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OIIOS

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U^ES

PORTUGUEZES

CX)LIiIQIDOS

POR

P. ADOLPHO COELHO

P. PLANTIER, Editor Lisboa, Travessa da Victoria, 78

IttTtf

PREFAÇÃO

Oa contos que hojo publicamos formam parte d'uma ixt' usa collecçSo do tradições populares portuguozas rea- uidas por nós já, por assim dizer, stonographHndo-as ao 8íi;rt<m da bocca do narradores populares, receben- do as escriptas do pessoas d'alguraa instrucçSo e d'in- dubitavel probidade, que ou as aprenderam na infância ou as ouviram depois do pessoas indoutas. N3o amplifi- camos nenhum ^ nflo introduzimos nenhum adjectivo, ^ '>; cortámos apenas alguma repetição inu-

t , mos apenas e raramento algum pronome

que a reprolucy.lo escripta torna necessário. Como os contos da primeira categoria, isto é, os quo nóe colligi- moH directamente da tradição viva, foram ouvidos do ; 30 exprimiam bem, nJto apre-

F ^ ^ iras do palavras; uma ou ou-

tra entendemos dover corrigil-a ; conservamos, porém, as formai provinciacs interessantes com todo o cuidado.

Os contos quo lovam a subscripção Ourilhe forani' I ^ iia Alves Leite, pequena pro-

j ^ zia (no concelho de Celorico

dti Basto), uma mina de tradições do que haurimot

VI

tambpm cantos popwlares publicados na Ramania de M. Gaston Paris e Paul Meyer (vol. iii) e na Zeit- tchrift fiir romanische Literafur do snr. G. Grõber (1879) e varias londas e outros contos que s^rão publica- dos em parte, pelo menos, n'e88ag duas revistas. A snr.* Alves Leito por si ncs forneceu matéria d'um bom volume. Os contos que tem a subscripçSo Coimbra fo- ram-nos enviados por uma de nossas irmSs. Os contos que t^^m a subscripção ^025 do Douro foram-nos dicta- das por. mulheres analphabetas da localidade; as de Oliveira do Douro por uma snr.* Luiza, lavadeira; o de Villa Nova por um barqueiro ; o n.° xxxiil, de Bragança, foi -nos enviada p»^lo nosso amigo B. M. de que o ouvira a uma pessoa d'aquella cidade e o reproduziu depois de memoria; o n.° xxxil foi ouvido por um outro amigo nosso d'um mercieiro, poeta popu- lar, d'E8padanedo (Douro) ; os n."^ LX LXVI foram-nos offerecidos com uma considerável e interessante coUec- ção pelo nosso amigo e coUega Z. Consiglieri Pedroso: esses, com excepção do ultimo (LXVi) que lhe envia- ram de Coimbra onde é muito popular e o ouvimos con- tar numerosas vezes quasi sempre na mesma íórma, foram ouvidos pelo nosso amigo de pessoas do povo.

Nos contos que recebemos escriptos notar-se-hão algumas formas litterarias, mas preferimos dal-os como nol-os offerecem a imprirair-lhes ura caracter mais popu- lar. E mister ter também em vista que entre nós ha muito menor distincção entre a linguagem popular e a litteraría que n'outros paizes. As pessoas do povo intel- ligentes são geralmente bem fallantes e empregam mui- tas expressões d'origem litteraría evidente, sem saberem ler.

Ob contos que hoje publicamos não teem todoB egual valor, mas offerecem ' todos mais ou menos interesse sob o ponto de vista tradicional. Em regra, pode considerar-se a tradição dos contos entre nós como assaz obliterada; falta-lhes vida, poesia, muitas vezes rehe- rencia ; muitas foiçSes significativas em versões d'outros

▼a

paizes tomaram 86 aqui iointelligiveis e pela compa- rfl<,à(i so . A lua forma om geral é secca, mo-

nótona, ti. a. Alguns, porém, apresentam se ain-

da D'uma tórma oxcelU-uto, menos dtíturpadua por ele- mci.tos modernos ; n'outro8, como em touos os paizos sucri (lt>, Ha o resultado de extrauhaa combinações de ele- m contos diversos. E o que se dá, por exemplo,

Cl- *o n.° XIV: A Torre de BalyUmia, que no

fundo offereco analogias uviduntes com o couto dos Cxi»' nfiados animaeg ( Thierschwager ), estudado por R. Kohl^r na sua nota IV aos Atcarische Ttxte, heraus- g Mjn A. S ' " r (3/eoi. de VÂcad. impér,

d ■'sde S. J irg, vil sér. tome xix, n." 6).

i\j9t riormente á publicação das notas do Kõhler, deu Fitré uma nova veraào siciliana d'es8e couto {Ficã)ê, ^jvelU Racconti popolari $iciliane, n.^ 16) e uma serba, eiiniili-Kii ii.iii ilt-uiMitos diversos, foi traduzi- da -111 Í!i-1 í p.ir M.ilain Cs .Iwinillo Mijatovies (âSeròíau Folk L^n-H, London, 1874. 8.°: Bash-Chalek, p. 146 ss.)

Até hoje apenas foram publicados os scgumtes con- tos populares portuguezes : trea com forma em parta não I" ' ' " i;a Th. Bruga, doua

nos k ninha; vid. n." XXIV

da nossa ; Trea cidras du amuT, de que temos

cinco V . , outro no livro sobre o Amadis

Qaula (correspondente ao n." XV da nossa eoUecçâo) ; o da F' ' . aqui reproduzido com o n.* II,

que I. lO mesmo escriptor e que elle pu-

bli ' u uo sou livro sobre Os Trovadores, o n.° XXII que d* T.unoB em duas versSes na Revista Occidental^ e o nohro numero XLIV, publicado por nós no Positivitmo Case. I.

Com esta colleçSo, que será seguida brevemente, como esperamos, da publicação dos outros contos que temos reunidos, fica realisado um desejo ha muito ex- presso pelos homens que conhecem o valor d'estas cou- aaa; Portugal deixa do ser uma excepção com relaçSo ao interesso quo noa outros paizea de lingua românica

86 vae doíenvolvendo pelos contos populares, em virtu- de d'ura movimento nascido na Allomanha com a publi- caçJío dos Kind^r-und Hnusmárchen pelos irmãos Grrimm (1812-14), cummunicado aos paizfg ecandinavos, á Rús- sia, á Inglaterra e mais tarde á Itália e á França. Ini- ciado na península por Milà y Fontanals (1853), a cujo lado se deve citar o nome da dama assignada Fernan Caballero, continuado para a Catalunha por Maspon y Labròs, urge que esse movimento se propague rapidamen- te a todas as províncias de Portugal e da Hespanha, antes que o jornal levado a toda a parto pelo caminho de ferro conclua a obra de obliteriíÇsLo que accommettQ estas tradições; dar-nos hemos por pagos de nosso tra- balho se contribuirmos com o nosso exemplo para salvar o que ainda resta d'elle8.

Mas, dir-seha, não merecera os contos populares o desprezo a que tem estado condemnados ? Nào são ridículas invenções, boas para divertir gente rude, que não tem cousa melhor para pasto do seu espirito e da sua ociosidade? Estamos certos que muita gente, séria e gravo na própria opinião, pasmará de que haja quem gaste o seu tempo com taee cousas; mas algumas pessoas haverá também que queiram aprender e para Gssas escrevemos as observações que seguem, desneces- sário aos que estão ao corrente da scieucia.

Muitos dos meus leitores terão por certo em rapazes ouvido contar na eschola a anecdota do homem que ten- do sujado um dedo e indo a sacudil o, bateu com elle n'uma pedra e logo se esqueceu de que estava sujo para o metter na bocca com a dôr. Eis uma tradição sem du- vida muito mais insignificante do que a maior parte das contidas n'este volume e á qual não aupporiamos méri- tos Bufficientes para ser contada por diversos povos e de

IX

entrar em i^òrf^A An mornl muito serias, re^liei^as para uso íi a do C l''8t« im-

pério. . .^ , i cousa (iu historiai

iiii;,!. i.òes e reproduc'ç5oa independentes das trHdíçSea

j ; . : -, ri^" f- n T lu assim 8''m surpn za qu'i nos A 'í?oa d*orip>'ra indi-ina «-xtr^hidos

por íM»iiii.is Ji. I,

n.° Lxiv. r.ir>

lave-o aroar-

nane e

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de tenazes

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ij';- 1 > .1 iijii|i' I . Hi.i- '1 pi II - 111- 1- \ I "

anl r ri lueoi qiní o dedo estava sujo.»

Ora so a mesma anocdota se encontra na Atltnnauha (F. ' ' ht, Orient tmd Occident, i, 134), nn Escócia, (C . /'òfwffir Tnhnofthe W^f>t tliijhUnds, I, 201)

Dài) 11^ li \"i mais vult» como

a llistjvia _ ' í^a/o, a lidla nu-

Rtnd, o Creado do eêtrujeitant«j etc, so ach-m reprudu- zidíig I m diversos povos, na Ásia o na Europa, ou até Eli .\íric» í» Ani<^rií'H, tanto na índia, na China, na Al- 1,1 ' tupis.

-^ atricanas pu- blicada em altemão (o tamlx-m om in^ie») por o fallocí- do dr. W. II. J. Bloek, Keinek^ Fuchg in A/rica (W.n- mar, 1870) encontramos por ozomplo, a pag. XX VI-

XXVII um conto dos indígenas de Madagáscar e a p. 70- 74 ura coiíto dos Dama, ramo da raça cafre (impropria- mente chamados Damaras) que offorecem tão profundas analogias com o conto portuguez do Rabo do gato, (n.° x da presente collecçílo) que se pc-nsaria que ou os portu- guczes aprenderam o conto dos africanos ou os africa- nos dos purtuguozcs. Mas a verdade é que Portugal não é o paiz único da Europa em que tal conto se acha, pois o vamos encontrar por exemplo na Sicília (Giuseppe Pi- tré, Fiahe, Novelle e Racconti popolari Siciliani, n.** Cxxxv); entre o povo fallando dialectos gregos na Terra d'Otranto (Morosi, Studi sid Dialetti (jreci delia Terra d'Otranto, cit. por Pitré"), etc. Vê-se, pois, que, se a exis- tência da narrítção entre povos tào distantes e de raças tao diversas deve ser explicada por uma transmissão, o ve- hiculo d'e8ta transmissão está bem longe de ser fácil de determinar. Com relação á Africa, aos hottentotes, aos cafres, aos negros sudanitas explicar-se-hia assaz bem a transmissão pelos árabes. Não teem os árabes seus narradores, suas collecções de contos, suas fabulas ? Como 08 árabes dominaram na Sicilia e na peninsula hispânica, nada mais natural na apparencia do que con- sidcrarmol os como os transmissores das mesmas narraçSes para a Europa. O problema é, porém, mais complicado do que se affigura ao primeiro aspecto. Demais seremos forçados a admittir necessariamente uma transmissão para todos os contos de que encontramos versões entre diversos povos? Não se poderiam ter reproduzido inde- pendentemente as mesmas narrações em diversas epo- chas, em diversos paizes ? A existência de narrações idênticas pelo fundo ou pela forma na tradição de todas as raças humanas prova de p^r si evidentemente uma unidade esthetica elementar tão completa, pelo menos, emquanto á receptividade, que nada a priori, nos impe- de de julgarmos essas raças diversas dotadas de egual grão de productividade artistica elementar, sujeito nas suas manifestações a leis idênticas. Provando-se, como cremos que não é difficil de provar, que peio que res-

XI

peita a um grande numero do contos popularos a trans- miafàt) 80 op-TOU de puvo a povo, nSo »e j^óde deixar de adniittir que a condiçflo sine qua non dVsaa transmiasílo ó a existência ro povo qu« recobo du tradiçòs proprifis do mesmo género; sem est^s o que so lho couta soria para «.'lie absolutaraenfo inintelligivel ou nâo lhe desper- taria nenhum inter'»s8o. Discriminar o que é de creaçSo própria do cada povo, o que so podo explicar por id<'n- tidade de producçíto, do que vciu do fora; d>*t<*rminar por que canaes se operou a transmissão quando a houve,

0 ponto de partida d'eUa, os elt mentos primitivos da

* la, até que ponto rfagirara o g>)nio, aa T do cada povo sobro o produeto «xtra- iihu; que Ioíd dominam a producçito, a transraissUo, a apropriando e altençilo dos contos populares eis o ob- jecto d'om novo e importante ramo d'e8tudi)s, a que se deu o nomo de mythographiaj para o distinguir da my- thologia que é uma sciencia diversa. Esst s estudos, vô- se, sSo de primeira importância para a psych<»lo(>;ia com- parada, que com a anatomia o pbysiologia comparadas do homem constituem a anthropolo(;ia, e para o cot)h<'CÍ- mento ria historia da civilisaç.lo. Coropr<hende-se pois o intrr' s^.' com que hoje nos paizes em que se estuda sito r 3 as coílecçH-s de contos populares colligulos cora

i(le: é que ellas sâo os documentos imlispí-nsa- veÍ8 para a aoluçào d'aqu<<ila8 importantes questíies, que até hoje n.lo foram ainda estudadas no seu conjuncto, porque os estudos de mythographia comparativa estào p -dos e repr*'8entados por um p-qu^no numo-

1 -, porque se devia com«çar naturalmente por trabalhos especiais, exagerando so algumas ví^z^^s a importância d*um ponto de vista particular. Thedoro Ben- foy. auctor d'um dos mais importantes trabalhos qu-» se pos-

contos, a introducyJ^o á sua tra '/'tinira (Lf-ipzig, IHõí», 2 v. 8.») preocupou-se principalraent<3 da transmissilo dos contoa e

(1) Vid. Gaston, Paris T{evue critique, !87i, art. IW.

III

por um (los seus vehiculos mais importantes, som duvi- da, mas nrto o único o budhismo; no Orientu. Occi- dent, 1, 719, ss: indicou esse profundo investigador al- gumas das 'importantes quostons g'irae8 que devem ser rí>8olvidas p''lo pstudo comparado dos contos, Angelo De Gubfrnatis na sua Zoolofjical Mytholofjy (Londres 1872, 2 vols. 8.", trad. fr. 1874. 2 vols. 8.') busca as origens mythicas dos contos, sem estudar as questões da sua transmissão o modiíicaçõtís. R. Kõhler, o maior conhe- cedor da l;tt«^ratura dos contos populares, tem-se occu- pado em artigos e notas dispersas em numerosas publi- cações, do que apenas conhecemos uma parte (a mais importante em verdade) do estudo bibliographico e com- parativo d'e8SHS tradições, preparando sólidos materiaes que hão de servir de base para conclusões futuras. Nas notas de W. Grimra, aos Kinder-und Hausmãrchen (III Band. Dritte Ausgabo. Gottingen, 18ô6), em dif- ferentes estudos de F. Liebrecht, de A. d'Ancona, D. Comparetti, A. Kuhn, Gaston Pana, H. OEsterley e d'outros eruditos ha também contribuições valiosas que devem ser estudadas previamente por quem se propozer tractar a serio o problema dos contos populares.

Do mesmo modo que as linguas litterarias vivem principalmente á custa das riquezas que lhe offerecem as lingnas populares, como diamantes brutos que aquel- las tem que polir e fazer valer pela disposição artis- tica, assim as litteraturas teem valor verdadeiro quan- do aproroitam as minas da tradiçcão popular, haurem d'el- las as formas cujo sentido humano é provado pela sua generalisaçào no tempo e no espaço, vasando n'ella8 os sentimentos 6 concepções d'uma epocha e imprimindo- Ihes o cunho d'uma grande individualidade poética.

Nada mais mesquinho que os productos da imagina- ção individual. Um verdadeiro artista, um Eschylo, vm Sophoclos, um Dante, um Shakspeare, um Goethe acha

xin

na tradição popular todas as ff^rmas para exprimir a Btia conccpçuo da naturezí» e da humanidade. O Prum&- theo era um conto daa v<'lha8 grogas antí»8 do sf<r a som- bria tr 1') é tito vaeto qii chris- t2o8, pi: , rentes cacholas a*. [. ia com quo li«onjf>ar as suas crenças e doutrinas (1). A Cymbe- line, The Merchant of Vtnice assontnm sobre contos po- pulares, como outras peças do trágico inj^lez. O tecido d'i 1 do contos dr Boccacio e dos outros nr \ ; assim como da maior parto dos an- tigos noveilistas de todas as naçi^es saiu da tradição popular.

O estudo das origens litterarias está pois indissolu- .,'ado ao dos contos populares. )graph'>8 ou o povo, no seu desejo de adornar com bellos t' itos a vida dos seus santos, nào hesitaram mui- tas vezes i m attribuir-Ihes o quo nas patranhas e historias da carochinha se conta de heroes imaginários. Foi as- sim que o bispo do Porto D. Fernando Corrêa de Lacerda introluziu na lenda da Rainha Santa Izabel por elle es- crrpta no século xvil, a historia do pagem que por obra d*um intrigante devia ir morrer queimado u'um forno, escapando por um milagre e sendo castigado cwm aquella morte o intrigante.

É a lenda ou conto de Fridolin, popular na Alsa- cja, do que Schiller fez a bailada Gang nach dem Eisen- kaimner, e de quo a litteratura m(<li «vul ofTeroco um l^andn numero de variantes (2).

Affonso o Sábio de Castella, o ;ivo ao í>. Diniz, fi- «era dNlia uma das suas cantigas em louvor da Virgem, a cuja intervençílo milagrosa attribuiu a salvação do innoconte; essa compnsiçilo foi publicada por Adolf Iloi- ferich no Jahrhuch f. rom. u. englische Literatur, li,

(I) Vid. Palin, Etudes sur les trafiques frect i.' Wi tiot.

('2') Vi'! ' ... . ' ' ' ' in-

dil•r.l<..^^ I',i' .fã

J\'' r-Tiiir i^i - ^ \ 11 An-

c< ; lia, tu, 187,9.

XIV

429-432. No começo do século xii, Soraadova Bhatta, df> Cach<'mira, incluía uma variant<: d'e89e^conto na sua collecçào intitulado Katha sarit mgara, redigida om sans- krito, na slok-í épica; podo ler-se na tradueçSo de H' rmann Biockhttus, vol. II, pag. 62, ss.

Eotc simples ext^raplo bastará para provar que as historias da carochinhu são na essência tão graves co- mo as lendas maravilhosas do Fios sanctorum e da Le- genda áurea.

Tencionamos publicar um trabalho consagrado aos contoi populares e particularmente aos contos populares portuguezes, estudados nas suas multiplices relações, am que tentaremos elucidar as questões acima ennunciadasj contentarao-no8 por agora com estas simples indicações, Buífieientes, creiuos, para mostrar m^* não é para gastar um tempo ocioso que nos dêmos ao trabalho de colligir eetas tradições, vencendo com paciência e ás vezes com dinheiro a desconfiança de alguma das pessoas que nol-as dictaram. Examinaremos apenas d'um modo geral um problema interessante o da antiguidade dos contos populares em Portugal.

Os contos que temos colligido não teriam importân- cia alguma para a scioncia se por ventura a sua intro- ducção em Portugal fosso recente e tivessem vindo pelo canal da litteratura. A traducção das Mil e uma noites em portuguez, assim como a de alguns contos de Per- rault, madame d'Aulnoy, madame de Beaumont, a pos- sibilidade de um conto lido n alguma collecção recente estrangeira ser narrada por a pessoa a que leu e che- gar assim até á reproducçào popular reclamam natural- mente ura exame com relação á antiguidade d'e88e8 con- tos na tradição popular portugueza, Nào tractaremoa aqui esta questão senão d'um modo geral, limitando-nos a mostrar que ella pôde ser resolvida de maneira que, pelo menos em quasi todos os cabOS, não deixe margem a duvidas. Eis os principaes argumentos qu'3 provam que OS contos que publicamos o os que toncionamos ainda

XV

I ; rir iiJlo vi^^ram pnra o noaso pai« recentem»>nt« e {' lu canal ni^ncionjulo.

1.* Ttidos eist^s contos provcem directa ou indirecta- n, ntr d.i h K-rp. p (iijV.r; quasi todos fórum aprendidos UH ii I. i > j . - : s s qMo noi 08 nscreveram ou noi-os Darrari>in o u) K^^ral, como essa» pfstoas nol-o «ffirma- rara, d»- p- ssoas dade. A maior parto dos contos de Coimbra remontam a uma velhu Evangelista que mor- reu com mais di' cem annos na Misericórdia d'aquella cidade ;

2." Ni>8 antigos egcriptores portuguozes, nos adágios, DOS proloquios da língua ha allusi^os a esses contos, eu a contos do mesmo género;

3.* Alguns antigos escriptores portuguozes apresen- tam versSes litterariaa d^-ssrs contos;

4.° A comparação prova que n'es8''S contos ha par- tiealaridadrs antigas que faltam ou se acham altaradas oas versões litterarias extrangeiras quo modernamente enire nós podiam ser conhecidas;

6.** Muitos d'e8ses contos nâo se acham em versSes ext' " las ou conhf-cidas em Portugal.

I i cousa com relaçSo ao 2.** 3." e 4.*

ponto.

Soropita no fim do século xvi allude ao conto das TVet Cidras do Amor: «Appareceram por proa as Trtê Cidras do Antor.» ('Poesias e Prosas inéditas, publ. por C. Caít-llo Brinco, p. 103) (1).

(SlTl-

esta •'\jiv u. existia \% na língua geral

XVI

D. Francisco Manuel de Mello no século xVil allu- de evidentemente ao conto de que publicamos uma ver- BÍlo com o n." XLii o de que temos uma vereSo em que á heroina, chamada Maria Sabida, diz o seductor ludi-

briado

fAi Maria Sabida ! Tào doce na morte Tào agra na vida!»

Eis as palavras de D. Francisco Manuel : «Eu cuido que vireys a ser aquella dona atrevida, doce na morto e a^ra na vida, que nos contão quando pequenos.» Curtas familiares, cent. V. carta 7.

No Orto do Esposo (cod»x alcobacense da Bibliothe- ca Nacional de Libboa n.° 274), composição do fim do século XIV, que o nooso amigo Júlio Cornu, profpssor na universidade de Praga, copiou e tenciona publicar, ha diversos contos entre os quaes uma versão (foi. 89-90), muito interessante do que vae em a presente coUecção com o n." LXXiv. Devemos a communicação d'esse con- to ao nosso mencionado amigo.

«Hííu cavaleyro era muy namorado d'hua dona muy filha d'al- go ca?ada. E a dona era de boa vida e non eurava nada do cava- leyro, como que a elle demandava muy aficadamente. E aconteceo que morreo o marido da dona. E o cavaleyro começou de a de- mandar mais aficadamente. E ella mandou-b chamar e di.sse-lhe : «Vós sabedes que non sodes igual a mym ; pêro quero vos tomar por marido se vos itruardes a mym ai de menos em riquezas e per esto me escusarey de meu linhagem. E o cavaleyro pidyo a elUey e aos outros senhores e trouve aa dona mnyto ouro e muyta prata e muy tas doas. E ella por se escufar de seu casamento disse-lhe que todo aquello era pouco se mais non trouvesse. E entom o cavaleyro teve o caminho a húu mercador que levava muy grande avei' e matou-o e soterrou-o fora da carreyra, e tomou todo o aver que levava e trouve-o aa dona. E ella entcndeo que aquella requeza era de maao gaanho. e disse ao cavaleyro que se lhe non dissesse d'onde ouvera aquelle aver que non casaria com elle. E o cava- leyro descubriu-lhe todo o que fezera. E ella lhe disse que fosse ao loguar hu jazia o mercador soterrado e que estevesse aly des o se-

XVII

rãai) a?aa o paUí cantante e que Hie non enciil»ris'<» Mo o qiie lhe

.vhm' ">■• > ■'-•■' •<•■•• f"'^-.» ."1 .' "•■>. ' ■■•;•> ■"■•• Hia-

ri'i 'va

ti I' : ; iilior

Jt jiii/. o (jue vecs {(>• i . |)03to

(]ii 'iiti' il.'i .'i iiiMii vil! <f cava-

I.-. líS,

Cl, I _ ^ : --te:

I cm vfnlaili" (|ue se cllc num íeze r ptfiulen-

la jio 011 fí^ ihrn dolle tal vin}ran<;a iiiie .<*era

a r.MÍ ,. ,\e ié|»1ij » K Unto ly ■■ tlito tornoií-so morto pêra

-111 .1 F o f.iv.ílcMii mil •' tornou-íío pêra a dona e

c n-a o tiiusni. K ella reeeWi-o |M)r marido e

"•: n E ella lhe dizia mii>to a meiíde cada dia

'1. |tai;o que lhe fora da lo |KMa faz t pe,'nden-

•;a m\ hmi «itMi monte hfia^ ca a-; mnv nobres

I- .... -^ij ^jj^ ^^jj^ .^ ... 11^^

«•n e com íit'! -ol-

' .'ido. veo Iniii j'ii:r.ir \ro

into elle comya. os les-

' ••■•,iram-lhe a- iimu.i- «'oní

iv o seu estoniiento pêra

i. w . ... i' " '• - (jue estavaní

!'» jo}ri*ar i-no fora dos

, . I iiiTii \.' .MIM tempes-

la y eram.

K ly:i< sy

f i.an-

'i iiom

Kncontram-se na Abíh, na Africa, em muitos p izes da Europ i londas da subversivo ou conversão em lagos de pahifios, aldeias; roas nilo achámos ainda prova pal- p v.l ^i qun o monf»« d'Alcobaça tivesse simplesmente r-l' riilo uma lenda oxtrangeira e não redigido uma tra- dição popular portugueza ; a existência do conto ou len- dfi do Minho que adeante publi'iami>s, parece, p^'" r* montar A edade media na tradiçSo portugueza.

A ea culta do fundo tradicional ó uui ilos

r ■; _ itres da nossa litteratura ; por esaa razito

ria dc8 contos populares entro nós nilo so pôde es-

,^ om a clareza que haveria so tivéssemos numerosos

documentos do género do que trasladamos. O Orto do Es- II

XVIII

poso o 08 Contos de proveito e exemplo do Gonçalo Fer- nandes Trancoe ) assumem por isso uma importância ex- cepcional. A mais antiga edição d'<'B8<-8 contos é de 1575, segundo Thoophilo Braga quo mostra qun ellos foram es- criptos por occasiào da pesto de 15G9, Theophilo Braga asseverou tcrminantomente quo Trancoso bibou nn tra- dição popular ; parece-nos muito provável isso para al- guns contos, mas cremos que uma demonstração com- pleta d'('88a these ninguém a poderá dar. Entre os con- tos quo giram na tradição popular e so acham era Tran- coso citaremos como exemplo o conto das duas irmãs in- vejosas, do que temos quatro versõis populares portu- guezas. Eis em resumo a de Trancoso:

«Desejava um rei mancebo casar com uma donzella de virtuo- sos costumes, claro sanírue e bom viver. Tm dia passando por urna rua ficaram faliando a umas janellas três mulheres formosas e ten- do o rei periíuntado o que diziam foi-lhe respondido: «Senhor;, mna disse f[ue se cagasse com o príncipe fai"ia de suas mãos la- vores de ouro e seda tão valiosos que ba>tariam para uasto da me- sa; a outra disse (\ne se casasse com ella lhe faria camisas tão pre- ciosas que valeriam tanto como tudo o mais que elle vestisse e cal- çasse e a ultima dissera que se casasse com o rei teria delle dous filhos formosos como o ouro e uma filha formo^^a como a prata».

O rei mandou chamar á sua presença uma por uma as três ir- mana; as duas primeiras disseram que fariam em serviço do rei tudo a que a-; suas forças bastassem; mas a terceira que era a mais nova, e mais formosa repetiu que lhe daria dous filhos formosos como o ouro e uma filha mais formosa que a prata. Casou o prin- cipe com a mais nova.

As duas irmans mais velhas, de inveja pela preferencia dada á mais nova, (piando ella deu á luz os filhos promettidos, snbstitui- ram-os por monstros peçonhentos, dizendo ao rei que a rainha os dera á luz. O rei aboiTcceo por isso tanto a sua nmlher (lue a ex- pulsou; a rainha como creada e forasteira foi admittida n'um con- vento, onde pouco depois foi servida como as freiras, que a sus- peitaram d'uma elevada posição.

Tentavam as cunhadas agradar ao rei, mas este soíTria muito de paixão pela mulher expulsa, embora jultrasse que a expulsara com razão. Um dia em que, para se distrahir, ia ao lonçro de uma ribeira, viu á borda da a^ía uma casa nova, a cuja janella estava um formoso menino, pobremente vestido; depois appareceu outro menino e uma mulher com uma menina pequenina pela mão. A mulher disse ao rei que não sabia de quem eram aquelles meni-

XIX

nos, qoe o nuirido iiosí-ador lh'os trouxera neqnoninos nascidos

^•j,.,...ll.> .li.. . .,11.. -.>.,.{; .1-1 1.1. .11,.. i-H'.,. , li-., 1. ..,■•■. l.,r,w,.f..-,ra.

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:lia; es- ta ik-ciarou-ilicà a \criUdf c pouco Ucpuis íoi-a biiícar o rei.»

O conto H»» que acabamos do condensar n versiSo da- da por o novellista porlupuez acha-so muito <»8paIh:tdo; podemos mencionar as seguintes vortiSes, d.->a qua< s .is diu 1 om caracter litterario, as oittras

sít'' pulares, (l) :

noií:^ ,

Historia das duas irmãs invejosas nas (TWíi « uma

H«r« M T«nS«« qa« afto pademo* ««tadv; (na4« r K. lUblar, ■«• aoUa á vcnio aTkilMk

XX

2. ÍLaliana do século xvr em Straparola, Tredeci piacevoUssi- me notti \\, W (sorvi ino-nos da antiija traduoção franceza, edição Jannel, pois as edições originaes são raras e nião se encontram em Portugal) ;

3. Florentina em Vittorio Imbriani, Novellaja fiorentina, n.o 6;

4. Toí^cana em Angelo de Gubernatis^ Novelline di S. Ste- fano di Calcinaja, n." 16 :

5. Sioil-ana em Laura Gonzenbach, Sicilianische Márchen (Leipzig, 1870), n.o5;

6. Outra siciiiana em Giuseppe Pitré, Nuovo Saggio di Fia- be e Novelle popnlari siciliane (Imola, 1873; Estratto dalla T^i- vista di Filologia roman^a), xv: 1;

7. Outra slciliana em G. Pitré, Fiabe, Novelle e T{g.cconti popolari siciliane ( Palermo, 1875, 4 vols.), n.° 36 ;

8. Italiana de Ba'íilicata e'u Domenico Comparetti, Novelline popolari italiane (Torino, 187o), n.° 6;

9. Outra italiana de Pisa, ibidem n." 30;

10. Tiroleza em Chr. Schneller, óMàrchen und Sagen aus Walschtirol (Innsbruck, 1867), n.» 26;

11. Huniíara em G. Gaal, HDie Afárchen der óMagyaren, p. 390;

12. Alleman em Grimm, Kinder-und Hausmarchen {i^.°- ed. Berlin, 1874), n.» 96;

13. Outra alleman em J. W. Wolf, 'Deutsche Hausmarchen (Gottingen, 1831), p. 168;

lo. Outra alleman em * Ernst Ueyer, Deutsche Volksmãrchen aus Schwahen (Stuttgart. 1852), n.» 72;

15. Outra alleman em « lleinrich Prõhle, Kinder-und Volks- mãrchen (Leipzig, 1853), n.» 3;

16. Austríaca em Vernaleken, Oesterreichische Kinder-und Hausmarchen (Wien, 1864), n.» 34;

17. Zingerle, Kinder-und Hausmarchen (1852-54), n, 112;

18. Gresos em J. G. Hahn, Griechische und albanesische cMarchen, n> 69 (Leipzig, 1864);

19. Outra grega, em « NsoôUrvíica Aváxsx.Ta 2, 1, n.° 4;

20. Outra alleman em * Frommann, Die deutsche Mundarten, IV, 263;

21. Catalans em Fr. Maspons y Labrós, Lo T{pndallayre, quentos populars catalans, Barcelona, 1871, n.*»» 14 q 25.

22. Avarica em Awarische Texte, n.° 12.

A única forma litteraria das conhecidas que Tran- coso poderia ter lido é a de Straparola. Este publicava em 1508 um livro de versos e vivia ainda em 1557 ; foi entre essas duas epochas que compoz e publicou pe- la primeira vez as Notti. A versão de Trancoao desvia-se

XXI

potém, assas da do novellista italiano para que pcas.t- mos considerai a como independente dVlla. Kctta ainda a f ^ ' ! \de d'uma fonte litteraria desconh-cida. Aa iu( ;lar*'8 reunidas por nós dtsviam so tamb m

inu.t.. .i.i \ r.-àn do impso novellista, que tirou ao conto quii.s; l<((i.» o miiravilhnyo.

A fMC««cia n.° LXvi da prest-nte co1I»*cçho, que siTve d»i explicação popular aos proloquios : quevi não te cu- nhécer qu6 te compre, ou quem te conhecer que te compre, cu ainda quem iião te conhecer que te comjjre, saberá a L<.»ta que Uca, era corrente no século passado, como DOB mostra a versão que d't!la Bluteau a piopobito do mencionado proloquio :

•O bra. a t<

.1 polo calirosin liiin

nr-U- !.'lh I

a, <|ui- al(* a;.'iir.'i im* \io: nia> ii'

ijiio 1^ tiifti fri^fc friilririn so nto ;;

iliic lia- í;u';a. U Ihí» rf«iM'n<lou : ^

I Clin-t.i I - não (l:i f

1- '- 1 •■■■ ■■■. 1 •■•* r-i'"a

darem cortezia uma palavra aíiuollejunienlo. o que sendo-lhe roo-

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XXII

cedido^ se cliegou a elle, e lhe disse : «Ouve, senhor burro, quem te não conhece, te compre.»

O adagio :

Comei mangas aqui ;

A vós honram não a mim,

é o ultimo vestígio d'um conto que ainda n3o encontra- moB na tradição portugueza, mas que é conhecido d'ou- tro8 paizes e sobre o qual R. Kohler deu ricas indicações no Jahrhuch fiir rom. und engl. Literatur, xil, 351 8. e XIV, 42Õ 8. O papa ínnocencio III no sou livro De contemptu mundi sive de miséria humanae conditiònis deu a seguinte versão, transcripta por Kohler:

Cum quidaiu philosophus in liabitu contemptibili principis au- lam adissct et diu pulsans non fuisset admissus, sed quotiens ten- tasset inín^edi, toties contijíisset eum repelli, mutavit liahitum, e assumpsit ornatum. Tunc ad primam vocem aditus patuit venien- ti. Qui procedens ad principem, pallium, quod gestal3at, coepit ve- nerabiliter osculari. Super quo princeps adinirans, quare hoc age- ret, exquisivit. Philosoplms respondit : Honorantem me honoro, quia quod virtus non potuit, vestis obtinuit.»

Pitré, Fiabe, novelle e racconti popolari siciliane OXC, 8 offerece uraa versão popular que se aproxima maia da quo suppoe o nosso adagio. Giufà que como pateta não era convidado por ninguém, é vestido luxuosamente pela mãe. Convidam-no para a mesa onde o tinham an- tes ropellido e elle ia comendo e metendo comer nas vestes, dizendo : «Manciati, rubbiceddi miei, vuàtri fustivu 'mmitati.»

4( *

O conto da Bellamenina, n.° xxix da presente col- lecção, apresenta analogias tão intimas com o conto de La Belle et la Bete, redigido em francez por Madame

XXIII

<1a Renumont (1), e traduzido mais de uma vez em portu- U ha mais natural do qu<* p-^nsar que a furina (, II is diTiVtt d'f8sa fonte litt<'raria; a concor-

dância é 8í)brt'tudo muito particular na primeira p irte do conto, até qu^ Bflle vae habitar o palácio do mons- tro; no resto ha diff'r«?nçaH apparentemento insignifican- t - 'riam attribuir aos caprichoa da imagi-

1 lores portuguozes, se a comparaçilo nío

nos moslrnfis'? o 8"U v»l(»r tradicional. Na versão dw Ma- damo do Beaumont, Belle faniiliarisa-so com o monstro qurt a tracta magnificamente o lhe pergunta sempre an- tes de se ir dciturse ella quer casar com elle; ella res- pondo que nào, e o monstro lança um t<^rrivel suspiro. B lie, um dia n'ura espelho que seu pae estava doen- te de pena; exprimo ao monstro o desejo do o vêr ; elle con8<>nt9, mas faz-lhe prometter que voltará ao fíin de oito dias; diz-Ihe quando ella quizor voltar que ponha ao d"itar-8o o seu annol cm cima da mesa. Quando Bel- le acordou achou -se em casa de seu pa»\ As irmíls ti- nham casado, mas eram desgraçadas ; vendo a irmã ves- tida como uma príncoza, tiveram-lhe inveja e tractaram ' ' morar mais dos oito dias, o que conseguiram,

»e muito pr>nahRada8 pela partida d'ella. Ao fim do i\fí dias voltou B lio ao palácio, mas o monstro não appartcia; ella correu a um sitio onde o vira em sonho e achouo sem sentidos; lançou-se sem horror tiobre o corpo do monstro; deitou-lhe agua na cabeça, e ella vol- tando ji <«i diz lho que de pena do a ter perdido resolve- ra i á fome. Belle diz-lhe que elle ha de viver e ser , "^o ; ontUo o monstro desapparece e em seu logar fica um bollo príncipe, pois o seu encanto devia aci|bar quando uma donzolla o acceitasse para esposo. As más irmás sào convertidas em estatuas. O final da

«*. i)or

et pu-

a;rc íoí.s CU íunuo de recucil. l'ai'ii, cliez Bar-

XXIV

versíio pnrtugjupza é roais curto; raas pfindo do parte circumstaníias qiio podiam ser suppriíiiidas simplcsnifn- te, notar(>mo8 as spguinteB diff rfitiças : a Bcllamcnina não vae a casa para ver o pae dodit'', mas sim pelo ca- samonto d'uma irmJt ; o encanto do m^ftstro nâo acaba por ella dizer que o quer para esposo, mas sim quando Bella-monina lhe um bi'ijo.

Ha ver8Õi'8 populares d'esto conto ou contos mais ou menos similhantos em divf-rsos psuzcs ; taes são o n." 88 dos Kinder und Haiísmàrchcn, de Grimm, e as indicadas por W. Grimm, vol. iii, 152 ss., 329 s., a grega de Cr- pre, colhida por Sak-Ilario e traduzida em allcmâo por F. L ebrecht no Jahrhvch f. rom. u. enyl. Literatur, xi, 374-379 (liota a pap. 386), o conto .nasurico publicado por Tof'pp"n: Die Rose (vid. R. Kõhl<*r era G. G. An- zeige, 18G8. St. 35), o n.° 9 dos tSicilianischen Mãrchen de Laura Gonzenbach (vid. nota de 11. KõhK r no vol. II, p. 208 9), o n.° XXXIX da grando colLcçào de Pitró. Ora em pontos em que a nossa versão do M nho Si- afas- ta da do Bi aumont aproxima se d'i'lgunias das outras ver- sões o que prova quo nào deriva d'aquella. Assim o que motiva a ida da donzella a casa é o casamento das ir- mãs em Pitré, Gonzf-nbach, Grimm n." 88. N'a!guraa8 d'essas ver.»ões o núcleo do nosso conto funde so com outros elementos; assim na de Grimm, n.° 88, acha-se uma versão do nosso n.° XLIV ; o conto ;.cha-se assim alterado e a sua solução nào se pôde comparar cora a das formas simples, como a nossa n.** xxix, a de Pitré, n." xxxix, a cyprica, etc.

N'e8ta8 ultimas duas, o encanto quebrase como na de Madame de Beaumont quando a donzclla diz qu6 ac- ceita o monstro para mando; mas no antigo poema francez Le hei inconnu, publicado por C. Hippeau, ha uma forma da nossa tradição em que o encanto do monstro (aqui uma donzelia) se quebra com um beijo que na bocca de Giglain, (v.3150 e ss.) ora esta va- riante é, senão a mais antiga, como cremos, pelo menos tradicional e antiga no nosso conto.

XXV

A quebra d'uin encanto por meio de beijo apparoce niMitroH <->nto8. N'uin conto t^hitthnicn ( Ehsthnische M'àr- cíi'U A ;4 /. Mchnot von Fri»'drich Kr«-utzwald. Aus d 'm Kh-:. - h 1. .il„rs.tzt vou F. Lòw ; H^illo, 18G0. 8.°, I). 1.' .1 111. iiiu duma doiizella qu^bra-se quando ella ena íorma gcrp-nte bt-ija tria y^z» um mancebo. No conto 8>Tbo t: aduzido por cindam- MjatovifB eom o ti- tulo Bird Girl (Strbiun FAkLore, pafr. 119 88.) o fi- lho (ri:ii) t<M beija uma ave qu<.' 8<' tran-formf om bcllis- sun.i ti 11^' lia. Na l«'nda aí! -m% Dit iichliingenjungfriiu (l)fut>rhii iSitgen, bt'rauí>g«g» bon von don BiiiHTn Cirimm n. 13^ o encanto d'uma donzolla qu»' é meio serpente quebra se quando um mHncc^bo puro r casto a beijar ; V . d,. Lí^nzelfi citado por J. Grimm,

. p. 921 (3.* ed.) um btijo na boj- ca ui.iii dra^ào íal-o transformar n'uma bellu mulh-r.

Frlinand WolfnoaseMS Studien zur Guschichte der spanischen und portiigienischen ^Hntiunnlliteratur (8.* B-rIm, 1859, pag. 513 n.° 1, 514 n.) exprimiu a opiftií»» d»3 quo 08 conto* populares qui- se encontram na iiu Unham passado de França e Itália para a 1 - ^ li.ii^ula pela tti^iur pr\rte pód -poib do s- culo xvi, pelo canal da litteratura o do quu mais tarde amda é que elles cV ii á tradiçílo popular; o Pentamero-

d«< Babil) , ;0 de cuntos p<'j-ulari'8 napolitanos

: s com oro -tos litterarios, cuja primf^ira ediçào

ia é do 1(337, teria na opiniào de Wolf contri- buído muito para t sua divulgação dos contos na Hespa- nha. Ora é evidente para qu<-m conhece a historia das lilti-raturas peninbulares que a opinião de Wuií ó exten- siva a Portugal.

Mas o que acaba do ser dito fornece argumentos contra ella; um estudo comparado dos contos portugue- ses que temos reunido e do que conh<'Como8 dos con- tos h' epanhoes prova á evidencia que essa opinião nflo t<'m fundamento, salvo com relação a algum caso exce- pcional. A tradição oral de povo a povo foi, a nosso vêr, o«vehtculo mais importante que trouxe esses contos pa- ra a peninsula. Vejamos por exemplo como isto se podo

XXVI

provar em relação directa á opinião do celebre critico austriaco.

