pN-'

t-.J-^^T^J!-.

"TTymyA

X'

iCtbníru

■1

DISCURSO

POLITICO

SOBRE O

yrao DO DINHEIRO.

í^

LISBOA

Na Regia Officina Típografica,

A N N o M. DCC. LXXXVI. Com licença ia Real Me%a Cenferia.

rr

Mi^yi

■^ ( 3 )

■' PPvOLOG O^

EM QUE SE EXPÕE O MOTIVO DESTE DISCURSO.

AvÁNqo do dinheiro empref» tado por negocio , em quanto fe reílringe no limite da Lei , lie chamado Juro ^ como coufa licita , e' devida ; allim como a palavra Ufura reprefenta eíTe mefmo avanço, quando elle he exceílivo , ou incompetente , e por tanto illicito , e ufurpado. Efta he íia pratica a commua intelligencia da- quelles dous nomes ; mas na theoria tão loftge eftá o juro do dinheiro 4e fer tido geralmente por licito, que na opinião da maior parte dos homens de letras , elle he reputado por injufto , e peccaminofo ^ conforme as Leis Divi- nas, e Humanas^ e fomente permitti- do pelo Governo Civil , em razão da iieceffidade do commercio j aíSm como A ii ou-

( 4-) outras coiifas de fi illicitas , sao tole- radas para evitar maiores inconvenien- tes.

Defta tão oppofta intelligencia a refpeito de hum mefmo objcfto , con- íideraclo theorica , ou praticamente, refultão a confuía defconíiança do juro do dinheiro; e a continuada equivoca- ção que ha deíTe juro com a ufura , nas decisões, e confelhos dos Moralif- tas ; na adminiftraçao da Juíliça pelos Magiílrados ; na legislação dos Sobe- ranos ; e geralmente no Governo Eco- nómico dos Eftados Carholicos. A grande importância defta matéria a faz digna da particular attençao da- quellas pcíToas , que ^ por huma com- jietenre inftrucçao , e pelo feu appro- priado exercicio , são capazes de nella votar com authoridadc, e acerto , pa- ra aílím fe poder vir a formar geral- mente o conceito claro , c determina- do que agora não ha , e fe evitarem as continuadas equivocações que deíTa falta refultão.

Com

(O

Com efte penfamento Te perten-: de aqui demonftrar : primeiramente, que pela natureza , affim do commer- gío, como do dinheiro, e de todas as coufas venaes , aquelle juro he i nt ri n- fecamente licito. Depois fe apontar. ráõ as incoherencias que fe tem obfer- yado nas opiniões de muitos Moralis- tas fobre efta matéria , as quaes tem concorrido muito para o conceito pou- co favorável , que fe forma do juro do dinheiro. Finalmente fe exporão os damnos que, ao parecer, refultao ge- ralmente da defconfiança que ha deíTe juro. Ao mefmo paííb íeirão declaran- ,,

do as reflexões que occorrem a refpei- to deftes objeftos ; as quaes , ainda ^'

que íe ache não íerem de profeííbr , í

e talvez que nem de attendivel curio^ íb , com tudo não íerao de todo inu- g

teís , fe fufcitarem nos homens Doutos o zelo de trabalhar em acclarar a ver- f!

dade nefta matéria , quanto he precifo. í'

para o bem público : com o que ferao f

juntamente emendados os erros que fe

(6)

pofsão achar nas duvidas que fe pro- põem , e nas reflexões que as acompa- nhão. Humas , e outras fe fujeitão, como he devido , aíEm ao melhor pa- recer dos Sábios 5 como principahnente á decisão da Authoridade fuperior, no efpiritual , e no temporal. A Igreja Catholica , por Determinações geraes dos Concilios , ou do feu Supremo Chefe 5 ainda não tem decidido for- malmente que o juro do dinheiro feja de fua natureza illicito. Os efcritos, em que fe tem expoílo a opinião de' que o não he , tem fido publicados nas terras dos Gatholicos, e junto aos mu- ros do Vaticano , fem que hajão fido prohibidos. Em taes termos fe enten- de de poder , fem perigo , difcorrer em Lisboa bem , ou mal nclla matéria , com o jufto fim de procurar que fe ac- clare a verdade. E fe acafo , como muitos entendem , a opinião mais ge- ral de que o juro do dinheiro de fua natureza he illicito , equivale a huma fentença final ^ da qual não pode

ha-

(7) haver appelkçâo , nem aggravo : pot ultimo recurfo , e por graça efpecial fe implora a Revifta de huma Caufa aíTás importante , a qual em taes cir- cumftancias fe tem proceíTado fem to^ das as provas neceíTarias dos faftos.

C A P I T U L O L

l^atureza do Commercio , do Dinheiro de todas as coufas venaes.

i3i

A' Igreja toca propôr-nos , com a explicação das Sagradas Efcritu- ras 5 e com as Doutrinas , aífim dos Santos Padres , como de outros Efcri- tores Ecclefiafticos do maior conceito ^ as regras do Moral Chriftão. Mas a applicação deíTas regras aos ca- fos particulares dos negócios humanos depende não pouco do conhecimento pratico dos mefmos negócios. Hum dellcs he dar dinheiro a juro. ^ E em que confifte efta acção , fenão em ven- der o ufo fruto do dinheiro por preço

de-

í"1

(8)

determinado, e por tal, ou qual tem-, •po ? Efta definição não pôde deixar de parecer cftranha , ou fufpeitofa , aos que não tem toda a pratica dos nceo- Cios de inrercíTe. Por tanto , para a acclarar , e para demonílrar que e!la não he arbitraria , fenao exaílamente conforme ao objefto de que fe trata , he neceíTario entrar em alguma difcuf- são fobre a origem , e exercício do commercio.

Todos os bens próprios para o ufo neceíTario , commodo , e do regalo do homem , ou são extrahidos da ter-r ra, e do mar por meio da agricultura, da mineração , e da pcfcaria ; ou saa cultivados, melhorados, e aperfeiçoa- dos pelo trabalho , e pela indultria dos homens. Não reprovemos ligeiramen- te efta iaduftria , de que os mais delles fe fuftentão , em quanto não fe defviár da juftiça. Se os homens fe accommo- dalTcm com o que he rcftriftamcntc neceíTirio para viver , fim he crivei que ferião mais innoccntcs os fcus cof-,

tu-

(9) tutnes ; mas em tal cafo , pouco fe ex- tenderia a povoação do Mundo , e mui- to limitado feria o entendimento hu- mano. Efta propofiçâo fe prova de fafto com o pequeno numero , com a barba- ridade 5 e com a fraca intelligencia dos habitantes , das vaftiífimas terras inte^ jiores da Africa , e da America. Per- mittio a admirável Providencia do Su- premo Creador, e Governador do Uni- yerfo , que os homens achaíTem , e ap^- peteceíTem também os bens próprios para o maior commodo ^ e até os fu- perfluos para o regalo. ^ Quem pode comprehender os impenetráveis deli- gnios da Divina Sabedoria ? Com tu- íJo , não parece temeridade difcorrer para noíTa edificação , que o motivo da^ quella liberal difpofiçao fera a maior gloria de hum Pai tão amorofo , em ter mais filhos que o adorem , e em correfponderem melhor ao feu amor, aquelles que lhe querem fazer ovohm- íario facrificio de fe privarem dos bens próprios para o regalo, ou ainda para

o

.i'*1

!i

C IO)

o maior cominodo , depois de os co- nhecerem, e de os terem á fua difpofi- ção.

Não pode cada homem cultivar, e fabricar todas as coufas que neccílira para o fcu próprio ufo ; nem pode ira- balhar bem fenao em poucos objedlos: alias, de cada hum delles pode hum homem haver, pelo feu trabalho, muito maior quantidade da que lhe he neceíTaria para fi, e para a fua familia. Por tanto , era neceíFario que clle tro- caífe , ou pcrmutaífc o que lhe fobeja pelo que lhe falta ; e eis-aqui a ori- gem , e a natureza do commercio , o quaj confiftc propriamente na permu- tação, ou troca das coufas qucfobejao, pelas que fe hao de mifter.

Também a infinita variedade das producções da natureza , e do trabalho dos homens fe acha repartida em to- do o Mundo; de tal forte, que hc pre- cifo ir de hum a outro lugar para ha« ver algumas ; e caminhar milhares de ícguas para alcançar muitas delias.

Era

ãmÊÊ

( ")

Era bem diíEcil que o lavrador deixa ^- fe a miúdo o arado , para ir procurar o vinho onde elle fe cultiva , ou o pan- no onde fe fabrica. Era impoíEvel qu^ hum homem cultivando , ou tecendo em huma Provincia , ou em hum Rei- no, foíFe a outra região diftante , para alcançar o aíTucar, ou a pimenta. Da- hi reíultou que vários homens fe de- dicarão ao particular emprego de tra- tarem deíTas permutações, encarregan- do-fe do trabalho , e dos rifcos de dif? tribuirem por huns os géneros que fo- bejão a outros. fe que o in- centivo do lucro podia fazer perma- nente, e regular efte exercício; o qual he tão licito nos que opraticão, como he no obreiro o pedir o falario do feu trabalho ; e tão útil para os que não são commerciantes porofficio, que fem o foccorro dos que o exercitao , não poderião os outros continuar proveito- famente nos feus empregos , nem ter çommoda fublíftencia.

P lucro dos negociantes he lici- to.

( I^ )

to, ainda quando elles nao fazem mais do que trocar no mefmo afto huma por outra mercadoria ; porque eíTe lu- cro fe compõe do ílilario do fcu traba^ Jho ; das defpezas que fazem , affim cm beneficiar os géneros em que nego- ceão, como em os tranfportar de huns a outros lugares; e do premio do rifco que correm na deterioração dafua qua- lidade , e em fe perderem por algum flccidente , em. quanto os nao vendem. Mas o que de mais a mais fuccede fre- quentemente, he demorar. fe-Ihes a en- trega do género , que devem receber em troco do que dao. Demos que o lavrador haja de recolher o fruto da fua fementeira em Julho ; e que em la- nei ro neceílite do panno para fevcífir: fe então lho fiarem para dar ofeu equi- valente dahi a fcis mczcs , he certo que rccc^bcrá como fivor cila confian- ça ; e não hefitará cm ic obrigar a fa- tisiazer com alguma maior porção de trigo , da que dera no afto do ajuftc da troca , fe então tivera o trigo. O

mcf-

( 13 ) íiiefmo fuccederá ao ferreiro na com-* pra do ferro em barra , para fazer as obrav<í que nao pode acabar , fenao da- M a algum tempo. O mefmo ao car- pinteiro 5 çí' a qualquer outro officiaL Finalmente , igual neceffidade terão, em infinitos calos , muitas pelToas de todas as qualidades ; e confequentemen- te os negociantes rerao a mefma ne- ceffidade de íiar as fuás mercadorias para lhes dar fahida. Em taes circum- ftancias lhes accrefce o rifco deíTa con- fiança 5 e o perjuizo de não poderem continuar a commerciar com aquelle género de que fe lhes demora a entre- ga y em quanto o nao recebem. Eftes inconvenientes fazem licito aos credo- res o maior preço , que por eíFa razão alcancão dos devedores ; e he bem conforme â juftiça , que os devedores fatisfação o commodo que receberão, aos credores que lho derao com o feu defcommodo.

Delia expofição da natureza do commercio ^ e da profifsão meicantil,

I

( 14 ) íe tirão as fcguintes confcquencias.- 1/ Que o commercio he eíTcncialmen- te provcitofo á vida humana. 2/ Que o lucro dos commcrcianres, em geral, e igualmente o maior lucro que clles percebem em razão do fiado , são lici- tes pela fua natureza. 3/ Qiie o exer- cicio do commercio não fe reftringe nos commerciantes, naquella claíTe de ho- mens y que particularmente fe empre- gão em commerciar para outros , com o fim de tirarem dahi o feu lucro ; fe- não que todos os homens, quepolTuem alguns ^bens , são preciílidos a fazer delles permutação, e a commerciarem ao menos para íi , fem o que eíTes bens , ou a maior parte delles , lhes feriãa inúteis : e aífim he verdade dizer-fe , que todos os homens negoceão, ainda que não fejão negociantes por ofEcio. Vejamos agora quaes são particular- mente as opemçoes do commercio , c

avenguemos

a legitimidade de cada

huma delias.

Sendo o commercio eíTcneialmca

te

te huma. permutação , efta fe fez nos primeiros tempos , trocando realmente o género que fóbejava , pelo de que fe carecia. Mas brevemente fe reco- nheceo a grande diíSculdade defte me- thodo 5 pelo incommodo que delle re- fultava 5 e pela multiplicada defpcza dos repetidos tranfportes dos géneros , de huns para outros lugares. Adver- tindo-fe , que muitas conducçoes fe po- dião evitar , fazendo mediar nas per- mutações hum género commum, e de ufo geral , o qual fervi íFe de penhor equivalente, e de preço geral dovalor dos mais géneros : derao as diverfas Nações em ufar para efte eíFeito de diíferentes qualidades de producções, efcolhendo cada Naçáo a que melhor lhe convinha ; porém mais commum* mente fervírão os gados de geral repre- fentação. Por exemplo: Huma ovelha pagava quatro covados de panno , ou oito alqueires de trigo. O aluguer de huma cafa valia duas ovelhas , que tal fe coníidcrava fer o preço do aluguer,

O

C r6) O falario annual de hum artífice , oií de hum trabalhador, era fatisfeito com dez ovelhas. Ncíies cafos , as ovelhas intervinhão , como valor equivalente^ em todas as permutações que fe fazião: erão o preço com.mum de todas as mercadorias , e ferviao para o feu pa- gamento ; finalmente, reprefentavão a valor comparativo de todas as coufas venaes.

Continuando-fe a regular o com- mercio, fe reconheceo que os metaes^ efpecialmente o ouro , e a prata pe- la fua confiftencia , e outras particula- res qualidades , eráo os géneros mais próprios para aquella reprefentíição equivalente. Fizerao-fe delles huns pedaços maiores, e menores; de deter- minado pezo , e qualidade ; marcados Gom algum fignal da authoridade pú- blica^ para ferem correntemente rece- bidos, fem neccílidade de maior exame que o da primeira vifta , os quaes sao aífim mais commodamente , do que outro qualquer género , tranfportadoa

de

( Í7)

de huhs pam outros lugares , e pagão mais ajuftadamente tudo o que fe com- pra. Tal he a origem das moedas cor^ rentes, as quaes , com nome genérico ^ chamamos dinheiro : o feu ufo vem a fer , reprefentarem ^ e pagarem com o feu eíFeftivo valor todas as outras cou fas commerciaveis , aílím como antesi' .m as repreíentavão j e pagavao as ovelhas, i^ Os Romanos efculpírão nas íuas pri- |A j meiras moedas huma ovelha , a que %i^ chamavão^^íTííj' ; e dahi procedeo o fi- carem chaman^lo Pecunia^ á moeda \ corrente. Fazendo-fe eJía geralmente de cobre , de prata , e de ouro ; e con- fiftindo o ufo delles metaes não enií fervirem de moeda , mas também em outras obras próprias para o ferviço. dos homens, ou ellas fejão necelTarias, ou de luxo ; vem a ter o cobre , o ouro , e a prata hum valor próprio, e intrin- feco , fundado em grande parte neífa duplicada ferventia^ comovamos a de^ monftrar.

O valor de todas as coufas apre- B ci-

A

li

' M,l

il

ciáveis hc regulado pela cftimaçao dag homens 5 ifto he , pelo conceito quecl- les fazem refpeâivamente de cada hu- ma. Efte conceito fim pode accidental- mente fer incerto , pois o são todas as opiniões dos homens ; porque humas vezes ellas são determinadas pela natu- reza dos objeflos , e em tal cafo pela razão ; e outras vezes pelo capricho , pelo appetite , e pelas paixões , das quaes elles não fazem fempre o ufo que deverão. Mas não obftante efta ac- cidental incerteza, fempre a eftimaçãa regularmente eftavel do valor dos gé- neros commerciaveis, he naturalmente derivada , e vem a fer fundada neftas três circumftancias ; a faber : i.*' O maior , ou menor trabalho que ha em extrahir , melhorar , ou aperfeiçoar o género. 2.' A fua maior , ou menor quantidade. 3.' O maior , ou menor XI fo que delle> fe faz, A combinação deftes três motivos determina infeníí- velmentc o conceito das gentes , para dar o valor a cada couía ^ e cfte fe

cha-

( tp )

tíiama Valor intrinfeco , bem qtie áeJc-* prefsão não feja exa£la ; porém eíTe he o nome de que geralmente feufa. Def- ta regulação procede que a agua ^ fen- do objefto do maior ufo , e da primei- ra neceíEdadej com tudo, porfer mui- to abundante 5 e muito facil de alcan- çar, não cufta mais do que o preço do trabalho ^ de quem a traz da fonte até a cafa : e que dos diamantes y pelo grande trabalho que ha em os extra- hir, e lapidar 5 e o muito que de cada pedra fe perde nefte beneficio , vale o pequeno pezo de hum quilate , de trinta mil féis para fima ; porque não obftante que efte género não he de al- guma neceíEdade para a vida , nem pa* ta o commodo , delle fe faz ufo em razão da magnificência. O ouro , e a prata terião alguma menor eílimação, fe os não fizeíTem fervir de moeda cor- rente ; porque neíTe cafo terião hum menor ufo , e fervirião tão fomente pa^ ra as outras obras , em que também ^gora fe empregão. O feu valor feria

Bii a

t'

(í,'ll !

(20)

O mefmo que agora he , a refpeito ão que cuftão a extrahir das minas , e â fua maior , ou menor quantidade ; e feria menor relativamente á menor ne- -ceílidade do feu ufo. O cobre , ainda que delle fe nao fizeíTe ufo na m^oeda, ■pouco, ou nada menos valeria, porque a fua quantidade neíTe ufo he iníignifi- cante , comparada com a maior ferven- tia que tem em outras muitas obras.

Eftabelecido pois no commercio o ufo geral do dinheiro , vierao as per- mutações a ter diverfos nomes , con- formes ao differente modo, porque el- las são convencionadas , ou fe execu- tão. Quando a permutação he de hura género por outro, fem que intervenha dinheiro , fe chama troco. Quando he de qualquer género por dinheiro , fe chama venda; com efta differença, de que quando fe cede para fempre a propriedade da coufa que fe , para receber o pagamento do feu valor em dinheiro , ou logo, ou com efpcra de tempo determinado , cm tal cafo con- ... fer-

( ^r ) ferva efta acçáo o nome de venda. Tal he a venda de humas cafas , de huma quinta, e de qualquer mercadoria. Po- rém quando fe cede, nao a proprie- dade , mas fomente o ufo fruto da coufa que fe entrega , por tempo de- terminado , para fer reftituida depois delle , eftimando-fe aqiielle ufo fruto a dinheiro , que he o preço commum de todas as coufa s; então fe chama particularmente a efta acção , alugar. Xal he o aluguer de hum cavallo , de huma carruagem , de humas cafas. Em certas coufas , que tem rendimento próprio, fe ufa no mefmo cafo da pa- lavra , arrendar : arrendar huma terra de femeadura , hum moinho , hum olival. Ainda que a coufa fe aluga, ou fe arrenda , e não fe vende , porque ha de fer reftituida ; com tudo he eviden- te que fe vende o feu ufo fruto, avalia- do em hum certo preço. Em vez arrendar, ou alugar, fe pode fem im- propriedade dizer empreitar, vifto que a: coufa deve fer reftituida. Não he ef-

te

m

C 22 )

te cmpreílimo gratuito , fenao empref- timo intereíTado : hum , c outro em geral dependem da vontade , fem fer contra a juftiça. Tudo ifto fe entende das acções próprias do commercio : fo- ra delle fe pode dar , fe pôde ceder gratuitamj^^nte , e fem pertender paga- mento; não a propriedade para fem- prc de qualquer çoufa, mas também o feu ufo fruto por tal , ou qual tempo , com a obrigação de fer rcflituida. Mas efta cefsão gratuita não he troco, nem venda, nem aluguer, nem arren- damento ; he pura doação da coufa principal ; ou he empreftimo gratuito da coufa principal, e doação da accef- foria , ifto he, do feu ufo fruto. Eftas acções de nenhum modo pertencem ao commercio, fenão á beneficência , ou á caridade chriftã : lembre-nos fcmprc cfta natural diftinção para evitar equi- vocações.

