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Presented to the

LIBRAR Yí./r/z€

UNIVERSITY OF TORONTO

by

Professor

Ralph G. Stanton

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HENRIQUEÍDA

COM ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES

das regras da Poeíia Épica , Argumentos, e Noras.

C0MP0S70FEL0

ILLUSTRISS. E EXCELLENT. CONDE DA ERICEIRA

D. FRANCISCO XAVIER

DE MENEZES,

DO CONSELHO BE GUERRA DE SUÂ MAGESTADE ,

Mefire de Campo General dos jeus Exércitos, e Deputado da.

Junta, dos Três Eflados , Dtreãor , e Cenfor da Acadtmia

Real da Hifioria Portuguez,a , Secretario , e Proteãor

da Academia Portugueza , Académico dos Árcades

de Roma , e da Sociedade Real de Londres.

LISBOA OCCIDENTAL:

NA OFFICINA DE ANTÓNIO ISIDORO DA FONSECA, Com todas as licenças necejfarias.

Anno de 1741.

Vende -fe na mefma oficina, e na Logea de Manoel da Conceição morador, na Rua dirt ita do Loreto.

\à.

LICENÇAS

DA ACADEMIA REAL.

CENSURA DO CONDE DO VIMIOSO DO CONSELHO de Sua Magejlade , e Académico Real.

EXCELLENTISSIMOS SENHORES.

MAndaõ-meVV. Excellencias dizer o meu parecer fo- bre o Poema do Conde D. Henrique , efcrito pelo Excelientiílimo Senhor Conde da Ericeira D. Fran- cifco Xavier de Menezes, e fe neíle preceito naó ti- veífe tanca parte o melmo Autor da obra , como companheiro de VV. Excellencias no emprego de Ceníbr da noíía Academia , obe- decera eu fempre com a mefma fogeiçaó aos Icus acenes, mas naõ com a nieíma liberdade no meu voto.

Pois que coufa pode haver mais elevada , e mais laboriofaj que efcrever naõ digo j a com perfeição, mas ainda com mediania hum Poema Épico , ou Heróico? E que coufa também mais diffi- cil, e arrifcada , que fazer hum juizo, e hum exame a eíla mcima obra, que tanto intimida naõ a quem a compõem, mas a quem a pondera, e que tanto honra naõ a quem a medita, mas a quem a comprehende?

Digo pois que he hum Poema inteiramente acertado , e con- forme a todas as luas regras, e preceitos, os quaes nos cníinaõ que o aíTumpto nem ha de fer fummamente antigo , para que naõ fe;a impoílivela memoria do fucceflb , nem demafiadamente moder- no, para que naõ feja viva a lembrança delle.

Que a acçaó ha de fer heroicamente grande, e taó digna, co- mo difiícultofa de imitarfe.

Que ha de (er huma em hum Heròe,o qual em virtude delia configa huma nova gloria , e immortal.

Que efta meímaacçaó naõ ha de fer continuada como hiílo- ria, mas dividida com artificioía idcya , principiando pelo meyo da em preza.

Que le ha de acompanhar de epifodios , encher de figuras, e ornar com todos aquelles primores da arteqafaçaõ mais formofa.

Que o eftyio ha de íer naó ío elegante , mas fublime , porem com tal medida, <juc naõ «mbarace o fácil , ç o natural,

a ii C^ic

Que o Poeta fe hadereveftir do carader das peíToas que in- troduz, ulando da melma propriedade nas matérias que trata.

Eftas faõ as circunftancias mais eíTenciaes que devem concor- rer em hum perfeito Poema, as quaes eu naõ devo demonftrar no que examincy , por naõ parecer que fupponho que he neceíTaria efta demonftiaçaõ, quando todos confeíTaõ fem competência, ad-. mirjõ fem inveja, ou invejaõ fem dor, o engenho raro , a difcri- çaó incomparável, a memoria feliz, o eftudo immenfo,a fciencia profunda , e finalmente o génio efpecial, o elpirito elevado, o en- thufiaímOje furor divino que tem na poefia o Senhor Conde da E- riceira fendo aquella huma arte , cujo nome , e excrcicio diz M. TuUio que fora fempre refpeitado ate das naçoens mais barbaras, e incultas: e que naõ ha homem raõ contrario, e inimigo das Mu- las, que fe naõ lizongee facilmente de que a voz canora do verfo íeja o eterno pregaó das fuás acçoens.

Se ifto diííe o meímo pay da eloquência em beneficio de Ar- chia poeta, que naõ chegou a fazer o mayor esforço da íua arte, qual he hum poema Épico , íó porque tinha concorrido para al- gum louvor , e gloria do povo Romano ; que elogios naõ faria ao grande Virgilio, fe ehegafle a ver a fua famofa Eneida j a qual naõ deixou menos memorável o feculo de Auguílo , nem menos i\- luftre a gloria de Roma , do que fez immortal o nome do Autor?

Logo fe efta obra he taó excellente, ou taõ divina, que Pro- percio naõ duvidou aííirmarque ella havia de fer mais celebre que a Iliade de Homero : que applaufos, e acclamaçoens naõ merece outra , que naõ lhe fendo inferior em nenhuma circunftancia, a excede muito em muitas?

Primeiramente a matéria de Virgilio tem alguma parte do aíTumpto de Homero: hum , e outro defcreve o íitio de Troys, hum,e outro refere as acçoens dcquelles Capitães; oalTumptodo ienhor Conde da Ericeira he inteiramente diverfo de ambos.

O Heròe de Virgilio era incerto , e duvidofo aícendente da familia de Augufto, a quem o poeta queria lizongear: o Heròe do Senhor Conde he certo, e infallivel progenitor da Cafa Real Por- Cugueza, que elle procura, e confegue engrandecer.

Virgilio deixou taõ imperfeita a fua Eneida , que intentou que naõ ficaíTe memoria da obra , fendo ella fublime, fe naõ do Autor , que a mandava queimar por íer dcfeituoía , o Senhor Con- de tem emendado tanto a fua Enriqueida, que ja parece mais ef- feito da niodeftia , que amor à perfeição.

Finalmente Virgilio naõ teve com quem competir dentro da fua mefina naçaõ : oS?nhor Conde podia fçr çraulo, mas fòy ven- cedor

cedor do noílb inhgne Camoens ; taõ iníígne que fempre ilhiílra- ria a pátria com o leu engenho, ainda que o naõ tivefle emprega- do em ferviço delia.

Naõ fallo na exceíTíva diíTerença da esfera do poeta Latino ao Lufitano , fendo aquelle taõ humilde pelo naícimcnto, como dif- tinto pelas obras , c fendo efte taõ illuílre nas compoliçoens , como na origem : de cuja grande Ca/a foy lempre o melhor pa- trimónio o amor ds todas as fcicncias , c o patrocínio de todos os fabios , fendo efta nobre virtude naõ fey fe de menos merecimen- to por ler herdada , íe de mayor louvor por fer perpetua. Mas naõ devo paifar em filencio o grande , e notório exceíTo que o Senhor Conde faz a Virgílio na extençaõ, e generalidade do mefmo en- genho.

De Virgílio fe conta que orara huma ío vez, e que fe por a- quella orsq-iõ le jiilgaííea fua capacidade, feria reputado por hum homem indifcreco , e totalmente inhabil para as letras; o Senhor Conde hs igual na poética , e na oratória ; taõ egrégio quando executa as regras da poeíia , como quando ob/erva os preceitos da eloquência ; e he mayor aíTombro para nos a igualdade que tem comíigo, qne a ventagem que leva aos outros deftas profiflbens.

E aílim me parece que VV. Excellencias devem agradecer ao Senhor Conde da Ericeira querer eftampar o feu livro, e ufarnel- le do titulo de Sócio da Academia Real; para que os que e.O-aõ den- tro, e fora da meíma Academia incitados da gloria de o cerem por companheiro , e diredlor , huns trabalhem por confeguir taõ ex- ceíliva honra , e os outros procurem moftrar que naõ faõ indig- nos deila. Lisboa Occidental, 14. de Abril de 1737.

O Conde de Vimiojo-

CENSURA D E J LBXJNDRE B E GUSMAM Académico da, Academia Real.

EXCELLENTISSIMOS SENHORES.

LI com igual exacçaõ , e gofto o Poema da Henriqueida com- porto pelo Excellentiíllmo Senhor Conde da Ericeira D. Fran- cifco Xavier de Menezes , e íendo obrigado pelo preceito de VV. Excellencias a interpor íobre efta Obra huma çenfura , que reco- nheço mui fuperior ao meu humilde juizo , naõ achey nella mais que motivos fcequentiíiimos para a minha admiração japelo uzo

naõ

n.iõ Jeveriaô câiifalla as engenhozas producções defte por todos os títulos nobiliíTímo Autor ; íaõ com tudo tantas as fingiilarida- des que neftc Poema fe encontrão, que o Leitor, por mais que en- tre prevenido da rara capacidade de quem o compoz , naõ pode deixar de ficar a cada paíTo íorprendido. O aflunco , e parte hil- torica dellc incerefla fummamente a acençaõ , ao mefmo tempo que realça a gloria do Reyno , e da mayor parte das Familias conl- picuas delle ; a invenção, c enredo íaó dos mais agradáveis , e bem feguidos quefe achaó em outro algum Poema; os epiíodios chc- yos de aprazivel novidade 5 os caraóleres íuftentidos até o fim Tem le definentirem , nem degeneratem ; as defcripções, e com- paraçoens uzadas com parcimonia que naõ enfaftia , mas taiiibem aíTazonadas com variedade , e viveza de imagens, que fazem hum verdadeiro retrato da natureza; as Deidades , e fabulas (que fo- raó o leite com que fe criou a Poefia.eíem a qual nos parece fem- pre débil , e enervada) introduzidas com o mais feliz artificio que ocorreo a nenhum dos Poetas Chriltáos, fervindo íe o Autor delias com toda a liberdade que lhe he neceíTaria para ornamento da fua Obra , fem o menor prejuízo da fua piedade ; finalmente todas as regras do Poema Épico febre a unidade da acçaó , dura- ção delia, e repartição dos fucceíTos, e dos Cantos, &c execu- tadas taõ pontual , e naturalmente, que parecem obíervadas pe- lo Aut »r, mais por foiça de habito, que de eítudo.

Sendo elie Poitma taõ exuberante para adquirirlhe gloria, naó fe contentou o feu fecundiííimo génio com a producçaó delle, mas offerece juntamente outro thefouro bem eftimavel nas Ad- vertências Preliminares , onde com o pretexto de anticipar a apo- logia a hutna Obra, que ninguém fe atreverá a criticar, explica as regras que feguio, e as obfervações porque fe governou, com- pondo deíla íbrte hnma efpccie de Arre da Poefia Épica , que fer- vira ao. diante de farol ,e guia para todos os que quizerem acer- tar neíla dekitavel , ainda que laboriofiíTíma, e arriícadiílimaoç- cupaçaó.

Com o mefmo efpirito incanfavel fez a todos os lugares do Poema, que receou poderem fer menos bem enttndidos pelos lei- tores medíocres , notas clarifllmas , cheyas de vaíta erudição, e de noticias mui particulares , fegurando aífim a lua Obra do pe- rigo de fer desfigurada , e violentada pelas ideas etcrogencas de algum commentador indifcreto, e prevenindo ao Leitora fatisfa- içaõ de achar o verdadeiro lentido com huma abundância de no- ticias, que nem com muito trabalho poderia fubminiftrariiie qual- ■^er oAjtro que depois emprçndeife o cojumenco.

lílo

Tilo he em breve o qne me occorre do muico que poderia dizer em louvor do volume que Vv. Excellencias me mandarão examinar ; e íc o Ceo arendeík aos noílos dezejos , em cumpri- mento de hum que he geral em todos os que conhecem ao Excel- leniiílimo .Senhor Conde da Eiiceira ,lhe prolongaria por muitos íeculos huma vida indeteíTa em produzir continuamenre obras gloriofas ao feu nome, fua Pátria , huma vida illuííiada com os alentos do coração mais cândido , e generoíb , e do engenho, mais difcreco , e ornado, que ja mais ie hajaó viítos unidos com taõ eíclarecido Tangue , huma vida , em fim , que fera memorá- vel em todo o Orbe Literário , naõ a titulo de Autor , e Poeta infigne , mas também de Mecenas humaniíTImo. Lisboa Orien- tal 24 de Julho de 1757-

Alexandre de Gufmao.

ODireítor , e Cenlores da Academia Real da Hiftoria Portu» gueza daó licença ao Conde da Ericeira para ufar do titulo de Académico do numero no livro intitulado Poema de Conde D. Henrique ^ viftas as approvaçoens dos dous Académicos, a ouc le cometeo o íeu exame. Lisboa Occidental, 1 1 . de Agofto de 1737.

Conde de Ajfumar.

António dos Reys.

Marquez, de Valença,

D, Vtogtí Fernandes de Almeida,

Nuno da Sj/lva Telles,

LICEN-

b DO SANTO OFFICIO.

CENSURA DO Aí. R. P. Al. Fr. BERNARDO DO DESTERROf Relígiojo dít Ordem de S. Domingos Prefentado na Sagrada Theologia.

eminentíssimo, e reverendíssimo senhor.

Brigado do preceito de V. Eminência a dar o meu pa- recer fobie eíla Obra , intitulada i Henriqueida Poema hcrcico com adrvertencias , &c. compoíla pelo Excellen- _ ^_ tiílimo Conde da Ericeira D. Francifco Xaxier de Me- nezes , poflo , e devoídizer ,' que nem acho, nem podia achar ncila coufa, em queleotíenda a'pareza de noíTaSantaFé, ou bons coftumcs. V. Eminência mandará o que for fervido. Convento de S. Domingos de Lisboa Occidental i. de Julho de 1758'

Fr. Bernardo do Defterro.

CENSURA DO Aí. R. P. M Fr. JOZE' PEREIRA DE SANTA ANNA,

Relígiojo da Ohfervancta do Carmo , Doutor , e Lente jubilado na

Sagrada Tlieologia , e chronijia da fua Ordem.

eminentíssimo senhor.

LI o avultado Livro, que contem a bem formada Henrtqueida com as Advertências preliminares , e Notas , de que he Au- tor o Excellentiílímo Conde da Ericeira D. Fran^iíco Xavier de Menezes do Coníelho de Guerra de Sua Mageíiade, &c. Vaiaó, alèm de famofo em virtudes moraes, e politicas, de modo con- fumado nas fciencias relevantes, que os menos íabios o numeraó entre os mayores , e os mais intelligentes conhecem, que he pela fua quafi incompreheníivel univerfalidade, atè dos Príncipes das Artes liberaes o Corifeo. Logo nas fuás Advertências preliminares, no titulo da Imitação exprime hum modefto dezejo de Icguir a Ho- mero, parecendolhe, que ío o iguala na falta de vifta, que julga defeito , e naó nas obfervadas perfeições de íèu Poema. Clara- HPiçnie iuoftra , que o naõ cega o amor próprio 3 porque a ter ca- pacidade

I

pacldad« (íe exercitar efte affe(5to , poderia crer a conftante voz Je muitos árbitros , que em alguma parte condenaõ a Obra de Ho- mero, e em tudo louvaõ a proporção, emais parriciilaridíi.des dei- te Poema Heróico. Mas ainda , que o ExceJlcntiíIimo Autor , por naõ abonar o applaufo próprio, ou defconiieça , ou defprcze as ventagens, que leva àquelle , e a femelhaiues poetas , baila para fuperabundantemente eftabelecer efta verdade a bem recebida, e nunca impugnada opinião de 1'eus cultores. Em Homero íèria de- feito a referida falta de vifta : mas no Excellentiíiimo Conde foy alta providencia . por tal vez nos perfuadirmos , que todo he in- telligencia ; porquanto atè depois de lhe faltar o exercício dos oliios corpóreos, incanfavelmen te trabalha com os d'alma,e quan- to he poíiivel , com o feu claro entendimento. Para fer infig- ne poeta , lhe baftaria haver herdado de leu Excellentifllmo pay efta nativa qualidade j mas para nefta eiiimabiliífima aite exceder aos feus melmos originários predeceíTores , atè de fua Excellentif- fima Máy participou poéticas affliiencias Ambos os feus gene- rantes foraõ inlignes i porém no filho avulta mais do que em ca- da hum dos pays a poezia, porque à maneira de hum rio, femprc efte he caudalofo depois que nells entraõ, e íe unem muitas aguas. As que da perenne fonte do Parnazo para o enrendimento do Ex- ceilentiíínno Autor da Enriqueida manàraó , faô as mais criftali- nas: bem que por nenlium outro principio fe reconhecem mais puras, que por naó haver em toda efta grande Obra couía que ofFenda a nofTa Santa Fe , e bons coftumes. Por tanto a julgo dig- nilíima de fe eftampar. Real Convento do Carmo de Lisboa ii, de Julho de 1758.

Doutor Vr* Joú Pereira de Santa Ãnna.

VIftas as informaqoens , pòde-fe imprimir o livro de que fe trata, e depois de imprelfo tornará para fe conferir , e dar licença que corra, l::m a qual naõ coirerd. Lisboa Occidental, 1 1. de Julho de 173 b'.

Fr. Rodrigo de Alencafire. Sylva, Soares. Abreu,

B DO

DO ORDINÁRIO.

CENSURA DO M. R. P. D. JOZE' BARBOSA CR,

Chronifta da SeremJJima Cafa de Bragança , Académico da

Academia Real da Hífioria Rortugueza , e Examinadcr

SynoUal do Patriarcado de Lisboa.

EMINENTÍSSIMO SENHOR.

HE V. Eminência fervido , que o meu parecer fobre o Poe- ma intitulado Henriqueida , que compoz o Excellentiífimo Conde da Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes , caó benemé- rito da fua fama, que de juftiça fe'lhe deve a univerfal acclaroaça6- a todas as fuás obras. Naó fe fatisFaz o Autor com moftrar nefte Poema a elevação do feu juizo na mageftade da acçaõ, a delicadc- íã do leu difcurfo na diftdbuiçaó das paitss , a verofnniiidade na idea das ficções , e a natureza dos Epiíodios ; mas fez por força da natural cadencia, que em taó grande numero de Oitavas (e ad- mire femprc a fuavidade , e a conftancia do metro. Nada difto faz novidade,porque aífim como dos valerofos nafcem valerofos, também dos difcretos nafcem difcretos. Seria injuria da nature- za, que degeneraífem feamente os filhos da condição dos Pays, porque naó coftuma o valor das Águias produzir a pufilanimida- de das Pombas.

Da Cafa do Autor fe deve dizer, que he a Cafa da Sabedoria, porque naó fallando nos defcendentes do Autor , que com o ef- piendor do íangue receberão a viveza do entendimento,e os tefou- ros da erudição, naó vejo por toda a fua Excellentiflima aícenden- cia íe naó profeíloies de todo o geneio de lecias , de íorte que atè difpoz a Providencia, que efta grande Cafa vieífe a fer herdeira de algumas , cujos poííuidores foraõ refpeitados no íe.i tempo por morgados das fciencias. E fallando neftes , que por ferem de fora fe lhes deves deattençaõo primeiro lugar, quem naõ fabe que Dio- go de Paiva de Andrada foy hum Theologo, que entre os muitos, e grandes, que ibra5 mandados por ditferentes Príncipes ao Con- cilio de Trento , mcreceo, e coníeguio ( que he mais) entie todos a primeifi diíliiuçaò pelas fuás letras , de que daõ gloriofo tef- tcmunho os Efciicotes daquelle Sagrado Congreífo. Deo 1 luz a defenfa da novamente iliuftrada no mefmo Concilio em hum volume de qiiaito^ cílarapou outro, com o titulo Qithodox^fidei

' " Conful-,

Ccnfítlt At tones , e três tomos de Serwoens , naõ fazenáo agora meii-- çaô de muitas Oraçoens UtinaSyqus diíTe na prefença daqnelles dou- tiíllmos, e graviflimos Padies. Seu Irma5 o V. P. Fr. Thomc de Jefus , que honrou as mafmorras de Africa cora a fua prizaó, e a Religião dos Eremitas de S. Agoftínho, de que fcy profeíTo , com as fuás virtudes , entre muitos livros que imprimio , he mais cele- brado ( e com razaõ ) o que tem por úziúo Trabalhos de Jefit , que depois de traduzido em varias línguas, modernamente fe impri- mio com a íua Vida cfcrita por D. Fr. Aleixo de Menezes Primaz do Oriente, e das Hefpanlias, Governador da índia, e Vifo-Rey de Portugal. Francifco de Andrada Coramendador de S. Payodas Fragoas, e Irmjó de ambos efcreveo a única Ckromca que temos, d' ElRey D. J^oao o III- Traduzio em Portuguez a Vida de Jorge Caf- TTtoto compofta em Latim por Marino Bariecio Scutarino : o Toe- ma do Cerco de Dio , que he rariííimo , e outros muitos impreífos, e manufcritos. Seu tilho , e lucceífor na mefma Commenda Diogo de Paiva de Andrada atém de muitas Cartas Latinas, e Portt<guez.iís, de muitas Poefias , t' Enigmas nas línguas natural , Italiana , e Efpanbo' la , de três Tragedias , e de alguns Panegyricos , deu á luz o Exame de An-' tigmdades , o Cafam:nto perfeito, e ofamofo Poema Chauleidos, em que teve a felicidade de fer igual a fineza dos conceitos á elevação do metro.

Mas voltando agora para os Senhores deftaCafa pela Baronia dos Menezes , o primeiro Conde da Ericeira D Diogo de Mene- zes efcreveo , e imprimio a Vida de D. Henrique de hlemz.es Governa- dor da Indta. Deixou correr mais liberalmente a penna o fegundo Conde D Fernando de Menezes, e entre grande numero de ma- nufcriptos , que fe confervaó feus, vemos na luz publica a Hiftoria de Tangere, e a da RefiauraçaÕ de Portugal, clcrita em dous volumes na lingua Latina com tanta elegância , como na Portugueza a de ElRey D. 'Joaõ o I. Seu Irmaõ, e genro o terceiro Conde D. Luiz de Menezes, quem ignora que efcreveo a Hiftoria de Portugal Ref- uurado em dous grandes volumes , a Vida de Jorge Cafirioto , eo Compendio da Vida do Marquez, de Távora , e que deixou grande quantidade de manufcricob, políticos, militares, e poéticos, e en- tre elles hum certamente digno de toda a eftims^aó , qual he a repofta pelos mefmos confoantes a todos os Sonetos de D. Luiz de Ulhoa? Nefta Cala eruditiífima ate as Senhoras fe fizeraó mila- gres dadifcriçaó, como fe vio na Excellentiííima CondeíTa Dona Joanna de Menezes , filha , mulher , e Mãy do II. III. e IV. Condes da Ericeira, que compõdo em proza, e verfo muitas, e eiegantif- fimas obras , íe excedeo a fi mefma nas 300. Oitavas do Defperta-*

ha doí

^oV ád Aiwa alfueno de U Vida, que corre impreíTo com 6 Tupoí-' to nome de Jpollinario de Almada. Naó efcreveo a Excellentiflima Condefla com penna de Águia , porque ha muitas , efcreveo com pena da Fénix , porque he única.

De todos eftes eruditiíITmos Cavalheros he neto , fobrinhò , filho o Excellentiífimo Auror deíle Poema, em quem entendo que fçz â natureza o mayor esforço, pois parecendo muito diííiculio- ía a femelhança , ou a igualdade , naó veneramos , e reípeita- inos o exceífo na agudeza , e facilidade , em todo o género de .compoíjçaõ , mas também na fecundidade , porque trinta, e fe- te volumes fe compõem de obras fuás. A muitos engenhos fez ef- tereis o tempo com a fecundidade ; a eíle o faz o tempo cada vez mais fecundo. Canfaõ as arvores com a producçaõ dos frutos ; ca- da dia he mais copiofa a fanteíia do Autor. Houve terras , que en- riquecendo o mundo com as fu^s minas , vieraó a naó ter eftima- çaó , pela falta do ouroj efta mina Excellentiííima he mais rica, quanto mais produz , e nelle fe o como o entendimento hti- mano he ímma participação do divino , porque nunca íe exhau- le. Ifto prognoitjcaraó os rariífimos principios da fua idade, por- que chegou nelles aonde naó chegarão outros em annos mais prove- &0S.., e baft^ria dizer que fazendo os eícritos dos feus Afcenden- tes trinta , e feie volumes , elle igualou a todos cora o mefmo- numero de tomos.

Aiéagora quiz dizer alguma coufa do Autor da Henriqueidàj líorque a matéria he taó vafta, eao mefmo tempo taó elevada, que- |3or muito que fe diga, nunca fe pode paíTar do principio : ago- me he precifo informar a V. Eminência acerca do Poema. A Epopèa, Eminentiííimo Senhor , he huma narração em verfo he- róico das acções illuftres de alguns Heròes. NaÕ direy agora toa- das as partes., de que fe deve formar, as quaes todas defcreveo em' breve, mas elegante eftiio o Padre Lejay, fazendo-as fumma-- mente perceptiveis no concifo , c claro modo de dizer, por-- que naó entro a dar documentos, quando lómenre íe me pede in- /orma(^5 defte livro. He certo pelo que dizem os Autores , que iium Poema que mereça verdadeiramente o nome de Poema naó o ha pelas condiçóes que fe lhe fuppoem neceíTarias , e preciíàs.- Deve de ter huma fo acçaó , que naó ha de fer nem muito anti- gna , nem muito moderna ; deve de ter hum fóHeroe, mas tao- eminente aos íeus companheiros, que pareça fempre mayor , nunn cu Igual, dclcnido de que he notado Torqiiato Taíío , que tudo. quanto houve de grande, e de illullre no fitio de Jcrufalem attri- bii^.a Reginaldo , aT^ACfedo, ea Raymundo., deixando a Go»

dpfredo, ,

cJofredo, que he o feii Heròe, com a fatísfaçaó de fei- tefte mu- nha de tudo, e de cooperar como particular, e naô como íiipe- rior : o que melhor fe prova que refolvendo Godofredo na au- fencia de Reginaldo levancar o cerco da Cidade Santa , e voltan- do depois Reginaldo , mudou de lorte de opinião , que aos Tolda- dos íe lhes infundio tal valor , qne íe lhes rendeo a Cidade íkia-, da, demaneira , que pelas leys , que fe daõ pnra a bondade de hum Poenia, o Poema Heróico lie Chimera , que naó pode ex- iítir.

Com tudo eu creyo que efte quaíi impofiivti o confeguio o Autor nefte Poema, porque o Conde D. Henrique, que he o íeu Heròe, hc taô fuperior a todos os companheiros das íuas acçúes', que íempre íè lhe conhece a differença , que fe entre Príncipe e Vaífallos. A acçaõ he huma, qual he a tundaqaõ do feu Império. A verofimilidade que he huma das partes da acçaõ, íevé aqui com toda a decência, e propriedade,porque tudo o que finge à fecun- dilfima , e difcreciííima idea do Autor , poderia íer, ainda que naõ foy. Naõ le aqui o que com rifo, e indignidade fe vc em Ho- mero, e em Virgílio, Meftres , e Lentes de Prima mais que jubi- lados da Poefia Grega, e Latina. Eu naõ duvido que a antiguida- de lhes conciliou toda efta grandeza , mas íendoeu grande vene- jador àã antiguidade, naõ palia o meu reípeito a buma obftina- da cegueira. Se bafta a antiguidade para violentar , e arraftrar a razaõ, taõ antiga he a idolatria , que muitos lhe daõ o feu infeliz principio nos filhos de Seth , e ninguém haverá que affirme que a idolatria merece eftimaçaõ por haver muiços feçulos, que leiníi troduzio. :;

Que importa que Homero , eque Virgílio fejaõ antigos para < defculpa do que elcreveraó ? Pode parecer bem ainda ao mayor idolatra da antiguidade efcrever Homero que Achilles converfa- va com os feus eavallos , e que elles diícorriaó com o íeu Heròe íobre o eftado futuro dos feus llicceííos ? Eu creyo qtie quando Horraero efcreveo efte difparate , efrava raõ cego nojuizo, como nos olhos Qiie haja , c que houveíTe homens , que foíTem capazes de tratarem com cavailos , naõ o duvixdo ; mas que os cavailos pcrcebeflem os conceitos humanos , e que refpondelTem-, como íê foflem racionaes, ifto devia de íer em Grécia , e foy generoíi- dade de Homero , que quiz dar juizo , a quem a natureza naõ deO' mais do que inftincio. Tudo podia dizer , quem- naõ conhecia a indignidade do que imaginava.

Parece que foy pena da imitação de Homero o que diífe Vir- gílio , qi|e huma arvore -natural. produTia hum raino de ouro,

que

que Tem duvida fe deve de rer por benefirio da Chfyfopeya poe-> tica, que do cadáver de Polidoio nalceraó varas íViióliferas, eque os navios de Eneas íe transformarão eai Ninfas. Qiic direy das lagrimas que diz Homero dos cavallos de Achilles? Pareceo tam- bém ao mefmo Virgílio aquella corrente de lagrimas deftes caval- los , que a Ethon , que o havia fido de Pallanre , quando repre- lenca a fua pompa funeral , o defcreve chorando na marcha j in- verofímilidade que o Padre la Cerda commentando efte lugar cor- robora com a autoridade de muitos Poetas, e Hiftoriadores, por- que he vicio geralmente introdufido nos Commentadoies quere- rem defender tudo quanto diííe ocommentado, luppondo como infalliveis as fuás opinioens, felicidade que naõ teve o noffo gran- de Camões, porque alguns dos que o explicarão, naõ tiveraõ com elle efta attençaó. Eftas lagrimas nos brutos naõ íó foy afierçaó de Poetas, mas também de alguns Hiftoiiadores,como Suetonio, e Piinio , e ainda que Aldrovando quaíi entendeo que eraõ encare- cimentos poéticos , juftifica efta opinião allegando vários Auto- res. Eu naõ duvido que houveíTe demonftraçaõ como de agrade- cimento nos brutos para com os feus bemfeitores, que na fua fal- ta fe deixarão morrer ; e fe elles tivellem o fegredo de chorarem, naõ fatiaó a fineza de morrerem. Entendo que íaõ exaggeraçóes inverofimeis , porque as lagrimas faó filhas do diícurfo, o difcur- fo he effeito da razaó , e aonde naõ ha as premiíTas, naõ fe pôde íe^^uir a çonfequencia.

Se quem os efcrevia dava credito a eftes ímpoíliveís , naõ fey o que diga ; e fe era para divertir a quem ouvia contar eftes ar- monicos deíconcertos , bem lhes podia lifonjear os ouvidos cora acções mais verofimeis. Que direy da facilidade, com que o mef- mo Poeta introduz nos Campos Elifios ao feu piedofo Eneas pa- ia fazer huma vifita a feu Pay Anchifes para ouvir da fua boca a futura grandez-a da Republica Romana, quando era mais natural que o foubeíTedaSibillaCumea, a quem fe attribuhia o efpirito de profecia, e que na entrada da infernal caverna ja lhe tinha dado argumentos do mefmo dote.

O Heroe , como todos aíTentaõjdeve fer de tal forte conftan- te, que ha de fer íuperior a todo o género de adveríidade, e naõ ha de haver acçaõ por árdua que feja, que naõ ceda ao feu valor, que para ilfo fe fuppoecn Heroe. E como le compadece ifto quan- do vemos a Eneas todas as vezes que ouviado algum trovaójC todas as vezes que o vento paliava de Favonío, ou de Galerno , ja poí- to de joelhos , chorando como o mais tímido homem do mundo, c pedindo foccortp. ao Ceo naqueiies perigos. Eílas acções mais

pare-

parecem de carpidor, que de Herce. Qiie faria Eneas Te lhe fucce- dera o marimoto , qiie experimentou D. Vafco da Gama? Naõ te- riamos os Reys de Albânia , porque morreria de fiifto, e naõ di- ria o que diliè o lUuftre Gama aos (eus companheiros , que aqael- la extraordinário movimento era medo do mar , íentindo fobre íi o pezo de taõ vakrofos loldados , como cantou o iníígne Ca- mões na Ertancia 47 do Canto II.

O' gente forte , e de altos penfamentos Qíie tambcm delia hao medo os elementosl Ifto he íer Heroe.

Qiie lagrimas tau indignamente derramadas, como as do pie- dofo Eneas na morte de Palinuro , que era hum miferavel Piloto? Naõ podia fentir mais a morte deíeu Pay Anchifes, que na de Tua mulher Creufa naõ fallo , porque naõ faltaõ autores , que affir- maó que elle mefmo a matara em obfervançia do paóto que fizera com os Gregos de naõ ficar com vida filho algum do infeliciílimo Priamo, porque efte Heroe fundava a mayor parte da fua gran- deza em acqões, de que ou íe naõ devia de fazer cafo, ou que naõ mereciaó eítimaçaõ. Que acçaó mais heróica que ver a hum ho- mem taõ infigne , como o piedoíò Eneas, deftinado para funda- dor do império Romano, occupado com toda a fua geiUe em cor- tar ramos de arvores para compor , e adornar com elles a fepultu- ra de Mifeno, que podendonos períuadir que leria algum homem digno da mayor eílimaçaõ , pois íe lhe faziaõ na morte taõ publi- cas demonftrações de fentimenro , /abemos qué o íeu minifíerio era no mar empunhar hum rerno , e tocar ha terra Kuma trom- beta. Qiie compaílívo patrono perderão os Algaravíos , eosTrom- beteiros negros em naõ alcançarem os tempos do piedoíò Eneas!

Huma das partes , de que reíulta a perfeita Epopèa, he a àos coílumes , que deve ter o Heiòe cm gráo peifcito, poiquenaõ fe- ra jufto que hum Varaó, que ha de fer o extmplar de todos, achem CTS que delle dependem , vícios , que imitem huns , e que efçanda- lizem a outros. Ela de fer pio , magnanin.o, genetolo, affavel , e independente : ha de receber os tributos , como obrigação dos vencidos , naõ como fatisf.nçoõ da cobiça. Todas as (uas accoens haõ de refpirar valor, e ms^eí^ade, e de nenhum medo ha de dar mào exemplo pelo perigo da imitaçaõ„

Naõ o praticou aíiim Virgílio com o feu piedofo Eneas nós divertimenros , que lhe fingio com a Rainha Dido (Princeza mo- deíti-ífima , e que para naõ ccntrahir o legundo caíamento com hií Rey, que a pretendia , fe queimou viva 5 infâmia de que a refgatoii a diicreta pena de Aufomo no Epigramma 1 1 g. } e aTendec ao a-

mor

mor de hnm homem defconhecidoje peregrino. Anachronlímo verdadeiramente atrevido íobre fallo , porque tendo vindo Eneas a Itália 3 50, antes da fundação de Roma , fetenta annos depois de íe fundar ac|4.]ella Senhora de todas as naçoens, deo principio a Rainha Didoà Cidade de Carchago. Bem ley que os Poetas tem algumas vezes os privilégios de Piofetas, por onde fe lhes o no- me de Vates, que he perturbarem artificiofamente a ordem dos tempos : porém naõ ha de íer pelos fins indecentes, como efte, que fingio Virgílio, para infamar huma Prijn1f*za, que naõ merecia ef- ta injuria pelas accoens prudentiíTlmas da fua vida.

Como íe pôde perfuadir quefoííe magnânimo Eneas, vendo- o matar a Turno, que lhe pedia a vida com todas as demonftra- çoens de rendido? Nem parece que bafta a defculpa que fe ailega para efta vileza, o verlhe pendente dos hombros ainfignia militar, de que tinha defpojado a Pallanre , porque eííe motivo na opinião de muitos foy prererao paia disfarçar a própria vingança com a fineza da amizade.

Nenhum deftes ou defcuidos, ou erros verá o mais efcrupu- lofo Leitor nefie Poema, porque além de fcr comporto depois dei- tas, e de outras Cenfuras aos Poemas de Homero, e de Vírgilio, todos fabem que a mefma gsneroíidade do illuftre fangue de feu -Autor Excellentiííimo paílou a animar a fua pena, e que naõ podia haver fenielhante nota em hum entendimento, que medita fempic aççoens heróicas, o que provara com evidencia, feo juizo , que faço das letras , pudeíle paíTar ao das armas fem a nota de aíFeóta- jçaó. Tudo nefte Poema he igual, porque a íentença que he outra parte da Epopèa , he fummamence delicada , e taó própria , que parece que fe naõ podia dizer de outra forte, e adicçaõ finalmen- te he taó elevada, taõ clara, e raó conftante, que tira as eíperanças de fer imitada. Entendo que efte Poema , em que fenaõ pala- vra contra a Fé, ou bons coftumes,íe deve de imprimir para que íirva a todos de exemplar, e de admiração. A outros Autores de- ve-fe dar a licença para imprimir , para que por beneficio da im- preílaõ mereçaó a fama: porém no Excellentiííimo Autor deílePoe» rca naõ he allim , porque tem chegado a raó alto ponto de gloria, que nnó pode ter augmento, porque a fua vafliíTlma erudição he taõ coniieoida por toda Europa, comoo dizem as íuas doutiílimas correfpondencias em Itália com os Cardeaes Conti, depois Inno- cencioXlII. e Cienfuegos, com Muratori, Bianchini, Creícim- beni, e o illuftre CongrelTo dos Árcades com a íua Excellentiííima Sociedade fatisfizeraõ a louvável ambição de aggregarem ao feu Gprpo hum dos mayorss homens do mundo: em Alemanha com.

d II

du Mont, e Garclll , em Olanda com le Clerc ; e Bayle: em Ingla- teiTB com Sylveftre , c outros da Saciedade Real em que ja feacha introdufidoiem França com Boileau,Renaudot,Bignon, la Roque, Ncufuille,e outros muitos em que entra o grande Marechal de Schomberg , de cuja heróica hoca aprendeo pelo efpaço de hum anno a Arte militar : em Eípanha com Salazar , que foy o Con- de D. Pedro da fua idade, Mayans, c Feijó, vendo, e ouvindo celebrado o leu nome , com mais de trinta Dedicatórias , entre as quaes merece particul^f^memoria a da Critica de D. Salvador Jozè Maííer. Naõ pôde haver cfcrupulo de lizonja nos louvores defte Autor Excellentiífimo, pois Tabemos que de tal forte concor- reo a naturefa para o fazer grande, que na idade de oito annos ja era Académico Inftantaneo,ede poucos mais, Académico dosGc- nerofos, aonde, quando fe renovou, foy Preíidente fendo de vin- te annos , Secretario , e Protedor da Academia Portugueza , e Cenlor, e Diredor da Real, e pela fua rara viveza, grande enge- nho, e mayores noticias naõ houve Certame poético no feu tem» po , de que naõ foíTe Juiz , e de taõ virtuofa hydropeíía em jun- tar livros, que acreícentou à Livraria que herdara, mais de vin- te mil volumes efcolhidos , e íeis centos manufcritos de muita ef- timaçaõ , e naõ podendo fer mayor a fama defte Autor Excellen- tiífimo, fahindo agora a Henriqueida á luz publica, dará mais hum Hovo argumento , e hum illuftre teftemunho do que todo o mun- do venera. Efte he o meu parecer. V. Eminência mandará o que for fervido. Lisboa Occidental nefta Cafa de N. Senhora da Di- vina Providencia de Clérigos Regulares 14. de Setembro de 1738.

D. Joz,e Barbozjt C, R,

Vlíla a informação pòde-fe imprimir o livro de que fe trata, e depois de impreíTo tornará para fe conferir , e dar licença para que corra. Lisboa Occidental , í;. de Setembro de 1738»

Gouvea,

DO

DO PAQO.

CENSURA DO M, R. P. M. PAULO AMARO DA COMPA- ííhia de Jefu , ^c»

SENHOR.

SE a obeHieiíciâ por goftofa perdeíTe o íer meritória , nada me- receria o meu rendimento ao preceito , com que V.Mageftade me ordena veja a Henriqiieida compofta peio Conde da Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes ; pois o gofto , com que a vi , i- gual à expeótaçaõjCom que acompanhava os dezejos de toda a Re- publica Literária, foy taõ grande, que antes devo dar, como dou, a V. Mageftade as gra<^as, pela anticipaçaó, com que fatisfez aos meos dezejos , do que publicarme obediente ao Teu preceito com a devida execução delle,pofl:o que árdua para a tenuidade do meu juizo , havendo de interpor, como íbu mandado , o meu parecer em obra taó heróica : porque ainda que a obediência , que para fer perfeita, ha de fer cega , atropelalíe, como tal, o conheci- mento próprio , parece me fazia menos apto para Cenlor a ex- cepção de foípeito , aíTim pela veneração peflfoal , com que íem- pre refpeitey os incomparáveis talentos do Autor , como pela o- brigaçaó commua da Religião , que profeflTo, â fua Excellendílirna PeíToa , e Cafa , jufta , ainda que fempre diminuta retribuição ao amor, e empenho, com que favorece efta minima Companhia.

E íem fer neceííario mendigar teftemunhos da antiguida- de, nos noíTos tempos fe me oftereciaõ os motivos, que no nof- fo agradecimento (e poderiaó julgar calificada prova dafofpeiçaõ. Tal foy o mageftofo apparato , com que o Author fe empenhou igualmente em honrar os vivos , e em celebrar as honras fúne- bres de hum Jefuita morto , o grande P. António Vieyra j procu- rando com vozes mudas , e eloquência viva eternizar a vida da- quelle heroe, que lhe roubara a morte, e gravando com os mel- mos caracteres no mauíoleo, que lhe erigia, o Ní>« />/í/í uIua da Ina magnificência, e o da noíTa obrigação pelas demonftraçoens de amor, que confagrava à memoria de Vieyra, a qual com fua vener-qaõ fazia mais iaacloía. Tal he(na5 fallando em quem her- dando do Autor com íí (angue,e virtudes o aífedo, chegou a pu- blicar por í^hn-ia ^ r;Mfura de Amigo da Companhia) tal he a íín- gyhr benevoienciíí > com que repetidas vezes a f^a nativa eloquen- C' : :-■ cia

cia animada com o amor , c zelo ou refreou a protervia dos noí- fos emulos , ou fez callar convencida a loquacidade dos iiial- dizentes. E para naõ hir mais longe nefta meíiTia cbia no Canto 8. outava 9. ainda que em rermoj. conciíos, expoz o Autor hum largo teftemunho ào leu afleclo, e hnm novo motivo p".ra a roí- fa obrigação , tal , que a haver nefte Poema coula digna de cen- fura, luíbmente fe poderia temer, que o aífeólo, pintor deftriííi- mojde tal forte temperaífeas cores, que reaiçaííe luzes das mefma-s jòmbras. Porém he tal a excellencia delia obra, e de leu Author, raõ grandes os créditos , que com íeus eruditiííimos eRriros tem conleguido na Republica Literária , que chegou a fazer impolE- vel a fofpeiçaó , ainda cm quem tiveíTe motivos paia íet o mais apaixonado. Eíta a eaufa, porque pofto de parte todo o efcrupulo, que em tal cafo por falta de matéria rodo he impertinente , me re- iolvo mais como interlocutor da voz publica, que como Ceníor, a dizer a V. ivlageftade o que finto.

Se nefte Poema verdadeiramente heróico fe attender o feu Autor, no melmo titulo, que o publica, traz a mais calificada approvaçió; pois naõ ha quem ignore, que fendo a Cafa da Ericei- la fecundiíUma de Varoens doutos , e de Efcritores eruditiííimos, como teftemunhaõ tantas obras , com que tem eternizado o feu nome, c enriquecido a Pátria, no Author deíla le preverteo a re- gular ordem da natureza , que por limitada parece fe canfa nas producçóes, hindo fempre em diminuiçaõj porque depois de tan- tos Herocs, e taó granties, fahio á luz com efte, que fe naõ teve a gloria de primeiro , pode ter a jadtancia de único , e de que a repetida producçaõ de tantos Varoens infignes , quantos venera- mos em feus Alcendentes , foy cníayo , para que o mundo lo- graílè no Author hum máximo , em quem fe admiraíTe compen- diada toda a erudição , e fabedoria , que repartida pelos outros bailava a fazer cada hum grande. Naõ he encarecimento meu; he confiílàõ de rigorofa juftiça; pois tem comporto íb o Author dei- la obra igual numero de volumes ao de todos léus Afcendentes: fendo tanto mais para admirar , íe fe attende á diverfaõ dos ne- gócios políticos , e militares foiçozos aos feus empregos, que, occupando o tempo , coftumaõ perturbar as efpecies , e interrom- per o focego, que Ovidio julgava taó precizo para a eulrura das muzas, e o naõ he menos para o eíludo das fciencias. Mas para em tudo fer grande o Author , até nifto fe havia de aíTemelhar a Cezar, a quem nem o governo politico da Republica embara- çava a applicaçaõ aos livros , nem o manejo da e/pada retardava os voos da pena: e fempre com ventagem , naõ peia multidão,

c ii e va-

e variedade de obras , mas pela circnnftancía doí annos , é efla- do prefente ; pois ainda quando ja cego naó ceíTa de illuftrar a Pátria , e diftundir as luzes da infinita erudição, que entezourou feu incançavel eftudo.

Sey que Demócrito grangeou os créditos de mayor filofofo à cufta da vifta, deque fe privou , para que mais applicado, por- que menos divirtido , pudeífe contemplar os Cegredos da nature- za , donde nafceo dizer delle Cicero vio mais Deimocrito cego, que roda Grécia com vifta: íey que Homero Principe dos Poetas Gregos padeceo a faka de vifta, c que Ennio Aufidio , íèndo ce- go , naó íó íe occupava no emprego publico de Senador, mas em particular na compoííçaó da hiftoria Grega: com tudo na ceguei- ra do Author defcubro eu mayoies luzes; pois naó ferve ao pu- blico , como Aufidio , nos Coníeihos , e Juntas , de que hc Minif- tro mcritiíiimo, fe naó que o vence , naó fe occupando , como clle, em huma hiftoria, nem , como Homero em dous Poe- mas , mas em cantas , e taõ diverfas matérias , como labemos , c dezejamos íayba o mundo todo por benehcio da eftampa.

E fe a cegueira de Demócrito , padecendo o dezar de ambi- ção , e impiedade , o fez Oráculo entre os Filofofos , a do Authoc o faz digno da mayor admiração , porque mais incompatível com os feus eftudos , e efcritos. Que diícorra com mais acerto , e agu- deza nas matérias Filofoficas hum cego , bem le entende; porque, fuppoftos os princípios, e atalhada com a falta de vifta a divcrfaõ, que caufaõ os fentídos externos , fe avivaó mais os internos , e fe emprega toda a alma nos difcurfos , fendo poriífo eftes mais acer- tados, e as conclufoens mais concludentes. Mas que hum cego, como o Author ,difcorra, eefcreva cora tanto acerto em matérias taõ vaftas, juntando em hum tantos eftudos , como os da Hifto- ria, Poezia, Mathematíca, Chronologia, Politica, Genealogia, Militar , Filologia , Erudição , e os mais , com que illuftra (uas o- bras , e em cada hum com tal magifterio , como fe aquelle profeíTaííe, he (em duvida aílombro da facilidade , pafmo da eru- dição, etfeíto raro do eftudo, portento da memoria, e para dizer tudo , monftrozidade de engenho. E hum tal Autor mal podia dar ao publico obra, que naó foífe parto legitimo de feu raro ta- lento, e poriífo naó íó acrcdor da approvaçaó , mas da veneração comua.

Tal he, Senhor, efte Poema ; porque , fc le atténde à for- ma , nelle fe vem religioílílimamente obfervadas as leys da Epo- peia por raõ poucos praticadas , quando o pedia à obrigação, qu« íc impunhaó , no alfumpto, que toraavaó : donde fc fegue poífo

dizer

Jizer fem aflrcfVaçaõ , qije à vifta defte Poema heróico naõ tem Portugal que envtfjar a Grécia o feu Homero, a Itália os Viigilios, Eítacios , Taílbs, e Arioftos , a França o Brebeuf, a Inglaterra o , fcu Milron , a Hefpaniia o feu Gongora , Jiern ainda íèntir de fau- dolo a falta do grande Luiz de Camões , e de íeu fiel imitador Gabriel Pereira de Caftro ; pois logra de prezcnre no Author hum Poeta, que fe naõ foy primeiro na ordem dos annos , naó he fe- guudo no fácil , luave , claro , e conftante do eftillo , no delica- do , e próprio da fcntença , no agudo , e grave dos conceitos, no agradável dos epifodios , no vario , e deleitofo da textara; e para dizer tudo , cm todas as qualidades , que fe requerem para hum confuinado Meftre da Poeíia.

E aíTentando efta forma Ibbre huma matéria taó heróica, qual he a Acçaõ , com que o Senhor Conde D. Henrique tronco da Auguftiflima , e Real Caía de V. Mageftade lançou os funda- mentos á grande maquina do Império Portuguez , naõ podia dei- xar de refultar hum compofto taó admirável , como confeflarà o mundo todo , quando por meyo do prelo fe veja enriquecido com efte thezouro de eloqucncia,e erudição, a cujo applaufo ío po- derá faltar o da enveja pela que pode caular a obra por inimitá- vel ? E porque nem ao publico fe retarde eíle gofto, nem ao Au- thor cila gloria , digo que fendo V. Mageftade taó eftimadoc da Peífoa do Author, taõ zelofo do credito daNaçaõ,taõ amante das boas letras ( coníequencia quaíi forçoza da alta intelligencia, que delias tem ) e juftiííimamente acclamado no feu Reyno , e nos ef- tranhos por Mecenas das Artes liberaes, naõ julgo convenien- te conceda a licenqa , que fe pede para a eftampa defte volume, mas que com efficacia igual ao zelo do bem publico , que em V. Mageftade reyna, ordene ao Author naõ roube com furto taõ ma- nifefto afia gloria jC a nòs o proveito, que a todos ha de rezul- tar de dar á luz os trinta e féis volumes , que ainda lhe reftaói porque fendo por filhos do mefmo Pay Irmãos de fte , he mais que jufto o acompanhem no prelo , e corraó o mundo, multipli- cando , naõ a gloria de íeu Author , porque naõ pode Ibbir a mais, os tiuilos paraa veneração de íeu notne fempie immortal. Efte o meu parecer , que em tudo logeito ao mais acertado de V. Mageftade. Collegio de S. Antaõ da Companhia de Jefa , i 6. de Novembro de 1738.

Paulo Amar tf ^

Que

aUe fe poffa imprimir, viflas as licenças cio Santo Ofíício > é Ordinário , e depois de impreflo tornara a efta Meia para íe taixar , e dar licença que corra , fem a qual naõ correra, Lisboa Ocjidcntal , 1 7. às Novímbro de 1738.

Pereira, Ttixeira, V/(x, de Carvalhç. Coelho. CoJím»

LICEN-

LICENÇAS.

Do Santo Oíficlo.

conforme com o íeu Original , Lisboa Occidental , lo. de Junlio de 1741.

Fr, Bernardo do Defterro.

VIfto eftar conforme com o Original, pode correr , Lisboa Occidental , lo. de Junho de 1741 ,

Fr. Rodrigo de Alemaflre. Sjflva. Sodres. Abreu,

Do Ordinário.

T) 0'de correr , Lisboa Occidental, ii. de Junho de 1741?

D. V. A. de Lacedemonia.

Do Paço.

TAixaó efte livro em papel em 800. reis, para que poflfa cor- rer. Lisboa Occidental , 21. de Junho de 1741.

PeretrA. Teixeira. Vaz de Carvalha.

ADVER^

ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES

ao Poema Heróico da Hcnricjueida,

NA6 he o prologo , que íe ante§ de princi- piarle hnma obra , quem juftifica os feus de- feitos j porque eíles fc julgaõ depois que aquel- Ia acaba de lerfe. Pode Ter , que por efta cauía naõ uzaííem os efcritores antigos defta prevenção j pois fe o autor reconheceo alguns erros na íua obra, mais útil lhe feria a emenda, do que a difculpa. A- o nome , ou a fignificaçaõ alterarão os moder- nos,dando-Ihe o que fe acha antes das Tragedias," e Comedias ) e como aquellas tem leys taõ íeme- Ihantes às dos Poemas Heróicos , o que fe juftifica na Arte Poética do Grande Ariftoteles , bem po- dia eu por efta razaõ dar aquelle titulo a eftas ad- vertências preliminares , fe foíle o meu fim preve- nir a atenção dos Leitores , ou ganhar com humil- de adulação a fua benevolência , por temer com indigno receyo a fua critica. Em feculos mais mo- dernos chamarão os Latinos, e denominao asou* trás naçoens ao prologo Prefacio , e os Portugue- zes antigos lhe chamarão Prefação , mudando-lhe depois com os Heípanhoes efte titulo , que lhe era mais próprio , no de Prologo , de que também al- guns efcritores tinha 5 ufado nas obras em proíà com autoridade de Sao Jeronymo no feu Prologo Galiato da Eiblia. Proemio le acha em Cicero ,,. e Quintiliano com o mefmo uzo ; que fc continuou

d em

ém tndo o que precede a qualquer obra , como diz a fua Ethimologia , fendo eíle nome mais comum que o de preludio , apparato , e outros, de que naõ ha exemplos nos Efcritores Antigos , que os naô íêparavaõ da .introducçao das hiílorias , do exór- dio das orações , e da propofiçaõ dos Poemas he- róicos. Porém como o meu intento he demonf trar as regras , que fegui para hum Poema Épico, que he o ultimo esforço da Poefia , e dos engenhos humanos, me pareceo intitular Advertências Pre- liminares as que haviaô de preceder a Henriquei- da, fogindo da oftentaçao de allegar os lugares de muitos autores y que efcreveraõ regras para os Poe- mas Heróicos , que faõ mais do que aquelles , que com perfeição as feguirao j e em quanto as notas, com que determino aclarar algumas alufoens defte Poema , fenaõ lem no fim delle , fupriraÕ de al- gum modo eílas advertências aquelle commento , que naõ hey de efcrever por vaidade de que a mi- nha obra o mereça como illuftraçaõ , mas como defeito , pois o he grande hum eftilo efcuro , que neceíTita de aclararfe com as notas , fe de algum modo nos Poemas naõ foíle obrigação procurar o eftilo fublime , e a menos vulgar erudição. IMITAÇAM. Reíblvime , naõ íey íe com demafiada ouía- dia j a exporme ao perigo , em que naufragarão por mais de vintq e íète feculos mais de quatrocen- tos Poetas de todas as nacoens , que efcreveraõ

Poemas

Poemas Heróicos ; e naõ íêy, fe concordarão to- dos em que dous de cada cento ficarão izentos da critica juíla ; e ainda entre eftes naõ íe acharão Zoilos , que indignamente os fatirifaraõ , mas A- riftarcos , que com rígida , e naõ fempre imprópria cenfura , pretenderão defcubrirlhe alguns deícui- dos , de que naõ podem livraríè nem ainda os mor- taes, que prefumem dar immortalidade aos íeus He- roes j e com elles aos íeus efcritos. Homero deo à lingoa Grega os dous Poemas perfeitos da Iliada que he o mais elevado , e da Odiflèa que he o mais engenhofo. Oh ! íe eu pudera íeguilo nas idéas, como hoje a minha falta de viíla o iguala neíle de- feito ! He o iluílre Melefigenes o mais antigo au- tor profòno , que exifte , íendo a idade , em que floreceo , taõ incerta , como afua pátria , de que agloriofa difputa , dizem , caufou a guerra entre fete Cidades : naÕ determino agora defendelo das deílnerecidas calunias dos que naõíabem tranfpor- taríe aos íeculos antigos para conhecerem o génio dos tempos , o caracler dos homens , a inclinação das naçoens , e o eftilo das Lingoas : alguma noti- cia , que tenho da Grega, na5 me baílou para en- tendelo bem , mas procurey ler as fuás melhores Traducçoens , e comentos , fervindo-me mais que todos o da eruditiíTima Anna Tanaquil filha do doutiíTimo Fabro, e eípofa do igualmente grande Mr. Dacicr , que na mefma traducçaõ, e notas dos dous Poemas , e nos Livros , que efcreveo contra

d 2 aigno-

a ignorância moderna , confervou a antiga pofíè a éfte, quefoy em tudo o primeiro dos Poetas : de- íèjey imitalo nas fuás principaes partes , e fegiiilo jnfos combates da íliada , e nos amores , e enredo da Gdiflea. Virgilio entre os Latinos nos quáfi único Poema perfeito , e o tenho pela obra hu- mana , em que íc achaõ menos imperfeiçoens : de longe fep-ui , e adorey os feus veíligios , como diz StaciOj*a quem dou por cfta modeftia ,mais do que lhe arguo pela ília efcura elevação , o fegundo lu- gar entre os Poetas Latinos , e como os vulgares , de que logo falarey , ainda naõ conhecerão , prin- -eipalmente em Hefpanha , e Portugal, por fubli- me o que he natural , e claro , leguindo o génio da nação, imiteyem Stacio algumas figuras mais atre- vidas , como também os jogos, em que fe dilata mais que outros Poetas. que as Muías concede- rão apenas mais de dous Poemas perfeitos a cada naçaõ , direy por credito da Portugueza , que os feus efcritores derao à Lingoa Latina dos moder- nos os melhores dous Poemas , de que hum o Chauleidos de Diogo de Paiva de Andrade , que naõ cede a Stacio no efpirito , e o excede na clare- za j e o outro o Paciecidos do P. Bartolomeu Pe- reira , que pode no eílilo compararfe melhor que todos os modernos a Virgilio, ainda que a matéria do íeu Poema feja mais pia que heróica. Da mefma íbrte deo Portugal a Hefpanha as melhores duas compofiçoens , que tem a fua Epopéa: lea-fe para

juftifi-

jiiftlfícíir efta propofiçaõ , o Alfonfo , ou Lisboa Conquiftada de Francifco Botelho de Vafconcel- los , a quem louvo na Oitava 185. do Canto 12. e que muitas vezes tem impreííb , e emendado-, quando na primeira ediçaõ parecia a todos, que naõ havia nelJe que emendar: deixo ao juizo publi- co a deciíliõ da duvida, que pode excitaríè entre o feu , e o meu Poema , naõ fòbrc a excellencia ,que lhe naõ difputo , mas fobre qual dos dous efcolheo a acçaõ fiuidamental do Império Lufitano, pois eu a buíquey no principio com o feu fundador , e elle na Conquifta de Lisboa com o íeu primeiro Rey. Miguel da Sylveira também Portuguez deo no Macabeo outro excellente Poema á Lingoa Caílelhana , a quem naò figo tanto na dicção que a lima gaílou pelo muito que a quiz polir , ficando com a imperfeição de íer exceííi vãmente perfeita. Dando Portugal taõ excellentes quatro Poemas a duas Lingoas , naõ havia de ficar íem outros dous na fua : o incomparável Luis de Camoens nos Lu- fiadas foy o modelo , que mais intentey copiar , íe me atrevefle a fazello j pois a fiaa erudita claridade me cegou defde logo , e muitas vezes me defani- mou do meu oufado intento j e por efta cauía me apartey algum tanto da ordem inteiramente hifto- rica , que obfervou , e dos Deofes Gentílicos , que nobremente introduzio , e a que eu buíquey o meyo , que em feu lugar fe verá. Naõ me fervirao menos as fuás Rimas, em que fe folie poffivel^ he

mayor

niayor que no feu Poema, para o que no meuíe acha de erótico , ou amorofo. Gabriel Pereyra de Caftro na fua Uliflea a Camoens naõ difputa o primeiro lugar : naõ íey fe na Matilde da Henri- queida fe defcobre igualdade com a Calypfo da U- liíTea , mas fey que naô a compito , porque naõ ha- ja de fucederme o mefmo que ao autor da Uliffipo: aquelle Poema veremos com as notas do grande iluftrador dar0hi*as de Camoens Manoel de Faria, e Soufa , que naõ faberiamos haver também com- mentado a UiiíTéa, fe o R. P. Pedro Alvares da Congregação do Oratório nos naõ trouxeíle de Madrid efte , e outros tefouros literários \ mere- cendo mais efte titulo de tefouro a fua fciencia , e erudição. A Lin^oa Tofcana deo a Itália hum grande numero de Poemas Heróicos 5 e entre elles tem o primeiro lugar fem competendi'a ajerufalem Libertada de Torquato Taflb , queéritre os de to- das he também hum dos primeiros : imitey-o quan- to pude , na ordem , em que poucos o igualaõ , na religião , nos epifodios , e no amorofo, como tarrí- bem na liberdade da Fabula Heróica, confervando 'OS nomes de alguns Heróes , mudando outros , e as circunftancias , efcrevendo de hum Heróe eftran- geiro com mais de féis feculos de antiguidade , e acabando a acçaÕ depois de muitos íitios , e bata- lhas , infpiraçoens celeftes , e cafos miíagrofos na Conquifta da Cidade deJeruílJem , em que livrou dos facrilegios dos infiéis o Sepulchro de Chrifto. -o-;'Ví Tam«

Também eu hia imitando a Tafib , que pela dema-; fiada critica , a que expoz a fua Gienijakmme Li- herata , perdeo aa Concjuiftata as mayores bellezas poéticas da fua primeira obra j porque naô falta quem entenda , que a jufta docilidade , com que emendey o de que me advertirão os meus ceníbres, diminuio alguma parte do primeiro fogo poético , com que compuz a Henriqueida. Defegundo Poe- ta Italiano me naõ atrevo a tirar o lugar a Ludovi- co Arioílo , porque ainda que a alguns pareça, que o feu Orlando Furiofo fe chega mais aos livros dos Caualeiros andantes do que aos tempos heróicos , íendo huns , e outros muito cheyos de hiílorias fa- bulofas , e o tempo de Orlando muito próprio pa- ra as aventuras da errante Cavalaria, naô pode ne- garfe quanto intereíTa a fua agradável narração , e os feus incidentes , e quanto admira a fecundidade do íeu génio poético : huma , e outra coufa eftima- ria eu íaber copiar , e o procurey fazer no enredo do meu Poema com a diferença de que em Orlan- do predominava a loucura , e em Henrique a ge- nerofidade. Os Francezes , que melhor que mui- tas naçoens , deraõ os preceitos para o Poema E- pico , confeflaõ , que ainda o nao tem perfeito. Pode fer , que fe exceptue defta regra M. de Vol- taire na fua Henriade, ou Henriquiada, com quem o meu Poema fe parece mais no titulo , que na for- ma , naõ deixando de eftimar , quanto merece , a fua fublime, e natural poefia,que eu quizera imitar

antes

antes que outras ideas muito diferetttes das do meu aíTumpto. Deixo aos Criticos Francezes a efcolha do fegundo lugar , que naÕ fey fe he devido ao P. le Moine no feu S. Luiz , ou a Scudery no feu A- larico. A Lin^oa InHeza tem o Parai fo Perdido de Joaõ Milton hum dos mais admiráveis Poemas, que fe cfcreveraõ j porque de huma idéa Theolo- gica 5 e verdadeira , qual foy a rebelião de Lúcifer, introduzío de forte o mais fublime da Poefia , que naÕ fazem falta os faiíbs Deofes da Gentilidade, os quaes também eraõ génios infernaes aos que lem o triunfo de Deos pelo primeiro Génio xontra o íeu ílicrilego inimigo. Nem o melmo autor , que imi- : tando a Homero , fez legundo Poema , o pode igualar ao feu primeiro no do Paraiíb Reftaurado. que ainda affim entendo nao o excedem outros , que aquella naçaõ eílima , e de que eu com o me- diano conhecimento , que tenho da Lingoa Ingle- za , naõ poílo julgar a preferencia. Porém a tradu- ção em veríb Latino , e proía Franceza , com o juizo , que fez Adiííbn , me perfuadiraõ mais do que a rigoroíà cenfura , que fez hum anonymo nas cartas criticas impreíTas em Pariz no anno de 175 1. fobre os dous Poemas de Milton. Efta he no todo a imitação , que procure y bufcar nos mayo- res Poetas Épicos ; mas como ha tantos outros , d.e que as partes faõ excellentes , naõ deixcy de ler com admiração as fícçoens de ApoUonio Ilhodio na fuá Argonautica , e de outros Poemas Gregosj

os

os penílimentos de Liicano com os encantos da fiia Ericlo , e difpofiçaõ de Titios , e batalhas , fe- guindo nas do Conde D. Henrique as regras da Milicia , que íê conhecia no íèu íeculo com pou- ca diferença da Romana, em que me vali muito de Vegecio ; a fabula hiftorica de Silio Itálico na fua Guerra Púnica , e a Arte rude , mas engenho

o

grande , nos fragmentos deíle aíTumpto dos doze Livros de Ennio ^ dividindo o meu Poemia , como eile-jj') como Virgilio na Eneida , como Stacio na -Thebaida , e como outros , também em doze. Can- tos a Henriqueida. Valério Flaco na fua Argonau- tica Latina tem idéas nobres, e Ovidio nos léus Metamorpliofis contextura admirável, dando-me com Hefiodo na fua Theogonia , tudo o que trato de Mithologico , e Manilio as fabulas Aftronomi- cas. Dos Latinos modernos , íeria eu feliz , fe imi- taíTe na parte facra , que naõ hc a mais pequena do meu Poema , a do De Partu Virginis de Sanazaro^ o P. Buífiers no Scanderbegius me deo para a guer- ra dos bárbaros, e para o perfeito caracter do Heróe hum bom exemplar. Os muitos Poemas Heróicos de autores Caílelhanos fao difíceis degraduarj mas ainda affim direy , que o da Cruz de Zarate he dos melhores na difpofiçaõ , noeftilo , e na elevação : a Farfalia de Xauregui naõ he inferior a Lucano. Naõ defeftimey pelo efcilo pouco levantado aoPrincipe de Sguilace na fua Nápoles Recuperada , Poema digno de eftimaçaõ pelo feu illuílre autor, e pela

e pu-

pureza da fua fraze ; e pelas mefmas cauflis naõ ex- duhi a Sevilha Conquiftada do Conde de Ia Roca pela impropriedade de efcrever hum aíTumpto he- róico em verfos , que naô p fao. O Polifemo de Gongora procurey , que me deílc aefpirito fubli- me , com que fez voar , íem precipitaríe , as Mufas Hefpanholas j e nem efta fabula , nem a de Andro- meda, e Perfeo, que compoz em féis Cantos a Con- deça da Ericeyra D. Joanna de Menefes minha Mãy com taõ alto, e próprio eílilo , que merece melhor que outras fer chamada decima Mufa , co- mo acreditou entre outras miuitas obras no De/per- tador dei kA Ima aljiieno de Ia vida , que com o no- me fupofto de Apollinario de Almada corre impref- íbjnem o Orfeo,que o Conde da Ericeyra D.Luiz de Meneies meu Pay compoz à competência do que fe imprimio com pouca mudança nas Obras pofthumas de D. Agoftinho de Salazar ; reílituin- do-íe depois ao feu verdadeiro autor D.Joaõde Xaureguy ) nem a Conquifta de Oran , que com elegante , e polida penna defcreveo D. Eugénio Gerardo Lobo, o qual fupondo melhor fim ao fitio de Campomayor, naÔ quiz fazer trágico o Poema, que principiou defla empreza, de que devia fer o Heróe D. Luiz Manoel da Camará Conde da Ri- beira ^ nem D, António de Mendoça , que com diP- creto decoro , e devota decência , reduzio a hum Romanceavida de Noííli Senhora, aíTumpto, que com elevação tratou Júlio de Mello de Caftro , e

ainda

ainda naõ fal jo a luz , con^so merecia j nem outras obras , que pelo aíTumpto , pela hre\ idade, ou pelo metro , naõ merecerão o ncme de Poemas Herói- cos , deixarão de fer emprego em muitas partes da minha dellgual imitação: devame entre todas lugar íêparado a Filis de António da Fonfeca Soares, quê lifongeando o efpirito Apoftolico , com que o feu difcreto autor mudou o nome , e a vida , também fe occultou no retiro dos gabinetes. Na Lingoa PortUG;ueza ha igualmente manufcritos, e correm impreíibs outros Poemas, em que Bocarro he efti- mado no fcientifico na fua Anacephaleofis , de que fahio a luz huma pequena parte j e na5 deixey de imitalos no filofofico de alguns dos meus epifodios. O Affbnfo Africano de Moifinho gravemente eC crito me fervio para a forma da guerra dos Portu- guezes , e Mouros : o Condeftavel , claro em no- bre eílilo compoílo por Francifco Rodrigues Lo- bo igualmente fublime que fuave, me obrigou a íè- guilo depois de o examinar ^ e o íègundo cerco de Diu de Franciíco de Andrade me naõ pareceo me- nos eftimavel j como também os dous Poemas de Jeronymo Cortereal , ainda que em verfo folto : it to mefmo digo da Malaca Conquiftada de Francif CO de de Menefes j da Lisboa Conquiftada , de que o Conde da Ericeyra D. Fernando de Mene- ies meu Avo , efcreveo os primeiros cinco Cantos com tanto acerto, que poderia competir com quem depois illuftrou eftc aíTumpto 5 e naõhe menos fin-

e 2 guiar

guiar o Poema da Alfonfeida de Fr. Jeronymo Va- hia,que vi nos meus primeiros annosj e certamente que a Vida de NoíTIi Senhora efcrita em hum g^ran- de Poema por Manoel Alvares de Barbuda faria contar eíle autor entre os grandes poetas , fe o ti- veíle emendado, tirando-lheaiguns equívocos pue- ris , que forao no Teu íeculo o contagio , que infi- cionou o ar do Parnaíío , e corrompeo a agoa de Hypocrene. Na5 me íèrá fácil reduzir a numero os poetas heróicos Italianos , que eíludey para ad- -tnirar algumas das fuás partes : teria o primeiro lu- gar , fenaò o defmereceíle pela impureza j o Adó- nis do Marini, e íe foíle Poema Épico ta5 perfeito., como Mr. Chapelain quiz provar mais erudita que folidamenteno difcurfo , que fe na impreííaô dei- te Poema feita em Pariz j mas aquelle douto Fran- .cez, que fabia as regras da Epopèa , nao fe acredi- tou nefte paradoxo , e menos no Poema da Pucel* le, que mereceo juftamente a critica quafi univer- fal pela dureza do feu eílilo , quando podia fer efti- mado pela ordem , e pelo aíTumpto. As imagens poéticas , os muitos conceitos , a afluência , e os epítetos ; com que Marino colorio o feu Adónis , lhe fazem condemnar hoje pela fua naçaÔ a fua ef- teril abundância, que os modernos achaõ muito di- verfa da antiga , e natural fimplicidade de Dante , ç de Petrarca , que com outros autores dos primei- ros litterarios de Itália , feguem como exemplares : 4em efta opinião por juizes competentes osnacio-

naes,

naes , e por mais redos os Francezes. Em Heípa- nha, e Portugal ainda fenau apagou a verdadeira, ou apparente luz brilhante , de que fe adornao as JU040. Outavas defte Poema mais amoroíb , que heróico , executando o feu autor regras mais íegu- ras na que he obra mayor^ f^ndo mr.i? pequena , cm que delcreveo a làgrada tragedia doEíirago dos In- nocentes. A conquiíla de Granada de Gratiani me deveo a aplicação pela fua ordem , e nobreza: o A- madiz de Bernardo TaíTo pela diverfidade das aventuras j e as Avarchides de Alamanní nao me forao diíTonantes pelo metro. Como na Lingoa Franceza achey tao poucos Poetas Épicos , que fe livraflcm da engenhofa , e íabia critica do meu iluP- tre amigo Nicoláo Boyleau Deipreaux , confeíía- rey. 5 ainda com receyo de alguma fatira poílhuma, que li com utilidade na parte , em que íao menos perfeitos , a Brebeuf no íliblime da fua Farfalia , e aos autores do Clóvis , e de S. Paulino. Outros Poemas mais breves , mas nem por iílb menos ex- cellentes pela difcriçao , li , e adniirey 5 e tem en- tre eíles o primeiro lugar o Roubo de Proferpina de Claudiano , e a Raquel de D. Luiz de Ulhoa , o Faetonte do Conde de Villamediana , e a Santa Urfula de Diogo Bernardes , ou de Camoens •, co- mo Manoel de Faria pertende : e como fempre fo- gi de tudo , o que parece furto , até na Poefia 5 pode íèr, que ainda que íegui a Horácio ; que cha- ma rebanho de efcravos aos imitadores , de^^ene- (''■■ ralTe

raííe o meu Foema em ter poucas imitaçoens ^ pois íêrviraô idéas , que confervey com tenaz me- moria de deixar na minha as eípecies do que li , pa- ra que iníeníivelmente fem cativarme a liberdade, j me illiiftraíTem a imaj^inativa , que os inimip-os dos Poetas depois do autor do Exame de ingenios o fú- til João Huarte digno deflorecer em tempo de me- lhor Filofofia 5 acliou nos Poetas por parte íuperior do feu difcuiTo , acreditando mais o feu furor divi- no, do que o feu juizo folido. Se a Henriqueida mereceíle achar por commentadores alguns (como Boyleau lhe chama ) Salmafios futuros , a quem eu applicaíle o tormento de explicarme , por mais que procurey feauir o eftilo claro ^ pode fer que elles defcobriílem roubos, de que me nao acuía a con- ciencia, como entre outros achou até no grande Camoens o feu vaílo , e erudito commentador Ma- noel de Faria , e Soufi : mas continuarey em fazer hum breve juizo de outros Poetas Heróicos, valen- do-me dos que ajuntou Bayllet no kwjiigement des ScavantSj e do que outros criticos obíèrvaraõ mais do que eu ponderev na liçaÕ de muitos. TKECEITOS, Sempre me perfuadi pelo difcuríb , e pela ex- periência , que eraõ maispoderoíbs os exemplos do que os preceitos j e por iílb dey o primeiro lugar neílas Advertências Preliminares aos autores dos Poemas, queme animey aimitar , do que aos da Arte Poética , que procurey feguir. Seja o primei- ro

ro o incomparável Arifloteles , pois íêguindo na faa Arte Poética a Homero , fe , como alguns com menos fundamento difcorrem , os Poemas defte cego illuminado foraô efcritos fem ordem , unindo-fe depois as rapfodias , que elle compunha acafo , e cantava por intereíle, mais fe acredita o engenho de Arifloteles , reduzindo a arte o que a na5 tinha ; mas naô fey fe he atheifmo poético , como no Poeta Lucrécio , ou Filolofico , atribuir aos acafos , como aos átomos , a primeira creaçaõ de obras taÕ perfeitas : depois defta Arte , e de feus Commentadores , me appliquey a de Horácio , pe- queno Livro , que no feu breve corpo he todo al- ma , e de que os documentos faô os mais feguros para os que naõ querem perderíe nas veredas do Parnaíb. Os que traduzirão , e illuftraraõ efte Li- vro em quafi todas as lingoas me naõ foraô defco- nhecidos , nem inúteis. Jefonymo Vida foy hum dos que no verfo melhor feguiraõ a Horácio ; mas em tudo o excedeo nos feus quatro Livros da Arte Poética Franceza o admirável , e allegado Boy- leau , a quem nos meus primeiros annos traduzi fiel- mente em Oitavas PortUG[uezas mais com o inte- refle de aprender os feus preceitos do que com o in- tento de merecer os elogios , que elle me concedeo ta5 liberalmente , como fe le em huma das fuás cartas , que corre imprefla , e fe lerá em outras , que com as minhas em profò, e verfo Francez, com o texto do fcu Poema , e asfuasjudiciofas an-

notaçoens,

notaçoens , e com a minha traducçaõ fahiráa Inz -depois defte Poema, juntamente com as minhas obras poéticas , que comprehendem cinco volumes em cinco Lingoas. Naõ lo efte illuftre Critico me enfinou com alua Arte Poética, masotinhajàfei- ^to na fua traduccao , e obíervacoens do Tratado Greg;o do eftilo fublíme , que efcreveo Longino, e o que he mais , dando-me exemplos para o Poe- ma Heróico no fcu Lutrin , em que as obfervou em hum afiumpto tao diftanre da Epopea j o que também fizeraõ Homero na fua Batrachomiomã' chia , ou Guerra dos E.atos , e das Kans, Taílb- ni ud.dmSechia Kapitãj Lope de Vega na fua Ga- tomachia , e modernamente D. Pedro Sylveftre no íeu Roubo burlefco de Proícrpina , fenaõ he que o feu autor da primeira grandeza de Hefpanha íe nos occulta em alguma gruta , ou ( o que he mais próprio no feu idioma , e no feu apellido) em algu- ma cova , ou Cueva do monte Pierio , fendo o Marquez de Cuellarhoje Duque de Albuquerque, a quem o Livro fe dedica. Deixo de tratar das Ar- tes Poéticas de Yoíllo , e dojuizo, queellefezdos Poetas antií)^os, da de ScalÍ2:ero , e deoutrasmui- tas, porque podem verfe ncftes autores . que tra- tao dos léus preceitos fazendo menção dos que íe apartarão delles nos Poemas Heróicos , que com- puzerao j o que com a meím^a erudição recopi- lou Bayllet , e o feu Commentador Mr. de la Mon- noye no feu Juizo fobre os homens fcientes. Sódi-

rey

rey que o P. leBoflíi Cónego Regular de Santa'j Genovéfa no feu completo Tratado do Poema E-^ pico he o autor , que mais eíludey , por achar nel- le unidas as fuás verdadeiras regras , e nao menos , poílo que nem em tudo conformes , na compara- ção de Homero com Virgílio , e nas reflexoensío- bre a Arte Poética do P. Rapin , que fe efcreveíle hum Poema Heróico , na5 fey fe imitaria tao feliC; mente a Eneida , como imitou as fuás Geotgicas- na fua incomparável obra De Hortorum cultura, Nao he vingança eíla minha ruppofiçaõ, ainda que. o podia ler de que efte difcreto Jefuita nao enten- dendo a Lingoa Portugueza , e naõ fey , fe tendo: vifto as traducçoens pouco fieis de Camoens,lhe ar- gue lem caufa defeitos grandes , e injuftamente o nome de Mercadores Fortuguezes a Vaíco da Gama taõ illuílre no íangue , como nas acçoens, e aos feus nobres companheiros , fegundos Argo- nautas, que defcobrirao , e navegarão pormayo^ res , e mais tormentofos mares , conquiftando pa- ra o feu Deos , e para o íeu Rey , vaftiíTimas Pro- víncias 5 e novos mundos. Com mais moderada, e eno^enhofa critica faz o autor da Hiíloria Poética da orucrra do Parnaílb entre os antiíros , e moder- nos combater com o íeu ardente efpiritoo bata'^ Ihaõ dos Lufiadas contra os da Illiada , e OdiíTéa j mas ainda queconfeíTà , que Camoens desbaratou no principio com o íeu vigor a Homero , reconhet ce depois , que efte venceo ao primeiro, refa^ehr .li f do-f-,

âó-ky portermelhororíem ; mas com tao nobre í triunfo, que compara Homero a Aquilles , e Ca^* moens a Heitor , íêndo efte Heróe na opinião de alguns cenfores de Homero , a pezar do feu trágico íim, de hum carader mais heróico, e na defcripçaõ, do Poeta,mais digno de admiraça6,que o Heróe do; íeu Poema; eaííimoreconhece a tradição, que con- ta a Heitor , e naÕ a Aquilles , entre os nove da fa- ma. He certo , que faltando a Homero ambos os olhos , e a Camoens hum , aquelle fe perdeo mui- to de vifta entre as efcuras fombras da antiguidade, e de huma lingoa morta j efte , como o Sol , luz aos modernos , fem que Uliílès , nem Eneaspoflaõ tirar a vifta, oudar a morte aefteCiclope, quefó na grandeza , e vigor he Polifemo. Bem juftificaõ a Camoens Manoel Corrêa, Manoel de Faria, João Soares de Brito , Diogo do Couto nas íuas obras manufcritas , de que fe conferva o original na gran^ de livraria do Duque de Lafoens , e ultimamente M. de Par Duperron de Cafterá na excellente tra- ducçaõ em profa Franceza , e reflexoens , que fez fobre efte Poema : o Árcade Ignacio Garcez Fer- reyra na correda edição dos Lufiadas com as no^- tas , a que chama ligeiras , e naõ o faõ muitas vezes ao Poeta, e aos feus Commentadores, que fem parcialidade , e com erudição , ou combate , ou defende. Veremos em 8U800. Verfos Latinos , que faõ tantos como os que tem Camoens nas fuás lUioo. Oitavas , que traduzio o Ciíhe Portuguez

Fr.

Fr. Francifco de Santo Agoflinho Macedo , que nos correctos nos feiís vinte volumes das vidas, e obras dos Poetas Portiiguezes , que efcreveraõ nalingoa Latina o R.P. António dos ReysdaCon- gregaçaõ do Oratório igual aos mayores , e igual- mente grandeHiíloriador no mefmo douto idioma, em que reílaura huns, e outros eícritores da fua na- ção, que melhoro cultivarão. Outros Authores Co- bre o Poema Épico pudera allegar , e as criticas , e defenílis de Homero , e de Taílb ; mas nao fey fc me accufo, ou me defendo, quando em referir , que vi tanto , naõ poíTo allegar ignorância , fe os leito- res defcobrirem , que conhecendo eu os exemplos, nao os imiteyjC fabendoos preceitos, naõ os fegui. ^5 5 17 MPT O. O AíTumpto que efcolhi , na5 me parece que neceíTita de defenfa. He a acçaõ o principio da Mo-» narchia Portugueza, ampliando ainda que íemo titulo de Rey , o Conde D. Henrique da Cafa Re-^ ai de França pela linha Regia , e Varonia dos Du- ques de Borgonha , o pequeno Dominio , que feu Sogro ElRey D. AíFonfo VI. havia dado em dote à Rainha D. Thereza fua filha com o direito de acrecentar com as conquiftas, que fizeíle aos Alou-» ros, o Condado de Portugal, como logo direy^ quando tratar da acçaõ do Poema. Achey como Virgilio , e como Taííb hum Heróe eílrangeiro^ e iiaõ de nacimento pouco duvidoíb na origem, ain- da que conílantemente illuílre na nobreza : achey

f 2 hum

hum Príncipe generoíb , como logo moftrarey feu caracter , e inimigo dos infiéis , a quem com va- lor heróico dizem que venceo em 17. baralhas: achey que era afcendente do Sábio ReyD.Joaô o V. de quem he por varonia decimo fettimo Avo com canta certeza , como era duvidoía a defcen- dencia , que a adulação de VirgiHo deixou de E- neas a Augufto , e a lifonja de Taííb de Gofi'edo de Bullon a AíFoníb de Efte Duque de Ferrara , a quem dedicarão os íèus Poemas. Taílb tinha af fumpto com perto de féis feculos de antiguidade ^e he o meu aíTumpto de pouco mais de íeis íeculos : o de Virgilio tinha mais de doze : o de Sylveira no íèu Macabeo era de mais de dezefette : incerto , mas na5 muito antigo , he o tempo da ruina de Troya até o de Homero : com pouca diferença da minha , e pouca he a da conquiíla de Lisboa em Vaíconcellos: antiquiííimapara Valério Flaccohe a Argonautica, mas muito moderna para Lucano, que floreceo no tempo de Nero , a batalha de Far- falia 5 e ainda mais a conquifta da índia para Ca- moens , que havia 75. annosque tinha principia- do no de 1497. quando elleimprimio a primeira vez G íèu Poema no de 1572. tendo-oefcrito alguns an- nos antes , de que fe fegue, que o meu aíTumpto he hum meyo termo do que feguiraõ os mayores Poetas, naõ tendo eíla eleição tempo determinado. N inguem havia até agora celebrado em Veríb o Conde D. Henrique 5 eofeculo, emqueviveo íníiíl he

próprio das aventuras de tornèos, ejuflas, que como elle bufcavao os Campeoens valerofos ) as quaes principiarão a aperfeiçoarfe com o Empera» dor Federico Barbaroxa , que floreceo 40. annos depois da morte do Conde D. Henrique , tempo em que como prova o P. Meneftrier tiverao a ver- dadeira orio^em as Armas , e Brazoens das Familias, o quemenaõ fervio pouco para as dos Heróes Por- tuguezes de que faço mençaõ : em fim pareceme que defcobri hum dos aíTumptos mais próprios pa- ra hum Poema Épico.

ACÇAM. A acçaõ da Henriqueida he única, porque toda fe dirige por meyos proporcionados a hum fim , que he aflegurar a conquifta de Portugal, li- bertando as quatro Provincias átíát o Minho até o Tejo, e fundando o Reyno na protecção do melhor Palladio em NoíTa Senhora com a invoca- ção de Carquere , que milagroíamente livrou o Principe D. Affonfo da prizaõ, que defde o íeu na- cimento lhe embaraçava ospaílbs j e ultimamente havendo fundado à Virgem hum Templo , acaba a acção matando a Hali-Aben-Jofef , que era o Rey feu emulo , de que foy o premio a conquifta de Lisboa , em que acaba a acçaõ. Efte Poema nao principia pelo meyo , como fizeraõ com Virgílio alguns dos mayores Poetas , nem rigoroíamente pelo principio , como, naõ fem cenfura , o execu- tarão outros. Sendo a acçaõ o eftabelecimento do

domínio

domínio do Heróe , o coloquey na trente do feú fexereito , a que os infiéis difputavaõ o Rio Douro jUiito ao Porto , que com o Callello de Gaya de- raô por aquelles tempos a parte de Lufitania o no- me de Portugalj digo que Henrique matando a Al- mançor paflbu aquelle Rio ^e os princípios de Por- tugal vaõ porEpifodio no Ganto lo.

Naò íe aparta o Heróe da acção mais que o tempo do fitio de Coimbra ,' e prefo em Leyria pa^ ra foccorrer a Praça por caufa das cheyas do Mon- dego , de outros Rios , e do Mar ^ mas naõ ocio- íb , pois dou a entender, que poz em contribuição parte da Beyra, e daEftremadura, exercitandoas ílias poucas tropas , e dando eu affim tempo a que, fem fer contra o verofimil , poflaõ chegar a ElRey Hall os foccorros com os três Reys de Córdova, Granada , e Sevilha para fazer mais illuftre o triun- fo da ultima batalha j confeflando ingenuamente , que o amor próprio me fez dar a gloria da defenía de Coimbra a D. Pedro Bernardo de S. Fagundo tronco dos Menezes , e meu decimoquinto Avo '}X)r varonia , que era vivo pelos annos de lUioo. e alcançou grandes vitorias contra os Mouros, a quem ganhou na terra de Campos vefmha a Portu- ^gal muitas batalhas , e Viilas.

DURAÇAM:

Grande queftaõ excitao os eruditos fobre a dciraçaÕ , que ha de ter a acção de hum Poema 'Heroi-CG , e fendo Virgílio hum dos que melhor af ^ - -. finalao

finalaõ os tempos , ainJa affimlia diflertaçoens da tempo , que durou a acçaO da Eneida, défde a pri# meira tempeílade , em que Enéas foy bufcar Cai'- tago até a morte de Turno 5 alargando-a huns até fette annos , como logo direy , e ertreitando-a ou- tros a hum anno , e a menos. O mefmo íiiccede em Homero dilatando fe a OdiíTéa até outo annos,- e reftringindo-fe a Illiada a quarenta , e fette dias fomente. A Jerufalem de Taílb naõ he pouco dila- tada , eos Lufiadas dçGamoens contém humaac-. çaò de mais de dous annos defde a partida de Vaf- CO da Gama até a fua volta , ou de três , principian- do do tempo , em que ElRey D. Manoel o nome* ou , como Garcez quer provar : e léndo-fe o meu Poema com attençao fe verá , que principia na Oi- tava 68. do Canto I. em 21. de Julho, quando q Sol entra em Leão , e profegue no Canto 5. Oita-. va 56. no Canto 8. Oitava 28. no Equinócio de Se- tembro j no Canto 9. Oitava 65, a 22. de Outubro; no Canto lo. Oitava '49. em Abril, que he quafi hum anno defde Julho antecedente : no mefmo Canto Oitava 61. em 22. de Novembro , quando, entra o Sol em Sagitário j no Canto 11. Oitava 50. a 20. de Dezembro , quando o Sol domina no Trópico de Capricórnio, e na Oitava 120. no prin- cipio de Janeiro , em que digo que Henrique mar* chou de Leyria ao foccorro de Coimbra , e na Oi- tava 121. em que fe diz , que Henrique fahio fem eíperar o mez de Marco j e ultimamente termi- na

na no Canto 12. Oitava 159. em que íe executa a Conquiíla de Lisboa, quando o Sol efta no Signo doEfcorpiaõ, em que entra a 25. de Outubro j e aífim a acçaõ deíle Poema vem a ter dous annos , e três mezes de duração, os quaes acabaô na entra- da , que o Conde D. Henrique fez em Lisboa , que foy no anno de 1U106. como prova Fr. António Brandão p. 3. da Monarchia Lufitana foi. 49. que nos com a Hiftoria dos Godos a única noticia^ que temos defta empreza j' ignorando-íe o como Lisboa depois fe perdeo. E naõ admitindo os Poe» tas taõ exadlia Chronologia, ainda me naõ atrevera a hum Anacroniílno taô eftranhocomo o de Virgí- lio contra a virtude de Dido , a quem o Poeta fu- poem contemporânea de Enéas ( por mais que Sal- mafio , e outros eícritores queiraõ defender efta contrariedade ta5 condemnada por Santo Agofti- nho ) <]U€ viveo 5 00 . annos antes daquella Rainha dos Cartagineíes.

TITULO. Deo-me o Titulo o mefmonome do Heróe, como a Virgílio, a Homero , a Stacio na Aqui- leida , a Sylveira , e a Vafconcellos : ourros o to- marão da acçaõ , como Hornero na Illiada , Sta- cio na Thebaida, Silio Itálico, Lucano, eos au- tores da Arp"onautica : Camoens deo ao íeu Poema o titulo de Lufiadas , de que a acção he fóo defco- brimento da índia , tirando-o do nome commum -dos Lufitanos , a quem na fua primeira impreíTà 6 nrt chama

chama os Lufiadas, e parece, que por efla razão cantou Armas , e Varocns affinalados , e naõ diílè Armas , e Varaõ. Em outras impreflbens íe As Lii/íãdaSj attendendo maisà naçaõ Lufitana na fua terminação feminina , do que aos Heróes. Eu íet^uindo os primeiros exemplos fem duplicar o. tir tuío , como primeiro fez TaíFo , chamando ao fcu Poema fem exemplo antigo o Gofredo , ou Jeru- Júlem hibertada , duvidey gramaticalmente, fe "havia de dar-lhe o titulo de Henriquiada , que era mais fonoro , ou o de Henricjueida , que era mais •conforme a eufonía , e a derivação , que fe faz do nome de Henrique em Portuguez ) mas bufquey antes os nomes, que tem femelhante aílbnancia na Lingoa Grega , como de Aquiles fe formou Aquil- leida , e do de Enéas Eneida j pois lendo Henrique ilome Gótico , podia valerme da terminação , que me parecefle mais própria no cafo , em que otranlr portafle à Lingoa de Grécia j e aíFim ficou menos parecido com a Henriáde de Voltaire , que ou fe- guio diferente opinião da minha , ou naõ achou em Francez outra terminação , pois fendo o nome de Henrique naquelle idioma Henry , naõ podia formar delle outro titulo para o feu Poema. ;r.:. A RELIGIAM. n

o Com mais efcrupulo do que coftumaõ ter os Poetas na permitida liberdade da religião nos feus Poemas, entro a tratar huma queftaõ,- que. tem fido aíTumpto de difcurfos eruditiffimos ., mas r.edia-

g zirey

zirey a poucas regras as que fegui eni ponto taÕ de- licado. He certo , que os Gregos , e Latinos dou-r tos tinhaÕ por alegorias muitas das fuás fabulas, mas também he certo , que efta era a religião , em que vivia5 , ou que alguns Filoíbfos , e Rey s faziaõ crer aos povos , e affim quando Homero , Virgilio, e os outros Poetas do Paganifmo contaÕ os mila- gres, as appariçoes, os combates, os amores , e as inípiraçoens , e praticas dos feus falíbs Deofes, trata o íeu engano como verdadeiros eíles prodi- gios , ainda que mentirofos , com a meíma credu- lidade com que osChriftãosjuftamente o crem pe- lo infalivel da , nas Efcrituras , nas tradiçoens da Igreja , e nas fuás decifoens , e hiftorias Eccie* fiafticas , e outras vezes com pia , os milagres , e fucceííbs verdadeiros j porém como apermiílaõ da Igreja deixou aos Poetas a liberdade de que com huma proteílaçaô no fim da obra pudeflem chamar Deofes, Fado, Fortuna, Deftino , e outras ai- lulbens , e fabulas poéticas ^ fendo Urbano VIII. quem declarou mais efta favorável faculdade , por fer Poeta iníigne , e que imprimio em íeu nome as fuás excèllentes obras; da meírnalbrtequeno Ceo fe confervaraÕ os Planetas , e Conftellaçoens com nomes fabulofos , de que alguns fe achaõ na Efcrit- tura. Em cinco dos fette dias da Semana , excepto na piedade da Lingoa Portugueza,coníèrvaõ tam- bem as outras naçoens os nomes de cinco Planetas, eíicaraÔ ps ouvidos delicados dos que compõem, yc'-it2 -'.♦ ou

ou lem veríbs ] mais coftumados a ouvir os nomeí profanos dos Deoíès , do que os fiigrados de Deo5/ da Virgem Maria , dos Anjos , e dos Santos. Fazí Boyleau huma exccllente diftinçao entre eílas duas opinioens, e inclina mais à parte de naõ degradar os Deofes dos Poemas , naõ querendo tirar a Neptu- no o governo dos mares com o tridente , nem a Themis a venda , e a balança , nem querendo ren- derle a authoridade de Taílb , a quem diz , que na 6 faz o proceflb nefta parte , tendo por certo , que íe oíèu Heróe gaftaíle o tempo em combater pela oraçaõ ao Demónio : íeria infipido o feu Poema , fe com Reynaldo , Argante, Tancredo, Clorin- da , e Erminia , naÕ alegraíle a devota trifteza do íeu aíTumpto : he verdade , que o grande Taflb , e alguns , a quem feguio , e quaíí todos os Poetas Chriílãos , que depois efcreveraõ Poemas Herói- cos , fupriraò com os encantos caufados pela per- mifllio , que Deos muitas vezes concede aos máos génios ; as fabulas gentilicas , porque fendo os pro- digios os mefmos , e ainda mayores fem oíFenía da religião , pretendem com o extraordinário forpren- der , e agradar, veftindo-fe a poefia deftes adornos para deleitar enfinando, que he oíèu objedo. O in- comparável Luiz de Camoens zelofo obfervante dos ritos poéticos antigos introduzio alegorica- menteos mefmos Deofes no feu Poema 3 e naõ cuf- tou pouco a Manoel de Faria defcobrir , e preten- der approvar nos feus Comnientos , e melhor na ^ZQnp.i^mo: g 2 fua

fua Apologia , as vezes com mais erudição do que certeza, o fim alegórico, com que Camoens en- tr^ os Católicos, que adorao o verdadeiro Deos, e veneraõ os feus Santos, intruduzio os mefmos falfos Deofes da Idolatria , que hiaõ a deftruir na índia , fupofto que transformada em mais groíTeiros fimu- lacros. Bem fey que me bailava o exemplo de Ca- moens , ainda que tao combatido dos eílrangeiros íiefta parte j porém o de TaíTo he também muito digno de feguiríè-, e mais conforme aos principios de hum Poeta Chriftao, e bem fe ve, que os feguio com felicidade , igualmente J^oaõ Milton no feu Paraifo Perdido com a admiração , que ppnde- rey. Bufquey hum meyo termo, que pelanovida-, de poderá naõ deíligradar ; pois deixey aos Mou- ros a fua falfa feita , e ainda que inimiga da idolatria, como os Mouros Hefpanhoes eraõ doutos naLin- goa Arábiga , e muitos entendiao a Latina , ou ro- mance , naõ os fupuz ignorantes das fabulas , como naõ o foy Averroes , Avicena , e outros muitos ^ e poriíTo nao he inyerofimil , que a Rainha de La- rriego AxaAnçures, que he a Heroína, que com- bate a Henrique , como Camilla a Enéas , e que foy varonil , e valeroíli , como provarey tratando da,hiftoria, fe inclinaílè com hunia loucura taõ im- poíTivel a renovar no mundo qs falfos Deofes Gen- íilicos , a que podia haverfe inclinado pelos Livros Arábigos , e Latinos , que trataíTem da My tholo- gia , fendo certo , que havia Poetas entre os Ma- . .- -: bonaetanos,

hometanos^e obras de teatro , e canções, de que os primeirosRomanceiros confervaraõ na antigaLin- goaHelpanhola hiílorias confuíàs entre fabulas: aC fim me fervio efta ficção de que o que haviaÕ de fer encantos, e conjuros com os nomes impios,e bárba- ros dos demónios , foílem invocaçoens dos léus fal- íbs Deofes , que trouxe com efle disfarce ao Poe- ma fem oíFenfa da religião , nem da poefia. Con- íèrvey ao Heróe toda a piedade, que teve hum pro^, genitor de tantos Principes , que defenderão, e propagarão a religião verdadeija , e que bufcaraÕ como protedlora a Rainha dos Anjos , a quem fiz tutelar do Conde D. Henrique , e do Reyno , fen- do todo o Poema dirigido a efta milagroía protec-- tora dèfcuberta pela infpiraçaÕ de Sibilla , que he o nome da May do Conde D. Henrique , que me deo agradavelmente na alegoria de que era o feu efpirito a imagem da antiga Sibilla , de que produ- zem os nolTos autores numa infcripçaõ naõ muito certa 5 que dizem íe deícobrio em Cintra ao mef- mo tempo que a índia , e dizem , que nella íe liaõ; huns verfos com erros tam^bem na Arte , e na clari- dade pouco própria das Profecias , os quaes tradu- zi no meu 2. Canto , e podem verfe nos AuthoreSj que OS copiarão , ou os fingirão. E fendo S. Giy raldo Arcebiípo de Braga contemporâneo do Con- de D. Henrique , naturalmente o bufquey para in- terceífor , e interprete dos milagres , epara difilpar as.illufoens, encantos, efalfidades; concorrendo •'*"-' para

para a converfaô dos Reys de Lamego, e Mu- ley , e Abdara filhos legítimos , mas ignorados de Henrique.

HISTORIA,

Ainda que obfervey tratando da religião , que os Poetas Gentios naÕ contavao todas as fabulas- como mentirofcis , mas fim como principios tole- rados dos feus flilfos ritos , nao confeflarey , que as outras ficçoens por elles inventadas , o foraõ como novos dogmas , com que accrefcentaraÕ a antiga Mv thologia j e por eílà razaõ muitas naõ foraÕ fe- guidas dos Poetas mais modernos :feja exemplo en- tre muitos a engenhoía transformação , queinven-. tou Virgilio , dasNáos de Enéas em Ninfas maritir mas , a qual eu imitey transformando os animaes, que os Navios dos Mouros tinhao nas poppas , em mSílros marinhos , porém naõ fe tira daqui a con- fequencia de que tinhaÔ por verdadeiro, ou ao me- nos por tradição provável tudo o que Homero , e Virgilio referem antes, e depois de Troyaabraza- da j j3orque quafi tudo he huma fabula heróica fun- dada fobre poucos fados verdadeiros para illuftrar a acçaõ , que he o único emprego de hum Poema Épico. Tenho difcorrido , que os Poetas , que ti- veraõ aíTumptos antigos de mais de quatro , ou cin- co feculos , fe animarão mais a alterar as circunf tancias das hiftorias j e que ainda que Homero nao floreceíTe tanto tempo depois da Guerra de Troya,. o feculo mythico, e o geiíio da mentirofa Gre-. i.i;.] cia

cia lhe facilltariaõ mais os fingimentos.

Virgílio eftava mais longe da incerta expedi- ção de Enéas a Itália , e fabia muito bem , como tao douto , que quafi tudo o que efcrevia , era fal- fo : por eíla razaõ Stacio efcreveo com mais liber- dade o ódio dos dous irmãos Etheocles , e Polyni- ce na fua Thebaida \ e muito mais íinj^io Valério FJacco por ler mais antiga a acçaõda fuaArgonau- tica. Torquato Taííb tirou alguns nomes, e fuc- ceílbs da Conquifta dejerufalem , e muitos nomes próprios das hiftorias de Guilherme Arcebifpo de Tiro , onde naõ ha poucas ficçoens , e do Livro intitulado : Gcfia Dei per Francos -, mas acerei^ centou na mefma hiftoria naõ circunftanciasj mas acçoens , que nao houve , e peflbas , que nun- ca exiftirao. Silio Itálico, como eícreveo da íegun- da guerra Púnica, que Tito Livio, e outros hií toriadores tinhaõ delcrito , naõ íendo as vittorias de Scipiaõ Africano , e aruina de Cartago ignora- das de algum dos Romanos, que viviaÕ no íeculo ilefte Poeta , naõ muito diftante do aflumpto , que tratou , íingio menos , mas ainda affim os íeus poucos commentadores moftraõ os Reys , e os Capitaens, que inventou, principalmente em HeP panha por mais que no aparato da fua Hiftoria per* tendefle D. Jozé Pellicer inferir , que eraõ verdar deiros com a authoridade defte , e de outros Poe- tas , aquelles meímos Reys , que naÕ foraÕ menos fabulofos do que outros , que como taõ erudito, ' defler-

clefteiTOii- das falfas hiftorias attribiiidas por Joaõ Anilio de Viterbo a Berofo Caideo , a Manethon Egípcio , e a outros autores, de que exiftem -verdadeiros alguns fragmentos. Lucano , que vií- \?e6 noí-tempo de Nero pouco mais de cem annos Tilais 111 oiierno que a batalha de Farfalia , iiaôíeat- treveo a fingir tanto , parecendo-lhe que a memo- ria ye a tradição , as hiftorias , as infcripçpens, . as medalhas, e até aséftatuas , eftav-a6 ainda muito vivas para defmentirem a acçaÕ do feu Poema , íe aninioíamente desfiguraíTe com a poefia a verdade . da hiftoria , naõ ficando affim a fi.ia Farfldia taÕ eí^ timada j e como no feu feculo principiava a cor- romperfe o bom gofto, que no eftiloy e nas regras da poefia, e eloquência florecèra no de Augufto, para contemporifar com os declamadores , e com o génio de hum EmperadorTiranno, e máo Poe- ta j pode fer também que induzido por fua efpoía Polia Argentaria , para agradar as Matronas Ro- manas menos inílruidas nos preceitos da Arte Poé- tica , affim como fe lhe attribuem os conceitos , e Vêrfos languidos yque adoptou entre os feus o amor de Lucano , produziíTem todas eftas caufas o eíFei- to , de que os criticos de melhor gofto tiraflem por verdadeiro a efte Poeta Hefpanhol o lugar, que podia merecer por judiciõfo. Efte exemplo parece que fervio ao infigne LuizdeCamoens taõ vefinho como adverti, ao defçobrimentodalndia, que foy o aíTumpto do fèvi Poema j porém tantosjepi- iua^iii fodios

fodios fabulofos , e huma inimitável narração , me naõ deo lugar a íeguir na ordem hiftorica taô ex- cellente exemplar , quando por eílas reflexoens ef tava taõ longe do meu tempo o do Conde D.Hen- rique com mais de íeis íèculos de diftancia ; o que me obris^ava a imitar mais a Taflb , e Vafconcel- los , que no íeu Altbnfo elevou tanto o fucceflo verdadeiro da conquifta de Lisboa , que veyo a co- nhecer a fobula heróica ignorada dos génios vulsfa- res. Voltaire por efte motivo alterou pouco a hif toria da Liga na fua Henriade em que confervou os nomes verdacfeiros , de que alguns deviaÕ con- dennarfe ao efquecimentoj e a razão dos fuccef fos , que finge , em huma obíervaçao , que fe acha no íeu Canto i. na edição de Genebra de 1725. in- titulando ainda entaõ o feu Poema : A Liga , ou Henriíjue o Grande , refpondendo , em que naõ diífere muito da minha opinião fobre a diíferença de alterar nos Poemas as hiftorias modernas menos que as antigas , pois faziaõ a efte autor as meí^ mas objecçoens, principalmente fobre a jornada, que finge de Henrique IV. para conferir em Lon- dres com a Rainha Ifabel de Inglaterra. Naõ íey fe por eftes princípios devo diículparme mais das muitas verdades , que confervey na minha Henri- queida , íe por temor dos menos exercitados na E- popéa,eftou obrigado a juflificarme do nuiito que alterey a hiftoria dos fucceflos , que omiti , e dos que inteiramente imaginey,pois osparciaes da me-

h nos

nos bem fundada opinião de que bum Poema ba de jfèr huma biíloria verdadeira , e bem feguida , ador- nada porém com frafe , e figuras poéticas , fendo fabulofos os Epifodios , naõ admitirão a muita Kberdade , que com os melbores preceitos tomey na minba ftibula biftorica. Advertirey nefte lugar, que be verdade o que digo do Conde D. Henri- que, aííim arefpeito do feu nacimento, como acer- ca do feu cafamento , e cofiquifta»: que faô certos òs ínomes da mayor parte dos Heróes , e das fuás famiHas : que Henrique fendo Senbor da Cidade do Porto , e das terras , que teve em dote j dila- tou as fuás conquiftas pelas Provincias de Entre Douro , e Minbo , Beira , e Trás os montes , e até pela Eftremadura ganbando Lisboa , e Cintra. Podem lerfe as noticias mais verdadeiras , que per- manecem defte prloriofo fundador do Reyno de Portugal 5- a quem deo nome, e fama o exado Gbroniíla Fr. António Brandão na 5 . Part. da Mo- narcbia Lufitana , em quanto com melbor eftilo , e naõ menos diligente averiguação naõ fabem a luz as Memorias do meu Heróe admirável* mente efcritas pelo Padre D. Jozé Barboza Clé- rigo Regular da Divina Providencia , e digno alumno da Academia Real da Hiftoria Portu- eueza. Também be verdade no meu Poema> como prova o mefmo Brandão , que em Lamego houve bum Rey tributário do Conde D. Henri- <}0e ebamado Hecba Martin , e que a Rainha A-

xa

xa Ançiires fiui efpoía era muito guerreira , e que fe rebelarão camra o Conde , perdendo huma ba« talha junco ao Rio Alardo , e ao Alonte Fuíle na ferra feca nao diftante de Lamego para a parte de Arouca , e que eíles Reys vencidos fe bautilliraõ. He certo , que a Imagem de Noíía Senhora de Carquere foy a quem recorreo o Conde D. Henri- que , para que a interceíTaõ da Virgem Mariacon- feguiíFe o milagre , que Deos obrou livrando ao Infante D. Aíronfo feu primogénito, e depois Rey D. Affonfo Henriques , do im.pedimento , que até a idade de cinco annos lhe embaraçava os paíTos; e dizem , que aquella Imagem fe achou dentro de hum pequeno fino prefervada dos facrilegios dos Aloiiros no concavo do tronco de hum antigo caC tanheiro , ,como refere o devoto autor do Santua^ rio Mariano,e que efta Igreja foy de Cónegos Re^ grantes , como he hoje dos Padres da Companhia de JESUS. He verdadeiro o largo fitio de Coim- bra , e que depois delle levantado foy Hali-Aben- Jofef o mais poderofo Rey Mouro de Hefpanha, e Africa, derrotado com outros Reys pelo meuHe- róe, que dizem vencera os Mouros em 17. bata- lhas, de que, comojádiííe, ha pouca noticia, e poriíTo fingi algumas com as conquiílas de Cida- des, e Villas, nao fiibendo de outras particulari- dades. He certo, que D. Pedro AfFonfo foy filho illegitimo do Conde D. Henrique , e que obrou muitas acçoens heróicas , mas pouco fabidas , fa-

h 2 hindo

hindo do Reyno , e voltando a elle , onde , con- forme a alguns foy Meftre de Aviz , e acabou fan- tamente na Religião de Saõ Bernardo , ainda que outros o confundem em parte defta.s circunftancias com outro D. Pedro AíFonfo filho também natu- ral delRey D. Aífonfo Henriques. A Infenta Dona Urraca , que cafou com D. Bermudo Peres de Trava , atribuo o nome de Urania j e pouco mais do que deixo referido tem de verdadeiro o Poema ^ mas tudo veílido poeticamente , para fa- zer agradável a contextura , e útil o documento. Deixey para a ultima reflexão ácA^s Advertências que a liberdade de fe apartarem da Hiftoria os Poe- tas heróicos até chegou ao inalterável da verdade da Efcrittura j pois o autor do Poema do Maca- beo introduzio nelle Epifodios , e fucceílos falfos, e entre elles a eftranheza de ver naõ em profecia os Reys de Portugal , e muitas das Familias Illuf três defte Reyno , mas a de Gufman , de que era o Duque de Medina de las Torres , o que também obferva António Henriques Gomes noíeu Samfam Nazireno , e outros muitos com Sannazaro. INVOCAÇ AM DAS MUSAS, e- Epifodios. -lI í -Como os efcrupulofos da verdade hiftorica dos Poemas naõ o faõ tanto no fabulofo dos Epi- fodios , que naõ fomente faõ a fua melhor parte , jrnas a mayor , e a mais delicioía , fem fazer a mi- nha apologia , tratarey brevemente dos que intro- u;. : duzi

dnzi na minha acçaõ, pcrfuadindo-me aquenao hao de parecer taõ efiranhos delia, como outros nos Poemas mais eftimados,de que fe exceptua en- tre muy poucos o de Luiz de Camocns, porque os íèus Epifodios fao felizmente deduzidos do feu af fumpto ,e applicados a gloria dos íèus Heroes. No Canto I. delcie a Oitava lò.principiaoEpifodioda entrada de Henrique na Gruta , donde fahe a ven- cer a batalha junto a Gaya 5 e refervey para todo o Canto 2. referir o Heróe aos Generaes os mifterio- fos prodígios , que vio nos fucceflbs futuros , e nos documentos da Sibilla , de que a alegoria , como jádifle, he o efpirito da Mãy de Henrique , que tinha o meímo nome : algumas deftas profecias deixey muito efcuras , por me parecer mais próprio do eftilo dos vaticinios declarar pouco os nomes , ainda que Virgilio com o Tii Marcelliis eris , e com elíe quafi todos os Poetas me deraõ exemplo para os que nomeyo. He efte Epiíbdio o que ao Heróe a primeira infpiraçaõ de bufcar na Imagem de Carquere o Numen tutelar do Reyno, que fun- tlava , aludindo à hiftoria cos três Livros da Sibil- la no tempo de Tarquino foberbo P^ey de Roma; No Canto 3. Oitava 50. entra com a batalha dos Reys de Lamego , que he parte da acçaõ , o Epi- fodio da defcripçaõ do jardim marcial da Heroína Axa , e da fua idolatria , o que faço motivo princi- pal de todo o íèu caracler. defde o i . Canto prin- piciou Aldara o Epifodio ^ que corre em todo o

Poema,

Poema , acerca do feii amor para çorn Muley , e da fua repugnância as finezas de Peiayo Amado j porém no Canto 5 . conta Henrique os feus amores corn Matilde , por onde no fim do Poema vem a conhecerfe , que Muley , e Aldara eraõ filhos de Henrique. No 4. Canto depois do pequeno Epifo- dio , que fiiço incidente do filio de Lamego com a morte de Lucidio , e crueldade de Brunaferro, en- tra hum dos Epifodios , que me defagrada menos, que he o do Palácio da Gloria, onde por huma vaa curiofidade , que logo moíírarey tratando do ca- rader de Henrique , fer hum dos defeitos , que o fa- zem verofimel , moftro as atracções da fingida Ma- tilde , com que foy incitado , e os principios de al- gumas fciencias , e artes, que íe conhecerão nos feculos futuros , imitando a Arioílo , que affim defcrevo,como elle profeticamente,feis feculos an- tes a invenção da pólvora , e dos feus furioíbs ins- trumentos. No Canto j. principia hum largo Epi- fodio , que corre até o Canto 7. onde naõ he eflra- nho do afiimipto defcrever os jogos , e torneyos , aíFim porque Homero , e Virgilio defcreverao eiP tes efpedaculos largamente , e Stacio muito mais, como porque aífim naõ faço a narração mais plaufivel , mas porque me fervem muito para def cobrir fem a violência da guerra , em que faõ im- próprias as reflexoens , o caradler do meu Heróe principal , e dos outros , que tem lugar inferior. A- qai t4"ato das Famílias , e dos feus Brazoens : aqui r n M figo

íl^o o crenio daquelle feculo , em qne era 8 tnÕ cô- niuns os torneyos , e biifcar aventuras : aqui áef- crevo o Templo de Carquere , e os futuros : aqui moftro a piedade generoía do Heróe no triunfo, com que conduz a Imagem ; e os jogos , e tor- neyos , que devoto lhe dedica , e tudo faô diípofi- çoens , para merecer a protecção celefte , e o fim da acçaÕ , que he fundar o Império. No Canto 8. be também o canto de Aldara hum Epifodio pre- cifo para inveftigar em hum foliloquio, como ella entendia , por naõ faber que Pelayo Amado a efcu- tava , as duvidas do feu nacimento j e logo fe fegue caça em diverfas formas , para o que me nao vali pouco do que Oppiano , Graciano, e Olimpo Ne- mefiano efcreveraõ das efpecies da Arte Venato- ria , que conhecerão, e entre os modernos do Poe- ma de Venationc , que cfcreveo com elegância Natal Comes, e também de outros Poetas, que tratarão da Volateria , quafi defconhecida até o undécimo feculo. As appariçoens dosDeofes Gen- tílicos de Axa no Canto 9. fortificao a fua illufao, e defcobrem , imitando eu a Camoens , muitas elorias futuras de Portugal. No Canto 10. introdu- zi hum Epifodio hiftoricojaffim porque naõ foflem todos vaticínios , como para imitar a Virgilio , e Camoens , naõ deixando os Leitores fem noticia do principio , e fucceíTos , que precederão a acçaÕ do Heróe na fua vida , e na hiftoria de Portugal. A liiftoria-, qu^ conta Tancredo no Canto 12. em i^i que

que defcobre , que Muley , e Aldara fiiõ irmãos , e filhos do Conde D. Henrique he o ukimo Epiío- dio , que me deixa livre a concluíIi5 do Poema , fendo a conquiíla de Lisboa Capital do Reyno o preço da morte , que deo Henrique a ElPv.ey Hali íèu contrario , acabando com hum golpe toda a fua barbara tirannia , e com o exemplo de Virgi- ]io , em que Enéas matando a Turno repete o ver- fo:

V Iraque ciim gemitiifitgit indignatajiihiimbras, Nao fe achando menos eílabelecido o Reyno de Alba por Enéas pelo feu cafamento com Lavinia;e aífim entendeo mal Mafeo Vegio , como moder- no , ainda que grande Poeta , que efta fora huma das imperfeiçoens de Virgílio , por na5 ter emen- dado ó feu Poema , como fe de alguns verfos, que deixou por acabar , e da difpofiçao , que di- zem .fizera antes de morrer , de que a fua obra íe queimaííe ; o que evitou Tucca :

'Ne Trojaforet tota cremata rogo, E por efte antigo conceito fe reconhece , e ainda mais pela Eneida, que o fuplemento de Mafeo Ve- gio he inútil , pois quer acabar hum Poema , como huma Comedia , nao deixando a quem o le aquel- la fublime fufpenílio , que da a nobreza da acçaõ heróica: o que bem conheceo Ariofto , e os que melhor feguiraõ a Virgílio. Entre a hiftoria , e os Epífodios nao poíTo deixar de advertir outra vez com: os Meftres da Arte Poética o erro de Stacio

na

na Aquileida , em que naõ emprehendia menos, que defcrever toda a vida de Aquiles, de quemhu* ma acçaõ colérica , que durou quarenta e íete dias , deu matéria a toda a Illiada de Homero. Horácio tinha deixado a Stacio efte preceito repre- hendendo o Poeta , que intentava reduzir a hum Poema toda a fortuna de Priamo , e Guerra de Troya , que foy o aíTumpto dos três mayores Poe- mas da antiguidade :

Fort unam Friami cantai o , C?* nobile helliim. Mas qual foy o fucceflb defta ignorante vaidade? O mefmo Horácio o diz com o apologo de Eíbpo taõ fabido :

Parturient montes , nafcetur ridicuhis mus, Naõ eílava melhor informado Stacio do principio da fua acção , pois refere antes que o reciproco fra- tricidio , que he o aííumpto da Thebaida , a fun- dação de Thebas com huma larga defcripçaõ, naõ íèguindo a Virgilio , que reduzio a íeis veríòs de- pois de propor, e invocar , a deícripçaõ de Carta- go , que era precifo dar a conhecer , pois Eneas hia bufcala , prevenindo a cólera de Juno, e'a protecção de Vénus. Deixey de fazer memoria do Epifodio amorofo , e trágico de Licio, e Li- fis , e Alcino no fitio de Coimbra Canto 1 1. naõ por entender que era o menos digno de attençaÕ, mas porque com o exemplo de Taílb no fucceflò de Olindo , e Sofronia no fitio de Jerufalem fica- va juftificado , ainda que o emendaílè Taflb na fua

i Jeru-

Jeruíalem Conquíftada , que, como apontey , foy bem recebida do publico. No que digo neftas Advertências íobre alteraiTe a verdade da hiíloria, e fobre a Acçaõ, e Epifodios , naõ ale- guey muitos exemplos , e lugares em termos , por- que podem lerfe no louvado Tratado do Poema Épico do P. le BoíTu, de quem defejey feguir as li- çoens em toda a Henriqueida. CARACTER DE HENRIQUE, e dos Jegíindos Herdes do Poema. Melhor fe verá, como tudo o mais , pela li- ção do Poema do que por eftas Advertências Pre~ liminares , íe o carader do Heróe , e os de todos os adores, que entraõ na Henriqueida , fe confer- va fem mudança em toda a obra. Achey Aquiles colérico, Uliílesaíluto, Enéaspio, Cefar ambi- ciofo, Gofredo devoto, VafcodaGamaouíado,, D.. AíFonfo Henriques intrépido , e affim outros , que me deixarão para o meu Heróe o carader de generofo : nelle cabem todas as acçoens heróicas, e nobres , porque conforme a melhor etimologia he generolb, quem naõ degenera da fua natureza ; e aíTim parece que moftra fer Henrique querendo dar liberdade a Aldára , e dando-a a Muley , fendo ella filha única , e herdeira , como elle fupunha , do feu mayor inimigo , e o mais preciofo penhor para a fua confervaçao 5 e Muley o mais valerofo dos feus contrários , em que brilhavaõ as virtudes, que podiaõ recear osPortuguezes , quanto mais as

admi-

admiravaô. Deo também liberdade aos Cativo§, e exercitou a magnificência , e a piedade em todas as fuás acçoens. Mas porque naõ me efqueci dos preceitos , que dera5 os Meftres da Poética , e ainda melhor dos exemplos , fogindo , como ad- verte Boyleau , da affedaçaõ inverofimil , de que o Heróe de hum Poema fe pinte fem defeito , co- mo fe finge , no heróe de huma novella 5 deixey que Henrique nos amores occultos de Matilde fufpendeíle por hum anno o impulfo ; que o con- duzia para a guerra de Hefpanha , que toleraíTe o zelofo ardor , com que quafi tumultuariamente fe oppuferao osfeusGeneraes, e Confelheiros à liber- dade de Aldára , e que com huma exceffiva , e crédula curiofidade entra fie a examinar na efcuri- daÕ da noute os encantos do Palácio da Gloria. A Rainha D. Thereza fempre he prudente , e coní^ tante ; a Infanta Urania amante , mas advertida : Egas Moniz , que he o Patroclo Menefiades def- te Aquiles , e o Achates defte Eneas, permanece fempre devoto , fiel , evalerofo, fendo hum dos principaes inftrumentos , que confervou a vida ao Infante D. Affbnfo , de quem era Ayo , e o pri- meiro , depois de Henrique nas vittorias. D. Pe- dro Bernardo igualmente íabio, e animofo , nao defmente em muitas acçoens o feu carader. Pe- layo Amado Heróe amorofo , mas nem poriflx) menos guerreiro , padece os infortúnios dehurti amante naõ correfpondido , e algumas vezes o caP

i 2 tigo

tígo dos exceíTos , a que o obrigou a paixão ; e as ^iiezas, que mereeeraõ ao principio aellimaçaõ de Aldára , ultimamente lhe confeguem o premio de que fe fez digno. Cunha prudente, Távora adi- Vo 5 Pereira confiante. Hercules de Ruhan trouxe eu de Bretanha a Portugaljporque naquella Pro- víncia deFrança erao Soberanos de muitas terras os deíla Familia , em que me intereíley por huma ali- ança , e o fiz , como faõ os Francezes , ardente , e luzido. A Muley revefti de acçoens taõ nobres ^ que algumas vezes temi fazelo mais amável do que o meu primeiro Heróe , como arguem a Homero a refpeito de Heitor , e a Taílb a refpeito de Rei- naldo j porém como era filho de Henrique , ainda que defconhecido , nelle podia ter o Heróe hum digno contrario , a quem fempre refpeitou Muley por occulta fimpatia , e a quem fempre venceo Henrique no valor , e generofidade. A paixão violenta que teve para com Aldára, o obri- gou a algum nobre furor , que o deixa defigual ao generofo Heròe. A Hali-Aben-Jofef , que he o Turno do meu Enéas , e o Argante do meu Go- fredo , naõ fiz taõ odiofo , que ficaífe indigno de combater a Henrique , porém a tirannia , e a im- piedade deíluzem algumas virtudes heróicas mais do que moraes , que lhe confervey para ennobrc- cer o ultimo triunfo do Heròe. Muftafa teve o çaftigo da fua perfídia , e nelle predomina fempre a aftucia ao valor j nos outros Mouros faço variar

quanto

quanto poílb os intereííès, e as inclinaçoens , fi- cando de algum modo premiadas com os Reynos de Africa as virtudes , e juftiça de Lucidoro. A diíciplina militar de Roberto tem exercício na de- fenfa de Gaya , e Coimbra , e em outras occa- fiocns 5 naõ lhe fendo defigual Eividio. A mode- ração delRey de Lamego he huma diípofiçaõ para o bautifmo , que pretendeo , e coníeguio , e efte caracter oppoílo ao furor da Rainha naò me parece que faz máo effèito : he efta Heroína Axa Ançures , comojá ponderey , a Camiilla do meu Eneas, ou aPentefilea, Hipolita , eClorindade outros Heróes. Depois das cauías , a que attribui a fua idolatria, deixey livres todas as illuíbens , que fe repreíentaraõ na fua idéa para animar a fua furio- fa paixão , que até o fim do Poema foy fempre ohf- tinada , e por hum milagre entendi que podia íer convertida , como os antigos uíàvao nas que chamavaõ maquinas 5 pois huma loucura fomenta- da pelo máo génio, hum valor intrépido , e huma íbberba indomável , com a vaidade , que a fer- mofura , e a difcriçaõ , nao podiaõ fer fuperadas menos que por hum prodigio Divino. Aldara taõ pouco belicofa, e taõ fina amante, he hum carac- ter oppoílo ao de Axa , em que também traílu- zem as virtudes de filha de Henrique, que interior- mente moderavao a violência da fua aíFeftuofa in- clinação a Muley , e que davao lugar a jufia et timaçaõ , que fazia de Pelayo Amado : e no fim

do

do Poema com a generofa refoluçao de D. Pedro Affonfo , que naõ era Miiley , lhe tirey dos olhos hum obje£lo , que podia recearfe , ainda que in- juílamente, criminofo. S. Giraldo he fempre San- to , fiel ao feu Principe , e livre da lifonja : e nao tratando de outros caracleres inferiores , direy lo , que com o exemplo de Camoens coníervey em quafi todos os nomes Portuguezes , pois naõ fey , que íeja diífonante :

O caro meu irmão Paulo da Gama, E em outras partes :

MartimLopesJe chama oCavaleíro. Can.S . 8 .2 3 .

