5ri}eoloaical ^enunõfpTPH
This Book Belongs To
WILLIAM I, JAMES,
Tom's River, Ocean County, New Jersey.
And is one of a Llbrary of Anclent and Modem
Ibooks in various langnages collected hy tbe late Capt. Richard Douglas, of the U. S. Navv, in hi* lif« tim* and £iven by Uim to M«. JAioat ^
|j Case, B
ELEMENTOS
í) E
HISTORIA ■
ECCLESI ASTICA,
Que contém em refiinio tudo quanto fe tem paHado de mais intercílaiite nn Igreja , def- de o Nafci mento de jefu Chviílo até o Tontificado de Pio VI.
Compoflos em Francez por huma Sociedade Litteraria , e traduzidos em Porturcuez , e accrefcent.idos com humas Taboas Chrono- ]ogicas , em que fe contóm , ulem de outras noticias intereiTantes tudo o que pertence íio EllaUo, e Igreja Luíuana.
TOMO 1
j- Vi l / ///^;..
PORTO:
•jNa Offic. de Pedro Ribeiro Franca , Ánno
Com íicen^a da Keal Meja da C^mmifJaÕ Ge- raj foíre o Exame ^ e Cenjura dos Livros,
NOTICIA DO EDITOR.
Omo no noíTo Idioma nao tinliamos íenaÓ huma Hií- toria EcclefiaQica > que fen- do ainda nniito exteiíla , e por confeguinte difpendioía , fazia impoíTivel á maior parte das peílbas cftudioías huma Leitura tao útil, eomo neceíTaria , logo que nos vieraÕ á maa eítes Elementos de Hiítoria Eccleíiaí- tica compoílos em Francez por huma Sociedade Litteraria , que pela ele- gância , precifaõ , e clareza com que eílaô eícripíos , tem merecido a geral approvaçaô ^ reíol vemos offerece-los 20 Publico fazendo-os traduzir em Portuguez : e para mais realçar o feu merecimento , e fazer efta Obra mais utii á noíTa Patria , lhe mandamos ajuntar no principio de cada íeculo huma Taboa Chronologica , na qual fummariamente fe tracftaíTe das vidas dos Papas , e Imperadores , e particu- larmente dos Reis de Portugal , e fe íocaíTe quanto até o prefente fe tem paffado de mais notável na Igreja Lu-
fitana
litana até o prefente. Eftas Taboas porém naá faõ taô feccas , e eftereis , como fe poderia conjeclurar , e álem das fobreditas le acharáô nellas outras muitas noticias intereílantiílimas. A noffa tenção era , nao fazer pública efta Obra antes de eílar de todo completa i mas nao o coníente a im- paciência do Publico , que nos infta pela fua publicação \ e para íatisfa- zermos ao feu defejo , relòlvemos dar os primeiros quatro volumes ^ que abrangem até o XVI íeculo inciufw vãmente , deixando os feculos XVII , e XVIII , para o ultimo , que fe dará á luz , logo que fe terminar a aftual Revolução , fadlo taô trille , como ef- trondofo , com que fe dará fim á pre- lenteObra. Efle rello le achajáqua- íi compofto. Paraque nella Obra fe liao encontraíTe couía que podeíTe mo- tivar dúvida , ajuntamos no fim de ca- da volume as refpeílivas erratas , de- feito , que fem embargo de toda a di- ligencia he impoífivel evití»r mente.
T A B o A
C RONOLOGICA
Para a Introdução
DA
HISTORIA
ECCLESIASTICA.
^ Acharias occupado
i Z 8p ^'^^ funçoens de feu li^^ij minifterio Sacerdo- tal , a tempo que lunto do Altar queiniava o incenlb , e repetia as preces , fegiindo o rito da naçáo 5 appareceo-llie Ga- hrrel ^ e o legurou de que teria hum íilho , a quem de- via pôr o nome de Joaç. O mefmo Zachartas vacilando
Tonu L
A
Co-
Annos antes da E- ra vul- gar.
Antes da E- ra
gar.
Takoa Chronol.
fobre a promeíTa , pedio ao Anjo que lhe afiançaíle a verdade por algum final : o Núncio Celeílial lho deo pela repentina mudez com que fe vio , e cm que o certificou perfiftiria até ao nafcimento do liiho profe- tifado. Tudo alFim fucce- deo.
Izabel fua mulher con- cebeo no mez de Setembro , nao obílando a infuperavel eílerilidade que moftrava.
O mefmo Embaixador Celefte appareceo em Mar- ço a Maria defpofada com Jozé j e annunciou-Ihe , que conceberia hum hlho por obra do Divino Efpiri- to 5 fem detrimento de fua virgindade , dizendo-lhe mais 5 que leria o Prínci- pe da paz 5 o Pai do futu- ro Século y e que íe chama- ria Jesus.
Maria vifitou fua prima Iza-
Paea a Introd.' 5
Izãhel ^ e o Precurfor ainda Antes nas entranhas da Mâi , fen- da E- tindo o MeíTias no leio da ra Virgem , faltou de prazer , vul- e foi fantificado pela graça , gar» ficando ifento da culpa ori- ginal.
Joaõ nafceo a 24 dc Ju- 4 nho 5 e logo que os annos lho permitriraô fe embre- nhou nos defertos da Judêa até á fua miííaô , paflando huma vida auíléra , e peni- tente.
Jesus Christo foi dado 4 á luz por Maria a 25: de Dezembro , imperando Au- giifto em Roma , e por elle Ou a dr ato , e Tito Quinto Cláudio 5 na Lufitania , que feguia a Religião dos que a dominavaó. Os tres diftri- 61;os que o Summo Gover- nante havia feito de Meri- da, Beja , e Santarém , mof- travaô-fe-lhe então agrade- cidos , e appreciavaó os no- A 2 mes .
Annos
tntes da E'
vul- gar.
Depo- is da Er, -v.
9
Taboa Chkonol.
mes de Emerita Augujla j ?ax Julia , e Pr.Hidium Julium 5 excedendo efte ul- timo com Lisboa em tribu- tar lacrilegamente a Ocfavia- 10 as honras de Divindade.
O Salvador foi circum- cidado no primeiro de Ja- neiro, e a feis fe vi o adorado dos Magos, fendo mais pro- vável 5 que ella ador^aó fe fizeíTe depois que feus Pais o apprefentáraó no Templo a 2 de Fevereiro.
Maria , e Jozé foraó mandados logo por Deos pa- ra o Egypto com o Menino Jefus , a fim de fubtrahi-lo ao odio de Herodes^ o Gran- de , que ordenou a mortan- dade dos Innocentes , com o intuito de o comprehen- der em tal carnagcm.
Depois da morte do ty- ranno , voltarão para Naza- reth , e na idade de doze annos roubando-fc aos olhos
de
Para a Intpod.
de feus Pais \ eítcs o acha- rão no Templo diíputando entre os Doutores da Lei.
S. João começou a pre- gar penitencia , e a annun- ciar Jeíiis Chriíto como ver- dadeiro Meílias.
O Salvador foi bapt lia- do pelo BãptiRa , e decla- rado neíía occaíiaõ por hu- ma voz fenfivel , e celeííe , Fiího do Eterno Pai, Entrou depois a manifeftar-ie , e paf- fou logo ao deíerto a jejuar 40 dias , onde permittio ler tentado pelo demónio. Ca- minhando ao longo do mar Ja Galilêa chamou a leu A- ooíloiado 5 André , Pedro , Jacob , e JoaÔ , a quem aggregou os mais.
Em Março aíliílio ás Núpcias de Caná em Gaii- lêa , e fez feu primiciro mi- lagre de mudar a agoa em vinho.
O B^/?í//?í? .reprehenden- í do
Era ç:ar.
29
30
31
Taboa Chronol.
do Herodes Antipas por ha- ver tomado a própria mu- lher de feu irmaô Filippe , refultou-lhe a morte á inf- tancia de Herodias por íua ■ilha Salomé,
J. C. transfigurou-fe no monte Tabor , moílrando a Qíus Difcipulos hum vishim- bre da gloria de fua Divin- dade ; inílruio-os depois , já formando o numero de doze , no governo , e poder de fua Igreja , naõ exceden- do nelle a huma Ariílocra- cia 5 mas dando fempre a primazia a Pedro , e a feus íucceíTores fem os fazer ja- mais Monarcas ^ promerten do a todos juntos naó lhes faltar com fua alTiftencia até o fim dos Séculos. Obrou nos ultim.os tres annos fua vida , dedicado á miíTaó Evangélica , huma infinida- de de prodígios , e inílituio por fi mefmo os fete Sacra- ^ men- i
Paka a Introd.
mentos , como canaes , que Era nos podelTem communicar vulg. luas mifeiicordiofas graças , álem daquellas com que il- luftraffe noíTo entendimento, e arrebataíTe noíTa vontade por ineffaveis , e marivillio- los modos.
O meímo Senjior fez fxia 33 entrada triunfante em Jeru- falem , no meio das accia- maçoens do povo , que o feftejou como feu Rei , e o MelTias promettida. En- finou no Templo ; celebrou a ultima Pafcoa com feus Dilcipulos; deo-lhes feu cor- po , e feu fangue nas efpe- cies de pao , e vinho , de- pois de lhes haver lavado os pés 3 e de recommendar-lhcs que qualquer que fejulgaf- íe entre elles o maior , fe portaíTe como o menor de todos 5 fendo femprc a ba- ze de fua Doutrina, abran- 33 dura 3 humildade.
/ A
Tabca Cn oííoL.
A dons a* Abril á noi:- te , Jeius Chriílo foi entre- gae cora hiiin oíctilo de a-| .n i fade por j^í das Ifc^^riot h | 1 íeus maiores inimigos , qr.e depois a'arrojado5 em ter- ra , ao ouvir unicamente a voz do que buícavao , tor- \ aados a li , prendéraò-ro por | ier a hora , e o poder das | ^revMs , ou do inferno , e I ^cnduzíraõ-no a cala C An'\ lãz , íogro do grande Pon- iíice Cai/az , que contra :ua inteníaõ , profetizara a morte do Redempor , e que foi , paliados annos , depof- lo por Vi te lio , fendo ho- nicida de fi próprio , no r.eio de fua defeíperaçao.
No dia íe^uin^e, fexta fei- -a , tres de Abril levarão- o. a Pilatos Governador da udéa: Hiatos mandou-o a ercdes , Tetraca > ou Rei ^le Galiiêa , e eíle c recom- biou com defprefo- mef- I ' mo
Para a Lj-rp.oo.
mo Miiiiíiro Uoaiano , que lho enviara.
Pedro negou por tres ve- zes ler difcipuío do S?Iv-a- dor , afii miando com jura- mento naô conhece-io; de cu» jo crime advertido pelo can- to do galo 5 e tocado pela graçci, paíTou a chorar amír- goíiííimamente ília culpa.
Jesus reconhecido inr.o- centc por Pilatos^ eile cedec fó aos injullos clameres dc povo 5 que lhe pre ferio Bar- rãhaz 5 na graça do perdac paícal , e naó receou ccn- demna-lo , moftrando no la- vatório das maós , que unio ccin a Sentença mais iniqua,
ver eícapar ao Omni po- ente desfcxo do fangue do lledemptor ^ que as turbas dos Judeos pediaó dardej af- ie fobre elles , e feus filhos , vozeando pela morte do fal- fo MeíJ.as , comio obftinada, e cegarJènte lhe chamavaó.
Ta BOA Chronol.
Jesus caminhou para o o Calvário com a Cruz em que havia de padecer , e lendo nella pregado expi- rou em taó cruel tormento pelas tres horas da tarde en- tre dous ladroens , hum ven- turoíb para fempre , outro eternamente defgraçado.
As trevas que cobrirão toda a terra pela efcuridade do Sol , fem fer eclipfado com a., Lua , que era então cheia'; o abalo dos montes , a abertura dos fepulchros , e outros muitos fmaes eílròn- dolos , e horríveis deraó tef temunho de quem padecia em taô execrando fupplicio, vendo-íe o mefmo Centu- riaò Romano obrigado a di- zer : EJie Homem era ver- dadeiramente Filho de Deos,
O Deu rio Jozé d* Ari- mathea o deo á fepultura com permiíTaÓ de Pilatos , que naô quiz por ^ roviden- ' cia 5
Para a Introd.
cia , que fe lhe tira^^e o ti- Era tulo da Cruz , J. N. R. J. vul
Jesus refufcitou na manha j do Domingo a 5* de Abril , e depois de fazer repeti das appariçoens aos Difci-
largamente fobre o minif- terio de fua Igreja. Subio ao Céo á vifta delles , no quadragefimo dia feguido á própria Refurreiçao , e fen- do acompanhado dos olhos de todos , dous Anjos em fi- ■^ura humana , veiUdos de branco os inquirirão fobre cila acçaô , e íem mais ref poíla os feguráraò logo de que Jcfus tornaria do mef mo modo depois ; íinalifan- do-fe todos eítes Myílerios "no anno 190 do governo de Tibério , que fuccedeo a Augufto 5 morto no 14 da Era vulgar , em que fe de- ve faber , haverem menos 38
annos à \ que na d'
nha 5
Taeoa Chrònol.
/ nha 5 de que fe ufou em Por- tugal até D. joaol. que fup- primio feu uío em 1420 ten- do também a dita Era. vul- gar menos 4 annos , que a Chriílâ , ou a que fe conta do dia do naícimento de Chrifto.
T ■
ÍIS^TRO-
INTRODUÇÃO
a'
HISTORIA ECCLESIASTICA , o u ^
VIDA ABBREVIADA
D E
JESUS CHRISTO.
Nafcimento de S. JoAÕ Baptista , e de Jesit Christo.
O Imperador Augujio era So- berano pacifico do Univer- fo conhecido , quando o Ver- bo Divino igual ao Pai , quiz naí- ' cer homem para refgatar os homens. Havendo chegado o tempo preftiT- pto para íeu nafcimento , fez preci-, der-le de '^oao Baptifta ^ como i j eftrella. aoparece antes de levantar-', fe o S Ji;
14 Introd. a' Hist. Egcl.
O Anjo Gabriel annuncioii aa Santo Sacerdote Zacarias , Pai do Precurfor , que fua Efoípa Ifabel , ainda que eíleril , e avançada em ida- de , lhe daria hum filho chamado Joaõ , q precederia o Senhor com o efpirito de Elias , a fim de prepa- rar os homens para a vinda de feu Libertador. Cumprio-fea palavra do Anjo apezar da incredulidade de Za- carias, Izabel veio a fer Mâi , dan- do á luz João Baptijla, Entaõ Za- carias que fe tinha tornado mudo , fallou , e celebrou o nafcimento de íeu filho por hum cântico cheio de enthufiafmo do Eípirito Santo.
Quaíi feis mezes depois que Ga- briel annunciou eíte nafcimento , foi mandado Embaixador Celeíle a hu- ma Virgem da Cafa de David , que fe chamava Maria, Eíla havia def- pofado hum homem de lua mefma Çrofapia , que tinha por nome Jo- yj, teftemunha , e guarda fiel de fua K)ureza , por quanto ambos viviao ' em continência. Gabriel declarou a Maria , que fem feíTar deí^^fer Vir-
V I D A D E J. C. 15
gcm , e por obra do Eípirito San- to , conceberia , e daria á luz 'hum Filho , a quem devia pôr o nome • de Jefus ; que feria grande , que fe chamaria Filho do AltiíTmio , o Se- nhor o collocaria no Throno de Da- vid feu Pai 5 e q reinaria eternamen» te fobre a Cafa de Jacob. Maria lujcitou-fe á difpoíiçaó do Omni- potente, j^^/í/x Chrijlo Filho de Deos na eternidade^ Filho d' Abrahaõ , e de David em tempo , tomou hum corpo 5 e huma alma fimilhantes á nolla no feio deita immaculada Vir- gem.
Maria achava-íe no nono mez de fua prenhez , quando o Impera- dor Augttjlo ordenou por vaidade politica , huma enumeração de todos os VaíTallos do Império na Judea. Jozé , e Marta , que habitavao em Nazaretli viraó-fe obrigados a ir de- clarar-fe nos regiftros públicos (le Betlem. Neila Cidade foi onde o Lv-> bertador do Género humano nafceo no fundo de hum prefepe entre dous animaes ; humilhação áe hum Deos ^ com
i6 Introd. a* Híst. Eccl.^
com que devia confundir o orgulho do homem.
O anno do nafcimento do Sal- vador , fegundo o calculo mais ie- guido 5 foi o de 4004 da creaçaõ ; o 3. anno da kj^ olimpíada ; o 7 5" 2. depois da fundação de Iloma • o 25" do reinado d' Aíígujlo datan- do-o depois de fua poíTe pelo Sena- do , e povo Romano.
Adorarão dos Vajhres , e dos Ma- g s, Alort aridade dos Innocentes. Morte Ci Herodes , e feu caracter.
Em a nouie que jf. C. veio ao mundo , alguns Efpiritos Celeíics án« nunciárao leu naícimento aos Paílo- res , q;ie vieraó a competência ado- ra-lo 5 íendo os primeiros Apofto- los , que publicárao em toda a Re- gião , a vinda do Melfia?. Oito dias (lepois o Salvador fe fujeiíou á Cir* j^duncifaõ , e recebeo o nome de j^f- •y?/j , que íinalava o objccfLO de fua miílao 5 como o áo. Chrijfo ^ que fignifxava Ungido , ou Sag rado ti- tulo
Vida de J. C. 17
tulo porque íc conhecia fua realefa , e feii divino Sacerdócio.
Huma nova eílrella fymbolo da luz 5 que o Redcmptor vinha efpa- Ihar fobre a terra , fe moítrou no Oriente. Magos ( que vem a fer Fi- lolbfos a quem fuas riquezas , e feu credito faziao dar o nome de Reis ) feguem. eíla eílrella , e vem adorar o Hcrnem Deos , oíFerecendo lhe ou- ro , mirrha , e incenfo.
O Septro de Judá achava-fe nef- fe tempo entre maos eílrangeiras. Herodes Idumeu d' origem , Princi-
Íe fufpeitofo 5 e cruel reinava na udéa. A chegada dos Magos tanto mais o aíTombrou , quanto fe havia divulgado neíTe tempo huma tradi- ção , que annunciava em lírael hum Dominador 5 cujo Império devia dilatar-le fobre todas as Naçoens. . Mandou juntar os Sacerdotes , e Doutores da Lei para faber delles onde devia nafcer o MeíTias : ellé:'^ refpondèraó 5 que em Bethlem , Ci-^ dade de Judá. Em continente orde- na a mortandade geral de. todos os Tom. V B me-
i8 Introd. a* Hist, Ec::l.
meninos , que tiveíTem menos de dous annos na Cidade , c ílias vi- linlianças. Hum Efcriptor Pagão do V. Século refere que Herodes havia incluído nelta mortandade hum de feus filhos , e que neíta occafiao , Augiijlo diíTera , que mais valia fer porco de Herodes , que feu filho. rouco depois , neíTa mefma occafiaô, mandou matar Antipates , cuia m.or- te foi procedida da d' outros dous filhos feus , Alexandre , e Ariftõhulo, Segundo o Hilloriador Jozé , Herodes marcou o principio do feu reino pela morte d' Antigõ7W a quem os direitos do nafcimento chamavaô ao Throno. Eíle cruel homicidio foi íeguido de todas as peíToas ad- herentes a eíle defgraçado Príncipe , e quaíi de todos os membros do Sy- nedrio. Arifiohulo o moço , reunin- do em fi os direitos d* Hircano , e à\ArífioMo o Velho , á Coroa , af- Fymbrando também Herodes , foi ^mandado afogar. Sahindo duas ve- , zés de Judêa para ir juílifícar-fe dian- te do Imperador Aíiguflo ^ deu oc-
V
V I D A D E J. C. 19
cultas ordens para matar fua Efpofa Marianna , fe elle foíTe condemnado á morte. Ainda que a amava atur- didamente , fempre a fez perecer de- pois com Alexandra Mai defta in* telice. Accuíou Hircano , o ultimo da familia dos Afmoneus , de hum crime quimérico , a fim de pretex- tar com preíla a morte de hum ve- lho mais que Oílogenario , que a peíar de fua idade , e de huma vi- da pacifica , o inquietava por cauía dos direitos , que tinha fobre o Se- ptro da Judéa.
Tantas crueldades foraó punidas ainda neíla vida. Huma efpantofa doença reduzio Herodes ao eftado mais horrível. Os bichos roiaõ-lhe todo o corpo 5 e mil infeílos lahiao das partes , que o pudor nao per- mitte nomear. No meio deites for- midáveis tormentos , caítigo vifivel de feus crim.es , Herodes expirou de^ 70 annos , havendo reinado 40. ->
Como eíle Príncipe fanguinario , imaginava , que o dia de fua mor- te feria feftivo para os Judeos , or- B 2 denou
20 Introd. a' HrsT. Eccl.
denou que prendeíTem no cerco de Jericó 5 onde habitava , os princi- paes da Naçaô a fim de que os ma- taíTem quando elle acabaíTe a vida ^ porém eíle taô liorrorofo mandado , como extravagante , naó foi execu- tado. Ninguém chorou eíle monftro, compoílo a' artifício , e de barbari- dade, algoz de fua própria íiiha , e tyranno de feu povo. Foi o pri- meiro que abalou os fundamentos da Republica Judaica. Confundio á fua vontade a fuceíTaÔ dos Pontífices ; enfraqueceo o Pontificado , cuja elei- ção veio a fer arbitraria , e debi- litou à auftoridade do Confelho da Naçaô 5 que fó foi efcravo de fuas refoluçoens. Entretanto alguns en- thufiaítes deíla Naçaô alucinados pe- ja magnificência de fua Corte , e pelo efplendor dos edificios , que elevou, q.uizeiaô fazê-lo paíTar pelo Mef- í:is. • Eis-aqui o que formou a Sei- Çtã dos Rerodianos , a qual acabou i apenas appareceo.
Herodes deixou tres filhos por quem dividip feus eílados , confór-;
i me
V 1 D A D E J. C. *2I
me feu teílamento confirmado por AugUjlo^ de CUJO Imperador foi conf- tantemente hum vil adulador. Ar- cjuelau , o mais veliio , foi Tetra- ca , ou Príncipe de Jerulalém , e fu- burbios. B.croàes-A.ntipas teve a Ga- lli éa , e Filífxpe a Iturêa , e Traco- nitis. Herodes naó deo coufa algu- ma aos dous netos por parte de feu filho Arijlohulo a quem eile fez der- ramar o fangue-, porém eftes fem- pre vieraó depois a reinar. Aj.gripa foi Rei de Jeru falem , e Herodes o moço , Príncipe de Calcidica.
Jefus ^no Templo \ Prégaçao do Baptiíla j Baptifíno de J. C. ^ e feu primeiro milagre.
Alguns dias antes da morte dos Innoccntes ^ Jozé e Maria avifa- dos por hum Anjo , falvarao-fe no Egypto. Aqui viverão fete annos^v^ tornando depois da morte d* Hero- -> des para a Cidade de Nazareth , onde jozé ganhava fua vida pelo fuor *de feu roíto. HiaÓ todos os an-
nos
^^ Introd. a' Hist. Eccl.
nos a Jerufalém para celebrar a fef- ta da Pafcoa. Hum dia em que le- varão ao Salvador , lendo já de ida- de de 12 annos , eíle Senhor fe íe- parou delles , ficando no Templo onde o achárao dilputando com os Doutores , e propondo-lhes quef- toens q os aíTombravao, Jejus unido a íeus Pais tornou para Nazr.reth , onde permaneceo até á idade de 30 annos , preparando-íe em íilencio , para a miííaó Evangélica , por cuja cauía quiz habitar entre os homens.
O Imperador Tibério havia íuc- cedido a Âugnjlo de quem teve os vicios , fem herdar fuas qualidades. No decimo quinto anno de íeu rei- nado 5 foi que "João Baptifta exer. citcu o lugar de Precuríor de '^efus começando a pregar a penitencia. Eíle Santo Precuríor viveo deíde íeus primeiros annos na íoiidao , jjiortificando íeu corpo, e elevan- ^-^do íeu eípirito aos bens Celeííiaes. Sua vida auíléra , e íuas eminentes virtudes movérao de tal modo o po- vo , que vendo nelle hum novo E-
. liasy
Vida de J. C. 23
lias 5 nao eílava Icnge de o reconhe- cer por Meílias:porém o Precurfor lhe declarou, que /6' era huma zwz^ q an- 7iu;iciava o Libertador de IJrael , e q r.cm Je a chanca digno de dcfatar-lhe as correias dos çapatos^ acere Icentan- do, su fó vos hãtpizo na agoa ; porém ^ird outro mais poder oj o , que vos baptizará no JLypiriio Santo.
O Bapiifino de 'JoaÓSó era pre- paração para o do Meílias \ com tu- CO J. C. diginou-ie recebe-lo , a pezar da oppouçao de feu Santo Pre- cário r. Em quanto o Salvador en- :ra no Jordão , o Céo íe abre , o Efpirito Santo delce fobre ello , na íigura de huma pomba , e huma 70Z Celeíle faz ouvir efcas palavras : }^s fois meu Flho amado , em quem lenho pojlo todas as minhas com- placências.
Logo que Jefus íantiticou as a^oas por leu baptilmo , e que lhes dío a força de regenerar o pecc^,' dor, foi conduzido a lium deferto pdo Efpirito Santo. Paliou nelle 40 diiâ fem comer , nem beber para
nos
24 Introd. a' Hist. Egcl.
nos enfinar que pelo jejum nos de- vemos preparar para o Sagrado Mi- nifcerio. Permittio , que o Demó- nio o tentaíTe , mas foi vencedor defte maligno efpirito. Deite modo ,e vi 61:0 ri a do fegundo Adaõ febre 'o diabo reparou o vencimento do primeiro. Jefus mandou ao Demó- nio , que fe retirdífe , por quanto eflava efcripto , que Jo hum Decs devta Jer adorado , e fervido. Ao mefmo tempo chegáraô os Anjos, e miniftrdraó ao Senhor.
O Salvador do mundo tendo dei- xado o dcíerro depois deíla. tenta- tiva 5 que deve fortificar noíTa cora- gem nas tenraçoens bufcou S. Joa(i Bãptifta. O Precurfor apenas o vio , exclamou : Eis-aqui o Cordeiro dt De os 5 e eu fá vim para o moflrar. Muitos dos Difcipulos de Joaõ ío- guíraô neiTe tempo o Divino Meh íias 5 que com.cçava a provar fua mif- ^16 por milagres. Achando- fe ás m- pciâs , que fe celebrárao em Caiá de Galiléa, contribuio á innoceite alegria dos convidados , mudand/) a agOcâ em vinho.
Vida d e J. C.
^5
Vocação dos Apqfiolos, Sermão no monte. Compendio da 'Doutrina de Jejus Cbrijío,
Novas maravilhas confirmárao fua Doutrina. O Povo occupado to- ■é©> d' admiração feguia-o conítanre- mente para receber as inftruc-çoens de íeu Divino morai , e para íer o oh- ■jefto , ou a teílemunha de feu poder. Jefus via-fe algumas vezes obriga- do a roubar-le a efte piedoío em- penho , retirando«fe para os defcr- tos , e montanhas. Em hum deiles tempos de retiro , depois de paifar a noute em oração . poz os funda- mentos de fua Igreja pela vocação de feús doze principaes Difcipulos. Nomeou-os Apoílolos, que he o mcf- mo que Enviados , por quanto o Se- nhor os deílinava para fe efpal ha- rém por toda a terra , a prégar o Evangelho. A maior parte era dò- commum do povo , e fem letras ; porém o Salvador os elevou por hu- ma graça lingular acima do fer de
20 Introd. a' HrsT. Eggl.
•luas peíToas , e lhes coiicedeo o dom dos milagres.
Os nomes deíles doze enviados , faô : Pedro , André , Tiago , João , Filippe , Bartholorneu , Mattheus y Thoméy Tiago filho d * A!feu , Judas^ Tbadee y Simão ^ e Judas Ij cariota. Jefus poz S. Pedro á frente de to- do eíle rebanho. Sua prerogativa foi de tal modo reconhecida pelos mais Apoílolos , que os Evange- lifcas, na enumeração, que for- ma.1 delles , naó guardando ordem alguma , todos íe unem fempj-e de acordo em nomear a S. Pedro antes dos outros.
Os primeiros raios da luz Evan- gélica eílavao deftinados para os fi- lhos d' Ilrael. Defte modo pois co- meçarão fn i miílao , annnnciando feu divino Meílre , aos Judeos , e aos habitantes das provincias vifi- nha?. Jejus fuílentando feu zelo por ilumino las inftrucçoens , defcobrio- Ihes pouco tempo depois de fua vo- cação , eílas excellentes , e interef- fanres máximas , conhecidas com o
no-
V I D A D E J. C. 27
^ nome de Sermão do monte, O Com- pendio deílc difcLirfo , e o de rodo o roorai Evangélico , era bem pró- prio para illuílrar o eípiíito de iic- mens ignorantes , e carnaes , e rnc- ver-llics íetís coraçoens. Eis-aqui a fubílancia confórire hum dos me- lhores interpretes do Evangelho.
>, Nós fomoç creados para hu- „ ma vida eterna , e bemavcntinM- 55 da , onde devem dirigir -íe rodos 55 os noíTos deíejos. Eíla vida con- 3, Me em conhecer hum fó verda- ,5 deiro Deos , e C. íeu Filho , „ enviado pelo mermo Senhor. Dcos 55 he eípirito ; he neceíTario que os
que o adorao , façao eíla adcra- „ çao em efpirito , e verdade. „ NoíTo único negocio , e io-
mente necefiario , he o de nos ,5 unir-mos a Deos. Somos indip^nos y, deíle Senhor quando lhe antepo-^ 5, mos quaeíquer creaturas.
„ Toda a Divina Lei fe redi> 5, aos dous ^vlandamentos a' aniar a
Deos de' todo o nofj^o coraçaÔ , e ao 5, nòjfo' próximo coim a ?ws inejynos.
„ Os
28 Introd. a' Hist. Eccl.
,5 Os Judeos carnaes limitavao ■3, fua piedade em cbfervar exterior- 33 mente d letra os preceitos 'da Lei; 53 J. C. eníinou , que para cumpri- 33 la 3 devia-fe-lhe procurar o efpi- 53 rito ; que era precifo abíler-fc nao 53 fomente das acçoens prohibidas , j3 mas reprimir os peníamentos , os .3 defejos , e reformar tanto os íen- 33 timentos internos 3 como os mo- 33 vimentos exteriores.
3, O homem depois da queda de 3, uofTo prim.eiro Pai , hc domina- 3, do pelo amor de íi mefmo. J. C, 3, quer que fe renuncie a fi pro- 33 prio 3 que fe humilhe , que fe a- 33 bata com fujeiçao aos outros.
3, Há hum vivo apego aos bens 33 da vida , e temem-fe os íeus ma- 33 les. j» C enfmou , que nos deve- 33 mos defapegar de tudo , até da 3, meíma vida , para nos occupar- 3^ mos fó de Deos.
As promeílas , e ameaças que 53 o mefmo Salvador faz , fao uni- 33 camiente para a vida futura. As pe- V3 nas 3 as lagrimas 3 as afflicçoens
3, fao
Vida DE J. C. 29
5, fao a herança dos verdadeiros 5, Chriílaos, no tempo da vida pre- 5, fente.
55 O homem carnal ama , c buí^ 5, ca tudo o qu'e lie grande , as ri- 3, quezas , os veftidos íuniptuofos , ^5 os moveis de maior preòo , as 55 diftincçoens liíbngeiras. 3^. C. lhe 3, declara , que a pobreza he hum ,5 eítado venturoíb j que a obícuri*- dade 5. e a baixeza íaó preferíveis ás grandezas humanas j que o que 5, he elevado aos olhos dos homens , j, he abominável aos de Deos.
55 O homem mundano caminha 5, á vontade de fuas paixoens , ty- ^5 rannos de feu corrompido cora- „ çao. jF. C. lhe declara , que fó pode alcançar a felicidade eter- ^, na 5 violentando-fe a fi próprio. 35 Elie ama ícus cómodos , e naô 3j quer foffrer couia alguma , nem 5, da parte dos elementos , nem da 5, parte dos homens ; e jr. C. naô c> 35 admitte á fua companhia , fe o 55 nao vê tomar o caminho das tri- 35 buiaçoens.
» o
30 Introd. a' Hisr. Eccl.
55 O homem fenfual olha , e a- 55 borrece como íeus inimigos to- 5 5 dos os que lhe perturbaó a pol- 5, fe dos bens da vida , ou que lhe 5, fufcitaô males temporaes. J. C. 55 lhe ordena o contrario , mandan- 55 do-o ama-los ; íopportar feus de- 55 feitos com paciência 5 e luas con- 55 tradiçoens com doçura. Em fim 3, o mefmo Senhor quer , que pa- 35 ra confervar o verdadeiro thefou- 55 ro do Chriftaô , a caridade eíle- 55 ja fempre prompta para facrificar^ 35 e perder tudo por feu refpeito.
Virtudes de Jesus Christo.
Esta Doutrina 5 que era ao meí- mo tempo tao nova 5 e taõ admirá- vel 3 moítrava-íe luftentada por gran- des exemplos de virtude , que fa- ziaô a fua' fiel expreííaó. J. C an- parece defde fua infância , modelo dos homens : dócil , e fujeito a feus- Pais \ fazendo- te ao mefmo tempo amável a todos , e crefcendo em gra* ça 5 e fabedoria. Em fua adolefcen-
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cia até aos 30 annos , paíTa no re- tiro , e na obícuridade , íendo o mefmo que vinha para luz do mun- do. Julgado por Filho de hum Car- pinteiro , e Elie mcfmo Carpintei- teiro : trabalha em filencio , e tem huma vida féria , occupada , ~ e por coníequencia mais vir:uoía , que a primeira idade de hum menino naf- cido no luxo , e na grandeza.
Quando começa a obra de fua Divina miíTao , attrahe o rcfpeito , e o amor dos povos , por leu zelo para inftruir , e converter , pelos be- nefícios , que liberaliza , e pelas ma- ravilhoías curas , que pratica. A' fua Yoz as doenças deíaparecem , os de- mónios fojem 5 os mortos refufci- taó 5 as agoas fe firmao , e as tem- peítades focegaó* Porém em quanto manda como Senhor a natureza , tu- do refplra nelle o mais perfeito de- lapego do amor próprio , e do or- gulho. Parece querer occultar tanto feus milagres , como os homens ef- condem feus crimes. Herodes Ânti- pas teítemunha muitas vezes o maior
empe-
32 Introd. a' Kist. Eccl.
empenho cm o ver ^ mas jejus e» virou fempre moítrar*fe a eíle Prin- ' cipe 5 e quando Jhe appareceo no tempo de lua paixão , nada fez de ^ aíTombro a feus olhos. Veio para condem.nar a curiofidade dos homens, e nao para fatisfaze-la.
Seu defprefo relativo ás vans grandezas , e feu amor para a po- breza 5 foraô taô notáveis , que nao .
■ teve 5 fêgundo o teilemunho de íua boca , onde repouíar a própria ca- beça. SoíFria a fome , e íede , co- mendo o que preciíava , e o que lhe punhaó diante. Em fuas viagens , acomoda/va-fe nas cafas de todos a- quelles , que queriaô dar-lhe hofpi- tal idade. Pobres , e ricos , tudo era igual a feus olhos, ainda que teíle- munhaííe huma predilecção mais no- tável pelos primeiros , como tendo hum direito mais feguro aos bens , eternos. Fazia címolas do pouco que
•tinha ; porém nao as pedia a pef- foa alguma. Quiz antes fazer hum milagre , que pedir empreitado meio . ficlo para pagar o tributo dos pri-
moge-
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mogenitos. Sua máxima era , de que He muito maior felicidade dar , que receber > Hum a incrível multidão de doentes , mendigos , e miferaveis pela maior parte o feguiaó conti- nuamente 5 e nenhum lhe era pe fa- do em feu trato. Nao fe de dignava igualmente de converfar , e de co- mer com os peccadores , a fim de achar mais occafioens de os levar á virtude.
Seu exterior nao tinha íingula- ridade alguma , nem coufa que o diftinguifle na apparencia do com- mum dos homens ; porém com eftes mefmos modos taô pouco enérgicos , C, confervava huma dignidade maravilhoía. Fallava , diz hum E- vangeliíta , como quem podia tudo , e enchiao d * admiração as pala^ 'vras de graça , que fe efcutavao de fua boca» Seu difcurfo fimplice , e ciaro fó tinha pôr ornamento ef- tas figuras vivas , e namraes , que nao faltao a hum homem perfuadi- do 5 e qne quer perfuadir os outros. li^ao era y diz S. Juílino , hum fo- Tom. L C ffay
34 Introd. a' Hist- Eccl.
fijla 5 mas o Verbo de De os. Os prin- cípios que eílabelece , e de que nao procura tirar as confequencias , ti- nhao por íi mefmos íiuma luz .de verdade á qual fò fe podia refiftir por cegueira voluntária. Fallou al- gumas vezes por parábolas , a fim dc caíligar por eíle modo a má diípo* fiçaõ dos ânimos : porém em favor dos efpiritos mais bem intenciona- dos explica-va-fe por feníiveis racio- cínios , e comparaçoens ordinárias , formadas por feus milagres , que eraó as provas mais proporcionadas a todas as almas , e mais fortes , que os fylogifmos dos Filofofos.
Trifao ^ e morte do Baptiíla.
Os teftemunhos , que o Precuríor do Meílias havia tributado ás ma- ravilhas de fua miííaó , forao bem depreíTa feguidos de o prenderem. T^.erodes-Antipas havia roubado a feu irmão Fílippe , Herodias fua mulher , e vivia com ella como fe fofle a própria Efpofa. O efcanda-
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lo deíle adultério , tornado mais horrivel pelo inceilo , revoltava os ânimos de todos ; porém o temor de fe exporem ao refentimento dè jium Príncipe taò cruel como lafci- vo 5 reprimia-lhes as lingoas. João foi o único que teve a coragem de fallar , rep relentando a Herodes a enormidade de feu crime. Eíle Prín- cipe naó podendo foíFrer a liberdade do Precurfor , mandou«o carregar de ferros no caítello de Macheronta.
Herodias nao contente de o ver foprefo 5 pedia lua morte com inftan- cia. Herodes temeo que a morte de hum jufto refpeitado da Naçaô a re- voltaííe contra elie. Herodias achou promptamente com que diíhpar efte receio , e fatisfazer á fua vingança. Herodes celebrava o dia de leus an- nos 5 e dava hum grande feftim aos da Corte no mefmo caítello de Ma- cheronta. Em quanto os convidados^ aqueciaó exceíhvamente com o vi- nho , e mais prazeres , Salomé , fi- lha de Herodias , e de Filippe feu primeiro marido , entrou na fila do C 2 fef-
I
36 iNtROD. a' HiST. EcCL'
feílim , e dançou diante do Rei com tal vivacidade , e ligeireza , que de todo o encantou. Herodes no calor da volutuoía função à.\\íç^ z Soloiné : P^di-me o que quizer-des , e eu vos juro 5 que vo-lo co72cederei , ainda- que feja ametade de meu Reino, Sar-^ lomc referio logo a íua mai a of- ferta do Rei , e a vingativa Hero' dias enfinuou-lhe immediatamente , que pediííe a cabeça do Baptifta. Salomé entrou fegunda vez , e di& fe prompramente a Herodes : dai-yne nejie prato a cabeça de João Ba- ptifta. Entrifteceo-fe o Rei porque eftimava as virtudes do Santo j mas como fe havia obrigado por jura- mento diante de huma numerola af- femblêa , o rubor impedio que íe retrataíTe : mandou pois hum de feus guardas cortar a cabeça ao Santo Pre- curfor 5 e trouxeraó-na em hum pra- /o a Salomé^ que a deoafuaMâi. S. Jeronymo diz , que Herodias lhe atraveíTou a lingua com huma agu- lha do Cabello , por fe defpicar fe- rinamente da liberdade com que o
Ba-
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Baptijla faliava contra feus crimes. A morte do Santo Precuríor fucce* deo no fim do anno 31 , ou princi- pio 32 de jF. C. Seus Dilcipulos fieis á fua memoria fizeraõ as honras fú- nebres a feu corpo.
Multiplicação dos paens , e outros milagres de Jesu Christo.
A morte do Baptifta tocou viva- mente jF.C. , que fe retirou para o de- ferto 5 fendo feguido de todos aquel- les a quem feus milagres , e benefi- cies attrahiao junto de fi/ Curou os que fe achavao doentes , e lhes pré- gou o Reino dos Céos. Hum dia in- do a anoutecer , e ignorando feus Difcipulos até onde fe extendia o uío do poder de feu Divino Meítre, advertirao-no que nada tinhaó para dar de «comer a toda a multidão que o íeguia. Elles faÕ , lhe diífe André ^ viais de cinco mil , e aquifófe acha hum rapaz que tem cinco paens de fevada , e dous peixes, Tr aze imos , lhe diz o Senhor , e fazei arranjar
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38 Introd. a' Hist. Eccl.
o povo* Pegou dos paens , abenço- ou-os 5 e deos a feus Difcipiilos pa- ra os diílribuircm. Todos ficarão fa- tisfeitos , e fobejou ainda de que cn* cher doze ceftos.
Efte povo arrebatado d' admira- ção , exclamou em alta voz : He ne- ceifaria fa%e'lo Rei ! Porém o Rei- no de C. Superior a todos os da terra , era puramente efpiritual j e eíte Senhor para fe livrar das em- penhadas acclamaçoens da multidão , fez metter feus Difcipulos em huma barca do Lago de Génézareth 5 e re- tirou-fe depois a huma montanha.
Entre tanto chegada a noute , os Difcipulos fluftuavaô fobre o lago , por caufa de vento contrario ; mas vendo de repente caminhar nas agoas huma efpecie de figura grande , e te» mivel , que hia para elles ; gritarão : He hum fant afina ! Sou eu lhes diz o Senhor , nao temaes coufa algu- ina> Se foi s ws , lhe diz Pedro , or^- denai , que eu và até vós , cami- nhando fobre as agoas, Jefi/s lhe diz, vinde, Pedro defceo logo da barca ,
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e Gciminhou por cima da agoa. Ten* do-íe levantado hum impetuofo ven- to , o Apoílolo receando , começou a fundir-le. Exclamou então ao Se- nhor , dizendo , Salvai-me ! Jefus tomando-o pela maò lhe diz : Ho- niem de pouca fé ^ porque motivo du- vidajle ? Entráraó na barca , o vento ceíTou 5 e felismente abordáraó na praia.
Jefus correo depois toda a Re- gião 5 e encheo por toda a parte as fimçoens de Salvador. TraziaÓ-lhe os doentes em todos os lugares , por onde paíTava , e apenas elles toca- vaô as fímbrias de feu veftido , íen- tiaò-fe logo faós. Jefus Í2LZia. leus milagres fem faíto , iem fadiga , nem oftentaçaó , e parecia algumas vezes attribuir mais as curas dos en- fermos á fua fé 5 que ao feu poder.
40 Introd. a' Hist. Eccl.
A Cananea ; o Surdo , e Mudo , e a Primazia de S, Pedro.
Havendo o MeíTias deixado o Paiz de Nazareth , que havia fido hum dos principaes theatros de feu Divino poder , paíTou á Fenicia da Syria para a parte de Tiro , e de Sidónia. Ahi foi quando mollrou pe- la primeira vez , que os Gentios íe- riaò ciiamados aos bens Celeftes , do mefmo modo que os filhos de If- rael. Huma mulher do paiz de Ca- naan 5 exclamava inceffantemente ao Salvador: Senhor ^Vilho de David^ten- de piedade de mim.Minha filha acha» fe atormentada pelo demónio, Jefus querendo experimentar fua fé , mof- trou que a naó ouvia \ porém ella continuava na fua rogativa com fer- vor. Meftre , lhe ditórao os Apoílo- los 5 dejeri-lhe ao que vos pede. Nao^ rèfpondeo o Senhor ; eu fó tenho fido enviado para as ovelhas da Ca- fa de IfraeL Senhor , profeguio a Cananea , attendei-me. Tornou4he , o Salvador , he jufio dar aos caens
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V ID A DE J. C. 41
opaõ dos filhos ? Replicou a mulher com huma humildnde digna de fer ouvida ; os caensfinhos ao menos co^ mem as migalhas que cahem da me- fa de feus Senhores, Então '^efus lhe diíTe : O v.iidher tua fé he gran- de \ Seja-te tudo feito como o defe- Jas, No mefmo inítante recobrou a íiiha faude.
Jefus veio dos confins de Sidó- nia 5 ao longo do mar de Galilêa , curando todos os enfermos. Hum homem furdo , e mudo alcançou de fua bondade o ouvir , e o fallar. O Salvador prohibio-lhe divulgar eíla portentofa cura j porém tanto exigia o íilencio , quanto o pòvo íe apref- fava mais em annunciar fuas mara- vilhas. O aíTombro que eílas infpi- ravao fazia crefcer tanto o numero de íeus Difcipulos , que fe vio obri- gado íegunda vez a produzir o mi- lagre da multiplicação , em benefi- cio deíle fiel povo. Quatro mil pef-^ foas for^Ò fatisfeitas com fete paens.
Jefus palTou depois aos orredo- vçs de Ceíarea , e no caminho per- guntou
42 Introd. a' Kist, Egcl.
guntou a feus Difcipulos , que fe di- zia delle ? Hujts ^ refpondêrao elles, affirmaõ que vos fois Elias : outros , João Baptiíla ; outros , Jeremias. E vos quem dizeis que eu feja ? Kós fois Chrifto y reípondeo Pedro , Fi- lho de Deos viro. E eu te digo , lhe tornou o Senhor , que tu es Fedro , e que fobre ejla pedra eu edifica- rei minha Igreja. Todo o poder do inferno na o poderá de frui-la , e quanto tu ligares , ou desligares fo- Ire a terra fera ligado , ou desli^ gado no Cco. Deíle modo recompen- ibu o Senhor o teftemunho de Pe- dro , que íegundo S. Joaõ Chrifofo* mo 5 naò ló foi o orgaó , e o Prin- cipe dos Apoftolos , mas também o grande pregoeiro da Igreja.
Transfiguração de J. C.
O Salvador , querendo alguns cias depois , dar hum. vislumbre de fua gloria ^ levou condigo S. Fedro , S. Tiago y e S. João a hum monte , que fe crê fer o Tabor. No tempo
em
ViD A D E J. C. 43
em que orava , feu rofto fe moílrou brilhante como o Sol , e leus vefti- dos reluzentes como a neve. Os A* poítolos que haviaô cahido em Iium adormecimento , delpertáraó , e fc- raô teílemunlias da Transfiguração de íeu Divino ^Meílre. Elles virão Moyfcs y e Elias que fallavao com o Senhor , tratando da morte que devia ibíFrer em Jeruíalém.
Pe^ro extrafiado de alegria , pro- poz ao Salvador , que fe formafTem naquelle monte tres barracas para Jejus , Mõyfés , e E/ias, Mas de- laparecendo os dous Profetas no tem» po deíla prática , huma nuvem en- cobrio aos Diícipulcs. Immediata- mente ouvirão huma voz que diíTe : EJIe he meu Filho amado , eyii que tenho poflo as minhas complacências, A taes palavras , proílraraô-fe por terra , cheios todos de efpanto \ mas Jefus os levantou. ^
Chegada a manha defcêrao todos, do monte , ordenando-lhes o Salva- dor , que naó diíleuem coufa algu- ma das maravilhas que haviao pre- feri-
44 Introd. a' Hist. Egcl.
fenciado , fenaó depois de fua Re- furreiçaó.
Quanto o Senhor lhes diíTe fo- bre efte ultimo milagre , que devia feguir fua morte , naó foi bem en- tendido pelos Apoftolos. Elles pro- curavaó entre íi , que queria ifto íi- gniíicar ? Como , diíTeraô os Difci- pulos a Jefus , 7ws figura o os Ef- cr ih as , que Elias deve vir antes ? 'Jefus lhes refpondeo , que na ver- dade Elias devia apparecer antes do ultimo dia , para reílabelecer ro- das as coufas \ mas que já tinha vin* do em efpirito , na peíToa do Ba- ■ptijla 5 que os Judeos o naô recebe- rão 5 ou que fe o receberão o tra- tarão de hum modo indigno de tao grande Profeta , annunciando-lhes , que elles ie preparavaõ para obrar o mefmo com o Eilho do Homem, De- baixo deíle modefto nome , occulta^ va repetidas vezes faa Divina audlo- ridade. Sem duvida que os inimi- gos de Je-us , naÓ eraô menos furio- fos em defacreditar fua vida ; e igual- mente em accelerar fua morte por intrigas , e calumnias. Ini-
V I D A D E J. C. 45'.
Inimigos de Jefus , Sacerdotes , Fa- rifeos , e Saduceos,
JESUS vinha abolir as ceremo- riias da antiga Lei ^ inílruir os ho- mens em orar a fcu Pai com efpiri- to j e verdade , e a atrrahir todas as verdadeiras virtudes a feu único amór. Podia eíte Scíihor nao exci- tar a animoíidade dos Sacerdotes , e Farifeos , dcítruindo por fua dou- trina 5 a fortuna de huns , fundada em parte fobre o numero das vidti- mas , e a gloria dos outros que por huma piedade de oílentaçao haviao furprehendido , e fubjugado o povo?
Com effeito os Farifeos forma- vao a Seira mais poderofa entre os Judeos. A auíteridade de feu moral , o alarde , que elles faziaô de feus je- juns , de fuas mortificaçoens , a in- teireza com que pagavaó o dizimo das mais pequenas coufas, lhes gran- geavaó os applaufos da multidão. O conceito de fua fantidade ^ fa- zia-os olhar como lábios por excel- lencia. Seus artifícios ^ e aíFedlados
exte-
4á Introd. a' Hi3T. Eccl.
exteriores de feveridade tornarao-os taò poderoíbs , que os mermos Prín- cipes os tratavao com circunfpecçao, j3or quanto elles artraliiao apoz de li hum partido capaz de equilibrar com toda a foberania.
Quanto ás ílias opinioens , ellas erao inteiramente oppoftas ás dos Sa- duceos. Eíles naô reconheciaó refur- reiçaô , nem exiílencia de efpiritos , e por confeguinte nem penas , nem recompenfas da outra vida. Nega- vaô a direcção da Providencia nas acçoens dos homens , e toda a in- fluencia Ibbre fua vontade. Na per- fuafaó 5 em que fe'achavaô , dc que o homem tem em fi mefmo o poder neceíTario para obrar todo o bem , que . prelcreve a Ley, e evitar o mal que ella condemna ; criao nao ter precifaó alguma dos foccorros do Céo.
Os Farifeos pelo contrario ad- mittiaó a exiílencia dos Anjos , e dos Efpiritos , a refurreiçaõ dos mortos, e huma vida futura. Gom tudo al- guém diz , que a fua refurreijao fó
era
V I D A D E J. C 47
era pitagorica. Julgavao fegundo Jo* zefo , que as almas dos ináos fe en- cerravao em prifoens , e que nellas loíFriaõ eternos fupplicios , cm quan- to as dos bons achavao huma volta tacil para a vida , e unindo-fe de novo a outros corpos. Porém com opinioens , menos fedicioías na appa- rencia , que as dos Saduceos , eíles erao infinitamente mais temiveis. Bailava querer-fe levar os homens á virtude , para experimentar da par- te de feu caradler Ibberbo , e enve- jolb 5 as maiores contradiçoens. A viíla dos males que eiles praticavaó , e dos bens que impediaó , excitou mais de huma vez o zelo de Jejus , que ufando do direito de feu Divi- no Miniíterio , argui-os com os no- mes de raça de víboras , d'* hipo» critas 5 de fepulchros branqueados. Os Fariíbos defde o principio de fua miíTaó 5 bufcáraô lempre animar o povo contra a fua peíToa ; porém an- tes de referir por que modos , cbe- gárao a fufcitar-lhe os mais cruéis inimigos 5 he necelTario profeguir
a
48 Introd. a' Híst. Eccl. a liiíloria de íeus trabalhos.
Cura de hum endemoninhado. Lições de humildade , e de indulgência.
JESUS tendo deícido do mon- te ; onde havia deixado ver parte de fua gloria , tornou á companhia de feus Difcipulos que na6 podéraó cu- rar hum mancebo mudo , lunático , e epiléptico, e poíTuido do demónio. Logo que o Salvador appareceo , todo o povo o foi buícar. O Pai do moço doente , tendo-lhe pedido com inílancia a cura de feu filho , Jejus lha concedeo. Os Difcipulos furpre- hendidos de naô ter podido por li mefmos lançar fora o efpirito mali- gno, lhe procurarão a caufa P Jefus lhes refpondeo : He voff^a pouca fé: ejla forte de demónios fófe ajfugen- tapeia oração ^ e pelo jejum.
O Salvador palfou depois a Ca- íarnaum. Os Recebedores do meio íiclo , que cada Judeo eílava obriga- do a pagar annualmente no Templo, vieraõ íaber de S. Pedro fe feu Mef-
tre
Vida de J* C. 49
trc queria pagar-lhes ? Jeftis prevê- nio o Apoílolo antes que lhe fallaí- fe íbbre iilo , moílrando-lhe que co- mo Filho de Deos teria podido dif- penfar-ie deíle tributo , mas fempre o mandou ir ao mar vifinho da Cidade deitar fua linha , e que hum peixe que tiraíle , lhe daria com que íatis- fazer por ambos. O primeiro pois que Fedro peicou , trazia debaixo da lingua hum ficulo de prata , que deo ao Recebedor por Jefus , e pe- la fua própria peíToa.
Os Difcipulos ' no caminho de Cafarnaum dilputárao fobre a pri- mafia. Para acclarar fuas duvidas pro- curarão ao Salvador : Otiem feria o maior 710 Reino dos Céos} Jefus querendo dar-lhes huma liçaõ de hu- mildade 5 diíTe-lhes : que para fer o primeiro era neceffario procurar fer o tiltiriio. EntaÓ pegando de hum menino , profeguio : Se vós quereisS entrar no Reino de meu Pai , he precifo que vos façaes como efe in- fante. Acere fcentou a eíle faudavel aviío 5 as regras da correcção frater- Tom, I, D na.
Introd. a' Hist. Eccl.
na. S. Fedro lhe perguntou nefta oc- cafiaô quantas vezes devia elle per- doar a feu IrmaÕ ? Verãoãr4he-hei fete vezes ? Naõ fomente até fete vezes 5 lhe refpondeo o Salvador , mas até fetenta vezes fete, Confir- mou-lhe a refpoíla peia parábola de lium fervo , a quem leu Senhor per-*' do-ou huma lôma de dez mil talen- tos 5 e que depois de huma tal gra- ça 5 tratára duramente outro fervo feu companheiío , que lhe pedia cem dinheiros , ou coufa de pouco valor. O Senhor mandou prender eíle homem injufto , e o entregou aos executores da Juíliça até que tivef- fe pago toda a lua divida. De os o* brarà o mefmo , continuou o Re- demptor , a ref peito daquelles que naõ perdoarem a Jeus irmãos*
Bondade de Jesus. T>ez leprofos cu- rados. Mulher adultera.
Entretanto que chegava a Fefta dos Tabernáculos , hum grande nu- mero de Judeos vinhaõ íempre a Jeru-
falém
V IDA DE Jo 5-1
lalém por occafiao de tal íoiemní- dade , que eíte anno de 32 da era vulgar cahia a 23 d' Outubro. iVquel- les parentes do Salvador , que ain- da o naó accreditavaõ , pedíraó-lhe inftantemente , que fe achaíTe jia Ci- dade neíTa occafiao a fim de dar-íe a conhecer ao mundo. O Senhor recu- fou ir com elles a Jerufalém , mas fempre foi occultamente. PaíTando pelo paiz de Samaria , os habitan- tes naò quizeraó alojá-lo. Dous de feus Difcipulos , S. Tiago , e S. João indignados deite defabrimento , ro- gárao ao Salvador , que lhes per- mittiíTe o fazer defcer fogo do Céo , como o havia praticado Elias j mas o Senhor , cujo coração fó refpirava bondade, e a infundia unicamente com fua prefença , deíprefou cíle tranf- porte de cólera. Eu vim , diííe-lheb, para falvar , e nao para perãtr os h ordens, S O máo tratamento que recebeo , naó o impedio moftrar em íimilhan- te paiz 5 toda a fua benéfica do- çura. Dez leprofos lhe fuppliciraó D 2 que
5*2 Introd. a' Hist. Eccl.
que tivefle piedade de feus males 5 e de huma fó palavra os curou to- dos.
yefus tendo chegado a Jerufa- lém , começou a inííruir o pôvo no Templo. Ouvírao-no extáticos. Os Pontiíices 5 e Farilcos a quem os ma • ravilhofos íucceíTos do Salvador ac-* cendia fua inveja , armavao-Ihc to- dos os dias laços , e íiladas. Em hum delles trouxeraÕ-lhe huma mulher achada em adultério. Mejlrc , diíle- rao elies 3 Mojfés , dia de- ue fer apedre jada^ que dizeis vós Jo- hre iflo ? Refpondeo o Senhor j a- qtille que fe fente fem culpa atire- Ihe a primeira pedra. Eítes Douto- res confuíos retirarao-fe todos , Iram depois do outro. Então o Divino Salvador diíTe á adultera : nniguem oufou condemnar-te , tampouco eu te condemnarei , vai-te , e livra-te W peco ar para o futuro. Deite mo» do confundio jejus íeus inimigos , que queriaÒ fazê-lo paíTar por hum infraécor fenaõ tiveíTe fentenciado de morte; ou por hum cruel fe julgai-
Vida de J.C. 53 le , fegundo todo o rigor das Leis,
Cégo de natividade curado,
' Os Farifeos envejofos fempre do bem que ciles nao praticavaó por íi nieímos , reibivêrao attentar á vida do Salvador , ou ao menos á fua li- berdade. Jefus , que conhecia fuas perverfas intençoens, diííe-lhes \ que elles nao accreditavao as verdad.es de fua Doutrina , porque naõ erao de Deos, Eíles hypocritas foraô tao feníiveis a eíta reprehençaó , que in- tentárao por ella apedrejar o Salva- % dor 5 que foube poupar-le a íeu fu- ror , porque fua hora ainda nao eíla- va chegada. Com tudo para diíTipar os odiofos motins que os Farifeos excitavaó fobre-a realidade de feus milagres , deo vifta a hum cégo-na- to. Jefus obrou eíla prodigiofa cu- ra no dia do Sabbado , e ifto baílojj para que feus inimigos pretextaíTem calumniá-lo , como tranfgreíTor da Lei de Deos. Alguns porém , menos corrompidos , ou mais illuminados,
que
3^4 Tntrod. a' Hist. Eccl.
que os outros , naó podérao deixar de confeíTar , que hum tao grande milagre fó era faElivel por hum ho- mem bom.
