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EXAME,

E juízo critico

SOBRE O PAPEL, INTITULADO

ANTI-SEBASTIAN1SM0,

ANNUNCIADO NA GAZETA DE LISBOA DE z% DE SETEMBRO DO PRESENTE ANNO.

LISBOA,

Na Impressão Regia.

ANNO iloj.

Cem Licença da Meza do Desembargo do Paço.

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University of Toronto

http://www.archive.org/details/exameejuizocritiOOmaia

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PREFAÇÃO.

I / Epois de haver escrito a resposta ao papel , que tem por titulo Anti-Sebastianismo , ou Antídoto con- tra vários abusos , que appareceo impresso em Lis- boa neste anno de 1809, e annunciado na Gazeta da mesma Cidade em 28 de Setembro do mesmo anno, me pareceo que para maior perfeição, e aca- bamento daquelle tal , e tal Opúsculo o deveria fa- zer preceder de huma como Introciucqão, na qual tratasse da origem , e principio da célebre Seita do Sebastianismo , da ordem que tem seguido nos seus progressos , e das épocas , em que se tem visto ou mais exaltada , ou mais desfallecida. Servirá talvez isto para desenganar a tantos pertendidos desabu- sados , de que esta Se ta não he tão absurda , e desrazoada , como lhe parece , e de que erra meio a meio todo aquelle , que a confunde com essas fal- sas crenqas vulgares , filhas de huma ignorância cras- sa , quaes aquellas de que o author do Anti-Sebas- tianismo falia nas primeiras paginas daquelle papel. Servirá conseguintemente de mostrar também , que não deve causar espanto , que esta Seita tenha du- rado até aos nossos dias ; e que desde os seus prin- cípios até á época presente , tantos homens doiuos , e sizudos a tenhão firmemente professado , e vigoro - sãmente defendido.

Todos sabem que EIRei D. Sebastião , tendo visto a luz do dia em 15 5" 4 teve a gloria , e a for-

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tuna de nascer na época, sem dúvida a mais brilhan- te da Monarquia Portugueza. Omittindo rodos os outros ramos de prosperidade , e gloria Nacional , que não vem directamente ao meu intento , fat- iarei do respeitável estado , em que naquelles tem- pos se achavão em Portugal as Artes , e as Scien- cias. Eu julgo que não poderei ser aceusado de fa- natismo patriótico , atrevendo-me a affirmar , que nenhuma Nação esrá no caso de poder apresentar hum número tão prodigioso , e respeitável de Escri- p*ores insignes em todo o género de Sciencas , e Littentura , como Portugal no seu célebre Século de Quinhentos. Muito embora zombem os Estran- geiros , e especialmente desta asserção : esta zomba- ria , como quasi todas , he filha sua ignorância. Se com o mesmo calor , com que nos appl içamos ao das suas, elles se applicassem ao estudo da nos- sa língua , estarião no caso, como nós estamos, de confrontar o número dos seus , com o dos nossos dignos Escriptores , e de comparar os seus com os nossos Poetas , Historiadores , etc, , erc. , e seria de esperar , que se conformassem com os poucos d'en- tre elles , que sabendo a nossa língua , e tendo lido o muito , que nella ha escrito , prodigalízao elogios honrosos á nossa Litteratura. Vírao-se em aquelles felizes tempos no nosso Portugal gloriosamente re» nascidos , e altamente melhorados os Séculos dos Homeros , e Thucydedes ; dos Virgilios , e Titos Livios , e todas as Nove Musas , deixando as grutas, aonde a barbaridade dos Séculos precedentes as ha» viao condemnado a viver sepultadas , correrem a habitar os Templos magesrosos , que esta famosa Nação lhes havia erigido. Na Sagrada Tlieologia , e exposição das Divinas Escrituras adquirirão alto nome os insignes Quinhentistas Hejtor Pinto, Luiz

de Sotto Maio, João Soares, Jeronymo ^Azambu- ja , Pedro Figueiró , Sebastião Barradas , o Arce- bispo D. Bartholomeu dos Martyres , e o grande Francisco Foreiro. Na Jurisprudência Civil . e Ca- nónica se distingirão nobremente Pedro Barbosa , Manoel da Costa , Jorge Cabedo 5 Ayrel Pinhel, António de Gouvea , Gonçalo Vaz Pinto, Gabriel da Cona , João Alfamira , e muitos outros , que se- ria diffícultosa empreza numerar. Amaro Lusitano, e Thomaz Rodrigues da Veiga nas suas exposições , e Commentarios a Galeno, e Kypocratcs deo hum testemunho brilhante do estado das Sciencias Medi- cas em Portugal naquella época gloriosa. O immor- tal Pedro Nunes , génio creador , íez naquelle Sécu- lo exclusivamente Nacionaes de Portugal as Scien- cias Mathemaricas. Os famosos Historiadores João de Barros , Diogo de Couto , António Castilho , Lopo de Soma Coutinho , Bernardo de Brito , João de Lucena, Jacintho Freire dAndrade, João dos Santos, Fernão Mendes Pinto, e o grande Luiz de Sousa se fízerão dignos , de que os seus bustos fos- sem collocados na mesma gallaria, era que se ad- mira vão os dos Thucydedcs , Xenofonte , Tiro Livio , Tácito , e Quinto Cursio. Na Poesia , na bella , su- blime , e encantadora Poesia, se fizerão merecedores de eterno nome , e gloria Francisco de e Mi- randa , Diogo Bernandes , Agostinho da Cruz , Je- ronymo de Corte Real , António Ferreira , Fernão Alvares do Oriente, Diogo de Paiva de Andrade, Jorge Coelho, Jeronymo Cardoso, Pedro de Andra- de Caminha , e o grande Luiz de Camões. O nome deste grande homem he bastante a dar a idéa mais lisongeira do venturoso Século , que o produ- zio. Com milita razão , e justiça lhe teceo o se- guinte elogio hum homem hábil dos nossos dias *

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Gráàa Maoniãem jactat , ver ena Catulhm Nasonem Sulmo , Mantua Virgilium Jactent usque Hcet : Camoens omnibus unum jactat Lusyadum terra superba parem.

A Lingua Latina , que he verdadeiramente a Língua das Artes, das Sciencias , e do bom gosto, era tão commum , e vulgar entre os Porruguezes daquelle tempo , como entre os dos nossos dias o são as Linguas Italiana, eFranceza; com esta gran- de differença , que destas duas Linguas temos ape- nas hum conhecimento muito superficial, sendo mui- to poucos os que estão no caso de as fal'ar corre- ctamente, e muito menos ainda os que se streve- riao a compor , e escrever nellas com pureza , e elegância : quando aliás emre os nossos Quinhentis- tas tantos , e tantos possuiáo a Lingua Latina em toda a perfeição , compondo , e escrevendo nella com tanta pureza , e graça , tanto em Prosa , como cm Verso , que as suas: Obras se fazem dignas de ser comparadas ás do Século de Augu>to. Taes sso entre outros Ayres Barbosa, Acchiles Estaco, Dio- go de Teive , o Bispo Jeronymo Ozorio , e o gran- de André de Rezende. Também erão cuidadosamen- te cultivadas as Linguas Orientaes , e exóticas, sen- do não poucos os que nellas compunhão correcta , e elegantemente , especialmente na rainha das Lin- guas dos Homeros , e Demosthenes forao insignes entre outros Ayre- Barbosa , Acchiles Estaco , Luiz Ferreira , André de Rezende , e Francisco Foreiro.

O que fica dito, sendo apenas hum esboço da illustraçao daqu?lle famoso Século , he quanto basta para nos convencer do estado das Artes, das Scien- cias , da Lkteratura , e do bom gosto em Portugal

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na venturosa época, em que D. Sebastião veio ao mundo. Tendo nascido poucos dias depois da mor- te do Príncipe D. João seu Pai , e nono Filho de EIRei D. João III., se com quanto alvoro- ço , e jubilo seria celebrado o seu Nascimento. As Musas o applaudírão á porfia , imitando na melodia do seu Canto a das Aves sonoras, quando nas ma- drugadas da Primavera celebião o nascimento de Au- rora. Sendo o único objecto das esperanças da Mo- narquia , toda a Nação o olhava como hum mimo do Ceo , e hum novo argumento da providencia par- ticular, que vigia sobre este Reino desde a sua fun- dação , como sempre piamente se creo.

Esta espécie de maravilhoso , que desde o seu nas- cimento parecia descobrisse no novo Príncipe, crescia gradualmente cada dia á medida , que nelie se hião desenvolvendo as bel las , e grandes partes, com que o Soberano Author da Natureza o havia adornado , e que a cukura, e a educação fizerão subir a hum ponto muito sobre o medíocre , e ordinário. Dotado de huma excellente memoria , grandes talentos , fina comprehensão , amor ao estudo , sujeição acs me- lhores Mestres , que depois de maduras discussões lhe forão dados , quando havia tanto por onde esco- lher, os seus progressos forão os mais rápidos. Isen- to , e totalmente livre dos vícios das primeiras ida- des, vicios, que debilifão , embrutecem, e retardão o espirito, e o corpo, muito antes da estação com- petente, este Príncipe mostrava hum juizo maduro, e hum discernimento admirável. Huma presença gentil , e magestosa ; muita decência , e affabilida- de ; tão robusto como valoroso , parecendo não ter a mais leve idéa de medo, ou perigo; não ha- vendo coisa que podesse causar-ihe admiração , ou espanto \ por outra parte muito Catholico, e devo-

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to, -temente a Deos , e profundo respeitador da igre- ja , e das suas Jerarquias : EIRei D. Sebastião foi sfem dúvida humdaquelies Príncipes, que em si unio maior número das qualidades , que os fazem dignos de o ser. Se pensarmos com algema sisudeza sobre tudo isto., acharemos talvez, que alguma desculpa parece merecerem os Povos , a que parecia de-co- brir o quer que era de maravilhoso neste Príncipe tão abundantemente dotado de partes muito singula- res, e pouco communs. Mas vamos proseguindo. Este Príncipe de tantas esperanças , que promettia obscurecer os grandes nomes dos Carlos Magnos , dos Alfreds, e de Luiz IX., os maiores homens, que tem oceupado osThronos d. t Europa , se deixou infelizmente vencer do fatal projecto de conquistar a Africa. Nenhumas razões forão bastanres a dispersua- dillo : he verdade que os meios, que empregarão pa- ra o dissuadir daempreza, erao muito mais próprios, attendido o seu caracter , e o seu fraco , para mais o estimular , e accender. Este Príncipe detestava ex- cessivamente a cobardia , e dava a esta palavra hu- ma significação amplíssima. Temer os perigos, des- maiar com as difriculdades , fossem de que natureza fossem estas difficuldades , e estes perigos , era se- gundo elle cobardia. Ora como pela maior parte as raioes com que se pertendia dissuadillo do temerá- rio projecto se fundavão nas difficuldades , e nos perigos delle, he evidente , que quanto mais lhe argumentassem , mais o havião de estimular, e ac- cender, Seguindo outro rumo com delicadeza , e ma- nha , talvez se conseguisse o desvanecello , mas Sic erat in fâtis.