Applicando agora eftes geraes prmcipios , não cogitados arbitraria- mente^ mas com toda a cxacção dedu^

( 23 ) giidos da natureza das coufas , â acçaa de dar dinheiro a juro , fe reconhece que ella não confifte em outra coufa, fenão em alugar o dinheiro , e vender o feii ufo fruto. Nefte contrato não ha fimulação , nem falfa fuppofição, nem outro algum defeito , que o poíTa fazer nullo, ou injufto. fQue coufa he ven- der ? He permutar huma coufa , que fe cede para fempre , por outra que fe recebe, ou ha de receber. ^' São cou- fas effeftivas as que fe permutão nefte contrato , ou são fuppoftas , e imagina^ rias? Por huma parte fe faz evidente, que o ufo fruto do dinheiro he huma coufa effeftiva , a qual tem o feu preço também , ou ainda m.elhor do que , por exemplo , o ufo fruto de humas cafas ^ de huma terra defemear, de hum moir nho ; porque com o dinheiro fe podem comprar as mefmas cafas , a mefma terr ra , o mefmo moinho , os quaes frufiti* ficão , e dão rendimento continuado; Por outra parte , também he coufa ef-t feftiva^ e não imaginaria , a que fe rej \ ce-

(^4) cebe, ou ha de receber cm permutação daquelle ufo fruto , pois que he tam- bém dinheiro. Que efte contrato feja jufto 5 igual para ambas as partes , e licito, o faz evidente a fua mefma na- tureza. ^'PoíTo eu vender o que he meu? Ninguém o ha de negar ; c íca demonftrado que vendo huma cou- fa 5 que tem valor effeftivo , e não imaginário. ^ Pôde aquelle que me compra o ufo fruto do dinheiro, lucrar com elle tanto , ou mais do que fe obnga a pagar-me por elTe ufo fruto ? Não fe deve crer que fim , pois ellc voluntariamente , e fem algum conf- trangimento convém comigo do pa- gamento do ufo fruto que me compra; mas de fafto he aílim, porque a expe- riência diária dos negócios de intereífe prova fem a menor duvida que com di^ nheiro fe adquire facilmente mais di- nheiro. ^ Onde eftá neftc negocio a fi- mulação ? Onde efta a falfidade? Qual he o defeito? Em que confiíle ainjufti-

Por

•^.^^Êm

( 25- ) Por mais que fe coníidere , e tor^ ne a confiderar , não fe acha refpofta contraria a eftes argumentos ; nem o entendimento pode apartar-fe da con- vicção interior , em que o tem confti- tuido as razões expendidas nefte Capi- tulo. Por tanto , tão pouco he poíEvel deixar de entender que o lucro do di- nheiro empreitado por negocio, he de fua natureza licito ^ que he tão licito, como a renda de huma terra de femear ; como o aluguer de humas cafas; como a venda de huma fazenda 5 que fe cede a troco de dinheiro. Se ha , ou podem haver razões maiores , que convenção as que fe tem expofto , feria de grande importância que fe fizeíTem publicas , para cortar de raiz os damnos que ain- da refultão de fe ter na efpeculação o juro do dinheiro por naturalmente in- jufto, e peccaminofo ; e de ^ reputar licito na pratica. Entre tanto, não po- de deixar de parecer evidente , que fendo o juro do dinheiro intrinfecamen- ti^ licito y pela fua natureza j eíta legi-

ti-

limí

■1^

( 26 )

timidade , confiderada em geral , náo depende da opinião , fcnao que he ma- téria de fafto : que a íua decisão não pertence ao poder Ecclcfiaftico , nem ao Temporal : que a hum , e outro to- ca fomente regular por Leis pofitivas os cafos em que deve fer limitada aquella regra geral, e aquelles em que he licito de levar juro : e que ao poder Secular toca particularmente determi- nar , e prefcrever o preço do juro do dmheiro, o mais, ou menos que no próprio citado fe deve pagar o feu ufo fruto.

CAPITULO n.

o Jíiro do dinheiro he jiiflamente autho* rizado pela Lei Ci-cil.

COnfiderando o juro do dinheiro, a refpeito da neceílidade dafubfif- tencia dos homens , na fociedade Po- litica, a qual por conftituir huma par- •te muito coníldcravcl da bclleza moral

"do

,( 27 ) áo Mundo j devemos crer , e fe acha poíiriva mente declarado nas Divinas Efcrituras , que he ordenada pela Al* tiffima Providencia : examinemos pri-^ meiramente quafes feriao as confequen- cias que houverão de refultar da pro- hibição do juro do dinheiro na fua generalidade. Não fe poderá vender fiado por maior preço do que a dinhei- ro de contado. OsChriftãos não pode^ rão licitamente commerciar ; pois que ocommercio não pode eíFeituar-fe con- tinuadamente 5 fem empreftimos inte^ reíTados , e fem lucro equivalente , não do trabalho , e do rifco , mas também da demora do pagamento. Não fe po- derá trocar o fuperfluo pelo neceffario* Os frutos da terra , e do mar , e as obras do trabalho dos homens não po- derão ter prompto-^ e útil confumow Não haverá fahida delles, de huns pa«- ra outros Eftados. Não fe poderão con- tinuar a lavrar as terras. Não laborarão os artífices. Não poderá huma Nação 4efender-fe de outra, que lhe for ini;^

( 2S )

miga , fe fcguir diverfo fyilema. Naa haverá meios para fazer obfervar a or- <Jem, a policia, e a juftiça. Nao os ha- verá para as gentes poderem fubíiftir, fenão com infinitos incommodos. A vaítidáo do Mundo ferápizada por pou- cos habitadores , quafi irracionaes. O género humano fera pouco fuperior na intelligencia, e no raciocinio aos ani- mães brutos ; e nos feus bárbaros cof- tumes fera fem.elhante aos falvages das terras ultimamente defcubertas. ^-Sao 'eftas confequencias deduzidas natural- mente humas das outras, e todas deri- vadas daquelle geral principio ? A ra- zão , e a experiência aflím o perfua- dem. ^iHe itto o que a Divina Provi* <3encia quer de nós? Parece que não.

Se fe diíTer que por eíles motivos j -O juro do dinheiro he tolerado , em í razão do commercio, dahi não fe pode entender outra coufa , fenão que fe tem por neceflaria a inobfervancia de hum preceito Divino , para que os homens poftão cxiítir no Eftido Civil. ^ E que

ab-

( ^9 ) abfurdo pôde haver maior que effe? Diz-fe que a prohibiçao de dar dinhei- ro a juro fe deve entender com a ex- cepção doS commerciantes : em tal cafo fe confeíTa que a prohibiçao não he geral. ^*Mas que tal excepção heaquel- la (alias arbitrariamente imaginada) que comprehende todos os cafos em que pode recahir a prohibiçao ? A ac- ção de dar, ou tomar dinheiro a juro, com o fim de lucrar por elle , ou com elle , conflitue negociante accidental áquelle que o não he de oiEcio. Toda a peflba que poíTue alguns bens , fe acha na precisão de negociar para fi, ainda que o não faça para outrem, co- mo jâ fica demonftrado. Além do que, os negócios dos commerciantes taes fe achão travados com os intereífes de to- das as outras qualidades de peflbas ; dos fenhorios , e cultivadores das ter- ras ; dos fabricantes, e artífices ; do Erário público ; e até do Eftado Ec- clefiaftico. Não he pollivel permittir o juro do dinheiro a huns , fem o per-

mit-

M

( 30) íníttir a todos. Logo, no fyflema fup- pofto, aquella excepção nau hc admif- fivel , porque por ella viria a ficar in- teiramente illudido o cxfeito de hum preceito Divino.

no Capitulo antecedente fe de- monftrou , ao parecer com toda a evi- dencia, que a acção de dar dinheiro a juro coníifte eíTencialmente em vender o feu ufo fruto. O dinheiro he hum género commerciavel , como outra qualquer coufa das que tem valor pró- prio, na eftimação dos homens. ^-QLiem poderá negar cfta propofição.^ Somente quem pela commua preoccupaçao de não attribuir ao dinheiro mais do que a qualidade dcfigno arbitrário do valor das outras couílis vcnaes , nao lhe con- fiderar a qualidade , que com cfFeita também tem, de fer equivalente deflas mefmas coufas que rcprefenta. ^;Se o dinheiro não tivcíTe o valor intrinfeco, que tem os mais géneros commercia- veis , como era poíllvcl que na conti- iniação dos feculos a experiência não

hou-

ã.

houvefle defenganado aos homens da futilidade de hum penhor que por li nada valelTe ? Muito pelo contrario , no conceito geral y o ouro, e a prata sãa mais eftimados do que os outros géne- ros ; e efta eílimação he fundada não em ferem raros eíTes raetaes ; em cuftarem mais que os outros a extra- hir, e purificar 5 nafua maior confiften- cia, e na ferventia que tem aíEm para o ufo commodo , e feguro da moeda corrente , como para obras do ferviço das peíFoas abaftadas. Mas principal- mente he fundada aquella maior efti- mação na ficilidade , e promptidão com que fe alcançao com o ouro , e a prata todos' os mais géneros , que os homens podem appetecer ; o que nao fuccede affim com qualquer outro.

G ufo do ouro , e da prata fim foi arbitrário , em quanto à efcolha do fi- gno reprefentativo , pois que em ou- tros tempos fe fizerão intervir diverfos géneros nas permutações ; e ainda ho- je^ em algumas terras menos^polidas^

dbá-.

( 3^- ) e de menor commercio, feufa dafola, doscauris, ou búzios, e de outras iner- cadorias para aquella reprcfentaçâo ; mas o ouro , e a prata são tanto mais adequados para eííe cffcito , que por não fe haverem achado outros géne- ros, igualmente próprios, fe pode di- zer que o ufo daquelles he ncceíTa- rio. Logo fe o dinheiro , como figno , tem hum valor reprefentativo , que a experiência tem feito neceíTario, ainda he menos dependente da vontade ofeu valor eíFeftivo , fuppofta a geral opi- nião dos homens aelle refpeito, a qual não fe pode confidcrar arbitraria , pois que he fundada na natureza das cou- fas, como fica demonftrado.

Sendo pois o dinheiro huma mer- cadoria , hum género venal , como ou- tro qualquer, he igualmente certo que elle ha de valer mais, ou menos ^ con- forme aos diverfos accidentes do com- mercio. ^ Pois que , me dirão , o dinhei* ro , fendo hum figno reprefentativo, também fuccede valer mais y ou me- nos?

MM^

l 33 ) nos? Quem pode duvidar do que a ex- periência tem feito evidente ? No an-- no de 1499. valia nefte Reino o ouro puro 5 feito em moeda ^ a 404. reis a oitava; (i) e valia o alqueire de trigo vinte reiSi (2) A eíle refpeito ^ huma oitava de ouro puro era equivalente de 20. alqueires de trigo. Hoje vale em moeda a oitava de ouro de 22; quila- tes léoo. reis ; o que correfponde a 1745-. reis a oitava de ouro puro ; e vale o trigo a 400* reis o alqueire ; com o que vem a fer equivalente de pouco mais de ^* alqueires de trigo, huma oitava de ouro puro : donde re- fulta valer hoje o ouro fomente a quin- ta parte do que valia naquelle tempo j

C pois

(i) A moeda de ouro 5 chamada Portugue%^ feita em 14^9, era do toque de 24 quilates , e corria por 10 cruzados , ou 4000 reis. Dam. de Góes Hiílor. de ElRei D. JVlanoel Parte iv. Cap. Lxxxvi. O Portuguez devia pezar i on- ça ^ i oitava, e 64 grãos e meio , fegundo a Lei de 1560. Hiílor. Geneal. Tom. iv. Cap. vi.

(2) No anno de 1495 Garcia de Rezend» Chron» ÚQ ElRei D. Jgáo 11. Cap. xxi.

( 34) pois que então bnftava a oitava pam pagar 20. alqueires; e hoje sao necel- lanas para o meímo cíFcito 5. oitavas. Dcfta baixa da eíli mação do ouro , que procede da muito maior quantida- de que delle ha, depois da dJfcuberta da America ^ fe reconhece que efte género he fujeito aos accidcntes variá- veis docommercio, aíllm como os mais géneros : bem que por fer aquelle o que ferve de comparação , fe fuftenta mais tempo fixa a fua elHmaçao, que a dos comparados ; mas não deixa de fer verdade , que , como mercadoria , ofeu valor intrinfeco he fempre variável. Igualmente o ufo fruto do dinheiro, fendo acceíTorio do dinheiro , tem a mefma natureza que efte tem , de fer mais caro , ou mais barato, conforme aos accidentes do commercio , dos quaes he fempre o principal o da ou menor abundância. Nos tempos antigos, c ainda ha poucos Sé- culos , o preço mais moderado do ufo fruto do dinheiro foi geralmente de 10.

pa- /

( 3^ pafa íl. por cento ^ porque iiao íiatiá tanto dinheiro como ha hoje. Agora %^ale de 5-, a ó. por cento em Portugal ^ Caftella, França^ Itália, e Alemanha; e vale a 3. e a 2. e meio porcento em Inglaterra, Hollanda , e Flandres, on- de ha ainda maior malTá de dinheiro corrente ; ou para fallar com maior propriedade , onde o feu giro he tão accelerado, em razão do credito públi- co , que reprefenta no commercio hum valor muito maior, do que reprefenta- ria em outros Eftados igual maíTa de dinheiro.

De ferem aíTim o dinheiro, como o feu ufo fruto coufas venaes , e fujei- tas â inftabilidade que ellas tem todas no feu valor , refulta a confequencia innegavel, que não efti no arbitrio do Soberano o fazer que o ufo fruto do dinheiro não tenha valor : iífo fora o mefmo que mandar , que os donos do trigo, da carne, e do peixe os deíTem gratuitamente a quem neceffitaífe de algum deftes comeftiveis. Huma tal

G ii Lei

o

.M

( 30

Lei dcflmlria de hum golpe n proprie- dade particular de cada individuo , quando a authoridade do Principe he principalmente eftabelccida para acon- íervar a todos. Também rcfulta por neccílaria confequencia daquelles prin- cipios, que não ellá totalmente no ar- bítrio do Soberano o maior, ou menor preço do ufo fruto dinheiro ; o tanto , ou quanto do juro; porque eftc he antes regulado pelas circumftancias do com- mercio , nas quaes he que os Politicos fe fundão para o eftabelecimento do preço legal do juro do dinheiro. De fafto affim fuccede em todos os Efta- dos 5 ainda que pareça o contrario aos que não tem a neceflaria experiência , ou não fazem toda a reflexão na prati- ca dos negócios : o que feria fácil de provar com razões evidentes , e com os exemplos de todas as Nações , fe cila matéria, alias fufccptivel de muito maior explicação para fcr vulgarmente entendida, não fo'lc, como he , alheia do prcfcnte allumpto.

Po^

(37) Poderá dizer- fe , que fenao de- pende da vontade do Soberano , o fer maior, ou menor o juro do dinheiro; ^ porque razão fe não deixa ajuftar o feu preço â avença das partes, affim como o das outras mercadorias ; e para que fe promulgão Leis , determinando o pre- ço do juro ? Refponde-fe , que as Leis fe dirigem tao fomente a taxar o preço do juro, que fenão deve exceder; por- que fendo elle de fua natureza mais permanente , também he fufceptivel deíía regra geral , a qual he muito difficultofa de eílabelecer em. outras coufas commerciaveis pela diária mu- dança das circumítancias ; mas ainda affim nas povoações menores coftama a authoridade do Governo regular a miúdo no mercado público os preços dos géneros mais neceíFarios. Além do que , he conveniente aquella regra ge- ral 5 para que nos Auditórios da Jufti- ça fe decidao por ella as contendas relativas ao ufo fruto do dinheiro ; e nos Eílados Catholicos he igualmente

ne»

^^r1

Iplíl

Mi Ml

C 38 )

neceflaria para o foccgo das confcien- cias , e para que pofsao , os que as hão de julgar , rcgular-fc pela Determina- ção da authoridade pública. Em vários Reinos feiYe de regra geral , para o ju- ro licito do dinheiro 5 o preço por que o paga o Soberano. Nefte Reino ha demais a mais huma Lei pofitiva , pa- ra que fe não poíHi pagar por mais de finco porcento. NosEftados maiscom- merciantes, o preço corrente do com- mercio he o que ferve de regra 5 aíTim para os particulares , como para o Prin- cipe. Em Inglaterra , fendo o preço corrente do commercio a 3. e a 2. e meio por cento , o Eftado o vem a pa- gar a 6. e a 7. , porque a fua grande divida faz prefumir maior rifco, e não acha quem lho empreite por menos.

De todo o referido fc faz eviden- te que o juro do dmhciro hc pela fua natureza hum objefto de commercio intrinfecamente licito; que os Sobera- nos não podem deixar de o permittir; e o que fazenj com as fuás Leis não

he

•.^.i^

( 39 )

ik^

he outfa coufa , fenão declarar o feu juíío preço ^ para que os não inteiii- gentes não fejao peijudicados pelos ufurarios. ^ Além de. que , quem pode com razão duvidar de que em hum ne- gocio puramente temporal , qual he efte, não fejão os Principes temporaes os que tem toda a authoridade neceC- faria para legislar nelle; e não bailem as luas Leis para obrigar a todos, aílim no foro interno , como no externo ? Com tudo 5 não são poucos os que , por huma notável preoccupação , du- ridãoj e feoppoem a huma verdade tão evidente. Porém os melhores eftudos , que de alguns aonos para ca tem alu- miado a efte Reino , vão desfazen- do a névoa do confafo conceito que por muitos tempos tem havido fobre o legitimo poder do Soberano j a ref- peito da determinação do juro do di- nheiro. Jâ fe vai reconhecendo como regra geral ^ para o focego das con- fciencias , a Lei que em Portugal per- mitte o juro a finco por cento. Ulti- ma-

!J|1Í

mL.

J VlA/V

WA

( 40 ) ^

mamente fahio ao público Iiuma Dif- \ ImiçaoTlicologo-Juridica, efcrita pe- jo P. M. Fr. Manoel de Sanra Anna Braga, Menor Obfcrvante , na qual ef-. te Religiofo ellabelece eíTa doutrina com folidas razões : prova bem a legi- tima authoridade que tem o Príncipe temporal para legislar nefla matéria; e conclue com a regra geral , de que huma vez que o juro he permittido pelo Soberano, o juro he licito fem a menor repugnância. Mas ainda aíTiin he^de recear que eíla judiciofa DiíTer- tação , allim como a doutrina que nel- Ia fe cftabelece , não fejâo baílantes para o geral focego das confciencias, em qujinto fe não acciarar de todo , que não he pofitivamente prohibido pelas Leis Divinas o juro do dinheiro em geral , porque entre tanto fica exif- tmdo a defconfinnça de que poíTa fcr licito o que prohibe a Religião.

CA-

'

(41 ) CAPITULO

IIL

Se o Juro do dinheiro he prohihido pelas Leis Divinas ?

EM muitos lugares do Teftamento Velho he reprovada a ufura com a maior vehemencia ; a faber: no Êxo- do 5 no Levitico , no Deuteronomio, no IV. Livro dos Reis , nos Provér- bios 5 no Eccleíiaftico , nos Profetas Ifaias ^ Jeremias, EzequieL^ e Amos, e nos Pfalmos. Em quanto ao Novo Teftamento , parece que muito por a- caio fe trata nelie defti matéria. Fal- 3ando em outro propoíito , diíTc Jefu Chrifto 5 noíTo Divino Meftre , e Re- demptor , no admirável Sermão , refe- rido por S. Lucas : Mutmim date 7iihil inde fper antes '^ efegundo refere S. Mat- theus : Volenti mutuar e à te ^ne averta- ris. Aílím eftes textos , como os do Ve- lho Teftamento , sao entendidos mais geralmente como declarações formaes ide que o juro do dinheiro he de fua

na-

mm

má^^.

( 42 ) natureza injaílo, e pcccnminofo; por- que a palavra mutuo k traduz em Por- tuguez pela de cinprefiimo , o qual fc entende que deixa de ofer, fc he iiuc- reffado, e n-ío gratuito. Também a pa- lavra ujnra em outros tempos fignifica- va geralmente o avanço do dinheiro, ouelle foíTejufto , ou injufto ; bem que ás vezes , e ainda na maior anti- guidade , le ve que igualmente foi entendida, como agora he, pelo avan- ço illicito do dinheiro.

