tofliEthssão de Unhas Telegraphicas Estratégicas de Matto-Orosso ao Amazonas (Publicaç&o n.° 49) 1 Mêm lufes e i Ira Miai (Conferencias realizadas pelo Professor ALíPÍO DE MIRANDA SlBEÍàO, óo Museu NadORa! do Sio de janeiro, em 1916) RIO DE JAKÇJBO tnii M*çcdb • Ç. ~ Hw» de Quituaí *, 7« A Commissão Rondon e o Museu Nacional CONFERENCIAS POR Alipio de Miranda Ribeiro UOTANiCAV u lf Conferencia Trabalhos da Commissão Rondon no Campo das Sciencias Naturaes MM mim  Commissão Rondon e o Museu Nacional Motivo da conferencia = Trabalhos da Commissão no Campo das Sciencias Naturaes (,) PRECLARO AUDITÓRIO : Quando volveu da conclusão da Linha Te- legraphica de Matto-Grosso ao Amazonas, em 1914, o Coronel d'Engenhei- ros, Cândido Mariano da Silva Rondon, falkm-me o Dr. Roquette Pinto sobre a conveniência do Museu Nacional prestar uma homenagem áquelle benemérito concidadão, dizendo-se decidido á pleitear esse intento junto á directoria do Museu; respondi-lhe, apoiando a idéa, que essa homenagem po- deria ser traduzida numa serie de conferencias feitas por aquellas secções em débito para com o Coronel Rondon. Embora, então, cuidássemos do assumpto, coube ao Dr. Bruno Lobo, ha pouco nomeado director d"esta casa, protegel-o ; e eis porque, após as bri- lhantes e agradáveis dissertações de meus collegas - - Dr. Edgard Rouquette Pinto e Snr. Alberto José de Sampaio, aqui me acho hoje, pedindo alguns momentos á vossa attençâo. Fallar em Cândido Mariano da Silva Rondon não é fácil, eu o con- fesso : não que os aspectos sympathicos pelos quaes elle se nos apresenta deixem de ser todos os aspectos pelos quaes o quizessemos analyzar ; mas os aspectos de Rondon são múltiplos, constituem elementos para estudos mais demorados e abrangem assumptos alheios aos fins d'esta casa e... do meu campo de acção. Demais, as minhas passadas funcções de zoologo da Commissão Ron- don, durante a expedição de 1908 á 1909 que varou os sertões brasileiros, do Juruena ao Madeira ; as minhas actuaes funcções honorárias junto d'essa (I) Orthographia e revisão do autor. Escriptorio Central, 6/XII/1920. - 6 - Commissão, cm que tenho em mãos ou superintendo trabalhos de Historia Natural ainda não concluídos, difficultam o caso e me forçam á procurar um assumpto que não infrinja as leis da disciplina 'moral das minhas res- ponsabilidades para com o meu grande amigo, não antecipe o seu juizo de chefe, irrompendo em mdiscripções de assumptos que tenham de ser apre- sentados ao seu julgamento. D'ahi o meu thema — a relação entre o trabalho de Rondon, na Com> missão de Linhas Telegraphicas Estratégicas de Matto-Grosso ao Amazo- nas, no campo das sciencias naturaes e o estabelecimento que, na União, é destinado ao cultivo e desenvolvimento dessas sciencias. Comecemos : O artigo XV das «instrucçõ-es» baixadas pelo Ministério da Viação e assignadas pelo Dr. J. F. Soares Filho, approvadas com a portaria de 4 de Março de 1907, do Ministro Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, die aecôrdo com a lettra b do n.° XXI do Art.° 53 — da lei n.° 1.617 de De- zembro de 1907, estabelecia que a Commissão Rondon faria o estudo: — Da região — sob pontos de vista diversos e — dos produetos extra- ctivos d'esta, principa/mente os mineraes. — D'aquelle anno ao presente momento, teve a Commissão esses estu- dos distribuídos do seguinte modo : TRABALHOS III-: CAMPO 1907 á 1908 ETHNOGRAPHIA E GEOLOGIA - Dr. Karl Carnier 1908 á 1910 GEOLOGIA E MINERALOGIA . -Dr. Cícero de Campos BOTÂNICA -Frederico Carlos Hoehne ZOOLOGIA ......... -Alipio de Miranda Ribeiro ETHNOGRAPHIA -Dr. Cândido Mariano Rondon 1910 á 1912 GEOLOGIA E MINERALOGIA . — Dr. Moritz BOTÂNICA -Fred. Carlos Hoehne ZOOLOGIA — Frederico Carlos Hoehne e irmãos Kuhlmann ETHNOGRAPHIA — Drs. C. M. Rondon e Roquette Pinto 1913 á 1914 GEOLOGIA E MINERALOGIA . -Dr. Euzebio de Oliveira BOTÂNICA —Fred. Carlos Hoehne ZOOLOGIA — Fred. Carlos Hoehne, Arnaldo Black de Sant'Anna e H. Reinisch Tte. António Pyrineus de Souza e E. Stolle ETHNOGRAPHIA -Dr. Rondon — 7 — 1914 á 1915 BOTÂNICA -F.C. Hoehne ZOOLOGIA -Dr. Cândido Mariano Roridon e E. Stolle; Tte. António Pyrineus die Souza e Antenor Pires; Júlio H. Barbosa (Arinos) e João Geraldo Kuhlmann ; Tte. Vasconcellos e Dr. Serapião dos Santos ETHNOGRAPHIA — Dr. Rondon. A elaboração do material colhido tem ficado á cargo, óra de algumas das pessoas supramencionadas, óra, ao contrario, de especialistas estranhos á Commissão. Entre uns e outi oò podemos referir já — o Dr. Karl Carnier (de Ber- lin), os Drs. Alberto Betim Paes Leme e Euzebio de Oliveira que se têm occupado da Geologia e Mineralogia ; Frederico Carlos Hoehne, o Dr. Al- fredo Cogniaux (da Bélgica), o Dr. Harms (de Berlin) que se têm occupado da Botânica; o Snr. Carlos Moreira, os Drs. Hermann von Jhering e Adol- pho Lutz e o conferencista de hoje, todos tratando de Zoologia ; os Drs. Cândido Mariano Rondon e Edgard Roquette Pinto que têm tratado da An- thropologia. Outros especialistas ha trabalhando em grupos dados d'esta ou daquella matéria — os seus nomes, entretanto, não são ainda referidos porque ainda não remetteram os resultados dos trabalhos que quizeram tomar á si. E' também provável que todos ou uma parte dos que accorreram ao primeiro appello tenham novas incumbências — isso, porém, é matéria que só o desdo- bramento do trabalho poderá regular. Não é fora de propósito lembrar aqui, o modo criterioso e sábio da Commissão Rondon, documentando as suas asseverações. Cada um de vós que me ouvis, poderá examinar, peça por peça, os elementos que figuram n'esse monumento erigido pela sabedoria do Coronel Rondon. Cada um dos nossos tétranétos poderá commentar, com os objectos colligidos hoje pela Commissão, as palavras guardadas pela escripta dos relatórios publicados. Esse papel parcial dos Museus aqui reconhecido e proclamado pelo Chefe da Commisjão, deve causar assombro, porque, infelizmente estamos habituados ao contrario. Quantas Commissões brasileiras anteriores á Rondon e mesmo tra- tando de historia natural, procederam desse módoí, em cem1 annos que a União possue um Museu para esse estudo ? Que eu saiba — três : A Commissão Freire Allemão, única abrangendo as funcções d'este Museu que se aventurou á par- tir para as mattas do temeroso Brasil; e as Commissões Hartt e Crulz. Esta teve organização quasi idêntica para o estudo da natureza, foi — a Commis- são do Planalto Central. Eu vi, na sala anterior do pavimento térreo do edifício dos Telegra- phos a prova do esforço do geólogo e do botânico. Onde está o imaterial colhido ? Sei, apenas que 500 plantas entraram para o Museu. Ficarão diminuídos, senão de todo perdidos os extensos relatórios que aquella Commissão publicou sobre esse assumpto, se as provas materiaes não foram archivadas. Quer isto dizer que, ainda ahi, o Estado lançou fora, inutilmente, dinheiros públicos. PI BI H HOIS Já vos fallei do pessoal que ágio no campo; disse também os nomes dos especialistas que elaboraram uma parte do material, devo mostrar, então, em que consistio essa elaboração já publicada. Mineralogia e Geologia O Snr.Karl Carnier apresentou o seu estudo baseado, segundo declara, em observações superficiaes, feitas durante a marcha - - observações, além disso, incompletas pela perda de uma parte de sua bagagem, inclusive um dos diários. Comtudo, das suas notas — Observações Geológicas — Geographicas e Ethnographicas sobre a viagem de exploração de Cuyabá á Serra do Norte, passando por S. Luiz de Cáceres — , deprehende-se ter o Snr. Carnier per- corrido a região de Cuyabá á Cáceres e de Cáceres á Utiarity e Campos No- vos da Serra do Norte. Podemos precisar, mesmo, ter sido Ultimo Acam- pamento da trajectória de 1907 da Commissão Rondon, o ultimo ponto visi- tado pelo Snr. Carnier. Todo esse vasto trecho elle o considera em três secções; a primeira comprehendida entre os rios Cuyabá e Paraguay, até a estrada d'essas duas cidades ; a segunda entre o Paraguay e a Serra dos Parecis - - pelo percurso do rio Sepotuba ; e a terceira d'essa serra até o Juruena, pela ba- cia do rio Verde até o Salto Bello e d'ahi á Campos Novos da Serra dio Norte. Em synthese, considera elle a primeira e a segunda zona pre-devo- nianas e a terceira devoniana ; tendo reconhecido rochas eruptivas no Salto do Sepotuba, baseado não somente no facto de ter encontrado nos leitos dos riachos entulhos graníticos, phosphitos, quartzo e abetarda, corno porque as jazidas des as rochas eruptivas estão próximas dos mesmos riachos. De fosseis — apenas uma folha — «impressão aliás sem valor algum». Não sei se o Snr. Carnier col leccionou; nem se deixou no Serviço Geológico material sobre que fundamentou as suas «observações». Não me consta que a Comimissão Rondon tenha noticias de material por elle colhido, nem tampouco que o Serviço Geológico haja feito communicação n'esse sen- tido; o Snr. Carnier fora incorporado á Commissão á instancia do Dr. Or- ville Derby. - 9 - O Dr. Ciccro de Campos não teve a fortuna de concluir o seu tra- balho; fallecendo ao chegar á Cáceres, quando buscava um porto no rio Paraguay onde embarcasse para o Rio de Janeiro, de volta de Juruena, lo- gar em que enfermou. Cicero teve, também, perdas de material e aponta- mentos, n'um naufrágio no rio Sepotuba. O Coronel Rondou encarregou ao Dr. Alberto Betim Paes Leme de aproveitar todos os apontamentos deixados pelo mallogrado engenheiro, en- cargo 'de que o Dr. Betim se desobrigou de modo brilhante ,com o rela- tório que terminou á i de Fevereiro de 191 1 — «Annexo n.° 5 — Historia Na- tural — Mineralogia e Geologia. Cicero de Campos teve mais ensejos de effectuar caminhamentos de Oeste para Este e vice-versa, na zona que vae de Caceies á Cuyabá e Diaman- tino á Juruena, do que o Snr. Carnier, o que quer dizer que elle poude cami- nhar mais vezes no sentido transversal da apresentação das rochas ali. Na parte topographica da synthese feita pelo Dr. Betim encontra-se o planalto Parecis limitado ao Sul por uma linha encarpada — «degráo de grés» primeiro vermelho e depois amarellado. A formação da Serra de Ta- pirapoan teve por consequência um derrame eruptivo de diabase, emquanto que a serra da Chapada, constituída de grés vermelho, foi grandemente en- talhada pela erozão. No planalto Parecis propriamente dito, inclinado para o N., um pheno- meno interessante é Ponte de Pedra, prova da erozão e um verdadeiro arco produzido pelo trabalho do rio Xacuruiná. O Dr. Cicero explica a formação desses arcos pela erosão atravez das dyaclases ou falhas apresentadas pelo grés. E liga aos derrames erupti- vos a causa fertilizadora das regiões em que elles se encontrem. Das cadernetas o Dr. Betim extrahíu dous caminhamentos que, apezar de serem, em realidade, expeditos, nem por isso deixam de constituir o pri- meiro levantamento geológico da região percorrida. A synthese geológica do Dr. Betim deixa o primeiro triangulo do Dr. Carnier Pré-Devoniano, a serra da Chapada Devoniana, emquanto o grés do Cambambe permanece em duvida como triasio, e a bacia do Sepotuba, o valle do Paraguay próximo á Tapirapoan e essa serra, elle suppõe serem de edade menor, em face do exame petrographico revellar o desapparecimento do caracter crystallino das rochas sedimentares. A duvida do Dr. Betim soore o grés de Cambambe é produzida pela referencia de Cicero á uma ossada ahi encontrada, á 48 kilometros do Norte da Chapada : — «consta-me terem sido esses ossos enviados á Inglaterra e me disseram' terem sido elles classificados como provenientes d 'um Dinosauro». — E Cicero referia á formação permiana esse mesmo grés. Ora, a existência de tal ossada me foi revellada pelo Snr. Dr. António Corrêa da Costa, enge- nheiro residente n'esta cidade, irmão dos Drs. Pedro Celestino e Jonas Cor- rêa da Costa), ainda á bordo do «Javary» do Lloyd Brasileiro; e eu não a fui buscar, embora se tratasse de paleontologia, porque Cicero se encarregou - 10 - da tarefa e executou-a, indo antes ás Flexinhas buscar uma outra ossada ali existente. Os caixotes d'esta passaram por mim emi Jacobina e foram, mais tarde, remettidos para o Serviço Geológico onde os procurei, juntamente com os restos do Cambambe. A' minha carta de 9 de Março de 1910 respondeu- me o fallecido Dr. Orville Derby como se segue : — Serviço Geológico e Mi- neralógico do Brazil — Rio de Janeiro, 11 de Março de 1910 — Illm.° Snr. Alipio de Miranda Ribeiro M. D. Zoologo da Commissão Rondon. Accuso recebida sua carta de 9 do corrente que respondo. Os volumes contendo amostras de rochas e fosseis remettidos á este Serviço pelo engenheiro Cí- cero de Campos, foram abertos e examinados por mim com o fim de verificar qual o valor scientifico do seu conteúdo que se reduzia á poucos fragmentos de ossos, que foram remettidos, juntamente com os outros, ao Director da Secção de Vertebrados fosseis do Museu Britânico, Dr. A. Smith Woodward, para serem estudados. O Dr. Woodward já communicou por carta que os os- sos são de um Dinosauro gigantesco, da edade mesozóica, mas insuffi- cientes para uma determinação mais minuciosa. Opportunamente as amostras remettidas pelo Serviço ao Museu Britânico serão devolvidas e então estarão ás suas ordens, como estão egualmente as que ficaram aqui, as quaes, porém, á meu ver, não valem o trabalho de os levar para fora d'esta repar- tição. Com a mais elevada consideração, etc. Orville A. Derby, Chefe do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Diz o Dr. Betim que dos ossos das Flechas não tem noticias; eu penso que d'uma ou d'outra procedência inda poderia ser obtido algum re- sultado bom, caso se quizesse ali ir, de novo colleccionar, pois que, conforme o próprio Cicero me informou, não puderam ser completas as suas excava- ções e muita cousa lá ficou. Voltando ao fio das nossas considerações, verificamos que os traba- lhos geológicos da Commissão, quer pelo gue os seus funccionarios fizeram, quer pelo que o Coronel encarregou ao Dr. Betim de fazer — já trazem uma sensivel modificação quanto aos conhecimentos de até ha pouco, sobre essa grandiosa zona brasileira que se chama Matto-Grosso. Creio ser a primeira synthese da geologia d'esse estado — senão a de todo Brasil, o mappa aqui presente e que encontrei ao lado da mascara de Napoleão I, sob um monte de peanhas, na sala de mineralogia do Imperador, no antigo palácio da Bôa Vista — paru onde se mudara o Museu. Ella traz os seguintes dizeres impressos : Tabula Geographica BRA- SILIAE et terrarum adjacentium exhibens Itinera Botanicorum. Em baixo d'esses dizeres impressos, encontra-se, e'scripto á pennae tinta (preta : in INSTI- TUTO Im. Reg.. Austriae Geológico, Directore Guilelmo Heidinger colo- ribus geologicis ornata a Francisco Foetterle petente I D. P. 2. No avesso, a lápis, em lettra que me parece d'este monarcha : «Devia ser collado em panno de linho quanto se tornaria liso e se conservaria de rasgos». Pois bem, neste mappa que, á julgar pela epocha em que Heidinger foi director do Instituto Geológico da Áustria — deve contar cerca de 50 - 11 - annos, essa mestra zona que foi motivo da bella memoria do Dr. Botim, fi- gura como constituída de schistos chloriticos e barrentos no triangulo Cuyabá Paraguay ; granito, gneiss, schisto micaceo e amphibolito, do Paraguay até as nascentes do Jaurú e margens do Sepotuba e, finalmente, de grés ver- melho para todas as demais zonas de que até hoje se oceupou a Com1- missão. E' bom que se diga que Foetterle assignala o grés vermelho de Parecis estendido á toda a zona septentrional e oriental de Matto-Grosso com a seguinte explicação : Arenito vermelho ou arenito vermelho quadriculado segundo Spix e Martius. Quer me parecer que se fossemos interpretar toda esse região consi- derada, segundo o mappa de Foetterle — teríamos de reconhecer a zona de Cuyabá ás nascentes