O n." XLlli da nossa collecção 6 uma versão d'ura conto de que se acha uma forma no Pentamerune IV, 10: Lo soperhia castecata. Na voraào de Coimbra o despre- zo da princeza ó motivado por o pretendente de sua mão deixar á sobremoza cair um grào de romã na barba o apanhal-o com o garfo e comeÍ-o. Esto motivo excellen- te falta na versão do Basile, assim como em vorsSos po- pulares d'outro8 paize9, por exemplo om Grimm n.** 52: KônigDrossdharty A. Kuhn, Sagen, Gebrauche und Mar- chen aus Westfalen (LíMpzig, 1859, 2 vol. 8.° n."* 17 dos contos), mas o mesmo ou similhanta se acha om ou- tras variantes. Em o n.° CV da grande collecçào do Pi- tré o rei é desprezado pela princeza, porque se abaixa para apanhar um bocado de romã que caíra no chão. N'outra Vfírsão siciliana da collecçào de L, Gonzenbach u." 18 o rei pretendente toma á mesa uma cadeira em que está uma pequena ponna e deixa cair molho na barba^ o que o fez egualmente ser desprezado.

È evidente pois que a versão portugueza que damos n'o8te volume, oíFtírecendo aquelle rtotivo próprio a uma das formas conhecidas do conto, não pode provir do Pen- tamerone. Aquelle motivo acha- se em verdade n'uma re- dacção litteraria italiana do conto por Luigi Alamanni. (Novella da condessa de Tolosa e do conde de Barcelona), a Alamanni morreu em 1556, mas a sua novella este- ve inédita até 1794, em que foi publicada n'uma obra pouco accessivel (1).

Em regra, se para a forma litteraria, individual, d'um conto fica de a possibilidade d'uma fonte litte- raria, embora desconhecida, salvo quando se prove di- rectamente a sua origem popalar, para a forma popular, collectiva, d'um conto deve admittir-se uma corrente do tradição oral, salvo quando se prove a communicação

(1) Vid. a nota de W. Grimm K. u. Hm. m, 86 s., a de R. Kõhler em Gonzenbach ii. 216. F. Liebrecht, Orient u. Occident 1, 122.

XXVII

litteraria. Era preciso uma grande dívuIgaçSo litteraria o muito antiga para explicar a gcnoralisaçío dos mesmos contos populan*», em tudas as províncias do Portugal, em todas provavolment*) da Huspanba.

Alludimos acima (pag. XIII) ás versSos peninsulares do conto ou lorida de Fridolin (pagom queimado no for- n(>\ EssiiS V'r-M ■» (qut* nSo sSo as únicas que s^? encon- trara aqu 'm Pyrineus) parecem indicar pela sua com- pl<'ta localisaç.^o quo o8 seus redactores as beberam na tradição popular. Em Coimbra coto ell» ainda hoje UA bocca do povo com relaçJlo á Rainha Santa Izabelj é verdade que poderia ser uma denvaçHo da rodacç?lo escripta por int>'rm"dio da pr-dica; mas a versUo de Âffonso X attesta a sua antiguidade na peninsula, a qual se pôde ainda verificarem relaç.\o a outras narrações que so encontram tamb-m no Oriente. A narraçilo portugueza tom taes relaçSi^s particulares com a hespanhola quo pare- cem derivar ambas da mesma fonte immediata. Eis as doas:

rnriiii o riirriíMu de Filiei .Ttiil.iva ii.'<li' tniino rc''"ii dn .iiiinr

servia n

'ia vi«ln V

i:;í ultras «le sua o fnvnr ;i vir-

.1 '[H<- a liuiii hoiii

XXVIII

Iiuiu íiivw) iIl' cal, a que naquelle tempo lançara o fo.uo, lhe disse, que «inaiido, na liora certa de huin dia determinado, manda«se hni'! J^arem da liainha a í-aber se fizera o que llie ordenara, o lan- ça^isft dentro no ardente forno, poniue assim eonvinlia a seu Real serviço; cht"-ado o presrripto dia, á hora sinalada iiandou Elliey o innocente Paíem eom o reeado finírido ao lurar do inoemlio, em i;ue doferííiina a. "nue se queimasse a innoeeneia, e Deos dispunha que ardesse a oiilja ; obedeceoelle com diliueneia pronpta, e como tini a por inal'era-cl devoção entrar nas lírrcjas, (juando ouvia fa- zer os í ina3s a ) levantar da Hóstia consa?i'ada, ouvindo-os no Con- vento de S. Francisco da Ponte, que estaca no caminho, entrou nelle e ouvio hua, e outra Missa, e assistindo no exercício de sua devoção, pôz Deos emharjíos à sentença de sua morte ; dispondo o Senhor que se consumisse no fo?o quem lhe procurara o incêndio, ponjue quem venera a saudável Hóstia, lojri-a immunidades na vi- da, e não ; padece o dano que se lhe prepara, mas faz que elle recaya em quem lho solicita; bastou sonhar Gedeão com o Pão que era (r.iira da Eucharistia para debellar os exércitos de >'ad'an; antes de sonhar com o Sacramento, teve por duvidosa a batalha, tanto que ouvio o mistério, deu por consetruida a victoria. Estando p]l!^e\ cuidadoso do successo, e desejando saber, se o fogo tinha desvanecido i-m fumo o seu presumido agírravo, chamou o outro Pa?em, que atrevidair ente tinha infan.ado, na Magestade nais de- corosa, a nais innocente castidade, e lhe disse que fosse saber, se se tinha dado à execução a sua ordem; chegou elle ao lugar que se destinara para o suplicio do outro, que estava na Igi*eja ou- vindo Missa, e entendendo o executor da morte, que àquelle n'an- dava ElPiey tirar a vida, lançando-o precipitadamentre entre as fla;: as, se reduzio justissiuíamente em cinzas, porque a divina justiça faz que pereça o culpado, no laço que se arn^a para o in- nocente : no patibulo que Amão levantou para Mardocheo, não morreo Mardocheo, e padeceo Amão.

Acabadas as Mis'as, se foy o devoto innocente para o forno, onde o delinquente estava consumido, e dando o recado de ElRey, lhe trouxe por resposta, (]ue a sua ordem se dera á execução, etc.» Historia da vida, morte, milagres, canoni:^açáo, e trasladação de Santa ^a^el, sexta T{ainha de Torturai. Escrlpta por D. Fernando Corrêa de I.acerda. Lisboa Occidental. 1735. 4.o p. 47- 50.

Aeor« a verpSo metrificada dci AfFonso x :

Non pode prender nunca morte vergonhosa Aquelle que guarda a virgen groriosa.

E d'aq[uest'aveno gran temp'á ja pas.«;ado. Que ouv'en Tolosa un conde mui preçado,

XXIX

E .1'ltit^ít'avia nn ome seu privado. Que Cazia vida come religioso.

Non pode prender nuncn i".>r« v.r.rAnii.wx. Ele.

Entre outros benes muitos que el fa^ia Ma; 1 " ^" - ''--^

' '\ r «'l "-a :»ll.». II' II III 1 - .11 -•»

Non pode prender, etc.

K 1 nitros uri v;i.lo< (inc r,M\ cl (Ntiiir.inilavan

A\

IK- an

AvtT cuu el eoude !^ vida mai» vi«;o>a.

Non pode prender, etc.

K - 1 ronde falaron.

Qii II mal con el mezcraron,

È •: . el o ai'cu«aron,

pei .a dar morte do(»roea.

Non pode prender, etr.

E que non fí4»ul»<>ssen de qual morte lhe dava.

Por ' •■'' '■ ": '"■' •■-'■•"■'•'•■*''

E '^va,

iv 1. ,... .. ., '

Non pode prender, etc.

E nianinn-fhc quf n primf^trn que cheirasse Oi. i-íse,

E -, K qut> > ai'de>»e a carue d el a>tri>^a.

Non pode prender, etc.

.'XijU' I -''11 IMI.-IIM M ([iif i'!'" ill^-<M,l.

l)iz<Mi«l : .'eííta via non te s<»ja nojosa.»

Non pode prender, etc.

XXX

Quando (?) cie ya cabo despa raiToira, Aolimi un*erinida que estava scnlheira, U dizian niis«a hen de mui },Tan maneira De Sancta Maria, a virgem preciosa.

Non pode prender, etc.

E logo tan toste entrou en a eçrreja

E disse : «esta missa, como í|uer que seja,

Oyrei cu. porque Deus de pelleja

Me guarde, de mezera maa e revoltosa.

Non pode prender.

Enquant'el a missa oya ben cantada. Teve ja el conde, que a cous' acabada Era que mandara, e por en sen tardada Enviou outrome natural de Tolosa.

Non pode prender, etc.

E aquerom'era o que a mezera feita Ouvera, e toda de fond'acima treita, E disse-lhe logo : «vae correndo e aseita (?) Se fez o caleiro a justiça fremosa.»

Non pode prender, etc,

Tan toste correndo foi-s'aquel fals'arteiro E non se teve mas que per un semedeiro Chegou ao forno e logo o caleiro O deitou na chama forte e perigrosa.

Non pode prender, etc.

O outrOj pois toda a missa ovu oyda, Foi ao caleiro e disse-lhe : «ás comprida Voontad dei conde"/ «Diss'el:» Si! sen falida, Senon nunca faça eu mia vida gayosa.»

Non pode prender, etc.

Enton do caleiro se partia tan toste Aquel ome bono, e per un grain recoste Se tornou ai conde, e dentr'en sa reposte Contou-lh' end'a estoria maravilhosa.

Non pode prender, etc.

XXXI

Quando \iu el ronde aquele que che?ara

Ani'"' '" •' ^■■"'" ■'■' ■••" -■i.".n!,-i

T... ....... , a

Noa pode prender, etc.

K .1; -V * V^ .-.:.„ ,,.jj^,^

Qi, envejas,

Pui" i'ii laii-i iii.i j>ii iixi.i^ lii- i-.Mj.w^,

Contar esie feito, e como es poderosa.

Non pode prender, etc.

A Disciplina clericalxs, o Calila e Dymna, o Conde (U Lncanor, o Libro dt Ivs engannos et los as" s

de las muyeres e outras obras similhantes da . ra inedioval de Hcspanha, luostram-nos á evidencia os árabes da peninoula como um dos vebiculos dos contos para a nossa tradiçáo, qutr directamente, qut-r por m^^io da litt- ratara. Esso canal está btm longo de ser o úni- co. Al;:uma cousa deveria ter ficado ainda da tradi- ção greco-latina. Em verdade o nosso conto n.° XLiv t - * mas relaçSts com o do Psycho e Amor no Meta- >>n Apuleu (lib. IV, v e VI), o n." L é uma i d<* Mídas (vid. Positivismo, l, fase. 1 , . na c«mo a de Rhampsnito contada por

Heródoto (li, 121, 122) é contada pelo povo sendo o thesouro do rei egypcio substituído pela casa da moeda; a historia da filha quo amamentou o pae, referida por Val''rio Mííxuno, é corrente no Minho; o nosso povo sa- be algumas taljiilas C(»mo as de Esopo e Phedro; mas eMot factos não attestam uma tradiyilo inínterrompida entre n<Ss que remonte directa ao tempo do dominio ro- mano; essas narrayoes podem-nos ter vindo na edade media ou ainda ! nos modernos ptlos mesmos ca-

naes porque nos -m outras quo por certo nSo pro-

vêem da antiguidade clássica. Esperamos provar que ha entre alguns contos portugu«*2es o contos corresponden- tes italianos relaçSes particulares, quo fazem suppôr quo

XXXII

a Itália, sem duvida por intorm^ídio dos sous marinhei- ros, muito mai'' que pelo de suas novellas, no!-08 enviou. O mesmo se deu provavelmont'^ com relaçào a outros povos, principalmente á França.

Do m-^smo modo que não podemos adraittir uma origem única para os contos, per exemplo, a origem roythica, considerando o conto e o mytho como dous productos radicalmenttí diversos, embora no conto entrem muitas vezes lílfíraentos roythicos, vendo pos contos o producto d'uma faculdade que se acha mais ou monos desenvol- vida em todiís as raças humanas, nSo podemos crer que a transmissão d'elle8 para a Europa, para cada paiz particular se operasse por um único vehiculo. O que nós hoje possuimos d'esse3 documentos é o resultado do struggle for life de tradições differentes ; é o resíduo da reacção de diversas correntes.

Não podemos hiíjo fazer mais que indicar esses inte- ressantes problemas, esperando que maior massa de ma- teriaes e a realisaçao dn estudos planeados ha annos nos pormittam contribuir para a sua solução.

Lisboa, maio de 1879.

mm mmm mmum

HISTORIA DA CAROCHINHA

Era de ama vez uma carochinha que andava a var- rer a casa c achou cinco reis e foi logo ter com uma vi- zinha o porguntou-lhe: «Oh vizinha, quo hei do eu fazer a estes cinco rei8?t Respondeu-lho a vizinha: «Compra doces.» «Nada, nada, que é lambarice. «Foi ter com outra vizinha e cila disso lhe o mesmo; depois foi ainda V que lhe disse: «Compra fitas, flores, bra- ços e vae-to pôr á janella o diz : (lUi^m quer casar com a carochinha (^uo é bonita e perfeitinha?» Foi a carochinha comprar muitas fitas, rendas, âo> rcB, 1 ^; enfeitou-se muito enfei-

tada ' ^ -ndo :

«(^ucm quer casar com a carochinha fy"- ó bonita e perfoitinha?» ' 11 boi e disso: «Quero eu.» «Como é a tua

iliaVv «iL, ú... '' " ' -• (juo me

cordas 08 menino ^ ara vez a

dizer : I

«Quem quer casar com a carochinha Que é bonita e perfeitinha Passou um burro o disse: a Quero eu.» «Como é a «tua falia?» «En ó. . . ou ó. . . » «Nada, nada não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Oepois pas- sou um porco e a carochinha disse-lhe: «Deixa-me ouvir a tua falia.» «On, on, on.» «Nada, nada não me serves, que mo acordas os meninos de noite.» Passou um cão e a carochinha disse-lhe: «Deixa-me ouvir a tua falia.» «Béu, béu.» «Nada, nada não me serves, que me acordas os meninos de noite.» «Passou um gato. «Como é atua falia?» «Miau, miau.» Nada, nada, nào me serves, que me acordas os meninos de noite.» Passou um ratinho e disse: «Quero eu.» «Como é a tua falia?» «Chi, chi, chi.» «Tu sim, tu sim; quero casar comtigo, » disse a ca- rochinha. Então o ratinho casou com a carochinha e fi- cou-se chamando o João Ratão. Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo chegado o domingo, a carochi- nha disse ao João Ratão que ficasse elle a tomar conta na panella que estava ao lume a cozer uns feijSes para o jantar. O João Ratão foi pai'a junto do lume e para ver se os feijões estavam cozidos metteu a mão na pa- nella e a mão ficou-lhe ; metteu a outra ; também ficou ; metteu-lhe um ; succedeu-lhe o mesmo, e as- sim em seguida foi caindo todo na panella e cozeu-se com os feijões. Voltou a carochinha da missa e como não visse o João Ratão, procurou-o por todos os boracos e não o encontrou e disse para comsigo. « Klle virá quan- do quizer e deixa-me ir comer os meus feijões.» Mas ao deitar os feijões no prato encontrou o João Ratão morto e cozido com elles. Então a carochinha começou a cho- rar em altos gritos e uma tripeça que ella tinha em casa perguntou-lhe :

«Que tens, carochinha. Que estáá a chorar?»

«Morreu o João Ratão E por isso estou a chorar»

«E eu que sou tripeça

3

Ponho-mo a dançar.» Diz d'ali uma porta :

<Quú teus ta, tripeça, Que estás a dançar?»

«Morreu o JoSo Ratão, Carochinha está a chorar, E eu quo sou tripeça Puz-mc a dançar.»

ftE eu quo sou porta Ponho-me a abrir e a fechar.» jL»:z a aii uma trave :

«Que tens tu, porta, Que pstás a abrir e a fechar?

«Morreu o Joào Ratão, Carochinha está a chorar, A tripeça está a dançar, E eu que sou porta Puz-me a abrir e a fechar.»

<E eu que sou trave Quebro-nae. Liiz u aii um pinheiro :

«Que tens, trave, Que to fj

«Morr ) Ratão,

Carochinha está a chorar, A tripeça estil a dançar, A porta a abrir e a fechar, E eu quebroi-me. »

«E eu quo sou pinheiro Arranco -me.» Vieram passarinhos para descançar no pinheiro e viram-n'o arrancado e disseram:

( pinheiro,

(^i. chão?»

Morreu o João Ratão, Chrochinha está a chorar, A trip» ra está a dançar, A porta a abrir o a fechar.

_ 4

A trave quebrou-se, E eu arranquei-me.»

«E nós que somos passarinhos Vamos tirar os nossos olhinhos. Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram á fonte beber agua. E diz-lhe a fonte:

«Porque foi passarinhos, Que tirastes os olhinhos?»

«Morreu o João Ratão, A carochinha está a chorar, ' A tripeça a dançar, A porta a abrir e a fechar, A trave quebrou-se, O pinheiro arrancou-se, E nós, passarinhos. Tirámos os olhinhos»

«E eu que sou fonte Secco-me.» Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem agua da fonte e acharam-na secca e dis- seram:

«Que tens, fonte, Que seccaste?

«Morreu o João Ratão, A carochinha está a chorar, A tripeça a dançar, A porta a abrir e a fechar, A trave quebrou-se, O pinheiro arrancou-se, Os passarinhos tiraram os olhinhos, E eu sequei-me.»

«E nós quebramos os cantarinhos.» Foram os meninos para palácio e a rainha pergun- tou-lhe:

«Que tendes, meninos,

Que quebrastes os cantarinhos?»

«Morreu o João Ratão, A carochinha está a chorar,

5

A tripeça a dançar,

A porta a abrir o a fechar,

A travo quebrou-se,

O pinheiro arrancou se,

Os passarinhos tiraram oa olhinhos,

A fonto seccou-se,

E DÓS quebrámos os cantarinhos. »

«Pois eu que sou rainha Andarei em fralda pela cozinha.» Diz d'alli o rei:

«E eu vou arrastar o c. . . Pelas brasas.»

{Coimbra.)

n

A FORMIGA E Â NEVE

Uma formiga prendeu o na neve.

«Oh neve ! tíi és tio forte, que o meu p6 prendes

Responde a neve : «TSo forte sou eu que o sol me derrete.»

«Oh sol! tu és tSo fortó om? dorrostes a neve que o meu prende !

Responde o sol: •Th) íoiil' »i»'; t-u que a parede me impede.

«Oh parede ! tu és tHo forte, que impedes o sol, que derrete a neve, quo o meu prendo.»

U'^9ponde a parede: «Tão forte sou eu quo o rato mo fura.»

«Oh rato! tu és tSo forte quo furas a parede que impede o sol, quo derreto a nove, quo o meu pren- do !>

6

Responde o rato: «Tão forte sou eu que o gato me come.»

«Oh gato 1 tu és tão forte que comes o rato que fu- ra a parede, que impede o sol, que derrete a neve que o meu prende.»

Responde o gato: «Tào forte sou eu que o cão me morde.»

«Oh cão ! tu és tão forte que mordes o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o sol, que derrete a neve que o meu prende

Responde o cão: «Tão forte sou eu que o pao me bate. B

«Oh pao ! tu és tão forte, que bates no cão, que mor- de o gato, que come o rato, que fura a parede, que im- pede o sol, que o meu prende

Responde o pao: «Tão forte sou eu, que o lume me queima.»

«Oh lume ! tu és tão forte, que queimas o pao, que bate no cão, que morde no gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o sol, que derrete a neve, que o meu prende!»

Responde o lume: «Tão forte sou eu que a agua me apaga.»

«Oh agua ! tu és tão forte que apagas o lume, que queima o pao, que bate no cao^ que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o sol, que derrete a neve que o meu prende

Responde a agua: «Tão forte sou eu que o boi me bebe. »

« Oh boi ! tu és tão forte que bebes a agua, que apa- ga o lume, que queima o pao, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede que impede o sol, que derrete a neve que o meu prende

Responde o boi: «Tão forte sou eu que o carniceiro me mata.»

«Oh carniceiro! tu és tão forte, que matas o boi, que bebe a agua, que apaga o lume, que queima o pao^ que bate no cão, que morde o gato, que come o rato,

_ 7

que fura a parede, que impede o sol, que derrete a ne- ve que o meu prendo !•

Kesponde o carniceiro: tTSo forte sou eu que a mor- to me l'jva.»

III

O COELHINHO BRANCO

Era do uma vez Um coelhinho Que foi á sua horta Buscar couves P'ra fazer um caldinho. Quando o coelhinho branco voltou para casa depois de vir da horta, chegou á porta e achou-a fechada por dentro; bateu e perfruntaram-lhe de dentro: tQuem é?» O coelhinho respondeu:

«Sou eu, o coelhinho Que venho da horta £ vou fazer um caldinho, hesponderam-lhe de dentro:

«E eu sou a cabra cabrez Que to salto em cima £ to faço em três.» Foi-se o coelhinho por ahi fora muito triste e encon- trou um boi e disse lhe:

<Eu sou o coelhinho Que tinha ido á horta £ ia para casa Fazer o caldinho; Mas quando cheguei Encontrei a cabra cabrez, Que me salta em cima E me faz em três.

Responde o boi: «Eu não vou quo tenho medo.» Foi o coelhinho andando o encontrou um cão e disse- Ihe:

«Eu sou o coelhinho, etc.» Responde o cão: «Eu não vou que tenho medo.» Foi mais adeante o coelhinho e encontrou um gallo, a quem disse também:

«Eu sou o coelhinho, etc.» Responde o gallo «Eu não vou que tenho medo.» Foi-se o coelhinho muito mais triste, sem esperanças de poder voltar para casa, quando encontrou uma formiga que lhe perguntou: «Que tens tu coelhinho? «Eu vinha da horta, etc.» Responde a formiga: «Eu vou e veremos como isso ha de ser.» Foram ambos e bateram aporta; diz-lhe a cabra cabrez de dentro:

«Aqui ninguém entra Está a cabra cabrez Que lhes salta em cima E 08 faz em três.». Responde a formiga:

«Eu sou a formiga rabiga, Que te tiro as tripas E furo a barriga.» Dito isto a formiga entrou pelo boraco da fechadu- ra, matou a cabra cabroz ; abriu a porta ao coelhinho ; foram fazer o caldinho e ficaram vivendo juntos, o coe- lhinho branco e a formiga rabiga.

(Coimbra.)

9

IV

A ROMANZEIRA DO MACACO

Era uma vex um macaco quo estava emcima de uma a comer uma rom.^ ; succedou quo caiu

um j^: romã para a terra em que estava a oliveira

e paMiido pouco tempo nasceu uma romanzeira. Quan- do o macaco viy a romanzeira nascida, foi-se ter com o dono da oliveira o disse-lhe : «Arranca a tua oliveira ! a minha romanzeira. «Responde o homem ;

i para isso.» Foi-se o macaco ter com a justiça e disse-lhe: «Justiça, prende o homem para que arranque a oliveira, para crescer a minha roman- zeira. > Responde a justiça: «N3o estou para isso.» Foi se f) macaco ter com o rei e disse-lhe: «Rei, tira a vara á justiça, para ella prender o homem, para elle arraiu ar a oliveira, para crescer a mii.ha romanzeira.» Responde o rei : « Nlo estou para isso. » Foi o macaco ter com a rainha: «Rainha, poê-te mal com o rei, para elle tirar a vara á justiça, etc.» Responde a rainha : «Não estou para isso.» Foi-se ter com o rato: «Rato roe as is á rainha para ella se pôr de mal com o rei, ... «Responde o rato: «Não estou para isso.» Foi-se er com o gato: «O gato come o rato, para elle roer ^3 fraldas á rainha, etc. «Responde o gato: «Não es- •u para isso.» Foi-se ter com o cão: «O' cão morde < gato, para elle comer o rato, etc. «Responde o cão: -«Não estou para isso.» Foi ao pao o disse-lhe : «Pao, bato no cão, para o cão morder o gato, etc.» «Não estou para isso.» Foi ter com o lume: «Lume qufiraa o pao, para elle bater no cão, etc.»— «Não es- tou para isso.» Foi ter com a agua: «O agua, apaga o lume para ello qu';iraar o pao, etc.» «Não estou pa-

to- ra isso.» Foi ao boi:— «O boi, bebe a agua para ella apagar o lume, etc.» «Não estou para isso.» Foi ao carniceiro: «Carniceiro, mata o boi para elle beber a agua, etc. «Não estou para isso.» Foi ter com a morte: «O morte, leva o carniceiro, para elle matar o boi, etc. «A morte ia para levar o carniceiro e elle disse-lhe : iNão me leves que eu mato o boi. «Disse o boi: «Não me mates que eu bebo a agua.» Disse a agua: «Não me bebas que eu apago o lume.» Disse o lume:— «Não m'apagues que eu queimo o pao. » Disse o pao: «Não me queimes que eu bato no cão.» Disse o cão: «Não me batas que eu mato o gato.» Disse o gato.a: «Não me mordas que eu como o rato.» Disse o rato : «Não me comas que eu roo as fraldas á rai- nha.» Disse a rainha: «Não me roas as fraldas que eu ponho-me de mal com o rei.» Disse o rei: «Não te po- nhas mal commigo que eu tiro a vara á justiça.» Disse a justiça: «Rei não me tires a vara que prendo o ho- mem.» Disse o homem: «Justiça não me prendas que eu arranco a oliveira.» E o homem arrancou a oliveira e o macaco ficou com a sua romanzeira.

(Coimbra)

O GALLO E O PINTO O PINTO : «Qui qui ri qui. Faz-me ura bolo. » O GALLO:

«Có co có. Não tenho sal.»

«Qui qui ri qui. Manda-o buscar.»

11

CO có. NSo tonho por quem.»

Qui qui ri qui. Por o rapaz.»

CO có. O rapaz está manco.»

Qui qui ri qui. Quem o mancou?»

CO có. Foram as pedras.»

Qui qui ri qui. Qu'é das pedras?»

CO có. Estão na agua.»

Qui qui ri qui. Qu'é da agua?»

CO có. Beberam-na os bois.»

Qui qui ri qui. Qu'é dos bois?»

co có. Andtira a lavrar milho.»

Qui qui ri qui. Qu'é do milho?»

CO có. Comeram-DO as gallinhas.

Qui qui ri qui. Qu'é das gallinhas?»

CO có. Estilo a pGr ovos.»

Qui qui ri qui. Qu'é dos ovos?»

co có. Comeram-nos os padres.»

Qui qui ri qui. Qu'é dos padres? o

CO có. Estào a dizer missa.»

Qui qui ri qui. Qu'é da missa?»

CO CÓ. Está no missal.»

Qui qui ri qui. Qu'é do missal?»

CO có. Está na egreja.»

Qui qui ri qui. Qu'é da egreja?»

CO có. Está na cidade.»

(Coimbra).

VI

A VELHA E OS LOBOS

Uma velha tinha muitof netos um dos quaes estava

ainda por b.iptisar. Um dia a boa velhinha saiu a pro*

12

curar um padrinho para o seu netinho o no caminho en- controu um lobo, que lhe perguntou : « Onde vaes tu velha?» Ao que ella respondeu: «Vou arranjar um padrinho para o meu neto.» «Oh velha, olha que eu co- mo-te!» «ííão me comas, que quando se baptisar o meu menino, dou-to arroz doce.» Foi mais adeante e encon- trou outro lobo quo lhe fez a mesma pergunta e ella deu- Iho a mesma resposta. Depois encontrou um homem que lhe perguntou o que ella ia fazer e como ella lhe res- pondesse que ia procurar um padrinho para o seu neto, elle oíFereceu-se logo para isso. Depois a velha contou- Ihe o encontro que tinha tido com os lobos o o homem deu-lhe uma grande cabaça e disse-lhe que «e mettesse dentro d'ella que assim iria ter a casa sem que os lobos vissem. A velha metteu se na cabaça e esta começou a correr, a correr, até que encontrou um lobo que lhe per- guntou: O' cabaça, viste por ahi uma velha?»

«Não vi velha, nem velhinha;

Não vi velha, nem velhão;

Corre, corre, cabacinha;

Corre, corre, cabação.» Mais adeante encontrou outro lobo que perguntou também: «O' cabaça, viste por ahi uma velha?»

«Não vi velha, nem velhinha;

Não vi velha, nem velhão;

Corre, corre, cabacinha;

Corre, corre, cabação.» A velha, julgando que estava longo dos lobos dei- tou a cabeça fora da cabaça, mas os lobos, que a se- guiam, saltaram-lhe em cima e comeram-n'a.

(Coimbra.)

vir

A RAPOSA E O LOBO

uma , raposa e viu uns càes de caça e elles dis-

eram-lhe: O comadre anda aqui pára onde a nós;

agora uma ordem dos bixos n2o fazerem mal uns

litros.» Elhi disse-lho : cEu venho logo que vou

' aquello meu compadre se quer utilisar da mesma

. .. :a e vir para aqui onde a nós.» O compadre era

na gallo. N'Í8to passou um caçador e disse-lhe :

' raposa, queres tu gallinhas? «Eu quero.» «Pois

anda á tarde a minha casa que eu tenho uma

tpoeira d'ellas.» O caçador tinha uma dúzia de càes

íj caça mettidos n'uma corte e soltou os cães á raposa.

>'iato ella deitou a correr e o gallo estava cm cima

uma parede o gritava-lhe: «Mostra-lhes a ordem, mos-

ra-lhes a ordem.» A raposa escapou-se dos cães o foi a

ha o tal caçador e que era de milho;

iro— alagava uma pedra; saltava para

»ra alagava outra, até que fez um portello por onde

)dia passar o gado. Viu um burro e disse-lhe: «O

tropadre, queres milho? » Quero. «Então ontra

para dentro que eu hei de paf^ar ao cavador o engano

que ello mo foz.» O burro comeu tanto milho que lhe

MÍu o seaso defóra; depois veio um corvcUo e a raposa

'íiíse-lhe: «O compadre, queres tu carne? » Eu quo-

s sim.» «Pois então vae alli.» E indicou-lhe o sesso

r e o burro enganou o aos cou-

trou ura lobo e disse-lhe: »

ire, queres tu? vamos tomar um afilhado. Fo-

..X. j,<.... deanto e encontraram uma gente que estava

fazer um molho de centeio o vae ella disse-lhe :

Ulha, ó compadre, chega-te ali pr'a o d'aqueUe8 ho-

14

raens da malha que cUes dSo atraz de ti e em-no entan- to, pilho-lhes eu a panella do arroz.» Assim fizeram; os homens deram atraz do lobo o a raposa mettou a cabeça dentro da panella, comeu o que poude e quebrou a pa- nella; cheg;ou ao do lobo:— «Como passaste, compa- dre?»— «Ora; deram cora as malhas atraz de mim que estou morto de cançaço.»— «Olha pr'a mim; quebraram- me a cabeça que até estou com os miolos fora.» Os mio- los eram os grelos do arroz que tinha na cabeça.

O lobo disso-lhc que lho deixasse lamber os miolos que eram muito bons. Depois ella disse-lho: «Deite- mo-nos agora aqui um pouco que eu venho muito enfa- dada. » Ella deixou adormecer o lobo e foi tomar o afilha- do, que era comer um cabrito.

Depois toparam um velho n'uma cozinha e disseram- Ihe: «O velhote, queres que nós vamos fazer uma bo- da?» Depois juntaram-se o lobo, a raposa e um coelho; o lobo devia de levar um cabrito, a raposa uma gallinha e o coelho a salsa. Assim fizeram. O velho foi o primeiro que chegou com um rammho de salsa e o velho atirou- Ihe com um páo o matou-o; ao lobo metteu-lhe um es- peto pelo c. . . e á raposa pegou-lhe pelo rabo e arrastou-a pelo borralho. Fugiram a raposa e o lobo o quando es- tavam longe, disse o lobo: «Nao vamos lá; o diabo do velho metteu-me um dedo tào quente, tão quente pelo c... acima que parecia um espeto quente.» Depois disse a raposa: «Eu vou ver o que o velho faz; se elle esti- ver a dormir ainda lhe vamos pilhar a boda.»

Chegou á porta e o velho que tinha acabado de comer estava a limpar as barbas com um panno. Ella chegou ao lobo e disse: «Olha, compadre; vamo-nos embora que o velho está a puxar por as barbas que nós que lh'a havemos de pagar, que nos ha de matar.» «Pois vamo-nos embora.»

Vinham para casa e anoiteceu-lhes no caminho e vi- ram a sombra da lua n'um poço. Disse então a raposa. «Olha que ali n'aquelle poço está uma broa dentro; vamos tiral-a.fl «Nós como é que havemos de fazer? »

15

' '"• ; iKi. ■íiiuà a agua; enchemos a barriga o depois va- inijar e assim tiramos a agua do poço.»

1" ri"; 1' ^> r, mas a raposa n5o bebia qnasi nada j >r ^ i . a^ ;i;i> t iiha bobido alguma agua dizia : —«Ai, t' : .o a minha barriga tiio cheia.» Mas o pobre do lobo b'1'ia muito e tanto bebeu que arrebentou o morreu.

I> ';>ois a raposa juntou se c mais a garça para faze- roni ' lo de farinha; a garça fez o caldo n'inii;i

aluv tteu o bico e bebeu tudo, porque a raji <a

nHo podia bebcl-o pela almotolia. Depois a garça disse- Ihe: tTu mo convidaste para a tua boda; agora vou- to eu convidar para uma boda que ha no ceo.» «Eu como hei de ir?» «Vaes nas minhas azas.»

Foi; a garça assim que estava mais enfadada disso- Ihe: «Tem-te, comadre, emquanto eu esciipo (*) em m&o.» Larga a raposa o esta quando vinha a cair dizia «Isto vae de déo em déo; Se eu d*e8ta escapo Kilo tomo ás bodas ao céo.»

Estava da banda de baixo um penedo grande o ella disse: «Arreda, lage, que to parto.» N'Í8to caiu sobre a fraga e arrebcLtou. (*)

(Ourilhe.)

nrrupçáo por cutpn.

Miaai todos os epiflodioí qne formam o conto anterior se

tr..» .1

;..;ii >*•■'

1 it ! I-* p.m conf i. .-.^ variant*»h

; ciiriogas. 0 cyciu jj '{'Ular <1m /

\(sn paiz do que se pode julf^ar p<'

Jiitat, com (luanto o:

i>io9 a uu- numpro.

odente, julgamos d'

[xjr iiifirc

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vm

RAPOSINHA GAITEIRA

Era uma vez uma raposa que tinha por compadres um grou e um lobo. Certo dia lembrou-se o grou de convidar a raposa para que fosse cear com elle umas papas de milho ; a raposa foi mas nada pôde comer, pois o grou apresentou-lho as papas dentro d'uma almoto- lia e como a raposa nào tivesse bico o grou comeu as papas todas. Passados dias, a raposa para se vingar, convidou o grou também para comer papas, mas d'esta vez comeu ella tudo, pois tinha deitado as papas n'uma la- ge e o grou iião pôde comer. A raposa tomou tal fartadel- la que nem podia andar, e como tivesse de fazer uma jornada, pediu ao compadre lobo que a levasse ás cos- tas, pois estava muito doente, O lobo isso lhe fez e a raposa ia dizendo pelo caminho.

«Raposinha gaiteira

Farta de papas

Vae á cavaleira.» O lobo perguntava-lhe : «Que dizes tu, comadre? «Ai, minha barriga, ai, minha barriga. Assim foram caminhando até que o lobo caiu no logro que a raposa lhe pregou e então reparando que estavam perto de um poço disse para a raposa: «Ah! tu assim me enga- naste ! Disseste-me que estavas muito doente e vaes cantando pelo caminho :

Raposinha gaiteira

Farta de papas

Vao á cavaleira. Pois bem fica n'este poço para não me tornares a enganar.» E atirou a raposa ao poço. A raposa metteu- se dentro d'um balde que estava na borda do poço para se tirar agua, ora com um, ora com outro; de que se havia de lembrar a raposa? Disse ao compadre: «Olha,

17

i fizestes muito bem em me deitar ao poço, porqno es- 1o ff to bonitas; se tu queres ver, motte-te

esse bsu ahi está em cima; vens ver o quo

stá e depois voltas. O lobo caiu novamente no logro;

' ♦♦'•u-se no balde, o foi abaixo e ao mesmo tempo que

i descendo vinha subindo para cima o balde em que

oUva a raposa. Esta logo quo se viu em cima disse

ara o lobo: «Fica para ahi para nSo seres tSo tolo

j 'o fios nas matreirices quo as mais raposas tito ma-

; ;ra8 como eu te queiram impingir. E foi-se cantando

.'lo caminho fóra :

cRaposinha gaiteira, Farta de papas Vae á cavaleira.»

(Coimbra.)

IX

O COMPADRE LOBO E A COMADRE RAPOSA

Era de uma vez um homem casado com uma mu- lor chamada Maria, e tinham por compadres um lobo - uma raposa. Um dia disseram elles ao lobo e á rapo- sa: «Olhem, compadres, é preciso fazer uma grande festa ('■.'. cm casa e por isso vC tu, compadre, se me tra- z- i!;^un8 carneiros e ovelhas para o jantar; e tu, co- raposa, arranja gallinhas e patos, pois nós que- lu s que o banquete seja fallado em toda á vizinhan- ^.» O lobo e a raposa responderam : «Fiquem des- iosados, compadres, que nSo lhes ha-de faltar o que eseiam.» Desde esse dia o lobo e a raposa todas as noites le- s

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varam gado para casa dos compadres, de sorte que el- les não cabiam em si de contentop. Chegado o dia da festa foi o lobo e a raposa para assistirem á funcçlto, e quando chegaram, viram que os compadres tinham uma grande caldeira d'agua a ferver e um espeto met- tido no fogo. O lobo perguntou: «O comadre, para que é esse espeto? «É para assar as gallinhas.»

Palavras nSo eram ditas, o homem a pegar na cal- deira e a deitar a agua a ferver em cima do lobo e a mulher a metter o espeto pelos olhos da raposa. Escusa- do é dizer que ao lobo lhe caiu a pelle e a raposa ficou cega.

Passara-se bastante tempo e os compadres nem se lembravam do que tinham feito, quando o homem, andando um dia no mato a apanhar lenha, viu correr para elle o compadre lobo e, receando que elle o matas- se, subiu para cima de uma arvore. EntSo o lobo disse- Ihe de baixo: «Tu pensas que me escapas ! espera que eu te ensino.» E dito isto começou a chamar por os ou- tros lobos e logo vieram muitos; elle então disse-lhes : «E preciso matar aquelle homem que ali está em cima e para chegar é preciso que se ponham todos em ci- ma uns dos outros; eu ficarei por baixo, porque tenho mais força.»

08 lobos, postos uns sobre os outros, estavam qua- si a chegar ao compadre quando elle gritou com toda a força: «O Maria, traz a caldeira d'agua a ferver.» O lobo logo que isto ouviu, pernas para que te quero (*) e os outros que estavam sobre elle caíram todos no chão ; depois desesperados correram sobre o lobo que tinha fu- gido e mataram-no.

O compadre voltou para casa e contou tudo á mulher e nunca mais quizeram voltar ao mato.

(Coimbra)

(1) Modo popular d'expriniir que alguém deitou a correr.

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X

O RABO DO GATO

Era de uma vez um ^ato que foi ao barbeiro para fjui' ' " -se a barba. O barbeiro disse ao gato: «Se tu t ' rabo mais curto ficarias muito mais boni-

to.» Disse-lhe o gato: «Pois corta-Iho um bocado.» Cortou o barbeiro o rabo do gato o cllo foi-se embora ; mas no meio no caminho disse para comsigo: «E o bar- beiro que me ficou com o meu rabo! Deixa-me ir pedir- lh'o..

Foi ter com o barbeiro e disselhe: «Dá me o meu rabo, senilo furto-te uma navalha.» Como o barbeiro lhe nHo dvsse o rabo furtou-lho a navalha.

Foi-se o gato por ali fóra e viu uma peixeira que nSo tinha faca para cortar o peixe e disse-lho: «Toma esta navalha.» Mais adiante voltou atraz e disso á peixeira: «Dá a navalha, senilo furto-to uma sar- dinha.» Como a peixeira lhe n!to desse a navalha furtou- liie a sardinha.

Foi se o mais adiante viu um moleiro a comer p3o sec- co e disselhe: «Toma esta sardinha.» Mais adianto voltou atraz e disse ao moleiro: a minha sar- dinha, Bonito furto te uma taleiga de fariíih.T.» Como o moleiro tivesse comido a sardinha furtou-lhe a taleiga de farinha.» \

Foi o gato ter a uma mestra de meninas que nSo tinha que lhes dar á merenda o dissc-lh*^: «Toma esta taleiga de farinha para papas.» Mas depois arrepen- deu-so o voltou atraz e disse á mestra: «Dá a mi- nha taleiga do farinha, sen;to furto-te uma menina.»

'^■■.'\n cora a menina o foi ter cora uma lavadeira o tlish<- lii»': «Tu estila a lavar a roupa sosinha; toma esta menina para to ajudar.» Deixou ficar a menina,

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mas depois voltou atraz a pedil-a á lavadeira, e, como esta lh'a não quizesse dar, furtou-lhe uma camisa.

Foi-se mais para diante; viu um violeiro sem camisa e disse-lhe: «Coitado estás sem camisa; toma vae- te vestir.* Em quanto elle foi vestir a camisa, furtou- lhe o gato uma viola e depois subiu para cima d' uma arvore e começou a tocar viola e a cantar:

«Do meu rabo fiz navalha; Da navalha fiz sardinha; Da sardinha fiz farinha; Da farinha fiz menina; . Da menina fiz camisa; Da camisa fiz viola; Frum, fum, fiim, Vou para a minha escola.»

(Coimbra.)

XI

O PINTO BORRACHUDO

Era d'uma vez um pinto borrachudo que andava a gravetar em um monte de terra e achou uma bolsa de moedas e disse: «Vou levar esta bolsa ao rei.»

Poz-se a caminho com a bolsa no bico, mas como tivesse de atravessar um rio e não podesse disse: «Oh rio! arreda- te para eu passar.» Mas o rio continuou a correr e elle bebeu a agua toda.

Foi mais para deante e viu uma raposa no caminho e disse-lhe: «Deixa-me passar.» Como a raposa se não movesse, comeu-a.

