gLEB ELSVO L9ZL E DOSE é: or to eps indo me STA ju i i ; W e no . [à BP á RA E ah » Í + IO He ERA É é | ; O A ” Ro a» i REA A 7 poa E í ' nº í o R o: , 1 oh - a e y t | | , s Es ) y E E ' p| Md 1 ps y Bi: 4 í | Pas fo AS E - 4 . ç | |] “e . ' | Ea ] , 5 o & a o í í Pu ru * =, 1 o + “ê. + . - ê ” E RO E) 1 E A d a | sa : + | 2 ' o ' e» A Ta! | y . - E, dj h | o 1 +: y í É % o E , R - n Ee E “ ma, af : = Ebro a | - . + o ; - a ds à a goi E j . ; s2” E = e = ; Ê í 1 Felicidade pela Agricultura E) ESSA | - (o NV Nm PAUA q SE do DUGIIF - puto quitar > QUE Sb. ly “ul ny, DO in ES RB aee aa (2 SR NNE = ria. BS JUN - ao Pd po ço e ee OBRAS COMPLETAS DE ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO mam oo VOL TN 5.º ER VOLUMES PUBLICADOS: [ — Amor E MELANCOLIA, IH — A cHAVE DO ENIGMA. HI — Cartas DE Ecco E Narciso. IV — FELICIDADE PELA AGRICULTURA (1.º vol.) V — FELICIDADE PELA AGRICULTURA (2.º vol.) NO PRÉLO: - VI— A PrimavERA. “OBRAS COMPLETAS DE A, F. DE CASTILHO Revistas, annotadas, e prefaciadas por um de seus filhos o D' FELICIDADE PELA AGRICULTURA SEGUNDA EDIÇÃO VOLUME H LISBOA EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL Sociedade editora L'VRARIA MODERNA | TYPOGRAPHITA R. Augusta, 95 | 46, R. Ivens, 47 Ê XI Quinto serão do casal Tres novidades aos amigos lavradores - SUMMARIO O autor já tinha saudades do Casal. — Onde passou o mez de Maio. — Desencantamento que trouxe da Capital. — Insiste-se na necessidade de representa- ção agricola. — Testemunho que lhe levantam attri- buindo-lhe desejos de ser Deputado. — Rasões por que o não deve nem quer ser. — Que fazem e como são Os nossos inimigos. — Não se lhes deve oppôr a violencia bruta, mas juizo, e salvarmo-nos por uma eleição de consciencia. — Duas novidades traz o au- tor da Cóôrte — Primeira: que a Sociedade de Agricultura Michaelense vai sendo imitada em Por- tugal. — Segunda : a publicação do Guia e manual do cultivador. — Louvor d'esta obra, e de quem a fez. — A Sociedade promotora da Agricultura a co - roou. — O que os premios produzem de bem. — Tor- na-se ao projecto da Ordem do arado. — Noticia do banquete da Sociedade da Agricultura. — Hymno dos Lavradores. Já tinha saudades de vós, meus bons ami- gos. Lá passou, e bem a meu pesar, o mez de Maio, sem eu visitar este casal. ;Maio sem vós! je sem campo! ; Maio n'uma cidade, e Capital! je das maiores! ;onde o que só dá flores, mas não para frutos, é a rhetorica dos politicos, e onde, para nada ver- dejar, nem sequer esperanças já verdejam!! 6 Empreza da Historia de Portugal ;Oh meus excellentes lavradores! Quizera eu, não que vos arrancasseis do vosso torrão, para irdes ver o que é uma Côrte, e apren- derdes a amar-vos; mas que ao menos a so- nhasseis uma vez, tal como ella é, e como são todas: magnifica de marmores e archite- cturas, rumorejante de festas e musica, tro- vejada de carroagens, refulgente de gaz, que supprime a noite, alardeando senhores e principes, remirando-se nos enxames de suas damas; mas, no meio de tudo aquillo, esteril, desencantada, e não tirando de si os olhos com medo de os lançar para o futuro.... Pois se fosseis lá com algum pensamento sincero de amor dos homens, com alguma santa loucura de alma desinteressada, d estas que alguma vez devaneámos na calada das vossas solidões, e que tão faceis foram de realisar; se vos désse: em ir mendigar para a civilisação, e para os-filhos e netos de nós todos, algum favor muito pequeno, e muito justo, como vos não recolherieis ás vossas poisadas, descrentes e esmorecidos, para nunca mais arredardes d'ellas nem os pés, nem os olhos, nem o pensamento ! Meus amigos, meus amigos, deixae falar os nescios, que tão mal vos querem a vós como a mim; e crêde no que vos repito com a mão na consciencia e nos Evangelhos: para que, do meio das leivas rusticas, nos saiam emfim Deputados representantes da terra, semeemos o juizo, se desejamos colher a fe- licidade; se não fôr já hoje a hora do-des- engano, medo tenho de que seja amanhan a de acabarmos. iSabeis o que dizem lá nos seus pagodes 7 é ue digo o A DE - Obras completas de Castilho 7 estes mexeriqueiros ruins, vossos inimigos e meus? estes ingratos, que, devendo-vos tudo, invejam até o pé'do inhâme que seme- “ais para os filhos, e, de vaidosos que são, até a figura humana vos tirariam, se podessem ? ; Sabeis? ; adivinhais, não o que elles pen- sam, mas o que elles dizem? Dizem, que no dar-vos este conselho, o unico bom conselho que hoje se vos pode dar, só armo á popu- laridade, para algum dia me ir d'aqui, Depu- tado feito por vós, sentar-me triumphalmen- “te n'uma cadeira do Parlamento. ; Então que lhe quereis? Dão o que teem, e fazem o que podem e costumam. ; E dizer que ha ainda ferrenhos, que não crêem na jumenta de Balaão! Não, boa gente, nem vós, quando esco- lherdes os vossos pares na lavoira, me ha- veis de nomear a mim, que desgraçadamen- te o não sou, nem, que o fizesseis, eu vos acceitaria -a nomeação, Essas honrarias, já por mais de uma vez as rejeitei; e não foi para me andar agora á caça d'ellas. ;Eu Deputado!... ;Para quê? Aqui, no vosso serão, ou entre outros amigos, n'um colloquio poetico, ou na minha “ cellasinha phantasiando para um papel al- guns amores do coração, tenho o meu prés- timo como outro qualquer. Passeio na-her- dade em que me creei; não tenho medo de me perder.; Mas a bordo d'aquella grande náu! Quem me ensinou a mim a sua mare- ação? E depois.... o enjõo!... ; Eu na tri- buna? jeu orador?! Melhor sorte me dê Deus. Sou muito humilde, ou muito soberbo, para lá subir. Assentae bem isto em lettras 8 Empreza da Historia de Portugal grandes na vossa folhinha detraz da porta. Votae em amigos vossos, sinceros e desen- ganados como eu, porém mais sabedores e praticos, do que eu, de vossas coisas, e mais affeitos ao mundo positivo, que o es- crevedor de livrinhos, que metade de sua vida a passa por essas nuvens, e a outra metade entre creanças. Affronta vos faria ao bom-juizo, se vos allegasse mais rasões. Quando se trata de lavras, não é a ando- rinha, nem a cotovia, que vós jungis á can- ga do arado. Assim, não é do poeta, que vós, gente grave e sizuda, farieis o vosso representante; como tambem o não farieis d'esses descendentes da jumentinha de Ba- laão, que, sendo muito pobres de cérebro, . muito mais o são ainda de coração. A mim já vós me conheceis; mas ; quereis acabar de os conhecer tambem a elles? Pois ouvi. a Fundou-se ahi uma Sociedade de Amigos das Lettras e Artes, para fazerem, a bem da instrucção primaria e dos officios mechani- cos, o mesmo que em vosso proveito faz a Sociedade da Agricultura. Era santo insti- tuto; não era? Pois declararam-lhe guerra, pozeram-lhe nomes, levantaram-lhe teste- munhos pela bocca pequena, enredaram. com cartas anonymas, que mandaram impri-. mir n'outras terras, imprimiram outros a- leives aqui mesmo, mas com datas fingidas e de longe, porque tamanhas vergonhas eram, que, sem mascara, nem elles as ou- sariam; peitaram, por baixo de mão, crean- ER É AM | da AR ERES: ou 14] inc a, E em v À Obras completas de Castilho 9 cinhas desvalidas a desertarem das nossas “escolas, para continuarem a apodrecer na oa cos que eram seus servos, pro- * hikicam-lhes frequental-as. Quando me eu ja d: proposito, viagem * de mais de duzentas leguas por esses mares de Christo, para requerer se nos désse aqui “um chãosinho em que edificarmos, á nossa custa, uma albergaria para as pobres Lettras | e Artes, mandavam elles, atravez de egual - Oceano, quem lá fosse pedir que nos inde- RR rstem, quem nos denegrisse bem dene- pricos; quem patrocinasse e advogasse, por | todos os modos (sobre tudo pelos secretos), Ea causa da ignorancia; quem iidasse por vos perpetuar na condição ignominiosa de - servos da gleba, um pouco mais que tron: “Cos, um pouco menos que bestas de carga. — «q É vingaram esses tramas diabolicost » —perguntareis vós. | Quem sabe! talvez sim; o tempo o des- “cobrirá. Ahi tendes o que elles são; guapos cora- ções, e guapissimas cabeças para legislado- Tres; admiraveis amigos da terra em que nasceram, ou que os abortou, e do Povo, que sua de trabalho para que elles suem de praseres, que anda nu para que elles se enroupem com arminhos, e cospe sangue nas mãos por elles, que lhe cospem despre- “zo sobre ambas as faces. Meus amigos, se queremos ser salvos," é olharmos por nós, e forcejarmos por des- tecer todas estas cerradas teias de barba- “rias. Trabalhemos tão activamente, de dia, “e ao sol, como elles o fazem de noite, nos & To) Empreza da Historia de Portugal esconderijos, com vigilantes expertos e ter- riveis a guardal.os. Opponhâmos ás menti- | ras traidoras, e ás cobardes calumnias, a verdade e a franqueza; ao anachronico feu- . dalismo, o seculo x1x, que é o nosso, que é vivo, e que é forte. Nada de violencia; a força bruta nada cria, e ameaça tudo; o in- cendio, o exterminio, as sublevações, o con- verter as enxadas em machados, e as arvo-: res, que alimentam, em clavas que derribem, | fôra curar a doença com a morte, enredar-se mais nas cadeias, pretendendo sacudil-as, querer subir ao cume, e afogar-se no abys- | mo. A redempção, toda a redempção, só Leis sabias, e zelosamente mantidas, nol-a hão de trazer; e é para as termos, que eu vos. exhorto e vos supplico vos associeis, para Jurmos a um Povo, que é e deve ser agri- cola, umas Côrtes agrárias e um Ministerio | lavrador; isto é: a um Paiz, que pode e quer produzir, uma providencia e cultura | apropriadas. Pelo menos, facâmos o que. de nós depende para o bem, como os ini- . migos fazem quanto podem para-o mal, lt. depois... sahirá o que Deus quizer. x Por novidades da Côrte me requereis.. Das politicas, nenhuma vos trago, que não | curei d'ellas, nem já entendo essa linguagem. Das operas e passeios, das modas, -»e do aformoseamento das praças, não curais vós. O que só vos importa, é a terra. Pois bem: duas novidades vos trago TD Mah, adliad Ia á a gd Obras completas de Castilho r uanto á terra, que vos devem ambas apra- Er. | À primeira, é que a vossa tão bem augu- ada Sociedade promotora da Agricultara Aichaelense, ao mesmo passo que vos fe- unda por cá o solo por via da instrucção, az nascer lá pelo Reino, por via da emula- ão, outras semelhantes Sociedades, que, se rem avante, é imitarem sempre a sua pre- ecessora, transformarão a final a Patria, de jendiga despresada e decrepita, em abas- da, juvenil, e formosa, mediante aquelle songresso e aquelle Ministerio que já sabe- hos, e para que ellas hão-de, quando cres- serem e se propagarem, contribuir infallivel irresistivelmente. E: * Ed * A outra novidade, tambem para alviçaras, “um Livro. Um Livro nem sempre é uma obra; as mais das vezes é palavras, das quaes as obras distam muito. | Este, porém, que vos eu annuncio, deve- as é obra; custou bom estudo; fez-se com amor e consciencia; allumiará os vossos es- piritos;/e contém em germes grande copia de frutos, que, em vós querendo, entrarão logo a rebentar pela superficie do vosso solo. Tem por titulo Guia e Manual do Cultiva- dor, ou Elementos de Agricultura. * Antes que d'elle vos fale, ou para supprir | que d'elle vos poderia encarecer, deixae- he falar-vos do seu autor, que, melhor do ue eu, sabeis vós como pela arvore se adi- inha o fruto. a 2 ES AAA É eira NO a NO rig 3 á 4 12 Empreza da Historia de Portugal | José Maria Granpe, Doutor abalisado em Medicina e Philosophia, e Lente ha anno de Botanica e Agricultura na Escola Poly technica de Lisboa, é um d'aquelles espiri tos eleitos, que a Providencia predestina a bem commum, e que, para melhor se habi litarem ao desempenho do seu sacerdocio lhe saem das mãos ad mesmo-tempo graves e amenos; sizudos, e poéticos; para a ra são, convincentes; para a vontade, persua sivos. | | Desde a flor da mocidade o amo eu, qu desde então nos conhecemos. N'aquella: famosas festas da Primavera, celebradas nã) margens ridentissimas do Mondego, e dk que já póde ser ouvirieis falar ou ler algum coisa, foi elle um dos que mais por enga nho se extremaram. | D'ahi para cá (e não são tão poucos annos), sem renegar o culto das Musas, qué tão dadivosas o prendaram, entrou, comtudo. a combinar com aquelle affecto outro mais alto; com a poesia espontanea da imaginas ção, que é só rosas e fragrancias, a poesii cultivada e frutifera da Natureza. As scieni: “cias d'ella, foi-as enxertando no talento, foi-as nutrindo e robustecendo com a seiba assim melhor aproveitada, do seu engenho, Imaginae jo que não estarão hoje produ; zindo ! | Então, era a primavera, a florescencia, q poeta. Hoje, é o sabio, a meditação. o ou| tono, a abundancia. Então, o rouxinol que enfeitiçava as ociosas noites de luar. Hoje, a aguia que se remonta ás alturas, d'ond abrange largo mundo, e que fita os olhos Obras completas de Castilho 13 scrutadores no proprio sol. Coração e in- ole não lhe mudaram; mas os amores que inha, ideaes e volateis, concentrou-os no mor grande, no que é bemvindo em todas s edades, e a todas as ennobrece: no or dos homens. Como Virgilio, passou as cadeias de rosas de Amaryllis, ao ma- isterio das Georgicas, á grave doutrinação os camponezes. | “Lavrador elle mesmo, e imbuido copiosa- nente nas theorias por sua experiencia ve- ificadas, comprehendendo (até onde é dado) s mysterios da Natureza, affeito a expli- al-os, e sabendo realçal-os ainda com a lu- idez e côres do estylo, commetteu com a nelhor estreia, e com as fadas mais propi- las conseguiu, crear para vós o que de toda | parte, ha muito tempo, se pedia em vão: + codigo succinto, mas completo, dos vossos rabalhos. É * . , f ' Em dois volumes, e não grandes, é a sua bra repartida. O 1.º anda já no Publico, rocurado e festejado; o 2.