Os mais dos Theologos Catholi- cos aíTentão em que os textos das Sagradas Efcrituras, que fallao da ufu- ra , e do mutuo , não fc devem enten- der em outro diverfo fentido que no de condcmnarcm em geral o lucro do dinheiro : tacs são a maior parte dos noíTos , dos Hcfpanhoes , dos Italia- nos , c muitos dos Alemães , e dos Francezes. Entre eftes fe declararão geralmente por eíTa opinião , e forão notavelmente rigorofos contra o juro do dinheiro , os do partido oppolto

aos

'^hÈ^

I l

( 43 )

aos Jefuitas , pelos quaes erao todo^ fem diftinção chamados Janfenifias ; fendo aliás vários delies dos mais ref- peitáveis Letrados do Século paílado. Taes forão Pafcal , Nicole , Arnaut , Dugué, e outros geralmente reputados por fabios da primeira ordem. Talvez que a paixão que tinhao contra os Je- fuitas, cujo moral não pouco relaxado excitou o ardente zelo deíTes feus ad- verfarios , entraíie de miftura nas opi- niões rigorofas que eftes tiverao a ref-^^ peito do juro do dinheiro. O que pa- \ rece certo he , que a grande condef- | cendencia dos Jeíuitas ncfta matéria , \ não deve fervir de exemplo para per- fuadir a fua legitimidade : aíEm porque a intelligencia que elles derao aos tex- tos da Efcritura Sagrada , relativos á ufura , e ao mutuo , foi a mefina que lhe dao mais geralmente os outros Theologos ; e a fua largueza confiftia na extensão dos diverfos titulos alheios do mutuo , pelos quaes ampliavao de- ixiaziadamente o preço do juro do di-,

nhei«

m

,!?«'''■

w%

( 44)

nheiro; como porque o fopro daquclla Sociedade cxtincta era indiffcrcntc- ménre quente , ou frio , íegundo o re- queriiío as accidcntaes circumílancias da faa Politica arti£ciofa : ; Mifeiavcl politica 5 com a qual crrad.i mente cn- íendiao de fuftcntar o edifício da ver- dadeira Religião , que tem por íir- iniflima bafe a ; affim como para governar os negócios temporacs, mui- tos preferem cíTa pequena politica á grande arte de unir a verdadeira pru- dencia á exafla probidade!

Nao obftante aquelhi geral opi- nião , vários Doutores de França , de Flandres , de Alemanha , e de outras partes , reputados por Orthodoxos , entendem diverfamente os textos das Sagradas Efcrituras , que fe applicao contra o juro do dinheiro , e nao o tem por naturalmente injuílo. Mas os Portuguezes, Flefpanhoes, e Italianos confião pouco, em quanto á pureza da Religião, dos efcritores daquellas ter- ras , onde mais tem graflado as he»

rc-

(40 ' yéfias 5 e os fazem ter por fufpeitofos. Parece que não fe aclião nos termos da mefma defcònfiança os Italianos, dos quaes he mais notável o Marquez Scipião MaíFei , de Verona , que deo á luz hum Tratado 5 intitulado: Delf Impiego dei danar o , impreffo em Ro- ma , e dedicado ao Santo Padre Bene- dito XIV. Não confca, que eíle iliuftre Efcritor foíTe mais increpado na pu- reza da Religião ^ fenao he a refpeito da matéria de que fe trata. Elle foi hum dos mais infignes Letrados defte Século ; fez hum. efcudo bem profundo nas fagradas Letras ; era não pouco izento de prevenções ^ ebaftantemente ioftruido dos negócios humanos, o que ordinariamente falta aos Theologos Moraliftas : por todas as razoes deve valer o feu voto pelos de muitos dei- les. He verdade que , na opinião dos Frades Italianos ^ teve o defeito ufar de cabelleira , e trazer efpadim á cinta ; mas o certo he que o habito não faz o monge ^ ainda que ao monge

fcni

-^■■" . ( 4. )

fcm habito ha muito tempos fe nao

credito.

O Tratado DelP Impiego dei dana- ro he cfcrito com huma vafta erudição ^ e ao que fe entende com muito judi- ciofa crítica; bem que o feu eflilo não feja dos mais correntes, por íe dirigir antes á elegância , do que á clareza. Nefta obra fe empenhou o feu Auihor em combater , como a hum notável erro commum , a opinicão de que o lu- cro do dinheiro he de fua natureza il- licito, em razão dos textos da Sagrada Efcritura , que voluntariamente fe lhe querem applicar. Pertende demonftrar que os dous textos antes referidos dos Evangelhos, examinados á luz de hum bom critério , e fem preoccupaçao , de nenhum modo fe podem razoavelmente entender do juro do dinheiro licito y| ou não licito. Qiie todas as declama- ções , que fe achao no Teftamento à Velho sao contra o lucro exccíEvo, ' que conftituia a ufura no fentido cm que hoje a entendemos ^ e efpecial-*

mcn-

l

A^ Ç

(?■

^t/V«M&-

(47 ) iTiente contra as ufuras que recahião nos pobres ^ pois que taes erao gerai- mente as que fe praticavão naquelles tempos. Que neíTas declamações, quaíi-. fempre á reprovação da ufura , fe junta por motivo o damno que ella cauía- va aos pobres. Que o avanço difcreto do dinheiro , regulado pelas Leis Ci- vis 5 e não extorquido do pobre , pela l iieceíTidade do fuftenro da vida^he^ad-^.^ mittido em m.uitos lugares do Velho 5, e do Novo Tefta mento 5 e aííignalada- mente na parábola referida por S. Mat- theus XXV. 27. Oportílit ergo te com- mittere pectmiam meam mimmiilarns ^ t^ ego 'veniens recepijfem titique ^ qtwd menm ejl ctim ujura, Qiie o mefmo refere fubfxancialmente o Evangelifta S. Lu- cas xix. 25-. Que nefte efpirito forão feitos todos os Cânones, e Fftatutos Ecclefiafticos a refpeito da ufura ; e que aílim a entenderão todos os Santos Padres Gregos , e Latinos ; e até os Theologos particulares do XIL XIIL ^ XIV. Séculos. Finalmente que a infí-

ni-

I -v

(4S )

nidadc de Efcritorcs Moraliftas do^ últimos Séculos , cíquadrinhando , e fubtilizando nimiamente em todas as matérias , he que as confundirão , e particularmente cila do lucro do di- nheiro ; de forte que as dividirão em muitas queftões problemáticas , incer- tas^ e não poucas vezes perigofas.

Muitos efcritos fahirão em Italii contra efte Tratado : alguns fe tem alcançado , dos quaes he o mais notá- vel Jium.do P. .Concina , intitulado: Efpcf.zicne dei Dogma j che la Chiefjí Romana propone a crederfi intorno V Ufii- ra 5 impreíTo em Nápoles cm 1756-. Parece que nenhum dos adverfarios diíTe coufa alguma fubftancial para ac- clarar a matéria em que fe difputava. O qne nelles mais fe nota he huma fliftidiofa repetição de argumentos ^ e de citações para provar que a ufura he prohibida, c que do mutuo não fe p()- de receber lucro , coulas de que nin- guém duvida ; confiftindo a queftão , cm que fcntido fe devem entender ef-

fes

sia

, htáC

( 49 ) ^ fes dons nomes. Demais a mais , adubados aquelles Difcurfos com clamações vagas , com alguns vitupe-^ rios 5 e com iníinuaçoes de herefias ^ que são as pedradas de que coUumão valer-fe aquelles j a quem falta a efpa^ da da razão para combater. Porém he certo que eíTes campeadores também ufárão com maior vigor de outra arma íííTás temivel ^ qual he a Carta Encycli* ca 5 que o Papa Benedifto XIV. eícre- veo aos Bifpos de Itália , com data do I* de Novembro de 1745'. j^ pois de publicado o Tratado do Mar-- quez MafFei , e pelo que fe alcança a elle baftantemente allufiva.

Nefta notável Carta eftabelece o fabio Pontifice os finco artigos , ou Decisões feguintes. i.'Que no contra- to mutuo he ufurario ^ e illicito o efti- pular lucro , ou cobrar em razão do mutuo mais do que fe deo* 2.'' Que não releva daufura criminofa odizer-fe que o lucro he moderado ; que he pa- ^o pelo rico 5 e não pelo pobre j que he

D pa-

6

r 5-0 )

pa^ra empregar o dinheiro ociofo m mão daquellc que o emprefta , com utilidade do que o toma emprcftado, dando avanço , porque neftcs cafos fe falta á igualdade , c por nenhum mo- tivo fe pode caufar damno a outrem. 3.° Porque não fenega que pode haver nos contratos , fora da natureza da mutuo 5 muitos motivos , que fução li- cito o avanço, ou premio do dinheiro, como também que podem haver mui- tos , e diverfos contratos em hum li- cito eommercio , ou de outro modo^ €m que não fe a circumílancia do mutuo, e nos quaes feja licito o lucro do dinheiro. 4.^ Que em qualquer qua- lidade de negócios o ponto eflcncial he obfervar a igualdade reciproca , c que não haja nelle mutuo expreíTo, ou palliado , porque havcndo-o , fe fe- gue a obrigação de reftituir. 5.° Que he falfo dizer-fe , que em todos os contratos de empreitar dinheiro ha fempre , para perceber delle avanço moderado , outros titulos Icgitimos,

ou

oii juntos com o mutuo, ou fem ellé| porque efta intelligencia he contraria ao fenfo das Divinas Efcrituras , e da igreja Catholica , no juizo qíie tem feito ufura ; e que ninguém pode negar que em muitos cafos são obriga- dos os homens a foccorrerem-^fe huns aos outros com ofímples mutuo ^ como N. Sfnhot Jcfu Ghrifto enílná em S. Matrheus : Volenti muttiare à te ne ãvertaris ^ (Itc

EJla Decisão da Igreja Catholica ^^ que íe applica contra o juro do dinhei- ro em geral , tanto q não condemna , que o declara licito em muitos cafos j mas como prohibe exprelTamente o lu- cro do mutuo 5 ou em razão do mutuo ^ ficou a quellão indecifa para os teimo- fos , os quaes para continuarem na fua porfia, fazem hum grande cafo do foin das palavras, e não querem dar atten- ção á fubftancia da doutrina. A deter- minação que delia pode refultar, aref- peito do juro do dinheiro , fe reduz á declaração da palavra mutuo y entendi- - D ii da

(50

da por empreftimo gratuito; e fica de- cidido que deílc einprcltiino fc não de- ve tirar lucro. Agora fe pode difcorrer aíEm : Eu não trato da fignificaçao da palavra mutuo , fallo de dar dinheiro a juro por intereíTe. Se eu cuidaíTc de empreitar gratuitamente , e no mefmo tempo entendeíTe de perceber lucro do empreftimo , eftas ferião duas intelJi- gencias contraditórias huma da outra. Quando cedo o ufo do dinheiro por certo tempo 5 eftipulando lucro , ainda íjue diga que ernprefto , fallo no fenti- do de empreftar por interelTe , vendo na realidade eíle ufo fruto por hum preço determinado. Em muitos cafos, aflim como nefte , fe ufa de exprefsoes equivocas , fem que ellas fcjão baftan- tes para mudar a natureza das coufas; porque a commua intelligencia lhes da o feu verdadeiro fentido. A minha in- tenção he de vender o ufo fruto , não he de o dar gratuitamente. Ifto mefmo entendem aquelles com quem contrato. As palavras são de reciproca conven- ção:

( S3 ) ção : Aquella exprefsao de empreftar a juro 5 vejo agora que não he exafta , pois fe toma em diverfo fentido do que pertendo dar-lhe : vejo que não explica bem a minha intenção : logo deve-fe emendar a exprefsao pela in- tenção 5 e não a intenção pela expref- sao 5 que eíTe fora hum evidente abfur- do.

Aqui fe me pode arguir de que pertendo illudir a Determinação do Preceito Divino 5 o qual he de empref- tar fem lucro. Refpondo que efte ar- gumento he mal fundado ; porque o preceito não he geral para prohibir toda a qualidade de lucro do dinhei- ro ^ como na mefma Carta Encyclica o reconhece o Summo Pontifice , quando diz na Decisão 5/ que ninguém pode negar que em muitos cafos.são obriga- dos os homens a foccorrerem-fe huns aos outros com o fimples mutuo. Quem diz em muitos cafos, não entende fol- iar de todos : e demais a mais , o fun- damento defta Decisão he o texto alie-

m

fii

mi

êâ, .

(h)

gado de S. Matthcus ; com o que a doutrina do noíTo Salvador vem alli claramente explicada pela obrigação de empreitar gratuitamente aos ne^ ceílitados , que he o que todos enten-» demos , com a condição fubentendida da poílibilidade para o fazer; e de ne- ' nhum modo fepóde fuppôr que o pre- ceito he geral para ceder gratuitamen- te, em todos os cafos , o ufo fruto do dinheiro que fe confia de outrem : não he applicavel eíTe preceito á acção de dar dinheiro a juro por negocio reci- proco de quem o , e de quem o toma.

Eftá decidido que o mutuo deve fer gratuito : difto não fe pode duvi- dar y pois que entendido o mutuo por empreftimo fem intereíTe , fe que não confente lucro. ;Mas que tem i/fo que ver com a venda do ufo fruto do dinheiro ? A condição cíTencial que fe prefcreve , he de obfervar a igualdade reciproca. fica demonftrado que cfla venda ^ eíFe contrato de dar o dinheiro

|4A

•^ jmo por negocio, he igual para am- foas as partes contrahentes*: que nelle não recebe damno , fenao proveito o que paga o avanço : que ahi não ha a menor injuftiça. Quanto á condição de que neíTe contrato não haja mutuo ex- preíTo 5 nem palliado, fe provou evi- dentemente 5 que o não ha na realida- de, nem o pôde haver, fenão na ima- ginação. jjSe na realidade fe achaíle com toda a certeza que o juro do di- nheiro he naturalmente illicito ; e en- tendeCe a Igreja Catholica que efta he

a doutrina do Evangelho ; como prática feri ao tantos os cafos , €m que a mefma Igreja ^ fegundo os pareceres dos Theologos 5 convém fer licito o ju- ro do dinheiro , que vem a ficar quaíí fem applicação aquella intelligencia\ efpeculativa ? Todos os Soberanos Ca- \ tholicos , e o mefmo Papa , como Prin- i cipe Temporal , authorizão o juro da dinheiro; e ainda mais tem eftabeleci- do nos feus Eftados Montes de Pieda- de 5 nos quaes pelo motivo da caufa

U^^ \ ~ í . . ^^^^

/ pia 5 permittcm muitas vezes hum ju* ! ro maior que o commum , hum avanço i immoderado. ^* Donde vem efta contra- I dicção? He de crer que não tem outra I cauía, íenão a de que quando íe trata ; do Governo temporal , a praxe dos ne- gócios 5 fazendo evidente a natureza delles 5 mcílra claramente que he im- poflivei haver trato , e commercio en- tre os homens , fem fe authorizar o ju- ro do dinheiro. E por outra parte, efpeculando os Theologos fobre o go- verno efpiritual, e chegando á matéria do juro do dinheiro , que tem connc- xão com o temporal , elles por huma confufa intelligencia dos nomes dos ohjeftos 5 e por huma notável preven-^ ção applicão os textos das Sagradas Ef- crituras para hum cafo , para o qual talvez não forao , nem naquelles tem- pos havia motivo para ferem propof- tos.

Aquella confufa intelligencia dos Theologos parece que he derivada da diftinção que flizem os Latinos , da

qua-

(57 ) qualidade do empreftimo , em mutuo , ecommodato, como depois procurare- inos demoftrar ; tanto aíTim , que não lembrando eíTa diftinção , e attendendo ao nome de empreftimo intereíTado ; ou ainda mais exaftamente , ao de ven- da de que ufamos , cahe por terra o trabalhofo edifício , que fe tem levan- tado fobre o lucro do mutuo , como por outros Efcritores fe acha adver- tido. Também he de crer que eíTa con- fufa intelligencia he a que influe nas exprefsoes do mutuo , conforme ao fyf- tema dos Facultativos , de que fe ufa na refpeitavel Gaita Encyclica do fa- bio Pontífice. Mas fe nella fe fizer abftracção do modo accidental de ex- preíFar a doutrina ; e fe confiderar tão fomente a fubftancia defta, fe reconhe- cerá com a maior evidencia que de nenhum modo nos apartamos daquella fuperior Decisão da Igreja ; antes he a ella muito conforme a opinião , a que moftramos de nos inclinar fobre a le-- gitimidade do juro do dinheiro.

Def-

W-^

:i9f'

iiá^

UCA ,^r^ ^ .OAU^'

f ^y^ (58)

Dcftjs rcfícxõcs nafcc avchemcTi- te fuípeita , de que eílc monílro, cha- mado lucro do niutuo , pude muito bem não fer outra coufa , fcnao huma fantafma , cjuando fe vc de longe ; á qual não fe achará corpo , e ella fe defvanecerá facilmente, huma vez que fe chegue com refoluçao a examina! la <3e perto. Ifto he que , deixada a preoccupação de feguir o confufo con- ccito, e asexprefsdes ellabelecidas en- tre a torrente dos Moralillas ; fe todos reciprocajuente nos entendermos na Jignificação das palavras, pode fer que todas as dúvidas fe reduzao a qucftão de nome, e que não fe ache difFcrcnça na intelligencia do objcc%. ^'Hepof- íivel, dirá alguém, que tantos homens fabios fe hajão equivocado? Fora cou- fa notável , na verdade , mas não he impoflível. jDifcorra-fe a Hiftoria ge- ral do Mundo: veja-fe a dos progrcíFos que tem havido nas fciencias huma- nas ! (plantas coufas fe tem tido por certas nu ferie de muitos feculos , na

Fi- '

éHm

i 5-9 )

Filofofia 5 e particularmente na Fyíica j e na Aftronomia , de cuja certeza de- pois fe reconheceo o engano ! Ifto he conftante a qualquer peíToa, que tenha liuina leve tintura dos conhecimentos humanos.

Não parecerão tão eftranhos eftes acontecimentos 5 fe fe reSeftir ao gran- de poder que tem nos homens o coftu- me fobre a razão , quando não são as paixões as que a dominao : donde vem que no exercício das Artes , e das Sciencias , elles facilmente preferem o commodo de feguir a intelligencia dos que os precederão, ao trabalho de pro- curarem de defcubrir a verdade por huma clara perfuasão do feu próprio entendimento. Dahi procede também que huma vez eftabelecida a opinião de hum, ou poucos homens acredita- dos , ainda que fucceda não fer efta opinião a verdadeira ; com tudo , ou- tros muitos de grandes talentos a vão feguindo na boa da authoridade dos inventores j e aílim confecutivamente I ar-

( ^0 )

ííirlmando-fc huns aos outros , pafsad fcculos antes que fe chegue ao geral

dcfengano.

CAPITULO IV.

Razoes dos Moralijlas , que tem confir- mado a de/confiança do Juro do Dinheiro,

A S Decisões que tem havido nos -^J^ tempos modernos acerca do ju- ro do dinheiro, participão geralmente da incerteza que fe nota nos pareceres dos Moralillas fobre efta matéria. Ve- jamos quaes são as razoes , que dão os mais delles , para provar fiiofofica- mente que o avanço do dinheiro he in- trinfecamenre illicito. Huma delHis razoes he , que o dinhcjro de fua na- tureza he eftcri] , e não pode produzir íruto. i Qiie he o que fe entende por efta Sentença? Será figuradamente que o ouro , e a prata , de que principal- mente Ic fabrica o dinheiro , c ainda

o

Jáfc

{61)

mefmo dinheiro , sao coufaâ de li inúteis para o ulo neceíTario dos ho- mens , e fomente objeftos de huma fuperfluidade ? NeíTe cafo a fuppofição he equivoca , e errada. Ninguém duví^ da de que o dinheiro confiderado coma metal , não feja do ufo neceíTario ; poA rém reputado como equivalente, e re- prefentação de todos os mais géneros eommerciaveis , por huma tacita , e geral convenção , elle he regular- mente tão neceíTario como o trigo ji como os gados , e como qualquer das outras coufas , fem as quaes o homem não poderia fubíiftir , pois que todas ellasíe adquirem com o dinheiro. ^'Se- rá aquella efterilidade entendida litte- ralmente , porque o dinheiro femeada não fe reproduz como o trigo , e os mais vegetaes ; nem por 11 pode mul- tiplicar-fe, afíim como os gados ^ e os outros animaes ? Também eíTa razãa he inconcludente, pois que delia reful- taria a confequencia de fer licito tirar avanço dos géneros fruftiferos , e não

do

toi

■' ' Ch {

do dinheiro. Por exemplo : cmprellaf cem alqueires de trigo, ou cem bois> com a condição de receber em. paga- mento dahi a hum anno icj. alquei- res de trigo da mcfma qualidade, ou 105-. bois do mcfmo tamanho. Eu diria ncíTc cafo: Se ouro he o que ou- ro vale 5 não quero avanço do meu di- nheiro , fenão do meu trigo , o qual poíTo em qualquer tempo trocar por dinheiro. Logo fe a queftao he fómeji-^ te de nome, ella he pueril ; e também he frivola a diílinçao que íe pertende íazer entre o dinheiro , e os géneros frufíiferos a refpeito do juro licito, ou illicito. Além de que no fyftema dos mefmos Moraliíías, tao reprovada he o lucro do mutuo a refpeito do tri- go, ede qualquer outro género frufti- fero 5 como do dinheiro: e aflim a fup- pofta efterilidade dcílc he hum myfte- rio , que não fe pode penetrar : Ntim- mus , immmmn non parit , diz hum in- comprehenfivel axioma. ^ Que he o que por elle fe entende ? Em que fentido

fe

I

í

(63 )

fe toma eíHi Sentença ? Como vem el-»

Ja a provar , que he iliicito o juro da ^r

■dinheiro? },M^^^^

Outra razão mais efpeciofa deíTe conceito dáo geralmente os Moraliflas ;, ehe efta :_Os Romanos ufavao dgs^dpus nomes mutuo ^ e commodato para ex- preíTar o que nós chamamos emprefti- mo ; e eítes nomes erao adaptados a duas diverías qualidades da couía em-;t-^ preftada. O mutuo fe entendia da cou- ía que havia deíer reftituida nao iden- ticamente 5 fenão no mefmo género 5 como trigo por trigo , vinho por vi- nho, e dinheiro por dinheiro. O com-(V moda to era da coufa que fe havia de feffituir tal 5 e qual fe havia empreita- do , e não outra femelhante por ella : por exemplo 5 hum cavallo , hum vafo^ hum veftido. Bem que em vários luga- res dos antigos Efcritores Latinos a- chão os intelligentes indiíFerentemente ufado o mutuo , ou o commodato pa- ra expreíTar o empreftimo do dinheiro , €om ufura y ou fera ella 5 e também o

. It

empreftimo das outras coufas , que fc? haviao de reftituir taes, e qu.ies ; com tudo 5 igualmente fe reconhece por outros vários efcritos , que os Roma- nos faziao aquella diílinçao. Como a linguagem dos homens de letras feja a Latina, e nella coftumao os Theolo* gos produzir os fcus difeurfos , e os íeus documentos fobre o moral chri- ftao ; também fobre aquella diftinção ^ que os Romanos faziao no que chama- mos empreftimo , fundarão os Moralif- tas a opinião de que o juro do dinhei* ro he de fua natureza illicito.