Foi andando e encontrou um pinheiro e disse-lhe :

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c Arrama- te para eu passar.» Como elle se nSo arru- masse, enguliu-o.

Mais a^eante encontrou um lobo o comeu-o; depois encnntrni ainda uma coruja e fez-Ihe o mesmo.

Ch.gado ao palácio do rei disse que lhe queria fallar e entregou- lho a bolsa das moedas e o rei ordenou logo que o metessem na capoeira das gallinhas e que o tractas- sem muito bem. O borrachudo, logo que alli sa viu, co- meçou a cantar:

tQui qui ri qui, Minha bolsa do moedas Quero para aqui.»

E como vissem que lh'a não levavam, lançou a rapo- sa que tinha comido, o ella comeu as gallinhas todas.

Foram dar parto a el-rei do succedido e elle ordenou que mettessem o borrachudo dentro da copeira. Com- priram-se as ordens, mas o borrachudo continuou sem- pre a cantar:

tQui qui ri qui, etc.»

Dopois como lhe nSo levassem o dinheiro lançou o pinh -ir > e os copos da copeira foram todos quebrados.

EiUao o rei ordenou que mettessem o borrachudo na cavallariça e elle sempre cantando:

«Qui qui ri qui, etc.

Lanf;ou fora o lobo e o lobo comeu os cavallos.

O r«M mandou então que o mettessem no pote do azei- ta, raas elle lançou a coruja e ella bebeu o azeite.

KntSo o rei, nio sabendo o que havia de fazer, mandou que aquecessem o forno e que metessem o liorrachudo; mas elle mesmo dentro do forno começou a gritar:

« Qui qui ri qui, etc. »

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E foi lançando o rio que tinha bobido e o palácio do rei estava quasi a afundar-se quando o rei ordenou que fossem levar a bolsa de moedas ao borrachudo e o man- dassem embora, antes que elle lançasse o rio todo.

E se foi embora outra vez o borrachudo com a bolsa das moedas no bico.

(Coimbra.)

xn

o cuco E A POPA

o cuco era marido da popa e a popa era muito estra- gada; quando era no principio do anno comia tudo e de- pois andava a pedir misericórdia. Foi pedir uma vez á melra para irem ambas pedirem ás formigas se lhes da- vam algum soccorro e as formigas disseram para a mel- ra: — «Emquanto tu andaste de silveira em silveira cheiro, merlo, merlo, merlo, cheiro ganharas pão para o inverno.»

O moxo era o rendeiro n'esse tempo; o cuco mandou a mulher pedir-lhe um carro de pâo. O rendeiro dis- se-lhe: «Pois sim; eu empresto-te esse carro de pão, mas has de dormir esta noite, que eu amanhã mando- te o pão pelos meus moços no meu carro e com os meus bois.»

A popa ficou e o moxo mandou-lhe ao outro dia o carro de pão; o cuco assim que o carro chegou fi- cou com carro, bois e tudo, dizendo que a mulher tinha ganho tudo.

N'isto o moxo mandou obrigar o cuco pelos bois e car- ro; depois foram a juizo e o juiz deu-lhes de sentença o cuco que andasse a publicar por esse mundo todo

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que era cuco, porque o quiz o o moxo que andasse de terra em terra em busca dos bois; faz olle : «Bois, bois»; a l'upa que havia de andar recommondando ás outras mulhe- res para pouparem (*) o que tinham a fim de nHo se ve- rem obrigadas a ir pedir a mariolas como o moxo.

(Ourilhe.)

xm

O COELHO E O GATO

Eram uma voz um gato e um coelho que se combi- naram pr'a ir passear. Âo depois chegaram á beira do mato e disse o gato para o coelho so queria passear o mato; pegaram e foram. Viram um pinheiro e disse o coelho: «O gato, tens-te ipor muito forçante; vamos a ver qual de dós trepa primeiro acima d'e8te pinheiro.» «Vamos lá.»

O gato chegou primeiro e o coelho foi com raiva e tirou-JIiQ metade do rabo; como elle lhe tirasse metade do rabo, o gato poz-se a chorar: «Coelho, dá-me o roeu rabo>. «N2o te dou o rabo, se me deres leite.»

Áo depois então chegaram a um lameiro o viram uma vaca e o gato disse: «Vaca, dá-me leite para eu dar ao coelho para o coelho dar o meu rabo.» «Dou-te leite se me deres herva.»

Elle foi acima e viu um bello lameiro d'hcrva o dis- se-lhe: «Lameiro, dá-me herva para cu dar á vaca, para a vaca dar mo leite para ou dar ao coelho, para o coelho dar o meu rabo. > « Dou-te herva, se me deres agua.»

(l'\ Potia itdiiiiar 5oL'f> dft palavras.

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O gato foi acima e viu uma presa: oPresa, dá-me agua para eu dar ao lameiro, para o lameiro dar-me herva, para eu dar á vaca, para a vaca dar-me leite, para eu dar ao coelho, para o coelho dar o meu rabo.» «Bastante te dou eu que bem esvaida estou, se tu me arranjares uma enchada para tapar os buracos.»

Foi o gato ter com um ferreiro : « Ferreiro, faz-me uma enchada para eu dar á presa, para a presa dar a agua, para eu dar ao lameiro, para o lameiro dar a her- va, para eu dar á vaca, para a vaca dar-me leite, para eu dar ao coelho, para o coelho dar o meu rabo.» a Sim, faço-te a enchada, mas tu has de me arranjar uns sapatinhos que ando aqui descalço.»

O gato foi para cima e encontrou um sapateiro : «Sapateiro, faz-me uns sapatos, para eu dar ao ferreiro, para o ferreiro fazer a enchada, para eu dar á presa, para a presa dar-me a agua, para eu dar ao lameiro, para o lameiro dar-me a herva, para eu dar á vaca, para a vaca dar-me o leite, para eu dar ao coelho, para o coelho dar o meu rabo.» «Sim, faço-te os sapatinhos, se me arranjares dous ou três alqueires de pão que es- tou a morrer com fome.»

Foi o gato ter com uns lavradores que andavam a malhar na eira e disse-lhes: «Lavradores, daes-me mi- lho para eu dar ao sapateiro, para o sapateiro fazer os sapatos, para eu dar ao ferreiro, para o ferreiro fazer a enchada, para eu dar á presa, para a presa dar-ma a agua, para eu dar ao lameiro, para o lameiro dar-me a herva, para eu dar á vaca, para a vaca dar-me d leite, para eu dar ao coelho, para o coelho dar o meu rabo?» Mas os lavradores atiraram com os malhos ao gato e ao coelho e mataram-nos todos dous.

(Foz do Douro.)

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xrv

BRANCA-FLOR

Era de uma vez um rei quo era muito jogador e ti- nha por costumo jogar com o seu creado particular. Um lia em que tinha perdido muito ao jogo, jogou a pró- pria coroa e o creado ganhou-a. Vendo-se o croado do posse da coroa nSo cabia em si de contente, mas pouco .'mpo lhe durou o contentamento, pois quando elle me- nos o esperava, vieram duas pombas e roubaram-lhe a coroa, levando-a nos bicos.

Contou o creado isto ao rei e este disse lhe : «Se tu fores capaz de me restituíres a coroa dar-te-hei a mi- lha filha em casamento.»

Cbamava-se a filha do rei Brancafior o tanto ella

coroo a rainha sua mãe eram feiticeiras. Â mSe podia

fazer quanto quizesso desde a madrugada até á meia

noito e Branca-tíor podia usar dos seus poderes de noite

de dia.

Quando Branca- flor soube da perda da coroa trans- formou-se u'uma pomba e fugiu do palácio, com tenção á(* voltar quando seu pae a tivesse de novo em seu poiler.

Partiu o creado do rei em busca das pombinhas que tinham levado a coroa e como passasse muito tempo sem as encontrar foi ter ao reino da chuva para ver se ali lhe davam notícias d'ellas. Chegado lá, encontrou uma velhinha que lhe disse ser mSe da chuva, e como clle lhe dissesse o que pretendia, mandou-o entrar para casa o esperar que viesse a filha. Passados poucos momentos chegava ella e disse logo : «Senhora mEo, aqui entrou gente pois cheira-mo a sangue humano.» Rcspondcu-lhe a mXe: <N2o te enganas, minha filha; está aqui um creado do rei quo deseja quo lho digas se vistes duas

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pombinhas que levavam uma coroa real nos bicos.» Respondeu a chuva : «Não as vi, mas talvez o meu compadre vento as visse, pois esse quasi sempre entra em toda a parte. »

Foi o creado ter ao reino dos ventos; esperou que o rei des ventos entrasse em casa e logo sentiu o grande barulho que elle fazia. Da mesma forma que a chuva, assim elle respondeu, acrescentando mais: o A mim tapam-me todos os buracos e janellas, por isso nada sei d'es8a8 pombas, mas o sol com certeza ha de saber, pois as aves gostam todas muito do sol.»

Partiu o creado para o reino do sol e n'estas viagens iam-se passando annos, pois elle tinha de atravessar ares e nuvens para ver so encontrava o que desejava. Che- gado ao reino do sol logo este lhe appareceu e lhe dis- se : «As pombas que procuras estão no reino dos pás- saros; agora estão ellas fazendo os seus ninhos dentro da coroa que te roubaram; monta no meu cavallo e par- te para lá; espera que as pombas saiam, tira a coroa e logo o rei dos pássaros te offerecerá as suas azas para te conduzir ao palácio do rei teu amo.»

Montou o creado no cavallo do sol e tudo se passou como elle tinha dito. Chegado ao palácio do rei com a coroa, disse-lhe o rei: «Não te posso dar a minha filha, porque ella anda encantada n'uma pomba, mas se tu quizeres casar com ella has de primeiro fazer o que te vou ordenar. Vês aquelle campo que está em frente d'este palácio?» «Vejo, real senhor.» «Pois bem; ordeno-te que de hoje até amanhã o vás semear de trigo, e que o faças crescer, que o ceifes, lhe tires a farinha, cozas o pão e m'o apresentes aqui prompto.»

Foi-se o creado muito triste por lhe parecer impossí- vel fazer tantas cousas; eis que de repente lhe appareceu Branca-flor o lhe disse : «Sei de tudo que meu pae te ordenou; não te cuidado que tudo se ha de arranjar.» De repente achou-se o campo semeado de trigo, d'aí a pouco tempo foi ceifado por Branca-flor e pelo creado; de- pois prepararam o trigo para ser moido, amassaram o

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f)ilo o cozeram no. liraiicatlor ordenou ao creado que úvasso 08 tabuleiros de pilo a seu pae o fosso sempre apro^'oando : «Quem quer pSo quente, quem quer pâo quente I »

Maravilhou-se o rei quando viu tudo prompto e por- tou ao creado: «Por aqui andou Branca-flor?» >> in ou vi Branca-flor, nem ella me viu a mim.» " Pois bem; que tivestes tanto poder, nâo te darei mi- nha filha sem que tu me tragas para perto do meu pa- lácio aquelias grandes pedreiras que se avistam acolá ao longe.»

Foi so o creado muito triste e logo lhe appare- ceu Branca-flor e lhe disse: a Nada te cuidado, mas que meu pae nunca saiba que sou eu que te va- lho..

Pela manha quando o rei acordou achou o palácio

rodeado ias pedreiras; então perguntou ao creado:

Por aqui andou Branca-flor?» a Nem eu vi Branca-

H.jr, nem ella mo viu a mim.* Disse-lho entSo o rei:

Ainda te não dou minha filha sem que primeiro tragas

o mar para a frente do meu palácio. »

Appareceu Branca-flor ao creado e disse-lho: «To- ma este vidro que contém sangue quo eu agora mesmo tirei d'e8te braço; irás derramando gotas delle em vol- ta do palácio e logo verás o mar rodeai o; tem porém muita cautfla não deites nenhuma gota de sangue cm ti, 1' r<|Uo ser te-ha isso muito perigoso, m

Ai:'lou o creado durante a noite deitando o sangue

enj vohu do palácio e ao mesmo tempo via quo o mar

rescia o quando ia a amanhecer o palácio formava

ma ilha e Branca-flor mandava prender os navios ás

in< lias do palácio.

> rrcado quando andava deitando o sangue esque- u ^i<■ <l;i rccommendaçilo do Branca-flor e chegou o san- .^uo a um dedo e logo este lho caiu.

De madrugada, quando o rei acordou, viu feito tudo nte tinha ordenado ao creado e entilo a rainha disse- lho: «N2o é possível quo deixasse d'aDdar por aqui

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Branca-flor. Veiu o creado e respondeu: «Nem eu vi Branca-flor, nem olla me viu a mim.»

Vendo o rei que nada podia ordenar que não fos- se feito, disse ao creado: «Casarás com minha filha logo que ella volte a palácio.»

N'esse mesmo instante Branca-Flor a voltar. Então o rei perguntou-lhe se era da vontade d'ella casar com o seu creado particular, e ella respondeu que sim. Casa- ram mesmo n'esse dia e Branca-Flor perdeu o encanto, mas não o poder de feiticeira.

Quando os noivos foram á noite para se deitar, re- parou Branca-Flor que sobro o seu leito estava suspen- sa por um cabello uma espada desembainhada, então dis- se ella ao seu marido: «Vês esta espada? «Vejo» E a prova de que meu pai nos quer matar; é preciso fugir, mas não o podemos fazer antes da meia noite e nem depois, porque até á meia noite pode minha mãe usar do seu podar de feiticeira e saberia para onde iamos, e ao dar da meia noite, virá meu pai matar-nos. Não devemos, pOis, ao dar meia noite ter fugido, mas de- vemos partir então. Vae aparelhar os cavallos que an- dam tanto como o pensamento e ninguém nos poderá al- cançar; se fossemos nos que andam tanto como o vento era máo, porque não andam tanto como os outros.»

Enganou-se o creado e aparelhou os cavallos que an- davam tanto como o vento e Branca-Flor sem reparar n'isso partiu mais elle á hora que estava destinada.

Quando o rei foi ao quarto d'elles para os matar, viu que tinha sido logrado e então a rainha disse-lhe: «An- tes da madrugada não partas, porque estou sem o meu poder; mas logo que amanheça manda aparelhar os ca- vallos que andam como o pensamento e eu farei com que tu alcances os fugitivos.»

Partiu o rei de madrugada e logo avistou os noivos muito ao longe e Branca-Flor também avistou seu pae 6 então disse a seu marido: «Meu pae segue-nos, o avisto ao longe ; mas não te cuidado; os cavallos se transformem em terra, os arreios n'uma horta, eu n'uma

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' muito repolhuda e tu serás o hortellto; meu pao ..„ ..(> perguntar-te : viram por aqui Branca-Flor '? e tu responderás : se quer alface é a 20 reis cada uma. > No mesmo instante tudo so transformou como Bran- a-FIor tinha ordenado. Chegou o rei e perguntou ao Iflo por Branca- Flor e elle deu a resposta que ella Ilha ensinado, lienovou o rei a pergunta o o bor- dando sempre a mesma resposta. aminhon 0 rei para deante sempre em busca dos T \ o . -íf>8 quando viram que elle ia longe, trans- iu - Mír:i vez no que eram e partiram, sempre àu. 'jii.tiiio iam muito longo tornaram a avis- ar o rei e então disse Branca-Flor: «Lá vejo outra t'z o meu pae, mas nSo to cuidado isso; que os ca- :illos se transformem n'uma ermida; os arreios em altar, I n'uma santa e tu serás o sachristão que estarás á por- a a tocar á missa, p

Logo tudo se transformou e o sacristão foi para a por- ta da ermida tocar á missa. Chegou o rei o perguntou: «Viste por aqui Branca- Flor?> «Se quer ouvir mis- sa, estou a tocar a ella.» «Nào pergunto por missa, roas sim por Branca-Flor e por seu marido que deviam r passado aqui acavallo.» O sachristào respondia sem- ro o mesmo.

£ntrou o rei na ermida; viu a santa e pareceu-lhe que ella se assemelhava a Branca-Flor, mas como nada mais soubesse partiu novamente em busca d'ella.

A ermida, o altar, a santa e o sachristão tornaram

outra vez ao que eram e partiram correndo sempre com

receio de serem encontrados. Mas o rei, que não des-

tou-os novamente e ella então disse ao ma-

s cavsdlos se façam n'um mar, os arreios

i), tu no barqueiro e cu serei uma tainha que

;ltando em volta do barco.»

i o rei e perguntou ao barqueiro: «Viste por

[III r>ranca-Flor? «So quer embarcar agora ó maró.s

a tainha sempre saltando, ora no bordo do barco, ora

i agua.

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Vendo o rei que nada tinha conseguido do que bus- cava, voltou para palácio a contar tudo á rainha e esta disse-lho:— «Olha, a horta que tu viste eram os cavai- los e os arreios; o hortelão o teu genro e a alface Bran- ca-Flor. A ermida, que viste, eram outra vez os cavai- los, a santa Branca-Flor e o sachristão o marido d'ella. O barco, o barqueiro e a tainha eram também elles; mas eu vou lá, pois agora estou com todos os meus pode- res, que são maiores do que os da nossa filha e veremos como isto ha de ser.»

Foi a rainha á borda do mar o encontrou ainda tudo como o rei lhe tinha dito e então diss»: «Volte tudo ao que era e que não posso mais sobre minha filha or- deno-lhe que se esqueça inteiramente de que é casada e que seu marido se esqueça também d'ella e que nunca mais se tornem a lembrar do que passaram.»

No mesmo instante tudo se cumpriu: esqueceram-se inteiramente um do outro. Branca-Flor voltou para a casa de seu pae e o marido foi correr terras. Passaram- se annos sem que se lembrassem mais um do outro e n'este tempo morreu a rainha e o rei, e Branca-Flor co- mo se visse resolveu casar-se. Estava destinado o dia para a boda quando ao marido de Branca-Flor fo- ram dizer o que estava succedendo o elle então come- çou a recordar- se do que tinha passado e resolveu par- tir para o palácio, onde Branca-Flor estava para casar.

No caminho encontrou um casal de pombas que lhe contaram mais por miúdo tudo que estava para succe- der e se offereceram para o auxiliar em tudo que elle precisasse.

Chegado que foi ao palácio de Branca-Flor, offere- ceu-se para creado e foi logo acceito, pois como a prin- ceza estava para casar precisava de creados.

Estavíim todos á mesa, principes, princezas e mais pessoaes reaes que tinham sido convidados para assistir ao casamento e os noivos na cabeceira da mesa, rica- mente vestidos e com muitas jóias e brilhantes. O novo creado tinha preparado um grande bolo para a noiva e

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andava servindo á mesa; á sobremesa partiu-se o bolo e logo sairam de dentro am pombo e uma pomba que se furam banhar n'um vaso d'agua que estava no centro ' •> depois de banhados eollocaram-so ao lado de

i I "lor e o pombo perguntou á pomba: «Olha lá,

não to lembras quando teu pae perdeu a coroa ao jogo e tu a ganhaste e depois vieram duas pombas o a rou- baram ? Respondeu a pomba: «N5o me lembra nada.» ' Ml foi recordando á pomba tudo quanto i passado e mais o marido; e ao passo quf* a pomba djzia que se ia recordando, ia-se Branca- Flor recordando de tudo e no fim do jantar levantou se «Ia mesa o disse: «Recordo-me de tudo e se ainda vive rido que venha, pois a elle quero.» > fugiram os pombos e o críudo que andava a ;r á mesa perguntou a Branca-Flor sa o conhecia ; .1- ontUo dando-lhe um abraço, disse: «Só tu serás meu esposo e a coroa de meu pae, que também te :* : u, será outra vez tua, pois tu serás o rei d'es-

'.08. »

Ivstirou-se o segundo noivo do Branca-Flor muito

trist»v mas louvando a rosolucFío d\'lla.

(Cuiiiibra.)

XV

o CREADO DO ESTRUJEITANTE ,1) Era uma voz um rapaz que foi procurar amo. Ch<«-

mada, et(

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gou a uma casa onde lho perguntaram se oUe sabia ler o tendo elle respondido que sim disseram-lhe que o nâo queriam. Foi a outra casa e tendo-lhe feito a mesma per- gunta, respondeu que não e acceitaram-n'o. O amo d'elle era um estrujeitante; de noite escrevia e o rapaz ia vendo o que elle escrevia sem que elle o suspeitasse.

Foi o amo uma occasião para fora do casa e o rapaz leu-lhe todos os livros mágicos por onde aprendeu a es- trujeitar e foi depois d'isso para casa dos pães. Quando a mãe o viu disse-lhe : a Ai filho, tu vens tão magro «Deixe-se estar, que eu ainda hei de engordar. Eu vou fazer-me em galgo e o meu pae leva-me á feira preso por uma fita, mas não venda a fita; traga-a, senão vende- me a mim.»

Foi á feira feito em galgo; j untar am-se muitos caça- dores e compraram o galgo; queriam também comprar a fita, mas o pae não a vendeu e metteu-a no bolso.

Chegaram os caçadores, que compraram o galgo, a um monte e appareceu-lhe uma lebre; soltaram-lhe os cães todos mais o galgo; o galgo passou por um oiteirinho, desapparecendo da vista dos caçadores, fez-se em ho- mem e seguiu para os caçadores que lhe perguntaram: Oh homensinho ! viu passar por aqui um galgo ? » «Vi; vae ahi adeante e tem pernas de prata.» «Cus- tou-nos tantas moedas.» «Faça a tenção que ellas fo- ram como dadas.»

Chegou o rapaz a casa e disse-lhe o pae: «O' filhi- nho tu tardaste tanto!» «Escuite, meu pae, que eu andei á lebre. A'manhã ha outra feira e eu hei de ir fingido n'um cavallo; venda o cavallo caro, mas não venda o freio, senão vende-me a mim.»

Foi o pae á feira; mas estava o amo que conheceu o rapaz no cavallo e o comprou por todo o dinheiro, tei- mando em levar o freio; juntou se muita gente que atei- mava que elle tinha comprado freio e cavallo, de modo que o pae não teve remédio senão deixar ir também o freio.

O amo entregou o cavallo a um moço e apontando-

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lhe para uma certa fonte disse-lhe: tTu n3o me deixes r o cavallo áquella fonte, sen3o ou mato te. « .\ào passava ninguém ao que nito gabasse o ca- illo; o cavallo queria beber, saltava muito o todos pe- diam ao rapaz que deixasse ir beber tSo lindo animal. O cavallo assim que apanhou o rapaz descuidado saltou T cima d't'llo e foi para a fonte e fingiu-se n'um peixo mctteu-se por a fonte dentro. Chegou o amo o n2o ndo o cavallo ficou muito zangado; ralhou muito com o rapaz ; ajuntou-se gente que disse: «Ello não teve cnlpn, pf-rque o cavallo saltou por cima d'elle, fez-se e metteu-se por a fonte dentro.» .. ..... o amo tingiu-se n'uma lontra; metteu-se por a

lie dentro para comer o peixe; o peixe fingiu-se n'uma pomba e fugiu; a lontra fingiu-se n um milhafre para co- mer a pomba; quando o milhafre ia quasi a apanhar a pomba ella viu umas senhoras n'uma janella, fez-se n'uma maçí e caiu na aba * d'uma das senhoras. O mi- lhafre fez-se em homem e coraoçou a pedir a maçS ás senhoras. Elias disseiam-Ihe que nSo lh'a davam, quo aqucUa mayíl tinha caido do eco. Entilo o homem disse para ellas: <0h minhas senhoras, deera-me essa maçS, fiiiíi eu morro senJlo m*a derem.» E poz-se a chorar e kto pediu quo ellas iam a dar-lh'a; n'isto a maçS fin- ^lu-se era painço e caiu-lho d'entre as mXos. O estrujei- tanto fingiu-se n'uma gallinha de pintos para comer o painço e o painço juntou-se muito juntinho e formou-so n'um;i raposa, que comeu a gallinha e os pintos. Depois ! em homem e foi para casa. Disse-lhe o pae: ', que te demoraste tanto!»— «Olhe, meu pae, . ficar rico, mas mil forcas que eu tivesse pou- cas er^iiu para o enforcar, porque vocô pela sua fraqueza do vender o freio foi a causa do eu ver a morto muitas ^es ao de mim.»

(Ourilhe)

1 Hfgaço.

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XVI A TORRE DE BABYLONIA

Era uma vez um pescador que tinha três filhas. Um dia estando elle a tirar a rede do mar achou que ella vinha muito pesada, mas muito admirado ficou ao ver que ella trazia um enorme peixe. Mais admirado ainda ficou quando ao tocar no peixe este lhe disse: «Vae-me buscar a tua filha mais velha, senão nunca mais tornarás a colher peixe e ficarás desgraçado toda a tua vida.»

Foi o pescador muito triste para casa e tendo conta- do isto á filha ella aprontou-se logo para ir com o pae, pois não queria que elle ficasse desgraçado. Levou o pescador a filha ao peixe e nos outros dias quando ia pescar sempre lhe apparecia o mesmo peixe pedindo-lhe as outras duas filhas.

O peixe quando se viu de posse das três raparigas deu grandes riquezas ao pescador e se alguma vez por dis- tracção este deitava a rede ao mar, mais ninguém co- lhia peixe senão elle.

Passado algum tempo nasceu um filho ao pescador e cresceu e fez-se homem; desde creança que elle ouvira dizer que seu pae tinha vendido três filhas e por isso es- tava rico. O rapaz foi-se ter com o pae e disse-lhe : «Desde creança que tenho ouvido dizer que tive três irmãs e que o pae as vendeu a troco d'esta riqueza que possuímos.» Então o pae contou-lhe o que lhe tinha succedido e o rapaz disse que estava decidido a ir pro- cural-as; debalde o pae o retirou do seu intento; elle teimou em ir.

Depois de ter caminhado muito, o acaso deparou-lhe três rapazes que estavam ás bulhas e elle mettendo-se

_.j

So- no meio d'el|p8, porguntou-lhe a causa d'aquolla desor- dem, ao que elies responderam: ^Nós somos irm.los e acabamos de perder nosso pae, que nos deixou por he- rança estas botas, esta manta, e esta chave, e a con- tenda é porque todos queremos as botas.»

O filho do pescador perguntou-lhe para que serviam aquellas cousas, ao que elles responderam que as botas levavam quem as possuisse aonde desejasse ir; a manta, que em uma pessoa se mettendo debaixo d'ella, ficava invisível; a chave, que servia em todas as fechaduras.

O rapaz propoz a venda d'aquelles objectos, ao que elles annuiram, recebendo logo muito dinheiro e termi- nando assim a contenda. O rapaz calçou logo as botas e disse: Botas, levae-me a casa da minha irmít mais velha.»

Dito e feito; atravessou o mar sem se molhar e viu um riquissimo palácio e logo lho appareceu a irmS, que admirada de o ver lhe perguntou quem ello era e como ali tinha ido. «Sou vosso irmSo»— lhe respondeu elle. Mas eu nSo tinha irmílos.» «N3o tinhas irmilo quan- do noaso pae to vendeu, pois eu nasci depois d'isso.»

Ella enUlo mostrou-se muito contente de o ver, mas affiicta ao mesmo tempo e disse-Ihe : a Eu sou esposa do rei dos peixes e se elle quando vier aqui to encontrar é capaz de te matar.» cN3o te cuidado isso, minha irmS, pois eu cubro-me com esta manta e ninguém me verá. »

Chegado que foi o rei dos peixes, o qual- entrou fa- zendo grande barulho, a rapariga coutou lhe que estive- ra ali um seu irrolto, mas que ella o mandara esconderi com receio do que elle o matasse». Entito o rei dos peixes disse-lho que muito desejava conhecer o rapaz e que nSo lho faria mal.

Appareceu o rapaz e o roi depois disselho : «Po- des retirar-to e se te vires n'alguma afHicçíto diz : valha mo aqui o roi dos peixes.» Saiu o rapaz da casa da ir- mã o disso: «Botas, lovae-mc a casa de minha irmit do meio.»

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Dito e feito. deram-se os mesmos casos que em casa da outra irmã, com a differença que o marido d'es- ta era o rei dos leões do mar que chegou a casa com grandes rugidos e na despedida deu ao rapaz um gran- de robalo e disse lhe: «Quando te vires em afflicçâo chama por mim.»

Depois foi o rapaz a casa da irmã mais nova, que era mulher do rei dos pássaros ; deram-se os mesmos acontecimentos que nas casas das outras irmãs e na des- pedida deu o rei dos pássaros ao rapaz uma penna das suas azas, dizendo-lhe que quando se visse afflicto cha- masse por elle.

O rapaz satisfeito por ver as irmãs e com muitas ri- quezas que ellas lhe tinham dado, dispunha-se a voltar á casa paterna; mas tendo-se perdido no caminho, de- pois de muito andar, avistou uma grande torre e per- guntou que torre era aquella. Responderam-lhe : «E' a torre de Babilónia; Quem vae, fica e mora.» *

O rapaz, cheio de curiosidade, disse ás botas: «Le- vae-me áquella torre.» E no mesmo instante achou-se lá; mas qual não foi o seu espanto ao ver as immensas rique- zas que enchiam as salas que eram tudo maravilhas !

Caminhou, caminhou por toda a parto até que en- controu uma linda menina que ficou contentissima de o ver e ao mesmo tempo apaixonada. O rapaz perguntou- Ihe o que olla ali fazia, ao que a menina respondeu: «Ha muito que -eu estou encantada dentro d'esta torre, ten- do por companhia um velho que está sempre a dar ais e tem bocados de tão horrivel soíFrimento que faz despedaçar o coração.» Então o rapaz aconselhou a ra- pariga a que instasse com o velho para que elle lhe dis- sesse o motivo de tal sofifrimento ; o que ella logo fez, mas com grande medo. Então o velho, com muito mais medo, lhe respondeu: «Conto-te tudo, porque vejo que te interessas por mim e porque sei ninguém mais no

(1) Variante : Quem vae nunca de torna.

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mundo podo ponetrar n'e8ta torro. no mar um gran- de caixào que ó a causa dos mous soífrímontos ; quando lhe tocara, ainda mesmo que seja um poqueno peixe, sâo tacs as dores quo sinto quo mais valia a morte e comtado eu nâo quero morrer. Dentro d'es8o caixão está um grande poixe; dentro do peixe está um leão; dentro do leão está um pássaro ; dentro do pássaro está um ovo e esse ovo quebrado na minba testa dar-mo-hia a morte, mas ató que elle chegasse teria eu de soíFror tanto, tan- ío, que 6 isso o que me faz recear morrer.»

Contou a rapariga tudo ao rapaz e. oUe tractou logo de procurar o tal caixão e tudo o mais quo elle continha, ▼alendo-se para isso dos maridos de suas irmãs. Para abrir o caixEo serviu se da chavo que tinha comprado aos três irmAos. Logo que se viu de posse do ovo foi que- bral-o na testa do velho, mas elle dava taes urros que faziam tremer eco e terra.

Morto o velho, casou o rapaz com a menina e levou- A para a casa de seu pae; depois foi buscar as irmSs e ficaram vivendo todos muito ricos e muito felizes.

(Coimbra.)

XVII

A HERANÇA PATERNA

Era d'uma voz um pae que tinha dois filhos, dos

quaès o mnis novo lhe disse nm dia: cMeu pae, dõ-me

' tença que eu quero ir correr terras a vèr se

tuna.» Então o pae deu-lhe o que lhe pertencia

da parte da mSe e elle partiu-se para longes terras. *

1 De bn^ fas o povo nm adjectivo.

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Passaram-se alguns tempos e o rapaz vendo que nâo juntava fortuna, antes ia gastando a sua tonça, resol- veu-80 a voltar á casa paterna. Chegado á sua terra na- tal soube logo que seu pae havia fallecido e que seu ir- mão transformara a casa em um palácio onde vivia re- galadamente. Então o rapaz foi ter com o irmão, contou- Iho a sua vida e o irmão respondeu-lhe: «Eu nada te posso fazer, pois o nosso pae nada me deixou, e a ti dei- xou-te essa caixa velha, recommondando-me que não a abrisse.»

Recebeu o rapaz a herança paterna e partiu para outras terras; no caminho desejou ver o que continha a caixa e abriu-a; eis que lhe sae de dentro um pretinho, muito pequenino, que lho diz: «Mande, senhor.» «Mando que me apresentes um palácio com tudo quan- to lhe é dado, carruagens e lacaios para me servi- rem.»

Dito e feito ; tudo appareceu como elle desejava. Vivia o rapaz muito feliz no seu palácio, que era muito mais bello que o do rei, quando um dia recebeu a noti- cia de que seu irmão o ia visitar. Foi o irmão recebido ali com grandes festas e elle então perguntou-lhe como é que em tão pouco tempo tinha arranjado tanta coisa. «Foi a herança que me deixou o nosso pae.» «Mas, retrocou o irmão, a tua herança foi uma caixa velha.» «Foi o que tu dizes, na verdade; mas dentro d'e8sa caixa é que está o segredo.»

Então o irmão tractou de lhe roubar a caixa e, sem que elle desse por isso, saiu do palácio. Chegado á sua, terra abriu a caixa e logo o pretinho disse: «Mande, senhor.» «Mando que meu irmão fique sem o seu pa- lácio e appareça mettido n'uma prisão e que o meu pa- lácio se transforme n'um mil vezes melhor do que era o d'elle.» '

Tudo assim se fez e elle disse mais ao pretinho : «Ordeno que faças com que a filha do conde de tal case commigo e que eu fique com o titulo de conde.»

Cumpriu-se tudo como elle desejava e para não lhe

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roubarem a caixa trazia-a sempre comsigo o dormia com ella debaixo da cabeça.

Ora o irmão que estava preso tinha um cão e um gato que logo que souberam que o seu dono estava pre- so tractaram de ir ter com elle á prisão. Chcígados sou- beram que o conde irmão do seu dono lh3 tinha rou- bado a caixa e cuidaram ambos de ir ao palácio d'elle para trazerem a caixa. Fará esse fim fizeram um batel de casca de abóbora, pois tinham de atravessar o mar.

Chegados ao' palácio do conde souberam logo que elle dormia com a caixa debaixo da cabeça e então o cão disse ao gato: c Eu metto-me debaixo da cama e tu vaes á cozinha molhar o rabo no vinagre e chegas com elle ao nariz do conde e, emquanto elle espirra, eu tiro a caixa e depois fugimos com ella.s

Assim fizeram, e logo que se acharam fora do palácio embarcaram no batel e foram navegando; e então avis- taram um navio de ratos que assim que os viram iça- ram bandeiras de guerra ; mas elles que iam de paz, não fizeram mal aos ratos e contaram-Ihe o motivo que ali 08 levava ; então os ratos disseram ; «Se formos precisos ao seu serviço, aqui estamos.» a Obrigados» responderam o cão e o gato.

Quando estavam quasi no termo da viagem tive- ram grande questão por causa de decidirem qual h^via ir levar a caixa ao dono, e n'est6 dize tu, direi eu, dei- xaram cair a caixa ao mar. Então o cão todo aíHicto diase: «Valha-me aqui o rei dos peixes.» E logo appa- receu um grande peixe que lhe disso: «Aqui estou; dize o que queres.»— «Eu vinha em viagem mais o gato iriOB uma caixa que nos caiu ao mar o vossa i Id nos pôde valer.» «Eu não sei d'isso mas vou

chamar os meus vassalos, pois talvez elles saibam.» En- tSo vieram muitos peixes e uma lagosta que trazia uma perna quebrada disse: «£u vi essa caixa, por signal que me cahiu sobro uma perna o m'a ptfrtiu.» O rei dos peixes ordenou-lho que fosso buscar a caixa e deu-a ao

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cSo e tanto este como o gato depois de mil agradecimen- tos partiram para a prisão do seu dono, resolvendo leva- rem ambos a caixa ás costas.

O dono ficou muito contente e abriu a caixa e disse ao pretinho: «Quero desfeita esta prisão ; quero um pa- lácio em frente do de meu irmão e quero casar com a filha do rei.»

Tudo assim foi e ello então foi ter com o irmão e disse-lhe : «Podia fazer-te muito mal, mas não quero ; antes hei-de repartir comtigo a minha riqueza e seremos d'hoje em deante muito amigos.»

Esquecia-me dizer que o cão e o gato tiveram col- leiras d'ouro fino e pedras preciosas e morreram muito velhos.

(Coimbra.)

XVIII OS DOIS IRMÃOS

Eram d'uma vez dois irmãos que eram soldados d'um regimento francez, mas que eram tão maltratados que até fome passavam. Um dia disse o mais novo para o mais velho: «Irmão, isto não se pode soffrer; é me- lhor nós fugirmos e irmos correr esse mundo de Chris- to.» Respondeu o mais velho: ^Nao, que nos podem apanhar e matar-nos.» O mais novo, porém, não o quiz attender e um bello dia fugiu. Caminhou, caminhou sem encontrar que comer até que foi ter á porta d'uma gran- de quinta onde avistou um formoso pomar em que as laranjeiras vergavam ao peso das laranjas. Bateu á por- ta e tornou a bater e como lh'a não viessem abrir, re- solveu-se a escalar o muro para ir comer laranjas. Como não lhe apparecesse ninguém, elle comeu a fartar e es-

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condea entre o fato as laranjas que poude, para conti- nuar a sua jornada; mas ao chegar ao muro por onde thv iào por mais esforços que fez não lho foi pos-

8Ív o ouviu uma voz que lhe dizia: «Para fora

v.^o, para dentro sira.i Elle respondeu :—« Se é pelas laranjas, ellas ahi licam.i £ dito isto, deitou no ch3o as laranjas que levava comsigo.

Passaram-se muitas horas e elle vendo que nllo con- seguia sair foi passear pula quinta e ontSo depararam- B6-lhe vistosos jardins, lindos pomares e verdes hor- tas.

Estava cansado do tanto andar, até que chegou a um lindo palácio e entrou e foi dizendo: «Com li- cença, com licença.» Ninguém lho respondia. Âfínal foi ter a uma sala onde encontrou uma linda menina que eataya bordando. Elle dosfez-so em desculpas o contou- Ihe o que lhe tinha succedido; ella então respondeu-lhe que não tinha nada a desculpar, antes estimava muito vel-o e que se elle quizesse podia ficar n'aquello palácio. Como se decidisse a ficar, ella levou o a uma varanda e mostrou-Ihe os jardins, hortas e pomares, o, como elle ae mostrasse maravilhado de tudo quanto via, pergun- tou-lho ella o que de tudo quanto tinha visto desde que entrava no palácio lhe tinha mais agradado. O rapaz, como a fome apertasse, respondeu que o que mais lhe agradava eram as couves que elle via na horta. Á' ceia mandou a menina que lhe apresentassem na mesa um prato de couves e combinou com a criada que quando estivessem á mesa apagasse ella a luz. Estavam pois a menina e o rapaz para cear o a criada, fingindo que ia espivitar a luz apagoua; entSo a menina levantou-so e disse: c Cada qual se agarre á coisa de que mais gos- tar. > K o soldado agarrou-se ao prato das couves. A me- nina despeitada disse-lhe: «Visto que gostaes tanto de couves ó bera que eu vos mostre as que ainda n&o vis- tos.^ E n'Í8to conduziu-o a uma varanda que deitava para um curral de porcos e deitou-o para lá.

Por mais que o pobre soldado peaisse á menina que

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o tirasse d'alli, ella não o quiz attender e o deixou até ao dia seguinte.

O irmão mais velho do rapaz, quando deu pela falta d'elle, fugiu também; seguiu os mesmos caminnos que o irmão seguira e succederam-lhe as mesmas aventuras; quando, porém, a menina do palácio lhe disso que se agarrasse áquillo de que mais gostasse, elle agarrou-se a ella e disse-lhe que de tudo que vira no palácio e na quinta era ella que mais lhe agradara. Então a menina respondeu-lhe que estava encantada n'aquelle palácio até que fosse ter um homem que gostasse mais d'ella do que das riquezas que a cercavam; que era filha de um rei o qual determinara que houvesse umas justas para ella escolher entre os cavalleiros o que devia ser seu esposo e portanto que se apresentasse elle muito bem vestido, que entre todos o havia d'escolher a elle.

A' noite mandou a princeza preparar uma rica cama em um quarto fronteiro ao d'eila; mas elle quando ia para se deitar em vez de ir para o quarto que lhe des- tinaram foi para o da princeza. Esta quando o viu disse-lhe: «Enganaste-te que não era este o quarto que te estava destinado, mas fica, pois vaes em breve ser meu esposo.» Depois contou-lhe o que succedera com o outro soldado e elle logo de madrugada pediu para o ir ver e ao reconhecer o seu irmão pediu á princeza que lhe desse a liberdade o que ella fez, dandolhe muitas riquezas e mandando-o que seguisse o seu caminho.

No dia seguinte" disse ao seu escolhido que era pre- ciso que elle saísse do palácio e que fosse para tal hos- pedaria, que em sendo o dia das justas o iria avisar^ pois convinha que o rei seu pae não soubesse o que se tinha passado. Depois de se abraçarem, separaram-se.

O soldado foi ter á tal hospedaria e como a dona da casa tivesse uma filha muito linda e como ella percebesse que o soldado tinha muito dinheiro, taes artes emprega- ram para prender o rapaz na hospedaria que até lhe de- ram a beber agua com dormideiras a ponto que elle não podia acordar e dormia de noite o de dia.

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80 approximasse o dia das justas, a princeza lar o soldado e responderam -lho quo estava a dormir. A princeza para não o acordar voltou no dia se- guinte e deram-Iho a mesma resposta. EUa entílo foi ter ao quarto onde elle estava e escroveu-lho no punho da amisa: cTal dia sâo as justas.» Klle quando acordou reparou no que estava escripto no punho da camisa, re- cordou-80 do ajuste e levantou-se da roeza sem attender ás donas da casa que lho pediam quo antes de partir be- besse uma gota d'agua.

Chegado o dia das justas, o soldado vestiu um fato mais rico ainda do que os dos fidalgos que iam ás justas; montou um rico cavallo e foi passear debaixo da janella da princeza, mas ella não o conheceu. Então o rei per- guntou á princeza qual era o seu escolhido, ao que ella respondeu quo o sou escolhido não apparecera.

Findas as justas, convidou o rei todos os cavalleiros para jantar. O soldado foi sentar-se perto da princeza, e mostrou-lho a manga da camisa e então ella levantan- dose disse, indicando o soldado: cEis aqni o escolhido do meu coração; é este o único homem que me preferiu ás riquezas quo me cercam.» Casaram e viveram no moio aas maiores felicidades.

(Coimbra.)