º não tardará, odendo-se-lhe desde já prophetisar egual ortuna. ' Presente bem rico vos será já per si o jue vos trago. N'elle aprendereis, como in- roducção ao que vos cabe fazer, para que | fazenda, como dizia Virgilio, satisfaça ás ossas cubiças, parte do muito, e do infinito, jue a Divina Sabedoria fez para vós e para odos, ao crear a terra, as aguas, os ares, € s plantas. ' N'este sentido, o livrinho, sem o dizer, é ps REA CRS 1º] É * apa A e : Bal 14 Empreza da Historia de Portugal tambem dos mais religiosos. Descobrir o segredos da (reação é adorar o Creaddl Newton, que mais os sondou, nunca d Deus falava sem inclinar aquella grande É beça, que abrangia mundos. Quando houverdes lido, no vosso Guia Manual, os maravilhosos segredos do na cimento e crescimento, da florescencia, fr “tificação e reproducção das plantas, da su alimentação, da sua vida, do seu respira do seu dormir, dos seus amores, das sua relações de beneficios mutuos com o ar, co a terra, com os animaes, e comnosco; fica vos eu que a minima hervinha vos inspir rá mais devoção, e vos dará mudament mais conselhos, que a mais devota Image da vossa aldeia. O que no campo vos par cia solidão e ermo, deixará de o ser ao vossos olhos, porque direis : «Tudo isto, que vegeta em derredor di mim, me está amando, e amando a sel modo ao nosso Deus ; tudo isto é vivo, tudk isto é sabedoria e bondade em acção.» | E depois, com este conhecimento especu lativo, que vos ala para as alturas, | quan tas ideias para applicação e pratica ! Eis verdade, cada phenomeno, que se So dos entes a dentro, é um raio de luz qu nos encaminha no mais acertado modo d os servirmos e os aproveitarmos. A herdadk daquelle que aprendeu o capitulo da gra de Theologia Universal chamado Botanica entre os predios dos ignorantes se distingui rá, como a porção de terreno em que Fra klin mandou á Natureza escrever com gran des lettras: viçosas um. invento prestadia “Obras completas de Castilho 15 Isto foi adubado com gesso-— bradavam aos olhos, no meio de um prado mal fértil, pomposas lettras de verdura. Isto pertence a quem entende o viver das plantas — dirá a duplicada fertilidade da vossa lavoira. % Para que não suspeiteis que é a amisade quem me fascina, quando assim vos exalto “o valor e prestimo do livro; ou para que, por ser de extranho á vossa bella firte, me não desdenheis a recommendação, haveis de saber que o mesmo que vos eu digo, foi já sentença de tribunal mui competente, “qual é a vossa Sociedade promotora. “Tanto a obra lhe cahiu em graça por sua singelez e verdade, por sua sciencia e clare- za, pelo mui serviçal que se vem accommo- " dando a esta e áquella necessidade do la- A DEDO E E ED Se) Ro Era WD mea Ea AGA E | PEER gr vrador, e pela segura sonda com que o autor vai tenteando as novidades antes de as adoptar (o que nem sempre se acha nos agrónomos que só teem por geira a folha de papel, por charrua a penna, por bois os de- dos, e por experiencia as suas phantasias), . emfim por sua sciencia e consciencia, tanto namorou o livrinho a estes sinceros juizes, que, a par com os louvores é agradecimen- tos, que já não seriam pequena corôa, lhe decretaram unanimes uma medalha de oiro. Fizeram o que o Governo havia de fazer, se já existira melle o que em nossos votos existe ha muito: um paternal Ministro da Agricultura. € Em quanto o não ha, nem Côrtes que le- 6 Empreza da Historia de Portugal gislem premios condignos a taes serviços, necessario é que a virtude dos particulares vá pagando, como pode, dividas sacratissi- mas, que não são só do Estado, se não tambem da Humanidade. ;A Deus praza que as outras Sociedades agronomicas do nosso Portugal, edificadas com o santo exemplo o imitem, e o subam ainda por sua “parte a maior ponto ! Os talentos dos que podem escrever para utilidade dos seus semelhantes, são como as flores fêmininas: conteem no seu ovario, lá bem no fundo do calix, germes optimos; mas o pólen, que os fecunda para frutos, só lhes vem na aura do favor publico. Esse. pólen fragrante, que os activa deliciando-os, e encantando a quantos no transito o aspi- ram, é o louvor e o premio. Flores d'alma hermaphroditas, que a si mesmas se bastem para frutificarem, tam- bem as ha, tambem; mas são muito raras. Sem premio, nem. esperança delle, nas- ceu em verdade, e amadureceu, e está já colhido, o Manual do lavrador; mas agora, depois do exemplo, ; quem póde calcular o que no engenho e saber de outros procreará a louvavel ambição? | Lembrais-vos d'aquellas condecorações em que vos eu falava aqui ha tempos, que se deviam instituir com titulo de Ordem do Ara- do, e de que tanto escarneceram os parvos, que, a propôr-se a votos uma Ordem da maledicencia, calumnia, e mexericos, talvez a approvariam? ; Lembrais-vos, meus ami- gos? Pois, se tivesse já havido um Parlamento Mo Hi [1 tejo Obras completas de Castilho 17 que a decretasse, e tivessemos um Ministe- “terio dos Negocios da Agricultura.... um * Commendador da Ordem do Arado para ' venerações teriamos nós já; e vós m'o di- À reis quando houverdes devorado o livro. e % Antes de nos apartarmos, falemos de ou- | tra coisa, que tambem vos toca. ; Sabereis, que, no dia folgasão do nosso | patricio Santo Antonio, teve a Sociedade * promotora da Agricultura Michaelense um | banquete campestre, muito lauto, muito ale- * gre, mas (o que mais vale, que tudo isso, * quanto a mim) muito. excitativo para mu- : tuas harmonias de vontades, e muito des- ' afiador de forças para os trabalhos que mais E | iss bs importam. Com vinho patrio se bebeu á * vossa saude, à prosperidade da lavoira, e á, | perseverança e bons fados da Sociedade, há | que tanto lhe quer a ella, e mais a vós. | | E y ] PRE ma» * Em nossos precedentes serões, aqui no casal, vos ponderava eu, e vos provava com | exemplos, como os poetas foram sempre os “mais certos amigos e devotos dos campos e É vida rustica. No livro que vos hoje trouxe lá vereis mais uma prova; e agora conclui- | rei com uma recentissima, de minha lavra; "é o Fymno dos lavradores, que eu apresen- “tei como postre entre os vinhos e fruta da “vossa terra, n'aquelle patriotico jantar de * nossos amigos é irmãos. VOL. v Z 81 Empreza da Historia de Portugal Tambem eu, ensinado pelos annos, pássei das festas da primavera para as do trabalho. Outros tempos, outros gostos; os mais se- “guros e abençoados sernpre são esses. Ouvi pois o vosso Hymno ; se vos aprou- vér decorae-o, e'no meio de vossos traba- lhos entose-o muitas vezes. Poesia e Musi- ca são uns bons adubos, que se haviam de empregar muito mais a miudo, para esti- mulo de entendimentos perguiçosos e von- tades indolentes. De Poesia & Musica muito se ajuda a civilisação onde ha philosophia, como em terras de Aliemanha. Os Antigos por instincto o adivinharam, quando mette- “ram entre as lições de suas fabulas a de Orpheu e de Amphião domando rudezas, amançando feras, e erigindo cidades de cem portas e immenso trato, ao som de suas lyras. O que a minha entoou para inspirar o santo amor dos campos, ainda que não seja de nenhum Amphião nem Orpheu, ceil-o aqui. Com mãos limpas vol-o entrego; re- cebei-o com boa sombra. .' HYMNO DOS LAVRADORES Voz Cantae, passarinhos; cantae, arvoredos; cantae, frescas fontes; cantae, virações; cantae, ceos e terra, cantae os segredos da vida inefavel que anima as soidões. Côro De espigas e palmas coroemos a enxada, morgado, e não pena, dos filhos de Adão. Mais velha que os sceptros, mais util que a espada, thesoiro é só ella, só ella brasão. a; GIA Eq A ÇA A E” 5º e, pia A te Par ua Tt e a ARES ME a SE US « SE Ir aa e tre es E 5 fu - “Obras completas de Castilho 19 Voz Romper tenta o Sabio do mundo a cortina ; ao Bello dá cultos o Artista, o Cantor ; o Obreiro transforma; o astuto domina ; mas o homem dos campos só é creador. Côro De espigas e palmas etc. Voz Da terra sahimos, á terra volvemos;; a terra nos veste, nos traz, nos mantem. é Quem, mais do que a terra, merece os extremos que obtém dos bons filhos a próvida mãe ? Côro De espigas e palmas etc. Voz E cárcere, e livre se acclama a cidade ; infernos de penas, disfarça-os em si. À léda, abundosa, gentil liberdade, sem fausto, sem nome, nos campos se ri. Côro De espigas e palmas etc. Voz As ruas sombrias, as turbidas praças, só brotam miserias, vaidades, motim. No campo a abundancia pululla entre as graças, e adoçam-lhe as lidas delicias sem fim. Côro De espigas e palmas etc. 20 - Empreza da Historia de Portugal Voz. Gentil liberdade nos campos impera ; nas médas das eiras seu throno reluz ; diadema de flores lhe dá Primavera ; em choça de colmo tem régia Queluz. Côro De espigas e palmas etc. Voz é Quem nutre as cidades, as frotas, e armadas? é Quem serve ás mil Artes banquete Real? A mãe do Commercio, rainha “pp Fadas, a Fada incançavel, a Industria rural. Côro De espigas e palmas etc. Voz Esgotam-se as minas; dissipa-se o oiro; perguiça e pobreza lhes crescem de apoz. No solo aos activos poz Deus um thesoiro, tão rico entre netos qual fôra entre avós. Côro De espigas e palmas etc. Voz é A aurora dos campos floreja saude, nas faces a rir-nos qual ri na maçan; a terra dá frutos, o Ceo dá virtude, e a lida folguedos á turba aldean. Côro De espigas e palmas etc. tac: a aa det IA E ST A a a o Am Sa Obras completas de Castilho Voz Os mezes das flores, os soes do ceifeiro, “a quadra das frutas, o ocio invernal, são gostos variados, que em vôo ligeiro matizam nos campos o giro annual. 1 E y Re 12, ES == = Côoro De espigas e palmas etc. Voz o Viver de colono devolve-se em festa; o dia lidado' lhe escapa a folgar. 4 “Com a alva renasce; repoisa na sésta; . E triumpha ao sol posto; descanta ao luar. pc A | Côro R De espigas e palmas, etc. Voz * De dia, o trabalho n'um chão florescente. | À noite, em bons sonhos, amor e prazer. | ij Ditosa mil vezes a rustica gente, | se os bens que disfruta soubera entender | Côro ; | De espigas e palmas etc. E Voz — Ver Nymphas nas selvas, nas aguas, nos montes, | foi de animos gratos delirio em pagãos. * Nas serras, nos troncos, nos ventos, nas fo ntes, | Deus sentem, Deus amam, colonos christãos.. Côro 22 Empreza da Historia de Portugal Voz : Dos Céos quem, no mundo, quem vive mais perto? Lavrando ou colhendo, medita-se em Deus. Com preces e hosannas palpita o deserto. ; Oh! Fé, os seus filhos inda hoje o são teus. Côro | De espigas e palmas etc. Voz : Oh! Tu, que os expulsos do teu Paraiso ás quedas e á enxada fadaste, joh! ; Senhor! nas lidas põe bençam, nas mentes põe sizo. nos corpos saude, nos peitos amor. Côro - De espigas e palmas etc. Voz Mantém nas esposas fiel castidade ; na prole innocencia; fartura no lar; concede aos visinhos fraterna amisade, e á Patria virtudes que a possam salvar. Côro De espigas e palmas etc. . Voz | Virtudes á Patria! ; virtudes ao Povo! ! virtudes aos Chefes que dictam as Leis! Já foi sceptro a enxada; que o seja de novo. Diniz lá da campa que a mostre inda aos kKeis. Côro De espigas e palmas etc. n X ! ve fr ai , Obras completas de Castilho 23 Voz. Aos roucos triumphos das eras antigas, succêda o da Arcadia cantar festival, ba ceifa das palmas á ceifa de espigas “volvei, Cincinattos do bom Portugal. Côro De espigas e palmas coroemos a enxada, morgado, e não pena, dos filhos de Adão. Mais velha que os sceptros, mais util que a espada, thesoiro é só ella, só ella brasão. Junho de 1840 Ê XII Sexto serão do casal E Tristes eleitos da ignorancia SUMMARIO Singular processo de feitiçaria e homicídio. — Como se sentenciou. — Encontradas opiniões acerca da sentença. — Tem para si o autor que n'este cri- “me, como em outros muitos, não cabe imputação. — Brotou-o a ignorancia”; e a ignorancia é culpa das Leis e Autoridades. — Todos os cidadãos “teem direito a instruir-se, e o Governo, por con- seguinte, obrigação de lhes facultar os meios de se instruirem. | i Processo bem raro para em nossos tem- pos! | No banco dos accusados occupa o primei- “ro logar uma mulher já de dias, com a se-. ' renidade da innocencia no rosto, nos modos, "e nas falas. A fama publica e as testemu- * nhas a dizem digna do seu nome: chama-se * Angelica. A sua casa foi sempre asylo fran- | co a feridos e enfermos, mórmente pobres, * que dizem acharam sempre n'ella-muita sa- bedoria, mãos mui: primas para curar, e. | palavras de consolo tão efficazes como os | seus remedios; tudo pelo amor de Deus, e * esmolas ainda por cima. * «Que a metteria entre ferros d'el-Rei, * onde jaz, faz hoje um anno dia por dia? . SE EEE DAPESEOS CE PES TCE: CRER E ss Po > E A e ES gd EPA , . 26 Empreza da Historia de Portugal Matou outra mulher. No banco dos accusados lá estão, não menos, os complices que a ajudaram: o marido e viuvo da victima, que lh'a levou a | casa, e lá permaneceu em quanto durou a tragedia; os que a estiveram sopeando de pés e mãos, até que cessou de bulir; o que, por espaço de horas, com uma vella na mão allumiou; os que, depois de consumado o acto, carregaram o cadaver, como um far- do, para cima de uma cavalgadura, para o irem lançar de uns penedos no mar, que a elle lhe servisse de sepultura, e a elles to- dos de encobridor. O que o mar havia de sonegar á Justiça, o Céo, que vê tudo, o descobriu. Os culpados, a fóra um, que . medo ou remordimentos da consciencia tra- zem a monte, os culpados ahi estão todos no meio do tribunal. ; Mas quem era a morta ? Que fizera para haver tão miseravel fim? Chamavam-lhe feiticeira os visinhos.... sem embargo de ter nome de Maria, que dizem preservar de coisas ruins. A artes “suas diabolicas se attribuiam muitos acha- ques, desconcertos de fortuna, e mortes. To- dos (até seu marido) aborreciam n'ella o « Espirito immundo», que, para não ser cons- trangido a desamparai-a, a trazia pertinaz- mente erradia dos confessionarios. Para a desendemoninhar, a fez a serva de Deus conduzir a sua casa; combateu com as resas e ceremonias que por mais acerta- das tinha; exorcismou, á sua moda; amca- cou, espancou O inimigo; em vão. Com a teima d'elle, houve de crescer n'ella o fer- “Obras completas de Castilho 27 ao - vor da caridade, e a santa cólera. Lançou-se | sobre a infeliz derrubada; recommendou aos circumstantes lhe tolhessem os movimentos, “a fim de se não espalharem os feitiços (com “o que, todos ficariam perdidos, e voaria a | casa pelos ares); e tanto fez, e fizeram, so- ' bre aquelle triste corpo, tanto e por tanto | tempo lhe cerrou a garganta ao som de es- " conjuros, que a pobre expediu de si, não o * espirito infernal, mas a propria alma. -* JLêse o processo; ouvem-se as testemu- " nhas, os rêos, a accusação, a defensa. Ao | cabo de dezasseis horas, pelas 2 da manhan " do dia 11 d'este mez, publica-se a sentença: ' Angelica, desterrada por dois annos para , fóra da comarca; seus complices, restituidos | à liberdade. lia % | Sem quebra do acatamento que todos de- | vem á Justiça, arvoremo nos aqui, no casal, ' em juizes de tal sentença. | | De injusta, por benigna, a accusam muitos “da cidade, e a accusa o proprio Ministerio pu- “blico; em quanto cá nos campos, segundo * oiço, não falta quem ainda a taxe de cruel. | Aquelles, horrorisados com o homicidio, que | as circumstancias aggravaram até martyrio, “para o expiar invocam o homicídio legal. Estes dão benções, do coração, a quem pur- ' gou a terra de uma procuradora e agente dos infernos. | Em rasões de humanidade se fundam uns "e outros; e a uns e outros, todavia, tem a ' mesma humanidade rasões que oppôr para * defender esta sentença, em que tanto reluz “ ella como a justiça. ( 28 Empreza da Historia de Portugal E quando não, discursemos chanmente, e com os animos despreoccupados. * Maria, em verdade, não era feiticeira; não o podia ser; não as ha; não pode havel-as. Foi crença de pagãos a que admittia pac- . tos secretos com espiritos malfasejos, para se obrarem no mundo maravilhas. O Chris- tianismo não a acceitou, que sería negar pe- remptoriamente a Providencia, e renunciar Deus, renunciando a rasão. Nem a tradição respeitavel da Egreja, nem os escritos dos Santos Padres e Dou- tores, nem as Decisões dos Concilios, nem os Theólogos, nem, sobre tudo, as Escritu- ras santas, deram jámais o seu-assenso a essas fabulas despresiveis, filhas da velhaca- | ria interesseira, ou da ignorancia crédula, ou, mais ao certo, de uma e de outra. | De balde nos argumentarão com as penas | estabelecidas contra os que professem a fei- tiçaria. Nós mesmos, que na feitiçaria não acreditamos, defendemos por sensatas e jus- tas essas penas; porque todo o individuo | que se inculca alliado, e braço direito de po- tencias invisiveis e maléficas, para alterar, em | muito ou em pouco, a natural corrente das coisas, calumnia a Deus, mente a si e a seus semelhantes em materia grave e de conse- quencia; arroga-se, de feito, e pelo terror, : um predominio que lhe não cabia; perturba, | por querer, a sociedade; lança n'ella novas sementes de fanatismo e crimes. Uma de duas: dando-se por alliado dos | - Obras completas de Castilho 29 | E emônios: ou não o crê, ou crê-o. No primeiro “caso, abusa tirannicamente da rudeza e pusil- | lanimidade alheia, No segundo, teve necessa- "riamente a criminosa intenção de pactuar “com os genios das trevas; quiz dar-lhes a fina, a troco do privilegio de malfazer; sup- | pôz ter consumado este pacto nefando, e N obrou em conformidade com a sua persua- “são. k Uma e outra coisa; não podiam as Leis “ecclesiasticas, e as civis, deixar de punir ri- : ERRO somente. fg (o | Maria não era feiticeira. ; Mas dava-se ella «por feiticeira? Não era esse o processo; não “Se provou; não o sabemos. , Mas, quer se desse quer não, quer tivesse, abusado de sua alma negociando-a Ecom o inferno, ou dos espiritos de seus vi- “sinhos, submettendo-os ao influxo do seu “querer, sempre ficava sendo, no concei- to da gente rude e desallumiada, um ente “muito infeliz para si, para os outros mui perigoso e e mui funesto. | Era assim que, na sua timorata phantasia, indispensavelmente a devia representar a mulher, cuja vida, já de annos largos, era toda caridade, esmolas, e orações. : E que- “fez ? uma grande façanha moral; uma sublime loucura de generosidade. E Só escudada de suas orações, resolveu “entrar em duello com inimiga, em seu en- “tender tão medonha e tão possante, queto- imar-se com ella era tomar-se com o proprio inferno. Duas palmas lhe promettia aconsci- do Empreza da Flistoria de Portugal encia com aquella victoria, se a ganhasse: re- . dimir uma possessa do captiveiro diabolico, restituindo a á Egreja, ao marido, e a si mes- ma, á amisade dos visiahos, á quietação in- | terior, e á esperança do Ceo; e desafrontar de adversidades os que as estavam por via della padecendo, ou podessem para o futu- ro padecer. Eis aqui a magnanima loucura que a se-. duziu. Aventarmos-lhe outro intuito não é possivel. Das intenções mais santas brotou o homicídio. | Mysterios da Providencia! não os sonde- mos. A morte appareceu ali como o raio, sem ter sido chamada, nem prevista. x ; Quem reuniu jámais setenta testemu-. nhas, e na propria casa, e com luz, e em terra populosa, para assassinar ?!.... i Quem, para assassinar, empregou já- mais, como unicas armas, resas de longas horas, e mãos inermes? !... i Que mulher poderia arrancar a existen- cia, por querer, a outra mulher, quando n'essa existencia fosse envôlta a de um ter- ceiro ente inda não nascido? !... i Desde quando se mudou a natureza hu- mana, a ponto de entrar o pensamento é proposito do homicidio mais nefando, mais covarde, mais inutil, e mais perigoso, n'um coração que era todo benevolencia e cari- dade ? o — «Mas a morte perpetrou-se.» — Sim. | Obras completas de Castilho 31 | — «Perpetrou-a ella.» | — Sim, sim, mas sem o querer, sem o | pressentir, sem entender ainda agora o como. | No delirio do seu fanatismo, julgava-se a | braços, não já com uma mulher, senão com "o rei dos malfeitores de além-mundo. ; Que ' muito que o terror lhe centuplicasse as for- "ças? ;que as empregasse ás cegas? que | destruisse uma vida fragil e atenuada, sem | saber? Logo que descobriu debaixo de si '* um cadaver; não cahiu ella quasi cadaver ? "inão lhe fugiu espavorida a razão? ;não | permaneceu por muito tempo n'esse estado "entre vida e morte, de que ainda inteira- : mente não sahiu? | Meus amigos, ; onde está o crime? | Uma desgraça, e muito grande desgraça, "essa existiu sem duvida. Mas n'aquillo em | que se não dá crime, ; a intenção maifaseja " quem a provou? ; quem a allegou? ; quem “a demonstrará verosimil? «quem ao menos | possivel? j % - Mas, deixando a justiça á Justiça, fale- " mos de coisa quanto a mim mais util, mais * fecunda, e mais pratica para entre nós. * Os processos são meras formas, sujeitas "a opiniões e erros. O que tem importancia | real são os factos sobre que elles versam; | e mais real importancia ainda as ideias, de | que esses factos se derivam necessaria e fa- * talmente, como a planta da semente, e o * Não ha grande virtude nem grande cri "e, que antes de ser obra não fosse vonta 32 Empreza da Historia de Portugal de, e antes de vontade pensamento, e antes de pensamento embrião de ideia; é o pon- tinho negro e imperceptivel no horizonte, nuncio do tufão que revolve mares e afoga armadas, varre a terra, arranca e arrebata animaes, arvoredos, e habitações. | * De duas causas, só, proveem quantos ma- les commettidos por homens se podem no mundo deplorar: uma são as ruins vontades, as paixões, os interesses mal entendidos ; a outra, à ignorancia, e os erros que d'ella nascem, sendo esta segunda muitas vezes (e quasi sempre) a que virtualmente contém | em si a primeira. O Adão da maldade é o absurdo ; instruir é fazer a cura adiantada. | Não são os terrenos desmoitados e lavra- dios os que dão plantas venenosas, reptis . peçonhentos e feras bravas; formosuras e suavidades com a luz se criam, assim na alma como na Natureza. Metter conhecimentos no Povo devêra ser | o empenho dos empenhos para todo o Go- verno, que tivesse por-norte a civilisação. | Não é torcendo, decotando, nem enxertando, que se melhora a arvore, que por dentro está enferma, mas ainda não de todo conta- . minada; é cavando-lhe e medicando-lhe a. terra, em que as radículas invisiveis estão de dia e de noite bebendo caladamnete. 7) % | Quantas desaventuras na vergonhosa his- toria que vos acabo de contar, nascidas to- das de ignorancia! E É - Obras completas de Castilho ' 33 o Um povo laborando em terrores, por julgar - existente o que nem sequer era possivel. ' D'aqui, odios atrozes contra uma pobre mulher, que n'isso de maleficios, de que a | accusavam, não era mais incursa do que vós Reeu. " Logo, ella morta do modo mais afrontoso; “e com um filho nas entranhas; e com um ma- rido ao lado, que lhe não pode acudir, que " ao desamparo de viuvo sentirá accrescer-lhe “o opprobrio de conjugicida. - - Outra mulher, tornada a subitas e involun- " tariamente assassina; arrastada de sua casa, * onde era procurada e festejada pelos pobres, ' e de sua terra que a citava com ufania, para “uma prisão, para um tribunal, para a publi- cidade do odio, para todas as humilhações ' da justiça, para a eterna agonia que precede | a leitura da sentença. — Além destas duas casas, abaladas ou des- | truidas, seis homens,ou chefes ou filhos de " seis outras casas, passando eguaes amargu- | ras, eguaes transes, depois de um anno sem | liberdade na sentina moral da cidade, cha- - mada cadeia. - 1 Que de dias e de noites já perdidos sem remedio para esta gente! je quantos annos, | talvez, do seu futuro já devorados pelo des- | gosto! ; Que de despezas inesperadas! jque | de transtornos nos negocios, nos projectos, ' nas relações! ;que brechas na reputação, e | taivez na moralidade, pelo trato de annos — com entes corrompidos e perversos, em ocio | já de si corruptor, e com os brios quebrados, . | pelo desprezo de quantos viam tranzitar por * diante das suas grades! — vOLY » FR E PS per 34 Empreza da Historia de Portugal Todos esses desconcertos, e os milhares de outros que d'elles se haverão originado, é donde provieram? de um erro; como o erro, da ignorancia; a ignorancia, da falta de educação publica; é esta do vergonhoso e criminoso, do vergonhosissimo e crimino- sissimo desleixo de legisladores e governan- tes. Para tudo ha Leis; para tudo se andam ellas de continuo a refazer e emendar ; mas o codigo cabal, judicioso, sincero, franco, jnexoravel, que obrigue todos os cidadãos a aprender, para o serem, e para serem ho- mens; jesse código onde o temos? ou quem pensou nunca em o pedir, quanto mais em o fazer? Se alguem quizer edificar na cidade o seu predio fóra do alinhamento e risco municipal, achará quem lh'o coarcte. Se se espairecer nu pela praça em dia ou noite de verão, irá prezo, quándo menos por louco. Como estes, mil outros actos, natural e essencialmente indifferentes, são todavia cohibidos por pro- videncias legislativas. : E a minha alma ? ; Esta parte optima de mim mesmo, nascida com a maravilhosa fa- culdade e com o desejo instinctivo de se aperfeiçoar, a minha alma, hei-de poder dei- xal-a, de poísio, sem que me constranjam a cultival-a, eu, que para ter obstruida ou im- munda a minha testada não sou livre ”!! i Hei-de poder condemnar o espirito de meus filhos a uma infancia eterna, eu, que não sou livre para lhes mutilar um braço ou um só dedo?! Dizer-se que ha-de o fisco extorquir-me Obas completas de Castilhô 35 do producto do meu suor, o que ás vezes me não sobeja, para occorrer ás necessida-. des do Estado, e que o Estado me não ha- de compellir a ter riquezas moraes para com ellas ajudar o patrimonio da felicidade com- mum!... A soltura do viver silvestre não m'a per- doariam; je o conservar silvestre o enten- dimento, e conseguintemente silvestre e in- - dómito o coração, com tão estupida magna- nimidade m'o relevam!!!... 4 Meus amigos: se, como já vos ponderei, é crime contra a Natureza e contra a Socie- dade deixar devoluto a terra da Patria, de que o acaso nos fez donos jquanto mais aper- tada nos não correrá ainda a obrigação de lhe não deixarmos improductiva a nossa rasão, fundo muito mais creador e social, mina de muito mais incalculavel opulencia, '* morgado de instituição divina, superior em nobreza a todos os morgados! Caberia pois ao Parlamento, chão, sizudo, - e nacional, que vós algum dia (em Deus o espero firmemente) nos haveis de dar, caber- lhe-hia proporcienar a todos os cidadãos meios — faceis de se instruirem, e, proporcionando- lh'os, constrangelos, sob as mais severas penas, a aproveital-os. Desde então haverá cessado, para sempre, a possibilidade de processos, e desgraças, | como estas que hoje vos relatei, opprobrio ' do seculo, é escandalo da civilisação. RD ARO a re njevnaie ada a Mas não só isso: quando todos formos, mais 36 Empreza da Historia de Portugal ou menos, instruidos, cada um segundo às suas faculdades, o seu estado, a sua edade e a sua profissão, a lista dos crimes de toda a especie haverá diminuído. O que em esco- las e livros se houver gasto, poder-se-ha for- rar em prisões e agentes de Justiça. Não é tudo: ;Com estes bens negativos, da maior importancia, que de bens positivos e palpaveis se não verão affluir! Os deveres domesticos e civicos, mais bem conhecidos, serão menos incompletamente desempenha- dos. Os laços da sociabilidade se apertarão e doirarão. Tornar-sesha a convivencia mais frequente e mais amena. Medrando o nu- mero dos lzitores o dos bons escritores cres- cerá na devida propo-ção; ir-se-hão opulen- tando as scicncias, as artes uteis e fabris des- envolvendo-se;a Agricultura allumiando-se e. florindo; as Artes chamadas bellas por excel- lencia acharão o que hoje lhes falta: alumnos, cultores, consumo. Os seis dias da semana deixarão em cada casa dobrados haveres, e um domingo muito mais desejado, e muito | mais desejavel. m ; Serão isto ainda utopias, como os nes- | cios chamam a tudo quanto nasce da alma e vôa por cima do lodaçal em que se elles afogam? Não são, meus bons camponezes, não são. Vêl-o-hieis já hoje, se as horas nos não appertassem; mas vel-o-heis para a minha proxima visita. Havemos de conversar mui- to assentadamente sobre isto; porque em- fim, ninguem me tira da cabeça, que, pése a Obras completas de Castilho 37 * quem pesar, ainda algum dia vos hei-de ver | legisladores. | - 4Oh! quando isso fôr... então é que é , pôr luminarias de nove dias, nos campana- “ rios, nas casas das Camaras, nas granjas, ' nas officinas, nas estradas e nos rios, e nas “ escolas ;sobretudo nas escolas: at | Julho de 1849. e 63 de rudeza, de engenho, de sciencia, de illu- 'sões, de sophismas, de absurdos, de verdades, 'de probabilidades, de prophecias, de expe- riencias, conspira para que a natureza mo- ral, obedecendo, sem o saber, á Providen- cia, lá se vá, como cometa enigmatico, | composto de luz e envolto de nevoas, pro- gredindo pela sua orbita incommensura- vel. Deixemo-nos de queixumes excusados. Tudo obra e ha-de obrar segundo sua na- tureza. - A rosa embalsama; a mancinella envene- na; o rouxinol canta e poetisa; o tufão bra- ma e devasta; a montanha medita; o valle ri; a praia entristece-se; o (Oceano ruge e devora; a rôla ama e dil-o; o reptil desem- bosca-se, punge, e foge deixando morte ; o raio fracassa e pulverisa; a alvorada retin- ge e floreja; o sol nos diz «Vida»; a lua, « Ternura»; as estrellas «Immortalidade»; o menino, «Innocencia»; a mulher, «Doçura e heroicidade para sacrifícios»; as cans, «Re- poiso e reflexão»; a virilidade, «Energia e emprezas»; em summa: o ambicioso, o vil, “O avaro, o pródigo, o caritativo, o persegui- dor, o tecelão de enredos, o mineiro de ver- dades, o que se cança a accender luzes, o que se não cança de apagal-as, os que vo- zeiam: «Para a frente !», os que gritam: «Al- to!», os que murmuram : «Para traz», os que. vêem por cima da terra uma abóbada de Ceos, os que para alem da terra nada vêem, "os que acreditam nos destinos da humani- , | “dade, os que não acreditam senão nos seus “proprios, os que usam e os que abusam dá 64 Empreza da Historia de Portugal sua alma e da alheia, os que usurpam, os que assumem, os que acceitam, os que des- denham, os que menoscabam, os que insul- tam, os que sullapam, os que perseguem o poder, todos concorrem, ou todos concorre- mos, com per.edos, silharia, areia, cal, barro, cascalho, pórphiro, suor, lagrimas, e sangue, para o edificio providencial, para o futuro palacio no segundo paraizo do genero hu- mano. Com muita ou pouca esperança, obede- TA câmos á nossa natureza, e cumprâmos o | nosso fadario, nós outros, os que (mercê de Deus) anhelamos: pela dita da Patria, que ninguem dirá que não esteja muito enferma, e muito triste. Eu já agora, meus amigos, n'isto hei-de | perseverar, requerendo para Ella luz e mais luz, campo e mais campo, trabalho e mais trabalho, até que os obscurantes, obede- cendo tambem á sua natureza, e cumprido tambem o seu fadario, me hajam acabado, não com o bom proposito, que o não po- dem, mas com a vida. x ;Se vós bem soubesseis, meus irmãos do | casal, o que elles teem urdido, e urdem, e tramam contra o pobre de mim, que nunca | lhes fiz mal, nem a ninguem, só por terem | visto que, em vez de acudir ao chamamento | dos seus muezgins, e ir ás suas mesquitas | psalmear o seu alcorão, só curo da instruc- | ção elementar do Povo!... |; Se bem soubesseis a feridade e impudor | Obras completas de Castilho 65 ' com que me atassalham o nome, e me cos- - pem na sombra, só porque me desarrisquei de bandos politicos! ja risivel ociosidade, com que discutem e decretam em seus con- venticulos, ora que me envenenem, ora que me prendam e multem, ora que me deshon- rem, ora que me dessoceguem e me defrau- dem do tempo, só porque esse tempo eu o consumo, com parte do meu escaço haver, * em fazer que se ensinem as primeiras lettras “aos vossos filhos, e aos dos artifices desvali- dos ! | Se adivinhasseis os embustes indignos, “as suggestões aleivosas, as ameaças e es- pancamentos brutaes, com que d'estas fon- tes de doutrina teem procurado arredal-os ! Não sei qual admirarieis mais: se a sua maldade e demencia, se o meu soffrimento e perseverança. Mas, por descargo de consciencia, sempre vos digo, que os admireis antes a elles do que a mim, que já acabei de ser para elles tão * generoso como pareço. Não lhes digo o que “a lima do ferreiro disse á vibora que a es- mordaçava... mas condemno-os a viver. D'aqui avante, zunam e piquem quanto “quizerem; de tudo faço registo para um ar- “chivo, que a elles lhes está defezo pela Na- “tureza: para a Posteridade. Fundo em bronze todos estes seus feitos | magnanimos. Esculpo em ferro os seus re- tratos, semelhantissimos de asquerosidade, sublimes de hediondez. Por baixo gravo-lhes os nomes; gravo-os fundo e com todas as “lettras; e todos estes aleijões de museu, não tanto por vingança, como para escar- vo. V 5 , he ST “er r A 1 Mr E 4 o do 66 Empreza da Historia de Portugal mento a outros temerarios, hão-de ser em um livro carreados para o porvir. ; E que duvida ? ; Não é assim que