Maisfe lhe ajunta Nicoláo Coelho. Can.

V endoV ajco da Gama (jue t a^ perto,C'à\\.6 .% ,%o: E no Cant. 4. Oitav. 24. para dizer hum nome in- teiro , o partio com huma hyperbaton com efte veríb : , /. u .

Mem 'Kodrlguesfe diz de Vajconcellos, Na mefma Oitav.

Anta'õ Vajíjues de Almada he Capitães, No Cant. 8. Oitav. 27. :

Que Gonçalo Ribeiro fe nomea* No Cant. 8. Oitav. 54.

Gil Fernandes he de Elvas quem o ejlraga. >:iaA(]uí de D. Filippe de Menezes. E aíTlm em quafi todo o Poema , fem que o emba- racem o humilde , ou o duro de alguns nomes pa- ra lhe dar a gloria , que adquirirão com as fuás ac^ çoens, e pode íer Camoens em tudo excelente

i exem-

exemplar. Também o podem Ter Homero com os armoniofos nomes da fiia elec^ante Linooa ; Yiriirii- lio latinifando alguns da Frigia , e Grega , e a ma- yor parte dos Poetas , naõ ignorando a difcreta advertência de Boyleau de que pela afpereza de hum nome próprio fe perdia toda a confonancia de hum Poema , para o que traz o exemplo de Mr. de Sainte Garde , que efcolheo por Heròe a Cbilde- brand, quando a armonia dos nomes de UiiíTes , Agamennon , Idomeneo , Paris , Enéas , e ou- tros já ennobrecem as idéas com a melodia,que lhe o idioma ; porém ainda que hum illuftre exem- plo moderno com delicadeza mudaíTe os nomes Portuguezes, fio tanto da confonancia da Lingoa, em que efcrevo,que antes quiz íèguir tantos exem- plos , e coníervar os verdadeiros nomes aos Va- roens infignes , que com as fuás acçoens deraõ im- mortal gloria às ílias Familias, e à naçaõ Portugue- za , do que bufcar o que os Gregos chamarão Eu- fonia , que naõ deve de fer agradável , mas pró- pria da Lingoa, em que fe efcreve. LINGOA. Tenho tratado do todo do meu Poema : fal- tame agora difcorrer fobre as fuás partes j ou por explicarme melhor , tenho dado huma idéa da Ar- t^, que íegui j e agora difcorrerey do modo , por- que procurey executalo. Deixo de dizer, que a propofiçaõ foy breve , reduzindo a três Oitavas o carader do Heròe , a gloria do feu nome , a-futu-

ra

ra do íeu Reyno , e a acçaõ de todo o Poema. A invocação he Chriftãa , como a de Taílb com ale- goria poética : a dedicatória ao SereniíTimo Senhor Infante D. António reduzi com grande repugnân- cia minha a tao poucos verfos, alTim porque as fuás muitas virtudes podem fer aíTumpto do mais largo pancgirico , como porque nao achey nos Gregos, e Latinos eftes exemplos , íendo breves os que me derao Camoens , Taílb , e outros modernos para poder feguilos j mas primeiro que trate do eftilo poético da Henriqueida , me defculparey dos que entendendo , que eu podia eícrevelo em outras Lingoas mais univerílies , me condennaõ , porque o efcrevi na própria , dizendo huns , que nao era a mais armonioía, nem a mais abundante; outros com maií razaõ , que íe a gloria da naçaõ Portu- gueza , e a minha própria erao o motivo de com- por hum Poema , huma e outra coufa ficava redu- zida fò ao Reyno de Portugal , e fuasConquiflas^ on Je todos conheciao , e admiravao as acçoens do Conde D. Henrique feu primeiro Fundador, e on- de poucos liao , e menos louvavaÔ as obras dos au- tores vivos , e muito menos as dos nacionaes , nao íendo menos difícil íer poeta , do que fer profeta na í fua pátria ; e que fe Homero , e Virgilio , e outros antigos eícreverao na Lingoa materna , fora por- que como dominantes erao univerfaes , e ainda A- rioílo, TaíTo, outros Italianos, e muitos Heípa- nhoés , compuzeraõ em Lingoa , que íe entende ' '^ em

em muitas Cortes de Europa , e com mayor razão o fizeraõ os Francezes por efta caufa , e concluiaõ, que havendo Claudiano efcrito em Latim o íêu Poema de Raptu Froferpnue^ principiou em Gre- go o da Gigantomaclna, que também havia come- çado em Latim , e que ao mefmo aflumpto tendo Manoel de Galhegos compoílo em Portuguez o Templo da Memoria , imprimi o em Heípanhol com muito acerto outra Gigantomaclúa , íendo efte autor taõ douto nas regras do Poema Herói- co ; como moftrou no Dijcurjo Pr e liminar , que fez àquella obra , e no que nas melhores ediçoens fe le antes da Uliflea de Gabriel Pereira de Caftro. Mais claramente me combatiaô com os exemplos de tantos modernos ; em que naõ tem inferior lu- gar os Portuguezes , que fizeraô Poemas na Lin- goa Latina , e na Caftelhana , a qual preferio Fran- cifco Botelho de Vafconcellos em todas as impreP íbens do feu Alfonfo à Portugueza, coníèrvando-o nefta manuícrito com igual elegância.

Naõ reípondo à primeira parte defta ceníiira^ porque me parece , e cuido , que fem /er por en- gano próprio , que he a Lingoa Portugueza huma das mais graves , e armonicas para o heróico , e para o amorofo de hum Poema Épico : bafte-me para exemplo Luiz de Camoens , que he certo ia- bia muito bem outras Lingoas , e illuftrando , e polindo a própria , que nos Lufiadas fe conferva ha mais de i6o. annos quafi fem alteração confidera-

k vel,

Vel 5 mereceo fer admirado , e traduzido quatro vezes em Latim, huma em Italiano, duas em Fraii- eez , huma em Inglez , e quatro em Hefpanhol. Na fua abundância naõ achey falta , e affim me vali pouco de palavras , efrazes de outras Lingoas,na5 feo;uindo muitos autores modernos , que fendo 2;randes em outro fentido, fe disfiguraõ, e cor- rompem o idioma , tomando muitas licenças, quando eu com menos efcrupulo , por fer Poeta, podia, como fez Camoens, uíar de algumas; o que imitey com tanta mais moderação , quanto tenho de menos autoridade ; pois até à difpotica de Ti- bério naõ permitio o Senado introduzir huma pala- vra nova ; e as que cita eílranhas , quando as julga precifas , efcreve em Grego o mefmo Cicero , naõ fe atrevendo a latinifalas.

A^cerca do eftilo diz' Horácio na Arte Poéti- ca verf 56. e 57. onde faz o mefmo elogio de in? troduzir palavras novas naõ menos que a Catão, que Ennio merece grande louvor , por enriquecer a Lingoa Latina com palavras nobres , como íe pode ver dos verfos feguintes :

Si po^um, invídeov^cum língua Catonls, ^ Enni Sermonem patrium ditavevit , ^ nova renmi Nominaprotu/erit : Ucuit ^Jempercjue licehit^ Que Lucano naõ mereça o nome de Poeta a pezar do feu bom eftilo , verfificaçaõ , e máximas , em que convém muitos doutos , moftra Petronio Ar- bitro , que o pode fer neftas matérias , no Satyri-

con,

con , eera contemporâneo de Lucano. E efla op-, piniaÕ he feguida de Sérvio no Commento de Vir- gílio , e naõ menos de Santo Ifidòro no Liv. 8. das Origens, como também de outros muitos , con- ciliando engenhofamente Gafpar Barleo eíla opi- nião , e a contraria no diftico feguinte :

Qiii minits Iijjloriciis credor miniis efe Poeta : Me minor eji vates , C/ minor hijioriciis, Júlio Cefar Scaligero no Hypercriticon Lib. d.' Poet. pag. 841 . e 842. o fegundo lugar a Stacio depois de Virgilio , ainda que muitos o contradi- zem 5 e nefta parte o goílo de cada hum julgará o que lhe parecer dando a preferencia a Lucano , ou Silio Itálico.

Os que negaÕ ao ultimo o conhecimento da Arte Poética, fundaõ-fe em que fegue hiftorica- mente a Polibio , e Tito Livio , e em que naõ co- nheceo a Fabula Heróica j e dizem que naõ era Poeta por natureza , mas fim por arte. A Valério Flacco naõ valeo o elogio de Quintiliano, porque também delle íe tira a coníequencia de que a fua obra naõ ficou muy correda ; nem o de Gafpar Barthio nos feus adverfarios , que o louvaõ com grande diftincçaõ, nem o do P. Filippe Briete no Liv. 2. dos Poetas Latinos , que naõ fendo taÕ parcial de Valério Flacco , como Barthio , lhe preferencia a Stacio , e a Lucano 5 porém entre os Criticos defte autor , de que he o principal o P. ILapin , naõ lhe he concedido taÕ fuperior lugar

k 2 no

no Parnaílb ,* concluindo-fe em Bayllet tom. 4. da edição de 4. do Jugement áes Scavans , que efco- Ihendo hiima acçaô própria para bum Poema, por íer fabuloíli , e heróica, naõ a tratou bem , por encher a fua compofiçaõ de acçoens particulares dos Argonautas, fendo ainda affim melhor o que intentou do que o que copiou de Apollonio Rho- dio , que como diíle , efcreveo do mefmo aC- fumpto. No juizo da Dionifiaca de Nonniis con- cordao os mais doutos , que a vaftidao da matéria, que abraça , e outros defeitos impedem que mere- ça os elogios de alguns , em que entraÔ com gran- de autoridade Policiano , e Mureto , a que íe op- poem Daniel Heinfio dizendo que íe enganarão. JoaÕ Tzetzes nas Chilradas , que compoz , ain- da que tenha erudição, eboas máximas politicas, como a fua obra he de hiftoria miícellanea , nao merece fer imitada por autor de Poema Épico. JoaÕ Gunthero quaíi contemporâneo do Conde D. Henrique , pois efcreveo as acçoens de Fede- rico Barbarroxa mereceo a pezar da grofla- ria do feu feculo repetidos elogios dos melhores Criticos , como foraÕ Janu Douza in Praefat. alte- ra Annal. Batav. carmine fcript. idem lib. de Poet.' Latin. pag. 74. Gafpar Barthius in adverfariis: JoaÕ de Antvvild em todas as naçoens teve dig- no louvor dos mais eruditos eícritores ^ mas co- mo o afliimpto do íeu Poema do Archithoemo he moral , e naõ heróico , pois trata das mife-

rias

rias dos homens , naõ entra nefle meu exame.

João deiske Inglez conhecido por Devonio, e por lícano , que floreceo no fim do feculo XII. e principio do feguinte , lendo difcreto, e erudito na Lingoa Grega , e Latina , em lugar de imitar , co- mo devia , a Homero , e Virgilio , pois eícreveo. 6. Livros da Guerra de Trova, cahio no erro co- mum de querer tirar todas as fabulas daquelles Poe- tas , para efcrever a verdade , que fuppoz ti- nha achado na hiftoria da meíma guerra , que cor- re com o nome de Darete Fhrygio, Guilherme Breton fez hum Poema intitulado Fhllippidos das acçoens de Filippe Auguflo Rey de França, a que naS falta génio , e arte 5 mas com a paixaõ hiftori- ca entra na collecçao dos hifloriadores de França de Pithou impreíla em 1596. Felippe Gualther naõ executou bem o grande aííumpto , que efco- Iheo no feu Poema do Alexandreidos , pois fe lhe achaõ muitos defeitos , lendo ao meujuizo, oma- yor querer tratar de todas as acçoens grandes de hum Heròe , de quem fo ha de efcolherfe huma pa- ra o Poema Épico. Quem naõ havia de defani- maríe de fazer hum Poema Heróico , quando Pe- trarca o melhor Poeta Italiano , e hum dos reftauradores da Lingoa Latina no íeu Poema de Africa , ou da fegunda Guerra Púnica naquella Lingoa , naõ he condennado por erros de quan- tidade , mas pela ordem ; e naa fendo apparecido ainda Silio Itálico , lhe deo Voffio , e outros Cri-

ticoí

ticos hum lugar inferior a eíle Poeta ? A Thefei- da de Joaõ Bocacio he mais agradável pela contex- tura, do que pela dicção Poética, naõ íè ifentando eíle grande autor do vicio moderno de efcrever to- das as acçoens dofeuHeròe. O Morgante de Luiz Puley ainda hoje engana aos que eftimaÕ os in- cidentes agradáveis , e os conceitos exquifitos com a pureza da Lingoa , fem condennar a eíle autor pela barbara idéa épica de matar o feu Herôe antes de acabar o feu Poema pelo haver mor- dido na extremidade de hum hum Caranguejo marinho , como fe foííe por qualquer outra parte invulnerável , como Aquiles , ou aquelle Cancro o mefmo , que he Signo celeíle, por morder em íe* melhante lugar a Hercules. Ricardo Bartolino fez a fua Auílriada com pouco melhor íucceílb do que Bautifta deCantalicio a fuaGonçalvia aoGraõ Capitão Gonçalo Fernandes de Córdova, aíFump- to , que tratou mais poeticamente Bautiíla Man- tuano na pátria igual a Virgilio j e pouco exce- deo a eíles dous Pedro Gravina,qne louvou o mef mo Heròe na cònquiíla de Nápoles j mas eíle Poe- ma naõ exiíle. Como trato pouco dos Poemas i que tem aíTumpto facro, naõ fallarey na grande eí^ timaçaõ , que mereceo Joaõ Peres , ou Petrejus no feu Poema Latino da Magdalena, que o celebre Audré Navagerio , fendo Embaxador de Veneza em Heípanha , preferia ,pela fua elevação , a todos os Poetas modernos de ItaUa 3 nem na Vida de

Jozé,

Jozé 5 e outros Poemas Sacros puramente efcritos pelo Alellre Jozé de Valdiviezo em HeípanhoJ, nem em outros muitos de femelhantes aíTumptos nas duas Lingoas , Caftelhana, e Portugueza , em que íe diftinguem o Cartuxano tao louvado por Manoel de Faria , Vita Chrifti de António das Povoas , a de Saô Joaõ Evangelifta de Nuno Bar- reto , e a de Santa Qiiiteria de Jozé do Couto Peftana.

Nao fazendo tanta eftimaçaÕ do Poema dos Amores de Orlando , e Angélica de Matheus Bo- jardo Conde de Scandiano , como elle teve antes de apparecer o de Arioílo , tornarey a obíervar neíle , que como eftas Advertências Preliminares tratao da ordem dos Poemas Épicos , e das íuas partes , admiro muito as que obfervou Arioílo , mas a pezar da Crufca , e de grande parte da Itá- lia 5 comparando-o com Taííb , entendo que o ul* timo fez melhor Poema , ainda que o primeiro me parece mayor Poeta , e que na5 feria igual ao F//- riofo o leu Orlando Innamor ato ^ íe o acabafle. O Poema do Vellocino de ouro efcrito em Latim pelo Helpanhol Álvaro Gomes he univeríalmente eftimado , como outros Poemas Sacros domeímo autor. Joaõjorge Triffino foy dos primeiros , que fe animarão a livraríe da efcravidaÕ das Rimas ,6^ crevendo em verfo folto, em que foy muito legui- do dos Italianos , e ainda hoje o he dos modernos da mefma naçaõ , mas fenaÕ attendermos à confo-

nancia,

nancla, feguio eíle Poeta , como muito poucos, as regras de Ariftoteles no feu Poema de ^elijario^ ou Itália Libertada, Os dous Poemas de Ludo- vico Dolce , que íaõ dos principios de Orlando , e o de Sacripante moftraÕ o engenho deíle autor, mas fao do meímo génio dos que efcreveraõ ac- çoens de Cavaleiros andantes, que poucas vezes acertarão com a Fabula heróica fazendo cómica a ficção. Tomando a parte oppofta condenna oP. Rapin íempre digno de allegaríè ao Poema Heípa- nhol do Cid, que compoz Diogo Ximenes de Ay- lon , porque efcreveo ignorando o Epifodio , e a Fabula , as acçoens do Graõ Campeador com exada Cronologia. Melhor fubedeo a JoaÕ Rufo com a fua bem efcrita Auílriada : a Franciada de Ronzard naõ merece reflexão , pois a íua erudi- ção Grega naõ lhe deo a conhecer a ordem de hum Poema Épico , did;ando-lhe a dureza do eftilo, em que às vezes he culpado o mefmo cxceílb de erudição j e Des Preaux lhe chama Francez Gre- go Latino. O Poema intitulado Semana , que al- gum tempo teve mal merecida eftimaçaõ, de que íby autor em Francez Guilherme Saluftio du Ber- tâs , naõ naõ he dos daquelle género , de que eu faço particular memoria , mas o Cardeal du Per- ron o exclue da clafle dos Poemas Heróicos , por- que naõ miftura as hiftorias com as fabulas, det cre vendo em 7. Livros os íètte dias da primeira fê- mana do mundo. Panagio Salio adquirio mais re- putação

putaçaõ depois da ília morte em dous Poemas La- tinos : oprimeiro da Gallia Chriftiana , que trata da Vida de Saõ Vafto , e outro intitulado Te/an- thropia , ou do fim do homem , ambos de aíTump- tos menos próprios da ordem heróica, de que trata. Devo acrecentar ao que difle de Taílb , que procurey evitar algum dos defeitos, queoscriti- cos rigorofos lhe arguem , e podem verfe na ulti- ma edição das fuás obras, em Bayllet Tom. 5. da edição de 4. e em muitos autores. O mefmo Taf íb parece que o reconheceo , mas he certo , que, como obfervey , conferva o feu primeiro Poema a devida eftimaçaõ , que o feu fegundo perdeo , moftrando, que nem lempre na poefia , como na mufica he o mais exado , o mais perfeito ; no Ri- naldo tinha elle moílrado nos feus poucos annos aquclle mefmo fogo , que fempre o animou , e nos últimos acreditou , que fabia moderarle , propor- cionando à idade o aífumpto nas jornadas da crea- çaõ do mundo , que efcreveo em veríbs foltos , de- clarando , que fentia naõ o ter eícolhido para os outros Poemas , porque nelles podia obfervar me- lhor a regularidade , e a ordem , naõ interrompen- do a narração em cada Oitava, nem augmentando mayor aperto às prizoens poéticas com as Rimas, que nem fempre íe fugeitaô a razaõ, a quem os coníbantes devem íervir como efcravos , o que bem obíervou , e executou melhor o meftre da Ar- te Poética Franceza.

1 Deíles,

' Déftes, e outros Poetas íe pode ver o juizo, que fa^ Manoel de Fana , e Souía nos apparatos , c contexto dos feus commentos a Luiz de Camões. O mefmo aíTumpto de Taííb feguio na Lingoa La- tina Pedro Angelo Bargeo na fua Cyriada em on- ze Livros louvada univerfalmente pela fua pureza, e elegância. Joaõ Bautifta Lalli fe diftinguio , co- mo Scarron em Francez , transformando em Ita- liano a Virgílio, e a Taílb no eftilo burlefco: com- poz também hiirn Poema ferio da deftruiçao deje- ruíalem por Vefpafiano j mas naÕ foy taõ celebre no eftilo heróico , como no Jocofo.

NaÕ baftou oexcellentejuizo de D. Nicoláo António para fazer renacer do efquecimento , em que eftá, o Poema de Bernardo, ou Vidoria de Roncefvalles eícrito por Bernardo de Valbuena , donde louva muito as comparaçoens , e imagens poéticas , e a invenção , e boa efcolha , por fer de huma acçaõ entre fabulofa , e verdadeira , e de hum íeculo, que admite todas as fícçoens, com que os modernos fízeraõ fucceder ao tempo mithico ou fabuloíb dos antigos, as acçoens pouco verdadei- ras dos Heròes transformados em cavalleiros an- dantes , de que naõ fe izentou a virtude , e o valor do mefmo Carlos Magno. /v Ainda que a Florença defendida dos Godos Poema Italiano de Nicoláo Villani naõ fe acabou, nem limou pelo íeu autor, fuftenta a reputação , que as fuás Poefias Italianas , e Latinas lhe adqui- '•"'-' riraõ,

riraÔ , como reconhecem Lauro in Orchefta , João Meurfio in Epift. adDom.Molin.e outros autores^ Alonfo de Erzilla na fua Araucana foy hum dos primeiros Hefpanhoes , que confervou em todo o Poema hum eftilo puro , ainda que naõ fublime : a fua melhor impreflàô he a de Lisboa dedicada ao Conde de Lemos j e Manoel de Faria diz na fua primeira Centúria dos Sonetos de Camoens , que o fez celebre o Soneto de D. Ifabel de Caftro , que principia:

Araucana naçai mais Venturofa. Lope de Vega na Jerufalem Conquiftada , Belle- za de Angélica, Dragontéa, ou Expediçoens do Almirante Iríglez Francifco Drak , e outros , que podem paflar por Poemas Épicos , moftraõ mais a fua clareza , e affluencia , que a fua regularidade.

Gabriel de Chiabrera mereceo de Urbano Vin. magníficos elogios j mas entre hum grande numero de poefias , naõ faõ os íeus Poemas He- róicos os que merecem eíles grandes louvores. En- tre os defeitos , que o P. Rapin acha na ília Ame- deida , ou Coiiqui/ia de Khodes , naÕ he o menor durar a acçaõ fomente por quatro dias j enaÕtem mais regularidade os outros Poemas , de que o prin- cipal he o da Gothiada. Luiz Groto Cego de A- dria mais conhecido por efte defeito foy muito ef- timado , e naõ he o íeu Poema de Mambrino o que lhe deo o màyor nome,por fer de hunf^ âflljmp- to^mteirameníe de^oavalleirosan^^^tieiST : jr. r-^. fiílc 1 2 Fran-

Francifco Bracioliní pode fer que fofle o Poe- ta que efcreveo mais Poemas Heróicos , pois íe contaõ onze com hum grande numero de Cantos, e Oitavas : mas entre todos o mais eftimado he o da Reílauraçao da Cruz com trinta e cinco Can- tos; e os outros podem verfe em Lourenço Craf íb , e em Leaõ Allatio de Apibus Urbanis , onde efte Poeta entrou com mais cauía , pois Urbano VIII. permitio por honrallo , que trouxefle as luas abelhas por Armas, e elle accrecentou o feu nome chamando-íe BracioHni de Apio : querem com tu- do alguns deftes autores , que o Poema da Cruz tenha o terceiro lugar depois de Taflb, e Ariofto.

Thomaz Stigliani Cavalleiro de Malta no feú Poema do Novo Mundo em 54. Cantos , teve co- mo todos, defenfores, e inimigos j mas naõ po- de negarfe,que he dos que merecem efiimaçaõ. Do mefmo aííumpto, mas com o titulo de Colomheida^ ou Expediçoens de Chriftovaõ Cólon , compoz hum Poema Latino Júlio Cefar Stella , que fendo de poucos annos poderia melhorar, fcnaõ deixaflè os eftudos por outros divertimentos.

Alexandre Donato Jefuita efcreveo com acei- tação em Latim o Poema de Conftantino Liber- tador de Roma , e à fua competência efcolheo o Hiefmo aíllimpto com pouca diferença , e com emulação o P. Mombrun da mefma Companhia.

Joaô Argolo filho de André bem conhecido pelas fuás obras Aftronomicas , parece que feguio *íii iU - oíeu

o feu génio em efcolherEndimion , o qnal porque obíèrvou a Lua fingio a fabula , que fora amante de Diana , para aíTumpto de hum Poema Heróico efcrito em idade de íette annos , e íette mezes j e íiihio a luz com efte Poema à competência do A- donis do Cavalleiro Marino , fendo univerfalmen- te louvado depois que íê reconheceo fer obra pro- priamente fua feita em taõ pouco tempo , e de taô poucos annos.

O P. António Milieu Jeíiiita Francez facrifí- cou em huma doença vinte mil veríbs Latinos à fua mortificação , ou deíengano , mas houve quem como a Virgilio , livrafle do fogo o feu Poema La- tino intitulado Mofes Viator j e ainda que naõ pa- rece aíTumpto de Poema Heróico , o P. Buffieres no prologo do Scanderbegius , de que tratey , o reconhece por hum taõ grande Poeta , que foube adornar hum aflumpto Sacro com as melhores flo- res do Parnaílb Chriftaõ. Júlio Strozzi autor do Poema Italiano Venetia Edificata deíempenhou hum aflumpto próprio de hum Poema Épico com acerto. Ao P. Pedro de Mombrun , de que tra- tey, devo accrecentar 5 que naõ havendo autor, que melhor conhecefl^ as regras da Poefia Herói- ca , como moftrou nas fuás Diflertaçoens , e ten- do todas as outras qualidades de grande Poetajnâõ confeguio , que o feu Conftantino agradafle a to- dos 5 por onde íe ve, que nao bafta a regularidade para fazer agradável hum Poema. Bom feria , que

o Def-

o Deímarets íatisfizeílè tanlo aos outrem , como a fi meímo no feu Poema de Clóvis j ainda aíTim naõ deixey de fervirme de alguma das fuás reflexoens fobre a introducçaõ das fabulas do Paganifmo dos Poemas Chriftaõs. uííí/jl i^ji-^ i

- ^ Na 5 poíTo negar ao P. Fedro de Moyne no feu Poema de S. Luiz parte dos louvores ^ que lhe deo a difcreta critica de Mr. Coftar j e com mais mo- deração íendo também Jefuita o P. Rapin: muitos lhe condennao a dem afiada oufadia Poética ,' que outras naçoens naô eftranhaõ tanto: alguns que- rem que o íeu Poema, e o da Henriade de Voltai- re íejaõ os dous melhores , que até agora tem aLin- goa Franceza ; como difle. Por mais que de- íejey , que os conlbantes naõ fe repctiílem em Oi- tavas fuceíTivas , porque a variedade das Rimas he lempre agradável aos ouvidos, naõ imitey a pue- rilidade , a que íe fugeitou o autor da ^(jiii/eja Perdida , de quem obíervou Menage , que em vin- te Cantos quafi naÕ repetio confoante algum , fa- zendo eíla violência ainda mais duras, como pon- derey , as leys poéticas 5 o que íe ve nos acroílicos, onde as Nenias de Faria foraõ facrificio dagracioía íàtira de D. Gabriel dei Corral Abbade de Touro, •e em outros laberintos , e anagramas , a que íati- riza o Epigrama Francez , fendo o conceito , que os que voltaõ os nomes tem voltado o miolo ainda mais que por Poetas por Anagramaticos. Supofto que tenho conhecimento de algumas

■-- Lingoas,

Lingoas , nenluima iey , como g proprisr , e omcfi mo cuido confeflarao todos os que forem verdadei^ ros , e modeftos , e fe o negarem , appello para os nacionaes , que conhecem os idiotifmos , de que nacem os barbarifÍTios ,e folecifmos, vicios os mais intoleráveis da Gramática : algumas excepçoens haverá na profa , menos no verfo , em que os no- mes próprios , e apellidos Portuguezes , ou haviaõ de confundiríe com a mudança , ou haviaõ de pa- recer eícabroíbs confervando-íe nas íuas termina- çoens. No Canto 8 . procurey moftrar a doçura da noíTà Lingoa nas queixas de Aldara , e igualmente achey a Lingoa Portugueza própria para o herói- co , e para o amorofo : no eftilo médio parece a alguns mais difficil, mas ifto he defeito dos que na5 ^dmitem mediania, nem eílimao íenaõ o que he eílranho , e íe na profa naõ tem as outras naçoens efcritor que exceda , e tal vez nem que iguale ao Infigne P. António Vieyra, JoaÕ de Barros, Fr. Luiz de Soufa , Jacinto Freyre , e aos dous Con- des da Ericeyra , como também nos verfos aos que tenho referido, nao contando em ambos os eftilos os que ainda vivem , que muito que eu me contentafle com taõ grandes exemplos para naõ de- íèftimar aquella Lingoa , de que diz Camoens, que com pouca corrupção íe perfuadiraõosDeofes que era a Latina?

ESTILO POÉTICO. Em todas eftas largas Advertências Trelimh

nares

nares le terão viílo as dificuldades , que encontrey para me refolver no eftilo poético , que devia íe- guir. Aílèntey, que nefta parte liavia de imitar pouco ; pois violentando o meu eftilo natural, fe- ri a affèdtado j e voltando os olhos para a nobre fim- plicidade de Homero , naõ deixando de eftimalla, como merece, e de reconhecer, que o que hoje parece mais humilde , era grande no íèculo , em que efcreveo , e na lingoa , que em todos os léus cinco dialectos com tanta elegância uíou, íe me fez inimitável. NaÒ fou taô defvanecido , nem ta5 ditoíb , que me perfuada que íegui a admirável clareza, e elevação deVirgilio, mas defej anda imitallo, e naô menos a Taílb , eaCamoens, en- contrey bipartido o Parnaílb moderno. Decidem os Francezes , que tem bom voto nas matérias lit- terarias , contra os Poetas de voo mais rápido , e de expreflbens menos intelligiveisje fuppofto que tem dado excellentes preceitos para o Poema Heróico, elles mefmos confeílao , como adverti, que até agora naõ produzirão iguaes exemplos : com os dos Gregos , e com os dos Latinos do íeculo de Auguf- to , querem provar com razão , que a poefia hade íèr alta , e clara , como o faô as Eftrellas. Nas fuás tragedias , principalmente nas de Corneille , Ra* cine , e alguns outros , e nas Comedias de Molie- re , e poucos mais puferaõ o feu theatro na mayor perfeição , e regularidade , exprimindo as paixões inais heróicas , e mais finas com huma natural ex- ^/iv*;; plicaçaõ

plicaçaõ dos movimentos da alma,' contido que chama5 brilhante falíb , com que diminuirão o preço a muitos Poetas modernos , e a alguns anti- gos da fua, e de outras naçoens. Os Italianos, co- mo já infinuey , tiveraõ três tempos : no de Dante até Petrarca , e feus imitadores, floreceo a poefia pura, e clara, fubindo mais que Dédalo, porque lhe naõ bafla a mediania , nem fe verifica nella o ]\íedio tiitUfunus ihis j e menos que ícaro , pornaÕ dar ás agoas de Aganipe com o íêu naufrágio o trá- gico nome de Içarias. No íegundo tempo , ou ida- de da Poefia Tofcana dizem os feus modernos pro- feílbres, quefe eícureceraõ as idéas de que naõ po- diaõ nacer claros os conceitos, parecendo-lhe , que o que fe entendia fiicilmiCnte era difícil que íeadmi- raíle j e daqui dizem que fe originou fazer confiP tir toda a poefia em frafes , e epiteólos , que deviao mais ao artifício de falfos adornos , do que à fermo- fura de verdadeiras perfeiçoens ; e quafi reduzidos a palavras cuidavao mais em equivocos, para- nomafias , e outras figuras , que devem uíarfe com moderação, do que na íblida eloquência poética do eílilo fublime , e dos conceitos , que perfuadem mais eficazmente , quando íao naturaes , do que ferem por íer demafiadamente agudos. Os da ulti- ma idade deíejaõ na Arcádia , de que tenho a hon- ra de íêr Académico, com o nome de Ormauro Pa- liíeo , que fe cultive no nobre edifício, que le fun- dou pelo feu Protector ElRey D. João V. dignam

m dorfe,

do-íe, como fabio de admitir o nome do Paílor Albano, a pacifica , e naõ rullica fimplicidade da Grega Arcádia , de que tem fehido a luz taõ excel- lentes obras fobre o modello das antigas. A Graõ Bretanha , e outras naçoens Setentrionaes fogeita- rao a íiia poefia a efta reforma 5 mas a ninfa Pirene ainda prefume que os Pirineos faõ mais altos que o Parnaflb, e defende com ardente vigor Hefpanhol a entrada de Hefpanha, e Portugal a eflesrigidos eftatutos dos novos criticos. Principiou Joaô de Mena nas fuás Treíentas , e em outras obras de veríb de doze fyllabas a tirar a poefia da fua abati- da groflaria. Em Portugal o Infante D. Pedro o igualou , e excedeo : Garcilaflb de la Vega lhe reftituio a ternura , e íliavidade dos antigos Lati- nos : Boícan naõ a perdeo 5 os dous Lupercios ti- veraõ toda a heróica gravidade : Gongora a fez voar mais alto , e perderaÕ-íe muitos dos que o íe- guirao : D. António de Solis apurou de forte a fra- ze, e animou os conceitos de modo, que naõ o ex- cedeo a defcripçaõ de D. António de Mendoça, nem os penfamentos de D. Luiz de Ulloa. O ef tilo das Comedias de Calderon ainda coníervou elevação, e conceituofa clareza j mas eftes,e mui- tos outros , que antes , e depois floreceraõ , e hoje dignamente fe eílimaõ , foraõ cada vez mais enco- brindo os conceitos nas frazes, e nas allufoens , e termos quafi inintelligiveis aos Eftrangeiros , deí^ prezando tudo o que naõ participa defta agudexa ,

com

com que o eílilo Hefpanhol he o que tem fido mais diverfo nos últimos três feculos , parecendo-lhe , que declaravfe he abaterfe. Qiiafi o meímo tem fucedido a Portugal , e como tratey dos auto- res dos feus Poemas Heróicos , direy em com- mum do génio poético da minha naçaõ , que per- dendo de vifta a Camoens , foraõ poucos os que o imitarão : António Barbofa Bacellar tenho por hum dos melhores : António da Foníeca Soares tem muitos por igual : Bernardim Ribeiro , Dio- go Bernardes , e Francifco Rodrigues Lobo com outros mais modernos , ainda coníervaô a antiga clareza. Eu com tudo fluduey entre o gofto da naçaõ , que entende bem a Lingoa Portugueza , como própria , e da Caftelhana , que de todonaõ a ignora , com.o vefinha para combater com as na- çoens , que me entendem menos , ainda que da poefia pôde íer que entendaô mais , e coníervey , quanto me foy poííível , hum eílilo alto , mas que procurey naõ foííe eícuro , huns conceitos , que íê percebeflèm , e humas figuras , que fogiflem da declamação , que naõ íe dilataflem nas metáforas, nem fizeflem frequentes hipérboles , porque íe Ía5 commuas , admiraõ-fe menos , e a hyperbaton , ou tranípofiçaõ , naõ he na nofla Lingoa taõ tole- rada , fenaõ quando he menos commua. O eftilo íâcro defejey que fofle com o devido decoro , e de- cência ; o heróico com gravidade , o ícientifico fem oílentaçaõ , e o médio fempre em frafe poe-

m 1 * tica,

tica , e nau profaica. Obfervey com muitos don^ tos modernos , que o génio do feculo naÕ admite- tanto , ainda que he de ferro , os combates ílingui- nolentos , e as acçoens tirannicas , como os anti- gos , e que a parte erótica prefere à heróica , o A- mor a Marte , e Vénus a Palias : aíTim vay o Poe- ma com a mayor ternura , e pureza , com que pu- de explicarme , todo cheyo de lances ; e affeólos amorofos , que faço fervir à principal acção fem interromper a parte feria do Poema , fervindo no defcanfo das operaçoens militares.

COMPARAÇOENS. Confeílò que achey quafi apuradas as compa- raçoens , que faõ huns dos mais bellos adornos da poefia heróica : na Eneida de Virgílio achey 107. e algumas repetidas : Camoens nao tem tan- tas como o meu Poema , ainda comparando o mayor numero das minhas Oitavas com o das fuás, porque nao chegaõ a 50. e as minhas faõ mais de jo. Entre os Gregos depois de Homero he Oppia- no mais felice , e abundante nellas , e entre os La- tinos modernos Jeronymo Vida na fua admirável Chriftiada , Poema que depois de Sanazaro he dos que melhor unirão a poefia com a religião , por mais que naõ íatisfaça em tudo ao P. Rapin: O P, Frifon na5 menos illuftrejefuita condenna neíle Poema os dous largos difcuríbs , que Saõ Joaõ , e SaÕ Jozé fizeraõ a Pilatos em quanto condennava aGhriílo à morte ^ porque, como Mr. Bayle tam- ' bem

bem repara, naõ eftava aquellc juiz minto para ou- vir íemelhantes dcclamaçoens , a que eu acrecen- to , que até a hiftoria Evangélica alterou em bum Poema taõ catholico hum Poeta taõ pio nefiu , e em outras cu'cunftancias , e-naõ entendo , que ha autor digno de credito, que dilate a Vida de SaÕ Jozé até a Paixa5 de Chriílo.

DESCRIPÇOENS, Com razaõ íe condennao as defcripçoens mui- to largas , e naõ julgo que deve chamarfe aííim a relação de hum combate , ou hum Epifodioj e tu- do o que naõ he defcrever miudamente as partes do adorno , que he eftranho ao Poema , por often- tar huma vãa erudição , naò íe condennará, co- mo faz Boyleau no Vocm^x do A/arico-, e os que querem , que Lope de Vega naõ íe acreditaílè muito na fua Jerufalem , ainda que naõ he para deí^ prezar nas fuás partes , naõ negaõ ferem muito di- fuías as fua^ defcripçoens. Com tudo he permitido deterfe mais tempo em comtemplar huma pintura, que agradavelmente com as ílias imagens vivas li- íbngea os olhes , e a faculdade chamada imagina- tiva j poriílb me dilatey mais no jardim militar de Axa no Canto 5. no Palácio da Gloria Canto 4. na gruta do i . e 2. Canto , e nelles defere vo as paixões do fufto, egofto de Tliereza. O bofque , e a nou- te do Canto 4. as conftellaçoens confufas, e os orá- culos nodurnos do 3 . a agricultura do 9. o inverno do 10. a aurora , e outras partes do dia , e do an-

no,

no , com outras muitas mais breves faõ as defcrip- çoens principaes da Henriqueida. COMBATES.

Nas monomaquias , ou combates particulares, variey , quanto pude, as circunftancias , íegundo o carader dos combatentes , e diverfificando-os quanto me foy poíTivel dos muitos, que íè achao em Homero, Virgílio, e outros Poetas. He feros o combate de D. Payo da Cunha , e Almançor no primeiro Canto j breve o do mefmo Principe Mou- ro com Henrique dentro do Kio Douro ; genero- íb o que o Heróe refere que tivera com Muley no Canto 2. Eftranho o de Egas Moniz com Palias , que tomou a forma de Zaida , como Homero diz fizera Minerva à de Mentor. Furioíb o de Pelayo, e Muley no Canto 5. e mayor o de Egas Moniz coin Axa defendendo a tenda do Infante.

Igual o de Muley com Pelayo no fim do tor- neyo : e mayor de todos o do Conde Dom Henrique com ElRey Hali,em que fe acaba o Poe- ma. Intentey reduzir quafi todas as operaçoens militares ao eílilo da guerra daquelles tempos , co- mo já diíle, mas que naõ ficaflem inúteis aosnof {os as fuás regras. No primeiro Canto fe rebate o aflàltode Gaya, queima fe aponte, atea-íè hum incêndio no campo , vence-fe huma batalha : no 5 . íe vence outra em huma íerra , a qual fe deo com aftucia , e rebelliaõ : no 4. fe ganha Lamego por aP^alto. No 5. fe ataca o exercito de Henrique de

noute

nonte pelu treiçaõ dos- cattivos , e fe execútaÕ on- trás operaçoens. No 6. feda a batalha no monte da Nazaré , e fe ganhão Leyria , Pombal por en- terpreza. No fitio de Coimbra , que fe acha no Canto IO. íe ufa de todas as maquinas para a ex- puornaçaõ , e defenfa das Praças j peleja-íe nas contraminas , nas fortidas, e nos aflaltos , até que os Mouros levantaõ o fitio, tendo vifto o naufrá- gio da fua armada. No Canto 1 2. íe defcreve a ul- tima batalha , em que foraõ mortos três Reys , re- tirando-fe a Lisboa ElRey Halí , além de outros combates de diverfos modos.

VERSIFICAÇAM, Variey a confonancia das Rimas da Henri- queida de forte queficaílèm o mais longe , que fof fe poíTivel , e cuido que nefla parte naõ fe achará em muitos Poetas tanta diverfidade , e naõ tomey para os confoantes mais licenças que as que autori- íaõ os exemplos , como v. g. digno , efcrevendo-o fem g , com divino , como ufou Gongora 5 rito, e afflito , e outros femelhantes- Tendo exemplo em todos os Poetas , fogi na meíma Oitava de af- foantes , e naõ íèy íe em alguma ficariaõ por deí^ cuido : também me naõ atrevi a introduzir alguns efdruxulos , como fez Camoens , e agudos , co- mo ufou o meímo Poeta , e outros muitos , e naõ fey fe com razaÕ íe tirou à poefia heróica eíla li- berdade , que fe deixou aos verfos menores , naõ fazendo falta na mufica efta ultima fyllaba , que

lhe

lhe diminue hiima nota , efconiendo íempre por mais harmoniofos os finaes agudos para o fim das Árias. Ulb mais de fazer o hemiííicjuio no aílento da íexta dos veríbs hendecallylabos do que na quarta, e às vezes o fiiço em ambas ; como he permitido. As finalefas faço quantas vezes poflb £em otFenla da pronuncm, que nos antigos era mais. vagarofa, fazendo, por exemplo, a palavra ^/í?- i^iofo de quatro fyilabas , que agora fe reduz a três fóaiente , mas algumas vezes tomo a licença de naõ as fazer feguindo o ufo,e pronuncia Lingoa Portugueza.Fogi taobem quato pude das finalefiis das palavras , que acabaÕ em m , por me parece- rem afperas , ainda que algum Poetíi grande quer, que íeja obrigação fazellas , quando terminaõ por E j e M , emendando-me eíle verfo ; V Sabendo cjiierenacem efper ancas. Com outro verfo , que tem por mais conílaníe :

Sabendo (jiie rena cem as efpjeranças. Porém nefte , e em alguns femelhantes naõ mudey de opinião , porque a Lingoa Latina, que faz fi- nalefa no M , nem fempre regras ao ufo da Por- tugueza , onde o efcrever , como fe pronuncia, he a melhor norma , e propriedade. Na palavra He- ròe quiz também o coílume , que fe pronunciaílè mais vezes com duas fyilabas , como fe foíTe heroy^ porém muitas , como eu também faço , he de três fyilabas com aíTento na primeira , como fe foíTe lie* roe^ e pode fer que o mais próprio foflè , como ->ríi niais

mais chegado à origem , fer também de três fylla- bas com o aílènto na penúltima heròe , e no plural o vfaraõ affim os Hefpanhoes , ainda que prevale- ceo o aíTento na primeira dizendo hèroe , ehèrces. Eílas , e outras duvidas fobre a teórica , e pra- tica dos verfos vulgares tem fácil emenda ; porque íè quem os , for Poeta , ou ao menos tiver bom ouvido , elle mefmo lhe dará a fua natural caden- cia y e fenaõ o for , na5 lhe conhecera o defeito do veríb : e muitas vezes obfervey, quando duvi- dava fe algumas obras métricas , que me moílra- vaõ , eraõ de quem o dizia , o experimentava eu lendo alguns verfos errados , a que naó acodiaõ , fenaõ os tinhaõ compoílo j o que melhor fe exami- na na mufica. Porque naÕ pareça vaidade , deixo de apontar alguns verfos , de que com admirável arte fe valeo Virgilio, exprimindo na compofiçao do mefmo veríb a mefma acça5 ,que defcreve. No Canto I . digo :

Correo , cahio precipitadamente. E no mefmo Canto

Alfanges br ilhao j e tambores foaÍ.

NUMERO DE VERSOS. Nas notas da Arte Poética de Ariftoteles faz o erudito Mr. Dacier huma jufta reflexão, pois en- tendendo contra muitas opinioens , que a Eneida de Virgilio conta huma acção, que durou quaíi fette annos, quando muitos commentadores a re- duzem a hum , e amenos j e que a OdiíTea, co-

n mo

mo he mais provável, dura 8. annos , e a Illiada 47. dias 5 porque fendo a cólera de Aquiles a cau- ía , naõ era verofimil , que durafle muito mais o íèu eíFelto , como dey a entender tratando do tem- po , que dura a acção do meu Heróe. Pafla Mr. Dacier depois de concluir que a duração da fabula heróica do Poema nao tem tempo determinado , a preguntar o numero de verfos , de que bade com- poríe , e interpretando hum lugar de Ariftoteles, em que louva os Athenienfes , porque em hum dia ouviao muitas tragedias, ficando-lhe na memo- ria , julga que hum Poema ha de poder lerfe tam- bém em hum dia para que fenaÕ perca o fio, nem a memoria do principio até o fim da acção j e dei- xando eu outros exemplos , me parece que o nume- ro de 1600. Oitavas, que comprehendem 12800. veríbs , era o que mais fe conformava com efta re- gra j pois fe Virgilio nos doze Livros da íiia Enei- da , que he o meímo numero de Cantos , em que reparti a minha Henriqueida, fez 10880. verfos, quando os meus a onze íyllabas fazem 140800. fyl- labas , arbitrando os verfos exametros do meíino Virgilio a quinze fyllabas cada hum , que he o nu- mero , que comprehende a mayor parte delles pela alternativa de três Dady los, e três Spondeos, ain- da que haja muitos dequatorze fyllabas , mas pou- cos de dezefeis , alguns de treze , e rariííimos de dez- eíette , e ainda mais raros os Spondaicos , que po- dem ter doze, fica jufto o arbítrio de quinze,

com

com que tem Virgílio por efta conta ciiriofa 165200. fyllabas, que íl\5 22400. mais do que o meu Poema , em que a 88, fyllabas cada Oitava , fariaõ 21 j. Oitavas mais com pouca diferença; po« rém nem nefta parte afpiro a igualar a Virgílio ; e porque na quantidade dos verfos , e naõ na qua- lidade poílo competir com Camoens para affirmar com verdade , e fem oftenfa da modeftia , que he mayor aHenriqueida, do vue os Lufiadas , com- prehende aquella 500. Oitavas mais, porque o Poe- ma de Camoens nos feiís 10. Cantos tem 1 100. Oitavas , e a Jerufalem libertada de Taífo 2196. Stanças , ou Oitavas , que fazem 16788. verfos, e 596. Oitavas mais do que íe achaÔ na Henriquei- da ; com que pela primeira conta tem mais exten- faÕ o Poema de Taílb do que o de Virgílio. Dei- xo o exemplo de Marino , de que o ultimo Canto fo dos vinte, emquedividio o Adónis, tem mais de joo. Oitavas , que he quafi a terceira parte do meu Poema, efcrevendo a fua affluencia 5040. como diíle , a aífumpto taô pouco heróico. Também na diveríà grandeza dos Cantos ha tanta variedae, que em Camoens fe acha hum , e vem a íêr o 7. com %j. Oitavas , e outro , que he o 10. com 156, fendo o mayor elogio defte Poeta o que 1 ef reMa- noel de Faria dizendo hum homem douto do íeu tempo , que aquelle Poema havia de fer taô breve, que logo fe tomaíle de memoria , ou taô largo , que nunca fe acabaílè de ler.

n 2 ALE'

ALEGORIA,

o ~ Naõ ley fe he paradoxa a opinião , que figo , de que a mayor parte dos Poetas naõ cuidarão na allqgoria , que o feu engenho , ou o dos feus com- mentadores lhe defcobrio depois de acabados , o que nao he difícil , pois encaminhando-fe fempre toda a Poefia Heróica, e Trágica , e ainda a de outras efpecies a unir o íliave com o útil, fazendo- fe triunfante a virtude , e caílig^ado o vicio , fen- do as máximas , os preceitos , e as acçoens verda- deiras , ainda que fabulofos os exemplos , todo o Poema pode ter fem outra applicaça5 a fua allego-

ria.

"^^ Naõ cuido eu que Marino no feu Adónis teve as idéas, que lhe attribue D. Lourenço Scoto, que fez a Allegoria daquelle Poema j porque fe Marino procuraífe perfuadir tanto as virtudes , naõ pin- taria com taõ lifongeiras cores os vícios : bem íey que nas fabulas antigas fe pertendem'^char as me- lhores máximas da Filofofia Moral j mas no meu Poema procurey combater em poucas palavras eí^ ta opinião, como pode verfe em huma Oitava do Canto I . que he a feguinte :

Tinha eu lido , (jue a Deofa caçadora Emfon/ios a Endimion favorecera j Oh cjuem de tantos males preciirjora Ta'6 danqfos exemplos nunca lera ! AJfimJe infama o numen , (jueje adora , Qiie nelle a me/ma culpa fe venera ?

Faljo

' Falfú rito , (jiie tem cego , e inculto , O vicio claro , o documento oc culto ! O que tenho por mais certo he , que as fabulas ti- verao a fua origem em algumas hiftorias verdadei- ras , que a mentirofa Grécia ( como diz o Poeta ) íe atreveo a alterar na fuahiíloria , e na fua poefia, e taõ oufadamente , que fendo infaliveis as hiftorias das Efcripturas , desfigurarão elles a verdade , e naõ duvido que a applicaçao allegorica , e m.oral, foíle feita depois j porque fenaõ entendeíle que o exemplo dos Deofes autorifava os mais enormes delidos j e aíTim verifico efte fiftema com mais ra- zão nos Poemas , do que a conjeâ:ura , que faço nâs fíibulas j pois he certo , que os apologos , de quem fazem autor Efopo , e alguns a Sócrates , co- mo os Orientaes a Locman, naõ pode negaríe , que fao inteiramente moraes , e allegoricos : e por- illb confeífo finceramente , que efcolhi a acçaõ pela gloria de Portugal no principio da fua funda- ção , como Eílado livre , e o Heróe , como hum Principe generofo, e adornado de virtudes catho- licas, moraes , militares , e politicas , e que com o favor Divino merecido pela fua ardente piedade, livrou os feus Eftados dos bárbaros facrilegios Ma- hometanos j e todos os outros caraderes concor- rem para eíle fim , que tive por tao natural , que naõ multipliquey tanto as máximas, e dogmas mo- raes , e politicos, que quafi íempre faÕ lugares co- muns , e entendi , que baftavaÕ as reflexoens poéti- cas,

cas,qiie augmentey paraliíbngear o godo moderno de Hefpanha 5 porque algum he ta5 difícil , que naõ admite Oitava fem conceito , quando eíles, fe Íà6 comuns , nao fe eftimaõ , e interrompem a nar- ração 5 o que naÕ faz o eftilo , e fraíe poética , quan- do nao íàlie do aflumpto , a que deve proporcio- naríe.

IMPRESSAM. Principiey a efcrever efte Poema em Julho de 1720. eílando em Coimbra, e em pouco mais de hum mez acabey os primeiros quatro Cantos. Al- guns dos homens doutos daquella Univerfidademe animarão a feguir efta empreza , e me fez refolver o K. P. Fr, Caetano deS.Jozé Carmelita Defcal- ço, dequeojuizo , a erudição, e a verdade faz juf tamente opinião fegura na Pcepublica Literária : continuey algum tempo depois o quinto Canto, e com huma fufpenfaô de onze annos fiquey culti- vando na Academia Real da Hiftoria Portugueza em mufas mais feveras todos os meus eftudos. Na Academia Portugueza , que renovando a Genero- íà, fe continuava naquelle tempo em minha Cafa, li os cinco Cantos , e recebi as correcçoens dos Aca- démicos. Depois emendey tudo o que doutamen- te me advertio Martinho de Mendoça de Pina , e de Proença , de quem o nome baila para o elogio: o mefmo digo de Alexandre de Guímaõ, que fez hum judiciofo exame da Henriqueida , eera hum dos Cenlores deíla obra j o R. P. D. Manoel Cae- tano

tano de Souíli , que iinio fempre as mais fublímeí? faculdades k Filologia j o InquifidorFilippe Maciel interrompeoasfuas nobres occupaçÕes para emen- dar efte Poema j o Doutor Francifco Xavier Lei- tão , e outros Académicos acharão em mim a de- vida docilidade as fuás juftas reflexoens , e fenti que a diftancia em que vive , com grande dano das boas letras da Corte , Francifco Botelho de Vafconcel- los me naõ deixafle comunicarlhe mais que os pri- meiros Cantos, e íenaõ foy effeito dafua corteza- nia, naõ os achou indignos de continuaríe, o que eu faria felizmente, fe foubeíle imitar o feu Alffonfo: e íe os íliperiores empregos poli ticos, e militares, que para illuftrar outras Cortes exercitava o Senhor Conde de Tarouca , o naõ tivefíèm roubado à nojP fa ácídc o anno de 1709. íeria elle o primeiro , a quem eu confultaílè , e a quem feguiílè , como fiz defde os meus primeiros annos , porque o reconhe- ço por hum dos primeiros Poetas do noílb feculo, a quem o roubou ha pouco tempo a morte : aos eruditos Marquezes de Alegrete devi fabiasad- moeftaçoens : outros Cenfores me haõ de dar os Tribunaes , que mandaõ examinar a Henriqueida, e fe antecipou a approvala antes de a ler ( porque depois feria mais efcrupulofa a cenfura ) o Senhor Conde de Vimiofo , que com o Senhor Marquez de Valença feu Pay, ouvirão algumas partes defte Poema ; e a fua erudição , finceridade , e bom goí^ to unidos à fua benevolência, me tirarão da duvi- da,

da , em que eftava de que paflaflè de manufcrito a impreílb. Agora íahe a luz pelo muito que me in- citaô os curiofos , fem me dar tempo para algumas eftampas , e ornatos , que opodiao fazer plaufi- vel. Pode fer, que íe for digno de fegunda edição, feja mais polido , emendando o que judiciofamente me advertirem os que o lerem , e acrefcentando ás ligeiras notas, que agora le acharão no fim da Hen- riqueida , as de que elles entenderem neceíTita , ad- vertíndo-me efta falta os Leitores judicioíbs,renaô íe entenderem alguns verfos , o que íb íèrá, porque eu naõ declarafle bem o feu fentido.

PROTESTARAM.

OS Decretos Pontificios permitem , como referi , que os Poetas fallem em Deofes , deofas , deidades, fado, deílino , fortuna , e ou- tros termos da antiga , e falia idolatria , e também que fe refirao alguns fucceílbs , que parecem mila- grofos , e virtudes extraordinárias com a pia, que fe lhe em quanto a Igreja Catholica os naõ autorifa. Com ambas eftas decifoens proteRocon- formarme neíle Poema , e em todas as minhas obras , como filho obedientiffimo da Santa Igreja Catholica Romana , e affim o firmo com o meu nome. Lisboa 15. de Fevereiro de 1740-

O CONDE DA ERICETRA.

HENRI-

Pag. I

HENRIQUEIDA

CANTO I.

Argumento.

ENtra Henrique na. gruta mifieriofa , Temem , que nellx acabe o varão forlt : Gaya faz, refiflencia valcrofa , Na batalha acha o Mouro oppojla a forte : Sahe o Hcroe da cova tenehrofa , Tem Almançor no Bouro a dura morte : De Mu lei [ente Al dar a o fado efquivo , E a quem a cativou deixou cativo.

I. Eu canto as Armas , eo Varaô famoío , ^°^^ ^*

Que deo a Portugal principio Régio, Confeguindo por forte , e generoío, Em guerra , e paz o nome mais egrégio j E animado de eípirito glorioío Calliíjou dos infiéis o facrileciio Deixando por prudente , e por oufado , Nas virtudes o Império eternizado.

2.

Europa foy Ò2 eípada fulminante Teatro iiiuUre , viaima glorio fa , Aíia vio no íeu braço a Cruz brilhante , E ficou do íeu nome temerofa : De Africa agente barbara, e tr;umf:nte Selhe poQrou rendida, e rcceoía Para íer fundador de hum quinto Império Que do Mundo domine outro Emisferio.

A 2.

z Henricjueida

3- Nota 2. DIrey, como depois da alta aliança

Conquiiioa valerofo em dura guerra Qaanto paiz em Portugal alcança Do Douro ao Tejo a dilatada terra: Ou morre o Mouro à Ínclita vingança, Ou cobarde do Reyno fe derterra ; Porque no juílo Império íinta aflido Duas penas a hum bárbaro delido.

4- Nota 3. Naõ Caliope heróica agora mvoco.

Tu me infpira ò Deidade , que celeí^e

Para a épica tuba , que hoje toco ,

Teu iníilamado eípirito me défte :

Pois fe por ti meus números provoco ,

E fe infl^iencia eterna concedefte ,

Voarey fuperior â mefma Vrania

Até cantar o Herôe de Lufítania.

Excelfo defcendente António Auguílo ^^^ '^' Naõ do meímo fangue derivado , Mas que no próprio coração robufto Moitrais igual eípirito esforçado : Se tenho no refpeito hum nobre fuílo Para temer hum Nume taõ fagrado ; Vós fareis , que a Real benignidade Modere do refpeito a auíieridade.

6.

Se achar em Vòs o claro patrocínio , Ttalia , e Grécia haô de admirar meu canto ; E outro gloriofo vaticínio A idea me arrebata em fuvor íanto , Pronofticando que em feliz domínio FL\ de em Vós outro Império alcançar tanto, Qje eu a voTa conquiíla ain ia publique, Para que iguale António ao mefmo Henrique.

7.

Canto L 3

7- Voe a penna por Vôs à íacra esfera

Do Excelío íucceíor do claro Império

Fundado por Henrique, aquém venera

Com mais durável gloria outro emisferio :

Que íe Vós a guiais, íeconíidera

Di-ç^na de defcrever tanto miiterio:

Nada rema , íè a forte quiz que achaíTe

Hum Mecenas, que a Auguilo ainda igualaíTe,

8.

Henrique de Borgonha, que eterniza

Para a poiteridade a rara empreza

do Luío paiz a terra piza ,

Que Afonlo de Leaõ deo a Tereza \

O premio do valor fe immortaliza

Ao confeguir taò Ínclita belleza ,

Naò no Reyno , que aceita fem ganhalo ,

Mas na occaíiaó , que tem de conquilialo.

9- Em dote o Grande Afonfo eíle direito,

Na5 o que poíTue lhe offerece. Que a efperança fundada em forte peito Por conquifta fegura fe conhece: Darlhe o que o Mouro occupa, he hum eíFeito Da opinião , com que a dadiva ennobrece ; ^ Porque hum largo paiz por pouco adínita , Que o que ha de conquillar naò fe limita.

10 Grande, em esforço, em numero, peqneno Exercito íeguia ao Varaõ forte , E a multidão immenía do Agareno Julga emprego a cem braços cada morte: .NÍota 5'.

Nada perturba o animo íereno, Nada recea da inconíiante forte , Quem ou a encontre oppofla, ou opportuna, Tem na virtude o império da Fortuna.

A z II.

4 Henriqueida

1 1. Ao Douro prateado a margem de ouro Bordava ainda acampado em brancas tendas O exercito invencível , fendo o Douro Q^iem rápido fepara ertas contendas ; Teine que ainda naò barte , ó feroz Mouro , O rio para foíTo, em que defendas O teu Paiz da Luíitana fúria Que de vingar da pátria a antigua injuria.

12.

Defde o Porto a conquifta principiando Do novo Reyno , que fundar procura , com feliz auípicio hia forinando O claro nome, que nos evos dura: Ao exercito o empório fuítentando A íuSíiilencia às tropas aíTegura , Porém ao Mar a Mahometana armada Opprime numeroía , corre ouzada.

A idea vacilante nos projetos De vadear o turnido embaraço , Dos perigos creciaó nos objetos M.iyor^s glorias ao invidlo braço: Nova guerra, e mais dura nos aferos T^mia de huma auzencia no ameaço , Se no Porto deixaífe mal fegura Da Regia efpoía a amada fermofura.

14. PafTando à parte auliral o caudeloío Rio, que 03 inimigos diíputavaõ , Se eviraíTem íeu braço valeroío , Outro danno mayor ameaçavaô, Pois da noite no azilo tenebrofo , Se do Douro a paíTagem lhe deixavaõ , A entrepreza do Porto inrentariaò, Ou por bioqueo a Praça ganhariaô.

Canto L j

Conduzido do próprio penfamento , Naò podia ter guia mais iiluOre, Prevenindo prudente o vario intento, Teme valente que a cccaíiaõ fe íruiire, Expõem o que maio ama a algum violento Succeíío , que o triunfo lhe debluftre , E a fi fe expõem, fe na inacção fuípende A gloria , a que o íccego femore ofíende.

i6.

AíTim paíTou de toaos feparado De Gaya às antiquiíTimas ruinas , ^oi^ 6.

Que tinha com raíaõ fortificado Da parte aurtral das agoas crilialinas: De huma gruta bufcou centro ignorado , E merecendo infpiraçoens divinas, Hum Angélico efpirito , a que invoca , Quer que ouça as vozes deíia muda boca.

17- ...

Da horrenda gruta a entrada defendiaõ

Agudas folhas da arvore do Aveino ,

E enlaçadas raizes , que íe uniaò.

Mais que de Gordio no embaraço eterno : Nota 7.

Penhaícos óe(de a terra ao Ceo fobiaõ

Lúbricos os fez tanto o frio inverno,

Que Henrique vio» fubindo reíolutos,

Precipitarie os mais veJozes brutos.

i§. ^

O mnr, e a terra cm hórrida diíputa

Gritavaô com clamores deírredicos -,

Que naõ entraíTem na funefla gruta

Os que aíiim o intentavaõ preíumidos:

A confiancia mais forte , e refcluta ,

De ondas, e rochas trágicos brairidos,

Tem-ia verdo vnirfe em dura guerra

Contra hum coração o Mar, ea Terra,'

19.

Henriqueida

19.

Na6 fingidos dragoens de hum falfo encanto Com fantaitica idea íabulofa Intentarão formar trágico efpanto A quem vence a conltancia valerofa :

Nota s. Mas o bruto Neméo , eo deErymantho, Multiplicou a ferra prodigiofa, E o varaõ fempre invicto naò recea

Notai). Incêndios de Deyanira, nem de Althea.

20.

Nota 10 Africos faõ os ventos mais íuaves,

* Cicutas faõ as plantas mais amenas , Fúnebres Corvos as mais doces aves, Inundaçoens as agoas mais ferenas :

Nota II. -j^^- ^g achem de Trofonio os fonhos graves,' Que aqui fe encontrão verdadeiras penas, Mas por mais que os horrores multiplique, A todos vença hum coração de Henrique.

21. Aves , penhascos , feras , troncos , ramas , O Heroe venceo , eos mefmos elementos, Pois fez o coração com viyas chamas Secar as ondas, e acender os ventos: Tu, diz Henrique, ó Génio, que me inflamas, De facrilegos livra os meus intentos; Deixarey hum perigo , que fe encobre , Venerando ao ía^rado hum medo nobre.

22.

Se o Ceo referva algum fegredo oculto Na ignorada regiaô deíle emisferio, Mas que o julguera temor , feja o meu culto Quem deyxe impenetrável o mil^erio : Naô quero íQ preço do mais leve infulto Comprar a gtoria do mais alto império: E aíTim íegurarey por vários modos ; Que fe eu temo emprendelo , o temaõ todos.

^3'

Nota

Canto 1. j

Pôde fer que o meu bárbaro contrario DefprezaíTe o mifterio tenebrofo , Que fempre he contra o Ceo mais temerário Quem mais vezes no mundo he temeroío : Ninguém me no fitio íolitario, Deixar pudera hum riíco ncô forcofo , Mas fe o Ceo me aíTegura da impiedade , Busco a victoria livre da vaidade.

24.

Se , como a fama conta , foy ao Mouro Util huma imprudência de Rodrigo, Nota li.

Deíprezando em Toledo o triíle agouro , Que fempre refpeitára o tempo antigo , E o que efperava nitido teíouro , Se transformou em vozes do cartigo , E neíte vaõ, e occulto cenotafio Leo do Gótico Império o epitáfio.

Eu de mais alia cauza commovido, Naô de humana ambição hoje incitado, Em lugar deíTe Reyno defiruido, Outro efpero , e m.ayor, deixar fundado : Na efpada a Cruz me faz mais atrevido , No eícudo a Cruz me faz mais animado : Nota 14,

O Inferno tema ella fagrada oflenfa , Que eu n ao o temo, rendoa por defenfa,

26.

DiíTe: e fubindo a in^cccfljvel penha, Qual bizarro Falcão, que da eícabrofa Alcantilada rocha fe ciefpenha Para opprimir a Garça receofa: Dece apreíTado à gruta, em que fe empenha A inveftigar a entrada tenebrofa; E ailluminou o eípirito brilhante Aos reflexos da efpada rutilante. '

^7-

8 Henriqueida

Nota 1$. Como o Douro divide a antigua Gaya

Do fegundo Ramiro deítruida, Da moderna Cidade , que na praya Fe^ a naçaõ Sacva prevenida ; Nadante ponte a criiialina raya Deixava dominada, e opprimida;

Nota i6. E a guarnição mandava o forte Helvidio Do caftello arruinado no preíídio.

28. Vio , que Henrique cahia do rochedo , E o naô vio mais , mas capitão prudente , Por naõ dar aos foidados juílo medo, Nâõ fia à voz o trifte mal , que fente : Subir pretende ao aípero penedo: Correo , cahio precipitadamente ; E hum íoldado , que o fegue com acordo , No retiro aproveyta o deíacordo.

29. Mas como também vio do Grande Henrique O inefperado trágico íucceíTo , A dor íem prevenção faz que publique A mayor perda com mayor exceíTo ; E a Fama, porque os males multiplique. Voando com triifiílimo progreíTo , Leva a noticia da funefta emprefa Ao exercito , à Prac^. Princefa-

No campo os Generaes correm velozes Nota 17. A Egas Monis com apreiTados gritos j

He morto Henrique dizem triíles vozes, E muitos de a3 ouvir paí.Daó aflitoj ; Golpes taò repentinos , como atrozes , Cauzaõ da dor eíTeytos infinitos , Que o amor com impulfos taó terríveis Vcnceo os coraçoens fempre invenciveis.

13-

I

Crnto L g

31- No Porto as mefmas pedras das muralhas

Pareciaó íeníiveis aos clamores,

E quaíi defcobriraõ as medalhas,

Que enterrarão os claros fundadores:

Os povos ja taõ deiíros nas batalhas ,

Que igualaó os Soldados vencedores,

Ao pronto fufto de pezar taô alto

Se rendem à entrepreza defte aíTalto.

32-.. Eco contra os amantes vingativa Nota i$.

Das antiguas injurias deNarcifo,

Das noticias mais triftes expreíTiva

Multiplica no ar o infaufto avizo :

Mas da bella Tereía compalíiva,

Lhe deyxa ouvir confufo hum mal precifo;

Que fizera a duriíTima certeza ,

Se quaíi mata a duvida a Tereza ?

33- Se naô morre ao aílalto repentino ,

He porque o coração fiel, ejufto

Guarda na vida hum íentimento fino ,

Que com o alento immortalize o íiifto :

Rogando eftava ao Protedor Divino.

Pelas victorias do Varaó auguilo j

E com taô bem nacida confiança

Mais crè, que ao defengano, a cfta efperançi

34. . Kennque he vivo: diíTe , e íe o contago

Do contrario rumor perverte os ares,

Primeiro mo diiTera algum prefacio,

Que faõ muy prevenidos os pefares :

E primeiro eu morrera no naufrágio

Dos olhos delatados em dous mares ,

Do que ninguém foubeiTe a dura forte

Da vida, em que ainda vive a minha morte;

B 35.

jo Henriqueida

. Buicay melhor, ó Generaes valentes , O centro rcfervado , o ílrio inculto , E trazeyine as relíquias excellentes , Porque eu crea o meu mal , e eile o meu cult o; Entaõlerá das cinzas ainda ardentes Ncra 19. ;^eu peyto o maufoléo , vivendo occulto. No mefmo coração , em que arde activo O incêndio morto em holocaufto vivo.

X. , Neíre tempo de infame intelligencia

Inrormado o terrível límaehta, Aífaítou Gaya , e com feroz violência Arroja a ponte maquina exquiííta : Ferido Helvidio fez tal reíiílencia Contra a barbara turba, e infinita, Que a pena lhe íerve no perigo De animalo á vingança, e ao calíigo.

37-

O Africano Gigante Alcidemonte

Sem arrimar efcada ao alto muro , O excedeo taato com a horrenda fronte , Que ficoa indefefo , e mal féguro : Nou 21 ^^"^ monte pareceo íobre outro monte, ' Ou que Tifeo íacrilego , e impuro Intentou com a barbara ouzadia Apagar com hum aíTopro a luz do dia.

Nota 22. 3^-

Porem Dom Mendo Portuguez galhardo

Veloz arroja em golpe penetrante

A hum dos olhos hum tiro, efez o dardo,

Nota 23. Qtje Ciclope acabaíTe eíle Gigante:

Os Mouros , que o feguiaó fem refguardo ,

Debaxo do ColoíTo fulminante,

Quando cahio a eftatua horrenda e dura ,

Juntas acharam morte , e íepultura.

Canto L ii

39- A o meímo tempo pela oppoíta parte

AíTalta o muro Muliafà valente ,

Que tem torça inferior , mas tem mais arte,

E he na Guerra mais forte o mais prudente:

No militar ofíicio ao mefmo Marte

Cuida que excede com valor fciente ;

E no eícudo gravara mil emprefas

De expugnaçoens , aíTedios , e entrepreías.

40.

Com quinhentos Numidas efcolhidos Nora 24.

Huma portátil fabrica guiava , Que até nos tardos paíTos , e medidos , O vagarofo Amphibio retratava: j^t^j.^ ^^_

Eraõ de aço os reparos taõ luzidos. Que aos defeníores o fulgor cegava: Como feria adtiva a fua offenfa , Se era ainda ofleníiva na defenfa /

4t.

Ao chegar à muralha , de repente A concha fuperior, que fe levanta , Iguala o parapeito, e prontamente A milicia íe anima a emprefa tanta : Com as efcadas a Africana gente Sobe cuberta , e tanto íe adianta, Que ja fobre as ameas , que coroaõ , Alfanges brilhaõ , e tambores íoaó .

42.

Acode a tanto danno o Graõ Roberto , Francézillurire, em armas invencível, Em defender as Praças taõ experto. Como em ganhalas Muílafá terrível : Tinha ali de penedos encuberto Hum numero taõ grande, e taõ horrível, E os fez cahir com tal deíembaraço , Que a fereduzio o monte de a^o.

B 2 43-

Nota 16,

r^ . Henriqueida

:Ficara5 os Numídas íepultados Na volúvel de mármore montanha, E taõ profundamente foterrados, Q^e inficionar naõ podem a campanha : iVíuftafá mais deliro que os foldados Livroj a vida com fortuna eftranha: Fiado de Roberto na piedade, Perde dentro da Praça a liberdade.

44.

Na5 tem melhor fucceífo outra nadante Maquina ardente, que a queimara ponte Também mandava o bárbaro arrogante, Que íobre asagoasrayos brote hum monte/ Nota 27. Corrêa vendo o Ethna fulminante.

Que as chamas efpalhava no Orizonte, E a ponte , que de barcas he formada , Da inflamada matéria ameaçada:

AS- Como valente, e defiro prevenira

Nadando ni corrente alguns madeiros ,

De hum batel os conduz , e ouzado gira

Entre os tiros dos bárbaros guerreiros:

Com a violência a maquina retira,

Que retrocede os Ímpetos primeiros,

E encalhando outra vez na própria arêa i

Nas tendas Mahometanas fogo atêa.

46.

Todo o campo Agareno em chamas arde ,

E aos Luíítanos favorável vento.

Porque o feu pronto eflrago naô retarde,

O incêndio leva rápido , e violento :

Em terra , e agoa o pérfido cobarde ,

Em fogo, e ar , naõ acha hum elemento ,

Para donde fogir de hum tal caftigo ,

Kou i§. £ aÇê naç-Câb^ o medo no perigo.

Canto 1. 13

Como de hum boíque os troncos elevados Ao impulfo veloz de hum forte vento Cahem da pronta fúria deflrocados , Perdendo humildes o dominio izento ; Aíllm foraò do fogo devorados Pavilhoens , que lobindo ao Firmamento Sobre troncos altiífimos de Pinho, Eraô mudáveis arvores de linho.

48.

Qual das abelhas o eíquadraõ volante , Sentindo na colmea ardente efirago , Foge ligeiro com fufurro errante , Para que o ar lhe o azilo vago ; Affim deixa o campo vacilante O exercito Agareno , que prefago Pudera exporíe a ardores taó adlivos , Antes do que íofrer outros mais vivos.

49- De Gaya os valeroíos defenfores De novos batalhoens ja focorridos 'Hoia, iç^:

Saltaõ os muros com marciaes ardores Por Dom Payo da Cunha conduzidos ; E os Mouros , que os eíiragos , e os terrores Viaõ por tantos modos repartidos , Ainda aíTim à fortidafe oppuferaô , E com numero inmenfo a combaterão.

O Príncipe Almançor fero Africano De Annibal era o emulo ambiciofo , E hum fonho cré , que lhe aíTegura ufano , Que Henrique he morto , e elle vidorioío ; No campo ouvindo logo o caio iniano Do imaginado fim do Heroe famozo , Ja tem por infalível a vidoria , Faltando tal contrario , he pouca a gloria.^

Nota 32,

14 Henriqueida

$1- Fieis fequazes do niayor Profeta ] Clama o impio com voz alta , e fonora ^

>Jota 30. Ainda algum terror pânico inquieta

Quem vencedor o Deos , que adora ? Da omnipotente maó a aguda feta Matou a Henrique , e no inferno mora , Quem por decreto iniquo , mas profundo , A Mahometana Ley tirara ao Mundo.

5:2.

Nota 3 1. Vivo a gruta fatidica o encerra ,

Sacrilego em buícala ao Ceo provoca , Ambiciofo da pena entrou na terra , Por donde abrio o Abiímo a horrível boca : do noíTo emisferio Alá defterra Quem faífa religião impuro invoca j Eíle terror nos íèus corre difufo , E deixa o íeu exercito confuío.

Na5 queimarmos a ponte he providencia , Pois por ella com ultima ouzadia Vaõ desfilando , e faltos de íciencia Nos moftraõ a ignorância na porfia : Ja do íeu General a experiência Acharão menos ? e hontem , que vivia , Naô quiz paíTar o rio temerário, Refpeitando o valor de hum tal contrario.

.54- Na5 pode no brevifíimo recinto

De Gaya ainda caber baftante força ,

Qae em terreno cortado , e taõ fuccinto ,

Forme em batalha o corpo , que a reforça :

Vereis o rio do íeu fangae tinto ,

Se efte pequeno exercito fe esforça

A oífereceríe vidlima da efpada

Da noíTa multidão bem ordenada.

Canto L Ij

Ouvindo eftes acentos emcazes , Correm cruéis , avançaõ-íe ligeiros Mouros , como os Lobos mais vorazes A tragar íem paftor poucos cordeiros : A Mafoma, que feguem contumazes, Invocaó com clamores lifongeiros , Almançor , que os incita , e que os ordena , Na meíma culpa lhes fomenta a pena.

Cahe ferido o Luzo Leovigildo Nota 53^

A' lança de Almançor irreíiftivel , Vay locorrelo o Godo Hermenegildo , E o mata o meímo ferro em golpe horrível ; Do Leonez, e valente Atanagildo, Que fempre prezumira de invencível , Ainda que a maó direita o Mouro offende, Com o Alfange na efquerda íe defende.

57. Cobrando força o fere com tal fúria , Que fe ao veríe íem rédeas o cavallo , Lhe naò fizeíTe a involuntária injuria , De que a primeira vez viíTe voltallo , Sentira o Africano a ouzada incúria De atreverfe fem armas a atacallo ; Com que aqui fez o bruto inadvertido Que o vencedor fugiíTe do vencido.

Gritava Cunha , ó claros Luíitanos ] Porque Henrique morreo , morreres todos ? Vidorias quereis dar aos Mauritanos ? Ja naô vingais aos afcendentes Godos ? Vereis íegunda vez ritos profanos Triunfar da Fé, da Pátria por dois modos ^ E fogeitar às crueldades fuás Todo o Sol da Juftiça ás meyas Luas.

59*

I (J Henriqueida

Almançor , que o ouvio j valente o biifca j E achando o prevenido os doisfe enveftem , De hum a cândida cor , de outro a cor fufca Da fanguinha os femblantes reveftem j A efpada do graó Cunha ao Mouro offufca , E taõ luzidas armas ambos vellem , Que as nações , que o combate ponderavaõ , Quando o queriaó ver , logo cegavaõ,

6o.

/; De Cunha o branco roftro rubricado

Com íangue illuílre mais lhe acende a ira ; O braço de Almançor quaíi cortado Na divifaó das armas fe retira: Porem de novo efpirito incitado Entre os que perde , fúria tal lhe infpíra , Que o fangue , que aos impulfos fe e[^imú!a

Nota 34. No braço , que naõ acha, ainda circula.

61 Socorreo a Almançor turba infinita, E por mais que com animo valente , Que o deixem pelejar altivo grita , Lhe naõ obedecerão juilamente, Porque ainda que o efpirito o incita , E a falta de outro efpirito naõ fente , Ambos era precizo íe perdeífem , Se dentro da ferida os naõ prendeíTem

62 Mas brevemente volta , e focorrido

Nota 5 j. De toda a Tingitana Mauritânia , Sevio quaíi acabado, edeíunido O pequeno eíquadraõ de Luíitania: Em vaõ paíTou o Douro prevenido ^

Nota 56. Carlos com cem cavallos de Aquitania,

Que nos golpes das agoas íe perderão,

E nas ondas das fetas le eíconderaõ.

<^5

Canto L ij

63.

Amparado da Praça ainda fuflenta O Cunha a fúria do inimigo forte; Helvidio de huma bcllica tormenta

Arroja fetas , que temeo Mavorte : ^^^^ ^^

No débil eíquadraõ , que affim fomenta , Dos Portuguefes dilata a morte ; Que fe invido aos alfanges permanece, Ao numero das flechas ia perece.

Vidoria o Mahometano alegre clama , E o braço rende a Alá por facrificio O valente Almançor , que certo aclama De Henrique morto o mais feliz aufpicio : Mas pouco goza da inconl^ante fama , E pouco tempo o fado achou propicio ; Porque íó pela ferra vence tudo Campeão com Cruz azul no branco efcudo.

6;. Hum cavallo tomou de hum dos contraries ^ E rompendo eíquadroens com golpes duros , A reíirtir impulíos temerários Nem baítaò armas , nem baflàraõ muros : Effeitos de valor extraordinários Deixaó os vencedores mal fegnros ; E na tefla le põem o aventureiro Do efquadraó quaíí extinto ainda guerreiro.

66. E calando a vifeira , fem que explique Com mais palavras o fucceíío raro , Naõ deixa duvidar que íeia Henrique Quem o moílrára no valor preclaro: A huma voz o applaufo fe publique , Treme o rnefmo Ahnançor , e com reparo no feu roftro ardor , que faz adivo Creio refufcitado mais aue vivo.

' C 67.

1 8 Hénriqueida

Como na montark os caçadores Vencendo fortes , fuperando aitiilos, Seguros fs luppoem , e vencedores , Do vulgo immenfo de ferozes brutos ; Mas faindo hum Leaõ , com temores cuidaõ em fogir irreíolutos , Aílim dos Mouros a confufa idea^ A' vifta de hum homem titubea.

68. Era o tempo , em que o Sol no ardente Eílio

Nota 38. A'quartaà do Leaò mais febre infime ,

E obfervou , que alguns váos permite o rio ,

Nota 35?. Com que a falta das pontes fubftitiie .*

O exercito a que o Douro impede o brio,

Nota 40. Logo em quatro colunas diíiribue ,

E fobre outras de jaípe em raro exemplo A gloria lhe fabrica hum firme templo.

Da ponte , e dos caminhos criftalinos . Da batalha , e da nova alegre a gente Pronta íoccorre os companheiros dinos , Que fuílentou o Cunha mais valente. Henrique tendo impulfos taô divinos Com todos repartio o animo ardente, Sem fe eíquecer quando o furor renova , Demandar aTereza a alegre nova,

70- Nota 41.' Teve efl:a commiíTaõ Pelayo Amado,

Naõ replicou , mas com defconfiança De deixar o combate principiado) Deixou padecer mais huma efperança : Prontamente, ó Tereza, o teu cuidado Afíligio trifte nova , e tarde alcança O íufpirado alivio o fino peito; Oh dos pefares infelice eíTeito !

7'^

Canto 1. 1^

71. Tcdos correm âs armas , ninguém corre

A vencer os contrários de Tereza ,

Que da omenagemna mais alta torre

Via o fucceíTo da mais alta emprefa :

Pela campanha , e rio , em que difcorre

A vifta com as lagrimas mais prefa ,

Acrecentava em duvidas , e em magoas ,

Efperanças ao campo , ao rio as agoas.

72.

Mas como , que o Mouro tiíubea , E da vidoria timido deíille. Logo difcurfa na difcreta idéa , Que razaô na5 tem para eílar triíle : Que feja morto Henrique naó recea , Vendo hum braço , a que o Mouro na5 reíííle: Suprir ninguém podia tanta g'oria ; O que afama calou, diíTe aVidoria. Nota 4*»

73«. paíTára o exercito a ribeira ,

E defprezando fetas, e penedos,

Occupou com três linhas a ladeira

Da colina inferior entre os rochedos :

Almançorcom a gente mais ligeira

Querendo introduzir pânicos medos,

Fingio que pela frente os atacava ,

Quando o flanco direito lhes ganhava

74- Egas Moniz com Brácaros famofos Nota 45-

Cobria o lado deefquadroens luzidos,

Supre o valor fer pouco numerofos ,

E efpera forte os Mouros atrevidos:

Doisbatalhoens do Lethes vigorofos Nota 44;

Naó podem fer dos tempos efquecidos ,

E eternizaõ taô celebre vicloria

No templo perdurável da memoria,

C 2. 75-,

to Henriqueida

IS- Do mais afpero íitio , em que os formava ,

Ao Cabo os entregou , que mais tílima , Era D. Fafes Luz , que o nome dava Com o próprio efplendor ao pátrio Lima : Re/i;tencia Almançor achou taõ brava Neile lado , que trifte fe laftima De Tcr muitas mil vidas trofeos breves De efpadas graves , e de íetas leves.

76. O lado eíquerdo ataca o fero Acmete , Que groíTo, e corpulento era o mais tardo. Mas mais ligeiro foge, que acomete. Nota 45'. Do famofo Leonês Pedro Bernardo :

Por tronco dos Menefes lhe compete Ser ja dos Mouros vencedor galhardo , Moftrando no valor , e na cautela , Ser legitima prole de Fruela.

77- . .^

Com tal força o carrega o Cabo invicto^

Que o cavallo do Mouro ao grave peio Na terra o lança , e blasfemando afflito, O pifa , e deixa Pedro com deíprezo : Puxando os efquadroens para o conflito , Em furor generofo o roftro aceío , Os que fogem da eípada fulminante, Se deímayaò ás iras do femblante.

78. Vendo Henrique as façanhas de Pelayo , Que com ejle no centro pelejava, E vibrando na eípada hum fatal rayo , A 's cabeças dos Mouros fulminava , Lhe preguntou , fe do mortal defmayo ATereza livrou, como o mandava? Na5 ( lhe diz ) fora medo o meu deívio , E mais do que a obediência pode o brio.

Canto L zr

79- Henrique fentio tanto eíla impiedade,

Que Pelayotemeo do rolho a ira :

Naó temas, diz Henrique, foi crueldade

Hum peito defprezar, que naó reípira ;

Sj Tereza do íulio , cu da faudade

Morreife , íe he que vive quem íoíbira ,

Ainda que eu acabaffe da violência ,

Louvaria taõ nobre inobediencia.

8o.

Mas porque naô mandafle algum foldado ?

Porque faz hum íoldado muita falta ,

Lhe diz o Almeida bem nacido Amado ,

E nenhum quiz perder gloria taõ alta :

O ultimio esforço faz o Mouro iraco,

Que a fortuna , e vaior de Henrique exalta ,

Pois Silva com as tropas de referva

Desbaratou a multidão proterva.

8i.

Como no canrpo azul aves vorazes

De fangue , e penoas em diluvio vago ,

Com o ódio nativo contumazes

A terra inundaõ no funello ef^rago ,

Mas vendo da Águia os voos efficazes ,

Fogem do feu valor régio , e prefago :

AflTim vendo de Henrique o braço forte j

Fogem os Mouros dainfalivel morte.

82.

Almançor pelo rio corre , e nada ,

Até beber a morte no Oceano ,

De Henrique o penetrou a ardente efpada ,

Efeabrazou nas ondas o tirano:

toda a turba infiel defordenada

Pede a vida ao Heroe , que fempre humano y

Lha concede piedozo aos feus gemidos ,

Que he vaior ter piedade dos rendidos^

l't Henriojueida

Tantos deípojos nos quartéis íe acbara5 , Que os Soldados no exceíTo da riqueza Aromas , e delicias defprezaraõ , Por naõ vencer o luxo à fortaleza : Bandeiras , e Eilendartes refervaraõ Os Generaes por credito da empreza ; E os colocou Henrique para exemplo Do verdadeiro Deos no mayor Templo.

84.

No meímo campo bárbaro aquartela O viclorioío exercito , e da Lua Tardou muito a riodlurna fentinela , Por naô ver arraíirada a forma íua ; O rio paíía Henrique , e íe defvela , Por livrar íe da pena , em que fiuâ:ua , A bufcar íem tantos embaraços O amado premio nos amantes braços.

Taõ depreíTa chegou , taô de repente Appareceo Henrique á bella efpoía , Qiie o julga fombra do feu bem auzente, EUe a fegue , ella foge temerofa ; Mas vendo , que eftá vivo , hum accidente Dos feus olhos offufca a luz fermofa , E qual foy mais cruel dizer naô poíTo , Se o exceífo do pezar , fe o do alvoroço.

86. Com lagrimas a pena fe alivia , No coração o gofio íe reprime , Hum mata , fe naô cabe na alegria , Outra alenta em fufpiros quanto exprime : Efl:a do tempo o íeu remédio fia , Sem tempo nqueile acaba quanto opprime ; E aífim foy em Tereza mais injul^o , Pronto o golpe do goíio, que o do íuílo.

87.

Canto I ij

S7.. De inadvertido Henrique íe condena ,

A Pelayo o perdaò quaíl revoga ,

Rompe em íofpiros huma amante pena,

Qae em affedo interior naõ deíàfoga j

Mas o Amor lafíimado logo ordena

Que Tereza do extremo , em que íe afoga,

Se rertitua , fendo no exceíTivo

O gofto íò do goíto o corredivo-

Contar queria Henrique da vidoria As raras , e admiráveis circunftanciâs , Dos Lufitanos a fublime gloria , Dos Mouros as infauftas arrogâncias ; Porque neílas liíònjas da memoria Soaõ as Hiilitares confonancias ; E quem ama , tem fempre prevenidos Aos trofeos de hum amante os feus ouvidos.

89. .

Mas advertida naõ permite agora A relação Tereza , e íó confegue , Que elle defcanfe até que a bella Aurora Ao Sol , que de nacer , o dia entregue : E porque a Corte faiba quanto ignora Da gruta eftranha , em que os prodígios fegue , A convocou para a manhaá íutura Curiolà darariílima aventura.

90.

Conformcuíe o Heroe , mas quer que íeja Primeiro que o delcanío , o cuitagrato ; Ao templo, humilde vay, porque dezeja , QueoCeo , e o Mundo naõ o julgaíTe ingrato: Vota hum novo e dificio , em que fe veja Taô pio o funtuoíiílimo apparato, Que nelle caiba tanto facrificio , E acredite no voto o beneficio;

$1. .

%^ Henriqueida

91.

Os Generaes em tanto aos que fogiaõ Com eíquadroens volantes alcançavaõ , Peios rayos da Lua descobriaõ Os que entre os verdes ramos fe occultavaõ : Pelayo ouvio huns ecos, que feriaõ Os montes, em que treoiulos foavaõ: De acento feminil as vozes eraõ , E com mayor razaô o enternecerão.

92. Nota àtC. Cruel amor, dizia, aílim quizeíle

Pagarme , quando cri os teus enganos ? Se naô he que o caftigo hoje me delie De baverte reíIlHdo tantos annos : Noca 47- Aigum dia julgou, que eras celefte^ A cega idolatria dos humanos: Mas como poderia huma deidade Tratar tantos rendidos com crueldade ?

93'

Das aves , e dos brutos fuy tirana ,

Ou na esfera cerúlea , ou na frondofa ,

E a alguma fonte , em que me via ufana,

confentia ouvir , que era fermofa:

De nenhum caçador a voz profana

Ou fácil atendi , ou vangloriofa ;

Pois fempre as caiiiguey por mais groíTeiras ,

Quando mais me adulavaò lifongeiras.

94. Defprezey tantos votos , tantos cultos ,

Que bem podem contar os meus rigores ,

Quantos de amor difculpaô os iníultos

porque chamaõ puros os ardores :

Se alTim íoraõ , viverão íempre occultos ,

Eos aíTeclosextiríílos no? temores

Naõ ufaraõ do íalfo privilegio

De chamar íacriíácio ao facriicgio.

95-

Canto I. Zf

Conte a Poeíia que por força , ou arte , Nunca encontraíle hum animo invencível , E que rendeííe a Júpiter, e Marte , ^^^^ 4S«;

Para que a todo o Cco foíTes terrível ; Que em quanto quiz vencerte , em toda a parte Vi que ao meu alvedrio era poíTivel , Mas le em meu peito introduzi rte deixo , Naõ de ti , fero amor, de mim me queixo.

9Ó.

ViaMuley, que hum Javali íeguia Nota 45>,

Com tal dezembaraço , e gentileza, Que conheci , que ao meu rigor vencia , E don.inava em mim mayor fereza: Débil meu coracaõ fe defendia De outras occultas letas à dtftreza: Se o pronto ertrago fez mayor a culpa, Taô activa violência me diiculpa.

97-

Contra Muley íe volta o feroz bruto ,

E vibrando agudiíTimas offenfas , Muley airofo , dertro , e refoluto Lhe fez inúteis golpes, e defenfas : E vivo mo offerece por tributo , Dizendo que naó quer mais recompenfas , Qmc ver aceira a viclima profana

Deíie bofque à belliflima Diana. ^°^* ^^-

98. Tinha eu lido , que a Deofa caçadora

Em íonhos a Endimion favorecera j Nota

Oh quem de tantos males precurfora

Taõ danofos exemplos nunca lera /

Aíllm fe infama o Numen , que fe adora ,

Que nelle a mefma cuba fe venera /*

Falfo rito , que tem cego , e inculto ,

O vicio claro , o documento occulto, ^oí^ i^?

26 Henriqueida

Sempre muteis , e váos os eícairmentos. Chegai deoois de conhecerfe os danos , Fazendo icflcxaô nos documentos , Quando naõ faô remédio os deíenganos ; Em iim vi em Muley puros intentos, Nota 5'3. Qae de Himineo nos ritos naò profanos Moiirarme prometia com firmeza AMuz da nupcial téahuma fineza.

ICO.

Era Muley ( que o nome repetido , Para que o fira mais , quer o meu peito ) Nota 5' 4. Da clara eftirpe de Tarif temido,

O que paíTou primeiro o Hercúleo Eftreito, Qje deu a Calpe o nome eíclarecido , E niie o Gótico Império vio fogeito; Eíeo naó excedeo no valerofo, O venceo no galhardo , e generofo.

lOI.

Que era , digo , Muley, quando difcorro , Que foy, e ja naô he , eefta violência Naõ me mata ao lembrarme ? E naó me corro De caber tanta pena na eloquência ? Naó chama o tempo a morte em meuíocorro, E dura a vida na immortal auíencia? PaíTou ja eíle bem f Como ameaça Com que paíTou , e o peito me naó paíTa l

102. Mas fe eu vi o feu peito trefpaíTado Nefta batalha , e deixo o peito illefo. Porque me queixo do tyrano fado , Quando o meu braço me naó deixa prefo ? Oh que cobarde , e débil tem eílado Vida, que nem merece o meu defpreío í Anticipe hum punhal o duro corte ; Serey taó infeliz , que fuja a morte ?

toj;

Canto L 27

Ja eftava o nobre Amado taõ vizinho Da triíie Aldara , que do íatal erro , Que preparava o trágico carinho , Sulpendc o golpe , e arrebata o ferro : Em líquidos rubis cândido arminho A alma mais beila em fúnebre deílerro , Sem prontidão taõ pia , e taõ íincera, Hum íè inundara , e outra fe perdera,

104. Quem es , lhe diz Aldara, única filha Del-Rey de Fez , como fe foube logo , Deos , ou demónio , monftruo , ou maravilha ; Que nem me deixas efte defafogo .? Meu valor invencível naô fe humilha , Nem fe apaga o ardor de tanto fogo; Arroja-íe ao punhal , que tem Pehyo , Que evita cuidadofo o trifte enfayo.

lOC.

Mas na ma5 fente huma ferida leve Amado , e tem no peito outra mais grave , Como naô fente a que fentir mais deve , a que o mata , julga por fuave : As iras fuípendeo da maõ de neve , Mas quantas vezes innocente a ave, Por livrar da prizaõ a que eftà viva , Fica no próprio laço mais cativa /

106.

AíTlm fuccedeao vencedor amante, Que em cortez , e piedofa tyrania. Prende a bella Africana , que triunfante Naõ íoubeque venceo, quem a vencia: Sem engano lhe aífirma que hum inrtante Ainda naõ ha, que o feu Muley vivia , V^ox.'^ Cí,

Que as feridas lhe atou com huma venda, E que o mandou curar na própria tenda,

D ii 107?

28 Hennquúdà

107. Na5 me enganes,! he diz, Chrifl:a6,fe es nobre. Como conheço , vendo-te piedoíb, Todo o meu mal íincero me deícobre , Ou deixame morrer , fe es generofo : E le lhe aíTegurou , que naô lhe encobre Nada do íeu íucceiro ialUmofo , E com decoro digno a tal beileza A conduz ao Palácio da Princeza.

108. Quando chegou , o Sol com luz mais clara Illuminava o caudaloío Douro , E lhe parece , que deveo a Aldara O meímo Febo, novos rayos de ouro : Moílroulhe a Aurora efta beileza rara , Quando a Lua huma parte do thefouro Occultava entre asfombras efcondida, Naó íey fe de envejoía , ou prevenida.

109. Terefa alegre a recebeo benigna, Nota ^C>, Perdoando a Pelayo o mal paíTado

Por preço da cativa , que achou digna De acollocar no mefmo Régio eftrado .• Que nunca a fermofura foy indigna Deeftimaçaõ , e no abatido eílado, Na laftima o agrado fe acrefcenta , Com que at€ na deígraca a lorte augmenta,

FIM DO CANTO I

HEíí^:

HENRiaUEIDA

CANTOU.

Argumento.

QJJanto fia gruta vío., refere Henriqne^^ E as acçoens dos feus Régios deícendentes^ Donde a SibilU , forque tudo explique , Lhe deu avijos fantos , e excellentes : O /eu valor no campo fe publique ; Vef}ce a Muley , e a muitos combatentes y E quanto executara valerojo A creditou no pi$ , e género fo,

I. Exaltando o valor j e a fermofura .^

Em deus tronos os Príncipes fentados > ^^'

Na fala da mais rara arquitetura Os Generaes efperaõ convocados : A ouvir da gruta a incógnita aventura Alegres fe apreíTaraõ , e adornados De plumas , que elevando aos Ceos as glorias , Efcreveraõ fem letras as vidorias.

1. Mais que huma acçaõ de Henrique , o feu ref- Attençaõ, e íiiencio ja lhe impunha; (peito

A voz fahia do esforçado peito Acentos, e palavras naô compunha; Do artifício oratório o alto conceito Naô afFedava nas razoens, que expunha ; Pois da fua verdade na experiência Se animava a çfficacia da eloquência»

^O Henriqueida

3- lUuftres , e glorioíos companheiros ^ ( Diz o benigno Heròe ) a quem acclama Por fabios , por fieis , e por guerreiros , No templo da memoria a voz da fama : Se hontem vencendo iioftes os primeiros Em molhar , que alto alento vos inflama , E ainda íuppondo a morte , que chorattes ; Sem mim a fúria barbara domalies.

4- He jufto que comvofco participe ,

Porque aííim mo ordenou alto decreto,

De toda a gloria , e que hoje meanticipe

Em reveiar myilerio taôfecreto:

Da mudável fortuna íe diílipe

Qualquer receyo de animo inquieto ,

Porque piedofo oráculo divino

Feliz memoílra oPortuguez deftino.

Arrebatado de hunia força eílranha AtraveíTey o Douro arrebatado, Das guardas ívíahometanas da campanha Entre as lòmbras naò fuy bem obfervado j Da fatal penha , da afpera montanha , Como fabeis , cahi precipitado. Mas permitio o Ceo , com raro aufpicio , FoíTe defcanfo , o que era precipicio.

6.

De hum.a intrincada gruta a entrada eílreita. Vencendo alguns diííiceis embaraços, Penetrey , e primeiro vi desfeita Huma horrível ferpente entre os meus braços ; Outra que mais cruel m.e naõ reípeita , Venci , quando à garganta em duros laços Ao arque eureípirava, reprimia O aperto, cu o veneno , que temia,

7'

Canto 11. 3 r

7- - .

Quando o fado he propicio, ate no berço Hercules deftes monftruos le defende , ^^^^

Defpedacey tanto animal perverío , ^ ^ *

Ehum TJgre efcarmentado naó me oíTende; A corrupção com quantos no univerfo Infedos viz produz , aqui pretende Avilia perturbar, e animo aflito

Com mais caftigos , que fofreo o Egito. jSfota c^

8. Bramidos triftes fe eícutavaõ dentro

Da eícura entrada da f uneíla cova ,

E quanto nella mais me reconcentro ,

Se augmenta à admiração matéria nova :

Examinar o perigoío centro

O horror duvida , e o valor approva ;

S"go a brilhante luz , que aiiime influe,

E huma porção do Sol me reílitue.

9- Huma abobeda vejo levantada,

Que furtentavaò rui^icas colunas ,

E huma infcripçaô em mármore gravada,

Que promete enigmáticas fortunas j

De Egypcios geroglificos formada ^°^^ ^^*.

Deixa entenderme imagens opportunas

Da Mahometana Ley em vitupério,

E em gloria ímmenfa ao Luíitano Império.

IO.

OPorto,e Gayaem miíiicas figuras Dando as maõs fobreo Douro o nome formão o^aór.

De Portugal , que em claufulas futuras, Mais que alteraõ as letras, as reformaõ: Nas paredes eftatuas , e pinturas , Com mais clareza a íufpeníaõ meinformaõ, Humas nos mefmos fimbolos fe cifrão ) Outras aos gerogliíicos deícifraõ.

'h í Henrimeida

II.

Nota 6^. ^^ bronze Eílatuas vi íeis vezes quatro;

E todas com íemblante heróico , e régio Adornavaõ o Ínclito teatro Deíígualmente na igualdade egrégio: Mas ao reconhecer quanto idolatro Me eivava prevenindo o facrilegio Infcripçaô , qae na pedra admiro impreíTa , E no Latino idioma bem expreíTa.

12.

O^ vinte e quatro Heroes teus defcendentes, O' tu mortal, que aqui chegarte ouíado, Reys haõ de íer illulires , e excellentes Do Império , que por ti íerà fundado j Celeftes glorias às remotas gentes Pelo Oceano nunca navegado Haõ de levar, e a Religião , e a guerra Vencendo o mar , e dominando a terra.

Mais com admirações do que com íuíios , Vejo as Eftatuas , mas o fado avaro me deixa de filhos taò augultos Que encontre eícuro tanto i.ome claro : Os decretos do Ceo íempre faõ juftos, Penetrar o futuro be favor raro ; E o tempo , que de longe o roilro encobre , Das profecias véo íutil defcobre.

NotaíÍ3. Conquiftador no Rey primeiro ha,

E ainda íendo meu filho , quaíi envejo Ver, Que a Cidade ha de ganhar hum dia , A quem tributo de ouro paga o Tej o.

Nota 64; Povoador o outro Rey, que fe íegaia , Díze-n as letras , qae na Eilatua vejo , Feliz íerà politica taò rara , De que hum povoe, o que outro conquiftara.

Canto II 33

15-

Robuflo outro fe chama , e na cttatura Nota 66.

Apenas cabe eípirito taõ fero :

De outro o nome no trage fe aíTegura , Nota 67.

E epiteto tinha de íincero :

Hum irmaõ feu de condiçaj mais dura Nota 68.

O trono ocupa Grande , mas levero : A outro de Lavrador a gloria applica , Nota 69.

Porque o Reyno ennobrece , e frutifica.

16. De Bravo aquelle o nome bem merece , Nota 'jo,

E produzio o Grande Jurticeiro : Nota 71.

Fermofo o que fucceáe parece , Nota 72."

E da Boa memoria outro Guerreiro ; Nota 75.

O Conftante em feu Filho reconhece ^ Nota 74.

De quem he o Africano claro herdeiro , I^o^a 75.

Em dois a antonomaíia acha opportuna De Perfeito , e de Filho da Fortuna. ^°^* 76.

^7» . .

Segue-fe o que fe chama Religiofo ; Nota 77,

Perdefe hnm grande Rey por temerário , Nota 7S.

O ultimo denomina Virtuofo ^°^^ 79«

O occulto vaticínio extraordinário :

Mas comprindo hum decreto rigorofo ,^ ^^^ ^^*

O povo eftranho ao Reyno mais contrario y Três Reys lhe deu , aquém a Fama c^ara Prudente, Bom, e Grande appellidara. Nof* 8i."

18.

Outro o Reílaurador fe reftitue Nota 8i.

Com gloria rara do ufurpado Império \ O nome de Feliz bem fe atribue Nota 85.

Ao filho , mas o altera hum vitupério : O irmaõ , que nova luz ao Reyno influe , N^"^* ^^••

De Pacifico acclama o emistcrio ;

De Sábio o nome nas esferas foa Nota %^{

Do que eíla Augufta ferie aqui coroa,

34 Henriqueidá

A Academia Real vejo felice , Que inftitue do Rey alta a Sciencia Porque a hiíioria ííel rertituiffe Dos tempos contra a rápida violência : Livrando a Itália a Armada quiz que viíTe No mar Egeo a Sacra intelligencia Furtado , Cunha, e Souza ao Luzitano Fazem triunfar do bárbaro Otomano.

20.

Incógnitas eQatuas coroadas , Que haõ de igualar a duração do mundo ^ Dos Régios íucceíTores derivadas Me efcondeo o mitierio mais profundo : Nota 8 7- Da primeyra vejo as animadas

Virtudes doconforcio mais fecundo , Qae o valor , e a belleza lhe deftina Filho de hum Semideos, e huma Heroina.

21.

De Infantes claros , de Princefas bellas , Nota 88. Cem pinturas admiro mifteriofas, Que augmentaraò figuras às eftrellas Com virtudes , eacçoensfempre gloriofas: Se em copiar as Rainhas te desvellas > Dequeadorafte Eftatuas taô fermofas ," Alto eípirito meu arrebatado , Ficarás aos feus rayos fulminado.

22.

Nota 89: Mais huma parte vejo defcuberta

Do que as três , que no mundo conhecemos , E a Zona ardente , que julgais deíerta , Vi penetrar aos últimos extremos : Mil incertos Heròes com gloria certa Deícubro , e quantos hoje aqui vencemos, Conheci , cingido o verde louro,

Nota jo.PaíTando os vàos , que mofírava o Douro.

^5.

Canto IL 3 $

Deftes , e outros fegredos , que contemplo , Rendida fe defmaya a minha idèa , Guardando na memoria para exemplo O aíTombro , que a illuítra , e que a enlea: Mas ao íahir do fubterraneo teniplo A grande luz de huma brilhante téa No ardor inextinguível , que ícintilla , Me defcobre a fatidica Sibilla. Nota 1 9.

Poílrada eftava a Sabia Profetifa No altar , que erige hum Sábio a hum Deos ignoto , ^^^^ ^^^ E o Soberano efpirito a eterniía

Contra Lacheíis , Atropos, eCloto: l<[oi^ o-,

O venerando geíío íe divifa Do pueril , e decrépito remoto ; E a roupa azul , que com eftrellas vefte , Até na cor a inculca por celefte,

Cortez fe levantou ; e hum Santo rifo Vinculando o agrado , e o refpeito , Me reíiitue do temor precifo , De que reconheceo em mim o effeito : Qje ôre primeyro a Deos me faz avifo No ado mais puro do interior do peito ; E a que me aíTente logo ali me empenha Em commodo lugar, que forma a penha.

26. Sobre a Tripode de ouro ella fentada ^^ota 5>4.

Três livros, que a hum volume unio, revolve, ^ota 9;. E aos Séculos a íerie embaraçada Com a graça profética diíTolve :

A lira triangular toca infpirada , Nota ^C,

E quando as minhas duvidas refolvej Com voz , que até nas pedras tem domínio ,' Cantou efte fonoro vaticínio.

£ ii 27s

36 Henricjneida

Felice Capitão , de que a piedade ,' E o propagar a com jufto zelo , Fez ouvir a Profética verdade Taô dezejada do mortal defvelo : Efta por mim o Ceo te perfuade , Attende o graõ mifterio , que revelo : Publica aos teus razoens taõ mifteriofas ] Para animar fe a empreías mais famofas.

28.

Nota 97. Herofile de Troya he quem te fala ,

A quem fuperrticiofa a falfa hiftoria ,

Nota 5)8, Sendo huma íó , dez nomes me aíTinala, Repartindo entre tantas humagloria : Erythrea me ouvio , Cumas a iguala , Delfos tem no feu templo efta memoria , A Períia , Frigia , e Libia os cafos conto y Tibur , e Sardis , Samos , e Heleíponto.

29.

Nota 99. Também de Colofónia , e de TeíTalia ,'

Troya , e Egipto o nome multiplicaõ , E de outra Cumas me apellida Itália Em quantas cegas fabulas publicaô : Os que melhor beberão da Caíialia Mais termos allegoricos me applicaõ, Tranformando o meu nome no leu canto

Nota 100, EmLampuíia, CaíTandra, Dafne, e MantOk

^^' . . . Nota loi. E o que he maib*, as horríveis Pithonifas

Nota 102. Os dois , os dez , e os quinze Sacerdotes 3 Em oráculos vãos , torpes divifas ) Desfigurarão meus divinos dotes ; Por mais que a idolatria immortalizas , Por mais que , ô Génio impuro , injurias brotes, Naõ podes defmentir com falíidades ,

NtMio3. Que eu conheci prii^ciro altas verdades.

5í.

Canto IL 37

31.

Por três livros pedi imirenfa foma, Nota 104.

E porque ma negou , dey ao incêndio Logo o primeyro , pois que avara Roma Naõ quiz fazer do Erário efte diípendio : No mefmo preço os dois eíiimo , e toma Igual partido, crendo, que o compendio Dos três volumes , que eu vendia unidos , Valeriaõ ja menos divididos.

;2.

Promptamente o fegundo arrojo ao fogo , E tendo eíte terceiro , o próprio preço Lhe pedi com eftranho defafogo , Que admirou a Tarquino pel^o exceíTo : Os três talentos me entregarão logo , Sem com prender no raro do fuceiro A mifterioía luz de huma verdade , Que em três , e em hum refíde a Divindade.

33- Da Lira triangular fuy inventora , E ignora o vulgo o mifteriofo terno ; Pela Tripode de Ouro a Febo adora , Sem que lhe explique eile fegredo eterno : Notaior.

Em poeíía divina a voz canora Do numero ternário fempiterno Naõ podem entender , porque íe emprega A raíaõ em dar luz à íé , que he cega.

54.. . '

Mais do Ceo me permite a graça infuía, Pois nas primeyras letras dos meus veríos Quiz infpirarme no entuíiafmo a Mufa DehumDeos humano acroOicos diverfos 5 Nora 10(3.

Mas vendo , que a cegueira caõ conluia Sentidos ao meu Livro perveríos ; Quando os Maríos difputaó o feu íoiio, Ivi^ta j^-,^

O volume roubey do Capitólio.

Í5^

38.

Henrimeida

55- Diífiniuley no incêndio do edifício A perda que chorarão do volume ; Nota ros. Em vraõ de Au^uilo aurallo facrifício Reiiaaralo outra vez cego preíume: Porque de tradiçoens o incerto indicio Em corrupto exemplar guarda, erefume^ E o originai veraó os Luíitanos , Que haó de exceder as glorias dos Romanos.

36. Para teu filho o meímo Deos referva A explicação defte feltz milierio , O meu íilsncio as fuás Leys obferva, E tu feras quem funde o grande Império : Ouve agora a infcripçaò , que fe conferva Eícondida do tempo ao vitupério , Nota 109. ísía5 QQ rnonte Sagra io a Berecintia , Nota 1 10. Mas no que o nome pouco altera a Cinthia.

37. Notai ri. Naõ ha de revolveríè efte penedo,

Nem as letras com ordem redlamente , Sem que faça , perdido o antigo medo , Do Oca/o tributário o Oriente : O Ganges , Indo , e Tejo , alto íegredo / Que os frutos troquem o Ceo coníente ; E eiie decreto aqui fe relVitua Ao Sol eterno , e à divina Lua.

38. Aíli-Ti fera , que quando defcubertos Caradleres ao diaapparecerem , M indo5 , e mares antes encubertos

Nora III. Veraõ os Argonautas , que os venerem :

Prudentes em governo, em guerra expertos, Etn quinto os vicios de Aíia os naõ vencerem , Haò de fazer que efqueça ao nome Lifio

Nota 113. Alexandre, Sefoílris, eDioniíIo.

39»

Canto 77. 39

3 9-

Da índia de cantar com melhor pledro

Eliíío Homero , Portuguez Virgílio ; j^o^a , ^^^

Quem de confagrarte Épico metro Para acertar, de pedirlhe auxilio : Aquelle de empunhar o heróico Scetro , E Ode , Elegia , Egloga , ou Idilio ,

Naõ inípirou melhor pura Caftalia Nota 1 1 5.

Em Sicília , e em Ponto , em Grécia , e Itália. Nota 1 1 6.

40. Defles teus Capitaens os defcendentes De Africa íaô terror, medo deHelpanha, E de Pereyra os ramos florecentes Nota 1 1 7.

Se enlaçarão nos louros da campanha : Quarenta Luíitanos excellentes jvjota 1 1 s.

Com valor raro , e com cautela eílranba , Faraó deixando a Monarquia izenta Também felice hum anno de quarenta. Nota 119.

41- A primeira batalha duvidofa Notanoí

A infantaria vence com conftancia , Outra em hum Forte triunfa vigoroía , Outra rompe das Linhas a arrogância ; No Cano morre a Grifa temerola , Na Beira naõ reíifte huma inconPfancia , E vejo em outra com auípicios raros Moftrar longes efcuros Montes claros.

Innumeraveis ídbios Luíitanos A's artes, que inventarão, daràó luftre , Nota iit.

Oh quantos cofn íeus dotes Soberanos Nos milagres faraó a Pátria illuiire .' Nota hí.

Apurando a impiedade dos tiranos , Porque a mefma crueldade fe desluftre , Triunfaráó os vencidos nefta guerra, Regando o íangue puro a toda a terra.

45.

40 Henríqueida

. 43- Mas porque te intereire a própria hiíloria j

Hoje paíTando o rio os teus Soldados Alcançarão coaipleta huma vitoria , E o verte os deixará mais animados : Sabe uzar da fortuna , porque a gloria Naõ deícanío aos ânimos ouzados ; Nota n 3. E terás neíTe exercito hum cativo ,

Q^Q de fer teu contrario o mais adivo.

44. Ferido eftá , mas a mayor ferida He do amor , que fe alenta na vingança ; quer viver , porque te cufte a vida Que lhe tires a vida da eíperança : Se lhe moítras vontade agradecida , Será teu mayor mal o bem que alcança ; Teme que por livrar hum bem auzente y Rebelioens , e inimigos te fomente.

45- Mas teu confiante peito na5 deíífta

De aíTegurar o bem , que principiafte ,

Se naõ deixas íegura eíta conquirta ,

Favoráveis decretos malograííe ;

E ainda que o Mouro bárbaro reíifta ,

Fortifica o Império , que fundafte ;

Pois naõ he o deícuido a hum froxo peito

Cauza do caíligo , mas eíFeito.

Ji contra ti a Magica inficiona Nota 1 14. Os ares , e renova os feus preftigios : Nota 125. Filhos de Marte , alumnos deBellona

Dos teus contrários feguem os veíligios : Nota ii6. Valerofa , e belliíljma Amazona

Tem fermofa outros mágicos prodígios -, Teme mais atraeçoens fortes , e amáveis,' Do que de Africa os monftruos formidáveis.

47'

Canto 11. 41

Emprende , porque alcança quem fe anima , Trabalha , porque o ócio he fraqueza , Premea , que a virtude a gloria eilima , Tolera , que he heróica etía firmeza ; Cartiga , porque ao vicio a pena opprima ; Previne , e a cautela naõ deípreza ; Coníulta, que o ouvir he fabio eftudo ; Refolve , que a omiíTaò faz perder tudo.

48.

O canto fufpendeo , e eu mais fufpenío Eítatua da gruta parecia ; E agradecer o feu favor inmenío Deípertarme doaíTombro podia: que por ti penetro o veo mais denfo, Com que o tempo futuro fe encobria , E fabes , porque em tudo o acerto iguales , Moftrar-me Ob bens , e prevenir-me os males ;

49- Com que pôde hum mortal moftrar-íe grato , Se quando íe offerece agradecido , Se te naõ íatisfaz , parece ingrato , Se o intenta , fe julga prefumido .?

Em aceitar , reíponde , para ornato Nota 127.

De hum templo de Maria o prevenido Preço , que do meu livro guardo occulto , Para que o fantiíiques nefte culto.

Três talentos me entrega, e lhe aíTeguro , Confagralos à Virgem mais divina , Sayo do mirteriofo centro eícuro Que prefiro à esfera crilklina ; Quando vi ao Sol claro , e ao Ceo puro , Tanto me ecoa, quanto meiihjniina; Saudoío da Sibiiia , e do feu canto , Mais do que a luz , me tira a vifta o pranto,

F 51.

4Z Henriqueida

Se quando entrey na gruta pintar vifles As ervas , e as íerpentes venenofas , Se aorriveis feras deícrever meoaviftes, Aves nodlarnas , penhas horrorofas ; Quando fahi, as pcrfpedivas trilles Mudando a fcena , eíiavaó ja fermofas ; Qje q iando o bem fe bufca na aípereía , Coníe^mldo he auc^mento da belleza.

Em hum verde Loureiro fe enlaçava A Hera , e me teciaô a coroa , Nem Filomena trifte fe queixava , E íó himnos armonicos entoa : O mar bramia, o rio murmurava , . ^ ... ,.^

Hum corre brando, outro fereno íóa^OLíp qioD E os Tigres taõ vorazes, e manchados , H

Saò manfos cordeiros matizados.

5'5- Plantas íaudaveis , e cheirofas flores ,

Reveílem a efcabrofa , e dura penha , u/p 'SI

Criíial para apagar os meus ardores. ; í.>l ti?,

Apreííado a fervirme fe deípenha ;

ao , « Pomona com fuaviíTimos primores Nota Ii5).«, r r i.

A rellaurarme as torças mais le empenha ,

Rubicundos ,e cândidos tributos

Colherme deixa em fafonados fruros.

Mas temi defie íitio na delicia , Qne em mar de flores com ociofo encanto Nota 128. Foife Serea com mortal caricia

A amável Filomena em doce canto : Bellicos iniirumentos da milicia Eraò dos montes generofo efpanto > Para bufcarvos os íeus ecos íigo , E me diíputa o paíTo o inimigo.

55-

> .; ::

\,Canto IL 43

Cercado eílava de cem turbantes , E a hum Mouro , que matey com reíiitencia , Ainda morto com brios arrogantes Me cedeo o cavallo com violência: Acabara a mil golpes fulminantes Na multidão da barbara inclemência, Se naõ me dera hum Africano forte Galhardo a vida para darlhe a .morte.

Viz Soldados , lhe diz , fe fois Soldados, Quando intentais vencer deíigualmente , E elíimàreis , a fer mais esforçados , A vida de hum contrario taô valente ; Eu ferey quem vos livre dos cuidados ' ' '^'^'^

Do feu valor por meyo mais decerte ; Se me vencer , deixay o livre, e vivo, Se eu o render , o quero por cativo.

^ . ^7-

Trazia o Mouro na luzida adarga

De hum javali cravadas as defenfas , m ^

_ - u 1 1 , Nota 1 50

No turbante hum a branca cmta larga , .^

E outras de alguma Dama recompeníàs : ^^''

Comigo hum pouco do efquadraô fe alarga,

E as atençoens de todo eflaò fufpenfas ;

E com razaõ de ver a galhardia

igual do Africano à bizarria.