Os Farifeos procurarão por to- dos os modos enfraquecer a mara- vilha 5 dirigi ndo-íe aos pais da ce- go curado , a íim de le certificarem , fe com effeito a tal cegueira tinha fi- do de natividade , e como havia tao repentinamente farado ? Os Pais atef- táraô a verdade; porém os Fari- feos nao podendo occultar a virtu- de de Jejus , defviárao o venturo- fo cégo , fobre quem fuccedêra a maravilha. O Salvador tendo-o en- contrado , o inquirio fe elle cria no Filho de Deos ? Quem he elle , lhe refpondeo , a fmi de que eu lhe pro- tege mi 72 ha fé} Jejus ^ lhe diíTe : fou Eu» Exclamou entaõ o cégo : Ah\ Senhor , eu creio em vós , e proílra- do logo por terra , o adorou.
Pa-
V r D A D E J. C. 5*5'
Parábolas do Samaritano ; do Filho pródigo 5 t do Rico avarento.
Os Doutores da Lei , querendo I diminuir, o império que as virtudes, e milagres de Jefus lhe davaó ibbre o povo , propunhao-lhç varias quef- toens infidiciofas. Hum dia , que o Divino Melire fallava fobre o amor do próximo , hum delles lhe per- guntou ; Quem he pois meu próxi- mo} Eu "co-lo vou enfinar , lhe dií- fe o Salvador. Hum homem ha- 5, via fido roubado , e ferido poi ladroens , e paíTando pelo lugar , 5, onde fe achava o deigraçado , 5, dous Sacerdotes , nao lhe valerão 55 de modo algum ; vindo depois 55 dous Levitas , praticarão a mel- 55 ma tyrannia : chegava em fim hum 5 5 Samaritano , e vendo o eílado do 5, infelice , levou-o a huma eRaia- 55 gem vilinha , curou-lhe as ferl- 55 das, mandou-lhe dar todo o necel- 55 fario , e pagou d' avanço a fim de ,5 haver com elle todo o cuidado. Quem fe mojlrou próximo defle po-
JÓ Introd. a' Hist. Eccl.
hre abandonado , perguntou o Sal* vador ; foi o Sacerdote , ou Le-cu ta ^ ou o Sajnarltano ? Reípondeo o Doutor foi o que fe de fc ciou por clle, EntaÕ o Senhor lhe difle , vai- te pois embora , e pratica o raefmo, Eis-aqui de que maneira Jefus inítruia os íimplices, e fechava a bo- ca aos Doutores. Applicava íuas inf- trucçoens iaudaveis aos diíFerentes eflados da vida. Movido das devaf- íldoens dos peccadores , moílrava- Ihes por fymbolos enérgicos , e fen- liveis , os venturofos effeitos de hu- ma íincéra converlao r.o Senhor. Hu- mas vezes , pintava-le como o Bom Paílor 5 que tendo achado huma o- velha defgarrada , a conduz fobre feus hombros ao apriíco : outras re- prefentava-le no emblema de huma mulher , que íe alegra por haver a- chado o dinheiro, que tinha perdido.
^ Mas j de todas as alegorias , de que uíbu, a parábola do Filho Pró- digo 5 he a mais terna. Hum Pai ^ de família tinha dous filhos ; o ferundo havendo-lhe pedido a
por-
V-I D A D E J. C. 57
5 porça6 , que lhe tocava , retirou- „ fe a hum paiz diítante, onde coníli- mio todos os íeus bens com mu- Iheres,e outros exceííbs. Reduzido á ultima neceíTidade , vio-le obri- cado a guardar porcos , e eíla, def- graça o fez entrar em fi meímo , tomando a reíoluçao de tornar para caía de feu Pai. Poz-fe a ca- caminho 5 e chegando , teve a fe- licidade de encontrar logo quem bufcava , o qual tocado de toda a defventura a que vio reduzidõ feu filho 5 abraçou-o , banhando-o com lagrimas de ternura. Ah meu Pai ! lhe diíTe eíle filho penetra- do de arrependimento , eu tenho peccado contra o Cio , e contra vós. Eu nao micre^o mais íer cha- mado voíTo filho. O Pai cada vez mais enternecido , mandou , que lhe trouxeíTem os melhores veíli- dos 5 que tinha tido feu filho , or- denou 5 que fe matafie o bezer- ro mais gordo , que houveíTe , e teílemunhou o exceíTo de feu prazer por hum magnifico feílim.
„ Seu
58 Introd. a' Hist. Ecgl.
„ Seu filho mais velho na vinda do 35 campo , cenfurou o Pai enterne- 55 eido do agafalho , que fazia a 55 hum filho diíTipador : meu filho , replicou o Pai , vós me tendes fem- pre obedecido fielmente , e vós fazs fenhor de quanto eu pojfiuo ; porém, nao he jtífio , que eu manifefte a grandeza de minha alegria , tor- nando a achar vojfio irmão ^ que ef- tava já perdido para mim ?
A parábola de Lazaro , e do Ri- co avarento naÓ era menos inilru- xSiva para os coraçoens duros , que fe naõ commovem da defgraça , e da mi feria de feus irmãos. „ Havia 35 hum homem rico , diz o Salva^ 3, dor 5 veftido com pompa , vivia 3, em dilicias , em quanto hum po- 3, bre , chamado Lazaro , cheio de „ enfermidades , e chagas , eftava á ,5 fua porta , defejando fomente a- „ limentar-fe das migalhas , qu^ lhe 3, cahiffem da mefa : morrerão am- 35 bos : Lazaro foi levado ao feio 35 AbrahaÕ ^ e o Rico precipita- 33 do nos infernos. Efte vendo de
33 Ion-
Vi da d e J. C. 5-9
longe Abrahao ^ rogava-lbe ini- tanrcmente , que lhe enviafie La- zaro , para refrigerar ao menos com hum pingo d' agoa , poílo na ponta do dedo , fua lingua , íequiola. M.ei^ filho , diiTe*lhe A- hrahaõ , no tempo de "ooffa mor- tal vida , vós nadafies em pra- zeres 5 e Lazaro /í// opprhnido de males no dia d"* hoje De os tem feito jtijliça : Lazaro acha-fe em repoiifo , em alegria \ e vós fois devorado pelas chamraas : o efpa- ço j que há entre vós , e elle , he immenfo , naÓ vos podendo Laza- ro levar focco7 ro algum : ao me- nos ( replicou o Rico ) enviai á cafa de meu Pai, para advertir cin- co irmãos meus que ainda vi- vem 5 dos caíligos 5 que os eí- peraó, fe elles imitarem meu exem- plo. Elles^ ( reípondeo Abrahao ) tem Moyfés , tem Profetas , po- dem muito bem ouvidos. Se fe nad- rendem ds fuas vozes , at- tenderiaõ elles mais a hum mor- to ^ que voltajfe a feus olhos ?
Ef.
6o Introd. a' HrsT. Eccl.
Eílas parábolas entendidas por to- dos aqiielles , q a inteireza de cora- ção fez dignos de conhecer a Doutri- na do MelTias; nao forao propoíbs ao mefmo tempo ; porém nós as have- mos juntado para dar mais força á luz, que ellas eípalhao fobre as verda- deiras obrigaçoens dos homens.
Eleição dos fe tenta e dous Difci^ pulos.
Depois da cura do Cégo de na- tividade , Jefus continuando a inf- truir o povo , efcolheo fetenta e dous Di fci pulos 5 que enviou dous a dous, a pregar em todos os lugares , que o Senhor queria honrar com fua pre- fença. ReeÓmendou^hes orar ao Pai de familia a fim de mandar obreiros á fua vinha , porque , accrefcentou c mefmo Senhor , a colheita he di- latada , e os que trabalhão nelb , faô raros. Confiderai-^cos , lhe diz , cordo cordeiros entre lobos, Enfinu- ou-lhes huma total entrega á Pro- videncia , hum efpirito defviado de
ref.
V i d a d e J. C. 6i
refpeitos humanos , de leveía 5 de fcní li alidade , comendo o que lhes miniílralTcm , íem aíFedlar couía al- guma , nem fe queixar de qualquer acontecimento. Ordenou-lhes , que íicaílem na primeira cafa , onde fol- fem recebidos j fem fahirjámais delia até o fim de fua miílaó. Quiz que fua palFagem fe fmalaíTe fem- pre pelo bem que fizeíTem. Deo-lhes poder para curar todos os doentes , que achaíTem nas cafas , em que os hofpedaílem caritativamente. Enfi- nou-lhes o levar por toda a parte hum efpirito de paz , e fatisfazer- fe unicamente com o facudir os pés da poeira , nos lugares , que recu- falTem hm admitti-los. Toda-via ac- crefcentou-lhes , que aquelles que os nao recebeíTem, feriao punidos mais feveramente no dia do Juizo , que Sodôma : Porque quem vos atten- der 5 attende-me a mim ; e quem v\s defprefar igualmente naõ faz cafa de mim , e he também vilipen- diar a Deos que me enviou 5 o def- prefar-me a mim.
02 Introd. a' Hist. Eccl.
ReftirreiçãS de Lazaro.
VisiNKO ao monte Olivete , em diftancia de duas milhas de Jerufa- lém , havia hum pequeno lugar , chamado Bethania , onde habitavao Martha , Maria Magâalena , e feii Irmaó Lazaro. Jefus amava efta fa- mília taô piedofa , como diftinta , e fazia-lhe a honra de hofpedar-fe em fua cafa , quando hia a Jeruía- lém 5 ou voltava da Cidade. Hum dia que o Salvador dava inílrucçoens fobre o Reino de Deos , e que Ma- ria procurava ancioiamente recebe- las em feu animo , Martha fe quei- xou amargo famente de que fua Ir- ■mã lhe deixava todos os cuidados da cafa, Martha , Martha lhe reír refpondeo o Senhor, Vós tos inqiàe- taes pelo cuidado de muitas coufas. LL^mia fá be necejfaria ^ Maria ef- colheo a melhor parte , a qual lhe nao ferã tirada jamais,
O Salvador havendo deixado a cafa de Lazaro y paíTou o Jordão ,
e
Vida DE J. C. 63
e foi ao fitio dcíla Região , onde ST. João Baptijta tinha começado a baptizar *, mas tres , ou quatro dias depois , Maria , e Martha lhe an- nunciáraó , que leu Irmão Lazaro , a quem o Senhor amava ternamen- te 5 fe achava doente. Refpondeo \ que tal doença fó lhe fôra enviada para manifeítar a gloria de Deos. De- morou-fe pois ainda dous dias no meimo lugar. Nefte tempo morreo Lazaro : entaô o Salvador tomou o caminho de Bethania : Martha fa- hindo-lhe ao encontro , diííe-lhe : Senhor fe Vós ejliveffeis aqui , meu irmão naÔ morreria \ porém eu fei que Deos vos concederá tudo quan- to lhe pedirdes : Jesus lhe refpon- deo ; vojfo irmaõ refuj citará : eu fei bem , lhe replicou , que elle re» fufcitará no ultimo dia : Lu fou , lhe diz o Salvador , a refurreiçao y e a vida : crede-vo-lo vós ? fin^ eu o creio , refpondeo Martha , eu creio 5 qífe Vós fois Chrijio , Filho de Deos vivo. Ao mefmo tempo chega Maria banhada em lagrimas ,
e
é4 Introd. a' HisT, Eccl.
e lança-fe aos pés de Jefus de quem implora a bondade : o Salvador mo- vido de fua afBicçaÓ , m.anda o cnn- duzao ao tumulo de Lazaro , cha- ma por elle ^ e refufcira-o á vida.
Eíle milagre em que as forças da natureza forao evidentemente íb- brepujadas , fez huma impreílao tao forte nos efpiritos , que os Sacer- dotes reibivêraô matar o Salva- dor. Todo o mundo fe furprehen- dera á viíla de tal cegueira. Huma refurreiçaô tao maravilhoía era mais que fufficiente para convencer os hu-: mildes , cujo coração puro naõ re- liftia de modo algum á graça : mas os Doutores or^uihofos , os Sacer- dotes hypocritas , enojados pela bai- xe fa ap parente de J. C. , e endure* eidos no mal , nao queriaó render-fe aos mefmos milagres , em que a Omnipotência de Deos mais fe of- tí^ntava em feu Filho. Eiles proje- ílárao matar Lazaro , que gozava a fpicc de toda a Nação , de huma perfeita íaudc , depois de haver ef- tado quatro dias na fepultura. A'
viíla
V I D A D E J. C. 6^
viíla de hum tai teilemunho , de- punha mais , que altamente em fa- vor do Meffias , que elles nao que- riâó reconhecer , para que feu en- vejofo furor podeíTe ficar em repou- fo 5 fem motim , nem fublevaçaó.
Entrada triunfante de Jesus em Je» rufalém : Negociantes expulfos do Templo.
JESUS conhecendo os máos projeclos de feus inimigos , retirou- fe a Ephrem fobre o Jordão , on- de eíleve até 24 de Março do an^ no de 33. Em fim o momento de completar o myfterio da redempçao havendo chegado , poz-fc a cami- nho para fè achar em Jerufalém. PaíTando por Jericó , liberaliibu ao Piiblicano Zaqueu os eífeitos de fua graça. Zaqueu , que era de pequena cftatura , fabio a hum fycomoro para ver melhor o Salvador. Jefus man- dou-o defcer , efcolheo fua cafa pa- ra alojar-fe. As palavras do Senhor obrarão huma grande mudança no
Tom, L E cora-
66 Introd. a' Hist. Ecgl.
coração do Publicano. Zaqueu cheio d' arrependimento offereceo darem efmolas ametade de íeus bens , e entregar o quádruplo de quanto po- dia ter recebido injufta mente.
De Jericó , jejus paíTou a Be- thania , onde eíleve íeis dias antes^ da Faícoa. Simaõ o leprofo teve a felicidade de o receber em fua ca- ía : Lazaro refufcitado foi lium dos convidados , e huma mulher pecca- dora 5 nomeada Maria , penetrada d ' amor , e de compunção , derra- mou fobre os pés de Jefus o olio de hum perfume preciofiílimo. Ju- das hum dos Apoftolos , mas que defde então fe preparava para en- tregar feu Meítre , quiz cen furar eíla acção 5 com o pretexto de que o pre- ço de tal perfume , teria podido dar- fe aos pobres. jF^/zj- refpondeo-lhe-: Vós tereis fempre pobres comvofco ^ itas vós me nao tereis em todo o tempo y e louvando o zelo de Ma- ria \ ícz conhecer a occulta inten- ção de hum falfo Apoílolo , que oc- ultava fia avareza , debaixo do véo ja caridade. O
Vida de J. C.
O dia ícguintc ( era hum Do- mingo ) Jfjtís foi a Jerufalém co- mo em triunfo , montado fobre hum jumento. O pôvo fabendo , que o Salvador fe aproximava á Cidade , fahio-Ilie ao encontro , fazendo-lhe mil acclamaçoens de regoíijo. Huns extendiao no caminho feus veítidos , outros cortavao ramos de arvores , e os lançavaô na paílagem. Todos clamavao Com extafi : Bemdito feia o que vem em nome do Senhor ! Glo^ ria 3 e honra ao Filho de David I Glorid no mais alto dos Céos,
O Salvador entrou em Jerufalém no meio de vivas , de applaufos , e de alegria; mas feu coração acha-^- va-fe penetrado de dor , conhecen- do o fundo deíla Cidade* Tinha der^ ramado lagrimas fobre a deíventura- da forte , que a efperava , fegundo o que profetifára de fua próxima ruina. *
Seu primeiro empenho ^ na che^ gada foi o de ir ao Templo , de donde lançou fora os mercadores , t negociantes ^ que profanavao fua E 2 fanti-
6^ Introd. a' Hist. Eccl.
íantidade , porque a Cafa dc fcu Pãi , 72 ãÓ devia fer hunia CãvíTna de ladroens. Os Príncipes dos Sacer- dotes 5 a quem fua entrada triunfan- te lhes havia envenenado a raiva , procurarão ao Salvador; qr.crn o au- ctorifava para obrar coin tanta ícve- ridade ? Jeji^' , íó lhes icípondeo / perguntar! do-lh es logo : G?;// qtíe di* reito ha-cíã o Baptijla , baptizado nc dejerto ?
Entre tanto alguns Gentios , vin- do ao Templo , para adorar a Deos , deíejáraó ver Jefis^ que fe lhes mof- trou 5 e que foi glorificado por hu- ma voz do Céo taõ eílrondofa , co» mo o ruido de hum trovão.
Tributo pagado a Cefar. Injirucçoens fobre os . Farifeos. Dinheiro da Viuva.
^ Nos dous dias , que fe feguirao ao triunfo do MeíFias , eíle Senhor , fó fe occupou em inftruir feus Apof • 'tolos , feus Difcipulos , e o pèvo. Os Efcribas , e os Farifeos lempre
entreti-
Vida d e J. C,
entretidos do projeílo que lhes def- cobri íTe meios de tornar o Salva- dor odiofo á aucloridade foberana , mandáraò-lhe fazer por alguns de leus Diícipulos huma pergunta in- cidicioía 5 quç vinha a fer ; íe era neceílario pagar o tributo a Ccfar ? Jefus fez , que lhe prefentaílem hu- ma peça da moeda : e lhe diz : De quem he a imagem , que fe acha 'd?lla impreffa ? De Çefar , refpon- dèrao os Doutores ; eftd bei-n , repli- cou o Senhor, dai pois a Cefar , o que he de Cefar , e a Deos , o que pertence a Deos. Huma refpofta tao prudente , que naõ oííendia os Judeos , nem os Romanos , e que nao au'ftoriíava o povo a negar ao Soberano os tributos precifos , obri- gou aos Difcipulos dos Fanfeos a retirarem-fe com tanta confuíao , co- mo aílbmbro , e m.aravilha.
Os Saduceos , que nao accreditay vao a immortalidade da alma qui- zeraó tambemt depois embaraçar o Salvador com huma queílaõ , que lhe propuzeraô 3 em que íe notava mais
vou-
70 Introd. a' Kíst. Eccl.
vontade de fe divertirem do que de íercm enílnados : Himia mulher , dizem elles , teve fetc maridos com quem dcUes cohahitarâ depois da .refurreiçãc} Qnando fe reíufci- 33 tar 5 reípondeo-lJies o Salvador, 3, nao haverá mais matrimonies ; os 3, homens do meirro modo , que cs 5 3 Anjos naó devendo jamais mor- 35 rer , naô precifaráó de mulheres 33 para fe perpetuarem. Naô deixou 3, Moyfé^ elcripto , que Deos Jhc 3, dilTera da Sarfa ardente : Eu fou 3, o Deos d'* Abrahao ^ d^ Ifaac ^ e 33 <i ^ "^acoh ? Ora o Deos vivo 3 nao 33 he o Deos dos mortos.
Hum Fariíeo propoz-lhe outra queftao j Dizei-nos qual he o maior dos Manda uient os da. Lei ? He cfte , reípondeo Je!us\ O Senhor teu Deos he hum fó umco \ tu o aynards de todo o teu coração : eis aqui o fe- cundo : tu ar.iarás ao proxmo co- mo a ti meymo. Os Doutores 3 que cíbvao prefcnres admirarão a reí- poíla , e nao fe atreverão mais a in- quirido.,
Coni
Vl D A DE J. C. • 71
Com tudo ília animofidade , ainda cue occLilta , nao era menos violen- ía. Jefus bu içando mais convertê- los 5 que íliblevar os povos contra fua auífboridade , diz aos que o at- tendiao : Os Éfcrtbas , e Fcirifeos ejlao ajfentados na cadeira de Moy- íes : Jegui o que elles vos dijj^ereni , e nao obreis o que praticarem. Po- rem para que fua hypocrisia nao fer- vilTe de enganar mais as peíloas bem intencionadas , pintou-os taes , quaes eiles erao. 3, Os Fariíeos , diz o 5, Senhor , põem nos hombros dos 5, outros fardos taó pefados , que 5, elles os nao quereriao tocar com j\ a ponta do dedo. Toda a fua in- 35 tenção he , de fe fazerem refpei- „ tar de terem em toda a- parte os „ primeiros lugares, e de ferem clia- ^, mados Meftres* Com eftes pro- 55 jeccos 5 he que elles trazem na 55 teila , e no braço os preceitos da 55 Lei 5 em grandes pergaminhos \ 55 porque tem nas fímbrias de fcus ,5 ví^ílidos flocos maiores , que as do commum do povo. Quanto a
72 Introd. a' Hist. Eccl.
55 vósjnao procureis eílas diíiinccoes^ 5 5 nem os vãos titulo? de honra. 55 Aquelle que for niaior entre vós . 5, porre-fe como o mais pequeno ; 55 porque aquelle que fe clcvaferd 5 5 hutnUhado , e o que fc uhate virá 55 a Jer exaltado,
Reprehendeo também aos Fari- feos 5 I. De ferem cégos condufto- res 5 fechando o Céo aos outros 5 cjue elles mefmos naô viriao a pof- íuir. 2. De devorarem , as caías das Viuvas 5 com o pretexto de longas preces 5 que faziao por ellas. 3. De correrem a terra para formar hum profelíto 5 tornando-o peior do que d' antes era. 4. De darem o dizi- mo da hortelã , e da arruda ao mef- mo tempo que defprefavao as par- tes eíTenciaes da Lei , que vem a fer , a juíliça 5 a m.ifericordia , e a boa fé. Elles coac) hum mofquito , e cn- g.olem hum camelo. Tem grande cui- dado de purificar o externo do vaio, e nada fe defvelao em limpar-Ihe o interior. Sao fepulchros nevados , que parecem belos por fora , em
quan-
V ID A DE J. C. 75
quanto por dentro eílao cheios de corrupção. Rcediiicao o tumulo dos Profetas , e proteílaó , q fe viveíTem no tempo de feus maiores, naó teriaÔ imâtado ília raiva fanguii^aria contra elles j porém eiles mefmos enchem a medida dos que lhes precederão , por lua crueldade , .procurando matar os que faô enviados da parte de Deos.
Depois que Jefus acabou íuas inftrucçoens , lançou os olhos para o lugar do Templo , onde eftava o mialheiro das efmolas. Muitas peí- foas deitavao nelle prata , em quan- to huma pobre Viuva lhe botou duas pequenas moedas de cobre : o Sal- vador, o fez notar a feus Di fci pu- los 5 dizendo-lhes , que a oíferta de íal mulher , por módica que folie , excedia tanto mais ás dos outros , pelo motivo de ter ella facrificado o íeu neceíTario , quando os ricos fó ytinhao dado do feu fuperíiuo.
74 Introd. a' Hist. Ecgl.
Injlituiçao da Euchariftia ^ Lava^ tório dos pés, •
Neste meio tempo os Pontífices, e os Doutores fe juntáraò em cafa do Grande Sacerdote Caifdz , para concordarem nos meios de matarem o Salvador. Receavaó prendê-lo em público , a fim de que o povo íe nao declaralTe por elle j porém o pérfi- do Judas aplanou as difficuldades , oíFcrccendo-íc-lhes para lhe entregar leu Meílre por trinta dinheiros , mó- dica íomraa , notada pelo Profeta Zacarias , e que vem a fer na nof- la moeda , pouco mais de moeda e meia. Na quarta feira fe fez eíla in- digna venda. A Igreja no tempo de Santo Agoftinho jejuava efte dia de todas as femanas.
Na quinta de amanha , vefpera de fua morte , [jefus mandou dous de ieus Apoílolos preparar a comida do Cordeiro Pafcal 5 em huma caí:i que lhes indicou prompta. Eílando tudo difpofto p;.ra efta ultim.a ceia >
que
V.I D A DE J. G. 75*
que havia ardentemente defejado ce- lebrar com elles , foi ao lugar dito, e depois de comerem , o Salvador fe levantou da mela , cingio-íe com hu- ma toalha , tomou huma bacia cheia d' agoa , e poz-íe aos pés dos Apof- tolos, para lhos lavar. S. Pedro ven- do íeu Divino Meftre em tal figura , exclamou ; Haveis Vós Senhor la^ var-me os pes ? Jefus o obrigou a íblFrer efta prática de humildade , que era huma lição , que dava a feus Di fci pulos. Períuadij^os depois , que elle fó fe tinha abatido para os inf- truir dos mútuos íerviços de cari- dade 5 que deviao obrar huns com os outros.
^Jeftís pondo-íe fegunda vez á mefa tomou o paô , benzeo , divi- dio , e o deo a feus Apoílolos , di- zendo-lhes : Tomai , e comei , efte he meu Corpo , que ferd por vós en- tregue. Pegou depois no Cáliz , oii Copo com vinho , rendeo graças a feu Eterno Padre , e o deo a feus Difcipulos : Bebei , lhe diz , todos de lie y porque ejJc he 7neu Sangue ,
Q
76 Intkod. a' Híst. Eccl.
o Sangue da nova aliança , cjue fe- ra derramado por muitos para re- miffaa de feus peccados. Tal foi a inílituiçaó do Sacraniento de noííos Altares. As palavras de que o Sal- vador fe íervio para obrar eíte Myf- terio y faõ íimplices , claras , e as niefmas em tres Evangeliíbs , e em S. Paulo, Devem- fe por confequen- cia tornar , fegundo o fentido lite- rário , que fe oíFerece defde logo ao efpirito , e he bem em vaó , que CS hereges dos últimos feculos te- nhaô nelks bufcado hum lentido fi- gurado.
Depois da inftituiçao do Sacra- mento de feu amor , Jefus fallou a feus Difcipulos com tanta força , co- mo ternura , fobre a união , que de- via reinar entre elles , e a reípeito ca confiança , que deviaó ter na providencia , e na fua própria bon- djade. Prometreo-lhes enviar hum Ef- pirito Confolador. Profetifou a Pe- dro , que elle o negaria naquella mefma noute 3 e antes de caní-ar o galo.
O
V í D A DE J. C.
77
O Salvador anniinciou também , q hum de feus Apoílolos liia a entre- gá-lo. Defignou "judas para obrigar a efte traidor a aproveitar-íe deite derradeiro fignai de bondade , e faze- lo entrar em íi ; m is o demónio da avareza > que pbíTuia feii coração , o levou logo a executar feu crime. jefus diíTe-lhe entaõ : Vaze com maior prejfa que poderes , o que tens determinado obrar,
jefus tendo-fe levantado da me- fa 5 e dito o liymno de acçaó de graças , fahio da Cidade com feus Apoílolos. No caminho , fez-lhes hum difcurfo a refpeito da uniaó , que deviaô ter com elle , dos tra- balhos a que feriaô expoítos , do Ef- pirito Santo , que liaviao de receber; de fua Paixão , Morte , e Refurrei- çaò próximas \ do cfcandalo , que lua morte lhes cauíaria , e da nega- ção de Pedro, Eítas diíFerentes pre- dicçoens , provavaó bem , que Je^ Jus fabia todas as coufas , e que fó hia a morrer por fer aíTim íua von- tade.
Je-
78 Introd. a' Hisr. Ecci
Jesits no Horto das Oliveirií.? , em cãja d* Annáz , e de Caifaz. Ne^ gacaÕ 5 e arrependimento de S. Pedro.
JESUS havendo paiTado a tof- renre do Cedron , entrou no Horto das Oliveiras , acompanhado de Pe- dro ^ de Tiago de joaõ\q foraó tefte- munhas de íua Transfiguração. Reco* mendou-lhesj q vigiaííem, q oraílem; e o Senhor feparòu-íc íiuin pouco deli es também para orar ao Eternò Padre. Durante fua oração , lentio tal perturbação , tal horror , e huma tal triíleza , què o fizeraõ entrai' em agonia. Hum fuor eomo dê gotas de langue corria até á terra. Sua alma experimentava todos os pavore? da morte. Nefte eftadò orou ao Eterno Padre com inftaiicia de que deiViaf- fe , íe poíTivel foíTe o Cáliz , que lhe havia preparado ! Com tudo j accrefcentou o Salvador , fafa-fe vojfa vontade^ e naÕ a minha.^n" taô hum Anjo defceo do Céo a con- fortá-lo. Em
V ID A DE J. C. 79
Em quanto Judas chegava com a tropa dc gentes armadas , que os Sacerdotes lhe haviao dado , jefus procura Íahir-Ihes ao encontro. O traidor dá-lhe hum oículo , fignal pateado com os executores das vio- lências 5 que o aòompanhavaó. Meu amigo 5 lhe diz o Salvador , que pro^ jeão zos traz aqui ? ^ffim entre- gaes o Filho do hoynem por hum of* culo ? Depois encaminhando-fe para os Soldados , procurou-lhes : Quem bufe a es vás } Nós bufcâmos , ref- ponderaó elles , Jefus de Nazareth. Sou eu , tornou-lhes o Salvador. A efte dito , cahíraó todos por ter- terra. Jefus depois de os haver in- quirido fegunda vez do mefmo mo- do 5 os esforça , e fe entrega em íiias maós.
Fedro 3 que trazia huma efpada , quiz defender íeu Meftre , c cortou a orelha direita a hum dos fervor do Grande Sacerdote, chamado Mal- CO, Jefus moderou o zelo de íeu Apolíolo 5 lembrando-lhe , que tudo quanto via , fó fc ohjava porque el-
8o Introd, a' Hist. Ecgl.
le mefmo o queria , e depois curou logo a orelha cortada.
Todos os Difcipulos havendo-õ defamparado por lua fugida , foi lo- go conduzido a cafa de Annãz So- gro de Caifdz> Annáz , que havia fido Grande Sacerdote no anno pre-- cedente inquirio o Salvador fobre fua Doutrina , e feus Difcipulos. ^jcfus lhe fallou com muita liber- dade : Eu nunca enfinci em f cgr e do , € vós O podeis perguntar áquelles j que me ouvirão no Templo , e nas Syna^ogas. No mefmo tempo hum dos iervos d' Annãz , deo-lhe huma grande bofetada , dizendo-lhe : Def- Je modo he , que vós f aliais ao Pon* - tifice ? jefus diíTe-lhe logo j Se eu fiallei mal , niojira-rde em que ; mas fe eu o na õ fiz de tal rãodo , pyr que razão me feres ? Eíla refpoíta cheia de doçura , e de tranquilida- de d' efpirito , deve maravilhar nos mais , do que fe o mefmo Salva- dor , fcgundo feus confelhos Evan- gélicos Oifcreceífe a outra face. Anndz recambiou-o a Caifdz>
feu
Vida de J. C. 8i
féLi genro , que habitava , veroíirael- mcnte na meíma caía. O Grande Sá • cerdore bufcou com íeu coníelho , algum falíb teitemunho para con- dcmná-lo á morte \ porém ainda que fe preientaiTemx muiras teftemunhas peitadas , luas depofiçoens contradiz ctorias efaõ infumcientes. Em fini o Ponriiice mandou-o em nome de Deos vivo , que declaraíTe , fe elle era o Chriuo , e o Filho do mef- mo Dcos ? Tu o dizes ; eu o fou , reípondco jefus \ e vós vereis ai' gum dia o Filho do homem vir fo- bre as nuvens , affentado d direita de Deos, A eílas palavras o Gran* dc Sacerdote raigou os veítidos , e exclamou : tem blasfemado \ Que precifdõ temos nós de teftemunhas ? Acerei centou logo, hc digno de mor- te, jejus foi im mediatamente entre- gue aos Soldados , que lhe fizera6 mil ultrajes. Cufpiraõ-lhe no roíto , ferírao-no , zombando de fua peíToa, e depois de lhe ter vendado os o* lhos , quizerao obrigá-lo a advihhar^ quem o havia ferido.
Tom. I. Y Du-
82 Introd. a' Hist, Ecgl,
Durante eíla inÉlgnlíFima ícena , que paíloii até ao meio da noutc , S. Pedro fendo reconhecido tres ve- zes , peia gente do Grande Sacerdo- t^c , como hum dos Difcipuios de Jefus , outras tantas o negou com juraaieiíto , de cuja fraqueza íe ar- rependeo immediatamente. O Sal- vador lanando íobrc feu Apoíloío os olhos de fua coiiiiferaçaò , eíla viíla o encheo de dor, e de confu- fao. Lembrou- fe da profecia , que feu Divino Meítre lhe lizera a ref- peito da negação em que caliiria , e íahindo da cafii , chorou amarga- mente iiia culpa.
O traidor Judas fentindo todo o horror de fua perfídia , lançou no Templo as trinta pecas de dinheiro , que recebera , e proteílou publica- mente diante dos Sacerdotes ^ pela innocencia de Jcjus ^ 'poxém]nni7mr' do hurn novo crime ao primeiro , enforcpu-íe por defefperaçaõ. Os Sacerdotes naó querendo pôr no the- fouro a fômma , que lhe haviao d;^- do , compráraò com eilc o campo
V ri^ D E J. C. 83
de hum oleiro , para enterrar os pe- regrinos.
Jesus em cafa de Pilatos , de He- rodes 3 e entregue â feus inimi-
Logo que amanlieceo , os Sacer- dotes 5 o Senado , e os Doutores fe juntarão , fazendo comparecer Jefus diante de feu Tribunal. Pergunta- rao-lhe fe era Clirifto? O Senhor lhes diíTe 5 que fim ; acere fcentando ; Al* gum dia vos vereis o Filho do ho^ meni ajfentado d direita de Deos. RepUcárao elles todos ; logo vós fois o Filho de Deos ? Jefus refpon- deo : Eu o fou. EntaÓ elles, todos igualmente concluirão , que nao era neceíTario ouvir contra elle teílemu- nha alguma , por quanto por fua mefma coniiíTao, era digno de morte.
Porém como os Romanos lhes haviao tirado o direito de vida , e de morte , fujeitando a Judêa a feu Império , levárao-no ã Pilatos , Governador da Província. No furor F 2 que
2 4 Introd. a* His"^ Eggl.
que os animava accuíaraó jcji^s de tres crimes principaes. i. Qi^ic era perturbador do repoufo público: 2. Que eníinav.i , naô fcr preciíb pa- gar os tributos ao Imperador : 3. Que dizia fer Chriflo , e Filho de Jjeos . . . Pilatos o inauirio , e lhe perguntou le era Rei dos Judeos , ou Mefiias } O Salvador reipondco : Ouc 7iã verdade cr-a Rei , nias que feu Reino 7iao era de lie mundo. Os J Judeos accufadores de 'Jefus naó ha- viaò entrado no Pretório , ou na cá* la do Governador , por medo de fe mancharem , pois queriaó nelTe mef- ino dia celebrar a Pafcoa. Pilatos depois d 'haver repreguntado 5^í?/^í* fahio do Pretório , e lhes declarou , que lhe nao achava culpa alguma para o condemnar. Com tudo eíles furiofos continuarão a accufá-lo com huma turbulenta vivacidade , fem que o Salvador fe dignaíFe refpon- der ás íuas calumnioías imputaçoens.
Pilatos iabendo , que Jefus naf- / cêra em Galilêa o recambiou a He- rodes j Rei ^ ou Tetrarcha deíla Pro- - ' viu-
Vida d e J, C. 85-
vincia. Eílc Priucipe , que eílava en- tão em Jeruíalém , deíejava á muito tempo ver hum homem de quem ha- via ouvido contar tantas maravilhas. Fez-ihe muitas perguntas , ás quaes y^fus naô rerpoiídeo coufa alguma. Herodes lurprehendido , e irritado de feu íilencio , mandou-o cobrir por zombaria de huma capa de ef» carlate , para iníultar íua realefa , e o tornou a mandar a Pilatos.
Eíle Magiftrado eftava convenci- do da envejofa malicia dos accufa- dores de Jefus , e de fua innocen- cia. Servio-fe da mefma remeça de Herodes , para períuadir aos Judeos, que eíle Príncipe lhe nao achara mais culpa do que elle : Dor*ém na 6 podendo ainda acalmar feu furor , empregou dous meios para íubrra- hir 'Jefus á morte.
Na occafiaô da folemnidade da Pafcoa , os Romanos concediao aos Judeos 5 a liberdade de hum crimi- noío : Pilato? lhes propoz fazer efe graça a Jefus , ou a Barrabás la- drão notável , que em huma fediça6
86 Introd. a* HrsT. Eccl.
havia commettido hum hcmicidio. Horrível comparação ! mas o Go- vernador Romano julgava que o re* ceio 5 que infpirava eíte ícelcrado cs obrigaria a antepor-lhe "jefíis na li- berdade. Enganou-fe. jeftís devia derramar leu Sangue pela íalvaçaó dos homens. Os Judeos pedirão que Barrabás foíle livre , e que Jejus fe crucincaiTe.
Então Pilatos recorreo a outro meio bem indigno da innocencia de hum homem injultamente accuíado. Para apaziguar os exceíTos dos ini- migos de jejíís , e movê-los á comi- feraçao , fê-lo açoutar de hum mo- do íanguinolento. Os Soldados jun- tarão á flagelação os iníultos , os mais cruéis. Lançarão fobre fua car- ne lacerada huma capa de purpura , coroáraó-no de eípinhos , e pozé- rao-lhe nas maós huma cana por Septro. Ajoelhando depois diante delle , e dando lhe mil golpes , e pancadas na cabeça , e roílo , di- ziaô-lhe por irriíaÕ : Eu te faúdo Rei dos Judeos.
Vida de J. C. 87
Depois deilí^ barbara execução , Pilatos moftrou Jefíís aos Jiideos , e lhes diz : Eis-aqiít o Homem \ ef- perando , que o triítc eítado , a que eílava reduzido , e a paciência , que fe lhe defcobria em tantas penas fo- cegaria a raiva de taes tilares ; mas limilhante eípaílaculo ^ naô fez mais que augmentar-lhè a íanha da pai- xão 5 clamando amiudadas vezes : Seja crucificado \ Pilatos lhes ref- pondeo : Tomai vós pois conta ciei- le 5 e crucifiicai'0 , porque quanto^ a mim nau lhe acho ca ufa alguma de 7norte. Os Judeos encarniçados do- brarão os gritos , dizendo : Nós te- mos hunia Lei , e fegundo ella de- ve morrer , porque fe chanioú Filho de Deos.
O receio de Pilatos crefceo a eíles clamores , e fendo lium pufik- nime Juiz , entrou de novo no Pre- tório a inquirir o Salvador , per- guntaiido-lhe de donde era ? Nao lhe . deo o Senhor rcfpoíla alguma. P/-' latos admirado diiTe-lhe : Vós nao ms refpondeis} Naõ fàbeis-l ^tlé èu
te-
§8 Introd. a' Hist. Ec.cl.
tenho o poder de vos mcnidar ma-'- tar 3 ou de vos conceder a vida ? jf. C. enfinuando-lhe , que daria con- ta deíle meímo poder a Deos , de quem o tinha recebido , obriga af- ias nifto a conhecer , que elle fe tornaria criminofo na fua condemna" çaó 5 dizendo-lhe ainda por hum mo- do recatado , e cheio de doçura : 3, Os que me tem poílo entre v o f- 35 fas maos , commettem maior pec- 3, cado do que vós , fendo o Juiz. „
Pilatos fahio do Pretório , refo^ luto a naô ceder á paixão dos ini- migos de j. C. ; porém os Judeos , conhecendo fua intereceira politica , o bufcárao por tal fraqueza , gri^- tando-lhe , que fua indulgência o tornaria cujpavel diante de Cefar , por quanto Jefus pertendia fer Rei , e qualquer que uíurpaíTe íimilhan* te titulo 5 vinha a fer inimigo do mefmo Cefar.
Pilatos decidido por eíla razão a facriíicar o Cordeiro fem mancha, lavou todavia as maos em publico , declarando por eíle lymbolo , que
Vida de J. C. 89
^efus eftava innocenre , e que elle punha era íeus inimigos toda a iniqui- dade do juízo 3 que elles folicira- vao. Os Judeos exclamáiao ; Sçu Sangue venha j obre nós , e no ff os fi- lhas ! Pronuneiando aíTim contra luas meímas pelToas huma maldição , cu- jos terríveis cíFeitos entrariaô a ex- perimentar j fubfiílindo ainda agora depois de dezoito leculos á face de todas as naçcens da terra.
Depois que Pilatos lavou as maos , prro ferio o Decreto de mor- re contra j. C, ^ e o entregou aos Judeos para o crucificarem, Deos naò difterio longo tempo , para caíligar eíte iníquo Juiz; malignamente cir- cunfpedo. O temor de enco^rer na defgraça de Tibério , o fez commet- ter huma injuíiiça atroz , a que os Judeos nao liverao depois attençao alguma. Quaíi hum anno immedia- tt) á morte do Salvador , o povo vexado por eíle Governador arre- batado , e cubiçofo fe queixou ao .Imperador , que o banío junto de Viena no Delfinado. A Defefpera-
çaó
9© Introd. a' Hist. Eccl.
çao fe apcdercu de ral modo de íeu animo , que veio a fer o Al- goz de lua vida , matando-fe a íi próprio dous annos depois.
Jesus com fua CruZy e nella pregado,
Erao quâfi nove horas da md- nhâ quando Pilatos enLren;ou o Sal- vador aos Jiideos para íer cru ci fi- cado. Os Soldados Romanos con- duzirão para o Calvário a Jefus , Senhor da vida , e da morte , que queria verdadeiramente fer immo- lado pelos peccados dos homens ; porém como o Salvador ao fahir de Jerufalém ^ nao podia já com a Cruz , por caufa de íeu extremo def- falecimento , os me Imos Soldados , obrigáraô hum homem nomeado Si- niãõ para levá-la com o mefeo Se- nhor.
Huma grande multidão de po- vo 5 o feguia. Mulheres piedotas ^ e fenfiveis choravao a íórte do Juf- to entregue a taes malvados. Jeíus voltando-fe para elias lhes diffe :
Fi-
Vida DE J. C. 91
5, Filhas de Jerufalém naÓ choreis ^5 fobre mim 3 mas Ibbre vós mef- 35 mas 3 e ibbre voíTos filhos , por- 35 que virá tempo em que fe cla- 53 mará j Venturofas as que faÕ ef- 35 tereis ! Dirf^-há também nefta 33 occaiiaô aos montes j Cahi fobre ,3 nós ! E aos outeiros j Efcondei' 3, nos ! Se o verde páo he aíTim tra- 53 tado3 que fe naó fV.rá ao íècco ? ,3 Qiiando Jefus chegou ao Cal- vário 3 caidáraõ logo ieus inimigos em crucificá-lo entre dous ladroens, pondo-lhe fobre fua Cruz , eíla iní- cripcaõ. JESUS NAZARENO REI DOS JUDEOS. Pilatos foi quem ord^encu fe lhe pozeíTe efte titulo 3 ou por defprefo da-naçao Judaica 3 ou por efta dura fenfibili- dade dos Grandes da Terra 3 que fe divertem no meio das fcenas , que mais affligem os humanos. Os Sacerdotes reprefentárao ao Gover- nador j que íe devia pôr no lugar de REI DOS JUDEOS , eílas pa- lavras : Oue fe tinba dito REI DOS JUDEOS : mas Pilatos lhes refpon-
deo y
^1 Introd. a' Hist. Egcl.
deo ; O que efcrevi eflâ efcripto ; e a infcripçaò perinaneceo.
Jefus achando-fe no Altar em que devia fer immolado, orou por feus perfeguidoies. Meu Pai , diz o Senhor , dirigindo-fe a Dcos , per-* doai-lhes , par quanto tgnoraÕ o que fazem. Os Soldados dividirão entre fi os veftidos do Salvador , mas co- mo fua túnica era de huma fó peça , forteáraó-na , para ver quem havia de levá-la.
O povo rodeando a Cruz , e olhando para o Salvador o efcarne- cia. Os paffageiros accreícentavaô blasfémias ás mjurias. Os Príncipes dos Sacerdotes , os Magiílrados , os Doutores da Lei , os Soldados , to- dos diziao maneando a cabeça : Se elle he Chrifto defça agora daCruz , e 7tós o acere ditaremos. Elie põem fua confiança em Deos. Se Deos pois o ama , que a liberte.
Hum dos dous ladroens cnicih* cados com o Salvador tendo parte íios fentimentos > e linguagem defta infolente multidão lhe diíTe : Se tu
es
Vida dè J. C. 93
es Chrijlo 5 falva'tc a ti mef/no , c a nós com tigo ; porém o outro ladrão movido pela reíignaçao cont que hum Homem Deos íbffria , re- provava os vitupérios de feu com- panheiro 5 dizendo-ihe : Tu mojiras que naÕ temes a Deos , ainda m ejlach em que te achas\ porque quan- to a nós , he. hem merecido o fup" plicto , mas a refpeito de Jesus , que tem e lie feito ? E voítando-fe ao Sal- vador lhe diíTe : Senhor , tende com- paixão de mim , quando vos achar* des em vojfo Reinol Eu vos fegu- TO 5 reípondeo Jefus , Qíie eftareis hoje comigo no Paraijo. Deíle modo fez na Cruz o officio de Juiz , que praticará algum dia á face de toc^a a terra.
Maria Mâi de Jesus , Maria filha de Cleófas , e Maria Magda» lena , eílavao junto da Cruz do Di- vino Libertador, "fefus vendo fua Mfii 5 e o Difcipulo , que amava , diííe a Maria : Mulher , eis-ahi vojfo Filho ; fallándo de S» João \ e dirigindo-fe a eíle Apoílolo , iguàl-^
mente
94 Introd. a* Hist. Eccl.
mente lhe diíTe : Eis-ahi vojfa Mau Defde efte inrtante o Di lei pulo ama- do 5 fe defvelou por Maria , olhan- do hum taô preciofo depofito , como a mais chara porção da herança de Jefus. A Virgem penetrada de dor , mas cheia de fé , e de affeclo , unia- le entaô ao Sacrifício , que C. of- ferecia para reconciliar a Terra com o Céo.
Morte de Jesus» Sua fepultura.
Naô era ainda meio dia 5 quan- do "Jefus foi fixado na Cruz , e hum pouco depois delie , o Sol começou a efcurecer-fe , e o ar foi todo co- berto de trevas até ás tres horas. A eítas exclamou o Salvador em al- tas vozes : Meu Deos , meu Deos , porque me haveis defardparaào ? De^ pois diíTe : 'Tenho fede. Logo hum dos Soldados lhe prefentou para be- ber , huma efponja eníopada de vi- nagre. Então Jefus vendo , que feu Sacricificio eílava confummado, pro- ferio esforçadamente : Tudo ejld con*
V I D A . D E J. C. 95"
f inumado ! E tendo abaixado a cabe- ç i , expirou na tarde da Sexta fei- ra , 3 d' Abril do anno 33 da Era- vulgar , e no 36. ^ de fua vida.
AíTim morreo Chriílo , o Mef- fias , taó longo tempo efperado pe- los Jiideos 5 e nao recebido por elles. Na fraqueza ap parente de fua mor- te moftrou 5 que era Senhor da na- tureza. O véo do Templo fe rafgou em duas partes j a terra tremeo , as pedras fe quebrarão , os fcpulchros íe abrirão , muitos Santos fahírao de íeus túmulos , e apparecêraó em Jerufalém.
Tantos prodígios , aíTombrárao o Capitão 5 e os Soldados , que guar- davaô Jesu Christo , vendo-fe como obrigados a exclamar : Efie Homenir era verdadeiramente o Filho de Deosl O povo prefente a efte efpeftacula nao foi menos fenfivel , que elles , e todos em. fmal de dor, voltárao ferindo feus peitos , porém a maior parte dos Judeos , e principalmente os Sacerdotes , perfeveráraõ em fua obítinaçaó , mais duros niílo , diz
96 InTROD. a' HlST. EcCLi
S. Leão , que os rochedos , os quaes íe fenderão , ô abríraô.
Os judeos naõ querendo , que os corpos íicaíTeiTi nas cruzes para O dia íeguinte ^ fendo do Sabbado , ou da Pafcoa, alcançarão de Pilatos^ o tirá-los 5 e o quebrar-liies primei-* l'0 as pernas a fim de morrerem mais depreíTa. Eíla ordem foi executada a reípeito dos dous ladroens ; mas co- mo Jejus eílava já morto , hum Sol* dado fe contentou de lhe abrir o la* do j 'Com huma lançada ^ de donde lhe fahio logo fangue , e agoa^
No fim da tarde Jozé Arirnã' thea , hum dos Difcipulos occultos de Jefus , e Senador diílinóto em fua naçaõ , pedio a Pilatos o Cor- po do Salvador para ofepultar an- tes de fe por õ Sol. Jozé obtendo eíla permilíao , colocou Jefus eni hum fepulchro novo , que eftava em hum horto , perto do Calvário. O tumulo tapava-fe com huma pedra , q lhe fechava igualnlente a entrada : porém os Sacerdotes receando , que os Difcipulos do Salvador vieíTem
rou-
Vida de J. C. 97
roubar feu Corpo , e que publicaf- íem depois haver refúicitado , fel- láraô a pedra do monumento , e po- zeraó-lhe guardas , que podeííem e- vitar a chegada de qualquer peíToa. Todas eftas precauçoens fervíraó u- nicamente de verificar a gloria de Chrillo 5 e a certeza de íuas promef- fas.
Refurreiçao de Jesus. T>ijfer entes appariçoens,
O Corpo do Salvador , fendo fe- pultado ao pôr dô Sol da Sexta fei- ra 5 aílim eíleve o Sabbado , e parte do dia íeguinte. Sua alma feparada do corpo 5 defceo a certos lugares baixos da terra , para confolar as al- mas dos juftos , que eíperavao fua vinda , e para lhes annunciar ã pró- pria liberdade.
Domingo de manha cedo , hum grande terremoto annunciou a Re- lurreiçaó do Filho de Deos , ven- cedor da morte , e do peccado. Hum Anjo veio tirar a pedra , que fecha- ta ò Sepulchro, e fentando-fe em
Tem. L G ci-
5)8 Introd. a* Hist. Egcl.
cima na preíença dos guardas , os en* chco de terror , e os obrigou a de- laraparar o tumulo. Jefus lahio dei- le giorioib , e quando Magàalena , e as outras duas mulheres chegarão com o projecto de emballamar feu Sagrado Corpo , já o naò víraò. El- ias ib acháraô hum Anjo , cujo rof- to era brilhante como hum luzeiro , e o veílido branco como a neve. Aquelle , que vós hufcaes , lhes diz elle 5 goza de huma vida , que na o fera jamais fujeita d morte,
S. Pedro , e S. Joaõ forao tam- bém ao Sepulchro : o Anjo os avi- za de que foliem a Galilêa , onde o Salvador fe lhes moílraria. Retirá- ra6~fe y porém Magdalena , íicou junto do tumulo. Seu amor , luas lagrimas , e ília períeverança lhe merecéraó a graça de ler a primei- ra em ver jf. C. depois de fua Re- furreiçaó j ainda que lhe prohibio que o tocaffe.
Jefus fe moítrou em fim a feus Apoítolos. A primeira appariçaó foi lobrc o lago de Teberiadcs , mas fi- ca-
Vida de J. C. 99
cárao taô penetrados de refpeito , e de temor , que nao óufaraô fallar- lhe. Outra vez appareceo de repen- te no meio delles , em huma caía , cujas portas fe achavao bem fecha- das. Apaz fejacomvojco^ lhes dit fe : Sou eu ^ nao tema es coufa ai-
fuma. Forque vos perturbaes vós ? luni efpirito tem carne ^ e ojfos ? Có- rneo diante delles parte de hum pei- xe aliado 5 c hum favo de mel. Pro- curou tres vezes a S. Pedro fe o a- mava? O Príncipe dos Apoílolos ^ reípondeo-lhe todo inflammado , e Jefus o encarregou de apaffentar fuas ovelhas , que vem a fer , de gover- nar fua Igreja, de quem o Salvador o declara cabeça.
S. Thomé ^ que fe nao avia acha- do a eílas duas appariçóens , moítra- va huma incredulidade , que enchia de pena aos outros Apoílolos ; mas paliados oito dias , o Divino Liber^ tador , lhes appareceo , e diíFipou as duvidas da vacilante fé do Dif- cipulo , mandou-lhe metter os de- dos em faas chagas. Vos fois meu G 2 Se-
100 Introd. a' HrsT. Ecgl.
Senhor ; lhe diíTe entaó o Apollolo , Vós foís meu Deos ! Vós tendes cri- do Thomé , lhe tornou o Salvador , Porque haveis 'viflo. Venturofos a- qtielles 5 que crerão , e iiaÓ virao.
Em nm todos os Apoílolos a- chando-fe juntos em Jeruialém , jff- fus lhes appareceo ^ c lhes diffe : Eu tenho recebido todo o poder no Céo 3 e fobre a terra. Ride por to- do o munâvO a inflruir , e a bapti* zar os homens , em nome do Padre ^ do Filho 5 e do Ejpirito Santo. Pro- metteo-lhes o dom de milagres , nao íómente para elles , mas também pa- ra todos 5 que accreditaííem íuas pa- lavras. Segurou-os de fua Divina af- fiítencia até o fim do mundo. Eu ef* tou com vojco até d conjummaçao dos Séculos : promeíTa íblemne , que Deos fez defde entaô á fua Igreja , de a nao abandonar jámais aos pref- tigios do erro , nem á malicia de feus inimigo?.
Os Apoftolos erao pela maior par- te de hum efpiíito íímplice , e apou- cado. Seu Divino Meítre lhesfran»
queou
Vida de J. C
lOI
qucou os ânimos por fua graça , a fim de entenderem o fentido das Ef- cripturas. Annunciou-llies o defcen- fo do Eípirito Santo , e lhes ordenou que períeveraiTem em Jerufaiém até ciue foíTem alentados de huma for- ça Celeítial.
Depois que o Divino Salvador confirmou fua fé , e deo novos ef- forços ás fuas efperanças ^ condu- zioi a Bethania , e dahi ao monte das Oliveiras. Quando elles chegá- rao , o Senhor os abenço-ou , e ele- vando-fe logo ao Céo , huma nu- vem lho roubou aos olhos ; porém os Difcipulos o feguirao com cftes quanto podérao , e continuando a olhar , dous Anjos vertidos de bran- Do , lhes npparecêraô em fòrma hu- mana , e lhes diílerao : EJie Jeius , ^ue TOS acabaes de ver fubir ao Céo , algum dia virá do mefmo mo" do. Deíía maneira he que "^efus de- pois de completar os Myfterios pelos quaes foi enviado , acabou , e coroou fua viéloria fobre o mun^ do j fobre a morte , e fobre o mef- rao inferno. TA-
>C'2í^^ >i^^>>c>^v- ><;^-:;=A>(w*J{^
T ABO A
C RONOLOGiCA
PARA
o PRIMEIRO SÉCULO.
Era
Víilg.
33
M
Atthias concorrendo com Barfabé ^ denominado o "^jufíO , a íim de iucceder hum delles no lugar de Ju- das Ifcariotha , invocado o ar.?:ilio Celeítc pelos^ A- pcílolos 5 a forre cahio em Mathíãs , ficando deídc lo- go aggregado ao Collegio Ápoílolico , fem que ibu concorrente fe tornaíTe en- vejofo 5 cu deixaíTe por nao fer Apodolo , de íervir a Igreja do Senhor.
Og Difcipulos cfperando em Jeruíalém na companhia da Virgem Maria ^ e de feus parentes , a vinda do Efpi-
rilo
Pap a o I. Século. 103
rlro Santo ; eíla íiiccedeo ao Era ouvir-fe pelas nove horas , vulg, o ruído como de hum ven- to impetuofo,dercendo logo o Eípirlto Divino em lín- guas de fogo Ibbre todos em 33 24 de Mayo,quínquagefimc dia depois da Refurreiçac do Salvador, q por tal meio lhe deo a chave de feu? \l7fteri0s , a plenitude do Sacerdócio.
S. Pedro prégou animo- famente o Evangelho neíTa occaíiao , e cada hum dos diverfos nacionaes , que fe achava na Capital da Judêa, o perccbeo na fua própria língua , ccnvertendo-fe , e batizando-fe logo tres mil em nome de quem dá a vir tude ao Sacramicnto que re cebêrao.
S. Pedro curou hum có- 33 xo de nafcenç''i,que fe achn- va á porta do Templo de pois de 40 annos de entre- va-
Taboa Chronol.
vado , e prégando aos que íe maravilharão , converteo pela graça do Senhor , cin- co mil peíToas. Continuou com jfoaõ no miniíterio A- poítolico, apefar de os pren- derem^ e de os foi tarem de- pois 5 fó com a condição de nao annunciarem a j^,C. , o que naó executarão , per- fuadidos de que deviaõ o- bedecer mais a Deos , do qi e aos homens y o que foi tolerado pelo confeiho dos Judeosjpor temerem alguma fublevaçaó do povo á vifta de tanta conílancia unida com feus milagres.
Os convertidos vendiaô os fundos de feus bens , en^ tregando os preços aos A- poílolos : porém Ananias , e Safira^Q^t lhe proteíláraó com fraudulencia praticar a mefm.a género fa Chriftan- dade , forao mortos repen- tinamente por mentirem ao . Efpirito Santo. Vi-
Era vulg.
Para o I. Secui.q. io^
Viviao todos em cora- mum , mas nem por iílb fo- raó chamados Cónegos Re- gulares , ainda fallando íó dos Diícipulos 5 por naô fer coufa , que kmbraíTe antes o XI Século , devendo-fe ainda muito menos foppor-. lhes Chriílo por leu pri- meiro Abbade no monte ao , cujo dito naõ palia de mania, adoptada por Fo' /aterram , Venoto , D. lho niaz Bifpo de Pernanbuco , e do confufo , e inexadlo D. Nicolão de Santa Maria na Chronica dos Cónegos Re- grajttes , onde os faélos mais preciofos íe omittem muitos menos importantes le encontrão fó referidos no principio , meio, ou fim-, e os indifferentes , fóra de Teu lugar , tudo narrado por huma dicção vulgariílima , Tem elpirito , nem energia. Eleição dos Diáconos pa- ra
33
jo6 Tabov Chkcnol.
Era ra dividirem as efiTiolas , e vulg, ajudarem os x\poílolos na? reparti çocns diárias , poílo q também baptizaíTem , di- ílribuiíTem a Euchariília , e prégaíTem a todo o mundo.
Perfeguiçaô excitada con- tra os Chriítaõs em. que foi morto.- Santo EJievaÕ a 25 de Dezembro , merecendo o titulo de Protomartyr. 34 Paulo hindo para Damaf- co a perfeguir os Chriftaos, cahio a huma grande luz , que o cercou , ouvindo lo- go perguntar-lhe o Senhor \ para que o perfeguia ? Con- verteo-fe , e foi o Apoílolo das Gentes , obrando tndr nelle a graça de J. C, pele miniíterio d * j^nanias , fem miais recalcitrar centra Dom tao efficaz , e precio- fo.
34 Filíppe hum dos 7 Dia conos ordenados pelos A- poílolos depois de baptizar I ) Si- \
Para o I. Século.