Parece involver bastante maravilhoso, que hum Principe de tão boas partes se deixasse illudir , e obstinar até ao ponto de não ver, o qu# qualquer

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mediano talento previa , e alcançava ; e que absolu- tamente não quizesse admktir as razões } e os con- selhos de tantos homens grandes em toda a extensão da palavra , aquelle , que sempre havia mostrado hum génio dócil , e fácil de ceder. TamberrT^parece natural , que huma Nação tão iílustrada , e culta como naquelles tempos era a Portugueza , com tão perfeito conhecimento dos seus direitos , e tanto despejo , para os fazer valer , se deixasse cegamen- te arrastrar por hum Príncipe de vinte e quatro an- nos-, cm quem fora desta se não conhecia outra al- guma falha , e que guiada por el!e , corresse a pre- cipitar-se no tumulo. Parece que em tudo isto se está vendo reluzir o maravilhoso , e sobrenatural.

Em fim , no fatal dia 24 de Junho de 157B sane pela barra de Lisboa a famosa frota , levando a seu bordo tudo quanto havia de bom , rico , e grande em Portugal , ou para tudo dizermos em huma expressão , levando a todo Portugal a en- terrar aos Campos d' Africa , o que na realidade succedeo 41 dias depois, isto he, aos quatro de Agosto do mesmo anno , dia fatal , e para sempre lastimoso nos annaes da Historia Portugueza.

Neste mesmo dia , e até na mesma hora, em que se ultimou a fatal batalha em Alcacar Quivir na Africa, se soube com toda a individuação o suc- cesso , tanto em Portugal , como emHespanha, co* mo em França. Digão o que quizerem os chamados Críticos , e desabusados dos nossos dias , o que aca- bo de dizer he hum facto incontestável , que po- de deixar de ser acreditado por aquelles , que não admittem outra regra para crer, ou deixar de crer, que não seja a sua livre vontade. Sem que hum dos Contemporâneos os desmintão , todos os Histo- riadores daquelles tempos o aíhVmão, e protestão.

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Entre as pessoas , que no mencionado dia publica- rão em Portugal o trágico successo , forao os prin- cipaes o Cardeal Henrique, Fr. Cosme, Leigo no Mosteiro d'Alcohaça , homem de reconhecida virtu- de, e D. Beatriz d'Aguiar, Abbadeça de Coz , pes- soa também muito exemplar, e virtuosa. Na Hes- panha , D. Leonor Mascarenhas, fundadora do Mos- teiro dos Anjos em Madrid, e a famosa Santa The- resa de Jesus , cuja eminente Santidade , e admirável Sciench não carece de ser aqui recommendada. Na iranhã do dia 5" de Agosto do sobredito anno , o Ge- ral dos Trinos participou a fatal noticia em Paris ao Rei Francisco Segundo. Apezar da alta reputa- ção , de que gozavao todas estas pessoas , suspen- derão os prudentes os seus juízos até , que chegando a fatal noticia pelos meios ordinários , forno obri- gados a ter por verdadeiras aquellas revelações. Eu bem sei , que esta palavra ofíende muito os ouvidos melindrosos dos meios desabusados contemporâneos; e eu, que não desejo offender a huma pessoa, me absterei de continuar a servir-me delia , e até mesmo de insistir por mais tempo nesta matéria : fiquemos pois , em que na mesma hora , dia , mez , e anno , iDm que o Exercito Portuguez fora destroçado em Alcaçar-Quivir na Africa , se soube com toda a in- dividuação o successo em Lisboa , Madrid, e Paris, havendo sido cornmunicado pelas sobreditas , e muitas outras. Dê-se a isto o nome , que lhe quizerem dar. Não deixemos porém de notar, que nas relações irão circunstanciadas , e minuciosas , que as sobredi- ras pessoas fizerão do lastimoso successo , nem liu» ma palavra se leia á respeito do destino de EIRei D. Sebastião naquella fatalidade, sendo aluas a primeira , e principal personagem, de quem se devera fazer menção. Vamos continuando. Chega-

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das em fim as fataes noticias no tempo próprio 3 e confirmadas as que corrião sem diíferença nota. vel,a maior parte dos Portuguezes ficou persuadida, de que EIRei havia escapado á morte, e saindo da Africa: alguns suspendião a este respeito os seus juí- zos, e muito poucos se capacitarão, ou por politi- ca quizerão parecer, que se capacitavao da suã mor- te. Assim virão os Vas-allos Portuguezes quebra- rem-se es escudos, celebrarem-se as honras funeraes , c ser acclamado Rei de Portugal o velho Cardeal. Entretanto esperava-se vêr entrar a cada instante por este Reino o seu verdadeiro Monarca ; e esta esperança se vigorava cada dia com a chegada de muitos , que havendo escapado á morte na fatal ba- talha , tendo sahido da Africa , se recolhiao ao Rei- no , ou mandavao noticias incontestáveis de se acha- rem em salvo. Aqui teve principio a Seita do Se- bastianismo : nasceo no seio das luzes , e illustração de hum Século o mais judicioso , e sábio : os seus primeiros partidistas forão os nossos Quinhentistas , a Nação inteira , quando nenhuma outra estava no caso de lhe disputar a Superioridade, nas Artes, na Litteratura , e nas Sciencias. Se o Author do Anti- Sebastianismo tivesse levantado as suas reflexões , como devia até a esta altura , estou bem certo , de que não confunderia os Sebastianistas com aquelles<, que crem nos ovos , e alcaxofras da noite de São João , ou nos defuntos , que ouvem Missa de noi- te , que lhes diz o Cura , que falecera em ultimo lugar: a ignorância mais crassa presidio ao nasci- mento destas superstições, e debaixo de bem diver- sos auspicios nasceo a Seita dos Sebastianistas. Nem me responda , que nos tempos actuaes he absurda a esperança dos Sebastianistas presentes , e que o não era nos tempos, de quecufallo ; porque se, segun-

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do o Author, o trágico, e lastimoso fim de EIRei D. Sebastião foi fiel , e verdadeiramente emAgos* to âe 15:78 , tão grande absurdo et a esperar por elle aos seis mezes, como aos seiscentos annos depois de haverem morrido. Mas voltemos ao nosso inten- to.

Com as calamidades deste Reino , funestas con- sequências da batalha da Africa , e com o grande empenho , que os Filippes mostravão em persuadir a Nação , de que o seu Rei havia morrido em AI- caçar-Quivir , cresciao progressivamente os desejos, de que apparecesse em Portugal aquelle desgraçado Rei , e com as noticias vindas de Veneza em 1598 ; e de que fazemos menção na pagina da nossa res- posta ao Anti->ebastianismo , se confirmou a Nação iiiteira , de que com effeito EIRei D. Sebastião se achava vivo, e havia sabido da Africa. A esperan- ça de o ver entrar em Portugal oceupava a todos os corações , os Filhos a herdnvao de seus Pais , e as gerações a transmittião , e deifljavão como precio- so legado ás gerações.

Assim vio Portugal decorrer os annos do seu cativeiro , e chegar-se a época da sua restauração em 1640, quando aquellef , por que tanto suspirara , yinhâj a ter 86 annos de idade. Com o prazer de ver se restaurado, amainou neste Reino a esperança da vinda de EIRei D. Sebastião ; nunca porém che- gou a aniquilar-se; e pelo tempo adiante até ao fim do Século XVII., em que havião decorrido 146 an- nos do nascimento de EIRei D. Sebastião, a espe. rança da sua vinda crescia , affrouxava , segun- do os tempos corrião , ou prósperos , em que tudo esquece ; ou adversos , em que he da natureza huma- na , e até da boa Filosofia o procurar , e até fingir motivos de consolação , e allivio a seus males.

Hesummnmente difficil o deixar persuasões her- dadas, principalmente quando são nobremente nas- cidas , e tem sido por largos annos acreditadas : a esperança da vinda de EIRei D. Sebastião tem con- tinuado a subsistir , e principalmente depois dos fins de 1807 tem engrossado o número dos seus parti- distas extraordinariamente , servindo-lhcs de consola- ção , e refrigério no meio dos males acerbos, com que remos sido vexados , e opprimidos.

Deixando pois em paz os que crem , e esperão sem saber o porque crem , ou porque esperão , va- mos aos que se achão em mais alto predicamento , e sabem dar a razão do seu dito. Dizem pois estes , que Deos tem por particular providencia reser- vado a EIRei D, Sebastião , que assim o tem a f fir- mado varias pessoas eminentes em virtude , e Scien- cia ; profetizando a sua vinda para os tempos futu- ros , tendo-se comprido algumas outras partes dos seus vaticínios ~.

Sem que seja o meu animo ofomentar esta es- perança , nem contrariar , a que a isto respondemos nas paginas ultimas deste nosso Opúsculo, permit- ta-se-me o fazer , ou lembrar r»qui algumas reflexões, que talvez convenqao a cérebros não esturrados . de que esta esperança não pnrece nem muito absurda, nem demasiadamente revoltante.

Eu supponho que nenhum homem de bojn senso , e de boa deixará de estar convencido da prodigiosa appariçao de JESUS CHRISTO a EI- Rei D. Affonso Henriques nos Campos de Ourique, e das grandes promecsas , que lhe forao feitas. Este milagroso acontecimento está tão legitimamente provado por tantos, e tão authenticos documentos, descobertos , e repro uzidos por homens tão insi- gnes , e muito principalmente nos nossos dias pelo

