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LIVRARIA ACADÉMICA J. GUEDES DA SILVA

8, R. Mártires da Liberdade, 12 PORTO-PORIUGAL-TELEF. 25988

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Presenteei to the

LIBRAR Y of the

UNIVERSITY OF TORONTO

by

Professor

Ralph G. Stanton

DISSERTACAM

HISTOR1CO-CRITICA

PRINCIPALMENTE SOBRE A CHAMADA FABULA

do grorioío Triunfo, que Uícoto conleguio em Paríz,

defendendo a Immaculada Conceição da May de

Deos ; e fobre o mais , que a eíle frn^jjHlferaõ

Natal Alexandre^ o Clariílimo Orador,

EXORNADA DE MUITAS REFLEXOENS,

a que febaõ de Jubfeguir outras , que comprehenderão as coufas mais

notáveis t que em a Dedicatória, Prologo se SermaÕdeo â ín\

O M. R. P. M.

Fr-JOZE MALAQUIAS,

FOR SEGUIR EM HUMA TAL NOTICIA A NATAL

Alcx^ndr. , e por dizer aos Príncipes , feriaó inúteis as fuás dili- gencias ao Vaticano íobrc a dcfíniç delèe Myfterio,

DEDICADA A< SACRA; REA^ AUGUSTA MAGESTADE DEL-REV

D J O Z E I.

NOSSO SENHOR,

.COMPÔS*." ,

i&r«>m pOR a* 4 £^^ Fr. ANTÓNIO DOS REMÉDIOS,

indigno filho da Província dos Algarves , para maycr efplendor do mefmo Myfterio , e vindicarão jujíijjtma do Defenfor

da Afãy de Deos O VENERÁVEL DOUTOR MARIANO , E SUBTIL

JOAM DUNS ESCOTO.

4gg»

LISBOA,

NaOfficina de DOMINGOS GONSALVES.

Mt)v.dí7v~

Com todas as licenças ?iece fiarias*

SENHOR

UE grandeza, efullhnidade nao comprehende o f aliar nas ccitfas grandes com po- der ! Afim de Chrifio o profere a Escritura Sa-

$ 2 gradai

grada : Loquebatur tanquam poteftatem hà- bens , & non ficut Scriba : e como a matéria , de que f alio , feja tati grande ; naofe lhe proporcio- nava a humildade do Ejcritor > fendo ojeu objecto taofublime. Mas toda e/la improporçao joubefe* Ikijjimamente fupprir aindujlria > dedicando a V. Magejlade e/ta primeira DiJfertaçaÔ Hijlorico- Critica , terminada a vindicar o Defenfor da Múy de Deos em o apreciabiliffimo Myjlerio dafua Im- maculada Conceiçaã ; refultando dejla ucqai eleva- rem-je taú jubmfías vozes a ntío ferem ouvidas como proferidas pelo feu Efcritor , masfd como articuladas do Real poder : Loquebatur tanquam poteílatem habens , & non íícut Scriba. Que maquinas logo as mais erigidas poderào fubfijhir em o combate, fendo V. Magejlade o que falia, e também o que as expugna í O combate naojò at- tinge ao Defenfor , extende-fe também ã May de Deos. Logo pugna V. Mageftade por Maria: logo vence. *AjJim o entendeo Santo Ildefonjo em o Livro de Virginitate, & Parturitione Ma-? rise : Pro Maria dimicare , ac vincere , opus eft Spiritús San&i , & virtus Altifíimi. Une o pele- jar com o vencer : dimicare , ac vincere $ porque como he certame em defenfa de Maria , he ejta argumentação infallivel : Peleja : logo vence. Nem h? para admirar taú grande maravilha ,porhiftan- taneamcnte concorrerem para ejta viôtoria a ope-.

raqaÒ

rctçcfo do Efpiriio Santo , e a virtude do Altijjima, como conclue o mejmo Santo.

Oh empreza , verdadeiramente digna dos mayores Príncipes do mundo , mas por V. Mage- Jtade imitada com exceffo ! NaÓ ha cjuem ncú jai- ba y (jue ôsHerefiarchas antigos dejde Arrio to- dos foral) ^Anti-M arianos r intentando com as fuás doutrinas contra ftar em Maria a inefável digni- dade de Mciy de Deos , como enfina o Santiffuna Martyr Kophenfe. Mas contra *Arrio glorio fa- mente je oppòs Constantino Magno Imperador, convocando do consentimento de S. Si/veftre Pa- pa o Concilio Niceno , em (juejby Arrio condena- do , e vindicada a gloria da Mtiy de Deos. Theo* dofio Júnior , Imperador Augufto , contra NeJ- terio y anathematizado em o Concilio Ephejino de- baixo de Ceie/tino , Romano Pontífice , aonde por voto de todos foy a Virgem acclamada MÚy de Deos. Contra Eutiches jahio a publico Marciana Imperador , e foy condenado o feuimpio dogma em o Concilio Calcedonenfe , debaixo de Leai Pontífice Máximo , aonde Je declarou Filho natural de Deos } e juntamente de Maria , e a ambos con- fubflanciaL E excitando fe depois das mefmas cin- zas ejta herefia y huma , e fegunda vez foy de- golada , primeiramente por Leão , e depois por Jufiiniano Imperadores. E finalmente , paffados Jeculos ; o Imperador ±Auguflo Flávio Con/lantinfr

fe oppbs a M achar! o 7 proclamado Herege em o jexto Synodo Conjlantinopolitano, debaixo de Aga- to Papa , aonde foy decretada huma , e outra opera- ção 7 e vontade em duplicada natureza , conjubftan* ciai ao Pay , e ã Mãy : huma Divina , a qual o Fi- lho tem commúa com o Padre , e Ejpirito Santo: outra humana ,pela qual dava obediência ao Pay , c exercia objequios de piedade ã Mãy.

Ejtes jaíy Senhor, os antigos Defenfores do efplendor , e gloria de Maria , aos cjuaes armou Deos com o zelo da Religião contra aquelles Anti- M arianos , e Herefiarchas antigos. Com zelo naò de/igual milita armado V . Mageftade em defenfa de Maria > novo Constantino , novo Theodojio , oih tro Marciano ; novo Leão , recente Juftiniano, ou- tro Flávio Conftantino , em cuja Real Pejfoa uni- camente fe admiraó a piedade, e felicidade unidas, naÒ de cada hum deftes Auguftos Príncipes, mas de todos juntos. *Ainda nao dijfe tudo. *AjJom+ bra-Je em V. Mageftade a felicidade , e piedade com excejfo aquelles potentijfimos Príncipes 5 por- que fe efes pekjavao contra perniciosos erros, V. Mageftade decerta pela protecção do Defenfor da Mãy de Deos , e pela Original innocencia defta mefma Senhora , que ainda hoje con ferva o nome de opinião , nao je podendo ainda com a nota de he- refia vulnerar aos feus contrários. Aquelles Prín- cipes contendiao contra impios hereges j V. Ma- geftade

geftade -pugna contra Catholicos , e Varoens pios. Logo,reJpeito dacjuelles Príncipes, fc deve contem- plar em V. Mageftade a palma mais nobre , e a vi- olor ia mais illuftre. A relevância da vistoria fe deve commenjurar pela qualidade dos Contendo* res. Logo, comparando huns com outros, Catholicos com Here<res , je a ejles afua mejma infidelidade os deforma emfentir de Santo Agofiinho : Sua ip- íbrum infídelitas exarmat -, em aquel/esfe reconhe- ce mais , pois ajua lhes mais forças , e os fortifica. Logo he menos aviotoria confeguida dos Hereges , que pela infidelidade decertaÕ com def- confianqa da fua caufa j e muito mayor a dos Ca- tholicos ,(jue afua mefmafè lhesaugmenta a con- fidencia.

Finalmente,efia batalha he de Catholicos com Catholicos, e entre Ir mais : logo a fua guerra he civil , e afua viciaria mais difiicil , e duvidofa. Tudo , e ainda mais , dizVegecio de re Militari, lib. i. : In civili bello difficilis , ac dúbia magis vi- ótoria eft .-quiautrinque comperta eft natura lo- corum ; copiae adverfariorum agnitae , & coníi- lia , five rationes non ignotze. Logo fe a maioria da vittoria fe deve regular pela grandeza da con- tenda-, feem a guerra civil , qual he e/ta de Ca- tholicos com Catholicos , a fua viãoria he mais dúbia, e dijicil: confeguida , fe deve julgar por mais nobre , e illufire. Que guerra civil fe nao ex- citou*

ckou em os pajfados feculos contra a jujliça Ori- ginal da Mãy de Deosl Hum, e outro exercito era valorofo : os lugares da Efcritura 7 com que huma, e outra farte fe fortalecia: os batalho eus dos Padres , com quefe cingia : as razoens Theolo- gicas , com (juefe fortificcwa : os pios confelhos, com que fe infirma , erdo defcubertos , e explora- dos de huma, e outra parte. Logo quanto ejla vi- storia teve de mais árdua , tanto devia ter de mais feliz , illujlre , e glorio fa , que a alcançada dos Hereges , em os quaes nao concorre alguma defias razoens.

Ejla guerra , tàS ejlrondofa la naquelles fé- culas , ainda hoje fub/ifie quanto ao f eu fim. Na- quelles tempos fe contendia Jobre a definibilidade dejle Myjlerio. H uns pertendiaó fer indefinível, por haver a Mãy de Deos contrahido a Original culpa i outros > que devia definir fe , por fer a Mãy de Deos concebida em graça. E/la a contenda y em que os prim&iros variar ai hoje demeyo termo, ou da fua caufal yjuccedendo â contracção da culpa a evidencia de fer a Mãy de Deos concebida em gra- ça , intentando por e/le novo meyo excluir o mef- mo fim, que he a fua definição. Concedafe (dir %em ainda hoje e/les esforçados Militares ) quanto quizerem a ejle Myjlerio , mas fulva a condição, de que fe nao defina : e pautado o ajufte deftafòr- ma , fubftftirá , quanto ao fim fempre pela nojfa

parte

parte a violoria fobre efta contenda em osfeculos paffados. Logo, quanto a e/la parte, fubfifte a mej- ma guerra , com a diferença fomente y cjue então era defcuberta ; hoje porem ra vi/ia detao reitera- das y e urgentes prohibiçoensy he fo por eflratage* mas. E como ejles aff altos fao mais perigo fos , a violaria, que je haja de alcançar delles , fera mais glorio ja á proporção do perigo. Logo, comparado zelo com zelo , o daquelles ZAugujlos Príncipes fe affombra por V. Magejlade imitado com tanto ex^ ceffo y quanto vay de Contendores aContendoresr dos daquelles jeculos 7 que eraÓ Hereges y aos do prefente tempo , que JaÕ Catholicos , e tav valoro- fos. Os do prejente tempo tiver ai a Mnimojidadz de formar hum ataque em a Real prefença de V + Mageliade, dizendo , Jeriao inúteis as fuás Reaes diligencias ao Vaticano fobre a defniçaÔ dejl& Myjlerio 5 quando 7 jendo do Real agrado de V ; Mageflade 7 todo o mundo devia efperar o contra* rio yfegundo o que refere o Padre Nicolao Lanei* cio y da Esclarecida Companhia dejefus , em o to» mo fegundo dos feus Opufculos Efpirituaes , lendo com licença de Clemente VII L em prefença da Cardeal CefftOy e o Padre Pedro de Arrubal feu Companheiro 7 em as *Aãas originaes do Concilio de Trento , exi [tentes em o Cajtello de Santo ^An- gelo r que de algumas décadas , ou decenarioÁ de. Bifpos y deputados , e /inalados em o dito Concilio,

il para

para tratar defte ponto da Conceiçtío da Virgem Maria, todos afirmarão , haver Ji do concebida em graça , excepto cinco , que dijferaô o contrario. Depois em outra Seffaije det er minou, que jedecre- taje pelo Concilio , que a Virgem foy concebida fem peccado Original. Porem pelas inftantijjimas jupplicas de alguns Bifpos , e Theologos de certa Família Religiofa, cjue ajftjtiat em o dito Concilio , rogando ndó fe declarajfe por ejta vez o dito De- creto pela nota , que refultava á dita Família , e que je fufpendejfe , e dilataffe o dito Decreto pa- ra outro tempo , ofujpendeo o Concilio , e nal) o di- vulgou por efta caufa. Logo , Jendo do Real a* grado de V. Mageftade foliei t ar a dejiniçaí defte My ferio em o Vaticano , fera efperavel fe naÒ declare fiuma definição nao divulgada entai por efta única caufa , como era a nota , que jefegui- ria a effa Família Religiofa ? Efta caufa ha de hoje preponderar mais , que huma tal gloria para c Mãy de De os i He tal a gloria da May de Deos fer concebida em graça em o primeiro inftan* te da (ua animação , como en finou Efcoto ; que di- zem os Theologos ., fe fe defe a ef colher a Maria Santijfima,ou fer para fempre Mãy de Deos, ou nao haver injlante algum , em que ejlivefe privada da Divina graça , fem trepidação ajfirmao , que Ma* ria Santijftna nal) elegeria , mas deveria eleger antes, nao fer por hum injlante defraudada da

Divi-

Divina graça , âo quedem ejta9por humfó infante gozar daquella inefável dignidade de Mãy de Deos parafempre. E ha de jer tam eminentemen- te fobree/evada ejla graça , e ajua dejiniçao ji nad feguiria fomente pela nota dejfa Família Reli- giojai

Tudo, o fj o Padre Lanei cio trasladou das *Actaê do Concilio de Trento , altamente acredita o Illuf- triffimo ^Ambrojio Catherino y Dominico , em a dijputa de Immaculata Conceptione , aonde, fat- iando do fuecedido em o dito Concilio , diz : Ha* vendo-je chegado a occ afiai de tratar do pecea* do Original y os mais dos Padres diziáo , Jer con- veniente âpprovar , e ejlabelecer afentença da Iin- maculada Conceição da Virgem , que, tanto tempo havia 9 je celebrava por todas as Igrejas , de mo- do que da/li adiante na& fojje a alguém licito af- irmar, ou opinar o contrario, ljto nrío agradou entati a alguns , ainda cjue muy poucos \eporconfef» jar a verdade , nem a mim mefmo : naõ , porque & liam dejejajfe com vehemencia , como coufa janta» conveniente ã Chrijlaã fraternidade , que antt todas as cotifas produz o mefmo grão y efentido em *s dogmas , ehuma mefma observância em o culto de Deosifenam he, por que me parecia maisacertada proceder em primeiro lugar contra as hereftas ma* nifejlas j fegundo a condição dos tempos prejentes <JV. LogarceJando também hoje ejle motivo * ajfh

li z gnada

^naclo peto Ifíiijlrlfimo Catherinb ] deve cejjar to- do o temor, de que nai produza em o Vatica&o o feu intentado ejfeito a RealfuppJica de V. Magefi iadefobre a definição dejle Myjterio. \

Que ejle cuidado deva jer da Real attenqcé deV. Magejiade mais, do que da de Príncipe al- gum do mundo , lie evidente Jhppojla a verdade da- quellas palavras } proferidas por Chrijlo ao Senhor Rey D. Affonfi Enriquez , ( que nenhum Portu- gue% devejujlamente negar ã vijla dajua confiante tradição ) e naã ditas por Chrifio Senhor nojfo a ou- tro algum Rey do mundo: Volo in te , &c in Te* mine tuo imperium mihi ftabilire. Logo heéjle o Império de Chrifio por excellencia , fundado pri* inteiramente em aquelle gloriofijjimo Monarcha , e depois em feus Auguftos Sue ceff ores. De que evi- dente mente yfe jegue , fer V. Magefiade o único Príncipe do mundo r que tem o Império de Chrifio por excellencia y ú quem pertence defender a MÚy de Deos ye procurar toda a fita gloria. Logo tam- bém a gloria da dejlniçaí doMyfierio da Conceição, tjue V. Magefiade naò Jo reconhece por Padroei? radofeu Rey no 7 mas como Dignifftmo Filho do N. P.S.Francifco a ha efpecialmente jurado. Mo* tivos todos de tanta relevância , que cada hum de per fi era Superabundante para influir em o Real animo deV. Magefiade o que o Univerjo unifor- memente juf pira , que he a definição de fie Myfierio

amabi-

timabilijftmo. Que Monarcha em o mundo poderia jamais igualar a felicidade, ezelo deV . Magef- tade, fe fojje o Príncipe , que ás fitas Reaes dili- gencias devejfe a Vniverferfal Igreja eftejeu mais anhelado dia \ AJfxm o permitia o Ceo , e conjèr- ve aRealPeJfoadeV. Magejtade tatfelices an- itos , quantas fati as acçoens heróicas , com que i//uf> tra o feu governo , ecom que faz merecedor dehúa gloria immortal ofeu ^Augujto Nvme*

Fr. António dos Remédios.

LXCEN.

-

LiCEN ÇAS

DA O RD EM,

JJ R. Pedro Juan de Molina , Lc£L de Sa- grada Theologia, Theologo de Ia Mageftad Ca- tholica en la Real Junta por la Immaculada Concepcion, Miniftro General de todo el Or~ den de nueílro S. P. S. Francifco , CommiíTario Viíitador Appoftolico í y Siervo &c.

Por el tenor de las prefentes , y por Io que a Nós toca, concedemos nueftra bendicion , y li- cencia ai Padre Fr. António de los Remédios, Led. Jubilado , yEx-Cuftodio de nueftra Pro- víncia de los Algarves , para que pueda dar a Ia prenfa un Libro, que ha compueflo , cuyo titulo es : D ijfert ciciou Hijlorico-Critica j atento a que haviendo fido vifto,y examinado por ;Tfreò]pgos de laReligion , nos aííeguran no contener cola alguna contra nueftra Santa FeCatholica, ni contra las buenas coftumbres j y que es digno

de

de dar-fe a Ia luz publica. Y en todo lo demaá íe obfervaràn los Decretos dei Santo Concilio de Trento, ac deterisdejure fervandis* Dada en eíle nueftro Convento de S. Francifco de Ma- drid enió. de Mayo de 1755.

Fr. Pedro Juan de Molina Mhúftro General

P, M. D. S. Reverendiflíma

Fr. António Juan de Mo/i na Secretario General de la Orden,

Reg. fit. Prov*

DO

DO SANTO OFFICIO.

ApprovaçaÚ do M.R. P. M. Paulo Amaro , Reli- giojo da Sagrada Companhia dejefus , Qua- lificador do Santo Ojficio , (fc.

ILLUSTRISSIMOS SENHORES.

ACceito com inexplicável gofto o preceito de VoíTas Illuftrillimas , em que me man- dão ver, e informar com o meu parecer fobre a Dijfertaçai Hijloricb-Critica , que o M. R. P. M. Fr. António dos Remédios, Qualificador do Santo Officio , eEx-Cuftodio da Santa Pro- víncia dos Algarves pertende dar á luz; pois fendo efta Obra taõ própria de hum filho da Religião Seraphica, para mim, e para o mundo todo Venerabiliffima , de quem foy em todos os tempos , e he brazaõ próprio , e diviza Cha- ra&eriftica defender a Conceição Immaculada da Purilíima Virgem Mãy de Deos Maria San- tiííima Senhora noíTa contra a infeliciffima teyma ( nao poíTo achar nome mais modefto , com que me explique ) defles emulos tantas vezes re- chaçados , e inhibidos com declaraçoens , Bul- ias , e preceitos Pontifícios , em nada fe me po- dia lifongear mais o gofto , que no emprego de ler , e examinar, como tenho feito com admira-

çaõ , e aflbmbro, eíla Obra , pofio que por agora fe emprega em provar a verdade da mais ce- lebre , e famofa controveríia , que vio o Orbe literário na grande Univeríidade de Paríz entre o Venerável , Mariano , e Subtil Doutor João Duns Efcoto contra os emulos da Immaculada Conceição da Grande Mãy de Deos Maria San- tiílima , e o immortal Triunfo , que para íi , e pa- ra toda a Religião Seráfica confeguio no eftabe- lecimento de huma verdade tao folida , e taõ in- concuíTa, queeílá proxime definhei , na unifor- midade com que aquella grande Univeríidade, e çntaõ por muitos titulos mayor, (menos fem- pre os que por naó verem os rayos do Sol , que os ferem , fechao os olhos , e tropeção cegos, porque querem ) abraçou , e adoptou por pro* pria a opinião pia , que, fendo entaõ opinião, tem hoje fubido a tal gráo de certeza , que, no commum íentir dos Doutores mais pios, he immediata à da , em quanto a Divina Providencia liors naõ propõem pelo Vigário de JESUS Chrifto na terra a infallibilidade da deite Myílerio , como firme , e ardentiííima- mente defejamos , e efperamos 5 confeguindo aquella Univeríidade a immortal gloria de fer a primeira, que abrio caminho ás mais Univerfida- des Gatholicas para fe obrigarem com juramen- to a defender, ainia á cuíla do próprio íangue, a

Con-

Conceição Immaculada da Mãy de Deos no primeiro inftante fízico de feu fer r.fentimento taõ agradável á Igreja Romana, e Univerfal, como vimos nos Padres do Sagrado Concilio de Trento , quando tratarão do peccado Original, nas duas propofiçoens de Lamidio r 24. e 26 f condenadas por Alexandre VIII. em 7. de Set- tembrode i69o.:napropofiçaõ de Bayo adopta- da também pelos Janfeniftas, depois de condena- da por S. Pio V., Gregório XIII. , e finalmen- te por Urbano VIII. na Bulia Inemincnú em 1664. : nas declaraçoens , prohibiçoens , e cen- furas , que fulmina Alexandre VII. .contra os que impugnaõ a Conceição Immaculada da Mãy de Deos: no Officio particular defte Myfterio, de que ufa a Religião Seráfica , compofto pelo grande Minorita Bernardino de Buflis, approva- do porXiílo IV. ; e finalmente no Culto, Fefta, e Officio de preceito , que em toda a Igreja man- darão fe obfervaííeos dous Clementes,VIII.,e IX. , que naõ he outra coufa , na melhor Theo- logia, que hnma Canonização da Immaculada Conceição da May de Deos no primeiro inftan- te do feu fer fizicore real ? chamando-lhe nooy- tavo Refponforio das Matinas Santa ; Sentiant cmnes tuum juvamen , (juiciimcjiie ceklrant Tuam Saneiam Conceptiorwmyipomo^uc nos princípios da Theologia eleva tanto efte Myflerio, que o

\\\ 2 extrahe

extrahe de opinião a certeza , quando menos Theologica , e condena de cegueira voluntária o que com incrível dor de minha alma vi , e feo naõ vira; nunca o crera , em certo Breviário (naõ Romano) privado o mefmo Refponforio do juftifíimo epítheto Sanótam , que lhe a Uni- yeríal Igreja

Naô fey , fe arrebatado da minha devoção aefte Myftcrio , e ainda obrigação , pois vinte e duas vezes tenho jurado, e mil vezes com as ma* yores veras o defejo defender com o próprio fan- gue , excedo os termos deCenfor! Mas como VoíTas Iljuftriííimas ,impondo-me efteofficio, naô ignoravaô o impunhaô a hum filho da Com- panhia, relevarão que eu nefta parte moftre que o fou , e deixaria de o fer , fe me naô deixaf- fe convencer das evidencias , que provaô a ver- dade defte Myfterio , fendo de nenhum momen- to na doutrina da Companhia o que em outra fe julga por abíurdo , dar-fe por diverfos motivos compatibilidade de , e evidencia a refpeito do mefmo Myfterio, quando todos, naô Theolo- gos , mas Filofofos, a devem admittir no artigo da exiftencia de hum íó Deos. E como he taô própria da Companhia a veneração defte ineífa- vel Myfterio, que naô pode diffimulara fanta in- veja, que tem à immortal gloria de fer a Reli- gião Seráfica a primeira , ( como o lie no tempo)

que

que fe pôs em campo para defender eíle íingula- riííímo privilegio da Mãy de Deos,mas, da forte que pode , fe hermana com ella na gloria de De- fenfora de taô fanta caufa , como teftifícaõ os Raynaldos , os Pinedas , Velafques , Salazares, e tantos outros , que fe podem ver no Padre Ale- gambe , mal podia eu, fem a nota de filho adulte- rino de taõ Santa May , affaftar-me hum ápice das pizadastaõ fantas de meus Mayores.

Digo pois , que a DiffertaçaÔ do M. R.P* M. Fr. António dos Remédios he parto legiti- mo da lua vaftiffima literatura , e do feu relevan- te engenho , com que concludentifíimamente prova a batalha , e triunfo alcançado na Uníver* íidade de Pariz pelo Venerável Doutor Maria- na a favor da Conceição fem macula de Maria SantiíTimn,por mais que a pertenda taxar de fabu- lofa a infelicidade de quem ateve de claudicar naõ poucas vezes em pontos hiíloricos. E co- mo efta Obra cede em tanta gloria da Mãy de Deos , em tanto credito da Preclariflima Reli- gião Seráfica , e em tanto augmento da devoção, que todos, por Catholicos , e Portuguezes , te- mos a efte Sagrado Myfterio , a julgo por dignif- lima da luz publica , e que naõ de juftiça fe lhe deve dará licença ,que pede, para fe imprimir} mas ordenar-fe ao Author , que proíiga o fanto emprego , em que fe acha , de dar á luz os mais

Efcritos

Eiíritos, que nefb Obra nos promette, para ma- yor gloria de Deos, e de fua Santiffima Mãy. Efte o meu parecer. Lisboa. Collegio de Santo Antaõ da Companhia de JESUS 10. de Julho de 1755.

Paulo Amaro.

VIfta a informação , pode imprimir- fe a Dií^ fertaçaõ Hiftoricò-Critica,, que fe apre- fenta 5 e depois de impreíTa tornará conferida, pa- ra fe dar licença que corra , fem a qual naõ corre^ rá. Lisboa 15. dejulho de 1755.

Fr. R.LancaJlre. Silva. - Ahrcu. Paes.

Trigo Jo.

DO

DO ORDINÁRIO.

+Appr ovação do M. R. P. M. Doutor Fp. Jozc

Caetano , Re/igiofo do Real Convento do

Carmo , 0'c.

EXCELL^o E REVER.MO SENHOR.

VOíTa Excellencia me manda ver aD/Jcr- taçad Hijtorico-Críúcãj que compôs o Pa- dre Mefire Fr. António dos Remédios fobre alguns pontos da Piedade , da Hiftoria, e da Cri- tica. Eu louvo muito efte fanto ardor, com que os Difcipulos de Efcoto defendem huma das mayores glorias defte feu Anteíígnano , e Me- ftre : naõ lhes vay pouco na averiguação defta efpecie ; porque , averiguada ella, ficao coma vaidade de primeiros , que íuftentaraõ a dis- puta fobre a Graça Original de Maria Santiííi- ma. A empreza he árdua , depois que Natal Alexandre , Efcriptor benemérito da lua fama, íe declarou pelo partido da duvida : efte irifigne Critico coníeguio humrefpeito formidável, e ainda lho grangeou mayor Roncaglia ; naõ di- go que neceííitava aquelle Alexandre defteloc- corro , mas , temendo os defafíos , fez prudenfcia apparecer na campanha bem defendido. Com tudo, teve Natal Alexandre quem lhe difputa/Te

o me-

o merecimento para o applauíb commum , ege- mem agora os prelos com o trabalho de dar á luz o grande parto de huma Critica contra a li- berdade de algumas propofiçoens Tuas. Portu- gahjá vio o embrião defte admirável compofto. A illuftre , e amada Família do Pay dos Pobres eftava em poíTe pacifica de contar ao feuEícoto aquelle Triunfo ; he innocente a impaciência, com que nao fofFre que hum intereíTado nefta gloria lha roube , e feja omefmo que introduz no campo , e província da hiíloria , como fabula, efta efpecie da difputa do Subtiliííimo. Quize- ra eu fazer taõ livre , e innocente a Critica, que nem fe reputaíTe offenfa eílaao refpeito de Na- tal Alexandre, nem ao nome deEfcoto a du- vida fobre a mais glonofa das fuás acçoens ; por- que julgo tao fuave, e forte o império da ver- dade , que deve fenhorear docemente ainda os ânimos daquelles, que perdem á fua luz a pofíe de qualquer vaidade fundada na imaginação ,na voz do vulgo , ou na mentira. Com tudo , para nos defpojarmos da propriedade de alguns pe- nhores da antiguidade , naô baftará toda a Criti- ca $ porque a teremos como a humroubador da noíla credulidade. Eu tive por verofimil fcm- pre que Efcoto teve o merecimento de difpu- tar a Conceição puriflima de Maria ; vi tantos, e tao efcrupuloíbs Efcriptores,que me foccorriaô,

que

que tive em pouco as razoens,que me combatiad o credito,*} eu tinha dado liurna vez ás noticias de bonsHiíloriadores. Com tudo, íbu hum dos que eftimaõ examinar a verdade , e julgo que naõ he defeito a promptidaõ , com que facilmente mu- darey de parecer, fempre que me convencei fem.

Naõ poflo deixar de dizer a.V. Excellen- cia, que a DiíTertaçaõ he nobre pelo Author, pelo argumento , e pelo artifício : o Author he conhecido pela fua literatura , e daquelles , que naõ pegaõ na penna para efcrever fem eníinar: a compoííçaõ da Critica , ou da Hiftoria facilita que o Author fe enriqueça dos preciofos doeu-» mentos da antiguidade, em que afuaíblidez, e ordem de tal forte os contextua, que , ao mefmo tempo que perfuade , admira. O argumento da Obra he huma juftiíTima revindicaçaõ , mas taa jufta,que pede com a efpada na maõ o que hefeu, fem defearregar golpes: o vulgo eftápreoccu* pado que o mefmo he Critica, que Satyra , e; que dous,que fe amaõ eftreitamente,naõ pódpm diA putar fem. ódio a juftiça do que he feu. Fazer aggravo da differença dos juizos, he conceber in- differença por hum principio muito eftranho, ou fuperior á amifade. O Padre M- Fr. Jozé Malachias prodiízio a publico as fuás* duvidas, a- bonoiírasiiQ Critério da verdade de hum homem

\\\\ taõ

f ao famofo como Natal Alexandre ; nifto podia errar , affim como em outras muitas efpecies. O P. M.Fr. António dos Remédios produz apu- blico huma Critica efpeciofa , e valente, que che- ga a deíafíar até o efpirito de Natal Alexandre, e faz vacillante o credito,que elle merece, até em outros pontos de menos controverfia. Tudo he agradável na republica das letras : efte efpedacu- lo he mais digno do applauíb do mundo , que o dos gladiadores , e dos jogos. O argumento in* Volve em fi huns reforços para a pia da Con- ceição puriífima da Senhora ; eefta empreza nao pode deixar de íer muito agradável a quem coma eu,e muitos tantas vezes a jurámos , e a quantos refpiramos com os alentos Portuguezes afifei* çaõ a efte artigo. O artifício he hum bello com- pendio de e/colhidos, e precioíbs Efcriptores, c daquelles , a quem refpeitamos pelo Cara&er, novidade,, e nome. Eu pela minha profiflao refpeito a alguns com innocente fufpeita 5 mas tenho a gloria de advertir na boca dos eftranhos, que naõ faõ imprudentes os meus louvores. Em fim , Exceílentiííimo Senhor , obfervo huma tal modeftia nefta Obra, que por ella me vejo na obrigação de refpeitar ao feu Author cheyo de preciofas qualidades de efpirito nobre, nqe difputa a juíliça da fua caufa com a efpada na mao , naõ na língua. Nada tem contra a Fe,

e bons

e bons coftumes: afíim o julgo. V. Excelleiv* cia Reverendiffima mandará o que for fervido* Lisboa no Real Convento do Carmo aos 25 . de Julho de 1755.

Fr. Jozé Caetano de Soufa.

VIfta a informação, póde-fe imprimir o Li- vro , de que trata a petição , e depois tor- ne conferido, para fe dar licença para correr. Lisboa 2j. dejulho de 1755.

D. Jozé lArcehijpo de Lãctdemoma*

DO

DO PA C, O.

Àpprovaçav da M. R. P. M. joati Baptijfa , da Congregação do Oratório &c.

SENHOR.

Via DifcrtaçaÒ Hi/loricò-Critica , que per- . tende dar á luz oM.R.P.M. Fr. Antó- nio dos Remédios , Ex-Cuftodio da Santa Pro* vincia dos Algarves ; e nada achei nella , que fe op^oahaás Lèys de V.Mageftadç , e aílim me parece digna da licença que pede. V. Mageftade mandará o que for fervido. Lisboa Congregação do Oratório 5. de Agofto de 1755.

João Baptijta.

QUe fe polTa imprimir , viftas as licenças do Santo Officio , e Ordinário ; e depois de impreflb tornará á Meza para fe conferir ; taxar, e dar licença para que poíTa correr , fem a qual nao correra.Lisboa7.de Agofto de 1755.

Attayde. Emmaás. Pacheco. Siabra. DVelho.

REFLE-

Pag.i

REFLEXÃO

PRELIMINAR.

AM he dável erudito , a quem naô feja confiante', e notório , que toda a Religião Seráfica , com mui- tos Sábios de outras Religioens, (em que tem a mayor , e melhor parte a Preclariffima Companhia de Jeíus , co- mo diíFufamente fe moílraem toda efta DiíTer- taçaõ ) teve fempre por verdadeiro aquelle Cer- tame,que o Venerável Doutor Mariano ,e Sub- til Joaõ Duns Efcoto teve em Paríz , triunfan- do taÕ gloriofamente dos feus Oppofitores, defendendo a Immaculada Conceição de N*. Senhora. He igualmente certo , e notório , que oM. R. P. Meftre Fr. Jozé Malaquias fahio ao publico com a fua contraditória 5 porque em a Dedicatória, que com o -Sermão da Concei-

A çao

2 DijJertaçaÚ

çaõ deo á luz , diz : He verdade , que alguns E fautores fazem menção de huma grande con- troversa, que houvera entre os Religiojos Meno- res , e Pregadores em a JJniverJidade de Paríz , na qual Efcoto triunfou gloriofamente dos feus Op- pofitores \ fazendo-os immudecer : porem ejla noti- cia he huma das grandes fábulas , que ejla intro- duzida em a Hi/loria , e que doutijftmamente re- futa Natal Alexandre na jua Hiftoria Ecclefia- ftica. Nem eu acho outra utilidade emje tranjçrever e/ia noticia daquelles Hijloriadores , ( que talvez a ejcrevejfem em boa ) mais que para fomento de difcordiasj e diffenfoens entre Famílias Religio- fas , as quaes jujia mente reprova S.Paulo ejcre- vendo aos Corinthios.

Muitas coufas diz aqui o Clariffimo Ora- dor. Primeiro , nao fer fábula , mas huma das grandes fábulas efta Hiftoria. Segundo , efta fua aíTerçaô por tao affentada , que o tranfcre- ver-fe o contrario naô pode ter outra utilidade, mais que diíTenfoens entre Famílias Religiofas. Terceiro, faz differença dos primeiros, que a efcreveraõ , aos tranfcriptores , dando em aquel- tes talvez Voafè ; em eíles porém fomente fo- mento de difcordias, que juftamente reprova S> Paulo, efcrevendo aos Corinthios. Per regulam ergo a çontrariis , fe fe verificar o contrario do

que

Hiftorico-Crhica. j

que diz o Ckriíiimo Orador , nao deverá to- do mundo concluir , que naõ eftando as difcor- dias ; e diífenfoens da parte dos que tranfcre- vêraõ efta noticia , eftas fomente eftaõ da par- te dos que a impugnaõ ? Contrariar-fe-ha pri- meiro; moftrando fer efta Hiftoria verdadeira j e lerá o ultimo , matéria principal, a que fe or- dena efta primeira Differtaçaõ , de que por illa- çaõ fe fegue a deftruiçaõ do fegundo , e do ter- ceiro, que merece antes formalmente infringir- íe ; o que fe executará moftrando , que otranf- crever noticias com hum tal efpirito, quando fe falia de Efcoto, naõ efta da parte dos que o de- fendem , mas fim dos que o impugnaõ.

Lede o Prologo do mefmo Sermão , e achareis que , intentando juftifícar-fe o Ciariffi- mo Orador , aflevéra , que elle naõ podia dizer coufa , que foífe mais em abono defta verdade , que chamar-lhe Myfterio deSciencia, a naõ di- zer que a Conceição Immaculada de Maria era Myfterio de , o que recufa proferir com o fe- guinte protefto : O que certamente ncio diria , porque nati he Povo > nem he tao pouco inftruido em ejtas matérias , que ignore o modo \ com que fe deve faltar nellas. Para a fegunda DiíTertaçaÕ re- fervamos arefpofta immediata aeftacaufal, em que o Clariílimo Orador nota duas coufas. A

A 2 primei-

4 Dijfertaçcú

primeira, que nao he Povo j e a fegunda, que nao he tao pouco inftruido em eílas matérias f que ignore o modo 7 com que fe deve fallar net- las. Quanto á íegunda , eu confeíTo fer-lhe muy devido efte elogio , ainda que proferido pela íua própria boca. Mas como alicjuando dormitai bónus Homerus , nao terá a mal , que , quando eu fallar defte Myfterio, à inftrucçaô tanta applique- mos as devidas excepçoens. E quanto á primei- ra , de que nao he Povo f eu atéagora aílim o en- tendia. Mas depois de ler em os feus efcritos efta fua chamada fábula , naõ fey fe eílou preci- fado a mudar de parecer. Funda-fe a minha dú- vida em o feguinte Dilemma,em o qual deve o Clariííímo Orador de duas conceder-me huma: Ou que he Povo toda a Religião Seráfica , por pouco inftruida em huma deftas matérias , qual he aquella Parifienfe Hiftoria, com as mais Re- ligioens y e Sábios fem numero t que a feguem; ou que efte grande encómio fe transfunde em o ClarifTimo Orador , por feguir a contra- ria. Já vejo que deftas duas partes elege a pri- meira ; alias feria admittir em o feu mefmo pro- tefto huma contradição expréíTa , como he evi- dente.

Logo he igualmente evidente, que em o fentir defte. Sábio toda a Religião Seráfica he

Povo

Hijlorico-Crhica. 5

Povo. E haverá alguém , que àvifta dehuma tal confuzaõ , attribuida a Corpo taõ refpeita- vel , naõ contemple a efta Religião juftiíílma- mente offendida ? Em o meyo deitas circunftan- cias deverá toda efta Religião íubfiftir indiffe- rente i Deixará o feu filencio de lhe fer preju- dicial , nocivo , e imputável a crime? Muitas ve- zes o calar condena , como cantou hum Poeta:

NanjJi/iiiJTenocet, multoscjuejilentiú damnant. Porque , fegundo Santo Ambrofio , ( 1 ) como ha palavras culpáveis , ha também filencios de- linquentes : Si pro otiofo verbo reâdemus rationem, videamus ne reddamus tf pro otiofo Jí/entio. Ha de toda efta Religião fer iníultada em a face dcíla Corte com huma taõ monftruofa fábula, e que penetrada da mais vehemente dor 7 o feu fentimento fifta em o coração , lamentando- fe depois do feu filencio: V <e mi/ú , cjuia tacuiy como diífe Ifaías ? (2 ) He fábula, o que diz o Clariffimo Orador , ou o que Vos dizeis ? Com- vofco fallo , minha Religião Sagrada , inalte- rável até o prefente tempo em o conftante af- fenfo a efta Hiftoria. Logo fe tendes efta Hi- ftoria por verdadeira , he irreconcentravel o vof- fo fentimento ; porque o callar os erros , fora o mefmo que confenti-los, o mefmo que appro-

vá-los

( i ) S. Ambrof. Iib.i. de offic. cap. j. ( z ) Ifaías,

6 Difertciçrío

vá-los. Quem melhor do que Vos fabe oenfi- na aífim o Direito Canónico : ( } ) Error , cui non refijlitur , approbatur. Naõ tem efta Santa Provinda dos Algarves Heróes , que facilmente rebataõ hum íimilhante erro? He taô evidente, que , para o confeguir , lhe fobra o menor. Lo- go , fe pode , deve rebater ; de outra forte feria moftrar que toda a Religião errou. AfTim ex- prefíamente confta de outro Capitulo do mef- mo Direito: (4) Qui alias aberrore non revo* cat, dumpotefi , jeipfum errare demonftrat.

Logo por todas eftas circunílancias naõ he eíla DiíTertaçaõ voluntária ,he fim urgentiílima. O que ainda imiito mais fe augmenta , fe atten- dermos ao efpirito , de que parece fe anima cfTa grande máquina , exornada da efpeciofa pompa da evidencia, encobrindo-fe ^m efta o veneno, como emaspirolas o executa a Pharmacopéa, palliando as com os fulgores do ouro. Nao es- quecendo também, ter efla chamada fábula feu efpirito, que atira naõ menos que a diminuir a gloria de Efcoto,fe bem refle&irmos, em o que delle diíTe Natal Alexandre , fendo efte o moti- vo deftas duas DiíTertaçoens.

Na primeira nos fervirá de principal ob- jecto e fia grande fábula, antecedendo o exame

do

( ; ) In Can.8 J.dift, Error. (4 ) Cap. Qui aliosab H*reticis.

Hiftorico-Critica. 7

do que em ordem a efta difle o Clariffimo Ora- dor , e também Natal Alexandre. Em a Dedi- catória difte o Clariffimo Orador , que Nos dias, (jiie viveo efte ventura fo antefignano de piedofafen- tença 7 ainda naõ tinhaú principiado na Igreja as controversas } e contendas Jobre ejla verdade , tal- vez que por attençaÔ , e rej peito a jua doutrina , e vajlifima literatura. Ifto , que aqui diz o Clarif- fimo Orador, moftraremos naõ ler verifimil ; e também que o feu efpirito he o menciona- do , de diminuir a Efcoto a fua mayor gloria , o <]ue fe privará com o que de Efcoto diífe Na- tal Alexandre. E porque o Clariffimo Orador para authorizar efta chamada fábula íe valeíTe de tamanho homem , parece que pela fua grande authoridade, e defta fe deixa/Tem os indoutos arrebatar tanto , que toda a razaõ do feu aífenfo he a decantada dos Difcipulos de Pythágoras: Ipje dixit , Diffe-o Pythágoras, ou diíTe-o Natal Alexandre 5 moftraremos que huma taõ preci- pitada adhefaõ he reprehenfivel , e digniffimade defengano: o que executaremos , naõ conce- ptuando efla authoridade , e como os deve efta perfuadir ; mas também poudo-lhes diante dos olhos muitos lugares , em que eífa authorida- de naó claudicou pouco. E porque também o Clariffimo Orador em o feu Prologo preceptúe,

ainda

8 DiJfertaçàS

ainda aos Sábios, fe defembaracem de preoccu- paçoens , e prejuízos ; em fatisfaçaõ defte pre- ceito contemplaremos o bem, ou o mal , que em o prefente tempo fe pode dizer da Critica 9 efpecialmente em o Reyno de França , e a re- conheceremos empregnada de muitos , e graves defeitos , que admiraremos verificados em Na- tal Alexandre, e em os Francezes mais eruditos; e em toda efta diffufaõ ao mefmo tempo íe verá ferem tudo difpofiçoens para refutar a grande fábula, noíTa principal attençao , que formal- mente intentaremos difíipar, refpondendo a to- dos os argumentos de Natal Alexandre , affira como elle os propôs j fobre o que confultare- mos a praxe dos Francezes mais eruditos ,K*quc conípirando contra Natal Alexandre, fera efte, o que ultimamente julgue , que os feus mefmos argumentos fao contemptiveis , e de nenhum pezo , que he a prova mais verdadeira , e pode- rofa , ( 5 ) que íe pode ao publico oíFerecer pa- ra a impugnação deita fonhada fábula ; e em fim, prova taõ grande , que he mayor que qualquer publico inftrumento. (6 ) Do que fe conclue , que fe o Clariífimo Orador fobre o ponderado

hou-

($) Soe. júnior conf. 59. n. 18. lib.t. Gramm. decif.36'. n.66» (6) Aym.Cra.conf.61, n.;. 8c conf. 18 I. n.4. Zarcconf.i.n. 4.

lib.i. Jacob, Menoch.ds rccuper.polTeí.n.i/.Nicol. AntoniusGravau

lib.5.cap,l 6.0.9;

Hijlorico-Critíea. 9

houvefíe feito o devido exame , pode fernao rompeíTe em huma tal animofidade , fubítituin- do-a antes huma prudente defconfiança , que he acoufa mais proveitofa em os homens, como diíTe Euripides , ( 7 ) naõ fe fiando tanto de Na- tal Alexandre 5 por fer inconteftavel , que mui- tas vezes nos enganaõ,os que menos fe imaginaõ, como cantou Phedro : ( 8 )

Nihi/ fpemat auris , nee tamen credat Jfatim} Quando (jiiidem O* if/i peeeant,(/uo$ minime putes^ Et (jiu nonpeccant \ impugnantur fraudibus. Em a fegunda DiíTertaçaó , que refervo para íeu tempo , fe refponderá ao mais , que for di- gno de fe notar em a Dedicatória, Prologo , e Sermão do Clariííimo Orador.

Defejara que, para plena fatisfaçaõ fua, concorreíTem em mim todos os requifitos , que conflituem hum perfeito erudito. Cumpriria fem duvida efte defejo , fe executaífe aquelle confelho , que Ifócrates dava aos homens Sá- bios , e eruditos , que intentaíTem compor hum livro , que fofle para o gofto de todos : ( 9) Vt apes} dizia, videmus omnibusquidemflcjculisiiifi* dére } dejingu/is autem utilia c opere ; fie erudi- tionis comparando Jlitdwfos nihil intacium relin-

B quere,

,. (7) Euripides in HeLena. (8) Phsdr.lib.s.cap^» (9) Ifocr. ad Dera. apud Solorz. de ]ur, jnd. iemp. foi. Z25*

10 Dijertaçao

(juere , fed pr o futura (ptue funt , undicjue colligere licet. As abelhas , diz , de cada huma das flores f que cuidadofas regiftaõ , tomaõ o mais útil , para fabricar a doçura do feu mel. A eftas devem imi- tar os homens Sábios, e defejoíbs de adquirir a verdadeira erudição, quando a defejaõ trasladar ao papel § pois, para formarem feus efcritos, de- vem com cuidadofa attençaõ regiftar ainda o mais recôndito de cada Faculdade, e elegendo de cada huma o mais feledo, tirarão á luz publica do mundo hum efcrito , que mereça a univerfal ap- provaçaõ. O que fubftancialmente fe conforma, com o que diffe o Padre Carlos Poree : (10) Cum omnibus ornais homo-, in difciplinis verfatus j o* injingulis plenejingularis.

O que ainda mais fe eleva , fe a efta prero- gativa fe unirem a prudência, e doutrina, que requere Salamaó ; porque em a prudência , como diz Hugo , fe explica o eftudo da inveíligaçaô própria : Prudência própria invejligationis $ e em a doutrina, aapplicaçao á erudição alhêa. Ehua, e outra coufa heneceflaria paraconfeguir a pal- ma de verdadeiro Sábio ; porque nem tudo ha de fer deixar-fe levar dos outros, como meni- nos 5 nem fe ha de fiar tudo ás forças do pró- prio

(lo) Caro!. Poree in Orat. ve! diícurfu de Criticis habito coram Em. Cardinali in Régio Ludoviei Magni Coliegto an.175 1.

Hi/lorico-Crhica. 1 1

prio engenho. .Naõ fer canal , mas concha \ porque o canal recebe tudo fem .diftinçaõ $ a concha porem colhe brandamente o orvalho , abriga-o, lentamente o digere, fendo a precio- íiílima producçaõ de fuás pérolas a confequencia de todo efte natural artificio , como com a fua inimitável doçura o explicou o Grande Padre S* Bernardo. Ingenuamente confeíTo , que nada di- fto executey , fiftindo todo o expreíTado fomen- te em o defejo. Nefte fe reclufaraõ também aquelles accidentes ? que fazem taõ pompofas as Diflertaçoens : a variedade das provas , a delica- deza das expreffbens, a formofiííima ítruóhira em asreflexoens, aquellá fufpenfaô gratifíima , em que fe tem aos Leitores , quando fe intenta af- fagar, attrahir, econquiftar arazaõ. De todas eftas circunftancias > conftitutivas de hum erudi- to perfeito , huma , e mil vezes repetirey , eftou privado.