5-8- Se eu pudera , lhe diíTe agradecido Evitar o combate , eu te prometo , ^°^^ ^^^

Que te pagara , ô Mouro comedido , A vida , que me deixas indiícreto : Temo tanio vencerte , que fentido Do mal , que hey de fazerte , eílou inquieto De laber qual injuria o peito guarde, Se parecer ingrato , íe cobarde.

Fij 19.

44 Henriqueída

Ainda (refponde) naó conheces tudo. Quanto me deves , mas porque me explique , A Cruz ceruiea do argentado eícudo , E o teu valor me dizem , que és Henrique: Logo ponderarás íem muito eftudo O que arrifco em que hum nome naó publique, Qcie deixara, ao atarfe em prifoens duras , A Religião , e a Pátria mais íeguras.

6o.

Q le íó a mim o feu trofeo me devaõ Intento , e íó por meyos generofos , E fem que tantos íem vaior fe atrevaõ, Hum te ha de dar cuidados mais gloriofos : l\otai3 5, Qg Ceíar as vi£torias, que íe elevaô Nota 154. \ eternizalo entre aí^ros luminofos , Notai 35. Poy por vencer a Luíitania , e França , E em ti íó a ambas vença a minha lança.

61. E porque faibas , que naó fou indigno De concederme a gloria de adveríario, Hum neto de Tarif ja fe faz digno A Henrique de Borgonha por contrario: Temo dizertemais, quando benigno Te fallo, porque fey , que temerário Nem todo o teu efforço me esperara 9 Se foubeíTes , que amante fou de Aldara,

62. Henrique fou espoío de Terefa, Refpondo, e fique igual elle combate. Se cada qual invoca huma belleza , Que milagroía a vida lhe dilate j Mas ventajofa defta Cruz a emprefa Será qucin o? teus brios defbarate : E eu depuzera o íacro Privilegio,

Se o valor naò trocaíTe em facrilegio.

^h

Canto IL 45

Mais que por publicar próprias jadlanclas, Contarey com violência do modelto Det^e ellranho combate as circunftancias , Que Marte fez feliz , o Amor funeito : Partido o íol , medidas as dilbncias, O roítro occulto , o nome manifefto , Rompi a dura lança com eípanto Entre as ebúrneas armas de Erimanto.

64.

Nem a tocar a Cruz a fua chega , Quando no ar voou em mil pedaços , Como o meu golpe toda a força emprega, Da fella o fiz perder os duros laços: Outra vez fe afirmou , com fúria cega Fia o triumfo dos robuftos braços ; Mais de ardor nobre ferem inflamadas Fogo j do que nas armas as elpadas.

No inverno naô combate Aufiro furiofo Tanto do Louro as folhas agitadas , Nem o incorrupto Cedro , que frondoío Supera excelío as nuvens elevadas j Quanto hum , e outro ferro vigorofo Quer romper as defenfas duplicadas , Abatendo-fe as armas rutilantes Mais que as folhas das arvores triunfantes^

66.

Ao darme hum fatal golpe na cabeça , Que fem duvida o elmo me cortara , A branca cinta tanto o intereíTa , Qne em ver , que eu a cortey , fino repara : CeíTa , me diz, hum pouco, Henrique ceíTa , Que leva o vento eífe favor de Aldàra : Comoeunaõ perca taôfublime gloria, Perca fe a vida , e perca-fe a vidoria.

^7'

46 Henriqueida

67. O cândido trofeo outra vez ata, Mas com o intempelHvo movimento O peito , que o defende , fe defata ,

Nota 136. -^Q peito, que o offende , acha o tormento 5 Se eu vira , que elle acafo defbarata Armas , que vefte o íeu bizarro aiento , Reparar o deixara o fatal cafo , Que naõ quero a vidloria pelo acafo.

68.

Nota 137. O Sol me foccorreo da mefma esfera ,

Pois dando em meu efcudo prateado , Nas armas do contrario reverbera , E me naô deixa vello defarmado: A luz , que me ofluícara , e o offendera , Foy caufa do fucceíTo defgraçado, i

Porque eu naõ vi , que o peito ihe faltava , / E elle naô vio também , que eu o bufcava.

Ao galhardo Africano o forte peito TrefpaíTou o meu ferro mais felice , Guardando à fatal venda tal refpeito , Que naô quiz que o curaíTe , fe o feriíTe : Ainda fentindo taõ mortal effeito , Naõ perdeo o bizarro , porque diíTe Aos íeus , que me deixaíTem livre o paffo , Quando me í^ziaõ embaraço.

70.

Ao retirarme às vezes combatendo , Outras íempre o terreno melhorando , Me encorporey com o efquadraõ de Mendo , Que eivava valcrofo pelejando : Examinay os mortos , que pretendo , Na íepultura ao meu contrario honrando ) Fazer que o tempo reconheça unido Aclle bizarro , a num agradecido, •y^ 71.

Canto 11. 47

71- Eíeacafo viveíTe, ainda que creyo,

Qae com elie aSibilla me ameaça,

Heyde mollrar que os males naò receyo ,

Para que os beneíicios íatisfaça :

Elie me deu a vida , eu íó premeyo

O deverlhe a fortuna na deígraça ;

Se o Ceo me caitigar por ferlhe grato ,

Mais me cal^igaria o íer ingrato.

7i.

E que Hecha Martim Rey de Lamego Nota 138.

Temos por aliado , e tributário ,

E Coimbra nos deixa do Mondego Nota 135),

Seguro o paíío ao paiz contrario ;

Seja o dourado Tejo iiluftre emprego

Do valor que caftigue o temerário

Ali Aben Jofeph , aquém coroa Nora 140.

Africa em Fez , e Europa hoje em Lisboa.

73- Calioufe Henrique , e todos fe admirarão

De ouvir os íeus rariíTimos íucceíTos ,

E unidos novamente aííeguraraõ

Concorrer para o fim dos íeus progreíTos :

Nem do grande projedo duvidarão,

Vendo do Ceo favores taô expreíTos ;

dilatar o feu valor temia

Gloria de tantos íeculos hum dia. Nota 141.

74- Amado , que era atenta fentinela Das mudanças , que via no femblante De Aldara com as lagrimas mais bella ,. Eelle com os pefares mais amante : Vendo , que Henrique tanto íe deívela Na vida de Muley, e vacilante Receya da Sibilla o vaticínio, E ainda mais dos ciúmes o dominlo.

7;.

Henriqueida

Nota 1 4i . Também fentia o ha v er dito a^ ATaara ,* ^.L^ «^ Que VIVO ainda Muley reconhecera, . . ^^

E eípera íó por ver fe el!a declara O caio, que por elle íô foubera: Das duvidas o livra , efe prepara AbelIa.Aldara a publicar quem era i i

j3i,, E? em revelar milierio taÓíecreto ]^

Ó amor taõ fino foy , como indiícreto.

- Imaginou que Henriíque geneíofeyíí , t

,|j : Dizendo que Muiey ellava ybiQ^yMxâ^É^-im^ u':i

E que o tinha eícolhido por efpoi^s^ '^a iíiÉi*cí*ftCi

Ambos logo liviaífe compaílivo ;

fe via no roítro mais fermofo

Eloquente hum rubor taõ expreilivo^ i'k

.r íiX^ijííí^Qae até com voz mais tremula yérí^ifl^ ^ ê^í^

Pudera perfuadir huma injulliçaí , ^,,.. . , .

77. -■-•'■. " . .-,

que amor conheceis , PrinèipeAugufto,^^ '

Ejàque amada íois, alta Princéfa]^^ '

Diz Aldara entre as lagrimas , é'o ftiM^ \ ,

Augmentando os extremos da beíleza ,' " ;^

Concedeyme atençàô, que fera jufto^

Que fe a voz no refpeito tenho prefa , l

Me diículpeis affedos femelhantes, - " '

Naõ por Princip^íi , mas por amanteSj^.?: ^

, . ■; . . 78.- ■: ,-, . -.-<v^'-^í'^-.-^^4 Nora 145. Aldara fou , meu Pay heeíTe iHuítre -^

Joíeph , que ameaçais com fúria tanta ^ E porque a fua fama o naò desluílre,. ;: ^ ^

Em ter hum tai contrafio íe adianta í.^/^s^/j^- ^ ^O He de Euroná terror , de Africa i:hvi%^4#í nèi^^^fÒ Vcléz de ouvirfeu nome aipda íe ;eípafi,Êa %*«;?fj-«^ Vjí Donde moftrou com brios foberanos, QnQ ainda labem vencer os Mahometanos.

79'

Canto 11. 49

79.

Da Lufitania, e Becica domina Nota 144.

As terras que dominaó os dous mares. Seus baixeis na campanha criílalina Daó aos Hifpanos trágicos pefares : De Africa a mayor parte humilde inclina Nobre culto aos feus incUtos altares ; Tremem as Praças , quando o vem , e inquietas Lhe poupaõ as Baliftas as Trombetas. Nota i45«

Almançor meu irmaó , que hoje no rio Morreo, me faz herdeira de hum Império, Em que da adufta Libia o Senhorio Nota i4(J*

O avifmha ao antartico emisferio: A caíligar de Argante o defvario, Que Tanger lhe ufurpou com vitupério, PaíTou ElKey, emeu Irmaó me ordena. Que o Tejo deixe pelo Lis, e o Lena.- Nota 147-

81.

Como em Leiria exercito formava , Com que efta Praça conquiftar queria, Sem reparar que expofta me deixava Ao corpo , que a Coimbra guarnecia , £ como a fua aufencia o animava A que quizefíe entreprender Leiria i Seguy o feu exercito curiofa, E o receyo me fez fer animofa.

De Amor faô m'fteriofos os acaíos , 'A alguns deveo Muley, que eu o atendeíTe, E de dar à efperança breves prafos Em vinculo feliz lhe prometeííe : Nefta batalha por dive^fos cafos Quiz ã envejoía forte, que o perdeíTe^ E por fer mais cruel o duro efteito , No campo crefpaííadQ vi feu peito,

. G 85.

Jí3> Henriofueiíh.

Quiz anlmallo, è hum Tarai acfíiiVOw , -j? Fez que me reciraíTem íem alento :''''^^^:^

Os que vinhaõ fugindo de Pelayo, Deixando-me no mefmo defalento; Da vida quiz fazer o uicimo enfayo, Quando pôde fencir meu fentimenco-j Pelayo o ferro ufurpa com piedade. Se pôde fer piedofa huma crueldade.

84. Naõ fey fe com verdade, ou com engano, Que Muley eftà vivo meaíTegura, Se ifto foy dilacar-me hum defengano , Pouco efte bem a huma infelice dura ; Mas como o pofib defcobrir fem danno. Ou porque tenha illuftrt* fepukura. Donde eu também me enterre, ou porque vivo <jraco vos reconheça, e compaíTjvo.

si3;v:.,;í :,:„ .85. ,

Examineyvó Príncipes famofos, '^>

Se vive por quem vivo, ou fe na forte

Mais infeliz os aftros rigorofos

Propicies faõ em permitir-me a morte,

Caliou-fe , porque alíedos impetuofos

A lingoa embargaõ com prifaõ <aó force.

Que fe abraza, e/e afoga a fua inagoa

^m dilúvios defogoi £3^.^rai& díe agon. ;

Pefàyo diz a Henrique , qxít fegirinád ^ Os fugitivos, hum ferido vira, 'Í'-

Que os últimos acentos proferindo ,^ <

De amor, e Aldara ds nomes rcpcrira; -^

Que admirando a fíncza, que cílà ouvindo V 'i:" . Piedofo o cura-, e vende que refpira., ... "7"' O manda retirar, e que intentava "t ri *

referir a Henrique o que paífava,^ ^ '('^/^í^..?^:

87,

QuêoaffGâio de Aldara o infçrrompe,., Em que a yiolcncia deixa defcifrado O occulto amor, cm que o pefar prorompe Quanto fegiedo o peito tem guaj'dado: Que a ferida tem cura, e que oaõ rampíÇ Por donde empenhe tanto o íe^^ c\\id^dOr E que Cu-pijdo ávida Haedecrec^x Para triunfo da dourada féta,

S.8.

Que dos golpes de Henrique huiri e^cceUente Nota 148. Da efçola de Chiron jdeftro, feàario Balfamo lhe aplicara, que vehemente Fora do dahno hum eííicaz contrario: Mas vendo que fogira a fua gente, Julgando a Aldara prefa do adverfario, As vendas deíatara, e na contenda O vingara huma venda de outra ven4a* Nota 149;

E que ao chegar Aldara nz,5 poderá Com o alvoroço mais ferido o peito. Nem pronunciar o que depois diflera De Amor, e de Aldara ontro mortal effeico, Mas que quando piedofo hoje entendera, Que eftava livre a vida , e o refpeito Da que amava , efta nova appctecida Matara a morte» edera vida ávida.

90.

Henrique o mais magnânimo, e benigno Príncipe que vio nunca a vaga fama, E tendo efta virtude por mais digno De fundar tanto Império o Ceo aclama, Ir viíitar Muley naó acha indigno De hum taõ Ínclito Heróe, antes feinfaniíi A gratidão, fc o beneficio efquece De quem por infeliz mais a merece,

G ii 91;

f% HenricfueUa

91.

Pareceo-lhe aTerefa, que agradava A Henrique, fe a Mnley cambem aíTifte, Que Aldara a figa quer, mas naõ oufava; Pois o decoro ao mefmo amor reíifte: Mas vendo que a Princeza tanto inftava, Corc€z em difculpar-fe «aõ períiílej E fez, ou com vontade, ou com violenciaj^:- fi;.( Decente a repugnância, iia obediência. : í; 3.^ l

Que naõ :t^nh,^Muley ^outros favores Mais q'ue a cinca, lhe diz, com tal tormento. Que lhe moftraõ pretagios, e temores, Que a corta o ferro , e que a arrebata o vento.* Por ella tem dos golpes os rigores, Por ella perde heróico vencimenco , Eaquifera cobrar, porque recea, Que íirva de laço, edecadea.

9 5- ~

Naõ fe efquece Muley, por ver a dama. De proílrar fe a Tereza, e dar a Henrique, Moderando o afFedo , que o inflama. Quanta expreíTaõ feu rendimenco explique." Naõ me admira, lhe diz, que cerra afara^-^^ VcíTas gío ias , ò Principcs , publique, É me admira ver, que em ambos fe ua^^ - Tanto o merccimenco , e a fortuna. -> <^ -

94. Naõ podia. Senhor, efta ferida Ser morcal, porque fendo de hum tal braço, 5e por mais force me ciraíTe ávida, Por gcnerofa lhe apertara o laço: E vós alta Princefa eíclarecida ; Defculpay no refpeico hum embaraço ^

Que hoje o filencio por azilo coma , forque naõ pode errar eílc idioma,. ,:

;y:

9>.

Canto

n

95

Cf

Logo Henrique, eTereza lhe permitem Que àdama, aquém finiíTiTua reípeita, As finezas nas vozes fe acreditem , E fique tanca pena fâtisfeica: Mas ella refpondeoi que naó fe admitem Por quem ao cativeiro efta fugeita ExpreíToens , que offendendo a Mageftade Naó deixaõ o alvedrio à liberdade.

9<-" . .

Henrique lhe propõem, que Muley íeja Livre-, ^ poíTa voltar donde reípire Na liberdade, bem qiíe fe dezeja Mais do que á quantos a ambicaó afpire: Que convaleça , e que aíTiftido feja De forte que contente fe retire, E que lhe fua preciofa efpada, Que porque o ferio, lhe defagrada>--- "''

97- ObTequiofo refponde, mas licença Lhe pede ae faber , fe acçaõ taõ rara Lhe acreccnta a mais alta recompenfa. Levando aEIRey Jozé a illuftre Aldara? Diz Henrique, eu bem (ty que fora ofienía Negar, mas hum rumor fe prepara, Qiie Amado excita, e que a promefla rompe De Henrique, eniaiszelozo ò interrompe.

Pcrmitime Sehnor, queKoje fc^oppònha .7:,

A tanta -generofa bizarria ' ?

Que naõ pode deixar que íedírponha ; A favor de hum infiel, da Monarquia:

Aldara he o penhor, que fo componha . ^:.

DelRey feu Pay a barbara oufadia , ^^ .5 ^ ^> Jozé , aquelle mefmo que arrog^a mre^.^ Wç^r-":-

Sabeis, matou deHcfpãDha hum claro Infante. Moux^}

/■

Nota X 50,

14 H^^nqueida

99.

^\m.^ di? l^gas Moniz, fe uniça filha. ^ | Nota 15 2. He do Rey líhjaelica Aldára bella,^ .^^q

E no feu emisFerio hoje brilha v.^^^ir,ms:3ti!i Para influiilo efta benigna eftrella: 'r^

De canc(xsJl.çKnos, quQ triunfante í^i\En|l}T^^^ _.^g Mandar lhe a fticceíÍQra fem cautela,.\r; íijigjif^j ^^ He arrifcar apacria, ç com pefares , dhsiuà'^

Ver erigir íacrilçgos ahares..,^,^^^ .^ a ,3.^^5.^;g^

100. Mendo acrecenta; o voíTo patrocinio Que honre, e livre a Muley, ^^õ (qi)í^ }^j^Qi.g:j^ , Se arrifca da Sibilla o vaticinio, t ^^iVa^s aiaí^iiP^^ - Concede ao beneficio premio juftQ^^ 3#.:i-|."íocfí óB' Mas da Princefa de Africa o (Jomínio , ,í'ío5íí?3íT> vos deixa feguro o trono augultq, -. -> \: Q^uem pôde duvidallof Infta Roberto, i?

No confelho fiel,, na guerra j;xper-^p.^pQ^^l ,^s^

lOI.

E diz Pedro Bernardo ; qtJ€ os Leorrefes , Que ao feu foldo ali tem da própria terra j 7 Logo ha de feparar dos Portuguezes, [1

E fará aos Mouros dura guerra, £»

Por deftruir os bárbaros arnefes, i

Se vir livrar a Aldara, fc defterra,,4^rjii<?ísi»ri*aw*;: Deixando Portugal aos pátrios lares Do Tormes, doPifllierga, c Man^anares.

102.

Henrique a todos refpondeo feverOt,{|í.,i Que o zelofo lhe agradece, mas que airatmoO , Reprime íò por ver, que he taõ fmcero r iifiO! nMO OaíFecto, que nos ânimos reípira : -j y9c€;'

E a Muley diz; bem ves, que naõ efpero "; -ís'?? Ver que hoje alcances quanta o anjQt: i;^,> iftjííirsl ; Por libertar a Aldara deze^ada, :<ãííVS3. íoiíH»^^

- Que aqui âca íegura, ti^íj^áididm^m..>7^m^ qQí'-- ■>' ^ '^ 105.

Canto IK j)"

105.

Impulfo eílranlio obedecer me obriga, Nota 15 5.

Diz ©Africano, e eíTes confelheiros Em mim vos deixa" faria, que inimiga Pôde fer que desfolhe os íeils lonreiíos: Hoje me augmencaõ a arrogância antiga Renovando-me os impecos primeiros; E fendo Aldára o claro facrificio, Mcprevertem na injuria o beneficio. cV

.j:«\ j'.'.\.Y 104. vittA ■jvjií.Sis « 1;^ I

Se com ficar esfera V O reftauràra - -*' ji A liberdade a fua fermofura , Toda a minha ambição facrifícàra, por fervilla na prizaõ mais dura; . vou livre, ò Henrique, que o declara A vofla heróica voz, e a intenção pura; E o fangue, que perdi, em mim fe augtnenca Nas iras , em que agora fe alimenta.

105.

Tu, belHífimo affombro dos humanos^ Vidima da politica cobarde^ Has de ver que aos teus olhos foberanos Se leftitue quem ncUes arde; Efperem os ingratos Luíitanos, Que hum amante impaciente aqui naõ tarde, E veraõ fe irritar hum poderofo He melhor que obrigallo generofo.

105.

Duas vidas, Pdayo, te devia, Com húma voz de hum golpe asufurpaftej Na campanha veremos algum dia^ ?oa ^,

Se as reftituifte, t)u fe asToubafte: v : :

Com fufpiros Aldara o Geo feria, ^

E fem que Henrique a fufpendello bafte , Hum cavalle lhe «deu, que o vento alcança^ Do amor eftimuJado,. c. 4a vingança.

y6

HENRIQUEIDA

CANTO III.

Argumento.

Promete hum feliz, fonho ao Lufo Imperit AfrmezAi e da Infante a melhoria 1 Muda ElRey de Lamego em vitupério O tributo y que ao Principe devia ; jixa convoca as Deofas ào Emisferio , JB no jardim renova a idolatria , Lembra Henrique hum perdido amor fâfTadi,', Delsa MO Rebelde prefo , e cajligado.

r.

Com nuvens de rubi , rayos de prata Se rompe a névoa, que formava o Douro; Foge a fombra da luz, que íe dilata, Ve fe no Oriente o nitido tefouro : Corre a Aurora a cortina de efcarlata, Apparece deFcbo o berço de ouro, E fahindo do mar , quando madruga Ao feu incêndio próprio o Sol fe enxuga.

t.

De Muley com faudade , e fimpatia , Henrique cuidadofo naõ defcança ; Aldara nos affedos , que fentia , Morre da pena, evive de eCperança : Egas Moniz, que a todos preferia Em celebrar o bem que Henrique alcança. Conduz de Guimarães o Infante amado Dando à faudade o premio defejado.

4

v4í

^Cànto IlL ff

Ceàc Adónis ao ínclito mancebo Dcftinado a imperar aos Portuguefes,

E que o brilhante circulo de Febo Notai 54*

Na > vira no principio cinco vezes •, Erte he o mayor premio , que recebo > A Henrique diz com expreflbens cortezes Moniz, a quem fiara vigilante A regia educação do claro Infante

' ' 4.' . ^

Eíle he o premio mayor, que efperar poíTo

Da firme confiança generofa ,

Que podia dai o favor voífa

A huma fidelidade iafFeítuofa.-

Livre o vereis com gloria, e alvoroço, '[

Na protecção '^a Virgem prodigiofa :

Efte portento a minlia voz coníagre ,

Juftifique hum milagre outro milagre^

5-

Até o primeiro Itfftro Affonfo illuíltê , ^v

Tem achado mvencivtH^ etnbaraçòs. J

No incurável actiaque, porque fruílre

Os que ha de dar á gloria largos pàtTos,: ^ , ,,-Notaijr/?

De Chiron a fciéncíà Tií desluftrc' "^* ** ^ /* ' ^:

Ao querer defatâr raõ fortes laçòs j

E eu cri , que me deixafie o tnú grofíeiro

Em vez de Ay o fiel, pio enfermeiror

Tibià ate, tti!fê à Corte , ihudo o goftb* Vendo no primogénito excéllente , Em que toda aelperahça tinha poftó , Da piizaõ dura a pena mais vèheménte i Até da mefma vifla era defgofto ' Ver a belléza íquèm ò achaque fen te .• Porque por mayor hial òfado déií:a V C^ue augmente a geliúícza a dor da queisa.

58 Henriqueiàa,

7-

A vofía diligencia , e o meu zelo „^ ;^ Nptaijíí. Tinhaõ de Apollo os filhos apurado, alcímoD Naõ podia dormir o meu difvelo i, -r^f. 4-j *^}q Sem fazer juíla oífenfa ao meu cuidado ; ^^^^H ^ ^ Mas ainda que rcGílo , ainda que appello , '/ . 4 Ao fuave veneno eítou proftrado j .q

Nota 157. Com que Mòrfeo , que a todos adormec^i^ ^ ^H^^ Nos olhos Teu encanto eftabèieçe. ofco^

Naõ foy o feu império mais fuave , Naõ foy o feu dominio mais violento , Nota 158. Quando de Juno o doce império grave De Lemnos o mudou ao firmamento: E de Cymindis transformado em ave b*Bfiíí*Sâ

Se atreveo receofo ao grande intento "^ .,.f,-^^cj

De introduzir do ópio a eíficacia o'^!^^

Da Providencia na alta perípiçaciafc.4^^ ^:,,^l^r-^^^'°j

9-

Ncra fâbulofi intereíTada Juno ^

Lhe prometeo a bella Pafithea mcs"^

Mares de Ceies , campos de Neptuno |.^ ^^

Naõ paíTou enganando a facra idea : ^ ^ ,r ^^.q

Nem de Vénus o adorno , que opportun9^ oííioD Tanto o feu peito efmalta, como enleai/|'^^\,^.^ Nem para fomentar a Troya eftragos,^^^^ "^*f Converteo em cantos os afagos. : íntsiq aU

10.

Mas Deidade de eíFeito mais piedoTo O fono me infpirou , porque admiraíTe > .^^^yj

Que coníeguio do Filho, Pay , e efpofo , .-^:;| O bem que AíFonfo do feu mal livraíTe: , ,.c|

AíTmaloume o fitio prodigiofo , .,^ oaio3

Em que a Imagem divina occulta achaíf^ji.jf| ^uO E que o Infante livre logo feja , . *? ^^ ,?; p^

Quando fe edificar famofa Igreja, gj

ti.

Canto III 59

II.

E que referva ao Príncipe odeftino, Como fe do aflombro, que contemplo , Para triunfar do Mahometano indino , Para fcr das virtudes alto exemplo .• Naó falteis a hum preceito taó divino , De Carqucre fc forme o facro Templo ; Nelle a Deos entregay com tranqmlla Todos os três talentos da Sibilla.

12.

No bclliíTimo roftro de Maria," Porque naó fegue aos olhos a brancura^í Breve porçaõ da noite atrahe o dia. Que augmenta com a graça a fermofura ; Eu naõ dormia nad , mas fe dormia > Porque efta vifta celeftial , e pura Perco por ver hum Sol menos luzente; E naõ ,dura efte fonho eternamente?

O Heróe alegre corre , e à conforte Com Affonfo nos braços participa Do digno fiiho a mais felice forte, Que a fem evidencia fe anticipa : Como da íombra a oppoíiçaó mais forte 3 Que ecíipfa a Lua, a fua luz diíTipa r Quando para encerralla cm dura guerra He pirâmide , e pira a opaca terra,

14- AtFim o rrifte horror fe defvanece , Com que o mal ofFufcava ao bello Infante ; E para o novo templo eftabelece Preciofo material, que ao mundo efpante: Como cm Laracg© o lítio fe cfcurece, Que he nuvem negra ao aftro mais brilhante, A aqucUa parte a marcha fc promulga, E bufca ao Rey , que ainda obediente julga.

H ii i^'

'5- Teréza, que (km guerra fe. peííuade O milag^roíb íicia fe d;eícubFa:, ' '4

Com x'\fFonro. alivia Imma faudade, Que o vèo da devoção alegre cubra ; Porém Aldara incrédula á verdade De canto vaticin.io he bem que encubra No arcificipíj({>, , e fino peito occulco O fiel do dezejo , o in;fiel do cuico.

Henrique diz aparte ao nobre Cunha , Que com o defafogo fe meliiora Hum pefar , que lhe fia, ç ncr que expunha, -i

Bem diíTimula as lagrimas, que chora, -^

E diz que favo sável íè difpunha A forte , mas que bem jerU agorn , Se nao fe pervertejfe no prefagio

Do antiga õccuÍPo 3 e infeliz, naufrágio. y

17-. Rota IÇO ^^y de França Matilde illuftre adorna,

Nota 160. E o Loire, o Sena, o Rhodano, e o Carona

Nunca viraô belleza em feu contorno., Notar(ji.Qpe igualaíTe e(Va Deofa deBayona:

Cupido quiz por forç^ , ou por foborno Vencer o coração , que mais blafona, Pois Henrique cuidava em toda a parte Que o naõ feriíie Amor ferindo a Marte.

18. Livrou-fe das belliífimas Francefas Sem faltar a huma atenta cortefia, E o valor com primores, e finezas , De hum verdadeiro amante parecia : No Templo das mais celebres bellezas '

Naõ abrazava , porque fo luzia, i

Mas naõ baftaõ de amor nos fcus rigores i

Luzes, que naõ £e iíiflajai£m nos aidoroSj. 4 pur^

«9.

Canto 111. 6i

19.

Qiiafi tocava nos confins de Hefpa;nha Atè do mar feu animo triunfante» ^"

Vencedor nos perigos da campanha > E naõ vencido às acracçoens de amante: Na própria pacria a pena mais ellranha Executou, o cego fuiminancc -, Moftrou Matilde a Henriqiue, c fendo inquietas, Entaó deixou na aljava as duras. íetas.

20,.

Soberbo as guarda , quando as poupa avaro; Vendo que o precioíííllrao thcfouro Lhe fobeja , pois tem o roftro raro Nos olhos Tetas, nos cabellos ouro: Naõ foy do amor efte trofeo preclaro, E eítima ter Cupido efl:e deídouro , Porque a gloria de Heróe fempre publique, Qiie nem o amoc pôde vencer a. Hei^rique,

2. r.

Que Matilde o vehceffe he mayor gloria,' Pois naõ cedendo a hum Deos , cede a huma Damaj E render à belleza huma victoria no decoro immortaliza a fama ; Mas como eíVa tragedia na memoria Do alto varaõ a todo o aíFeClo inflama, Como com o exercito marchaíTe , Cunha a Henrique rogou, que a tecitaíTe-

21..

Obra o teu rogo em mim,, como preceito , Diz Henrique, vencendo a refiilencia , Que a taõ triíle memoria faz meu peito, Renovando na laíiima a violência : Se do prefente eílado faiisfcito , E do futuro o Ceo me dco fciencia j Bem Cq}' que he melancólico cklirio- no p^ada mal bufear marcinia..

^^ Henriqueida.

Na gruta de hum marítimo rochedo Dehuma Dama ouço a voz triíle, ecanoraVP^^^ Que levou a atenção , femcaufar medo," ^Í'»*ãoP Sendo defconhecida, mas fonora: ' '^

Nadivifaõ, que deixa eíle penedo, Vifta, e ouvido a hum tempo íe melhora, /^

E fc deícobre maravilha tanta -^ jbk:í^

Vendo quem canta, ouvindo quem encanta."^ ^^^^

Notaz^i. De azul veftia, comoGalatea,

E por Deofa do Mar o Mar a invoca > c - '^^

Ou delle naíce agora Cicerea , ^^^ ^"i^

Ou o Sol no Oriente as ondas toca* ^^^"^^^^^ ^4P Na neve a luz dos olhos o fogo área, ^

Pérolas, e coraes refume a boca j 1

E ao retratalla foge temerofo ■''^^.

Hum criílal de hum criftal por envejofo;; '-^**i ^}^^^

^ D.ospe„harcos.fArpe.os„aceaes,. '^

Para romper as minhas triftes vozes , -^

E quando em voíTo centro as recebeftes, ^

Vos deixarão mais ruflricos , e atrozes? ,^ i| Aqur venho cobrar quantos perdeíles ^ oi^^ils 0O EcLos amantes , finos, e velozes ; 1 ysm 0

Porque dos meos mifterios nos prodígios ' p

Naõ quero, nem nos eccos , os veftigios. *

^3- Naõ digais , que a Princefa de Champanha ,,. Entre os voiTos horrores fe íepulta, "^"^^

Notai(?4. Que naõ admire o crono de Bretanha, j^

Notai6;.E que em Guienna incógnita fe occu-kaV -■■^' _^-^^--:>-l Sabeis cailar a caufa mais eftranha, ' 1;' •'■•:* oi^^.^í^ Que a faz fugir para efta pvívya incuIta^^Y '-^^'^^f^ Laílima deva amor taõ infinito ' '^^-íi^^^' «^

No peito ; mas na voz fempre he delicol *-^^^ ^^

•5

27.

Canto 111 \ 6f

Muitas vezes te difle, ò muda penha, ^^; Porque o meu epitáfio fe componha , í

Quando o racu defengano me defpenha , Para que em ti meu tumulo diíponha. Que a taó ditoía morte (6 me empenha O occulto amor de Henrique de Borgonha, AlTim cantou Matilde, e o íeu pranto Me fez trocar a magoa pelo encanto. Nota 166:

28.

Mas por fazer mais rara eíla aventura , Lhe digo pela penha mal unida, Qiic naõ pôde matar-fe a fermofura, Que immortal , quando mata, mais vida: E quem pôde dar Juz à fombra efcura , Vera a liberdade mais rendida De hum coraçac) , que permanece inteiro, Para naõ dividir o cativeiro.

iÇf.

Sobrefaltada quer fugir Matilde , E mais fe admira quando me conhece,

E a filha de Rogero , e de Clotilde Nora^Sy: ^

A minha fufpenfaõ reconhece; Do affecto ouzado o facrificio humilde O meu amante peito lhe oíferece, i

E me refere timida a finefa. Que devi de Champanha à Gran Princcfa,

30.

Quando em Troyes , que he Corte de Rogero ? No publico torneyo appareceíles , E ao Duque de Bretanha em golpe fero , Que era o mantenedor , logo venceftes , Entaõ vos vi no campo taõ fevero , Como ayrofo na dança o excedeftes j E fazendo do engenho claro exame , Os prémios Jhe levaítes no certame,

5»-

64 Hènriqueida

Da praça na diftancia me viftes , E eu a Mafcara fuy , com quem dançaáes; E por deixarme eftas memorias triíles, Para Borgonha alegre vos volçaftes , E canto que innocente vos partiftes Do incêndio inextinguivel , queaceaftcs. Por ter o de Bietanha fempre unido , Me deílinaõ por premio do vencido.

Obfêrvey , que naó éreis infenfivel , Pôde fer que o cauzaflTe hum novo objedo ; Ou que diftinguiíTeis o invencível Do meu occulco , mas vehcmente aíFeólo: Naó foy efte ao decoro irreílftivcl , E efcondeo o recato o meu projeâio i Porém fe conheceíleis caó pura, Dilatarieis huma aufencia dura.

Entendi, què era jufto , que em meu peito Vos alcançaríeis mais outra vitoria, Vi cambem quê a violência do preceito Naó tirava a viokncia da memoria ; E em huma cfcura noicè íem r^ípeito De expor a vida > , o Reyfio , a fama , a gloria. De Tancredo fiel acompanhada, Vivo em Baybna òècuica, e retirada.

Co^mio. feube , qâé a Hèfj>anhâ vos Fèvavit. O generoío efpiritò da ^úetrá, Por Tancredo de tòdò^ me i'nfeniávav Nota i(Js. Quanios pâ'ffâva'0 de Pircne â Seitas dous di?.s havia (!|uc tardavli, E efta gruta mà^itimà me encerra. Donde devi pot hum eílránho cãíb , Mais do que a d'ilíg€Hcía , a kum acaíc^, *^i Pi'

Canto UL^ 65

DiíTe, e no roftro das purpúreas rofas A cor fe dcfmaya , e fe aviva, "^ r

E as luzes dos Teus olhos mais fermofas Ferem meu peico com a força acliva .- Com exprelibens corteíes, e amorofas. Que huma jnorca eíperança eftà viva, Llie explico , e bem ouvido eQe meu rogo , De Anccros fe inflamou no puro togo.

56.

He precifo cambem, que te repica, Nota 1(39.

Qiie occulco himeneo licicos laços Do fino ardor, que o coração me incita. Tive o mais feliz premio nos feus braços .- E o naõ quiz publicar, pois fe íe irrita Brecanha, tem Champanha os embaraços De que à guerra cruel logo fe exponha , IncerelTando a França, e a Borgonha.

E quando a reftaurar a Paleftina °^^ ^''°*

Os Principes Chriftãos fevem uuidos, E bufcàraó na iníignia mais divina Aufpicios facrofantos, e luíidos; Naó quero, nem por caufa jufta, e digna, Ser caufa de que fiquem defunidos : Católico o meu zelo aíím difcorre, Em quanto Febo os doze íignos corre.

T^Otâ I 71 '

neíte jtermo hum duplicado fruto , Quando illumina '\ Geminis com rayos

O claro Apollo , davaÕ por tributo Nota 17^.

De outro Sol fecundiílimos enfayos: Em ma,:,oa troca o goílo, a gala cm luto Hum mortal accidente, que em defmayos Rouba à bella Matilde em hum inftante, E me deixa huma Infanta , e hum Infante, t 1 35.

66 Henricfueida

39- Qual foy a minha pena, eíTa naõ digo, Nem o encerro encuberco, mas decente, Pois tenho em cada acento hum inimigo , Nota 1 73. Que a memoria me fere mortalmente '

lembrarey , que o Hefpanhol Rodrigo Dos Mouros era o rayo mais ardente. Emulo fuy do feu bizarro alento , E encubri no valor o fentimento.

40. A Tancredo fieitieios dous Infantes, Nota 174. E hum Navio emBayona bem armado A Galiza conduz os Navegantes No furiofo Oceano arrebatado : Os meus olhos os íeguem fempre amantes ; Mas quando fe conjura iniquo o fado, Na íorce inexorável , c importuna» Naõ muda hum elemento huma fortuna.

E vendo-fe abordar pelo pirata , Queima o próprio baxei barbaramente j Morrer matando he gloria de quem mata? E naõ manda o valor fer imprudente ; Por mais que a minha vifta fe dilata , Cobre o fumo os Navios de repente ; Com que aos meus olhos os efcondem logo Ou cativeiro, ou ferro, ou agoa, ou fogo.

Disfarçado , e fiel mando Roberto Correr todos os Reynos Mahometanos , Sem faber do combate o termo certo , Nem de Tancredo os infelices dannos : Occulto efte íuccefTo por incerto, Haõ de contallo o. íeculos, e os annos. Are que pelos evos fucceíTivos Nota 175. 5g encontre do Parnafo nos archivos.

45'

Canto II L 6y

45-

Callou-fe Henrique, e Cunha lhe refponde Admirado do trágico fucccílb, Que o Ceo com itiayor gloria correfponde Ao tim do feu magnânimo progreíTo ; E aíFim lhe diz •• alço mifterio elconde Os dous Infantes, que com tanto cxceíTo, E com tanta razaõ chorais perdidos, E pode íer vejaes reftituidos.

44.

Rompey deíTas memorias as cadeas, E à fundação do Império Lufitano Applicay as magnânimas idèas, Defcubri o teíouro foberano :

A Portugal trazeis melhor Eneas Nota \j6.

Mais verdadeiro culto , que o Troyano j E porque em vos feu fado fe reduza,

Ganhais Lavinia por perder Creufa. ^otd^ 1 77.

45.

Henrique entre a ternura, e a inteireza,

Diz ao Cunha : efte cafo que defcubro a ti por refpeito de Tereza , Com triftes cinzas de Matilde cubro; Nem dos filhos o amor, nem a fineza De huma eípofa infeliz, que agora encubro , Me afligem , pois temo que cativos Os innocences eícapaíTem vivos.

46. Bem fabes a razaõ, porque íe a morte Lhes deOe a tumba femelhante ao berço.

Hoje os coioa mais eterna forte ,

Que o Império mais vafto do univerfo ;

Mas fe a Parca cruel preferva o corte

Ncíle fucceílo trágico, e adverfo,

Mudada a Religião , e pervertida ,

para ter mais morte , tem mais vida.

lii 47.

68 Henriqueida

47. Eíles, e outfos diícurfos do paíTado Occupavaõ a Henrique , que marchava» Como em paiz amigo, fem cuidado A Lamego , donde Egas o levava : Aqui cancã, ali canfa outro Toldado, Hum General ao oucro convidava, Muitos contaõ da guerra a própria gloria, Huns com modeília , e outros com vangloria.

48. Nota 1 78. Amado aborrecido fe prezume,

E engcnhofa a memoria no marcirio, Da faudade, do amor, e do ciúme. Tem a fede, o letargo, e o delirio : Todos os males no Teu mal refume, E quando tem na débil colirio. Reconhece, que intenta lifongeira. Que cure huma cegueira outra cegueira.

49. Também de ódio, e de amor corria cego

Muley j e das paixoens , em que fe anima , Quer que feja o Chriftaõ trágico emprego. Que todos aborrece, e Henrique eítima: Introdux-fe na Corte de Lamego, E a Rainha bufca , porque exprima Ao varonil efpirito que encerra. Rebelião, a que chama jufta guerra.

50. Acha Anzures imagem de Bellona O Rey , e o Reyno forte dominava , Naõ da belleza, do valor blazona, Que aquella dava vida , efte matava :

Nota 170 ^""^^ fe vio taõ rigida Amazona-,

Porque o paiz, que o Termodonte lava , A achara digna de imperar em Scitia

Nota 1 80. jyjgis que Pancafilea , e mais que Oritia.

í»»

Canto IIL 69

51-

Armas ligeiras vefte, naó que o pefo OfFenda o varonil talhe robufto ; Mas porque lhe parece com defprefo

O menos defcnfivo mais auguíto : ^

Inverno congelado, eftio acelo, Frio ameace, ou intimide adufto, Vencido a competir nenhum fe atreve O ardor dos olhos , e do roílro a neve.

Solto o cabello dava ao foi defmayos , E Semiramis nova nunca o prende, Nota. i$i:

Por entender , que fulminando rayos , . Multiplica outras armas, com que oífende, De alfange, lança, e feta nos enfayos. Ou de perto , ou de longe a todos rende; E ninguém fabe quem morreo primeiro, Se o deílro , fe o robufto , fe o ligeiro.

53- Da breve , e veloz planta fe izenta A humilde flor , naó a foberba efpiga, Nem hum inflante a área reprefenta. Pouco veftigio a quem feus paíTos figa; Dos Hefperides pomos avarenta Corra Atalanta, fe a ambição a obriga, Que naó fera vencida por tal erro L

Quem o ouro defpreza mais que o ferro.

54. Impaciente do jugo , que impufera Henrique ao Rey, em quanto o naó facode, Naõ vefte as armas, porque naõ impera, Se de hum eftranho arbitrio às leys acode: Com profunda politica pondera Como livrarfe do tributo pode ; Mas quaíi as efperanças tem perdido Nd triftc nova de Almancor vencido.

Jo Henriquetda

55- A feita de Mahometo aborrecia E aos Gregos , e Romanos fe inclinava , No Palácio em occulta idolatria As guerreiras deidades adorava : Também às Heroinas erigia Edatuas , que devota refpeicava j E nos feus facrificios mais reparte Nota i8i. Com Palias, e Bellona, que com Marte.

De hum jardim diíllmula como adorno De mármore os divinos íimulacros , L as flores do odorifero contorno Eraó perfumes dos feus ritos facros: As fontes com mais liquido foborno Nota 183. S^i*viaõ de expiaçoens , e de lavacros , E os animaes dos prados florecentes Eraó victimas puras, e innocentes.

57. Por Numen tutelar Palias fe eleva Nota 1 84- S<^t)re hum lago 3 que he copia do Tritonio ,

E porque nafce armada mais lhe deva ^sJ^^, , or E)o que deveo ao Reyno de Eridonio :

Dornido eícudo em porndo íe atreva Nota 1 8<3. ^ exceder o criftal terror Gorgonio , Nota 187. Q}íc o Égide no duro à pedra cede ,

E o efpelho no brilhante naó a excede,

f8. A eftatua de Bellona tem dominio JNota 188. jyj^ verde templo mais que teve em Roma Na Porta Carmental , Circo Flaminio , Ondeefcudos pendentes pifa, e doma: Em bellica coluna hum vaticinio Axa naquelle dia alegre toma , Fecial do feu Reyno fem refgnardo Nota 189. p^j-a a parte do Douro arroja hum dardo.

59'

Canto' UL yi

59-

Em buftos femideofas valerofas, Nos pedcftaes alças acçoens gravadas , ota 190.

Incitando as ideas gcnerofas As iras encreccm dilTimuladas. Tomiris vence a Cyro , c primorofas

Na efcultura as viclorias debuxadas. Nota 15)1;

A cabeça fe fria, e exangue.

Em agoa infaciavcl , como em Tangue. -^^^^

60.

Camiíla contra Eneas taõ adiva De Turno o Reyno armigera defende , ^^^ ^^^'

Que ainda, a pefar de ApoHo, a cerne viva Aruncio , que facrilego a offende : Harpalice valente, e compalTiva ^^

A todo o furor Getico fufpende; E efta filial piedade hoje admirando , Foy ao fincel o mármore mais brando.

61.

O Filho de Peleo invulnerável Nota 195;

podia vencer Pancafilea Inventora do ferro inexorável, De que o mefmo Vulcano fe recea ;

Clelia na ertatua equeílre, e admirável, Notaioí.

Como no Tibre hum rio aqui vadèa , As agoas defprezando , e os perigos , Fez naufragar em terra os inimigos.

6i.

Semiramis deixando o arteficio, Nota 197.

Qiie era inútil a tanta fermofura. Por triunfante no bellico exercicio Melhor Penfil , que em Babilouia , apura : em oppor-fe a Alcides deo indicio jsfota 19S.

Hipolita de force , infigne , e dura , De exemplo ferve a AxageneroCà, Pois cambem de Tefeo quiz fer efpofa.

53.

72^ Henriqueida

63.

Os quadros enfinavaó nos debuvos

Da arquiceótuia militar preceitos, , \'

A murta ameas, torrioens os buxos

Fabricaó fem na arte ter defeitos :

Porque até na delicia tenha influxos

A virtude marcial nos fortes peitos,

Com as plantas fe formão nunca incultas Nota 195?. Arietes , Balidas , Catapultas.

64. As arvores, que admite, fao loureiros,

E o Mirto , ou o Carvalho , que apregoa

Para gloriofo premio dos guerreiros Nota 200. A criunfal , ou a Civica coroa :

Das aves, que tem cantos lifongeiros, Nota 201. A Cromática muíica naó foa, ;

E o Gallo viojiíante fe conferva Nota 2 02. Por confagrado a Palias, e a Minerva . .^

As fontes com as agoas inquietas Do ar com artificio comprimido Imitaõ bem as vozes das trombetas ^^|.|

Nas que em bronze formou buril pulido : ^ '^

De agoa difpara criftalinas fetas Palias contra huma imagem de Cupido, E como à guerra em tudo correfponde, O amor nas agoas timido fe efconde.

Vem-fe oppoftas também nas partes quatro

As feras , que tem mais antipatia , Nota 205. E que foraó de Roma no teatro

Lifonja da triunfante tirania : Nota 204- Junto ao jardim hum grande anfiteatro

O animo ainda mais fero divertia,

E condufio da parte mais diftante Nota205 i Contra o Rhinoceronce o Eieíantc.

<57y

Canto 111. f%

67.

Nefte jardim da Palias Africana Entrou Muley , e ao vello , o adula A imagem da vingança , que tirana O amante peito incita , e eftimula i A* galharda Amazona foberana , Que taó alcos efpiritos vincula , O ardor mitigado na decência Afllm falia com bcliica eloquência;

68.

Que pouco hey de valermc da Oratória , Bellicoía bclleza, a quem aclama Mais que Zenobia naó vencida a gloria. Mais que Bellona verdadeira a fama.* Se a cada paflTo encontro hyma viótoría ," E hum retrato do ardor, que vos inflama; Mais do que eu neftes verdes orizontes Guerra dizem eílatuas ) plantas , fontes.

69.^

As eftatuas heróicas faõ equeftres , Para levar ao campo as heroinas ; Saó as plantas pentágonos cerreftres, Sa6 as fontes trombetas criftalinas :

Voflb efpofo Alexandre, evos Taleftres ; Nota 205.

Naõ fofraõ nas cadeas mais indinas, Porque a forte huma vez lhe foy contraria; A Regia Dignidade tributaria.

70. Ainda que Henrique fe acha viótoriofo , Defcuidado o vereis nefta comajfca, Seu exercito pouco numerofo Também deu na batalha o feudo à Parca : Ver em Lamego efpera vangloriofo

De hum Conde fer vaíTallo hum graõ Monarca; E o que he mais , vòs Magnânima Princcza , Ir poftrar-vos no falio de Tereza.

k 71,

74 Henriqueida

71.

Mais vem difpoílo agora ( que huma efpia Do Teu campo me aviza ) que ao combate, ; A defcobrir a imagem de Maria A

Perfuadido de hum cego desbarate: Nota 106. Por donde o monte Fufte fedefvia Do Rio Alarda, e tem o feu remate A Serra, que do íitio a origem tome, Porque de Seca bem merece o nome.

72. . de paíTar o campo fem receyo , E íè efte porto occupa a gente nofla. Ainda que voltar queira, o que naõ creyOj Defta afpereza, he crivei, que naõ poíía: ^d E fe de pejejar elege^ o meyo , / Toda a victoria. ha de ficar porvofla, ^

Porque de íorte haveis de eftar campada, K| Que a tudo corte a voffa invída efpada. , 7

75- Muita^ vezes marchey nefte terreno, Que he de pedras, e matos taõ coítado, 7

Que naõ tem campo plano, ou fitio ameno Para hum corpo de tropas bem formado; Verá por vòs o Império do Agareno. Seu abatido nome reftaurado> «j ^'Riif òeiVi.^epr E eflas, eftácuasj, que admirais taõ raras, Kaõ de dar-vos as pedras para asaras. ^.

74-

EfeElRey duvidar dojuramentoí

fiUi,

: X

Que excorquio a.violencia Tem vontadeí, ^ .;. /] O medo odeo, c o rompe em nobre yi tento ^,^^ O valor j rN^)igiaõ^,.,e:liber4'ade(i( 5ít\'-jS m^AnièX A ElRey Jozé do voflb vencimento nttJi msti^ A i)9iit:ia darcy com brevidade, - "

Evos focprrerà com prefla rara. Que cftà cativa. jTua ^Iha Aldara,,,. ;,ov .

Canto Ilt jf

75- Ao pronunciar o nome a voz retira.

Porque traidor ao peito o feu fcmblance A defcobrir taõ fino amor confpira ;.j

Desluzindo o zelofo com o amante; Nota 107^

deixa em fúrias defatada a ira, E contra os Luíitanos fulminante Tira ao Cco hunia feta temerário,

E entre as fuás aguarda o Sagitário. Notatog,

76. A Rainha refponde: fe aícendente Naõ fora teu o vencedor de Hefpanha, NeíTe efpirito heróico o mais ardente Eu conhecera a gloria mais eílranha: Mas porque em ti Muley heróico augmente Eíía traní migração tanta façanha, Notaiojf^

Naó tedeo o valor eíTa alma fua, Veyo bufcar efpiritos na tua.

77. Quanto propoens, propunha o meu diícurfo; E a vontade delRey eu a domino , Mas tenha na cautela o feu recurfo A aftucia mihtar, que hoje imagino:

Dos meus Alcaides o marcial concurfo Nota2JOjj

Convocar com as tropas determino , nO

E lu fidos os quero, enumerofos, '

Para que a Henrique efperem caucelofos*

78. Retirou-fe Muley com alegria Dever a fua maquina ajudada, E foube que Jozé fe recolhia, Deixando a rebelião bem caftigada; a nodurna emulação do dia Dava á fombra a vicloria coftumada, E Axa alegre augmentando as luzes bellas Brilhante emulação foy das eftreilas.

K. ii 79;

y& Renriqueiãa

79- no jardim ficou , e porque aceite Notam. Palias a libação, que lhe prepara, -'í^^^' .^ '^

Nota 2 II. De Jo a copa bebeo de puro leite, ,■ "■ Que a via ladea naó fc mais clara,

E porque o refto em culto fe aproveite, Regou a terra, donde erige a ara , E invocando três vezes a Tritonia A

.. Purificou no affedo a ceremonia. -o d

8o. Deidade vidoriofa, a quem renovo ( Tremula pronunciou) o culto antigo, ^ ^

Quando outros ritos bárbaros reprovo , ^'^

E a Religião mais fabia fina ílgo;=^' '^^ ^■-'

Aquelle fanto oráculo, que approvo , »^:í.. ;! Me diga, fe vencendo efte inimiga,

Coliocarey no trono Luíitano - U

O voflb rito eterno , e foberancvr^^^t M4í.d|a1êQ,í^

A penas proferio o ultimo acento v ^ Nota 2XÍ, Quando ( oh prodígio ! ) o mármore fe anima , 3 Deo lhe o genro de Averno o fentimento , í

Com que equivocas clauíulas exprima •• Ou lhe perturba o Ceo o entendimento , Ou como fempre as fabulas eftima , v^fjli%

Naõ pode a conjctiktira , com que afíbrabra , Ver a futura liiz mais que na fombra.

82.

Nota II ^^ ^*^' ^^ ^^^ triunfes coroada

No templo dos CKrifláos com teu efpoío , "'

De Henrique, e de Terefa a íey proftrada '

Te ha de íervii: com culto Gbfequioío :

Por ti fercy das gemes adorada,

E os mais Dcofes com culto rdÍGriofo .

E bey de aíliftirtc a ti viílvei ,

Para que fempre íejas invencivei.

83.

Canto 111 77

Tanto que o ar ferio a voz guerreira, A paz dos elementos fe perturba, Foge a Lua entre os aftros a primeira , Enfia Marte , e Hercules fe turba :

Perfeo monca no Pégafo , a carreira Notanj.

Lhe imterompe a Balea, corre a turba, Notaii^.

A que o nome, ò Zodiaco, deveftes Nota z 17.

Dos agitados animaes celeftes.

84.

Morre oCifce, e naó canta o bruto HefpcrioNotaiií. A Alcides outra vez no Ceo infulta , Sem que fe mude o árctico emisferio , Neptuno a Urfa temerofa occulca : Argos naufraga no celefte Império , Antinóo na urna fefepulta; E ao Giganre Orion morde raivofa A Canicula ardente , e venenofa.

Os ventos ameaçaõ , ou fufpira^ , De Aves noóturnas gritos naõ canoros Confagradas a Palias medo infpiraó Até aos inflamados Meteoros : Paraõ exhalaçoens , cometas giraõ , E fe pudera nos Sagrados Coros Alterar-fe a immuravel confonancia , chegaria a horrível diífonancia.

86. _

Tudo temeo , Axa naõ temia > E hum:i illufaõ, ou foíle novo encanto > Reprefenta na vaga fantafia Mayor admiração , mayor efpanto : Qualquer das heroinas parecia , Que armas lhe dava para emprender tanto : Os cavallos maneja mais roboftos , Corpos inteiros faõ os mçímos buftos.

87«

78 Henriqueida.

87.

Notaiip. Correm eftatuas cm marcial corneyo

E as futuras vidorias aíTeguraõ, A codas confulta fem reccyo As militares máximas, que apuraó: Tanto os fentidos ncfte vago enleyo Da enganada Africana prefos duraó, Qiic ecernamence nelles fe empregara, Se o Sol, por lhe dar luz, naõ madrugara.

^-^^ ;< Zaida favorecida da Rainha,

E coftumada ao beilico exercício, Com mortal accidente à Parca tinha Feito naquella noite facrificio.-

Nota 220, A animar o cadáver fe encaminha Palias com taõ occulto malefício, Que como a Zaida ninguém aeftranha, E a Axa como Palias acompanha.

88. Veyo ElRey ao jard m, e cuidadofo Se informa , porque tanto fe defvela ? Refponde que obfe vou no Ceo fermofo

Kotatii. O Heliaco occafo de huma eílrella; Que vio hum Meteoro luminofo, Que em Lamego moftrava a luz mais beila, E transformando o feu benigno enfayo, Ao Douro fulminava, como rayo.

Esforçou as razoens com eloquência ^ííicaz nasacçocns, e nos acentos, Moftrou da liberdade alta excellencia, Referio de Muley dignos intentos : Da liga de Jozé a conveniência, Da Mahometana Ley claros augmentos, Chorou em fim, c o Rey crédulo, e trifte A*s razoens, naó às lagrimas refifte.

91.

Ca}?to ilL '^%.

Zai l;i avi/a aMuley, e com fingido Obrequio a Henrique os Mouros convocados, Porque Foife o exercito luzido, Vem com mil vezes trinta bem armados: Vay em paílor Muley defconhecido, Como fe foíTe guia dos Soldados; Porque Henrique mandando hum menfageiro Naó foípeite o intento verdadeiro.

Bem prevenio, que hum Távora galhardo Notaiiij Do nome, e Real Sangue de Ramiro As agoas vadeou do rio Alardo, E ao campo chegara em largo giro: Bufca ElRey, e examina com refguardo Primeiro de huma mata no retiro, Se percebe final, em que defcubra, C^ue algum traidor intento encubra,

95- A Rainha, que a Zaida fempre obferva. Em que Palias aos outros vive occulta, Como em Mentor fis transformou Minerva» Nota 115.

A que o Príncipe de ítaca confiilta, Segue o fagaz avizo, que a preferva, E ao Távora a deílreza diíiiculra: Fingindo que o naó teve advertida Com elia aíluta pratica, e fingida.

94. Diz a Rainha a Zaida o grande gofto,.J Com que efpera ao Senhor, a que obedece,"' ^' Pois nelle o Ceo os louros lem pofto. Que incomparável feu valor merece; Zaida rcfponde, que eftà difpofto O exercito fefiivo, que apparece. De fieis, e valentes tributário?. Com que Henrique combata os feus contrários.

8o Jlenriqueida,

Sem cemor íahe o Távora , e agora NaÕ tem medo a cautela , e nunca à fúria, Que género fo efpirito naõ fora, Se imaginara taó rebelde injuria: Quem naó cuida no mal , e ao mal ignora, E fe fuppor o melhor he nobre incúria , Ainda que o fer ííncero he certo dano Depois que foy politica o engano.

Ao Re7,q enconcra,diz,que o Grande Henriqíft Depois que vencedor ficou no Douro, Sitio vay defcobrir, queíantifique Hum milagrofo celeftial refouro ; Que o tributo lhe pede, porque appliquç Ao Rey mayor o certo feudo de ouio , Fingindo ElKey refponde que em pcíToa Leva a Henrique o erário , e a coroa.

97-

E que como efta honra Ihecoíicede, No rio Alardo os dois melhor campados Seaviftaraó, matando em tanto a fede, Que lhe mata osCavallos, e os Soldados; E que aceite também «èenigno pede O Príncipe huns riquiíTimos traçados Cheyos de taõ brilhante pedraria, Que tanta luz receya o mefmo dia.

98. Nota 114. Deo ao Embaxador da Hermínia ferra

Hum veloz bruto, e huma preciofa joya, Porém no cngajio, e cautelofa guerra, Bem prevenia o que fe finge em Troya: E porque aftucias o treidor encerra , Manda á lufida efcolta , que o comboya. Que em ferra , e rio obfervem os primeiros PóftofS, caimnJios, váoi, desfil£\deir€>s,

9?-

Canto IIL 8k

99- O prudente Gazuí , que manda a efcelta. Também fabe o fegredo deita emprefa , E pontual refere, quando volta. Do ficio a impenetrável afpereza : Que quem nella fc enreda naõ fe folta, Que deixe entrar Henrique , e com prefteza, Baftaõ, fedo alto lançaõ pedras duras, As mefmas armas para íepulturas.

lOO.

A Rainha , a quem Palias femprc Influc, Três batalhoens conduz às eminências, Aos deftros fetas , e arcos diftribue , Aos robuftos, dos Teixos às violências. Com numero dobrado contribue A guarnecer com prontas diligencias Portos , e vãos aos que com vários giros Daõ de mais longe impulfo aos fortes tiros.

lOI.

Ou na fâ'da do Fufte, ou nos caminhos, Que a Serra feca ali permite eílreitos , Vinte efquadroens fe formão niuy viíinhos Com durOi coraçoens , e duros peitos : Por donde corre em liquidos arminhos. O Alarda , eílaó das agoas taó desfeitos Outros desfiladeiros, que diftantes Nelles fo:mar naõ pode mil infantes.

101.

Huma planicie, donde a Serra alarga. Elege com as tropas , que diíiina , Para as levar com mais vigor à carga A idolatrada idolatra heroína ; ElRcy íe forma em terra menos larga, Qiie a marcha aos Portuguezes mais domina, E como ao refto o mato a Serra encobre, Para acrahilios fah^o fe defcobre.

82r Henriqueida

105.

Também monftruo Africano o Crocodiito

Em mayor rio engana com afagos ^ E as torrentes benéficas do Nilo Malquifta com feus trágicos eftragos j

Notaz4 5. Também no mar , fingindo-íe tranquilo Immoveis faz feus movimentos vagos Aos que bufcaõ incautos, e Tem medo EíTe vivente hipócrita rochedo.

104, Henrique o Rey dcfcobre^ ínadvercida Com poucos fe avançou f<5 por honrallo, O exercito formara prevenido Moniz , e naõ permite feparallo •' Por fubir ao penhafco mais erguido Infatigável dece do eavallo : Záida , que , que o alço ficio bufct ,

Notaii-é. Com névoa eípefla toda a Serra oíFuíca.

lOf.

Mas o génio , que a Henrique gdivo guarda, A.o Herôe faz a fombra favorável» "~orque o Mouro ^ que alegre a prefa a guarda? Deíencontra ao Varaõ incomparável : Defcuberco fe julga , e fe acobarda , Sem leaibrar-fe do fitio inexpugnável ; E nem dos defcuidados na imprudência Pode mais que o valor huma violência.

Oíinal do combate intempeílivo Fez tocar, com que Henrique fe ençorpora Com Moniz , que he prudente quanto a(^ivo> E a ordem da batalha fe melhora : A faifa Palas contra o fumo efquivo 1 Comq a noufç illumina a bella Aurora Efpalha a efcyridaõ fo a hum alento, E fez fogir do vento o niefiiiQ vento.

Canto II L 83

107.

No rio hum bacalhaó feprecipica Dos Mouros com o impulfo repentino: A valente Amazona entaõ fe incita Na eíperanca do Oráculo divino ; Os batalhoens, que manda, pronta excita, E encontra com Moniz o Teu dcflino , Que com os efquadroens , que manda Muça , Atacava huma torte cfcaramuça,

108

Com ella ao inimigo diíTimula A marcha occulta , que com arte eftranha A toda a infantaria, que regula, Avançava cuberta na montanha: Záida , que outros encantos accumula j E à Rainha finiâlraa acompanha,

Com efquadraõ fantaftico, eHgeiro, Nota 127.

Occupa a entrada dc> desfiladeiro.

109.

Porém Pe)ayO' Amado, que defp reza Todas as iras , qiue naõ faõ de Aldara , Ataca as fombras, admirando a illefa

Incorpórea fubftancia, que encontrara/ JNoraiig.

Mas na planície a gente Portugueía Depois deAe prodigio bem formara , Quando vio hum Campeão, que o apellida, Com o roítro cuberto , a voz fingida.

1 10.

Negra bruto montava , que animado Carvaó com fogo occuko parecia , E nas armas o aço envernizado A' fombra, que o oííufcava , a luz devia: Tem de chamas de fogo femeado O peito , que outras chamas encobria , Negro , e vermelho ayraõ, com que prezumo. Que à região do fogo leva o fumo.

L\i III.

84 Henriqueida

1 1 1.

A pezar do efcabrozo do terreno JNota2 2 9. Livre dos rayos, a quefcgueClicie,

Hum bofque havia occulno , e fempre ameno. Que uíurpou à montanha hiaua planície: Na verde relva , no calcado feno , Igual fe dilatava a fuperficie, Adonde as pedras nas equeftres voltas Nem fe encontravaó lúbricas, nem íblcas.

II 1.

Para eíle fitio os contendores forces Refervaõ o galhardo defafio , Eccos horríveis de funeftas mortes Soaõ no monte , efpalhaó-fe no rio .• Iras , e fúrias por diverfas fortes Todas fogindo ao bofque mais fombrio. Acharão tantos ao furor eftreitos Para caber no esforço de dous peitos.

113.

Quem es , lhe diz Amado , que deftinas Contra mim tanta cólera encuberta , E em dano teu provocas as ruínas Em parte taó occulta, e ta5 deferta ^ Nas cores deíTas armas peregrinas Vejo de algum amante a pena certa, forque o trifte, e o ardente he hum compendio De hum pefar firme, de hum voraz incêndio.

114.

Eu fou Muley, lhe diz , traidor Pelayo , Qiie por tirar-me a alma me das vida , Porque me livras de hum mortal defmayo. Por fazer-me immortal outra ferida ? Deixaíle o menos nobre , como o rayo , E f 6 a parte folida offendida -, E cuidas , qne naõ fey o novo infulto , Que me fulmina o teu amor occulto >

Canto III. Sy

o Amor que encubro , o Porcuguez replica, Nem de mim niefmo o fio , e trõ íecreco -

Vive no pcico , que acc m.il explica Ao meOiio pcnraíncnco u íino atTero; Algum génio envejoío he quem publica Mal , que me maca occulto , e inquieto : Hum génio j diz Mulcy, mo dille agora Por Zaida, a quem o Abiímo humilde adora.

ii6.

Záida, que diftinguindo-fe na guerra, Sc2;ue os veíligios de Axa bellicofa, Que magica domina o Ceo , e a terra , E governa a regiaõ mais tenebroía .- Quanto fegredo a Nigromancia encerra Poílue, fem que tema na horroroza Arte, que aos elementos faz injurias. Do Ceo os rayos, nem do Abifmo as fúrias.

117.

Ella as armas me deu, naõ as forjadas. Que a fabula defcreve , por Vulcano , Nota 2 50»

Mas para o combater bem fabricadas A* prova ainda de hum braço foberano : Se as pudera defpir, defpojadas, Igualara o combate, mas tirano O feu preceito as deu com execravel Juramento mais que eu invulnerável.

118.

Agora, diz Amado, te perdoo EíTe encanto , fe deixas eíTa banda ; E fe a cobro, e com ella me coroo, A bufcar outro encanto o génio manda: Vou a bufcarte, ou a encontrarce voo , Mas o cavallo tanto fe defmanda , Que a penas a Muley ligeiro encontra , Hum movimento faz, que o defcnconcra.

>86 Henrto^uéiia

119.

Foy caufa a venda defte movimenco, Nota 251. Pois querendo-a roubar Zéfiro amante ,

A arrebatara à fua esfera o vento , Nora 2 32. Se a naõ prendeíTc a arvore triunfante:

Cahio Pelayo ; mas Muley atento

Se apea a focorrelo vigilante }

E vendo-o fem acordo , contribue

Para a vida, que aífim lhe reftitue.

110.

Porem como na queda ambos os braços Maltratou com o grande precipício , Cobra a venda, e vencendo os embaraços. Ao inimigo augmenta o beneficio : O freyo lhe concerta, que em pedaços Deixava ao bruto indómito exercício; E porque o feu valor fe naõ dilate, Volta a animar dos Mouros o combate.

121.

Moniz a infantaria pela Serra Conduzia bufcando o mais fragofo , Henrique fobre o rio era dura guerra Desbarata poder mais numerofo .• Com tal valor ao Rey rebelde encerra No pofto inacceírivel, que furioío O Mouro, quedo impulfo fe acobarda j Se precipita na ribeira Alarda.

122.

Henrique o íègue , e Z'^ida huma torrente Arroja com violência da montanha, Com que creceo o rio de repente De agoa, e do gelo rápida campanha: Qual a Balea em corpo taõ ingenre Sente a ferida, com que a farpa eftranha Veloz a offende,:e treme o orizonte Vendo que fobre as ondas foge hum monte.

Canto IIL 87

115.

AíTim o Mouro , o roílro enfanguencado Pela efpada de Henrique , às agoas corre , O vencedor também peleja a nado, E pelo campo liquido dilcorre : Arrojarfe naó ouza algum Soldado , Com que ninguém aos Príncipes focorre; Porém a rebelião ficou vencida , Perdida a liberdade, falva a vida.

114. O Herôe a terra com o Rey cativo Entre nuvens de íetas dos contrários Illefo fahe ; o grande Cunha adivo Aproveita o temor dos adverfarios, E o graó Pedro Bernardo executivo Se opõem aos baralhoens, que temerários Ao favor da torrente, que os defende, Refazer-fe outra vez qualquer pretende.

115. As ondas com o Távora atraveíía, Notai}?,

Que outro Delfim na feu brazaó merece f Hum , e outro com fúria fc arremeíTa, E o efquadraó, que os fegue , em força creçe t Porque de todo o bárbaro pereça, Gazul contra Bernardo fe ofFereceí Mas efte com juftiça refoluta, A pena dos rebeldes lhe executa.

126. A cabeça do tronco troncada Na partida blasfémia , que profere ,

Vay de Acheronte à margem inflamada ?e/^.. , , .

Acabar as mjurias , que rerere : Em fim a turba infiel desbaratada Nem na fogida o feu remédio efpere , Achando no terreno os embaraços, Que a fizera õ prender entre os feus laços.

Í27.

88 Henricjueida

IZJ.

Axa , e a fua Palas enganofa Com o reílo coroa o mais fublime Da ferra feca , que afpera , e fragofa , Acè as penhas com o feu pefo opprime : Ali do íeu jardim a numerofa Cohorce de heroinas fe lhe imprime Na falfa fé, que vem a focorrela , E a Palias tutelar tudo revela.,

iz8.

He certo , alta Deidade , a quem venero, Que Semiramis vem a focorrer-me ? E que Tomiris com feu braço fero A Henrique, como a Gyrp , ha de trazer-me? Bellona a do femblahtç maif fevero Com outras deofas vem aqui vâler-me ? He illufaõ , que finge a mihha gloria. Ou he deftes infiéis certa a vitoria ?

1Z-9.

Záida ( que o mào efpirito fomenta Sempre os noílbs enganos ) lhe aíTegura, Que o triunfo gtoriofo o Ceo lhe augrhènta, Quando a efperança contra a murmlira : E que hum pequeno corpo feaprefenta ' A combatella dentro na efpeíTura , E que os mais Portuguezcs deftruidos Ficaràõ a mcy poucos reduzidos.

130.

Foy o cafo , que o deftro , e refoluto Egas Moniz vencendo o mais rerrivel. Com encuberca marcha era abfoluco Senhor da eminência inacceiTivel : Nota 13 5. Dom Fafes Luz Signifero , que alluto Unia com o fabio o invencível, Do batalhão, que Amado condulira, O primeiro lugar fubfticuira.

131.

I

'Canto III ^9

151.

Axâ a eíle com fúria defafia, 'Qualquer pelo terreno impraticável Aos cavallos da própria força fia O ultimo esforço do valor notável.

Quanto a deftreza deu na Geometria JNota2 3 6=

Douto preceito á cólera implacável , Se executou -, comque eíla acçaõ tremenda Maisliçaõ parecia que contenda.

Mais o Sol duplicado , que partido ,

Tinha nos olhos a belleza fera ;

Teme mais o contrario comedido

Que o fogo , que arde , a luz , que reverbera :

os golpes repara prevenido,

Mas o publico dano confidera ,

Se deixa aqui vencer com vitupetio

A inimiga mayor doLuío Império.

1-33. Como o filho de Tetis , e o de Alcmena Nota 257.

Se empenhaó em triunfar de huma Amafona,

Esforça as iras , mas o Fado ordena,

Que fcja mais feliz efta Bellona :

Ou he que Amor o feu valor condena,

Porque com indccencia o inficiona,

De naó dar à belleza o vencimento ,

Donde (6 he vitoria o rendimento.

Naõ vio mais dura luta em Grécia o Ifthmo; Mas nos braços mais belios , e robuítos, * . oai, .

Quafi chegou ao triftc paracilmo Em que pagaíTe intentos taõ injuflos: Lançou-o em terra , e cria ja o Abifmo Ver acabar alentos taó auguftos ; Porque ferido eftava , e tu o de /armas, {Vénus mais bdla , a quem deu Marte as armas.

M 15 5-

90 Henricjueida

155- ^ Mas ruípendeo-fe a acção , vendo o prodígio^; Que fez em Palias o Moniz valente, Nota 259. Pois contra a fúria do infernal Eftigio

Teve poder o heròe preeminente: Nota 240. Ainda tem de Diomedes hum veftigio ,

Qiie ao Deos da guerra forte , e excellente Ferio , e ainda morrera da violência ^ Notaz4i. Se de Peon naó fora alta a fciencia.

Por mais que, ò vil efpirito , provocas O incorrupto cadáver cora furores , £1 das tuas legioens o ardor invocas. Para inflamar os frigidos horrores ; Llie abrio o General mais de mil bocas, Por donde fe exhalaraõ íeus ardores, E deftruido o material comporto, ;

Nota 24*' A.' triíle corrupção fe achou expoflio.

137.

Tal foy o horrendo grito , tal o eftrondOj-

Que a Raynha , que cré fuperfticiofa ,

Que a deíampara Palias , vay difpondo

Retirarfe na naute tenebrofa ,

Quando os feus efquadroen hia compondo ?

, T Do Graõ Moniz a efpada vitoriofa ,

Nota 245.- . ,- . ^ , ,

Antes que ruja o que ama Leucothoe,

Rende Axa , os feus ordena , os mias deílroe^

138.

Entretanto Muley também queria

Difputar na montanha huma vereda.

Vendo que a gente barbara fogia,

Naó quer que outra defgraça lhe fucceda :

Vay por caminho incógnito a Leiria,

Até ver fe a fortuna ao valor ceda ,

Convocar de Lisboa o graó Monarca,

iLivrar Aldara , ou dar tribuco á Parca.

HENRU

9'

HENRIQUEIDA

CANTO IV.

Argumento.

O Cruel Br una ferro acha em Lamego O ca(ligo da, barbara crueldade : Na mais forte Hlufao deu leve emprego O Grande Henrique a enganos da vaidade'- No palácio da Gloria quaji cego Ejleve de hum a vaa curiojidade ; A maquina no ar fe defvanece , Ciraldo avifos fantos lhe offerece.

I .

Henrique entre os defp^jos defcaníara. Se hum prudente Varaó nos feus progreííos no prefentc alegre imaginara , Sem prever o futuro dos fucceíTos : Via a grande vitoria , que alcançara Do valor Portuguez novos cxceflbs , Debcllado o rebelde , e no aufpicio Favorável a forte, o Ceo propicio.

do Avcno os horrores diíTipados , Os Reys , e os NJouros principaes cativos , E que a poucos os nofTos irritados Da rebelde tieiçaó deixarão vivos : Julga da Beira os povos dominados Depois dl ultima acçaõ menos aòtivos ; E o que o alegra mais , dcffe encuberto Milagrofo tefouro eílà mais perto.

M ii

^%\ Henriqueiãd'

3- Mas também prevenido confidera , Qiie ainda que perca fempre pouca gente l No exercito pequeno , que numera, A pouca , que lhe falta , mais fe fente': Nota 144. (^ue Hydra renace o monftro , que fupera ," £ ao cortallo fe gaíla o ferro ardente, E quanto temer deve os feus infultos. Sendo os paiciaes contrários mais occukos; ,

Irritado o Monarca poderofoj ,

Que de Africa fabia , que, voltava.

Conduzindo na Armada hum numerofo

Exercito , que a Hefpanha ameaçava

Por Pclayo s a que búfca generofo ,

Pela queda cruel , que o maltratava.

Soube o que fofpeitava , que a Lamego v

Sublevara, Muley amante , e cego.

5-' Naõ duvida , que incite ao feroz Mourov .

Gomo lho. contaria a vaga fama , Vendo ao filho Almançor morto no Doura, No Porco prefa a iilha , a quem ama: Mandalla livre ao Pay fera defdouro , Donde a attençaõ com o temor fe infama: E cm luíiar de íoccorro dos Leonezes Teme outra nova guerra aos Portuguezes.

6. Nota 245. Q"^»- ^ Grande Imperador AfFonfo Auguôo

Progenitor da. fua Regia efpofa Sete vezes ja vira em laço juílo De Himineo puro a tocha luminofa ; Mas íem varonil prole o fado injuílo A fucceíTaõ deixava duvidofa ; As praças , que em Leam fe coníervavaõ, D,e Tereza o direyto fuílentavaõ.

21-

Canto IV, 93

7. _

Vivia , mas decrépito vivia O mais pródigo , e forte dos Monarcas, Se morrede , do Abyfmo fc veria A Diicordia invocar fúrias , e parcas : Se as fuás poucas tropas dividia, Naó pódc defender tantas comarcas ; Sendo às fuás conquiftas vafto emprego Qtianto corre do Tormes ao Mondego. Nota 24^5

8.

Teme que a liberdade , que concede A Muley , mas que foíTe generofa , Paixão particular feja , que excede O que a Sibilla manda prodigiofaj Quando ao Cco graças , foccorros pede, E do Oriente na corte luminofa GroíTeyro Febo huma fineza fruftra , Se á bella Aurora , que a illuílrou , desluílra.

9-

Chegou Moniz , e o Héroe nos íeus braços Das acções raras o valor premêa Modeílo quer romper os nobres laços Da heróica precioíiíTima cadéa. Com elkrcoafultou os embaraços. Que prevenia na prudente idêâ; Porem hum , e outro dano eftà remoto, E todos pertos , naõ comprifido o voto.

10.

Nos três dias a Deos graças dirigem , Naõ como Grécia , e Roma em falfos ritos Trofeos nos troncos com vaidade erigem Aos Deofes , de que adoraó os delitos E como tem na mais certa origem ^ Sendo a Cruz vencedora nos conflitos, Aos que na leligiaõ foraõ broncos, Moílra o trofeo de hum tronco am«icos troncos.^ Nota34K

11^

94 Henriqueida

I r.

Amado , e os feridos com efcolta Ao Porto mandaõ , donde a Fama grita A vitoria de Henrique , e pronta volta Com o alvoroço , que em Tereza incita : Preío ElRey de Lamego , mas vay foka Axa com os cativos , a que excita Occultamente com fegunda fúria A' vingança mayor de ranta injuria.

12.

Nota 148. ^^ quem do efpaço a éreo convocaíTc

Os génios infernaes , que giraõ vagos ,

Nota249. ^ P°^ Mufa a Tefifone mvocaíTe, Por herôes os efpiritos prefagos j Explicaria bem fe o explicaíTe ; Os effeitos , que os trágicos eftragos Do fuceflb infeliz do rio Alarda Produzem na Africana mais galharda.

15. Nem a Morfeo feu animo fe rende, E a Palias increpando o falfo engano, AíTlm lhe diz , e ainda adorar pretende Quem reconhece caufa do feu dano : Deidade injufta , dizeme , em queolíende Huma mortal a hum Numen foberano j Que todo o culto fina lhe dedica , A alma lhe entrega , a lhe facrifica?

14. Nota 150. Naõ ignoro , que ha leys , a.que o deílino

Os mais fupremos Deoíes tem atado: Nota z 51. Sofre o fiiho de Vénus peregrino, :k. Morre o filho de Tetis deíl^racado ;

Que nao tcn a poder o que lie aivmo , Quando a outro Deos fe íubordinado , J^uro he de crer ; mas nada me peifuade A que.poila mentir huma deidade.

15.

I

Canto IV. 95

Naõ julguey fofle oráculo confufo , Que receber pudeílc dois fentidos, O que ouvi no jardim , ficando illufo Meu diicurío em aflbmbros repetidos.* Mas a ti mefma , Palias , he que accufo. Que em acentos por mim mal entendidos Me prometefte , ou falfa , ou inconftante Ver fervirme a quem íirvo hoje triunfante.

i6.

Se impiedade naõ fofle, ou atheifmo , Nota 2 j^;

Tc negara o fer deofa , mas ja fente , Seja fonno , ou encanta , ou paracifmo, Hum letargo , que a occupa de repente.- Efcuro fonho la do efeuro abyfmo Nota 2:54;

Faz que a Palias a idèa reprefente, Que lhe promete a liberdade , e gloria No templo , em que ha de ter mayor vitoria

17-

Ordem de Henrique para a marcha aviza, E elle fc dcfviou de a ver , pois foge De ver huma afflicçaó , que naõ fuaviza. Nem permite â cobiça , queadefpoje; Ao ^Qy chama , e lhe diz .• por ley precifa Te dera a pena , que mereces hoje, E cm que incorreo quem bárbaro deflerra A Ley da religião , as leys da guerra.

18.

Mas quando te rendi participafte Da gloria de que eu feja quem te vença , E pode fer que efta piedade baile , Para que a Fè, que íígo , te convença.* Tu faltando ao tributo ) quejurafte, A' tua me{ma ley fizefte oíenía : Eu naõ te dou, podendo, mais cafl:igos>, C^ue a ii;inha ley perdoa aos inimigos.

96 Henriqueíâa

19

Confufo o.Mouro os olhos naõ levanta, E com lagrymas rega os pés de Henrique j Elle o confola com piedade canta , Que faz que o gofto o pranto multiplique.- Em quanto para o Porto fe adianta O efquadraõ , faz que a ordem fe publique , Que haja defer o feu primeiro emprego De aíTegurar , e guarnecer Lamego.

ZOo

Marchou aíegre , o campo vi tório fo No fecundo paiz , e na riqueza Dos rebeldes fe algum foy cobiçofo fatisfez a fede da avareza : A Cidade deííende hum valerofo Eciopc , a quem deu tanta fereza Mais por definição do que por erro O nome , e a dureza , e cor do. ferro.

Nota x<^^. Chama-fe Brunaferro o Troglodita

Nota 256. Criado com Ceraftes , e o cabello

Nota 257. ^Q retorcido cada ferpe imita.

Com que a Gorgona hum tempo quiz prendello/ Como em noute malévola fe irrita Saturno contra o mundo , que quer vclio , ,E cada obícrvaçaó , a que fe exponha, Introduz pelos olhos a peçonha.

22. AíTim o 'bruto Ciclope caftiga Quem da luz , que fo tem , o horror obfervaj Fogindo delle o feu narís fe abriga , E da boca igualmente fe preferva : ^Cova aboca, em que fétido periga •Do alento , que refpira , ou que referva , Hum dente que dos mais vive diftante :Naó muito defigyal ao do EJefanre.

:2j.

'Canto IV. 97

Pagem de Henrique era o Francez Lucidio , Nota'2 5 8. Que ainda do quarto luftro longe eftava, E com bandeira branca a efte preíidio Seguro na publica o mandava ; O Eciope, aquém era iium homicídio, E huma creicaõ quem (6 lifongeava, Gutro branco final raoítra no muro , Que nas immundas mãos tingio de efcuro.

Erailíuftre, e gentil , forte, e difcreto O galhardo Francez , e o feu retrato Antípoda deixava otriíle objeto De Brunaferro bárbaro, e ingrato: A Filis confagrava o puto afFeto Do Paço deTereza bello ornato Taó fino, taõ atento , e taõ occultOj Que transformou coda a^efperanca em culto.

Cortez lhe diz, Tem perturbalo o horrendo D^.qucUa monftruoííffima figura , Qu >: Henrique tem por certo , que vencendo Ao ^ca Re}' , cfta praça tem fegura ; Que fc logo lha entrega obedecendo, Scn juílo império a todos alTegura Coiii a iuá firmifírma verdade Os privilégios, vida, e liberdade.

Abrindo a boca com mortal forrifo Lhe diz, queda muralha, donde oveja Seu vil fenhor lhe pagara o avizo De tal forte , que nunca trifte efleja ; Porem fc quer viver , fera precifo Ter com clle a piedade , quedezeja,

E L^metello ao Rey de Babilónia , Nota 259

'Se deixa dos ChriíUosa ceremonia,

N 27.

5r8' Henriqueida

Todo o cândido roftro hum rubicundo De ira , e de pejo generoA) indicio Revertio de Lucidio ; e ao Mouro immundo Reíponde da conflancia em beneficio : Se do Abiímo o tormento mais profundo ' Me ameaçaílè em hórrido exercicio ; Se cm dehcias de premio nunca incerto Nota2<ío. Teufalfo parajzo fora certo.

28. .

Nada me pertubara, ou me vencera $ . E cuido zombas dos meus poucos annos : Ve que refolves , porque Henrique efpera Ou capitulaçoens , ou defenganos : O direito das gentes, que venera A inculta dos povos inhumanos , Me defende , e te peço naó conjures, E o Cep , e o Mando contra ti procures.

29.

Muito eloquente eftàs, diz Brunaferro, . E unindo a negra tinta à branca neve, O ata cm grilhão mais rigido que o ferro, E a chamar por Henrique ainda fe atreve t A huma amea o conduz , e o mayor erro Intenta , mas feo credito fe deve A tal acçaõ, naó julgo faó enganos Ter coraçoens de.feras os humanos.

30.

Do Embaixador, que agora me mandaftes . Era única no mundo a gentileza ; Quatro recebe iguaes , que hum , que enviaíleV Naó tra comitiva a tal grandeza.- Huma infâmia em renderme aconfclhafte, Rcbclliaó , falfidade com fraqueza ; Se em quatro parces dividiíle a injuria , Ejn outras quatro fatisfa^o a fúria.

Ih

Canto IV. .99

DiíTe e feliz Lucidio na defgraça A Deos invoca alegre no fcmblante , Brunafcrro fem ferro o defpcdaça , E voa ao Ceo o efpirito conftantc: Chcyo de horror Henrique aíTalta a Praça, E ainda que fe reíifte, em hum inftance Por quatro partes entra nella, e logo Lhe deu igual caftigo a ferro, e fogo»

Ao Troglodita infame, oh grão pof tento i Indo a ferir Henrique, fe abre a terra , E refpirando em infernal alento , Eternamente ao infcliee encerra ; Foy de Lucidio hum nobre monumento Quem as reliquias entre jafpes cerra , E aFilis, quando o foube, em mais pura -Também a fepultou outra claufura.

35. Guarnecido Lamego, Henrique irado .Jura naó ter com Mouros aliança , Juftamente dezeja exafperado Tomar cm todos a fatal vingança : ívíanda a Pedro, que hum corpo deftacado Sobre o Mondego deixe ern fegurança Nos três dominados orizontes Bcii^, entre Douro, e Minho, e Traz os montes.

Mas que fe vir Jozé com formidável Exercito nas margens do Mondego, Com a fua pefloa inexpugnável Será Coimbra à fúria muito emprego : Com forte guarnição mais defenfavel Serás do injufto Rey a intento cego Cidade, tu que a gloria em luz penetras

Ance^ nas armas, e depois nas letras. ^ NotaKji:

N ij 3 5''

'too HenricjUei^à

55- Avíza abella efpofa , que conduzi

A Cone , e que em Larnep^o entaõ rcíida j

Que ja o amor a Taudade rrcir'? ,

E a cíperança na auzencia lhe vida .• -

Com Moniz íahe a ver adondeluza

A eílrell^ hoje na cerra efclarecida ,

DeíTa , que refplandece pura , e bella

Do Ceo , e Mar benigna , e.clara eLtreUa.>

Defçanfava o exercito entre a gloria § . E de tantos triunfos alcançados Quaíi deíeftimavaõ a vitoria, Porque eíla3 a veucer taô coílumados : O herôe , que lhe interrompaõ amemoria Naõ permitio hum dia aos íeus foldados f . £ entre aSícHatuas do jardim paíTea Entregue à fua illuftre idêa.. .

5 7.- ■. Hotai^i, No plenilúnio Cintia ao Sol oppofta

Bem fubrtitue ao ApoUineo plauftro, Mas aos mágicos cânticos expofta , De outro circulo aprende o horrível clauftro:: Pequena opaca nuvem , que interpofta Por vencer ao Favonio trouxe o Auftro, Se a luz naõ rouba , a infiel tençaõ publica. Com que a argentada imagem falfifica.

Notai^a. O herôe admira , quedcGreeia, c Roma

Apenas dure huma infcripça-õ , ou cipo , E que o tempo cruel , que tudo doma ,

Nota z(S4. Refpeite tantas: obras de Lifipo :

Se algum encanto , diz , o império toma Deílejardim, e eu delle participo, Se naõ me prevenir juílo receyo, A efpiritos impuros lifongeo.

39*

Canto IV. ici

59-

Porem , como ha facceíTos mifteriofos >. Qiie excedem o difcuifo dos humanos , Vcrey , fcm ccr rcccy s tcmcroros , DilTipada a-illufaõ dcí^.cs enganos : Da virtude os impuh^os gciierofos Efpero qvie me dcin os deíenganos : Naõ iccca encontrai- trágico Ciieico Ycílido de taes armas, o meu peito.

40.

Hum largo bofque de immortalverdura . Impenetrável ao rigor de Eólo Notaiíj.

Contra os rayos de Apollo fe conjura; Com as rebeldes arvores de Apollo : Anoute nelle aprende a fer eícura, E a Triforme deidade deixa o Polo , . E de fombras , e plantas foberana He a hum tempo Proferpina , e Diana.

41.

De cfmeraldas a immenfa galeria Das verdes folhas do Loureiro eterno Henrique, a que o difcurío conduzia , Penetrava no efpaço mais interno: Renovoufe na amante fancafia. Ou foíle fugeílaõ da meínio inferno , Porque o valor humano fem efpanto, ^Temendo o encanto , defprezou o encanto,

41.

De Matilde , que ioy primeiro affeto, A tragedia fe aviva na memoria , Da perda de hum , e de outro amado objeto Se recita a íi meímo a trifte hiftoria :

Plutaõ creo , que lograíle o feu projeto Notaiíjí?.

Alcançando do herôe certa vitoria, ^^ ^

E os fequazes convocaõ do Deos Pithio Anoute, afolidaõ, o amorj.eo íitio,

45--

a 02 Henriqueiãa

4?.

Criizava-fe intrincado labirinto, TNota 1^8. Qpc na5 foy mais diíiieil o de Creta , E dentro do odorifero recinto Levou a Henrique a vaga idêa inquieta : Nota2(>5). Ja^pe 3 e metal de Paros , e Corinto , A arquitectura em parte taó fecreta Proporcionou izentos fempre aos danos Da indifcricaócurioía dos humanos,

tf

44. A fuípenfaõ , e a fombra naõ permite Que do Palácio o frontifpicio obferve , Patente a porta , porque a entrar o incite , Lhe moílra que os myfterios naõ referve.* Ainda que efte portento facilite O exame , deixa , ò Henrique , íè eonferve O teu animo igual , e generoío,, E recea o caftigo de curiofo.

45- Pergunta â guarda , que encontrou luzida Mais que os farôes brilhantes , que da entrada Lhe moftraõ a efcultura enriquecida. De Jónicas colunas adornada : Nota 270. Qpe Principe , ou Princeza efclarecidas Vive dos Mahometanos retiiada, E fe he iíio milagre , ou fe he preíligio, Sonho , encanto , illufaõ , íombra , ou prodígio*

_ ^G, Cortez o Capitão lhe correfponde Dizendo que ordem tem de conduzilo , E he Francéz o idioma , em que refponde, E que o Ceo ja aos feus males deu o azilo : Que hereal quanto , e o ííga donde Vive quem quer velo , e adinicilo , E coroalo no mais digno Império, ;Que ainda caber aaõ pode no myíterio.

47.

t

Canto IV. 03.

47.

Tinibales de ouro , cimpanos de prata , Frautas , que Ía6 guerreiras , e harmoniofas , Toca a guarda , em que argento , e efcarlata A Aurora ufurpa as cores mais fermofas : Sobe a efcada , em que o porndo dilata Eílatuas , e outras obras primorofas , E penetra admirado os infinitos Apofentos de adornos exquiíitos.

.48' No ultimo gabinete a comitiva

O deixa , e as luzes duplicadas

Na copia dos cfpelhos expreíUva

As pinturas lhe moílraó eftimadas :

Da mão de Apelles Campafpe viva , NotaiTi;

E as bellas duas Vénus celebradas , Nota 272,

E porque a Anadiomene naô efcondas^ Nota 2 73.

Elle a reftaura , ômar, das tuas ondas.

49-

Mil compaíTivas expreíTocns amantes Explicou hum pincel douto , e egrégio Da enternecida Grécia nos femblantes

Vendo a Ifígenia em íacrificio Régio j jSJota 2743

Mas naõ quiz a deftreza de Timantes Equivocar na magoa o facrilegio, Deixando hum veo do pay no roítro ignoto Sem oftenía do amor bemquifto o voto.

50- Vem fe de Zeuzis os copiados frutos > jvjota ^yj; ,

Que exprimir Baco crédulo intentara,

Porque da arte feliz nos atributos

Naõ aves , mas fabios enganava.

Contra o rigor dos evos abfolutos Nota 27^.

Protogenes as cores duplicava. Nota 277, -

Porque Jalyfo de caçar naõ canfe,

E ainda ao tempo veloz no voo alcance, .

51».

-IÓ4 Henriv[ueida

Nota 278. No frifo de Parrafio fc conhece

O atrevido pincel , que exprime ouzado Quanto do amor conftance permanece >Ja memoria fiel vivo traslado : Mas o coirjugal puro apparece,

Nota 279. Pqj; Euridice Orfeo do inferno irado Penetra o centro , e com a doce lira Na diílbnancia a melodia infpira.

Nota 280. Os cabellos cortava Hypílcratèâ

Para feguir na guerra feu conforte ; IJnceo por Hipermneftra naõ recea, Como os triíles irmãos , , a crifl:^ forte : Protefilào , que na Troyana arêa Quiz fer primeiro , e ter primeiro a morte , De que o vingou o amante de Deidamia , - Reconhece a fineza de Laudaraia.

55- Nota z8i. Na parte fuperior ApoUodoro

Pintou do Grego amante nos fuccelTos Quanto do Meleíigenes canoro Explica a Mufa Grega nos progreííos : E naó he no Poeta mais fonoro , Que no Pintor , Uliíles , porque expreíTos No feu roílro os aííeclos com mais anciã Confervava a Penélope a conftancia.

54;

NotaiSio Atraccoens de Calipfo , amor de Girce

Naõ apartarão de Itaca ao amanre, Delicias deíprefou por uniiíe Ao primeiro himineo firme , e conOante : Lico ao longe pintou , e em fonce a Dirce , porque foy a Antiope inconiiante , Sencio 5 defconhecendo o feu perigo, Dos dois primeiros filhos o caíligOo

I

55-

5 Canto IV. loj

55- Sobre a mais fina Purpura de Tyro

Diamancc? , e efmcraldas , que bordavaõ

Magnifico hum docel , cm largo giro

Dois quadros com hum veo diíTimulavaò :

Henrique os deícobrio ; mas fe refiro

De quem eraó os roftros , que copia vaõ,

Seraõeílas memorias infalíveis

Por menos verolimeis mais incríveis,

Vio Henrique no quadro o feu retrato , E logo o de Matilde , que vcftia No crage azul o íèu primeiro ornato , Com que no m^r a Tecis oiíendia : Mas porque fe convença mais de ingrato , Tancredo aos feus dois filhos conduzia, De que os roftros naõ via , e com dcfdouro Ambos moftravaó o veftido Mouro

Que he ifto , diz o Hcrôe , fera polTivel , Que vivaõ entre os feros Mahometanos Pedro , e Sibilla P E naõ he cafo incrível, C^ue façaõ guerra aos próprios Lufitanos ! Vivos íaó , Grande Henrique , heinfalivei, Que os lefervaó miftciios fobcranos, Diz huma voz , fe me quer dar a vida A tua hum dia agrad .cida

58.

Sim darey , diz o Heiôc , porque a piedade Se vincula ao valor ; quando , 6 p rtento / Sane Matilde j e nunca houve deidade, ^^

Que mais bella illuílraílc o Firmamento : '"

Henrique hum pouco teme a raridade, Mas invocando o feu bizairo alento, Quem na guerra triunfou mais fea , e dura , Teve medo efta vez da fermoiura, ,

O 59.

i 06 Henrtqueida

59.

Rio , que corre em rápido defvelo Parando ao forte impulfo do Auftro frio Nao muda o vago argente em duro gelo , Que fo rompe a prifaó no ardente eílio : Com.o Henrique , que em nobre paralelo He de virtudes caudelofo rio , A hum perigo , a que heróico naõ fe atreve , Ellatua ali fe vio de fogo , e neve.

Go.

Naõ temas , diz Matilde , fe o receyo Naõ he , porque o teu erro te amedrenta. Mas naõ fera , que em peito ingrato eu creyo. Que nem hum temor nobre fe alimenta: Viva eftou . que hum defmayo em trifte enleyo Me occupou o fentido , e taó violenta Perturbação pedia mais exame ; Mas quem depois da morte achou quem ame?

61.

Meus fofpiros as pedras penetrarão, Nj5 o teu peito , e quem primeiro ao templo Vcyo , aos outros chamou , que levantarão As que naõ tomaõ o teu duro exemplo ; Como fabes as caufas , qne occultaraõ Meu nome , no perigo , que contemplo , Sem declararme , illuftre huma matrona Me curou ainda incógnita em Bayona.

Por ti pergunto , quando fallo apenas , E naõ fey porque caufa o cafo ignoras , Pois occupou nas vozes , e nas penas Em Bayona os difcurfos muitas horas Mas vendo que a naõ verte me condenas , E ouvindo cm França , que a Tereza adoras, Oa porque mais fermofa a confideras. Ou que pelo feu dote hum reyno efperas

^5.

Canto IV, 107

65.

Me embarco logo em craje de Soldado , No Porco defembarco , e a tempo chego, Que ouço de Gaya o c^^jj^dcígraçado, Em que te fuppôz morto o vulgo cego; Da gruta de Sybilla ao ignorado Centro remoto bufco em fino emprego De fofrer certa morte menos dura. Que contigo me delíc a fepulcura.

64.

Herofile piedofa me revela , Que os dois filhos viviaõ , que a Tancredo Cruel Jofeph guardava com cautela Sobre o mar de Lisboa em iium rochedo , Donde huma Torre fez , c hum fentinela A' viíla o guarda fcmpre por ter medo De o matar , qne hum Profeta o dificulta , Porque hum myfterio o Ceo com elle occulta.

E que quando julgaras , que abrazados Ficarão no combate do pirata , Entrarão no navio os feus Soldados, E o fogo amda apagarão , que o maltrata j E dos tenros infantes laífimados, A quem a vida o Ceo tanto dilata , Ao Rey os levaõ , que o fucceílb encobre , E nunca a fua origem lhes dcfcobre.

66.

Que ha de fer Pedro do teu Reyno herdeiro, E que em Borgonha fua irm.ta fucccde , Que no filho illegitimo pimeiro Bem vez o mal , que o movimento impede; E porque o Ceo piedofo ao verdadeiro Amor attende , a gloria me concede De viver nefte íitio occulto a todos. Em que fubíifto por eftranhos modos»

O ii Ó7.

I o 8 Henricjueida

67.

De Herofile fe eílende a eftranha gruta Com fiibterranea fabrica infinita Ate efte Palácio , a que^j^ributa Deliciofa opulência , e exquifita .- A guarda , que aqui vez , com abfolura Força aqui conduzia, e prefa habita No cárcere magnifico , em que vivo , Que julga eftreito quem eftá cativo.

Foy o cafo , que dando em hum naufraglG No Douro á cofia grande náo Franceza, Que de Rohaó fogindo de hum contagio j Nunca pode tomar a terra Ingleza , Tendo por infallivel o prcfagio De que eu do Palácio na grandeza Entre as tuas memorias morreria ^ Pela gruta me deu tal companhia..

Também vinhaõ illufires Damas bellas>. Qiie logo haó de fervirte coidadofas , E eíle Palácio encobre com cautelas. Alças, incríveis, raras, mifteriofas; Porque Te em fair delle te defvelas , „Tacs feriõ tuas iras rigorofas / Veris do feu cuidado dando indícios ^ Labiryntos , penhafcos,. precipícios..

JÍDta 2.H- Acho fempre que â gruta bufco a boca

Qiianto pede a delicia infaciavel , E fe a Sybilla a minha voz invoca, Tudo dcfcobre pronta , e admirável.- Se eíiá o mundo em paz , ou fe o provoca De qualquer guerra- o monílruo formidável 5 }:. quanto na politica reíume, Cada dia me moílra o feu volume,

7^

Canto IV. 109

71.

Nclle vejo os problemas , que fe julgaa NotaiS^;

IrapoíTiveis nas fciencia^ , c nas artes , Que todos nos feus livros fe divulgae ; E de novos fiílemas novas partes : Todos por ti ao mundo fe promulgao Com tanto que de mim nunca te apartes. Em quauto dos dois filhos, que perdemos ,. A defejada converfaõ naó vemos.

7Z.

Saberás delTa pedra , a que a ignorância Nota 2.8^.'

AíTim chama , julgandoa fabulofa, Que he perfeito Elixir , pura fubílancia Da celeáe matéria luminofa: E depois que o Mercúrio tem conftancia Do primeiro metal caufa preciofa. Quando aos outros a eífencia lhe permuta ^ Como c Sol cora feus rayos os tranfmuta.

Na vitrifícacaô he fino efma'te Nota^87^

Ouro no firme , e na brandura cera,

E porque a tudo com virtude exalte ,

Nas regiocns naturaes fublime impera ^

Nunca o remédio , a quem a teve falte >.

Pois fc a harmonia univerfal fe altera,

Quem eíla Fanacca bem conhece, NotaigI,

A confonancia a tudo eílabelcce.

74. Mas nãõ fey fc vencer o humana tédio ^ Que tens da Parca aos trágicos poderes, Me ha de bailar , pois naó farey remédio , Em que empregue culpáveis filaderes : Nota iS5»

Has de deixar morrermc em duro afíedioj Sem que eu uze de indignos caracteres y Com que do Abyfmo faz a vãa fciencia O Amor filho do ciimc j eda viokncia» Notaa^o;.

7X.

lio Henriqueida,

75- Também importa pouco , que eu compicnda A projecção , que dos meraes impuros Sucilmentc íè infunda , e fem contenda Logo os reduza aos feus principios puros : Pois quando a ingratidão em ti me oíFenda, Ficaó tantos fegredos mal feguros, E naõ transformarey por meu defdouro Nota 291. Huma féta de chumbo em féta de ouro ?

Aqui verás do orbe o Magnetifmo,

Nota 292. E a pedra , que bufcar íó fabe o Polo ,

Notaz9 5- E que o fogo central , que vem do Abyfmo , Mais no mundo produz que o meímo Apolo :

iNota294. Verás a terra , queem paralelifmo

Se agita , e da regiaõ , que altera Eôlo, Leva configo o mais vizinho ambiente, Com que o coftume faz , que íè naõ fente.

77.

Notaz95. Verás que com o cubo duplicado

Saõ ja as diagonaes comenfuraveis

Nota 29(5. E também com o circulo quadrado Periferia , e diâmetro tratáveis :

lNota297. E (lo moto perenne ainda ignorado , Da Mecânica as regras admiráveis , Com que da gravidade o centro encontra ,

Nota 298. Se o pêndulo , que vibra , o defenconcra.

78.

Nota 299. Também aqui anticipar prcfume

Dos feculos rariílimos inventos , Mulciplicar mil copias de hum volume, Com que os fabios dos tempos faó izentos j E quanto a natureza em fi refume , Ou efcondem os vaftos elementos ,

Nota 500. o naó viíivel ver o Microfcopio ,

Nota 501. Q immenfo defcobrir o Telefcopio.

79'

Canto IV. III

79- Contar do tempo os mínimos minutos Nora 502.

Sofrendo os golpes de quem mede os annos , Com dentes de mecal mordendo aftutos Os que furdos ja faõ aos defenganos : Mas porque mais guerreiros atcributos Eftimas que outras glorias dos humanos, Mais do que a Scipiaó dilTe Panecio, > Notado?;

Te enlinarey melhor do que Vegecio. ' Nota 504.

80. Em íím para lograrmos o dcfinio De que de Agar a geração malina Nem conferve em Hefpanha o feu dominio. Nem fc atreva á fagrada Paleílina , Eu te defcubrirey o vaticínio , Com que a íciente Herófile examina O que tu moftrarás á Luzitania

Antes que ao mundo a bellica germania. Noia 505;

81. Dois mineraes a hum material unidos Compõem hum negro voraz, e forte, Fazendo em bronze , ou ferro reprimidos Em globos de metal voar a morte : Os muros ficaõ todos abatidos , Pode o valor com arte mais que a forre , Rompendo a muitos bárbaros arnezes Com prontos rayos poucos Portuguezes.

81. A Henrique tentou mais efta promeíTa Que as maravihas , que admirou fufpenfo, Que na gloria , e virtude fe interefla, E delias faz o feu tefouro immenfo : Matilde , diz , que nova fciencia he eíla > Que em fi poder encerra taó incenfo ? Que aíllm me facilita dar caftigo Da Religião , e Reyno ao inimigo ?

85.

112 Henriqueida

85. Facil fera , Matilde lhe refponde , Saber efte fegredo , e quantos guardo , Se o teu amor raais fino correfponde Ao que te adoro , e como amante aguardo : Mais efficaz ardor meu peito efconde Com tal violência , ó Principe galhardo , Que quanto eftrago horrendo veras logo Na artificiofa maquina de fogo,

84. Conduz a Henrique adonde veja a praça j Que outra fortificada reprefenca » E com fingido fítio a ameaça, Feita , que por marcial o goílo augmetita ; O ruido da pólvora embaraça Com novo horror ao ar , de que alimenta No falitre animada , ou opprimida Para exhalar em fogo a ingrata vida.

85. -,_ O Capitão da guarda o fitio forma ,

idiota 307. ^proches fe encaminhaó com cautelas , Ali ja íè difpoem a plataforma , Aqui ja fe avizinhaõ paralelas , De dentro aquella face fe reforma, Guardas fe poílaõ , poem-fe fencinelas. As contrabatarias jogaõ duras , Difpoem-íe no baluarte as cortaduras.

8<í. Confervas , revelins , e m as luas , Coroas , hornaveques , e tenalhas Todas fervem com traças naó commuas Aos que amèas tinhaò nas muralhas: Eílas vitorias , diz , das armas tuas Ao ganhar Praças , e ao vencer batalhas, Veras , Henrique , para os teus projetos , Se deixares triunfar os meus aífctos.

Canto IV, 113

87.

Exbalaçocns nos ares fugitivas Notajos.

Eftrcllas correm caó arcifíciofas, Que os ardores , que moftraó por feílivas Os incêndios lhe aplacaõ de horrorofas .• Arvores brocaó com as chamas vivas Para levar ao Cco plancas frondofas , £ os frutos ainda brilhaõ no emisferio Mais que os que produzio jardim Hefperio,

Ao rccolher-íc Henrique , e a Princeza, Ao ar , á terra , e agua o fogo apura, E no circulo inclue de huma mefa Quanto do mundo o circulo procura : A abundância, primor, delicadeza, A' tentação do gofto aqui conjura Matilde , e da bebidas mais divinas Kecbar , e ambroíla em copas criftalinas.

S9.

Com diverfo exercício as Damas bellas Servem humas com pronta bizarria. Outras , como fuaves Filomelas Cantaõ , como da Aurora nace o dia.* Humas na luz excedem as Eftrcllas , Outras vencem dos Ccos a melodia , Planetas faõ de errante luzimento, Porém Matilde he Sol , e he Firmamento.

90.

A fantaftica forma da Sybilla A todas enfinava o doce canto, Henrique, quando a fabia , etranquilla, Quafi fe rende ja ao doce encanto : EUa lhe diz , que ali fe recopila Da humana gloria o templo illuftre , e fanto j Que fe aproveite , e que venere humilde .,

O afFecto da Bemaima Matilde. iNcca 30^^^

P pr.

114 Henriquéida

Que eftc nupcial primeiro , e caílo laço A Tereza prefere na aliança , E que nefte invencível embaraço Para o divorcio jufta caufa alcança ; Que dos tempos ja vio no largo efpaço Dos claros fuccefíbres a efperança , E que cm quantas vitorias diftribue Nota 5 'O A Aífonfo inútil Pedro fubftitue.

92. Unindo a clara voz á doce lira Nota 511. Q^ial filha de Aclóo , aíTim cantava *

Mas como vio ao génio , que a inípira. Da harmonia os acentos imitava ; Verfos mágicos faó , com que confpira Triunfar da firmeza , que encontrava , Pode mais das virtudes o preíidio Nota 5 li. Que a Cromática uniaõ do canto Lidio.

5)5. Nota 515. Amor alma do mundo ao mundo inflama»

Que o mundo fem amor fe defanima , Quem naõ fomenta efta celeíle chama, O ardor , que vivifica , defeílima : Mas o primeiro amor he quem ama. Nunca a inconftancia a natureza anima : O Graô Motor , que fez o Firmanjento , Deu aos orbes no amor o movimento.

94- Aos abraços do Sol fogindo a Aurora, Elle confiante os feus rigores fegue > E ella quer da luz fer precurfora , Nota 51^. Porque no antigo efpofo o amor empregue: Diana , a que Endimion fonhando adora. Ainda que o feu amor nunca coníegue , Por fer do amor primeiro o privilegio. Nota 3^5- De Adeon calligou o facrilegio.

9r.

Canto IV. 1 í 5

Amando a Tetis os velozes rios Correm bufcando a morte entre os ícus braços, E aos labyrintos verdes , e fombrios Rompem as efmeraldas dos íeus laços : Nem dos montes os ásperos defvios. Nem dos penedos duros embaraços , Interrompem no bofque , nem no monte O amor que bebem na nativa fonte.

96. Sabem , que haõ de acabar as tenras flores Do Sol que adoraó aos ardentes rayos , E ances querem morrer entre os ardores, Que deixar de nafcer entre os defmayos: Clicie , que fegue os Delficos fulgores , Naó muda dos íeus giros os eníayos , Sabendo , que do eftrago fulminante

Será primeiro emprego amor gigante. Nota 5 16.

97. Da vibora os matizes enganofos j^^^^ , ^ ^

Bufca o amante , e fabc que os afagos Haó de fer em carinhos venenofos Do Teu trágico amor doces eftragos : E ella concebe os filhos horrorofos Dcípreíando os aviíos , que prefagos Lhe moftraó que ao naícer he matricida O ingrato bruto da tirana vida.

98. Abraça a vide ao infecundo Olmeiro, Sem mudar feus terniflimos abraços. Vendo junto dos rayos ao Loureiro , Qiie para a coroar lhe eftende os braços : E antes fe expõem ao impero groíTeiro Da fulminante féta , que em pedaços Aos pâmpanos frutíferos maltrata, Q^uerendo antes morrer que fer ingrata.

Pii 99.

1 1 6 Henriqueida

Kaõ quer fegundo efpofo trifte a Ave, Exprimindo em gemidos íínas anilas , E culpa a Filomena , que fuave Encre as queixas apura as confonancias , Do vòo leve , nem do acento grave Se vai nas folitarias diílbnancias, Efpera immovel , fem feguir feu giro. Da feca ambiciofa o fatal tiro.

100.

Pois fe cendo a certeza da ruina Conferva o fenlitivo , e vegetante O ícu prim.eiro affedo , que o inclina 3. Na íimpatia do feu peiro amante: Como tu da belleza mais divina Foges pérfido , ingrato , e inconílanre > Ouando promete em feu amor caricias , Tezouros , goílos j bens, glorias, delicias.^

lOÍ.

, que queixofos os feus olhos bellos. Mudos eftaó culpando os teus defvios,. E íe os naõ enxugaííem feus cabellos , Naufragarão de aljôfares em rios : E fe aos fofpiros queres ente idellos j Vencerão teus ingratos defvarios ; Mudos os íeus efpiritos velozes Mais haõ de convcnccrte do que as vozes.

102.

Com amoroíos licitos afagos Em pofles trocarás as efperanças ; Fixa os affedos , que girando vagos Do teu génio aprenderão as mudanças .- n-eixa da guerra os bárbaros, eftragos , QvlQ no templo da gloria a gloria alcanças ; O Amor na fiia Corte te eterniza , E o teu merecimento diviniza.

lOJ.

Canto IV. II j

103.

Refpire o ecco amor ; amor refpondem Mil amor s , que voaó pelos ares, Amor as bellas ninfas correfpondem Em bofques , plantas , fontes , rios , mares j Os goílos apparecem , fecrcondem As magoas , fuftos , anciãs , e pefares : Ama a Matilde , Henrique, continua j Mas a razaõ no engano naó fludua.

104.

Matilde a interrompeo , Gran Profecifa , A cuja voz as penhas faõ velozes , Detém ao rio a voz , queofuaviza, Domeílicaó-fe os brutos mais ferozes : Deixa quem nos rigores fe eterniza Tanto que até refifte as tuas vozes ; Que as penhas vence duras , e feveras 5 No frio as aguas , no tirano as feras.

105.

Permiteme qne em lagrimas me afogue, E que com mais razaõ qne a amante Dido Da trifte vida as duras leys revogue , Acabe hum fentimento em hum fentido , Antes do que a hum ingrato tanto rogue, . E fcm que efpere vello enternecido, Profane fem remédio amor infaufto , E apague a agua do pranto eíle holocaufto.

106.

O Varaõ fabio , a quem o amor ferira , Quando a belleza as lagrimas prepara , Se da virtude as armas naó veíHra , E fe as vozes do Ceo naó invocara , Diz á Sibiila , que elle mais fe admira , Vendo a fua fciencia fempre rara , Que embarace os piiíTimos intentos

De dedicar á Virgem nes talentos. Nota5ía.

107.

1 1 8 Henricjueida

I07.

Q_iie nas fuás acções íempre dedica A Dcos primeiro o reverente culto, E queaquelle Palácio multiplica Ao luxo , e á vaidade amado infulto .- Que quer ver o lugar , que fantiíica , Ou em publico templo , ou ainda occukoj As aras , em que renda a vaíTalagera Da Divina Maria á Sacra Imagem.

Io8.

Naó deu o alto Motor á vil ferpente Mais permiíTaó no artificiofo rifco ; No efpelho da virtude transparente Morreo ^ porque íe vio , qual Baíilifco. Tudo defapparece de repente , Pirâmide , coluna , ou obeliíco Naó fubííftio neíte edifício vago , Nem para fer padraó do mefmo eftrago.

109.

Venccfte , Henrique , fe ouvio nos ares. Ou por dizer melhor , venceo Maria , Teus filhos vivem ; digo-o com pefares , Tudo o mais erro foy da fantaíía; Por favores do Ceo taõ fingulares O Varaó fe confirma na pia , De que de achar a imagem dezejada , Qiie eíla ventura naó fera íonhada.

110.

Moniz , a quem defpcrta o terremoro , Bufca Henrique no bofque dos Loureiros, Que como ao mayor Ímpeto do Noto Foraõ fáceis defpojos , e ligeiros : O Ídolo de Palias cahio roto , E os fimulacros falfos , e grolíeiros , Que eraó da idolatria falíos laços. Tem inteira ruína em mil pedaços.

II I.

Canto IV. 119

III.

Mais que a aurora vulgar Divina Aurora jsíota 319.

Aos dois Varões devotos amanhece, Que he da fermofa Lua vencedora , E eleica como o Sol , naõ o eícurece : E também das vitorias precurforas Ao Abyfmo terrivel parece , E he contra ellc o Teu rigor armado Invencível exercito ordenado.

1 1 2.

Contou Henrique ao General valente, Fiel miniftro , fabio Confelheiro , O íucceíTo admirável , e prudente Encobre aos mais o cafo verdadeiro.- Ambos bufcaó feguindo a luz do Oriente O efcuro occafo do melhor luzeiro :

Giraldo entaó chegou Prelado illuftre Noca 320.

Das Hefpanhas Primas , de Braga luftre.

113.

Vinha o Santo Pontífice com zelo Corroborar a Henrique na fadiga Do feu Chriftaõ, e militar defvelo. Com que fabe vencer fúria inimiga ; Das virtudes protótipo , e modelo , Os vícios , que naõ tem , em caftiga. Que a naõ fet do Ceo efla violência , Fora nelle injuíliça a penitencia.

O Herôe o faudou , e elle com rifo Grave, e benigno, fácil, emodeílo. Lhe diz , que também teve certo avizo , Que o tefouro feria manifeílo; Que o milagre fera premio precifo Do voto ardente , e do dezejo honeílo, E porque a Corte juntos efperafiem , Na Quinta de Refende defcanfaíTem. í^^ta 321.

120 Henriqueida

Naõ fubia a fer emulo dos aftros. Nem moftrava em inútil froncifpicio Mármores envejados de alabaftros , O nobre , mas To commodo edifício : Dos Rèfendes encaõ , hoje dos Caftros , Moftra de antiguidade hum claro indicio; E Giraldo ao entrar com alegria A Henrique eílas pa'avras proferia.

Donde vereis , Senhor , outra cohorcc De purpura , e de prata bem veítida , As Damas bellas , e luzida Corte , E a Princeza mais bella , e mais luzida : Exercicios de Apoilo , e de Mavorte, Mefa a mais abundante , e mais polida ; Donde Liíipo , que fez vivo ao jafpe, E Apelles o retrato de Campafpe ?

117.

Admirays*vos de ouvir quanto eu exponho, E naõ vos admirais de que a vaidade, Como era fonho , fe tornaíTe em fonho , Calligando huma vãa curiofidade? Mais certas profecias interponho : Que a mefma voz eterna da verdade Permicio tentaçoens taõ importunas , Para darvos , vencendo as mais fortunas.

118-

Morrco Matilde , e os filhos , que julgáveis Perdidos, ainda hoje eílafj perdidos, Mas por fegredos altos , e admiráveis De todo vos feraõ reílituidos. Diffe , e nos documentos faudaveis Do zelo , e da verdade bem nafcidos , Henrique, a quem anima feliz aura , Da pena , naõ do affombro fe reftaura.

1 19.

Canto IV. izi

119.

Era Santo , era fabio , e era velho O Varaõ , que o infpira , enfina , adverte, Naõ traz malignidade o íeu confelho , A ignorância , e lifonja o naõ perverte : Como em claro j em fiel , em puro erpelho, Nelle a verdade , e porque acerte, Lhe naõ referva quanto o peito encerra Do que difpoem na paz , e obra na guerra.

110. Explica da Sybilla algum myílerio. Que o Herôe penetrado naõ tivcíTe , E as máximas politicas do Império Com folidos avizos lhe offerece ; Gloria á virtude , ao vicio vitupério ,

Saõ os dois poios , em que permanece ,

Ao amigo fiel , forte ao contrario ,

Firmeza em religião , ordem no erário.

121. Seis vezes vio o Sol nos mais Planetas

Correr os dias , e paíTar as horas ,

Outras tantas do mar ondas inquietas,

Vendo-fe nos criftàes tantas auroras ;

Qiie os três Varoens em praticas fecrecas

Formara;? as idéas precurforas

De ter o novo Império eternidade

Ka reflexão , no acerto , e na verdade.

HEN-

IZ2

HENRIQUEIDA

CANTO V.

Argumento.

D Entro de hum Cajlanheiro a Imagem SantA Se de fc obre , Terez^a efta. ciofa , u4xa cruel tretçao fera adianta , Trepara Henrique a obrafuntuofa , Do anfiteatro fe executa a planta , De jogos varonis fefta famofa , DaÕ braz-oens da Nobreza as varias cores , Bermudo a Vrania expõem puros amores,

I. Nota 3ii. Ja no dia do Sol o Sol ao dia

Na fecima manhãa a luz moftrava, E o defcanío , que ao mundo concedia , Aos três fabios Varoens naó grangeava: O Tanto zelo , em que qualquer ardia. Mais que os rayos de Febo os inflamava , Rompendo de víorfeo doces cadeas, Lhe illuílra aftro melhor puras idcas.

i.

Nota 315. Contava a tradição , que a imagem Santa

Roubada ao Mahometano facrilegio Tinha por templo o tronco de huma planta» Que guardava fiel tal privilegio , A cxaminallas todas fe adianta O cuidado devoro , ardente , e Régio , Q^ue a arvore , que occulta tanta gloria. Os Séculos ufurpaõ á memoria,

Canto V. 123

Arde o dczcjo , e quando adiva a calmt

Os campos queima , os ruílicos fulmina ,

Em amorofo fogo acéa a alma ,

Por bufcar de Maria a luz Divina:

Cedro , Oliveira , Placano , nem Palma

A deixa nas plantas , que examina ,

Até que vio da Roza o atributo

Na que entre efpinhos fimboliza hum fr^co,

4- Aos troncos dominava hum Caftanheiro

Nan por mais antigo venerado

Pois do Mundo no Século primeiro

Fora do Paraízo transplantado ,

E do Ímpeto do Africo groííeiro

Nas implacáveis fúrias relpeitado ,

Porém por mais excelfo , e mais frondofo ,

Se coroava fempre vitoriofo.

5-

Eterna enveja do Loureiro eterno Sobre as nuvens eleva a verde fronte. Deixando innuteis do profundo Averno As fadigas -de Efterope, edeEionce; Nora324.

Celcíle inundação do húmido inverno Diverte antes qr.e a forme aérea fom e , E he fcm temer injurias , nem defmayos , Izento ás aguas , fuperior aos rayos.

G.

Era taõ vaílo o concavo profundo , Qiienelle as Hamadriadas occukas ^

Grécia julgara j e que ao fronde fo mundo ° ^ ^*

Eiclávaó da cu tura as leys mais culras : Sacio metal fonoro em fom jucundo Nota 52Í.

