, sob a presunção estulta de que os papas são a voz de Deus na terra, Vigário e Chefe Geral da cristindade e até do Uni- verso!

Quão longe estão eles dos ensinos de Cristo! . . .

Não havia oportunidade melhor de que essa, de Nosso Senhor pôr, definitivamente, termo à discussão dos apóstolos, sobre qual deles devia ser o Chefe, e declarar de uma vez para sempre a supremacia ou o "primado" de Pedro. Muito ao contrário, como vimos, declara que entre eles não se deve verificar supremacia alguma hie- rárquica, senão a do mais humilde, a do que mais serve, à semelhança d'Êle (o Mestre), "que não veio para ser servido, mas para servir . . Confirma, destarte, o Se- nhor Jesus, o que noutra ocasião lhes dissera: "Vós, porém, não queirais ser chamados Mestres; porque um é o vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. E A NIN- GUÉM CHAMEIS VOSSO PAI (isto é, papa) 2 sobre a terra, porque um é o vosso Pai, que está nos céus. Nem vos intituleis Mestre; porque um é o vosso Mes- tre, Cristo. O que dentre vós é o maior, será o vosso ser- vo; porque aquele que se exaltar será humilhado, e o que

1 Julgamos oportuno transcrever, aqui, o comentário que, sobre êsse passo bíblico faz o comentador J. C. Ryle: "estas palavras são profun- damente instrutivas. Mostram-nos que as máximas dêste mundo são dire- tamente contrárias ao espírito de Cristo. Segundo o mundo, a verdadeira grandeza consiste no poder de governar. Segundo Cristo, a verdadeira grandeza consiste em servir. A ambição do mundo é receber honra e atenção (e como isto se aplica muito bem aos papas!), mas, o desejo do Cristão deve ser antes dar do que receber, antes servir do que ser servido. Em resumo, aquele que mais se esforça por servir aos seus semelhantes e ser útil aos homens da sua geração, êsse é o maior aos olhos de Cristo".

2 Pai em italiano se traduz por "PAPA".

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se humilhar será exaltado" (S. Mat. 23:8-12, segundo a versão do Pe. Zioni, aprovada pela autoridade eclesiás- tica).

Não pode haver maior condenação ao suposto "pri- mado jurisdicional de Pedro" do falsíssimo Catolicismo Romano; revela-se, ainda, nos passos citados, com a má- xima evidência, a igualdade de todos os Apóstolos sob a jurisdição exclusiva de Jesus Cristo.

Mas, além dos Evangelhos, que por si nos satis- fariam, principalmente tratando-se do testemunho de Cristo, folheando todo o Novo Testamento, desde os Atos dos Apóstolos até o Apocalipse, a mesma verdade ressalta candente, não pela completa ausência de qualquer tes- temunho em abono da tese romanista, como ainda, muito ao contrário, por vários fatos históricos que vêm demons- trar, claramente, que nem os apóstolos nem o próprio S. Pedro estavam convencidos de tal supremacia.

Facílima é a demonstração. É o que faremos a seguir.

Por vários passos bíblicos, pois, evidencia-se que nem o próprio S. Pedro manifestou, com palavras ou ati- tudes, ter convencimento de ser o vigário (substituto) de Cristo ou Chefe dos Apóstolos.

Antes de mais nada, comecemos por afirmar, sem o menor receio, que nem uma vez as Sagradas Escrituras nos apresentam fato que demonstre tivesse S. Pedro dado ordem alguma a qualquer dos apóstolos, em particular, ou a todos, coletivamente, ou mesmo à Igreja, em geral ('coisa que seria muito natural, caso fôsse êle o chefe).

Desafiamos, desde já, qualquer campeão do papismo a demonstrar-nos o contrário.

Bastaria êste fato para fazer ruir a pretensão jesuí- tico-papista.

Em contraposição, vemos, claramente, conforme jro-Io atesta Atos 8:14, que Pedro foi mandado pelos outros apóstolos à Igreja de Samaria, em companhia de S. João. Para maior clareza, citemos o texto: "Ora, os apóstolos que se achavam em Jerusalém, tendo ouvido

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que a Samaria recebera a palavra de Deus, mandar am-lhes Pedro e João" (versão do N. T., pelo Pe. Zioni).

Deste testemunho tão claro, quão importante, da Sagrada Escritura, ressalta à vista uma verdade, que, por si, tem força capaz de esmagar, até ao aniquilamento, toda a ciência sofística e toda a arteirice acumuladas nos arsenais jesuítico-papistas!

Abram bem os olhos, senhores romanistas, e fiquem sabendo, de uma vez para sempre, a verdade que ressalta desse passo bíblico que, debalde, Vocês tentarão sofismar: quem dava ordens, quem promulgava decretos, quem, numa palavra, mandava na Igreja dos tempos apostóli- cos, não era o humilde S. Pedro, mas, sim, os apóstolos em conjunto, ou seja, o Colégio Apostólico. E, para cor- roboração do que acabamos de afirmar, aqui transcreve- mos mais um passo bíblico, para ver se assim consegui- mos trazer luz aos olhos desses cegos obstinados, que teimam em não querer ver a verdade.

Eis o passo bíblico: "E quando passavam Paulo, Silas e Timóteo pelas cidades, ensinando-lhes que guar- dassem os decretos estabelecidos pelos apóstolos e pelos presbíteros que estavam em Jerusalém. . ." (At. 16:4).

Do primeiro texto de At. 8:14 infere-se, ainda, que S. Pedro foi mandado e em plano de igualdade com o seu colega João, à Samaria. ("Os Apóstolos. . . mandaram- -lhes a Pedro e João").1

Em face deste argumento tão claro, prova-se que o suposto "primeiro papa" foi mandado pelos outros apóstolos.

1 Aturdido pela luz que brilha dêsse passo bíblico, o jesuíta Franca, como vimos, em capítulo anterior, revela-se simplesmente derrotado. Foi assim que, à falta de argumento sólido a seu favor, vê-se forçado a bater em retirada, enterrando-se ainda mais no abismo de que pre- tendia fugir, limitando-se a uma evasiva miserável, em responder a E. C. Pereira que êste "tresleu" o texto, querendo significar com isso que o insigne gramático tinha traduzido mal o termo "miserunt" da Vulgata, por "mando,ram". em páginas anteriores frisamos o mísero e irrisório recurso do jesuíta Franca, que apenas serve para demonstrar a tremenda de que estava possuído, ao escrever o seu livro.

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Triste condição de um "Chefe" que não manda, mas é mandadoll

Como é possível, depois de testemunhos tão claros e eloquentes como estes, defender-se, à força de sofismas, a incongruente doutrina que sustenta ter sido S. Pedro o "primeiro Papa" da Igreja de Cristo, como teve a audácia de escrever o jesuíta Franca? Não é isto o cúmulo da audácia e do mais deslavado impudor da infernal dialé- tica jesuítico-papista? Acaso, não será isto pretender fazer dos outros estúpidos ou imbecis?

Que diz a isto, "mestre" Eurípides?

Ainda está de acordo em que o jesuíta Franca tenha versado "tão magistralmente a tese" do "primado de Pedro"?!

Não acha que estamos no direito de não querer, de forma alguma, passar como estúpidos e imbecis, como se- ríamos, se admitíssemos uma sandice desse jaez?

Em Atos 16:14, que não admite a menor contesta- ção, fica exuberantemente demonstrado que, na Igreja Primitiva, não era o suposto Papa S. Pedro quem esta- belecia decretos ou ordenanças gerais para a Igreja, como diríamos, mas que tais decretos ou ordenações eram "es- tabelecidos pelos apóstolos e presbíteros, em Jerusalém", ou seja, o "Colégio Apostólico", do qual faziam parte os mesmos apóstolos e presbíteros!

Se, por mera hipótese, admitíssemos, segundo o sabor romanista, que S. Pedro teria estabelecido também decre- tos ou ordenações dessa natureza, teríamos de concluir dois poderes supremos ou dois primados na Igreja, ao mesmo tempo. 1

Mas, nem isso podemos admitir, porque tal raciocí- nio é contestado pelo próprio livro dos Atos dos Apósto- los. Na verdade, S. Pedro mostra-se sempre tão humilde e tão cordato para com os seus colegas de apostolado, que

1 0 que, aliás, na Igreja Romana aconteceu mais de uma vez, com & história dos papas e antipapas, e o grande "Cisma" do Ocidente, com um papa em Avinhão e outro em Roma, excomungando-se reciprocamente!!

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não tem sequer uma palavra de protesto, quando é man- dado a Samaria, em companhia do seu colega João.

Inclusivemente (e este argumento é de suma impor- tância), quando ele sente que no Colégio Apostólico possa surgir qualquer idéia que ponha em dúvida a sua ortodo- xia ou a sua pureza de intenção, ele (Pedro), o humilde apóstolo, apressa-se a justificar-se perante os seus colegas, e, com esta simples manifestação, demonstra reverência e respeito ao Colégio Apostólico, no qual residia o governo temporal da Igreja. É isto que vemos de modo claríssimo e insofismável, em Atos 11:1-18, cujo comentário apresen- taremos mais adiante.

As atitudes de S. Pedro, em face das advertências que lhe eram feitas pelos seus colegas, e sua reverência e respeito para com as suas decisões, que se referiam a êle, ou aos outros, conforme se infere, claramente, de Atos 11:1-18, é prova concludente e esmagadora de que não era êle quem mandava na Igreja Primitiva, e, por- tanto, não podia ser o Chefe dos Apóstolos, nem vigário de Cristo.

"E os Apóstolos e os irmãos que estavam na Judeia ouviram que também os gentios tinham recebido a pala- vra de Deus. E, quando Pedro voltou a Jerusalém, os que eram da circuncisão disputavam contra êle, dizendo: Por que entraste em casa de homens não circuncidados, e co- meste com eles?"

Pelos têrmos claros do texto citado, ressaltam duas idéias:

Primeira: a que se refere à liberdade de que usavam "os Apóstolos e os irmãos" "que eram da circuncisão", os quais "disputavam contra êle" e exigiam, destarte, que S. Pedro se explicasse.

Quais os bispos (para não falarmos em simples padres), que tiveram a liberdade de disputar ou de pedir contas a respeito das suas atitudes aos papas, pretensos sucessores de S. Pedro?

Coitado de alguém que tivesse a ousadia (desde os tempos em que o papado se firmou como uma realeza e

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soberania absoluta, despótica e discricionária), de discutir com o papa, ou, o que é pior, pedir-lhe contas disto ou daquilo! Natulamente, o desgraçado que a tanto se atre- vesse, seria condenado às profundezas do báratro, por terrível e inapelável excomunhão papal!

Segunda: os * 'Apóstolos e irmãos" forçaram o hu- milde S. Pedro a justificar-se, por causa das suas atitudes. E Pedro, sem se mostrar ofendido, como seria de admi- tir-se, se ele estivesse investido da autoridade de Chefe dos Apóstolos ou de "primeiro Papa", como ridiculamente o apodou o jesuíta Franca, sujeitou-se humildemente a tal exigência, justifícando-se, pormenorizadamente, como se pode verificar no referido cap. 1 1 de Atos, desde o v. 4, até o 18, inclusive.

E depois de tal justificação como refere o his- toriador do fato é que os ditos "Apóstolos e irmãos aquietaram-se" , e "deram glória a Deus".

O "aquietaram-se" torna bem nítido o quanto "os Apóstolos e irmãos" tinham ficado mal impressionados com S. Pedro.

Em síntese: "os Apóstolos e irmãos" a que se re- fere o texto deram testemunho insofismável, esmagador mesmo, de que não consideravam nem tinham de verdade S. Pedro como seu chefe ou suposto vigário de Cristo ou superior hierárquico; S. Pedro, por seu turno, não não reivindicou para si as prerrogativas de chefe ou superior hierárquico dos mesmos "apóstolos e irmãos", como ainda se sujeitou, humildemente, à exigência que lhe foi feita, e sem a menor objeção o fez.

E, com mais estes argumentos, adeus edifício do pa- pado, que se afunda como velha carcaça num abismo sem fundo!

Testemunho idêntico se encontra em Atos 15:22-29.

Desses versículos, a que a própria versão bíblica do Pe. Matos Soares, devidamente aprovada pela autoridade eclesiástica, chama de "promulgação das decisões do Con- cílio de Jerusalém", vemos claramente que, naqueles tem- pos, em que a Igreja estava no auge da sua pureza dou-

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trinária, quem nela imperava, abaixo do Espírito Santo, que era o Supremo Guia e Mestre (' Ele vos ensinará tudo"), prometido por Cristo; quem regia a Igreja era o Colégio Apostólico, isto é, os apóstolos e os presbíteros» E, tanto assim é, que, no passo em apreço, se esta idéia marcada com a maior nitidez no v. 28 do citado cap. 15 de Atos, onde expressamente se lê: "Pois, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior . . . peso".

E tanto é verdade que não era S. Pedro, nem nenhum dos apóstolos quem ordenava ou nomeava ou decretava na Igreja Primitiva, que, quando da ocasião de escolher-se o substituto de Judas no Colégio Apostólico, nao foi Pedro quem o nomeou, apesar de os corifeus romanistas afirmarem o contrário, falseando a verdade histórica; a revelação de Atos dos Apóstolos 1:22,23,26 os desmente, pois a escolha foi confiada, em oração, ao Espírito Santo, como se lê: "E apresentaram (os apóstolos) dois nomes: José, chamado Barsabás, que tinha por sobrenome o Justo, e Matias. E, orando, disseram: Tu, Senhor, conhecedor dos corações de todos, mostra qual dêstes dois tens esco- lhido . . . E lançando-lhes sortes, caiu a sorte sobre Ma- tias. E por voto comum foi contado com os onze apóstolos".

Então, senhores romanistas, quem fazia a escolha, quem indicava substitutos, quem ordenava, quem man- dava, enfim, na Primitiva Igreja? Era "o primeiro Papa" S. Pedro, ou o Colégio Apostólico sob a direção do Espí- rito Santo?

Saiam dessa, agora! . . .

Como se vê, tão claramente, nem sombra da auto- ridade ou primado de Pedro na Igreja Primitiva! O poder de Pedro era igual ao dos outros apóstolos, ou seja, um poder parcial, cujo todo residia no Colégio Apostólico.

Note-se de impressionante, nessa passagem, que Paulo e Barnabé, Apóstolos, ao lado de Judas, chamado Barsabás, e Silas, foram mandados à Igreja de Antioquia, com uma "carta", em que se continham instruções para

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a citada Igreja, como tinha acontecido a Pedro e João, também mandados a Samaria. Tanto num passo como no outro, quem mandou foi o Colégio Apostólico.

É importante notar-se que os considerados maiores apóstolos Paulo e Pedro aparecem sendo mandados pelos outros apóstolos, sem que qualquer deles proteste ou apresente a menor objeção. Esta é que é a verdade con- tida nas Santas Escrituras!

Nos tempos apostólicos não existia nenhum vigário de Cristo ou papa.

Quanto à parlapatice que ' 'mestre' ' Eurípides diz ser "tese tão magistralmente' ' versada pelo Pe. Franca, ou seja, que S. Pedro foi "o primeiro papa", vão pregar isso a imbecis, a carolas, a lorpas ou a crianças sem raciocínio!

Talvez, por especial disposição da Providência Di- vina, muitos e expressivos são os testemunhos que as Sagradas Escrituras nos oferecem, no sentido de serem contrariadas as pretensões papistas, tão claramente anta- gónicas aos desejos de Cristo, que expressamente proibiu aos Seus apóstolos a idéia da supremacia entre eles, e tão em contradição com a vida e as atitudes do apóstolo Pedro, assim como dos demais apóstolos e discípulos.

Além do que focamos, mais que suficiente para aniquilar todo e qualquer sofisma tendente à tese roma- nista do 'primado de Pedro", vamos apresentar agora mais alguns testemunhos das Sagradas Escrituras, que vêm reforçar muito o que dissemos.

Pedro, em sua l.a Epístola, onde procura resumir os deveres dos pastores e fiéis, assim se expressa: "Êste, pois, é o pedido que eu faço aos presbíteros que entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e que hei-de ser participante daquela glória que se há-de manifestar no futuro" (l.a Ep. S. Pedro 5:1, se- gundo versão do Pe. Zioni, devidamente aprovada pela autoridade eclesiástica).

Em nota ao texto supra, lê-se, no N. Testamento do Pe. Zioni (afinado, como não podia deixar de ser, pelo

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diapasão jesuítico-papista) , que "S. Pedro, por humil- dade se denomina apenas "presbítero"!

Antes de mais nada, convém observar, segundo prin- cípio muito conhecido do clero romano, que "De inter- nis, solus Deus" , isto é, que ninguém pode adivinhar o que outrem tem em sua mente, senão Deus. Em vista deste princípio, achamos audaciosa e descabida a explica- ção, que nada explica, desse Padre. Quem o autorizou a dizer que S. Pedro se expressou assim por humildade, e não por outro motivo qualquer?

Será que a batina torna infalível aquele que a veste?

É costume, desde tempos imemoriais que, quando alguém, usando de especial missão, se dirige a qualquer Sociedade ou ao povo em geral, use, no princípio de suas missivas, os títulos ou credenciais de que é possuidor, prin- cipalmente quando se trata de fazer convencer a alguém ou a uma entidade ou a um povo (como no caso dos apóstolos, acerca da importância e veracidade de doutrinas que dizem respeito à vida eterna).

Assim, por exemplo, S. Pedro, no princípio de sua l.a Epístola, apenas reivindica o título que representa para si a máxima credencial: "Apóstolo de Jesus Cristo".

Aqui se nos oferece responder aos Zionis e a toda a companhia de batino-tonsurados: Se S. Pedro tivesse em atenção apenas a sua "humildade", de que, aliás, deu sobejas provas, poderia aqui, em vez do título nobre e grandioso de Apóstolo de Jesus Cristo, usar o de segui- dor, discípulo, ou simplesmente o de servo de Jesus Cristo. No entanto, não o fez, porque não era altura de o fazer.

Vem muito a propósito acrescentar agora que, se o mesmo S. Pedro nunca se intitulou vigário de Cristo ou Chefe dos Apóstolos ou ainda Primaz do Colégio Apos- tólico, foi simplesmente porque não tinha o direito de usar de tais títulos. E, porque os mesmos não lhe eram devidos, também os Apóstolos nunca o trataram como tal. Tudo o que seja argumentar fora disso, são balelas e patranhas, que apenas merecem a irrisão de tôdas as inte- ligências livres e desempoeiradas.

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A propósito, é oportuno lembrarmos que, se o Apóstolo Pedro tivesse usado, uma vez que fosse, do título de "pedra fundamental da Igreja", de "detentor do poder das chaves", de "vigário de Cristo" ou mesmo de Chefe ou Primaz dos Apóstolos, ficaria dirimida de vez para sempre a porfiada questão que gira à volta do papado. Melhor diríamos, ainda: tal questão nem mesmo poderia ter surgido, mas, porque, além de vários argu- mentos, aliás claros, contra, e nem sequer um, igualmente claro, a favor, é fácil de concluir a inanidade e a incon- sistência da pretensão jesuítico-papista da tese perfilhada por Leonel Franca.

Além do que deixamos provado, e que superabun- da, para deitar por terra edifício tão mal alicerçado, veja- mos agora outro argumento, que reputamos de muitís- simo valor, a nós fornecido pelo próprio livro dos Atos dos Apóstolos, que o jesuíta Leonel Franca, procurando responder a Carlos Pereira, tão temer àriamente manda folhear. Pois é, precisamente, esse abençoado livro que nos fornece a maior abundância de lenha para queimarmos todos e quantos escritos, livros e livrinhos tenham sido engendrados pelos cérebros mórbidos desse jesuíta e de tôda a caterva dos decantados campeões da mistificação.

Vejamos, pois, o argumento.

No cap. 15 de Atos v. 7, lemos o seguinte: "E havendo grande contenda" (a cena passa-se no Concílio de Jerusalém), "levantou-se Pedro e disse-lhes: Varões Irmãos, vós sabeis que muito tempo Deus me elegeu dentre vós, para que as gentes ouvissem da minha bôca a palavra do evangelho e cressem".

Quem poderá negar que, entre outras, seria essa uma ocasião propícia para que S. Pedro, diante da mais au- gusta assembléía de varões de Deus, reivindicasse para si o privilégio de ter sido eleito para o altíssimo cargo de "vigário de Cristo" ou de "primeiro papa"? Por que o não fez? Não seria qualquer desses dois títulos a maior garantia de respeito à sua pessoa e de acatamento ao sen

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parecer doutrinário? Não é isto, pelo menos, prova im- plícita de que ele não se achava investido de tal privilégio?

Porventura, se algém, por exemplo, um nobre, tiver os títulos de "conde" e de "marquês", como no caso do Marquês do Pombal, que primeiramente tinha sido 'conde de Oeiras", quando fizer menção de seus títulos, limitar-se-á a dizer que é "conde", dignidade inferior à de "marquês"? Isto não pode passar pela cabeça de nin- guém, a não ser na cabeça dos romanistas, a quem a ver- dade não interessa, mas a defesa das suas patranhas! Igual lição se colhe do capítulo 5.°, v. 1 da l.a Ep. de S. Pedro, Na verdade, S. Pedro ali se intitula "presbítero" , tendo, no início da Epístola (cap. 1:1), feito menção do seu título mais nobre, mais elevado, que era o de "Apóstolo de Jesus Cristo".

Pelo exposto, fica bem patente ser impossível admi- tir que S. Pedro fosse "vigário de Cristo" ou "primeiro papa". Para fugir a essa dificuldade, o Pe. Matos Soares, usando daquele impudor deslavado e audacioso que é norma jesuítico-papista, teve a impudência de traduzir o têrmo latino da Vulgata "SENIORES", no texto em apreço (l.a Pedro 5:1), por "SACERDOTES", para depois chamar a S. Pedro de "sacerdote" ! Mais leal foi o Pe. Zioni, que traduziu como devia, o têrmo em referência, por "PRESBÍTEROS", explicando depois, em nota, para convencer os lorpas, que S. Pedro usava, ali, aquêle título por "humildade".

Enfermando da mesma cegueira, comum ao clerica- lismo, o Pe. Matos Soares, com a sua falta de probidade, demonstrou claramente, a todos aquêles que têm olhos para ver, o seu desamor à verdade; ao contrário do que seria para desejar, êle, como tantos dos seus confrades abatinados, procurou encobrir o argumento que o próprio têrmo fornece contra o malfadado dogma do papado!

Não, padre Matos Soares! Seja nobre e leal, em tudo que escrever! Do contrário, tenha a certeza de que não pode merecer o crédito daqueles a quem interessa a verdade despida de preconceitos!

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Qual foi o dicionário de latim em que se baseou, quando verteu o latino "SENIORES", para "SACERDOTES"? Acaso ignora que esse termo, se substantivo, apenas pode significar "presbíteros" ou "anciãos", e nunca "sacerdo- tes"? Como adjetivo, tem o significado de "mais velhos", "anciãos". O único termo latino que "sacerdote" em português, é "sacerdos" (genitivo "sacerdotis") , mas nunca "seniores". O mesmo para o grego "PRESBlTEROl" : admite a tradução "PRESBÍTEROS" ou "ANCIÃOS", e nada mais!

Sejam honestos, naquilo que escrevem, senhores ro- manistas! O tempo do obscurantismo medieval, em que o padre podia dizer os disparates que lhe apetecesse, por- que não tinha ninguém que se atrevesse a contestar-lhe coisa alguma, esse tempo de obscurantismo se foi, para bem da Humanidade e do progresso! Hoje, o mundo é di- ferente, e não possibilidades de convencê-lo com patranhas e parlapatices!

Preguem a verdade, e nada mais, e então, poderão conseguir adeptos; mas, com patranhas e "água benta" só, não conseguem levar "água ao moinho"!

Ainda a propósito do cap. 1 5 de Atos dos Apóstolos, vejamos agora como nos versículos subsequentes se com- prova melhor a verdade de que o Concílio de Jerusalém, malgrado os sofismas dos corifeus do papismo, nos for- nece mais um argumento contra o pretenso primado ou chefia de Pedro.

Convém, antes de mais, desfazer o mísero e irrisório argumento, que não passa de frágil sofisma, desses tais corifeus. Alegam eles, abrindo a boca, para assim pro- curarem convencer os papalvos, que Pedro foi o primeiro a falar. Logo, concluem: S. Pedro é que era o chefe!

Em face de tão ousada, quão estulta conclusão, somos forçados a dar uma liçãozínha aos senhores roma- nistas, começando por "mestre" Eurípídes. Fossem alunos nossos, e teríamos de puxar-lhes as orelhas e obrigá-los a abrir bem os olhos para lerem com mais atenção o texto de Atos que se refere ao 1.° Concílio de Jerusalém.

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Com efeito, é preciso ser cego, ou não ler com aten- ção, para se poder afirmar que S. Pedro foi o primeiro a falar, no aludido texto.

Não, senhores romanistas! Antes de S. Pedro, muito se tinha falado: "depois de grande contenda", diz o texto, é que S. Pedro se levantou para falar (At. 15:7).

Ora, se houve "grande contenda" antes de ele falar, segue-se, como é evidente, que muitos tinham falado, e acaloradamente! Então, se antes dele, houve "contenda" acalorada, na qual muitos falaram, qual é a cabeça equi- librada que possa pensar que foi S. Pedro a falar em primeiro lugar?

Afinal, Eurípides & Cia., em que ficamos? Foi São Pedro quem falou em primeiro lugar, ou foram os que fizeram "grande contenda" antes dele?

Admitamos, porém, que tivesse sido, de fato, São Pedro o primeiro que falou, no aludido Concílio. Acaso tal fato teria alguma força probatória, a favor da tese romanista, de ser S. Pedro "o primeiro papa"?

Do versículo 13 ao 21, inclusive, vemos o apóstolo Tiago usar da palavra em termos que revelam maior au- toridade do que aquela de que usou S. Pedro, e foi São Tiago mesmo quem encerrou o "grande debate", e ainda é ele quem propõe as medidas a serem tomadas para a solução do litígio, motivo da reunião do Concílio, o que foi por todos acatado. É o que vamos provar.

Do verso 19.° até o 20.°, inclusive, lê-se o seguinte: "Pelo que julgo eu (Tiago fala), não se devem inquietar os gentios que se convertem a Deus, mas apenas que se lhes deve escrever para que se abstenham das contaminações dos ídolos, e da fornicação e das carnes sufocadas e do san- gue". Pois, exatamente o que foi aqui proposto por São Tiago, foi isso mesmo o que o Concílio aprovou, como se comprova pelos versículos 22 a 29, inclusive do mesmo cap. 15 de Atos.

Em face da clareza dos passos citados, ficam redu- zidas a zero mais duas patranhas romanistas; a l.a, que tenha sido S. Pedro quem presidiu o Concílio de Jerusa-

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lém; a 2.a, que estivesse êle investido da autoridade de Vigário de Cristo ou Chefe da Igreja,

Parece inacreditável que, depois de testemunhos tão perfeitos, como esses que ficam, para toda a gente poder ler e entender, (porque nada encerram de misterioso, e se baseiam em fatos), ainda se persista obstinadamente em propugnar tese absolutamente indefensável, em face das Escrituras Sagradas.