Simão Mago , que qiiíz| comprar os Dons do Elpi-; rito Santo , baptizou tam- bém o Eunuco de Canda- cea , Ramha dos Etiopios , de quem o novo fíel, fegnn- do le conta , foi fetí primei ro Apoftolo.
S. Pedro depoífe de haver curado muitos doentes íò com fua fombra , fundou a igreja d* Antioquia , cujos Fieis fe forao logo chaman do Chriílaos por feguirem. a Doutrina de J, C,
O mefmo Apoílolo hin do a Roma , o que nega 6 os Proreílantes , e feus Cc- piílas 5 eílabeleceo na Cida- de fua Sé , e durou feu Pon- tificado 2^ annos , deven do-fe advertir , que efta fu- prema dignidade nao per- tence de Direito Divino ao Bifpo daquella Capital.
Agripa mandou degolar S. Tiago Maior ^ irmaó de
TabOx\ Chronou
S. Joaõ , e prender S. Pt dro na volta de PvOma. Ef- te Apoftolo foi libertado por hum Anjo ; e S. 77^- go fendo martirifado em Je rufalém, e enterrado na mef- ma Capital , onde teve mui- tos Diícipulos 5 naó fe fou be até hoje de transladação alguma de feu corpo para a Hefpanha , naô obftante o que nos diz o Bifpo Pernam- buquenfe a quem os Sábios Portuguezes devem a pri- meira Hiíloria Geral da fua Igreja , poílo que naô paf- fe do XIV. Século.
Os Judeos convertidos quizeraÓ obrigar os Gentios á obfervancia da Lei Moy- faica.
O Concilio de Jerufalém deeidio , e regulou o que fe devia obfervar a eíle ref- peito , votando todos os A- poftolos 5 ainda que S. Pe- dro foi o primeiro que fal
Para õ I. Século.
lou em taó lefpeitavel Jun- ta.
S. Paulo depois de hum fem numero de fadigas A- poílolicas , e de trabalhos ainda excitados por íeus ir- mãos 5 foi prefo pelo Tri- buno Lyjias 5 e mandado a Felís Governador da Judêa na Cefarea , que o teve pre- fo dous annos , poíto que fem a fraqueza de o conde- mnar , nem o esforço de o abfolver.
O Apoílolo defendeo-fe contra Tertullo advogado dos Judeos ; refutou-o com tanta efficacia , e fallou com tanta energia da Juíliça , da Caítidade , e do Juizo final , que fez tremer o mefmo Fe- lis-
Feflo fucceíTor de Felis , ouvio ^,FauJo 5 e feus accu« fadores. O Apofíolo appe- iou para Cefar da força , e violência, que lhe fazia; fal
lou
109
Era
í8
110
Taeca Chronol.
^Era ^ lou na preieaça d* Agripa , e conduzírao-rro depois a Roma.
S. Marcos fundou a Igre- ja d' Alexandria ; e S. 'íia- go Menor foi apedrejado eni Jerufalém.
j S. Paulo chegou a Roma j depois d ' haver arribado a I Creta , e a Meleda por cau- fa das tempeílades , fem en- trar em Malta a extinguiras víboras ao fer mordido por hu nn. Prégou na Capital do Mundo por doas annos a pefar de nunca o deixarem fem Iiuma fentinela : liber- tado tornou para a Afia , fem íaber-fe em que parou a cau fa da fua appelaçaó.
S. PeãrOj e S. Paulo che- giraõ de novo a Roma , e confundirão Sir,iao Mago , que terminou fua vida entre iniquos defvaríos.
Primeira perfeguiçaõ fei- ta por libero , que por huma inla-
Para o I. Sectjlo.
iníana fúria , paíTcido o pri- nieiro quinquénio de íei.; governo cm que fó a muito cuílo condemnava, proteílou eítimar mais fer aborrecido^ que amado, chegou com íua crueldade aos Fieis das Hei" i panlias , poíto que nada fe iaiba de certo da Igreja Lu- íitana neíle I. Século , duvi dando- íe de feus Bifpos , e de tudo o mais com que fe queira formar a íua Hiíto- ria 5 fendo o me imo até o III. Século 5 ainda que íe lhe naò negue Fieis , Mar- tyres , e Paílores.
S. Pedro , e S. Paulo fof- fréraó o martyrio em Ro- ma a 29 de Julho , fendo o primeiro como Judeo cru- cificado , poíto que com a cabeça para baixo , c o fe- gundo degolado como Ci- dadão Romano.
Revolta dos Judeos. Prin- cipio da guerra. Os Chrif ftaôs
112 Taboa Chrònol.
Era taos deixarão Jerufalém , e uulg. foraô para Pella.
S. JoaÕ paíTou á Afia a combater os erros d ' EbiaÕy de Cerinto , e de Menandro,
67 Jeruíalém vio-fe reduzida ás ultimas extremidades, O furor 5 e precipitação dos Judeos zeladores, forao def- medidos , e irritantes. Se- guírao-íe os horríveis effei- tos da cólera de Deos ío- bre a Naçaó.
i^ero aborto infernal con- tra os Chrilbós , foi homi- cida de íi mefmo.
68 Tito cercou Jerufalém porém efta depois de fe de- fender por quatro mezes defefperadamente , veio a a entregar-íe , fentindo fo- bre fi todo o pefo do Divi- no Braço. As immenfas ri- quezas do Templo foraõ fa- queadas , e o edifício a ul- timo cufto do mefmo Tito , reduz io-fe a cinías com to- da
Para o .1. Seculò.
toda a Cidade baixa , fem i}C íicar pedra fobre pedra.
Segunda perleguiçao de Domuia>w. S. Joaõ íen-do lançado em azeite fervendo, e fiihindo depois mais vigo- roíb 5 foi banido para a Ilha de Parhmos.
Domiciano mandou niatar eu primo Flauio Clemente ao acabar do conluiado , por íer Chriílao j deílerran- do-lhe depois a mulher , e a fobrinha^
Nerva reílituio os Ghrif- taos banidos 3 e permittio- Ihes o exercio da fua Reli- gião. Prohibio por huma de fuas fabias Leis ^ o formar Eunucos y abufando-íe da mininiire dos infantes.
S. 'Joaõ tornando à Efé fo 5 e chegando á idade de 94 annos ^ acabou leus dias com. hunm morte pacifica.
Bra vulg.
90
Tom. l H Os
Taboa Chronol.
Os Imperadores que gover- narão pela ferie dejles fucceffos 5 foraõ :
Tibério que reinou 23
annos até 37 Co li gula 4 até 41 Cláudio Nero 13 até s4 Domiciano Nero 13 até óo lSV^/í? Galba 8 mezes : .y//i7*<? 3 : Vitelio 8 : Vefpafiano 10 annos até ye; f/Ví? 2 até o I
Flávio irmaó de Tito 15'
até 96 Coecjo Nerva 2 até 98 Por eftes , e os mais Im- peradores foraõ fempre ma- dados ás Heípanhas Preto- res 5 e Proconiiilos até aos Godos , íaciando-fe por taes miniílros a fede dos que en- tre elles fe abrazavaó de rai- va contra os Chriílaós Lu- litanos 5 e Hefpanhoes fen-
Parí" o I. Século.
do miiitos os deitas Nações que côníeguíraó a palma dc mart;j^rio.
tfei> «^^'^^^ <^^'^^
_^ABOA DOS TEMPOS Era q fe publicarão os Li vros do Novo Teílamen- 'to*
S Mattheus- efcreveo o • Evangelho , que anda com leu nome , em Syria- co , Hebreo , e Caldaico , cuja linguagem miíturada formava a dos^Judeos de feu tempo.
S. Marcos abbreviador de Sé Mattheus compoz o leu Evangelho em Grego > 'ainda que Baronio diga que foi^.èicripto em latim , con- cordando os fábios já hoje em que o dito purpurado fe enganou.Os Venefianos pre 1 fumem ter o original gre I Hz go
ii6
Era vulg.
43
5^
?6
Taboa Chrònol.
go efcripto pelo mcrmo E- vangeliíla , mas como o naô abrem a peíloa alguma , ne nhum feníato jurará na fua aíTeveraçaOi Os mais Evan- geliílas 5 e Apoílolos eícre- vêrao em grego , pofio que muitas expreísóes indiquem hebraijmos,
S. Pedro efcrcveo fua primeira Epiftola a todos os Fieis 5 particularifando os Judeos , datando-a de Babilónia , porque a com- poz em Roma ^ que pela fua confufao ^ e vicios fe aíFimilhava. .
S,Paulo dirigio a fua pri- meira aos Teíblonicences , naó lhes tardando com a fegunda , pois faó ambos do mefmo anno.
A que efcrevo aos Gaia- tas, e o Evangelho de S.L^- cãs 5 naó excedem quatro annos -ás Epiftolas enviadas a Tefolonica.
No
Para ^ o 1. Século.
No iegiiinte formou o Apoftolo deis Gentes as duas aos Corinthios, e a dos Ro- manos 5 onde o Apoílolo moftra projedlar vir ás Hef- panhas , cuja execueao le íuílenta hoje como TJieie na illuílrada Univerfidade de Coimbra. TheCes Jofe- pJ3Í Moreira : Colimbri^
1789-
As Epiílolas aos Filip- penfes , a Filemo aos Co- locenfes , aos Efeíios , e aos Hebreos foraó compoftas cinco annos depois.
S. Lucas- efcreveo no an- no feguinte .os AEígs dos Apoftolos,
Sao do mefmo anno as duas Epiílolas a Timotheo , a que mandou a Tito , e a íegunda de S. Pedro.
Nao fe fabe da data certa das de S. Tiago^ e de S. Ju-- das : julga-fe ferem traba- lhadas 2 paíTados tres annos.
S. ,
Taboa Chronol.
S. João efcreveo o A^g- caíipfe feis annos antes de fiia morte, A efte livro Di vinõ fcguio-fe depois de dous annos , o feu Evange- lho 5 e as fiias Epiítolas fo- rao ei criptas nos fins de fua vida , reipirando em todas eílas producçoens áquelle terno amor que bebera no peito do Salvador.
ELE-
ELEMENTOS
D E
HISTORIA ECCLESIASTICA.
PRIMEIRO SÉCULO.
Eleição de S, Mathias \ Vinda do Efpirito Santo»
A AfcenfaÓ de J. C. , o ukiirio triunfo do MeíTias fobre n terra , he a primeira época da Hiftoria ca Igre- ja. De ide que o Salvador Tubio ao Céo , os Apoílolos , e os Diícipu- los fe retirarão a Jerufalém, onde trabalhárao em dar hum lucceíTor ao pérfido Judas , que por fua morte taô horrível , como deígraçada , dei- xára vago Teu lugar no Apoftclado. Eícolhêrao entre os Diícipulos Ma- thias j e Joz-é Barfabas , e haven- do-os colocados no m.eio daaíTem- blêa j pcdíraõ a Deos ^ que lhes fí-
zeíTe
I20 Elem. d'Hist. Ecgl.
zeíTe conhecer quem o meímo Se- nhor julgava digno de fer Apoítolo : a íòrtc cahio fobre S. Mathias.
Os Fieis prepararaô-le depois pelo retiro , e filencio para receber o Eípirito Santo. Tendo chegado o dia do Pcntecolles , fentio-íe hum grande eftrondo , íimilhante a hum embravecido vento , na cala onde os Diici pulos íe achavaó juntos , for- mando o numero de cento e vinte. ViraÔ-fe depois defcer algumas cham- mas íbbre '^lles, e vendo-íe logo che- ios do Divino Eípirito , começáraó a fallar diverfas linguas. De toda a parte tinhaó vindo Judeos ajerufa- iém para celebrar a feita do Pente^ coites , e S. Pedro apparecendo no meio delles com os mais Apoítolos , lhes annuncíou as maravilhas da mor- te , e Refurreiçao de jf . C. Eíte pri- meiro Sermão atrrahio tres mil Ju- deos ao Chriftianifmo , e o legundo cinco mil , teítemunhas do milagre , que o Santo Apoílolo obrou no co- xo 5 que foi curado á porta do Tem-
I. Século.
Vida dos primeiros Cbrijlaos. .
Jerusalém enchco-fe im mediata- mente de huma grande multidaó de Judeos 3 que crerão em J. C. Eíles primeiros Chriílaos paíTavaÔ huma vida Evangélica , moílrando-íe filhos de hum melmo pai , unidos por hu- ma me ima íé^c aípirando a huma mei- ma pátria , io tinhaô hum coração, e huma alma. Vendiaõ feus bens , levav^aó íeu preço aos pés dos Apof- tolos 5 para o deítribuir fegundo a preciíao de cada fiel. Tudo era com*- mum entre elles. Creicendo o nume- ro dos Difcipultís de Chriílo , os A- poítolos eftabelecéraó miniib-os para os aliviar nas trabalhofas funçoens do Apoftolado , a quem chamarão Diáconos. Elegerão fete , e os en- carregáraó de fervir ás melas , ao principio na fagrada , onde r-cpartiao o paó Euchariílico , e depois na com- mum 5 fendo como adminiltradores dos bens temporaes da Igreja em quanto os Apoftolos fc dedicavao
inteira-
122 Elem. d ' HlST. EíXL.
inteiramente ao minifterio dos Sacra- mentos 3 e da palavra divina.
Primeiras perfigiiiçoens \ ynorte àe Eftevaói Converjaò ãe S, Paulo.
Os focceíTos Evangélicos irrita- raó o ciúme , e enveja dos Judeos. Os mais poderofos delles , proliibí- raó aos Apoílolos , que annunciaíTem a J. C. 3 e para os intimidar os pren- derão , de donde foraó tirados mi- lagrofamente por hum Anjo. Con- tinuarão a publicar com esforço , quaiíto hãviaõ owcido , e prefenciado. Citaraõ-nos de novo diante do con- felho dos Judeos , que quiz mandá- los matar ; porém o Doutor Goma- liel ^ hum dos Juizes , trouxe feus irmãos a hum parecer mais íuave ; dizendo-lhes : Deixai livres eftes prijioneiros , por quanto fe fua em- preza procede dos homens , ferd de pouca duração , e por fi mefiua fe dijjípard^ mas fe originada em DeoSy baldada ferd vojfa oppofiçaÓ. Licen- ciárao por tanto aos Apoftolos , de-
I. S E C U L O. 123
pois d' açoutados , reiterando-fe- lhes a proliibiçaõ de enfinar em no- me de jr. C. Porém eftes homens já entrépidos 5 feiicitando-le dMiaver recebido íimilhante alFronta pçr feu Divino Meílre , contentáraô-fe de refponder-ihes : hnforta raiais che- decer a De os , que aos homeyis. S. Eftevaõ o primeiro dos íete Diáco- nos 5 fmalava-íe por feiís milagres ^ e por feu zelo. Reprehendia animo- famente aos Judeos de lua dureza. Condemmarao-no a fer apedrejado , e veio por efta pena a fer honrado como o primeiro Martyr , que fel» lou o Evangelho com feu fangue, Eftando a morrer , orou por feus al- gozes 5 e perfeguidores.
Todos os Difcipulos á excepção dos Apoílolos perfeguidos com fúria, efpalhárao-fe pela Judêa , e Sam.a- ria. O que moítrava maior fenha contra elles , era hum adolefcente Farifeo , nomeado Saulo, Entrava nas caías , onde fe achavao alguns Fieis , e levava-os á prifaó , e réf- pirando unicamente vingança , e fan.
gue
124 Elem. d * HiST. ECCL.
gue , procurou , que íe lhe déíTe da parte do Grande Sacerdote , huma commiílaó para- os bulcar até Damaí- co. Qiiando fe achava junto deíla Ci- dade , vio ao meio dia hum clarão taó extraordinário , que o cegou , e o fez cahir por terra. De repen- te ouvio liuma voz y que lhe dizia : S^au/o , Sa-u/o porque motivo me per- Jegues ? Uu fou Jesus , eyn vao tu me rezijies. Então Sãulo penetrado de hum arrependimento , procurou ao Salvador , que queria , que elle obralTe ? Jefus Chrifto o enviou a hum Santo Iiomem de Damafco , chamado Ananias , que o baptizou , e lhe tornou a vifta.
igreja de Samaria, De Simaó o Mago,
O novo Diicipulo de Chrijío co- meçou defde então a efpalhar a fe- mentc Evangélica , e foi logo con- tado entre os Apoftolos da primei- ra ordem. O Diácono S. Filippe mandado a Samaria fazia grandes
con- ~
L S E C U L o. Í2^
coiiqulfias para a fé. Tendo-fe mui- tos convertido; c baptizado , os A-. poílolos lhes enviarão S. Pedro , e S. JoaÕ para os confirmar , e aperfei- çoá-los em íua crença* Eftes novos Fieis receberão o Efpirito Santo , c o dom de milagres.
Entre os que foraó baptizados em Samaria , eílava hum magico 5 chamado Simão ^ que vendo confe- rir pelos Apoftolos 5 com a impoíi- çao das maos , os doife Celeíliaes o-ffereceo-lJies algum dinheiro , a fim de que elles lhe communicaíTem hum tal poder. S. Pedro rejeitou a oíFer- ta com exacraçaó , e depois deíle Seftario , he que o trafico das cou-' fas efpirituaes , foi chamado Simo" nia,
SimaS he confiderado como au- ílor da primeira herefia que pertur- bou a Igreja. Inculcava-fe pelo po* der Soberajío , que havia appareci» do entre os Judeos , conto Filho ; em Samaria como Pai , e entre as outras Naçoens como Efpirito Sari' to* Pertcnde-fe , que elle fe fez ado- rar
126 Elem. d * HiST. ECCL.
rar com o nome de Jupiter , do mef- mo modo q.ue iiama de fuas proftitii- tas com o de Minerva, Rejeitava o amigo Teílamento , e negava a refurreiçâõ dos corpos» A eíles er- ros juntava idéas extravagantes , das quaes he difficiiltoib pre Tentar a Ana- lyle 5 porque íe affimiihaó aos íb- niios de hum ftièricitante. A feita fez toda via , feu eílrondo , porém naõ paíTou álem de hum Século.
Principio àu Ccnuerfao dos Ge?ttios,
A Luz da fé 5 que até entaô fó tinha illuminado os deícendentes de Abrahao começou a luzir fobre os Gentios. Havia hum Centuriaó , ou Capitão Romano , que a pefar das trevas da idolatria fe achava preve- nido com o conhecimento de hum fó Deos 5 fazendo-fe-lhe favorável por fuas oraçoens , e efmolas. Em occafiaô que elle orava, appareceo- lhe hum Anjo , e lhe ordenou que bufcaífe S. Pedro , para faber o que devia praticar. O Santo Apoílolo ad-
ver-
I. Século.
127
vertido ao me imo tempo por huma viíaô 5 que o inftruio de que naó ha» via creatura immnnda nos olhos de Deos 5 venceo todo o horror que tinha 5 do mefmo modo que ds ou- tros Judeos 5 a refpeito dos Gentios, e foi logo a cala de Cornélio , a quem baptizou com muitos de íeus parentes , e amigos.
Os Apoftolos apenas fouberaó , que S. Pedro entrara nas cafas dos incirconcifos , e que comera com el- les 5 ficáraò efcandalifados ; porém o Apoftolo fazendo-os fabedores dos avifos 5 que tivera do Céo , admi- rárao todos a bondade do Senhor , que queria communicar-fe igualmen- te aos Gentios 5 e aos Ilraelitas.
Apojlolado de Paulo , fuas via^ gens , feus fuccejfos , feus foffr la- mentos.
O Mysterio da vocação dos Idó- latras foi principalmente defcober- to por S. Paulo , chamado por ex- cellencia o Apojiolo dos Gentios. As
pro-
128 ElEM* fíiST. EccL.
provas , que elle luítentou pela pré* gaçaó Evangélica, íaô inniimeraveis* Quaíl tres annos depois de íua Con- veríaò , partio a Damafco a inílruir os Fieis. Os Judeos o denunciáraó ao Governador da Cidade , qUc man- dou pôr lenrinelas ds portas para o prender ; porém os Chriftaôs o ar^ rebatárao á vingança de íeus per- legui dores , deícendo-o em hum cef- to por entre as ameias dos muros* Chegado a Jerufalém , pregou neíla Cidade , depois em Tarço , lua pátria , de donde S. Barnabé o le- vou a Antioquia. Paulo era mais efficaz no dom da palavra , e Bar^ nahé por lua doçura , acabava de ganhar os coraçoens movidos pela eloquência do Apoftolo das Gentes. Fizeraô innumeraveis profelítos , e entaõ foi ( no anno 38 de jf. C ) que fc deo o nome Chriftaôs aos que profeíTavaó o Evangelho. Os Fieis de Antioquia ^ havendo-o encarrega- do para trazer íuas efmolas a feus irmãos de Jeruíalém , Paulo fez efta Viagem com Barnabé. Voltados
Antio-
1 S e c u l o. 119
Antioquia , foraó á Ilha de Chipre, no anno 43 de j. C , depois a Pa- tos 5 onde clles converterão o Pro- conful Sergio Paulo. Eíte Magiítra- do tinha junto de fi , hum magico , chamado , Barjeju , que o engana- va com íeus preíligios. Paulo con* fiando inteiramente no poder de Deos j de quem annunciava a pala- vra 5 combatem em público , eíle malvado. Enganador , lhe difle , fi- lho do dl ah o , inimigo de toda ajuf- tiça ^ na G Jejuaras tu de prcverter os caminhos do Senhor ? Sua 7nao vai a desfechar fohre ti , e tu fe-* rãs cego. De repente os olhos do magico fe lhe efcureceraó , e buf- cou alguém , q lhe deíTe a mao. Ef- te milagre acabou a converfao do Proconfui. A opinião commum he , que Saulo , tomou entaó o nome de Paulo , que era o do Magiílrado, que o mefmo Apoílolo ganhou para o ChriíHanifmo , ao exemplo , diz o Abbade (Jwift , deiles antigos Capi- taens Romanos , a quem fe lhes da- va o nome dos povos , que haviaõ fubjugado. Tom.L I ' Os
1 30 Elem. d ' HisT. EccL.
Os principaes lugares , que via- jou depois 5 íbraô Antioquia, Ico- nia , e Liílres , Cidade onde curou hum homem paralitico de nafcimen- to. Os habitantes maravilhados defte prodígio 3 olháraò Saiilo , e Barna- bé como deufes , e quizeraó levan- tar-lhes altares \ porém alguns Ju- deos havendo mudado as diipofiçóes do povo , arremeçáraò-ib ibbre Pau- /(!? 5 e o apedrejáraò , de modo , que o deixárao por morto.
Concilio de Jerufalém. Pcrfeguiçao d ' Agripa j cajligo dejie Principe.
Como as feridas de Paulo nao erao mortaes , continuou efte fuas fadigas Apoítolicas , e veio de novo a Antio- quia da Syria , cuja Igreja come- çava a fer numerofa. Alguns Judeos , novamente convertidos , queriao o- brigar todos os Fieis á obfervancia das ceremonias legaes ; os outros oppunhaó-íe-lhes. Eíla queftaó divi- dindo a Igreja d' Antioquia , depu- tárao-íe Paulo , e Barnabé a Jeru- falém
1. S E C U L o. 131
falém para coníultar os Apoílolos. A decifao do Concilio junto neíla occafiaô , em o anno 49 de J. C. , foi 5 que fe naô impozeíTe aos Gen- tios o jugo da Lei , mas que fó fe obrigaíFem a evitar o acceííb á mu- lher 5 que nao fofle fua , a idola- tria , c o uio das carnes fuíFocadas , e do fangue. Eíta decifao levada a Antioquia por Paulo , e Barnabé , pacificou cita Igreja.
Os Fieis de Jeru falém experi- mentarão algum tempo antes , huma cruel perfeguiçaõ. Herodes Agripa foi feu AuAor , evitando nella a vi- da ao Apoílolo S. Tiago maior , ir» maô de S. André, S. Pedro , que foi tambcni prefo por ordem deíle bárbaro Príncipe , devendo ler im- molado á raiva dos Judeos , depois da fefta da Pafcoa no anno 44 de J. C. , hum Anjo lhe abrio as por- tas da prifaó em a noute do dia de- cretado para o fupplicio , e deíle modo fe livrou da execução d' Agri- pa 5 que mandou matar as guardas , querendo mais accufá-Ios de negli- I 2 gen-
1-^2 Elem. d' Hist. Eccl.
gencla , que reconhecer a milagro- ía maô qiie havia quebrado os fer- ros do Apoílolo.
Efte injuílo Príncipe nao gozou inuito tempo do fruto de feus crimes, porque hindo a Cefarêa para celebrar huma fcLtíi macrnifíca em honra de
o
ClatfcUo , pronunciou alli o panegy- nco defte eíiiipido Im.perador , com tanta graça , e eloquência , que o póvo o interrompeo por eílas con- tínuas acclamaçoens : He a voz d: hum Deos , e 7iao de hum homem.
Agripa querendo merecer os ex~ ceíUvos louvores , que lhe pródiga- lifavao 5 nao rejeitou os vaós fumos de hum incenfo oíferecido por te» mor 5 mas começou a faborear-fe del- les , e Deos o puni o logo de feu def- medido orgulho. Hum Anjo o ferio no meio de feu triunfo , e lentio dores horribiliíTlmas por todo o cor- po , de donde fahiao os bichos ain- da em vida. Eis-aqui , dizia clle a huma grande multidão de póvo , pro^lrada diante feu palácio , pa- ra pedir ao Cco , a cura de fua
I. S E G U L G. '
queixa Fjs-aq!/i o "oojfo Deos , que zsii a morrer. Elie expirou na ver- dade , depois de cinco dias de tor- mentos , e de deiclperaçao.
Apenas morreo , eílc mefaio po- vo , que moílrava adorá-lo , fez pu- blicamente feílins , attentou á hon- ra de fuas filhas , c bebeo , íegun- do Jofefo em leu ultimo íulpiro. O Imperador 5 que o amava , .mandou CommilTanos para punir a ingrati- dão dos habitantes de Ceíarêa. Quiz meímo dar ao filho d \ígripa de ida- (je lomente . de dezafeie annos , o reino de feu Pai , mas os libertos, que o rodeavaô , ic appozeraó a eíle defignio , e a Judêa veio a íer huaia província do Taiperio Romano.*
Continuação- dos trabalhos de ^, Paulo.
Neste meio tempo S. Fa alo , fe- parado de Barnabé ^ tomou por com- panheiro ÓVA-? , e viajou comelle á Syria , á ■ Celicia , :i Frigia , á Ga« laeia y á .Aíacedonia , &c. Lançan-
134 Elem. d*Híst. Eccl.
do os demónios dos corpos dos pof- íeflbs 5 e reftituindo a lande do cor- po , no mefmo tempo , que obrava a da aíma pela graça do Senhor. Em Athenas fallou com muita eloquên- cia diante do Areópago , de quem el- le converteo hum Senador , nomea- do Dionyjio, Havia nefta Cidade hum altar dedicado ao Deos defconheci- do j e eíle Deos , que os Athenien- íes adoravaô , e naô conheciaõ , he o meímo que Paulo lhes annunciou. Huma Senhora chamada Dâmaris , movida da graça de jF. C. abraçou o Chriftianiímo.
Corintho ; e Efefo tiveraó depois a confolaçao d * ouvir o Santo Apof- tolo \ porém iiuma íedrçaó , que ex- citou lium ourives , irritado de que depois da prégaçaó de S. Paulo , nao vendia já templinhos de Diana d 'Efefo, o obrigou a fahir deíla Cidade. Depois de ter corrido a A- fia menor , veio ajerufalém , ape- zar do Pi ofeta Agaho , que lhe ha- via annunciado grandes contradições.
Apenas chegou , foi vifitar S.
27^*
1. Século. 135:
Tiago , que era feu Bifpo. Eíle A- poííolo labendo , que os Judeos o accuíavao de querer deftruir a Lei de Moyfés lhe aconfelhou , que fof- fe juftificar-fe , fegundo os ritos ju- daicos 5 a oíFerecer facrifícios com os Nazarenos. S. Paulo o fez por fo- jeiçao \ porém a obfervancia deílas ceremonias naó ferenou a raiva dos Judeos. Arremeçáraó-fe a eiie , e ef« tavao difpoftos a matá-lo , quando o Tribuno Lyfias , comandava entaò os Romanos , o tez iegurar. O po- vo enfurecido , pedia fua morte : Lyfias para os focegar , determi- nou.fe a mandá-lo açoutar. Quando os Soldados haviao já ligado a Pau- lo , perguntou eíle fe era permit- • tido infligir fimilhante caíligo a hum. Cidadão Romano ? A eíle nome tao refDeitado , o Tribuno o mandou lo- go foltar , e conduzí-lo ao campo dos Romanos.
No dia feguinte elle o apprefentou ainda aos Judeos , fempre animados igualmente contra Paulo. O Apcíto- lo nao podendo applacá-los , íe lem- brou
t^6 Elem" d' HisT. EccL.
broLi de que elles cftavaó divididos em Farifeos , que admittiaô a re- furreiçao dos corpos , e em Sadu- ceos , que a rejeitavaõ : então ie pòz a exclamar : que íó queriao
perde-lo , porque elie cria a re« ,5 íurrciçaò : logo que iílo foi ou- vido , mais de am.etade dos eípevíla- dores íe declarou por elle , e os ou- tros ie retirarão.
Com tudo os Saduceos confpi- ravaô contra a ília vida , o que ia» zendo laber ao Tribuno , efte no ou- tro dia , o enviou bem efcoltado a Cefaréa , onde Felis , Governador da Judêa íe achava d * ordinário. Ef- te Magiilrado nad podendo condem- ná-lo , nem ouzando abiolve-lo,con- lervòu-o prcío por dous annos.
Feíio tendo então liiccedido a Felis , os Judeos implacáveis em fua vingança , coineçáraó de novo fuas periegiúçocns contra o Santo Apof- tolo.- Ò Governador vendo que to- das as difputas ib erao de Religião, a que elle naõ attendia , de boa von- t^ade recambiaria leu prifioneiro^ mas
Pan-
I. S E C U L o. 137
Patílo appellou logo para o Impe- rador. F^/íí^ ordenou coiííegLiinteinen» tc 5 que foíTe conduzido a Roma , onde chegou no amip 04' de J. C.
O Apoftolo Gccupado de íua defeza 110 Tribunal do Imperador , naô o era menos na pregação Evangélica. Nao fó annunçiava o Salvador áquclles que o" buícavao para le infa-uirera , xnas frequentemente o eícrevia aos Difcipulos 5 que havia formado em fuas d itfç rentes miíToens. As Epi (to- las ás Igrejas d' Efefo , de Filippes , ç de ColoíTes , a fegunda a Timor^ theo 5 feu Diícipulo amado , e leu fiel cooperador \ a Epiílola a Fikmo^ c aos Hebreos , laõ do tempo de feu cativeiro em Roma, que durou quafi dous annos. O Santo Aportolo acabou fua vida com o martyrio, ten- do a cabeça cortada , como fe pode ver depois no artigo da perfeguiçao de N*ero*
. m
Mar*
ijS Elem. d* Hist. Eccu
Marty rh de S. Pedro.
S. Pedro tendo pregado aos Ju- deos difperfos no Ponto , By tinia , e Capadócia. Veio a Roma receber a recompenfa de feus trabalhos. Crê- fe que eíte Apoílolo foi a eíla Ca- pital do Império , depois d * haver Fundado a Cadeira d 'Antioquia. A perfeguiçao fendo accêfa , foi con- demnado a morrer na cruz. Foi nel- la pregado , fegundo a oppiniaõ cò- mum , no meímo dia , e no raefmo lugar em que degoláraó a S. Paulo , no anno 66 de J. C. Alguns Chrif- taos do Oriente leváraô íeus corpos até ás Catacumbas , duas legoas fo- ra de Roma , mas os Fieis da Cida- de recobrarão hum depofito taò pre- ciofo , e pozeraó eílas refpeitaveis relíquias em hum lugar , onde ellas fe achavaó ainda no fim do Sexto Século.
S. IJ^!o governou por dous an- nos a Igreja de Roma , depois da morte de S. Pedro. Teve por Sue-
ceíTor
L S E c u L o. 13^
céflbr S. Clemente , que a regeo no- ve annos , vindo depois S. Anaclc- to , cujo Pontificado foi de doze. O defeito de monumento , e a diítan- cia dos tempos efpalhaô algumas né- voas fobre a íuccelTaÔ dos primeiros Bifpos de Roma : o plano de noíTo Compendio , nao nos permitte a di- ligencia de diíTipá-las.
Trabalhos , e fim dos outros Apof- tolos,
O Campo , que cultivarão os ou- tros Apoftolos , era lem dúvida ta6 extenfo como o que rotearão as la- boriofas maòs de S. Pedro , e de S, Paulo \ porém os frutos , que elles colherão , faô pouco conhecidos. Quafi todas as obras , onde achacS algumas relaçoens , fao apócrifas.
S. JoaÔ ficou na Aíia menor , e formou a Igreja d' Efeío , onde a- cabou feus dias em huma âvançadif- fima idade.
Santo André y irmaó de S. Pe- dro y annunciou J, C, aos Scytas ,
aos
140 Elem. d' Hisr. Eccl.
■ aos Ethiopios 3 e aos Thraças ; po- rém a hiíloria de luas miíToens , e de feu martírio naô pôde fuftentar a prova da critica. As particulari- dades de fua- morte , faó attribui- das aos Sacerdotes d' Acaia , e fe ef- te teílemunho nao he muito auten- tico y lie preciío confeiíar , que el* Ia dá a Santo André hum amor á cruz , bem digno defte Apòílolo.
S. Filippe foi também o Apofío* lo dos Sciílas. Viveo , dizem, oi- tenta e íete annos , e morreo no tempo do Imperador Trajaiio em Herapla , na Frigia, folyerates , qu^ era Bifpo de Efelb no fim do 11. Sé- culo , íegura , que Filippe celebra- va fempre a Pafcoa na Lua XIV. Eíle Apoílolo era caiado e tinlia filhos de huma Santidade eminente.
S. Tbomé foi prégar aos Medas ^ aos Perfas , aos Caranianios : julga- fe , que paíTou até á índia. Os Por- tuguezes tem pertendido , que féu corpo fora achado em Meliapur j nas rui nas de huma Igreja , que lha havia fida dedicada. TranfportáraÓ*
I. Século. 141
110 a Goa y onde lhe rendem gran- des honras.
A Armênia maior 3 a Lycaonia , e algumas outras Províncias da Afia forao o Theatro do zelo de S. Bar^ tholonieu, Pertende-fe , que íhe fo- ra tirada a pelle citando vivo , ain- da que ie íaiba mui pouco de fua vida , e que as relaçoens de íiia mor- te tejao incertiííimas. S. Mattheus fez conquiftas para o Evangelho en- tre os Etiopes. S. Simão ^ e S. ,7^- das inftruírao os povos , que fe a- chao entre o Eurrates , c Tigre : porém o que fe fabe de fuas pré- gaçoens , e de feu martyrio 5 fó he fundado fobre as tradiçoens vagas , valendo mais ( diz o Abbadc dc ilboi" fi ) fojeitar noíla curiofidade á Sabe- doria de Deos , que nos occulta fre- quentemente feus maiores Sa nti^s, pa- ra nos eníinar a fermos efcondidos em noflas virtudes.
S. Tiago ymmr , e S. Mnthias fcáraó ra Judêa. Nós já falíamos de S.Tiago o maior: tudo"o q nos podef-» 1 femos dizer de mais; feria muito fof-
peito:
I
142 Elem. d' Hist. Ecgl.
peito : mas fe a hiítoria dos Apof- tolos , miniílra pouco á noíía curió . fidade , feus efcriptos contribuem muito para a nolTa iiiítrucçaô. Além dos quatro Evangelhos , dos quaes dous foraô cícripros por doas Apof- tolos 5. S. Mattheiis , e S João ^ len- do os outros , que reilao obras de S. Marcos Difcipulo de S. Fedro , e de S. Lucas , companheiro das via- gens de S. Paulo ; temos quatorze Epiítolas defte derradeiro Apoílolo j duas de S. Pedro ^ trcs de S. JoaÕ , fem contar leu Apocalypfe j huma de S. Tiago , e outra de S. Judas, que legundo Origines , contém mui- tas palavras em poucas linhas. Eftes diíFerentes efcriptos, o leite dos fra- cos , e o paô dos fortes , fao a pri- mitiva origem das verdades , que nós devemos crer , e dos preceitos que nós eftamos obrigados a praticar.
Hcá peíToas que paímao de que tenhamos tao poucos efcriptos dos Apoftolos , e de feus primeiros Dif- cipulos. Defejar-fe-há que elles ti- veffem explicado em particular as
cere-
I. S E C U L o. 143
ceremonias do culto exterior ; a dif- ciplina da Igreja j os Dogmas da Re- ligião 5 e que nos liouveííem dei- xado memorias das principaes cir- cunftancias de fuas miíToens : porém ( diz o Abbade Racine depois de Fleury ) nós devemos adorar com profundo reípeito a difpofiçaó di- vina j fem nos queixarmos do que Deos nos tem recufado conceder. Sem dúvida, que por folidiííimas razoens, J. C, nada efcreveo , e os Apoítolos nos dcixáraô tao poucas obras. Há feie deites de que nós apenas fa- bemos os nomes ; mas o que os A- Õ.OS dos Apoílolos nos referem de S, Pedro , e de S. Paulo , baila para nos fazer julgar dos outros. Nós alli ve- mos como elles prégavaó aos Ju- deos , aos Gentios , aos ignorantes, aos fábios. Seus milagres , feus fof- frimentos , fuas virtudes. Quando nós foubeífemos outras tantas particula- ridades de S. Bartholomeu , ou de S. Thomé , naõ tiraríamos delias outras inílrucçoens. NoíTa vontade immo- derada de faber íeria unicamente mais
fatis-
144 Elem. d' Hist. Ecgl.
fatisfeita ; porém cila he huma da'3 paixoens , que o Evangelho nos en- fina a mortificar.
Ofilenciodos Apoílolos deve ícr huma grande inílrucçao a noíTo rcí- peito. Nada há que prove melhor , que elles nao buícavao a própria gloria 5 do que o pouco cuidado, que tiveraò de confervar na memoria dos homens , as grandes acçoens , que por todo o mundo obrárao. Bailava para gloria de Deos , e cnfuio da poíleridadc , que liuma lo parte de íeus iiluílres feitos lhe ibíle conhe- cida. O efquecimento que tudo íe- pulta 5 he mais vantajolb aos x\pol* tolos , que todas as Hiílorias , pois naõ deixa de fer confiante , que el- les converterão innumeraveis povos. Tantas Igrejas , que nós veremos deíde o Século feguinte , naó fe for- ináraõ por fi próprias , mas pelas fa- digas Apoílolicas.
#
Per/e-
I. Século.
Perfeguiçao. de Nero.
Todos os que annunciáraó a fé , e as máximas Evangélicas , forao perfeguidos como inimâgos do gé- nero humano , bem que elles eraó feus verdadeiros confoladores. Nero foi o primeiro Imperador ^ que fez guerra ao Chriftianifmo» He bem glorioío 5 que feu primeiro inimi- go 5 foíTe hum Principe , que o mof- trava fer de toda a virtude» A per- feguiçao começou no anno 65 de jF. C. por occafiaó de hum incêndio que confumio dous terços da Cida- de de Roma. Nero accufado de fer o audtor , quiz imputar efte crime aos CliriílaÕs 5 que eraô aborrecido? dos que os nao conheciao ^ porque toda a novidade em matéria de re- ligião 5 era odiofa aos olhos do po- vo. Apanháraó-fe alguns 5 diz Ta- 55 citõ 5 dos que profeíTavaó efta re- 3, ligiao , e fua confiiTaô fervio pa- j, ra defcobrir huma infinidade de outros. . . . Nero lhes fez loíFrer os Tom. L K mais
1^6 Elem. d' Hist. Eccl.
,5 mais exquifitos tormentos. Zom» 3, bava-fe em ília morte , cobrindo- 35 os de pelles de feras , e fazen- 5^ do-os devorar pelos caens : pu- 3, nhaó-fe em cruzes , e depois de 5, os haver banhado de matérias in- y, flammaveis , faziaó-nos íervir de » 55 faxos 3 durante a noutc. ( T/7C. JbíH. l. I. i). n, 44. ) Tácito , que nos faz eftas defcriçoens , favorece a cegueira de fua naçaõ a refpcito dós Fieis ; por quanto ainda que queira paílar por Eícrjptor impar- cial 5 chegou a fer taõ preoccupa- do 5 que veio a moftrar-fe compli- ce das crueldades de Nero por fua approvaçaó.
O Principe dos Apoílolos S. Pe* dro 5 e o Apoílolo das Naçoens S. Paulo , foraô prefos em Roma no tempo de Nero , guardando-cs no cárcere de Mamertino , que eftava junto do Capitólio 5 e fe dilatava por debaixo da terra. Conta-fe que eftiverao nefta prifaô pelo efpaço de nove mezes , que dous dos guardas
alTom-
T. Século.
Í47
aíTombrados de feus milagres fe con* vertèraô , e que S. Pedro os bapti- zou com outras quarenta e fete pef» íbas , que ie achavaó encarceradaSé
Os Fieis excitarão os Apcftolos , a que í'e retiraflem. S. Pedro fahio ; mas chegando á porta da Cidade ,
C. lhe appareceo , íegurando-o de que queria entrar nella. 5, Onde hi* 55 des vós , Senhor ? lhe diz Pedro, 35 J^J^^ C^^ifio lhe reípondeo : Eu 3, vou a Rom.a para íer lá crucificado legunda vQZ,,^S,Pedrõ dilFe com íigo meírno : jF. C. nao pá de já viorrer , he pois na minha pe[[oa que deve íer crucificado^ e voltou logo fobre íeus paílbs. l>Iero eftava então em Achaia , e os Governadores de Roma , forao quem condemnáraô á morte os Apo- ftolos 5 e os fizeraõ executar no mef- mo dia. Foi, fegundo fe julga , a 29 de Junho do anno 66 de C
S. Paulo como Cidadão Rom.a- -no foi degollado : S. Pedro foi cru- cificado como Judeo. Conta -fe , que S. Paulo hindo para o fupplicio , converteo tres Soldados ^ que fòf- K 2 fréraó
148 Elem. ^D'HlSt. EccL.
frèrao o martyrio , pouco tempo de» pois. ConduziraÓ-no a três milhas ■de Roma ao lagar chamado 5 Agoas Sahianas , onde fe moílrao tres fon- tes , que dizem haver nafcido por iniiagre. Alli mefmo foi executado j mas Lucina , Senhora Romana , o* enterrou em huma terra íiia , no ca- minho d' Oília. S. 'Pedro foi levado alem do Tibre ao fuio , que habi- ta vaô os Judeos 5 e o crucincáraó no alto do Mpnte-Janiculo. Qnize- rao crucificá-lo do modo ordinário ; porém o Santo Apoltolo diíTe , que na 6 merecia fer tratado como feu Mejlre , e pedio , que foíle prega- do com a cabeça para baixo. Os outros Martyres , que derramarão .feu fangue no tempo de Nero , fo- rao : em Alexandria , S. Marcos E- vangelifta , prim.eiro Bifpo deíla Ci- dade ; em Millaô S. Gervafw , e S, Frotafio , &c. &c. A períeguiçao a- cabou com a funeíla morte do ty- ranno , que depois dc ter immola* do íua própria Mâi , e leu Meftre ás luas paixoens , íe matou a fi meC-
mo
I. S e c u l-o. • ^ 149
mo no anno 68 de jf. C. ficando li- vre o Univerfo de hum monftro que o lio rro ri fava.
Perfeguiçao de Domiciano.
r A Igreja rcpoufou atè o anno> 92 3 ' que Domiciano imitador dé Nero de quem tinli^ o caracter per- tUíbou íiia tranquilidade. O que deo aííbmpto a efta perfeguiçao , fora 6 as inveftigaçóes contra os Judeos a' refpeito do tributo , que elles de- V-iaÔ ào Fifco. Suetonio diz , que eftas inquiricoens. fe- exrendéraó quelles , que em virtude de liuma- obrigaçaa contratada entre li, viviao" como Judeos na Cidade : expreíTaò , 4 indica aíTaz claramente os Chrif- taos , que o pôvo , e ainda os- gran- des fe GonfundiaÓ também com a na- ção Judaica.
Outro motivo; hum pertendi-' do intereíTe de Eílado eílimulou a crueldade de Z)íí7?2/V/ór;/í? 5 que por outra parte naó tinha muita preci- fa6 'de fer excitado,. A- pofteridade dej : Da-
l^e Elem. d * KisT. EccD.
D/i^id o inquietcu , tetrendo qué os .que reílavaó da geracaõ dcíle Príncipe fublevalTem Oojudeos , cu- ja Idéa miílurada com a do Rehi;? d: Çkrijlo.^ e outros auiitos que oc- corriao a feu eipirito diÍLante de co- niiecer o Myftcrio do Salvador , aiigmentárao íeus infanos medos. Renovou a? ordens , que havia da- do n * outro tempo VefpafiauQ íeu Pai contra os defcendente^ de Da- vid 5 que fe occulravaô para fe pou- parem á períeguiçao. Toda via deí- Gobrirao fe dou^^ levados a Roma por hum official , e vinhaõ a fer os ne- tos de S. tidas , parentes de jr. C deícendentes corno o Senhor do lan- gue de Da-vid.
O Imperador os fez comparecer perante fi , e os inquirio fobre iua fortuna : refpondérao , moftran- do faas maós callejadas peio traba- lho , como aquelles que manejao de ordinário a cnchada , ou governao o arado. Domiciajio concebeo facil- mente , que taes homens , que fó deviaó a íeus ruílicos trabalhos , hu-
ma
I. Secul®. ' 15'!
ma'parca fubfift^ncia , naó erao pa- ra fer te unidos poi hum Imperador Romano. (>uiz porém ter alguma inilruccaó ibbre o Reino de Chrifto. Os meímos Netos do xVpoftolo já di- to 5 lhe reípondéraô , Que efte 5, Reino nao era temporal , nem ter- „ reílre , mas efpiritual , e celefte , ,5 e que fó fe mianifeílaria na con-
.fLmmaçao dos- Séculos , quando 5, Cbrijío yieíTe em fua gloria , a
jilgar os vivos , e os mortos , 3, p«zaudo- em huma balança igual „ os Pó vos , e os F.eis. Domicia- no curado inteiramente de feus te- mores por eílas finccras, reipcílas , defpreiou os ditos homens , :que lhe pareciaò limplices , e pobres 5-récam- b:ando-os , íem lhes fazer mal al-
Nao tratou os outros Chriítaôs com a meima indulgência. S. João EYangeliíla foi por fua ordern Ian-- çado em huriia caldeira d' azeite fer- vendo , de donde fahindo iilefo mi- lagrofamenre , foi deílerrado para a Ilha de Patiimos ^ na qual efcreveo
Elem. d VHist. Eccl.
feu Apocalypfe. Clemente tio do Im- ^ perador foi morto , e fua mulher , com fua fobrinha D omiti II qu^ eraô ChrifiaÓs como elJes^viraó-fe ba- nidos em lihas defertas. Suetonio no- ta a Cleynente de iiuma preguiça , que diz elle , o tornava delprefivel ; e Biao o accufa de atheifmo. Dei- te modo y he que os cégos pagãos cara(5lerifavaõ a indifFerença , aae a eiperança dos bens do Céo infpira- va a refpeito das coufas da terra, c a averfaó , que as luzes do Evan* gelho haviaó dado lobre fuas falias divindades.
A perfeguiçaó auftorizada em to- do o Império por lium rigorofo Edi- fto 5 datado do anno de 95 finalizou pela morte de Domiciano , que mor- reo hum anno depois. Nerva feu fucceííor reftituio todos os deílerra- dos , e S. jOãG ^ que teve parte nef- ta graça , ainda foi de novo juntar- ia com os Fieis de Efefo.
r
«Hl»
Guev
I. Século. i^^
Guerra dos Ji/deos j àejiruiçao de Jcriífalém.
Os Gentios vindo a fer os her- deiros do Remo de Deos , que os Jiideos tinliao rejeitado \ efte del- venturado povo experimentou todos' os flagelos com que os Profetas o ameaílara6,e o meímo Salvador lhos havia já também prediélo. A Judéa eftava reduzida a provincia Roma^ na ; os Governadores , que os Im- peradores derao aos Judeos irritá- raô por luas acçoens eíte povo in- dócil 5 exceílivamente já difpofto á lublevaçao. Lia nos Profetas , que hum filho de David , o libertaria da oppreíiaõ j perfuadia-fe , que eftè- tempo eftava chegado , e fua info- lenciaaugmentava-fe com a fuadebi^^ lidade. As Sediçoens eraô continuas, que reprimidas com rigor , naô fo* ^ cegavaá jámais os efpiritos.
Pilatos 5 que o ajudou no proje- &o de matar o Salvador , tratou tao fe veramente aos Judeos , que foi por
eíTa
I5'4 Elem. ;d* Hct. Egcl.
eíTa caufa punido pelos mefmos Ro* manos. Fado^ Tiberi-)^ q Qumano y que os í^overnárao feguidamente ^ moílraraó-fe fó occu pados da dili- gencia de defpojarem os povos com- mettidos ás íuas regências. í elis ir- mao do liberto Pallas^ tao ramofo no tempo do Imperador Cláudio , do- m.inou«os com auíler idade de hum Rei , e crueldade de lium ibcrto» Fejio lhe fucçedeo , Albino . e Floro ^ que vierao depois delle , foraõ ex- ceíTivamente fuperiores á dureza dos que os tinhao governado. Elles per^ mittirao tudo por dinheiro. A licen- ça , e impunidade reinavaó em to- da a Judêa: os Ictdroens penetrarão até ao Templo. A Religião nao era menos regulada q a policia. Os Pon- tífices por fua cubiça , e máos coftu- mes 5 mais pareciaõ Soldados , que Sacerdotes.
Em tin;i os Judeos tendo- fe aberta- mente revoltado no an-no 66 de ^. C.,. Cejlio veio íitiar Jeruíalém,ainda que nao pôde- tomá-la. Como iilo fuc- çedeo no-- tempo de , efte mef-
mo
I. S E c u L o. J5'5:.
mo Príncipe , que íe rachava cntadi em Aciialí , enviou VcfpafíaKo para reparar a affronra das arir.a'; Roma- na?. O General cmrou na Paleíiina com hum exercito guerreiro , lem ciar jamais qua.rel a peíToa alguma que íe lhe preientaíle , foíTem ho- mens , mulheres , ou meninos. Dií- punha-íe a tomar Jeruíalém quando ISero morreo. Tres Imperadores fu- bíraõ ao 1 hrono Imperial , e def- cèrao deile por mortes trágicas. Em fim o mefmo VejpafianQ tendo fido eleito Imperador , aprénou-íe com empenho em mandar T/Ví;' leu filho , a hm determinar eila guerra fazen- do-fe Senhor de Jerufalém.
Tudo fazia eiperar o mais vea- turofo fucceíTo. Huma guerra intefti- na defolava a Paleuina entregue a fanáticos, e amhicioíos , que que- riao aprovei tar-ie das infelicidades públicas para dominarem.
Jerufalém era lacerada por facio- narios,qae tomavao o norne de Zela- dores , e q rompiao nas maiores cruel- dades. João de Cij Cala , L>imaõy e jE-
leafar
tyó Elem. d* Hist. Êccl.
leajar diíputáraó entre fi a honrâ de fe por á frente deílc partido ; porém nerhum delles pôde reu. nir rodos -os Cidadãos debaixo de feu eíl-andarte , dividirão- fe em tres ranchos , e Jerufaicm foi como hii- ma preía defpedaçada por muitos animaes ferozes. Em vaõ os fabios quizeraó fojeitar-fe ; os cabeças dos zeladores íe obftináraó fem.pre em reíiílir aos Romanos , tyrannifando o povo ao meímo pafTo , que elles provocavaó a vingança do inimigo. Outras Cidades., ( ^^'^ Duguety tiveraó de foíFrer os rigores de huní fitio 5 . ou da fome , ou da peíle porém he coufa inaudita , que hu- ma parte dos Cidadãos tenha redu- zido os outros a huma miferia in« explicável , arrebatando-lhe até o ul- timo bocado de pao , atormentando os velhos , as mulheres , e os me-: ninos com horríveis caítigos , nu- trindo-fe com alegria do efpeftacu. lo de fuas defgraças , fazendo entre- tanto a fi meímos huma guerra im-^ placavel , unindo-fe unicamente para-
o
1. Século. 157
o mal : eftando em defefperjçao , e reduzindo os outros a ella naô fa-' biaó o que elks qucriao : fechados a todos os bons coníelhos ; obilina- dos na fua perda , c determinados a obrar de modo , que também a ex- perimentaíTe lua parria 5 íiia Nação , lua meim-i Religião , de que elles fe chamavao Zelóíb? defeníbres.
Entre eílas infeiices circunítan- cias veio Tito filho do Imperador Vffp afiam , pôr no anno 70 de J. C, o íitio diante de Jeruíalém. A Ci- dade foi accommettida , e como ella fe defendeo por quatro mezcs, cs vi- veres lhe fakárao de tal modo , que depois de recorrerem ás coufas mais immundas para fe íiiílcntarem , paf- farao á carne humana , que íervio de vianda aos homens. Huma Mâi matou feu filho , que pendia dc feus peitos j e prolongou íiia vida alguns dias com difpendio daquelle • a quem ella a havia dado. Eita cruel caref- tia conílrangia os fitiados a iahir de noute com as armas nas maós , a buf- car algumas herva^ nos campos ; po-
I5'8 Elem. d' Kist. Eccl.
rcm a maior parle fó encontrava a morte. Tito mandava crucificar quan- tos fe apanhaíTem. , e dia houve que o fizeraò a quinher.tos. Os que fica- vaô na Cidade morriaò d2 outra ma- neira nao mencs horioroía , a fome levava-os a milhares.
Em fim os fiaados reduzidos ás ultimas extremidade?, "^'ito , depois de haver forçado os três recinios , que defendiaô a Cidade, mandou -lhes fazer algumas propofiçoens de paz. Eíle Principe queria lalvaroleru- pio 5 que legunco Tácito era dc hu- ma riqueza immcn^a : nias fobre a rccufacao deíles delgraçados , o lo- berbo edifício foi tomado , e quei- mado a 8 de Agoílo. Todos os que relle fc refugiarão foraõ moiios cru- elmente. Tito fenhoreaiido-fe a 8 de Setembro feguinte da Cidade alta , onde os fedicioíos fe retirarão , a entregou do miefmo m^odo que abai- xa, á devaftaçaó, e ao fogo, vendo-fe depois paílar o ai-ado pelo lugar das groíTas m.'K:dh?s , e fumptuofas ha- bita joens. Ailim foraó completas as
I. S E C a L o. 15-9
palavras de J. C. quando diiTe , Chie lhe naÔ ficaria ■pedra fobre pedra, O mefmo Tito Jiao pôde deixar de dizer : Eti fd tenho fido hum mero executor das crdeiís do Céo contra hum pótO , que píirccia o objeBo de fua cólera. Perecerão nefte cerco , iegundo Jofefo liimi milhão e mil Judeus 5 e noventa e íere mil redu- zidos a efcravos , forao vendidos co- mo animaes de carga. O deípojo dos vencedores foi tao confideravel , que o ouro , na Syria , diminuio metade de feu valor.
Tito havendo deixado humi^ le- gião em Jeruíalém para guardar as ruinas deíTa infeliz Cidade ; paíTou depois a Roma , onde triunfou com feu Pai Vefpajiamy. Tranfportárao neíía mefma foicmne occafiaô á me- fa , o candelabro d' ouro de fete áfteas, huma parte dos vafos do Tem- plo 5 o livro da Lei , que foi gu- ardado no palácio com a cortina de púrpura do Sanftuario.
Vè-fe ainda em Roma o arco , que fe elevou para eíte triunfo , no- tando-
l6o ElEM. d' HlST. ECGL.
tando-fe nelle em meio relevo o cân-» delabro , e a mefa. Cunharão- fe tam- bém neíTe mefmo tempo medalhas em honra de Vefp^fiano , e de T/- to 5 reprefentando huma mulher af- fentada junto de huma palmeira , re. poulando a cabeça na maô , e cuber- ta de hum efpeço veo , com eíla iní- cripçaò : A Judér. Captiva.
Porém 5, nao rallemos mais , diz 5 5 BoJJ^íict ^ de jerulalem 5 nem do 55 Templo. Lancemos os olhos fo- 55 bre o mefmo povo , antigamen- 55 te o Templo vivo do Deos dos 55 exércitos 5 e agora o objeélo de .5 lua cólera. Os Judeos eílaó mais 55 abatidos , que leu Templo , e fua 5, Cidade. O efpirito de verdade 5, já le naó acha entre elles •, o ef- 55 pirito de profecia igualmente fc 5, lhes extinguio ; as promeiTas em 55 q fe fundavaô fe obfervaÓ do mef- 55 mo modo defvanecidas \ tudo fe 55 vê tranílornado neíle povo. Elie 55 Jo he pedra fobre pedra. „ Na verdade depois da dcfoloçaô de Je- rufalém feita no tempo de T/>í? , 0$
I. Século. i6i
judeos naò podéraó jamais juntar- fe em corpo de nação.
Herejes,
A Igreja defde o primeiro Sécu- lo , foi inquietada com diveribs he- rejes , que tratarão de corromper a pureza de lua doutrina. Cerintho , e Ehiaõ negáraó a Divindade de J.C, , a relurreiçao dos mortos , e quize- raó conlervar na nova Lei as ceremo- nias da antiga. Os Ebionitas perten- diaó também , que Deos havia di" vidido o Império do Univerfo entre Cbriflo, e o diabo. O primeiro tinha, legundo elles , todo o poder ibbre o ieculo futuro ^ mas o diabo refer- vava j3ara íi o mundo p relente.
Sicolãu ^ hum dos -fete primei - los Diáconos deo nome aos Nicola tas 5 que admittíao a pluralidade das mulheres , e fe manchavaó por monftruofas impudicicias. Eíta feita era ja vigoro la no tempo de S. P^- d7'o 5 por quanto falia delia em hu- -ma de fuás Epiílolas.
Tora, L L Melian-
i6z Elem. d' Hist. Egcl.
Menandro , Samaritano , ."idotou. os erros de SimaÕ o niago , e dos» Xicolaitas, Defendia , que o inundo fora creado pelos Anjos , e que el- Je era a Omnipotência de Deos , o Padre , o único Salvador dos efco- liiidos 5 que fó podiao entrar no Céo por liia arte magica. Seus difcipu- los em feus ajuntamentos occuitos , entregavao-ie ás mais infames diffo- iucoens.
Saturnuw , e BíifíJicks difci pu- los de Swiao o mago , que quiz comprar a S. Pedro , o dom de mi- lagres , reprovavaô o artigo Tcíia- mento , e fó reconheciao em "J, C iium Anjo transformado em hom.em. Os Saturninianos olliavaó o matri- monio , e a geração como huma pro- ducçaõ de Satanaz , como huma obra diabólica.