XIX

A AFILHADA DE SANTO ANTÓNIO

Havia um pae quo tinha muitos filhos a ponto de ser compadre do ouasi toda a gente da sua terra, pois iam ser padrinhos dos filhos delle. Naaceulhe mais uma

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filha e elle foi por um caminho fora na intenção de fal- lar ao primeiro homem que encontrasse para padrinho da menina. Succedeu que encontrasse um frade, que lo- go lho disse que estava prompto a servil-o. Baptisou-se a menina e o padrmho poz lhe o nome de Antónia e dis- se ao compadre : «Educa a tua filha o melhor que po- deres, pois quando ella tiver treze annos virei buscal-a para a collocar bem.»

Passaram-se os treze annos e o pae vendo que o pa- drinho nao vinha buscar a filha resolveu mandal-a ser- vir para uma casa e ia caminho da cidade com ella quando lhe appareceu o padrinho e lhe disse : «A tua filha vae servir para casa do rei, mas é preciso que ella de hoje em deante se chame António em vez de Antó- nia e troque os seus vestidos por fato d'homem, pois de outra forma corre risco a sua formosura na casa do rei.» Assim se fez e Antónia foi para o serviço da rainha na qualidade de pagem. Então o padrinho disse-lhe : «Porta-te bem sempre e quando te vires n'alguma afflic- çlo diz : Valha-me aqui o meu padrinho. »

Crescia Antónia em esperteza e formosura e todos no palácio julgaram que ella era rapaz. A rainha come- çou a agradar-se muito de seu pagem e vendo que elle não lhe correspondia tractou de metter muitas intrigas ao rei para ver se conseguia que este despedisse o pa- gem do seu serviço. Um dia foi ella dizer ao rei que An- tónio tinha dito que era capaz de n'uma noite separar todo o joio da grande porção de trigo que estava nos campos pertencentes ao rei. Este chama António e elle respondeu que tal não dissera mas qua ia ver se era ca- ' paz d'essa empresa. Foi então para o campo e disse : cValha-me aqui meu padrinho.» Appareceu-lhe o padri- nho e dissolhe: «Vae-te deitar socegada que pela ma- nhã tudo estará prompto.» E assim foi.

Ficou o rei muito satisfeito e a rainha sentindo de cada vez mais paixão pelo pagem a ponto de lhe dizer que se elle não lhe correspondesse iria fazer com que o rei o mandasse embora do palácio. Antónia respon-

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deu : « Faça vossa magestado o qne quizer, eu nSo posso aroal-a sem ser desleal ao meu rei.» Foi entSo a rainha ter com o rei e disse-lhe : «£u deitei ao mar o meu annel de brilhantes o António disso que era capaz de o ir apanhar.» Foi Antónia á presença do rei e res- pondeu que tal não dissera, mae que iria ver se apanha- va o annel. Então chamou pelo padrinho e. logo elle lhe apparfceu e lhe disse : cVae pescar e o primeiro pei- xe que apanhares abre-o e dentro estará o annel.». An- tónio assim fez o levou o annel á rainha.

A rainha desesperada foi ter com o rei e disselhe : c António disse que era capaz de ir á moirama buscar a Doesa filha que oatá captiva dos moiros.» Antónia disse ao rei que era capaz de ir. Partiu e no caminho dis- se:— « Valha-me aqui o meu padrinho. EntSo elle lhe ap- pareceu e disselhe: Vae, os guardas do castello onde está a princesa hão de estar a dormir quando tu chega- res ; tu entras, tiras a princeza e nada mao te aconte- cerá. Aqui tens esta verdasquinha; has de bater com ella três vezes na princeza, a primeira á saida da moirama, a segunda no meio do caminho e a terceira á entrada do palácio.» Antónia fez tudo como o padrinho lho en- sinara e levou a princçza para o palácio. Ora a prince- za era surda-muda e a rainha disse ao rei que António dissera que era capaz de dar falia á princeza. Então o rei disse: «António se deres falia á princeza casarás com ella.» Elle então disse: «Valha-me o meu pa- drinho.» Appareceulhe o padrinho e disselhe: «Per- gunta á prmceza porque ó que tu lhe bateste com a verdasca que eu to dei o ella te responderá.» Foi An- tónio deaate do rei e da rainha e perguntou á prin- ceza :

«Porque te dei com a verdasca A' saida da moirama? «Foi porque a minha mSe Trea vezes te levou á cama.»

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«Porque te dei com a verdaaca Quando vinhas no caminho?»

«Foi porque Santo António E' que era teu padrinho.»

«Porque te dei com a verdasca A' entrada do palácio?»

- «Querias que soubesse Que és fêmea e não macho.»

O rei ficou encantado cora taos maravilhas e saben- do quanto a rainha lhe era desleal não a quiz mais por mulher e casou com Antónia, que desde esse dia começou a usar os vestidos de rainha e foi sempre muito boa, pois Santo António nunca deixou de a proteger.

(Coimbra)

XX

MAIS VALE QUEM DEUS AJUDA QUE QUEM MUITO MADRUGA

Eram uma vez dois almocreves e iam a dizer um para o outro: «Qual vale mais, quem Deus ajuda ou quem muito madruga?» Um dizia que era quem Deus ajudava, outro que era quem muito madrugava. Foram mais abaixo e encontraram o diabo a cavallo e perguntaram- Ihe: «Oh senhor! qual vale mais quem Deus ajuda ou quem cedo madruga?» O diabo respondeu: «Quem cedo madruga.»

O almocreve que dizia que mais valia quem cedo madruga disse para o outro que lhe desse o burro com as fazendas que tinha apertado, mas este disse-lhe:

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«Deixa-me ir mais abaixo.» Foram mais abaixo e en- contraram um homem que lho disse também que mais valia quem cedo madrugava; emfím ninguém lho disse [ue mais vale quem Deus ajuda.

O almocreve tomou posso do quo era do companheiro e este disse: «Ai, senhor! Bu agora onde me heide ir "stou aqui desamparado?» E n'Í8to foi para is pinheiracs e disse: «Agora ainda nào fico aqui; está acolá uma luzinha tSo longe a reluzir; vou-me acolá ficar debaixo d'aquella casa.» Foi, mas o ^ue encontrou foi uma mina; metteu-so n'ella e vieram depois os diabos para cima da mina e disseram uns para . 08 outros: «Está alli um poço novo e andam ha um rur de tempo para tirar a agua a fazer barulho com picão 6 se pegassem e dessem no fundo uma pancada muito pequena, a agua saia logo toda como uma levada; e o dono quatro cruzados em prata a quem lhe fizer sair a agua. Ai, está a filha do rei tão mal; está um ror de médicos á roda d'ella e nSo a curam; se so pe- gasse n'uma bacia de leite e se voltasse a princcza de pernas para o ar com a bocca na bacia sahia logo a co- bra que ella tem, que lhe faz mal.»

O almocreve, que estava a observar, foi de manhi ter cora o dono do poço; desceu ao fundo; deu a pancada e logo saiu a agua. Recebeu os quatro cruzados e foi-se para a terra do rei. Chegou á porta do palácio e disse ;ios criados quo queria fallar ao rei. tEntSo você que ijucr?» «Digam ao rei quo eu venho dar saúde á princeza. » « Estilo um ror do médicos o nilo lho dito saúdo e você é quo lho hade dar saudei. ..» Mas étnfím resolveram-se a ir dizer ao rei aue estava ali aquelle homem. O rei chamou-o e elle foi acima e co- mi çou a apalpar a princeza como medico e mandou vir uma bacia de leite, o mandou pôr a princeza do pernas para o ar com a Iwcca na bacia do loito, t^ saiu Ih > do dentro uma cobra o a princeza ficou boa.

O rei tinha promottido dar a princeza h iju.-íií <% k a- rassc; perguntou ao almocreve se queria casar com ella

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ou se queria metade do rendimento do rei e um cavallo para andar a cavallo; elle respondeu que queria dinheiro para ficar rico toda a sua vida. O rei assim o fez.

O almocreve depois encontrou o outro que lhe tinha ficado com o burro e elle disse-lhe: aO' homem, tu es- tás tão rico e eu estou tào pobre; tu de cada vez te aug- mentas mais.» «Olha-, faz como eu fiz; vae para aquel- les pinheiraes; está uma mina; mette-te debaixo; hào de vir os diabos e escuta o que elles disserem.»

O homem assim fez. Os diabos vieram e dissrram uns para os outros: a Ai, que cheira aqui a fôlego vi- vo.» E n'Í8to vieram abaixo e bateram muita bordoada no almocreve que morreu.

Foz do Douro.

XXI JOÃO PEQUENITO

Havia n'outro8 tempos um homem que tinha três fi- lhes e como fossem muito pobres disse-lhe um dia : «Meus filhos, é tempo de ir correr mundo em busca de fortuna, porque eu nada tenho que lhes deixar quando mor- rer.» Entào 08 filhos despediram-se do pae e partiram-se para muito longe, indo ter á corte de um rei turco muito máo. Logo que ali chegaram pediram agasalho por aquella noite; o rei mandou-os entrar no palácio e como elle tinha três filhas mandou que deitassem os três rapa- zes nas camas das filhas e que lhes pozessem na cabeça umas carapuças de prata, que eram para quando elles estivessem a dormir lhes ir cortar as cabeças.

pela noite adeante o rapaz mais novo que se cha-

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mava JoSo Pequenito (appellido que lhe pozeram por elle ser muito baixinho) levantou-se e tirou a carapuça da cabeça e das cabeças dos irmãos; põl-as nas cabeças das filhas do rei e íugiu do palácio e mais os irmãos, es* capando assim á morte.

O rei turco, do noite, foi para matar os rapazes e ma- tou as fílhaa, julgando serem elles que matava.

Quando os rapazes iam muito longe, disse o Jo3o IVquonito: Agora é preciso separarmo-nos o cada qual busque a sua vida. » O João Pequenito foi ao palácio de certo rei e pediu para que o tomassem para creado; o rei nomeon-o seu jardineiro e elle do tal maneira se soube haver que o rei estimava-o mais que todos os outros crea- dos. Entre estes começou a reinar muita inveja a pontos de irem dizer ao rei que o João Pequenito tinha dito que era capaz do ir furtar uma bolsa de moedas que o rei turco tinha debaixo da cabeceira. Chamou o rei o JoSo Pequen.to e disso-lhe o que os creados tinham dito e elle ?[)oii(leu que sim, que iria e disse mais: «Maiulf-iuo vossa magestade dar um navio para eu ir á corte do rei turco e verá de quanto eu sou capaz.»

Foi o João Pequenito; subiu pela parede do palácio do rei turco, entrou pela janella e quando o rei dormia tirou-lhe a bolsa debaixo do travesseiro e fugiu.

O papagaio do rei turco começou a gritar: fO'rei, olha que o João Peouenito leva a tua bolsa do moedas.» O rei foi vêr á janefla, mas elle ia longe; o rei ainda lho perguntou: «Tornarás cá, Pequenito?» «Tomarei, tomarei.» E foi todo contente levar a bolsa ao rei seu amo.

Pastados dias foram dizer ao rei que o João Peque- nito dissera que era capaz de ir furtar a coberta de cam- painh 8 que o rei turco tinha na cama. Do novo é o Pe- quenito ii)t<>rrogado e volta á corte do turco, furta a colx rtn " foj^t». O papagaio do rei turco gritava: «Oh T' , olha o I 1) que lova a tua coberta do

«i- , 3.» O tur , .... .4 janella e perguntou:- «Tor-

narás cá, Pequenito?» «Tomarei, tornarei.» Chegou o i

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Pequenito ao palácio do seu amo com a coberta e o rei de cada vez estava mais agradado d'elle por ver a sua valentia.

De novo os creados foram dizer ao rei que o Peque- nito dissera que era capaz de ir furtar o papagaio do rei turco. O Pequenito logo que isto soube apromptou-se e foi. Furtou o papagaio e este gritava pelo caminho: «Aqui d'el-rei, que me levam furtado.» E o Pequenito gritava: «Aqui d'el-rei, que furtado me levam.»

Chegado o Pequenito ao palácio, novos trabalhos o esperavam. Disseram ao rei que o Pequenito dissera que era capaz de furtar o rei turco e de o trazer para o pa- lácio. Então o rei disse-lhe: «Se tu fores capaz de me trazer aqui o rei turco casarás com a princeza minha fi- lha.» O Pequenito respondeu: «Dê-me vossa magestade um exercito de homens e alguns navios e verá de quanto é capaz o Pequenito.»

Apromptou-se tudo e o Pequenito arranjou uma grande dorna e foi ao palácio do turco e quando elle es- tava a dormir envolveu-o na roupa da cama; desceu com elle pela janella, metteu-o na dorna e á frente do exer- cito lá o levou para a corte do rei seu amo. Este quiz logo que o Pequenito casasse com a sua filha; fizeram-se grandes festas e o Pequenito mandou ir para o palácio o seu pae e irmãos, dando-lhe altos cargos na corte. E assim acaba esta historia de que

A certidão está em Tondella; Quem quízer por ella.

(Coimbra.)

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o HOMEM DA ESPADA DE VINTE QUINTAES

Era uma vez um homem e uma mulher e nSo tinham ííiho nem filha; a mulher era velha e disse assim para o homom:

Homem, nós nSo temos um filho para herdar o que nós temos.

£ depois o homem disse assim:

Tu, mulher^ que queres? é vontade de Deus, que se lhe ha de fazer?

Deus deu-lho um filho, mas elle crescia da noite para o dia o na primera noite que nasceu comeu dois pães molletes de pataco, a pontos que a mulher nSo tinha leite para crear o menino; compra (com sua licença) uma jumentinha para elle mammar. Chamavam-lho o Main- v\a na-hurra.

Ella nâo tinha mais que lhe dar que comer ; o menino tinha sete annos e disse ao pae que queria uma espad^ que tivesse vinte quintacs do ferro; o pae foi encoramendal-a ao ferreiro; a espada no fim de dois meses estava feita e o ferreiro disso que a fosse buscar e que levasse dois carros e duas juntas de bois e depois cnUlo o pae mandou o filho buscar a espada; elle chegou no f<Trr>iro pediu a espada e diz o ferreiro assim :

<,'iio é dos bois e do carro?

reciso os carros, que eu pf*go n'ella.

O apostou como elle nHo pagava na espa-

da; so elle pegasse na espada o ferreiro devia dar a elle í*^ - "^"^♦o8 de reis e se cUe nSo pegasse dar-lhe-hia o X i-burra outro tanto.

i dir o dinheiro a um tio rico, que tinha,

para ir ao ferreiro; pegou na espada o andou

com ella e o ferreiro perdeu assim a aposta.

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Elle foi levar ao tio o dinheiro que lhe tinha pedi- do emprestado ; o tio disse que o desse a sua mãe para 08 fins da vida d'ella. Elle chegou a casa do pae e deu- Ihe quatro contos e ficou com dois e foi viajar terras e levava a espada.

Chegou a dois caminhos e viu um lavrador a la- vrar e perguntou-lhe que caminho havia de seguir e elle pegou no carro e nos bois e arado e tudo n'uma mão e foi ensinar-lhe o caminho.

E diz o moço assim para o lavrador:

Vocemecô é tão valente ! pega em tudo n'uma mão e vem-me ensinar o caminho.

Sou valente, mas consta-me que ha um chamado Mamma-na-burra que é ainda mais valente que eu.

Mas o moço nunca lhe disse que era o Mamma-na- burra.

Elle foi indo, indo, e chegou a um pinheiral e viu um homem a deitar pinheiros abaixo ; o homem tinha oito pinheiros no chão e andava a botar mais quatro para fazer o feixe e diz-lhe elle :

Você é tão valente que é preciso doze pinheiros para fazer o feixe para botar ás costas.

Sou; mas consta-me que ha um chamada Mamma- na-Burra que ainda é mais forte que eu.

E elle disse-lhe se elle queria ir com elle que lhe dava oito vinténs por dia.

Foram indo ambos e encontraram um homem a ar- rasar montanhas ; cada vez que botava a enchada a ter- ra arrincava três carros. O Mamma-na-burra disse-lhe assim :

Vós sois tão valente que botaes três carros de terra abaixo.

Sou; mas consta-me que ha um chamado Mam- ma-na-burra que ainda é mais forte que eu.

Depois elle disse-lhe o mesmo e foram andando to- dos três e depois foram indo e encontraram umas casas no meio do caminho e perguntaram a uma mulher se ali havia alguém que desse dormidas. A mulher respondeu-

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lho qno estava ali uma casa, mas que quem entrava nSò tornava a sair. O Mamma-na-burra foi e bateu á porta e dopeis fallou-líie uma mulher e disse-lhe— se elles qnizossem ir para a cozinha e elle foi.

A primeira noite ficou o Tomba-pinheiros e quan- do ora meia noite, veiu o diabo pela chaminé abaixo o veiu lidar com o homem a ver se o podia matar para o levar para o inferno. E depois Tomba-pinheiros poude roais que o demónio e este foi se embora. Ao outro dia Tomba-pinheiros estava muito triste, mas não disse aos outros o que lhe tinha acontecido.

A segunda noite ficou o Arrasa-montanhas e o diabo torúou a vir e o Arrasa-montanhas poude mais quo elle e o diabo pegou, foi-se embora.

A terceira noite ficou o Marama-naburra; veiu o diabo pola chaminé abaixo e o Mamma-na-burra quan- do o viu disse :

—És tu?

E pegou na espada e traçou-o ao moio e o diabo metteu-se por uma rama abaixo e o Mamma-na-burra chegou pfla manhTi e disse para os outros :

ll.tvfinod darrumar aquella rama.

Arrumaram a rama e viram um poço fundo redon- do ; arranjaram umas cordas o um cesto e .uma campai- nha; priraoiro foi o Tomba-pinhoiros mottido no cesto e oe outros a segurar na corda : chegou ao moio do poço e viu muitos bichos e não poude passar para baixo e tocou a campainha para os outros o içarem para cima.

Chegou acima e foi o Arrasa-montanhas o chegou ao meio do poço e viu muitos bichos e nâo poude tam- bém passar. Por fim diste o outro :

Agora é que vae o Mamma-na-burra >, dando- se 8(S f>ntilo a conhocor aos companheiros.

('hogou ao moio do poço o com a espada conseguiu passar para baixo; chegou abaixo e via uma sala muito bonita e viu três meninas encantadas e eram todas tr<>9 irmJls filhas d'um rei o ellas porguntaram-lhe:

Menino, quem vos trouxe aqui?

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E elle disse :

Fui eu que quiz vir.

Disse uma :

Vae-te embora, senão vem o meu encanto e ma- ta-te.

Perguntou elle :

O que é o teu encanto?

É uma serpente.

Não tem duvida.

Veiu o encanto e disse á princeza :

Tens carne humana.

Não tenho.

O encanto entrou e o menino deu-lhe com a espada e matou a serpente. Elle desencantou a menina, que lhe deu um lenço marcado em todas as pontas com o nome d'ella. Elle metteu-a dentro do cesto, tocou a campainha e os companheiros içaram-na. Elle foi á segunda que também o mandou embora. Perguntou-lhe o que era o encanto d'ella e ella disse-lhe que era uma bicha. Veiu o encanto que perguntou se tinha carne humana e o Mamma-na-Burra matou-o. Ella deu-lhe uma maçã doi- rada e elle fêl-a também içar.

Depois foi á derradeira (princeza) e perguntou-lhe o que era o encanto d'ella e ella disse-lhe que era o dia- bo maioral. Quando o menino viu o demónio, disse:

Oh! a ti mesmo é que eu queria.» Pegou na espada e corlou-lhe uma orelha íóra (ao diabo) e met- teu-a no bolso e a menina passou-lhe a mão por cima do cabello e dourou-lhe o cabello e elle tocou a campai- nha para a guindarem.

Elle ficou sósinho dentro da casa e mettou uma pe- dra dentro do cesto e tocou para içarem e elles quando viram que estava o cesto no meio do poço deixaram-no cair, pensando que era o Mamma-na-burra. Elles fugi- ram com as três princezas e elle trmcou a orelha do de- mónio dentro do poço e o demónio appareceu-lhe e dis- se-lhe:

Tu que queres?

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Quero que me botes em cima.

Dá-me a orelha.

Ddij; poe-me em cima que eu douta.

( ' tlriuuiiio pegou n'elle e pôl-o em cima do po- «,0 t' o Mamma-na-burra nSo lhe deu a orelha. Avistou outros dois muito longe a fugir com as princezas para o palácio. Pegou elle e seguiu atraz d'elles; nâo podia ir pelo caminho que todos lhe cobiçavam o cabello; foi a um matadoiro onde se matava'n bois; pediu uma bexiga de boi para metter na cabeça e foi indo, indo, até a casa d'um lavrador defronte do palácio do rei; pediu que fa- ser e o lavrador deu-lhe que fazer.

O lavrador n2o tinha mais que lhe dar a fazer, nem mais quo lhe dar a comer. N'um domingo tinha de ha- ver uma corrida de cavallos á porta do palácio do rei; o demónio foi-lh'o dizer e elle disse-lhe que lhe apron- tasse o melhor cavallo que houvesse e foi para a corrida sem ser convidado. Era o melhor cavalleiro que an- dava; perguntavam-lhe d'onde elle era e elle dizia que era um viajante que ia correr terras.

Cunvidaram-no de lhe fazer um circo de espadas e peçâs; so elle não obedecesse e n2o dissesse d'ondo era que o matariam; o demónio soube-o o foi avisal-o e disse-lhe quo elle que se livrasse das espadas que elle diabo o li- vrava do fogo.

O Mamma-na-burra nSo obedeceu a nada; o caval- lo, que era o próprio diabo, pinchava por cima das es- padas; e quando iam a atirar o fogo este nSo pegou, porque o diabo tinha-lhe ido mijar. Assim o Mamma- •scapou. Pescaram para onde elle entrou; foi o ial-o para jantar; o demónio disse-lhe quo fosse V elle foi.

Quando entrou pelo palácio dentro as princezas vi- ramno da janella; ellas diziam sempre ao pae que não tinham sido aquelles homens que as tinham desencanta- do o depois começaram a dizer ao pae quo aquollo ho- mem é Que as tinha desencantado; disseram que lhe ti- nham dailo prendas. O rei perguntou-lho por ellas e elle

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mostrou-as todas três e perguntou ás princezas se eram aquelles e ellas disseram que sim. O rei disse que esco- lhesse d'ellas a que quizesse e elle nâo escolheu; trincou a orelha ao demónio e o demónio appareceu-lhe e disse - lhe:

Que queres?

E pediu lhe a orelha.

Dou-te a orelha, mas has de dizer-me qual d'el- las é que tem melhor génio.

E elle respondeu-lhe:

Leva- as todas três para dentro e de fora pede- Ihe o dedo mendinho da mão direita pelo buraco da fe- chadura.» A que tivesse uma cova na cabeça do dedo era a que tinha melhor génio.

Elle assim fez; a primeira que veiu era a que ti- nha a covinha e tinha sido a que lhe dourara o cabello.

O rei perguntou-lhe o que queria que se fizesse aos outros dois.

A um mandae-o deitar d'um poço abaixo; e ao outro andar em volta do jardim agarrado ao rabo (com licença) do cavallo e um homem a chicotal-o até elle morrer. «Acabou.»

(Foz do Douro.)

XXIU COMADRE MORTE

Havia um homem que tinha tantos fiihos, tantos que não havia ninguém na freguezia que não fosse compa- dre d'elle e vae a mulher teve mais um filho. Que ha- via do homem fazer? Foi por esses caminhos fora a ver se encontrava algubm que convidasse para compadre.

0<

- >u um pobretito e pex^untou-lhe so queria ser padre d'elle.

Quero; mas tu sabes quem eu sou?

Eu sei lá; o que eu quero é alguém para padrinho do meu filho.

Pois, olha, eu sou Deus.

me não serves; porque tu dás a riqueza a una e a pobreza a outros.

Foi mais adeante; e encontrou uma pobre e pergun- tou-lhe se queria ser comadre d^elle.

Qaero; maa sabes tu quem eu sou?

N3o sei.

Pois, olha, eo soa a morte.

E's tu que me serves, porque tractas a todos por ^ual.

Fez-se o baptisado e depois disse a Morte ao ho- mem:

que tu me escolheste para comadre, quero-te fazer rico. Tu fazes de medico e vaes por essas terras curar doentes; tu entras e se vires que eu estou á ca- b'ccira é signal que o doente não escapa e escusas de Ih'' dar remédio; mas se estiver aos pés é porque esca- pa; mas livra-te de querer curar aquellcs a que eu e«- tiver á cabeceira, porque te dou cabo da pelle.

Asstm foi. O homem ia ás casas e se via a coma- dre á cabeceira dos doentes abanava as orelhas; mas Be elle estava aoe péa receitava o que lhe parecia. Vejam so elle não havia de ganhar fama e patacaria, que era uma cousa por maior ! Mas vae uma vez foi a casa d'um (lo< nte muito rico e a Morte estava á cabeceira; abanou as orelhas; disseram-lho que lhe davam tantos contos de reis ae o livrasse da Morte e elle disse:

Deixa estar que eu te arranjo, e pega no doente e muda-o com a cabeça para onde estavam os pés e elle escapa.

Quando ia para caaa sae-lhe a comadre ao caminho:

Venho buscar-te por aquclla traição quo mo fi- zeste.

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Pois, então, deixa-me resar um padre nosso an- tes de morrer.

Pois resa.

Mas elle resar; qual resou ! não resou nada e a Mor- te para nâo faltar á palavra foi-se sem elle.

Um dia o homem encontra a comadre que estava por morta n'um caminho; e elle lembrou-se do bem que ella lhe tinha feito e disse:

Minha rica comadrinha, que estás aqui morta ; deixa-me resar-te um padre nosso por tua alma.

Depois de acabar, a Morte levantou-se e disse:

Pois que resaste o padre nosso, vem commigo. O homem era esperto; mas a Morte ainda era mais;

pois não era?

(Villa Nova de Gaia.)

XXIV

A CACHEIRINHA

Era de uma vez um homem, que tinha muitos filhos, e era muito pobre, e como não tivesse em que ganhar pão para lhes dar, foi para creado de certo rei, para ver se assim podia sustentar melhor os filhos. Ao fim de um anno de serviço disse elle ao rei. «Senhor peço que me deis a paga do meu serviço, pois quero ir viver com os meus filhos e mulher de quem estou separado ha um an- no.» Então o rei disse-lhe: «Não te pago em dinheiro, mas leva essa mesa, e toda a vez que queiras comer di- rás: poete mesa, e terás comer para ti e teus filhos.» Foi-se o homem muito contente e no caminho teve fo- me, e então disse: «Poe-te mesa e logo apparece a mesa

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com uma coberta de ricos manjares. Comeu o homem á farta, e dos sobejos ainda repartiu com algumas pessoas pobres que encontrou no caminho. Como porém anoite- ces-se, o homem foi pernoitar a uma estalajem, e á vista do estalajadeiro ordenou á mesa que se pozesse, e logo appareceram novamente ricos manjares. O estalajadeiro vendo isto, esperou que o homem estivesse dormindo, e trocou a mesa por outra egual no feitio, mas que não ti nha o condão d'aquella.

Levantou- se o homem do madrugada pegou na mesa áa coetas e foi para casa da mulher e dos filhos. Ao che- gar ali disse: «Meus queridos filhos o minha querida mulher, não precisamos de trabalhar para comer, pois el-rei deu-me uma mesa que nos apresenta comer todas as vezes que eu quizer. » Então a mulher e os filhos, que estavão cheios de fome, disseram que lhes desse de co- mer; maa debalde o homem dizia: <P3e-te mesa, pòe-te mesa,» que a mesa não se punha. Lembrou-so então elle que talvez o estalajadeiro lh'a tivesse trocado, e voltou á estalagem, mas elle negou e tornou a negar que tal não tinha feito. Foi-se o homem ter com o rei e contou- Ihe o succedido. Então o rei deu lhe uma peneira e dis- se-lhe: «(^uariflo cmizores dinheiro dirás: peneira, penei- rinha; cair-te-ha d'olIa dinheiro em vez de farinha.» Poi- so o homem ainda mais contento do que da primeira vez, mas como fosse outra vez pernoitar á estalagem, e o es- talajadeiro visse que elle tirava dinheiro da peneira, fez o mesmo que tinha feito á mesa; o o homem, ao chegar a casa viu que tinha sido novamente logrado. Voltou a queixar se ao rei; e elle deu-lho uma cachoirinha, e dis- 80-1he: «Vae á estalagem com esta cacheirinha, o diz: desanda cacheirinha, desanda cacheirinha, e em quanto o e8talaja(l''iro nilo te der a mesa e a peneira, manda-a sempro deBaiuiar. » Foi o homem, o fez o que o rei lhe disse, o o estalajadeiro massado, com pancadas, deu a mesa o a peneira ao homem. Voltou esto todo alegre e eoutente para sua casa com as três prendas que lho dera o rei. Quando oi filbot, ello e a roalhcr tinham fome.

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logo tinham comer; quando precisavam de dinheiro tam- bém o tinham, e quando 03 filhos fazião alguma coisa malfeita também o pae mandava desandar a cacheirinha, e assim educou os filhos muito bem^ e quando elles che- garam a serem homens, foi offerecel-os ao rei, para irem servir a pátria, e foram uns valentes soldados.

(Coimbra.)

XXV

CARNEIRINHO BRANCO

Havia uma rainha, que vivia muito desgostosa por não ter filhos; tinha ella muita devoção com uma Senho- ra da Encarnação que tinha no oratório, e costumava muitas vezes ir pedir-lhe que lhe desse um filho, e dizia:

«Senhora da Encarnação;

Dae-me um filho

Ainda que seja um leão.» Um dia que ella estava a uma janella viu passar um pastor com um rebanho de carneirinhos brancos; e foi para o seu oratório pedir á Senhora :

«Dae-me um filhinho.

Senhora da Encarnação,

Ainda que seja um carneirinho.» Passado algum tempo deu a rainha á luz um car- neirinho branco, que logo que chegou á edade de dois annos disse á rainha. «Minha mãe eu quero casar com a filha do rei do conselho.» Respondeu-lhe a rainha: «Oh meu filho ! pois tu, um carneirinho, queres casar?» «Quero sim, minha mãe». Depois transformou-se n'um principe e.foi a casa d'um rei do conselho, e disse á

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que estava para ser sua esposa: cEDtão a menina quer casar com um carneirinho?» Áo quo ella respondeu: oNàc tem duvida, que eu quando me for deitar, mato- o.» Cason o carneirinho com a filha mais velha do rei do constlho, e á noite quando se foi deitar, viu quo ella tinha uma faca de baixo da cabeceira para o matar; e elle ent^o tirou a faca e matou a menina.

Passado tempo tornou o carneirinho a dizer á mãe: fMi: *- - ^ ro casar com a segunda filha do rei do o tu filho queres casar outra vez?»

Foi outra vez o carneirinho a casa do rei do conselho, a disse á que estava para ser sua esposa, o mesmo que tinha dito á irmS, e ella respondeu também: aDeixal-o, quo eu mato-o. > Casaram, e succcdeu o mesmo, que da primeira vez. Tomou outra vez o carneirinho a dizer á casar com a filha mais nova do rei do \ o deu-lhe a mesma resposta que das ou- tras vezes. Foi o carneirinho, outra vez transformado em um lindo príncipe, dizer á filha mais nova do rei do conselho: < Então a menina quer casar com um car- ' ' Ao que ella respondeu: «Deixai -o; é Deus

. dá.t

Ora o carneirinho branco, era nem mais nem menos do quo um principe encantado, e para so transformar em principe despia sempre sete pelles; na noite em que se casou pela i vez despiu também as S' ' " s,

o disse á . '*^ ^^^^ cr*^ um principe ci *,

mas que ninguém tal sabia, nem mesmo sua própria mSe, e que nSo dissesse ella nada d'isto a ninguém. A menina facou muito contente, o nHo se poude conter sem itro dia fosse dizer á mão do carneirinho, que era um principe encantado. A' noite quando se r, disae-lne elle: «Hecommcndei-to quo nSo dis- >r . . jue ea era um principe, e tu fostes dizel-o; ti- nha-se acabado o meu encanto, e tu fizeste com que eu tenha de andar mais sete annos encantado: eu agora vou- me embora para o rio Sul, e tu iréia procurar-me.»

Foi-ie o carDoirinho embora, e a menina, e « mAe

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d'elle ficaram muito tristes. Passados alguns dias saiu a menina do palácio para ir procurar o carneirinho; e de- pois de ter andado muito foi ter ao reino da Lua. Tendo ali chegado perguntou á mâe da Lua, se ella lhe saberia dar noticia de um carneirinho branco, assim e assim. Respondeu-lhe ella, que não sabia, mas que se mettesse ella n'aquelle buraquinho, mas que não o fizesse maior, até que viesse sua filha. Chegada a Lua perguntou-lhe a mãe se ella dava noticia do carneirinho branco; ella respondeu que não sabia d'elle, mas que talvez, o Ven- to, ou o Sol soubessem. Caminhou a menina até chegar a casa do Vento, mas succedeu-lhe o mesmo, que em casa da Lua. Foi a casa do Sol, e a mesma coisa. se iam passando os sete annos, e a menina ia perdendo a esperança de encontrar o carneirinho, quando lhe ap- pareceu uma velhinha, e lhe perguntou, o que ella an- dava fazendo por ali. A menina respondeu que andava em procura do seu esposo, que era um carneirinho bran- co, 6 elle tinha partido havia sete annos para o rio Sul, mas que ella não o podia encontrar. Então a velha in- dicando-lhe uma grande porta disse-lhe: «Aquella porta vae ter ao rio Sul; a menina entre e logo verá muitos passarinhos; aquelle que vier deitar-se a seus pés, esse é o carneirinho branco.»

Foi a menina, e viu muitos passarinhos, e logo veiu um e deitou-se aos pés d'ella, e começou a picar-lh'o8. Então a menina disse-lhe: «Tu és o carneirinho branco?» Elle então transformou-se em um principe, e foi com a menina para o palácio de sua mãe; acabou-se o encanto, e viveram muito felizes.

(Coimbra.)

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XXVI

O COLHEREIRO

Houve n'outros tempos um colhereiro que tinha por costume ir a uma mata muito longe da sua casa para apanhar madeira para fazor colheres.

Certo dia que elle estava cortando um pedaço a um castanheiro muito antigo, notou que no tronco havia um grande buraco. Cheio de curiosidade o colhereiro, quiz ver o que havia dentro, maa mal tinha entrado quando lhe appareceu um mouro encantado; e com voz medonha lhe disse: <Já que te atreveste a penetrar no meu palá- cio, ordeno-te que me tragas aqui a primeira coisa que te apparecer ao chegares a tua casa, e se não cumprires fica certo que morrerás dentro em três dias.» Foi-se o colhereiro para sua casa, aonde tinha três filhas muito lindas, e uma cadellinha que sempre o vinha esperar á entrada da porta.

N'e88e dia, porém, contra o seu costumo quem lhe appareceu á entrada da porta foi a filha mais velha. EntAo ellO) chorando, contou á filha tudo que lhe tinha Buccedido, e pediu-lhe que fosse ella, senão que o mouro o mataria e ficava ella e as irmSs sem amparo.

A filha aprontou-so logo para ir e depois de ter abra- çado as irmãs partiu para o palácio do mouro. Deixa- mos agora o colhereiro com as duas filhas, e vamos ver o que faz o mouro á outra filha. Logo que ella cli deulhe as chaves do todas as salas do palácio, e d lha ao pescoço um cordão de ouro fino com a chave d' uma sala, prohibindo-a de entrar n'ella, pois se fosse mor- reria. Um dia em que o mouro tinha saido a infeliz ra- pariga cheia de curiosidade quiz ver o que estava na tal sala, entrou e viu muita gente com as cabeçaa corta- das; elía toda horroritada fechou a porta e poz outra

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vez a chave ao pescoço; mas o mouro quando voltou ao palácio foi ver a dita chave e viu que ella tinha uma mancha de sangue. Então, sem dar uma palavra, cortou a cabeça á pobre rapariga, e foi deital-a na mes- ma sala aonde ella tinha entrado. Voltando ao colhereiro sabereis que elle foi ter com o mouro para que lhe desse noticias da filha, e elle lhe respondeu:» Vae buscar a tua filha do meio para vir fazer companhia á que está, pois ella anda muito triste com saudades d'ella. Trouxe o colhereiro a filha, e a ella succedeu-lhe o mes- mo que tinha succedido á sua irmã. Restava ao colhe- reiro só a filha mais nova, mas como o mouro lhe orde- nasse que lh'a levasse também, levou-lh'a. Logo que ella chegou, o mouro fez-lhe as mesmas recommendações que tinha feito ás outras irmãs.

A rapariga entrou na sala dos mortos e viu as ir- mãs degoladas, mas notou que ellas ainda estavam quen- tes e teve desejos do as tornar á vida. Na mesma sala havia um armário contendo pucarinhos com o sangue dos mortos; então ella vendo dois pucarinhos com o nome das irmãs, pegou nas cabeças d'ella8 juntou-lh'as aos corpos e despejou-lhe o sangue no pescoço; e logo as ir- mãs tornaram á vida. Depois recommendou-lhe que não fallassem que ella havia de arranjar meio de as mandar para casa do pae. As irmãs recommendaram-lhe que limpasse a chave para o mouro não saber o que ella ti- nha feito. Voltou o mouro a casa e de nada desconfiou, e começou então a amar muito a rapariga a pontos de se deixar dominar por ella. Um dia pediu-lho ella que fosse elle levar uma barrica de assucar ao seu pae, pois estava muito pobre; o mouro disse logo que sim. Ella então metteu uma das irmãs dentro da barrica, e disse ao mouro que fosse depressa, que não parasse no cami- nho que ella o ia ver do mirante.

O mouro partiu, e ella ordenou á irmã que fosse di- zendo pelo caminho estas palavras: «Eu bem te vejo,» para o mouro julgar que era ella que lhe fallava do mi- rante. A rapariga dizia: «Eu bem te vejo, eu bem te

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vejo,» e o mouro respondia: «lindos olhos quo tanto ve- des; correr, correr. . .,»» e corria, corria ató que chegou a c&aa do pae; largou a barrica e voltou para o palácio. Passado aias quÍ2S a rapariga mandar outra barrica ao pae, e da mesma forma mandou a outra irmlt. Restava ella; ora isso era mais difficil; mos como era muito esperta, de quo se havia de lembrar ! Fez uma boneca de palha, vestiulhe os seus vestidos, põl-a no mirante; metteu-se na barrica, depois de ter dito ao mouro, que fuâse depressa, quo ella ia vel-o do mirante. Pelo cami- nho foi sempre dizendo: <£u bem te vejo, cu bem te vejo.» «Lindos olhos que tanto vC-dea; correr, correr.» Assim voltaram as filhas todas para casa do seu pae; e o mouro voltou ao palácio, e foi-se abraçar á boneca de palha julgando ser a rapariga, e caiu du mirante abaixo iimrrt iitlo logo rebentado; o palácio e o castanheiro desap- l<ari.c(.ram, pois tudo era obra de encanto.

( Cu i mira.)

XXVII

o CONDE ENCANTADO

Uma avó tinha uma neta a quem queria muito mal, e um dia disse-lho quo a havia de queimar em vida; e ' ' ' ir lenha para aquecer o forno. A me-

'rJBte, e em vez de apanhar a lenha foi : liando, atú que avistou uiu palácio; ..; ! X u, ju ; Li: o bateu; depois apparcceu-lhe um conde, a perguutou-lho o quo ella queria: a menina res- pondeu, que ia ver se a queria para criada, o conde rt- i^pondou que sim. Vivia a menina muito foliz no palá- cio; ató que elle disse-lhe um dia que se sentia muito s

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doente, e por isso que ia para casa de sua mãe para se tractar ; que de vez em quando a viria visitar, mas que era preciso que ella pososse na janella uma bacia com agua para elle se lavar, e uma toalha para se lim- par; e recomendou muito á menina que nâo chegasse á janella porque podia passar algum homem da terra d'ella e ir dizer á avó que a tinha visto. Punha a menina a toalha todos os dias na janella, e o conde vinha trans- formado em passarinho; lavava-se na agua e entrava em casa, apparecendo á menina transformado outra vez em homem.

Um dia a menina ficou mais um bocado á janella, e n'isto passou um homem da terra d'ella, e viu-a e foi contar á avó da menina, que a tinha visto, e que ella tinha na janella uma bacia com agua, e uma toalha. Então a avó disse ao homem que fosse elle deitar no fundo da bacia, uma roda de navalhas bem afiadas, mas que a neta não percebesse. Foi o homem pôr as navalhas; e quando o passarinho se foi lavar na agua, cortou se todo nas navalhas, e limpou-se á toalha dei- xando-a toda ensanguentada; depois foi-se embora sem apparecer á menina. Passaram-se muitos dias sem a me- nina ter noticia do conde, e como ella visse a roda das navalhas na bacia, e o sangue na toalha, andava muito triste por se lembrar que o conde teria morrido. Final- mente o conde mandou por um creado dizer á menina que estava muito doente, e que era preciso que ella o fosse ver, mas que levasse uns fígados de rolas, para com elles o curar. Partiu a menina sosinha por esses caminhos, pois a casa da mãe do conde ficava muito longe d'aquelles sitios ; e quando anoiteceu deituu-se debaixo d'uma arvore, esperando que apparecesse alguma rola para lhe tirar os fígados. Quando amanheceu a menina tinha apanhado algumas, e depois foi pedir a um pastor que lho ensinasse o caminho para o palácio da mãe do conde.

Chegada ali pisou os fígados das rolas em um almo- fariz, e começou a tractar o conde com elles, de forma

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3ae fxn pouco tempo elle estava bom. Então o conde isse á mSo, que queria casar com a ro^niDa pois ella tinha foito f^vn que acabasse o seu encanto, pois nunca tinhHra < 'o arranjarem os fi<5ado8 de ro-

las i.ir:'. o curar iram e tiveram muita fortuna.

(Coimbra.)