Será que os corifeus do papismo nunca leram esses passos bíblicos, por nós citados, e outros mais, semelhan- tes, que poderíamos citar? Se leram, não tiveram inteligên- cia para compreender a verdade nos mesmos contida, e de tão fácil compreensão? Ou ter-se-á dado o caso de terem lido, mas não terem querido entender, o que é muito pior? Em qualquer das hipóteses, de admitir-se que ficam pelas "ruas da amargura" os corifeus romanistas!

Meditando e tornando a meditar nessas hipóteses, e não desejando, de forma alguma, passar atestado de igno- rância ou imbecilidade aos lidadores ou esgrimistas do ro- manismo, somos inclinados a concluir por uma terceira hipótese: deslavada, hipócrita, audaciosa, astuta e maquiavélica!

Pois é o que temos de concluir, forçosamente, quando os nossos olhos lêem aquilo que escreveu Eurípides à pá- gina 239 do seu livro, a saber: "No Concílio de Jerusalém é a opinião de Pedro que prevalece"!!

De resto, esta opinião a bebeu êle (tão pobrezinho na sua argumentação, que nada acrescenta de original) nas fontes dos seus mestres romanistas!

Mas, ao menos deviam ter aprendido que as suas audaciosas afirmações não podem passar sem corretivo, que, de fato, lhes aplicamos. Tais afirmações evidenciam o mais deprimente impudor e a mais requintada fé.

Tão frágil é o alicerce em que se assenta o dogma do pretenso papado de S. Pedro; tão inconsistente é todo o arrazoado em tôrno de tal dogma; tão indefensável é essa patranha, que, para se manter de pé, seria mister rasgar

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primeiro as páginas do Novo Testamento! E, até mesmo nesta hipótese, ainda teríamos sérias dúvidas!

Mas, tendo, como temos, graças à Divina Providên- cia, testemunhos tão irrefragáveis, tão perfeitos e tão pre- ciosos, como os de Cristo e os dos Apóstolos, não deve restar a menor dúvida, seja a quem for (que raciocine com cérebro perfeito e desempoeirado) , de que o apóstolo Pedro não podia, de forma alguma, usar os pomposos títulos que, debalde, e infundadamente, lhe atribui o roma- nismo! 1

Façamos, agora, um confronto entre a democracia e absoluta liberdade que tinham os Apóstolos e presbíte- ros nos seus concílios, com a tirania papal que se verifica nos conclaves (ecuménicos ou não) da Igreja de Roma, até antes de ser decretada a infalibilidade papal (!). É claro que jamais tal gentalha de batina poderia ser a su- cessora do humilde S. Pedro. Jamais!

Para comprovar o que estamos afirmando, basta transcrever, aqui, o que se acha no "O Papa e o Concílio", pág. 654, da 2.a ed. de 1930, nota 3a, que o fazemos, traduzindo do latim: "Cuidarei (eu, bispo tal...) de conservar, defender, aumentar e promover os direitos, as honras, os privilégios e autoridade da Santa Igreja Roma- na, do papa, Nosso Senhor e dos preditos sucessores (dele)..."2 Um papa, outro Nosso Senhor, como se fosse Deus! Pobre S. Pedro, tão humilde!

1 As Sagradas Escrituras, malgrado todos os sofismas e falsas in- terpretações do Romanismo, são o libelo mais tremendo e completo contra as calculadas pretensões dos seus dogmas do papado e de todas as inova- ções de que a história eclesiástica é repositório vastíssimo. Deve ter sido por isso mesmo que o Papa Pio IX, a encarnação mais perfeita da arro- gância e soberba papalina, afirmou no seu célebre "Syllabus", que "a leitura da Sagrada Escritura é um veneno", acrescentando, mais tarde, que essa leitura "era antes prejudicial, que útil" (os grifos são nossos). De fato. Estamos de acordo em que a leitura da Sagrada Escritura seja "um veneno" para o papado. E é tão grande veneno, que lhe causa a morte! E, à luz da palavra de Deus, é cadáver, e cadáver que cheira mal ! . . .

2 Isto é o cúmulo da arrogância, por parte do papa, e da mais avil- tante baixeza e subserviência, por parte dos bispos, que servilmente se submetem a tal juramento! É preciso não ter o menor vestígio de perso-

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Então, que chefe, que vigário, que papa foi esse, tão contrário aos seus pseudo-sucessores, os quais, como esta- mos vendo, até exigem um juramento como o que fica, dos seus bispos, antes de entrarem num concílio?!

É que S. Pedro desconhecia, ignorava por completo, na teoria e na prática, tal hierarquia mundana e sacrílega, e se preocupava em servir, em nivelar-se segundo a sua expressão: "um como eles", 1 e admitia, como todos os seus colegas de apostolado e de Concílio, a suprema presidência e direção do "Príncipe dos Pastores" Jesus Cristo e do Espírito Santo, o em que consistia a sua maior grandeza e chefia, 2 e no em que, verdadeiramente, está a

nalidade, é ser mesmo uma topeira intelectiva e moral, para acceder a tão humilhante e, acima de tudo, sacrílego juramento! É zombar de Deus e da Religião!

Aqui está assestado o ferrête mais ignominioso e mais aviltante que instituição humana jamais impôs a sêres dotados de inteligência, racio- cínio e consciência! Êste é o retrato fiel do absolutismo mais tirânico e diabólico, da arrogância mais incontrolada e da sêde de domínio mais insofrida do despótico domínio papal!!!

Será, uma credencial dessa laia, documento condigno para um papa se declarar legítimo sucessor de S. Pedro e vigário de Cristo na terra?!

É fantástico, inacreditável mesmo, que tantas inteligências humanas nem sequer se tenham apercebido do desafio feito à grandeza de Deus, pelo papado, que parece querer suplantar, arrogando-se direitos, honras, privilégios, que Jesus Cristo jamais exigiu dos Seus apóstolos ou discípulos! ! !

A tal ponto chega o desplante e a ânsia de domínio papal, que coloca os seus direitos, as suas honras e a sua autoridade acima dos interêsses e do bem da Igreja e da Religião! Foi isto que fêz "JANUS" dizer: "Nenhum dos nossos bispos jurou ter por suprema lei de suas ações e esforços o bem da Igreja e da Religião; na fórmula do juramento não se trata senão somente dos interêsses da Cúria" ("O Papa e o Concílio", pág. 655, 2.a ed., 1930 Editora Saraiva S. Paulo).

De tal maneira "o sistema papal" torna deprimente a personalidade dos bispos, por causa da sua ânsia de absolutismo despótico, que, igual- mente, "JANUS" afirma: "Não admite êle (o sistema papal) verdadeiros bispos, que atuem com independência, em nome de uma instituição divi- na (!), mas somente súditos e vigários ou oficiais do papa com o exer- cício de um poder que a todo momento se lhe possa retirar" ("O Papa e o Concílio", 2.a ed., pág. 653).

Como panos de amostra, essas transcrições, que ficam, dão-nos bem a idéia da estrutura e da essência dessa colossal (!) peça, a que "JANUS" chamou "o sistema papal"!

E quantas transcrições idênticas poderíamos, aqui, fazer, se isso não tornasse demasiado extenso nosso livro!?...

1 l.a Ep. S. Pedro 5:1.

2 l.a Ep. S. Pedro 5:4.

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virtude do Ministro de Deus, e não em ser ele primaz, chefe, vigário ou papa, títulos que, por si sós, nada vale- riam, ainda que S. Pedro os possuísse, se não fosse ele a encarnação da humildade e da fidelidade Àquele a Quem chama de 'Príncipe dos Pastores", sob cuja única juris- dição e do Espírito Santo, não ele, como seus colegas se curvavam, donde o êxito retumbante, inqualificável e inexcedível do seu Ministério!

Logo, seria até desairoso, e sacrílego mesmo, para o humilde e fiel apóstolo de Cristo, arrogar-se ele detentor de tão ousadas prerrogativas, diametralmente em oposição ao Espírito do Mestre que o "elegeu para pregar a pala- vra do Evangelho", desse Evangelho que é amor, humil- dade, e, numa palavra, obediência absoluta, total, não à vontade do homem, mas à de Deus!

^ T

De tudo que temos escrito, até aqui, sobre a inani- dade do dogma do primado de Pedro, ressaltam, como argumentos de capitalíssima importância, os seguintes:

1. ° A ausência absoluta de prova categórica, con- creta, positiva e insofismável de que S. Pedro tenha sido constituído, por Jesus Cristo, primaz ou chefe jurisdicio- nal dos apóstolos.

2. ° Jesus Cristo não conferiu, de fato, primazia ou superioridade a S. Pedro ou a qualquer dos Seus após- tolos, visto como Ele se manifestou contrário a essa idéia e humana, quando êles discutiam qual seria o maior entre si.

3. ° A Sagrada Escritura, em muitíssimas passa- gens, o que atrás ficou exuberantemente demonstrado, é uma cadeia de testemunhos contrários à pretensa prima- zia de Pedro e ao seu consequente cargo de vigário de Cristo.

4. ° As atitudes e testemunhos pessoais de S. Pedro, que nunca manifestou ser superior aos demais apóstolos; muito ao contrário, dêle temos várias expressões de encan-

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tadora humildade evangélica, reconhecendo-se igual a todos os seus companheiros de Ministério.

5. ° Argumento de idêntico valor a este nos é for- necido peias atitudes dos outros apóstolos, que nunca se manifestaram inferiores ou subalternos a S. Pedro.

6. ° Nem uma vez ele (Pedro) aparece a decre- tar leis ou a dar ordens à Igreja; mas, ao contrário, ele é que é mandado, e que fielmente obedece, sem murmu- rações.

7. ° Ficou comprovadíssimo que o Governo da Pri- mitiva Igreja residia no Colégio Apostólico, ou seja, na Assembléia dos Apóstolos e Presbíteros, entidade única que, abaixo de Cristo e do Santo Espírito, exercia a sobe- rania do governo da Igreja; era o Colégio Apostólico que estabelecia decretos ou ordenanças na Igreja, e nunca o humilde S. Pedro, que jamais gozou da menor autoridade jurisdicional acima dos seus confrades!

Como corolário, cumpre afirmarmos, e impossível será contestar-se, seja por quem for (quer leigo como Eu- rípides, ou abatinado, como Leonel Franca e quejan- dos. . .), que os decretos ou ordenanças dessa Soberana Assembléia dos Apóstolos e Presbíteros eram acatados, de modo absoluto, por todos os apóstolos e irmãos. É assim que vemos essa Assembléia mandando Pedro e João à Sa- maria (At. 8:14) e Paulo, Barnabé e mais dois discípulos, à Igreja em Antioquia (At. 15:22).

E não consta que Pedro e Paulo (para não falar dos outros) tivessem recalcitrado contra as ordens dimanadas daquela augusta Assembléia.

Afinal, senhores romanistas, depois de argumentos tão esmagadores como esses que ficam, queiram-nos responder: Quem dava ordens, quem mandava na Primi- tiva Igreja? Era S. Pedro, "o primeiro papa" (como lhe chamou o Pe. Franca), ou o Colégio Apostólico?

Sofistas e atrevidos abusadores da ignorância alheia, ainda tereis o desplante de ensinar às massas simples c ignaras que S. Pedro foi "o primeiro papa" da Igreja de Cristo?

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CATOLICISMO ROMANO

Ficai, porém, na certeza de uma coisa: aqueles que lerem este livro e tiverem inteligência e espírito desempoei- rado não poderão mais acreditar nas vossas patranhas!

A esses, podeis ter a certeza que os vossos sofismas não poderão convencer!

Quem, agora, não terá olhos para ver o contraste flagrante que entre o governo da Primitiva Igreja representativo e democrático, e o da Igreja Romana, abso- luto e despoticamente teocrático?

E, como assim é, Vocês, jesuítas, têm de inventar ou descobrir um novo papa para a Primitiva Igreja, porque esse S. Pedro está fora de combate!

* * *

Suposto episcopado de

Pedro em Roma

Procuremos, agora, desfazer outras teias de aranha que se encerram em ensinamentos do papismo, com de- monstrar a vacuidade de tais ensinamentos, ligados ainda com o suposto primado de Pedro.

Comecemos pela parlapatice de que S. Pedro teria sido o primeiro bispo de Roma, onde pontificou cêrca de 25 anos, segundo pretende a Igreja Romana.

Ora, se nem sequer se pode provar, pela história ecle- siástica ou profana, digna de crédito, que S. Pedro estivesse em Roma, como é que os senhores papistas, ainda avan- çando mais, sem prova alguma, nem indiciai, afirmam que êle estêve, e foi bispo daquela Igreja durante 1/4 de século?

Nós, porém, temos fortes razões para admitirmos precisamente o contrário.

Acompanhemos, pois, o ministério do apóstolo São Pedro através das páginas do Novo Testamento. Se, de fato. êle tivesse sido o bispo de Roma, o historiador Lucas no-lo teria mencionado, e, pelo menos Paulo teria feito alguma referência em sua Epístola aos Romanos.

O PRIMADO DE PEDRO

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Afirmam os corifeus do romanismo que S. Pedro, no 1.° ano do reinado de Cláudio, pelos anos de 41 a 43, chegou a Roma com S. Paulo e estabeleceu a sede de seu governo e governou a Igreja por 25 anos. Faleceu mártir, com S. Paulo, no reinado de Nero, em 67 da era cristã.

Segundo as regras mais comezinhas da dialética, quem afirma tem de provar. Sendo assim, teriam os cori- feus romanistas de demonstrar, com fatos verídicos, em nada sofismáveis, a verdade dos seus assertos. Se isso não conseguiram, de nada valem, ipso facto, as suas afir- mações.

Ora, eles não conseguiram até hoje, nem consegui- rão jamais, demonstrar serem verídicas as suas afirma- ções. Logo, devem ser rejeitadas, por insustentáveis.

Provemos agora nós, que, de fato, até hoje ainda não ficou suficientemente demonstrado, com argumentos concretos, claros, insofismáveis (únicos que têm força probatória convincente), que: 1.°, S. Pedro tenha sido bispo de Roma; 2.°, que residiu pelo espaço de 25 anos (!); 3.°, que o pretenso 'Príncipe dos Apóstolos" tenha sido martirizado, juntamente com S. Paulo no ano 67, no reinado de Nero.

Se é muito problemático afirmar que S. Pedro ti- vesse estado em Roma, visto como não testemunhos claros, concretos que tal possam provar, mais difícil se torna, para os romanistas, provarem que S. Pedro tenha sido bispo da Igreja em Roma.

Se não, mostrem ou digam, ao menos, quais os do- cumentos históricos e verídicos, dignos de crédito, em que se fundamentaram para fazerem afirmações dessa ordem.

Mas, nós sabemos perfeitamente que tais documentos não existem!

Nesse caso, emudeçam as suas vozes, e não preten- dam fazer passar por tolos aqueles a quem "mestre" Eu- rípides apoda de "irmãos separados". Francamente, não nos sentimos honrados em nos confessarmos irmãos de quem inventa patranhas à tovt et à travers, para impingir aos outros as mistificações das suas fantasias! Nada de

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CATOLICISMO ROMANO

invenções! Res non verbal Em assuntos históricos, fatos, baseados em documentos autênticos, é que podem provar! O resto, balelas!

Vejamos, então, as razões que podemos aduzir, con- trárias à tese papista de que S. Pedro tenha sido bispo de Roma.

Não consta ter sido S. Pedro o fundador de tal Igreja, visto que, além de outras razões, nem sequer se pode provar historicamente que ele tenha estado nessa cidade.

2.° Não é admissível que, se fosse S. Pedro o bispo dessa Igreja, S. Paulo se tivesse dirigido à mesma com a sua longa e formosíssima Carta (a "Epístola aos Roma- nos"), como quem dava leis à mesma Igreja. Ora, tendo o próprio S. Paulo afirmado que se esforçava 4 por pregar o Evangelho, não onde se havia feito menção de Cristo, para não edificar sobre o fundamento de outro" (Rom. 15:20), torna-se evidente, por tais palavras, que, se "outro" (S. Pedro, por hipótese), tivesse sido o fun- dador daquela Igreja, S. Paulo, de modo algum, iria ali "meter foice em seara alheia".

Por outro lado, vemos a solicitude do grande São Paulo pela florescente Igreja de Roma, a cujos fiéis o mesmo apóstolo chama "queridos de Deus, chamados para serem santos". Logo, temos de concluir que essa igreja não devia estar sob o pastorado de outro, S. Pedro ou qualquer apóstolo.

Não se pode meter na cabeça de ninguém, mesmo de inteligência medíocre, a idéia de que, fosse S. Pedro bispo de Roma, S. Paulo, na referida Epístola, não faça a mais leve referência ao seu colega e amigo Pedro! E isto é tanto mais para admirar, quanto é certo ter o mesmo S. Paulo feito menção, na aludida carta, a cêrca de 30 irmãos, entre os de Roma! Haveria de omitir o nome da figura principal do rebanho?! Isto é simplesmente incon- cebível !

Ora, segundo o consenso mais ou menos unânime, a Epístola aos Romanos data do ano 58 A.D. Se, con-

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forme alegam os corifeus do papismo, S. Pedro pontifi- cou como bispo de Roma, aproximadamente, de 43 a 67, quando, então, dizem eles, fora martirizado em Roma, em 58 tinha de, fatalmente, estar à frente do seu bispado, na aludida Igreja.

E, então, que história é essa, senhores romanistas? S. Pedro está à frente do rebanho, como seu pastor e bispo, e as ovelhas são guiadas pelo "cajado" de um estranho? Ou pretenderão os senhores ensinar que S. Pedro, também por humildade, (que Vocês apregoam para fugir a difi- culdades . . .), teria rogado ajuda a seu "caríssimo irmão Paulo", para dirigir o rebanho, encaregando-o da parte mais importante, ou seja, da sua orientação espiritual?

Se assim é, que diabo de consideração é essa, para com o vosso 'primeiro papa"?

Ora. valha-nos Nossa Senhora e mais o nosso bom S. José, porque estamos a ver que Vocês de jeito algum se aguentam de pé!

Passemos agora a percorrer as páginas dos Atos dos Apóstolos e das Epístolas, que nos transmitem a história fiel da Igreja nos seus primórdios, isto é, na idade apos- tólica, a fim de verificarmos se se encontra alguma re- ferência nítida e insofismável da estada e do apostolado de Pedro em Roma.

Inicialmente, o que ali se observa é que, nos primei- ros desenvolvimentos da Igreja, em sua marcha triunfal de Jerusalém a Roma, ou seja, do centro do judaísmo ao centro do paganismo, S. Pedro foi o campeão do aposto- lado do judaísmo e Paulo, o do gentilismo; Roma, pois, a capital do gentilismo, estava não na esfera de Pedro, mas, sim, na de Paulo, de que é prova exuberante a sua monumental Epístola aos Romanos.

Por aqui se vê, claramente, que S. Paulo não usur- pou direito algum a S. Pedro, pelo fato de ter a maior solicitude pelos crentes da Igreja de Roma. Mas, não

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se pode admitir tal hipótese, se o apóstolo Pedro estivesse à testa daquela Igreja. Inclusivamente, isto poderia oca- sionar desinteligência entre os dois apóstolos. Mas, tal não se deu.

Seria inconciliável o fato de residir Pedro em Roma, como bispo da Igreja local, e S. Paulo, de longe, cheio de solicitudes por aquele rebanho em Roma, como se ele não tivesse pastor!

Logo, senhores romanistas: tenham santa paciência, mas a patranha de que S. Pedro residia e era bispo de Roma não é admissível!

Demonstremos agora a impossibilidade absoluta de ter estado S. Pedro como bispo de Roma pelo espaço de 25 anos.

Através das referências do livro dos Atos dos Após- tolos e das Epístolas de S. Paulo e S. Pedro, verifica-se que o falso "1.° papa", cronologicamente, teria dado os seguintes passos, com os quais se pode assinalar a sua pre- sença em diversos lugares.

Conforme refere Eduardo Carlos Pereira, em seu bem elaborado trabalho, a que fizemos referência, e escudando-se em consciencioso estudo de Godet, S. Pe- dro, depois do Pentecostes é encontrado em diversos lu- gares, conforme o quadro seguinte:

Em 33, encontramo-lo em Jerusalém, data em que pregou, pela primeira vez, logo após a recepção do E. San- to, na Festa de Pentecostes; em 34, encontramo-lo em Samaria; em 40, vemo-lo novamente em Jerusalém; em 44, igualmente em Jerusalém; em 48 a 50, ainda em Je- rusalém; em 51/52, logo depois do Concílio de Jerusalém, S. Pedro e S. Paulo se encontraram em Antioquia, ca- pital da Síria; nos anos de 52 a 54, ainda em Antioquia.

Vejamos agora onde êle não estava, ou seja em Roma. Assim, no ano 58, data da Epístola aos Romanos, é evidente que Pedro não estava em Roma, pelas razões anteriormente explicadas.

Não estava em Roma durante a prisão de S. Paulo naquela cidade (mais ou menos entre os anos 61 e 63),

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porque, conforme se em Atos 28:17-22, Paulo con- voca os principais judeus de Roma, e lhes fala desta ma- neira: "Varões, irmãos . . . mandei chamar- vos para vos ver e falar; pois, pela esperança de Israel estou prèso com esta corrente". Porém eles lhes disseram: "Não recebemos carta da Judeia a teu respeito, nem veio de irmão al- gum que contasse ou dissesse mal de ti. Mas desejaría- mos ouvir de ti o que pensas; pois, relativamente a esta seita, sabemos que por toda a parte é ela impugnada".

Ora, por estes passos torna-se evidente que S. Pe- dro não podia estar em Roma. Do contrário, é inexpli- cável o fato de não não vermos em cena a pessoa de S. Pedro, como ainda, o que é mais, nem uma leve re- ferência ao mesmo S. Pedro, nem por parte de Paulo, nem por parte dos judeus que foram ter com êle na prisão!

Acaso será isto coisa que se possa meter na cabeça de alguém com o cérebro no lugar?

Da explicação dos referidos passos, ressaltam duas coisas inconcebíveis. É simplesmente inadmissível que S. Pedro, aquela alma sensível, amável, e que devotava grande afeto a seu colega de apostolado, a quem chamava de "caríssimo irmão Paulo", é inadmissível que, naquela circunstância amaríssima da vida de seu colega e amigo, não estivesse, solícito, presente, confortando-o em suas aflições, vítima como estava sendo S. Paulo da perversi- dade humana! Doutro lado, seria indesculpável que, ten- do S. Paulo convocado, da prisão, "os principais dos ju- deus" de Roma, não tivesse a mesma atenção para com aquele seu eminente colega, para o qual não tem nem uma palavra sequer!

Ora, não cremos haja alguém que tenha o atrevi- mento de arguir S. Paulo de espírito anticristão, a ponto de desconsiderar seu colega de apostolado.

Mas, nós concluímos de outra maneira, sem receio de contestações.

Nem da parte de S. Pedro, nem da parte de S. Paulo houve aqui a menor falta. Assim, se o primeiro não vai visitar na prisão o segundo, é pura e simplesmente por-

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CATOLICISMO ROMANO

que não estava em Roma; e, se o segundo, não tem uma palavra para com o primeiro, é porque sabia que ele não estava em Roma.

Resumindo, agora, chegamos à conclusão de que, durante a prisão de Paulo, em Roma, (nos anos 61 a 63 mais ou menos), Pedro não estava.

Se nos objetarem que S. Pedro estava também pre- so, respondemos que não é admissível tal hipótese, por- que então, neste caso, S. Paulo se teria referido a ele com palavras amigas, bem como os judeus que foram visitar S. Paulo, no presídio. Mas, nada disso aconteceu. Logo, temos de, forçosamente, pôr de parte essa hipótese.

Se nos objetarem ainda que S. Pedro, conquanto ti- vesse estabelecido a sede de seu ministério em Roma, es- taria viajando, naquela época, respondemos que tal ob- jeção é tão inconsistente, que desaparece pelas seguintes razões: l.a É inadmissível que S. Pedro tivesse uma ausência tão grande (de mais de dois anos, que foi o tempo que Paulo levou na prisão), no que demonstraria não pouco amor ou zelo pelo seu rebanho, como tam- bém pouco interesse pela sorte do infortunado colega e "caríssimo irmão Paulo". Ao contrário, ainda que ele es- tivesse viajando certamente voltaria imediatamente, ao saber da chegada de seu colega e amigo em Roma. Outra atitude não se poderia conceber daquela linda alma cristã e amiga! 2.a Se Pedro era bispo de Roma, naquela épo- ca, como querem os romanistas, como conciliar, então, tal hipótese com o fato de "os principais dos judeus", re- sidentes em Roma, pedirem instruções ao Apóstolo Paulo acerca da "seita" que eles afirmaram "que por toda a parte" era "impugnada"?

Como é óbvio, a "seita" referida era a dos nazare- nos ou cristãos.

Como se pode, então, conceber a idéia de estar Pe- dro em Roma, como bispo, à testa da sua Igreja, e aque- les "principais dos judeus" a pedirem instruções a S. Pau- lo: "Desejaríamos ouvir de ti o que pensas: pois, rela-

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tivamente a esta seita sabemos que por toda a parte é ela impugnada' 7

E o absurdo sobe de ponto, se tivermos em mente que S. Pedro, conforme pretende o Romanismo, se encontrava em Roma havia 19 anos!

Ora, perguntamos nós: Será possível admitir-se que estivesse Pedro 19 anos (!) a ensinar em Roma as verdades da Cristã, e "os principais dos judeus" es- tivessem naquela ignorância absoluta, que manifestaram diante de S. Paulo?

Tal hipótese seria de admitir-se, tão longo pe- ríodo de tempo, se S. Pedro, por medo ou comodismo, não tivesse pregado as verdades da Cristã. Quererão os senhores romanistas fazer conceito tão deprimente a respeito do seu "primeiro papa"?

Que diz a isto "mestre" Eurípides?

Devemos lembrar-lhe que, não obstante Você ter afirmado que o Pe. Franca versou "tão magistralmente" a tese do primado de Pedro, ele nem sequer foi capaz de desfazer o quadro cronológico dos passos do apóstolo Pedro, a que aludiu Carlos Pereira, como também não foi capaz de ver-se livre da "camisa de onze varas" em que se meteu o Romanismo, ao inventar a patranha de que S. Pedro foi bispo de Roma e que nesta cidade exerceu o episcopado durante 25 anos.

A hierarquia da

Igreja Católica

Assim escreveu o grande historiador Guilherme Oncken:

"A Igreja Primitiva, comunidade essencialmente de- mocrática, tinha-se convertido gradualmente numa clas- se privilegiada: o clero; desta aristocracia saiu o episco- pado e deste o bispo de Roma, a princípio com caráter sim- plesmente honorífico de ser o primeiro entre jos seus iguais. Mas, à medida que a Igreja foi adquirindo caráter mo-

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CATOLICISMO ROMANO

nár quico, o bispo de Roma ascendeu a "Supremo Pontí- fice" (História Universal de Guilherme Oncken, Vol. XI, pág. 25).