Mas , porque efta minha confííTaó tem fido taõ repetida , de huma taõ reiterada ingenuidade o que he efperavel he a voífa defculpa. Mas depois de huma condonaçao , ainda que gratui- ta , taõ jufta ;naõ deixareis também de lhe fazer ajuftiça, de que em efta minha DiíTertaçaõ fe vem executadas as duas Capitães Leys , que de- vem feguir os que efcrevem. A primeira, nao

B 2 CiZLt

12 Dijemçdè

dizer jamais huma mentira; e afegunda, nao en- tregar jamais ao filencio alguma verdade. Prima Lex hi flori ce , nc cjuid faífi dicere audeat , deinde m quid veri dicere non audeat , quedifle o Abbade de Valemont , havendo-o antes dito Tullio. Também juílamente fenaõ poderá negar , que ainda que na contextura deita DiíTertaçaô, como eftá ponderado , fe nao admire a belleza da dicção , a nao deftitúe de todo o efpirito da na- turalidade , devido por efta razaõ mais ao gé- nio, que á preparação. Nao he ifto dizer-vos, fe divifa em mim a percelebre Agatha de Pir- rho , na qual naturalmente , e íem artificio al- gum, eftava impreíTo Apóllo com todo o Coro das Mufas ; por quanto naõ ignoro o alto ponto, que attingem as minhas imperfeiçoens.

Depois de huma fatisfaçaõ taõ ampla dos meus defeitos , fera igualmente jufto que pro- cure , quanto poíTa , fatisfazer ao meu Conten- dor, a quem julgo nao oíFendido, porque o impugno. Fundo-me , porque o Impugnado he Sábio: logo deve amar-me, porque o arguo : *Argue fapientem , O* di/igette. (u) O que im- pugna a outro , faz o que a lima ao ferro , que em o mefmo , que o detrahe , o pule , affim Quintiliano : Opus poliat lima7e Ovidio : ( 12 )

Sei-

(11) Provcrb. cap. 9. (n) Ovid, lib. 1. de Pon*.

Hiftorico-Critica. 1 3

Sctitcet incipiam lima mordácius uti 7 JJtjubjudicium Jingula verba vos em. Séneca efcreveo hum livro , a que pôs por ti- tulo : Qiiod in japientem non cadit injuria ; por- que aos Sábios , por mais que os cenfurem , nao os ofFendem , por ferem invulneráveis os gran- des engenhos : Invulnerabile efi , non (jiiod non feritur 7 fed quod non Leditur. Por efía cauía os Varoens mais Sábios defejáraõ fernpre fer cor- rigidos. Apèlles expunha as fuás obras á pu- blica cenfura , para" ouvir o que qualquer dizia delias : XJt apta , ineptaque audiret judicia , Jeque difeeret. A Platão perguntou hum amigo , qual era acoufa,que mais lhe agradava,- e refpon- <ko ' Que me argúaõ com toda liberdade , fe re- conhecerem em mim algum erro : Si quod in me indecensviderisj id libere arguas. Alexandre Ma- gno defpedio a hum Miniftro ; que o havia fer~ vido doze annos, porque jamais oarguio de al- gum defeito : Quod nullum unquam in ipja vi- tium argui/et. E fobre tudo,.SantoAgoíiinho dizia ifto de fi mefmo : Ego fenex, O' Epifcopus paratus Jum ab omnihts corrigi , e? emendar i , (f illum amicum meum exijlimo y cujus lingiue bene- fício ante diem extremi judicii atúm<e me<e maculas tergo. E ainda aimproporcionar-fe-lhe o Con- tendente , nem por iífo lhe deve defagradar;

pois

14 Dijfertaçai

pois o Abbade Picinélo julga por coufa grata, o fer enfinado ainda do que he inferior: Gra- tume/l ai inferiam docèri. Parece-me que em o corrigir, ou feja a Natal Alexandre, ou ao Cia- riffimo Orador , cede o excedo á moderação. Nao poffo negar , que qualquer deitas minhas duas DiíTertaçoens corta ; mas que outra coufa ha de fazer huma Obra, que he impugnativa? vio Zacharias hum Livro , que voava : (i i) Ecce volumen volans s e aqui leraô os Settenta : Fouce , que voa : F alcem volantem. Vedes já, como eíTe Livro , que voa , he fouce , que corta 3 Mas que corta ? Corta o fuperfluo , fega o inútil , derruba oTalfo , e recolhe o verdadeiro j aííim Horá- cio: (12)

Inutilescjue foice ramos amputans, Fe li dores inferit. E o mefmoaffirma Jacob Bruck (15) em feus emblemas:

.Amputat liic putres ramos , non utile ligman, Illorum vitio ne integra pars pereat. Impugna o máo , e naõ contradiz o bom. O ponto eftá na eleição das armas , que naô fejaõ as do ódio : Ódio , non amore7 certamus. Que nao alterne o fel , e a tinta os pontos da penna, efere-

vendo

(1 1) Zachar.5. (12,) Orat.Odc i.Epodon, (1 3) Jacob.Bruck. Emblcmat. 1 8.

Hijlorico-Critica. 1 5

vendo humas vezes a indignação , outras a dou- trina. Que fe nao prorompa em mordacidades, dicterios, ecalumnias, que mais fe dirigem ás peíToas pelos feus defeitos , do que aos defeitos das peíToas , o que he Pedagogia, ou ardor pueril. Em taes lides , he regular que ainda os mefmos vencedores fahem vencidos j porque toda a contenda eftá da parte da vontade , fuc- cedendo o contrario em as contendas do enten- dimento. Neftas , porque a guerra he pacifica, as fuás armas fomente faõ engenho , e boa fé. Engenho, para reger o entendimento ;e boa fé, para dirigir a vontade. Aqui fe pugna com a caridade , e com huma inviolável , concomi- tada da fuavidade , da fabedoria , e do amor. Por ifto , tanto aquella tem de aborrecivel , quanto efta do entendimento tem de amável, como diífe o Doutiflimo Godau ; (14) Et profeãò, (juò invifior tila eji , ijia amabilier ih ipjis, anos in qiuejlionem accerfit jfi tamen jcriptcres Eccle- Jtaftici fint , quorum peculiare eje debet , animi moderationem pr<eje ferre. Logo , fendo eftas as armas , com que pugno, nenhum dos meus Con- tendores fe deve dar por fentido , que de outra forte era qualquer delles fer nefcio : Quioditin- crepationes jiiifipiens eft. (1.5)

Eu

(14) Godau. (l5)Proverb. cap. iu

i6 DifertaçaÚ

Eu de mim com fmceridade confeflb, que eftarey taõ longe de me oíFender que haja al- guém , que me queira impugnar, que antes me reputarey ditofo, de que Deos me haja de dará outro por contrario ; porque iey ? fervirá a emu- lação de incentivo a ambos para fe efmerarem, polindo mais os léus efcritos , e efcrevendo mais reflexionados , como diíTe Séneca: (16) O* Je- licem illum } cjaijtc aUcjuem ver cri potejt > ut ad memoriam quocjue ejus fe componat , atque ordinet:: Vbi ad regulam prava corriget. Mas íeja ( re- pito ) defpindo-fe de calumnias , contendendo com forças, nao com enganos, que nenhuma outra couía produzem , que additar mentira á mentira , como diíTe Santo Agoílinho a Julia- no : (17) Exue te calumnih , virilms certáre, non fraudibus, augendo mendacium alio mendacio. E pode eílar certo , qualquer que feja o Oppoen- te, que me naõ obftinarey em o meu di&ame tanto , que o na5 queira logo mudar. Nao fe- guirey a máxima daquelle infeliz Author , que contra a mefma verdade fe manteve em repetir: Quodfcripft yjcripfi. Direy fim , o que o Poeta Virgílio , (18) quando compunha as fuás Enei- das , taõ celebradas em todos os feculos : Qiiod fcripft , deleo -, porque fe he perpetua ignorância

nao

(16) Sencc. Epift. 1 U (17) S.Auguft. ad Julian. (18) Virgil.

Hifloricò-Critica. i 7

naõ ceder á razaõ , mudando o di&ame feito, como ponderou Catulo \ naô hamayor gloria de hum homem, que intenta fer jufto,que as correcçoens, que faz de fuás palavras, e efcri- tos , fegundo obfervou curiofo de hum Impe- rador Suetonio. Santo Agoftinho naõ he gran- de em fuás Obras , fenaõ também em as Retra- âaçoens , ou Correcçoens , que faz delias j por- que humas , e outras em íi faô o melhor tefti* inunho de haver fempre procedido com acer- to : Habent tejlimonium lucis , & tenebrarum 9 que diíTe S. Pedro Damião.

Eu me tenho reproduzido em fadsfaçoens, e naô fey íe as quereriaô ter os ignorantes , (que eu diftingo dosindoutos) e juntamente osobftinados, aos que naô intento dá-las, nem comprehendê-los em efta Preliminar Reflexão. Naõ aos ignorantes, porque para a intelligencia £Ítao privados da luz do entendimento. Nem aos obftinados , porque para a credulidade lhes falta a docilidade em a vontade. Oh fe a minha penna fe converteíTe agora em aquella prodigio- fa Vara, querecebeo Mercúrio de Apóllo em cambio da fua Lyra ! (20)

Virgacjue levemcoerces áurea Turbam. Sem duvida refer varia para fi a fmgularidadc, de

C que

(zo) Horat.Carm.lib. 1, Ode 10.

i? Dijfertaçaí

que fe houve Ave única entre as chammás , ef-

ta feria a Phéniz entre as pennas: (21)

Sóli tibi contulit uni Hoc Fortuna decus. Mas nada he efperavel deita qualidade de gen- te. Eítes faõ aquelles , que , contra o Syrnbolo de Pythagoras, fao capazes de fallar mal ainda do mefmo Sol. (22) Sao como fòmbras , que vao fempre feguindo aos corpos luminofos ; mas fem refleótirem , que todas eíTas opacidades naõ fao capazes de impedir a refulgente influencia dos feus rayos. Deitas fombras fe naõ eximi- rão Simonides , Paniculo , Licurgo , ScipiaÕ, Catão , e Pompeyo 5 porque, como eraõ corpos luminofos, collocados em a eminência de hura obrar heróico, fe elevarão effes vapores a of- fufcá-los , por naõ poderem feus humildes prin- cípios fahir do Valle, e efcalar o cume. Eftes fnÕ aquelles, que naõ ha coufa algiía, em que naõ cri- minem aoí Efcritores Criticò-Hiltoricos , cut- pando-os em muitos defeitos da Rhetoricajtnas fem advertirem , que a íblidez dos fentirnentos os defculpa por huma , como precipitada , e ve- hemeute inclinação á fubítancia das coufas. E porque vem que em alguns a fua affluencia re~ dunda á maneira de rios, como diíTe Voííio : (23)

Si

(1 1 ) Sidon.Cartm U (ai) Phil.Mor. (l j) Voífiu InfticPoet* lib.ll.cap.73.

Hiftorica-Critica. 1 9

Si cjuo peccat , eo peccat , (jitcd magnorutn Jluminimi injlar interdum redundat , culpaõ eíFa meíhia fecundidade j mas fem repararem , que todo eíTe monte , enlaçado em a diítinçaõ, trans-? forma 05 mais prolongados difcurfos em breve compendio. Finalmente, eftes faô aquelles, que naõ fendo capazes de tomar apenna para efcre- ver, a tem para borrar. Falta-lhes a intelligen* cia, ainda para a compofiçaó mais inferior, e querem , como diíTe o Douto Beyerlinck, (24) que todos efcrevaõ fem ápice de falta , fem ve- rem em f\ hum tal defeito Qiii enim nihil ipji jcribunt , Illiades ab aliis requirunt. E Juve* nal: (25)

Hirte olíita modi mikfftma pagina jurgit Omnibus, fg crefeit multa damnofapapyro. Aos quaes fe faz applicavel o que difíeSJero- nymo : (26) Nos qiwque pater e mcrfibus plurimo- rum, qui,Jlimulante invidiâ , quod conjequi non va~ . lent, defpiciíint* Naõ poíTo duvidar que he gran- de a empreza , mas a fua mefma grandeza me deo forças : Magnum iter ajeende , dat mihiglo- ria vires ' , que diííe Propercio ; (27) naõ temen- do por efta caufa alguma maledicência, como íentio Séneca; (28)^ Neque formides llaterato-

C 2 rum,

(14) Beyerlinck Jir.L.fo!. 75. (25) Juvenal Saiyr. 7; v.ico; ( 2.6) Praefat. S.Hieronym. Paulinum, & Euflochium. (27) Propercio. (2S) Senec. Jib, de Viu Beata cap.i.

2 o Dijertaçao

rum , tffcíolorum aculeos : nunquam caruère invi-

dia egregii > fortesque conatus.

Dey aefta empreza o titulo de Dijfertaçdèf por fer praxe dar-fe eíle nome a fimilhantes eferitos. E poílo que eíle nome Dijfertaçaó fe- ja vocábulo incógnito a Cicero , comtudo dei- le ufáraõ Plínio Sénior, (29) e Aulo Gellio. (50) Differtação he hum nome verbal, deduzi- do do verbo Dijferto , que he frequentativo de Dijfero , nafeido do verbo Sero , o qual, fegundo Voffio,(i) denota o mefmo, que neãojungo. Do que fe conclue , que efta eferitura íe diz DiJJer- taçao ; porque aqui fe ataô , e ajuntaõ todas as coufas , que principalmente conduzem ao in- tento , as quaes fe achaõ feparadas , e difperfas em diverfos Authores. Se ajuntaõ , e ataõ com amigável concórdia a verdade do Triunfo de Efcoto em defenfa da Immaculada Concei- ção em Paríz , e a mais digna confideraçaÕ, com que fe deve contemplar efte Myfterio , e o que fobre elle houve , calculando-o feculo por feoi- lo.

Chamo a eíla Dijfertaqtio Hijloricb-Criti- cã) porque todas as coufas , que ou em a pri- meira , ou em a fegunda DiíTertaçaõ fe declá

raõ.

(19) Plin. in Praefat, Hift, íux ad VefpaGanum. ( 3 o) Aulus Gellius lib. 1 o. cap.4, & alibi» (1) Yyffius in Etimológico..

Hiftorico-Crhica. 2 1

raõ , fe confeguem , mediante hum diligente exame da Hiftona, dependente de huma exa£ta Critica. Efte nome Critica fe deduz do ver- bo Grego Crmo , que entre outros fignificados temo de ejcolher , ou dividir , comprehendidos em o verbo Secerno, como enfina o Padre Nico- lao Mortier. (2) E ufey deftes dous termos, para obfervar o preceito de S. Paulo: {3 ) Omnia autem prohate : (juod bomtnt ejl 7 temtef e merecer aquelle louvor de Deos , proferido por Jeremias: (4) Si Jeparaveris pretiojum àvi- li, quafi os meum eris $ mas também , parque im- pugnando principalmente a Natal Alexandre 7 <jue por fabulofo aquelle Triunfo j em o mefmo titulo defta DiíTertaçaõ eftou indican- do ? que elle por huma parte ignorou ; ou an- tes affe&ou ignorar aHiíloria; e por outra ne- gligenciou, ou teve em pouco a Critica. Os mais termos faõ ex feigfis taõ claros, que elles por íi mefmos fe explicaó. E para de huma vez dizer comprehenfivamente tudo ;lede ou hua> ou outra Diífertaçaõ, que efte he omaisexpe« dito modo de fe fazer juizo de hum Livro : (5) Expeditior ad judie andum de qttolíbet Libra via eft , ipjum legere 7fi intelíigentiâ valeas ifife-

cus,

Çl) Nicolaus Mortier in Etymologiis facris Grxcò-Latinis , verb. Grifis, (3) Epift.Paul.ad Theííalonicenf.i.cap.f.v.i i. (4) Jcrern. cap. 1 5, vwl. (?) Mon.Trcvolt. Fcbruar.iji i.art. 17.

22 Dijertaqdô

cus ; adintélli gentes judiciam deferre.

REFLEXA M II.

Em que fe mojlra de que parte ejfeja o tranfere* ver noticias com efpirito de difeordia , quan- do Je falia de Efe oto.

r i

Diz Natal Alexandre em a fua Hiftoria Eo clefiaftica > confinando ao Annalifta Wa* dingo, que acontroverfia, que houvera entre os Religiofos Menores } e Pregadores na Uni- veríidade de Paríz > na qual Efcoto triunfara dos feus Oppoíitores, fazendo-os immudecer, era huma das grandes fabulas , que eílava introdu- zida em a Hiftoria j de cuja novidade fe deixou o Clariííimo Orador attrahir tanto , que, íuppon- do-a como inconteílavel , e certa , por fe fun- dar em authoridade tamanha , lhe pareceo de- ver lançar-fe fobre os Authores, que feguiraô aquella noticia , nao lhes contemplando outra utilidade em a tranfereverem dos primeiros Hif tori adores , ( que talvez , diz , a eferevefem em boa fe ) mais do que para fomento de discórdias > e difenfoens entre Famílias Keligiofas , as quaes jujlamente reprova S. Paulo ejerevendo aos Co- rinthios*

Quanto

Hiftcríco-Critíca. 2 5

Quanto á grande fábula , como Natal Ale- xandre he o que afuftenta, e em afua grande authoridade fe transfunda a prova do Clariffimo Orador : Como doutiflimamente , diz , refuta Na- ■tal\Alexandre\ refervamos afua refpofta para o exame de taõ douta refutação , na5 deixando, para reflexionar , em íilencio a qualidade de- ita grande authoridade- Logo fe a refpofta for adequada, deve em efta hypothefi concluir- ia , que , quando fe falia de Efcoto , as diíTen- foens naõ eftaõ da parte dos que o defendem; pertencendo á prefente reflexão fomente mof- trar , que efte grande elogio he verificável da parte dos que oimpugnaõ.

Nao ha alguém, que nao faiba, que Jo- vio , ( aquelle Medico Italiano , que , deixando o feu primeiro exercício 5 fe metteo a Hifto- riador , ou porque efta Faculdade era mais do feu génio, ou porque teve paraíi nella confe- guiria mayores interefTes , feu mais diftinóto elogio yVenalh , cui penna fiát) (6) foy o pri- meiro, que efcreveo, que Efcoto,em pena de al- gum crime , manifefto , ou occulto , foy caftiga- do com huma apoplexia; que, reputando-o mor- to , o enterrarão acceleradamente ; que fe re£ tituio do defmayo em o fepulchro j que pedio

foccorro

(6) Jovii clogium cx Aabcrto Mir. in Chronic, & aliis cirandis»

24 Dijfertaçdo

íbccorro com miferavel bramido ; que chamou muito tempo à pedra , que encerrava a abóbada; e que, fruftradas todas eftas diligencias, quebran- do-fe a cabeça, finalmente fallecera.

Efta, fem controverfia, he huma das mayo- res fábulas, que anda introduzida emasHifto- rias , reputada por tal pelos mais diftinótos Au- thores , por Mattheus Férquio , (7) fundando- fe também em o que diíTeraó o Abbade Trite- tnio , (8) Àuberto Mireo , (9) Eftevaõ Brçel- men , (10) Balduíno Júnior, (11) Miguel Oyero em a fua Oração encomiaftica; (1 2) e por evitar- mos a profufaô da innumerabilidade de Autho- res, que affim o aíTevéraô , faõ do mefmo fenti- mento Gravefon, (13) e Natal Alexandre em efte mefmo lugar , em que impugna a Wadingo. E nao obftante íer univerfalmente reconhecida efta noticia por pura invenção de Jovio, com- mummente notado deimpoftor ornais fabulo- fo,a tranfcreveraô Fr. Abraham Bzóvio, da Che- rubica Ordem dos Prégadores,e o Anonymo em o Libello intitulado , Su oro ai Cefar , y a Dios

la

(7) Mattli.Fefch.lib. li Apolog. n.47. & lib. ;. n. 39:

(8) Trithem. in Chron. Hirfaug. fubanno n<>8.

(9) Aubert. Mir. in Chronicis ad an, 1 308. & in A&urio ad 7.N0- rnenclatores Veteres cap. 408. (10) Sceph. Broeím. Colonicnfis in vita Scoti. (II) Balduin. Jun.in Chronic. Morali, cxcuíTo Colonix, p.4.ad an.i 308. 2.) Michael Oycr.in Orat.encomiaftic. à foLi^.

(1 3) Graveíon tom. 5. fax Hiftor» fol.iyS.

Hiftorico-Critica. 2 j;

la gloria y que todos íuppòerh fer da mefma Ordem. Do primeiro o confeflaõ os feus mef. mos Authores. Falle por todos Graveíbn: (14) Scribit} diz , in Annalibus Ecc/eji<e nojter Bzovius, fecutus Pau/um Jovium , infelici vitá exitu Joan- nem Scotum fitijfc extincium , eumcjiie comitiali morbo labor -atitem 7 O' nimis fejlinato funere ela- tum 7 ciirn , redeunte vi ta yjero movbi impetum na- tura difcateret ,fujlra mijerabili mugitu opem pe- tiijjíe > pulfatocjue diit lapide, elijo tandem capite periifle* Que foi tranfcrevê-Ia performalia Abra- ham Bzovio , affim como Paulo Jovio a havia íbnhado. Sobre o que continua a dizer o nie£ mo Graveíbn : Verum hanc fabulam , note-fe? pluribus momentis refellit ^Wadingus , quorum pnecipuum petitur ex ufii , (jui i/2 Conventu Colo-' nienjt Fratrum Minorum , ubi mor t mis ejt Joan- nes Scotus y Jemper obtinuit , fepeliendi videlicet Fratres non injepulcris concameratis > fed in Im» mo ejfoffa , alhgath manibus , & pedibus defuntli, atcjue injeãâ fupra corpus cadaveris terra. Juxta quem ritumjiquis , et iam vivus}fepcHatur, neque fpi- rare , neque mugtr e , necjue gradus cfcendere y ne- que lapidem pulfare poterit femel fepultus.

Logo , íe , fegundo Gravefon , o que difíe Paulo Jovio da morte de Efcoto he fábula, e

D fem-

(14) Gravefon loc. eh;

26 Dljfertaçdo

fempre o foi , fem que feja hoje aífignavel em o mundo hum Sábio , que a nao tenha por fá- bula, e jamais duvida/Te da fé, com que a efcreveo efte primeiro Author j que utilidade lhe acharia^ , em a tranjcreverem Fr. Abraham Bzovio , e o Anonymo ? Eu naô fey que com mayor naturalidade feja aqui adaptável outra, que a que enfinou o Clariffimo Orador , cjuefoy para fomento de difcordias , e dijfenfoens entre Fa- mílias Religiofas. Mais : O Clariffimo Orador reconhece talvez bia em os primeiros Au- thores , que efcreveraõ o Triunfo de Efcoto : logo podia haver talvez biafè em os feus trant criptores j que he o que na5 pode ter lugar em o Anonymo, e em Abraham Bzovio , pois a tranfcreveraõ de hum Efcritor , reconhecido fempre por hum fallaz impoftor, e Chroniftá venal, de cuja ninguém jamais duvidou: Low com efta mefma a tranfcreveraõ o Anonymo, e Abraham Bzovio. Efte coníequen- te he adhominem evidente} porque fe de hum antecedente, que he hua hiftoria,em ahypotheíi de fábula, efcrita pelos primeiros Authores, tal- vez em boa , infere o Clariffimo Orador , que os feus tranfcriptors* nao podiaõ^r outra algúa utilidade em a tranfcrever, mais que para fomento de dijcordias, e dijenjoens entre Familias Bjrfigio-

Jas'9

HijtoricfrCrkica. 2 7

fas; com muita mais razaô fe deve eíle confe- quente, e illaçaõ feguir , deduzida de hum an- tecedente, quehehuma Hiítoria omnhnodèfa- bulofa , por tal reconhecida por todos , e efcrita com taõ pelo feu primeiro Autbor, que defta ninguém racionalmente duvidou. Logo nem haverá alguém > que jufia, e racionalmente duvide , que com a tranfcrevêraõ o Ano- nymo, e Abraham Bzovio.

Defte he taô evidentemente verificável efte taô bello efpirito, que o chega a formar evi- dentiffimo oexceíTo, queelle mefmo executou em a fua tranfcripçaõ. Porque vendo Abraham Bzovio , que em o feu primeiro tomo , que ti- nha para dar áeíhmpa, naô podia nelle, íegun- do a fidelidade da Hiftoria, tratar da morte de Ef- coto , por na5 chegar com muitos annos ao de 1308. , em que, íegundo todos os Hiftoriadores, morreo Efcoto, e o confefia Gravefon: (15) Ex- pio jâ itaque hâc fabula , hocwiumcertumeft,Joan- nem ScotumJ^oCíoremSiibtUemolniJfe Colonuean. MCCCVIII. fexto idus Novembris \ impacien- te Bzovio da dilação , rompe por tudo , e põem a morte de Efcoto em o anno de 1294. (16) ti- rando-lhe 14. annos de vida, e commettendo quatro evidentes falfidades , acerca do anno, em

D 2 que

(l 5) Gravefon loc.ciu (i 6) Conftat cx ipíis Bzovii Annalibus.

2? T)iJfertaçao

que morreo ; do Pontífice, que regia a Igreja; do Imperador , que reynava , e do Meftre , que teve. E como em a primeira Edição naô havia tranfcrevido mais , que o que diíTe Jovio , e de- pois de dado á luz, fe diffundiíTe pelo vulgo huma addiçaõ á fábula de Jovio, de que Efco- to havia em o fepulchro comido as mãos , co- mo refere Genebrardo pelo verbo ferunt ; nao quiz Bzovio omittir efta taõ importante no- ticia , trasladando-a aos feus infignes An- naes Eccleíiafticos em a íegunda impreíTao. Di- ga-nos agora o Clariffimo Orador , que fignifí- cao , e a que fe dirigem todos eíles exceíTos em eíte tranfcriptor , e feu Annalifta?E nos re/pon- dera , que mo a outra coufa , mais que pam fo- mento de dijcordias , e d/jfenjoens entre Famílias Retigiofas > animado uido de hum indubitável efpirito de muito , como da intenção de Bzovio o eícreveo o Padre Dermicio Tadeo, (17) Varão de todo credito, que fe achou a efte tempo em Roma , e aíTevéra , o íabia nao pe- lo efFeito notório da Obra , e o conhecido affe- ftodofujeito, fenaõ por relação fidedigna dos que opudéraõ faber. Ifto he quanto aAbraham Bzovio,

Quan-

(17) Ex Dermicio Thad. in Nkela Franciíc. Relig, hU6^ & Luca Vvading, in viça Scoti c,£«n. $ bV

Hi/lorico-Critica. 2 9

Quanto ao Anonymoitranfcreveo efte ef- ta notabililTima noticia do que difle Daniel Per- gulio em o feu Sermão primeiro Extraordinário. (18) Em efte lugar pois conta , que era frequen- te em Efcoto o elevar-fe em raptos tao mara- vilhofos, que ficava totalmente como morto j e que os Frades , que ignoravaô efte coftume feu, crendo que era morto em a verdade, oenterrá- raô em hum extafis vivo r e morreo fuffocado em a terra. Iílo foy , o que diíTe Daniel Per- gulio, e o naô podia dizer em boa , por fe con- tradizer em a fua mefma narração. Naô obftan- te ifto, entra o Anonymoatranfcrevê-lo/e trans- creve que fe affogara, fepultando em alto íílens cio o rapto; mas fem reparar quehuma tal no- ticia era em fi tao fabulofa , que fe convence de falfidade pelas fuás mefmas circunftancias j por- que fe era frequente aquelle fucceífo em Efco- to , como o poderiaõ ignorar os feus mefmos Religiofos, que otratavao com tanta frequên- cia , e tao de perto ? Que utilidade acharia logo efte Anonymo em tranfcrever huma noticia tao fabulofa ? E fe naô poderá defcobrir outra, que a que enfinou o Clariffimo Orador, mais (jue para fomento de dijcordias , e dijenfoem entre

Fami-

(18) Extat tom. 4, EditionisRoduIphi, & tom. i. Editionis Joatw

nisdelaAyc. *

j o DiJfertaçaÚ

Famílias ReUgiofas. E como nada difto íeja ve- rificável em os tranfcriptores do Triunfo de E£- coto , naõ por fer extrahido dacjuelles primei- ros Hijloriadores , cjiie talvez a efcrevejfem em bía fé, como enfina o Clariííirno Orador , mas tam- bém porque moftraremos fer efte Triunfo ver- dadeiro , folvendo os argumentos de Natal Ale- xandre 5 redamente feconclue, que quando fe falia deEfcoto, tranfcrevendo fuás noticias , as difcordias , e diíTenfoens naõ eftaõ da parte dos que o defendem , mas fim dos que o impugnaõ, fendo fomente eftes, fobre os quaes cahe a re- provação de S.Paulo efcre vendo aos Corinthiosj vindicaçaõ juftiflima de hum dito , que atira a fe- rir nao á Religião dos Menores, mas também a outras muitas Religioens, em que fe efpecia- liza a Preclariífima Companhia de Jefus , nao tranfcriptora fiel defta taó famigerada noticia , mas inclyta , e egrégia defenfora do Myfterio da Conceição. Mas nada nos alfombra, quando a inveja he a que regula. Oh Chagas de meu Padre S. Francifco , que ainda vos nao pudefteis eximir do cutelo defta emulação, fena5 ácufta de muito íângue ! Muito vos aborrecia a inve- ja,^ vos nao podia ver, nem ainda pintadas! (19)

Logo

(19) Barthol. Piíanus lib. j.conformit. fruftu J. p.l. conformiu §'*• foi. 25^.

Hijloricò-Crhica. 3 1

Logo , como déíTa mefma inveja poderia efcapar efle vofío filho , ferido com a penna , que talvez aparaíTeeíTemefmo cutelo Martyr da Concei- ção intitulou a Efcoto o Anonymo Jefuita: (20) Martyr Conceptae Virginis appellandus. Seja mui- to embora Martyr na vida , e na morte , quem, por padecer por Maria, deve ter a mayor gloria. Mas como o Clariffimo Orador, depois de nos dar taô prodigiofa doutrina, continue a enfinar- nos , que em os dias, em que viveo Efcoto , ainda ndo tinhai principiado na Igreja as ccntroverjias, e contendas fobre a verdade dejle Myfterio , dirá a Reflexão feguinte que efta ília doutrina naÕ he verofimil.

RBFLEXAM III.

Em que fe mo/ira naí jer verofimil , que em tempo de Efcoto nai houvejfem controverjias, e con- tendasJobre o Myfterio da Conceição.

HAvendo o Clariflimo Orador em a Dedi- catória do feu Sermão conferido a Efco- to os mais pompofos elogios , de illuftrifíimo ornamento da Religião Seráfica, de toda a univerfal Igreja , de Maria Santiííima Senhora

NoíT%

(ic) In Elogio Scoti , imprcíTo ann. \66 a*

5 2 Dijertaçati

NoíTa , cuja original pureza illuftrára com os rayos da fua doutrina, fendo entre osSábiosda Igreja o primeiro , que fe re foi vera a examinar a verdade deite Myfterio , e que com tal clareza a propuzéra , que por iíTo juftamente merecera ogloriofo titulo de Doutor Mariano, e Subtil, com que todo o Orbe literário o reconhece^ immediatamente diz eftas formaes palavras: ~No$ dias , que viveo efte venturofo antefignano de pie- dofa fentenqa , ainda nao tinhao principiado na Igreja as controverfias, e contendas fobre efta ver* dade ; talvez que por attençao , e refpeito a fita dou- trina , e vajtijftma literatura. Notável pompa! Mas implica, e fe prova com evidencia ; porque fe por huma parte Natal Alexandre em a confu- tação deita grande fábula, que o ClariíTimo Ora- dor fegue , e a julga doutiíTimamente refutada por Natal Alexandre, aíTevéra , que ninguém mais indignamente que Efcoto fallára fobre eíte Myfterio , como individualmente veremos em a íeguinte Reflexão ; e por outra parte diga o Cla- riíTimo Orador , Que naò houvera fobre a verdade dejte Myfterio controversa > ou contenda alguma em o tempo }em que viveo Efcoto ; de que premif- fas havemos deduzir eftegloriôfo titulo de Dou- tor Mariano , e Subtil , que tai juftamente mere- €eoi Se recorremos áfua doutrina, encontra-fe

tao

Hiftorico-Crtttca. 3 j

taõ indigna, que ninguém , como Efcoto, nem mais cheyo de medo, nem mais em jejum a pro- pôs- ( Saô formaes palavras de Natal Alexandre) Se fazemos rccuríb ás controverfias , e conten- das ; diz o ClariíTimo Orador que nos dias , (jue viveo Efcoto, ncio as houve. Que titulo he logo efte de Doutor Mariano , e Subtil, tàèjujlamente mere- cido ? Eu confeííb , que ainda naõ vi em o mun- do titulo , nem menos merecido , nem mais fine re , que efte , fe havemos de eftar pela Doutrina defte Clariífimo Orador , que eu provo naõ fer crivei , ou naõ ferverofimil.

Porque quem poderá crer que tivefle o Myfterio da Conceição tantos Oppofitores , e taõ Sábios nos dias , que viveo Efcoto, e que efte em todo feu tempo confeguifle eftabelecê-ío fem género algum decontroverfia, ou conten- da, e ifto talvez por attençdô, ere, peito ájua dou- trina, e vajlijfima literatura ? Ponderemos efta verdade , paíTando da penna á efpada. Quem crerá que , por mais esforçado que feja o Gene- ral , regularmente fe lhe refideíTem as Praças, fem que nos feus dias houveflem precedido ata- ques^ batalhas,em que eíTe mefmóGeneral déíTe reiteradas provas do feu valor , que ferviflem de impulfo aeíTe fubitorendimentorjulio Cefar fim diíTe : Vem>vidi}vicv, Fuy,vi.,venci. Mas fe na bre-

E vidade

}4 Díjfertaçao

vidade dos Teus períodos nota a facilidade , nao exclue o conflicto. Muitas Cidades , Provindas, eReynos fe lhe renderão fem o menor ataque; mas a tão efpontaneo rendimento havia antece- dido já agloriofa,e difputada conquiftade muitos mais Reynos , como confequencias de batalhas, as mais brufcas , e bellicofas. O mefmo , e ainda mais,fe deve dizer de Alexandre Magno,a quem a íua fama fez render , e dar fubmiíTaô volun- tária aos Reynos mais remotos. Mas quaes fo- raõ as caufas de todos eftes effeitos ? Nao foraõ tantas batalhas ganhadas , e innumeravel multi- dão de Praças , humas levadas por aflalto, e ou- tras pagadas aferro, e afogo? A formidável cadêa deites triunfos foy a que prendeo a lín- gua de todo o mundo , para que a fua mefma vi- fta o contivefle em íilencio.

E ha de regularmente contemplar-fe em as Armas efta ordem,e defta haõ de fer como exce- pção fua as Letras. Atégora eftava eu em a in- telligencia, de que era mais difficil vencer a hum homem Sábio , que a hum homem valorofo. Af- íim o perfuade o fucceíTo de S. Paulo , quando era Saulo. Era valorofo , pois aííim o indicava aquelle taõ implacável furor, com que ameaça- va aos Chriftão^. E era Sábio , porque era Mef- tre da Ley. Como valorofo , poderia fer venci-

do>

Hiftoricò-Crhica. 3 j

do, ou por outro homem , ou por hum Anjo, affim como de outro foraõ vencidos os AíTyrios. Como Sábio , parece fe requeria mais y poisquiz o mefmo Deos vir em peííba para confeguiref- te vencimento : Saule, Saule , quid meperjecjueris* (1) Domine, cjiád me vis f acere í (2) Logo fe tan- ta difficuldade ha em vencer a hum Sábio , pe- la regra a minori maius; (}) que arduidade nao arguiria o vencer a hum Exercito delles, que , fendo em Pariz , eraõ os maiores do mun- do ? Logo fe o vencimento he taõ difficil , íên- do entre Sábios , e ainda com contenda ; fem ta quem julgará crivei tal refpeitofo rendimento a Efcoto y e ifto talvez por attençad ajua doutri- na , evajiijfima literatura}

Elevemos a prova , contrahindo o difcurfo. Era a fama de Efcoto taõ celebre em todo o Or- be : Ni AH aliudTkeologica gymnajia pr<eter Scoti nomen perfonabant , (4) que de todas as Catholi- <:as Províncias fe folicitavaõ com anciã feus ef- critos , e apenas nafciaõ em as efcólas deOxonia, quando peregrinavaõ até o mais remoto clima, dilatando-fe em efpaço breve aPiedofa Sentença

E 2 ás

(I ) A<aor,cap.9. v.4. (z) Idem v.€. (f) Vaíidum, & reccptiíE- njum cft argumentum, Auth. multo magis, C. de Sacrof. Ecclef. Ever fard. m Topicis legal»busloco 65. Petr. Gamar, in DiaUégali, lib. U loco à minori ad maius. Et alii. (4) fíenric VviJIot in fuis Athenis m Joaru Duns,

J 6 "Dijfertaqdo

ás Univerfidades todas da Europa, Chegou á de Paríz , então , como fempre , celeberrima , e co- mo ainda perfiília em o fentir , em que a havia poíloaquelle feu antigo decreto , (j) e dofeu Bifpo Maurício, (6) em fuás Efcólas naõ encon- trou a Piedofa Sentença benigno afFeóto para fentir ao Myílerio. Achou-o fim em o Con- vento Francifcano, aonde examinandoíe a que- ftaô da Original innocencia de Maria , que Efco- to havia efcrito,com taô firme aíTenfoa appro- varaõ aquelles Meftres , (7) que confpirárao todos em defendê-la com valorofo esforço. Nao nafceo eíla concórdia do affe&o ao Doutor Sub- til , fim da entranhavel devoção á Rainha do Ceo, muy própria deíla Seraphica Família; pois naõ pode conter-fe, conhecida a verdade deíla excellencia.

Com eíle zelo principiarão os Meftres do Convento dos Menores de Paríz a introduzir a Sentença Piedofa em as Efcólas daquella Uni- verfidade, contribuindo os mais Religiofos del- le , cada hum em o modo que podia. Hum a en- fina, outro a prega, efte aperfuade, aquelle a defende ; quem excita em o Povo a devoção defte Myílerio, quem perfuade ao Clero a reno- vação

(fr) Rçfert Albert. Magi. ín 3. d,$.art. 4. (6) Refert Altifiodo- renfis in Suai. lib j.çap.;. (7) Ex Offíc.EccIcí. Immac. Concept. i Buftis compof. dis i.lcd.4. exutin Armament. Scraph.f.7ifRcgçfti«

Htjlorico-Crltica. 3 7

vaçaõ da fua feita : e finalmente todos fe entre- garão a punir pela opinião da Mãy de Deos com taô conftante esforço , que a Sentença, que defende fua honra, defde entaõ fe chamou por excellencia A Opiniai dos Menores. Aílim o diz expreflamente nofíb Illuftriffimo Samaniego,(8) fundado em Joaõ Varzon, (9) em o Abbade Pa- normitano, (io) em o Abulenfe,(i 1) em Salazar, (1 2) e em outros muitos. Sempre he a Opinião dos Menores, naõ por feu firme fentir , fenaô porque he feu mais illuftre credito,a pezar de tan- tas contradiçoens. Naô faltarão eftas em aquella occafiaõ ; pois apenas noflbs Meftres Pariíienles começarão a introduzirem aUniverfidade de Pa- ríz a Sentença Piedoía, quando fe lhe oppôs o refto da Efcóla. Aqui começarão os difturbios, aqui fe enfanguentou a guerra, e atai ponto che- garão os efcandalos , que certos Religiofos, da parte, que impunha a culpa Original a Maria, taõ obftinadamente defendiaô fua opinião com palavras taõ feas , e injuriofas , que de Oppoíi- tores Efcolafticos paflaraõ a fifcaes accufado* res dos Religiofos Menores , porque defendiaô a innocencia da Mãy de Deos. Tudo exprefla- mente confta do Officio Eccleíiaílico da Con- ceição,

(8) Saroanieg.in Vk.Scot.lib.i.cáp.8. (9) Joan. Varzon in 3.CÍ.3. ( I o) Panormitan.in C.Conqucftus de íeriís. ( 1 1 ) Abuleníis Para- dox. 1 . cap. 2, 1 . (.li) Salazar de Concept. cap.4z,k ic ã. 1 5*

$S Dtjfertaçdo

ceiçao , compoílo pelo Venerável Buftis: (13) Religioji (juidam in tantam Conceptionis alterca- tionem proruperunt , ut Ordinis Minorum Fra- tres heréticos afflrmarent , <juia Dei genitr icem Jine Origina/i macula conceptam fuis pnedicatio- nibusproteftabantur. Logo tudo iílo fuccedeo na introducçaõ da queftaõ, que fobre efte Myfte- rio acabava Éfcoto de efcrever em Oxonia, pou- co antes da ília peffbal vinda a Paríz , e nefte precifo tempo chegaíTem atai ponto as contro- vertias , que eftes Religiofos nos accufáraõ de hereges y por defendermos , que a Mãy de Deos fora concebida em graça em o primeiro inftante dafua animação; a quem,ávifta defta verdade, fe* crivei q Nos dias, que viveo efie ventura fo ante- fignano de piedofafentença y ainda na!o tinhat prin- cipiado na Igreja as controvertias } e contendas fo- Ire ejia verdade ? Ou poderá alguém julgar ve- rofimil , que chegando Efcoto em efte tempo % efta Univerfidade de Paríz , (14) taõ íuprema- mente alterada por eftes Religiofos , ahi efta- beleceíTe a Piedofa Sentença com tanta tranquil- lidade pelo efpaço de três annos, que ne£ ta Univerfidade aííiftio , fem que em todo efte tempo houveíTe fobre efta verdade com Efcoto a

menor

(13) Oííic. Concept* à Buftis compo'. loc.jamcít.

(14) Ex codem Offic. Concept. cit. i,die4. kã*

Hífterico-Crhica. 3 9

menor controveríia , eifto talvez por attènqao a fua doutrina , evaíliffima literatura^. Notável at- tençaóhe efta, que liberaliza a Efcoto íabedo- ria tanta , a troco de fe naõ verificar , defendeo propriamente em efte Myfterio a Virgem Mãy de Deos!

Nem fe diga , que tudo poderia obter a prefença de Efcoto j porque o contrario fe con- vence do que lhe fuccedeo em Colónia. Em hum campo fora de Paríz , que vulgarmente cha- maõ Prado dos Clérigos , eftava o Venerável Efcoto, quando recebeo cartas do feu Geral, em que lhe mandava deixaífe logo aquella Univer- íidade , e foífe a ler a Colónia de Agripina, aon- de para negócios graviííimos neceííitava da fua aííiftencia. (15) Leo-as o Doutor Venerável, e logo pôs em prompta execução o que lhe de- cretava a íanta Obediência. Chega a Colónia aos princípios do anno de 1508. , e logo (16) co- meçou a ler em o feu Convento com taõ fre* quente , e numerofo concurfo de Difcipulos , convocados ávoz de fua fama, que tem efcufa

os

(l$) RcfcrufH Guilliclmus Vorilon ín llâ. 44. q.l. HugoCavatt. in Vira Scoti cap.3,Martyrolog.Franciíc.8.Novcmbris. Matih.Ferch. lib. 1. A polo^.n. 16. & in Vit. Scoti c.$. n. 13. Vvading.in Vita Scoti cap.8. Brizcno §.I6\ in 4^Mich.Oyerus Orat. encomiaíh f.9.

(16) Ex Jacob Mildendorpio in Acad.Coloniení.Ferch. in Vit.Sco^ ti 07. n.z6+ Vvading. ç.14. n.tfo. Pitfcus , de Seriptorib. Angl,

4o DiJertaçàS

os Hiílorladores , (17) que dizem fundou aquel- Ia Univerfidade ; [ que verdadeiramente princi- piou com a folemnidade , e privilégios de Efcó- Ias, 80. annos depois] porque lendo o Subtil Doutor Efcoto , em o concuríb de Eftudantes parecia Colónia Univerfidade muy luzida. E fe conhece que , ainda que na5 em a folemnida- de, em as boas letras, e eíludiofos exercicios,lan- çou o Doutor Subtil com fua leytura os funda- mentos aefta infigne Efcóla , (18) pela grande eftimaçaõ , que fempre teve em ella a fua doutri- na. Começou também logo a exercitar a prin- cipal função, para que foy enviado de Paríz a Colónia, aprefentando campal batalha á here- zia 1(19) Hic hcerefi pr<eliadura dedit. De tal for- te difputou contra os Hereges Begardos, que íaciou bem os defejos , e efperanças dos Catho- licos, que para efte fim haviaõ folicitado alua vinda. Porem como os Hereges Begardos pela mayor parte era gente idiota, que defendia mais com a pertinácia, que com apparentes razoens a fua herezia ; naó embaraçou a Eícoto efta difpu- ta tanto, que lhe naô reftaífe também tempo pa- ra outras , em que a viótoria fofle , ainda que nao tao nobre, por nao ferem co ufa ainda definida,

mais

(tj)Petr* Rodulph. $. paft. Hiftor. Seraph. f. çi£. Paulinus Bert? Aug. in VitaScotijScalii. (i 8) Joan.Pitf.de fcriptor.Angl.an.i 308» (19) Epitaphium Scoti; Ferch.in ViuScoti.

Hiftorico-Crhica. 4 1

mais gloriofa pelo valor incomparavelmente ma- yor dos Contendores.

Os Difcipulos, (20) que havia Alberto Ma- gno deixado em Colónia , parecendo-lhes era doutrina defeuMeftre, eftavaõ confiantes em o fentir, de que a Mãy de Deos havia fido man- chada com a primeira culpa. E como em aquella Cidade lia com tanto applaufo Efcoto , Reftau- rador da Sentença Piedofa , e Doutor deftinado pelo Ceo para defender a Original innocencia de Maria r( como íb verá em a Reflexão Seguin- te ) foy precifo fe excitaíTe de novo a contro- versa da Conceição com todo o esforço de hua, e outra parte. Era o principal dos Difcipulos de Alberto , que tinha Colónia , o Meftre Herveo de Natal; celebre Efcritor , de profííTaô Domi- nico,Varaõ doutiffimo?de acre,e fubtií engenho, como fe pode ver em Bellarmino , (21) a quem depois feus grandes merecimentos elevarão á dignidade de Geral da Preclariffima Família dos Pregadores. Efte pois infigne Capitão daquelk parte (22) entrou em fingular batalha com Efco- to fobre efte preciofo ponto da Rainha do Ceo; elle defendia o parecer , que lhe impõem a culpa: Efcoto mantinha fua innocencia. Travou-fe a

F difputa

. (20) Ex Pitfaco cir.Hug.Cavcl) C2f.4.e Vvading c.8.

(21) Bellarm. lib. de Scriptor. EccUfiaft. (22) Ex JoaruEkio in fuo Chryfopaío Cem. 2.

42 Dijeriaçcio

difputa corii alentado brio. Nao vio àquí a Ef- cóla outra rcuis goílofa j porque , como Herveo era engenho verdadeiramente fubtil } vendo-fe gravemente apertado de outro muito mayor y e mais profunda fubtileza, nao havia evafao en- genhoía, que nao intentafle : e vendo que ape- nas a pronunciava,quando mayor luz a desfaziajfe lhe excitava a imaginação amayores fubtilezas. Em fim , Efcoto reclufou a porta a tudo, (25) e confeguio com a vi&oria a palma de hua tal difpu- ta. Nao foy a menor gloria de Herveo haver en- trado em fingular difputa com Efcoto,nem o me- nor triunfo de Efcoto haver vencido a Herveo. Haver porem vencido em Colónia a hum contrario, ainda que o maisvalorofo, pare- cendo diligencia limitada á devoção fervorofiA lima , que fc infiammava em o coração do Dou- tor Mariano á Rainha do Ceo , e ao zelo arden- te , com que procurava perfuadir ao mundo to- do a verdade da fua Conceição immaculada, e plantar em os coraçoens de todos os Fieis a de- voção defte Myfterio j determinou defafiá-los a todos com hum A&o. Affím o executou , pu- blicando humafolemne difputa, (24) em que

defen-

(23) Jo3rw Ekius Toe. cit. (14) Hanc íolemnem difputationem, Coloniae habitam ,referunt {oan. Pitf.de Scriptor. Angl. an. I$o8. Hug. Cave II. in Vit.Scoti cap.4.MartyroI.Franc»8. Novembris.Mauh. Ferchius, & alii.