de Jaurú como Archeanas, deixando o resto para a edade Devoniana. Mas, se essa é a concepção do tempo da primeira carta geológica bra- sileira, não lhe fica á dever muito a tentativa mais moderna — de 1908 - e semiofficial da Soe. Nacional de Agricultura, pois, segundo o mappa Pau- lino Cavalcanti e Wencesláo Bello, tinhamos a zona de Cuyabá á Cáceres terciária e a do Chapadão da vertente N. Arqueana, deixando apenas as margens do Arinos e do Araguaya terciárias. Assim, é fácil apprehender quanto se adiantou com o trabalho, incompleto embora, de Cioero de Campos, tão bellamente aproveitado peio Dr. Betim Paes Leme. Quanto á mineralogia — ou sem ambages - quanto ao que interessa mais a alma das massas — quanto ás minas, parece que os profissionaes da Commissão têm sido mais philosophos que outra cousa. Matto-Grosso tem sido sempre uma terra da Promissão n'esse sentido; as riquezas do Coxipó da Ponte, do Cuyabá, de S. Vicente, de Urucumacuan são tradicionaes. O mappa de Foetterle dá para região dos diamantes a convergência dos formadores do alto- Paraguay sobre a fóz do Sepotuba ; nós cruzámos a velha estrada que, pelo alto da serra dos Parecis vae ter á S. Vicente. Em Ta- pirapoan disseram-me — na fazenda dos Affonsos — «aqui é o cascalho aurí- fero»— «ali é o terreno dos diamantes». Essa fazenda hoje pertence á um syndicato allemão. Mas, os relatórios da Commissão pouco adiantam. Paes Leme f a liou no cascalho diamantifero de Roncador; Cicero me fallava no quartzito de amolar. A carta de Foetterle dá a região da encosta dos Pa- recis como de itacolumito. De tudo isso, porém, parece haver uma indicação segura — o Snr. Moritz, deixando a Commissão — foi, ao que me consta, re- querer uma concessão de terras ao 'governo de Matto-Grosso. O Snr. Moritz é um mineralogista norte-americano. São estas as principaes deducções á tirar do trabalho da Commissão de até hoje — elles, entretanto, ainda não- estão concluídos; espera-se pela pa- lavra do Dr. Eusébio de Oliveira. Roosevelt adiantou-lhe o pensamento: «N'este ponto da nossa viagem, havia muita cousa que, á primeira vista, parecia ser um género de conglo- - li - tolerado rom bolhas e cavidades, feito de areia e terra ferruginosa. EUe disse tratar-se de um deposito quaternário superficial, formado pela erosão de rochas cretáceas e que não havia ahi depósitos terciários ; elle descreveu a estructura — geológica — das terras pelas quaes passara, assim : Os panta- naes são da edade pleistocenica. Ao longo do alto Sepotuba; na região dos rápidos, ha arenitos, shistos e argilas da edade permiana. A zona que corre á Este contem rochas eruptivas, diabase porphyritica, com zeolitho, quartzo e agatha da edade triasica. Com o Chapadão dos Parecis chegamos á uma terra de areia e barro manchados de trechos de arenito e pedaços de ma- deira petrificados ; este, segundo Oliveira é da edade mesozóica, possivel- mente cretáceo e semelhante ás formações sul-africanas. Ha geólogos que o consideram permiano», (pag. 231 — Through the Brazilian Wilderness). Tratemos agora da Botânica O primeiro trabalho publicado foi da lavra do Sr. Frederico Carlos Hoehne e trata de 101 plantas das famílias das Bromelias, Pontederias, Li- liaceas, Amaryllidaceas, Iridaceas, Orchidaceas, Aristolochiaceas, Drosera- ceas e Passif loraceas ; um opúsculo de 7 1 pags. in 4° contendo annotações, diagnoses em latim e portuguez quando se referindo á espécies novas. Este volume de texto é illustrado por um atlas contendo 63 estampas originaes exe- cutadas pelo autor. Tanto o texto conijo o atlas são de 191 o. A segunda parte publicada trata das Leguminosas determinadas pelo Dr. Harms, de Berlin ; trabalho ainda organizado e traduzido do allemão pelo Snr. Hoehne. São 15 paginas in 40 enumerando 63 espécies — 191 2. A terceira parte enumera 25 espécies de Melastomaceas, Cucurbitaceas e Orchidaceas pelo Dr .Alfredo Cogniaux, da Bélgica - - ainda ordenada e traduzida do francez pelo Snr. Hoehne que ainda illustrou-a com duas es- tampas de sua lavra. São 15 pags. in 40 — 1912. A quarta parte traz 33 pags. in 40 — sobre 70 plantas das famílias das Alismataceas, Butomaceas, Hydrocharitaceas, Pontederiaceas, Orchidaceas e Nymphaceas. I Ilustradas por 14 estampas; texto e estampa elaborados pelo Snr. Hoehne — 1912. Uma parte extra é constituída pelo relatório botânico apresentado pelo Snr. Hoehne ao Coronel Rondon e referente á Expedição Roosevelt-Rondon — 81 pags. in 40 — 1914. Enumera 126 espécies de plantas de 57 famílias diversas, acompanha- das de 25 estampas bellamente executadas, tudo isso precedido de 19 pagi- nas sob o aspecto ph\ togeographico de Matto-Grosso egualmente illustrado por muitas photographias originaes. Como se vê e o próprio autor o diz, - não tem elle ainda os elementos para execução completa desta ultima parte ; á saber — um mappa phy togeographico. A V parte é constituída por outra contribuiçiio cuidando das famílias das Myrtaceas, Xyridaceas, Commelinaceas, Liliaceas, Amaryllidaceas, Irida- - 13 - ceas, Musaceas, Zingiberaceas, Cannaoeas, Marantaceas, Burmaniaceas, Or- chidaceas, Aristolochiaceas, Phytolaccaceas, Nyctaginaoeas, PassifLoraceas e Onagraceas. Enumera esse fascículo 1 1 5 espécies das quas 1 5 novas e 7 varieda- des egualmente novas. As 87 paginas do texto vem illustradas por 34 estampas, em parte de- senhos executados pelo autor, em parte photographias. Finalmente a parte VI contendo o estudo de 220 plantas d'outras cin- coenta famílias feita com a mesma proficiência e o mesmo carinho de sem- pre— em 96 paginas in 40 illustradas por 20 bellas estampas. Não só o trabalho do desenho é irreprehensivel como a sua execução em nada inferior á tudo quanto se exige na presente epocha para trabalhos d'essa natureza. Estas duas ultimas memorias estão sendo distribuídas agora — é natu- ral, portanto, que á respeito não exista ainda critica. Nos satisfazemos em relatar, por alto, os resultados scientificos adqui- ridos ; por isso, não é de mais que saalientar que, de tudo quanto até agora está publicado pela Commissão, relativamente aos trabalhos acima citados — resultaram já um primeiro esboço phytogeographicos da zona percorrida e de muitas espécies novas já raoonhecidas pela critica botânica mundial. Não será, portanto, louvaminha excessiva referir que o nosso patrício tem arrancado applausos de botânicos brasileiros como Drs. Leonidas Da- másio e Alberto Loefgren e Álvaro da Silveira bem como de autoridades estrageiras, dentre os quaes cumpre salientar Cogniaux, da Bélgica, Malme da Suécia e Engler da Allemanha e Spencer Moore, da Inglaterra. Um dos actuaes bons conhecedores da nossa flora, o Dr. P. Dusén, teve ensejo de me referir elogios á Hoehne — e nenhum melhor elogio pôde ter um natu- ralista que verificar os seus trabalhos transcriptos nas revistas de critica scientifica. Aqui vos mostro — uma delias: Repertorium specierum novarum regni vegetabilis que se publica em Dahlem (Berlin) — o que quer dizer, no cérebro da elaboração botânica hodierna), n.° 37 de 31 de Dezembro de 19 14, onde estão transcriptas todas as descripções das espécies novas da primeira parte do trabalho de Hoehne. A' seguir vem as elaboradas por Co- gniaux (n.° de Abril de 191 5 ) ; e é de esperar que as demais partes do tra- balho que estamos citando mereçam as referencias dadas aos primeiros. O Snr. Hoehne é positivamente um botânico — na accepção da pa- lavra— quero dizer com isto que a minha confiança é completa quanto ao êxito dos estudos que o Coronel Rondon lhe confiou ; e como conclusão das referencias que \ enho fazendo devo vos dizer que muitas das bellas estam- pas que illustram trabalhos do Martius brasileiro, elle as fez ao meu lado, dentro da embarcação em que ambos singrámos os rios Matto-Grossenses, esquecidos do Mundo ao virar das paginas da Natureza brasílica. — 14 - Anthropologia Colloco-a antes da Zoologia propriamente dita, para melhor clareza da minha exposição : Já o Dr. Roquette Pinto nas suas brilhantes conferencias aqui realisadas, deu conta de quanto fez a Cornmissão Rondon, n'esse terreno : Existe o homem selvagem na região percorrida; existe ahi o homem na edade da pedra; foram encontradas 20 nações indígenas; foram conhecidas as sub- divisões politicas dessas nações, localizados os seus limites geographicos ; houve uma avaliação aproximada do numero de almas que as compõem e des- criminou-se as suas relações phylogeneticas e estudou-se os seus usos e costumes. E as próprias conferencias de Roquette são ainda um resultado dos serviços da Cornmissão que, pela face sociológica assegurou, mais, aos brasileiros civilizados, a possibilidade de expansão pela Rondonia, até hontem em poder exclusivo daquellas nações selvagens. «O trabalho de Rondon é. dis se-me o Snr. Barão Erland Norden- skjõld, tão importante e grandioso que dentro destes cincoenta annos vindou- ros será único : o meu trabalho bem como o de Roosevelt são seus complementares.» Tudo quanto até agora foi publicado pela Cornmissão acha-se repre- sentado no Annexo n.° 5 — parte de Ethnographia pelo Coronel Rondon, se- guido d'uma descripção de material feita pelo Dr. Roquette Pinto. Constitue essa publicação um in 40 de 57 paginas e 16 estampas,, algumas das quaes documentos históricos d'um inestimável valor e prova- velmente os últimos que o homem civilisado possa ver das duas nações Parecis e Nhambicuaras. Também n'este terreno não foi dita a ultima palavra sobre a acção de Rondon. Tá depois das conferencias de Roquette os jornaes publicam telegrammas seus annunciando o seu contacto com tribus novas ; e quando elle tiver dado por finda á sua missão do Norte, ainda ha á esperar, como remate do seu trabalho titânico, a sua exposição em conjuncto sobre os Índios de Matto-Grosso. Zoologia Até agora publicou a Cornmissão os seguintes trabalhos, 110 Annexo n.° 5, parte referente a esse ramo de sciencias naturaes : 1) TABANIDEOS, pelo Dr. Adolpho Lutz — Comprehende a enume- ração de 1 5 espécies, sete das quaes novas, sendo seis do género Tabanus e uma do género Dicladocera. O fascículo traz as descripções das especi s novas e respectivas figuras, bellamente executadas pelos Snrs. Rud. Fishcr e Castro Silva, de Manguinhos. 2) CRUSTÁCEOS, pelo Snr. Carlos Moreira -- O material colligido permittio ao auctor uma revisão completa dos crustáceos brasileiros da fami- - 15 — lia Argulidae. Além das espécies colligidas, todas as quaes só agora tra- zidas ao Museu, figuram mais quatro espécies das familias Palaemonidae e Potaitwnidae. D 'esta ultima ha uma espécie nova, também descripta e figu- rada. Illustram o trabalho sete estampas contendo 10 figuras e sete photo- graphias executadas pelo auctor. 3) LORICARIIDAE, etc., pelo conferencista -- Contem 50 espécies de peixes d'agua doce; 12 espécies e três géneros novos ahi são descriptos, dentre os quaes dous muito curiosos por pertencerem á um grupo de peixes considerados parasitas de outros peixes. São egualmente resolvidas ahi algumas questões de morphologia. O trabalho é acompanhado de uma estampa com 3 figuras executadas pelo auctor. 4) PIMELODIDAE, etc, pelo conferencista — Contem quarenta e qua- tro espécies de peixes d'agua doce, dentro os quaes 4 novas ; illustram o tra- balho duas figuras de texto e 2 estampas com 7 figuras. 5) MAMMIFEROS, ainda pelo mesmo auctor — Contem a enume- ração de 84 espécies dentre as quaes cinco novas. Resolve diversas ques- tões de taxonomia e morphologia e encerra muitas notas sobre zoogeogra- phia. O trabalho é acompanhado de 24 estampas, reproduzindo photo- graphias originaes, muitas d'ellas pela primeira vez tiradas de animaes em estado natural. 6) MOLLUSCOS, pelo Dr. Hermann von Jhering — 20 espécies, das quaes 3 novas e muitas raras — todas bellamente illustradas. Quanto aos dous primeiros, 40 e 50 inda não chegou ao meu conhe- cimento nenhum trabalho de critica. Quanto aos restantes posso informar já estarem sendo applicados, o que é uma prova a sua acceitação. Nos Annals of the Carnegie Museum — vol. VIII — N.°* 3-4 — March — 1913 — The Plated Nemathognaths por M. D. Ellis — «Depois que esta me- moria ficou concluída e antes que fosse publicada, o Snr. C. Tate Regan publicou uma revisão do género Corydoras (Inclusive Osteogaster) com uma lista dos espécimens do Museu Britannico (Ann. Mag. Nat. Hist. (8), 209-220 — Aug., 1912), e o Snr. Alipio de Miranda Ribeiro publicou o volume IV. da sua (Fauna Brasiliensr» — Peixes — e n'um relatório, entre outras cousas, — dos Callichfhyidae da Commissão de Linhas Esíraáegicas Telegraphicas de Matto Grosso ao Amazonas — Sept. 1912. A publicação destas memorias de- terminou ama revisão parcial do Manuscripto de Ellis — o que foi feito pelo Dr. Eigenmann (encarregado da secção Ichthyologica do Museu Carnegie). O volume de «Physis» de Buenos Aires, n'um artigo que se occupa da Bibliographia das Sciencias naturaes da America Latina, acima citado refere as vantagens da publicação do 6o fasciculo do annexo n.° 5 da Commissão — vantagens adquiridas sob o ponto de vista descriptivo como zoogeographico. Da Inglaterra (por Thomas, do Mus. Britânico, Kerr da Universi- dade de Edimburgo), França (por Houssey, da Sorbone), da Rússia (por Ivan Strelnixov, de Petrogrado\ da Áustria (por K. Toldt Jr., de Vienna), che- - 16 - gam referencias e pedidos do fascículo 5 do mesmo annexo os quaes por se- rem 'muito pessoaes e tratarem do conferencista deixo de ler aqui. Assim, em todos os ramos do serviço de Historia Natural vae o Co- ronel Rondon dando o cumprimento á sua missão de modo compativel com a epocha actual do globo. As 15 memorias aqui enumeradas, bem recebidas e procuradas em toda a parte onde haja comprehensão do seu valor, consti- tuem uma prova evidente do alto critério scientifico que as tem dominado e da nitida comprehensão de verdadeiro patriotismo, característico principal daquelle preclaro brasileiro. ESTATÍSTICA Abordemos agora os números : Englobando o material estudado ao que ainda resta por estudar para enumerar tudo quanto a Comlmissão colheu. Temos descriminadamente a seguinte estatística: Geologia é mineralogia Períodos Números de exemplares Cari Carnier 1907-1908 ? Dr. Cicero de Campos 1908-1910 42 Drs. Euzebio Oliveira e Moritz . . . 1910-1915 Total 42 Itotanica Frederico Carlos Hoehne 1 908-191 o 1.900 Fred. C Hoehne e irmãos Kuhlmann 1910-1912 . . .... 5-675 Fred. Carlos Hoehne 1913-1914 226 Fred. Carlos Hoehne 1914-1916 1.036 Total 8.837 Zoologia Períodos Números de exemplares Expedição Rondon ao Madeira . . 1908-19 10 .... . . 3.600 Hoehne e Gd.° Kuhlmann 1910-1912 200 Hoehne, Black, Reinisch e Dr. Serapião 1913-1914 . . . 183 Tte. Pyrineus de Souza e E. Stolle . 1913-1914 225 Tte. Pyrineus de Souza e Antor. Pires 191 4- 19 15 217 Coronel Rondon e Emil Stolle . . . 1914-1915 . . 1.195 Tte. Vasconcellos-Dr. Serapião ... 191 4-1 91 5 17 Total 5.667 - 17 — Antropologia (Etlinogr.) Cel. Rondon e Dr. Roquette Pinto . 