E desse caráter monárquico foi que nasceu o espírito de violência, que depois, pelos séculos em fora, caracteri- zaria o papado, consoante escreveu o mesmo historiador: "O papado tinha trocado a sua missão de representante da cristandade pela de representante de uma fração mais intolerante e inimiga, de uma cultura progressiva; por- que tinha compreendido que, de futuro, podia man- ter-se oprimindo a verdade evangélica, gradualmente obliterada no decorrer dos séculos. Esta convicção foi o único motivo da perseguição dos valdenses e dos minoris- tas de Wicliffe, de Huss, dos seus adeptos e de tantas outras vítimas da cúria romana" (G. Oncken, Vol. XI, pág. 26).

Daí, por que os homens mais célebres da história da Humanidade, entre eles, Léon Tolstoi, Vítor Hugo, Emí- lio Zola, Cavour, Emílio Castelar, Vicente Blazio Iba- nez, Alexandre Herculano, Teófilo Braga, Eça de Quei- rós, Guerra Junqueiro, Rui Barbosa, Einstein, o maior sábio coetâneo e muitíssimos outros do mesmo talante foram tremendamente anticlericais!

Fantasia do

episcopado de Pedro

Em face do quadro cronológico que apresentamos, não poderá jamais toda a força (melhor lhe chamaría- mos fraqueza. . .) da argúcia e arteirice romanistas de- monstrar a veracidade da sua tôla pretensão em favor da tese de que S. Pedro foi o bispo de Roma e ali perma- neceu pelo espaço de 25 anos, até a morte.

O que ficou demonstrado pelo estudo dos passos da vida de Pedro, de harmonia com o quadro cronológico referido, é que o Apóstolo, mesmo que fôsse verdadeira a

O PRIMADO DE PEDRO

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asserção que tivesse sido bispo de Roma, nunca se demo- rou nessa cidade sequer meia dúzia de anos.

De tal maneira é fantástica e inconsistente a tese pa- pista, que, para se manter de pé, preciso fora rasgar as páginas das Sagradas Escrituras, que oferecem argumen- tos em contrário!

Segundo a tese romanista, S. Pedro teria sido bispo de Roma pelo espaço de 25 anos, de 42 (ou 44) a 67 (ou 69), começando no reinado de Cláudio e acabando no de Nero, quando foi martirizado. 1

Para que tal opinião possa merecer crédito de toda a gente, torna-se necessário tenha base nos livros do N. Testamento, onde se historia, com a autoridade pró- pria dos livros divinamente inspirados (como admite a própria Igreja Católica) a vida apostólica de S. Pedro. Ora, os livros em referência, como vimos, fornecem precisamente argumentos contrários à tese romanista.

Dentro do período dos pretensos 25 anos de estada de Pedro em Roma, (de 42 a 67 ou ainda, de 44 a 69) o apóstolo se encontrava em lugares diferentes, que não Roma, como vimos.

Com efeito:

Segundo Godet, 2 entre os anos 41 a 44, deu-se em Jerusalém a prisão de S. Pedro, por ordem do rei Agripa, conforme refere Atos 12:3. Êste cálculo de Go- det está absolutamente certo, porquanto Herodes Agripa morreu no ano 44, como referem os historiadores (entre os quais Guilherme Oncken no vol. 3.°, pág. 876 da tradução em português, sob a direção de Consiglieri Pe- droso), sendo certo, ainda, que o fato se passou no rei- nado de Cláudio. Ora, êste imperador ascendeu ao poder depois da morte de Calígula, que ocorreu em 41, como diz a História de Roma. De modo que, o episódio da ordem de Herodes Agripa, mandando prender o após-

1 "0 Problema Religioso da América Latina", pág. 272.

2 Conforme citação de Carlos Pereira, ob. cit., pág. 259.

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tolo Pedro deve ter ocorrido mais provavelmente por todo o ano de 43 ou princípio de 44. Uma coisa é absoluta- mente certa: é que S. Pedro, entre os anos 41 e 44, foi preso em Jerusalém. Por aqui se que, na data assina- lada pelos romanistas, S. Pedro não podia estar em Roma, visto ser manifesta, pelos Atos dos Apóstolos, exercer ele o seu apostolado na Judéia, onde Herodes mandou-o prender.

Dizendo o v. 17 de Atos que S. Pedro, depois da sua libertação, 'partiu para outro lugar", concluem logo os romanistas: Foi para Roma! Vale dizer que, pela deixa "foi para outro lugar" , tanta razão têm êles 'em afirmar que S. Pedro foi para Roma, como qualquer um dizer que foi para a China ou Mesopotâmia!

Mas, senhores romanistas, nem essa suposição (que em si não tem base), lhes é permitido fazer. Queiram abrir as suas Bíblias, dois versículos mais adiante, ou seja, o v. 19 do mesmo capítulo 12 de Atos, onde se . . . "Foi para Cesaréia" , "e ficou ali" .

Então, senhores romanistas: foi para Roma, como Vocês querem, ou foi para Cesaréia, como afirma S. Lucas?

Ainda querem palavras mais claras?

Que mania é essa de pretenderem inventar a patra- nha de que S. Pedro teria ido, naquela altura (depois de sua prisão), para Roma, quando expressamente, o li- vro inspirado de Atos afirma que foi "para Cesaréia", e "ali ficou"?

Em face da última expressão citada, é fácil admi- tir-se que S. Pedro tenha permanecido em Cesaréia (de- pois de libertado da prisão), por um espaço de tempo considerável, visto que, diz o texto: "ali ficou". Se se tratasse de demora de poucos dias, é de se crer que o cro- nista S. Lucas tivesse feito menção exata do tempo, como quando se refere à ida de Paulo a Jerusalém, dizen- do que êle se demorou 15 dias com Pedro.

É mesmo admissível que tenha S. Pedro ficado em Cesaréia até 50. Certo é que não estava em Roma nesse período; caso estivesse, o historiador Lucas ter-nos-ia

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informado, mormente em se tratando de tão longa via- gem, de Cesaréia a Roma, especialmente se se tratasse de transferência do apóstolo de suas atividades entre os ju- deus, para um bispado tão longínquo! Seria injustificá- vel o silêncio de Lucas a propósito de passo de tão grande responsabilidade na vida daquele apóstolo.

Logo, até 50 ou 51, ainda não vemos como con- ciliar, à luz dos passos do ministério de Pedro, como êle podia estar residindo e sendo bispo em Roma, "desde 42 ou 44 até 67 ou 69"! Assim, nos restam 6 anos para esgotarmos o prazo ou o lapso de tempo dos supostos 25 anos de sua estada em Roma!

Nos anos 52 a 54, ainda não estava em Roma, por- quanto diz-nos o livro inspirado que êle estava em An- tioquia (Gal. 2:11,14,15,17), quando até foi acremente censurado por S. Paulo, "que lhe resistiu na cara" (v. 2), como prova de que S. Pedro não o tinha como Chefe dos Apóstolos ou papa, como pretende o roma- nismo!

Não estava em Roma na data da Epístola de S. Pau- lo aos Romanos, que foi no ano 58, conforme mostramos anteriormente, através de várias provas intrínsecas da referida Epístola.

No ano 60, data de sua l.a Epístola (l.a Epístola de S. Pedro 5:15), não estava também em Roma, pois, êle a escreve de Babilónia, da Assíria.

Em face dêsses dados históricos, é inteiramente im- possível aos romanistas provarem que S. Pedro tenha sido o primeiro bispo de Roma, e muito menos que tenha permanecido durante 25 anos! (1)

1 Alegam os romanistas que essa Babilónia, de onde S. Pedro es- crevera, era Roma. Admitir-se-ia que S. Pedro estivesse a falar da Roma em sentido figurado?

Contra tal opinião militam as seguintes razões:

l.a Seria absurdo supor-se que S. Pedro tivesse dado sentido figurado à cidade de Roma, chamando-a de Babilónia, o que provocaria confusão na mente dos fiéis, a quem a Epístola era dirigida, visto que, dado o fato de existir a Babilónia da Assíria, não saberiam êles se o apóstolo se referia ou não à verdadeira Babilónia. Mas, ainda que pudés- semos admitir a hipótese do sentido figurado, os senhores romanistas,

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Nos anos 61 a 63, data da prisão de S. Paulo, em Roma, também não estava, em face das razões que mi- litam contra essa hipótese, e que apresentamos ante- riormente. Finalmente, também não estava, na data do martírio de S. Paulo, conforme razões muito ponde- ráveis, por nós aduzidas.

Logo, sem que nos seja preciso recorrer aos histor riadores profanos, o fato de observarmos, nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, que S. Pedro não podia ter estado em Roma residindo e em franca atividade mi- nisterial, de 42 a 67, porque estava em lugares bem di- ferentes, no exercício de seu apostolado, como provamos

em que base se estribam para propalarem que naquele ano (60) Roma era conhecida por "Babilónia"? A primeira vez que tal alusão aparece é no livro profético do Apocalipse, escrito por S. João, no ano 98, quase 40 anos depois da carta de S. Pedro, em aprêço.

E a prova de que tal nome simbólico ainda não era, na época, apli- cado a Roma, é que S. Paulo, na sua longa epístola aos Romanos nem uma vez alude a tal simbolismo. Nem S. Paulo, nem escritor algum, antes do Apocalipse.

A 2.a razão que milita contra tal opinião romanista é que, sendo S. Pedro apóstolo da circuncisão, e, portanto, dos judeus, a êstes se diri- gira, em sua l.a Epístola, da Babilónia verdadeira. A favor dêste argu- mento, levanta-se, principalmente, o fato atestado por Flávio Josefo, eminente historiador dos judeus: "dos países de além do Eufrates, onde, exceto uma parte da Província de Babilónia e de alguns outros governos, todas as cidades situadas em regiões férteis são habitadas por judeus" (Vol. IX, pág. 229 e seguintes, da ed. das Américas de S. Paulo, trad. brasileira do Pe. Vicente Pedroso). Esta afirmação de Flávio Josefo reporta-se à grandeza da colónia judaica nas terras para além do Eufra- tes, no tempo em que reinava Calígula como imperador de Roma, ao qual sucedeu Cláudio, seu tio. Pela citação feita, de Josefo, fica demonstrado, até à evidência, que "tôda a Província de Babilónia, da Babilónia do tempo de Calígula (e não outra) com exceção de "uma parte", "era habitada por judeus". É mesmo de crer que existisse, ali, uma colónia judaica com tantos ou mais habitantes do que os residentes na própria Palestina, sua mãe-pátria. Ora, se o apóstolo recebeu de Deus a missão especial de evangelizar "os da circuncisão" (os judeus), é mais que provável que o mesmo apóstolo não tenha deixado de evangelizar essa florescentíssima colónia judaica, que dominava as regiões férteis da mesma Província de Babilónia, e que, portanto, ali deveria ter estado algum tempo, para melhor desempenho de suas sagradas funções de apóstolo dos judeus.

Agora, perguntará qualquer pessoa de mediana craveira intelectual: Se existia urna Babilónia verdadeira e autêntica, não seria descabível a idéia de S. Pedro chamar a Roma (o que é admissível na hipótese romanista) de Babilónia?

Dizendo êle "A Igreja que está em Babilónia... vos saúda", e se existia uma Babilónia real, autêntica, será lícito a alguém supor tra*

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claramente, com os fatos, é isto suficiente para repelir como falsíssima a pretensão romanista!

Todavia, como se isto não bastasse, pode-se con- sultar, com proveito, a obra do grande historiador P. Schaff, H. of the C Church, Vol. I, págs. 250-251.

* # *

Procuremos esclarecer ainda a inanidade e fantasia da tese papista sobre o pretenso episcopado romano de S. Pedro, com mais uma razão que não é para desprezar.

Segundo S. Paulo (Gal. 2:1-8), a Pedro foi con- fiado "o apostolado da circuncisão", assim como a Paulo,

tar-se não da Babilónia real, mas da figurada? Que base têm os roma- nistas para tão descabida pretensão, quando, sobretudo, é certo que depois do Apocalipse escrito, é que Roma passou a figurar como a ima- gem da "Grande Babilónia"? Não será isto um anacronismo manifesto, além da que tal opinião revela?

"Antes do Apocalipse, repita-se, não consta", segundo observa Elliot, "que escritor algum chamasse Roma de Babilónia".

Logo, evapora-se, como fumaça ou poeira tangidas pelo vento, a pretensão jesuítico-papista.

Logo, é absolutamente impossível sustentar-se a tese de que Pedro tivesse fixado a sede do apostolado em Roma, que tenha sido o seu primeiro bispo e muito menos ainda que tenha permanecido cêrca de 25 anos!

E, quem não se sentir satisfeito, que consulte ainda os seguintes documentos históricos: "The Dictionary of the Bible", de Dr. W. Smith; Philo, "De Virt., pág. 1023, ed. Franc. de 1691, o rev. John Lightfoot, eminente professor da Universidade de Cambridge e bispo de Durham, e outros, além de todos os historiadores profanos ou seculares da His- toria de Roma, que silenciam totalmente a êste respeito, e especialmente os da História de Roma, o que é muito sintomático, pois, se tivesse pontificado S. Pedro durante 1/4 de século, sendo êle uma figura tão importante, como de fato era, não poderia ser, absolutamente, esquecida, nas crónicas dos historiadores, mesmo porque teria êle deixado sulcos indeléveis de seu santíssimo apostolado, que jamais deixariam de ser comentados e citados pelos historiadores, a menos que S. Pedro esti- vesse enclausurado num convento, e não se fizesse sentir a sua presença e atuação nos destinos da grande metrópole, da maior metrópole do mundo de então, hipótese esta que jamais se poderia admitir com refe- rência a tão intrépido evangelizador, abrasado como era pelo fogo do Divino Espírito Santo!

E, se formos consultar aos Padres Apostólicos, nenhum testemunho também encontramos para as pretensões romanistas. Basta ler a monu- mental obra "Cathedra Petri, História Politica do Grande Patriarcado Latino" do Dr. Tomás Greenwood, notável historiador alemão, que analisa todos os documentos invocados pelos defensores dos títulos papais à célebre herança de Pedro, para, enfim, chegar à conclusão de que não existe, em t* .-u o mundo, pretensão mais insustentável e mais estulta do que essa.

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CATOLICISMO ROMANO

o dos gentios- Eram, portanto, duas missões muito se- melhantes quanto ao espírito de propagação do Evange- lho, mas diferentes, quanto aos campos de apostolado. A ninguém é lícito supor que os dois apóstolos, consi- deradas as figuras preeminentes entre os seus colegas, ti- vessem deixado de cumprir as missões a que Deus espe- cialmente os destinou.

Sendo assim (e é mesmo), não é admissível pensar- se que qualquer deles pusesse entrave à obra de evangeli- zação. Em tais circunstâncias, nenhum se deveria prender a esta ou àquela igreja, em particular, mas atender a to- das as igrejas na área de sua jurisdição. E, ao invocar um episcopado geral, o mais credenciado, no caso, não seria Pedro, e sim Paulo, segundo o testemunho da Escritura, quando, em referência ao seu ministério, afirma que ele era pastor de todas as igrejas! (2.° Cor. 11:28 e At. 22:15). E note-se que ' 'pastor de todas as ovelhas" não quer dizer ser pastor dos outros pastores!

O famigerado jesuíta Franca, comentando a expres- são de Cristo "Apascenta as minhas ovelhas", não via nisso o episódio da restauração de Pedro ao cargo de pas- tor, como os demais, no rebanho de Cristo, mas sim a passagem de Pedro de pastor a Supremo Pastor: Pedro, diz ele, é aqui nomeado PASTOR UNIVERSAL dos cordeiros e de todas as ovelhas de Cristo, sem nenhuma exceção".

Reitere-se o argumento anterior: Ser pastor de todas as ovelhas não é o mesmo que ser pastor dos pastores, pois, se tal fosse, S. Paulo, neste caso, também o seria, pois, claramente a Escritura, nos textos acima men- cionados (2.° Cor. 11:28 e Atos 2 2:15) também é cha- mado "pastor de TÔDAS AS IGREJAS e de todos os homens". Sendo assim, se o argumento vale para o epis- copado universal de Pedro, também o vale para o de S. Paulo, a quem, no entanto, Vocês romancistas não consideram que fora bispo!

É inegável, pois, que contra a tese jesuítico-papísta do decantado primado e episcopado romano de Pedro,

O PRIMADO DE PEDRO

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como vimos, são inúmeros e tremendos os argumentos das Santas Escrituras.

jjí s)s s|c

O testamento de

5. Pedro

Por fim, admitindo-se ter sido Pedro o Chefe dos Apóstolos, ou seja, ter tido ele o primado jurisdicional, isto em nada lhe daria o direito inalienável de outorga de tal poder ou chefia a seus pretensos sucessores, tanto mais que nem chegou a conhecer o primeiro deles! Isto é lógico, especialmente levando-se em conta que não um único passo bíblico que nos informe, implícita ou explicitamente, de forma alguma, qualquer coisa a respeito de tal assunto, que, se de fato fosse doutrina aprovada pelo Espírito Santo, sendo de tal relevância como é, sem dúvida deveria na Escritura constar claramente uma referência. No en- tanto, apesar desse mutismo, os * 'engraçadinhos' ' bispos romanistas enchem a boca, dizendo-se sucessores diretos dos apóstolos, por direito divino, e que o Papa é o suces- sor direto de S. Pedro!

Demais, se os papistas acham que S. Pedro lhes dei- xou essa herança divina de seu apiscopado, onde está o Testamento legando tal herança? Pois que, para que o chefe de uma instituição, em vida, faça a escolha do seu sucessor, tem de, fatalmente, deixar testamento neste sen- tido, e testamento com firma reconhecida em cartório etc. No caso em apreço, o Cartório seria a Palavra de Deus, isto é, diríamos melhor, o Livro do Cartório, onde deve- ria existir tal Documento, tinha de ser, fatalmente, o Li- vro Divino, visto tratar-se, como alegam os papistas, de herança divina!

Ora, além de o Livro Divino não conter nada a res- peito de tal assunto, o próprio Apóstolo S. Pedro, quando faz o seu testamento espiritual, em sua 2.a Epístola 1:14-

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-15, precisamente o momento mais propício de deixar o nome de seu herdeiro, não faz a menor referência a quem quer que seja. Não será isto prova bem sintomática de que nunca passou pela cabeça de S. Pedro tal ideia, a de legar seu Apostolado ou chefia ou seu bispado, como queiram, a quem quer que seja?

Mais triste para essa gente é que eles, derrotados no campo bíblico, recorrem à tradição falível do homem, para sustentar infalibilidade de um direito divino! Para tanto, elevam à categoria de divino o testemunho falível dos homens! Por isso mesmo, não nos daremos o trabalho de examinar tais documentos, porque são falsos os títulos, por serem igualmente falsos os testemunhos dos lega- tários!

Foi-se, caiu, abismou-se, fulminou-se, reduziu-se a cinzas o suposto primado de Pedro, e, com ele, os demais dogmas romanistas!

Adeus papado! Adeus, até o dia de Juízo! . . .

Credenciais dos apóstolos

Lançamos, em rosto, aos próceres do Catolicismo Ro- mano, a sua triste e humilhante condição, perante as so- ciedades cultas, por estarem os seus ministros se arrogan- do o privilégio de sucessores diretos ou imediatos dos apóstolos, e, no entanto, não possuírem o mínimo ' 'caris- ma" que lhes deveria servir de credencial para poderem convencer as inteligências dos homens desempoeirados.

lhes fizemos ver que será debalde algum de- les dizer a um paralítico: "levanta-te e anda" (porque nenhum paralítico andará mesmo!). Frisamos, ainda, que, tão certos estão, os pretensos sucessores dos apóstolos, da ineficácia do seu poder (que, afinal, não existe, senão nas suas cabeças) , que jamais se mostraram dispostos a provar aquilo que homens inteligentes gostariam e até exigem que seja provado. Ora, estes não estão dispostos a prestar cré-

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dito a simples palavras, pois, qualquer homem de inteli- gência não se deixa convencer com palavrório oco, senda certo que nada convence mais, a respeito de uma doutri- na, do que a demonstração prática de sua veracidade. Desta maneira foi que Jesus Cristo, ao proclamar-se Filho de Deus, demonstrou, com inúmeros milagres, que, de fato, era possuidor de plenos poderes divinos. Deste modo Êle convenceu da veracidade da Sua santa doutrina aos judeus retos de coração, que, vendo as demonstrações irretorquíveís do poder de Jesus, por Êle se deixaram convencer.

Se Jesus apenas tivesse afirmado que era Filho de Deus, sem demonstrar, com obras e fatos, a veracidade das Suas palavras, não não convenceria a ninguém, como ainda seria tido como impostor ou charlatão.

Consideremos agora o que se passa com os pretensos sucessores dos Apóstolos os bispos (e em rigor tam- bém aqui deveríamos assinalar os padres, visto como estes também se julgam com o poder de perdoar pecados). Ve- jamos o que se passa com eles. Arrogam-se os bispos todos os privilégios dos apóstolos, de cuja alta missão dizem-se continuadores, na face da terra. No entanto, podem eles dar a alguém prova de que, de fato, estão credenciados para se arrogarem o direito de usar de tão honroso, quão ele- vado título de sucessores dos Apóstolos?

Evidentemente que não, como provamos; e con- tinuaremos a provar.

E tão convencidos estão eles próprios de que não têm o mínimo poder para atuar nos domínios do milagre, de que os apóstolos eram senhores, que jamais fizeram uma tentativa em tal sentido. O fato é que ainda estamos a espera do primeiro bispo (já não dizemos padre) que, numa praça pública, ou mesmo em qualquer parte, tenha o arrojo de dizer a um paralítico: "levanta-te e anda!" e muito menos dizer a um morto: "Eu te restituo a vida!"

Coisa curiosa, porém, é que êsses "ministros" pro- clamem, à bôca cheia, que eles são outros Cristos; não se contentam com se declararem sucessores dos apóstolos!

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Do exposto, resulta que eles não dizem ter o poder de fazer milagres, porque, se fizessem tal afirmação, sem demonstrar a veracidade, com fatos manifestos, seriam taxados impostores ou charlatães, e se tornariam, assim, alvos do escárnio e da irrisão das sociedades humanas!

Mas, não têm o menor pejo em afirmar e propagar que têm o poder de perdoar pecados, (poder ilusório e fantástico, porque não existente, na realidade, como provamos exuberantemente). Isto podem êles continuar a afirmar, porque ninguém lhes pode exigir uma prova de uma coisa que se não vê, e nisto consiste a defesa dêles!

Mas, afirmem, então, que têm, também, o poder de fazer milagres, como tinham os apóstolos!

Mais uma vez somos forçados a exclamar: "Hoc opus hic labor est!" E é mesmo neste ponto que existe a maior fragilidade do episcopado. Cremos mesmo que a mais de- primente humilhação para o episcopado romano é a falta do carisma de realizar milagres! Igual humilhação é ex- tensiva ao papa, porque também êle é destituído do poder de fazer milagres! Ora, isto é tremendo para quem se arro- ga a dignidade, o poder, os direitos e os privilégios de "sucessor" de Pedro ou dos demais apóstolos!

Portanto, perguntamos:

Que espécie de "sucessores" são êsses que não têm os poderes dos seus antecessores? se viu, por exemplo, algum rei que não tenha os poderes do seu antecessor? O contrário pode admitir-se na hipótese de alguma lei ou decreto, limitando o poder de um rei sucessor. Será que isto tenha sucedido na Igreja Católica? Haverá algu- ma lei que limita o poder dos sucessores dos apóstolos?

Se assim é, pobre papa e pobres bispos que, por lei de Deus ou dos homens, foram privados do poder dos seus antecessores Pedro e os demais apóstolos!!

Mas, neste caso, por que se arrogam, então, os "le- gítimos" sucessores dos apóstolos, dotados dos mesmíssi- mos poderes e direitos dêstes?

Coitados dêles! Míseros "sucessores", que nada valem c nada podem, ao pés dos seus antecessores!!

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De que valem, então, as suas fanfarronadas e arro- gâncias, se se apresentam ao mundo como detentores de poderes iguais (e até superiores!) aos de Cristo e após- tolos?

Não, senhores romanistas, se não apresentam Vocês as credenciais de sucessores dos apóstolos, visto que são absolutamente destituídos do dom de fazer milagres, 1 ninguém os poderá tomar a sério!

1 Não desconhecemos a existência de vários supostos milagres, atri- buídos a santos, a relíquias ou à intercessão de Ar. Senhora de Lurdes, de N. Senhora de Fátima, de N. Senhora Aparecida etc. Supondo mesmo que não haja fraude nos muitos casos, a maioria contados e não com- provados, ficamos sempre na posição que deve tomar qualquer espírito reto e desempoeirado: exigir prova.

Ora, em um ou outro caso de pretenso milagre, apenas se pode observar o fator "sugestão", de valor psicológico muito mais forte do que muitos podem supor. Se assim não é, por que não apresentaram, até hoje, um caso único de milagre realizado em qualquer mortal com perna de pau, sem um braço ou com um olho de vidro, e que, depois do "milagre", tivesse a perna, o braço ou o olho reconstituído? E não falamos da ressurreição de um cadáver, de mais de 24 horas!

Ora, em qualquer dêsses casos, não é possível admitir-se a "sugestão". E é por isso mesmo que até hoje, nenhum dos ministros romanistas apresentou um único, sequer!

Sendo assim (e é mesmo), como poderão os senhores abatinados convencer da veracidade da existência dos milagres propalados por êles?

Mais uma vez afirmamos que, com patranhas ou embustes, não se convence ninguém!

Para exemplo de como a "sugestão" tem poderes fantásticos sôbre o organismo humano, basta citarmos um caso referido pelo sábio francês Le Dantec, no seu livro intitulado "O Conflito". Homem de ciência, com® era, não acreditava em milagres, de que êle tanto ouvia falar, como os que diziam realizar-se em Lurdes (na França). No entanto, como era espírito reto, resolveu acompanhar uma "peregrinação" à pequena cidade do Norte dos Pirinéus, onde se dizia ter aparecido a Virgem à pequena Bernardete Soubirous. Em tal sentido, tomou lugar no comboio que con- duzia a "peregrinação" referida. Em meio da viagem, mais ou menos, houve uma parada de certo tempo, o que permitiu aos viajantes deixarem o trem, para visitarem os arredores. Entre os muitos "peregrinos", ia um paralítico estendido em uma maca. Quando era êste conduzido, por dois homens, através da linha férrea, aproximava-se um comboio, rápido, em sentido contrário. À voz do chefe da estação, para que todos fugissem da linha, os que conduziam o paralítico fugiram também, abandonando-o à sua triste sorte! Na iminência de morte certa, o paralítico contor- cia-se na maca, suplicando, em alta voz, que o salvassem. Mas, ninguém se atreveu, porque o perigo de morte era iminente. Foi, então, que se deu o imprevisto: o paralítico, ao avistar a máquina do comboio, que se aproximava em grande velocidade, disparou a correr, deixando todos boquiabertos !