Alas de todos os impoílores , q o demónio fufcitou nelle Século para impedir os progreíFos do Evangelho, o maior , e mais perigofo foi uipo^ lonio de Th ia na na Capadócia. Era hum filofofo Pythagorico , que cm-
pen-
I. Século.
prendeo longas viagens a exemplo de PytbãgGras. Suas converíaçoens com as Gymnoíbphiftas do Egypto , com os Brachmenes da índia , com os Magos da Caldêa , o inftruírao de legredos , de que fe fervio para enganar os fimplices.
Em Ninive , Efefo , Smvrna ^ Athenas , Corintho , e as principaes Cidades da Grécia , Apolonio le moi- trou como o pregador do género hu- mano 5 conderanando os eipedlaculos, vifirando os Templos , e corrigindo os coílumes por luas liçoens , e por feus exemplos. Nutria-íe unicamen- te de legumes , abílinha-fe de vi- nho 5 e de mulheres , foccorria os pobres , e apaíiguava as lites. Hum filo fofo que vivia defte modo , e que fó fallava por fenrenças cheias de en- fafe 5 devia fazer impreílao fobre o vulgo. Todo o mundo o feguia : os ârtifices deixavao feus trabalhos para o ouvir ; os oráculos cantavaó feus louvores , as Cidades enviavaó-lhe depurados.
Para impor melhor os rudes ^ at- L 2 tribuio
104 ElEM. D* HíST. EccL.
attribuio a fi próprio o dom de pro- fecia 5 e de milagres , que o ílzeraó pafíar aos olhos da multidão , por hum homem divino , em quanto os fabios fó deícobriaô nelle hum en- tufiafta cheio de vaidade , e de ou- zadia. Depois de fuas viagens ás ín- dias 5 e á Arábia , foi a Roma no tempo de Nero ^ para z-er de perto ^ dizia elle , que cajia de animal era ejie tyranno : palavras que provao naó obibnte a fabedoria , de que fa- 2:ia alarde , lhe efcapavao couías in- difcretas a refpeito de feus Monar- cas.
A pezar do favor de que gozara 110 tempo de Vefpafiano , Apolonio foi accufado , governando J^omicta* no 5 de magia , e de revolta. PaíTou a Roma , onde foliou ao tyranno com huma extrema liberdade, fem fer jcámais por elle caíligado. Em fim depois de ter enganado muito tempo o mundo por feus pertendi- dos prodígios , morreo em huma idade avançada no anno 90 de .'z- ^• Como elle paliava por hum Deos
no
1. Século.' 165'
no efpirito dos povos , e ainda na oppiniao dos Grandes , o Impera- dor Caracalla fcz-lhe erigir hum Templo como a liuma divindade. O romancifta Vhilojh\nto qiiafi 120 annos depois de lua morte , efcre- veo fua hiftoria , que ío ]te hum te- cido de incomprehenfiveis maravi- lhas , ás quaes lhes taltavao unica- mente a verdade para í'e moítrarcm como as mais elevadas , e excelias.
Hiérocles , filofofo pagão , que florecia no tempo de Diocleciano , ouíbu comparar em hum efcripto intitulado Fhilaleto^ os milagres de Apolonio com 03 de jf. C ; porém Eiífebio moftrou bem o abllirdo do paralello. A authenticidade dos pro- digios obrados pelo Inílituidor do Chriftianifmo5experimentára6 o mais rigorofo exame. Eílas maravilhas , que pareciao a todos os homens at- tentos , obra da Divindade, conver- terão o Univerfo , em lugar de que os preftigios d' Apolonio acabarão com elle. Nao reítaójáde fua exis- tência j monumento algum , ou tra- dição ,
i66 Elem. d' Hist. Eccl.
diçaó 5 ainda popular. Nenhum fuc- ceíTo importante , que lhe foíTe con- icguinte. Foi unicamente hunia fi- gura particular, e de mui pequena duração , e a maior prova , qut fe pôde cittar contra elle acs inimi- gos do Chriílianifmo , he a mefuia hiftoria de lua vida.
Efcriptores Ecclefiafticos,
Independente dos efcriptos dos Apoftolos 5 reílao-nos alguns precio- fus monumentos da primeira idade do ChrilHanifmo. A Epiílola de S. Clemente Papa aos Corinthios ref- pira o mefmiO fogo , o meímo ar- dor de caridade , e de zelo , que ditou as de S, Paulo. Sua grande reputação lhe fez attribuir nos fe- ciilos de ignorância , todos os ef- criptos 5 que fe julgavaô os mais antigos depois das Efcripturas Canó- nicas , e que naô tinhaô au6lor cer- to. Aílim fe pertendeo , que elle havia fido au6lor , ou compilador dos Cânones dos Apojíolos ^ e das
Conjli-
1. S Vc u'l o. 167
Conflitutçoens Âpojlolicas , que fao hum compendio de toda a diícipli- na da Igreja ; ao menos para o O- ricnte , efcripto , fegundo o que mais ie pôde protrahir no terceiro Sécu- lo. ImputáraÓ-lhe igualmente muitos elcriptos apócrifos , que fe achaõ co* legidos com o nome de Clement inos^ devendo-íe unicamente reputar ge- nuína a Epiítola aos Corinthios , im- preíTa no Século paíTado em Oxford.
O livro intitulado Paflor , ef- cripto por Hermas , no Pontifica- do de S. Clemente , inclúe liçoens de moral , expreííadas com a íimpli- cidade dos primeiros tempos.
Pôem-fe de ordinário na claíTe de efcriptores Ecclefiailicos , dons 1 Judeos illuíires : o primeiro hc F/- I Io , Judeo d' Alexandria , que indo fobre os paíTos de Plãtãõ , tornou defíc filofofo o gorto d^infrrucçao I moral , c d ' alegoria , que caraéLeri- fa íiias obras. O outro he Flavia jofefo , que nos deixou íete livro? da Giíerra dos "judeos contra 0.? Ro- manos ^ e "cinte das antiguidades
Judal-
i6ò Elem- d' HisT. EccL.
Judaicas, Sua eloquência , itu fa- ber , e a nobreza de naíciinento grangeárao-liie muito credito para com Tito 5 e Vejpafiãfio, Eícreveo , como teílemunha occuilar , ahiíbria da deílruiçaó de fua pátria. Eíia o- bra Jie Jium monumento precioib para a Religião. 'Jofefo nao tendo jámais deixado de profeííar o Ju- dailmo , ninguém o pode arguir de haver querido , para favorecer os progreílbs do Chriítianifm.o , mcí- trar o complemento d^s profecias de ,7- A melhor edição deíle he > a d * Amílerda6 2. v. in Foi. , e a outra he a Lcndinenfe 2. v. in Foi.
'DifcípJina 5 cofiumes aos Chrijlaos.
A VIDA dos primittiyos Chriflaos foi hum modelo , que a relaxação dos últimos Séculos achou inimitá- vel. Elles viviaó unidos entre íi pc* los laços da caridade , e pelo com- mum dos bens , livres na publica efcravidaó , e retirados no centro do mundo. O auftor da Carta a Dio*
gneteSf
1. Século. 169
gnetes , que fe julga fer de S. ^uf- tino , díz , fallando do modo de vi- da dos Chriftaos^; „ Ellcs naô tem
coufa alguma ^ no exterior , que ,5 os diílinga dos mais homens , pe- 5, lo que refpeira ao trato civil ; 55 que confiderando toda a terra , 5, como o lugar de fua morada , vi* 5, vem em qualquer parte que a ha* ,5 bitao 5 íbjeitos ás Leis do Eftado, 5, e aos coílumes dos lugares. Amao 5, todo o mundo , e todos os per- 3, feguidores ; porém a morte , que ,5 lhes fazem foffrer , fó ferve para 5, dar-lhes a vida. Ainda que priva-
dos de riquezas temporaes , nun- 3, ca , quando podem , deixao 55 de favorecer íeus fimilhantes , 3, c no meio da indigência , achaó- 5, le conítantemente latisteitos. Os 55 opprobrios fao íua gloria , as ca» 55 lumniás com que procuraó dene- ^, grilos 5 fervem de teílemunho á 55 fua juftiça 5 e elles fó rcfpondem j5 ás maldiçoens , de q os carregao ,5 com palavras cheias de caridade. Os Superiores dos Chriftaos co- nheci-
170 Elem. d' Hist. Ecgl.
nhccidos pelos nomes à'' Ancioens y Bifvos , Sacerdotes , e Diáconos , ciiidavcio das rendas coniínuns , pro- viaó as precifoens dos Fieis , mi- niílravao paô aos pobres , e remé- dios ao? doentes. Exortavaõ-fe os Cliriftaòs ricos a adorar os filhos dos pobres. JuntavaÔ efmolas para as viuvas , para os ortaos , para os deíterrados , e eíics mútuos ioccor- ros , que os Chriílaos davao entre íi^ligava-os por vinculos indilTolu- veis.
Os EJfenianos , feita de Judeos , oíFerecêrao algum tempo antes , hu- ma imagem da vida dos primeiros Fieis. Entregues a huma elpecie de vida monaftica , e dedicados a mor- tificaçoens , viviao em comm.um , fugiao de todos os prazeres , con- demnavao os juramentos , e bebiao lo agoa. Vefliaõ de branco obíer- vavaó taõ efcrupulofamente o Sabba- do 5 que apenas fatisfaziaô ás obri- gaçoens da natureza. Offereciao a Deos , fó coufas inanimadas. Os Ff- fenianos rigidos naô fe cazavao ja- mais y
- í. S E C U L o. ^ 171
mais os mitigados recebiao hiima fó mulher p;ira a propagação da eípecie ^ deixando o cominuni leito depois de a lentir pejada. Ef- tcs fiioibfos dividiau-íe entre pra- ticcis 5 e theoricas : huns habitavao as Cidades , outros os campos , oc- cupados no trabalho , na oração , e no eíludo da Lei. Porém hum or- gulho infoportavel , que fó queria reconhecer a Deos por Soberano , rejeitando toda outra qualquer au- dtoridade , erros capitães fobre o deílino , advinhaçaó , e fuperíliçoens innumeraveis , os punha muito abai- xo dos primitivos Chriílaõs , de quem elles tinhao por hum lado , ao menos na apparencia , quafi todas as virtudes.
Os laços de concórdia , e da fra- ternidade união todos os Fieis. S. Paulo queria , que fe entre elles houveíTe alguma difputa , ou lite , a fizeíTem julgar por feus irmãos , dos quaes dizia , que os menos ca- pazes baftavaô para decidir de tao pequenos intereíTes. Os Anciãos erao
ordi-
Elem. d* Hist. Eccl.
-ordinariamente os árbitros das con- tendas.
As ordens erao precedidas do je- jum , das preces , e íe celebra vao pela impoíiçaó das mãos. Os Apoi- tolos olhavaó como huma de fuas maiores obrigaçoens , o difcernimen- to dos que Deos chamava ao Sacer- dócio. S. Paulo ordenava , que íe cfcolheírem os cabeças de famiiias , os mais regulados , e requeria que eftiveííem bem reputados ainda en- tre os mefmos Pagãos. Prohibia a Timotheo impor ligeiramente , ou iem acordo , as maõs em peíToa al- guma ; receber alguma accuiáçao contra hum Sacerdote , nao haven- do nella duas , ou tres teítemunhas , e deixava , que íe déífe dobrada re- compenfa aos que fe occu paliem do miniílerio da palavra. Eíles faô os fundamentos , diz Fleury , da difci- plina Ecclefiaftica,
Os ajuntamentos dos Fieis ceie- bravaó-fe ao Domingo , em qualquer fála de huma cafa particular , e era prohibido o faltar-fe-lhe. Liao-fe as
San- •
,1. Século., 173
Santas Efcripturas : os Apoílolos , ou os Sacerdotes inílruiao , e exor- tavao o pôvo , apparecendo frequen- temente Profetas infpirados. AUi meímo confagrava-fe a Euchariítia , e diitribuia-fc pelos Fieis , que fa- ziao todo5 juntos liuma refeição de manjares communs , que nomeavao Ágape , que quer dizer comida de caridade.
S. Paulo prefcrevia como huma das obrigaçoens importantes , o orar pelos Imperadores , e Magiftrados. Rccommendava aos Bifpos o con- 5, íervar com grande cuidado o dc- 5, pofito de doutrina , e confiá-lo a 5, homens fieis , capazes de o tranf- mittirem a outros. Efte lie o melhor modo de perpetuar huma doutrina , naõ a confiando fomente a eicriptos , que nem fempre fe ex- plicao aíTaz y mas eníinando-a tam« bem a homens efcolhidos , cuja fi- delidade he conhecida , para naó al- terá-la 5 tendo ao meímo tempo ca- pacidade 5 e zelo a íim de tranfmit- ti-la aos outros.
A-
174 Elem. d' HrsT. Eccl.
Além dos fete Diáconos , iníli- tuidos pelos Apoftolos para icrvir á fociedade Chrittá nas precifoens efpirituaes , e temporaes , havia tam- bém na Igreja Diaconiías. Efte era o nome que fe dava a certas mu- lheres , que recebiac) a irapoíiçaó das maòs , a fim de miniílrarem :ís pef- foas de feu lexo , em quaelquer re- ligiofos officios , que os Diáconos íiaõ podeiiaó fatisfazer com decên- cia.
Digreçao fobre a intolerância dos Komanos à ref peito dos ChriflaÕs,
■ Acabaremos o quadro deíla pri- meira idade do Chriftianifmo por hu- ma importante anotação. Algumas peíloas juíta mente íe admiraõ de ver que os Romanos , que toleravao to- das as religioens eítrangeiras , moí- traíTem hum furor taõ violento con- tra a Chriftá \ porém íeíTar-llie-há cite aíTombro quando fizerem as re* flexoens rêguintes.
I. Os Fieis achando fe confundi- dos
L S E c u L o. ' 175-
dos dcfde os primeiros tempos da Igreja com os Judeos , objedlos do odio , e do defprefo do Império , o horror dos Romanos nao podia diílingui-los entre li , e pôr hiima diílerença no mei'^; das . virtudes de hiins , e dos. vicioí dos outrcs. . 2. No principio do Chriílianifmo, erpalhárao-íe as calamnias mais atro- zes contra os que a prorcíTavao , e eftas impoíluras foraô acreditadas por caufa do fegredo , que os mefmos Chrillaõs guardavao íbbre os myf- terios. Julgou-fe , que elles efcon- diao íeus dogmas , fuas ceremonias , porque nao podiaó ter cxpoíias pu- blicamente , fcm encher de pejo os que lhes tb-íTem fujeitos.
3. Os Sacerdotes, os devotos Idó- latras , e tudo o que vivia do culto dos fallbs deufes , Arquicctos , Mu« ficos 5 Droguiílas , Efcuitores , Eíla-- tuarios5roblevai*a6-le contra os Ciiril- taós j imputarão 'lhes todas as infeli- cidades , todas as deíbrdens , e nada efquecéraô para os fazer odiofos.
4. Os nobres confiderárao o
Chrií-
176 Elem. d' Hist. Ecgl.
Chriftianifmo como huma nova íu- perftiçaÒ. Os magiílrados , e os po- líticos j períiiadidos , qae toda a re- ligião que accuía as outras de da- rem a Deos hum culto impio , he ía- crilega , e tende a turbar a paz , e a armar os Cidadãos luins contra os outros 5 olhavaô os Ciiriltaós como homens perigoíbs.
Outra ãigrejfaõ fobre a fórma dos juízos pronunciados contra os Martyres , de fcus fupplicios , e dos a^os dos martyrios de cada hum*
Sendo pois os Chriílaos aborre- cidos dc huns 5 como impoílores , fcelerados , íedicioíos , e de outros defprefados , diz Fleury , como vi-, lionarios , melancólicos , loucos , •£ quem huma teima defeíperada fazia;" correr á morte ; os Juizes irritados," ou prevenidos exercitarão nelics cru- eldades , que naó feriaó veroíimcis, fe taes Julgadores os nao imaginai* fem como inimigos do género hu- mano.
I. Século. 177
mano. Aquelles que pafmaó de que elics magiíirados os fizeíTem aror- niGiitar em fua prefença na praça publica , diante de todo o poro , ignoraò que os Romanos coíluma- vaô praticar deite modo na lua au^ •diencia quaefquer adlos judiciários.
O Magiílrado eftava público de- 'baixo de Jiuma varanda coberta ^ aí- fentado em hum Tribunal elevado , cercado de feus officiaes , e dos li« •ílores , que tinhao machados ^[c mo- ^]hos de varas. Hum proceflo occul- to ( diz hum audlor ) offenderia a magnanimidade Romana: poremos juizes públicos eftavaó íjj eitos a hum inconveniente , e vem a fer , que o povo 5 quaíl íempre ariebatado , e 'fanático , obrigava algumas vezes o •Juiz a tratar os accu fados muito mâis íe veramente , do que o fãriao , fe houveíTem fó efcutado a voz de fua confciencia , e da juftiça. Eis-aqui *o- que os Chriila6s experimenta rau 'tnuitas vezes da parte da infima ple- be 5 feroz , e amotinada. 'ío A queítaó praticava-fe também ' Tom, L M em
178 Elem. d' HrsT. EccL.
em público 5 e era crueliíTima , ft- zendo-a pela extençao violenta dos membros , ou por açoute , ferro , e fogo j que tudo fe empregava con* tra os Marty res , que negavao feus pertendidos crimes, de cujas torturas fe ferviaó para fazer CGiiíeihv aos fce- lerados, òs próprios, e elíeclivos cri- mes. Viraó-íe muitos expirar em laes tormentos. DeicarnavaÓ outros com unhas , ou pentes de ferro , de modo , que fe lhes defcobriao os oíTos 5 e as entranhas. Eftiravad tilguns fobre equúleos , e pondo-lhes debaixo fogo, cujas labaredas, e fumo fuífocava , e queimava os paf- íientes. Para fazer fuas chagas mais fenliveis 5. refricavaô-lhas algumas vezes com fal , e vinagre , abrindo- Ihas também quando começavaô 'a fechar-fe.
No meio deíles tormentos , onde quafi nunca fe triunfava da conílan- cia dos Martyres , o Juiz naõ fef- fava de os inquirir. Tudo o que di- 2iaô os accufados, ou os magiílrados , efcrevia-ie palavra por palavra , por
publi-
I. Século. ijp
piiblicos officiaes. Formavao-fe pro- ceffos verbacs muito mais exadtos , que quantos vemos efcriptos por nof- ios eícriváes , por quanto a arte de elcrever em notas , que tinhaó os antigos , dava a facilidade de pôr no mefmo inftante as próprias pa-- lavras , que fe proferiaô. Us Chrif- taos eraó defveladiífimos em ter co- pia, dos actos formados em taes oc- cafioens a feus irmãos , e fobre ef- tes papeis autênticos , lie que fe ef* creviaò as Paixoens dos Martyres , cuidando ex tremo famente cada Igre» ja em confervá-lâs.
Depois do interrogatório , os que perfiftiaó na confiífaô do Chriílianií- mo , era6 mandados para o fuppli- cio. As penas de cada crime erao reguladas peias Leis , ainda que fem- pre mais rigorofas contra os efcra- ,vos , que contra os homens livres; TOntra os cílrangeiros > qUe contra os Cidadãos Romanos. Aííim S. Pau^ lo foi degollado , como Cidadão , e S. Pedro crucificado como Judeo. A CIU7, . era a mais infame de todos os M :i fup*
i8o Elem. d' Híst. Eccl.
fupplicios. Os que dev^iao fcr fixos hella , de ordinário erao açoutados , e queimados nas cofias com ferros em braza , ou com fachos accefos. ' Algumas vezes os Confeííores de J. C em lugar dê fe enviarem ao •fupplicio 5 ficavaó na priftò a fim de* lhes augmentarem o martyrio , ator- mentando-os por diverfas vezes. As prifoens em fi mefmas , crao hum tormento aiTaz grande . Cárceres ef- curos 5 c infedlos ; ferros nos pés , e nas maós ; griihoens ao pefcoço *, pedaços de barro , e vidro quebra- dos , cobriaô o pavimento dos meí- mos calabouços : taes eraò o^ meios de que íe ferviaó para tornar mais cruel a perda da liberdade. Deixa- vaô-íe corromper as chagas de huns, e faziaõ m.orrer de fome, e féde a outros. Dava-fe frequentemente or- dem para entrarem neítas habitaçoens de dor , aquelles , que fe julgavao capazes de abalar, a firmeza dos Mar- ty res : hum pai , huma mãi , filhos , huma efpofa , cujas lagrimas erao huma tentativa mais perigoza , que os tormentos. A
^ 1. Século. i8r
A Igreja tinha cuidado particu-^ lar deíles Santos priíionciros. • Os Piaconos os vifitavaô para lhes dar os alívios neceíTarios a feus males. Os. Fieis traziaô- lhes todas as com- raodidades, que lhes feltavao , como, as camas , veílidos , e alguns refref* COS.. Beijav^ luas cadéas , curavao Hias chagas , e faziaó por íe mof- trarem participantes de fuas dores.
Os Chriílaós íeguiao também os Martvres ás praças publicas , que eraô o theatro de íeu heroifmo. Nao receavao chegar- fe a elles , em quanto os atormentavao , para reco- lher em lenços , e efponjas o langue que corria de luas chagas. NaÕ le moftravaô menos empenhados em le- var os Corpos dos Martyres , quan- do eraô degoUados , ou em apanhar fuas cinzas , fendo queimados. Mui- tos Santos fe expozerao á morte por confervar fuas relíquias , ou por fa- zerem fuas oraçoens junto de íeus túmulos.
Os ConfeíTores que erao envia- dos ao ultimo íiipplício , dertei ra-
vaõ-
ELElVt. D* HiST. EcCL.
vav6-fe para ilhas defertas , ou para bárbaros paizes. Deílinavao-fe tam- bém muitos para as obras publicas ^ e principalmente para as minas , em que leu eílado era peor , que a mef- ma morte , íeos Chriftaôs naó tinhao cuidado de adoçar íuas T)enas> fup- prindo aos máos alimeiitos , aos groíleiros veílidos que llies davaô.
TA.
T ABO A
C RONOLOGICA
PARA
O SEGUNDO SÉCULO.
P
LÍ7tio o Moço , fendo Proconful na Bithinia , con- fulroii a Trajano , como fe devia portar a reípeito dos Chriílaos ? O Imperador refpondeo-lhe , que fe naó inquiriíTe contra elles , mas que le foíTem delatados , e íe fe obilinaíTem na fu a Re- ligião , morreííem ; efquc- ccndo-fe de quanto era op» poílo ás delaçoens caftiga- das por elle mefmo com pena de infâmia , e outras muito mchores , pela liber- dade novamente concedi da aos accufadores dos Fi- eis , no meio das acclama
çoens
Era vulg.
102
Taboa Chronol.
çoens de Pai da Patria , (jiie lhe fez Roma, come le efes podeíTem juílamen- te lubíiílii- ;cpm a terceira pcrícguiçad excitada ibbre os Vaílallos ifiais rendidos^ e Icaes. : Neila in humana perfe- guicao foi crucificado S. Sinit^ao de l^o annos ,Bif- po de Jeruíalém ; Santo Ig^ nacio .Biípo d' Antioquia ; Santo Qnejhno Bifpo d'Efe- fo 5 o primeiro DifcipuJo de S. Pedro , e o fegundo de S. Paulo coroáraó igual-
j mente luas vidas com o
I martvrio,
I Os Judeos revoirárao-fe ;' na Lybia , c no Egypto , onde matáraó mais 200(J) homens , devorando de rai- va na Cyrenaica até as mef- mas entranhas dos Gregos , e Romanos , cobrindo-íe depois com luas pelles. Trajano morto em 117 da í
PAKA O II. Século.
da Era vulgar, ío fabuli- zando , fc -pôde contar que íua ai ma fora no VI. Seca lo livre dos internos pe- las oraçoens de S. Gregork Miigno , poílo que os dous purpurados BtlariniiiO 5 e Baronio fe incline:ii pela íua piedade a acreditar li- milhante ílicceílb , perfua- didos erradamente que le- guem nefta parte a S. ^'^joab Damafceno, Marmontel at- trevido efcriptor do XVIII Século bufca fazemos lie* fitar fobre a defgraçada for- te de Troiano , pelos prin- cípios de leu perigofo Be lifario 5 lem reparar na fal- ta de crença do tal Prín- cipe 5 nem nos monítruofos vícios de que encheo fua vida.
Os Santos Ouadrato , e AriJUdes ofFerecêraô a A- drtano duas Apologias a favor do Chriftianiimo 3 de
que ,
Taboa Chronol.
que refultoii efcrever o Im- perador a Minueto Funda- no Proconful da Afia , que os Chriílaós iiaõ deviaó íer condemnados , falvo fe foí- fem convencidos d' outrcs crimes. A Qiieílaô , ou Tra- dlos taô ulaes neítes Sécu- los de ferro, e fogo , e hoje taó impugnados pelos Prin- cipes , e Filofofos , eraó bem capazes de os repre- fentarcm réos d' outras cul- pas.
Adriano fundou fobre as ruiucís de Jcrufalém huma nova Cidade, á qual deo o nome d ' Eli na Capi fo- lia 5 enviando-lhe huma colónia de Romanos.
Os Judeos vendo a fua Cidade habitada por Gen- tios 5 formarão hunia nova rebelião , tendo por Gene- ral Coquehas : porém A- driano mandando contra elles hum exercito , desba- ratou
PARA o IL Século.
ratou íuas forcas, eprojc-i ftos. . i
Áquila , pagão abraçan- do o Chriíliauifino y que deixoM pelo Judaifmo , tra -duzio do Hebraico em Gre- go o Antigo Teílaraenro 5 ainda ^ por iiia apoftafia in- t erprelrou diíFerentemente dos Setenta os lugares que diziaô refpeito aoMeíTias , vindo depois Jujíiniano a prohibir huma tal verfaõ de que ló hoje reftaô alguns fragmentos. S. Jvronymo foi-lhe d ' algum modo fa- vorável 5 fem ir apoz feus defvarios.
Todos os que guiados pela au(floridade do Hifto- riador da Igreja Lufitana re»" conhecem como feus Mar- tyrcs do I.Seculo a S. Man- eio , e a S. Pedro de Rates , devêraô com mais razão fa- zer?! he o mefmo obfequio na perfuafao de que Santa
Taboa Chkonol.
Quitéria , e mais oito ir- mãs o fora 6 também do 11, ainda que ícr.i melhor dei- xar na íegujida parte o dou- to Prelado Pernambiiquen- fe , que quiz oífcrecernos liuma Hiftoria completa do Chriílianilmo do noífo paiz, a pezar de fundamentá-la em credulidades , que já ti- nhao excitado o rifo dos Bollandijlax , fuppoílo que efte caia fohre ferem todas do mefmo parto , o que el- le fó julga poíTivel.
S.JuJiijto auprefentou fua primeira x^pologia a favor do Chriílianifmo no prin- cipio do Império d* Anto- nino o Pio , cujo titulo lhe deo o Senado , vendo a fm- gular humanidade de feu governo.
O mefmo Imperador pro- hibio perfeguir os Chrif- tads , e ordenou que foíTem caftigados feus accufadores , pro-
PARA O II. Século.
protelbndo fcmpre em ge- ral 5 que preferia a morte
189
de hum Cidadão , d de mil inimigos.
S. Policarpo , Difcipulo ijy de S. 'Joaõ Evangelifta paf fou a Roma a tratar com o Santo Papa Aniceto íobre a queftaô da Pafcoa.
Quarta pcrfeguiçaò no 162 tempo de Marco Aurelio , de quem Mr. Thomaz faz taes elogios , que fe os Fauílos da Igreja naô fof- fem infinitamente mais lu- minofos 5 que fua brilhante dição , naô - conlieceriamos eíle Principe cruel por hu- ma piedade y formada na fua fantafia.
Padecerão nefta perfegui- 168 çaõ S.Policarpo^BiÇpo d'Ef- mirna , e S. Juftino depois d* oíFerecer a fua fegunda Apologia pelos Chriílaõs em 167 com os Santos de Leão de França , unidos ao
feu
190
Era
1^9
171
174
177
Taboa Ciíronôl»
eu Bifpo S. Pãthino.
Symaco Samaritano , Ju- de o primeiro .depois Chrií- tao , e a fiaal Ebionita , publicou numa verfao gre- ga da Eicriptura.
S. ^lí/7/V^,çíBiípo de Sar- des 5 fc/: huma Apologia a favor dos Cliriílaòs , e he o primeiro Auclor, Carho- lico 5 q apparecc com o Ca- tlialogo dos livros (agrados, poílo q naò íeja exadto , pe- la falta^de infirucçaó em que :ílavaô algumas Igrejas.
Marco Aurelio .2id\2i\\ào' fe em guerra com os Qiia- dos dentro da fua me Ima Província , o exeiçito Ro- mano pereceria de fede , íe Deos naò mandaííe hum copioía. chuva pelas ora- çoens da legião fulminante dos Chriílaôs , a cujo pro- digio fe fcguio a vitoria
Por hum Edicto fokmne do mefmo Impci^ador fe íi nali- ^
PARA' o II. Século.
nalizou a perleguiçaô , hon- rando aos Chriftaôs na Car- ta que efcreveo ao Senado, proiíibindo depois , que os accufaílem com a commina- çaó de pena ultima , ainda que paíiados tres annos , entrou nos fcntimentos de cruel , movido pelos artifí- cios dos JJ/Iagiílrados , inf- tigaçoens dos Filofofos , e furor do Povo , moftrando nao lembrar-íe já do dito de FlataÔ , que repetia frequentemente : Venturofo o Povo 3 cujos Reis faÓ Fi» lofofos 5 c cujos Filofofos faÕ Reis.
Athenagoras^ Miltiades^ Santo Apolinário d ' Hiera- pla faó conhecidos na Igre- ja por fuas Apologias a fa- vor do Chriftianiímo.
Soípeita-fe , que Mar* cia concubina do Imperador Cômodo 3 era fautora dos Chriítaós , e por efta cau-
t la
192 TaeoA Chronol.
Era \ fa nao forao perfeguidos no vulg. -tempo deíle Príncipe , co.- mo nos Impérios dos que ihe precedêraó , ainda que fempre ihe convinha mais o nome de LeaÕ por fua ferocidade , que o d* Her- cules ^ que tomou por feu esforço.
181 Theodocio , natural de Efeio fendo recebido na Synagoga dos Judeos , com a condiçaõ de traduzir o x\ntigo Teílamcnto em Gre go y fatisfcz ao empenho , , em 185' da Era vulgar , ou- fando-fe o mais que os fe-, tenta , e Áquila^ porque- accrefcentou , e cortou o que lhe pareceo , reílan do- nos fó hoje pouco? frag* mentos de fua obra.
Imcío Rei d * Inglaterra , fegundo o Abbade Jiacinc ,.; expedio ao Papa Eleutéria , huma embaixada em quct lhe teílemunhou querer a-!
PARA O lí. SncuLa 19
íhraçar a Pvcligiaô Ckriiiâ , Era 'que íc vio depois pacifica vulg. jcité ao tempo de Diocle- \ciano*
S. Panteno governou a iSy Eícola d ' Alexandria . e te- ve:-por Diícipnio Cloncnte dito Alexandrino , que foi iVÍeílre d ' Ori pines , nafci- do cm 185 5 empenliando- fc a natureza em oíFereccr- ilie deíde ieus primeiros an- iios 5 os dons 5 e talentos , que ella liberaliza com rari- dade.
Por eitc mefmo tempo íio- :ecia na Africa o çrande lertuliano^ presbitero Car- caginez , exccílivo enr tudo: mas S. O^priano iiao duvi- dou coni-eíTar-re íeu Diíci- pulo 5 ainda que o naó foi cies erros que feguio por fua illufao.
Depois da fnorte de C??- 193 modo , e dos dous aíTaíIina- -dos; Til 10 Pertinaz, , e Didio
TomA. N >.
194 Taboa Crronol.
\Era Juliano^ foraó acclamados vulg, Septimio , Severo , na Hun- gria ; Fefcinio Nigro na Sy- l ia ; Clódio Albino na Bre- tanha ; dos quaes 5 desba-
í ratados os dons últimos , fi-
cou imperando o primeiro , audio r da quinta perfegui- ,çaó do Chriílianiímò , cal- co 5 puro , e innocente em hum feculo laô defordena- do, q fó no Império do Prín- cipe de que íe trata foraô proceffadas 3000 peíToas por adulteras.
S. Viclor 5 vendo que os Aíiaticos celebravaó a Paf- \ coa na Lua 14. de Março , quando o reíto da Igreja ainda jejuava , efperando pelo Domingo depois dos
; quatorze da Lua do equi-
! noxio da Primavera , con-
demnou folemnemente em hum Concilio a pratica dos
: , ditos Afiaticos.
196 Pí'//Vr^/í'j' Bifpo de Efe-
^1 1 fo
PARA C II. SeCUI.O. 195-
fo com outros Prelados da Era Afia menor celebrando a fua lulg. Sinodo 5 oppozérao Con- cilio a Concilio , e protef- táraó defender-íe com a au- cloridade de S. Joaõ Evan- gelifla,
S. Vicior convocando íe- 197 gundo Concilio , intentou excommungá-los, fe íe mof- tralTem contumazes ; porém Santo Irineo Bifpo de LeaÓ de França o diíluadio com boas razoens , a fim de evi- tar cjuaerquer funeílas con- íequencias , que já fe pre- viaô 5 naô fendo ponto al- gum de fé, mas de pura dif- ciplina 5 ficando cada iiuma das Igrejas com o feu ufo até que foi decidido pelo primeiro Concilio Geral de Nicea j fegundo o coílume de Roma , nao podendo depois haver prática algu- ma em contrario , fem nota 4c Quarto decimam , ou ; . N 2 dos
19^
Era vulg.
200
Taeoa Chronol.
ebrao
dos hercjes , que c a Pafcoa á maneira dos Ju- deos.
Santo Eíperato , e feus companheiros chamados to- dos Scilitanos-^ ou Sei li a- nos por lerem naturaes de Sicilia , padecerão marty- rio no tempo de Severo limperador , fendo Procon- ful de feu Paiz , Saturni- no \ devendo-fe advertir , ;que nefte Século houveraô muitas perfeguiçóens Jocaes movidas pelos Governado- res Romanos , que exerci- ■ tavaõ todo o género de vio- lências contra os Clirillaos , aiiida quando os Imperado- res lhes erao favoráveis.
Pelos fins dcíle mefmo Século 5 e principios do fe- giiinte floreceo com fmala* das virtudes , em portento-' fos milagres , S. Narcifo', Bifpo de Jerufalém experi-j mentando feus calumniado-,
res t
PABA O 11. Seguro*
rcs ainda neíla vida as im- precaçoens com que o ha- viítj deíacreditado , apezar dos icíifimentos Evangéli- cos, do aichno Santo que regeo tiia Igreja até d ida- de de iió annos. Eufehio refere que ainda no IV Sé- culo exiília do azeite que S. Uarcifo mudára d' agoa para alumiar, as lâmpadas na. celebração , que devia fazer no officio da vigilia Pâfcal.
197
EJles fuccejjos abrangem as vidas dos Imperadores.
Trajano que governou 17
annos até . - Eli^ Adriano 21 até Antoyúno Tio 23 até Marco Aurelio com feu ir- mão Lucio Vero os pri- meiros 9 annos , e depois dez fó por íi até - Cômodo 13 até
' Elio^ \
Era
Tulg,
117
138 161
i8c 193
I'
Taeoa Ch?onol.
Eli o y e Dídh alguns mc zes com Septiinio ueueru que depois de Iniperar II annos até o fim do fe- gundo Seculojenrrou com leu governo peio tercei- ro , que efcureceo por fuas tenebrofas iniquida- des , ainda que miílura- das de algumas acçoens illufties 5 pelas quaes o- ihandoj fizeraó-lhe appli- car o que fe havia já dito de Auguílo , que ou naõ dcuia ter exiflido , ou 7iunca deixar de xi- ^er.
?
ELE.
ELEMENTOS
D E
Hl ST O RIA ECCLESIASTICA.
SEGUNDO SÉCULO. PerfeguiçaS de Trajam.
O Christianismo tendo gozado , no Império de Nerva , de huma grande tranquilidade , extendeo-fe em muitas provincias , principalmen- te na Bithynia. Plinio o Aloço Pro- conful deíla Província no tempo do Imperador Trajano , efcreveo a eíle Soberano no principio do fegundo Século , íobre o modo , com que devia portar-fe a refpeito dos Chrií- taôs.
5, Eu naó tenho jámais aíTiílido , ^, ( diz elle na fua carta ) á inílruc- -„ çaó 5 e ao juizo do proceiTo de
j3 ai- ^
:íoo Elem. d' Kist. Eccl.
5, 'algum Chriílcio I O que fuppoílo , ,3 eu naõ fei fobic- que cahe a in- 3, formação , que fe dá contrn ellcs, 33 nem até onde deve lev^ir-fe íeu 3, caíligo. Eu hefito muito a refpei- 3, todas diíFerentes idades. Eis-aqui . ,3 a regra 3 que tenho feguido nas 33 accuiaçoens intentadas diante de 3, mim contra os Chriílaos. Os que 53 confelfao 3 eu os inquiro fegun- 33 da 3 e terceira vez 3 ameaço-os de- 53 pois com o fupplicio , porque 33 julgo, q devem ao menos punir-íe, ,3 nelies fua defobediencia , e fua in- 33 venci vel contumácia. Pozeraô en^- ,3 tre minhas niaôs huma Memoria ,3 fem nome de auftor , em que ac- ,3 cuíao differentes peíToas de ferem ^3 Chriibós , que negaô have-Jo íido ,3 jamais. Elias tem em minha pre- ^3 fcnça 3 e nos termos preícriptos Dor mim , invocado os deuíes , ,3- c ido he ao que nunca fc podem forçar aqucllcs , que fao verda- ',3 deiramente Chriílaos. Julguei pois „• que era nccelfario abfolvê-las. Ou- 3,, tras deferidas por hum denuncia-
33 dor y
II. S p: c u L o. 20I
dor , tem ao principio recojihe- eido , que eraó ChnílaÓs , e lo- >5 go depois o ncgaõ , declarando , que o forao verdadeirainente; mas que já o naõ erao. Toda efta gen- te tem adorado voíia imagem, e as eílatuas dos deuíes: toda tem car- regado de maldiçoens a Chriílo. ,5 Segurac-^mc , que todo o feu er- ,5 ro , e falta havia lido incluído neítes pontos: Otíe bum dia final a do fe ajuntavaÓ antes de nafcer u Sol , e que cantavao ai- „ ternadamente Hyirmos em louvor de Chrijlo , com.o fe fofj'e De os : ,5 que elles fe obrigavao por jura me?2lo ^ naõ a algum crime , pO" ,5 rém a naÕ commetter furto , nem ,5 adultério j a nao faltar ao pro- ,j mettido , nem a negar de modo y algum qualquer depofito , que lhes entregajfem. Eu nao tenho defco- 5 berto em feu culto , mais que hu- ,3 ma fuperlHçao má levada a excef- ío , e por eíle motivo , eu liií- pendi tudo a^ íim de íaber voílas ,5 ordens. O negocio me pareceo
„ digno
203 Elem. d' Hist. Eccl.
5, digno de voíTas reflexoens , pela ^, multidão dos que íe achaõ com- 5, prehendidos nefte perigo. Hum 5, grandiíTimo numero de peíToas de todo o fexo 5 idade , e jerarquia 55 fao , e ferao todos os dias impli* 53 cados neíla accufaçaó.
A carta de Plinio ao Imperador Trajam , he huma prova do mara- vilho íb progreíTo , que o Chriftia- nifmo havia feito em taô poucos ân- uos 5 indo âté fazer defertar os Tem- plos da Gentilidade. Eíla meíma car- ta nos fornece baftantes reflexoens fo- bre o elogio , que nella fe encontra da pureza de coilumes dos primeiros Chriílaos ; do grande numero de Fi- eis de todo o fexo , e de toda a con- dição ^ do tcílemunho autentico , que dá hum Pagão á crença da Di- vindade de J. C, eftabelecida geral- mente entre os filhos da verdadeira Igreja.
Traja 710 refpondeo a Plinro, que elle fe havia portado prudeittijfi^ viamente \ que nao era neceffario fazer pejquizas fobre os Chrjf-
taos-i
lí. S E C TJ L O. 203
taos 5 mas fó caJUgar aquelles que folTrm accu fados , e conven- cidos. Contradição clariiTima , por quanto fe os Chriítaos fe acha v ao culpados 3 era juib buícá-los coni diligencia , e fe elles naô íc repu- tavao como taes , commettia-fe hu- ma injuftiça , punindo -os , ainda que foíTem accuíados. A refpofta átTra- jano dando huma inteira liberdade aos denunciantes , perfeguirao-fe aí- faz vivamente os Fieis , ainda que todo o feu crime foííe , como P// * rào o confeíTa , honrar a j^. C. , pra* 'ticar a piedade , a juíliça , e a cari- dade. Santo Ignacio Biípo de Antio- quia 5 Illuílre por feus trabalhos , por íua fé ^ e por feus efcriptos foí« freo nefta perfeguiçao todo o feu martyrio , até fer devorado em Ro- ma pelas feras , diante da plebe tef- temunha de faa conílancia , e de fua heróica virtude.
Nada há mais excellente do que a carta , que o Santo efcreveo aos Fieis de Roma para lhes pedir en- carecidamente , que naó impediííem
por
•2C4 Elem. d' Hist. Eccl.
por fuas íolicitaçoens feu lacrifício. 3, Ea remo , ( lhes diz clic , ) voíla caridade , e aprehendo , que te- 3, nhaes por mim huma compaixão 5, exceílivamente terna. Talvez vos 3, fcja fácil impedir minha morte ; porem oppondo-vos a ella fervi- reis de obítaculo á minha felici- dade." Se vós me amais fmcéra- 5, mcnrc vós me deixareis ir gozar 3, de meu Deos. Eu nunca terei oc- caíiao mais favorável para me re- unir a erte Senhor , que eila que „ fe me prefenra., e vós também nao encontrareis melhor para ex- ercitar huma boa obra. Para iíto , ,5 baila que vós defcanceis a meu refpeito ; fe vós dais quaefquei* 3, paííbs para me arrancardes das yy maos dos algozes , eu nao paífa» ,3 rei a gozar de meu Deos fe vós 3, vos deixais tocar de huma falia 3, commiferaçao por eíla miferavel 5 5 carne , vós me íecanibiaes ao tra- ,5 balho. 5 e me fazeis entrar de no- 35 vo na carreira a que poífo ja pôr 33 fim. SoíFrei que eu íeja entregue
33 ao
II/ Século. 205'
5, ao Sacrifício , em quanto o airar 5, fe acha elevado : univos a mim 3, em quanto me facrifíco , cntoati- dò cant4cos de honra ao Padre , e a y. C. feu Fil]io, Vós naó ten- 3, dcs até agora tido inveja de pel- „ foa alguma , podereis pois cxer- 55 citá-la ao preíente fobre a minha 5, felicidade ? Alcançai-me antes por 3*5 voíTas oraçoens , a coragem que 3, me he neceíTaria para refiftir aos combates internos e repelir os ex- ternos. Vale pouco parecer Clirií- taõ 3 fe fe naó he na realidade. O que faz hum homem Chrillao , nao fao as boas palavras 3 nem as 3, fingulares apparencias , mas a 33 grandeza da alma , e a lolidez 3, da virtude. Eu eícrevo ás Igre- 53 jas 3 que vou para a morte com 53 alegria , com tanto , que vos vos 5, nad opponhaes de modo algum a 3) eítes meus intentos. Eu vos peço 3, ainda huma vez 3 que nao tcnhaes 53 - por mim huma ternura , que tor* „ ne a minha íórte defavantajoía. S. ShnaÕ y parente de y. C\ íe-
gundo
ao6 Elem. d' Hist. Eggl,
fundo a carne , Iccloii também o Ivangelho com feu fangue. Eíle San- to era Bifpo de Jeriifalcm , íucce- deo neíla Cadeira ao Apoítolo S. Tiago ^ e contava de idade 120 annos, quando foi apprefcnrado ao Con- luiar Attiqiío 5 Governador de Sy ria. Alguns herejcs o denunciarão por Chrifíaó , e da profapia de Da- "Víd, Os Imperadores havendo rei ol- vido exterminar cila fcimilia , para . tirar aos Judeos toda a occaíiaô de revolta , Simão foi atormentado por muitos dias. Todos os efpedlado- res 5 e o mefmo Coníular , nao fe cançavaó de admirar tanto animo , e fortaleza em hum velho de íimi- lhantc idade. Em fím pozeraó-no cm huma Cruz no anno 107 , depois de haver fido Bifpo de Jeruíalém mais de quarenta.
Efta perfeguiçao fanguinoJenta , naó fe achava auCl:orizada por al- gum Ediíflo , que profcrevêíTe o Chriflianifmo i mas íTr^^/^z/tf haven- do prohibido todas as iortes de a- juntamentOi^ , os Governadores das
Piovin-
II. Século.
207
Províncias tomárao occafiaó de tal ordem , para inandarem facrihcar a- quelles , que fe uniíTem para faze- rem fuas preces em commum. Final- mente o Imperador fabendo , que naô haviao fiifficientes algozes para matar os Fieis , que corriaó ao mar- tyrio , determinou no anno iióque ceíTaíTe a perfeguiçao. Eíla borrafca paííageira nao lufpendeo os progref- fos do Chriftianiímo. A pureza dos coftumes dos Fieis , as confoladoras verdades , que elles annunciavaó , a coníiancia com que arrollavao a morte , a felicidade eterna , que promettiaô aos que derramaffem o próprio fangue por J» C. , e os fa- vores fobrenaturaes , que profpera- vao feus esforços , eraó os mais ca- pazes de multiplicar os Chrittaos , cujo numero dimínuiaô a intolerân- cia , to fanatifmo dos grandes , e do povo. A pezar de todos osobf- taculos , que fe ihes^ oppunhao á ReligiaÓ Chriftá fe eftabeleceo em todas as partes do mundo , em Ro- ma , cm Athenas , em Alexandria ,
no
2o8 Elem. d'Híst. Eccl.
no meio das efcolas mais célebres' dos Filofofos de rodas as íeitas • cu- jo furor émulo , e orgulho humilha- do naó erao menos para temer , que a cruel íiiperíliçaò da eítupida genta- lha.
Novas infelicidades dos Judsos,
Os Judeos obrigados a deixar fua pátria depois da tomada de Je- ru falem por Tito , leváraó com. figo pelos lugares de feu deite rro , as próprias deiVenruras. Aquelles que habitavaÔ no recinto de Cyrena em Chipre fe fobleváraó no tempo de Trajano , m.atárao violentamente os Gregos , e os Romanos , expozerao- os ás feras , e forao catrfa de pere- cerem quaíi duzentos mil homens , animados a eílas execuçoens barba* ras por hum homem nomeado Jbí' dré ^ que fe pôz á lua frente. Foi precifo enviar hum exercito 5 que ló os reduz io depois de porfiados combates, coníiderando-os como ini- migos do género humano. A Lybia íicou de tal modo deferta , que foi
ncccf-
11. S E C U L O. 209
neceííario mandar-lhe huma colónia a fim de povoá-la de novo,
Eíles deígraçadoi , tendo-fe mul- tiplicado na PalelHna , hum impof- tôr chamado Barcochcbas , que to- mou a qualidade do MeíTias 3 obri- gou-os a iublevarem-ie de novo no tempo do Imperador Adriano. Eíle Principi havia mandado huma colónia a Jeruíalém para renová-la Ibbre ílias meiínas ruinas , mudan- do-lhe o nome em Elia , e edifi- cando no lugar do Templo de Deos, outro conlagrado 'à Júpiter, Osju- deos naó podiaô ver a Santa Cida- de cheia de Gentios , e de idolatria. Era-lhes prohibido mefmo o circum. cidarem-íe. Soffrérao por algum tem- po 5 temendo a Adriã7io em quanto le achou junto delks , poílo q ^empre le preparavaó para a guerra. Fizerao huma grande quantidade de caver- nas 5 e de palíagens iubterraneas para fe poderem occultar , communicar , aíTociar-le occultamente , e fugir quando fofíem períeguidos. Eftes ca- minhos cubertos tip.Juo de diftanciaa Jmn^ 1. O diu
110 Elem. d' Hist. Eccl.
diílancia aberturas para a recepção de novo ar , e de luz , que rreciíavao. Os Romanos deípreziraó ao princi- pio feus esforços , mas víraó toda a provincia etn movimento , e que os Judeos 5 que fe achavao eípal lia- dos por quaefquer outros paizes / conípiravaó entre íi d' acordo j^ara lhes 'Caufarem grandes ■vúzs , tanto ocGulta , como manitcRamente , che- gando por meio delles a abalar- fe por todo õ Império. Adriano mandou contra elles a Julio Severo , que lues tomou depois de hum porfiado íitio, a Cidade de Birter onde Earcocht' has íe tinha entrinxeirado. Eíle mi- íêfavel foi depois morto, como o m.e- recia , perecendo nos combates, qua- fi feis centos mil de feus adherenres , e acabando como vidlimas da defola- çao , fome , e fogo , huma innu- meravel multidão dos mefmos Ju- deos. Arrazarao-lhes cincoenta caf- tellos fortificados , faqueando-lhes ao mefmo paíTo , e abrazando-lhes per- to de mil Cidades pela maior par^ te povoadiíTima?. Finalmente a car-
11. Século. 211
niceria foi tao geral , que fegundo os liiTtoriadoi es do tempo , a Judêa fe mudou cm deíerto.
Adriano querendo prevenir as re- voltas 5 lançou ,fóra da Palertina a to- dos os deigraçados defcendentes de AhrãkãÔ , prohibindo-ihes aproxi- uur-íe a Jerulalé-m , excepto unica- nie^ite no anniverfario da tomada da •Cidade por Tito , que lhes permit- tío o virem pieienrar-fe diante de fuas rui nas. Para lhes fazer inteira* mente eiquecer lua antiga pátria , mandou collocar hum porco de már- more iòbre a porta q hia a Bethlem. Neice derradeiro deiaílre da nação Judaica , leus miíeraveis filhos foraò levados como efcravos a todos os paízes que poítuem hoj-e em dia os Chrifiaos , e os Mahometanos. Na6 houve nacao alguma das que for- nia vaô o exercito Romano , a quem eíles infelices 'deixaiTem de íervir de trem d<? triunfo , paíTando nelTe I eílado á Grécia , á Alemanha , e á ' ítalia. Adriano mandou-os principal- mente tranfportar as Heípanhas , de , O 2 don-
112 Elem. d* Hist. Eccl.
donde o Imperador era oriundo , re- putando'íe também ellas , nclíe tem-^ po como os limites mais occidentaes da terra.
Apologia em favor dos Chrijíaus em tempo de diverfas perjcgííiçocs. '
AiNDAQUE Adriano naò tiveíTe hum caracter de perfeguidor , com tudo os Chriílaós íbítreraô muito em feu Império , porque foraô re- petidas vezes confundidos com os Judeos , cujo caftigo o intcre flava. Hum Edi6lo deíle Imperador da- tado de 125- , no qual íem nomear o Chriftiaiiiímo , profcrevia quaef- quer novas Reiigioens , deo lugar aos fanáticos do Pagani fmo para de- nunciarem muitos Chriílaós. A ple- be , e principalmente a gentalha das províncias ^ que os aborrecia, excita- va os Magiftrados contra elles , vin- do por cila caufa hum grande nu- mero a padecer o martvrio.
No meio deílas circunítancias dous Gliriílaos illuílres , Ouadrato , e ArijUdes aprefentáraó Apologias
taó
II. Século. 213
tao fólidas , como eloquentes ao Im- perador. Na meíma occaíiaó Sere- no Grannio , homem menos diltindlo por íeu nafci mento , que por lua equidade expoz a Adriano , quanto era injuílo lacrificar innocentes ao falib zelo d ' hum vulgo cnrhuliaíla, íciu que fe lhes reprehendclle outro crime fóra do empenho pela ília particular Religião. O Imperador I movido delias reprelentaçoens , pro- hibio eni 12Ó a Minueto Vundano , Procontul da Afia, períeguir aquel- I les 5 que naô foílem convencidos juridicamente de crimes poíitivos.. Ordenou também que fe cartigaíícm, Qs calumniadores dos Chriílaos , e efta juftiça feita aos Fieis por Adria . no foi cauta de fe imaginar falía- mente , que elle profeííava em fe- gredo o Chriftianifmo. . Os mandados do Imperador íi- zeraó ceifar a perfeguiçao mas nem por iífo deixarão de haver Marty- res , porque a raiva dos Sacerdotes idolatras fempre achava divcríbs pre- textos com que arraítaílcm os Fieis
aos
214 Elem. d'Hist. Eccl.
aos Tribunaes , onde os- Juizes nada' lhes eraô favoráveis ^ e por confe- guinte viao-fe facri ficados. S. Eufía- quío 3 e feus coir.panheiros recebe- rão a Coroa do Marty rio em P^o- ma 5 e do mefino modo Santa S^yn- jorofa 5 e feus fete filhos. S. Fãujii- no 5 e Santa yovita derramarão feu fangne pela fé em BreíTe.
A morre ò.^ Adriano fuccedida em 138 j naô poz fim aos males , que foffria da Igreja naícente. Jn- 1 0717 no o Pio , Principe juílo nao a perfeguio ; porém a enveja dos Sa- cerdotes dos Ídolos , que viao com pena feus templos deíertos , occa- íionou vexaçoens locacs , e por con- fequencia houve hum grande nume- ro de Martyres. S. Jufiiiw Filofo- fo Chriílaô , e Orador eloquente lhe prefentou fua primeira , e legun- da Apologia , que fe contaó entre os excellentes monumentos da anti- guidade.
Na primeira reíponde ás ob- jecçoens dos PdgaÒs : eílabelece os princípios da fé ; e fua auflorida-
dc.
II. Século. iif
de. Moftra depois a injiíftiça dos j:n-occíros criminaes fem convicção ds crime , e íeni as formalidades pref- criptas pelas Leis, Faz hum fiel qua- dro das ceremonias innocentes dos ajLintamentos dos Chriítaõs , exci- tando ao mefmo paílb na lembran- ça do Imperador o juílo porte com que Adriano íe houve em raes cir- cunílancias , implorando huma- equi- dade igual.
O Imperador cedendo ás juílas razoens , q fe lhe expozerao , "eícre- veo no anno 152 aos Governadores das Provincias , e principnhnentc aos da Afia , para lhes. prohibir o ator- mentar os Seílarios do Chriftianif- mo , e para lhes ordenar, que con- tivelíem o Vulgo auclor das fedi- çoens , que fe levantavaô contra el» les. No reícripto que dirigio aos povos da Afia menor em commum , toma altamente a defefa dos Chrif- taõs , louva a fidelidade que elles guardaó a (eu Deos , e o esforço , que lhes faz defprezar a morte. Vol-' ta igualmente os elogios que dá ás
2i<? Elem. d* Híst. Eccl.
virtudes , em ccníuras contra os vícios de feus perfcguidores. Toda- via a pezar deites louvores , e ref- critos imperiaes muitos martyres fo- raò facrificados nas fublevnçocns po" pulares , ou nas execuçccn? feitas por alguns Magiftrados prevenidos , e fallamente zeloíos. O Papa S. Te- hsforo alcançou em Roma a palma do mar ty rio , e do mefmo modo Santa Felicidade , e i^us fete filhos.
Ferfeguiçoens de Marco Aurelio.
Depois da m.orte do Imperador Ântonino^ roubado a Roma, e ao Im- pério no anno i6o, o fogo da per* ícguíçao fe accendco de novo na Afia. Marco Aurelio confundio in- felizmete os Chriftaos com os Gnofti- cos , cujos coílumes era6 infames olhando-os como fanáticos , quando os via correr á morte \ por nao ha- ver coufa alguma mais oppofta aos principios da fíiofofia Eíloica , que decide dever o homem confervar* fe no higar que a naturezii lhe ha-
II. S E C U L o. 217.
via dado 5 ate que a lei do deílino o tiralTe dellc. À.^nrco Auyelto pois ( diz Fluquet ) con^devava o ardor dos Chriilaós pe!a morte , como ha- ma delbrdem religioía , c politica , permittindo íobre ella falia idca , que os perleguiíTem. He verdade que os aao profcreveo por Edi6los publicas ; porém havendo mandado ordens particulares aos Governado- res das províncias -para fe opporcm ^los progrcíTos da nova Rc]igia6,hum «grande numero de Fiéis foi martyri- zado. S. 'Policarpo Bifpo de Smyr^ na difcipulo de S. "joao , e im.ita- dor de íuas virtudes \ c S. Jufiino defenfor do Chriílianihi^o , forao inciuidos neíla pçrfeguiça6. RuQico Prefeito da Cidade de Roma dian- te de quem compareceo [jujlino , lhe procurou. A que efpecie de fcienciax los applicaes vós r Eu tenho huf- caâo 5 refpondeo Juftino , adquirir todo o género de conhecimento ap- plicando-me particularmente ã Re- ligião Chrijiã 5 ainda que ella naÕ agrade às que fe achao no erro ,
2 1 8 Ele m . d ' Hisr . Egcl.
e na cegueira. Pois que , miferaveP. exclamou RuftiCvO , fcgu^z ws efta doutrina ? S'im , refpondeo [jujlino , € com prazer \ por quanto tenho a- chado nella a verdade, O Prefeito inquirio onde feajuntavao os Chrií- taôs ? He diz Juítino , onde cfuerem , e onde podem. Julgais vós , que nós nos unimos fempre no meínio lugar ? O Deos dos Chrijiaõs naÕ ejlá li- gado a algum efpaco\ como he in- vifível , e enche a terra , e o Ce o , os Fiéis o louvao ^ e a dor a o em to-' do o lugar* O Prefeito perguntou depois os que haviaô fido prezos com Juflino , e elles todos refpon- dêraó que erad ChrIftaÕs. Sacrifi- cai todos juntamejíte^xQ^pViQOU o Ma-' giílrado , e obedecei fenaÕ jarvos' hei atormentar fem piedade algu- ma, NoJJ^o único defejo , diz Jufti- no 5 he de foffrer por Jcfus Chri* Jio, Eis-aqui o que nos procura^' rd a fahaçaÕ j e o que nos dará confiança para apparecer no terri- veV Tribunal do Senhor diante de quem fe prefentardo todos os homens
quan*
IL S E c u L o. 2T9
quando o mefma Juiz o ordenar.. Os' outros Mcirtyres tiverao huma linguagem igual , e o Prefeito pro- TAinciou a Sentença do modo íeguin- te : 5, AquellevS que tem recufado 55 íacrificar aos deofes , e obedecer 55 ao Edifto do Imperador , íejao '55 açoutados , e degollados como as 5, Leis o ordenaõ.55 Os Santos Mar- tyres deraó graças a Deos por eíle beneficio , e íbraó conduzidos ao lu- gar do fupplicio 5 onde depois de a* coutados 5 lhe leparáraô as cabeças dos corpos RO anno 167.