Fazem pois os Moral iftas eftc difcurfo, e dizem , que no commodato fe corre o rifco de ter damno a coufa que fe emiprcfta ; porque , por exem* pio, o cavallo pode aleijar-fe, ou can- çar demaziadamente 5 o vafo pode quebrar-fe ; e outra qualquer deíTasl coufas pode deteriorar-fe no feu ufo, e valer menos quando a reftituirem, Nefte cafo fuppõe que fe emprcfta f(4j o ufo y ou feja o commodo da coufa]

em-

( ^n

erripreftada^ e que fe fica cònfervandò a fua propriedade ; porém que no mu- tuo não fe corre rifco, e effc£livamen- te fe cede a propriedade por algum tempo. Em confequencia delias fup-^ poíições dizem , que do commodato he licito cobrar avanço j proporcionado ao rifco de quem emprefta ; mas não aílím do mutuo 5 em que não fe corre Que o fruto daquelle tempo , em que a coufa deixoti de fer de quem a em- preitou y não pode licitamente perten-* cer^ fenão áquelle a quem foi empref-* tada, o qual neíTe tempo teve delia o legitimo domínio ^ em virtude gorofo empreftimo ; que iílb lignifica o mutuo , ou fazer do meu teu o mefmo que huma cefsao por tempo. Que efta condição fe verifica no em- preftimo do dinheiro , devendo elle fer reftituido fem deterioração , e fem rifco de a ter : pelo que, fora illicito o fruto que delle recebefle quem o em- preftou 5 do tempo em que não foi feu. Oppondo-fe a efte difcurfo , que a cou-

E fa

Éá.

/

C 66) fa empreitada a titulo de mutuo, pôde nao fer reílituida por infidelidade, ou impoílibilidade do que a rccebco ; re- fpondem , que ella também fc pódc perder no poder do feu primeiro do- no 5 não havendo coufa que não efteja fujeita aeíTe rilco : além do que nao ha obrigação de empreitar, nem ha culpa de não fiar , o que fe receia não haja de fer reílituido; mas que a ha em re- ceber utilidade , onde nao houve rifco intrinfeco na coufa empreitada , e em gozar do feu fruto , em quanto he alheia , e não própria.

Eítc difcurfo he hum edificio ex- teriormente rebocado com a palavra mutuo ^ a qual tem alucinado a muitos com a fua fignificação de fazer do meu teu ; mas em fe penetrando para exa- minar a qualidade dos feus materiaes, eítes fe achao tão pouco folidos , que caufa admiração haver-fe chegado a ufar delles; e ainda mais admira, con- fervar-fe tantos tempos em huma obra tão mal fabricada.

Dei-

{67)

Deixemos de huma ve?: ò mutuo^ e o commodato com rodas as deduc- coes 5 que deffiis magicas palavras fe pertendem tirar , fem nunea fe chega- rem a entender bem : não tenhamos pejo de fallar Portuguez , dizendo em- preitar ^ ou vender. A acção de em- preitar gratuitamente huma coufa, e a de vender o feu ufo fruto , são deter- minadas pela vontade de quem confia a coufa de outrem, je a vontade .de,, empreitar gratuitamente, he ocíofo, e impertinente difputar, para provar que / - fe não deve lucrar no empreítimo gra-t/ /^-^ tuito; porque iíFomefmo declara quem \ ^i^^^^ diz que o faz gratuitamente. Se a in-V'^*^' tenção he de vender o ufo fruto da cou- j la que fe confia , o preço deíFa venda 1 he licito, pela razão de que o ufo fru- to he acceíforio do principal ; e que ao dono deite pertence em juíliça o que vale o ufo fruto. A qualidade mais 5 ou menos durável da coufa que fe confia , de nenhum modo dá, ou ti- ra o direito de vender o feu ufo fruto :

E ii o

^tf0\

nm

p\

ii

.;».|

C ^8 )

o que authoriza cfta venda he a legíti- ma propriedade do dono da coufa ; e o fer ella fiifceptivel de lucro para a- quelle de quem fe confia. Dado o cafa que feu dono , na confiança que delia faz , não corra rifco algum nem em razão da fua própria fragilidade, nem pela falta da fua reftituição , fempre fera innegavel que fe o ufo da coufa pode dar lucro a feu dono , a efte he licito vender eíTe lucro futuro, porque <:ede a outrem o que he feu por hum

t" P^^Ç^ livremente convencionado.

;, J PafiTando agora a tratar do rifco do que fe emprefta, ou aluga: não ha coufa alguma , que fe poífa largar do próprio poder , fem correr o rifco de a não tornar a haver. Parece que nifto mefmo convém os Moraliftas ; mas per- tendem que não direito para o lu- cro do empreftimo o rifco da falta de reftituição , fenao tão fomente o rifco inherente á qualidade da coufa cmpref- tada. A efta pertenção nada de novo ha que refpondcr ^ fcnão tornar a cla- mar.

I

nlar, que quem empreita gratuitamen- te não vende ; e quem vende , não em- preita: Qu^ ^ vontade do proprietário da coufa que fe confia ^ he a que deter- mina huma 5 ou outra acção : Que eíTe dono tem todo o direito para poder vender o feu ufo- fruto, e toda a liber- dade para o dar gratuitamente : Que neíle cafo não ha que tratar da quali- dade do rifco , fenão determinar o fe- nhorio da coufa o que quer dar, e até onde quer dar: E no cafo de não que- rer fenão vender o feu ufo fruto , então devem, em boa juftiça, entrar na con- íideração do preço , allím o rifco pró- prio do que fe confia , como o outro rifco da fua falta de reftituiçao. Por efta razão he que hum cavallo , que não vale mais de féis moeda^s , fe alu- ga muito licitamente a 800. reis por dia; o que correfponde a hum juro de mais de mil por cento ao anno ; e o dinheiro fe aluga a razão tão fomente de 5. porcento. Efía grande diíFerença lie naturalmente fundada em que do

ca-

^'^. ;?

I

(70) cavallo fe correm os rifcos de elle fe aleijar; de cançar tanto, que não dure mais três dias ; de o não rcftituirem ; e em que demais a mais^ fe conta o preço do ufo fruto. Porém do dinhei- ro 5 que fe aluga , ou fe emprefta por interelTc , não fe corre outro rifco mais que o da falta de reftituição , e conta- fe o valor do ufo fruto. / ^ Que ha que replicar a efta ref- / pofta ? Poderá dizer-fe , que tudo o j^ I mais fe pode vender , ou empreitar por ^^' I intereíTe , conforme a vontade de feu ^ l dono ; mas que não fe pode vender o %^ \^fo fruto do dinheiro , porque ifto he ' '^^cxpreflamente prohibido pelas Leis

r

; Divinas , as quaes prefcrevem de não !^ perceber lucro do dinheiro empreita- do. Efte argumento hc alheio da natureza das couías , cm que até ago- ra difcorremos filofoficamcnte : não tem que ver com o que fe examina nefte Capitulo ; e como torna a entrar na intelligencia das Divinas Efcritu- ras, toca aos ProfelTores deíFa parte da

Theo-

( 71 )

Theologla a decidillo , tendo preíen- tes as razões que a efíe refpeito ficáo expoftas nos Capítulos antecedentes.

Para fazer mais evidente que não vem para o caio de que tratamos , as voluntárias íuppofições do rifco do commodato , e da falta de rifco no inutuo ; aíEm como a inconfequencia de que por eíFe motivo feja illicito o juro do dinheiro , proporemos dous- exemplos : Quando dou de arrenda- mento hum.a terra de femear , fim me ha de eila fer reftituida tal, e qual a entreguei 5 e não outra em tudo feme- Ihante; e confiderada fomente eíFa cir- cumftancia , o empreftimo poderia cha- mar-fe commodato; porém aterra nem

^ fe pode deteriorar no feu ufo j nem mudar do feu lugar ; e affim pelo fyf- tema dos Moraliftas , como não corro rifco nefte empreftimo , elle he da na- tureza do mutuo ; e devera não fer li- cito levar delle avanço: com tudo , pa- rece que até agora ifto não veio ao penfamento de peíToa alguma. Ao con-

tra-

0

É^

(7^) ;

trarío : empreitando eu dinheiro , he í certo que elle não pode ter deterio- \ ração no feu ufo j porque mo devem fatisfazer com outro dinheiro , que valha fcm diíFerençi alguma o mefmo que o que empreitei. ^ Porém quem ,diiá que não corro rifco nefte empref- timo ? O dinheiro he empreitado para negocio : fe o devedor for nelle mal fuccedído, fica impoflibilitado de me reítituir o que lhe empreitei. Elle fim , corre o rifco de me fer devedor, com ; o pejo de me não poder fatisfazer; mas eu fou o que verdadeiramente corro o rifco de perder o dinheiro. Quando fiz confiança do devedor , eu o tinha por verdadeiro ; mas na rea- lidade não o era ; e não ha coufa mais fácil do que enganar-fe qualquer, no conceito que forma de outro. Os vicios , ou a imprudência , o fizerão gaitar mais do que podia : a cuhiça lhe perverteo a vont.ide: fuftenta hum porfiido , e cuitofo pleito : forma mil trapaças : em fim chega ao ponto de

não

( 73 ) náo querer, ou não poder pagar-me a que me deve. Se eu conÊaffe humas cafas de aluguer , ou huma terra por arrendamento, poderia perder a renda de féis mezes, ou de hum anno ; mas as cafas, e a terra poderiao facilmente tornar ao meu poder ; era muito mais remoto o rifco de perder o meu prin- . ^ cipal. f. Pois £uej:^erá liçi^ na coníTança que fizer das cafas , our da terra , em que corro pouco maior \ ^t rifco que o do preço da renda ; e não ]^ me ha de íer licito cobrar o juro do \^' dinheiro, em que cono todos os rifcos p que ficão reprefentados ? São elles ef- fcftivos , ou arbitrariamente imagina- dos ? Elles fe provão melhor com a diária experiência, do que com os mais concludentes difcurfos.

Com efte ultimo exemplo fe re- fponde também ao argumento de que o dinheiro fe pode perder no poder de quem o confia , igualmente que no po- der do devedor ; pois que eíTe rifco remoto não tem paridade com o outro

tão

'm

:i:.|;iH*íl

( 74) tão próximo , de niío fc tornar a rece- ber o dinheiro que fe empreftou , co- mo fica demonftrado. Finalmente , a diftinção do rifco , ou não rifco intrin- íeco dacoufa empreitada he arbitraria , e ociofa : nada conclue a razão que fe pertende tirar deíTa diftinção , para provar que he licito o lucro do com- niodato ^ e illicito o lucro do mutuo : e.não ha razão plaufivel , pela qual deixe de fer devida , ao que confia o dinheiro , huma competente indemni- zação pelo rifco da falta da fua reftitui- ção.

Quanto a abftenção da proprie- dade da coufa empreftada , que fe figu- ra , pelo tempo que dura o empref- timo 5 effa he outra fuppofição ainda mais arbitraria , e infubíiftcnte , que vem arraftada para fuflentar o ima- ginado argumento do rifco , ou não rifco do commodato , e do mutuo. Quem cede o ufo fruto de huma cou- fa , ou feja gratuitamente 5 ou por in- tcrcíTc , tanto não entende de fe abfter

da

■( 7S ) da fua propriedade , que fempre cliama a coufa fua ; e em qualquer dos dous cafos 5 tem acção legitima para reque- rer juridicamente a fua reftituição 5 fe fuccede diíEcultalla quem delia eftá ufando. Aqui são fuperfluas maiores provas ; pois que contra efta verdade , parece que não poderá formar argu- mento fenão algum louco.

De outras razoes menos efpecio- fas 5 e igualmente inconcludentes usão alguns Moraliftas , bandejando fempre a palavra mutuo ; voltando-a de todos os modos ; e pertendendo com a vifta delia 5 por huma , ou outra face , de provar que o lucro do mutuo de fua natureza he ufura ; mas quem eftâ fixo na intelligencia de que , para fazer bom ufo da razão, não lhe he neceíFa- rio de entender outra lingua do que a nacional ; e concebe claramente que , quando empreita de graça , não enten- de de levar lucro do empreftimo , tão pouco pode deixar de fe perfuadir, de que quando çmprefta por negocio o

feu

11;:?'':

( 7Í) feu dinheiro , e quando náo tem mo- tivo , ou obrigação de o empreitar gratuitamente , não pode haver Lei Divma, ou humana, que lhe prohiba de lucrar o preço doufo fruto, que he acceíTorio do feu principal, e regulado pela Lei do Reino : e allím quando o ameaçao com a torpeza do enorme lu- cro do mutuo , abre os olhos de ad- inirado , e não comprehende o que fe lhe quer dizer.

CAPITULO V.

Títulos , pelos quaes achao os MoraJif"

tas que he licito o juro do

dinheiro.

Ao podia a neceílidade de dar dinheiro a juro , para ter effeito o commercio , occultar-fe tanto á in- tcliigencia dos Theologos Moraliftas, que não advertilTem a contrariedade que refulta do feu fyftema entre os do- cumentos das Sagradas Efcrituras , di-

ri-

N

i^

(77) ^

íigidos á vida eterna ; e as urgências da vida civil , a qual não deixa de fer obra da Divina Providencia. Meditan- do na oppofição em que a illegitimida- de intrinfeca de juro do dinheiro viria a conftituir aquelles dous diveríbs in- :',^^

terefles ^ pareceo-lhes achar modo de í

os conciliar, fazendo licito o juro com ;|

as condições que independentemente |

do íeu mutuo deícubrírao que podia M ^ - * haver neffe contrato. Deftas condi- \/ y |;|í ções , as duas mais geraes em que to- [ ^ r^"^ | dos convém , são eftas. _j^^;J^e quem S ^/^ ; | empreita o dinheiro , poíTa eíFeftiva- mente , ou com probabilidade , lucrar de outro modo com elle ; e a efte lu- cro 5 de que fe priva empreitando , cha- mão hicro ceíTante. 2/ (^.e de empref- tar o dinheiro lhé~reTulte damno , o qual chamão emergente.

Outros diverfos titulos achao vá- rios Moraliftas , que podem também fazer licito dar dinheiro a juro 5 quaes são : o riíco da íbrte principal , ou de ||Í

perder o dinheiro que fe empreita :

não

ttél

,ll^

( 78)

nao fer pago o juro adiantado : fen- tença do Juiz, que condcmne a pagar os juros ; e ferem cftes doados gratui- tamente por quem os paga , e não efti- pulados a titulo de pagamento por quem empreita.

Eftcs titulos, dos quaes fc enten- de fer baftante cada hum delles para fazer licito o juro do dinheiro , vem na pratica a fer caufa de huma nova, e maior confusão ; porque fazem de- pender da imparcial , e exafta expo- liçao do intereíHido ; e da prudente, e alumiada confideração do Moralif- ta confultado , o conhecimento da verdadeira natureza do emprcftimo , para ver fe nelle fe algum daquel- les titulos, que fazem licito o juro. Ora como os pareceres são facilmen- te duvidofos 5 conforme a boa, ou mu intelligencia de quem expõe , e o mo- do de conliderar o cafo propofto por quem o ha de regular ; dahi reíul- ta huma continuada incerteza, que faz fer efta matéria fempre problemática.

Alem '

X79) Além do que , fica exiftindo a defcon- fiança do que he iiíicito em geral, para influir na decisão particular , e fazella injufta em muitos cafos. N^

Das condições requeridas , para \ fer licito o juro do dinheiro , as três l^ do lucro ceíTante , damno emergente y e perigo de perder o principal ^ care- , cem de alguma difcufsao ; porque a/ fentença do Juiz , fundada na Lei Ci- vil , a qual fe não deve fuppôr que poC- fa fer contraria ás Leis Divinas , nin- guém ha de negar que feja hum titula legitimo ; mas he impoíTivel que eíFe titulo fe em todos os cafos ; ou di- riamos que não fe pode pagar juro, fem correr primeiro huma demanda ^ e ifto fora hum abfurdo. j Prouvera a Deos que no Mundo não houveífe nem huma ! A dilação do pagamento do ju- ro he infufficiente para authorizar afua percepção; e a doação gratuita domef- mo juro 5 pela peíToa que recebe o di-r nheiro , he hum fubterfugio, que não devera lembrar a quem procede de boa fé. ^ Va-

'■• \/>

( So) Vamos agora ao lucro c^flantè. Á primeira viíla fe defcobre que clle fc verifica geralmente nos que fi\zem commercio por ofíicio ; bem que não poucas vezes fuccede duvidar-fe , fein baftante fundamento, de lhes attribuir por eíTe motivo o juro do feu defem- bolfo. Porém nem os que profefsao o commercio fião por intereíTe : todas as peíToas de qualquer outra qualidade que o podem fazer , experimentarão lucro ceffante , fe empreitarem gratui- tamente : taes são os fenhorios das ter- ras 5 os lavradores , os fabricantes, e os meílres dos officios. Qiialquer def- tes, que tiver dinheiro de fobejo, de- pois de acudir ao feu neceíTario fuften- to , e ao feu tratamento competente , o poderá empregar com razoável efpe- rança de lucro nos objeftos da lua profifsão , ou do feu interelíe ; em cultivar novas terras , ou em melho- rar , e augmentar a cultura das que poíTue ; em fe prover em maior quan- tidade, ou por preços mais commodos

dos

(8i)

ílos materiaes neceíTarios para a^ fuâg obras ; em empregar maior numero .de ofEciaes ^ e recompenfar melhor os mais peritos ) augmentando aíTim a fua utilidade : fe empreftar fem juro^ pri- va-fe deíTe lucro , e nelle fe verifica o lucro ceíTante.

^•Além das pefíbas deftas claíTes^ quaes são as que podem empreftar , ou fiar fem experimentar lucro cefíante? Dirão que todos os que vivem de jor^ nal 5 ou de ordenados fixos 5 e todos os JEcclefiafticos ^ que tem rendas. Re- fponde-fe , quanto aos primeiros , que fe elles tem dinheiro de fobejo^ com eíTe dinheiro os officiaes podem fer meftres. ^ e fabricantes ; os trabalha-^ dores podem fer lavradores ; e qual- quer delles pode adquirir bens de raiz ^ fufceptiveis de rendimento. E quanto aos Ecclefiafticos fe refponde ^ que pe- las Leis Canónicas lhes não he prohi- tido de fazer frutificar , e augmentar ^s feus bens móveis , ou immoveisj tm quanto o executarem por hum mo-

F do

■A

«

( 82 )

do decente , que não perjudique ao refpeito que devem confcrvar na opi- nião geral para o bem da Religião. De forte , que todos os homens , que tem de fcu alguma coula mais, do que lhes he neceflario para viver dia por dia 5 vem a achar-fe no cafo de nego- ciar os feus bens ; e na precisão de o fazer , fe forem prudentes, ainda que de fua profifsão não fejão , nem pofsãa fer commerciantes. A pobreza volun- tária muito menos feguida , do que jprofelFada , he , quando verdadeira, huma virtude fublime ; mas aqui não tratamos fenao das regras ordinárias para a obfervancia da Juftiça. Todas as vezes que defta nos não apartarmos, o trabalhar moderadamente para ter mais, não não heprohibido, mashe louvável, porque he exercitar a dili- gencia para não cahir em pobreza , ■quando o noíFo Pai Celeftial nos enca- minha ii não fcrmos pobres. Deixemos- nos guiar pela fua fabia Providencia , pois que elle conhece melhor do que

nós

tfife

( 83 ) '"^'^f

ttxós tnefmos o que nos conyem. Náa he crime o fer rico , fenão o não ufar da riqueza como fe deve.