Então, o sábio Le Dantec, que a tudo assistira, estarrecido, disse,

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Outros sinais ou marcas divinas do

verdadeiro apostolado.

demonstramos que um dos sinais do verdadeiro apostolado seria a operação de milagres, que os pretensos sucessores dos apóstolos não possuem. Mas, S. Paulo nos apresenta outras credenciais do apostolado, que, eviden- temente, os mesmos papistas também nunca possuíram, nem possuem.

Quais são essas outras credenciais?

La Ser testemunha ocular da ressurreição de Cristo" (l.a Cor. 9:1). Aliás, esta credencial também foi referida por S. Pedro em At. 1:21,22.

2.a Subdivide-se em várias, a saber: a) A "pa- ciência" (isto é, a tolerância); b) "os milagres"; c) "os prodígios", e d) "as virtudes" (2.a Cor. 12:12), e tudo isso, para o fim especial de exporem a todas as nações as condições de perdão e reconciliação com Deus, a fim de "tomar o Senhor" dentre os povos gentílicos, "um povo para o Senhor" (At. 16:14).

de si para si: "Não tenho necessidade de ir a Lurdes, porque vi um milagre!"

Assim, aquele sábio tirou a conclusão científica de que as convulsões por que passou aquele desgraçado paralítico imprimiram mobilidade aos seus nervos amortecidos pela paralisia, facultando-lhes o movimento, que o salvou da morte certa! Isto mais convenceu o citado sábio de que, a dar-se um pretenso milagre em Lurdes, não poderia ser superior àquilo que os seus olhos viram! E aqui está o segrêdo do que são os tais "milagres"!

Talvez aquele sábio francês não tivesse pensado numa possibilidade que também se nos pode apresentar à mente: o caso de aquele "para- lítico" ser um impostor, "encomendado" para a representação de uma fraude clericalista ! Mas, nesta hipótese, ainda seria pior para os cré- ditos dos milagres propalados pelos romanistas! Entretanto, tantas são as mistificações e os embustes nos chamados "milagres" romanistas, que somos inclinados mais a esta hipótese: de ter sido aquele "paralítico" um, dentre os muitos, que estava fingindo sê-lo, para ilaquear a boa-fé dos incautos "peregrinos"!...

De resto, quem quiser verificar melhor a "história" de Lurdes, pode ler o livro "Lurdes" de E. Zola. "História" idêntica se deu com Fátima, otimamente desmascarada com o livro saído da pena candente do emi- nente escritor luso Tomás da Fonseca. ("Fátima", publicado pela Editora Germinal, do Rio)... E outros... ,

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É o caso para se perguntar: Poderão, acaso, os se- nhores bispos (já não dizemos padres) da Igreja Romana demonstrar que possuem essas credenciais, que ficam? Poderá, cada um deles, dizer como S. Paulo: "não vi eu a N. S. Jesus Cristo"? Poderá, cada um deles, provar que foi "testemunha ocular da ressurreição" de Cristo, segun- do o que o próprio S. Pedro, pelo Espírito Santo, como credencial divina, exige para o apostolado em At. 1:21, 22 ? Poderão exibir a prova dos "milagres" e "prodígios", cujos poderes eles nunca possuíram, nem possuem? Pode- rá, cada um deles, muito especialmente do 3.° século a esta parte, provar que possui aquelas virtudes da "paciência" (ou seja, tolerância) e as demais "virtudes" a que alude o Espírito Santo, através de S. Paulo, em 2.a Cor. 12:12 ?

Nenhuma dessas virtudes, e muito especialmente a da tolerância, os senhores bispos romanistas têm demons- trado possuir, porquanto, como temos sobejamente de- monstrado, em várias referências, não há, entre êles, o menor espírito de tolerância. Pelo contrário. A maior en- carnação da mais execranda intolerância é, precisamente, o sistema papal entranhadamente detestado por todos os espíritos alevantados e desempoeirados, pelos séculos em fora, dado que o Catolicismo Romano se patenteou ser o mais ignóbil e figadal inimigo da liberdade das consciên- cias. Basta lembrar os horrores e torturas da "Santa Inqui- sição"! . . . E não pense ninguém de boa-fé que essa into- lerância já passou à História! Não! Deixaram de fazer-se, apenas, os autos-de-fé, em que se queimavam pessoas vivas, vítimas do ódio e da intolerância jesuítico-papista, porque as nações se libertaram da tutela miserável e detestável de Roma (algumas oficialmente, ou em teo- ria, porque, na prática, ainda se mantêm escravas da Roma papal) ; mas, a mesma intolerância perdura per in- finita saecula saeculorum, através do célebre "Syllauus", que é o documento mais completo originado nos cérebros jesuítico-papistas contra tôdas as liberdades humanas, que levaram séculos e séculos a conquistar-se, sobretudo, a li-

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berdade de consciência, a pérola mais preciosa dos povos da mais alta mentalidade e progresso!

E, se não possuem esta virtude basilar do espírito apostólico a tolerância mas, ao contrário, estão em absoluta e total contradição com este espírito, como pode- rão possuir as demais virtudes que marcam, nitidamente, os "carismas" do espírito apostólico?

"Dado, pois, o caráter do Apostolado, e dos Apósto- los, como embaixadores extraordinários, munidos de cre- denciais intransmissíveis, é evidente serem completamente vãs as pretensões do bispo de Roma e de todos os bispos católicos romanos de possuírem na Igreja autoridade apos- tólica".

Resposta a outras sandices euripidinas

Diz Eurípides, à página 232 do seu livro, falando a um "amigo católico, apostólico, mas não romano" (real ou fantasiado pelo autor?), que ele tinha necessidade "de rever e reconsiderar com mais atenção a doutrina do pri- mado de Pedro". Ao escrever tais palavras, mal poderia pensar "mestre" Eurípides que, mais do que o tal "amigo", é ele próprio quem "necessita (e muito!) de rever e recon- siderar com mais atenção a doutrina do primado de Pedro".

É sempre a eterna históriá da cegueira e falsa caridade para com o próximo! Temos aqui um "líder" romanista, como o do caso narrado por Cristo no Seu Evangelho, o daquele "cego" que não via a trave no próprio olho, mas teve habilidades para ver um pequeno argúeiro no olho do vizinho !

É assim mesmo, Eurípides! Você, mais do que nin- guém, "necessita" disso que indica ao seu "amigo". Re- veja e reconsidere, "com mais atenção, a doutrina do pri- mado de Pedro", à luz das verdades que deixamos bem patentes e que Você (com tôdas as inteligências da caterva

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papista) não conseguirá jamais destruir, e terá de reco- nhecer (se o seu cérebro não está desprovido da faculdade de raciocinar), quão errado está e quão longe e arredio anda da verdade.

Que triste e lamentável figura Você faz, constituin- do-se propugnador do maior erro doutrinário e da mais fantástica mistificação que reza na história o papado romano! !

Ai daquele que saia a terreno em defesa de tal mis- tificação! É o mesmo que descer a um tenebroso labirinto, onde, fatalmente, ficará desnorteado, acabando por se perder irremediavelmente!

Por isso, Eurípides, reveja e reconsidere o assunto "com mais atenção" porque talvez ainda esteja a tempo de arrepiar caminho.

Depois desta exortação, passemos a esfrangalhar mais um dos pobres argumentos, como aliás todos os que "mes- tre" Eurípides soube escrever em seu paupérrimo livro.

Muito sentenciosamente, fazendo o papel de cego de um ôlho (é, pois, rei em terra de cegos) e julgando que está falando para cegos dos dois olhos, o "líder" católico de terras do Brasil pergunta ao tal "amigo", se viu "uma sociedade sem diretor". Depois, acrescenta: "até um clube de futebol terá seu presidente", etc. etc.

Nós, que, pela graça de Deus, percebemos tudo, até nos ares, sabemos perfeitissimamente aonde ele quer che- gar . . . Por isso, desde lhe atalhamos o passo, redu- zindo-o à inutilidade.

Em guarda, pois, Eurípides!

que Você puxou da espada, terá que se aguentar na luta até à total e vergonhosa derrota!

Fique sabendo que todo o seu palavreado, com os argumento zinhos aduzidos, para ver se consegue demons- trar a legitimidade de um Papa na Igreja, não passa de frágil balela que uma criança é capaz de destruir. Para levar por diante o seu propósito, para demonstrar aos que não são lorpas ou analfabetos o que Você pretende, de- veria simplesmente mostrar-lhes, com a História da Pri-

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mitiva Igreja na mão, que nela houve um 4 'Chefe" ou um "Presidente".

Mas tudo isso ficou reduzido a escombros, com os

indestrutíveis argumentos por nós empregados.

Não traremos à baila os mesmos argumentos, pois desejamos dar-lhe mais uma liçãozinha, para lhe tirar da cabeça qualquer ilusão que ainda possa restar.

Então, oiça, Eurípides!

Como Você tem obrigação de saber, várias for- mas de governo nas sociedades humanas. A Igreja, de que Você se constituiu lacaio, adotou a forma teocrática, ou seja, a monarquia mais absoluta e despótica que até hoje a história conhece. E tanto assim é, que o seu Rei e Senhor o Papa não tem de prestar contas a nin- guém do que faz, nem mesmo é lícito a nenhum dos seus súditos discordar de qualquer de suas ordens, etc.

Mas, Eurípides, tal sistema está em contradição ma- nifesta e absoluta com o govêrno da Igreja Primitiva, dos tempos apostólicos, como exuberantemente lhe demons- tramos. Logo, sua igreja colocou-se muito longe da Pri- mitiva Igreja. Por isso, muitos e muitos a repeliram e temos em Deus de que muitos mais venham a repelir.

Deixe-se, pois, de patranhas e aprenda, que tem muito que aprender.

Ignora Você que em Roma houve um período em que a autoridade ou govêrno da República estava confiada mão a um, mas a dez os Decênviros?

Será que Você desconhece que na República de Ve- neza a suprema autoridade estava no "Conselho dos Dez"?

E no nosso País, apesar de um supremo magistrado o Presidente da República não dependem as leis da aprovação dos dois órgãos mais importantes da Nação a Câmara e o Senado? Onde a semelhança do nosso Pre- sidente com um Papa déspota, que pode fazer o que lhe ▼íer à cabeça, sem que ninguém o chame à responsabilidade dos seus atos? Onde a semelhança de um "presidente" de clube de futebol, de que Você fala em seu livro, com o sen

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"Sumo Pontífice" o Papa? Será que um presidente de clube de futebol faz o que lhe apetece, ditando leis a seu belo talante no mesmo clube?

Não, Eurípides! O presidente apenas preside às ses- sões, etc, mas, quem manda é a Diretoria, que até tem poder para demitir o presidente. É assim na sua Igreja? É assim que acontece com o seu Papa? Pode algum orga- nismo da Igreja Católica ter força para destronar um Papa?

vê, Eurípides, o labirinto em que Você se meteu? Será capaz de responder, em termos que o deixem bem colocado?

tem a consistência dos seus míseros argumentos!

Para que quis passar por campeão do papismo?

Vejamos, agora, mais um argumento zinho, aduzido por "mestre" Eurípides.

Como quem está muito senhor do seu papel, e julga, talvez, fazer uma grande descoberta, diz êle, à página 234 do seu livro: "Insistem certos inimigos do papado na su- prema autoridade do concílio ecuménico. Se é, porém, so- berano e infalível o concílio, é, então, perfeitamente válida a resolução do concílio que proclama a autoridade e a in- falibilidade pontifícia . . . Ou o Concílio não é mais soberano?"

Está-se mesmo a ver que o "líder" ficou radiante com a sua tirada final, como quem mostras de, tam- bém, saber usar de argumentos com inteligência. Mas, ao contrário do que êle pôde supor, todo êsse seu palavreado não passa de poeira que o vento repele para bem longe!

Antes de mais, somos forçados a aplicar mais uma forte palmatoada ao "menino" Eurípides e perguntar-lhe: Quem o mandou falar em "concílio infalível"? Acaso, ignorará que foi preciso aparecer, debaixo do sólio por onde passou o antigo monge Hildebrando e outros da mesma laia, um Giovanni Ferreti para dogmatizar o dom da "infalibilidade"? Quem, no campo evangélico genuíno (ou protestante, como Você achar melhor) falou em "con- cílios infalíveis"?

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Ora, valha-lhe a Senhora Aparecida, a ver se o livra de tal vida! . . .

Patranhas como as da "infalibilidade papal", podem admitir-se em crânios ocos ou mal povoados de massa fosfórica!

Demais, sendo certo que nem liberdade para os que tomam parte em assembleias como a do chamado Con- cílio do Vaticano, que valor pode ter o que ali é dogma- tizado? Ignora, acaso, Você, Eurípides, a coação, não sor- rateira, mas evidente, de que são alvo os membros de qualquer concílio romanista?

Se ignora, queira ler o "O Papa e o Concílio" e verá bem demonstrada a verdade do que estamos afirmando t mais o que Você e seus mestres abatinados não gostam de ver, mas que não são capazes de contestar (o que aliás fizemos ver, em capítulos anteriores). É neste ponto que reside o mais tremendo desaire e a suprema vergonha para a sua igreja! Sim, Eurípides! Ela condena êsse e outros livros semelhantes que demonstram, a flux, as suas deploráveis mazelas e erros grosseiros; mas não é capaz de mostrar que tais livros são mentirosos, ou que é falso o que nos mesmos se afirma!

Sendo assim (e é mesmo), a sua igreja degrada-se, amesquinha-se, avilta-se até ao ponto de condenar e ana- tematizar a verdade e aquêles que a proclamam e defendem! !

Tal é, Eurípides, o inqualificável tremedal em que se precipitou a Igreja que Você, irrefletidamente, por fin- gimento ou bajulação, pretende exaltar e defender!! Ela, que deveria ser a principal propugnadora da verdade, se fosse a verdadeira Igreja de Cristo, tem-se convertido na maior perseguidora da verdade personificada em Jesus.

Quantas perseguições sem conta, e das mais variadas espécies, tem feito a sua igreja contra aquêles que ensinam, não mentiras ou erros, mas verdades firmadas nas Sagra- das Escrituras? ! Se vamos aluir os diques do caudal das monstruosidades efetuadas por sua Igreja, contra aquêles que levantaram suas vozes em defesa da verdade pura con-

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tida nos livros santos, a torrente é tão forte, que ameaça subverter-lhe os próprios alicerces! . . .

* * *

Uma das notas mais curiosas e mais ridículas ao mes- mo tempo, do livro de Eurípides, certamente inspirado no colosso" (!) jesuíta Leonel Franca, é o estribilho: * Pri- meiro, Pedro"! Tal estribilho, como infantil e miserando recurso para pretender demonstrar o decantado 'primado de Pedro", é realmente, de provocar-nos o riso!

É que toda essa série de avgwnentozinhos, cuja con- clusão é o estribilho "Primeiro, Pedro", não chega a fazer nem sombra de argumento. É como um grupo de garotos que, embora juntos, não fazem um homem, e não estão, portanto, em condições de defrontar um homem, sobretu- do um hábil duelista, capaz, desse modo, de derrotá-los e até aniquilá-los, se eles, insensata e estupidamente, preten- dem atalhar-lhe o passo. Tal a fôrça e resistência que ofe- recem os argumentozinhos euripidinos, que ele bebeu na fonte do colossal (!) jesuíta Franca!

Vejamos um ou outro desses argumentozinhos.

Diz o "líder" católico romanista: "Durante a sua pregação apostolar, era a barca de Pedro a preferida por Cristo, que dela doutrinava as turbas". Desta premissa, pretende o ex-pastor luterano tirar uma ilação tão desca- bida, quão tôla (que até nos faz rir!) : "Logo, primeiro, Pedro"!

Homem! Você é fantástico! Se Você nos dissesse que Jesus tinha preferência pela barca de Pedro, era fácil de admitir-se, porque tal conclusão está contida na premissa. Mas, pretender provar que a preferência era por S. Pedro, é fantasia da sua cabeça, que parece ter a dominá-la um cérebro em más condições, pois, dizer-se que "era a barca de S. Pedro a preferida (o grifo é nosso) por Cristo", não significa preferência pelo dono da barca. Veja se encontra alguma sumidade clerical, de batina preta ou vermelha, capaz de destruir êste raciocínio.

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Diz ainda, "mestre" Eurípides: "Se se demora o Mestre em Cafarnaum, na casa de Pedro é que se hospe- da", E fica tão satisfeito, "mestre" Eurípides, com a in- teligência que lhe forneceu argumentos do jaez deste e do antecedente, que até parece ter feito uma descoberta supe- rior à da pólvora!

Qualquer leitor de inteligência mediana está em con- dições de saber compreender a pobreza, a inanidade e o ridículo de tais argumentozinhosl

E então, porque um homem (no caso trata-se do Homem-Deus) tem preferência por uma barca ou por uma casa, pode deduzir-se daí que tenha preferência pelo dono da barca ou da casa? Não sucede, até, muitas vêzes, um cavalheiro gostar muito de uma propriedade qualquer, mas não gostar do dono dessa propriedade, e muito menos por ele ter preferência?

Além do mais, a casa não era de Pedro! Era tam- bém do seu irmão André! Logo, havia dois papas, no caso! (Mare. 1:29). Também Jesus, como sua família, tinha CASA em Cafarnaum, e não precisava hospedat-se na de Pedro e André. Não é mesmo, mestre Eurípides" (Mare. 2:1).

E em que escola aprendeu Você, Eurípides, a racio- cinar dessa maneira? Então, isso é lógica? se for lógica jesuítica! Acaso, tem qualquer dêsses irrisórios argumentos fôrça lógica para provar que S. Pedro foi o "primeiro papa"?

Que o próprio S. Pedro de quem Você é tão amigo, que lhe acuda e lhe ajude a tirar da cabeça os miasmas que ela parece conter. E, enquanto não for capaz (e nunca o será!), de provar com argumentos irrefutáveis, bem cla- ros, tirados das Sagradas Escrituras, que S. Pedro deu ordens no Colégio Apostólico, que ele mandou nos outros apóstolos, ou que êle exerceu sua autoridade sobre a Igreja, enquanto não provar isso, nem Você, nem toda a caterva jesuítico-papista poderá convencer qualquer inteligência desempoeirada a respeito da patranha do tal decantado "primado de Pedro".

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E, admitindo-me, mesmo, que a predileção de Cristo recaísse sôbre a pessoa de Pedro, a ponto de preferir-lhe a barca e a casa, acaso prova isso que era ele o chefe ou o Príncipe dos Apóstolos, o Vigário de Cristo, o Papa? Acaso, outros motivos não poderiam, muito judiciosa- mente, influir, no Mestre, para tal preferência?

Argumento zinho tolo é também o que Você invoca, na página 241, quando afirma que S. Paulo, na carta aos Gálatas "insinua claramente a preeminência de Pedro" (o grifo é nosso), pelo simples fato de ele ter ido a Jerusalém e ficado com Pedro 15 dias! E, daí, conclui, em ares de triunfo, citando S. Jerônimo: "... foi prestar as home- nagens ao primeiro apóstolo"! Ridícula, infantil, tal con- clusão: o fato de Paulo, ou seja quem for, ir visitar a um amigo, e com ele permanecer 15 ou 30 dias, não pode ser prova, nem aqui nem em parte alguma, para qualquer cérebro que raciocina um pouco, de reconhecimento de uma preeminência ao visitado. mesmo na cabeça de um pa- pista da marca euripidina é que se concebe tal lógica!

Eurípides, francamente, com semelhante lógica Você daria um magnífico padre jesuíta, e não sei por que Você não quis vestir batina! Ainda está em tempo, Eurípides!

Fora com embustes e mistificações, jesuíta disfarçado!

Pretensa ação benfeitora do Papado

Afirma Eurípides, à página 243 do seu livro: ' 'Ade- mais, nenhuma Instituição se pode apresentar com as credenciais do papado!"

Sim, Eurípides, estamos de acordo, que não mesmo sôbre a face da terra tão monstruosa instituição como a do papado, que se arroga até direitos divinos e pro- cura escravizar as nações sob seu tacão despótico e tirano! Essas são, entre outras, as suas tristes credenciais, de que a História constitui o mais tremendo libelo, como ▼imos, sobretudo citando "O Papa e o Concílio", em cujas páginas de fogo, e até hoje não refutadas (e que jamais

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poderão sê-lo, porque contra fatos não argumentos), esse papado está descrito com o ferrete mais ignominioso de que menção nos anais!

Você parece desconhecer (ou finge, o que é mais certo) a história negra e tremendamente diabólica dessa gente, salvo raras exceções.

Você nunca ouviu falar, ao menos, da existência de um livro intitulado "Mistério da Iniquidade" ou a his- tória do papado, de eminente escritor francês do século XVI ? É obra rara, hoje, por ter sido "boicotada" pelo clero, mas, caso não seja encontrada, mais fácil lhe será conseguir "O Papa e o Concílio", que possuímos, e que existe nas principais Bibliotecas do País. Oiça, pois, o tes- temunho de "Janus", dessa obra que Você não deveria desconhecer, como intelectual e professor de uma Univer- sidade, e, além de tudo, julgando-se, pelo seu palavrório, conhecedor da história do papado. Pois é êsse testemunho que invocamos para descoroçoá-lo e reduzir a cinzas todo o seu arrazoado inverídico e bajulatório.

Eis o que escreveu "Janus":

"Aquêle que estuda os destinos da igreja em sua conexão íntima há-de, mau grado seu, reconhecer que, do undécimo século para cá, a história da Igreja não deixa lobrigar um ponto, onde o olhar do indagador ou do crente possa fixar-se com verdadeira satisfação. Se quiser remontar às causas que têm trazido a corrupção à vida eclesiástica, essa corrupção tão evidente, e que, daquela época em diante, tem aumentado sem cessar em profunde- za e em superfície, fatalmente será sempre levado a reconhecer como causa primordial dessa degenerescência o aniquilamento da antiga instituição do primado, e a sua transformação em papado. Realmente, se é manifesto que, por um lado, parte das forças da igreja católica teve ori- gem na primeira dessas instituições, logo que, ao revés, nos pusermos a considerar a igreja antiga (desde o tempo dos apóstolos até mais ou menos 845), forçados seremos a

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admitir que, tal qual o vemos, não é o papado na igreja mais que uma excrescência mórbida e disforme, que a opri- me, a debilita, e lhe consome o mais puro de suas forças vitais. (Grifos nossos).

"Vão agora, após longos preparativos, pôr a última demão ao sistema que arruina a igreja, esperando com a doutrina da infalibilidade papal circundá-lo de inexpug- nável barreira. A todos os amigos da igreja e da sociedade, de que aquela é um dos elementos vitais, toca, portanto, o dever de buscar, em proporção dos seus conhecimentos e da atividade que lhe coube em sorte, o meio, se o houver, de arredar uma catástrofe tão iminente3 (o grifo é nosso) }

"A Igreja Romana, diz A. Smith em seu livro The Wealth of Nations, é o mais formidável sistema que ja- mais se tenha formado contra a autoridade e segurança dos governos civis, bem como contra a liberdade e felici- dade dos povos".

Acrescente-se a tudo isso a adulteração do sistema papal ao plano da salvação, com suas inúmeras inovações, conforme vimos através de vários capítulos desta obra: confissão auricular, absolvição sacerdotal, indulgências, missas de corpo presente, de sétimo dia, de 30.° dia, de aniversário, etc, etc, francamente mercantilizados simo- niacamente os dons e as graças de Deus!

E é a respeito de tão detestada instituição (o papa- do), que Você, Eurípides, tem ainda o cinismo revoltante e asqueroso de enaltecer com foros de divina, "bíblica e historicamente", quando afirma: "Pela sua origem divi- na (!) como provado ficou, bíblica e historicamente; e pelos inestimáveis serviços por ele prestados à humani- dade" !

"O têmpora! O mores!"

Onde "provado ficou" ser de origem divina tal ins- tituição?! Onde? se é na sua cabeça, que "prova" tudo! No que escrevemos sobre o tão decantado "primado de

1 "O Papa e o Concílio", pág. 337, 338, ed. de 1930 Saraiva e Cia. S. Paulo.

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Pedro", provamos exuberantemente que sua origem nada tem de divino, e sim, de muito humano, e de baixís- simo calão humano, cuja pedra angular é o orgulho, a soberba, a vaidade, a ambição de mando e a mais avil- tante e ignominiosa presunção, que se vem observando também pelos séculos em fora!

Dos 262 Pontífices 1 apontados pela igreja romana, como sucessores de S. Pedro, a maioria absoluta foi de- vassa, libertina, corrupta, e os que não eram depravados, eram pelo menos profanizados, salvo um caso ou outro. E tanto isto é verdade, que o próprio Eurípides, fazendo a apologia do papado, apenas citou meia dúzia que, no seu conceito, realizaram obras de benemerência humana, foram benfeitores da Humanidade. Mesmo nesses poucos citados por ele, vamos provar, pela história, que nenhum fêz coisa que lhe outorgue o titulo de benfeitor da hu- manidade.

Ponhamos tudo a claro, de harmonia com a His- tória, que parece ser coisa que não interessa a "mestre" Eurípides, pela queda especial que tem ele de fazer "histo- rietas" para crianças.

Quanto ao papa S. Leão, a darmos crédito às par- lapatices de Eurípides, que afirma ter este Pontífice feito "recuar o selvagem Átila", concluiríamos que o grande chefe bárbaro teria sido vencido pelo papa! Mas, a ver- dade histórica é bem diferente!

Com efeito, a história nos diz que o papa S. Leão temendo que todas as forças dos hunos, que tinham devastado Pádua, Verona, Bréscia e Pérgamo, além de terem submetido Pávia e Milão, caíssem impiedosamente sobre Roma, dirigiu-se ao acampamento de Átila, implo- rando-lhe que poupasse aquela cidade!

Átila, vendo diante dele um ancião, em atitude hu- milde, e para mais, chefe religioso, revestido de suas in- sígnias sacerdotais, em face das súplicas do Pontífice, desis-

1 Qual o numeral cardinal correspondente ao que Você escreveu no seu livro "duodécimo sexagésimo segundo"?

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tiu de conquistar Roma, tendo, no entanto, exigido um tributo anual, condição aceita por S. Leão.

Ora, Eurípides, isto é que é a verdade histórica! Se quiser certificar-se desta verdade, consulte qualquer com- pendio de História Universal, e muito especialmente o da autoria do Pe. José Alves Matoso, que veio a ser bispo da Diocese da Guarda, em Portugal 2.° volume. 11." ed., pág. 13.

Quanto ao papa Gregório, o Grande, não era pro- priamente a civilização da Inglaterra que lhe interessava, mas, sim. alargar os seus domínios nas Ilhas Britânicas, para aumentar, assim, o seu poder e esfera de ação.

Do mesmo modo, não interessa ao papa de hoje o progresso ou a felicidade do Brasil, mas sim que este seja vassalo ou tributário do Vaticano.