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Author da Thebada Portugueza , e pelo célebre António Pereira de Figueiredo , que se não pode es- perar que homem algum nas circunstancias acima ditas se atreva ao ter por falso, ou duvidoso. Des- de aquella memorável época se começou a crer pia- mente neste Reino, que Deos , em consequência das promessas feitas áquelle virtuoso B^ei , havia tomado a Portugal debaixo da sua particular protecção , pro- videnciando-o com huma predilecção semelhante áquelia , com que noutros tempos providenciava a Monarquia Hebrea , antes que pelos seus crimes , e ingratidões se fizesse indigna de seus divinos bene- fícios. Os maravilhosos suecessos , que pelo decur- so dos annos se forâo vendo , mais, e maishião con- firmando es:a Nação , que nada tem de incrédula na- quella crença piedosa. Não podem capacitar-seos bons Portuguezes , de que sem hum influxo muito parti- cular do Ceo treze mil homens nos Campos de Ou- rique podessem desb.iratar , e vencer a hum formidá- vel Exercito de quatrocentos mil Mouros robustos , e muito bem disciplinados. Não pôde crer, que sem aquelle mesmo influxo podesse nas planices d'Alju- barrota hum Exercito Portuguez pequeníssimo em número, comparativamente ao enorme Exercito, que tinha de combater , conseguir sobre elle huma vi- ctoria , completa , matando-lhe doze mil homens , e aprizionando-lhe hum número incalculável ; sendo os vencidos os primeiros a confessar , que de tão enorme desigualdade não era natural o esperar-se hum tal êxito Não podem os bons Portuguezes per- suadir :e , que no dia 17 de Março de i^o^o grande Duarte Pacheco com huma Náo , huma Ca- ravella , dois pequenos Navios , e setenta e hum ho- mens podesse sem hum grande influxo, e visível au- xilio do Ceo vencer, e destruir a formidável Esqua-

dra do Rei de Calecut , composta de cento e sessen- ta velas, e hum Exercito, que por mar, e por ter- ra moníava a sessenta mil homens. Não podem em fim penuadír-áe j de que sem huma particular assis- tência do Ceo podesse Jorge d^lbuquerque com duzentos e oitenta Portuguezcs destruir o Exercito do Genial Rei de Pacém , matando-lhe dois mil e quatrocentos homens , em que entrou o mesmo Rei , aprizionanclo-lhe a sua mulher, e filhos , e hum pro- digioso número de gente. Innumeraveis outros fa- ctos se encontrão nas historias de Portugal , que são para esta Nação outros tantos argumentos , que a obrigão a crer com piedosa , que Deos tem sobre este Reino desde a sua fundação as vistas de huma providencia particularíssima. Supposta a verdade des- tes grandes acontecimentos, de que nos dão hum tes- tem unho irrcfragavel os famosos Historiadores da- quciles tempos, e prin :ip^imente os grandes João de Barro? , André de Couto , o Bispo Jeronymo Osó- rio , e Manoel de Faria e Sousa, e tantos outros, eu deixo a decidir aos hcir.er.s sensatos , e de boa , se esta piedosa crença dos Portuguezcs he , ou não bem fundamentada , e se se ajusta , ou não ás má- ximas, e princípios da Religião, e da filoso- fia, que nos prohibe o attribuir ás causas naturaes , e ordinárias acmelles e frei tos , que excedeo o alcan- ce , e as forças das mesmas causas ? Não sendo de esperar huma resposta negativa, pergunto em segun- do lugar , se huma Nação, acostumada a ver com tanta frequência o Cco , obrando tantos prodígios a beneficio seu , merece ser aceusada de fanática , e visionaria, quando crê. que Deos tem reservado pa- ra restaurador do Império , que prometera estabele- cer p-'ra st em D. forno Henriques , e sua Des- cendência a EIRei D. Sebastião, famoso Priíacipe,

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cujo nascimento , Índole, dotes de corpo, e de es- pirito , cujas virtudes , acções , vida , projectos , e salvamento da Africa involvem tanto de maravilho- so , e sobrenarural ? Por ventura o objecto desta es- perança he alguma coisa , ou impossível a Deos , ou que Deos nunca tenha feito ? He alguma coisa nun- ca vista o conservar Deos a vida a hum homem por duzentos e quarenta e cinco annos, que nesta hypo- these EIRei D. Sebastião viria a ter presentemente? Não fallando nos Patriarcas Antidiluvianos , que dobrarão, desdobrarão aquelle computo, não nos consta pelas Historias dos Séculos mais visinhos a nós, que alguns tem até excedido aquelle prazo? E prescindindo mesmo do influxo particular da Pro- videncia , eu não sei, que esteja demonstrado , ou se possa demonstrar a impossibilidade de viver hum homem nestes Séculos últimos os seus trezentos an- nos, ou mais, mesmo naturalmente, e sem milagre algum. sei, que se algum homem estava no ca- so de viver séculos , seria EIRei D. Sebastião , em que concorria tudo quanto pode julgar se necessário para gozar de huma vida longa. Moço , robusto , e vigoroso, inimigo de melindres, e effeminaçoes ; muito dado a exercícios, e fadigas; sóbrio , e livre de vícios torpes , e das fataes moléstias , que lhes são inherentes , que inficionão , e minão a seve da humana vida, superior ás paixões , e desgraças, que envenenão a massa vital ; assim no-lo pintáo , e re- tratão uniformemente todos os Historiadores : ora hum homem com todas estas circunstancias promet- te huma longa duração , e não espanta que iguale a vida dos Patriarcas , aquelle, que tão pe;feitamen- te se assemelhou a elles pelos seus costumes. Por qualquer lado pois que olhemos pata o Sebastia- nismo, não vejo, que a sua esperança mereça ser

tratada de ridícula , absurda , ou revoltante , nem que esta Seita mereça ser confundida com as dos que crém naquellas estupidezes , de que falia o papel do Anti-Sebastianismo nas suas primeiras paginas. Huma ignorância crassa lhes deo o nascimento , as mantêm, e as conserva; e impossível he que no número dos que as acreditáo entre algum homem judicioso , e douto , ao contrario o Sebastianismo ri&sa^ no seio de hum Século , talvez o mais illustrado , e judicioso de todos, homens de muito juizo, de muito saber, e de muita crítica, tem sido, e ainda hoje nos nossos dias são seus acérrimos sequazes; tudo isto sendo , como he , incontestável , prova le- gitimamente, que esta Seita nem he absurda, nem inconsequente. Tal he o meu modo de pensar : não sigo a opinião, mas não a ridiculizo : não sou Se- bastianista, mas reconheço, e respeito os talentos, o saber , e as virtudes àiL muitos , que o tem sido , c ainda hoje o são.

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EXAME,

E juízo critico

SOBRE O PAPEI,, INTITULADO

JNTI-SEBASTIAN1SM0.

JlN Unca em Portugal se deo tanto exercício ás pennas , como nesta calamitosa época , em que se devia dar exercício ás armas. Todos as pirão á glo- ria de Escritores, quando devião aspirar á dfe guer- reiros; e como se o tinteiro fosse fuzil, a penna espada, a areia pólvora, e a tinta balas; com tin- teiro, pennas, areia, e tinta nos propomos a ven- cer inimigos , que nos accommettem com fuzil , espa- da , pólvora , e bala. Se o conseguirmos , teremos a gloria de haver descoberto hum grande segredo ; e as Nações Estrangeiras , que apenas nos concedem o fraco talento de bons imitadores , emendarão a fra?e , e nos concederão a gloria , e o génio de grandes inventores. Este descobrimento nos fará mais honra 3 do que o do novo Mundo ; e as Na- ções se aproveitarão mais avidamente desta nova derrota , do que daquella , que lhe abrimos por ma-, res nunca d'antes navegados. Transtornarão todo o seu systema actuai ; converterão em Prelos , e Of* ficinas os Arsenacs, e Fundições; o bronze das bo« cas de fogo em chapas para abrir caricaturas ; dos

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canos das espingardas farão typos , e das laminas das espfl&gartia£, e folhas dos traçados , tesouras , e canivetes , 'para aparar papel , e pennas. Eu não tenho génio faceto , e gracejador ; conheço além disso , quanto he absurdo , e inconsequente procu- rar fazer rir o público, quando he preciso electrizal- lo , e inspirar-lhe sizudos , e sérios sentimentos de Religião, honra, patriotismo, e virtuoso desprezo da vida. Mas esta immensa , e desordenada cópia de escritos , e papclladas em huma crise tão pouco própria para taes exercícios , enche de tanta indigna- ção ao homem de bom senso , que a pezar da sizu- deza , e gravidade, que lhe he própria, o faz cahir no que mais detesta , e condemna.

Recobrando pois o meu génio , e caracter na- tural, digo , que sendo hum principio estabelecido pela Divina Sabedoria , e summamente ajustado á razão, e ao bom senso, que para todas, e quaes- quer coisas ha tempo próprio , e estacão competen- te ( Ecclesiast. Cap. III. ) he o maior dos absurdos o estar consummindo as noites , e os dias em escrever , distrahindo, e dissipando a Nação com galanterias, inepcias , fabulas, e dicterios , quando temos a de- fender a Religião , a honra , a fazenda , a vida , e a liberdade contra hum inimigo poderoso , astuto , cruel, que nos ameaça, e que não desistirá de nos perseguir em quanto o deixarmos respirar. Esta ver- dade incontestável em si nos he praticamente ensi- nada pelo respeitável Corpo Académico , que ao ver em perigo a Religião , e a Pátria dos braços da Mi- nerva corre aos Campos de Marte ; e fechando os livros, desembainhão as espadas. Sabe o.Ceo quanto «u invejo a sua sorte ; mas nem os annos , nem as moléstias me permitem o acompanhar aquelles He- roes ao theatro da gloria. Se me fora possível o

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fazei lo , protesto, que não estaria aqui consumnrn- do o tempo em escrever , Deos sabe o que i e em ler a immensa , e indigesta papellada , que em me- nos de hum anno tem de si lançado as Officinas , e os Prelos.

Quasi todos estes papeis se fazem recommenda- veis pelos titulos faustosos , com que seus Authores tem o cuidado de os baptizar ; e ainda que pela maior parte esres titulos lhes quadrem também co- mo os nomes de Clara, eRosa ás Pretas de Guiné ; o de Rabão ao Cavallo , que não tem cauda; eode Barbadinho,a quem tem barbas até á cintura, não sei por que fatalidade nunca chego a desenganar-me ; e em vendo annunciado , ou ouvindo apiegoar pa- pel com titulo daquella natureza , não posso sos- ter-me , que não compre , e leia.

Foi o que depois de tantas IograçÓes me suece- deo com o que tem por titulo Anti-Sebastianismo , ou Antídoto contra vários abusos, Estava-ihe ca- hindo , dirão agora o que isto lerem , esrava-lhe cahindo ao velho potroso o deixar-?e illudir pelo titulo daquelle papel ; e com quanta pressa , e am- bição o procuraria ler ?

Entretanto , meus Senhores , posso com toda a verdade protestar-lhes , que sou velho , mas nem sou , nem fui em algum tempo Sebastianista. Te* nho tido a pachorra de ler quasi tudo quanto so- bre esta matéria se tem escrito pro , e contra em Portugal , Hespanha , Itália , e Franca serão tal- vez bem poucos os prognósticos , e chamadas Pro- fecias, que eu não tenha examinado; e posso afrir- mar com toda a ingenuidade, que nunca esperei por EIRei D. Sebastião , nem me propuz a deter- minar o tempo da sua vinda , nem a accommodar a esta , ou áquella época o cumprimento dos taes va-

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ticnios. Até posso com igual verdade protestar , que sempre desejei muito , que algum homem de talento e saber , se propuzesse a deitar por terra este Colosso , e aniquilar a Seita do Sebastianismo, refutando cabalmente os seus fundamentos. Talvez estaria eu occupado destes pensamentos , quando ouvi apregoar o tal papel ; e se com quanta ambição correria a comprallo para o ler.

Logo fiquei hum pouco desgostoso ao ver a sua pequenez : em tão poucas paginas , disse eu , fal- hando só comigo , parece impossível , que possa satisfazer-se completamente a tantas opiniões , tan- tas authoridades , tantos argumentos , dos quaes ai* guns , e não poucos , se não são fortes , e convin- centes, são pelo menos plausiveis , e de difhcil so- lução. Lembrando-me porém de que ha homens , que tem a rara hábil dade de dizer muito em pou- cas palavras, na esperança de que o Authordo An- ti-Sebastianismo fosse hum destes Fenómenos , co- mecei a ler , e em menos de meia hora conclui a leitura.