XXVIII os MENINOS PERDIDOS

. i.. ^..»o tinha um filho e uma filha, e costumava mandal-os ao mato buscar lenha: um dia os meninos fo- ram e ' n se no caminho. Df^pois do terem ca- minhai avistaram uma luz; foram-so aproximan- do, e viram junto da luz uma casa; entraram, e viram uma bruxa, que estava fritando fílhozes; a bruxa tinha um olho, no meio da testa, e por isso nilo viu logo os I Ora os m-^ninos como iam com muita fome, tir . m muito geitinho as filh"zes, e a bruxa, jul- gando ser o gato que as tirava, dizia:

«Sape, gato lambiSo; logo te dou teu quinhUo.*

E continuava a fritar; e os meninos vendo o engano da bruxa, doram ninn f.if.iUi.iíLi. F.lLi ( itrio olhou nara elles o disse:

iSois vós m^MiH morinoHr viii(i'> ra, v'.i,'i«' cU; » |»tv gon nos menino», n niMt«>u-os dentro d^ uma nrca do castanhas rec 'mí que nto

até estarem h ^ h. ro- i <lo

as castanhas, e a bruxa disse-lho um dia: «Mottei o de-

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dinho pelo buraco da fechadura para eu ver se estaes gordinhos. Os meninos em vez de metterem os dedinhos, metteram um rabo de um ratito que tinham achado na arca. A bruxa disse ao vel-o: «Ainda estaes muito ma- grinhosj continuae a comer.» Passado tempo tornou ou- tra vez a dizer aos meninos que deixassem ver os de- dinhos, e elles não tiveram remédio senão mostrar lh'os, pois não tinham o rabo do rato. Então a bruxa dis- se-lhe. a Agora podeis sair da arca, pois estaes bem gordinhos.» Depois disse aos meninos que fossem buscar lenha para aquecer o forno; e deu lhe um pão, recom- mendando-lho que comessem o miolo, mas que não o partissem; deu-lhe também uma cabaça de vinho, dizen- do-lhe que o bebessem sem lhe tirar a rolha; deu-lhe mais dois punhados de tremoços, dizendo-lhe, que os comessem e deitassem as cascas pelo caminho, para depois se guia- rem por ellas quando voltassem para casa. Partiram os meninos para o mato; e no caminho encontraram uma velhinha, que lhe perguntou para onde elles iam. Os me- ninos contaram-lhe tudo que lhes tinha succedido, e dis- seram lho que tinham fome, mas que não sabiam como ha- viam de comer o pão sem o partir. Então a velhinha, fez-lhe um buraquinho no l)ão, tirou o miolo e deu-o aos meninos; depois fez também um buraquinho na cabaça para os meninos beberem o vinho, e disse-lhes, que fos- sem appanhar a lenha, que ella os esperava no caminho. Voltaram os meninos do mato, e encontraram outra vez a velhinha que lhes disse: «Meus meninos, a bruxa vae aquecer o forno para vos assar; ella ha-de dizer-vos que danseis na pá, e vós haveis dizer-lhe: dansae vós pri- meiro que é para nós aprendermos; depois ella dansará, e vós, direis: Valha-me Nossa Senhora, e São José, e dei- tae-a no forno. Levaram os meninos a lenha; a bruxa aqueceu o forno, e disse aos meninos: «Dansae aqui na pá.» «Dansae vós primeiro para nós aprendermos.» A bruxa poz-se a dançar na pá, e os meninos disseram: «Valha-nos Nossa Senhora, e São José,» e deitaram a bruxa para dentro do forno.

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A bruxa deu um grando estoiro e morreu, e oi me- ninos voltaram para casa de seu pae^ e levaram o di- nheiro qiio a bruxa tinha em casa.

(Coimbra.)

XXIX

A BELLA-MENINA

i'.ra um homem ; vivia n'uma cidade e trazia nave- ga^ves no mar, e depois foi elle e deu em decadência por 8o lho perderem as navogaç(5es. Elle teve o seu pe- sar e não podia viver com aquella decência com que vi- via no povoado e tinha umas terrinbas na aldeia e dis- - " " r o para as filhas: «Nào temos re-

I ^ra as nossas terrinhas ; se vivemos

( : iicia que até aqui somos pregoados dos

A mulh'r o uma filha acceitaram, mas as outras duas filhas c m a chorar muito. E depois foram. A que tinli!) ia vontade era a mais nova e cha- mava-s . ; cantava muito e era a que cozi- nhava ( .. rva para o gado, do pós descalços;

■AA Oh!' ,3 mettiam-se no quarto e não faziam senão cho- rar ' 1- - - ^ „, I , ^^ , -^4 ^^ mais velhas

H' II.; aia cousa e a

Miam nova iià<> ilt«i péilia nada. Vae n'ii>to Vfiu-lho uma arta d'um amigo dizendo que as navegaçííes que vi- nham ahi, que tiveram noticia e que fosso vel as.

^* ^' -ninhou maií um creado sabor das taes

"av do saiu, disseram as suas filhas mais

velhas quu so as navegaçSes foMem as dollo lhes levas-

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se algumas cousas que lhe declararam. E elle disse á mais nova, «Ora todas me pedem que lho traga alguma cousa, tu nào mo pedes nada?» «Vou pedir-lho tam- bém uma cousa; onde o meu pae vir o mais bello jar- dim, traga me a mais bella flor que houver.» O pae foi e chegou a uma cidade e reconheceu que as navega- ções não eram d'elle e foi-se embora com a bolsa vasia. Chegou a um monte o anouteceu-lhe; elle viu uma luz e dirigiu-BO para tila a ver se encontrava quem o acolhes- se. Chegou e viu uma casa grande e estropeou á por- ta; não lho fallaram; tornou a estropear ; não lhe falia- ram. E disse ao moço: «Vfle ahi por o portal de baixo ver se vês alguém.» O moço foi e voltou : «Vejo mui- tas luzes dentro e cavallos a comer e penso para lhe bo- tar; mas não vejo ninguém.»

Então o homem mandou metter o cavallo na cava- Ihariça e entraram para a cozinha. Acharam que comer e como a fome não era pequena foram comendo muito. E n'isto ahi vem por essa casa adeante uma cou- sa fazendo um grande arruido, assim como umas cadeias que vinham a rastos pela casa adeante e depois chegou ao d'elles um bicho de rastos e disse-lhes : «Boas noi- tes.» E ell'.'8 pozeram-se a com medo, e disseram- Ihe : «Nós viemos aqui por não acharmos abrigo nem que comer n'outra parte ; mas não vimos fazer mal a ninguém.» «Deixai-vos estar e comei.» Demorou-se um pouco o bicho e disse-lhes: «Ora ide- vos deitar que eu também vou para o meu curral.» E começou-se a ar- rastar pela cozinha e foi. Ao outro dia o homem foi ao jardim que era o mais bello que tinha visto e disse : «Já que não posso levar nada para as minhas filhas mais ve- lhas, quero" ao menos levar a flor para a Bella-menina. . . » Estava a cortar a flor e n'Í8to o bicho sal ta -lhe : «Ah ladrão ! depois de t'eu acolher em minha casa, tu vens- me colher o meu sustento, que eu não me sustento senão em rosas.» E elle disse: «Eu fiz mal, fiz ; mas eu tenho uma filha que me pediu que lhe levasse a mais bella flor que eu visse na viagem, e não podendo levar nada

Ti- as outras filhas, queria ao menos levar a flor ; mas se a qiKTt 18 ella ahi fica.» «Nâo, levae-a e se me trouxerdes essa filha, ficaes ricos.» O homem caminhou e che- gou a casa muito apaixonado por não trazer nada ás outras filhas e não achar as navegações e pegou na flor e deu-a á Bella-menina.

Á filha assim que viu a flor disse: a Oh que bella flor! aonde a achou meu pae?» O pae contou-lhe o que vira e a fílba disse: «Oh meu pae eu quero ir ver.» «Olha que o bicho falia e disse que também te queria ver.» «Pois vamos.» £ foram. A filha assim que viu o tal bicho disse: «Oh pae cu quero ficar com este bi- cho, que elle é muito bonito.» O pae teve a sua pena, mas deixou-a. Passado algum tempo, ella disse: »0h meu bichinho ! tu não me deixas ir ver os meus pães?» £ elle disse-lhe. «Não; tu não vaes por ora ; teu pae vem cá.» O pae veiu e disse ao bicho: «£u queria levar a rapariga.» «Não mo leves d 'aqui a rapariga, senào en morro e tu vae ali áquella porta e abre-a e leva d'alli a riqueza que tu quizeres e casa as tuas filhas.» O homem que mais quiz?

Um dia o bicho disse á Bella-menina : «Â tua irmã mais velha vem de se receber; tu queres vtl-a?» «Quero.» «Vae ali e abro aquella porta.» £lla foi e viu vir a irmã com o noivo e os pães. «Agora deixa-me ir ver o mea cunhado.» c£u deixava, deixava; mas tu nSo tornas.» «Torno; dá-me três dias que eu em dia e !! :o e torno n'outro dia e meio.» «Senão

vi* t 8 três dias, quando voltares achas-me mor-

to. » Elia foi ; no fim dos três dias ella veiu, mas tardou mais um pouquito que os três dias: ella foi ao jardim e viu-o deitado como morto. Chegou ao d'elle: «Ai meu h ' e começou a chorar.» £llo caiu o ella

disso: tiho está morto; vou dar-lho um beiji-

nho» e deu-iho um beijo, mas o bicho fezsu n'um bello rapas. £ra um principe encantado que ali estava e que casou com ella.

(Chirilhe.)

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XXX

JOÃO MANDRIÃO

Era uma vez uma mãe que tinha um filho que tinha quinze annos e ainda andava ao collo; até que lha bota- ram o nome de João Mandnào. Passaram uns poucos de rapazes e convidaram-no para elle ir á lenha; elle disse que sim, que se elles o levassem a cavallo que ia; elles pegaram, e levaram-no ás costas. Chegaram ao pinheiral, mandarara-no apanhar lenha e elles foram apa- nhar a d'elles; chegaram ao de João Mandrião, ain- da estava sentado no mesmo sitio; foram-lhe apanhar o feixe a elle; elle poz-se de cscacha-perna em cima do feixe da lenha e disse-lhes: «Se vós me levardes ás cos- tas, eu vou para casa.» Deixaram-no ficar e depois fo- ram por casa dizer á mãe que o tinham deixado ficar ; elle esteve três noites e três dias. Estava um ribeiro d'agua ao d'elle ; saltou um peixinho acima dos joe- lhos d'elle ; não fez caso do peixe ; tornou o peixe para a agua : depois tornou o peixe a saltar acima dos joe- lhos d'elle a ver se elle lhe pegava. O peixe disse-lhe : «João, pelo bem o amor que Deus te deu, pega em mim 6 bota-me á agua e assim que quizeres alguma cousa, com a tua mão direita meio fechada pede-me e diz: pei- xinho, pelo poder e bem que Deus te deu, pega em mim e põe-me aqui ou acolá ou dá-me isto ou aquillo, que eu tudo te faço.» Elle pediu ao peixe que pegasse n'elle em cima do feixe e que o levasse para casa. Depois o feixe começou a andar com elle em cima. Em antes d'elle che- gar a casa, estava um palácio e estava a princeza ája- nella e elle disse assim : «Peixinho, pelo poder e amor que Deus te deu quero que aquella princeza tenha um filho meu, sem eu ter contracto com ella.» Ao fim de

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a princeza teve um menino com a mSo di- i; o rei admirou-se por a filha ter o menino; correu tudo quanto havia por 'mor de sabor de quem era aquf>!lo filhinho e como nSo achou ninguém que lh'o dissesse foi chamado o Jo5o Mandrião. O creado chegou á j> ' ' " ' ^o, bateu e elle perguntou quem era 1 a o rei que o mandava chamar

e o .inao Mandrião disse: «Moço de rei em casa de João MandriAo grande novidade é ; sim, se tu me levares a cavallo, vou.» Chegou o cavallo e o creado disse: «Jo3o, monta-te a cavallo!» «Se tu me levares ao coUo, eu mon- to.» O creado levon-o ao collo para o cavallo. Chagou á porta do rei e o creado disse-Ihe: «JoHo, agora anda acima ao senhor rei.» «Se me levares ao cuUo pelas es- cadas acima, vou.» O creado não teve remédio senão le- vai '!o. O rei disse: «Eu quero que tu me digas aqu no de quem é filho e o que elle tem na ra3o direita itcíiada.n Elle disse assim: «Peixinho, pelo po- der e amor que Deus te deu, quero que abras a mào áquelle menino.» O menino abriu a mào e tinha um papel que dizia: «O meu pae será o JoSo Mandriílo.» O rei viu aquillo o mandou fazer um tonnel de madeira para os mettor a todos dentro, o Joilo Mandrião, a filha o o neto. Â rainha deu uma saquinha de biscoitos á filha para dar ao menino pelo mar e depois entSo o rei mando\i ' r uma corveta de fogo e mandou-os dei- tar nH8 la índia. A saquinha de biscoitos, quan- do a {iruii -/«t ia para dar ao menino um biscoito, o .Io3o Man<lriâo, tiravalho o biscoito; ella disse: «Deixa, quf» est»? biscoito é para o menino ; nós somos grandes,

r ■' ^ pastar.» «M«»nino por menino, menino sou eu.»

o João Mandrilln viu que estava sobre as aguas ') que o deitasse era secco, na ^ ixe que destapasse o tonnel, e lii" (it v^so uma roupa por'mor d'ello se vestir. Ello disso para a princeza: «Fica aqui, que eu vou buscar um car- ro e roupa por'mor de tu ires.» Ello foi e a princeza concçou de declamar a sua sorte, pensando que ello ia e

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não a vinha buscar; ello quando viu quo estava ao do palácio do pae da princeza, viu um largo e disse assim: «Peixinho, pelo poder quo e amor Deus te deu quero que me aqui apresentes immediatamente um palácio e um carro e roupa para eu ir buscar a princeza.» E chegou com ella ao palácio e elle tinha pedido que o peixinho pozesse á porta o nome d'elle que era ó dono do palácio. O rei ia um dia a passear e leu o lettreiro do palácio e disse: «João Mandrião! eu é que o impuz; aqui não ha- via outro; quem será?» Pediu licença ao guarda do palá- cio do João Mandrião, se o deixavam ir passear ; o guarda disse-o ao João Mandrião e este mandou-o logo entrar; mas o rei não o conheceu e elle conheceu este. O João Mandrião foi mostrar-lhe o palácio até que lhe mostrou uma maceira com sete maçãs d'ouro; o João Mandrião contou sete maçãs deante do rei; deu uma volta e tornou a vir contar e contou 6; foi ver os bol- sos dos hortelãos todos e depois foi ao bolso do rei e achou a maçã d'ouro que faltava; mandou-o prender; esteve oito dias na cadeia ; ao fim de oito dias foi o João Mandrião, a princeza e a rainha e o João Mandrião, disse assim: «Você lembra-se quando me mandou matar a mim á sua filha e ao seu neto, nas alturas da índia? Assim havia de eu agora fazer; mas emfim pordôo-lhe.» Fize- ram as pazes; o João Mandrião casou com princeza e viveram muito felizes.

(Foz do Douro.)

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XXXI

PELLE-DE-CAVALLO

Era um rei que tinha três fíihas o estava viuvo e queria casar outra vez; fallou a uma dama para casar com ella e ella disse-lhe: <E as suas filhas, que rumo se Ihea ha de dar?» «As minhas filhas, so isso é duvida, eu hoje vou as arrumar. i Chegou a casa c disso ás filhas: «Me- ninas, preparem-80 que v3io ver o que nunca viram; ha- ▼emos de ir á torre de Moncorvo, p As filhas prepara- ram se e caminharam com elle. Elle chfgou á Torre e disse-lhes :> Meninas ficae aqui que eu vou fazer uma visita a um amigo e volto por aqui levar- vos.» Foi-se embora e deixou-as; emquanto não casou deu-lhe de co- mer e fazia caso d'ella6; depois de casado nSo lhe man- dava nada.

Um dia quando ellas n2o tinham que comer disse a filha iiiiis lha para as outras: «Ai Jesus! que forno eu tenho; o verdadeiro é vós matardes-mo e comer-me. » E D'isto morreu; e depois, passados dous dias, a irmã que •e lhe seguia na edade disse o mesmo e morreu. Ficou a mais nova; subiu acima á torre o viu vir uma na- vegação que andava no mar e comcçou-lh*> a acenar com nro lenço. Os marinheiros disseram ao capitão do navio que viam acenar e elle veiu buscal-a. Ella levou a rou-

f>a toda das irmãs e chegou a uma terra, topou uma ve- ha e disso-lbe: «Oh minha velha! você não me arranja com quo ou ganho a minha vida?f «Arranjo se você quer vir acarrar agua para a casa para onde eu vou.» E ella disse lhe: «E você onde vao acarrar agua?» «Vou acarrar agua para o nosso rei.»

A menina mandou fazer um vestido d'uma pelle d'um cavallo e andava acarrando agua para o rei o na cor-

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te chamavam-lhe a Pelle-de-Cavallo. E um creado da casa disse-lhe uma noite: «Oh Pelle-de-cavallo^ queres tu ficar esta noite, que ha um baile e o nosso rei tem dito que ha de fazer três bailes a eito e que aquella dama com quem elle dansar que gostar d'ella lhe ha de dar um annel por lembrança e ha de casar com ella.» E ella disse: «Bem me importa a mim isso; eu vou, mas é para onde a minha velha.» Foi-se embora e á noite aceou-se muito aceada com a roupa da irmã mais velha e veiu dansar e o rei dansou com ella; ao outro dia tor- nou ella a accarrar agua e o creado repetiu-lhe o mes- mo; ella disse: «Bem se me a mim d'Í83o; vou para aonde a minha velha.» Mas á noite vestiu-se com a rou- pa da sua segunda irmã e foi ao baile outra vez. Ao terceiro dia disse-lhe o creado: «Pelle-de-cavallo vem ao bailo que hoje é a derradeira noite e o rei ha de dar o annel á dama de quem elle mais gostar. Hontem veio a mesma dama e elle dansou com ella de modo que as outras cstào assanhadas com isso e dizem que é escusado vir, pois elle não as quer.s «Qae me impor- ta a mim com isso? Vou-me para aonde a minha velha.» A' noite vestiu-se com os seus fatos ricos e dansou com o rei, que no fim da dansa lhe deu o annel. Ella ao ao outro dia continuou a acarrar agua na forma do costume. O rei como não sabia a quem dera o annel, nem da dama, adoeceu. A enfermeira que o tractava disse á Pelle-de-cavallo: «O rei está muito doente e é com paixão por uma dama com quem elle dansou as três noites a eito e não sabe quem é.»

A enfermeira levava o caldo de gallinha para o rei e a Pelle-de-cavallo deitou-lhe o annel que o rei lhe dera sem que aquella visse. O rei vendo o annel ficou muito contente e perguntou quem o tinha deitado; disseram- Ihe que não sabiam ; perguntou quem tinha passado ao do caldo e disseram-lhe : «Foi Pelle-de-cavallo.» O rei então mandou-a chamar e disse-lhe: «Quem foi que te deu o annel.» «Eu vou e volto e então direi quem foi.» Fpi a casa, aceou-se com os seus fatos e disse ao

II

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rei: «Entio vossa real magestade conhece-me agora?» «Conheço sois a dama a quem eu dei o annel.» «Pois fui eu que o deitei do caldo.» «Pois como c isso?» Então Pelle-decavallo contou toda a sua historia. O rei nSo a tornou a deixar ir a casa da velha o casou-se com ella.

(Ourilhe.)

XXXII

% SINA

Era de uma vez um rei que tinha dous filhos, um macho e outro fêmea. Como era de uso, logo que cada um tinha nascido lho mandou ler a sina. A da dunzella foi que ant<'s dos dezoito annos havia de ter um naufrá- gio, o que qunria dizer que havia de ter um filho de um homem solteiro; e a do rapaz que havia de matar o pae a punhal. O rei ficou muito triste com esta sorte e para os livrar d'ella mandou fazer uma torre onde nSo entrasse a luz do dia e mettcu n'ella a filha com uma aia a guardal-a e ao filho mandou fazer um caixUosinho de pao todo forrado de seda e vclludo por dentro e por fora o foi elle deitai o a um rio que passava muito longe de palácio. Passou muito tempo e a filha nem conhecia paé nem mHe; fallava com a aia o mais ninguém. Vem uma tempoatudo e um raio parto uma pedra da torro. Cm dia estava ella a espreitar paru o jardir o viu um lindo moço que era creado de palácio; perguntou á aia o quo era aquillo e cl!a disse lhe que era um escudeiro do rei. O moço que tinha também visto aquella cara a es* preitar, todoa os dias vinha áquella in* sma hora vel-a. Uma occasião elle perguntou-lho porque vivia assim fo-

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chada, ao que ella respondeu encolhendo os hombros; se lhe deixava ir fazer companhia; ella disso-lhe que sim e deitou abaixo um lençol da sua cama o elle subiu. Ao fim de nove mezes achou-se pejada; disse-o á aia; teve um menino; começaram ambas a chorar e a chorar mui- to e por fim a aia levou a princeza a matal-o. Estavam a degolal-o quando entrou o rei que tinha ouvido chorar uma creança; perguntou o que era aquillo que tinham escondido, porque ellas assim que ouviram passos tractá- ram de o esconder; elle foi ver e ficou sem pinta do san- gue e cheio de raiva matou-as a ambas.

Muitos annos se passaram e ninguém soube mais na- da do filho. A rainha chorava e andava sempre triste a chamar pelo seu filhinho. Quando o rei deitou o caixão ao rio elle foi levado pela corrente e foi parar na roda d'uma azenha. Vivia n'e8ta azenha um moleiro e uma moleira que eram casados havia muito e que nào tinham filho nem filha, ouviram chorar, foram ver e agarraram no caixão e abriram-no. Ficaram muito contentes por verem um menino tam gordinho e tam lindo como uma estrella. Disseram um para o outro: «Já que Deus não nos deu nenhum, creêmos este» o foram creando n'elle. Chegando a grande, perguntaram-lhe o que elle que- ria ser; disse que queria ser alfaiate. Ensinaram-lhe este offieio e elle dentro em pouco era o melhor mestre d'a- quelles arredores. Correu fama e chegou isto a palácio. Ã rainha ás escondidas do rei mandou-o chamar; elle foi e ella para experimentar mandou que fizesse um vestido á sua aia que era uma escrava moira chamada Isabel que o Rei tinha captivado n'uma guerra com os moiros. O alfaiate olhou para o corpo da escrava e nào foi pre- ciso mais nada, dizendo á rainha: Amanhã lh'o trarei prompto. Adrairou-se a rainha da pressa, mas no dia se- guinte mais admirada ficou quando elle o trouxe por que assentava no corpo também que era uma maravilha. Mandou logo fazer um de damasco para ella dizendo : «Amanhã pagarei tudo.» Elle trouxe-lh'o e a rainha lhe perguntou quanto lhe devia ao que elle lhe respon-

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deu: cNada me deveis.» Ella entSo abriu um cofre que tiuha, todo d'ouro e pedra* rica», cheio de jóias de prata e d'oiro e de tudo que havia de riqueza e lhe diss»»: «To- mae d'ahi o que < ' : » elle viu ura punhal de cabo

de marfim, todo i > de brilhantes e foi isto que to-

mou. Estava para se ir em boa paz quando entrou o rei que vendo alli no quarto da rainha um desconhecido ti- rou da espada para o matar e elle defendeu-se com o pu- nhal. O rei cresceu para elle e este deu-lhe uma punha- lada que o fez cair redondo ao chSo. A rainha e a aia principiaram de gritar; accudiu toda a gente do palácio. Liogo que viram o rei choio de sangue, prenderam o cri- minoao e o rei mandou-o logo alli despir e açoitar. Des- piram-n'o da cinta para cima e lhe tinham dado mui- tos açoites quando a rainha disso: cNao batais mais; este si;^nal que ella t^m nas costas é o signal qu? o meu filho tinha. «Perguntem quem é o pae d'este homem já» disae o rei. Correram por toda parte quando depois de dois dias veio um creado com o moloiro que contou o suc- cedido o «para prova ainda aqui trago o caixSo.» Des- embrulhou e o rei disso então quo ello era sou filho e morreu. Elle ficou governando o reino de seu pae até que de tanto chorar cegou. Procuraram-se remédios o me- aicos por toda a parte o nada lhe dava vista. Foram a uma fada o ella disse que s<S quem fosse muito loncre bus- car a baba do passarinho azul que estava ei-^ la na arvore mais alta do mundo; que havia de ^ m e filha de reis. Foram muitas virgens, mas o passari- nho voava, até que Isabel lembrou -se d'ir também ; foi e logo que chec^ou ao sitio viu o passarinho e subiu á

d'um bal-

uxn Isabel

a baba a palácio e untou com olla os olhos do rei e elle

logo viu. Casou com ella e houve bodas que duraram

muitos dias. Viveram sempre muito felizes o acabou.

(Erpadanedo.)

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XXXIII

HISTORIA DO GRÃO-DE-MILHO

Era uma vez uns casados e não tinham filhos. A mulher tanto pediu a Nossa Senhora que lho desse um filho ainda que fosse do tamanho d'um greiro de milho, que ao fim de nove mezes ella pariu um filho, mas tão pequeno, tão pequeno que era mesmo do tamanho d'um greiro de milho. Foi-se passando tempo e o pequeno não crescia nada, de sorte que ficou sempre do mesmo ta- manho.

O pae era lavrador e, quando andava a trabalhar no campo, era o Grão-de-milho que lhe ia levar o jantar n'uma cesta; mas como era tão pequeno ninguém via o que fazia correr aquella cesta pela rua abaixo. O pae recommendava-lhe que não se chegasse para o dos bois; mas uma vez que elle tinha ido levar o jantar ao pae, a brincar trepou para cima de uma folha de milho e um dos bois, pensando que era um greiro de milho, lambeu-o com a lingua. O pae quando quiz voltar para casa por mais que o procurou não deu com elle, mas tanto chamou que por fim ouviu responder que o boi o tinha comido e estava dentro da tripa. O pae ficou mui- to afflicto e matou logo ali o boi e começou a procural-o nas tripas, mas por mais que procurou não o encontrou até que deixou ficar tripas e tudo. De noite um lobo, attrahido pelo cheiro da carne, veiu e comeu as tripas do boi, e deitou a fugir. O lobo teve umas grandes do- res de barriga e o Grão-de-milho começou a gritar-lhe: «C. . . aí, c. . . aí!» Mas o lobo ouvindo isto teve tanto medo que mais fugia, e não podia obrar. O Grão-de- milho continuava a gritar. aC. . . aí, c. . . ai!» até que o lobo tão atrapalhado se viu que fez as suas necessida- des.

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O GrSo de Milho, logo que saiu para fora, lavou-se muito bem lavado n'uma pocinha que ali estava e foi por ali fora. No meio do caminho encontrou uns almo- creres que levavam os machos carregados do dinheiro e disse-lhes (1)

Do repente saltam uns ladrões, matam os almocre- ves e levam oe machos com o dinheiro para uma casa que havia D'uns pinheiraes. O GrSo-de-milho, como ia mettido n'uni alforges, foi também sem ser pescado. Os ladroes despejaram o dinheiro em cima de uma grande meza e começaram a contal-o. O Gr3o-de milho poz-se debaixo da meza e começou a gritar: «Quem dé-reis; quem dé-reis.* Os ladrSes, assim que ouviram isto, ti- veram tanto medo que deitaram a fugir. Então o Grâo- de-milho ensacou o dinheiro, pôl-o em cima dos machos e foi para casa.

Quando chegou era ainda de noite e bateu á por- ta. O pae perguntou: cQuem esta ai?i e elle respon- deu: «Sou eu meu pae; abra depressa.» O pae veiu logo abrir a porta e o Grâo-de-milho contou-lhe então tudo, entregou-lhe os machos e o dinheiro e o lavrador que era pobre ficou muito rico.

(Bragança. J

{!) A pe0«oa a quem devo este conto nio se recorda do que (Jisse Griodemilho e do qae se devia legnir im mediatamente

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XXXIV

o príncipe sapo

Era uma vez um rei e não tinha filhos e tinha mui- ta paixão por isso e a mulher disse que Deus lha desse um filho antes quo fosse um sapo. Houve de ter um fi- lhinho como um sapo ; depois botaram ás folhas a ver 86 havia quem o queria crear, mas ninguém se animava a vir. O rei vendo que o sapito do filho não havia quem o queria crear annunciou que se houvesse alguma mu- lher que o quizesso crear lh'o dava em casamento e lhe dava o reino. N'Í8to ahi appareceu uma rapariga e dis- se: «Se vossa real magestade me o filho, eu animo- me a vil-o crear.» O rei disse que sim e a rapariga veiu crear o sapito. Depois passou algum tempo e elle foi crescendo e ella lavava-o e esmenava-o como se elle fos- se uma creança. Foi indo, e elle tinha uns olhos muito bonitos e fallava, e a rapariga dizia: «Os olhos d'elle e a falia não são de sapo.» estava grande, passaram-se annos e ella uma noite teve um sonho em que lho diziam ao ouvido que o sapo era gente, mas pela grande heresia que a mãe disse que estava formado em sapo, que se o rei lh'o desse para ella casar com elle que casasse e quando fosse na primeira noite que se fosse deitar, que elle tinha sete pelles e ella levasse sete saias e quando elle lhe dissesse tira uma saia, lhe dissesse ella : tira uma pelle. Assim foi e casou o sapo com a rapariga e na noi- te do casamento ella pediu-lhe quo tirasse ella as saias e ella foi-lha pedindo que tirasse elle as pelles e depois d'elle. as tirar fieou um homem. Ao outro dia elle tor- nou a vestir as pelles e ficou outra vez sapo. E ella dis- se-lhe : «Tu para que vestes as pelles? Assim és tão bo- nito e vaes ficar sapo.» «Assim me é preciso,' cala-te.»

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Eila assim noz a foi contar tudo á rainha, e

o rei mais ■■. disseram-lhe: «Quando hoje te dei-

tarias, diz lhe o mosmo e depois d'elle tirar as peties e estar a dormir, deixa a porta do quarto aberta que nós qneremol-o ir ver.» Foram-no ver e viram que elle era Ao outro dia o principe tornou a vestir as pel iO o pao ao outro dia disse-lho : «Tu, porque ves- tes as palies e queres ser foio?» «Eu quero ser sapo, porque o meu pao tem mào interior e se eu fico bonito impò^m a minha mulher.» O rei disse-lhe : «Eu não a \, mas queria que tu ficasses bonito. » Depois ram quo elle nSo queria deixar de ser sapo, pe- diram a ella que assim que elle adormecesse lhes trou- xesse as pelles para elles as queimarem. Eila assim fez, e elles botaram as pelles ao fogo aceso. De manhS vae elie para vestir as pelles e nSo as acha. «Que é das pel- les?» «Veiu aqui teu pae e tua mSe, e levaram-nas.» «Mfil h\ja» tu SM lh'a8 destes, mais quem te deu o con- selho. Adeus; se alguma vez mo tornnres n v^-r «l-í-tno nva beijo na bocca.*

A mulherzinha ficou; mas o rei o a rnumer que viram que o filho faltou puzeram-na fora da Ella, eoitaílii, r com que se tractar ; o qu«i era

do rei li ti<ou tava muito pobresinha. A todas

as pessoas que via perguntava se tinham visto um ho- mem assim o assim e lhe dava as noticias do princi- pe. Vieram por ondtí ella estava uns cegos e ella fez- lh''s a ( ^ (jog cegos di^^ » :

«Nós V im homem e certa ra

elle; estava botando fatias do p3o para traz das costas o diz<'ndo: pela alma do meu pae, p*^la alma de minha m.T": nela alma do minha mulher.» Ella disse-lhe a elles ^ lido tronam para essa bafida?» «Nós para o

fiiii > mez voltamoa para lá; havemos de passar

por esse rio.»

A mulherzinha apromptou-se e foi com elles. i íí- - pon p era o principe. Ella chegou ao d'ello e deu- !}>•< o l)eijo na bocca como elle tinha dito e disse-lhe :

84

«Ora vamos embora, que se acabou o nosso fado.»^E foram para casa e foram muito felizes e tiveram muitos alhos.

(Ourilhe.)

XXXV

os SAPAXraHOS ENCANTADOS

Era uma vez uma mulher muito bonita e dava esta- lagem e a todos os almocreves que iam perguntava se tinham visto uma mulher mais bonita do que ella. EUa tinha uma filha mais bonita do que ella e tinha-a fechada para ninguém a ver. Disse-lhe um dia um almo- creve:

Ainda agora ali vi uma mulher mais bonita a uma janella a pentear-se.

Ai! era a minha filha; pois vou mandar matal-a. E mandou dous creados matal-a a um monte e ella

disse-lhes que a não matassem, que a deixassem, que pro- mettia de não tornar a casa. Os creados tiveram d'el- la e deixaram-na. Ella foi indo e chegou a uma serra e viu uma casa; era noute; pediu se a acolhiam e não achou ninguém. Entrou para dentro e fez a ceia, e as- sim quH a acabou de fazer, escondeu-se; n'Í8to chegam ladrões que vinham de fazer um roubo e depois que vi- ram a ceia feita começaram a dizer:

Ai! quem nos dera saber quem é que fez a ceia. Se por ahi está alguém appareça.

E ella appareceu-lhes e contou-lhes a sua sorte, coi- tadinha, e elles disseram:

Agora não se afflija; ha do ficar comnosco e fa- zemos a attenção que você que é nossa irmã.

D'ahi por deante os ladrões iam para os seus rou-

Bo- bos e ella ficava sempre; elles estimavam-na muito e tractavam-na.

Ia uma velhota a casa da mSe d'ella, que andava sempre em recados por muitas terras e ella disse-lhe.

Vocc como anda por muitas terras, diga-me se viu uma cara mais linda do que a minha.

E ella disse:

Vi; vi uma rapariga que ainda era mais linda que você em tal banda.

Você quando vae para lá? Quero que lhe leve una sapatos.

£ deu uns sapatos á velha e disse-lhe: Levelh'os e diga-lhe que é a mâo que lh'os manda; mas ella que os calce antes de você do sair; ou quero saber de certo que ella os calça; olhe que eu pago-lhe bem.

A mulher levou os sapatos á filha; chegou e disse- lhe:

Aqui tem estes sapatos que lho manda a sua mSe. Ella disse-lhe:

£u nrio quero sapatos nenhuns; meus irmãos d2o-me quantos sapatos eu quizer; n.lo os quero.

A velha ateimou tanto com ella quo ella pegou n'el- les; calçou um, fechou-se um olho; calçou outro, fechou- se-lhe o outro olho e ella caiu morta. Dt^pois vieram os ladrr)>'8, choraram multo ao pc d'ella, lastimaram muito a morto d'ella e depois disseram:

ilsta. cara n&o ha de ir para debaixo da terra; lo- vemol-a n'um caixSo á serra do tal banda que vem o filho do rei á caça para elle ver esta âor.

Depois levaram na a esse sitio; veiu o filho do rei e vm-a e muito bonita e depois tirou-lhe um sa-

pato o i um olho, tirou-lhe outro, abriu outro

olh'i c ficou viva. E elle entSo levou-a para casa e ca- mn com oll " ■• -•■-i visitar a bêbeda da mSe e e6ta ain- da d<>])ois III loria mandar matar, mas d2o o con-

8«'|,'UÍU.

(Ourilhe,)

86

XXXVI

A ENGEITADA

Era uma mulher que tinha uma filha e uma engei- tada em casa. A engeitada era muito bonita o a filha muito mona; a mãe queria muito á filha e á engeitada atirava-lhe muito. Tinha ella uma vaca; mandava i' en- geitada guardar a vaca; dava-lhe um peso de estopa e ella havia de lh'o trazer fiado e dobado. Havia uma ra- pariga que andava no mente com ella e dobava-lhe o fiado nos braços. Um dia a rapariga assanhou-se com a engeitada e esta poz-se a chorar muito e a dizer que não tinha quem a ajudasse a dobar o fiado; n'isto appare- ceu-lhe uma mulher e a mulher disse-lhe:

O' menina tu que tens?

Tenho muito medo que minha ama me bata em chegando a casa; ella mandou-me dobar o fiado e uma rapariga que me ajudava a fial-o assanhou-se comigo e eu não tenho agora quem me ajude.

Olha, menina, não chores; anda cá; tu has de do- bar a tua meadinha nos chifres da tua vaca.

Ella não está queda, que é brava.

Ha de estar mansa.

E a mulher começou-lhe a dobar a meada em cima da cabeça da vaca. Ficou a pequena muito contente e disse:

Oh senhora ! se quizer que lhe alguma volti- nha, eu dou-lh'a.

Olha ; quero que me vás buscar um cantarinho d' agua.

Ella levou-lhe o cantarinho d'agua a casa e a mu- lher disse:

87

Abençoada sejas tu; quando tu fali ares pérolas fi- nas botes tu pela bocca fora.

A rapariga, se sabe, ia faltando pelo caminho e iaii: rio pérolas muito ricas pela bocca fora e ella

ia ;> do no avental.

Chegou a casa com a meada fíada e a mSe ficou muito contente com as pérolas e perguntou-lhe o que aquillo tinha sido; ella contou-lh'o e a mSe mandou a filha a ver se lhe succedia o mesmo. A filha foi, pro- curou a mulht*rzinha e disse-lhe:

Oh mulher! quer que eu lhe leve um cântaro d'a- gua?

Pois sim; vae por elle.

Ella foi, mas chegou á porta da cozinha e quebrou o cântaro e ella disse:

Amaldiçoada sejas; saramagos lances tu por a bo- ca fora quando fallares, que me quebrastes o meu cantarinho.

A r:> ' 'U a casa e quando fallava deitava

tarama^' i fora.

Soube-se que havia a rapariga que lançava as péro- las pela bocca fora o houve muito quem quizesso casar coro ella. Ajustou se casamento com um rapaz e os pacs combinaram que se havia de esconder a engeitada e apresentar a filha com as pérolas da outra na aba e di- ser que ella era muda.

Fez-s« o casamento e quando Iam para a egreja ia OBia voz em par do noivo e dizia:

«Pérola fina fica na cuba E o Saramago raa na burra».

Porque a engeitada tinha sido mettida n'uma cuba e a noiva ia n'uma burra. Depois o noivo disse:

£u vo'to para traz que vou muito encommodado receio deixar a menina viuva, te melhorar casaremos amanliA.

Ao outro dia yae a casa com a justiça e acha-

^ 88

ram a pobre da rapariga mettida na cuba. Esta contou tudo. Em termos que o noivo deixou a outra e casou com a engeitada.

{Ourilhe.)

XXX vn

o HOMEM QUE BUSCA ESTREMECER

Era um homem rico e tinha um filho que nunca es- tremeceu com nada. Dava-lhe o signo d'elle d'ir passar muitas terras e não seria timorato, nunca teria medo a cousa nenhuma. Disse para o pae: «Meu pae dê-me o que me pertence, que eu vou viajar.» Deu-lhe moço e ca- vallo e dinheiro; chegou -a uma terra; pediu se o acolhiam; disserara-lhe que não; que havia ahi uma casa rica, mas que a familia que não vivia lá; andava ura diabo es- toirando dentro das casas. Elle foi pedir á dona da casa se ella o deixava ficar; ella consentiu. Foi e tarde da noite ouviu dizer: «Eu caio.» Disse elle: «Cae para aí!» «Caio junto ou aos bocados?» «Cae aos bocados.» «Depois cahiu uma perna; d'ahi a bocado caiu outra e por fim caiu o resto. O rapaz disse: «Da parte de Deus te requeiro que te ponhas a e digas o que que- res.» Uniram-se as partes do corpo e ficou um homem que disse: «Eu sou o dono d'esta casa; possuía uma quinta alheia, que não me pertencia; se a minha mulher não a restituir, vou para o inferno e toda a minha fami- lia; se a restituir, vamos para o ceo.» O rapaz disse-lhe : «Pois eu digo-lh'o e estou certo que ella a ha de resti- tuir.»— «Na adega está também um caneco cheio de di-

-. 89

nheiro debaixo da cuba grando; vae buscar um ramo ã' ' :a eu o ir pôr.» O rapaz foi buscar um

r a e o mado foi o pôr na adega para bp sa-

ber Ulule edtava enterrado o dinheiro. Ao outro dia o ra- paz foi ter com a viuva e disse-lhe todo o transe como so passara e que restituisse a quinta aos pobres a quem lia pertencia, senSo vae o seu marido para o inferno e ;^da a «ua familia.» «Pois, Senhor, fico-lhe muito obri- gado.» Foram á adega e acharam no sitio onde estava o ramo d'oliveira o dinheiro enterrado e nos sitios onde o tal sujeitinho tinha deixado as pegadas estava quei- mado no chHo. A senhora disse-lho: «Ha de demorar-se até fazermos entrega da quinta aos sous donos.» Depois que isso fizeram, disso a senhora ao rapaz: «Eu do mim nSo tenho que lho dar, se quer a minha filha.» Elle disse: O meu signo dá-me d'andar ver muitas terras e eu quero ir solteiro para a minha terra. A filha disse: «Nós nâo temos nada que dar áquelle senhor; demos-lhe um casal de pombas fechadas n'um gigo. o Ello levou o gigo e caminharam. Chegados a certo sitio disse o crea- cío para o amo:» Oh meu amo! vamos a ver o que vae aqui ; elle, o quer que é, bole.» O amo pegou no gigo, vae a desatal-o e as pombas esvoaram-lhe por a cara e elle eetr< ' « para casa agradecerá tal senhora

o obsoqui ' com o presente que lhe quebrou

> e casou com a fiiha d'ella e depois voltou para a

(Ourilhe).

90

XXXVIII AS TRÊS LEBRES

Havia n'outro8 tempos um rei que tinha uma filha, que dizia que casaria com o homem que fosso capaz de inventar uma adivinhação que ella não adivinhasse. Correram ao palácio muitos príncipes e fidalgos, mas todos se foram sem que as suas adivinhações ficassem por adivinhar. Foi-ae passando muito tempo e estas noticias corriam por muitas partes, até que chegaram aos ou- vidos de certo aldeão muito esperto e elle ao saber isto dispoz-se logo a partir para o palácio, sem saber ainda o que havia do perguntar á princeza. Montou a cavallo, sem mais bagagem do que o seu livro de orações, e sem farnel de qualidade alguma. Durante o caminho teve fome, e sede, mas não havia ali em tal descampado nem comer, nem agua; então o aldeão, olhando, viu mor- to no chão um coelho, tomou-o, e depois de o esfolar, fez uma fogueira do seu livro de orações, assou o coe- lho, e comeuo. A sedo, era porém, cada vez maior; elle então fez correr muito o cavallo até que o suor lhe caia em bica; apanhou- o no seu chapéu e bebeu-o, e de- pois continuou a sua viagem. Chegado ao palácio viu muitos fidalgos, que perguntavam adivinhações^ á prin- ceza, e ella tudo adivinhava. Então elle depois de todos terem fallado levantou-se e disse;

«Comi carne sem ser caçada Em palavras de Deus assada; Bebi agua que não foi do ceo caída, Nem também na terra nascida.

Adívinhae agora, princeza, se de tanto sois capaz.»