Ao papismo, portanto, não interessa, propriamente, um Brasil progressivo, à margem da influência e do domí- nio clericalista. O que interessa é um Brasil fanatizado, servo submisso e lacaio obediente a todas as ordens e ins- truções dimanadas do Vaticano.

quem não tem inteligência desempoeirada é que não compreende essa tremenda e candente verdade que Rui muito bem viu, assim como outras fulgurantes figuras da história brasileira, inclusive o Duque de Caxias, esse grande herói nacional, que fora excomungado pela Igreja, por se recusar a ser-lhe lacaio, visto que era maçom de caráter impoluto!

Fique sabendo, Eurípides. que à Igreja, à qual Você se escravizou, não interessa, nem jamais interessou a civi- lização ou a felicidade dos povos e nações. O que sempre lhe interessou e continua interessando é que esses povos e nações se submetam ao seu jugo despótico, como servos diante do seu Senhor o Papa!

Acaso, ignora Você, Eurípides, que. antes de D. Se- bastião de Portugal partir para a guerra, que lhe seria fatal, contra os mouros do Norte da África, o papa lhe fez a concessão de todos os territórios norte-africanos, com

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poder para o rei de Portugal deles dispor à vontade? Haveria também, aqui, na intenção do papa, algum desejo de civilizar o Norte da África, ou não seria antes o seu desejo incontido de escravizar ao seu jugo mais aqueles muitos milhares de mouros?! "Histórias" e mais "histó- rias" é o que você sabe apregoar sobre os papas!

Quanto ao papa Gregório VII, diz você que êle en- frentou o ' 'despotismo' * dos imperadores germânicos, mas a história nos diz o contrário: o imperador germânico Henrique IV é que teve de enfrentar o despotismo, a arro- gância, a prepotência e a perfídia dêsse soberbo papa, que, por fim, teve de se curvar, até ao ponto de acoiher-se à proteção dos normandos das duas Sicílias, e fugir para Salerno, onde veio a morrer, fora, portanto, de Roma, que êle não pôde defender contra as forças daquele imperador alemão! Eis o testemunho da história, que Você adulte- rou, Eurípides: "Henrique IV convocou um conciliábulo (assim lhe chama o Pe. J. Matoso) , onde fêz depor o papa Gregório VII e elegeram o antipapa Clemente III, e em seguida foi pôr cêrco a Roma. Depois da tomada dessa cidade, Gregório VII, protegido pelos normandos das duas Sicílias, retirou-se (o Pe. Matoso deveria antes ter escrito fugiu) para Salerno, onde faleceu . . (Ob. cit. do Pe. Alves Matoso, vol. 2.°, ll.a ed., pág. 51). tem, Eurípides, em que terminou a prepotência e a arrogância dêsse valente papa: teve de fugir de Roma, abandonando o seu posto.

Quanto ao fato de o papa Silvestre II apoderar-se da Ciência, no período mais obscuro da Idade Média, como refere Eurípides, êle não o fêz para se tornar difusor da mesma e dar liberdade de pensamento, aos cientistas, de usá-la a seu talante, mas, para, através dela, escravizar mais e mais os povos ao seu predomínio despótico de cor- pos, de mentes e de almas! 1

Se o papa Urbano II guerreou o maometismo, não o fêz com o objetivo de 'salvar a Europa e as raças latinas"

i Apoc. 18:13.

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do domínio maometano, mas para salvar a sua pele ameaçada!

O que se passou entre Pio VII e Napoleão Bonapar- te foi coisa muito diferente do que refere Eurípides. Quem der ouvidos a seu palavreado, poderá pensar que Napo- leão fez diante do papa Pio VII o papel de algum sacri- panta ou subserviente! Nada disso! A História nos refere que o papa Pio VII foi preso por aquele guerreiro e con- duzido para Fontainebleau, coisa que o "menino" Eurí- pides pode aprender em qualquer compêndio de História Universal, que não se recorda do que aprendeu no Gi- násio. Mais uma vez, pois, Eurípides nos a triste im- pressão de ingenuidade, como se estivesse a escrever para ignorantes ou lorpas! Demais, ainda com referência à hu- milhação a que Napoleão submeteu esse papa, basta saber-se o que nos relata a história: êle fora expressamente a Paris, para ver se caía nas graças de Napoleão, fazen- do-o coroar Imperador. E conta-se, até, que, na ocasião em que o papa Pio VII ia colocar-lhe sobre a cabeça a coroa imperial, Napoleão apoderou-se da coroa, e, em gesto de quem estava pouco ligando àquele "palhaço", foi êle mesmo quem pôs a coroa na cabeça, como se dis- sesse que não era escravo do papa, nem precisava de suas graças!

Então, Eurípides, foi Napoleão humilhado pelo papa Pio VII, ou foi êste quem sofreu a mais degradante vergonhosa humilhação, aos pés daquele guerreiro?

E, quanto a Pio XI, que Eurípides afirma que "en- frentou Hitler e Mussolini", não é verdade. Êsse Papa, reconhecendo que as forças da Democracia eram superiores às do nazi-fascismo, procurou colocar-se ao lado destas, sem, contudo, nada ter feito ou conseguido, fazendo sem- pre o jogo jesuítico de procurar agradar a gregos e troia- nos, para ficar bem com qualquer vencedor.

Porque à Igreja interessa estar sempre com aquêles que estão por cima, isto é, no mando.

A êste respeito, basta um ligeiro olhar sobre o que se passou, ultimamente, no Brasil. Toda a gente, com

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olhos capazes de ver, sabe perfeitamente que o adversário mais perigoso contra o candidato J. K. foi o clericalismo dominado (como não pode deixar de ser) pelos prelados. Mas, eis que, com grave apreensão e aborrecimento para estes, J. K. ascendeu ao poder. Então, para surpresa de muitos brasileiros que têm os olhos fechados, e não per- cebem o jogo de contínuo malabarismo, em que é hábil o ultramontanismo, que os prelados e a sua luzidia corte se desfazem em cortesias para com o mesmo J. K. ! E o certo é que, com tal arteirice têm conseguido do sr. J. K. quase tudo que lhes tem apetecido!

E que Eurípides faz referência à "imensa força moral" do Papa Pio XI, em que sentido e a propósito de que "enfrentou" êle "as arrogâncias de Hitler e de Musso- lini"? Acaso, alguma vez, aquêles ditadores deixaram de fazer o que bem quiseram? Acaso tiveram o menor temor dessa "imensa força moral" de Pio XI? Acaso conseguiu domar aquelas feras humanas? Por que não cortou êle, pela raiz, o grande mal de que poucos anos depois resultou a mais calamitosa conflagração para a humanidade? Se tal tivesse conseguido, êle seria, sim, um grande benemé- rito dos povos!

E que fizeram os outros papas, anteriores a Pio XI, que, em circunstâncias idênticas, nada conseguiram para livrar as nações e os povos de semelhantes desgraças? Que fêz, por exemplo, ainda, o papa Bento XV, um desses beneméritos que Você cita, que não conseguiu também evitar a guerra de 1914, de tão funestas consequências para o mundo? Nada!

E, mesmo com referência ao falecido papa Pio XII, afirma Eurípides o que não pode provar, porque os atos desmentem. Diz que "nestes tempos calamitosos, de con- fusão, de declínio moral, de inversão de valores, é para Roma que se voltam todas as esperanças, porque a sua toz é a voz do próprio Cristo, Nosso Senhor, sua pre- sença é o melhor e o mais seguro penhor da proteção e bênção de Deus . . ., que triunfa sempre de todos os seus adversários . . ." Ora, Eurípides, desgraçado do mundo

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atual, se fosse confiar e esperar na atuação desse papa que dera sobejas provas de sua impotência, quando da últi- ma grande guerra, que não conseguiu evitar, de tão fu- nestas consequências para a humanidade: mais de trinta milhões de vidas sucumbiram, e outros milhões ficaram inutilizados, o que acarretou para as nações do mundo in- teiro, especialmente para as que tomaram parte direta na conflagração, prejuízos incalculáveis. E dela, as conse- quências estamos sofrendo até hoje e ainda por longos anos sofreremos, porque a guerra é um terremoto social de cujos escombros a sociedade não emerge, antes que a poeira dos anos venha sepultar os últimos restos do herói tombado! Por quê? Por que, se para êsse papa ' 'estão concentradas todas as esperanças", como Você diz, êle não foi capaz de conseguir resolver os atuais problemas do mundo e dirimir os atuais conflitos entre nações? Será que Você entende que êle seria capaz de resolver os grandes e momentosos problemas do mundo dos nossos dias ape- nas com a sua mensagem de Natal? Pudera! que êle fôsse pregar a guerra em pleno século XX, como seus anteces- sores na Idade Média incentivavam e armavam milhares de braços para as guerras santas das Cruzadas e outras! Pudera! O século XX não é como os séculos tenebrosos da Idade Média, porque, se o fossem, a guerra da Santa Inquisição continuaria até hoje, ceifando milhões de vidas de protestantes e de todos os que se não curvassem ao abominável jugo papal!

Era êste o homem singular, mais que divino, porque "sua presença é o melhor e o mais seguro penhor da pro- teção e da bênção de Deus" e "porque triunfa sobre os seus adversários, que sobrevive a todas as ruínas . ? Será que êsse papa tinha mais poder do que os outros? É que, dentre os seus antecessores, muitos houve que foram vencidos! E sê-lo-ão sempre, desde que enfrentem homens de envergadura e de "antes quebrar que torcer"!

Afinal, que esperança podia ter a humanidade num homem que nem sequer teve poder para evitar a 2. 3 con- flagração européia? Que esperança podíamos depositar

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nesse homem que nada conseguiu para evitar que o san- gue corresse sobre a terra, como tem corrido, em vários conflitos surgidos ali e acolá?

De nossa parte, mercê de Deus, esse seu papa não triunfou sobre nós e nem mesmo sobre o mundo do seu catolicismo; e, como prova, estão as próprias nações católicas que continuam a oferecer, em nossos dias, o mes- mo espetáculo degradante, espiritual, moral e social que Roi descreveu.

Como, pois, ele "sobrevive às ruínas"?

Demais, se ainda nada disso pesasse como deprimen- te para o caráter do Papa Pio XII, recentemente falecido, sob o ponto de vista moral não lhe podemos atribuir aquela santidade que seus fiéis devotos lhe atribuem, bem como alguns protestantes enganados, pois, ainda que outras falhas não tivesse em seu caráter, teve uma gravís- sima, que, por si é suficiente para destituí-lo de qual- quer auréola de santo: a mentira, visto como foi ele quem oficializou a maior mentira do século: a ascenção corpórea da Virgem Maria ao céu! Santo Deus!

Quase 20 séculos se foram, na voragem do tempo; ocuparam a suposta cátedra de S. Pedro 262 pontífices romanos, e, no entanto, nenhum deles, através de quase dois mil anos, encontrou o menor fundamento bíblico ou histórico, nem mesmo em alguma falsa tradição, para de- cretar como verídico tão audacioso dogma. Foi preciso aparecer, no século XX, um Pio XII, sob a obsessão de qualquer espírito enganador, ou desses filhos de Belzebú, para decretar oficialmente a assunção corporal da santa Virgem ao céu! Oh! se ela soubesse disso, que gostosas gargalhadas não daria no céu! . . .

Não foi, pois, Pio XII, o maior mentiroso deste sé- culo? E, como pode ser santo semelhante papa?

Aliás, a analisar pela série de incongruências e fal- sidades doutrinárias que apregoam, todos êles, nenhum foi santo, nem o serão os do futuro, desde que endossem os mesmos erros.

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Por tudo isso, Eurípides, não é possível termos c©- munhão com a Papal, como não é possível haver comu- nhão "entre Cristo e Belial", entre a luz e as trevas!

Ah! Eurípides, bem sabemos que os papas nenhum poder têm, e que as guerras e calamidades sociais ces- sariam pelo poder do Evangelho nos corações, desse Evan- gelho que o poder (dinamite) de Deus, para a salvação de toao o que cre", e que os senhores papas, com seus bispos e padres, em vez de pregá-lo, ficam a impor dogmas absurdos, a incensar o ritualismo, a exigir submissão ao seu domínio e às suas mistificações (como se fossem eles Deus na terra) , deixando vazias, as almas, do pão da vida eterna, o único que as poderia nutrir e preservá-las do fermento deletério do mal!

É assim que esses seus papas, Eurípides, têm salvo a civilização cristã?

E Você, note-se, apenas citou meia dúzia dêles, e, mesmo assim, praticaram "boas ações" que, como vimos, visavam mais ao interêsse próprio, na iminência em que se achavam da perda de poder e do completo aniquila- mento!

E por que não se referiu aos outros, mais ou menos 256 papas restantes? Não foram todos eles de origem di- vina, segundo seu conceito?

Ah! Eurípides, sabemos por que Você silenciou sôbre a história dos outros, posto que, mesmo nos poucos que citou, muito que se reprovar, não pelo que fize- mos ver, como ainda porque nenhum dêles foi santo (nem podia ser), pelo sistema que abraçaram!

Chegamos mesmo a afirmar que nem o falecido papa Pio XII, com todos os predicados morais que lhe atri- buem, escapa das condenações da Palavra de Deus, não pelo "Syllabus" e o "Pontifical Romano", mas, sobre- tudo, 1 por se haver arrogado detentor de poderes de que

1 Combatendo o "O Syllabus" escreve "Janus" no "O Papa e o Concílio", pág. 361: "Estão em êrro condenável os que têm por exeqíiível e desejável a reconciliação do papa com a civilização moderna".

Sôbre o mesmo maldito "Syllabus" assim se expressou Carlos Pe-

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Deus não o investiu, e ter-se feito passar por substituto de Deus na terra, o que é grandíssima impostura sacrílega e altamente pretensiosa usurpação de direitos divinos!

Você citou, dizíamos, meia dúzia de papas, a que atribui, sem razão, honras de benfeitores da humanidade. Nós lhe citaremos, ao revés, mais de 40, para falar das maiores monstruosidades papalinas, entre os quais, alguns dos chamados melhores de sua listazinha, que, pelos seus infames atos, pela sua reconhecida impiedade, passaram à História com o ferrete mais ignominioso e abominável, como prova de que nada 4 'de origem divina' ' eles tiveram.

Deixem-se os católicos de parlapatices, que iludem a ignorantes e lorpas! . . .

Ei-los, cronologicamente: 1

Volúveis e inconstantes, como Libério (352) : ora favorecia, ora condenava o prelado Atanásio, que comba- tia os hereges arianos, contudo, foi canonizado. Persegui- dores, como Inocêncio I (402) : perseguiu de morte os novacianos, e também é santo. Fanáticos, como Gregó- rio I (590): queimou os livros profanos e destruiu os monumentos pagãos; também é santo. Invejosos e ciumen- tos, como Bonifácio III (607): quis para o papa os títulos que se arrogavam os patriarcas de Constantinopla. Heréticos, como Honório I (625) : foi condenado e exco- mungado pelo Concílio de Constantinopla, em 680. Egoístas, como Eugênio II (824) : trabalhou por aumen- tar o poder dos papas. Parciais, como Gregório IV (827) : declarou-se, injustamente, a favor de Luís, rei de França, contra o filho dêste. Fracos e mulherengos, como João VIII (862) : acusado de se haver portado, certa vez, como

reira: "O Syllabus" é uma declaração de guerra à civilização moderna e ao progresso, pois condena tôda a liberdade civil e religiosa, e fecha a porta a qualquer conciliação possível entre a sociedade política e a religiosa" ("O Problema Religioso da América Latina", pág. 402).

Daí por que assim se expressou o grande tribuno francês Léon Gambetta: "O Clericalismo eis o inimigo!"

1 Como os descreve F. R. dos Santos Saraiva, em seu livro "O Ca- tolicismo Romano a Velha e Fatal Ilusão da Sociedade", ed. de 1932, págs. 210 até 212.

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mulher. Vingativos e Impiamente cruéis, como Estêvão VI (876): mandou desenterrar o cadáver de Formoso, seu predecessor, cortar-lhe a cabeça e lançá-la ao Tibre; por tal barbaridade, o povo indignado o lançou acorren- tado em uma prisão, sendo mesmo estrangulado. De- bochados, como João X e Sérgio, dominados por suas amantes. Sortílegos, traidores e vingativos, como João XII, eleito papa (956) com apenas dezoito anos de idade. Assassinos, como Bonifácio VII (974), acusado de haver assassinado a Bento VI e João XIV, seus competidores; foi morto e arrastado pelos pés e abandonado insepulto na praça pública. Belicosos, como Bento VIII (1012): combateu à frente das suas tropas, contra os sarracenos. Torpes, como Bento IX (1033), feito papa aos 12 anos, deposto daí a 13, e reintegrado depois. Subornadores, como Gregório VI (1044) : afastou, à fôrça de dinheiro, outros pretendentes ao papado. Pretensiosos, intratáveis, orgulhosos e imprudentes, como Gregório VII (1073): saiu santo, e por Eurípides considerado benfeitor da Hu- manidade. Fanáticos, sanguinários, como Adriano IV ( 1 154) : não quis absolver os romanos excomungados por ele, senão depois que resolveram queimar vivo a Arnaldo de Bréscia. Perversos e sanguinários, como o papa Lúcio III (1174), que apoiou a Inquisição, e vários outros, que não apoiaram tão maldito Tribunal, como o incenti- varam. Sôfregos e ambiciosos, como Celestino III (1191): fez pagar um tributo à Santa Sé, pela outorga da Sicília. Instigadores e intolerantes, como Inocêncio III (1198), que estimulou a França contra a Inglaterra. Obscurantis- tas, como Honório III (1216) : proibiu o ensino do di- reito civil em Paris. Instrumento de perversos aduladores, como Alexandre IV (1254). Ineptos e pobres de espírito, como Celestino V (1291), que cometeu toda sorte de fal- tas; foi obrigado a abdicar e encerrado em uma prisão por Bonifácio VIII; canonizado depois pelo devasso e cobiço- so Clemente V. Violentos e cobiçosos, como Bonifácio VIII (1294), que por isso foi ordenada a sua prisão por Felipe, o Belo, rei da França. Avarentos, como Bonifácio

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IX (1389) : estabeleceu as anatas perpétuas, espécie de tri- butos pagos ao papa anualmente, donde resultaram graves questões das diversas potências cristãs com a cúria romana» Mundanos e sugadores dos bens da Igreja, em favor de sua família, como Sixto IV (1471), que desenvolveu a mundanização do papado, transformando-o em potência política terrena; procurou encher a sua família de poder e riquezas, à custa da Igreja, e levou a um extremo escan- daloso o nepotismo introduzido no govêrno papal por Martinho V, que foi outro grande sacripanta. Dêle escre- veu Guilherme Oncken, de cuja história nos estamos ser- vindo: ' 'Sempre em busca de dinheiro e de satisfações ma- teriais, e de aumento de territórios e de súditos, concebeu os mais peregrinos projetos". Pérfidos e interesseiros, como Inocêncio VIII (1484), que recebeu do sultão Bajazet avultadas somas para conservar prisioneiro a seu irmão Zizimo; mais do que isto: manda pregar uma cruzada contra os turcos e, ao mesmo tempo, tem negócios secre- tos com o sultão dêstes, Bajazet II, com o qual se compro- meteu a reter prêso Zizimo (irmão do Sultão) que se re- voltara; recebeu o papa, por tal "serviço" , uma subvenção. Simoníacos, dissolutos, obscenos, traidores, assassinos, en~ venenadores, como Alexandre VI (1492), pai incestuoso da famosa e dissoluta Lucrécia Bórgia e do cardeal César Bórgia, também famoso pela devassidão, crimes e perfídias. Atrevidos, vingativos, pérfidos e intrigantes, como Júlio II (1503). Usurpadores e exploradores do alheio, para favorecer os seus, como Leão X (1513). Imprudentes e estouvados, como Clemente VII (1523), que causou a separação da Inglaterra. Imperiosos e escandalosos, como Paulo IV (1555), cujo cadáver o povo, escandalizado, lançou ao Tibre. Fanáticos e cruéis, como Pio V (1565) : entregou aos furores da inquisição muitos dissidentes; apesar disso, foi canonizado santo. Ingratos, como Inocên- cio X (1644), que desterrou a dois cardeais, que tinham concorrido para a sua elevação. Teimosos e inflexíveis, como Inocêncio XI (1676). Contemporizadores, como Clemente XIV (1769): delongou, por muitos anos, a

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supressão da ordem dos jesuítas, apesar das vivas instân- cias das cortes da Europa e das provas irrecusáveis contra êstes padres. Visionários, como Pio IX (1846) : quis, por força, ser infalível- Pretensiosos, como Leão XIII, um dos que Eurípides citou como seus "santos"!

Isso que fica, esse rosário de misérias morais, do papado, é apenas dos casos mais tétricos da história papal. Ainda muita coisa ficou omitida, para não aumentarmos a obra.

"Assim, não defeito, vício ou ruim paixão que não tenha no papado não um, mas ainda muitos repre- sentantes", dando-se, até, o caso de todas essas maldades se acharem reunidas em mais de um dos pretensos suces- sores de S. Pedro!

"Quanto à dobrez, dissimulação e hipocrisia, estas têm sido sempre a moeda corrente do papado . . .", asse- vera eminente ex-padre, que avança, dizendo: "Daria para muitos volumes, se fôssemos descrever todas as figuras es- pectrais do papado; mas basta dizer-se que todos os papas, com raríssimas exceções, sem mesmo excetuar alguns que a igreja oferece à nossa adoração como santos, são, jus- tamente, medidos pela rasoura da iniquidade. Os papas, não contentes de se fazerem autocratas no espiritual, qui- seram, também, sê-lo no temporal. Obrigados a prestai obediência temporal, ora aos imperadores do Oriente, ora aos da Alemanha, não estavam à sua vontade, desenvol- vidos os germens do orgulho e da ambição. A princípio, senhores feudais do império germânico, no desmembra- mento da Casa de Carlos Magno, levantaram-se, imitan- do seus colegas feudais com o santo e com a esmola". Até que ficaram por certo tempo, detentores da espada de ti- ranos no temporal, ao lado das que tinham de déspotas espirituais!

"Ainda assim não estava satisfeita a ambição papal; quiseram os papas ser onipotentes na terra, como Deus o é no Céu, Arrogaram-se o direito de manejar os gabinetes políticos, de dispor, a seu bel-prazer, dos cetros; e, igno- rando, ou antes, esquecendo-se de que, segundo diz um

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legista moderno, Lerminier "a justiça no Evangelho não é outra coisa senão a mesma santidade, e toda a polí- tica de Jesus Cristo consiste em não ofender os poderes constituídos" excomungaram reis e imperadores, des- ligaram súditos da obediência aos seus legítimos sobera- nos, lançaram o interdicto sobre países inteiros, acende- ram o facho da revolta e da guerra, armaram nações con- tra nações, fizeram-se chefes de facções políticas, etc."!!!

Apesar da ignorância e cobardia dos povos e prín- cipes, não deixou o papado de sofrer amaríssimas lições . . .

Vejamos das melhores lições que alguns monarcas deram aos papas.

Assim, por exemplo, Oton, o Grande, rei da Ger- mânia, fez passar pelas "ruas da amargura" o pobre Papa João XIL Por este ter tomado o partido de Adalberto, adversário daquele, o grande imperador germânico man- dou reunir um Concílio, que depôs o papa, e elegeu, em seu lugar, Leão VIII. Como se vê, êsse grande monarca teve força para expulsar da decantada "Cátedra de São Pedro" um dos seus pretensos sucessores, sem apêlo, nem agravo! E, sempre que um papa tinha pela frente um so- berano da envergadura de Oton, de nada lhe valiam os seus direitos, privilégios e prerrogativas divinasl

Vejamos, agora, a eloquente lição que deu outro grande soberano, Felipe IV, o Belo, rei da França. Ten- do-lhe o papa Bonifácio VIII enviado uma carta em que dizia: "Saiba V. Majestade que nos está sujeito, tanto no espiritual, como no temporal", a isto respondeu aquêle grande monarca: "Saiba vossa fatuidade que, no temporal, a ninguém estamos sujeito". Na luta travada por êsse des- pótico papa contra Felipe, o Belo, o vencido foi o papa: prêso, veio a morrer de desgosto, não muito depois!

Também Gregório IX não conseguiu que se cur- vasse perante êle Frederico II, rei da Prússia; pelo con- trário, êste sempre se manteve em atitude altiva diante das ridículas e prepotentes imposições de Gregório IX!

Igualmente, deu lição manifesta de independência perante o papado, que tudo dominava naquela época, o

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rei de Portugal, D. Pedro I, estabelecendo a lei do "Be- neplácito Régio", em virtude da qual, sem aprovação do rei, nenhuma ordem ou instrução papal poderia vigorar em Portugal (sec. 14).

Infalibilidade papal. Discurso do Bispo Strassmayer

Libelo tremendo contra o papado, em corroboração a quanto vimos dizendo a respeito do assunto, é o dis- curso pronunciado pelo bispo Strassmayer, no célebre Con- cílio do Vaticano, em 1870. Ei-lo, na íntegra:

"Veneráveis padres e irmãos:

Não sem temor, porém com consciência livre e tran- quila, ante Deus, que nos julga, tomo a palavra nesta au- gusta assembléia.

Prestei toda a minha atenção aos discursos que se pronunciaram nesta sala, e anseio por um raio de luz, que, descendo de cima, ilumine a minha inteligência e me per- mita votar os cânones dêste Concílio Ecuménico, com perfeito conhecimento de causa.

Compenetrado da minha responsabilidade, pela qual Deus me pedirá contas, estudei com a mais escrupulosa atenção os escritos do Antigo e do Novo Testamento, c interroguei êsses veneráveis monumentos da Verdade: se o pontífice que preside aqui é verdadeiramente o sucessor de S. Pedro, vigário do Cristo e infalível doutor da Igreja.

Transportei-me aos tempos em que ainda não exis- tiam o ultramontanismo e o galicanismo, em que a igreja tinha por doutores S. Paulo, S. Pedro, S. Tiago e S. João, aos quais não se pode negar a autoridade divina, sem pôr em dúvida o que a Santa Bíblia nos ensina, santa Bíblia que o Concílio de Trento proclamou como a Regra da e da Moral. Abri essas sagradas páginas e sou obrigado a dizer-vos: nada encontrei que sancione, próxima ou re- motamente, a opinião dos ultramontanos! E maior é a minha surprêsa quando, naqueles tempos apostólicos, nada que fale acêrea do sucessor de S. Pedro e vigário de Jesus Cristo!

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CATOLICISMO ROMANO

Vós, Monsenhor Manning, direis que blasfemo; vós* Monsenhor Pio, direis que estou demente! Não, Mon- senhores; não blasfemo, nem perdi o juízo! Tendo lido todo o Novo Testamento, declaro, ante Deus e corn a mão sobre o crucifixo, que nenhum vestígio encontrei do papado. (O grifo é nosso).

Não me recuseis vossa atenção, meus veneráveis ir- mãos! Com os vossos murmúrios e interrupções justifi- cais os que dizem, como o padre Jacinto, que êste Con- cílio não é livre; se assim for, tendes em vista que esta augusta assembléia, que prende a atenção de todo o mun- do, cairá no mais terrível descrédito.