Mal fe ouvia entre as partes íempre incultas, E a ignorância fem a aíTombro tanto Naó milagre , e quer fuppor encanto.

CLii * r

124 Henriqueida

7-

Os Oráculos verdes , e frondofos Nota 527. Oe Dodòna nos ritos florecentes

Naó tiveraõ meraes caó harmoniofos A^s fuás efmeraldas eloquentes : Os Varoens a eíles eccos mifteriofos Defpertaó nos aíFectos mais ardentes, A planta cede ao ferro com violência» Eera ambiçaõ devota a reíiílencia.

8. Breve templo de bronze refonante Por largo tempo encobre as claras vozes Naó permitindo o Ceo que as fie amante Do ecco ligeiro aos círculos velozes : Dos facrilegios fcmpre triunfante E de injurias dos Séculos atrozes , Fiel guarda o depoíito divino Da tutelar do Portuguez deftino,

9- Cedro incorrupto á celeftiai Imageni

Naó Çqy fe reverente , fe atrevido Formou, e á bella copia deu ventagera , Que foíTe efte retrato parecido : Pois quem naó deu á culpa outra omenagem , Original naó teve , nem fingido , E fora o modelo taõ perfeito Da foberana idéa no conceito.

10. Na mão direita hum fruto rubicundo Prende , porque outra vez fe naõ atreva, Se em breve esfera retratava o mundo , A pervertelo nos enganos de Eva : Ao bello Infante plácido , e jucundo. Porque eterno carinho lhe deva , Do coração no lado pós amante A maõ , do melhor Ceo mais cerco Atlante.

Ill

J

Canto V. 125*

1 1.

o Prelado , o Heroc , o Confelheiro , Devoto , reverente , e obrequiofo , Vinculaõ a hum Culto verdadeiro O Santo , o agradecido , e o piedofo.

Sedo falfo Palladio outro madeiro Nota328.

Foy em Troya depofito enganofo , Efte , que tanto anima , quanto inflama, No peito acende mais benigna chama.

12.

Giraldo da Deidade illuminado A Henrique altas fortunas profetiza, De que fera o Reyno eternizado , Pois de Maria os cultos eterniza .-

De Affonfo a Claraval venerado , Nota 519;

E hum Joaó eíTc culto immortaliza , Nota 530,

De eílranho jugo ao libertar o Império No feudo de hum puriíTimo myfterio.

Naõ verde jafpe do fíncel polido A's difcretas fadigas obediente Ainda forma o altar enriquecido Do generofo afFeto em culto ardente * Mas de folhas hum templo bem tecido He da efperança íymbolo excellente , Que occultaó entre o verde com primores Os affetos em frutos , como em flores.

14.

A faudar Maria vem as Aves , E achaõ hoje unidos Sol , e Aurora , E as facrifica victimas fuaves De inftrumentos ebúrneos voz canora; Nos acentos agudos , e nos graves Sc matizava a mufica fonora , E a cor das pennas , que mudou no pletro. Iguala as varias ^laufulas do metro. o

15-

126 Henricjueida

A' que Fenis renace pura , e bella Celebraõ com a doce confonancia^ E em Coros a fuaviffima Capella Se transforma em Angélica íuítancia : Da Canicula emenda a impura eftrella No Orbe inferior a ardente diffonancia ; E de mil Filomenas nos acentos Ajuftaõ a harmonia os elementos.

Naõ menos agradável melodia A mufica de Marte ao longe entoa , E entre os Clarins a bellica alegria Paciíicos triunfos apregoa: Que vem do Porto a Regia companhia Na trombeta da Fama ao Mundo foa ; E ainda quando de perto os ares rompe, Devotas íufpenfoens naõ interrompe.

Ja accufa o carinho da Princesa No fino coração do amado efpoío De defcuidada , e tarda huma fineza , Que deixava hum affeco receofo .* Qiierendo convencello de tibieza Se adianta ao concurfo num rofo , E , trirte , e íolicita fe perde Entre o frondofo labyrinto verde.

18.

Da harmonia das Aves acrahida Vio de folhas breviíTlmo edifício : Ouvio de Henrique a voz bem conhecida. Que deu ao feu ciúme hum novo indicio -, Pois com ternura amante , e bem nafcida , AíTim dizia : O raro beneficio / O^ felice ocaííaõ , forte oportuna , Que hoje , fem merecer devo á fortuna !

19.

Canto V. 127

19.

Belliffima Deidade , que cxcedeftcs Das Humanas a frágil ferniofura , E que nefte retiro concedeíles , Que vos adore com a mais pura .* A Corte deixarey pelos agreftes Deftritos , que illuftraes , que afllm fe apura , Do favor , que vos devo , alta excellencia , Nem de Tereza fentirey a aufencia.

iO.

Voz Tereis quem governe , e quem domine Quanto poíTuo , e vença em voíTo nome, Mas que o mundo a fervirme íe deftine , Mas que efta efpada novos orbes dome : Voflb preceito as leys me determine , E do voíTo acerto as ordens tome; Porque o naõ admitirme fora aggravo Com Tereza , e AíFonfo por efcravo.

II.

Ceííou a voz , mas naõ ceifava o pranto , E Tereza em receyo fempre injufto Bufcava do retiro Sacrofanto A entrada que cerrou o amor mais jufto : Abre , lhe diz , ingrato efpofo , em quanto Com dano a gloria , e o amor com fufto , Viver me dcixaó vendo huma violência Que a inconílancia occafiona em larga aufencia.

11.

Bem pode fer , que toleraíTe o peito A ofFenfa intolerável da ciúme, Mas naõ pode ultrajado o meu refpeito Sofrer liuma vileza , que prefume , Eu , e Altonfo cativos ? trifle eíFeito He das loucuras , que o amor reíume , O mais atroz , o mais fatal motivo De quem de indigno amor cila cativo,

23*

1 2 8 Henriqueida

25. Abre de folhas a enlaçada porca Henrique alegre , eo Paftor fevero , Que no femblance a Regia Efpofa exhorca , Unindo o rerpeicofo com o auftero ; Mas a Princeza do prodigio abforca Com voto humilde , com ardor íincero, Também quer que a illuftre a facra Imagem, Fazendo eícravidaõ da vaíTalagem.

Henrique da perdida confiança Sejuftifica amance , e queixa fino, E logo lhe refere o bem , que alcança Defcobrindo cefouro taó Divino : Ja he certeza atimida efperança De ver o Infante fem o mal indino > Com que fez efte acafo íoberano O ciúme cortês , feliz o engano.

25. Ja pelo bofque a numerofa Corte A ver tanto milagre fe apreflava j E a Deofa tutelar da Lufa forte A Lamego o Pontiíice levava : Affonfo , que de Adónis , e Mavorte Moítrava a forma , e o valor guardava , Maria adora tendo em dote infuío Pelo affeto a rafa . , primeiro o ufo.

26. Incrédulas as bellas Africanas Diíllmulaõ nos roítros as idéas , E vendo as fermofuras foberanas , Poucos Ía6 os ifentos das cadcas : Ambas galhaidas , ambas inhumanas , Nota 357. <,efj, encantos de Circes , e Medsas , v

Fazem temer no amante parafifmo Mais do Ceo a violência que a do Abyfmo

17-

'Canto Vi 11^

Seguia â Aldára o infeliz Pelayo 5^ Que ao lilencio o Teu mal acento cncrega * Convalecido do mortal dcfmayo , De que a ignorada caufa a todos nega: ;

Serve , e rofpira , e fe algum triíla enfayo De hum peito , que com magoas naó focega ,' Algum indicio do feu mal defcobre. Multiplicando a cinza, o fogo encobre.

Axa , que até triunfa na defgraça > , Domina hum negro bruto , e refoluta Iras fulmina , fúrias ameaça , E eftá entre as prifoens mais abfoluta : O varonil naõ diminue a graça Do bello, e por vencer forte, e aftuca^ Quem do valor fe livra com violência, Naõ acha à fermofura refiftencia.

O Rey , a quem move afFecto pio Da Religião Chriftâa , e o diíTimula , Defcobre da heroína no defvio , Que o temor da mudança a eftímula : Porém Axa, que o Mouro defvario Defprefa , novos erros acumula. Seguindo os Deofes falfos , que a poefia conferva da antiga idolatria.

30. A maquina , que armava , dcí^ruira Do efpofo a converçaô , que íoípeita , E fem fiarlhe o que infiel conípira , Finge, que delle vive fatisfeita; Ao valor , e ambição , cauuela , c ira ,' A fua altiva' idea efta foi;eica ; Com Muftafá , que foy cativo em Gaya , Os projedos belligeros enfaya.

R '3..

1 3 o Henriqueida

Do camínfio apartada aíTim lhe diíTc : Galhardo Capitão, deftro , e valente, ^'

E que até na defgraça eftás felice , Pois confiante a toleras, e prudente; O teu conrer-^o infpire huma infelice, Que hoje fia de ti o mal, que fentej .^J

Ivlas vé, que naó admite huma arrogância,' vv Prudência, que pareça tolerância.

52.

Eftes Chriftãos fe vem hoje elevados Em illufaó taó nova , e agradável , Que efquecidos do génio de Soldados '"/t.

Se enganaõ com deícuido mais culpável; "^ ^ Sem cautela nos levaó confiados A' Corte, donde a forte fempre inftavel Nos vio no Trono , e com diverfo eífeito Hoje nos com laftima , e refpeito.

55. Nella tenho parciaes bem encubertos;

Animey entre oS ferros os cativos, Sty que fe movem por avifos certos , de Leiria os Mouros mais altivos : Numerofos, intrépidos, e expertos correm taõ velozes , como adivos , E Muley, ou por força, ou por fobornos Ganhou muitos Caftellos dos contornos.

Inquietando O paiz com correrias Excita os feus , e na inimiga terra Os entretém nas fortes ouzadias, E os exercita na pequena guerra-, Como fempre em finiíTimas porfias O amor de Aldára no feu peito encerra , '^^ ^^ Rouballa intenta, e de taõ nobre infulco ' de mim fia efte fegredo occulto, '

Canto V, ijí

Celebrar quer Henrique hum íímulacro> Que da Mãy do feu Deos hoje deícobre, Jogos publicará com rico facro Do culto vaõ em exercício nobre; E que íerá fe ElRcy no feu lavacro Se manchar, porque ainda que mo encobre, Mal diíTmiula o cego paraíifmo De naufragar nas aguas do Bautirmo?

Antes que abacimenco caõ infame Se faiba de quem teve o louro Régio, E que ao meu coração a fúria inflame A caftigar cerco ofacrilegio; He jufto que a hum cobarde mais naõ ame,' Pois fe efqueceo do raro privilegio De que admicillo amante era impoíTivel Sem o heróico carader de invenciveL

57. Pois o favor alcanças de Roberto, Notaníj

Naõ porque em ti venere a antigua gloria, Mas porque em teu triunfo moftra certo Em ti vivo o Padraõ de huma vitoria; Sahirás de Lamego hoje encuberto. Que a tua falta naõ fera notória , Em quanto occupaõ todos de outra forte Feftas da Imagem , c atracções da Corte.

58. Pratico és do paiz ; do frio Hermínio Nota 3 3 ii

Bufca com largo giro o mais fragofo, E fe paíTas o Tejo , no dominio Entrarás do Africano poderofo , E te affeguro certo o vaticinio De que fe te fingires cautelofo Em caçar pelos bofques empenhado, Confeguirás o intento dezejado. ->i R ii lii

i^i HenriqueMà.

3 9- Pois falias no idioma, e dialeílo

Í\'0£a554. Gallcgo, e Portuguez novo, eancigo, Precifo eftudo a hum General provedo Saber apropria língua do inimigo , Veremos bem logrado o graõ projeâros E íc por ti o mayor bem coníigo, Verás, nos meus intentos fempre gratos. Que ÍÓ peitos cobardes faõ ingratos.

40. NeíiC occulto lugar pronta equipagem Terás de caçador, porque Ermeíínda, Que a amar de Palias a valente imagem

Nota 3 3 5-. ^^y educada em Perfía por Clorinda, E que me fegue em fina vaíTalagem Fiel, difcreta, valerofa, c linda-, Mas naó pinto o que fey, que nao ignorasí Pois com decente amor feliz a adoras.

Tanto que a luz em trágico naufrágio Morrer no Occafo por nafcer no Oriente, Quando a ave de Marte com prefagio / °^^'5 'Do oppofto meridiano as glorias fente, E quando no fuaviíTimo contagio. Que cauía o foporifero aceidente, Quem fe julga immortal, invido, e forte Se rende nciíe enfayo ás leys da mort-e.

de encregarte, ò Muftafá galhardo.. A inftrucçaõ, que retenho prometido, E as cartas a Muley com tal refguardo, KT^í-n.,^ Q^e o que lhe avifo vay defconhccido :

Com letas, earco, com aliava, e clarão, ' ' Irás diííimulado, e defendido, '

Para encobrir pclla inimiga terra Nota 338. Qqxíx a imagem da guerra amefma guerra.'

43.4

Canto V. 133

43-

Mudafá obediência lhe aílcgura; Impaciente no boíqiie a noite crpcra, E eftá ceito que nunca fcja efcura. Se Ermcínida illuílrar a verde esfera: Sempre amanhece a fua tcrmoíura, E mais que a fombra a fua luz impera; O amor o anima, o medo naõ o aíTombra; E para ver a luz dezeja a fombra.

Aneicipou fe a noite compaíllva, Como parcial do amor, c do delito i Veyo a bella Africana, e atractiva Difpenfa huma efperança ao peito aflito Das ordens da Rainha executiva Elle íe alenta mais para o conflito. Que das armas , que vefte em taes enfayos ; Nas fécas com que mataò os feus rayos.

45- Quando lhe diz, belliíTima tirana;

Me naó crouxefle as mais atrozes fétas?

E quando aos meus afleótos inhumana

Menaõ mudafte os aflros em cometas?

Mas como me dominas foberana,

A executar as ordens, que interpretas,^

Taô veloz voltarey que em fino incencd

azas o dezejo ao penfamento.

46.

Refponde-lhe Ermefinda, que premiado

O feu amor fera, fe coníeguido

Se vir efle projedo dezejado

Em que fe veja Henrique deftruido ;

Que teme, elle lhe diz, ver malogrado

Tanto bem, pois do fado perfeguido

5) Fora , mas teme que ainda mais o íejá

?i De canto bem na bem naícida enveja.

134 Henriqueida.

47,

Separaõ-fe os amantes , porque as vozes Dos Porcuguezes vizinhas íoaó, E da aufencia os tormentos mais atrozes Nos dois peitos asirss apregoaõ; ..i, . Muílafá guia os paílbs mais veÍQzes ;

Por donde os moiitcs ao paiz coroaó ; -,. ^ . ^-.«..^ Eniietinda a Lamego volta occulta , ' ^ ' ^ " " De i\xa naó tanto a forte dificulta.

48. í<Iotaj55i. Sahio mais claro o Sol, quando da Lua

O mundo conta o agradável dia, Pois aftro mais brilhante à gloria fua Novam.ente no mundo apparecia; Deftro arquitedo a traça naó comua A Henrique delineada entaõ trafia , Dando da devoção o pio exemplo Efcolhe ameno íitio ao novo templo.

49- Eminente , frutífero , e frondofo O lugar, que elegerão, íè dilata Naõ longe donde o Douro caudalofo Engafta em ouro a precioía prata; Nota 540. p^fjj donde fe exalta luminofo

O pólo, em que Caliílo fe retrata. Se aparca de Lamego, e nos efpaços Nota 541. Nove mil vezes naó numera os paíTos.

50. Fermofa a variedade dos objedos Diverfifica a bella perfpediva, Augmentando os piiífimos aífedos A muda folidaõ mais expreíTiva; . „,

Apreífa dos magnânimos projedos mii^sJ

O Heróe a execução pronta, e aâ:iva^;o aRíOBiip E a pedra quer ja por fiel , c ufano -b m^jpo? Fundamental do Império Lufitano. " ^-ô-n^^/-

5^'

Canto i\^

Em quanto ao ferro naõ rcTifte a terra, ;, Nas largas profundifllmas feridas, Feftivo cníayo de agradável guerra Leva a Fama às naçoens defconhecidas; Qiianco nas leys Olympicas fe encerra , Nota54z;

E nas feílas antigas ri ais luzidas

De lílhmo, ou Nemeo, e ainda o grande Pitio , j^q^^ ^^^^j Quer que fe exceda Henrique nefte íicio.

52.

Mufa , que o entuííafmo, e vaticínio Nota 344;

De Patroclo nos jogos dèfte a Homero,

E nos do Pay do fundador Lavinio , Notag4í?

Achou Virgílio o numen teu íincero ,

Ou menos o influxo , que Papinio Nota 54^*

Cantou com alto efpírito , e fevero ;

Ncfta occafiaó teu fogo naõ me occultes

Ainda que em outro aílumpto o dííficulces;

Fabrica-íe hum luzido anfiteatro Com milhares de aíTentos divididos, O ovado fc cortou com lados quatro Que eraó dos olhos todos comprehendidos; Na área do magnifico teatro Os jogos varonis mais aplaudidos Seriaõ da deftreza dezempenho Antes que em outros combateíTe o engenho;

54'

Abatidos dos bofques mais vizinhos

Os triftes CipariíTos fe lembravaõ,

Que occupando poftrados os caminhos j^^j^ . .^^,

Suas próprias exéquias celebravaó :

Lagrimas eraó nos feridos Pinhos

Quantas com a refina dellilavaé ;

Sentem do ferro os golpes mais groííeiros.

Se antes livres dos rayos j os Loureiros.

r 3 5 HenrifJeida

Nota 348. O inílrumento de Ceres nas efpigas

Naõ fez no Eílio mais fatal eílrago ,

Nota 349. Nem de Vuíciírno as rápidas fadigas

Daõ no Outono mais folhas ao ar vago; Mas naó cemaõ crueldades inimigas, Se o verde coracaõ he preíairo De que celebraõ com feliz exemplo Ser confagradas para o Régio templo.

Inteiro a Lua hum circulo defcreve, ^^^^ 3 50- Em quanto o vafto circulo fe prepara, E a Fama grita, canta, diz, eefcreve Nas vizinhas regioens feíla táõ rara: AsLeys, que Henrique provido prefcreve Naõ prohibiaõ , que encuberto entrara Qualquer aventureiro , que o intentaíie,- E a robufta deftreza exercitaíle ,

57- E gofaria de íeguro aziío , Mas que inimigo foQe , em quanto a fcfta Influxo dava ao mundo taõ tranquilo. Que a pia caufa eílava manifeíla : Corteíia , primor , decência , eftiío Da Corce íó fe achava na íiorefba, E os feculos aqui fe renovarão , Nota 551. Que a Artur, e Carlos Magno eternifarao.

58. As Princezas , e as Damas illuílravaõ NotaMz. A ecliptica brilhante defta esfera,

E os que com fino culto as adoravaõ,

A luz obfervaõ , que em feu peiro impera :

Incimidaõ ao tempo que animavaõ

Em tanto coração , que ama , e venera ,

Quanto o refpeito apaga , o amor arde ,

Au2;mcni;ando o ouíado no cobarde.

59.

Canto V, 137

59.

Premio qualquer das Damas ja deílina A quem vença cm feii nome algum combate : E fufpcndendo as iras , que fulmina , Permite , que o rigor o naó maltrate : Nobre ambicaõ incita a e;loria fina De que o affeto em laminas retrate Do mais puro decoro em novo exceíTo O ineftimavei , e preciofo preço.

uO.

Henrique de julgar fciente , e red;o Quem ficar vencedor por força , ou arte. Livre a juftiça eftá de ódio , ou affeto , Qj^ie igual a todos a razaõ reparte : Deaflento fuperior qualquer objeto Defcobre , e fe difpoem o amor , e Marte , Hum fazendo ao mais fino mais felice, Outro a livrar o forte de infelicc.

61.

Dois a dois efquadroens em quatro entradas ^ (Qualquer comporto de outo Cavallciros , De ouro , e de prata as cores matizadas Fazem da guerra enfayos verdadeiros ;

As producçoens , que Pan tra formadas 1^014355.

Da amada Ninfa em troncos mais ligeiros , Parecem preciofas , e luzidas , Que primeiro as tocara a mão de Midas. Nota 5 54.

Do opulento metal , que o Sol influe, jr

A auguíla cor no traje, e nos arnezes , Illuftra , como a forre a diílribue , A quadri I13 galharda dos Menefes : Sem divifa no efcudo fe arribue Pedro Bernardo gloria dos Leonezes , E por timbre huma Torre , em que eftá prefa , Como fempre infelicc huma belleza.

S /J5.

138 HenricjHeida

65.

Nora 5^6. Em campo de ouro as ondas azuladas

Retratando do Távora a corrente; Sem vozes de Arion articuladas , Outro Delfim cortava velozmente .• Para empref s heróicas animadas Lanças de tanto Távora valente Seguem em Dom Ramiro hum novo Marte Sempre cm valor , agora em forca , c arte.

Nora 3 5 7. Claro metal , que a Lua íimbolifa

Veílindo a Regia cor o Rey dos brutos , Como íigno do Ceo trás a divifa Na quadrilha dos Sylvas refolutos ; Com Alderete o nome immortaliza Dos Leonezes Monarcas abfolutos , Donde os Varoens infignes refplandecem Nos Sylvas , que em dez Séculos fiorecem.

65-

Nota 5 5 S. Se o Ceo grava em azul aftros dourados y

Tem nove aftros azues outro Ceo de ouro Cs Cunhas fempre illuftres, eeftimados Do Lufitano gloria , horror do Mouro , Pelo invicVo Dom Payo hoje guiados Neíle feítivo enfayo fem derdouro, Até por leves tiros naõ tem erro Das firmes Cunhas o cerúleo ferro.

66.

Neta 3 5 5). Com claro argento no purpúreo efcudo

Quatro vezes oh Cynthia reverberas Com que o Conde Dom Mendo claro em tudo Gravou de Soufa o nome nas esferas ; Naõ efcureças tempo eícuro , e mudo, Que as glorias immortaes cruel alteras , Na clara defcendencia as efperanças De triplicadas Regias alianças.

67.

Canto V. 139

Egas Moniz com feu brafaó luzido .Notftíío,

De Tccis no matiz bandas de prata Debuxa , e de Ataíde efclarecido Ja pronoftica as glorias , que dilata : Será no Oriente o feu valor temido, Se hoje no Occafo os Mouros desbarata , Pois taõ fino fefteja no Occidente Da mais brilhante luz o facro Oriente.

6g.

Pelayo Amado valerofo , e fino , Notaj^i.

Do ouro , que produz a amante feta Seis circulos formou , que ao feu deftino Cada hum pena eterna íè interpreta .* E nos rubis do efcudo diamantino Em dobre Cruz tem hum fatal cometa , Que a invcncivel ardor do peito exangue Verteo do coração no eícudo o Tangue.

69

Outra Cruz , <:[ue entre prata apura as flores , Kota 5^2, E em cauipo carmefim mais refplandcce Das Pereiras nos ramos vencedores Dos que cinlí3 o Loureiro a gloria efquece.- Dotn Rodngi) Forjas altos ardores Infliie nas coroas , que ja tece A gencrofa eftirpe de Bragança Com a cor do triunfo , e da eíperança.

70.

De outras Regias Familias fe occultavao Nota 353.

Os nomes nas coroas , a que uniaó Os nomes , que depois defcnlaçavaõ , E em novas alianças repetiaõ •* Outras a Portugal ainda naõ davaõ Glori s j que em outros Reynos repartiaó^ E muitas naó refere a brcvid^^de, Ou ufurpou a iniqua antiguidade^

S ii 7^»

' 140 Henriqueida

7». - Paraõ nos Ccos os rápidos Planetas

Vendo no Mundo eílrellas mais brilhantes, Deixando fixas luzes inquiccas , Para admirar eftrellas mais errantes : Tem as haíles vibradas por começas , QLie á mcíma esfera voaõ fulminantes .- Luz , gloria , arte , e valor perdem no Polí> Nota 56+. ^^icutio , Marte, Júpiter, e Apollo.

Parece , que temendo as flores bellas Ser dos velozes brutos ultrajadas ,

Nota 565. 5ej^^ ^^yg Flora fe atreva hoje a prendellas? Correm de tantas cores matizadas i

Nota 366. Ou he íris , que dece das eftrellas ,

E concorrendo ás feílas celebradas ,

Reparte a huma quadrilha , e outra quadrilha

O pacifico efmalte , com que brilha.

75- Nota 567. Os brutos de huma efquadra ruços eraõ ,

De outra morzelos fempre formidáveis , Os ala^oens ligeiros fe efcolheraó , Bufcaraõ-feroíilhos agradáveis : Os malhados por vários fe atenderão , Os caítanhos comuns , mas eftimaveis y Correm ruços queimados , como rayos , E naõ lhe cedem os viílofos bayos.

74. Como imitaõ ao trage Mahometano Nas trunfas , capelhares , e marlotas , Baflou a falfa imagem do Africano , iVIenefcs , a inflamar o ardor , que brotas : Forao lanças as canas , com que ufano Traípaflaífe as sdargas mais remotas , E houve alguma , que ao golpe fero , e rudo Tingio com fanguc algum fanguinho efcudo.

7S'

Canto V. 141

7>.

O Távora fc unio ao graõ Menezes, E Alfagrano , que em artios cem dominio , Nota 3Í8»

Aillm gritou : valentes Porcuguezes , Ouvi hum infalivel vacicinio ; Ceíles Heróes unidos os Arnezes derta alegre guerra no definio Seis Séculos depois , aflbmbros raros :

Hum diahaõ de fubir por Moncefclaros. Uoi^iG^.

76.

Ao nome de Luiz daraõ mais nome , E da amizade unindo o laço eftreito , Sem que o furor de Hefpanha os vença , ou dome. Dois grandes coraçoens guarda hum peito ; Menezes ou efpada , ou pena tome , Nota 570.

Vencido Apollo , Marte fogeito , Canta a Reftauraçaõ , que admira o Mundo > Porque as ácçoens celebre do fegundo.

77.

Naõ terás ó Menezes invencível Da eflirpe Varonil na defcendencia Quem na guerra naó folie o mais terrível > Fiel á Pacria , illulhe na eloquência :

Duas vezes a Aíia achou pofllvel Nota 571;

Ver prudência , e valor na adolefcencia De Henrique , e de Luiz a força fabia Refpeica Malabar , recea a Arábia.

78- Quatro vezes o nome de Fernanda > Nota 572;

Duas vezes o nome de Dioso

o

Africa ardente vejo refpeicando.

Que he feu ardor mais forte , que o feu fogo :

Ka America outro Henrique eílá moflrando

Da idade juvenil o defafogo ;

Segue hum Francifco os bellicos veftigios ,

E ha de cantar , ó Henrique , os céus prodígios.

7^

1 42 Henriqueida

79-

Nota 375. Fillio fera de hnma divina Mufa ,

Qiic dos Heróes herdando alça grandeza Unio Aonia na Hipocrene Lufa Virtude , defcriçaõ , fciencia belleza ?

Nota 374. CeleíVe graça em peifeiçoens infufa

De outra Joanna admiro , e na fineza Do amante efpofo que a adorava tanto Primeiro fera gloria depois pranto.

80. O tronco , que produz o verde ramo , \ A quem azul tributo paga Erice , ,j Com o de Cantanhede , a que hoje aclamo Generofo , fiel, grande , e felice, António vejo , e de taõ longe o amo , Porque á I.ifia tirou jugo infelice, Que o moftro nos futuros , donde vença

Nora 375. Em Elvas , Montefclaros , e Valença.

I.

Nota i>76. ^"^ ^"^^ ^0"^^ ^ eílirpe de Tarouca

Segue em Africa a Pedro , e a Duarte , E a trombeta da Fama nunca rouca Cante em Joaõ Mercúrio, Apollo , e Marte. Nota 3 77. Se os Menezes concaíTe , fora pouca A voz mais elevada , e melhor ai te , Pois deu o Ceo por timbre dos Menezes , Vencer os Mahometicos Arnezes.

81. Vendo Alfragan ao Soufa , e ao Pereyra , Que guiavaõ as indicas quadrilhas , Alfim continuou na verdadeira , Pintura das futuras maravilhas ; Nota 378. Souía feUz , que tanto na groíTeira

Efcuridaõ do tempo em glorias brilhas, Três vezes , ja o ouvifte, o privilegio Terás de ver teu tronco outra vez Régio.

85

Canto V. 143

85.

Tefouro de valor tira das Minas Nota 57<);

Huma proíaiMa gcncrofa , e forte , E António tez voar as Lufas Quinas Até as collocar na Hefpcria Corte :

Sc cu merecefle infpiraçoens divinas , Nota; 80'

Dcfcrevera u valor , pintara a forte, Com que o progenitor admira , e doma Invencivel Galiza , fabio Roma.

84;

Do mefmo grande Aífonfo Rey terceiro Nota 3 8 r.

Outra familia excelfa fe deriva Ja elevada ao titulo primeiro Com Real aliança fucceíTiva :

De UliíTes a Cidade , a que hum guerreiro Nota 382,

Teu defcendente outavo em força adtiva Do Hifpano de livrar , veja hum Prelado , Que á purpura illuftrou o ardor íagrado.

85.

Única, bella , fabia fucceíTorâ Nota 5 8 5.

De Lufitania , e Belgia ao fangue augufto Luiza foy da idade ainda na Aurora No Oriente gofto . no Occidentc fufto .• Morreo , porque morreo o bem , que adora , De trágico fucceíío , 6 cafo injuílo i Do amor , da morte em fetas penetrantes Matafte em hum golpe dois amantes !

86. Miguel filho de Pedro alto Monarca , j,^ _ ,

E que ainda naó tocava o luítro quinto , Paliará do Aqueronte a fatal Barca , De que outra Barca he fimbolo diftinto : Conjurando-fe a Enveja , invoca a Parca , E no mar , como o Sol , o deixa extinto , Naõ para renacer mais que na gloria , Na fama , na faudade , c na memoria ;

87.

144 Henriqueiãa

87.

Será galhardo , amável , e erudito , Ágil, fcience, varonil, conftante, O animo generofo , o peito invico , Dócil, cortes, magniíico , elegante : Naõ falte ao Tejo eternamente aflito , Vendo-o nas fuás ondas naufragante. Para expiar tal culpa em triftes agoas O immortal pranto das funeítas maogas.

88. Eu na5 faria trágica efta fcena , Mas o génio fatal , que em mim domina , Nota 585- Que eternife a Miguel aíTim me ordena ,

Sem poder reíiftir força divina : Nota 58^. Tu , Pereira feliz , a tanta pena Modera na fortuna , que deftina A Fortuna mayor , que fobre os aftros Forma eílatuas de bronfes , e alabaílros,

89- Nas eílrellas naõ vez ? pois eu o vejo, O efpirito mayor , que o mundo admira , Nuno , que defempenha ao teu dezejo j, Quanta nobre ambição gloriofo aípira: Por quanto abraça o Louro , lava o Tejo , O Minho rega , eo Guadiana gira, Vença , e chorem de Kcfpanha a gente rota Nota '87 Atoleiros , Valverde, Aljubarrota. ' '' 50.

Santa origem fera , e tronco egrégio De tanto Heróe Real , que de Bragança Naõ produz o facro Louro Rcgio , Mas roda Europa em Ínclita aliança : Coroado o nativo privilegio . Vio fatisfeica aníiofa huma efperança , O tronco Portuguez tendo opportuna A Juftiça , a conftancia , e a fortuna.

91.

Canto V, 145

91.

Sylvas j e Cunhas nobre paralelo Nota 58?.

Do SoIio de LeaÕ reproduzido , Da guerra , e da politica o modelo Tem em canco Varaó eíclarecido : Se em individualos me dcfvelo , Naó cabe tanta gloria em hum íêntido , Ambas fagrada purpura adornava. Ambas coroa bellica illuftrava. ^ 9i.

De Sylva ao grão NJiguel Roma refpeica , Noca 589.

E a difcriçaõ admira generola ;

De Cunha Iníigne Nuno fatisfeica

Deixa de Europa a expectação anííofa;

Tanto ao Mayor Monarca bem aceita _ ^ ^^^ ^^^'

Será fua virtude prodigiofa ,

Que brilhando a modeftia mais que a forte ,

Terá coluna a , defenfa a Corte.

95- No nome igual , na profiflaÕ diverfo Neta 391.

Outro Cunha terror do Gentilifmo O Império Luíitano no univerfo Dilatou por vencer até o Abifmo :

Aires também venceo rito perverfo , ^ota, 591.

Deixando ao Mahometano em paraíifmo ; As fabias producçoens vejo illuílradas

Conduzindo Heroinas coroadas. Nota? 9;,

94. De Ataides , e Almeidas igualmente ^

De donde nafce o Sol adonde morre °^^ ^^^*

Em Luiz , e Jcronymo íèaugmente A fama , que em dois mundos canta , e corre : Hum, e outro Ataide , que excellente , Vencendo varonil fabio difcorre , E em defcendentes feus reproduzidos *,

Se regeneraó doies taõ luzidos, ofa 3954

T 55-

1 46 Henriqueida

Nota 396. FranciTco entre os Almeydas fubflitue

Ao Rey , que dcícobrio o Eoo Império > Com o feu appiíido deílribue

Nota 597, Joaó prudente aceito ao Rey no Iberio: Do feu Principe a gloria concribue Qiie lhe fia o politico mifterio Pedro qne o fegue inrrepido fe expunha

Nota ^9S. Em Valença, Aragaõ , e Catalunha

96. Em quanto a Mahometana aítrologia. Da luz os caracteres defcifrava, E com furor da occulta profecia Muito mais claramente os explicava , Hum , e outro efquadraó igual corria, E de Lifia o triunfo feílejava .* O luzimento alternao no teatro Hum a hum , dois a dois , e quatro a quatro^»

97. Sem defar , fem perigo , fem acafo Da Gineta exercitaõ os primores,

^, Cada filho do Zéfiro he Pesafo ,

Que de Etonte íe alenta nos aidores: Veíligios naõ fe vem no campo rafo Dos velozes , e prontos voadores ; Ja unidas quadrilhas faõ contrarias , As cores por mais bellas íaõ varias,

98. Guiou Moniz a efcararruça airofa ? Que de muitos tecendo-fe hum fio , C laufula foy da fefta mais viftofa , Termo do mais galhardo defafio : O ouro na opulência generofa , Que aos Cavalleiros enriquece o brio ^ Nos laicos lhe fervio embaraçados De fio aos labyrintos intrincados.

Canto V. 147

Madrugou mais a Aurora fucccfliva Para avizar ao Sol , que fem defmayos Se quizeíTe adornar da luz mais viva. Que a matéria fucil aos feus rayos ; Vefte ao dia de gala taó feftiva Para admirar os bellicos cnfayos , Que perguncaõ os aftros ao orizonte ,

Se Jove refufcica ao feu Faeconce. Nota 400-

100

A Praça do Romano anfiteatro , Imitando a perfeita arquicetura , Formou em íemicirculo o teatro Do Crco na vaíliíTima figura : Na porçaó , que cortou ângulos quatro No commodo , e na vifta , que procura , Facilita os dezejos , e os ardores A muitas vezes mil expecladores.

lOI.

Com Henrique , e Tereza Affonfo eftava » E na infância animado o tenro affeto Mais ao Numen de Carquere invocava , Que o divertia o majeftofo objeto Celefte génio o facro ardor lhe dava Com certo aufpicio , com feliz projeto De que fizefle culco taõ devoto Taó grande o beneficio , como o voto.

lOl.

De Tereza, e de Henrique amada filha Três luftros naõ cocava a belia Urania , Que para fer do Mundo maravilha Nafceo no Occafo Sol de Lufitania : Tanto em retratos íeus a Fama brilha , Que em França,Hefpanha, Itália, Anglia, e Germânia, Seus rayos ainda em fombras exprimidos Deixaó todos os Principes feridos.

Tii 103,

1 48 Henric[í4eidà

103. Nota4oi. Dom Bermudo de Trava mais ditofo

Foy no amorofoâíFedo , que o defvella , No obfequiQ fino , e culto decorofo , Sua eílrclla lhe deu taó clara eftrella ; Foy deftinado ao tálamo gloriofo No Real himineo de Urania bella : Urariia digo .• o tempo irreverente Urraca lhe chamou groíTeiíraraente.

104. Em nome da Princeza o Cavalleíro Dos Limas varoniz tronco preclaro Se ofíereceo bizarro aventureiro A fazer efte dia único , e raro : E como na arte equeftre era o primeiro > Como he hum na esfera Apollo claro > Também com fuás luzes reverbera , Que Sol foy , que brilhou na Lufa esfera.

105. Nota 402. De Ftiopes cativos a cohorte

Piendeo dourada nitida cadea Com tal arte enlaçada , e de tal forte 5 Que a mão o fufil ultimo encadca : Todos eíles efcravos defiro , e forre Na guerra Mahometana ao ferro enlea, E ao ver de Urania a fuperior deidade , Lhes deu , e elie a naõ tem > a liberdade.

106. Montava airofcv em hum Cavallo andrino? Qiie pela cor cuidava , que gozaffe Do alvedrio , mas nega-lhe o deíVino , Que ao racional feguiíle , ou ímitaíTe j Antes mais prefo ao freyo ferve fino Ao aceno mais leve , porque achaíTe DonK.do o fogo , que feros fahia Do vivente carvaõ , que o efcondia»

107.

y Canto V. 149

107.

De pedras os matizes preciofos A fella guaineciaõ , c os jaezes , Brancos airoens de paíTaros airofos O coroaó voando muitas vezes , Os Teus intentos vagos , e pompofos Prende o chapeo , mas naõ veftindo arnefes, Bermudo em negro trage acha motivo De que ainda o cortefaó vença o feílivo.

Regulando ajudados movimentos Entrou no Circo o bruto , e ao compafíb De acordes militares inftrumentos Concordava o veloz defembaraíTo: Parece que aprendeo os documentos Da dança , que exercita paíío a paífo , Das liçoens , que com mortes infinitas- Foraõ fatal eftrago aos Sibaricas. Nota403.

109.

Ao chegar ao balcaó tanto a prefença De Urania o vay com rayos perturbando , Que o temor naó fe occulta na detença , Com que vay ao Bucefalo guiando : E a naó achar nos olhos recompenfa , Com que a Princeza moftra o gefto brando 3 ^

Teria a tanta luz nefte orifonte ' Nota 404»

Duas vezes o eílrago de FaetontCé.

1 10.

O negro bruto as lanças Africanas Rompeo fo de Bermudo dominado , Mas defpedindo as fetas inhumanas Hoje temeo fer de outras fulminado r Por iíTo obedeceo às leys tiranas De Bermudo , e três vezes retirado Confeguio nefte obfequio acreditarfe , Pois nunca o enfmára a retirarfe.

1^0 tJenriqueida,

1 1 1. Nota4Õ5. ^ Touro , a quem a magica Medéa

Em Colcos com encanto o fogo apaga , Nota40(>' o em que Jove occulcou a amante idéa,

E com Europa em ondas naõ naufraga ; Nota4o7. O que Febo em Abril com luz rodea,

E com eftrella ardente nos Ceos vaga , Nota 408. Nem o que cenfurou Momo importuno ,

Na producçaõ perfeita de Neptuno.

IIZ.

Iguala ou ja na fúria , ou ja na forma, Nota 409. o Touro , que ao Zodíaco da praça , Como em terreftre figno íè transforma , Com influencia trágica ameaça : A vifta apenas a Bermudo informa , Que com valor , defembaraço , e graça , Com rumor leve de hum trovão enfayo Relâmpago brilhou , e ferio rayo.

115.

Enveíle o Touro , e com tal fúria enveíle , Que eftando ja ferido deu hum falto , Em que quafi igualando-fe ao celefte , Parece quiz fubir ainda mais alto : Firme o braço , ò Bermudo entaó tiveíle, E elle de alento , naõ de fúria falto Morto bramío , e em bronze parecia Nora 4 10. Que o do tirano artifice fingia.

114.

Foge aos applaufos o galhardo Lima , Que a modeflia ao valor fempre fe iguala , Entra em outro Cavallo , em que feeftima A deftra força mais que a airofa gala : Era da cor madura , que fublima O fruto , em que a Provincia fe aíTmala ; Porem no alto , no forte , e no groíTeiro , o excedia o mefmo Caílanheiro.

115.

Canto V. iji

115.

Outro animal manchado achou no Corro , Que a naõ nafcer na ardente Lufitania , Entre os Tigres carnivoros difcorro

O adoptara por filho a adufta Hircania s Nota4i2<

Pouco fez em vencello , que foccorro Achou nos olhos da divina Urania , Que ou eftando parciaes , ou inimigos , Nelles tem os remédios , e os perigos.

116.

Porem ruípenfo na bellcza rara Se deícuidou da defatada fúria, E fe pronto o Cavallo naõ voltara , Padecera o caftigo a amante incúria : O bruto , a que a traição amparara. Pagou deprefla a imaginada injuria , Porque caindo o lenço ao Varaó forte , Satisfez ao defar do Touro a morte.

117.

Branco final de paz julgava o bruto O lenço que cahio ao Cavalleiro , E ja cuidava cm retirarfe aftuto O inftinto irracional rudo , egrofíeiro > Mas logo defmayou ao refoluto Impulfo de inftrumento mais guerreiro » Que aos golpes o caftiga inevitáveis Até fendo os defares inculpáveis.

118.

No aâiivo impulfo , e claro luzimento A efpada de Bermudo em golpes duros Em cada giro a anima hum elemento > Rompe da meya Lua os fortes muros:

DameyaLua, que em furor violento, Nora4ii,

Vendo os feus flancos curvos mal feguros. Perdendo os feus reparos defeníivos, Arieces fe fazem ofFenfivos>

1 J 2 HenriêjUelda

119. Rendidas as defenfas exteriores , E aberta a brecha na vivente praça , De Tangue lium fofib em liquidos furores Por algum tempo os golpes embaraça: A efpada nos íeus rápidos ardores f Até fabe vencer quando ameaça; Sobre o Touro o Cavallo parecia Nota 41 5. Que o Pelion fobrc o Oíla ao Ceos fubia.

1 20. Nota 4 14. Terceira vez hum rayo Tranílagano ,

Que unio a cor fanguinha , e a cor fufca, Ao que 9 efpera Alcides Luíitano, Sahindo da prifaõ , ligeiro bufca, E naò abate o ímpeto tirano, Vendo o ferro da lança , que o offufca ; Cerra os olhos , ás iras dando emprego, A' luz , e á fúria duas vezes cego.

iií. Mas apenas fentio a aguda lança , Qiiando golpe mayor aftuto evita, Em pedaços a haftea aos Ceos alcança , E ao próprio Marte algum receyo excita: Como de viver mais teve eíperança O Touro , naõ fe atreve a quem o incita , Bermudo por cobarde ja o defprefa , Sufpende a força , uzando da deftreza.

1 22. Tanto o perfegueem fim , tanto o provoca, Qtie irritado cavando a terra dura , Pede o bruto por huma , e outra boca, Que ainda vivo lhe dem a fepultura; Mas taõ leve o rejaó fempre lhe toca, Que tormento mais laigo lhe alTcgura : Mil fortes executa a cada pafib Com deftreza , primor, defembaraíTo.

1 1 5s

Canto V, IJ3-

DeíTangrada cahio vicima indina Do invencível valor , bruto cobarde , Outros o feguem , donde achou mais dina Refíílencia o feu braço aquella tarde .- Até qne hum Touro de intenfaõ malina. Que das três Fúrias entre as chamas arde. Vendo hum bruto que a neve em cor compecey Ardente o feros Touro o acommete.

124.

Vio Urania a malévola Megera Nota 4 15.

Incitar com açoute ferpentino Do Touro a fúria , e ainda foy mais fera Com o infernal efpirito malino ; Fere o Cavallo , Urania coníidera Perigo ta(5 mortal no amante fino , Que eclipfadas as luzes dos feus rayos, Deixou do prado as rofas em defmayos.

115.

Os Princepes acodem cuidadofos

Ao fuílo da Princefa , mas tirando

Bermudo a efpada , os golpes pavorofos

Em hum golpe foy multiplicando:

Foge a Fúria aos impulfos valerofos ,

E o Touro , quando a aréa eftá pifando ,

que lhe falta , e com a horrenda guia

Ainda vivo ao Trifauce defafia. -m . ^

Nota 41 ^• 126.

Bermudo corre a ver de Urania bella

Dcfmayada a fineza compaíTiva ,

Do Amor fc queixa , e dcfejara vella

Antes fer mais cruel , que menos viva :

Renace, e rcnaccndo a minha Eftrella

Ainda que refufcices fempre efquiva ,

Naõ íó farey por tanto beneficio

Da vida , mas de Amor o facrifício.

V 117.

I j 4 Henriqueida

izy. Abre os olhos Urania , e reftitue A luz , que ao mundo rouba outro emisferio , Com faycr vivifica quanto iníiue, Nota 4 17. Y^j^, Q Oriente dois Soes no Lufo Império.-

Das três graças nas leys que conftitue Nota 4 18. Dcfpreza do defmayo o vitupério

Julgavaõ-íe as trcs Deofas vitoriofas Mas ja fogem rendidas , e invejofas.

128. Tornao ao roftro as nacaradas flores , Naõ porque o feu mal fe defvanece , Mas porque mais fe avivaõ nos rubores Do motivo, que a todos apparece. Bermudo ao puro affedo nos ardores Sacrifícios prepara, louros tece; Mas a Murta prefere , pois retrata Nota4I5^. Vénus propicia antes que Dafne ingrata*

1 1^\ No dia fucceííivo fe prepara Toda a equeílre deftreza em bum torneyo > E como Henrique o campo aíTegurara, Os Mouros concorrerão fem receyo. Deixame , Mufa , hum pouco , em quanto avata Guarda a noute o primor , garbo , e aííeyo , Com que Henrique magnifico deftina Militar culto á imagem mais divina.

HEN-

^55

HENRIQUEIDA

CANTO VI.

Argumento.

Mantenedor oc culto applaude Aldara , A quem combate Lucidoro amante Muitos campeoens amor também prepara. , Muley no defafio entra arrogante : Henrique viõ o templo , que fundara ^ E nos futuros vio a triunfante ; Fejiivo culto ccnduzio Maria : Aldára em triles duvidas temia,

I.

Antes que em doces vozes Filomena Explique os íeus luaviíTimos pefares , E na harmonia equivocando a pena Alegre os campos , e entrifteça os ares } Do famofo corneyo , que íe ordena > Recumbaõ inrtrumencos militares , Para que em terra , e Ceo fe unaõ canoras Vozes fuaves , claufulas fonoras.

2.

Quando a primeira luz o Sol moftrava> Na Praça hum valerofo Cavalleiro Seu luzimenco tanto acreditava, Q)ie por illb em luzir era o primeiro : Pe ouro , e de azul as armas matizava L ando do p iro indicio verdadeiro Ko ouro das Tetas , com que amor o rende, E no azul do ciúme , que o offendc.

Y ii J.

I j 6 Henriqueida

5-

Sobe no elmo huma cerúlea pluma Para avivar a cor do Ceo , que iguala , Porque ao ciúme hum fimbolo reíuma , Em hum Camaleão bem o aíllnala : E por mais que do ar viver prefuma Nem neíia propriedade o defiguala E ambos cambem recebem com cemores Inipreílbens falfas das primeiras cores.

4. A azulada vifeira ao roílro cobre > Porque nella fe occulcem os affetos , Que nas vcas azues a alma defcobre , Quando pinta o receyo os vãos objetos : ATpide de Zafiras fe defcobre Sobre o peico de ferro , e nos projecos De inficionar o amor mais receofo £ntre flores fe efconde venenofo.

S-

Sobre argentado efcudo o mar íe efmalta >

Que a hum Cto nublado as cores equivoca , Põem na divifa a alma , que lhe falta , Para explicar a pena , que o provoca : Deidade de huma esfera ainda mais alta Adora amante , e temerofo invoca. Diz a letra > explicando aníias violentas , Inconftancias naõ pinto , mas tormentas.

6. Brandindo a lança ao mundo defafia Hoje o mantenedor com garbo tanto , Que por ver taõ galharda bizarria Mais cedo tira a noute o negro manto ; De Sol a Sol no circulo de hum dia Quer fer de Africa horror , de Hefpanhá efpanto > E com edito publico declara , Que elle merece a bella Aidára.

7-

Canto VI. 157

7-

Até Henrique o certo nome ignora do illuílre Cavalíeiro do ciumc j Dcfperca Aldàra ao defpertar da Aurora , E quem feja efte amante naõ prefume ; Naõ pode fer Muley , que fino a adora , E que em feu coração o amor refume ; Nem fora defenfor dos Luficanos Para íer agreílor dos Mahometanos.

8.

Naõ defconhece os trágicos eífeitoSj Que vc repreíentar íua belleza No teatro infeliz de tantos peitos. Que fe abrafaõ nas aras da fineza .* Mas quantos alvedrios fatisfeitos Da eícravidaõ adoraó a fereza, Ainda quando prefumem dos infultos Temem a pena no filencio occultos.

Taõ ofFendida eftá de que appareça O Cartel do galan defvanecido , Que publica o haver quem a mereça No feu contexto breve, e prefumido j Que naõ hc muito tanto fe enfureça O feu rigor nas anfias opprimido , Que acendendo do roílro as bellas rofas Até fizeíle as iras mais fer mofas.

10.

A téa , que brilhante apparecia ^ E do ouro do Tejo fe enriquece , Em largo eípaço o Campo dividia , E de ricos brocados fe guarnece : De mil Clarins de prata na harmonia Eco tanto fe alegra , e defvanece , Que refpeitando os nobres inítrumentoSo^ fíaó fe atreve a partir doces acentos^

t£.

158 Henriqueida

1 1.

Incógnito hum ayrofo Cavalleiro Occupa a Praça em hum manchado Econte ; Verde penacho traz o aventureiro , Porque a fua efperança íê remonte .• Nas armas de efmeralda hum verdadeiro Retrato deu o prado ao orifonte : No efcudo hum rayo a hum louro desbarata , E a letra ; o Ceo fe vinga de huma ingrata.

12.

Ao verde campeão o azul oppoílo Correrão deííguaes as duas lanças ; Cahe o primeiro , c moftra ao ferro expofto, Que o ciúme he quem mata as efperanças .• O defengano no ciúme he gofto, E he pena da efperança nas mudanças : AíTim ao Louro , ó Africo , desfolhas , Levando-lhe a efperança as verdes folhas /

13- Nao foy mortal o golpe , e defcobrindo O roftro ao Cavalleiro defgraçado , Todos conhecem o infeíiz Galindo Da bella Aldára amante defprefado : Como mais que o robufto eftima o lindo , Deu ao mantenedor pouco cuidado ; AíTim vifte , 6 Adoniz , ultrajarte Nota 4io. Do ebúrneo dente do animal de Marte /

14- Mais atenção levou fero Alcabruno, ( Todos eraó da Corte Mahometana ) Ama Aldára , e condcna-o de importuno O rigor da belliíTima Africana : Mas de vingarfe o tempo acha oportuno No que a offende no nome , que profana ; Para que quando a ninfa em varia forte O aborrece rendido , o eftime forte.

ij-

Canto VI. 1S9

Fora definição anticipada O nome, que a Altabruno fe pufera, Que na grande cftacura , e cor toftada As duas propriedades merecera.- Mas a eftatura taõ proporcionada > Porém a cor taõ agradável era, Que nem como gigante a vifta âfíbmbra. Nem deixa de ter iuz na viva fombra.

16.

Muito íe aíTmalou na Perfia , e Lídia , Nota4ií.'

Naó de Marte em militar paleftra ,

Porém na efcola equeftre, em queNumidia

Aos ferofes Cavallos fabia adeftra í

Naõ tem de Africa a barbara perfídia ,

Mas taõ ágil valor , força taõ deftra ,

Q_ae galhardo em torneyos , e terrível >

Sc nomea Altabruno o invencível.

17. Tinha em nome de Aldára fuftentado

Em Fez do Circo os jogos com tal gloria, Que de hum coração por dcfgraçado Nunca pode alcançar huma vitoria : Mas agora , que a , de novo armado Dos rayos , que illuftrando-lhe a memoria > Lhe davaõ clara luz na trifte aufencia, Augmenta o feu valor doce violência.

18. Monta hum ruço queimado alto , e fogoro> Que o Campo Tingitano gera , e cria , E no grande, no ardente, e no fumofo Vivo monte de cinfa parecia : Armas da mefma cor vefte animofo , E também feu incêndio defcobria Sobre o Ethna com neve efte compendio : Naõ ha neve , que encubra o meu incêndio*

1 6o Hmriqueida

Corre a primeira lança com cal fúria , Que cego defenconcra o íeu contrario , Cobardia naõ foy , nem foy incúria , Mas eíFeito do aíFeco extraordinário .* Interpretando o erro como injuria Defte accafo , ou prefagio crifte , e vario , Retira a lança , que da mão naõ folca, Bufca o mantenedor em outra volta,

20.

NeíTa região etérea fludaante AíTim fe encontra na celefte guerra A cólera de Jove fulminante , Que em duas nuvens rápida fe encerra : Nota 412. E á horrifona voz do graó Tonante

Clama o Ceo , foge o mar , e treme a terra, Porque o mundo padeça entre defmayos Os trovoens j os relâmpagos , e os rayos.

21.

AíTlm foy o rumor dos golpes rudos , Aífim o fogo , que ferirão logo As lanças , que quebradas nos efcudos Rayos foraõ de luz , rayos de fogo ; Naó penetrarão ferros taó agudos Nem a defenfa , nem o defafogo > Com que os dois eampeoens novos Mavortes Os vibraó feros , e os recebem forces.

22.

As primeiras três haíleas foraõ rotas , Sem que nenhum dos dois perdeíle a felia , Defprefaõ ambos armas taó remoças, E á maça de armas cada qual apella. As deílrezas da arte mais ignotas Excrcicou a forca , e a caucella ; Cego Alcabruno dos feus forces braços Menos os golpcí faõ , que os ameaços.

Canto VI. l6t

2-3-

Aproveita-fe o illuftre Lufiuano , Que naó perde o acordo , nem na iia, Da fui ia , com que fere o Mahomecano, E inteiro o cimo de Altabruno tira : Sencc o deiar ; arroja-fc inhumano, Como fc hum alço monce cntaó cahira , De hum falco ao Luficano fobre os hombros, Que ao Mouro lança em cerra com aflbmbros.

14.

Ainda que cobre ao campo a branda arca, Como era de íi próprio o precipicio , Tal golpe o Mouro deu , que fe recea , Que fofle efte da vida ultimo indicio : Henrique , a que a piedade lifongea, O fez curar benévolo , e propicio ; Mas elle , que a morrer fe perfuadc , Tem por mayor caftigo efta piedade.

Hum Caftanho do Betis , pés calçados , Nota4tj.

( Cuido pelo veloz , que de Talares ) Monta o mantenedor ja defcaníados Os alentos em tendas militares : Elle , e feu efcudeiro disfarçados Naõ deixaó ver os roílros com peíares De quantos tal valor atentos viaõ , E o mais forte campeão defconheciaõ.

Galhardo aventureiro agora vejo , A quem armas cor de fogo diftinguiraó Em dourado Ginete , a quem do Tejo As douradas aréas produzirão: Objedo foy Aldára ao feu defejo , 'E defde que nafceo , logo influirão Nelle as luzes fataes deíla deidade Iguaes ambos no fangue , iguaes na idade,

X 27.

i6i Henriqueida

Defcendia da eílirpe de Alidoro, Que cm l ez tinha reinado em tempo antigo •, A Coroa perdeo , naõ o decoro No (Q[^ injullo fado , e inimigo •• Era infeliz o illuftre Lucidoro , Tendo de benemer'to o cafligo. Oh cruel , varia , barbara , importuna , Falík 3 infiel , malévola fortuna !

28.

Gentil, fabio , valente, e generofo. Fazem a Lucidoro taõ amável , Que ao Rey , ou prevenido , ou envejofo , Tanta virtude o fez dcfagradavel ; Porém diíTimulando cautelofo , Temendo o Teu direyto incontraftavel , A' Coroa Africana , que ufurpara , Efpcranças lhe deu da bella Aldára.

29.

A tirana , adorada , única filha A Politica diz ; mas como ignora Que ella a Muley o altivo peito humilha $ E que elle fino , e miíteriofo adora; Vendo que Lucidoro tanto brilha Dos verdes annos na primeira aurora , Teme que Aldára , quando o favorece , Com mui pouca violência lhe obedece.

50.

E ainda que he illufaó efte ciúme , Detinha a Lucidoro , e fugitivo Veyo a Lamego , pois fervir prefume A Ninfa amada em cativeiro efquivo •* Vendo o cartel , que occulto amor refume De vaidade em caracter exceíllvo , Corre a vingar a incógnita ouzadia , E em ira nobre acefo aíTun dizia.

Canto VL 163

51.

Fclice Cavalleiro , fe he fel ice Quem fe quer oftentar defvanecido, Acaba de acabar a hum infelice , Que vem a combater hum prefumido : Nada o mantenedor entaó lhe diíTe, Evitando na voz fer conhecido , Moftra-lhc outro cartel , donde fe lera. Que por mais fino amante a merecera.

31.

Agora , ó Cavalleiro , mais me offendes, Pois antes te cedera effa beleza, Que fem a merecer muy vaó pretendes , Por mais fortuna , que por mais fineza; E em quanto hoje de inim te naõ defendes , , e nefie efcudo a minha emprefa : De noute hum Girafol traz Lucidoro , E a letra , fcm ver figo a luz, , que adoro,

33. Nas armas de Rubi o Sol ferindo, Retratando fe o Ceo nas de Zafiras , Vaó os dois contendores ja brandindo Nas duas lanças as ciofas iras : Vc Lucidoro , que lhe vay fogindo O Cavallo , e lhe diz.- tu te retiras Bruto infiel , que fempre ao meu preceito Foíle dócil, domeílico, efogeitor* Nota424.

34- Queres irracional , que ncfle acafo A gloria , a vid.i , o picmio , o nome exponha ? E logo|o biuco , oh prodigioro c?/o/ Moilra ter compaixão , ou ter vergonha: O mais rápido voo do Pegafo, Mas que entre o Ceo , c a Terra fe interponha , Quando deflePerfeo do Firmamento, Naó igualou taõ pronto movimento.

Xii 35.

I ^4 Henriqueida.

Na meya volta as lanças fe encontrarão,

E ambas errando os fulgidos efcudos

Na terra até o enriftre íe cravarão , *

Nota 42 5' Quafi temeo Plutão os golpes rudos ! j

Vigorofos os dois defenlaçaraõ

Os ferros , que ja faõ menos agudos ,

Embotados nas pedras , que eftaó dentro

Da molle aréa no profundo centro,

56. Das fendas , que abre a terra , ó maravilha/

Sahe chama , que as lanças logo atéa ,

Ou he que forma o ferro ardor , que brilh»

De pederneiras na efcondida véa , Nota4i6. Ou que Ceres bufcando a amada filha

Duas vezes inflama a facra téa ,

Refgatando-a do Abyfmo os feus carinhos

Pelos dois profundiflimos caminhos.

Queimaõ-fe as haíleas no fatal incêndio 3 Rompem-íe as maças íobre as armas fortes , As cípadas com hórrido difpendio Ameaçavaô fúrias , iras , mortes ; Mas como da guerra era compendio O feftivo torneyo , aos duros cortes Deftes rayos de Marte defatados Os fios naõ eftavaõ afiados.

38.

Ainda aíTim fupre a força defmedida A fabia prevenção nos contendores , Todo o Circo atroou qualquer ferida , Os golpes foaó mais do que os clamores ; Do que os clamores , que huma voz unida Rompe para aplaudir os contendores i Mas cahio Lucidoro ; 6 mal terrivel i E o dcfarma o campeão íempre invencível.

39-

Canto VI. 165

59-

Hum ay ! fe ouvio de Aldára ; naõ que amaíTe Ao amante infeliz , mas compaíTiva Teme que a trifte vida lhe cuftaffe Fineza caõ eftranha , c excelíiva : Baftou cfta piedade a que ceíTaíTe De Lucidoro a dor , que tanto aviva , Eo Cavalleiro occuko com acordo O reftaura do eílranho defacordo.

40.

Hum fiel efcudeiro , que o feguira , Lhe rega o roílro com o fino pranto , Morto o julga , e no elmo , que lhe tira , , que o partira hum golpe com eípanto : E grica : Oh fabia , ó Maga Rofemira , Que armas falfas forjou teu cego encanto I Eftas com juramentos execráveis Tu me afirmaíle fer impenetráveis.

41. O' flor dos Cavalleiros Mauritanos , O* dos Califas fucceflor illuftre , Nota427«

Príncipe deftinado aos Africanos , De Europa admiração , de Africa lufire I Se hiima batalha aos ferros Luíitanos Vos mataíTe , naõ fora vil desluftre ; Mas quem vos trouxe , ó Lucidoro fino , A fer de huns jogos facrificio indino /

4i- Aflim clamava o mifero efcudeiro ; Mas vendo que ainda o Principe rcfpira , Nos feus braços o leva do Terreiro, E para as Regias tendas o retira : Dos golpes convalece o Cavalleiro , ' Mas o amor , o ciúme , a dor , e a ira > O fazem a Lisboa retirarfe , E nas armas buf^ar , com que vingarfe.

41.

1 66 Henriqueida

45-

Ofman O groíTo cambem foy vencido , Orcane o forte volta maltratado, Hall o negro ííca mal ferido , Ofmin o largo cahe deílroçado : Elche o deítro confeffa-fe rendido , Hazin ò branco em Tangue eíhi banhado, Zaide o ditoíb perde a antonomafia , Vence hum fo Europeo Africa , e Aíia.

44.

Teme o Sol o valor do Heróe occulco > E intenta ja fogir para o Oriente , Mas ao longe apparece hum negro vulto, Qiie corre á Praça atropelando a gente : Antes que acabe o foberano indulto , Que aos Africanos hoje aqui confence. Quer dar do feu valor inteira copia O amante Cavalleiro de Etiópia.

4r.

Mas como agora chega a eftc deílrito, E o cartel do amante mais ditofo. Que a publicar íe atreve em hum edito, Que mereceo a Aldára vangloriofo , Julga que em íbu amor fora delito O naó concradizcllo valerofo , Naó hoje, porque o dia cila acabado , E naò buícava hum contendor canfado.

46.

Mas naõ vos pede , Soberano Henrique, Que àmannaa concedaes a tanto brio , Qlíc outra vez o torncyo fe publique , Pois pede campo para o dcfafio : Permiti , que o feu nome naõ explique , Nem de vos , Grande Principe , confio , Quem hc o nobre Etíope encuherto , Sem cilar íeu contrario defçub-crto.

47.

Canto VI. 167

47- Fingindo a voz o vencedor galhardo

Diflc acticava no ícguince dia O defafio achando o cempo cardo , E que cilas condiçoens adniitia : Sem arnias , que íeiviflem de rcfguardo , Eípadas , c punhaes lo elcolhia , A , cuberco o roftro , e naõ fe achafle Ko Campo quem com vida os íeparafle.

48. Muito fentio o Principe excellentc , De que jogos a aíluncos fuperiores Se vilícm cranstormados brevemente Na Icena dos antigos gladiatores : *t

Mas ainda que violento , às leys confence, Que propunhaõ os fortes contendores : Sahe do Campo o Embaxador do Nilo, A luz acha na íombra o trifte azilo.

49.

Girava a Corte entre os difcurfos vários , Que caufaó os rariíTimos fuccefibs , Todos fem conhecer os dois contrai ios, De hum no troneyo admiraõ os progreíTos.* Em Aldára naõ foraõ temerários Os juizos j que formaõ Teus exceíTos j O co^^acaõ acerta fenfitivo , E mais prefago foy que difcuríivo.

50.

Que culpa tem , ó Fado , a fermofura, ( Diz Aldára ao feu próprio penfamento ) Que expoíla ás fem razoens da forte dura Em cada perfeição acha hum tormento >! Devo de fer fer mofa , que a ventura Aífim me deixa entregue ao fentimento, E fe o fou de mim foges mal nafcida f Quando foy a fealdade apetecida ?

51-

1 6 8 Henricfueida

51- Qiic de Africa , e de Hefpanha o claro império Perca no cativeiro dilacado ! Que por iiuin íolio encontre hum vitupério i Que matalle a Almançor Henrique ouíado / Que a Lua eclipfe a luz nefte emisferio / Que me deixe meu Pay no duro eftado / Tudo liey de tolerar na trifte queixa , Mas que farey quando Muley me deixa ?

Mas ay : que mayor mal do que deixarme, E he fe foíle Muley , como fofpeito , Quem corre disfarçado por vingarme De quem vive de i\ caó fatisfeito : Em trofeos repetidos quiz moftrarme A fortuna , que tema o duro effeito Do defaíio , que hoje fe prepara , E fe morrer Muley , naõ viva Aldára.

Forjou Pelayo Amado eftas cadeas , E por mais que ignorados feus affecos. Até agora encobrio loucas idéas , Bera Çqy , que faõ meus olhos os objetos : Também (^y , ó Muley , que naó rcceas , Que rendaõ ao meu peito os feus projetos ; Nem que por fer mais forte , ou mais dicoío , O teme o teu alento generofo.

54-

£u fim o temo quando te ameaça , ( Se he o mantenedor , como imagino ) Pois tu tens contra ti minha defgraça, E elle tem ja por fi o teu deílino : , Porque vive quem tantos embaraça ? Porque a morte outra vez naó determino De huma infeliz , que ainda que innocente; Se faz por defgraçada delinquente l

S5'

Canto VI. 1 6^

55.

A Ley cruel hoje a aUlftir me obriga Ao tirano efpccbaculo funcfto , E que o que vence hum favor meu configa Do feu valor por premio manifcfto : Eftá depoficada a fatal liga Para hum fim taõ impróprio , e taõ moleílo : Zéfiro efte crofco naõ íe atribue , E outra vez hum accafo a reílituc.

Afllm voaõ os vagos penfamencos Da infelice bellillima Princeza , Enternecendo aos meímos elementos Dor que perturba o Cco de huma belleza : Do Sol , que nafce , os puros luzimentos Nunca a chama moftraraõ taõ acefa ; Pois do roftro de Aldára as vivas cores Com purpura inflamarão feus ardores.

57.,

Vem Tereza bufcala , e conduzila , O refpcito aos íeus olhos foy colírio , As pérolas enxuga , que deílila , Encubrindo em obfequio o íeu delirio : Na janela apparece taó tranquila, Que occultando a violência do martírio , Quando com mais crueldade a eíiimula. Para augmentarlhe a força , o diiamula.

58.

Ao mefmo tempo a monomaquia fera Nota425>.

Para objecto fatal íe prevenira , E a tantos coraçoens move , e altera , A huns a compaixão , a outros a ira : Nunca de Grécia a idade mais fcve.a , Que erpédcculos trágicos admira,

Movco a íimpatia da paleílra Nota 4 50 ;

Na mufica cromática da Orqueílra. Nou^ji

Y ^9.

' I yo Henriquèida

59.

Nunca os Heroes mudados em adores Nota45 2. OeSofocIes , e Euripidcs no pledro Com affectos , e acciícos fupcrioies Se viraõ auinijr do aclivo mecro : Nota45 3. Nem de crille catafíroíc os furores ,

Qiiando dcípoja aos Reys devida, e Scecro, Applica as arençoens com íimpacia, L'0 que a trágica ícena aqui movia.

60. Entrarão os dois ernulos amantes No Campo a paílb igual por parce oppofta > Os vertidos decentes , naõ brilhantes Até donde huma raya eftava poíla : Quiz Henrique dos ferros penetrantes Dos dois punhaes a fúria ver deporta , Alfanges curtos , e no pcfo certos , Cuberto o roftro , os peitos defcubertos.

61. Egas Moniz á Praça fe transfere /

Da Regia autoridade revertido , Do deíafio as leys aos dois referes E em tom grave fallou nerte íentido : Henrique digno de que no orbe impere. Parte ao vorto furor tem remetido ; Porque de alguma forte fe deshonra Quem na barbara fúria pós a honra.

62. Por ilfo dos punhaes a morte breve, Ainda que a efcolherteis , naõ permite , da efpada , e dos braços fiar deve Qualquer de vòs a ira , que o incite ; Nota434. Divide linha reda a área leve, Que do vortb furor fera limite : Ambos na cfpada day os juramentos De eftar de impuro amor , c de ódio izentos.

^3-

Canto VI. 171

Juráy , que naõ trazeis fuperfticioíos Caraòléres , e cfpiricos indinos , E que ambos fois por fangue gcRcrofos, E de afpirar á illulhe Aldára dignos : Mas para que huns alcncos caõ briofos poflaó eíperar prémios condinos , Terá o vencedor a branca venda , Do amado bem a ineftimavel prenda.

64.

Naõ quer faber quem fois , porque o vencido Aos feus olhos naõ fique com defaies j Porém o vicoriofo conhecido Trofeos no Campo erija militares : O Sol também por mim cílá partido ; Naõ haja voz ouzada , que dos ares Soe , intentando barbara incitarvos , Ou pretenda facrilega animarvos.

Naõ vio Roma no feculo triunfante Contra o Pvhinocerontc do Oriente Enveílir formidável o Elefante, Qiie no irado fe efquece do prudente : Nem aquelle com fúria fulminante O corno afia contra a tromba ingente , E efpcrando o fmal com impaciência, Ancicipar furor , moftrar violência.

G6.

Como aos eccos das caixas , e trombetas Correrão os contrários taõ velozes , Que ao fahir de dois arcos duas fetas Nem mais ligeiras faõ , nem mais atrozes : Dentro dos coraçoens clamaõ inquietas Prefas do d aro edito muitas vozes ; 'E fe todas gricaflem animadas , O rumor fe ouvira das efpadas, .

Yii Ó7.

lyi Henriquetda

67. O Eciopc bufcava o peito forte Do Luzicano pela oppofta parte, E (ç^m o feu reparo pronta morte , Ainda ícnao imnjortal , tivera ívíarte; Mas efte le avih'nha de tal forte , Que a fúria confervando as leys da arte, MoíVra em dois contendores taó preclaros, Qiic faõ iguaes os golpes , e os reparos.

Pafiou o Lufo a afimalada raya , Egas o adverte, occnpa logo o pofto Do angulo recaio , cada qual fe eníaya A medir a diílanciaao ferro oppofto ; E porque naõ pareça , que defmaya O valor á dcPcrcza agora expoílo , Se empcnliaõ vigorofos fo na oífenfa Mais do que fe apurarão na deffenfa.

Ambos no lado efquerdo cílaó feridos. As mafcaras de fanguecílaó banhadas , Correndo das cabeças repetidos Rios de fangueem duas cotiladas : Os golpes taó iguaes fe vem medidos Entre os dois , que falcando-lhe as efpadas Ao Fneímo tempo , entaõ fe vira, Que a maij direita cadaqual ferira.

70.

Apertaraõ-fe em laços taõ eílreitos , Que amizade parece o que he ira , Tanto fe uniraò os valentes peitos , Que com o alento de hum o outro refpira .- Sc do vigor perderão os effeitos, A fuprilos o efpirito confpira, Ncnlium fe defmayou eflando exangue, •Porque a alma immortal naõ perde o íangue.

71.

Canto VL ly^

71.

Ambos Anteos na terra a hum tempo cahcm, E delia com mais forca íc levancaõ, Ambos Alcides , po?*que nau dcfmayem , No ar com muis vigor ao mundo efpancaó; Vias cm rios purpúreos tantos íahem Eípiritos , que efpiritos quebrantaó, Qiie em hum ponto os contrários esforçados Cahiraó , naó rendidos , mas poftrados.

7'--

Egas corre piedofo , exclama Henrique,

Urania chora , mas Tereza adverte ,

Que os roítros lhes defcubraó , e fe applique

Pedra , que eílanque o íangue , que fe verte :

Mas que Mufa haverá , que a pena exphque

Da triíle x^ldára , a quem a dor perverte

Vendo como o temia o feu deímavo,

Que hum he o feu Muley , outro he Pelayo.

75. Antes que as luzes dos feus olhos bellos

Em dois fatacs defmayos fe eclipfaflcm ,

Os rayos dos feus nítidos cabelos

Arrancou , porque ao mundo fulminaflem j

Delinquentes feus braços quiz prendellos

Urania , porque nunca a maitratafibm ,

Por piedade caftigo applicar deve

A culpas de criftal prizoens de neve.

74-

Todo erâ gelo o roftro , todo gelo Era o Tangue , que em purpura o tingia , Taõ congelado eftava o corpo bello , Que huma eftatua de neve parecia ; Cloto em defmayo eterno quiz deteilo No circulo , em que o rápido corria , Mas da Parca o Amor vence os furores, E criunfaõ dos gelos os ardores.

75'

174 Henricjuetda

75- No dcfmayo Cupido reprefenta Ao coração , que o leu idioma entende, Que Pclayo , e Muley a hum tempo alenta Nota45<í. Com erva vulneraria , que os detende ;

Aíilm foy , porque a vida aos dois izenca De tanto mortal golpe , que os ofende ; Alquife em Medicina taõ profundo , Que os fegredos de Apollo explica ao mundc,

Também deu vida a Aldára nefta cura, E Henrique generofo remunera A Aídára o fabio , que tal bem procura, Com huma copa deouro , e huma esfera: Nota4;7. Efta , abreviado o Ceo , a luz lhe apura

Nos aftros rutilantes , que numera ; Nota 4 3 8. Grava a copa Chiron docbo Centauro , Nota 4 2 9. ^ ^ Numen Serpentino de Epidauro.

^ _ 77.

Moniz tao igual julga o defafio. Que o premio aos dois amantes jufto nega , Valor , dcftreza , gala, amor, ébrio, Sem difFerença a admiração emprega.- Entrou o ardente Deos no império frio , E na Corte o efpanto naõ focega. Por ver defcuberto em hum defmayo O miíleriofo afiecto de Pelayo.

78.

Condenaõ os políticos afturos Que o coração Pelayo aífim rcndefie, E tendo taõ illulhes atributos , A huma infiel , a huma inimiga o dcííe; Quem de Amor os decretos abfolutos Por certa experiência reconheííe, Naó fe admire , que unidas na defgraça O vença difcriçaó , bellcza , e graça.

79-

Canto VI. 175

79.

Ja pródiga efpalliava a branca Aurora Pcrolas , com que enfeita as lindas flores , Quando Gialdo chega, que acégora Airiilia de Carquerc aos primores .- Diz a Henrique : a puriflima Senhora DcO.e mundo inferior, e dos fuperiores, Qi.ie pouco amanheceo neQe cniisferio , Deidade he tutelar do Luzo Império.

So.

Primeiro das Gentilicas deidades, Depois íervindo aos Mahometanos ritos. Edifício cxiília , a que as idades Reípeitaraõ por tempos infinitos : Os muros confervey , e as impiedades Purifiquey dos bárbaros delitos , E fem perdera antiga arquitetura, Supre ao jafpe a madeira , e a pintura.

81.

Maria tem por Vos decente hum templo Milagre da incanfavel diligencia , Se naõ o mais magnifico o contemplo , Tem proporção , riqueza, ordem, decência* O Ceo vos diz , que com taô fanto exemplo Régios Heroes da voíTa defcendencia Faraõ mais fumptuofos edifícios Coníagrados de Deos aos facrifícios.

82.

AfFonfo à alta deidade agradecido , Que em Carquere a faude lhe promete. Aos filhos do Mellifiuo efclarecido As dadivas magnificas repete: Vafi-o edifício cerca o templo erguido , Do Mundo as maravilhas foraó íete: Maria em Alcobaça Soberana .

Deixa envejofo o templo de Diana. ota44i.

83.

1 7 5 Henriqueida

Outro naõ deíigual devoto erige

iNota442. jyjjj.Q ^(j Mondego ao lenho Sacroíanro, E aos filhos da Águia de Africa dirige A vida ícguiar , e o Culco Sanuo :

Nota 44 5. Da gloria de Gufníaó bem fe colhge. Pois na Regia Tereza brilha canto, Qiie à 1j atalha dará marmóreos muros Rayos de eitrella .íaò , claros , e efcuros.

84.

Nota 444. Dciempenho fera do ardente voto

Da outava geracaó , que fe eterniza : Com nome igual hum Rey de Hefpanha roto De outro de Liiia o nome immorcaliza :

Nota445. Hum defcendente feu grande, e devoto. Undécimo Varaó , que fe divifa, Outro Belém formando no Occidente Leva de hum Deos o oriciuc ao aiefmo Oriente.

85.

Nota44í?. Filhos do do6to interprete divino,

Que em Belém explicou Sagrado Texto, E expôs com raro etludo , e peregrino Da lingua Santa incógnito contexto ; Servirão a efte templo augurto , e dino , Cauía da devoção , e naó pretexto , Fazendo Deos ao Rey , e aos íeus erários

Nota 447. í^ais de três Rcys do Oriente tributários.

^ O evo decimo outavo conte o mundo,

44 £ ^^^ j.^^j decimo outavo defcendente De animo heróico , de friber profundo. Sacro edificio faz mais eminente .-

Nora 44 9. Oa Cidade , a que o khaco facundo A gloria deu , e o nome eternamente. Pouco Mafri fe aparta , para donde

Nota 450. Calixto fe levanta , o Sol fe eícondc

í

Canto VL 177

87.

Monres fc abatem , valles fc fubiimaó, Formaõ-fc vias Apias militares , Nota4ii.

Com prémios os artífices íc animaõ A abreviar as obras lingulares .- Precioías pedras , ainda que as opiimaõ Priíbens da terra , fobemaos alçares; E ainda que fe refiftem importunai) , Voaó aos obelifcos , e colunas.

88.

Robufla , e delicada arquicedura Da geometria as proporçoens obferva, Dos marmóreos matizes à Pintura Aqui a natureza naõ referva •• Nos íeus vivos primores a Efculcura Heròes tantos ao tempo aíTim preferva , Que as cores , que empregava o deftro Apelies, Servem nas producçoens de Praxiceles, Nota 45 2,'

Os pincéis dos finceis nada envejofos Eternizaó também facras hiílorias, Sem ouro os ornamentos íumptuofos No r.rtificio enriquecem novas glorias ; Pir.imidcs nos bronzes luminofos Da devoção trofeos, da vitorias : Aidem com feus incêndios nunca exhauftos Da piedade abrazados holocauftos.

90. Do Serafim de AíTiz o humilde rico Nota 4; 3.

Numerofo eíquadraõ, e penitente. Guarda com regra cal nerte deftrito , Que a difciplina obferva fantamenae: ^

De Maria o dedica ao infinito ota4y4.

Patrocinio, e ao Santo , que excellence Terá vencendo o tempo, a forte, ocafo, Em Lisboa Oriente, em Pádua Occaío.

1 7 8 Henrique ida

91- Com língoas de metal mil prodigiofos

Voaó viventes bronzes animados ,

Que em alta confonancia harmoniofos

Chegaõ aos Ceos com feus canoros brados :

Gig.intcs faõ pelados , que animofos

Sobre montes de mármore elevados

Nas torres vigilantes fentinelas

Nota455.Sem impiedade aQalcaõ as Efttellas.

91.

Nota45(5. Será do Sacro voto defcmpenho

Hum Príncipe galhardo, ei admirável. Donde as virtudes , o faber , o engeniio Seraó do Rcyno gloria perdurável : Bellifllma Princeza fino empenho Da prizaõ de Himeneo no laço amável , De Hefpanha , e Portugal na alta aliança

' Satisfazem reciproca efperança.

95. _ .

Em Carquere fe apure o vaticinio, CeíTem agora os jogos , que profanos. Se íatisfazem pios o definio, Saó por fanguinolentos inhumanos : Algum dia fera voíío dominio Izento de efpectaculos tiranos ; Ley contra os defaffos juíla alcança, E o brio naó dependa da vingança.

94. Vinde famofo Heróe , vinde Senhores , Ceda à Imagem Divina o íimulacro , Multipliquem-fe em luzes os ardores. Com que hoje de brilhar hum rito Sacro •' As lagrimas dos vicios aos horrores Expiem com puritTimo lavacro , Por que as que naccm da alegria Nas clatazulas íe enxuguem da harmonia.

í?5'

Canto Vi, 179

Do generofo Henrique o peito adivo Ordena, que ao criunío de Maria Apparcça no dia íucccírivo Quanto ao feu culto muiros prevenia ; A Muley viíltou , e compallivo Poftos, riquezas, glorias prometia , Se apartado do erro Maliometano Goncorrelíe ao triunfo Soberano.

Elle esforçando a voz debilitada Pelos rios de Tangue, que perdera , Lhe diz : naó {c^y , Senhor , com que animada Violência em mim voíTo preceito impera •• A vida , a liberdade fogeitara Com facrificio fino , ,e fmcera, A feguir quanto explica cíTe projeto A minha obrigação , e o meu aíFeto.

97-

Mas a honra me prende na homenagem Do grande Rey de Fez, que fírvo ha tanto, E he mais indiíToluvel vaffalagem A que profeíTo ao meu Profeta Santo : Mas fe hc taó poderofa nefla imagem

A pura May de hum filho facrofanto , Nota-4.?7

Se he certa a voíTa ley , para que a admire , Com inftancia, lhe peço , que ma infpire.

9^8.

Henrique alegre o toma nos feus braços, Elle lhe diz , que logo ha de auzcntarfe , Que das feridas os violentos laços Permicaõ fem perigo o retirarfe: vjg -j^

Que Aldara poíTa ver fem embaraços, '

Lhe pede com inftancia ao apartaríe: 'Henrique naô lhe nega efta licença , Que aceica por mais alta recompenfa,

Z ii Pi?,

1 8o Henrlqueida

99.

Bufca logo o Heroe ao feu Pelayo , E ao vello com temor , e com refpeico, Transformou o obfeqiiio em hum defmayo , E o fuílciícou o Príncipe em feu pcico : Logo refpira em caõ picdofo enfayo , E Henrique receando o criíie eíFeico ; lhe diz que huma vida caõ illuftre Perderfe em vãos combates he defluílre.

lOO.

Diz Pelayo animando o defalento , VoíTas vozes , Senhor , fe contradizem , Pois por naó augmcntar meu íêntimento , Me dizem mais em quanto me naó dizem : Bem (cy vos encubri o amante intento , Sem merecer que a pena me fuavizem , Naõ me dando efta vez raayor caftigo j Se amo a filha de hum K^y voiTo inimigo.

101.

Como fer feu efpofo me impedia. Seu rigor , minha , voffo intercfle , Para explicar as anfias , que fentia Julguey que a permifiaõ naó fe me dcíTe: Augmentavafe a publica alegria , Com que o mantenedoí naõ fe foubeíTe -, Bem podeis perdoar hum nobre eífeito Do decoro y do amor, e do refpeito.

102.

Trocar fe em defafio efte torneyo Naõ foy minha eleição , pois me obriga A que o admita naõ moftrar receyo A' gente Mahometana, e inimiga. Mas he dos meus fentidos trífte cnleyo Ver que a pia Deidade me caftiga , Pois celebrando o Numen Soberano Confundo o amor facro no profano-

i®5

Canto VI. i8i

105.

É O Varaó gcnerofo o admocfta

Com lagrimas diícretas , e benignas , A que modere a pena , que o nioleíla , E a vida exponha em occaíioens mais dignas : "'■ Pelayo lhe aííegura ; e manifcfta. Que hum nobre amor tím faz acçoens indignas , E fará quanto Henrique de crecára j Excepto , fe mandar naõ ame Aldara,

104.

do triunfo facro os ecos foaõ. As tochas fe repartem rutilantes. Os clarins fuavizaõ quanto atroaó, Enriquecem-fe os carros triunfantes : Os eftendartes pelos ares voaó; Adornaõ-fe as figuras mais brilhantes : Virtudes faõ , e o mundo aqui fe mude. Porque vio efta vez rica aviítude.

105.

Em quanto alegremente fe previnem. Seis vezes nace o Sol, féis vezes morre, Em todos varias feftas fedeftinem. Que engenhoza alegria entaõ difcorre.' Para que os mais velozes fe examinem , Premio terá quem mais ligeiro corre : fe levantada por divtfa Em dois eíladios cândida balifa.

106.

Silvio Paftor da Beira foy primeiro Em correr coiu Montano o Tranfmontano, Efte mais forte, o outro mais ligeiro , Hum parte confiado , o outro ufano; Silvio fe adiantou ao mais groííeiro; Melhor o alento confervou Montano, , E qual fahe do arco a veloz feta , Montano alcança o premio , e chega a meta,

107.

1 8 2 Henriqueida.

107.

Foy o preço hum Ncbli de prata fina , Que aos vivos igualando na grandeza , Moncano , a quem o premio íc deílina, Eilima os naõ iguale em ligeireza : Deufe a Silvio huma Garça , que feimclina Ao Nebli , que voou com maispreíleza, Ainda que eia interior, naõ foy delprezo Ter o menos veloz o menor pcfo.

108.

Coração formado de hum diamante Foy alvo , e premio à mais ditoía feca , Que acertaíle voando em hum inílante A breve , dura, epreciofa meta; Era Adónis do Tejo Liíidante Hum caçador, que a ave mais inquieta, Por mais que gire , e voe em vago arrojo, He dofeu tiro trágico defpojo .

109.

Ama Amarilis Ninfa, que no Douro (Que a fua formoíara bem retrata ) Tem nos cabellos as áreas de ouro, Moftra no roftro a preciofa prata : Tirfo paftor da Beira efte tefou-ro Pretende , mas a Ninfa ambos maltrata , Porque he feu coração incontraílavel Mais que o diamante duro , e invulnerável.

1 10. O Amor invocaõ> e as douradas íetas Os dois de longe deftramente tiraó , Voaó exhalacoens , correm cometas , Fulminaó rayos , e planetas giraó ; Giraó , porém malévolos Planetas Taes rigores influem , taes infpiraõ Defdcns na bella Ninfa, que adorarão j Que o duro coração naó acertaiaõ. ,

III.

Canto VL 183

III.

Mayor mal , que o defar hoje padecem , Porque no infeliciírinio naufrágio Outro favorecido reconhecem Do ciúme em malévolo contagio ;

Hum galhardo Francez, que dcfconhccem, Nota485.

Difpara aícta, e com feliz prefagio Acerta o coração , e o rende fino , E de hum , e de outro premio fe faz dino.

1 IX.

Hercules de Rohan era , e valente Hercules no valor , e força eftranha. Que Amarilis amava occultamente, E encuberco faira de Bretanha ; De Bretanha, em que reyna ilíuftremente, Epor fervir a Henrique na campanha, Eexporfe voluntário aventureiro. Encobre o Soberano no guerreiro.

m-

Neíles , e em outros jogos bellicofos Os heroes mais infignes fe entretinhaõ , Em quanto os apparatos maisfamofos Apelar dos dezejos fe detinhaó : Pelayo , eMuIey ambiciofos De nova gloria novo alento tinhaõ : Bufca Muley a Aldara ao defpedirfe, E aíTim lhe diz donde naõ poíTa ouvirfe.

114. que naõ permitio , beíla homicida, O fado , que ao meu bem nunca he propicio j^ Que perdendo por ti a triftc vida , Fizeíle mais completo o facrificio; De todo morrerey neíla partida Tendo nas faudadcs exercício O pranto em finas lagrimas desfeito , Qne o fangue , que ainda tem , veica o meu peito. >

115.

1 84 HerjricjUeida

Eu parco, mas de ti me apartara Voltar taõ prontamente alibertartc. Que (c a Vénus excede a bella Aldara , Quando a adora Muley j naõ cede a Marte: hlRcy teu Pay o exercito prepara, E feguem ao feu bellico eííandarte Quantos Toldados tem de Africa a terra , E deu Lifia vencida em dura guerra .

iió. Nota 45 9' ^ Eílreito Hercúleo , o Gaditano pego

AtraveíTou armada numerofa , De huma batalha bufcará o emprego, Logo a Coimbra fendera famofa : Coimbra, que he a chave do Mondego, Com que íe fecha a Beira bellicofa , E fe oufado o focorro intenta Henrique , Força fera, que derrotado fique.

117.

Por ti avifa, que Axa tem tramado Huma confpiraçaõ muy bem ordida , Enella Affonfo, que ha de íer roubado , Será penhor, que te aíTegure a vida; Axa com feu esforço denodado Também hade livrarte , e defendida Por mim, que heide voltar para fervirtô, A o Mondego pode conduzirte .

iiS.

Muftafá , que em aftucia he novo UliíTes , Te dará ainftrucçaõ, anoute, a hora: Faça amor meus projeros mais felices. Do que os outros fe viraõ ateagora .• Algum dia naõ fcjaõ infelices Os votos dehum amante, quete adora; E acenda mais Cupido as duras fragoas Com o animado ardor das mirdias magoas.

115.

Canto VL 185

119.

Naõ fofrc o teu refpeico ,cmeu decoro, Qj-ie finca de Pcla3'o os vãos excdibs. Pois do ciuinc o vil affeclo ignoro , E no meu coração nau tez progrcílos : Sabes o bella Aldara , que te adoro , E em meus infeliciírimos íucceiros Como firme hcy de achar tua conílancia, Naó temo datorcuna outra inconílancia .

120. Seguro eílás , Aldara lhe refponde , De quem tuas finezas reconhece, Segura a ElRey meu pay , que cor refponde As fuás leys quem fina lhe obedece: Mais quifera dizer, que o peito efconde Aííecto, que fe tanto o naõ prcndeíle O decoro , o concurfo , que chegara, Pode fer que aprendelo naõ bailara.

121. A Muílafá carta dei Rey entrega , E he certo que ignorava o que continha, Que a boa ley , e a obediência cega Fez que ignoraíTe o mal , que nella vinha: Náo ^ que com vento profpero navega, Ave que voa, Cerva que caminha, Naõ igualaõ Muley , que fe defpcde , Que ao penfainenco iguala, ao vento excede,

I Z2.

Duas cartas o Mouro achou inclufas, Huma Hali Rey de Fez lhe remetia , Na fua as inftrucçoens vinhaõ diííufas Do roubo , que do Infante pretendia : Ade Aldara expreíToens faz taõ confufas , Que dos feus mistérios fe entendia ^Oque bailava para o fentimento, Com que lhe deu feu Pay niayor tormento l

Aa li

l86 Henricjuetãa

123.

Em quanto Axa outra carta Ic contente, Porque ElRey lhe promete libertala , E lifongea a fua cliania ardente Na ocaziao , que lhe para incitala ; Aldara fe retira occultamente A ler-, mas hum prefagio lhe aíTinala Hum tremor, que a fufpende, e a eílimula, E muda í6 feus males articula.

124.

Filha, Iheefcreuc, quando a tua auzencia Naõ pode confeguir cirarrae a vida , A mayor guerra, e a mayor violência S^Y que nunca hcf deter por homicida: Na6 cuides que aconftancÍJ ,ou que a prudência Curarão com o tempo efta ferida; Quem a mitiga he (6 huma efperança De pronta, certa, e afpera vingança.

I25-

Subjuguey aos rebeldes Tingitanos , Conquiftey de Numidia o varto Império, Dilatey os limites Africanos Muito dentro do tórrido emisferio ; De poucos colligados Lu/icanos Recebi duplicado vitupério ; A Almançor fepultou rápido o Douro, E em ti perdi meu víiico tefouro,

\i6'. Aftuto Muftafá, Muley valente Com Axa incomparável Heroina Vnem o forte, o heróico, eo prudente Para caufar a Portugal ruina: Hum roubará Atfoníb defcramente , O outro a libernrte íc dcllma, E Axa com íeus parciaes hade ampararte, E te cx)nduzirá para livrarte.

t Canto VI. 187

1Z7. , Muley de Muftafó trará noticias

Do íkio para o campo ailínalado, Das horas para a cmprcía mais propicias. Da lugar para a Corte deciCtado r E porque naó defpcrtem as malicias , Vendo huma copia os três dcfte tratado, A todos inflruccao vav diíbrcntc, E â dilTimulacaõ fcmpic he prudente»

118. Na noite, em que chegar ao novo Templo O triunfo, que ha tanto íe previne. Por própria aos meus intentos eu contemplo , Que a huma empreza raõ árdua fe deftine; Da fua Religião o falfo exempla Com eftc máo fucceíTo íc arruine. Vendo quando Maria eftá triunfante, QjAC eu levo por cativo o feu Infante,

l-LÇ).

Pella parte de Arouca diffílaraa Valerofos Toldados efcolhidos , Em trage de paifanos diffarçaraõ Os varonis impulfos prevenidos: Nos carros entre frutos ocultarão Os arnefes mais fortes, que luzidos j E no campo acharam para montallos Dos mefmos inimigos os cavallos.

150.

Faltame fazerte huma advertência. Em que huma alta politica fe encobre, E hc faber que Muley com mais violência Os feus nobres aíFeclos te defcobre : E te ordeno , que moftres na apparencia. Que ao feu igual ardor teu peito cobre ; ,Mas tudo fem perigo do decoro, forque efpoía has de íer ^^ Lucidoro,

i88 Henriqueida

Minha idade avançada naõ permite , Que o deixe, e íeus parciaes com tal diíeito , Sem que Taiba de certo , que o admite , Como o mais digno império , hoje o teu peito : Huma guerra civil naõ tem limite , Que naó produza perigofo eíteico •, Em fim por caufa occulta , e muy forçofa, Nora 460. Tu de Muley naó podes fer efpofa.

O efpirito fútil , que iníiama o rayo , A que a frágil matéria naó refilie, Porque penetre em fulminante enfayo Duro metal, que no feu centro exifte , Naõ produz dano igual, igual defmayo , Qiie o coraça"i fentio de Aldara trifte , Qiiando fem que oífendeíTe os olhos logo Abiaza ao firme peito o leve fogo»

AlTim fe queixa ; ò timida efperança , Que com fingidas glorias lifongeas , Para eniíanar huma infeliz lembrança A ambiciofa illufaó de outras idéas : Se nos meus males de haver mudança , Porque cm ecerna duvida os enleasr* E fe a naõ ha de haver, porque em meu dano Prcndclle com o engano o defengano ?

154.

Nos npparcntes longes da alegria Gaílaílc o cabedal do fofrimento , E augmentas o dilirio da oufadia, Preferindo á verdade o fingimento? com a fem rezaó de huma porfia Jnfamafle arazaj de hum fentimento ; E a hum golpe atroz meu coração ferido He mais cruel por menos prevenido.

Canto VI. 189

'35.

Ingrato Pay, que hoje o meu mal pretendes, Naó baila que em defcuido taõ grofleiro , Quando da ercarvidaõ me naõ defendes j Mc deixes cm taõ longo cativeiro.^* Se me queres livrar, porque me ofendes ? Tiras-mc do alvediio o Ter prim.eiroí* E da tormenta em huma breve calma Livrafme o corpo por prenderme a alma ?

136.

Tu naõ me deíle o fer , pois fe mo [deras , Hum -benefício tal naõ deílruiras , Ou o amor , que gerafte conheceras , Ou o feu fino ardor naõ me arguiras : Se a ti de Africa os afpides , e as feras , Te infpiraraõ venenos, deraó iras, Naõ tenho eu ptodudor de tanta injuria , Quem vio o Amor fer filho de huma fúria?

157.

Se eíTa razaõ , ou fcm razaõ de eftado Der eíTe vafto Império a Lucidoro , Outro Império mayor tenho ganhado No coração , que eternamente adoro : Outro enigma occultaíle ao meu cuidado, Tiras-me a vida, arrifcas-me odecoro. Pois conclues dizendome terrivel, Que fer eu de Muley he impoíTivel.

158.

Nao he elle de eílirpe tao gloriofa, Que primeiro que a tua vence Hefpanha ? Naó conta a fua eípada valerofa Em cada golpe feu huma façanha? Alma heróica, fubliíTie, gencrofa , £ de amor a fineza méis elhanha, JSciencia , difcriçaõ , garbo, deftreza. Pontualidade, agrado, c gentileza. <*

1 9 o Hemiquéídá

Pois fe iílo naõ defculpa a fimparia , Q}ie cu luermo em meu Peito fom^ncafte, E quancio a Lucidoro o preferia , Que em tudo me igualava me aíirmaíle ; Qtie noticia, que caufa , ou que porfia Faz que revogues quanto decretafte? Quem te dille com falfo vaticinio, Que ás almas fe eíteadia o tea dominio l

140.

Muley naõ fabera taõ novo intento. Porque quero- evitarte hum inimigo , Que tem para o ingrato, e o violento No feu valor prontiiTimo caítigo : Nem faberá meu roftro o meu tormento \ Eu bufco a Muftafà , e a Axa Ggo : Ainda con vida quero, que me vejas. Para verme morrer, como defecas.

14L.

Seguindo as inftrucóes os conjurados , (Que de Aldara 03 difcurfos interrompem) Buícaõ entre os cativos os Toldados , 'Que por ver o triunfo as prizoens rompem Pelo indulto de Henrique libertados A os benefícios com treiçoens corrompem 5 E a noite fucceíTiva ao fanto rito Querem inAeis que firva ao feu delito.

HêN,

19 1

CANTO VIL

Argumento.

Deu Henrique aos cativos liberdade^ Axa a huma rebelião falfa os convoca , Magnifico triunfo da Deidade , Valias novas rreiçoens dura. -provoca : Nocturno ajfalto em barbara impiedade A'- luz, do e feudo magico , a que invoca , Axa, o Infante expondo a grão perigo^ No N-umen tuteUr acha o caftigo.

1- A o excelío triunfo de iViaria

Concorrerão do Ceo as luzes bcUas ,

Na mefma noke fe anticipa o dia,

Suprem ao To! , a lua , e as etlrelias:

A Imagem mifteriofa enraò fe via,

Servindolhe as celeíles fcncinellas.

Nas cílrcllas, na lua, e foi luzido ,

De coroa, de trono, e de veílido. oa4

2.

Simholo feu íê anticipou a Aurora Das fombras defendida, e preservada, E do foi da juftiça precuiíora Dos rayos lhe modera a força irada : Delia o afiro nafceo, que o Mundo adora Sem que rompefle a nuvem illufirada ,E apuraó as celefies filomenas Canoros voos, harmonioías penas.

li

Tudo êmííofthòs admira o pi^ Henrfque, E deípeicandí)Vi<Ji campo dei perca va^ i íúA

Faz que a todo o cativo fe publiques* «lOi fiííH Liberdade, que tanto dczejava ; ': ^ :íJiH

Que eíle indulto geral fe notifique , \ K

'^'^■mM Ordena, e-'que delle reícrvava, abaaV

Pelo obrigar politica cautela , oZ

Com os Reys de Lamego Aldára bella. * ^

4. -^Naõ quero, diz, ó triíles Mahomeranos , Ver nos votlos íemblantes as ideas, a):4.i^-ií-..

^^i^ên'.; Qiie a alegria dos ânimos vfanos va ^up' .

Malencolicas turbetii , manchem feast^jÊosMâCI; Nota 46 i. Se imitaíTe os triunfos dos Romanos , O ,

Bem pudeta levar vos nas cadeas > ■■ ;- .-'Ay\ v'J. Atando ao carro a barbara vaidade ^ioVaíri ?iO^ No triunfo mayor de-humâ DH^idadev^P pk^SiM^

"'^^^'^■^%Ias como ella concede !0^''íeÉRSf^auípicÍQS Para o mundo fahir do cativeiro i>,^«ííS?íí^i=SiíP'Jie^> Participay de tantos beíieíicios^»' ^f = E deixay de humà vez rito groífeirõ : Achareis Teus influxos caõ propícios, Se hoje feguisò citito verdadeiro ,? "3i ^ Que tereis , efquecidos os iníultos , Eternos bens , benévolos indultoSi

6. Alguns ouvindo a Henrique íô convertem Rendidos aos aficdos gencrofos, Outros , que com favores fe pervertem , A treiçaõ diirimulaó cautelofos : <

Em ElRey de Lamego então fe adverfem- : v.

Sinais enternecidos , e piedoíbs , " ^.:>7 ^>-. j .^ De que ja com as luzes da verdade ia d mi-^Q .1- , Mais que a prifaô íeíicira a liberdade*-. .'- :-:i -"^

Canto VIL 193

7.

Axà a confpiraçaõ lhe communica, Mas ElKey lhe refponde a naõ approva; Ella com razoens fortes lhe replica, Elle com caufas juftas as reprova: A Rainha os motivos juftifica

Vendo que Henrique na amniftía nova Nota 4^3

aos dois rigorofo exceptuara, E a infelicí" , e foberana Aldara.

8.

Que aos três mais oífendeo neíla referva ; E aíTim romper deviaõ a omenagem,

Que em fonhos vira a Palias, e Minerva Nota4(j4í

De Maria roubar a nova imagem ; Que a imprudência de Henrique hoje os pcrícrva De fofrer taõ indigna vaíTalagem ; Pois em feus incereíTes naõ difcorre. Quando com fuás armas os focorre.

9-

Naõ tens , refponde o Rey , que perfuadirme > Porque fempre imprudentes teus proje6tos Confeguiraõ perderme , e deftruirme , Dominaihio tirana os meus afíedos Que fonhos , que vifoens queres fíngirme Da cega idolatria em vãos objectos ? Multiplicando infiel o fer Divino , Quando negas hum Deos , que he Una, c Triao?

10.

Renovas dos Romanos , e dos Gregos Superftiçoens no mundo ha tanto extintas , Quando aos que eraó mais fabios, menos cegos Foraó allegorias indiftintas ? Fabulas, que aos Poetas faõ empregos^, Como verdades foHdas me pinças , , E nem bufcas defculpa em taes horrores De fer a religião dos teus mayores?

154 Henriqueiãa.

11.

Naõ eftranliaràs muito , dando o exemplo , Que eu cambem deixe o Mahometano rico .• v? Que abominável eu cambem contemplo Nota4(j7. No bárbaro Alcorão com ferro efcrito.* Segueme, amada efpofaj bufca o templo Dos Chriftãos , reconhece o teu delito j E Tece deixo, e tua idolatria, He por Ter efcravo de Maiia.

12.

Eu , a Rainha diz , em ti refpeico Hum efpofo, ainda fendo taõ indino. Porém obra em ti magico eíi-eico ^

' ' De algum encanto períido , e malino :

Efte punhal do teu cobarde peito Vertera o Tangue por caíligo dino ; Mas fique impune taõ horrendo infultoj Porque de que te amey gozas o indulto.

15- Se a Religião, que figo, e cu declaras, NeíTa tua ignorância conheceras , Nem a dos Mahometanos adoraras, Nem a vaã dos Ghriftâos cego atenderas; Eu vou facrificar nas facras aras De Palias , e te deixo entre quimeras; Mas fe naõ queres quererme por matarme , Ao menos o fegredo has de guardarme.

14. Parte mais que em amor acefa em ira j Cede no Rey o efcandalo à piedade, E do grande concurfo fe retira. Sentindo mais o engano, que a faudade .• Naõ lhe fia a Rainha , que confpira Por tirar ao Infante a liberdade, p

Que pode fer , que o dano prevenifle, -^<|

Sem que a efpoía, e fegredo deflruiífe. s^q

''Cdntò VIL ^9$

Tntré tanto o exercito devoto Em ordem diffciente eftá formado Da sntigaj com que fempre deixou roto Do Ifmac^ica feroz o ardor ouzado; Fará dciempcnhar o pio voto , Em que o Rcyno de Henrique eftâ fundado ; Tochas tomaõ em dia taõ feftivo, E he cada peito hum holocaufto vivo,

1(5.

Quantas naçoens às feílas concorrerão. Se unirão aos foldados generofos ,

E das azas de Dédalo lhe deraõ Nota 461;

Com que inflamar ardores luminofos - Neftes cândidos voos, em que arderão > Naô temem precipicios perigofos, Qpe humildes fem impulfo temerário Naó daó trágico nome ao mar Icario»

17-

Ainda que fc civeíTem dcfcuberco Os perfpicazes tubos criílalinos ,

Com que depois o Florentino experta Nota4(j5>V

Penetrou os cípaços diamantinos , E no cerúleo liquido deferto

Tantos pode indagar aftros divinos, r

Que vencendo a diílancia incomparável > Numero numerou innuraeravel. Nota 470;

Naa excedera as luzes inquietas. Que errantes fobre a terra entaõ giravaõ;^ ■.

Para Henrique benéficos Planetas, A que as fuás virtudes illuftiavao ; Para os Mouros malévolos Coinetas , ;

Que ruina fatal amcírçâvai" , Para a Deidade efpiricos brilhantes. Que adoravaô feus rayos ruuiaiices. * Bb u íg*

^r

196 Henriqueida

19-

Move-fe o Firmamento luminofo Nota 471. Também tardo, e com ordem, cfcccgo, Nota 47Z. Por trinta e cinco cíladios vagarofo, (Tantos difta de Carquere Lamego) Defcrever o triunfo fuinptuoro Será da Mufa taõ ccleíle emprego , Que temo que ás esferas fe remonte, Porque efqueça a tragedia de Faetonte.

20. De caixas , e clarins dez vezes cento , De inftrumentos alegres , e fonoros , De Citaras de acorde. , e doce acento. De Archilaudes brandos, e canoros. Das Tiorbas o rápido inftrumento , Das flautas Paftorís amantes coros , Com a Viola a Harpa na armonia ]Nota475. Vencem dos Ceos a acorde melodia.

21. Quanto o ar em neumacico artificio Nota 474 lí^a fuave prifaõ fahe animado,

E quanto pelo encordio beneficio He das tremulas cordas agitado. Quanto em fim no pulfatil exercicio Soa batido, e fica moderado, Temperando a difcordia aos mefmos ventos , Impera o ar nos outros elementos.

22. Nove carros, que ás nuvens imitavaó. Com emplumadas raras melodias Por celebrar a Deofa , que adoravaô Conduzem as celeftes Gerarquias : Os Serafins , c os Querubins guiavaó Tronos, Dominações com harmonias, Virtudes, Poteítades , Principados Aos Arcanjos , e aos Anjos imitados.

i3'

9?

Canto, VIL-

Logo apparGcera mifticas figuras^ «v Que dos ancigos tragcs ic revéftcm j'"^ ^\ ol-9voM Qiie cm cllaciias , medalhas, c pincurás^''^*'^ ^"^^^^^T ,i-(;^^gjci]4' Se relevaõ , fc ^ravaõ^, c íe vcttcm: ^ 3Gnj lo^í ..ít^kÊSoV^i

Cubercas de ouro, e prata as veftiduras , •'••'' 2oaniiJ ) Que oclaro Henrique ordena fe lhe apreft#m^r^'^pbQ As rcprcfencaó Damas caó Tcrmofas , -■'^'h^XihvàZ Que as fuás joyas faõ menos preciofas-^í-^p oam.âup

24. ': ^ "■

A Religião do Império fundamento, A cjanto mais cega mais bem virta , Que ceraõ nefle Reyno illuftrc aumento , 'l

l.he alTcguraõ do Bárbaro a conquifta: A Devoção encobre o luzimcnco Porque modeíla no triunfo alllíla *, Reíplaiidece magnifica a Piedade , Mas acada aos íeus pés traz a Vaidade,

A Prudência modera a Fortaleza , Com a Julliça fe vne a Temperança, Em cor de fogo a Caridade acefa Florecc pelo verde da Efperança: Rende á Deidade cultos a Grandeza, Duas colunas tem a Segurança ; E da Magnificência o nobre indulto Com a Modeftia-Víiio decência, e culto,

26.

Veya a Feftividade fumptuofa, E alegra aO Mundo com feliz femblante;,gy^^;^^ A Pureza fe admira mais fermofa

Com preço, cor, firmefa de Diamante; PalTa a l elicidade , mas dicofa A Eternidade a fez parar conftance;* 2»:.j2|v0^|í- Que a vaã Felicidííde fe firma ., -- n , , ..^,j. ■. - Quando na Eternidade fe confirma, •? ^..<^.p/

>

T^SiioKi

198 Henriqueida.

S6 da Deidade vejo os atributos. Que adoinaõ o triunfo foberano, Porque fervem por altos eflacutos A' firmcía do Irnperio Luíicano :

Nota 476 Na Caía de ouro pintaó-fe os tributos ,

Qiie haó de pagar Gentio» e Mauritano , Na E^burnea Torre a fuperior defenía, Que ao Rcyno. ha de livrar da eítranha oífenfa.

i8- Na Arca de Afiança \ paz fegura- Da reciproca vniaõ dos dois Impérios,. Do Ceo na Porca a religião que pura; Abre o Ceo aos r-emotos emisferios .• Na Matutina Eílrella o culto apura , Que deixa a Conceição fem vitupérios :

Nota477 Com, que hum Reftaurador do feu conrrario» Se izenta, fendo x Virgem tributário.

Nao íe quebrando o Efpelho da Joílica,, Naõ dcce da cad-eira a Sapiência, Nem da Alegria a Caufa eftá remifla ,

••1

Nem, a Miftica Roía perde a effencia : A Torre de David contra a in juftiea Nas conquiftas fe erija íem violência , Para que fe confolem os Aflitos, Bem dos males. Refugio dos dilitos-.

Movei docel em ouro , e em Diamantes Bordou Vrania , e enriqueceo Tcreza j Nelle exprimem lavores elegantes A vida da mais inciita Princefa; Cândidas Afucenas , e brilhantes Da fua origem moscraõ a pureza: A flor de Jericó pinta fermofa , Que também fem efpinhos nace a Rofa.

51»

Canto VIL 199

51.

Da Imagem trono fez os íamos braços Ciiraldo ricamente revertido , Prendendo ao peito o peio cm fortes laços Mais o leva adornado, que opprimido : Do caminho as diílancias, e embaraços Vence Henrique zelofo , e efcolhido, por forte quem leve as varas de ouro Do portátil docel defte tefouro.

Cahio , naó foy a cafo, a feliz forte

Em Bermudo , e nos fete , que nas canas

Acreditando o ágil com o forte ,

Se illuílraó com deftrezas taó vfanas:

Moniz glorias de Febo , e de Mavorte,

Nobres occupaçoens , porem profanas

O izentaõ de ter parte neíle voto,

Mortificando o feu ardor devoto. '

35. Nos braços leva o Príncipe innocente

Dcftinado ao amante faciificio, E antes do que a razac) feu vzo aumente , Com implora Afonfo o beneficio : O impedimento mais que nunca fente, Por naó dat na diílancia outro exercício, Com o exemplo dos mais o ícu deívclo, Mais do que a idade lhe madruga o zelo.

54. Erao doze as fublimes hafteas de ouro Do Zodiaco movei claros ílt^nos , Faltaó rres que a ter parte no tefouro A miíleriofa forte fez mais dignos : Dom Pedro Fermaríz terror do Mouro , E o Conde fJom Oíorio nunca indignos Foraò de fer eleitos, hum dosMellos, M^í^"^^^'

Outro he Progenitor dos Va.concelios.

3í'

Nota 4;;;.

2oa Henrtqueida

35- Quiz Henrique , que a force fe tiraíTe

Entre os Avencureiros , e efcolhido

Hercules deRohan foy nefta claflc ,

1 encaõ de Menrique conhecido :

Henrique fe queixou de que falcafle

Por ignorado a obfequio taõ devidoi

Mas que as fuás acçoens aílmaladas

Naó ^oy poíTivel ferem ignoradas.

Em hum carro dourado acompanhavaõ /•xa e Aldara a Vrania , e a Tcreza, Porque na eícravidaó aíllm honravaó A huma Raynha , a huma infeliz Princefa: No roftro os coiaçoens fcdivifavaõ, Em Axa varonil era a triíieza , E Aldara que fenre outra ferida, Mais defma^ada eílá , mais abatida^

37.

Dos cativos hum numero cxccíTivo Cantavaõ a dicofa 1. herdade, E coroavaõ triunfo taõ feftivo Luzidos eíquadroes com igualdade; Ja Febo paia o dia fucceílivo Aos Antipodas leva a claridade , C^Liando ao Templo de Carquerc famoío Chegou todo o concurfo numcrofo.

38.

A Imagem fobrc hum crono fe coloca Preciofo na matéria, e no artificio, Ao original , que reprefenta , invoca Giraldo em fervoroío facriíicio : Ao bello Infante a parte enferma toca Pedindo a Deos o novo beneficio i Ficar em oraçaõ de noite efcolhe, E todo o campo às tendas fe recolhe.

3~í?«

Canto VIL 2ai

Donde hum desfiladeiro mais fe eflreita, E em planície mais larga fe termina , Oue a hum monre inacceíllvel fe Togeica > De quem dece huma fonte criftalina, Moniz que ao feu infante ama, e rerpcica "^

Para fcgíuro cómodo deftina'; Ali fe armou o J3avelhaõ brilhante, Qu^ guarda forte , *c ronda, vigilante.

_ 40. ^

Soldados efcolhidos pós na entrada,-. Na montanha dobradas fentinelas >?

Inútil fora a força a maõ armada *" /,

Se derprezafíe barbara as cautelas : O dia auzente , a noite ennevoada, Gcculta a Lua, efcuras aseílrellas, E hum fileneio, que a guerra tem prefcrico,. Tudo era. favorável ao dehto,.

4-I,

Para ficar ao templo mais vizinHo^, E prevenir as feftas fumptuofas. Da Cidade o Heroe deixa o caminho .

Campando com as tropas bellicofas : Tcreza infeparavel no carinho O íesTue com as Damas mais fcrmofas,. E o campo em tantas luzes fe reparte. Que parece, que Vénus bufca a Marte.

4Z.

A diílancia do exercito Agareno , * Os cativos ja livres deíarmados, Áspero , e impraticável o terreno , Todos da marcha alegres, mas can fados : G tempo ainda que efcuro , era fereno , Serra Morfeo os olhos aos foldados; , Sc huma vez o defcuido achoxi defculpa^ A tivera, mas jiaõ-,que fempre be culpa^

:2t)2 .'Hemqtieiãa

43- Moniz a Henrique adverte , que a piedade Que benigno exercica nos cativos , Dandolhe generofo a liberdade aos rebeldes pérfidos motivos ; Porem oVaraõ forte o diííuade Dizendolhe , que em dias taó feftivos , Mas que o culpem de pouco acautelado, Nota48o. Qper íer por generofo acreditado,

44. Que armas refguardàra a vigilância Dos Toldados, e cabos mais expertos, Com que feria inútil a arrogância Dos feus inipulfos' bárbaros, e incertos.} E pode fer perdeflem a jadancia, Ou deixaílem os ódios encubertos. Vendo que a confiança bem nacida Llies dava liberdade , gofto , e vida.

Toma hum cavallo a intrépida Amazona Das armas que occultou, fortificada , E ainda que do valor menos blafona, O mcfmo fez Aldara delicada : Quando fe vniraõ Vénus , e Bellona ? Quando a belleía quer vencer armada ? Anima o tenro , irrita o bellicoío , O preceito do Pay , a ley ào efpofo.

46.

Qèiando , ó prodígio incrível/ viraõ logo, Que fobre hum negro , e formidável bruro , De Axa ao conjuro, ao voto, ao culto, ao rogo, Vem de Palias o Numen refoluto : ^

Como íahe das armas vivo fogo , No efcudo reconhecem o atributo, Com que mancha do efpelho a luz confufa ^oia4Si. A fcrpcuEína cefta de Medufa.

47-

Canto VIL 203"

47.

Aldara quer fogir, mas a Raynha Quaíi por forca faz , que fe detenha , Lembralhe , que a Muley no empenho tinha , E aiiun efpere que a bufcala venha; Que retroceder lhe naó convinha , E tanto diz , que Aldara fe empenha ; Do feu grave temor entaõ eíquece. Para que arrifque a vida, que aborrece.

48. Naõ temas , diz, o pavoroío vulto , Eu te guio, eu te levo adonde eftejas Sobre o trono de Fez livre de infulto, E efpofa de Muley como dezejas; deti efpero religiofo culto, E aqui te naõ obiigo porque vejas, Que fem mais ceremonia alcança tanto Neíte implicito pado o íabio encanto.

49. Eu voey pelo campo , e ao mefmo inftante Que vio nos ares a Gorgonea fronte, O que antes eia exercito triunfante Ficou de pedras infeníivel monte: Mortífero \eneno fulminante Deu eíie balihf-co ao orifonte ; E cítaó petrificados, e opprimidos.

Em pei feitas eítatuas convertidos. Nota 452^

50. Izentey Muftafá da horrenda vifta , Que com os mais cativos que fomenta , Forma dez batalhoens, que pronto alifta , Com armas dos Chriíláos o ardor o alenta.» Giraldo vela para que aíTifta A' Imagem, que huma Virgem reprefenta j Moniz também vigia, que ao efpanto dois morcaes refiílem defte encanto.

Çcii p.-

2Q4 Henrit

EíFeiço foy da emulação de Marte, Que tem a protecção dos Luíitanos, E diz que ha de levar íeu eílendarce Mais longe que o dos Gregos, e Romanos; Enveja meu valor , esforço , e arte , E até agora oppoz aos Maliometanos j E porque Deoía fou , me julga indigna Da guerra, de homens paleftra digna.

.52.

EíTa blasfémia diz ? Axa refponde.. Pois eu lhe moftrarey em defafio, Se a tua protecção me correfponde , Q.ue naõ Í6 Vénus lhe domina o brio : Aílim chegaõ as três vnidas , donde , Seguindo a luz do efcuro no fombrio , Encontrão Muílafá mais refoluto Do que pelo valente , pelo aíluto^

líota483ò A que he Fátima Palias fe períuade ,

A quem do Ceo mandara o feu Profeta •, Affinij íeguindo a irracional vontade. Cada hum fcus dezejos interpreta ; Prevenido aconcelha, que amecaJe Dos batalhocns o exercito acometa, E que os guie Abdalá deftro, e adivo, Que feguindo Almançor ficou cativo.

54. Que as trombetas roubadas par mil partes

A rebate tocando falfamenre,

Inúteis deixem militares artes,

Porque no efcuro cégafe o fcience :

Que elle arvorando os Mouros eílendartes.

Que tirará do templo facilmente ,

O incêndio ha de atear no lugar facro.>

£ roubar o tefouro, e íimulacro.

5;.

Canto VIL 20J

quer dois bacalhoens para os progreflfos.. Que no ccncro do exercito medica, E que aos vlcimos três deixa os fuceíTos , Que canta divcrfaõ lhes facilita : De arce, e valor as glorias, c os exceflbs Nas grandes heroinas depofita : Prender Henrique fero , e arrogance , Matar Egas Moniz, roubar o Infance.

Approvou Palias quanto o Mouro intenca , Porque ella mefma o cinha fugerido , E a cenda do Heróe fereprefenca Muy de perco no efcudo mais luzido : Como a guarda he dobrada, o corpo augmenca De hum bacalhaõ com numero efcolhido De ofiiciaes aítucos , e valences , Que inítruio com palavras eloquentes.

57.

O efcudo , quehedchumphosforo compoílo, Nota484. Eflava com tal arte fabricado, Que o Português , que á vifta o teve expoílo , Ou cegou, ou ficou petrificado.- Seguem no os Mouros pelo lado oppoílo , E ficando o objecto illuminado , Produz os dois effeitos de maneira , Que de huns he luz , e de outros he cegueira.

58. Axa , a quem fempre fegue a bella Aldara, Marcha ao quartel de Affonío prontamente , E Palias , quando delia fe fepara , Lhe moQra ali Bellona de repente.- Valor invido , fermofura rara Tinha a Deofa, e o efcudo refulgente Ao de Palias copiava nos enfayos , Pois dando luzes, fulminava rayos.

59.

206' Henriojuetda

Todos levavaó ordem , que logrando Oiialqucr dos crcs o medicado efFeito, Ou Henrique, ou Affonfo cativando. Ou a Imagem levando fem refpeico ? Do campo fe fahifle retirando Da prcfa , que fizera fatisfeico, E a Muley a encregaíle valeroíb, QiíC da ferra eípcrava no fVagofo,

6 o. E do deflacamento , que mandava, Huma partida, pronta remeteíle , Q^^-e na forte Leyria aílegurava Qualquer dos tres^ defpojos ; que tiouxeíTe -, Porque fe Aldara naó fc libertava, Ou entre a confufaõ a Axa perdeíie ; Penhor havia para o troco dino No tenro, no Real, e no divino,

6i. Também fendo de Vrania , ou de Tereza.. A efcravidaõ , aíllm fe afiegurava O principal motivo deila emprefa? Que era ter liberdade a vnica Aldara, Ah Muley, que malogras a finefa,, E o castigo fatal fe cc prepara ; Porque o F.ey defcobre os embaraços De que mais te vejas nos feus braços.