Quanto ao daniiiQ emexgente ^ fe por eíla eitprefsão fe entende reílrifta- mente a falta que pode fazer o dinhei- ro para acudir ao próprio fuftento > e tratamento necetíario de quem o em- preita ; he certo que elTe damno fe ve- rificará não poucas vezes nos que não são muito ricos , ainda que também não fe chegará a verificar em muitos cafos ; aflím como igualmente fuccede- não deixarem de ter que comer al- guns daquelleSj aquém fe furtar parte dos feus bens. ,;Mas que tem que ver elFe inconveniente particular com o damno geral de deixar de procurar lu- cro ^ quando he licito nòs termos da juftiça de o diligenciar ? Não fe def- Gobre razão alguma , pela qual fe deva entender o damno emergente em outro fentido do que oíFerece naturalmente efta exprefsão , qual he de principiar o damno no mefmo ponto em que cef-

Fii fa

^

fa o lucro ; pelo que vem aJncluir-fe o damno emergente no lucro ceíTante ; e a feparação deftcs dous títulos he evi- dentemente huma efpeculaçao ociofa, e inútil.

Dizem que os que tem dinheiro não achão fempre prompto o modo de o empregar em bens de rendimento, ou em negocio ; e que muitos por fal- ta de intelligencia não podem tirar proveito do dinheiro com o feu em- prego ; pelo que os que fe achão nefles cafos^ poderião empreitar gratuitamen- te fem experimentar lucro ceíTante. Refponde-fe, que a inacção do dinhei- ro por falta da occafião de emprego útil , he naturalmente a coufa mais ra- ra 5 que ha no commercio humano ; de forte que eíTa occafião nunca fc demo- raria , fenão foffe a falta de huma pru- dente fegurança do principal , a qual não chega a fer infallivel , ainda que fe emprefte com hypotheca , como dia- riamente fucccde nas reclamações dos penhores, pelos que pertendem fer os

feus

feus legítimos proprietários. Além de que , a fegurança do principal he igualmente arrifòada no empreftimo gratuito 5 pois que eíTa qualidade não conflitue maior certeza na fua reftitui- ção ; mas fe em hum dia não ha , pôde em outro haver a occafiao própria de empregar utilmente o dinheiro ; eaíTim quem hontem empreftou por favor , e hoje perde a occafiao que fe lhe offe- rece de lucrar com razoável fegurança, experimenta falta de lucro , e odamno que refulta deífa falta.

Aquelles que não tem a intelli- gcncia neceíTaria para negociarem por fi mefmvos o feu dinheiro, facilmente fe poderião intcreíFar em lavouras , fa- bricas , lojas de oíScios , commercio, e outros empregos de lucro , adminif- trados pelos peritos , para repartirem com elles o ganho : fe o não fazem , he porque a experiência tem moftrado que o melhor modo de evitar as dif- cufsões 5 dúvidas , e contendas , que coftumão haver nos ajuftes de contas

en-

(26) r,

entre os íntclligentes, e os que o não 1 são j he concorrerem eftes para os ne- ' gocios por outro modo mais breve , e mais claro , qual he o de conrribuirem com o empreftimo do dinheiro ; e os peritos com a fua intelligcncia, com o íeu trabalho , e até com o feu rifco; ficando os primeiros com huma parte certa do lucro , não arbitrariamente convencionada ^ mas determinada pela Lei para a generalidade de feme- Ihantes negócios , cuja parte he o lu- t cro de que fe trata , e ficarem os outros '^/(^ ^ com todo o mais lucro que puderem \ 'X^' confeguir.

X

O outro titulo , que requerem vá- rios Moraliftas , do perigo de perder , o principal que fe emprefta y he tão | certo em toda a qualidade de empref» timos 5 e tão evidente a qualquer pef- J foa 5 que não fe alcança a razão por que fe entende , que poíFa não haver eífe titulo. Sc fe trataíTe de hum peri- | go mais , ou menos remoto , poderia efte fer hum motivo plaufivel para au-

tho-

íéíÉ

^■.r

( ^7 J thorizar a dúvida ; mas confiderado eirt geral 5 parece de rodo infub Mente. He axioma Politico , fundado na experiên- cia, que do dinheiro dado continuada- mente a juro, dentro de cem annos fe perde o principal. \

Parece pois indubitável que não' ha empreftimo de dinheiro, em que fe- não verifiquem o lucro celTante , o- damno emergente, e o perigo de per- der o que fe emprefta ; ou ao menos em. que não haja huma difpofição pró- xima , e provável , para que aconteção eíTes três inconvenientes ; cada hum dos quaes Jbe fuffici ente na opinião dos Doutores Catholicos , para fazer licito cTjuro do dinheiro : e ifto baila para entender que aquelles , que efpecula- tivamente o confiderão illicito em ge- ral , de faílo não o approvarião na maior parte dos cafos particulares, mas , conforme aos feus mefmos prin- cipios , o approvarião em todos os que fe podem oferecer de dar dinheiro a juro, com efperança de utilidade reci-

pro-

( 88 ) I

proca de quem , e de quem rece- be j íc tiveíTcm da natureza , e cir- cumftancias dos negócios o inteiro co- nhecimento 5 que ordinariamente não tem , cuja falta íe manifefta na varie- dade , e incerteza das fuás opiniões, quando decidem nefta matéria.

Deitas coníideraçôes fe tira a con- fequencia , de que não fendo os titu- ]os, ou condições , que requerem os Moraliftas , os que conflituem em cer- tas circumftancias a legitimidade do juro do dinheiro , porque eífes titulos fe dão geralmente em todos os cafos , que podem ofFerecer-fe de empreftar por intereíTe ; fica fendo o juro do di- nheiro de fua natureza licito , ou illi- cito : fe a legitimidade fe tem por con- traria ao fentido em que a Igreja en- tende as Sagradas Efcrituras; a illegi- timidade parece por todos os modos contradiftoria á natureza do dinheiro , e á necellidade do commercio para a vida civil : as Leis , que nos Eftados Catholicos authorizão dar dinheiro a

ju-

(89)

juro 5 sáo oppoftas ao que prefcrevenl as Leis Divinas. Efta contradicçao , em tal cafo manifefta , não pode exif- tir pela natureza das coufas ; e ha ne~ ceflariamente alguma razão de con- cordância 5 que fe ignora , ou não fe concebe com a n^ceíTaria clareza , a qual importa muito que fe faça evi- dente 5 para evitar a confufa defcon- fiança que ha nefta matéria , e involve as perjudiciaes confequencias , que a- diante fe hão de expor.

CAPITULO VL

O empreftimo gratuito aos que o necejjltao

he tofitivamente ordenado pelas

Leis Divinas,

OS Preceitos do noíTo adorável Meftre , e Redemptor nos dou» lugares citados dos Evangelhos pare-^ cem fer particular , e poíítivamente dirigidos a impor a obrigação de exer- citar a caridade com o próximo. Tra- tai

.4,

■i!*^^

^fi tai aos homens, diz o Senhor, fegiin- __do refere S. Lucas , do mefmo modo que vós quizereis que elles vos trataf- fem a vós. ^ Senão amais fenão aos que vosamão, que merecimento tereis niíTo ? Os peccadores também amão aos que os amão. ç-Se fazeis bem aos que vos fazem bem , que muito he ? Os máos fazem o mefmo. ^jSe empreitais àquelles de quem efperais receber o mefmo favor , que agradecimento fe vos pôde ter ? Também os máos em-» preftão para receber' igual beneficio. Vós pois amai aos voíTos inimigos, fa- zei bem a todos, e empreitai fem dijp) efperar coufa alguma , e aflím ferei^ filhos do AltiíCmo , pois elle he be- nigno ainda com os ingratos , e com os máos. O mefmo íubftancialmente refere S. Mattheus ; e fallando do em- preftimo , fe explica com eftas pala- vras : Qiã petit a te ^ da ei j ò^ ijolenú muUiare a te , ne avertaris.

De que eftes fagrados Textos nos impõem a obrigação de empreitar gra-

tui-

( 91 ')

tuitamente ^ ninguém o duvida ; mas fe elles também incluem o preceito ge- ral de empreftar gratuitamente o nof- fo dinheiro em todos os cafos qu^e ce- dermos delle o ufo fruto ; e de fazer doação defte a quem o não neceílita , ou quando nós o neceffitamos mais, iffb he o que devem determinar os Theologos 5 advertindo os inconve- nientes que neceíTariamente dahi hou- verão de refultar a refpeito dafocieda- de civil. Entre tanto difcorrendo á luz da razão , e aííentando o difcurfo no firmiflimo fundamento de que, para al- cançar a vida eterna , devemos exerci- tar vi juftiça , e a caridade ; daqui fe tira por confequencia que a juftiça fe deve obfervar com todos , e em todos os cafos indifpenfavelmente ; e que a\ caridade para ler bem ordenada , deve | principiar por nós meímos , e depoisj continuar com o próximo. Donde tam-' bem refulta , que em todos os fagrados Textos relativos á queftão de que fe trata , o empreftimo gratuito nos he

'^^'^-l^

^,f^ ^- ,-j;<f5C,"-6<,.»'^[,.>--

cxprcflamente ordenado , afllm como a efmola ; e que he condcmnada aufura, no fentido em que cíTa palavra íignifi- ca , hum peccado gravillimo contra a juftiça, e contra a caridade pelo damno que caufa ao próximo ; mas não o juro moderado, eftabelecido pela neccflida- de do commercio , indirpcnfavel na vida civil 5 e authorizado pelas Leis temporaes, todas as vezes que eíTe ju- ro não for contrario a alguma daquel- las duas virtudes. Hum homem , que não larga o dinheiro da mão , fenão com o fentido no intereíTe, para lucrar juro 5 e nunca para fazer bem ao feu próximo conftituido em neceflidade , hc juftamente reputado por ufurario. Aquelle, que attende á caridade igual- | mente que á juftiça , com huma pru- dente economia , ainda que dinhei- ro a juro por negocio , e a feu enten- der para negocio, como feja ao preço limitado pela Lei , não merece eíle odiofo titulo. Devemo-nos foccorrer huns aos outros , em quanto nos for

pof-

( 93 ) poíTivel 5 e a elles neceirario ; nâò por devoção , mas/tambem por poíiti- va obrigação; mas não a temos de dar a outrem o que elle não necelTita , e nós neceíTitamos, He neceíTario que ricos foccorrão aos pobres , dando-lhes efmola. Também he neceíTario que ajudem aos que não são inteiramente pobres y empreftando-lhes gratuitamen- te, A efmola deve fer regulada pela poffibilidade do que a ^ e pela ne- cellidade do que a ha de receber : o empreílimo gratuito fegue a mefma re~ gra , guardando a proporção das diver- fas circumftancias. A efmola inteira he devida ao que expreíTamente fe por pobre, ou áquelle a quem o feu pejo, ou a fua condição impedem de pedir como pobre. Ameia efmola, ou o em- preftimo gratuito , he devido ao ne- ceflítado , ao meio pobre , áquelle ao qual com eíTe beneficio podemos im- pedir de cahir em total pobreza, e de cuja probidade efperamos nos reftitui- o que delle confiamos , ainda que

pof-

iií

m

tek.

(94)

J^ofla acontecer não-fe verificar eíTa ef-- perança. Ifto he o que dida a carida- de chriftã : cflc he o fentido que pa- rece mais natural , e conforme ao ef- pirito das Sagradas Efcrituras.

Se aílim o entenderem os Theo- logos; fe allim o declarar a authorida- de legitima 5 ficará fendo indifputavel í[ue o juro do dinheiro não he de fua natureza illicito , como até agora mui*- tos tem entendido ^ ainda que confu- famente ; e com eíTa formal decisão virão a ceifar as dúvidas, e incoheren- cias que ficão notadas. A execução dos preceitos Divinos a efte refpeito fe re- conhecerá fer fácil , e fuave como em tudo o mais , e conforme áquella ad- mirável Providencia , que não menos tem ordenado os meios neceflarios para a noífa fubfiftencia temporal , que as regras faudaveis p^ira a pratica da juf- tiça , e para a felicidade eterna. As Leis humanas, que a neceílidade da-. quella fubfiftencia obriga a promulgar, Dão encontrarão, antes fe conformarão

mui-

émm^M

(9?1

muito bem com as Leis Divinas , e tu- '

do correrá de plano. Huma coufa he '

empreftar ao neceffitado por caridade^ !{

e outra he dar a juro , que he o mef- mo que vender ao que não neceíUta , |j|

pór intereíle reciproco, e por negocio.

A primeira acção he de todos os tem- pos ; a fua obrigação he impreterivel ; o preceito que a impõe he o que pró- pria y e particularmente toca á econo- mia efpi ritual. A fegunda acção he accidental , pode ter mudança , con- forme as diverfas circumftancias dos negócios humanos; e he a que perten^ ce á economia temporal. ^ De outra\ forte poderia o Governo civil permit*^, tir formalmente o que as Leis Divinas prohibiíTem ? Ifto não he crive4. Aller^'|it" ga-fe o exemplo das mulheres meretri-^. f ^"^^ ces : fim são toleradas , mas não ha , nem. : :?|

pôde haver Lei que asapprove, Ocafo he muito diverfo a refpeito do juro do dinheiro : o Governo civil o authoriza por m.uitos modos , prefcrevendo-lhe iim hum limite ^ para que a defprdena-

da

É

(90 ^

<Ia cubica não iifurpe o alheio ; e parn (]ue os Miniftros da juftiça pofsao com cíTa regra fixa attribuir a cada hum o que he feu. O lucro ceíTante , o damno emergente , c o perigo de perder a forte , explicando-nos com os termos Facultativos , são maiores, e menores, conforme as diverfas circumftancias : era neceíTario que o ufo fruto do di- nheiro tivefle hum preço médio, regu- lado, e geral para todos os cafos. Eftc preço he prefentemente em Portugal determinado pela Lei a finco por cen- to : Togo o juro de finco por cento ^lela fua natureza he licito, he neceíTa- rio , he indifpenfavel. A ufura confifte ngora , afllm como confiftio em todos os tempos, em levar juro a hum necellita- do, ao qual fe pode empreftar gratui- tamente ; e também em vender o ufo fruto do dinheiro aonâo neceflitado por /ínaior preço daquelle que prefcreve a \^ví^ / Lei. A ufura , no primeiro cafo de ex- ' torquir juro do neceflitado , mal pode fer julgada em outro foro que não feja

no

\

kf

( 97 } no interno : no fegundo cafõ de excé-| der o juro ao preço da Lei , he que piírtence igualmente ao foro externo ^ ^que ao interno. Finalmente o juro he totalmente diverfo da ufura. Se anti- gamente fe confundião eftes dous no- mes 5 depois eom o ufo regulado do commercio fe tem reconhecido a ne- ceíEdade de attribuir a cada hum del- les a accepção própria, que agora ge- ralmente tem nainteliigenciacommua: por tanto , he também indifpenfavel confervar-lhes na efpeculaçao o mefmo fignificado , fem efquadriílhar motivos para fe apartar do vulgo , no natural íentido que efte lhe da j quando os níío pode haver bem fundados. Com efta clareza virão a ceifar allim a confusão que ha nefta matéria , como as equivo- caçoes que frequentemente acontecem nas refoluções particulares a refpeito do juro, e da ufura.

Mas o que principalmente fe de- ve notar he , que da opinião , pela qual fe tem o juro do dinheiro por illicito

G de

i

(5>8)

de fua natureza , em razãcy dos fagra- dos Textos , que condemnao a ufura, não tem refultado bem algum na pra- tica do moral Chriftao ; antes vemos ao contrario , que por cíTe fyltcma he não poucas vezes maculada a fua pu- reza ; porque obrigando a neceíTidade , fundada na experiência , a permittir a cada qual de dar o feu dinheiro a ra- zão de juro, fe abufa daquelles fagra- dos Textos 5 para apadrinhar aos que procurão eximir-fe de pagar o juro em muitos cafos em que realmente o devem : e o que he ainda peior , a poucos lembra a caridade Chriítã, para a qual elles forao indubitavel- mente propoftos. Efta palavra Carida- de , que não deixa de fer parte da juf- tiça , fe toma confufimente por hum nome vago ; e as fuás obrigações fe confiderão mais como confelhos diri- gidos á maior perfeição , do que como preceitos indifpenfaveis para a vida Chriftã. ^Ora não he de recear que os iioflbs inimigos pofsao increpar-nos de

q^ue

11 iil

(99)

que neftaintelligencia attendemos mais á latisfação da noíTa cubica, do que á verdade ; explicando nós aquelles pre- ceitos Divinos por hum modo tal, que na efpeculação fe verifica a íua obfervancia , e na pratica fenão che-^ ga a eíFeituar?

CAPITULO VII*

Inconvenientes que refultao da defcon^

fiança que ha na legitimidade do

Juro do Dinheiro,

PRefcindindo da vei-dadeira Jntel- ligencia , que fe deve dar ás ex- prefsões das Sagradas Efcrituras , a refpeito da ufura , e do mutuo, pare- ce que a inclinação dos Theologos a fundar neffas exprefsoes o conceito da illegitimid^de do juro do dinheiro, lhes faz perder de vifta a obrigação pofitiva que impõe , efpecialmente as duas allegadas do novo Teftamento , para exercitar a caridade com o proxi-

G ii mo.

lii

^

\>-

v^

f 5_

( loo )

^•'

*v

hio. Pelo contrario 5 os Magiftrados ^ que adminiftrão a juftiça no foro ex- terno 5 quanto são mais propenfos á piedade , e a guiar-fc pelos fcguros diftames da Religião, tanto mais def- confião da legitimidade do juro do di- nheiro 5 por verem que elle he fufpei- tofo aosTheologos. Em geral feobfer- va nos Moraliftas huma grande facili- dade em difpenfar aos ricos da obriga- ção de foccorrerem aos neceflitados^ dando, ou empreitando gratuitamente; e nos Juriftas huma grande diíKculda- de em attribuirem como divida os ju- ros do defembolfo do dinheiro : quan- do parece que a refta juftiça requere de huns , e outros hum fyftema con- trario do que praticão.

A cubica commummcnte repre- fenta aos ricos muitos motivos efpecio- fos 5 pelos quaes lhes parece y ou afFe* fíão de entender que nao tem obriga- ção de foccorrer aos ncccílitados com efmolas, ouempreftimos gratuitos pro- porcionados á fua poíTibilidade. No

Tri-

I

( ^01 )

Tribunal , onde são julgadas as con- fciencias , he que deve haver huma pru- dente deícooliança em acreditar as fuás defculpas ; e hum faudavel rigor em não difpenfar facilmente aos que po- dem repartir com o feu próximo y de huma obrigação tão pofitiva , e tão conforme ao efpirito do Chriftianifmo, O património dos pobres , e dos neceflítados fe acha depofitado pela Divina Providencia nas mãos dos ri- cos. ^ EíTes proprietários de grolTas rendas ; eíTes homens endinheirados; mefquinhos para enthefourar , ou fu- riofos defperdiçadores para arremedar a fidalguia , que são fenão os thefou- reiros do Soberano Senhor do Univer- fo ? Se elles applicaffem fequer a me- tade do que lhes deve fobejar, viven- do commodamente , em praticar a ca- ridade , como tem obrigação de o fa- zer , talvez que aquelle mifericordio- fiilímo Senhor perdoaíTe aeíTes feus de- ^ofitarios a falfa prudência, e a vaida- de que lhes infpira a fraqueza huma- na ,

m

L' ( I02 )

na , para refervarem , ou gaftarcm inu- tilmente mais do que deverão : mas que elles não repartão da fua riqueza com os pobres , fenao algumas miga- lhas de que não fazem caíb ; que não arrifquem, empreitando gratuitamente aos que fem eíTe foccorro ferão pobres; que opprimão com vexações aos que fa- bem não podem pagar o que lhes de- vem ; eíTes são abufos criminofos , e intoleráveis do depofito que lhes he confiado ; e toca aos Juizes das fuás confciencias a declarar-lhes fem lifonja a fua impreterível obrigação ; a repre- hendellos feveramente da fua cruelda- de ; e a pronunciar contra cUes a fen- , '^ tença , que neftes cafos difta a Divina Juftiça. / Também a vaidade , a preguiça ,

a , ou ainda a cubica , induzem a muitos homens a cogitarem pretex- tos j ou trapaças para fc eximirem de pagar o que devem. Deverião por tan- to os Legisladores ^ e os Juizes das acções externas propender antes a def-

çon-

\

( I03 ) confiança contra o devedor , que de- mo'ra o pagamento ; que difeculta de pagar o juro a que fe obrigou , ou a que naturalmente he obrigado ; do que contra o credor pelo confufo receio da ufura , muitas vezes mal entendida. EíTe juro he hum accefíbrio do princi- pal ; he huma compenfaçao do lucro ceíTante , e do damno emergente , os quaes são infalliveis em qualquer cre- dor. No foro externo raras vezes le pôde conhecer a verdadeira ufura , fe- não. he no exceíTo do preço do juro. Quando efte não fe verifica, ou não íe prefume , o juro he naturalm.ente de- vido ; e são muito maiores , e^ mais frequentes os damnos que refuítão da tibieza da juftiça na attribuiçao do ju- ro devido , dos que podem refultar do feu rigor , em obrigar alguma vez ao pobre a fatisfazer o juro ao feu credor rico , por fer efte hum mal que na ju- rifdicção civil fe não pode evitar, A efte refpeito proporemos algumas re- flexões particulares.