1908-1915 3-380 Quer da parte da Botânica quer da Zoologia, foram excluídos os tu- bos com o material mais susceptível de deterioração. E além d'isso, toda a contagem já feita ainda depende de retificação que vae sendo operada á me- dida que o material vae sendo estudado, rotulado e catalogado, da maneira já mencionada. Estes números faliam bem alto, sobretudo se considerarmos que as collecções eram1 feitas á par das explorações topographicas e outros trabalhos da Commissõo, evidentemente inadequados ás conveniências da col- lecta propriamente dita. 2. Conferencia 0 Museu Nacional Segundo dados officiaes e ofticiosos A Commissão Rondon e o Museu Nacional ii O Museu Nacional do Rio de Janeiro, segundo dados officiaes e officiosos Dous entes, no mundo, são o ojecto do nosso primeiro affecto : Pae e Mãe. Inútil é pintar quanto são queridos na nossa meninice, quanto d'elles nos valemos quando ainda os frouxos passos e a tenra edade e o medo dos perigos e Papões nos fazem correr ao seu regaço, como ao ninho quente e protegido buscam abrigo as avezinhas que emplumam, ao passar das som- bras de possíveis milhafres. Inútil é lembrar com que affecto, a consciência já crescida e o corpo forte á lucta, olhamos depois aquelles que foram o nosso ser, depois o nosso amparo e sempre amigos, solicitos, nobres e bons, ainda nos dispensam os carinhos de sempre ; e então, já menos fortes do que nós, invertem os papeis e começam á tremer e á receiar por sua vez a sombra dos Papões na vida de seus filhos . . . E dentre vós aquelles que afinal e como eu, já experimentaram a crueza inflexível da morte, podem avaliar, na dôr dessa saudade eterna para a nossa vida, toda a grandeza da amizade que ao ente perdido consagrávamos. Mas ha um momento em que todos nós temos uma apparencia de des- gosto contra esses seres caros do nosso primeiro e mais forte amor; e é quando, usando da sabedoria que lhes deu o tempo, elles ponderam, ao moço no lumiar da arerta das luctas pelo futuro, um conselho amigo, fructo de experiência que elles por amor de nós nos offerecem: Não faz assim, meu filho, que te succede mal I E a vontade nova, estuante, anciosa de ver em facto o que o espirito ardente sonha em projecto impeccavel, repelle amuada o conceito antigo do «velho» medroso e sem razão ou da timida «velha» cheia de anceios de amizade em demasia . . . E quando, ás vezes, mais tarde, nos azares da vida verificámos a sabedoria do conselho perdido, todo o altruísmo que o dictára, então corremos á beijar as já tremulas mãos do vero amigo — proclamando-lhe a razão... - 22 — Porém, a impávida Sorte nem sempre é favorável ; e ás vezes succede que então, os nossos lábios sequiosos apenas encontram a indifíerença d'um la- pide, mais fria e dura que a acerada ponta duma flecha ! Se tal succede á um Pae, o que não succederá á cada um de nós, nos labores quotidia- nos ? Assim, todos sabemos que uma vez, ao menos, na vida, somos desagra- dáveis. E Lafontaine o disse de modo imperecível. O peior é justamente a existência desses momentos em que, conscientemente, temos o dever de desagradar á todos . . . quando mais n ão o seja, senão para lavar as mãos . . . como Pilatos . . . Sempre foi meu vezo tornar úteis todas as resultantes dos meus actos, pois eu sou da velha escola portugueza dos que plantam as jaboticabas para os filhos e netos, embora procure os methodos por ultimo provados bons. Ôra, o Coronel Rondon tendo até hoje escolhido o Museu para o archivo dos documentos dos estudos de sua commissão, é preciso saber o que é o Museu e se elle vale a acção do Coronel ; e tendo optado por homenagens á este, estas conferencias á fim de commemorar-lhe os serviços o que foi bem recebido e amparado por todos d'esta casa — reparto entre o Coro- nel e o Museu a attenção, procuro honrar á um e servir ao outro na minha acção, servindo ao mesmo tempo á nossa Pátria. Tenho no coração a certeza de que elle mie applaude pois o movi- mento é justo. Succede porém que o Museu é um serviço publico onde muitos labora- ram. Dahí o ter de tocar ás vezes emj melindres alheios, talvez ferir . . . quem sabe?... Mas quem ficará mal ahí ? Eu... Então, embora não seja o pae que falle ao filho, mas o cidadão que falle ao estado; embora não seja o velho que falle ao moço mas o experimentado que em terra estranha mostra o caminho ao conterrâneo, eu me disponho ao sacrifício, desde já per- doando os que divisarem o mal n'esse meu acto, desde já bemdizendo os que quizerem tirar proveito das minhas palavras em beneficio do Museu e mie ajudarem á cumprir o que a minha consciência, sem interesses subalter- nos, manda. Assim, com o lembrete prévio de que não viso pessoas e sim actos, de que nada mais pretendo senão que todos concorram para o Futuro d 'esta casa que é um património nacional, por hoje vos peço estudar, com- ungo, o Museu Nacional segundo dados officiaes e officiosos. Vejamos dous trabalhos publicados sobre este estabelecimento: um da lavra do Conselheiro Ladislau Netto e outro do Dr. João Baptista de Lacerda. O segundo completa e elucida o primeiro; e ambos têm a evidente preoceupação de fazer a historia do Museu. Do archivo que documente esses livros, parece existir apenas o que se refira mais ao segundo. — • 23 - Por esses livros, o primeiro dos quaes tem o titulo de «Investiga- ções Históricas e Scientificas sobre o Museu Imperial do Rio de Janeiro» e foi publicado em 1870 e o segundo, «Fastos do Museu Nacional do Rio de Janeiro», e foi publicado em 1905, é-se informado que o Museu vae completar um século — cem annos de existência - em 19 18, pois de 6 de Junho de 18 18 data o decreto de fundação do Museu Real da Corte, destinado á «propagar os conhecimentos e estudos das sciencias naturaes do Reino do Brasil»; embora anteriormente á esse decreto, o adiantado José Luiz de Vasconcellos fizesse a primeira tentativa de creação de um museu, com a Casa dos Pássaros que ainda existia em 181 1 no Campo de Sant'Anna, emquanto que o edificio próprio tinha começo de edificação na mesma épocha e no local onde hoje existe o Thesouro Federal. «Entre os sexagenários de hoje, diz Ladisláu Netto em 1870, muitos existirão á cuja lembrança não deve ser estranha uma elegante arcaria de granito -- entre começo e ruinas -- erguida no mesmo logar em que vemos actualmente o Thesouro Nacional : essa arcaria éra o principio do Museu de Historia Natural brasileira, tal qual o havia concebido o memorável Luiz de Vasconcellos, vice-Rei do Brasil, tal qual o abandonaram! e inutilizaram depois as administrações ignavas que lhe succederam.» O Director da Casa dos Pássaros foi o brasileiro Francisco Xavier Cardoso Caldeira, que teve 2 ajudantes, 3 serventes e 2 caçadores. Em 18 10 deram ao primitivo museu outro director : o Dr. Luiz António da Costa Bar- radas, que o enterrou muito piedosamente, sendo as collecções inutilizadas. Em 18 18 éra outro o museu — não mais uma Casa de Pássaros, não mais um museu de zoologia mas o Museu complexo de que sou hoje fun- ccionario. Entregaram-n'o á um frade — Frei José da Costa Azevedo, dan- do-lhe por auxiliar (guarda e porteiro) um discipulo de Xavier Caldeira; e á este, um ajudante. E todo o material que particulares offereciam para a construcção do edificio, ia sendo empregado na construcção do Quartel do Campo de Sant'Anna e no Arsenal de Marinha. Depois de Frei Azevedo foi director do Museu o seu porteiro, João de Deus e Mattos — e depois d'este 8 directores diversos se succederam nesta casa, até a épocha do Dr. Lacerda. Vamos fazer unia resenha do seu valor material na presente épocha, quasi cem annos depois de sua fundação. Vamos por ordem : Secção de geologia, mineralogia e paleontologia O Snr. Dr. Oscar Publio de MelLo foi o auctor da lista do material que o Dr. Alberto Betim Paes Leme ahi encontrou; e nesta lista estão citados 5.150 números. Segundo os elementos de consulta de que dispomos podemos resumir essa secção pela seguinte forma : - 24 - Uma collecção de Mineralogia exótica - - a celebre collecção de Wer- ner da antiga Academia militar, comprada pelo General Napion para essa es- cola, pela quantia de 12 contos, ao cavalheiro Tabst von Oheim que a hou- vera de Werner. Uma collecção mineralógica feita pelos membros da primitiva Com- missão Geológica. Uma collecção paleontologica da mesma procedência. Restos de um Glyptodonte trazido por von Sellow. Restos de Mastodonte (da mesma origem?). Um Megatherio, trazido de Jacobina, da Bahia, pelo zoologo C. Schreiner. Uma collecção speleologica andquirida do Snr. Ricardo Krone. Uma collecção adquirida do Snr. Ramusch. E pouca cousa mais. Secção de Botânica E' do respectivo Professor a seguinte informação á directoria de Es- tatística da Republica : Data Collecções Existiam em 1988 El>i9?oM T91Ó" 1818-1865. Sem registo, segundo indicação aproximada do Dr. Ladislau Netto (Investigações históricas) . 6.138 6.138 1866-1 865. Com indicação ou registro: Herv. Allemão-Cysneiros (Seg. Netto) 1.500 1.500 Herv. Brasil 30.584 .... 212 . . - 30.796 Herv. PI. exóticas ........ 3.077 3-077 Fructos e sementes 391 39 * Madeiras e lianas .... ... 455 455 Fibras e pasta para papel 68 68 Óleos, resinas, etc 74 74 Total .... 42.287 .... 212 .. . 42.499 A minha opinião, á respeito do material botânico existente no Mus- seu, é diversa da do Professor Sampaio, se bem que sob o ponto de vista seientifico tenha o mesmo valor quero dizer — é uma aprecia- ção aproximada, com fundamento em dados exteriores ao Museu. O Professor Sampaio baseia-se principalmente em L. Netto e o tra- balho d'este se nos affigura erróneo, se começámos á contar as estatísticas desde Frei Custodio Alves Serrão até o que hoje sabemos, pelas referen- cias das bibliographias de cada um dos contribuintes do herbario do Mu- seu e constantes do fascículo CXXX — isto é, o ultimo — da Flora de Martius — Abril de 1906. - 25 - Segundo o próprio Ladislau Netto - - op. cit., pag. 62-0 primeiro inventario do Museu presente ao Governo do Império e constante do periodo de 1818 á 1836 continha 1.600 plantas. E' o mesmo Netto quem diz á pag. 288 que «Riedel, chamado para director da Secção de Botânica, fez imrnediatamente presente ao estabeleci- mento de todas as suas collecções particulares; e tanto bastou para que o her- vario, á principio insignificante, tomasse de repente uma certa ampliação e começasse á merecer, de facto, este titulo». ôra, o Prof. Sampaio, dando para Riedel e Sellow 65 números e para o Hervario Riedel 1.862 - - calculou com depreciação demasiada porque Rie- del tendo sido nomeado em 1842 e fallecendo no exercício do cargo de di- rector da Secção de Botânica em 1842 - - não poderia deixar tal numero se em 1842 elle dava ao Museu todas as suas plantas, como diz Netto. Um resumo, segundo a Flora de Martius, permitte a seguinte avalia- ção do material de Riedel : Trabalho de 1821 á 1822 ■ Plantas da Bahia . . 1. 000 números „ ,, 1822 „ 1824 „ do Rio de Janeiro . 600 ,, „ „ 1824 „ 1825 — „ de Minas 1.400 „ „ „ 1825 „ 1829 „ de S. Paulo, M. Gros- so, Amazonas e Pará. 1.600 „ „ 1833 „ 1835 » 3000 Total . 7.600 números Segundo Urban, o auctor do fascículo da Flora que estamos referindo, a collecção principal de Riedel está no Jardim Botânico de S. Petersburgo e a duplicata no Museu Nacional do Rio de Janeiro; assim sendo, o restante da existência provável, segundo Netto, não chega para fazer face ao tra- balho de Riedel até — 1835. Mas, visto que o único dado official existente é o de Ladislau Netto, vamos attribuir a Riedel as 6.138 plantas sem indicação de entrada, dando por inexistente o periodo restante da vida de Riedel até 1862. Do herbario com indicação ou registo, não podemos admittir, de modo algum, 1.500 números para a collecção Freire Allemão, conforme indica L. Netto. Freire Allemão éra um naturalista de coração e se dedicava á botâ- nica; chefiando a mais importante commissão scientifica que, anteriormente á de Rondon, foi levada a effeito no Brasil, commissão graças á qual o Museu duplicou a sua bibliotheca e as suas collecções de ethnographia e zoologia, não é plausivel que se deixasse vencer pelos seus companheiros subordinados, colligindo apenas 1.500 exemplares; seja como fôr, ainda accei- tando todas as razões dadas por Netto á pag. 288 — só uma catastrophe reduziria 20.000 plantas á semelhante numero. O periodo de 1859 a 1S61 em que se realizou a expedição do Ceará, rendeu 20.000 plantas que foram trazidas ao Museu. — 26 — Ê pek) menos o que se lê em Urban, baseado, entre outras cousas, em notas biographicas revistas pelo próprio Freire Allemão. Assim, não podemos acceitar a indicação de Netto sem mais exame e reduzimos de 50 o/0 as affirmativas de Urban, para a margem ás causas naturaes de destruição de hervarios. Para o Hervario Brasileiro, ulterior á Freire Allemão e até nossos dias, dá o Prof. Sampaio 30.796. Esse numero, é como já se leu nas suas palavras, provisório e baseado em informações que achou na Secção. Pelo que me recordo vagamente, do tempo em que os serviços de Secretario, n'esta casa, punham-me em contacto com a secção de botânica e tudo o mais que pude obter, mesmo com a relação Urban, podemos agora descriminar as collocações da secção do seguinte modo : Período de 1818 á 1838 1.600 Hervario Riedel — (1842) 1.812 ■ 1842-1835 • • • • 6.138 „ Lindberg — 1 854-1855 200 „ Freire Allemão -■ 1859-186 1 10.000 „ Museu — 1876 . . - • • 1.500 „ Schwacke, Glaziou, Netto e Jobert — 1873-1891 5.000 Hervario Lindmann — 1893-1894 200 „ Spencer Moore - 1 894 300 Ule — 1893-1903 3.500 „ P. Dusén — 1902- 1903 8.000 „ Glaziou ■ - 10.000 Total . . . 48.250 Desde que existam duvidas á respeito quer da quantidade quer da qua- lidade das collecções, duvidas oriundas da comparação da estatistica Sam- paio com a de Urban, deixamos de considerar, as collecções Sellow, Fritz Muller, Herbert Smith, Ildefonso Gomes, Beaurepaire e outros que tam- bém mandaram plantas ao Museu. As collecções Ule são computadas em cerca de 13.000 exemplares,, nós apenas incluimos 3.500, porque Urban diz ter ficado aqui no Museu ape- nas esse numero, inclusive 500 plantas da Commissão Crulz. Ao contrario, as collecções Sellow que são computadas em 11.869 exemplares — nem as citamos, porque o Prof. Sampaio - encontrou para Sellow e Riedel apenas o n.° 63 (segundo Netto, aliás) e Urban não men- ciona o que tenha ficado para o Brasil. Ao numero 48.250, acima apurado, podemos, ainda, addicionar outros mais recentes. Herbario da Commissão de Secca do Ceará . . . 4.000 Herbario da Commissão Geol. de S. Paulo . . 1.000 O que dará uni total de 53.250 exemplares. - 27 - Assim, aproximadamente, podemos dizer que a secção de botânica tem 53.000 plantas adquiridas em 100 annos o que perfaz 530 plantas, em média, por anno. Anthropologia O numero que se encontra n'esta Secção é de 17,565 objectos. Ex- cluindo d'ahi 3.000 exemplares da collecção archeologica, temos 14.565. (Essa é a única secção do Museu que tem catalogo e isso graças ao esforço do Dr. Roquette). As acquisições d'esta secção prendem-se, principalmente, á duas mis- sões brasileiras. A Ia data de 1859 e foi ainda a expedição do Conselheiro Freire Allemão. A 2a é mais recente, é do tempo do naturalista Gustavo Rumbelsper- ger que, por ordem do cons.0 Ladislau Netto, foi explorar o mound de Paco- val ; e de Domingos Soares Ferreira Penna, mandado ao Pará afim de col- leccionar. Ha, ainda, três collecções importantes á mencionar. Unia offerta do Bispo de Goyaz, constante de objectos de Índios Carajaz. Uma offerta de D.a Carminda de Mello Rego - de material Borôro. Uma offerta do Dr. Arthur Eugénio Furtado, de material de Índios Corobobós (Minas Geraes). Salvo outros presentes mais ou menos valiosos tudo quanto consti- tue o que o Museu possue, está preso aos trabalhos da Commissão Geo- lógica e Mineralógica do Brasil ou melhor Commissão Hartt, em que traba- lharam especialmente no campo da Ethnographia, Carlos Frederico HarU e Orville Derby. Mas, visto . que o numero 14.565 exemplares contem os das diversas remessas da Commissão Rondon, segue-se que ao Museu, antes de Rondou, competem apenas 11.185 referentes a Anthropologia e Ethnographia. Isso, em cem annos, dá a média annual de 111,85. Zoologia Segundo os dados fornecidos pela Secção de Zoologia á Repartição de Estatística, sobe á 59.314 o numero de exemplares accumulados, nessa secção, até Agosto de 191 5. Leiam ol-a : Mammiferos 298 Aves 4.862 Reptis e batráchios 546 Peixes 1-397 Arthropodes 33-753 Molluscos 17.906 Vermes, Echinodermes e Zophitos .... 552 Total . . 59.3 14 - 28:- Admittindo como exacto esse numero, temos á esclarecer que delle fazem parte as seguintes collecções : Freire Allemão e Herberth Smith .... 