o mundo conhece, ainda hoje, dementes e facinorosos de dois “mil annos? Já os tinha avisado. Quizeram-n-o, tel-o- hão. O ferro e o bronze da minha fundição não se acabaram, nem se acabam tão de- pressa. > Perdoae-me, boa gente. Descabidas coisas são estas para a amorosissima serenidade do vosso casal; e bem alheias são ellas tam- bem da minha indole, só propendente para bem-querer e muita paz. | Venhâmos pois ao que mais nos importa: ao nosso grande ponto das escclas, que são as eiras em que primeiro se prepara o pão da alma. X A alma tambem, como 6 corpo, morre á mingua de alimento. Se aquella ruim gente, que detesta e persegue as nossas humanas diligencias, tivesse aprendido, e soubesse, já pode ser que não empregasse tão desalmada e torpemente a sua actividade. Para que os filhos e netos não venham a ter ás Lettras egual odio, antes por ellas cada vez se pulam e amaciem mais, e se facam mais poderosos, mais ricos, e melho- res, é que devemos forcejar para que se mulripligquem, por campos e cidades, estes sacerdotes e curas de almas infantis, a que “Obras completas de Castilho 67 dão o humilde mas bello nome de Mestres DE PRIMEIRAS LETTRAS. Das Côrtes e do Governo, tarde nos virá o remedio, que dizem e repetem não lhes sobrar dinheiro para escolas; e é verdade; só o Exercito devora quasi metade do Era- rio. Vejamos logo, se, em tamanha mingua e desamparo, nos não podemos ir, como - quer que seja, remindo por nós mesmos; bem, completa, e devidamente, não o cuido; mas até certo ponto, emquanto a Providen- “cia não acode, parece-me que sim. Ora vêde: % Em toda a parte ha sempre, por entre o cardume dos rusticos e ignorantes, alguns * incividuos mais mimosos da fortuna, que “aprenderam alguma coisa, que vivem com certa abastança, e a quem sobram horas para aborrimento ou desmanchos, se as não poserem a juro para a consciencia e para o | Ceo. Ha o Parocho; ha o Cura; ha o Dou- “tor, ou Licenciado; ha o proprietário, que | traz arrendados os bens; ha o negociante, “que chegou á sua conta, e para descançar | fechou as portas á fortuna; ha o laborioso, | que andou moirejando barras de oiro por | terras extranhas, e quiz vir morrer descan- “ cado nc quarto em que nasceu, e comer as "* couves creadas deante da sua porta, como "em menino; ha o militar aposentado, que ' não sabe o que faça do anno; ha o profes- . | sor emérito, a quem ainda ás vezes o en- "sino lembra com saudade; ha o estudante "que veio a ferias, e que está n'aquella edade 68 | Empreza da Historia de Portugal feliz, em que a alma gravita com tanta força para a publica estima, como o coração para o amor; ha o velho, que não pode sahir, mas conserva os olhos e ouvidos, a memo- ria e a voz, e folgaria de ter com que en- curtar os dias, tão solitarios e tão longos; ha o Magistrado homem de bem, e o Escri- vão honesto, a quem seus officios deixam remanescentes de muito boas e aproveita- veis tardes; ha o Ecclesiastico sem beneficio mas não sem entranhas; ha o ancião Egres- so, que perdoou tudo, e, se o não esqueceu é porque deseja bemfazer ao mundo, que o desterrou do ermo para o povoado, conti- nuando e augmentando no mesmo povoado as obras de sua caridade. jOra, por que não haveis vós, os mais ve- lhos e respeitaveis de cada aldeia ou logar em que não ha escola, por que-não haveis de ir ter com algum d'estes homens, acompanha- dos de vossas mulheres e de vossos filhinhos, e supplicar-lhe, pelo amor do Pae Commum, e da sua alma, e de vós, e da Parria, e da Humanidade, abra um ensino de ler, escre- ver, e contar, nos dias de semana para os pequeninos que ainda não trabalham na ter- ra, aos domingos e aos serões para os gran- des já callejados. e para vós mesmos? Se o primeiro se vos excusasse, o segundo vos deferiria. Se o segundo vos repellisse, o terceiro, com mais lagrimas nos olhos do que vós mesmos, vos despacharia e agrade- ceria a supplica. Depois, era ir de porta em porta, pedindo ás senhoras habilitadas para tão nobre en- cargo, egual mercê para vossas filhas e es- Obras completas de Castilho 69 posas, porque (segundo já ponderámos) na instrucção das mulheres se contém a dos homens para o futuro; e logo que as mães ' souberem ler, não haja medo de que os fi- lhos o ignorem. Para uma Religiosa no seu convento, ; que gentil e religiosissima occu- pação, obtida do Prelado a licença para ali se abrirem as portas a uma escola feminil! % | Oh! ; quem me dera poder estar meia hora, ou um quarto de hora (bastava), ao pé de cada uma d'aqueltas senhoras, e de cada ' um d'aquelles homens, antes que vós entras- * seis com o vosso requerimento ! Não lhes diria o que a Religião lhes insi- ' nuára; não lhes invocaria o patriotismo ; | não lhes encarecêra mesmo a grandeza de “tão facil benefício, nem a vossa gratidão, "nem os respeitos que semeavam na gera- ção nova, nem o thesoiro de consolações ' que atulhavam para o ultimo praso da vi- da, em que tudo que se ajuntou se deixa, | e só o que se deu se leva para à grande - viagem. - Pedir-lhes-hia só, que experimentassem a '* delicia do ensinar, sobre tudo de um ensinar desinteressado, como de pae e mãe a filhos "e filhas; ;o como, n'aquelle trato. intimo ' com a pueriícia, permitte Deus ás nossas al- * mas rejuvenescer e florir! - Na innocencia, na alegria, na lealdade, no ' affecto perenne, que está ressumbrando em “todos aquelles rostinhos, sempre ávidos de - saber, sempre distrahidos, sempre buliçosos, IL Es 70 Empreza da Historia de Portugal | N q E, Eh aqi A são 5 ques -— E indo de END nd, ico SE veem-nos umas virações de passada bema- venturança, que já foi nossa, e parece pro- | phetisar ainda o que quer que seja. Deli- | ciâmo-nos, como o viandante cuidoso e ca- - bisbaixo, com o cheiro longinquo de rosas | vindo de um jardim que se não vê. ; Ho- ras, horas de éxtase, que por todos os bai: les, honras, e thesoiros, seriam bem mer- cadas ! Oh! cultivae, cultivae esses espiritos e co- rações tão esperançosos. Toda a cultura é saudavel e rescendente; mas nenhuma como essa. “Todos os entes alados, em quanto estão, com amorosa febre, aquecendo sob o peito | e entre as asas os pequeninos da sua espe- cie, mantendo-os a grãosinho e griosinho, a | verme e verme, e ensinando-lhes a adejar, | são, de quantos grupos de felicidade a Na- + tureza encerra, os mais formosos. ; Oh! o | nosso espirito é tambem uma dosa alada | como os Anjos. Uma escola, em que os profanos não vêem senão tédio, não ouvem senão sussurro, é aos olhos de todo o bom entendimento um ninho, cem vezes mais carinhoso e interes- sante que o dos passaros entre as sombras verdejantes da primavera. RD do MED SA O DS DD a SP 1 MS E A | % Ha ainda, meus bons amigos, outras pes- soas, a quem podeis recorrer (: Vêdes vós a Providencia é liberalissima): são os ri- cos. | i Que muito é para esses, com um átomo: | Obras completas de Castilho 71 supérfluo do seu oiro pagarem um mestre para os desvalidos ? — |; Mas podiam-n-o ter feito, e nunca o fizeram» — direis vós. E verdade; porém todas as coisas prin- cipiam uma vez. Não reflectiram ainda na facilidade e excellencias de tal obra.: Não teria ainda chegado a sua hora de acordar ; porque lá dizer que o oiro mirra o coração, que não ha poderosos bemfazejos, é calum- niar ao mesmo tempo ao homem, e ao seu Autor. ! : Que relvado florido, entre sombras ins- pirativas, não é este assumpto de conversa- ção, para n'elle a vontade se espairecer! E forçado deixarmol-o por agora. Voltae vós a elle com os vossos sonhos desta noite, com os vossos pensamentos de amanhan todo o dia. Cuidae-me e pesae-me bem isto toda a semana; e domingo, depois da Missa, na sacristia mesmo, quando o vosso Parocho se houver acabado de des- vestir, puchae com elle a pratica a este pro- posito; consultae-o, ouvi-o, e fazei-o no ne- gocio procurador vosso, que não o podeis ser mais proprio e natural. Se vos parecer, apontae-lhe, mas que seja por longe, aquelles dois apostólicos varões, Prior e Cura da villa do Nordeste, aqui, na | vossa mesma Ilha, que, sobre olharem por * ; Que bom exemplo não é para citar aos ri- cos o de Plinio o moço, pagão, romano, e dezoito seculos mais antigo que nós! Pedir-lhes-hia que lessem a XIII do Livro IV das suas Cartas, escrita a Cornelio Tacito; talvez se tentasse algum d'elles, + 72 Empreza da Historia de Portugal todas as necessidades moraes e corporaes / | do seu rebanho, até a estas do ensino aco dem com escolas, diurnas e nocturnas, em que são professores elles mesmos. * A unica difficuldade, em que tudo isto de escolas podia encalhar, logrei eu, eu obscuro homemzinho, mas muito vosso amigo, a ven- tura de a aplanar completamente. A dificuldade, que até agora se tem op- posto a haver muitas escolas, e em cada uma d'ellas a safra do fruto desejavel, era o ron- ceiro, o moroso, o semsabor, o imperfeito, do ensino. Com o Methodo de ensino que eu introduzi, em poucos mezes de recreativo exercicigase chega muito adiante do que até aqui em annos largos se conseguia ; com o que, já vêdes se desvaneceram as maiores e peores objecções, que ao nosso empenho se podiam pôr. | Animo pois, e avante ! Teimemos, como vos dizia, nós outros, os amigos dos ho- mens, no nosso bom fadario; e deixar os outros obstinar-se lá no seu. ipa à Sabeis uma coisa? Parece-me que esses homens, com o seu odio ás luzes, concor- rem a final, tanto como nós com o nosso amor, para se ellas diffundirem. ; Porquê? porque as suas perseguições nos servem de estimulo ; as suas picadas nos amadurecem, como as de certos insectos, que a Provi- dencia fez, muito de industria, para o sa- zoamento de certos frutos, os 3 | 4 a SD PS = e? US RD SI RI 7 e | | NA dp DIE DD e “Obras completas de Castilho. 73 4 X* Tomaec sentido n'isto : Se achardes, que espero em Deus haveis de achar, quem se promptifique a vos crear uma escola, seja quem fôr, dizei-lhe que eu, o vosso amigo, me dou por obrigado a in- dustrialklo em só uma ou duas lições, para ensinar a ler como por encanto. Se duvidar, pedi-lhe que venha. Verá pro- vas, e ficará sendo prova elle mesmo. Setembro de 1849. MW é 4 a ca) mi ds, ú K Pp a Ê XV Nono serão do casal Leituras publicas SUMMARIO orfia-se na summa precisão que temos de Instruc- cão primaria-—Bom exemplo que S. Miguel está dando com as suas escolas. —Ellas progridem, e hão-de ir a mais. —O que urge agora, é que os ignorantes conheçam o agrado e préstimo do sa- ber—Recommendam-se para isto as leituras publi- cas. —O Carlos Magno nas roças do Brazil tem feito que muitos negros aprendam a ler. —O mes- mo nas colonias francezas a novella de Paulo e Virginia—O leitor publico no proprio trabalho tem a recompensa. —Leituras publicas dos Gregos e Romanos, e suas vantagens. — Tem-se grande fé em que não faltará quem se offereça a fazel-as.— Entretanto, o Povo que as sollicite Nenhuma es- tação mais propria para as publicas leituras, que o inverno.—Aponta-se d'onde os livros podem vir, e quaes hão-de ser Aconselha-se o traduzirem- se obras estrangeiras e populares. Robinson Suis- so-—Colloguios aldeãos, por Timon.— Os Colloquios vão sahir em vulgar —O Robinson, traduzira-o eu, se podesse.-- Digressão sobre o socialismo, —Pro- videncia para haver boas obras populares. Assumptos ha, que, parecendo mui sim- * plices, nunca de todo se esgotam. Isso teem * de seu as coisas intrinzecamente boas: que a tantos respeitos e por tantos modos o são, | que mais se amam e desejam quanto mais * se investigam, e conhecem. y 76 Empreza da Historia de Portugal Tornemo-nos á nossa instrucção primaria, risonha e amorosa alvorada do dia esplen- dido e magnifico da civilisação. ; A ella, com toda a fé e caridade! ; com toda a es- perança e devoção! ;com todo o ardor e fanatismo! ; A ella desde hoje! ;e teimar nella, em quanto os que mais o devem e podem não vierem, pelo desempenho do seu officio, desobrigar-nos d'este nosso ! E nem ainda então havemos nós de des- cançar; havemos de nos aggregar a elles como auxiliares livres. Vasta e dificil é a conquista de que se trata; nem elles sem nós, nem nós sem el- les a perfariamos. Venha de cima o favor; venham por baixo as diligencias, que sem suor de trabalhadores, e influxos de sol e ares, não ha colheita que se abençõe. * Por emquanto o que mais urge é, como vos dizia, crear no Povo cubiças, ou mesmo veleidades, de se instruir (quando mais não seja), e deparar-lhe, quando não fontes cau daes para essas sêdes, ao menos alguns ca- ritativos poços, como os dos Arabes nos de- sertos; quero dizer: á falta de escolas do Estado, com excellentes mestres e grandes meios, ensinosinhos particulares e gratuitos. Esta ideia, que não é minha, nem de nin- guem em particular, sim do seculo, já por ahi vai lavrando; e com tão boas mostras, que, a não vir saraivada que a destrua, ainda esta Ilha tem de ser apontada e se- guida como exemplar. E O PS CEPE 4 e EDEp Obras completas de Castilho 77 1 * Que de escolas gratuitas já nascidas e pegadas no seio da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes! : Que de alumnos já aproveitados e instruídos por cada uma d'el- las! ; Que de outras já a rebentarem pelas vossas villas, e até em aldeias ! Os factos que d'este genero me teem vindo ao conhe- cimento são para grandissima consolação, e para -se registarem com summa ufania. ; Oh! prometto-vos que ainda o hei-de fazer. Os nomes a'esses mancebos generosos, e os desses poucos Parochos, que assim acodem ao pregão do seculo, aos gemidos da neces- sidade, e aos clamores da sua consciencia, | "ou eu hei de de todo esquecer, ou hão de fi- “car lembrando. | Assim, que por esta parte não ha senão "que dar muitas graças, e confiar no contagio | santo. Às escolas espontaneas brotam, e es- | tão crescendo; logo, hão-de continuar a crescer e multiplicar; e não só para leitura, | escrita, e contas, mas para outros generos "e graus mais subidos de instrucção. Se o | duvidasseis, apontar-vos-hia mesmo para | fóra da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes: para a dos vossos amigos espe- | ciaes; para a Promotora da Agricultura Mi- | chaelense, com os seus cursos de Historia ' natural, de Botanica, de Physica, e de Chy- | mica. Ha tráfego intellectual, ha; e já su-. | perior ao que poderia presumir-se; mas, VW para que elle dure e se augmente, é que | é preciso que os necessitados de aprender | conheçam a miseria e vergonha da sua | mingua, desejem, queiram, e procurem re- - medial-a. | ' 78 Empreza da Historia de Portugal * Hoje em dia, a nossa maior carencia não é já tanto de quem tenha vontade de ensinar, como de quem se afervore por aprender. Ha proporcionalmente mais quem dê, cu quem offereça, do que quem peça, ou quem acceite. : E como se hão-de ir abrindo as tantas escolas de que ainda havemos mistér, se do nada se não forem evocando os rogos e vo- tos dos que as devem frequentar? O mestre é um medico; o discipulo, um doente. Em quanto o doente se não conhece - como tal, em quanto não deseja saude, em quanto não implora soccorro, o medico, ainda que perto more, não apparece para o salvar. Seja o nosso ponto, primeiro que outro nenhum, accender em vós mesmos e em vossos filhos o gosto da leitura; d'elle,. como o effeito da causa, virá tudo mais. As ponderações, que já vos fiz, e vos te- nho repetido, sobre as conveniencias do ler para o aperfeiçoamento moral, industrial, e agricola, para augmento dos haveres, da saude, dos deleites, e da convivencia, são muito certas, muito claras, e muito irrefra- gaveis; mas receio que não tenham, só per si, efficacia bastante para vos vencer a na- tural inercia. Quer-se uma persuasão mais immediata, um argumento, embora menos forte, porém mais presente, e, como tal, menos resistivel. N'uma palavra: quer-se que o ler, já pela sua propria formosura, vos namore, independentemente do que pro- mette e pode dar. cem Mis ae E ao ema Es Obras completas de Castilho 79 * > ;Sabeis vós que aquelle popularissimo li- - vro de Carlos Magno, apesar das suas re- matadas ioucuras, e nenhuma substancia, tem sido o mais poderoso incentivo de Ins- trucção Primaria? Pois é assim. Até nos serões das roças e engenhos de assucar, pe- los sertões mais sáfaros do Brazil, o Almi- rante Balão, os Doze Pares, e a Prince- xa Floripes, dando horas de encantamento a corações simplices e espiritos boçaes, “crearam n'elles a inveja, a sêde, o estudo, e “logo a sciencia, o gosto, e o costume do ler. O negro que sabe solletrar por aquellas pa- ginas de maravilhas, é respeitado e festejado por todo o auditorio; centenares de negros e - negras, de todas as edades, lhe pendem dos la- * bios sem respirar, horas inteiras; se elle cahir doente, cegar, morrer, ou fôr vendido, iquem lhes fará esquecer as penas e trabalhos do dia com taes relações estendidas pela noite — até deshoras? E” por isso, e para que tamanha calami- ' dade se não possa nunca realisar, que todos ' ambicionam, e muitos logram, aprender, á | custa do repoiso e do somno, a maravilhosa » Arte, por quem as memorias do Arcebispo “de Turpim ainda estão vivas. O que nas roças do Brazil tem operado o Carlos Magno, tem-n-o egualmente feito, entre os negros das colonias francezas, “ aquella prosa-poema, aquelle poema-flor, “aquela for sémpre orvalhada de lagrimas, Paulo e V rginta. 