'*^'^^

:A

•."^^

r kV ( 104 )

O juro ou he pofitivamente cfti- A^ pulado, ou não : fe he convencionado \?io hmire prefcripto pelas Leis, ef- tas obrigão ao devedor a fatisfazello; menos no cafo de mudança de eftado, quando deixa de figurar ointerc/Tc def- fe originário devedor , e lhe fuccede por incidente o dos feus diverfos cre- dores. Se o juro não he eftipulado, /tambeni são raros os cafos , em que a /Lei o não deva attribuir aocrédor, co- / mo preço devido do ufo fruto do feu \ dmheiro na iênipra do pagamento do principal. Em todas as dividas a com- rnerciantes , parece indubitável que o juro he devido , feja, ou não eftipula- do pela demora do pagamento além do termo convencionado ; e aíTim fe julga nas jurifdicçoes confularcs , na- quellas terras, onde ellas decidem fo- bre os intereíTes dos negociantes , com o conhecimento pratico que commum- mente falta aos JuriAas. Igualmente he injufta a diftinção que ás vezes fc faz da divida procedida de lucro ^ da

que

\

( 105- ) l^^

que confia do principal, para dene- gar o juro no primeiro cafo. Não fe trata aqui do juro do juro , o qual re- gularmente he exorbitante , fenão dos lucros próprios do commercio. O lu- cro do negocio, de que procede a di- vida 5 ^ computadQ pelo tempo que fe confiderou durgjrja^^^^^^,,.^o^^ conforme a efpera eftipulada para o pagamento : cumprido eíTe tempo , o lucro he principal , e divida rigoro- fa ; quem a não fatisfaz , caufa lucro ceíTante ; e fe fe defconfia defte lucro , he por não fe conhecer bem a nature- za da profifsão mercantil. A cubica particular de cada negociante fim pro- cura fempre de alcançar o maior lucro que lhe he poíSvel ; mas ao encontro , ^ ^ ^. a competência de muitos commercian-f^ íI^ tes nos meínios negócios reftringe na- if^ ruralmente , e corn igual vigor o lucro de cada hum ; de forte que , o nego- ciante prudente , para não ficar arrui- nado , e para lucrar alguma coufa , he qbríga4o 4 ufar por fyftema confiante

í

( loó)

í^

t

de duas cautelas : huina he , repartir os rifcos de tal modo, que a perda de huns negócios venha quando menos a fer compenfada pelo ganho de outros; a outra he ter fempre o dinheiro em- pregado , para que as neccíTarias def-

,'pezas do feu negocio , e da fua cafa , que não paTao , fejão compcnfadas pe- lo avanço do feu principal. Ncftes dous objeftos coníifte principalmente

/a arte mercantil ; affim como a natural oppofição da cubica de cada commer- ciante , com a concurrencia de outros muitos ao mefmo fim , he huma parte eíTencial da grande utilidade do com- mercio , a refpeito do intereíTe com- mum do Eftado. lílo fe entende do commercio bem regulado , qual fe deve fuppôr 5 e deixado na fua liberdade , fem as preferencias particulares que confli- tuem os monopólios , oufemm.al enten- didas providencias 5 que dem huma illi- ,<:ita vantagem aos que facilmente as po- /dem fraudar. Dahi vem o axioma poli- I tico 5 que a liberdade he a alma do com- mercio. Nas

l

Iftil, "1

(107)

Nas dividas de negociante z ne- gociante , ainda com maior raz-ão he devido o juro da demora do pagamen- to , bem que não feja eftipulado ; nao porque o lucro ceffante de hum em beneficio do outro he manifefto, como^ também porque não he de prefumir,K que o devedor fe haja deixado fraudar pelo credor por falta de intelligencia , ou obrigado da neceíEdade urgente para o feu fuftento , como poderia a- ^ contecer a huraa peíToa de outra pro- ' fifsáo. Sim fuccede muitas vezes que^^o^ ^ negociante toma dinheiro a juro , nao i J para lucrar com elle , fenão para acu- ||f dir á pontualidade dos feus pagamen- \ tos , e à confervação do feu credito j. mas para remediar a efta urgência não | pôde ordinariamente concorrer ne- : nhum dos outros negociantes , aos quaes o decadente a occulta com gran- de cuidado ; e ainda quando elles tc- nhão diflb noricia , ou prefumpção, fomente são obrigados a acudir-lhe gratuitamente , era quanto o puderem

fi

/

( io8 ) fazer , fcm grave perjuizo próprio, c fein fe conftituirem na mefma infelici- dade cm que o outro fe acha pela fua imprudência , ou pela fua pouca for- tpna.

Quanto ás dividas entre os que não são commerciantes , parece que igualmente delias fe deveria attribuir ao credor o juro da Lei, ainda quando não he efl-ipulado ; e ifto em razão da natureza do ufo fruto do dinheiro, ou feja do lucro ceíHinte. ScS pode haver excepção no dinheiro confiado por de- pofiro , fe he rettituido aílim que feu dono o pede : no que do mefmo modo confervão em fcu poder oTeftamentci- ro, ou o Curador pelo tempo necefla- rio para o empregar, ou paradelle dar conta aquém toca: no que fe empreíla porbreve tempo fem condição dejuro, quando he fatisfeito fem demora con- lideravel , a qual neíle cafo deveria en- tender-fe licita fomente até hum anno : e aíIim nas mais circumftancias dcfta , ou outra fcmelhante qualidade. Mas

hu-

ÉMHMI

C 109 )

huma vez que o dinheiro empreitado ^ ou depofitado for retido pelo devedor além da vontade do credor , parece conforme ájuftiça que efte deve vencer juro da demora do pagamento, ouref- tituição 5 todas as vezes que o reque-

Em nenhum outro paiz he mais neceflaria a exafla adminiílração da juftiça 5 na attribuição competente do juro do dinheiro, quanto o he em Por- tugal ; porque nefte Reino a impontua- lidade dos devedores no pagamento da

que devem , tem chegado a hum tal excelTo , que não jsóde fer maior ^m alguma outra parte do Mundo. Efta impontualidade procede mais do máo coftume, do que da neceíEdade fuftenta do errado conceito que formão as mais das peíToas, de que não faltão á juftiça, confeíTando que devem, fem nunca ufar dos meios próprios para poderem pagar : que não he contra a decência , e o pundonor prometter, e faltar ^ obrigar-fe y e ter em pouco o V cum-

i^

( "O) cumprir, ^f Qi^e outro remcdio para cu- rar efte inveterado mal pode haver tão efficaz 5 quanto fora o de obrigar aos devedores impontuaes apagarem infal- livclmente os juros das demoras quafi fempre voluntárias , ou procedidas da imprudência? ElTe faudavel rigor obri- garia a muitos a viverem com conta , \ e melhor governo; e deíTa boa ordem í í^ feguiria hum dos maiores proveitos, i c^íl^^ ^^ diligencias do Governo Civil J^podem procurar á Religião , e ao Ef- I ^ tado. Pelo contrario , da impontuali- 4í^ dade habitual da maior parte das gen- tes , fortificada pefa defconfiança dos Moraliftas, na legitimidade dos juros; e pela repugnância dos Miniftros da Juftiça na fua attribuição , refultao os graviílimos damnos que fe vao a re- ferir.

I.** A facilidade com que fe ani- mão a reter o alheio as pefToas de to- das as qualidades , e efpecialmente os nobres , os poderofos , e os comm.er- ciantesj confiados cm que o peior que

lhes

( m )

lhes pode acontecer , he virem a pa- gar fó o principal , depois de muitos annos de frivolas defculpas , ou de li- tígios , extorquindo aflím o ufo fruto , do dinheiro injuftamente retido.

2.° A opprefsão dos credores pou- J^ CO remediados , ou indigentes (que taes são os mais delles) obrigados a pagar por maior preço todas as coufas neceíTarias para o fnílento , e indifpen- favel tratamento , fem acção juridica para ferem indemnizados pelos deve- dores , que lhes causão eífe damno, c tem a poflibilidade de o refarcir. ç ;

j."" jVdefordem, e a ruina do com- - meTcio, pela falta de pontualidade nos pagamentos, tão ufual no Reino, e muito mais nas Colónias , que autho- riza aos Eftrangeiros , com os quaes negociamos , a ferem impontuaes fo- mente a noíTo refpeito ; de tal forte, que ferão reputados fallidos de credi- to 5 fe com hum negociante de outra nação não cumprirem no dia prefixo com o pagamento promettido ; mas

fen-

,*!■!!■

;flP

f1

fendo o negocio com Portuguez: , entende geralmente que lhes he lici- to uíarem comnofco o mefmo que com elles praticamos.

A introducçao de muito maior quantidade de mercadorias eftrangei- ras , das que o Reino , e Conqujftas podem confumir pela facilidade dos compradores , que nada arrifcao em fe obrigarem a pagar a hum anno , quan- do bem fabem que em vários annos não poderão fatisfazer com o que ellas produzirem : do que tem refultado o empenho da Nação , e em parte a fal- ta de augmento nas noífas manufaftu- ras.

5'. o A m.ultiplicidade de negocian- tes em groíFo , e de mercadores para vender por miúdo, fem cabcdaes , fem intelligencia , e fem condufta razoável , os quaes fe arrojão a íeguir hum exer- cicio ainda muito arrifcado para os que nelle entrão com elTas difpoíiçoes ; e por tanto infallivelmente ruinofo para os que delias carecem : de que relul-

tão

i

( "3 )

tão intermináveis damnos , originados^ da facilidade que ha em negociar com o cabedal alheio ^ fem indemnizar aos credores dos perjuizos da demora da fatisfação ; e íem que os vendedores pofsão eximir-fe fiar dos aventurei-^ ros, porque a defordem geral do com- mercio faz que fejão muito raros os compradores abonados.

6.^ Fechar-fe o dinheiro y enjo gi-

-"^tar em beneficio doEftado, como aliás fuccederia fe o commercio foffe bem regulado entre os que o exercitão ; e íião moftraíTe a experiência que he tão ordinária a impontualidade dos nego- ciantes Portuguezes, como a exaftidão dos commerciantes nas terras eftran- geiras , em quanto a ultima neceíTida- de os não obriga a declararem-fe for-^ malmente fallidos.

7.^..-C as ufuras pálliadas

^,x^'"mefma proporção em que fe impe- de , ou difliculta a licita utilidade da juro do dinheiro ; circumftancia efta por fi digna da maior attenção , a

H que

m

Ma.

^

'«*«' \

cl^'

( "4)

'que neceflitaria de mais dilatada cfcri- ta para fe fazer evidente aos menos práticos dos negócios.

8.° Augmentar-fe o preço natural d do ufo fruto do dinheiro , quando a utilidade geral do Eftado requere que fclle venha naturalmente a reduzir-fe \^ao menos que he poííivel , como fe '^acha demonftrado pelos melhores Po- liticos , e particularmente pelo Inglez Jolias Child no judiciofo Tratado que efcreveo defta matéria. Aqui fe deve notar , que fendo o commercio o que regula infeníivelmente o preço natural do juro 5 coftumando-fe o Legislador guiar por elle para a determinação do preço Legal , neíle Reino não pôde eífa regulação fer coherente, em quan- to durar a defordem geral que ha no noíFo commercio ; donde vem que o preço legal do juro fempre he menor que o preço natural ; e que confequen- temente são inevitáveis as verdadeiras ufuras ; e não menos os damnos que refultão dos mefmos remédios , que

con-

M

tontra elías fe prefume de pôr em pratica.

Todos eftes inconvenientes são éíFefíivos 5 t ninguém deixara de os reconhecer verdadeiros , fe der hurria particular attençao ao que diariamen- te fuccede a eíTe refpeito no curfo dos negócios, j Òxalâ foíTem eftas fomente efpeculaçoes da fantafia y ou defordens de leves eohfequencias !

CAPÍTULO VIIL

Inconvenientes qúe fe podem confiderar íjõ

Juro do dinheiro , cafo de fer ejla--

bekcido de rigorofa jujliça.

O Primeiro incoíiveniente que fe pode advertir , he , que como o pezo juftiça coftuma cahir mais fa- cilmente fobre os pobres , que fo- bre os ricos ^ virão defta forte a pade- cer mais os pobres , em razão dos ju- ros extorquidos pelos ufurarios ^ ainda qtie fejão conformes ao limite da Lei* Hii Re.

A\\

Jl

ir: Pi

( "O

Refpònde-fe , que pela mefma razáo fuccedeiá o contrario. O auxilio dos pobres pode fer bem collocado no Tribunal , onde fe julgão as confcien- cias , no qual devem fer condemnados os ricos 5 como fe diíTe ^ pela du- reza de levar juro ao indigente, quan-^ do o devem foccorrer com emprcftima gratuito. No Foro Civil não pode conf- iar bem a poflibilidade de hum , nera a pobreza do outro. Como níio com- pete ás Leis temporaes de fazer diftin- ção do devedor pobre , ou rico ; o que agora fuccede he , não pezar o ri^ gor fobre os pobres , mas também pender mais facilmente a indulgência para os ricos , rebuçada da ^allgar def- eonfiança da ufura. Se as Leis ordenaf-- fem com maior generalidade , e conl maior vigor o vencimento do juro, não peioraria a condição dos pobres, porque pouco ^ ou nada peior pôde fer ; e não haveria tão facilmente os pretextos que agora ha para aliviar os ricos de pagarem os juros que dcvef-

fem.

4^,^

( 117 ) fem. Além do que , fe os pobres naa tem meios pára pagar o principal , nao padecerão mais em ferem obrigados Também aos juros , que ainda menos podem fatisfazer. Faça-fe efta reiexao^:^ No foro interno he táoinjuíío moleftar com demandas , e com prizão a hum devedor pelo principal , como pelos ju- ros , quando fe reconhece que elle he pobre 5 e impoíEbilitado de pagar; mas nem por iíTo deixa de fe proceder cor- rentemente no Auditório Civil contra o devedor indigente pelo principal empreftado gratuitamente , em quanto por huma vergonhofa cefsao de bens elle não faz confiar juridicamente a fua impoffibilidade , do que refulta o mal inevitável de eftarem fempre asprrzões cheias de devedores miferaveis. Pois fe pelo principal he indifpenfavel efte duro procedimento , pouco fe au- gmentarâ o damno , com que o rigor aconteça também pelos juros accrefci- dos. O que involve muito peiores con- fequenciasj he deixar de atalhar as ve-

i-4!>.

m\

ii

xa-

I

S-Pí

( ii8 )

xaçoes com que os poderofos ^ e os trapaceiros fazem crefcer tanto o nu- mero dos pobres , com que poderofa- mente causão a pobreza, He innega- vel que o modo mais geral , e mais fácil com que elles exercitão impune- mente eíTa vexação , he não pagando o que devem, ou não o fatisfazendo , fe- não depois de haverem caufado hunx irremediável perjuizo com a demora, Oia o freio mais vigoro fo para os con- ter , fora de augmentar com os juros indifpeníaveis as dividas dos mãos par gadores ; porque o grande incommodo de huns , e a ruina de outros faria a todos mais feníivel a grande neceflida- de de viver regradamente , governan- do com alguma prudência os feus in- tereíTes; e faria que muitos dos defor- denados poderofos , e dos mal regra- dos commerciantes fe reílringiíTem nos feus gaftos aos limites da fua refpeíli- va poílibilidade. Com efta reflexão fc refponde também a outro inconvenien- te 5 que fe pode figurar da ruina d^

No-

( 11? )

Nobreza, fe fe multiplicaíTem os juroà ; das fuás dividas. He certo que a con-í fervração das cafas dos Fidalgos he de . , grande importância n'hu.iBa Monar- ! ' quia pois que ellas conflituem huma parte do vigor da fua conftituição; porém o modo de as confervar, ou de as reftaurar do eftado decadente^, em que as mais delias fe achao , não he facilitar aos feus adminiftradores os meios de as poderem fem eftorvo def- truir a feu arbítrio , caufando ao mef- mo paffo a ruina de muitos particula- res , como fe acontecer. Chegão alguns Fidalgos a prezar-íe de não ia- \ berem) governar as fuás caías ; e nao \ poucos tem por grandeza o defgover- | no , imaginando talvez de fe acharem | em tão alta esfera , que affim como os Eípiritos Angélicos , elles não eftao . fujeitos ás urgências da vida humana. \ l Que damnos não refultão ao Eftado dainconfideração que ha nefta matéria? ; Não he o menor a deíagradavel alter- f

^*-^ To r\Ç^f*rprc^ i

í¥'

nativa que continuamente fe oSerecej

L Jl

lA^

>vf'

mL

l'^

( 120 )

á determinação do Governo Soberano : ou de defpcnder a fubftancia do Rei- no com mercês intermináveis aos Fi- dalgos da Corte ; ou de deixar arrui- nar , e extinguir as fuás cafas mais bem 5 do que faltar com as neceífarias providencias para ofullento de milhões de Vaífallos.

Além dos remédios direitamente próprios para curar efte grande mal, parece que feria também opportuna a providencia indirefta de fujeitar qual- quer devedor a pagar o juro da Lei por todo o tempo que demoraíTe o pa- gamento ao feu credor. Defta rigorofa juftiça eftabelecida em geral nao feria fácil aos poderofos de fe izentarem , com ella fe atalharia a vexação dos neceíFitados : os judiciofos adminiftra- dores das cafas grandes não eftarião de peior partido , quando a necellldade os obrigalTe a contrahir empenhos, porque os celebrarião com regradas condições , e com reciproca juíliça , como agora o fazem j c os pouco avÍ7

fa-^

I

m

x"'

( I^I )

fados ou fe conteriâo pela experiência da fua mais accelerada mina , ou a evi- dencia dos damnos , que efta caufaíTe a huns, faria apartar aos outros dopre- cipicio. Mas ainda que dahi não reful- taíTe efte ultimo proveito , fempre fo- ra menor mal deixar que hum louco com a cabeça pelas paredes, do que ajudallo a quebrar os braços a quantosi ^^^i,| encontrar. ^^^^\Pi

Quanto aos damnos que fe pode confiderar acontecerião aos particula- res pela determinação geral do juro em todas as demoras de pagamento, por jnais que fe extenda odifcurfo aos cafos efpeciíicos que podem lembrar, não fe acha que efles damnos le veri- fiquem de mais da Nobreza , e dos ne- ceffitados referidos , fenão com os particulares totalmente defgovernados ; e a effes claro eftá que são applicaveis com muito maior motivo as razoes que ficão expoftas a refpeito dos Fidalgos pouco avifados. O juro do dinheiro ou he naturalmente devido , ou de fi he

in-

m

injufto : nefte cafo a ninguém fe deve fujeitar a pagallo : fe he devido , co- mo entendemos , nao ha verdadeiro inconveniente de obrigar a fua fatisfa- 'ção , fenão a quem toma o dinheiro pela neceflidade do feu fuftento ; mas efta violência não fe pode bem conhe- cer no foro externo , e aos Miniftros da Religião he que toca ufar de hum confiante rigor para a evitar.

CAPITULO IX.

1

O Jura da Lei raras vezes he ftifficiente

para compenfar os perjtiizos que refiil-

tão da demora do pagamento.