3.000 Commissão Geológica (Hartt) 1.052 Collecção May 4.000 „ Soldateschi 17,765 „ Friedenreich 26,752 „ Reinisch 408 Total . . . 52.977 Resto provável para os trabalhos do Museu 6.337 Total . . . 59.314 Eu vos confesso que a mim mesmo surprehende a exiguidade desses nú- meros, embora os saiba relativos pela ausência de catálogos. D'ahí decorre procurar-lhes a causa; e por isso, eu vos peço vénia para vos fazer visitar, rapidamente, os meandros d'este serviço publico atra- vez do tempo. Este meu movimento é tanto mais justificável, quanto o Museu tem sido alvo de accusações diversas ; e não será descabido que os contri- buintes pezem as circumstancias de vida do estabelecimento:, para que pos- sam distribuir justiça com a devida imparcialidade. Não faz mal que tenhamos de abordar a maledicência d'essas accusa- ções ; é um dever civico de todo cidadão dizer a verdade sem preâmbulos e principalmente no tocante á serviços públicos. Quando o respectivo funccio- nalismo se habituar á fallar a verdade ás altas autoridades do paiz, estas, por sua vez não serão conduzidas á posições falsas perante a Nação. E no caso presente, por hoje, eu me exhimirei tanto quanto possível de coromentarios, julgareis os factos com o vosso único critério . . . Foi com uma simplicidade cândida, que o bondoso e utilissimo D. João VI, definio as funcções do Museu Nacional em 6 de Junho de 18 18... «propagar os Conhecimentos e Estudos das Sciencias Naturaes do Reino do Brasil que encerra em si milhares de objectos dignos de observação e exame... e que podem ser empregados em beneficio do Commercio, da In- dustria e das Artes que muito desejava favorecer como grandes mananciaes de riqueza» . . . Nada mais éra necessário ao cumprimento d'esse desideratum que um Laboratorio-Archivo (Museu), um naturalista, e auxiliares de confiança d'este para realizar a incumbência do Rei. Pretendeu-se fazer isso naquella data mas, em 1840, em virtude da Lei n.° 164 de 26 de Setembro desse anno, foi o Museu organizado dou- tro modo — separado em dous corpos administrativos. O director de um lado, com poderes discriminados e um conselho de administração, de outro, tendo funcções diversas e entre outras á de dar um curso annual das sciencias relativas ás Suas secções. - 29 - O conselheiro Burlamaqui, citado por Netto, diz d'essa epocha : «o arranjo económico e fecientifico do estabelecimento, o estudo e o ensino da physica e chimica na escola militar, seriam por si sós trabalhos sufficientes para occupar todos os dias, todas as horas da vida de um homem robusto e activo. Mas não eram estas as occupações do digno Director nem as mais espinhosas : elle éra obrigado á dar informações ao Governo sobre uma mul- tidão de objectos diversos e portanto á trabalhar constantemente em ana- lyses chimicas, ensaios metallurgicos, projectos agrícolas ; a dar pareceres so- bre estabelecimentos industriaes, sobre tentativas de mineração, sobre des- cobrimento de minas, sobre a extracção de materiaes de tinturaria, de óleos e, finalmente, sobretudo quanto o governo queria ouvir a sua opinião quer em objectos de interesse geral quer á respeito de productos particulares». Assim» esse mesmo activíssimo director, que outro não éra senão o Fr. Custodio Alves Serrão, é o mesmo que em 16 de Março de 1844 escrevia ao Governo : «A utilidade do nosso Museu ainda não está perfeitamente sentida no seio da Representação Nacional, nem grande parte de nossos administraderes tem reconhecido a benéfica influencia de semelhantes estabelecimentos. Entretanto que as nações européas vão mandando, com enormes sacrifícios, seus sábios perlustrarem este riquíssimo Império, vamos nós amesquinhando esta creação dos tempos coloniaes ! Com magoa vê o conselho transporem de continuo as nossas praias objectos de summa importância que os tira o estrangeiro sem que deixem entre nós o menor vestígio de sua existência ; e quando mais esclarecido de seus interesses quizer o paiz conhecer a historia de seus tempos primitivos — terá de dirigirse ás grandes capitães da Europa para ahi estudar esses preciosos documentos.» O officio de Fr. Custodio de que foi franscripto o trecho supra, pe- dia, além d 'outras cousas, o amparo imperial para que lhe não fosse dimi- nuído o salário do pessoal do Museu que prefiriria servir de graça, á acceitar a retribuição que lhe propunha o governo e, referindo-se á colle- cções, dizia : «as collecções são em verdade abundantes, porém mais pos- suem de objectos estranhos do que do próprio paiz e com razão de nós se poderá dizer como dos actuaes egypcios que habitam em derredor das py- ramedes de Memphys: que dos estrangeiros aprendem a historia dos seus monumentos, não lhes tendo cabido a gloria de penetrar em seu interior». Parece incrível que esse estado de cousas, viesse mais ou menos n'essa apalpadella e vacillação desde D. João até sob os auspícios do segundo Im- perador do Brasil ; porém é certo que não só esse desvirtuamento dos ver- dadeiros intuitos daquelle monarcha, ao fundar o Museu, trazia os gravíssi- mos e capitães inconvenientes salientados pelo patriotismo e pela clarivi- dência de Serrão, mas, ainda levantava contra o próprio Museu a opinião dos que, pelo Jornal do Commercio, accusavam esforçados funccionarios d'a- quella epocha, do não cumprimento de seus deveres. - 30 - De unia feita respondia Alves Serrão: — «Uma falta, Exm.° Snr., não pôde o conselho deixar de reconhecer que existe no Museu Nacional, assim como em muitos outros estabelecimentos seientifieps, particularmente se não ha confiança n'aquelles que os devem dirigir e é cila a consequência de aueto- ridade convenientemente habilitada que possa verificar se os trabalhos ahi feitos tem sido desempenhados com a necessária exação. Até ani éra clara a lueta entre os dirigentes do Museu, incompre- hendidos, e o Governo Nacional ; e éra de esperar que tal estado de cousas não lhes fosse favorável. Fora do Museu emprehendia-se commettimentos muito mais importantes para o fim do estabelecimento do que dentro d'elle - e a commissão do Ceará, do Conselhheiro Freire Allemão - por si só acarretava-lhe, indirectamente, enorme riqueza de material. Infelizmente, porém, a sorte não protegia muito o verdadeiro desen- volvimento scientifico brasileiro : — nomeado seu director, Francisco Freire Allemão inutilizou-se por uma apoplexia e em meio do seu gigantesco tra- balho que não teve continuador, morria em 1874, volvendo o Museu á faina dos regulamentos. Estão ahi os números, estão ahi os documentos firmados por L. Netto e Lacerda. Mas é preciso ver que o primeiro, bastante perpicaz para conhecer os verdadeiros intuitos d 'um museu de historia natural, - fomentou e realizou elle próprio excursões inclinando- se para as matérias de sua predilecção — a Ethnographia e a Botânica. O seu espirito vivo, ardente, irriqueto, sabia aproveitar-se da protecção imperial de que gozava, em beneficio do museu e como não podia deixar de attender á exigência local, deixou os cursos públicos - attenuados, transfor- mando-os em conferencias; eram ellas ao mesmo tempo uma fácil e agra- dável escada no nosso limitado meio scientifico. Como objectivos do Museu fundou e perlustrou com brilhantismo o órgão principal d 'esta casa, de que os seus antecessores não haviam ainda co- gitado .. os Archivos do Museu Nacional. Mas, se este facto, por si só, lhe assegurou a sua verdadeira gloria — as conferencias á todo transe - os regulamentos, atiraram-n'o por terra! Embora por lei e sua influencia pudesse contractar auxiliares capa- zes de toda a parte ; e pelo auxilio efficaz da Commissão Geológica e seus funecionarios Hartt, Brannor e Derby, angariasse collecções preciosas, Netto, que se esquecia de aproveitar da competência de seus auxiliares que os tinha muitos como Fritz Miiller inclusive, -- gloria que ainda refulge e refulgir.!, por séculos, nos annaes d'esta casa, - prestava-se á reproducção da fa- bula da raposa c do corvo, deixando escapar collecções adquiridas para fói, do paiz sob o pretexto de fazel-as determinar por outros e, attrahia o ridículo sobre o Museu, publicando c inçadas collegiaes no seu órgão de «propagação dos estudos e conhecimentos das Sciencias» e arcando até — se- - 31 - gundo dizem e transparece das próprias palavras de Netto — com a galhoía do monarcha seu amigo I Aqui está o primeiro volume dos Archivos pag. 31. Aqui está este celebre artigo que tem me cabido explicar á estrangeiros que d'elle me fal- iam com sorrisos sub-linhados : — Nota descriptiva de um pequeno animal extremamente curioso e denominado batrachichtys. - Aqui estão as figuras ; aqui o animal que sérvio para a descripção e figura : E' um gyrino ou larva de rã — Pseudís paradoxa, justamente caracterisadas porque os seus gyrinos são do tamanho do animal perfeito. Pois bem, este artigo pretende mostrar um animal intermediário entre o sapo e o peixe, com que o auetor — cujo nome não nos interessa revellar, chamou a attenção de Darwin, Haeckel e Charles Martin . . . Agora aqui vos mostro ainda o animal perfeito de Pseudis com a sua larva em estado mais novo que a comrnissão Rondon colligio em Matto- Grosso. Veja-se agora a carta á Ernesto Renan — de Ladislau Netto, publi- cada em francez em 1885 e ter-se-á a ideia da mystificação de que elle foi alvo com respeito á uma inscripção phenicia dada como procedente de valle do Parahyba e de como vio-se elle em palpos de aranha para remediar umas primeiras effusões sobre o achado. Mas esta preoceupação de chegar á gloria de qualquer modo em tempo minimo, em breve levava mais longe o desvio de orientação e já em 99 — outros eram os ataques que reflectindo-se do director cahiam sobre o Mu- seu e, por fim, passavam mais tarde, já na Republica, ao terreno da lueta aberta entre o director do Museu de um lado e os seus auxiliares de outro : Leiamos Lacerda, Fastos, pag. 67 — 1905. «O decreto de 8 de Maio de 1890, sob numero 359 A reformou o Museu Nacional . . . disposições desse longo e complicado regulamento vinham apertar mais ainda os laços de dependência e sujeição que manietavam os funecionarios do Museu á Vontade do Director. A publicação do Diário Offi- cial d 'essa peça de arrocho causou entre os funecionarios superiores do Mu- seu o effeito dum peloiro. Tinham sido todos colhidos de improvisos em uma armadilha na qual só havia duas portas de sahida : a de resignação e a da retirada com protestos de insubordinação. Alguns tomaram esta, outros seguiram aquella, conforme as imposições da consciência de cada um. Schwacke seguio para Minas, onde lhe confiaram a direcção da Escola de Pharmacia de Ouro Preto ; Derby deixou o Museu para assumir a chefia da Comrnissão Geológica e Geographica de S. Paulo ; eu renunciei o logar de director da secção de zoologia». Não estava sanado o mal ; ulteriormente uma parte do pessoal que ficara representava contra o director e o Marechal Floriano determinava um novo regulamento cerceando as attribuições d'esta auetoridade. e real- çando a da Congregação. - 32 - Passava o Museu da direcção iterina do Dr. Domingos Freire para a administração Lacerda. Continuaram os cursos públicos que muito impressionaram o espirito d'este Director, a serem constantemente determinados e eu — aqui entrando para o corpo da administração superior por um concurso, atirados apezar d'isso por outro regulamento para o cargo de Secretario - ■ éramos a tes- temunha involuntária e constante d'essa lucta entre a direcção e Congrega- ção, oriunda da natureza complexa do nosso estabelecimento. As actas da Congregação constituem um verdadeiro monumento documental de tudo isso. A tendência do objectivo principal desenvolvendo apenas o lado didá- ctico do Museu, teve o seu paroxismo na administração Lacerda onde, á par d 'uma relativa movimentação no que tocava a excursões - - algumas das quaes foram prejudicadas pelos regulamentos sempre inadequados — entrou n'esta casa o titulo de Professor e se enxertou ainda uma vez um appen- dice «Museu Escolar» e se proclamou a theoria de que a direcção êra meramente administrativa e a Congregação meramente technica. Temos visto que a tendência para dar vasão ao principal defeito orgâ- nico brasileiro — o veso de fazer discursos - - a tendência do dominio es- colástico levada em primeira plana n'esta casa ; - - é preciso porém que se comprehenda que a impossibilidade mecânica, por falta de órgãos, tem-n'o paralizado algumas vezes, de modo á deixar os cursos no papel ; e é cu- rioso saber que d 'esses cursos de mais de meio século, não ha um único discípulo. Egualmente no papel, por abstruso ficou o Museu Escolar, embora se mandasse buscar na Europa, por compra, as respectivas collecções, inclu- sive o que entre nós se encontra com relativa facilidade, como, por exem- plo, a casa de cupins que aqui vos mostro. Outras cousas mais como secções de numismática, Laboratórios diversos, etc, vemos na historia do Museu mostrando os desvios da instituição desde a quasi constante applicação de fun- ccionarios e patrimónios em cousa muito diversa dos fins do museu do que seria de suppor. Mas se ainda não achamos a explicação buscada para os males do Museu, comtudo um facto já podemos agarrar: o ultimo volume dos Ar- chivos, vol. XVII, pag. 16, prova á evidencia que as prophecias de Alves Ser- rão se realizaram muito mais cedo do que esperávamos.- Basta ler, alli, a contribuição do Professor Sampaio, para se ver que elle não poude determinar no Museu o material que colligiu na sua excursão a Minas e representam o as 212 plantas entradas de 1910. E precisou re- correr ao Dr. Hartert em Berlim. Veja-se o volume XVII dos mesmos archivos e verifica-se que eu in- clui no — programma da minha ida á Europa para organisação do Labora- tório de Zoologia - o estudo de collecções brasileiras na Europa. E quanto á provas dos trabalhos d'esta casa, basta o confronto de suas publicações com as das instituições congéneres das republicas visinhas — aqui estão os Annaes do Museu de Buenos Ayres ; aqui estão os Annaes - 33 — do Museu de La Plata ; mas não sahiámos do Brasil — aqui estão os bo- letins do Museu do Pará, a revista do Museu de S. Paulo. Consultai- cada uma delias e comparae com os nossos Archivos e ve- reis quem mais trata da Historia Natural. Mas não fallemos nisso - - Man- guinhos que é de hontem e trata de medicina já tem mais historia natu- ral que os próprios Archivos do Museu. O confronto apenas corrobora as minhas asseverações. E não pequenos ataques tem custado á esta casa o se o estado mórbido - - que Bilac cha- mou de ankylosado. Aias afinal a explicação ? O governo actual pretendeu dal-a abertamente, na ultima mensagem, attribuindo-a á incompetência de seus dirigentes e prometteu sanar tudo com um novo regulamento e novo pessoal. Leiamos, respeitosamente, tudo quanto disse o Dr. Wenceslau Braz na sua mensagem ao Congresso de 4 de Maio de 191 5. «Museu Nacional — Concluídas as obras de remodelação, iniciadas em 191 o e ultimada a installação dos laboratórios e mostruários, pertencentes ás quatro secções, o Museu Nacional do Rio de Janeiro pôde finalmente reabrir as suas portas ao publico, em 14 de Outubro. Por emquanto só se conseguio aperfeiçoar a installação material e isto mesmo incompletamente, e, em certos casos, com insufficiente orientação technica. Não basta, porém, crear um deposito de material de estudo. Cumpre dar-lhe vida, e transformai o em força operam e nas investigações scientifi- cas do meio brasileiro. Para isso, providencias de dúplice caracter são pre- cisas: de ordem administrativa. - quanto á disciplina interna do estabeleci- mento ; de ordem profissional, também quanto á autonomia de pesquizas, do recrutamento do pessoal, ao valor dos dirigentes. No novo regulamento