80 Empreza da Historia de Portugal * A" vista d'estes dois factos, por que não aconselhariamos, se procurasse introduzir o costume das leituras em commum, semi-pu- blicas, ou publicas, nas aldeias e villas, e até nas cidades? | Que agradavel, que util, que nobre exer- cicio para o leitor ! ; Que magisterio tão fa- cil de exercer! ; Que derramar de benefi- cios tão sem custo! ; Que victorias sem combate! ; e que triumphos sem odios! Com esta bella usança, se formaria entre nós essa arte preciosa de ler, recitar, e de-. clamar; mais conhecida, praticada, e presada pelos antigos, do que em nossos tempos. Os melhores livros dos Romanos, ; não sabe- mos nós que eram lidos por seus autores, ora em suas salas perante convidados, ora perante o povo nos theatros? ; De poetas e . oradores Gregos não alcançamos outro tan- to? ; e não é verosimil que por ahi se aju- dariam as Lettras dobradamente a subirem a tamanha perfeição ? á uma, porque o es- criptor, para entrar em duello com o juizo publico, se armava de ponto em branco, e em cada um d'esses combates aprendia e se amestrava ; e á outra porque das suas coroas de loiro forçosamente haviam de cahir ba- gas, que produzissem novos loiros para fu- turos émulos. Ainda que outro bem se não seguira de taes leituras, já grandemente valêra a pena de as crear e as generalisar, se o nome de pena podéra caber ao que é só goso. Mas o principalissimo proveito de tal pra- Obas completas de Castilho 81 “xe é o dos ouvintes. Pessoas que nunca le- ram, nem sabem; outras que não teem li- vros; cutras para quem o mais pequeno | volume é um labirynto inextricavel e sem sahida; outras que na solidão de um apo- sento silencioso nem com Virgilio caberiam, e para quem a sociedade é condição impre- ' terivel do agrado; todos acudiriam á leitura em commum. | - Todos lhe applicariam mais attenção, - porque a attenção é tambem contagiosa. To- " dos comprehenderiam melhor, e gostariam mais a fundo, porque entendimento e cora- '* ção, tudo em nós, não sei como, cresce e se melhora na proporção do numero de cabe- "ças que em derredor trabalham no mesmo “objecto, dos rostos, ouvidos, e olhos, que es- ' cutam as mesmas palavras, dos peitos que | identicas paixões comprimem ou dilatam. | D'este modo tudo concorrêra para que o succo, expresso do livro por um leitor habil, | fosse para cada um dos circumstantes o mais agradavel, o mais copioso, e o mais nutri- | tivo, assim como para que a cubiça da leitura * se pegasse aos que nunca a aprenderam; os | + * que à aprenderam mal, se industriassem; e * Os que por perguiça lhe fugiam, chegando a | Teconhecer-lhe os feitiços, se lhe entregassem | de corpo e alma. IR * ERC Meus amigos, se no outro serão nós con- fiavamos em que não faltaria quem se ofle- | recesse a vos reger escolas, ou pelo menos o acceitasse quando rogado, como não te- HF jremos grande fé em que haverá de sobra A VOL. V (9 82 Empreza da Historia de Portugal quem para estas leituras se vos offereça? Um pequeno rol dos que poderiam ser, já vol-o eu apresentei; se vos não acudirem lo. go, ide-os vós desafiar, e ide affoitos, que vos não hão-de resistir. Não percais tempo; temos á porta as descompassadas noites do inverno. O inverno é, sobre todas, a estação do és- pirito, do recolhimento, da casa, da sociabj- lidade. No inverno o Sol, esse grande pocta de Deus, interrcmpe, para descançar, o seu poema de seis mil annos. A Natureza ador- mece. Tudo deserta dos campos: as aves, á busca de primavera; os gados, para a quentura do aprisco; os bois, para recobra- rem força para a lavoira; os filhos das cida- des, para os theatros e assemblêas; vós, para a abhorrida monotonia da lareira, /Um leitor! jum leitor! io vosso Cura! jo vosso Escrivão! jo vosso Facultativo! jum de vós! jseja quem for: um amigo, que vos ajunte com um bom livro n'uma cosinha, n'uma sala, n'uma adega, n'um celleiro (sque importa onde?): jque vos leia, vos ex- plique, vos oiça as duvidas, vol-as desate, ou vos ajude a desatal-as, vos ensine o que elle mesmo não sabia, vos descubra o mun- do que nunca vistes, vos engolfe, pelas ca- tacumbas encantadas dos seculos preteritos, vos leve a peregrinar pelo Universo fora, vos descortine- cardumes de maravilhas em que nunca attentastes por terra e ceos, vos re- vele que tendes lá dentro um coração, vos infunda mais alto respeito de vós mesmos, mais sublime ideia de vossa alma e de vos- 4 | 4 dad a E E O E REDE PP o A SEND O NE uid” 46 ii a pa É a ea o DS RE Obas completas de Castilho 83 é sos destinos, noções mais distinctas de vossos direitos e de vcssos deveres, mais ternura para com a familia, mais aferro á Patria, e fraternidade para com o genero humano ! ;/Um leitor! jum leitor; e o vosso inverno vai ser mais florido e harmonioso que a pri- mavera; mais verde, luminoso e accezo que o estio; mais frutifero e scismador que o proprio outono. iUm leitor! um leitor! e a quadra que chamavam morta, será para os vossos interesses de todo o genero a mais activa; e, no meio dos folguedos « abastanças das outras tres, a mais recordada com saudade, a mais esperada com alvoroço. :Oh! ;não poder ser eu, eu mesmo, o vosso leitor!.....: X% — «Mas os livros — perguntareis vós — id'onde hão-de vir? je quaes hão-de ser?» Hão-de vir, com summo gosto empresta- dos por quem quer que os tenha, em quan. to de outro modo se não possa. E de. pois....; tão poucos bastam! ;A leitura, sa- boreada como deve ser, funde tanto! Agora, quanto á escolha (porque emfim, grão para semente ha-de ser escolhido), quando por si só o vosso leitor a não sou- besse ou ousasse fazer, nada mais facil que tomar conselho com algum erudito sizudo, o qual provavelmente ia mais que indi- car-lhe e recommendar-lhe a obra: facul- tar-lh'a-hia, tendo a; não a tendo, lá lh'a iria * desencantar. ; | O catalogo dos livros portuguezes mais 84 | Empreza da Historia de Portugal a - proprios para estas leituras é por ora (jain- “da mal!) muitissimo curto. ;Ah, boa França! jah, boa Inglaterra! jah, boa Allemanha! jah, boa Italia, que os teem em cardumes, e cu- ram da instrucção de meninos e plebeus, como de coisa séria, e de vez. Todavia, ainda aqui mesmo, e de repente, alguns titulos poderiamos citar ao vosso le- dor, segundo os diversos interesses que elle tem de servir e prégar: verbi gratia: a Biblia, de Pereira; as Meditações, ou discursos religiosos, de Rodrigues de Bastos; a Imitação de Christo; a Moral em acção; o Bom homem Ricardo; Simão de Nantua; a Historia de Portugal; a Recreação philosophica; o Guia e manual do cultivador; - O Diccionario de Agricultura, de Soa- res Franco; a Hygiene, de Mello Franco; a Collecção de receitas, de Lucio; | a Revista Universal Lisbonense; o Agricultor Michaelense; o Industriador; o Panorama; o Archivo popular; o Recreio das familias; o Universo pitoresco; o Robinson Crusoe, etc. D'estas obras, algumas são inteiramente traducções; outras, traducções em parte; COP O fo E Pa E RN O E E Mo o 15 TE o] “Obas completas de Castilho Hi AO mas essa consideração só por si pouco faz para o nosso caso. Oxalá que muitos ou- tros originaes estrangeiros, dos que merecem ser vulgarisados, se fossem para cá trasla- dando! Eis aqui dois, bem credores de pre- ferencias, dois, cada um dos quaes pela uti- lidade vale uma bibliotheca: o Robinson Suisso, e os Colloguios aldeãos, de Timon. ! O primeiro é um formoso estudo da Na- tureza, entresachado com um mellifiuo curso. de Moral; paginas, que todas resplandecem e palpitam, que todas nos amam, e que to- das amamos. O segundo é a alma de um homem hu- mano, que, apoz muito ver, muito meditar, muito enganar-se, e muito desenganar-se sobre a politica e os estadistas, vai procu- rar a felicidade do Povo onde só a pode haver: no querer e bom juizo do mesmo | Povo, na morigeração, na diligencia, na eco- nomia, na fraternidade, na religiosidade. Os Colloguios aldeãos (dae-me as alviça- ras da nova), brevemente os havereis em linguagem chan, sincera, e vernácula, como 1 Entretiens de village — par Timon. (Vicom- te de Cormenin). A leitura d'esta obra, de que eu não conhecia: mais que o titulo, sobre modo me li- sonjeou o amor proprio. Muitos dos meus pensa- mentos e desejos nesta serie de artigos; haviam coincidido,e concordam, com os d'aquelle excellente philosopho, Não falando no talento, em que elle me leva notoriamente a palma, no seu livro me vejo como em um espelho. Elle obteve a amisade dos homens de bem, e alguma gratidão dos infelizes; por que não hei-de eu esperar tambem uma e outra coisa? CASTILHO r 86, Emprexa da Historia de Portug al convem, e é essencial condição em todo o escrito que aspira á honra de ser ouvido, lido, manuseado, aprendido, assimilado, e à final vivído, pela Plebe, pelo Povo, pela Classe média, pela superior, pela Nação, pela Posteridade, pelo Mundo. O Robinson Suisso, já daqui me obrigára eu a que tambem o houvesseis, e tambem em linguagem vernácula e muito vossa, se a fortuna de quem escreve com a alma deitasse a tanto como lhe chegam os bons desejos. Porque olhae vós: amigos do bem publico não faltam entre os homens que se consa- gram ao estudo; mas são aguias, a quem a fortuna, parece que por escárneo, se diverte “| a depennar as azas, ao mesmo passo que, por 2? b) escárneo tambem, as vai atar, mui brilhan- -. tes e espaçosas, em quem não sabe, nem quer, senão dormir. i Grande desconcerto ! ; misero e miserri- mo desconcerto, o que tão boas e optimas coisas dessemeia, cu calca no embrião, ou afoga á nascença, ou ao desabrochar ou ao “florir as torce , as quebra, as arrebata, as confunde, as perde, as aniquila ! * Oh! Quando um pouco n'este descon- certo do nosso estado presente se repara ; quando tão claramente se reconhece a perda que ahi vai para o genero humano na anti- providencial discordia dos diversos meios de acção, isto é das riquezas da alma, das ri- quezas da diligencia, e das riquezas da bolsa, | que tentações não veem a um coração ge- é E E eat E o qe O e E Mio À aca Tea Obas completas de Castilho 87 neroso de venerar e abraçar (a despeito de todas suas difficuldades) a sublime theoria da numerosa e crescente escola de Fourier: Calumniado nas intenções pelos que nunca o estudaram, o systema da universal harmo- nia, o systema mais profundamente respei- tador das propriedades, a ser exequivel (se- gredo, que por ora só pertence ao Altissi- mo), é o mais prenhe de immensos e pros- perrimos destinos; o unico, efficaz para rege- nerar a terra, precavendo e impossibilitando revoluções; o unico, poderoso para realisar superabundante e illimitadamente as promes- sas charlatans e sempre fallidas dos politicos; o unico, por onde a ideia da ProvISENCIA se ha-de tornar comprehensivel a todos os en- tendimentos; o unico, emfim, digno do Ho- mem, digno da Natureza, e digno de Deus, que a elle o fez para ella, como Elle é para ambose para tudo... ea sopa “0... ..... 100... 0... ............ ... a... % ««.; Oh! ;por onde me ia eu agora! ;quão longe do casal e do serão! jpor esse Universo e seculos fóra! :E a proposito de quê? De bem pouco: de mim, que tenho alma e vontade energica, e alguns meios internos para ser util; que forcejo pelo ser, e, por falta de concurso de meios externos, me gasto, abrazo, e consumo, como moinho sem grão a trabalhar sobre si mesmo. i Hei-de acabar, hei-de morrer, como ou- ros muitos, sem haver podido deixar rasto ; f e ] RC o Adro é Eca Er ú 7 av : ' açs + q + 88 Empreza da Historia de Portugal de bem para os meus semelhantes *! eu com faculdades, eu com vocação, eu com valor, eu com empenho, eu com diligencias, eu com a minha missão bem sentida, bem acceita, e bem jurada, e, até onde pude, bem cumprida, de amar aos homens, de coilaborar com os obreiros desinteressados, de pospôr mais que o meu individuo, os individuos do meu sangue, ao proveito abstracto e hypothetico, mas fascinador e grandioso, do maior nu- mero, e do porvir?!.... O que havia aqui dentro, e se mallogrou, só Deus o sabe; eu mesmo não o alcanço. O meu destino, como o destino de muitos de vós, como o da maior parte dos homens no actual cahos (alcunhado por antiphrase estado social), brevemente será reduzido a cinzas, sem ninguem o ter lido. A Provi- dencia m'o escrevêra do seu punho; a for- tuna terrestre com a sua mão sacrilega m'o fechou com sete sellos. Todo o meu traba- lhar apenas dos sete rompeu um; espreitei para dentro; deletreei algumas palavras sol- tas: eram nobres. ; f Amanlian será tudo pó. Depois de ama- nhan... nem o pó já lembrará. | O" meus irmãos da Utopia harmonica, almas generosas e consoladoras, derramae- me, vós ao menos, sobre as chag:s do co- ração o suave balsamo da esperança! Fe- neça eu embora mallogrado e perdido; mas fazei-me crer, na minha ultima hora, que para os meus descendentes ha-de já ter nas- cido redempção; que o labyrinto, onde os "mais nobres Athenienses eram devorados, vai desabar; que eu, e vós, e os contempo- - Obas completas de Castilho 89 - rancos, somos as derradeiras victimas do - Minotauro. ' Outra vez fóra do serão! ; outra vez fóra do casal! Desculpae-me; agora volto ; e ainda que a rasão me chame lá-fora, não “torno a sahir, que tambem cá dentro a te- “mos, e muito forte, e muito formosa, no grandioso assumptosinho que vinhamos tra- tando. %* Queriam-se pois para as nossas leituras “ ou lições populares, além das obras já indi- cadas outras, e muitas, de Religião, de Mo- " ral, de Hygiene, de Medicina caseira, de ' Agricultura, de Veterinaria, de Physica, de Chymica, de Zoologia, de Botanica, de Mi- neralogia, de Economia, de Direito publico, à de Direito civil, de Direito criminal, de His-. toria, etc. ; opusculos curtos, em linguagem pura (estragal-a, como por ahi a estragam, para populares e meninos é um crime), e fi- | nalmente baratos e quasi dados. i Parece-vos isto difficultosissimo ? pois E não é. Homens de saber e engenho para escre- | verem taes opusculos, não faltam; o que só à falta, é a Lei nova, e novos costumes, que | lhes afiancem o não perderem, nem o tempo * que houverem gasto no estudar e escrever, '* nem as despezas que houverem feito no im- - primir. O costume virá do tempo, da rasão, e da mesma Lei; a Lei muito facilmente | | poderá vir do vosso e nosso Parlamento. ' Adopte e sanccione elle o alvitre que ha 90 Empreza da Historia de Portugal. seis annos publicavamos !: ponha tributo de sello ao papel em que se imprimem de- ploraveis e estragadoras traducções de ex- cusadas e abominaveis novellas francezas, é. com o tributo d'esse imposto, mais racional que o do sello nos papeis forenses, faça pre-. mios aos escritos illustradores e sociaes.: Será queimar ou enterrar as hervas más para adubio de plantas uteis, que é fazer num só lanço dois beneficios. D'esta sorte os autores, seguros da perda, perfarão o que hoje nem ousariam commet- ter. Pagas de antemão as suas despezas, po- derão dar os seus livrinhos por vil preço. A barateza, junta á utilidade, os fará copiosa- mente vender e reimprimir, com proveito sempre crescente d'elles, com proveito sem- pre crescente de todo o Publico. | Em quanto, porém, essa edade aurea das Lettras, Artes, e Sciencias, nos não chega, os nossos bons leitores publicos que se re- medeiem, com o que acharem de melhor para o intento; e mesmo, se a experiencia lhes mostrar ser conveniente, que misturem com. aquellas obras de que fizemos rol, e seme-. lhantes, outras de menos substancia e maior | agrado, como os dramas e os romances mo-. raes. Este arbitrio para os primeiros tem-. pos, e para fazer pegar o costume, seria por. ventura o mais plausivel. , * !Que serões! ; que serões vos não espe- 1 Revista Universal Lisbonense —Tomo Il, n.