Confesso que fiquei confuso , e estupefacto com o que li; e depois de alguns momentos de re- flexão , fiz comigo mesmo este discurso : ou o Author do Anti-Sebastianismo he hum famoso, e chapado Sebastianista , que procurou este tal , e qual artifi- cio para fazer publicas pela impressão as Profecias do Pretinho, a Attestação dos Padres de Santo An- tónio , as Trovas do Moiro de Granada . etc. , etc. , o que sem aquel:e disfarce lhe seria absolutamente impossível conseguir ; ou alias se na reahdade ne Anti-Sebastianista , e deveras se propoz a comba- ter, e aniquilar esta grande Seita, errou totalmen- te os caminhos , e veio a pôr a coisa em peior es- tado.

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He o que desgraçadamente succede todas as vezes , que a Apologia da verdade he mais fraca do que os fundamentos sobre que se estriba o erro ; e quando os argumentos, com que se intenta refinar, não tem ao menos tanta forca, como os do partido opposto. Neste caso o Apologiador da verdade lhe vem a fazer maior prejuízo , do que aquelle , que directamente a combate ; porque o erro levanta com altivez a cerviz indómita, quando debilmente cahidas a seus pés as seitas, com que Priamos fracos intentavao tra?passallo , e engrossa o número dos seus Sectários , convidando para que venhão parti- cipar da gloria do apparatoso triunfo , que alcan- çarão.

He o que realmente succede no caso, em que estamos : o tal Anti-Sebastianismo he muito mais próprio para fazer huma nova creação de Sebastia- nistas, do que para desenganar do seu erro aos que o erão : o tempo , o lugar , o modo , por que morrera EIRei D. Sebastião , fica no mesmo gráo de incerteza , em que até aqui se tem conservado ; e os chamados prognósticos, e attestações , podendo agora chegar mais facilmente ás mãos de todos , adquirem mais authenticidade , e força pela impres- são, e pela fraquíssima refutação, que delias se faz. Ainda que sobre cada hum dos períodos do tal pa- pel havia muito que dizer , me proponho a fa- zer pelo grosso a sua analyse, sendo quanto basta para mostrar palpavelmente o que acabo de dizer.

o Author principio ao seu Opúsculo por três , ou quatro periodos , que exprimidos com bas- tante força deitao de si não sem muita difíiculdade este grande, e importante principio, dbj Desde que o Mundo he Mundo sempre houve erros, apprehen- sóes , falsas crenqas , abusos , e prejuízos, s He ha-

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ma verdade inquestionável , e podia sem temerida- de, se lhe fosse conveniente, accrescentar , que nem ha , nem houve em algum tempo hum homem , que sobre este artigo não seja , ou tenha sido mise- rável e peccador , sendo ainda mais desgraçados nesta parte os que se julgao , e os outros commum- mente tem por mais Filósofos , e desabusados, Po- dia de mais a mais dizer, que em quanto o Mundo durasse sempre haveria destas misérias por mais An- tídotos , que se lhes appliquem. Desvanecera-se os antigos abusos com a introduccao de novos prejuí- zos; mas ou antigos, ou modernos , sempre os hou- ve , ha , e haverá. Os maiores homens da antiguida- de Platão , Sócrates , Aristóteles , Séneca , ao mesmo tempo , em que combatião , e mofavao das falsas crenças do vulgo, erao escravos de mil prejuízos, e sujeitos a apprehensóes as mais ridículas: leia-seo que sobre os abusos , e visionarias dos grandes AJe- xandres , Themistocles, Alcibiades , Epaminondas , Césares, ScipiÒes , e do insigne Catão nos referem Heródoto, Strabo , ApoHonio, Plutarcho , Tito Lí- vio , e Suetonio , e nos desenganaremos de que esta palavra Desabusado em todo o seu rigor, e extensão , pode ser característica dos iieroes das Novellas : quem conhece o Mundo , e a fran- queza do espirito e coração humano , setve-se da- quella palavra tão somente para significar ao ho- mem , que tem menos abusos. Homem sem appre- liensão , ou Quezília , como vulgarmente costuma dizer-se , he hum ente imaginário , e bem para fazer casal com aqueila ave , que renasce das suas próprias cinzas. Metta cada hum a mar- na sua própria consdencia , e atreva-se a negar esta verdade. Até o Senhor Anti-Sebastian;«ta , apezarde todo o seu desabuso, e estranha coragem , ha de ter

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de que se accuse neste mandamento , se lhe não faltar a força de que se precisa , para confessar in- genuamente a verdade. Cuidando pois talvez , que nos dava huma grande novidade , nos disse muito menos do que o que por se sabia ha muitos tempos.

1 Passa dsqui oAuthor a contar-nos diversas his- torietas , todas suecedidas com elle , para prova , de que com effeito ha no mundo preoceupações , erros , abusos, e prejuízos. Mas do que fica dito, se deixa bem vêr , que tudo isto he desnecessário , e que se lhe chama accender luz , e gastar cera ao Meio dia , e com Sol claro. Não lhe escaparão os ovos , e as alcachofras na noite de S. Joáo em Lis- boa , aonde o Author muito se admira , de que tam- bém haja semelhantes prejuízos. Que Anjinho ! Co- me he innocente ! Ainda não sabia , que o Povo em toda a parte he Povo ! Não leo ao menos no céle- bre Gazeteiro de Almada , que nas Cidades grandes ha de tudo , o que por ser dito a rir não deixa de ser huma grande verdade- em todo o sentido , em que se queira tomar! E que ainda suppondo (o que se não pode suppôr) que todos os .que vivem nas Cortes sejao policiados, e instruidos, os que o são nem por isso deixao de ser escravos de abusos , e e preoccupaqóes ! Como está atrazado no conheci- mento do mundo o Senhor Anti-Sebastianista ! Que foi fazer a Madrid , melhor escola sem dúvida do que Lisboa para adquirir estas idéas ? Talvez que também lhe faça novidade o dizer-lhe eu agora, que a maior pane dos que fazem essas ridicularias na mencionada noite, estão firmemente convenedos da sua futilidade , e que tão somente o fazem por entreter o tempo , e por mero brinco , pois esteja certo , que he huma verdade de que facilmente se poderá desenganar.

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A admiração porém , e o pasmo do Author su- bio ao ponto mais alto, quando no Cães de Sodré ouvio a hum grande número de homens aceadissi- mos , ricos , e até estudiosos , falia ndo sobre a vin- da de EIRei D. Sebastião , e accommodando á cri- se presente os prognósticos , e trovas ilo Pretinho do Japão , do Mciro de Granada , etc. etc. Caso verdadeiramente pasrnoso ! Pelo modo não sabia o author até áquelle feliz encontro, que havia em Por- tugal Sebastianistas. Aonde terá passado, e em que terá consumido este homem a sua vida r Haverá algum ponto no Universo aonde isto se ignore ?

Não se tem empenhado os Escritores Estrangei- ros , e muito especialmente os Hespanhóes, eFran- cezes em o fazer constar a todo o Mundo í Dentro de Portugal será possivel encontrar-se lugarejo , aon- de pelo menos o Cura , o Sachristão , e o Barbeiro deixe de fallar de Sebastianistas , ou seguindo , ou mofando da Seita ? Que se pode esperar, que saiba, quem isto ignora ? E propõe-se este homem a es- crever Anti-Sebastianismos, e offerecer ao respeita- vel público Antídotos contra abusos ? Cuidou , que nas authoridades de Manoel de Faria e Sousa , do Jesuíta Hespanhol , P.idre MarianncL, e de Miguei Leitão d'Andrade , tinha a maça de Hercules para esmagar o Sebastianismo : como se aquelies Autho- res não tivessem ha Séculos publicado as suas Obras , e se não soubesse muito bem o que ellcs dizem , e a , que merecem : como se entre os Sebastianistas passados, e modernos não houvessem muitos homens instruídos , e eruditos , que com muita meditação tem lido aquelies Authores, e tantos outros , que não espanta , que o nosso Anti-Sebastianista ignore , e desconheça.

Meu amigo, metteo-se em huma empreza dia-

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boUca ; não se lembrou, de que a Seita do Sebas- tianismo não conta no número dos seus sequazes a homens simplices , e idiotas , quaes os Senhores seu Tio, Pai, Avô, Amigo, creada de varrer, e ceiferos da estrada de Madrid , de quem no princi- pio da sua Obra nos refere aquellas simplicidades , e estulticias : lambem conta a homens de muito gé- nio, talento, e lição. O eruditíssimo Abbade Dio- go Barbosa Machado , que de certo não era Sebas- tianista, e de quem adiante filiaremos amplamen- te , propondo-se a refutar a opinião dos que o sup« póem vivo no Prologo das suas Memorias Históri- cas sobre EIRei D. Sebastião^ famosa Obra de que absolutamente nem pode , nem deve prescindir , quem se propõe a dizer alguma coisa sobre aquel- le Monarca) diz a Não ignoro, que dt.sta opi- nião forão , e são acérrimos Sequazes Fidalgos da pri- meira grandeza, Religiosos de austera vida, Letra- dos de profunda Sclencia , e até muitos da Ínfima plebe, ~ Para se convencer desta verdade , saiba que o insigne Jesuíta António Viera , cujas Obras andao pelas mãos de todos , era, como delles in- questionavelmente se deixa ver, hum acérrimo Se- bastianista, e cuido que não terá a temeridade de o reputar ignorante , estúpido , ou imbecil. Saiba , que ha muito poucos annos faleceo nos subúrbios desta Corte hum homem muito respeitável pelo seu caracter, e representação , e ainda muito mai? pelos seus talentos, e erudição, que era hum rígido Se- bastianista , que com muita veneração , e apreço con- servava na sua Bibliotheca das de maior nome nes- ta Corte a todos os manuscritos, e impressos, que dizião respeito á Seita que seguia : intorme-se que não faltará quem o conheça pelo retrato, e o possa cert. ficar desta verdade. Saiba que entre mil outros

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existem em Lisboa actualmente três sujeitos , que a todas as virtudes e instrucçao própria de seus res- peitáveis ministérios ajuntão muitas outras virtudes , e huma iicão vastíssima de Historia Portugueza, com muito discernimento , e critica , que s*ao Sebas- tianistas nos ossos , e não se envergonhão de o ser. Pudera fazer-lhe huma lista immensa de homens desta estofa , mas faço escrúpulo de fomentar a sua perffoulc'^ ; Ieia,e indague , e descobrirá tudo quan- to eu aqui lhe poderia dizer. Veja com que gente se foi metter , e que mossa poderá fazer com o seu Faria , e Sousa ; Marianna , e Leitão d' Andrade con- tra tantos Cam piões á testa de hum formidável Ex- ercito de Historiadores , que desmentem tudo quan- to , á respeito da morte de EIRei D. Sebastião , di- zem aqueDes seus três apaixonados.