em estudos, por determinação do Congresso, todas estas questões encontrarão remédio. Uma vez regulamentada, essa lei produzirá forçosamente salutares e benéficos effeitos, estimulando a exploração das abundantes minas do nosso Pniz, animando tão promissora industria.» Reflectindo sobre essas graves sentenças que não trouxeram excepção, verificamos que o Presidente da Republica acha que até o momento actual esta casa apenas tem aperfeiçoado incompletamente a installação material; e como não basta crear um deposito de material de estudo e cumpra dar-lhe vida para transformal-o em força operante nas investigações scientificas do meio brasileiro, com disciplina, autonomia de pesquizas e bom recrutamento de pessoal de valor, o regulamento que o Governo elaborava deveria esti- mular e produzir effeitos salutares e contribuir para exploração das riquezas taturaes. O termo «dirigentes» abrange directores e seus auxiliares superiores ; e n'esse numero figuram os seguintes nomes : Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia, Dr. Luiz Riedel, Manoel de Araújo Porto-Alegre, Guilherme Schuch - 34 - de Capanema, Dr. Manoel Ferreira Lagos, João Theodoro Descourtilz, Dr. Manoel Freire Allemão, Dr. Nicoláo Joaquim Moreira, Carlos Schreiner, Do- mingos Soares Ferreira Penna, Guilherme Schwacke, Dr. Theodoro Peckolt, Carlos Frederico Hartt, Dr. Fritz Múller, Orville Derby, Dr. Hermann von Ihering, Gustavo Rumbelsperger, Dr. Emilio Goeldi, Dr. Júlio de Moura, Eduardo de Siqueira, Ernesto Ule, Pedro Dusen, para não citar senão os auxiliares e esses mesmos que já não fazem1 parte do estabelecimento. Um Museu é uma successão de esforços que se transmittem atravez das gerações. E porque esta gente toda deixou apenas as collecções que temos e d'ellas fez os estudos que encontramos em 10 volumes apenas dos Archivos ? (10 volumes sim — de I a X, porque d'ahhi em diante já estava no Museu e tomava sobre mim1 — empurrar para diante essa revista e ahí tenho três volu- mes meus). E porque sahiram Ihering e Goeldi e foram produzir nos mu- seus de S. Paulo e do Pará 9 volumes de historia natural e fizeram colle- cções eguaes ás do- nosso Museu ? O ponto é muito grave e a razão dada não nos satisfaz. Continuemos o nosso estudo : Leiamos Netto. «Poucas eram as plantas que compunham o hervario do Museu Na- cional, quando pela reorganisação d'este estabelecimento foi creada a secção de Botânica e Agricultura. Entretanto é certo que em 1832 possuía este es- tabelecimento um hervario bastante completo, e que d'essa importante col- lecção, em grande parte composta de plantas brasileiras, extrahio o celebre bo- tânico jrancez CarlosGaudichaud quatro mil e quinhentas espécies que, di- zia elle, lhe haviam sido offerecidas, á titulo de retribuição, pelo trabalho que houvera tido de classificar o hervario do Museu brasileiro. Nós tivemos occasião de consultar e de examinar todos esses vegetaes no hervario do Mu- seu do Jardim de Paris, e cada vez que á esse trabalho nos entregávamos, confrangia-se-nos o coração por que uma vóz interior nos estava sempre á dizer que não por dadiva, mas por uma disfarçada expoliação, se achavam ali aquellas plantas». Ladislau Netto, pag. 287. Com a faculdade ampla de contactar pessoal competente, Netto, por sua Vez contractou serviços de Hcrbert Smith, de Ihering, de Goeldi, de Jobert e de outros. Onde estão as collecções de Herbert Smith ? Temos apenas uma parte das aves; a outra foi levada para a America do Xorte, estudada lá e de- pois de publicado o estudo líuma revista Americana, a parte que ficou no Brasil foi mandada para á Europa, pelo Dr. Goeldi afim de ser estudada pelo Conde de Berlepsch e voltou ao Museu — mas uma outra parte entre- tanto — até hoje não voltou dos Estados Unidos. Keyserling publicou uma valiosa monographia — Spinnen Amerikas — de que o volume sobre as aranhas brasileiras foi moldado por material en- viado pelo Dr. Goeldi, que exerceu aqui por contracto o logar que eu hoje oceupo. Que é do material colleccionado por esse funecionario no Museu? Não ha aqui unia única pelle, um único objecto com uma etiqueta sua. Onde - 35 - está esse material òolhidlo durante os cinco atinas <-m que S. S.a foi sub-dirè- ctor da secção de zoologia ? O Dr. Clement Jobert, contractado para fazer excursões no Amazo- nas para o Museu reunio cerca de 3.500 exemplares de peixes que, conforme se pôde ler no archivo da Secretaria, foram mandados á classificar no Mu- seu de Pari.-;. - - Desse material publicaram o Dr. Leon Vaillant um apanhado sobre Scleracantha e o Dr. Pellegrin outro sobre os Cichlidac ; o Museu, en- tretanto, recebeu menos de 180 exemplares de espécies remcttidas. E' sem- pre bom lembrar que o Museu adquirio uma collecção de plantas fosseis que foi mandada a certo especialista para ser determinada . — ipois bem, essa collecção que entre nós é conhecida pelo nome de collecção Saporta - - foi vendida em leilão e comprada pelo Museu de Paris. Onde andará a collecção José Bonifácio, offerecida pela familia do grande brasileiro ? Francamente I Ainda não é a faculdade de angariar pessoal de va- lor (se esse pessoal pede aos outros a solução dos problemas e para isso perde o material que é património do Estado) que resolve o problema! Outro facto curioso e exacto é serem os verdadeiros naturalistas es- curraçados daqui. O Brasil — chamado o ÉDEN DOS NATURALISTAS -- sustenta um Museu que tem a faculdade de os afastar ! E os nomes mais brilhantes das nossas sciencias naturaes — hospedes do Brasil - não procuraram o Museu. Lund, Reinhardt, Burmeister, Martius, Eschwege, Spix, Darwin, Agas- siz, Castelnau, St. Heilaire passaram pelo Brasil ou nelle residiram sem fallar no Museu e quando o fizeram foi da seguinte maneira : Agassiz, Viagem ao Brasil : «Impressões geraes do Brasil -O museu do Rio de Janeiro (1868). O Museu Imperial de Historia Natural na capital do Rio é antiquado ; para quem quer que saiba, o que sejam museus com vida e trabalhoj é evidente que as suas collecções permaneceram por annos na sua condição actual sem addições ou melhoramentos. Os animaes montados, mammiferos e aves estão esmaecidos ; e os peixes, com excepção de alguns bellos espécimens empalhados e do Amazonas, não dão idéa da variedade encontrada nas aguas brasileiras. Melhor collecção seria feita em qualquer manhã na praça do mercado. O museu contem alguns bellos fosseis do valle de S. Francisco e do Ceará, porém nenhuma tentativa foi ainda feita para determinal-os.» E' evidente que um tal juizo seja antiquado e muita cousa tenha me- lhorado . . porém . . os bellos fosseis ainda esperam, em muito grande parte, a suspirada classificação . . . Burmeister veio ao Museu Nacional e offereceu-lhe um esqueleto de Schelidoiherium em 1886; não se contentou com a offerta, quiz vir mon- tar aqui o esqueleto. Pois bem, ainda ha testemunhas oculares da formi- dável reprimenda que — de viva voz fez elle á direcção d'esta casa - 36 - por occasião do trabalho. Melhor do que eu vôs contará o Snr. Eduardo de Siqueira que o presenciou. E assim tem explicação as seguintes palavras de Lacerda : «Burtoeister foi um naturalista clássico da America; foi elle que, com a sua alta sciencia e os seus grandes esforços ergueu o Museu de Buenos Ayres ; foi elle quem fez resurgir do lado as formas colossaes da fauna quaternária da America do Sul, sepultadas nas pampas argentinas. Caracter ríspido, duro, iniolerante, estranho á tudo quanto não fosse objecto ou as- sumpto referente á sciencia que elle cultivava. Burmeister conquistou pelos seus números importantes trabalhos em1 varias secções da zoologia — uma reputação universal — Fastos, pag. 61. Pois meus senhores, ainda bem esse homem que o Brasil não soube aproveitar para lhe entregar a direcção do Museu Nacional, havia virado as costas, de volta á Buenos Aires — que se pintava á óleo o esqueleto fós- sil por elle offerecidò e carinhosamente montado. E se duvidaes, ide em visita á sala de paleontologia em que o dito esqueleto se acha exposto. Riedel, nomeado director do Museu — só foi conservado em tal cargo armo e meio. Ihering e Fritz Múller, exhoneraram-se ; Ule foi demittido sob o pretexto de que fizera reclamações diplomáticas. Júlio de Moura aban- donou o logar sem a menor despedidda; Dusén foi chamado á concurso de- pois de vários annos de serviço nesta casa. Hartt, nomeado em 76 para a secção de mineralogia em jj pedia demissão. Derby me disse pessoal- mente : «Tudo quanto eu poderia desejar ao Museu éra que pegasse fogo . . .» Eis ahi o que dizem do Museu, os dados officiaes e officiosos. Na próxima conferencia vamos ver se o (diabo é mesmo tão feio como se pinta e porque anda elle tão por baixo. 3f Conferencia O que os Governos fazem do Museu O que elle dere ser A LICÇÃO DE RONDON A Commissão Rondon e o Museu Nacional III O que os governos fazem do museu; — o que elle deve ser, — a licção de Rondon. ° «Eia, aprendei, colonos, cada amanho. E amansai cultivando o que é bravio. Não jaza inerte o solo : Bacho exulta No Ismaro; Palias o Taburno veste. As que montam por si com força ás auras Viço infecundo ostendem; lá de baixo A Natura as anima ; se as enxertas, Se as transplantas, comtudo, á fofas camas, A bronca índole despem; trato assíduo Em breve á teu sabor ha de amoldal-as. Renovo que engelhado sahe das barbas, Se á larga o arejas, vingará; que a madre Folhuda o abafa, enguiça e os botões queima. Tarde aos nettos dão sombra as de semente : A espécie degenera, olvida os suecos; Peca azeda-se a uva, he de aves prêa. Que as desponhas em rego todas querem Querem1 todas cuidado e arrumo e gasto.» Virgilio, Georgicas, livro II, por Odorico Mendes, pag. 106 vs. 44 á 60. Em fins de Outubro de 1914, ungidos do sagrado interesse de bem servir á Pátria, três homens, brasileiros eminentes, procuraram a directoria 1) As duas conferencias anteriores já foram publicadas no Jornal do Commercio de 9 de Abril ç 17 de Maio de 1916; a presente ali teve os seus originaes extraviados, sendo aqui publicado de uma cópia reservada pelo auetor. - 40 - d'esta casa ; eram os Snrs. Drs. Carlos Peixoto, António Carlos de Andrade e Sá Freire — membros da celebre commissão dos três, indicada, pelas com- missões de finanças do Congresso, para oriental -as nas medidas mais neces- sárias para o- orçamento de 191 5. Nada teria que ver com semelhante facto se, por estar ausente o di- rector do Museu, não me coubesse a subida honra de ser chamado á dizer sobre o que se referia ao estabelecimento. Comprehendestes immediata- mente quão formidável não se tornava tal honra, tendo-se -em vista as mi- nhas ligações de amizade com o fallecido Dr. Lacerda, para com esta casa e, ao mesmo tempo, os meus deveres como cidadão brasileiro e funecionario de terceira cathegoria aqui. Optei incontinente por uma evasiva - o que consegui com relativa facilidade, convidando a Commissão á um passeio pela casa; e graças aos auxilios que me prestaram, o Snr. Dr. António Carlos - - cuja curiosidade pelo que via foi -me de grande proveito - - e o meu amigo Carlos Mo- reira, em cujas mãos deixei a fumegante bomba... E' certo que, depois, á guiza de acto de contricção, eu satisfiz-lhes cabalmente o intento e com a mais ampla franqueza para com os meus ami- gos do museu. Não sei se consegui o perdão dos Snrs. Congressistas ; mas o que eu aconselhei e é minha opinião firme e sincera, está expresso nas 6 cartas que, em Novembro d'aquelle anno, publiquei pelo «Paiz». Na epoeha actual, do domínio da especialidade, os museus complexos são anachronicos e nenhuma razão há que os sustente. Elles são, mais ou menos, sinecuras protegidas pelo numero, onde póde-se passar uma existência calma sem o conhecimento dos contribuintes ; e pouco ou quasi nada adiantam quando não caminham n'um sentido unila- teral. O seu andar é trôpego e incerto, falho e ridiculo como o do carangueijo ; reproduzem para sempre a eterna fábula da lagosta, do eterno Lafontaine. E' o corpo que domina a cabeça. Mechanicamcnte incompleta, esta se dis- simula na massa geral e o individuo, quanto mais caminha, tanto mais se afasta do que lhe fique á frente. Consequentemente, propuz a dissociação dos quatro museus concentra- dos n'esta casa, com as seguintes resultantes: I Se» ção de Geologia, Mineralogia e Paleontologia — reunida ao Ser- viço Geológico e Mineralógico do Brasil, elevado á Museu de Geologia e Mineralogia. II Secção de Botânica (Herbarium) e Horto Botânico (Arboretum ) reuni- dos ao Jardim Botânico, elevado á Museu e Jardim Botânico. — 41 — III Secção de Zoologia permaneceria como Museu de Zoologia (a antiga casa de Pássaros). IV A Secção de Anthropologia seria constituída como Museu de Anthro- pologia e Historia. Indiquei os orçamentos com elevados saldos sobre todas as propostas do governo. E nenhuma despeza, além das de uma simples mudança feita em caminhões do Estado, quebraria a marcha económica do governo actual — á cujo encontro vinha. Um regulamento como os que o Governo promulgou em relação ao Jardim Botânico e Serviço Geológico seria sufficiente para qualquer das qua- tro instituições. A vantagem principal dessa dissociação reside : I — na economia pela concentração dos serviços da mesma natureza; II — na autonomia conse- quente de cada um delles que, tendo as suas verbas isoladas e distribuídas em orçamentos impede os mil e muitos factores que as desviam de suas applicações. A segunda d'essas premissas dá as seguintes consequências: I — mar- cha para] leia e independente dos serviços. II — Fiscalisação autónoma e pu- blica de cada um1 delles. III — Selecção do pessoal pela exigência de espe- cialistas nas respectivas direcções. IV — Impossibilidade da eliminação ou re- ducção iniqua das verbas de material com as quaes qualquer dos serviços tenha de se desenvolver. Livre de agir, o Governo optou pelo museu complexo. E n'isto tem a ex- cusa do exemplo de muitos governos no mesmo procedimento. Restabeleceu, entretanto, com vigor muito maior ainda, a dualidade dfe direcção, dando mão forte á tendência exclusiva e avassaladora dos cursos, esquecendo o fim especial dos museus. Conservou os funccionarios superiores como professores e deu-lhes a significação académica. Quando se havia de apoiar em geólogos, minera- logistas, botânicos, zoologos, conservou uma Congregação que vem prejudi- car, por completo, a iniciativa do director, sendo por sua vez prejudicada, essa Congregação, por não lhe competir a distribuição e applicação das verbas. Antes que eu pedisse — é o próprio actual director do Museu quem nos traz, agora, a confirmação do que digo : «Imparcial, Segunda-Feira, de 3 de Abril de 191 6: «Os professores do Museu reconhecem a extraordinária vantagem das sessões em Congregação que - 42 - $âo urna incontestável garantia ao bom andamento dos trabalhos e conse- cutiva prosperidade do instituto, interessando todos nos projectos e resolu- ções, dividindo, portanto as responsabilidades»; mais adiante: «... um director que quer trabalhar... é sempre incomímodo aos que não gostam de traba- lhar ... os trabalhadores sentem-se , bem commigo ... os outros julgam-se le- sados em direitos adquiridos . . .» E' pois o Director do museu que vem confessar que ha descontentes contra os quaes não tem' meios de fazer trabalhar, e que a congregação é bôa porque divide as responsabilidaddes. Outra confissão do mesmo dia é que foi o Senador Bueno de Paiva quem amparou o roçamento do Museu... O secretario do Museu Nacional do Rio de Janeiro, escolhido pelo Co- ronel Rondon para fazer Historia Natural na Commissão, escrevia em 1908, n'uma noticia de sua viagem : «E uma vez que possuímos museus, é para esses que deve conver- gir todo auxilio dos poderes públicos, á par de uma fiscalisação mais se- vera dos respectivos serviços. Com as verbas de que são dotados, torna- se impossível exigir-se delles um bom serviço de exploração, e é á taes estabelecimentos que incumbe eliminar os dísticos de — Desce hecido — - do mappa da Republica. Com o pouco que possuem o que elles tem feito é bem pallido em re- lação ao que devem produzir. E parece que mesmo esse parco trabalho que apparece é o frueto de sacrifícios que pesam somente sobre o desventurado que se arrojou á executal-o. Os museus são outras tantas bibliothecas onde, em vez de palavras e estampas, são encontrados — os factos e as suas provas — ; e se as biblio- thecas propriamente ditas são importantes porque encerram os livros que, disseminando o saber, são a base de todo o progresso, essas bibliothecas con- cretas não o são menos, por encerrarem a expressão exacta da Natureza ou as licções materiaes do próprio saber humano.» Essas minhas palavras escriptas em 1908 na Kosmos, n.