Hiftorico-Crhica. 43

defendia a Mãy de Deos totalmente formofa, e em o primeiro inílante da fua animação preíèr* vada do feyo lunar da primeira culpa. Soube Co- lónia o deíafio , e como a fama lhe havia dado noticia dos prodigios , que em Paríz obrou o engenho deEfcoto emfimilhante difputa 9 (a naõ ferfabulofa) concorreo ao A&o a Cidade quaíí toda , porque nenhum curiofo quiz per- der taõ grande dia. Em elle pois oppondo-íe quantos contrários teve em Colónia o Myfte- rio7 refpondeo Efcoto a todos os argumentos, defatando-os com tanta facilidade, fatisfazen- do-os com tau ajudada adequação , inftando-os com tanta efficacia , que osmefmos contrários, ouprecifados da razão, 011 vencidos do prodi* gio , transformarão os argumentos em elogios do Defenfor, (25) confeílando publicamente , que o engenho daquelle homem era eftupen^ do,e honrando-o com o concurfo todo ahumá voz com o renome de Doutor Subtil, aquelle illuftre titulo , com que o havia graduado a U- niverfide de Paríz por Triunfo fimilhante ,- eon-^ firmado pelo Papa, como em feu devido lugar íe provará. tf

Naò havia então Univerfidade em -Colónia i com privilégios de Efcóla publica , como no-

F 2 támosj.

(15) Referunt Joan. Pitf. & Hug. Cavell, cit.

44 Dijertaçaõ

támos ; e aííim fe naõ pode feguir immediata- mente ao A&o oDecreto daapprovaçaô da Sen- tença Piedofa , e exclufaõ da contraria. Porém fe conhece claro ; quão affe&uolamente devo- tos ao Myfterio da Conceição immaculada da Mãy de Deos ficáraó os Colonienfes , e íua Ef cola , com haver ouvido a Efcotoj pois, fundada a Univerfidade , foy ella a primeira, (26) que, depois da de Pariz, fez decreto de naõ graduar fujeito algum , fe primeiro nao juraífe defender prefervada da primeira culpa a doce May da Graça. E additou , fobre o Eftatuto Parifienfe, pena de privação perpetua das honras , e lucros da Efcóla contra os que perjuros defendeífenr o contrario ; para fupprir com o acerto da addi- çaõ a gloria, que Pariz lhe levou em a anterio- ridade do tempo. Naõ fey fe os Difcipulos de Alberto ficarão, como vencidos ? convencidos. do DoutiíTimo Herveo fe podia formar al- gum argumento , de que ficou perfuadido â ver- dade do Myfterio pelas razoens de Efcoto 5 por- que , efcrevendo depois fobre a Epiftola de S. Paulo aos Corinthios , (27) deixou o parecer contrario ao que em os Sentenciados havia fe- guido , exceptuando expreífamente a Mãy de

Deos

(16) Ex Armamentario Serapfu in índice Chronologico conftat luiíTe primum poft Parifieníe. (17) Hervaeus Epift.z. ad Coriruh.ad ilia verba; Ergo onvm mortuifunt.

Hiftorico-Critica. 45

Beos daquella Univerfal , que diz : Que todos morrerão em a culpa. Tudo diz o Illuftriffimo Samaniego, (28)

Aqui temos a Efcoto em Colónia 7 naõ por fama , ouvida ao longe y mas attingida pe- los olhos , e taõ experimentada pelos Colonien- fes , explicando , arguindo , eníinando-os em concurfos taõ numeroíbs ; do que evidente- mente havia derefultar fenfibilizar-fe mais afoa doutrina ?evajlijfíma literatura. Logo feo trato, e vifta defta naõ impede , que contra a Concei- ção Immaculada deN. Senhora hajaõ com Ef- coto controverfias , e contendas em Colónia 5 ha de efta mefma doutrina , e vajiijfima literatura , ainda naõ pofta em praxe de a enfinar naCadeira, (fallo antes da contenda , que fe controverte ) fervir de impedimento r para que contra efíe Myfterio naõ hajaõ com Efcoto controverfias em Paríz ? Colónia naõ ha de trepidar contender folreejla verdade com Efcoto, oppondo-fe-lhe hum Herveo 5 e Paríz , aonde floreciaõ tantos Herveos , áquelle taõ fuperiores , ha de o ref- peito contê-la, tendo com Efcoto hua taõ gran- de attençai ? Em Colónia fim , que ainda naõ era Univerfidade ; em Paríz naõ , que naquel- le tempo era de todo o Orbe a Univerfidade

maás

(z8) Sam?nieg. in Vis, Scot. lib.i . C3p.i &

40 Djjfertaçati

mais celebre , e mayor ? Haverá alguém , que o julgue verofimil \ Imagino que naõ. Logo nem também haverá alguém , que julgue verofimil, que nos dias , que viveo eãe venturofo antefigna- no de piedoja fentença , naõ tive f em principiado na Igreja as controverfias fobre ejla verdade, tal- vez (jiie por refpeito , e attençao áfua doutrina , e vajlijftma literatura. Logo outro ., parece , de- ve fer o efpirito defla graciofa attençao, que> como fe dirige aferdifpofiçaô próxima da gran- de fábula, fe faz digna de que todo mundo íàiba qual he o alvo , a que atira : o que fatisfará a feguinte Reflexão.

R E F L E X A M IV.

Em que fe mo/Ira, que o ejpirito dejla chamada Fá- bula nao he outro jenao intentar diminuir a gloria de Efcoto.

| } Sta verdade ninguém a perfuade melhor |y que Natal Alexandre. Havendo eíle Sábio moftrado fer fabulofo o Triunfo de Efcoto era Paríz , e da mefma forte o voto, que porcon- fequencia deíTe Triunfo eíTa mefma Univerfida- de fez , finalmente conclue contra Efcoto aííim: Demente D o 51 orem Suhilem tanto fervore ,frago-

re

Hijtorícò-Critica. 47

re tanto Concept tonem immaculatam Deipara Vir- ginis propugnaje , verifimile nemo cenjebit , cjui attenta confideratione expenderit cjuam jejimè , qiuim meticuloje hàc dere dixcrit jementiam, Dijl. 5. (]. 1. cui titulas ejl : Utrum Beata Virgo Con- cept a fuerit in Originah peccato \ Sic autem rej- pondet : adqiaejlionem dico , cjuod Deus potuit fa- cere, (jiiòd ipfa nuncjuam Juijfet in Originali pec- cato. Potuit etiam fecfffe r ut tantiim in uno in- Jianti ejfet in peccato. Potuit et iam f acere ,ut per tempus alitjuod ejfet in peccato , C? in ultimo in- Jianti illius purgar etur- Quas propofitiones , ubi Ji~ gillatim probavit , de mum it a cone ludit: quid au- tem horum trium > cjiue o/ienfa funt efe pojfibiliãy faôium fit , Deus novit. Si authoritati Ecclefae > vel authoritati Scripturx non repugnat,videtur pro- labile , (juodexcel/entius ejl tribuere Marine.

Ninguém julgará verofimil , ( diz efte eru- dito Dominicano ) que o Doutor Subtil defen- dera almmaculada Conceição da Virgem May de Deos com tanto fervor, e eftrondo ? fe com attenta confideraçaõ examinar exa&amente , quam cheyo de medo, e em jejum diíTe fle o Doutor Subtil o feu parecer nefte ponto : De- nique DoClorem Subtilem oV. Que eftas palavras as proferifle outro , que naõ fofle como Natal Alexandre , o poderia defeulpar a fua menos ca- pacidade.

4$ Dijertaçaí

paridade. Mas hum Heróe de taõ defmedida es- tatura , naõ deixa de induzir huma admiração naõ ordinária! Mas affim havia de fallar, quem em a introducçaõ de huma íimilhante fábula tinha o efpirito de diminuir a Efcoto a fua glo- ria.

Attendey á fua evidencia. Foy fempre o Myfterio da Conceição a pedra toque dos devo- tos de Maria 7 pois , como difle a mefma Senho- ra a Santa Birgida : (29) Quiz Deos , que feus amigos piedoíamente duvidaflem da fua Con- ceição Santiífima , e que cada hum moftraíTe o feu zelo , até que fe declare efta verdade em o tempo , que eftá determinado. Parece que com efpecial providencia difpôs Deos , que aquelles primeiros Efcolafticos Santos, e amigos íeus, du* vidaíTem com bom afFe&o da verdade deíle My- fterio , para que o Venerável Efcoto ( e os mais, que taõ gloriofamente o imitarão) evir denciaífe ao mundo a devoção a Maria , que fe ©ccultava em feu abrazado peito, e de tal forte fe fízefle perceptível em a fua Igreja eíTe feu taõ ardente zelo á honra de fua Mây Santiffima, que naõ houveíTe para o futuro peíToa alguma, que prudentemente o duvidaífe , anão fer Natal Alexandre.

Que

* (19) S.Bicgita lib.tf, Rcvelat. cap.55^

Hijtorico-CiHtica. 49

Que diligencias naõ fez (50) eíle fervoro?- fiííimo Meftre para introduzir efta verdade em os coraçoens dos fieis ? Que vigílias perdoou? A que trabalhos naõ fe expôs ? Aftivo fenipre } deícuidado nunca, jamais tíbio, fempre fervor rofo , com a lingua ", com a penna , em o retiro, em a publicidade ~} em o Magifterio ,em adifpu- ta fe empregava todo em perfuadir a Original pureza da Rainha do Ceo. Com efte affe&o em breve peregrinou Províncias dilatadas. Em (i) Inglaterra, em França, em Alemanha deo á Vir- gem Santifíima mil devidas glorias á cufta de naõ poucos trabalhos , ainda que com o interefle de muitos triunfos, deixando efta verdade taõ afTen- tada em os ânimos dos fieis , que defde o feu tempo ( como notou o Doutiííimo Padre Ga-» briel Vafquez ) (2) naõ em todos os Catho* licos Efcolafticos , mas em os Catholicos todos lançou taõ profundas raízes , que naõ hepoífi- vel arrancá-la , fe naõ fe arrancarem também os eoraçoens. E fe he de verdade irrefragavel, o que eftá efcrito em columna,ou pedra; (3) faller» os Epitaphios do fepulchro de Éfcoto > que fad

G 0$

(30) Mattli. Fere. in Apolog. n. 4: (í) Samaniego in Vir. ScotJib.i. cap.7,8.c;.& 12. (2) Vafquez in 15. part, difp 1 17. cap.2. (3) Cap. Sane *4*f.Z. aonde aGIoíTa cita outros textos :& cap, eumeaufam verb. perJibros amiquos, e o eníinaô Ja(on Decio}eos DD.in L.i.ff.fi cerram petatw*

5 o DtJfertaçaÚ

osinftrumentos públicos, e irrefragaveis da anti- gu idade de que fallo , e nelle fe lerá o fervor de Efcoto em defenfa da Conceição de Mana, col- locado em lugar taô alto , que a mais fe naõ pode elevar , pois morre por efte Myfterio: (4) Dooíor Subtilis fua lullrajoannes Scotits in Objeãh ultima verba dedit. Aííim com outros Authores expreflamente o entende João Eido , (5) o qual , depois de refe- rir a diíputa , que Efcoto teve em Colónia , de- fendendo a Conceição Immaculada, immedia- tamente accrefcenta , que Efcoto logo morrera: Statim pojl hoc debitum natura perfo/vit Scotits. Logo fe o fervor de hum amante naõ pode fer mayor do que dar a vida pelo feu amado : Mata- rem hàc dileStionem nemo habet , ut animam Juam ponat quis pro anicis fuis j (6) poderia o fervor da Efcoto fublimar-fe mais , do que acabar a vida por efte Myfterio ? Pois efte he o fervor tanto, que Natal Alexandre diz, ninguém julgará ve- rofimil em Efcoto na defenfa defte Myfterio: Deniqne Doóiorem Subtilem tanto fervore ::: Con- ceptionem Immaculatam Deipar<e Virginis pro- pugnajfe , verofimile nemo cenfebk y o que nao

pode

(4) Henric. VviHot in fuis Athcnis Fraftcrfc $c Pctr. Rodulph; ;. p9rr. (5) Joan. Ekius in fuo Cbryf, Gene. 1. in Apcnd. (6) Joan. €ap.i$.v.i$.

Hiftorico-Critica. 5 1

pode ter outro efpirito mais , do que intentar introduzir a fábula com o finiílro^ e prefixo fim de diminuir a Efcoto a fua mayor gloria.

Efte foy o fervor de Efcoto em vida , fen- do deite ofeu melhor Chronifta o Ceo depois da fua morte. Em o anno de 1509. fe innovou de tal forte efta controverfia, que fobre a fua ver- dade íe formou huma íànguinolenta guerra em Alemanha. Sahio Efcoto do íepulchro, (7) co- mo a capitanear os Soldados de Maria. Defcobri- raõ-fe;naõ íem providenciados oíTos defte Vene- rável Varaô em efte tempo , para ferem traslada- dos amais decente, e formofo fepulchro , e fa acháraô inteiros , intenfamente cheirofos, de cor vermelha incendida , e pelas junturas bran- cos , manando leyte. Ah oífos veneráveis ; que haja a inveja de intentar encher- vos de tanta ne- ve , quando animados , havendo muito antes, tanto em credito voflb, introduzido nelles o Ceo tanto fogo ! Nao he imaginável mayor frial- dade , nem para efta fe convencer maravilha maw patente ! Jeroglyphico he efte, que com a mayor evidencia indica a fervorofiffima devoção, que como voraciíiima chamma fe ateava em o cora- ção , e mais intimo de Efcoto fobre a defenfa de-

G 2 fte

(7) Ex Andrea Tcvct. in lib. de Vitis , 8c ímaginikas virorum il- luftriurn ín Joan, Scoto.Mauh. Ferch. in Vit. Scoti c.8. n.30.

•$2 Difertâçao

fte ponto apreciabiliífimo : porque fe em o cân- dido, e fragrante licor eftà fignificada a Piedofa Sentença , por Ter feu objedo candor fem negro da culpa, e fragrância da fantidade primeira } a cor vermelha incendida dos oíTos do Mariano Doutor bem moftra eíTe indizível , e ardentiífi- mo zelo em defendê-la , que para mais fenfivel- mente oftentar a fua interminável grandeza, nem a morte o pode confumir, nem o fepulchro a- mortecer. Antes bem ao acharem-fe os Solda- dos de Maria em uovo confli&o, facudidas as cin- zas ,fahio o fogo da devoção mais incendido a alentá-los com a fua prefença, auxiliando-os com efta tao prodigiofa , e inaudita maravilha. Logo fe em ávida , e em a morte he efte o fervor de Efcoto nadefenfa defte Myfterio ; como diz Na- tal Alexandre, que ninguém o julgará veroíimil? Logo o efpirito , de que íe anima efte Sábio, naõ pode aqui fer outro mais , que diminuir a Efco- to a fua mayor gloria.

Nem com tanto eftrondo , continua a di- zer de Efcoto Natal Alexandre : Denicjue Do* âíorem Sub ti leni fragor e tanto ... Conceptionem Immaculatam DeiparíC Virginis propugnajfe , ve- rqftmile nemo cenjebit. Mas para rebater tao de£ medido infultoclamaráõ fempre deíTe eftrondo os eífeitos. Que mayores eíFeitos pode ter efte

eftron-

Hiftoricô-Crkrca. $3

eftroncb, que fer Efcoto em vida, e morte o Príncipe da Sentença Piedofa ? (8) O Orbe in- teiro o confefla. Os Ceos , e a terra o publicacn Chrifto o teftifica , (9) que com efpecial provi- dencia o levou a Paríz para cite meímo fim. Ma- ria o confirma , (10) cuja Sagrada Imagem, ao pe- dir-lhe Efcoto favor contra os inimigos do My- fterio , lhe inclinou profundamente a cabeça. A Igreja o publica , (1 1) que em o Officio: da Gon* ceiçaõ conta feus triunfos. Clemente V. 7 (12) dando-lhe o titulo de Doutor Subtil pela vido- ria. Sixto IV., (ij) approvando o Officio, que fez o Venerável Buftos, aonde refere efta glo- ria. Júlio II. , (14) adjudicando a Religião das Freyras da Immaculada Conceição á Seráfica, como a quem fe devia a gloria , de que ja goza efte Myfterio. Pela mefma caufa Urbano VIII., (15) inftituindo a Ordem Militar da Conceição debaixo da Regra de S. Francifco. As Univer- sidades oacclamaõj Oxonia, (16) entaõ redu- zida

(8) Thomas Bzovíus de ílgnis Ecclef.tom.i.fjgn;3tf.lib.9.cap.8.

(9) Offic Concept.à Buftis compof.Sc à Papa Sixto 4-approbat. leO. 4.dici 1. (10) Samanieg.in Vit. Scotilib.i. cap. 9. n. 1 referindo huma grande multidão de Authores , que o ccniíícaô. (1 1) Offic. Concept.cit. (11) Conftat ex Epitaphio fepulchri Scoti.

(13) Brcvi mQxy.Libenter ad ea Romae 4.0âobris an. 1 4 8o»Pon* tif. fui 10. ( 14) In Bulia incip. Statum profperum. Romae l$í Kalendis O&ob. an.151 1. Pont.íui 8. De quo jfcgidius de Pracícnt.1 lib. ;. de Conccpt. q- 6. arr.4. 5.3. (15) Bulia incip, In per/cr utabilh DiiJínor. Romae pcidie Idus Fcbr; an. 162$. Pont.íui I*

(16) Samanieg. cir* Jib. 1, c. 9, citans mulcoi.

J4 D/JertaçãÕ

zida porEfcotoao culto antigo, que Ihcenfínou feu Anfelmo. Paríz , (17) por íeu Doutor Sub- til,trocada de menos affe&a em a mais devota da Pureza Original da Rainha do Ceo, Colónia, (1 8) como poíTuidora do feu corpo , herdeira do zelo de feu efpirito ; e todas as mais jurando em efte ponto de Efcotiftas. Os Efcolafticos todos o confeíTaó ; os Oppóftos ,fazendo-o < com me- nos verdade , ainda que com grande gloria ) o Inventor da Sentença Pia. Os affeótos , accla- mando-o ( com toda a razão) Reftaurador único delia. Finalmente ; eíla he a principal caufa de haver jurado aEfcoto a Religião Seráfica Prín- cipe da fua Efcóla. Que he tal a devoção defta Familia á Mãy de Deos , (19) que naõ defende o credito do primeiro inftante de Maria, por fe- guir aEfcoto; fenaõ que fegue aEícoto, por- que defendeo aquelle credito. Que mayores ef- feitos logo pode ter efte eílrondo ? Logo fe naõ podem íer mayores T como diz Natal Ale- xandre , que ninguém julgará verofimil ,que coto com tanto eílrondo defendeíle efte Myíle- rio ? Denicjue Doãorem Subtilem tfc-

Julguem-no os indiferentes , e falle por todos o Sapientiffimo Salazar , da Preclariffima

Com-

(17) Samanieg. cit. lib.l»cap.7* n.i r. (18) Samanieg. cit. lib.c. li. citans muitos. ( 1 9) iEgid. ds Praeícm. Auguílinian. Jib. 5. de Çoncept. <j. tf. art.)4« 0. 3.

Hijlorich-Critica. y 5

Companhia de Jefus , taõ íuperiormente acér- rima, e portentofamente defeníbra deite My- fterio da Conceição : (20) Qui Scoti mentem non tam dentibus conficiunt , qiíhm dever ant , putant illum inea fuifie fententia. E interpoftas poucas regras continua a dizer , que affim como por to- dos os Theologos he Efcoto tido por Author da defenfa da Immaculada Conceição j affim também nada pretermittio , que naõ pudeíTe con- duzir á mayor gloria da Senhora : Sedji verba illhís ad trutinam vocèntur , longe alia efl SubtiliJ- Jimi Doãoris mem , qui quemadmodum omnibus TheologisimmaculattfConceptionis tuenda Author extitit : ha et iam nihil pr<etermifit , (juod in hacre ad maior em Virginis gloriam/acere pojfet : dando o Subtiliffimo Meftre a efta doutrina tanto cre- dito, quanto nenhum outro, nem antes, nem depois lhehadado,conclue Salazar: (21) Joan- ne$ Duns Scotus pr<jecipuns, ae maximus pura Con- eeptionis vindex , cjui tantam huic doãrina fuâ au- thoritate Jidem comparavit , cjuantam nuttus alius ante ipfum , nec pofl ipjum.

Defta forte fallaõ os Sábios ítm a relevan- te circunftancia de noflbs Irmãos , mas na preci- fa infpecçaõ de indilferentes , e neutros , con-

tem-

( 20) Salazar in Defenfione pro Immac.Vifg. Concept.cJ 3.11,1. (21; Salazar cit.cap.42.

$6 uijfertaqdb

templando a efte incomparável engenho , nunca mais elevado , que quando trata defte Myfterio. Sobre efte foraõ taes os Teus exceflos, que, co- mo Águia amais remontada , parece fe excedeo afimefmo. Comopoderiaõ logo eftes deixar de feros mais eftrondofos ? Para todo o mundo fe perfuadir defta verdade, lhe feria fempre fuper- abundante prova , havê-lo a May de Deos elegi- do para feu efpecial Defenfor. Efte fado he in- dubitável j pois oattefta aquelleapparecimento da Mãy de Deos, que gozou Efcoto ao princi- piar feus eftudos , aonde, confagrando-o a Sobe- rana Rainha para defeníbr do feu credito , lhe prometteo o thefouro da Sabedoria , impondo- Ihe a obrigação , de que quando a occafiaõ fe offereceíTe , havia de punir pela fua cauía. Defta appariçaõ de NoíTa Senhora a Efcoto em o ex- pendido modo fazem menção Lucas Wadingo, Joaõ Colgano, Brezeíio , e outros , em a Vida de Efcoto- Arturo Monafterienfe , (22) e Hu* goCavello, (25) referindo-o de antiga, e per- petua tradição ,taõ certa , que por tal aatteftao todos os Hibernes , principalmente os Dunen- íes ; cuja conftantifíima tradição, diz Cavello em fua confciencia iTeJlis milii conferencia e/l , a

apren-

(11) Anur. Monaftcriení in fuo MartyrologioFrancifc.S.Novenv? br. in Commcntar.§.5. (13) Hug. CavclLin Viu Scori , cap.i»

Hijloricò-Critica. 57

aprendera, affim dos Doutos, como dosindou- tos,defde menino. Eftamefma confiante tradi- ção defende nervofamente Joaõ Poncio. (24) Logo, para fer verdadeiro, de nenhuma outra ul- terior prova tem indigência eíle fado. He dou- trina expreíTa de S. João Chryfoftomo : (25) JtLJl traditio , mhilquneras amplias.

Em confequencia defta Mariana eleição de- ilinouChrifto a Efcoto paraParíz, paraahitaõ gloriofamente defender a Original innocencia de ília Santiffima Mãy : Dominus vero nojler Jefus Chriftas , adprotegendam di/eóíiC Motris dignita- tem Scotum Ordinis Minoram Doãorem Eximiam xidCivitatem illamprotinas deflinavit , como diz a Igreja. (26) Logo , fe he máxima, que Qiá dat formam , dat confeqaeritia ad formam , elegendo a Mãy de Deos a Efcoto para feu efpecial De- fenfor , e deftinando-o Chriílo para eíle mefmo fim , fera crivei a alguém , lhe faltaíTe com os meyos proporcionados para o confeguir? Ha de em o deftino a intenção fer eílrondofa , e effi- eaz j e a execução , que lhe conrefponde , ha de ier inefficaz , e fem eftrondo ? Improporçaõ he ,efta,que jamais caberá em a intelligencia dos Sá- bios, fendo fomente delia capaz Natal Alexan-

H dre;

(24) Joan.Pontíus in Apologia pro Scoto Hibérnis aíTerendo, prx-

»fixa íuis in Sccti Commemariís. (25) S. Jcan. Ghryíoftom. Hom. in

capii.adTbcf. (26) InuOffic.Concept. tepè í«pius <itJeâ:.4.i.diéi.

5 8 Dijfertãçcío

dre 5 porque diz*, que talèftrondo ninguém jul- gará verofimil , fe com attenta confideraçaõ exa- minar quanto cheyo de medo > e em jejum di£ fe Eícoto o íeu parecer fobreefte Myfterio : Ve- rojimile nemo cenfehit , qui attenta confideratiotte expendtrit , (juamjejunè , quam meticuloje hac de re dixerit fententiam in 5 .Sententiaram Df/Í.j.y.i. Obedeçamos a Natal Alexandre, e a mefma exa- daattençaõ rogo aos Sábios, para julgarem fe o convencemos, em obfervancia do feu próprio preceito.

Para o que devemos primeiro fuppor, o que eíle erudito naô podia deixar de faber. Em pri- meiro lugar , Natal Alexandre naó podia igno- rar os diverfos modos, que antes de Efcoto an- davaô em a Efcóla , de defender a fantidade da Conceição ; convindo todos , em que Maria foy fantifícada , antes que fe animaífe a carne. Porque huns diziaõ , que Maria foy fantifícada em feus Pays , purificando Deos afeminai ma- téria antes do congreífo material: Outros , que em a mefma Conceição , ou commixtaô dos fe- mens foy fantifícada ; e finalmente outros , que foy fantifícada depois da formação do* embrião, antes que fora animado. (27) Naô podia tam- bém

(2,7) Ricardus de S.Vi&ore.Petr. Cantor. Petr.Comeft.Petr.AbeN Jardus , Nicolaus Albanus. Quorum opufeula de Concept. apud íc ha- bere t-eitaiur Pttr. de Alva typis matidanda*

Hiftcrlco-Crhica. 5 9

bem ignorar > que pelos annos de i r j 5. fe teve por novidade imprudente, que os Cónegos da Igreja de Leaô a celebraíTem : e como o obje&o da fefta era hum dos modos ponderados , deo motivo áquella fevera Carta, que S. Bernardo lhes efcreveo , (28) em que acremente os repre- hende, naõ por fer fefta introduzida femau- thoridade da Igreja Romana, mas também por fe celebrar íem o devido obje&o. E como a au- thoridade de Bernardo em aquella idade era taõ grande, que fe tinha por impiedade o refiftir-lhe; foy ifto caufa originaria de que Maurício , Bi£ po de Paiíz , pelos annos de 1165.(29) porfeu Decreto prohibiííe que fe celebraíTe afeita da Conceição em a Igreja Pariíienfe : ao que fe fe- guio a Univerfidade em pleno Clauftro (30) condenar por herefia o dizer que a Virgem foy fantificada antes da fua animação. Finalmente, naõ podia Natal Alexandre ignorar que, confor- mando-fecom o Decreto de fua Mãy aUniver- fidade de Paríz , feguiraô a opinião menos pia os Príncipes da Theologia Efcolaftica Alexandre de Ales, Alberto Magno , Santo Thomaz, S. Boaventura , Egidio Romano, Ricardo deMe-

H 2 dia-

C28) Extat inter Epiftolas S. Bernardi epift. 174. EITe ícgftimum S.Bemardi opus çoutladit inter alios Francé Bivarjn íuo opere : San* 9kP«trts vindicati , in S Bernardo. (19) Referi AkiílodoreDÍia ia Sútn. fib^.cap.j. (3o)Refert Aibert.Maga in s.d.^.art^.

6o i 'DÍJfehaqdb

dia-VIlla, e Henrique de Gandavo Doutor fo- lemne , Tem algum tocar ( à excepção de S. Boa* ventura tranfeunremente ) o ponto principal , de que fe havia íido iantificada em o ínítante real de fua animação. Tudo ifto precedeo a Efcoto, quando chegou a fua Leitura fobre os Sentencia- rios em a Diflinçaõ terceira do terceiro Livro, teatro entaõ deíla contenda. A ninguém fera difficil penetrar afublimidade,com que aqui fal- lòu Efcoto ; porque , á vifta deftes indubitáveis notandos, a fuá mente naturaliílimamente fe ex- plica, e integramente fe faz perceptivel pelo fe- guinte modo.

O ardor da devoçao,queEícoto tinha á Rai- nha do Ceo , a quem fe impunha a culpa , e a o- brigaçaô refukante daquella portentofa appari- çaõ , e beneficio recebido , o induzirão a exami- nar com a mais viva exacçao eíle tao preciofo ponto. Ponderou a intelligencia das Efcriptu- ras com juizo profundo, revolveo osEfcritos dos Santos Padres comaótiva diligencia, fondou os fundamentos contrários com ajudado exame, e ultimamente attingio a verdade defte Myfterio. Mas como a felicidade defte thefouro naôcon- fiftia em fer achado r mas também como devia fer introduzido j era para Efcoto efta huma no- va difficuldade : pois vendo de huma parte a ver- dade

Híjtoricc-Crkíca. 6 1

dadê do Myfterio , e da outra tudo o que temos ponderado ; a authoridade de hum S. Bernardo, hum Decreto doBifpo de Paríz, o da fua Uni- verfidade , e de tantos , e taõ egrégios Príncipes, feu illuftre ornamento ; defiftir, nau lho permit- tia a verdade , nem a fua devoção j introduzi-la-, refiftia-lhe a authoridade da mais celebre Uni- verfidade do mundo. Poílo Efcoto em o meyo de taes extremos , fe valeo de íubtileza para a de*- fender , e de engenho para a perfuadir.

Armou-fe primeiro com a authoridade de Agoftinho , (1) que fuppôem taõ aífentada a in- nocencia de Maria , que naõ permitte entre em difputas de peccado. Depois com Santo Anfel- rno , que concede a Maria tal pureza , que fe naõ poífa perceber mayor de Deosa baixo. Come- çou logo a desfazer os argumentos contrários com taõ rara fubtileza , que naõ os defata , fe- naõ que com elles mefmos conclue a verdade do Myfterio. Soltou aquelle difficil da Redem- pçaõ Univerfal de Chrifto , que fuftentava a opi- nião contraria , extrahindo da doutrina dos Pa- dres o modo da Redempçaõ prefervativa,e con^ cluindo com efficazes razoens , que naõ fora per- feitiíTimo Redemptor Chrifto , fe naõ houvera executado efta Redempçaõ com fua Mãy : com

. cuja

v (1) S? Aug. Jib. De NúW4 , & Cratia , circa ir.edium.

Ci ; Wjfcrttçtâ:; T

cuja doutrina abrio caminho real ^aos íeguiiltefs feculos de defender, e provar efte Myfterio.Mor ftra depois , que o modo commum deconceber- fe nao impede ao privilegio fingular. Abre o fentido da Efcriptura, e Padres em aspropofi* çoens univerfaes da primeira culpa. Manifefta> o que Deos pode fazer em aquelle primeiro in- flame natural da infufaõ da alma ao corpo, fanti* ficando a fua Mãy,para prefervá-la da culpa,q era o ponto occulto aos antigos Efcolafticos. E ao chegar a refolver, (Oh prudência admirável ! Oh fubtil arte de introduzir huma verdade , por nao entendida, defprezada, fem alterar os ânimos oppoftos ! ) põem a caufaemmãos do contrario: faz Juiz ao afFeéfco menos pio. Sendo excellencia de Maria ( diz ) o conceber -fe fem culpa , je a au- thoridade da Igreja nao o contradiz , nem a Efcri- ptura o repugna , nem a razão lhe he oppojla , nem temos contrários aos Padres ; que Catholico haverá tai limitadamente a JFeSto a efta Senhora, (]iie,pe~ zando a dignidade deMãy de Deos , nao lhe conce* daefta graça ! Meyo entre taes extremos o mais congruente , que pode imaginar a fubtileza hu- mana ; pois huma fentença com apparencias de defterráda , nem fe pode com mais fuavidade in- troduzir, nem perfuadir com efficacia mayor. Julgue agora o Leitor livre, e nao preoc-

çupado,

Hifíorico-Critica. 6 y

cupado , fe emfatisfaçaõ defte preceito de Natal Alexandre , he efte o convencido ; ou fe era coto merecedor de fer por elle taõ ultrajado? Se á vifta de hum exame taõ natural , e comprehen- fivo , era Efcoto digno de hum taõ iníquo trata- mento ? Se em taès circunftancias explicando-fe Efcoto por eíles termos , refpíra neftes o a&o prudência mais heróico ; ou o temor , e o jejum, que com tanta intrepidez lhe quiz applicar efte Dominicano í Se efte, aíFedando ler efta quen- tão fó em a concluzaõ , ou em o titulo, realmen- te quiz oftentar de todo jejuava a fua intelligerí* cia em o corpo ? Ou fe finalmente he o entendi- mento , que nelle falia j ou fe he a vontade , á que taõ obcecadamente o precipita ao prefixo termo, e determinado fim de diminuir a Efcoto a mayor gloria na defenfa de hum Myfterio , em que todos os Sábios aporfia lhe tributaõ os mais fuperiores rendimentos ? Efte foy o fim, que Natal Alexandre teve em taõ efpeciofo ar- gumentojmas também efta he a fua foluçaÕ,que, para mais plenamente fatisfazer a Natal Alexan- dre , multiplicarey em os feguintes três funda* mentos. O primeiro, eftabelecido em a humil- dade notifíima de Efcoto. O fegundo , em a fua grande fé. E o terceiro, em a fua exprefla dou- trina.

Quanta

64 'DiJfertàçàS

Quanto ao primeiro , que coufa mais fre- quente em Efcoto , que explicar-fe por termos, que exteriormente ,e ao da letra entendidos, reprefentaõ duvidas , como pode dizer-fe, parece : Poteft dici ,videtur: Logo, porque as fuás reíbluçoens eftao comrliummente modifi- cadas com eíles termos , fera licito inferir , as pro- ferio com medo , e em jejum ; ou que fe devem ter por duvidofas as fuás refoluçoens ? N"a5 Im quem naõ fayba , C ainda o menos verfado em a fua letra) que eíles termos em Efcoto faõ expli- cativos da fua incomparável modeftia , e profun- da humildade , de que eftao cheyos todos os feus Efcritos:logo,fendo efte eftylo taõ frequente em Efcoto , naõ feria intelligencia muy natural attri- buir á humildade , e modeília fua efle modo taõ fubmiíTo de fe explicar em efte Myfterio ? O cer- to he que, devendo em Natal Alexandre efta im- ponderável fubmiífaõ de Efcoto fer motivo pa- ra o admirar, lhefervio de incentivo para o morder. Naõoentendeo aífim outro mais illu- ftre Dominicano , o SapientiíTimo Fr. João de Santo Thomaz , o qual contemplando a Efco- to tao modefto , e taõ humilde em a prefente controverfia > que mais tomou a peitos , e foy feu taõ íingular empenho , da Conceição Inv maculada da May de Deos , admirado , e cheyo

de

Hijtoricò-Criiical 6$

de aflombro rompeo em eftas formaes palavras: (2) Que Efcoto , modéftifíimo Doutor , ao paf- ío que Subtiliffimo, tratou com tanta madureza,e moderação de palavras efte ponto, que deixou •á pofteridade maravilhofo exemplo.

A fegunda foluçaó he fundada em a grande de Efcoto. Efte naõfó tinha feu entendi- mento rendidamente captivo em ferviçoda Fé, crendo com toda a firmeza quantas verdades tem declaradas a Igreja ; mas, para ainda mais fe elevar efia mefma Fé, procurava, com toda a ex- acçaõ , que naõ houveíTe em fi coufa , que fizef fe menos facrl o aíTenfo á que de novo declaraf- íe. PoriíTo dizia , (j) que em matérias definiti- vas , aonde fe duvida fehuma 011 outra parte fe inclue em aEfcritura Sagrada , ou em outros articulos declarados , ainda que naoha obriga- ção de crer aparte verdadeira^ até que a Igreja a declare, deve o Varão Catholico opinar com tal temperança em o aíTenfo , que em o mefmo opinar efteja fem embaraço apercebido a ter fir- memente o contrario a feu juizo, quando a Igre- ja lho declaraífe 5 naô feja que a antiga adhefaõ ao próprio parecer faça então á verdade difficií o-aífenfo. Admiray a lacónica concifao , com que

I tudo

(2,) Joín.à S. Tfooma tom. i. in i. part. tra<3. Praeamb. de authorit.1 doàrinx D.Thomae,'difp.2." arr.i. f.His plane literis,

(3) Scot.in 4«Oxon. d.s.q. i«»n,6»verf. Adaliud de Cypriano»

66 Dijertaçao

tudo iftoenfína Efcoto : Sed antecjuam funt per Ecclefiam declaratae y & explicattf , non oportet (jitemcumcjue eas credere ; oportet tamen ( note-fe) circa eas fobriè opinari , ut fcilicet homojit para- tus eas tenere pro tempore , pro cjuo veritas fuerit deçlarata. Oh regra maravilhoíà , taô mal en- tendida por Natal Alexandre , e taô reóhmente executada por Efcoto , ainda em o ponto , que vio mais inclinado a huma parte o feu affeóto ! Em a Immaculada Conceição da Mãy de Deos digo 5 pois para nos enfinar em pratica a doutri- na , que nos havia di&ado em efta theorica, tem- perou o fervor da devoção com o zelo da Fé. Fez a fua refoluçaõ condicionada: Se nati contra- diz ( diíTe ) áauthoridade da Igreja , conceder-fe- ha ejla excellencia à MÚy de Deos. Antepondo affim fua fujeiçaô em o mefmo opinar ao próprio juizo ; porque naô foífe primeiro feu parecer, que feu rendimento : antes ao nafcer fua opi- nião , nafceíTe rendida á determinação infalli- vel da Igreja.

Perfuado-me , naõ fem fundamento , que os Sábios julgaráõ por concludentes eftas folu- çoens , refultando defte juizo , o contemplarem a nenhuma razaô, que Natal Alexandre teve, para fe lançar taô immoderadamente fobre Ef* coto em efte lugar : e quando o allucinaíTe a fua

con«

Hiftorico-Critica. 6j

condicional : Senão contradiz &c. , Tem o recuríb aprofundas reíiexoens , fe fatisfaría ; lendo-o mais abaixo , (4) aonde fobre efte Myfterio coto fe explica por eftes abfolutos termos : ±A Bemaventurada Virgem May de Deos mncafoy inimiga fita , nem em razaÕ do peccado uai > nem do Original, o teria com tudo fido, fe nao fojfe pre- Jervada : EJl ibi etiam Beata Virgo Mater Dei, qu<e minguam Juit inimica aÓíualher nec ratione peccati attualis , nec ratione Originalis jfuijfet ta- menf nifi fuijfet pr<efervata :e he efte o terceiro, e ultimo fundamento. Em eftes lugares cingio Efcoto tudo , quanto podia contribuir para íbmbro da fua fubtilifííma doutrina $ concluin- do-fe, ao mefmo tempo que Subtiliífimo , reco- mendável em tantas virtudes : em a prudência, em a humildade , e em a ; applicando a fua ul- tima doutrina para exclufaõ das duvidas , que pa- ra o futuro fe excitaflem ou em os menos inftrui- dos em a fublimidade do feu eftylo ; ou em os que , negligenciando entendê-lo , o interpretai- fem finiftramente por mal aífe&os , como termi- nantemente odiííe outro engenho mais fuperior que o de Natal Alexandre , o Illuftriífimo Am- brozio Catherino. (5) Deve logo Natal Ale-

I 2 xandre

(4) Scotus in ;.d. 18. q. unic. n. 13. verf. Aliter dicitur. li ) Ambroí. Catherin. diíp. de Immac Concept. ad Cencil. Trid. part. 1 .

6t \ ^Wijfertaçao

xa.ndre dar-fe por íatisfeito ; porque ,ce(Iando o motivo da íljra duvida, devem também ceifar efteataó efpeciofos termos do jejum-, e do me- do , que , dirigindo-fe a diminuirá mayor gloria deEfcoto, devia entender erao termos profe- ridos fem effeito; por fer condição da Águia, naõ a intimidarem eftrepitos : Non pàpet adjlre- pitus } que diíTe o Abbade Picinello. Extenden- do-fe prefentemente a mefma condição ainda aos que naõ fao. Águias em a invenção da gran- de fábula. Duas coufas feriaõ para temer em Natal Alexandre, ou afuaauthoridade, ou as fuás razoens. Quanto a eítas , o perfuadirá a fua foluçao. E quanto áquella, a intentaô al- guns de tal forte exaggerar, que nada poderia ha- ver mais para temer. Mas ta5 longe eílamos de O entendermos aííim, que diremos o porque huma tal authoridade nos naõ deve fuppeditar,: çm as leguintes Reflexoens.

RE

Hiftorico-Critica. 69

R E F L E X A M V.

Em (jue geralmente je mojlra , (jue nos ndo deve fiippedítar a authoridade de 'Natal ^Alexan- dre , por mais (jue je inculque a jua grandeza, ..

QUe poderofo attra&ívo para onoíTo af- fenfonaó he huma grande authoridade , e mais fe he a de Natal Alexandre ! Eíle he aquel- le Heróe, que o Orbe literário refpeita por hum milagre da Hiftoria. Quem logo poderá refiftir á força defte milagre í Da Hiftoria diráõ , ou condecorada dos feus accidentes ? ou contempla- da em fi quanto á fubftancia. Quem como Na- tal Alexandre exornou a Hiftoria em os feus ac- cidentes , em a viveza das expre/Toens , emr a natural energia das frazes , em a profundida- de dos conceitos , em a agudeza dasfentenças, ufando do hyperbole fem desfigurar a verdade^ do rapto da imaginação fem malquiftar a integri- dade do juizo , fem que a elevação da penna dif- ficultaíTeem parte alguma aos ignorantes a intel- ligencia. Naõ fendo ? dizem , menos admirável quanto á fubftancia da Hiftoria; pois,fo.bre a uni- yerfalidade de noticias ,.divifaõ alguns nelle hum

amor

7 o Dijertaçafi

amor grande á verdade, fem que refpeito al- gum o acobarde ; hum efpirito comprehenfi- vo, fem que a multidão deefpecies o confun- da j hum génio methodico , que as ordena ; hum juizo fuperior , que fegundo osfeus méritos as qualifica $ hum engenho penetrante , qus en- tre tantas apparencias encontradas difcerne os caminhos legítimos da verdade dos adulteri- nos.

Se applicarmos a coníideraçao ás fuás Obras, gemeoaTypographia com a fua multidão ; nao fendo menos admirável a acceleraçaõ , com que as produzio, verificando-fe da fua penna , que cm o papel nao corria , mas voava. Diga-o a rapidez , com que fahio á luz com os primeiros Tomos dafuaHiftoriaEcclefiaftiça, que com- prehendem 01.2,5.64. feculos. Os que con- tém o 5. 6. 7. 8. 9. e 10. feculos , os formou em três annos , dando-lhe principio em o anno de jÓ78.,econcluindo-os em o anno deió8i.,'e foraÕ fette Tomos , íeguindo efta mefma brevi- dade em a compofiçao da fua Hiftoria em os íèguintes feculos ; cuja celeridade he applica- vel ás fuás mais Obras , que alguns reconhecem dignas de muitos louvores. Tudo he vifivel, e fe infere do que deíle erudito fe diz em o Tomo terceiro da fua Hiftoria Eccleííaílica,

aonde

Hijtoricb-Critica. 7 1

(6) aonde fe lhe attribuio o dito de hum antigo Poeta.

Potuit fulmen meruijfe fecimdum. E fe pode também ver em o elegantiífimo Elo* gio , que lhe faz o incomparável Honorato de Santa Maria. (7)

A que gráo de grandeza fe naõ eleva efla taõ grande authoridade , fe fe contempla unida á efpeciofa pompa das Hiftorias , que collocadas antes em o altar da Fama ; naõ femaífombro fe virão depois profternadas por terra por benefi- cio da Critica ! Que exemplos defta verdade naõ tem dado a Hiftoria profana, reputando por cou- fa inconcuífa, que a caula da guerra de Troya fora o rapto de Helena, executado por Paris, filho de Priamo , e a refiílencia que fizeraõ os Troyanos a entregá-la a feu marido Meneláo. Em cujo fado fuppõem a opinião commua, que Helena viveo com Paris em Troya todo o tem- po, que durou aquella guerra. Mas iílo , que muitos tiveraõ por certo , padece hoje huma grande duvida; pois nega Heródoto que He- lena haja eftado jamais em Troya , ainda que confeífa o rapto de Paris. E Sérvio naõ nega que Helena haja eftado em Troya , mas também

que

(6) Nar.Alcx.Hift.EccIc/. tom.3.7» Elogio fíijferico P.Nat. Alcx. Editionc z..LucaB 1749. (7) Honorat. parei. pag.65. & 105.

72 , Dijertáçafi

vque haja fido occafiaõ daquella guerra ; pois diz que efta nafceo da injuria , que fizeraõ os Troya- nos a Hercules, naõ querendo admittí-lo quando hia bu içando a feu querido Hylas.

Que celebrados naõ tem fido os amores de Dido ,e Enéas, taô decantados por Virgílio ! E com tudo, fe fe confultarem os mais eruditos Chronologiftas , fe achará que , lançadas bem as contas , a perda de Troya , e a viagem de Enéas foy anterior mais de duzentos annosá fundação de Carthago , feita pela Rainha Dido. Que fa- migerado naõ tem fido o Labyrintho de Gretai -E ainda ,dando-fe por taõ certo, he hoje mais provável que naó houve jamais tal Labyrintho, .como affi rma o Doutiííimo Prelado Pedro Da- niel Huet , o que também fe infere do que diz Plinio. A fundação de Roma , feita por Rómu- lo , parec e aíferçaõ inconteftavel $ e com tudo Jacobo Hugo,em o feu Livro Vera Hijloria Ro- mana, o nega. Também o fuppunhaõ filho de huma Virgem Veílal , e he engano ; porque o inftituto das Veftaes foy eílabelecido por Nu- ma Pompilio, que reynou depois de Rómulo. Que vulgarizado naõ he o fucceífo de Sexto, filho de Tarquinio, com a formofa Lucrécia; em cujo infulto commummente fe fuppõem houvera violência rigorofa ! E a verdade he , que

naõ

Hiftorico-Critica. 7 j

houve violência propriamente tal , mas fim deílreza ; aíTim o referem Tito Livio , e Diony- zio Halicarnafeo. Como coufa confiante fe cm as Hiftorias, que alguns Príncipes intentarão a communicaçaõ do Mar Vermelho ao Medi- terrâneo pelo Nilo , e onaõ confeguiraõ ;porq, fupporado que o Mar Vermelho eftava mais alto que o Mediterrâneo, temerão inundaíTe ao Egy- pto : mas, interpondo-fe o exame, fe conclúio fer imaginário eíle temor, e aquella fuppofiçaõ fal- ía;porque,pela leitura de alguns antigos Hiíloria- dores, fe achou, q em tempos antiquiííimos efFe- Vivamente houve o dito canal de comunicação. Logo fe tantas Hiílorias , reputadas ao principio por verdadeiras , fe conhecerão de- pois ferem falfas ; porque em o numero de- ilas naô poderá entrar aquella Parifienfe Hi- íloria, ainda que por tempos taõ dilatados a refpeitaífem tantos por verdadeira j feguindo- fe a eíla poífibilidade a authoridade formidável de hum taõ grande homem , como Natal Ale- xandre , que affim o affirma ? Logo fera repre- henfivel em nós , julgarmos por fabulofo aquel- le Triunfo, porque o diffe Natal Alexandre ? Refpondo que fim : e fimilhante aífenío naõ po- de em vós ter outro nome , mais do que hum cri- minal, e errado precipício. Com os indoutos

K Mo,

74 Dijfertaçatí

fallo , pois nao haverá Sábio , que a huma adhe- faô tal naô forme contra vós efte , ou fimilhante argumento : Natal Alexandre , em o que diíTe, podia errar, ou naõ ? Se dos homens he o errar: Hominum efi errare , poderá alguém negar em Natal Alexandre efta pofíibilidade? Logo, fe eíTa fua authoridade toda o naõ extrahio de fer ho- mem , nao podia Natal Alexandre errar com to- da efla fua authoridade ? Natal Alexandre, affim como podia errar, podia também acertar ; mas tudo ifto he contingente : e quem de hum an- tecedente , que he contingente , jamais inferio hum confequente certo, infallivel , e neceíTario? Logo efte aíTeníb taô certo nenhum outro no- me pode terem vós , mais que hum criminal , e errado precipício. O que he igualmente appli- cavel a toda eíTa multidão de exemplos, e a ou- tros muitos mais , q facilmente poderíeis allegar. Concedo-vos, que efte Triunfo de Efcoto po- deria fer huma hiftoria fabulofa ; mas defta poífi- bilidade precifamente fenaõ fegue que aólual- mente o feja, como de fi he evidente.