Entra aç^ora o Author no resumo da vida da- quelle joven Monarca. Deixemo-lo escrever á sua vontade : deixemo-lo dizer com tanto de?credito do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra , como menos- cabo do novo Rei , que aquelles Padres debaixo de grandes Condições lhe confiarão o Escudo , e a Espada , que o Augusto Fundador da Monarchia alli havia depositado , o que nem pode su:tentar-se , nem deve em caso algum escrever-se : deixemo-lo dizer, que o novo Rei desembo/cára na Africa sem a^uellas armas, que voltarão para o sobredito Mos- teiro , attribuindo huma, e outra coi^a ao Acaso , palavra, que o bom sensi lepreva, a Filosofia detesta , e a Santa ReligUo condemna ; e sem nos em- baraçarmos com eí-tas , eoutrs sea elhantes bagatel- las, vamos ao grande ponto da morte do ousado Rei.

Com hum desembaraço , e affoiteza pasmo? a , lançando rmo da espada de Alexandre , corta ás cegas o grande nó, e diz =s Que o Cadi , vendo a

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EIRei no fim da batalha entre hum grande número de Moiros , que disputavao entre si a quem deve- ria pertencer o Augusto Prisioneiro , lhe descarregara sobre a sobrancelha direita huma cutilada , que EI- Rei cahira do cavallo , que então os Moiros lhe dé- rao muitas outras na cabeça , e garganta , aré que EIRei expirou, tudo isto no dia quatro de Ago-to de 15-78 ; e accrescenta , que este foi fiel , e ver da* claramente o trágico , e lastimoso fim de hum Rei sem dúvida digno de maior ventura. Risum tenea- tis amici ?

Ora eis-aqui em duas pennadas decidida a gran- de questão: eis-aqui fiel, e verdadeiramente o trá- gico , e lastimoso fim de EIRei D. Sebastião : não ha que duvidar: merreo nos Campos da Africa : o seu cadáver está no Mosteiro de Belém : o Escu- do , e a Espada do immortal Affonso Henriques, que cOrrYsigo levou debaixo de grandes condições , forao restituídas ao Mosteiro de Santa Cruz de Coim- bra , e trazidas da Africa pelo Acaso , que he hum portador seguro , e que sempre deo muita boa con- ta de si: os ire? como Evangelistas Faria e Sousa, Marianna, e Leitão d'Andrade , com o Author do Anti-Sebastianismo , para fazer os quatro, assim o affirmão : a immensidade de Historiadores, que di- zem o contrario , e dos eruditos , que o seguem , he hum bando de idiotas, e visionários : cahio desta vez por terra o Sebastianismo, e os seus sequazes., ou dêm as mãos á palmatória, ou fujao envergo- nhados para alguma Ilha encuberta , e mordáo-se de desesperação , e de raiva»

Ora, Senhor Anti-Sebastianista , ainda que Sua mercê ( se he que-n?o tem mais alto trarara/nto) no teu Prologo ao Leitor , diz , que escreve em es- ?i'o faceto, no que nos engana formalmente, sem

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alma, nem consciência, convcrta-se por hum pouco em homem sizudo , e vamos a fàljar sério. Gomo he possível, que o simples peditório do ignorantis- mo Sebastianista do Cáes do Sodré , que tomou por huma grande novidade a tudo quanto Sua mercê lhe disse a respeito de EIRei D. Sebastião , que nunca tinha lido a Faria e Sousa, Marianna, ou Lei- tão d'Andrade, nem sabia que taes homens tives- sem no Mundo existido: como he possivel, ciigo, que o simples peditório deste miserável , que até custa a crer, que soubesse os nomes de Henoc , e Eiias, fosse bastante a decidi-lo , a escrever em tom magistral sobre hum objecto , em que Sua mer- cê se achava pouco mais de dois dedos acima deile ? Como he possivel, que com tão pouca lição, co- mo Sua mercê mostra ter , se entremettesse a escre- ver Antídoto centra abusos? Não sabe, que o maior de todos os abusos he atrever-se o homem a escre- ver para o público , sem ter profundado até d raiz a matéria sobre que escreve? Acha em sua consciên- cia , que para escrever a vina de EIRei D. Sebas- tião , e maiormeme para decidir do tempo, modo, e lugar da sua morre basta o ter lido ires Historia- dores , quando são tantos, e tantos mais o que a isto se propuzérao, não se aju$FandO', pela maior parte na opinião sobre a sua morte , e reforçando cada luim a sua com argumentos pelo menos plau- síveis ? Quando não tivesse o tempo , nem talvez os meios para os ler a todos , porque não recorreo ás Memorias Históricas do Abbade Diogo Barbosa Machado, de que aeima lhe fallei , Obra immor- rol , frueto de hum trabalho incrível, e de Ih; a lição vastíssima? Logo no seu erudissimo Prol veria o sem número de Historiadores , que aquelle incançavel Abbade consultou os immensos monu-

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mentos que esquadrinhou , e descobrio , havendo-se- lhe franqueado todas as Bibliorhecas públicas, e par- ticulares : todos os Arquivos sem exceptuar os da Torre do Tombo, e Secretarias d' Estado: alJi ve- ria ao seu apoixonado Leitão d'Andrade, testemunha ocular dos suecessos d' Africa , que teve a leveza de afrirmar com toda a segurança, que EIRei fora le- vado morto sobre hum, cavallo : alli o veria desmen- tido por Jeronyrro de Mendonça , e por D. Jo;,o de Castro , testemunhas também oculares , os quaes protestao , que ninguém vira matar a EIRei , nem poda afrirmar , que fosse delle o cadáver conduzido sobre o cavallo á tenda de Xerife. Veria no mesmo Prologo que o dito Leitão d'Andrade assevera , que houve grande questão , e desordem entre os Chris- taos , e entre os Moiros sobre isto mesmo. Veria , que o seu Leitão d5Andrade aff rma , que o tal cor- po fora trazido d'Africa para Belém por Luiz Cé- sar, sendo aliás incontestável, que o tal corpo fora por diligencia de Filippe II. conduzido por D.Mar- tinho de Castelío -Branco , Bispo do Algarve, e por D. Manoel de Seabra , Bispo de Ceuta, e deposita- do no Mosteiro de Belém em hum Mausuléo, cujo Epitaphio he hum Cabal desengano da incerteza de ser, ou não de EiRei D. Sebastião o corpo , que dentro de si contém. Veria , que tendo os Fidalgos Portuguezes , que escaparão á morte ficado persua- didos de que EIRei se havia salvado , e desappare- cido , para que não fosse procurado com diligencia , não rivéiâo dúvida de afrirmar ao Rei de Marrocos, que EIRei D. Sebastião havia sido morto , e assi- gnarlhe hum corpo entre os immensos , que havia dois dias jazião nus sobre a terra, dizendo-Ihe, que era o do infeliz Monarca. E depois de ter vi^to naquellc eruditíssimo Prologo a tudo isto, e tantas

ourr3s coisas mais, veria com muito pasmo, e con- fusão sua, que o seu Sapiehíissupo Author, depois de ter lido, e examinado tudo qminto até ao seu tempo, que foi o do Reinado do Senhor D. João o V. , se havia escrito sobre EIRei D. Sebastião , quan- do no Tomo IV. das suas Memorias chega a fallar do fim , e termo fatal daquella infeliz baralha , se serve destas formaes palavras si EIRei D. Sebastião , estimulado de que quize?sem (os Moiros) abater a soberania do seu caracter, envolto na barbara mul- tidão , desappareceo aos olhos de todos , deixando a posteridade igualmente duvidosa da sua vida , como da sua morte. Esta foi a fatal conclusão da batalha de Alcaçar , etc. etc.

Nao sei que haja que replicar contra huma au- thoridade tão respeitável , e que em si abrange as authoridades de tantos , e tão insignes Historiado- res: não sei, que possa apontar-se algum outro His- toriador , que sobre esta matéria escrevesse com mais conhecimento de cansa;; e que tivesse examina» do hum número mais prodigioso, e respeitável de documentos, e noticies, do qae o insigne Author daquellas Memorias , como se pode ver pelo Con- texto de todas ellas , e com menos trabalho , lendo o mencionado Prologo , aonde o sobredito Abbade mostra estar tão convencido, de que EIRei D. Se- bastião escapara á morte na batalha d' Aleaçar em Agosto de 1578, e sahíra para fora d' Africa", que se inclina á opinião, de que realmente elle era o que em 1598 se apresentou ;>o Senado de Veneza, exhtbindo taes testemunhos de identidade , queaquel- Ie respeitável Congresso , depois de hum marino, e minucioso exame , decidio, que ou na realidade aqoelle homem era EIRei D. Sebastião , ou algum Mágico por elle. Tendo o sobredito Abbade fal.acio

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de diversos impostores , que pertendcrão fingir-se ElRei D. Sebastião, diz ' =j Excedeo a estes rinpi-

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dos Príncipes ( se he que nao foi o verdadeiro ) aquelle, que appareceo em Veneza em 1 5 9.8 , de que fazem menção Pedro M sth cus , e João Baptista Rozales, etc, etc. Aquelle parenthesis, julgo que mostra que o Author era desta opinião. Como he possível pois, que não tendo de certo o-Senhor An- ti-Sebas ianista lido, ou examinado a millessima par- te do que leo , e examinou o eruditíssimo, e incan- < çavel Abbade, se atreva a dar a ElRei D. Sebas- tião' por morto na batalha d'Alcaçar , e isto com tanta certeza, que se anima a dizer: Este foi fiel , e verdadeiramente o trágico , e lastimoso fim , etc, Apezar de que os Historiadores Francezes não cos- tumão ser muito comedidos, e circunspectos, não se atreveo a tanto o Francez de la Clede , que na sua Histora de Portugal , tratando no Tomo IX. de ElRei D- Sebastião, sobre o delicado artigo da sua morte , falia com a maior precaução , e toma todas as medidas para se não comprometter : Ha quem diga ( são as suas formaes expressões ) que reconhecendo os Moiros a ElRei D. Sebastião , cer- cárão-no por todos os lados , e gritarão-lhe , que se rendefse. Ainda dizem mais , que hum Portuguez atara hum lenço á ponta da espada, e pedira quar- tel aos Moiros , osquaes,sem attender a nada , mata- rão-no desapiedadamente , e ao mesmo Rei D. Se- bastião. E logo na pagina seguime , continua: Ou- vindo Famede dizer , que ElRei D. Sebastião fo- ra morto, ordenou, que se buscasse seu corpo en* tre os mortos. Achou-o Sebastião de Rezende, e o reconheceo, segundo dizem, entre hum montão de cadáveres , dois dias depois da batalha. Estava coberto de pó, e sangue, traspassado com sete feri-

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das mortaes , negro , e roxo por causa dos ardores do Sol , o que estivera exposto vaque lies dois dias , , e tão desfigurado , que quasi se não conhecia* Formarão no , e lcvárão-no sobre hum cavallo á tenda do Xarife , onde foi posto cm terra \ e Fame- de mandando vir os principaes Senhores Portugue- zes , perguntou-llies se era aquelíe o Corpo de Dom Sebastião. Sim , responderão elles com os olhos ai> fogados em lagrimas : sim , este he o Corpo do nos- so Rei D. Sebastião , não podemos duvidar disso. Feio que o certo he , que o cadáver estava tão des- figurado , que se podia duvidar , se era , ou não o de D. Sebastião. Mas seja o que fór, mandou Fa- mede fazer hum Auto , etc. etc. De todas estas precauções , e cautelas se serve o Fr3ncez dela Cie- de para fallar neste ponto tão melindroso , e delica- do : he o que deve fazer quem nem quer esbarrar , nem fazer esbarrar aos outros. O nosso Anti-Sebas» tianista porém, sem se canqar em tomar precauções, e cautelas , atira comsigo pelo despenhadeiro abai» xo com temeridade pasmosa ; e com menos funda- mentos ainda do que tem os Sebastianistas para prolongar a vida a EIRei D. Sebastião , lha tira muitos annos antes da sua morte, e quer que todos estejamos por isto , dizendo-nos : Este foi fel , e verdadeiramente o trágico , e lastimoso fim de EIRei D. Sebastião. Parece incrível , que haja hum Portu- guez mais atrevido do que hum Franeez.