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Eot2o a priucesa, disse qae pedia três dias para adi- Tinhar, pois era esta a que maiores voltas lhe havia fa- zer dar á cabeça. Ficou o aldeão no palácio á espera

,ae a prinoeaa adivinhasse; mas logo ao primeiro dia se :ui ter com elle uma aia da princeza que lhe disse : c£xplicai-me o que hoje perguntaste á princeza, e fazer- vos-h ' Mie me pedirdes.» Respondeu o aldeão: «Ex- plicai tudo d'aqui a três dias, se mo deixardes fi- car esta uuite no vosso quarto.» Disse logo a aia que Aim, e fez uma cama no chão para o aldeão dormir n'el-

i. Deitou-se o aldeão, e a aia julgando que ellejádor-

' 'ou-so também; mas logo que viu que cila esta-

.i, tirou lhe uma saia que ella tinha despida, e

saiu do quarto. No dia seguinte foi ter com elle outra

aia da priuceza, a quem succedeu o mesmo que á primei-

u. Finalmente, sem saber o que tinha sucedido ás aias, loi a princeza ao terceiro dia ter com o aldeão, e elle disse-lhe também o mesmo que tinha dito ás aias; mas em vez de tirar ama saia á princeza tirou-lhe o seu cham- bre de dormir que era de finas rendas. No quarto dia,

>go de manhã, foi o aldeão explicar a adivinhação ás aias á princeza; e á hora em que a curto estava toda reu- nida para ouvinm, a princeza respondeu logo: «A carne ■em ser caçada, em palavras de Deus assada, era um coelho que encontraste morto no caminho, e que assas- te DO teu livro das oraçjcs. A agua sem her da terra nas- cida, nem do céo caida, era o suor do teu cavallo.s «£' ▼erdado disse o aldeão.» Então o rei, lovantando-se, orde- ! oa ao aldeão que se fosse para a sua terra pois nada

ioIhi a esperar. Mas elle disse lo(;o. «Já que a princeza « tio íntelligente, peço-lhe que advinhe agora esta:

Quando n'este palácio entrei Trea lebres encontrei, Todas três esfolei; E as pellet d'ellas mostrarei.»

la para mostrar as saím dai aias, e o chambre da

92

princeza mas esta levantou-se logo e disse: «Basta, bas- ta, serás meu esposo, pois és o homem mais esperto que aqui tem vindo.

(Coimbra.)

XXXIX A PELLE DO PIOLHO

Era um rei que tinha uma filha que costumava ca- tal-o e um dia encontrou-lhe um piolho na cabeça e disse: «Mou pae e senhor, vossa magestade tem aqui um piolho.» Então o rei respondeu: crDeixa-o ficar, pois que- ro que elle cresça.» Cresceu tanto o piolho que nlo cabia na cabeça do rei ; e então este ordenou que se matasse e que da pelle se fizesse um tambor. Assim se fez, e então a princeza disse ao rei que mandasse reu- nir a corte toda, e toda a gente que elle quizesse, e que aquelle que adivinhasse de que tinha sido feito o tambor seria o seu esposo. Ora o rei andava com muitos desejos de casar a filha, e por isso acceitou logo a proposta, e deu ordens para que se reunisse muita gente; e que aquelle que adivinhasse de que tinha sido feito o tambor casaria com sua filha. Havia na corte um fidalgo de que a prin- ceza muito gostava, e que também se apresentou para adi- vinhar, e quando estavam muitos homens reunidos, chegou o rei e a princeza e perguntaram: «De que foi fei- to este tambor?» e mostraram o tambor que era levado por um velho creado do rei. A princeza então aproximou-se do fidalgo que amava e disse-lhe: «Pelle de piolho» mas elle não ouviu, e o creado que conduzia o tambor, como estivesse atraz da princeza, ouviu o que ella dizia; e en- tão aproximou-se do rei e disse: «Saiba vossa mages-

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hor foi feito da pello d'uin piolho.» £u-

i loíjo: a Adivinhaste, e como palavra de

1 !n a princeza.u Entílu, ella

tu ., ^'lU-so ao do velho e dis-

se-lht

i.^o cu casar comtigo, velho,

Ha de ser com tal tençSo,

De eu dormir em boa cama,

E tu velho n'e88e chão,

E tu velho se fallares,

lias- de levar com um bordSo.

Eu hei-de comer pão alvo,

E ta velho, de rolão,

E se tu velho fallares,

Ilasde levar com um bordilo.» Em vista d'Í8to o velho n3o quiz casar com a pria- ceza, e disse-lhe que casasse ella com o fidalgo; e assim

se fez.

(Coimbra.)

XL A MENINA E O FIGO

Uma madrasta tinha uma enteada muito linda e com

ns cabellinhos muito loiros; e costumava mandal-a para

quintal j^uardar um figo que tiuha na figueira, reco*

acndando-lho que nSo o deixasse comer pelos passares,

is 90 tal ?nr' desse, a matava. Um dia que a menina i.i.ik 1 i i ; i, veiu um passarinho e levou o figo no

.. A lu ; i ! r 1 t' riion a chorar, mas a madras- , i,\o n<' rdiiiiiiMvru ,• rui, rrou a menina no quintal. ; ado tempo nasceu uma roseira de toucar na sepultura . iionina. Ora a mestra que tinha ensinado a moaina

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a lor, notando a falta d'ella, foi ura dia a casa da ma- drasta e perguntou o que era foito da menina. A ma- drasta respondeu que não sabia, e mandou-a passear para o quintal com as outras meninas. Uma das meninas ven- do a roseira arrancou uma rosa, o ouviu vozes que di- ziam :

Não me arranques o meu cabello,

Que minha mãe m'o creou,

Meu pae m'o penteou,

Minha madrasta me enterrou,

Pelo figo da figueira.

Que o passarinho levou.

A mestra foi logo dar parte d'isto á justiça, e esta mandou cavar a terra e encontrou a menina ainda viva. Mandou prender a madrasta, e a menina foi para a com- panhia da mestra, e veio a ser muito feliz.

(Coimbra.)

XLI A MAGHADINHÂ

Um camponoz tinha uma filha, e casou-a com um ra- paz da sua terra. No dia da boda estando á mesa, os noivos, os pães e as mães d'elles, e muitos convidados, disse o camponez para a mulher: «Oh Maria, vae á ade- ga buscar mais vinho, pois quero fartar os nossos convi- dados.» Foi a mulher á adega, e ia-se passando muito tempo sem que ella voltasse. Então o camponez levan- tou-se da mesa e foi ver se tinha succedido alguma cou- sa á mulher. Chegado á ^dega, viu a mulher parada a olhar para uma machadinha que estava pendurada no

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tecto, e p«rguntou-lhe : cOh mulher! qao estáe tu ahi a fazer?» Responde-lhe ella: cOlha homom; estava a lem- brarmo que quando a nossa filha tiver pequenos, so ol- les pura aqui vierem brincar, que lho pode cair aquella machadinha na cabeça e matal-os!» «Dizes bem mulher; ai se tal succedia!* E ficou tambom a olhar para a ma- chiidinha. Vendo a noiva que o pae e a mSe não vinham foi ter com elles á adega, e perguntou-lhe o que estavam fa/. 'ndo ali. Entito elles responderam: «Olha, filha, esta- - I rnbrando que em tu tendo meninos, se elles \ I 11 iir I ar para aqui, que lhe podo cair aquella ma- chidinha na cabeça e matal-os.> >E' verdade, senhora mào, que pôde isso acontecer.» E ficou também a olhar para a machadinha. Pouco a pouco todos os con- vidados <] im á mesa, foram para a adega olhar para a u) lia.

Restava o noivo, que foi por ultimo, mas ao ver a doidice d'aquella gente, fugiu, em busca d'uma terra oudo nâo houvesse gente t.lo doida. Ao ch?gar a uma tt-Tia, viu muita gente a fugir, outros subindo para cima das arvores, e de muros, e outros fechando as portas e aa jaiu-llas, finalmente havia o terror o o medo por toda a parte; parecia o acabamento do mundo. O rapaz per- guntou enUlo o que era a causa de tantos modos como iam I ' " i terra; o responl '' •: que andava

ura ! > comia gente, e . uera se atrevia a

matal-o. U rapaz ao ver o bicho soltou uma gargalhada, txi:^ a causa do terror d'aquella gente nSo era mais do ita peru; e oífjreceu-so para o matar, sob condição « lhe darem mutto dinh"iro. Morto o peru recebeu o rap^iz grandes sommas de dinheiro c partiu para nutra terra. Ali andavam muitas mulheres, e croanças

raa ao sol. Elle então perguntou o que andavam : .<,

e responderam-lhe : que andavam a apanhar o sol para o levarem para casa, pois não entrava nem de verão nem do inverno. O rapaz respoudeu-lhe que ellas não eram capazes de apanhar o sol, mas que se lh'> pagas- sem bem, que ollo era capaz do Ih'o pôr dentro das ca-

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sas. As mulheres deram todas muito dinheiro ao rapaz e elle tirou-lhe algumas telhas dos telhados, e logo eílas viram o sol dentro das suas casas. Partiu o rapaz para outra terra, muito admirado do que tinha visto, quan- do se lhe depara uma mulher que estava enfeitando uma porca com muitos cordões de ouro, fitas e flores; e perguntou-lhe : «Para onde quereis mandar esse animal, que estaes enfeitando?» Ao que a mulher respondeu: «Saiba vocemecê que eu sou viuva, e que o meu homem fazia hoje annos, e por isso quero ver se encontro um portador para o paraiso, para lhe mandar esta porca, e esta bolsa de dinheiro.» Respondeu o rapaz: «Nunca vo- cemecê fallou mais a tempo, pois para o paraiso é que- eu vou.» A mulher entregou-lhe a porca e o dinheiro. O rapaz não cabia em si de contente com tanto di- nheiro que levava, e convencido que no mundo não havia gente de juizo, resolvia-se a voltar a casa da sua noiva. No caminho, porém, deteve-se por causa de mui- tos gritos, de ai, quem me acode ! quem me acode ! que ouviu e tendo-se aproximado do sitio d'onde partiam os gritos viu muitos homens deitados uns sobre os outros, e perguntou-lhes : « O que estão ai a gritar? por que não se levantam?» Elles responderam: «Estamos aqui ha três dias sem nos podermos levantar, pois não sabemos quaes são as pernas de cada um.» Respondeu-lhe o rapaz, queia fazer com que elles se levantassem, mas que lhe haviam de dar muito dinheiro. Elles logo disseram que todos lhe havim de pagar muito bem. O rapaz pegou então n'um cajado e começou a bater nas pernas dos homens, e el- les poseram-se a gritar: «Ai, ai, as minhas pernas!» e começaram todos a levantar-se. Depois deram muito di- nheiro ao rapaz, e elle voltou muito rico para casa da sua noiva, e mandou tirar a machadinha da adega; e viveu sempre muito feliz.

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XLII ESVINTOLA

Era ama vez um rei que tinha três filhas e depois <'■ u^t^ào á guerra e deu um ramo a cada filha o dis- ; iia» eu vou para a guerra, e so vós procederdes , estes ramos que vos entrego, entregar-m'o8-heÍ8 .í-.L-.oB como cu vol-os dou; e se vós tiverdes alguma de- sordem, eu logo o sei, porque os ramos scccam.i> Cami- nhou o rei para a guerra. Havia um conde ao do pa- lácio o tractou logo do conversar a filha mais velha; sec- cou-80 o ramo quo o pae lhe tinha entregado. N'Í8to co- meçou a namorar a chegante á mais velha e o ramo d'ella seccou também. Ficou a mais nova, e como as ou- tras lhe tinham raiva por ella ter o ramo como o pae lh'o deixara, tractaram de fazer quo o condo a seduzisse também e disseram-lhe um dia se ella ia ao pomar do condo buscar umas alfaces e ella disse: «£u encontro o conde; não voa.» «Olha vae; é a hora do descanço; ellc nHo está lá.» Elias tinham justo com elle as horas marcadas quo devia estar á espora no pomar. Ella foi e elle estava lá; lançou-lho a mão ao vestido; ella puxou, rasgou-o e foi-se embora.

Ao outro dia justaram outra vez com elle de es- tar c mandaram a irmít mais nova buscar um límJlo. Klla foi o o conde botou-lhe a mSo o caçou-a. Elle dis- e-lhe:— «Venha cá, menina, vamos a conversar um bo- ado. » E scntaram-se o ella disso-lhc: «Olhe que seria om ( í-tar um bocadinho ao fresco cora os pés descalços; eu lho tiro as botas?» «Eu quero tudo o que a Mser.B Ella tirou-lho as botas, quo eram demon- i; elle que ia a correr atraz

1) Caiu porque lhe embaraçavam os pés os canM das

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Chegou a casa e disse ás irmSs: «Tomae, que eu não torno lá.» cE porque não has de tornar?» oPor- que estava o conde e botou-me a mão, mas eu pa- guei-lh'a; tirei-lho as botas até ao meio da perna e elle caiu no canello.» «E's tola; elle é muito boa pessoa.» «Pois provae a bondade d'elle, que eu a não quero provar.»

Tornaram ellas a pedir-lhe para ella lhes ir bus- car um cacho d'uvas. «Não vou lá, que está o con- de.» — «Não está; não é hora d'elle estar.» Ella foi, chegou lá; o conde caçou-a e disse-lhe: «Menina, me fez duas desfeitas, mas agora não me faz outra.» «Eu não lhe fiz desfeita nenhuma; isto em mim foi a brincar; eu gosto muito da sua pessoa; até se quiser va- mos descançar.» Elle disse: «Eu acceito; veja onde a menina quer.» «Ha-de ser ali ao d'aquelle poço; mas olhe que eu da banda do poço não fico que eu sou muito medrosa.» O conde ia a deitar-se da banda do poço e ella empurrou-o e botou-o abaixo.

Foi-se embora e disse ás irmãs: «Tomae as uvas; e eu agora sempre arrumei com elle.» «Tu que lhe fi- zeste?»— «Botei-o ao tanque do quintal.»

As irmãs mais velhas foram tractar de fazer tirar o conde do poço. Elle estava muito doente com a queda e a filha mais nova passou-lhe á porta com um letreiro no braço que dizia: medico milagroso. Como o condo estava muito doente mandaram-n'a ir dentro e ella disse que lhe dava remédio, mas que era necessário que saísse a fa- mília toda do quarto e que ainda que ouvissem gritos dentro que não fossem que era ella a saral-o. Levava uma corda e disse ao conde: «Lembraste quando me puxaste pelo vestido que m'o rasgaste?» E deu-lhe uma tosa. «Lembras-te quando te eu tirei as botas?» Outra tosa. «Lembras-te, diabo, quando te eu deitei ao po- ço?» E deu-lhe outra tóaa. No fim saiu e disse ás pes- soas da família: «Eu cuido que elle ficou melhor, mas eu hei de voltar aqui á tarde e dar-lhe outro remé- dio que elle ha de aeabar de sarar.» E o condo gritou

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de dentro:— cNio venha, nSo venha, qae eu estou curado; paguem-lhe e mandem-n'o embora. Pagaram ao falao medico e elle foi-se embora.

Por úm o conde melhorou e o rei voltou da guerra; chegou a casa o disso-lhe a filha mais nova: «Meu pae, quer os ramos juntos ou cada um por sua vez?» «Que- ro-os cada um por sua vez, como eu os dei.v Ella mos- trou o seu ramo ao pae e depois passou-o ás outras que cada um» por sua vez o mostraram ao pae, que julgou vCt os três ramos e ficou muito contente por elles estarem verdes.

O conde foi pedir ao rei a filha mais nova e o rei disselho quQ sim; disse-o á filha e ella respondeu: cNSo, meu pae, não o quero.» «Filha, dei a minha pa- lavra: tu has de casar com elle. «Meu pae, nâo que- ro.» Por fim nSo teve remédio senão casar com o conde; mas cmquanto esteve o ajuntamento dos convidados a ^>ober e a jogar e a dançar, ella vae ao quarto em que lavia de dormir o pegou n'ura odre de mel e pôl-o na cama e .n' ma parte d'elle com uma corda fingindo

assim um ^\ e metteu-se debaixo da cama, segu-

rando a ponta da corda. Elle veiu-se deitar. Chegou den- tro do quarto e fechou a porta e disse: «Ora, D. Es- vintola, hoje é o teu dia derradeiro. Lembras-te de quando eu te rasguei o vestido?» E deu com a espada no odre, suppondo ser ella, e Esvintola por baixo puxava pela corda para assenar que sim, que se lembrava. Lembraste de quando me descalçaste as botas?» E ella assenava que se lembrava o elle dava no udre com a espada. «Lembras-te quando mo botaste ao poço? E olla aseenava que sim que se lembrava o elle dava-Ihe com a espada. «Lembra-te a ti, diabo, quando me deste a coça?» E ella assenava que sim o elle deu com toda a força no ôdro e o mel saltou-lhe aos beiços e elle exclamou:

«Ai! D. Esvintola, TSo brava na vida E tSo doce na morte!»

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E ella saiu de debaixo da cama e disse: «Ai! meu marido, aqui estou viva; perdôa-mo que se eu fosse tão tola não estava agora aqui.»

(Ourilhe.)

XLIII O CONDE DE PARIS

Havia um rei que tinha uma filha em edade de ca- sar, e tractou-lhe o casamento com o conde de Paris. Convidou o rei o conde um dia para jantar^ e quando estavam á mesa, o rei, a princeza, o conde, e a corte toda, começou o jantar que foi muito animado, fallando- 86 muito do próximo casamento da princeza. A' sobreme- sa deixou o conde cair um grão de romã na barba, e depois apanhou-o com o garfo e comeu-o.

Então a princeza disse que não queria ser sua esposa, pois que elle, em vez de deixar cair o grão de romã na toalha, o comia. O conde levantou-se da mesa, e jurou vingar-se, dizendo á princeza que ella o despre- zava por tão pouco, mas que ainda havia de comer pão de romeiro, beber agua de um charqueiro, e comer papas em palheiro. Passados dias foi oíferecer-se ao rei um preto para jardineiro, e logo foi acceite. Mas o preto tinha umas maneiras tão delicadas, e fazia raminhos tão bonitos, que offerecia á princeza, e taes artes buscou, que ella se ena- morou d'elle, e fugiram ambos. Pelo caminho disse a prin- ceza que tinha fome, e como alli não houvesse de comer, disse-lhe o preto, que se ella queria elle iria pedir um bo- cado de pão áquelle romeiro que viram no caminho; ella então comeu o pão e disse:

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Ai. conde de Pari»! cond) de Paris ! mde o preto : I onjue o n2o quiz?»

Foram mais adeante, o a princeza disse que tinha sede, e o preto respondeu que ali havia agua de um lameiro. A princeza bebeu, o tornou a repetir:

Ai, condo de Paris!»

E o preto respondeu :

«Porque o nSo quiz?»

Mais adeante disso o preto á princeza, quo tenciona- va ir V "r se o conde do Paris os queria adraittir ao seu serviço, quando mais nilo fosso ao menos na cavalhari- ça. Chegaram ao palácio do conde, e mandaram-nos re- colher em um palheiro, e o preto deixou a princeza só, e voltou muito tarde trazendo uma tassa grossa cheia de papasyi e disse á princeza que com muito custo as ar- ranjara. Entílo a princeza perguntou com que as havia do comer, o elle disso-lhe que com a mSo, e como nSo podia esperar pela tassa, quo as deitava na palha, e que as comesse cila de lá. A princeza como tinha muita fome comeu como ponde. Ao outro dia, foi o preto dizer Ih ^ que como era preciso que ella se empregasse em algjma coisa, que fosso ajudar amassar o pão; roas que visse em todo o caso se roubava alguma fari- nha pois aqiiclla gente nilo lhe davam comer que lhe apagasse a forae. A princeza, com muito custo, roubou a farinha, mas nSo tinha remédio senSo obedecer ao preto. Depois d'isto appareceu o conde de Paris muito bem vestido, e disse que era preciso revistar as mu- lheres para que não roubassem ellas alguma farinha. Como encontrasse a farinha á princesa, pozcram-n'* na rua com grande vergonha d ella e mandaram-n'a outra Te» para o palheiro. Foi o preto ao palheiro e ella contoulhe o succedido, e ello respondeulhe que ella não tinha geito para nada. No dia seguinte disse o preto á princeza, que estava para so bordar um ves- tido para uma princeza quo ia ser mulher do conde, © como ella sabia bordar quo se podia encarregar d'issO|

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mas que visse sempre se roubava algum bocadinho de ouro. Succedeu lhe porém o mesmo, que lhe succedera com a farinha. N'outro dia estando ella toda chorosa ap- pareceulhe o preto acompanhado do muitos criados e trazendo ricas toalhas, e bacias de prata e disse-lhe: que era preciso que ella se deixasse preparar, porque a mãe do conde desejava vêr o vestido antes da mulher do conde o vestir, e como ella era da estatura da dona do vestido, que era preciso que o vestisse para se vêr se estava bom. Emquanto a princeza se vestiu desappa- receu o preto; e depois, appareceu o conde, e disse á princeza, que o preto era elle, e que tudo quanto tinha feito era pelo grande amor que lhe tinha. Casaram, e viveram sempre muito felizes.

(Coimhra,)

XLIV

O príncipe das palmas-verdes

Era uma vez uma rapariga muito pobre que um dia foi a uma horta roubar umas couves; viu um buraco e levada de curiosidade metteu-se por elle dentro e foi dar a uma casa onde estava o mesa posta. Comeu á lar- ga e como o comer fosse bom, deixou-se ficar; á noi- te deitou-se, e depois de deitada veiu ter com ella uma pessoa que não viu.

Alli esteve bastante tempo, repetindo-se todas as noi- tes o mesmo, e um dia disse á pessoa que dormia com ella que desejava ir aonde a mãe levar-lhe alguma coi- sa de comer. A pessoa disse-lhe que fosse e que voltasse, que bastava chegar á porta do palácio para ella se abrir. Foi ella, e tendo contado á mãe o que se passara, esta

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dÍ88e-Ihe que voltasse e que para ver a pessoa quo com ella dormia, petiscapse lumo. Assim foi; mas quando ella

C)tÍ8cou o lume, a pessoa acordou e disso: «O diabo te ve, mais quem to duu o conselho que eu tinha o meu trienno (1) quasi acabado o tu viestel-o dobrar. Vae-te embora e leva o que trouxeste, com o fílho que tens de mim e, se algum dia quizeres saber de mim, pergunta pela casa do principe das Palmas-verdes.D

Foi ella procurar os fatos ricos que encontrou no pa- lácio, mas achou os farrapinhos que levara; tendo vergonha de ir aonde a m2e com o filho ao coUo, foi pe- lo mundo adeante pedindo esmola e perguntando pelo principe das Palmasverdes. Chegada a uma terra,

Serguntou á Lua pela casa do principe das Palmas-ver- es; mas ella respondeu-lhe que nSo sabia, que talvez o Sol que manda os seus raios mais longe o soubesse, e deu-lhe uma castanha que a quebrasse na maior afílic- çSo que tivesse. Perguntou ao Sol e o Sol disse-lhe que b2o sabia, mas que perguntasse ao Vento, que esse se mettia por todas as bandas e lho poderia dar noticias, 6 deu-lhe uma noz que a quebrasse na maior aíHicçSo que tivesse. Perguntou ao Vento, que lhe respondeu : «Se eu o sei?! Ainda esta noite lhe bati á janella do

2uarto d'elle. Até elle se arrenegou bem commigo.a Insinou lhe o caminho e deu-lhe uma bolota que a que- brasse na maior afQicçSo que tivesse.

A mulher foi á terra do principe das Palmas-vcrdes e tendo chegado pediu uma esmola e perguntou a uma creada se o principe estava; a croada respondeu-lhe que elle tinha ido para a caça e que estava para casar, tendo a noiva em casa. Emquanto a creada lho foi buscar a esmola, quebrou ella a castanha : saiu-lhe uma roca d'oiro e uma estriga d'oiro; a creada chegou e viu aquella riqueza, foi aonde a ama e disse-lhe: cOh senho- ra ! sempre a pobre tem uma riqueza ! ella está a fiar

(1) Trieimio; o tempo polo qnal andava encantado o per- wnagÚB que ftillaTa.

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oiro, tem fuso, massaroca e roca tudo d'oiro». iVae e diz-lhe se ella te quer vender isso». A pobre respon- deu: «Eu não lhe vendo isto que lh'o dou se me deixar ir ficar no quarto do principe das Palmas-verdos». A dama ficou malcontente com isso e disse: «Não quero». «Minha senhora, deixe-a ir que eu dou uma bebida a beber ao principe que elle adormece e não que está a pobre no quarto». Assim fez. A noite a creada deu uma bebida ao principe e logo que elle adormeceu levou a pobre e metteu-a no quarto. Esta pegou no filho e deitou-o ao do principe e toda a noite esteve di- zendo:

aPrincipo das Palmas-verdes, Não te lembres de mim ; Lembra-te de teu filho, Que o tens ao de ti».

De manhã a creada foi buscar a pobre para fora do quarto e levou-a para um curral. A' tarde a pobre esta- va muita afílicta e quebrou a noz que o Sol lhe dera e saiu-lhe uma dobadora, meada e novello, tudo d'oiro. A creada que isto viu foi-o dizer á dama que quiz com- prar essa riqueza ; mas a pobre disse como na véspera que lh'a dava se a deixassem ir ficar no quarto do prín- cipe das Palmas-verdes. A' noite a creada deu uma be- bida ao principe e logo que elle adormeceu levou a po- bre e metteu-a no quarto. Esta pegou no filho e deitouo ao do principe e toda a noite estava dizendo :

«Principe das Palmas-verdes, Não te lembres de mim ; Lembra-te do teu filho, Que o tens ao de ti.»

Ao outro dia a pobre, de cada vez mais aflíicta, que- brou a bolota e sahiram-lhe uns parrecos d'oiro; e a creada foi-o dizer á dama e a pobre disse que os dava

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86 a deixassem ir ficar no quarto do príncipe das Pal- mas-yerdes. Ora um creado do príncipe, que dormia por baixo do quarto d'olIe, contou-lhe que havia duae noites que ouvia uma voz no quarto d'eUe dizer:

ucipe das Palmas- verdes ; .w..; to lembres de mim; Lembra -te de teu filho, Que o tens ao de ti > .

O príncipe disse: «Eu n3o sei d'Í88o; a creada.dá- me uma bebida para eu dormir bem, do modo que ador- meço á noite e acordo de manhS».

A creada á noite foi-lhe levar a bebida e o príncipe disse-lhe: «Dá me um biscoito que me fica muito mao gosto com isto que me dás a beber». Emquanto ella foi buscar o biscoito, o príncipe deitou fora a bebi- da para a creada julgar que ella a bebera.

Depois do príncipe estar na cama a creada fez en- trar a pobre, que repetiu as palavras do costume, que o esteve a ouvir um bocado, e depois disse-lhe : como foi isso? Tu como vieste aqui ter?» Ella contou-lhe tudo o que tinha passado e elle disselhe : <Despe-te e deita-te> e ao outro dia mandou-lho fazer vestidos para ella e mandou embora a dama com quem estava para casar e casou com a pobre.

(Otirilhe).

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XLV OS FIGOS VERDES

Era uma vez um rei que tinha uma filha doente que desejava figos verdes da figueira no mez de janeiro. O rei dÍBse: «Quem trouxer figo» verdes á minha filha se for moço casa com ella, se for velho dou-lhe bens.»

Constou isto por terras ao longe.

Havia uma mSe n'uma freguezia que tinha dous fi- lhos, um tolo, outro avisado, tinham uma figueira ao fim de uma casa onde havia ainda alguns figos em janeiro, mas que não eram bons. O filho avisado contou o desejo da filha do rei á mãe e diese-lhe: a Minha mãe, eu vou levar-lhe os figos n'uma cesta.» Foi por um caminho adeante e encontrou Nossa Senhora e ella perguntou-lhe o que elle levava no cesto; o rapaz respondeu-lhe: «Le- vo (com licença *) cornos.» Nossa Senhora disse: «Pois (com licença) cornos te nasçam.» O rapaz, pensando que levava figos chegou á porta do rei; este veio e o rapaz disse que levava aquelles figos que tinha no quintal. O rei pegou no cesto e foi a descobrir e viu (com licença) os cornos e mandou matar o moço.

Depois disse o irmão tolo á mãe que ia levar ao rei o resto dos figos que estavam na figueira e que demais ia saber do irmão. Pegou nos figos o tolo e levou-os. vae com elles no cesto; chegou ao meio do caminho e en- controu Nossa Senhora com o menino ao collo e ella per- guntou-lhe o que elle levava e o tolo respondeu que le- vava figos para a filha do rei. A Senhora disse: «Figos vos nasçam.» Disse elle: «Deixe dar um figuinho ao

(1) Este parenthese era dirigido pela narradora a quem a escutava.

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menino, coitadinho; é t2o bonitinho!» Deu o figo ao me- nino e foi para o palácio; os figos cada ves cresciam mais pelo caminho.

Chegou ao palácio e bateu á porta; veio o rei, pegou nos figos.

O rei como tinha dito que quem levasse os figos quo lhe dava a filha e como pãlarra de rei não volta atraz, fbi-se aconselhar sobre o caso, porque não lhe agradava o rapaz. Os conselheiros deram-lho o conselho que desse ao moço dois coelhos bravos e que lhe dissesse que os le- vasse para o monte e que os soltasse e que se elle nSo trouxesse os coelhos para casa ao sol posto que o man- dava matar. O tolo foi para o monte, soltou os coelhos e poz-se a chorar. Appareceu-lhe Nossa Senhora: «Vós que tendes?» Elle contou lhe o que o rei lhe mandara fa- zer.» Nossa Senhora deu-lhe uma gaitinha e disse: c To- ma esta gaitinha e ao sol posto toca-a que os coelhos vêem para dentro do sacco; tu ata-o e leva-os e, assim que quizercs mais alguma coisa, toca a gaitinha.» E de- pois d'isto perguntou-lhe: «NSo queredes mais nada?» t Queria ser tão bonito como o sol.» «E não queredes mais nada?» 4 Quero que quando metter a mão no bolso tire sempre dinheiro.»

Elle tocou a gaitinha; vieram os coelhos; metteu-os no sacco e foi andando. Chegou ao meio do caminho e encontrou dois homens que iam de mando do rei para o matar, se não levasse coelhos. Chegou o rapaz e o rei foise outra vez aconselhar o depois disse ao rapaz que escolhesse elle ou uma quinta ou dinheiro e o rapaz es- colheu dinheiro; comprou um cavallo e foi correr terras. Foi indo, foi indo ate que chegou a uma terra aonde es- tava um palácio e a filha do rei á janella. Disso cila para o pae: cQue lindo cavalleiro que acolá vem! ó lindo como o sol; quem me dera casar com elle!» O rei veiu chamar o cavalleiro e disse-lhe que a filha queria casar com elle. «Sim, caso com a vossa filha se me deixardes dormir esta noite com ella.» O rei assignou e elle foi fi- car com a filba; quando era meia noite tocou a gaitinha

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que lhe tinha dado Nossa Senhora e diase: «Quem en- trou aqui?» Respondeu-lhe uma voz: «Foi um estudante. » Pela manhã disse ao rei que ia á terra e que depois vol- tava para casar com a filha d'elle. Foi indo e chegou a outro reino, onde a filha do rei também quiz casar com elle, que pediu para ficar com ella aquella noite. A' meia noite tornou a tocar a gaitinha e perguntou quem ti- nha entrado e a voz respondeu que tinha sido ura preto. Foi- se embora d'ali, até que chegou ao palácio do rei aonde tinha ido levar os figos. A filha quiz casar com elle; nào o conheceram; elle pediu a mesma coisa e á meia noite tocou a gaitinha e perguntou quem tinha entrado e a voz respondeu que ninguém. E elle casou com aquella princeza.

No dia do casamento o rei faz uma boda e convidou 08 outros reis todos para irem ao jantar. Foram também as duas princezas com quem elle tinha ficado da ir ca- sar e os pães d'ellas começaram de clamar contra elle. Elle pegou e disse que casava com ellas mas que pri- meiro que haviam de ouvir o que ia dizer. Metteu a pri- meira n'um quarto e tocou a gaitinha e perguntou quem entrou e a voz respondeu que tinha sido um estudan- te; á segunda da mesma maneira e a voz respondeu que tinha sido o preto; á filha do rei a que elle tinha levado 08 figos a voz respondeu que ninguém e elle casou com ella.

(Foz do Douro.)

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XLVI

O RETRATO DA PRINCEZA

Era uma vez um príncipe que nSo achava mulher que lhe agradasse. Um dia foi a uma feira e viu o retrato d'uma menina tão lindo, tâo lindo que mal pôde imaginar- se; perguntando de quem era, responderam-lhe que era da princeza do tal, mas elle custou lhe a crer que houvcbse uma dama tilo formosa. Logo quo chegou a palácio disse a el-rei seu pae que casaria com a princeza do quem viia o retrato. Tractou se do casamento, que foi feito por procuração e o principe antes de levar a noiva para o palácio, quiz vcl-a sem ser conhecido; disfarçou-so e foi a umas cavalhadas quo houve por aquella occasião e a que a princeza havia de assistir. Quando a princeza chegou com a sua companhia, o prin» cipe perguntou qual das damas era ella e disseram-lhe que a noiva era uma muito feia que ia na frente; elle fi- cou sem pinga de sangue o quando chegou o dia da noiva ir para a sua companhia, uito a quiz ver. Tudas as noites quando se ia deitar apagava a luz o levanta- va-se antes do amanhecer para nílo lhe vêr a cara. An- dava a princeza por isso muito triste, mas n<1[o se quei- xava a ninguém. Um dia em quo ella estava no jardim foi uma pobre pedir-lho esmola e disse-lhc: «Eu bem sei & causa da vossa tristeza; mas posso dar-vos remédio, 80- quizerdes tomar os meue conselhos.» A princeza disse que sim e a pobre no outro dia voltou ao jardim e disse á princeza que fosse com ella a um sitio onde o principe tinha uma quinta. Chegados que foram ao portão, a pobre mandou dizer ao principe se lho dava licença para pas- sear na quinta com uma filha que andava muito doente e a quem os médicos mandavam tomar ares. O principe

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deu a licença e quiz ver a doente, mas ficou maravi- lhado quando viu que a doente tinha a cara exacta do retrato da feira.

A princeza voltou no dia seguinte e por conselho da pobre pediu ao principe um copo d'agua d'aquella fonte de neve, pois talvez lhe déase saúde. O principe mandou vir um rico copo que encheu de agua e lhe oííareceu; mas ella, quando lhe ia a pegar, deixou cair e feriu um no vidro. O principe ficou muito afflicto por ella se ter ferido, pois estava deveras apaixonado; mas a princeza disse que aquillo não valia nada, que o peor era ter quebrado o copo; pediu mil desculpas e foi-se em- bora encostada á velha.

Quando o principe á noite se foi deitar ainda com peores modos para a princeza, e tendo-lhe chegado a um pé, ella disse:

«Ai meu ferido. Em fonte de neve, Em copo de vidro.»

O principe, julgando que ella dizia aquillo por saber do que se tinha passado na quinta, disse que não se im- portasse com o que ello fazia; mas ella continuou a re- petir as mesmas palavras, até que elle accendeu a luz e conheceu que a princeza era a doente da quinta. Ella então disse-lhe que a dama feia que elle tinha visto nas cavalhadas era uma aia sua e que o tinham enganado, pois que o retrato que estava na feira era realmente d'ella. O principe ficou muito contente, não sabendo nunca que a velha fora quem tinha quebrado o encanto que trazia feia a princeza.

(Coimbra.)

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XLVII O PREÇO DOS OVOS

Era ama vez um rapaz que foi embarcar nSo sei agora para onde; chegou a uma estalagem; perguntou se havia que comer; a dona da estalagem disse-lhe que nSo tinha BonSo ovos cozidos e elle respondeu-lhe: cPois po- nha cá um vintém d'elle8.i> Comeu os ovos; deu-lhe um pinto para ella trocar; ella disse-lhe que nSo tinha tro- co: fl Quando você por aqui passar me pagará.» O ho- mem embarcou. Dava elle sempre uma esmola na terra para onde foi pelas almas do purgatório e se via o diabo pintado ao das almas dizia: c Pelas almas que me ftjudem e tu diabo que nem me ajudes, nem me estor» ves.i Passados alguns annos voltou elle á terra e passou aonde a estalajadeira e disse-lhe: «Oh mulher! vou-lhe pagar uma divida que lhe devo.» E ella disse: «Que di- vida é?> Respondeu: «Quando eu fui que embarquei, comprei-lhe um vintém d'ovos e nSo lh'os paguei.» £ ella disse: «Ah! você cuida que me paga com um vin- tém oa ovos? Eu vou-lhe mandar fazer a conta. Seis 0T08 eram seis gallinhas que punham ovos. . . » e man- don-lhe assim fazer a conta que botava a uns poucos de centos de mil réis. O homem nSo trazia tanto dinheiro; D&o trazia com que lhe pagar: foi para a cadeia. No dia em que haviam de lhe dar a sentença apparecou-lhe um homem ás grades da cadeia e disse-lhe: «EntSo tu nSo tens quem te acuda? Olha que hoje ds tantas horas é aae tu éê sentenciado; mas eu appareço para te de- fonder.» Assim fez; e depois chegou ao tribunal muito sujo e eniarrafuscado da cara o o juiz disse-lhe: «Você nlo se podia lavar antes d'aqai chegar?» E elle disse: «Saiba V. S.' que eu estive a Msar umas poucas do

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castanhas para semear n'um souto.» E a mulher da es- talagem, como lampeira, disse: «Oh homem! castanhas assadas dão castanheiros?» E elle virou-se para o juiz e disse-lhe: «Este homem não deve; esta mulher queria fa- zer-lhe pagar por pintos seis ovos cozidos; póde-o pôr na rua.» O juiz assim fez. O advogado era o diabo.

(Ourilhe).

XLVIII O SENHOR DAS JANELLAS-VERDES

Certo rei tinha uma filha que muito desejava ver casada ; para esse fim tinha mandado vir ao palácio mui- tos prineipes para que a princeza escolhesse o que mais lhe agradasse; mas ella não se agradava de nenhum e dizia que casaria com o senhor das Janellas-verdes, que tinha os cabellos e a barba d'ouro e os dentes de pra- ta. Mandou o rei procurar por toda a parte o tal senhor, mas não foi possível encontral-o.

Passaram-se annos e o rei sempre esperando pelo se- nhor das Janellas-verdes, Um dia que elle estava á janella do palácio viu passar uma carruagem cora janellas ver- des e cortinas da mesma cór e com dois lacaios também vestidos de verde. O rei mandou parar a carruagem para ver quem ia deutro, mas qual não foi a sua alegria quan- do viu dentro o senhor das barbas e cabellos d'ouro e dentes de prata ! Chamou logo a princeza e perguntou- Ihe se era aquelle o senhor das Janellas-verdes; ella dis- se que sim, mas logo se encheu d'uma tristeza que a todos causou admiração.

Então o senhor das janellas verdes disse: «Eu sei que ha muito me procuram para casar com esta prince-

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za e por isso aqui estou o desejo que se faça o caBamen- to o maia breve possível.»

Fez-se logo o casamento e o senhor das Janellas-ver- des partiu para as suas terras com a princeza. A car- ruagem em que iam parecia que voava, ora atravessan- do maltas, tapadas, ora passando por pontes e estradas e a princeza sompro triste. Chegados a uma floresta mui- to sombria lovantou-se tal tempestade que os raios caiam em grande quantidade e parecia que saiam da terra la- varedaB de fo^o. Á princeza toda assustada gritou com todaa as forças: «Jesus, Jesus, valei-me, Jesus, valei- me. » E logo cessou a tempestade e ao mesmo tempo desappareceu a carruagem, os lacaios e o senhor das Ja- nellaa-verdes, porque elle era o demónio em pessoa, e lo- go que ouviu o nome de Jesus fugiu para as profunde- zas do inferno.

A princeza, ao ver-se em tal descampado chamou por Nossa Senhora e prometteu-lhe que se alli fosse al- guém que a salvasse havia de andar um anno sem dar uma palavra. Foi sentar-se junto de uma arvore e logo viu chegar um principe que vinha caçar áquelles sitios, o qual assim quo viu a princeza lhe perguntou :

«Quem vos deixou aqui só, sujeita ás tempestades, e sem receio quo vos façam mal?»

A princeza nSo respondeu, pois começava a cumprir a promessa que fizera a Nossa Senhora. O principe fez- Ihe varias perguntas e, como visse que nSo respondia, convericeu-se quo eila era muda e lovou-a para palácio.

Tractou o principe de ir indagar por varias terras se conheciam a princeza, mas não conseguiu saber nada. Assim se paasou um anno e ao fim do anno o príncipe sentia grande paixão pela princeza, desprezando certa condessa com quem tinna o casamento tractado.

Exactamente quando fazia um anno que a princeza viera para palácio, mandou o prmcipo que a vestissem com os factoB mais ricos quo se podessem encontrar.

Depois d'ella assim vestida, veio vel-a a condessa a quem o ciumo e a inveja consummiam e diiae-Ihe:

a

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«Olha a muda, mundona ! Que trage ! que dona ! » Respondeu-lho a princeza :

«Olha a condessa, que inveja ! Que eu fallo nâo deseja.»

Foi logo a rainha a correr participar ao principe, seu fílho, que a menina tinha fallado. Então o principe pediu á princeza que lhe contasse a sua historia toda, o que ella logo fez. E o principe escreveu ao rei pae da princeza, participando-lhe como a encontrara e que ia casar com ella, pois a amava muito pela sua rara for- mosura. Casaram-se e viveram muito felizes e a condes- sa foi posta íóra do palácio.

(Coimbra.)

XLIX A BICHA DE SETE CABEÇAS

Era uma vez um homem que vivia com uma sua ir- mã em muito boa amizade; vem uma d'uma vizi- nha e disse-lhe: «Você aqui cheiinha de trabalho e seu irmão para ali a comer na venda mais uma amiga.» «Não diga tal; isso é falso.» A vizinha veio para onde ao irmão e encontrou-o a roçar mato e disse-lhe : » Você aqui mortinho de trabalho e sua irmã em casa com um amigo a comer bons bocados.» O irmão chegou a casa; vestiu-se com o fato melhor, pegou n'uma espingarda ás costas e levou três carneiros, três broas de pão e três vinténs em dinheiro, que dinheiro não tinha mais. Pelo caminho pegou nos carneiros e no pão e deu tudo a um pobre que encontrou que era Nosso Senhor e elle lhe fez

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doa CArneiros três cSes que filavam a tudo que encontra- vam. Era muito feliz na oaça; todos os caç:*'lores o cha- mavam para irem á ca^ oom elle.