Houve quem diíTe , que a verdade hifto* rica era taõ impenetrável , como a philofophica; porque fe efta eftava efcondida em o poço de Demócrito, aquella eftava enterrada em o íè- pulchro do efquecimento, jáoíFufcada com as

névoas

Hijtorico-Crhíca: j 5

névoas da duvida , retirada ás cofias da fábula: tomando difto alguns occafíaõ , para fe naõ fia- rem das mais conftantes Hiftorias ; e outros valor para impugnar as mais irrefragaveis noticias. Pois íabey , que o queemeftes he audácia , naquelles he defconfiança. Emifto, como em tudo, nem ha de haver carta de mais , nem de menos. He dizer-vos, que nem de tudo feja defconfiar, nem também confiarem tudo. Seguir o caminho do meyo , que he o mais feguro : Médio tutijjimus ibis* Naõ confiar tanto em a authoridade , que, por mais elevada que feja a doutrina do que es- creve , e remontada a ília fantidade , naô nos ha de logo precipitar, nem prevenir. He doutrina expreíTa de Santo Thornaz , referindo-fe a Santo Agoftinho : Vnde dicit Augujlimis in Epiftola Hieronymwm Solis Scripturariim Libris, qui Cano-' nici appellantur , didici hunc honor em de ferre , ut nullum AuCíorem eorum infcribendo errajfe aliçuid Jirmijftme credam. AUos autem ita lego , ut quan- tâlibet fanoíitate , dooírinãcjue pr<epolleant , non ideoverum putem , cjuod ipfi ita cenferunt, &fcri~ pj&úmt. E porque S.Jeronymo, contemplando aos Efcriptores como homens , naõ difle que podiaõ errar, mas que errarão: (8) Seio me ali* ter habere ±ApoJlo/os7 aliterrelicjuosTraã ateres:

K 2 ifíos

(8) S. Hieronym. Epift.62.ad Theophil.

7 6 D/JertaçaÕ

il/os Jemper vera dicere ; i/los inquibitjdam ut fio- mines aherrare ; demonftraremos verifícar-fe tu- do em Natal Alexandre , nau a poffibilidade, mas também a anualidade , que lhe conrefpon- de ; naõ o poder errar, mas que errou anual- mente, taõ craflamente, e fem defculpa , como, paramayor defengano voíTo , e plena fatisfaçaõ da Reflexão prefente, o diráõ melhor as feguin- tes Reflexoens.

REFLEXAM VI. Sobre aauthondade delatai Alexandre contem- plada em particular.

DEfendendo Natal Alexandre, contra Lau- noio , que Santa Maria Magdalena apor- tara em Marfelha , fundado em a tradição Galli- cana dos meítnos Provencianos , diz aííim : Que o que o impellio a feguir efta parte , fora a fua índole , abominadora da novidade , unida ás cir- cunftancias de Theologo Catholico, e Religio- ío , que deve naõ deftruir , mas fim feguir as tra- diçoens dás Igrejas, quando delias fe trata; e que nem para outro fim julgava fer-lhe conce- dido por Deos o talento de efcrever. Ouvi as fuás formaes palavras , referidas por Cupéro em o lugar infra citando : H as partes, ut jufc/perem,

diz,

Hijhrlco-Crhicct. 7 7

diz , effecit ahhorrens a novitate Índoles , & cjiiod Catholiàyac Religiofi T heolegi Qjjicium ejfe duxe- rim , traditiones Ecclefiarum , ubi de illarum ovi- ginibus agitar , Jequi patins, quam evertere :::: non enim in deflruãionem , fed in adijicationem ta/en- tum (jualecamqaefcribendi a Deo mihi collatum ar- bitror. Pode dar-fe proteílo mais Catholico , e religiofoque efte ! Mas contra elle eftará fempre clamando , o que o mefmo Natal Alexandre pra- ticou em a Conftituiçaõ de Clemente XI., que principia: Unigénitas Dei Filius , appellando del- ia para o futuro Concilio. Ouvi agora, confir- mando tudo , ao citado GuilJielmo Cupéro , da inclyta Companhia de Jeíus : (9) Utinam Nata- lis ex animo iddixifet , O* indolem ã novitate àb- horrentem femper conjervajfet , talent isque Jibi a Deo conceffis ad Eccleji<e cedificationem njits Jiiif- jetlTunc certe aConJlitutioneClementisXl .}qutf incipit: Unigénitos Dei Filius, adfiiturum Conci- Jium non appellajfet.

E fera ifto cara&erizar-fe de huma indole abominadora da novidade ? Ifto he edificar, ou deftruir l He ordenar ao feu devido fim o talen- to , que Deos de efcrever 5 ou defordená-ío para o fim , que Deos o naõ dá? Finalmente, he íèr Theologo Catholico, e Religioíb appelkr de

huma

(9) Guilliclraus Cuper.fupcr A&a SJacobi Maioris pag.75^ [&i 3 !•

7& Dtjfertaçdo

huma tal Conílituiçaõ para o futuro Concilio? Logo da authoridade de Natal Alexandre nao fe verifica a poííibilidade de errar, mas tam- bém o adio, que lhe conrefponde, porque adual- mente errou. Dous erros commetteo aqui Na- tal Alexandre , hum comoCatholico , e o outro como Critico. Errou como Catholico , por íe oppor por eíle modo á noíTa Primeira norma di- rectiva , e vifivel da noíTa , que he o Summo Pontífice , havendo-fe em eíla Conílituiçaõ co- mo Supremo Paftor, e definindo exCathedra. Errou como Critico , traulgredindo huma das regras , que a Critica prefcreve j e he , que em o efcrever haja fumma candura , e inviolável fide- lidade, incompatível com huma fimilhante índo- le : (10) Prteterea tradit Critice pr<efeferendi::: fiunmum candor em , atque invloídbilem inomnibus Jideíttatem. Continuemos em o exame deíla au- thoridade.

Pertendem alguns Authores provar , que aos Apoftolos impuzera Chrifto o preceito de íè deterem em Jerufalem por efpaço de doze annos , contados defde a fua morte > o que deduzem de hum Livro , intitulado : Pre- gação de S. Pedro , e diz Natal Alexandre, que elle ignora , de que Pedro fofle efta Pregação.

Logo

( lo) Honorat. part.rDiiTerM.pag.79.

Hiftòrico-Critica. 79

(11) Logo he evidente , que Natal Alexandre ignorou que a Pregação de S.Pedro era hum Livro apochrypho;attribuido a S. Pedro Prínci- pe dos Apoftolos defde os primeiros feculos da nafcente Igreja. Ignorou que difto mefmo fize- raó antigamente menção Eufebio Cefarienfe, (i2)e S. Jeronymo, (15) o qual diz que a Pre- gação de S.Pedro he o terceiro Livro entre os apochryphos , publicados em nome do Príncipe dos Apoftolos. Devendo-nos admirar ainda mais , que Natal Alexandre também ignoraífe o que fobre efte mefmo ponto diíTeraó os Hifto- riadores dafua mefma Ordem ; pois defte mefmo Livro faz menção Sixto Senenfe , da Cherubica Ordem dos Pregadores. (14) E Paulo Miner- va da mefma Ordem. (15) E como em matéria de Hiftoria fejao todas eftas ignorâncias , neftas pode Natal Alexandre, como Hiftorico taõ iníigne ,ter alguma defculpa.

Mas para ainda mais fe elevar a noíTa admi- ração , naõ teve Natal Alexandre eftas igno- râncias como Hiftorico , padeceo-as também co- mo Critico. Leo Natal Alexandre efta noticia

em

(1 1) Nat.Alex.//(/?.JEfc/e/.raec.2.cap.7.art.7.íi,i.pig.5o5;

(12) Euícbio Ccíar. lib.3. HiJl.Ecclefx*p.$. (1 ?) S. Hieronym. in Catalog. Scripw. Ecclef. ( 1 4) Sixt.Scncní. in BWliotbeca Satifta lib. 2. vcrb. Fetrus dpqftolus } pag. 3 1 . mihi. ( 1 5) Paul. Mincrv. in Libcllo Apoçhrypho vcrb. Petrijípofloli Pr&àiçutio, pag.8g.mihi.

So Dijertaçati

em S. Clemente Alexandrino , (i(5) pois o cita, e naõ em o Livro da Pregação de S. Pedro, don- de Natal Alexandre fuppôs havê-la o Santo ex- trahido , e trasladado , o que evidentemente ar- gue nelle huma grande ignorância da Critica: porque ,a valer-fe defta , certamente concluiria, que S. Clemente Alexandrino naõ naõ tras« ladou , e extrahio taes palavras do Livro da Pre- gação de S. Pedro ;mas que as naõ podia o San* to extrahir, e trasladar para o feu Livro fexto, por ferem palavras poíleriores áílta morte mui- to mais de çem annos ; por quanto, morrendo S. Clemente Alexandrino em oanno de 220., em o tempo de Eufebio , que falleceo em o an- uo quadragefimo do quarto feculo , íe naõ liaõ emas Obras deíle Santo eftas taes palavras , nem S. Clemente Alexandrino ufou jamais de hum fimilhante teílimunho , como neceíTariamente íe collige das palavras de Eufebio Cefarienfe: (17) Lihrum vero, diz , cjiil *Aâtus Petri dicitur, & EvangeUum ejus nomine injcriptum > Predica- tionh quoque > C2* Revelationis ejufdem libros pro Catholich fcriptis nuncjiiam ejfe hábitos conflat : quandoquidem nec vctaliorum cjiiifcjuam , nec recen-

tiorum

(\6) SiClemens Alexandrín. inlib.6. Aromatum , exiftcnte in Bí- bliotheca PP. editionis Aniflionianac an. 1697. tom.5. pag»1?^* (17) Euíeb.Gcíar. cie. \ifo$*WJk Ecçief. cap. 5.

Hijlcrico-Crkica. 8 1

twrum Ecclefite Scriptorum defumpto ex tis libris tejiimonio ufusfuit.

De cuja doutrina eftaõ naturaliflimamente pullulando os dous feguintes argumentos. O primeiro : Nenhum Efcritor Ecclefiaftico ufou do teftimunho , tomado da Pregação de S. Pe- dro } como attefta Eufebio ; S. Clemente Ale- xandrino foy Efcritor Ecclefia-ftico, como nin- guém negará : Logo S. Clemente Alexandrino naõ ufou do teftimunho , tomado da Pregação de S. Pedro. E o fegundo : Eftas palavras , tras- ladadas ao Livro fexto de S. Clemente Alexan- drino , foraô pofteriores á íua morte mais de cem annos ; como confiados tempos /em que vivea o Santo ; e morreo Eufebio : Logo eftas palavras foraõ intrufas. Efte confequente he taô eviden- te , e infallivel , como he infallivel, e evidente (feclufâ Divina vir tvte) o naõ poder S. Clemen- te Alexandrino efcrever eftas palavras depois de morto. Logo íe foraõ eftas palavras intrufas, naõ eftá naturaliflimamente exigindo a mefma Critica o perguntar por quem ? E a Natal Ale- xandre naõ ignorar tanto, lhe naõ feria difficií fufpeitar , fora pelos Montaniftas , dos quaes at- tefta Santo Epifânio , (18) que eraõ addi&os ao cfpirito do erro , e da fabuloíídade 5 ou por ou-

L tros

( 1 8) S. Epiphanius contra hacrefim 48,

22 Vyfçrtãçctò

tros herejes antigos., -dos quaes Santo Ifídoro Hifpalenfe diz : (19) Tanta ejl H<ereticorum caU Hditas ,ut f alfa veris ,bona(jue malis permifceant: faíutaribustjue rebus pkrumcjue erroris fui vinis in* tèrferunt , (juofacilius pojfint pravitatem perverji áogmatis fubfpecie perfuadere veritatis. Ou final- mente poderiaõ eíías palavras ferintrufas pelas Ebionkas, dos quaes Santo Epifânio terminan? temente refere •• (20) \J tuntur autem & aliis libris, nimirum circuitionibus Petri appellatis , per de- mentem jcrtptis , multa corrumpentes in ipfis , & pauca vera relincjuentes. E mais abaixo continua a dizer dos mefmos Ebionitasifrâ^jg in circuitio* nibus totum in Jèipjos tranftulerunt , menticntes contra Petrutn multis modis. Affim falia Santo Epifânio dos Ebionitas , dos quaes diz também Dupin , fer legitimo parto feu todo efle Livro, intitulado Pregação de S. Pedro. Mas de tanto exame íe exímio Natal Alexandre , que ainda que mereça fe indulte , por humildemente con* feíTar ignorara de que Pedro fofle efta Prega- ção } fempre foy para vos perfuadir, que , ain- da que tao Sábio , era de huma tal authoridade, .da qual naô fe verificava a poffibilidade de er- rar j mas ainda mais , que era errar a&ualmente,

como

(19) S.Ifidor. Hifpal.Iib.?. de Sum.Bottõ,c*p*il, Semente (xo) S.Epiphan. contra Hxrçfim 30.

Hijtoricò-Crhica. 8 $

como mais amplamente o dirá a feguinte Re- flexão.

REFLEXAM VIL

Sobre a me/ma Authoridade de Natal Ale- xandre.

SObre hum lugar do Commentario, que S. Julião , Arcebifpo de Toledo , fez ao Profet a Nahum , (21) aonde ,fallando o Santo fobre a pregação dos Apoftolos, diz: IJti ergo pedes D o mini fuerunt , (jni eum pnedicando per univer- Jiim mundum detulerunt. Petrus enim chm Roni<ef •Andreas Achaiam,Joannes Afiam,Philippus GaU liam, Bartholomteus Partkiam } Simon Mgyptum f Jacohus Hifpaniam , Thomas Indiam, Mattfueus JEthiopiam^ndas Tfiaddteus citm retulit}Mefopotar miamj acobus Alphíci chm retinuit,Hierofolymam, quifcjuefuâ forte Chriftum fpargit Jineforde , per Pauliim vero totó dijpergitur Orbe , nota Natal Alexandre , (22) que efte Commentario naõ lie Obra de S. Julião , mas muito mais moderna , o que prova, por fe acharem nelle dous veríbs, a que o nome de Leoninos:

L 2 Quif*

(ir) S. Julianas in Máxima Bibliôtheca Patrum editionis Anifiio naruc tom. 12.. pag. 64$. H. (zz) Nat. Alex, tom.l.fec«i. Difíerc. 1 Propoí. 1. pag, 1 59, mihi«

$4 Díjertaçai

Qtiifjuefuâ forte Chriftum jpargit fine for de.

Per Pau/um vero totó difpergitur Orbe. Quanto ao que Natal Alexandre prova,fuppõem muito mal de que aquelles fejaõ veríbs Leoni- nos ; pois o primeiro nem he Leonino , nem he verfo j porque em terceiro lugar tem jambo em lugar de fpondeo , ou dá&ilo. O fegundo , pofto que feja verfo , naõ he Leonino. Talvez que S. Julião efcreveíTe o primeiro verfo affim:

Ouijcjiih forte fuã Chrijlum fpargit fine forde-, e depois por erro , ou incúria do Typographo, appareceria aííim corrupto : Quifjuis juâ forte &c. Mas nem ainda por eíle modo fe conclue fer verfo Leonino ; o qual , fegundo Scaligero, (25) he aquelle , cuja cauda conrefponde ao ven- tre , como nefte :

Vir precoruxori , fr ater fuccurre for ori. E fobre efta fuppofiçaõ fer tao falfa , o que da- qui infere , he indigno de fe ler ; porque dado , e naó concedido , que foíTem aquelles verfos Leo- ninos , defte antecedente, nem ainda o mais principiante Lógico, ou inferior erudito , infe- riria que aquelle Commentario era Obra mui- to mais moderna que S, Julião , o que fe demon- ftra com a rcuyor evidencia. No mefmo tempo, que em Hefpanha viveo S. Julião , viveo em In- glaterra

(l \) ScAliger. lib.i Poéticas cap.z,^

Hijiorico-Criticct. 8 5

glaterra o Venerável Beda, que morreo dezan- nos depois delle , e em o íeu Epitaphio fe efculpido efte celebre veríb Leonino:

Hac futit in fofa Bed<e Venerabilis ofla. Mais antigo que efte Venerável, queS.JuIiaô, e ainda que S. Jeronymo,foy FeftoAvieno,e em a defcripçaõ da terra efcreve verfo Leoni- no:

Belligeratorum genitrix memoranda virorum. E mais que todos he antigo Ovidio , de quem he aquelle verfo :

Si Troy<e fatis aliquid rejlare putatis. Logo dado , e naô concedido , que aquelles fo A fem verfos Leoninos , da fua compoííçaõ falia- mente fe infere fer mais moderna, que a que fez S. Julião. Em o que neceífariamente fe con- cluem dous erros contra Natal Alexandre $ hum em a Arte Poética , e outro em a Hiftoria.

Em efte mefmo lugar falia S. Julião fobre a pregação dos Apoftolos , affignando a cada hum delles o feu deftino , a Filippe a França , e a S. Thiago Mayor a Hefpanba : Phi/ippus GaU UaminJacobusHifpaniam. Sobre o que Natal Alexandre diz , (24) que S.Juliam tanto podia errar em S. Thiago , como em S. Filippe , do qual fem fundamento affirma que pregara oE-

vangelho

(14) Nar; Alex. m DiíTerr. cit;

DiJertaçaÚ

vangelho em França -.Tamerrare potuijfe , diz, Santtum Ju/ianum in S anato Jacobo , cjuam in San* ão P/ii/ippo lApoJlolo , (juem in Galliis praedicajfô Evangeliiim abfcjue fundamento ajferit. Duascou- fas diz aqui Natal Alexandre, huma refpeito de S. Thiago,e outra em ordem aS. Filippe. Em a primeira , nega a probabilidade da fua Prega- ção em Hefpanha j (25) em a fegunda diz maisj porque naõ íb nega a probabilidade , mas tam- bém affirma fer pofitivamente erro , denotado aííim em as palavras : o que affirma fem funda- mento : lAbfque fundamento ajferit. Logo inten- tou Natal Alexandre excluir a probabilidade da Pregação de S. Thiago em Hefpanha pela naô Pregação de S. Filippe em a França. E como o exclufivo formal da probabilidade feja fomente a certeza, legitimamente íe fegue , que o naõ ha- ver pregado S. Filippe em França, para Natal Alexandre era coufa tida por certa ; o que he huma grande falfidade , e por tal a convence ou- tro Francez, incomparavelmente mais illuftre que Natal Alexandre , e he o Sapientiífimo e II- luílriffimo Pedro da Marca , Arcebifpo de To- Ioíà , e depois de Pariz , e o perfuade com muy folidas razoens. Eílabelece a primeira fo-

bre

(25) Nat,Alcx.loC| cit»

Hijtorico-Critica. ty

bre hum antiquiííimo Livro de Santo Ifídoro, do que extrahe as feguintes palavras : Hisadjun- gendtt putavi tejlimonium vetuflijfimi C odieis ma- mtfcripti ex Bibliotheca Sanai Germani Parijien- /is y in (juo ijte traãatus ante oâiingentos annos deferiptus , una cum aliis ejujdem Auoíoris tibris, continetur ; ubi antiqua leãio dijertijfime pr<efert Vhilippum Gallis pr<edicaj)e , cjuemadmodum cap. 8 2 . habetur , Ga/liam illifuijfe aJJignatam. A efte lugar le oppôem alguns , dizendo fer intruíb » por fer mais recente que Gregório VII. Mas he inftancia, que naõ merece alguma attençaò; pois achando-fe efte Livro eícrito antes do anno de Chrifto de 8$8. , como podia Termais recente que Gregório VII. , fendo efte eleito Summo Pontifice em o anno de 1073. ? Logo, fegundo boa Chronología , naõ merece attençaõ alguma efta inftancia.

Funda a fegunda razão efte Illuftriííimo Prelado com Freculfo, citado porMalmeshu- rienle em as palavras feguintes , que diz as tranf- crevera do dito Livro de Santo Ifidoro cap. 78, Apud utrumejue enim legimus , Philippum Gallis pr<edicaje Chri/lum , barbarasejue gentes , vicinas- que tenebris , Cf tumenti Oceano conjunãas, ai Jcienti<e lucem , Fideicjue portum deduxijfe. A efte lugar fe oppôem Baronio , ( e outros , que de- pois

88 Tiijertâçái

pois delle o feguiraõ ) traduzindo efta palavra Ga/los em Gaiatas Afiaticos , e eftes foraõ , diz o Eminentiílimo Cardeal, aos que pregara S. Pau- lo. Mas efta traducçaô (diz aquelle Illuftriííimo Arcebifpo ) he fem fundamento , por fer huma interpretação voluntária j e em efta refpofta tem efteDoutiífimo Prelado dado frua foluçaõ muy concludente. Mas, para elucidação mayoriua, additarey , que em huma traducçaô tal commet- teo o Cardeal Baronio naó menos que dous erros Hiftoricos , hum contra a Aftronomía, e outro contra aGeographia.

Concluamos o primeiro. Naõ falia em ef- te lugar dos Gallos de qualquer modo, mas de- terminada, e precifamente dos Gallos vizinhos ás fombras , e conjunótos ao embravecido Ocea- no : Barbaras(jue gentes , vicinasque tenebris , ©* tumenti Oceano conjunóías ; e eftes foraõ os Gal- los , aos quaes pregou S. Filippe , conduzindo- os á luz da fciencia , e porto da Fé. Naõ pregou S. Filippe em efte lugar, defignado por Santo Iíídoro , aos Gaiatas , ou Galo-Gregos , deriva- dos defte nome Galatta , ou Galo-Grecia , aíílm chamada pela mixtaõ deitas duas Naçoens , fe- gundo Fr.Diogo Ximenesj(z6) pregou aosFran-

cezes

(i£) Fr. Didacus Ximencs Alcant. Lcxicon verb. Galatta»

Hifterico-Critica. 8 9

cezes fem efta mixtaõ , aos Francezes Cel- tas, (27) e a eftes juntos ás fombras , ou a noite, que tudo fignifica efte nome tenebr<e, fegundo Bento Pereira. Quaes pois faõ et* tas Gentes vifinhas ás fombras , ou ao Occafo, depois do qual fe fegue a noyte ; faõ os Gaiatas, ou Galo-Gregos j ou faõ os Gallos fem mixtaõ alguma, puros, e legitimamente taes ? Saõ os Gallos para a parte , donde o Sol nafce , que he aonde fe terminaria a voz de Santo Ifidoro , que fallava de Hefpanha ; ou os Gallos para a parte do Occidente , viíinhos ás fombras, ou á noite,» ou ao Occafo, onde o Sol fefepulta? Logo efteseraõ os Gallos, de que precifamente falla- va Santo Ifidoro. Do que fem hefitaçaõ alguma fe conclue o erro em a Aílronomía , que por tal traducçaõ commetteo o Cardeal Baroniorpor fer evidente , que entre taescircunftancias naõ falla- va Santo Ifidoro dos Gallos da Galaria, vifinba aBithinia na Afia Menor, hoje chamada Nato- lia, e pofta ao Oriente ; mas fim dos Gallos pu- ros , que , como vifinhos ás fombras , fao total- mente Occidentaes. O que ainda mais fe confir- ma, fe ás expre fiadas palavras de Santo Ifidoro additarmos as que o mefmo Santo lhesimio:

M Et

(27) Perzonius de Antiqnit» Nationis , & Ungtt* Celt.fi<zeGaliic. iniz. 170$.

90 Dijertaçaâ

Et tumenti Oceano conjunEtas, e conjuntas ao em- bravecido Oceano. Eílas gentes vifinhas ás fom- bras , e conjuntas ao Oceano , quaes faõ ? Sa5 os Galo-Gregos , onde o Oceano nao fe naô embravece , mas ainda nem jamais correo, nem corre ;ou faô os Gallos , que o confinaô , como osdaGafcunha, Bretanha , e Normandia? Ena o he efte hum patente erro em a Geographia,a que viíivelmente reíiíle eíla traducçaõ de Baronio? Pois fe efte Cardeal , fendo tao douto , erra em matéria de Hiftoria , como em eíla naô errará Natal Alexandre, diftando tanto daquelle Sábio? Vencidas as difficuldades oppoftas aos lu- gares , com que eftabeleceo a fua fentença efte grande Prelado , continuando outros , que ama- yor brevidade preciía omittir , coroa finalmen- te eíla fua fentença com o Livrinho , (28) do qual diz tranferevera Santo Ifidoro todas eftas coufas em o feu Livro , (29) e deduzindo-o de hum ,e outro, conclue afíim: His adjungendum putavi tejlimonium vetu/iijjimi C odieis manujcripti ex Bibliotheca Sanâíi Germani Parifienfis , inquo ijle traSiatus IJidori ante oSíingentos atjnos def- wiptu$,ima cum aliis ejufdem ^Auâíoris libris}conti- netur ; ubi antiqua leotio difertiffime prxfert , PM-

lippum

(28) Libell. \n Híeronymiano Martyrologio M*S. (Z9) S.Ifiior. libJe Fatribus Nowi Teãam.

Hijtoricò-Critica. 9 1

lippum Gallis praedicajfe , cjuemaãmoâum cap. 82. hobetur y GalTiam illi fuijfe qffigtwtam. Eílas em fubftancia forao as razoens, com que efte Sapien- tiíTimo e Uluftriffimo Arcebifpo fez tao folida- mente provável , o haver S. Filippe pregado em França. Logo feefta fentença he taõ provável, como Natal Alexandre a Tua contraditória por certa? Se com a probabilidade he incompa- tível a certeza, pois eftaa exclue 3 porque fe nau reputará por fundamento grave affirroarrnfts Jj que Natal Alexandre ignorou toda efta probabi- lidade ? Logo, pela regra de maiori admimis, fe o concluimos ignorante em a coufa mais eíTencial da França , qual he a Pregação de hum Apofto- lo ; porque naô temeremos, com razaõ mayor, que elle padeça a mefma ignorância em couía tle menos confideraçaõ , qual he efta do Triunfo de Efcoto? Defenganay-vos logo de vos entrega- res com tanta precipitação á authoridade 5 por- que poderá em vós fer erro efla nimia precipita* çaõ.

Mas quando tudo ifto naõ feja capaz de vos perfuadir ; perfuada-vos a mefma França. Falle por efta o Abbade Lenglet , o qual , efcrevendo de Natal Alexandre ; (30) delle diz ; que tivera

M 2 ain-

(jo) Abbade .LmgkuMettod* pour t tuàkr l* //(/?{>irf,tom.3.pag,

101.

5? 2 Dljertaqcio

a infelicidade de abraçar frequentifTimamente a deterior parte. Affim operfuadem as determi- naçoens da Apoftolica, a qual, tendo por cer- to fer Conftantino bautizado por S. Silveftre, prohibio aDiíTerraçao de Natal Alexandre fo- bre a negação defte Bautifmo , e o Propyleo de Papebrochio , pelo haver feguido > como fe po- de ver emomefmo Natal Alexandre (i) Naõ fe limitando a Apoftolica a efta demons- tração; pois defagradandoa Innocencio XI. mui- tas coufas , que em a fua Hiftoria Ecclefiaftica ef- creveo efte Author, naõ lhe prohibio mui- tos Livros da meíma Hiftoria; mas também man- dou que foflem entregues ao fogo, como re- fere o Doutiílimo D. Manoel Caetano de Sou- fa. (2) Julgay agora , fe he mais para feguir , ou he antes para temer huma authoridade defte ca- ra&er. Efta confideraçaõ abforbe tudo mais, que fe poíTa dizer fobre efta authoridade , que em outra infpecçaõ , a eftarmos pelos expref- fados elogios , naõ deixa de ler grande.

Nem a minha intenção tem fido deprimir a efta authoridade deforte , que naõ tenha lugar a, veneração , que lhe for devida. Da indevida he que unicamente fallo, e para a depor care- ce

(i) Nat. Alex. Scbol. i. ad calcem DiíTerr. 14.' (2,)D.Êrnnnn.Caet.de Souíain DiJJert* HijUr. part.j. felt.l? Af- fere, 5 *• & feft. 4. AíTert,57.

Hiflcricò^Crhica. <, j

ceque asminhas provas declinarão ao extremo oppoílo á moderação, que proteftey, e protefto. Mas em a realidade naõ he affim , eftando em a regra , que naõ ignoraõ os Sábios : Via devenien- di ad médium efi alicjiialiter decíinare ad aherum extremum. Refpeite-fe fim a authoridade , mas tema-fe fempre feguí-la fem exame , como difle o Grande Honorato •• (j) Qitandocjuidem nemo unuseft ,(jui dere Hijtorica allucinatus non fxie- rit. Ém o que coincide o egrégio Theologo Melchior Cano , (4) aíTeverando , que nenhum dos antigos Padres houve , que algumas vezes fe naõ allucinaífe, por mais erudito, e Santo que foífe : Nul/um inter V éteres Tatres ejfe, cjuan* tamvis erudítum <& Sanóíum , (jui non interdum aU hcinetiir. Em cujas expreflbens evidentemente fe manifefta , que o efpirito , que me inftiga , naõr he o da difcordia , he fim o da verdade, q me im- pelle a dizer-vos q deixeis extremos, q faõ vicio- fos, procurando a virtude , q confifte em o meyo* Naõ dar tanto credito ao que fe diz;fó porque íe diz;ifto he extremo , e muy viciofo. Devem pri- meiro fer examinadas as razoens do q fe diz , e fe forem folidas , o dar-lhe credito , fera virtudej e o naõ crê-las , vicio. O contrario diíta argúe

huma.

O) Honorar. parr.i. DiíTert.7. pag. 6oy. 8c 608. (4) Meich, Canus dg Loçis Theobg, Jib. 7. cap. 3,

94 Tfijertaçafi

luima mo ordinária grandeza depreoccupaçoes, e prejuízos-, 'que a diííipá-los unicamente tende âprefente Reflexão, fervindo-lhe de matéria efía Alexandrina authoridade , que taõ rapida- mente vos precipita.

R E F L E X A M VIII.

Sobre a Critica , ejpecialmente em o Reyna de França.

ATégora todo o noíío intento foy remo- ver de vós a nimiedade praticada em crer a Natal Alexandre : prefentemente entra outro excedo febre a Critica , efpecialmente em o Reyno de França , em vós igualmente cri- minavel. vejo que efte he hum fagrado } que quereis toque nelle o refpeito ; mas efte he o excedo , que eu a&ualmente vos crimino. Di- zey-me : fera jufto que eu julgue mal do bem? Refpondereis vós, que naõ : Logo também nao fera equitavel , que vós digais bem do mal. Pela regra a contrariis a illaçaó he concludente. Do que evidentemente fe fegue , que aííim como naõ he efperavel de mim ; que julgue mal da Critica em o bom ; fora de toda a expeóhçaõ feria , que vós queirais fem diftinçaõ approvar a

Critica

Hijleríco-Critica. 9 5

Critica em o máo. Eu determino o difcurfo , e em eíTa mefma determinação íe vos fará mais vi- fivcl o defengano. Louvo a Critica , efpecial- mente em a França , em o que deve fer louvadaj mas quando reconheço os feus defeitos, ao lou- vor fubftitue a reprehenfaõ , naõ formada por mira , mas por hum dos mais illuftres, e Sábios Francezes , que a França produzio.

Principiemos pelo bom , em que a Critica fe deveJouvar. Se naõ foflem os Criticos, eru- ditos , e laboriofos, a que eftado fe naõ veriaõ as Artes, e Letras reduzidas ! Que erros naõ nos preoccupariaõ ! Se naõ houvera em o muçido os Sábios Benediótinos da Congregação S. Mau- ro , que taõ gloriofamente trabalhão em a edi- ção dos Padres da Igreja Latina, e Grega, como filhos daquella grande May , que ha povoado o inundo de tantos Santos, e Sábios, naõ os tivéra- mos taõ purgados,como hoje eftaõ,de muitos er- ros, reftituidos a feus Progenitores os filhos legí- timos^ feparados os intrufos, ou illegitimos; cu- jo mixto , e confufaõ era naõ menos indecqrcK fa para os verdadeiros Pays , que prejudicial pa- ra a Religião. Se naõ houvera os Aguirres, os Sirmondos, osLabbés,osCofarcios,e os Har- duínos , que haõ fido os famofos reíkuradores dos Concílios, naõ tivéramos Teus Sagrados Câ- nones

$6 Dljertaçdõ

nones em tal pureza , e boa ordem , que hoje go- zaõ. Se naõ houvera de huma parte os Tornie- los , os Salianos , os Calmetes , e por outra os Baronios, os Págis, que com infatigável appli- caçaõ teeeraõ fuás Hiílorias , naõ tivéramos taõ bem difpoftos, ou coordinados os Annaes de bum , e outro Teftamento. Se os eruditos Je- fuitas de Anvers naõ trabalharão, ha mais de oy tenta annos , naõ fey que fora das vidas dos Santos : tudo eftivera confufo, e miílurado o cer- to com o incerto , o clarocom o efcuro, e o graõ com a palha: á fuaeftudiofa diligencia deve a Igreja, que os Inimigos delia fenaõ riaõ da nofla fimpiez, e crédula piedade , quando temos "vidas de innumeraveis Santos, bem comprova- das para confufaõ fira , e edificação nofla. Se naõ houvera Mabilloens , e Germónios , taõ verfa- dos em o efcuro, e difficil manejo dos Manufcri- ptos , nem ainda em o nome conheceríamos a -Diplomática , a cuja curiofa inveftigaçaõ devem tantas ignoradas verdades feu feliz descobrimen- to. Que celebres naõ tem fido as famofas Me- morias de Trevú , em cujo fiel contraíle pé- za a qualidade dos bons, e máos Efcritos ; aquel- la para o elogio, eefa para a precaução, com que anticipadamente feavifaao Leitor, para que fe naõ deixe colher do veneno, que a malícia dos

Pro-

Hífiorico-Critica. 97

Proteftantes fabe efconder entre as flores dos íeus Efcritos. Se nao houvera em o mundo os Cluverios, osBrietos, os Samfoens, es Celarios, diligentifíimos obfervadores dos rumbos , e ca- minhos, que tomarão os Geographos, he cer* to que nao tivéramos cabal , e exa&a defcripçaÕ do Orbe : tivéramos fim mifturados os Impé- rios com os Impérios , as Províncias com as Pro- víncias ) os Mares com os Mares , e o Mundo em hum novo chãos. Se nao houvera finalmente em o mundo os Efcaligeros, que emendarão os tem* pos, e os Petavios , eUferios, que corrigirão depois aosmefmos Efcaligeros } que Chronolo- gía tivéramos ? Todos eftes effeitos fe conver- tem em louvor da fua caufa, que hc 'a Critica. Seria coufa mais que injufta de tanto bem dizer mal.

Pelo contrario , podemos dizer que he bom, o que fe confeflaindividuamente fermao ?Con- feíía-fe que muitos Meftres defta Arte , Autho- res de muitos Efcritos , em os quaes fe crê eftar, fábia , e convenientemente ? applicada , pronun- ciarão fentenças totalmente difcrepantes , do mefmo Fado , da mefma Obra. Outros , que, le- vados do patente teftimunho de muitos antigos, tem por verdadeira a mefma Obra , que por ou- tros fe defpreza como fuppoíia. Humas vezes

N julgaô

9$ Dijertaçcío

julgao que as provas , fundadas em aauthorida- de de qualquer Efcritor Ecclefiaílico, faõ as mais fortes y outras vezes, fobre a mefma coufa, ou outra muito fimilhante a efta , de nenhum mo* mento he eíTa mefma authoridade. Os mefmos proloquios, que muitas vezes fe uíaõ para mof- trar que efta Hiftoria he verdadeira, com a mef- ma razaõ feaccommodaõ para concluir que a- quella ha de fer computada entre as apochry- phas. Em eíte lugar fe trazem aquellas conje&u- ras , e fe daõ aquellas razoens , que fe eftimaõ fò- lidas , e confentaneas á razaõ $ em outro lugar porém fe avaliao por fúteis , e que nada provaõ. Aqui o Critico a algum Livro adulterino, para dahi colligir argumentos os mais certos ao feu juizo } ahi porém teílifica que o mefmo Li- vro, como falfo, nada convence , e que he de ne- nhuma ponderação. Huma Hiftoria, que foy fei- ta , contada por Efcriptor de muitos íeculos, vem em fufpeita de falfidade , e calumnia ; outra po- rém fe tem por fyncéra , e confiante , ainda que fe refira porAuthor nada demayor eftimaçaõ, ou nada mais próximo áfua origem. Tudo ifto he ufar , ainda que com razaõ diverfa , dos me£ mos Efcritores attribuidos a fi , das mefmas cau- fas, dasmefrms razoens , das mefmas conjeótu- ias , e dos mefmos teílimunhos. Toda efta va- riedade,

Hijloricb-Critica. 99

riedade , a qualquer vicio que fe haja Je imputar, ou ás regras da Critica , ou á íua praxe pelos Sá- bios , evidentemente confirma , que efta eximia Arte naõ chegou ainda áquelle ponto de equida- de , e exacçaõ , de que alguns íe lifongeaõ fe ele- vara em efte tempo. Efte he o mal , de que fe nao pode dizer bem , e taõ tranfcendente a gran- des Críticos, ( Quem tal diíTera ! ) que fe verifica em os Francezes, julgados hoje por mais Sábios. Nao fou eu o que o digo , dou para o dito me- lhor fiador, que he o mais fupereminente Critico de França , o Grande Honorato de Santa Maria? que affim oaffevera ; (5) e em todas três Partes da fua Critica fuperabundantemente o demon- ftra. Seja pois o mefmo fupereminente Critico, o que matéria para efte defengano, parece, in- timado genericamente pelo Clariffimo Ora- dor, quando em o feu Prologo nos preceptúa affim : Leitor Sabia , defembaraça-te de preoccupa- 4çoens7 e prejuízos 5 fervindo ao mefmo tempo como de difpofiçoens , que fuo modo vaõ infen- fivelmente conduzindo a confutar eíTa chamada fábula , que he o principal Scopo defta primeira DiíTertaçaô*

N 2 RE-

(5) Honorat, part, i. in Proosmio*

too Diflértaçtô

REFLEXAM IX.

Sobre os defeitos da Critica contrahidos aos Fran- cezes mais eruditos.

ASíím como nao ha coufa ao publico mais útil, que o bom tifo da Critica ; também o mefmo publico nao pode ter coufa mais nociva, que o feu licenciofo abufo. Pode dar-fe abufo mais licenciofo de Critica , do que oqueinclue contradiçoens,e inconfequencias, totalmente in- fubfiíliveis com os princípios , dos que os produ- zem ? Pois eíle he o abufo , verificado em os Francezes mais eruditos defte tempo , clama em o feu Prologo (6)0 Grande Honorato. Seja def- tes Sábios o primeiro Natal Alexandre.

Huma das regras , que a Critica prefcreve, he ,que íe ha de dar fumma honra aos Authores Ecclefiafticos, e que o feu teftimunho ha de fer com grande obfervancia recebido. Conforme a efta regra,diz Natal Alexandre as feguintes pala- vras: (7) Hanc effe legitimi operis notam ,/i Jinti- qui laudent illud opus fub nomine illius *Auãorisy cui infcriptum ejl. Reconhece > que nao fora in- venção

(6} fíonoratin Proas ti. iparr; (7) Nat.AIex. faec.i. tom.i. Dif- fcrt.n.pag.l6'o<apad Honorat.pa£t.i«Dilícrttz,pag.5o. mihú

Hiftorico-Critíca. i o i

vençao dos primeiros Chriftaos os Verfos Sy- billinos, referidos pelos Padres. AsfetteEpi- flolas,íubfcrevidas , e intituladas em nome de Ignacio, as concede a efte illuílre Martyr. Que os Livros , aííignalados em nome de S. Dionyfio Areopagita , faõ legitimos partos defte difcipulo de S. Paulo. Mas aonde mais fe eleva efta vene- ração ) he {obre a antiga Verfaõ Grega do Anti^ go Teftamento , intitulada a VevfaÕ dosSettenta, aíTeverando íer verdadeiramente daquelles, dos quaes recebe efta nomenclatura , e o declara com palavras dignas de hum tal Author : Se V éteres, diz, in anticjuitatis no titia duces jequi mal/e, quam Kecentiores (juofdam , (jui conjeãuris inanibus anti- quam Traditionem 9 feu opinionem in Ecclefia ah Apofiolich temporibus receptam imjmgnant , ut Criticce eruditionh /amam aucupentur. (8) Re- vertido doprefcripto por efta excellente regra, propugnou pela vinda de Santa Maria Magdale- na , Santa Martha , Lazaro , e feus Companhei- ros a França , pelo feu defembarque nas prayas da Provença , e na mefma parte a íua habitação, {9) como diíTemos : affirma fer coufa certa- mente provada , que S. Dionyfio Areopagita., S. Marcial, e outros Bifpos trouxeraõ a luz do

Evan-

. (8) Nat.AIex.Tom.6. DiíTert.8.prop.x.pag.78o.apuci Honorat.eit. ,. C9) Nat.AIcx, HiJl.Eççlef.teç. i.Tom.2- Ditfcrt.i6. pag 68. apu<i Honoraucit.

102 IJiJfertaçdè

Evangelho ás Gallias em o primeiro feculo, em o qual foraõ mandados por S. Clemente Pontí- fice Máximo; e finalmente,pugna por outras mui- tas fimilhantes antigas tradiçoens,(i o) o que naõ agrada á mayor parte dos Críticos deíle tempo, conclue o Grande Honorato, (ii)

Mas fe o quereis ver lançando por terra to- do eíle refpeito , ahi o tendes defterrando para os Livros íuppóílos as Epiílolas de Abagaro t e de Jefu Chrifto, (12) que defende Tillemont, fundado em os teftimunhos de Eufebio, de San- to Ephrem Diácono de Antioquia,deDarío Co- mité , Evagrio, S.Joaõ Damafceno, e Theo- doro ; executando o mefmo com o Livro de Pimandro ? conhecido pelo nome de Mercúrio Trimegiílo , e com outras couías fimilhantes a eftas, honorificamente recebidas pela antiguida- de : (1 3) e he na verdade para ignorar , fe os Crí- ticos , contra os quaes fe oppôs , acquiefceriaõ á refpofta, que deo aos teftimunhos de S. Juftino, La&ancio , Santo Agoftinho , S. Cyrillo Ale- xandrino , e de outros Padres , que contrahem o Livro de Pimandro debaixo do nome de Mer- cúrio Trimegiílo, e a eífe mefmo o julgaô : Ref*

pondes

(10) Nar.AIex.loc.immediat.cit. ( 1 1 ) Honorar.part. i.DiíTert.i» a«.r. pig-tfo.mihi. (iz) NadAlex.ib. tom. i. DiíTerc. 3. pag.itftf. apudHonarat.ciu (1 3) Ibidem art.15. pag.144.

Hijlorico-Critica. i o j

ponde o , diz , (14) Pa três illum hoc no mine citajfe^ (juia illum Mercúrio Gentiles triluebant , illumcjue magno habebant in pretio :::: Ceterum an Mercurii reverá effet , necne , Patres non expender unt, maio- rainjludia incumbentes. Porque fe houveíle al- guém , que applicafíe efta íua refpofta aos Tex- tos dos Padres , em que elle confia a verdade dos Authores da Verfaõ dos Settenta Interpretes, dos Oráculos Sybillinos \ e das Epiftolas de S. Paulo , e de Séneca , naõ fey que feja fácil faber, o que Natal Alexandre refponderia a huma firni- lhante inftancia : Tunc autcm nefcio , an ipfe (juo- cjiie non deprehenderet , cjuam parum h<ec cum prio- ri conjentiant , diz o Sapientiffimo Honora* to. (15)

Que veneração naõ tributa Natal Alexan- dre a S. Jeronymo , quando julga verdadeiras, e genuinas as mencionadas Epiftolas , que exiftem de Séneca , e S. Paulo ! Affim o exprefíaõ as fe- guintes palavras : Ut idajferam, diz, (16) addu- cor auStoritate SanÔíorum Docíorum Hieronymi7 O* Augujliniy cui mayorem opponet hac in parte ne- mo. Mas para encontrarmos a fua contradição, naõ fera neceffario mais, que ouvir ao mefmo S. Jeronymo , quando falia da Epiftola, que com- pôs

(14) Nat;AIex. //í/?.facc.i.tom.i.arM5.pag.i48.apud Honor.çir.

(15) Honorauloc cir, (16) NauAkxaom.l.Diííert.i.aruj.pag,. 91.

104 Dijenciçdo

pôs S. Barnabé : (17) Barnabam unam <eiiji<- cationem Ecckfue periinentem Epijlolam compo- fuijfe ; e logo fe verá que, para illudir hum tefti- munho taõ perfpicuo, e claro, que naõ ha Theo- logo , que lhe naõ aíTenfo , deílerra (1 8) a efta Epiftola para as fuppoftas , dizendo que , quando S Jeronymo diz que efta Epiftola fora compo- fta por S.Barnabé , vio o titulo da Epiftola , e naõ a verdade dacoufa: Ciim Sanâíus Hieronymus y diz, hanc Epi/lo/am compofitam dichã Saneio Bar- naba , titulum fpeõíat Epijlolce , non rei veritatem. Pode dar-fe vifta mais limitada , do que aquella, que,naõ chegando a penetrar a verdade dacoufa, fomente fifte em o feu titulo, e em a fuperficie? Pois efta he a vifta , que Natal Alexandre adap- ta a S. Jeronymo , havendo antes exaggerado a fua authoridade tanto , que chegou a dizer, que ninguém lhe opporía authoridade mayor. E po- de dar-fe incoherencia mais patente , e doutrina mais infubfiftente ?

Sobre as Epiftolas Decretaes dos primeiros Pontifices até Siricio ? que naõ reconhece por taes Natal Alexandre , fe oppõem elle a fi mef mo : (19) I/U Epijiolce genuince funt , (juas ut ge- minas agnoverunt Concilia , Conciliorum & Cano-

num

(17) S.Hieronym.lib. de Viris illuflribus. (l 8) Nat.Alex.//(/i.ií^ eJe/.faec. i.c i i.arr.S.apud Honorat.cit. pag.65.mihi. (19) Nat, Alcx. faec.i.tom. 2. Diflfcrt. 20. pag.zn. in fine.