° 9 — anno V, repetidas por outra forma em as cartas de Novembro de 191 4 á que já alludí, continuam ainda com toda a actualidade, porque os Poderes Públicos ainda vão errados no que toca aos serviços de Sciencias Naturaes da União, Como dar cumprimento á essa funeçãp principal do museu — a de apa- gar os títulos de desconhecido das cartas do Brasil e da Natureza brasileira? Como iremos colher ws milhares de objectos dignos de observação e exame e que podem ser empregados em beneficio do Commercio e da Industria e das Artes» se as nossas funeções nos prendem aqui, pertinho da Avenida, creada para goso do Mundo pelo benemérito Dr. Rodrigues Alves ? - 43 - Foi sob a gestão do Dr. João da Silveira Caldeira -- de 1823 á 1827 e auspícios 'do Ministro José Bonifácio de Andrade e Silva - que foram contractados serviços de naturalistas que se abalançavam á se alheiar das capitães, por certo, naquella epocha sem os attractivos de hoje. Foi então que para aqui colligiram Silva Manso, von Sellow, Pauli e, mais tarde o próprio Natterer. Foi sob a gestão de Ladislau Netto que o pessoal do Museu começou á fazer excursões, dando o próprio Netto o exemplo na execução. Todas as excursões do Museu podem ser referidas ás seguintes loca- lidades : — Pará (Pacoval e rio Capim J ; Espirito-Santo e Minas (Rio Doce e Mucury); Bahia (Jacobina); Santa- Catharina (Littoral); Rio Grande do Sul, Rio e Minas (Itatiaya). Como se vê não é muito, entretanto, o material d'ahí colligido, mais ou menos estudado, existe no museu e é, ainda, fonte de muita luz para a sciencia do Mundo. Ao contrario, a maior parte do material angariado nos contractos e, como já se vio, mesmo algum colligido, não tem hoje existência no Museu. Uma parte do que se perdeu, corre, sem duvida, por conta da falta de mostruários e material para guardal-os convenientemente - sendo que, em certos momentos veio ainda a falta de pessoal para execução desse serviço. Tal facto tem occorrido quando para aqui tem sido mandados prepara- dores e praticantes que se destinam aos cursos das faculdades superiores e sem outro interesse que as mensalidade e os quaes, por melhor vontade que tivessem, nem sempre conseguiram vencer a natural inaptidão para os seus cargos. Com effeito, o museu tem concorrido para a formatura de muito me- dico e mesmo advogado ; e é altamente philanthropica essa acção do Estado contribuindo para a cultura de seus cidadãos. Mas, occorre aqui lembrar que se tal feito é recommendavel ao Estado, não nos parece justo o meio, por- quanto o próprio Estado possue verbas especiaes no Ministério da Instrucção Publica que, attendendo-se aos respectivos títulos, justificam perfeitamente taes dispêndios. E tal facto que denota já a protecção de creaturas que se destinam a fins alheios ao museu, prejudica não Somente a repartição assim desfal- cada de logares e de verbas, como ao desenvolvimento das sciencias natu- raes no paiz, porque aquelles que" pretendam especializar-se nesse restrict© ramo do saber humano, acham fechada a única porta que lhe poderia ga- rantir o êxito. Por sua vez todas essas anomalias só tem explicação no dualismo admi- nistrativo, pregado sobretudo na segunda metade da administração Lacerda e acceito nos regulamentos — de agora inclusive — que permittem directoria administrativa e funccionalismo technico — o que vale por dizer directoria leiga e funccionalismo conhecedor do assumpto. - 44 - Essa theoria viável para o caso único dos museus finidos — isto é dos museus archivos que apenas precisam1 de meros zeladores, sob a condição de attribuir-se a iniciativa aos chefes de secção ou ás congregações, tal como no caso do regulamento Floriano ou mesmo Campos Salles, em que a Congregação distribuia entre as secções e applicava as verbas, examinando todas as parcellas das despezas feitas e exercendo uma fiscalisação directa dos dinheiros votados. E' claro que a Directoria passava á ser, com ef feito, a Congregação, ao passo que a chamada Directoria éra, na verdade, apenas uma Secretaria sem iniciativa. Esse estado de cousas presenciei eu durante dez annos á fio — e) durante elle só fez excursões quem as quiz fazer e isto mesmo ás longín- quas e difficillimas paragens do Itatiaya, de Iguape em Santa-Catharina e de Minas Geraes, correndo os mesmos grandes riscos e as mesmas peripé- cias que correm os Snrs. Senadores e Deputados fazendeiros, todas as vezes que sahem de seus pennates para os labores das legislaturas. K' claro que á não ser para as inhos pitas terras de Minas Ge- raes, ninguém se abalou á sahir ; e é ainda mais claro ainda que dispondo da faca e do queijo cortasse ás avessas quem se sabia isento de responsa- bilidades. Foi sob o Governo do Dr. Nilo Peçanha que o funccionalismo do Museu se vio recompensado de modo equitativo e justo em face dos seus de- veres; e não ha funccionario daqui e d'essa epocha que não lhe seja grato por essa medida de justiça. Seria também ingratidão deixar de mencionar os esforços • do Ministro Rodolpho Miranda n'esse sentido e a influencia do Professor Sérgio de Carvalho, graças á quem o museu passou para o Mi- nistério da Agricultura. Porém, ainda não está explicado porque, com essa mudança para melhor, veio a Congregação á perder as suas funcções, para passar ás de capa exclusiva dos actos dos directores. Foi essa reforma ainda aggravada de outros defeitos que o Governo actual encontrou, encampou e ampliou. Synthetizemos o conjuncto da evolução do Museu; póde-se attribuir três phases ao seu desenvolvimento : I 1818-1870 — Fundação e stáse em regimen didáctico sob a direcção dos professores da escola militar — Frei Azevedo, Brigadeiro Burlamaqui e Fr. Custodio Alves Serrão. II 1 870-1893 — Evolução e progresso sob o regimen dos naturalistas Freire Allemão e Ladislau Netto ; período de excursões e conferencias. Fundação dos Archivos. Desenvolvimento das collecções. Acquisição de espaço com mu- dança para a Quinta da Bôa Vista. - 45 - III 1893-19H — Regimen escolástico e dual sob a direcção do Dr. Lacerda. Acquisição de mostruários e desdobramento do edificio ; elevação dos salários do funccionalismo. A' principio tendência scientifico-industrial, depois domí- nio da direcção leiga absoluta. A vida e o êxito de estabelecimentos d'esta ordem dependem de fa- ctores muito simples : naturalistas e meios para que estes se desenvolvam. Por meios intenda-se autonomia e propriedade de verbas ; com ef feito que poderão fazer quatro museus juntos com recursos que não chegam para um? As razões de economia não procedem porque eu provei nas já alludidas cartas, ser possível fazer o serviço melhor e muito mais barato, com a separação d 'esses museus. E que é um naturalista ? Quando eu entrei, pela primeira vez, no Museu Nacional, éra ainda estu- dante de preparatórios. Eu que na bibliotheca municipal da cidade de Va- lença encontrara a Historia Natural popular do Dr. Anstet — em portuguez — (livro que por falta de dinheiro copiei em manuscripto que trouxera para o Rio de Janeiro); -- e uma edição de luxo de Buffon, (que para ler e tra- duzir precisei primeiro estudar o francez -- tendo também traduzido a parte dos Simios), tive uma formidável emoção por encontrar aquelle repositório que eu julgava a solução de todas as difficuldades da zoologia... Percorri, embevecido, todas as salas e voltei ás de zoologia onde, á tarde, a mão amical do Porteiro, (cujo ar severo e barbas á Francisco José emprestavam uma auctoridade respeitável), tocando-me o hombro, in- terrompiam-me a contemplação e me mostravam, ao mesmo tempo, a porta da rua. Não éra, no emtanto, possível á nenhuma força retirar-me assim sem mais nem menos ; travei conversa com o homem - - António Alves Ri- beiro Catalão (1) -- á quem pedi me apresentasse ao Director do Museu, pois eu queria permissão para frequentar aquelle templo. Catalão éra inegavelmente um homem bondoso, com tada as sua ap- parente ferocidade de ex-inspector de alumnos do Mosteiro de S. Bento. — Marcou-me o primeiro domingo para a apresentação e eu tive o ensejo de conhecer a imponente figura do Conselheiro Ladislau Netto. Interrogou-me este de que ramo da Historia Natural eu gostava e, em seguida á resposta, deu-me a almejada permissão. Lembro-me bem d'esse domingo, em que ha- via um serviço extraordinário, o preparo d 'uma suaçurana de que fora en- carregado o então preparador Carlos Moreira. N'esse dia mesmo eu o ajudei e d'ahí por diante começaram e augmentaram gradativamente as minhas fu- gas do collegio. A' pouco e pouco fui conhecendo uma outra parte do Mu- lo Presente á conferencia. - 46 - seu em que nem sonhara; a sua parte dynamica. Interessante e curioso éra o systema que encontrei então e se prolongou, depois, pelos tempos de La- cerda: e éra o de constituirem os empregados duas cathegorias : uma de ver- dadeiras entidades intangíveis, superiores, destinadas aos cursos e prelecções pomposas e outra a de verdadeiros pariás, sem direitos, obrigados as deter- minações e viagens e sob o nome de «naturalistas viajantes», depois «natura- listas ajudantes». Em geral estes mesmos eram postos em duvida pelos di- vinos e o (material éra mandado aos sábios d'além mar que com elle ficavam e nem sequer nos m.indavam as monographias que mesmo lá publicavam. Umas cartas em que existissem os queridos dizeres de «três honnoré et chèr collègue» eram saborosamente traduzidas nos jornaes diários e bastavam para sagrar de «sábio» quem recebia tão faustoso tratamento. Um dos martyres dessa epocha foi Carlos Schreiner, á quem o Mu- seu deve a determinação das aves expostas até hoje, a contribuição de uma bôa collecção de Lepidopteros, a acquisição do magetherio de Jacobina, e muitos outros serviços menores. O que, sobretudo, me espantava éra que essa gente que o Estado pa- gava para fazer sciencias naturaes, quizesse apenas as apparencias junto á Rua do Ouvidor e guardasse para os outros os ónus ; e me rebellava contra a mansidão religiosa por meio da qual homens como Schreiner se submet- tiam á taes imposições. Assim, a figura do ingénuo Me ver, tão bem pintada por Taunay na «Innacencia», tinha-se prestado admiravelmente áquelle aproveitamento pe- los estagiários communs á todas ás repartições que faziam do naturalista, não o homem á quem se devesse confiar os museus de historia natural, mas espécies de maníacos methodicos, á custa de cuja moléstia — como sim- ples aceno d 'esses museus, fosse possível ir explorando o campo e gal- gando as commodidades de uma vida sabiamente dirigida. Outros, está claro, não fizeram mais do que rirem-se do systema ; e desse numero foi certamente o Dr. Goeldi, por amor de quem Bilac chamou o Museu de ankylosado. Depois do regulamento Floriano exigia-se concurso e folha corrida ; por ultimo nem mesmo a folha corrida éra necessária. Isso no museu; fora d'elle a concepção brasileira sobre o que seja um naturalista, não varia muito: Certa vez, indo eu ao Rio Novo, fui apresen- tado á um professor da Escola de Minas de Ouro Preto, ali de passagem. O meu introduetor que éra o Pharma ceutico Francisco de Paula Leopoldino de Araújo á quem o museu muito deve, dizia : — «Fulano de tal, naturalista»... e já o Professor respondia escandalisado — «com esta cara! Naturalista!».. E deu-me as costas sem a menor cerimonia.. Para Júlio Verne não havia naturalista sem óculos azues e aro de ouro; é certo que a generalidade dos Professores maneiros não pensará assim mas os outros brasileiros, em geral, não admittem naturalista com o typo comrnum de qualquer de nós - ha de sempre ser uma espécie meia hir- — 47 - suta, meia exquisitona, um mixto de anthrophoide e de visionário ; sujeito meio desleixado, mais cabello do que corpo, mais lobishomem do que ser humano. Procurando urna apreciação média, podemos concordar que naturalista, aqui, significa logo estrangeiro e principalmente allemão. E' forçoso convir que esse sentimento seja o corollario da negação cios fiossos avós pelas sciencias naturaes. A nossa fonte de origem é prin- cipalmente lusitana e os naturalistas portuguezes são recentes ; e Portu- gal não teve um Lamarck, um Darwiin ou um Haeckel - - cousa que ainda não appareceu egualmente no Brasil. A aberração contra as sciencias naturaes é quasi uma feição morpholo- gica dos luso-brasileiros, ao passo que phenomeno contrario se observa nos europeus ou americanos de origem céltica, anglo-saxonia, slava ou ger- mânica. Parece-me que não erro se digo que em razão de 10:1000 os alle- mães sejam naturalistas. E na Allemanha todo mundo sabe que Naturfor- scher é aquelle estudante inteira e eternamente consagrado ás sciencias natu- raes. Seja como fôr, é certo que todos nós que temos o dever de expli- car ao publico pagante o que é e para que serve tal rocha, tal planta ou animal, se não nos queremos classificar pelos nomes de geólogos, botânicos, zoologos, etc, por certo mais lógica e explicitamente constituidos, não en- contramos no diccionario outro termo que não seja o de naturalista. Não sei porque teimosia havemos de ser Professores! Todo homem que toca ra- beca é rabequista, que pinta é pintor, que preside é presidente e nós, que fazemos sciencias naturaes não somos naturalistas ; que fazemos zoologia não somos zoologos; que fazemos botânica não semos botânicos! Professor é todo individuo que devidamente auetorisado professa uma disciplina qualquer. E o que temos nós por dever ? Estudamos os os «milhares de objectos dignos de observação e exame que podem ser empregados em beneficio do Commercio, Industria e das Ar- tes e propagamos por meio dos «Archivos», de conferencias, etc», os nos- sos resultados ao mundo civilizado ; e este, recebe, critica, acceita ou repelle esses mesmos resultados. E os professores ? Depois de terem aprendido as verdades admittidas e não mais discutidas, sujeitaimse á exame para mostrar que sabem trans- inittir essas verdades e as professa/n á quem quizer aprendel-as. Um collige, investiga e entrega á critica. Outro transmute, repete, o que a critica seleccionou e admittio. Ainda outro dia vimos bem claramente frizadas essas differenças com a conferencia Betim Paes Leme, na questão da Euxenita do Pomba. Ora, está claro que ella não seria necessária se o sympathico sciencista tivesse de fazer uma prelecção sobre euxenita, em geral. Mas como se distingue, afinal, um naturalista? — 48 - Na Europa, geralmente, após o curso universitário, á antiga em que en- tram disciplinas clássicas, ou á moderna em que apenas se aprende o que tem applicação pratica e existência actual, é-se naturalista official estudando- se três semestres, com professores escolhidos pelo candidato e escrevendo- se uma t/icse original. Eis ahí um doutor, dito em philosophia. Geralmente o titulo é indicado por uma abreviação de Dr. em philosophia, Ph. Dr. Para ser professor as difficuldades crescem com exigência de onze annos de estudos, findos os quaes o paciente é examinado por todos os