Tanta affouteza não aprendeo o nosso Anti-Se- bastianista do seu Faria , e Sousa , a quem servil- mente segue ; porque este Historiador , ou Panegy* rista , d-ípois de ter contado o modo , por que mor- rera EIRei D. Sebastião, está tão longe de dizer: Este foi fiel , e verdadeiramente , etc, , que pelo contrario diz :=, Si esta infelis muerte contarei» otros

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differentcmente avrá , que espantar, pués enuna riná de quano personas les que^hallan presentes a cllaf, vemos, que unos la cuenran de una manera, y otros de otra. =; Para quem sabe ler, e en- tender , o que estas palavas, querem dizer: Queaelle, Faria, e Sousa , parece mais provável que El Rei D. Sebastião morresse por aquelle modo na batalha d'Africa , mas que a curros parecerá ma;s provável o contrario , e que cada hum siga o que melhor lhe parecer. He verdade que pouco acima ti* nha dito. =j Desta manera acabo valoroso Rey en Ja fior de suf juvenmd , y pagando la deuda divida , dio el alma a su Criador. s= Mas que tem que ver este epifonéma com a segurança , e magistral deci- são do Anti-Sebastianista : Este foi fiel , e verda- deiramente o trégire , e lastimoso fim de bum Rei sem dúvida digno de maior ventura ?

que transcrevemos estas ultimas palavras de Faria , e Sousa , queirão os pios Leitores agora ver como os traduz o nosso Anti-Sebastianista. xs Desta maneira, diz elle , acabou o valoroso Rei D.Sebas- tião na flor da sua mocidade ; e pagando d Nacã& huma divida necessária , deo a alma ao seu Creador. 23 Bem se deixa ver qual seja a divida y de que falia Faria, e Sousa nestas palavras, e a quem ella ?e pa- ga, e deve pagar. Possuímos, ou gozamos da vida presente por puro empréstimo , e somos obrigados a pagar este empréstimo , e esta divida áquelle com quem a contrahimos : Debemuf morti nós , nos traque , dizia, o grande Horácio , guiado sim- plesmente pela luz da razão , e sem algum conheci- mento da Revelação , pela qual nos consta o Divi- no Decreto, que nos constitue devedores, e obriga- dos, indispensavelmente a pagar. Veja-se como o^ nosso Anti-Sebastianista: estropeou o pen> amento-

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daquelle Historiador , accreseentándo a palavra Nação , e constituindo a esta credora daquelía divi- da. Mas deixando estas b gatelias , se he que o são, Vimos ao nosso pcnto. Cançou se era vão, Senho? Anti-Seb?.s:ianista , e nada conseguio do que per- tendia. Veja se pkie descobrir algumas noticias au- thentieas , e até aqui desconhecidas , que févoreçãó a sua opinião; e em quanto não as descobre, pode estar certo de que o tempo , o lugar , o género da morte do infeliz Rei , continuará , como até aqui , a ser hum Problema Histórico , impo-si\rel de resoi- ver-se. Eu estou tão certo de que aquelle desgraça- do Rei não existe ha muitos annos , como o es- tou da morre de todos os seus Predecessores : agora que morresse em 15*78, ou era 15:98 , ou em qual- quer outro anno; agora que morresse na Africa , ou na America, na Ásia, ou na Europa ; em Portu- gal, ou na Hespanha ; na Itália , ou na França ; agora que morresse de cutiladas, ou de fome; de doença, ou de velhice, nem eu, nem pessoa algu- ma o pode com segurança decidir. Cerra por tanto hum risco de p^nna por cima daquellas palavras : Este foi fiel , e 'verdadeiramente o trágico, lasti- moso fim de hum Rei digno de maior ventura , e deixe muito embota ficar o mais ; pode ser que não ache muitos, que lho facão por tão pouco. Não sei se poderás ser tão generoso , quando entrarmos em contas a respeito das suas Analyses , ou juizos sobre as Profecias. Ainda bem , que sendo ellas tantas , Sua Mercê veio á feira com tão poucas , porque ainda que seja condemnado a riscar tudo, não tem muito que riscar.

Quem diria, que estes papeis depois de terem vivido por tantos annos homiciados e<n árdeR;os , apparecendo ás furtadellas, e como envergonha-

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dos , havião pela primeira vez de se appçesentar ao público em toda a pompa , e apparato no Século XÍX. ! Quem poderá acreditar, que estes papeis, que escondidos, e pouco vistos, tem produzido tantos abusos, seriáo publicados, e em hum peque- níssimo folheto , para poderem chegar a todos , por hum homem que se propõe a desterrar abusos , e visionarias ! Faltava mais ei;f.a ao nosso Século para ser o Século das inconsequencias.

Mudemos porém de folha ; e condescendendo com o bom gosto do tempo , deixemo-nos de refle- xões ; que não lie da moda o fazei1 as.

o Author principio a esta Segunda- Parte do seu trabalho, copeando as Profecias, ou Prognósti- cos, ou como lhe quizerem chamar, do Pai Cle- mente, vulgarmente , Pretinho do Japão , e segue-se o Juizo Critico, que delias faz. He hum juizo des- graçadíssimo, e tão falso como Judas. Diz elle,que estas Profecias pirece terem sido feitas no tempo em que vivia o Principe D. José , e depois do ca- samento do Príncipe Regente. Senhor Anti-Se- bastianista , eu não posso dizer-lhe com certeza , em que anno aquelles Prognósticos forao pela primeira vez escritos : posso porém affirmar-lhe com toda a segurança , que vi numa Cópia delles no Cartório de certa Casa illustre desta Corte , escrita por hum dos Antecessores da mesma Casa, cuja letra vi tam- bém reconhecida por diversos Tabelliães em mui- tos outros papeis do mesmo Cartório, e o Copiador havia fallecido em 1758, como constava dos Autos de Posse, tomada pelos que lhe suecedêrão, o que tudo fiz ver a dois amigos meus , que ainda actual- mente existem. Ha muitas, pessoas nesta Corte , e Reino, que protestão ter nisto Copias muito mais antigas > e a sua antiguidade authenticamente pro-

vada ; e ha alem disro milhares de boas testemu- nhas , que os tem , e conservao desde antes da épo- ca do Nascimento daquelie Príncipe. Querer pois que estes disparates fossem pela primeira vez escri- tos ha vinte annos , pouco mais, ou meno> , he hum disparate maior que todos , quamo diz o Pai Cle- mente. Mas eu não sei que partido possa tirar o Sr. Anti.-Sebastianista de data daquella época os taes Prognoticos : he verdade , que o que delie se a respeito da Successao , he o que naquelle tempo se estava vendo, e o que muito presumião. Mas per- gunto , também ha vinte annos se podia prever , ou presumir , que se acabaria a de Bragança ( lem- bre-sc do detestável Decreto do primeiro de Feve- reiro de 1808) , e entraria a de França , e o de Fernando , que tem mais mando , que mandou , e mandará , se Deos quizer ? Também naquelle tempo se podia prever, e conjecturar, que, quando estivesse Reinando huma mulher em Portugal , que havia de passar o mar Salgado,

Não sei como senão lembrou de dizer , que estoutra parte dos taes Prognósticos fora escri:a nos fins de 1807, e princípios de 1808 : era o que de- veria fazer para ir coherente. Huma refutação por este gosto, em lugar de os desacreditar , authentíca os taes Prognósticos ; porque aquelas reflexões occor- rem ao Leitor mais idiota , que os tem por verda- deiros, cuidando que não ha outras razoe? para os refutar senão as que aponta o Anti Sebastianista , cuja fraqueza , e nullidade salta aos olhos de todo o Mundo. Diz mais que o Preto se mette a Astro- logo \ quando o pobre homem nem huma vez falia em Astros , Estrellas , ConjuncçÔes , Cometas , Planetas; não em huma palavra o mais leve in- dicio de presumir, ou se picar : d?Asirologo: jiehum

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falso testemunho descarnado , e sem fevra. Accres- centa , que o Pai Clemenre diz, e desdiz em hu- ma mesma Profecia i mas como não indica o lugar, ou lugares aonde o faça., estamos dispensados de responder-lhe. Estranha , e com razão , que o Pre* tinho te mettcsse a escrever sem estudos; mas nesta miséria cahe desgraçadamente muita gente boa : o tal Pretinho tem muitos Ccmpanheiros, com a dif- ferenqa porém, de que o Pretinho, o que escreveo sem estudos , íechou-o em fcuma lata , e a escondeo debaixo da cama: se agora sahe ao Público , não foi certamente por culpa delle , m?s sim de quem quer que he : outros , que uqq conhecemos , estando nas mesmas circunstancias do Pretinho , nem fechão, nem escondem o que escrevem : eu não nomeio a pessoa alguma.

Passa agora o Author a fallar de huma outra Profecia , que , seode elle , os Sebastianistas pertendem accommodar á moderna creaqão da Ordem da Tor- re , e Espada. Protesto , que nada sei de tal Profe- cia , nem de tal accommodação ; ainda bem que o Âuthor se cança tão pouco com ella , que pare- ce ter fallado nisto para ostentar o seu bocado de erudição , tecando mui levemente no que aconteceo no tempo de EJRei D. Affomo (qual dos seis se- ria? ) na Torre de Fez , no agoiro dos Moiros, etc. etc. Deixemos brilhar o homem , e passemos á Atcestaçíío dos Padres Capuchos.