Agradeço a S. Ex., o Monsenhor Dupanloup, o si- nal de aprovação que me faz com a cabeça; isso me alenta e me anima a prosseguir.

Lendo, pois, os santos livros, não encontro neles um capítulo, um versículo que a S. Pedro a chefia sôbre os Apóstolos.

Não o Cristo nada disse sôbre êste ponto, como, ao contrário, prometeu tronos a todos os Apóstolos (S. Mat. 19:28), sem dizer que o de Pedro seria mais elevado que os dos outros!

Que diremos do Seu silêncio?

A lógica nos ensina a concluir que o Cristo nunca pensou em elevar Pedro à chefia do Colégio Apostólico.

Quando Cristo enviou os Seus discípulos a conquis- tar o mundo, a todos igualmente deu o poder de ligar e desligar, a todos igualmente fêz a promessa do Espírito Santo.

Dizem as Santas Escrituras que até proibiu a Pe- dro e a seus colegas de reinarem ou exercerem senhorio (S. Luc. 22:25,26).

Se Pedro fosse eleito papa ou chefe dos apóstolos, Jesus não teria dito isso, porque, segundo a nossa tradi- ção, o papado tem uma espada em cada mão, simboli- zando os poderes espiritual e temporal.

Ainda mais: se Pedro fosse papa ou chefe dos após- tolos, permitiria que êsses seus subordinados o enviassem.

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com João à Samaria, para anunciar o Evangelho do Fi- lho de Deus? (At. 8:14).

Que direis vós, veneráveis irmãos, se nos permitísse- mos, agora, mandar Sua Santidade Pio IX, que aqui preside, e Sua Eminência, Monsenhor Plantier, ao Pa- triarca de Constantinopla, para convencê-lo de que deve acabar com o cisma do Oriente?

O símile é perfeito, haveis de concordar.

Mas, temos coisa ainda melhor:

Reuniu-se em Jerusalém um Concílio Ecuménico para decidir questões que dividiam os fiéis.

Quem devia convocá-lo? Sem dúvida Pedro, se fosse papa. Quem devia presidf-lo? Por certo que Pedro. Quem devia formular e promulgar os cânones? Ainda Pedro, não é verdade? Pois bem: nada disso sucedeu! Pedro assistiu ao Concílio com os demais apóstolos, sob a direção de S. Tiago! (At. 15).

Assim, parece-me que o filho de Jonas não era o primeiro, como sustentais.

Encarando agora por outro lado, temos: enquanto ensinamos que a Igreja está edificada sôbre Pedro, S. Pau- lo (cuja autoridade devemos todos acatar) diz-nos que ela está edificada sôbre o fundamento da dos Apóstolos e Profetas, sendo Jesus Cristo a principal pedra do ân- gulo (Ef. 2:20).

Êsse mesmo Paulo, ao enumerar os ofícios da Igreja, menciona apóstolos, profetas, evangelistas e pastores; e será crível que o grande Apóstolo dos gentios se esquecesse do papado, se o papado existisse? Êsse olvido me parece tão impossível como o de um historiador deste Concílio que não fizesse menção de Sua Santidade Pio IX.

(Apartes: Silêncio, herege! Silêncio!)

Acalmai-vos, veneráveis irmãos, porque ainda não concluí. Impedindo-me de prosseguir, provareis ao mundo que sabeis ser injustos, tapando a boca do menor mem- bro desta assembléia. Continuarei:

O Apóstolo Paulo não faz menção, em nenhuma das suas Epístolas, às diferentes igrejas, da primazia de

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CATOLICISMO ROMANO

Pedro; se ela existisse e se ele fôsse infalível como que- reis, poderia Paulo deixar de mencioná-la, em longa Epís- tola sôbre tão importante ponto?

Concordai comigo: A Igreja nunca foi mais bela, mais pura e mais santa que naqueles tempos em que não tinha papa. (Apartes: não é exalo, não é exatol)

Por que negais, Monsenhor de Lavai? Se algum de vós outros, meus veneráveis irmãos, se atreve a pensar que a Igreja, que hoje tem um papa (que vai ficar in- falível), é mais firme na e mais pura na moralidade que a Igreja Apostólica, diga-o abertamente ante o Universo, visto como este recinto é um centro do qual as nossas pa- lavras voam de pólo a pólo!

Calais-vos? Então, continuarei:

Também nos escritos de S. Paulo, S. João ou S. Tia- go, não descubro traço algum do poder papal! S. Lucas, o historiador dos trabalhos missionários dos Apóstolos, guarda silêncio sôbre tal assunto!

Isso deve preocupar-vos muito.

Não me julgueis um cismático!

Entrei pela mesma porta que vós outros; o meu tí- tulo de bispo deu-me direito a comparecer aqui, e a minha consciência, inspirada no verdadeiro Cristianismo, mt obriga a dizer-vos o que julgo ser verdade.

Pensei que, se Pedro fôsse vigário de Jesus Cristo, êle não o sabia, pois que nunca procedeu como papa: nem no dia de Pentecostes, quando pregou o seu primeiro sermão, nem no Concílio de Jerusalém, presidido por S. Tiago, nem na Antioquia, e nem nas Epístolas que dirigiu às igrejas. Será possível que êle fôsse papa sem o saber? (Grifo nosso).

Parece-me escutar de todos os lados: Pois S. Pedro não estêve em Roma? Não foi crucificado de cabeça para baixo? Não existem os lugares onde ensinou e os altares onde disse missa nessa cidade?

E eu responderei: a tradição, veneráveis irmãos, t que nos diz ter S. Pedro estado em Roma; e como a tra- dição é tão somente a tradição de sua estada em Roma.

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é com ela que me provareis o seu episcopado e a sua su- premacia?

Scalígero, um dos mais eruditos historiadores, não vacila em dizer que o episcopado de S. Pedro e a sua re- sidência em Roma se devem classificar no número das lendas mais ridículas! (Repetidos gritos e apartes: Ta- paiAhe a boca, fazei-o descer dessa cadeira!)

Meus veneráveis irmãos, não faço questão de calar- me, como quereis, mas não será melhor provar tôdas as coisas como manda o Apóstolo, e crer no que for bom? Lembrai- vos que temos um ditador ante o qual todos nós, mesmo S. Santidade Pio IX, devemos curvar a cabeça. Êsse ditador, vós bem o sabeis: é a História!

Permiti que repita: Folheando os sagrados escritos não encontrei o mais leve vestígio do papado nos tempos apostólicos. E, percorrendo os anais da Igreja, nos qua- tro primeiros séculos, o mesmo me sucedeu!

Confessar-vos-ei que o que encontrei foi o seguinte:

Que o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, honra e glória do Cristianismo e Secretário no Concílio de Melive, nega a supremacia ao bispo de Roma.

Que os bispos d' África, no 6.° Concílio de Cartago, sob a presidência de Aurélio, bispo dessa cidade, admoes- tavam a Celestino, bispo de Roma, por supor-se este supe- rior aos demais bispos, enviando-lhes comissionados e in- troduzindo o orgulho na Igreja.

Que, portanto, o papado não é instituição divina.

Deveis saber, meus veneráveis irmãos, que os padres do Concílio de Calcedônia colocaram os bispos da antiga t nova Roma na mesma categoria dos demais bispos.

Que aquele sexto Concílio de Cartago proibiu o tí- tulo de "Príncipe dos Bispos", por não haver soberania entre eles.

E que S. Gregório I escreveu estas palavras, que muito aproveitam à tese: Quando um patriarca se intitula "Bispo Universal", o título de Patriarca sofre incontestà- relmente o descrédito. Quantas desgraças não deveremos ©iperar, se entre os sacerdotes se suscitarem tais ambições?

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Êsse "Bispo" será o rei dos orgulhosos! (Pelágio II, Cet. 13).

Com tais autoridades e muitas outras que poderia citar-vos, julgo ter provado que os primeiros bispos de Roma não foram reconhecidos como bispos universais ou papas, nos primeiros séculos do Cristianismo.

E, para mais reforçar os meus argumentos, lembra- rei aos meus veneráveis irmãos que foi Osio, bispo de Cór- dova, quem presidiu ao primeiro Concílio de Nicéia, re- digindo os seus cânones; e que foi ainda êsse bispo que, presidindo ao Concílio de Sardica, excluiu o enviado de Júlio, bispo de Roma!

Mas, da direita me citam estas palavras de Cristo: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja".

Sois, portanto, chamados para este terreno.

Julgais, veneráveis irmãos, que a rocha ou pedra sobre que a Santa Igreja está edificada, é Pedro; mas, permiti que eu discorde desse vosso modo de pensar.

Diz S. Cirilo, no seu 4.° livro sobre a Trindade: "A Rocha ou Pedra, de que nos fala Mateus, é a imu- tável dos Apóstolos!"

S. Olegário, bispo de Poitiers, em seu 2.° livro sobre a Trindade, repete: Que aquela Pedra é a Rocha da confessada pela boca de S. Pedro. E, no seu sexto livro, mais luz nos fornece, dizendo: sôbre esta rocha da con- fissão da que a Igreja está edificada".

S. Jerônimo, no 6.° livro sôbre S. Mateus, é de opi- nião que Deus fundou a sua Igreja sôbre a rocha ou pedra que deu o seu nome a Pedro.

Nas mesmas águas navega S. Crisóstomo quando, em sua homilia 56 a respeito de Mateus escreve: "Sôbre esta rocha edificarei a minha Igreja; e esta rocha é a confissão de Pedro."

E eu vos perguntarei, veneráveis irmãos, qual foi a confissão de Pedro?

que não me respondeis, eu vo-la darei: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus".

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Ambrósio, o santo Arcebispo de Milão, S. Basílio de Seleucia e os padres do Concílio de Calcedônia ensinam precisamente a mesma coisa.

Entre os doutores da antiguidade cristã, Santo Agos- tinho ocupa um dos primeiros lugares, pela sua sabedoria e pela sua santidade. Escutai como ele se expressa sobre a primeira epístola de S. João: "Edificarei a minha Igreja sôbre esta rocha, significa claramente que é sobre a do Pedro".

No seu tratado 124, sôbre o mesmo S. João, encon- tra-se esta significativa frase: Sôbre esta rocha que acabais de confessar, edificarei a minha igreja, e a rocha era o próprio Cristo, o Filho de Deus.

Tanto este grande e santo bispo não acreditava que a Igreja fosse edificada sôbre Pedro, que disse em seu sermão n,° 13: "Tu és Pedro, e sôbre essa rocha ou pedra que me confessaste, que reconheceste, dizendo: "Ta és o Cristo, o Filho do Deus vivo" , edificarei a minha Igreja; sôbre mim mesmo, pois sou o Filho do Deus vivo. Edi- ficarei sôbre mim mesmo e não sôbre ti".

Haverá coisa mais clara e positiva?

Deveis saber que essa compreensão de Santo Agos- tinho, sôbre tão importante ponto do Evangelho, era a opinião corrente do mundo cristão naqueles tempos. Estou certo de que não me contestareis.

Assim é que, resumindo, vos direi:

1. ° Que Jesus deu aos outros apóstolos o mesmo poder que deu a Pedro.

2. ° Que os apóstolos nunca reconheceram em São Pedro a qualidade de vigário de Cristo e infalível doutor da Igreja,

3. ° Que o mesmo Pedro nunca pensou ser papa, nem fez coisa alguma como papa.

4. ° Que os concílios dos quatro primeiros séculos nunca deram, nem reconheceram o poder e a jurisdição que os bispos de Roma queriam ter.

5. ° Que os santos padres, na famosa passagem: Tu és Pedro, e sôbre essa pedra (a confissão de Pedro) edifí-

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carei a minha igreja nunca entenderam que a igreja estava edificada sobre Pedro (super petrum) , e sim sobre a rocha (super petram) , isto é, sobre a confissão de do Apóstolo.

Concluo, pois, com a História, a Razão, a Lógica: o bom Jesus não deu supremacia alguma a Pedro; e que os bispos de Roma se constituíram soberanos da Igreja confiscando, um por um, todos os direitos de episcopado. (Vozes de lodos os lados: Silêncio, insolente! Silêncio! Silêncio!) .

Não sou insolente. Não, mil vezes não!

Contestai a História, se ousais fazê-lo; mas ficai cer- tos de que não a destruireis!

Se ensinei alguma inverdade, provai-me isso com a História, à qual vos prometo fazer a mais honrosa apolo- gia, mas compreendei que eu não disse tudo quanto quero e posso dizer. Ainda que a fogueira me aguardasse fora, eu não me calaria!

Sede pacientes, como manda Jesus. Não junteis a cólera ao orgulho que vos domina!

Disse Mons. Dupanloup nas suas célebres "Observa- ções* ' sobre este Concílio do Vaticano, e com razão, que, se declaramos infalível a Pio IX, necessariamente precisa- mos sustentar que infalíveis também eram todos os seus antecessores. Porém, veneráveis irmãos, com a História na mão, vos provarei que alguns papas faliram.

Passo a provar-vos, com os próprios livros existen- tes na Biblioteca do Vaticano, como é que faliram alguns dos papas que nos têm governado:

O papa Marcelino entrou no Templo de Vesta e ofe- receu incenso à deusa do Paganismo. Foi, portanto, idó- latra ou, pior ainda, apóstata.

Libério consentiu na condenação de Atanásio; depois baldeou-se para o arianismo.

Honório aderiu ao monoteísmo.

Gregório I chamava de Anticristo ao que se impu- nha como "Bispo Universal", e, entretanto, Bonifácio III

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conseguiu do parricida imperador Focas obter este título em 607.

Pascoal II e Eugênio III autorizavam os duelos con- denados pelo Cristo; enquanto Júlio II e Pio IV os proi- biram. Adriano II, em 872, declarou válido o casamento civil; entretanto, Pio VIL em 1823, condenou-o.

Xisto V publicou uma edição da Bíblia e, com uma bula, recomendou a sua leitura; e aquele Pio VII exco- mungou a edição.

Clemente XIV aboliu a Companhia de Jesus, permi- tida por Paulo III; e o mesmo Pio VII a restabeleceu.

Porém, para que mais provas? Pois o nosso Santo Padre Pio IX não acaba de fazer a mesma coisa quando, na sua bula para os trabalhos deste Concílio, como revogado tudo quanto se tenha feito em contrário ao que aqui for determinado, ainda mesmo tratando-se de deci- sões dos seus antecessores?

Até isso negareis?

Nunca eu acabaria, meus veneráveis irmãos, se me propusesse a apresentar-vos todas as contradições dos papas em seus ensinamentos. 1

Como se poderá dar-lhes a infalibilidade? Não sabeis que fazendo infalível Sua Santidade, que presente se acha e me ouve, tereis que negar a sua falibilidade e a dos seus antecessores? E vos atrevereis a sustentar que a infalibi- lidade dos papas foi revelada pelo Espírito Santo apenas neste ano de 1870?

Não vos enganeis a vós mesmos: Se decretais o dogma da infalibilidade papal, vereis os protestantes, nossos ran- corosos adversários, penetrar por larga brecha com a bra- vura que lhes a História.

E que tereis vós para opor-lhes? O silêncio, se não quiserdes desmoralizar -vos. (Gritos: É demais, basta!)

Não griteis, Monsenhores! Temer a História é con- fessar-vos derrotados! Ainda que pudésseis fazer correr

1 Vide ainda a lista negra dos papas monstruosos (inserida noutra parte desta obra), que faliram não intelectual como moralmente.

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tôda a água do Tibre sobre ela, não borraríeis nem uma das suas páginas! Deixai-me falar, e serei breve.

O segundo Concílio de Calcedônia estabeleceu este cânone: "O Bispo que se eleve por dinheiro, será degra- dado/'

Sem respeito àquele cânone, Eugênio III, seis séculos depois, comprou o papado por dinheiro, e foi repreendido por S. Bernardo, que era a estrela brilhante do seu tempo.

Deveis conhecer a História do papa Formoso. Estê- vão XI fez exumar o seu corpo, com as vestes pontificais; mandou cortar-lhe os dedos e o arrojou ao Tibre. Es- têvão foi envenenado; e tanto Romano como João, seus sucessores, reabilitaram a memória de Formoso.

Lêde Plotino, lêde Barônio, o Cardeal! É dêle que me sirvo.

Barônio chega a dizer que as poderosas cortesãs ven- diam, trocavam e até se apoderavam dos bispados; e, hor- rível é dizer- vos, faziam papas aos seus amantes!

Genebrardo sustenta que, durante 150 anos, os papas, em vez de apóstolos, foram apóstatas.

Deveis saber que o papa João XII foi eleito com a idade de 18 anos tão-sòmente; e que o seu antecessor era filho do papa Sérgio com Marózia. Que Alexandre XI era . . . nem me atrevo a dizer o que êle era de Lucrécia; e que João, o XXII, negou a imortalidade da alma, sendo deposto pelo Concílio de Constança.

nem falo dos cismas que tanto têm desonrado a Igreja. Volto, porém, a dizer-vos que, se decretais a infa- libilidade do atual Bispo de Roma, devereis decretar tam- bém a de todos os seus antecessores; mas, atrever- vos-eis a tanto? Sereis capazes de igualar a Deus todos os inces- tuosos, avaros, homicidas, sacrílegos e simoníacos bispos de Roma? (Gritos: Descei da cadeira, descei já; tapemos a boca deste herege!)

Não griteis, meus veneráveis irmãos. Com gritos nunca me convencereis. A História protestará eternamente sobre o monstruoso dogma da infalibilidade papal; e,

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quando mesmo todos vós o aproveis, faltará um voto, e esse voto é o meu!

Mas, voltemos à doutrina dos Apóstolos:

Fora dela erros, trevas e falsas tradições. To- memos a eles e aos Profetas pelos nossos únicos mestres, sob a chefia de Jesus.

Firmes e imóveis como a rocha, constantes e incor- ruptíveis nas inspiradas Escrituras, digamos ao mundo: Assim como os sábios da Grécia foram vencidos por Paulo, assim a Igreja Romana será também vencida! . . . (Gritos clamorosos: Abaixo o protestante! Abaixo o calvinista! Abaixo o traidor da Igreja!)

Os vossos gritos, Monsenhores, não me atemorizam, e vos comprometem! As minhas palavras têm calor, mas a minha cabeça está serena. Não sou de Lutero, nem de Calvino, nem de Paulo, e sim, e tão-sòmente, do Cristo. (Novos gritos: Anátemas vos lançamos!)

Anátema! Anátema! para os que contrariam a dou- trina de Jesus! Ficai certos de que os Apóstolos, se aqui comparecessem, vos diriam a mesma coisa que acabo de declarar-vos.

Que lhes diríeis vós, se eles, que predicaram e con- firmaram com o seu sangue, lembrando-vos o que escre- veram, vos mostrassem o quanto tendes deturpado o Evangelho do Amado Filho de Deus? Acaso lhes diríeis: Preferimos a doutrina dos Loiolas à do Divino Mestre?

Não! mil vezes não! A não ser que tenhais tapado os ouvidos, fechado os olhos e embotado a vossa inteli- gência, o que não creio.

Oh! se Deus quer castigar-nos, fazendo cair pesada- mente a Sua mão sobre nós, como fêz ao Faraó, não pre- cisa permitir que os soldados de Garibáldi nos expulsem daqui; basta deixar que façais de Pio IX um Deus, como fizestes uma deusa da Virgem Maria!" 1

1 Últimamente, anda a I. Romana, por seus defensores, tentando desfazer êste libelo do bispo Strassmayer (José Jorge, de Djakóvo (Bós- nia), viveu de 1850 a 1905 como bispo). Dizem que o discurso referido e acima copiado é apócrifo e falso, e que foi feito e espalhado ampla-

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Evitai, sim, evitai, meus veneráveis irmãos, o terrí- vel precipício a cuja borda estais colocados. Salvai a Igreja do naufrágio que a ameaça, e busquemos todos, nas Sa- gradas Escrituras, a regra da que devemos crer e pro- fessar. Digne-se Deus assistir-me. Tenho concluído/' 1

(Todos os padres se levantaram, muitos saíram da saía; porém alguns prelados italianos, americanos, ale- mães, franceses e ingleses rodearam o inspirado orador e, com fraternais apertos de mão, demonstraram concordar com o seu modo de pensar.)

Conclusão

Você diz, Eurípides, finalmente, em seu livro, que houve alguém que pensou na organização, em Londres, de um ' 'Vaticano Protestante". Idéia tão infeliz não pode ter partido de um protestante às direitas, porque ela é berrante e fragorosamente contrária à democracia univer- sal do Evangelho, pois a união que este nos preconiza é a das almas, pela e pela obediência aos princípios sacros- santos da Palavra de Deus! Não, Eurípides, os verdadei- ros protestantes não podem desejar Vaticano algum, e muito menos, nos moldes do seu, que é a negação daquele divino Evangelho que o poder de Deus para a salvação

mente na Itália e E. Unidos e na Europa por um certo José Augustin de Escudero, no fim do ano de 1870; que este confessou depois a fraude a certo lazarista em Buenos Aires, e que êste a fez chegar à ciência do próprio bispo J. J. Strassmayer. (Isto tudo se acha num trabalho de A. Spiletak, católico, Lagáfria, 1929).

Mas, a verdade simples e pura é esta. O bispo Strassmayer fêz vários discursos mesmo no Concílio do Vaticano, 1870, e foi contra a tese infalibilista, e fêz sobre isso o discurso acima, no dia 2 de junho daquele ano. Nunca jamais contestou o discurso, que foi de fato espa- lhado pelo mundo, em 1870, e redigido em várias línguas. A direção do Concílio nunca protestou contra a suposta fraude. Devia fazê-lo, se fosse falso o discurso copiado e conhecido amplamente. depois de anos, em 1929, aparece essa tardia história do fraudador que confessa. E Strass- mayer soube disso, e ficou quieto?!!

É tão flagrante e tão infantil esta "saída", para destruir uma reali- dade, que ninguém acredita nela. Strassmayer teve de 1870 a 1905, quando morreu, tempo bastante para repudiar a "falsidade". E não o fêz!

A verdade é que o discurso foi feito e proferido mesmo, no Vaticano, 1870, pelo corajoso bispo de Djakóvo.

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de todo o que crê", do qual é Único Mestre e verdadeira- mente Infalível Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, cuja sede de domínio é o nosso coração.

O Evangelho eis o nosso Vaticano. Jesus Cristo eis o nosso Papa.

Quer melhor, Eurípides?

Eis a cidadela divina, o baluarte inexpugnável, "o melhor e o mais seguro penhor da proteção e da bênção de Deus", o porto seguro da nossa salvação, que seria também a sua e a dos seus mestres (abatinados ou não) o Evangelho puríssimo de N. S. Jesus Cristo a única esperança dos povos, e não o papa!

Assim, Eurípides, não poderíamos encerrar êste livro com melhor advertência e melhor conselho para Você, para seus padres, bispos e papas, para todos, enfim: FORA DO PAPISMO, DENTRO DO CRISTIANISMO; FORA DE ROMA, DENTRO DO EVANGELHO !

CAPÍTULO XIII

A SALVAÇÃO PELA

prestes a sair do prelo a presente obra, recebemos, por nímia gentileza do Prof. Eurípides C. de Meneses, a ofer- ta do livro "LEGÍTIMA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA", do Prof. Lúcio Navarro, nosso ilustre coestaduano. Trata-se de obra volumosa, com mais de 600 páginas, versando mag- nificamente o tema, com profunda erudição bíblica, como nenhum outro igual jamais lemos de escritor católico. Inegà- velmente é uma grande obra, apesar de não endossarmos várias de suas interpretações e afirmações.

O que mais nos prendeu a atenção, no referido livro, foi a sua primeira parte, que é, precisamente, um têrço da obra, e que trata da "certeza da salvação" e da "salvação pela fé", combatendo, se vê, a doutrina protestante sobre o assunto.

E que em nosso livro não havíamos tratado do assun- to, julgamos de bom alvitre fazê-lo neste capítulo adicional, a fim de rebater o que de inverdades na exposição do insigne escritor pernambucano.

Primeiramente, cumpre-nos admirar sua vasta eru- dição bíblica (coisa muito rara entre os católicos) e o que de absolutamente certo escreveu, que muito apreciamos e nos foi de muita valia. Embora saindo da pena de um adversário, tal o esforço e cultura que revela para demons- trar as verdades do modo de entender a sua religião, que julgamos tratar-se de uma alma sincera, e reconhecemos mesmo, como atrás confessamos, que em parte dis- cordamos de sua exegese.

Quem assim escreve, não está com o menor precon- ceito, e até agradece ao Amigo Eurípides lhe haver envia- do tão precioso livro, que tem merecido e continuará merecendo a nossa melhor atenção.

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CATOLICISMO ROMANO

Vamos rebater, entretanto, algumas inverdades con- tidas no aludido livro, em sua primeira parte. Quanto às demais partes, iremos, em tempo oportuno, examiná-las mais cuidadosamente, mas, sem dúvida, possivelmente não será necessário responder a elas, pois a matéria foi suficientemente discutida nos doze capítulos desta presen- te obra.

Como L. Navarro inicia sua obra expondo truncado doutrinas e ensinamentos do nosso grande reformador Lutero e dos protestantes, em geral, vamos rebatê-lo, enèr- gicamente, a bem da verdade, expondo-lhe, em primeiro lugar, em que consistiu a Reforma, seus princípios e a verdadeira doutrina de Lutero sobre a salvação pela e seu verdadeiro conceito sobre as boas obras, porque, como veremos, o Prof. L. Navarro fez citações inexatas de ele- mentos suspeitos, que adulteraram o pensamento do grande monge de Witenberg. Jamais ele negou a necessidade do arrependimento para a salvação e também jamais despre- zou as boas obras. Apenas, consoante o credo protestante mundial, reconhecia que as tais "boas obras" constituem um dever imperioso, uma obrigação moral e de gratidão da alma, uma vez salva pela nos merecimentos de Cristo. Enfim, nada melhor para destruir as acusações de L. Na- varro contra Lutero, do que fazermos a exposição: a) dos princípios da Reforma; b) da salvação pela fé, tal qual a ensinaram Lutero, S. Paulo e outros, e c) , finalmente, a própria exposição do Reformador, acerca da necessidade do arrependimento e das boas obras como fruto da sal- vação.