Hijlorico-Crkica. i ò j

mm Collettores, aliicjue Doãores gravifimi ; at- qui &c. E para que naô tiveflem valor algum teílimunhos tantos, lhe pareceo fuperabundan- te a feguinte diílinçaõ : (20) Agnoverunt tilas E- pi/tolas Concilia &c. Cf h<ec Concilia , aliicjue Coife- Olores CT Doãores pojlerioresfunt nonoj<eculo, nec Epijlolas illas adfeveriores Critica regulas expen- der unt , concedo : ©* nono jícculo anticjuiores jiint? Vf illas Epijlolas r evocar unt ad examen , nego. Cu- ja diftinçaõ foy para Natal Alexandre de tan- to pezo , que delia ufou (21) para também lan- çar fora as Epiftolas de S.MarciaI. Mas fem ad- vertir , quecomhuma tal diftinçaõ fubvertia a fundo a verdade dos A&os de Santo André, <jue ellequerfoíTemefcrevidos pelos Prebyteros, e Diáconos das Igrejas de Achaya em o anno de JefuChrifto 59. , dando ás palavras de Ethe- rio Bifpo Uxamenfe , e de Beato Presbytero,, queefcreveraõ em o fim do feculo oytavo ; de Rernigio Monge , que florecia junto ao fim do íeculonono ; de S. Pedro Damião , e de outros, ainda mais recentes. (22) Porque osProteftan- tes, contra os quaes Natal Alexandre defendeo «ftes A&os, para exterminarem a authoridade tlefles Authores ,, lhes naõ feria neceíTario mais,

O do

fio) Ibidem pag.nj. C2i)Tom.i.í»c,i.art.9ic3|):ii. (2,1) Ibidem are. S.pag, 106.

io6 DiflertaçaÚ

doqueapplicar-lhe eíTafuameímadiftinçaõ:(2 5) Et omncs illi ^Auõíores Junt f<eculo Jeptimo , aut oitavo pojlerioves y nec Acta illa adjeverioris Cri- tica regulas expenderunt , concedo : tffeptimo aut oStavo faeculo anticjuiores fuerunt , & illa Aâfa revocarunt adexamen, nego. Podendo damef- ma forte fer redarguido, quanto aos A£tos de Santo André , voltando fobre eftes a fua diftin- çaô meíma dada fobre as Epiftolas Decretaes: (24) Si Aófca Sarç&i Andreae primi faculi ge/wini ftftus ejfent } harum Auâiores Ecclefiaftici oâío priorum faculorum interdum meminifent j has ci~ tajfent interdum Concilia, aut Pontífices Eufe- bius , Hieronymus , aliive , atcjue nullus A&a illa ante o&avum f<ecutum vel nominavit cuidem &ã. Que diria Natal Alexandre ao contemplar-fe defte modo retorquido ? Naõ feria ifto ver, que, entregando a fua própria efpada aos contrários, era para fer depois infeliz viótima dos feus ini- migos , executado o golpe com o feu mefmo in A trumento ? A tudo ifto íe expôs Natal Alexan- dre com efta fua refpofta. Deftruindo ao mefmo tempo os Aítos de Santo André , a authorida- dedos Authores , que eftaõ pela opinião deitas Decretaes , e, o que mais lie , nao deixando com

hum*

(15) Guil. Cave Hiji. Lit. Script. Eccíef. (^4)Nat. Mtx.Snpr* Decretale^ubi fupra.

Hijtorico-Critica. 1 07

huma tal diílinçaõ indemne a authondade dos Conciliou E deixarem-fe fem exame arrebatar de huma talauthoridade os Sábios , emeftes efta adhefaô naÕ arguira prejuizos,e preoccupações? Defembaraça-te logo , Leitor Sábio f que, ainda que a diverfo fim , o doutrina aflim o Clariílimo Orador em o íèu Prologo.

REFLE X AM X.

Em (juefe continua aformarjuizo fobre os mefmos

defeitos.

SEja o fegundo Sábio Simou. Deíle erudito fe queixaõ os homens muito , de que fora pouco reverente á antiguidade 5 e ifto dizem que muito claramente fe indica em asíêguintes palavras do feu Prologo : (25) Inter nos ver jan- tur Sapientes cetate hàc , (juijatisjibi ejje dicunt, iniinum redigere7 (jiiidytiid apud Sana os Patres de Scripturis legant : (juafi vero felicius Patribusy (juamaUis Inter pretibus labor cejferit. Çiáveritaús vejiigia , cjits duntaxatflndio , Jiibmot isque qjfeâii- bus , perfeíjuunttir, hominum nominibus, & vetufíate nonimpediítjjtur.pnefertim cíim deFidei dogmatibus Jerrno non eft* Enim vero compertum habemus om-

O 2 nia

(z 5) Simonius , Pr*f.HiJlt€fitfct. Ttfl menti

io& Dijertaçao

nia Paires adjumenta rece faria in prompfu non ha*

buijfe , ne(]ue fatis temporis naãosfuijfe, ut gr avio-

res difficultates in divinis Literis occurrentes emi-

ckarent. Qiiare novorum Interpretum Commen-

taria prifcorum Commentariis nonpaucis locisfuttt

mteferenda.

Quando porém intenta Ter reílituida a Ver- faô dosSettenta, elle mefmo limita afi efta re- gra: NeceJJumfore antiqua exemplaria Grceca con- fulere , iiscjue addere Patrum Opera. (26) Neíle cafo naõ feria licito accufá-lo a elle mefmo , im- pondo-Ihe a fuamefma ley ? Para que fefaz ne- ceflario appellar para o teílimunho dos Antigos, e trazer os Livros dos Padres? Porventura foy nelles mais feliz o trabalho , que em outros In*> terpretes : Quafi verofehcius Patribus, cjuam alih Interpretibus labor cejferiil Ou finalmente para que fe faz recurfo aos Commentarios dos Anti- gos Interpretes , fe fe devem antepor os novos: ífovorum Interpretam Commentaria Prifcorum Commentariis anteponerel Será fácil a Simon ex- pedir-fe deitas , ou ílmilhantes redarguiçoensí Julgue-o o Leitor, em quanto paíTo ao exame de outro Sábio.

He efte o Doutiílimo Lamio , Presbytero do Oratório. Eíle erudito moftra perfuadir-fe ,

que

(z6) Simonius H(ft£ritiCilib*i,ç*t*p*gii$6-i.

Hljlcrico-Critica. 1 09

que os antigos Efcritores faõ teíllmunhas para ferem ouvidas com íumma dignidade ; o que de- creta como coufa inconcufla. Ifto mefmo repe- te depois em as fuás Obras , quando diz fe ha de eftimar em muito aauthoridade dos Padres , naõ íó em as coufas pertencentes á Fé, e bons coftu- mes } mas também em os Fadtos ainda da Critica, reípeito dos quaes he a qualquer inteiramente livre feguir a opinião, que julgar mais provável. A efta propofiçaô adhere ,. quando da mais ac- commodada intelligencia dos Evangeliftas de- fende, que apeccadora Maria Magdalena,e Ma- ria irmaã de Lazaro, he a mefma mulher , e que efte parecer tem por abonadores a muitos Au?- thores Êcclefiafticos. Parece também preoccu* par-fe dos Antigos , quando moftra que Chrifto Senhor NoíTo em a ultima Cea,celebrada na Vi^ gilia da fua morte , naô comera o Cordeiro Pa£- chal ;e que aquella Mefa , em a qual Jefus inftir tuio o Sacramento daEuchariftia, nadacõmum tivera com efta folemnidade da Ley.

Mas quando, osq difputaõ contra Lamio,lhe põem diante dos olhos a Origenes, Santo Anato- lio,S.Jeronymo,Santo Epiphanio,Santo Ambrò^ íio,SantoAgoftinho,S.JoaõChryfoftomo,e a ou- tros Padres dos primeiros feculos, cuja autho- ridade he verdadeiramente de may or momento,

do

lio DjJJertaçd&

do que a daquelles, que por Patronos da fua cau- ia recita Lamio ; eíle preclaro Critico, reveren- ciando o teftimunho de todos eftes Padres , lhe pareceo fizera baftante emrefpondef : (27) Eos jaâium ijiud habuijfe pro rato , mtllisque ratiotii- bus confirmandum curajfe : Patres Iwic matcricejlu- dium non impendijfe ,& propterea teneri neminem, ipfts in hujiifcemodi qikejlione fufiragari. E fera huma fimilhante honra conciliável com a que Lamio tanto protefta dar aos antigos Efcritores, e áauthoridade dos Padres? Em fim, ponto he eíle, que, para fe difeutir devidamente , pedia hum Livro dilatado , reduzindo-meporefta cau- fa a comprehender em geral mais a alguns Sá- bios, refervando o exame de outros para afolu» çaõ formal dos argumentos de Natal Alexan- dre.

He regra da Critica , que ninguém fe ha de apartar do teftimunho dos Antigos ,fem firmes, e urgentes razoens. Se conful tardes a eftes Críti- cos fobre a obfervancia defta regra , vos protefta» raô a mais exa&a obediência. Ouvi a Tillemont: (28) Propofitis mihi rebusVetertim aUcujxis nomi- tiis Scriptorum auttoritate fuhis , qiú ab Ecclefi<e JUiis honorificefiifcipi debent , vifum non ejl ab iis

*f*

(27) Lamius Tra&atu de Pafcbate i.part.c.5.Gallic Étaddn.ej.ad Tn&.de VafcbtuGélti* (2.8) Tillemontius in Pr*fau pag, 1 6.

Hijlorico-Critica: 1 1 1

ejfe recedendum , nifi invióíijftmis rcttiomlus jua- dentibus. O meímo diz Dupin. (29) E finalmen- te afleverao meímo, Natal Alexandre, (jo) Naô fejaeu , quem pergunte a eftes Criticos pela íà* tisfaçaõ defta ley promiíToria ; porque mais ele-* gante, e comprehenfivamente o ouvireis per- guntar ao Grande Honorato : (5 1) At enim nun* (juidde Lege iJlaSapiemes nojlri derogarunt ? Im~ pnlfi tejlatijfimis probationibus funtl ^Anvera idnonfemelab ipjis temere faãum eft ? Em cujas perguntas fedenotaõ as defe&ibilidades, e con- diçoens defta regra , executadas por Tillemont: (32) por Valefio : (3}) por Dupin : (34) e final- mente por Natal Alexandre 5 (3 5) que em reco- nhecimento da ília praxe fe explica por eftes ex- preíTos termos : Epiphanius deceptus eft.. . . Se- vero Sulpitio non eft jides adhibenda .... Grego- rius Turonenfiserravit . . . .facile errat. Efte he o modo , com que os Sábios da França executaÔ as regras da Critica , que he o mefmo que illudir fem refpeito algum a eflas mefmas regras os ve- nerara

(29) Dupin in Diflert.Prxlim; pag 177. Item tom.l.pag.63.

(30) Nat.Alex. Hift.Ecclef. íatc.i.tom.i.DiíTert.i.q.i.pag.iS^. (\i) Honorat.cit. pag.i x6. & íeq. mihi. (32) Tillcmont.Arr.47.

in D.Paulum pag.3 1 5. Item annotat.73.in D.Paulum pag 609.C0I 1.

(33) Valef. Not. in cap. 1 $.lib 2. Htft Eufebii, pag. 3 3.C0I.1.

(?4)Dupintom.i.pag.z38.ibidcmpag.i39. ibid.pag.7 Et Diflert. Pra2lim.pag.193 EademDilicrt.pag.132 Et wBiblioth.iohi.s in refp. adanimad.pag IOI. Et tom.l. pag.77. ibidem pag I 88. & pag. 20 1. tbid. pag. 184.Sc 194» (}5) Nar.Aicx.apud Honorat.cit.pag.o^tnihi;

H2 T>}JertaçS

nerandos teftimunhos da antiguidade, e iflo fem alguma urgência j porque eíTas razoens conclu< fas , firmes , e folidas , de que fe liíbngeaõ fer o motivo , que os compelle a nao ouvir aos Anti- gos , obfervadas exactamente, na5 faõ outra cou- íamais que huma leviífima fimilhança do verda- deiro. Aííim o prova , e diz deites Sábios o Dou- tiflimo Honorato. (j6) Sendo pois efta regular- mente a Critica em França , poderá haver quem deva dizer bem de huma tal Critica ? Se em a lua praxe fe divifaõ em aquelles Sábios tantos defei- tos ; fera equitavel fe nao diga , que eftes le ve- rificaô em aquelles Sábios? Naõ odi&aaffim ley da verdade , a que precifa também a dizer , ( o que notamos em a Reflexão Preliminar ) de quefeo Clariffimo Orador tiveíTe prefentes os defeitos deftes Sábios , pode fer defiíliíTe de hua tal aíTerçaõ , nao confiando, para a proferir, tan- to em Natal Alexandre, claudicando tanto em as fuás doutrinas, muito efpecialmente referindo-fe «ftas ah-um dos mais principaes fundamentos, de que fe vale Natal Alexandre para vender em pu- blico taõefpantofa fábula, cuja ftru&ura fe con- têm tm afeguinte forma.

IxJE*

(}^)Honoftt, cit,stfupnu>

Híjlcríco-Critica. i 1 5

REFLEXA M XI.

Sobre os Doutijftmos Argumentos de Natal Alexandre.

ALguns Sábios de Portugal , lendo a Natal Alexandre 9 e efpecialmente em efte pon* to do Triunfo de Efcoto em Paríz, lhe divifaõ hum eftylo taô dominante , e decretorio , que os precifa a julgar , que naõ pode provir hum tal ar de outro principio , fenaô de ter efte grande eru- -dito para ít , que as fuás conclufoens faõ demon- stradas taÔ invencivelmente } como os Elemen- tos de Euclides. Nao ignoro , que o pronunciar ss opinioens em tom deciíivo , magiftral , e in> periofo, infamando as fentenças contrarias com anota de erros, que fe propagarão entre as fá- bulas do vulgo , he intentar fer hum Senhor in- truzo , que, arrogando a fi afnprema judicatura, quer notificá-las para a cegueira da obediência-} fem advertir, que o folicitar por efte modo o confenfo univerfal de todos-, fem os direitos le- gítimos , que pode preftar o infallivel da authori- dade, ea evidencia dasrazoens, he fem duvida pertender fobre a nação dos efpiritos a mais cruel , injufta ,ambiciofa, e formidável tyrannia.

P Nao

U4 Dijfertáçao

Naôhe eíle o cara&er de hum Efcritor, nem também o de Natal Alexandre , e com efpeciali- dade em eíle ponto ; pois, para evitar eílas taõ equitaveis increpaçoens , propôs ambas as fen- tenças para a circunfpecçaõ do exame, a de Wa- dingo primeiro , e depois a fua. Suppondo pois como notória a primeira , proponhamos a fegun- da , que he a de Natal Alexandre.

Diz eíle erudito Critico , que em feus An- naes affirma Wadingo hum íimilhante triunfo de Authores efcuros , e he o primeiro : Que ne- nhum deíles Authores he contemporâneo , ou quafi do mefmo tempo de Elcoto, e he o fegun- do : Que tudo iílo o convence de fabulofo o íl- lencio de todos os Hiíloriadores , que efcreve- raô as coufas de França, e he o terceiro: Queíe naõ profere Epiílola alguma , ou Mandato , que decretaíTe aquella folemne Difputa,e he o quar- to: Que feja defconhecido o nome dos Legados, e he o quinto : Que os adverfarios de Efcoto fe calaflem em certame tao gloriofo, e he o Texto : e finalmente , que deíla empreza naô haja lem- brança em o Archivo da Univerfidade , e da Fa- culdade Theologica Parifienfe, e he o fettimo, e ultimo. Eílas faõ asrazoens, com que Natal Alexandre por totalmente fabulofo taô glo- riofo Triunfo,, traufcriptas tao fielmente ao

da

Hiftorieo-Crhica. í i 5

çfaletra, como atteftaráõ fuás forrnaes palavras: (37) ^Wadingas in *An 110 libas ajferit èx obj caris Aaoíoribas,(jaoram nallas Scoto coúevus^aatjappar. Idverb totum fabalofam elje ojtenditjilentium om- itiam Hiftoricoram , (jai de rebus Gallicis jcrip fe- re :t um (juòdnulla proferatar Pontificis, (jai folem* nem illam Dijputationem indixerit, Epifto/a, Man* datam nulhim : Legatoram nomen ignotam fitt ad* vefarii Scoti in tam gloriojo certamine fiUantur r nullamfit in Tabulario XJniverfttatis , O9 Faca/ta* tisTheologi<e Parijienjis hajas rei monamentum.

Todas eftas razões, excepção da primeira, q fe firma fobre aefcuridade dos Authores ) geral- mente confideradas, íe fundão em o filenciodos Authores, o q hefem duvida argumento negati- vo ; e como efte nada conclue , como folidamen- te o dizem os Sábios , regulados pelo Proloquio: Ex paris negativis nihil jecjaitar ; com os citar á margem , em que entraria também Natal Ale- xandre^ ainda que inconfequente ) fe me devia fazer juftiça , de ter fubftancialmente fatisfeito a taô doutos argumentos. Mas como porhuma parte a adhefaõ áauthoridade de Natal Alexan- dre a contemplo grande , naõ obftante tudo , quanto , para lançar fora tal preoccupaçaÕ , te- nho dito fobre efta authoridade j e por outra

P 2 par**

( J7) Nat. Alcx.íxc 13** i4.«p. 5. m, j. n. 3,

ii 6 ' Dijertaçati '

parte, entre naõ poucos Sábios de França , íeja efte principio, ou antes afuapraxe conteftavelj eftaintelligencia me conftrange naó fomente ás foluçoens precifas , mas ainda ás fuperabundan- tes ■■: por fer muy difficil exterminar o erro , que huma vez por Teu adopta o Povo , que como he fácil em o conceber; nao femaííombro da Filo- fofía,fe lhe nao reconhece a mefma facilidade em o depor. E fe he Sábio , ( pois também entre eftes ha feu vulgo ) a difficuldade ,e o embaraço he ainda mayor: porque a docilidade, que he a virtude para abraçar o defengano, a toma por vi- cio } e feo obrigao a mudar de parecer , fe obíU- na, e faz mais contumaz com a vergonha, que íênte , de que o fupponhaõ enganado por huma tal mutaça6. Da vergonha paíía logo á indigna* çaõ , que, fem deixá-lo com a razão tomar parti- do , a ira lhe adminiftra as armas , e combatendo a dextro e finiftro , pára tudo em tumulto. No- tável defordem ! Que tenha a mentira mayor attraíbivo em o entendimento para o perverter, do que a verdade para o defenganar ! Efte , repi- to , he o motivo , de que eftas foluçoens, fobre precifas , paliem a fer fuperabundantes. Será a primeira fobre a primeira razaô, que he a efcu- ridade dos Authores. Comprehenderey depois a futilidade dos argumentos inficiaes , ouabnuti-

VOS;

HiflcriCQ-Crhica: 1 1 7

vos, ou de puras negaçoens , ( que tudo he o rnefmo ) que faõ as inconcufías bazes , iobre que Natal Alexandre funda os feus argumentos. Primeiramente em geral , depois em particular, ou em o efpecifíco de tantas negaçoens. Princi- piemos fobre a primeira razão.

REFLEXAM XII.

Sobre a primeira razctò de Natal Alexandre, (jite he a ejcur idade dos Authores.

T^T poffb deixar de me admirar , de que ±^i aos Authores, que cita Wadingo para es- tabelecer efte Triunfo , os intentafle Natal Ale- xandre atacar pela circunftancia de efeuros, quan- do com mais alguma apparencia os poderia in- vadir por outros muitos principios. E ainda que a fua refpofta nada tenha de difficil , ainda em tal hypothefi , he certo a naõ devo dar ao que Na- tal Alexandre poderia dizer , mas fim ao que precifamente difte.DiíTe pois,que efte tal Triun- fo de Efcoto Wadingo o affirma de Authores efeuros : Ex Auãoribus obfcuris cjferit,

O primeiro Author , que cita Wadingo, he Pelbarto Ofvando Temefvarienfe. Efte foy hum Author de taõ efeuro nome , que efereveo

os

u8 Dijertaçat ■"■

os feguintes livros. Primeiramente quatro to* mos fobre os quatro Sentenciados , intitulados: •Aiireum Sacr<e Theologice Kofarutm , juxta <jua~ tuor Sententlarum /ibros (juadripartkiim} ex daílri- na Deóíeris Suhtilis 7 & D. Bonaventurte ; atcjue alioruniSacrorum DoÓíerum. Somente com a dif- ferença , de que deixando o ultimo tomo imper- feito por caufa da fua morte, o completou Of- valdo de Lafco , feu difcipulo. Tendo efta Obra fido imprefla ; fe deo ao depois ao publico em Veneza em o anno de 1586. e de 1589. apiid V incenúum a Prato , a expenfas de Pedro Maria Marcheti 7 e finalmente fahio á luz em o anno de 1594. em Tranfpadana. Efcreveo mais : Sermo- mes de Tempere Dominica/es , ac de Sanóíis , e fa- hirao áluz em Paríz apudFrancifcum Regnaat. Qaadrigejima/e triplex. Stellarium Beaue Virgi- nis jfeu Pomeriíim Sermonam , antigamente dado áluz em Haganoe em Alemanha em o anno de 1475. > depois em Veneza tf/wi Antomum Berta* íiium, em o anno de 1580. in 4. Ejufdem Stel- larium Corona gloriqfijTimie Virginis , ipjius lati- dibus ut folaribus radiis circumfulgem , & fubtiliffi- mis cjiuejlionibus refertum , e fe deo á luz em Ve- neza em o anno de 1587. Por conclufaõ, fahirao á luz os feus Commentarios in PfaJmos 7 impref- íbsemHaganoe apudHenric. Gran. em o anno

de

Hiftorico-Critica. 1 1 $

de 1504. Todo o expreflado de PelbartO o re- fere Wadingo. (}8) Epoder-fe-ha com juftiça dizer quehe Author efcuro hum Compofuor de tantos volumes ? Em a Republica Literária naõ tem os feus aluirmos meyo mais efficaz , pa- ra nella fe darem a conhecer , do que eftas pro- ducçoens : Logo deveriaô eftas fer muito más , fuppofto deixarem ainda defconhecido ao feu Author. Mas como Natal Alexandre o naõ pro- va , deve o feu Author em eftas prefumir-fe bom , em quanto naô apparecer fer máo, como he regra tritiffima , e conftante em Direito : (i) Quilibet pr^efumititr bónus > dome appareat ma~ Jus.

Ex abunãanti porem fallaremos em a quali- dade da fua literatura, ouvindo a HippolytoMar- raccio , que qualificando huma parte dos feus Volumes;(em a qual falia defte Triunfo)por efta julgou logo a Pelbarto por hum Varaõ cheyo de feiencia , e piedade , refplandecendo em o ze- lo da falvaçaõ das almas , e teftimunhando com grande luftre o feu affe&o para com a Mãy de Deos em a Obra intitulada : Pomeriumjèu Stella- ruim Beatce Virginis em doze livros. As fuás for- maes palavras faõ , como fe feguem : (2) Pe/bar~

tUSf (3 S) Vvading. in Catalog. ScnpUrum Ord.Mnor. (1) Gratian.Forcuí.diícept.5 57,n,i. (i) Marraccius part.l. Bi* blMbtc.Mtrintioe*

*20 DíJertaçàS

tus , diz , Ofvandus de Themefvar , Ordinis MU varam } natione Hungarus ; vir>fcientiâ , tfpieta- te plenas ,zelo(]ue jalutis animar um emicans) ajfe- Ctumfuum ergaDeiparam luculenter pojleris te/la- tus ejt ijcribendo m ejus laudem Opuspraenotatunv. Pomerium fermonumBeataeVirginis//£m 12. im- prejfum ^Aganooe 1 5 1 5. (f Venetas 1587. Se ou- virmos ao Sapientiííimo Salazar, da Preclariflima Companhia dejefus, (3) acharemos,dá a Pelbar- to o diftinto elogio de Defeníbr Preclaro da Im- maculada Conceição : Perid tempus , diz, Jioruit etiam Pelbartus Themefvar ex Ordine Minoram, preclaras etiam Immaculat<e Conceptionis vindex inPomerio lib.4. Stellarii Mariani pertotum. E hum Author, que em huma Obra fe diz fer cheyo de fciencia , e preclaro , poder-fe-ha de al- guma forte dizer, que em eíTa mefma Obra he cfcuro?

O fegundo Author he António Cucaro f dias António Bonito de Cucaro ; do qual diz Wadingo citado, que depois de exercer religio- famente os primeiros empregos junto ás Reaes PeíToas de Fernando , e da Rainha das duas Si- cilias , foy eleito Bifpo de Monte Marino , e de- pois da Diecefe Arcenenfe , conferindo-lhe tan- tos benefícios , que pela fua Angular beneficên- cia

(?) Salazar lib. pro ImmmUConíepu tec.15. pag*438-

Hiiíoricb-Critica. 111

cia para com a pobreza foy chamado Pay dos po- bres. Compôs hum Manual de quafi iodas as de- finiçoen^e difcrepancias dos cafos da Confcien- cia , e ultimamente o Elucidário de Conceptione incontaminatíZ Virginis gloriojíe.

Tudo confirma Marraccio J (4) que, fallan- do defta ultima Obra, ( aonde efte IlluftriíTimo Prelado falia em efte Triunfo) a contempla no- bre , chêa de aflerçoens , em que naõ refplan- dece o mais efcondido da Filofofia , mas também o mais impenetrável de altiflima Theologia , tu- do ordenado á SantiíTSma Conceição da Virgem: Opus enim , diz , nobile , partim abftritfis P/ii/ofo- p/iia? y partim altijjimtf Theologi<e irrefragabilibus ajfertionibus refertum, de ter Sanei â Virginis Con- ceptione contexuit , eicjue titulum dedit : Elucida- rium Deiparae. P 'arifús excujfiim anno 1507. He logo efte Author em nada efeuro , antes em tudo illuftre , e confpicuo , ou feja contemplado pelo que exorna a fua peflba , ou pela qualidade da fua Obra. Pelo que refpeita á fua pefíba } he af- ferçaõ de tanta a evidencia , que toda outra qual- quer prova he fuperflua. Pelo que pertence á fua Obra ; fe o efeuro fe toma pelo defeonheci- do , eo claro pelo nobre , como diz Cicero , (;)

Q e tam-

(4) MarracciuscicparM. pag.l 19. (5) Cicer.Iib.i.Offic.

122 DiJfertaçàS

e também Calepino ; (6) fendo efta Obra tao nobre, rito he evidente que eíTa fua nobreza he exclufivo formal daquella efcuridade ? Nao fey fe difíera, que feria melhor a Natal Alexan- dre nao ter excitado fimilhante duvida ; porque defta forte evitaria que defcutiíTemos coufa tao clara, que para fe provar he fufficiente proferir o nome do feu Author o Illuftriífimo D. Fr António Cucaro : Omni a dixi , cumvivum dico, como talvez com menos propriedade de outrem o havia dito Plinio. (7) Nem por efta expref- faôdemim fe deve dizer que o amor me incli- na , quando todos fabem que primeiro eítá a verdade, e Platão depois. ConfeíTo fim, que piamente amo a efte Illuftriífimo Bifpo, e o devo arriar como Irmão meu tao benemérito \ eftoti porém certo \ que efta minha confiííao nao pu- gna com a íynceridade, e feveridade,que me pre* domina em o julgar, como de fi o diíTe Séneca: (8) Qjianvhpie di ligam 7fyncerc tamen, acjevere judico. Ante? fe affirmara, que quanto mais profu- famente amo , mais feveramente julgo , nao me faltaria emacçaõ tao nobre hum exemplar , co- mo Plinio: (9) *A-no (juidem fuse f judico ta* mcn & (juidem tanto acrius , quanto Jiifius amo.

O

(6) Calepin. verb. Obfcurus* (7) Plinius lib.f. Epift,4* (8 ) Senec, Epiíl. 1 7. (9) PJiniu$ in Panegyr.

Hiflorico-Crkíca. i á }

O terceiro Author he João Pineda,da Pre- clariffima Companhia de Jeíus , Varaõ de taõ grande , e feliz engenho ? que comprehende tu- do, quanto fe pode dizer de hum çxcellente Sá- bio. Elegantemente o diz o Author da Biblro- theca Mariana : (io) J oannes Pineda 7 Societatiê J tf/tf, natione Hijpanus , pátria Hijpalenfis f vir magni ac fe lieis ingenii , ftupendtf eruditionis f trium linguarum peritià mirabi/is , pietate , mode* ftià , ©* religionefingulari , cjui ab ipfa prima <eta- tefuà itfcjue ad ultimam non mi nus virtute, quam fapientià fioruit. Inter alia literária monumenta y quibus vim, O9 ucumen ingenii fui tam pr^efentibus, tjuam poftens comendavit tfcripftt materno fer ma- ne de Immaculata Conceptione Deipane Virginis, CJ* PrivilegiumJ oannis primi KegisAragonum pro eâdem Immaculata Conceptione Deipar<e Virgi* nis editum traãatus primas. Pro eodem traciatu contra alicjuorum morfus ^Apchgiam Hifpali ty- pis Gabrielis Ramos 1615. in 4. De eadem Immaculata Conceptione Sermonesi. ibidem anno 1618. , O1 aliamihi adhuc ignota.

Reflexione agora a Critica mais eferupu- loía , e fevera , fe a efeuridade he capaz de enco- brir, ou oceultar em fi a hum Heróe taõ famp- ío ? Sehe de eftupenda erudição : Stupenda em-

Q 2 ditionisj

(io)Marrac. part.i.pag.780. \

124 Dijlrtaçai

âitioms , que lhe falta para fer computado entre os eruditos, e os mais perfeitos? Sedefde a pri- meira idade até a ultima floreceo igualmente em fabedoria , e virtude ; ^Ab ipfa prima cetate fua z/f- que ad ultimam non mi nus virtute , quam fapientiâ Jlôruit 3 nao he efta hua das fabedoriasa mais fóli- da,e a mais bem fundada? Pode pugnar mais com o fer eícuro hum Author , q em os feus Efcritos, pela fua agudeza,e engenho,fe faz recomendável geralmente a todos, affim prefentes, como futu- ros : Inter alia literária monumenta, quibus vim, & acumen ingeniifui tampr<efentibus,quam abfentibus comendavit ? Finalmente, para dignamente enca- recermos a relevância deíle Heróe em feus critos, delles parece fe deve dizer, o que Séneca reconhecia em os Efcritos de Quinto Sextio : (i i) Ciimlegeris Sextium, dices: Vivit, viget, liber ejlfupra hominem.

O quarto Author he Fernando Quirino de Salazar, da Sapientiííima Companhia dejefus, Varaô taõ grande , que depois de concluir delle o Padre Filippe Alegambe os mais diftintos elo- gios em o exercício de grandes empregos , e em a renuncia de outros mayores, diz com elle Mar- rado as palavras feguintes : (i 2) Inter multa inge- nii , doãrinteque clarijjima monumenta , fpeãan-

dam,

(1 1) Senec.Epift.64. (iz) Marraccit. part.i.pag.}88.

Hifioricò-Crhica. 1 2 5

iam, legendamcjite Orbi dedit Def enfio nem prolm- maculata Virginis Conceptione. Opus plane erudi- tum , tf omnibus numeris abfohitum. E pode com razão dizer-fe efcuro Author ta5- elevado?

REFLEXAM XIII,

Em quefe continua a mefma matéria fobre a efcm riiaic dos Authores.

O Quinto Author he Chriftovao Moreno* Minorita, e Provincial da Provincia de Valença. Efcreveo Hijpanice a Vida do Beata Nicolao Fa&or, íèu Concollega, dada á luz em Alcalá apud haredes Joamiis Gratiani em o anno de 1588. , Livro digno de fe ler , como dizPof- fevino. (15) Efta mefma Obra fahio também L luz em alingua Italiana em Roma em o ann<* de 1590. Depois efcreveo também , Hijpanice^ De ciar is Família Sanâíi Francijci Viris. == J ti- verarium in Ccekim , em adrid 1 6 1 6 . u De Vir* tutibus aqiiíe benediãa , ibidem 1 5 86. in 8. ~ Vi- tam Sanóíi *Antoriú de V adita , ibidem 1 5 7 6 . in 8 . Corrigio,e addicipnou a Vida de S.Joaõ Evan- geliíla, efcrita por Diogo Stella, em Valença 1595. in 8. s= E finalmente, De pvritate Beata

Maria:

(1 3) Apud Vvading, de Sçriptor. OrãMinori

126 Dijertaçcío

Maria? Virginh , ibidem 1582. Eftasforao as Obras , que compôs efte Author , pelas quaes juftamcnte mereceo o encómio de igualmente pio , e douto, como refere Virlloto. (14) Do que fe conclue , naõ dever-fe dizer efcuro hum Author, aquém as fuás Obras tanto o notifi- cao.

O fexto Author he Gregório Ruiz, Mino* rita , e efcreveo os Commentarios em os quatro Livros das Sentenças , o que foy fufficiente pa- ra fer julgado por Author conhecido. (1 5)

O fettimo Author he Lezana , Eícritor de tanta literatura, como o atteftaõ as fuás mefmas Obras, cuja grandeza fazfuperflua outra qual- quer recomendação. Efte era o fentir de S. Gre- gório , quando dizia , que as Obras grandes tem em fi todo o applaufo : Bonorum operam pro- prium ejl, ut externo comendatore non egeant 9fed gratiam fitam , clim viJentur, ipfa teílantur. E por eftacaufa diíTe o mefmo Santo , que quando os Authores erao deita qualidade , imitavaõ á luz, cujoefplendor he da fua belleza o melhor pane- gy rifla : (16) Luxfuo utitur tejlimonio , tf non alie* no jnjfr ágio. Luzes chamarão os Antigos aos Va- roens Angulares , e famòfos : Luminis nomine ap-

pella-

(14) Virllotus \n Atbenis OnhoAoxorHm Sodalitii Frattcifcam apud Marrac. part.i.pag.i8 r. (15) Vvading,cic. de Sçript or.Ord.Aíinor, (16) San&. Acnbroíf, lib. r. fftX4m*ci$*9*

Hiftorich-Critica: 1 27

peííarunt } difíe-o Pierio Valeriano ; (17) e dos grandes engenhos com particular motivo odií- íe o difcretiííimo Fortunato. (1 8) Pois fe os Va- roens famoíbs faõ fem controveríia luz , e efta naõ neceffita de diftinta approvaçaõ; naõ arguiria fuperfluidade o intentar dar a conhecer Lezana, quando todo o Orbe literário o refpeita por hum Heróe de taõ rara íingularidade,e de tanta fama? Ifto feria íem duvida pertender illuminar com humaluz ao que eftivera circuido dos refplan- dores do Sol : Supervacanei laboris ejl dmendare confpicuos ; utfiin Sole pojitisfacem pr<eferat7 di£ fe o difcretiííimo Sy macho. (19)

O oytavo Author, que Natal Alexandre devia ver, (pois o cita \Vadingo ) (20) he Bernardino de Buftis, ou de Bufto. Foy efte hum Varaô douto em Letras Humanas 7 em Theo- logia , Filofofia , Jurifprudencia , e verfado ema Sagrada Efcritura.Ouví-o, naõ pofitiva, mas íim fuperlativamente, dizer ao elegantiffimo Hippo- lyto Marraccio : (21) Bernardim^ de Bufiis Ordi* nis Minorum , Italus , Pátria Mediolanenfis ; vir Philofophicis difciplims ad iiaujeam iifcjue injlrnâíus Júris utriujcjue jcientiâ exaãijfvne peritas , fuwr misçuejui temporis Theologis Kutãe ejusReligione,

vit<e*

(17) Píer. VaJer.verb. Lun. ( 1 8) Fortunat lib.4. de Potnit. (19) Symach. Jib.;.cap.48, (20) Vvading. in Vit.Scoti Operibuí^ cjus prxfixa. ( z 1 ) Marrac. cir.part. 1 . pag« z 1 7 & 1 1 8 i

12? "Díjfertctçao

vitaçuè fanSíitate Jileam) coaquaíh. Mariana Bibliotheca decori , ac ornamento intentus , edidit Mariale de excellentih Regina Coelieximium , ao devotijjimum, omni Theologiâ copio/um , ac in duo* decim partes divifum , excujfum ^Argentina 1496. H agonia 1 5 1 2 . Brixia 1589. at que alibi. ~ Ojfi- cium ImmaculataConceptionis B.Virginis àSix- to IV. Summo Pontífice approbatum annoi^ZZ. Valia.

E pode juftamente chamar-fe Author curo , o que he pleniffimamente inílruido em Fi- lofofia , exa&iffimamente perito em hum e ou- tro Direito , e igual aos mayores Theologos do íeu tempo ? Que Obra havia de produzir huma taõ illuftre caufa , que naõ foíle do feu principio expreífaõ perfeita? Havia fer Obra,a que ferviíTe de bafe a Filofofia mais profunda , e a Theolo- giâ mais elevada ; Obra, que, terminada ás excel- lencias da Mãy de Deos , naõ podia fer mais devota : em fim Obra , que, em todas as fuás par- tes contemplada , fe devia julgar confpicua. vedes , que na5 fou eu o que o affirmo 5 aííim o aíTeveraõ Eyfengrenio , Poflevino, ( 22) e Hip- polyto Marraccio citado. Eu confefíb, que mui- tas vezes tenho lido os feus Efcritos , e ainda que para os feus louvores feja o filencio , o que me

pren-

(11) Apud Vvading^ Scriptor. Ordi Min* verU Berwdinus.

Hijtovicb-Crhíca. 1 2 jr

prenda a língua, por domeftíco, para os Teus me- recidos elogios, aterão fem comparação melhor as fuás mefmas Obras : Halent opera linguam fuam, fitam facunâiam, et iam tacente lingaâ legeti- f/s,que difle S, Cypriano.

O nono Author , de que também Wadin« go fazmençaS em a citada Vida de Efcoto, he iNicolao Vernuleo. Defte Author diz Moreri, (25) o que, do Francez fielmente traduzido ao nofíb vulgar , he como fe fegue. k Nicolao Vernuleo, Hiftoriographo do Rey de Heípa- nha , e do Imperador , profeíTor publico da elo« quencia , e das bellas Letras em Lovayna, era originário do Ducado de Luxemburgo, enafci- do em Robelmont. . . .Enfinou também a Rhe- torica em a meíma Cidade , e depois do anno de 1608. foy feito profe flor da Eloquência em a efcóla publica das Artes. Seu merecimento lhe fez conferir o Canonicato da Igreja Colle- gial deS. Pedro damefma Cidade da Lovaina, c fuccedeo , em osempregos de Juris-Confulto, c de Hiftoriador dos Príncipes de Flandres , a Joaô Bautifta Gramaye em 161 1 .Depois da mor- te de Eyricio Puteano felhe encarregou de enfí- nar publicamente a Hiítoria,e a Politica em o

R Colle-

(13) Moreri Supphmm*au grmà Littionaire , tome fecunde pag« 488. verb. Verml^

1 5 o DiJfertaçaÓ

Coliegio das três línguas. Nicolao Vernuleo

poíTuia bem a arte Oratória , e todas as Sciencias,

que fe lhe determinou enfinaíTe. Efcreveo bem,

e com facilidade. O que tao folidamente lança

fora a efcuridade , que a fua evidencia exclue a

applicaçao.

O decimo, e ultimo Author he Pedro de Ojeda, da Efclarecida Companhia de Jefus. In- cumbia também a Natal Alexandre ver a efte Author; pois citando em oíimdeíla confuta- ção a Efcoto em o terceiro das Sentenças, que o Doutor Subtil compôs em Oxonia,em o primei- meiro deíles havia de encontrar a Vida de Efco- to , efcrita pelo Illuftriífimo Hugo Cavello , ci- tando em o Capitulo quinto a efte illuftre Efcri- tor, que também defende efte Triunfo. Sobre cujo Author fe explica Hippolyto Marrado (24) em os íeguintes termos: Petrus de Ojeda, So- cietatisjefu , natione Hifpanus 7 Marcenenjisin Botica Sacrarum Literarum tum Cordub^ , tum Granate inter prés eximais, & totius RcclefwflU az anticjuitatis ciiriojijjimus indagator , quem vir- tutibus cjuidem omnibus , fed inprimis infigni in B. Virginem pietate excellentem in fua Bibliotheca depr<edicat Alegambe. Vulgavit Hifpanice ~AU íegationem Tkeologicam pro Immaculata Concep*

tiona

(24) Marrac. cit. pare. 2. pag* t£6%

Hijíorieo-Critzca. 151

t!oneDeipar<e Virginis. Hijpali apud Àlphonjum R odriguez 161 6.111 4. De eadem et iam Conceptio- ne ingens volumen perfeótum pojl fe reUcjait.

E heefcuro hum Efcritor de taõ grande literatura , e muito mais fendo curiofiííimo inda- gador de toda a antiguidade Ecclefiaftica : Totius Ucclejiaftictf antiquitatis curiojijftmus indagatort A' vifta deftes Fados nem fe pode dizer mais, nem mais ouvir : Quidphtra referamt Quid verba audiamlCiím faota videanú Que diíTe Cicçro.(25) E como Wadingo,aííim em os Annaes^omo em a Vida de Efcoto , depois de referir aos men- cionados Authores , conclua íempre : Et aliiplu» rimi , e outros muitos ; poderia entre eftes tam- bém ver a Miguel Oyero f da Sapientiffima Or- dem do Grande Padre Santo Agoftinho, e a grandeza defte Àuthor (como melhor íe con* ceptuará vendo o Catalogo dos Efcritores da fua Ordem , ou de outros quaesquer ) feria fuf- ííciente para fe reconhecer quam indevida- mente applicou Natal Alexandre a todos eftes Authores a exclufiva da efcuridade , que he a ília primeira razão refutante defte taô gloriofo Triunfo de Efcoto.

R 2 RE-

(25) Cictr. $. TuícuL'

152 Ditfertctçdo

REFLEXAM XIV.

Em que genericamente Je convence a futilidade do Argumento negativo.

SE confultarmos aos Authores mais graves; que failáraõ (obre efte argumento , tranfcen- dentemente clamaráô todos contra a fua futilida- de. Ouçamos aos Hefpanhoes , e feja o primei- ro João Pitieda , e nos dirá , que o argumento, deduzido de authoridade negativa 7 naõ tem grande força contra , o que o nega : (26) KÁrgii- mentum ah auóíoritate , quod vocant> negativa, vim non magnam adverfus renitentem hahet. Seja o fegundo Alphonfo Salmeron , e nos aflevera- rá, que eíle argumento negativo he débil , e de nenhum valor : (27) Hoc argumentum eft ab au- ãoritate negative defumptum > cjuod injirmum eft> CJ* nullius roboris.

Seja o terceiro o Grande Alfonfo Tofta- do, e nos dirá, que o argumento negativo , nem he verofimil, nem he verdadeiro : (28) Locus enim ab auoíoritate negativa , nec ejl verus , ne-

(jue

(zã) Pined. Iib.4. àt Rebus Salemonisc. 14. $. 5. n. 4. (2.7) Alphonf. Salmer. in Aãa Apqft.tt*& 6^pag,$9o.mihi col.l. (28) Toftado ím Cõmenttrits in cap^j, Gencíis pag.$ 36* mihi eol^ I.IiccraA.

Hijtorico-Crittca. 135

que vèroftmilis ; (juid enim vaíet , non legitur 7 (jubd venit Beatits Paulus in Hijpanias : ergo non vènitl !=: Seja o quarto o diligentiíTimo Francifco Tur- riano, que egregiamente deftroe o argumento da authoridade negativa , ou extraindo do Men- eio dos Authores. (29) t=r Seja o quinto o Illu- ftriffimo Doutor D. Luiz Tena , Bifpo Derthu* fano , o qual (30) enfina , que o argumento , de- duzido da authoridade negativa, nada vale: ±Ar* gumentum > duõtum ah auãoritate negativa } nihil valet.

Se confultarmos aos Authores Inglezes^ os reconheceremos em efta mefma fentença uni- formes. Seja o primeiro Nicolao Harpersfeldio, ( encuberto debaixo do nome de Alano Copo) o qual depois de haver referido o erro dos Mag- deburgenfes : (3 1) Prima , & Apojlolica Ecclefia i/ias initiandiMonachi c<eremonias detonfura , de vejlibus mutandis , & fxmiles ignoravit ; tendo em pouco efte argumento negativo , Carholicamen- te accrèfcenta : Sedquâ ratione , cjiiâ auãoritate , fjuoveterum tejlimonio ideolligunt Magdelurgen*

(19) Turriano tn Befinfione' pro Epiftolis Decretalibm Pontificum j4pQftõlicorumad<verfHs Adfagdeburgenjeslib.s. cap.20. à pag 6©8.

(50) D.Luis Tena In Ifagoge Sacra Scriptnr<c Jib. 5. dtffic. 8. pag. 17l.col.i. (31) Harpcrstcid. in Dialogis contra Simmi Pontifica-, tus , Monafi\c£ Pit£> Sanãorum , Sacrar. Imagxnum eppugnatôrcs/j* PfeudòMartyrcSjDulog. a.cap.f. pag. 199,

i}4 Dijertaqdô

fes : merajcilicet , utjolent , inficiaúone. H<ec ejl enim qiúnti hujusEvangelii ad mi rabi lis adrescon- troverfas probandas Dia/eãica.

Seja o fegimdo Guillielmio Bervegio, o qual merecidamente zombando de Dalleo , e do Anonymo Obfervador , que contra elle difpu- tava dereHiJlorica com argumentos negativos, diz: (i) *Adeò , uttota eorum dijputatio negati- vis fo/isjimdata argumentis r nihil aliud fit , cjuant incertitudincm cjuarumdam , & dubiarum hypothe- Jium congeries.

Se coníultarmos aos Portuguezes , os ad- miraremos indifcrepantes em omefmo fentimen* to. Falle primeiro por todos o Padre Foníeca f e nos certificará que he argumento eíle , que nadaconclue: (2) Argumentum negativè ex aih Cioritate , non ejl hocpaão concludere : ^Ari/lote- les nondixit , hocita non ejfe : ergo non itaefl7 (ut ipfi pntant) Jed hoc modo , Ari/loteies dixiti hoc non ita efje : ergo non ha ejl.

Seja o fegundo Chriílovao Gil 7 da mef- ma Companhia de Jefus , e nos affirmará , que eíle argumento negativo he univerfalmente inu- til ix}) ^Argumentum negatwum ejt, cum exeo>

cjuod

(1) Guillielm; Berveg. in Codicê Canonum Ecclefix Primhiwin* àkdto, & illttftrato, lib i . c. 1 6< 0.8. pag. I $6. (i) Fonfec. InftituU Dialeãiearum lib.y.cap. 3 s (3) Chriftoph. Gil in Cõment4tiombu$ Theologicis lib. l*tfa&.7.cap.4.pag.3<>2. 0,5,

Hijlerico-Crhica. 135

ciíòd Patres alicjuid non dixerint , aut hoc , aut tilo locjuendi genere non iififuerint , concludit alicjuis r id non efe oferendam y v cl non utendum hoc loquen* di genere. Hoc aut em argumenti genus inuniver- fum eft inutile , ciim argumentamur ah auãoritata et iam Divina : nam cjuisferat itaarguentem} Deus hoc non revelavit : ergo non eft ? Poteft (juippe ejje, {juanvis Deus non revelaverit > quanvis Conci/ia, (f Patres non dixerint : dummodo tamen oppojitum non ajerat.

Sirvaõ de coroa a todos eftes fentimentos* osmefmos Francezes. O primeiro, o celebre Critico Tillemont , (4) o qual (ainda que incon- sequente ) regeita o argumento de omifTaõ , oa do filencio , pela razaô de que in *Auftoribusre* periuntur hífinitce omijftones , de cjuibus rationem reddere nemofcit. t= O fegundo o Grande Pa- gi , Minorita , o qual aíTevera, que o argumen- to negativo , deílituido de outra qualquer prova, lie fallaz , efu jeito a erro. (5) O terceiro Jacob Salvano, da Companhia de Jefus, Author Cia- riffimo dos Annaes Ecclefiafticos do Antigo Teftamento, o qual defpreza o argumento ne- gativo >e o julga de nenhum valor. (6)

O

(4) Tillemont tom.i; Aíenwr.aàHiftoriam EccUf.Nota j.Circad* poftôlitm STbomam pag.66o.mihi. (5) Pagi in Cruic.HtftoricòChro* ttobgiça inUniwerfos Annales Ecclíf. C/faris BAromi tom. i.(xc z* adann.Chrifti 147.J. 15.(6) Jacob Salvanus tom.i.adan.i.6$4-n^.