Primeiro que Selim o rebate, E antes que Muilafá com fúria infana Nota 485. £j.Qfj-j.jjj-o infeliz queime, e maltrate

O templo, a quem cedera o de Diana;

Fiando do fílcncio o feu combate

Axa fegunda Palias Africana

Bufca de Affonfo o pavclhaõ guerreiro,

E hc feu farol o magico luzeiro.

Canto Vil 207

Ó5.

Fofic o dcfcuido , 011 foflc o encanto. Ninguém no campo, como deve, vela, Efcurcceo a noice o negro manco , Nem fc divifa a mais pequena eftrela ;

PaíVaó do íono a ver .1 Radamanto Nota4S<í.

Degolada huma e outra fentinela, Nenhuma, fe viveíTe, fe queixara. Que a Heroina as deixou , como as achara. Nota487'

í^4- Todo o disíiladeiro tem paflado Axa com toda-a gente, que governa , E quaíi o feu proiecbo tem logrado. Pois lhe falta a parte mais interna: Porem no vitimo extremo eílava armado Egas Moniz, que alcança gloria eterna, Naó por forte exemplo da conftancia^ Mas por alto exemplar da vigilância.

65. Relâmpago o cegou o ardente efcudo , \Ias qual Touro , que o dano nunca obferva. Nota 488. Cerra os olhos no golpe fero, e rudo, E aíllm faz íua fúria mais proterva: Com a ponta da efpada rompe tudo, E o phosforo do Ãverno naó preferva O efcudo, e a fantaftica Bellona , Que deíempara a rígida Amazona,

66.

A caufa de vencer falfa deidade

Foy a Imagem da Oeofa verdadeira ,

Que no peito trazia , e com piedade

V:oniz invoca a tanta acçaõ g;ierreira.'

Também por ella a magica crueldade

Naó a oííendjo na vniverfal cegueira,

.Sendo em tudo Maria vencedora

Contra a noite .do Averno bella Aurora,

6r.

2 Q 8 Henricjueida

Naõ impoi-ta , diz Axa , naõ' impottar Qlic BeUona me deixe na contenda , Arices ao meu valor a Dcofa exhorta A que fem hum milagre tudo offenda ; Deixa, deixa, o Moniz a eí^reita porta, E naõ defendas de Affonfo a tenda, que tens contra ti muitos contrários ^ E naó íaõ os valentes temerários,.

.■68::'

A vida, c liberdade te concedo , Ou fe queres íèguir o amado I-nfante , Vem para o cativeiro, que o íegredo Da noite occulta intento íemelhantc. Moniz refponde: , de hum rocl^edo Podes mover a maquina- arrogante ; E pode fer ainda, íe o moveres, Que daqui me naõ niovaó teus poderes^.

Como foíle rebelde , és cobarde , Nem do antigo valor tens os veiligios , E bufcas, porque o medo fe refguarde,. As vcntagcns, aílucias, e preltigios.. Com o dcfprezo em novas iras arde Axa, e faó.taõ, incriveis o^ prodigios Do feu braço, e taõ fortes golpes tira, Que o que antes deíprezava j. mais admira»

Como naxJ cabem mais no íitio eílreito. Corpo a corpo combatem, e as efpadas Soando em cada efcudo , em cada peito A compaílb parecem alternadas : «: : '. Qiaal da harmonia õ primeiro eííeito t Defcobriraõ cadencias ajudadas Os que obfervaraó rithmo foberano . ío.ta48?. 'Çpçrc os golpes '4a forja de Vulc^Oj

. ^" " ' £Ji

I

Canto VII. 209

71.

AíTim aqui também de fogo fragoa Se diftinguc entre os rayos melodia ; Quiz o Cco desfazendo nuvens de agoa Apagar tanto ardor, mas naó podia: ^

Aldara com temor, laftima , e magoa. Convocar feus foldados pretendia í Mas por mais que em chamalos fe defvela, Naò permite a eftreiteza íocorrela.

De Axa ao efcudo huma eftocada oííendc Com taó rigido impulfo, que quebrando O ferro, que o braçal ao hombro prende> Foy ao efquerdo braço maltratando: Axa defpreza o aço , que a defende , No contrario efte acafo vay vingando, Dalhe no elmo hum golpe taó terrivel , Que o venccrB a naõ fer elle invencivel.

75-

Bellicofa, e belliíTima Bellona, Nota4^02

Clélia melhor , melhor Pantaíilea , Com jufta caufa o teu valor blafona Sem encantos da Magica Medea.- Naõ te empenhes armigera Amafona , Que naó has de lograr a tua idea: Vé, que por defender o Infante Régio., Me he prccifo fazerte hum facrilegio.

74.

Eu te perdoo , diz, mas naó difcorra Teu valor cortefaõ , quando peleja, Se naó queres dar tempo te locorra A guarda, quando te ouça, e naó te veja: E ainda que da heroína o Tangue corra , E que np braço muy ferida efteja. Continua o combate de tal forte , Que dos fcu« golpes foge a mefma mo ice. «018491.

2 1 0 Hmríqfmda

7.5

Também Moniz no roílrojeílà feiído} Oue luima poaca riicJ rompe a vifeira , Osmin , que Axa acompanha, tem fubido © A inaccíllvcl afpera ladeira :

Para o paíío cortar ílm fer fencido , Leva dos Mouros mukidaõ guerreira ; Na tenda quer entrar do auguílo Infante, A quem defende auxilio o mais criunfance.

76. O que efperava prefo ao duro laço, Que qualquer movimento dificulta, . com pequena efpada em tenro braço Com íuperior alento , e força occuka : De rifo lhe fervira efte embaraço, Mas o procligio com mais corpo avulta ; Guarda ao Infante Infante mais divino, E a Deidade, que ampara o feu deílino,

77. De huma donzela vio o roftro bello Ali temido, porem fempre amado ; He hum rayo de luz cada cabello , Com feus olhos o foi fica eclipfado: Ofmin vendo o prodigio, julga ao velo. Que huma falfa illufaó o tem formado j Hum menino nos braços da Deidade O cega com divina claridade.

Com o braço direito o ferro anima

De Affonfo que promete nefte eníayo

Ser com eíta Deidade que o fublima ,

No feu oriente aos Mahometanos rayo;

Que muito que ao milagre fe reprima

Oímin , e os que o feguiraõ com defmayo !

Se os que ficarão vivos afíirmaraõ ,

Qtie a imagem de Carquere admirarão,.

,\{ i^^-- 7^^

\

Canto VIL ' 2 r i

79'

Axa, que o impenetrável muro, Que em Moniz combatia inutilmente, E que o Tangue perdido ao ferro duro Se fentia animar menos vehemente ; E que Aldara lhe diz, que mal feguro O corpo que mandava, ja íe Tente, E que OTmin por Forjaz defbaratado Se retira ferido , e derrotado.

80.

Diz a Moniz: vencefte , Varaó TortCr E me venceíle a mim com nova gloria: Parece que te deu ou fado , ou forte. De todos meus combates a vitoria.- Contigo a Palias fuperou Mavorte, E Terá com aíTombro da memoria, Egas Moniz quem vence o impoíTivel De que Axa naõ blafone de invencível.

Pronta voltou Tem eTperar reTpofta; E curando a ferida as máos de Aldara, Se vaó ençorpotar na parte oppofta Com a gente que Palias refervara : De Henrique eftava a tenda mais expofta. Que dcTperta do encanto, e Te prepara. Ainda que defarmado , a opporTe a tudo Com forte efpada , e com ligeito efcudo,

8z. A Cruz cerúlea Tobre a prata fina^. Que eterniza os triunfos , que tivera Ka Sacra expedição de Paleflina Aftro brilhava na argentada esfera : Palias, que a luz lhe medra repentina Do efpelho claro, ej de Meduía fera, Como da Cruz armado Henrique a buTc2<, A verdadeira «luz a falTa offufca, ^- Ddu 83-

212 Henrtcjfdeida.

85.

Cliocaõ os dois cfcudos, e o de Palias Com cal rumor , que excede a hum terremoto > Oli iníjgne Varaõ, cm fumo exhalas, E o encanto do Abifmo ficou roto: Com Altamor, e os feus mais te aíinalas , Milagres do valor, glorias do voto, Com que hoje aileguraíte ao teu domínio Da Deidade mayor o patrocínio.

84.

Palias íe transformou em cavaleiro , E retirando a Axa do combate , Voa em fegundo Pegafo ligeiro, Porque a vida a outros fins mais lhe dilate r Mayor Perfeo Henrique que o primeiro Vença Medufas, monftros defbarate, Nota 492. E ^^ ^^^^ Athlante converteo em monte, Nota49 5. Outro do mefmo Athlante opprime a fronte.

85.

Como ceflaõ do phosforo os encantos , Defpertaó do letargo os Portuguezes , Henrique defende a tenda a quantos A quiíeraó entrar por muytas vezes v Mas defprezando os mágicos efpantos O grande Lima, o indico Menezes, Tereza aílro mayor de Luíitania Efte defende, aquelle a bella Vrania.

86.

Porque as duas Princefas acordando Das armas ao rumor fobrefaltadas , Mas da decência naó fe defcuidando , Fogiaõ do feu medo guiadas , Aos furibundos Mouros encontrando , Ja aos primeiros dois eftaó proítradas ; Orcane o bravo cativou Terefa, Rende o fero Gailan a oucra Priuceza;

Canto VIL 1 1 ;

87-

Akamor, que hc de Palias fub ai terno , Roílro feroz , alciíTima eílacura , A cor, que To agrada ao negro Averno, Eftranha forca , horrenda catadura Sc oppunha a Henrique, aquém domefmo inferno Vencer naó pode a Piromancia cfcura , Noca4<í4.

A luta corpo a corpo lhe oííerece, As armas deixa, a terra fe eílremecc.

88.

Entendo, que aífim tempo daria Para roubar das tendas as Princefas A Orcane , e a Gailan , que bem íabia , Que podia fiarlhe altas emprefas ; Sobre o Heroe taõ rápido cahia , Qiie naõ baílavaõ forças , nem deftrezas Para o Hvrar dos dentes do MeloíTo , Nota 49 5.

Nem do pefo do ruítico coloíTo. Nou49(í.

89. Mas pegou com cal força nas colunas Henrique, que eftaímaquina fuítentaó. Que contra as refiílencias importunas Precipitaõ a fabrica ,que aumentaó :

Novo Sanfaõ com glorias opportunas j Nota497i

Pois fe áquelle as ruinas defalentaõ, Efte ja livre de oppreíTóes indinas Eternizou a vida nas ruinas.

5) o. Como na terra Anteo acha o Gigante Nota49«.

Outro vigor , e fe levanta forte, Mas de Henrique no braço fulminante Tem de hum golpe a merecida morte j Pois antes que de todo fe levante. Entre os olhos o oíFende de tal forte , ;• . Que amaõ, que dcfarmada o ameaça^ Pe Hercules pareceo a ingente ma^a^

W

2 1 4 Henricjuelda

91.

Ja o Menefcs rinha libertado Do invencivcl Varaõ a bella eípofa , Ja Bermudo com animo esforçado -Livra Vrania da force pcrisíofa : A Orcane, ea Gailan tinha cuftado A vida execução taó horrorofa : Correm outros foldados , que fe armarão Com ef^adas , que os Mouros lhes roubarão.

Em quanta iílo pairava, tinha fido Abdalá mais íúicc na entreprefa , Porque no fonno havia deftruido Toda a primeira guarda Portugueza : E ainda depois do encairto eílar vencido, A gente, que acodio ou morta, ou prefâj Ficara fem o esforço ja notório De Cunha, Silva, Távora, e Ofcrio.

95. Soavaõ as trombetas cento a cento Com rumor falfo por diverfas partes , Mas Rodrigo Forjáz, com nobre alento Em hum Marte inclue muitos Marres , £ ouvindo tanto bellico inílrumento , Do eftracagema reconhece as artes. Grita na efcuridaõj e na fadiga, Qiie ninguém das trombetas o eco figa.

Que todos fe vnao , e que façaõ alto, E obrigando a montar os que encontrava, Acodindo ao primeiro fobrefalto, com três efquadroens groíTos fe achava.' Nem de valor , nem de experiência falto Abdalá com infantes fo eftaua , E em batalhoens quadrados dirigia Das lanças a duriílima porfia.

Carito VIL '\ íij

95' Outros vaó com os alfanges, e rodelas

Pelas tendas ferindo os defcuidados ,

Ou:ros guardas matando, e fencinelas,

E a todos os que encontrão defarmados:

Sahem outros do campo com cautelas ,

E aos fugitivos deíxaõ degolados.-

eites naõ cometem injuíliça,

Pois caíligau cobardes he juíliça.

Tudo era confufaó, mortes, e horrores Em quanto Muílafá , e os que o feguiaó , No templo com facrilegos furores Os roubos, c os incêndios emprendiaõ; Mas de Giraldo os votos, e os ardores As ímpias inten^oens desvaneciaó ; Do amor divino o peito era compendio, E hum incêndio apagou com outro incêndio,

97- Deftc holocaufto que fahio prefúmo

Para offu^car dos cegos os intentos

Eluma delgada névoa , hum fútil fumo ,Nora499^

Que de íombras r^vefte os elementos : A noite de prodígios foy refumo , Vencem os milagrofos os violentos;

Se Plutaõ a Proferpina roubara, Nota4;oí

No Ceo, eterno Jove a colocara.

98.. Mas naõ chegou a fer arrebatada A Deidade, que ao Abifmo predomina. Pois foy fem ver as fombras prefervada ; Do mundo efcravo na fatal ruina,- o r.ib mo:' -^ Eftava a íituacaó bem demarcada Por Muftaf i ao templo , que domina ; .De alta magnificência dando indícios Kaõ tendas , palácios, c edifícios. r.i .>hj^

11 6 Henriqueida

Qual matizado infedlo , que rodei Com os voos a luz , que buíca cego , E com as azas , que no fogo atéa > Naó he alguma vez do ardor emprego : AíTim o Mouro , que fe liíongea De achar o templo , o bufca fem focego ; E como cm negro veo o Ceo o encobre , Quanto mais perto , menos o defcobre.

loo.

Que hc ifto , diz, he illufaõ Mie fonho. Soldados o que a todos nos fucede ? . O ordenado projedo , que difponho , O Ceo deftroe, ou o inferno impede; De toda a minha aftucia me envergonho > Vede o lugar do templo, vede, vede, Sc o podeis encontrat, ou fe tirano He da minha vifta o cego engano.

lOI.

Eíla tenda, lhe diz Zaide previílo, E de arrayaes no exame confumado , Efta tenda, que eu hontem tinha vifto; He de Giraldo , aqui o achey campado.- £ o templo dedicado a May de Chriílo Taõ perto delia citava ÍJtuad), Que por hum breve tranfito , que aplica , I>o templo ao interior fe comunica.

102. Pois a tenda fe queime, aíTim íervindo (Refponde Muftafá) nos fica , quando O templo aqui defcobrirá luzindo, E com ella o iremos abrazando r/firj^o obiiun Occulta pederneira entaõ ferindo .: ííVíí/k

NerÀ.^í.O demento fútil , que eftá guardando. Broca pequenas luzes taó brilhantes. Que faltaõ mil eftrelias fcintilautcs, ^^9 ' AOiá

\

I

Canto VIL 217

105.

A inflamável matéria, que difpunhà De alcatrão , pez , enxofre , breu, betume, E outros ingredientes, que compunha Do artifice infernal o eterno lume, Da tenda à lona frágil logo punha , Porem perdendo o fcu voraz coílume, Sem que ninguém taó rara caufa entenda , Fez luzir fem arder a fútil tenda.

104.

Qual fahe o Amianto incombuílivel Nota joi;

Rara compoíiçaõ do linho Asbefto, De que arda a lucerna inextinguível Da occuíta esfera luminar funeflo : Prefervado ao incêndio irreíiftivel, E nella o maculado, o indigefto. Sem beneficio da agoa taó precifo, Fica ao fogo mais puro , eftá mais lifo.

105.

AíTim o pavelhaõ farol luzente Reduzindo a liuma luz mil luminárias. Se brilhante, e naõ fe encontra ardente Para terror das gentes adverfarias .• nenhum defcobrir o templo intente > Pois lhe aíTeguraó experiências varias , Que ainda que Muftafá com iras ferve, de ver que naõ a luz lhe íerve.

10(j.

Se efta arvore da vida o Ceo refguardaí Notajojí

Da Deidade iiLmortal, que ao mundo aviva, Do novo templo o paraifo guarda De humano Querubim a efpada adiva : Ao Mouro a luz em defcobrir naõ tarda, arde no quartel a guerra viva.* •Toma hum cavallo Muftafá, e na fombra Viver efpera , quando a luz o aíTombra. 7 Ec 107?

í

2 1 8 Henriqueida

107.

Sahe do campo, ena intrincada brenli|i Antes que aluz da Autora apparecefle, ?ofs è£ Dois Cavalleiros vé, e mais fe empenha, ^(sioM- Por ver fe a cada hum bem] reconhece; bariiT

Quem he, pregunta, e hum fe defempenha

Quando ao perder a voz fedefvanece, Dizendo: ay trifte Ald^raí e em hum defmayo Qiiaíi da vida achou o ultimo enfayov ^u^á^ ^yuG-

io8.

Naõ examina o outro fatisfeito De que huma prefa tal deva ao acaro>h>rntH bM Nos braços a fuftenta com refpeito , ' ''

Dezeja ao bruto as azas do Pegáío : Do defmayo lhe dura o triíle eflFeito Occultando dois foes no efcuro ocafo -, Chega adonde Muley, e a gente eftava> Que algum dos priíxoneiros efperava.

109.

Axa achou de Palias conduzida. Que em ar pouco defpois fedefvanece, Diz Muílafá, que a emprefa eftá perdida^ Que a magica mayor tudo efcurece; ub i&Q

Mas que a gloria mais alta, e mais luzida^ 1 O Que o peito de Muley fino appetece, - Tf

E ao Reyno a fegurança conftituc, Toda em Aldara aqui lhe reítitue.

1 10.

Apeoufe Muley dizendo ao Mouro; Como affirmas, ó illuftre companheiro, Que tudo fe perdeo , tendo hum tefouro , De que naõ fera premio o mundo inteiro r Nota504-Seo Cca fe defataíle em chuva de ouro ^

Ao querello pagar, fora grofleiro j mútí zeívÍí

Nem Jove merecera tanta gloria, Como em Danae íingio a falfa hiíloíia.

Canto VIL 219

III.

Axa anima aErmefinda, quando' o dia nos braços da Aurora anima as flores; ^^

Muley o amado roftro defcobria, Tirando hum veo, que rouba os feus primores: Se queres, que ce dure eíla alegria, Que alcnca teus puriíllmos ardores, Naó examines mais, vive no engano, Que hade cuftarce a vida o deíengano.

I 12.

Vio, quem cuidara tal i Qiie o encuberco Era Ermefinda. e livre do accidence Explica a caufa do fuceíío incerto , Que todos comprehendem facilmente: Quando Axa com Moniz forte, e experto Combateo com o esforço mais valente, Me ordenou, que a Aldara acompanhaíTe, Fiel fervifle, e pratico guiaíTe.

Deixou Axa o combate com violência, De Palias por hum voo arrebatada, Quer Aldara feguilla, a experiência Das armas delia foy íempre ignorada.- O trabalho, o temor fem advertência Deixarão a Princefa delicada; Do cavallo entre as brenhas a défmonto, Para lhe adminiílrar remédio pronto.

114.

Mas vendo-fe foltos os cavallos,- Correm á dczejada libei dade, O defcuido foy caufa de íolcallos, O perigo de Aldara , e a piedade:

Ligeiro me apreíley para robrallos, -'d'i<

Mas hum me fez na tefla com crueldade-^i^p Ori. •A contufaó que vedes., e a ferida, ' -^"^^ r^-r/l

/om que em cerra cahi quafi fem vida. : ^ .' .

Ee ii 115.

220

Henricjueida.

"5-

Cobrando alguma parte do fentido; 'A Princefa bufquey , que antes deixara, ^ . ;. o^ Hum Cavalleiro vi deíconhecido , '-n^ ío 3i/r> aQ E a penas dizer pude / ay trifte Aldara / lass FoíTe Mouro, ou Chriftaô compadecido. Ou vida, ou liberdade lhe deixara, ... .< ..«lA

E logo a dor , e o fuílo de repente ií\q £i£q E Me fazem repetir novo accidente. Yfi3G33bi3A

il6.

Muftafá fabe o bofqne , quando cheguem Os Chriftáos, que entre os matos a defcubraõ, E a prifaõ nova bárbaros a entreguem , Huma partida vofla as brenhas cubraõ.* Poucos na expedição he bem fe empreguem. Porque no menor numero fe encubraõ.* Afllm diífe Ermefinda , e Muley logo Do coração na lingua exhala o fogo.

N26 por injufto , o Muftafá , me tenhas l Pois naõ te accufarey , Muley lhe diíTe, De que por Ermefinda mcis te empenhas , Sendo em livralla o teu amor felíce.' shbJ ni3. A ci te culpo, ó forte , que defpenhas Do mais alco da gloria hum infelice, O engano reconheço , e tanto fio De ti , que o mayor bem de ti confio?

Axa mande eíías tropas, e da cura ?? *3 Se trate de ErmelTnda prontamente -, ^ ; ? eO

Eu vou com Muftafá peia erpefiura , Poucos foldados Icvarey fomente.

Nunca cecançarás, eftreiia dura, De atormentar hum animo innoccnte^sdtí^a? uXhVl Parte com Muftafá fem que a inftancia - "*

De Axa poffa deter tanta arrogância.

Canto VIL 221 ^

119.

Chega ao lugar, que Muftafá conhece, Naô acha Aldara, ao longe ouve humas vozes De que os ecos no pcico reconhece, Para fazer feus males mais atrozes: Muley adonde eftás? , que padece Aldara, dizem clauzulas velozes; E para o ferir mais o fatal rayo, Acrefcentavaõ, levame Pelayo.

liO.

Voemos, diz Muley, que tal injuria vos me vingareis, fieis amigos. Os cavallos correndo a toda a fúria, Deíprezaõ embaraços, e perigos: O ciúme o guiou com tanta incúria. Que o campo vendo dos inimigos, O decem Muftafá, que com vehemencia Reduz a breves, termos a eloquência.

121.

Se te perdes , fenhor , defefperado l Perdes contigo os meyos da vingança: ^^ç

O exercito de ElRey, que eftá formado Em Leiria , fomente efta efperança : Dizes bem, lhe refponde, e moderado O primeiro furor , que nada alcança , Volta , e com Axa para o novo emprego Vay bufcar a paílagem do Mondego.

111.

Entre tanto a manhaã clara , e brilhante Os triunfos illuftra aos Luficanos, Abdalá confervava ainda arrogante

Mais de três mil valentes Mahometanos : Nota 505»

Huma falange forma, e raó confiante Kella recebe os golpes inhumanos , .^xí

' Que para o acabar juntos concorrem ,

^ue elle, e os feus no campo oufados ^orçem.

121.

-/

22 2 Henriqueida.

123.

Alegre Henrique a todos agradece Milagres do valor, que a noite encobre, oífiieM A Dos Mouros abomina , aborrece m Ò3B^ fisaisT A ingratidão infame, e o trato dobrei^ t^ èh o'l De curar os feridos naõ fe efqucce, :>i A

O numero dos mortos fedefcobre, í-jH

Que eraõ quafi dois mil , que em nova gloria Vivem no Empireo , e duraó na memoria. «í^*vj^^

114.

Naõ morreo Capitão afllnalado, Mas tal era o valor da gente bravaii s aM^isVIjxíJ Qiie vai hum Capitão cada foldado^íip ínsl ''^' E a perda com trabalho reílaurava : i sh-Xíion Neíle tempo chegou Peiayo Amado^3m£ Que contra os fugitivos fe avançava 5 Na fella hum Cavalleiro conduzia. Cândida touca o roftro lhe cobria.

A' teridà aífim o leva de Tereza, Aquém diz: outra vez, forte opportunai Quer vos entregue, ó Ínclita Princeíà Hum preciofo depofito a fortuna .-^ol* õ^i^ufcí^ ííÍ^I Acafo penetrando huma afpereza, ^ ^'" .íuí»<|fi'* 't^ Rendida ao trifte mal, anciã importunai :'o t) Achey Aldara bclla, e quer aforre. Que eu lhe vida, para darme a morte.

116.

Procuro que fe anime, e configo, ít Que hum pouco convaleça do aecidenteí^.^jiiBí ' Cede ao pranto, aodefmayo, e ao perigo, Que evito, vendo ao longe a Moura gente: Com rogos eííicazes a obrigo /aaatjA

A que volte a bufcarvos deligente ; ««"^ ^âupníi^H Mas ella, que a Muley na idea tinha, r— - y^ . Cré, que para livralla fe encaminha.

Canto VIL 2.^3

127.

Vrania o loQro lhe deícobre aíFavel, Aldara íó com lagrimas fc explica, ;'í

Tereza acé nas queixas fendo amável. da fua Taudade a dor publica: A fermoía Africana inconlolavel Hiins Íntimos fufpiros multiplica» E por vingarfe. os olhos pocm em terra, Fazendo aos que os naõ vem a mayor guerrâj

128.

Com ElRey de Lamego veyo Henrique Louvando a fidclifíima lealdade, Mas fem querer, que a Axa juftifíque. Lhe concede benigno a liberdade; 7

(E naõ a aceita oRey, porque publique^ Que à verdadeira feperfuade; Alegre o He^òe o aperta cm doces laços , Naprifaõ nobre dos invictos braços, .'oí^hibn.O

129. A bufe ar vay Giraldo, que oinftrua. Ao templo, donde os Príncipes concorrem» *Para que hum novo culto reflicua Na gratidão dos votos, que difcorrem: O Império mais feliz fe conflitua 1^ Entre osprodigios, que a dilúvios correm: Bufcao no íJbu quartel ao claro Infante, Quando a Moniz encontrão vacillante.

130. Sem armas, e com negra veftidura: Nota 506;

Em fangue oroílro, e em lagrimas banhado j No matiz defta trágica pintura Ornais fino pefar tem retratado: Apenas reconhece efta figura Henrique em tanta dor fobrefaltado, •De todo açor, e a voz perdeo Tereza, Choraó todos, defmaya-fe a Princeza..

2;24 Henriqueida.

131.

Senhor, Moniz exclama, feocaíligo, Que hoje merece hum guarda negligente > Dajuftiça, que tendes, eu coníígo, Peçovos fe execute prontamente: Naó me pode matar tanto inimigo, Porque viva infelice, e delinquente ; me achey , hum lugar defendo eftreito , Foy muro impenetrável o meu peito.

152.

Com Axa combati, voltou ferida, O roftro me deixou em fangue tinto , Era immortal , porque me tire a vida A infâmia , que no ardor me deixa extinto : A pérfida naçaõ introduzida Por naó (^y que intrincado labirinto Vi na que antes julguey fegura tenda. Quando voltey da rigida contenda.

135-

Cahi em Mouros mortos tropeçando, EHufmim, e outros, que vejo mal feridos Com juramento eftavaõ affirmando, Que huma Mulher , e Affonfo os tem vencidos Tudo cré minha do venerando Objedo dos meus votos repetidos; Porem quando julguey vello t iunfante, Na tenda naó encontro ao bello infante.

154.

Entre as fombras fataes da noite horrível Clamando por AfFonío em vaó íufpiro, Defcobrillo, Senhor, he impofllvel, Examiney o ultimo retiro: Eu tenho feiro deligencia incrivel Do largo campo no efpaçofo giro, Naõ apparece Affonfo, o Ceo o ordena, Matay-me , que fera menor a pena.

i55k

Canto VIL 225

135- Nos braços a Moniz Henrique enlaça,

E fendo Teu o mal, pio oconíola, Tem cal conformidade na defgraça , Que a entre a conftancia Te acrifola, Urania anima, e a Tereza abraça ; E fe a pena interior o defconfola, Naó fe fia a evidencias do femblantc O peito firme, o animo conftante.

156, Vamos ao templo , diz , vamos ao templo Dar graças de vencer ferozes Mouros; A triumfe, e fervirá de exemplo Ver que ao Numen íe rendaó verdes louros » Para perder hum filho em mim contemplo De repetidas culpas os defdouros : Coimbra fe guarneça, e fortifique, O Mouro tema, porque o bufca Henrique,

Ff HEN,

226

HENRIQUEIDA

CANTO VIIL

Argumento

Livra Ajfonfo hum milagre de Mayííl ^ O Templo fe defcreve ; ^ o Prelado , Fortunas pronojltca , efuando ouvia. O fuceffo , que Affortfo tem contado : Canta Aldara de amor a forte impia , Occulto ouve o mtflerio ofno Amado , Na Regia caça vem os oriz^ontes Tiranizar os Ceos , vencer os montes,

I.

Como depois de hum hórrido naufrágio No porco acha o abrigo hum baixel roço. No cemplo vay bufcar ao feu fufragio Divino afilo o Príncipe devoco ; reconhece por feliz prefagio De que a Deidade acende ao puro voco^ Ver que Giraldo alegre o recebia, E que ao fupremo alçar os conduzia.

2.

Adornado das facras veftiduras Na maó o Bago , a Micra na cabeça , Mais do que as pedras, que ailluminaõ, puras, A brilhance vircude refplandeça ; Principe com vicorias taõ íeguras , Que o Ceo vos di , o nome íe efcureça , (Di^ o Paftor} dos nove, aquém aclama. Ou com juftiça , oa com Ufonja a fama.

Canto VIIL 227

A David igualaes jufto, e glorioío, Nota 507.

Jofuc pára o Sol, evos a Lua, Macabeo reftauraes templo famofo, Heitor por entre fabulas fludlua : Sois fem vicio Alexandre gencrofo, Ate Cezar vos cede a gloria fua; Outro Artur, Carlos Magno mais guerreiro, Emulo de Gofredo, e companheiro.

4.

Dos Mouros, cdo Abifmo hoje adquiriíles Dois triunfos , que celebre alcançaftes , Taõ confiante de Atlonfo a perda ouviftes. Que agora outro mayor em vos ganhaftes; Ceflem em fim as fombras vans , e triíles , Pois das virtudes o alto premio achaftes : Vinde às pedras das aras no miílerio, Pedras fundamentaes do Lufo Império.

5- O templo de madeira hoje formado ^Tq-;.^ .q»

Se de adornar de Mármores preciofosj Será o Santuário edificado Sobre quatro Gigantes efpanrofos ; Para o voffo triunfo eternizado Se haõ de ver quatro arcos mais gloriofos; He Simbolo o primeiro da vitoria, Hum da paz, hum do amor, outro da gloria:

6. Sobre o pórtico excelfo ha de efcrever-fc Breve infcripçaõ de eftilo lapidario.

Para a poíleridade, em que de ler-fe Nota 50?;

Feliz prodígio, raro, e extraordinário: Neflc efpaçofo coro ha de fazer-fc Guerra a Plutão do harmónico contrario , Cantando ao Numen facro cm tons diverfos Salmos, himnos, li^oens, cânticos, verfos.

Ffu g

228 Henriqueida,

7- De fnarraores vertido o largo Clauílro, Com apraílvel viíla frefcos ares, A Epifcopal Cidade tem ao Auftro, Nota f IO. E perto o Douro enveja de outros mares ; Nota 5 II. Antes que corra muito o Cmciíio plauílro , Cónegos de Agoftinho Regulares, Q^ue o mundo deixaõ com feliz repudio,. ^ De outro templo mayGrferaõ preludio.

j^ , Terá de Parroquial o privilegio j

' '' E hum voílb pio, e claro dcfcendente, .> i

Que he o decimo fexro ao Trono Régio > Ha de dar-lne outra forma nobremente: Inrtituto Apoftolico, e egrégio, Q^uc ha de levar a luz ao mefmo Oriente, O de occupar, e tu, ó Ceo ordenas. Que em Coimbra fuliente nova Atenas.

9- Neófitos , que a nova Companhia Com Tangue, e fanco ardor produz , erega, Daraõ tal luz, que a cega idolatria pela luz da ficará cega : Terá nella oflagello a hereíia , Nas letras, e virtudes fe emprega; Leys mais fabias formou que as de Licurgo, Dando à Afia hum fegundo Taumaturgo.

IO.

Nota 5 14. Em quanto defcrevia o tempo , e templo

O Primas a quem todos veneravaó, E ao trono de Maria em pio exemplo Humildes, c devotos fe proftravaõ , A rara maravilha ainda contemplo Qiie alegres viaõ , finos admiravaõ ; Naõ apagou a idade eftes veftigios , Tudo porcentos faõ, tudo prodigios.

II.

Canto VIIL 229

1 1.

Examinava Henrique o crono augufto Da Deidade, ein que ao preço excede a arte. Que no interior inlpira ao peico jullo , Qiie hum grande beneficio lhe reparte: Ceifem em fim a dor, a pena , o íufto, Que em Cupido abbreviado o mefmo Marte com cândida túnica apparece. Pequena efpada a breve maó guarnece.

11.

Em fanguc Mahometano tinto eílava Do leve Alfange o aço rutilante, Graciofo o efgrimia , e levantava

O bello AíFoníb , o fofpirado Infante : js^ota 5 1 5,

Com fínsido furor ameaçava Ao Mouro que o teme fulminante: A admiração, e o gofto em finos laços O aprifionaraó nos amantes braços.

13* No colo o traz do occulto Santuário , E primeiro a Moniz do que a Tereza O mofirou , como premio neceíTario

Do que ao fiel defenfor deve a fineza : Nota ní.

Timantes com pincel incerto , e varioj De Agamenon a hum vèo fia a triftezaj E aqui com mais razaõ encobriria O afeto inimitável da alegria.

Dospays, dairmáa, terniíTImo o afago, DoAyo, e dos mais finiffimo o refpeíto , A os ofculos lugar naõ deixaõ vago, Nospes, nasmaõs, na fronte, face, e peito.* A efcura fombra, que com negro eftrago Cobrio aos coraçoens com crifte eííeito, S6 íirva quando occulto fe confagre, ' De brilharem as luzes do milagre.

230 Henriquelda

15-

No lindiíílmo roftro do Menino O branco j, e rubicundo eftà confufo , Brilha nos oliios refplandor Divino, Que oífurca o Mouro , e illumina o Lufo.- Abrio a breve boca , em que o deftino Quiz que a razaõ anticipafle o uío , Para exprimir com pueril cadencia Sem artificio a harmónica eloquência.

16.

Dormindo eftava diz, e encomendado Me tinha, como fempre meeníinaftes, A protedora, de que o peito ornado » A imagem trago de ouro entre os engaftes ; As razoes defpertey de hum Mouro irado , Eíla Imagem naõ fey feali levaítes ; Ella, e feu filho entaó me defenderão ; Naõ fogi, porem elles me crouxeraó.

Deume a Deidade a maó , para que eu ande , E dormi focegado aos pes do trono, Dos Mouros vi o eítrago pronto , e grande. Achando a morte ao vir tirarme o fono : Que me ponha no chaõ meu Pay me mande, Porque efte he do milagre certo abono : Diíle, íalcou do colo, e prontamente Se portra ao facro trono revereríte.

18.

Aqui foraõ os gritos, e os clamores. Aqui dos olhos lagrimas amantes. Aqui da devoção vivos ardores, Aqui da Fé, e Amor votos conftantes.- Giraldo impoz íilencio, e fupcnores Infpiraçoens coin frazes elegantes Em Sagrada eloquência doíto exprime Collocado na Cátedra fublime.

I9«

Canto VIU. 231

Naõ de Tullio , ou Demoílenes imita ^

Retórica diícrecaarcificiofa, iNota5i7«

Mas otaçaõ pathctica acredita A prorecçaõ da Virgem prodigiofa; A que a mcreçaõ fervorofo incita, Porque a virtude fique vitoriofa ; Qiic ha de fer Rey AíFonfo , diz a Henrique, E que vifaõ mais rara moílra Ourique. Nota j i^

iO.

A noute fuccedeo clara, eferena. Harmónico metal informa os ares, De fíores fe defpio a felva amena. Para reverdecerem nos altares: Que o campo fe illumine Henrique ordena, E foem inftrumcntos militares: O fílcncio da noute he melodia , E com mais luzes naõ enveja o dia.

21.

A hum triduo de exceíTivo luzimento fem ter embaraço Affonfo aíTifte, Todos vem o Teu ágil movimento, E nenhum impio à admiração refifte; Mas entre o univerfal contentamento S6 ElRey de Lamego eftava trifte. Por ver a efpofa em taõ profundo abifmo,. E por tardar-lhe a graça do Bautifmo.

2Z.

AíTim o Gatecumeno zelofo Diz ao Paílor, que com amor oinftrue: Quando fera c dia venturofo, Qiie a efperança do Ceo me reílitue.^ Hoje admirey o cafomilagrofo, Que à minha converfaõ naó contribue? Mas finto, que em prodígios fe confagrc^ tara dever a mais que ao milagre,

23.

232 Henrtquetda

23.

Ouando fera que a agoa regenere O fogo, que im mortal nunca Te apague, E que nas ílias ondas firme cfpere^ QiJc o meu deliro feliz naufrague? De Axa naõ he razaò, que defefpere, Ainda que cega em tantos erros vague: Intercede por ella varaó jufto. Que a ama afecto puro, e naõ injuílo.

Que três Bautifmos fabio lhe refponde, O da agoa, que he da claro colírio, O de fogo ao dezejo correfponde. Ode Sangue fe apura no martírio: O primeiro veras ó Rey adonde Vencendo o Mahometico delírio. Do teu peito ha de ver a ardente fragoa Nota^ic). O efpíríto Divino fobre a agoa.

25. O Bautiímo de fangue te comuta O Ceo que por pagarte tal mudança. Com auxilio eiiicaz, graça abfoluta , De que Axa fe converta, da efperança.* Comigo has de ficar, pois refoluta De Henrique contra o Mouro a dura Lança O quer ir caíiigar com digno emprego Kas criftalinas margens do Mondego,

iG. Aqui feras por mim bem inftruido Da minha Religião no alto mifterio, E verás com firmeza conftruido Ocdificio immortal do Lufo Império : A^fonfo aílro brilhante taõ luzido No feu oriente illuftra efte emisferio : Moniz o quer fiar do meu cuidado. Que mais que cortczaõ vay fer Soldado;

*7s

I

Canto VI IL 233

Também ncfte deftrito toda a Corte, Que pode embaraçar a dura Guerra, Fica fegura com a guarda force. Que obíerve o rio , e que examine a Serra*: Lamego a allcgurava de outra forte, Porem de Henrique a pia naõ erra.

Pois íe a Cidade Deos naõ defendia, Nota5'io.

Debalde o mundo a guarda, ou a vigia.

28.

Neíles dias do goílo , e do defcanfo O Sol no Velocino imica Aftrea, E no juílo equilibrio o tempo manfo , O dia igual á noute Tiaõrecea: De hum breve rio ao plácido remanfo Aldara as fuás penas lifongea j Naõ fabe que Pelayo occulto eftava, E entre a efpefla verdura a efcutava.

2.9. poderey , 6 Ninfas deíle Rio Fiar de vos as mais fenfiveis magoas j Se o fcgrcdo guardais, que vos confio. Aumentarão meus olhos voíTas agoas, E aíTim tu nunca íinuas o deívio, Deos que no Douro rápido defagoas

Deíía tua belIilTima Napéa, Nota5ii5

Com algum bem meus males lifongea.

30. Fugitivos Criílàes, firmes penedos, Efcuras Serranias , claras fontes , Tenras flores , robuO^os arvoredos. Humildes valles, e foberbos montes. Amantes aves , rigidos rochedos , Verdes prados, cerúleos orizontes, .Grutas horrendas, e planícies belias. Opacas nuvens, lúcidas eílrellas,

Gg ' lii

234 Henriqueida

51. Se no infenfivel, Seno vegctavel O amor de quem o mundo fe anima, Confeguio, que hum caratí^-er caõ amável. Nos duros coraçoens fiel fe imprima \ Confolay hum pefar inconfolavel Antes que a auzencia com a dor me opprima , Pois me acabaõ com fino fcncimento A magoa, afaudade, eo defalenco.

Fugitivos criílàes , que a huma efperança Bem imitais no movimento leve, Que em tanto giro inquieto cega alcança Urna de prata, tumulo de neve: De hum verde labirinro na mudança O mefmo fim minha efperança teve; Pois correo fem parar no doce engano , Até morrer no mar do defení^ano.

53-

Firmes penedos fempre combatidos Do mayor vento aos rápidos horrores , Que imutáveis eílais, que eftais erguidos Do tempo contra os trágicos rigores ! Vede que hoje por mim fois excedidos. Porque a minha conílancia nos amores Naó fe move , ou abate na importuna Tormentofa inconftancia da fortuna.

34. Efcuras, Serranias que cortendo O mundo, naõ mudaes de natureza. Pois oi bofques cortando , os prados vendo Confervais eíTa ruftica afpereza; Coníolayvos comigo, porque entendo. Que vos fabe exceder minha trifteza , Pois naó produzo plantas, nem boninas Em dilatadas trágicas ruinas.

3^

Canto VI 11. 235

35.

Claras fontes, que em liquidas correntes Movendo brandamente os criílàes puros, Vedes ao doce impulío obedientes

A conílancia dos mármores mais duros? '

Sabey, que faõ em mim taõ inclementes Os deílinos fataes , e aftros efcuros, Que os naõ abranda, quando corre ha tanto, A amargofa torrente do meu pranto.

Tenras flores, que efimeras da Aurora,

Ainda que vos infpira alma taó pura ,

No dia, em que naceis mimos de Flora,

Exemplares morreis da fermofura i

Vofla fragrante forte fe melhora.

Se a comparais com minha forte dura;

Sempre quifera , para fer felice,

Naó ver fegunda aurora huma infelice.

5 7- Robuftos arvoredos, que com folhas

Veílís na Primavera verde adorno, E fe no Inverno , ó Africo , os desfolhas , Renacem no odorifero contorno ; Tu meu pcfar jufto fera que efcolhas, Q|ieeu me trasformc em tronco por foborno, Pois fofrerey tormentas, e mudanças, Porque haõ de renacer as efperanças.

38. Humildes valles, que as torrentes frias Inundaó, quando decem das montanhas, Veas que deixa pouco edar vazias .,

O circulo das húmidas entranhas j ^

Mais que em vòs abatidas oufadias Vejo em mim por defgraças taó eftranhas , Pois a altivez , que me elevou, meinfulca, E a inun<ía^oens de males me fepulca.

236 Henriquetda

59-

Soberbos montes, que aílalcando a Esfera, Sois dos Gigantes túmidos enfayos, E por reconhecer hum Deos , que impera , Ardeis primeiro à fúria dos feus rayos, Eu que me elevey com fincera Ao Ceo de hum puro amor, finto os defmayos. Com que o deílino contra mim confpira.* Euhiiina a hum amor jufto injufta a irai

40.

Amantes aves, que cantando finas De amor correfpondido anfias fuaves, Sempre voais aos goítos peregrinas Com vozes brandas , com acfentos graves ^ Se unidas tendes glorias taõ divinas , Sem caufa vos queixais ingratas aves ; Ay de quem trifte, amor, taó longe deixas. Que fe perdem no ar inúteis queixas!

41.

Vos rígidos rochedos, quando intento Invocarvos, eftais furdos, e mudos ? Eu cuidey, que pudeíTe o m.eu lamento tazervos com feus ecos menos rudos : Mas ay/ que fe fentis meu fentimento , He para fer durilEmios eícudos , E revelando penas taó íecretas , Me voltais os meus ecos como fetas/

42..

Verdes prados, que em ervas poderofas Produzis os remédios das feridas , E até curando as fetas venenofas. Em vòs renacem immortaes as vidas ; Se de Amor contra as frechas vigorofas Ainda guardais virtudes efcondidas , A outros as applicay , ó prado ameno, Deixaynie o meij fuaviíTimo veneno.

Canto VIII. 237

43- Cerúleos horizonccs , que encobrindo De cfpiricos amantes os miílerios, Os triunifos cio Amor cfiais ouvindo, E das ingracidoens os vitupérios, Dizcyme fe eftes ays , que vaó fobindo , Tem alterado a paz dos emisferiosf Porque eu pretendo , que efta amante guerra Perturbe o Ceo , como perturba a terra.

44-

Grutas horrendas, vos, que a íuz naõ viftes,

E porque a naó viftes, naõ a amafies,

Dicofas íois, pois entre as fombras trifles

O bem nunca perdePces, que adoraftes ;

Sc la no volTo centro arora ouviíles

Eílas vozes j que inteiras coníervaftes,

Levay-asi e contay no Reyno efcuro ,

Que ainda febre a terra hum amor puro.

45- Planicies bellas , que de longe vejO>

E que abrindo de Ceres o tefouro do avaro agricultor dais ao dezejo Pródigo premio nas efpigas de ouro, Dcixay, que com meus olhos chegue ao Tejo, Donde hoje chega o bem , que tinha o Douro > Aíllm naõ vos deílruaõ vivas guerras, E vos naó interrompaõ altas Serras.

46. Opacas nuvens , que com negror giros Voais ameaçanco tempellades, E que nos voílbs húmidos retiros Refervais tormentofas impiedades ; Logo o vento vorás de nieus fofpiros Ou vos de romper as deníidades, Ou fazervos correr, fe em meus defmayos "Do Sol, que adoro, me encobris os layos,

47-

238 Henriqmida

4 7- Ali lúcidas eílrellas mcntirofas! Como vendo de perco a minha eítrella , E as íuas influencias rigorofas. Publicais, que he benigna, clara, ebella? Ou apagay ascochas luminoías Para naò ver o mal , que me defvela , Ou defterray deíle fublime aíTenco Huma eftrella, que infama o Firmamento.

48.

Mas que ó compafllva Filomena , vòs correípondeis as minhas vozes , Pois quem fente huma amorofa pena Se íaítima de effeitos taõ atrozes ; Que vos confie, Amor aqui me ordena , Com fofpiros anciofos, e velozes Todo o meu mal , por ver fe em voflb canto Se adoça a amarga caufa do meu pranto.

49.

Naõ quero de amor dizer as magoas , Poirfabeis, que Muley por forma occulca Dentro em meu coração aviva as fragoas , E que o pranto efte ardor naõ diíTiculta; Mas que ao fom eanoro deftas agoas, E às verdes fombras deíla felva inculta , Cantais raras tragedias, vaõs amores, Contay taó rara hiíloria às mudas flores.

50- Notajij. Por mais que me aííeguraõ, que fou filha

De Ali Aben Jozef Rey poderoío,

Qjie em Africa , e Europa impera, e brilha

Sábio, prudente, illuftre, cvalercfo,

E por mais qne o meu gcnio naõ íe humilhe

A ter pi incipio menos generofo ;

Se naò achar noticias mais feguras ,

Mo encontrão reflexões, e conjecturas.

íit

Canto VII L 239

Na Corte naõ naci de Mauritânia, Nem nos Palácios me criey antigos,

Qiie fez Anteo na grande Tingitania Nota 524.

Antes de ter de Alcides os cafliíius; Dizem-me que naci na Lufitania, E que meu Pay temendo os inimigos, Que o direito lhe da de Lucidoro , Aílegura em Lisboa o meu decoro.

Mas fe efte importa tanto, que imprudência

Permitio, que paiVando-me a Leiria,

Arriícando-me a vida, e a decência,

Foííe bufcar a guerra, que fogia?

Quando a penas da guerra huma apparencia

Na caça, que bufcava , conhecia,

Donde dava Muley com duro effeito

A lança a hum bruto, as fetas ao meu peito?

55. Ao Príncipe Almançor único filho

De ElRey continuamente perguntava Qjem era miuha MAy» pois naó me humilho A entender, que ella foííe vil efcrava: Entaõ , e agora mais me maravilho De me dizerem todos , fe occultava Por caufas importantes defte Império; Que encobrio hum politico mifterio.

54. Artelinda de rara fermofura Nos primeiros annos meaffirmava. Que cu era filha fua , o que aííegura, Mas carinho afíectado memoftrava: Em vaõ diirimular entaõ procura O affeclo , que o feu peito me negava, £ alguma vez lhe ouvi, fem que me vifíe, Que de taó alto íer naó preíuniifíe.

S5'

240 Henriqueida

55- Ter meu Pay o Africano, e vaõ ciúme,

E intcreflar-íe pouco em que eu amaíle

A Muley, pois o affeclo, eo cofcume

Fex que nunca a Almançor eu o negaíTej

E quando a Lucidoro ardente lume

Abrazai naó temer, que fe abrazaíTe

3, Meu peito em outro ardor, a quem vlolenco

Temer fazia o feu merecimento.

E quando a inimizade hereditária , Juftiça, e emulação de Lncidoro, E a enveja de meu Pay tem por contraria , Arrifcar-fe o império , eo decoro ; E com injufta ley taó nova, e varia, Querer que eu facrifique o bem , que adoro , E que era vil politica fingida Ser hum mal certo, que me cuíle a vida.

5 7- Deixar-me a fua cólera ambiciofa Defde a batalha, que ainda chora o Douro, Em humaefcravidaó taó vergonhoía , Que he hum infame eftrago ao nome Mouro , Sem que prometa íoma. taó copioía. Que até a Henrique tente o feu teíouro , Ou naó marchar com tanta gente armada. Que toda Europa veja fubjugada.

Imporme em fim o rigido preceito De abandonar Muley eternamente, E dizer ofíendendo o meu reípeito , O qiíe faz efta ley menos decente; Pois de ma promulgar naó fatisfeito Indica , e naó declara hum indecente Motivo miftcriofo, einvifivel, Qu^e condena a aliança a hum impoíTivd. •a " 59'

Canto VI IL 241

Ter eu no cfquerdo braço azul eftrel!a Nora 515.

Com Cruz de igual matiz, que bem gravada, Por mais qne a arte deftra fe defvela, Nunca fe confeguio fer apagada, E ou fcffe a natureza, ou a cautela, Naõ he acafo ver-fe debuxada Cruz, que a ley dos Chriftaós mefignifica, E eílrella , que 05 meus males prognoítica.

60. Ter Muley outra cifra femelhantc Como lhe ouvi, fem fe faber a origem, » E quando ferve a pátria taõ confiante. Ver que tantas iníidias lhe dirigem , E quando ao feu efpirito arrogante Trofeos oexaltaõ, e padroens lhe erigem. Do furor de hum amante naó ter medo , Sc acafo fe rompefle eíle fegredo,

61. Conhecer eu em mim : agora fio De vos mayor mifterio, ó Filomena, E excede efte 5 que fina vos confio ,

Ao que fiou da agulha a vofla pena : Nota 510»

Se de Thereo o torpe defvario A eíTa farpada lingoa fe condena , 5, Se efte romperdes , com mais crifte forte Nènias podeis cantar da voíTa morte. Nota 127.

6z. Conhecer , digo , em mim , que a Muley amo , Porem com taõ rariffima eftranheía, Qiic quanto ardor na fua auzencia inflamo, Quando eftou perto ^ troca-fe em til ieza ; E le por lhe fallar com anfia o chamo ; Huma occulca prifaõ ata a fineza, O que ca inclinação transforma em trato, £ à violência do amor cede o recato. Nota 51 j;

Hh *j.

z^X Henriqmida..

Indicios faó de que eurnaó fou quem dizem, Equc, morto Almançor, feu.Pay publica, Queeu Tua herdeira fou, porque fuavizem Eftes remédios , que ao Teu povo applica : Pois como aos íeus preceitos contradizem, E a Lucidoro he raro quem replica. Finge huma filha-, e a Lucidoro engana. Quando a; mim caõ cruel me defengana.

64.

N^ata^ic?;. Pelayo Amado, aborrecido digçH

Se eíTe nome feliz te lifongea, Como o queres perder, pois. inimigo Duas vezes me forjas a cadea? Mas naõ me julgues taõ cruel contigo. Que naõ tenhaó lugar na minha idea Tuas raras virtudes , e eftimaveis , Queforaõ, fem Muley, incomparáveis,..

65. Antes tudo ao contrario me íucedc,. Que com Muley, pois quando te aborreço^ Eftando auzente, a tua vifta, impede, E até do meu rigor quaíí me efqueço j Mas quando vejo huma violenta fede, Com que fem conhecer o raro preço Do fanguedè Muley , te vejo exangue

Íií0ta 550. por beber meu íangue no feu fangue.

66.

Com cal Horror teu forte braço vejo, Que mais te temo, quanto mais te admiro^ E até da tua fombra cenho pejo Ncftea meus males ultimo retiro: Crcyo que aprifionando o meu dezejo. Também queres roubarme o que refpiro ^ Mas ainda aíTim poíTo afirmar-te agora, Que a naõ fer de Muley, tua fora.

<í7.

Canto VIU M3

67.

CcíTou de Aldara o dilatado canto , Que Filomena atenta lhe aprendia ; Mas vendo hum Cervo , que com cego efpanco, Por naõ fer Acteon veloz corria, l^cni ^yi.

Lhe difpara huma feta , mas foy tanto O incêndio , que no ferro fe encobria , Que agradece da morte o beneficio , £ he vidima , holocaufto , e facrificio.

68. Novo , e leve rumor fentc nas ramas, Embraça o arco, e quando appiica a vifta. Antes das fetas vio arder as chamas Em mais illuftre, e racional conquiíla.- Pelayo, eufou, lhe diz, aquém inflamas, E aquém feres deidade, e bem previfta Tinhas minha morte , e minha offenfa, Ao promulgar-me a trágica fentença,

69. Nao te aííuftes , belliíBma homicida. De que l*c me occultey para verte. Quando os fuceflos Í£y da tua vida. Os poflTa divulgar para ofFender te: Se tens huma payxaô raóbem nacida , Que em mifterios puriíTimos fe adverte , Pois fazes refpirar minha efperança , Permite que eu de mim tome vingança,

70. Se acafo defíe Rey naõ foífes filha, Como tal vez fuppocm teu fentimento, Quem no mundo nafc^o por maravilha, A fi f c deve o alto nacinento ; Sempre he única Aldara , fempre brilha Taõ fingular íeu claro luzimcnto, Que huma deidade em Ínclita vidoria .Se deve a fi p fer, credito, e gloria,

KJiií 7li

244 Henriqueida

7».

Naõ fe diga , que eu canto defejar a , Forque a nenhum dos dois mal cftivcra, A mim , qu€ eu em Aldara amava Aldara ,' E naõ o Império, que a engrandecera; A ti, porque em ci meíma íè formara Outro império, que mais te ennobrecera, Sendo caõ akos dotes eftiniados Por adquiridos mais , que por herdados^

Quanto mais que a adopção de hum Rey illufíre Suppoem hum naciínenco foberano. Nem quererá, que efta eleição fe fruftre Defcobrindo-re indigno neíie engano : Naó he poíTivel naõ que te defluftre Tanto raro atributo mais que humano, Reíplandecendo em ti claros veftigios DeaíTombros: de milagres, de prodígios..

75.

Como he certa do amor a aftrologia, NeíTa cerúlea Cruz , azul eftrella , Quero prognofticar, que em ci fevia Celeíle religião , e force bella : com eíTes íinaes o Ceo queria Prevenir eom altiflima cautela , Que elles fejaõ , cirando o vitupério , Quem decifre o rariífrmo mifterio.

74.

He certo, einfelice o meu deftino> Qiic he até nas venturas infelice , Emacafos, que cego naó preuina. Duas vezes me fez por ci felicc r Mas fe prendi o numen mais divitio, Ainda que eu adorallo confeguiífe. Como pode efperar o privilegio Outro , que fe equivoca em ía^rilegio .* 7í.

Canto VlIL 245

Vejo em teu coração, quegencrofo DcfcLilpa a obrigação , paga a finefa, E naõ vence influxo poderofa De mais ancigo afFedo na firmeza : Eu rc juro ( oli que cíicito prodigiofo- De quem fabc adorar tua belleza/ Eu te juro por efies olhos bellos, Pelo teu roiUo, pelos teus cabelos

7ÍÍ. .

Que a efia \ty , que tens por opportuna De amar Muley meu peito naó fe opponha,. Que o naõ oilenda cípada, que importuna Tanto à tua averíaõ a mim me exponha: Goze feliz taó profpera fortuna, Sem que eu era canta gloria lhe interponha Hum ferro , que até teme o duro efeito De arrancar teu retrato do feu peito.

77.

faltou a Mufey hum inimigo , ,^ Que lhe podia dar algum cuidado , E íou cu ; mas naõ julgues o que digo Ou de defvanecido , ou de affedado % Porque arrifcando eftava comigo Quem te adora mais fino , e neíTe eftrado-- Quem da divina Aldara tem favores. Temeria quem terae os feus rigores.

78.

Nfas no dia , em que eu vir , que elle poífue: ( Oh nunca o Ceo permita , que eu o veja/) G bem que a fua forte lhe atribue, Caufa immortal de bem nacida enveja, E que huma eílrella, que feliz lhe influe, A mim me deixa a cruz para que feja Martiryo ao meu eterno fentimento, ' £ íimbolo fatal do meu tormento.

-IJ^S ÍJenrícjmiãa .

Fogirey de tal forte dos humanos , 'Que as feras me teraõ por companheiro, E viviraõ comigo os defenganos , De que o exemplar fercy mais verdadeiro : mais A^eraõ teus olhos íoheranos Do teu rigor o objedo , mas primeiro Que eu fobreviva a tanta indignidade, $Da Parca efpero o golpe por piedade.

. 8 o.

E fe a fidelidade o permitiííe, 'Mas que a morrer faudofo me artifcaífe. Eu feria quem te conduzifle, E a EiRey teu Pay fegura te levafle : E íe quando morrefle hum infelice , Hum refto de piedade em ti fe açhafle. Aceitarias minha trifte vida Por premio da fineza bem nacida.

81.

Vegctante, infenfivel, e animado Pára ouvirem teus males convocafte ; Naquelle cronco fe verá gravado Quanto duro pefar lhe confiafte : Nos ecos grita o monte o teu cuidado-, E a ave conta a dor , que lhe fiafte ; Serey do que te ouvi mudo rochedo , Eternizando amor com o fegredo.

8z.

Callou-fe, ou fufpendeo-fe o fino amante, E fe eu pintar quizera as vivas cores, Que de Aldara animarão o femblance , Luzes ao prado , ao Ceo tirara as flores : O efpirito movendo vacillance Iras, piedades, confufoens , temores, Moftraõ que he caos a alma inditferente 2^1) combate do frigido , e do ardente.

Canto VIU. 247

85.

Sempre as payxoens mais nobres prevalecem Nos afFectos de hum peito generofo, E aíTim rerpondo aos que C€ naó conhecem, Pelayo illuílre, fabio, evalerofo, Pode fcr , que os PoUticos cemeQem. Romper canco fegredo miftcriofo , E entic illurtres contrários difputado O interellc do Amor mais que o do Eftado»

Mas em quem , como eu admiro , e vejo* De hum magnânimo peito as circunftancias ? GeíTa o receyo , a dor, a ira, o pejo Do dehrio infehz das minhas aníias : Deva-te compaixão o meu dezcjo, E da minha fortuna as difíbnancias j Da minha eftimaçaõ te fazes dino, Sogeica-te aos decretos do deftino,-

Nefte tempo hum avifo lhe chegara^ De que a benignidade das Princefas Por divertir feus males lhe ordenara Vcnatorias magnificas grandefas ; No ar , ena terra a guerra' fe prepara , Igualando os acertos, easdefttezas, E aves, e brutos temem ameaços De lanças, caens, falcoens, íetas, e laços ^

86. Ja voava Henrique hum Gerifalte Notâ??^

Cerúlea producçaó do Boreas frio , E dando ao ar azul purpúreo efmalte. Vence huma Garça cm alto defafio : Mas hum Nebli, fem que o vigor lhe falte j De outra conhece o generofo briOj Sendo ao cahir febre o contrario ouzado . Dos volantes punhaes atravefíado,

248 Henriqueida

87.

Ja tira o caçador o capirote , Que com impulfo cego facodia j, Ao veloz Africano Tagarote, Que na maõ, e no Ceo a hum cerapo via*- Faz que no mar aéreo hoje íe note Quanco a aquática esfera deícobria , Quando ganhaõ o vento azas de hnho De outros Falcoens marítimos de Pinho

88.

Daquelía parte fahe das piofes Contra outra Garça íium Cipriote Sacre, A quem naó valem voos taõ velozes Para naõ ver correr purpúreo lacre.- Cahe rendida aos golpes fempre atrozes Do inimigo voraz, lapido , c acre. Sem que a izentaíTe do tirano eftillo A immunidade do celcfte azillo.

S9. Outro Leonês Borni dcfanparece remontado aos últimos íafiros:? Mas precipitado à terra dece, E de ave mais valente foge os giros : Nota 5 5 5, Águia Real as luzes efcurece

Dos orbes fuperiores nos retiros -, Naó (qv fe o aílro foy , que a eíte intento A opprimillo baixou do Firmamento.

90. De Alcotaens , Bafarís , e de Montanos, De Alfanequcs, e Alietos rigorofos ■Sentem os ares impecos tiranos, Vem os campos eftragos rigoroíos; Mas outra Águia em voos foberanos Se remonta cm alentos gcnerofos ; E recea os íeus impuUos graves N©ta5 54.Q exercito carnívoro das aves.

Canto VIIL 249

9».

Da parte occidental os ventos cruza , E as aves, que do Oriente fc elevavaó. Nenhuma o feu Império recuza Nem as que ao Auftro as azas cfpalhavaõi Simbolo heroyco foy da gloria Lufa, Que todos taõ alegres obfcrvavaó, Como fe eftes prognofticos propicios

RecordaíTcm de Roma os vaós aufpicios. Nota 5 5 u

91.

A Icgiaó dos domefticos Açores Nota 5 5<?»

De Dédalo parciaes hoje confeguem Exercitar feus trágicos rigores Nos filhos de Perdicas , qne perfegucm .• Como fe rodos foíTem inventores Dos inftrumentos , a que as artes feguera ; Hum os rufticos mármores partindo. Outro ângulos geométricos medindo.

Oh da enveja fatal bárbaro eíieito Do próprio fangue hidropica inimiga. Que à virtude, efciencia fem refpeito A deftruir o bem ao mundo obriga: Naõ de oppor-fe à Fortuna fatisfeico Efte affecto infetnal , quer fe perííga A mefma gloria eterna, que efcurecc EíTa mefma virtude, que aborrece.

94. O bofque efcarmentando nos eílragos. Que via executar na azul esfera, fente os giros rápidos , e vagos , Do veloz bruto, e da robufta fera : Torcidos inftrumentos , que prefagos Com o foni , que nos montes reverbeta, Profetifaó do bofque a trifte inópia, * foraó de Anwitéa feliz copia. NotajrJT*:

ii 95«

ZjQ Henricjueida

95- Quantos Adónis vejo , quantos Martcs ,

Nota5'5 8. Mélcagros, c Alcides repetidos,

Que os matos rompem por diverfas partes A hum tempo rigorofos , e advertidos!

Nota 555. Huns na batida exercitando as artes Dos projedos da caça prevenidos Fazem fahir os brutos com injuria Huns pelo medo, e outros pela fúria.

Da parte efquerda fácil o terreno Permite na calcada outro exercício , Entre o pungente tojo o mole feno Deixa ver dos veftigios leve indicio : Vem as bellezas pelo prado ameno Fazer das feras o furor propicio. Oh quanta ninfa vejo foberana , Enveja de Atalanta, e de Diana !

97. Humas nas portas com mayor paciência

De hum Cervo efperaõ o improviío falto , Outras ao Javali, que com violência Fere o humilde , oííende o menos alto : De taõ raras bellezas a excellencia Agora nos meus rithmos naó exalto, Porque tanta deidade, e taó luzida, nao vejo entre as ramas efcondida,

98. A mufica horrorofa dos latidos Nota ?4o. Dos Melanipos, Barcinos, eAltimores, Nota 541. De Hecuba pareciaó os gemidos

Vendo abrazar-fe Troya entre os ardores : Nora 54i. Pois , como Mera , foraó convertidos Nos caninos famélicos horrores Os que antes com divinos privilégios •"^-"^^^^^^ Eraó brilhantes cfplendores Régios ^ o&v.

íi 99«

Canto VUL 2yi

99-

Inftigados da ardente antipatia Saliem dos propugnaculos frondofos Ao compaíTo da beilica harmonia Os brutos com os gritos mais furiofos ; Ao venablo de Henrique refiília Hum Javali , que he Rey dos monftruoíos- Habitadores da afpcra colónia Do povo irracional de Calidonia. Nota|4v

100.

Túmido monte de carvaõ ardente Se move o novo aíTombro de Erimanto , Nota 544.

E pareceo , que a mouta de repente Se animou para íer ao mundo efpanto : 1

Sahe aos colmilhos cada ebúrneo dente, > u^i ^y E o punhal mais agudo o naõ foy tanto ;.q ''^^ ^ Sendo aos Teus golpes hórridos, e broncos^ ' ' "^ Débil defenfa os mais robuílos troncos.

101.

Armando-fe do efcuto húmido lodo y-'' ? Do foi aos rayos endurece a malha. Do ferro á prova fe defende todo Para entrar mais feguro na batalha : Temo que a prevenção de qualquer modo A* fua aftucia irracional naó valha ? E que fendo de Henrique o ameaço , Rcfiíla ao ferro, e naõ refiíla ao braço ^

lOZ.

Temerão os fieis exploradores O monftruo , que em latidos dcfcobriraó , Huns morrerão dos dentes aos rigores , Outros viverão porque fogiraõ : A alguns matarão os cruéis horrores. Outros feridos trémulos cahiraõ ; De dois julgo no alto, que faltarão, , Que nos dois. Caens celeftes fe abrafaraõ, mi s: - Nota 545^

liii 105.

ZSZ Henricjueída

105.

Efpantoufe huma cândida Hacanea / Nota 546? Qiie a belliirima Aldaia dominava, E ella no precipício, querccea, Largando a rédea , o rifco fe augmentava : Derta amável prifaô rompe a cadca O bruto, que as fortunas ignorava. Como Te confeguiflc em tal defvio Kota547'^ maquina, ou inítinto , ou alvedrio.

104. Levou Aldara ao alto da montanha :" j^. Para augmentar a força do defpenho.

Mas Pelayo em tragedia taó eftranha Bufca de outra fineza o defempenho : O feu cav.allo deixa na campanha, ..3 •mi'

E no perigo acrecentando o empenho '

Faz com a eípada o bruto em mil pedaços» Recebe a amada Deofa nos feus braços.obb i :

105. Eftç he o primeiro bem, que devo à fortci Diz Pelayo, ;nas foy a tanto cuílo, :«> ioí oG Que eu dera a vida com felice morte, vS\ o' Porque da tua naó tivcíTe o fuílo ; '

Naõ perdeo o acordo em mal taó forte Aldara , e concedendo o premio jufto , A Pelayo , com roftro mais propicio Lhe agradeceo benigna o beneficio. '

106. Voltou o Javali, donde Tereza Se aíTuftara a naõ ver que o fegue Henrique, Mas ao perigo próprio huma fineza Naõ permitio que as atençocns apliqne : Tudo fia da heróica fortaleza Do Heróe , porque os triunfos multiplique? Tudo teme , que nunca nefta parte 'f\H è!' iig hum cobarde amor filho de Marte.

, r .. ,. 107.

Canto VIII. 2J3

J07.

Henrique prevenindo o facrilegio , Vibrando a lança as duras armas rompe, Naó pode refiftir ao braço régio , Que as hórridas defenías incerrompc : Vcrteo o immundo Tangue o golpe egrégio j Que inficionando a terra o ar corrompe j /

Mas a falta o furor naõ debilita, Quando a ferocidade mais fe irrita.

ICg.

Naõ refiílio a lança ao novo impulfo , Mas da caça fentio no ferro breve O bruto tal vigor do forte pulfo , i

Que^ agora Tente o muito , a que fe atreve 5 Mas fe no arrojo fe julgava infulío , Opinião de fagáz na morte teve ; Pois fe rendeo a Henrique a bruta vida , Ficou na illuílre morte ennobrecida.

log. Vingou Pelayo , vendo livre Aldara , Em tantos Javaliz o feu perigo ,

Que quafi huma hecatombc lhe prepara , Nota 549»

Fazendo facrifício do caíligo. Bcrmudo hum taó feroz ali matara , Que a Vrania renovando o cafo antigo , Difle: hum trofeo na caça te confagro Melhor do que á Atlanta Meleagro.

1 10. Mil foraõ os despojos , que hoje as feras Aos nobres caçadores entregarão , E os Caens, que as descobrirão, nas esferas Entre os aftros fcu nome eternizarão ;

Oribafo nos montes fempre imperas , jsjQjg ^,çy

Dorceo na aguda vifta te chamarão , ^ Leucon pela cor branca conhecido , Theron até tjo nome enfurecido.

a 5 4 Henncjueida

i III.

vay correnao cândida huma Cerva ; Neve parece a quem o Sol defaca Da corrence , que rigida a referva , Para a deixar correr liquida prata : Mas apefar de Cinda , e de Minerva Volance goJpe a cor lhe desbarata ;n.::íroi' E veftindo de púrpura a brancura, Tem no criftal do rio a fepultura.

III. De Uraniji foy a venturofa feta ,ji iSeM Qiie ferio eíla Cerva venturofa, Em criftalino Ceo vago cometa Com bella morte a quis fazer ditofa ; Tanto o medo te cega , e te inquieta , Difíe Bermudo à Cerva temerofa , Que as flores deixas , bufcas os abrolhos > Sentes as fe tas , por fogir dos olhos í

Deve darte por eulpa tao grofleira Caftigo taõ felis , que o naõ mereces , Devendo fer cruel, foy lifongeira EíTa immortal ferida , que padeces ; Se a hiftoria fe tiver por verdadeira De outra Cerva, com ella te pareces Nota 1 ^^^^^ ^ ^^^^ * líigenia fobctana , ' Como agradável vidima a Diana.

114. Naõ julgues , que te imito no cobarde» Pois fem fogir as fetas homicidas , Tanto o meu peito aos bellos olhos arde, Que para os rayos multiplico as vidas: E para que os incêndios naõ retarde Ambiciofo do amável das fétidas , Bufco de perto o deliciofo encanto , E avivo o fogo fufpendendo o pranto.

115.

Carito VI 11 255

De Licaon retratos infinitos Notaífu

Confervando a tenaz voracidade, Moílravaó caftigados os delitos ,

Que caufaraõ de Pirrha a tempeftade : Nota 753.

Quando os mortaes na inundação aflitos, Por ter do Ceo mais próxima a piedade. Abandonando humildes orifontes , Naó tem aíilo nos fublimes montes.

116.

Exterminar a efpecie furibunda A grande montaria procurava, E dos Lobos cruéis a plebe immunda Por todas as veredas íitiava ; O tirânico exercito , que inunda O gado manfo com torrente brava, defpojar feus Ímpetos groíTeiros Para izençoens eternas dos cordeiros.

117.

Tal houve, que aílaltando a Doriménc Devorara a HndiíTima paftora.

Se Dorfino das Serras de Pirene Nota 554.

Naó oppufeíTe a efpada vencedora; Dorfino , a quem o amor nunca condene , Porque menos atento, ou fino adora, Dando em feu coracaõ feliz dominio

A* Vénus, que o Erice achou no Erminio. NotaíH*

1 18.

Mas o Lobo fobindo pela efpada , Foy na maó do paftor vingar a morte, E devorou com fúria arrebatada Com aboca criiel o braço forte; A paftora das anciãs animada Vay focorrello, mas a iniqua forte .Fez cair aos feus pés com trifte indicio . A fera > .€ o paílor por facrificio.

1^6 Henriqueiãa.

119.

Ao Heróe Leonez Pedro Bernardo Outro Lobo feros ouzado aíTalca, Mas igualmence pronto que galhardo No ar o maca a íança quando falta; onero > que em atreverfe foy mais tardo Com o golpe do alfange o campo eímalta> Donde inficiona o verde, e o florido Com venenofo fangue denegrido.

1 20.

Ruftico hum caçador com força deftra, Ea quem faltou da caça o valor nobre. Temendo hum Lobo foge da paleftra , E dos bofques no intimo fe encobre : Nota 5 5 6. O perfpicàs efpofo de Hipermneílra No centro impenetrável odefcobre, E o cobarde fentio , íem que o reíifta^ Mais agudas as unhas , do que a vifta. j

IZ I.

Nao valeo a deílreza ao fagàs bruto í.. . Com que à morte fogio fogindo a morte;«íPií'^f f Porque Vulpeyo hum caõ pronto , e aftuco O defpcdaça com impulfo forte : Salta hum Lobo cerval taõ refoluto , Quedas lanças rompeo circulo forte, E acometendo a todos com fereza , De todos fe livrou com ligeireza. ,

122. \

Naõ amando exercicios taõ ferozes , Fazem outros , que fe ouçaõ na campanha , De alegres gritos vcnatorias vozes , Com que a caça das lebres fe acompanha : Com a zas do temor voaó velozes , Porém, ou dos Falcoens a cautela eftranha , Ou dos ligeiros Galgos dura guerra , Unem contra hum fó, bruto o ar, e a terra.

ii3-

Canto VIIL 2J7

Da trela com vigor fahio Centelha Dos campos Lauricenos veloz filha ° *í)7'

Na matizada cor branca , e vermelha Canicula tcrreftre ardente brilha : Nunca para correr fofrco parelha, Porque a competidoras naõ fe humilha Naó Cem no vivo os olhos paralello , Delgado o talhe , e mais delgado o pello.

114.

DeUrania no favor deívanccida Naõ le foltàra da prizaõ dourada , Nem rompera a cadea appetecida, Se naó dos feus preceitos obrigada : Pelo Ceo dcefmeraldas impellida Terreftre exhalaçaõ corre animada , Centelha iguala , e toca levemente Prompta faifca a exhalaçaõ ardente,

125.

A vida lhe dilata cm largos giros, E embaraçando os Ímpetos ligeiros, Naõ lhe deixa valerfe dos retiros , Em que tinha afilos verdadeiros ; Até que exhaia os últimos fufpiros A lebre em defalentos naó groíTeiros, Porque ou maquina foíTe, ou feníitiva ,

I- Foy por Urania racional , e viva. Ao mefmo tempo os ares fe povoaô De cruéis fettas , de aves innocentes, Aquellas mataõ mais, que as outras voaõ , E vemfe unidas penas diferentes ; I As que doces cantavaó , triftes foaõ , ' As que animaõ o amor , ferem ardentes. Sobem a hum tempo , e defcem inquietas , Mortaes as aves, immortaes as fettas.

Kk X27,

258 Henriqueida

117.

Neíle enfayo da arte venatoria , Sr* '^'.ft^ Na diverfaó inucil , mas augufta Da virtude Marcial á heróica gloria , O Herôe as máximas bellicas ajufta : Nota 558. Para alcançar das feras a vicloria O Principe exercita guerra juíla -, Edeftruindo os Lobos carniceiros , Patrocina os paciíicos cordeiros.

Ii8. Aqui o ardente Sol , e a fria bruma Aos corpos delicados endurece, A força de fer ágil prefuma. Para evitar o rifco , que conhece ; De eftratagemas a arte fe refuma A' caça , que taõ deftra fe conhece , Para attrahir incautos inimigos y Nobres enganos , Ínclitos caftigos.

129. Aqui fabecortarfea retirada. Seguir , eaprizionar os fogitivos, .a90Bi£

Exercitar da fetta j lança , e efpada , Os acertos , e os golpes mais activos t A arte equeílre taó útil , e eftimada Exercita primores exceíTivos , < Que no dezembaraço , e na. deftreza , Adquirem o vigor , e a fortaleza.

150. Acui claras as ordens deftribucni Os que formaó projcdos venatorios , E os inftrumentos bellicos ínftuein , E fem voz os preceitos raónotoriosí:2í>bini Nas memorias , que os brutos íc attribuem Kota 559. De Alcides, Meleagros ,e Sertorios, No Lcaõ , Javali , e aftuta Cerva, Vivem Beiionay Palias , e Minerva.

{

Canto VIIL 259

151.

Em fim enfina a caça a Geografia Com o conhecimento do terreno , E o General nella conhecia Bofque inculto , alto monte , e prado ameno : O campo de batalha defcobria Mais eftreito , mais largo , ou mais pequeno * Reduzindo o paiz a breve ponto A vifta aguda , e o juizo pronto.

151.

Aíllm difcorrco Cyro com Crifanto , Quando ganhou de Arménia a vafta terra , E ao fer de Azia terror , do mundo efpanto, Louvava a caça , exercitava a guerra »

AíTim o fez quanto Rey grande , e quanto I^ota f 6o.

Da fama o templo gcnio illuftre encerra , Quando huma artctaó nobre em feu progreíTo Naõ degenera em viciofo cxceíTo.

IH- Ontravez te invoquey, claro Mecenas, j^ota 561

Mais do que António Augufto Luzitano , E outra vez meinfpiraraó as Camenas, Quanto admirey no campo Tranftagano : Naõ frágeis fettas com ligeiras pennas Difparava o teu braço foberano, Ardentes rayos fim de impulfo certo , A quem Joveenvcjou poder, e acerto.

154- Ou de hum tiro os animaes ferozes De hum globo de metal faõ lignos vagos, E humilhando os fcus Ímpetos atrozes , Te devem na atenção nobres eftragos :

Ou de Saturno breves , e velozes , Nota j(>xj

Plúmbeas esferas , circulos prefagos , Fazem do fogo a empenho taõ violento Ser o metal mais leve do que o vento.

26o Henriqueida

De Iium Adónis a lança vingadora Sacisfaz outro Adónis, vence Marte , E outras vezes do Touro vencedora > Efcuía de Medca a infeliz arte/ Eu vi fogir a Cerva voadora, Naó lhe valendo amais diftante parte. Pata livrarfe a taõ fatal eíFeito , Porque azas do temor corta o refpeito.

Nota 5<j5. Teus Irmãos , Pay , e Avo no Régio' exemplo

Do venatorio bellico exercicio

Ja deraõ de Diana ao facro templo

Em mil feras heróico facrificio .• Nota 564. Em novo augufto Principe contemplo ,

Que hoje he demonftraçaó o antigo indicio»

De que triunfando na arte venatoria> *

Antecipa os enfayos da vidoria.

«57.

Notai^^. Francifco , que he no ágil, no robufto;

Do ar , da terra , e mar com cal dominio

Abíoluto Senhor, Principe augufto.

Logra em continuo acerto alto definio :

De aves , brutos , e peixes , prompto fufto

Deveo da Mufa ao claro vaticinio ,

Que deixe o grande nome celebrado

No canto venatorio eternizado.

138- NorajóíJ. Manoel dos magnânimos enfayos

Sahio a merecer glorias divinas.

Empregando os impulfos dos feus rayos

Nas indómitas feras Bifantinas : »

Vendo a Lua Otomana com defmayos

Eclipfarfe nas luzes , que fulminas ,

Por ti a Águia do Açor vence a protervia^

Aiíegura Pannonia > doma Servia,

1}9'

Canto VIII. i6i

Carlos, c Pedro nos floridos annos Igualaó os mais deflros caçadores , Três Dcofas com acertos íbberanos Vencem de Cincia as luzes , e os primores.- Oucra nos campos, Beticos , eHifpanos, Dcfpoja os louros , e produz as flores , E a ennobrecem com altos privilégios Hum Regio efpofo, dous Monarcas Régios.'

140.

Com cem trombetas interrompe a Fama Da caça os inftrumentos retorcidos , A grande empreza os ânimos inflama, E os feitos vaticina efclarecidos : Diana cede a Palias, arde a chamma Do ardor Marcial nos coraçoens luzidos; Retiraõ-fe as Princezas a Lamego, Marcha Henrique , e as tropas ao Mondego;

ofi 3

HEN-

i6i

HENRIQUEIDA

C A N T o IX.

Argumento

c

Oimbra fortifica ^ o Grande Henrique , E a Pomhal , e Leiria conqutfiando , Forque ejiragos aos Mouros multiplique , Vay toda a Ejiremadura devaftanio : £ para que o projeóío fe publique , Aos Gencraes 'valentes confultando , Ao Mouro bufcÃy que o feu campo formai E de ejlranhas vifoens Axa o informa,

I. Antes que as aves com clarins fonoros Dcfpercaílem o exercito das flores, E aos harmónicos ecos, e canoros, Se avivaíTem da Aurora as bellas cores, xT^- rro E que actrahindo a Febo os doces coros, Delle aprendeflem muíicos primores , E com tanta celefte melodia Se ajuftaíle dos orbes a iiarmonia.

2.

As trombetas , e as caixas retumbavaõ No campo dos heróicos Portuguezes, Os Toldados equeftres marchavaõ Dando mais luz que o dia os feus arnezes; As pedeftres milicias fe formavaõ , Henrique corre as linhas muitas vezes , Sem perdoar levilfima defordem , Faz a aliança do valor , e a ordem.

Canto IX. 263

3' No paiz , que lhe rende a vaíTallagem , Toda a terceira linha fe rcfguarda , E as maquinas de guerra, e a bagagem Marchavaó na fcgura retaguarda : Nas maõs lhe renovara a homenagem Quanto cabo fiel as praças guarda i E porque a diverfaó na(5 aconteça , Hum corpo deixa, que o paiz guarneça.

4- Dom Garcia Rodrigues fempre illuftre , Nota5(?9.

De que o Tangue Coutinho fe deriva, Que deo a Africa honra , a Europa iuftre , Governa a valeroía comitiva : E porque a devoção nunca fcfruftre, Bufcaõ todos no templo com viva, E com pios aííedlos , e devotos , O defempenho dos ardentes votos.

5-

Naõ fe arrifcou Amado a ver Aldara, Porque temendo a fua fermofura, Se a faudadc ao fcmblante perturbara, \

O valor malquiftára na ternura: E quando para eftragos fe prepara , E contra o que ella adora fe conjura , Ou pelo amor o brio feefqueceraj Ou grofiaria a honra fe fizera. )

6.

De Terefa, e de Affonfo o Grande Henrique Fino, porém conftante fedefpede, Porque ao darlhe hum Império juftifique Apromefía, que o Numen lhe concede: As lagrimas Urania multiplique, Quando Bermudo a permiflaõ lhe pede De naó morrer das armas á violência^ Se naõ aos golpes de huma criíte auzencia.

7.

264 Henriqueida

NaÕ chegava ainda o Sol da bella Aftrea Ao equilíbrio com que o mundo alcança'. Hum bem , que a injulliça naó recea Pondo igual o feu ouro na balança.- Como oíviondego fácil fe vadea, Em quanto com a frigida mudança Naõ fe engrolTa com rápida torrente , As fuás margens bufca promptamente.

8. Cinco vezes no Ceo nafceo a Aurora » E outras tantas no mar Apollo morre , Quando Henrique nas marchas, que melhora Pelo campo Colimbrico d/fcorre : Campou junto á Cidade , porque agora Primeiro a fortifica, eafoccorre. Do que paíTar o rio forte emprcnda, Sem fegurar a ponte , que o defenda.

9. Nota 5'7o. Quanto na Poliorcetica o experto

Grego , e Romano contra as praças ufa, Prevenira o deftriíTimo Roberto Ãbií^l £ :»»:

NotafTi Novo Archimedes de outra Siracufa : ' ' - ' ' Com brevidade , método , e acerto , Faz que a difpofiçao, fem fer confufa. Vença com prevençoens, e com porfias, Obta de largo tempo em poucos dias.

10. ' Dos torrioens os ângulos flanquea , Os terraplenos enche , e fortifica , Alli repara de huma , e de outra amèa Asruinas, e offenfas multiplica: Ao foíTo , que em graõ circulo rodea A forte praça, tal cuidado aplica, Que nelle por conduto occulto , e cego Sangria de criftal deu ao Mondego.

II.

Canto IX. 16$

II.

Saperava eminente Cidadela A aHtiva ficuaçaó da forte praça , Prevenido Roberto guarda nella Maquinas , com que os Mouros ameaça : Soteraneos encobre com cautela, Com que o íitio , ou malogra, ou embaraça, Que enlinou bruto timido , e aftuto , E imita o homem lábio , e refoiuto.

12.

Da ponte reparou a Fortaleza, , >

Que os primeiros impulíos desbarata,'

Da ponte, em que do mármore a riqueza

Nos mais excelfos arcos fe deíata ;

De Coimbra a alegria, e a belleza

Pinta o Mondego em lamina de prata >

E enriquecido com o objeto grato

yay levar a Neptuno o íeu retrato.

15. Guarnição numerofa he o prefidio,'

Com que a Coimbra Henrique aíTegurava,

Ao fciente Roberto , ao forte Helvidio

O graó Pedro Bernardo governava :

De armas , e muniçoens largo fubfidio

Com abundantes viveres deixava.

Para que nem do largo do bloqueyo.

Nem do pronto do aíTalto haja receyo.

'4. O Mondego a paffagem facilita Pelos liquidos circulos de argento Ao Luíitano exercito, a que incita Da pátria, e religião gloria, e augmento: Ainda em paiz dos Mouros íe exercita Da exada difciplina o documento. Sendo de Henrique o animo picdofo /Até com feus contrários generofo.

y tsr

266 Hennojueida ^

Com ouro, e efmeraldas das efpigas Enriquece aos mortaes pródiga Ceres , Com que, ò Agricultura, das fadigas Largamente o trabalho recuperes , E com que das torrentes inimigas No fértil anno as perdas remuneres , Multiplicando os nitidos tributos No áureo tefouro dos opímos frutos.

i6.

Campando no paiz dos inimigos, '" ' De que ao longe íó vio poucos foldados, ^*lP Se aviílaõ de Pombal muros antigos , ' ''

Que fe acharão de novo reparados : Henrique refolveo darlhe os caftigos, Qi-ie por fer temerários mais que oufados Pelas leys militares merecerão Cs que as pequenas praças defenderão.

Defpreza Ofman os feros ameaços , £ refponde que efpeia feja eterna Pela força invencível dos feus braços A defenfa da praça , que governa : Jàas Maquiíias fazem em pedaços Dos velhos muros toda a linha externa ; Por dentro fabricou fortes , e duras Com largo fòíTo largas cortaduras.

i8.

Hercules de Rohan , e os feus Francezcs , Para fegar o foílo , e dar o alíalto. Com juíla emulação dos Portuguezes Tudo rendeo a hum animo taó alto : Alano feu irmaõ , que feni arnezes PaíTon o foílo de hum ligeiro falto. Morto cahio de huma fatal ferida Da guarnição , que faz huma fortida.'

Canto IXl ZóJ

19.

O Príncipe galhardo de Bretanha Eftimulado do infehz fucceflb , E de que o Régio Tangue na campanha Animaíle outro bárbaro progreílb : Incitado o valor da pena eftranha '

Tanto augmentou do impulfo o raro exccílhy Que pela mcrma porta, a que embaraça, A fortida que fahe, entra na praça.

IO.

Primeiro com os feus vencera o foíTo, E as Tetas, que tiravaó das ameas. Da guarnição rompera todo o groíTo , E das bocas das ruas as cadeas ; O eftrago univerTal contar naõ poflb Sem manchar com o horror nobres idéas j Porque o rio purpúreo, que corria. De que era o Tangue bárbaro eTquecia.

2.1.

Naõ teve entre o furor uTo a piedade; E tudo foy de Alànò Tacrificio,ír,jlíj(J FermoTura, valor, Texo , ou idade, Nem com o pranto achou o ardor propicio.* Oh permitida , mas infiel crueldade De animo generoTo eftranho indicio ! Porque perde ao vencer Tem refiítencia A jnagnanimidade na violência i

11.

Henrique Te laftima da deTordem , Louva o valor, mas o furor condenna, Prefidia a Pombal, publica a ordem Da marcha, adonde o Liz Te junta ao Lena: Mas porque os Generaes todos concordem No militar projcdo , logo ordena Hum conTelho , a que Tejaõ convocados Os principaes Yaroens aillnalados.

il ii 13;

l68 Henriqueida

Heroes invidos , diz, que a fortuna; Que cede à providencia o vago império , He para Portugal fempre opporcuna , E para Mauritânia vitupério ; Porque o valor à difciplina íe una, E gloria refpire efte emisferio , E do Numen no aufpicio foberano Tenha principio o Reyno Luíitano.

24.

Com marcial , com illuílre liberdade Efpero huma magnânima repofta , Porqne nella o acerto me perfuade Toda a refoluçaõ defta propofta.- Zelo, valor, fciencia, amor, verdade Na voffa reflexão verey expofta. Que eftes cinco axiomas verdadeiros Confticuem os fabios confelheiros.

25.

Todos íabeis, que" a Corte de Borgonha Deixey para bufcar na terra Hrfpana H

Nobres perigos, a que a vida exponha Com pura fem ambição profana: Sem que eftranhos aíTumptos interponha, Callarey quanto fiz contra a tirana Barbara infiel naçaó dos Mahometanos Servindo ao Graó Monarca dos Hifpanos.

Também naõ contarey, que interrompendo O projedo , que o Ceo me determina, .

Tomey a Cruz cerúlea, que eílais vendo, ]

E à conquifta paíTey de Paleftina , Donde Gofredo com cftrago horrendo Dos filhos de Ifmael fatal ruina Com valor pio, e zelo nunca vifio Notaj7i. Q Qj.^^ Sepulcro libertou d^ Chrifto;

17.

Canto IX. 16^

O Empeiador Leonez Affonfo Sexto Me concedco huma indica Princeza, Naó por algum politico pretexto , Mas por premio felice da fineza : Kaõ pelo cronológico contexto Hey de contarvos huma , e outra empreza , Com que em vollb valor augmento teve Da terra Portugueza a porçaó breve.

Quanto encerra a Provinda Interamnenfe Notajjjç Do fértil Minho ao Douro caudalofo. Donde o nome formou Portugaleníe Em Porto , e Gaya Portugal gloriofo ; Quanto aíTaltando os Ceos as nuvens vence Nota574J

De outra provincia o ficio montuofo , E quanto ainda em Leaó Affonfo o torga Nota. 575'

No dominio feliz da forte Aílorga.

29.

Quanto vaílo paiz inclue a Beira , E rega o Douro, o Daõ , o Alva, e Mondego, Notaç?^; E quanto de Caminha até a Figueira O Occeano combate fem íocego •, Ou como dote da merc£ primeira , Ou como da conquifta jufto emprego , Como Conde fcgura ao meu dominio Alto valor, celeíle patrocinio.

50.

Nos primeiros progreílbs da campanha Paliando o Douro , e defendendo o Porto , Do feroz Almançor a fúria eílranha No mefmo rio o precipita morto : Cbrou qualquer de vos tanta façanha. Que fe hoje em referillas me reporto j ^ He porque vendo eílou nefies ardores, Que haveis dee xecutar outras mayores.

31»

1-70 Henrlcjueída

51.

Derrotado o exercito Agareno, Todo o paiz foy premio da vitoria ; Mancha-fe o rio , inunda-fe o terreno Com Tangue, que rubrica a fua hiíloria: Duplicado o Teu Rey bebe o veneno, Quando fabe , que perde a fama , a gloria No exercito, a que o noílb derrotara E em fer morto Almançor, e preza Aldara.

Em Africa Joíef então fe achava Domando a rebelião do povo infame,' Armada prcvenio com fúria brava , Pa^ar^jue Porcugal feu nome aclamei Em quanto hum novo exercito formava,' Que a troféos mais heróicos nos inflame. Vi da gruca facidica huns veftigios De futuros certiílunos prodigios.

55.

Em Axa Ançures fufcitou o Abifmo Huma guerreira , e indomável fúria , -

Qiie renovando o falfo paganifmo, A* fua própria feita fez injuria : Em Lamego com cego parafifmo Incita em vil caucela, em corpe incúria, Para os aílacos fins , e temerários! Contra mim aos VaíTallos tributários.

34-

Padroens faõ os penhafcos levantados Da Serra feca no afpero deílrito , Em que o tempo ha de ver melhor gravados Os caftigos facaes do feu delito ; Os Reys do trono aos ferros trasladados Dcfpojos faõ do voíío braço invico ; E para fer mais claro o feu defdouro Vaõ no triunfo com cadeas de ouro.

Canto /X 27 1'

Na cxpugnaçaõ furioía de Lamego Nota 577,

Se queima à hydra a ulcima cabeça , A Imagem tucclar foy nobre emprego Do culto, que em feus votos fe intereça.* Nova confpiraçaõ de impulfo cego Nem da noure encre as íombras hoje eíqueça, Para que à ecernidade fe confagre Entre as luzes divinas do milagre.

56.

Do milagre, que a Affbnfo capacita Aos trabalhos do bellico exercício > E a quem Moniz intrépido habilita Da ilJuftre educação ao benefício; He Aldara hum penhor , que facilita Da defejada paz o bem propicio; Mas ha de fer depois que efte emisferio Veja fundado o Luíitano Império.

5 7- He Muley hum contrario valerofo, A quem entre os bárbaros refpeito ; Nunca vi tanto affecto generofo No efpaço infiel de hum Mahometano peito : O amor de Aldara o faz mais animofo, E fe ha de prevenir o activo effeito, Que hum coração produz , fc a hum rempo encerra Entre íetas do Amor rayos da Guerra.

3 b'. de Jofef as tropas encaminha. Que a Leyria marchavaõ de Lisboa , ElRey de Fez com ellas fe aviíinha , Cobre a planicie, o monte fe coroa: Com marchas apreífadas caminha Para a pronta vitoria, que apregoa, Seu falfo coração naó diz prefago , . Que os faz correr para o feu próprio eítrago.

3?'

iql Henriâjueida.

3S>. Conílame por fiel incelligencia.

Que as maquinas de guerra, que conduzem

Ao ficio de Coimbra com violência,

Vigorofos projedios introduzem .•

Haò de encontrar taõ force reliftcncia ,

Por mais que iras, e fúrias reproduzem.

Que cm D. Pedro Bernardo fe aíTegura

Qiianto a conlUncia no valor fe apura.

40.

Mas porque naõ pareça que receyo -i De Europa , Africa, e Afia o Povo imundo ^^^i rc A. Quando por mar a focorrelo veyo Barbara multidão , que infama o mundo : Naõ de efperanças vans me lifongeo , Kaõ em ligeiras máximas me fundo ; Naó podem apagar claros veftigios Do Ceo milagres , do valor prodigios-

41.

Se houvermos de feguir o impulfo ardente Do efpirico marcial, que nos anima,

Na mefma marcha a Mahometana gente "

Achará quem feus Ímpetos opprima : Mas fe algum com avifo mais prudente Contrario voto com razoens exprima , Livremente o expUque de outra forte , Porque nos aíTegure hum campo forte.

4i.

Se paíTar o Mondego o Rey tirano , Cortando-lhe os combois da própria terra , Também lhe caufaremos mayor dano Em menos nobre, e mais fegura guerra: Ko fitio de Coimbra o defengano Ha de encontrar pelo valor, que encerra, A praça o debilita, o campo eu corro, htà ter occafiâõ para o íoccofio,

43.

Canto /X.|j 273

45.

E em quanto a praça bate com poifia , Também a diverfaõ facilitada Ganhara com ventagens a Leiria, Ou deixará Coimbra aíícgurada ; Se deftes três projedos fe defvia A voíTa difciplina confumada, PaíTará efte exercito ao emprego De difputar o paílb do Mondego.

44.

Mas afllm ficará taõ pouco activa A conquifta total do Mouro Império , Que reduzindo a guerra à defenfiva. Será, quanto era gloria, vitupério; No feu paiz faremos a ofFeníiva , E vejo gravadas no cmisferio VoíTas acçoens , que faó com nova eíTencia, De próprias o aftro , e a influencia.

45. Naõ cabe, Heròes, em vòs defconfíança; Se hum valor refpiraes fempre admirável. Modere à Fortaleza a Temperança, E a Prudência ao Furor faça tratavel .• Todos temos no Ceo certa efperança , Mas feu alto fegredo inexcrutavel Difpoem , por difllpar noíTos receyos , Seus os milagres, fe faltaõ meyos.

Nem a refoluçaõ mais atrevida Achará no meu peito repugnância , Nem a mais moderada, e prevenida Encontrarey por ira, ou arrogância: A força, e difciplina veja unida Em todos a prudência , e a conftancia ; ^Toda a minha fortuna em vòs refpirc , •£u[vos confulco , o Génio vos inípire.

iMm 47.

274 Hertriqueida

Al-

DiíTe; e rompe o filencio o nobre Cunha, E fabio quer que o campo fortifique; Como prove6bo as máximas propunha, Porque tudo à dcfenfa fe aplique: As grandes forças barbaras expunha, E que fem que os perigos multiplique. Seu primeiro furor refifta a ordem. Até que fe diífipem na defordem.

48.

Que ou nos bufquem no campo , e lhes reíifta A natureza, a quem foccorre a arte, Ou de Coimbra intentem a conquifta , Donde o Mondego as forças lhe reparte , Sem que feja poíTivel , que fubfifta Sem receber combois da oppofta parte. Que o Conde Oforio as três provincias guarda, E os das duas o exercito retarda.

49.

Que ou o íítio levanta , ou guarnecidas As linhas com hum corpo numerofo , Que as defende das rápidas fortidas, E fique o refto menos vigorofo ; Ou por naõ ter as tropas defunidas PaíTa outra vez o rio caudalofo , Que dificulta o liquido caminho Com as agoas do inverno vifinho.

50.

E que entaõ difputando-lhe a paíTagem Da mefma parte auftral , donde campamos , Fica â noíTa eleição toda a ventagem , Que para as Lufas armas procuramos : Do feu paiz teremos vaííilagem , Quando as contribuiçoens delle tiramos , E tenha o feu exercito o receyo De que ao formar hum íicio ache hum bloqueyo.

51-

Canto IX. 275

Diz, que bem fabe, que com gente armada O foberbo Africano o mar domina , E a praça de Buarcos conquiftada Deixa livre a campanha criílalina , Por donde a conducçaõ facilitada Ao exercito os viveres deftina j Em quanto de Coimbra o fitio dura , Mas que outto inconveniente fe conjura.

E he do tempo hiemal a horrenda fúria , Das prayas a duriíTima afpereza, Do Ãuftro 3 oppoíiçaó 5 do Noto a injuria, E dos portos o rifco , e a eftreiteza : Da fciencia marítima na incúria Terá dificuldade a fua empreza , E ganhando do tempo o beneficio, A' prudência o valor fera propicio.

55-

Do largo voto o Távora impaciente Diz, que he dos Portuguezes trifte oíFenfa As chamas apagar do peito ardente, E trocar a conquifta por defenfa : Que o Mouro fe fará mais infolente De Africa tranfportando gente immcnfa j De Coimbra o perigo bem difcorre. Se a praça com vigor naó fe foccorre.

54.

Se o primeiro he inútil ao progreflb Defte projeclo o campo , que bufcamos , E o Mondego das agoas com oexceílb A favor do inimigo lhe deixamos s De palíalo he difícil o fucceíío , Pois o exercito immenfo ponderamos, E aíTim que , fem que o tempo fe dilate, O vamos encontrar para o combate.

Mm ii $Sr

zy6 Henricjueida

Vay o prudente Soufa ponderando, Que fe paíTe outra vez o largo rio , E a ponte de Coimbra aílegurando , O Mouro fe provoque ao defafío , Antes que o Sagitário vibrando Liquida neve , intolerável frio ; Porque oííendaõ ao bárbaro defvelo Dilúvios de criftal , fettas de gelo.

Sem forragens 5 terra em montes de agoa; Os caminhos aos carros intratáveis, Fará, em quanto o rio naõ defagoa , Os combois demais longe impraticáveis: Que veraõ perecer com trifte magoa Os Mouros íeus apreftos formidáveis ; E porque os armazéns guarda Leyria, Por entreprcza a praça ganharia.

A Soufa , Cunha , e Távora approvando Os outros Generaes nos votos fcguem, A divifaõ hia eftimulando Aos que vencer os outros nac5 confeguem.- De Egas Moniz o geílo venerando Faz que em feu roítro as attençoens fe empreguem. Nota jfS. Hercules eloquente fem defdouro

Prende os fentidos com cadeas de ouro»

.58.

Invencíveis , e fabios Lufitanos, A que o Ceo claramente favorece, Terror eterno aos impios Mahometanos> Qiie laço hoje a Difcordia dèftra teccí*

Nota 570. E" ^ ^^)^ ' ^^ ^ ^^j° ' °^ ^^^'^ tirannos Afpides , com que trágica apparece > Introduzio com venenofas cores Da eloquência marcial nas bellas flores.

5V^

Canto IX} 277

59.

Ser parciaes do valor , ou da cautela , Hum imitando Achilles , outro Ulifies , Naõ diminue a gloria , a que fe anhela , Aos que faò valcrofos , e felices : Eu naõ fou o que menos fe defveía Em prevenir fucceíTos infelices , Nem o que tendo a Henrique taõ propicio, Da vida hey de negarlhe o racrificio.

60.

Os milagres do Ceo vi taõ patentes , Que a Fé, e a gratidão fe arrifcariaò. Se eu duvidaíTe as provas evidentes. Que os olhos ouvem , e os ouvidos viaõ : Buíquemos logo os Mouros infolentes. Que tanto deitas armas fe defviaõ ; '

Para formar o exercito em batalha -:'-■ -

Sirva o mar à direita de muralha.

61.

Na ala efqnerda outro exercito nos guarda De milhoens, e milhoens de verdes pinhos. Nota 580*

O Mondego aflegura a retaguarda, E aos mantimentos os cammhos: Se ao Mahometano o vemos acobarda, E fe retira aos montes mais vifnhos, .:.''I

Antes do que coníiga o íeu intento , O atacamos na marcha em movimento.

6^.

Sobre a prava do indómito Oceano »t^^„ ,o_

JNa terra aíialta ao Ceo hum mar (ie área, Que ondas , e nuvens rápido, e tiranno, A Eolo fiípcrjor une, e cnlea r Vio Geraldo hum thezouro foberano Que encobre no feu centro a íacra idéa , Que teve em Nezareth feu culto antigo, E roy afíilo do ultimo Rodrigo.

278 HenricfHeida

65.

Se nelle teve fim o Godo Império E lhe deu vida a fuperior Deidade, Bufcarmos efte íkio cem miílerio , Com que Henr/que ao império perfuade ; Quanto pafla no mar , e no emisfçrio , Alli fe obíêrvarà com mais verdade Para impedir com vigorofa guerra, Do mar a armada, o exercito da tetra.

64.

Dom Fafes Luz levanta o eftandarte , E diz : creyo , fenhor , que acerto tanto Nem pode duvidalo o mefmo Marte, Que Moniz ainda a Marte he forte efpanco. Unem-fe os votos de huma , e outra parte , E antes que eftenda a noute o negro manto, Approvando o projedo o nobre Henrique, Faz que a ordem da marcha fe publique.

Nota 582; J^ "^ Efcorpiaõ celefte o claro Apollo

Se prefervava do immortal veneno* E em feus rayos benéficos o pólo Eftava ainda benévolo, e fereno: Moderava aos feus fubditos Eolo ,

Notaí85.^ a Pomona , e Vertuno o campo ameno Dos fafo nados frutos , que formava. Os prcciofos tributos dedicava.

6G.

Quando formado em ordem de batalha Pela direita o campo desfila , Quando a Aurora os aljôfares efpalha No orvalho matutino , que deftila : Vio Hazeu de Leyria na muralha A marcha, e cre, que a praça eftá tranquila-, E os feus receyos naõ fe augmencaó , Vendo que as tropas para o mar fe auzentaõ.

6p

Canto IX, 279

67.

Mas tanto que o Nadir na noute efcura Prende a Febo no oppofto meridiano , E Morfeo contra o mundo fe conjura Do ópio lethal no império deshumano , Henrique mayor danno lhe procura, Que no inimigo esforço o mefmo engano, Manda hum corpo de tropas com prefteza A Leyria efcalar por entrepreza.

68.

Do Távora fiou a acçaõ illuftre Com efcolhido iguai deftacamento, Efcadas leva, porque naó fe fruftre Pela altura dos muros efte intento } Efconde a Lua o argentado luftre , E as Eftrellas feu claro luzimento Nas nuvens, de que a noute o manto tece Das fombras , com que aos Lufos favorece.

69. Ecp efcutava , fe hum acento breve Entre o filencio repetir podia j Mas fem ouvir a claufula mais leve Deixa chegar as tropas a Leyria .- Qualquer expugnador pronto fe attrevc Por toda a parte, a que chegar podia, A animar com a fombra ainda feguros Altas efcadas aos íublimes muros.

70. Primeiro acorda Hazen que as fentinelas. Que ferendem do fono ás leys indinas , E dos Portuguezes as cautelas. Quando tropeçava nas ruynas .• A luz, que nega a Lua , e as Eftrellas, Suprio a arte em vigilâncias dinas Nos fogos, que acendeo fobre a muralha . Formando a guarnição logo em batalha.

71.

28o Henriqueida

Com huma parte os correoens guarnece, Oiura com pedras íobre o muro corre, Com as fetcas o ar mais fe eícurece , Huns defendem a porca , outros a torre j Hazen , que ao mayor rifco fe ofi^erece , Valero fo diípoem , ágil difcorre ; Arroja contra os Lufds invenciveis Penedos duros, pinhos combuftiveis.

Com as faxinas fe cegara o foflb , Com as eícadas fe aíTalcara o muro, Sobre as muralhas fe formara hum groíTo, Vence a maquina a porta em golpe duro : Grita o Távora : o dia he rodo noflb , Morra ao ferro Chriftao o Mouro impuro j E porque fe lhe augmentem as cegueiras, Até fe eclipfç a Lua das bandeiras.

75. Sobre o muro o Catholíco Eftendarce

Do íínai vencedor triunfante arvora. Muitos feguindo o Lufitano Marte , Põem na praça a infignia vencedora. Corre o fangue infiel por coda a parte: Lufitania fe alegra , Africa chora : Hazen enveíle ao Távora furiofo , E entrega a vida ao braço valerofo.

74- Manda ceifar o eftrago fulminante,

E eftá livre no medo , que o enlea.

Da morte, que tem longe o tenro infante,

E que perto o decrépito recea:

Do fexo feminil pranto inconftante

Na laftima a piedade lifongea ,

perecem dos Mouros , que perfiftem ,

Os que ainda obftinados fe refiftcm.

75-

Canto IX. 281

Mil no forte Caftello fe introduzem, Mas ao naccr o Sol vendo os eftragos, pelos ameaços fe reduzem , E com a liberdade ficaó pagos : Outros ainda na noute fe conduzem Fora da praça, e quando correm vagos, Ja encontrados todos das partidas Rendem á nobre efpada infanjes vidas.

Corrêa com preíídio competente Governa a nova praça conquiftadai Dos defpojos o Távora excellente para íi tomou de Hazen a efpada: Dos grandes armazéns mandou prudente. Que ficafle a abundância refervada , Paraque de mais perto focorrido O Exercito fe achaíTe bem provido*

77-

Com o refto da gente ao campo volta, E hum comboy de Ley ria conduzira, A quem fervia de fegura efcolta. Quanta do feu prefidio dividira: Os cativos inúteis logo folta , Henrique tudo approva, tudo admira Do que o Távora obrou, Cefar invido, Queveyo, vio, venceo tanto conflito.

78.

nefle tempo o Rey dos Mahometanos Sabia pelas tropas avançadas Os progreíTos dos claros Luíitanos, E as duas novas praças conquiftadas; De Mouros Efpanhoes , e de Africanos Innumeraveis gentes convocadas Posem marcha luzidos bem armados /Mais de dez vezes vinte mil Soldados.

282 Henriqueída

79.

De Santarém nos campos abundantes, A quenaõ interrompem altos. montes, Fez reviíta das tropas arrogantes Numerofo terror dos orizontes ; Cincoenta mil três vezes os Infantes, E huma dos mais belligeros Etontes Dividirão em corpos feparados Deítros, luzidos, fortes, bem armados..

80.

Ali Aben Jozef tem o governo Do exercito exceíTivo, e formidável,. He Muley feu primeiro fubalterno , E Adail defta gente innumeravel : Era com Axa o feu poder alterno , Das maquinas a força incontraílavel Dirige 'Mu ílafá para as conquiftas As fortes Catapultas, eBaliftas.

81.

DeF/pa^ha as tropas manda LucidorOj, As de Etiópia o rápido Alabruno, As de Numidia o fabio Artemidoro, AsdeNcgricia o fero Rofambruno, As Tingicanas o feroz Lidero , As de Marrocos o cruel Mambruno, As de Zaãra o rigido Aloandro, As de Fez o galhardo Polexandro.

82.

Como de hum Rey, e huma Rainha vedes De branco, e nec^ro as tropas matizadas Nota 5 84- Para o jogo do Sábio Palaraedes

Em mais breve plnnicie bem formadas,

Donde correm Delfins livres das redes.

Torres fobre Elefantes levantadas,

Os Soldados cqueílres animofos,

E os pedeílres com paílbs vagarofos.

8J. 'i

Canto IX. 283

85.

Anim com movimentos diftcrcntes O exercito da còr da noutc , e dia Com, vertidos com armas refulgentes Hum xadrés animado parecia r Convoca o Rey aos Generaes valentes, E eftas breves palavras proferia, Tinto o roftro na ira fulminante A voz horrivel, e hórrido o femblante.

84-

Naõ vos convoco , Alcaides invencíveis , Para fentir infâmias taó tiranas. Que o deíHno em decretos infalíveis Quer que fofraó as armas Africanas.- Para vingarvos fim deftas terríveis Injuftas leys , indignas , e inhumanas : Fulmine hoje o valor mais animado Imprecaçoens, contra o rigor do Fado.

85.

nos abandonou o graõ Profeta,

E fendo efte o cuidado mais precifo ,

Parece qne efte mal naõ o inquieta

Nas delicias do eterno paraifo ;

Mas pouco importa quanto Deos decreta > xt^^

Cl- 1 iN0Ta577.

Se nos deixa o valor com o juízo.-

Neftas efpadas temos opportuna

Fixa a volúvel roda da fortuna.

S6.

De Pombal, e Leiria as fortalezas

Por caftigo da pouca vigilância

Se renderão a duas entreprezas .

Por treiçaó, por fraqueza, ou ignorância^'

Para animar Henrique a outras emprezas

Lhe daõ os bons fuceflbs arrogância;

E na boa fortuna louco, e cego

.' Para o noíTo paiz paíTa o Mondego.

Nn ii 3^

284 Henriqtteich

87- Para cobrir a conquiftada Beira O exercito divide , e debilica , E o Conde Dom Oforio de Cabreira Taó temerário intento facilita: Deixa em Coimbra gente mais guerreira , A que Pedro Bernardo altivo incita; E Henrique, que prefume de Mavorte Sobre o mar fe retira a hum campo forte.

%%• Nelle o vamos bufcar , cegos agouros, Comque a fuperftiçaõ o perfuade, Naó lhe podem tirar hoje os defdouros, Que o feu temor defcobrem com verdade; Contra cada Chriítaõ acha cem Mouros, E he certo, que o valor me diíTuade De bufcar com ventagens taõ crecidas O vil emprego de taõ poucas vidas.

89. Muftafá com as bellicas tormentas E com todo o pefado da bagagem Notaçgí?. Corte ao Nabaó as margens opulentas, E X Serra de Anciaõ bufque a paííagem: Sobre Coimbra as maquinas violentas Colloque, e ganhe os portos com ventagem; Rompa ao Mondego os circulos crecidos Com Soldados valentes, eefcolhidos.

90. Com o r^rto do exercito animofo A Henrique venceremos facilmente, Ou do campo naõ fava temerofo , Ou nos ataque intrépido , e valente : Se occupamps o rio caudalofo No inverno com mais rápida torrente ; Lhe cortaremos toda a fubfiílencia Com ordem, co^n fjeftreza , e com violência;

^li ,

Canto' IX. \ 1%^

91.

Cobrimos o paiz, quando obíervamos KoTcu campo ao exercito inimigo, Se a dai nos a bata lia o obrigamos, Terá inevitável o perigo.- De Coimbra o foccorro embaraçamos, Achando cm noflas armas o caíligo, Se intentar impedir efta conquifta, E paflar o Mondego à nofía viíla.

9i.

Muftafá lhe difputa a parte oppofta,

E a contravalaçaõ íegura a praça,

A circumvalaçaõ naó ficaexpoíla.

Se Oftorio pela Beira a ameaça :

A armada numerofa eílá compofta

De tantas náos, que os mares embaraça:

Ifmeno Arraes cortando as ondas vejo.

Que hontem deixou a prata do áureo Tejo»

95. Ganhará facilmente de Buarcos

O débil Forte, e do Mondego aboca, E pelo rio encaminhando os barcos. Os Sitiadores com vigor provoca: Da ponte defendendo os altos arcos. Outra ligeira armada ali convoca. Que de Coimbra evitem os intentos De meter pelo rio os mantimentos,

94. Na peninfula em tudo inexpugnável. Nota 587;

Que opprime ao Oceano a íalfn efcuma, E por hum ifthmo eflreito , mas notável. Faz que de Chcrforefo fe prefuma; Hum corpo de embarcarfe formidável. Ainda que a dez mil homens fe refuma, Porque no peito fortes, e nos peitos Entre os Mouros de Hefpanha faõ eleitos.

9h

ClZ6 Henriqueida.

Com eftc corpo defembarque logo Ofmin em lanchas nefte porto breve. Nota 588.' Que à pedra, que ferida lança fogo; A dureza eterniza , o nome deve : Na6 rerà fegurança , ou deíafogo Naquelle lado , fe a efperar fe acreve Henrique, e toda a fúria naó lhe aplaque Pela frente , e a efquerda o Forte ataque.

96. Sinto tingirme, o roftro hum nobre pejo Na purpura do fangue rubricado, Quando atendido hnm vil contrario vejo. Que merecia mais fer defprezado ; Mas o feu caíligo hoje dezejo, Pois confeguio pelo rigor do fado : Ganhando Trás os montes , Minho, e Beira, Morto Almançor, e Aldara priíioneija.

97-

Muley, eLucidoro o ultimo acento Ouvindo do Monarca Soberano, Sem reprimir impulfo taó violento , O feu pefar defcobrem defliumano .* Todos louvam do Rey o Sábio intento. Que ninguém contradiz hum Rey tirano, Quando tem a verdade por contrarias Do medo , ou da lizonja as paixoens varias.

98,

Axa atreveo como Heroína A oppor-fe aos novos bellicos projedos, Que o temor ao feu peito naõ domina Nem vence a adulação aos feusaíFedos: Contar aoGraó Monarca determina Naó de hum fonho os vaniíTimos objectos, Mas bem desperta em referir fe emprega ■p que vio claramente, e afnrma cega.

99'

Canto IX. 287

99.

Eu, Príncipe Supremo ( adiva exclama) Naõ me atrevera a opporme aos teus preceitos , Se ardor celefte, que ao meu peito inflama, Mc deixafle obfervar outros refpeitos ; A minha voz anima aviva chama, De génio íuperior claros effeitos, E antes que os teus projedos pronta ílga, A dizerte o que ouvi o Ceo me obriga.

100.

Hoje ao nacer <Io Sol , o Tejo claro Bufquey para chorar o meu defdouro , O numen , que ao meu pranto nunca avaro Pagou liquida prata em ondas de ouro: De hum que foy meu efpofo , e Rey preclaro , E do meu coração teve o tcfouro,. Naõ a aufencia fentia o peito aflito , Mas o ter dos Chriílaõs bárbaro rito.

101.

Tocando as agoas o inflrumenco vago, Ouço huma voz, que harmónica me enlea, Sufpcnde me a doçura , temo o eftrago , Ao ver huma beliflTima Serea , Eu fou, me difle, o efpirito prefago

Da marítima Deofa Panopea: Nota 589.

Por mim has de faber cafos mayores. Que te avifaò os Ceofes Supcricrcs.

1C2.

Hoje quíz convocar o eterno Jove Hum concilio no etéreo Firmamento, O mundo que a hum aceno rege, e move? Quiz dirigir do Soberano aflcnto : E para que o deflino raõ reprove ^s deccetos do Sábio entendimento , Quer ver fe os Deofes íe unem, ou difcordaõ, ^ ' Pois naõ pode mudallos, fe tcncoidaó. Notaypo.

2t 8 8 Henrlmeida

103.

o feu ttono aíTentou no feu Planeta , Cada conílcllaçaõ logo fe anima j Mercúrio altos n)ifterios interpreta , E em divina eloquência a voz fublima: Tocou a Fama a harmónica trombeta Do remoto emisferio, oppofto clima-, Penetrando zafiras , e alabaftros, Errantes hoje faõ os fixos aftros.

104. Notaçf)!. AlTim fallou Cilenio: Jove eterno ,

De quem o vafto Império tanto encerra, Que tem fubordinado ao feu governo o Firmamento, Abiímo , Mar, e Terra ; Com feu alto juizo fempiterno De Lufitania vendo a dura guerra, Quer faber , fe hade fer, dos Mahometanos Parcial , ou tutelar dos Lufitanos.

loy. Ambos fe oppoem com encontrados ritos A' antiga Religião de Grécia, e Rama, E entre tantos facrilegos delitos Huma Matrona, ajuítacaufa, toma: Terá do Ceo favores infinitos , E quando a Flenrique ás alcivezes doma , Como lhe moftrou mais claro exemplo, Será fervida no feu novo templo.

106. Quero infpirarlhe , que ao feu Rcyinfpire, Que do exercito as forças naó fepare. Unido bufque a Henrique , porque admite O poder , e o feu campo defampare, E paífando o Mondego fe retire, A Coimbra do fitio naõ repare , E com grande valor , cora arte cílranha Scià desbaratado na campanha.

107.

Canto IX. 289

107.

Calla o neto de Atlancc a voz facunda. Que hc aos filhos de Aclanre favorável j Marte a ira agitando furibunda Nota 593,

Diz que o Lufo lhe foy fempre agradável ; Que em eípiritos bcUicos abunda Eíla na(j;aó , e terra inexpugnável , Que em Henrique o exceílo notório A hum tempo de Viriato, e de Sertório.

108.

Que ícm emulação de hum Deos indigna Ha de fazer , que feus marciaes alunos Triunfem de influencia taõ maligna , Vencendo a feus contrários importunos > E com guerra faraõ felice , e digna , E com proíperos fados , e opportunos , De hum inviclo valor finos exceílbs , yendo o mundo fogeito aos íeus progreíTos.

109.

de oppor-fe Mercúrio à Lufa gloria. Porque he menos valente que elegante, He deílro no artificio da Oratória, Mas naó maneja o ferro fulminante, / Leo nos aftros dos feculos a hifioria, E como he neto do Soberbo Atlante, Sabe que ha de ufurpar-lhe a naçaó fera Vencer o mundo , e fuftenrar a Esfera, Nota 594.

I lO.

Em Africa de Atlante a gente dura. Nota 595;

Para fo^ir das armas Portuguczas Ainda naó ha de dar fc jjor ícgiira ! Do monte nas íublimes aíperezas :

Ceuta fe rende , Tanger procura Nota f 96.

Sogeitar-fe as ma^nanijnas emprcías: Mazagam, e Azam.or haõ ce ícguila, ; Cabo de Guê, Safim, Seguer, e Arzila»

Oo iiií

290 Henriquêida

I II.

Nota 597. Sogeitarâõ o Atlanrco Oceano,..

E o nome efquecerà de Athhs potente, E ao Eôo , e occaíb do Africano Dominarão o vafto Continente, Afia verá feu fceptro Soberano Até o ultimo extremo do Oriente,

Nota5'98. E as Atlantides Ilhas encubertas

Conquiftadas feraõ, e defcubertas.

X II.

Aquella terra Atlantide ignorada»' Nota 59P. Do divino Platão conhecida ,

E da Europa diílante, e feparada

Pela terra do fogo combatida j

Será dos Lufitanos dominada. Nota 600. E America por elles fe apellida :

Perde Atlante no Império poderofo Nota (íoi. O opuento, ofragante, e o preciofo;

Do Caducê oligadas as ferpentes S6 fimbolifam pafes, eaHanças, E fempre em guerra as Lufitanas gentes Dos meus Feciaes faõ altas efperanças; Naó fe attendaõ enganos eloquentes Do Tutelar de furtos, e mudanças , Sabendo o Ceo , reconhecendo a terra. Nota 601., Mercunio Deos da Paz , Marte da Guerra.'