Um dia cbugQU a um monte e estava L uma rapa- riga e aaaim que o viu disso-lhe: «Fuja, meu tio, que vem a bicha do sete cabeças e mata-oo,. «Que bicha será eaaa a que ou não posso atirar?» «É uma bicha que todos os caçadores teem andado a ver se a podenx matar e nSo a matam e ella todos os dias come uma peMoa que vem ao monte, se lhe cae a sorte n'ella. Eu era filha do rei e caiu-me a sorte.» Ello disse: <N3o tenho medo; eu hei de matal-a que trago aqui três c3es que filam a tudo. > N'i8to chegou a bicha que a duas léguas de distancia se ouvia rugir.

Chegou a bicha e elle assogou-lhe os c3es o raatou-a. Depois então a menina disse-lhe: «Venha commigo que ha de ter um grande premio de meu pae, que até disse que se algum homem matasse a bicha me dava a elle em casamento». «Eu agradeço, mas nHo quero». «En- tão venha commigo quo meu pae dá-lhe um grande pre- mio». «Eu não preciso de nada d. Ella então tomou um annel douro o deu-lh'o e elle acceitou-o.

O homem foi á bicha e cortou-lhe as linguas das se- te cabeças e embrulhou-as no lenço, que metteu no bolso.

Isto constou por toda a parte e como o rei tinha da- do a palavra que dava a filha a quem matasse a bicha, um preto que soube d'Í8to foi ao monte, cortou as cabe- ças á bicha e foi com ellas ao rei, dizendo que tinha morto a bicha e que lhe dósse a filha. «Minha filha não teos remédio senão casar com o preto». «Meu pae quem matou a bicha foi um homem muito bonito que tinha três cães e disse que não queria o premio, nem casar commigo e até eu por lembrança lhe dei o meu annel». «Não tens remédio senão casar com o preto, pois, elle é quem trouxe as cabeças.»

N'Í8to estava o casamento preparado e o homem que matara a bicha andava no monte á caça com uns caça- dores o ostos t;ontarani ouft a filha do rol ia casar Com o

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preto, e disseram: «Que pena aquelle ladrão ir casar com aquella rapariga.» O homem: «Então que casamento é esse?» «Foi am preto que matou a bicha de sete cabe- ças e o rei tem de dar a filha, como promettera, a quem matasse a bicha. A pobre menina diz que não foi o pre- to que matou a bicha e todos os dias reza a Santo An- tónio que lhe depare o homem que matou a bicha.»

O homem calou-se e ao outro dia caminhou e foi a casa do rei. Chegou e disse que queria fallar a sua magestade; o rei, como estava embebido com o casamen- to do preto, não lhe quiz fallar. O homem repetiu outra vez o pedido e disse que, se elle não lhe queria fallar, que ao menos lhe fallasse a princeza d'uma janella sa- cada, que elle ia por causa da bicha das sete cabeças. N'isto o rei que soube que o homem que ia a troco da bichinha, mandou-lhe dizer que lhe fallava e appa- receu mail-a filha e esta apenas lhe botou os olhos disse: «Oh meu pae! aqui está o homem que matou a bicha.» Então disse o rei: «O que me contaes da bicha? Como é que aqui me appareceram as setes cabeças da bicha?» «Como a bicha tinha seto cabeças devia ter sete línguas e ellas aqui estão.» O rei desembrulhou o lenço e viu as linguas; foi ver as cabeças e não lhe viu nenhuma; man- dou matar o preto e disse ao que matou a bicha: «En- tão ahi tendes a minha filha». «Real Senhor, eu agra- deço muito; mas não quero casar». «Pois, emfim, pedi o que quizerdes que eu tudo vos dou». «Real Senhor, eu nada preciso que tenho aqui três cães que faço quanto eu quero, entro onde quero, vou onde quero e acabo o que quero.» O rei então deu-lhe uma medalha e as maiores honras da sua corte.

(Ourilhe).

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O príncipe com orelhas de rurro

Era uma vez um rei que vivia muito triste por nSo ter filhos e mandou chamar três fadas para que fizessem com que a rainha lhe desse um filho. As fadas promet- teram-lhe que os seus desejos seriam satisfeitos e que ellas viriam assistir ao nascimento do principe. Áo fim de nove mezes deu a rainha á luz um filho e as trcs fadas fadaram o menino. Â primeira fada disse : cEu te fado para que sejas o principe maia formoso do mundo.» A segunda fada disse: cEu te fado para que sejas muito virtuoso e entendido. * A terceira fada disse : «Eu te fado para que te nasçam umas orelhas de burro.» Fo- ram-se as três fadas e logo appareeeram ao principe as orelhas de burro. O rei mandou sem demora faz«;r um barrete qtte o principe devia sempre usar para Ih > cobrir as orelhas. Crescia o principe em formosura e i nguom na corte sabia qun elle tivesse as taes orelhas d burro. Che^^ou a edade **m quo elle tinha de fazer a barba, e entào o rei mandou chamar o seu barbeiro e disse-lhe: «Farás a barba ao principe, mas se disseres u Iguem que elle tem orelhas de burro, morrerás.»

Andava o barbeiro com grandes desejos de contar o quo vira, mas, com receio de que o rei o mandasse ma- tar, calava comsigo. Um dia foi -se confessar o disse ao Sadre: «Eu tenho um segredo que me mandaram guar- ar, mas eu se não o digo a alguém morro, e se o di- go o rei manda-me matar; diga padre, o que eu hei de fazer.» Responde-ihe o padre quo fosse a um valle, que fizesse uma cova na terra e que dissesse o segredo tan- tas veses até ficar aliviado d'esse peso, o que depois ta- passe a cova com terra. O barbeiro assim fez; e, depois de ter tapado a cova, voltou para casa muito descançado.

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Passado algum tempo nasceu um canavial onde o barbeiro tinha feito a cova. Os pastores quando alli pas- savam com os seus rebanhos cortavam canas para fazer gaitas, mas quando tocavam n'ella8 saiam umas vozes que diziam: o Príncipe com orelhas de burro». Começou a espalhar-se esta noticia por toda a cidade e o rei man- dou vir á sua presença um dos pastores para que tocas- se na gaita; e saiam sempre as mesmas vozes que di- ziam: «Principe com orelhas de burro». O próprio rei também tocou e sempre ouvia as vozes. Então o rei man- dou chamar as fadas e pediu-lhes que tirassem as orelhas de burro ao principe. Então ellas mandaram reunir a corte toda e ordenaram ao principe que tirasse o bar- íete; mas qual não foi o contentamento do rei, da rainha e do principe ao ver que não estavam as taes orelhas de burro! Desde esse dia as gaitas que os pas- tores faziam das canas do tal canavial deixaram de dizer: «Principe com orelhas de burro.»

(Coimhra.)

LI PEDRO E PEDRITO

Havia n'outros tempos um principe chamado Pedro que tinha um irmão de leite chamado Pedrito. Viviam os dous como se fossem verdadeiros irmãos e tinham ju- rado valerem sempre um ao outro nos trabalhos que a sorte lhe destinasse. Pedro estava para partir para um reino extrangeiro para se ir casar com certa princeza muito formosa que havia muito lhe estava destinada para esposa. Pedrito devia acompanhal-o, mas como desejasse mais ir por terra do que por mar pediu a Pedro que o

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deixasse ir su i^uu olle estaria no dia do casamento. Partiram, Pedro por mar e Pedrito por terra. tinha Pedrito caminhado bastantes léguas quando lhe anoite- ceu e TÍu-se obrigado a ficar no caminho debaixo de umas arvores para descançar aquella noite. Mas mal se tinha deitado quando ouviu umas vozes saidas das arvo- res que lhe diziam: «O principe Pedro vae casar com a princesa de tal, mas desgraçado d'elle, pois a princeza ao paaaar por certo rio ha de pedir agua e, se lh'a de- rem e eila beber, morrerá.

Quem isto ouvir e contar £m pedra se ha de tornar. (

Pedrito ao ouvir isto apressou a jornada na intenção de ir avisar o principe, n^ receando, para salvar a prin- ceza, tornar-so em pedra. Durante todo o caminho foi ■empre ouvindo as mesmas vozes que lhe diziam: a A prinoesa ha de passar por uma ponte; ella a passar e a ponte a cair.

Quem isto ouvir e contar £m pedra se ha de tornar.»

perto da terra da princeza ouviu Pedrito as mes- mas voses que lhe diziam: «Â princeza ha de ter somno pelo caminho e ha de pedir para descançar; mas em- quanto ella dormir ha de ter mordida por uma serpente e alli mesmo morrerá.

Quem isto ouvir e contar Em pedra se ha de tornar.»

Chegoa Pedrito ao palácio e logo tractou de avisar o principe Pedro das grandes desgraças que esperavam a princeza; mas qual nSo foi o seu espanto ao verem que ao passo que Pedrito ia contando o que ouvira pelo cami- nho se ia transformando em estatua de pedra.

Foi grande a d5r de Pedro, quo tractou logo de man-

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dar chamar muitas fadas e alguns sábios para que lhe dissessem a maneira do tornar Pedrito ao que elle era. As fadas disseram a Pedro que com o sangue d'elle derramado sobre Pedrito o podia tornar em homem. Pedro cortou um dedo para salvar o seu irmãío, mas ao mesmo tempo que Pedrito se tornava em homem ia-se Pedro transformando em estatua. Pedrito logo que isto viu foise ter com certa feiticeira para que lhe valesse em tal afflicçào. A feiticeira disse-lhe entào: alrás a tal sitio onde ha um pateo que tem uma entrada guardada por um leào; tirarás a chave da bocca do leão; entrarás no palácio e verás uma bicha de sete cabeças; então ma- tal-a-has; mas, toma cautela, não a mates pelas cabeças, porque ao passo que lhe cortes uma cabeça logo outra lhe nascerá e isso é muito perigoso para ti; mata-a pelo pescoço, colhe o sangue d'ella e o deitarás por cima da estatua de Pedro e elle voltará á vida.»

Saiu-se Pedrito muito bem d'esta empresa e o pre- mio que ganhou foi casar com uma princeza, irmã de Pedro, sendo muito felizes.

(Coimbra.)

S. JORGE

N'outros tempos havia um homem que era casado mas que não tinha filhos e isto lhe dava motivo de grande desgosto. Tinha elle por costume ir pescar para se dis- trahir de suas penas. Succedeu que um dia lhe viesse na rede um peixe e quando lhe ia tocar disse-lhe o peixe: «Não me mates.» O bom homem tornou a deitar

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o peixe na ar^ua, mas no dia seguinte succedeu-lhe o mesmo quando foi pescar. Passaram-se três dias e ao fim d'elles tornou o mesmo peixe a apparecer na rede e en- talo disse ao pescador: «Matame, e faz do mim seis pos- isj duas dal-as-has a tua mulhor; duas á tua égua e as outras duas onterra-as atraz da porta do teu quintal.» Fez o homem tudo quanto o peixe )he disse e ao fim

> nove mezes a mulher deu á luz dois meninos; passado -mpo a égua teve dous formosos cavallos e atraz da porta

> quintal nasceram duas lanças, que significavam que i dous meninos haviam de ser guerreiros.

Chegados que foram os meninos á edade em que ha-

iam de servir o rei, chamou-os o pae odisso-lhes: «Ide,

-rvír a pátria e sede valentes guerreiros; aqui tendes

)is bellos cavallos e duas lanças que nunca devem

quebrar. >

Partiram os dois irmãos e o mais velho, que se cha- mava Jorge, disso ao mais novo: «£ mister que nos se- paremos 6 ao fim de um anno havemos de rounirmo-nos para contar os nossos feitor. Aqui tens este ramo de man- jericão; quando o vires murcho vae á minha procura, pois ó porque eu corro porii^o. » Separaram-se os dois ir- m2oa; Jorge foi assentar praça e o outro foi correr ter* ras.

Chegando d corte ouviu dizer que havia grande terror D'aquella terra por causa d'uma grande bicha do sete cabeças que vinha muitas vozes á cidade e tinha ma- tado muita gente e ató s^ rooava que ella fosso ao pa- lácio do rei. Até aquello dia nHo tinha apparecido ainda qaem fosse tão destemido que se atrevssse a luctar com tal dragSo; apesar do rei t^r mandado annunciar que qaem lhe apresentasse uma das cabeças da bicha casa- a com a pnnceza sua filha. Jorge disse entio que se >ous o ajudasse iria matar o dragSo. Foi confiado na ivina providencia esperar que a bicha saisse da mata r^<^ habitava o depois de luctar com oUa cspetou-lhe a :;. i no pescoço e logo a bicha espirou á sua vista. Apregoou-se este feito na cidade e logo o rei ordenou

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que fosso Jorge á sua presença que o queria nomear ge- neral das armas e dar-lhe a sua filha em casamento.

No entanto andava o irmão de Jorge de terra em terra em busca de aventuras e um dia notou que o ramo de manjericão estava murcho e foi logo ter á terra onde estava Jorge, pois receava que elle corresse perigo. Che- gado lá logo o encontrou e elle lhe contou tudo quanto tinha passado e como o rei o queria fazer general e dar- lhe a sua filha em casamento, e disse-lhe mais ainda: «Meu irmão, tu sabes perfeitamente que eu em virtude dos votos que fiz não posso casar-me; vae pois tu ter com o rei, apresenta-lhe esta cabeça que é uma das sete que tinha a bicha que eu matei e como tu és muito parecido commigo o rei julgará que sou eu e dar-te-ha a sua filha em casamento, e depois d'isto concluído di- rás ao rei que me faça general, pois desejo ganhar fama pelas armas.» Tudo assim se fez e Jorge fez taes faça- nhas pela pátria e foi sempre tão virtuoso que mereceu depois da sua morte ser canonisado.

(Coimbra.)

Lm

os SIMPLÓRIOS

Era uma vez uns pães que tinham três filhas faltas da pinha; vinha um rapaz que queria casar com uma d'ellas, mas nem o pae nem a mãe queriam que ellas fat- iassem para lhe não conhecerem a toleima. Disse uma deante do namorado: «Oh fulana! o caldo vae-se». Disse a outra: aTira-le o telo e mete-le a toler». «Disse mi- nha mãe que não fallasses tu.» Depois disse elle: «Pois

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bem, temos entendido; estou ao facto de quem vocês &2o; adeus; eu vou-me embora.»

A mãe ficou zangada e um dia levou as duas filhas que fallavam mais mal o deixou a que fallava menos mal em casa, para fallar a um namorado que tinha o disse-Ihe: Olha ahi vem um rapaz para te vêr e tu pSe uma ro- çada grande na roca e pSe-te a fiar para elle se agradar de ti e se elle disser: «Oh que rica fiadeira!» tu dize: Eu d^eetas despejo sete ao dia.»

A rapariguinha assim que a mãe saiu pousou a roca; foi á adega; trouxe uma infusa de vinho de meia canada para comer umas sopas; fel-as n'uma tijclla grande e n'Í8to chegou o rapaz. Assim que elle chegou e disse: «Adeus, menina» disse ella: «Olhe que eu d'e8ta8 des- pejo sete ao dia.» Elle disse: «Será da sua cuba, que não da minha.» £ foi-se embora.

Depois ao deante fallou-se n'outro casamento com um ue era pouco mais fino que ella; ajustou-se tudo e um ia elle veio buscal-a a casa para se ir receber. Em- quanto a noiva se foi preparar, elle deu volta e achou um porrSo com mel; metteu-lhe um dedo o lambeu; achou doce; metteu a mão toda e não a pude tirar; cha* maram>n'o que a noiva estava prompta e elle vae para a egrcja com a mão mettida no porrão. Chegou á egreja; o padre pcrguntou-lhe se era vontade d'elle ca- sar e elle disso que devia sor ha muito. cPois então dô-me a sua mão direita». <E Tuccmecr> não remedeia com a esquerda?» «Vocô tem a direita quebrada?» cNão, senhor, mas está occupada». «Deixe ver. Olhe; isso, faça assim» e o abbade abanou com a mão. O outro assim fez e bateu com o porrão na cab«>yn do abbade; este gritou «aque d'elrei» e houve grande barulho e des- manchou-se o casamento.

(Ourilhê).

l

124

LIV

O PRETO E O PADRE

Era uma vez um padre que tinha ura preto por crea- do e mandou-lhe um dia lhe preparasse uma gallinha para o jantar. Cozeu o preto a gallirjha e vae que fez? Comeu-lhe uma perna e arranjou-a de maneira que o amo não desse facilmente por isso; mas o padre notou que faltava uma perna á ave e disse ao creado : «Tu comeste uma perna da gallinha?» «Não, meu senhor, não comi; ella era assim, tinha uma perna.» «Qual perna, nem meia perna! Tu pensas que eu sou asno?» «Oh se- nhor padre ! andam alli por o quintal muitas outras gal- linhas que teem uma perna; quando eu vir alguma hei de chamar o meu amo.» «Pois sim.»

Uma occasião viu o preto uma gallinha com uma perna encolhida e gritou logo: «Oh senhor amo! está uma gallinha com uma perna só.» O padre acudiu e enchotou a gallinha: «Chó, gallinha!» A gallinha ex- tendeu a perna e o padre disse: «Oh tractante! tu que- res fazer de mim burro?» «Não, senhor, não quero; mas o senhor padre não disse á gallinha que estava na mesa : chó, gallinha ! »

Um dia o padre mandou fazer ao preto umas papas para que estivessem promptas quando elle voltasse de dizer missa. O preto fez as papas, mas quer a farinha fosse pouca ou que elle lhe deitasse muita agua as pa- pas ficaram muito ralas. O preto pega em si, vae para o coro da egreja e cantou de lá: «E de papa in papa é de rala in rala. » Virou-se o padre para traz e cantou !

Vae atraz do cancellinho Que está o PhilippinTio Para fazer bastioné mea.

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O Philippinho era o saco da farinha o bastionc mea •ram as papas. O preto entendeu e foi fazer as papas.

(Oliveira do Douro.)

LV

O MENINO ASSAFROADO

Era uma vez um rei que era casado, mas nào tinha filhos, o quo fazia com que ello e a sua mulher vivcesem muito descontentes. Pediam constantemente a Deus quo lhe desse um filho o sabendo quo havia uma velha de grandes virtudes mandaram-na chamar a palácio para lhe pedirem quo rogasse a Deus que os ouvisse. EntSo a velha disse lho um dia que a rainha havia de ter uma reança, mas que se essa creança fosse menino, quando isso homem seria tão mao que faria a desgraça de seus aes, e que se fosso uma menina teria sorte, mas quo ( iilhessem elles o que queriam. O rei disse que antes , i na nma menina, pois em sendo mulher havia do sa- ! ' I „';;ir(lal-a, que nâo lhe succedesse nenhuma desgra- ça. 'i>^\-o a rainha uma menina e logo o rei mandou uma ama para uma torre com a menina. Alli nSo viam nin- guém, nem saiam fora, porque o rei guardava as cha- ves da torre. A menina foi crescendo o perguntava á ama: cN2o ha mais mundo do que este? nilo ha mais gente do quo nóe?t A ama respondia-Ihe sempro quo nSo. a menina estava como uma senhora, e o desejo do sair da torro era cada vez maior. Um dia por aca- so levantou uma ponta da alcatifa do quarto ondo dor- nia o viu um buraco no chSo, por ondo saia muita cla- idado; a menina, cheia de curiosidade, fez o buraco

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maior, metteu-so n'elle e viu logo uma escada; desceu a escada e foi ter a um lindo jardim; chegada ao jardim, viu outra escada; subiu-a e foi ter a um palácio; depois entrou e foi dar a um quarto muito asseado, que tinha uma cama, também muito asseada. Como a noite chegas- se e ella tivesse somno, deitou-se na cama e adormeceu. O quarto e a cama pertenciam a um conde, e elle, á ho- ra do costume foi-se deitar e encontrou a menina na cama. De madrugada emquanto o conde estava a dor- mir, a menina levantou-se e foi-se para a torre. O con- de levantou-se mais tarde e foi ter com a mãe e disse- Ihe: 1 Minha mãe, não sabe? quando hontem me fui dei- tar encontrei uma menina muito linda na minha cama, mas foi-se de madrugada sem que eu desse por isso». Respondeu-lhe a mãe: «Olha, filho; é muito provável que ella volte e por isso põe uma campainha na porta de for- ma que quando ella sair toque a campainha e tu accor- des e vai seguil-a para ver para onde ella vae. » A noite a menina foi outra vez deitar-se na cama e o conde poz a campainha na porta, mas ella quando de madrugada se levantou tirou-a e levou-a, sem que o conde dés»e por tal. Foi-se elle ter outra vez com a mãe e contou-lhe o succedi- do e ella respondeu-lhe: «Esta noite porás á porta uma ba- cia cheia de agua de assafrão; a menina quando sair hade molhar a anagoa e depois deve deixar a casa molhada por onde passar e por este rasto é que tu has de saber para onde ella vae. »

Fez o conde o que a mãe lhe ensinara, mas a meni- na quando molhou a anagoa na agua de assafrão, em vez de a levar de rastos, levantou-a para não molhar o chão. A menina não voltou ao quarto do conde e elle an- dava muito apaixonado. Passado tempo a menina teve um menino muito lindo, que vestiu com uma saia feita da anagoa que tinha molhado na agua de assafrão e a que poz ao pescoço a campainha que tinha trazido do quarto do conde e foi metter o menino na cama delle, sem que ninguém desse por tal. A noite o conde encon- trou lá o menino e foi ter com a mãe e disse-lhe: «Mi-

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Ilha mSe, encontrei este menino na minha cama.» Ella minou a saia assafroada e a campainha e disse-lhe: «Níio ha duvida quo é teu filho e deves creal-o».

Quando o meiiino chegou áedade do tr<>s annos mandou o conde a um creado que levasse aquelle monino a mui- tas terras e fosse dizendo: cQuem quer ver o menino as- âafroado?» e que se visse que alguma mulher se commovia -: ! que reparasse bem n'ellae Ih 'o viesse dizer. Ora > levava vestida a saia assafroada o ao p*>scoço a ha.

L'ado correu muitas terras, mas nSo viu nenhuma mulher commover-se. o conde ia perdendo a esperan- ça de encontrar a mSe do seu filho, quando, indo um dia ao palácio do rei, este lhe disse: c Conde, ouvi di- zer que tens um filho muito lindo; admira que ainda nSo o trouxesses a palácio. Respondeu-lhe o conde : < Eu nSo sabia que vossa magestade desejava ver meu filho, mas visto isso amanhS o mando.» Ora o rei estava bem longe de saber que a filha que estava na torre era a m&e do menino e tinha dito um dia para a rainha: <E melhor mandarmos vir a nossa filha para palácio, pois ella agora n2o se perde.» Â princeza tinha vindo para palácio. Chegou o creado do conde com o menino e o rei gabou muito a creança e chamou a rainha e a filha para o virem ver. A princeza quando viu a crean- ça commoveu-se muito o fez-lhe muitas caricias, dizen- do: c \i meu menino assafroado!» N3o escapou isto ao creado que foi logo dizer ao conde: c Saiba, senhor con- lo, que a princeza é a mSe do seu filho.» Ficou o con- de muito contente e foi logo a oorrer a palácio e disse ao rei: «Então vossa magestade gostou de meu filho?» O rei respondeu: c Gostei muito». sPois saiba vossa ma- gestade que eu lhe venho pedir a mão da princeza sua nlha.» <0h conde! attreyes*te a tanto?» cAttrevo-me porque a princesa é a mie de meu filho. > O rei chamou a princeza o sabendo a verdade casou-a com o conde o foram muito felizes.

(Coimbra.)

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LVI O RABIL

Havia um lavrador muito rico que tinha um creado muito fiel, de quem confiava todos os haveres que pos- suia. Entre os bois da manada que o creado guardava havia um chamado Rabil, que o seu dono muito estima- va e ura dia para experimentar a fidelidade do creado disse o lavrador a uma filha que tinha que fosse ter com o creado e lhe disse que se elle matasse o boi Rabil ca- saria com elle. Ia a rapariga varias vezes ao campo ter com o creado e como ella fosse muito alta e muito formosa o rapaz ia sentindo grande paixão por ella. Um dia disse-Ihe ella: «Se queres que eu case, comtigo mata o Rabil.» Elle respondeu: «Senhora, ainda que eu morra por não casar comsigo, nunca mataria o Rabil, pois é o boi que seu pae mais estima.» Disse a rapariga: «Mas mata-o e diz a meu pae que elle appareceu morto.» «Tal nunca farei.» A final tanto a rapariga teimou e tal paixão ia sentindo o creado que estava quasi resol- vido a matar o Rabil. Dizia elle para eomsigo: «Como farei isto? Mentindo a meu amo commetto um peccado e dizendo-lhe a verdade não me deixa elle casar com a filha; vamos a ver se eu sou capaz de matar o Rabil e de dizer a verdade a meu amo. » Então pegou no capote e no chapéu do amo, poios em cima de um pau para fingir o amo, poz-se em frente e disse :

«Senhor meu amo.

Pernas altas e cara gentil

Me fizeram matar o boi Rabil.»

Depois de repetir isto três vezes, disse: a Nada, eu não mato o Rabil; antes quero morrer de paixão pela

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^^ 1 i n !i nio.» Quando acabava de

' .1- ijiji ir •(• 'u-lh'^ O amo quo tinha «ca-

tado a escutar e dig8«*lho: cjá que tantas provas me ten» d. ido da tua fídelidadi* has do casar Cuva minha fílha e o K tbil hoi de mandalo matar para ser comido no dia da boda.» E as8Ím se arranjou o casamento do creado com a Cara-gentil.^

(Coimbra).

LVII PATRANHA

Kra uma vrz um homem, caseiro d'um fidalgo ; tinha * ' e outro quo^í^studava para padr^; o fidal- o muito sm;co o o caseiro nito tinha as nio- ra lho dar; dí«S"-lh'í o fidalgo que s-^ olle lho uma mentira do tamanho do Padro-No^so lho p rdoava as medidas. R«>8pondeu-lhe o caseiro: «Eu te- filh«) quf' ostuda cm mentiras; (>u hei de ver m f>m rn««i «i/nn livro em quo haja mentira í8o, » F<ii o cafliMro para casa :: , _ . . 10 filho que estudiva para pa-

dre te dl(> sabia alguma mentira do tamanho do Padre-

Nopfo; r ' " 3 livros nito tinha' encon-

tríulf) Ih 1 o tolo qn« nt» «invin d'í>!»o

rii <i. Talvez darei; diga o meu pae quo tom.» cE o '• -o que disso quo me perdoava as m~ '" ' -^ -"' uma m*'ntira do tamanho do P;i Wf maâ o t4su irmSo nHo a cncoutra nos livros.» Foi o

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tolo ter com o fidalgo e disse-lhe : «Meu pae nSo é tão pobre como se finge ; tem uma cerca que lho rende qua- trocentos carros de pao e em redor da cerca tem uma ce- Iha de abelhas e foi um dia para contar os cortiços e não 08 poude contar, mas contou as abelhas; depois faltava-lhe uma ; n'uma mata foi-a encontrar a ser comida por dous lobos ; não tinha senão os quartinhos e elle atirou-lhes com um cutello que levava ; não poude chegar ao cutel- lo; veio a casa; levou lume e queimou a mata para os lobos fugirem e apanhar o cutello; mas o ferro queimou- se e ficou o cabo ; foi d'alli ao ferreiro para lhe fazer outro cutello e elle era vez do cutello fez-lhe um anzol ; foi com elle aos peixes e depois saiu-lhe debaixo da agua um burrinho preso por um beiço, com canastra e tudo; elle montou o burro e foi-se procurar os quartinhos da abelha ; espremeu os quartinhos o cada um d'elles lhe deu uma pipa de mel; não tendo em que o botar metteu a mão no trazeiro do burro e envasilhou o mel: co- mo o burro ia tenro da agua criou mataduras e o casei- ro foi ao alveitar com o burro; o alveitar mandou-lhe deitar farinha de favas e elle em vez de lh'a deitar dei- tou-lhe favas inteiras : nasceu-lhe um faval no burro e um melão e quando o ia para partir com um machado, o machado caiu-lhe dentro do melão ; desceu abaixo pa- ra apanhar o machado ; encontrou um homem que lhe disse andar alli havia oito dias á busca de dous bois apostos a uma grade ; que se fosse embora e não fosse tolo. Meu pae botou um escadão ao burro e subiu d'elle ao céo, onde estão todas as cadeiras dos fidalgos a de v. exc* não.» O fidalgo disse-lhe: «Mentes, ladrão.» «Então estão as medidas de meu pae perdoadas. .

(Ourilhe).

131

Lvm

MARIA SILVA

Andava um dia um príncipe á caça n'uma certa ma- ta o ouviu chorar uma croança; ello aproximou-sc do si tio d'onde vinham os vapidos e ouviu uma voz que di- zia :

«Procura, procura

Que a que chora ha de ser tua.»

Então o principe riu-se d'aquella3 palavras e disse : Veremos se isso ha de acontecer.» Depois procurou, procurou, Bt& que encontrou uma croança que brincava na relva; tomou-a do chUo, marcuu-a na testa com um ferro em brasa e cortou-lhe o dedo luinimo da mSo di- reita e foi deital-a em uma silva. A creança tinha sido abandonada por sua mãe, por isso ninguém mais a pro- curou.

Havia n'aquclle8 sitios um pastor que levava as ove- lhas a pastar entro as silvas. Quando recolhia as ovelhas faltavalhf^ sempre a cabra melhor do seu rebanho; de- V ' """ voltava a chamal-a; olla ia, mas no dia seguin- lialhe a mesmo. Um dia disse ello para a mu- lher: -' ' sabes V desconfio da nossa cabra mal- tez, poi- Mipre entro as silvas o ú preciso chamal-a muito para elia vir.» EntUo a mulher no dia seguinte foi espreitar a cabra e viu-a deitada no chJlo dando de mammar a uma creancinha. Como a mulher nSo tivesse muito CO '!<> achado e o pas- . o crcará «se fosse sua fiJha. A iiKMuna foi crescendo e, depois que morreram os pas- tores, foi olla para creada d uma princeza que estava para casar. Ora o principe, noivo da princeza, ia muitaa

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vezes ao palácio e tendo visto um dia Maria Silva sentiu grande paixão por ella; mas ao r<iparar que ella tinha uma manilha na testa o que lho faltava um dedo na mâo direita lembroa-se do que tinha foito a uma creancinha que uma voz Ih'; tinha dito Ih" havia de pertencer. En- tão o principo resolveu fazer uma coisa muito má. Com- prou três anneis de oiro muito ricos e presenteou com elles as três creadas da princeza e disse lhes que aquella que ao fim de três dias não lhe apresentasse o annel morreria enforcada. Depois recommendou ás duas crea das que fizessem com quR Maria Silva perdesse o annel, que as havia de premiar bem.

As creadas taes traças empregaram qu3 fizeram com que o annel de Maria Silva caisso ao mar, mas Maria Silva não se aífligiu de o ver cair. No dia seguinte quan- do o pescador veiu trazer o peixe para o palácio, ella pediu ao cozinheiro que lhe deixasse amanhar o peixe e encontrou o annel no bucho d'um sável. No dia em que o principe veiu para vêr se todas ainda tinham os anneis, Maria Silva apresentou-se muito contento e o príncipe ficou maravilhado de lhe achar o annel que lhe dera, e bom assim, as outras creadas que tinham a certeza de lh'o ter feito cair ao mar. Então o príncipe perguntou á Maria Silva como é que ella para aíli tinha vindo, ao que ella respondeu :

rfN'uma silva fui achada; Por uma cabra fui creada ; Um pastor me educou E agora aqui estou.»

«'

Então o príncipe conlou-lhe tudo o qua lho tinha feito e diss.'-lhe que não casava com a princeza, pois era ella, a Maria Silva, que ia ser sua esposa.

(Coimbra.)

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LIX

O MENINO E A LUA

Era uma voz um pao que tinha um tilho quo doade nuuit" p-qnfnÍDO costumava ir para o alto d'um monte o! a lua. Um dia o pae foi t'»r coro elle o p<ir-

gu - para qu»* estava elle olhando para a lua. O

m^nÍDO rojpondeu : «E qii<? a lua ^«m-mc dito muitas ve- res que mou pae ainda me ha de querer d-itar agua nas rolos e ra recusar.» F(»i o pae para casa e contou á miiih 'r o qu<» o m^^nino lhe tinha dito e ella respondeu- Ih" : «Vijo qu'> o noseo filho qu'^r dizer qu^í nós ainda havemos de s<>r creados d'elle ; o melhor será d^^ital o ao mar». Foi o pae buscar um caixão, metteu o menino dentro e dt>itou-o ao mar. O caixSo andou ires di»i8 no ni ' ■; ter a uma t«rra muito lonjje e os pes-

ca ^ lo que n'oll*» houv.>s8'> algum thesouro, fo-

cara ieval-o ao rei. O rei mandouo abrir para ver o que tinha e vendo qao era um nn-iiino muito formoso disse que tomava conta dVlle e seria sen filho adoptivo.

IO rei educar o m'nino como se elíe fosso um quando eh"gou á edade de vinte annos d^u- íbo dinheiro para vijar com uma grande oompanbia de gent^, coroo lhe era dado. Ora o pae o a roãe do roeníno tinham cabido em pubr za a foram pôr uma estalagem em uma t»rra para gajihar para v'ver e tinham sempre |j^ri»níl*-8 n-morsos lo q\ie tinham feito ao filho.

('b";,'ou o princip»» com a sua companhia áquella ter- ra e foi hospedar-se »»m casa de seu pae, sen; que o co- nh'<o<'A8e. Ap<'nas alli tinha ch<^gado veiu logo o pae pa- ra deitar a^'ua nas mãos do pnncipM para f^lle se lavar; rosis o priíM.ipe r( cuson e o pa«« estremeceu. Knt.ío o priíjciji', n ''ando isto, j ilhe: «Porque é que es-

trMii (..-ti' ii;í.iii(1<i ini< i 'ii;k híih mnos?» O par»

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respondeu-lhe : cE que me lembrei agora de que tive um filho que so agora fosse vivo t«ria a vossa edade e que o deitei ao mar, porque elle me disse um dia que eu lhe havia ainda de deitar agua nas mãos para elle as lavar e elle recusar.» «Mas que tenho eu com o teu fi- lho?» respondeu o príncipe. «Nao tendes nada; vós sois filho de rei e eu sou um pobre estalajadeiro.» Foi o prin- cipe contar tudo ao rei e depois de muitas perguntas e respostas veiose ao conhecimento de que o príncipe era filho do estalajadeiro. Então este queria que o seu fi- lho fosse viver com oUo e com sua màe, mas o rei orde- nou que fossem elles para palácio, pois por sua morte o principe havia de ficar no legar d'elle, como rei.

(Coimbra.)

LX A PRINCEZA ABANDONADA

Eira uma vez um rei, que tinha uma filha. Um camarista do rei, tomou amores com ella. O pae, quando viu que ella andava gravida abandonou-a. Mandou-a deitar para uns campos e disse aos homens que a foram deitar, que lhe cortassem a lingoa e que lh'a trouxessem. Elles tiveram de lhe cortarem a lin- goa e como levavam uma cadella cortáram-lhe a lingoa e trouxeram-n'a ao rei. A princeza ficou nos campos, e teve um filho que foi creado das hervas do cam- po. Depois de o menino ser crescido pediu á mãe para ir passear; foi a tanta distancia que encontrou um ca- çador. Como nunca tinha visto homens fugiu para onde

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estava a mão e o caçador foi Bobro elle. Chegou ao da princeza e perguntou-lhe que vida era a d'el]a alli. Ella contou lhe a sua vida. ÈIlo disse- lho se queria ir com ollc. Ella disse lho que não, que queria ali acabar os «i'us (lias de vida. Somente o que lhe podia, era que fosse baptisar o seu menino. O caçador foi o baptisar. Depois ia visital-a todos os dias. E um dia disse-lho se

' i o atílhado ir com elle a uma feira. Na feira

)U ao afilhado o que queria que lhe comprasse, h ilio dÍ88" que queria uma espingarda e um cavallo. Todos os dias ia o principezinho á caça. Um dia foi á caça a tanta distancia d'onde estava a mãe, que avis- tou um palácio ondo morava um gigante, que matava toda a gente. O principe tinha um cabello no peito que " r. Beto voltas, e tinha sete forças de homem. O assim que o viu disse-lho ao queria ir brigar com elie, julgando que elle era um simples homem com forya egual aos mais, e que o poderia vencer. Depois de ir bri;;ar com ello o principe tinha-o quasi morto e o gi- gante dipfi<* Ih" qu ' o não acabasse de matar, e ensinou ura a!f;a{j;"t<) por «>ii<io o havia de deitar. Elle deitou-o para lá, tapou o alçapão, e foi buscar a mãe e trouxe-a para aquollo palácio. Disse-lho que lhe dava ordem de ir por todas as casas menos áquelle alçapão. Â mãe um dia tirou-so dos seus cuidados e foi ver o que estava no alçapilo. Viu o gigante quasi morto e foi lhe fazer um caldo e dar lh'o. O gigante assim que bebeu o caldo sal- tou para cima. Do dia estava fazendo vida com ella e quando vmha o príncipe ia para o alçapão. O giganto tractou d<i idear o modo de matar o filho. Disse para el- la,. quM 8/> fingisse doente e dissesse para cllo quo se não achava h<>:\ sem que fizesse uma fomentação com a ba- nha <Hnn ri] i de um porco espinho quo havia na quinta do / >, o elle como era muito amigo da mãe,

I " - a ir l)uaoal-a. Mas t-ra um porco espinho

t i , i IimI.í a gent?. (guando ia para pas- i <.<< /.'- í >f/A//. Estava uma filha do rei ája- ' '. - .1' {tae quo ia ali" '"n <-iivaIIiMro n'um ca-

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vallo branco, que ia muito apressado. O pae disso-lho que o mandasse subir. E o rei perguntou lhe o que ollo vinha fazer. O príncipe contou-lho a sua vida. E o rei dis8(; lho: «Bt^m sei, que andas illudido». Diz elle: «Não tem duvida, que é por a muita amizade qu ' eu tenho a minha mãe.» Eo rei disse-lhe: «Pois ontào vao» e dcu-lhe uma espada ferrugenta o uma ouchada. E disse-Iho que fizesse uma cova mesmo na cama do porco espinho e que mottesso o cavallo dentro da cova, e ellc que se po- zesse a cavallo. Quando o porco < spinho viesse quo so havia de deitar logo ao cavallo o ellc que lho esp<'tas8e a espada na cabeça. Elle assim fez. E depois abriu o porco espinho e tirou-lhf a banha esquerda e veiu-se em- bora com ella. "Veiu pela porta do Reà Sábio e a fiiha disse ao pai que vinha alli o mesmo cavalleiro que tinha levado a onchada e a espada. O pae disse-lhe que o man- dasse subir, e quando elle pousasse a banha do porco espinho na sala, que lh'a tirasse e pozesse uma outra de porco. Depois o principe veiu-se embora para o palácio, entregou a banha a mãe, e ella ficou muito contente, mas muito desconsolada de elle ainda não ter morrido. No outro dia o gigante tractou de idear outra cousa para ver se o matava. Disse lhe que não se achava boa, sem que bebesse ura copo àn agoa de uma quinta que tinha o Rei Sábio, e elle foi e passou á porta do rei sábio e a filha foi dizer ao pae que vinha outra vez o cavallei- ro do cavallo branco. O rei perguntou-lhe para onde elle ia; elle disse lho que ia buscar um copo do agoa para a mãe que estava muito doente. O rei disee-lhe que fos- se, quo havia de vêr dois tanques, um de agoa suja e outro de agoa limpa. Que não tirasse do mais limpo, mas tirasse do mais sujo; mas que se aviasse depressa por- que o portão d?, quinta em dando moio dia fechava-se e quem estava não sahia. Elle assim fez. Depois quan- do vinha para casa, passou á porta do Rei Sábio e a filha foi dizer ao pai que estava alli o cavalleiro do cavallo branco. O pae disse-lhe que o mandasse subir, quan- do elle pousasse o copo de agoa na sala que lh'o tro-

137 -

i :. .1880 aquollr C pOZ088'' OlUrO. IMI.-l 18SO li'Z.

( . para f»!lo, quu bi>ra sabia que A\n andava

illu<iidu, e que se al^^uma vez 8f» vwso afflicto quo dia- Besâo á mJe, que o fizesse em quatro quiirto» ** quo o embruthass'" n um lençol de linho e o pozoBS" em cima c- '!o, o que d<'itas8t'm o cavallo ao ds^stino. O prin-

> ou ao palácio, e o gif;í'-nte como visso qu<i elle

. tinha morrido, dssc pnra ella qu*- lho diases- Ê .. , que 8*» nito achava boa sem eom«T unia laran- ja da quint ' do Rei Sabw. £11'> quando la para pas- so» á porta do rí^ «nbio; a filha disso ao pae, que ia ali passando o eavall«'iro do cavallo branco. O pae disso-lho que o n. subir. O r*') *>>u Ih»^ aonde elle

ia. E el' h qu'5 ja b«l^ i laranja, para a

mâc que estava doonín. E o rei disse-lhe qu"» íosh*', mas qn hnv r. d > vêr uma laran£çeira carr -{tada de laranjas mu fi 111 M'iira«. e outra carregada de laranjas muito

iihaase das n' iirae, que

; S. i" que se li.^ : i88c pOf-

qne cm dando meio dia t** ft^ch iva o portão da "{uinta e ;U<'m láestivossfjá nKo sabia. O princip- apanhou uma laranja das nnais verdes, e quando vinha a sair fechou- !- H d'»'lle. Qiiando voltava para

i por caea do liei Sulio. E a

estava á janeil» e disse ao pae que vinha o ca-

* iro do cavallo branco. O pi" mandou o subir, e dis-

6 '.\i' que quando elle pousass* a laranja na saleta que

T'

ifí pjif» Hinua nào ter morrido, e òihm» .o.ia de arranjar iuimediatamente nianeii

morrer. Disso á mh que tractasse de arranjar modo ,! ( ; ir ' " qu** «He tinha no peito. A II. rn ell-, que d^itass^ a cab«Çíi

no c(.li«> d'<*lla. 1 hou a dormir loi «-om

unia thusoura e c: -io. Elle quando sentiu

(li-».>: «Ai minha mXe que m- perd»«u O gijçant" apenas OUVIU isto s»ltt>u-lb(' logo para cima, o diss* para elle se

138

queria ir brigar. Ello julgando ainda que tinha alguma força foi brigar com o gigante. o gigante o tinha quasi morto, pediu-lho quo o nào acabasse de matar, que o fizesse em quatro quartos, que o embrulhasse n'um lençol de linho o o pozesse em cima do cavallo e assim fizeram. O cavallo como estava acostOmado a ir para casa do Rei Sahio foi ter. A filha do rei, quando viu o cavallo e não o viu a elle, foi dizer ao pae muito ad- mirada, que vinha o cavallo, mas que não vinha o cavalleiro. O pae disse-lhe: «Nâo tem duvida, manda dois criados, que tirem o quo vém em cima do cavallo com muito geito.» Estenderam o lençol no meio da casa, uniram os quartos o untaram com a banha do porco es- pinho, e a laranja partiram n'a ao meio o deram-lh'a a cheirar. Depois elle ficou vivo como era. Foi vivendo em casa do rei, o o cab^Ilo do peito foi crescendo. Quando elle tinha seis voltas no cabello á roda do corpo, disse-lho o rei: «Olha não sabes? tua mãe tem uma filha do gigante.» E elle disse-lhí;: «Eu vou lá». E o rei sábio disse-lhe: «Não porque ainda não tens as tuas forças todas.» Depois esperou que tivesse as sete forças. Foi a casa do gigante, foi ao da irmã e cortou-lhe a cabeça. E o Hei Sahio tinha dito que quando elle bri- gasse com o gigante lhe dissesse que o não acabava de matar sem que elle lhe desse os olhos do Rei Sahio que tinha cegado. Depois elle chegou ao da mãe e cor- tou lhe a cabeça. E foi brigar com o gigante. Quando o tinha quasi morto disse para oíle, que lhe havia por força de ir buscar os olhos do Rei Sahio que tinha cegado. O giganto conforme poude foi-lh'ns buscar, e entregou- lh'o8. Depois elle levou-os para o Rei Sahio e pozoram- lh'os na cara, e lavaram com a agua que elle tinha tra- zido. Ficou o rei com vista. Depois elle foi ao palácio do gigante. Tirou tudo quanto estava, e lovou-o para casa do Rei Sahio, e casou com a filha do rei, tendo muitos filhos e sendo muito feliz.