A perfeguiçàô finalizou em 174 por hum Edidlo foierane do Impe- rador. Ainda que eíle Príncipe ti- veíTe os olhos fechados fobre os mi* lagres , com q Deos apoiava o Chrii- tianifmo , naõ pôde deixar de fen- tir a evidencia de hum prodigio de que foi teftemunha na guerra con« tra os Quados , povo de Alema- nha. Seu exercito achava»fe encerra- do entre os montes por innumera- vel multidão de bárbaros , e os Sol- dados por hum exceífivo calor , com
a
220 Elem. t> Hot. Eccl-
a falta d' agoa ; viad-fe a ponto de acabar de íéde , e ao fio da efpada de feus inimigos : neíla cruel extre- inidade , a duodécima legião , cha- mada a Fuhninante , quali toda for« mada de Chriítaós , invocou o Céo , c alcançou de repente huma abun- dante chuva , em quanto fobre os" inimigos cahiao ío raios , epedrifco.
Elie prodigio animou huns , e atemorizou outros. Os Romanos clieios de confiança foraó fobre os Bár- baros , que fugiratj deixando livre o lugar, onde deviao combater. A cer- teza deite niilagrozo f icceíTo foi at- teftada pelos Pagãos , e Chriítaós. Os primeiros o attribuíraó a Júpi- ter chtrcozo , e dous Alagicos , que íeguíao o Imperador. Miírc o Aure- lio na carta que efcreveo ao Sena- do , fez dcUe honra aos Chriítaós. Eíta foi , fegundo dizem , huma das razoens , que o obrigiraò a prohi- bir com pena de morte o accuíá- los \ porem as preoccupaçoens de que os Filolofos liaviaó enchido feu animo , impedirao-no favorecer o
Çhni-
11. Século.
221
Chriftianifmo , c a perfeguiçaó def pertou tres aiinos depoi:< pelos arti' ficios dos Magillrados , e pelo fu- ror do povo. Muitas Cidades tive- raô a gloria de ler banhadas com o jangue dos Martyres. S. Fothino primeiro Biípo de Liao , S. Atta» lo j Santa Blandina , Sanfo Epípo- pio , Santo Alexandre , e inais qua- fenta e cinco Martyres perecerão ncfta Cidade. S. Marçal foi marty- rizado em Chalons fobre o rio Sao- na ; S. Benigno em Dijon ; Santos Efpensíppo y Eleasippõ , e Meleastppo tres irmãos gémeos em Langres \ S. Siyuforiano em Autun , &c.
Faz na verdade pafmar , que íium Imperador beneficiente por ca- raéler , e por fyllema haja foíFri- clo eftes inhumanos tratamentos con- tra os mais Fieis de todos os íeus ^YaíTallos : porém Marco Aurelio ti- nha I. , como nós já diíTemos , fal- íiífunas idéas refpedli vãmente aos coftumes , e principios dos ChriftaÔs. 2. Achava-fe com dobradas preven- çoens introduzidas pelos Filofophos
que
222 ElEM. d ' HiST. ECCL.
que o cercavaó. Eítes Sofiílas erao iniiràgcs declarados dos Chrillaós , que por fcus exemplos , e frequen- temente por ibus difcuríbs tiravaó a miifcara ás falias virtudes de taes
Srcfumidos Seclarios da fabedoria. larco Âíirdro tinha liuma taó gran- de adhoiao ao culto idQl'ii:rico , de que o Chriílianiímo era ruína , que paííava a fer nelie fuperíliciofo .4, Em fim efte Imperador refpeiíava íingularmente as Leis do Ella do j e como eílas profcreviaó a Religião Chriftá , cue combatia á foce def- coberta , cedia-lhe com detrimento dos FieiSi. Naò fendo- pois o fana- tifmo dos povos reprimido pelo Im- perador , fubio tanto de ponto em Viverias Cidades , que verdadeira- mente competio com a doçura do Reinado de Marco Aurelio.
A Carta, que as Igrejas de Liaô, e de Vienna efcrevêrao para a Afia a rei peito dos Martyres , que a hon- rarão com feu fangue derramado =, he hum fragmento de. eloquência íimplice , e patética. Tanto era ma-
. . II. Século. 223
ior a Cidade de Liao , quanto abi:n- rdaya mais em Sacerdote? dos faiíos ,deoíe3 5 cujo poder erefcla na ra- 4ça6 dó niaraero. Os Magiíli ndos pro- tegiao eíles Miniílros^ e os Chriltaõs iíao podiaò típparecer em lugares pu- •biicos ," íe,m le expor a fer oppri- 4riidos de injurias , e de pedras. O Governador da Cidade vendo o nu- mero , e conílancia dos Fieis,, man- idou lançar muitos .ás feras , e os <:^ue erao Cidadãos Romanos forao degollados. InfuItavaÓ aos Marty res , ainda depois de mortos ; queim.a- vao leus corpos , e arrojava6 fuas •cinzas ao Ródano , imaginando com iílo privá-los da refurreiçao futura como elles proteftavao eíperar. Se efta efpeyança , diziaÕ os inimigos <do Cliriílianiímo , o.s faz correrá morte com. alegria ^ vejamos agor^ como poderão refufcitar : nao refler d:indo 5 fer taô difficil ao Creador', juntar eítas cinzas,, como o formar o mundo fó por fua poderofa pa^- lavra. S. Pothino , Bifpo de Liaó ti- nha mais de noventa annos , fraco ,
e
224 ElEM. d' HlST. ECGL.
e enfermo , quando foi prezo , po^' dendo apenas reípirar. O zelo , e dezejo do martyrio o fortiíicáraõ* Levado tyrannamente diante do Tri- bunal , todo o povo o amaldiçoa- va , como fe foíFe o meímo J, C Eíle venerável ancião dando teíle- munlio da verdade , nada lhe pou- parão , açoutando-o logo com todá a crueldade. Os que fe achavao jun- to delle o feriaô inhumanamente com maos , e pés , fem refpeitar fua gran- de idade. 'Os que cftavao mais ao longe lhe atiravaô com o que po- diaõ haver ás maôs. Todos criao commetter huma grande impiedade ie íalraííem a injuriá-lo , penfando vindicar deíTa maneira o refpeito de- vido a íeus deofes. Quafi já agoni- zante , foi arremelTado a hum cala- bouço , onde morreo dous dias de- pois.
Morto S. Po th hw , Santo Iri^ieo Grego de origem , difcipulo de S. Pô/y carpo , como o primeiro ; go- vernou a Igreja de Li ao com hum zelo verdadeiramente apoílolico. Nós
tc-
II. Século. 225'
temos deflè Santo cinco livros con- tra as hercíias , que excitaô mil pe-" nas iobre a perda das outras fuas obras. Recebeo o premio de todos os feus trabalhos ein 203 , depois de haver íellado com feu langue a fé 5 que liavia fuítentado pelo que tinha efcripto,
^ Erros na f eidos no fegundo Stculo.
Em quanto a Religião triunfa- va de feus perfeguidores , certos fi- lhos nalcidos de feio taó divino , la- ceravaô fuas entranhas. Hum fem numero de enthuíiaílas , renovos dos herejes do Século precedente, publi- -cárao delírios os mais extravagan- tes. Os principaes , foraõ Carpocra- tes , Prodico , Valentim , Marciaõ , 'Montano , e feus difcipulos , &c. » - ^Carpocrates ^ filofofo platónico d' Alexandria , foi auélor da fmgular •feitn dos Gnc/íicos , que quer dizer Sábios , ou Conhecedores. Abraçou a opinião de outro delirante , no- meado Bafilidcs 3 que oufou primci- Tom, L P ro
220 Elem. d' Hist. Eccl.
ro fuílentar que J. G fó tinha cor* 5, po fantaftico , e que naõ havia fi- 3, do realmente crucificado. „ Ne- gava j como elle , a refurreiçao dos mortos , e admittia huma efpecie de tranfmigraçaó das almas para di- , verfos corpos. O peccado , íegundo eíle liereje , era huma coufa necef» faria d perfeição , por quajíto a aU ma , (j^ue fe acha fem crime , }ia5 J):jde Jer purificada. Por huma con« fequencia deite execrando erro per- ■mittia a feus Sectários os mais in- fames vicios.
Prodico 5 cabeça dos Adamitas caminhou pelos paíTos de Carpocra- ■tes , de quem renovou os erros. Seus partidários , foraô nomeados Ada- mitas , porque elles fe punhao in- teiramente nus em fuas alTemblêas , julgando imitar nifto o eítado da in-^ nocencia de voíTo primeiro Pai. O opprobrio de fua vicia , e de fuas má- ximas recahia fobre os Fieis com quem os confundiao. Valentim , e Marciaõ penfáraó quafi do mefmo modo.
Mar-
II. S E CTJ L O, 227
MarciaÔ foi no feu principio hum ChriftaÔ zelofo , mas fendo excom- mungado por feu Pai , que era Bif- po 5 unio-ie ao herefiarca Cerdo, To- mou deJle o fy ftema dos dous Prin- cipios , que ligou com o Chriftia- nifmo 5 Platonifmo , e Eíloicifmo. Negava a verdade da Incarnação , c naícimento de jF. C. de quem toda- via confeíTava a paixaò , ainda que fó apparente. Admittia dous Chrif- tos , iium enviado por Deos , deí- conhecido, para faivaçaó de todos os homens ; outro deílinado pelo Crea- dor para vir algum dia reftabelecer os Judeos. A refurreiçaó , conforme 0 feu fentir , era huma quimera , c o matrimonio , huma eípecie de
f)roftituiçaô.Só queria baptizar aquel- es , que viviao em continência ^ e luítentava , que fe podia receber o baptifmo até tres vezes.
Como elle dogmatizava com muito calor , e vehemencia , adqui- rio hum grande numero de difcipu^ los 5 que fe expunhaõ porfi mefmos ao martyrio. O mais célebre foi hum j . P 3 chama-
122 Elem. d' Hist. EcCLr
chamado Apelles , que mudou algu- ma coufa dos delidos de feu Mef- tre. Eíle Sedlaiio fó admittia hum Principio neceíTario , e eterno ; mas para explicar a origem , e a exiften- cia do mal , pertendia , que eíle So- berano Ser 5 eíTencial mente bom , nao; cuidava de modo algum das coufas da terra ; accrelcentando , que creá- ra Anjos ^ e que hum delles havia formado o noíTo mundo fobre hum ■modelo de outro fuperior , e mais perfeito. Eíle mundo achando- fe máo 5 por haver também fido máo feu Creador ; J- C, j que elle dizia fer Filho de Deos Soberano , veio nos últimos tempos com o Efpirt- to Santo para falvar os homens , que accreditaffem , para lhes defcobrir as coufas celeíliaes , e fazer-lhes def- prezar o tal máo Creador , e todas as fuas obras.
Apelles naó dava a J. C. hum corpo fantaílico , como Marciao ^ mas formava-lho de todas as partes .do Géo , por onde havia paflado , defcendo á terra.
r^-
II. Século^ 229
^ ■ Taciano , e feus Difcipulos con^ demnavao as núpcias , o matrimo- nio , e prohibiaô o ufo do vinho , e da carne dos animaes. Daqui pro- cedeo o nome que lhes deraõ de Encratitas , que vem a dizer Con- tinentes. Seu horror ao vinho os le- vava até oíFerecer unicamente agoa no Sacrifício da MiíTa.
Montano , Frygio de nação , pre- cipitou-fe em erros ainda mais monf- truofos. Segundo efte infeníato , Deos tinha querido falvar o mun- do , primeiramente por Moyjcs , de- pois pelos Profetas , e nao o con- feguindo , incarnou \ porém nem ainda aíTim chegando ao íim delia obra , defceo pelo EfpÍ7^ito Santo em Montano , e em Prijcilla , e Maxi- mil la , duas mulheres de má vida , que íempre o acompanliavaó.
Montano }u\gx/3.^i'Q o Paracleto , e por efta qualidade pertendia que -íó era inípirado para enílnar huma 55 moral mais pura , e mais perfeita j 5., que a que fe enfmava , e fe pu-
nha igualmente em prática. Naó
53 fe
13© Elem. n'HisT. Eccl.
fe negava na Igreja o perdão aoí 55 grandês crimes , nem aos peccaí 55 dores público? 5 quando elies ha- 3, vi ao feito penitencia. Montam 55 enfinou , que era preciíb negar- 55 fe-lhes para fempre a Commu- 55 nhao 5 e que a Igreja na6 tinha 55 poder para abfolvê-los. Obferva- 55 vaô-fe na Igreja vários jejuns , 5, e a Quarefma;iW(!?»/^»(7 prefcreveo 55 tres Quarefmas , jejuns extraordi- 5, narios , e duas femanas de Xero'^ 5, phagia 5 ou de tal abílinencia , 55 que nellas fó le podiaÔ comer 55 frutas feccas. A Igreja nao tinha 55 jamais condcmnado as fegundas 55 núpcias ; Montano as confiderou 55 como adultérios. A Igreja nunca 55 teve por crime fugir á perfegui- 55 çao Montano prohibio o fu- 55 gir a ella, ou valer-fe de quaefquer 53 meios para efcapar ás diligencias ,5 dos perfeguidores. 55
5, Os homens tem no fundo dc ^5 íeus coraçoens hum certo íenti» 5, mento de refpeito para com a 55 auíleridade de coílumes ; achao
„ nao
II. S E C U LO. ^ 231
„ nap fei que goílo em obedecer a hum Profeta. O maravilhofo da ^, profecia agrada á lua imaginação nos ignorantes , toma facilmente jy as' convulfoens , ou contoríbens „ por extafes ibbrenataraes ^ pelo „ que naó he para aílbmbrar , ^ue íe chegaííem aò partido de Mon- 5, tano , e que eíle tivefle logo Se- ,5 diários. ( Pluquet , Diccion. das Herejias. )
Prifcilla 5 c Maximtlla deixáraó íbus maridos por feguir a Montam , profetizáraó logo jcomoelle, e em pouco tempo íe fe vio iuima mul- tidão de Profetas Montaniílas , de hum j e de outro fexo. Depois de muitas conliderafoens , e de hum lon- go exame , os Bifpos da Afia decla- rarão as novas profecias falias , pro- fanas , e Ímpias , condemnárao , e priváraõ da Communhaó a feus au- ílores.
Os Aíontaniftas , feparados por eíle modo da Igreja , fizeraó huma ftova lociedade , que infedtou por muito tempo a Igreja da Syria , e
fe
Elem. d' Hist. Eccl.
fe dividio em nmltipladas' Seitas.
Pontífices Romanos,
Os Pontifices Romanos reconheci* dos enrao , como no dia d ' hoje, por cabeças da Igreja Univerfal , íe op- piizerao , quanto lhes foi poíTivel, aos efcandalos , que eftes diíFerentes er- ros- occafionáraô : todos os que go- vernáraô neíle Século , fe achaó no Catalogo dos Santos-
Santo Evariflo , Grego , occu- pava a Santa Sé defde 96 ; marty- rizado em 108 , teve por SucceíTor Santo Alexãftdre , que governou até 117. S. Xijlo L, S. i eles for o , S. fíy- glno fao conliecidos por fuas virtu- des , mas feus pontificados ofFere- cem poucas particularidades. Quafi nada jiá que nos inflrua fohre a vi* da de vS. Pio , primeiro defte nome , que occupou a Cadeira de Pedro , defde 142 até ijo. Santo ^;;/V^/<? , S. Soter 5 Santo Eleutherio , e S. Vi- ^or 5 foraó feus SucceíTores , =e imi- ráraó iuas virtudes^
II. Século.
Dijputa fobrc a Pafcoa, ■
No tempo do ultimo Pontífice no- meado , excitou-fe a difputa ibbre o dia da celebração da Pafcoa. Os Afíaticos celebravaÓ-na no decimo quarto dia da Lua de Março , e o refto da Igreja no Domingo depois da Lua 14 do equinoccio da prima- vera. Defte modo , huns achavao-fe já em feftas , quando os outros je- juavao 5 e fe mortificavao. S. Vií\or havendo chegado á dignidade Pon* tifícia 5 quiz eílabelecer hum ufc uni- forme. Congregou alguns Bifpos , e Sacerdotes da Igreja de Roma no anno 196, e condemnou folemne- mente em hum Concilio o coílume dos Afíaticos.
Algúas Igrejas da Afia oppuzerao Concilio a Concilio. O de Efcfo junto por Polycrates Bifpo deíla Cidade , ordenou , q íe celebraffe a Pafcoa na Lua 14 de Março , em qualquer dia que cahiíTe. O Papa Vtclor con- vocou então hum fegundo Concilio
em
134 Elem. d' Hist. Eccl. |
em Roma ( em 107 , ou guaíl) no j qual ameaçou ao Birpo d'Èfcfo , e feus adherentes, de os ferir com ana- thema : muitos Bifpos , e principal- ; mente Santo Iriiteo , Eifpo de Liaô , i prevendo as confequencias de tal paíTo , eícrevêrao ao Papa , a fim de o perfuadir, que naõ perturbai- fe a paz da Igreja por huma diípu- ta 5 que naô interelTava a fé. ViÈlor recebendo como terno Pai as repre- ientaçocns de feus filhos , deixou 0$ Afiaticos feguir o ufo de fuas Igre- jas. Com tudo parece ( diz o Abba- de Vkiiry ) que efta oblervancia vin- do a ler perigofa , naó devia fer mais tolerada ; porém ella durou ain- da alguns Séculos na Afia , c no Oriente.
Efcriftores Ecclefiafticos,
O fegundo Século foi illuílrado por muitos, cujos efcriptos fao ain- da o mais depurado alimento do§ Fieis. Nós falíamos já de Santo Igna^ cio j Bifpo dc Antioquia , de quem
nos
11. S E C U L O. 233:
nos reftao íete Epiftolas , tendo ram. bem preciofos monumentos de S, Po^ lycarpo^ do Filolbfo Martyr S. [jufti* no , de Santo Irineo , Juz da Igre- ja Gallicana , cujas obras foraô dadas á luz pelo Padre Majfuet em fl.
; Ao exemplo de S. Juftino^ Athe» nagoras aprelentou aos Imperado- res huma Apologia em favor dos
I Chriílaps ; nos temos tam.bem delle hum Tradlado da Refurreiçaó. Seus eícriptos moftraó raciocínio , e eloquência.
Taci ano em feu Difcurfo contra iff Gentios 5 foi util igualmente á caufa do Chriílianifmo , do mefmo modo , que Qtíadrato Bifpo de A- thenas , e Arijiides Filo fofo na mef-
I ma Cidade , que efcrevêraó hum ,
I c outro em favor da Religião per- íeguida , com todo o calor , que hu« ma boa caufa pôde inípirar.
I Ale li t ao de Sardes deve fer pof- to na mefma jerarquia. Elie publi- cou huma eloquente Defe fa , e com» poz outras obras de que nos fó te- mos alguns fragmentos , em hi:m
236 Elem. d'Hist. Eccl.
dos quaes fe acha hum Catalo- go dos livros Canónicos do Antigo Teftamento , que leria conforme ao dos Judeòs , fe fe naó omittiíTe o li- vro EJiher.
Tbeqfilo , Bifpo d ^Antioquia, outro Apologiíta da Religião Chrif- tã fe fez recommendavel por feu fa- ber ^ e por fuas virtudes. Seus efcri- ptos a ravor do Chriftianifmo , faô corfiderados como continuação das obras de S. Juflino , e como tal im- preíTo no mefmo folio em 1642.
Hermias Filo fofo ChriílaÓ , he menos conhecido pelas particulari- dades de fua vida , que por hum cfcripto , que poílo feja imperfeito , ícmpre fe olha como producçaó de hum homem de efpirito. He huma critica jocofa das opinoens dos Fi- lofofos Pagãos , ou para melhor di- zer , de íeus fonhos , e delirios.
A fociedadc Chriílâ começando a fer confideravel , HegefJppo efcre^ vco a Hiftoria de feu naícimento , c de feus progreíTos , mas feu livro perdco-fcjá excepção d' algumas paf-
ía»
I
II. S E G U L o. 237
fagens , que Eujebio nos tem con- fervado.
Da Tyifciplina ; da celebração dos Myjierios , e da admínijiraçao dos Sacramentos,
Nao he para admirar , que a Igre- ja, havendo experimentado violentas perie^uiçoens , deixaíTe entaó de ter em íeu culto público toda aquella magellade , com que fe acha no dia de hoje. Os ajuntamentos religiofos erao occultos. NaÔ fe lhes podiaó formar edifícios , que deíTem com lua magnificência nos olhos dos ef- pedladores. As taes congregaçoens dos Fieis começavaó ordinariamen- te pelo canto dos Pfalmos. Lia-fe logo alguma coufa pelo novo , ou antigo Teftamento , que o Bifpo ex- plicava ao povo em diícurfos fami- liares 5 differentiíTimos dos fermoens de apparato da maior parte dos Pré- gadores modernos. Depois da pré- gaçao, íaziao-fe algumas preces , nos Domingos em pé, e nos mais dias
238 Elem. d'Hist. Eccl.
da femana dc joelhos. Elias crao fe- guidas do Sacrifício Euchariílico , que pouco tempo depois fe chamou Mijfa» Todos os Fieis communga- vaô nella , e nenhum membro fe po- dia difpenfar de ir á Sagrada Mefa.-
O Domingo foi deíde então hum dia folemne, confagrado inteiramen- te ao ferviço divino. Com tudo o quarto , e íexto dia da femana eíli- veraó fempre em veneração ; hum em memoria da traição de Judas , e o outro por caufa da morte do Salvador. As duas feitas principaes era 6 Pafcoa , e Fenttcojles, Celebra- vao-fe também em muitas Igrejas as dos Martyres , que eraõ mais co* nhecidos por feus tormentos , ou que haviao derramado o próprio fangue nas Cidades que habit?.vaò.
Ainda que os Chriftaõs naó ti- veíTem templos , nem bafilicas , a- juntavao-fe em lugares , onde as ce- remonias íagradas fe podia6 prati- car com mais decência , e commo- didade. Cliamavao-fe eftas fituaçoens, Igrejas Oratórias , Deyninica , ou
11. S E C U L o-
239
lugares do Senhor, No tempo das perleguiçoens , retiravaó-le para o» rar em cavernas , e pariicularmente nos cemitérios dos Martyres , que craó de ordinário fubterraneos.
O baptifmo refpeiíado , como a porta do Chriftianífmo era igual- iriente adminiftrado aos infantes , e adultos. Sendo eíles Judeos , ou Pa- gãos convertidos , eraó obrigados a paíTar pela ordem dos Cathecumenps> que vem a fer daquelles que deviao primeiro inllruir-fe antes de fe pu- rificarem pelo banho Sagrado. Quan- do conheciaô perfeitamente a Reli-
{jiaó , que hiaó abraçar , dava-fe- lies entaõ o baptifmo , precedido de preces , e de jejuns.
A Difciplina Ecclefiaflica diítin- guia-fe nos primeiros Séculos por hum Santo rigor. Os que fe man- chavaô por algum grande crime , co- mo idolatria , apoftasía , homicídio , adultério, fujeitavaõ-fe ás mais tra- balhofas penitencias. O primeiro a- &o de arrependimento era huma coufiíTaÓ pública de feu defeito , que
o
243 Elem. d ' HiST. ECCL.
o penitente fazia diante de todos os Fieis. Impunhao.fe-lhes depois al- gumas práticas de mortificação ,6 L adtos da mais profunda humildade , 1' os quaes fe repetiaó ás vezes annos inteiros. Privado da participaçaó da' EuchariiUa , fó era admittido a elle Sacramento depois de haver fatis- feito todas as condiçoens , de que de- pendia a fua reconciliação com a greja. . írííf.'> ;
TA'
T ABO A
CHRONOLOGICA
PARA
O TERCEIRO SÉCULO.
Ji ErtulUam efcreveo Iiuma Apologia a favor dos Cliriftaôs 5 e íeu livro das Prefcripçoens contra os He- reges , tao refpeitado dos PP. , e dos Theologos de todas as idades.
O Dialogo entre hum Chrifião 5 e hum Vagão com que Minueto FeUs appare- ceo nos princípios deíle fe- ailo , mereceria íer lide com mais affiduidade , íè u- niíTe á fua elegância igua) cuidado no q eicreveo para eílabelecer o Cliriílianilrro , de cujos Myfterios , parece Tmu L Cl ^'^^
241
Era vulg.
202
'206
Taboa Chronol.
naó ter o preciío conheci- mento , a fim de latisfazer j ao empenho que tomou de ! ridiculizar as fabulas gen- * tilicas.
Quinta perfcguiçao pelos hoiTóroíos Ediclos de Seve- ro contra os Chriftaós.
Marty rio de S. Leonidas^ Pai de Origenes , e de San- to Irineo BiTpo de LiaÓ de França com hum grandiíTi- mo numero de Fieis.
Origenes da idade de iS annos regeo na Alexandria huma efcola para inílrucçaó dos Fieis, os quaes indo ém chufma a ouvi-lo fcm diitincçaó de homens , e de mulheres, entrarão a calum- niá-lo ; de cujo teítemunho querendo vindicar-fe , e fa- tisfazer de caminho fua ex- celTiva auíleridade , tornou- íe eunuco , íuppondo aufto- riz-ar-fe nefta barbara acção co.m a paííagem do Evan-
PABA O III. Século.
gelho , entendida errada- mente á letra , lebre os que fe caftraò pelo Reino dos Céos ; o que nada fez á íud Ordenação , por naó exifti- rem ainda os Cânones , que
0 prohibírao em tal eftado. (^leda de Tertiilliano fei
to Montanijia , depois de parecer huma das mais fir- mes columnas dò Chriília- nifmo \ arrebatado ao fcif- ma por virtudes apparen- tes, naó fe devendo confun- dir com hum Marty r de feu nome , e do mefmo feculo.
Morto Severo em Yorc , e fuccedendo-lhe feu filho BaJJiãtío 5 que mudou o no- j me para Antoíiio Caracalla^ ! mandou matar , naó fómen-
1 te feu irmaó Ge ta , e o Ju- I rifconfulto Fapiniano , por I naó defculpar o fratricídio ,
mas também innumeraveis peifoas em Alexandria , que ceníuráraó o mefmo deli- (i,2 óto:
244 Taiboa Chronol.
Era I fto: querendo porém extín- vulg, giiir a memoria de raô hor- I riveis defatinos , fez elevar
o mefmo Geta á ordem dos deofcs , dando-fe«lhe pouco que foíTe deidade, com tan to que naô exiíline vivo: S^ít dívns 5 dum non Jtt vi- vus,
221 "^juUo Africano , concluio a fua Chronologia para con- vencer os Pagãos da anti guidade da verdadeira Re ligiaó 5 e da novidade da:- fabulas do Paganifmo. O q há deita obra hiftorica deí- de Adad até o Imperador Macri no , acha-íe na Chro nica d' Eufehio.
222 Alexandre Severo , ainda que educado pela Impera triz Mame a lua Mãi , que communicára muito com O- rigenes , teve igualmente em feu Oratório as imagens d ' Ahrahaf) , de Chrijio , e as eftatuas Orfeo ^ e de
Appc-
PARA O IIL Século. 245:
Apollonio de Tyana. Era
O teftemunho de Lam- vulg. pridio , fobre querer efte imperador erigir num Tem- olo ao Salvador , he falfo , fegundo Crevter , quando irara do aíTumpto na fua Hiji, Romana.
Origenes , achando-fe na 228 Palcftina por caufa de cer- ta dependência , tomou em Cefarea ordens de Presby- tero.
Alexandre Severo , inten- 229 tando reparar as deíbrdens dos Jmperios paílados , in- trodazio em feus confelhos, e nos maiores cargos ^Sa- bino , U/piano , Paulo Afri- cano , Modtfiino , e outros muitos Juriíconfultos j que adherindo lempre ás antigas Leis^ Romanas , oihavao a P^eligiao Chriíla , como hii- .ma novidade eílratiha, e hu- ma origem de defaiTccego , e de perturbaçaò. . • Deme- .
Taboa Chronol.
Era Demétrio , Bifpo d' Ale- vulg. xandria , fez condemnar 0-
230 rigenes em dous Concilios , e declara-lo excommunga- do , pofto que as igrejas da Paleílina , Acliaia , Fenicia^ Arábia o naó tratarão , co- mo tàl.
S. Diqnyjlo governou , e dirigio_ a efcola da Fé na Alexandria, i S. Gregorio Thaumatur-
go , e Athenodoro conver* tidos por Origenes , íizerac- íe feus difcipulos , fem fc- guirem os erros, gue lhe at- tribuíraô , e de q proeurao vindicá-lo o P. Halloix Pie de Mirandola , e Genebrar- do 5 nao obílando as deci- foens de muitos Papas , c do V. Concilio Geral , por fer a queílaò de faílo , ou: do juizo humano.
231 Origenes formou as fuas Hexaplas , e Oílaplas , que fao feis , ou oito Vcríoes
i diver-
TARA O III. Século.
diverfas da Efcriptura , dif- E poítas em iguaes números v de coliimnas.
Sexta perfegulçao , exci : tada por Maxiimno 5 con- tra o Clero , em que foraõ queimadas as Igrejas.
Oriçr(^nss efcreveo fua o-
o
bra a refpeito do martvrio , e efteve occulto dous annoí, íem perdoar ás Tuas auíleri- dades , nem a íeus eftudos , que o fizeraó hum prodígio de íabedoria.
Cenforino formou feu li« vro De Die Natali , ou do nafcimento do homem , do? dias 5 dos mezes , e dos an- nos 5 que os Chronologos Gontemplao, coítjo facho pa= ra acertarem, as Épocas mais célebres da Hiílona Grega , e Rom.ana.
Décio começou a feptima perfeguiçaô' contra os Fieis, e morto efte Imperador , continuarão nella com toda
Taboa Chronol.
a fúria , Gallo , e Vohiflano.
A infernal crueldade de tormentos com que fe em- penharão bannir o Chriftia- nifmo , fez com que mui- tos Chriftaós apoíiataíTem da verdadeira Religião pa- ra a Idolatria. Taes deíer- çoens 5 precipitáraò Nova- ciano , primeiro Antipapa , ordenado por tres Bifpos Ébrios, no erro d'aíreve rar , que eíles , e outros cri- mes erao irremiíTiveis ; ne- gando haver na Igreja po der de os perdoar : o que foi logo impugnado pelo Papa S. Cornélio , e por hum Concilio de feíTenta Bifpos , fe os crimino fos arrependidos pediíTem a ab- íolviçaó.
S. Paulo 5 primeiro Er- mita retirou-fe para o de- ferro de 20 até 22 annos , e porto q alguns críticos Ca- tholicos duWdem dos luc- teíTos I
PARA O III. S£:C17L0. 249
ceffos do cofvo , e dos \ Era Leoens , nao feguem o par- vulg» tido de cenfurar-lhe a vida como faz o biiioíb , e de- íenfreado novador Mosheini na fua Hilloria Ecclefiafti- ca 5 fó capaz de tratar-fe por maós hábeis , coftiirna- das a manejar armas perigo- fiíTimas.
Em Hefpanha Bafilides , 253 e Marçal^ hum , Biípo Me- rideníe , outro Afturienfe , convencidos de JJhellati- cos , ou de terem recebido os bilhetes , declarados ido- latras para íua iegurança , fendo depoílcs , e el eives em fuás Sés , Sabino , e Felis 5 íizeraõ altas diligen- cias por fe refrabelecerem . particularmente o primei- ro , enganando a Sanro tevao Papa , que naô du- vidou dar-lhe carta favorá- vel a leu empenho.
Fe lis 5 e Sabino aprefen- 254 tan-
Era
vulg.
Taboa ChRONOL'.
tando no Concilio de Car- rhago 5 formado de trinta e feis Bifpos com S. Cypri- ano á frente , as cartas das fuas Igrejas refpeftivas fo- bre a caufa dos dous Bif- pos Apoílatas , foi nelle de* cidido a favor dos primei- ros j nao obftante a refo- liiçao do Papa enganado. Proteílou-fe por hiima car- ta feita em nome de todos , e dirigida a Merida , Af- torga , e Roma , que era tradição divina , praticada defde os Apoítolos , que os Bifpos mais próximos de- liberaíTcm a rcfpeito de íi- milhantes conteítaçoens j re- fultando a exclufaó de Ba- i ilides 5 e de Marcai \ nao havendo mais noticia algu- ma certa a refpeito dos Pre- lados Lufitanos defte Secu» lo , fem difputar a exiílcn cia de algumas Igrejas Epif copaes.
Con
PARA o III. Século. 2^1
Controveríia de S. Cypri*
ano ^ e mais Biípcs Aírica- canos 5 aos quaes fe uníraô S. FirmilianOy Q os da Cap- padocia , com oppofiçaó ao Papa Santo EJlevaÕ íobre a validade do baptifmo con ferido pelo hereges *, defen- dendo 03 primeiros a parte negativa , e o Pontiíice fuf- tentando a affirmativa , pro- pondo fempre a Tradição, que fe naõ devia innovar.
S. Cypriano , e os mais Prelados conferváraó em to- do o tempo a união com a Igreja Romana; pofto que Santo EJlevaÕ morreo , fem ter a coníolaçaõ de os ver fuj eitos ás fuas deciíoens , por nao eílarem ainda de- liberadas em algum Conci- lio Geral , e contenderem- fe naó exceder as diícipli- nares de diverlas Igrejas.
Oitava perfeguiçaó decla- rada por Valeriano em que
25Ó
^57
257
2^1 Taboa ChPvOko:..
Era padeceo Santo TJlevao ^ S.
uulg, Cypriano , c S. Frpxíuoh. Biípo de Tarragcna com 00 dous Diáconos Jguro , c Eulógio.
260 O mermo Imperador fen do captivo por iSapo:' I, Re; dos Perías , foi mandado e!- folar vivo, efalgar-, pon- do-fe-Ihe a peile em hun. Templo para eterno ludi brio dos Romanos.
270 Paulo Sa mofa te no , pro- teílando aos Fieis d' Antio quia 5 de donde eia Patriai ca , que por pura condel- cendencia affirmára a Zeno bia Princeza da Syria , qu( C. era unicamente hun homem , a quem Deos hn via communicado por mo- do extraordinário , fua fa bedoria , illudio de tal mo- do os Padres do Concilio daquella mefma Igreja , que íó no fegundo Synodo foi convencido de feu crime , c exau-
PABA O III. Sec?:lo.
cxauílorado de fua digni- dade pela couru macia do er- ro. Os ChriílaÓs vendo que elie nao deixava a cafa da 'Aia rcfidencia pertencente d Igreja , queixarao-le ao Im- perador Aureliano . que or- denou, le adjudicaííe aos que ibíTem unidos com os Bif- pos de Roma.
Nona perfeguiçao levan- tada pelo me imo Aureliano^ fegundo fua crueldade \ ca- paz de verificar o que le conta delle , d' haver ma tado pelas próprias , maõs >oo liomens ^m diíFerentes jataihas.
Principio da Era dos vlartyres famofa entre os Taítos Ecclefiaílicos , a que chamaô alguns Era de Dio- '^leciano , e de que ufao ain- la os Cophtas , e os AbiJJi- ws.
Os
25'4
Era vulg.
Taboa Chronol.
Os Imperadores que nane jdrao o S ceptro nefie òV- culo forao os feguintes,
Septimio Severo , Imperou
211
II annos are Caracalla , 6 aré - Ma cri no , i até - Heliogabalo , 4 até • Alexandre Severo , -
até
Maximino , 2 até - Gordiajto , i até - Máximo , e Balbino até
Gordiano o Moço , - até
Os dous Filippes ,
até
Décio 5 3 até - Gallo 5 e Volufiano feu fi
lho , 2 até - 254 Valeriano 5 e Gallieno leu
filho 5 ij até - 268 Cláudio II , 2 até 27c AurC"
218 222
^3
237
238
239
244
249 252
Para o III. Século.
Aureliano , 5 até - 275" Tácito , e feu irmão ¥lo»
riuno 5 alguns " mezes. Fr oh o 5 6 annos até 281 Caro com feus filhos Cari- no 5 e Numeriajio , 2 até - - 284 Diocleciano depois de Im- perar dons annos aíToci- ou-le com Maximiano feu amigo , e ambos gover- náraó 14 até - 300
ELE-
ELEMENTOS
D E
Hl ST O RU ECCLLSÍASTICA.
<
TERCEIRO SÉCULO.
Verfeguiçao de Severo^
O Imperador Severo occupava o Throno Imperial no principio deíle Século. Eíle Principe , em cuja alma fe deícobria íiuma miílura de excel- lentes qualidades , e de grandes de- feitos , havia fido ao principio fa- vorável ao Chriftianifmo , em reco- nhecimento aos cuidados , que tive- ra delle , hum medico Chriftaõ cha- mado Pr óculo Torpaciaõ , que o ti* nha curado de huma doença. Con- cedeo-lhe morada em ícu palácio , e deo a feu filho Caracalla huma ama Chriftã. Ha-
' HL S E c u L o. ' ^5*7
Huma falfa politica mudou fuas í^lizes difpoíiçoens. Os Fieis á íom- bra da paz , que gozava6 no tempo de Commodo , crefcêraô prodigioía- mente em numero. A eminência de fuas virtudes , e os milagres , que Deos obrava por fuas maos^attraliiao- llies milhares de profelytos. Nós 3, enchemos j ( dizia neíle tempo 3, Tertulliano aos Pagãos ) nós en- 5, chemos voíTas Cidades , voilas ,5 povoaçoens , voíTo Senado , voí- 35 íbs exércitos. Nós fó vos deixa- 55 mos voíTos Templos , e voíTo 3, theatro. 5, O augmento do Chrií- tianifmo ameaçava huma rui na pró- xima á Religião do eílado. Eíla con- íideraçaÔ foi fcm duvida a caufa por- que Severa renovou as crueldades ex- ercitadas por alguns de feus prede- ceííores contra os Chriílaós. Prohi- bio a todos os vaílalios do Impé- rio abraçar o Judaifmo , óu o Chrif- tianifmo. Efte Edifto do anno 202 deo lugar a huma nova perieguiçaô , que foi tao longa , Como cruel. As mais illullres viclimas , facri-^ Tom, L R fica-
1258 Elem. d' HiST. ECCL.
ficadas neíTa occaíiao , foraò : o Papa S. Ficíor ; Leonidas Pai d ' Orige- nes degollado em Alexandria ; San* ta Pontamianna , e fiia Mãi Mar- cella , confumidas pelas chamas , de- pois d' haverem íbífrido outros mui- tos tormentos j S. BaJJlicles , hum dos officiaes , que as conduzirão ao íup* plicio j Santo EJpe-rato em Cartha* go \ Santa Perpetua , Santa Felici- dade 5 e feus companheiros, 6cc. &c. Origenes inflam.mou-fe tanto no de • lejo do martyrio , nao lhe obítando a idade de dezefete aimos , que já hia prefentar-fe aos períeguidores, quan- do fua Mãi o impedio , efconden- do-lhe feus veítidos.
A perfeguiçaô accendeo-fe parti- cularmente n?.s Gallias , e mais que n' outra parte em Liao. Affirma-fe , que iSevero^ notando multiplicar-fe o numero dos Fieis pelos cuidados de Santo Irinêo , dera ordem a feus Tol- dados para que cercaíTem a Cidade , fem perdoar depois cm fua carnagem, a peíToa alguma , que diíTeíTe íer da Religião Chriftã. A mortandade
IIT. Século. 15*9
foi qnafi geral. Santo Irinéo foi le- vado diante do Imperador , que o mandou logo matar , gloriando-fe de haver intimidado o rebanJio , ti- rando a vida ao paílor.
Eíta tempeftade durou até á mor- te de Sexero íuccedida em York no anno 211. Morreo de defprazer , fa- bendo que feu próprio filho atten- tára contra fua vida. Foi SeDero no nome , e nos eíFeitos.
Moderação ^' Alexandre Severo.
No tempo d' outro Imperador 5 do nome de Severo ( Alexandre , ) os Chriílaôs gozarão de huma for- te mais venturoza. Tem-fe perten- dido fegurar , que eíle Principe 5 cuja labedoria devia coliocar-fe a par da de alguns de feus predeceííores , honrou a j^.C em lua Capella domeí- tica. Accrcfcenta fe também , que elle meímo qtiizííra elevar-lhe hum Templo no meio de Roma : porém iíio 5 fegundo Crevier , nao parece fundado fobre pro /as fólidas , antes R 2 con»
a6c Elem. d' Híst. Eggl.
confórme o mefmo hiftoriaclor , le moílra faifo , porque , fe o tal Prín- cipe cftimaíle o Chriítianifmo , na6 reípeitaria taô pouco leu culto , co- mo o tcíiemunhou em liuma occafiaO} em que mefmo protegeo os que ie- guiaò cila Santa Keligiao.
Os Cliriílaos fendo demandados em Roma pelos mercadores de vi- nho , fobre a poííeílao de hum lu- gar ,-onde fe juntavao , o Imperador o adjudicou aos primeiros , pela ra- zão de que valia mais , que o dito lugar fe deílinaíTe para Iionrar a Di- vindade , de qualquer maneira que pudeíTe fer , do que para formar hu- ma venda. Eíla refoluçaô denota mais fentimentos religiofos em geral que hum refpeito particular á Reli- gião de J, C Deíle modo Alexandre amando a virtude , a venerou nos Chriílaos , fem que feja neceífario ( diz Crevier ) levar mais longe , o favor , que lhes fazia.
Quanto á paflagem hiílorica, que nós acabámos de referir fobre huma Igreja de Chriílaos ( como he afla^
natu»
IIT. Século. 261
narural de o peníar ) lie efle o teíle- munho mais antigo que temos de hum edifício coníligrado publicamen- te pela piedade dos Fieis , e á viíla dos mefmos Pagãos 5 ao culto de nol* ia Religião. Pode-íe com tudo pre- íumir , como verofimel , que 08 Chriílaos havendo -fe extremamente multiplicado , e naó receando coufa alguma da parte de hum Príncipe juíto 5 cdincariaó animoíamente Tem- plos exteriores , em lugar de Ora- tórios , que tinhaò d* antes no in- terior das caías.
PerfeguíCaõ no tempo de Maximino.
Os Fieis eftiverao aíTáz tranquil- los até o Reinado do Imperador Maximino , que perturbou de novo feu repoufo no anno 235' , pela rai- va que concebera a refpeito de A- lexandre Severo , em havê-los favo- recido. Eíle Príncipe cruel , coníi- derando os Bifpos , como os mais ardentes propagadores do Chriilia- nifmo 5. proferi© a pena de morte
con-
■iéi Elem. t> ' Hist. Eccl.
centra elles , ainda que naõ forao 03 iinicos que tiverao faãs vidas arrilca- da?. Os Ecclefiafticos, e outros quael- duer (^hriftaõs vierao a fer o objeclo dó furor dos Governadores , e Ma- giílrados. Eíta perfeguiçao datada do primeiro anno do Reinado de Ma- ximino 5 fez-fe particularmente fen- tir nas Províncias , onde elle teve alguma refidencia. A avareza^íendo a principal cauía de fua crueldade, per- feguio primeiro os m.ais ricos Senho- res do Império , cujos bens foraó confi içados para leu proveito , e pa- ra o de feus íoldados. S. Ponciano Papa morreo na Ilha de Sardenha , para onde fora defterrado. Julga-íe , que no tempo de Maximino , San- ta Barbara foíFrêra o martyrio em Nicomedia. Deos vindicou feus fer- vòs pela morte trágica do Tyranno , que foi morto no anno 238 , e a Religião ChriM fimilhante a huma arvore , á qual còrtando-lhe alguns ramos , bem deprtíTa 'dá dobrados fruólos.
Perfez
III. S E C U L O.
263
Perfeguição no tempo de Décio.
A Igreja , tranquilla pelo efpaço de onz-e annos , adquiria todos os dias novos filhos ; mas vio-fe obri- gada a foffrer hum terrivel aílalto no Reinado de Décio , o rival de Nero na íanha contra os Chriíiaos. O Imperador Filippe tendo fido mor- to pelos Toldados em Verona no anno 249 , Décio fubio ao Throno Imperial. Seu predeceílor havia fa- vorecido o Chriftianifmo : o que foi motivo baftante, para que o novo So- berano o perfeguiíTe. A tormenta du- rou perto de anno e meio com vio- lência , c nenhum lugar do Império foi prefervado delia. O Papa S. Fa» biano foi huma das primeiras victi» mas deíla perfeguição , que de Roma paíFou a todas as Províncias. S. Ba- btlas padeceo em Antioquia 5 onde era Bifpo. S. PolyeuBo , hum dos maiores Senhores da Armênia íof- fréo o tormento em Malathia. Mof- trando-fe inlenfivcl ás lagrimas de
Patíli-
7^4 Elem. d' Hist. Eccl.
Vaulina ília mulher , e aos rogos de Felis feu íogro , facrificou a 'J, C. fua vida , feus empregos , fuas ri- quezas , e exhortou , hindo para a morte , a Nearco feu amigo a icguir o meímo exemplo. Em Lycia S. Chriftovao ; em Nicêa na Byrhinia , S. Trifo , e S. Rejpicio ; em Catana na Sicilia Santa Agada , Virgem cé- lebre , &c. &c. : illuílráraò-fe com a Jaureola do martyrio. Niceforas diz 5 que feria mais focil contar as arêas do mar , que nomear todos os que entaò fe íignalárao pela confif- fao de fua fé,
O caradler particular da perfe* guiçaò de Décio , foi a de prolon- gar os tormentos para forçar os ChriílaÓs a abjurar lua Religião. Cuidava-fe muito em nao enviá-los logo para o ultimo íupplicio ; tinhao" fe tempo dilatado em cárceres obf-» » curiíTuiios i appticavao-fc aos tradtos repetidas vezes para triunfar por tor- turas reiteradas da conílancia dos Martyres.
Por eílas provas cruéis , he que
os'
III. Século, 26J os tyrannos fízeraô paíTar o ilkiftre O- rigenes^ que Teus talentos, e íeu gran- de nome expunhau á raiva dos Pagãos. Efte venerável velho de idade , a eíTe tempo de 67 annos foi prefo em Cefa- rea na Paleftina, e arremeçado a huma dura prifaó. O Magilli ado cuidou par- ticularmente em faze-lo atormentar , lem lhe tirar \o^o a vida. Os horro- res de hum calabouço , as cadêas , a colleira de ferro, os tormentos da tor- tura 5 os cepos , pelos quaes lhe íize- rao paliar as pernas , as ameaças das chammas , tudo foi manobrado a fim de roubar á Religião Chriftá cite íeu zelofo defeníor. A graça de "J, C. ten- do esforçado fuli paciência, foi a cau- fa de o deixarem : retirou-íe a Tyro , onde terminou pouco depois fua glo- riofa carreira.
Décio empregou também outro ardil cruel contra os Chriftaôs , poílo que já havia fido praticado por al- guns de feus predeceiTores. Accom- inetteo principalmente os Bifpos , perfuadido de que as ovelhas defti- tuidas do abrigo dos pallores , feriaõ
mais
-266 Elem. d*HisT. Eccl: mais fáceis de vencer. Preíumio tan- to defta diabólica aíiucia , que de- pois da morte de Fabiano impedio ^ por raais de hum anno fe lhe deíle lucceflbr. Só por occaíiao das guerras, e revoltais, qoccu pá raÓ toda a atíençaô do Imperador , he q o Clero , e o po- vo de Roma tivera6 a liberdade de fe ajuntar , para eleger S. Cornélio,
Soccegada hum pouco cila horrí- vel borraíca pelos perigos , com que os Godos ameaçavaÕ o Império , nao acabou ainda na morte do Impera- dor , que terminou (eus dias em 25-1. Ella continuou com o mefmo furor nos Reinados de feus íucceílores , Gallo , e Volofiano , que fendo mor- tos pelos íoidados , deraõ por íua morte bonança á Igreja. Ko tetiipo deíles dous Principes , os Santos Pa- pas Cornélio , e Lucio , e o Presbyte- 10 Santo Hippolito derramárao feu fangue pelas verdades Evangélicas. A pefte que deíolou por doze annos huma parte do Império Romano , foi fegundo fe cré , a origem da perfeguijaõ de Gallo. Os Pagãos af-
fligi-
III. Século. 267
ffigidos por t?.6 horrível cafligo tra- tarão, dc apaziguar íiias divindades por íacriíicios. ProcuráraÓ violentar os Chriitaos para que tomajTeni parte nos oblequios rendidos aos falfos deoles ; mas os Fieis , cheios de zelo peio meimo bem do Eílado , na6 -quizeraô de modo algum irritar o verdadeiro Deos , único diipenfador ■dos bens , e dos males.
Queda de muitos Cbrijlaõs. Li" bellaticos.
■ Durante a perfegiiicaó de Décio ■muitos Chriftaos , vencidos pela du- ração dos íupplicios, ou horroriiá- tlos pelos tormentos com que os a- m^açavaô , tiveraó a fraqueza de of- ferecer incenfo aos idolos , ou de comer as viandas^ que lhes erao con- fagradss.
Huns ííbattidos pe]'o temor , vi- nhaõ por fi mefmos preientar-íe aos Magiárados ; outros deixavao-fe ar- Taílar por leus parentes , e amigos. ViaÒ-fe 'páilidos , e trémulos ( diz Eufebio ) tomo fe fe trataíTe , nao de
im-
208 Elem. d' Hist. Eccl.
immolar aos falfos deofes , mas de ferem elles raefmos immolados. Em quanto todo o povo idolatra mofa- va de fua fraqueza , e de feus remor- fos , outros mais ou fados protefta» vaô 5 que nunca haviaô profeíTado o Chriftianifmo, Muitos renunciárao ao Evangelho , defde que fe vi- rão enterrados nas enchovias. Ou- tros depois de ter foífrido os pri* meiros tormentos, cedêraõ aos fe- gundos. Houveraó muitos Bifpos , que também enfraquecerão , e que por fua efcandalofa queda j levárao com figo huma parte de feu rebanho.
A penitencia era o único mieio de reparar a laxidao. A maior par- te dos membros da Clerezia , e do povo , que haviaô idolatrado , qui« zerao de novo entrar no feio da I- greja , que lhes impoz , como boa Mai 5 as expiaçoens , que julgou convenientes. Entre os Cãbiãos^ dif- tinguiao-fe os hthellaticos , qué vinhao a fer aquelles > que alcança- vaô atteílaçoens dos Magiílrados > mediando algum dinheiro, de que
III. Século. 269
haviao facrifícado nos ídolos. Eftes nao íe julgavao íuj eitos a hiima pe- nitencia taô rigorofa : tomavaó or- dinariamente alguns bilhetes , pelos quaes os Marty rcs , e os ConfeíFo- res fuppiicavao aos Bilpos , que lhes perdoaíFein ]iuma parte da pena , que deviao foíFrer. Alguns ConfeíTores exceílivamente indulgentes derao ef- tes reílcmunhos de recommendaça6 indiíFerentemente a todas as fortes de peíloas. S. Cypriano movido da relaxação , que eíle novo meio de re- conciliar introduzia na difciplina da Igreja , efcreveo com ardente zelo ao Clero de Roma , para fe oppor a fimilhante abufo. Mandou ao mefmo tempo a fua Clerezia de Carthago , que naó ordenaííe couía alguma fo- bre os Cabidos até á fua volta. Efta- va então aufente ; a providencia o havia obrigado a occultar-íe no tem- po da perfeguicaó , porque os Paf- tores , erao perfeguidos mais vio- lentamente , que feus rebanhos.
^ 27a Elem, d' KisT; EccL.
Scifma de Feliciffimo.
A jufta feveridade de S. Cypriano irritou Feliciffimo Diácono de Car- thago , que de acordo com cinco Sa- cerdotes partidiílas , Novato , For- tunato 5 Felis , jovino , e Maxinio > íc íeparou em 25-1 da CommarJiao de íeu Bifpo. Eites ícifma ticos ani- mados pela inveja , e vingança li- gáraó-fe aos Chriílaos Cabidos , e re« tiráraô-íè ao alto de hum monte de Carthago , onde cabalarão contra S, Cypriano , que proíerio contra elles huma Sentença de excommunhaô.
A penas abrandou a perfegui- çao , os primeiros cuidados do San- to Bifpo foraó congregar hum Syno- do jKira terminar a diíputa Ibbre os Cabidos, Huns haviao verdadeira- mente íacrificado aos idolos , outros íó tinhao recebido atteftaçoens dos Magiftrados de o ter feito. Os Pa- dres de Carthago decidirão , que fe concedeííe a todos a graça da recon- ciliação , mas com eíla diííerença ^
que
III. Século. 271
que os Lthellãticos icríad admitti- dos logo á Comniunhao , e que os verdadeiros idolatras ío poderiao íer recebidos , depois de Jiaver cumpri- do as penas , que Íiics eraó impoltas. Quanto aos Sacerdotes que haviao lacriíicado aos falfos deoíes , forao julgados indignos de fer Miniílros de Deos verdadeiro , e reduzidos á claííc dos Leigos. A mefma Junta Synodal excomrnungou Felicijfimo , e os de fua perigofa facção.
Mijfao ds Gallias.
O martírio de Santo Irinêo , de que falíamos na Hiíloria da perle- guiçao de Sevc7'o , Ib produzio nas Gallias inflammar o zelo dos Chrif- taos , que as liabitavaô. Eíla ReH' giao promettia huma abundante co« Jheita ; porém ella preciíava de o- breiros Evangélicos , que bem de- ^preíía chegarão de Roma. Gregorio de Tours conta fece principaes , que depois de ter recebido a ordem Epif- copal y foraó enviados , fegvmdo as
appa-
^']^ Elem. d*Htst. Eccl.
apparencias , como MilTioiianos vangelicos , fem deftino certo para Igreja alguma particular. Nomeárao- fe depois primeiros Bifpos dos lu- gares , onde eipaihárao as fement-es da fé , ou dos que forao honrados com fuás preciofas mortes.
Eíles fete Apollolos faõ , S. Biom nyfío de Pariz \ S. Trofimo de Aries j S. F atilo de Narbona \ S. Saturnino de Tolofa ; S. Marçal de Limoges Santo Aujlremonio de Clermont ; e S. Gaetano de Tours. No íexto Sé- culo era opinião confiante em Fran» ça , que os primários da MiíTao das Gallias 5 tinhaô vindo todos de Ro- ina. Parece ter ifto fuccedido pelas A(ftas do Martyrio de S. SaturnU no , no anno 246. Julga- íe , que S. Fabião os enviou , durante a paz , que a Igreja gozou no Império de Filippe , e que elles trouxeraó com ligo muitos Miniftros inferiores, que participáraô de luas conquillas , e de ília gloria.
De todos eftes homens Apoftoli- cos . S. Dionyfw foi o que levou mais
longe
III. S É 0 u L o. ' :273
longe a Luz Evangélica. Sabe-fe pou- co pelo que diz relpeito a hiíloria particular de lua vida , ainda que leu nome íeja célebre. Parece certo que foi honrado com a palma do martyrio , e que lhe cortdraó a ca- beça como a leus companheiros , Ruja CO 5 e Eleutério , hum Sacer- dote i outro Diácono.
S. Saturnino , o mais diííin<íto eutre Collegas de S. Dionyfto foi tam.bem martyrizado em Toloía. Os Sacerdotes idolatras , envejoibs de fcus fucceíTos animarão a plebe con- tra elle. Foi moido com pancadas ^
a final attado á cauda de hum tou. ro fu rio fo , que o fez em pedaços. Prefume-fe haver iílo acontecido nu anno z^^y.
Póde-fe referir a eíle tempo ^ mais ou menos , o principio de outras muitas Igrejas das Gallias , como de Saintes , de Sens , de Chartres , de Mans , de Perigueux , de Puy , de Lodéva , de Apt 5 de Ruan, òcc. . . . Os primeiros Apoftolos deílas Igre- jas a penas faó conhecidos pela tra*
Tom. L S dl-
^J4 ElEM. 15 • HiST. ECGL.
diça6 5 e culto dos pó vos : porim ^huma prova de que feus trabalhos -na6 fora6 infruíluofos , he que no meio do terceiro Século , os raios da fé penetráraó eftas regioens , por •entre as trevas do paganifmo. As fa- bulas, efpalhadas pelas lendas ibbre o particular dos trabalhos dcíles ho- mens Apoftolicos , nos impedem fal- lar com mais extenfaó fobrc tal af- fumpro.
Sa/ma Novaciano. SucceJfaÕ dos Papas,
Em quanto eftes Apoftolos lança- vao os fundamentos das Igrejas das Galiias , a de-Ronia fentia-'e pertur- bada com huma divifaô funeíla. A Santa Sé havia íido occupada íuccef* íi vãmente por Ponti fices de huma vir- tude eminente , Zeferino , Calixto I, , Urbano L , Jntbero , Fabiano. Depois da morre do ultimo , a Igre- ja combattida pela pcrfeguiçaó de Décio , foi privada do Vigário de Chrifto pelo cfpaco de dous annos.
Hum
III. Século. 275
Hum Piesbyrero, nomeado l\ova- Ciano , liomem cheio de efpirito , e de eloquência , esforçou-le per to- dos os modos para alcançar o Sum- mo Pontificado ^ porém a pezar de fuas intrigas , elle foi dado a Cor- ncUo , Sacerdote da Igreja Romana , que fe elegeo em 2 de Junho de 25'!.
l^ovaciano , picado por naô ha- ver huma cadçira , que liíongeava fua cubiça , unio-fe a Novato ^ e fe fez ordenar Bifpo de Roma por tres Bifpos ignorantes , mercenários , que elle cuidou de embriagar. Eíta irre- gular ordenação produzio hum cf- candaloío fcifma , que levou uSova* Ciano á hereíia. Suftentava , que a Igreja nao tinha poder de perdoar grandes crimes , como igualmente de abloiver hum apoítata. Defen- dia 5 que as fegundas núpcias eraó illiciras, e rebaprizava os que haviaô recebido o baptifmo na Igreja. Jvíui- tos Concílios provinciaes , convoca- .dos em Roma , e na Africa ferirão de anathema e Novaciano^t feus par- Jtidarios 3 porém os raios , que dar- 82 dejá-
276 Elem.' d' HlST. EccL.
dejáraó contra elles, nao podéraò re- duzi-los. Sua feita íubfiília ainda no tempo de S. LeaÕ,
Dijputa fobre o Baptifmo dos Here» jcs.
Dekate entre S, Eflevaó Vapa , e S. Cypriano.