I3<S DífertaçaS

O quarto Theophilo Rainaudo, da me A ma Companhia , Varão recommenctabiliífimo, o qual enfina, que o argumento, deduzido do filencio , he hum fundamento muito mal edifica- do. (7) Ifto mefmo havia antes o mefmo Raynaudo eníínado ; (8) pois fallando de hum certo argumento de Papyrio Mafioni, o reputa taõ contemptivel , que, ainda pelos meninos , e principiantes da Diale&ica, o julga digno de fer tido por coufa de mayor irrifaõ : %Argumentum certe ejus pejftme materiatum ejt , O* vel quatien- te, aut propellente nemine labans. Nam apud Dia- leóíicorum pueros pervulgatum eft , ludricum habe- ri argumentum abauStoritate negativajive afilen- tio, O* prtfteritione nuda anteriorum , qui quidem non refragcntur , fed tantum nonjufFragentur ^ri- éethanc ar gumentandi formam Sanfíus Hierony- mus.

O quinto João Columbo, da meíma Com- panhia, (9) o qual defpreza o argumento nega- tivo tanto , que duvida pofla ter o nome de ar- gumento : Qikt adverfarius tertium queque feri- pfit, & per Lutetiam fparfit , noneafunt, ntji- dem iltam , qu<e per faculafere fexfteterat ineon*

cuja,

(7) Theoph.Raynauâ. tom.rç.hoc efttom.i .Heteroclitorumjt{b* 3.pun£il.pag.2,4$.col.2,. (8) Idem tom.;. n.8.pag.l7*col

( 9) Joann. Columb. tn Opufçulus nuariu Htfioricti Diflert* de C*r- tupAtiomm inittis n.9}.

Hijlorico-Critica. 1 5 7

cuJa,potueritfeu extinguerejeu dejicere.Nunxjuam i/le,autpotius Marfjas eam diruat, aut excutiety vel imminuat uno abnutivo illo Argumento fitamen Ar- gumentam. E± O fexto o Sapientiííimo Padre Ig- nacio LaubruíTel , da mefma Companhia deje- fus, (10) em quanto enfina, que o argumento ne- gativo eftáíu jeito a cem excepçoens,eque entre os Críticos feha como a efpada de dous fios em amaõ efe bum homem furiofo.

O fettimo o Doutiffimo Joaõ Cabafluciof da Congregação do Oratório de Jefu Chrifto em França, (n) o qual affirma?que de meros negativos nada fe conclue : Certe ex merc nega- tivis mhil concluditur, neejue ex eo , quod Marcelli- ni culpam xAuguftinus ignoravit , in ferre (ju\s po- ttft >fulJFe fabttlofam , 11011 magh (juam inferat quif* piam , nul/um fui fie Sardicenfe Concilium , ex eo f ijuòd idem Auguftinus illud mimtne agnovit. £2 O oytavo , e ultimo Joaó Bautiíla Thiers , que pa- ra refutar efte argumento negativo deo á luz hum inteiro Volume, intitulado: Exercitatio adverfus Joannis Launoii Differtationem de auCto* ritate negantis argumenti , e fe deo á luz em Pa- ríz em o anno de 1662. , em oitavo, contra Lati-

S noio*

(10) Ignar. LaubruíTel in Opere de Abufu€ritices in wauria J?e/í- gionis , tom. i ,lib. i . arr.i. ( 1 1 ) Joan. CíbaíTuc in NoiittA £cck~ Jiájtiçi } ubi de Condito Sinuejjfino, pag.8c.col.i.mihi

rj? j 'Dijfertaçatí

noio. Enindaque éfte fe esforçou arefponder-* lhe em o Apêndice á fua DiíTertaçaõ , dada fe* gunda vezá luzem o armo de 1 662. ., em oitavo, ifto jfo foy para augmentar a Thiers os luftres, como facilmente comprehenderá quem paffar pelos olhos a fua bem formada DiíTertaçaõ. Çg he i traufcendentemente coníiderado , o ar- gumenço abnutivo , inficial, ou negativo, de que Natal Alexandre fe valeo , para dar por to* talméhte .fabulofo aquelle taõ decantado Triun- fo': Id toiurit fabitlofnm efe ojtendit filentium , o que fe fará mais vifivel em a fua contracção. Maseomo Launoio fofle o principal Archite- &o de hum tal argumento, agradando a Natal Alexandre tanto o fegui-lo, íerá jufto demos primeiro alguma noticia da qualidade defte feu taõ grato Prototypo.

RE FLEXA M XV.

Emqueje a conhecer quem foy Launoio.

LAunoio foy aquelle Doutor Sorbonica de taõ grande erudição, que compôs fet-*. tenta Volumes. Mas como a fua compofiçaõ ten- dia mais adeílruir, que a edificar, foy ferida a niayor parte deíTes Volumes do rayo Vaticano,

por

Hyiortco-Critica. 1 3 9

por lhe condenar a Apoftolica mais de trinta e féis y como diz o Sapientiííimo D. Manoel Caetano de Soufa. (12) Efte foy aquelle Au* thor , que em muitos dos feus Livros , dados ao publico , eílabeleceo por principio confiante, e certo : que fe havia mandar para as fabulas tudo, que feparaíTe a ordem commua das coufas , como oaffirma delle o Grande Honorato t (13) Nemo e/l cjui Tjefciat , Launoium Doóíorem Sorbonicum in píer ijcjnelibris fui s y publica utilitati commijfiSj, certi atcjue conjianth principii loco pojuijfe : ad fa- bulas amandanda efe cmnia , ccmmunem rerum crdinem excedentia. Parece que propriamente de Launoio fallava FJeury , quando diíTe, (14) que havia Catholicos,que fe naõ atreviaÕ a crer milagres , nem vifocns , temendo os tivef* fem por fimplices , peffimamente emulando em hum tal erro aos Hereges , e ifto a fim de íe- rem tidos por doutos , coufa digniííima de fer deplorada com lagrimas de fangue : Sed qmdfan- guineis lacrymis deplorandum ejl , cjuod etiam Ca- tholici nonnulli , ut videantur doai , peJJimâ Hcere- ticorum <emulatione,in fiunc error em trahuntur.Sunt tnim y (jui non audent credere miracula , neaue vU Jioncs , timentes videri miniisftmplices.

S 2 Efte

(11) D.Emmanuel Caiet.de Soufa in Di/fert.HiJiorico Critica 9 aí- íe#t. 44.0.8$. (l ?) Honorar.part.i.DiíTerr. ). pag.274. mihi. (14) Fleuryus in Prófation* tona.l. fíift.Ecclef.

Ho . Difertaçat

Efte he aquelle Efcritor, que intentou fun- dar a certeza do argumento negativo ; (i j) ain- da fendo taõ familiar aos Hereges a fua praxe , e ufo , como deftes aíTevera Chriftovaõ Gil , (16) tendo-o de antes obfervado Nicolao Har- persfeldio, (17) fallando dos Hereges Magde- burgenfes .- Poftcjiiam monftra , diz, <ju<e devince- rent ; tam magno impctuformidandam filam Her* culh ciavam perfolitamfuam dialecticam contar- (juent ,utillamSocratis , <&Sozomeni narrationem confringant. E ainda que a efte argumento nega- tivo o intitule a Clava Hercúlea dos Hereges, he fomente proferido por ironia ; por quanta nao he efte argumento outra coufa mais , do que hum bordão decana, débil , fallaz , cheyo de vacuidade , e fem fubíiftencia : Baculus arnndi- neus , que diíTe Ezechiel. (18) Sobre o que Cor- nelioa Lapide: Ideftjiifientacuhiminpromijione, fed in executione arundineus , id ejl , infirmus , va- cuns , inanis , (ffal/ax.

Dos Calvinianos o attefta Theophilo Rai- naudo, [19] defcrevendo a Epiftola de hum homem Calvinifta, mandada de Gebenna, lugar de França, em 20. deSettembrode 1645., que

falia

(I*) Honorat. loc.proximc cít. (16) Chriftophor.Gil lib.i.Comi wemarior. tra&, i. d4.pag.36z. (17) NicoI.Harpersf cíc.Dialog, l.cap.i i.pag.66. (18) Ezechiel cap.16.verf.16. (19) Rainaud.ck. tom^S. in Herçidt CQmmodianOy quacfuo 5, pag, 5 \6.

Hijlerico-Crhica. 141

falia affim de Launoio : Eum tametji,ò\z a carta, ab Eccleft£ Romana Doãoribus , falfitatis}^ inf- cittie vehementer infimulatum , mirum in modum vrobarunt nojtri Gebenenfes Mini feri. Primo enim injijlity note-fe, noftro folemni inTraditiones ar- gumento) (jiio iis tantum , (ju<e vel in Sacris Bibliis, velPatribus priorum jtfculorum extant , nitendum ejfe ajferimus.

E dos Lutheranos , addiótos a Launoio , o affirma o Doutiííimo Manoel de Schelftrate, (20) referindo hum elogio feito a Launoio por* António Reifero, Miniftro Hamburguez , em hum Livro , dado áluz em Amfterdaõ emoan- no de 1685., a 4ue deo por titulo : Joannes Lau- noius Theologus, tfSorbonifta Vçriftcnjisy teftis, & Confejfor Veritatis EvangeHcb-Catholicrt in potioribus Fidei (irticidis^controverjis adverfus R o- bertum Belkrminum, z? alios cjuofdam Sedis Roma* n<e defenfores+...Vindicatus.

Efte he aquelle homem , ao Ceo , e á ter- ra taÕ formidável , que com a fua Critica lançou do Ceo mais Bemaventurados, do que dez Ro- manos Pontífices colloeáraõ em o Catalogo dos Santos. Affim o diz o Padre Ignacio Laubru£ fel , fallando de Launoio: (21) LaiinoiumfuâCri-

tice

(ic)Emman.ScheIftr3tetom.2.'^«í/^/V. Ecchfiajl. DiíTcrt. 2. c.' ^art. r .n;i.pag 1 2. 1 col. 1 . (2, 1 ) Ignat. LaubruíTcl in cit. opere- de Abu[u Critices ih mat.falig.tom. 1 .Iib. 1 .§J5. pag.77.

142 'Dijertaçafi

ticeyCcelo terneque Jbrmidalili, plures S anatos clé~ jecijfe dcCoelo , cjuam decem Romani Pontífices Sanãorum Catalogo' adfcripferint.

Finalmente,efte he aquelle famofo Critico, que para o ufo deíle argumento negativo ideou a regra mais comprehenííva, e univerfal, que po- dia ler o mundo : (22) Ex hh , (jutf ex conditione Jaãi, & ufu } CS* traditione pende nt yJi abnutiva ra~ tio (juadret , itt omnem penitus fubjeãam meteriam jirmijfima judie ari debetyji non (juadret , cuia pô+ teft maius, uut mi nus quadrar e , ali quando proba- bilitatis habet alicjuid , ali quando mhil ', idejue f<epius+ Diz pois Launoio em eíla regra prodigiofa : Sc quadra , he o argumento negativo firmiffimo em toda a matéria. Se naõ quadra , porque pode tnais ou menos quadrar , tem algumas vezes ai* guma probabilidade ? outras nenhuma , e iíloas mais vezes. Pode haver regra mais notável, e tranfeendente queefta ! Regra , que igualmente ferve ao que nega , como ao que affirma l Re- gra , que , fendo huma , he dire&iva de coufas contrarias! EquequizeíTe Natal Alexandre ter por exemplar a Launoio ávifta de huma fimi- Ihante regra 1 Nao íey fe feria ifto para nos perfuadir , que nao era para temer argumenta

taó

(Zl) Laqnoius Epiã* twjcttpau ad DiJJert* de argttmenu ttegati*

Hijtorico-Criticâ. 1 4 j

t&õ irregular. Perfuade-nos efte defengano a fe~ guinte Reflexão.

REFLEXA M XVI.

Sobre afegunda r azai f ou fundamento deNa- j tal ^Alexandre.

A Segunda razaõ , ou a feguhdo fundamefi- to,que Natal Alexandre teve para dar por fabulofo aquelle Triunfo, , que nenhum dos Authores , que o affirmaô > era contemporâneo, ou quaíi do mefmo tempo de Efcoto : Nid/uç çocevus , autfuppar. Logo a razão , em que Natal Alexandre fe firma , fe reduz toda ao íílencio dek fcs Authores coevos , ou quafi do mefmo tem- po de Efcoto , o que naõ he outra coufa mais, do que expreíTamente fundar-fe em o Argumen* to negativo. E como da certeza defte foíTe o Archite&o Launoio, jufto fera recorramos á fua doutrina , para delia deduzirmos o que Natal Alexandre nos quiz dizer em termos taõ breves: o que tudo fenfibilizarâõ os feguintes Syllogif* mos.

1. Nenhuma coufa , tida emjilencio pelos Bfcritores iguaes, he verdadeira > O triunfo de Efcoto em Pa~

rizr

144 DiJertaçâS

rizjiecoiifatida emjitencio pelos Efcritores iguaes: Logo o Triunfo de Ejcoto em Pariz ncio he verda- deiro.

2

Toda a couja } tida emfilencio -por todos os Efcri- tores iguaes , hefabuloja; O Triunfo de Efcoto em Pariz , he couja tida emfúencio por todos os Efcri- tores iguaes : Logo efle Triunfo de Ejcoto em Pa- riz he coufa fabulo fa.

He innegavel , que eftes dous Syllogi finos eílaõ era forma , porque o primeiro eftá em Fe- rio , e o fegundo em Darii ; mas também íe nao pode negar , que ambos claudicaÕ em a matéria} porque o confequente de hum ?e outro he falfo, por caufa da falfidade de huma , ou antes de am- bas as premi (Tas. Em primeiro lugar hefalfaa- quella mayor negativa : Nenhuma coufa &c.y edomefmo modo he falfa aquella mayor af- firmativa : Toda a coufa Wc. : e a razão he ; porque entre as coufas , e a efcritura das cou- fas fenao connexaõ neceflaria : porque fem- pre a coufa verdadeira precede á efcritura Hi- ftorica , e muitas vezes fe efcritura fem coufa , como acontece em os Efcritos falfos ; e porque também pode perecer a efcritura , per- manecendo algumas vezes a coufa. Logofaó fal- ias

Hiftorico-Crhica. 1 4 5

ias aquellas duas premiíTas mayores, aífimaffir- mativa , como negativa ; do que evidentemente refulta, que osSyllogifmos, que delias conílaÕ, nada provaõ. Depois difto, aquella premifla me- nor affirmativa, commíía a hum, e outro Syllo- gifmo , naõ he tao certa , que^eftejamos precisa- dos a concedê-la, como fe fará mais perceptível, reípondendo ao Enthymema feguinte:

O Triunfo de Ejcoto em Variz , naú he escrito por Authores iguoes : Logo ejle Triunfo Ire fabulo fo , ounal) he verdadeiro*

Efte Enthymema fuppõem huma caufal condi- cionada, em a qual fe reíblve , e he efta:

l^orque, fe fojfe verdadeiro, neceffariamente fe~ riaefcrito por ^Authores iguaes.

E cila caufal condicionada he falfiffima, nao íó porque todas as coufas nao faô efcritas por Au- thores iguaes ; mas principalmente, porque ne- nhumas faõ neceíTariamente efcritas, fim con- tingentemente. Logo, ainda dado o antecedente do Enthymema , fe deve negar o confequente , e a confequencia , como pullulando de híía cau- fal , e condicional falfa. Mas quando ainda ne-

T nhum

14-6 Dljfertaçao

nhum deíles argumentos foíTe capaz de concluir defalfa a doutrina fundada em eíle argumento negativo, ou em ofilencio, fomente o confe- gueria o feguinte Dilemma. w Ou o argumen- to negativo , e fundado em o filencio , naõ prova o que intenta , ou prova o intento. Se naõ pro- va, o intento, ( como certamente naô prova) nada urge aos que affirmaõ eíle Triunfo , e fruílraneamente fe oppõem pelos que o ne- gaõ. Se prova o intento , igualmente urge aos que o affirmaõ, como aos que o negaõ ■; antes urge mais aos que o negao , do que aos que o affirmaõ. Eido fe prova com evidencia: no- te-fe a prova. Se fe naõ pode affirmar, que Ef- coto tivera aquelle Triunfo , porque fenaõ acha Author y que o affirmaíTe , que foíTe contempo- râneo, ou quaíi do mefmo tempo de Efcoto j como fe poderá negar , que Efcoto tivera hum tal Triunfo , naõ achando-fe Author , que o ne- gaíTe , e tive fie por fabulofo antes de Natal A- lexandre ? Logo eíle argumento igualmente ur- ge aos que affinruõ eíle Triunfo , como aos que o negaõ. Antes mais urge aos que o negaõ, do q aos que o affirmaõ : o que fe prova , calculando o tempo, em que eíles Authores floreceraõ. Efco- to floreceo em o principio do feculo 14. , fuc- cedendo afuamorte em oanno deijoS. ,coi7io

coníla

Wifioricb-Critica. 147

confta do Epitaphio do feu fepulchro , adverti- do já emhuma àe(\&s Reflexoens. Durou lo- go o filencio defte Triunfo muito menos dedu- zentos annos ; pois os primeiros Authores, que o affirmárao, e forao Pelbarto $ o Illuftnftimo D. Fr. António Cucaro, e Bernardino de Buftis, flo- receraôemofeculoi5.,immediato ao feculo, em que floreceo Efcoto , como também fe moftrou , fallando dcdcs Authores. Nata! Alexandre, que he o que nega efte Triunfo , floreceo mui- to depois do feculo 17. , efcrevendo á pofterida- de efta noticia depois do armo de 1 6 8 1 . j porque depois defte anno haviaafua HiftoriaEcclefiafti- ca comprehendido fomente até o feculo 10. , co- mo já ponderamos, fallando do elogio defte erudito. Logo, durando o filencio defte Triun- fo, até o tempo de fe affirmar, muito menos de duzentos annos, e muito mais de 370. até o tempo de Natal Alexandre , que foy o primei- ro que o negou j a fer concludente prova efte filencio refpeito daquelle Triunfo , mais urge a Natal Alexandre , que o nega , do que a Pelbar- to, ao Mluftriíumo D. Fr. António Cucaro, e a Bernardino de Buftis , que o affirmaÕ : por fer certo , que quanto mayor he a caufa , mayor de- ve fer o feu eífeito. Logo, fendo muito mais prolongado o filencio f que antecede , dos que

T 2 negaô

14? Dijcrtaçati

negaõ eíle Triunfo , do que o feu filencio refpei- to dos que o affirmaõ ; fe faz evidente , que eíle filencio urge menos aos que affirmaõ,e urge mui- to mais aos que negaõ.

Elevemos mais eíle argumento,e para lhe dar- mos mais força , concedamos de graça a Natal Alexandre , que eíla fua negativa fe principiaffe a contar defde o tempo, em que efcreveraõ a affirmativa aquelles primeiros Authores. Ain- da em eíla gratuita hypothefi, digo que o argu- mento de Natal Alexandre nada conclue con- tra aquelle Triunfo ; porque como a fua impof- íibilidade a transfunde em o filencio , como eíle nada prova , nada conclue o íeu argumento. Logo fe em eíla hypothefi ainda fe nao pode impugnar eíle Triunfo porauthoridade , que o nega ; como poderá eíle Triunfo fer impugna- do por humã authoridade negada, que he o mef- mo que eífe filencio , que Natal Alexandre ex- plica, em naõ haverem efcrito eíle Triunfo Au- thores contemporâneos , ou quafi do mefmo tempo de Efcoto.

Em tom decretorio , e Magiílral continua Launoio a eílabelecer a certeza deíle grande ar- gumento, intimado por eíle modo: (23) Sed (jui tamfaljò guam ignoranter dicunt, nihilullts ne-

gantibuz

(4.3) Lannoius in Dijfert. cít. càp, 150» pag, x 17.

Hifiorke-Critica. 149

gantibus probari > ne animadvevterunt (findem , afe- verioribus Dialeâticis notari folitum negativam conjecutionem alicjuando valer e : femper enim , /#• (juiunt y conjecutio valet a negativa de prtfdicat o fi- nito a d affirmativam de prcedicato injinito ,Ji mo- do totum 1 & fohtm infinitumfiat Kftve , nt locjui mos e/ly infinitetur rd, cjuod negatumfuit , necfubje- atum mutetur , nec ulla propojitionem anadiplofis ajficiat. Deinde conjecutio valet etiam , inquiunt, ab afirmativa de pr<edicato infinito ad negativam de prcedicato finito , fi modo ad tempus prtefens , non pr&teritum , vel futurum propofitio refieratur. Horum exempla legi pojfunt apud nonnullos ex iis, qui in lAriflotelis libros de Interpretatione , <& de priori *AnalyJi Commentarios ediderunt.

AíTim falia efte taõ famigerado Critico. Mas donde fonhou Launoio , que foíTe alguém taõ ignorante, quedifleíTe: Ni/iilul/is negantibus probari , quando ninguém ha , que naõ fay- ba, que a conclufaô negativa naõ pode deduzir- fe fenaõ por influxo de buma das premiíTas , que feja negativa ? Vale pois a confequencia da ne- gativa do predicado finito á affirmativa de pre- dicado infinito. Porque vale : Lignum nonejl lá- pis : ergo lignum efl non lápis. Vale a confequen* eia da affirmativa do predicado infinito para a ne- gativa do predicado finito. Porque vale-' Lignum

e/l

150 Difertaçao

ejl non Japis I ergoligmim non eft Japis. Mas defía doutrina que fe fegue contra nós , que naÔ con- cedamos a Launoio, e a Natal Alexandre feu fe- quaz ? Concedemos pois em a matéria fujeita : O Triunfo de Ejecto em Pariz , nao he ejerito por AutJwresiguaesihogo lie nao ejerito. HenaÔ ef+ crito : Logo nai he ejerito.

Para que era neceíTario a Launoio recor- rer aos termos infinitos , ou infinitantes, quan^ do podia trazer outros exemplos muito mais cla- ros 5 fendo certo, que de qualquer propofiçaõ fubalternante negativa fe infere propofiçaõ fub- alternada negativa ; ou ainda mais claro : de qualquer univerfal negativa fe infere particular negativa. Sobre o que ouçamos ao Doutifflma Chryfoftomo Javello í (24) *Ab univerfali negati- va ad (juamlibet Jingularem eft Jemper, O9 univer- Jaliter bona confeejuentia. Nam bene Jequitur in omni matéria > tam naturali , cjuam conúngentiy quàm re m o ta , u t c ; Niillus homo eft ratio nalis: ergo nec ifte nec iJle.

De concedermos pois , que da negação do predicado finito fe infira a affirmaçaô do predi- cado infinito, nada he contra nós ; porque da affirmaçaô de hum oppofto , bem fe fegue a ne- gação do outro oppofto , & è contra j e ifto nao

do

(14) Javellus tra&. 9. Canfeqtientiis , part.i.$. Tertia cft.

Hyiorico-Crhica. 151

do influxo da propofiçaõ affirmativa; porque a propofiçaõ negativa íe naõ pode inferir da af- firmativa , fegundo a regra , de que Concliific jetn- per necejfariò fequitur áebiliorem partem ; mas também do influxo da propofiçaõ negativa, que, como mais débil, deve feguir a conclufaõ.

Oppôem-fe pois o fignificado do termo in- finito ao fignificado do termo finito, &e contra, como enfina Javello 3 (25) porque , como elle mefmo nota , (26) o termo infinito he o que ne- ga huma natureza ; convêm a faber: aquella, que íignifica o termo finito > e fe verifica de qual- quer outra , e por iíTo fe diz infinito : o que mais claramente conhecerá o que obfervar , com Ite- ro , (27) que o termo infinito fe diz também termo negativo 5 porque íignifica negação abfo- luta de coufa pofitiva, ou quafi pofitiva , uti Non homo, non laph , non Cérberus. O homem , a pedra faõ coufaspolicivas , e o Cérbero coufa quafi pofitiva ; e o mefmo he , que eftas couíàs íè neguem em a propofiçaõ negativa do termo pofitivo , do que affirmarem-fe em a propofiçaõ affirmativa do termo negativo.

E arazaõ commua de todo o dito he, que

o COn-

CiS) Javellus tra&. ;. de Propõfttictie csp.i. foi. 44. (26) I<3em. tra&.i. de Partibus Propofuionis cap.i.tf. Sef timadivifio,

(Z7) Itcrus in Synopei FbylofophU Raúonalis íe<3. i.cap.j.n.^;

152 Dijertaçcé

o confequente deve conter-fe em o anteceden- te , como acontece em os exemplos expendidos, e fe nao verifica em o noíTo calo s porque a nao exiftencia da coufa fe nao contém em a naô exi- ftencia daefcritura igual; porque pode a coufa exiftir , íem que exifta a efcritura igual , como ao noíTo intento : O Triunfo de Ejcoto em Pariz, nao foy efcrito por *Authores iguaes^ nao pode inferir- fe: Logo o tal Triunfo nao foy) porque a exiftencia daquelle Triunfo fe nao contêm em a exiftencia da eícritura igual, affim como a propofiça5 fubal- ternada fe contêm em a fua fubalternante. Mas fomente fe pode inferir propofiçaõ do verbo paííívo aflimiOí Iguaes naí ejcreverao o tal Triun- fo: Logo o tal Triunfo nao foy efcrito pelos Iguaes. Ou : O tal Triunfo nao foy efcrito pelos Iguaes: Logo naifoy efcrito.

A razão Diale&ica \ porque nao vale efta argumentação , O Triunfo de Efcoto em Partz, nao foy efcrito pelos Iguaes : Logo acjuelle Triun- fo nai foy ; he, porque o antecedente he propo- fiçao de tertio adjacente, e o confequente he pro- pofiçao de fecundo adjacente ; porque naõ vale: Nullus homo ejl lapts : ergo nullus homo efiyt fimi- Ihantemente naô vale : O Triunfo de Efcoto ntío he efcrito pelos Iguaes : Logo o tal Triunfo nao he-, porque aílim como o homem he, fem que feja

Pe:

Hijloricò-Criuca. i y 5

pedra , aífim aquelle Triunfo he, femque fejaef- crito: por-iífohe confequencia : *A(]uelle Triunfo nao he ejcrito pelos Iguaes : Logo aquel- k Triunfo ncâ he$ porque em aquella o antece- dente pode fer verdadeiro, fem que o confe- quente feja verdadeiro , o que he final de confequencia ,• que por iflb nao he confe- quencia , nem ferve para fer adquirida afcien- cia f mas he cauíà de erro ; como affirma Javel- Io. (28)

Depois defta fua taõ rara Diale£lica, a inten- ta Launoio elevar com huma alta paridade , di- zendo : (29) Tum rurfus dicendum , rationem non ejfe potiorem7cur negativa ratiocinatio in rebus me- reHiftoricis momenti non fit magniyn matéria vero Fideijit firmijftmi , id eji maximi. O que fe em- penha a confirmar com as feguintes palavras : Si negativa ratiocinatio in Fidei matéria momenti Jit magni ? in rebus vero Hijloricis momenti non po- terit ejje magni. Ç)u<e enim difputandi methodus fuJUcit 9 ut dogma Fide Divina credendum vindi- cetur , & contraria illifafitas defiruatur 5 eadem W> Jujficiet , ut narratio humana tanthmjide cre- dendavindicetur , (f contraria HUfalfitasdeJlriia- tur.

V Em

(l8)javel!ustratf. 9. âe Confequentus cap, t. (t^)Lâunomin xpwdiçe cit.^animadverfionc 1 5. pag. 2,50.

154 lòijertnqdo

Em o que claramente fe faz Launoio paridade da Divina para a Humana, que fe ás Iliftorias \ por quanto diz , que fe a racio- cinaçaõ negativa em matéria de he de mo- mento grande , porque o nao fera também em as coufas Hiftoricas ? Mas tudo ifto diz Launoio, fem querer advertir a grande difparidade, que aqui fe interpõem, por fe dar mayor razaõ ; para que a negativa raciocinaçao em as coulas mere Hi- ftoricas nao feja de grande pezo , em matéria po- rem de feja de momento firmifíimo , e máxi- mo.O que íe faz evidente;porque,paraque algua propofiçaô fehaja de crer com fobrenatural, íie necefTario que o teftimunho venha daautho- ridade de Deos revelante , e nao dado efte tefti- munho , nao pode dizer-fe que a tal propoííçaÕ fe haja de crer de fobrenatural , por fer a fua razão formal a Divina revelação , fem a qual nenhuma propoíiçao pode pertencera Fe fobre- natural. Em as coufas porém Hiftoricas , para que a propofiçaÕ fe haja de crer com humana, e natural , fe requere a authoridade humana, que fe nao reftringe ao único teftimunho exiften- te dosEfcritores Iguaes. Naõ deve logo ter lu- gar a paridade da Divina para a humana ; e da mefma forte húnferivel , que alguma coufa Hiítorica feja fabulofa, precifamente por fer con- tada

Hiftorico-Critica, 1 5 jT

tada por Efcritores, que naõ fejaõ contempo- râneos , ou quafi iguaes ; porque pode fer ver- dadeira , ainda fendo relacionada por Efcritores aeíTacoufa muy pofteriores. Doutrina he efta taõ certa , e de tanta relevância , que a havemos dever agora praticada pelos mais eruditos Fr-an- cezes,fequazes de Lanoio,e de Natal Alexandre, em efte argumento negativo , ou fundado em o íilencio de Authores Iguaes.

REFLEXA M XVII.

Sebre a praxe dos mais eruditos Francezes em ofe- quito dejle ^Argumento negativo.

O Primeiro feja o erudito Dupín , que eftan- do exprelTamente em o fentir de Natal A* lexande , e doutrina de Launoio , de naõ feguir Authores , que naõ foflem contemporâneos , ou quafi do mefmo tempo, refpeito da coufa, que íe conta ; (30) em outro lugar, (1) fobre a Vinda de S. Paulo ás Hefpanhas ? o vemos eftar pela opi- nião dos Antigos,aeíTa vinda pofteriores mais de três feculos : (2) Cunâíi ^AuStores ifti faculo ter-

V 2 tio

' (30) Dupinus trad. de Dottrina Cbrifiiana , cap. 20. pag. tf $9. & , (1) Idem in DiíTcrt. Prsl.pag.i 83. (1) Ibidem pag. r^.col. i.ini-

||< ■■fiíjeáaqcá

tio jitnt posteriores. Q fegundo , Tillemont , que conduzindo-fe do mefmo modo , que Dupin,(3) fe o contemplarmos em outra parte, (4) achare- mos que elle ahi eílatúe hum grandiííimo nume- ro de fados em a de Authores , pofteriores a e/Tes mais de 200. 300. 400 joo. e 600. annos: ld iinum non prxteribo Tillemontium .... maxi- mum ftatuere Facíorum hifioricorum numerum Ji- de Scriptorum, aui ducentis, trecentis , quadringen* tts, quingentis , & jexcentis atmis diftant ab illis rebus, diíTedéftes dous eruditos Honorato. (5)

O terceiro , Fleury , que depois de proteftar (6) demo fcguir a Author , que naõ folTe con- temporâneo, ou quaíi do mefmo tempo , e que quando muito fe extendeíTe ao intervallo de hum feeulo, paíTando também a dizer , fe deviaÔ excluir os Efcritores , que lembrando-fe de fa- dos dos feeulos pa(Tados , o executa/Tem fem ci- tar Authores 5 porque em eíla bypothefi fe de- veria com direito fufpeitar , que e/Tes mefmos y mais levemente do que he jufto , applicariaõ o feu animo aos rumores do vulgo : Ego quidem, diz, ia arga mentis aoa habeo ,nifi Scriptorum rei Príacipumtejtimonia, eorum videlicet , qui vel eo~ dem, velpropiori tempore fcripferunt. Memoria

nani'

(3) Tillemont in EpifioU Lemyum. (4) Idem in priore Moi mmentorum fuorum Volumine. (j) Honorat.part. i.pag 6s-Sc io* mihi. (6) Fleurius Hiji. Eçclef, in Procemio, Galliçè-

Hijtoricò-Criitca. 157

mmcjiie Faãorum abfcjue Scriptorum auxilio diii fervari 11011 poteft extremum erit Ji j<eculi inter- vallo perfeveret. Faâta, (jiue per gradus muitos ad nos dejcenduntynon eadempr<ejtant certa veritate* Quihbet leve aliquid de pemifuo addit > tametfi im- frudens addat. Idemcjue locum habet in Scriptori" bus , (jui de Faâíis meminerunt, multis retro Jtfculfc xiãis } ubi etenim Auãores non afíerunt ,fujpicari jure pojfumus , eos levius , quam par eft ; vulgi ru~ moribus animum adhibuijfe.

Mas fe lançarmos os olhos em a fua Hk floria Ecclefiaftica , examinando exa&amente o primeiro , e fegundo Livro do primeiro Volu- me , que comprehende fomente os acontecimeix* tos de fettenta annos , defde a Afcenfaõ do Se* fihor até o império de Trajano , poderemos em tempo taõ breve formar certamente o calculo de humaprodigiofa multidão de fados , funda- dos em Authores , naõ do quarto feculo /mas ainda pofteriores. Logo , ou fera neceíTario cor* tarmos tantos Fa&os graviííimos y tantos aótos de Martyres antigos , tantas maravilhas de San- tos , das quaes coufas fe compõem naõ mediocre parte da fua mefma Hiftoria ; ou defprezar os li- mites de huma fimilhante regra , extendendo-a a mais feculos. Nem fey que entre taes extremos feja prudentemente imaginável outro meyo. Se

o te-

*5& Dífertaçati

oteftimunho deíles Efcritores naõ prova , por naõ ferem primários y (7) naõ poderemos com direito fufpeitar queelles, mais levemente do que he jufto 7 applicáraó o animo aos rumores do Vulgo ? Com que olhos veria efte erudito Abbade a fua Hiftoria , em o juizo de todos re- Qs&t exáda , e engenhofa , eftar chêa de fuccefíbs taõ fabulofos : Porro quibus oculis afpiceret Ab- ias hic eruditus Hiftoriam fitam , omnium judicio reatam, adeb accuratam , atcjue ingeniofam, totfa- bulo/is eventis conjarcinatam efle ? Conclue de Fleury o Grande Honorato. (8)

Contende Fleury, que Eufebio fe deve computarem o numero dos Authores Originá- rios , em quanto aos primeiros três feculos. Lo- go porque fe naõ contemplarão Originários to- dos os Authores , iguaes a Eufebio, ainda que fejaõ pofteriores, três, ou mais feculos? Se he pe- la efpecialidade de hum talAuthor 3 Em quan- tos erros naõ cahio Eufebio , de que redarguido dos Sábios , nem delles o pode purificar o Pre- fidente Coufin ? Se he pela fidelidade , com que Eufebio cita aos Authores ; que diremos quando os naõ cita , como lhe acontece em os maisfa&os, que efte erudito Abbade conduz para a fua Hiftoria ? Naõ feria entaõ jufto fufpei- tar,

(7) Fleuryas cit. in Prtfat. (8) Honorat. Ioc. cit.

Hijtórícb-Critica. 159

ttf, que Eufebio fe inclinou, mais do que era equitavel, para asfuas narraçoens ? De quantas coufas logo naõ feriaõ efpoliados os dous pri- meiros Livros da Hiftoria Ecclefiaftica de Fleu- ry, pretermittindo prefentemente outros?

Finalmente, porque fe naõ deverá pergun- tar a Fleury , porque razaõ fe ha de eftar ao teftw munho de Eufebio fobre os acontecimentos da primeiro feculo ; e fe naõ ha de conceder efte mefmo privilegio aos Santos Cyrillos, aííim Hie- rofolymitano , como Alexandrino, a Bafilio, a Gregório Nazianzeno , a Chryfoftomo, a A- goftinho , a Ambrofio , a Jeronymo , e a outros muitos , ou da mefma idade , ou pofteriores ? Se fe refponde que era, por fer Eufebio de hum fentido exquifito , dehuma intelligencia particu- lar , e de fer o feu cara&er contrario a fabulas y di- remos também , que tem todos eftes requifitos, e dotes em tantos , e taõ repetidos fados, em que naõ produz teftimunhas ? Quanto mais , eftes mefmos dotes naõ tiveraõ aquelles Santos Pa- dres ? Logo ou havemos contemplar inteiramen- te arruinada a Hiftoria Ecclefiaftica de Fleury \ ou crer que efte , para evitar huma taõ horrenda ruina, feria de parecer, que os Authores anti- gos naõ fe comprehendem em os contem- porâneos , ou quafi do mefmo tempo , mas tam- bém

i6o Dtjertaqat

bem em os pofteriores , mais de três , ou quatro

feculos. (9)

Coroe em quinto, e ultimo lugar efte mef- mo fentimento Baillet. (10) Vede quanto limi- ta o tempo efte erudito : Elapfo 9 diz, ficado ah {íUcujus Sanâíí Viri interitu , cjuod ad tertiam , aut adfummum cjitartam progeniem protrahitur , con- fuevi perfepe , nullum (jitod attinet ad vit<e Hijlo* riam , Scriptorem in médium producere , nifo defint alii propioris temporhtf firmioris auãoritatis.jSlzs fe confultarmos a Honorato , (1 1) nos dirá , que naõ Baillet , mas Tillemont, Dupin, e outros muitos Críticos, e eruditos de França , fe efque- cerao tanto deíla regra, que 7 a fubíiftir, feria ne- ceflario defterrar das fuás Obras muitos Factos Hiftoricos para as narraçoens fabulofas , e Com- mentos do Vulgo : Si e reforet , diz , citra judi- ciam haurir e quidcjuid Tillemontius, Bailletus, Du- pinus, aliitjue DoSíores nonnulli ajferunt conjiantià tanta , contemnenda ejfc ea omnia , qu^e AuStoris ejufdem <evi teflimoriuim haud confirmat',facileper- fuajiim haberemus, riihil indujfriofos hojce críticos in Operibus fuis pojuijfe adhanc amujjim regulam non exaoíum. Porro fi oporteret delcre ab ipforum Scriptis (]ii(ecumcjue Faóía Hijiorica a primariis

*Auão-

(9) Apad Honores part.i .p^g.^f.^ lo^.mihí. (xo) Baillet /Vfr Áâmonitione pag. 14. (11) Hanorai.loc. proximc cit.

Hijlorícb-Critica. 1 6 1

AuSíorlbus non confirmantur , plurima fone emer- gerent , queenon pojfemus ad narratiuncnlas fabu- lojas y Vulgique Commenta non amandare. Logo, ou havemos de confiderar asHiftorias deites eru- ditos Francezes chêas de fabulas ;ou,a purifí- carem-fe deítas, conceder-fe, que, naõ fendo pre- cifo requifito de que os Authores fejaõ con- temporâneos , fe naõ devem excluir os que fo- rem pofleriores, três , ou mais feculos. Nem he crivei , que eftes eruditos Francezes racional- mente entendaõ outra coufa j o que fervirá de matéria para a Reflexão feguinte.

REFLE X AM XVIII.

Em (juefe mojira nao for crivei , que ejfes eruditos Francezes entendaõ outra coufa.

ESta aíTerçaõhe taõ certa, que, a fubfiftir efta fegunda razão de Natal Alexandre , fe- ria neceflario que aquelles taô fábios , e erudi- tos homens, efeolhidos para compor o Breviá- rio Parifienfe fegundo o preferipto pelos Con- cílios ,efpecialmente pelo de Trento , taó foliei-* tos em a correcção dos Livros , tiraflem muitas liçoens dos Padres , das quaes ufáraõ para o compor; e conflituem huma grande parte do Of-

X ficio

i62 Dijfertaçdà-

íício Divino. Tirariaõ o que de S. Polycarpo conta S. Jeronymo, t=: De Santo Ignacio Mar- tyr, o mefmo Padre. s=? Da Cadeira de S. Pedro em Antiochia $S. Innocencio primeiro Pontífi- ce , S. Joaõ Chryfoftomo , e S. Gregório Ma- gno. t=: De S. Marcos , S. Jeronymo. s=s De S. João ante Portam Latinam , S. Jeronymo. £=2 De S. Irineo Bifpo , e feus Companheiros Martyres ; S. Jeronymo , e Santo Addo. e Da Commemoraçaõ de S. Paulo , S. João Chryfo- ftomo. c Dos Santos ProceíTo, e Martiniano, S. Gregório Papa. tcs Da Oytava dos Apofto- losS. Pedro , eS. Paulo; S. Jeronymo. 53 De SantoApolIinarioBifpo,e Martyr,S.Pedro Chry- fologo. = De SantoHippolytoPrefeito,e de San- ta Concórdia, e fuás Companheiras em Roma^ S. Gregório Turoncnfe. jcs De S.Mattheus Apo- íloIojS Jeronymo, Santo Epifanio,e S JoaõChry- foftomo. ís De Santa Thecla, Santo Ambrofio. De S. Lucas Evangelifta, S. Jeronymo. ss De S. Simão , e Judas; S. Jeronymo , e Santo Addo. =DeS. Martinho Bifpo Turonenfe,S. Bernardo. Finalmente, tirariaõ as liçoens de ou- tros muitos Santos , que extrahiraõ de Efcrito- res Ecclefiafticos nem menos antigos r nem me- nos illuftres.

He certo , que nenhum dos mencionados

Padres

Hijloricb-Crhica. 165

Padres era tido por Author primário, ou da mef- ma idade. Do mefmo modo he igualmente cer- to , que os Faâos , de que fizerao a&ual men* çao,huns foraõ feitos três feculos antes que fe ef- creveíTem, Outros ainda mais, por fe efcreverem, paíTados quatro, ou cinco feculos. Nem confta que eftesPadres fe remetteíTem a A uthor mais an- tigo. Logo ,a fubfiftir a fentença de Fleury, he precifo fufpeitar, que eítes Padres deraõ ouvi- dos aos rumores do Vulgo mais adheíívamente do que era jufto , e que a tantos venderão por fa- bulas, o que por outra parte taô folemnemente davaõ a ler como Fados pios. E á vifta de huma tal doutrina,poderiaõ aquelles eruditos Cenfores efcapar da nota , de haverem enchido de fábulas o Breviário Parifienfe ? Logo fera neceíTario de duas coufas concluirmos huma ; ou que efta íe- gunda razaõ de Natal Alexandre: Nii/Ius ccoeviis, aut fuppar , caminha mais longe do que he juítoj ou que o Breviário Parifienfe, depois de tantas correcçoens, abunda ainda em muitos Faâos Hi- íloricos pouco feguros , em narraçoens alheas da verdade, e totalmente fabulofas. E he crivei que homens taô fábioshajaô deaflentir aíími- Ihantes confequencias ? Naõ o entende afíim o Grande Honorato j (12) poisaffirma, que ern

X 2 éáàs

(11) Honorat.part. i.DiíTert. z. pag. 6> mihu

1 64 Dijfertaçati

eftas nao poderão jamais convir homens inftnrí- dos em alguma erudição : De cjuo homines aliquà imbuti eruditione minguam convenient.

He crivei que eftes Sábios Francezes quei- rao aos outros impor hum jugo , que elles mea- mos nao podem tolerar ? Que fe haja de pro- mulgar huma ley, que, por immoderada, e infub- fiftivel,feus mayores tranfgreflores fao eííes mea- mos , que a promulgaõ ? Su<znam<]ueleges , cjuas ipfi ante alios tranfgrediíintur , non modo immode- rat<e funt , fed Jlare nequeunt. (13) He crivei que eftes doutos Críticos, vendo que com huma tal ley deftruiaõ a fundo , na5 o Breviário Pa- rifienfe , mas o Romano , Senonenfe, e os Mar- tyrologios , fe capacitaíTem de que houveíTe al- guém, que lhes déíTe credito ? Qjuamobrem do» nec alias nonfanciant leges, (juibus aberroribus vul- gi Hi/ioriam Eccleftajlicam expurgemus , nosjine lala dubitatione judicabimus Breviarium Parífien- fe , ut ín pnefeus refeStum habemus y Opus ejfe ár- gnum Ecclefiâ Urbis Regalis , eruditione injuper, judicio li mato , <& accuratâ diligentià tot pr<eftan- tijftmorum Sapientum , cjuifunt ex clarioribus ipjius ornamentis. (14)

Que refponderiaõ a tudo ifto eftes grandes Sábios ? Diriaô talvez , o que S. Paulo diífe a Ti- to,

(1 5) Idem loc qxu (14) Idem loc* ck.

Bijlcrico-Critica. 165

to , e a Timotheo ; que devemos evitar as fábu- las : XJt ineptas , ©* aniles fabulas devitenú Que os verdadeiros adoradores da Ley Evangélica con- vêm que adorem em efpirito , e verdade? E que á piedade dos Fieis fe haõ de propor argumen- tos dignos da grandeza, e formofura da Igreja? Naõ fe pode dar refpofta nem mais pompofa, nem mais egrégia ! Mas naõ nos dirâõ eftes Crí- ticos Religiofos , fe correfponde o que efpecu- la5 a iíTo mefmo , que praticaõ ? Por ventura, orando feguem aquellesmefmos princípios , que efcrevendo eftabeleceraõ ? Que refponderíaõ (fe ainda foíTem vivos) Launoio,Baillet, Thiers, Tillemont, Fleury , Dupín , Natal Alexandre, e outros i Naõ conheciaõ , que tantas liçoens deíTe Breviário , que tinhaõ todos os dias preceito de rezar , eftavaõ taõ chêas de erros, por fe naõ con- formarem com efte feu principio ? Pois fe hum tal Breviário , cheyo de erros , naõ convêm á grandeza , e dignidade da Igreja } porque naõ produziaõ outro de novo, ou para fe diftingui- rem da multidão, e turba, que,fegundo elles,naô ora em efpirito , e verdade j ou para deporem eíTe efcrupulo ? Se as coufas , que efcrevem, fen- tem , ifto he , que em o Breviário Pariííenfe naõ naõ eftaõ muitas coufas dúbias , mas falfas, e fabulofas j parece que eftavaõ obrigados de duas

coufas

i&6 Diflertaçafi

coufas a fazer huma t ou formar outro Breviário, como dilTemos , ou de nenhuma forte recitá- lo em a fua Igreja. Mas fe de nada diílo os redar- guia o animo , como he veroíimil ; para que pro- mulgarão princípios , que defde o fundo fover- tiaõ os Livros dignos da mayor veneração , e defignados aos preces da Igreja, que elles eftavaõ obrigados a recitar todos os dias \ He crivei que coubefle tudo iílo em Sábios taõ Catholiços i Logo, porque naõ clamaremos contra elles , re- petindo aquella exclamação mefma, que em con- templação fua formou o Grande Honorato: (15) Oh accurationemfuperjtitiofam , ©* fortajfè hafte- mis ignotam ! Solícitos ejfe , ne in Hiftoria Eccle* fiaftica relincjuant Faãum ullum , quod Legibus > in Procemiis aliquibus conftitutis > non refpondeat) at* que in OJUcii recitatione , in (jua Divini ciiltus ra- tio eft , eafdem Legendas adoptar -e , qu<e in Libris profcripferunt!

Finalmente , a valer efta fegunda razão do Natal Alexandre, ( que como principio certo in- tentou eftabelecer Launoio , e os mais que o fe- guiraõ ) era forçofa confequencia , fazer-fe fuf- peitofa toda a Hiftoria do Antigo Teftamento, que naô eílá efcrita em os Livros Canónicos j inútil a lição de Jozê; que fruftraneamente trai

balhou

(15) Idem loc. citat.

Hijlcricb-Crhíca. 1 6j

balhou Saliano , depois que efcreveo féis Volu- mes dos Annaes do Antigo Teftnmento; que em vaõ ornarão a mefma Efparta,com dous Vo* lumes Torniello , com hum Enrique Efponda- no , e com dous Natal Alexandre , naõ fallando de outros muitos mais. Ver-fe-hia arruinada grande parte da Hiftoria Ecclefiaftica , e Civilj por fer tudo ifto efcrito por Authores (ainda que em outra infpecçaõ graviffimos ) naõ contempo- râneos , ou quaíi do mefmo tempo. E he crivei que todos eftes Sábios preftem aflenío a tudo ifto ?E taõ incrível he o que acabamos de pon- derar , que Natal Alexandre , confiderando que com hum fimilhante principio fe deítruiaõ os mais infignes myfterios da noíTa ; precifado da verdade y diífe que efte argumento he de ne- nhum pezo : (16) His adde , argumenta abauão- ritate negativa nullius effe penderis , aliocjuin la- bejcerent infigniora nofti*<e Videi myjteria. E co- mo o mayor inconveniente , e verificativo deft& Reflexão , o pondere, efiga ( ainda que incon- fequente ) Natal Alexandre j fómeute refta repe-* tir, o que em outro cafo difíe Claudiano: (17) Obruit adverjas acies > revolutacjue tela Vertitin ^iuttores, & turbine repulit hajtas.