seus lentes. Antigamente esses exames, verdadeiros debates scientificos, eram sus- tentados em latim. Mas esta classe de mestres não tem privilegio para es- tabelecimentos de historia natural onde haja trabalhos de investigação. O grande Fritz Múller não éra Professor; Professores não foram1 Darwin nem Bloch, nem Gould, nem Sclatter, nem Schlegel. Professores não são nem Thomas, nem Boulenger, nem Regan, nem Steindachner, nem Toldt Júnior, que sei eu... poderia trazer para aqui qasi 8/4 dos índices dos naturalistas da superfície da terra. E é claro que assim seja, porque o preparo encyclopedioo exigido para o verdadeiro professor, absorve-lhe o tempo. O Professor Anizitz, que aqui esteve pelo Congresso Scientifico Pan-Americano do Rio de Janeiro, dizia-me que não podia produzir porque o seu dia estava tomado pelas disci- plinas que professava. Por causa d'isso perdeu elle muitos ensejos de bons trabalhos scienti- ficos originaes e boas diagnoses da fauna sul-americana, algumas das quaes, Eigenmann e eu, lhe tomámos involuntariamente. Nós não podemos acceitar sem protestos um tilulo que não nos compete e que não significa a nossa profissão e muito menos uma funcção que falsea a existência do estabelecimento á que servimos. Professor segundo a accepção brasileira é o homem que faz do ensino profissão, estudou exclusivamente para preparar a mocidade, acompanhando-a nos cursos preparatórios e superiores - findos os quaes acaba-se a sua missão ; e, nos paizes organisados, s ó á pôde exercer quem possua certi- ficados officiaes. Nós os naturalistas -- sabidos ou não dos cursos dos professores, te- mos o dever de investigar a natureza oomtaunicando, quando necessá- rio ou útil, os nossos resultados á communidade. «Querendo propagar os conhecimentos c estudos das sciencias nata- raes do Reino do Brasil, que encerra em si milhares de objectos digno*. de observações e exame e que podem ser empregados em beneficio do Commercio, da Industria e das Artes que muito desejo favorecer, como grandes mananciaes de riqueza... Hei por bem que nesta Corte se esta- beleça um Museu Real...», foi o que disseram D. João Vi e Thomaz de Villa Nova Tortugal, quando crearam este Museu. Portanto, nós que respeitamos a tradição e honestidade das nossas pro- promessas, não podemos acceitar qualquer mudança de funcção nem de nome - 49 - porque a nossa funcção está presa á nossa vida^ ao nosso ideal e á nossa bôa fé. Pela minha parte serei tanto professor quanto o fui Secretario do Mu- seu quando em 1908 parti para Matto-Grosso na Commssião de Linhas Te- legraphicas e Estratégicas de Matto-Grosso ao Amazonas. «Você não é Professor? me perguntava Steindachner, o director do Museu de Vienna; e á minha resposta negativa elle explicou-me : E' que eu não os quero aqui no Museu de Vienna ; não se dedicam ao objecto de sua funcção e roubam ao Museu com o exercício das aulas. A' final é isso mesmo; a única vantagem do titulo de Professor no Museu, está na faculdade das accumulações remuneradas. Se o governo teima em conservar effectiva a disposição dos cursos pôde fazel-o com a condição de encarregar d'esse serviço empregados es- peciaes que poderão ter o titulo de professores e de fornecer certificados de utilidade aos frequentadores dos mesmos cursos. Esses empregados deverão ser escolhidos ou acceitos dentre os diver- sos naturalistas do museu que estejam já em condições de não poderem arcar com o peso das funcções de geólogo, botânico, zoologo ou anthropó- logo e prefiram aquella funcção. A exigência de serem tirados taes funccio- narios do corpo de naturalistas, repousa no cuidado do tracto das collecções ; professores livrescos não sabem differenciar uma collecção de museu d'uma collecção para demonstrações e tanto inutilizam aquellas como estas. Se me consultassem eu preferiria mandar nacionaes adquirirem titulo de professores na Áustria ou na Inglaterra e encarregava a esses ao reali- zação de cursos tão queridos. Nas condições propostas pelo governo, entretanto, tudo quanto está feito reproduz a organisação Lacerda com todos os defeitos imagináveis, co- meçando pela impossibilidade mechanica em face da exiguidade do pessoal. Além da possibilidade da sinecura dos dirigentes, outro defeito das instituições complexas reside também1 na apparencia do grande numero, por- que se apresenta em globo. O museu de Xavier dos Pássaros éra um museu era inicio — e dis- punha d'uin director, 2 ajudantes, 2 caçadores e 3 serventes, o que pode ser traduzido do seguinte modo : um zoologo, dous assistentes, dous preparado- res viajantes e três serventes. Esse museu, corresponde hoje á secção de zoologia que, sendo a que tem maior pessoal, dispõe de um chefe (Professor), um substituto, dous prepa- radores, um modelador e dous serventes, ou venha a ser menos que a casa dos Pássaros. - 50 - Agora calcule-se que esses serventes tem por sua conta 1 5 salões dè exposição á limpar; 15 compartimentos do laboratório da secção á limpar e arrumar quotidianamente* o serviço determinado pelos superiores á cumprir, assistência aos trabalhos. Os preparadores tem a escripturação diária, a preparação do material que entra, a conservação do material exposto e guardado em duzentas vitri- nas nos quinze salões de exposição, zelar pelo material das 15 salas do la- boratório, cumprir ordens recebidas e preparar o material pedido pelos su- periores. O professor e substituto quando sararem em excursões terão de in- terromper os cursos, quando fizerem os cursos terão de abandonar o material colhido nas excursões. Eis ahí de como o governo cumprio a sua promessa de «produzir sa- lutares e benéficos effeitos, estimular a exploração das abundantes minas do nosso Brasil animando tão promissora industria». Sinto que o Dr. Wenceslau Braz tenha desprezado as minhas pala- vras quando quiz dar ao Museu a honra da sua visita ; e eu lhe disse, com toda a verdade, que o Museu Nacional éra uma repartição que podia ser equiparada á um' bom museu — faltava- lhe apenas, orientação, «o que éra preciso, disse eu, éra dai-o aos fins á que se destinam». Sua Excia. não me acreditou — naturalmente não passando eu de um cu- rioso» ou «sujeito que tem escripto umas coisas curiosas» ou como outros que- rem, um1 (.(.coileccionador ou especialista em peixes», >não tive o necessário pres- tigio para impressionar o Chefe da Nação. E' certo que eu nunca me impingi como outra cousa mais que um sim^ pies estudante de zoologia applicada ao Brasil ; e que faz questão em que não o tomem por doutor nem professor. Note-se que assim ajo., não por jactância ou menospreço do mérito alheio adquirido por esses títulos sociaes — mas ainda pelo exclusivo amor á verdade. E' da honra que eu faço mais questão e da palavra; poderei estar er- rado em bôa fé ; provem-me o erro e darei as mãos á palmatória. Ninguém faz idéa do medo que eu tenho de que me tomem.' por um «baçú» ; não faço nisso injustiça aos homens instruídos não diplomados, o meu respeito por estes é tão grande como por aquelles, mesmo porque o diploma não evita o baçúisnw (se me permittem o termo) e ha infelizmente muito baçú em toda a superfície da Terra. A minha questão capital reside na bôa fé, na ho- nestidade, base principal da verdadeira sciencia. E é por isto, no intuito de «bem servir ao rei» que eu volto á repetir que o museu não é apenas «depo- sito de material de estudo». Basta considerar, nas suas quatro secções, o valor do que existe reunido e estudado por especialistas estrangeiros ou por aquelles funccionarios d 'esta casa que tem se opposto á feição transviada que os governos lhe tem até hoje querido dar, para não se adrnittir seme- lhante juizo ; vejamos : - 51 - Secção de Geologia, Paleontologia e Mineralogia I, Collecção de fosseis estudada e classificada por White, da Ame- rica do Norte. IIj Parte da collecção de fosseis estudada por Agassiz. Secção de Botânica Hervario da flora brasileira e já determinados parte do de Dr. Freire Allemão, tíe Riedel, o de Lindmann, de Mosén, de Spencer Moore, de Dusén, de Glaziou, de Ule, de Malme, de Schwake, de Hoehne, de Sampaio e Diogo-; hervario do Ceará estudado por Lõfgren e muitos outros. Secção de Zoologia Collecção de molluscos do Brasil determinada por von Martens ; idem de insectos do Brasil ou collecção de Friedenreich ; idem, idem de Fritz Miiller ; collecção de crustáceos determinada por C. Moreira, collecção de aves determinada por C. Schreiner e pelo Conde von Berlepsh, collecção de mammiferos typo dos trabalhos da Comimissão Rondon, estudados pelo, pre- lector ; collecção de peixes estudados pelo mesmo ; collecção de Lepido- pteros estudados por C. Schreiner; collecção de Beija-flores estudados por C. Moreira, Siqueira e o prelector. Material do Itatiaya estudado por C. Mo- reira e pelo prelector ; collecção de hymenopters estudados por Friese ; idem por A. Ducke; collecção de molluscos estudados por Ihering. Secção de Anthropologia Todo o material enumerado na estatística da segunda conferencia, acrescido do da Commissão Rondon, typo dos estudos deste e de Roquette, oollecções preciosíssimas de cerâmica do Marajó, estudadas por Hartt e Netto. Basta uma simples consideração d'este material já estudado para se verificar, como já é possível a resolução de problemas scientificos, impor- tantíssimos e ligados á vida da Nação e de interesse mundial. Nada ha de novo sob o sol I Como se applicam aqui as palavras judiciosas de Frei Custodio Alves Serrão. «Os poderes públicos ainda não oomprehenderam a importância e a utilidade do nosso Museu 1» Palavras de 1844... Já disse — a causa dos males do museu reside na sua complexidade e na orientação falsa em1 que os diversos governos o tem mantido-: Vejamos ainda um terceiro livro de sua historia : «Le Muséum National de Rio de Janeiro, et son influence sur les scien- ces naturelles au Brésil par Ladislau Netto, 1889, pags. 17 á 18. - 52 - «O Ministro cTAgricultura (em cujas attribuições se encontrava a admi- nistração do Museu) éra no mez de Julho o Snr. Thomaz Coelho d 'Almeida- Apresentei-lhe um novo regulamento mais em accordo oom os progressos d'esse estabelecimento e necessidades da sciencia. O regulamento redigido e inspirado do honrado Ministro differe muito do que eu propuzera. Foi ap- provado por decreto de 6 de Fevereiro de 1876. Meu projecto éra muito mais complexo e compre hendia alguns géneros de trabalhos de que não se trata no regulamento acceito ; mas tratava-se de despezas mais consideráveis, de um pessoal mais numeroso, questões económicas que o governo não po- dia mesmo resolver no momento. O museu, segundo esse regulamento, éra dividido em três secções : 1?-) anthr apologia, zoologia geral e applicada, anatomia comprada e paleon- tologia, animal ; 2.&) botânica geral e applicada e paleontologia vegetal; 3?) sciencias physicas, mineralogia, geologia e paleontologia geral. O mesmo regulamento creou uma quarta secção annexa provisoriamente ás três ou- tras e devendo comprehender a archeologia, a ethnographia e a numismática. Esta secção especial com exclusão, bem entendida, da numismática, éra en- tão, como hoje, destinada á servir de base á um museu de archeologia e ethnographia americanas. São sciencias que tendo por fim o estudo da raça americana e a arte dos povos selvagens primitivos ou modernos do novo continente, devem ter sem demora, o maior desenvolvimento, no Brasil, etc», pag. 20, Pag. 22. «Os cursos d'esse estabelecimento só cessaram durante estes últimos tempos mas provisoriamente e por motivo de força maior», etc. «O próprio governo, afinal, confirmou esta medida na nova organisação que acaba de dar ao Museu brasileiro, pois que. cm vez de impor ao publico um curso que elle não seguio, como eu já disse, cada professor segundo o novo regulamento, fará conferencias sobre os assumptos mais notáveis da secção, sempre que fôr opportuno». - 53 - As paginas seguintes prendem-se aos trabalhos do Museu até próximo de 1889, dizendo Netto, á penúltima pagina do livro as seguintes palavras: «O Museu Nacional acaba de receber do governo imperial uma nova organisação, cuja base é, com poucas modificações, a mesma que em 1876 lhe deu o Snr. Thomaz Coelho. Na verdade, não seria do regulamento d'essa instituição que uma lei verdadeiramente reformadora deveria se occupar mas muito antes lhe dar espaço e meios de acção cfficazes, livrando-o, ao mesmo tempo das exigência vor demais restrictas da burocracia official, porque a natureza d' um Museu de Historia Natural nada tem de commum com as or- ganisações ordinárias do Estado não mais que um serviço perfeito de mi- neração ou qualquer outro serviço industrial extractivo tem que ver com o escriptorio de um banco». Já a clarividen*c intelligencia de Netto reconhecia a necessidade de um desmembramento ia secção de archeologia e ethnographia em Museu á parte, ao mesmo tempo que se percebe, sob suas palavras, um mal estar de quem não atina com os tropeços que lhe fazem fugir certos auxiliares - cousas de que não falia. Mas... muito ha, ainda, á concluir desse seu livro sobre o museu. O que se observa ahí, não é somente uma simples confirmação ou comprovação, por uma pratica, do que acima disse — é preciso ver mais longe; é preciso perceber com delicadeza maior. O que ahí se revelia é a explicação do êxodo dos homens de sciencia d'esia casa, motivado pela com- prehensão nítida da orientação da epocha actual, em antagonismo flagrante com a orientação escolástica antiga e despersiva. A orientação principal de todos os governos, até os dias de hoje, está fundada na pretensa orientação franceza que os francezes de hoje já abandonaram ou vão abandonar; e ella teve o^ maior vigor pelo espirito de Netto, visto como foi de Paris, de cujo museu de Historia Natural elle co- piou a organisação para o do Rio de Janeiro que elle recebeu a sua impressão sobre museus. Essa influencia não se dá só aqui e é causa de que sof ira- mos todos os mesmos males de que soffrem todos os latinos que ainda não mudaram de rumo; é preciso abandonar o caminho velho e, seguir a orienta- ção que é a causa da grandeza da I nglaterra, dos Estados Unidos e da Allemanhal E' preciso fazer a sciencia com a sciencia; é preciso especializar para fazer bem feito - - não nos illudamos por mais tempo - os músicos dos sete instrumentos são entidades para o periodo fóssil de Athanazio de Kirch. Ponderai bem que dos dous continentes da America, duas nações se desenvolveram, como dous irmãos d.'uma mesma família: Estados Unidos e Brasil. Ambos sedentos de preparar o futuro emprehenderam viagens. Os ame- ricanos do norte fizeram da Allemanha o seu campo de pesquizas — os bra- sileiros escolheram Paris (vejam bem que não digo França). São decorridos - 54 — muitos annos, séculos mesmo e que vemos hoje ? Olhemos um pouco para traz e comparemos os caminhos, os methodos, os resultados ; que aconteceu ? Os Estados Unidos são o colosso saudável, forte e poderoso, que in- flue no pezo ido mundo e é acatado por todos. O Brasil foi o Samsão que ouvio Dalila ; é esse gigante bilioso e combalido, com princípios de scien- cias, sem industria, commercio estrangeiro e lavoura empobrecida. E esta magra mulher que devera, como em nenhuma terra ser a forte e bella ma- trona de fartos seios e numerosa e alegre prole, é a cultora do tapete verde, enfraquecida pela vigília das noites e desviada pelo atilamento dos que só en- xergam recursos nos auxílios pecuniários do thesouro. Mas não percamos o assumpto.. . Assim-, o museu de Paris soffre ainda hoje os mesmos males que o nosso museu, mas lá a reacção já começa á se produzir em virtude da cri- tica que se vae levantando ; e além d 'isso o museu de Paris tem, amparando as suas oscillações, os nomes gloriosos e geniaes de Buffon, Cuvier, La- marck, Saint' Hilaire, Valenciennes, Augustin