A Contcítaçao ^ que fe levantou no tempo do naícimento do fciima de NovadíVrío , nao contrihuio pouco para fortificar feu partido. Ella foi primeiro agitada na Africa. Procara- va-fe fe era, ou nao necelTario, quan- do os hereges reconheciaõ feu er- ro , e fe lhes concedia reconcilia- ção da Igreja , adm.iniílrar-fe-lhes de novo o baptilmo. S. Cypriano fuílentou , que fe deviao rebaptizar , e para eftaÍ3elecer feu fentimento , que era oppoílo ao do Papa S. EJle- vao y ajuntou em 25*25 6 2)3 dous Concílios em Carrh^igo , que deci- dirão fegundo fua opinião.
O reiultado deftas duas Aííem-
blêas
III. Século. 277
bicas foi enviado a Roma por depu- tados ; porem o Papa Santo EJle* vaÔ fundado na tradição Apoftoli- ca , recuíoii vê-los , e ouvi-los. Prohibio aos mefinos Fieis , que os recebe íTem .em luas cafas , ou que IJres deíTem hofpitalidade. Efcreveo depois a S. Cypriano , e aos Bifpos do íeu partido luima carta , que con- refpondia á feveridade de feu modo de obrar: prohibia-lhes expreíTamen- re o auclorizar hum fenti mento taó contrario ao ufo da igreja Romana , e aos coftumes Apoilolicos. Sua Car- ta parecendo vehcmentiíTima a mui- tos Bifpos do Oriente , S. Cypria-' 710 nada trabalhou para os fazer de- clarar pelo Papa , antes juntou de de novo hum terceiro Concilio em Carthago no anno de 256 : pronun- ciou hum difcurfo eloquente , que trouxe todos os Padres a feu pare* ccr , chegando também todos de hu- ma voz unanime a condemnar o ba- ptifmo dos hereges , como inútil a faivaçaò. Eílas difputas , nas quaes S, CyíK^iano fufientava hum fentimen-
to
2'78 EleM. d' Hist. Éccl.
to rejeitado depois pela Igreja , {6 podéraô inpprimir-fe com a decilao dó Concilio de Nicêa.
Par?ce que o Bifpo de Carthago nao tinha mudado de íentimento an- tes de fua morte. Confiderando a qucftaõ do baptiímo dos hereges, co- mo hum ponto de diíciplina , pô- de crer , que era livre a cada Paftor o coníervar o ufo auftorizado na íua Igreja. O Papa Santo EftevaÕ morreo em 257, fem ter a conlblaçaó de fa- ber 5 que os Bifpos das diíFerenças com Roma fe havia6 fujeitado ás fuas decifoens. S. Cypriano defterra- do no mefmo anno , foi coroado no feguinte com o diadema do marty- rio. Confervou fcmpre a união com a Igreja Romana, ci o rcipeita, como hum de feus mais Sábios Doutores , c hum de feus mais illuftres Marty- res. Suas obras forao compiladas por Bãluíio , e D. Prudente na Imprcn- ça de louvores.
Accrefcentemos , que ò Chriftia- nifmo teve nelle o mais eloquente defenfor. Em feu livro contrá Der
me*
III. Século. a/^
/7/é'/r/<?, que era Juiz de Carthago pa** ra os infiéis , refponde a eíle Ma- giftrado , que proteílava ferem os Chriílaós cauía das calamidades pú- blicas. O Santo Doutor refuta cfta accufaçaò , e diz pelo contrario , que Deos afflige o Império com todos os males , por vindicar o fangue inno- cente dos Fieis , ainda que cíles tam<^ bem os lintaô. As. adveríidades > „ diz o Santo , do mundo fó faô ,5 penas para os que põem feu gof* 5, to , e fua gloria nos divertimen- 5, tos 5 e honras do Século. Quanto a nós as calamidades nao nos aba- tem, e as perdas , ou doenças naó 55 nos fazem numerar. Nós vivemos mais pelo efpirito , que pela car-, ne , períuadindo-nos de que tudo para vós he fupplicio , para nós nao paíTa de pura prova. Em noí- ,j fas cafas (diz também aos Pagaons) „ fó fe obíerva huma impaciência ,j acompanhada de queixumes , e y, murmuraçoens j e entre nós , def- 55 cobre-fe unicamente humapacien- 5,' cia animofa , Santa , e tt-inquija ,
" re»
t8o: Elem. d ' HiST. ECGL.'
3^ reconhecendo em tudo ao Senhor.
Nenhum de nós procura neíle 35 -mundo alegria , nem proíperida- 55 de ; mas vive pacifico , fatisfei- 5, to , e firme contra todas as revo- 55 luçoens humanas , efperando o ef-
feito das promeíTas divinas. Nós 5, temos a força da eíperança , e a -5 conftancia da fé , o eípirito eleva» 55 do no meio dos defpojos do mun» 5, do, que fe arruina , huma virtu» 55 de já de prova de perfeguiçaó , ^35 huma paciência fempre contente , 55 e fempre fegura de feu Deos.
Perfeguiçao no Reinado de Vale- riano.
Huma nova perfeguiçaô íe levan» tou neíic tempo na Igreja. O Im- perador Valeriano foi em feus prin- cípios protcvlor dos Chriílaòs. To-r do o feu palácio im.perial eftava , fegundo Eufebio , cheio delles. Ne- nhum de feus predeceíTorcs lhes ha- via teílemunhado tanta benevolência. Por hum impulfo eítranho , eíle Priii.
III. Século.
281
elpe 5 naturalmente brando , veio a fer hum de íèus mais crucis perfe- guidorcs. Hum impoftór Egypcio chamado Macriano , que preíumia de mjgia , lhe perfuadio , que para dar ao Império fua antiga gloria , era preciíò animar de novo o anti- go culto , e deílruir o novo. As in- felicidades do eílado , reduzido a reiTa da peite , e das invafoens dos arbaros , lhe miniftrárao huma oc- caíiaõ favorável para vir de todo a fubjugar eíle efpirito fraco , a quem os trabalhos abattiao , e inclinavaó para a fuperíliçao. Deíde eíTe tem- po as execuçoens foraõ tao numero- fas , como fanguinolentas. Nao fe perdo-ou a idade , nem a fexo , ou a najcimento.Açoutavac^re os nobres do mefmo modo , que os efcravo?. Cortavao fe as cabeças , e arremef- favac-fe ás fogueiras , fegundo o ca- pricho dos Juizes 5 e até dos mefm.os algozes. Entre a multidão de Fieis que confeguírao a palma do marty- rio , diílinguic-fe S. Cypriano , 03 Papas , S. Eftevaõ , e S. Sixto feu
Sue-
aSi Elem. d' Hist. Eccl.
^ucceffor. S. Lourenço^ Diácono def- te Pontífice ultimo , e thefoureiro da Igreja Romana teve igual forte. O Prefeito de Roma tendo-lhe pedi- do em vao os thefouros dos pobres , acabou fua gloriofa carreira fobre hu- ma grelha ardente. Os trezentos Mar- ty res de MaíTa-Candida merecem hu- ma attençao particular. Nao queren- do oíferecer incenfo aos idolos , el- les raeímos fe precipitarão em hum vafto foíTo , cheio de cal ardente , que fe lhes havia preparado a qual- quer refiftencia que fizeíTem. Foraô logo luíFocados pelo fumo , e confu- midos pelas chammas.
Eíla perfeguiçao durou defde 257 até 260 5 que foi o anno da morte de Valeriano , iobre quem o Céo pu- nio o langue derramado de tantas vidlimas innocentes. Sapcr Rei da Perfia , opriíionou , e depois de o re- duzir ao eílado de efciavo , mandou-o esfolar vivo para fe fervir de fua pel- le em huma félla , em que montava. O Império experimentou neíTe tem- po flagéllos bem capazes de fazer en- trar
III. Século. 283
trar aos Pagãos em íi mcfmo*^. Huma pefte , tao fiineRa por lua diiraçno , aíTolou tudo deilie os coiífíiis da E« rhiopia até naõ llie clcapur Província alguma do Império. Apenas íe íen- tírao livres do contagio , enxames de póvos bárbaros deípedidos do fun- do do Norte , inundarão violenta- mente as mais férteis regioens , trou- xeraô com figo todas as defordens di guerra , fazendo nafcer hum tropel de pérfidos , e de tyrannos , que vie- raõ a fer pelo tempo adiante a prin- cipal cauía da ruina do Império Ro- mano.
Os Godos , e os outros Scytas nas defolaçoens , que exercitarão na Illyria, na Thracia , e em difFerentes Províncias da Afia , levarão hum grande numero de priíioneiros , en- tre os quaes fe acharão alguns Sacer- dores Chriftaos. Eftes illuftres capti- vòs pelo efplendor de fuas virtudes , c por fua paciência , fizerao-fe ref- peitar pelos mefmos Senhores. Os bárbaros paíTárao deíla eílima^aô, que tinhaó dos Miniílros da Religião
Chrif-
aS4 Elem. d ' HisT. Eccl. j
Chriftá, ao dcfejo d' abraçá-la. Buf- cáraó baptizar-íe ás cimmas ; porém as luzes da Fé naó podéraó diflipar todas as trevas. A fupei-ftiçaô ido- latrica foi ainda longo tempo do- minante entre os infiéis , e deo Mar- ty r es á Igreja.
Verfeguíçao no Império ^'Aureliano.
Depois da desfeita de Valeriano y íeu filho Galliano fufpendeo a per- feguiçao por hum ediíco , c mandou entregar aos Chriílaôs os Templos » que fe lhos haviao roubado. Eíla paz foi paííageira. O Imperador Aurclici' no pareceo ao principio indifferen- tíffimo íbbreos progreíTos do Chrif- tianifmo. Fazia igualmente juíliça , tanto aos Chriftaós , como aos ou- vros feus vallallos. Paulo de Samo- ílues , Bifpo de Antioquia , haven- do fido depofto por feus erros , por- tou em naó querer fahir da cafa Epifcopal; os Bifpos recorrerão a ylurclíãno , a fim de que fizeíTe exe- cutar a Sentença que tinhaó profe- rido. '
I
IIÍ. Século. 28^
rido. O Principc , ouvindo unica- mente a voz dci Juftiça ordenou, que a habitação do Prelado perrenceíTe ao Paílor reconiiecido pelos Bifpos da Itália , e pelo de Roira. Elias dirpofiçoens favoráveis aos Chriftaõs mudáraô para o fim de leu Império. Hum Audor Ecclefiaílico pertende , que pofto nunca lavraíle Ediclo al- gum contra os Chriítaõs , quando fe determinou a aíTignar hum , ficá- ra tolhido das maòs , e cahíra na; paralyfia , que lhe caufou a morte em 273. Os que alcançáraó a gloria do Marty rio no Reinado deíle Im- perador foraó ; em Roma , S. Felis Papa ; em Sens Santa Colomba vir- gem , e S. Sãviniano , primeiro Bif- po defta Cidade \ em Cefarêa na Car padocia ^ S. Mamede , &c.
Psrfeguiçao no tempo de Dioclecia- no, Meximiano, e Galério.
O ufo bárbaro de perleguir inno- ccntes , fem algum Edi6lo prelimi- nar continuou no Império de Diocle^
eia-
^26 Elem. d' Hist. Ecgl,
ciano. Eíte Príncipe fó moftfoii o o- dio, que tinha contra os Chriílaós5de» pois que tomou por Coilcga Maxi^ miano-Kerculeo , e que deo os titu- jos de Ceíar a Conftancio-Chloro , e a Galério , fendo logo por eíte mal .tratados , e por Maximiano, D iode- ciam 5 permittio , que ellcs fe en- íregaflem á crueldade de feu cara» âer. Huma perfcguiçaõ paflageira defaíTocegou a Igreja do Occidente. Defde o anno 28Ó os Chriítaós fo- raó condemnados aos fupplicios. ContáraÓ-íe nas Cidades principaes , illuílres teílemunhas da Fé de J. C. Em Roma S. Gens , ^jaíTando de Co- mediante a Marryr. Em Agaune na Gallin Narboneza , S. Mauricio com a legião Thebanaj em Rema S. A/zít- S. Marcelli no , S. Primo , S. Fe- liciano , S. Sebafiiaõ ; cm Pariz S. Dionyfw 5 primeiro Bifpo deíla Ci- dade 5 com S. Ruj^ico Sacerdote , e Santo Eleiítheriv Diácono ; em Beau- vaes S. Luciano \ em Nantes S. Do" nariano , c S. Rogaciano , irmaòs , em Agcn , Santa jFí' virgem, S. Ca^
praf
in. s E cux. o. 287
prajjio , em Marfelha , S. Viãor of- íicial de guerra , &c. deraò fua vida pela Religião do Salvador. Houve- xaô outros muitos Santos Alaryres em diiFerentes Cidades , mas feu nu- mero he pequeniíTimo em compara- ção dos que forao immolados , quan- do a perieguiçao foi declarada pelo Edifto de 303. Elie fucceíTo perten- ■cendo ao IV. Século , nós nos limi- tamos unicamente agora em annun- ciá-lo.
Efcriptores Ecckfiafticos*
^ os Marty res firmarão a Igre- ja com feu fangue, os Doutores a fer- víraò com feus efcriptos. Os que bri- lharão nefte Scculo foraó em grande numero , e quaíi todos faó vantajo- samente conhecidos.
Ammenio , hum dos meftres de Origenes artrrahir o meímo reípei- to dos Pagãos por fuas virtudes. Buf- cou, a exemplo dos Ifraelitas , que empregavao os vafos dos Egypcios paro ornato do Tabernáculo , al- guns
288 Elem. d *Hist. Egcl.
guns dos principies da filofo.^ia Pla- tónica,para defela da Reiigiaf^ Chrif- tâ. Publicou huma Harmonia Evan- gélica^ que S. Jeronymo louva muito.
Clefnente appelidado Alexan- dria y porque eníinou a Efcriptura Santa nas efcolas deita Cidade céle» bre , era oriundo d' Athenas. Seu livro (los Stromatos , ou Tapeffa- rios he huma miilura curiofa de eru- dição fâgrada , e profana.
Ori genes , íillio do Martyr S. Leonidas , foi hum dos m.ais iiluf- tres difcipulos de Clemente Alexan- drino , e o excedeo em fabedoria. Era Presbytero , e leitor das Santas Efcripturas em Alexandria. Deo-fe- lhe eíle lugar defde a idade de i8 annos : tanto foraó temporaos íeiís talentos , e faber. Cheio -d 'amor pa- ra a virtude , deo em hum exceíTo condemnavel , tomando á letra o que jF. C diíTe , que há alguns , que fe fazem eunucos pelo Reino dos Ccos. ' Seu ardor por gozar da honra do Martyrio , íeu defapego dos bens mortaes , fua humildade expiarão
em
III. S E C U I< o. 2S9
cm parte eíla falta. MorreoemTy- ro de 71 annos 5 com Jiuma repu- tação equívoca 5 por caufa dos er- ros , que lhe eícaparao , ou que feus inimigos introduzirão em alguns de feus efcripros. Origenes mereceo bem da Igrejc? por fuás Exaplas , que he huma obra em que poz fe- bre diverfas columnas 5 o texto He- breo do antigo Teftamento com as antigas verfoens Gtegas.Poucos eícri- ptores tem tido tanto natural enge- nho , aindaque levou muito adiante o goíto das allegorias.
Grandes talentos , e grandes de- feitos forao os q fc acháraò em Ter* tttUiano , Presbytero de Carthago na Africa. Nafceo no meio da idolatria ; porém a conílancia dos Martyres , e os milagres , que Deos obrava em feu favor o tocáraò. Abjurou feus er- ros , e moílrou-fe célebre peio zelo , com que combateo os Idolatras , os Marcionitas , os Valentinianos , e outros hereges. A aufteridade de feu caracler o precipitou nas opinioens de Montano , e empregou contra a Tonh L T ver-
IÇO Elem. d ' HiST. EccL.
verdade a mefma pena, de que íe fer- víra para defendê-la. Sua fraqueza chegou até acreditar as ridículas re- vê] açoens defte falfo Profeta , que fe dizia fer Ef pirita Santo , e as vi- foens extravagantes das inulheres , que feus delírios ínfatuárao. Levou , como Montãno a auíleridade a ex- ceíTo , em todos aquelles pontos que refpeitavao a conrinencia , as vigí- lias 5 os jejuns , e o zelo pelo mar- tyrío. Em fim fubio ao ponto ( diz Hardião ) de fe perfuadir , que a al- ma era corpórea , fólida , e palpá- vel 5 mas tranfparente , e de figura humana. Nao fe fabe das acçoens de TertulliãnodiQ\ioh de fua queda, nem como acabou. He principalmente co- nhecido, por feu eloquente Apologé- tico , efcripto em hum ítyio fólí- do , e nervofo , pofio que algumas vezes embaraçado , e efcuro. Huma reflexão importante do Apologético , he , que fe nao achará jám.ais Chrif- taô algum , que entraííe em huma fó confpiraçaô das que forao tao fre- quentes contra os Imperadores. To- . ' davia
III. Século. 291
davia os Pagãos oufavaó accuíli-los. de ferem inimigos do governo , por- que naó qiieriaó tratar os Imperado- res , como deofes ; proteílando fcm- pre fugir de tributar as honras de- vidas ao Creador. Outra accufaçaó que faziao dos Chriítaôs , e a que o mefmo Tertulíiano refponde , he de fe acharem inúteis para o commer- cio da vida. Como fe pode dizer ,5 ( pergunta elie ) que de nada fer- 5, vimos , e nós vivemos com vofco, ,5 ufamos da mefma comida , dos 5, mefmos veílidos , dos meímos 55 moveis? Nós naó rejeitamos cou- 5, ia alguma do que Deos tem crea- ,5 do; aproveitamo-nos detudo,pof- 5, to que com muita moderação , j, dando*lhe fempre as graças como, ,5 feu auílor. Nós navegâmios , nós 5, militámos , nós cultivámos as ter- 55 ras , traficámos igualmente com 5, vofco. NoíTos officios faò os mef- 55 mos \ nós expomos noíTas obras á 55 utilidade pública. Se as rendas dos Templos diminuem , porque naó „ contribuimos para elles , a repu- T 2 5j bli-
292 Elem. d' HiST. ECGL.
3, blica as ganha , por quanto nós liberalizamos mais cfmolas nas
5)
ruas 5 do que vós nos ditos Tem- plos. Se além diílo , fe examinara noíía fidelidade em pagar os tri- butos , achar-fe-há , que elles a- vultaó tanto mais por noíla boa fe , quanto diminuem por voflas fraudes , e por voíTas doioías de- claraçoens. O mefmo vigorofo Auclor moílra que he contra o bem da republica prcícrcvcr a 5, morte dos Fieis , e tanto mais , 55 quanto em hum grande numero 55 de malfeitores , que todos os dias 55 fe condemnao , naõ fe acha hum fó, que feja Chriítaõ. Eu tomo por tcftcmunha voUos regiftros , vós que julgais os criminofos. Have- rá por ventura hum ió nelles , que feja Chriílaó ? Se em voíTas 5, prizoens fe encontra algum cul- 5, pado por outro principio , que 5, nad feja a Fé de J, C. , elle naó 5, hc Chriílaó. A innocencia he pa- 3, ra nós huma neccílidade : ella lie 5, huma confequencia de nolTas Leis,
„ e
III. Século. 293
35 e de r-oíTas máximas. Eftas íao taó 3, puras , que vós lhes defcobrireis a Divindade , fe refledlirdes fé- 5, riamente , e naó as confundirdes 5, jámais com as dos Filo fofos. Se 5-, vós nos fizerdes tao pouca juíli- 3, ça , que nos accuíeis de liuma ,5 nova feita de lilofofos , porque 5, razaó nos nao tratais como a el- 3, les ? Ninguém os obriga a facri- 3, ficar j naó Jiá peíToa que fe op- j, pon]ia ás fuas vozes declamato- 3, rias fobre as fuperíliqoens.
Minúcia Felis Advogado Roma- no , e Arnóbio^ fe fignalárao também pela dcfeía da Religião Chriíla , vio- lentamente acommettida 5 e fabia- iTiente propugnada.
S. Cypriano , cujas grandes qu:i- lidades tem apparecido com kizi men- to neíla Hiíloria , nao precifa mais , que de fer citado.
Santo Hippolyto Martyr , S. 'Dionyfw d 'Alexandria , Methoclio Bifpo de Tyro na Fenicia , Gre- gorio de Cefarêa , que feus milagres Q fizeraõ nomear Thamnaturoo , nao
" !e
Í294 Elem. d' Hist. Eccl.
fe fizcrao menos recomniendaveis ; ellcs illuftraó a Igreja por. fiias obras, c a edificáraõ por íuas virtudes.
Hereges.
Alguns dos Efcriptores , que nós acabamos de dar a conhecer , fize- rao diftinclos ferviços á Fé comba- tida então por hum rropél de He- reges. Os que tiveraô principalmen- te para impugnar , forao : os Nova- cianos 5 de que nós já fallám.os a ci- ma ; os SaheUianos ^ os BaulianiflaSy os Maniqueos , os Ortgeniflas,
Os Sabellianos reconhecem por cabeça SaheUlo^ Lybio de nação, que pertcndia depois de Praxeas , e JSloet , naò haver diílincçao alguma entre as tres peíToas da Trindade , e que era o mefmo Deos , que toma- va tres nomes difterentes.
Eíle erro foi como origem do de Paulo de Samofates , Biípo d 'An- tioquia na Syria , homem igual- mente corrompido d^efpirito. Havia porém efta differenca entre SahelUo ,
e
III. Século. 2^^
e elle , que o primeiro combatia em geral a Trindade das Peíloas , e o fe- gundo anniquiJava a Divindade de J. C. rclpeitando-o fómente , como hum homem favorecido de Deos. Seus er- ros , e feiís vicios o fizeraó anathe* matizar por dous Concilios, celebra- dos em 265" 5 e 270 ; e o ultimo o de- pôz.
Ter-fe-hia podido applicar aos partidiílas de Paula de Sp.mofate o que TertiilUano dizia d 'alguns here- ges dcílc Século. Seus coftumes ^, naô faõ mais puros , que , fua ,5 doutrina. Tudo quanto fe vé em 5, fuas vidas , hc huiiiano , defprezi- 5, vel 5 e terreilre. Nao fe íabe en- 35 tre elles , quem he Cathccume- ,5 no, ou Fiel. ChamaÓ fim.plice mo- 35 do de viver 5 a huma 'inobfcrvan- 3, cia total da difciplina \ e aíFeífla- çao pueril á fua cuidadofa prá- 3, tica. Concedem a abfolviçaó a to- 5, do o mundo , fem algum difcer- 53 niniento; fuas ordenaçoens fe fa- 5, zem fem coníideraçao , nem exa- 3, me. OrdenaÕ humas vezes neófi-
tos j
296 Elem. d'Hist. Eccl.
tos ; e outras peíloas ligadas a tu- do ò que he feculo , c mundano. 55 lhes dá cuidado algum o con- „ verter Pagãos , tendo lo defvclo 35 em perverter os que vivem unidos ,5 á verdadeira Fé.
PauIo^Ticiô querendo fubfcrever á deciíao do Concilio, que o havia de- poíto , perfeverava em Antioquia , lem ie refolver a deixar a caía , que pertencia á Igreja. Os Chriílaõs quei- xarao-íe ao Imperador Aureliano , o qual mandou, q a caía foíTe adjudicada aos q fe achaífem unidos aos Bifpos de Roma : tanto era notório , ainda aos Pagãos, que a uniaó com a Igre- ja Romana era o lignal de verda- deiros Chrillaos ! O poder da Igreja he todo eípiritual , e naó pode ufar de força , mas fomente implorá-la da parte dos Soberanos , de cuja auftoridade depende na ordem das coufas temporaes. Os FauJinianos nao fubfiftíraó tanto tempo , corao os Sahellianos \ porém tiverao mais ter- ríveis confequencias , por quanto preparáraò os caminhos ao Aridnif- mo* Os
III. S E C V L o. 297,
Os Isíaniciueo^ , difcipulos de Ma- nes 5 Magico Per fano , e inftruido em todas as íciencias da Magia , depois ChrillaÔ , e Sacerdote , derao huma nova vida aos erros dos Gnof- ricos 5 e dos Hereges dos dous Sé- culos precedentes. O projeclo que Manes havia formado , de unir a íilofofí.i de íeus Meftres com a mo» ral , dos Dogmas de j^. C. , o pie» cipitou nos devarios mais funeílos. Seu principal delirio era admiitir dous Princípios : hum hom , Origem da luz , e do bemj outro mio ^ pai de todo o mal.
O que fez acreditar principal- mente fuas extravagâncias , foi o ar de reformador que tomou , enga- nando as peíToas virtuofas pela appa- rencia da mefma virtude auftéra , e mortificada.
A íeu erro principal , feus dif- cipulos juntarão outros muitos. Pro- hibiao , e condemnavao o matrimo- nio. NegavaÔ a liberdade do homem, o peccado original , a neceíTidade do baptifmo , e da fé. Pertendiaó cue
Deos
298 Elem. d' Hist. Eccl;
Deos nao era Auclor do antigo Tef- tamenro. Em J, C. fó acreditavao hum corpo fantaftico. Os Maniqueos achavac-fe divididos em dous ramosj os chamados Auditores , e os Ef- colhiàos. Os primeiros paflavnó h li- ma vida ordinária \ porém os iegun- dos {cLzho profillao particular de abíHnencia , e de pobreza. Seu ex- terior mortificado era próprio para illudir os fímplices ; mas íuas infii- mias occultas contribuirão mais que tudo para efpalhar efta heresia , cu- jos progreííos foraõ contagiofos , e horríficas íuas coníequencias. Ella fobrevi-veo a Manes , e ainda que confundida por Santo Âgoftinho , c por outros Padres , appareceo de nO' vo em diíFerentes temipos ^ debaixo de nomes diverfos.
Os Origeniflas era 6 hereges que tomavaó o nome à^Origenes para publicarem differentes erros , ou íbf- ie 5 porque elle os tivefife enfinado , ou que porque fe entendeííem mal alguns de feus livros. Segundo el* les 3 a alma de cada homem exiília
antes
III. Século. 299
antes de feu corpo , aonde paííava depois 5 como a \\umi efpecie de pri- zaõ. Diziao , que a alma de C. fô- ra unida ao Verbo Eterno antes da Incarnação , e que J, C. havia fido morto nao fòmenie pelos homens , mas também pelos demónios. Suften- ■tavao , que as penas do Inferno , erao correcçoens paternas , que deviao du» rar perpetuamente. DavaÓ tanta for- ça ao livre arbitrio , que diminuiaò a da graça , admittindo-o ainda nos Anjos 5 que julgavaô capazes do pec- cado.
Cojlumes dos Cbriflaos \ Difciplina,
A Igreja , afflifla pelos excelTos de tantos hereges , foi confolada á viíta do monachato , que entrou nef- fe tempo a fazer-íe célebre. Egy- pcio 5 nomeado Paulo foi feu pri- meiro auftor. O receio de fer en* tregue aos perfeguidores por feu cu- nhado , deíejofo de feus bens , o o» brigou retirar^íe ( no anno 250 ) ao fundo dos dçfertos da Thebaida ,
onde
300 ElEM. )D ' HiST.' ECGL.
onde elle gozou da? doçuras da con- templação. Hum corvo lhe trazia to- dos os dias fua comida.
O exemplo de S. F atilo , honra- do como o primeiro Ermita , teve pela continuação do tempo muitos imitadores , a pezar dos vicios 5 ^ue fe introduz iao entre os Chriflaos. O jbcego , de que elles gozarão depois da perieguiça6 de Severo até á de Décio "o:j fez cahir na relaxação. Os Bifpos vendo-íe algumas vezes obri» gados a caminhar de Provincia em Província , pelas neceíTidades de íuas Dioceíes , encarregavaó-íe também de negócios temporaes ; e alguns deixando íeu rebanho, tornárao-íe a- ■gentes , c commiíTarios ; bem que havia íempre Paílores dignos defte nome , que velavaó fobre os Fieis entregues a feus cuidados , fervi n- do-lhes em todo o tempo de mo- delos.
O que chamamos Benefícios , nao fendo ainda conhecido na primitiva Igreja, cada Fiel contribuía para a fubfiílencia do Clero , e para o
vio
III. Século. 301
vio dos pobres. Eíle dinheiro fe de- pofitava nas maos do Biípo , que o diítribuia, ou fazia dividir pelos Cle~ rigos. Os Biípos, íeni íe delcuidarcm de íeus dioceíanos , dilatavaò íua ca- ridade íbbre todos os paízes , que nao tinhao Paílores.
A celebração dos Sínodos , ou Concílios provinciaes era frequentif- íima. Nelles fe decidiao as matérias de difcipiina , e de doutrina. Porém nas grandes caulas corria-fe ás gran- des Sés 5 e em particular á de Roma, fundada pelo primeiro dos Apoílo- los na Capital do Império.
O canto ufou-fe em todo o tempo na Igreja. Cantavaõ-fe os louvores de Deos em todas as horas do dia , e da noute ; cuja divifao fe tem con- lervado nos Breviários , onde as ho- ras Canónicas fao notadas , fegundo a prática dos Romanos.
Havia na Igreja jejuns particu- lares ,c públicos, fendo ambos mui» to mais rigorofos , do que o fao no dia de hoje. Muitos neftes tempos de abílinencia , naó comiaó peixe al»
gum,
3Ò2 Elem. d ' HiST. ECGL.
gum , nem bebí^ao vinho.
Notaó-íe neíles primeiros tem- pos alguns outros uíos , como o de íe virarem ao Oriente, para fazerem fuas preces j de voltar para a mefma parte os Altares ; de orar em pé no tempo Pafcal , e nos Domingos ; de fe abílerem do fangue dos animaes , e de carne dos que foíTem fuíFoca- dos , &c. &c : porém eíles uíos , e alguns outros , que a Igreja muda- va j ou deixava fubfillir como ter- na , e prudente mai , quando o gé- nio dos povos íe filies acommodava , nunca foraò olhados como pontos eíTenciaes.
Summario da Doutrina da Igreja pelo tempo dos tres primeiros Séculos,
A Doutrina da Igreja , nao foi já- mais como a íua dilcipiina, Tem
fido íemprc a mefma , e o fera 53 até d confjmmaçaô dos Séculos. 5, A Doutrina de J. C. , he a que „ os Apoílolos publicarão por toda
III. Século. 303
a terra. Enfináraó , que os prin- cípios da Fé. eraó aEícriptura Santa , e Tradição ; que era ne- ceíTario crer os Myíierios , ainda que le naó pudeíTem comprehen- der. Adonirão Jium Deos inviíi- vel , e eterno , incorruptível &c. Moilriraó , aue Deos creára todas couías , e que a melma matéria naó havia fido eterna. Reconhe- cerão três Peílbas em hum fó Deos, a Divindade , e eternidade do Ver- bo , c do E] piri to Santo. Con* fellárao , que jf. C era o Verbo feito jiomem , Deos , e homem juntamente , que refgátara os ho- mens por fua morte , e que havia refufcitado. Acreditarão a eterni- dade das recompenías , e dos fup- plicios.
j, Todos os Doutores da Igreja , Blfpos , Presbyteros 5 proFeíIcírao eíta Doutrina , que nos íegurao fer de C. , enfniada pelos Apof- tolos , e ncceiTaria para a falva- çao. He verdade , que clles fe fer- vírao algumas vezes de certas ex-
304 Elem. d' Hist. Egcl.
35 preíTocns fobre a peíToa do Ver- bo 5 que parecem derogar a fua 53 divindade , como quando dizem , que foi gera de no principio do 53 mundo , que he vifivel , e que o 33 Vai he invifrcel ; que he huma 3, porção da Jubftancia do Pai , . . 35 porém eíles modos de fali ar tem 3, Jium bom fentido ncíles Audlorcs. 33 Quando elies dizemi que o Verbo 5 , fora gérado no principio do mun* 33 do 3 naô querem , que fe acredi- 3, te 3 que começou então ; por quan- 3, to em todos os íeus elcriptos o 3, reconhecem deíde a eternidade ; 33 mas dao o nome de géraçaõ a 3, huma certa cmiíTao do Verbo , 3, que imaginao íer feita , qunndo 3, Deos quiz crear o mundo. Tem 33 attribuido a TÍJlb ilida de ao Filho > 33 como a Omnipotência ao Pai , 3, dizendo , que pelo Filho , Deos 3, creou tudo , q fez exteriormente. 3, Em fim quando enfinaô , q o Ker^ 3, bo era huma porção inbihnciJL 3, do Pai , concebiaô-no como con- 33 tendo em fi a Divindade, que com
3, muni-
III. Século. 305'
muni cava ao Filho , e ao EfpÍ7'i- to Santo,
He neceíTario confeffar , que muitos dos antigos Padres imagi- náraó , depois de Papias , que J^. C. reinaria mil annos fobre a ter- ra. Nao fe cançárao eni exami- nar, em que confiítiria a bemaven- turança : naó duvidáraó de que a Euchariília foíTe o Corpo , e San- gue de jF. C. Louvavaô a Virgin- dade 5 fem deiprezar o matrimo- nio. Honrarão os Santos , e os Martyres , como fervos de Deos : failáraó da Virgem Maria com reípeito , e circunfpecçaõ. Crerão que os livros lagrados , erao inf- pirados pelo Ejpirito Santo , e que continliaó nofla Fé j que era necciTario acreditar o que a Efcri- ptura 5 Tradição , e Igreja nos enfinaíTem. Naó reconhecerão ou- tros livros Canónicos do antigo Teílamento fora dos que fe a- chavão no Canon dos Mebreos ^ e do novo fó admittírao como taes^ os quatro Evangelhos , os Aflos Ti.w. Z. V „ dos
3o6 Elem. d' Hist. Eccl.
55 dos Apoftolos 5 as quarorzc Epif- ,5 tolas de S. Paulo , a primeira E- 55 piftola de S. Joao^ e a primeira de 5 5 S. Pedro. As de S. Tiago , c de S. 5, Judas 5 a iegunda de S. Pedro , 5 5 a iegunda , e terceira de S. Joao^ 5, foraô recebidas por alguns , c re- ,5 j citadas por outros 5 do mefmo 55 modo 5 que o Apocalypfe, ( Po- rém ellas bem depreíTa íe acharão reconhecidas pelo unanime coníenti- mento de todas as Igrejas. )
55 A moral do Evangelho foi tao 5, immudavcl 5 como ília doutrina , ,5 e ainda que fe naó íeguifle íem- 5, pre 5 póde-fe dizer , que nunca foi ^, attacada. Leváraó íempre os Fieis 55 a obfervar a Lei natural , e os 55 preceitos do Decálogo. Pregava- 55 fe-lhes 5 que precitavao de dar 55 leu coração a Deos y que aquel- 55 les que fó obravaó por temor 55 fervil 5 nao eraõ verdadeiramente 55 juftos; que era neceiTario amar o 35 próximo, como a fi mefmo, e tor- 55 nar bem por mal. O que fe nota- 35 va^de mais admirável era , que fe
35 elb
III. Século. 307
5, efta excellente moral apparecia nos 55 efcriptos dos primeiros Chriílaós, 5, vio-fe com muito mais efplendor 5, em fua vida , e em fuas. acçoens. „ ( Choifi Hiítoria Ecclefiaftica liv. 4. Cap. 5. )
T A B o A
CFIRONOLOGICA
PARA
O QUARTO SÉCULO.
Era vu/g.
"NT
1_ i Ona perfeguiçaó con- fecutiva aos cruéis ni:nu!a- dos de Diocleciano ^ iníH- gado ^or Galério no Orien- te , convindo Maximiano Hercúleo , a fítn de que em toda a parte déííem as or- dens mais cníanguentadas , e inhumanas contra os Chri- ílaos, que fó no anno de 41 1 fenrírao abrandar a tempef- rade infernal , pelo Edi-ilo
do ferociíTuno Galério
pu-
blicado em Sardica y quan- do o tal tyranno vio acabar feus dias entre horríveis do- res com ulceração de todo
o
PARA O IV. Século.
o corpo , defefperando do poder dos deoles , que ado- rava.
Diocleciano , confumido oor luas iaigas doenças , renunciou forçadamente a purpura imperial , e per- iuadio o rneímo a feu Col- lega Maximiano Hercúleo , os quaes depois unidos de- :iarára6 para o Império , Conf.ancio (Jhloro , e Galé- rio Maximiano ; nomeando por Cefares, Severo Daia^ ibbrinho de Galério , que lhe tinha pofto o nome de Ma xirãino .
Galério Maximiano em- penhou-íe em naô nomear- ie Conjlantino^ como Ceíar, porque devorado de ambi- ção 5 intentava depois das monílruoías tyrannias exer- citadas contra os ChriilaÔs na eíFcrvefccncia de íeus mais cruentos annos , paíTar iiuma velhice em fcura de
Era
306
212
Taboa Ceronol.
Senhor do mundo , elevan* do a Augufto 3 em lugar de ^Jonfiancio , feu aniigo Lict lioj a quem dominaria pra- ticando o mefmo com Sf.v.- ro 5 e igualmente com os dous Cefares , feu íobrinho Maximino , e íeu filho Can- lidiano , que per rendia de- clarar 5 como tal , naô obí- cante a idade de nove an- nos em que o via.
(^onjlancio Chloro , tendo o governo da Gallia , In- :^l aterra , Hefpanha , Itália, c da Africa , acabou fua vi- da fem levantar hum fó òa- dafalfo contra os Chriftaò?. Seu filho Confíantino paííou a Cefar , e a Augufto ^ fuc cedendo no Império do Oc- cidente.
Maxeí:CÍõ^ perverfo filho Je Maximiano Hercúleo , ar-roveitando-íe da abdica- ção , que fizera o pai , fez :eclarar-fe Augufto na Itá- lia j
PAKA O IV. Século.
lia ; violentou Severo até eílreitá-lo cm Ravenna , e matá-lo contra a fé de fua palavra \ pòz em fuga feu ingrato pai, o. Galério , vin- do finalmente depois de mil crueldades contra os Chrif- taos 5 a perder contra Cor-if- tantiyio , a fòmofa batalha de 28 de Outubro do anno 312 5 fendo fua ultima def- graça , o aífogar-fe no Ti- bre , quando liia cirroílar feu rival com huma nova pe- leija.
Santo Antão ^ depois de ^ recolhido ao deferto em i 270 5 fahio dclle a primei- ra vez com o fim de ajudar 03 Santos Confeílbres de j Alexandria , quando o Im- perador Confia nti no triun- fou de Maxencio , e fe con- verteo á fé de 3^-
O mefmo Imperador pu- blicou no anno feinnnte , muito? Edidlos a favor d,i
Re-
Taboa Chkonol.*
Religião Chriíta, fem fazer doação alguma de Roma ao Pontiíice 5 poílo que Vare* nes na fua vida nos refira ^ que em 1478 , riverao pe- na de fogo em Straburgo os íuílentadores delia verdade.
Nelle mefmo anno , ou íegundo outros com maior fequiro , em 305' apparecé- raõ os 81 Cânones Peniten» ciaes da Igreja de Hefpa- nha 5 a qqe chamaó de or- dinário Concilio de Elvira , ou Eliberitano , celebrado por 19 Biípos , contando- fe entre elies , Ozio de Cor- dova , Singio de Braga , Vi- cente do Algarve , Ouin- ciam de Évora , Liberto Metropolita de Merida, cu- jos últimos quatro Prela- dos , eraõ os que de certo governavao na Igreja Lufi* tana ; nao devendo eíque- cer o 60 Canon de Conci- lio : que determina fião re- co-
PAPA O IV. Século. 313
cOiíhecer no iiimero dos Era Martyres , a que lies , que vzílg. fojem mortos na acçaõ de quebrar os Ídolos,
Celebração do Concilio 314 do Aries contra os Donaiif- ras 5 e os Traditores , 011 os que entregaílem os li- vros , e vafos fagrados aos liereges , para eí caparem á morre , ordenando-fe , que f-xaíTem depoílos de fuas di- gnidades , aqiielles que as tiveíTem , e que foíTem con- vencidos do crime.
Fla-vio Licínio ^ Impera- 319 dor 5 em defpique de íer | vencido por Conjfantino na | batalha de Si bales , lançou j fora de feu palácio , aos } Chriílaôs , prohibio-lhes a celebração de quaeíquer Concilies 5 e martynzou a muitos dos Fieis ; laquean- do iem diíFerença ao mef- mo tempo feus vaíTal- los , roubando-lhes as mu-
lhe- I
314 Taboa Chronol.
Era lheres , c aborrecendo os vulg. fabios 5 como jdiz ji impor- tunos de íu:i ignorância. 324 A milicia de Licínio foi paíTada a fio de eípada pe lo exercito de Confianti.io , na batalha de H-xiriancpo- le 5 e o meirao Imperador igualmente morto cm Thcí- falonica , querendo de novo ' levantar- fe contra CQnftaii- tijio , que caíTou por huma Lei feus mandados , e o tratou de tyranno. 325' Primeiro Concilio Geral de Nicêa 5 convocado pelos cuidados de Conflantino , em que foi anathematiza- do o Ananifmo ^ e forma- do o Symbolo , que fe repete na Miíía depois do Evangelho. Prefidio Ozio Bifpo de Cordova , e aíFif- tio em peíloa ao Impera- dor.
Neíle anno findou Eufe» bio 5 Bifpo de Cefarêa , a
lua
PARA^ IV. S:£C'JLO.
ua Chronica do principio aO mundo até ao 20 anno
io Rein ido de Conjiãr:tíno, de que S. Jeronymo fez a rraducçao , e a adiantou até
379-
Santo Athanafio entrou na Séde Alexandrina pela morte de Santo Alexandre,
AliiTaô de S. Fruynencio Apoftolo da Ethiopia , on- de o Cliriílianilmo fez gran- diifimos progreíTos , ainda que pelo tempo adiante vi- eíTe ao eílado antigo , e a perder fua pureza , obfer vando-fe huma miílura de Caiholicifmo , Judaifmo ^ e Scifma.
Invenção da Cruz , e de alguns iníh-u mentos da Pai- xão de [fX\ defcobertos por Santa t' ele na , cuja Impe- ratriz foífrendo o repudio de leu efpofo Conjiamiò^ Chloro , depois que Diacle- ciano o elevou a Cefar , foi
por
3i6
Era
330
Taboa Chronol.
pôr Teu filho Conjiantino ex- altada a Augufta Imperante, dedicando lua rida ás rir- tudcs , com q>e terminou ieus glorioíos dias , contan- do 80 annos de idade.
Dedicação da ncv^a Cida- de de Byíancio em Conílan- tinopola 5 011 nova Roma , onde íe celebrarão taó ref peitáveis Concilios , e íe formou o centro do íciíma, que ainda hoje perfevera.
Leis de Conjiantino con- tra os hereges , naó fendo os Arianos comprehendi- dos. Ario reftituido , e de- cadência das antigas here- sias.
Concilio de Tyro , em que os Bifpos condemnáraó Santo Athanafw \ c outro de Jerufalém , em que Ario foi bem recebido.
Conjiantino deílerra a Sa- co Athanafio para Treveris, e Santo Antaõ Abbade dei- xa .
PATiA O IV. Século.
xa fegiinda vez fcu cleferto para luítentar a fé Niceaa contra os Arianos.
Concilio de Conftantino- pola j em que prevalece rao ainda os Arianos. Fim deí- venturado de Ario^ feu ca- beça 5 c primaz , poílo que íeus erros nao term.inalTem com a i\ia vida , antes fizef- fcm depois faraes progreí- fos 5 aíTim no Oriente , co» mo no Occidente.
Conjlantino em feus últi- mos tempos denegrio as grandes qualidades q mof* trira nos primeiros. Sua demora em ie iniciar nos Myílerios da Religião , dei» xando para a morte , o ba- ptifmo , e mais Sacramen- tos \ leu favor para com os Arianos ; fua fraqueza a ref- peito dos defenfores da fé \ fua crueldade com Crifpo , ; feu filh-o, e fua efpoía ¥auf* \ ta \ fua prefumpfao , íua • pro- !
Taboa Chronol.
prodigalidade , feii dcfva- necimenio ; faa ambição , e outros in-initos defeitos , fazem quaíi efqLiccer fuas virtudes. Morreo em Nico- media.
No mefrao anno forao acclamados Auguítos íeus fi- lhos 5 Confiam ino , Conftan* cio , e Conítante.
Confiantino o Moço , ref- tituio S2iV\io Atbanãfto i Çu2L Igreja , e moílrou-íe flivo- ravel a refpeito da verda- deira fé.
Nafceo Santo /imhroJJo , e morreo Eufebio de Ccfa- rêa diíferente do de Nico- niedia , grande fautor do Arianifmo.
Concilio Antioqueno muito numerofo , em que os Arianos aprefentáraô á fua vontade , huma formu- la de fé 5 obfcura ; patro- cinando a cauía o Impera- dor Confiando , em cujo Rei-
Para o IV. Século. 319
Reinado triiiiifoii femprc a Era íeita Ariana , e fc vio op vulg. primida a verdadeira Reli- gião, fobre o que lhe eicre- veo Confiante íeu irmaó , q imperava no Occi dente.
Naí cimento de S. 7íT6'« 342 nymo , que fez tantos fer- viços á Igreja por leiís ef criptos 5 práticci> , e exem- plos.
No Concilio de Sardica 347 forao fentcnceadas as cau- ías de Santo Athana-lo \ de Marcello Bifpo de Ancyra , e de Afclepas Bifpo de Ga- za 5 começando no mefmo Synodo as Appcllaçoens aos Papas 5 nao fegundo o Di retto ifidoriano , mas fó para que íimilhantes lides foílem reviílas por manda- do dos Romanos Pontífices em outros Concilios Pro- vinci^es; fendo Prezidcnre defta AlTemblêa , Ozio Bif. po de Cordova \ poíloque
os
Ta BOA Chronol.
os Bifpos Orientacs íe fe- parárao para formar ourro Concilio do meímo nome.
Concilio de Aries , em que os Arianos decidirão , cedendo o legado do rapa , : os outros Prelados á vio- lência que lhes fízerao ^ fi- cando condemnado Santo Athanajio , com oppoficao de S. Paulino dc Treveris , que foi deílerrado para a Frygia.
O Papa Libe rio defap- provou o dito Concilio , e unio-fe a Santo Eu f chio Vercellenfe, e 2. Lúcifer de Cagliaria para trabalhar em abrir os olhos ao Impera- dor.
Confiando , depois de morto Conflantino por feu irmaó Confiante , e eíle por Magnencio , que fe tinlia feito proclamar Imperador, e que deielperado de iuas deígraças íe matou a fi pro- i prio , j
PARA O IV. Século.
prio 5 ficou Senhor abfoluto do Império Romano.
Naíci mento de Santo A- gojlinho cm Tagaíle.
Concilio Mediolanenfeja que aíTiltio Confiancio^ e on- de quaíi todos os Bifpos ce- derão á fraqueza de con- demnarem Santo Athanafio^ no que naô convindo depois o Papa Liberto , attrahio o defterro , que padeceo na Trácia , cuja pena o levou aos íentimentos do Impera- dor , até fobrefcrever á ar- tiíiciofa formula Sirmienfe^ e rejeitar no Concilio de Ancyra a palavra confubf- tancial , do que arrependi* do á face da Igreja , foi feu nome poílo nos antigos Martyrologios.
Ozio depois de empenhar a Confiara ino para a celebra- ção do Concilio deNicêa , e a Confiante para o de Sar- dica , praticando fempreac- TdnuL X çoens
321
Era vulg.
Taboa Chronol.
çoens illuftres pela gloria da Igreja até á idade de loc annos , opprimido de tor- mentos fobrefcreveo á for- mula Sirmieiííe compofcr. por Potamio^ Bifpo de Lis- Doa 5 fegundo alguns Efcri- ptores eílranhos , e nacio- naes , como Fleury , Mo- raes 5 e o Bifpo de Peruam buco. Ozio acabou fua vida em Hefpanha , cheio de ar- rependimento 5 e protelian- do contra a violência que lhe haviaó feito.
Santo Hilário y Bifpo de Poitiers 5 a quem S. jero^ nymo chamava Rhodano da eloquência latina^ defendeo confiantemente a fé Nicena no Concilio de Milaó de 35-5- 5 no de Beziers de 356 , e no de Seleucia advogou de tal modo a caufa contra a Hetorodoxia dos Arianos, deícobrindo-lhe todos os artifícios , e enganos , que
PARA O IV. Século;
elles o fizerao logo voltar a França , onde terminou fua carreira cheia de triun- fos.
A aftucia, e violência dos Arianos foi quem fez aca- bar infauftiílimamente o Concilio de Rimini , for- mado quafi de 400 Bifpos ; finalizando lambem dous annos depois o Imperador Confiando , fautor de todo o Arianifmo.
A decima fexta formula de Fé inventada pelos Aria- nos no Conciliábulo d 'An- tioquia com os que lhe precederão , moftraó quan- to fluélua fempre o erro.
Graciano , e The o do fio , legislarão a favor do Chrif- tianifmo, querendo fó o ex- ercicio da Religião Catho- lica, oppondo-í'e a todos os erros gentílicos , e heréti- cos.
Prifcilliano , Bifpo de X 2 Avi-
324 Taboa Chronol.
Era I Avila jcondemnado em Hef- vulg, panha , e perfeguido diante de Máximo^ ipor Idacio Bií- po de Merida , e por Itla- cio 5 Bifpo de Oílbnoba , foi degollado , o que fe le- vou muito a mal pelos Pre- lados -Catholicos. 381 Segundo Concilio Geral
contra os Macedonianos. 388 Os dous Bifpos períegui- dores , depois da morte do ufurpador Máximo , fora 6 privados da Communhaó da Igreja , e bannidos pelas grandes defordens, que cau« íaiaó até quafi fe naò faber quem íuftentava os erros , q elles attribuiao aos Prifcil- lianiftas , ou quem os con- tradizia , como fe pode ver em Siílpicio Severo na Vi» da de S. Martinho-^ da mef- ma maneira , que fuccedeo pelos artifícios dos inimi- gos da Graça efficaz per fi mefma , a refpeito Jance^ nijmo. San-
PARA O IV. Século.
Santo Agoftinbo baptiza- do em 387 foi feito Bifpc
Hippomia , Valério por Provincial.
e coadjutor de hum Concilio
Os Imperadores de fie Sécu- lo faõ :
Diocleciano , e Maximiano^ que reinirac) ainda perto de 5 annos até
Cbloro , c Galério quaíi 2 até
Confiantino Magno 31 até Conílantino o Moço 4 até Cowlante feu irmaó , con- tando da morte de Confiantino 13 até Confiando irmão de ambos, e contado do mefmo mo- do 24 até Todos tres governarão o Império dividido , fucce- dendo o ultimo no man- do univerial. Juliano A- poíta*
3^6
Era vulg .
Taboa Chronol.
poftata 5 que reinou 2 an- nos até - 363 Joviano durou poucos me- zes.
Valentiniano formou dous Impérios , ficando com o argan-
do Occidente , e do o do Oriente a
Faleminiano J. no Occidente 1 2 até - 375
Falente^ que re- geo i4annos até - 378
Theodofío 1. 17 até ' - :595
Arcádio 5 ate - - - 400
Graciano 8 até
- - - 585
Faiententano IT
- -.- 595, Honorio 7 ate
- - - 400
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ELE-
.vtSví^ ^^Clu
ELEMENTOS
D E
HISTORIA ECCLESIASTICA.
QUARTO SÉCULO.
Nova perfeguiçaÕ 7to tempo de Dio- cleíiano.
Sombra da paz , de que a Re- ligião Chriftã gozára depois de Va^ kriano ^ paz que lo fora interrom- pida por inquietaçoens paíTageiras ; 5, a palavra Evangélica ( diz Eufe- 53 hio ) era honrada por todos os ]io- 55 mens Gregos , e Bárbaros. VofTos
Principes davaô mil teítemunhos 35 de bondade áquelles , que faziaó 55 delia profiíTao. ConfiavaÕ-lhes go« 55 vernos das Provincias 5 difpen-
fando-os da neceíTidade de oífere-
„ cer
328 Elem. d' Hist. Eggl;
„ cer os Sacrifícios , que a piedade 55 lhes vedava. Os palácios Imperiaes 5, eítavao cheios de Fieis , que íe 35 gloriava6 de adorar na prefença 5, de feus Soberanos o nome de 53 C. A exemplo dos Monarclias , os
Intendentes , e Governadores das 3, Provindas tributavao toda a eípe- 5, cie de honrofo obfequio aos pri- ,5 marios de noíla Religião. Noifos
ajuntamentos vinhaô a fer tao nu- 5, merofos , que as antigas Igrejas 5, naô baftavaó já para receber em íi jy hum povo immenfo. Nós as edifi* 5, cámos mais efpaçoías em todas as 35 Cidades. Tal era noíTa venturofa 35 poíiçao 5 em quanto cuidamos me- 3, recer o patrocínio divino por hu- „ ma vida íanta , e irreprehenfivel.,,
Porem o focego , de que a Igre- ja gozou 5 principalmente no Orien- te 5 produzio ieu eíFeito ordinário; a relaxação de difciplina , e de coílu- mes. A inveja 5 ( continua Eufe^ ,5 bio) a ambição 5 a hypocrifia jfe 3, introduzirão entre nós. Divifoens „ entre os Miniftros da Religião^ di-
IV. S E C TJ L o. 329
5 5 vifoens entre os povos. Nós guer- 5, reavamos , huns com os outros , e 5, ainda que naó foRe pela violência 55 das armas , íempre o faziamos á 55 força de diicuríbs , e de efcriptos. 5, Aqueiles mefmos que fc achavaó
na Jerarquia dos Paftores defpre- 55 zando os preceitos divinos , irri- 55 tavaó-le entre íi por pendências , 55 por animoíidades , c fe diíputavao 55 os primeiros lugares da Igreja de
J' , como principados fecula- 5, res. NoíTos peccados accenderao 55 contra nós a cólera de Deos , e a 55 difpuzerao para caíligar-nos , a íiui 55 de nos tornar a trazer aos feus ca- 55 minhos.
A períeguiqao foi folemnemente declarada por hum Edido público em 303. Diocleciano havia aíTociado ao Império ( como já o diííemos ) Maxiyniniano-Herculeo^ e Conftancio* Chloro 5 pai do grande Conjiantino, Confiancio Príncipe íuave , e mode- rado poupou o fangue dos Chrift^ós; jnas outros dous CoUegas fe aííigna- láraõ por lua tyrannia- Gakrio-Ma^
ximi»
330 Elem. d' Hist. Eccl.
vcimino tinha defde o anno 298 in- quietado muito os Soldados Chrií- Taos 5 que forniavaó huma parte de íeu exercito. Aluitos foraô debaixo de diveríbs pretextos , facrifícados ao feu furor.
Em fim diíFerentes Ediclos affi- xados fucceíTivamente cotra os Fieis,, lornárao todo o Império em theatro de barbaridade. Foi neceiTario oíre- recer incenfo aos idolos , ou acabar por lupplicios os mais horrivei?. O Papa Marcellino , que facrifícára por fraqueza , purificou-fe deíle op« probrio por hum glorioío martyrio , no oitavo anno de feu Pontificado. Marcos , e Marcellino , irmãos de hum nafcimento illuítre em Roma ; Cofme 5 e Damião ; também irmãos, Euthymio , Vicente , Sebajiiao , San- ta Jgnez 5 Santa Luzia , e huma in- finidade de outros alcançarão a pal- ma do martyrio. Os tormentos em- pregados contra os Chriftaós arre- batáraõ-lhes hum taó grande nume- ro , que em huma ló noute de Na- tal dezefete mil encerrados em huma
Igre-
IV. Secui.o. 331
Igreja , forao confumidos pelas cha» mas. HouveraÔ no Ep^ypto cento e quarenta e quatro mií e íetecentos Martyres , e deiíe tempo he que co- meçou a época dos Cophtes , cha- mada por outro modo a Era dos Martyres , ou de Diocleciano*
DiíFerentes circunílancias leváraó Diocleciano a eíles exceílos de fero- cidade, que pareciaõ contrários a feu carafter , e ainda a feus principios. Eíle Príncipe tinha a fraqueza de querer defcobrir o futuro , e de fe ■perfuadir , que fe podia ler nas en- tranhas dos animaes. Hum dia , que elle facrifícava para latisfazer lua vã curiofidade , alguns officiaes fizerao o fignal da Cruz, Perturbárao-fe os Sacerdotes , e naó achárao mais nas viélimas os íignaes , porque elles pertendiao conhecer a vontade dos deoíes ; ou talvez ( diz Crevier ) fin- girão nao os defcobrir , a fim de ir- ritar o Príncipe contra os que elles aborreciaô, como deflruidores de feus altares , e Cenfores de feus dolos re» ligiofos. O que fe fabe , he que ha- vendo
3 3 2^ Elem. d'Hist. Eccl.
vendo declarado ao Imperador , que a prelença dos profanos homens y os perturbava em luas funçoens , Dio- cleciano fe encolerizou, íegundo La- Ciancio yQonxrz os que o privavao dos conhecimentos de que era ardente- mente delejoíb.
Seu refentimento foi huma das caufas do primeiro Edidlo , publica- do contra os Chriftaos. Eíte Edifto naó continha , na verdade , pena de morte \ porém á excepção do ultimo rigor 3 comprehendia todos os ou- tros : deftruiçao das Igrejas ; priva- ção das dignidades pelo que tocava aos grandes , e de liberdade pelo que dizia refpeito ao pôvoj ordem de ap- plicar a tratos , fem diftinçaô de no- breza , nem de fexo ; prohibiçoens aos Fieis de intentar acção alguma em feu proveito nos tribunaes &c.
Tal foi o primeiro Ediélo pro- noftico de hum Decreto ainda mais cruel. Promulgou«fe logo hum fegun- do Ediílo , dirigido efpecialmente contra os Bifpos , Presbyteros , e ou- tros Miniftros do Chriíliaaifmo. Má-
dava-
IV. Século. 333
dava-fe aos Mngiílrados , que os prendeíTem , e que pela prizao , e fupplicios os forçaíTem a facriíicar ás falias divindades.
Eíles dous Edidlos baílavao para obrigar o? Juizes a entregar-íe aos furores da vingança , e da fuperíli- çaó. Elles ainda forao mais auclori- zados quando a pena de morte fe pronunciou claramente por novos mandados contra todos os que pro- feíTaíTem a Religião Chriíla.
Duas in fel ices circunlbncias ha- viaó contribuido no principio a in« ílammar a cólera de Diocleciano , e a juílificá-la a íeus prevenidos olhos. Huma foi o cffeito do esforço in- difcrcto de hum Chriílao : outra foi manejada pelo negro artifício de Ga» lerio 5 que naô produzio eífeitos me- nos funeftos.