Da

(16) Nar. Alex. íaec. i. DiíTerr. 14. pag. I52.mihi.

( 1 7) Ciaudianus de Tertio Confulatu Honoviu

i6$ DiflertaçáS

Do que ultimamente fe concilie , que fe os argu- mentos de authoridade negativa faõ de nenhum pezo, fegundo a mefma doutrina de Natal Ale- xandre ; naõ fendo de outra qualidade efta fua fe- gunda razão: Nul/uscocevus, aut fuppar , como fundada em o filencio de Efcritores contem- poraneos;ouquaíl do mefmo tempo de Efcoto: legitima , e re&amente fe fegue , que efta fua fe- gundarazaô, ou eíle íeu argumento he de ne- nhum pezo. Ponderemos a terceira razão.

REFLEXAM XIX.

Scbre a terceira razS , ou fundamento de Nata/ Alexandre.

A Terceira razaõ de Natal Alexandre dar porfabulofo aquelle taõfamofo Triunfo, a funda em o filencio de todos os Hiftoricos,que eferevêraõ das coufas de França : 1 d vero totum fabulojum ejfe ojlendit Jxlentium omnium HiflorU corum , (juide rebus Gallicisfcripjere. Suppondo o que deixamos dito fobre a inefficacidade de ar- gumento fimilhante , ainda fe fará mais viíiveí eíTa fua mencionada inutilidade, fallando ago- ra expreffamente do filencio , que he eíTe me£ mo argumento negativo. Principiemos pela Sa- grada

Hijlorico-Critica. \ 69

grada Efcritura. Tiveraõ os Evangeliftas filen- cio fobre o dia do Nafcimento de Chrifto. Tive- raõ filencio fobre a prizaô de Chrifto á Colum- na , para fer nella flagellado. Tiverao filencio fobre a fua Divina Facs , efculpida em o Lenço. Tiverao filencio fobre a Sacratiífima Imagem do leu defunto Corpo , impreífa em o Sudário* Tiverao filencio fobre o numero , dignidade , e nomes dos Magos > que adorarão a Chrifto em o Prefepio. Tiveraõ filencio fobre os Pays da Bea- tiffima Virgem , e fobre os feus nomes de Joa~ chim , e de Anna. Tiveraõ filencio fobre a fua Natividade , e Aprefentaçaõemo Templo. Ti- veraõ filencio fobre a fua AíTumpçaõ, Refur- reiçaõ, e ainda fobre a fua morte. Que filencio naõ teve S. Lucas fobre as expediçoens dos San- tos Apoftolos \ à excepção de S. Pedro, e deS* Paulo ! E ainda deftes dous omittio muitas expe- diçoens. Emfim,hehuma multidão grande o ©mittido pela Sagrada Efcritura , como con- templa Saliano : (1 8) Quis novit Covjiliitm Dcmi- ni , aut quis Conjiliarius ejusfuit í Quam multa op- tamus aScriptura fuijfe tr adita 7 (ju^eji/entio olvo- luta funt. Logo do filencio , que a Sagrada Et critura teve fobre tantas coufas, poderá alguém

Y de-

(18) Salianus tom. 5. Annélwn Fèteris Tefi* ad ann. 5609. n.91.

\jo Difertaçao

devidamente inferir, que todas eílas faõ fabulo-

fas?

PaíTemos da Sagrada Efcrituraá omiíTaõ de outros Authores. Philo, ejozé, Hebreos , ti- veraô alto filencio fobre toda a Hiíloria de Job, como adverte Saliano:(i<>) Quantas coufas omit- tio da Hiftoria de Samuel , como nota o mefmo Àuthor? (20) Em filencio deixou também quaíi toda a Hiftoria do Livro fegundo dos Macha* beos , como obferva o mefmo Efcritor; (2 1 ) naõ fazendo menção de outras muitas omiíToens de Jozé, que em vários lugares adverte o mefmo Saliano. Naõ fendo omittivel aquelle Fado de Herodes , mandando matar tantos meninos, dei- xado em filencio por Jozé , ainda fendo efta hua cataftrophe taò horrorofa , e memorável } e ou- tras muitas coufas , que Chrifto divinamente o- brou com a fua Gente , como depois de outros o adverte o Cardeal Toledo : (22) Nec hoc ejljo- hm , multa enim memoram digna taciiit caiem de. caufa7 nec enim Herodes illiiisfacii meminit , guan- do tot infantes occidit , nec Adventus Magorum , nec comphirium aliorum , (jiue apud ejus gentem di- vine Chrijlus gefjit. E de todo efte filencio pode-

(f9) Idem ad annum mundi 2900. n. $. (20) Idem ad annum mundi 191 5. n.io & 11. (21) idem adannos mundi 5891.0.71. Be )89i.n..sri. (11) Tolctus Cardin. incaput 5. S. Joannis Anru>- tattone terceira.

Hijloricb-Critica. 1 j 1

alguém inferir , que todas eftas coufas faÕ fal- ias ? Logo dado , mas naõ concedido , que fe ve~ rifícafíe o filencio de todos os Francezes fobre aquelle taõ celebre Triunfo, naõ era efte ante- cedente , de quê precifamente fe inferifle íeí aquelle a£to fabulofo.

Digo naõ concedido ; por quanto , para fe verificar a propofiçaõ de Natal Alexandre fobre o filencio de todos os Francezes , era neceílario eftarmos certos de que Natal Alexandre os hou- ve/Te lido todOwS. E he verificável huma tal cer- teza ? Eufebio Cefarienfe em muitos lugares da fua Hiftoria confefTa, q elle ignorara muitos Li- vros, e também por fua vontade omittio mui- tos Authores > como enfina o Cardeal Baronio. (23) Que Efcritores Ecclefiafticos naõ deixou em filencio Genadio, Santo Ifidoro , Santo li- de fonfo, Honório Auguftodunenfe , Sigeberto Gemblacenfe, Trithemio, o Cardeal Bellarmi- no , e outros muitos ? Tantos foraõ os Efcrito- res , tantos osEfcritos Ecclefiafticos , que omit- tio Bellarmino , que Cazimiro Oudin em o anno de 1686. deo á luz em Paríz hum Livro, que conftava de 726. paginas em oitavo , intitulado: Supplementum deScriptoribus , vel JcriptisEccle-

Y 2 Jajticis

(2 }) Baronius Cardinal, tom. i. Annalws ad mn. Bcmini 109. n. 59«&»dannum 912,,

172 Dijertaçao

fiafticis a Be/lar mi no omijfis ad annum 146 o, vel adartcm Typographicam inventam. Cujo Opuf- culo creíceo tanto,que comprehendeo três gran- des Volumes , dados á luz em Lipfia em o armo de 1722. debaixo defte titulo : Caftmiri Oudini Commentarius de Scriptoribus Ecclefiae antic]uisf Mor um fcriptis tam imprejjis , (juhm mamijcriptis, adhuc extantibus in celebrioribus Europa Bibliothe- ciSyã Bell ar mi no, PoJeviao,Pliilippo \jabbeo>GuiU liei mo Caneo , Ludovico Elia du Pin , & aliis omif- Jis ufque adartcm Typographicam inventam. Pois fe todos eftes Efcritores , e Efcritos , compre- hendidos em eftes três grandes Volumes-, fe de- raô á luz depois da morte de Natal Alexandre , nao Terá crivei que elle ignoraíTe eftes , e ainda outros muitos mais , que fe pofTaõ additar a eftes três grandes Volumes ? Logo, nao fe podendo concluir a certeza de haver Natal Alexandre li- do todos os Efcritores Francezes ; menos fera deduzivel o feu filencio , para fe dar por fabulofo aquelle taõ decantado A£to.

Quanto mais que , ainda concedido que Natal Alexandre houveíTc lido todos os Efcri- tores Francezes , ainda fe requeria mais , para el- le poder concluir o que intentava 5 e era, naõ duvidar íe lhe faltavao alguns ; que foflem con- temporâneos aeíTe Triunfo, cujos Efcritos pe-

receíTem

Hiftorico-Critica. 1 7 5

receffem. Naõ podia acontecer, que o Author, cujos Efcritos por efte motivo em efta hypothe- fi a nós naõ chegarão , fizefle menção de alguma coufa , que foíTe pretermittida pelos demais ? Ou finalmente teve Natal Alexandre alguma cer- teza y de q aquelles primeiros Authores fizeífem toda a diligencia para*na5 omittirem coufa algua conducente ás fuás difputas ? Lede para huma concluzaõ tal todos eftes requifitos , mais ele- gantemente defcriptos pelo DoutiíTimo Mabil- lon : (24) Ne quis error in argumenti fclummodo neganús ufa juhrepat , necejfum ejt , non omnes tantitm , quos de rejilwfle perhibemtis , .Auóíores iegijfe , ver um pro certo habere, nullum Scriptorum, per ea têmpora viventium , Opus periijfe: immò ali~ yua ratione exploratum habere non incongrue , ea~ rum nihilj qu<e cadunt in dijceptcitionem , kAuuío- rum, quiejus tftatis fuperfunt > dffigentiam fugifi

Logo fe para naô errar em a praxe do ar- gumento negativo, nao he necefTario ter li- do todos os Authores ; mas também naõ ter du- vida , de que nenhum dos feus Efcritos perecei fe , do que ninguém pode eftar certo : como fem toda efta certeza Natal Alexandre por total- mente

(*4) Mabilloniusífe ôtuàus Mtlfijliçis tom.i.cap.l j.pag. 196.& 1*7-

174 Diflertâçafi

mente fabulofo aquelle triunfo ? Efta doutrina nao precifa o noffo aíTenfo , em quanto extra- hida do Sábio Mabillon; mas he aãhominem con* cludente , por fér expreííamente deduzida da mefma doutrina de Natal Alexandre : porquê nao admittindo Blondello, e Dalleo asEpiílo- las de Ignacio ; fundados em o filencio de Padres mais antigos que Eufebio , comojuftino, Ter- tulliano , Clemente Alexandrino , Epifânio , e João Chryfoftomo , refponde Natal Alexandre: (25) linde id probabunt adverfariil Num ex eo f quod nitfquam illarum meminerint? At idnonfe* quitur. Licet enim in eorum Operibus, qu<e mine ex- tant , mentio haram Epi fio/aram nulla fa£íafit,Jie~ ri tamen poteft , ut in his , quce perierant, quorum fuijfe quamplurima notum fit , commemoratíe fue~ rint. Vedes, como Natal Alexandre por fua pró- pria confKTaõ fuecumbe á verdade? Naõvaleo argumento negativo, ou fundado em o filencio daquelles Padres mais antigos , para darem por fuppoftas as Epiftolas de Ignacio ; porque (diz Natal Alexandre ) podia acontecer que perecef fem os Efcritos , que fízeíTem delias menção. Logo nao vale o argumento negativo , ou fun- dado em o filencio dos mais antigos que Pelbar-

to,

(is) Nat; McXfHift. Ecclef. f*:. 1. tom. 2. DiíTert. pag. 5 1 8*

Hijlericc-Crhica. 1 7 5

to, o Illuftriífimo D. Fr. António Cucaro , Ber- nardino de Bufíis , e outros , para fe dar o Triun- fo de Eícoto por fabulofo; porque poderia acon* tecer quepereceífèm effes primeiros Efcritos, que delle fizefTem menção. He davel aqui ai* guma difparidade ? Eu a que confidero em eftes dous cafos , fe reduz a que , em o primeiro , o ar* gumento negativo , e fundado em o filencio , he allegado por Blondello, e Dalleo 5 e em o fegun- do , por Natal Allexandre. Mas ifto na5 argúe difparidade, convence fim de inconfequente a Natal Alexandre , que infelizmente fe contradiz, c cahe debaixo da fua meíma regra tanto , q com a mayor naturalidade fe verifica delle , o que de C. Licínio Stolon diífe Valério Máximo : (26) Sua Legececidit, nihil alhid prueàpi debere, niquod pnus qui/que Jibi imperaverit.

Mas para que a todo o mundo feja paten* te, e vifivel, que Natal Alexandre em impu- gnar efte Triunfo naõ fófe houve comoEfcri- tor infeliz , mas também como Author de j ao mefmo mundo porey agora diante dos olhos a hum Efcritor Francez de tanta relevância em a prefente matéria , como he Ceíar Egaffio Bu- leo, que havendo fido primeiramente Rey toe da Univerfidade de Pariz , foy depois feu Ceie-

berrimo

(2.6) Valer. Maxim, lib.8. cap.6.n.H.

\j6 T>lJertctçao

berrimo Efcritor , como o atteílao fels grandes Tomos in folio , que íobre a meíma Univerfida- de efcreveo. Em o Tomo quarto pois , pagi- nas fettenta , fallando de Efcoto, e pondo pri- meiro a Patente do Reverendiííimo Padre Me- dre Fr. Gonçalo, Miniftro Geral dos Frades Menores , pela qual foy Efcoto mandado vir a Paríz , emeíla feito Bacharel, condecorado com as inílgnias de Doutor , e coníeguido a primeira Cadeira daquella Univeríidade , immediatamen- te explica depois a caufa , porque Efcoto foy mandado vir a Paríz , por eílas formaes palavras: A caufa de vir Efcoto a Paríz foy efta,para que defendeíTe a ImmaculadaConceiçaõ da Virgem yy contra os Dominicanos, q a impugna vao,como fortemente tinha defendido em Oxonia:^ Caufa veniendi Lutetiam h<ec fuii,ut Immaculatam Virginis Conceptionem adverfus Dominicanos, cjuí eam impugnai ant, tueretur, utjam Oxonii fortiter defenderat. PaíTa depois a individuar eíle Triun- fo , como refere Pelbarto, e os mais Authores, que ò defendem ; naõ fe efquecendo de dizer tu- do mais , que era aqui applicavel , e nós naõ ne- gligenciaremos brevemente ponderar. Pergun- to agora : eíle Author naõ he Francez ? Naõ he Hiíloriador , e o mayor , pois o he da mefma U- niverfidade? Logo como allega Natal Alexan- dre

Hijtortco-Critica. 177

clre o filencio de todos os Hiftoricos , que efcre- veraõ das coufas de França, fendo efte (repi- to ) tao preferível a todos, como Efcritor úni- co da mefma Univerfidade ? Naõ o cita muitas vezes em efte mefmo Tomo quarto, para au- thorizar a fuaHiftoriaEcclefiaftica em efle mef- mo Livro , aonde impugna efte Triunfo l Por- que naô terey eu lo^ojus para o intitular, nao por Author infeliz, mas também porEfcri- tor de muito fé? Motivo fuperabundante, nao para fe julgar de nenhum valor eftafua terceira razão , ou fundamento : Id vero totum fabulo fum ejfe ojlendit Jilenthim omnium Scripto- rum}qui de rebusGallicis fcripfere ; mas também para fe computar totalmente contemptivel a in- venção deita fua chamada Fabula.

REFLEXAM XX.

Sobre a quarta , e quinta razai de Natal *Ale-

xandre.

A Quarta razão fifte também em o argu- mento negativo ; porque fe funda em «que fe nao manifeftafle Epiftola alguma, ou Pre- ceito do Pontífice, que affinalaíTe aquella Dií- puta : e que o nome dos Legados foíTe defco-

Z nhecido:

x;S Dijfertaçdo

nhecido i Tum (jiiod nidla proferatur Vontijícis % (juijolemnzm tilam Dijputationem tndixerh , Ep/- fiola , Mandatum nullum ? hegatorum nomenigno- tumfit. Notável razão efta de Natal Alexandre, que, para fe convencer, naõ he neceífano mais, do que recorrer á lua mefma doutrina ; porque, depois que elle Natal Alexandre comofilencio conftituio hum grande numero de fados, ouvio mal, que Launoio (27) em o Tratado deSimo- nía duvidaíTe , fe Santo Thomaz tinha , ou naò, compoílo a Summa Theologica, que he coftu- me attribuir-fe-!he , dando-lhe occafiaõ de o íuf* peitar Clemente VI. , o qual, havida a Oração dos louvores deite Varão Santo, e deíejando muito celebrar a íua doutrina com o numero , e dignidade das fuás Obras, naõ referifle a Summa Theologica em o índice das mais. Logo fe Na- tal Alexandre leva a mal que Launoio forme huma duvida, fundada em o íilencio de hum Pa- pa , taô empenhado em elogiar a Santo Thomaz pelo numero , e dignidade das fuás Obras , por entre eftas naõ fazer menção da Summa Theo- logica •, porque, fegundo efta mefma fua doutri- na, elle Natal Alexandre terá abem, naõ de formar duvida , mas com refoluta intrepidez cer- tificar fer fabulofa aquella difputa , fundado fo- mente

(Z7) Nacal Alex. in Sunu D, Tb orna <vindiç<tt<t>

Hiftoricò-Crhíca. 1 7 9

mente em o filencio, ou em a ío circunftancia de íe naô proferir Epifíola alguma do Papa ; que a determinaíTe, e também por fer defconhecido o nome dos Legados , que em ella prefidiraô?

Quanto mais , ainda a ter lugar efta circun- ftancia , na5 a fuppririaõ tantos Authores, que o aííeveráraõ,preferindo-os hum Efcritor de tanta authoridade , como Cefar Egafllo Buleo ? Pode- fe dar exclufiva alguma aeíle Author? A denaõ fer muito antigo , naõ concilie ; porque também o naó era Fortunato Bifpo Pi&avienfe , que foy o primeiro, que propagou á pofteridade o ingref- ío de S. Dionyfio Areopagita em França 7 ante- cedendo a efta noticia o filencio de feiscentos annos, como defte Author dizBafnagio. (28) E ifto fem produzir monumento , ou prova al- guma, e havendo dito o contrario Ifidoro Hi£ palenfe , que attribue efte ingreíTo ao Apoftolo S. Filippe j fobre o que he digno de ouvir-fe o Grande Honorato : (29) linde nam eam effodit Fortunatus in communi tvthis Orbis ollivione ? v.e- que etenim aut momenta , aut monumento producit nonefl itaque maiorejlde dignus , atCjiie IJidorus Hifpateiifis}cum S. Philippttm ^Apojtclum hiGaU fias profeãum fuijfe narrat. P o i s ha d é por Na-

Z 2 tal

(i8) Bafhag. libV$. c.2. pag« 220. (19) Hotiorat, parti. DííTeru1 3*pag,i77. mihi*

1S0 Diflertâçao

tal Alexandre fer crido Fortunato íbbre a coufa da mayor relevância de França , qual he o feu primeiro Apoftolo , fem prova , nem documen- to algum , depois de feiscentos annos , pofterio- res áquelle fado , e dizendo o contrario lfidoro Hifpalenfe ; e naõ ha de dar Natal Alexandre cre- dito a Gelar Egaffio Buleo , Efcritor damefma Univerfidade , poílerior áquelle fado pouco mais de ametade daquelle tempo, fem Author que o contradiga , antes feguindo a muitos , que o affirmáraõ , e iílo pela única circunftancia de fe naõ proferir aEpiftola do Papa, que determi- naíTe aquella difputa , e também por fe ignorar o nome dos Legados , que a eíTa mefma difputa prefidirao ? Quem certificou a Natal Alexandre, que os documentos deitas circunftancias naõpe^ receiTem l Naõ he doutrina fua , que o argumen- to nada conclue fem eíla certeza?

Mas para mais plenamente convencermos a Natal Alexandre, entremos em o exame de ou- tra fua doutrina , (50) aonde , fallando do re&o tifo da conjectura , diz , que nada ha , que mais moítre a falíidade da Hiftoria , do que a difcor- dia dos Authores em a referir : Nifiil ha prodit falfitatem Hifcori^e, (juàm Auóíorum in ea referen- da

(jq) Nat, Alcx. Hi(t. EccUf. com. i. íacc.i. Difere, i. pag. 1 19. mihi.

Hijlcrico-Critica. i Si

dadljentío. Mas valendo-fe defte Teu principio os Heterodoxos fobre avinda de S.Pedro a Ror ma, a atacarão com a difcrepancia dos Authores fobre efte caminho. Ao que Natal Alexandre refponde , (i) que he fufficiente , que os Hifto- ricos fintaõ o mefmo em a fumma da coufa, po- fto que diffintaõ em os feus adjuntos j porque muitas vezes acontece , que coníle da verdade, e do modo, ou do tempo naõ confte : Satis effe Hiftoricos in rei fumma idem jent ire , lie et in ei ad~ j imã is dij Jent iant. Enim vero fíepijftme contigit, ut conftet de ver it ate , de modo , aut tempore non conjtet. Logo , fegundo efta doutrina, naõ pode haver duvida fobre a realidade defte Triunfo; porque como os Hiftoricos em o referir íentem o mefmo , individuando aquelle certame, que he a fumma da coufa ; importaria pouco que diíTen- íiíTem em os feus adjuntos , que por taes fe de- vem reputar aEpiftola do Papa, e o nome dos Legados. O que ainda mais fe augmenta , eftan- do efte diffenfo da parte de Natal Alexandre fo- mente , por ferelle o que forma diíTenfaô ir* milhante. Do que fem hefitaçaõ alguma fe deve concluir , fer de nenhum valor eftafua quarta ra- zão : Tum cjuod mula projeratur Tfontificis , fui fo- Jemnem illam Dijputationem indixerit , Epiftola,

Man*

(0 Nat, Alcx.tom,i, facc1.Diirem1z.pag.525.mihi.

lJ?2 Dijertaçao

Mandatam nullum : Legatorum nomen Jtt igno*

tum.

A quinta razão a eílabelece Natal Alexan- dre também em o filencio , que os Adverfarios de Efcoto tiveraõ em ta5 gloriofo certame t Qiiod advcrfarii Scoti in tam glorio jo certamine fi± ieantur ;conje&urando o naõ confervariaõ , a Ter <efte Triunfo verdadeiro. Eu confeíTo , que ou naô entendo em eíla Tua razão a Natal Alexan* dre , ou he contra producentem eíle feu argumen- to. Para cuja mais perceptivel vifibilidade fera neceflario exprefTamente notarmos o que o Ve* neravel, e PreclariíTimo Varaõ Bernardino de Buílis executou , e difle em o Officio da Con?- ceiçaÔ , queelle compôs , o que em eílas Re- flexoens temos repetido Aprefentou-o ao Bea- tiífimo Padre Sixto Papa IV., rogando fe dignaf- fe Sua Santidade mandar , fofle eíle Officio exa- minado por alguns Sábios Theologos ; cujo exa- me refervou afio Santiííímo Padre, dizendo, queria que eíle Officio fofle examinado por elle próprio, O que Sua Santidade fez , approvando- o primeiramente oretenus , e ordenando fe im- primiíTe ; e depois corroborando-o com o Breve, que principia : Libenter ad ea concedenda induci- mitr , de 4. de Outubro de 1480. , do feu Ponti- ficado anno 10. O que tudo coníla do Arma-

men-

Hiftorico-Critica. 1 8 $

mentarlo Seraphico : (2) e quanto ao Breve , (3) /e pode ver em o lugar , que aqui noto.

Em efte Officio pois, approvado com tan- ta efpecialidade por hum Papa , e que fe pudefc íè celebrar em a Igreja de Deos, aííím como os outros Divinos Officios , na5 pelos Frades, e Freiras da Ordem de S. Francifco , mas também por todos os Religiofos , e quaesquer Clérigos* como clariííimamente confta da mefma Bulia , c expreíTamentc fe adverte em o principio do mcfv mo Officio , (4) em a quarta Lição do primeira dia fe contêm as feguintes , e formaes palavras: Intemeratam Matris fme Conceptionem Salvator nqjler innumeris frequenter propafavitindiciis.Quo* dam enim tempore , (note-fe) Religioji qttidam in tanta m Conceptionis altevcationem prorumpe* runt , ut Ordinis Minorumfratres heréticos ajfir* marent , quia Deigenitricem Jine originali macula conceptamfuis in prtfdicationihm protejlantur. Ea de re nApoJlolico jujfu in Parifienfi Judio publica dijputatio peraÔía e/t , ad quam diãi acciifatores cum innumeris pene Ordinis eorum Dcãoribus con- venere. Dominus vero nojler Jejus Chriftus , ad protegendam dileãtf Matris dignitatetn , Scotum

Ordinis

(2) Armamentar,Seraph. in Regeílo jíutbcntico pag. 547. (3>Extat authcnticum apud Em.Roderic. in Bullàrio fub Sixto 4* 'Bulia 1 6* (4) In cit. BJgeft. Autbmiço, pag.71.

í$4 Dijertaçati

Ordinh Minorum DoãoremEximium ad Chita-

tem illam protinus dejlinavit , (jui , cidverfariorum

jfitndamentis 9 argumentisque omnibus inconvincibi-

lifermone confutatis , ita Conceptionis Domin<e in~

nocentiam clarijfimè comprobavit , (juòdomnes illl

fratres fub/imitatem ejus plurimiim admirati , ob-

mutefcentes hi disputando defecere. Quapropter

cpinio Minorum a Parifienfi Jiudlo illicò approba-

tur. Scotus vero , Dotfor Subti/is propter hoc

appellatus , Vióíor ad altijftma verce Sòphi<e ftu*

dia remeavit. llli autem etiam muíti accujatores h

jpaucijftmis fuperati obftupefcentes recejfere.

Em cuja lição ha muito que notar. Primo, tf principaliter , que certos Religioíbs rompe* ra5 em tanto excedo íbbre a difputa da Concei- ção , que affirmaraõ , eraõ hereges os Frades da Ordem dos Menores, por defenderem Ter a Mãy de Deos concebida fem a original macula. Se- cundo , que immediatamente depois defta accu- façaõ fe feguio a difputa , que fe executou por mandado Apoílolico , para a qual os ditos accu- fadores fe ajuntarão com innumeraveis da fua Ordem. Tertió, que N. Senhor Jefu Chriílo, para proteger a dignidade de fua chara May, deílinoulogo para aquellaCidade a Efcoto,Dou* tor Exímio da Ordem dos Menores. Quartò,qut confutados todos os fundamentos , e argumen- tos

Htjlorico-Críúca. iS;

tos dos contrários com inconvencíveis palavras, de tal forte, e com tanta clareza comprovara Ef* coto a innocenciada Conceição da Senhora, que todos aquelles Frades , admirando muito a fua fublimidade, attonitos pafmáraô em a difputa. Quinto , que , depois deite Triunfo , fe feguira logo fer approvada a opinia^ dos Menores por efta mefma Univerfidade de Paríz. Sexto. , que por hum tal Triunfo foraEfcoto chamado Dou- tor Subtil , caminhando aos mais altos eftudos da verdadeira Sabedoria. Septimb , & ultimo , que efíes accufadores , vencidos por taõ poucos, paf- mados fe apartarão.

AViíla pois deites notáveis , contra quem provara aquelle filencio em ordem a eíte Triun- fo 5 contra Efcoto , que o confeguio : ou contra Natal Alexandre , que o impugnou ? Contra quem prova efta conje&ura ; contra os Frades Menores , accufados de Hereges , por defende- rem a Mãy de Deos , concebida em graça: ou contra os accufadores , que foraõ eííes certos Religiofos , que todos fabem quaes faô , fendo contra eíte Myíterio ? ( Neíta multidão naô he a minha intenção comprehender aos bons, de que íe compõem efta Cherubica , e Inclyta Ordem, ^que tao fubtil, e engenhofamente tem apara- do as fuás pennas , fublimando-fe em louvores

Áa deite

i$<5 Díjfcrtaçáo

defte Myfterio , e aos q farey a merecida juftíça emaíegunda Diflertaçaõjpreciíamentefallo dos máos. ) Aqui houve nota, e grande ; quizera fe me diíTefle em quem cahio efta: em os Accu- fantes, ou em osAccufados? Pelo que a eftes refpeita, fem trepidação direy , que huma das mayores glorias dos Frades Menores , he , ferem chamados Hereges por motivo fimilhante. Lo- go feaquella nota para eftes he gloria ; para a- quelles , fe naõ foy infâmia , deve fer pena ? E como efta fuppõem culpa , contra quem em taes circunftanciasdeve eftar ofilencio: contra os q fe calarão, ou contra os que a impuzéraõ?Pôs-fe ef- ta culpa publica, e taõ publica , que todo o mun- do a eftá até hoje lendo em hum Officio Divi- no, taõ efpecialmente approvado para todos : e quando defdeaquelle tempo até o de Natal A- lexandre o feu mefmo filencio a approva j pare- ce naõ fer muy difficil o entender , contra quem confpira. Em fim , filencio , que, fendo taõ noci- vo , por tao dilatado tempo fe naõ rebate ; a fer conjedura , pode fer prova contra os que a produzem : e he o que pratter intentionem nos a entender Natal Alexandre em efta fua quinta razaõ.

Nem á vifta de taõ terminantes provas íe faz neceíTario o recurfo a exemplos; mas eftá aqui

de

Hijlcrico-Critíca. 187

Jetal forte pullulando o dePhilo, ejofepho, que me vejo conftrangido a applicá-Io : pois ha- vendo eftes Eícritores diligentiíTimamente a- montoado coufas taõ grandes do Templo de Je- ruíâlem , paíTarao em filencio a Probatica Piíci- m, taõ celebre entre os Judeos, cujas agoas ti- nhaõ aquella prodigioía virtude de expellir to- das as enfermidades. E fe indagarmos qual foy a caufa , que pôs em prizao apenna , para aquel- Jes Judeos naõ efcreverem taõ diftinta maravi- lha j acharemos naõ foy outra, fenaõ o ódio, que tinhaô a Chriílo. Quizera abfter-me da fua applicaçaõ. Masnao haindifferença, que valha, á viíla de hum defafío , como he efte de Natal Alexandre.Celeberrima foy efta difputade Efco- to ! Mas efperar que os feus adverfarios efcre- veíTem taõ grande maravilha, era confiar muito em eíTe ódio , fendo taõ entranhavel , que os pe- netra até as medullas. Ifto he evidente, fegundo p ponderado , e o mais , que fe omitte , por fer notório a todo mundo. Do que ultimamente fe Conclue, que extra chorum cariít dizer: Oiioà adverfarii Scoti intam gloviojo ccrtaminc Jilean- tur.

Aa 2 RE

iSS Dijertaçai

REFLEXA M XXI.

Sobre afexta > e ultima razdõ de Natal ^Alexan- dre } e também do que je deve concluir de toda eíla doutrina.

D

Iz ultimamente Natal Alexandre , que em o Archivo da Univerfidade ; e Faculdade Theologica Parifienfe naõ havia memoria alçua defta verdade : Nullumjit in T abular to Univerfi- tatis , O* Facultatis Theologicce Par/Jierifis hujus rei monumentum j do que efte erudito infere ; fer fabulo fa. Logo faõ também fabulofas as Epifto- las delgnacio , por nao fazerem delias memoria Juílino, Tertulliano , Clemente Alexandrino, Epifânio , e Joaõ Chryfoftomo , como em huma deftas Reflexoens notamos. Efta illaçaõ fegun cla,diz Natal Alexandre, fe nao fegue 5 por- que , ainda que deftas Epiftolas fe nao façamen* çaõ em os Livros, que actualmente exiftem , po- deria fer feita em os Livros, que perecerão. Lo- go fe nao fegue pela mefma razaÔ a fua illaçao primeira ; porque ainda que defta verdade naô confte em os Livros , que adualmente exiftem em o Archivo da Univerfidade , ou Faculdade Theologica j poderia com tudo conftar em os

Li-

Hiftericò-Criticcté 1 89

Livros , que perecerão. He davel aqui alguma difparidade ? Nao foy toda a França invadida dos Hugonotes de tal forte, que nada íubfiftio in- demne da fua temeridade ? Logo , deprefente- mente nao exiftir efta memoria , mal fe infere, que nunca exiftiífe ; e ainda muito mais eftando em a precifa , e mencionada doutrina de Natal A- lexandre.

Mas quando eílas razoens nao foflem coi> cludentes , nao fuppriria eíTa memoria aquella portentofa , e memorável maravilha da Imagem de Maria SantiflRma ? Foy o cafo, Hia Efcoto em companhia dosMeftres do feu Convento para -efte taô famigerado Aóto , e ao paífar por dian- te de huma Capella, cujo portal erathrono de huma marmórea Imagem da Rainha do Ceo, lhe levou os olhos a attençaõ , e o affedo áquelle Retrato, cujo Original fem mancha levava im- preíToem o peito. Aqui fe lhe renovarão em a alma mil devotos affe&os. Ponderou o favor de íer eleito para taô alto empenho ; agradeceo o beneficio , reconheceo fua própria indignidade, deíconfiou das fuás forças , collocou em ó Di- •vino amparo a fua efperança , inflammou-fe a de- voção ? fervorizou-íe o zelo, profundou fe a hu- jnildade; e arrebatado de tao foberanos impul- fos, póftos OkS joelhos em terra, osolhosemà

Ima-

190 Diflertaçafi

Imagem, e o coração em o prototypo , di/Te> concomitando coda a alma a voz: Tende por bem, Virgem Sagrada , cjue eu vos louve : day-me poder contra osvofos inimigos. Apenas acabou , quan- do a Sagrada Imagem daMãy deDecs baixou a cabeça , obedecendo o mármore , como fe fora cera , ao milagrofo impulfo daquella voz, em fi- nal de que a Rainha do Ceo terniífimamente fe inclinava a favorecer em o combate ao feu Ser- vo , dando-lhe a promeíTa da Vi&oria em eíFa mefma inclinação.

Até o dia de hoje perfevera em Pariz a mi- lagrofa Imagem de Maria inclinada a cabeça, co- mo o atteílaõ, dos eftranhos, Pineda Jefuita, (5) 3Lezana Carmelitano, (6) Miguel Oyero Augu- íliniano (7) Fr.Jeronymo Afnar e Embid Car- dona Auguftiniano , (8) e Cefar Egaffio Buleo, Reytor , e Efcritor da mefma Univerfidade. (9) Dos noíTos Authores,o refere huma grande pro- fuzaõ delles, como fe pode ver em o Illuílriííimo Samaniego. (10) Fr. Pedro de Alva entre todos he Author taõ exa&o, que, ainda que domeftico, naõ haverá quem lhe naõ façajuíliça, de que re- gular- es) Pineda Jefuira, íh ddvert.ad pri<vÍleg.Jo4tt.Regis Arágon. (6) Lezana in Apolog. cap. i $. (7) Michacl Oyer. Orat. enco- miaft. pag. i r . (8) Fr. Jeronyrno Afnar em o Livro intitulado Con- ctytôtmhjnrA d<t PttriJJima Conceição. (9) Ofaf Egaffíus BuI*uSj loc. cir. (1 o) Samanieg. in Vit.Scoti pag-74«

Hijlorico-Crhica. 191

gularmente nada citou, que naõ vi/Te , repro- duzindo~fe em toda a Europa a examinar em a fua fonte os Arcbivos , c Bibliothecas mais cele- bres. Efte Efcritorpois diz, (11) que efta Sagra- da Imagem inclinou a cabeça ao feu Defenfor 7 e que atè o prefente permanece em efta difpofi- çao: Sacra imago dcfenfori juo caput inclinavit, í]uo geftu permanet etiam nunc. Wadingo (12) naõ diz que efta Sagrada Imagem inclinou a cabeça ; permanecendo em efta patente , e per- feverante inclinação até o dia de hoje j mas tam- bém que aííim o celebra a commíía tradição de Paríz : Commwús ha fcrt popu/i Pariftenjis tra- ditio j ipjaque imago rem conjirmat patenti > & íifcjue in hodiermim diem perfeveranti capitis incfi- natione. O llluftriífimo Cavello (15) adftruindo primeiro a me fina Tradição , e ultra defta ,aílim o efcreverem Authores graviflímos: De (juo,pr<e~ ter traditionem , gravijfimi •Aiiôtcresfcribiinf. e immediatamente ás palavras , que Efcoto reci- tou á Senhora : Diguare me &e. , continua a di- zer : Cui y injignum , (jiiod auditas ejfet , Vião- riamcjue reportarei , de cjuo modo in univerfa Ecc/e** fia conjlat , Sanãijfima imago caput notabiiiter in-

clinavit,

(1 1 ) Alva in Regeft. mira c.4# (11) Vvzding. in AnntL tom. 6. pag. 51. & ih Vit.Scoti y pr&fixa primis Operibus ejus cap.7.

(15) CavelJus in Optribut Sçoti , Scntemiariis affixa in ejus Viu rap.j.

IQ2 Dijfertaçao

dinavit , Cf tifcjue hodie ad perpetuam rei memo- riam y Domina nojlrce immaculatijjiirue , fervicjue jui devotijfimi Scoti gloriam , contra regulas fcuU ptoritf artis inclinatum perfeverat. Em que he pa- ra notar digaefte Illuftriífimo Efcritor , que de- ita Vi&oria prefentemente confta ema Univer- fal Igreja ; ( o que também diíTemos ) e que inclinando aquella Santiílima Imagem notavel- mente a cabeça, em cuja inclinação anualmente perfevera, he contra as regras da Arte fculptoria eíTa taõ profunda inclinação.

E poderá alguém racionalmente capacitar- fe ; de que Natal Alexandre , fendo Doutor Sor- bonico;e refidindo em Paríz;ignoraíTe bua tradi- ção taõ confiante? He crivei que deixaíTe de a ler em Wadingo,confutando-o taõ acremente em o ^. antecedente , quando , em o principio do quefefegue, continua affim o Annalifta: Oui de publico , diz Wadingo , hocejus congrejfufcri- htnt f illud fingulare y .& mirandum commemorant, (juòd dum ad difpiitationis locum procederei y coram cbviâ beatce Virginh flatua marmórea breviter ora- verit y ejafcjue opem expoflularit yfimulacrum vero, inclinato capite , Jignificarit fupemum einon defu- turum auxiUum. Communis itafert populi Parifien- Jis traditio , ipfaque imago vem conjirmat patentr\ <& ufque in hodiernum diem perfeveranti capitis in- clinai7 'c mel Affim

Hiftcrico-Crhica. 1 9 5

Ãífim fe fatisfaz aquclla drcunfpecçao ex- a&a , que em a narração dascoufas os Críticos requerem ? (14) Querefponderia Natal Alexan- dre a efta inílancia ? Reconhecê-la-hia indigna de refpofta , talvez por ferem eftranhos os Àu- thores, que referem efta maravilha ? Eftranhos eraõ também , os que diíTerao fer coftume dos Imperadores Romanos trazer diante de fifogo; e efta noticia, reputada porconftante , na5 íe deveo aos Italianos , mas fim aos Gregos. (15) Era eftranho Cefar Egaííio Buleo , que também a refere ? (16) E quanto aos mais Authores, que uniformemente acontaõ , naõ dizem que até o <lia de hoje fe conferva efta Imagem com a mef- ma inclinação ? Vio a efta Sagrada Imagem a- quelle taõ Santo Bifpo , como illuftre Principe de Mantua , o IlluftriíTimo Francifco Gonzaga ^m oanno de 1579. , em que foy eleito Geral de toda a Ordem , em Pariz. E averiguada ahi -com toda a exacçaõ a conftante fama ? e tradição perpetua do milagre,como refere HippolytoDo- nefmundo , (17) fez que fe debuxalTe em bron- ze com primorofa arte, e que eftampada fe dila- taíTe pelo Orbe , paraefpiritnal confolaçaõ dos devotos da Conceição da Mãy de Deos , e im-

Bb mortal

(14) Honórat ipart.r. Diíícrt, j* \>z%.6z$.m\hu

(i 5) Idem loc.cit. pag.^15. mihi. (16) Egafíius Bulaus loc.cií.

(17) Hippolycus Doneímun^Jus in Vit. V* Francifc*

194 Dijfertaçao

mortal credito do Defeníor da fuainnocencia, o Venerável Doutor Mariano e Subtil JoaõDuns Efcoto. Logo , fendo efta maravilha em Paríz taõ confiante , como a nao julgou Natal Alexan- dre digna de refpofta ? Ou também , porque nao provou fer efta tradição falfa? Mas como o nao executou, todo o Orbe literário nao negligen- ciará julgar que efta taô longe aquelle Triunfo de fer fabulofo , que porefte principio deve fer tido por verdadeiro. He expreífa doutrina de S. Joaõ Chryfoftomo: (i8) E/l traditio , nihil qiueras amplius. Nem fe diga, que fallando o Santo emefte lugar das Tradiçoens Divinas, A- poftolicas , ou Eccleílafticas , he para aqui inappli- cavel 5 porque fendo a tradição principio para provar o mais, como faô as ditas tradiçoens ; po~ tlori ratione & Jure devia provar o menos ,como he a tradição humana , e he tritiííimo em Direi- to. (19)

Logo efte Triunfo tem tudo,que fe reque- re para fer verdadeiro. Sobre o que ouçamos primeiro ao Grande Honorato. Diz efte , (20) que qualquer Fado Hiftorico fe prova fer verdar- deiro por cinco princípios. O primeiro,pela tra-

diçaõj

(18) Joaru Chryfoft. Hom. 4. cap.i. l. ad Thef. (19) L. ItJ eo > 1 \o.ff dere&j/tr, licer. M. n.i? & feqq. & n.7. (10) Honorat. in Prorem,

Hijlorico-Crhica. í$t$

díçaõ ; o fegundo , pela authoridade ; o terceiro, pela conjectura; o quarto, pela approvaçaõ, ainda tacita, da Igreja ; o quinto , e ultimo, pela pofle imperturbável de muitos feculos. E todos eftes princípios concorrerão a provar, fer verdadeiro aquelle gloriofo Triunfo de Efcoto. A tradição, oqueeftá íuperabundantemente dfcmonftra- do. A authoridade de tantos Authores , que o affirmáraõ, nao excluídos ainda pelos da opinião contraria quanto ao tempo , o que diíFufamente provámos refutando efle principio ; aos que no- vamente additamos outros O primeiro, Baíha- gio , (20) o qual diz , que o argumento negativo entaõ vale , quando he geral , e fe lhe interpõem o efpaço defeiscentos annos : Si quando va/ere pote/l negam argumentam , tum certo ejl , tum in alicujus rei negotium venit integerhominum ardo; cumfilentium generale eft , tffexcentorum amo- num fpatium inter cejjit : e como os primeiros Au- thores,que pugnarão pela verdade defteTriunfo, floreceraõ em o feguinte feculo de Efcoto , e os pofteriores naô chegarão a prefazer ainda quatro feculos , como fe tem provado ; he fem duvida que , quanto ao tempo, nao foraõ excluídos por Bafnagio. O fegundo ,he Mabillon, (21) que,

Bb 2 para

(20) Bafnag. lib. $. cap. 2. pas. 210. (2 1) Mabillonius De Stu~ àiis Monaft. paru 2.cap.8. pag.zrj»

É$è D/fertaçao

para provar qualquer faóto, admitte Authores até o intervallo de duzentos annos : Ciim necjue Ali- ciares coxvi , nec alii his aut duorum fiecitlorum in- tervallo fuccedentes , de re alupia reticuerunt , de cjua recentior nullà duílns auãoritate tejlimonium dicit , riihil ipfi deferendum eft. Sendo mais que tudo, que do mefmo fentimento feja o Author da certeza do argumento negativo, que he Lau* noio, naó excluindo aos Authores, que naõ ex- cedaô o efpaço de duzentos annos, pouco mais, ou menos •' (22) Ducentorum}plus} minusvè, anno- rum <e\úmari poteft.

A conje&ura também concorreo a provar a verdade defte Triunfo , como fe manifefta em eftas R.eflexoens. Da mefma forte o teftimunho da Igreja, dado por Sixto IV. em aapprovaçaõ do Oííicio da Conceição, compoílo pelo Vene- rável Buílis. E ultimamente, fer efte hum Fa&o,, naõ particular, mas illuftre , fundado em a poíTe de tantos feculos , imperturbável com argumen- tos negativos, como terminantemente o enfina o Grande Honorato: (25) CumEcclefia,Epijcopi7<& ft placet, populus ipje in cognofcendarum confiietudh mim , &fa£torum hiftoricorum pojfejjione af<eculi&

muU

(li) Launoius de auftorit. ttegit. 4rg. apud Amorât.part.i. DiíTcrt; x*art.ç, pag,i$9«Sc 140. mihi. (13J Honorac* pau, 1. Diííerr. lo» pag.6$l.raihi.

Hiftorico-Critica. 1 97

tnukis coiififtant , nonjujficere , ut refellantur , ar- gumenta negantia congerere. Logo fe efte Fado por huma parte eftá provado por tantos princí- pios ; e por outra , para o diluir naõ faó fuíiicien- tes os argumentos negativos , em elle concorre tudo para fer verdadeiro. Affim o entende tam- bém o Doutiííimo Mabillon; (24) em quanto diz, que todas as vezes que o Faóto he bem fundado, para provar a fua antiguidade he íufficiente des- fazer os argumentos contrários : At vero cjuoties faôíiim aUcjuod vetujtum jatis Jirmamenti, & robo- ris habet , firfficit , ut illud conjtituamus ex mente Mabillonii. Si d/luerimus argumenta } (ju^e in even- tum illud ejformantur : Jujficit adprolandum iiftta- t<z rei antiejuitatem, refutare argumenta, qu<epro- ponuntur in contrarium. Pelo contrario porem, que naõ devem fer ouvidos, os que o defpre- zao 7 levados fómente de leves conje&uras,fem provas conduzas , certas , e evidentes : Centra vero (jui Faãum idem Hiftcricum afpernantur, au* diendi nonfunt ,Ji levibus duntaxat conjeduris ccn~ tentifuertnt : ipforum nanejue eft aferre momenta certa, evidentia}& conclusa : nonfiijjichint conjeâtu* r<e ,fed vera , manifejta , ac necejfaria argumenta projerenda Junt , como de Mabillon ferexprefla

dou*

(24) Mabiltonius DifTcrt. de ^wtt.cap.&$-

ipi DlJfertâçaÕ

doutrina refere Honorato (25) Do que eviden- temente feconelue , que quando o Faótohe an- tigo , e fufficientemente provado, (como do prefente fe verifica ) io pertence ao que o defen- de, foi ver as duvidas , que fe lhe oppuzerem j incumbindo ao que o impugna , provar o contra- rio , naõ com con jeóturas leves, mas com razoens concludentes , certas , e evidentes. Julgue agora o Leitor Sábio , fe faõ provas defta ultima quali- dade , as que proferio Natal Alexandre em efla fua taõ douta refutação ? Ou fe fe reduzem todas a conjeduras leves, ( à excepção daefcuridadc dosAuthores) etaõ leves, como fundadas em o filencio , ou argumento negativo , reputado tanto em pouco pelos Sábios, que, para coroa da fatisfaçaô aos argumentos de Natal Alexandre 7 fera efte erudito ultimamente o que o julgue.

Pertendendo Natal Alexandre defender, que S. Lazaro foraBifpo de Marfelha, e que fuás Irmaãs, Maria Magdalena , e Martha , apor- tarão em Marfelha , fe oppós Launoio, allegan- do-lhe efte mefmo principio /em que Natal A- lexandre funda afuaefpeciofiffima, e doutiífima refutação, que he o filencio dos antigos ,porfe naõ achar veftigio algum (lhe oppôem Launoio) de hum tal defembarque em Salviano , Caffiano,

Vi-

(25) Honorat,part.i.dub.it Diífart. 5. pàg.ioi. mibi.