114-

■vT ^ , Vénus fesuindo ao bellicofo amante

Na boca a concha abrio de nácar breve, Donde as pérolas , e âmbar mais fragante Ao mar que a produzio, reíume, e devei A luz dos olhos doce, e fulminante Do roílro derretera a pura neve. Se naõ a prefervaííem dos defmayos Congelados rubis, ç ardentes rayos.

115

Canto IX, 291

115.

Se eu poíTo (diz a bella Citerca) Amado Pay, votar em mais milícia , Que na que forma Amor na fina idea. Donde he cada combate huma caricia ; E fe as fecas, que o mundo naô recea. Porque appctece a morte na delicia , Conhece quem íó fabe nos ardores A fuavifllma guerra dv s amores.

Direy que he minha a gente Lufitana E que ella fuccedeo â antiga gloria. Que a fama confagrou fo à Romana , De que cita efcureceo a illuflre hiftoria : A minha protecção tem fobcrana, Sempre daõ ao Amor culto, e vitoria E a alma infpiraraõ com luzes puras A* fermofura as fuás fermofuras.

117. Haõ de ufurparme os ferros Mahometanos O dominio de Chipre, e de Cithêra, ^ota (^04;

Haõ de vencer os fortes Luíitanos Do mar Egeo a gente mais fevera : E aíTim, celeftes Deofes Soberanos , Se ainda a belleza em immortaes impera > Infpiray a eíle Rey grande , e temido , Que hoje combata a Henrique defunido.

118. Palias a interrompeo com voz tremenda, Notaí^oç;

E aíTim diífe: huma Deofa afeminada triunfa de Paris na contenda , Donde vence a belleza delicada; E porque ao Luíitano em tudo oííenda; a batalha unida a gente armada j Nota Go<Ôi

E para fomentar efta ruina ;'Em Axa tem formado huma Heroina^

O ii ^ y^')*

292. Henriqueida

119.

Nota 60J» Naõ ama Apollo a Lifia , porque fente ;

Que com nodurnos náufragos pefares Cada dia o fepulte o Occidente No tumulo de argento dos feus mares ; E fabe, que vencendo ao Oriente, Ha de roubar occulto aos feus altares , E difpertando a Etonte, e a Piróo, A faça madrugar no leito Eóo ,

120.

Nota(ío8. Neptuno convocando o duro Eôlo

Favorece dos Mouros o deíinio , Porque o Lufo de hum polo ao outro polo Lhe difputa dos mares o dominio ; E unindo o parecer com o de Apollo, A verdade temeo do vaticinio; Unidos dem ao Lufo fatal morte, Porque a virtude unida obra mais forte,

221.

Notaóop. Baco, que eftava hum pouco adormecido;

Do feu purpúreo neclar certo effeito , O nome de Dioniíio taõ temido Cr j que íique na Afia fem refpeito ; De mil Deofes, e Herôes o voto unido, A que o mcfmo deílino eílâ fogeito, Que a ti te participe hoje me move O decreto iinmortai do eterno Jove.

112.

Bufca , c) Axa , ao Monarca poderofo : Edizclhe, que mude o intento vago, Combata unido a FIcnrique valerofo , K reduza a iuim fo golpe ranço cflrago ; E depois de oppt imillo vigorolb , Se,'2;undo Sc:piac5 de outra Cartago ; Ganhe a Coimbra, e de Africano o nome Noiaéío. Dw Luíluiio í; aaconomafia toaic.

123"

Canfo IX, 293

IZ5.

lílo cUíTe a divina Panopea , E fe occulcou entre os crifiacs do Tejo , , Volto os olhos ao Cco , e quanto a idea ConFufa imaginou, moílra o defcjo; O btilhante zaiir , que nos rodca , Fntre rayos de luz aberto vejo: Dcofes , e Dcoías bem Te divifaraõ , Que as luzes das EftrelJas cclipraraó.

124.

Difle : e moftrando ao Rey , e aos do confelho O efcudo de Tritonia, que encobria, Nota<3ix.

Qualquer no diamantino , e claro eípellio Da belligera Deofa a forma via: E diz aíTim: a todos aconíelho , Que íe deftrua a nova Monarquia , Porque fera o golpe irreíiftivel ^

Sem dividir o exercite invencivel.

125.

Mais que a cabeça hcft*renda de Medufa .' Que no eícudo de Palias fe moftrara A' turba, que do cafo eftá confufa, ' A íuípcnfaó em pedra ttansformara , Mas o Rey , que canfado da diftufa Narração, que a Rainha recitara, Naó crco , ainda que ouvio, prodi.^io tanto , E a illuíaõ deíprezou , que julga encanto.

126.

Asradcceo a Axa o zelo ardente , E condenou-lhe a van credulidade; nenhum General diz o que íenre; Pódc mais a lizon)a,qne a verdade: X'anda que n arche Muíiafá valente, L envifta de Coimbra a gr?.õ Cidade, ^ E elle vay coiíibater os Luhcanos ; A peíar dos decretos Soberanos.

HEN-

294

CANTO X.

Argumento

PRepara-fe a batalha mais tremenda , Toda a forca-, e aftucia fe exercita Do Mar , e a Terra , vencefe a contenda Velo Lujo y que ao Mouro debilita : Muley combate Amado em fúria horrenda-, Axa o -paffb a Coimbra facilita'. Bernardo admira de Hercules a torre , PeUyo em feu amor fino difcorre.

T.

AíTim como do rápido Oceano Pelas portas Hercúleas fe fepara O Mar Mediterrâneo, que inhumano Tormentas forma , inundaçoens prepara; AíTini fe aparta Muftafà , que ufano De eftar independente aífeguràra Com força invida , e arte incontraftavel Conquiítar a Coimbra inexpugnável.

2.

Ao mefmo tempo marcha o Rey potence A combater de Henrique o campo forte , Três dias vio nacer Febo luzente, Antes que da batalha encontre a forte, Vio no Oceano a armada diligente. Com que Neptuno ameaçou Mavorte, Para que â diverfaó premeditada Também firva ao exercito a armada.

Canto X 29 y

3.

Vem de Henrique os fieis exploradores A avifar do inimigo os movimentos. Que carrega aos primeiros batedores, Para que naõ defcubraõ feus intentos; Aviftaó-fe os valentes contendores , Receaó tanto eftrago os elementos -, Sahe ao dia íeguinte o Sol mais tarde,' Naó íty fe compaflivo , fe cobarde;

4- De noute introduzio entre os pinheiros Com militar aftucia , mas indigna O Rey infiel cem bárbaros guerreiros Com matéria inflamável , e maligna : Nos troncos elevados , e groíTeiros O Ígneo artificio em força menos digna Fez, quando, Eôlo, o feu incêndio impelles Nota (? 12;

Arder Atis naó fendo por Cibelles.

S- O efFcito fente do improvifo fogo

No lado efquerdo o vigilante Henrique , Pelo direito o avisarão logo ,

Que a hum defcmbarque o feu cuidada applique.' Naõ tinha pela frente defa fogo ^ E porque a confufaó fe multiplique, Atacaó com vigor os Lufitanos Formados em batalha os Mahometanos,

6.

Palias , que aíTiíie a Axa, convocava: Do abifmo as fúrias , e implacável Nume, Ir. s aos elemencos inípirava Plutaõ . que deu ao fogo infernal lume ; Tefifone, que a terra perturbava, ^^'

Aos Agarenos animar prefume. Facilitando em rápidas vioLncias Cs barrancos , vallados , e eminências.

29^ Henriqueida

7.

Ao ar governa a horrorofa Aleflo ^• Dando aos navios vento favorável , Porque do defembarquc no projecto Vençaó do campo o lado incontraílavel : E ao meímo tempo com diverfo obje(5bo O incêndio acèa fero , e inplacavel $ Se antes agita o Mar cruel Megera , Para fer mais furiofo, hoje o modera.

8. Henrique ordena logo ao forte Cunha, Qiie encaminhando alguns valentes Lufos, Em quanto elle ao Exercito fe oppunha, Deixe os do mar perdidos, econfufos; Para atalhar o incêndio difpunha Efpalhados nos bofques , e diftufos Gaftadores , que hum foífo fabricaííem , Com que o campo do incêndio preíervaífem:

9.

Com poucos , mas briofos Cavalleiros Bermudo a ala direita defendia , Numero igual de intrépidos guerreiros Na eíquerda o forte Sylva dirigia .- Com cinco vezes cem aventureiros Amado, que fe avança, combatia Com valor ferem , com firmeza infiftem Armas, que otfendem , armas, que reíTftem.

IO.

No centro a infantaria bem formada Do Graõ Moniz as ordens obedece , De arcos, e fetas levemente armada Cada lado igualmente fe guarnece : Outra mais numerofa , e mais pefada Difpofta cm duas linhas apparcce , Armandofe eftas bellicas falanges De fcrrços dardos , rígidos alfanges.

xtÀ

^antõ X. ic^-j

1 1.

Muitos dcílros béfteiros tranfmontai., * Fermarís na vanguarda manda force. Voando contra os feros Mahomecanos Em cada tiro duplicada morte: Na eminência os impiilfos mais tiranos Das maquinas guerreiras de Mavorte do Agareno vaó ferindo as guardas Com as violentas hórridas bombardas.

12.

Dom Fafes Luz levanta o eftandarce

Signifero Real do Ausuíio Henrique, xr ^ ,

■r^^ r^ u j j j 1 ^ Nota 614^

De Carquere bordado de huma parte

A Imagem tinha , porque a publique j

A mefma em todos fe reparte.

Porque amor, eefperança multiplique;

Antes que faya o Sol , o mundo adora ,

P Sol, que nafce unido com a Aurora.

13. Entre os Lufos no Ceo gira fermofa

A Cruz da cor do Ceo em Ceo de praça,

E da fua influencia luminofa .^w,.

O benéfico effeico fe dilata: \

Cega aos Mouros a força vigorofa

Dos rayos, com que as iras desbarata ,"

E o final contrario , propicio ,

Quando de huns hc trofeo , de outros fuplicio.

14. Houve quem vio Plutaõ romper da terra Notaíif

Defde o ultimo abifmo o duro clauílro.

Dois negros brutos para a tride guerra ] Conduziaõ de fogo o horrendo plaurtro }

Na maò hum rayo o feu furor encerra,

E excede no viojor Vukurno, eAuftro,

E para dar final aos Agarenos ,. Com hura trovaõ peiturba os Cços ferenos.

2,98 Henriqueida

Ataca o Rey a rígida batalha, Tantas fecas difpara o Ifmaelita, Que a cada Carga , que no vento efpalha, OHufca a luz do Sol, e a debilita : Naõ bate com mais força huma muralha Qaanta Maquina as forças naõ limita , Do que a linha dos Mouros vigorofos Combateo contra os Lufos valerofos.

16. Como eílender naõ pode a grande frente, Que o mar, e o bofque ao Lufo os flancos guarda,' Dobra, e reforça os corpos prontamente, Multiplicando as linhas da vanguarda: Muda a lunada forma de repente : E fo fuperfticiofo fe acobatda De que neíle prefagio bem fe argua, Nota (j I í» Que fe veja desfeita a niea Lua.

17. Muley fo com quinhentos voluntários Combate Amado com igual partido: Foraõ os Mahometanos temerários Tendo o Lufo valor reconhecido j Pois fe excedendo tanto aos feus contrários, Paífes , e batalhas tem perdido , Efcolhem a mayor deíigualdade, Quando bufcaõ no numero a igualdade,

18. Mas como todos eraõ valeroíos, Pareceo defafio efta contenda , A hum tempo fe feparaó, e briofos, Ninguém com vida efpere que fe renda.* Chocaó os contendores vigorofos Tremendo a terra a forca taõ tremenda. foraó com Mahometicos arnezes Defpojos de outros tantos Portuguezea.

Canto X 299

19.

ReduAÕ forte, c ágil Tingitano Para o combate encontra ao Lufo Hermigio; Era pequeno o grande Lufitano, ""

Mas tinha de alto efpirito o vefligio, Mulciplicava os golpes o Africano, E errallos , fendo deftro, foy prodígio ; Porem de Hermigio o corpo agora teve O perigo menor, por íer mais breve.

zo.

Qual o ligeiro infecto com defdouro Da inútil força do inimigo ingente Na tefta, e olhos ao furiofo Touro Incita agudo, fere deligente; Tal o Portuguez breve ao fero Mouro Com mil golpes matou taõ prontamente,' QueReduaõ, que mal odiviíava, Morreo quafi feni ver quem o matava.

21.

AíTim com vários cafos varias fortes Dos Chiiílaõs , cos infiéis, noCeo, no inferno; Huns tem mais vidas , outros tem mais mortes, E ambos deixaõ ao mundo ncme eterno : De Roma, e de Sabinia os varoens fortes,, Nota(Ji7.

Que da terra julgatac o governo, Imitaó no triunfo dos Horacios, E ruina fatal dos Curiacios.

22.

os dois efquadroens iguais , e adivos. Que a farpoía batalha começarão. Se reduzirão a ta- poucos vivos. Que a penas doze Lufos íe contarão, Mas deAnado. eMuley tac exceííjvos Prodigios de valor fe numerarão. Que muitos veindo os rayos, que concorrem, Mais aílombrados; cpe feridos morrem.

Pp il ' A?,

joo HenriqUeida.

^ Cuidas; Amado diz, Mulcy valente > Q]ie vnindo me aeíles doze companhenos, Com a tua peflíoa hoje açrccente . A gloria dos illuftres prifioneiros ? Ou julgas, que por meyo mais decente Em duello igual de dois aventureiros A' vifta da Africana , e gente Lufa A hum ímgular combate te reduza ?

24. Nota (j 1 8. Nada diíío verás , que promettido

Deixey a Aldara , eo deixo fatisfeito ,. Que o teu peito de mim nunca ferido de fer , íe ella vive no teiv peito : que do íèu amor correfpondido Naõ poíTo íer , evito o duro effeito De augmentar contra mim novos rigeres^ Se eu armar contra ti novos furores.

Voltou , e os mais fem efperar repofta. Donde viraõ mais rigido o combate, E Muley fe encorpora em parte oppofta. Porque à ira a vingança naó dilate; Pois neíla léy , que Aldara deixa impoíla Tocarão os ciúmes a rebate; E antes quifera ter outro homicida , yy Do que dever a Amado a triíle vida-

26. na dUeica os efquadroens carregao Aos Lufos , que em valor faõ fuperiores , E contra os Mouros toda a fúria empregaó^ Ainda que faõ rto numero inferiores; Os navios , que proíperos navegaõ , Sem fenrir os maritimos rigores , As numerofas tropas , que preparaõ , .Na praya fem cardar dcfemb arcarão.

í^7»

Canto X. ' 3or

zy. Sobem ao nionte pelo mefmo lado •, Mas Cunha, que os acertos naõ limita, A pefar de huir. combate porfiado Nas ondas com vigor as precipita: Algumas, que naó tem deíembarcado," Fogem na armada, a quem o vento incica> E a fomentar de Muftafá o emprego Bufcam a fôs do plácido Mondego.

Cunha com prontidão logo focorre Os forces companheiros, quepelejaõ> E unindo-fc com Távora difcorre. Porque o triunfo appetecido vejaõj Oudefmaya, ou fe rende , ou foge, ou morre O Mouro , e os que livraríe dezejaõ ; E a ala direita infiel em torpe injuria Ficou morta, ou desfeita a tanta fúria.

Os pinheiros , que a efquerda defendiaõ > Na matéria fulfurea preparada A hum meímo tempo mil a mil ardiao, Naó tendo íido a rama bem cortada: Kías íobre os Africanos cahiaõ Parecendo a campanha fulminada Com fogo , e fumo, ou abrazada, ou negra, A dos Gigantes hórridos de Flegra. Nota ^19^

30.

Axa , e o Rey no centro penetrarão Todo o corpo da Lufa infantaria, E cantos batalhoens multiplicarão, Que hum a outro cem vezes íuccedia ; Com algumas bandeiras, que ganharão, A vicoiia total fe prometia Olímaelita, mas antes que a publique, ( Appareceo o vigilante Henjriquc.

3 o i Henrlc^ueiâa

Nota(j2o Qual Promecheo vio a humana forma,"

Sem ter inanimada movimento , Em quanto o fogo facro , que a informa, Naõ roubou do celefte Firmamento j AíTim o débil corpo íê transforma De Henrique em mais ardente luzimento , E dos languidos membros defmayados Efpiricos renacem animados.

Corre o famofo Heróe contra o Monarca ,

Que com valor intrépido o efpera ,

E nenhum morre , porque teme a Parca

Quem merece imperar , quem forte impera .-

Preparava Caron a fatal barca ,

Sufpendiafe o Deos da quarta esfera ,

Para ver fe dos dois na pronta morte

Dos dois Impérios decidia a forte.

53.

Nota(Jii ^^^ ao brandir Henrique a lança dura

Palias que Axa acompanha , ao Mouro efconde

No centro opaco de huma névoa cfcura ,

Em que occultou o Rey ao Régio Conde;

No carro de Plutaõ mais o aíTegura,

E fem faber o infiel como, ou por donde,

No fitio de Coimbra formado

Com Muftafá fe achou encorporado.

34- Que novo aíTombro , que maligno encanto ,

Diz Henrique, me rouba efta vicfcoria ?

Se hum magico conjuro pode tanto ,

Para que te efcurece a clara gloria ?

Melhor naõ fora que com raro efpanto

Te ilIuílraíTe , vcncendome , a memoria?

Deixas equivocado elle fegredo ,

Sem faber, feheprodigio, ou fc foy medo?

Canto X. 5^3"

Mas que naô encontro objedo digno Para empregar os golpes do meu braço , Torna ò Rey ao combace , o fumo indigno Aos meus olhos diíllpe elk embaraço : Eja que dura o feu ardor maligno, Sem que eu da vida te defate o laço. Sinta eíle teu exercito inconftante, Caíligos , que lhe valor triunfante.

DiíTe , e voltando a efpada furibunda Contra a turba infiel, e numerofa, Rio de hum Tangue vil o campo inunda A os impulfos da ira valerofa ; Qual o Leaõ , que com o furor circunda Do inerme gado a plebe temerofa, Porque perde do Tigre a digna preía. Quando prefere a força à ligeireza.

57.

AíTim Henrique vence em toda a parte Por donde o reproduz o ardor guerreiro, vitoriofo o Ínclito eftendarte derrotado o Ímpeto grofleiro : Entre os feus os efpiritos reparte, E as verdes folhas do immortal Loureiro, Sente porem o naô cortar ufano Com hum golpe as fúrias de hum tjrano.

' 38. Deu a trinta efquadroens azas o medo , E o Mondego no vào bem pafiáraõ , Naõ houve rio, boíque, nem rochedo. Que embaraçafie a marcha , que levarão .* Axa bufca na efquerda o arvoredo Para falvar os poucos , que efcaparaó , E ao forte Lucidoro poeqi na. frente, j( Quando o Sol fe efcondia no Cccidente.

304^ HenrlcjueUd

Efcoíhe mil Ginetes , c a galharda Heroina invencível , e fermofa Cobrio na recirada a retaguarda Da gente, que marchava temerofa.- Naõ haverá quem cuide fe acobarda , Por fer nas armas menos venturofa j Mas para defmentir efta fofpeita , Deixa a defconfianca íatisfeita.

40.

Volta adonde Moniz forma nova A' fempre vitoriofa infantaria, E na ultima difficil rara prova Da deferperaçaõ feu valor fia .* A eícura noute o feu projeóto approva , Nenhuma eftrella em todo o Ceo fe via , Foge a Lua mingoante a outras partes Por naõ ver fe eclipíar nos eftandartes,

41. Híins feguem pelo campo os fugitivos , Outros dormem nos braços da vitoria , Huns curaõ aos feridos compaíTivos , Outros tem nos despojos torpe gloria *• Moniz com impulfos fempre adivos Dignos de que os celebre eterna hiíloria : Pelo naõ forprender fúria inimiga , O exercito reduz à forma antiga.

4i.

A heroína inveílindo de repente A os que ainda fe a^chavaõ em defordem, Fez fentir o caftigo dignamente Aos que naõ obfervaraõ toda a ordem-, Mas encontrou Moniz fabio , e valeute , Que porque ós feus da forma naó difcordem. Fogos fez acender com luzes' varias, Que foraq prevsn^oens , e luminárias

Canto X, xoK

Encontrou a Rainha ao Varaõ force, E aíTiftindo-lhe Palias invifivel , Da batalha mudara a trifte forte , Se fuperaífe hum animo invencível , Porém vencida Palias dcMavorte, Que Moniz triunfaííe fe faz crivei , Ainda que na belligera Amazona Tem Moniz que vencer outra Bellona.

44

Soaõ no campo os golpes diíTonantes Nas armas dos dois feros combatentes , Que foraõ no fiiencio refonantes, E nas fombras fe viraô refulgentes : As invidas efpadas fulminantes Giràraõ taó luzidas como ardentes , Parecendo acender-fe em tanta gloria Fogos arcificiaes pela vitoria.

45 Mas vendo Axa que as tropas ordenadas As fuás poucas tropas venceriaó , E cambem , que as prudentes retiradas Menos eílimaçaõ naõ mereciaõ j Em breve tempo as deixa bem formadas, E fempre ao recirarfe combariaó , Para que o mundo a reconheça agora. Até fendo vencida vencedora.

46 Ainda achou Lucidoro que paíTava O Mondego na nova, e fácil ponte. Que com as barcas Muftafá formava , E a famofa Coimbra eftá defronte Defta o paíTo diííicil difputava Roberto , e fem que a Fama antes lhe conte Da acçaõ os glorio fiífi mos fucceíTos, /Vè nos três fugitivos os progreíTos.

Qa 47

-306 Herririqueida

Tinha chegado ao campo o Rey vencido ; E os refles da batalha recolhendo, Da armada novas tropas tem unido, Do remédio ao feii mal naõ fe erquecendo : Aderbal de Sevilha Rey temido Efpera com exercito tremendo , Tendo a barbara liga reforçada Com os dois Reys de Córdova , e Granada.'

48

PedJo ao Rey do Algarve que do Tejo Junto al^isboa a boca acraveíTando E cobrindo as comarcas do Alentejo O deixe, a diverfaó naõ receando : O pacifico Rey ao feu dezejo Naó facisfez, que eftava focegando As fediçoens de hum povo laó indigno ^ Que nem era fiel a hum Rey benigno.

49

Dos de Granada , Córdova , e Sevilha >

Paflando o mefmo Tejo por Abrantes,

Quando no Touro o Sol domina, e brilha:

Verá Coimbra as gentes arrogantes ••

Se até entaõ a Praça naó Te humilha ,

No feu aíTedio haó de iníiílir conílantes ;

A circumvallaçaõ larga corre

Bem flanqueada de huma , e outra, torre.

50 A contravallacâõ com igual força

Para taõ largo íitip Te fabrica ,

Com terra , e com faxina íe reforça ,

E todas as defenfas multiplica •■

Com o mar, e a armada, que o esforça ,

O exercito infiel fecommunica,

E antes que creça o rio monte a monte ,

gmprendia oceupar a graijdc ponte.

51

Cantf X. 307

Levrantàrá huma torre o gráõ Robercò Do criftalino rio ao Meyo dia, Outra 20 Septentriaó eftà mais perco Da Praça, que do alto a defendia: Como a:quiteto militar , e experto Com a gente efcolhida as guarnecia, Porque Pedro Bernardo recebeíTe Socorros, que o Mondego favorece.

Em quanco o largo fitio fe prepara, E à expugnaçaõ o Mouro fe previne, E com maquina tanca , grande, e rara, Pertende que a muralha fe arruine : Henrique da batalha, que ganhara, Uze feliz , e aos povos predomine, Tomando logo em militar governo No contrario paiz quartéis de inverno.

55-

Vio no dia feguinte da vitoria Nacer o Sol com mais brilhantes rayos, E illuminar a Lufitana gloria Nos matutinos lúcidos enfayos : Rendco ao Ceo para immortal memoria As graças ; fem que a tenha defmayos ; E os eftcndartes para eterno exemplo Manda que leve Amado ao novo Templo.

54

E que livre à Real, e bella efpofa Do furto, pois naó pôde da faudade, exprimindo em papel tanta amorofa Fineza, que acredita na vontade •• Que a Oforio participe a vicoriofa Acçaõ , que o fim dicofo perfuade Do projedo , que aíTombra efte emisferio , De Portugal fundando o claro império,

li

308 Henr

55- Que lhe ordene, que obferve a defenfiva '

Com o corpo de tropas , que mandava,

Em quanto o, naõ emprega na ofeníiva ,

Que para a Primavera refervava :

Pois entaó uniriaõ forca adiva

As linhas atacando em fúria brava ,

Se he que em Coimbra o Mouro poderofo

Ainda formafle o íitio vigorofo.

Parte Amado, bufcando o monte Erminio Por largo giro à Carte de Lamego , E de todos occulta o feu defmio, Por evitar as guardas do Mondego j Feliz preíagio, amante v..ticinio Lhe o amor mais fino do que cego, Pois defcobre os futuros , e lhe diíTe , Que Aidara de livrallo dcinfeUce.

57. Eílava o vafto campo da batalha ' - . ' De innumeraveis corpos lemeado. Formam os Mouros rnortos tal muralha, Que â marcha ainda fe o.-póèm o inanimado ; Acorrupçaõ, tanto contagio efpalha, Que fe recea no ar inficionado, Que façaó os contrários niais nocivos Mayor cftrago mortos do que vivos.

5,8/ Diftribuio Henrique gene4-ofo -

Por todos,os defpojos opulentos ,

Ao Numen cònfagrou voto preciofo ,

De pérolas bordando os ornamentos:

Nas ondas do vezinho o mar furiofo

Tem os corpos volúveis monumentos,

A os Mouros tendo horror peixes ferozes ,

Pelos na5 devorar^ fogem velozes.

59.

Canto X, 309

59.

Dez hecatombes foraõ de almas puras , Nota 6ii,

!As que ao Ceo confagrando os Sacrifícios, Voarão , donde em glorias mais feguras Participem de eternos benefícios .- Em iguaes , e fagradas fepulturas Daõ de feus nomes immortaes indicios As pedras de Leiria em nobres templos Da Fe prodígios , do valor exemplos.

60. Defdeo monte arenofo, que fublime

Quer confundir osaftros, e as áreas,

Que defendendo a terra o mar opprime

Com marmóreas duriíTimas cadeas;

Porque a fúria o inverno naõ reprime . ^ota 6iy,

E le efcondem as plácidas Neréas ,

Se vc paflar a Mahometana armada ,

Que 3i invernar a Lisboa foy mandada.

da Esfera o terrivel Sagitário Nota 624.

Tirava ao Mundo as argentadas Setas, E antecipando inundaçoens de Aquário Naufragavaõ os Signos, e os Planetas: do aéreo emisferio leve, e vario, Dominaõ negras nuvens, que inquietas Tem gravidas de aquáticos eflúvios Nota óij.

Cs partos monílruoíos dos dilúvios.

61. Rebelde a Ceres o infeliz terreno Sente o pefado jugo de Neptuno, Entra o furioío mar no campo ameno , Cobra Protheo tributos de Vertuno ; Ondas de efpigas nitido, e fereno

Formara o fruto aos homens opportuno, Nota 616.

E do inverno em torrentes inimigas Sc vém trocar efcumas por efp-gas.

65.

3 1 o Henriqueida

O exercito cm Qimrceis fe d/ftribue", O da Corce cm Leiria fe aíTitTala, O Paiz Mahomecano coirtribuc Comporçaõ, que aos lagares naõignala: Rigida a difciplina refricue Quanto a torpe injuftiça defíguala : Fiel com infiéis fcja a juíliça, Que he com bárbaros barbara a injuíliça;

Como ao Mondego a Ponte dominante Cerra os limites com marmóreos luar cos > E para eternizarfe triunfante A íi fe erige os levantados arcos. Túmido rompe os muros de diamante, Com a ponte de pedra, e a de barcos, Foraõ a inundaçoens taó repentinas Dominadas das ondas criftalinas.

Robcrro na vizinha Fortaleza , Qlic guarda a ponte oufado fe defende feguro da rápida entrepreza, Com que a efcalada o Mahometano emprender O rio o foeorreo, e nefta emprefa A os Mouros , que a aíTaltaõ tanto offende. Que o campo aqui fentio ver que defagoa Mais de fangue a torrente do que de agoa.

Em Coimbra mandou Pedro Bernardo Os meyos prevenir para a defenfa Vigilância, valor, faber, refguardo , Tivcraõ no fucceíTo arccompenía.- Helvidio lhe obedece, que galhardo Será dos inimigos dura offenfa. Quando com fortes gentes prevenidas Saya a levar-lhe a morte nss feridas.

67.

Canto X. 311

67.

Era aquático o foflb , ecom tal arte, Nota 62 7.

Que fecalo fangrandoo bem pudeíTe, Repara a falfabraga em toda a parte, E fez que a barbacan tbrte eftivefle; Fortifica a muralha , cm que reparte O preíidio , que activo a guarneceíTe, As ameas reforma, cnas Seteiras De ferro occulta exhalacoens ligeiras.

Reforça os rorreoens com terraplenos, E as defenfas deixando flanqneadas Por donde os muros íe refiftem menos Enlaça bem unidas eftacadas: Em armjzens referva naó pequenos De Guerra, eboca as muniçoens bufcadas, Sendo às vidas ruina , fendo augmcnto , Humas dsílruiçaó, outras fuílenco.

69. Naó inventou o engenho de Arquimedes ^ot^. Ci^.

Da Eftacica, e Mecânica prodigios, Que dentro das Colimbricas paredes TS'a6 tivcíle nas maquinas veftigios: Bem podes defçobrir, ó Paiamedes, Como fizefte fobre os muros Frigics , Jogo, que com íciente paííacempo, Quando cuida que o ganha, perca o tempo

70. Nem o efpofo Real de Clitemneílra, Nora 630.

Kem de Tetis o filho invulnerável , Nem do Icaco a maõ robufta, e deftra, Nem o que ganha a Tiro inexpugnável, Nem quanros Poliorccces na paleílra Da expugnaçaõ fízeraõ conquiftavel Na fortificação, cm que reforça A arte a defenfa , a natureza a força.

71.

Nota 629.

3 1 2 Henriquêida.

Contra caõ valerofos defenfores Confeguiriaõ taó fublimes glorias. Nota $31. Come em cantas emprezas fuperiores Coroarão caõ celebres vicorias : Celebremfe outros Titios anceriores Em jafpes , bronzes , tradiçoens , hiftorias , Que o de Coimbra deixa aos Luficanos Mais illuftres qne os Gregos, e Romanos,

72. Naõ dcfprezou a anciga cidadela '^ '^^-'^ Ultimo receptáculo precifo , ^sj fòÊ

Quiz com deftros befteiros guarnecela/ Sendo ao Mouro iminente prejuifo Incerta tradição conferva nella , ""^^ '^^ Ou íeja por prefagio , ou por aviíb, Nota(?32. Huma torre, donde Hercules robufto Foy de Geriaò hum triplicado fufto.

,■■■-..- 75

Para vencer ruperfticiofo agouro

Pedro Bernardo a inípiraçoens divinas l

Quando Febo occultava os rayos de ouro

Inveíiiga as fatídicas ruinas :

Naõ bufca cobiçofo de hum tefouro ,

Que fe efcondia entre profundas minas,

O que efperava a van credulidade

Da cobiça animada, e da vaidade,

Mas intenta ver, que altos prodigios Encerra em íi o miíleriofo templo: Naõ cré fejaõ encantos , ou preftigios , Mas da gloria immortal eterno exemplo ; Aqui , diz , bufcar quero alguns veftigiós ""*' Das raras maravilhas , que contemplo , E que a noute encobre aíTombro tanto, Emcubia cíle miftcrio com feu manto.

7i'

-'•*■

Canto X 313

n

Diffe, c acende a inextinguível céa, O efcudo embraça, empunha a forte efpada, E o peito, que os perigos naó recea^ Sem armas bufca a torre reíervada: Dcícobre apenas a primeira amea, Quando com a luz nella gravada Breve infcripçaõ , que diz; deixa eíTe intento, O' tu que queres ver tanto portento.

Efte aviío fatal naó o intimida > E animado de efpirito divino , Expõem ao mayor dano a nobre vida, ^

Por faber os fegredos do deftino; De Hera, e de mufgo a porta reveftida» Intada ao curiofo peregrino. Por evos mil ao mundo reíervava As raras maravilhas, que occultava.

77-

Ao bronze, que a guarnece, a força appliea; E foy mais que o metal o impulfo duro. Pois vendo que reíiíle, multiplica O defigual combate ao fatal muro : Huma férrea cadea fe dupplica Antes que poíTa entrar no centro efcuroj A4as de Pedro o valor naõ interrompe. Que cm parte adefenlaça, em parte a rompe.

' 78.

Qual defprefando oráculo horrorofo O magnânimo filho de Felipe ^^'* ^^^í

Cortou de Gordro o jugo, que enganofo Quer que dePerfia o mal naó fc ancicipc ; Aifim Pedro mais forte, evalerofo. Porque de mayor gloria participe. Ou com deílreza os laços defata, Ou com vigor os ferros desbarata-,

Rr 75)^

314 Henriâiueida

Cerra a porta o^tra vez , e dentro admira A rurnptuofa antiga arquitetura. Que refpeicos magnificos refpiía > .^su-aii'

Que prodígios fgtidicos apura : Por toda a parte , que difcorre , e gira Enigmas acha, que entender procura, E Q Moíaico , que augmenta luz caõ raraiJ -^uO A marauilha efcura naó lhe aclara. ijja aoA

80

Até que ouvio do Ceo voz laó fuave y. Que naó pode imitarlhe o doce acento. Nem defpercando a aurora a feliz ave, Nem fufpendendo a Trácia alto inftrumento ; Clara fe exphca, quando entoa grave De hum oráculo harmónico o portento-, Proílroufe Ped'o humilde , mas proftrado Mais fe exaltou nas glorias elevadoé,^ o?

81

Eu rou< lhe diz a voz) o Génio eterno > Que defende ao Império Luíitano, E fuy quem deílerrou ao negro Averno O rebelde Lusbel , e o povo infano : Como de Portugal tenho o governo. Aqui formey o templo Soberano , Donde em laminas puras bem gravadas Durem tantas acçoens aíTmaladas.

81

Do que vay fuccedendo eílas pinturas Vou com celefte pena debuxando , Paíladas , e prefentes naó futuras Podes a hum tempo ir vendo , e venerando .' As vans fuperftiçoens cegas , e impuras Com Hercules me vaõ equivocando, .. j

Quando elle em fabulofo parafifmo p á^

Vence os manftruos do mundo , t^ os do Abifmorr

S5'

íTT

Canta X 3 1 j

Nos loRges cl?jTa latnina primeira Nota(3?4,'

Verás em gerogliiico eonfuío A origem de Tubál raõ verdadeira, Nem cerca a fundação dcEliía, e Lirío > Porem da gente intrépida, e guerreira Se dUata o comercio taõ diifuio, Que Luíitania deve os benefícios

Aos autores das letras , aos Fenícios. _ _

84. Notaíj;;

Ali pintadas vés as fuás glorias Em Colónias das prayas LuíicanaSy Deraõ-lhe o nome as palmas, e as vidorisf Unindo armas, e letras íoberanas? PoriíTo faõ taõ elaros nas hiftorias-, Pois tiveraõ origeus mais que humanas j E pode íer que á Lifra o nome deíTe

Doce fruto o primeiro, que florece. Nota 63(3;

8?.

Os Púnicos Varoens, que de Neptuno Noràéjjli

Dominarão o Iraperio tormerrcofo , Acharão nos favores de Portun© Em Luíitania aíilo generofo : NeiTe quadro os verás , donde opportuno Amilcar fero, e Aníbal famofo' Sendo aos campos Hifpanxjs duro cftrago Tranfplantaraó os Loucos de Cartago

&6.

Ves cremola^r no Ceo outro eftendarce^ De quem vencendo a Lifia o mundo doma ? Pois he dos filhos rigidos de Marte,- E da felis Republica de Roma; Difciplina , vaJor , virtude, e arte Por vencer o Univerfo aprende, e comas; Oh quanras vezes Lifia com exceflb Interrompeo caõ rápido progrcíToi

Rr ii S7,

3i6

tf

Hem

'y>^.mM Aííim o admirarás vendo copiado

EíTe paftor, que he Rómulo encre osLufo^^ Oh quanto Conful vés desbaratado/ 'oc èr ffrèm^ Quantos de Roma Generaes confufos/ Mas ay que â vil treiçaõ fe acha proílrado Viriato, e triunfos câúdiffiifos, ij ma s/jQ

Mas que a fama com eccos os aclame >5^p''ob nÁA Deixao da antigua Roma o íxome infamei' 0:5b 3;!ip

8 8.

Nota 638, Ves Sertório, que a todos períuadeq ?J*1

Infpiraçoens do bruto mais ligeiro? Pois era Lufitania a liberdade Defende contra indigno cativeiro : De Ceíar a immorral felicidade -M oO

Por aíluto , por fabio , por guerreiro , O fez Emperador entre os Romanos , Pois foube até vencer os Luíitanos.

Notaí59* Do gelo Aquiíonar desfeita à fiiria

Da parte fuperior de Europa corre, A fer de Roma vigorofa injuria. Donde a Águia Imperial fem gloria morre: Do ócio vil , da militar incúria O vicio, que infeliz vago difcorre. Fez padecer effeiros taõ terriveis Aos ânimos illuftres, e inveuciveis, r'->^

90.

TVT . ^.* Ves no debuxo Gótico, que os GodôS ^^

Nota 64®. j n. j

As artes, e as Icienc.as deitrumdo

Efcureceraó por diverfos modos

Asnaçoens, a que foraó opprimindo.-

Nota64i. O Lulitano Wamba, que entre todos

Se foy pelas virtudes diftinguindo, ./,«.,

Mal imitado foy dos vaõs horrores ;'r!-j\í'

De tiranos , e indignos fucceílbtes.

. ; 91.

1

i: Canto X 317

91.

OCatholico, e Sábio Recaredo Nota ^4*;;

Da Religião o Império refticue; Porém por aliiffimo íegrcdo Aftro maligno contra o Godo influc; Cheyo o verás de aflombro, horror, e medo, Que nos campos de Efpanha diliribue Mais do que à força de Africa o caftigo Que deo o Ceo às culpas de Rodrigo. NotaÍ4';

Em pranto bem nacido o roítro banhas, E com razaõ, que o quadro que apparece , Moílra rendidas ambas as Efpanhas Nota 4 4;

A' barbara naçaõ , que à cerra dece : Do Mahomecano jugo as leys eftranhas , A que o povo Cacholico aborrece , Em coda a Luficania fe divulgaó , E com violência horrivel fe promulgaõ.

93- Mas nas ferras akiíllmas de Afturias . ,,

que ao longe fe moftra o graõ Pelayo Nota (Í45.

Para domar as Mahomecanas fúrias , Refuícirando Hefpanha do dcfmayo ; Qual rompendo ao vapor denfas injurias Voa brilhando o fulminante rayo , Multiplicando impulfos da violência Quanto fe obílina mais a reíiftencia.

94. AíTim difllpa o Príncipe gloriofo Tempeftade cruel de Africa adufta Para fundar do Reyno milagrofo A eterna ferie da profapia Augufta ; Luficania ainda fofre o ri^orofo Terrivel laço da Cudeya injuCla , Vendo a abominação nos pátrios Lares Profanar templos, abater altares.

3 1 8 IJenriôjueida

55' ^j . Olha para cífa lamina luzenre,

- o a 4 . Yerás, que de Cantábria defce à cerra

Affonío ceu magnânimo afcendeareiííqxííCít ss Que trouxe àLuíicania a dura guerra.* Qiíal dos monres a rápida torrente Domina os campos inundando a cerra % AíTim eíle Católico Monarca Sogeita o Agareno à juíla Parca.

Nota 647. Outro AíFonfo , a quem Cafto denomina;^ A antonomafia da virtude illuftre, Nafceo dos Mouros para fer ruina , E para fer de Efpanha inimorcaj luftre. Com as armas brilhantes y que illumina> Faz que de Africa â gloria Te desiuftrc ^ Conquiftando Vifeu , Braga povoa , E até domina a indica Lisboa.

97-

Nota í4g. Outras altas façanhas naô refíro>

Mas neítes geroglificos qus exponho , Ali verás triunfando o graõ Ramiro: Aqui verás vencendo o claro Ordonho .• Do Magno AíFonfo o feliz nome admiro , E o quadro que aos teus olhos inceirponho'. Defta mefma Coimbra conquiftada , moftra , quç poc ti íerá guardada.

95. Vés perdida a fandaçaó de Ulifles- Sofrer o indigno Scetro ao feroz Mouro ? Pois com progreffQS claros, e felices

Nota 649. Doma Ordonho tereçiro ao Tejo^ de ouro : Succeííos valerofos , e iafelices , Naõ fendo a forte do valor desdoura

Notaste. Acha fobre Vifeu Aftonfo quinto> De facrilega maõ aQ„ ferro e5QÚato,.

Canto IX, 319

99.

Vés cm tudo pr'meiro o Graõ Fernando, Kotaáji^

Que fubindo às Eíhcllas pelo Errainio A Cea inexpugnável conquilUndo Dilaca até Lamego o leu dorainio ? Ao protedor eterno vay fundando , Por bufcar o divino patrocinio , Morteiros funiptuoros , facros templos, Da padroens , e da piedade exemplos.

100.

Portugal próprio Rey pretendia Para a novas conquifta ter pretexto :

Ali coroado eftá Garcia J^ota C$%\

No debuxo do hiftorico contexto .• Mas como o ícetro menos merecia, O valerofo itmaõ AfFonfo o íexto Com invicto valor, com arte eítranha, Emperador fe coroou de Eípanha.

lOI.

vés de Santarém proftrado o muro, Notaíííti

E de Cintra a duriíTima afpereza , De Lisboa o dominio mal leguro Foy taóbem do fcu braço excelia empreza : Ellc foy quem a Henrique em laço puro , Que eftreitou a virtude, e a belleza , Como íabes , unio com Regia forte A* amada filha a Ínclita conforte.

lOi.

Mas eíTes quadros de ouro , donde brilha O primor mais polido dodefenho, por eternizar a maravilha Emprego foy do meu celcfte engenho: Henrique o generofo, aquém íe humilha Do voràs tempo o rigorofo empenho,

Verás que para credito da hiftoria ,ovtí sic'/l

Ha de fer do univerfo aíTombro, e gloria*

3 2.0 Henriqueida

lOJ.

Nota(íf4. r>os Duques de Borgonha derivada.

Dos Monarchas de França produzido, Ali verás Capeto coroado , Aqui verás Roberto mais luzido; Henrique antes que ao trono deílinado Tiveíle em tanta gloria fucedido , Quer que ogloriofo filiio feliz tome. Pois tem a mefma fama, o mefmo nome.

104. ~^

Em Sibilla o produz illuftre efpofa, E hum mifterio mayor quero explicar-te : Vés aquella Sibilla, que fermofa Com clara tocha intenta illuminar-ter' Pois efta foy da gruta tencbrofa De Gaya quem nas luzes, que reparte, A Henrique defcifrou todo o miflerio Da fundação do Luíitano Império.

105. "Ncraéfj. Não foy Sibilla nao, mas de Sibilla

Mãy de Henrique o efpirito gloriofo, Que fabia oinfpirou, fanta e tranquilla. Em forma eftranha, em nome mifteriofo; Naquelle livro de ouro recopila A hiftoria deftc Reyno vitoriofo Da tutelar deidade os lufiraentos , E os preciofos rariíTimos talentos.

106.

Vé, como Henrique vem bufcar a Efpanha Para os triunfos bellico teatro, Vencendo tanta fera mais eftranha, Que quantas vio o antigo anfiteatro : Evé, que huma façanha, outra façanha O Sol do Ceo gravou nas partes quatro, Mas como asvifte, agora as nao explico. Porque o menos notório publico, -

i Canto X, 321

107.

Vés, que tomando amfigrvia rácrbianta Notçtfç^.

APorcugal deixou por Palcítina, E quanto a fua fama fe adianca Na cmpreía mais heróica, ç mais divina? Vés como traz ao Rcyno ailluftre, e Sanca Reliquia taõ preciofa, peregrina; Que aos morcaes purifica do contagio, E em hum lenho os livra do naufrágio?

108.

Pois agofa verás, que preparadas As laminas, que admiras de ouro puro, Eílaõ , para que fejaõ debuxadas Decanto aíTombro, que ainda eftá fucurot Nas primeiras, que advertes, delineadas Vês asameas, torres, rio, e muro De Coimbra, que guardas animofo. Donde has de fer dos Mouros vitoriofo.

109.

Ceflbu a voz do Génio foberano , E Pedro ainda diftinguc encre fulgores Brilhantes azas, gefto mais que humano, Purpúreos rayos, claros refplandotes j Animado , fufpenfo , pio , ufano Do amor , e a unidos os ardores , Com os olhos no Ceo devoco exclama Afectos que na lingua o peito inflama.

I I o. ^-

Oh naó te efcondas Paraninfo eterno , I<[ota 6$ji

E naõ fiquem agora preferidos Em jubilo caõ grande, e taõ interno Envejofos os olhos dos ouvidos : Tu es Miguel o vencedor do Averno , E em Portugal terás fempre erigidos Altares com eftatuas , que ao teu culto Immorcalizem tanto eterno indulíQ.

711 Henriquetda

III.

Vou defender Coimbra fatisfeito- 7. ^ Mi De que heide triunfar deíle límaelica, r ^ ^^'^. "^ Que o bárbaro tirano , adivo efFeito , A hum eco teu as fiirias debilica : Para defenfa bailará meu peito Que os teus doces acentos depoíita, E quantas luzes vi neftes enfayo»r-i,íÍ 3334 i

Fulminarão aos Mouros como rayos -

112.

DiíTe , e logo fahio Pedro excellente Cerrando as portas da admirável torre , De tudo aviza a Henrique diligente, E o que vio , mais admira que difcorre r Os poílos aíTinala à forte genre, Qiie a defender Coimbra encaõ concorre v E fe augmentarfe o feu valor pudera 5 Com taõ feliz oráculo crecera.

Muílafa ao Monarca obedecendo, A praça de tal forte vay cercando , Que no artificio eftá mais eílupendo: Huma Cidade a outra circundando : Para a campanha as linhas fornecendo Taõ altos torreoens foy levantando > Que fem da defenfiva ter cautellas , Parece , que aíTaltar quiz as eftrellas.

Chega Amada a Lamego , e o recebe Tereza com receyo , e alegria, Receyo, que o amor fino concebe, Em quanto a feliz nova naõ lhe ouvia ; \

Alegria que ao longe bem percebe , *

No feguro femblante, que lhe via, E de Urania , e de Aldara acompanhada Eíperava a noticia dezejada.

XCanto XI 323

115.

He vivo, diz Pelayo , Henrique he vivo, E com ifto digo, que vencemos, '%

Pois fe o infpira o feu vigor adivo , He cerco que as batalhas naõ perdemos : Vive Bermudo , e bem que em fado efquívo Muley os triunfos , que tivemos ; Elle , e o feu Rey illefos da batalha Combatem de Coimbra a alta muralha. 4

iió. Sempre atento, Tereza lhe refponde; Livras três coraçoens de hum mortal fufto ^ Que o lacónico eílylo correfponde A afFeclo impaciente , fino , e juílo : Bufquemos a Giraldo , vamos doude Demos ao Numen tutelar, e augufto As graças , em que os ânimos devotos Equivoquem nos júbilos os votos.

117. Foy-fe, eVrania: Aldara fe deteve Sufpenfa, vacillante, etemerofa. Purpura agora oroftro, agora héneve? E cada affeíto a deixa mais fermofa : Naõ perde Amado efta fortuna breve, E aíTim lhe explica huma anciã decorofaj Mas oh quanto o refpeico o prende ! oh quanto O que a voz principia, acaba em pranto/

118

vos pedi, belliíTima deidade Alviçaras da vida de hum felice, E aceitará também volTa crueldade Pefames dever vivo a hum infclice: vos deveo a vida , e liberdade Muley, e corapri quanto vos diffe: j> efpero que vos, dura homicida, Porque eu lha dey, lhe aborreçais ávida.'

Ss ii ii9<

3 24 Herríriqueida

T19.

Naõ foy defar Ao feu valente peito Receber do contrario hum beneficio, A vida naõ pedio, mas foy effeito De ter em vós hum aftro taõ propicio .* De vencer naõ fe achava íatisfeico Seu esforçado braço dando indicio De que era digno ( a hum inimigo exalto) Detaó alto favor valor taõ alto.

j 20.

Mas extintos os fortes companheiros,. ? Débeis as forças, o, animo invencivel. Ao numero exceíTivo de guerreiros Ficava ás reíiílencias impoííivel: duraõ na campanha os feus loureiros Por coroar hum Marte irrefiftivel \ Fiz retirar os meus, porque o deixara Ate triunfante quando naó triunfara,

Sqy, que eftá em Coimbra; e rendido Vos peço , que efta vez mais opportuna A quem taõ defgraçado fez Cupido- Perdoeis ter por Marte huma fortuna? Vede que o meu ciúme he bem nacido ; Quanto mais minha forte he importuna, AíFectos, que em meu mal fe contradizem, Sc ÍVoz os cala , as lagrimas os dizem.

Se a fumma eftimaçaõ , refponde Aldara , Que me deves Pelayo generofo Tantas finezas ínclitas pagara, Naõ terias razaõ de eílar queixofo» Ainda vive Muiey, e eu bem deixara De repetirte hum nome taõ odiofo. Pois teoíFende o ouvido, fenaõ viffe, Que o nomeyo , por fer mais infeUce.

i

f^i\

Canto X. 325

125.

tediftc o cflado do mea peito, Que nam o recupero , e nefte eftado ; No teu merecimenco fatisfeitò Tu a d inefmo te tens premiado : Se o tempo produzir contrario eífeito, Afortuna inconftante, o duro fado; Verás que a obrigação tanto fe augmenta. Que em mim a ingratidão vive violenta.

124.

Nefte tempo chegou o augufto Infante Ágil, gentil, difcreto, e gracioío, Pelo heróe perguntou feu peito amante, E por Moniz atento, e generofo: Giraldo o a campanha vigilante , Todos ao templo conduzio zelofo : Na alegre devoção voao activos A dar ao Numen cultos mais feílivos*

HEN-

.ii\ò âi-ijVj.

HENRIQUEIDÁ-

c A N TO. xr. Argumento

FOrmã-Çe de CohnhrA úfitiõ forte^ .^

Faz> Bernardo valente refifiencU, , '[

Lijis , e Lido tem no ariftor a, morte , 'Brilha, o valor até da luz na aufencia : \

Elvidioy e Muftafá tem igual jorte ■, AxA cre que he verdade huma apparencia i Levanta Ali o fitio com defdouro ^ Efoy em terra, £ mar vencido o Mouro, ...

SSJ'-..

Em menos de huma Lua as meãs luas ^^ Brilhavaó fobre as torres Mahomecanas , V^r"^

Com que ao íiçkr Coimbra as glorias fuás "X

Oftentavaõ as gentes Mauritanas : |

As linhas com defenfas naó commuas _„

Defprefavaó as forças Luíiranas ; E naó menos fe oppunhaõ guarnecidas Ao vigor improvifo das fortidas.

Mas antes que de todo fe acabaíTem Contra a praça as fortiíTimas defenílas , Mandou Pedro Bernardo as atacaffem Dos defenfores rigidas ofenfas'; oJbnaV

Que da parte do Bore:.s fe formafem , .j=J!^Jq^ Quando a forabra enlutavaó nuvens denfas ,'^ ^ ^ A's tro as ordenou, que manda experto ' ^'

Q fçieíitc , e magnânimo Roberto.

,3*

Canto VL 327

Em qustro corpos levemente armados Diftribue os valentes Portuguezes, Que a peitos taõ robuílos, e esforçados Erao dcFcnfa inútil os arnezes : De efpadas, e rodcllas íó fiados Vaõ os Luíos j de dardos os Francczes , Naçoens donde adeítreza, c a arrogância Unem a prontidão com a conftancia.

4.

Outros conficionados artifícios Nota ^58.

Levaõ para atear a veloz chama,

Qiie ha de dar nas faxinas exercidos

Ao voraz elemento , que as inflama :

Na parte oppofta Elvidio, dando indicios

De outra fortida, aíluto aos Mouros chama-,

Porém fe defprefarem a primeira.

Ha de fazer a falfa verdadeira

\ 5- As armas toma todo o prefidio ,

Que fe as primeiras tropas rechaçarem, Acharáó prontamente eftc fubfidio Para os novos progreíTos , que intentarem : Pela ponte fahe o bravo Elvidio, Para que os inimigos fe preparem A acodir ao rumor da gente cxpofta, Quando o dano he mayor na parte oppofta.

6. AíTim fuccede porque a voz fc efpalha. Que a praça pello rio fe focorre. Dentro das linhas fórma-fe em batalha O Mahometano , que ligeiro corre: Vendo que defaniparaõ amuralha, Roberto pela parte, que difcorre, E a trincheira eítá menos guarnecida Pelo lado, em que intenta eíla fortida.

^1% Henrii

7- Nota 65 9. Sahe com mil Toldados, e veIozes:;,^^-í%,-J^^

Os de Gallia aos de Libia afialcaó logo, : oo^oii^íl Morrem do dardo aos Ímpetos atrozes, 0"^^$ "áSf oCíTí achar na fogida defaiogo; -Tjn-

Multipíicando aconfuíaõ, e as vozes*.?;;- A Portugueza eípada mais que o fogo, :

Qiie tudo abraza, inflama, queima, liumilha;,-sl Entre as fombras deílroça, ferCv-e b^iWii^^.. r '

8. ^ ^" ^^^

Maquinas que ali çftavaõ preparadas Em pouco tempo deixaõ deftruidas,.. ,3], As faxinas fo íerveni aprazadas ri^ = De dar mais luz às armas homicidírsí, Poucas daquella parte prefervadas. Do ferro ficaõ Africanas vidas j ^

E o trabalho fe perdido agora , Que cuftou muitos dias , nefta hora j^f^^j^jr^gi i^mtu^^

9- Correo Axa veloz áquella parte >, E affirmou que cora elmo diamantino Vira decer dos Ceos o mefnío Marte A dar aos Lufos feu favor divino: çi^i

E que por mais que Palias o eílandarte ^■t»

Fez tremolar no orbe criílalino , O Deos que aos Agarenos tanto aíTombra, Porque o naõ viílem , o efcoadeo na fombra.

I o.

Mas que Tritonia com feu claro efcudo Da Gorgona veneno transparente Sufpendeo de Mavorte o golpe riido> E defcndeo a Mauritana 2;ente : Axa com tal vaJor acode acudo, -..^

Que para que (luma Palias rcprefenre . ^-

Supria com impulfo taõ terrível OseJorços do Numen kvencivd*

i J .

Canto XL 329

II.

Roberto para a praça íè recolhe Detrofeos, e defpojos adornado, Efte tempo opporruno Elvido efcolhc Ao novo ataque pelo oppofto lado; Outras ventagens ferDelhantes colhe, E deixou hum quartel arurinado : Tanto os expugnadores padecerão. Que expugnados agora parecerão.

li.

Corre oRey, e Altamor, vendo o incêndio^' Aextinguillo, que o campo abraza adivo, O preceito, ocaftigo, e o difpendio Sufpenderaõ o ardor executivo; Foy a noute de eílragos hum compendio, EdeGrobrio o dia íliceíivo .^^íA í^*-^

Nos íinaes dos triunfos, que luíiraó. Quantas acçoens as íombras encobrirão,

13-

A reparar huns danos tao funeftos O trabalho fe vio de muitos dias. No inverno fe faziaõ mais moleftos Nas procelofas frigidas porfias ; Se eítavaó nas trincheiras manifeílos Os Mouros afFédando asoufadias. Para matallos rápidos cometas Voaó dos muros as ardentes íetas.

14- ;

Entre as meãs Pedro diflribue Occukos nas féte iras os frecheiros, E a emulação louvável, que Iheinflue; Multiplica os acertos dos guerreiros Artificiofa maquina conclue. Que os feixos mais pefados faz ligeiros ; Tirando dos fepulcros campas duras, Voaõ para matar as fepulturas.

330 Henriqmtda

: ^ s Oh dura ley da guerrít, que interrompa

Dos maufoíeos o afila inviolável í .. i^íâ '? "-^

E o cadáver, que epuerra fe coFronTp«>'n o^

Expofto deixa objçóto intolerável!

Quando ao defcanfo os privilégios rompe,

He da aflicçaõ motivo deceftavel j

E deixa com effeitos fuçceíTivos

Os vivos mortos, quancjo os mortos vivos l

I 6.

Mas do Agareno a multidão immenfa O dano das fortidas beai repara , Com o exemplo, ocaíligo, a recompenía,^ O Rey aos feus Solda,(;]os animara/ Tanta fori;naõ dç> íptas nuvem denfa, Que fempre o Sol á praça fe eclipfára , Ainda que o mefmo inverno, que o aírombra>. Lhe naó ro^baíTe^luz na efe a fombrg.

Noíaó6o. Hum rebanhÒ-* de Aríeteá robuíVos,

Por mais que inanimados ja fe viaõ Com movimenta eftranho daya.ô íuílos A*s muralhas que rápidos batiaõ / Paílos eraõ os mármores auguílos, E fe cré íem ter bocas , qu^ os comiaõ , Eoimpulfo, que a maquina reforça. Quanto mais retrocede , mais fe esforça,

Nota66i. Catapultas juntarão tao immenfas.

Que em vamitos fataes de feixos duros

As pedras defuniaô das defenfas,

Que o betume ligou nos fortes muros:

Das maquinas rompendo as nuvens denfas

Na5 ficaó deíles rayos bem feguros

Osjafpes, que na força, que os domina,

A f eíiàencia trocaõ em ruinai.

15^;

Canto XL\ 331

19.

Confpiraõ contra os ares asBaliftas, Nota (J 62..

E da cerra arrojando outros dilúvios Dilacaó nas esferas as conquiílas, E fem fogo de pedras faõ Vefuvios.' Formais Eólo, que ao furor reíiílas. Podem mais que teus ventos í^us eflúvios: Caliem dentro na praça os fçiis eBÍayOí > E fubindo vapores, bayxaó rayos.

20. Naõ faz mayor abalo hum terremoto. Quando a terra combate amefma terra: Naó na força do opprimido Noto, Nota ^(jj.

Mas do fulfureo mineral , que encerra ; E unindo-fe ao falitre deixa roto Ocarcere infernal com dura guerra, E para confundir os orizontes , Rouba para o Abifmo os altos montes.

II. AíTim unindo o tormentofo eiirágo Feria as pedras, e feria os ares, Levava o rio com impulfo vago Todo o terror da terra aos mefmos mares ; De Numancia , Sagunto , e de Cartago Nota 6^4;

Naõ fcjaõ as defenfas íin guiares ;

Porque em Coimbra mais conftancia admiro Nota 66 j.

Que a de Jerufalem , Ravenna , e Tyro.

Fabricava© perfeitas cortaduras Contra as brechas os fortes defeníores : Refiftiaõ ao ferro as pedras duras Defprezando os feus hórridos rigores ; Mas de outras foberbas eftructuras Vem occupar esferas fuperiores

De huma , e outra Babel, que tanto erguida j^ ^^^1

Algum dia ha de verfe confundida. o a j

Tt ii ^ 25,

■">'

3 3 2^ Henriqueidà

As fublimes muralhas excèdiaov E fobre ellas as maquinas plantavaõ , Quantos nas ruas da eminência viaó As ingentes Baliftas fulminavaõ ; Os que nos próprios Lares aíTirtiaõ , E no azilo feguros fejulgavaõ; Oh quantas vezes a huma feca dura oB» itens ¥ ^Transformarão o leito em fepultur£^i?>bí«' §1

Entre as iras de Marte amor fe efconde. E huma fatal tragedia reprezenta , j? s^op Trifte o teatro foy Coimbra , adbnd^ O feu triunfo o feu efírago augmencaj _ Notaéí?. Qpando Lifís a Licio correfponde, m3 mp ?9 Clioraõ unidos morte mais violenta,; Ambos no fangue iguaes, ambos amantes Sentem da Parca jos golpes fulminantes.

A' bella Lifís o galhardo Licia Amava fino , e refpeitava mudo , Naó deveo ao amor mais beneficio Que o feriilo com ferro mais agudo r ' Antes que da razaõ o ufo propicio DeíTe ao afFedo efte adorado eftudo , A innocencia admirando o bello objedo. Antecipou com a razaõ o aíFedow

Dezejava, que occultas as finezas Nem de merecimentos prefumiífem , Nem ainda por culto das bellezas Ardentes facrificios fe admitiíTem .• Naó pudera encobrir tantas triftèzas; Se quando a Liíls os feus olhos viflem Entre huma fuaviíTmia agonia Naó as equivocaíTc na alegria^.

Canto XL 333

Lifis , fem o íaber , a Lido niatá, Porem fe elle lhe encobre ò que padece , Sc, porque o ignorou, naõ foy ingraca , Era injufta, naó vendo o que merece: Mas no primeiro dia, em que defata O Amor os laços , que o íilencio tece> Vencida do eloquente, edoconftance, Se rende a difcricaõ do fino amante. Nota ^^8,

28.

Jurando de Himeneo feguir os ritos, Efperaõ que de Febo os refplandores Os caracteres deixem ver eícriros Pelo Deftino em livros íuperiores.- Noute; que efcondes pérfidos delitos j Occulta agora lícitos amores, ^iofre 6 Aurora em tálamo enganoío Frios abraços do teu velho efpofo. Nota ^^5>,'

As cafas dos amantes íeparava Dcliciofo Jardim, breve, e ameno, E até do Inverno contra a fúria eftava Aterra florecente, o Ceo íereno: Sem artificio o talamó formava Sobre o rigick> gelo o brando feno , Com folhas os Loureiros fem mudaaças Simbolifaó amantes efperanças.

Cafta Diana aos mares fe retira. Nota é 70»

Prónuba Vénus bella fe defcobre,

De Amores o efquadraõ nas fombras gira,

E ao chegar os amantes naõ fe encobre:

Lifis ouvindo Licio, que fiifpira,

G reconhece, ainda que a nouce cobre ^i;

Os aíFedos, que- exprimem os íeiflblánces

Dos ardentes finiiTimos amantes.

31*

|^|. Henriqueida

51-

fe eftreitava no primeiro abraço A cadea de amor fucil, cdura, ^^-^. uvr>!/ «^

E as almas no decente, e firme laçcP £*r íí'b , ■;-> 3 Cuidavaò foíle eterna uniaó caó pura : Quando hum baibaro infame, iniquo braço -^^' Dispara com tal força ca impura, - .n;

Que antes que hum eoraçaõ nos dois -íe-ôuvií& , Fez que a Parca voando os dividiíTe. V^íí"^WS3,ai ãf-

'>^-'

Foy o cafoj ''tjtfé Alcino injuílo , e fero Amava a Liíis com ardor aâivo , E por fogir do íeu defdem fevero O trouxe aos Mouros, feu defiino efquivo; '-^ Culto , que profeílou cerro , e íincero Da íacra fonte no criftal nativo , Deixou por ímpio rico Mahometano, Quando a Liíis ouvio hum defengano.

5 5. Defertou de Coimbra aquelle dia.

Em que huma intereíTada confidente Lhe defcobrio, que a Licio preferia 1

Lifis com pura do peito ardente : pii>^

Bufca o Rey da Africana Monarquia, ^I

Dizlhe que a praça tinha menos gente Da que era neceíTaria aos largos muros Para eítar guarnecidos , e feguros,

34. Que fempre a fatigaíTe com aíTaltos, E que naõ tinha muitos mantimentos , 1

Taõbem de muniçoens eftavaõ faltos , Mas que o rio lhe dava baftimentos ; Que da obra interior naõ eraõ altos Os muros , e que aos golpes mais violentos / O \ Seu material muy pouco dilículta , " -

Quando os bate. furiofa a catapulta

5M

35- Que he prccifo ganhar a Fortaleza

defendida do valor deElvidio,

E que elle íe otFrcce à nova cmprefa,,

E que ha de cativar o feu preíidio;

Que aQlm naõ lograrão tanta deílreza.

Com que pelo Mondego tem fubUdio,

Quando na cfcuridaõ pequenos barcos

Se introduzem da ponte pelos arcos»

Que fcus pays fempre foraõ Mahometanos Fingindo-fe por medo convertidos, E dos Criftaõs fuperftiçoens, e danos Nunca em Teus coracoens foraõ feguidos i E por fogir dos pérfidos enganos Bufcava os ícus parciaes, que agradecidos Como o feu Rey o louvaõ , e engrandecem , Porem de que he traidor nunca fe efquecera,

3-7.

Pede lhe Alcino, que a fublime torre, Que ao alto muro eílava mais vezinha* Lhe deixaíTe occupar, porque difcorre, Que delia o tiro baibaro emcaminha: De Lifis o jardim muy perto corre Do muro, qne da torre íè avezinha. Sabe o lugar do tálamo de feno, E algum.a luz lhe dava o Ceo fereno.

38.

Eí^as imprecaçoens dicbava' a fúria , / Que lhe influio íacrilegos projedos , Da Religião , da pátria , em torpe injnria ; Se rebelião feus pérfidos affeclos : Mas para que naõ erre com incúria O tiro na incerteza dos objetos, A féta applica ao arco, e fem que tema, Efta formou prppoíi^aõ blasfema.

336 Henricjuáda

5 9- Génio do Abifmo , a quem do Averno o "Nume Deu poder de que às almas dos humanos ;^

Inípiraffes o aíFedo do ciúme , Occukandollie os bens dos defenganos , E a chama azul do teu fulfureo lume Cega oucra vez o amor com íeus enganos , Contra mim tuas iras provoco , E a receber três vidimas te invoco. ' :'^^'■«v Se cila Teta encaminhas pelos ares De forte , que os teus trágicos effeicos Infpirem os meus malévolos pefares , Comque hum golpe penetrar dous peitos ; Suas vidas confagro a teus altares , E íc ainda naõ ficarem fatisfeitos , Para ir vér abrazar Liíis , ç Licip, Eu ferey o terceiro facriíicio. "' '

Appareceo voando o nume ttífte: Cerúlea toga encobre o corpo ardente/ E para atala fobre o peito exiíle Com veneno fotil azul ferpente : O cabelo entre viboras perfiíle , Olhos de Lince cem , canino o dente ; A lingua triunfando dos fentidos , No mal perverte Gs olhos , e os ouvidos:

42. Com a funeíla luz da negra téa Lhe mo (Ir a para feta o certo emprego , E citando cego na confufa idea , Para vingarfe naõ efteve cego : Difpara a feta, -iem que o ciúme atca A chama do infeliz defafocego.- Ay/ (diz Lifis ) do amor fou facrificio : Liíis, por ti morro, exclama Licio. ^■■■■^- 43

'Canto XI. 337

45.

Vendo Alcino os eíFcicos da vingança, Cumpre Tem dilação o impuro voco , Da corre à teira promptamence lança O corpo que em pedaços íe vio roto ; A alma por trofeo a fúria alcança , E do Aqueronce o fúnebre piloto A condufio no horrendo paracifmo-.^ .^ Para augmentar o incêndio ao raefmó ABirmo.'

44.

Vay Muftafá pela profunda terra Nota<^7i.'

Imitando os quadrúpedes raedrofos , Introduzindo de huma occulta guerra Aftutos artifícios tènebrofos : Errt largas minas tanta gente encerra , Qiie nos, eílratagemas cauteloíos , Parece que intentou feu peito impuro Conquiílar de Plutão o Reyno efcuro.

"4Í-

Era o intento das profundas minas Debilitar os fortes fundamentos , Para que das muralhas as ruinas Do aílalto facilitem os intentos; Dentro das fubterraneas oííicinas Suftentavaõ. em pinheiros corpulentos PoQos a prumo os muros levantados, Para cair deixando-os abrazadosm

Porem Pedro Bernardo vigilante Ouvindo algum rumor dentro da terra , E que em partes fe move vacillante. Como prefagio do furor, que encerra: Gente efcolhe , que deftra , e arrogante Faça no efcuro campo occulta guerra , ;,i

E a contrainina fabricou Roberto *^_

Da mina conhecendo o lugar certo

^338 Henriqueida.

47-

Enconcraõ-fe os nodarnos contendores ; E fe tancas batalhas conta a hiftoria , j

Em que do Sol , e Lua os refplandores >i

Illuminiraõ a preclara gloria : '*

Agora entre tri(lilTlmos horrores Naõ fe ha de defcrever clara memoria Do valor, que na occulta , e baixa esfera >

Temeo Aleólo, e receou Megera. *

48.

Corrêa aos Portuguczes , que guiava Fez encontrar as gentes de Zulema , Sem luz ninguém fabia quanto obrava , Quando nem entre as fombras quem tema ; Mas do Lufitano a fúria brava Faz que o Mouro cobarde grire, e gema, E íicáraô os bárbaros Soldados Mortos no mefmo ficio , e fepultados.

49- Tranfportara-fe à praça dos madeiros O foccorro aos reparos taó prccifo , E os alicerfes coníervando inteiros Emendarão da mina o prejuizo : Mas fentem os celebres guerreiros , Que daõ a Henrique deíle mal o avifo. Da fome horrível o mortal infulto Inimigo domeítico,, e occulro.

50. Ainda que o Sol apenas tem fihido Notaéyi.Do trópico do gelo em que naõ doura O prado ameno , nem o Ceo lufido , E Flora ainda as riquezas entezoura ; Com abundância fe acha foccorrido -■

O campo fitiador da gente Moura •, Í

Lisboa lhe ofterece , quanto encerra , i

Que o niar Ihèf-dá , o diííicuita a terra.

Canto XL 339

51- .

Mas em Coimbra falca de tal forte O alimento , que a mefma fobriedade Reconhece o aperto extremo , e forte Da tirana , e fatal neceílidade ; Por mais que Pedro os ânimos conforte Com o exemplo à conftancia , e à piedade, Teme que fc atenuem nos conflidos Com dura fome os ânimos aílidos.

Os quadrúpedes mata gcnerofos , Perde a milícia equeftre os fcus projedos , fem afco íe julgaõ iaborofos Os mais vis , e mais Ínfimos infèdos ; Mas faõ os coraçoens taó valerofos , Que defprezando efles mortaes objedos , Naõ fe abate das forças a violência , E o vigor recuperaõ na abftinencia.

com as porfiadas batarias A barbacaá cahio cegando o foíTo, Sobre elle caminhando as galarias O muro fe arruina altivo , e groífo : A reparar as brechas com porfias Naõ bafta a actividade, e valor noffo ; Porém naõ receando os íêus efteitos , Muralhas invencíveis faõ feus peitos.

54- Elvidio refiftira três aíTaltos Vingandofe do Mouro em muitas vidas i Porém débeis os muros , e naó altos Cederão ás violências repetidas : De muniçoens , e mantimentos faltos , Depois de outras emprezas , e fortidas , Foy retirarfe à praya ultimo emprego. Abandonando ^ ponte do Mondego. ..^i .

Vv ú fji

34^ Henriqmida

As levantadas maquinas, que os tiros is.^^í. i'; Faziaõ às muralhas Tuperiores, 5uj^'

De horrendos feixos com horríveis giros : Cobriaõ os valentes defenfores : Naò valiaõ os últimos retiros Dos lugares oceultos, e inferiores, E fe algum no Sepulcro (o. aíTegura : A moíte o foy achar na íepultura.

55.

Preparou íe o aflalto formidável As tropas repartindo o Rey potente, Fazendo fe temido,- quando amável, A tanta empreza anima a Moura gente ^Jfc^2flí^í"i Que Coimbra naõ era inexpugnável '^

Lhe perfuadio com methodo eloquente ; E que à nuveai fatal de tanta flecha A guarnição defamparava a brech^è* *AÁíiiiê-te4£ -

-57- Que a fome aos defenfores extinguira ;

Que o largo íltio as armas malquiftara ,

Que Henrique da campanha fogira >

E em Leiria muy bem fe arrincheirara ,

Que de Sevilha o grande Rey pârtimrWUfí^.;/í|OlJ•*^

E o Cordovès cambem o acompanharai^iífiiiif

E que chegando as tropas a Alentejo, -'■'

PaíTaraõ para a Abrantes o áureo Tejo.

58. Que ganhar a Coimbra era preciío, Por naò roubarihe aglotia os Aliados, ':-'í^3^'"

E Henrique temerofo , e indecifo Acharia os três Reys encorporados : Sentindo irremediável prejuifo Naõ tinhaõ mantimemos íeus Soldados , E paflando o Mondego fem receyo , m^artl -^ l

TeriaaosPortuguezes em bIo4ueyo>w5^„;j;iDoíí<piíA •?? - " %^^

.59.

Que Ell^ey do Algarve, o celebre Aloandro , Que excedia no íabio , e no prudente Nota(?74.

Ao Rey Corincia o docto Periandro

Encre os Tece de Grécia preeminente; Nota^yc.

Qiic he emulo na guerra de Lifandro Nota 676.

Naõ menos que Temiftocíes valente, Pode, íc a rebelião caftigada Guardar Lisboa , e expedir a armada.

60.

Afllm fallou o R.ey de hum lugar alco; Donde ja Muftaía , e Axa fe viaõ , DiPiribuindo para o duro afialro Huns bacallioens, que aos outros íuccediaõ : De agoa o profundo fofib efi^ava falto , De todo com faxina o entupiaó ; E parece que a brecha, que toca Para eípirar a praça abrir a boca.

61.

Arrimadas as mantas , que refíílem Das pedras , e do fogo a ardente ofFenfa ," Encobrem os Soldados , que perfiQem Em tirar aos da praça outra dcfenía ; Com mil efcadas circulando infiftem As muralhas , por ter a recompenfa^^L. Que o Rey promete a quem aâiivo , e duro Primeiro as Luas collocar no muro.

Tartarugas terreílres caminliava'6 , E levantando as conchas às améas , Do Grego engano equeílre renovavaó Na nova Troya as trágicas ideas ; Pois pela horrenda boca vomicavaõ Mil producçoens das Libicas aréas ;

E parece, que de Africa as'i5crpentes-í:yW?^ Notab?-/»

Reproduzirão vcnenofos dentes; ^^'^i9-^

.63^

3 4 2' Henriquelda

65. A hum tempo no ar , e terra foa a caxa Para montar a brecha vaõ primeiro A' compccencia Muílafá com Axa, Rara hecoíiid, intrépido guerreiro: Ambos coca:') do muro a uicinia faxa , Tiros mulciplicou canto frecheiro , Qije encre poucos fe achavaó do prefidio O valente Roberto, o. force Eividio.

64. Sanguinolento bárbaro cílendartc De três i^uas de prata femcado Por Axa, e Muílafá o Rey reparte, Para íèr fobre os muros arvorado: Mahometo, o Mouro diz , a quem deu, parte, Do governo do mundo eterno Fado.' . « Faze contra eLlas ímpias, fah^as gentes Kota(j78- Deftes três novilunios três crecentes.

65. Axa aíTira clama / O' tu Cintia divina ^f^^v Que triforme te moftras em três Luas ..$*«?• Kota(57P' ]\^a cgf^a ^ Ceo , e Abifmo , a que ilílimina Triplicado fulgor das glorias tuas ; Se hoje à Cruz efta Lua; predomina , E a ti fe proftraõ as vaidades fuás , Eu te farey hum templo izento á chama , Que de Eroftrato apague a indigna fama.

66. Na maõ direita a efpada rutilante, E na efquerda a bandeira Mahometana , Levava Muftafá fempre arrogante , Levantava a belliffima Africana : Mas naõ pode o Profeta fer triunfante, Nem vencer a divifa de Diana, Que a idolatrasse infiéis as falfas luzeSu^tifitA; Sempre eclipçaraõ Lulitanas Cruzes. ivikbíp;

Cl.

Canto XI . 343

Fere a Elvidio a heroína bellicofa, Mas delle recebco outra ferida ; Perto eíleve de ler hoje fermofa A merma morte com taó bella vida : Naõ ccdco a bandeira à vicloriofa Xíaõ , que a roubava prefumida , E ambos lutando no combate duro Sc prccipitaõ defde o alto muro.

63. ^

Sobre a concha do Anfíbio os dous cairão,' E Tem :cordo os levaó para as tendas Os Mouros , que hum prcfagio trifte viraó No principio infeliz deílas contendas .• Porque os feus eílendartes , donde admiraõ Brancas Luas de iníignias taó tremendas > Do fangue das feridas fe mancharão , Que em terriveis íinaes as transformarão.

6ç). ]

Roberto , que tinha o afcendente Em Muftafá, que em Gaya cativara, Ainda que o vio taõ agil, e valente, O rendeo com deftreza , e força rara : Braço a braço lutando o impulfo ardente Do Francez o Agareno fuperara ; Mas vem mil a mil expugnadores , E correm cento a cento os defenfores.

70.

Muley com os que o feguem defmontando Dos cavallos , fubindo a brecha larga, Foy aos que a deciaô fuilentando Sem recear das pedras dura carga : Vay com tal prcfla os muros alTalcando^ E Çó ^ dos feus parciaes tanto fe alarga, Que do animo na intrépida grandeza Naõ quer partir a gloria da árdua empreza.

7'-

34+ Uerjriqueida.

De hum bruto equeílre a cauda efpeíTa, e negra Sobre a muralha com valor arvora , E todo o campo bárbaro fe alegra, Por ver , que o fero aílalco fe melhora : Da diíciplina Militar a regra O peito temerário deixa agora , Qjje a fortaleza com furor violento Naõ fogeita á pradencia o movimento^

Muitos im;taõ a Muley galhardo , E na ganhada brecha fe alojarão , Se de huma cortadora no refguardo Os Lufos outro corpo naõ formarão : O Leão Leonês Pedro Bernardo , E os feus aos Agarenos rechaçarão , E fazendo-os decer da larga brecha , Donde a lança naó chega , os fcgue a flecha i

73- Com Bernardo Muley combate adivo,

E eíle vendo que os feus o deixavaó ,

E que com tanto golpe executivo

No foíTo muitos mil fe fepultavao ;

E fe os contrários o aprifionaõ vivo ,

Os trofeos mais fublimes alcancavaõ,

A Bernardo ferio no invido peito ,

E aos feus fe retirou mal fatisfeito.

74. Naõ pode o Rey com vozes , e ameaços , Exemplos , rogos , prémios , e promeflas , Perder o medo neftes fortes laços , Quando a fogir , ó gente infiel , te apreíTas .• Mantas, e efcadas cahem em pedaços : E tanto em novas glorias te intereífas , O' Corrêa invencivel > q[ue a fortida te coníeguc a palma .prevenida.

■75^

Canto XI , 345

75- Corrêa que efcolheo deftros Infantes ,

Décc aofoíTo, e aos Mouros confternados Carrega com impu fos arrogantes. Enchendo de deíPojos os Soldados : Achando mancimentos abundantes Com o temor de todo abandonados, A* praça os conduzio, donde com anciã Se íepultou a fome na abundância.

76. Efcreve o Rey a Pedro , e lhe oíFerece Ervas com que fe cure das feridas , A bizarra defenfa l e engrandece Com palavras honrofas, e polidas. Que por Elvidio a Muftafá lhe deíTe Propõem com expreííoens encarecidas, E fe o fer deíigual naó he defdouro , Diz lhe dará de mais todo hum thcfouro.

77- Que bem fabe , qne teve hnm mào fucefío,

E faz ao vióboriofo humapropofta,

Mas que teme do fitio no progreíTo ,

Que a praça a toda a fiiria fique expoíla :

De Andaluíia vem com tanto exceíTo

Cente de três exércitos compofla,

Q^ e unida com a armada, que chega

Tema quem marcha, tema quem navega.

78. Que os muros reparar em tempo largo Com guarnição taõ dcbil naó podia, Que o mantimento mais que o fitio amargo Em pequena porção o focorri : Que o frio Inverno com precifo embargo Detinha o feu exercito cm Leiria, Nem Henrique intentara louco, e cego Paflar çom poucas tropas o Mondego;

Xx 79*

3 4^ Henriqueida.

79- Que das mayores honras militares,

Refcns, utilidades, feguranças, Bem podia ajuftar preliminares, Que cxcederiaõ fuás efperanças; Se voltar de Caílella aos pátrios lares QiiizeíTe com fe.juras alianças, Acharia os Eftados, e os caminhos Defendidos dos Mouros Reys vezinhos.

»o.

Abulfaragio hum Árabe eloquente Como na própria lingoa na Hefpanhola Era oFmbaxador, e promptamente Huma bandeira cândida rremôia; EmCicero, c Demoftenes fciente Poffue a Grega 5 e a Romana efcôla, Sabendo da íiiaforia na^ pin-turas O artificio dos tropos ^ e figuras

8i.

Vendo a Pedro Banardo , que no peito Ferido eíiava , com algum perigo , Da perfiiafaõ efpera hum certo eífeito , Abatidas as forças do inimigo: A carta lhe oíFerece com refpeito , E aíllm lhe diz, hei de fallar comtigo Graõ fenhorj e Pedro , que o- admite, Refponde, que efta graça lhe petmite.

81.

Senhor, lhe diz o Arábio lifongeiro. Ainda que aqui me vés Mouro, e contrario ;j Em fentir o teu mal fou o primeiro Abominando o golpe temerário-, Por fer Axa huma Dama, tu groífeiro Parecer naõ quizéíle, e adverfario Naó defcndefte o peito da homicida, Nau de Marte, do Amo-r foy «ferida.

S5.

Canto XL 347

85.

Se o reu indico fangue fe derrama, Efpiricos renova, e nsõ dilllpa, Pois elles aniiíiando atua fama, Ella dos íeus impulíos participa: Taó viva cor o teu femblantc inflama, Que hum indicio fehs nos ancicipa

De que outro l^can neíle Hifpano pólo Nota 68o.

Será novo Chiron de hum novo Apolo.

84. Ali Aben Jozef, que augufto impera Naõ nas cerres, que o Oceano banha. Mas nas que o mar interno em fi numera Senhor potente de Africa, e de Hefpanha; Tanto, ò Graõ Pedro, o teu valor vencera, (O que em hum peito nobre naõ feeílranha) Que a vida te dezeja , e ce offerece Sem vil enveja, ou pérfido interece.

85. Neí\a preciofa caixa, que guarnecem Das luzes oriencaes porçoens brilhances , Ea quem balfamos raros enriquecem, E pedras demais preço que os diamantes j As ervas vulnerarias ce offerecem Seus afFeclos piedofos, e conflances , para acredicar-íè generofo De que eílima hum contrario valerofo. Oà^gt';c.-

S6. Pede que Muftafá lhe reftituas , E que Elvidio virá quando curado , Porque de tirania o naõ arguas Te dirá quanto deve ao íeu cuidado , E para que os reféns lhe conflituas , Na praça eu ficai ey depfitado , Que fe por diíigual o defmereço , Por fer Embaixador, bem o mereço

Xx ii .87*

^VI

348 Henricjueida

87.

Naõ quero repicir as razoens fortes , Que a carta com verdade te refere, Evita nas violências , iras , mortes , Que de out o aflalto he juílo , que fe efpere, Imita a guerra aquellas varias íortes , I:m que huma bo de outra fe infere; Ninguém deve fiarfe da opportuna Neíle jogo inconítante da fortuna.

88.

Perdefte muita gente valerofa Na fome, nas doenças, nos aíTaltos, Por mais que o cales , ky que vive anííofa A plebe , e todos de fuílento faltos : Tanta maquina intenta vigorofa Igualar com o foíTo os muros altos , E em três dias verás , como difcorro , Três Reys , com groffiíTimo foccorro.

Avifa a Henrique , e fe elle bem fe atreve A faz.r eftas linhas penetráveis, O meu Rey te concede hum prafo breve Com fufpenfaó das armas formidáveis ; Porém entendo , que do inverno a neve , Se as eftradas naõ fez impenetráveis , Em Leiria aos feus Lufos vencedores Congelou os viviíTimos ardores.

90.

Honras, e feguranças , que imagines. Nas capitulaçoens verás firmadas, E porque as concedidas examines, Neíle papel as podes vér lançadas : Porque em cerra de Campos mais domines, Te daõ duas comarcas dilatadas Os Reys , que as terras cederáó conformes Nota ($8 1. Do Mançanares , do PiíVwerga, e Tormc$.

9 1.

Canto XL 349

Chamou Pedro Bernardo os que fahiraõs Para ouvir em fegi edo efta propofta , E ainda que a embaixada naõ ouvirão , Quiz que cedemunhaílem a rcpofta. Artificiofo Arábio , em que fe un raõ Frazes , de que a Retórica he compofta , Ouve em breves palavras razoens certas Naó em vis artifícios encubertas.

91.

Ao carader Real refpeito atento , E recebo o prezence obfequiofo , Verás que contra golpe caõ violento Sem medo applico o balfamo preciofo.- A Muftafá livre te aprefento , E a palavra de hum Rey taó valerofo Admicco Icm reféns, para que Elvidio Volte a convalecer a eftc preíidio.

93

As honras , que ao renderme me ofterece O teu Rey j e intereíTes, que aíTegura , Nunca hum animo nobre as agradece, Porque honras bufco da íepultura ; Mais quem governa praças fe engrandece , Quando com honra alto valor procura , Que em capitulaçoens ainda taó dinas Dos muros fepultados nas ruinas.

94.

Meus eftados dos Mouros naõ dependem , Para que na obediência me períiftaõ ;V EUes faó quem dos meus mal fe defendem. Que cada dia terras lhe conquiftaó : Os feus por aliados os pertcndem , Porque contra outros Reys fortes lhe aíTiftaõ : Coimbra ainda naõ vejo arruinada : Eu eftou vivo , e vive a minha efpada.

95.

350 Henricjueida

95- Do inimigo naõ como efte confelho ,

Mas acento , e cor. és quero pagalo ,

Que o ficio hoje levance lhe aconfelho,

Ances que Henrique o obrigue a levancalo:

A ci ce dou hum criftahno efpelho,

A Eliley brilhante efpada lhe aíTmalo ,

Tu porque enfayes geftos de eloquência ,

Elie para livraríe da violência.

Era o eípelho de ouro guarnecido Com rubis , qae brilhando pareciaó No cencro claro do ciifl;^! luzido, Qtie à bella aurora as cores repeciaó.- Os diamantes de preço caó fubido Na bem gravada guarnição luziaõ , Que aos olhos occulcavaõ feus influxos Dos efmakados cabos os debuxos.

97- Foy-fe o Embaxador taõ admirado

Da repofta de Pedro generofo , Que todo o feu recorico cuidado Suípendeode aiTombrado, ou de medcofo : Muftafá o feguio , e foy mandado Elvidio , que impaciente , e valerofo Entra efcondendo o mal , que o acenua Na praça , de que o ficio continua.

98. ^ , .

Rocha, que com continuas baterias No criftalino aíTedio do Oceano Sofre emfeculos, annos, mefes, dias, Furioío impulfo, rápido, ecirano, E naõ cedendo ás hórridas porfias, Defprçza as iras do tridenre infano , Formais que na conílancia fe confirme, Menos do que Coimbra fe firme.

99.

Canto XL }Jí

99.

conduzia Zéfiro opportuno A numerofa Mahomecana armada Pelos húmidos campos àc Neptuno A' boca do Mondego praceada:

Procuravaõ do provido Portuno Nota G%^.

A protecção das nãos fempre bufcada ; Leva aoRey, porque logre altos intentos, Moniçoens, armas, tropas, mantimentos.

100. Mas apenas avifta o monte Sacro, Que fobe aoCeo, e para o ter propicio Lhe purifica ornar, como lavacro> As vidiimas do amante Sacrifício j Quando hum varaó , que aíTifte ao fimulacro ; Dando de alta virtude claro indicio, Eprefervado à fúria Mahometana,

He Paulo daTebaida Luíituna. Nota égj;

101. Com oração invoca fervoroía A imagem da puriíTiraa Deidade , Para que aquella armada pcderofa Se derrote com fera tempeftade : Eoy deferida a fupphca pedofa: Para extinguir a barbara impiedade, Rompe os ares Migue, , c com a efpada Do mar a doce paz deixa alterada.

102. Na esfera fuperior ao Ceo Sidéreo Nota 684.

Recebeo da Rainha Soberana Ainftrucçaõ, e paffou o efpaço etéreo ->. U i- A diíTipar a armada Mauritana: •; r: :'?,.

Decendo o Paraninfo o aííento aéreo Auxiliou a gente Lufitana , Diflblve de hum aílopro eíles terríveis Indigetcs malignos jnvifiveis. Nota 685»

105.

3 J 2 Henriojueidd

105. Os Génios , que inquierao o emisferio De Lusbel padecerão oseílragos, Mas fem chegar do báratro ao império Efpiritos nos Ares giraõ vagos; Eftes de luíicania em vicuperio Eraõ ao Mouro oráculos perfagos, E por cUes os Lu!os cem violentas Epidemias, chuvas, e torshentas.

1 04. Miguel lhes manda com fatal preceito, Que entre os Mouros formafiem hum contagio, E ao mar, que ao feu arbítrio eftáfogeito. Incitem paia hum rápido naufrágio ; E que no fogo com ardente eíFeito Em Ethnas formem o infernal prefagio ; E do globo da cerra o centro roto Agitem com horrível cerremoco.

105'. Axa ainda mal curadas as feridas Foy aíliílír na boca do Mond-ego A's tropas, que da armada condufidas Teriaõ para o íitio novo emprego; A Miguel vio com azas taõ luzidas. Que denoute illuílrou o Império cego; Mas por crer, que he Mercúrio, naõ fe aíTombra Axa mais cega, do que a mefma fombra.

106. E vio do mar no rápido limite Neptuno, que com húmido tridente Nota 8 <?. Dizia aDoriz, Tetis, e Aníítrite,

Que mais que o duro Marte era valente: do torcido bufio o fom permite Nota 687 -^ Tritaõ f.u trombeta deligente-, * E porque o íèu poder faça notório Afaftou com o tridente o promontório.

107.

Canto XI 3J3

107.

Mas logo vés , ò efpirito celeíle Obedecer as ordens invioláveis, Que do eterno motor aos orbes dèfte Para extinguir os Mouros deteftaveis; Tu, Neptuno, o primeiro obedccefte» E os teus deofes dos mares implacáveis Fogem com medo ao centro mais profundo ? Efcureceo-fe o Ceo , tremeo o mundo^

ic8.

Dos tenebrofos cárceres de Eôlo Nota68S«

Os firbditos rebeldes defatados Aos refplandores nitidos de Apoio Sacrílegos deixaó apagados.- Euro, e Vulcurno perturbando o polo. Com o Africo, cBoreas encontrados Movem a tempeftade de repente Do Norte, Sul, Occafo, e Oriente.

109.

Sobem as ondas , decem os dilúvios , Altera o vento a paz dos orizontes, Manda o Ceo contra o mundo mil Vefuvios, Saltaõ no mar ao terremoto os montes, Rompem-íe as nuvens em fataes profluvios, Cahem rayos quaes trágicos Faetontes, A hum tempo apregoando em Ceo, e terra Dos trovoens os tambores dura guerra.

110.

Para fer conhecidas as triremes Dourados animaes trazem na popa, A que até na efcultura tanto temes A Africa entaó fogeita, ò trifte Europa: Da Capitania ao Tcuro .outra ve^ tremes , Como das Ninfas entre a bclla tropa Taõ vivo hum l.eaõ vejo, que as Sereas Pedem focorro ás Focas , e ás Balcãs.

Yy xu.

Nora689r

354 Heririqmida

1 1 r. De outro baixel hum Tigre horror de Hircania He mais ligeiro que os Delfins velozes Hum Leopardo terror de Mauritânia Centauro foy de efpecies mais atrozes; Hum novo Anfíbio via Lufitania, E quaíi ouvia as cnganoías vozes, Comque aíluto o tirano Crocodilo He hórrido antropófago do Nilo.

I 12.

Deftes, e de outros brutos as figuras, Comque as Náos Mahometanas fe adornarão. Animadas as mortas efijulturas Em maritimos monftruos fe tornarão : Dentes caninos tem, e garras duras, Comque aos vis Agarenos devorarão: E no mar entraó com furor eftranho Nota^íjo. A augmentar de Protéo feros rebanho,

Axa corre admirada , vay furiofa Dizer ao Rey o trágico fucceíTo , Elle com a impaciência mais raivofa Quer adiantar do fitio o vaõ progreíTo: E antes que a gente menos animofa Saiba o naufrágio , e faça algnm exceflb , Por donde he o muro menos alto Fia de Axa, e Muley hum novo aíTàlto.

114.

Mas fendo igual da Praça arefiftencia, Os peitos novamente impenetráveis Foraõ dos defenfores com violência Rebatidos impulfos formidáveis : Três horas dura a nobre competência, E os obflaculos vendo inexpugnáveis. Faz demolir o Rey a fo-rtc linha, Nota 6^1, E a unir-fc aos Revs do Becis fe encaminha

\

Canto XL 35-5-

115.

Sahio Pedro Bernardo, e viâjoriofo Ainda achou nos quartéis provifaó canta, Que o prcfidio caníado, e valcrofo Bem facisfaz a fome, que o quebranta: Para avizar a Henrique generoío Velos até Leyria fe adianta, E elle por focorrello em prompto emprego Marchava para as margens do Mondego.

\\G. Efta marcha foubera oRey aftuto , E naó oufando defender trincheiras Contra quem as bufcava refoluto Com tropas frefcas , deftras, e guerreiras-, Tendo às Parcas a morte por tributo Entregue as mais valenres , e ligeras , Nos aííaltos , fortidas , e hum contagio , £ efpalhada a noticia do naufrágio. ; 117.

O íitio levantando, a caufa occuíta Henrique, e a prompta marcha muito fencc, /^Que a vidoria dilata , c difficulta -' A retiraáa da Africana gente :

Mas como aíTim de Pedro mais avulta Alta conftancia , e animo valente, Eftas palavras diz, ç. o prende em laços Nas illuftres cadeas dos íeus braços.

1 18. Valerofo Leoné? , rama gloriofa Dos Góticos Moítarcas invenciveis, Que de Heròes na profapia gencrofa Os excedes, fe acafo iHo he pofiivel, Pois te devo a defenfa vaieroía De Coimbra no aíTedio taó terrível. Porque alta gloria aíTmi te multiplico, Até hum trofeo mais te facriíico.

Yy ii iip.

356 Hemiqueida.

119.

Sentira que o Rcy bárbaro fogiíTe, E que iiwm certo triunfo me roubaíle , Mas o eftimo , ainda que fe vifie, Que em focorrerte o meu ardor tardafle. Por mais que aos Reys da Betica fe uniíTe^ E ao exercito íe encorporaíTe , Eftimo tudo , quanto aqui difcorro > Que o grande Pedro vença íem foccorro.

l iO.

Defde que ao Sol o Efcorpiaõ mordia^ E a féta inficionada o fagit-rio , Trágico o Capricórnio apparecia , Antes de que hum diluvio verca Aquário E como Jano as portas, lhe abria Do novo anno , da guerra, efFeito vario Impaciente te vinha foccorrendo Neves cortando, inundaçoens vencendo,

121.

Prefo em Leiria o inverno me deteve^ Em torrentes os campos inundados , Naõ íe esfriou o ardor na agoa , c na neve. Mas fubíiftir naõ deixa os meus Toldados j &Q. algum o rio a vadear fe atreve, Se vio, e os que o feguiraó afogados v Mas foccorrerte prompto determino Antes que doure Febo o Velocino.

122.

Alternando o dcfcanfo , e exercicio Nas tropas pelas villas alojadas Em homens , e cavallos dao o indicio De vigorofas, e de exercitadas : Sendo ou mais rigorofo , ou mais propicio , As terras inimigas conquiftadas A Peniche ganhey por enterpreza E Moniz confe^qio taó alta cmpreza.

ií;

7?

i

Canto XL 35^

123.

De T amego voltou Pclayo Amado, Que avifou Dom Oíorio de Cabreira, Que o fcu pequeno exercico campado Tenha do Dam na rápida ribeira -, Nora (í^i

E que com elíe irá encorporado Vencer ao Mouro , e libertar a Beira , E fendo do Africano vitupério , Fundar de Portugal o augufto Império.

ii4.

Pedro admictio a honra incomparável. Com atenta , e modefta corteíia , Contou o íitio largo, e formidável, E o que a Elvidio, e Roberto entaõ devia: Vem chegando o exercito admirável, Que no valor o numero fupria ; Sendo fortes , naó forças iocautas.

Todos foraó heróes os Argonautas. Notaípj;

125.

PaíTa o Mondego , e para o Dam marchando, Encontra Oforio, que fiel o avifa De que dos Reys o Tejo vem paílando O exeicito , que a terra atemoriía : Que as partidas, que o campo vaõ cruzando. Sempre avançou com prevenção precifa , Que Ali com fuás tropas chega agora , E hoje com o foccorro íe encorpora.

126.

Forma , e deícança em tanto a gente illuftre E o que depois paflbu contará logo. Porque do génio o influxo naõ fe fruftre, O ardor fonoro do Apolhneo fogo : E para que o meu canto o naõ desluílre , Deícanfe a voz , e ceife o canto logo, Até que a penna fénix renacida Tenha ao Pierio incêndio nova vida.

HENRI-

3J8

HENRÍQUEIDA

CANTO. XII.

Arzumento

PAra a hataiha os Vrincifts famofos Se díjpoem , e o combate he fero , e durtf ; Mãtdd três Reys os Lufas ztalerofos , Dos Mouros fe deflroe o rito impuro : Conta Tancredo os cafos fortentofvs , Freme a. Aldara a Amado amor tao furo ; Funda Henrique o Império^ e o dilata -^ Ganha Lisboa \ e o jeu contrario mata.

I. Celefte Mufa , que à fecirada idéa Acégora infpiíaíle nunca cfquiva , Oh naó permitas , que na minha véa Corra a agoa Caílalia menos viva ; finco, que me infpiras , e fe atéa Em mim a immortal flama caõ activa, Qpc ao mundo íerá aíTombro , gloria, e paímo. Nota 695. Seu eftro, vadcinio , e cnrufiafmo.

■NT^.. /■ ^ Corria Cindo o Touro luminofo,

De- que a Aurora mecirota íe eícondia, Quando o invido Henrique generofo Sobre o campo do Dam feu campo via r De Europa o íigno íimbolo imperiofo Retraça a Luficana Monarquia, Se na batalha braço caõ valente Da Lua as aritias lhe cortar da frente.

Canto XL 359

5-

Ao grande Egas Moniz feu fqbakerno Nomeou, e no exercito lhe dava ?vlayor lugar no fupcrior governo, Oj^ie para fi Henrique reíervava; De huma cíheica amifade o laço eterna Efte Patroclo a Aquyles igualava, Nota íJí^y.

Ce ti Scipiaó teu Lélio naó divides, Achate aEneas; a Tefeo Alcides.

4-

Manda a primeira linha o grão Pereira

Do exercito dos fortes Portuguezes ,

A Tegunda di(pocm deftra, e guerreira

Pedro Bernardo tronco dos Menezes:

Da referva formou linha terceira

Távora fcparados osarnezes;

A ala dircic.i entrega ao Silva experto ,

Empregando na eíquerda o graó Roberto.

5- As alas da fegunda governavao

O forte Mello, covalente Cunha,

De Oforio as experiências animavaõ

Tropas, de que a referva fe compunha.-

Em Oom Mendo de Sou ia fe a^miravaõ

As leys , comque os béfteiros bem difpunha;

Rege Pelayo Amado os mais guerreiros

Nobres féis vezes cento aventureiros.

6.

Toda a milicia equeftre fe reparte

Em finco vezes mil Lufos valentes ,

Hercules dcRohan, que iguala a Víarte,

Manda os Francefes rápidos, e ardentes

Dom Aniaõ de Eftrada em toda a parte N°^^ ^^^'

O ardor incita ás valerofas gentes:

Dom Garcia Rodrigues graó guerreiro Nota ^^^J

Governa osdeLeomil, de que he Couteiro,

360 Henriqueida

7-

De vinte batalhoens a mil Soldados Se compõem a confiante Infantaria, F de todos formou corpos quadrados O valente Bernardo, que os regia.* Na ordem da batalha pelos lados Se colloca a veloz cavalaria, Qual faz voar ao corpo tardo, e grave Cora as azas ligeiras veloz ave.

8. Nota 700. Dom Egas Gomes, porque o nome admires

De hum varaó, que- acredita a hiftoria Lufa Nota 7or. Igaal a Dom Gonçalo Traftamires, Nota 7CZ. De que a memoria naõ fera confufa,

E Maya o Lidador, que quando vires, O' Templo, defccndcncia taó difufa. Dirás, que as acçocns raras, que publicao, Nosherôes, que produzem, multiplicaó.

9-

Eftes, e outros varoens, que o tempo efconde Cego, en ejofo, timido, e avaro, O exercito compõem do cxcelfo Conde^ Que em tempo taõ efcnro brilha claro; Porqi.e afama, que atenta correfponde Ao eco eterno do feu nome raro. Repete hunia taõ inclira vidoria No archivo incorruptivel da memoria.

10.

Soube vinhaõ ao Tejo os Reys contrários Pela Efcalabitana ampla campanha Marchando para os Lufos adverfarios, Mais que cm valor fiando em força eftranha; Votos blasfemos, vaõs , e temerários Prometem, feconquiflaõ toda Hefpanha, E fc da Religiac) , em cego arrojo

for da fuperftiçaõ criíle defpojo.

1 1.

Canto XI L 361

1 1.

A buícallos corria Henrique invico , Quando achou, que nos campos do Mondego De huma batalha clpcraõ no confiico Dar a cita guerra decifivo emprego / Naõ queiraes ( diz ) ò Nimen, que o delico Aqui criunfe no íeu rico cego ; Bem fey que ha de vc n cr toda a malicia Mais do que a minha a celeílial milicia.

12.

De Carquere invocando a Santa Imagem , Se venço eda batalha , fera logo Qiiem receba de mim nova omenagem , Se a Deidade admitir meu puro rogo : Mais quero efcravidaó, que vaflalagem , Nas Tuas aras inflamando o fogo Eterno vitupério aos Mahometanos , E credito immorcal dos Lufitanos.

15. Naó foy inútil naõ o alto prodígio >

Com que de AfFonfo defatando o l'ço ,

Dos Teus primeiros paííos o veftigio

Foy o milagre de hum divino braço :

Elle fera quem do contagio Eftigio

Livre o Reyno do trágico embaraço.

Pois para confeguir altas idéas ,

fe lhe defataraõ as cad^as.

14- VÓS fois , Senhor , quem deu em Paleftin?, A's minhas armas gloria taó fublime, Que na emprcza feliz, fanta, e divina Gofredo por meu braço ao Mouro opprime : Eíla porção da Cruz , que me deílina Quem nclla a mim defende, ao mundo rime, Seia o íinal dos bens. que me reparte, Quem me dá, porque vcnca, cCíC el^andarte.

Zz í 5

Nota 705. ^^^ ' P*^^' cj^cm de Córdova, e Toledo

Venci hum tempo os bárbaros X4onarclias , An.es (|ue as minhas armas deííem medo De Portugal aos campos , e às comarcas.- Naõ ha nellas nem rio , nem rochedo , Que naõ foííe dcpoíico das Parcas , Em que excinguindo ao Mouro os próprios lares, Naõ crocaíle as Mçlquiras era Altares.

16. Vós fois por quem venci no Porto, e Gaya Por dar a Portugal nome famofo, ^ A Almançor formidável , que Te enfaya A fer de Hefpanha aílombro bellicofo , PaíTey do Douro a criftalina raya , Donde naufraga o Mouro valerofo , E em Lamego por vós vingo a injuria Da rebelião de huma Africana fúria.

17.

Por vós venço as infidias dos cativos,

í.

Qiie na batalha pérfida , e nodurna , Muy poucos faó os que contarão vivos Sua infame traicaó à luz diurna : Por vós meus golpes fempre executivos Livrarão entre a íombra taciturna O infante do infernal torpe proje^o A fer único emprego ao mej4 affecto.

i8- Por vó|S venci na ultima batalha Innumeraveis feros inimigos, E a fama em vozes celebres efpalha Com os noíTos triunfos feus caftigos : Por vós impenetrável a muralha Foy de CoimUra aos últimos perigos, Em fim livre à prifaõ que era notória, Avança AiToníc os p.a;fios para a gloria.

10.

Canto XI L 363

19.

Que fé, Senhor eterno , tibia, ou falca , Naõ reconheci' cancã providencia? E fe a naõ penecrar por fer taõ aha, Humilde hade adorar a Omnipotência : Se a vofia reht^iaõ em mim íe exalça, Ninguém recee a barbara violência : A minha gratidão logre o miílcrio , Por vós viva , Senhor , o Lufo Império.

20.

E vós , varoens infignes , que temendo Eftaes, pois temeríeis algum dia Que eu vos exhorte , porque vos offendo Defta fuppoííçaó na groflaria: Nada vos direy já, porque eftou vendo. Que o voíTo ardor aos Mouros dezafta ; E por indicio do animo conftance Hum heróe recracou cada femblance.

II.

Em crés marchas das margens do Mondego Chega Henrique, e os claros Porcuguezes j Saó ao longe da vifta lari o «mprego Innumeraveis b-arbaros arnezes : Para a&acallos com impulfo cego Sahem da linha os efquadroens Francezes; Rohan os repnmio , que gencrofo Sabe unir o prudente ao valerofo.

2i.

Depois qut Ali íe encorporou no Tejo Com Aderbal Rey force de Sevilha, E com ElRcy de Córdova , em quem vejo , . Que de Nazar o antigo nome brilha , ^ concorrendo prompto ao feu dcíejo Pvuben, que a Miircia, e a Granada humilha, Para entrar em emprezas taõ famofas Governa as deftras tropas numerofas,

Zz ii ^5,

3 64 Henricjfdeida.

^ Pvcfolvein no milicar conrdho

Desbaratar de Henvique a gente pouca, E que foíle o Mondego claro eípclho Para o caíiigo da arrogância louca: Sahio naqucllç dia o Sol vermelho , Cantou hum negro Corvo com voz rouca > Hum o Tangue na cor vaticinando , Os cadavçiçs outro devorando,

z4. Se mil fe multiplicaõ por duzentos. Ainda o numero inteiro naõ Í2;ualaõ Dos que feros , cruéis , fanguinolentos Do ardor 5 que occulraó, o furor exalaó: Cem vezes numerarão por trezentos Os que em Hefpanhoes brutos fe afllnalaõ > Tem a a a direita o Mouro Hifpano , A eíquerda fe dcftina ao Africano,

Sem legisõ , cohorte , nem fahnge, Nota 704, Pq^j^-j3(5 q5 quatro Reys a gente fua.

Na lunada vifeira, c cui'vo alfange, Como na forma, tem a meya Lua •* Qiie a fer propicio o fado aííim conftrange? Cuida a fuperftiçaõ , que he taó comua , Como fe a Lua, que naõ he crecente No.ta 705. Foífe felice Talifman vivenie, * 16.

Como oppofías com impeto furiofo Correm para encontrarfe as nuvens denfas « E de ardente vapor caliginofo (Querem romper as rigidas offenfas , E o orbe dos feus rayos receofo Nem acha nos loureiros as dcfenfis ? AQhu os dous eÁCrcitos voando Vaõ a terra com fúria ameaçando.

X7.

Canto XI L 365

2-7-

Agora os cious exércitos fe viaõ: Defronce eílá o Eciope do branco , Os Maliomccanos no poder confiaõ, De Henrique o deíprczou o animo franco : Da meva Lua as partes fe moviaõ E ao Portuguez por hum , por outro flanca As pontas que feriuò , e atacavaõ Com funeftos abraços , fuífocavaó

28.

Dom Fafes Luz levanta o ertandarte». Que em feu raro valor vay mais feguro Lo que fe o tremclaííe o meímo Marte Na quinta esfera de diamante puro : Henrique as ordens aos demais reparte , Todos dcfejaõ o combate duro, Naó duvidando da infalivcl gloria , Pois no roftio do Heróe lem a vitoria.

A oração militar com voz fonora O Monarcha Africano aíTim começa;

Mufulmanes, ouvime, porque agcra Nota 70 í,

O tempo me interrompe , que fe apreflfa: Sois quem hum íó Deos no mundo adora , E quem tejn do Profeta a gloria impreíTa, A religião, que ao volfo peito anima. Aos bárbaros idolatras opprima^

30. Vede , que de Tarif fe vay perdendo

A conquifta vaftiíllma de Hefpanha,

Q.ue Africa dominante cllár vendo

A Portugal na Atlântica campanha :

Ee quatro Reys o exercito tremendo

Q^Lier combater com oufadia ellranha

Henrique, que at^gora foy ditoío.

Como fe foáe eterno o veacurofo.

^ '

366 Henriqueida*

$1. Poucas tropas de gente colleóticia Inferiores em força , e eftacura Compõem dos Porciiguezes a milícia Em campo , que os íeus flancos naõ fegura ; Moftra no anevime" to a imperícia, Com que an uinarfe impávido procura : Taó poucos faõ, que tenho hum nobre pejo Da exceiriva ventagem , que em nós vejo.

3i- .

Naõ de vencer , de caíligar fe trate

A rebeldes , iniquos , temerários , As cadeas prepare, para que ate O duro ferro aos infiéis contrários: do numero a viíla desbarate A cega prefunça.j dos adverfarios , E íenaó reconhecem o pe igo , Lhes dem muitos mii braços o caftigo.

55- ínclitos Reys da Betica famofa , Sinto ver nos intrépidos femblantes. Que vos queixais com ira bellicoía Do pouco emprego ac s golpes arrogantes, E que a inílancia culpaes de temeroía , ^ Que vos chamou de Reynos ta(') diftantes ; Porém naõ ficareis menos gloriofos, Que faõ, ainda que poucos, valeroíos.

Avance a meya Lua as alas fortes, Naõ rolVa retirarfc o inimigo , Multipliquem fe eflragos, prifoens , mortes, E ninguém íe preferve do caíligo : Tenhaó as penas com diverfas fortes , A cada paflb encontrem hum perigo

Nota 707. Eftes , que ojas roubarão lhe os acentos

de perto os clamores , e inílrumentos.

Canto XI L 367

7 )

Foraõ dos Portuguezes os efcudos Breves esferas de infinitas fccas , Humas às outras com feus golpes rudos Succediaó peladas, e inquietas .- Com o pezo de ferros taõ agudos Naó podiaõ os braços dos Athletas , E ainda que o feu valor com tal defprezo Naó receya o perigo , teme o pezo.

Guerra civil as frechas matadoras Ambiciofas nos ares fomencavaõ, Para fer as primeiras vingadoras Dos que com fero impulfo as difparavaõ : As que dos efcudos faó fenhoras A's que vinhaõ depois defalojavaó , E no exceillvo numero fe argue , Que quanto o multiplica, o diminue.

57.

Se alguns por vaidade defprefaraó Dos efcudos firmiíllm s defenfas , Da intenção temerária alli pagarão As vanglorias ao preço das oífenfas: Outros , que com firmeza os embraçaraõ, Tiveraó da cautela as recompenfas , Que na guerra o valor feunio a arte, Como filho de Palias j e de Marte.

38.

Os Lufitanos aos immenfos tiros Intrépidos toleraó , e conftantes , E vendo aos Mouros perto, cm vagos giros, Diípararaó as fetas penetrantes : Obfervaõ dos contrários nos retiros , Que numeroíos faó, mas inconílantes j Menos foraó as flechas, que vibrarão. Que importa , íendo mais as que empregarão/

3S^'

368 Henriqueida

39 naõ fervem das íecas as tardanças,

E oucros rayos fulminaõ mais activos, Lançaõ demais perto as duras lanças. Os ferros empregando executivos: Mas da mea Lua tem mudanças Os influxos , que os feus fentem efquivos , Porque os flancos do Lufo mpenecraveis Fazem feus movimentos variáveis.

40. na direira o Silva mais ardente Rompe aaJa, quecm circulo o combate, Prompto Roberto, intrépido, c fciente, Faz que a efquerda aos contrários desbarate: No centro Egas Moniz, forte, e prudente Com vigor, o vigor vence, e rebate.- Firrí e a fcgunda linha, e a referva Com Távora^ valente fe conferva.

41- Bufca o Rey valerofo de Sevilha A Egas Moniz, que levemente armado; Se o Mouro o vence em armas, comque brilha, O Luzo luzio mais pelo esforçado: Hum ao outro nem cede, nem fe humilha, lleíille o peito duro ao fí^rro irado De Moniz, porém vf com fúria nova, Q^Lie naó foy feito dcfte braço à prova.

4 i-

A purpura, que o Betico vertia, E comque as armas nitidas guarnece. Com a que agora liquida corria, O óflro , e os nuinícs efcurece: A alma feauzentava, c naó fogia. Que o valor encre as fombras refplandcce, Mas dcce á rerra, naõ aos ares voa,

E envilece o cadáver a Coroa.

43,

Canto XIL 369

45- Corre ao Lufo fignifero o Monarcha Do Reyno Cordovcs, que igual a Marce Sacriíicalo intenta à feros Parca, E roubarlhe o magnifico cftandarte ; Monta hum bruto da Bccica comarca , Em que ao ardor modificando a arte, O Leaó , que o valor nunca fogeita , Rey dos irracionaes hoje o refpeita.

44. Na maõ efquerda o Mouro ao Lufo fere , E a haftea do eftandarte arrebatando , O deixava , mas elle , Tem que efpere Outro foccorro , o fegue pelejando ; A vida , porque a infignia recupere , Hia com tal furor facrifícando, Que defcfperado na contenda Kaõ íabe defendcrfe , porque ofFenda. 1

45-

Encontra o Rey , e a infignia lhe arrebata Com força cal, que ao Rey tirou da fella , E de hum go pe em hum i^ftante o mata. Com que vingou a injuria de perdella : c

Aos que fe oppoem com tal vigor maltrata. Que volta à fua gente , e acha ntila ElHmaçaò caó grande no regreflb, Como a confternaçaõ deite fuccelfo.

46.

O de Granada intrépido acomete Do Gtao Pedro Bernardo a força invita Mas o Leonês nos golpes , que repete ij -jc

Sabe domar a fúria , que o incita .• rr?^*^'

Pela coroa a lança o ferro mete, E ao mifero Monarcha precipita, E conhcceo fatal mortalidade No magcftofo adorno da vaidade.

Aaa 47.

370 Henriquetãa

47-

Mas vendo o forte Ali , que os três Mcriarchas Por terra padeciaõ três injurias , E dos três facriíicios das três Parcas Formarão três triunfos às três Fur as ; Confidera perdidas as comarcas Do feu império em ultimas penúrias ; A Muftafâ, Muley, e Axa convocas E ao Teu Profeta blasfemando invoca.

48.

Suprem os três dos Reys os três lugares , E inflamados no novo, e nobre empenho, Procuraó eom deftrezas militares De tanto máo fucceflb o defempenho : Das tropas nacionaes, das auxiliares, Por fuípender o trágico defpenho, Ordem, valor, e confiança infundem Nos que voltaó , fe abatem, fe confundem.^

49.

formados os corpos numerofos Bufcando a Henrique verdadeiro Marte > Aos feus defejos de vingança anciofos Satisfaz, porque eftava em toda a parte: Axa naõ deixa os votos ociofos , Que com Trironia bellica reparte; E alFm na nobre acçaó , a que fe inflama ? Para darlhe o auxilio ardente a chama.

50.

Efta he a ultima vez Palias divina; Que por trazerte à terra- ao Ceo recorro > Se o fado nova injuria me deflina, Bem íey {cii inútil teu foccorro 5 De Henrique íó procuro a alta ruína > Se tu me fegues , a oprimillo corro, Difle; e Palias armada lhe apparcce , E ainda fulmina mais, que reípiandcce,

5r.

^ Canto XIL 371

Mas outra Palias vio, que mais brilhante Ao Herôe amparava, e defendia , Tinha na Lua trono rutilante, De eftrellas fe coroa, ao Sol vertia: Terrivel contra Palias fuhninante, A precipita à negra Monarquia ; EAxa, que antes cuidava fer Diana, Vio de Carquere a Imagem foberana.

llluftrada dos Tantos refplandores , Se diíTipou o efcuro parafifmo , E as manchas dos idolatras horrores Purificar pretende noBaupifmo: Depoftos cantos bellicos furores , Abomina os Indigetes doAbifmo, A Henrique fe proftrou, a quem rendida Ainda lhe pede a alma mais qufi a*vida.

55. Alegre a recebeo o generofo .:

Herôe, e a Mullafá , que fero obufcaj '^"'^'^

Com hum rayo da efpada luminofo, Antes de fulminar, ao Mouro oíFuíca: Elle com facrilegio monftruofo De Tangue em ira tinge a cor mais fuTca ; Eu Tou, lhe diz com fúrias íèmpre immenfas Quem em ti vingue de Africa as offenTas.

54- Da hacha de deTarmar o ferro a^udo Contra o Herôe levanta com tal força , Que rompera da Cruz o íacro e cudo, >*as o Ceo as oíFenfas lhe reforça .- Henrique lhe voltou golpe taórudo, Porque o Hercúleo braço he quem o esforça , Que vaó buTcar os olhos repartidos Dois caminhos do Averno divididos.

Aaa ii ' 55.

372- Henriqueida

55- Muley, que pelejar quiz com Pelayo,

Que o evirou pelo notável voco,

Encontra Henrique, que imitava orayo,

Quando excede ligeiro o veloz Noto :

Quer fazer do valor o ultimo enfayo;

Mas da lança cahío o efcudo roto •,

O braço com rerpeito a fi fe prende,

E ellas palavtas diz, quando fe rende.

Dominais-mé Senhor, taõ fortemente Que até me he impofllvel refiftirvos, . Eo braço tenho preío de repente, Por cadigo do intento de ferirvos ; Rendido eftou, e efpero obediente. Se mereço , a fortuna de fervirvos , Defcobrir o fegredo impenetrável Da minha fimpatia inevitável.

Ao abraçar-fe o coração refponde Com prefagios iguaes, que muito explicaõ; Hum pranto alegre a os olhos correfponde Dosvaroens, qne os aííectos multiplicaõ ; Alas a Henrique huma voz chamava, donde As acçoens de quem he muy bem publicaõ : o Heiòe, que huiua lança fere, emata, E a quantos o acompanhaõ desbarata.

58- Aqui cortou a Aniaõ o efqucrdo braço,

PaíTa a Oderico ali o forte peito.

Rompe a Gundar da vida o feliz laço.

Sente Gomes na tefta o duro eílcito ;

E fcm enconttar outro embaraço:

fe vencer a Henrique fatisfcito

Severa o Campeão, que mais fe inflama,

E encontra a Henrique, aquém oufado chama.

59*

Canto XI I. 373

r Contra elle correo o fero Luzo, As lanças em pedaços ao Ceo voaõ , Foge Zéfiro cimido , e confafo Ao rumor rudo , com que os golpes foaõ : Menos fe ouvem no ar vago edifuío Os clamores de Júpiter, que acroaõ. Menos fe temem chamas fulminadas , Que o ruido , e o fogo das eípadas.

6o.

Ferido levemente o Cavaleiro , Os olhos lhe cobrio fanguinea venda , Quando outro Mahometano aventureiro O retirou da trasiica contenda ; Como a vifta perdeo o graó guerreyro , Naõ fabe quem o offenda , ou o defenda , "Mas ao íahir do exercito vencido , AíTim lhe diz atento , e comedido.

61.

Eu fou , Senhor , que Ali te reconheço De Africa , e Portugal Rey foberano , Quem de tantas injurias ja me efqueço , Com que o trono me ufurpas Africano j A vida pela tua hoje ofFereço : Pois para combacer o I.uzitano Henrique , eíle disfarce aíiuto ordenas Com mais caufa que Côdro Rey de Atenas. Nota 70 s.

Pois me obriga a fervirte a varia forte, Naõ hey de fer infiel ao duro fado , E por livrarte de huma prompta m.orte, ^i,;.