º 37. — 1.º de Junho de 1843 — artigo 1741. dino ici to o ion CAE ol col DES Ted RE SR gpa? rd prleso e in e he e DS ae My a na o í ) dio dad: - ME TEN E 74 O SR ARTE PO A A RO DO TV AI E USA, Prado Vi MO Je ' Obas completas de Castilho 91 ” “ram já este inverno! ; Que deliciosas tardes de domingos e dias santos: | quantas coisas - prestadias, e para vós novissimas, não tereis já na memoria, no espirito, e no coração, em volvendo a primavera! ; quantos gastos de “dinheiro, de saude, e de paz interior, não “haverão forrado muitos d'entre vós, que, a “não ser o chamariz da leitura, teriam ido da venda para o arruido, ou para o roubo, de lá “para o hospital, para a cadeia; ou para o ce- | miterio! Pedi, supplicae ao vosso Parocho, ao vosso * Administrador do Concelho, a quem mais — VOSso amigo, ec a quem mais homem vos par “recer, que ajudem e promovam taes insti-. iotos em favor da Religião e da Caridade, em favor da Policia e da Ordem publica, em | “favor das Familias, e da Patria. | Um leitor em cada aldeia, se é possivel! É Um leitor, e mais de um em cada villa! ! Muitos leitores, muitissimos, innutmeraveis; | em cada cidade ! i x by jSerá ainda este mais um grito em deser- to sem eccos? - Outubro de 1849. ho Rg Qu es a RI Doo APITO Aa NAAS O Vir Ro a o Re Mo RAN mg e ATA PU Sia MO DAT AR RA 7 ! lá PETI PARAR PER EU ÇA, , , d + XVI Decimo serão do casal Abolição do Exercito SUMMARIO Outros procuram a felicidade, onde a não ha; nós | pedimol-a:á Agricultura. —O que um Ministerio da * Agricultura fará para beneficiar os lavradores-—O ' Exercito é mal para os individuos, para as familias, * para a Patria, para a Humanidade. —O Exercito ou é para conquista, ou para defensa, ou para tran- . quilidade.—Portugal não pode conquistar; não tem de quem se defenda; tendo, haveria outros recur- * sos; e a paz interior mais se lhe tem com as tro- . - pas perturbado, que mantido.—Uma sentença de — Felice contrahavermos Exercito. —Quanto o Exer- | cito nos custa, no orçamento, e fora d'elle.-—Lu- * cros cessantes que motiva. —ketrato do camponez - antes de soldado. —O mesmo em soldado. —- OQ mes-. "mo depois da baixa.-—Celibato militar. —Pede-se a * suppressão do Exercito. Poucas palavras sobre o | como se pode a milícia extinguir sem inconvenien- | cia nem perigo algum. —Nova organisação da força » publica-—Guarda nacional —Lei agraria, com van- = tagem para o publico e para muitos particulares, " e sem lesão para nenhum d'elles. — Acenam-se à -alguns pontos para uma Lei de organisação de | propriedade territorial. — Adoptando-se estes con- selhos, as instituições liberaes e o Throno se fir- . mariam. aa * Continuamos na nossa teima de procurar “felicidade. | | Se é loucura, é loucura nobre, e todos os “espiritos mais bem nascidos de cada seculo 1] 94 — Empreza da Historia de Portugal | a teem padecido. Uns a fizeram consistir na . renunciação de todos os bens terrestres pelo . amor do Ceo. Outros, na impassibilidade es- | toica. Outros, no elixir de longa vida. Ou- | tros, no Quietismo. Outros, na maxima diffu . são das luzes. Os economistas, na maxima | producção material, com absoluta abstrac-. ção de moralidade. Os politicos, na compo- sição de formas governativas. Nós, em rela- | cão ao nosso Portugal, fazemos consistir a | felicidade na Agricultura, pois debaixo d'esta | palavra comprehendemos, como efeitos na | causa, a abundancia, os bons costumes, a | paz, a satisfação, e a estabilidade. | Dos economistas não esperamos nada; o. materialismo foi sempre estéril. Dos finan- ceiros ainda menos; todos os algarismos do | mundo não são capazes de crear um átomo; | por elles ainda não vieram senão tributos. ao Povo, e meia duzia de alampadas mara- . vilhosas para os Aladinos do calculo. E, fi- | nalmente, dos politicos tambem não, porque, “trabalhando ha tantos annos na procura da | promettida pedra philosophal, tendo mettido | para vs seus cadínhos tantas preciosidades, | e accendido tanto fogo e tantos fogos, quei- | mado tanto (até do futuro), ainda não fize- ram sahir do seu estrondoso laboratorio se- | não fumo. E «Se elles, ao menos, tivessem conseguido | inutar o alchimista, que deixou na galeria do | Gran-Duque da Toscana o prego meio ferro | e meio oiro, para admiração de crédulos, e de- | sappareceu!... Mas pelo contrario: a sua sci- | encia occulta, se alguma coisa tem logrado é | transformar o oiro em ferro; o que não im- | Obras completas de Castilho 95 “pede que, semelhantes aos Albertos Magnos e Cagliostros, appellidem tambem a sua obra “«A grande obra». * Não, meus lavradores; os unicos alchimis-. “tas sociaes, em quem se ha-de pôr a verda- 'deira esperança de pedra philosophal, que “faça ao menos. prata, e de elixir, que, se. “não prolongar a vida, pelo menos nol-a torne "supportavel, sois vós, com o vosso natural “bom-senso; sois vós, creando-nos um Par- ' lamento da terra; é esse Parlamento, crean- “do-nos Leis de verdadeira economia, e um | Governo agricola; é esse Governo, vosso “neto, e para logo vosso protector, illustran- do-vos, moralisando-vos, incitando-vos ao “trabalho, nobilitando-vos na vossa mesma | estimação, facilitando vos transito por todo o * vosso territorio, promovendo companhias a. * quem vendais os generos com segurança, e “de quem recebais adiantado para os ama-' “nhos, descobrindo e ensinando-vos, por uma - continua investigação dos portos e mercados “de todo o mundo, quaes as culturas velhas " que deveis largar, quaes diminuir, quaes “acrescentar, quaes aperfeiçoar, quaes expe- | rimentar, quaes introduzir com afloiteza; * que para isso traga embaixadores muito es- | colhidos, mui zelosos, mui portuguezes, e — mui vossos, por todas as partes do mundo; | que em summa comprehenda e creia firme- | mente, que tudo aquillo que a terra nos não | der, a poder de sciencia, de arte, e de tra- | balho, nada seria já capaz de nol-o dar. | Para esse Governo, para esse Parlamento, "e para vós, continuemos ípois a discursar “sobre o que está para fazer, 96 “Empreza da Historia de Portugal % Falemos hoje do Exercito, com licença dos vossos lares e das vossas arvores, que “sempre em ouvindo tal palavra se estreme- cem e horrorisam. | Um serão para tal assumpto carecia de . ser mui largo; noite de S. João levada de | vela lhe não bastára. Emfim : apontemos ; o vosso recto juizo desenvolverá depois. Cerrae a porta, que ha ahi alguns visi- nhos de andares altos, que já murmuram sermos nós ruins gastadores de tempo. As- sentae-vos com animo despreoccupado ; e, se vos parecer, ide apontando ahi com car- vão, por essa parede da vossa conversavel cosinha, as principaes rasões da pratica, a fim de se vos não desluzirem da memoria, para quando fôr tempo. Lad i Que é um Exercito? q E" um mal, complexo de males sem nu- | mero, e que só por uma necessidade abso-- luta se póde tolerar. 4 O soldado é ora um escravo, ora uma | victima; a familia do soldado uma orphan, | esbulhada de parte do seu haver mais sa- grado. A Patria não tem carga mais onero- | sa, nem a Flumanidade coisa que tanto a | vexe e lhe repugne. Todas as considerações | sociaes, economicas, moraes, religiosas, scien- | tificas, litterarias, e artisticas, todas sem ex- | cepção veem jurar contestes no processo | contra o Exercito. P | que defendemos; as nossas bandeiras, Os » campanarios das nossas freguesias ;os Evan- à gelhos do nosso assentar praça, as lembran- Obras completas de Castilho 97 ; Para que tem logo havido em todos os tempos exercitos? ; e para que os ha ainda hoje em tantas partes ? Umas vezes, para a conquista; outras, para defensa contra invasores; outras, para tranquilidade interna. No primeiro caso, é o Exercito uma arma em mão de salteador. A Historia chama-lhe “um brasão. Portugal, como todas as nações heroicas, o teve, e com elle se engrandeceu. No segundo caso, é um escudo, que está afrontando e esmagando ao proprio corpo que defende. Do mal, o mal: das armadas invasoras procederam fatalmente as arma- das defensivas. No terceiro caso, é um remedio violento | e dispendiosissimo, para doença que em parte se devia prevenir pela hygiene, ou, chegando-se a declarar, acudir-se com me- nos ruido e mais efficacia. | ; Podemos nós ser conquistadores ? Não. Logo, se temos Exercito, não é para conquista. ; Temos que nos defender de extranhos ?. Não. Rasões de mais alta e geral politica | são as que per si nos defendem, e hão-de defender ; e, quando ellas cessassem, ou fos- sem vencidas, não haviam de ser estas nos-. sas fileiras que nos salvassem, mas sim o Povo todo: os fortes, e os fracos, os de- | crépitos, as creanças, as mulheres. Às nos- “sas atmas seriam o ferro, os troncos, o fogo, “as pedras; o nosso soldo, a vista das casas VOL. V 7 98 Empreya da Historia de Portugal ças das nossas victorias sobre Romanos, “sobre Arabes, sobre Castelhanos, sobre Francezes. Povo que se defende na terra em que nasceu, é leão e leôa no seu bosque diante do covil dos filhos. O Ceo, com a santidade da nossa causa nos protegeria; e, se nos fosse indispensavel auxilio humano, elle no-lo depararia no braço de alguma Na- ção, que defendesse nos nossos os seus in- teresses. Logo, não é tambem como escudo, que mantemos um Exercito. - à Será portanto para obviar a tumultos? | para cohibir sedições? 4 para conservar boa ordem e regimento no Estado? A esta pergunta não precisamos de res. | ponder ; bem respondida que ella está n'uma pagina de cincoenta leguas de largo e cem | de alto, que ha cincoenta annos temos cem | vezes escripto, respançado, e tornado a es- | crever com sangue de irmãos. Logo, se com um Exercito nos consumimos, não é para bem da paz domestica. * «Os pequenos Principes — diz Felice — | querendo arremedar os grandes potentados, | teem exercitos, que para brinquedo são de mais, e para deveras de pouco servem.» q A segunda parte d'esta sentença bem | provada e contraprovada nos está por fac- | tos; e a primeira é verdade não menos manifesta. Perguntae aos orçamentos (e ainda esses não sabem, ou não dizem tudo): ; emquan- | to nos importa o Exercito? ; os soldos e | Obas completas de Castilho 99 comedorias da soldadesca e dos estados maiores ? ; Os uniformes, os armamentos, o . calçado, a remonta e sustento da cavallaria, as fabricas de polvora e balas, os arsenaes, os quarteis, as obras de fortificação, as mar- chas e conducções de bagagens, os trans- portes por mar, os roubos e extravios do material, as secretarias, os commissaria- dos, as inspecções, os tribunaes militares, as boticas, os medicos, os cirurgiões, os en- fermeiros, os.moços, os invalidos, as musi- cas, etc.? Os orçamentos do Ministerio da Guerra d'estes ultimos nove annos dão, termo medio, uma despeza annual de 2:758:580:%4.10 reis. Se porém considerarmos que a Marinha é, por sua natureza, parte e complemento da Guerra, e nos tem custado, tambem ter- mo medio no mesmo periodo 944:475%851 reis, teremos annualmente uma despeza de reis 3:703:056%261. Pelo exame dos respectivos orçamentos, todas as restantes despezas do Estado, ter- mo medio, não teem subido no mesmo pe- riodo de reis 6:560:419%590. Coisa espantosa! Mais de um terço dos haveres publicos devorado pela Guerra, que ou é um nome vão, ou, quando tem a sua funesta realidade, é por esse mesmo desper- dicio que nasce e se alimenta! Despeza ainda mais desgraçada, quando se olha para o desamparo da Instrucção Primaria, para a falta de estimulos e pre- mios á Agricultura, á Industria, ás Artes, ás Sciencias. Despeza inqualificavel, quando se repara 100 Emipreza da Historia de Portugal em que, á proporção que nós minguamos, que nos afogamos na divida, vai ella a cres- cer de mais em mais. | E, como se este infinito fôra ainda pou- co, lá baixam de vez em quando das Secre- tarias novos padrões de uniformes, como de París veem figurinos para os toucadores das casquilhas ! no que, ao desperdício açcresce anda o indecóro, ao indecóro a dureza, pois que essas vaidosas despezas, dos pro- prios militares vão sahir ; classe que, empo- brecendo-nos a nós, está bem longe da opu- lencia. x Além d'estas despezas carregadas na massa comum, perguntae ás terras, por onde, ha meio seculo, nos andam, quasi de continuo, transitando corpos, | quanto lhes não tem custado a ellas o Exercito em aboletamentos, em hospedagens, em dilapi- dações, descaminhos, e estragos, em seáras taladas e comidas pelos cavallos, em olivei- ras, séves e alfaias campestres queimadas, gados comidos, bestas e carros apenados, trabalhos ruraes retardados ou supprimidos, etc., não falando já em damnos de outra natureza, muito maiores e mais irreparaveis ! Esmae tudo isto a monte. ; Arripiam-se as carnes!... - E todavia, ainda ha mais: a todos estes damnos immergentes, ; que de lucros ces- santes não accrescem, com a existencia de um Exercito, aos particulares e ao Publico ! 