(Âhr antes.)

13í>

LXI

AS FILHAS DOS DOIS VALIDOS

Um rei, tinha dois validos com quem costamava cou- venar, e notou que um d't*ll(>8, a todo o momento, lha {aUava em duas filhas que tinha, gabando a sua formo- sura, rirtude e innocencia, emquanto o outro nunca fal- tava na filha u . tinha e que o rei ouvia dizer que era linda. lo do differente modo de pensar dOB dous, resolveu elle mesmo observar as filhas d'um o d 'outro.

Para isto, vestiu-se de mulher, mas muito pobremen- te, e foi a casa das primeiras pedir agasalho por uma Doute, o que somente alcançou 'a custo e depois do mui- tos rogos. Ainda assim mandáram-ii'o para a cozinha. De noite, o rei, s ?ntu» entrar g«nte em casa, e confor- me poude, foi espreitar e via dois bollos officiaes con- versando com as duas filhas do valido. O rei, pegando na espada e na banda que og officiaes tinham deixado n'oatra sala, s mdo-as. Depois foi pedir agasa-

lho á menina ; i u pae nunca fallaVa. O rei disse

que era uma ostranjeira, que se tinha perdido no cami- nho o que pedia agasalho por aquella noute. A menina compadecou-se muito da estranjeirinha, deu-lho de cear e quiz quf ' i do seu quarto. ora muito

tarde e o i' ua a pé. Foi empreitai -a, mas

ficou encantado, quando a viu do joelhos dofronte do um r>rn»,vr;,> r'>zando uma oraç^. Depois lovantou-so a me- ou os pós que tinhi n'uma caixa de prata e aeilou-au. ' ando viu que olla dormia, entrou no

quarto, fui ^ .i caixa d«' prata, e sahiu muito de-

ossa.

Dois dias depois, convidou os sous dous validos para !i banquete no palácio, disendo-lhes que haviam de le- var as suas filhas. Convidou também os dois officiaes,

140

quo vira om casa das duas filhas d'um dos seus vali- dos. No fim do banquei*' vi r< i mandou vir para a mesa uma salva de prata quf* estav.i n'um,a outra sala. A salva trazia a caixa de prata, a esoada e a banda. As duas irmàs e os dois officiaop, ao verem os objectos quo n'aquella noitf^ passada lhe haviam sido roubados de casa, ficaram muitf» assustados, ní5o dizendo nem uma palavra, porque ctnhcciam o mal que tinham f»íito. A outra menina, como era virtuosa, não tinha medo de fallar, e assim que viu a oaixa, pegou-lhe e sorrindo olhou para o rei, dizendo :

«Ah! estranjeirinha, estranjeirinha ! «Que esta caixa era minha ! . . . »

e o rei repondeu-lhe :

«Pois 80 a caixinha era vossa, «Pela virtude sereis rainha !

Dando esta liçào ás outras duas meninas, fez com que casassem com os dois ofliciaes.

(Lisboa, d'uma pessoa de Almeida, Beira Baixa).

LXII HISTORIA DO COMPADRE POBRE E DO COMPADRE RICO

Moravam n'uma aldeã dois compadres. Um era po- bre e o outro rico, mas muito miserável. N'aquella terra era uso, todos quantos matavam porco dar um lombo ao

141

abbitdf. <^ c(iin{i idr ri •i\ quo quoiia matar porco aem

ti-r d'' (lar o luinbo, lam-iitou se Ao pobr^-, djzondo mal

:o tal uso. Esto dou-lhe de conselho, que matasse o por-

0 dependurasse no quintul, recolhendo o do madru-

para d< pois dizer que lh'o tinhim roubado.

Ficou muito contente com aquella idea o seguiu á

risca o que o compadre pobre lhe tinha dito. Depois

deitou-se com ti nçâo de ir de madrup;Hda ao qumtal

*)U&car o porco. Mas o compadre pobre, que era esper-

ilhJlo foi di« noite roubou lh'o. No dia seguinte

rico dcu pt-ii. falta do porco, correu a casa do

pobre e muito afflicto contoulh.j o acontt-ci-

. fazendo-su desent-ndido, dizialhi : €As»im,

1 i\ bravo! muito bem, muito bem ! assim é que

dizer para se esquivar de dar o lombo ao ab-

bado!»

O rico cada vez teimava mais ser C(!rto terom-lhe

do o porco ; o o pobre cada vez mi ria mais, até

1^.' aquelie Bitbiu de8L-8p''nido, porque o não entendiam.

O que roubi>u o porco úcou muito contente o diáse

maneira também ha- ir a correr e a cho- rar para casa do ciimpadr**, tingindo qud eu te quero bater; K<vas um odre debaixo do fato, o quando seuti- 1-8 a minha voz fo^es para a adega do compadro e em- ^ " do com elle, enches o odre do vi- . porta para casa.» Á mulher fín- -se muito BÍUicta cofnu para casa do compadre, ...ado que lho acudisse, porque o marido a queria ma- ir. K'Í8to ouvia a voz do mando e correu para a ado- ' 'tnpadro, unto esto diligenciav

» ira, ••. i o odro Tinha-lh») t.-

pata o at.-ir, m:i« tendia uma iJo,» ^ri-

. I , <j: tAh! guela d" odre 9>«m nagalho.»

i > marido, que entendeu, respondeu- lhe: Ah! grande atre- V. !. . . que eu lo vou abaixo, com a fita do ca- j te hei do afogar Ella, apenas isto ouviu, des- atou logo o cabello, atoa com a iita a boca do odre e

142

fugiu com ello para casa. DVsta maneira tiveram porco e vinho sem lhos custar nada, n onsranáram o avarento do compadre.

(Lisboa, d'uma pessoa da Beira-Baixa.)

Lxnr

os TRES ESTUDANTES E O SOLDADO

Era uma vez três estudantes, que iam para casa das familias passar as ferias. Seguiam pelo mesmo caminho e encontrando um lobo morto disse um d'elles : «Aquelle que fizer o verso mais bem feito a este lobo, come o jantar sem pagar.»

Está dito! responderam os outros dois, e um d'elles começou :

«Este lobo, quando no mundo andou, Quanto comeu, nada pagou.»

Disse o outro estudante :

«Este lobo, quando era vivo Tudo comeu crú, e nada cozido.»

O terceiro respondeu :

«Este lobo, quando dormiu a sesta Nunca dormiu uma como esta.»

Depois de dizerem os versos começaram a questio- nar, porque todos três queriam que o seu fosse melhor.

143

' > um soldado, e elleâ chamáramn'o di- camarada ! ha de dizor nos qual dos ver»0!í e melhor, para sabermos qual do nós ha de co- mer o jantar sem pagar», o repetiram os versos. Depois de acaWnrem, disse o soldado: «EstKo todos muito bem feitO'*. Fi ' : s todos Ires o jantar e coraa-

mol o ti' > sim! disseram os etudantvs»;

mas - por sm verem logrados por um soldado,

comb ntro si quo haviam de zombar d'olIe. Che- garam a uma hospedaria e mandaram fazer jantar para todos quatro, mas em particular disseram á dona da hospedaria, que cozesse um paio e o pozesso na mesa partido em três partes egua^s. Depois d'Í8to sentaram-se todos quatro á mesa, o ura dos estudantes espetou o ^'arfo D'um dos bocudos do paio e disse:

cEm nome do Padre. . . Este me cabo !

O segundo fez o mesmo, dizendo :

«Em nome do Filho. . . Esto commigo

O soldado vendo um bocado no prato, agarrou-o, gritando :

nome do Espirito Santo. . . que fique em branco

) foi ello quem logrou os três osperta- (Lisboa, d'tima pessoa d' Almeida, Beira Baixa).

144 LXIV COMERA UM BOCADINHO DE PÃO SE TIV£RA LIMÃO

Era uma vez um conde, casado e com uma filha, de quem -^^ra muito amigo, por Sir muito linda. Tinha-a escondida e nunca a levava a parto alfçuma, com receio do que houvc^sse ctl!:jurn cavalleiro, que vendo-a, lho rou- basse o coração. Houve por <'8ta occasião uma f^sta e a mulher do condo disso para st'^, que visse se podia ar- ranjar alguma maneira de a fi'ha poder vêr a fiista, por- que ella estava muito trist;, e talvez assim se distrahisse alguma cousa. O conda ficou muito zangado com este p;'dido, e começou a pensar no modo, como havia a fi- lha do assistir áquella fjsta, sem que ninguém podosse vêl-a. O palácio onde elle habitava tinha um grande jardim. Mandou alli abrir um janc^lla muito pequena, e no dia da festa lo vou a filha para lá. No momento em que começava a íosta, o principo que ia no cortejo, olhou para a fresta onde estava a filha do conde, e fieou surpr.hendido, pois nunca tinha visto um rosto tao for- moso. Quando chegou ao palácio ia muito triste; mon- tou a cavallo e foi vêr se se recordava do sitio onde ti- nha visto a bella desconheíúda. O conde, porém, tinha mandado tapar immediatamente a janella, o por mais que o príncipe procurasse nada viu, e teve de voltar ao palácio ainda mais triste. No dia seguinte foi ter com uma fada, o esti' pegando lhe na mão, disse: aPrincipe eu conheço a dama do vosso coração, e se vós me daes uma bolsa cheia de ouro, eu ainda esta noite a apresen- to no vosso palácio.»

Estava a anoitecer e a fada dirigiu-se a casa do conde. Precurou a creada particular da filha, e pediu -lhe para pernoitar aquclla noite alli. A filha do conde, que tinha um coração muito bondoso, disse immediatamente

145

qii" sim, mas qxx'^ havi;» ú" 8t>r si^m ;i nT. ^:il) -r. por <{!:•• ella nào fjostava (jut* sp (10*8*» cntr,. ii u j -- ;i al- ; a estranha. A fada entrou para o quarto da fiJha do . u .df, í> começou a contar-lhe historias tào lindas, que <'st& estava toda «encantada. Quando deu meia noute dis- 8e-lhe a fada: «Se vós quizeaseis ir a uma grande f^^a- ta. que o principe eHta noute, eu lovava-vos lá.» ^I:lH a mamJl e o papá?» disse a menina. «Não toiíhaes r-coio algum; eu tenho uma varinha de condão, e d'aqui vos levarei, e aqui vos hcide trazer, sem quo ninguém ']•'■ pela nossa falta.» A menina muito contente com as risB da fada, e por ir vêr uma grand(< fusta, disse ''• parou-se com os melhores fatos e accompa- T.,; ; i r i ; t. D'ali a poucos momentos chegou a um grande palácio, e a fada abrindo uma porta empurrou-a [>ara uma grande casa forrada do seda azul, tendo ao iivMo uma grande mesa guarne<5Ída de manjares, e des- ireceu. ^'este instante entrou o principe e reconhe- ço a sua b*'lla deu um grito de alegria. Chegou-se -ntâo perto d'ella e beijou-lhe a mSo, convidando-a a Mrvir-se d'algun8 d'aquell'-8 manjares. A menina asbus- tada por se vôr com um principe, qu<4 a olhava t<to . podia a Dcus uma ideia para qu ; > V'"ndo que na mesa n3o havia liin.i , !)do o príncipe lhe rogava muito que se servisse, ella (iih«e-lhe:

Comera um bocadinho, «Se tivera limão. . .

O principe saiu immediatamonte para ir basear o li-

III.'.'), e ella ^ ' só, abriu a porta por onde tinha

Tado e dl- "U. No caminho encontrou a fada

lo: «Luva me para casa de meu pae ; tenho

1 estar uqui!» O principe quando voltou e nXo

encontrou a menina, ficou muito triste, c quasi louco de

10

146

afflicçâo. Andava todo o dia pelas salas passeando e re- petindo estas palavras :

t Comera um bocadinho eSe tivera limão. . .

A filha do conde, que também se não esquecera do formoso principo, andava muito desejosa de saber noti- cias do palácio. Ouvindo o pae dizer que o principe an- dava muito triste, e que dizia :

«Comera um bocadinho «Se tivera limão.

disse para elle a filha : «Olhe, papá, quando o principo estiver assim digam-lhe :

«Fecharam-lhe a porta, «Tiveram-lhe mão.

O conde riu-se d'e8te pensamento da filha, por lhe parecer muito extravagante, mas quando no outro dia foi a palácio, chegando-se ao do principo cumprimen- tou-o. O principe não fazendo caso, continuou no seu costumado passeio, dizendo sempre :

«Comera um bocadinho «Se tivera limão. . .

Apenas ouviu isto, o conde respondeu : « Olhe, meu principe :

«Fecharam-lhe a porta, «Tiveram-lhe mão...

«Bem sei ! bem sei ! respondeu o principe muito de- pressa, eu é que tive a culpa.» Depois dirigiu-se á rainha pedindo-lhe que desse um beijamão a todos os

147 -

fidalgos da corte, e que eatee vioMom com suas famílias. A rainha nSo podendo adivinhar qual fosse o motivo d'e«te desejo, disse cumtudo ao príncipe quo sim. O con- de nio q r modo algum levar a filha a palácio, mas com< lu era expressa não teve remédio senSo obedecer. A filha vestiu-so exactamente como no dia em qne pela primeira vez viu o príncipe, e foram para o palácio. O príncipe olhava com avidez para todas as daiDaa qve entravam, mas assim que as via perto de si, n2o lhes dava mais attenção. No momento em que se lhe approximou a filha do condi<, em vez de lhe exten- der a mSo, levantou-se o apertando-a nos braços, excla- mou: c Minha mSe, aqui tendes a princeza, que desejo para esposa.»

Immed latamente a rainha deu ordem á sua corte para comparecer ao casamento, e no outro dia a filha do conde casou com o príncipe.

(LUhoaJ.

LXV

A VELHA FADADA

Havia duas velhas muito feias, qne ambas queriam casar. T* mo vam nem

appan-ciam :: s na por-

t.i, mas se acaso vitif> i procural-as para o eíToito

.) w.i,, ellas manda \niii u./.t que apparcceriam na do irem para a E|[^reja. Houvo um honiom que

1 uraa d't«!las. V . , "* boda, fez se

muito bonita e foi para a Egreja. (guando ▼eio do

148

ainda era cedo e foi para o quarto com o marido. Come- çou a despir-se e elle então principiando affirmar-se per- cebeu que a velha tudo quanto trazia era postiço. Não tinha no corpo nada que lhe pertencesse, e depois de al- gum tempo o marido farto do vêr a velha desfazer-se e ficar feia como a noite, deu-lhe um empurrão, que ella foi cair da janella abaixo. Como, porém, debaixo da ja- nella houvesse um telhado, a velha ficou presa pela ca- misa a uma telha e alli esteve toda a noite. De manhã passaram duas fadas e olhando para a pobre velha dis- seram: «Coitada! estás ahi talvez por seres feia. Poig eu te fado para que sejas a cara mais linda que haja». A velha tornou-se lindíssima, e de rara formosura. Quando o marido pela manhã se levantou, disse para comsigo: «Deixa-me vêr se o diabo da velha ainda está na rua». Olhou para o telhado e qual não foi o seu es- panto, quando em vez da velha feia, como a noite, que na véspera deitara pela janella, viu uma rapariga linda? Ficou doido de contente e tractou de a tirar para dentro, desfazendo-se em desculpas, e dizendo que estava por força cego, quando a tinha deitado pela janella. A ve- lha escutava tudo com paciência, porque bem sabia o que lhe tinha acontecido. A outra irmã, quando a viu tão bonita, começou a perguntar-lhe o que tinha ella feito para tal. Mas como estava alli o marido a velha fadada não podia fallar alto, e por isso dizia baixinho para a irmã: «Fadáram-me». A outra que era surda e não ouvia quasi nada, tornava a perguntar-lhe: «Que te fizeram para estares assim tão linda?» «Fadáram-me», respondia aquella, sempre em voz baixa. A irmã que entendeu, que a tinhão esfolado, mandou chamar um barbeiro e pediu-lhe que a esfolasse também. O barbei- ro não queria por coisa nenhuma fazei o, mas ella tanto teimou, que o homem começou a esfolál-a. Apenas, po- rem lhe esfolou um braço, a velha morreu. O barbeiro mandou chamar a irmã e disse-lhe o acontecido. Ficou esta com muita pena, mas como nada podesse fazer, pediu ao barbeiro que guardasse segredo, por que Deus

149

o livrasse, que o seu maricio soubesse. Mas o que ella queria era que o marido nlo desconfiasse que ella tinha sido fadada.

(Coimbra).

LXVI O BURRO DO AZEITEIRO

Dois estudantes encontraram n'uma estrada um azei- teiro que ia guiando um \^urro, carregado de bilh&s de azeite. Os estudantes que estavam sem dinheiro, fica- ram muito contentes com aquelle encontro e combina- ram furtar o burro do azeiteiro para o venderem ; e em- quanto u pobre humem seguia o seu caminho muito so- cegado da sua vida, levando pela mão a arreata do ju- i!) iito, um d'elles tirou a cabeçada do burro e coUo-

a no pescoço, e o outro escapou se com o burro e a

j;i. O que tiiou em logar do animal, parou fazendo . ui que o azeiteiro olhasse para traz. Qual nSo foi, po- rem, o espanto d'este vendo um homem em voz do bur- ro!.. .

O estudante disse para elle com voz muito terna : <Ah! senhor, quanto lhe agradeço ter-me dado uma pancada na moleirinha ! quebrou me o encanto que du- rante tantos annos me fez jazer burro!. . . » O azeiteiro t T.irr^o o chapeo, disse-me muito humildemente: «Perdi I - 'T, como burro, o meu ganha pão ; mas pacien- i ' Lomo hfinv in (ju»' agora é, peço-lhe muitos per- ^ i . . . por t*l o maltratado tanta vez; mas que querV...

iihor fazia me ás vezes desesperar com as iuas bír- rià», e eu nAo era senhor de mim

150 -

Está perdoado, bom homem ! disse o estudante, o que lhe peço é que me deixe em paz.

O pobre azeiteiro, quando se viu só, lamentou-se da sua dese^raça, e foi pedir dinheiro a um compadre para ir no dia seguinte á faira comprar outro burro. Quan- do chegou á feira viu o jumento que lhe tinha per- tencido, e que o estudante, que elle nào vira quando lh'o roubaram, estava a vender. O azeiteiro julgando que o homem-burro se tinha transformado outra vez no seu burro, chegou-se ao do estudante e pediu lhe li- cença para dizer um Sf»gredo ao burro. O estudante dis- se-lho que sim e o azeiteiro chegando a bocca á orelha do animal, gritou com toda a força :

«Olhe, senhor burro, quem o nâo conhecer que o compre. »

(Lisboa, d'uma pessoa d'Almeida, Beira-Baixa).

Lxvn

SGIENCIÂ, SABEDORIA E CAPACIDADE

Era uma vez uma mulher que era casada, e como ella fosse muito formosa, tinha muito quem gostasse d'ella. Entre os que lhe dirigiam finezas, havia um me- dico, um advogado e um padre, que cada um por sua vez lhe pediram que os recebesse em casa d'ella, uma noite. A mulher contou isto ao marido antes de lhes dar a resposta, e elle disse-lhe : «Olha, diz ao medico que o recebes ás dez horas, ao advogado ás onze e ao pa- dre á meia noite, e quando vier o advogado, tu finges que sou eu, e metes o medico n'um dos escaninhos do

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armário; quando vier o padre, motes o advogado oo oa- tro escaninho, fingindo sompre que sou ou que bato á porta; tinahnente, meteu o padro no outro escaninho, a deixa d r >to por minha conta. A'8 doz horas em ponto

' " > advogado A por-

iico : « Ai ! quo es- ti; ' , : los quo vem meu marido... meta-se iiuóic í*ííiiurio até que eu o mando sahir.» Depois fez o mesmo ao advogado o ao padre, quo sem saberem unfl dos outros ficaram fechados no armário. No dia seguinte era dia de feira, e o marido da mulher levantou so mui- to cedo, {)oz o armário ás costas e encaminhou-se para a foira, indo sempre apregoando pelo caminho : cQuem merca sciencia, sabedoria e capacidade.» Todos que- riam comprar as três coisas, mas quando estava muita gcnt*- na feira, é quo o homem abriu o armário e disse: cAqui está a sciencia ■, o mandou sahir o medico que estava em camisa e fugiu envergonhado. DepoiSj mandou sair u advogado, quo estava om ceroulas, e disao : cAqui está a sabedoria.» E por fim mandou sa- hir o padre que estava em cuecas, o disso : t Aqui está a capacidade.» Os três fugiram todos envergonhados, e o padre punha a mito na coroa para nZo lh'a verem. Toda a gente ria a bom rir, e o marido voltou para casa mui- to satisfeito com a liç3o que tmha dado aos que preten- diam roubar-lho a mulher.

(Coiv^ra),

Lxvm

A SENHORA DA GRAÇA

Era de uma vos um homem, que era casado com uma mulher, muito amiga do vinho, a ponto de nlo

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deixar parar vinho na adega. Um dia o homem sahiu para comprar uns bois, e recomratmdou á mulher que uKo ifoBse á adega beber o vinho, Apenas o homem virou costas, a mulher chamou logo uma comadre e foram ambas para a adega beber o melhor pipo de vinho que encontraram. O homem quando voltou para casa e se achou sem o vinho, queria bater na mulher; mas ella disse-lhe que não lhe batesse, pois estava innocente, quem tinha bebido o vinho tniha sido a gata. Como o homem nâo qui?: ísse acreditar, a mulher disse-lhe : «Pois olha, homem, havemos ir á Senhora da Graça, e have- mos perguntar-Ihe quem foi que bebeu ò vinho, se fui eu ou a gata ; se a Senhora disser que foi eu, hei de tra- zer-to ás costas para casa, e se eu estiver innocente has de tu trazer-me a mim.»

Partiu o homem mais a mulher para a Senhora da Graça, e tendo chegado a um sitio onde havia um echo a mulher disse ao homem : «Olha, escusamos de ir mais longe; Nossa Senhora também aqui nos ouve.» O ho- mem entào gritou com toda a força: «Dizei-me, Senho- ra da Graça, quem bebeu o vinho, foi a mulher ou foi a gata?» E o echo respondeu : «A gata.»

Três vezes o homem perguntou o mesmo, e três vezes o echo lhe respondeu a gata. O homem então con- vencido que a mulher estava innocente, levou-a ás cos- tas para casa, e matou a gata para ella não lhe ir be- ber mais o vinho.

(Coimbra.)

LXIX OS DOIS MENTIROSOS

Eram uma vez dois irmãos que viviam muito pobres, e sem meios de ganharem dinheiro ; até que o mais ve-

153

lho disse para o outro : «O irmSo, lombra-me uma coi- sa; vamos por esso mundo do Christo, pregar mentiras por dinhfiro; um de nós irá adeunte, o depois irá o ou- tro confirmar o quo o primeiro disse. > Combinaram as mentiras que haviam díi dizor, o partiram, para a mes- ma terra, indo sempre um adeante. Chegado o pri- meiro a certa terra começou a botar fama que trazia uma grande novidade, mus que a daria por dinhei- ro; juntou-sc logo muito povo, para saber a novidade, e o horaet:. ontuo disse: «Em tal terra acaba agora de nascer um menino com sete braços.» EntSo o povinho admirado pagou a novidade ao homem, e elle foi seguin- do o seu eumtnho. Alguns mais incrédulos dispunham- se a partir para a tal terra para saber a certeza da no- vidade, quando appareceu o outro irmão, e começou a dizer que vinha di- ; então todos lhe perguntaram se eilo tinha visto um menino com sete braços. Elle res- pondeu: cEu n^o vi o menino cum sete braços, mas vi uma camisa a enxugar que tirha sete mangas.» «Então é verdade o que nos disseram,» e deram muitu dinheiro ao homem. A este tempo o outro irmilo espalhava n'outra terra, que tinha visto um moinhu em cima d'um pinheiro, e recebia muito dinheiro em paga da novida- de. Depois de ter partido para outra terra chegou alli o irmão, e pi tm-lhe: <01h*) lá; diz que em tal

terra está ui- i sobre um pinheiro?» «Olhem, res-

ponde o rapaz^ o que eu lhe sei dizer é que vi um ma- cho carregado de saccos de farinha subindo por um pi- nheiro acima.» «Ai! entSo é verdade o que nos disse- ram, > exelamtju a pobre gente. Depois deram muito di- nheiro aos homens e ellos foram para outras terras euganar o povo.

(Coimbra,)

154

LXX

CONTO DO FUSO

D'uma vez era uma mulher quo nunca fiava o fazia o homem para ella : ó mulher tu nunca fias? «Nào te- nho fuso.t «Deixa estar quo eu hei d-^ ir á cidade e hei de comprar um fuso.» Ao depois então foi á cidade e trouxo-lhe um fuso ; ella fez-se toda contente na presen- ça do homem ; mas mal elle voltou costas quobrou-o, mas era para nào fiar. Elle chegou á noite e perguntou-lhe se ella fiava e ella disse-lho que tinha quebrado o íuso. Elle então disse : a Ora todos os fusos que eu te compro tu os quebras ; deixa estar que amanhã hei de ir á ta- pada ; hei de cortar um pinheiro e hei de mandar fazer um fuso d'encommenda vêr se tu o quebras.» No dia seguinte poz os bois ao carro e foi para a tapada para cortar o pinheiro e mandar fazer o fuso; amarrou a cor- da ao pinheiro para o botar abaixo, mas o pinheiro caiu sobre os bois e matou-os ambos. Deixou elle os bois mortos e o pinheiro cortado e veiu dar parte á mulher da desgraça que tinha acontecido e levava o machado ás costas com que cortara o pinheiro. Chegou ao d'um rio muito fundo onde andavam uns peixes muito bonitinhos e atirou-lhe com o machado a ver se os ma- tava; fugiram os peixinhos e elle o que fez? despiu-se e metteu se dentro do rio p'ra môr d'ir buscar o ma- chado; foi um ladrão e roubou-lhe a roup,. tendo elle d'ir em pelote para casa. Chegou a casa e contou a passa- gem á mulher e quando chegou a casa estavam doua carneirinhos a berrar e elle soltou-os do aido e veiu-os pôr debaixo d'um alpendre onde tinha uma pipa de vi- nho e logo por acerto os amarrou com a soga á tornei- ra do vinho e começaram os carneiros a espernear cada um para seu lado e abriu-se a torneira e entornou-se o

- 155

▼inho. Ello d'Í9to nSo qaiz dizer nada á mulher; o que aehoa mais prcmpto foi um saeco do farinha do cinco alqueires que dt^iton em cima do vinho para a mulher não o Têr entornado. £ a mulher que viu isto ficou las- timando as suas desgraças que lhe succediam em casa.

(Oliveira do Douro).

T.XXT Â BEATA E O SENHOR DOS PASSOS

Uma beata tinha por costume ir todos as noites re- zar a uma capella onde estava um Senhor dos Passos, o um S. Francisco; e dizia: <Ai, m(;u senhor ! quem me dera receb<>r-vo8 em minha casa; mas eu nSo mereço essa graça. Por baixo da casa da beata morava um sapa- teiro, e vendo-a sair todas as noites foi espreitar para onde cila ia, e viu-a a orar ao Senhor dos Passos. O sa- pateiro caiou-se muito calado, e no dia seguinte pediu á creada da beata, que lhe levasse o livro da missa da ama. Â creada levou-iho o livro ; e o sapateiro sem que ella visse, escreveu-lhe n'uma ifolha : «O teu Deus vae á noite. > Quando a beata abriu o livro e leu aquel- las palavras, ficou muito contente, e disse á creada que era preciso preparar muito bem a casa, porque á noite esperava pela visita de Nosso Senhor. Forraram a cata com damascos, e encheram o quarto da beata de floree ; a creada foi buscar muito doce, e licores, para o Se- nhor. Ora o sapateiro vestiu-se de Senhor dos Passos, e o aprendiz de S. Franciaco, e á noite foram bater á porta da beata; e ella conx) tinha mandado deitar a

156

creada, foi abrir a porta, e levou-os para o quarto. De- pois a beata beijava os pés do sapateiro e dizia :

«Ai, mou Deus, meu tudo ! Até pelas pernas, Sois cabelludo!»

Depois comeram todos muito doce, e beberam mui- tos licores, a pontos de não saberem onde tinhao as cabeças ; e despediram- se então da beata, e olia foi acompanhaI-08 até á porta da rua ; alli começaram á pancada, fazendo tal desordem que ficaram todos com

as cabeças partidas.

(Coimbra),

LXXII O FRETO E A LÂMPADA DE SANTO ANTÓNIO

Certo preto tinha por costume ir todos os dias mo- lhar o pão na lâmpada de Santo Ânionio ; e dizia :

«Santo Antoninho estaes eó? «Deixaes-me molhar o pão, «No vosso grijó?

O sachristão da capella ia sempre achar a lâmpada secca, até que se resolveu um dia espreitar quem ia be- ber o azeite.

O preto voltou e tornou a dizer :

«Santo Antoninho estaes só? «Deixaes-me molhar o pão «No vosso grijó?

167

O 8acnri9iào respondeu: «Nào.»

E o preto parecendo-lhe historia, disse :

«Santinho di pau a fala?

f Hei-de molha e torna a niolhá !

O tachnstão saiu do esconderijo, e baten tanto no preto quo el)e nSo voltou mais a molhar o pSo no grijó do Santo.

(Coimbra.)

Lxxm

A MOURA ENCANTADA

Um homem fot viajar e chegou a uma terra e pediu agasalho; mas nito o quizeram acolher; havia uma casa rica, roas a famiha da casa não estava ; andava medo e elles fugiram ; clle foi para e sentou se n uma varanda deixando-se iicar alli até noite; veiu apenas foi noite uma mão com uma luz e acenou-lhe que fosbo pa- ra dentro ; elle foi dentro e encontrou uma mr^sa muito bem arranjada com comida; elle comeu e acabando de comer, encoatouso a um braço e adormeceu. Emquanto dormia tiraram-Iho d'um dedo um annel d'ouro que tra- zia o pozeramlho outro. Tendo acordado, a mão aqenou- lhe de novo e tndicou-lhe um quarto de dormir para on- de elle foi. Elle notou quo o annel estava mudado. ¥aí- tHudo na cama sentiu movimento como d'» ppsson que s" queria deitar na mesma cama e ollo não vondo nada disac : c Sempre queria oaber quem se quer deitar com- migo, se é homem, te é mulher. * Responderam :

cEu sou amA mulher; sou uma moura que aqui está

158

encantada ha muito anno ; se tu me desencantas ficas rico para a tua vida. Has de estar aqui três noites, hão de vir ao de ti, deitar-te da cama abaixo e dizer-te: «Justiça, quem to trouxe aqui» e arrastar-te pelas casas e dar-te muita pancada ; mas tu no fim do cada vez que isso te fizerem vae debaixo d'esta cama ; aqui estão três garrafas, bebe um gota de cada uma que ao outro dia estás são. Se tu ficares estes três dias, aqui te ficam três saquinhos de dinheiro; podes gastal-o que em tu dizen- do: dÁi de mim que não tenho dinheiro! as bolsas se encherão sempre de novo. O meu pae era.viso-rei em terra de mouros».

Ficou o homem três dias e ao fim dos três dias em que tudo se passou como a moura dissera oUe esperou por almoço que não veiu e vendo que o jantar tambom não vinha resolveu-se a ir embora. Foi-se d'ali andando e pelo caminho comprava terras que dava aos pobres ; por fim foi dar á terra de mouros. Comprou uma quin- ta ; n'isto a moura estava para casar. Disse a moura ao pae: «O pae será bom chamar aquelle fidalgo que com- prou aquella quinta para assistir á boda do casamento».

Convidaram-no e á mesa pediram-lhe que fizesse elle 08 pratos para os commensaes. Por acaso olhou elle para o dedo da moura o reconheceu o annel que no palácio encantado lho tinham mudado e d'então em deante sem- pre que fazia saúdes á princesa extendia a mão para o lado d'ella para qw.i visse o annel que elle trazia ; logo que ella viu o annel disse :

4 O meu pao vou dizer uma cousa; todos estes se- nhores me darão licença ; eu perdi as chaves do mostra- dor e depois mandei fazer umas novas ; depois achei as velhas; agora quaro que me digam do quaos m'eu hei de servir, se das novas se das velhas.* Respondeu-lho o pae :

Minha filha deves-te servir das velhas, pois as conheces, podes- íe servir d'ellas mesmo ás escuras.»

160

' Hei do casar com este senhor que

*>>' Qw< •' -j de me desencantar.

Casou <Jom o homem e outro foi -se embora.

(Ourtlhe).

O OVO PARTIDO

Era uma vez um homem que tinha uma filha e tinha um creado, e veiu por um brasileiro, e disse-lhe: cSe mo deixasse ir o seu creado até eu passar aquella serra quo levo o meu dinheiro e tenho medo quo me roubem?» Ello ma' " o creado o o creado de volta disse: «Oh 8' ! . me a «ua filha que quero cagar com

elIaVo I^ . !!• d -.-"• ih : ,S ropro és muito malcreado ! Se nào lOra eu t r t- ami^f !-• punha-te fora da porta com uma carregadeira do pau.» «Senhor, olhe que eu estou rico, que eu matei o brazileiro e tirei-lhe este di- nheiro.» E mostrou-Ihô o dinheiro. < u niio duvido dar- te a filha, mas haa do ir trcs v^zos a eito á volta da meia nouto onde o matasto escutar o quo ouvires.» O moço foi. Pergutitou-lhe o amo: «Tu que ouviste?» Eu

onri dizer: «Tu -- -^-.» Torna o has do lho por-

;;uiitar: eu qunn hei do pAf^ar?»

O cr ^ ' '.

annos. » i .; ^

eu nllo sou vivo. Casa com a minha filha.» Fez-so o ca- sanT"-*" ••'* " "".be.

'.a annoa andavam dous pobres a pedir e foram pedir ú^^ucUa casa. £ o pae da rapariga disso :

160

«Venham para dentro.» E ao tempo que elles iam a en- trar embarraram n'uma cesta que tinha ovos e quebra- ram um e o dono da casa ralhou com elles. Elles disse- ram: «O' senhor! nào ralhe comnosco a troco do ovo que nós pagamo8-lh'o, ainda que elle suste uma moeda.» E elle disso: «Não é por isso; é que a roda emquanto anda, anda e quando começa a desandar vae ella. Ha trinta annos que dei a casa a minha filha ; ha trinta annos não dei nenhuma esmola, e até hoje não tive ne- nhuma perda, agora a d'um ovo

Os homens deitaram-se c um disse para o outro : {íTu dormes?» «Eu não; vamo-n'os d'aqui embora; casa que ha trinta annos não esmola nem teve perda se- não hoje, aqui acontece alguma desgraça. » O outro dis- so: «Mas nós aonde havemos d'ir agora dormir? isto é fora d'horas; não achamos pousada.» «Pois emfim va- mo-nos, com0 nós fiquemos íóra dos beiraes d'ella. . . fiquemos mesmo detraz d'uraa parede.»

Sahiram ; ficaram ahi perto das casas atraz d'uraa parede e do noite ouviram nm grande ruido, e disse ura para o outro : «Tu ouviste aquillo?» «Eu ouvi.» «Olha que foram certamente as casas do fidalgo a cair. »

Ao outro dia, assim que foi dia, foram vêr e nem viram casas^ nem telhas, nem nada, e no logar da casa havia uma grande cova.

(Ourilhe).

LXXV O SOLDADO QUE FOI AO CEO

Eram uma vez dous rapazes e foram para a praça ; assentaram praça n'um dia ambos ; eram muito amigos

« t m uma

pai i'^ eram

cada um da sua oanda. t^usiuto se dcspf^diram um do cutro disseram: <Tu has if. fazer um coDvite o eu hei- do ir a elJe e cu hei dr fazer um convite e tu has de vir a o\\<*.» PasHad s tiin} ^g, ahi de apresenta um d'elle8 amido ao outr.i, ii s.s Ihf: «Fiilnno, o meu convite es- tá proirpto; queru qu- » E elle disse:

cKu uÂo sei para onde : á esquina da

tua casa que achas uma burra aparelhada ; monta a cavallo que ella te Iwa.i O homem assim fez; a viagem era comprida; ^bgcu a um sitio e encontrou uns padrts a fâzur«-m um otíi.-io n'uma capclla e elle foi para dentro e assistiu á missa. Caminhou; se^aiu a sua jornada e chegou a um palácio muito aceado onde estava ada. Estivo ; havia muito que co-

roí^r; m tocar; muitas al»;;r'^e; o honr-m < stev©

alli n'uma rc^ralia. O camarada disse-lho : t( a,

é preciso ires te embora. o «Nào, eu nrio vl_ . ,ui eniDora mais.a «Camarada, yae>to embora que isto por ora nau é para ti ; ainda ha de vir a ser.» O ho- m m m"i)t u a cavallo outra vez na burra e caminhou. <* era a tal capellinha e ella estava eh -ia de -- disse para uma mulh«'r que estava a iiar na roca: «Isto que desgraça foi aquiV» «Que é?» «Pois isto, esta capollinha tâo lind; ' - m-n'a alagar e «n- ch-r de silvas?» A mulb' r c «Klla está ala-

p;ada ha muitos annos.» EIK o.r a £.qui passei

hontem e ouvi aqui misaa.» «\. bora homem;

você está tolo ; essa capella está alagada ha muito an- no-.» «Ainda aqui passei hontom.» «Vá-so embora ho- mem ; vocc está tolo.t Fois*) o bum<'m embora; chegou a caaa e d'ahi a tree diaa morreu e foi para o eco.

(OurUhe).

iisriDEx:

PkefaçXo ^^

CONTOS í^'>í^T-T \^^^ PORTUGUEZES

I Itiet..ri da carochinha .... 1

II A formiga e a nev»'». 5

III O coelhinho branco . '

IV A romanzcira do maca» 9

V O lidWo o o pinto

10

VI A velha ": 08 UboB .

1(3

VII A rnpoga ♦* o lobo

VIII Ub{.opÍTihn caittira

IX O compadre lob.^ f> a comadro rnr^?a 17

X O rabo do p.t- 1-J

XI O pinto br.rrj»chu.; f^

XII O cuco e a popa . ^^

XIII O corlho .' o gato ^^

XIV Brancji flor . o? XV O croado do «Btrujeitait ál

XVI A torre de Babylonia 34

164 -

PAO.

XVII A herança pat<^rna 37

XVIII Os dois irmãos 40

XIX A atíihada du Santo António . . 43 XX Mais vale quem Dous ajuda que

quom muito madruga .... 46

XXI Joào Pequenito 48

XXII O homem da espada de vinte quintaes 51

XXIII Comadre morte 56

XXIV A cacheirinha 58

XXV Carneirinho branco 60

XXVI O colhereiro 63

XXVII o conde encantado 65

XXVIII Os meninos perdidos 67

XXIX A Bella-menina 69

XXX João Mandrião 72

XXXI PoUe-de-Cavallo 75

XXXII A sina 77

XXXÍII Historia do grão-de-milho ... 80

XXXIV O principo sapo 82

XXXV Os sapatinhos encantados ... 84

XXXVI A engeitada 86

XXXVII o homem que busca estremecer . 88

XXXVIII As três lebres 90

XXXIX A pelle de piolho 92

XL A menina e o figo 93

XLI A machadinha 94

XLII Esvintola 97

XLIII O Conde de Paris 100

XLIV O principo das Palmas-verdes . . 102

XLV Os tígos verdes 106

XLVI O retrato da princeza .... 109

XLVn O preço dos ovos 111

XLVIII O senhor das janellas- verdes . . 112

XLIX A bicha de sete cabeças ... 114

L O príncipe com orelhas de burro . 117

LI Pedro e Pedrito lló

LII S. Jorge 120

LIII Os simplórios 122

165

LIV O preto e o padre

LV O menino assafroado LVI O Rabil .... LVII ' LVIII LIX O ní)«inino e a lua LX A princeza abandonada . LXI As tilh.ifl dos dois validos LXII ipadro pobre c do

LXIil Os três estudantes o o soldado

LXIV' Comora um bocadinho se tivera limão

LXV A velha fadada ....

LXVI > iro. . .

LXV II ^ 1 ia e capacidade

LXVllI A Senhora da Uraça

LXIX Os dois mentirosos .

LXX Conto do fuio ....

LXXl A b^^atíi e o ^ ' los Passos

LXXJl O pn-to e a .. i ài^ Santo An

tonio .... T '^'Xlll A moura encantftf^í^

\IV O ovo partido LaXV o soldado que foi ao ceo

124 125

128 129 131 133

14U 112 li4 147 149 150 151 152 154 155

156 157 159 ICO

"^

OBSERVAÇÃO

Os coDtOB n.*** II '-' XLI foram colhidos em Coim-

bra.

O titulo do conto n." LXIV é: Comera um bocadinho

se tivera limão. . .

A distancia a que o collector se acha do logar dMmpressio servirá de desculpa para altjuns erros sem importância que o leitor facilmente corrigirá.

University of Toronto Líbrary

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1

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