D Ar dinheiro a juro fuppóe hum negocio vantajofo para quem ven- de o feu ufo fruto ; ou quando menos he de crer que não acha outro modo de o negociar com maior utilidade. Contar o juro pela demora do paga- mento promettido cm tempo determi- nado^ he intereíTe diverfo, cquafifcm-?

prc

pre devido ainda com maior juftíça ^ que o do dinheiro expreíTamente em- preitado por interefíe ; porque com- mummente efte dinheiro dado a juro he cab£^dal dos mais abaílados ; e o outro retido ou he dos que menos tem 5 e mais oneeeflitão , ou daquelles , que fe propõem de tirar do feu di- nheiro maior fruto , e alTim contra a vontade de huns , e outros he demo- ^,|V rada a fua reftituiçao pelo devedor, ç.^ Do dinheiro de que fe demora p \ pagamento aos negociantes não pódç ^ haver dúvida em que o juro da Lei \ lhes não chega a compenfar o lucro ceíTànte 5 efpecialmente nefte Reino , em que o preço legal do juro , na aftual circumftancia da impontualidade feguida por coftume , a qual faz ter o dinheiro efcondido, e inútil, não po- de deixar de fer menor que o preço natural 5 como fica dito. Além do que , p negociante para não deteriorar o feu capital 5 deve computar no preço por que vende ^ as defpezas que faz; com

\

O'-

!|lt'l.

i

ifí

i^'

àii

JKi

i^'

/

( iM )

o fcu negocio , a recompenfa do feu trabalho , e demais a mais o juro do delembolio pelo tempo que fia ; pois cpe fe aíTim o não fizer , em poucos annos verá confumido o mefmo capi- tal 5 e ficará deftituido de meios para continuar na fua profifsao. Pelo que , / fe a demora excede ao preço eftipula- , do para o pagamento , em todo o tempo excedente elle he impoíTibilita- do de fazer com o feu dinheiro hum iiovo negocio ^ em que recupere as defpezas que n0o parao. O juro d^ Lei j que não foi computado fenao pe- la demora cogitada , eílá bem que continue a correr pela não previfta ; mas ainda aíTim céíFa o premio do tra- balho pela falta de cabedal para con- tinuar o officio ; e as defpezas preve- nidas para o negocio , como falario de caixeiros , alugueres de armazéns , e de maiores cafas , nefla prolongaçao da demora , redundão em perda para o . ; credor. A prova defte cálculo he , que não ha algum negociante , que deixe

vo-

^1

( 12? )

voluntariamente de cobrar feu de-» yedor no tempo eftipulado, ainda que o confidere de toda a fegurança , e que prefira efperar mais para lucrar o jura da maior demora.

goderá dizer-fe^ que os commer- ciantes vendem aos impontuaes , e tra- paceiros por preços exorbitantes, nos quaes contão muito maior lucro do que affima fe figura. Refponde-fe , que vendem mais caro aos máos pagado- res 5 á proporção do muito maior rifco que correm ; e para fe conhecer que niíTo não fazem bom negocio , bafta faber que os mercadores prudentes re- Gusão commummente eíTa qualidade de vendas : que a experiência diária con- firma o defacerto dos que as fazem com franqueza , pois que de vinte ape- nas fe fuftenta hum : que ainda daquel- les mcfmos , que aífim fião com tanto rifco 5 nenhum deixa de abraçar prom- ptamente as occafiões que fe lhe ofFe- recém de vender com menor rifco , e menor ganho numeral : e que a verda-

' r & dei-

•mm iiii'"*t'r

^.,<v

Ifiiil

u

C/f

-v-^

,,#'''

( I^-ó )

deira utilidade do commerciante con- íifte em cobrar com brevidade , por pouco que ganhe. Além de que, íeja ou nao pontual o que compra fiado , fe elle achar quem lhe venda por menos, não ha de comprar a quem lhe pede ^.^ piais.

"^ / O mefmo que fe tem difcorrido %Q refpeito dos negociantes por officiò, ,|'^ fe verifica nos que vendem os frutos ;* das fuás fazendas , e do feu trabalho^ ^ Quem não que a demora do paga- mento deífes frutos caufa maior perjui- zo 5 do que pode importar o feu juro, principalmente fe a demora he tal, que chegue ao anno feguinte 5 em que os frutos coftumão reproduzir-fe ? Sup- ponhamos dez moios de trigo , que vendidos a cruzado o alqueire, impor- tão em 240 mil reis : o juro defta: quantia por hum anno são 12 mil reis. ^ Podem eftes compenfar a falta de dous moios para ogafto decáfa; de três moios vendidos para ter com que fa- bricar a terra j e do produfto de ou- tros

( 1^7 } tros finco moios femeados ? Certamente que não. Façao-fe quaefquer cálculos que fe puderem imaginar, por elles fe achará que convém mais ao lavrador de cobrar promptamente o valor dos géneros que recolhe , do que receber o juro pela demora do feu pagamento. ^Que diremos dos officiaes na falta da fatisfação do preço das fuás obras , ou dos feus jornaes ? Demos que ao cor- rieiro fe encommendou huma carrua- gem 5 que importou em yo moedas: deftas pertencem 40 a quem lhe fiou o couro; ao carpinteiro que fez a caixa; ao pintor ; ao dourador , e a outros: as 10 moedas reftantes são o preço do feu trabalho , e os jornaes dos feus officiaes. Demora-fe-lhe o pagamento por tempo de hum anno. Ojuro total das 50 moedas são duas moedas e meia , das quaes tocao duas aos que venderão os materiaes , e aos que fize- rão as obras dos outros officios , e a meia moeda pertence ao corrieiro : ^Será baftante cfte juro para cpmpen-

faí>

•, f

( 1-^8 )

far , aíEm a ellc , como aos léus of-- íiciaes 5 o que lhes hão de ter cuftado inais caros os mantimentos comprados fiados 5 do que fe os houvelTem com- prado a dinheiro de contado com as dez moedas ? Póde-fe affirmar que a diíFerença de preço a preço ha de ter fido de mais duas , ou três moedas, quando não recebem outra compenla- ção que a de meia moeda. O mefmo ha de acontecer , á proporção , aos outros officiaes , que trabalharão para completar a carruagem.

A qualquer officio , arte , ou oc- cupação a que fe extenda o difcurfo, fe achará applicavel a propofição de que o juro da Lei, fallando geralmen- te , não compenfa o pcrjuizo que re- fulta da demora do pagamento ; e ifto he tanto mais certo, quanto a demora he mais prolongada , além do tempo que o credor entendeo de efperar quando fiou ; principalmente quando não entendeo de fiar , e fe lhe falta: com a prompta fatisfação que efpera-

va.

ÉMM

( 129 )

va, quê he oque mais frequentemente acontece aos officiaes.

Com tudo ifto 5 não fe perteilde fazer licito maior juro 5 que o permit- tido pela Lei ; porque das acções em qiie os homens fal tão ao que devem, não he poífivel avaliar ajuftadamente ^ em cada cafo íDarticíilar , õ dâmno qu(í com elTa falta causâo a outrem; efem- pre fe reputa ao devedor cora tal, ou qual razão para não fer tratado no Mundo com o ultimo rigon^-jAíTim elle deixaíFe também de o fef naquelle ultimo 5 e temerofo dia 5 em que nada fe ha de poder occultar á univerfal Juftiça ! Mas , ao que parece , tera-fe dito o que bafta para provar que , ao menos o juro da Lei , fe deve confor- me á equidade natural^ attribuir pela demora que houver em qualquer pa- gamento 5 além da vontade do credor.

CA-

MÊU

( 130 )

CAPITULO X.

Regularão Legal do preço do juro do dinheiro.

i

\\n^^

ASfim como he multo importante que a Igreja Catholica determi- ne de huma vez pofitivamente o que fc deve crer a refpeito da legitimidade do juro do dinheiro ; he igualmente conveniente que o Governo Temporal regule com Leis claras, e terminantes o modo, porque deve fer julgado eíTe juro , o qual fe entende que não con- vém feja igual para todos os cafos em que a fua natureza, e aneceflidade dos negócios o fazem licito , e indifpen- favel.

Os cafos a que he adaptável o juro do dinheiro, são entre li diverfos; porque huma coufa he dar dinheiro a juro com hypotheca efpecial , e outra heconfiallo fomente da boa de quem o recebe. As hypothecas ou são de huma moral fcgurança , ou pela fua

qua-

( 131 )

qualidade sâò fujeitas a deterlorarem- fe , e extinguirem-fe facilmente. Tam- bém o juro 5 que fe conta pela demora do pagamento , tem fua diíFerença da- quelle que^ fe eftipula pelo dinheiro tomado determinadamente por nego- cio. Neftes termos requere a juftiça que o preço do juro feja o mais pro- porcionado que for poÔivel em huma determinação geral ás diíFerentes cir- cumftancias , em que elle houver de fe contar , para aflim fe poder verificar a igualdade entre quem o , e quem o recebe ; pois que quanto melhor fe ajuftarem os intereíFes de ambas as partes, tanto mais facilmente íe evita- ^| ráõ as uíuras palliadas. ^/j. /t

No commercio dcfte Reino fe -: acha eftabelecido por eftilo geralmen- ^; te praticado o Juro de meio por centafe^^ ao mez , que "vem a fer féis por cento ao anno ^ pela demora dos pagamentos de hum a outro commerciantc , e pelos rebates de letras de cambio , acceitas por negociantes de inteiro credito. Ef-

I ii ta

^_

M^

À)

V^

( I30

ta pratica convém que fcja formalmen- te nuthorlzada pela Lei , para evitar - as dúvidas que por falta delia Íuccct i dem acontecer. Demais a mais fe en- tende, que devera facultar-fe o mefmo juro de féis por cento entre toda a qualidade de peíToas , fcjão , ou não fejão commerciantes 5 nas demoras dos pagamentos , além da vontade do cre- dor ; e também nos dinheiros dados ^ e tomados expreíFamcnte a razão de juro 5 quando nao intervierem penho- res ^ ou hypothecas efpeciaes. ..; , Em todos os contratos de dinhei- ^ -io dado a juro com hypotheca efpe-

l! t,*

fe-, y' ' ciai de mercadorias , ou outros quaef- *^ \'J^ quer bens móveis, feria conveniente limitar-fe o juro a. finco por cento, aílim entre os commerciantes , como entre os que o não forem. Nos reba- tes de obrigações de dividas particu- lares , ou públicas , em que. fica a boa, ou cobrança ao rifco de quem o dinheiro , nao devera, haver limite no preço do rebate , fenao ficar cftc á

aveii-

h^rti

.uf

( 133 )

avença das partes , á excepção dos ej- critos das Alfandegas , cujo rebate não ^ deve íer outro ,ienão o delconto do | juro pelo tempo quelalta para oleu ^:. vencimento a razão de^£uatro por cg^fc to ao anno , pelo motivo que fe vai a 'declarar a refpeito dashypotheca^^mais ^^ ^ feguras. Quando porem o credor ti veT V"'""' a fegurança de huma^hypotlieca efpe— ^ ciai tão folida , qual He a dos Sens immóveis ; como o Padrão de Juro <: Real , a herdade , a terra cultivada ,j.^^^ a quinta, o olival , o pinhal , ou outra^jf if/r prédio ruftico ; o edifício , ou o foro/ impofto em qualquer chão ; neíTes cafos o juro não devera permittir-fe amais de quatro por cento. Para fe reconhe- cer que efte juro he não bem pro- porcionado , mas ainda vantajofo a quem o dinheiro no eftado prefente dos negócios nefte Reino , bafta adver- ^

tir-fe , que varias Coramunidades Re-^^_lt ligiofaslicMollTnlíeiro a três , e a dous e meio por cento fobre o feu credito, e fem hypotheca efpecial dos feus

bens:

(?:v

( ^4) bens : e que das peíToas , que não exer- citão o commercio , e tem dinheiro para empregar , não haverá alguma, que não abrace promptamente o parti- do de acceitar Padrões de Juro Real aos quatro por cento. Ainda he de crer , que também alguns os tomarião a três por cento pelo credito que lhes tem adquirido o feu pontual paga- mento.

Sendo tal qual fe entende que he aftualmente o preço natural dojuro do dinheiro , com aquella hypotheca que conflitue a maior fegurança que pôde haver , parece que nenhum inconve- niente encontraria a Determinação do Soberano , que tivefíe por bem de di- minuir a quatro os Juros Reaes , que fe achão conftituidos a finco por cen- to ; porque a obrigação do contrato celebrado a cfte preço pôde ceflar to- das as vezes que houver modo de fe oíFerecer a alternativa da diminuição do juro , ou do diftrate com o paga- mento : e como não ha neceflldade de

que

u^é^m

J\

( 13? ) que efte feja feito de hum golpe por todos os Juros Reaes, fenao á medida que houver quem queira dar o dmhei- ro a quatro por cento , parece indubi- tavel que em poucos annos ou haverá novos compradores dos Padrões a eíTe juro 5 ou os antigos poíTuidores delles concorreráo para a diminuição do feu

preço.

Porém o objeflo mais importante para a applicação do juro não he tan- to o dos dinheiros expreíTamente to- mados pela Fazenda Real , quanto o das fuás dividas aíFim aftivas , como paíllvas. A Fazenda Real foi diílinaa- mente a do Soberano em quanto o Governo Politico fe regulou pelo fyf- tema feudal ; mas depois que á luz da boa razão fe tem advertido , que os intereífes do Monarca não são outros que os do Eftado em commum , não pôde duvidar-fe de que a Fazenda Real , e o Erário público são huma mefma coufa ; e todas as Difpofições do Governo delle Reino aíllm o ce^rti-

ficão.

i/:*

ftiA.

( 13O

ficão. Em taes termos , aílim a falta da cobrança das Rendas Reaes , como a do pagamento das fuás delpezas , redundão em perjuizo do Eílado ; e a tolerância , ou inattenção deífes perjui- 70S nem forao próprios da clemência do Soberano , nem podem fer confor- mes á fua juftiça. Sim he ás vezes con- veniente o demorar-fe a cobrança das rendas, e ainda o perdoar parte del- ias pelo motivo de náo as diminuir pa- ra o futuro , precipitando a execução do feu pagamento ; mas em regra ge- ral 5 ifto fe pode verificar a refpeito dos devedores de huma qualidade de Direitos , ou dos colleítados para al- guma contribuição nefte , ou naquelle efpecial território. Porém não ha ra- zão juftificada que apadrinhe o deixar que hum particular fe utilize com a retenção do cabedal público. As razões que coftumão expender-fe nefte cafo , são : a clemência do Soberano ; não perder hum vaíTallo ; ter elle pago muitos Direitos á Fazenda Real , c

ou-

^1

outras íemelhantes. (hl^t díles argu- inentos, que outra coufasão fenao pre- textos efpecioíbs , com os quaes a cu- bica 5 ou a vaidade do valimento per- tendem favorecer a hum com o perjui- zo de muitos ? Fora pois da maior utilidade do Eílado , que todo o The- foureiro , ouDepofitario ^ que retiveíTe o dinheiro , além do tempo em que he obrigado a entregallo nos cofres geraes ; aílim como o Rendeiro , ou Contratador , que não pagaíTe o que deve nos prafos eftipulados , folTem huns 5 e outros obrigados por huma geral difpofiçáo j^{^\ú^a^z.^Q..'\\ita A%. demora. Bem affim como a Fazenda Real devera entender-fe obrigada a contar também o juro do que deixafle de pagar nos tempos a que fe conflitue devedora, do que (exceptuando algu- ma urgência extraordinária , que fe pudera limitar) não fe deve recear verdadeiro damno , huma vez que não fe deixe de cobrar o mefmo intereíTe de quem o dever. O preço defte juro

"Till

m.

parece que nas prefentes circumftan- cias fora bem regulado a razão de qua- tro por cento ; e todos os inconvenien- tes que pofsão lembrar, aílim a refpci- to das dividas paíTivas, como das afti- vas, fe refolverão em fumo, nocafo de chegar ao ponto de feeftabelecer a boa ordem na geral adminiftraçao da Fa- zenda Real, Que cfte eftabelecimento feja de fua natureza não polfivel , mas também muito fácil de pôr em pratica , a razão o perfuade : que aíTás o diíHculte a falta de hum claro , e geral conhecimento defta matéria , ou ainda a grande influencia dosintereíTes particulares, iíTo he bem de prefumir, e não menos de laftimar.

O primeiro , e mais poderofo obftaculo a efte projeflo , e em que muitas vezes no dia tropeçamos a ref- peito de outros , he o coftume contra- rio , pelo qual fem muita habilidade he fácil de fazer fufpeitofa qualquer novidade. fahe a campo em tropel hum efquadrão de razões vagas ; fe

ou-

-^1

( 139 )

ouve dizer : Com o methodo que até agora ícguimos nos temos achado bem ; não fabemos o que fuccederá com a iDudança; o caminho trilhado he fem- pre o mais íeguro ; o que fe nos pro- põe he arbitrio tirado de algum livri- nho eílrangeiro ; os libertinos Baf-

ta 5 bafta , não tratemos mais defta ma- téria. Mas repare-fe, que o horror da novidade nos objeftos Politicos ou he cego 5 e deftituido de raciocinio , ou fe procede de algum difcurfo, não po- de fer fenão defte : o ufo da razão be muito incerto: mais vale imitar osani- maes brutos : qualquer delles não faz outra coufa , fenão o que eftá acoftu- mado a fazer : nós os homens devemos praticar o mefmo para proceder mais feguros. íQue tal he efta lógica do coftume ? Na verdade ella he tão com- moda , que o feu eftudo a ninguém ha de caufar dores de cabeça ; mas tam- bém o proveito não he para fe invejar.

CA-

( 140 )

\h^

CAPITULO XI.

Não conzem ao EJIado ^ nem aos par lie u- lares as co7iJlitiiíçoes àe juros per- manentes.

O'

SE o juro do dinheiro fc coníiJcra licito por ler hum fruto acceíTorio do principal , ou huma juíla compen- fação do lucro ccíTante , e do perigo de perder o que fc emprcfta ; o cafo parece bem diíFerente , quando fe tra- ta de approvar fem limitação a grande permanência do juro , ou a fua confti- tuição de algum modo perpetua. O dinheiro íim he huma mercadoria de maior duração que outras muitas ; mas não deixa de fer confumivel como o são todas. Dem.ais a mais, elle fe po- de coníiderar fyíicamcntc cfteril, Efta qualidade he a que induzio a muitos a entenderem , em conceito Filofofico , que he naturalmente illicito o fcu avanço. Mas como pelo motivo de fcr- vir ^ por hyma geral convenção entre .> . V' . < os

( t4i )

OS homens /de equivalente de todos os géneros commerciaveis ; fe o dinhei- ro fyficamente he infruftifero, também he neceíTario confeíTar que , virtual- mente, elle vem a fer produílivo : por eíTa razão he que fe entende que o feu furo he naturahnente licito; não fendo poíTivel, por outro modo, de obfervar a juftiça na devida attribuiçao do meu ^ e. do teu.

Porém a qualidade moralmente fruftifera do dinheiro não fe pode ra- zoavelmente extender ao ponto de o conftituir , ainda neffe fentido , mais permanente 5 do que o são as outras coufas venaes ; nem ainda tanto quanto fe devem coníiderar os bens de raiz? mais duráveis. Bem pode o valor de' todos elies fer fubílituido, e reprefen- tado pelo dinheiro por huma tacita, e geral convenção , o que faz fer o di- nheiro virtualmente fruftifero; mas fo4 I ra abufar defta ficção politica (aliás '' iTiuito útil para fazer girar o dinheiro m> commercio 5 quando ella fe reftrin--

i

*

0'

lIl

i

\ t

f

C 142 )

ge em hum jufto limite) o chegar a amplialla , tanto que fe fizcíTe perma- nente.

Em primeiro lugar, he geralmen- te útil o juro do dinheiro porá in- demnizar dos damnos que rcfulíão das demoras dos pagamentos : em fegundo lugar 5 he conveniente , para que não fique o dinheiro inútil no poder da- quelles , a quem falta a intelligencia neceíTaria para o empregar de modo que pofsão delle tirar avanço no com- mercio : em terceiro lugar, o juro he muito proveitofo á fociedade Civil, quando fe acode com o dinheiro para as urgências do Eftado , o qual em muitas occafiões não poderia fem eíTe prompto foccorro defender-fe dos feus inimigos 5 ou eftabelecer motivos de utilidade para o futuro. Porém qual- quer delias três vantagens fuppõe hum beneficio tranfitorio ; porque quanto á primeira da compeníação dos damnos "ná demora do pagamento , fica de- xnonftrado que convém mais ao credor

a

( 143 )

a prompta folução da divida , do que a continuação do juro ; e não pode en- trar em dúvida , que ainda mais con- vém ao devedor exonerar-fe deíTe per- juizo. Quanto a dar dinheiro a juro aos que tem intelligencia para o fazer lucrar, também efte exercicio he natu- ralmente pouco durável; porque o que o toma ou ganha com elle , e não ne- ceíTita da fua continuação , de forte que he neceífario procurar hum novo induftriofo que o faça valer , ou não confegue aproveitallo , e o faz dimi- nuir , e até perder. Pelo que toca ao que fe a juro ao Êftado , he certo que em varias circumftancias fe pode confiderar de grande utilidade para o credor a fua perpetuidade ; mas outro tanto nociva he ao devedor a fua con- tinuação ; e o negocio que não he fem- pre de reciproca utilidade, não pode, nem deve permanecer muito tempo.