Cure tuas feridas meu cuidado .- , oQ

Lisboa te defenda grande, e forte, io'bi bVT

Donde do meu valor íerás guiado , E em Africa convoquem teus ceíouros Novos íoccorros de valentes Mouros.

374 Henriqueida

65. te peço por premio , fe algum dia Difpuferes de Àldara Soberana, Que fe o rigor da íbrce o naõ deívia , Eu mereça a belleza mais que humana : Fortunas , Reyno , e vida renderia , Mas bem (ty , que ella íempre foy tirana , E a fineza afllm deixo mais luzida , Se porque ella me mate , me das vida.

64. Refponde o Rey : ò Lucidoro illuftre. Eu te prometo Aldàra , naó o Império ; Porque eíle he teu , fem que a ambição te fruftre Do teu direyto , indiano vitupério 1 Eíta injuíliça fez perderlhe o luftre, E foy do ^co jurtiOimo miderio , Que eu íinca com infâmia da memoria, Que porque fuy injuílo , perco a gloria.

65. Nefte tempo no bofque huns Cavaleiros, Que a ElKey feguiaó , promptos (e introduzem , Orc^ne os guia, e com três mil guerreiros A* marítima Corte o Rey conduzem : Lucidoro , a quem muitos dos primeiros Africanos formados fe reduzem , Com muita infantaria , que fe efpalha , Forma o refto do exercito em batalha,

66. Entretanto os heróicos Lufitanos Vendo as pontas das alas em desordem Romperão pelo flanco aos Afiicanos Do firme centro penetrando a ordem: Na referva dos fortes Mahometanos , Que Lucidoro faz que naõ difcordem , Achavaõ o triunfo duvido o O Sylva forte , o Cunha valerofo.

67'

Canto XI L 375

67.

Tal foy na nouce horrível triíle eílrago , Que das aves noòburna?^, e agoureiras Com o gemido trágico , e piefago Fogem as Filomenas lifongeiras ; As eftrellas errantes no Ceo vago. Seguindo o Sol auzenraõ-íe ligeiras, E as fixas nos Zéfiros fluduances Ainda correrão mais do que as errantes.

Livre das fombras a manhãa futura Moftrou alej,re a Henrique a clara Aurora , E da aka tutelar a luz mais pura Obfequlofo venera, fino adora: Deo aos Teus a fagrada fepultura ; Dos Mouros na campanha vencedora Fez enterrar os corpos horrorofos , E aíTim fallou aos Lufos gcnerofos.

69.

Generaes admiráveis, e invenci eis, moílra Dcos , que quer fundar o Império » Da fua protecção írudos vifiveis, Defcobre em cada luz novo mifterio , Trofeos vaõ erigindo os impoíTiveis, E da Africana ley em vitupério Temos hoje em derpojo defta guerra Três coroas poftradas pela terra.

70.

Vamos ao novo templo de Lamego Fazer as três Coroas tributarias , O exercito nas margens do Mondego Defcanfe, e nas mais terras feudatárias: Lisboa, que ha de íer ultimo emprego Das armas , e ruina das contrarias , Em quanto o Sol ardentes rayos vibra

Até que por Efcorpio deixe Libra.

71

3 7 6 Henriqueida

DiíTc; e com os varoens qualificados, Axa , Muley , e os principaes cativos, Chegou donde os finiíllmos cuidados Da bclla efpoía achou tenros , e aclivos. Rende à Imagem os votos deftinados Para padroens eternos , e expreíTivos : Cantaõ de mil Orfeos raros primores Do cântico , do jubilo os louvores.

7i.

Axa aos braços chegou do efpofo Régio, E rendo a mefma fé, o amor foy firme, Deixa da idolatria o facrilegio , Giraldo a inftrue, e faz, que fe confirme.* Prepara-fe o Bautifmo mais egrégio , Porque aos dous lleys na converfaó afirme; Que de Henrique, e Tereza entaó fervidos. Nota 709 Qs oráculos fiquem entendidos.

75. _ Muley j e Amado chegaõ impacientes Ao meímo tempo a v-^r a bella Aldara, Que rofpíros, que aííedos taó ardentes Nos feus dous coraçoens o amor prepara, Ambos perdem o ufo de eloquentes; E ou os fufpendc a fermofura rara, Ou no culto o lilencio naõ fe rompe , Ou o ciúme as vozes interrompe.

74- Ella temendo as confequencias triftes Da emulação , formou eftes acentos ; Generofos amantes , bem me ouvitles , E fabcis meu diítino, e meus intentos, Vòs Amado , que os votos proferiftes De ceflar com Muley tantos violentos Im.pulfos , muy bem ^ç.y , que os obrervaíles > E nova eílimacaó ,me grangeaíles. ;í'i lu

Ih

Canto XIL 377

75- Vos Muley bem fabeis que humâ promeíTa

Vos fiz de que feria vofla efpofa ,

E quanto o meu caracter fe inrercíía

Eftreitando aliança raó forçofa;

Mas huma Icy me prende caõ expreíTa,

Que me obriga com caufa poderoía :

Naó a poflb dizer, que he taó terrível,

Que hadc mudalla hum impoífivel.

76.

Que ley ? Elle reípai;ide , Aldara ingrata ,;

Pode haver, que hum cal bem me difficulcei*

Sendo divina , porque me naò mata ?

Se o naó he, como ha caufa, que[ a occulce?

Mas he voíTa inconftancia a que maltrata

ao meu peito . delia em fim refulte

Ser preferido Amado : ah homicida!

Para matarme me guardaes a vida/

77' ^ ^.

Se eíTa ley, qne ocultaes, naõ dizeis logo,'

Efta venda fatal hade fer laco ,

Que defte ar , que rcfpiro , e he fogo ,

Apague a vital chama em breve efpaço ;

E le nelle , ou no pranto naó me afogo ,

Soccorrame fiel hoje o meu braço,

E no tempo, em que tenha melhor forte,

Dandovos vida, polTa darme a morte.

78.

Tirou do peito a venda, que efcondia,

E que no campo achou com raro acafo

Empunhou o punhal , porque o trazia

Para memoria do felice calo :

Aldara fe defmaya , e com o dia

Se defmayou o nume do Parnaflo; Nota 710,

E vendo efcurecer luzes raó bellas,

Tambeiu fe defmayaraó as eílreilas,

Bbb 75>í

378 Henriqueida

79' Porém Amado em tudo generoío

De Muley cora cal força o braço prende j Qiie mais o aperra agora por piedofo Do que quandii inimigo antes o oíFende: Soicaiiíe, diz Muley , que rigorofo Reconheça ainda mais quem -me defende; Tal genciofidade me maltrata. Que por matarme mais , menos me mata.

80.

Se para verme atar queres , que viva Ao carro no triunfo de Oxpido, E as glorias de huma ingrata , de liuma efquiva , Hcy de ver infamado , e abatido ; Deixa que morra, e ícja compaíllva Hoje a fortuna de hum favorecido, Ay Aldara cruel / EUa defperta , E entre a vida, e a morre eftava ineerta

81.

Naõ he, Muley illufire , diz Pelayo , Em mim cruel effeito da vaidade Evitar o funefto ultimo eníayo, Que transforma o valor em impiedade; Veja Aldara tornando do defmayo, Que ao feu favor devefte eíla piedade ; Por ella vives, vive na efperança , Em mim nun4:a foy vil huma vingança.

81.

Chega Henrique , e da luta activa , e dura , Aos dous amantes emulos fepara , Rcprcnde Amado, qwe matar procura, Como fuppocm, quem prezo fe enxregera: O con erário acredita, c aíTegiira Juílincando aos dous a trifte Aldara ; E admira aos rres hum novo, e raro objeólo De hum Eremita intognico, e ptovcâio. - »?^ 8 3'

Canto XI L 379

85.

CeíTe j lhes diz alegre, o grande Henrique, CeíTc o lencor , a fúria , e a triftcza , O Amor os feus triunfos mulciplique , Seja hum dia dicofa huma fineza: licj '• Tancredo hum cal íuccelVo hojC publique , Que íe duvidara da certeza, Se elle tudo o que diz naõ confirmara , E cu com minha alicrfaõ naó o affirmara.

84. Nefte cempo a Princeza , e coda a Corte Concorre para ouvir a novidade, Q^ie foara por eílranha force De que entrara Tancredo na Cidade: Elle fem que o filencio mais reporte, A voz esforça defmencindo a idade , E codos mudos, cimidos , e acentos, Ouvem com fufpenfaõ os feus acentos.

Heróe, de quem a indica memoria Até penecra o ruftico retiro, otayii,

Donde para vencer a morcal gloria Pela immortal coti lagrimas fofuiro : Ouvi a raia , cerra, iiluftrc hiftoria De Tancredo , e no débil , que refpíro. Com impulfos do amor, e da alegiia , Cuido , que acé fem vida a explicaria.

Da incógnita Princeza illuflre , e bclla , De que dizer o nome dirliculto , Eayona vio que huma envejofa er^rella Roubou a vida com mortal infuito : Premiou voíla fineza com cautela ,

Em vinculo nupcial , breve, e occulco , E acabando huma fíor a bella vida, Em dous frucos fe vio reproduzida,

Bbb ii 87;

380 Henriqueida

87.

Com os nomes de Pedro , e de Sibilla Sairaõ do católico lavacro , Da Cruz azul , e eftrella mais cranquilla Se nos braços o carader facro : Lagrimas finas voíTo amor deftilla Ao fepultar o amado fimulacro . ,

E ao fiarme tefouros taõ preciofos Do mar entre os perigos procelofos.

88.

Ao graõ Ramon , que he Príncipe em Galiza^ E a quem vos une o Tangue, e a aliança. Me mandaes , que os conduza , e fe íuaviza O receyo no alenco da efperanca : A vofla viíla ainda o baxel diviía , Que a Bayona de Hefpanha da de França Leva os dous precioíiíTimos thefouros , Quando atacar os viftes pelos Mouros.

89.

O Cogia Arraes intrépido pirata Vendo do meu navio a reííftencia , E que a equipagem com valor lhe mata , O condena das chamas â violência ; Naõ me deixa o incêndio quem combata , E dos Ceos invocando a alca aíTiílencia , Peço ao fado de mim feja homicida, E aos dous conferve a religião , e a vida.

5)0.

Ao mar me arrojo fuftentandb hum braço Aos dous Infantes , que com raro inftinto Me apertarão no colo o doce laço. Receando o cerúleo labcrinto : Por liurarme do trágico embaraço, Piedofo ao mar fe lança o forte Aminto , Aminto, que entre a barbara crueldade Nunca pode perder a humanidade.

91.

Canto XI 1. 381

91-

Aos três livrou, eoCapitaô intenta, Que eu lhe diga quem faó os dois meninos; Por mais que com coimentos me amedrenca , Guardaó fegredos meus afíedos finos: Que faõ meus filhos digo , e que me alenta Nobre langue , e teraó os prémios dinos No refgate , o meu animo offerece, E obrou mais que a piedade o intereíTe.

Por remédio , e regalo conduzia A , ou Izis à facunda copia Nota7i2;

O pirata, e no leite , que vertia ^ Socorreo dos dois Príncipes a inópia ;

Mais que a capella , que nos Ceos luzia, Notayxjs

E de Amaltéa a fértil cornucopia Nota 714,

Mereça fer nos aflros collocada ,

E do fiel Booces bem guardada. Nota 71;!

95. A Lisboa chegou , e Ali recebe Os dois infantes , de que a bella forma Das alças efperanças , que concebe, pelos olhos toda a alma informa; Por mais que me examina naó percebe Quem faõ , mas naó comigo fe conforma Em crer, que faó meus filhos, que hum cativo O nega , e do naufrágio eícapou vivo.

94. Mas ef^e que naõ íabe feu pay certo 5 Foy d.fterrado para a Libia ardente, E eu fogi para hum afpero deíerto Naó penetrado da Africana gente; Porém naõ pude eftar taõ encuberto , Que Aminto a hum Tanto auxilio obediente Depois de quatro luílros naõ me achafle ; E do que paílou naó me infoimalTe.

k 9;.

38z Hmriquúd^

95-

DiHliTiç pois Ainiiico, que em tormentos Apertado o cativo çonfeiíara Dos meus oççultgs , ç fieis intentos o que no n^vio penetrara ; Pois me ouvira entre os finos fentimentos , Com que aos tenros Infantes abraçara , Se ambos fo líeis meus filhos em cal forte , Menos íentiia a voUa trille morte.

96.

Concoume que Almançor , que o Rey herdava, Na batalha de Gaya perecera : Que por vò.s , e Tereza fe iliurtrava *Do Luzo Império a criítalina esfera •• Que ElRey por filha única adoptava Sibilla , a quem de Aidara o nome dera, E que a Pedro criou force , e guerreiro Por Muley de Tarifa illaftre herdeiro.

97.

Qiie a Lucidoro Aldàra deftinava Succelfor claro do Africano Império , E a Pedro as efperanças enganava Sem dizer do impoífivel o miíierio : Que Aldàra com preceito aííegurava De huma aliança, que era vitupério Entre irmãos , que com cego intento amante Livraó o delinquente no ignorante.

98. F07 occulto politico mifterio Temer Ali , que os feros Mahometanos , Se lhe faltaiTe o fucccíTor do Império, AppeteceíTem novos Soberanos : Da jufiiiça, e direito em vitupério Segue a máxima falfa dos tiranos De que para r-ynar com vãa cobiça He licita a mentira , e a iujuíUça»

Canto XI 1. 385.

99.

ViiSbimas triíles de hum amor impuro Guardava com rcípeicos de liincezas , Com ciumc inquicco , c mal feguro No Palácio em Lisboa mil bellczas , Mas intecundas neíie laço duro Equivocando afagos , e afperezas Entre as magoas , que tremulas fentiaõ , lagrimas , íó anciãs rcpetiaõ.

100.

De Artelinda fiou a tenra Infanta, Artelinda, que em quarto feparado Tinha em Ali foberania tanta , Que o tirano fe vio tiranizado •• Pediolhe , que ao projedo , que adianta Deíle favor , por ver recuperado Neí\e fruto , que o Ceo quer adoptivo O bem , que lhe negara fucceíTivo.

lOI.

Artelinda fingio , que ella ocultara Deíla nova Princeza o nafcimenco , Por ver fe Ali , que a Africa paflara , O Império lhe quer dar mais opulento 5 Pois antes mataria a bella Aldára , Do que fofrer opprobrio ta'j violento , Como ver que no Império lhe precede Quem em belleza » e perfeições lhe cede.

101, Porém voltando o Rey foy mais propicio O fado , pois fencio em tempo breve Do feu fecundo amor hum certo indicio , A que o gofto na duvida deteve : Nalce Almsnçor com taõ dicoío aufpicio, Que o mayor alvoroço ao Reyno deve; Porque hum Varaõ a Aldàra fubftitoa , Mas o íeu tingimen^o coaciaua.

105.

j 8 4 Henricjueida

105.

Naõ quiz moftrar o Rey a indignidade De fingir ter por filha huma eftrangeira , De quem ignora os pais, e feperfuade. Que tinhaó dos Chriílãos a ley groíleira j AíHm fegiira mais a liberdade, Suppondo íer a filha verdadeira , Se a morce de Almançor por crifte cafo ViíTc a guerra, a doença , ou outro acafo.

104

Inútil lhe naõ foy tanta cautela , Pois matou a Almançor o claro Henrique , ^ E influindo em Aldàra efcura eftrella , Faz que no campo priíioneira fique; E ao ver que Lucidoro fe defvela , Porque o alço conforcio fe publique, Lhe oííerece em Muley hum novo objeto De hum impoffivel, quanto ardente aftecto.'

Era Muley aquelle bello Infante , Que fer irmaó de Aidàra o Rey fabia ; E porque o feu projecbo fe adiante De pretexto fervio á tirania .- Nota 71^. A linha de Tarif em Tarudante Por hum único Principe exiftia , De Tarif vencedor de toda a Hefpanha ^ Em hum golpe , em huma campanha.

106.

Zegri o Viraó claro fe chamava , E á Lisboa o conduz o íeu diftino , Nella morreo , e hum filho deixava Fiando ao Rey efte infeliz menino .• A Parca , que ao nafcer o ameaçava , Promptamente exercita o golpe indiuo , E o meu infante incógnito atribue , A^eítirpedeTarif, que fubfticue.VV .^

107.

Canto XII 385

107.

Aífim de Gibarltar teve o dominio, A quem Tarif mudou o antigo nome, Muley chama ao infante, e leu definio , He de que ao innocente o Reyno tome: De hum fabio refpeitando o vaticinio Faz que a tanra ambição a fúria dome ; E o que antes foy mifterio nefte intento Na guerra fez Muley merecimento.

108.

Com taí valor empunha o tenro braço Ainda no tirocínio a forte efpada , Que o mefmo Marte teme o ameaço Vendo a ira em Adónis preparada ; Sempre da guerra o mais remoto efpaço Lhe deftina , e da Corte feparada De Muley a virtude o Rey defeja , Naó por emulação , mas por enveja;

109.

Affim de Lucidoro fe aflegura Fomentando entre os dous cruel ciumej' Que de Aldara na extrema fermofura Arde no incêndio que arde , e naõ confume : Oh tirânica ley, pérfida, e dura, Que em injufto , e politico coftume para prevenir futuro dano Chama nobre miftetio ao falfo enganol

iio.

A Aminto perguntey quem Ihé diíTera Os fegredos mais Íntimos do Eftado , Por Galiana diíTe que os foubera, Ce quem foy taõ amante, como amado, De Ártelinda era irmãa , ella lhe dera, Tendo primeiro cm fuás mãos jurado , Que eíia noticia naó fará nrtoria, A fiel narração da occulta hiftoria.

Ccc iii<

335 Henriqueida.

III.

Que como elle vivia no íea peiro , Quando o que nelle guarda parcicipa, Deixava o juramento facisfeito 5.Í Se Aminro aos penfamentos íe ancicipa: Porém ( oh cafo raro ! ) e'^i crifte effeico A morte a Galiana a luz diíTipa ; Naõ pode Amor nefta tragedia dura Livrar a Galiana de perjura.

III.

Encaõ , diz Aminto , a falíldade De quem do Alcorão, fegue o torpe rico j E vem bufcar as luzes da verdade , Para fogir das fombras do delito : Eftreito laço de intima amizade , A que naõ diílolveo tempo infinito , Me tez , Senhor , por efte eftranho acafc Saber, Tancredo diz, taõ raro cafo:

115.

Naõ era longe dos confins de Ourique O meu retiro cm terras tranílaganas, rK - Nota 717. Leovigildo bufquQy , porque me explique Da irnmortal vida as glorias foberanas ; Elle me ordena que aílegure a Henrique , Que das felicidades Luzitanas Por dle hade faber Affonfo illuílre , Que o Ceo ao Lufo Império hade dar luftre.

114.

E que a Pelayo , que de feu filho amado , Moftre em figillo de ouro efta Cruz dobre , E carta , porque feja acreditado Quanto aqui o mea peito vos defc obre: Quer Aminto, que o deixe retirado Com Leovigijdo, a quem o bofque encobre, E dou fatisfaçaõ ao meu defeio, Em quanto paíTo occuko o claco Teia,

Canto XII. 387

Tudo he cerco, exclamou Giraldo fanco, Em Lamego, Senhor, vos promecia, Que transformando em goílo o trifte pranto, Pedro, e Sibilla o voíTo amor veria: A eftrella , e Cruz azul moftiaõ em tanto Os dous , ainda que a caufa da alegria Que fc diminuifle era poílivel , Trocando-fe hum amor a hum impoíTivel,

116.

Abraça Henrique os filhos adorados. Que adoptou o carinho de Tereza , Os Bautiímos eftavaõ preparados Dos dous Reys com magnifica grandeza: Ficaó ao mefmo dia deftinados O himineo de Bermudo , e da Princeza, E o de Amado , e Sibilla , que de Henrique Manda a inviolável ley , que fe publique

iry.

Pedro , e naõ Muley , bufca proílrado A Henrique, que nos braços o recebe> E o arrependimento do paflado No femblante , e acçoens bem fe percebe; Eftreitamcnce o abraçou Amado , E no grande conceito, que concebe. Conhece, que haõ de Ter fieis amigos, Pois foraõ generofos inimigos.

118.

Sibilla a Pedro diz .- hum puro affedo Agora entendo , porque bem nacido Tinha na fimpatia occulco objecto , Que equivocava amor defconhecido : Agora entendo hum mteriôr projecto. Que nunca foy de mim bem entendido: Agora entendo os ecos de huma anciã. Que era a hum teiDpo deíejay e repugnância. ; ' i Ccc ii 115?,

388 Henriqueida

119.

Lembrete quanto ouviíle Amado invido^ Quando eu cantey os males , que choiava , E alllm entenderás hum peito affliòto. Que lem poder amarte , te ertimava s Mas agora, vencendo efte conflido Me moítra o Ceo os Pays , que me occultavàj Na paflada ignorância ache a defculpa Eíla inculpável, e innoccnce culpa.

1 20.

Amado mudo eftava , porém mudo Eftava mais que todos eloquente, E quando nada dilíe, diííe tudo, Pois falia o coração , e a lingoa fente : Sem que da fanta Ley façaó eftudo , Giraldo as ceremonias naõ coníente De Axa , que no Bautifmo o bem alcança, E Aldaia de Pelayo na aliança,

121. Quaes novas plantas em feliz terreno , Que agricultor de longe preparara, Com o eílranho calor de cinza, e feno, Fez que o fruto fem tempo fazonara ; AíTim fértil verdor, fragrante, ameno, Nota'71 8- Florido fruto a graça anticipara

Nos neoiiros raros , que a viva Do Sagrado Paílor rega , e cultiva.

1 11. Correrão dos Planetas fete dias , E do templo de Carquere adornadas Nas paredes debuxa allegorias 1^ O engenho com pintutas animadas;

oía7i9- Yen^-e a Sara a fineza de Tobias, Nota 710. Moftra o Jordaõ as agoas prateadas, E as allufoens do mais feliz lavacro ,

E da nupcial uniaõ no rico facro;

123,

Canto Xll 389

115.

Prémios, eílimaçocns , honras, grandezas, A Tancredo promete agradecido Henrique; dos crabalhos, e finezas. Que lhe deveo , Te reconhecido : Prefere do defeito as aíperezas Ao engano do mundo mais luzido ; E evitando da Corte o mortal dano. Quer viver immortal no defengano» > -

114.

no dia do Sol fahio a Aurora Vaticinando os júbilos fagrados , Entaó ri as pérolas, que chora Do Bautifmo em indicios duplicados; Tithan rejuvenece, e fino adora A Deofa com carinhos animados , Devendo o novo ardor , e a luz brilhante De Pelayo , e Sibilla ao laço amante.

115.

Nos defpojos do campo Mahomciano Luzia a Corte em inculpável luxo, Que do claro Império Lufitano Dava a grandeza a norma, e o debuxo; participa o Hèroe Soberano Da Sibilla da gruta o facro influxo , E reconhece em movimento interno O nome de quem teve o fer materno.

126.

Vem de 1 amego os Reys, e coroados Moftraõ , que ao Re} no efíaó reflicuidos, E ainda que a Henrique íaõ fubordinados , Os faz taó nobre feudo mais luzidos : Eraõ de ouro , e diamantes adornados Os magnificos cândidos veriidos; E para que a grandeza íe duplique, ,

Jêí^?* a Axa ferve , ao Rey Henrique, fijflfivj J

q 5 p Henrlcfueida

127.

Cs dous nomes impoz Giraldo illufl^re Aos Reys, e na arperfaõ, que lhe adminiftra, Lhes niayor Império, e mayor luftre, Que o que Henrique com gloria lhe miniílra 5 E porque tanta graça naõ fe fruftre, Axa do Ceo aberto a luz regiftra, E , que nos celeíles alabaílros Os falfos deoíes fe vem nos aftros.

ii8.

De Urania , e de Bermudo o laço régio lllumina Himineo com facra réa ; Já, fem que parecefíe facrilegio, Na maõ de neve o fogo amor acèa; Vinculo , que naõ he menos egrégio Com a prifaõ a Amado lifongea .• Do valor a belleza naõ fe aparte, Sibilla feja Vénus, e elle Marte.

119.

No Palácio fe achavaó prevenidas Mezas taô abundantes > e luftrofas. Que na delicadeza de polidas Nota 711. A affluencia efqueceo de fumpraofas : As vitorias de Henrique mais luzidas Brilhavaõ em figuras primorofas, Sitios, defenfas , torreoens , moralhas. Campos, quartéis., reconmas, e batalhas.

1 30.

Almançor naufragando eftá no Douro, E mais no próprio íangue a lança o banha; Brunaf^rro em Lamego com derdouro Tem na Cidade a perda mais eílranha : Leiria , e a batalha perde o Mouro , E fica derrotado na campanha , Depois que de Coimbra, dcftroçado Levanta o 5iic dará, ôdila«ado.

ii^.

Canto XIL 391

151.

Nos ares fe furpendem mil vitorias , A que ã fama deo voz com mil trombetas , A figura da Gloria com mil gloiias Multiplicou nos adros mil planetas ; A Hiííoria eftà ditando mil ..lemcrias» As Mufas infpirando mil poetas ; E mil â mil os goílos fem pefares

AiTeguraó fortunas a milhares. Nota ytil

I ;i.

De hum teatro apphrece o nobre orqueCtra, Donde o epitalamio fe retrata

De Agamcnon , e a bella Clitemneftra , Notayij^

Que em fcenas , coros , e aótos fe dilata : Succede a dança harmoniofa , e deftra : Que a Corte de Borgonha inventa grata , E alegre cm Portugal fe conftitue , Que depois a Borgonha a reílitue,

Dançao os quatro amantes , e a cadencia He para os olhos harmonia clara , E os pafíos com harmónica excellencia Foraõ da vifta conlonancia rara ; Naó tem Bermudo a Amado preferencia, E Urania , que a Sibilla fe compara. Das corças nos deftros exercicios Tiveraõ íufpenfoens por facrificios. Nota 724»

Dos galanes , e damas fe formarão Amáveis laços , deftros , e inocentes , I^as oufadas as mafcaras roubarão Da fermofura os rayos mais luzentes .* Se pelo mifteriofo fe apurarão Os facrificios puros , e decentes , A chama naó feria menos pura Com o divino ardor da fermofuf a.

392» Henrtqueida

Nota 725. Dos dois talamos bordão as cortinas

De Himineo as viólorias amorofas , De Jove , e Juno as bodas mais divinas , De Amor , e Ffiques anciãs mifterioías : De Anfitrião , e Alecmena as glorias íinas , De Andromaca , e de Heitor as decorofas ; E o Cifne de Verona doce , e grato , DeThetis, e Peleo moílra o retrato.

156. Entre muitos brilliavaõ cinco Amores;

Nota 726. Em que repreíentados os fentidos Siaiboliíaó finiffimos ardores Das tèas nos incêndios mais luzidos ; De Bermudo , e de Urania aos fuperiores Affedos daó influxos repetidos ; E de Amado , e Sibilla a fua chama , Sem moderar o ardor , nelle fe inflama.

O efpirito , que ao mundo interno anima No racional, feníivel , vegetavel, Faz que o carader defte amor fe imprima Renovando a uniíió do império amável : A pofle, em que o aíFe£bo defanima O eíficaz do dezejo invariável , Como em Sibilla novos bens alcança,

^,., Em Amado renaçe em efperança.

158.

Nota 717. Saliio do mar o amante deClimene,

E por fazer dos rayos mais difpendio , Pede a Amor lhe permita , ou que lhe ordene Refumir tantas chamas a hum compendio ; Porque o alcança , ficara perene A ardente luz , o rutilante incêndio ; Ja que difpòs o efpirito profundo , Que falte o Sol, Te falta amor no mundo^L o n.-

Canto XI L 393

159- Mas Henrique , que a Pedro procurara , E na fefta magnifica o naó vira , Entre o cuidado, e a faudade achara» Que o grande coração fe repartira : Mayor mal , do que o peito imaginara Defcobre o feu temor, que naõ refpira : Tremulo abre hum papel com tal enlevo y Que entaó conhece o que he receyo.

140. Senhor, dizia, ainda mayor fortuna Que a de fer filho voílo, he a excellencia Da Chriíiãa religião, que hoje opporcuna. Me concedeo a Eterna Providencia .• Segui a feita errada , e importuna Fundada na impureza, ena violência > E com as imprefibens do negro Abifma Apagava o caracber do Bautifmo.

141. Todos quantos me virem nefta Corte, Naõ fcy fe haó de julgar, que eílaõ piefcricos De tantos annos com taõ prompta forte Meus eílragos , meus males, meus delitos; Quantos fe haã de lembrar cauíey a morte De Pays^ de irmaõs , de amigos infinitos-, E ainda que vejaó o meu braço exangue. No meu mefmo rubor veraô feu fangue.

i4i. Se houveíTe com hum Principe perfeito Dcfcontentes , que í.mpre ha defcontentes , Caufa eu nunca feria , mas effeito De difcurfos infames, e imprudentes.* Naó de Matilde o vinculo imperfeito Achariaõ, mas falfòs > e eloquentes Taes razoens , porque eu reyne fingiriaõ , Que as leys trocendo , os textos quebrariao.

Ddd " ' 145'

394 Henriqueida

De voíTa efpofa , a quem por mãy venero >

Naõ venceria o animo incorrupto ;

Mas quem me diz , que a hum proceder íincero

Naõ i ade malquiftar hum peito aftuto ?

Tiranifoume Amor com taó íevero

Império , e em mim foy taó abíoluro ,

Que ainda que afogue o Tangue efta violência,

A impicílaõ da bellcza cpague a aufencia.

144. Digno efpofo em Amado lhe contemplo; Oh queira o Ceo , que fe amem com conftanciai Mas faiba, que naó íigo o íeu exemplo, E que he feminina a inconftancia : Naõ me verá deidade em outro templo Perturbar da fineza a confonancia , E bem pudera , porque em fim a argua , Naó podendo ler minha , fer fua.

Outra culpa , fe o he, hoje apregoa A confiílaó , que quero fe publique , Mas fe a voíía piedade a naõ perdoa, Que importa, que cos mais mejuftifique? Vòs marchareis a conquiftar lisboa, E fundareis o Império , 6 invido Henrique, Fogem de vòs os Mouros temeroíos, fiíjni':

Tendes os Generaes mais valerofos. <-'^''-- í^^ni or'*

146.

E aíTim permitireis , que a minha efpada A hum Rey, a quem fervio, mais offenda, Na religião ficava defcnlpada , Mas a honra fofrera na contenda-, Tenho a fcena da guerra mudada, E a Paleftina he jufi^o , que defenda ; A feguir voíTo exemplo me humilho, O que o pay conquiftou, defenda o filho.

147-

Canto XI I. 395

147.

Deixaftes Portugal ainda opprimido , E eu o deixo fcguro , e vicloriolo , Acè que volte a elle mais luzido Da Cruz Sagrada o Lenho gioriofo :

De huma fanta milícia reveitido , Noca yiS.^

Ligado ao voto puro , e decorofo , Me inípira o Ceo , que com divino effeico Seguirey inftituto mais perfeito.

148. Perdão com muitas lagrimas vos peço De naõ vos confultar , pois fe faò juílas As caufas , que em papel vos oífereço, Sem que hoje as approveis , feraõ injuílas; Temi o voíTo amor , e vos confeíTo , Que venerando as voíTas leys auguftas , E eflando refoluto a interprecalas , Naõ me quiz arrifcar a quebrantalas.

149. As terras , que em fegredo me diíTeíles^

Me dcftinavcis com real grandeza , Aceito , e ja que pródigo mas deíles , Deva-vos meu amor outra fineza •• Naõ vos naó fervi j porém perdeftes Por meu braço a mais Ínclita nobreza : Vos as repartireis prudente, ejufto, Sendo Ceíar em guerra i em pás AuguílOr

150. Aííim efcreve Pedro , e fe retira Da noute na mayor efcuridade i Henrique a nova acçaó fente , c admira j Pode mais a razaõ do que a faudade .• Dentro em fi mefmo o coração infpira , Vence o difcurío impulfos da vontade; Sibilla ainda que chora, prudente, Que como irmaó , naõ como amante o fente.

3 9 6 Henricjtíetda

Pelos varocns de acçocns adlnaladas O generofo Heròe ali reparte As terras das províncias conquiftadas , Em que arvora da Cruz facro eftandarce.

Nota 719. De Guimaracns nas Cortes convocadas Minerva moderou as leys de Marte ; E a ira na prudência mais remiíTa Funda o Reyno na guerra , e na juíliça.

151. Para Africa pafíara Lucidoro A prevenir armada poderofa ; Mas a fublevaçaõ de Altefidoro Formou guerra civil , e vigorofa :

Nota 750. [^eícendia do Tangue de Medoro

Digno efpoío de Angélica fermofa ,

£ admira ao vello taó guerreiro, e forte,

Ver que de Adónis decendeo Mavorte.

Em Tangere o rebelde fe coroa j E entre íi os mais povos divididos Naõ daó para o focorro de Lisboa Navios , e foldados prometidos : Tanto que certa cfta noticia foa , Com tropas promptas, Cabos efcolhidos , Henrique invicto marcha de Lamego, E fem oppofíçaó pafla o Mondego.

154. As guarniçoens das Praças encorpora , Naõ perdem a ordem na velocidade, Doze vezes vio nafcer a aurora Antes de ver de UliíTes a Cidade: Tal o terror da eípada vencedora Era, que fem achar difficuldade, As tropas , que fe oppoem, fogem inquietas Dos eccos mais diftances das trombetas.

sy

Canto XII. 397

M5 Qual do Aquilon cerúleo Gerifalce,

Que a Garça opprime em leve ponca.

Seguro de que a prefa lhe naõ f^ke,

Curvo, ebúrneo punhal com fúria aponta j

Porem temendo ver, que mais fe exalte

A águia, que até os aftros fe remonta,

Foge no azul, e aéreo laberinto,

Dando lhe vida o irracional inftinto.

Afllm do terror pânico occupados, Desfiladeiros, campos, rios, montes Deixaó os Mouros vis abandonados, Vendo a Henrique em Elifios orifontes: A infiel barbaiaridade inficionados Deixa os puros criftaes das claras fontes: Oh quantos , que o veneno naõ percebera, Em argentada copa a morte bebera/

157. Queimando campos, arruinando vilias» Querem tirar a Henrique a fubfiftencia ,

E bárbaros naó vem, que ao deftruillas Naõ cura huma violência outra violência,- Sobem chamas ao Ceo, para extinguillas

Vence chuva benigna efta inclemência:

Aterra manda ao Ceo novo Vefuvio,

Mas o apaga hum benéfico diluvio.

Í57. Sangrou ao Tejo artificial torrente.

Porque os campos vezinhos inundaQe;

Porem Eólo provido, e clemente.

Fez que hum aíTopro rápido a fecaíTe:

Impraticáveis para a Lufa gente,

Sc as bellicofas maquinas levaffe,

Deixar õ aseft'.adas mais famofas,'

Precipitando asaivores frondofas.

'Sh

398 Henriqueida

159 Tudo venceo o efpirito invencível ,

E chega a ver Lisboa , quando chega O claro Febo ao Efcorpiaõ cerrivel , E em fogir do veneno fe emprega : Trocoufe o Moro em Zéfiro aprazivcl , A fonte renacendo o prado rega ; O Outono ao moderar calor , e frio , Nem fecou , nem prendeo o claro rio.

i6o.

Serve o Tejo de efpelho , e de teatro , Donde a infigne Lisboa reprefenta , E elevada em viftofo anfiteatro Na perfpecbiva a fermofura augmenta : Por dominar do mundo as partes quatro De outro Império fera Corte opulenta, Quando gloriofo à quinta Monarquia Se renda o ouro , com que nafce o dia-

i6i.

Tributos de criftal lhe Neptuno , Primavera immortal lhe pinta Flora , Em fazonados frutos de Vertuno O gofto fe fuaviza , e fe melhora ; Contra Eòlo no afilo de Portuno O naufrago feguro' a terra adora ; Daó aos olhos illuftres exercicios Templos , Jardins, Palácios, e edifícios.

i6i.

Tanta gente guarnece os altos muros > Que hum exercito guarda cada porta , Clamava o Rey , e de que eftaõ feguros Com razoens erficazes os exhorta ; Soccorros lhe promete , que futuros Africa lhe aííegura , e quanto importa , Lhe moftra haver de fer bem defendidas As efpoías , os filhos , bei>s, e vidas.

Canto XIl. 399

165.

As maquinas marciaes vinhaõ chegando Conduzidas por terra , ou pelo Tejo , Para o fitio os quartéis fe hiaó formando , E hum pânico terror nos Mouros vejo .- O gencroío Henrique hia eípalhando Em diveríos papeis , que o íeu deíejo Era de pacifica coroa Concedendo vencagens a Lisboa.

164. As capitulaçoens, que porhonrofas, E úteis faó admitidas dos rendidos , Juftas , fuaves , firmes , decorofas , Prometia em alivio dos vencidos : Do fitio ameaçava as vigorofas Ofíenfas contra os muros mais erguidos , E que naõ accufaíTem de crueldade Dos últimos aíTaltos a impiedade.

165. Elmacin hum Egipcio , que eloquente Os corações dos povos perfuadia , E ao Grego aftuto imita no fciente , Se o naõ pôde igualar na valentia j No dilatado Foro à immenfa gente Sediciofas palavras proferia , Contradizendo ao Rey aplebe informa > E com voz clara falia nefta forma.

léó. Ainda quereis , ò povos infelices, A hum tyranno íèguir vaó , e inquieto? E que huma nova Troya veja Ulyfles ? Hum Sagunto os fequazes de Mahometo ? Acclamay outro Rey , Tereis felices , Invencível em guerra , em paz quieto. Sábio .. prudente, varonil, piedofo , Magnânimo , feliz , e generoío.

' Z67,

4oa Henriofueida

i(j7. Eíle he Henrique , vede o feu femblante Das alças torres deftes íete montes , Que cada hum fe erige altivo Atlante De UliíTea nos claros orifontes •• Antes que o carro arraftre triunfante Entre as cinzas de miferos Faetontes» Os poucos , que do incêndio fáiaó vivos , Fiquem mais fulminados por cativos.

i68.

Aprovei cay as graças , que offerece Com invioláveis nobres privilégios , Vede que com as cafas ja perece A Religião do templo ein facrilegios j Eftou vendo-o entrar , ja me parece, Que erigindo ao trofeo padroens egrégios > Se grava em cada pedra , que fulmina , Hum epitáfio da fatal ruina.

Os que a Afrká queiraõ retirarfe ? Navios lhes dará bem pervenidos , Os que em Lisboa queiraõ confervaríe , Naó feraõ de tributos opprimidos .• Os noíTos ricos querem toleraríe , Entre nos os juizes efcolhidos Haõ de fer , e a Republica publique Naõ Rey , mas Protedor o grande Henrique.

170.

O grande Henrique , que em feliz deftino Fundou o excelfo Império Luzitano , E a quem ja concedeo Numen Divino Vencer fempre ao intrépido Africano : Lucidoro nos deixa , e peregrino O de Africa prefere ao Reyno Hifpano : Ali ufurpador quer que a memoria Vi<^imas nos confagre da vangloria*

Canto XIL 401

Seguime todos ; c com mil clamores Segue ao cobarde o vulgo mcnítruofo ; Salie o Rcy ao encontro , e aos temores Naó anima efte exemplo valerofo : Por naó exporfe aos bárbaros furores Cede ao tumulto indigno , e horrororo : E alcançar pôde com porfias , Que para refponder lhe dem dois dias.

171.

Preceitos , rogos , prémios , ameaços Naõ fizeraõ mudar a ruda plebe, E deftes incertinos embaraços As noticias Henrique ja recebe: Fiar o Rey quizera dos feus braços A vidoria , e mil duvidas percebe , Com cilas pouco tempo defcanfando Dizem que eftes prefagios vio fonhando.

173-

De feu falfo , e malévolo Profeta Se lhe reprefentou trifte a figura , Horrendo tinha o roftro , a vifta inquieta, E o cobria huma negra veftidura :

Crinito o feu cabelo era cometa, Nota 751.

Outro barbato a cara desfigura , E do trágico trifte indigno ornato Outro arraffrava fúnebre, e caudato.

Sulfúreas chamas , em que o peito ardia , O vafto corpo em fúrias abrafavaó , ^

Como a final trombeta a voz fahia , E dos Ceos as esferas íe turbavaõ .• Eí\as palavras com horror dezia , Que ao infelice Rey tanto enganavaõ , Que lhe naõ deixaõ crer ainda que o veja , Porque lhe diz o que ouve o que dczeja. ^'

Eee 175.

402 HenriciHeiãa

Naõ temas , grande Rey , eu fou Mâfoma , De que a caufa juíliíTima defendes , Meu efpirito a forma humana toma , Ainda que os atributos naõ lhe entendas ; Da minha reHgiaõ , que ao orbe doma , Per quem tu taó belligero contendes , Has de ver tremolar os eftandartes Com eftes três cometas nas três partes.

176.

Se me vez abrazar cerúlea chama Do meu ardente zelo he o mifterio , Ainda hoje verás , que a ti te inflama Para recuperar o Lufo Império ; Levantace, e ganhando immortal fama Do idolatra inimigo em vitupério , Antes que acabe o dia decretado Moílra no campo a intrépida ouíadia.

177-

Qual o Betico Touro, que incitado, Quando dprmia , o fere o ferro agudo , E do pungente golpe eftimulado Defperta com bramido fero , e rudo : AíTim o Rey ao fulgido traçado , A' lança , ao arco , às fetas , e ao efcudo , Reduz o Império em íingular batalha, E chama Henrique do alto da muralha.

178.

Cavalleiro , que errante de Borgonha Vens vagabundo a ufurparme Hefpanha , E fem que a forte á fem razaõ fe op ponha , Tantas vczes vencefte na campanha ; Eu te defafio , hoje fe exponha No teatro UliíTe o tragedia eftranha. Hum dos dois nas auriferas arèas , Nota 7 5 i. Seja Aquilles de Heitor , de Turno fincas.

~ ' ' i75>.

Canto XII. 403

179.

Armas , e campo elege , cu afleguro Da Cidade a treiçaó , e as portas cerro i Mas no fero combate , que procuro ,

He mais própria a que o nome tem de ferro: Nota 75 5,

Pôde fer , que ategora o fado efcuro Por occulto deftino , e naõ por erro. Fez, que tantas batalhas malograíTe, E a mayor ao meu braço refervaíTe.

18®.

As condiçoens feraõ , que perca a vida O que perder de vencedor a gloria , Mas quem fua fama desluzida , Ja tem o feu verdugo na memoria : Deixando a Monarquia decidida. Será Lisboa o premio da vidoria : Se vences , cinja o Louro o teu dezejo , Mas fe eu vencer, ha de coroarme o Tejo.

181.

Henrique ao Rey contrario aíTim refponde , Eu naõ ignoro , ò Rey dos Africanos , Que a dezefperaçaõ muy mal fe eícondc Do teu ultimo esforço nos enganos : A fama tanto aos feitos correfponde, E às heróicas acções dos Luzitanos, Qiie os teus da lealdade em vitupério Defprezaraõ as leys do teu Império.

i8i.

Bem (cy , que na politica prudente Eu devia evitar o dezaíio , Pois rendendo a Lisboa brevemente, de hum fucceflo tanta gloria rio.* Mas o valor nativo naó confente Politica , que offende o próprio brio : > A feraõ os golpes fempre rudos , As armas os alfaoges , e os efe y dos.

Eee ii 183.

404 Henriqueida.

185- Como no occafo o Sol fe precipita,

A nouce as iras nos fuípenda agora ,

E entre as fúnebres ^ombras depoíita

A acção , que de admirar a luz da aurora:

Ao norte da Cidade Te limita

Paleftra , em que Lisboa triunfadora ,

Ou ha de dar a gloria , ou o defdouro ,

Entre as margens do Tejo pomo de ouro.

184. Nao dorme o Mouro , que a vifaó tremenda

Da noute antecedente o maltratava •,

Parcas , e fúrias com a forma horrenda

a imaginação lhe retratava :

A Henrique Tem receyo da contenda

Plácido fonno os olhos occupavaj

E de Carquere a Imagem lhe apparece ,

Que entre as fombras brilhante refplandece.

185-. Lisboa lhe moíltou, que coroada Lhe abre as portas do templo de Minerva, Qne à verdadeira Palias confagrada Com os veftigios do Itaco conferva ; Mas a coroa, que cingio dourada. Para fcu filho Afionfo encaõ referva. Qiie aíTim o ha de cantar com pledro de ouro Épico Cifne, a que he Caiílro o Douro.

Deíperta alegre o Hèroe generofo ,

Adora o Numen, que feliz o inípira,

Quando deixava Febo luminofo

De arder no occafo na nodurna pira :

Moniz com fino affedo, amor anfiofo,

E cada varaõ forte acefo em ira

Defafiar defeja hum inimigo,

E dar a Henrique a gloria fem perigo.

187.

Canto XI L 405

187.

Ao Boreas fe dilata hum valle ameno ^^^* 7}4^

Separando dous monccs aprazíveis , Alegre inípira o zéfiro íereno As producçoens de Flora mais riíiveis , Criftaes oculcos ao feliz terreno Nos circulos fecundaõ inviíiveis, E os harmónicos eccos entre os montes Multiplicaõ a voz de aves, e fontes.

188.

Dous pavelhoens magniíicos preparaó Os régios , e valentes contendores, Em ambos , os combates íe pintarão De antigos , e famolos vencedores : As portas da Cidade fe cerrarão , Guardaó ao campo os cabos fuperiores; Nos muros , e quartéis a gente immenfa Por ley, e por refpeito eftà fufpenfa.

Da porta Aquilonar o Rey fahia, Quando Elmacin do muro ao Rey valente Com rebelde , e facrilega oufadia Profere eftas palavras imprudente : Vay , porque tenha fim a tirania , Da ambição a Ter vidima iníolente j No teu exemplo renhaõ os humanos Novo exemplar da morte dos tiranos.

190

Ja para receberte o horrendo Abifmo Abre a boca no concavo da terra •• Quem vira de hum tirano o paraíITmo Na paz injuíto , e inteliz na guerra i

Naõ cuides, que te illuílra o Oflracifmo , Nota 74 f

Que hoje dos noííos muros te deficrra, Nem julgues, que por ri prefos eftamos. Pois como a fera , as poicâs ce cerramos.

4o6 Henriqueida

Permita o Ceo ; mas efte naõ tolera Imprecaçoens , que offendem hum Monarca; Arroja o Rey a lança , e taó fevera , Que obedeceo ao golpe a dura parca ; A boca lhe acravefla , e ja o eípera No Aqueronce infernal a trifte barca j E antes que acabe o horroroío acento , Efphito , e palavras leva o vento.

191. Todos fe callaó ao fatal caftígo , Que Elmacin do feu Rey jufto recebe ; Ja no campo o intrépido inimigo , E à ultima batalha fe apercebe : Dos combates iguaes o eftilo antigo Em quanto aqui fe obrava fe percebe , Efcudos fem divifas ter gravadas , Do raefmo pefo , e tempera as efpadas.

195. Com os roftros , e os peitos defcubertos Moftraõ , que naõ tem pado , que fe occultc Com caraderes mágicos , e incertos. Que as feridas evite , ou difficulte : Das capitulaçoens artigos certos, De que toda o bem publico refulte , Depois que com reféns mais fe confirmaõ , Approvaó , juraõ , lem , troca*"© , e firmaõ.

194. Nellas fe diz, que fendo o Rey vencido 5 Lisboa as portas abra ao grande Henrique , E que ao feu povo feja permitido O exercício da feita , a que fe aplique : Porém que fcrà occulto , e o luzido Da Cruz triunfo facro fe publique , Que as leys fedeixaó fem coftumes novos , E as liberda<ks , izen^ões aos povos.

Canto XII. 407

195.

Mas fe vence o Monarca Máhometano , Deixando morto a Henrique, feconíerve Quanto tinha ganhado o Luzitano , E nem Leiria ao jugo fe preferve :

Que Cintra no fcu monte fobcrano Nota73(í,

Com a Ericeira de Lisboa obferve O deftino , imitando da Cidade, Ou feja fogeiçaõ , ou Uberdade,

190. Juizes pelos dous foraó eleitos Moniz, e Hazen de fumma integridade, Porque ambos igualmente fatisfeitos Tinha a juftiça de hum, de outro a verdade: Para julgar fem iras , nem refpeitos , Do duelo o fim , os meyos , a igualdade; E a inclinação ao Príncipe, ao amigo » Naõ tirou a juftiça ao inimigo.

197. De Chiron os difcipulos peritos

Prevenirão nas vaftas regias tendas ; Promptos eftaõ remédios exquifitos Com inílrumentos, balíamos, e vendas;

pois como a morte de hum fegundo os ritos Será trágico fim deftas contendas ,

Quem vencer, a Alexandre entaó retrate, Nota'7;7i

E o diadema as feridas cure , e atè,

198. Com paflb igual , e com igual íemblatite

Se move , e outro Príncipe famofo ,

Em Ali fe conhece o arrogante,

Em Henrique fe admira o generofo :

Ambos cingem o louro triunfante ,

Que merecerá o victoriofo:

Ambos de curta toga fe veftiraõ ,

E a cor purpúrea a iodas preferiraQ.

4^8 Henriqueiãa

199.

Cortadores alfanges Damafqiiínos; Mas nas extremidades pouco agudos Eípclho. faõ da Parca criftalinos Para copiar da morte effeitos rudos : Gira o Sol nos reflexos diamantinos Na esfera duplicada dos efcudos , E ao chocar faz rayos , que reparte, Na tetra a conjunção deFebo, e Marte.

200. Partem o Sol, c medem adiftancia, E com commmaçaó. bem exprimida Mandaõ, que oanamalicia, ou na ignorância, Quem perder ofilencio, perca ávida: De hum clarim a guerreira confonancia Três vezes pelos ares repetida, Faz, que em campo, e cidade íe dilate O final certo do ultimo combate.

201. Ao mefmo tempo levantado o braço, Foge o ar, teme aagoa,etreme aterrai Se cíle efiPeito prodiis o ameaço , Qual fera o que caufe a fatal guerra? Quanto mais fe apartou por breve efpaço, Mayor impulfo cada alfange encerra, ^.. E o impero fogio para augmentar-fe. Sendo força, e esforço o retirar-fe.

201. Se ainda caiíTe o Pelion fobre o Ofla Nota 7 8' A'*^ojs<^o ^0 horrendo Centumano , Duvido , que o ruido exceder pofla O dos golpes do Lufo, e do Africano : Quando rápida, e túmida fe engro fia Contra as coílas a fúria do Oceano , Naõ iguala o rumor, que agora incita O furor, que os efcudos precipita. . .

-'' .■ .... 20;.

Canto XII. 409

203.

Torrente de criftal , que arrebatada Inunda os valles , e fupèra os montes, Exhalaçaõ íulfurea , que inflamada Fulmina as torres , rafga os orifontes , Venço íetcntrioial , que em fúria irada Agira os mares , e congela as fontes , EeDeucalion o rápido diluvio, Chamas do Ethna , ardores do Vefuvio.

204.

Ainda que com feus rápidos efteitos Caufem no mundo eftragos , e terrores , A tanto impulfo de cair desfeitos Toda a izençaõ dos globos fuperiores , Naõ fey íe excedem dos valentes peitos As nobres iras , e Ínclitos ardores , Gom que fe vio ao impeto iracundo Parar o Ceo , eftremecerfe o mundo.

205.

Recebem os efcudos taõ conftantes Os rayos nos feus globos refulgentes, i

Que com tremor os braços arrogantes Rcíiftiraó aos Ímpetos ardentes : Mas fe os braços tremerão inconftantes 3 Os efcudos ficarão permanentes, E todos do valor pelos eífeitos yiraõ tremer os braços , naõ os peitos.

206.

As mãos , que tantos golpes maquinãvaõ, Também com feu furor fe mortificaõ , Com que a guerra oífeníiva começavaõ Efcudos, que à defenfa fe dedicaó : Entorpecidos ao ferir fe achavaó Os dois robuftos braços ; como ficaõ Infenfivcis , fe incitaõ os ardores

Do venenofo peixe os pefcadores. Nota 7 3^:

Fff Í07.

4 1 o Henriqueiãa

ZOJ.

Rcnovaõ os esforços ; quando fere No efquerdo braço Henrique ao Teu contrario j Saltou o efcudo , e deixa o recupere O generofo , e indico sdverfario : Leve a ferida faz fe naó modere O exceílb de valor extraordinário : O Mouro da accençaõ pouco fe adulai Que a ferida o furor mais lhe eilimula.

208.

Quer cortar na cabeça o facro louro De Henrique, mas izenco foy ao rayo , Que o duro alfange defviou do Mouro, K de efcudo o alfange fez o enfayo ; Mas foy o efcudo alfange; e íem defdouro Ambos chocarão fem temer defmayo , Mais que os fortes combates das falanges Npta74o< Chocarão os efcudos , e os alfanges.

209.

Com a perda do fangu2 fe enfraquece Do Mouro o braço , e arrojado em terra O efcudo , que o defende , e que o guarnece , Sem reparo íe expõem a nova guerra .- Henrique, a que alto cfpirito ennobrece, Também o eícudo lúcido defterra ; Mas o Mouro fe cfquece da ferida, Para que outra mayor lhe acabe a vida.

110. Defefperado, furioíb , e cego. Ao Hcroe de hum revés ameaçando, Qijando clíe o reparava , o falfo emprego A hum talho deftrí^raente vay mudando : Henrique , que o efpcra com focego , Vay o feu fero impulfo deíviaRdo , E a cfpada recebendo o golpe duro Foy a impulfo marcial marmóreo muro.

211.

Canto XI L 41 1

2ir.

Antes que a fúria novamente cobre , O alfange levantou , porque pereça A parte fuperior , que lhe dcfcobre , Para cortarlhe a hórrida cabeça ; O louro, que cingia, verde , e nobre, Pena da ufurpaçaõ cnmbcm padeça : Henrique vencedor, vencido o Mouro, Primeiro que a cabeça perca o louro.

21 1.

AíTim fuccede ; e a Apollinea rama Nota 741:

Vio AU , que cahio aos pès de Henrique, Que perde o Império , a vida , a gloria , a fama , No funefto prefagio fe publique; O Heròe no ardor , que o peito illuftre inflama. Os últimos triunfos juftifique ; O alfange levantando prompto dece , E o feroz Mouro trágico perece.

215.

Corta de hum golpe do Africano Império E de Ali a cabeça hórrida , e forte , O que era Sol do bárbaro emisferio Nas fombras do Occidente teve a morte : O efpirito fogindo ao vitupério Parece que ainda teme ao Varaõ forte * Naó voa ao Ceo no cego parafifmo , Mas dece a efcurecer o negro Abifmo. -^^^ ^■^^'

FIM

DO POEMA.

No-

mi:'

Notas , em que fe explicaõ os lugares difficeis do Poema Henriqueida C. fignifica Canto , O. Outava 5 V. Verfo , e eílas notas correm ate 724. e vaó na margem do Canto, Outava, c Verfo , que fe explica com a letra N. que fig- nifica Nota , e o numero deftas paramayor cla- reza.

A/W/í ^ue nas advertências preliminares , {jue prece- dem ao Poema da Henrtqueida ^procurey mcjirar todx, a ordem que fcgui nejla obra , a unidade da accao , o tempo que durou^ os Poetas , que imitey^ e efullo, e ou- tras muitas partes^ em que efle Poema fe divide , me pare eco ceder as injlamias de muitos dos meus cenfores , que defcjaraÕ , que eu> ãcUraffe com algumas notas breves as erudicoens vulgares^ e os lu- gAtes^que parecem mais difficeis. Duvidava eu jeguir ejle confelho, e os poucos exemplos de que os Authores dos Poemas heróicos fe co-^ mentajfem a fi mefmos : muito útil fora,que afjíim o tivejfem feito, porque fo então entenderíamos muitos lugares que osfeus Comenta- dores deixarão de explicar-iOuderao dtver j o fcrittdo. Authores houve que por afectar efcur idade prepararão ( como diz, ) o Satirtco Pran- cez, , tormentos aos Salmafios futuros •, e também houve Scoliaf tes , e llluftradores em todas as naçoens , que por mojirar afua fciencia efcreverao vajlijjimos comentos aos majores Poetas Eptcos, Nao he o meu fm julgar que efpere achar hum Euflathto , hurn Sérvio , hum Lacerda , hum Faria , he a fine era conffjao de qut je eu me aclara (fe mais.necejfttaria menos defer o me h próprio inteV- prete^ e affm no que podia parecer vaidade-, he modeflia, pois me a.rguo e defeito de nao fer tao claro , como defejava. He verdade que Virgílio , e Camoens , que por nao ferem efcuros fe tem vtflo reprodufir em innumeraveis impreffoens , acharão muito largos , e doutos comentadores , e melhor jujltfícarey que nao ejcrevi ejlas notas por ojlentaçao , pois nellas quafi fenao verão allegaçÕes , e menos os Poetas , que imitey , e fe a obra nao fofje minha yfeguí- ria ajujla medida , que dco as fuás judicioiías notas a^s lufadas

a de

de Cítmoens o Reverendo IgnAcio Ganes Ferreira Cónego Peniten-

cUrio da, S\ de Lamego.

Bem fey que os ent ditos da primeira claffe defprefariio as ex- flicacoens de fabulas ^ hijlorias , termos fcienttficos , conceitos mús fiMimes , palavras mais cultas , que lhes Jaõ tao vulgares. Os m.edianxnente in^ ruídos ainia receberão peyor eftas Notas , por- que ejles fao os que querem faher tudo , fem confefjar o que igno- rao. Os que não tem e(ludos y ferào os mxis dóceis , porque lhes nal) f^ra inútil alguma tintura das erudiçoens , que os obrigara, a ler nefias notas a coriofidade de entender o Poema , fe lhes agrar dar a fua, contextura.

NaÕ me feria dijfícultofo tresladar os comentos dos Pottas art- tigos , e modernos , ou dos Metamorfofeos de Ovidio y ea Mytho- logia de Natal Comes y e dos mais , que efcreverao fobre as fahu' las , e fará a hifloria , os que tratarão das antiguidades Gregas , Romanas > Hefpanholas , e Portuguefas , e o que feria mais facily authorifar com Diccionarios Poéticos , e Hifloricos , as noticias de qité trato , ou com os Authores , que allegao eftes Vocabulários , de que ordtnuriamente fao Índices imperfeitos , e caiifas de que a erudição folida fenao bufcaífe nas fontes ^ de que trouxe a orp* gem , n ao deixando de agradecer fe ejle trabalho aos Authores dos Diccionarios , de que entre muitos doutifftmos merece hum grande lugar o Vocabulário Portuguez, , e Latino do Padre Dom Rafael Bluteau Clérigo Regular , e Académico Real , .de que brevemente daremos a luz, quatro volumes , que fervem d& fupplemento , e de correcção aos dez, que correm impreffos.

N.ts mirgens do Poema fe vem , comofa advertimos , as notas que aqui va~9 feguidas , e nellas fe confronta o Canto , Outarua^ t Verfo y a que pertencem , para divizar livres os claros das mar- gens, e ntÕ interromper a liça1> feguida do Poema , e aimpref- JaÕ , que a brevidade nao deixou faz^er tão adornada de efiampas^ €âmo fe defejava.

I

NOTAS

NOTAS

C A N T o I.

NOTAI.

O

Itava T. verí. r. Eu canto as Armas. Uzey com o exem- plo de Ariofto , e oiirros aciefcentar o pronome , eu, ao prezente do Verbo, cantOy por me parecer mais expreífivo.

Nota 2.

O. 5. Verí. I. Akâ aliança. Explica o cafamento de Hen-\ rique com a Rainha Dona Thereza , filha legitima de Dom - AfFonío lexto, Rey de Caftella, e Leaó, que lhe deo em dote com ' o titulo de Conde o Porto , e algumas terras, que tinha conquií- * tndo aos Mouros em Portugal , e Henrique dilatou eftas coiwjaífô tus pelas quatro Províncias defde o Minho at^ Lisboa. '-^i>*-lb

Nota 5.

O. 4- VerH I . Na5 Caliope. Naõ invocando efta Mufa he- róica moftro que naõ figo a Poeíia gentílica , e como Urania no feu nome , e exercício íignifica celeile , procuro infpiraçaó ílipe- rior naquella Senhora , a quem reprefenta a Imagem deOarquere Tutelar da Funda-çaó do Reyno.

Nota 4.

O. 5:. Verí. X. Excelfo defcendenre. Dedico ao SerenilTímo Senhor Infante D. António , Irmão terceiro delR^y Dom Joaõ o Quinto , Príncipe adornado de todas as Virtudes , para que oíFeie- ça o Poema a efte íabio Monarca , e na oitava lettima o buíco como Mecenas protector dos eíludiofos , para que patrocine o Poema com Augufio , lembrando-me dos primeiros dois veríos

a ii da

4 NOTAS

da primeira Ode de Horácio.

Macenas atãvis edite tegthus , «

O* & príifidium , & dulce decus meuntí

O. IO. verl. 3. Agareno , nome que íe aos Mouros que fe luppoem defcendentes de Abraham , , c de fua efcra- va Agar. íuponho Henrique da Real Cafa dos Duques de Borgoniia , intentando junto ao Porto paíTar o Rio Douro, que Al- mançor Príncipe de Fés lhe difputa com exercito muito íu- perior.

Nota 6.

O. t6. verí! i. Gaya. Hoje Mira gaya, a que o Douro divi- de do Porto , que unidos formarão o nome de Portugal» como logo íe dirá.

Nota 7.

O. ry. verf 4. De Gordio. Todos fabem , que Alexandre cor- tou o de Gordio , que foy annuncio de conquiftar a Azia : e a Arvore do Avernp a que em Portugal fe chania Figueira do loferno , que rara em outros Paizes.

Nora 8.

O. 19. vérí. y.Nemeo, e Erimantho. Neraeo , o Leaõ de Hercules pelo Bofque de Acaya , onde Hercules matou hum feroz Leaõ. Erimanto monte de Arcádia, onde Hercules matou o Javali,

No-t^' 9. O. 19. verf 8. de Althea » e deDeyanira, Althea, Máy de Me- leagro queimou hum madeiro , a que eftava viticulada pelas Parcas a vida do Filho , furiofa porque quando elle matou o Porco Efpim de Calidouia , e o oífereceo a Ãtalanta , porque dois Ir- noãos de Althea lho difputaraó , os matou também , e Meleagro morreo à proporção, que o madeiro fe confiimia. Dcyanira foy caufa pelo ciúme de Centauro Neífo , de que Hercules veftiíTe a caraiza, com que fe abrafou , e por iíTo lhe chamo Holocauf- tos, oníií. * o'Jíb- Nota 10.

Ok 10, vèrf T. Africo , vento Sul , po-rque vem da parte de- Africa, e fempre fs luppoem tempeftuolo.

Nota II. O. io. verf s- Trophonio. Sacerdote , profetifava em hii-^ ma cova , dondg os que çntravaó , nunca mais fe tiaó,

Kota

D O T Õ E M A. f

Nota 11. - '■ ^■^■*-'-^^-^'-

0. 14. vírf. 1. de Rodrigo. Alguns HiftoriadoresHerpanho«5mai9 crédulos referem ahiíloria de que ElRey D. Rodrigo ultimo dos Go- dos entrou na Torre encantada de Toledo , donde por defpreíaj: ef- téagouro, vio õs Sinacs , de que os Mouros haviaõ de conquiftac Helpanha como brevemente fuccedeo em 714.

Nota 15. J ^;

' O. 14. verf. 7. Cenotafio como íighifica o feii nome dréga' a quella inícripçaó , que íe cícreve no fépulcuo, dentro do qual naó ha cadáver , nem cinzas , e o contrario hè. õ Epitáfio.

Nota 14. O. 25*. verí. 6. No efcudô a Cruz. O Conde Dom Henrique trazia por armas , ou por divifa, em campo de prata h^tna Cruz azul , e naõ eraó Armas de família , mas por cilas fe confirma que o Conde por hir d conquifta da Tetra Santa , uzou def- ta Cruz.

Nota 15. O. Z7. vérf. I. Como o Douro divide, ^cEfcrevem os noíTos Autores de antiguidades , que a primeira fundação da Ci- dade do Porto foy ao Sul do Douro, donde hoje Gaya, eque a deftruio ElRey Dom Ramiro II. d^ Leaõ , e que os Suevos , que tiveraõ em Portugal hum Reyno feparado dos outros povos Go- dos , fundarão a Cidade do Porto donde hoje eftá. ' ' *~'^

Nota I 6. O. 17. verf. 7. o Forte Elvidio. O nome Elvidio he pró- prio do Século de que fe efcreve , mas de Heroe fingido.

Nota jy. O. 50. verf 2. Egas Moniz Efte o fegundo Heroe do Poe- ma, e Ayo delRey Dom Affbnío Henriques, bem conhecido na nofla hiftoria pelo feu valor , c fidelidade.

Nota 18. O. ;z. verf. i. Eco, &c. Ninguém ignora a fsbub de que a Ninfa Eco Ce transformou em voz , que repete os últimos acentos, porque Narciío a deíprefou namorado de fi mefmo , e poeticamente fe explica aífim a noticia confuza , que teve a Rai- nha Dona Thereza da morte do Conde Dom Henrique feu Ef- poío.

Nota 19. O. 55. verf 6. O Maufoleo. Arremifla Rainha de Caria fez fabricar para feu marido Mauíolo hum Sepukio , que deo o no-

a iii me

6 N O 1 Ã S

me aos Maftfoleos , e foy hama das fctte maravilhas do Mundo ; mas naó o achando digno daquelle depofito lhe bebeo as cin- zas , a que allude a outava.

Nota 20. O. 5 6, verf. t. Ifmãelita. Também íe efte nome aos Mou* ros por defcendcrem de Ifmael filho de Abraham.

Nota 21. O. 37. verf. 6. Tifeo. Por hipérbole comparo o Gigantíí Alcideraonte cora Tifeo hum dos principaes Gigantes, que fingi* raõ os Antigos , quizeraõ aíTaltar o Ceo , pondo hum monte lobre outro.

Nota 2i. O. 58. verf. 1. Porem Dom Mendo. Efte o Conde Dom Mendo de Soufaó tronco dos Illuftres ramos dos Soufas , que Borecco por cftes tempos , e a quem atribuo eftas , e outras acçoens.

Nota 23. O. 38. verf 4. Cyclope fignifica em Grego quem tem hum í6 olho , como teve Poliphemo, e os três que debaixo do Monte Etna trabalhão na forja de Vulcano, donde fe fabricaõ os rayos de Júpiter : todos incluio o Poeta ncfte verío.

BrontesquCi Steropesque , ac nudus membra , Pyracmon e lhe chamo Coloífo, comparando-o com a grande eftatua de Ro- des, que com efte nome foy também huma das maravilhas do Mundo.

Nota 24. O. 45. verf. I. Numidas. Saõ os povos de Numidia Provín- cia de Africa, que fupponho íogcira o ElRey Aly Aben Juzef, que hh o meímo , que filho de Juzef, e he o inimigo que ti- ranizou huma grande parte de Africa , e Hefpanha. ^

Nota 25. 0. 40. verf. 4. Amphibio. Efte nome tem os Animacs que an- daó em terra , e agoa, como a Tartaruga , nome que tinha cha- mando-íe Tefiudo a maquina bcilica , com que fe chegava às mu- ralhas , levantando a Concha, como defcrcve Vegecio na fua Arte militar, a que depois fupriraó de algum modo as mantas.

Nota i6. O. 42. verf. I. Roberto. Os Genealógicos fafem aRobetto licorni tronco de algumas famílias.

:''i

Nota

I

D o F Õ E M J. 7

Nota. 17. 0. 44. verí. 5. Corrêa. eíla illuftre família era conhecida, e delia foy o grande D. Payo Peres Corrêa.

Nota 18. O. 4^. verf. 8. Ate naõ cabe o medo no perigo. Efte ver- fo parecerá menos claro , mas como diz a outava , que em todos os quatro elementos achavaó os Mouros caftigos, naó cabia o íeii medo por naó ter lugar feguro , nem no meímo perigo , que cm coda a parte os ameaqava.

Nota 19. O. 49. verí. 1. Batalhoens. Bem fey que efte nome íc aos cor- pos de Infantaria , que coftumaõ compor-íe de quinhentos , ou feiscentos homens, e o de Efquadroens , que na Cavallaria fa6 de cento e cincoenra , naó naó eraó ufados na milicia da- quelles tempos, mas ainda na guerra , que acabou em 166S* de Portugal com Caftella , íe trocavaó eftes dois nomes : eu ufey dos que agora faõ mais próprios com licença Poética , íe- guiiido nas mais operaçoens militares, como ja adverti, a forma de que fe ufava no anno de 1 100. procurando em tado imitar a Mr, Foulard na fua excelléte traducçaó, e notas à Hiftoria de Polibio, que quer, que os preceitos geraes da guerra antiga íirvaõ para moderna.

Nota 50. O. 51. verf. 5. Terror Pânico. Eíle Adagio Grego entendem, todos quando nos exércitos le introduz hum temor , que os faz fugir ícm íaber a caufa : huns dizem , que Pan Deos dos Sátiros tocando a fua buzina fazia fugir os Pallores, outros , que Pan foy hum General, a quem fiigio o exercito lera ter motivo.

Nota 51. O. 5z. verf. 1 . Fatídica. He tudo o que pelo Fado (íeguindo e frafe Poética ) tem dcftinado algum efTeito prccifo. .

Nota 31. O 51. verf 5. Ala. Efte nome , que os Mouros daõ a Deos,' ufey nefta oraçaõ de Almançor para moftrár de algum modo a differença , com que crem a Divindade , e os Po-*'-^'? d exem- plo em palavras de outras lingoas , Virgilio diz Briian, pelo cou- ro do Boy , que cortado futilmence por Dido au ímrntou o ter- reno deCarthago. Camoens no Canc. 9, acaba hima oúí- com hum verfo Italiano de Ariofto.

Frà la fpica , e la man qual muro } mtffo > 4 o defende Faria com muitos exemplos.

aiv Not»

8 NOTAS

Nota. 3 5. 0. 16. verí. I. Hcrmenigildo. Eftcs, e os outros Hois faÕ no- mes próprios de Príncipes Godos, que podiaó ufar íeus defcen* dentes.

líota 54.

O. 60. verí. 8. No braço que naõ acha ainda circula Para en- tender elle verfo feneceílica da luppoíiçaó dos Filofofos Cartefia- nos , que querem provar , que o corpo he incapaz de fentir dor, que lempre na Alnia , com a repetida experiência , de que aquel- les, a quem íè cortou huma perna, ou lium braço , diílinguein odeio, ou lugar da nova dor que íentem , na mefma maó, e braço, que naõ tem , o que pode fer pela determinação dog efpiritos da fubftancia pugitante , atè o termo que havia de ani- mar , e circular na fubílancia extcnfa , que laõ as duas com que elles definem o homem por fer comporto de ambas em quan» ID vivente.

Nota 3 f .

O. 62. verf 2. Tingitana Mauritânia. Os Romanos detaó efte nome à parte da Mauritânia por donde Africa fe divide de Hef- panha com o Eftreito chamado antes Hercúleo , e depois de Gibal- tar: o nome de Tingitana lhe deo a íua Cidade principal cha- mada Tingis, e depois Tanger, gloriofo Theatro de Façanhas Portu- gueías , conqulftada aos Mouros por ElRey Dom AíFonfo V. em 1471. e cedida aos Inglezes por ElRey Dom AíFonío VI. como dote da Rainha da Graõ Bertanha D. Catherina,elrmãa delRey, e Çípofa de Carlos II. em iGGi. Morreo efta Cacholica Heroina eni Lisboa no ultimo de Dezembro de 1705. A Hiitoria de Tangcrc efcreveo com grande elegância , e verdade o Conde da Ericeira D. Fernando de Me n efes , que foy mais de cinco annos Teu Ca-. pitaõ General com telices fuccclTos.

Nota 56.

O, 6t. verf. 6, de Aquitania. Eíla Província de França fe chama Guièna, e como fe divide de Helpanha pcios montes Pi- rineos, e es Chrift.íos tinhaó conquiftsdo defde Aftutias par- te de Biícaya , e Navarra para a parte do Oriente , c Leaõ, e Galiza paraoOcciden:e, na5 era impoííível na Geografia do Poe- Wa , que Henrique tiraiTe alguns íoccorros de Cavalleria Franceza por aquella Orla do Occeano Cancabrico , ou que vieílem por mar defembarcar em Galiza, que governava feu Primo o Con- de D.Ramon, com eftamçíma licença conduzo depois de Portugal 9

Hcrcu-

D o T o E M J. ?

Hercules de Rohan Príncipe de Bertanha com tropas Francelas

Nota ?7. O. 6}. verf. 4. Huma bellica tormenra. As machonas bellicas , que hacijõ as n\iiralhas, e as que arrojavaõ íettas, e pedras, fcdeiT çreveraó em feu lugar : Mavorte o mefmo que Marte.

Nota 38. O. 68. verf. 2. A quartãa do Leaõ. Aqui principia a contar o tempo que dura a acçaó do Poema, como declaro nas adverteiv cias preliminares, e a 22. de Julho quando o Sol entra noSi^gno do Leaõ atribuindo íe a efte Rey do brutos ter fempre quartãas , que aqui explicaó o rigor da calma.

Nota 59. O. 6S. verr4. Qiie alguns vàos permitte o Rio. Naõ ignoro,' que o Rio Douro naõ vào principalmente junto ao Porto. Bem puciera deículpar-me com que os Rios mudarão muito as fuás cor- rentes , e com que Virgílio diz que Cervos em Africa , don- de nunca os houve , e em tempo , e lugar tomaÓ os Poetas muitas liberdades, mas em huma out. do canc. 2. digo que aSibillamol* trou a Henrique milagrofamente vàos no mefmo Douro.

Nota 40. O. 6 8. verf 6, Logo em quatro columnas. Dividir para asmar* chás as linhas dos exércitos em columnas a operação moderna, mas os antigos também tinhaõ alguns femelhantes , como pode verfe nos Comrnentarios de Cefar, e aqui fe difpenfarà a applicaçao deftas columnas às do Templo da Fama , em que o Heroe fe color çou pelas fuás acçoens.

Nota 41. O. 70 vetl. Pelayo Amado. Alguns Genealógicos , e Hifto- riadores Portuguezes fazem Pelayo Amado tronco dos Almeydas» e pelo feu nome o efcolhi para o Heroe Erótico, ou amorolo def- te Poema , em que pelas fuás valerofas proefas fe faz digno proge- nitor defta llluílre família.

Nota 42. O. 72. veri. 8. O que a fama calou diíTe a vi(5loria. Aqui fe fuppoem a Vídoria hunia Deofa , que voou mais que a Fama para explicar à Princeza que Henrique tinha vencido , pois ella inferio que elle naõ era morto, como fe publicara, vepdo. queçs Porcugaezes desbaratavaõ os Mouros taõ prontamente, que bem fe via , quem era o Her òe que os animava.

Nota

10 NOTAS

Nota 45. O. 74. verf. X. Bracaros. Saó os Povos de Braga chamacía Bracara Augiifta Cidade de Portugal celebre entre os antigos , e modernos , e Primaz das Hefpanhas.

Nota 44. O. 74- verl. 5. Letes. Querem os Antiquários que feja o Rio Lima, ou o LeíTa , edo Letes diz a fabula, que os que o paíTavaó, perdiaõ a memoria de tudo, para íignificar que o íeu Paiz era dc- liciofo, e abundante , como hoje fe vc nas terras, que regaõ eftes dous Rios na Província de Entre Douro > e Minho. Os noílos dous antigos Poetas Portuguezes Diogo Bernardes , e Franciíco de e Miranda fizeraó celebres eftes dous Rios com os feus ver- fos , o primeiro o Lima, o fegundo o LeíTa j a quem bebia a agoa do Lçtfis le atribuía o melmo efquecimento , a que allude a ouc.

Nota 45. O. 7(3. verf. 4. Pedro Bernardo. Pedro Bernardo de S. Fagun- do Rico Homem, e grande Senhor em cerra de Campos, c pe- los priviiegios, que firmou, ainda podia fendo moço alcançar o anno de 1 100. e a vífinhança lhe facilitava focorrer o Conde D. Henrique, tronco dos Menezes por Varonia, c defccndente dei- Rey D, Fruella IL de Leaó.

Nota 46. O. 91. verf. I. Cruel Amoc. Principia Aldàra que fe íuppunha filha delRey Ali , e herdeira do íeu Império por morte de Alman. çor, a moílrar o feu Amor a Muley, c a fer cauta do de Pelayo Nas advertências preliminares pertendi moílrar como osMourosde Hefpanha podiaó pelo trato dos Hefpanhocs cativos , e pelos Livros doutos Arábigos ter conhecimento das fabulas, ainda que foífem taõ oppoftos à idolatria.

Nota 47. O. i9. verf. 5. Celefte. Culpando Aldàra o Amor lhe nega o ler Celefte , e lhe chama Deos por Ironia , íeguindo a Religião Mahometana.

Nota. 48. O. 95. verf 5. Júpiter , e Marte. PreAippondo a mefma no- ticia das fabulas podia faber Aldàra que ao cego Cupido fizeraó Deos do Amor , e que rendera tantas vezes com as fuás fettas a Júpiter , a Marte , e aos outros falfos Deofes.

Nota 49. O. veif. I.Vi a Muley. Concinua Aldàra no feu canto que

tam-

f

D o F o E M J. Ji

também como Poético permitia as fabulas tocando a áe Adónis favorecido de vénus Deofa da Bellela, e Mãy do Amor , a enca- recer o que tinha a Muley , a quem primeiro tinha vifto matar hum Javali.

Nota. 50. 97. verf. 8. Diana. Foy Dcofa da caça, e como Aldàrá refere as me fm as palavras, que Muley lhe diííe, naõ tirou o Epí- teto de Beliílima, que de outro modo feria eftranho fe foíTe lou- vor próprio.

Nota 51. O. 98. verf. 1. Endimion. Torna a dizer mais claramente; que fabia as fabulas, porque as tinha lido, e por iílb refere a de Endimion Paftor,a quem no Monte Lathmo de Caria Diana favo-, recia cm fonhos dando-lhe fono para gofar dos feus favores fem mal- quiftar a puiefa, que lhe atribuiaó, conííguio que lhe deíTem os Deofes hum fono perpetuo. Diana era a Lua , e efte Paftor hum dos primeiros Aftronomos , que a obfcrvou.

Nota 52. O. 5>8. verf. 8. O vicio claro o documento occulto. Eftes ver- fos faõ huma forte invcótiva contra a Religião do Paganifmo pois contavaõ aos Povos os delitos dos feus Deofes, e guardavaõ para íi os Filofofos cccultamente os Documentos , c Ailcgorias.

Notas 55. O. 99. verf 6. Himineo. Deos dos Cafamcntos , que com a lua tocha n.ípcial os concluía, affim diz Aldàra , que Muley lhe propunha fer feu Elpofo , com que o fcu aífedo neíta efperança lempre foy puro , e decorofo.

Nota 54. O. 100- verl. 3. Tarif, Julgava-fe que Muley, como Ali publi- cava, era deícendente de Tarif primeiro conquiflador de Hefpanha, e que paíTou o Eftreito de Gibaltar dando a efta Cidade, que fc chamava Calpe , e eílava defronte de Abila bem conhecida^ pelas duas Columnas de Hercules em Heípanha , e. Africa com o Non plus ultra, deo, digo a Calpe o nome de Gibel Tarif, ou o Monte de Tarif que fe corrompeo em Gibaltar.

Nota ^6. .

O. 107. verf 7, Com huma venda. Efta venda era amefma,, que Muley trazia no turbante, e que lhe tinha dado Aldâra como fe no combate que teve com Henrique no cant. 2. em todo o Poema cauCa de fucceííos extraordinários.

Nota

ti, ' ' N o T ^ S

''■'" Nota 57.

•-■ 0 109. vetl. 2. O mal paíTado. Efte era iiaô ter avizâdo a Ptíncefa c)je feu Efpcío elbva vivo , como elle ordenou na Ba- tal ia, nao lhe mandando av.ib por outro Soldado como reTupoeni <jue Henrí.-ue teria deferido à Princeía. ^'' Canto 1.

''' Nora 58.

O. r. verf. i. Exaltando o valor , e a fermofiira. Bem íe que em Henrique , e Tlierefa fe verifícaõ o valor , c a fermofura, c nefte cant.imitãdo a Virgílio refere o Heroe de lugar alto o Epiíodio fuhdamental da acçaõ do Poema com os mifterios da Gruta, don- de a Sibilla lhe profetifou com o aufpicio da Imagem de N. Se^ íihora de Carquere a fundação doReyno de Portugal.

Nota 59.

O. 7. verf. i. Hercules. A fabula de que Hercules delpedaçou

rrti berço as ferpentes bem notória, e aqui íêrve de comparação

modefta moftrando o Heròe que rodas as maravilhas , que o leu

esforço obrou, foraô, porque tinha propicio o auxilio Divino.

•■' ' ' Nota 60.

'• G. 7. verí. 8. Qiiefofrer o Egypto. Eftas injurias fe çompara5 <?om as pragas , que o Egipto fofreo, com a difFerença de que aqui as fomentava o Inferno contra hum Príncipe jufto , e craõ caftigo bem merecido dado por Deos a Faraó.

Nota. 61. O. 9. verf. <|. Enigmáticas fortunas. Naõ me pareceo explicar logo, como outros Poetas, íenaõ enigmaticamente as g^lorias futuras de Portugal, quando Gamoens refere as paliadas com inimitável elegância.

Nota 61. O. ro. verl. I. O Porto, e Gaya. Aqui fe a uniaõ deftes dous nomes para formar o de Portugal , que principiou poí eftes tempos, ' Nora 63.

O. II. verf De Bronze eftatuas vi íeis veies quatro. Nef- tas 24. Eftatuas que o numero dos R?ys athe El ey Dom Joaõ o V. que Deos guarde , naõ fe inclue o Seniior Dom Anto- mo , porque naó foy Rey univerfalmence reconhecido, eo Rey- no pertencia à Senliora Dona Catherina filha do Infante Dom Duarte, e Neta delRey Dom Maiofl , per qu:ni o Reyno ficou tocando à Real Cafa de Bragança, e ainda que os três Reys todo

f

com

D o T o E M ^. 13

como os nomes dos trcs DD. Filippes fe incluem nos 24- Reys,logo fe declara , que foraó ufurpadores por quaíí 60. annos com Armas de Caítella.

Notas 64(. O. 14. verf I. Conquiftador. Dou aos noííos Reys os Epíte- tos que Te lhe atribuirão , eapplico aos outros os que julguey mais próprios do feu carader. O Conquiftador ElRey Dom Afíonfo Henriques primeiro do nome , e primeiro Rey de Portugal , que havia de ganhar Lisboa, que a Cidade, a quem paga o Rio Tejo com as fuás áreas preciofas o tributo de ouro.

Nota 65. O. 15. verf, 5- Povoador. Efte o nome que fe deo a El- Rey Dom Sancho primeiro por povoar o Reyno , que feu Pay con- quiftou , o que elie também fez.

Nota 66. O. if. verf. I. Robufto. ElRey Dom AíFonfo II. foy chama- do o Gordo , e teve grandes elpiritos.

Nota 67, O. 15. verf 5. De outro o nome no trage. ElRey Dom San. cho II. peio trage foy chamado Capelo : doulhe o titulo de Sin- cero , porque creo os màos confclhos , que foraõ cauíà de lhe ti- rarem o Reyno os feus Vaflallos para elegerem feu Irmaó o Con- de de Bolonha.

Nota 68» O. 15. verf. y. Outro Irmaõ feu de condição mais dura hc ElRey Dom AfFonfo III. Principe valcrofo > mas chamolhe Se- vero , por abandonar Matilde CondeíTa de Bolonha lua primeira Eipofa.

Nota 69. O. 15. verf Lavrador. ElRey Dom Diniz foy chamado La- vrador dizem muitos Authores, que porque fez florecer a agri- cultura , alguns , que porque fez lavrar muitos muros , e edi. ficios , e eu querendo unir eitas duas qualidades dizia no meu original.

Que o Reyno fortifica , e frutifica. mas os meus Ccnfores naó quiferaó efte jogo vozes , e lha fubftituhi efte verío.

Porque o Reyno enobrece , e frutifica Nota 70. O. 76. verf I. De Bravo. ElRcy Dom Aífonfo o IV. bem me-

rcceo

14 NOTAS

receo o nome de Bravo pelo feu valor , e pela vidtoria de Sa- lado.

Nora 71. O. 16. verf. 2. Juíliceiro. Efte nome mais próprio que o de Cruel a ElRey Dom Pedro o primeiro , Príncipe Liberal , e rí- gido executor das JLcys.

Nota 71. O. 16. vcrí. 5. Fermofo. ElRey Dom Fernando quaíi naó te- ' ve outra qualidade mais que a da gentilefa.

Nota 75. O. 1 6. verf. 4. E da Boa memoria ElRey Dom Joaõ o pri- 'íheiío, a quem o Reyno acclamon paia livrar-fe de outro Rey de Caftella do meímo nome jfe fez digno do de boa memoria pela que deixou das íuas virtudes militares , e politicas , e vencco ea» tre outras a grande Batalha de Algibarrota.

Nota 74. O. i6. verl. 5. Ccnftanre. ElRey E)om Daarte valente , e fabio tem aqui o titulo de Cjonftante , porque o foy nas adver- fidades da guerra de Africa, em que deyxou cativeiro a fcu Ir- mão o Santo Infante Dom Fernando, c na pefte , que afligio o ■feu Reyno , de que tainbem morreo copipQucos annos de go- 'vcrno. ^ . " "í^

Nota 75. O. \6. verf 6. Africano. Deu-fe com rafaó efta antonomaíia a ElRey Dom Aífonfo V. Scipiaó Portuguez , que conquiftou em Africa, Tanger , Arzila, e outras Praças.

Nota 76. O. 16. verf. 8. De Perfeito , c Filho da Fortuna. Pelas virtu- des regias , e varonis de que foy adornado , reconhecido El- Rey Dom Joaõ o II. por Príncipe Perfeito. Por Filho da Fortuna íe adopta ElRey Dom Manoel aílim por herdar o Trono, de que •eftava muito diftante, como pelo dcfcubrimento , e conquifta da Índia , e Braíll , e por outras felicidades do feu ditofo Século.

Nota 77. O. 17. verf. I. Religioío. ElRey Dom JoaÕ o III. naõ defme- rece cfte atributo pela fua piedade , pelas Ordens Religiofas , què admitio no Reyno, em que fe diftinguio a Companhia de Jefus com S. Francifco Xavier levando por elle , e por outros Mlífionarios a Religião Catholica 4 índia, e às partes mais remotas.

Nota

D o T o E M J. ij

Nota 78. O. 17. verf. 1. Perde-fe hum grande Rey por temerário. El- Rey Dom Sebaftiaó de altos efpiricos íc perdeo pela fua temerida- de com a raayor parte da Nobrefa de Portugal na Batalha d' Alca- cere em Africa em 15' 78.

Notas 79, O. 17. verf. 5. O ultimo denomina virtiiofo o Cardeal Dotn Henrique ornado de muitas virtudes Criftãas , e Moraes : morrto fera nomear lucccllbr ao Reyno em ijSo.

Nota 80. O. 17. verf f. Mis cumprindo hum decreto rigorofo. Na appariçaõ de Chrifto a ElRcy Dom AfTonfo Henriques no Campo de Ourique lhe promulgou o Senhor o Decreto , de que a fiia decima fexta Geração fe havia de attenuar , c neíle tempo, o Po- vo mais contrario ao Reyno, que era o de Caftella , o uzurpou.

Nota 81. O. 17. verí. 8. Prudente, Bom , e Grande appcllidara , a El- Rey Dom Filippe o II. de Caftella deraõ os Efpanhoes o Epiteto de Prudente , ao terceiro , o de Bom , ao quarto , o de Grande: nem todos os eftrangeiros concordaõ em qoe cftcs três titulos fof- íem igualmente bera merecidos , ao quarto refpondeo Miguel da Silveyra , erudito Portuguez , e Author do Macabeo , pergun- tando lhe ElRey fe achava que merecia juftamente o nome que lhe tinhaó dado de Filippe o Grande, quando tinha perdido Ca- talunha , Portugal , e grande parte de Flandcs , naó fey Senhor que V. M. poda íer grande, fenaõcomo huraa cova, a qual gran- de pela muita terra que lhe tiraò.

Nota 8i. O. 18. verf. I. Reftaurador. ElRey Dom Joaõ quarto na fe^- liz Aclamação de 1640. em que Portugal fe facodio do tirânico jugo de Caftella.

Nota 85. O, 18. verf 3. Feliz. ElRey Dom Affonfo o VI. que venceo |. Batalhas , e r;anhou muitas Praças aos Efpanhoes , mas alterouíè cfta felicidade tirandoíc-lhe o Reino com vitupério daMageftade, mas com caufa , pelo haverem deyxado incapaz os feus achaques fubftituindo o feu Lugar o Infante Dom Pedro feu Iimaó , coro õ titulo de Príncipe Regente.

Nota 84. O. 18. verf. 5. Pacifico. ElRey Dora Pedro o II. tem efte

nome

i6 NOTAS

nome entre alguns efcriroies modernos , porque celebrou <»lo- rioíàmentc , em \66%, a paz com Hefpanha , ainda que nos feus últimos annos rompeo a guerra com a mefma Hefpanha , que continuou depois da fua morte cm 9. de Dezembro de 1706.

Nota %^, O. 18. verf. 7. De Sábio. ElRey Dom Joaó o V. pelas fcien- ci&s que poíTue , c que patrocina , fe faz digniílimo de ler denomi- nado o Sábio.

Nota %G. O. 19. verf. 5. Triunfante Armada. O mefmo Rey, que co- roa a ferie deftas vinte , e quatro Eftatuas , mandou duas vezes nos annos ds 1716. e 171 7. huma lufida armada, que lhe pe- dio o Pontífice Clemente XI. para foccorrer os Vcnefianos con- tra os Turcos , que queriaó ganhar a Ilha de Corfu com gran- de perigo do refto de Itália. Da primeira vez levantarão o /itio quando chegou a Armada a Sicilia: e da fegunda fugirão de- pois de combater com as noífas nàos , que fe adiantarão às de ou- tras naçoens fazendo^ nos Turcos grande eftrago. Governava a Armada o Almirante Lopo Furtado de Mendoça , Conde do Rio grande. Servia de Almirante Manoel Carlos da Cunha , e Távo- ra Conde de S. Vicente , e de Fifcal Pedro de Soula Caftcl Branco que fediftinguirao com furamo valor bem imitado dos mais Cabos , c Nobreza , que embarcou neftas Armadas. O lugar da Batalha foy naquclla parte do Mediterrâneo, a que os antigos chamarão Mar Egco. No principio fallcy na inftituiçaó da Academia real da Hií^ toria Portugucfa em 8. de Dezembro de 1710. a fua empreza hc a Imagem da Verdade cem a letra : Rejlituet omnta , tem cinco- cnta Académicos , e outros fupra numerários , cinco Direótores , c Cenfores , hum Secretario, tem impreíTos muitos , e cxcciientcs volumes.

Nota 87. O. io. verf. 5. Da primeira íb vejo: depois que o Conde D. Henrique vio as vinte , e quatro Eftatuas, refere que lhe foraô incógnitas as dos outros Reys , de que diftinguio huma que he a do Príncipe D. Jozè filho delRey D. Joaó o V. de que as virtudes , e os dotes varonis brilhaõ na adolecencia com a mais heróica diftincçaõ , moftrandofe digniílimo imitador de feus Au- guftos Pays , ElRey D, Joaõ o V. e a Rainha D. Maria Anna de Auf- eria.

Nota

DO T O E M J. 17

Nora 88. C. zi. verf. 2. Cem pinturas. Igual a hum numero de cento os Infantes , e Infantas de Portugal , de que huns na primeira idade feguráraõ o Reino do Ceo , e outros em regias alianças il- luftráraò os mayores do Mundo ; e faz memoria de tantas Rai- nhas de Portugal , que floreccraõ em todas as virtudes.

Nota 89. O. 21. verf. I. Mais huma parte. Claramente fe vc o àtC- cubrimento da America , que deve atribui-e a Portugal , pois hum Piloto Portuguez foy o primeiro , que deu efta noticia a Chriílovaõ Cólon, que eftava na Ilha da Madeira, e veyo offe- recer-fe primeiro a ElRey D. Joaó o II. de Portugal , e deu o nome á America Américo Vefpucio debaixo dos sufpicios del- Rey D. Manoel, e no feu tempo defcubrio o Brafil Pedro Alva- res Cabral em 1500. e Fernando de Magalhaens , Vafque Anes Corte-real Portuguezes , fizeraó pelo Sul, e pelo Norte da Ame- rica os mais famofos defcubrimentos. A Zona Tórrida julgava5 os antigos inhabitavei.

Nota 90. O, 12. verf. 8. Os váos. Aqui a razaõ dos váos do Dou- ro de que falia a Nota, mediando, que como piodigio os co- nheceu o Heroe , naó dando hoje váo efte Rio.

Nota 91. 5 O. 25. verf. 8. Sibilla. adverti , que a Sibilla , que aqui fèvda os fegredos a Henrique, como a de Virgílio fezaBneas» equivoca a íicqaõ Poética com a verdade, de que elle era filho de Sibilla , filha de Reginaldo primeiro Conde de Borgonha , mulher de Henrique de Borgonha , com que he huma efpecie de apparicaó do efpirito de Sibilla , a forma da antiga Sibilla , que aqui fe defçreve.

Nota 92. O. 24. verf. z. No altar, que erige hum Sábio a hum Deos ignoto. Nos Ados dos Apoftolos cap. 12. verf. 5. fe diz, que S. Paulo vio huma ara com a letra Ignoto Deo , fe acha o ar- gumento, que fez aos Gentios de cerem hum altar a hum Deas defçonhecido com a letra Ignoto DCd , e como a Sibilla era gen- tia , dizem que profetizou muitas verdades , por iíTo aqui digo lhe era defçonhecido o Deos verdadeiro , feado a profecia gra- cia grátis data.

^.. b No-

i8 NO TAS

Nota 93. O. 14. verf 4. Contra Lacheíis , Atropo? , e Cloro. .Çaõ os nomes das três Parcas, que tem diverfas íígnificações, e ex- cfcicios no fiar, eftender, e cortar o fio da vida.

Nora 94. O, !('. verf, I. Sobre a Tripode. Neftes fimholos do nume- ro de três vou moftrando aquelia idéa da Trindade , que os Santos Padres entendem , que Deos foy deixando imperfeita ao paganiíino , para que depois tiveíle menos, que fazer a fé. Era hum dos íimholos a Tripode, ou Cadeira de três pés de ouro, cm que a Profetiza explicava os futuros.

Nota 95. O. 16. verf. 2. Três livros. Os rres livros unidos em hum volume , alludem á hiíloria , que logo fe referirá da Sibila coiit Tarquino foherbo , ultimo Rey de Roma,

Nota Qé. O. í6. verf 5. A Lira Triangular. He outro fimbolo do nu- mero de três fendo em Triangulo a Lira de Apolo.

Nota 97^ O. 28. verf, í. Hcrofile de Troya. Foy a Sibilla chamada Eritrea, que vendeo a Tarquino foberbo , Rey de Roma, o li- vro , que refervou dos três , conforme a opinião de Plinio ; e porque pedio os mefmos três talentos , que pelos dous , o qual comprou o Rey por três talentos. Suidas o diz, depois de ou- tros hiftoriadores Romanos..

Nora 98. O. a 8. verH Sendo huma fó. A opinião do Doutor Pe- tit agradou tanto pelas fuás eruditas razoens a muitos moder- nos, que fe inclinaõ, a que as dez, ou doze Sibillas , a que daõ os nomes , que le leni nefta Oitava , e na feguinte , e ainda ou- tras profetizas, era huma, que viveo muitos annos, e vati- cinou em diverfas -partes, tomando os nomes dos lugares, e aqui figo eíla opinião , e naó explico mais largamente eftes nomes , porque no Author allegado, em Servato Galleo , e outros muitos pôde ver-fe tudo , o que toca ás Sibillas, e aos íeus Oráculos.

Nota <)Ç)^ O. 29. verl. I. Também de Colofonio. De mais das dez Sibillas, fe contaó eftas cinco, fazendo duas, ambas cmCumaSj» huma a de Itália, outra a de Joiíia.

-i N<i*

DO TOEM A. 19

Nota 100. O. 29. verf 8. A Lampufa , Catíandra Dafae , e Manco. Foy Lampufa Dafne , filha deTlierefias, e a tem alguns pela Sibilla Deifica, Paulanias diz, que ella foy Heiofile , que pioFetizou a perda de Trova. Foy Caílandra, aquella celebre filha de Piiamo , Rey de Trova , de que fe finge , que prometendo favo:cccr a ApoUo lhe deile o dom de profecia , elle lho concedeo , mas faltando-lhe ella á promella , ícz que nunca folie ciida , e por ilío diz Virgílio: J.iw ym)u\uam credita Tencris. Manto, filha tam- bém de Therefir\s, dizem fundou a Mantua , Virg. Bneid. ic. Hon- rou a fua Pátria: Qut dcdit tibi Mimua nomcn y ttndo-ihe chama- do profetiza: Fatidui£ Mtntus.

Nota loi. O. 30. verf i. Pironifas. Chamava5-fe Pitonifas a*? Sacer- dotifas ae Apoilo Pychio por matar a ferpente Python , e faziaõ horríveis geftos , quando lhe entrava o furor profético.

Nota 102. O. 5c. verf. 2. Os dons, os dez, e os quinze Sacerdotey. Em diverlos tempos foy efte em Roma o numero dos Sacerdotes, que confuitavaó nos grandes apertos os livros Sibillinos.

Nota 105. O. 50. verH 8. Eu conheci primeiro altas verdades. He ho- je conllante nos Auchores allegados , e nos melhores Criticos , que os verfos , que temos atribiiidos ás Sybillas , e ainda os que viraó Santo Agoílinho , e outros Santos Padres , faõ de hum Chriflaó Filofofo Platónico , fendo huma das razoes , em que fe fundaÕ naõ fer verofimii, que Deos revelalTe aos gentios , mui- to mais claramente , que aos Profetas muitos myfterios ; e a Pai- xão deChrillo, que fc com ni&ís individuação nelles oráculos , que no mefmo Ifaías.

Nora 104. O. 31. verf T. Por três livros. Contaõ os Hiftoriadoics Romanos , que a Sibilla bufcou a feu ultimo Rey Taíquiijo So- berbo , e pedindo-lhe hum grande preço por três livíos, elle òs rcfufou ; e queimando ella hum, pedio o mefiro pelos doiís , è naõ os querendo o Rey , queim lu a Sibilla o legnndo , e pedi» o mefmo pelo que ficava , e elle admirado lhe dco o que ella pedia por aquelle fó.

Nota 105. O. 35. verf ó. Do numero temsirli, Reconhecc.raõéa VWè- ' > b ii fofos ,

20 N O T J S

íbfos, qtie o numero impar era agradável á Divindade: Ntmerè Deus impare gatidet , e de que efte impar naó leja a unidade , mas o nnmero ternário, exiftera verfos antigos , que fe atribuem a Pythagoras.

Nota io(j.

O. 54. verl. 4. Acrofticos , hum deíles acrofticos atribuí- dos á Sibiiia , aufhorifa Santo Agoftinho na Cidade de Deos e nas primeiras letras década hum dos verfos Latinos, que he s. lingua em que fe tianícreve , fe JESUS Chriftus Salvator.

Nota 107.

O. 54. verf. Marfos. 7* Lc-fe na Hiíloria Romana , que quando os Marfos, que era humanaçaõde Itália, faziaÕ guerra; aos Romanos , fe queimou o Capitólio em Roma , e fe abrazou nelle o livro da Sibilla , em que aqui fe linge livro de fogo par» a, felicidade da fundação de Portugal.

Nota 108.

O. 35, verf. 5. Em vaô de Augufto. Vendo o Emperador 'Augufto , que fe tinha queimado o verdadeiro livro da Sibilla os que efcreveraõ deftas , e da Hiftoria Romana dizem , que mandou pelo Mundo recolher os Oráculos Sibillinos ,. que achaíTem nas memorias , e tradições , de que formou outro li- vro , mas pelo que íê colhe , tudo eraõ falfídades , e luperftiçóes » e ainda affim faó mais modernos os que exiftera , como provaá os Authores citados , veja-fe por ambas as partes Servato Gako»

Nota ICC). '- '

O. 5(5. verH 7. Bericinthia. Efte nome he o que fe deo 3 Cibeles mãy dos Deoíes > por ter hum Templo fobre o monte fierecinto^

Nota no. O. 5(j. verf. 8. Cinthia. Bem obfervaõ alguns , queaVilla» e Serra de Cintra deve efcrever-fe com C. e naõ com S. porque lhe deo o nome Cinthia , que heaLua> aquém efte monte era dedicado , e donde tinha hum templo , como confta de huma infcripçaÕ , que he tida por verdadeira , naó fendo taõ certa a outra, que fe traduz na Oitava feguinte.

Nota 1 1 1.

O. 37. verf I. Naõ ha de refolver-fe. Toda efta Oitava he a traducçaõ dos verfos em tudo pouco cercos , e atribuidos á Si- billa , que dizem fe acháraõ em Cintra, quando a Índia fe deC. cobrio.j-e faó os feguintes

B Ú T O E M J.

Volventur faxa inerts , & ordine reais

Cum videas octdens orientls opes Ganges , Indus , Tagtis ertt ( mirahUe vifn )

Mercês comutabit fuás uterque fibt Soit Aterno ac Lmu decrettim.

Nota 11 Z' O. 58. veiT. 4. Argonautas. He o nome , que tiveraõ os Heroes , que feguiraõ a Jazon na nao Argos para a conquifta do Velocino cie ouro , e os Portuguezes merecem mais efte nome pelos peri gos , e diílancias das viagens , que emprenderaó , e acções , que obráraó.

Nota 115. 0.58. verf. 8. Alexandre Sefoltris , Dionifio. Alexandre fabem todos , que conquiftou a Aíia. Lea-fe Arriano , Diodo^ ro Siculo , Plutarco , e Quinto Curcio. Sefolhis íov hum anti- go Rey do Egypto , que dizem conquiftou o Mundo , e de que a hiíloria he pouco fabida ; veja-fe Valério Flaco , que diz con- quiftou Colcos, Diodoro, e outros. Dionifio he o nome de Baco, como muitas vezes refere Camões, e com os antigos Nónno na Í€U grande Poema Heróico Grego intitulado Dionifiaca.

Nota 114. O. 59. verf. 2. Elifio Homero. Claramente fe vê, que aqu! fc profetiza o grande Luiz de Camões , e que o Author da Hen- riqueida lhe cede em tudo , fem ufar da permiíTaõ com que os Poetas heróicos fe louvaõ a fi mefmos.

Nota 115. O. 39. verf. 5. Caftalia. A Fonte de que fc finge, que be- bem os Poetas , he na Phocide junto ao Parnazo , deu-lhe o no- me a Ninfa Caftalia, que fogindo de Apollo íe transformou em fonte.

Nota Jifi. O. 59. verf 8. Em Sicília, em Ponto, em Grécia, c Itália.' Por eftas quatro Províncias fe aííinalaó os Poetas , que melhor efcrevcraó Egiogas como Virgílio de Itália , Elegias como Ouvi- dio defterrado no Ponto , Idillios Theocrito de Sicília , Odes Pindaro de Grécia.

Nora 117. O. 40. verf 3. Pereira. Entre os defcendentes , que vaticina f Sybiila dos varões iliaftres Portuguezes , que íe acliáraó com » o Con-

li ' ^NO TAS

o Conde D. Henrique , diftingue como defcendíentê de D. Ro- diigo Forjas, ao grande Condeftavel D. Nuno Alvares Pereira.

Nota 118. O. 40. verf 5. Quarenta Lufitanos. A tradição commua af- fenta , que foraõ íb quarenta os Fidalgos Aclamadores deJRey D. Joaõ o IV. mas na primeira relação , que o mefmo Rey man- dou imprimir , vem no hm hum Cathaiogo de mais de íctcnta. Delta relação he Author Anónimo o Padre Nitolao da Maya , a quem dizem, que ElRey a dit^ou : todos numera o P. Anronio' dos Re/s na Apotlieoíe Latina do Duque do Cadaval D. Nuno Al- vares Pereira de Melio.

Nota 119. O. 40, verf, 8, Quarenta. O anno de 1640. foy o da Acla- mação , que aqui faz huma deiculpavel Analogia profética com os quarenta Aclamadores,

Nota 120. O. 41. verf. I. Primena batalha. Neíla Oitava íe íncluetn as féis batalhas, que ie vencerão aCallella de/de o anno de 1640» ate o de 1668. em que fe fez a paz. A primeira foy a de Mon- tMo em 1644. General Mathias de Albuquerque, e dos Heípa- nhoes o Marquez de Torrecluza , e a Infanteria Portugueza ficoii formada no campo da batalha. A fegunda foy a do Forte de S* Miguel junto a Badajós, General Portuguez Joane Mendes de Vaf- concellos, Caftelhano o Duque de S. German no anno de 1658.; A terceira foy a das linhas de Elvas , que rompeo D. António Luiz de Menezes , Conde de Cantanhede , depois Marquez de Marialva, focorrendo a Praça, e desbaratando a D. Luiz Men- des de Infiro em 1659. A quarta foy a que íê chama do Amei- xial , ou do Canal , que por fer junto ao Lugar do Cano , íô lhe applicou huma chamada profecia , que dizia , que vira A Grifa morrer no Cano , que allude no quinto verfo , e efta batalha venceo cm 1Ó63. D.Sancho Manoel, Conde de Villa-flor , a D. Joaó de Aultria , íilho legitimado delRey Catholico D- Filippe IV. A quinta foy a de Calkllo Rodrigo em 16 Ó4 vencendo com ■pouca ref 0"encia Pedro jaques de Magalhaens , Governador das armas da Beira, ao Duque de Oífuna. A lexta , eni que o vati- cínio quer moftrar entre ionges efcuros Montes Claros , he a que com eíle nome venceo em 1665. o iricrmo Marquez de Marial- va ao deCarracena. Lftas batalhas fe podem ler nos dous volu- mes da Hiftoria Portugal Rçílaurado , efcrita pelo Conde,

Eúu

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DO TOEM A. 2j

Ericeira D. Luiz de Menezes , com todos os mais fucceflbs da-» qiielles tempos.

Nota Til. O. 42. veiT. 1. A'S artes, que inventarão. Naõ Co íe contaõ ci-nco mil Authores Portuguezes , de que eOciamos a erudita Bi- blioteca , que efcreve o Abba ie Dío^^o Barbofj Machado , c O Principal D. Francifco de Almeida , Académico Real ; mas na terceira parte da Europa Portugueza de Manoel de Faria , po- d?m ver-fe as Sciencias , e Artes, e outras acções , em que os Por- tuguezes foraó os primeiros.

Nota iiz. O. 42, verT 5, Oh quantos. Nefte verío , e nos íe^uintes^ fe pionofticaõ os Santos Portuguezes , Confelíores , e Martyres ,• que eiichern todos os dias do anno , como molha nos primeiros- féis mezcs o Agiologio Luíícano de Jorge Cardoío , que douta- mente continua o Padre D, António Caetano de Souíà , Cléri- go Regular , e também Académico Real

Nota 125. O. 4?. verf. 7. Hum cativo. Confufamente previne a Sx- billa a Henrique as contrariedades , que ha de achar em Muley, e os feus fucceíTbs.

Nora 124. O. 4ÍJ. verf ^. Preíligios. Saõ as illuíbens da magica, ou os ^ue a fingem, como fe vc nas de Axa , nas de Zaida , ou fingida Palas.

Nota I 2 5^, O. 46. verf. 5. Filhos de Marte, alumnos de Beliona. Bem entende , que faõ os Soldados , por ferem Marte , e Beliona o- Deos , e a Deofa da guerra.

Nota 12 5. O. 46. verf 5. Amazona. Naçaó de mulheres guerreiras na Scitia, e efta fe entende por Axa , Rainha de Lamego, de que fe tratará no Canto III. e também nos últimos dous verfos defta Oitava infinua a Sibilla ao Heroe, que rehfta aos perigos da faia Matilde, como fe verá no Palácio da gloria do Canto IV,

Nota 127. O. 49. verf 5. Em acertar, finge-fe , que a Sibilla deu ao Heroe os três talentos , que recebeu em Roma por preço do feu li- vro (como fe diífe ) para fundar com elles o Ttmplo de N, Senhora de Carquere , que alcança a faude do Infante D. Afon-

fo>

24 ' '^ o T A í

{o t e he nefte Poema aquella Imagem o Paládio , ou Tuteíar àà fundação do Reino.

Nota 128. O. 5}. verf 5. Pomona. He a Deofa dos frutos, tirando o nome dos Pomos; e neílas Oitavas fe allegoricamente , que a gloria fe naó conlcgue fenaó pela afpereza, e dificuldades.

Nota 129. O. 5'4. verf. 3. Serca. Qiiem ignora , que as Sercas forao filhas do rio Aqueloo , e que atrahiaô com a mufíca para ma- tar , e por iífo comparo com eilas ao roxinol , que procurava de- ter o Heroe para que naó tolfe a batalha, dando-lhe o conheci- do nome de Filomena , a quem ElRey Tarco fcu cunhado cor- tou a lingua, e diz a fabula fe transformou em roxinol, os quaes cem a lingua farpada.

Nota 150. O. 57. verH X. As defenfas. Os dentes, ou defenfas de hura Javali, trazia Muley no efcudo, e eraô as daquelle bruto, que no fim do Canto I. diz Aldara» que elle matou, c lhe ofiereceo.

Noca 151. O. 57. verf! 5. Cinta larga. Eíla cinta, venda, ou banda, de que fe trata no primeiro Canto, he a que deu Aldara â Muley ^ que tem no Poema vários incidentes.

Nota 151. O. 58. verf. I. Se eu pudera, Nefte combate de Mule7 , e Henrique , naó pareça , que ha ahi modeftia da- parte defte He- roe , porque primeiro a previne , e depois atribue a íba confian- ça naó ao feu valor , e fortuna , mas á Cruz do feu eícudo , c a fumma generoíidade de Muley he pela íimpatia, que tem com Henrique, de quem era filho, como fe verá no rim do Poema, tudo redunda em gloria do Heroe , por fer do feu próprio fangue.

Nota 133. O. 60, verf. 6. De Cezar. Júlio Cezar primeiro Emperadoc de Roma , he o de que aqui fe falia como valerofo fundador à^ outro Império.

Nota 1 34. O. 60. verl. 6. Entre aftros. Fingio a lifonja dos Romanos, que huma eftrella, ou exalação, que appareceo , quando Marco Brutto matou a JuIio Cezar no Senado , era a alma de Cezar, c com efta fabula acabou Ovidio o íeu engçnhofo Poçma dos ^çtamorfofios. " " " "" N03

I

D o T o E M J. ^5

Nota I 5 5. O. èo. ytt(. 7. A Lufitania, c frança. Como o Conde D. Henrique era Francez , e fazia a guerra em Portugal , diz Mu- ley , continuando a comparação com Cezar , que aílim como eáe venceo França, que enraó fe chamava Gália, e a Luíitania, que depois (c chamou Portugal , pertende elle vencer a hum He- roe, e ambas eftas duas , e valeroias nações.

Nota 136. O. 67. verf, 5. O peito , que o defende. Pondero as duas difterenças do peito de ferro , que era arma defenfiva de Mu- ley , e le defatou por naõ querer ellc perder a cinta de /lidara com o peito do mefmo Muiey , que o otfende pelas íeias do amor, que recebeo, porque contra o amornaõ valem armas.

Nota 137. O. 6S. verf. I. O Sol mefoccorreo. Neceífita de alguma re- ílexaõ para ficar mais clara efta Oitava , porque nella fe enten- de , que o Sol dando no efcudo de prata de Henrique , cegou a Muley , e como também reverberou nas fuás luzidas armas , tornou a refracçaó a ofufcar os olhos de Henrique j e aliim íe ílefculpa a infelicidade de hum , e a vcntagem com que fem o faber o ferio o outro naõ vendo , que cftava fera o peito de ferro.

Nota 158. O. 71. verf.i. Hecha Martin. Eíle he ò nome verdadeiro de hum Rcy de Lamego, tributário do Conde D. Henrique , ca- iado com a Rainha Axa Anzures , que era muito guerreira , e deraó ambos ao Conde a batalha fobre o rio Alarda junto ao monte Fufte na Serra fcca, viíinha a Lamego para a parte de Arou- ca , ficáraó cativos , e fe fizeraó Chriftaõs , como tudo pode ver- íc no fragmento da Hiftoria dos Godos , com o titulo Hifioria Go- torum , que authorifa , c fegue o dourifíimo Fr. António Brandão, tresladando-a na terceira parte da Monarchia Lufitana foi. zS- e em outros lugares , e ferve efta nota para o Canto iil. e para outras partes do Poema , cm que efta Miftoria fe altera com li- berdade poética, fendo Axa a Heroina do Po>>Miia , que combate mais o Heroe.

Nota 159. O. 72. verf. 3. Coimbra nos daria do Mondego. D'ípoem Henrique ganhar Lisboa , deixando feguras as terras con luifta- <das na l?çira , pois Lamego cftava tribacaiio » e Coimbra fe con-

c fervava

26 NO 1 ^ S

íervava pelos Chriftaõs, e tinha fido governada pelo Conde D. Sizinan lo , e outros , e paíTando Henrique o Mondego pela Pon- te , havia de intentar , como fez , a conquifta de Leiria , e ou- tras terras para vir a Lisboa, e he certo o íitio, que os Mouros cuzeraó a Coimbra , corao fe dirá em íèu lugar.

Nota 1 4p.

O. 72. verf 7. Ali Aben Jozef. Ali filho de Jozef , (que ifto fignifica Aben em Arábigo ) he cerco , que foy Rey pode- roíiíliaio naquelle feculo em Africa , Lisboa, e huma grande par- te de Portugal , e Hefpanha , cm que fez cruel guerra a ElRey D. A^nfo VL e he o competidor do noífo Heroe, acabando com a fia morte corpo a corpo o Poema » e aflegurando Henrique a fundação de Portugal ,. como largamente fe tem dito nas adver- tências preliminares tratando da acça5^

Nota 141.

O. 75. verf 8. Hum dia. Naó he difíícil de entender, que temiaõ os Portuguezes dilatar , nem por hum dia huma guer- ra , de que a memoria das fuás acçÓes havia de durar tantos fe» çuloSj fuprindo a poeíia por naó le fazer profaica eftas declarações.

Nota 141.

O. 75, vdrf 1. Haver dito Aldara. Como no fim do primei» aro Canto tinha Pelayo Amado dito a Aldara , laftimado das fuás finas queixas , que Muley era vivo, e Pelayo eftava rendido ao amor defta Princeza , fente agora, que ella dizendo efte| fucceíTo a Henrique , elle agradecido lhe liberdade , ficando a Pelayo hum tao poderofo competidor no favor de Aldara como elle lhe tinha ouvido.

Nota 145.

O. 78. verf 5. MeuPay he eíTe illuftre. Aldara, que íe íup* punha filha delRey Ali para facilitar a fua liberdade , traz á me- moria o feu poder, e as fuás vitorias, entre as quaes foy huma a batalha de Uclés , em que matou o Infante D. Sancho, rendo- fe achado o Conde D. Henrique nefta occafiaó fervindo a ElRey D. Afoiifo VI. Veja-íe efta batalha em Brandão , e nos hiíloria- dores de Hefpanha.

Nota 144.

O. 79. verl. I. De Lufitania , c Betica. Lufitania he comòi todos fabem o nome, que tinha a mayor parre de Portugal , di- vidindc-fe Hefpanha em Tarraconenfe , a que deu o nome Tar- raí^ona em Catalunha ^ em Betica , «jue he Anda-Luzia » chama-

B o T O E M J. 27

da aílim pelo rio Beris , a que os Mouros deraõ o nome de Guadalquivir , que fignifica rio grande , e eni Luficanica , naó fendo certo, que lhe deu o nome Lufo, companheiro deBacho, como com alguns antigos diííeraó os modernos , nem Elila , e he mais provável a etimologia , que lhe da Bochart no íeu Phaleg donde pôde ver-íê.

Nota 145. O. 79. verf. 8. Lhe poupaõ as balidas as trombetas. A conf- trucçaó defte verfo he, as trombetas poupaó as baliílas , e a lua intelligencia he dizer Aldara , que tanto , que nas Praças Te ou- viaÕ as trombetas do Exercito delRey feu pay , íe lhe rendiaõ temeroías, naõ neceílitando de fec batidas, e atacadas cora as ma- quinas militares , de que huma era a baliíla , como em outro lu- gar fe explicará. Todo o Commentador fe lembraria , de que ao tocarem-le as trombetas de Jofué çahiraó as muralhas de Jericó; mas naó faço Aldara taó erudita na Elcritura, ainda que a favoreci julgando-a com alguma noticia das fabulas , mas naõ das verdades.

Nota 146. O. 80. verf. 3. Líbia. Como naõ lerá fácil faber os limites do Império de Aly , eu os eftendo pela Libia adufta , ou quei- mada pela viíinhança da Zona tórrida , da linha Equinocial por onde le chega ao Polo Antartico» ou do SuL

Nora Í47. O. 80. verf. S. Lis, e Lena. Saõ os dous pequenos rios,^ que correm por Leiria.

Nota 148. O. 8 8. verf. 2. De Chiron. Chiron Centauro, e meílre de muitos Herces , e entre elles de Efculapio Deos da Medicina, di- zem , que também foy inventor da Cirurgia , que 1t« a parte mais antiga da Medicina , mas naõ lhe deo o nome, porque efte fe deriva de Chiros, que íígnifica em Grego a maõ.

Nota 149. 0.88. verf 8. Huma venda. A venda com que lhe ligáraG a ferida, e era a famofa neíle Poema , por fer dada por Aldara, vingou a Muley da venda de Cupido , por fcr caufa o amor de todas as fuás infelicidades.

Nota i;o. O. 97. verf. 6. Negara. Aqui fe ufa da figura reticencia , -<dc interromper a narração femelhante ao verfo de Virgilio : Qu9s ega : fei motos fr^ftat com^oncre fluCítis,

cu E

2.§ N O T J S

B a razaó cie naõ caíligai- o generofo Henrique efta erpecíe ãé tumulto , íe veja nas advertências preliminares, donde trata do leu ^arader.

Nora lyi.

O. 98. verH 8. Zelozo. Efte zelo de Pelayo he como muitas vezes íucede a alguns Confelheiros dos Principes , nafçido das próprias paixões , que eraõ era Amado o Amor , e o ciúme , e cm Caftelhano , onde zelozo fignifica ambas as coufas , diz o y\urhor da tragedia do Conde de Eflex , quando a Rainha diz a. Elanca , querendo íêparalla do amor do Conde , a quem a Rai- nha rarabem amava : Efto Blanca es zelo , e elLa lhe relponde á. parte. Zelo ? Aííadiendole una letra.

Nota 151.

O. loi. verf. z. c 8. Qu« os Leoiiezes. fe diíTe , que D. Pedro Bernardo era grande Senhor no Reino de Leaõ, e Caf- tclla. O Rio Tormes , he o que corre por Salamanca, o Pifa- erga por Valhadollid ; e o Mançanares por Madrid, fendo Teu íilhcr D. Tello Peres de Menezes Senhor 'deftas terras.

Nota 155.

O. 105. verf. f. Impulío cítranho. A íimpatia , que oculta* mente o fazia reconhecer pelo fangne , que Henrique era fcii

pay.

CANTO III. Notas 15" 4. O. ?. verf. 5. Circulo de Febo. Diz Egas Moniz, qiieoln» fante D. Afonfo mais gentil , que Adónis amante de Vénus ain» da naõ tinha cinco annos»

Nota 1$$. i O. 5. verf 4, PaíTos. Aífim k explica, poeticamente , que o Infante naõ podia andar tendo perto de cinco annos , que he o efpaço de tempo, a quc os Latinos chamavaõ luílro..