Logo que o primeiro Edidlo foi affixado em Nicomedia , hum Chrif- tao lacerou-o publicamente. Pren- deo-fe , e entregue oos ai/:rozes , dei- tarao-no fobre humas grelhas , e foi confumido pelo fogo. A conftancia
e
334 Elem. d*Hist. Egcl.
e lerenidade , que confervou no meio dos íupplicios , expiou fem duvida diante de Deos a falta de tal temeri- dade , que punha em riíco feus ir» maos. Ke fácil conceber ( diz Cre- vier ) que impreííao faria no efpiri» to de hum Principe tal , como Dio- cleciano 5 huma acçac) taô oufada , e tao contraria ás regras da prudên- cia Chriíiá.
Galério , íeu Collega , filho de huma fanática Sacerdotiza , unindo juntamente a barbaridade , e a fuperf- tiçaõ , azedou ainda m.ais o refenti- mento do Im.pcrador por hum detef- tavel artificio. Mandou occultamen- te pôr fogo por alguns de feus of- ficiaes a huma parte do palácio Im.- perial , e fez carga deile crime aos Chriílaós , que por fe vingarem , di- zia elle, queriaó desfazer-fe dos dous Príncipes , que lhes haviaõ declara- do a guerra.
Diõcleciano , irritado mais do q em tempo algum , mandou os Edi- âos da perfeguiçaó a Maximiano , e a Conjiancio , para que os fizeHem
exe-
IV. Século. 335'
executar em fuas repartiçoens. Ma- xiyyiiano , cruel por caradler , e cujas maôs eftavao já á muito tempo tin- idas com o fanguc dos Chriílaõs , fe moitrou promp ri llur.o na execução dos EdiCros publicados contra eiles. Conjiancio , cujos coítumes , e prin- cípios erao mais moderados, permit- tio na verdade , que os Templos iblTem demolidos , mas poupou a vi- I da dos homens. Se o fanático zelo de alguns Magiílrados coroou mui- tos Chriílaos nas Gallias , e em Hel- panha , foi , porque elie fe vio for- çado a tolerar , o que fe nao atre- via impedir , conílrangido pelo vigor dos Ediiftos , e pelo refpeito para com Diocleciano.
Porém em quanto deixava obrar alguns maníacos , que eftavaô longe de feus olhos , protegia a Religião Chriíla em fua Corte. Julgou mais dignos de fua confiança os que fe avantajavao mais em deíVelar-fc pe- la Religião, Para os conhecer ex- perimentou-os do modo feguinte. Fingio querer privar de feus cargos
336 Elem. d'Hist. Ecgl.
aquelles , que nao facriíicaírem aos Ídolos. Muitos renunciáraô á própria Fé , a fím de coníervar feus empre- gos. Conjiancio , períuadido de que os que faltavaõ á fidelidade de íeu Deos , naó coníervariao a de feu Principe , apartou eíles laxos preva- ricadores 5 e ío colheo os oííiciaes , que preíeriao fua Religia6 a todas as efperanças humanas.
fragas com que o Império foi af- fiigido...
Em quanto a períeguiçao fu (cita- da por íèus tres Coll egas , nao fo« cegou defde 303 até 311 , que o Imperador Galério a mandou celTar por hum Edidlo publicado em Sar- dica , Deos vingando o fangue de feus Santos , fulminou os caíligos de fua dextra , por hum modo efpan» tofo , fobre os Imperadores ^ e fobre todo o Império.
A pefte fez horrorofas defola- çoens > e hou verão em todas as Pro- víncias formidáveis terremotos. Deos
que
V
IV. Século. 537
que até enrao fe fatisfez de nioftrar a vara de feu furor de tempos a tem- pos fazendo apparecer as naçoens barbaras , que cercavaò o Império , foltou eítas ( diz Orojlo ) que reveíli- das da vingança divina , vieraó de tropel fobre todas as Provincias. A deílruiçao foi taó grande , que 150 annos depois , fó fe viaô pobres ca- banas 5 onde d^antes davaô nos olhos Cidades opulentiílimas. O mefmo Senhor permittio , que os Romanos fe mataífem huns aos outros. Sobre- vieraõ»lhes guerras civis , que affli- gíraô aquelles a quem os Bárbaros naviaó perdoado.
No ultimo anno da perleguiçâó > houve huma ta6 grande íêcca , que caufou fome. Eíte fiagello foi íegui- do de huma doença peílilencial ^ que acommettia particularmente a vifta , fazendo-a perder a huma in- finidade de homens , mulheres e infantes. A fome havia fido taó ex- trema , que huma pequena medida de trigo 5 valia novecentas e cincocn- ta libras da moeda de França. Mui- Tonu L Y tos
338 Elem. d' Hist, Eggl.
tos foraó violentados a vender aos ricos feus filhos , para dilatar hum pouco fuas vidas : outros vendia6 pouco a pouco fuas terras , e aílim fe achavaò reduzidos á ultima in- digência. A maior parte das peíToas de condição achavaô-fe tao magras , e defcarnadas , que íe podiaó to- m^ir por efpeélros , e por fantafmas. Cahiaó no meio das praças , e ruas , cobertas já de corpos mortos , que nellas fícavaô por muitos dias in- teiramente mis 5 fem que peíToa al- guma os enterraíTe. Os caens comiao muito de luas carnes , o que obri- gou a matá-los , com receio de que coftumados á carne humana , fe nao danaíTem. Deíle modo punio Deos os Pagãos da injuíliça , com que fe ha- viaó apoderado dos bens dos Chrif- taõs 5 e do furor , que exercitarão fobre os Martyres , ainda depois de mortos , impedindo que fe lhes def- le fepultura.
A pefte juntando-fe a tantos ma- les 5 acommettia aquelles , a quem luas riquezas refugiavaó da fome.
Os
IV. S E c u L o; 339
Os Governadores das Províncias , os Magiftrados , e as outras peííoas coníideraveis , eraô improvifamente arrebatados pela morte , acompanha- da de violentas dores. Por toda a parte fó fe ouviao ays , e gemidos. O numero dos mortos era infinito , e viao-íe acabar famílias inteiras.
Só os Chriftaos fe aproveitarão de fimilhantes infelicidades , dando a todos os povos fignaes fenfiveis de fua piedade para com Deos , e de fua caridade para com os homens. Elles unicamente , entre tantos in- fortúnios , moftráraô compaixão , e humanidade. Viaó-fe todos os dias occupados , huns a amortalhar , e a enterrar efte numero infinito , de que ninguém cuidava de modo algum ; outros , a ajuntar os pobres de fuas refpeélivas Cidades y para os foccor- rer com o precifo.
A pezar da beneficência dos Chrif* taos , Maximiniano fez reviver a perfeguiçaô em 312 , mas Conjlanti- no , prote^flor declarado da Religião Chriílã fufpendeo os eíFeitos defta nova tcmpcílade. Y 2 Rei*
340 El£M.- d' Hist. Egcl.
Reinado de Conílantino.
EStc Príncipe era filho à^Conftíyn* cio^Chloro. Moftrou-íe deíde lo- go digno de íeu pai por íuas vir- tudes civis , e militares. Depois de ter vencido o tyranno Maxencio em 322 5 achou-fe Senhor do Império Romano 5 e reconheceo pubiicamen^ te , que fó era ao Deos dos Chrif- taòs , a quem elle devia feus triun- fos. Entre os Imperadores , que o precederão , aquelles que julgavao aplacar feus deofes , facrificando-llies os Chriftaos , fó tiveraô recompen- fa de oráculos enganadores , e hu- ma funeíla morte. Efta reflexão o penetrou , e o moveo a invocar o verdadeiro Deos. Hum dia que fe achava á frente de feu exercito , vio no Céo o fignal da Cruz com eftas .palavras : "Por ejie fignal vencerás. Foi na verdade vencedor , e por to- dos os modos manifeftou feu reco- nhecimento para com aquelle Supre- mo Sçr , que lhe havia concedido
a .
IV. Século. 341
a vldloria , acordando aos Chriftaós, por dous Edictos , a liberdade de profeflar lua Religião. O mefmo . Imperador profellou a Fé de jF. C , . ainda que differiíTe feu baptiímo até ao momento de fua morre.
vSeu zelo pelos progreíTos do Chriílianilmo era extremofo \ humas vezes levanravao-íe Templos por faas ordens , e por fuas defpezas i outras aíTignava fundos para a con- ícrvaçao deftes Edifícios , e fubfif- tencia de fcus Miniftros. Sua gene- roia piedade o levou , naó-*fómen- te a accumuii-los de bens , mas tam- bém a coníirmar as doaçoens , que lhes faziaô os Fieis.
Em refpeito á Santa Cruz , e fígnal de noíTa redempçaó , prohibio de eondemnar para o futuro criminofo algum a efte fupplicio. Eíle mefmo fignal adorável foi collocado por lua diipofiçao fobre os eílandartes , cu- nhado nas moedas , e pintado eiií todos os quadros , que tiveíTem o feu retrato. Em fim , quando depois da morte de todos os feus concur-
ren-
54^ Elem.' d ' HisT. EccL,
rentes 5 fe achou Senhor fó do Im- pério j prohibio os facrificios públi- cos , e particulares ; mandou fechar hum grande numero de Templos , defpojou-os de feus ornamentos ; ti- rou os jogos fecúlares , e o horrí- vel erpedaculo dos gladiadores. Os Magiíirados , e os Governadores , longe de fe oppôrem ao augmento da verdadeira Religião , favoreciao- na de todo o feu poder ; ainda que menos por zelo , que por politica.
^y, Origem do Arianifmo.
Os defvelos de Confiantino fobre a extinção da idolatria , foraô diftra» hidos durante algum tempo , pelas inquietaçoens , que lhe caufou hu- ma heresia quafi tao perigofa , co- mo o paganifmo. Ella devêo fua ori- gem a hum Presbytero de Alexan- dria , chamado Arío, Inftruldo nas Iciencias humanas , de hum efpiri- to vivo , ardente , fubtil , fecundo cm fahidas , exprimindo-fe com ex- trenia facilidade , paliava por inven-
eivei
IV. Século. 343
eivei na difputa. Efte homem ao mefmo tempo ardiloíb , e arrebata- do , era taó prompto em penetrar o coração dos homens , como há- bil em dar-lhe movimento por todas as íuas molas. Ainda q foiTe „ cheio
de artificio , e nafcido para a intri- 5, ga (diz M. le Beau) ninguém pare» 5, cia mais íimplice , mais humano , 55 mais dotado de franqueza , e de „ reflidao , ou mais diftante de to- 5, da a cabala. Seu exterior ajudava 55 a Icducçaõ. Huma figura alta ,
hum rollo compoílo, pallido, mor- 5, tificado , hum acceíTo graciofo , 3, huma converíaçaô liíongeira , e ,, perfuafiva ; tudo em ília peíToa
parecia refpirar fó virtude , cari- 5, dade , e zelo pela Religião.
Para formar hum partido , que o feguiffe , começou a efpalhar no anno 324 huma doutrina, que fez tantos maiores progreífos , quanto mais lifongeava o orgulho da razão humana. Segundo eíte herefiarca , o Vilbo de Deos naó era igual ao Pai , nem de fua mefma natureza , e por
coníe-
"54^ Elem. d *Hist. Egcl.
confequencia naó era Deos. Só via nelle huma creatura tirada do nada , poíTuindo na verdade as perfeiçoens, que o faziaô participar da Divinda- de por hum modo particular , mas capaz de peccado , e íujeito ds fra^ quezas da humanidade.
Arío fuftentou feus erros por hu» ma dialedlica fubtil. Os Ibíifmas ( diz o Abbade Fluquet ) faó em to- do o tempo enganadores , quando elles combatem hum myfterio. O he« refiarca fez adoptar íeus erros por hum grande numero de fimplices Fieis 5 de Diáconos de Presbyteros , e de Bifpos. As mulheres principal- mente dcixavao-fe ligar pelas exte- rioridades de huma devoção terna, e infinuanre , que Ário fabia ta6 bem fingir em feus ânimos. Setecentas virgens de Alexandria , e de fuas vifiahanças foraô íuas adherentes , como feu melhor Padre efpiritual.
Seus profelytos dogmatizavao nas praças públicas , efpalhavaõ-fe por outras Igrejas , e disfarçando ao principio fua doutrina com artificio ,
im-
- • IV. ' Século. 345'
immediatamente communicavao feu veneno. Por todas as Cidades j e ^povoaçoens do Egypto , da Syria , da Paleftina , íb fe ouviaÔ difputas, 'e conteítaçoens. O povo era efpcíla- dor 5 e juiz do combate , vindo as ■familias a dividir-fe pelos mefmos dogmas , que as deviao reunir.
Dous Concilios de Alexandria a- •nathematizáraó fuccefíivamente o au- (Sor de tantos males^ Porém Ário tinha Seftarios , cujo credito , e gé- nio contrabalançavao os esforços , •que faziao os Prelados Catholicos para extinguir fua heresia nafcenie. Seus mais célebres partidiilas , fo« Tao os Eujebios , hum Bifpo de Ni- comedia , outro de Cefarêa ; ambos iníinuantes, lifongeiras , dobrando-íe ás circunftancias ; porém o primei-^ ro mais ou fado , e adtivo ; o outro mais aeommodado , e circumfpeclo. Eíles dous homens perigofos 5 obra- fVaÕ de conloio. O primeiro deo aí;/- lo a Ario , quando foi obrigado a deixar Alexandria.
Em limilhante afylo he que eíle
here-
34^ Elem. d' Hist. Ecgl.
herefiarca compôz feu poema inti- tulado , TH ALI A, Efte titulo , que fó annunciava alegria defeítins , era veríificado na meliiia medida , que as Cançoens de Sota de , f a mofas por fua extrema indecencia. Ario leme- ou nelle os princípios de fua dou- trina ; e para o tornar acommoda- do á capacidade dos efpiritos mais fimplices , fez cantigas proporciona- das ás diverfas condiçoens do po- vo. Formou- os para os viajantes , para os marítimos , e para os mais officiaes. A qualidade dtprofcrhto , e de perfeguido , que fabia fazer tao bem apreciar, lhe attrahia a com- paixão do vulgo 5 e igualmente a de certos Bifpos.
Eufebio de Nicomedia oppôz aos Concílios de Alexandria, outro com- pofto dos Bifpos da Bithynia , que foi favorável á doutrina de Ario. Inquietava tudo nas Igrejas do Egy- pto , da Lybia , do Oriente. Naó fe viaó mais , que ditos de diver- fos ranchos , e cartas fobfcriptas por huns , e rejeitadas por outros ,
annun.
IV. Século. 347
annunciando tudo hum próximo in« cendio.
Concilio de Nicea,
Conjiantino prevendo as confe- quencias occafionadas pelos novos ^rros 5 efcreveo huma carta a Ario , e a leu Bifpo Alexandre , em que fallava da alteração , fegundo a idêa que delia fe lhe havia dado. As ,5 queftoens -que vos dividem ( dizia 35 o Imperador ) naó lao neceílarias, 5, e íó procedem de huma inútil o- „ ciofídade : pódem-fe excitar para
entreter o efpirito ; porém ellas „ naó devem chegar aos ouvidos 5, do povo. He neceíTario neílas ma-
terias reprimir o prurlto de fal- „ lar. Vós no fundo fois do meímo 5, fentimento , e com facilidade vos
podeis de novo unir. Se naó po- „ deis concordar fobre huma quet
taó taó frivola , ao menos foffrei-
vos neíle debate particular. Pôde ler que efta carta do Impe- rador , ( diz o Abbade Racine ) em
que
34^ Elem. D* HiST, ECGL."
que impõem filencio aos dons par- tidos foíTe formada por Eufebio de Nicomedia : porém no que toca á queftaô , que ahi fe chama frivola , confiftia em íaber , fe J, C. era Deos, ou creatura , e por confeguinte , fe tantos Martyres , e outros Santos , que o adorarão, depois da publicação do Evangelho, tinhaô fido idolatras , | adorando huma creatura , ou íe el« ' les renderão feus cultos a dous deo- les , fuppondo , que fendo Deos , naõ era o meímo com feu Pai.
A Carta de Conftantino , naó ha» vendo produzido o eíFeito , que elle efperava , julgou que era neceíTario convocar huma Synodo geral dos De- putados da Igreja: enviou pois a to- do o mundo Chriftaó cartas circu- lares para convidar os Bifpos , e os principaes membros do Clero , a vi- rem a Nicea na Bithynia.
Trezentos e dezoito Bifpos , e hiJm numero infinito de Presbyteros , e de Diáconos íe acharão no Conci» lio. A grande idade do Papa S. Sil- iftjlre o impsdio alTiílir ; porém en^
. Viou-
IV, Século. 349
viou-lheTeus l.Qg?Áos,Coní}a7ítíno foi a elle em peíToa com o fím de fer o mediador da paz da Igreja , e ainda que íc achava no eftado de Cathe- cumeno , tomou lugar entre os Bií- "pos em huma cadeira de ouro. O Concilio celebrou-fe no palácio Im- perial. A abertura íe fez em 19 de Juniio de 325 : citáraõ o Presbytero Ario , que apoiado de alguns Biípos, teve a ouíadia de defender íuas opi- nioens , poílo que foffe confundido por Santo At bana fio , que nelTe tem- po , fó era Diácono. O Concilio de- pois de teftemunhar o horror , que tinha á doutrina de Ario , quiz efta- belecer a doutrina da Igreja. Come- çou-fe pois declarando , que J. C. he verdadeiro Deos , igual ao Pai , fua virtude , lua Imagem , fubfiftin. do nelle , e em fim o mefmo Deos. Como os Arianos , fecundos em lub- tilezas , achavaô fempre meios de e- Judir eftas expreííoens , o Concilio naó achou termo mais próprio para exprimir a unidade indivifivel de na- tureza , do que a palavra Conjuhjlan»
3)0 Elem. d ' Hist. Egcl.
ciai. Eda palavra , em que Santo Athanafio teve a maior parte , foi depois o terror dos Arianos.
Quando convieraõ neíta palavra , e em outras próprias para exprimir a Fé Catholica , Ozio formou delias a folemne proníTaó , tao conhecida depois pelo nome de Sypibolo do Con- cilio de Nice a : o qual foi concebi- do ncíles termos : Nós cremos em ,5 hum fó Deos , Pai todo poderofo , ,5 Creador de todas as coufas , vi» 55 fiveis 5 e invifiveis : e em J. C ,5 luim fò Senhor, filho único de 55 Deos 5 gerado da mefraa fubílan- 3 5 cia do Pai , Deos de Deos , luz 35 de luz 5 verdadeiro Deos de Deos j5 verdadeiro : gerado , e naõ feito, 55 confubílancial ao Pai : por quem 5 5 foraó feitas todas as coufas no 55 Céo , e na terra. Que por nós 3 5 outros os homens 5 e pela noíTa 5, falvaçaó defceo dos Cécs , incar- 55 nou 5 e fe fez homem ; fofFreo 5 55 refuícitou ao terceiro dia ; íubio 5, aos Céos 5 e virá julgar os vi- 5, vos 5 e os mortos. Nós cremos
„ tam-
IV. Século. 351
também no Efpirito Santo.,, O audlor do Arianiímo foi logo deíler- rado com feus principaes adherentes, e toda a arrogância , que elle liavia aíFecl:ado ao entrar no Concilio , íe •'mudou em opprobrio.
Eftabelicida contra Ário a Coníub- ftancial idade do Verbo, paílou o Cõ- cilio aos regulamentos da dilciplina : declarou , que para o diante fe ce- lebraria o dia de Pafcoa , naó ao da Lua decima quarta , mas no Domin- go , que fe feguiíTe a Lua cheia de- pois do equinoccio da primavera : af- fim ficou decidida para fempre a queílaò agitadiíTmia no Pontificado do Papa S. Vicíor. Eíla decifaõ foi feguida de vinte Cânones de difci- plina 5 que nós ainda temos. Prohi- bio-fe ordenar neofytos , e os que tiveííem perdido a graça baptiímal , por mais penitencia , que tiveíTem feito. Vê-fe a divifao das Provín- cias eílabelecidas , e o nome de Me- tropolitano , dado ao Bifpo da Ca- pital. Prohibio-fe igualmente debai- xo dc qualquer pretexto que foíTe ,
35'2' Elem. d ' HiST. ECGL.
o deixar Bifpo algum , Presbytero , ou Oiacono , huma Igreja para paíTar a outra , olhando-fe como abufos as translaçoens , que comcçavaô a in- troduzir-fe. Os Bilpos das tres gran- des Capitães do mundo , Roma , Alexandria , e Antioquia tem jurif- dicçaô nas Provindas viziniias , &c. &c. O imperador antes de.defpe- dir os Padre? , iionrou-os com íeus prefentcs , e beijou as cicatrices da« quelles , que haviaô confeflado ge- neroíamente a J. C no meio das tor- turas. A conclufaó defte Concilio , o primeiro eucumenico , foi em 23 de Agoito de 325'.
Rejlituiçao de Ario ; fua morte,
Ario tinha numerofos fequazes na Corte , entre outros ^ hum Sacerdo- te que dominava com exceílb o eí- pirito de Conjfíantino \ porque fua irma Conftancia ao efpirai'lho havia recommendado. A inftigaçaó , e em* penhos defte Presbytero , foi , o he« refiarca reílituido depois de tres an«
nos
iV. S E C Ú L Ol
nos de deílerro. Prefentou ao Impe> fador huma profiíTao de fé , cujo ve- neno fe achava òcculto debaixo dô termos equívocos. Cenflantino\]^l' gando-o Catholico , permittio-lhé entrai* de novo em Alexandria. San- to Athanafio fucceíTor de Alexan» ãre , e defenfor invencivel da Di- vindade do Verbo , naó quiz rece- bê-lo em fua communhaô ; Os Aria- nos o denunciáraó a hum Concilio^ convocado logo em Cefarêa , e tranf- ferido a Tyro em 335', onde foi d^pofto por crimes imaginários.
Efte Concilio reCebeo huma prò- fiíTaõ de fé de Ario , concebida cm termos capcioios , e efcreVeo em feu favor á Igreja de Alexandria. O po- vo recebeo com muito cuílo o pérfi- do novadof , por que lhe àttribuia o defterfo de Santo Athanafio , que a- çabava de fer mandado a Tfeveris. Conjlantino , inítruidó do defaíTõce- go 5 que a prefença de Ario cauíàvá na Alexandria , chamou-^o a Conftan-í' tinopdla , c lhe perguntou fe feguia á fé de Nicéa ? Ariò o fegurou com 2^7/7. /. Z jura-
3^4 Elem. d' Hist. Egcl.
juramento , que fua crença era ortho- doxa j e que nunca defendera os er- ros 5 pelos quaes o haviao anarhe- matizado em diverfos Concílios. O Imperador ordenou immediaramcn- te a Alexandre Bifpo de Conftanti- nopola , que o admitiíTe á Commu- nhaó dos Fieis. O Santo Prelado a- nimava-fe para refiílir ao herefiarca, quando eíle defventurado morrco , eiVaindo-fc de fuas meímas entra- hhas , na occafiao em que hia á Igre- ja acompanhado de peíToas com ar- rnas,a fim de confeguir violentamente o fruélo de fua empreza.
Invenção da Cruz, Piedade de Santa , . Helena.
-ri-
"Efte fucceíTo intereíTante para a 'Religião 5 havia fido precedido em 327 por outro ainda muito mais glo- TÍofo. Sãntã Helena Mil de Co njian^ tino , Princeza igualmente piedofa , e adliva , emprendeo na idade de 79 annos , a trabalhofa jornada de Je- rufalem , que intentava ornar de hu-
ma
IV. S E cu L o. 35'5'
ma Igreja magnifica. Todos os lu- gares 5 por onde paíTou , experimen- tavaõ lua generofidade ineígotavqj. Dava ás maós cheias , principalmen- te aos Soldados , e aos pobres j a huns dinheiro, a outros veftidos. O Imperador rendo-lhe acordado todo* os meios de fazer bem , a Impera- triz libertava os prifioneiros , per- doava aos criminolbs , tirava das mi- nas os condemnados a tal fupplicio , e em íim fua viagem , foi numa fe- rie de benefícios , e de graças.
Chegada a Jerulalém , ficou fum- mamente enternecida á vifta do de- plorável eílado , em que íe achavao os lugares Santos. Os PagaÓs tinhaó elevado íobre o Calvário hum Tem- plo a Vénus , a fim de que o culto abfceno deíla deofa defviaffe 05 ref* peitos 5 e acatamentos dos Chriftaôs. A mefma memoria do Sepulchro de jF. C. já eftâva perdida. Helena pelos indicios de hum Judeo , mandou de- molir o Templo da deofa da íenfua- lidade , e defcobrio o tumulo do Sal- vador. Cavando nos orredores deite Z 2 reípei-
.jyó ElsM. d' Hist. Egcl.
reipeitavel monumento , fe acliárao tres Cruzes , e hum milagre fervio l^ra íe conhecer a de jf. C
Helena adorou nejle lenho Sagra* do 5 nao o lenho ( diz Santo Anibro- Jio) o que feria renovar a idolatria y mas o Rei dos Céos , que havia Ji^ do prêgado nelle. Enviou huma par- te conlideravel delle preciofo theíb i- ro ao Imperador feu filho , e deixou o outro em Jerufalém em huma cai- xa de prata. Começou-fe logo ao re- dor do Santo Sepulchro, huma fum- ptiiofa Igreja com o titulo da Ke- furreiçaÕy edificando-íe quali ao mef* mo tempo outras duas j huma em Bethkm em obfequio ao berço de jF. C. ; e outra fobre o monte Oli- vete , para honrar fua AíceniaÕ.
Depois de haver dado aos San- tos Lugares todo o feu efplendor , voltou Santa Helena a feu filho , que recebeo feus últimos fufpiros no mez de Agofto de 327. Eíla Princeza ci- tava cheia de dias , e de virtudes. Tanto era fua figura mais refpcita- vel 5 quanto fc delvelava pela fim-
IV. S E c u LQ. 35*7
plicídade de feu ornato ,e práticas hu- mildes cm occultar a Mageílade Im- penal. Nas Igrejas , fó fe diftinguia das outras mulheres por feu fervor. Ao tempo de expirar , exhortou feu filho a íervir a Deos com temor , e o fortificou na fé.
Morte de Conftantino. Conftancio feu filho favorece o Arianifmo.
Confiantino fobreviveo fomente dez annos a fua Mai , morrendo enl 337 , regenerado pela graça do ba- ptifmo , que diíFerio re.ceber até d ultima doença. ElleTrincipe amou a Igreja , que lhe devêo todo o feu eí^ plendor , e liberdade : porém fácil em fe deixar enganar , affligio-a no cafo do Arianifmo , quando penfava fcrví-la. Entregou ás períeguiçoens dos hereges , muitos Bifpos dignos da fua protecção. O defterro , c de- pofiçao dos defeníores da Fé de Ni* cêa ( diz Mr. le Beau ) balançaó ao menos a gloria de haver convocada cfte celeberrimo Concilio. Em fim as
lu.
j Elem. d'Hist. Ecgl.
luzes com que o baptifmo lho efcla- receo o efpirito , lhe moílrárao igu- almente , que deílerrando os Prela- dos adherentes, á verdade , havia a- bufado de feu poder; recommendou, fe reftiruiíre Santo Athanafio , e fe protegeflem , os Orthodoxos.
Conftantino morrendo , ordenou , que o Império fe dividifle entre feus rres filhos , Conftantino ^ Conftancio , e Confiante , participando também delle feus fobrinhos Dalmácio ^ e An-- nibaliano : porém as ultimas vonta- des dos Príncipes fao raramente exe- cutadas. Julga-fe ( diz o Padre L<?«- gueval , ) que elles tem aíTaz manda- do em vida , e que fua auftoridade naó deve fobreviver á própria pef- foa. Os exércitos fó quizeraó obe- decer aos filhos de Conftantino , que dividirão entre fí o Império. Confi tantino o mais velho dos tres , ficou com a Gallia, a Hefpanha, e a Bretã» nha ; Conftancio com todo o Orien« te ; e Conftante com a Itália , a II- lyria , e a Africa.
O novo Co7iftantino , que havia
confa*
IV. Século, 35:9
confagrado á Religião as primícias de feu Reino, favorecendo os Or« thodoxos 5 foi mcrto defgraçadamen. te junto de Aquiléa em 340 , de 24 annos de idade. Confiante leu irmão , feito por fua morte Senhor de todo o Occidente , herdou feu zelo con- tra a heresia.
Confiando , que reinava no Orien- te , eftava bem longe de o imitar^ co- meçou feu governo pela morte cruel de feus parentes , e continuou-o pe- la perfeguiçaó dos Catholicos. Os Arianos , favorecidos por efte Prín- cipe , convocáraó hum Concilio em Antioquia , no qual deraô por fuc- ceíFor a Santo Atnanafio , que tinhao depofto , hum de feus faccionarios , chamado Gregorio, Efte intrufo , querendo fazer íua entrada em Ale- xandria , fe revoltou o povo , e mui- tas peíToas forao mortas violentamen- te. Os Templos forao profanados pe- los Pagãos , enti'ando nifto á com- petência ; os Santos Myfterios fe ví- raó calcados aos pés , e as virgens ultrajadas^
San»
|ÓQ ElEM. d ' HiST. ECCL.
Santo Athanafio rçjlahelecidol
Confiante deteftava tanto o Aria* nifmo 5 quanto feu irmaô Confiancio parecia ama->-lo, Auniaó de Sanio A- tbanafiQ i verdade , fua firmeza , fua coragem lhe haviaó dado huma gran- de idêa deite Prelado. Refoluto a fa- zê-lo reftabelecer em fua Sé , inílou vivameneç feu irmaó a convocar hum Concilio. Confiando empenhado em huma guerra contra os Perfas , e te- mendo crear hum novo inimigo , re- cufando entrar nas intençoens de feu irmaó , efcr.eveo aos Bifpos Orien- taes para fe acharem em òardica Ci- dade de Illyria , Metrópole dos Da- dos. Junt:iraô-fe mais de fetenta Bif» pos, e os Prelados Arianos vendo lo" go , que o Concilio na6 feria favorá- vel a feu partido , retirarap-fe a Fi- lipolis na Trácia, onde em hum Con- ciliábulo excommungáraó Santo A^^ \ thanafio , e feus partidiftas. Entre- tanto eíle illuftre defçnfor da Confub* ftancialidade do Verbo \ ;eftabeleci-
do
IV, Século. jôt
do pelos Padres de Sardíca , foi en« tregue a feu rebanho j ainda que iíto fómente fe praticou em 349 , dous annos depois da Celebração do Con« cilio. A Congregação de Sardíca foi fempre venerada na Igreja pelos ana- tliemas arremeçados contra a impie- dade Ariana , ou pelos Sábios Ca» nones de difçiplina , que nella fe pro» mulgárao,
l^evoluÇõens do Império ; novas- per-* feguiçoens dos CathoUcos,
A paz dada á Igreja naó foi dç longa duraqaó. Confiante , que gq^ vernava o Império do Occidentej tinha , Minirtros , que íizerr.6 a pôvo deígraçado , e o Principe odio- .10, Magnenào^ Germano de Origem, c Soldado de fortuna , aproveitou-fe do defgofto dos VaíTallos, para ufur* par a dignidade Imperial. Fez-fe pro-- clamar Imperador em Autun no an- no 35'o entre- o divertimento de h'im fe-ftim , onde íe moítrou reveílido de purpura, Conjiante abandonado da,
me-
Elem. d* Hist. Egcl.
melhor parte de fuas tropas , vio»fe obrigado a fugir para Hefpanha ; porém foi apanhado, e morto em El- na nos Pirineos , depois de 13 annos de Reinado.
Santo Athanafio , que perdia feu mais zelofo protedlor , fez hum ex- cellente elogio das qualidades delle Principe. Louva mais que tudo fcu zelo pela fé , fuas liberalidades para com as Igrejas, e contempla fua mor- te 5 como huma efpecie de martyrio* ,5 Outros audlores pofteriores nao
daõ de Confiante huma idêa tao 5, vantajofa. Elles o repreíentaó pe-
lo contrario como hum Principe 5, dado aos mais infames excertos ,
e o accufaõ de fe haver apunhala- 55 do para naó cahir nas maos de feus 5, inimigos. Vale mais que nos guie* „ mos pelo juizo de Santo Athana» 5. fio. ( EIST.da Igreja GalliclÀwvo
^- )
Todavia Confiando vencedor dos Perfas , marchou contra Magnencio , que o desfez em duas batalhas cam* paes. Eíle ufurpador fugio paraLiao^
onde
IV. Século. 363
onde para fe fubtrahir á vingança de feus inimigos , le apunhalou , depois dé ter morto de raiva feus parentes , feus amigos , e fuá própria mai , em
Confiando , único Senhor do Im« perio , depois da morte deíle Gene- ral rebelde, tornou-fe em perfegui- dor dos Bifpos Catholicos. Perfe- guio-íe de novo Santo Athanafio^n-^o como errante em matéria de fé , mas como culpado de pertendidos crimes de Eftado. Hum Concilio celebrado em Aries no anno de 353 foi de tal modo allucinado pelas intrigas dos Arianos , que Vicente , hum dos Le- gados do Papa Liberio fobfcreveo á condemnaçaô de Santo Athanafw , que foi feparado da Communhaô da Igreja. O Papa cheio de afflicçaô , e amargura pedio hum novo Concilio á Conftancia. Foi convocado em Mi- lão em 35'5' 5 e podo que efte Syno- nodo folie compoílo de hum grande numero de Prelados Orthodoxos , 03 Arianos tiveraô a fuperioridade. Os Bifpos , que recuzáraÔ condemnar ^«
tha-
364 Elem. d Hist. Eccl.
thanafto , foraó deílerrados ; o mef- mo Papa hiberio , foi bannido para Thracia. Os hei eges annunciáraó en- tão feus erros nos púlpitos , ganhá- rao muitos Prelados Catholicos pe- lo engodo do dinheiro , e intimidá- rao outros por fuas ameaças. As di- gnidades Eccleíiafticas íó foraÓ para os Arianos, ou feus fautores^ os Con- cilios juntos por taes Bifpos , torna-
poder Secular. O Papa Liberto^ eno* jado de feu defterro aíFignou para al- cançar a fua reftituiçaò , hnma for- mula de Fé , em fi capciofa , e re- nunciou também á Communhao de Athanafio , que havia fido lançado fóra de fua Sé , e obrigado occul- tar-fe. Porém no meio deíla defola- çaõ 5 a Igreja foi confolada pela fir- meza de hum grande numero de Bif- pos das Gallias , entre outros Santo Hilário de Poitiers , que feu zelo pe- ia fá doutrina fez defterrar para a Frygia. Libéria envergonhado de fua queda , levantou-fe logo , e raparou
o
raõ-fe em Conciliábulos politi cujas decifoens erao reguladas
IV. S E C U L O. 365-
O efcandalo por fua piedade , e por Í€u ardor para com a Fé Catholica.
Divifaõ dos Arianos \ novos Confia líãbulos.
Os Arianos affimilhando-fea todos os mais hereges , começáraô a divi* dir*fe em muitas feitas. Os principaes Cabeças do Arianifmo tendo fido de- pois de Ario , Aécio , e Eunuco , íeus difcipulos tomáraò os nomes de Ae- cianos , e de Eunomianos . Chama» vaõ-lhes rambem Arianos puros ^ pa- ra os diftinguir dos Semi-Arianos. Eftes fuftentavaó contra os Arianos , que o Filho de huma natureza fimi- Ihante ao Pai \ porém naó queriaó convir com os OrtJiodoxos , que ti- veíTe a mefma eílencia. Cada hum deftes partidos dominou na Côrte , fegundo a difpoliçao do efpirito do mudável , e caprichofo Conjlancio. Facultava a huns , e a outros a per- milTaô de juntar Concílios, nos quaes fe efcurecia mais a verdade , do que fe aclarava.
Fi-
366 Elem. d ' HisT. Eccl;
Fizeraó-fe duas aíTembleas defte género no mefnio anno de 359 • hu- ma em Rimini á boi da do mar Ad- riático , outra em Seleucia na lUy- ria. A prim.eirafoi compoíla dos Bií- pos Occidentaes , e a fcgunda dos Prelados do Oriente. Ambos violen- tados em íiias decifoens , ou entre- gues á feducçao dos hereges , ferirão de algum modo a doutrina do Con- cilio Niceno.
Os Bifpos congregados em Rimi- ni 5 havendo no principio anathema- tizado o erro de Ario , acabárao pe- la aíígnatura de huma proíiííaó de Fé equivoca , em que naó percebe-' rao o veneno ariano que occulrava. Enraô os Arianos tirárao a maícara , e fegundo a expreíTaõ de S. Jerony- mo , o mundo Chriílao gemco com tal fraudulencia , admirando-fe de fe ter tornado em Ariano.
Os Bifpos , na volta para as íuas Diecefes , abrirão os olhos , e decla- rarão nao haver jamais confentido no indigniíhmo Decreto de Rimini. Uniraó-fe ao Papa Liberio , e aos
mais
IV. Século. 367
niai? 5 que nap tiverem parte em li- milhante dolo. Eíla foi a origem de huma perfeguiçaó , na qual Gau- dêncio , Biípo de Rimini , foi mor- to apedrejado , e baftonado pelos Sol- dados do Preíidente Marciano,
O erro achou ainda njenos obfta- çulos em Seleucia. A abertura do Concilio fe fez a 27 de Septembro , e de cento e feíTenta Bifpos , fó ap- pareceo Santo Hilário defterrado nef-. le tempo na Frygia , e doze , ou tre- ?e Bifpos do Egypto , que propu-
fnáraô confubílancialidade do Ver» o. O Concilio fe dividio. Os puros Arianos íizeraó á parte fua profiíTaõ de Fé , c os Semiarianos eftiveraá pela que fe havia formado no Con- cilio de Antioquia , celebrado em 341. Depois de íe haverem anathe- matizado mutuamente *, feparáraó-fe- fem concluir coufa alguma de feus intentos.
Os principaes dos dous partidos , partíraó a Conftantinopola , onde íe achava entaó o Imperador. Eíle Prin- cipc fempre addiílo á heresia , oc-
cupou-
368 Elem. d' Hist. Eggl*
cupou«íe unicamente em fa^ef afligrtar aos Deputados de Seleucia, é aos ou* tros Bifpos â formula de "Rimini , empregando fucceíTivamente as fol- licitaçoens , e as ameaças. Pronun* ciou a pena de defterro contra os que recUíaíTem íbbfcrever á dita fór-* mula , a decima oitava formada pe-' los Arianos : tanto he difícil de def- terminar a própria , e devida crença, quando qualquer fe defvia da da I* greja !
Convocou-fe logo outro Conci- lio em Conflantinopola , e Conjian- cio dirigio tódas as decifoens , fa-* zendo aííignar também a fórmula de Pvimini , taô favorável aos Arianos* Os que nao quizeraó , foraô olha*
dos com.o inimigos do Eílado.
■ 1 .
Morte de Conítancio*
O Imperador tinha com efFeito inimigos ; porém naó eraõ ós'Ca« tholicos. ytdíano íeu cunhado , ha^ vendo fido proclamado Imperador em Pariz , obrigou-o a por-fe á fren- ■'■ '■■^ ' te
IV. Século, ^ 3*59-^
te de fuas tropas. Na marcha , quê fez para combatê-lo, foi acommet- tido de liuma ardente febre , que de- repente fe tornou perigoía. Morreó pois na heresia , como havia vivido, tendo primeiro recebido o baptifmo de hum Ariano , chamado Euzaio Bifpo de Antioquia.
Eíte Principe , dizem , teve hum exceliente natural , mas foi corrom-
ido pelas lizonjas dos Cortezaôs.
enhores de feu efpiritô coílumaraõ- no pouco a pouco a confiderar a Corí- fubftancialidade do Verbo , naõ co- mo dogma , mas como huma vã fub- tileza Theologica , ou como humà queftaõ de pura curiofidade , de que os íugeitos inquietos , e ardentes quizeraô formar hum negocio im- portante.
Alguns Auftores Chriílaôs re- ferem 5 que em feus últimos momen- tos , tremendo á vifta do juizo de Deos fe arrependeo de tres coufas : primeira de haver derramado o fan- gue de feus parentes ; fegunda de ter dado a Juliano a igualdade de Ge.
- Tom. L Aa far ^
5/0 EleMí. D ' Hisr. Eccl.
ftr ; tefc€%ira de errar com os Aria- nos. Porém eítes faftos ( diz Mr. h Beau ) fa6 incertiíTimos. O que fe dá por leguro , he que elle fôra até os fins de fuu vida o jogo dos Arianos , e que os Prelados Catholicos fó ex- perimentáraõ nelle rigores ; ao mef- mo paíTo que os Bifpos hereges foraâ tratados com lumma bondade.
Reinado de Juliano.
Juliano , que lhe fuccedeo , abor- recia os primeiros Officiacs de Con- ftancio j e mais qiie todos a Eufebio Camarifta , que foi na Côrte o fuílen- taculo do ArianifmOi Permittio a to- dos os Chriftaõs , o profeíFar cada hum feus particulares fentimentos : a Fé de Nicêa renovou entaõ feu ef- plendor, e o erro perdeo muitos par- tidirtas.
Com tudo a tolerância de Juliano procedia menos do amor da verda- de , que dos defejos que tinha de res- tabelecer o paganifmo. Eíte Prínci- pe educado na Religião Chrifta , naõ a aiTiou jámais. A politica dirigia
IV, S E C U L o. 37Í
fua crença. Uíou de vcílido Clerical, e para fe livrar da crueldade, e ciúme de Conjiancio^ tomou depois o habito de Monge, bu içando deite modo evi- tar huma forte igual á de leu irmaó Gallo mandado . matar pelo mefmo Imperador. Sahindo do Clauílro , deípolbu-fe com Helena , irmã dé Conjlancio , que o enviou para as Gallias j onde foi proclamado Im- perador. Logo que ficou pacifico pof» lliidor do throno pela morte deite Príncipe , abrio os Templos dos fal- fos deofes , reílabeleceo-lhes o culto^ € tomou a dignidade de Soberano Pontífice com todas as ceremonias pagãs. Vio-fc immediatamente cor- rer por toda a parte o fangue das viélimas. Seu palácio veio a fer , •como hum vaíto templo , e do mef- mo modo feus jardins. Obfervava- íe o Imperador poítrado diante dos deõfes de ouro , e de pedra , partir a lenha , atiçar o fogo , foprá-lo até •faltar-lhe a refpiraçaó , e matai* por li mefmo as vidtimss. Todavia naj quiz obrigar peíToa alguma por vio- Aa 2 leu-
372^ Elem; d ' HiST. EccL.
lencia a ter parte em feus facrificios^ „ Os Galileos , ( affim chamava elle 55 aos Chriílads ) „ os Galileos dizia 55 o Imperador 5 fao menos máos , 55 que infenfatos. He precifo ganha* 55 los pela razaõ , e fuavidade. Nao 55 fe moftraó elles aílaz infelices em 55 fe enganarem na coufa mais eííen- 55 ciai do mundo ? Saô fem duvida 55 a meus olhos mais dignos de pie- 5, dade que de odio.
Efta compaixão infultante li- gada ás mofas 5 ás caricias, e aos benefícios , fez apoftalar , principal» mente n?. Côrte , huma grande mui- tidao de pertendidos Chriftaós , que havendo abraçado noíTa ReligiaÕ 5 como fe toma huma moda , a dei- pcárao , logo que víraó , fe propu- íiha outra nova. Gatholicos no tem- -po de Confiantino , Arianos no Kci" n^idiO àtÇonJlancio ^ e idolatras no Império de Juliano, Porém no meio da prevaricação univerfal , houverao em todos os eílados Chriílaós gene- ,1'ofos 5 unidos á verdadeira Religião; facrificando-lhe todas as efperanças ^v.Á ' . . da
IV. S ÈG u i>o« '
da ambição. Tacs foraò Joviano , e Valentini ano , que fuccedêrao a 5^»- liano 5 hum depois do outro , achan- do ainda defde efta vida o cêntuplo , pela haverem arrifcado por jF. C.
Parecendo a Juliano hum oppro* brio 5 o nome de perfeguidor , na6 attentou o Chriftianiimo a força def- coberta. As vantagens temporaes , as vexaçoens coradas com eítranhos pre- textos , o artifício , e a velhacaria foraõ as armas, de que fe íervio. Ref- tituio todos os Bifpos defterrados por Confiando, Aécio o partidária mais acérrimo do Arianifmo , rece- beo da fua parte honras extraordi» narias , porque feu irmão Gallo o diftinguio com fua amizaáe. Tratan- do igualmente bem os Orthodoxos , e os Hereges , imaginou , que faria nafcer , pela confufao dos diffcren- tes partidos , huma guerra intellina no feio do Chriftianifmo , cujos de- feníores , lacerando-fe por fuas pró- prias maòs , infpirariaõ defprezo ío- bre leus dogmas , e fuas regras de coftumes.
374 Elem. d* Hist. Eccl*
As riquezas , fendo a feus olhos hum meio de ligar os pobres á Re^ ligiao 5 defpojou as Igrejas de to» das as faas rendas para da-Ias a feus Soldados , ou uni-las ao próprio do» minio. 5, Eu quero , dizia elle , a« judar os Galileos a praticar fua 5, Lei admirável , e facilitar-] hes a 5, entrada no Reino dos Céos. Revogou os privilégios das Igrejas , âs penfoens aíTignadas por Conjian* tino aos Clérigos , ás Virgens , ás Viuvas, obrigando ainda todos á ref- tituiçao do pâíTado com hum rigor extremo : mas como os Chriftaõs po» deriao defender-fe na Juíliça , pro» hibio-lhes mover qualquer pleito , e exercitar cargos públicos , a fim (dizia eíle) de fe conformarem còm os preceitos do Evangelho , que lhes ordena , que foffraò as injurias , e que fujaô das honras.
Os Auftores Chriftaós tiravao da infania das fabulas do Paganií- mo a condemnaçao da idolatria , e fe ferviaô frequentemente dos dií- çurfos de Fiat ao ( efcreve o Abba-
IV. Século* 37^
de Choift ) para eftabelecer a moral de jF. C. Juliano quiz privá-los def- tá vantagem , íepa;rando-os de pro- fôííarem as bellas letras , ou huma- nidades. 5, Homero ( dizia Juliano ) 5, Hefiodo , Demojlhenes , Herodo- „ to , Thucydides , Ifocrates , e Ly^ 5, T/^x reconhecêraò os deofes por
auftores de fua doutrina. Para que 3, he pois oíFejecer a mocidade ef»
tes homens , como grandes perfo- 55 nagens , e condemnar ao mefmo 55 tempo fua Religião ? Comecem 5, os Gãlilccs por imitar fua pieda- 35 de para os deofes, efcjulgao, 55 que elics fe cnganao , vaò fó ex- ,-5 plicar Mãttheus , e Lucas em fuas 5, Igrejas., 5 Muitos profeíTores Chri- Íta6s quizerao antes deixar fuas ca- deiras , que a Religião do Salvador. ViElorino da Africa 3 que en finava Rhetorica em Roma com huma dií- tincçaô, que lhe njereceo huma eíla- tua , teve principalmente efta gene- rofidade , e feu exemplo foi util a outros muitos profeíTores de huma- nidades y como íe poderá ver depoia
no
3fó Elem. d* Hist; EcciJ
no artigo dos Efcriptores Ecclejian jiicos.
Ainda que "Juliano teftemunhaf- íe hum vilipendio fingular a refpei- to dos Chriftaos , com tudo íenria a vantagem , que lhes dava o efplen» dor das virtudes. Quiz aproveitar-fe de feus coílumes para reformar o Pa- ganifmo. Exhortou os facrificadores , e todos os Pagãos zelofos a defvelar- fe na imitação , do que obravao os Galileos. „ Os Ponti fices ( dizia el- j, le ) viviao , como fe eftiveíTem ^, fempre na preíença dos deofes ; ,5 appliquem-fè a purificar feus pen* 55 famentos \ orem particularmente ,
e em publico , ao menos de ma- ,5 nha 5 e á noute. Nenhum chegue
aos efpeftaculos , auftorizando* 55 lhe a impureza com íua prefença : 5, porém mais que tudo ( accrefcen- 5, ta o mefmo Imperador) eftabele- 55 cei em cada Cidade hoínitaes pa- ,5 ra exercitar a humanidade para 5, com os eítrangeiros , e os indigen-
tes. He vergonhofo , que nenhum „ Judeo mendigue , e que os impios
5, Gali-
IV. Século. 377
Galileos , além de feiís pobres , nutrao também os nofíbs. A pezar da brandura , que Ju^ liam afFedlava ao refpeito dos Chrif- taôs , que queria privar da gloria do marryrio , naô foube moderar eíle o« dio occulto , que o animava fempre contra o Chriílianifmo. Dava os car^ gos públicos aos inimigos mais cru- éis defta Religião , que achavaó mil pretextos de perfeguir feus mais fieis obfervadores. As ordens que o Im« perador havia dado para o reílabele» cimento da idolatria , e reedincaçao de leus templos , erao multiplicadas occafioens para le íentirem as Cida-» des cheias de tumultos , excitados pelos Pagãos. Houveraó Martyres na maior parte das Províncias. Hum dos mais célebres foi S. Bafilio , Sacer- dote de Ancyra, que morreo no meio dos tormentos com huma coragem admirável. Na Fenícia , os Pagãos matáraô hum Diácono , que havia
2uebrado muitos ídolos no tempo de onjlantino , comendo-lhe os fígados, depois de lhe abrirem o ventre : tan- to
37^ Elem. d' Hist. Eccl."
to he aílignalado o fanatifmo dos po- vos , cm qiiaefquer tempos para exe* cuçoens horríveis , e inauditas , prin- cipalmente quando elle fe excita , e tolera pelos Principes.
Juliano fez outra tentativa con- tra a Religião ChriRâ. Para falfiíicar a Profecia de J, C. febre Jerufalem , quiz renovar o Templo ; porém o Céo o impedio com milagres íigna- lados , e referidos , como indubitá- veis nos Hiftoriadores contemporâ- neos. Prepara va-fe a defcarregar no- vos golpes no Chriílianifmo , quan- do pereceo em hum combate dado aos Perfas, da idade de 31 , ou 53 annos em 362. Príncipe valerofo , cafto 5 liberal , jufto , quando o fa- natiímo o naó alienava; mas vaó , fuperfticiofo , extravagante , dado á magia , e a todas as manias do Pa- ganifmo. Hydropico de gloria , co- mo os avarentos o fao das riquezas : percebia-fe ( diz Mr. le Beau ) neita alma todo o jogo da vaidade.
Juliano ackava-fe quafi no pon- to de mandar a Africa hum Edifto
de
IV. Século. 379
perfegiiiçao. Os Pagãos eíperavaô com anciã a volta do Imperador pa- ra verem correr o. Tangue dos Chrif* taos. A' nova de íeus primeiros fuc- ceíTos na Períia , o Soíiíta Libanio , encontrando em Antioquia hú CJirif- tao , que conhecia , lhe diíTe , para in III Irar a jF. C. : EntaÕ que faz ao prefente o filho do Carpinteiro? Faz , refpondeo o Cliriftaô , huma tumba para o 'voj[o Heroe.
No meio dos gemidos, que a mor- te de Juliano arrancava á Idolatria , S. Jerojiymo ouvio eftas palavras da boca de hum Pagão : Como pódeni os Chrifla5s exaltar a paciência de feu Deos ? Ninguém há tao proni" pto em fua cólera. Na o tem , r:aÕ tem podido fuj pender por algum tem* po fua indignação.
Entre os Audlores antigos , que fallao de Juliano , huns o louvaó ex- ceíTivamente , outros vao íobre feus efcuros feitos. Aquelles faô adora- dores de Juliano , como de fuas di- vindades , eíles 5 cujo tcílemunho he por outra parte refpeitavel ( diz Mr.
le
3^0 Elem. d *Hist. Eccl.
le Beau) fó defcobrem nelie liutit inimigo do verdadeiro Deos. Todos porém confeflaô , que elle fe moRrou íuriofo contra os Chriílaos. Julia- „ no fó poupando fuas vidas nas pa- „ lavras , e nos Kdidos , foi o mo- delo dos Principes perfeguidores 5 5, que querem evitar eíta cenfura ^, por huma apparencia de benvivo- ^5 lencia , e de equidade. „ ( Hift. do baixo Império* Liv. 14. )
Reinados de Joviano , e de Valente.
A hum Principe inimigo declara- do do Chriílianifmo , fuccedeo hum Imperador tao firme na Fé Catholi- ca 5 como intrépido na guerra. Eíle foi Joviano^ filho do Conde Vétera- 7iiaÕ. O exercito , que feguio Julia^ no na Perfia , lhe decretou a Coroa Imperial , que elle fó recebeo , com a condição , de que os Soldados fe« riaô Chriftaos. Depois de ter alcan- çado a paz de Sapor , Rei da Perfia , hia applicar todos os feus cuidados ao reílabelicimento da lã doutrina.
Re.
IV. Século. 381
Renovou todas as Leis de Confiai f tino coutra a Idolatria , e fez ibbre ella novas ainda mais íeveras. Julia* no tinha rcílituido , fem diftinçaó , todos os que Confiando perfeguio. 'Os Donatiítas confundi rao-fe com os Cathoiicos 5 para que a divifaó rei- naíTe fempre entre os Chriítaôs , e le enfraqueceíTem por fuas difcordias» Joviano y pelo contrario , fó foi fa« voravel aos que haviao fido defter^ rados pela Fé. Honrou particular- mente Santo Athanafio , que era ref- peitado , como o primeiro de todos elles; porém huma inopinada morte, caufada em 364 por huma vapora- çaô de carvão , privou a Igreja , e O Império deíle bom Príncipe , que ^einou oito annos. Sua piedade nao immortalizou menos feu reinado ^ do que feu esforço.
Depois da morte de Joviano , o Império foi dividido. O Oriente fi- cou fujeito a Valente , e o Occiden- te a Valentiniano. Eíte Príncipe era •todo dedicado á verdeira Fé. A Igre- ja Latina gozou em íeu governo dç
jSz Elem. d*Hi3T.Eggl;
hiima confiante paz. Os Sectários do Arianifmo, que eraó em pequeno nu* mero , naó tiverao quali autorida- de alguma.
A íórte da Igreja Grega nao foi tao venturofa. A mulher do Impera- dor Valente era Ariana. Ella o levou aos erros de fua Seita.Os hereges ex^ éfcitirao no tempo de feu Reinado , e por fua auftoridade , as violências que eraõ próprias de ieus ânimos* S» Bafilío lamenrou-fe , de que os Catholicos 5 foiFrendo muito maio* res males , que no tempo dos Im»- peradores Idolatras < naó tiveílcm a coníolaçaô de alcançar o gloriofo ti- tulo de Alartyres. Huma chufma de Pado res , preferindo feus lugares , e feus defcanços ao intereíTe de Deos , e da verdade , cederão á perfegui- çaõ. Os Arianos penetráraõ até aos defertos da Thcbaida , para lançarem delia os folirarios , que nao queriaÔ entrar em íeu partido \ porém eíta tormenta durou pouco. Valente ven- cido pelos Godos 3 foi qiíeimado achando-íe inteiramente vivo jun- te
IV. Século. 383 to de Andrinopola em 378.
Theodofio declara-fe contra os A- ; ri anos. Concilio de Conjiantino-- pola,
. Theodofio célebre Capitão Hefpa- ohol , que o Imperador Graciano to- mou por íeu Collega depois da mor. te de Valente , naó adoptou os íei> timentos deíle derradeiro Príncipe. Declarou-íe abertaaiente pelos Ca- tholicos. Começou feu Reinado por hum Edlílo que ordenava feguir a Fé de Nicêa , enfinada pela Igreja. Romana. Abolio deíde iôgo todos ès Ediftos dados por feus predcceí-
' fores em favor dos hereges. Man-» dou entregar todas as Igrejas aos Orthodoxos , e os que recufárao rei-
-titui-las , foraó tratados 5 como re- beldes.
Para procurar á Igreja huma paz durável ^ convocou em 381 lium cé- lebre Concilio em Conílantinopola , o fegundo dos Ecuménicos , ou Ge- faes. Os Biípos congregárao-fe de
to-
384 Elem. ri' HisT. ÈccL.
todas as Províncias do Oriente , e fizerao quafi o numero de cento e cincoenta. Como o principal fim da celebração do Concilio era a reunião das Igrejas,e a extincçao das heresias, formou-fe nelle hum Symbolo , que he o que nós cantamos hoje na Mif- la j ao qual fe juntou depois a pa- lavra Filioque, CondemnaraÔ^fe pe« la mefma AíTemblêa , todos os he- reges do tempo , e formaraõ-le mui- tos Cânones. O que dá a prerogativa de honra, ou o fegundo lugar depois do Papa 5 ao Patriarca de Confttanti- nópola,teve pelo tempo adiante mui- tas difficuldades da parte de Roma.
O Concilio Geral , nao tendo po- dido conduzir as ovelhas errantes ao apriíco, Theodojio convocou dous particulares , hum em 382 , e ou- tro em 383.
Fizeraò-fe ambos em Conftanti- nopolâ. Todos os cabeças das fei- tas fciimaticas , foraó mandados af- fiílir ao ultimo. Elles fim fe jun- tarão , porém em vaó fe procurou Íujeitá-Ios á Fé Catholicá , nao ha- vendo
IV. S E C Ú L O. 385'
vèndo coufa alguma que venceíTé a ■obílinacao dos Arianos , Eunômia- nos , e Macedonianos. A teima dei- tes monftros obrigou Theodojio a pu- blicar contra eiles huma Lei fevera -, ^ue os amargurou , ainda que os na6 fez mudar de opinião.
•Zelo de Theodoíio refpeSlivamente a dejlruiçao da Idolatria.
Os Pagãos na6 o acháraó mais bem dilpoifo a feu favor , que os fcifmaticos. Debalde procuráraò ex- tremofamente no anno de 384 , pe- io eloquente Symacho , prefeito dé Roma 5 o reílabelici mento do altar da ViÁoria. O Imperador lho recu- fou com firmeza. NMiuma viagem -que Theodofiõ fez a Roma em 389,er- hortou os Senadores a abraçar a Re- ligião Chriílã , cuja moral íimplice , € íublime podia elevar , fem eiludo , o ultimo dos homens acima dos rtia» iores Filofofos. Em vaó íe lhe re- prefentou , que Roma , havia quafi àoze fecuios , fubfiftia com a p rotec- Tom. L Bb ç ao
386 Elem. Hist. Ecgl.
çao de feus deofes. Santo Amhro* fio ]i tinha relpondido a efta objec- ção 5 moftrando que os triunfos de Roma paga naô erao devidos ás fuás divindades \ porque lhe eraó comuns tom léus inimigos j mas íbmente ao valor de íeus guerreiros , c á diíci- plina de feus Soldados. Theodofio defpedio confccutivamcnte os Sena- dores, declarando-lhes, que o the lou- ro publico naô faria mais os gaílos dos Ímpios íacrifícios ; e q o Ellado preciíava fó de militaresje nao de vi- dlimas. Supp rimar os fundos dcilina- dos para os lacriíicios , era quafi 'de- ftruir os Templos: na verdade notou- fe logo hum grande numero delles fechados , ou demolidos.