A acção de tomar dinheiro a juro he geralmente movida por tal , ou qual neceílidadeí e efta ou he abfoluta, ou

eco-

ipa

%

C M4 ) económica. ^_ncceffidadc abfolutajiao pode fer outra que a de fuftentar a vida ; e neíTe cafo a mais leve fufpeita que tenha deíTa urgência , aquelle que prefta o dinheiro, faz que leja illicito, e contrario ao moral Chriftao , perten- der elle juro de quem o não pode pa- gar, fenão confumindo os poucos bens que lhe reftao na fua pobreza. Pela neceíTidàde económica fe entende a de aproveitar 5 ou reparar as proprieda- des 5 para que poísão dar o feu com- petente rendimento ; a de pôr em exer- cicio a arte , a habilidade , ou a induf- tria para tirar delias lucro, concorren- do o emprego do dinheiro : a de fazer obras , ou defpezas úteis ao público , ou ao particular , as quaes depois hão de produzir lucro fuperabundante ao juro que fe paga, e ao rnefmo capital que fe ha de fiitisfazcr. Finalmente, a de defender o Eftado das invasões do inimigo , ou profeguir juftas conquiftas y cm cujas diligencias ou fe acode ao re- médio de hum grande mal; ou fe pro-

cu-

^I

( 145-) cura hum importante beneficio. Em qualquer deftes , e de outros cafos fe- melhantes da neceflídade que ehama- mos económica , fe ve que o juro he licito , pois que de prompto , he igualmente útil para quem o recebe, e para quem o paga. Porém feja qual for o motivo ^ que obriga a tomar o dinheiro a juro , e ainda que fe reco- nheça licita a percepção defte avanço ^ fempre ao que o paga convém que du- re quanto menos for poíTivel a ne- ceffidade que o obrigou a foíFrer eíTe perjuizo 5 ou digamos melhor , eíTa di- minuição de utilidade. _ ^

Pelo que toca ao que odinhei- i-o a juro ^ feguramente fe pode affir- mar que em geral tão pouco lhe he conveniente a continuação deíFe nego- cio. Primeiramente 5 he prova de indo- lência não faber diligenciar outro lu- cro j que o do juro do feu dinheiro^ cujo fruto he , e convém ao Eftado que feja o mais moderado que couber poflivel. Depois diffo, efte he o modo ^ K mais

m

4K-

r

( 146 ) mais perigofo de empregar o dinhei- ro. çjQue importa que as propriedades não dem maior avanço que o dedous, ou três por cento , íe eftes sao moral- mente feguros; e os finco, ou féis por cento do juro são tão contingentes, que o feu menor inconveniente he o da diíBculdade de repetição do empre- go pela falta de bons devedores ; con- fiftindo o maior perigo na incerteza da fegurança , a qual muitas vezes fe não verifica y ainda naquelles , que fe efco- Ihêrão por mais abonados ? Dirão que nos Juros Reaes ha eflfa moral feguran- ça ; mas fallando geralmente , a nin- guém convém que elles fejão muito continuados. EíFehe hum mal público , que hum dia , ou outro ha de , ou de- ve acabar ; e não he conforme a pru- dência contar como permanente a conf- tituição de huma renda , fundada no perjuizo do Eftado. Igualmente os ju- ros particulares , com hypothecas de bens de raiz , ainda que a poder de cautelas feprefuma ferem baftantemen- . te

( 147 ) te feguros , com tudo prova a expe- riência 5 melhor que os difcurfos, quão íujeitas são a falhar as maiores precau- ções que fe podem tomar para a firme- za defles contratos. ^ Com eftas confiderações parece^ ' fe Taz evidente que o juro do dinheiro^r^ he de fua natureza huma coufa tranfito- ria 5 e não durável. Demais a mais fe deve reconhecer que ao intereíFe pú- blico convém que alFim feja; porque o natural , e mais útil emprego no Eíta- do Politico he o trabalho. O officio de dar dinheiro a juro , e viver fo- mente dos feus redditos 5 he totalmente ociofo ; e por eífe motivo as dividas do Eftado , que não podem deixar de vencer juro /são as que ha maior ne- , ceífidade de extinguir com a brevidade poíTivel : a impoíFibilidade abfoluta do feu pagamento pode em boa Poli- tica defculpar da fua continuação ; não fomente pela ociofidade que causãa em muitos credores , como também pelo que pézão na Republica com os

K ii pro-

'^

lUf'"'

'i "x prolongíidos tributos para a fatisfdçío dos juros. Dahi vem que hoje , nos mais dos Eftados , fe procura de não contrahir dividas públicas , fenão de tal modo 5 que além do juro^ cobre o credor annualmente alguma couía por conta do feu capital , para que alEm venhão as dividas a extinguir-fe por 11 mefmas, ainda a troco de hum maior ; juro , ou de outros inconvenientes , que por hum jufto cálculo económi- co fe reconhece ferem menores que o da perpetuidade do juro.

Nem fe diga , para apadrinhar a ociofidade dos que vivem fomente dos juros do feu cabedal , que em alguns Reinos da Europa , cujas dividas são crefcidiíEmas , ha infinitas peíFoas , que não tem outras rendas , nem outro of- ficio que o da cobrança dos Juros Reaes ; e que ainda affim são elTes Reinos os mais florentes. Qiiem allim difcorrer , não advertirá que a geral opulência daquelles Eftados lhe vem dos m.uitos objeílos de lucro ^ que

ncl-

k/v^'*^" " ^P

l,.^"'''

'{ 149')

nelles tem os vaíTallos pelo exercido da agricultura , das artes , e do com- niercio ; de forte que , não obftante a traça deftruidora dos multiplicados tri- butos para a fatisfação dos juros ,^ e as nocivas confequencias que refultao da ociofidade de parte da Nação que dei- les fe fuftenta , não deixa cada hum deíTes Eftados em geral de fer rico em comparação dos mais. Mas nmguem poderá razoavelmente negar que mui- to mais rico feria em fubftancia fe com os mefmos objeaos de utilidade, que tem fabido eftabelecer, fe achaíle izento daquelles damnos que lhe não tem fido poíTivel de evitar.

Devemos pois reconhecer , em confequencia das confideraçoes , que fe tem expendido nefte difcurfo , que o juro do dinheiro bem entendido he inteiramente oppofto á ufura : que he fubftancialmente a balança dajuftiça, e da boa ordem nos negócios de m- tereíTe , aíTim a refpeito dos particula- res como do Eílado em commum ;

po-

li''"ti

0

Ih

I

( lyo )

porém que o ufo do juro náo fe deve confiderar como objefto permanente do commercio , fenao como hum incen- tivo tranlitorio para procurar o maior giro do dinheiro em beneficio da agri- cultura 5 das artes , da navegação, e do commercio. Pelo contrario , que a defconfiança que exifte da legitimidade do juro , equivocando-o com a ufura, he a caufa radical de infinitas injufti- ças, e defordens, aflim no Moral, co-^ mo na Politica,

CAPITULO XII.

Reflexões geraes,

NÀo obftante o que fe tem dif» corrido a favor da natural legiti^ midade do juro do dinheiro, não dei- xará de parecer a muitas peífoas que na balança da razão faz hum grande pezo em contrario, e peflimo conceito que tem formado a maior parte dos Efcritores defte modo de fazer lucrar

o

^^

ó dinheiro, inclinando-fe fempre achaT mallo rigorofamente ufura. Sendo mais de notar, que efte horror geral do ju- ro he de todos os tempos , de todas as Nações , e dos homens mais alumia- dos , alTim pela verdadeira Religião, como pelos eftudos das Sciencias hu- manas. Porém cavando , e profundando mais nefta dura fuperficie , talvez que fe chegue a defcubrir a raiz daquelle continuado , e odiofo conceito , e fe reconheça que elle pôde não fer mais do que huma preoccupaçao deílituida de folido fundamento , aliás bem def- culpavel , como deduzida de tão vir- tuofo principio , qual he o amor da juftiça , que fe acha naturalmente im- preíTo no coração do homem.

Hum dos maiores incentivos pa- ra o abufo das coufas licitas he o inte- reíTe ; e efte em nenhuma outra acção humana tem tanto exercício , quanto nas do commercio. Os homens forão , e ferão fempre infelizmente inclinados a abufar do defejo do lucros e he evi-

den-

É

['\

( irO

dente que elles , mais , ou menos, fe atrevem a praticar eíTe abufo , á pro- I porção da maior , ou menor reíiftencia * ique achão naquelles com os quaes ne- goceão. Pelas noticias que fe alcanção da Hiftoria geral do mundo , o com- mercio foi em todos os tempos , até ha poucos feculos , huma arte confufa ; igualmente deftituida de principios a- juftados j e convenientes a cada hum dos Cidadãos , que regras condu- centes ao feu fim nafociedade civil. O que delle fabiao os que o exercitavao, não era mais do que procurar o maior lucro poflivel , fem methodo , nem dif- cernimento , dos meios juftos , e decen- tes para o confeguir : pelo que nefta diligencia rariíFunas vezes deixavão elr ies de fe aproveitar maliciofamente da falta de conhecimento dos negócios, que havia em todos que não erao ne- gociantes de profifsão. Defta forte , ao officio do Gommercio erao inherentcs a fraude , e o engano ; e por confe- quencia era efte emprego juftamente

dcf-^

^ in )

defprezado , crao odiofos os que o exercitavão. ^Se ifto fuccedeo ao com- ítiercio na ferie de muitos feculos, por não o chegarem a conhecer bem , nem os que governavão os povos , nem os que erao governados, nem ainda os próprios commercianres ; como era poffivel que não aconteeeíTe o mefmo , ou peior 5 ao lucro do negocio parti- cular do dinheiro; fendo efte hum ra- mo da grande arvore do commercio ; e fendo a natureza do dinheiro huma matéria ainda mais abílrafta que a arte mercantil ? Erão poucos os commer- ciantes , e era ainda menor o numero dos que davão dinheiro a ganho : a ignorância , o defprezo , e até as mei- mas Leis concorrião igualmente para os atenuar ; e cuidando de evitar o, mal 5 tanto mais fe augmentava. ^.}^ ta de competência nos que polTuiâo o dinheiro , e a geral inadvertência dos que o neceíTitavão 5 facilitavão no com- mercio as fraudes, e as.ufuras nos em- preftimos. As Naç6es , onde particu.

lUi

.v

\

( if4)

krmente florecco o commercio , fim coníta que cílimárao aos commercian- tes ; e por ilFo he de crer que ellas negociariao interiormente com alguma lizura. Mas como o feu negocio ex- terior era fempre exercitado com ou- tros povos , que do commercio tinhão huma falta total de conhecimento j def- fa falta fe aproveitavão os que então melhor o conhecião , para negociar com engano , e empreitar com exorbitantes ufuras. Dahi vem que todas as outras Nações j aílim como os homens então ^mais fahios , fe conformarão em fazer v-do commercio , e do negocio do di- f'^.nheiro hum peílimo conceito. % / Os Hebreos, no largo tempo em

J'' / íque conlliruírão hum Filado Politico, ínão chegarão a fazer progreflbs na arte 'mercantil. Forão fempre defprezados os feus commerciantes , e forão enor- mes as fuás ufuras ; pois que por mui- tos tempos correo entre elles o avanço do trigo empreitado a razão de fin- coenta por cento, e era ainda maior o

do

Q

do dinheiro. DosJTyrios , x depois delles dos Carthaginezes , Nações ta- mofas pelo commercio , fe fabe que dos feus negócios com as outras , fira- vão extraordinários lucros por meio das maiores fraudes. O mefmo praticarão os GLCgos nas fuás Republicas , que- fe applicàráo ao commercio ; e forao igualmente mal reputados das outras Nações pelas ufuras que praticavâo , e pelos feus enganos. Os Romanos, que fundarão, e profeguírâo conftantemen- te o feu formidável poder no fyltema Militar , e nas conquiftas, não fizerao alguma eftimaçâo dos artifices , nem dos commerciantes , os quaes nao erao outros que os feus efcravos , e quando mais os libertos. Entre elles forao cref- cidas as ufuras ; e não obftante fer elta Nação tão civilizada , e chegar a con- centrar em Roma grande parte do ou- ro , que achou na Afia , e tirava da Hefpanha ; com tudo , o juro de hum por cento ao, mez foi oque as fuás Leis tiverâo peio mais moderado. As Na- ^ ^ -""-çÔes

it'

$

Ií,v

,b

./)

tf

/

çÕes leptentrionaes , que fubjugárão a toda a Europa , e delíruírao a melhor parte da Africa , nao íízcrão cafo de alguma outra profiísão , depois da Ec- /clefiaftica , fenão da Militar. Em todos ,' os feculos chamados da ignorância ^ foi I defprezado o commcrcio, eforão exor- bitantes as ufuras^^__As Republicas que fe eftabclecêrão em Itália , depois de extinftas as Monarquias dos Lombar» dos, e dos Francos, aílím como as Ci- dades do Norte , que fe fizerão livres .pela fraqueza em que cahio o Império do Occidente , íe dedicarão inteira- mente ao commercio , o qual teve en- tão huma confideravel extensão na Eu- ropa para os portos do Levante , pelas navegações que fufcitárão os tranfpor- tes dos numerofos exércitos das Cruza- das. Efte movimento he o que princi- piou a dar algumas luzes para adian- tar a arte mercantil ; mas delias fe aproveitarão particularmente , fazendo- fe poderofas em riquezas , as Cidades commerciantes ^ com o pcrjuizo das

Na-

^1

( 157 ) Nações que o não erao. Algumas Ci- dades de França , e efpecialmente Cahors , e Ruão , aprenderão dos Ita- lianos , affim como muito antes Mar- felha havia trazido dos Gregos a^ in- . clinação ao commercio ; e imitarão a huns 5 e outros nas fuás fraudes y e na extorsão das ufuras.

Efte dominante fyftema do eom- mercio fraudulento, e das uforaa into-^ . leraveis em muitos íeculos , fizerão ge-^r" ^^ ralmente odioíb o avanço do dmhei^;^^ ro empreitado , e conftituírao a profif-. || são mercantil em hum bem merecida defprezo do commum das gentes. Os Judeos difperfos em todo d mundo co- nHecido, fòrão os agentes mais ge« raes , aíTim do commercio , como dos empreftimos intereffados ; e fendo efta; Nação , por mais alto motivo , univer- falmente aborrecida , ella concorreo | ^. não pouco a fazer ainda mais odiofos , v.' aos commerciantes, e aos ufurarios. j,fc^^>i^ Finalmente nofeculo decimo fex- ^^ ^l)i to , depois das defcubertas da navega^^^^l

PVI

■■■

('ií8 )

Çíío ao Oriente pelo Oceano 5 e da Ame- rica j principiou a mudar inteiramente o fyftema Politico do mundo. Pelas multiplicadas navegações fe cxtcndeo rapidamente o commercio às terras mais remotas , e entre íi mais diftan- tQS, Todas as producçoes da natureza , e os individuos de todos os povos fe communicárao dahi em diante com a 't^ mefma facilidade que antes o podião ff k\ fazer os de;, hum particular território. ^ A O commercio fe fez milhares de ve- \ ' yi '/es maior , do que por longos tempos havia íído. A grande experiência foi aperfeiçoando a fua arte até o ponto de conhecerem os Soberanos, que nel- le dcvião eftabelecer a bafe mais firme do feu poder, e da felicidade dos feus vaíHdlos ; porque pelo commercio he que verdadeiramente profperão a Agri- cultura 5 e as Artes , as quaes fuften- tão, e multiplicão os homens, quando as conquiílas não fervem fenão de os deftmir. Além do que , pelo com- mercio fe adquire a riqueza pública^

fcm

K

J)

fem

( 15-9 ) a qual os eftabelecimentos maisí

-X X

neceffarios para a defeza do Eftado ; para a boa adminiftração da juftiça; para o melhoramento dos eftudos ; em huma palavra , para os objeftos mais importantes , n3o pafsão de projeclos a ter verdadeira execução , e fempre parão em palavras. \

Efta notável revolução , e as lu- zes áa Politica , que em confequencia delia fe adquirirão, tem feito conhecer em menos de três íeculos o que nos j fmcoenta e finco antecedentes , pelas 1 circumftancias do eftado Politico do mundo, fenão podia advertir a refpei- to do commercio, e do juro do dinhei- ro. Não os que governão os Efta- dos 5 mas igualmente as outras claíTes de peíToas inftruidas , tem conhecido melhor a natureza , e os effeitos do commercio ; e até os mefmos homens . de negocio fâbem que a fua mais 1 \ ^^ íblida utilidade confifte nos pequenos I j ^^ ganhos , muitas ve^es repetidos , ai- / .. Cançados pelo iuduftriofo trabalho J ,ii# V . pe-.

e«m

■•

r

(i6o)

pela frugalidade , e pelo exercício âl exada probidade , a qual conflitue o mais feguro cabedal do negociante* Gs que íabem dirigir o leme do go- verno 5 procurão de conter , e animar aos ccmmerciantes neíTe util^ e virtuo- fo íyftema ; fomentando a livre concor- rência de todos elles ; para que anatu* ral cubica particular de cada hum não poíTa desbordar-fe, caufando o pcrjui* zo dos que o não são. / Também depois de aperfeiçoada

a arte do commercio , fe tem conheci- ; do a verdadeira natureza do dinheiro* Agora fe entende bem , não que o exercicio do commercio de li não he injufto 5 mas também que he licito o juro do dinheiro. Forão antes odiofos, e aborrecidos , em quanto os feus pro- feíTores tratavão de hum , e outro por modos fraudulentos , e ufurarios; em quanto não forão reprimidos pelo ge- ral conhecimento dos outros homens^ e confequentemente pela vigilante pro- videncia do GQyerno.Spberano. Hoje

(lól)

são honrados os negociantes, e sãõ authorizados os que dão dinheiro aju» ro ; em quanto qualquer delles pratica o feu negocio nos termos prefcnptos pelas Leis , que o reconhecem útil , e neceflario á fociedade CiviL

Fora huma afFeaada ignorância a de inculcar, a boa eonfciencia doscom- nierciantes ; ou dizer que por particu- lar virtude da fua profifsão , elles ob- fervão melhor a juftiça : são homens,- nem mais , nem menos inclinados a perverter-fe do que outros quaefquer homens. Mas hoje he contida eíTa fua inclinação com providencias mais bem combinadas, e por experiências geraes mais advertidas , do qite o puderão fer nos antigos tempos. Com tudo líio, não deixão de haver muitas fraudes no commercio , e muitas ufuras no nego- cio particular de empreftar por inte- reffe. ^ Mas que he o que^fuccede em todos os mais empregos ? Se pelas pre- taricações de alguns , ou muitos dos feus profeflbres ^ elles houvcíTem de

, ^l

If

( r6i )

fcr condemnados, fora ncccffario, pa- ra que o Juiz não pudclTc ler 'dado por fufpeito , que do Cco baixalTe hum Anjo para os julgar. / He pois innegavel , que o ruim Conceito que os homens mais lábios de todos os tempos antigos tem formado > do avanço do dinheiro empreitado, iP \y^ pelo natural horror que caufa a injuf- tiça , foi fundado em que aíTim cíTa injuftiça 5 como os damnos que delia refultao , erao affâs evidentes no modo por que naquelles tempos fe pratica- vão os empreftimos por intereíTe. Mas também fe deve reconhecer, que eíTes . ^nefmos fabios , e virtuofos Efcritores , ^ que então aflim pensarão , formarião bem differente juizo , fe eftivcíTem nas eircumftancias em que hoje nos acha- mos.

Pelo que toca aos Efcritores def- tes últimos feculos , depois de excluir delles os que não pafsárao de fazer numero no povo da Republica Litte- raria ; ainda os outros, que fe avaliaa

por

r

--''I

( lés) por graves Efcritores , fe devem efco-* lher^5 feparando-QS em duas claffes: huma' dos que lem muito , e pensão pouco ; de forte que não dão paffoy fem abordoar com o que outros^ tem penfado : e eftes modernos fe que não fendo mais do que os ecos dos an-^ íigos, ainda que mereção o credito de emditos , não são os mais judiciofos, e ainda menos devem fer reputados por authores. A outra claffe ha de fer compofta daquelles, que dão exerciciò ao entendimento , ainda mais do que à memoria : que fazçm muito cafo da que outros efcrevêrão , para fe inftrui- rem, mas não para inculcar inutilmen- te que o fabem : que advertem , e com- binão as divcrllis circumftancias dos tempos antigos , e dos modernosj que pezão a authoridade da , Religião , e não menos as razoes da. experimentada Politica , para reconhecer o caminho, que aquella verdadeiramente nos pref- creve , e até onde eftas nos podem a- lumiar : aquelles finalmente que fobre

ef-

\J\

cftcs folidos fundamentos podem , na matéria de que tratamos , formar hum parecer mais feguro, e conforme à ra- zão. A primeira claffe fe ha de achar incomparavelmente mais numerofa , mas não conftituirà fenão hum exercito de reformados 5 os quaes para o cafo prefente não tem grande vigor. A fegunda claffe terá menos combaten- tes , mas formará huma tropa efcolhi- da 5 exercitada em difciplina mais exa^ íla 5 á qual de dia em dia fe vão ag- gregando novas reclutas. Efta he a que deve fer attendida para authorizar a decisão da contenda em que eftamos^ a refpeito da legitimidade do juro do dinheiro ; e parece que ha juftos moti- vos para requerer , que os pareceres da outra claíle não fejáo attendidos.

F I M,

Jl

/.'.

?:

lÊÊÊmm

r