de S. Pierre, adorados por seus compatriotas, ao passo que no Brasil nem se sabe que Fritz Múller foi empregado d'esta casa . . . Não se pense, entretanto, que a censura sobre o museu de Paris seja absoluta. E' preciso reconhecer uma primeira unificação de serviços na dis- sociação do edifício — de modo que não há museu de Paris, ha os museus de historia natural cm edifícios separados ; e a autonomia, virá, forçosa- mente apoiada pela intelligencia franceza, em futuro não remoto. Os nossos males vem' ainda do que Agassiz dizia em 1868, de que eu apenas encontrei excepção parcial em 93 110 Museu. E o que Agassiz dizia é a causa das causas do nosso atrazo : «A educação é antes de livros do que de factos. Na verdade emquanto o prejuízo contra o trabalho manual de to- dos os géneros existir no Brasil, a instrucção pratica será defficiente ; em- quanto o estudante da natureza julgar desprezível manipular os objectos dos seus estudos, carregar o seu martello de geólogo, fazer as suas próprias preparações scientificas jamais passará d'um mero dilettante no terreno da investigação». O medo de errar faz correr ao livro cuja citação é o único escudo de combate ; ninguém ousa contestar o que está no livro I A opinião do mestre d'extra muros é a sentença irrevogável á que não nos abalançamos . . . E tendo decorado meia dúzia de formulas e repetido outras de con- ceitos incomprehendidos, estamos alçados á uma impeccabilidade intangível . . . E' fácil manter essa apparencia d'infaílibilidade divina, assumindo a mudez pretenciosa duma estatua de barro. E' o vinho de primeira, que ha cem annos se guarda e que será muito bom n'um futuro em que não exis- tamos — vale pelo rotulo que lhe attribue qualidades — mias não se usa para que não se apague a honra da adega... Os que trabalham, ao contrario, erram sempre e muito mais se lhes não deixamos lazeres á reflexão — nós todos erramos e o que eu tenho - 55 - feito no museu é defender implacavelmente o nosso direito de errar. Já mostrei muitos erros do Museu. Mas se houve aqui quem elevasse uma larva de sapo á altura duma forma nova - - que não podemos dizer do que succe- deu 'á larva do Axolotl com os sábios de todo o mundo? Quem não sabe d'aquella perna de sírí que certo sábio estrangeiro chamou de maxilla de gambá? Daquelle norte americano que descreveu a larva d1 'um coleoptero Parnideo como crustáceo d 'agua doce? D'aquella sumidade ingleza que descreveu os processos rostraes do peixe-serra como género e espécies no- vas d'um animal especialíssimo : Myriosteum higginsi? Porque não falíamos do professor allemão que descreveu um1 craneo de perdigueiro como sendo do lobo do Brasil ? Se houve entre nós quem descobrisse phenicios no valle do Parahyba, porque não diremos do sábio suisso que encontrou geleiras na Tijuca, ou do norte-americano que desviou o curso do Amazonas para o Prata a fim de fazer zoogeographia ? Paliemos claro 1 Enforquemos Talleyrand ! E' pre- ciso que confessemos lealmente o que está errado sem querermos tapar o sol com filigranas ; a verdade é de todos os caminhos o melhor e o mais amigo da felicidade humana. Que concluir d'ahi ? I Que o Museu tem se afastado do seu objectivo por effeito das pressões politicas em beneficio de parte d'aquelles seus dirigentes que col- locaram seus interesses acima dos do estabelecimento ou dos governos que se prestaram á desvirtuar-lhe os fins ou á guardal-o para o jogo de seus in- teresses partidários. II Que os museus são estabelecimentos especiaes que exigem fun- ccionarios especiaes; e assim sendo os governos devem d'elles excluir quaes- quer pretenções politico-partidarias o que de modo algum prejudica o equi- líbrio politico-partidario geral de qualquer governo, porque, como reciproca, esses funccionarios pela sua natureza, e numero não podem cuidar de par- tidarismo politico devendo — sempre ser afastado, como prejudiciaes, todos os que tenham semelhante vicio. III Que n'essa isenção é que reside a verdadeira disciplina dos esta- belecimentos scientificos. IV Que uma vez rigorosamente observadas essas condições esses estabelecimentos são os melhores factores da alta politica das nações por- que tramam e desenvolvem relações entre os homens de sciencia do mundo; emi caso contrario, estes, conhecedores do verdadeiro valor dos homens e das cousas, desprezam os governos que lhes faltam á verdade e bôa fé pro- curando impingir como scientifico o intuito exclusivamente partidário. V Que, nos tempos actuaes do domínio da especialidade a solução dos estabelecimentos de historia natural reside na unificação das funcções ou simplificação d'esses estabelecimentos ; o accumulo de funcções é anti- - 56 - natural e prejudicialissimo aos serviços dos museus, sob todos os pontos de vista. VI Que a unificação das funcções dos estabelecimentos de historia na- tural da União, 110 momento actual, seria a solução única verdadeiramente scientifica e económica para o Museu ; e n'ella reside a verdadeira autono- mia de pesquizas. VII Que tal objectivo se impõe agora miais que nunca, á vista dos regulamentos do serviço geológico ou do jardim botânico instituídos sor bre taes bases. Já se vio que os museus, tendo por fim colligir (fazer excursões) e estudar o material cplligido e ex/wl-o ou arclúval-o publicando o re- sultado do estudo, tem á fazer obra muito mais solida e útil que essa série de modificações que aqui se tem pretendido. Imagine-se que actualmente houve quem lembrasse, pelo Jornal do Commercio a reunião do Museu á universidade que o governo pretende crear - - então é que esses legados na- cionaes que tem1 vindo atravez de um século augmentando o nosso parco patri- mónio scientifico, iria por agua abaixo nas mãos dos professores e estu- dantes. . . . Quando o que se tem á fazer é justamente conservar esses do- cumentos carinhosamente atravez do tempo e permittir o desenvolvimento das competências nacionaes ou não que se vem revellando em nosso meio. E com isso esse património iria augmentando e consequentemente se impondo aos homens de saber e ás instituições congéneres do mundo. Quanto á arregimentação de pessoal, ella virá expontaneamente no dia em que não fôr o tempo o unir o moiivo de direitos adquiridos — taes direitos devem ser conferidos aos funecionarios unicamente pela somma de serviços prestados ao seu cargo e sua capacidade provada pelos actos e tra- balhos. Nos museus o concurso pelo senso antigo não basta e não prova com- petência; serve apenas para que, transposto o obstáculo, o vencedor sente- se á mesa dos orçamentos e espere t ranquillamente a chegada do momento da aposentadoria. Não nos esqueçamos do nosso muito amado Poeta Olavo Bilac. Bi- lac é hoje a expressão em verso dos nossos sonhos de bondade. Mas, elle fala como Poeta. E' preciso analysa r a sua sentença como amigos da na- tureza e, honrado eu em ser vosso guia, comecemos rasgando «o véo dia- phano da phantasia» para ver bem á gosto toda a belleza da verdade. Vamos pois ver, tal qual como em Gil Blas de Santilhana, — de como Bilac, o mavioso poeta da Via Láctea, errando a diagnose, chamou o Mu- seu Nacional de ankylosado . . . Foi durante a gestão do Conselheiro Ladislau Netto, em 28 de Fe- vereiro de 1885 que entrou contracta do nesta casa o naturalista suisso Dr. - 57 - Emílio Augusto Goeldi que aqui sérvio até 1890, anno em que teve dispensa por aviso de 10 de Maio. O seu cargo foi o de Sub-director da secção de zoologia, cargo que, no percurso das accidentadas viagens atravez dos regulamentos, metamor- phoseou-se em substituto da secção referida. Além do contracto durante esse tempo o Dr. Goeldi teve uma com- missão especial por parte, se não me engano, do Dr. Rodrigo Silva, quando Ministro da Agricultura e os resultados foram publicados nos Archivos do Museu. E' um trabalho de phytopathologia sobre a moléstia do café, com- prehendendo 111 pags. e 5 estampas e datado de 1 de Setembro de 1887. Vamos ler as suas conclusões : «O verdadeiro remédio contra a moléstia do cafeeiro, tão tristemente conhecido em extensa zona da província do Rio de Janeiro, e ameaçando já as provincias circumvizinhas, é conhecer exactamente a sua natureza e evitar todos os factores que fa- vorecem o seu desenvolvimento e a sua dispersão.» Segundo diz o auctor á pag. 10, com o auxilio do Prof. Cramer, de Zurich, de Bary de Strasburgo, Karsten de Berlin, Stahl de Iena, Drs. Hallier e Búsgen de Iena, Sorauer de Proskau, Dr. Stutzer de Bonn, Dr. Jàggi de Zurich, Christ de Bale, Trirnen de Ceylão, Ward de Staines, Ihe- ring (do Museu Nacional), Forel do Hospício dos Alienados de Zurich, Kessler de Kassel, Lów de Vienna e Lichtenstein de Montpellier, chegou a de- terminar a causa da moléstia como produzida por um verme de género e espécies novas as quaes chamou de Meloidogyne exígua. Diz o Dr. Hempel, phytopathologista americano á serviço do Insti- tuto Agronómico de Campinas, em numero do Boletim ali publicado de cuja data não me recordo, que a Meloidogyne éra a Heierodera radicicola, verme cosmopolita assolador dos cafeeiros de todo o mundo ; e o Sr. Carlos Moreira, um dos actuaes chefes de serviço d'esta casa, diz-nos que o remédio acon- selhado pelos tratadistas para a solução do caso é o sulfureto de carbono. Ora, isso pouco importa ; o que nos importa e muito é que fora d'esse tra- balho, no Museu e nos Archivos o Dr. nada mais publicou. Mas de 1893 á 1894 e por conta da casa Francisco Alves & Cia., publicou três livrinhos de zoologia popular, de divulgação que foram, com justiça, muito bem acceitos e dos quaes eu possuo um exemplar que naquella mesma casa comprei. Os livrinhos do Dr. Goeldi tem, entretanto, os nomes scientificos que nós, zoologos, encontramos nos trabalhos mais antigos de Burmeister : Syste- matische Uebersicht der Thiere Brasiliens, — 1854; Ornithologie Brasiliens (1868) e Sáugethiere - - Resultate von Johann Natterer's Reisen, por Au- gust von Pelzeln — Wien — 1883. E como nesses nomes scientificos, os referidos auctores não empre- garam as regras da nomenclatura hoje adoptados pelos congressos de zoo- logia e necessitasse de illustrações, o Dr. Goeldi foi obrigado á uma corrigenda - 58 - que appareceu, ainda na casa Alves — onde também a comprei — em três fas- cículos de illustrações feitas pelo desenhista do Museu do Pará — Snr. Lohse — á vista de exemplares authenticados por auctoridades competentes — já quando o Dr. Goeldi éra director d'aquelle Museu. O titulo éra assim1: — Museu Paraense de Historia Natural e Ethnographia - - ÁLBUM DE AVES AMAZONICAS — orgarÍBado pelo — Dr. EMÍLIO GOELDI, Director do Mu- seu Paraense e publicado por ordem de S. Excia. o Snr. Dr. JOSÉ PAES DE CARVALHO, Governador do Estado do Pará. - - Desenhos do Snr. ER- NESTO LOHSE, Desenhista-litographo do Museu Paraense — SUPPLE- MENTO ILLUSTRATIVO A OBRA «AVES DO BRASIL», pelo Dr. Emilio Goeldi -- Livraria clássica de Alves & Cia., Rio de Janeiro, 1 894-1900 (2 vo- lumes) - Impressão do Instituto polygraphico A. G Zúrich (Suissa), 1900. São estas estampas muito bonitas e feitas com muito gosto artístico — embora custem um pouco caro, de modo a não ficarem accessiveis á todas as bolsas. Foi n'um bonito artigo, como os sabe fazer a penna artística de Bi- lac, referirido-se exclusivamente á um d'esses fascículos, que o mavioso auctor da «Via Láctea» quiz se referir ao Museu, deprimindo-o. Chamou-o de ankylosado porque o respectivo director não publicava por ordem do chefe do estado livros didácticos, illustrações de proprie- dades suas - - e não as expunha á venda na Livraria Alves. Estendi-lhe á medo, a mão amiga: mandei-lhe o XVI volume dos ar- chivos, todio elle um1 trabalho dado gratuitamente ao povo . . . Bilac guardou a lyra e emudeceu a voz, e... deixou a Deusa dbs Poetas — a Justiça — completamente só... Vou terminar ; beijo-vos as mãos em despedida . Perdoai-me a ru- deza do dizer; são modos de quem nasceu numa terra que muito preza a liberdade e que já produzio um Tira dentes. Não me retiro, entretanto, antes de vos salientar o que foi e o que é a licção que o Coronel Rondon deixa ao alcance de todos. Elle mostrou que esta casa é digna de melhor conceito e de que modo se faz produzir um museu. Tudo isso sem palavras, comi actos ; e ahí é que cabe repetir «L'homme c'est 1'ceuvre». Prova-o a sua acção simplicima. Um confronto numérico dos servi- ços feitos pelo Museu e pela commissão, nos permitte os seguintes dados: MUSEU COMM. RONDON Collecções- Números conhecidos 100 annos Média annual 8 annos Média annual 5.160 51,5 Geologia e Mineralogia 53.000 530, Botânica 8.837 1.104 59-314 593^4 Zoologia 5-°7Ó 7°9 11.185 iHj85 Anthropologia .... 3380 422 - 59 - Extensões exploradas - Kíloinetros quadrados 18.496 K. 662 2> Trabalhos publicados 46 annos 6 annos Estps. Pss. Estgs. 8i Geologia e Mineralogia 37 3 6 Botânica 398 178 105 Zoologia 141 39 34 Anthropologia .... 57 17 226 633 237 Média annual (Desprezando fracções) 70 4 105 39 Nessa comparação englobamos, á favor cio Museu, todas as offertas e compras que, evidentemente não fazem parte do seu trabalho. Augmenta- mos, mesmo, as es.atisticas das secções, como se vio na de botânica. Na tocante ás publicações não foram contadas de parte á parte as matérias es- tranhas ao assumpto aqui considerado — o que reduziria de muito o Ín- dice db Museu. E apezar de todas essas vantagens, a Commissão Rondon, no que toca á todos os serviços das Sciencias Naturaes fez mais do que o Mu- seu ; e se entrarmos na apreciação económica, então, a differença é estupenda. Onde a explicação de tão extraordinário facto ? Qual o segredo de que lançou mão o seu Chefe ? Nenhum segredo, nenhum recurso extraordinário. Uma simples confe- rencia de um quarto de hora organisou o serviço - - o resto foi feito com uma dúzia de telegrammas. Não se mandou buscar ninguém nas nuvens nem na lua — empregou-se aquella gente de que já vos fallei e que eram apenas homens de bom senso e conhecedores do seu officio. Eis ahí a prova material de que por tal modo é que se dará re- médio aos males desta casa, males de que só são culpados os governos de todos os tempos. O Coronel fez tudo quanto esta casa tem1 por fim fazer : colligio ma- terial, estudou-o, publicando o resultado desses estudos por meio de seus relatórios e até produzio as conferencias - - agora tão em moda e cousa que o Dr. Lacerda nunca conseguio não obstante pedil-as todos os dias I E é de pasmar que o seu único regulamento fosse aquelle pequenino trecho das instrucções Calmion que eu vos li na minha primeira conferen- cia: «estudar os recursos naturaes da região percorrida». 2) Segundo o Capitão Jaguaribe de Mattos, Cartographo na Commissão. - 60 - Rondon não é só o homem bom e puro votadb ao bem da Pátria e que se elevou no conceito dos homens de sciencia pela maneira sábia com gue desdobrou os seus serviços scientificos ; Rondon é uma bandeira 1 Fazendo sciencias naturaes elle enriqueceu a sciencia nacional, o Museu Nacional e, além d 'isso, nos forceceu os elementos indiscutíveis para pro- var que o Brasil tem homens capazes e competentes e que o Museu só não tem correspondido á expectativa geral porque os governos não lhe tem sabido dar a conveniente orientação). E assim, Rondon é ainda um benemérito para esta casa por tel-a de- fendido. Honra e gloria ao seu Nome — Paz e Felicidade á sua santa Família. ÍNDICE Pag. Ia Conferencia — Trabalhos da Commissão Rondon no campo das sciencias naturaes 5 Trabalhos de campo 6 Publicações (Mineralogia e Geologia) 8 (Botânica) 12 » (Anthropologia) 14 » (Zoologia) 14 Estatística 16 2". Conferencia — O Museu Nacional segundo dados officiaes e officiosos 21 Secção de geologia, mineralogia e paleontologia 23 » » botânica 24 Anthropologia e geologia 27 3" Conferencia — O que deve ser o Museu e a licção de Rondon 39 15 *01