Theodofio naó fó tolerava , que fe deílruiílem os monumentos da Ido- latria , mas também o permittia ex- preíTamente 5 com tanto que fe naó tocaíTem nas Eftatuas , que ferviaò de ornamento ás Cidades. Mandou por todo o Império ordens íobre o inteiro deftroço dos deofes , fuper- ftiçaó , e falfo culto. Theofilo Bifpo
IV. Século. §87
de Alexandria executou-as com tal ardor , que nada lhe faltou para ex- citar o motim , e a fediçaó. Demo- lio os templos de Bacho e de Se» rapis 5 edificando em feus lugares Igrejas ao verdadeiro Deos. Os Egy- pcios , povo fempre fuperfticioib , viraó com horror arruinar os obje- iftos de feu culto , e defmafcarar òs artifícios de feus Sacerdotes ; notan- do-íe as eftatuas ôccas , por ortde fe praticava o engano dos Oráculos. A reíiftencia , que elles fizeraó aos man- dados do Imperador , foi tao excef- liva em alguns lugares , que os exe- cutores Imperiaes fe contentáraó , que fechaíTem os templos.
Huma nova Lei de Theodqfío , em 392 prohibio também a todo o ' Vaflallo do Império o fazer oíFerta í alguma > ou lacrificio no interior de , fua cafa , e igualmente o accender velas , queimar incenfos , iufpender , grinaldas de flores em honra dos 1 deofes domcíticos. Eíle Edidlo de- clara criminofo de Leza Mageílade , , qualquer que fe atrever a íacrificar j Bb 2 ou
588 Elem. D'Hist. EcGL.
ou a confultar as entranhas das vi- ílimas. Ordena a coníiícaçao da ca* la.5 onde fe houver oíFerecido inccn- f o , e da terra , ou campo , cujas arvores fe ornaíTem com as fitas , e bandas , que enfeitavaó as vidli- mas 5 ou as cabeças dos Sacerdotes. A mefma Lei obriga aos Officiaes , e aos Confervadores das Cidades a denunciar os culpados , e condem- na os Miniftros em trinta libras de ouro 5 defcuidando«íe de fua execu- ção* Eílas feveras Leis intimidarão hum grande numero de Pagãos , e muitos renunciando feus erros abra- çárao a verdadeira Religião. Os mais nobres Senadores de Roma ^ ©s Anicios , os Probros , os Pau* Unos , os Grachos procuráraô redu* zir-fe ao Chriílianiímo , com todas as fuas famílias. Ainda que a ido- latria tiveííe defenfores neíla Capi- tal do mundo , o povo Romano cor* ria em chufmas ao Vaticano , reve- renciar os túmulos dos Apoftolos ; ou a Latraó receber o baptifmo ^ a Theodqfio foi , que fe devêo em parte , eíle beneficio. Pe»
IV. Século.
389
Penitencia de Theodofio.
O zelo de Theodofio brilhava em todas as occafioeiís , unindo -lhe hum inteiro obfcquio coníagrado á difci» ciplina da Igreja. Efta fujeiçaó fe moílrou principalmente em huma importante circumílancia. Os habita- dores de Thellalonica 5 tendo-fe re- voltado em 388 contra feus Magi- ílrados , os lançárao fóra de fua Ci- dade. Eíle attentado irritou de tal modo o Imperador, que logo enviou tropas com ordem para que naõ perdoalTem a algum dos Theflalo- nicenfes. Os Soldados , achando-os lltiados 5 juntos em hum dia folem* líe ,osimmoláraÔ á vingança do Im- perador , e lhes matáraô mais dè iete mil.
' Efta horrível carnagem , na qiTaí fe havia confundido o innocente com o culpado 5 indignou todo o Impé- rio. Theodofio prefentando-fe á por- ta da Igreja de Milão hum dia de frfta., Santo Arabrofw Bifpo deíla
eu.- Cida»
Elem. d' Hist. Eccl.
Cidade , lhe prohibio a entrada até que elle expiaíTe a mortandade de Therfalonica. O Imperador íe fujei- tou , e feguio na penitencia , que lh« impoz o género ío Bifpo , todas as regras da Igreja. Santo Ambrojlo o admittio á Communhao dos Fieis , quando declarou por hum mandada cxpreifo 5 que as fentenças de mor- te 5 fe executariaó depois de trinta dias. Efla Lei falvou também depois a Cidade de Antioquia , que tendo arraftado pelas ruas a eííatua da Im- ]!veratriz Flacilla , ieria tratada , co- mo TbeíTalonica , fe nao foíTe cau- fa 5 de que o Imperador tiveíTe tem- po de/focegar as ondas de fua có- lera*
O fím do Reinado de Thèodofio foi tao glorioíb , como o feu prin^ eipio. Depois de fe haver iignala* do por fua Religião, feu valor ^ fua genorofidade , fua juftiça , mor» rêo accumulado de gloria em 395'. Seu único defeito era hum génio ar* dente , e arrebatado , que naó repri- mio fempre. Dividio o Império por
IV. Século, 391
leus doiis filhos , Arcádio , e Hono- rio 5 que lhe herdarão o Sceptro , fem lhe fucceder em fuas principaes virtudes.
Quarenta dias depois da morte de Theodofio , Santo Amhrofio pro- nunciou fua oração fúnebre na Igre- ja de Milão. Louvou fua fé , á qual attribuio fuas viélorias , fua humil- dade , que tanto reverberou de fua penitencia pública , e mais que- tu- do fua facilidade em perdoar. Jul- 5, gava . diz o Santo Padre , rece« 3, ber hum beneficio , quando lhe 3, pediaô alguma graça. Nunca mo- 3, ílrou melhor difpofiçao para per. ,5 doar , que quando fe havia dei- ,5 xado arrebatar da cólera : fua in- 55 dignação tornava-fe entaó em re- 5, médio dos culpados. O mefmo 55 arrojo de ira , era para leu animo, 5, a maior razaô de conceder a gra-
Con-
39,^, Eleaj». d' Hist. Eccl.
^ Ço^quijlas da Religião Chrifta fohre a Idolatria,.
Nós vimos o que Theodofio fez por eílabelecer o Cliriílianiímo fo- bre as ruinas da Idolatria. Em feu tempo 5 e no dos Imperadores de- dicados á verdadeira Religião , eíla fe avantajou nao fomente no Impé- rio , mas fora delle nas vaílas re- gioens , onde o zelo de muitos Mif- íiouarios levou a luz do Evangelho,
As naçoens das vizinhanças do Rheno , as partes mais defviadas da Gallia , foraô allumiadas por efta di- vina chamma. O Chriílianifmo pe- netrou entre os Godos , e no meio de outros povos vizinhos do Da» nubio. Os Arménios receberão as verdades Evangélicas defde os prin- cípios do. Chrirtianifmo , e o Com- mercio deita região com Ofdroena região da Mefopotamia , os fez paf- far á Perfia , onde haviao Igrejas nu« merofas.
S. Frumencio , que na fua moci- dade
IV. Século. 395
dade foi levado captivo á Erhiopia í chegou por feu elpiriro , e por fuas virtudes ao lugar de Miniílro , apro* veitando-íe de leu credito , para at* trahir a efla região Chriílaos do Império Romano. Em huma viagem, que fez ao Egypto Santo At bana- Jio 5 ordenou*o Bifpo , e o obrigou a voltar para as terras dos Bárbaros ; reconhecendo a Igreja ler eile o pri- meiro , que os roteou por fuas ze- lo íiis diligencias. Frumencio eftabe* kceo-fe na Abiílinia, e fez hum gran- de numero de Chriftaõs.
A Converfao dos Iberianos , po- vos vizinhos do Ponto-Euxino , foi devida a huma mulher Ch rifla ca-, ptiva entre elles. Tendo curado a Rainha de huma perigofa doença , perfuadio-a da fantidade do Chri- fiianifmo. Eíla Princeza converteo Í€u marido , que enviou embaixado- Fes a Conftantino , para lhe pedir Bifpos 5 que podeíTem inftruira feus VaíFallos. Efte Principc lhos man- dou , ficando mais fatisfeito da con* quifta efpiritual , do que fe tiveíTe
ga-
394 Elem. d 'Hist. Egcl.
ganhado liuma grande^ Província.
Os Sarracenos , tao famofcs de- pois no tempo de Mafoma , habi- ta-vao no quarto leculo diveríos lu- gares da Arábia , e eftendiaò-íe pe- los defertos da Mefopotamia , e da Syria. Efte povo guerreiro achava- fe dividido em diíFerentes tribus , que vendiao feu fangue , e feu fer- viço 5 hiins aos Romanos , outros aos Perfas. Muitos movidos com a pureza dos coftumes , e da marivi- Ihola vida de alguns folitarios fe fu- jeitárao á verdadeira Fé , hum pou- co antes do Reinado de Valente \ e Santo HilariaÕ lhes edificou hu- ma Igreja na Cidade de Elufa.
Outros povos y chamados Home* ritas habitavao a extremidade da A- rabia Feliza para o Oceno : Con- fane lo tcndo-lhes enviado huma em- baixada 5 em cuja frente hia Theo- filo o Indiano , orderado Bifpo pe- los Arianos ; o Principe dos m.eí. mos Homeritas , inílruido por elle nos dogmas da Religião Chriílã , deixou de todo oculto de íeuspais ,
IV. Século. 395*
e mandou edificar Igrejas , que TJoeo^ filo igualmente coníagrou. Eíle Bif- po paíTou depois á Ilha de Diu fua
fiatria , e dahi a outras partes dos ndios , onde cuidou em dar a conhe- cer o Chriitianifmo.
Hereges que perturbarão a Igreja no mej-fiio tempo de x\rio.
O Arianilmo achava-fe debilita- diílimo , do meímo modo que a Ido- latria pelos Edidlos de Theodofto ; porém naò foi fó efte o erro que in*. quietou a Igreja. Alguns Sedlarios aproveirando-íe da paz , de que el- ]a gozava no tempo dos Imperado» res Chriílaós , accendêrao em leu feio ( diz o Padre Longueval ) guer- ras civis , fempre mais peftiferas , que as eílrangeiras. Eítes novos ini- migos da verdade tratarão nao fo- mente de alterar o depoíito da Fé , porém alguns delles renovárao o íb- ror dos tyrannos , que a tinhaô pcr- feguido. Entre as feitas , que eíte Século vio nafcer , íingulariíárao-fe
princi-
39^ Elem. d' Hist. Eccl,
principalmente as dos T>onattfías , dos Mace do',ii anos , dos 'Eunomianosy dos Aécianos , dos Vhotinianos , dos MeJJ ali anos , dos Lúcifer ia nos , dos Apollinarijias , dos Frifcillia^ nijlas 5 dos Jovinianijlas , dos Q/- lyrtdianos. Façamos conhecer em poucas palavras elles diiFerentes He- reges.
Dos Donat ijlas.
Os Donatiílas tiveraó por cabeça Donato 5 Bifpo de Cafas-Negras em Numidia , que excitou hum fcifma na Africa depois da morte de Mon* furio 5 Bifpo de Carthago , fucce- dida em 311. Difputou-fe fobre o dar-fe-lhe hum íucceíTor , e Ceci» liano Arcediago deita Igreja , foi legitimamente eleito para encher a Sé vagante. Donato^ offendido , por lhe naô darem eíle lugar , intrigou para lho arrebatar. Pondo-fe á fren- te de huma facção , íuílentou , que Ceciliano íendo ordenado por Tra- àitores ( vem a fei" por aquelles que haviaô entregado as Santas Efcri-
ptU'
' IV. Século. 397
pturas aos Idolatras no tempo das períeguiçoens ) naô podia fazer al- guma das funçoens do Epifcopado. Buicou juntar hum Concilio em Car- thago , cm que o Bifpo foi depof- to 5 e feus partidiihs , collocando em feu lugar o Majorino. O partido do novo Bifpo , e de Donato íeu apoio, fubio tanto de ponto , que na maior parte das Cidades da Africa liaviao duas AíTembieas , e dous Paílores > hum Catholico , outro Donatiíta. Debalde o Imperador Conjlafitine fez juntar muitos Concílios em Ro- ma , Aries , e Milaô para anathe- matizarem eftes fcifmaticos. EUes rejeitárao os caminhos de fuavida* de , de fp rezando igualmente os Edi* ftos lavrados para os reprimir.
Seu furor inflammando-fe pelos caítigos 5 attirou com elles aos ulti- moi^ precipícios , faqueando as Igre- jas, profanando a Euchariília, pizan- do aos pés os Santos Óleos , def- mantelando os altares , quebrando os vafos , &c. Juntarão ao fcifma a he- resia: pertendêrao que era neceíTa-
rio
398 Elem, d'Hist.Ecgl.
rio rebaptizar todos os Hereges , e que a Igreja achando-íe extincU por toda a terra , e naô fubfiílindo já entre elles , precifava-fe reorde- nar todos os Biípos , e todos os Sa- cerdotes que eraô de leu partido.
A Majm^ino havia íuccedido Do^ pãto 5 naõ de Caías-Negras , mas ou« tro naõ menos turbulento , e ainda mais perigoíb pela iupcrioridade de feu eípirito. Era hum homem fabio, eloquente , de coílumes puros ^ mas fero 5 orgulho fo , dcfprezador dos Bifpos 5 dos Magitlrados , do Im.pe- rador. Declarava-fe altamente o pri- mário do partido, defendeild^o por iua oufadia , por luas virtuaes appa* rentes , e por fuas obras. Seus m.o-- dos imperiofos aturdiao de tal mo* do aos Seólarios , que juravao poi leu nome ; íendo-lhes cfte lufficien' te para dar novos efpiritos á fua co- ragem /e a íeu furor.
Daí
IV. Século.
399
Das Circoncellioens.
Os Donatiftas erao quafi todos fanáticos , chegando- fe a formar en« tre cUes iiuma eípecie de maníacos , que levavao o enthuliaímo até raiva- rem de furor. Chamavaô-lhes C/>- concellioens^ porque corriaó fem cef- far ao redor das cafas nas campinas. A maior parte erao paizanos grof« feiros 5 e ferozes , que fó entendiao a lingua Púnica. Animados de bár- baro zelo j renunciavaó á agricultu- ra , faziao profiíTaõ de continência , e tomavaô o titulo de Vingadores da jufttça , e de Proteãores dos op- -primidos.
Para encher fua miíTao , davao liberdade aos efcravos , corriaó as cftradas , e obrigavaô os Senhores a deícer de feus carros , e a caminhar diante dos mefmos efcravos , os quacs faziao iubir ao lugar , que lhes nao competia. Ailiviavaó os deve- dores 5 matando os crédores , quan- do eíles naó queriaõ ceder inteira*
400 Elem. d' Hist. Eggl."
mente das obrigaçoens que rinhao em feu poder.
Ao mefmo paílo q fe naó lerviao da efpada , por dizerem que J. C. pro- hibira feu ufo a S. Pedro , arma- vaó-fe de groíTos bordoens , a que chamavao hafloens de Ifrael. Mane» javao de tal modo eíla arma , que moiao hum homem , lem o mata- rem de improvifo. Seu clamor de guerra fe reduzia a eftas palavras > Louvor a Deos ! fervindo eftas pa- lavras fagradas em luas bocas para íignal de morte. Hum dos luppli* cios , que exercitavaÕ rios Catholi- cos , era cobrir*lhes os olhos com cal desfeita em vinagre , e defem* parar os defgraçados no meio defte terrivel tormento.
Ainda que fizeíTem voto de ca- ílidade , davao-íe ao vinho , e a to^ das as íórtes de infâmias , corren- do com> mulheres , e moças embria* gadas 5 que traziaó frequentemente em feus feios provas de íua incon^ tinenci.a.
Os principae-s de taes fcelerados
chamk-
IV. Século. 401
charnavaó-fe os Cabeças dos Santos^ Os fiirioíos 5 que pelei javaó dêbai- Xo de íeii mando , corria6 á morre com o meímo ímpeto , com que a praticavaô nos outros. Trepavaó ao mais alto dos rochedos , e dahi mef- mo íe precipitavaó em bandos ; ou- tros fe queimavao , ou fe atiravaò ao mar. Os que inteniavao adquirir o nom.e de Marty res , o publica vao muito tempo antes , a fim de ferem bem tratados com regalos , e depois de haverem engordado , como touros para os facrificios , hiaó ás infanas precipiraçoens já referidas.
Finalmente depois de hum Sé- culo de violências exercitadas por eíles hereges , o Imperador Honorio , que queria faz e -los entrar no fau- davel aprifco , ordenou bima con- ferencia regulada entre os Bifpos Catholicos , c os Prelados Donatiílas. Ella Aílcmblca í-endo convocada em Carthago no anno 411 , os primei- ros formárao neiia o numero de 280 , e os outros o de 159. Santo Agofúnho encarregado por- feus Col- tonuj, Cc legas
402 Elem; d ' HiST. ECCL.
legas para difputar contra os Prela- dos fcifmaticos , derribou-os pela força de fua eloquência, e exteníaò de leu feber. Alguns renderao-fe ás fuas razoens j hum grande numero perfiftio em lua teima : mas pouco a pouco a feira fe enfraqueceo , e fe diíTipou 5 onde avultava mais : for- te ordinária de todos os que tem le* vantado eílandarte contra a Igreja.
Dos Macedonianos.
Os Macedonianos tomarão feu no- me de hum Ariano , chamado Mum cedonio , que tendo-fe apoderado da Sé de Conílantinopola , quiz dar a íi mefmo hum nome fundado no fy- ílema , porque intentou deílinguir-fe dos outros Arianos. Seu erro con- fiítia em aíTeverar , que o Efpirito Santo naõ era Deos , mas fomente hum Anjo da primeira ordem. Sc 5 5 foífe verdade , dizia Macedo- 5, nio , fer elle Deos , e procedeíTe 5, do Pai 5 feria fem duvida feu fi- „ lho : jf. C. , e o mefmo Efpiriuo
» vi-
IV. Século, 403
p, virlaô a íer dous irmãos , o que fe naô pôde dizer : por quanto lie certo , que o Salvador he iini- yy CO filho. Nao fe pode taõ pouco „ dizer , que procede defta pefloa ; „ porque neíTe cafo , o Pai dir íe- ,5 hia íeu avô. Tudo pois moílra , 5, q o Efpirito Santo naó he Deos. „ Eíles ridiculos fofiímas naò deixáiaô de formar Sedlarios ; e eíles taes hereges eraõ numerofillimos , quan- do o Concilio Geral de Conílanti- nopola os condemnou em 381. Cha* máraô-fe humas vezes Macedo;í/a^ 720S 5 outros Marathonianos , porque Marathonio , Bifpo de Nicomedia defendêo com fummo calor o erro de Macedónio. Eda heresia a pezar dos Anathemas pronunciados contra elle paíTou ao pôvo , e a muitos Mofteiros. Naó teve com tudo Bif- po , nem Igreja particular até o Rei* nado de Arcádio.
Cc 3 D9S ■
404 Elem". d' Hist. Eccl.
1
Dos Eunomianos , dos Aecianos , e dos Fotinlanos.
Fallando já acima das feitas do Arianifmo , procuramos dar a coniic- cer os Eu?tomianos , e os Aecianos, Fotino , Bilpo de Smyrna , partici- pou de feus. erros , e os levou mais adiante. Nao m.enos impio queyir/í?, porem mais ou fado que elle , atre^ veo-fe a defender , que fó havia hu» ma peííoa na Divindade \ e que J.C. era unicamente homem. , que naó ti- nha 5 a fallar com propriedade , re- cebido exiftencia alguma , mais do que ao íahir do feio de Maria fua Mãi. Eíla heresia foi condemnda em muitos Concílios coníecutivos 5e ieu aucl:or privado da própria Sé no Sy- nodo celebrado em Smyrna no anno de 35:1.
Dos MejfalianQs,
A Mefopotamia produzio eíles hereges , ou mais depreíía , eíles fa- -r: ' ' naticos.
' IV. Século. 405-
naticos. EUes ccmeçáraõ a appare- cer ahi no anno de 360. Seu nome, em Syriaco , fignifica Oradores , por quanto elles faziaÕ confiftir a Sobe- rana perfeição em orar fem inter- rupção alguma. Eraô homens fó de extaíis , fó de relevaçoens. Eis-aqui kgundo Fluquet a origem de feus erro^ , e dc fuas extravagâncias.
' O Evangelho enfina , que para fer perfeito , he necejjario renufi'* ciar a jí viefmo , vender feus hens^ dá-los r.os pobres , e defapegar»fe de tudo. Hum fanático por nome Saba j anirnLido- de hum deíejo ar- dente de chegar á perfeição Evan- gélica 5 tomou todas eftas paíTagens á letra , callrou.-fe , vendeo feus bens., e dií^ribuio feu preço pelos pobres.
^ f. C diffe a íeus Difcipulos : Nao trabalheis pela comida .^que finali- za , mas pela que permanece na vida eterna. Saba conclue deita paf- íiigem y que o trabalho era hum cri» me , e fez para fi huma Lei de vi- ver na mais rigorofa ociofidade. Deo quanto poíTuia aos pobres , porque
o
4o6 Elem. d * HisT. EccL.
o Evangelho manda renunciar ri- quezas, e nao quiz occupar-íe jimais para íe nutrir , a fim de naó quebran- tar o preceito, conforme a íua fan- tafia , de bufcar hum alimento , que perece , e naó ferve para a eterni- dade.
Apoiado neftes lugares da Eícri- ptura , tomados fempre á letra , Sa- ha julgou , que nós eftavamos fem- pre cercados de demónios , e que noíTos peccados procediao das fugge» ftoens deíles efpiritos perverfos. Jul» gava , que no nafcimento de cada homem , hum demónio fe fenhorea- va delle , arraftava»o aos vicios , e lhe fazia commetter todas as cul- pas , que via em fua alma.
Pelo primeiro adio , que Sala praticou de renuncia a íi próprio , ha provas de que era fujeito a for-- tes tentaçoens da carne , e como a Efcriptura nos enfma , que o demó- nio da impureza fe lança fóra pela oração , Saba julgou que eíte era o único meio de triunfar das tenta- çoens 5 e de fe confervar fem pec-
cado.
IV. Século. 407
cado. Os Sacramentos , fcgundo Sa» huy apagavao fim os peccados , po- rém naò lhes deílruiao a caufa , o- Ihando-os por eíle principio , co- mo praticas indiíFerentes : hum Sa- cramento no leu modo de penfar af- fimilhava-íe a huma navalha 5que bar- bca , e que deixa fempre a raiz.
Quando o homem pela oraçaó era libertado do demónio, que o rodea- va , naô continha mais a caufa do peccado , e o Efpirito Santo defcia á alma purificada.
A Efcriptura nos reprefenta o de- mónio 5 como hum leaô esfaimado , que nos rodêa fem ceifar ; Saba fe íupounha de continuo acommettido por elle elpirito. Viaô-no agitar-fe vioientamente no meio da fua tal orarão , atirar-fe ao ar , e crer fal- tar por cima de hum exercito de denonios. Obfervao-no como pelei- janio contra elles , fazendo todos os novimentos de hum homem, que batilha com o arco , e julgando o me mo mjferavel defpedir fiexas fo- vbre os demónios.
a
4o8 EuEfA. d' Hist. Egcl:
A imaginação de Saòa nem du- rante o fomno , íe aquietava. Per- fuadia-fe ver realmente todas as fan- taímas , que cila lhe offerecia , e nao duvidava que uinilhantes vifoens foíTem verdadeiras revelaçoens. 'i e- ve para íi que era Profeta j attrahio os refpeitos da multidão ; efquentou a imaginação dos fracos ; inípirou feus fentimentos , e vio-íe hum tro- pel de homens 5 e de mulheres ven- der feus bens , paliar huma vida o- ciofa , e vagabunda , orar íem irter- pupçaó 5 e dormir a montão pelas ruas.
Eíles infelices fuppunhaó a atrnoí^ fera cheia de demónios , e naó lhes occorria embaraço algum, de que el- les refpiravao o mefmo ar , aíTcan- do-fe , eefcarrando de continuo, pa^ ra fe defembaraçarem de taes inimi- gos. Achavac-fe humas vezes a lu- dlar com os demónios , e áííetealos, outros cahiaó em extafis , e profe- tifavao , fubindo a mania até acre- ditarem ver a Trindade.
Naó fe feparavao da ComBu-
nlnô
IV. Século. qo j
nhaó dos Catholicos , confiderandô- os, como peffoas fem efpirito , igno- rantes 5 e grolTeiros , que entendiaó achar por íua eílupidez , nos Sacra- mentos forças para os attaques do demónio.
Os MeíTalienfes adiantaraó-fe em Edefla ; foraõ lançados fora por Fia' liam , Bifpo de Antioquia , e fe retirárao á Panfyiia. Ahi meímo fe condemnárao por hum Concilioi mas paíTando á Armênia infeftáraó mui- tos mofteiros. Letorio^ Bifpo de Ma- lathia fez com que fe queimaífem nos mefmos moíleiros ; porém os que efcapáraõ ás chammas , retiran- '.do-íe para outro Bifpo da Arme- • nia , e achando nelle toda a huma- nidade 5 feguíraó fuas inílrucçoens.
Dos Luciferianos,
Nas longas difputas que exxitou o Arianifmo , houveraó debates par- ticulares 5 caufados por exceíTo de indulgência , ou de vigor , de que prçfumia6 certos Prelados. Deíle
mo-
4IO Elem. d'Hist. Eccl.
modo Lúcifer Bifpo de Cagliari na Sardenha , homem de coftumes pu- ros , e feveros , mas de hum cara- dler duro , e intratável , excluio da Communhaô Ecclefiaftica naô fomen- te os Arianos , e Semi»Arianos , mas também todos os Catholicos , que tinhaó alguma correlação com os Bifpos deftes dous partidos. O zelo imprudente , que oitentou con- tra os Sedlarios , o fez a elle mef- mo cabeça da heresia. Chamáraô-fe LuciferiãTios , áquelles que fe fepa- ravaõ da Communhaô dos Catholi- cos , e qiie perfiftiao neíle íciíma, Imputára6-fe«lhes mais alguns erros. AccufavaÓ-nos de enfinarem , que noíías almas faó corpóreas , e en- gendradas como os corpos : pôde ler que iíto foíTe calumnia verda- deira j porém fempre he certo , que elles erravaÓ em pertender , que de neceíTidade os Arianos deviao re- baptizar-fe , quando voltaíTem á I-
Dos
IV. Século.
411
Dos Apollinariftas.
Apollinarto Biípo de Laodicêa , hum dos mais acérrimos deFenforeà da Coníiibftancialidade do Verbo , era rao piedofo, como fabio \ porém naó defconfiando das próprias luzes, cahio em hum erro íingular. Cria verdadcirameme que J. C. incarna- ra , que havia tomado corpo hu- mano 5 mas que nao tomára alma humana ; ao menos que a tal alma , a que o Verbo fe unira , nao tinha intelligencia alguma j mas fó feníibilidade fem razaô , nem enten- dimento. Segundo elie , o Verbo de Deos animava o corpo de jf. C , de forte que do Verbo , e do Cor» po refultava huma fó e mefma fubílancia. Tirando pois as confe- quencias , que fe deduziao deíld opi- nião 5 attribuio*fe a AfolUnario o haver íuílentado , que a Divindade» padecera , e morrera ; m.as ferí?i ef- fe leu verdadeiro fentimento ? Eis- aqui no que os Sábios naó concor- daó. Dos
4.1%. Elem. d'-Hist. Eccu
Dos Prifcillia-^iifiãj..
O Egypío foi o primeiro berço deíles hQYQg^s. Marco de Mênfis, ha- vendo fonnado húma extravagante miftura de diveríos erros , juntes ás práticas obícenas dos Pagãos , dos Gnofticos 5 e dos Maniqiieos , foi violentamente obrigado pelos Eif- pos a defviar-fe. PaíTou immediara^ mente á Gallia , e dahi á Hcfpa- nha 3 onde corrompeo Frifcilliano Bifpo de Avila , que veio a fcr ca- beça da Seita.
Efte Prelado era nobre , rico , cfpiritual 5 eloquente , íabio, profun- do e fubtil dialéctico. A auíteri- dade de feus coftumes , e fua humil- dade exterior , feu defapego das ri- quezas , feus jejuns^ feus trabalhos o faziao recommendavel aos olhos do povo , mas debaixo de lium. ex' terno mortificado occultava hum cor raça6 corrom.pido , e hum efpirito vao 5 e inquieto. Como elle era de hum carader lifongeiro ^ e infinu-
IV. Século. 413,
ante , ganhou bem depreíTa hum grande numero de Hefpanhoes de toda a condição , e principalmente mullieres pouco aíTiladas , curió ias > ávidas de novidades. Seus erros di- laidrao-fe em pouco tempo por to- da a Hefpanha.
Admittia , como os Maniqueos ^ hum máo Pr^incipio , e au cio ri fava a impureza , como os Gnoílicos. Perrende-fe que / nas fuas alTemblêas nodlurnas , íeus dilcipulos oravao nds , e fe entregavaô aos mais in« fames appetites. Vendo quanto era neceílario occultar fuas abominações, enfmavaô que era permittido men» tir 5 e perjurar, mais depreffa do que defcobrir hum íegredo.
• Os erros de Frifcílliano dando já nos olhos a todos , os Bifpos de Hefpanha os anathcmatizáraô , c ei- le foi bannido do reino. Continuou a dogmatizar , e corcou-fe -lhe a ca- beça em 3 85 por ordem- do tyràn- no Máximo , á inílancia de hum Bif- po Hefpanhol , chamado líhacio , e de feus defenfores. S. Martinho de
To-
I
414 Elem. d* Hist. Egcl.'
Toiírs defaprovou altamente efte n»» vo modo de punir os hereges , e fe feparou dos Ithacianos, Efte Santo Bifpo tinha reprefentado em vaõ a Maxbm j que os PricilUanifias fe achãvaS a£^az caftigados pela Sen- tença EpiJ copal 5 cjue declarando-os hereges , os lançava fora da Igre^ ja , e que era coufa inaudita , que hum Juiz fecular pronunciaffe em hunia caufa de Fé.
A morte de Prifcilliano , ( diz Beau ) moftrou delde entaô , que ef- feito deviao produzir na ferie dos tempos 5 eftes procedimentos in hu- manos. Sua feita fe augmentou por feu mefmo fupplicio. Os que o ha* viao ouvido , como hum Apoftolo , o reverenciáraô como hum martyr. Seu corpo , e os de feus adherenics mortos com elle , forao tranfporta- dos a Hefpanha , e honrados , como preciofas relíquias. Jurou-fe peio no- me de Prifcilliano. Em fim a pezar dos decretos de hum Concilio de Toledo cm 400 , e as Leis oppreííi- vas de Honorio , e de Theodofio o
mo*
IV. Segui. o. 415"
moço 5 fua herefia fe propugnou , até o meio do 6. Século.
Dos Jovimanijias,
Efta Seita devêo fua origem a Joviniano , monge de Milaó. Elie eníinou diverfos erros , renovados pelos hereges dos últimos Séculos. ^5 O eílado do matrimonio , fegun- j, do o feu fentimento 5 erataõ per- 53 feito 5 como o da virgindade ^ ou 5, da viuvez. O Baptifmo torna o 5, homem impeccavel , e he hum 3, logro impor cada hum a íi je- 3, juns 5 e fazer outros adlos de mor- 5, tificaçao. Todos os peccados faó
iguaes , e fua divifaó em mortaes, 3, e veniaes , he liuma quimera. Em ,5 íim para cumulo de impiedade ,
defendia que jF. C. naó nafcêra de
huma Virgem. Eiles hereges , condemnados em hum Concilio de Roma no anno de 390 , foraõ re- primidos pelo poder imperial.
Dçs
41 6 Elem. d 'Hist. Eccl.
Dos Collyridiarioy'.
Eftes hereges erao Jiuns ignoran- tes , que por huma piedade excefli- va , refpeitavaó a Santa Virgem co- mo, huma efpecie de Divindade. Seu nome procede de huma efpecie de bolos , que lhe offereciao , e que fe nomeaó em Grego Coliy ridos. As mulheres eraô os Sacerdotes deíle culto fmgular,
Dgs AnthroponiorfitoSé
Hum Syrio , homem groíTeiro , e. fem letras , nomeado Audio , per- tendeo que Deos tinha corpo huma- no , e membros formados como os noíTos : eíle foi o motivo de dar a feus difcipulos o nome de Anthro" pomorfitas. Eraó homens piedofa- mente loucos. AíFcclavaÔ a mais aU ta perfeição , e fc apartavaó da Com- munhaô da Igreja, porque ella in» cluia em feu feio pcccadores conhe- cidos. Efta Seita penetrou ao Egv-
pto ,
IV. Século. 417
pto 5 onde fe coníervou por algum tempo.
lEfcripUres Ucclefiaflicos^
Os noinés de rodos os Scftarios ^ que acabamos de reprefentar ao Leitor , eftaô hoje em dia quafi in- teiramente efquecidos; porém os dos grandes homens , que illuflráraô a Igreja ao meínio tempo jqutí os pri* melros a laceravaó > viviráo eterna- mente. Nos leriamos muito exten- fos , fe quizeííemos dá-los todos a conhecer : he pois neceíTario limitajr* mo-nos aos principaes , pagando a cada hum delles 5 o tributo de lou- vores , que merece.
hnílancio appellidado o Ckero Chrijlao 5 porque era , fegundo S. Jeronyyno , o homem mais eloquen- te de íeu tempo , foi difcipulo de Arnóbio. Seu meftre havia exercita- do os próprios talentos contra os Gentios ; e I^Síancio emprendeo o mefmo género de trabalho. Suas In* fiituiçoens Divinas , e feu livro da
Tom. L Dd Mor-
41 8 Elem. d' Hist. Ecgl.
Morte dos Pérfeguidores , íeráo fempre amáveis aos queamao a ver- dadeira Religião , pofto que naó ha- ja moftrado tanta energia em eíla- belecer o Chriftir.nifmo , como em deílruir a Idolatria , e tenha cahido em alguns erros. Foi encarregado da educação de Crifpo filho de Coii* Jlantino , e o que faz abrilhantar feu elogio , he que na Corte , e na fon- te das riquezas , nao fentio augmen- tar fuas precifoens , nern feus defe- jos. De todos os Au6lores Ecclefi- aílicos , o Latim de Laãancio he o mais Romano.
Enfebio , Bifpo de Cefarêa na Paleftina , Prelado célebre por íua erudição , naô fe livrou aflaz dos Arianos , pois os offereceo diante do Imperador Qonjlantino com quem vogava. Sua Demonjiraçao Evangé- lica 5 fua (]hrontca , e mais que tu- do fua Hifloria Ecclefiajika , mo- numento preciofo , teriaó podido rií» car da memoria fua propenfaÕ pa- ra hum erro exceíTivamente acredi- tado , fe o fegundo Concilio de Ni-
IV. Século. 419
céa o iiao tiveíTe anathematifado.
S. Antonio , o pai dos Cenobi- tas j merece também hum. lugar en- tre os Auólores Ecclefiafticos. Naí- ceo em Coma no alto Egypto 5 em 251, Tendo fó vinte annos, vio- le fenhor de grandes bens ; porém eílas palavras do Evangelho : S'e vós quereis fer perfeito , vendei quanto tendes , e dai o preço ros pobres , moverão de tal modo feu coração , que as feguio á rifca.,Ten-
• do-íe retirado a hum deferto , o de* monio em.pregou todos os artifícios de íua aílucia para o enganar. De- pois de ter ahi paíTado 20 annos , entranhou-fe em huma folidao mui- to m.ais profunda. Naõ inutilifou íeus talentos. Huma multidão de diícipu- los fe uníraó com elle , e imitáraô fuas virtudes. Sahio duas vezes de feu retiro para ir foccorrer os Fieis •contra os perfeguidores idolatras , e
• contra os Arianos. Viveo 105 an- ; nos , e morrêo em 35*9. Nos temos .xkile jete Cartas , e attribuem-lh^ : huma Regra,
Dd 2 San-
420 Elem. d ' HiST. ECCL.
Santo Hilário Bifpo de Poitiers , fua pátria , diftinguio-le por feii z?- lo contra os Arianos , que o fize- rao defterrar para a Frygia. Eíle a- Jentado defeníbr da Fé , tendo iido reítiiuido á fua Igreja depois de qua- tro annos de deíterro recebera6-no nas Gallias , como ein triunfo. Ter- minou feus dias em 360. Hilário era de huma familia coníideravel , que o educou nos erros do Pagani fmo , cujos abfurdos reconheceo opporru- namente. Tinha vivido algum tem- po no eítado do matrimonio , más por hum confentimento mutuo fe- paròu-fe de fua mulher , quando a leu pezar o collocáraò na Sede de Poitiers. Sua vida fanta contribuio tanto, como feus efcriptos para o pro- greíTo da Religião. Nós temos defte Santo diverfas obras contra o erro que cõbattêra com tanto esforço em muitos Concilios. Seus doze lixros fobre a Trindade provaõ que havia recebido de Deos a intelligencia das verdades mais fublimes da Religião.
Santo Athanafio , o modelo de
San-
IV. Século. , 421
Santo Hilário no affeclo i verdade , foi expofto , como elle ás calumnias , c ás violências dos hereges. Nenhum Audlor de íeu tempo eícreveo tao profundamente, nem com tanta, cla- reza fobre o Myfterio da Trindade , e da Divindade de J. C, fendo ain- da hoje íuas obras huma fonte in* exgotavel de luzes. Terminou tran- quillamônte fua illuftre carreira na própria Igreja de Alexandria , fendo de idade de 80 annos , em 371 Athanajlo deilerrado muitas ve- zes , acliou Imma nova pátria em to- dos -os lugares , para onde foi ban- nido. Seu efpirito vivo . e penetran- te , feu coração generoío , e delin- tereíTado j feu caradler brando , naó obítando a auíleridade de feus coítu- mes 5 lhe adquirirão defenfores nos fins das Galhas , do mefmo modo que no feio de Alexandria. Junta- va ás próprias virtudes huma elo- quência natural , enlançada com di- tos viviílimos j fempre nervoía , hiu'- do fem declinar a feu fim, e com huma precifao rara entre os Gregos deííe tempo. S.
4-23 Eleu, d* Hist. Eccl.
. '^-^^ B-âfifio o Grande , nafcido em Cerâ'-êà na Cappadocia deo defde íuíi mocidafe as maiores eíperanças. De- poi-F 'de hríver feito feus eíludos em Coiiítanrinopola , viajou a Athenas , onde *fe aperfeiçoou , e teve numa eftreita- amizade com S. Gregorio de Naílanzo. Ba filio am.ava a gloria , e tinha com que a adquirir no mvm- do ; mas excitado pela graça , re- nunciou ás illuioens da vaidade. De- pois que vifitou no Egvpto , e na Svria os mais famofos folitarios, foi eleito a feu pezar Bifpo de Ceía- rêa. Perfeguido pelos x^rianos, e por outros hereges , achou toda a confo- laçaf) em fúas virtudes. Temos dei- le Homilias. Tratados de eípÍ3'itua- lidade e Regras ás quacs os Mon- ges Gregos eílaf) ordinariamente fu- j eitos , e S. Ba filio tem nos Molei- ros do. Oriente a mefma reputação , qiie Bento nos dò Occídente.
: S.' Gregori o de NiíTa , e S. Gre- gorio de Nafianzo appellidado ò Theologo , forao dous dos orna- mentos defte Século. O ultimo ha- vendo
IV. Século. 423
vendo Iiido a Conftantinopola , com- batteo os Arianos , e os ApoUina- riítas , foi poílo na Sé Epiícopal deila Cidade ; mas voluntariamente a deixou pelo bem da paz , e paflou os últimos oito annos de fua vida no retiro do campo. He dos mais illuíires Doutores da Ip-reja. Os li* vros Santos erao leu enc.mto j porem I julg-iva que a leitura dos bons Eícri» I ptores de Athenas , e de Roma po- dia ler util á Religião. As letras profanas , diz S. Ba/i/io , íaó as fo- lhas , q fer vein de ornato , ^ de de- íeza aos fruclos. Também de todas as inve'>:l:ivas que S. Gregorio Na- íianzo desfecha Ibbre o Imperador Juliano , as que fe m.oftraó mais cheias de zelo , e energia , laó as que o Santo forma a refpeito do E- diclo 5 que prohibia aos Chriílaos as humanidade?.
Trabalhou também em reparar os males que; fazia eíle m-?ímo Edid:o. C'.mpoz em verfo , e em profa hum g]-ande numero de obras, refpeftivas íiflgularmedte-.-á Religião. Seu pro-
4^4 Elem. d' Hist. Eccl.
jedlo era de paflar as bellezas dos Audlores profanos ao que efcrcvia , e conlervá-las ahi mefmo , como em depofito fagrado. Apollinario o mo» fo teve as mefmas intcncjoens nos Poemas , Peças trágicas , cómicas , e lyricas, que publicou. Porém por mais hábeis que foíTem eíles dous Efcriptorcs , fuas producçocns apreí- iadas na6 podiaó (diz Mr. le Beau ) fupprir as primorofiíTimas obras de tantos Séculos.
A Igreja Latina fe gloria de ter produzido Santo Amhrofio , elevado á Diocefe de Milão, fendo fuas obras e feus coílumes o modelo , e liçaó dos Prelados. Havia fido Governa- dor do Milanez antes dc fer Bifpo. Morreo em 39'^ de 5'7 annos de ida* de j e 2z de Epifco pado. Hum ze« lo ardente pelos intereíles da Igre- ja , huma caridade ingenhofa para com os pobres , huma terna com., paixão a refpeito dos peccadores 5 ' forad íuas principaes virtudes.
Mas fignalou-fe principalmente por huma coragem verdadeiramente
Epifco-
IV. S E C TJ L O. 425'
Epifcopal. Oííem vos oufard ài^r a verdade , eíbrevia o Santo ao Ym- fCYâáor Tbeodo/Jo , fe hum Bijpa fe naÕ atreve a fa^zê^lo ? Suas obras , compiladas em dons volymes em fo- lio pelos Benediclinos de S. Mauro , ( Paris 5 169 1 5 ) íao divididas em duas partes : a primeira comprehen- de o Tratado íobrea Efcriptura San. ta , e a fegunda o que efcreveo em differentes matérias. O appelido de DouHr Melifluo , que fe lhe lem dado , prova a vantajofa idêa , que houve 5 e há em todo o tempo do- çura , e íuavidade de eíliio.
As Cathe chefes de S. Cyr tilo , Bifpo de Jerufalém , o tem feito ju» ílamente celebre , e nos moílraò que a Igreja profçlTou fempre a mefma doutrina.
Nós poderíamos nomear ainda Santo Éfrem , Diácono da Igreja de EdeíTa , de quem temos Sermoens. O Papa Damafo que protegeo os fa- bios j e foi igualmente Sabio ; Yir- mico Manerto , que deixou hum Traítado fobre o Fj^ro das Reh^
gioens
42Ó Elem. d'Hist. Eccl.
gioens Profanas : mas n ' hum Com«» pendio tal como eíle , nao ie pode , nem também l*e deve dizer tudo.
Igreja de Roma.^
Entre os efcriptorès Ecclefiaílicos^ nós podéramos metter quafi todos os Papas 5 que tiveraó .a; Sédç Romana , porque nós reftaô de muitos deíies Pontífices 5 Cartas , que tanto pro- vao leu faber , como feu zelo. ..Os que governarão a Igreja; neíle Sécu- lo , foraó Marcello morto em 304, Marçal , Eiífebio , Melchiaàes , ^yl- Dejlre , Marcos , "Julio y Liberio , Darnafo ; Siri cio , morto em: 398. I Dos Soberanos Paftores , que no- meámos., Damafo foi hum dos mais recommendaveis por íua fabedoria.:^ e por fua conftancia. A maior-, c a mais fã parte do Clçro , e do pôvò. Romano o elegeo depoi;; da mort^è de Liberio em 366. O Diácono Jíno , ou Urcifino lhe difputou a Cá^' deira Pontifical , depois de haver at#r trahido ao íeu partido muitos Cida- dãos
IV. Século. 427.
daos de Roir.a. O Prefeito deíla Ci- dade querendo prevenir hurna íedi*. çaõ , defterroii Urfino com feus prin- cipacs adherentes \ porém os parti» darios do Anti -Papa os tirarão das maos dos O-ticiaes que os condu- ziaõ , e os ieváraõ á Eafilica de Sicina , ( Sar/ca Maria maior ) onde Urjlno fc ordenara.
A parte do povo unida ao ver- dadeiro Ponrifice , fe juntou com ef- padas 5 e baítoens , fitiando logo a Baíilica , onde houve hum grande combatte. Cento e trinta fete peíToas morrerão , e huma parte da Baíilica foi queimada. O Prefeito naõ po- dendo focegar o tumulto, retirou- fe a huma cafa de campo , mas lo- go que fahio , tudo fe apaziguou.
Darnafo , tranquillo poíTuidor da Cadeira de S. Pedro , juntou hum Concilio 5 em que reprimio por Câ- nones o luxo , e a avareza de certos membros da Clerifia , que abufavao da confiança , ou da fraqueza de feus penitentes para lhes extorquir pre- ientes. O Imperador publicou , pou- co
42S Elem. d' Hist. Ecgl.
CO depois , liuma Lei dirigida ao Pa- pa Damafò , peia qual prohibia aos Ecclefiaílicos , o receber^:ouía algu- ma das inullieres , que elles dirigi!- fem na conícieacia , ou foíTe por doa» çaõ 5 ou por teílamento. Os Padres , e os Conciiios , ( diz o Abbade C.boí- Jí) k tem lamentado frequentemen- te deftas irmás eípirituaes , que com o pretexto de devoção íacriíicavao a taõ falfas aliianças as precifoens de fuas próprias familias. Eu nao me queixo defta Lei ^ ?7ias finto fuynma- mente que nós a tenhamos merecido.
Os Pontífices Romanos , ainda que de hum procedimento irrepre- lienfivel, tendo fubftituido huma cer- ra reprefentaçao exterior á antiga fimplicidade , excitavao algumas ve- zes as injuftas murmuraçoens dos Pa- ^2i6'è,AmianO'Marcellino cenlura-Ihes as carroças,em q fe fazem levar, feus veílidos excellétes/ua nieza fumptuo. fa i c6parando eíta magnificência c6 a pobreza, e frugalidade de muitos Bif- pos das províncias. Porém efte Hi- ftoriador prevenido , nao attende a
que
IV. Século. 429
que o Ponrifice da Capital do mundo devia alguma couía á grandeza dc íeu lugar , e que podia confervar a mo» deília do coração, a pezar do externo eíplcndor , ao qual fe via conftran- gido.
A Sé de Roma era ncífe tempo ta6 importante , que hum Pagão de huma fbimilia diítincla , ( Papirio Pretexta to ) dizia , íegundo o que nos refere S. Jcronymo , que elle Je faria ChrWaõ , fe o fi^eijem Bifpo de Roma, Os Bifpos de Conílanti- nopola , a fcgunda Capital do Impé- rio , começáraó defde entaô a cnve- jar o poder o credito , e a nuclori- dade do Pontifíce Romano ; porém naó pudérao jamais dar a feus de- cretos o pezo , que os do Papa , re« conhecido por Cabeça da Religião > tinhao na Igreja Univerfal.
Cojlumes dos Chrijlaõs ; Culto.
O Chriftianifmo , Jiavendo fido abraçado pelo maior numero , depois da Converíaó de Conjlantino , os ví- cios
430 Elem. d ' HisT. Egcl,
cios dos Gentios cnr^-cír^o. agraííaf entre os Chriíiaos. Viraó-íe miílu* rados cora os Idolatras nos jogos > nos elpedhculos , nos lugares de de* vaffidoen3,naô íb envergonhando 'ain- da alguns de exercitar o infame of- ficio de CoiTiediante. A impudicia , a avareza , a gíotonaria , o appeti- te 5 o deíejo da vingança . naô fbraô rnenos commnns, íe acreditarmos ne- fta pane os Padrc< deííe tempo , en- tre os Fieis , q entre os Infíeis. Fleu* ri , e Rãcine defcobríraó a caufa de- ftes males.
Depois que ConfianiiríO fe decla» fou pelo ChrilLÍaniímo ; os povos fe empenháraõ em fer filhos de fua Igre- ja. Entre huma taõ grande multidão de novos Fieis , introdiizírao-fe nuii^ tos attrahidos unicamente por moti- vos temporaes , com o defejo de fazerem melhor fortuna : a compla- cência pelos parentes , e amigos \ o temor dos Senhores , e emi huma pa- lavra , por caufas que fó fazem, hy- pocritas. Por mais cuidado , queti- veffem os Faílores no exame dos que
aipU
IV. Século. 431
afpirrwaô a Religião Chriílâ, era im- poíllvel , fendo homens , que nao tbíTem enganados. Nao fe podia com facilidade difcernir o principio, por- que hum homem fe fazia (-ihrillaô , nem porque laço fe moílrava unido á Pvcligiaò de J. C. Durante as per- feguicoens , ninguém rinha que ga- nhar para eile mundo, fora do que o Salvador prcm.etre a feus Diícipulos no Evangelho , que vem a fer , afEi- çoens 5 ciuzes , perdas dos bens , e ainda da mefma vida. Examinava- fe 5 com que fe hia a fuítentar huma fimilhante empreza , e fó fe defco- bria huma viva fé de bens , e males eternos , pelos quaes fe arroílavaó to- dos os obftaculos , que ocorriaó em abraçar a Fé do Redemptor.
Mas quando nada já houve , que fe expuzeíTe á perda , antes fó fe achou muito para ganliar , entrando no Chriftianifmo , a Igreja recebeo em feu feio huma multidão de pef- loas , que fc fujeiráraó unicamente ao Evangelho , porque eíta era a Reli- ^giao do Soberano 5 e o meio de o ter
43^ Elem. d ' HiST. Eggl.
fempre favorável. Virao-fe também entrar muitos fuj eitos no Clero , que nad quereriao ter tido ahi lugar algú, fe a efperança das honras , e rique- zas os naô conduziíle a fimilhan- te Eílado. Todavia encontravao-fe grandes Prelados que períiíliao firmes na virtude entre as deíordens públi- cas ; porém o Clero em geral moíha- va-fc apaixonadiíumo pelas dignida- des Ecclefiaílicas , e pelo favor das grandes perfonagcns. As riquezas , as honras , a nobreza , e o que há demais brilhante aos olhos do mun. do , era6 as qualidades m.ais recom- mendaveic para as eleiçoens. Os lu- gares eminentes da Igreja fendo am- bicionados , e igualmente occupados por pciToas caraderifadas com as dif- pofiçoens já ditas , levaraó«nos abuf- car do mefmo modo os titulos con- fórmes a feu orgulho , e a feu diítin- to nafcimenro.
O eílado monaílico havia feito progreíTos no Egypto , na Syria , e em todo o Oriente. A vida deftes primeiros Solitários íó era huma fe- rie
IV. Século. 433
rie continua de preces , de jejuns , de trabalhos , de maceraçocns , e de aulh-idades. Tratavao leus córjos eom hum rigor , que faz eítreme- cer noíTa fraqueza \ mas quando eíles Martyres de penitencia deixárao os defertos,para ie efpalharem pelas Ci- dades >a relaxação fe introduzio pou- co a pouco 5 e defde o fim do Secu« lo, de que nós traçamos a hiftoria, fo» rao neceíTarias Leis , para as tornar á primitiva perfeição*
A Religião havendo feito novas conquiftas lobre a Idolotría, augmen- tou mais a mageítade de íeu culto. As Igrejas foraó ornadas com ma- gnificência i enriqueceraó-nas pelô pintura , e efculptura , digaô o que quizerem os Proteflantes : viraÓ-fe I defde então imagens nos Templos, j Crefcia o numero das Feílas, e íe ce- ; lebrávao com pompa.
O coftume de adminiftrar o ba- ptiimo fó nas Vigilias da Pafcoa , e t Pentecoíles cilava em vigor neíle Se* il culo , ainda que houveffem lugares )| onde íe extendia a folemnidade da Tom. L Ee cele-
434 ElexM. E)' HrsT. Eggl.
Gelêbraça6 ckfté Sacfamento a todo o Vémpú , que decdrria entre eftas dUâs' Feitas. Conferiá-le ordinaria- rnente nos Veftibiilos dos Templos , onde fe achavaô pias baptifmaes de hiinla grandeza conveniente. Alguns tifihao devoção de receber o baptif- mo íio Rio JordaÔ. Hum abufo, que ft vio heíTe tempo , foi ^ quedos Ca- thecumenos , que vem a fer aquel» les qiie fe preparava© para receber o baptifmo , diffèriao a íua admi»- niflíràçao âté á ultima velhice , ou até mefmo á morte.
Q^ianto á celebraça6 dos Santos Myfterios , a palavra Mijfa já era conhecida , e ainda que houveíTe al- gUma pequena diíFerença nas litur- gias das diverfas Igrejas , com tudo elías erao íimilhantes no eíTèncial, Na6 fe permittia àt modo algum nos difcurfos públicos dirigidos aòs Cathecumenos , o explicar-lhes di- ftinílameíite a natureza do Sâcrà« niento db Corpò de J. C. , e tâo pouco a do baptifmo. Eis-aqui por que as Catachcíes dos Padres nao Ía6
IV. Século. 435-
tad claras , como os Cathecifmos fei- tos depois, que o Chriítianifmo, ten- do inteiramente anniquilado a Ido- latria, naó fe receou nelles jámais ex- plicar eftes divinos Myfterios.
Fim do primeiro Tomo.
Tomo I.
Pa O', linha. erro
5 |
27 |
fez feu |
6 |
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tves aniios fua |
9 |
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tle ver |
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a eflrella |
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M |
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fefiar |
j8 |
1 1 |
procedida |
23 |
Ariílobolo |
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20 |
19 |
enthufiaítes |
20 |
magnifica |
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no Templo onde |
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0 acháraÕ |
||
23 |
7 |
batpizo |
24 |
6 |
e viéloria |
J5 |
tentativa |
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£ 2 |
approvar |
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25 |
5 |
occupado todo |
28 |
J) |
que fe ren,uncie |
32 |
13 |
ceds |
16 |
acomoda-va-fe |
|
2 í |
/ |
li 1 ^ í] 1 n'n íl v íi |
$ |
quliter-des |
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38 |
2 |
deos |
1 1 |
extrafiado |
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49 |
9 |
0 primeiro pois . |
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16 |
aqullc |
55 |
7 |
infidiciofas |
59 |
23 |
tem Profetas |
6i |
18 |
recufr.nem fcm |
admitti-los |
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63 |
20 |
lhe replicou |
23 |
credc-vo-lo vos |
|
68 |
6 |
Salvador ; quem |
20 |
pagado |
|
69 |
6 |
incidlciof.i |
75 |
13 |
Pcrfuadi-os |
77 |
com maior |
|
79 |
l |
pateado |
201 |
10 |
conduzios |
emenda fez o feu tres annos da fua dever
a eftrella d'Alva cefiar precedida Ariftobulo enthufiaftais magnihcencia no Templo , onde
poi s
o acbáraõ
bapti 7,0 a vi dor ia tentaqaÕ a provar todo cheio que elle fe renuncie fede
accommodava-fe de dignava quizerdes deo-os extafiado
0 primeiro peixe poi s ;
aquelle
1 n fi d i o Pa s
tem os Profetas ^ recufafiem admit* ti -los
lhe replicou ella,
c rede- lo vos ?
Salvador , quem
pago
inlidiofa
perfuadio-os
com a maior
pacleado
çondiuio*os
Tomo I.
Pag. linha. erro emenda
1 2 |
abenço-ou. |
abençoou |
|
17 |
branco |
branco |
|
IO í |
Io |
oml ttem |
oj'!"!Ítteni ) |
107 |
7 |
foi Teu |
foi 0 |
1 0 |
na Cidade |
niiquella Cidade |
|
1 i ÍJ |
Q y |
Seg lo |
Sergio |
1 5 |
Coeciò |
Coce io |
|
ii6 |
16 |
fe aiTi milhava |
fe lhe afl: milhava |
2 I |
ambos |
aiTibas |
|
117 |
Fi 1 emo |
Filemo , |
|
2 2 |
fenha |
fanha |
|
12 J |
2 |
convertido ; e |
convertido , C bap- |
baptizado |
tizado |
||
I 2 |
dous |
doiis |
|
8 |
aiT< m i 1 h aÕ |
a^melhaõ |
|
0 |
fatricitants |
febricitante |
|
120 |
10 |
combatem |
combate |
I ? I |
1 5 |
evi tando |
ti ruindo |
* ) ) |
1 2 |
Lifias , cornan- |
Liílas , que coniman- |
d a v a |
dava |
||
I ? 0 |
20 |
onde achao |
onde fe ach 5 |
2 r |
confundiao |
confaiid i aõ |
|
I Ç4 |
1 0 |
iberto |
liberto |
1 5 ç |
16 |
dete rmi nar |
de terminar |
os ru d e s |
aos rudes |
||
i68 |
I ) |
in fin. |
in foi. |
16 |
ondinenfe 2. v. |
Londinenfc 2. v. in |
|
in fin. |
foi. |
||
1 So |
26 |
c]ue eraÕ |
que naõ eraõ |
2o6 |
27 |
SimaÕ |
Simeíiõ |
207 |
24 |
oppunhaÕ á Re- |
OppunhaÕ, a Religião |
1 i gi aõ |
tudo 0 que para vos |
||
20 |
tudo para vos |
||
9 |
21 |
noíías |
voíTas |
2S7 |
2J |
attrrahlr |
attrahio |
299 |
21 |
Eg\ peio |
Hum I£g\pcio |
309 |
14 |
Dai a |
Daza |
324 |
27 |
a refpeito do |
a r;fpeito do Janfe- |
Jane enifnio |
lyfmo |
Tomo |
I. |
||
Pag. |
linha. erro |
emenda |
|
351 |
8 |
Confiibftan- |
Confubllancialída- |
cial Idade |
de |
||
26 |
que 0 desfez |
que desfez |
|
565 |
9 |
Eunuco |
Eunômio |
0 Fiiho de hu- |
0 Filho he de huma |
||
ma |
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566 |
3 |
Adviatico |
Adriático |
567 |
I |
tiverem |
tiveraÕ |
568 |
9 |
defbemiinar |
determinar |
13 |
viviaõ |
vivao |
|
394 |
23 |
Feliza para 0 |
Feliz para 0 Ocea- |
Occno |
no |
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405 |
7 |
relevacoens |
revelaçoens |
418 |
19 |
ottereceo |
favorecco |
i
(
\