1 quantos braços arrancados á lavoira, aos mistéres, e ás artes! ; que desfalque no to- mn chide tr ec O RÃ a A rcndinids Rd a ais RE a e dia Std do e ES abas Cut SADO esc Nina di Sa a SD a O RO SO À ds DOR a EA BRR Ti Obras completas de Castilho 101 E E VEN pr - A fas de rs tal da producção ! ; que augmento no sala- rio dos jornaleiros ! | em milhares de casaes que mingua de pão, por ausencia de quem | o ganhe ! * Viremos agora a questão por outro lado. Chega o recrutamento. | « Lá vai o coração de uma pobre familia arrancado! Lá entra pela primeira vez, € prezo como um criminoso, na cidade,a quem | elle queria servir de longe com a enxada na mão, um mocinho, innocente, cheirando á | terra, ao feno, e á flor do matto; simples e ) viçoso como ella, temente a Deus, amante | de seus' paes, de suas irmans, de seus 1r- mãos, bemquisto dos visinhos, laborioso como abelha, sentindo e expirando de si a poesia da Natureza, como o passarito do silvado em flor por uma antemanhan de Maio. Approvado pelos medicos n'um exame, onde o fizeram corar pela primeira vez, ; passa de repente da liberdade para a escra-. | vidão; da luz e fragrancias do seu campo, A para a escuridade fétida de un: quartel; | d'entre rostos benévolos, para entre sem- blantes carrancudos; do rebanho que pas- torava, para a escola e chibata do instructor, para as conversações grosseiras, mortiças e fumosas da tarimba. Com violenta mão lhe limam á pressa todo o cunho da sua indi- vidualidede : rentearam lhe o cabello, como a todos os seus camaradas; vestiram-n-o e calçaram-n-o como todos elles; constrange- ram-n-o a tomar a mesma figura e movi- — 102 Empreza da Elistoria de Portugal "mentos, a dar os mesmos passos contados, a comer á mesma hora, e do mesmo pão, a dormir e a acordar à voz metallica da mesma trombeta. ; Individualidade !? ; elle? até o nome lhe tiraram; é um numero; e esse nu- mero nem mesmo designa um ente sobre si. As suas armas, o seu fardamento, e elle, são tres elementos inseparaveis, cuja somma é o soldado. Se a bayoneta soubesse ouvir e obedecer, e a espingarda atirar, não as te- riam complicado com aquelle appenso vivo, que é para ellas o que é a carreta para o canhão, ou os cavallos para a carreta. ! * O mais rigoroso de todos os codigos das Nações, e o mais altamente offensivo da di- gnidade humana, é aquelle que o soldado, com a mão sobre os Evangelhos, jura cum- prir. E o peor é que essa antinomia a todas as ideias de Liberdade, é uma fatal condi- ção, e inseparavel, da existencia de exerci- tos. —a« ; Ao menos, é uma vida gloriosa a das armas ! » — dizem. i Mas não será esse dizer uma arteira se- ! N'um volume de romances moraes, que o meu amigo o snr. Luiz Filippe Leite está para dar á es- tampa, com o titulo de Supposições que podem ser realidades, ha uma pintura das miserias da vida mi- litar. O autor copiou o seu soldado do natural, o seu desenho é bello, as suas côres verdadeiras. E um soldado esse, que serve de eficaz auxiliar à nossa doutrina. CASTILHO. en : ia ai Pe DER 5 Obras completas de Castilho 103 ducção armada ao espirito, assim como a purpura das bandas, o accezo dos penna- chos, as côres vivas das golas e canhões, o oiro das dragonas e das chapas, o lustroso das correias e dos ferros, são outra calcu- lada seducção para os olhos, e outra as es- trondosas musicas para os ouvidos ? Nos sacrifícios dos pagãos enfloravam-se as victimas.; Por que razão Marte não en- feitaria tambem as suas? «iGloriosa vida a do soldado?!...» A consciencia d'elle que o diga. O seu entendimento entorpeceu-se no meio da monotonia da sua agitada ociosidade. Tu- do m'elle é vulgar. Os seus actos, até quan- do arrosta com as balas ou vôa á brécha, são sem merito, porque não são livres. A. reflexão lhe é defeza. O sopro de um cla- rim o despára para a morte, -ou para a vi- ctoria, como a Gescarga do obuz arremeça a bomba, que vai despedaçar, despedaçan- do-se. Mandado, combate hoje pelo verme- lho contra o azul; amanhan, mandado, com- baterá pelo azul contra o vermelho. Manda- do, expõe-se n'uma sentinella perdida, pela segurança dos seus camaradas. Mandado, irá, em se recolhendo d'ali, espingardear o seu camarada predilecto, sem uma pergunta, sem uma lagrima. Mandado, poria fogo, sem hesitar, á egreja onde o baptisaram, á aldeia em que nasceu, á choupana d'onde sua mãe entrevada não pode fugir. Tudo isto lhe murmurará tristemente a consciencia, quando á sua profissão ouvir chamar gloriosa.; Que fiel, que horroro- samente fiel, não é o retrato, que do soldado, 104 Empreza da Flistoria de Portugal “olhado a esta luz, pintou a negro Alfredo de Vigny! | Ao viver monastico teem reprehendido philosophos os seus tres votos, como anti-na- . turaes. | iEo soldado?! ;O soldado é livre para ca- | samento? ; O soldado não geme em forçada | pobreza?; O soldado, sobretudo, não é o pro- | totypo da obediencia servilissima? No monge, ao menos, a pobreza descal. ca, a continencia sobrecarregada de cilícios, a abnegação do querer, tinham por compen- | sação aesperança de thesoiros, de delicias, e de um throno para a eternidade. E o soldado? ;Que lhe promettem, ou que espera, por tantas renunciações:? :'Oh! a sua humildade, se fosse livre, seria inquestionavelmente de todas as heroicida- des humanas a mais estupenda. Mas não é livre. Mais, do que no Religioso opera a es- perança do premio, opéra n'elle o seu unico movel: o medo do castigo. O cenobita pa- | dece e canta; o soldado padece, e nem ousa | suspirar. Aquelle canta porque na phantasia | lhe riem Céos; a este negrejam-lhe na ideia | o calaboiço, as varas, a grilheta, a farda ras- gada, o fusilamento. * Depois de annos de uma tal vida de glo- | ria, : como volverá ao seu torrão o mancebi- | nho innocente, que d'ali arrancaram, por en- | tre tantas lagrimas dadas e recebidas, se por | ROD a Dita E RU é EO Cbras completas de Castilho 105 | ventura lá volver? Nem a namorada do seu coração, se a teve, o reconhecerá. O aborrimento da miseria n'uma condição obscura, e na familiaridade com entes sem. educação nem principios, lhe fez contrahir muitos vicios ignobeis, que o levaram mais de uma vez, ora ás prisões, ora aos hospi- taes 1. Às suas mãos perderam o geito e gos- to dos trabalhos naturaes e primitivos. Res- cendia ás flores do matto; hoje cheira á pol- * vora, tem o perfume das batalhas, como as aves carniceiras o fortum cadaveroso. Tinha Fé, desbarataram-lh'a:; indole affectuosa, af- fizeram-n'o, por dever, á theoria e á pratica do homicídio. Nos contos do serão, tudo o fazia estremecer; agora, é elle que infunde espanto aos ouvintes, pelo impassível com que a sua voz rouca descreve as carniçarias que viu, e que ajudou, o lanço da cidade que voou com a explosão da mina, a popula- -Ção inerme que passaram á espada.. iPor que assim é desprezador da vida? Porque d'ella só conhece as durezas e amar- guras. O seu valor, se o tém, é uma quali- dade negativa: despréza a morte, porque " “não sente a alma. Breve: o Exercito custa aô Thesoiro, que devora; ás provincias, que fatiga; ás casas, que desfalca de filhos; ás terras, que priva “de braços ;ás artes, que despó ja de obreiros; =” - 1 Verdade reconhecida pelo snr. Capitão João Ma- ria Fradesso da Silveira no seu honrado artigo sobre a lei do recrutamento, na Revista Militar de Feverei- rode 1849. pa CASTILHO. 106 Empreza da Historia de Portugal aos individuos, que esbulha do seu quinhão de liberdade, a quem quebranta mil fóros e. immunidades essenciaes do homem, a quem, finalmente, de homens converte em machi- nas de destruição. | E mais, e muito mais, custa ainda o Exer- cito, se avaliarmos as graves consequencias, positivas e negativas, directas e reflexas, do seu celibato; ponto esse, em que já d'outra vez tocámos, e que por si mesmo se está | commentando. dssti dd * Ora, se tanto custa o Exercito, e se tão inutil é, como já vimos, ;por que não insis- | tiremos para os Legisladores, e para os que os hão-de eleger, no alvitre (que tambem já outra vez suscitáramos) de se extinguir este . grande, este immenso, este inutil, este esté- ril e esterilisador, convento militar? ; Não se dá baixa ao soldado quando já não póde com a milicia? ; Não se lh'a da até em tempo de guerra? ; quanto mais em paz! Pois então, ;por que se não ha-de a baixa conceder já já a este triste velho de Por- tugal? As suas armas visivelmente o asso- berbam e debilitam de anno para anno. ; Aguardaremos que o acabem de matar, para então lh'as despirmos? Elle já não tem que ir fóra a conquistar. De fóra não hão- de vir accommettel-o. ;Logo, de que lhe servem, se não fôr para se ferir? Arrancae- lh'as; ou antes: deixae-lh'as depôr dos bra- cos pizados, sangrentos, e cadavericos, que é tudo quanto elle mesmo vos supplíca. Tem o torrãosinho que mercou, e muito caro; » “ Obras completas de Gastilho 107 . ermitti-lhe remoçar-se n'elle, cultivando-o om desafogo. - Quando Herminia, no formoso poema da lerusalem resgatada envérga armas sem ser terreira, ja que perigos e terrores a não xpõe essa loucura! Mas quando emfim, vai irmada dar assim áquelle campestre retiro, k nde o pastor ancião está rodeado da fami- ja, embebido em seusrusticos exercicios, que s meninos fogem, assustados de a ver, e só oltam quando ella, desquitando-se do elmo, e lhes descobre gentil, pacífica e amorosa, lonosissima allegoria! Escutae o que a boa derminia diz, ou o que diz, por sua bocca, | alma do grande Poeta: Seguite, — dice — avventurosa gente, = Al Ciel diletta, il bel vostro lavoro, | Chenon portano giá guerra quest'armi dlPopre vostre, ai vostri doici carmi. 8% A Assim deve já dizer aos nossos agricul- tores a nossa milicia, desfazendo se de ar- mas excusadas e improprias : |) * Gente amada do Ceo, ditosa gente, javante em vossos plácidos lavores ! Já dispo as armas; animo recobrem a lida vossa, os vossos brandos versos. R | Até aqui são axiomas. Qualquer entendi- ento os percebe. - D'aqui para diante pertence aos Estadis- s, mas aos Estadistas sinceros, philosophos, | humanos, propôr : > das DE RN Lo qr; À FP 103 Empreza da Historia de Portugal primeiro, o modo de fazer a suppressí sem expôr a contingencias funestas ; depois, o modo de organisar, mais effic e menos dispendiosamente, a necessaria f ça publica. q Nós, que não somos Estadistas, só po cas palavras nos permittiremos sobre esi dois assumptos. , * A abolição do Exercito seria recebida pe grandissima maioria d'elle com alvoroço, muito nos enganamos. | A soldadesca, se a consultassem, appr varia talvez unanime. Ao subir d'ella pa a officialidade, é que haviam de principi “as repugnancias, crescendo tanto mais, qua to mais se fosse pelos postos a subir. E logo licenciar a soldadesca toda, e da of cialidade quantos o desejassem. Os restai tes empregar-se hiam, ou nos serviços, ain militares, de que logo falaremos, ou em out quaesquer, em que, segundo suas habilit ções, o Governo entendesse aproveital-os. À vacaturas, por morte ou outras causas, q minuiriam de mez para mez este resto é onus, ainda grande para o Thesoiro; até q em poucos annos haveria cessado toté mente. | Os soldados sôltos das Bandeiras seriai preferidos, em egualdade de circumstanciz para mil peguenoS empregos da republic policia municipal, guardas de barreira e « alfandegas, correios, serviço inferior de ti bunaes e estações publicas, trabalho braç nas officinas naçionaes e nas dos contra Nota k io SN Obras completas de Castilho 109 e a Nação arrenda, tráfego nas quintas emplares e experimentaes, tripulação e ais officios nao. Marinha, de que alguma Am sempre ficaria provavelmente subsis- O. % Quizera-se tambem que uma Lei nova, gulando mais assizadamente a proprieda- do solo, em ordem a fazel-o subdividir, aproveitar até á ultima polegada, propor- onasse conceder-Se aos que houvessem sido ons soldados um pequeno chão, com o. jantamento de instrumentos, sementes, e lgum dinheiro para os primeiros annos, endo casados, ou obrigando-se a casar; e presentando fiador que respondesse pelo alor que se lhes entregava. ' Os terrenos nacionaes poderiam d'este nodo ser aproveitados com grande vanta- em, e mesmo os baldios dos Municipios, nediante contratos equitativos, e de interes- e mutuo. | ' 4 Que lucrou o Estado com tão conside- avel quantidade de solo tomado ás Ordens eligiosas ? Elle nada. Crearam-se ahi meia | luzia de principados, contra todos os apho- ismos. da Ecotiomia. Com a divisão em equenos lotes, que familias indigentes se ão houveram aventurado! e o Thesoiro eria recebido já hoje vinte vezes mais do jue assim obteve. ' Pela mesma Lei, os grandes proprietarios jue não cultivam, por não poderem ou não juererem, seriam certamente obrigados a rrendar em lotes, e por preços racionaes. ; b t s IO Empreza da Historia de Portugal Os morgados. .. Mas este objecto é bejo largo e importante; não cabe aqui. . que apontámos sobra para mostrai que, reformadas as Leis no que ellas teem de mais flagrantemente anti-social, nenh receio podia haver de que faltasse trabalh e pão para quem quer que fosse. x Já podemos portanto pressuppôr acceil e agradecida pelo proprio Exercito a su suppressão, na qual, segundo se acaba vêr, nada ha de violento nem odioso, se nã que é tudo paternal. A ulterior organisação da força publio figura-se-nos ainda mais facil. Não é inve ção nossa; é do seculo; é da philosophia + Ed é da Lei do Estado; é à GUARDA NACIONA , Para allivio d'esta nas cidades grandes podia haver tambem, como em Lisboa e m Porto, uma Guarda estipendiada pelo Mu nicipio; ainda que, ao vermos Londres, | mais populosa cidade do Mundo, mante sem nenhuma tropa, e só com meia dusii de paizanos velhos, a sua admiravel Polícia não podemos dissimular, que muita cois está ainda por imitar de: Estrangeiros, d quem, pelo commum, só o indiferente ou: inapplicavel traduzimos. «Paiz mais florescente que a Hollanda nunca eu vi em minhas viagens — diz Ber nardino de Saint-Pierre. — Na Capital em cerra pelo menos cento e oitenta mil almas, Com o immenso tráfego de mercadorias que em tal cidade negoceiam, ; se faltarãc E RAR 1-4 ARC AR Wo” DEAR pr Obras completas de Castilho III n'ella com que se tentem as cubiças ! Pois sem embargo, não se ouve lá falar de um roubo; nem guardas ha de soldados. Em 1762 que eu lá estive, havia já onze annos que se não tinha suppliciado ninguem ; e não é dizer que não sejam severas as Leis; mas como o Povo acha facilmente em que ga- nhar a vida, não tem por que as quebrante ; e advirta-se que este Povo tem ganhado mi- lhões a imprimir quantas extravagancias ahi | se escrevem em França sobre Moral, Poli- tica, e Religião. Assim mesmo, ainda não desdiz das crenças e costumes que d'antes tinha. A razão é porque vive contente com a sua sorte. Os CRIMES SÓ NASCEM DA INDIGEN- CIA E OPULENCIA EXCESSIVA. !» 