Hi/torico-Critica. 19$

Vi&or MaíTilienfe , Santo Eucherio Lugdunenr fe , Ceiario Arelatenfe , nem em outros antigos Efcritores Eccleílafticos ; e da meíma forte alto filencioem os Martyrologios de Ufuardo, e A- don , em S. Gregório Pontífice , Santo Oden , o Venerável Pedro, S.Pedro Damião, e S. Bernar- do. A cujo íilencio confukb , acjumma rei excuj* Ja, refponde Natal Alexandre , migarum injlar, ( adverte aqui o Grande Honorato ) (26) que ft- milhantes argumentos íao fúteis , por ferem ne- gativos ; eque, como deduzidos de authoridade negativa, faô de nenhum pezo \ Refpondeo , h<eç argumenta jfuti/iaejfe , (juia negantia Jimt . E em outro lugar diz : Argumenta ah auõíoritate negati- va mtllius ejfe ponderis. (27) O mefmo diz em eíTa mefma fua Hiftoria Ecclefiaftica , feculo pri- meiro, DiíTertaçao dezafette > paginas 179. E em a DiíTertaçao vigefimafecunda, paginas 227* diz : Refpondeo denicjue , h^c argumenta, (jiitf ex AuCíorum filentio repetuntur , nec niji negativa probatione conjtant , ad veritatisjfidem faciendam7 infirma vulgo ab eruditis exiftimari. E como fu- perabundantiífimamente fe tenha provado , fe- rem negativos os argumentos, com que quiz

dar

(16) Honorat. part.i.Diflert.$.pag.27$.mihi. (27) Nar. Akiç. Hift.£cclef. (xc. 1 . tom. 2. Difíert. 15. concluí. 1. ad 1. pag.77. Idem íaec.i.tom.i. DiíTcrt.i 2. Concluí. 3. pag 558* apud Honorat. ciu

2oo Difertaçao

dar aquelle taõ celebre Triunfo por fabulofo efie taõ douto Dominicano , elle meírno he , o que por ultima concluzaõ conjulto julga y que taes argumentos fa5 fúteis , e de nenhum pezo0 re- gular condição dos que atacaõ verdades incon- cuflas com vehemente ardor , e furioíb impeto: contemplou-o afíim o Sábio Mabillon : (28) S<e~ fijjimè evenit quojdam primam negativam argu- mentandi ratio nem , vehementi adeò,fiiriofoque im- pem profecjui y ut Jir miares et iam , atque inconcuf- fas veritates ex hitjiijmodi ratiocinii abujii condem- ncnt ', mas para finalmente fe deixarem íuppedi- tar do pezo da verdade : Plus valet (juodin verita- te agitur , quam quod Jimulatè concipitur. (29)

REFLEXAM XXII.

Sohre o Decreto da V niverftdade de Variz 9fubfe~ guido aquelle taÚfamojo Afio.

DEpois de Wadingo affirmar aquelle taõ portentofo A£to; diz ,(jo) que comede, e com o que efcreveo em o terceiro das Senten- ças,

(2,8) Mabillon. tom.*, cap. í ;. pag« 367. deStuãiis Monaft.

(29) Rubr. & nigr.C. Plus valer equo d agitur , &c. Sigifm. Sczcc, de Commerc.'i. i-q-7* part.3. limit.7.n.4. & 5. Narbon. 1.35.gIoflr.4. n.i8.m.3«lib.i.Recop. (30) Vvading.cit. itf Annalibm com.tf. pag, 5 ti

Hiftoricb-Critka. i o i

cas , attrahira Efcoto aquella Univerfidade a for- mar aquelle feu Decreto , com o qual mandara, que ninguém fofle admittido a alguns Gráos Scholafticos , fem que primeiro jurafle defender a Bemaventurada Virgem izenta da culpa Ori- ginal , additando ao juramento o voto de lhe ce- lebrar fefta todos os annos : Hoc itacjue aÔíu, ©* iis (jiiíejcripjít in tertium, alítcuit V niverfttatem Pariftenfem ad illud eJFormandum decretum , cjuo tavit , ne aduílos gradusScholaJlicos admitteretur, (jui prius non jurar et , fe defenjurum leatam Vir- ginem a noxa originaria. Decreto addidit votum de celebranda cjuotannisfe/livitate Immaculat<e Con- ceptionh. Mas ifto diz Natal Alexandre que naõ he menos fabulofo : I d vero non minus fabu- Jofum , e o diz muy confequente á fua doutrina: pois naõ fe dando in rerum natura tal aóto , por íer fabulofo ; e defendendo Efcoto a Conceição em o terceiro das Sentenças taõ indignamente , que ninguém , como elle , o executou com mais medo, nem mais em jejum, naõ podendo alguém julgar veroíimil , que elle defendeífe efte Myfte- rio com tanto zelo , e eftrondo : de taes premif- fas muito bem fe fegue, que Efcoto naõ podia attrahir aquella Univerfidade para a formação deífe feu Decreto , e que o afleverar hum fimi- lhante Fa&o, naõ deixa defer fabulofo. Mas

Ce como

20 2 ' ' D{JJertaça$"'

como diffufamente temos viílo ferem falias eftas fuaspremifTas; prefentementerefta conven- cermos falia efta fua illaçaõ, ou eftafua cõfequen- cia. O que executaremos, recorrendo primeiro á authoridade,e depois ao exame das fuás razoens.

Quanto ao primeiro, feja o primeiro que aauthorize o Doutiífimo Padre Ojeda, daPre- clarifílma Companhia dejefus: (51) Médium, çuo fe Fr anciã ad antiquam o pi ni o nem delmma- culata Conceptione reduxit , fuit celebre illud de~ cretum V niverfttath Parijienjis In favorem ejuf- dem Immaculattf Conceptionh fafáum, cujus rejli- tutionis , O* decreti magna ex parte caufafiút Ma~ gnus Scôtus } gloria facrae Religionis Seraphici P. S. Francijci. O meyo , diz , com que França fe reduzio á antiga opinião da Immaculada Concei- ção , foy aquelle celebre Decreto da Univeríida- de de Pariz em favor da mefma Conceição , de cujareftituiçaõ, e Decreto, em grande parte foy caufa o Grande Efcoto, gloria da Sagrada Reli- gião do Seráfico Padre S. Francifco. Logo , fe defle Decreto , e deíTa reítituiçaõ em grande parte foy caufa Efcoto, naõ fe fegue que eíle attrahira aquella Univerfidade para a formação deíTe feu voto?

Ainda mais exa&amente o affirma o dili-

p-entiíTimo

o

(3 i ) P.Ojcda in infornw* pro Imm<tc*Concept* fol.tf^.

Hijlorlcb-Crhica. 205

gentiíTímo Salazar da meíma Inclyta Companhia efe Jefus. (1) Diz primeiramente, que Efcoto fora o principal; e mayor Defeníor da pura Con- ceição, e que com a íua authoridade adquirio a efta doutrina tanta , quanta nenhum outro antes, nem depois í Doóíor SultiUsJoànnes Dims Scotus pr<ecipuus , ac maximus pune Conceptionis V index , (jiii t cintam huic doStrinfi juâ autiorita- tejidem comparavit , quantam millus alius ante /p- fom , necpofl ipfum. Diz mais , que Efcoto em o terceiro , diftinçaô terceira , queftaõ primeira , e em as Reportadas , naõ affirmára , mas vence- ra, que a Virgem Mãy de Deos fora ifenta do peccado Original , e do debito de o contrahir ; e que efta piedofa Sentença de tal forte a perfuaifr ra aos Parifienfes , que eftes annullàraõ, deraó por caíTada , e de nenhum valor a cenfura , que cm tempo de Alberto Magno os Doutores da- quella Univerfidade , a mais nobre de todo o mundo , haviaõ contra ella produzido : Hicergo in $.d. 3 . q. 1. ef in Report. Virginem Dei param a peccato Originali^ a debito illiuscontrahendi im- mnnem fuijfe nonjolum ajferuit ,fed evicit , piam- quejententiam Parjjienjibtis ha perÇuafit , ut cen- jnram , cjuam tempore Magni ^Alberti Doâtores, O* Magijiri il/ius totó Orbe nobilijjima \Academi<e

Ce 2 contra

(0 Salazar inlib. Pro def enfune Imnw.Concept. raic.14rpag.4j4a

204 Dlfertaçaa

Contra tilam tulerant ,prorjus refciderint , cajfam , acnullam effecerint. Finalmente aíTevera , que efta piedofa Sentença recebera tantas forças em tempo taõ breve , que em efte mefmo feculo antes do anno de 1 546, havia a Faculdade Theo- logica da Univerfidade de Paríz decretado , que a oppofta fe nao pudeíTe publicamente defender em as Efcólas. De cujo Decreto faz menção Baconio , (2) cujo gravifíimo Theologo morreo em o anno de 1546. Quinimò , diz Salazar, per- brevi tempore tantas pia h<zc fententice vires jufce- pit , ut in hoceodem fecuh ante annum 1 5 46. T/W- lógica Facultas ferio decreverit , ne oppofita publi- co in Scholis relegi pojfet. ( Nam hujus decreti me- níinit Bachon. in. 4. d. 2. cj. 4. art. 5 . cjui circaprae* jcriptum annum decejjit.)

Logo antecedeo outro Decreto , ao que Natal Alexandre atacou contra Wadingo. E fe havemos em tudo eftar pela doutrina de Salazar, dous foraõ os Decretos, que lhe antecederão} porque , havendo eftabelecido o primeiro antes do anno de 1346. , immediatamente continua a dizer : Etfubinde paucorum annorum inter Hitio ab eadem Facultate demandatum , ut nullus gradum, & lauream Doóíoris deinde capeferet , qui imma- enlatam Virginis Conceptionem a fe acerrime de-

fen-

(2,) Bacon, in 4. d. 1. 4. are, 3,

Hiftoríco-Crítica. 205

Jenfandam jure jurando nonpromifijfet s O* infuper cadem Facultas fefe huic fejlo (juot anuis celebran- do devovit 9 atcjue obftrinxit. Diz , que logo depois em efpaço de poucos annos foy mandado pela Univeríidade 7 ou pela mefma Faculdade Theo- logica, que nenhum toma/Te o Gráo , e Laurea de Doutor , fem que primeiro promettefle com juramento , que elle havia acerrimamente defen- der a Immaculada Conceição da Virgem Noffk Senhora : e demais difto a mefma Faculdade fe obrigou a celebrar efta fefta todos os annos. Cu- jo fegundo Decreto , julga Salazar , fe fez dentro defte feculo i4.emoanno de 158}. Oquecolli- ge de Paulo Veneto ;e de Bernardino de Buftis: Quod fecundum decretum faâtum puto intra hoc primum fieculum anno 1 jSj< y0t colligere lie et ex Paulo Veneto in traãatu de Pura Conceptione , ©* ex Bernardino de Bu/los ferm. 8. Concluindo de toda efta doutrina , que de hum , e outro Decre- to fora o Doutor Subtil caufa, como enfina o II- luftriffimo D, Fr. António Cucaro : Utrique vera decreto caujam cltiãijfe Subtilem Dcãorem , do- cet ^Antonius Cucar us in Elucidário Virginis, par- te 2. Ha logo três Decretos , que a Faculdade Theologica Parifienfe fez em favor da Immacu- lada Conceição da Virgem Mãy de Deos.O pri- meiro y em o anno , ou antes , de 1346. O fegun- do,

2o 6 DiJertaçàS

do, em o anno de i j 85 . E o terceiro, em ò armo de 1497.^ he o de que falia Natal Alexandre em afincéra intenção de naõ haver outros, que con- fufamente relacionou efte Annalifta, affim como também os havia referido Cefar Egaffio Bu- léo: Hunc attum celeberrimum in caufa fuijfe aiunt, cur Univerjitas, aut certe Theologica Facultas De- creto caverity ne ad ullos Gradus Schola/licos admita teretur itllus , quiri prius jurar et, je defenfiimm ean* dem opinionem , Decreto addititm votum de celè- Iranda cjuotannis Fejlivitate Immaculat<e Conce- ptionis 7 Reverendo Epijcopo Varifienji Mijfam ce- lebrante , ÇJ* uno c Magijlris Theologich concionem facram habente. Logo, a haver allucinaçaõ, ( co- mo,feguindo a Natal Alexandre, o diíTe também Graveíòn contra Wadingo ) deve efta eftar da parte de NatalAlexandre,que ignorou a plura- lidade deites Decretos , eftando da parte de >Va- dingo , quando muito , a confufaõ de os na5 diftinguir. O que , para fatisfaçaô mais plena do que pondero , executo em a feguinte forma.

Seguia aquella Univerfidade a opinião, de que N, Senhora havia contrahido a Original cttfc pa , compellida daquella Epiílola de S. Bernardo, do Decreto de Maurício Bifpo Parifienfe , e de outro feito pelos feus Theologos , do que Sala- zar diz exiftiajá em o tempo de Alberto Ma-

gno.

Hi/loríco-Critica* 2oj

gno.~ Durou efte fyftema até aquelle portento- fo A&o , com o qual fez Efcoto mudar de pare- cer logo aquelía Univeríidade ; feguindofó, o de fer concebida a Mãy de Deos em graça em o primeiro inftante da fua animação , como cffiaúm íe tem provado , e exprefíamente confta do men- cionado Officio da Conceição : Quapropter opi- nio Minorum a Pariftenfi Studio , note-fe 9 ilheh approhatur. E temos o primeiro Decreto , era que afeguir a Sentença pia fe determina aquella <UniveríÍdade;ejáapparecia com oanno de 1546» A efte Decreto fe feguio o fegundo, augmentar do com o juramento , e fefta , e he o de 1 3 8 5 ., de que falia Salazar : fubfeguindo-fe a eftes dous o terceiro , que he o de 1497. > em que k addi- taõ as penas , de fer o feu tranígreíTor privado de todas as honras , fendo pela mefma Faculade ti- do como Étnico, e publicano } como confta do mefmo Decreto : Quòd fi (juisex nojlris > quodab- Jit, adhojles Virginis trans/uga, contraria ajfertio- nis, (juam fotjam 7 impiam , erroneam judie amus9 fpretâ non nojlrà tantiim , Jed Synodi, & Ecclefi<e, (jiiíC proculdiibio fammâ eft auóioritate 7 patroci- nium (jitacumcjiie rationefujeipere aiijusjuerit, huno honoribus nofiris omnibus privatum , atque exau* ãoratuma nobis , <& conjorúo nojtro velut Ethni- cum , tf publica/wm decernimus.

Nem

no$ T>ijertaça%

Nem faça duvida , que dita Faculdade Pa- rifienfe repita os feus Decretos para mais firmar, e fazer inviolável a fua obfervancia^porque, além de íer praxe dos Sagrados Concílios , e Apof- tolica, a mefma Univerfidade noviíTimamente renovou dito Decreto em o anno de 1756., co- mo refere o Memorial Italiano contra Lampri- dio , aprefentado aos Senhores Cardeaes , (}) aonde citando o commum fentir dos Fieis , e U- veríldades , diz : delle piu celebri Vniverfitá : in- cíufa la Sorbonica faculta , chefu la prima â difen* derlaconvoto. ne a recentemente í anno 17 y6* rinovato iniftampa il decreto.) Nem também he julgavel,que efta pluralidade feja contraria ao que fe diz em eíle Decreto de 1497. > P°*s ^em y'l(Xm lencia, e com poíitiva naturalidade , fe conforma com as fuás mefmas palavras. Porque principian- do o Decreto : Ciun multas maiores noftri fortifi Jimi ,acj trema ffi mi Catholic<eJidei milites nafcen* tes variis temporibus facrefes , nullis uncjuam labo- ribiiSy nullis periciais deterriti7facrisfuis difputatio* nibus opprejjerint , in illos tamen errores , quilm- maculat<e , <& glorio fijjimtf Dei genitricis, perpe- tikecjue Virginis laudem , & dignitatem violar e vi/i junt 7 peculiar i quodam fanóío , perfeCíocjue ódio ve-

hementius

($) Memorial Italiano contra António Lampridio MaratorifoI, 3* num. 4.

Hijlcrieo-Ciitica. 1 09

hementuis infurgendum , acnuscjue fibi pugnandum femper judie arunt. Logo fe em efte Decreto diz a FaculdadeTheologica prefente,que naõ haven- do herefia, q inconcuffa,e intrepidamente os feus antepaífados naõ opprimiíTem ; julgarão com tu- do fempre , que ainda com mayor vehemencia, e acrimonia mayor fe haviaô de oppor contra as que fe conheceíTem violar o louvor, e dignida- de da Immaculada,e Glorioíiííima Mãy de Deosj nao eftaõ todas eílas palavras com a mayor natu- ralidade denotando, que em efte induviduo Jouvor, e mayor dignidade da Immaculada , e GlorioííffimáMãy de Deos, tem em eíTes ante- paíTados a feu favor havido muitas determina- çoens ? Nem eu fey que eftes termos , fempre julgarão com mayor vehemencia , e acrimonia ma* yor oppor-fe contra os que fe conhece jfem violar o louvor }e dignidade da Immaculada MãydeDeo$% hajaõ defignifícar outra coufa mais, do que de- notar a particular perfpicacia , que a Univerfida* de fempre praticou em defenfa de N. Senhora em efte Myfterio da Conceição , que he , o de que trata efte Decreto.

Nem a efta natural intelligencia fe podem oppor as palavras , que immediatamente fe fe- guem : Ciim itaque próximo jteculo (jvrtftio depuri- tate Conceptionis felicijfímae Dei ? tf Domini noj-

~ Dd trí

aio Dijfertaçafi

trijefu Chrifti G 3 nitri eis \íari<e 9 folho frequen- tius agitari ccep'Jfet } S pirita Saneio feilicet ejus rei veritatem aliquando propalar i volente , di/igentius utrhtfque partis li br at is ratio mbus 9 primiun pro tempore fuiun prudenti/Jimè fufpenderunt judicium. Demum in eam partem inclinatiores 9 quae Virgi- nis gloria , tf puritati adjlipulari videbatur ; itaeo- rum van[JJtmam temeritatem disputando confirta- verunt : 1 : : qui citra eJUcacem probationem Virgi- nem inOriginali peccato fuijfe contendebant , ut contrariam qu^eftionis partem , qiue Virginem 9 dum conciperetur y fpeciali Deinuminc ab origina* li macula fuijfe immumm affirmat , C3* pietati jfidei, Ç? reSítf ratio mi , O* Scripturis Divinis valde qua- dram em decemerent.

Em tentas eílas palavras que outra coufa in- tenta eíla Univeríidade dizer mais , do que reca- pitular, e redimir tudo , que temos dito cm to- das eílas Reílexoens ? Naõ diíTemos que era taõ celebre a fama de Efcoto em todo o Orbe,que apenas nafeiaõ emas Efcólas deOxonia 0$ léus Efcritos, quando peregrinava^ até o mais remoto clima , dilatando-fe em breve efpaço a Sentença Piedoíaatodas asUniverfidades , efpecialmente i de Pariz ? Naõ diíTemos também , que eílando efta Uaiveríidade em o fentir , em que a havia poílo aquelle feu antigo Decreto , e do feu Biípo

Mau-

Hiftorwo-Crhíca. 2 1 1

Maurício, naõ encontrara aPiedoía Sentença benigno affe&o para aíFeiitir ao Myfterio ? Naõ diíTemos também, que examinada efta queftaõ pelos Meftres do noflo Convento de Paríz , fe refolveraõ todos a defendè-la , intitulando-fe a Pia Sentença por efta caufa a Opinião dos Meno- res ? Naõ diíTemos também , que efte tora o mo- tivo de fe altercarem a mefma Univeríldade com a&ividade efte ponto , e tanta , que certos Reli- giofos de Oppoíuores Efcbolafticos paíTaraõ com omayorefcandalo a ferem noffos accufado- res , chamando hereges aos Religiofos Meno- res, por defenderem que aMãy de Deos fora concebida em graça em o primeiro inftante da fua animação ? Naõ diíTemos também , que para tranquilizar eftes ânimos dcftinára o Ceo a vin- da de Efcoto a Paríz , adonde taõ gloriofamente triunfaíTe em aquelle Aóto de todos os inimigos da Conceição? Finalmente naõ diíTemos, que deíle A&o fe íeguira ,approvar aquellaUniver- {idade efta doutrina , annullando a oppofta?

Pois tudo ifto , bem penetrado f fe muy naturalmente a entender em as palavras deíle Decreto: Ciim itaque próximo faculo. Que fe- culo paííado foyefte, fallando efta Univeríida- d-e em o feculo quinze , fenaõ o quartodecimo íèculo, em que Áoreceo Efcoto? Continuay^a

Dd 2 ler

212 Dijertaçafi

ler o mefmo Decreto , e adiareis ? vos diz , que em eíTe mefmo tempo excitando-fe efta queftaõ mais frequentemente do que era coftume, por algum tempo prudentiííimamente fufpendera a Univerfidade ofeujuizo, até que, querendo o Efpirito Santo manifeftar a verdade defteMyfte- rio, fe refolvera a abraçá-lo. Em dons eftados fe contempla efta Univerfidade. O primeiro , em que por algum tempo fe fufpende : Primum pro tempere {mim prudentijftme Jufpenderunt juâicium, e o fegundo > em que fe refolve : Demum ineam partem incltnatiores <&e. E naõ coexiftem natura- lifíimamente eftes dous eftados ao que temos ex- pendido? O primeiro,quando de Oxonia chegou aSorbona eferita acelebre,e famofi queftao,com« pofla pelo Doutor Subtil fobre efte Myfterio; e o fegundo f quando a eíTa mefma Univerfidade chegou Efcoto? Naõ foyemaquelle primeiro ef- tado o precifo tempo de fe frequentar efta que- ftao mais do q era coftume,feguindo-fe taõ efean- dalofas akercaçoens,fufpendendo prudentiífíma- mente por então eíTa mefma Univerfidade o íèu juizoíE quanto ao fegundo eftado,em q eíTa mef- ma Univerfidade fe refolve,por querer o Efpirito Santo fazer patente efta verdade j em q differen- ça de tempo pode eíTa Univerfidade com mais rvaturalidade contar eíTa Divina Volição > fenaõ

em

Hijlcricò-Crhica. 2 1 5

emaprecifa, emqueEfcoto chegou aParíz, mandado por Chrifto a proteger fua Santiílima Mãy , cuja Imagem taõ profundamente fe incli- nou a ouvir os preces , e forças , que contra os feus inimigos com tanta humildade , e devoção lhe pedia o feu Defenfor ? Naõ fe denota com a m ayor naturalidade eíTa Divina Volição, quando em eífa Univerfidade falia aquelle prodigiofo Heróe , que com tanta anticipaçaõ tinha efcolhi- do a Mãy de Deos para a defender, e obfequiar? Naõ fe verifica efta Divina Volição em aquelle Acto , o mais celebre que vio o mundo , fendo taõ celefte a fua doutrina , que logo efía Univer- fidade a approva ? Logo das palavras defte De- creto fe naõ infere , que Efcoto naõ attrahira a eíTa Univerfidade para a fua formação , antes pe- lo contrario confirmaõ efta ; e fimilhantes de- monftraçoens.

Igualmente, 011 ainda mais expreffivas faõ as palavras , com que ditos Académicos con- cluem o prefente Decreto : Quorum furori (falia o Decreto dos que fe oppõem á Pia Sentença) ut alacrhis,fortiusc]ue occurramus, atcjue re/ijlamus, pro noflra profejjione, Ordine, & Gradu , maiorum nqjlrorum vefiigia Jecjuentes , univerfi tertibcon- gregati , poji multam , gravem , C/ maturam deli- berationem > in ejus fiifjim<z ãoClrintf ; (jiitf hetie-

diãijft-

214 Diferi cio

diciijjtmam Dei Matrem ab original! peccato Dei Jingulari dono fuijje pnefervatam qjfírmat , (juam- (jite jam pridem veram credidimus , tf credimus, defenjionem, ac propugnationem jpeciali Sacramen- to conjuravimus, nosejue devovimus. Statuentes ©Vy Que outra coufa fe denota em o contexto deftas palavras , mais do que huma notável anti- guidade de tempo , em que efta Univerfidade eftava de íe oppor ao furor dos que feguiaõ,que a Mãy de Deos contrahira a culpa Original,feguin- do os prefentes Académicos emrefoluçaõ fimi- lhanteos veftigios dos íeusantepaíTados:<2'ww# furori ut alacrius y fortiusejue oceurramus, atejue re- Ji/lamus , pro nojlra profejjione , Ordine, tf Graduf maiorum nojlrorum vejtigiafequentes. O que ain- mais fe confirma em as feguintes palavras: Quam* (juejam pridem veram credidimus , tf credimut, de- fenjionem , ac propugnationem jpeciali Sacramento conjuravimus , nosque devovimus ; a cuja doutrina, ( dizem) da Mãy de Deos fer em o primeiro in- ftante de feu fer concebida em graça , ha mui- to tempo demos credito , e cremos fer verdadei- ra, em cuja defenfacom efpecial juramento con£ pirámos, e nos offerecemos. Logo, fe efta Uni- verfidade em eíle Decreto adverte haver muito tempo,que tinhaõ dado credito á Pia Sen- tença, e juntamente jurado o que naturaliíííma-

mente

Hiftorico-Crhica. 2 1 5

mente fe notifica nas palavras mencionadas , que immediatamente fe feguem , em que com eíTa determinação antiga íè encontra o juramento com o verbo de pretérito: ac propugnationem fpe* ciali juramento conjuravimus , poder-fe-ha jufta- mente duvidar, que com juramento houveíTe antecedido outro, fubfeguido immediatamente a eíTa antiga determinação y innovando a prefen- te o repeti-lo •? Statuentes , ut nemo deinceps tfc. Mas, para com mais força Decorrerem , erefifti* tem ao furor dos contrários : Quorum furori ut clacrius , fortiuscjite oceurramus , ac rejiftamus, ad- ditarão mais , o que de outro algum antecedente Decreto delia Univerfidade fe naõ diz , e forao as penas de ferem privados de todas as honras , e lançados fora do grémio da Univerfidade co- mo Ethnicos , e Publicanos : Quodji quis ex nof* tris 7 (juod abfit , a d hcjtes V irginis transjuga , oontrariae afertionis , (juam/aljam , ímpiam , erro- neam judie amus , J preta non noftrâ tantiim > jed Synodi, tf Ecclejice , (jua? proculdubio fummã eft auótoritate , patrocinium quacumque ratione jujei- pere aufus juerit , hunc honorilus nojtris omnibus privatum, atejue exaucíorutum a nebis , tf confortio nojtro velut Êthnicum , tf Pub/icamim prccul abji- ciendum de cerni mus.

Toda efta expoílçao he taõ conforme á dou- trina

2i 6 s Dijertaçafr-

trina do SapientifTimo Theophilo Ralnaudo; que parece confe-quencia fua; porque fallando do Decreto, que a mefma Univerfidade fez em o anuo, ou antes, de 1346., affirma, (4)que jáefte fora feito com juramento , folemnizado ainda mais depois com o novo Decreto de 1497., que foy como paradigma , e exemplar dos que as mais Univeríidades íizerao emdefenfa da Imma- culada Conceição de N. Senhora. As fuás for- maes palavras faõcomo fe feguemi^Academia Pa- rifienfis } <& omnes ejusDoãores ah atino 1346. ex juramento inditfo pro tuenda Conceptione immacu* lata, O1 folemniflime roborato per novum Decretum, Jatumanno 1497., <juod7 (jitiafuit velati paradigma, a d (juod alie deinceps pler&que Academia admenfie juntfua decreta de hoc negotio } placet hw repnefen^ tare ex Af . S. códice Jideliter excriptum,(juem ex- hibuit melle<e facundice Chrijliamis Orator , & Do« cíor Parifienjis. Sichabet decretum ex aoíis , fub- fcriptis aucíoritate D.Bouuot ^Apparatoris maior is in ^Academia Parifieiifi. E per formalia põem o mefmo Eftatuto. Qual fera logo o allucinado; Wadingo , que , em o que affirma , fe conforma com o que dizem os Authores , que fobre eftes Decretos falláraó : ou Natal Alexandre , que ignorando,ou affe&ando ignorar efta pluralidade,

fup-

(4) Theoph, Raitiíud. tom.8. foi. 180.

Hifttrtcc-Crkica. 2 1 7

fuppõem que houve hum Decreto , e efte o de i497.,depoisdo Concilio de Bafilea, infultan- do afíim a Wadingo ? Juramentum, incjiuvn , fias ahimnis Sacram facultatem poft Bafilienje duma* ocat Concilium imperajfe , rpjii/sjuramenti verba, (juce fubjicio , demonjtrant , S?' Wadwgi allucinà- tionem patefaciunt. Logo nenhuma razão teve Natal Alexandre em dar por fabulofo , o que af- firmou Wadingo : I d vero non mimis fabulofum ; e muito mais quando por prova traz hum Decre- to , que, bem penetrado , he prova contra produ- centem.

REFLEXAM XXIIL

Em (jucfe continuei a f aliar Jobre o mefmo "Decreto.

M As como Natal Alexandre naS íeja tao pouco fecundo em o que diz , que fe re- duza á única prova da poíiçaô defte Decreto, funda eíla fegunda fabula mais em oíílencio de Pedro deAUiaco; porque havendo efte feito hum Tratado contra Montefono , Doutor Do- minicano,em o anno de 1 5 87 ?a quem aFaculdade Parifienfe condenou quatorze propofiçoens, lhe houvera oppofto , e objetado a violação do ju-

Ee ramen-

2i 8 . Dijfertaçao

ramento , o que nao fez , nem ainda infinúa , co- mo fe pode ver em o Tratado de Allíaco, que anda commummente impreíTo ao íim do Meftre das Sentenças Pedro Lombardo. E em fegundo lugar, por fe nao infinuar caftigo algum a Mon- . te fano fobre a fua fracção. Do que Natal A- lexandre infere , fer certo que aquella Univeríi- dade nao tinha feito juramento algum antes do anno de r 5 87. , e igualmente certa a allucinaçaô 4e. Wadingo.

Ao que fe reíponde , quanto ao primeiro , que fendo efta razaõ de Natal Alexandre , fun- dada em o íllencio; hum argumento negativo , e deíle diíTeíTe o mefmo Natal Alexandre , que era argumento fútil , de nenhum valor , e pezoj nao fey que ad /lominempottx ter foluçaõ melhor eíle leu argumento, fendo para o folver fu- .perflua a doutrina de Mabillon, (5) e a do Au- thor da DiíTertaçaô de S. Dionyzio Areopagita (6), em.as cinco condiçoens, que adftrúe ? para poder concluir hum tal argumento. Ao que abiindanter fe addita, que a ninguém deve fazer força , que Pedro de Alliaco nao oppuzeíTe em o feu Tratado contra Montefono a violação do

i jurar

(s) MMWonJe Stud.Monafl. i.p.c.i;. pag.196.

(6) O Author da Dilíertaçaô de S.Dionyí. Areopagita cap.4.art. 5,

pg.ijo.ac 151.

Hijtcricò-Crkica. 2 1 9

juramento ; porque efte Author efcreveo juf- tificando os fundamentos da Cenfura Parificnfe, dada ás propofiçoens de Montefono ; e a frac- ção do juramento naõ he motivo , que juftifique o legitimo da Cenfura , he lo delido pefloal de Montefono. Nem da mefma forte , quanto ao fegundo;deve obftar , o naõ fe enfurnar o feu caftigo ; porque poderia Montefono fercaftiga- do, fem que o houveíTe referido Alliaco; ou porque reputaria por caftigo do feu delióto a pu- blica condenação das fuás propofiçoens.

Lembrado Natal Alexandre da inconfe^ quencia da fua doutrina , ou defconfiando da ne- nhuma força defte feu argumento, pafla a provar ifto mefmo por outro principio, como era o dif- putar-fe provavelmente por huma , e outra par- te eíla queftaõ em eíTe mefmo tempo , colligín- do ferefte o íentimento d.íTa mefma Univeríí- dade , o que infere da condenação da decima propofiçaõ de Montefono , como falfa , efcan- dalofa, offenfiva dos pios ouvidos, e affirmada com prefumpçaõ : naõ obftante a probabilidade da queftaõ , de que a Bemaventurada Virgem foíTe concebida em peccado Original. Faz que Alliaco repita ifto mefmo , e ainda mais ; porque affim como ( diz Alliaco ) os que provavelmente íeguem eíla parte > naõ dizem que afíirmaõ con-

Ee 2 tra

22 o Dijfertaçati

tra a Fé, os que feguem a oppofta : muito menos efte Frade (falia de Monteíòno) deveo dizer,que os que feguiaõ que a Mãy de Deos nao fora concebida em peccado Original , que foíTe con- tra a huma talpropofiçaõ. Logo efte modo de fallar argúe , que aos alumnos daquella Sagra- da Faculdade era entaõ livre difputar por huma e outra parte provavelmente efta queftaõ , com tanto, que nao fugiilaflem a contraria opinião da Immaculada Conceição daMay de Deos com al- guma Cenfura , defendendo-a com modeftia , e fem efcandalo. Logo era , porque em efíe tem- po efta Univerfidade nao tinha feito algum jura- mento , que fez em o anno de 1497.

Ao que fe refponde , fuppondo primeiro, que a nenhuma Univerfidade pertence hereticar propofiçao alguma , que ex je y $ de jure he to- talmente dúbia , fe repugnantemente pertença á , nem he efcandalofa , e pode fem perigo a fua verdade , ou falfidade ignorar-fe. Efta fuppo- fiçaô he doutrina expreíTa do mefmo Author, que a feu intento traz Natal Alexandre , que he Geríbn : (7) *Ai Epifcopos nonfpettat propqfttio- nem ali q tia m hcereticare ,(/u<eexfe , & de jure pe- nhas duha eft , an adjidem perúneat repugnanter,

necjue

(7) Gerfórvn craft, de Ptopofithmbus } ab Epifç. b<eretican4is^ «onc,

Hiftcricò-Crhica. 2 2 1

necjue eft fcandalofa , & potefi ftne periculo ejus ver i tas , velf ai fitas ignorari ; e hum dos exem- plos , em que efte Author contrahe efta fua dou- trina , he a Mãy de Deos em o prefente Myfte- rio. Logo, fendo Suprema Cabeça daquella U ni- verfidade o Bifpo , (como naõ ignoraõ os que fabem osfeusEftatutos) na5 podia efte, como Cabeça deíTa Univerfidade,hereticar propofiçaõ alguma em a forma expreíTada. Logo, qualquer que foíTe a demonftraçaõ, que fizeífe eífa,ou ou- tra qualquer Univerfidade , naõ podia extrahir efta propofiçaõ, de que a Senhora naõ havia con- trahido a Original culpa , dos termos de prová- vel , fendo também porefte motivo provável a contraria. Efte feria talvez o juizo , que em eíTe tempo formariaõ aquelles Sábios , fem que defte juizo feja precifamente inferivel o feguí-la ; por- que, para a naõ feguirem . os prenderia naõ o juramento , que com tantos Authores prova- mos exiftia em eíTe tempo ; mas também por contemplarem muito menos provável a oppofta, de que a Mãy de Deos contrahira a culpa Ori«* ginal : fendo-lhes muito mais provável, o que com aquelle famigerado A&o lhes havia enfina- do Efcoto , de fer concebida em graça a Virgem Mãy de Deos.

Efte em eíTe tempo era o íentimento da-

quelles*

222 T)iJfertaçS

quelles Sábios. Fálle por todos o meímo Ger- fon , (8) o qual,fallando da Conceição , diz aííím: Aliud ejt modo , quam tempore Sanoti Bemardii Veritasmagis eft elucidata , O* celebrai ur Imma- culat<e Conceptionis Jolemnitas Virginis Mariíep (juqfi per univerfalem Ecclefiam Romanam. Outra coufa, diz ,he agora, que em o tempo de S.Ber- nardo : a verdade eftá mais elucidada , e a folem- iiidade da Immaculada Conceição da Virgem Maria fe celebra quaíi pela Univerfal Igreja. Logo efta verdade , que em tempo de S. Ber- nardo era provável , em tempo de Gerfon ti- nha probabilidade muito mayor. Em o tempo de Gerfon fe expreíTava a verdade defte Myfterio por revelaçoens , e milagres , que fe criaÔ verda- deiros , por fe verificarem em pefloas virtuoíàs eminentemente, e fantas, com outras circunftan- cias,que elevariaõ a fua credulidade a ponto muy alto: em tempo de S* Bernardo faltavaõ eftas expreíToens : Logo , o que por defeito deites princípios era em tempo de S. Bernardo menos provável , em tempo de Gerfon tinha muito mayor probabilidade pela fua mayor expreíTaõ.

Contemplay agora a differença, que vay do tempo de Gerfon ao prefente tempo. Gerfon morreoem oanno de 1429. ,muito antes queSix-

to

(8) Gerfon part^d* Conçept. Firg. Maru.

HUorico-Crkica. 223

to IV. inftituiíTe a Fefta, e Officio efpecial do Myfterio , que foy em o armo de btftyi de cuja feftividade, e Officio, renovação do Tri- dentino , e a excepção de Maria Santiílima do Decreto geral do peccado : dos demais íuc- ceííivos favores ao Myfterio de mais de qua- renta Pontífices , e aíTenfo univerfal dos Fieis f deduzem os Doutores em efte tempo a certe- za do Myfterio : em tempo de Gerfon naõ ha- viaõ eftes princípios taõ folidos , e certos: Logo eíTa verdade , que em tempo de Gerfon, ainda que em gráo taõ grande , era provável, paflou em o preferi te tempo a fer certa. Suhfu- mo : pois fe em o tempo prefente, em que efta verdade he certa , a contraria conferva ainda o nome de Opinião , como diz Alexandre VIL em a Bulia , que principia: Solicitado Omníum Ecclejiarum : Vetaimis catem , cjuempiam ajferere, (jubd propter hoc contrariam opinionem tenentes: &c. ; porque em o tempo de Gerfon, em que a Pia Sentença naõ tinha efta certeza , alem do nome naõ teria efta opinião alguma coufamais, que era fer vere provável i O juramento da- quella Univerfidade , de defender a Sentença Pia, naõ extrahia a efta fentença dos termos de pura probabilidade : Logo como haviaõ efles Sábios julgar improvável a oppoíla, faltando-lhe

ainda

224 Diflertaçao

ainda o Teu exclufivo formal , que era a certeza? EíTe juizo;que formavaõ?de ferfalfa,efcandalofa, offenfiva dos pios ouvidos , e affirmada prefumi- damentea opinião contraria , reconheciaõ muito bem aquelles Sábios,q era hum juizo reformavelj porque o infallivel pode dimanar daquella pri- meira animada fenfivel regra dos coftumes, q he o Papa , que naõ pode errar pela efpecial aíliftencu do Efpirito Santo em o paílo das fuás ovelhas : Pafce oves meãs. Logo , porque em prefença da fua condenação nao reconheceriam aquelles A- cademicos em eíTe tempo verc provável a opi- nião menos pia ? Aífim o manifefta a mefma U- niverfidade , diz com a fua folita candidez Natal Alexandre : Facultas ipfa incenjurafua idem tra~ dit , ciim decimam propofitionem damnat tancjuam faljam , fcandalofam , piarum auriutn oJFenfivam> W prtefiimptuoje ajfertam : non obfiante probalilU tate cjikejlionis , Utrum Beata Virgo fuerit conce- rta in peccato OriginalL Ifto profere Alliaco , e iílo diz também Gerfon.Mas de tantos ditos que infere Natal Alexandre? Infere , que aquelles Sá* bios aífim o entendiao ? Bonâgratiâ fe lhe conce- de. Que infere mais ? Que aquelles Sábios a fe- guião i Iílo he , o que Natal Alexandre nao pro- va , como devia > para concluir o que intentava. Quanto mais ; nós eílamos fazendo hum

grande

r

Hijtoricò-Critica. 225

grande eftrondo , aonde totalmente o naõ ha. Todo o argumento de Natal Alexandre confiíle em moftrar , contra Wadingo , que o primeiro Decreto,que com juramento fez a Univerfidade de Paríz , foy em o anno de 1497. 5 e como de- ita época áquelle ta6 celebre Adofe interponha mora tao prolongada, ex vi deíla infere efte gran- de erudito , naõ fer veroíimil , que defta deter- minação foíTe caufa Efcoto , attrahindo-a com aquelle A&o para efta demonftraçaõ. Logo ef- ta aíTerçaõ foy fabuloía , inferindo ultimamente, que em efta Wadingo fe allucinara. Aílimfallou Natal Alexandre , e Gravefon feu copiador. Di- go pois , que em todo efte apparato naõ deve ha- ver algum eftrondo 5 porque , o que em o ante- cedente diz Natal Alexandre , fe lhe concede de graça, (quede juftiça naõ pode fer, fegundoo que eftá tao folidamente provado ) mas fe lhe nega o que dahi infere , de que aquella Efcoti- ca attracçaõ feja fabulofa , o que hehumafalíl- dade grande, fuppofta a verdade daquelle A&o,, do qual immediatamente fe feguio approvar a- quella Univerfidade a Pia Sentença, annullando a oppofta y como com tantos fundamentos , com tantos Authores , com a foluçaõ dos Argumen- tos de Natal Alexandre, e com o Officio da Con- ceição , compofto pelo Venerável Buftis , e com

Ff tanta

216 Difiertaçdct

tanta efpecialidade approvado por Sixto IV. , fe tem fuperabundantemente moftrado : Logo da- do^ naõ concedido, que o primeiro juramento,q aquella Univerfidade fizeíTe , de defender a Con- ceição, foífe em o anno de i497.,delle com toda a propriedade devia Efcoto dizer-fe caufa , pre- viílo fer efFeito daquella primeira determinação} fendo certo , que aquella Univerfidade naõ faria tal juramenro , fe naô fe predeterminaífe primei- ro a feguir a Pia Sentença com exclufiva , c exprefla annullaçaõ daoppofta. Logo vale eíla demonftraçaõ -, refundida em a feguinte caufal. ts Por iflb aquella Univerfidade fe determinou áquelle juramento ; porque antes havia tomado a refoluçao de feguir a Pia Sentença , annullan- do a oppofta$ defta caufal foy cauíà Efcoto : lo- go também dofeu cauíado , que foy efte jura- mento. Logo íehe máxima, que o que E/lcau* facaiijíC, ejlcauja caufati, fendo Efcoto caufa da caufa , que foy aquella primeira determinação, em que conftituio aquella Univerfidade com a fua doutrina , íe deve com toda a propriedade verificar delle a influencia em o feu caufado , que foy eíTe celebre juramento, transfundindo-fe em Efcoto, como em raiz fua, e caufa originaria. Ef- taillaçao he taõ certa , quenaÕ ha Sábio defapai- xonado, que,fallando de Efcoto, a naõ fupponha*

Quanto

Hiftcricò-Crtticâ. 2 27

Quanto mais, fe nao pode negar que em tempo, ou emeífe mefmo feculo ,em queflo- receo Efcoto , houve hum , ou mais Decretos, que fem duvida foraõ caufa do que fe celebrou em oanno de 1497. ; do primeiro , ou dos pri- meiros , fe diz pelos Authores que fora caufa Efcoto : logo também deite , e de todos , que fe hajaõ de celebrar até o fim do mundo \ pois todos devem reconhecer , como origem fua , a- quella primeira determinação. Logo , íendo o principal intento de Wadingo moftrar que Efco- to fora o originário , e primário attrahente deitas pofteriores determinaçoens da Univerfidade de Patiz \ íe faz evidente , que o meyo termo , de que contra Wadingo íe fervio Natal Alexandre, foy muito máo,por nada concluir contra o inten- to principal. E como por outra parte fe prove,ter a efte juramento precedido outro , elía fábula, eeíTa allucinaçaõ, que tanto liberalizou Natal Alexandre a Wadingo, com igual liberalidade a reftitue efte a Natal Alexandre , concluído nao fófabulofo , mas também allucinado j extremos, em que , mais que o feu entendimento, o preci- pitou o feu menos affedo,

Concluio Natal Alexandre efta fua tao douta refutação , voltando-fe para a fua Univer- fidade de Paríz y a quem fomente pertendeo def-

Fr * aggravar

22 1 Diflertaçat

aggravar com a fua fatisfaçaõ. Eu , nao negli- genciando feguir imitação taõ poderofa , execu- to o mefmo , voltando-me para outra Univerfi- dade ainda muito mayor, que he todo o Orbe, a quem pertendo fatisfazer , allegando não o que difle em a Reflexão Preliminar , mas prefentemente additando, que fe o Reverendif- íimo Bremond , digniííimo Qeral da Pre- clariífima Religião dos Pregadores, vendo que em o*Aóía Sanâiorum fobre a nobreza do N. P. S. Domingos fe haviaõ pofto as feguintes pala- vras : De Nobi/itate SanSti Dominici nihil certum, reconhecendo emefta duvida de íua nobreza dever pegar em apenna, e triunfar defta duvida, como gloriofamente confeguio em o Livro inti- tulado : Demonjlrationes circa Nobilitatem Sari- óíi Dominici) vendo eu nao huma duvida , mas huma intrépida refoluçaõ , de fe vender pofitif vãmente, naõ por fabula, mas por huma das grandes fábulas , naó a nobreza dofanguede Ef- coto, mas outra incomparavelmente mayor no- breza, radicada em a fua virtude, denigrando-íe incivilmente a fua mayor gloria de verdadeiro Defenfor da Mãy de Deos , reputando-fe em efta defenfa pelo mais indigno, ao mefmo tem- po que os mayores Sábios , e o mundo todo o refpeita Reílaurador egrégio deite Myfterio, por

cuja

' ' Hiftoríco-Crhica. 227

cuja defenfa fempre foy , e he taô p|rfeguido f paíTando efte ataque a attingir a May de Deos em fua Conceição Immaculada com o defenga- no, intimado aos Príncipes, de lerem fempre inúteis as fuás diligencias ao Vaticano íbbre a de- finição defte Myfterio; porquê, á vifta de taô fé- rias circunftancias , naô julgarão os Sábios inftar fobre mim mais, que íbbre aquelle Reveren- diffimo , a urgência de pegar na penna , e inten- tar pro virilus & pqjfe rebater , naô huma duvida, mas huma animofidade de taô perniciofas confe- quencias?

Reconheço a diftancia , que vay de mim a Natal Alexandre ; mas muito mayor era ,'a que delle havia aEfcoto: Logo Te a Natal Alexan- dre tanta diftancia o naô impedio , naô para invadir a Efcoto , mas para taô gravemente o offender ; naô podia eu embaraçar-me , quando era conduzido por huma taô relevante imitação. Ifto he,pelo q pertence a Efcoto, feliciflímo De- fenfor da May de Deos em efte piedofiílimo Myfterio. Pelo que refpeita porem ao que fe dif- fe aos Príncipes , ( e nos fervirá de matéria em a fegunda DiíTertaçaô) e entendido efpirito de- fte defengano ; como efte fe dirige a menos gloria ( a moderação modifica efte termo) da Mãy de Deos em efte Myfterio ; todo o mundo

fabe

2 } o Dijertaçao Wijloríco tfc.

fabe faô os Menores, aos que efpecialmente toca o defendê-lo: porque fe fomente aFran- cifco diífe Chrifto que reparafíe a fua Ca- fa , que fe arruinava: Francifce, repara domum meam, (/ute labitar jiemJo Maria, como gloriofif- fimaMãyfua, com tanta propriedade Cafa de Deos 50 repará-la, efpecialmente toca a Francif- co. E como as obrigaçoens dos Pays fe trans- fundem em os filhos , em todos eftes ainda hoje fonoramente retumba aquelle taõ doce precei- to. Efte foy o motivo mayor, que me excitou a pegar em a penna para reparar eíTa mina , in- duftriofamente palliada com os pompofos disfar- ces da evidencia , mis defencapotada logo em o Apoftrophe , que nos na5 era neceííario , para logi nos darmos por entendidos -r por fer certo, que em a qualificação das doutrinas fe deve, para a fua determinada fignificaçaõ, attender muito á qualidade dos íeus proferentes. Em a defenfa deite ponto jamais defiftirey , perfuadido de fer efte o mais precifinte , e gloriofo pundonor da minha Sagrada Religião. Ceda tudo em mayor gloria de Deos,e fua Santiífima May. Amen.