Vamos, pois, tratar do assunto sobre este tríplice

aspecto:

Princípios da Reforma

O dia 31 de outubro é comemorado anualmente em todas as Igrejas Evangélicas do mundo como o Dia da Reforma. Conhece a cristandade de confissão evangélica este dia como a magna data histórica que marca o ponto

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inicial do movimento reformador, o qual levaria, afinal, à existência própria da nossa Igreja. Constitui, sem dúvi- da, um momento histórico de projeção universal, quando, ao meio dia, em 3 1 de outubro de 1517, um modesto monge Agostinho, Martinho Lutero, se dirigiu à Igreja do Castelo de Witenberg para afixar, no portal, 95 teses referentes ao abuso que constituía a venda de indulgências por parte dos emissários da Cúria Romana. Não podemos imaginar como a marcha da Humanidade teria prosseguido sem estas marteladas e suas consequências. Certamente a sua estrada não teria sido menos agitada por revoluções e guerras, por descrença e ideias que prepararam o solo do secularismo dos nossos tempos. o desconhecimento dos fundos espirituais da evolução histórica ou adversários malévolos podem atribuir a Lutero a culpa por este se- cularismo, cujos sintomas se manifestaram claramente na época da Renascença. O germe desta enfermidade reside no próprio homem que, apesar de ser membro da Igreja Católica daquele tempo, interiormente emancipado da co- munhão com Deus, julgava viver vida autónoma. Tôda atividade religiosa com suas manifestações pomposas em público, todas as obras do progresso técnico de então e de hoje não nos podem iludir mais sôbre o verdadeiro estado do homem, quando é visto sob a luz penetrante da Pala- vra de Deus: o homem é justificado pela e não pelas obras.

A revolução espiritual de Lutero consiste em ter ele redescoberto, mediante o estudo das Sagradas Escrituras, a verdadeira relação entre Deus e o Homem. Enquanto para o Catolicismo, em última análise, o homem forma o centro, para Lutero, conforme a mensagem da Igreja Primitiva, Deus se torna novamente o centro da relação, seu motivo e fim ao mesmo tempo, do qual e para o qual são todas as coisas. Sua luta é dirigida contra esta religião egocêntrica, uma vez em sua forma moral, tornando-se o homem, mesmo mediante os seus próprios esforços e obras, o motivo de sua salvação, e depois na opinião que considera a própria felicidade eterna como o único fim de

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sua comunhão com Deus. Estas duas formas egocêntricas de religião Lutero combate na sua preleção sobre a Ep. aos Romanos, dizendo: "O sumário desta Epístola é destruir, extirpar e aniquilar toda a sabedoria e justiça da carne, quão importantes sejam aos olhos dos homens e perante nós: e erigir e implantar tudo o que está fora de nós, mas em Cristo. O centro de gravidade nesta concepção não forma mais o homem e o que nele está, mas o que se acha fora de nós é posto no centro: Deus e sua justiça. Pois, não por nossa justiça e sabedoria próprias, mas pela alheia, Deus nos quer salvar; não pelo que provém e nasce em nós, mas pelo que vem de outra parte a nós, não pelo que se origina da nossa terra, mas pelo que vem do céu. E para que possa vir esta justiça alheia vinda de Deus, é necessário extirpar a nossa própria."

Explicando o sentido do 1.° Mandamento, Lutero expõe: "Eu quero, diz Deus, ser o teu Deus e te salvar eternamente. Eu quero ajudar-te e isto por graça, não permito que mo pagues em serviços ou instituas cultos por própria vaidade. Não terás diante de mim a glória de ter comprado algo de mim por teu merecimento. Não quero levar em conta o teu serviço. Para eu ser o teu Deus, dou-te tudo de graça." Estão sujeitos a este juízo do 1.° Mandamento, para Lutero, todos os cultos e exercícios espirituais da Igreja Católica inventados pelo próprio homem, por ser idolatria. "Ainda que se enfeitem com o nome divino, têm êles o caráter e o modo de conduzir o crente (adepto) à confiança em si que o homem pode ser salvo pela sua própria obra. O culto inventado leva o homem a si mesmo."

Lutero, ensinando a orar, diz que dois modos de orar o Pai Nosso: do início ao fim e do fim ao princípio. O primeiro modo roga, antes de tudo, pela santificação do nome de Deus para não desejarmos o Reino de Deus por causa de nós e por nosso bem-estar, mas para que o Nome do Senhor seja louvado e se aumentem a honra e a glória de Deus. Enquanto os homens que procuram a própria honra, glória e renome em si mesmos, começam a

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oração com a sétima prece, pois desejam em primeiro lugar a libertação de todo o mal e desgraça para viver em feli- cidade e ter prazer em si mesmos, os que antes de tudo desejam a santificação do nome de Deus, e sua glorifi- cação, não conseguem isto, como alcançam, pela Graça do Senhor, aquela 'Vitória que vence o mundo" a saber "a nossa fé". Eis o caminho certo, sendo dada tôda a glória e toda a justiça ao Senhor Deus, pois o homem, se isto alcança, deve tudo ao Altíssimo.

Assim sendo, a diferença entre a religião que tem por centro a Deus, e a religião em cujo centro está o homem, em poucas palavras, é esta: a não se baseia em nenhuma outra coisa senão em Deus mesmo, que se oferece a si mesmo em Cristo Jesus, por amor a nós."

Lutero, portanto, não emancipou o reino do mundo em que reinam o poder, o direito e a força do Reino de Deus, no qual reinam o amor, o perdão ilimitado e a renúncia à vingança. Longe de secularizar a vida pública e política, ele inclui o mundo político na realidade do amor de Deus e do amor ao próximo. "Êste poder, porém, é limitado pela consciência, pela responsabilidade do homem perante Deus e pela liberdade da fé."

Eis por que, naquela memorável data em que Lutero afixou suas teses no portal da Igreja de Witenberg, sua atitude desassombrada encontrou eco em tôda parte.

Quanto às indulgências que, para a salvação das almas, eram pregadas e concedidas à custa de ouro, que se encaminhava ao Vaticano, dizia êle: "Os pregadores de indulgência erram quando declaram que o perdão do Papa livra o pecador da penitência e assegura-lhe a salvação. Os que se julgam seguros da salvação pelas cartas do Papa, serão amaldiçoados eternamente e na companhia de seus mestres. Todo o cristão verdadeiramente arrependido tem plena remissão de culpa e penitência, mesmo sem as cartas de absolvição. Por que o Papa não esvazia o Purgatório pela caridade?" Assim, sua extraordinária coragem, apoia- do por estudantes, mestres, príncipes, governadores e pelo povo, fê-lo permanecer firme diante de todos os tremendos

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ataques e maldições dos romanistas. Desprezou a bula que o excomungava, queimando-a em praça pública.

E foi assim que, em 1521 compareceu perante a Assembléia de Worms, presidida pelo imperador Carlos V, que dizia "Nei mei domíni mai tramonta íl solo" (Tão extenso é meu império, que nele não o pôr do sol). O monge resistiu a todo o aparato e realidade desse poderio terreno. Estava convencido e dominado pela liber- dade de consciência e de crença, e por isso proclamava que cada um, de per si, tem de se haver com o seu Deus.

Salvação pela segundo Lutero, S. Paulo e outros

Da exposição do item a, anteriormente feita, é evi- dente que Lutero pregava a salvação pela fé. "O justo vive da fé". Entretanto, esta estava centralizada em Deus, como vimos: Êle era o centro de toda a crença reli- giosa. Não se trata, outrossim, de uma mera fé-confiança, como inveridicamente acusa Navarro de assim ensinarem os protestantes. Pode ser que um ou outro protestante desconheça qual seja este sistema ou processo de salvação pela segundo a crença ortodoxa do protestantismo mun- dial, mas, isto de atribuir tal concepção a todos é pos- sível admitir-se em quem tenha refinada fé, porque não é possível nem sequer pensar-se que um intelectual da estofa de Lúcio Navarro desconheça qual seja o verdadeiro pensamento do Protestantismo a respeito de tão impor- tante assunto.

Pois bem, a fim de tirar as cataratas dos olhos desse ilustrado professor, vamos expor com a Bíblia aberta, sem fugir nem uma linha do ensino paulino, de Lutero e de S. Paulo, aliado ainda com o ensino do apóstolo Tiago, qual é a verdadeira concepção protestante em torno da salvação pela fé.

Desde o cap. 3:21 da Ep. aos Romanos, até o fim do cap. 9, trata o apóstolo S. Paulo do processo da jus- tificação pela fé. Ao chegar no cap. 9:32, o apóstolo es-

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creveu que Israel não atingiu ao alvo da justificação, "porque pretendia atingi-lo, não pela fé, mas pelas obras . . ." Mas, nesta altura, adverte Lúcio Mendonça que o apóstolo está-se referindo às obras da lei, isto é, às cerimonias da purificação da lei mosaica, que estas, sim, não tinham mais valor, no regime da Graça, com Cristo. Sim, estamos de pleno acordo, e quem dos protestantes ortodoxos jamais negou tal exegese? Os verdadeiros pro- testantes não dão outra interpretação a esse texto e a outros similares, de que trata S, Paulo. Mas, vem empavonado de sabedoria, o nosso adversário, e diz: "Ora, se S. Paulo está referindo que o homem não pode mais justificar-se pela observância da lei cerimonial, de Moisés, não pode, todavia, se quiser justificar-set deixar de cumprir os man- damentos da Lei de Deus, porque o próprio Senhor Jesus doutrinou: 'Se queres entrar na vida, guarda os manda- mentos." Mas, meu caro Lúcio Navarro, quem lhe meteu na cabeça que os protestantes pregam o desprezo da Lei de Deus? Quem? Os verdadeiramente justificados perante Deus têm como alvo, como meta, como o supremo ideal de suas vidas cumprir os preceitos do Seu Divino Senhor e Salvador, embora não o possam cumprir perfeitamente, porque ainda dentro deles o "homem velho", que os arrasta para a desobediência, para o pecado. Finalmente, não precisamos senão ler o cap. 6 da referida Ep. aos Romanos, para que destruamos esta injusta acusação de nosso adversário contra nós, protestantes. S. Paulo ante- viu a objeção que os adversários da em Cristo haveriam de levantar, através dos séculos, e deixou tudo esclare- cido, maravilhosamente, mostrando-nos, em têrmos can- dentes, em que consistia a verdadeira justificação, que fa- talmente leva o seu beneficiado e agraciado a levar "vida nova". No término do cap. 5 da Ep. aos Romanos, São Paulo fêz ver que "onde habitou o pecado, superabundou a graça", e que a lei mosaica não estava em condições de destruir ou diminuir o pecado, concorrendo antes para realçar ainda mais o contraste entre o bem e o mal. Mas, depois de o pecado tocar o auge, veio, mais poderosa ainda,

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a graça do Redentor. E, então, no cap. 6.°, prevê a obje- ção: "Que diremos, pois? continuaremos a viver no pecado para que tanto mais abunde a graça? De certo que não. Uma vez que morremos para o pecado, como continuaría- mos a viver nele? Ignorais, acaso, que todos nós, que fomos submersos na água batismal em Cristo Jesus, fomos submersos na sua morte? Pelo que, submersos no batismo da morte, fomos com ele sepultados. E, assim como Cristo ressuscitou dentre os mortos pela glória do Pai, "ASSIM VIVAMOS TAMBÉM NÓS VIDA NOVA. Se temos, por assim dizer, íntima união vital com a sua morte, tê-la- -emos igualmente com a sua ressurreição. Porquanto sa- bemos que foi crucificado em nós o homem velho, para que pereça o corpo pecaminoso, e DORAVANTE NÃO MAIS SIRVAMOS AO PECADO,, (Rom. 6:1-6). E mais adiante: "Não há, de, portanto, reinar o pecado em vosso corpo mortal, para obedecerdes às suas paixões. Não entregueis ao pecado vossos membros, como instrumentos de iniquidade; mas entregai- vos a Deus, como quem pas- sou da morte para a vida; e oferecei os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça. Pois o pecado não deve mais ter poder sobre vós, uma vez que não vos achais sobre o regime da Lei, mas, sim, da graça" (Rom. 6:12- -14). E, prevendo outra objeção, face à declaração de São Paulo, de que não vivemos mais sob o regime da lei, ele mesmo responde: "Que se segue daí? que podemos pecar, por não vivermos sob o regime da lei, mas da graça? De forma alguma" responde o apóstolo. Não sabeis que como escravos tereis de obedecer a quem como escravos vos . entregardes quer seja ao pecado, que leva à morte, quer seja à obediência, que leva à justificação? Graças a Deus! escravos outrora do pecado, abraçastes de todo o coração a doutrina em que fostes iniciados; e, livres do pecado, PASSASTES A SERVIR À JUSTIÇA. Falo à maneira dos homens, em atenção à fraqueza da vossa carne. Do mesmo modo que pusestes os vossos membros ao serviço da impureza e da iniquidade, vivendo iniquamente, assim

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ponde agora os vossos membros ao serviço da justiça, VIVENDO SANTAMENTE" (Rom. 6:15-19).

Então, a justificação pela que S. Paulo ensina não exclui, absolutamente, a observância dos mandamen- tos de Deus; pelo contrário, é na sua observância que reside a prova concreta, insofismável, de que a alma está verdadeira e realmente justificada diante de Deus, justi- ficando-se, assim, pelo bom procedimento, diante dos homens. Em outras palavras é o que nos ensina este mesmo apóstolo, no cap. 8:1-9: Os que foram espiritualmente regenerados estão livres da lei, do poder do pecado, e da morte vitória essa que é devida, não à lei mosaica, mas UNICAMENTE À MORTE REDENTORA DE CRISTO (versos 1-3), que nos a força moral de cum- prirmos a lei divina (4), CONTANTO QUE O HO- MEM COOPERE SINCERAMENTE COM A GRAÇA DA REDENÇÃO, RESISTA AOS APETITES CAR- NAIS E SIGA OS IMPULSOS DO ESPÍRITO" (ver- sos 5-9).

Não vê, pois, que todo o mérito desta justificação e a consequente salvação do pecador está não nele, mas em Cristo? É por isso que a sua salvação não se pelas suas obras, pois estas, por mais perfeitas e numerosas que sejam, são sempre falhas e pobres e não merecem o benefício da salvação. Quando muito, servirão para que o pecador, uma vez salvo pela misericórdia de Jesus Cristo, obtenha um galardão (Mat. 10:42; 5:12, etc).

Sendo assim, S. Paulo, especialmente no cap. 5, ex- põe o processo da justificação pela e no cap. 6.°, pri- meiros versos, responde a objeções de Navarro e outros, mostrando que não é possível o justificado pela viver mais obstinadamente em pecado. Portanto, Paulo no cap. 5.° trata da justificação do pecador pela perante o foro divino, perante Deus, e no cap. 6.°, trata da jus- tificação desse mesmo pecador perante os homens (no foro humano), no que se harmoniza perfeitamente com a dou- trina de Tiago; de sorte que, este não está em conflito com aquele, quando afirma que "o homem é justificado pelas

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suas obras, e não pela fé. Em outras palavras, perante os homens, que "só vêem o que está diante dos seus olhos", a justificação é mesmo pelas obras, porém, perante Deus, que tudo vê, é pelo espírito, pela fé, "se é que o espírito de Deus habita nêle." "Mas, se alguém não tem o espírito de Cristo, êsse tal não é dele" (Rom. 8:9-10).

E, diante da realidade tremenda de nossa mísera con- dição de pecadores, consoante a descrição perfeita que nos apresenta S. Paulo em Rom. 7:14-24, quem pode assegu- rar que é capaz de fazer alguma obra que seja digna de justificá-lo diante da santidade divina? Quem? O Sr. Lúcio Navarro pode? Daí, por que exclama S. Paulo: "Graças a Deus, por Jesus Cristo, Nosso Senhor" (Rom. 7:25), isto é, exclusivamente é pela sua divina misericórdia que nos salvaremos, apesar de sermos obrigados (para nos sal- varmos) a cooperar com a graça santificante, a esforçar- -nos em dar bom testemunho, enfim, apesar de ser pre- ciso demonstrarmos, praticamente, pela conduta, que queremos e servimos ao Senhor, ainda que muito imper- feitamente, ao ponto de, depois de têrmos feito tudo o que nos for indicado para fazer, N. Senhor ainda afirmar: "dizei! somos servos inúteis, pois não fizemos senão o que devíamos". Mérito nenhum temos. Portanto, ao contrá- rio do que mestre Navarro afirma, que a doutrina da sal- vação pela cria inertes espirituais, negligentes (porque se dizem salvos), essa doutrina, tal como S. Paulo a expôs, e aqui a resumimos, leva-nos a uma vida da máxi- ma vigilância contra o pecado de nosso corpo mortal, a fim de não darmos desgosto ao Senhor e de não o cruci- ficarmos outra vez com nossas transgressões.

Reiterando essa doutrina, voltemos aos capítulos 1, 2 e 3 da Ep. aos Romanos. Depois que o santo apóstolo, nesses capítulos, esclarece devidamente o deplorável estado moral da humanidade e frisa a impossibilidade da salva- ção por virtude própria, passa a mostrar que, pela em Jesus Cristo, o qual com sua vida, morte e ressurreição satisfez à divina justiça, podem todos os homens alcançar a salvação. Pela morte de Cristo patenteou Deus a gravi-

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dade do pecado. Deus é justo, isto é, santo por natureza, e torna justo por participação a todo o homem que crer na virtude justificante da morte e ressurreição de Jesus. Realça, pois, o apóstolo, a absoluta necessidade da fé, porque "a é o princípio da salvação, o fundamento e a raiz de toda a justificação; uma vez que sem ela é im- possível agradar a Deus e alcançar a filiação divina''. As obras do A. Testamento, independente de Cristo, nada podiam contribuir para a justificação. No cap. 4.° mostra (dos vs. 1-8), pelo exemplo de Abraão e pelas palavras de Davi, que a justificação interior não é devida às obras do homem, como indivíduo, senão à graça que Deus lhe concede, em atenção à em Jesus Cristo. A Abraão e seus descendentes prometeu-lhes Deus em herança o reino celes- te: quem crê nesta promessa terá parte na recompensa. Portanto, não é a observância da lei ritual que justifica, mas a fé; e todos os que têm são filhos espirituais de Abraão, sejam da estirpe natural do patriarca, sejam oriundos do paganismo. Note-se que S. Paulo não esta- belece confronto (estamos de pleno acordo nisto) entre a e as obras simplesmente, mas entre as obras rituais do A. Testamento e a cristã do N. Testamento, estan- do, assim, DE PERFEITO ACÔRDO COM S. TIAGO, que encarece sobremaneira a necessidade das boas obras, das boas ações, do bom testemunho, etc. E quem jamais, entre os verdadeiros protestantes, deixou de reconhecer esta harmonia entre Paulo e Tiago? Quem? na cabeça de nossos adversários, para confundir a nossa doutrina e ridicularizar-nos, porque jamais deixamos, com Tiago e Paulo, com Cristo e todos os demais santos, de encarecer a necessidade de "produzirmos frutos dignos de arrepen- dimento". Aliás, uma sem verdadeiro arrependimento não é salvadora, pois "os demónios também crêem e es- tremecem", no entanto, estão condenados. Não, graças a Deus, a nossa tem sólidos fundamentos, profundas raízes numa vida de virtude e de santidade, sem o que, ela seria "morta" e jamais nos poderia justificar. Agora, o que não admitimos, porque nem a Bíblia nem a razão e

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o nosso miserável estado pecaminoso permitem, é que o pouco de boas obras que fazemos, mesmo na de Cristo, possa contribuir para a nossa salvação, pois, ainda com maior ênfase, disse o Espírito do Senhor através do Pro- feta Isaías: "Pois todos nós somos como o imundo, e tôdas as nossas obras (ou justiças) como trapos de imun- dície . . ." (Is. 64:6).

E não é o próprio S. Paulo quem define o valor das obras? Êle não lhes atribui, absolutamente, mérito para salvação, e sim, para recompensa ou galardão. É o que se em l.a Cor. 3:14-15: "Se permanecer a obra do que a sobreedificou, êsse receberá recompensa; se a obra de alguém se queimar, sofrerá êle dano; MAS O TAL SERÁ SALVO, todavia, como através do fogo". É evidente dêsse texto que, se o crente não apresentar boas obras, ainda assim será salvo, por ser crente, todavia "como que pelo fogo": recebe a salvação, mas, perde o galardão, ou seja, a recompensa.

Como vê, claramente, mestre Navarro, nós, protes- tantes, de pleno acordo com a palavra de Deus, não des- prezamos as boas obras, mas apenas lhes conferimos o poder e o mérito que as Santas Escrituras lhes dão, e não o de mérito para alcançar a salvação. E a mais forte razão é que atribuir-lhes tal merecimento é diminuir o valor infinito do sacrifício expiatório de Cristo. Mas, não se esqueça de que, se por um lado reconhecemos que nossas obras, por melhores que sejam e por mais numerosas, "são trapos de imundícia"; todavia, temos de esforçar-nos por praticá-las, como uma demonstração de que somos rege- nerados, de que nascemos para a vida eterna, e, se isto não demonstrarmos, é porque não possuímos aquele "dom gratuito de Deus" que se manifesta pela verdadeira fé, e ainda não somos salvos.

Com o caso do "bom ladrão" da Cruz ilustra-se admiravelmente o valor infinito da fé, e sua suficiência para a nossa salvação, sem as obras, pois êle foi salvo sem ter de apresentar uma única boa obra. Dir-me-eis que êle foi para o Purgatório expiar suas faltas ou que foi reali-

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zar ainda alguma boa obra para cooperar com a graça? Não podeis fazer tal raciocínio, porquanto o Senhor lhe disse naquele instante: "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso"! Sua salvação foi imediata.

Entretanto, daí se deduz que basta a qualquer cri- minoso, a qualquer bandido ou celerado dizer "eu creio, Senhor", e está salvo?! De forma alguma! Se ele verda- - deiramente se arrepender dos seus pecados, como foi o caso daquele "bom ladrão", ele será salvo, mas, se viver, se continuar a viver terá de demonstrar em sua vida prática, em sua carreira cristã que é "uma nova criatura, que deixou passar o que era velho e eis que tudo se fez novo". Como deveria ter acontecido com aquele "ladrão" a quem o Senhor perdoou e salvou. Se êle tivesse sobrevivido da Cruz, teria dado a prova cabal do seu verdadeiro arrepen- dimento com uma nova conduta: abandonando o cami- nho do crime e santificando-se dia a dia, na graça e no conhecimento da doutrina santificante de Nosso Aben- çoado Senhor.

Portanto, mestre Navarro, não seja injusto! Não atribua aos protestantes uma doutrina escandalosa, ímpia, como a que lhes atribuiu ao afirmar que pregamos que basta ao pecador crer, para salvar-se, como se esta nossa crença, esta nossa não representasse um sistema de dou- trinas que envolve arrependimento, perdão, amor. santi- ficação, finalmente. Não seja injusto, não seja deturpador do verdadeiro ensino dos protestantes, a fim de causar confusão e arrebanhar os incautos para o seu redil. Seja digno!

Se V. S. ignora o que realmente o protestantismo entende por e salvação pela e não por obras, seria de seu dever procurar nossos teólogos, a fim de instruir-se sobre nosso real modo de pensar, a fim de não cair na tolice de atribuir-nos ensinos escandalosos e ímpios. E, para que V. S. não mais ignore o sentido que damos a esta salvação pela fé, vamos ainda explicar-lhe. inteira- mente à luz da Bíblia, o que é fé, salvação pela fé, por que as obras não podem concorrer para nossa salvação,

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e, finalmente, que importância o Protestantismo às boas obras. Tudo à luz da Bíblia e da Razão.

Fé, no sentido de crer para a salvação, não é mera confiança cega, mas, sim, uma atitude e, como tal, deve ser um impulso. Não é, pois, mera aquiescência intelectual, mas, antes, uma tão forte confiança em Jesus, que produz influencia decisiva na atívidade mental e espiritual dos homens, devendo dirigir, moral e cristãmente, toda a sua vida. Isto é o a que se chama cristã, e pela qual se realiza a união do crente com o Espírito de Cristo, gerando na alma a vontade de viver a vida de santidade aprovada e reiterada por Cristo quando pontificou no Sermão do Monte: "Brilhe de tal arte a vossa luz diante dos homens, que eles vejam as vossas boas obras e florifique a vosso Pai, que está nos céus." É como se pronunciou o próprio Lutero: "A é uma simples, mas profunda confiança n' Aquele que de tal modo falou e viveu na Luz, que ins- tintivamente os seus verdadeiros adoradores obedecem à Sua vontade, mesmo às escuras." E continua: "O segredo de um belo caráter está no poder de um perpétuo contacto com Aquele Senhor em Quem se tem plena confiança." Idêntico conceito emitiu o santo Bispo Moule. No A. T. o mais famoso exemplo de na prática está representado por Abraão (Gên. 15:6). Pelos textos de Mat. 9:29, 13:58, 15:28; Mac. 5:34 a 36:9:23; Luc. 17:5,6 a é uma confiança absoluta na obra e na palavra de Deus ou de Cristo. Mas, a tem, no N. T., muito mais vasta e importante significação, um sentido que está inteiramen- te dentro dos evangelhos (Mat. 9:2; Luc. 7:50): é a salvadora em Jesus Cristo, aquela confiança que significa salvação. No Evangelho a nos é apresentada como sendo gerada em nós pela obra de Deus (João 6:44) , como sendo confiança na obra e poder de Jesus Cristo, e também um instrumento que, operando em nossos corações, nos leva para a vida e para a luz (João 3:15 a 18; 4:41 a 53;

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19:35; 20:31, etc). "Em cada um dos Evangelhos Jesus Cristo proclama-se a Si mesmo Salvador, e requer a nossa fé, como uma atitude mental que devemos possuir, como instrumento que devemos usar, e por meio do qual pos- samos alcançar a Salvação que Êle nos oferece. A tese é mais clara em S. João do que nos Evangelhos Sinóticos, mas é bastante clara no último" (Mat. 18:6; Luc, 8:12; 22:32).

O Rev. A. R. Buckland, M. A., em seu monumental Dicionário Bíblico Universal, de onde estamos coligindo alguns dados sobre o assunto, assim faz o resumo, com referência às Epístolas paulinas: "A vida de S. Paulo foi perturbada com duas grandes controvérsias, ambas rela- cionadas entre si, e cada uma delas em íntima ligação com a idéia do lugar da na religião. Essas controvérsias eram sustentadas com adversários judaicos: a primeira ex- cluindo o judaísmo, e que terminou com a admissão dos gentios na Igreja de Cristo, nas mesmas condições de igualdade com os judeus; a segunda, sôbre o ritualismo judaico, a qual acabou numa clara exposição (como vimos) dos dois únicos requisitos para a salvação: o arre- pendimento e a fé. As questões ventiladas envolviam cuidadosa consideração relativamente aos respectivos lu- gares da e obras na vida cristã: e nenhuma determina- ção tão simples e tão definida podia ter-se conseguido. Nós somos justificados, considerados justos, SIMPLESMEN- TE pelos merecimentos de Cristo. AS OBRAS NÃO TÊM VALOR, pois são obras de filhos rebeldes . . . A não é a causa, mas tão-sòmente o instrumento, a mão estendida, com a qual nos apropriamos do dom da jus- tificação, que Jesus, pelos méritos expiatórios, está habi- litado a oferecer -nos." (Êste é o ensino da Ep. aos Roma- nos, como vimos fartamente (caps. 3 a 8), e também o da Ep. aos Gálatas.

"Nós realmente estamos sendo justificados, somos santificados pela constante operação e influência do Santo Espírito de Deus, êsse grande dom concedido à Igreja e a nós pelo Pai Celestial por meio de Jesus Cristo. E ainda

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nesta consideração a tem wna função pata desempenhar, a de meio pelo qual nos submetemos à operação do Espí- rito Santo' (Ef. 3:16 a 19, etc).