Para conhecer a visionaria , e futilidade de^a Attestaçao, basta simplesmente lê-la com os olhos desnevoados. He evidente , que a Ilha de que nella se trata , he huma Ilha de Novella , são os Campos Elysios, he o Paraiso de Mafoma , os Intermun- dios de Epicuro , o Concavo da Lua , etc. etc. Não o julgou porém assim o nosso desabusado Anti-Se-

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bastia nista •, entrou em dúvida era, ou não real a sua existência ; e o modo que descobrio para se desenganar , he bem próprio dasuattrgétcia , e deli- cadeza. Decide-se a ir ao Convento do-; Capucho? pi- ra saber se existia, ou não o Original daquel'a Attesraçao. Isto he delicado , e muito lógico. Se nao existisse o Original da Attestíição, então era fa- bula, e visionaria tudo o que r.ella se ccntém ; nao havia tal Ilha, nem tal venerando, nem tacs figu- rões j agora se existisse o Orig<ml, então estava legitimamente provada a existência daquella Ilha , e a de EIRei D. Sebastião em Julho de 1638 , e nesse caso o trágico , e lastimoso fim d a que He Rei, digno de maior ventura , não tinha sido fiel, e verdadeiramente em Agosto de 1578. Que este fosse o Discurso do Author, he evidente, porque se quer achando o Original , quer não, sempre havia ter por falso o que na Attestação se continha , para que havia de tomar o trabalho de ir fazer aqaella arriscada diligencia ? De quão pouco dependeo o' ser o nosso homem Anti-Sebastianista , ou Sebastia- nista ! mas vamos proseguindo , que ainda aqui não está o melhor. Levando por Companheiros a boa Lógica , e a Crítica , deita comsigo ao sobredito Convento , propõe o seu caso a hum Padre , que encontrou , e recebeo em resposta , que nada so- bre aquelle artigo sabia , e que recorresse a outro Padre , que lhe indicou : Cahe na chia de abraçar hum conselho , que tinha bastante de suspeitoso, e- dá-lhe o segundo em resposta, que tal Original nao havia , aecrescentando cm bom Capucho mais alguma palavrinha de embotía , com que deixou ao nosso homem desenganado. Ah, meu Padre, que fez em mentir a hum homem tão ingénuo ? Se lhe diz a verdade, tinha a Seita do Sebastianismo mais este

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alumno ; e com que ha de reparar-lhe esta perda? Seita malfadada , que sempre os bons Quixotes hão de ter pela proa a fortuna? Mas consola-te, tempo virá. . . . Com hum testemunho tão authen- tico se deo , em fim, por desenganado o nosso ho- mem : nada mais lhe foi preciso , porque he tão bem intencionado , qce tem per axioma incontestável a tudo o que lhe diz hum Padre, que he politico co- mo poucos, e que parece ser virtuoso , tsálio^ nada importa , que seja hum só, nem que pela pri- meira vez lhe fallasse , nem que concorressem nelle razões fertes para não dizer a verdade; tudo isto são bagatelas , de que fazem caso os excffofplos^r averiguadores da verdade , e o Author abomina tudo o que he escrúpulo.

Ora , Senhor Anri-Sebastianista , tornemos a fal- lar sério. J:i que da existência daquelle Original fez dependei- o ser , ou não Sebastianista , corra a dar o seu nome no Cáes do Sodré , porque com effeito cm hum dos livros do antigo Cartório daquella Communidade existe realmente o Original daAttes- taqao , tal , e qual se no seu Anti-Sebastianismo : ambos aquelles Padres lhe dérão papinha, e o se- gundo soube-lha preparar com mão de Mestre. Pro- cure meios mais engenhosos , do que aquelles, de que se sérvio ; e lhe protesto , que terá o gosto de o ver com esses olhos peccadores , que a terra ha de comer. Houve tempo , em que os Padres o mos- travão com franqueza; mas depois que línguas mal- dizentes começarão a espalhar , que elles^ levavão doze vinténs por cada Cópia, que deixavão tirar, tratarão de fazer myçterio pera evitar os progressos daquella maledicência , e falsidade. Talvez que tenhão ainda mais algumas razoes; e entretanto, sen- do levados com geito, ainda cabem em satisfazer, mas gratuitamente, a curiosidade de alguns amigos.

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Não me permitte o pezo dos annos o saltar o artigo das galantíssimas Contradicções . que o nosso homem encontrou na Anestaqão dos Padres. A pri- meira he chamarem nclla os Padres at restantes ao tal Figurão, que na Ilha fazia maior vul;o h/mas vezes Rei , outras Governador , outras Velho , ou- tras Venerando , outras Venerado. Com effeito , são predicados estes , que não pod:m simultanea- mente coincidir em hum mesmo Sujeito, Se era Rei , como era Velho ? Se era Velho , como era Ve- nerando ? Se era Governador , como era Veherado ? Para irem coherenres deverião chamar-lhe Rei , que não governava , Velho , Moco , Venerando , que não era venerado; porque o mais he humaContra- dicçao enorme. Attribue porém o Anthor estas Con- tradicções ao Susto com que ainda estavao os Pa- dres ao passar a Attestaçao fora 'da* Ilha ; mas não quer que este Susto , quando ainda estavao , lhes sirva de desculpa de se não terem lembrado, ou atrevido ( que he a segunda Contradicç/ão ) a perguntar o nome do tal Figurão , e da Ilha , e tantas outras curiosidades. De maneira , que vem a desculpar os effeitos do Susto , quando não exis- tião motivos para o haver, mas n:ío o quer admit- tir, quando o perigo, e os motivos do Susto esta- vao diante dos olhos. Ora desculpe-os , e passe-lhes também por esta , Senhor Anti-Sebastianista , bem sabe que nem todos podem ser tão impávidos, eco- ragiosos , como Sua mercê. Ainda que a pezar de toda a sua valentia , e denodo , de que deo altas provas na sua Aldêa , e no encontro coin os Ceifei- ros da estrada de Madrid , sempre desejaria de pa- lanque vê-lo na ral ilha cercado de tdtàôs aquelles Figurões , e tendo á vista a senrineíla dobrada da- quelles dois Leões, para ver como se amanhava com

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íudo isto , e se tratava de fazer perguntas curiosas , çu de dar á sola, e de se retirar com toda a pressa para o navio., amaldiçoando a hora , em que lhe vie- ra ao pensamento a curiosidade de ver tal Ilha. Desculpe pois os Padres , e compadeça-se de qu m he fraco, o que também he huma nota de valentão. Seguem-se agora as Profecias do Lavrador do -Algarve, e o juízo que delias forma o nosso Anti- Sebastianista. Cuido, que pelo muito que as leo se familiarizou tanto com o estilo do Profeta , que o texto , e a Analyse parecem ser Obra de huma mão : huma, e outra coisa são igualmente enigmáticas, e inintelligiveis. Apenas pude comprehendei em ambcs O seguinte. Falia o Profeta Algarvio em quinze pa- vês de Cavalleiros, dobrados. Diz o Analyz.ad.or , que elle não sabe contar, e que deveria dizer, trinta Cavalleiros , Ora eis-aquioque se chama saber con- tar; quinze pares de Cavalleiros dobrados fazem trin- ta Cavaleiros , isto não tem Jeronymo nenhum de 4iivida: se. fossem quinze pares singellos , então etâo sessenta , ma? dobrados são trinta, E então que tal Arithmetico he o. Senhor Anti-Sebastianista ? Po* teá alguém negar-se a ter contas com eile ? E diz , que o> pobre Algarvio não sabe contar por ter dito quinze pares dobrados , quando isto o que prova l*e que elle não sabe reduzir aquella soturna á ex pressão mais simples : o Anti-Sebastianista porém dizendo , que quinze pares de Cavalleiros dobrados fezem, trinta; Cavalleiros; esse sim-, esse sabe con- tar muito bem , e esta| habiliiado para poder pôr 1<JJ3; de contas ao Chiado*

Dizendo q Lavrador do Algarve , que virá hum. Anjo do Ceo , observa q Analyzador , que acha aqueífe homem humas vezes Santo , outras. Atheis- t&* 1$m sei eiDi que lugar da» sua Obra. o po*«

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bre Algarvio motivo para se suspeitar nem huma , nem outra coisa. Se porque elle falia em Anjo do Ceo , he que ao Analyzador lhe parece hum San- to, muito pouci coisa basta para hum homem pa- recer Santo ao Senhor Analyzador ; mas está bom ; he homem bem intencionado, não o censuremos: de que parte porém , ou expressão das Profecias inferirá o Analyzador, que elle he Atheista , nome tão feio , e detestável ? Por mais que eu leia , e torna a ler aquella Obra , o mais que posso desco- brir he , que o seu Author , ou he hum imbecil , e visionário, ou hum maganão de bom gosto, que quiz dar que roer aos curiosos ; mas que seja Atheista, tai não posso ver. Lcmbrando-me porém de que qu;nzc pares dobrados fazem trinta , me lem- bro também de fazer ao Senhor Analyzador esta pergunta. Que entende o Senhor por Atheista? So- mos em fim chegados ao ultimo 'termo das nossas fadigas. São as trovas do Moiro de Granada , sa- biamente , como costuma , analyzadas peio nosso homem. Responde quasi a huma por huma até á decima sexta , aonde cançou , e ficou na estrada. As respostas são concludentes , e muito a propósito. Este discurso he bellissimo. O que diz o Moiro pode accommodar-se a diversos tempos , logo não he Profecia. Não sei como para acclarar mais este calcanhar se não sérvio de huma comparação , ou semelhança; por exemplo, o chapéo , que serve em muitas cabeças , não he chapéo. Isto he termi- nante: se aqui ostentou de muito bom Lógico, pouco mais abaixo igualmente ostenta de grande politico, dizendo , que os Iftg/ezes não tem a nos- sa Lei , e que matarão ao seu Rei. Isto na quadra actual , he hum rasgo da mais fina politica. Mas se deo aos Inglezes esta verde, na resposta tieze

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íhes outra madura, profetizandolhes , que o seu Jorge III. ha de destruir a 'Napoleão. Deos o per- mitta , meu Profeta-, que tão ma! tratas os Ofriciaes do teu Ofricio; protesro, que se este teu vaticínio se realizar nos meus dias , te acclamarei pelo maior dos Profetas mínimos , mais Bandarra do que o Bandarra , mais Preto do que o Preto , e mais Moi- ro do que o Moiro.

eu cuidava que estaria concluida a minha tarefa .quando ao voltar a folha para fechar o fo- lheto me acho peia proa com mais três Profecias , e do nosso Anti-Sebastianista , e trurormeme a pri- meira , e a ultima sao muito consoladoras. Diz a primeira, que dentro de dois ânuos, e mais se hão de achar enterradas nos Campos, e entulhos das -ca-! sas muitas cousas. Se for prata, e ouro cunhado, ou por cunhar , seria bom entrarmos na explo- ração dessas muitas coisas , que bem precisas nos sao na conjuncção actual ; e não sei como hum ho- mem tão zeloso do bem da Pátria , como o nosso Anti-Sebastianista, se quer inculcar, em lugar de escrever Anti-Sebastianismos , refutar humas Profe- cias , e fazer outras , se não propõe a fazer exca- vaçòes , ou ao menos a indicar-nos os sítios, aonde aquellas muitas coisas existem , porque de certo o ha de saber, não se podendo presunrr, que o es» pirito Profético fosse para elle tão mesquinho , e escasso, que tendo-lhe revelado, que aquellas mui- tas coisas existem realmente enterradas , lhe não assignasse o lugar aonde estão. Faca-nos pois esta caridade , Senhor Profeta , e com ranto que ache- mos aquellas muitas coisas , deixe-nos embora cha- mar-lhes encantadas , ou desencantadas , que isto he huma pura questão de nome. A segunda Profe- cia promette-nos annos escassos, e aruios abundan-