1 Da primeira vez que este artigo se imprimiu no Agricu tor Michaetense, não levava a presente trans- cripção dos Estudos da Natureza. Foi depois de da- do á estampa, que eu li esta admiravel obra; digo li, por ue ao devorar folhas na puericia não se chama ler. Os meus encontros em affectos, em pensamen- tos, até em imagens, com Bernardino de Saint-Pierre nesta e n'outras suas obras, não obstaute o que vai de talento a talento, .que (ainda mal para mim) é quasi infinito, se por uma parte me podiam lisonjear o amor proprio, por outra me- confirmam n'esta, - para quem escreve, tristissima verdade de que nada a de novo debaixo do sol. ; Censura de plagiato, que é a mais gabadinha dos " ignorantes, dificultosamente a ousára fazer quem: tiver composto e estudado. Veja-se a minha Nota sobre Originalidade no fim lo lrama Camões. CASTILHO. A 112 | Empreza da Historia de Portugal ; É Y * Uma Guarda Nacional, urbana e rustica, de pé e de cavallo, segundo uma Lei pru- | dente, mas francamente liberal, seria uma forca respeitavel pelo seu numero, e mais que sobeja para os tempos ordinarios. Para a hypothese, mais que inverosimil, de invasão estrangeira, esta mesma (Guarda seria Exercito, como se observassem duas precauções; a saber: ter constantemente uma bella Escola militar, viveiro de officiaes para “as armas scientificas, e obrigar os batalhões civicos a revistas, exercicios, paradas, e pas- seios militares, com instructores idoneos. ' Soldados taes, jem que differiriam dos de linha? Em duas sós coisas: em custarem menos, e em valerem mais. O que pode o homem defendendo o solo conhecido, e a que chama seu, já o ponde- rámos; mas se provas quereis, perguntae á Germania, ás Gallias, à Britannia, á Helve- cia, á Lusitania, e a todas as Hespanhas ve- lhas, pelas legiões Romanas; á mesma Hes- panha, pelos Saguntinos, pelos Asturianos, pelos Gaditanos, por cada uma das suas provincias; á França, pelos Parisienses, pe- los Bretões, pelos Vendeanos, por suas co- marcas; á Grecia, pelas. Thermópylas, por Missolunghi, por toda a sua historia antiga e moderna; á Belgica, por Anvers; á Ame- rica, pelos Estados-Unidos; ao Norte, pela | Polonia, pela Hungria, pelo Caucaso; a Por. tugal, pela Terceira, pelo Porto, por cada palmo do seu territorio. Emfim: interrogae E affoitamente a todos-os seculos, sobre todos | Obras completas de Castilho 113 ) os povos do Mundo. Sobre o torrão mater- no, todos são Antheus; podem ser venci- dos, mas é por braços de Hercules, e só depois de mil vezes renovada a lucta. : Oh! de que loiros se não cingira o Mi- nistro da Corôa que o ousasse propôr ! :On- de ha ahi Camões, nem Homero, para lhe fundir a estatua com as devidas dimensões? O Throno e as Instituições deixariam de vacilar. Duas égides celestes os cobririam : a ellas, o sentimento da Liberdade; a elle, o amor, amor centuplicado pela gratidão. Aos roucos triumphos das eras antigas | succeda o da Arcádia cantar festival! Da ceifa das palmas, á ceifa de espigas, volvei, Cincinatos do bom Portugal. De espigas e palmas coroemos a enxada, morgado, e não pena, dos filhos de Adão. Mais velha que os sceptros, mais util que a espada thesoiro é só ella, só ella brasão. * | Meu Deus! ; Será possivel que estejam a paz, a abundancia, e o amor a bater-nos ás portas, e lhes não abrâmos ? ; que a felici- dade nos ria dos ares, dos valles, dos mon- tes, dos rios, do (Oceano, e lhe fechemos os olhos? que este solo nos grite deitodos os pontos «Pedi-me, e recebereis», e lhe ar- ranquemos os filhos ? ;que aos brados da In- dustria e da Agricultura respondâmas sem- pre politica? ;aos gemidos da Moral, que pede para si trabalho, fartura, casamentos, instrucção, e festas, politica, sempre politi- ca, nada senão politica ? VOL. V 8 Car UMA é DEM . É ns o] 4 Ny A a ES ” pe RA : A ' es da dE PE pod: £ RUSa Empreza da Historia de Portugal Aos jogadores e empalmadores da boa | sorte do Povo, a esses, que lhe reprezam em seus cofres o oiro, que tantas coisas podia fecundar, não perguntemos que vale ou significa o oiro; mas aos magnates do - Estado, ;como deixaremos de perguntar que vale ou que pode essa politica, esse demonio incubo, sem olhos, sem ouvidos, sem entranhas ? E ane tem feito? que faz? ique ha-de fazer ? que sabe fazer? - Dispam-lhe a purpura, que é sangue. - Amarrem-lhe os pulsos, que é harpia. Ta- pem-lhe a mentirosa bocca de sereia. Des- terrem-n-a, ou enterrem-n-a, que os dias da credulidede já passaram. Para o seu logar subam, ão som de vivas universaes, o amor da verdade, o amor da actividade, o amor da justiça, o amor da fraternidade, o amor das virtudes e dos ta- lentos, o amor dos homens, das mulheres, |. dos meninos, e dos ainda não nascidos. | Só amores pedimos. /O pedil-os é tão justo !...;e o concedel- os é tão facil !... a RR Novembro de 1849. XVI Festa da Redempção 23 de Dezembro Nada mais inexplicavel, que a opposição constante, que de muito fazem ao Chris- ' tianismo tres raças de homens, todos in- fluentes: os chamados Liberaes, os chama- ' dos Philosophos, ou sabios, e os chamados ' Mundanos, ou partidarios dos deleites. | Os primeiros deviam ver n'elle o santo dogma da egualdade e fraternidade; os se- * gundos, a chave que abre todos os enigmas, "e o unico principio da Moral; os terceiros, as unicas verdadeiras alegrias concedidas á terra, a serenidade do animo, as esperanças “infinitas, a beneficencia mutua e universal, "a arte divina de converter os tormentos em * gosos, as humiliações em glorias, a velhice | em alvorada, e a morte em triumpho. | Os que, não podendo chamar outra coisa | ao Christianismo, para o deshonrarem lhe ' chamaram triste, não tinham jamais com- | parado os rostos da multidão pobre e hu- ' milde, que pela manhan cedo sai do templo 4 mui serena, aos semblantes do tropel, que, | pelas horas mortas, vem golfando dos es- | pectaculos, das assemblêas, das espeluncas "da crápula e do jogo, cançado, aborrido, * parte melancolico, parte cuidadoso, parte “ébrio ; uns vazios do oiro que lhes havia de 116 Empreza da Historia de Portugal sustentar os filhos; outros, opulentados a subitas, para se arremessarem mais affoitos á ruina; estes, com a fama denegrida; aquel- les, com a alma hydrophóbica ainda a ba- bar veneno; frutos de cinza e fel dentro em casca brilhante ; favos escondidos no es- curo vão de um tronco. 5% Todas estas excellencias nos traz epiloga- das a festa grande, que prende ao fim do anno velho o principio do anno novo, e que é uma como absolvição do preterito, e san- tificação do porvir. N'estes treze dias temos em formoso dra- ma um symbolo completo da origem, da indole, e dos fins, da Religião do Nazareno; é a apotheóse da humanidade; a subversão das pompas vans; a infusão do Ceo na ter- ra, e a escada mystica da terra aos Ceos, que apparece resplandecente no meio das trevas com as azas prateadas de todos os Anjos, e ressoando com os córos de ;GLORIA E PAZ; GLORIA AOS CEOS, E PAZ AOS HOMENS DE BOA VONTADE ! * i Que risonha e que magnifica não é, ao mesmo tempo, a primeira scena d'este dra- ma, annunciado e preludiado, largos seculos havia, Pros grandes lyricos da Fé, os Pro- phetas : Eis o presepio de Belem. Os mysterios, em tão pequeno espaço contidos, adoram-se çom o silencio. Adoremol-os. EE a db dis dead VR VS PU RS = é E SR PTS TA CRIE a RR, 1 8 DO QU CT AR do Br: os $ A ç A a Obras completas de Castilho 117 Mas como o dia é de jubilos e boas-festas, chamemos pelos nossos camponezes, como os Anjos chamaram pelos da Judêa, para que venham, primeiro adorar, como nós, e depois alegrar-se com ufania. Não foi nos palacios, não foi em Roma, não foi no Capitolio, que o Filho do Senhor de tudo quiz nascer; foi nos campos, foi na mais rustica poisada; não entre Principes, se não entre pobres. Os animaes, symbolos da lavoira e do trabalho, lhe tazem cóôrte. Os primeiros convocados para o verem, os primeiros que o.lcuvam, o beijam, e o que- rem, são os pastores. Os primogenitos do Ceo fostes vós, e soil o ainda, homens simplices e laboriosos. Os das pompas, os da riqueza, os da scien- cia, virão tambem prostrar-se a este Menino, que ennobrece a tudo quanto se prostra; virão, que o destino d'Elle é a dominação universal; mas só chegarão depois de vós. Para vós, bastou um convite melodioso ; para elles será necessaria uma revolução nos astros. | Eil-os emfim, os Reis ! | % Noite de Natal, quem: te não ama? ! Noi- te das virgens e das mães, dos merinos e dos velhos, dos camponezes e dos Sobera- nos, noite dos Anjos e dos homens, ; qual será o coração que tu não alvoróces? Até o incrédulo se alegra, vendo refulgir no meio das trevas o templo enflorado, e escutando- lhe os cantares triumphaes. Do alto dos 118 Empreza da Historia de Portugal campanarios rebentam á porfia os repiques, luctando com os ventos impetuosos do in- verno, e vencendo-os;,e indo levar uma sau- dade, ainda suave, ao leito solitario do pa- ralytico. Toda esta musica, toda esta claridade, todo este calor, toda esta vida no coração do inverno, e á meia-noite, condizem com uma Religião, que venceu o inferno, os Ce- sares, os deuses; que triumphou, triumpha, e triumphará sempre, dos temporaes da per- seguição, das trevas da ignorancia, e das trevas, muito mais trevas, da presumpçosa Sciencia. Sim, sim; o presepio, tal como ainda ao presente o vemos reluzir allumiado, até por sotãos e cabanas, o presepio com todos os seus chamados anachronismos, com os seus castellos artilhados, os seus monges, os seus Romanos antigos, os seus pastores moder- nos, os seus camellos carregados de oiro, as suas gentis damas, e os seus pavilhões campestres inglezes; embora nescios o com- mentem por delírios é absurdos artísticos, é a mais verdadeira de todas as Historias, e de todas as Prophecias a mais infallivel : é um espelho longinquo, no qual todos os. pontos da terra e todas as edades se estam- pam, convergindo para a adoração do Crza- DOR UNIVERSAL. 1849. , É | “MA É ch a XVII Undecimo serão do casal emo Despedida SUMMARIO Adeus para sempre a S. Miguel. — Saudades. —Como é o coração de um poeta —Continua a ambicionar a vida rustica-—Panegyrico d'ella, extrato de um livro inédito. — Memora os bons desejos que teve a bem da Ilha -—Excusado sermão a estadistas. —O que o autor tentou, além de alvitramentos,—So- ciedade dos Amigos das Lettras.—Escolas-— Novo systema de leitura Tratado de versificação.— Mnemonica.— Curso de poesia ; outro para damas. , —2Curso de Latim. —A Sereia, jornal projectado. | — Gravura em madeira —Lithographia-— Typogra- phia—Excitação na mocidade. —Applicação da poe- sia a assumptos serios.—Hymnos da Industria, das Escolas,dos Lavradores.—Curso de Hygiene.—Con- selhoindustrial--.Caixa economica, Banco industrial e Montepio.—Commissariado. dos estados.— Solar de Artes e Lettras, e dotação. — Insiste-se forte- mente n'esta ideia civilisadora. Hora solemne e triste é esta para mim; ' e; oxalá que para vós tambem o seja um poucochinho! Após tão amigavel conviven- cia de dois annos, trago-vos despedidas, e para sempre. Seguer, estamos nas espaçosas noites de Dezembro; e como já me vêem com a cinta prestes, o escaço fardel ás costas, e o bordão 120 Empreza da Historia de Portugal de peregrino outra vez em punho, não me hão-de levar a mal se n'esta derradeira pra- /. tica por ventura me dilatar. | ; Custa tanto a arrancar os pés d'onde os tivemos por decurso de oito estações! ;mais de cem semanas! ; mais de setecentos dias e outras tantas noites !... Quando um co- ração chega a fazer cama (mas que fosse entre espinhos) já não sabe como se erga. Qualquer lado do horizonte, por mais riso- nha luz que de lá o chame, lhe faz medo. | E então o coração de um poeta, que é a mais amoravel coisa de quantas Deus cria!... O coitado lançaria radiculas para se apegar, até a um rochedo! Em não achando a Juem ame, logo muito de pressa o inventa. Faz lembrar esse animalzinho bemdito, que do seu interior fia a seda em que se envolve; esconde-se na sua doirada ou prateada es- phera, tão macia e mimosa, livre das dis- tracções da luz, dos sons, dos cheiros, dos calores, dos frios, e dos toques lá de fóra; rico de sua pobreza, vive vida encantada de mysterio, de que só ha-de sahir morto, ou com as azas esplendidas para voar aos céos, depois de ter aboiado em fragrancias e raios de sol, por cima de labyrintos de. flores... Boa sina parecerá aquella, mas ninguem a inveja. Só pelos espaços da phantasia é que o enjeitado da fortuna, chamado poeta, pode encontrar alguma vez com que assim se console. À vida real por todas as juntas lhe doe; todo o movimento o afflige e dila- cera; quantas vezes se aparta e muda, tan- tas se fina. !: b / Obras completas de Castilho 121 EA Quando a Sociedade promotora da vossa Agricultura me commetteu escrever para vós o seu Jornal, que eu me estreei conver- sando logo comvosco largamente como amigo com amigos, foram estas (ainda me lembra) as minhas ultimas palavras n'essa introduc- ção: fi «Se aqui, para onde a fortuna me arro- “Jou, tão longe do meu ninho, está escrito que haja de acabar a cançada vida, quero que em minha pedra raza, se a tiver, se possa escrever: AMOU A TERRA ONDE JAZ, COMO SE DELLA FÔRA. (QUANTO POUDE E SOUBE, TUDO LHE DEU DE BOA-MENTE.» kra em Janeiro de 1848. Em todo esse. anno, que andei comvosco, e em todo este, que só vos visitei, dizei se desmenti, com as obras a promessa. Não desmenti, não. Quanto soube e pude tudo de muitissimo boa-mente dei á vossa terra, e amei-a como oxalá os seus filhos a amem sempre. Entretanto, a sepultura, que eu principiava a entrever aqui, era mais uma illusão, se a morte em poucos dias me não tomar. Vou procural-a mais longe, muito longe, pois só a desejo ter onde os meus trabalhos me hou- verem grangeado um prediosinho, em que me enterre eu mesmo antes que me enterrem, e, morto para o mundo, viva ainda alguns dias para os meus, para mim, e um pouco para a posteridade, se podér ser. Res non relicta sed parta. Quero teimar até ao cabo n'esta mi- nha humilde ambição já de muitos annos. A 4 (A s a” (it e Pal Mei PED! Te e O EA o ce ga ao de 13 Ca ed A GR A PRE A E o Ai Do E E pa TATA MS TD UA DO UE. 7 122 — Empreza da Historia de Portugal % Se vos não enfada ouvir louvores do vosso “viver, do único viver a que tenho inveja, - vou dizer-vos o que eu na minha terra, que bem grande é, bem formosa, e bem cheia de delicias, escrevia ha tres annos, com toda a sinceridade do meu coração, como agora e como sempre. Escutae, escutae: ! «Se jamais virá tempo de eu poisar em torrão meu, debaixo de sombras minhas, a cabeça encanecida e regalada! ; Uma barraca “de poucas braças, mas revestida de rosas € limas. como o presbyterio! á roda, tanto de fazenda... quanto o filhinho mais pequeno atravessasse correndo de um só fôlego; mas isto em solidão bem solidão, onde só os as- “tros me enxergassem, só as estações me vi- sitassem, e da banda do mundo nada me chegasse, senão o vento, já expurgado, e es- quecido de humanas vozes. «Tal casa e tal quinta, ser-me-hiam mais | “que morgado, mais que palacio e reino: pa- | raizo terreal, e digno vestíbulo de outro me- Mor. | - “«Ahi me reverdecêram o coração e mais o espirito, que me elles por cá trazem tão . lastimosamente desfloridos e murchos. Por . si se retingiriam os cabellos com o franco sol, remoçador de quanto existe. A lyra in- 1 O seguinte é excerpto do Preambulo do Pres- byterio da Montanha a pag. 80 e seg. Por ainda se não achar publicado, nem de todo impresso tal livro, e por fazer muito ao meu proposito, me permitti a * transcripção. CAsTI.HO. E Obras completas de Castilho 123 terior volveria a cantar espontaneamente, ' como harpa eólia entre jasmineiros, pen- | dente em hombral de gruta ás virações da | primavera. «Ainda á farta me vingára dos tántos annos, que em tarefas ephemeras e sem ' gloria, posto que não sem consciencia e di- ' ligencia, se me desbarataram na galé da | Imprensa periodica; ou (com mais proprie- | dade) nas palhas d'essa doidinha, que a si | mesma se venéra por soberana do Universo, | sobzrana com diadema de papel, e sceptro de lapis. Só não rira d'ella, quando me lem- brasse que me engoliu, com os annos que me tomou, outros tantos da minha existencia para o diante, pois em cada tomo de perio- dico, sincera e honradamente redigido, se | podia escrever este epitaphio:— Agui fazem “um anno de fadiga e dois de vida de... * Orae por elle. *- «Vendem-se ainda primogenituras por * menos que prato de lentilhas. | «Vingára-me (;joh se me vingára !) de tão bons dias mallogrados ; e ainda por ventura * alguns livrinhos, menos maus que todos os — meus precedentes, appareceriam de novo | mas sem mim) no povoado. Como Ovidio " aviava os seus do desterro, aviaria eu os. * meus do meu eden: Parve, nec invideo, sine me, ber, ibis m Urbem. DP EM t ” d Voe gh NA n , | ASSIVASRIVÃA into da !'LO LL 900 S Castilho, Antonio Feliciano 521 de C37 Felicidade pela agricultur 1903 2. ed. Vê Biological & Medical PLEASE DO NOT REMOVE CARDS OR SLIPS FROM THIS POCKET UNIVERSITY OF TORONTO LIBRARY LS ap DE À Pata ado ETR TE At) Ena tm tiara na a raia Tas E AS ee eae ga eau ERES EunIo q q O carr ide rt gata ÃO EM Mo da GERE acata SEIS a — Tas Es a 4 PE - y 2 ERA ã x SPT Ds am Tvs cer triatlo sas tias = . = =*- = Eee ao E ERA TE Ê at A ea Aê : - aa Apae Te ça ed et Tama poa + eme Cao io E FOTO rd held doca