Logo, não tem a menor razão o mestre Navarro em afirmar que nossa salvadora é muito fácil basta "crer", e pronto, está salvo. Mais uma vez repelimos com asco e com vómitos esta iníqua afirmativa atribuída aos protestantes. Não é, assim, absolutamente, que cre- mos. Nossa deve inspirar-nos a uma vida em operação com o Espírito Santo, se é que Êle habita em nós, mas, se o Espírito Santo não está em nós, não somos salvos por Cristo.

Como podemos apropriar-nos da salvação? Leia-se Efés. 2:8 e 9, cuja paráfrase assim fazemos: "somos sal- vos — não pela fé, mas pela graça, mediante a fé. A causa eficiente é somente a graça de Deus, e nossa (não nossas obras) é a condição para a sua operação."

Ilustremos.

"Não são as janelas que iluminam o interior de uma casa e sim a luz do sol. Mas as janelas são indispensáveis para a passagem da luz. Assim, também, é Cristo que nos salva, mas nos salva, mediante a fé."

"Suponhamos que uma pessoa esteja prestes a mor- rer de fome por falta de pão. O que a salvará da morte física não é o pão. Precisa alimentar-se com o pão ma- terial. Mas, para isso, precisa comê-lo. Não é, todavia, o ato de comê-lo quem o salvou da morte física, mas o próprio pão."

Assim, não é a quem salva o homem. Quem o salva é Cristo, por meio da fé. Cristo é a dádiva de Deus para resgatar o pecador. (João 1:12; 3:18 e 36).

Quando Tiago diz que "a se não tiver obras c morta" (2:17), êle não contraria a doutrina da salvação pela (como provamos). Êle está certo, porque a ver- dadeira fé produz boas obras. Se não for assim, então não será ''verdadeira fe\ Aquilo que está morto não é. As boas obras são consequência da fé.

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Não se nega, pois, o valor das boas ações. O que não se admite é seu mérito para salvação, porque, além de elas serem imperfeitas, isto invalidaria o valor infinito da obra expiatória de Cristo. (At. 15:30; 2:37-38; João 3:16; 6:47; 3:36).

Revela-se num tríplice aspecto a salvadora: a) as- pecto intelectivo, pela inteligência ou razão; b) pela von- tade e c) pek) sentimento e ação. Primeiramente, com- preende e apreende a palavra da salvação pelo sacrifício de Cristo; depois, a vontade de aceitar as doutrinas, repe- lindo o pecado e, enfim, obedecer aos ensinos, que levam à santidade. E, sendo assim, como resultado final, deve nascer no coração o propósito sincero de servir. Cumpre-se, então, em sua vida o ideal de Cristo: "Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando." (João 15:14).

e obras

Afirmam alguns haver contradição entre S. Tiago e S. Paulo concernente ao lugar que a e as obras geral- mente tomam, e especialmente em relação a Abraão (Rom. 4:2; Tiago 2:21). Fazendo-se uma comparação cuidadosa entre os dois autores, afirma Buckland, achare- mos depressa que Tiago pela palavra quer significar uma estéril e especulativa crença, uma simples ortodoxia, sem sinal de vida espiritual. E pelas obras quer ele dizer as que são provenientes da fé. Nós vimos o que São Paulo ensina a respeito da fé. É ela a obra e o dom de Deus na sua origem (veja-se Mat. 16:17); a sua sede é no coração, e não meramente na cabeça; é uma profunda convicção de que são verdadeiras as promessas de Deus em Cristo, por uma inteira confiança n'Êle; e deste modo a é uma fonte natural e certa de obras, porque se trata de uma viva, uma que obra por caridade (Gál. 5:6)»

"Paulo condena aquelas obras, que sem reclamam mérito para si próprias; ao passo que Tiago recomenda aquelas obras, consequência da e justificação que são, na verdade, uma prova da justificação. Tiago con-

442

CATOLICISMO ROMANO

dena uma morta; Paulo louva uma viva. Não há, pois, contradição entre eles. A viva, a que justifica e que se manifesta por meio daquelas boas obras, agra- dáveis a Deus, pode ser conhecida naquela frase citada: "a que obra por caridade".

E na Ep. aos Hebreus o escritor está também em plena concordância com o pensamento paulino, mas tem um objetivo especial: descrever a em ação, isto é, os seus efeitos. É coisa semelhante que faz S. Paulo na Ep. aos Coríntios, cap. 13. Não define o amor, descreve-lhe os efeitos. Logo, ainda aqui se patenteia que a salvadora pregada pelo Protestantismo, é uma que se manifesta em atos, em obras, em sentimento e vontade, mas tudo se processa por obra e graça do Espírito Santo. Apenas o homem tem de estender a mão e receber o dom, e, uma vez recebendo-o, fazer jus ao grande benefício do Senhor, vivendo reta e santamente. Se assim não viver, é porque ainda não se apropriou da graça da regeneração e corre perigo de perecer sem a salvação.

Quer doutrina mais clara, mais racional, mais lógica, mais de acordo com a nossa miserável natureza corrom- pida, incapaz de produzir qualquer obra que boa seja? pela graça é que é possível, e, daí, mais uma vez, pela graça, pela misericórdia de Cristo é que o homem se salva. Mérito ele não tem nenhum, por justiça própria.

As boas obras do salvo pela

' 'Quando N. Senhor Jesus Cristo disse: "Fazei peni- tência, porque o Reino de Deus se aproximou", quis que tôda a vida dos crentes fosse um arrependimento/'

(La Tese)

"Cada cristão que sente arrependimento e pesar ver- dadeiro de seus pecados será livre de culpa e peso, e isso sem o certificado de indulgência/'

(36/ Tese)

A SALVAÇÃO PELA 443

"O verdadeiro tesouro da Igreja é o santo evangelho da glória e da graça de Deus/'

(62.a Tese) (a) Martinho Lutero, 1517.

Ao contrário de tudo quanto afirmou L. Navarro sobre a doutrina da salvação pela ensinada por Lutero

e seu pensamento sobre as boas obras, veremos, da expo- sição feita pelo grande reformador, que o escritor católico louvou-se em fontes suspeitas para dizer que Lutero afir- mara que não era necessário o arrependimento para a

444

CATOLICISMO ROMANO

salvação. Ei-lo, como expôs a doutrina, cm plena har- monia com Paulo e Tiago:

' 'Mesmo que o homem esteja interiormente, isto é, com referência à alma, bastante justificado e na posse de tudo quanto precisa (se bem que a terá de crescer até a outra vida), êle, não obstante, fica no mundo e terá de conviver com seus semelhantes. E aqui começam as obras. O homem, deixando de lado toda a ociosidade, está obrigado a guiar e disciplinar moderadamente seu corpo com jejuns, vigílias e trabalhos, exercitando-o a fim de sujeitá-lo e torná-lo igual ao homem interior e à fé, de sorte que não cause impedimento nem oposição, como sucede quando não é obrigado. Porque o homem interior (no caso do justificado pela fé) vive em harmonia com Deus e alegra-se por Cristo que tanto fez por ele; e seu maior e único prazer, por sua vez, consiste em servir a Deus com amor desinteressado e voluntário. Embora em sua carne se oculte uma vontade rebelde, uma vontade inclinada a servir ao mundo e a buscar o que mais deleita à sua carne, a não pode suportar isso e abraça-o em amor para apaziguá-lo e protegêrlo. Diz o Apóstolo Paulo: "Segundo o homem interior, acho satisfação na lei de Deus; mas percebo nos meus membros outra lei que se opõe à lei do meu espírito e me traz cativo sob a lei do pecado. Apesar disso, mantenho em disciplina o meu corpo e o obrigo à sujeição, para que, depois de ter pregado a outros, não venha eu mesmo a ser indigno de prémio." E outra vez: "Os que são de Cristo Jesus sacrificaram a sua carne com as paixões e concupiscências/' Ditas obras, porém, não se realizarão, pensando o homem que, por elas, se justifica perante Deus, pois tal pensamento é in- suportável para a fé, a qual é e sempre será a única justiça aos olhos de Deus. Pelo contrário, as obras serão feitas com a única intenção de dominar o corpo e limpá-lo das suas más inclinações deleitosas. Justamente por ser a alma pura pela e amante de Deus, anela que também as demais coisas sejam puras, sobretudo o próprio corpo (que é "o Templo do Espírito Santo") , e que tudo, juntamente com

A SALVAÇÃO PELA

445

ela, ame e eleve a Deus. Por conseguinte, o seu próprio corpo obriga o homem a não andar ocioso; ao contrário, terá que realizar muito boas obras para sujeitá-lo. Apesar disso, não são as obras o meio apropriado para aparecer como crente e justo diante de Deus, mas que foram exe- cutadas com puro e livre amor, desinteressadamente, para agradar a Deus, buscando e mirando única e exclu- sivamente o que a Deus agrada, e para cumprir sua von- tade o melhor possível. Escolha, pois, cada qual, a mo- deração e humildade devidas, para mortificar seu corpo com tantos jejuns, vigílias e trabalhos, quantos necessita para apaziguar seu deleite. Mas aqueles que buscam a jus- tificação por meio de obras não cuidam da mortificação, mas apenas das obras, pensando que quanto mais nume- rosas e maiores sejam, melhor é para alcançar a justifica- ção. E por vezes perdem a cabeça e maigastam seus corpos. Quão grande tolice e quão falsa compreensão da vida cristã e da demonstra a pretensão de ser justificado por obras, mas sem fé!"

(a) Martinho Lutero, 1520.

"A certeza da

salvação"

Finalmente, resta-nos rebater as críticas de Lúcio Na- varro concernentes às afirmações dos evangélicos de que estão salvos em Cristo. Alega ele que não passa de uma pretensão estulta, por parte dos protestantes, o afirmarem que estão salvos porque Cristo disse: "Quem crê em mim tem a vida eterna"!

Não precisamos de muitas considerações para rebater, à luz da Bíblia e da Razão, a este novo ataque de mestre Navarro. Basta dizer-lhe que a palavra de autoridade in- falível que assegura "Quem crê tem a vida eterna" não é a palavra do Papa, mas a de Cristo. Êle disse, e nada mais que temer. Sua autoridade é-nos suficiente, pois Êle nunca falou para deixar de cumprir. É por isso que

446

CATOLICISMO ROMANO

o verdadeiro crente não vacila, não teme a perdição. Agora, isto é uma questão de seu foro íntimo. Se o Espírito Santo diz ao seu espírito que ele está salvo, e Quem o garante é o Mestre Divino, quem é Navarro, quem é o Papa, quem é finalmente o teólogo, por mais puro, por mais santo, por mais sábio, que pode contestar, que pode duvidar desta salvação?

Se o homem está verdadeiramente arrependido e se- gue pelo caminho que Cristo lhe traçou, pode afirmar com segurança que, se permanecer sempre nesse caminho, obte- rá a salvação. Agora, é bem verdade que, se ele se afastar do caminho, se se desviar da fé, se abandonar Cristo, em- bora ele tenha dito em algum tempo que se salvaria, em face de seu desvio do caminho, caso morra afastado, sem se arrepender e voltar novamente à fé, não se salvará. Portanto, não pretensão alguma em êle ter afirmado que estava salvo. Em algum tempo ele creu, julgou-se salvo, seguiu a fé, mas, infelizmente, abandonou, e, por isso mesmo, perdeu a salvação. Então, Navarro, a certeza da salvação o homem a pode ter, uma vez que permaneça e morra na em Cristo. Tenha ele essa e morra nela, que pode asseverar, até o último instante de sua vida, que está salvo (*).

Daí, as exortações da Palavra de Deus, para que o homem "que está de pé, veja, não caia". Daí, a exortação de N. S. Jesus Cristo ' 'Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade é forte, mas a carne

(*) A razão por que o católico romano confessa que não pode ter a certeza da salvação justifica-se pelo seu erro de julgar meritórias as boas obras para a salvação, Ora, num exame introspectivo e sincero de sua consciência, êle verifica que constantemente peca por pensamentos, palavras e obras, e, mesmo que não tenha êle grandes e graves pecados, ainda assim fica em dúvida sôbre que obra ou obras deve praticar para merecer a salvação. E a razão psicológica e moral da dúvida ressalta evidente: é que em todas as suas chamadas; boas obras, êle sempre per- cebe e sente imperfeições. E esta é uma das razões por que elas não podem possuir mérito algum para salvar. A outra razão fundamental é que, mesmo que êle pratique as melhores obras, o mérito não é dele (pecador), e sim da Graça de Cristo. Daí, uma terceira razão por que não se deve reconhecer mérito salvador nas boas obras: tal doutrina despreza o valor infinito e suficiente da graça e do sangue do Eedentor.

A SALVAÇÃO PELA

447

é fraca." "Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida", disse Jesus ao Vidente de Pátimos.

Em síntese: e obediência, eis tudo que a Palavra de Deus requer dos que se dizem salvos.

Vamos crer e obedecer, Navarro?

Vamos, meu nobre colega e amigo, pois, assim, te- remos a certeza de encontrar-nos sãos e salvos, com Jesus.

Até lá, colega! Niterói, 18-2-59.

Jorge Lyra

FIM

BIBLIOGRAFIA

1 "O Papa e o Concílio" Rui Barbosa.

2 "Roma, a Igreja e o Anticristo" Ernesto Luís de Oliveira.

3 "Bíblia Sagrada" Pe. Matos Soares e Pe. Vicente Zioni.

4 "O Problema Religioso da América Latina" Rev. Eduardo Car-

los Pereira.

5 "Compêndio de Controvérsia entre a Palavra de Deus e a Teolo-

gia Romana", dos ex-padres Profs. L. de Sanctis e G. Moreno.

6 "Comentário de S. João" Rev. J. C. Ryle.

7 "Noite com os Romanistas" M. H. Seymour.

8 "Cinquenta Anos na Igreja Católica Romana" ex-padre Chiniquy.

9 "The Typology of Scripture" Patrick Fairbairn, DD. (2 vols.).

10 "O Catolicismo Romano ou a Velha e Fatal Ilusão da Sociedade"

F. R. dos Santos Saraiva.

11 "Exposição do Ev. de Marcos" J. C. Ryle.

12 "Dicionário Bíblico Universal" A. R. Buckland, M. A.

13 Comentário de S. Mateus João Beatty Howell.

14 "Comentário da Bíblia" Matthew Henry (6 vols.).

15 "Pulpit Comentary"

16 "História Universal" Guilherme Ôncken.

17 "História Universal" César Cantu.

18 "A História dos Judeus" Flávio Josefo (9 vols.), ed. Das

Américas.

19 "O Pontifical Romano".

20 "O Syllabus" romanista.

21 "Segundo Catecismo da Doutrina Cristã" (romanista).

22 "Protestantismo e Romanismo" (2 vols. Rev. Lisânias de Cer-

queira Leite.

23 "O Catolicismo Romano" ex-padre Hipólito de O. Campos.

24 "A Eucaristia" ex-padre Huberto Hohóen.

25 "Chave Bíblica", em 2 volumes.

26 "A Vulgata".

27 "O Catolicismo Romano e o Cristianismo» de Jesus" Paulo

Timóteo.

28 "The New Testament in Greek" Westcott & Hott.

29 "A Missa Através da História" Ricardo Mayorga.

30 "O Romanismo à Barra do Evangelho" do Autor da present*

obra.

ÍNDICE

Plano da obra 5

Prefácio 7

Introdução 13

Capítulo I

Considerações sobre

o título 23

o autor 25

a obra " 25

Capítulo II

Imagens sagradas 27

Opinião de autoridades da Igreja 30

Desculpas dos romanistas 31

Pareceres de vários concílios 32

Conclusão 33

Capítulo III

A transubstanciação , . . 35

I Cientificamente 35

II Biblicamente 40

O texto básico dos adversários 42

"Isto é o meu corpo" seu real significado . . 47

Desfazendo outro argumento 51

Mais um argumento 52

III Historicamente 54

A verdadeira significação da Eucaristia 57

A misericórdia de Cristo 61

A presença material ou espiritual do Mestre . . 63

Indispensabilidade do sacerdote na missa 64

Para que a verdadeira doutrina do Cristo? .... 66

Comemoração e união espiritual com Cristo .... 67

452

ÍNDICE

Capítulo IV

A comunhão sob uma espécie 71

Capítulo V

O unigénito de Maria 75

A virgindade perpétua de Maria 78

Capítulo VI

Oração pelos mortos. Purgatório 89

Suas origens 90

Lendas grosseiras: seu fim interesseiro 92

Textos básicos dos romanistas 95

Testemunho de padres e doutores da Igreja 99

Razões e testemunhos bíblicos contra o purgatório .... 100

O Purgatório: um poema 104

Capítulo VII

Onde está isso na Bíblia? 107

A suficiência da Bíblia em matéria de 109

A leitura da Bíblia. A teoria do livre exame 112

Interrogações sibilinas 113

Uso de armas 114

O culto público 115

Guarda do domingo 116

Batismo das crianças 117

Inspiração e suficiência da Bíblia 120

0 título "Filho de Deus" 125

Capítulo VIII

O grande poder outorgado aos homens 129

1 Deus não deu a ninguém o poder de perdoar pecados 134

II O poder de perdoar é meramente declarativo .... 143

III Poder declarativo também aos discípulos 147

A tarefa santificadora de Cristo 151

Autoridade exclusiva da Igreja 154

O padre não é um homem como outro qualquer 163

Os padres não têm o poder de perdoar pecados 167

Capítulo IX

Confissão auricular e absolvição sacerdotal 171

A confissão auricular ao sacerdote 171

O "confiteor" ó sacrílego 174

Efeitos danosos da confissão auricular 176

A confissão obrigatória limita o poder de Deus 181

ÍNDICE 453

A Bíblia nega a confissão auricular 183

A confissão sacerdotal e outras confissões 188

Do I ao IV século 192

Um disparate de João Crisóstomo 195

Mais uma de João Crisóstomo 199

Infantilidades do Eurípides 202

Confessionário. Inconvenientes psicológicos e morais .... 206

Lassidão de consciência. Libelo de Rui 214

Confissão dos mais piedosos 220

Inexistência do sacerdócio na nova aliança 224

Nulidade da confissão sacerdotal 224

Capítulo X

Costumes bíblicos 229

Abstinência 229

Jejuns 233

Adoração de santos e anjos 239

Culto de relíquias: fonte de superstição lucrativa 241

Lugares sagrados. Romarias e peregrinações 243

Água benta 245

Licenças. Dispensas. Batizados. Casamentos. Indulgên- cias. Bênçãos 247

Relíquias mais veneráveis 247

Cristo e a Igreja através dos séculos 249

Paramentos, luzes, incenso, cinzas, cilício 254

A extrema-unção 259

Capitulo XI

"Um mediador" 263

Por que é Cristo o único mediador? 264

Desnecessidade de medianeiros subalternos 267

A "teia de aranha" do Vaticano 270

Mais futilidades e sofismas euripidinos 273

Capítulo XII

O primado de Pedro 295

Leonel Franca e Eduardo Carlos Pereira 295

O "texto capital": "Pedro é a pedra" 301

Quem é a pedra? 303

Argumentação de Eduardo Carlos Pereira 319

Evidência da tropologia profética e hebraica 322

O "texto capital" à luz da gramática e da linguagem 324

Repto a Eurípides 326

O testemunho das autoridades 327

454

ÍNDICE

A metáfora das "chaves" 328

Quem tem o poder do reino dos céus 332

Parecer do Concílio de Trento 334

O "ligar" e "desligar" das chaves 340

Pedro : nem vigário de Cristo, nem chefe dos apóstolo» . . 344

Suposto episcopado de Pedro em Roma 366

A hierarquia da Igreja Católica 373

Fantasia do episcopado de Pedro 374

O testamento de S. Pedro 381

Credenciais dos apóstolos 382

Outros sinais ou marcas divinas do verdadeiro apostolado 386

Resposta a outras sandices euripidinas 388

Pretensa ação benfeitora do Papado 395

A infalibilidade do Papa: libelo do bispo Strassmayer no

Concílio do Vaticano 411

Conclusão 422

Capítulo XIII

A salvação pela 425

Princípios da Reforma 426

Salvação pela segundo Lutero, S. Paulo e outros .... 430

438

e obras 441

As boas obras do salvo pela 442

A "certeza da salvação" 445

Bibliografia 449

a sair: AS VIGAS MESTRAS DA MAÇONARIA

DE POESIA E ROMANCE:

1 0 R0MANISM0 À BARRA DO EVANGELHO Broch., cart.

e luxo

2 _ QUANDO A MUSA CANTA Broch., cart. e luxo

3 0 REDENTOR DA HUMANIDADE Broch., cart. e luxo

4 _ AS JÓIAS DE CORNÉLIA Broch., cart. e luxo

5 ANTOLOGIA DE POETAS - Cart. e luxo

6 A CIGARRA DO NORTE Broch., cart. e luxo

7 SERENATA AOS PRÍNCIPES (de interesse político-nacional)

Broch. e luxo

8 CANÇÃO DA SERRA (Romance) Cart. e luxo DE INTERESSE DIDÁTICO:

1 LATIM GINASIAL PELOS TEXTOS l.a série Ginasial (es-

gotado) — Cart. e luxo

2 LATIM GINASIAL PELOS TEXTOS 2a série Ginasial

Gcii*t © luxo

3 LATIM GINASIAL PELOS TEXTOS 3.a série Cart. e luxo

4 LATIM GINASIAL PELOS TEXTOS 4.a séria Cart. e luxo

5 LATÍNITAS (esgotado)

6 0 LATIM SEM MESTRE (Principiantes) (esgotado)

7 HISTÓRIAS QUE ENSINAM A LER em brochura

8 INFLAÇÃO MONETÁRIA Cart. e luxo

9 PEQUENOS REPAROS FILOLÓGICOS Cart. e luxo LITERATURA EM GERAL:

1 HORRORES DA GUERRA E ESPLENDORES DA PAZ

Broch., cart. e luxo

2 DISCURSOS ACADÉMICOS Tomo II e III (2 volumes)

Broch. e luxo

3 POLEPASTE (A Mulher do Pastor e a Maç:. e a Política)

Cart. e luxo

4 A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E O ULTRAMONTISMO

(esgotado)

5 A TRÍPLICE MARAVILHA DO HOMEM E O TRÍPLICE MI-

NISTÉRIO DA MULHER (esgotado)

6 A DIVINA COMÉDIA Ed. popular e edição de luxo ilustrada

7 PROTESTO (crítica e defesa) em brochura. Êste não se

vende

8 UMA OBRA PRIMOROSA (fascículo I e II) em brochura

9 _ CONSELHOS DE MESTRE Broch., cart. e luxo

10 O SEGRÊDO DE FAZER AMIGOS Cart. e luxo

11 DIVÓRCIO REMÉDIO DIVINO Broch., cart. e luxo

a sair:

A SALVAÇÃO PELA Breve resposta a Lucio Navarro O MAIOR PROBLEMA DO BRASIL: O "SAÚVÃO" A MÔSCA NO LEITE (Obra filosófica) AS VIGAS MESTRAS DA MAÇONARIA O CRISTIANISMO À LUZ DA HISTÓRIA A BÍBLIA E A CIÊNCIA MODERNA A PENA DE MORTE: Um crime oficializado NOVOS SERMÕES (Comentários amplos da Lei de Deus. Exegéticos. Doutrinários. Apologéticos . Doutrinas escatoló- gicas. Mensagens de real Vida Eterna.)

Pedidos ao Prof. JORGE LYRA R. Gen, Andrade Neves, 51 Fo^e 2-7637 NITERÓI E. RIO

PARECERES VALIOSOS DE EMINENTES PERSONALI- DADES SÔBRE AS OBRAS DO ESCRITOR JORGE LYRA

DE GALDINO MOREIRA: "O livro do Prof. Jorge Lyra é uma doce e serena madrugada de esplendores (1) . Porque põe luzes nos montes e luzes nas furnas, luzes nas planícies e luzes por toda a parte. Sua argumentação não foge ao golpe do acusador, não recua do guer- reiro adverso, não corre, nem faz retiradas. Êle fica na trincheira. Apara os punliais terríveis que lhe atiram, quebra lanças traidoras, arrasa soldados, derruba obstáculos e sai vencendo e vencendo..." (a) Galdino Moreira.

DE AGRIPINO GRIECO: ''Prezado Prof. Jorge Lyra: Li os seus belos livros. E esteja certo de que admiro cada vez mais a sua eru- dição, a sua produtividade, o seu ardor combativo . Dá-me prazer contá-lo entre os meus patrícios, entre os meus contemporâneos . Con- tinue... sempre para a frente, para o alto! E muitas felicitações sin- ceras do (a) Agripino Grieco".

DO PROF. DR. JOSUÉ CARDOSO D'AFONSECA : "O Jorge Lyra é uma das mais brilhantes inteligências que conheço, e sua palavra tem a autoridade de um mestre." (a) Josué Cardoso d'Afonseca (Gran- bery Juiz de Fora.)

DE J. RODRIGUES VALLE: "Ao lado de brilhante na cultura, o è ainda na oratória, tanto religiosa como cívica. Sua pena tem o faiscar dos relâmpagos e o ribombar dos trovões; onde cai o raio de sua cólera santa, deixa o inimigo em minarias, como aconteceu com o lançamento de sua "bomba atómica anti-clerical : "O Romanismo à Barra do Evangelho". Não ficou pedra sôbre pedra..." (a) J. Ro- drigues Valle.

DO BISPO CESAR DACORSO FILHO: "Jorge Lyoa é um es- critor de um filosofismo seguro, de norte bem definido, que sobe por degraus medidos com precisão. Depois, é a fraseologia capo ich osa, adornada, que não deixa de encantar até os mais intolerantes. Por fim,, é a sentimentalidade nobre que um dia extravasará do coração para inundar, como um dilúvio, o mundo das leiras formando uma nova escola de um novo humanitarismo" (a) Cesar Dacorso Filho.

DE JERÔNIMO GUEIROS: (o festejado "Leão do Norte"): "Além de profunda t vasta a sua bagagem literária, em prosa e versos, dis- tingue-se como polemista e poeta de raros dotes. Orador fecundo e facinido, malabarista do verbo como conheço bem poucos. Sua vida de Ministro do Evangelho tem sido agitada por ventos adversos, junto aos Concílios, mas isto não lhe tira o brilho e o mérito de grande inte- lectual e de operoso cristão" (a) Jerônimo Gueiros.

DE PEDRO CALMON: "Exmo. Sr. Prof. Jorge Lyra: Cordial- mente agradeço a gentil oferta de seus livros, que li com multo agrado, e não menos proveito. Aceite parabéns por suas brilhantes publicações . Cordialmente (a) Pedro Calmon (Da Academia Brasileira de Letras e Reitor da Universidade do Brasil) .

(1) Rcf. ao livro "A Maçonaria c o Cristianismo".

EDITOR BORSOI

Rua Prof.a Ester de Melo, 110 Rio de Janeiro

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