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tes. Deixemo-la , que he como a carne da pá. A terceira he a melhor de todas, pelas grandes. noti- cias que nos dá. Assegura nos de que a Rússia , e todos os mais Povos subjugados por Napoleão , estão a nosso favor. He quinto nós desejávamos, mil annos vivas , minha bo-.boleta das boas novas. Ainda que esta Profecia seja de pretérito , bem se , que he Profecia , porque até ao momeno actual pelo Author delia he que sabemos, que a Kus- sia estava subjugada por Napoleão , e que se decla- rou contra ella a nosso favor. He para que nos desenganemos de que o nosso homem nío he qual- quer Profeta , que varicinao futuros ; he. sim hum Profeta , que profetiza para trás, e pira dian- te. Na hypothese pois, -ou certeza, que para hum tal Profeta não ha hypotheses , de ser verdadeira esta Profecia para trás , profetiza para diante a vi- ctoria , se da nossa parte pozermos Homens , Ar- mas , e valor. Se eu fosse Militar , diria , que sem disciplina, e ordem , e algumas bagatellas mais, muito pouco valem aquellas três cousas, a pezar das grandes Letras com que estão escritas. Se fos- se Politico accrescentaria, que sem dinheiro de qua- si nada servem; e se fosse Moralista, gritaria, que sem a protecção, e benção do Ceo , bens, que da nossa parte está o merecer , todas aquellas coisas pa- ra nada prestão. Mas como nada disto sou , curvo- me todo diante das Profecias , e do Profeta , e dou por concluída a tarefa.

Julgo ter satisfeito o que prometti : julgo ter legitimamente provado , que o modo por que , o lugar aonde , e o tempo em que falecera o ousado Rei D. Sebastião, são Problemas Hi-torico^ abso- lutamente impossiveis de resolver-se , em quanto não apparecerem algumas noticias authenticas , e

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ainda não descobertas, que nos dem sobre este ar- tigo aquelle gráo de certeía , que todas as que te- mos até aqui não tem podido dar-nos. Julgo ter dito quanto baste para mostrar, que a opinião de ter aquelle lastimoso Monarca perdido a vida na batalha d'Alcaçar em Agosto de 15-78 , jamais po- derá passar de mera opinião, e pouco provável.

Do mesmo modo julgo ter mostrado , que as chamadas Profecias , Prognósticos , Trovas , e Attes- taqão , pela fraqueza , e falsidade das razoes , com que forão refutadas , ficarão no mesmo em que estavão antes de o ser; e tanto basta para que os seus partidistas supponhão , que avançarão hum terre- no immenso. Julga-se victorioso hum exercito , quan- do sendo aCvOiume:tido não he desalojado , e obri- gado a recuar, ou retrogradar, que he a palavra mais da moda. Julgo , em fim , ter mostrado , que o papel , que tem por titulo Anti-Sebastianismo , he mais próprio para fazer huma nova creação de Sebastia- nistas , do que para desabusar do seu erro aos que o erão. Q^ E. D.

Antes de concluir este Opúsculo , creio que se me não deve estranhar , que eu aqui exponha o meu modo de pensar, sobre esra matéria, sujeitan- do tudo quanto disser aos que melhor o entende- rem. Não sei que haja Lei alguma , que obrigue a qualquer, que se proronha a provar , que EIRei IX Sebastião ja' não existe ha muitos annos ; que o obrigue, digo, a assignar individualmente o dia,, raez , e anno , em que elle morrera ; o modo por que , e o lugar onde a morte o avassallára. De se ignorar tudo isto, segue-se por ventura que elle ain- da esteja vivo ? Seriamos obrigados nesse caso a dizer , que a maior parte dos que tem povoado o Mundo , d>esde que elle existe , ainda não morrera ;

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sendo certo que de huma pequeníssima porção se sabe o modo , o tempo , o lugar , em que fa- lecerão. Sabemos com toda a certeza , que aquelle infeliz Rei nascera em Lisboa a 20 de Jane ro de 1554 ; e que mais lie preciso para poder arfirmir com a maior segurança , que pelo menos ha hum Século bem medido , que elle perdeo a vida ? Piira que nos havemos de ir enredar naquellas questões sem necessidade alguma }

Tão opprimicios se sentem os Sebastianistas com o pezo daqoeile argumento , que se vêm obri- gados a sumir -se-nos , voando ao Ceo , e recorren- do a Deos ,Ae a quem se deve recorrer para tudo, menos para authorizar taes embecilidade>-. Dv^em que- Deos o tem reservado por particular providen- cia ; e que a Deos. nada he impossível. Desta ulti- ma asserção pode duvidar o ímpio consummado.- Mas para nos convencermos de que Deos na reali" dade assim o fez , não basta o estarmos convenci- dos, de que elle o podia fazer, porque o axioma de que da potencia para o acro não vale a conclusão , h& hum axioma dictado pela boa razão , da qual Deos he o Soberano principio. Deos podia fazer com que eu. não estivesse aqui escrevendo estas regras ; toda- via porque o podia fazer , não se segue que o fi- zesse , e por bondade , e misericórdia sua aqui es- tou ainda escrevendo- He preciso , que nós apon» tem alguns argumentos, que positivamente pro< vem , que Deos tem com effeito reservado neste Mundo a EIRei D. Sebastião. Reduzidos a este aperto , recorrem os Sebastianistas ás revelações particulares , ás chamadas Profecias , etc. etc. He verdade que podíamos pergunrar-lhe pe!a authenti- cidade destes papeis ; podíamos pedir-lhes que nos provassem a sua antiguidade j.que nos fizessem rea-

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lizar as datas , com que correm ; podíamos fazer- lhes ver , que aquella Atrestaqao podia entrar em Episodio nas viagens de Gulliver ; que aquellas Profecias são quaes os oráculos da Pytonissa, que a frase, e estilo, em que estão escritas , depõem al- tamente contra a antiguidade, que se lhes attribue ; que são absolutamente enigmáticas , ininíelligiveis , e concebidas em termos taes , que não he possivel o serem accommodadas fixamente a esta , ou aquel- la época. Tudo isto he evidente, tudo salta aos olhos. Mas não nos entremetíamos também nestas questões ; concedamos-lhes tudo , mas instemos-lhes , que tratando-se de hum facto tão extranho , e so- brenatural como he o de estar ainda vivo por par- ticular providencia de Deos hum homem, que nas- ceó cm 15^4 , isto he , ha 25*4 annos , he preciso para crer hum testemunho também sobrenatural , e ex- traordinário dí authenticidade , e verdade daquellas revelações , daquellas Profecias , etc. etc. , que este testemunho nos pode ser dado pela Santa Igreja ; e que faltando este , he pelo menos huma temerida- de o crer em semelhantes coisas. Se nos ai legarem com a sabedoria , e santdade de alguns , a quem se attribuem varias daquellas revelações , e Profe- cias , respondemos-lhes , que respeitamos muito a sabedoria , e santidade dessas pessoas ; mas que sem entrevir a authoridade da Igreja nem somos obrigados , nem devemos crer nas suas revelações , e Profecias , ainda mesmo que tivéssemos toda a certeza de que na realidade erno suas, e que se en« tendiãp no mesmo sentido , em que forão escritas. Que a Igreja canonizando-os de Santos , não os canonizou de Profetas; e que para se desengana- rem de que nisto n.lo offendemos , nem levemente a sabedoria , ou santidade daquellas pessoas , al.às mui-

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to dignas de respeito , e veneração , que leião corri attenção o que no Discurso V. do Tomo VII. do seu Theatro Critico diz o erudito , e religiosíssimo H espanhol Bento Feijoo a respeito dos grandes Bispos de Tours S. Martinho, e Apostolo de Va- lença S. Vicente Ferrer, que viverão , o primeiro no Século IV. , e o segundo no XIII. , que am- bos profetizarão o fim do Mundo , e o Juizo Uni- versal com tanta proximidade , que davão por existente, e nascido cada hum nos seus dias ao An* ti-christo. Dos enganos , e illusões dos homens Santos, e sábios, provão os Santos Padres , que resultão muitos, e grandes bens á Igreja, quando íàllão das negações de S. Ped o , e da incredulida- de de S. Thomé. Se a pezar de tudo isto quizerem' teimosamente porfiar na sua opinião , deixemollos- em paz, não os atormentamos , nem nos a f Mijamos; podem-se muito bem salvar com este erro , que não he de , e até eu não vejo , que mesmo na Ordem Civil, e Social elle seja de graves conse- quências. Eu não vejo que esta pobre gente por estar convencida de que virá EIRei D. Sebas- tião a restabelecer a antiga gloria , e prosperidade de Portugal, deixe de amar, e de respeitar a sua Fidelíssima Soberana, es seus Augustos Príncipes; continuamente os estou ouvindo fallar com a mais viva saudade de toda a Real Família, e suspirando pela sua restituição á Corte. Vejo que elles con- correm, quanto lhes he possível, para as despezas do Estado , e defeza da Pátria , e talvez com maior generosidade , e promptidao , do que os que se tem por desabusados. Assemelhando-se nesta parre ao Lavrador singello, que quanto mais firmemente crê no Repertório, ou Prognostico, que lhe annuncía boa eoiheita para o anno seguinte , tanto mais se

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esmera , e empenha nas despezas da cultura. Não duvido de que hum , e outro caia naquellas misé- rias , que o Author do Anti-Sebastianismo refere no fim da pagina 13 do seu Opúsculo, e que mui- to custao a crer ; mas isto nada prova contra o Cor- po da Seita em geral. Houve hum Lúcifer entre os Anjos , e hum Judas no Sacro Apostolado.

Permittíra o Ceo , que não houvesse abusos mais vergonhosos , e erros mais funestos ! Tenho observado, que aquelles , que mais ridiculizao, e mórao da louca esperança dos Sebastianistas , são os que esperão , que Napoleão faça á Europa os mes- mos bens , que os Sebastianistas esperão , que El- Rei D. Sebastião venha fazer a Portugal. Ora eu peço a todos os homens de bom senso, que me di- gão qual destas duas esperanças he mais absurda , repugnante, e de consequências mais funestas: qual mais digna de ser combatida , e castigada.

A Policia, a Magistratura , as Authoridades Constituídas , o Governo resolvem o Problema , e nos decidem a questão. Vamos ao Limoeiro , ao Castello , ao Prezidio da Trafaria , ás Torres saber qual he a decisão.

Deixemos pois em paz aos pobres Sebastianis- tas , que no seio da calamidade geral se confortaa com aquella esperança , que não prejudica a pessoa alguma , e voltemos todos as nossas armas contra os Napoleonistas , escândalos da razão , aborto da natureza , pestes da sociedade , deshonras da Pátria ,. enxovalhos da espécie humana , opprobrios , e igno- minia da Santa Religião.

Tudo isto , se sabe : Salvo meliori judicio*

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