Nota iç(j. O. 7. verf 2. Filhos de Afollo* Aqui íe íignificaõ osMe* dicos , por ftr também Deos da Medicina.

Nota 157. O. 7. verf 7. Morfco» Poucos ignoraó , que era o Deof 30 fono.

Nota 158. O. 8. verí- 3. De Juno. Eíla allufaõ , que faz Egas Moniz,; he tilada do livro 14. da liiada de Homero , onde finge , que

a Deo-

D o T o E M J. 29

à Deofa Juno, inimiga dos Troyanos , quiz adoí jpiter

ícu efpofo , para que naõ evitafle o cRrago deTroya, e que fo)r bufcar Morfeo a Ilha de Lemnos huma das do Aichipclago , de donde o levou ao Ceo , para que com ópio incitaíTe o íono de Jú- piter , transformado na Ave chamada Simindis , que lie o Fal- cão nodurno, c^.amado Caleis , e pvometendo-lhe por premio a bclla Ninfa Pahthca. E o cingido , ou cinto de Vénus , que Ho- mero admiravelmente deícreve no livro 14. fignifica as graças, atrac(^ócs, e carinhos, que Juno pedio a Vénus para agradar a Júpiter.

Nota 159..

O. 17. verf. I. Matilde. Epizodio , que he todo fingido, ferve de grande adorno ao Poema , pois nelle deículpo lerem il- legitimos xMulcy, e Aldara , fupondo eílc primeiro cafamento de Henrique com Matilde , na5 deixando de lembrar-me efte no- me no fucceíTo delRey D. Afonío III. feu tresneto , que lendo Conde de Bolonha em França , repudiou Matilde Senhora da- qudle Eftado , cafando também com outra filha delRey D. Afon- fo de Caftella , chamado o Sábio , illegitima cora huma mãy também da família de Guímaó , como a da Rainha D. Therefa, C fe efta tro-uxe em dote o Reino de Portugal , a fegunda o do Algarve.

Nota i 60.

O. 17. verf. 1. Eo Loire. Eftcs íaõ os quatro principiei tios de França , de que o primeiro paíTa por Pariz , c os outros por divcrfas Províncias , e terras principaes.

{• Nota 161.

i" O. 17. verf. 4. De Bayona. Cidade, t porto de mar ào

governo geral de Guiena em França , onde Matilde eftava ocul»

ta.

Nota i6i. O. 24. verf I. Galatea. Ninfa, que por amar Acls foy caai /a da morte, que lhe deo , lançando fobre elle hum penhafco o ciúme do Ciclope, e Gigante Polifemo na Ilha de Trinacria , hoje Sicília , e a Ninfa fogindo defte monílro fe meteo no mar^ <íe que era hunta áis Deoíàs.

Nota 16^. O. 2<5, verí. I. Champanha. Provineia de França, a que ft Jinc á de Brie , e de que a Capitai he Troycs. Governa eftas

Pro-

50 NOTAS

Províncias o Príncipe de Rohan-Soubize > e teye Soberanos , qii€ aqui vaó fingidos.

Nota 164. O. 26. verf, 3. Bretanha. Outra Província famofa de Fran- ça, que teve Duques Soberanos até os ultimes fecuios , de que craõ delcendentes legítimos, e herdeiros , fe Anna de Bretanha , mu- lher de Carlos VIU. Rey de França naó tiveiíe filhos.

Nora 165. O. 2(5. verf 4. Guiena. fe diíTe , que Matilde eftava em Bayona porto da Província de Guiena, de que a Capital he Bor- deos. Eíta Província também teve Duques , e a conquiíláraó , e dominarão muitos annos os Inglezes.

Nota 166. O. 27. verf. 8. Me fez trocar a magoa pelo encanto. A ma- goa , que tinha enternecido a Henrique , palfou a fer íufpenfaõj ou quafi encanto , ficando admirado de taõ raro fucçeílo.

Nota 167. O. 29. verl. 3. Rogero , e Clotilde. Saõ nomes fingidos.

Nota 168. O. 34. verf 4. De Pirene a ferra. Dizem, que aos montes Pireneos , que dividem França de Fíefpanha , deu o nome a Nin- fa Pirene , a quem Hercules violou neíles montes , e as feras a devorarão , dando-íe fepultura ao refto do feu corpo neftes mon- tes.

Nota i6ç). O. 35. verf. 8. Anteros. Fingirão os Gregos, que de Cu- pido amor cego, e tirano era Irmaõ o amor correfpondido , e bem vifto , a que deraó o nome de Anteros, que fignifica , co- iTio diz Cicero libr. 3. de Nat. Deor. e Pa ufanias , o Vingador dos que defprefaõ o Amor, ou os amantes.

Nota 170.

O. 57. verf I. Reftaurar a Paleftina. Como eftc feculo foy

o em que íe conquiílou a Palcílina , e ganhou Jerufalem , fin-

\o , que Henrique quiz evitar as diífençóes dos Priucipes de Fran-

iça , e naõ embaraçar a Cruzada , em que pouco depois fe achou.

Nota 171. O. 57. vcrí. 8. Os doze Signos. Bem fe vê, que he o eí- paço de hum anno , o que o Sol gafta em correr os doze Sig- nos Celeíles, principiando por Aties no Equinócio de Marqo. r

DO V O E M J. 31

Nota 171.

O. 38. verf. 2. Gemini";. O Sol enrra no Signo de Gemini a 20. de Abril , e me pareceo próprio , por fer efle Signo de Caftor , e Poliix irmaõç gemios , que o foraõ também da Bella Elena, e filhos de Jupirer, e Leda infliiirem no nafcimento de Pedro, e Sibila , que eraõ Miiley, e Aldara igualmente amantes.

Nota 175.

O. 59. verf. 5, Hefpinhol Rodrigo. As acções de Rodrigo,- ou Ruy Dias de Bivar , chamado o Cid , e as vitorias , que al- cançou dos Mouros em Hefpanha por elles tempos , dizem foy hum dos motivos de que o Conde D. Henrique vicíTe de Bor- gonha a Heípanha a fazer guerra aos mefmos Mouros.

Nota 174.

O. 40. verf. 5. De Bayona. Como em Galiza ha outro Por- to de mar do mefmo nome de Bayona , e governava aquelle Reino o Conde D. Ramon primo com irmaõ do Conde D.Hen- rique , invenrey efta viagem de hum a outro porto, e o com- bate naval, c cativeiro àos dous tilhos.de Henrique, e de Tan- credo.

Nota 175.

O. 42. verf. 8. Do Parnafo nos Archivos. Qiiando alIegcjP os titulos dos Archivos dos Poetas , que eftaó no Parnalo monte de Beócia , onde com a fua fonte Cabalina efcrevem os feus Poemas , bem provo a certeza deile Epizodio , pois diz Santo Agoftinho , que os Hiftoriadores tem tanta obrigação de fallar verdade, como os Poetas, de a naó dizer. Vejaó-fe largamente neí- te ponto a Hiíloria dos Poemas , e as advertências preliminares.

Nota 176.

O. 44. verf. 5. Melhor Eneas. Aííini como Eneas levou à Religião de Troya a Itália , e foy tronco pelos Reys de Alba dos de Roma, como diz Virgílio no primeiro da Eneada verf, 10. e II.

Inferretque Deos latium ; gentis unde lattnum

Albantque patres , atque altA mucnia Kom&, Aílim Henrique trazendo a Portugal a verdadeira Religião, fun-3 dou o Reino , e foy tronco dos feus Reys conquiítando Lisboa que fobre fete montes , he a fegunda Roma.

Nota 177. O. 44. verf. S. Ganhais Eavinia por perder Creuza. Contf-' oua o paralelo , <jue Cunha faz de Henrique cora Eneas, pois

efte

^z 'NOTAS

cíle perdeu íua primeira efpofa Creuzai e aquelle MatiMe j eftc ganhou coitv o caíamento de Lavinia o Reino de Alba , aquelle com o de Therefa o de Portugal , e naõ me efqueceo , que o Sa^- bio Rt.7 D. Joaõ o V. Te dignou de cornar na minha Arcádia , de que he Proredor em Roma o nome de Paílor Albano , em ac- tençaõ ao Pontifice Clemente XI. que era da Familia dos Alba- 11 os.

Nota 178. O. 48- verf! r. Amado aborrecido. Protefto , que o nome próprio de Amado me naó trouxe á memoria o equivoco de abor- recido , porque naó podem Ter equívocos , epítetos taó contrá- rios, f

Nota 179. O. jo. verí. 8. Amazona. As Amazonas de que tanto (t cC- creveo , dizem tinhaõ o leu Império no Paiz da Scicia , por on- de corre o rio Therraodonte.

Nota 180.

O. 50. verí. 8. Pantaíilea Oritia. Entre as celebres Amazo-í

nas , efcolhi para a comparação de Axa , imagem de Belona ,

Deofa da guerra, a Pantafilea; que foy a primeira, que focor-

%eu os Troyanos , e morta por Aquiles j e a Oritia fua anteceí-

fora, era filha de Erecthes.

Nota i8í. O. 52. verf. 2. Semiramis. Entre o muito , que fe conca de Simiramis Rainha dos Aílirios , e fundadora de Babilónia , fe diz , que eílando-fe toucando-íe a aviláraõ , que os inimigos entravaõ muito poderofos nas íuas terras , meteo o pente no cabello, diíle ás fuás Damas , que cm vencendo, voltava logo a acabar de touj car-fe, e tudo executou prontamente.

Nota 182. O. 5f. verí. g. Palas, e Belona. Nefta louca idolatria de Axa , adorava as Heroinas guerreiras , que eraõ hum gráo mtf* nos , que Deofas,Ve as duas da guerra lhe deviaó mais lacrificios do que Marte ,' aíTim por ferem como ellas molhercs , como por- que efte Deos favoreceria os Portuguezes pelas caufas , que ella çm outro lugar explica.

Nota 183. O 56. verf. 6. Expiações, c lavacros. As expiações fe faziaó para purificar os delitos nos delubros , ou pequenos templos, e íempre lav^n^o com jigoa , ^e da mç^ma fortç os lavacros fa-

ziaã

D o F o E M J. 33

íJaõ puros os facrificios 5 e defte confoante culto , aza muitas vezes D. Joaõ de Xanrigui na fua Faiíalia, e o íegucm muitos modernos , pode fer que por naó terem íimulacio , e facro terceiro confoante heróico para huma Outava.

Nota i84- O. $y. verf. 2. Tritonio. Era Palas chamada Tritonia por aparecer junto ao Rio Triton , que nalce na lagoa Tritonide em Africa.

Nota 185. O. ^7. verf 4. Eriethonio. Nome que teve Athenas don- de Palas foy mais venerada.

Nora iS<í. O. 57. verf. 6. Gorgonio. Uzei de licença poética em lu- gar de Gorgoneo, como fe uza de Impirio em lugar de iropireo, e Syderio por Sydereo , c chamo terror gorgonio ao efpciho do efcudo de Palas, porque vcndoíe nelle Meduza , que era huma das três Gorgonas , fe matou com a lua vifta , e convertia em pedra aos que a viaõ.

Nota 187. O. ^'^. verf 7. Égide. He hum nome que daó os Poetas ao mcfmo Efcudo de Palas , o qual lhe deo Júpiter , e tinha efte nome por fer feito da pelle da Cobra , que o criou com o feu leite chamando-fc em Grego Hegos a Cobra.

Nota i88- O. ^%. verf. I. Belona. Para entender efta Oitava bem, po- dia oftentarfe muita erudição , mas bafta faber o que diz Da- net no feu Diccionario de antiguidades na palavra Belona , que era Mãy , ou Efpofa de Marte , e Deoza da guerra. Apio Cláu- dio chamado depois, ceco, lhe edificou hum Ten^plo , em Ro- ma , no circo Flaminio perro da porta Carmental : junto delle eítava a columna bélica , e por íima delia lançavaõ os Feciaes hum dardo , para a parte do Paiz inimigo , a que declaravaÕ a guerra.

Nota 189- O. 5 8. verf 7. Fecial. Eraó os Feciaes hum a efpecic de Reys de Armas , que intimavaõ a guerra aos inimigos arrojan- do huma lança para o paiz contrario , e por iífo Axa lançou hum dardo para a parte do Douro , que era o Paiz de Hen- rique.

d No-

34 N O 1 A S

Nota 190. O. 59. verf. 1. Buílo. Chamaó-fe Buílos às cííatuas d& meyo corpo.

Nota 191. O. 59. verf. 5. Tomiris. Foy Rainha dos MaíTagetas , que venceo , e matou ao grande Cyro Rey dos Pérfas , veja-fe Xe- nofonre na Tua Cyropedia , e os que a tiverem por alegórica acharão efta morte cm outros Autores antigos.

Nora 192. O. 57. verf. S. A cabeça. Dizem que Tomiris cortando a cabeça a Cyro a rrazia dentro de hum odre de Tangue para que fc fatisfizefle do licor de que fora íempre hydtopica.

Nota 195. (O. 60. verf. I. Camila. Os que tem qualquer liçaõ de Virgílio , naõ ignoraÕ , que efta Rainha dos Volfcos dirputou a Eneas o Reyno de Itália , e que a matou Aruncio.

Nota 194. O. 60. verC 5. Harpaliee. Venceo os Getas , libertando a feu Pay Licurgo Rey de Trácia : Virgílio i. Ened. lih. 1. e Sér- vio no íeu comento.

Nota, 195. O. 61. verf. I. O filho de Peleo, Aquiles filho de Peleos, c Thetis naó podia fer ferido , mais , que pela extremidade de hum pé, por onde Thetis lhe pegou para o banhar na lagoa Efti^^ia , e venceo Pantazilea Rainha das Amazonas , a qual in- ventou a foice Ovid. Heroid. epift. Cydipe a Aconfio.

Nota i9<j. Ò. 61. verf. 5*. Qelia. Virgem Romana, que paíTando o^ Tybre com as outras , que fe tinhaõ dado em reféns a Porfe- na Rey dos Etrufcos, enganou as guardas, e fe libertou, e as; companheiras.

Nota 197. O. 6i. vtiÇ. i. Semiramis. diífemos , que venceo ^hin- do do toucador , e agora fe alude , a que no jardim de Axa eftava melhor , qu€ nos jardins penfis , que fabricou fobre os muros de Babilónia que tinha fundado »e foraõ huma das fete ma> ravilhas do mundo, de quem diz Marcial na primeiro Epigrama, Affiâuus jaãet me Babilona labor Nota 198. O. 6i. verf. f . Hipolita. Foy também huma Amazona vea^

cida

D o T o E M J. 35

Çída por Hercules , e Efpoza de Peleo.

Nota 199. O. 63. verf. 8. Aríetes. Deftas três machinas militares fe ^xplicaó os uzos no canto undécimo.

Nota 200. O. 64. verf. 4. Triunfal. Quem tresladaíle a Carlos Pafca- lio de Coronis encheria muitas folhas no comento deíle verfo: bafta porém iaber , que entre as coroas , que os antigos conce- diaõ aos vencedores, a principal era a Triunfal, que fenaó da- va lenaõ aos que em huma batalha matavaõ ao menos féis mil inimigos. A Ovaçaõ era menor , que o triumfo , e a coroa cí- vica íe dava a quem em huma batalha coníervava a vida a hum Cidadão Romano.

Nota 201. O. 64. verf. 6. Chiomatica. Eíle era o nome que davaõ os Gregos á muziça , que provocava ao Amor.

Nota 202. O. 64. verl^ 7. Galo. Confagrado a Paias como fimbolo de huma boa fentinella , e a Minerva pela vigilância.

Nota 203. O. 6G. verf. 5. De Roma. Nos Jogos Circeníes , e no Am- phiteatto de Roma le exercitavaó os combates dos brutos fero- zes.

Nota 204. O. 66. verf. 5. Amphiteatro. Edifício publico para os Jo- gos , e combates com lugares para os que chamavaó efpectado- res , íendo o de Roma contado por alguns entre as 7. mara- vilhas do mundo , de quem diz Marcial , no primeiro Epigra- ma.

Unum pro cunilts fama loquatur opus. Nota ;,04. O. 66. verf. 8. Contra o Rinoceronte o Elefante. Rhino- ceronte , a que os noífos antigos chamavaó , com Damiaò de Góes , Rhinoceiotte , ou Rhinoccrotta , e em Grego fignifica cor- no no nariz he huma fera , que erradamente fe confunde com a Abada , e da fua inimizade com o Elefante íe podem ver al- guns Epigramas de Marcial. A Lisboa fe trouxe hum no tem- po delRey D. Manoel.

Nota 205. O. 6% verf. j. Taleftris. Taleftres, ou Taleftris Rcinhadas

d ii Am^zo-

36 NOTAS

Amazonas vay na boa de Quinto Curcío, que veyo vízíta? Alexiindre Magno inclinada ao que a fama contava defte heroe. Naó íe acha efte fucceflb em Arriano , nem em outro Autor antigo , e he hum dos motivos , porque le Clerc na íua Arte Critica rup<)em Qiiinto Curcio Autor fingido por algum moder- no, mas duvido, que quem eícreveo huma obra taõ excelente, quizede atribuir a outro elb gloria.

Nota io6. O. 71. verf. ly. Monte Furte. O Monte Fufte , o Rio Alar» da , e a Serra Seca faõ como apontei os lugares do íítio da batalha , que refere o fragmento da hiftoria dos Godos allega- do por Brandão na 5. parte da Monarchia Luzitana.

Nota 207. O. 7J. verf. 4. Zelozo. adverti , que naõ uzava de li- cença vulgar de dizer em Portuguez zelozo por ciozo, e que aqui íc diriva do zelo, que Muley tinha de defender a fua cauíà animado do amor de Aldara.

Nota 208. O. 75. verf! 8. Sagitário. O Signo celefte de Sagitário , eni que entra o Sol a vinte , e trcs de Novembro , he o Centauro Chiron , ou Chroton , e fe pinta no globo atirando fetas, e aqui uzo da figura Hipérbole com mais atrevimento , que oti- cras vezes , de que pudera alegar exemplos de muitos Poetas. Baí. te por agora o do grande Calderon , que na Comedia de Ama- do , e Aborrecido , diz que as lanças que fc quebrarão fubi- raõ caõ alto

que dela region dei ayre paflando-fe a la dei fuego por encenderfe tardacon en caer j 6 cayeron.

Nota 209. O. 76. verf 6. Tranfmigraçaõ. A traní^migraçaõ , á que Gregos chamarão Palingenefis , ou Metempficofis , foy dogma de Pythagoras fupondo , que as almas paflavaõ de huns corpos a outros , erro que dos antigos Gymnoíophiftas da índia herdarão as Bracmenes ; e como fuponho a Axa inftruida em alguma «rudiçaõ , naõ fendo cfta muy profunda, tira delia o conceito Hyperbole , com que fomenta a vaidade de Muley.

Nota lio. O. 77. verf. j. Alcaides. Ainda hoje daõ os Mouros onò-:

me

D o P o E M J. 37

me de Alcaides aos Geiíeraes , e Governadores de Praça , que nós coníeivam-os no de Alcaides Moies , ainda que em Eipa- oha , c Portugal também íígnifica o de Officiaes de juftiça , ten- do em CaftelhaiTo o de Alcaide lo a primeira íignihca^aõ , e o de Alcaide a legunda.

Nota 111, O. 79. verf. 2. Libação, He termo próprio dos Sacrifícios quando le toca com 0$ bei(^os o licor lançando le o reito por terra.

Not^ 215. O. y^. verf, 50. Jó. Foy a Ninfa amada de Jupfrer , e Juno cioza a transformou em Vaca , de que digo era o leite, que por fer de noite o comparo com a via laótea , que he a mancha , que fe ve no Ceo , a que os Gregos chamarão tam- bém Galáxia , e os modernos defcubriraó com os Telefcopios, que era toda formada efta mancha de Eftrellas imperceptiveis â vifta ,em quanto Galileo Galilei Florentino pelos annos de lóoo. na5 defcubrio o modo de trabalhar nos vidros para os óculos de Tubos grandes. A primeira vez , que ordenei a magnifica Livraria delRey D. Joaõ o V. achei hum manulcripto das obras de Mathematica de Cláudio Ptolomeo Alexandrino ellrito antes áo anno de 1400. e no prin ipio e(kk o mefmo Ptolomeo mui* to bem illuminado com hum grande tubo olhando para as Eí- trellasj poièm naó infiro, que a invenqaõ dos óculos com vi- dros , foíTe por eíle manufcripto mais antiga , íenaõ que uzaf- íem para augmenrara vifta com os rayos vizuaes unidos de ca- nudos ocos, e compridos da mefma forte , que dentro dos po- ços , e covas profundas fe vera algumas vezes de dia eftrellas que fenaõ diflinguem na fuperficie da terra. Em Marcial fe acha me- moria de que os mal viftos augmentavaò com o vidro as letras para poder divizallas.

Nota 214. O. 81. verf. 2. O mármore íe anima. Efte oracuk) me da- va motivo para difcorrer na opinião de Wandale , que abreviou com erudita diícriçaõ Mr. Fontenelle querendo provar , que to- dos os Oráculos craõ fingimento dos Sacerdotes Gentios feni operação diabólica , porém ainda que em grande parte feja eíle diícurfo bem fundado , he muito contrario ao íentido dos San- tos Padres eíla propofiçaõ abfoluta. Aqui podia fer iluzaò de .Axa, « nuaca o máo génio coíluma dizer verdades, nem pó- --^•c- de

38 NOTA S

de faber com certeza os futuros. -íxjidi Nota 2 í 5.

. O. 8i. verf. I. No dia. Efte Oráculo , que, como todo j,' iccebe dois íencidos , fe veriíica naõ como Axa o entendia , mas cora mayor fortuna Tua, pois fe cumpre quando ella , e ÉlRey feu marido fe bautjzaõ , e os fervem como padrinhos o Conde P. Henrique, e a Kainha fua elpoza,como íe veia no íim do Poema.

Nota 2,16.

O. 83. verf 4. Períeo. A voz guerreira de Palas produz na. idea de Axa a iluzaõ de que os elementos perturbaõ a paz, ç os Planetas , e Conítelaçoens fe confundem. Perfeo he huma imagem celeíle da parte do Norte, e das vinte, c três Confte- laçoens dcíle poio , e hngiraõ , que fora colocado no Ceo efte lllho de Júpiter, e de Danae filha de Acrilfio Rcy dos Argivos entrando ]ovçí na torre em que eftava prefa transformado em chuva de ouro. A acçaõ de cortar a cabeça de Medula , que ja expliquey , e outras de que algumas fe diz foraó verdadeiras fundando Perfeo o Reyno de Mycenas , e dando o nome a Per- fia o eternizarão , e como fe achaõ eftas fabulas aftronomicas em Arato Poeta Grego , que efcreveo hum Poema intitulado, Phcnomenas , traduzido naó menos que por Cicero , por Ger- mânico Cezar , por Rufo Feito Avieno , e iluftrado por Grocio porManilio no leu Poema aftronomico , por Hyginio Liberto de Augullo , e pelo moderno , e vaftiHlmo Cezio , apontarey deí^ tas conftelaçoens o que bafte para buma ligeira inteligência. Hercules no verl". 4. he outro aítco dominando o Dragaõ das Hefperides , que guardava as maçans de ouro.

Nota 217.

O- 83. verí. 5. A Balea. A Perfeo montado no cavallo Pe- galo fe legue no globo a Conftelaçaó Boreal da Balea , que o monftro marinho , que Perfeo matou voando no mefmo ca- valo Pegaío para livrar a vida da fermofa Andromeda, e por- ifio finjo que íe lhes opoz interrompendo-lhe a carreira ncíle movimento extraordinário das eftrellas fixas cauzado pela hor- renda voz de Palas. Nefte vcrfo uzo quaíi a única vez do verbo, e do nome turba , como conloantes pela efteriiidadç <ieftes,

/.:Loq iíjpA Nota 218.

O. 8^5. yçrf« 7.. m 2^odiacg, O i^mc Zóo^eni Grego»

Tigni-

I

DO P O E M J. 59'

Cgnifíca animal , e o de Zodíaco , que tem animaes 5 porcjue os doze Signos , que cftaõ nefte circulo , ou faxa celefte, to- dos eraó de homens , bruços , e até o de Libra fe piarava na. primeira forma , e por iilo digo , que os animaes ceieftes fe agitarão nefta confuíaó.

Nota II 8.

O. 84. verf. I. Morre o Cifne , &cc. Por naó multiplicar 2S notas explicarey brevomente em huraa í6 as de que neceílita eíla Outava. O Ciíne Conftelaçaó do Polo ar<ílico he o em que fe transformou Júpiter para confeguir a Leda , e digo que mor- re , c naò canta por moftrar , que o medo lhe mudou a natu- reza. O Bruto Hefperio , queinfulta Alcides , he o Dragaó , que cxpliquey na nota antecedente. A Urfa , ou Cynozura , a qual digo fe efconde no mar medroza fem que fe mude , ou efcon- áa o Polo do Norte , aludindo ao que diz o grande Camoens guando paflbu a linha equinocial.

Vimoi as Urfas a pefar de Jun9 Banhar em- fe na> agoas de Neptuno,

E como (ao duas , falo aqui na menor , que he a mais vizinha ao ponto do Polo do Norte, a quem àeo o nome, porque Arótos em grego , fignifica Uría. A Náo Aigos foy a <3ue deo o nome aos Argonautas , e a em que jazon foy con- quiílar o Velocinxo de ouro a Colcos j he Conftelaçaó do Sul. Ântinoo , que he do Norte , foy hum valido do Emperador Adriano , que fe marou , para que nas íuas entranhas fe viífe o Arufpicio , ou agouro felice da batalha , que aquelle Empc- Tador eftava para dar no Egypto , e o faço nefta confufaõ íe- -pultar na Urna Conftelaçaó do Sul. Orion gigante no emisfe- lio antartico , he o que fe atreveo a Juno y e nefta Conftela- çaó contaõ os Aftronomos modernos depois da invenção do Telefcopio mais eftrelias , que as 1022. que faó as que fem óculo podem verfe , e faço que a Canicula íendo aftro do Nor- te morda raivoza com o feu ardente veneno a efte Gigante.

Nota 2 I c^.

O. 87. verf I. Correm eftatuas. O fim defta Oitava ex- plica o engano » com que Ce reprefenta a Axa » que as eftacuas das heroinas fe animaó para a^feguir na guerra.

Notas 221.

O. 88. verf. y. A animar o cadáver. Efta morte da Zaida ^ 9 O feu cadáver animado por Palas, imita a Eredo de l iirano ,

a falíi.

40 : NO r A S

a Taiílrena de Marino , e outras magicas de que fe conta , que com o maligno efpirito animavaõ os cadáveres. Muitas hifto- rias referem íèmelhantes Authores mais crédulos , e entre ellas havia huma bolatina celebre de Itália, a quem hum feiticeiro depois de morta , fez continuar o exeicicio , e outro mais po- derozo a fez cahir da Maroma reduzida a p6 , e cinza , e Pa- las aqui toma com o íèu coipo a lua forma , como Minerva a de Mentor em Homero para açonfelhar a Telemaco filho de IJlifes , ficçaó , que íeguio com mayor propriedade o llluftrif- íímo Author do Telemaco Francez , que elpero dar á luz tra- duzido ein Oitavas Portuguvizas , porque ainda que em proza Franceza fie hum Poema heróico perfeito , aflira ficarão mi- Jhor na memoria as fuás uciliífimas refiexoens.

Nota IX i.

O %^. verí. 4. Ocazo Heliaco. Helius em Grego he o Sol, e os Maihematiços chamaó Ocazo Heliaco das Eílrellas , quaa- do alguma entra nos rayos do Sol , lèja eJla , ou o meímo Sol, os que íe avizinhaõ.

Nota 2Z2.

O. 91. verí. 1. Távora Galhardo. Eíle podia fer D. Rami- ro Pinhones aícendente dos Tavoras lem muita diferença da cronologia da efcritura , que traz Fr. Bernardo de Britto , ena que deduz a fua vaionia delRey D. Ramiro 11. de Leaõ , coit>o em outra parte fe dirá.

Nota 225.

O. 95. verf. 5. Mentor. Veja-íè a nora 220. em que ex« pliquey a transformação de Minerva em Mentor para aconfe* Ihar a Telemaco , que por filho de Ulilès era Príncipe de Itha- ca pequena Ilha do Archipelago.

Nota 224.

O. 98. verf. I. Hermínia Serra. A Serra de Eftrella íe cha- ma Monte Hermínio , e o engano com que o Mouro deo hum cavailo ao Embaxador de Henrique , o faz comparar ao cavai- lo de Troya , que deo tanto a conhecer o incomparável Vir-. gilío no livro 2. da Eneada introduzido pelo engano de Sí- non.

Nota 225.

O. 105, verí- 5. Também no mar. Depois da comparação do Crocodilo , que engana chorando , e mata aos que o bufcaó, animal amfibio , ou de terra , c agoa j que infeíta o Rio Nilo

bencfi«

i

DO P O E M J. 41

benéfico Com as fuás cheyas , pois com ellas ferulij^a o Fgipto, fiiprindo a falta da chuva , e que deve aos Portugueze^ o del- cuhrimento da fonte , em que nafce no Reyno de Gujaõ , e Dambea , na Ethiopia inferior.

Segue outra comparação, que alude ao que íe conta, de que dezembarcaraó de huma lancha huns marinheiros de hu- ma Nao, e cuidando , que ellavaõ fobre hum baixo cuberto de área , e limos acenderão fogo para enxagar-le , e fuguaó lo- brefaltados para a lancha , vendo que a terra fe movia , e era huma Balea , que tinha vindo parir a terra , e voltara para o mar : feja , ou naõ a hiftoria verdadeira , bafta para compara- ção poética , pois naõ íe achaÕ menos fabulas nos Authores das viagens , que nos dos Poemas ; c defta mefma comparação iizou Milton no i. Canto do íen Paraizo perdido.

Nota 2i6. O. 104. verf. 8. Névoa. O Efpirito infernal, que A xa jul- gava , era a Deoza Palas animando o corpo de Zaida fabricava clles encantos de névoas , torrentes , e os mais , que fe fe- oueni ncfta batalha.

Nota iiy. O. loS. verf 7. Efquadraó fantaftico. Eftc Efquadraõ de cfpiritos , he huma imitação de Homero , que faz combater oc Deozes.

Nota 218. O. 109. verf 5. Incorpórea fubftancia. Naõ me atrevi a fe- guir em tudo Homero , que fupondo os Deozes corpóreos , faz ferir a muitos por Diomedes , e alTim digo , que Pelayo admi- rou o achar iiezas as fubftancias , que naõ fupunha incorpóreas vendoas extenfas , como fe explicaó os Cartezianos , e deixo ao cadáver de Zaida as feridas, que lhe Egas Moaiz , a <juem comparo com Diomedes,

Nota ZZ9. O. III. verf. r.. Clicie. Foy Clicie Ninfa amante de Apo- lo , que amava mais a fua irmáa Leucocoe , e efta fugindo del- le , fe transformou na arvore, que o incenfo , a o^jtra na flor do Girafol , ou Heliotropio , porque íegue , e retrata o mefr- mo Sol.

Nota 130. O. 117. verf. z. Vulcano. As armas dos Deojes , e dos He foes, forjou muitas vezes Vulcano, de que o iiomc he conr

corrup-

42 N o r A s

corrupção , o de Tubal Cain , que a elcdtura diz , foy o prl* raeiro , que inventou a forja , ou a Arte de trabalhar o ferro como prova Bochart no feu Phaleg , e a fabula fingio fer abor- recido efpozo de Vénus , e ficar coxo , porque Júpiter pela fua deformidade o arrojou do jCeo , para trabalhar com os Ciclo- pes na fragoa do Monte Ecna, He eíla fabula tirada da verda- de do precipício de Lusbel.

Nota 251.

O. 119. verf. 2. Zéfiro amante. He o fuave vento Zéfiro, que refpira da parte do Norte principalmente na primavera , e porque nefte tempo anima as flores , o fizeraó os Romanos amante de Flora Dama mais fermofa , que honefta , e que dei- xou os feus mal adquiridos Thezouros ao povo Romano , o qual a adorou como Deoza das flores»

Nota 232. í O. 119. vcrf. 4. A arvore triunfante. AíTím como ^efíro amante quiz roubar a banda de Aldara para a reftituir , a quem mais a mcreçeíTe , a roubou o loureiro , ficando preza nos léus ramos , e nefta árvore triunfante , porque coroa os ven- cedores, fe tinha transformado a bella , e rigoroza Dafne , fu- gindo do amante Apolo , e como rigoroza , dificultou eftc pre- mio de Aldára , que pertendiaó os dois competidores.

O. 125. verf. 2. Delfin. Os Tavoras puzeraõ nas fuás ar- mas hum Delfin Ibbre as ondas , por coníervar a memoria de D. Theodon , e D. Rauzendo pelejando no Rio Távora, como defcrevendo efte efcudo , e os de outras Famílias , fe ve-i no Canto quinto.

Nota 254.

O. 116. verf 5. Achcronte. He o Acheronte hum Rio de Nápoles , que por nocivo , c triíte , c vizinho da Lago Averno^ fingirão os antigos , que era o Rio do Inferno , por onde a barca do Piloto Charon , que muitos confundem com Ache» lonce, paíTava as almas dos que morriaõ.

Nota 255.

O. 150. verf. 5. D. Fafcs Luz. Confia, que foy efte D. Fa- fés Luz Signifero , ou Alferes Mor do Conde D. Henrique , e como diife , era Senhor de terras junto ao Rio Lima,

Nota 25(5^ O. 131. verf 5. Geometria. Significa medida da terra, « he a arte , que fo princípios^ ceuos ás fciçnçias , e artes

verds-

D o T o E M J. 43

Verdadeiras entre as humanas 5 porem para o jogo da efpada , a que naõ he inútil , a qujz reduzir com demaziada elpecula- çaó , D. Luiz Pacheco de Narvaes , a quem fatirizou hum dos Lupercios no engenhozo loneto , que principia. Quando los ayres , Parmeno divides Con el efioque negro ^ no te acuz^o , &c. E acaba dizendo , que he impoílivcl. El reduur la cólera a precetos. Que he o verfo , que imitey.

Nota 157. O. 153. verí. I. O filho de Thetis , e o de Alemena. O fiiho de Thetis , e Peleo , era Aquiles , o de Alcnena , e <ic Júpiter , era Hercules , e ambos , como diíTe , combaterão com a Amazona Hypolita.

Nota 238. O. 134. verf. I. Ifthmo. No Ifthmo , que era o de Co- linto , e he a lingoa da terra , que ata a peninfula do Pe!opo- nelb C hoje chamada Morea ) com a terra firme de Grécia fe celebravaõ os jogos , a que o fitio deo o nome de Iftmicos.

Nota 259. O. 135. verf. 5, Infernal eftigio. O lagc| eftigio , era no Inferno , c o juramento inviolável dos Deozes.

Noca 240, O. 155. verf. 5. Diomedes. Agora explico -mais a compa- ração de Egas Monís com Diomedes , que Homero diz ferio a Marte.

Nota 241. O. 155, verf. g. Peon. O nome de Peon , he o que Homero ao Cyiurgiaó , ou Medico , que cu-rava os Deozes fe- ridos por Diomedes.

Nota 242. O. 136. verf 8. A trifte corrupção. Egas Moniz fempre favorecido do Ceo , deftruio o material , comporto do corpo morto de Zaida , e íè exalou o génio maligno , que o anima- va , ficando reduzido a corrupção , porque entendi , que efté «ncanto eftranho naõ devia durar mais tempo no Poema, ain- da que Palas em diverfas formas ficaflfe fomentando a idola- tria de Axa.

Nota 245. p. 157, verf. 7. Líucoroe. Pouco tempo ha, que explt-

e ii quc(

44 NOTAS'

quei , qiTC Leucotoe fora amacia de Apolo , e o Poeta unío tt-' tas três Ninfas em hum verfo. Para que em Dafne, Clicie , ou Leucotoe , &c.

CANTO IV. Noras 244.

O. 3. verf. 5. Hidra. He aliizaõ á Hidra áo lago Lerneo,. á qual quando Hercules cortava huma das fere cabeças , nafciai logo outra , e (o quando as queimava , fenaõ reproduziaó , e aííim ainda que Hcuique maraíTe muitos Mouros , logo com novas levas apareciaõ os fcus Exércitos , igualmente numero- zos. Nota 245.

O. 6. verf i. D. Afonfo Auguílo. ElRey D. Afonfo VI. de Lcaó chamado Emperador , teve íilhas de diverfas mulheres, em que ha duvida , quaes foraõ legitimas , e ha quem diga ^ que foy 6. ou 7. vezes cazado , e fe prova baftantemente , qne foy legitima a Rainha Dona Thereza , mulher do Conde D^ Henrique , ainda que o contradiz a mefma Crónica , ou Exem- plar Floriacenfe , a quem damos credito em fazello deícen den- te dos Duques de Borgonha, e Reys de França; mas fobre a fucceflaõ delRey D. Afonfo , de quem foy herdeira a Rainha Uiraca, houve com Portugal varias diíTençoens.

Nora 246.

O. 7. verf. Tormes. Eftendia-fe o domínio do Con- de D. Henrique defde o Mondegp , onde era Senhor de Co- imbra , atè o Reyno de Leaõ , por onde corre o Rio Tormes*

Nota 237.

O. 10. verf 8' O Trofeo de hum tronco. Grécia, e Roma leyantavaõ no campo da batalha troféos nos troncos , e Hen» íique fez triunfar o tronco da Cruz de toda a infidelidade.

Nota 248. O. 11. verf. 1. Do efpaço aéreo. Imaginarão muitos Fí* lofofos antigos , e ainda modernos , que no efpaço aerco ficarão alguns génios infernaes menos malignos , e que cauzaó tempef- tades. Nota 249.

O. 12. verf. 5. Teííphone. He huma das três Fúrias, fen- do as duas Megera , e Aledo , e aqui por Hipérbole digo , que quem a invocaíle por Muza , e por heroes aos efpiritos , que fallavaõ nos Oráculos , e eraó prefagos dos males , igualaria o furor de Axa. Heroes também trazem origem no feu nome do ar , em que andavaô girando eftes , que chamavaõ Deozes da %. claífe , e Indigctcs» No-:

DOTO EMA 4f

Nota 250. O. 14. veif I, Deftino, A barbaridade gentílica , que def-»' conhecia a providencia , fu^eicava os feiís Deozes ao deílino.

Nota Í51.

O. 14. verf 5. Filho de Vénus. Eneas filho de Vénus, e

de Anchizes , tendo hunia Mãy Deoza , que o amparava , nao

pode evitar o feu dellino , nem a oppoziçaõ de Juno , fofrendo

tantos trabalhos na fua peregrinação , e viagem de Trova a Itália.

Nota 1^1. O. 14. verf. 4. O filho de Tetis. Achiles filho de Tetis ; e de Peleo morreo , como fe diíTe , ferido de huma letta cm huma extremidade de hum , por onde lo naõ era invulnerável.

Nora 255. O. I <3. verf. I. Athcifmo. Axa vay degenerando da faperf- tiçaõ para o Atheifmo, que (ignihca feni Deos , porque Atheos cm Giego com o A privativo , e Thcos , que he Deos , deo o nome a efta impiedade.

Nora 254. O. 16. verf. c. Efcuro íonho. As portas por onde os fo- nhos íahem do Abyímo , guiados por Morfeo , defcreve com elegância Virgílio , e outros Poetas Latinos , e Gregos.

Nota 255. O. 21. verf. I. Brunaferro , o Troglodita. Chamey Bruna- ferro , a efte bárbaro , compondo o nome de Bruno , que em Irahano , e em outras língoas , fignifica cor efcura , ou negra, c de ferro , fazendo-o Troglodita , Povo bárbaro de Africa , na Ethiopia , perto do Seyo Arábico , hoje chamado golfo de O. mus.

Nota 2^6. O. 21. veríl i. Ceraftes. Saô Serpentes venenozas de Afri- ca, e os cornos , que tem , e em Grego íe chamaõ ceros , lhe deraó o nome, e digo, que fe alimentou com efte veneno, porque aílim fe conta de Mitrídates Rey de Ponto, a quem naõ fazia mal a peçonha, por habítuarfè a ella.

Nota 2J7. O. 21. verf 4. A Gorgona. expliquey , como a Gorgc-» na Meduza tinha por cabellos Serpentes , a quem digo , que os de Brunaferro imitavaõ no retrocido , e no venenozo.

Nota 258. O. 25. verf. I. Lucidio. Para fazer hum retrato em opozi- jaó ao de Brunaferro, imaginey efte galhardo Francês, que foy

dcfpo-

4<5 NOTAS

delpojo da fua barbaridade , e com o feu martírio motivo do (tú caftigo. Nota 259.

O i6. verf. 7. Soldaõ de Babilónia. Os Mouros de EfpaJ nha foraó muito tempo tributários do Soldaõ de Babilónia , e defte , dos Califas , e outios Soberanos , fe pôde ver a Africa de Marmoi , c a hittoria dos Mouros de Efpanha de Bleda.

Nota 260.

O. 27. verf. 8. Falfo Paraizo. Mafoma no feu Alcorão pro- znette aos Mouros hum Paraizo de delicias feníuacs , e groífeiras.

Nota z6i.

O. 54. verf. 8. Antes nas armas, c depois nas letras. Como conto a gloria militar de Coimbra , na fua defenía pelas armas, pronoftíco , a que hade adquirir alguns feculos depois com a fua inligne Univeríidade pelas letras.

O. 37. veif. I. No Plenilúnio Cínthia. Efta Outava deve explicar-fe , debaixo de huma annoraçaõ. Cintia , que he o nome , que fe á Lua , como diífe , fuponho no plenilúnio vuigarmence Lua chea , que lie quando efta a noíTo refpeito dia- metralmente opofta ao Sol , que affim a ilumina mais , e \h& chamaó plauftio Apolineo , que he o mefmo , que carro de Apo- lo , a quem de noite fubftitue com o luar , termo que fem fra- 26 tem a lingoa Porrugueza. Os encantos fempre buícavaó o tempo da Lua chea : entre os Poetas , e Autores , que affirn o efçrevem , o diz Marino no ícu Adónis.

Talfirenx afpettó , cbe fie no avejfe Cintut dei orbe fuo le parti fceme.

E aífim digo , que eftava expoíta aos cânticos , ou invoca-^ ^oens magicas , que aprendiaõ , em hum clauftro horrivcl den*; tro de oucro circulo , como diz o Poeta.

Carmina de calo pojfuní deducere lunam. Ifto entendiaõ , que nafceia do engano de huma feiticeira» que vendo, que os Povos rulticos de Thcífalia naó conhcciaõ os elpelhos , lhes moftrou dentro de hum a imagem da Lua çhca , perfuadinJo-nos , a que com a força dos feus verfos , fazia vir a Lua do Ceo á terra, quando queria. Huma pequena nuvem» que veyo da parte do auftro ao Sul , vento tempeftuozo , e naó da do Favonio , que vizinho ao Norte he favorável , cncobriíe a luz da Lua ; e como a efte Planeta , fe atribue a prata entro os metaes , por eíTa r^zaó com expreíTió poética digo , que quan- do a efcijreceo , lhe faiíificou a fua imagem argentada como fe

foíR

B o T o E M A. 47

yoflfe hum a medalha de prata , em que eftava gravado o feu rofto.

Nota i('^,

O, 58 verl. I. Cipo. He o Cipo, hum dos monumenros da antiguidade, que ainda exiftem » e era huma pedra , com al- guma infcripçaõ , que fe punha nas eftradas , para eníinar o ca- minho , ou pata fazer memoria de algum íuccelTo raro ; achr.-fe nas medalhas , Hottinger no liur de Cipis hebrceorum lhe ou- tros ulbs. Nota 264.

O. ?8. verf. 4. Liíipo. Famozo eftatuario , a quem Alexandre permitia , que fabricalle as fuás eftatuas , co- mo a Apeles , que fizede os feus retratos , e entre os Efcultores antigos , o que fez mais obras , íloreceo J64. annos antes do nafcimento de Chrifto.

Nota 2.6iy.

O. 40. verf. I. Eólo , &c. Eólo Rey , e Deos dos ventos* fe toma aqui pelo meímo vento. Arvores rebeldes de Apolo , faô os Loureiros , aludindo ao rigor de Dafne, Triforme Dei- dade , he a Lua , que aflim íe chama no Ceo , nos bofques Dia- na , e nos abifmos Porferpina , e neílas duas ultimas proprie* dades , moftro , que o bofque era efpefo , e eícuro. Trtit virginis ora Diana. Nora 166.

O. 41. verf j. Plutão. Plutaõ era filho de Saturno, e Irmaó de Júpiter Deos do Inferno, que favorece a arte p^r- niçioza da magica.

Nora 2Í7.

O. 42. verf. 7. Deos Pithio. He Apolo allím chamado por matar a Serpente Python , e deu o nome ás Pitonidas , e hu- ma das quaes , como da mefma Efcritura confta , fez aparecer a Saul a alma de Samuel.

Nota 268.

O. 45. verf. 2. Intrincado Labirinto. Labirinto de Creta^ era aquelle edifício , que dizem , guardava o Minotauro , fruto do amor brutal de Paíífe , irmaá delRey Minos , e onde todos fe perdiaõ , e ío Thezeo fe dezembaraçou com o fio , que lhe deo Ariadna , que foy feguindo , quando entrou , e quando fa» hio. Nota 269.

O. 45. verC 5. Paros , e Corinto. O mármore de Paros Ilha do mar Egêo , era o mais celebre , e o metal de Corinta, ^ compoz cm hum incêndio daquella grande Cidade do P olo-

nezó

48

NOTAS- .■

ponezo dos muitos metaes , que cafualmente , correndo fluid^i! com o fogo , fundirão aquelle preciozo mixto.

Nota zyo.

O. 45. verf. 4. Jónicas colunas. Entre aScfeçó" ordens dl architetura , que faõ a Tofcana , Doiicá, Jónica , Corinrhia , Compoííra , laõ as colunas Jónicas , das mais eftímádks , vejaõ-i íe as Tuas proporções em Vitruvio.

Nota Z71. ;'^^^' 'H

O. 48. .verf 5. Camparpe. Nefta ilnzaó 'Pafádb tJa glo- ria , fe reprezentaó a Henrique , as obras mais famozas dos Pin« fores antigos , e bem notório he , o lucccllo de Apeles, que endoudecendo pelo amor de Campafpe , a quem retratou por or-» dem de Alexandre , que a amava , efte magnânimo Príncipe lha deo para elpoza.

Nota 272.

O. 48. verf. 6. Duas Vénus. Eftas duas pinturas de Vénus, Nota 273. ;'':,''.;'' :;'v^'*''

O. 48. verf. 7. Anadiomene. VenuS 'Anadíòínerté ; fòy a que pintou Apeles fahindo do mar , e ifco lhe deu o nome , foy efta quadro taõ eftimado , que Augufto o confagrou no Templo Jnlio Cezar.

Nota 274. *57 .^x .0

O. 49. verf 4. Ifigenia. Tendo Agamcnon promettido fa«crí* ficar a primeira coufa viva , que o enconcraire , quando voitooi da expedição de Troya , foy efta a bela Princeza Ifigenia fuí| filha. Qiierendo o celebre pintor Thimantes pintar efte SaçrU ficio , exprimio nos femblantes de todos os que aífiftiaõ diver- Tos afedos de fina magoa , mas chegando a pintar o roílro Agamenon lhe parecco , que nem o debuxo , nem as cores pO"? diaó dar a conhecer a inexplicável pena de hum Pay afiito , c lhe cobrio o roíao com o mefmo lenço , com que enxugavSi Hs lagrimas.

Nora 275. V O. 50. verf. I. Xeuxis. A competência de Xcuxis com Pac-i fàCio fe reduzio a pinrar aquelle , humas uvas ( que he o fru^ ío , que Baco aperra, em que vieraó picar os pallaros ) porén^ Farraíio pintou huma cortina em hum quadro , que Xeuxis v]iiiz correr , cuidando que era verdadeira , e perdeo o premio: deftas , e outras pinturas fe veja Piinio na hirtoria natural.

Frsificifço Junio de Piólura veterum , ç Topi Vice í*ittor| «ptjfhi. ' ' ^ ' ' "" No?

D o F o E M J. 49

Nota. 176-

O. 50. vetf. 5. Protogenes. Pro:ogenes fez enrre outros quadros famofos, o do Caçador Jaliro>a quem deu para refiftir ao tempo triplicadas tintas , porque íe íe gaf- taíle a primeira , foflem ficando as outras.

Nora lyj.

O. 50. verf. 7. Jdifo. Jalifo era Paftor, ou Caçador que fe pinta com hum caõ , e le louvava o Ter robuílo , e veloz , e dizem deu íeu nome á Cidade de Jaliío na Iliia de Rhodes.

Noca 278.

O. 5r. verí. 1. Parrafio. Parraílo foy hum Pintor celebre, competiocom Zeuzis , veja-fe a nora 275. Com ©s exemplos dos que foraõ corftantes nn primieiro amor, íe perfuade pela fingi- da Matilde a Henrique, para que deixe o de Thereza.

Nota tj^.

O. 51. verf. 6. Orfeo. Moftra-ihe , que Orfeo confiante no amor de íiia El^^oík Euridice, a favor da fuavidade da ína Li- ra, a refgatou do abiíino, para onde voltou em caíligo da fua coriolidade

Nota 280.

O, 52. verf. 1. Hypficratea. Os exemplos defta Oitava faõ do amor conjugal , pois Hypficratea, mulher de Mitridares Rey de Ponto , depois de vencido eftc por Pompco , o feguio na guerra, veílindo fc á Perfiana.

Linceo foy o único, a quem Hipermneftra livrou da mor- te , entre os cincoenta filhos de Bello , a que matarão outras cantas filhas de Danao , as quaes pagaõ querendo no Inferno ef- gotar hum tanque com hum crivo, a fua infidelidade. Protefi^- láo foy o primeiro, que defembarcou em Troya , foy a quem livrou da morte Aquiles, amante de Dcidamia. E fcy Lauda- mia , taõ fina efpofa de Protifiiáo , que porque Hedtor o matou, pedio aos Deoles lhe deixalfem ver a lua fombra , e coníeguin- do-o , morreo de pena.

Nora 2S1

O. Í3. verf. I. Apollodoro. Digo , que foy ApoUodoro o Pintor, e quem pintou a hiftoria da conftancia de Penélope a íeu clpozo (jlifes, defendendo-fe em Ithaca das violentas inftan. cias de léus amantes, como cantou Homero, a quem chama- rão Milifignes, pela razaõ que dcy nas advertências prelimi- nares, era Apolodoro Athenieufe, e foy o primeúo , que ob-

f íervou

So : NOTAS '

fervou a proporção dos corpos, e iníigne no debuxo, e colorido.

Nota. z82. rnorifO. 54. verí. i. Calipío e Circe. Qiiem leo a OdiíTea d& Homero , ou a OliíTea de Gabriel Pereira , iiaó pode ignorar ©s encancos, com que Calipfo , e Circe, quizeraõ embaraçar a^ Ulifes com delicias , a que voItaíTe a ver íua efpoza Penélope , fem que o confeguiíTem. Lico foi caftigado , por deixar a fua efpoza Antiope por Dirce , que foy convertida cm Fonte, per- dendo os feus dois primeiros filhos.

Nota 28 j. O. ;8. verf. 5. Matilde. Apparece em fim a fantaílica Ma- tilde, tendo dito, que Pedro, e Sibilla filhos de Henrique eraó vivos, mas naõ que eraó Muley , e Aldara , e eu com a permiílaó de Poeta digo , que faó verdadeiros eftes fin^- nientos , para adornar o Epizodio.:

Nota zS4, O. 70. I. verf Acho fcmpre , que a gruta bulco a boca. Depois que a fingida Matilde quer perfuádit falfamente a Hen- rique, que a tiraiaõ viva da fepultura em Bayona, donde ve- yo bufcallo a Portugal, e que por premio do feu amor a con- duzira a Sibilla ao Palácio da gloria , que fe communicava com a fua gruta, lhe refere as maravilhas, e dehcias de que gozava para o tentar, a que abandonaílc fua verdadeira efpoza*

Nota 285. i.isi|í

O. 71. verf I. Nellc vejo os problemas. A primeira" ren-

taçaõ he enfínar-lhe os problemas , e fegredos:, que nunca fe

defcubiiraõ , ou que nos feculos futuros fe inventarão, e os

iíftemas da nova Filofoíia.

Nota. 28<j. O. 72 verf 1. EíTa pedra. Promete Matilde a Henrique » enfinar-lhe a fazer a pedra Filolofal , e explicando-fe com os racfmos termos, que os enigmas dos Alquimiílas , diz que he Elixir , e tirado de matéria celefte , que hade fixar o Mercúrio primeira caufa do ouro , e mais permursçoens defta arte fabu- Joza. Nota 287. *

O. 75. verf I. Vitrificaçaõ. O ouro quando fe expõem aos rayos unidos do efpelho uftorio , e convexo fe reduz a vi- dro, mas os Chimicos querem , que a pedra Filofofal tenha a cor, e efmake da vitrificaçaõ , mas que ficando branda para penetrar os poros dos mecacs, tenha a firmeza do ouro.

No.

D o P o E M J. ji

Nota zS8. 0. 75. verl. 7. Panacea. Naõ prometem menos os profeflbres, que a riqueza, e a faude , e elles laõ os primeiros, que naõ coftumaó ter huma, nem cjira , porque ambas fc lhes diífi- paõ no togo, e alllm ciiamaõ á pedra ■Filofofal Panacea , que fignifica univeríal medicina. Efre nome le vulgarizou applicando- fe a alguns remédios , que o naõ merecem : porque o que le applica a touai- as doenças , coiliunvi curar poucas , pois he <^i' íicil , que os achaques, e 03 temperamentos achem hum leme- dio univeríal , fendo caõ diverías , depois que Deos maudou guar- dar com huma efpada de fogo o pomo da vida.

Nota 189. O. 74. verf. 4. Filaderes. Efte nome fc diriva de Philos , que em Grego íigniHca Amor , e íe aos efcriptos , a que íeacribiie cauíàr magicamente efta paixaõ , vulgarmente chama- dos cacEa d&; cocar.

. > ?) 'Jt i ;::;■; jm ú íí. :■ Nota 190, O. 74. verf. 8. O Amor filho do crhne , c da violência.' Naõ he imprópria efta origem do amor criminofo , de que fe atribuem á arte magica violentos , c criminofos effeitos. g., Nota 291.

O. 75. verf 8. Huma fetta de chumbo. Depois de expli- car a projecção chimica, conclue comparando os effeitos da pe- dra filoíofal , de que hum he transformar o chumbo cm ou- jO, com os do Cupido, de quem a fabula diz, que com as fCttAs de chumbo caulava ódio , e amor com as de ouro.

Nota 292. O. 76. verf z. E a pedra. O Magnctifmo da terra naõ le pode explicar por principies fificos, e mathemathicos em hu- ma breve nota, porém com elle he atrahida , veja-fe Rohault na fua Fiíica , porém he certo , que a pedra de cevar fe naõ conheceo entre os antigos , mais que por atrahir o ferro, mas naõ por bufcar o polo do Norte , c no tempo do Conde D. Henrique , ou pouco depois , dizem , que le acha em hum Poe- ta Francez, que havia huma pedra amante do Polo ; chamava- fe o Poeta Guiot de Provines j os feus verfos traz Faucher , c dizem que pelos annos de 1200. íe principiou a conhecer, que bulcava o polo.

Nota 295. O. 7(5. verf, 5. Fogo central. Como o fogo do Inferno hp

fii m«.

52 ' N O "f ^ S

material, difconem alguns Filofofos como Kirker no feu Mun- do íubtenaneo , o Padre Gafpar Scoro no feu tratado da oii- gem das fontes, que defte fogo, e naó do calor do Sol fe formão os metaes . e fe produzem outros effeitos dentro na ter- ra, a que os rayos do mefmo Sol naõ podem penetrar.

Nota 194. O. 76. verf 5. Paralelifmo. Efte termo fc no fiftema de Copérnico a hum terceiro movimento, qne fuppoem na terra pa- ra confervar o feu eixo paralelo ao do univerfo , e fc advirta , que efta opinião, que fe fegue como Hypothezi , ou fuppofiçaõ, aqui íe trata poeticamente, ainda que pareceíle, que fe aífirma- va podem íatisfívzer-fe os efcrupulofos , com que aqui hc o De- mónio quem falia , e naõ coftuma dizer a verdade , e em hu- ma diíTertaçaó que fiz , fe poderá ler largamente efta matéria , lubre que fe acha tanto efcrito , e dizem que efte movimento íe naõ fenre pelo coftume , e que também com a .terra fe move o íeu ambiente , que he a regiaó do ar , que lhe eftá mais ve- fuihâ. Nota 295.

O. 77. verC I. Cubo duplicado. A duplicação da Cubo he hum problema de Geometria, que ainda fenaó refolveo poc lenaõ ter achado medida certa às linhas Diagonaes , que íaõ as que correm de canto a canto , c por iflfo fe chamaú .ainda^ia- çommeníuraveis. , U 6f^'\^^- o.i^iu.^ ^

Nota 296. \ ' í

O. 77. verf. 3. Com o circulo quadrada. A quadratura do Circulo fenaõ tem delcuberco ainda perfeitamente , porque íc- naõ acha a proporção da linha do Diâmetro com a da circunfe- rência , que cm Gtego fe chama periferia. Entende-fe , que a differença mais próxima de huma a outra linha , naõ he como 7. para 21. como lhe dava ò infigne Archimedes, mas de 115. para 355. como lhe aflignalla Adriano. Metio , ainda aíluu fe- naó ajufta.

, :j..:í^. Nota 297.

-?. . 0.':77, verf. 5. Moto perene. A mecânica, que he huma das partes rnais nobres, e mais úteis Matheraatica, contra a vulgar íignificaçaõ, que fe ao feu nome, tem ainda en- tre os feu s fegredos naõ deícubertos , o do movimento perpe- tuo, em que a mayor difKculdade eftá na duração dos inílru-. mentos, que le lhe haóde applicar , para que o primeiro im- pulfo fe fçmpre rçlUurando, deoois de voltar do centro da gravidade, N^-

D o T o E M A. ;3

^v: / Nota 25^8.

h O. 77 vciT. S. Se o pêndulo. O famofo Holandcz. Huygens acKou a m<sditJa da Cicloide, e por ella ajuftou as vibraçocns , e olcilaçoens do pêndulo, que logo applicou com grande uti- lidade para a certeza dos relógios ; e fe lioiiveíle hum , em que efte movimento perfeitamente í'e ajaftalle, e naõ fe alteraíTe com a agitação dos Navios , fe acharia a deíejada certeza da navega- ção de Lefte ao Oefte para o ponto fixo das longitudes com- parando a hora, que moflrade o Sol como o relógio da Pên- dula aílígnaline , que havia de Ter a que entaõ foíTe no Por- to de que lahio o Navio , por onde fe faberia pela diífercnça dos meridianos, e parallelos , quanto Te tinhaó apartado para o OdCiíte » pu para o Occidente uttxii. ,c-i ,>!f Nota 199'

O. 78. verf. I. Antecipar prefume. Naõ ío promette a en- ganofa Sybiila para tentar ao Heroe os problemas , e inventos que ainda fe naó deícobriraõ , mas 03 que no feu feciilo naõ eftavaó defcubertos : entre eíles foy hum dos mais úteis o da impreíTaó ; e aílnn o íeu inventor , como o verdadeiro anno , em que principiou , naõ eílá de todo averiguado, mas a opinião mais commua he que efta gloria íè deve á Cidade de Mogun- cia, primeiro Eleitorado de Alemanha , onde Joaõ Faufto, ou Full , c Joaò Gutemberg com humas letras abertas em huma taboa que encherão de tinta , foraó aperfeiçoando eíla Arte , e aggregaraõ Pedro Schefer entre o anno de 144.2. e o de 1450. porque antes deites naõ. ha com certeza livro impreflb. A Cida- de de Harlen» em Holanda diíputa efta gloria como pátria de Lourenço Cuiter, a quem dizem furtarão o fegredo os dois re- feridos de Moguncia íèiido elle feu hofpede. Ke certo, que os Europeos acharão eíla Arte na Chiui , onde era muito aar tiga , e o mefmo dizem da Pólvora..

Nota 500. ,0. 78. verf. 7. Microfcopio. :OcuIo de ver coufas peque- nas, como diz o feu nome Grego, e ha quem affirme , que com elle fe vem infecTros de que o Oiíaó , que era o mais pe- queno , que fe via com os olhos , faz tanta differença , como o Elefante fazia ao Oifaó : com efte inítrumento fe tem defcii- herto,.queos Médicos, e Filofofos antigos difcorreraõ errada- mente por falta de huma taõ útil invenção rcfervada para os Igculos mais modernos. , ,

No-

J4 : N O 1 A s

Nora 501, O. 78. verf. 8. Teíefcopio. Oculo grande para obfervar as Eftrellas , como também diz o íeu nome, e faó tantas as que fc deícubriíaõ com efte excellenre inftrumento , -que fendo f 6 , eómo apontey lozs. as que fe vem com os olhos, na Conf- telaçaó de Orinn fe achaó quaíi outras tantas j a elle devemos ver os Satélites de Saturno , e os quatro de Júpiter, de que as cmitinuas emerfoens , e eclipfes deraõ pelas taboas Loxodro- micas tanta luz ás longitudes.

Nota 502. O. 79. verf. I. Contar do tempo. A invenção dos reló- gios , que íe propõem a Henrique , poderia íer conhecida no feu tempo , pois fe affirma que Hayton Rey de Arménia man» dou ao Emperador Carlos Magno , pouco depois do anno de, 800. hum relógio de horas com muitos movimentos diveríòs , mas antes do anno de 1300. naó foy mais conhecida em Eu- ropa , ao menos em Portugal, eíla admirável invenção, que ran«. to fe aperfeiçoou em Inglaterra, e com o pêndulo, como diífe, vejá-le o exceliente Poema , que em louvor dos relógios efcre- yeo Hieronymo Preti Poeta Italiano, e principia,^ Fabricando fomra , e viva rmie , > ' /' arte fi moffe ad emular natura.

Nota 305. O. 79. verf. 7. Panecio. O Filolofo Panecio eníínou , co- mo.diz Cícero , excellentes máximas militares ao grande Sci- físLÔ Africano. Veja-íè no iivro 5. de Officiis.

Nota. 504V" O. 79. verf, 8. Vegccio. Flávio Vegecio Varaõ confular , que floreceo no ... . feculo efcreveo a Arte militar mais completa , que temos dos antigos , e íe imprimio na ediçaõ de 4. de

do anno com excellentes notas de vários Autores, e

alguns lugares íe explicariaõ melhor fe íerviíTc hum manufcriro do mefmo tempo do Conde D. Henrique , que íe conferva na Livraria Ericeiriana.

Nota 305. '^ O. 80. verf. 8. Germânia. Invenção da pólvora veyo de <3ermania, ou Alemanha, e íe atribuè a hum frade chamado -Bertoldo Schuartz , que fignifica negro, no decimo quarto fe- culo. Dizem que uz.araõ primeiro delia os Turcos no íitio de Rodes, e em Portugal foy ccnhçcidd no de Lisboa no tempc»

dei

D o T o E M J. jy

delRey Dorrt Joa5 o primeiro , de que eu vi aiiula na Fortaleza de S. Juliuõ ca Barra de Lisboa as primeiras peças muito informes chamadas Trons, que atirnvaó com balas de pedra de que os Tur- cos ainda ufaõ nas fuás Siikanas , lançando-as de extraordinária grandeza, nas nàos dos Condes do Rio grande, e S. Vicente, quan- do eftes os vencerão nos mares de Grécia, como referi no fe- gundo canto. Nota. 306.

O' 81. verí. r. Dois mineraes a hum material unidos he bem vulgar que os dois mineraes íaó o falicre, e o inxofie, e o materiai o carvaó , e que deíles três ingredientes fe faz a pólvora.

Nota 307.

O' Sy- verf. I. O íítio fótma: como a Sybila moftra a Henri- que em profecias os effeytos da pólvora, como no feu Orlando fii- rioío aleguey nas advertécias preliminares fizera o admirável A riç)f- ro, também em poutos veríbs deduzi os termos da fortificação moderna na expugnaçaó , e defenfa das praças que vay nefta oita- va, e na feguinte, e de que íupponho , que os meus leitores eftaraõ inlhuidos , podendo ver as íuas difinicoens entre outros autores no eftimavel Livro intitulado Engenheiro Portuguez que compoz^ o Sargento mor de Batalha , e Engenheiro mòr Manoel de Azevedo Forces , meu Meftre da Filofofiá Carteziana, e de algumas partes da Mathematica, que me naõ tinha cnfinado o incomparável Ma- noel Pimentel Cofmografo mor.

Nota 505.

O' 87. verí. I. Exalaçoens : também pintey hum fogo artifi- cial comparando os frutos das fuás arVores com os pomos de ouro do jardim Heíperio , explicados. ,;;

Nota. 509.

O' 90. verf. Da belliífima Matilde: como efte palácio da gloria humana he todo formado pelas illufoens dos màos efpiritos para preverter a virtude de Henrique, aíiim como hum tomou a for- ma âíi morta Matilde, outro fe transformou na virtuofa SibiilaHc- rophile pira authorizar efta ficção.

Neta 310.

O* 91. verf. 8. a Affonío : Qiier a falfa Sibilla perfuadir à Heniiquc,que Matilde eftà viva,c que como também ocfià feu filho Pedro, e.'tc deve fucccdcrlhe, e naõAfonfo, e que bem fe , que o Ceo no embaraço com que lhe vedou o poder andar , moftrou a inutilidade, também alegoricatnenre da a entender, que peia melma cauía havia de fubílituic muitos íçculos depois a£lRcy

Dom

56 N O T J S

Dom AíFonfo Texto o Infante Dom Pedro íeU irmaõ. 'j

Nota 511. O' 9i. verf. 7. Filha de Aclòo. as Sereas eraõ filhas de Aclòo , e fuípendiaó com o canto , paia matar depois a quem as tinha ouvido.

Nota 3 i i. O* 9z verf. 8. Canto Lidio. O canto Lidio , e a muíica Cromathica. O canto Lidio, he hum dos íete, ou oito modos dos cantos antigos, he dos mais íuaves, veja-fe Prolomeol. i. cap. 10. cMerfeno de armonia: a Cromática he a mufica , que tem mui- tos finaes , intervalos , cordas , e kmitonos , que íufpendem, e ad- miraõ agradavelmente aos que a ouvem.

Nota 315. ,

O' 93. verf. I. Alma do mundo. Os Filofofos antigos entenderão que o mundo era animado, e Platão, que o amor era efta alma.

Nota 3 14. O' 94- verC 4. No antigo eípofo: Tythan erpofo de Aurora envelheceo de forte, que ella madruga por fugtrlhe, e diz a fabu- la, que ifto fuccedeo pelo defcuido em que ella pedio aos Deoíes que lhe deflcm a immortalidade eíquecendo-lhe pedirlhe, que o perzervaííem da vslhice confervando o na idade juvenil em que eftava.

Nota 315'. O' 94. verf. Aóleon : Diana, que permíttio por decorofosos affedos de Endimion preiniando-o em fonlios, cafligou por íacri- Icga a cuiioíidacle de Acleon , a quem tranformou cm cervo por- que a efpreitou eftando com as fuás Ninfas no banho.

Nota 3 i(j. O' 96. verí. 8- Amor gigante : explicamos a fabula de Clicie, e o Girafol em que fe converteo, fe chama também Acan- tho, e flor gigante, por ler a mais alta das flores.

Nota 317. O' 97. vor(. 1. Vibora : entre as fabulas que os antigos que efcreveraõ a Hiftoria natural affirmaraó^e que os Oradores, Poetas, e Filofofos moraes feguiraõ para as íuas comparaçoens, deo a vibo- ra baítante aíTumpto. dizendo, que para que íc naú mnltiplicafleefta eipecie veneiiofa, perde o pay a vida ao gerar , e a máy ao parir . 3íJi> ,i^í>fi..! } fc ,'i j .■'ií'rrr-i:-Nota 318,

y^.HíQf lo^/tvepfi- «v Três talentos á conítancia de Henrique u.'/l vay

D o P o E M A. 57

vay defcubrindo os enganos do génio maligno trânsforniado na Sibilla, elhe argue, que perfiiadinilo-o a que fique naqaellc Palácio lhe difliculre o empregar no templo de Maria os trts talentos que lhe deo na giuta como vimos no Canto 2.

Nota 3Í9.

O. III. verf. I. Divina Aurora. He efra oitava como todos advertirão huma tradução fiel das palavras , que a Igreja applica a Nolfa Senhora nas ílias liçoens : Qua^i , aurora confurgens , pulcbra ut Lttna , eleãa m Sol , terrtbíits , ut cajirorum acies ordwata.

Nota 310.

O. 112. yer{. 7. Gitaldo. S. Giraldo Arcebifpo de Draga Primaz das Hefpanhas floreceo em letras , e virtudes no tempo do Conde Dom Henrique, c por efta catTa o introduzi no Poema para o confelho, para as acçoens do Sacerdócio, e para as inf- piraçoens , e milagres.

Nora 52!.

O. 114. verf. 8. A quinta de Rcfende. S. Giraldo confirma com huma revelação , que tudo quanto tinha viílo Henrique , fora ilufaõ Diabólica , c o conduzio para a quinta de Refende em que ainda hoje fe conferva a cafa, e a tradição de que nella fe criara ElRey Dom Afonfo Henriques , e foy como digo na oitava feguin- te da familia dos Rezendes, aquém herdou ailluítre dos CaftroS hoje Almeirante de Portugal.

CANTO V.

Nota 322. O. 1. verí! I. Dia do Sol. Como os dias da Semana eraõ dedicados aos íete planetas , fe applicava o Domingo ao Sol em quanto a verdadeira Religião o naõ fantificou.

Nota 325. O. 1, verf. 1. Contava a tradição. A hiftoria do defcubri- mento da Imagem de NoíTa Senhora de Carquere , he aqui quafii copiada da mefma que efcreve Fr. Agoftinho de Santa Maria , no Santuário Mariano Sigo a opinião de Faria, e ou-

çrps , que atribuem a fundação ao Conde Dom Henrique em 1099. por caufa do milagre , ainda que Cardofo , e outros dizem que foy em 1 13 1. por ElRey D. Afonlo Henriques fendo Infante.

Nota 524. O. ;. verf. 4. Bronte. He Hyperbole como toda efta oitít-

s va

j8 ; NOTA ÍJ O.

va dizer que o caftanheiro era taõ alto , que excedia ã região das nuvens, e aíHm deixava inúteis os rayos na forja, onde Bronte , e Eftercpe dois dos ties Ciclopes os fabricaò. Naó he fabula dizer que na terra ha montes mais altos que as nuvens , porque o Padre Fernando de Ovallejezuita de grande fé, refere na fua Hif- toriade Chili , que foj com alguns companheiros ao cume de Ser- ranevada chamada Cordillera, e Andes na America, onde ac- hou , que as nuvens, vento, chuva , e rayos cahiaõ fohre a terra fi- candolhe eiles fuperiores, c para rcfpirarem em elemento taõ puro levarão remédios humeíSlantes , com que ícmprc eftavaõ molhan- do a boca , e os narizes.

Nota 52 f. O. 6. verf 1. Hamadriadas. Ninfas que eílaõ nas arvores, como fingio a fabula , e fignihcaó a fua alma vegetativa, comoella com os feus Filofofos íe explicavaõ, naó conhecendo ainda que ha nas arvores huma circulação de Suco como nos homens, e nos brutos , e que o fecarfe hum ramo he como fe faltaífcm os efpiri- tos , paraíTe o fangue, donde procede nos homens a Paralyzía. liiveíligou melhor, e delcobrio a anatomia das Plantas, o cele- bre Mapighl. Nota 5z6.

O. 6. verf j. Sacro metal Sonoro. O Santuário Mariano ja alegado conta que a imagem de Carquere fe achou no concavo do tronco de hum caftanhciro dentro de hum pequeno íino.

Nota 527. O. 7. verf. 2. Dodona. As arvores de boíque de Dodoha cm Giecia refpondiaõ como Oráculos , e lhes dava efte ufo Jafon , confultando o maftro grande da fua nao Argos, que era feito de Jiuma deftas arvores.

Nota 528. O. II. verf. 5. Paládio. O Paládio foy a caufa do incêndio de Troya fendo dedicado a Palas ocavallo de Madeira, quecncu- brio os Gregos que àabrafaraó, e era o Paládio o fímulaçro de Palas , qnc cahio do Ceo cm hum templo de Troya , e como nao podia ler ganhada , fcm o roubarem , o confeguiraõ Ulyfes, e Dio- mcdes. Nota 329.

O. 12. verf. 6. Claraval. Profetiza S. Giraldo, que o Reynó de Portugal íèmpre feria gloriolo , pois o Conde Dom Henrique o fundava com o templo de NoíTa Senhora de Carquere, e ElRey D. Afonfo Henriques o faria feudatario a NoíTa Sci^hora de Cia- tàval , que hc o Orago em França da Ordem <ic Cifter que S. Ber-

nar-

D o F o E M J. 59

nardo entaõ cambem fundava, e pronofticou ao mcfmo Rey as mayores fortunas. Nota 530.

O- 12. verf 6. E hum Joaò. FIRcy Dom Joaõ o quârto de- pois da fua feliz aclamação, jurou a Conceição Immaculada . e a declarou piocectora do Rcyno pagando-líie cada anno hum feudo em medalhas de ouro dedicadas a eternizar efta devoção , e feofíe- recem pelos Reys feus fuceiTores na fua Real Capella para fe paga- rem à Conceição de VilJa Viçoza.

Nota 551.

O- i. G. verf. 6. Circes, e Medcas. A formofura de Axa, e de Aldara, naó ncceliitava dos encantos com que Circequiz de- ter Ulylles, nem dos de Medea , que pelo amor dejafon fez pela fua magica tantos prodígios em Colços para roubar o Velocinio de ouro, e depois ciofa de que elle ingrato a deixaíTe por Glauca, ou Crcuza filha de Creon Rey de Corintho,as queimou, e defpedaçou os dous filhos que a mefma Medea tinha dejafon, e quando antes do incêndio do feu Palácio apparecendo pelo ar em hum car^ro de Dragoens de fogo , elle duvidou , que lhe pudellc fazer dano quando tinha experimentado os portentos com que lhe tinha guar- dado a vida, lhe refpondeo ella com aquelle admirável Dilema, que nos confervou Quintiliano fendo quaíj o único fragmento , que permanece da tragedia de Medea compoíla por Ovidio, e jul- gada por igual ás melhores dos Gregos.

Servare potui, perdere anpojfim rogas ? Veja-íê Quintil. inft. Orator. L. 10. cap. i. Ov. Metarmorph.

Nota 352.

O. 37. vern I. Roberto. No principio do primeiro Canto feleo, que Roberto quando pela fua parte rebateo no aíTalto de Gayaaoaftuto Muftafà lhe deo a vida, e o captivou, o que Axa lhe lembra para mudar-lhe a generofidade de Roberto em ter o intento de perpetuarlhe com a vida , a ignominia , facilitando lhe a íua confiança meyos da fuga pois lhe deixava toda a liberdade 110 campo em que andava livre.

Nota 535.

O. 38. verf. I. Frio Hermínio. fe difle que era a Serra de Eftrella , e Axa encaminha a Muftafá para que defde Lamego a bufcar , e delia venha ao Tejo para entrar na Eílremadura , ou paíTar ao Alentejo ambas dominadas pelos Mouros.

Nota 554.

O; }9' verf? i. Galego , e Portuguez. He o Dialedo, que

g ii diz

6o NOTAS

diz o primeiro verío hnma diveríidade da mefma língoa nas Pro- vincias em que fe falia, de qne os Gregos tinliaó cinco que iodos eiaõ permitidos aos Poetas. O Galego , e o Portuguez faõ dois dialedos de Efpanha. O erudiciílimo Feijoo no fcu Theatro Critico pertende, que a língua Galega íèja a de que fc diriva a Portugue- za, e fendo corrupção chamado Romance da Romana: porém Mar- tinho de Mendoça e Pina noflfo doutiflimo Académico, refpon- deo eruditamente a eíla opinião em hum papel, que imprimio a- nonimo, e eu no juizo que fiz da incomparável obra do Theatro Critico acieícentey novos fundamentos fendo hum delles Dom Jofé PelUcer no íeu tratado da Hngoa primitiva de Hefpanha em que pertende provar, que a primeira que nella fe fallou foy a do Fuerojufgo, e eu procuro moftrar que efta hc mais Poctugucza antiga que Galega.

Nota 3 5 5 O. 40. verf 4. Clorinda. Clorinda Rainha de Gaza he a Heroina de TaíTo entre os Mahometanos, eu lhe atribuo efta guerra de Perfia , e efta diíçipuia Ermaíinda, que ao menos rac deo hum coníoante.

Noto 5 3(J. O. 41. verf 5. Ave de Marte. O Gallo como fintinella tam- bém he Ave de Marte deos da guerra , e os antigos dando huma lazaõ cfpecuktiva ao feu canto da meya noite chamado Galicinio dizem com pouco fundamento que he porque o Sol paíTa naquel- le inftante diametralmente por debaixo dos feus pèz nos feiís an- típodas, c o pofto meridiano do inferior emisferio.

Nota 337. O. 42. verf, 4. Vay defconhecido. Da origem de eícrevet por cyfra ha pouca noticia na antiguidade, e menos da maravi- ihoíà arte de decifrallas, a que feda o nome de poiigrafia- Hum dos primeiros, que tratou das regras de cifras foy o AbadeTrithc- mio, e quem elcreveo melhor da arte de deícifrar foy o Du- que de VVirtemberg,tambem fe chama efta arte Steganographia.

Nota 358- O. 41. verl. g. Com a Imagem da guerra. Bera fc deixa ver que bc a caça, conforme ao fabido verfo. O ÇA^a viyji wiagta de ia guerra. Nota $39, O. 48. verf. I. Da Lua. Dia da Lua /ic a fegunda feira, e a Hngoa Portugueza sntre as polidas í© a que tirou 3 memoria

do

D o T o E M J. 6i

do Gentilifrao nos dias da femana chamando com a Igreja fegiinda feira, ou feria, porque fe corrompeo, a efte, e a os outros dias de que he o Domingo o primeiro depois do Sabbado, e por iiro fe chamava com os Hebreos , como le no Euangelho da Pafclioa, Prima Sabati, a que outros diziaò , Una Sabatorum.

Nota 540. O. 49. verf. 5. Exalta Luminoíb. O Polo do Norte aqui fe chama de Califto porque he o nome da Vrfa mayor , que com a menor chamada Cynozura lhe eftaó vizinhas: Lisboa eftà em 38. gràos, 645. minutos de latitud.

Nota 341. O. 49. vcrf. g. Nove mil vezes. As legoas Portuguezas tem cada huma três milhas de Itália , que cada huma he de mil paíTos geométricos de que fe formou o nome de milha , c de Lamego ao templo de Carquere fe contaõ pouco menos de trcs legoas. Da» Portuguezas faziaõ 17. legoas, emeya, hum grào; porem por evi- tar o quebrado, introduzio juftamente Manoel Pimentel na fua incomparável arte de navegar, que cada grào do circulo da terra fe contaíTe por ^8. legoas Portuguezas com que tem o feu circulo máximo multiplicundo-as por 560. gràos 6480. legoas.

Nota 541. O. 51. verf. 5. Leys Olimpicas. Bem fe fabe que os jogos O- Umpicos foraõ os mais celebres de Grécia, e porque fe celebrava© de quatro cm cjuatro annos fe contava o tempo por Olimpíadas,

Nota 343. O. 5*1. verf 7. De Ifthmo, ou Nemeo, e ainda o grande Pitio. Dos jogos Ifthmicos porque fe celebravaõ no Iftmo deCo- lintho fiz memoria. Os Nemeos fe çonfagraraõ a Hercules por matar o Leaõ Nemeo, os Pitios a Apolo por vencer a Serpente Pi- thon, de donde fe chamou Pitio,comoja adverti no quarto Canto, todos podem verfe em Natal Comes na Mythologia, e em mui- tos filólogos. Nota 344.

O. $1. verf. I. Muza , que o entuííafmo , e vaticinio. A invocação da muza no meyo ào Poema he muito uíada , baile para exemplo Camoens , que tendo invocado no principio as Ta-r gides, invoca a Caliope.

Agora tu Caliope me enfina , O que contou ao Hey o iilufúe Gauia. Éntuziafmo he o furor , ou nobre loucura dos poetas , vaticinio o que pronofticaó , e por iílo foraõ chamados vates, e eu bem

poflb

62 NOTAS

poíTo nefte lugar invocar huma Muza Sacra,como fiz no princípio" de Poema , pois os jogos eraó cambem Sacros dedicados à funda- ção do templo da Virgem Maria. Lembro primeiro à Muza os jo- gos, que Homero defcreveo no fim da Iliada confagrados por Achiles nas exéquias de Teu amigo Patroclo filho de Menetio , c ciiamado Meneciades , e naõ íêy como na5 quiz algum ignorante adulador dar aos Meneies efta fabuloza origem como feriamcnce íe acribuio a algumas , pella íèmclhanca dos nomes.

Nota 545.

O. 52* verí. 5. E nos do Pay do fundador Lavinio. Virgílio uoqumto livro da Eneada cantou com eftillo fublime os jogos qne ceiebrou Eneas depois eípofo de Lavinia , e fundador do Reyno de Itália :

Lavina que venit ittora , na morte de feu Pay Anchizes.

Nota 546.

O. 52. verí. 5. Papinio. Eftacio Papinio deícreveo com grande efpirico, e muito largamente h uns jogos na fua Thebaida , que como adverti, procurey imitar nefta parte, mas Como elle re- conheço, quando digo ao menos , e elle he inferior a Homero , e aVirgilio. Nota 347.

O. 54. vcrf. 2. CipariíTos. Foy CipariíTo favorecido de Apo- lo , e pela fua morte trágica, foy transformado em arvore trifte, e deftinada para as pompas fúnebres.

Nota 548.

O. $$-» verf. I. O inftrumento de Ceres. He a foice deíla Deofa da Agricultura.

Nota 549.

O. 5í. vcrf. 3. Volturno. He hum vento rápido.

Nota 3 5'o. O. $6. verf. 2. Circo. Em quanto a Lua deícreve o ícu circulo de hum mez fe previne na terra o circo, que he o lugar on- de çelebravaó os antigos os jogos que chamavaõ Circeníès, vcja-íè o douto livro que delles efcreveo Onufrio Panvino.

Nota 551. O. -jC. verf. 8. Artur , e Carlos Magno. As verdadeiras híA torias defte dois herocs de que hum foy Reyda Giàó Bercanha, çu-

tro

63

D O P O E M J.

cro Emperador Rey de França, fe alcerararaó com muitas fabulas de Cavalleiros Andantes, e dos da Tabula redonda com muitos amores, e Torneios. Nota 552.

O. 58. verf. 2. Ecliptica. He a Ecliptica o circulo, e cami- nho que faz o Sol em linhas efpiraes na esfera Celefte, e corta o Zodíaco fem paíTar dos dois Trópicos, eaqui fe compara poetica- mente ao lugar que occupavaó asPrincezas, cDamas, aquém os Poetas liberalmente naó daõ menos, que dois Soes a cada huma.

Nota 553.

O. 61. verf 5. Pan. As producçoens , que Pan transfor- madas faõ as canas mudando-fe em huma a Ninfa Syringa fugindo o feu amsr , e aflim defcrevo a fefta Heípanhola do jogo das ca- nas, qne he huma das mais luzidas, e fe compõem de quadrilhas de féis cavalleiros cada huma de que hum fe chama quadrilheiro , outro Mouraõ, veftidos à mourifca com marloras , e capelhares, nomes próprios deíle trage, e cada huma he de cor diverfa , e nas fefta$ Rcaes fe tiraõ eftas cores por forte na Secretaria de Eftado.

Nota 3*54.

O. 61. verf. 8. A maõ de Midas. Para dizer que as canas eraõ douradas lhe applico a fabula vulgar de que o avarento xVlidas Rey de Phrigia pedindo aos Deofes que tudo o que tocaífe fe con- verteífe em ouro, e fuccedeo o meímo com o que intentava comer, e morreu de fome, de que fe originou o adagio : Itiopem me copia fectt. Nota 355.

O. 6i. verf. i. Opulento metal. O ouro, que he o metal mais rico, e que fe atribue ao Sol, era fera outra figura , o efcudo antigo dos Menezes que tomarão o axpelido em Dom Tello Peres de Menezes filho de D. Pedro Bernardo, e Senhor de huma Villa defte nome , e de outras muitas. O Padre Menellrier na fua Scisn- cia do Brazaó, em que he texto, traz pelo primeiro exemplo da re- gra das Armas o efcudo de ouro puro, que trafia Dom Joaõ de Menefes, que cafou com Maria de Borgonha, que ignoramos quem foílc. Das mudanças defte efcudo naõ trato agora , e íó do tim- bre em que fallaó os dois últimos verfos,direy, que he o que depois fe lhe applicou fundado na hiftoria fabulofa de huma filha delRey Dom Sancho, ou Dom Ordonho de Leaõ , que efteve em huma torre; e fugio com hum cavalhero, que a enganou caiando ella com Tello de Menezes, e em lugar áo meyo corpo de mulher em huma torre que traziaõ por timbre os Condes de Cantanhede che- fes defta família ihe dco.EiRey Dom Manoel huma flor de Liz no

incf-

64 ' NOTAS

mefmo ca ftello, quererá ja h 11 ma parte do mefmo cfcudo no qual eíta Caía de Cantanhede ja trazia as melhias flores de Liz cfquar- tellando-as com as Armas de Portugal,e França fobrepoftoo elcudo de ouro ç o mo hum anel armado de purpura,que cambem ceve ori- gem da mefma hiftoria incerta da Infanta de Leaó.

Nota 555. O. 65. verl. I. Em campo de ouro &c. As armas dos Ta- voras , que faó em campo de ouro ondas azues com hum Delfim que comparo ao que Arion acrahio com amufica, ec livrou quan- do o arrojavaó ao mar em huma tormenta, tiveraõ a origem que lhe a hiftoria em Dom Thedon , e Dom Raufendo , netos del- Rey Dom Ramiro 11. de Leaô pelejando no rio Távora contra os Mouros. Efte heroe chamo Dom Ramiro , e poderia fer o que fe apelidou Pinhones. A letra : qtiafcunque jindit ^ hc huma efpecie de divila,que fez do efcudo corpo daempreza,c lhe acrefcencou Luiz Alvares de Távora primeiro Marquez de Távora terceiro Conde de Saõ Joaõ, hum dos herocs defta familia,de que logo íè traçará, igualando-o léus dois Irmaõs Miguel Carlos de Távora Conde de Saõ Vicente , e Francilco de Távora Conde de Alvor , efte Vizo- Rey da índia , aquelle General da Armada , ambos do Confelho de Ertado , Preíidentes do Confelho Ultramarino, e Governadores das Armas, e todos três de igual valor , e capacidade.

Nota 557. O. 64. verf I. Claro metal. A prata metal da Lua com hum Leaõ de purpura faó as armas dos Silvas defcendentes delRey Dom Fruella II. de Leaó, e he Dora Guterte Alderete da Silva rico ho- mem, que florccco por aquelles tempos, hum dos heroes defte Poema, e he tronco de muitas , e illuftres famílias de Portugal, e Helpanha, como pode verfe na hiftoria delia Cafa , qne com grande acerco efcreveo Dom Luiz de Salafar, c Caflro.

Nota 358.

O- $^, verf* I. Sc o Ceo grava. Nove cunhas azues em cam- po de ouro he o efcudo das armas dos Cunhas cambem defcen- dentes delRey Dom Fruella II. de Leaõ : defta familia , e da dos Menezes eícrcveo a hiftoria, que ficou manuefcrica , o cfcripcor Cenealogico jaallegadona noca antecedente. Foy Dom Pa/o da Cunha illuftre em armas hnm rico homem do íèculo do Condç Pom Henrique. Nota 559.

O, GG. verf i. Com claro argento. Ainda os Souzas da Ca» ík dos Marquezes de Arronches hoje Duques de Lafoens naó ti-

nhaó

D o F o E M J. 65

nhaó efqnartellado o efcudo com Armas Reaes de Portugal , que no tempo do Conde Dom Heniique naó havia, e lhe entiaraópor ElRey Dom Atíbnfo III de quem dcfcendem por leu filho Dom Artbnfo Diniz , que he huma das fuás três alianças Reaes (èndo af outras duas , a que tem por muicas linhas delRty Dom Joaó I com a Real Cala de Bragança , e a do Senhor Dom Miguel tilho legiti- mado delRey Dom Pedro II. que calou com a Senhora Dona Lui- za Duqueza de Lafoens , e herdei ia defta Cala. O Conde D. Men> do de Souzaõ ^o^ valeroíb contemporâneo do Conde Dom Henri- que , e advirtafe , que eftes Condes naó eraõ como os que (e crea- raó depois pelos Reys,dos quaes foy o primeiro, que houve em Por- tugal D.Joaó Afíbnío Telles de Menezes feiro por ElRcy Dom Diniz CondedeBarcellos em 1298. eaquelles Condes eraõ governadores de terras,ou Senhores delias, que acompanhavaõosReys,de que lhes veyo o nome de Comes, que íignitica companheiro, e primeiro íoraó no Império do Oriente chamados Condes Palatinos, por terem no Palácio dos Imperadores as mayores dignidades, c entre todos os títulos he o de Conde o mais antigo.

Nota 360. O. 67. verf. i^ £gas Moniz, As armas dos Arahides que deduzem de Egas Moniz fegundo heroe deftc Poema os genealó- gicos, íaõcm campo azul ( que heacor da cerúlea Thetis Dcoíado mar ) quatro bandas de prata. O defcendente defta família , que fez na Índia Oriental heróicas acçoens, foy D. Luiz de Atahidc Conde de Atouguia no tempo dclRey D.Sebaftiaõ, efaço aalnzaô de que tudo íe deve ao devoto zelo com que Egas Moniz buícoa o Oriente, ou o novo nafcimento da imagem de nofla Senhora do Garquere. Nota 561.

O.óg.verf i.Pelayo Amado.As armas dos Almeidas, faó em cam- po de purpura húa Cruz dobre de ouro çom íeis Bezantes de ouro que faõ moedas, que na regra de Brazaõ dizem ter cíle nome de Bi- zâncio,hoje Conftantinopla , ou de Bezancon cabeça do Condado de Borgonha , de quem o Conde Dom Henrique delcenciia por Sibilla lua IVLíy, e naó por Henrique íeu Pay, ccmo muitos quize- raó , de que naíceo a celebre equivocaçaõ de entenderem alguns i que era filho de hum Emperador de Conftantinopla , pois len- do-fe, que tinha vindo cx partibus Vezuntinis entenderão By- zanrinÍ9. Pelayo Amado progenitor defta illuftre família he he- roe que tem a parte heróica, e Erótica, ou amcroza com mais frequência ntfte Poema. Elias armas ufa o £mincotiíIimo Cardeai

h Doi»

66 N O T J S

Dom Thomaz de Almeyda primeiro do nome , e piimciro Patriar- ca de Lisboa com as mayoros honias, Ecleíiafticas , eCiviz, que lhe dco a Apoftolica , e ElRcy D Joaó V. dignas do feu Tangue , virtudes, e letras. Em huma dincitaçaó que hz lobre as Armas da Santa Igreja Patriarchal obfervey, que no eícudo do feu primeiro Patriarca, eftava , parece que profeticamente a purpura de que fe adorna, a Cruz dobre Patriarcal, e as moedas de outo , que fimbolizaõ as rendas, que ElReylhe acrefcentou, defentrahando-as das Minas da America, de que também na Bula Áurea tinha o ti- tulo, para diftribuillas pelos pobres do Ocçidente. Sendo o timbre deftas armas huma Águia volante, gerolifico do fublime génio, e do imperial fangue do Rey que erigio efta fuperior dignidade, c que enriqueceo a nova Igreja, e os feus Excellcntifllmos , eReve- rendiílimos Principaes. Defta Cafa lia muitos illuftres ramos.

Nota 362. O, 69. verf I. Outra Cruz. Os Pereiras tem por brazaó em campo vermcliio huma Cruz de prata floreteada de verde, e defta familia defcende pello grande, e Santo Conde D. Nuno Alvares Pereira a Real Cafa de Bragança , e delia todos os Reys , e Sobera- nos da Europa, e todas as familias 'illuftres de Portugal. Foy Dom Rodrigo Forjaz emulo no Jiome, enasacçoens, de Dom Rodrigo Dias de Bivar chamado o Cid , cde ambos fe dizia , q.ie naõ faziaó os Reys de Caftella, e Leaõ muito, em alcançar tantas yiótorias dos Mouros tendo por Generaes eftes dois Rodrigos.

Nota 365. O. 70. verf. I. De outras Regias familias. Bem defejava fa- zer memoria de outras familias, que ja eraó conhecidas no anno j 106. que he o da acçaõ defte Poemua , porém dos Vafconcellos , Coutinhos, Mcllos , e algumas mais faço memoria em outros luga- res. Também naõ podia tratar das que defcendem dos nolTos Reys, de que exifiem muitas , porque ainda naó tinhaõ por afcendente jlá fua varonia , fe naó o meímo Conde Dom Henrique fucceden- do o mefmo às que fe derivarão depois dos Reys de Hefpanha , e as que vieraó a Portugal de outros Reynos, onde ja eraó conheci- das. Efte Poema naó he genealógico , nem he jufto que nefte eftu- do entre a poefia a acrefcentar as fabulas que a muitos livros de genealogias introduzio a malicia , a inveja, a ignorância, c a lizonja. Nota 364.

O. 71. verf. 8. Mercúrio, Marte, Júpiter, e Apolo. Dividin- do nefla translação as. eílrellas em fixas , (^ue faó as (jue conthem as

vin-

DO F O E M J. 67

vinte,etres Conftellaçoês do Norre, as quinze do Sul,os doze lígnos as doze Conflellaqoés novas rambem Meiidionaes,quecom os Por- tugiiezes formou em Níalaca Federico Hotman,eas muitas eftrellas, que como adverti fe deícobriraõcom osTelolcopios.Ecm errantes, que faõ de mais dos Satélites , e dos Cometas nos íete Planetas faço íó memoria dos quatro, refpeifando a idade, e a infelicidade de Saturno , e o fcxo , e belleza de Vénus , e Diana , ainda que efta co- mo caçadora, e aquella como ligeira bem podiaó entrar nas fc-rtas.

Nota j6^

O. 71. verf 3. Flora. Aqui faço a Flora tolerar a rebelião das flores, que receando fcr pizada dos cavalloscorteraó a adornaras cores das quadrilhas. Nota 366.

O. 72. verf- 5. íris. Também Embaixatris de Juno, e fim- bolo da paz com as fuás cores defce das nuvens com o feu arco ncftas feftas pacificas , e naõ me faltava aqui occaliaõ de dizer em muitas folhas o que ferem efcrito íbbre o íris, fem allegar a Mon- fieur de La Chambre no feu coriolb tratado, como fucede aos pla- giários , que antigamente tinhaõ eíte nome pelo cafligo que rc- çebiaõ roubando os trabalhos dos eftudiofos íèm citallos. di- rey , qne os modernos deraóa conhecer o íris no vidro triangular que he taõ comum chamado Prifma pelos Gregos, no qual Ct for- mão as três cores do Íris celeíle, que o Sol tambcm foima huma ou mais vezes ao mefmo tempo, c algumas vezes a Lua quando as nuvens ficaó na configuração do Prifma.

Nota 367.

O. 75. verí. I. Os brutos. Atrevime a introduzir em oito quadrilhas, naõ as oito principaes cores dos cavallos, mas al- gumas das propriedades, que atribuem os nobiliilímos profelTores dcfta illuftre arte, de que eícrcveraó mais de cem autores em todas as lingoas , fendo o mais eflimado pelas iuftruqoens , e pelas ef- tampas o Marquez ò^ Nevvcaftle. a que traduzio, em Portugucz, e illuftrou com diífertaçoens eruditas , o Marquez de Alegrete Manoel Telles da Silva, Secretario da Academia Raal de faudoza memoria. Nota 568.

O. 7j.vcrf. 1. "Alfragano. Foy Alfragano no feculo nono famofo aílrologo Arábigo, e tomevo feu nome para ospronofticos que aqui faço do que havjaõ de obrar alguns varoens infignes cm armas, e letras defcendcntes das famílias dos quadrilheiros.

Nora 369.

O. /f. verf, g. Montes Claros.O primeiro vaticínio he o de

h ii dois

68 NOTAS

dois Luízes íntimos amigos : hum foy Luiz Alveres de Távora Conde de Saõ Joaò , e oiufo D. Luiz de Menezes Conde da Eri- ceira, que depois de oucras grandes acçoenj, que podem lerfe na vida, que o fegundo cfcreveo do primeiro , e nefte mefmo autor na hiftoria de Portugal Reftaurado, andarão unidos na celebre baca- ha de Montes Claros em 17. de Junho de 166^. contribuindo muito para a grande viótoria , que alcançou ElRey de Portugal D. Afonfo Vi. fendo Capitão General do exercito de Alentejo o Gran- de Marquez de Marialva D. António Luiz de Menezes contra o de Carracena General delRey Catholico D. Felippe IV, de que ja íê fez memoria no Canto 2.

Nota 570. O. 79. verf 5. Menezes. Naó fe julguem contra amodef- tia os elogios que em algumas partes defte Poema faço aos meus afcendentes , pois me naó pareceo occultar, que fem exceiçaõ de hum íó feiviraõ todos na guerra aos feus Princepes com valor , e lidelidade, que faõ duas virtudes eíTenciaes, que naó devem negar- fe , nem encobriífe. Aqui melembro também de que meu Pay naó foy menos celebre nas letras, efcrevendo muitos livros, e entre elles os dois volumes da hiftoria de Portugal Reftaurado vendo-fe. no primeií-o o feu retrato com eftediftico comporto pelo Conde da Ericeira D. Fernando de Menezes feu Irrnaõ, e Sogro, aquém pe- las melmas razoens podia aplicarfe :

M>^>tat ^ & fcrihtt caLimo , Ludovicus , ^ enfe : Pro Pátria pugnaiis, C^faris inflar erit.

Nora 571. O. yj. verf 5". Duas vezes a Azia. De hum afcendente do Conde D.Luiz deMenezcs,que foy o grande D.Henrique de Mene- zes feu terceiro avo,e outro o Conde da Ericeira D.Luiz de Menezes feu quinto Neto faço aqui memoria pello que obrarão na Índia com hum breve paialello ,pois ambos de ly.annos foraõ o primei- ro. Governador, o fegundo, VifeRey, ambos uniraó ao valor a pru- dência, e defintereíTe , e ambos alcançarão gloriofas vistorias hum dos Malabares, outro dos Arábios. Succedeo D. Henrique ao famozo D. Vafco da Gama Conde da Vidigueira , Vife- Rey , e ddcubridor da índia no tempo delRey D. Joaò IlL e lhe fuccedeo Lopo Vaz de S. Payo. Succedeo o fegundo a Vafco Fer- nandes Cefar de Menezes VifeRey d;i índia, e depois do Brafil di- gnamente nomeado Conde de Sabugofa por ElRcy D. Joaõ V. e fuccedeulhe Francifco Jofé de S. Payo. Sirva na liberdade de hu-

mas

D o F o E M J. 69

mas notas efta comparação como curiofa noticia, c naõ ccino pue- ril circuníbncia. Nota 37i.

O. 78- verf 1. Qiiatro vezes o nome de Fernando. Naõ po- dia reduzir a menos de huma oitava as acçoens de outros íete as- cendentes meus delde que a minha familia Ic feparou da dos Con- des de Cantanhede,em DJoaóde Menezes,que continua alinhados iVlarquezes de Marialva,com outroD. Fernando de Menezes que fez a dos Condes da Ericeira,Marquezes do Louriçalo primeiro tronco das duas, he também eíleo primeiro deftes quatro Fernandos,e obrou em Africa grandes façanhas no tempo dos Reys D. Joaõ I. ate D. j^fonfo V. o fegundo Fernando imitou a leu Pay na mefma guerra no tempo defte ultimo Rey , e bem notória he a acçaó de romper o Palanque. O terceiro Fernando no reynado delRey D. Sebafliaó continuou gloriofamente muitos annos em Africa , e na . Batalha de Alcácer em 1 578. onde aquelle Rey fe perdeo, ficou ca- rivo com feus Irmaós D. Diogo , e D. Joaõ de Menezes , morto D. Simaó que era o mais velho, e D. Henrique. Foy depois eíle D. Fernando Capitão General de Trás os Montes contra Caftella que para ufurpar o Reyno lhe tirou a mayor parte dos grandes bens, que poííuia a Cafa em que fuccedeo. O quarto , e ultimo D. Fer- nando he meu Avó materno Conde da Ericeira como lia pouco referi; e naõ fervia em Itália, mas foy em Africa Capitão Ge- neral de Tangera com felices íucceílbs elcrevendo ahiftoria defta Cidade , e em latim a da guerra , e politica de Portugal no tempo delRey D Joaõ IV. O primeiro Diogo , foy D. Diogo de Menezes filho do grande D. Henrique, e Pay do terceiro D. Fernando len- do do Confelho delRey D. Joaõ III. e muito feu favorecido dei- xou o Paço por fervir em Africa o que fez alguns annos , e com muita diflinçaõ. O fegundo D.Diogo naõ foy meu afcendente, por fer Irmaõ do terceiro D. Fernando , com quem coniodiíie hcoii cativo , mas pelos feus ferviços militares teve a Cafa dos Senhores do Louriçal o titulo de Condes da Ericeira. Na America, e em muitos combates navaes fe achou valerofamente D. Henrique de Menezes Pay dos Condes D. Fernando, e D. Luiz, e foy hum dos reftaudores da Bahia, no anno de I 615. no 1. de Mayo. Nos últi- mos dois verfoSj naõ pude efconder o meu nome, nem negar que fegui os veítigios bélicos de meus progenitores achando-me em fete caíhpanhas , e tendo o poftode Sargento mor de Batalha, e .Vlertre de Campo General , e também vio o Aftrologo, que eu havia de cantar na Henriqucida os prodígios do meu heroe generofo.

No-

70 NOTAS

Nota' 575. O. 79. verf. I. Filho íeià. O carinho de Filho , e a ternura de efpofo me obrigarão a efcrever com lagrimas efta oitava para immortalizar a memoria de duasjoanas. Efte era o nome de minha May D. Joana Jofefa de Menezes, filha herdeira, e em tudo única dos Condes D. Fernando de Menezes, e D. Leonor de Noronha. Obfervefe curiofamente, que do nome de Joana, he anagrama o de Aoniaj que era hum dos Epitctos , que os antigos davaó as Mufas pelo monte Etonio de Beócia parte do monte Parnafo

c que mçreceo efte nome pelos feus admiráveis verfos em muitas lingoas naó fendo lifonja os atributos, que lhe o quarto verfo, virtude, dífcriçaõ , graça , c bellefa : niíceo cm 13. de Setembro , de 1652. morreo em 16. de Agofto de 1 709.

Nota 374.

O. 79. verf. y. Celefte graça. A íègunda Joana foy D. Joa- na Magdalena de Noronha filha dos Condes de Sarzedas D. Luiz da Silveira, e D. Mariana Lencaftro, e Silva , nafceo em 21, de Mayo de 1675. cafou em 24 de Outubro de Ií?8 8. e a perdi com eterna magoa , em 17. de Mayo de 1 729. Das fi.ias virtudes Chriftás, e dos feus dotes naó he encarecimento o pouco, que di- zem eftcs verfos, nem do meu nunca enxuto pranto.

Nota 575.

O. 80. verf. 8. Em Elvas. Eftas batalhas das Linhas de El- vas, e de Montes Claros, e aconquifta de Vaiença de Alcântara, faõ as três mayorcs emprezas do invióto D. António Luiz de Me- nezes Marquez de Marialva, e o nome da Erice, que eftà no fe- gundo verfo defta oitava abrevia poeticamente o nome da Ericeira, Villa que por fer fobrc o mar em fitio alto diz que paga tributo azul ao verde ramo de Cantanhede de que procede , fendo Erice hum monte de Sicilia em que Vénus era venerada, c donde toiT.ou o nome de Ericina aludindo à formozura do íiiio ilaquclla Villa, e os Cifnes, ou Poetas que ílõ Senhores dcila á beleza de Vénus, e a os Cifnes , que lhe íaõ dedicados , e q'ic como fili'.03 da efcu. ma do mar a conduzem por elle no feu carro.

Nota 576.

O. 81. verf I. Taronra. O Ramo dos Menezes de que fede- riva a. illaítre Calados Condes de Tarouca, rem íído igual aos Can* tanl' ' !tr em varoens infignes, dividindo-fe defte tronco na linha c\]' r.z a Caía de Villa Real. AquLfó lè.fa^ memgtia de D. Pedro

de

B o T O E M J. 71

de Menezes , e de L/. i>uirre de Menezes Condes de Viana, de qae Africa em Ceuta , e Tangeic, nunca elqneccraó as memorias que largamenre fe podem ler nas íuás Crónicas manufcritas, e na vi- da do fegundo, que com difcieto eftillo imprimio D. Agoftinho Manoel de Valconíellos; e ramhem a lua varonia corre impreíTa doutamente efciita por D. Pedro de Brito Coutinho. Joaó, he Joaó Gomes da Silva hlho de Manoel Telles da Silva Marquez de Ale- grete, c foy Conde de Tarouca por caíâr com D.Joana Roía de Menezes herdeira deita Cafa, e naõ he a amizade, que defde os primeiros annos profeílamos , nem o encarecimento permitido aos Poetas, os que podem fazer fofpeitozas de fabulas, as comparacoens que reduzi a hum verfo, pois o mundo o reconhece iguala Mercúrio como eloquente, e como Embaixador tamhem pacifico no congrelfo de Urrecht , e em outra das mayores Cortes da Euro- pa , aonde refidio na do Emperador com grande acerto, e lu-» zimento. Naõ he inferior à Apollo, fendo hum dos mavores Poe- tas do feu tempo. Naõ deve ceder a Marte, nas campanhas, em que vaicroiamente occupou os primeiros poftos , tendo o de Go- vernador das armas , e feguindo cm tudo feus filhos o feu género- zo exemplo. As íuas Armas faó diverfas das de Cantanhede , mas confervaó o antigo efcudo de ouro lizo, íobre porto, c dividido todo cm luas partes, na primeira, e terceira as barras de Ara^ac, na fegunda dois Lobos de vermelho, em campo de ouro, e as mefmas nas terceiras ordens debaixo.

Nota 377. O. Si.verf 5". Se os Menezes. Os muitos homens f»randes dcftafamilia podem verfe nas noílas hiftcrias, e o verfo ultimo defta oitava he de hum Soneto de Camoens, de que pode verle o Comento no que fez às Rimas Manoel de Faria, e Souza , e prin- cipia o Soneto :

llluflre , e dino ramo dos Meneses ,

Aoi quaes o prudente , e largo Ceo

( Que errar tuo ftbe ) em dote eoncedeo

Rompejfe aos Mahometicos arnez.es No Poema, e Rimas defte Princepe dos Poetas Porrugnezes pôde Icrfc o muito, que no Canto decimo, e em outros lugares honrou efta familia.

Nota 5 78. O. 87. verf 5. Soufa. Ja diiíe quem era o Conde D. Mendo dc.Souzaõ, e as regias alianças de feus defcendentes.

No.

72 NOTAS

Nota 579. ^ O. 83. veif. I. Das Minas. Claramente explica efte permi- tido equivoco em hum vaticinio,quc trata efta oitava de dois Mar- cjuezes das Minas j e falia primeiro cm D. António Luiz de Souza, que foy o ícgundo , e aquellc Hcroe, que conquiftando Praças, Províncias, e Reynos de Hefpanha, levou o exercito de Portugal à Corte de Madrid em 1706. Chamo a Hefpanha Hefperia, por- que os antigos lhe deraó efte nome por eftar na parte Occidental pela meíma caufa, porque fe chama Hclpero a Eftrcila de Vénus quando nafce ao tempo que o Sol íe efconde, e Phosforo , quan- do apparece antes que o Sol nafça.

Nota 380. O. 8S- verf 5. Se eu merecera. Contínua Alfrâgano dizen- do, que fe mercceflb huma revelação, poderia contar claramen- te, o que naõ pode lerfe nas EftrcUas, e louvar ao progenitor de António , o qual era íeu Pay D. Francifco de Souza Conde do Pra- do, c Marquez das Minas, que governando as armas do Minho muitos annos d«fendeo a Província com prudência, c conquiftou o Forte da Guarda, o de Gayaó, c outras Praças de Galiza com valor, fendo depois Embaixador extraordinário a Roma aos Papas Clemente IX. e X. cm nome do Príncipe D. Pedro , dando ao Pon~ ttfics a obediência pelos annos de 16Ó9. c fcguintes durando ain- em Roma a lembrança da fua fabedoria , c generofidade. Ambos eftes Marquezes foraó do ConíelhodcEílado, e tivcraõ muitos go- vernos. Nota 381.

O. 84. verf 1. Do mefmo grande Aífonfo Rey terceiro. Af- íím como a Cafa dos Marquezes d»s Minas de que traiey dcíccnde por varonia delRey D. Affonfo III. por D. Martim Affonfo feu filho illegicimo, defcendc a Cafa dos Souzas Marquezes de Aronches hoje Duques de Lafoens, como a entender o vcrfo terceiro de que agora trato de D. Aífonfo Diniz filho também do meímo Rey, tendo agora mais próxima a varonia Real pelo Senhor D. Miguel filho legitimado dclRey D. Pedro II. que cafou com a Senhora D. Luiza Cafimira de Souza , e Naífau filha herdeira deíU illufíre Ga- fa , como /a diífe por íeu Pay defcendentc dos Principes de Ligne da primeira nobreza de Flandres.

Nota 5Sz. O. 84. verf 5-. De Ulilíes a Cidade. Lembrafe o Aftrologo de que obfervou nos aíl:ros,que a Cidade deUlyffes que he Lisboa iiavia de fçr defendida, e libertada do jugo delK^y D., joió I. de

Caf-

D o V o E M A. 73

Caftella por ElRey D. Joaõ I. de Portugal, oitavo defcendenre por Yaronia do Conde Henrique, e que ncfta Cidade ha de ler Piela- do com luzidas virtudes Luiz de Souza feu Arcebilpo , e Cardeal Irmaõ do Marquez de Arronches; Henrique de Souza Tavares foy Embaxador muitas vezes. Governador do Porto , e ambos foraõ do Confclho de Eftado , e da mayor eftimaçaõ dos feus Príncipes.

Nota 585.

O. 85. verí. I. Luiza. Scgue-fc hum breve elogio da mefma Duqueza de Lafoens adornada de grande formozura, c de muitas virtudes, eque morreo na flor da idade depois de perder com a lalHmoza tragedia, que logo fe referira, ao Senhor D. Miguel feu efpozo, deixando dois filhos dignos fucceíTores dos dotes de feus Pais , e Avos, que faó D. Pedro Duque de Lafoens, c D Joaõ, e hu- ma filha que hc a Senhora D. Joanna Perpetua de Bragança de fin- gular formofura, e ainda mayorcs prcrogativas no efpirito.

Nota 3 84.

O. %G. verf i. Miguel. O Senhor D.Miguel filho, como fe diíTe, delRey D. Pedro o íêgundo, tendo vinte e quatro annos íé afogou no Tejo em 1 3, de Janeiro de 1724. voltando em hum Bérgantin para Lisboa da caça que fora buícar da outra parte do Tejo, com magoa univcrfal pelas fuás cxcellentes partes.

Nota 5S5.

O. 88. rf/erf 5. Qj.ie eternize a Miguel. Naõ íe faz íofpeirc- za a amifaJe intima, que profeíTey com o Senhor Dom Miguel, quando ponderona oitava antecedente o feu breviíTimo elogio, que mais largamente efcrevi na Egloga, que lhe imprimi depois da fua morte, porque ninguém duvidou que era bera merecido o lou- vor. Nota 58Ó.

O. 88. verf 5. Tu, Pereira. Huma , c muitas vezes fe repete neíle Poema o nome do giandc Condeílavel D. Nuno Alvares Pe- reira Heroe Lu fi cano.

Nota 387.

O. 89. verf %. Atoleiros, Valverde, Aljubarrota. Eíle he o nomo das trc.s pilncipa^í batalhas, que venceo aos Caftclhanos o giandi Conisft-avel , e ncfi^a oitava fe abreviaõ com o nome dos Rios as Provincias de Portugal, queforaó theatro das fuás façanhas. Quem as quizcr ler as achara com cftillo fingello na lua Coronica antign., e na delRey D. Joaó I. de Fernaó Lopes , com abreviado , cdifcreto eílillo na vida do mefmo Rey comporta pelo Conde da Ericeira D. Fernando de Menezes , e com exacla averiguação nas «Càtiorias da Academia R«al efcritas pelo feu Académico Jofe Soa-

I res.

74 NOTAS

resda Silva. Nota 388.

O' 91. ver. I. Silvas, c Cunhas. Eftas duas famílias, que ô deduzem delRey D- Fraella II. de Leaó, uni neftas oitavas, e as duas purpuras explica a íeguinre.

Nota 389. O. 92. verf. 1. Miguel. Faz memoria do Cardeal D. Miguel da Silva, de quem Roma admirou afciencia, e generofidade , foy creadoem 1539- morreo em 1556. era filho de D. Diogo da Sil- va, primeiro Conde de Portalegre, foy Bifpode Vizeu.

Nota 390. O. 92. verf. 3. De Cunha iníígne Nuno. Em paralello do Cardeal D. Miguel da Silva pondero as grandes virtudes do Eml- nentiífimo Nuno da Cunda de Ataide, a quem ElRey D. Joaõ V. elevou a eíla, e a outras dignidades, e entre ellas à de Inquifidor Geral, a que alude o ultimo verfo, e he do Confelho de Edado, e defpacho, moftrando na jornada que fez a Roma pela morte do Papa Clemente XI. no anno de 1721- naquella Corte, e nas Pariz, Niadiid, Turin, e outras, quanto era digno de tao luperio- res empregos. Na Igreja de Santa Anaftazia , de que tem o titulo, deixou eternos monumentos da fua piedade, e da grandeza do feu Príncipe participando de ambas toda a Itália, e outros Reinos.

Nota 591. O. 95. verf I. No nome igual. O grande Nuho da Cunha Governador da índia. Vejaófe as íuas acçoens em Barros , e Maífeo , e Faria. Nota 591.

O. 9?. verf 5. Ayres. Ayres Gomes da Silva hum dos mais iníígnes Varoens,encre os deíle apelido, aíccndente dos Senhores de Vagos Condes de Aveiras , e de toda a illuftre defcendencia deíle elclarecido tronco , teve muitas vidorias em Ceuta contra os Mou- ros , c a mayor fortuna por fcr Pay de dois Santos, e Fundadores, que foraõ o Beato Amadeo, que fez a reforma de S. Francifco cha- mada em Itália dos Amadcos , e D. Brites da Silva, que fundou em Madrid o Convento da Conceição.

Nota 595. O. 93. verf 8. Conduzindo heroinas coroadas. Eftas pro- ducqoens lábias fe enren lem pelo dois Marquezes de Alegrete Ma- noel Telles, e Fernando Telles da Silva, bem conhecidos pelas fuás ooras, e empregos : o primeiro conduzio a Rainha D. Maria Sophia Palatina, fendo Embaixador extraordinário delRey D. Pe- dro II. naquella Corte. O fegundo com o mefmo lugar na de Viena ,

acom-

D o P o E M J. 7j

acompanhou a Rainha D. Mauiana de Auftria inch*ta efpofa de!- Rey Dora Joaõ o quinto.

Nota 594.

O. 94. verf I. De Atàides Almeidas. D. Luiz de Arnide Conde da Atouguia,e D. Franciíco de Ahneida primeiro Vice-Rey da índia no Oriente, e D.Jeronymo de Araide rambem Conde da Atougia no feu definter^ílado governo do Brazilfaõ os que fe in- íinuaó neíles verfosieerii alguns da oitava feguince. LeaóTe as ac- çoens de D. Luiznafua hiftoria efcritapor António Pinto Pereira , as de D. Jerónimo , em Portugal Rcftaurado do Conde da Ericei- ra , as de D. Franciíco de Almeida em Oforio , Góes, e nos hifto- riadores da índia.

Nota 595.

O. 94. verf. 7. Em defcendentesfeus. Do Conde D. Luizde Ataíde naõ deícendencia , áo Conde D. Jeronymo exifte, e aqui fe faz memoria de leu filho D. Joaõ de Ataide Conde de Al- va, Governador das Armas do Alentejo feu valerofo imitador, e do Conde de Atouguia D. Luiz de Ataide feu bifneto, e digno fucceífor de feus illuftres Avos recopilando em poucos annos muitas virtu- des. Nota 396.

O, 95. verf I. Francifco. He Como fe dilTe D. Francifco de Almeida primeiro ViceRey da índia, e Eòo , he o meímo que Ori- ental por fer o nome de hum dos quatro Cavallos do Sol fendo os outros três Phlegon, Pirões, e Etonte: dos dois fez o difcreto Fr. Je- rónimo Vahia na Cançaõ heróica da batalha de Montes Claros dois veríos muitos celebres :

Por quanto argenta o mar , doura Piroo Da, Tumba Occidental y ao ber^o Eoo Nota 597.

O. 9?. verl. 4. Joaõ. O Conde de Alumar D. Joaõ de Al- meida do Confelho de Eftado fendo Embaixador extraordinário de Portugal a ElRey Carholico Carlos III. hoje Imperador Carlos VI. naõ fòmoílrou nefte emprego politico o leu luzimento , e ca- pacidade, mas nas campanhas em que fe achou com aquelle gran- de Príncipe, o feu valor.

Nora 398.

O. 95. verf 7. Pedro. D. Pedro de Almeida Conde de Afa- mar filho do Conde D. Joaõ , e hoje Meftre de Campo General , e Director da Cavallaria, le diftinguio nas batalhas , e íitios , que hou- ve nos três Reyuos , que diz a oitava , e em outros de Hefpanha ,

lii naõ

76 NOTAS

naó fendo menos benemérito pelas letras, que pelas armas.-

Nota 399.

O. ç)^. verf 5. Cada filho de Zéfiro he PegaíTo. Naõ he mui- to que fingiíTem os antigos, que as Egoas de Lufitania pela ligeirc- la dos cavallos, que íecriaõ nas margens do Tejo,os gcravaó abrin- do aboca ao vento Zéfiro, mas he muito, queocreflem alguns Au- tores modernos. Ja fediííeque o Pegaflb crahumcavailo com azas, e Etonte hum dos quatro do carro do Sol.

Nota 400.

O 99. verf. 8. Se Jove refufcita ao feu Faetonte. Nefta fi- gura poética em que a aurora falia com o Sol, e os aftros com o Orizontc, fe conclue com que Febo, ou o Sol naó podia eftar taó alegre fenaõ íe Jove refufcitaíTe a feu filho Faetonce de quem diíTeno culto Poema, que eícrcveo defta fabula o Conde de Villa Media- na :

Que fií fama adquiríò con Çu ruhid E melhor Ovidio no Epitáfio que lhe faz nos feus Mctamorphor- íèos :

Hic fitas eft Faeton , currus auriga paterni ; Quem fi non tenuit magnis tamen excidh aufis Nota 401.

O. 103. verf I. Bermudo. D. Bermudo Peres de Trava de quem defcendc a illuftre cafa dos Limas, Vifcondes de Villanovade Serveira, foy bem conhecido no tempo do Conde D. Henrique, e calou com íua filha a Infanta D. Urraca, que finjo fe chamou Urania, por tirar no Poema a afpereza do feu nome fendo efta a cauíà de que Luiz VIII. Rcy de França naó quiz cafat com a Infan- ta D. Urraca, fenaô com fua Irmáa Dona Branca, que foy Mãy de S. Luiz , e aquella Infanta de Leaó mulher dclRey D. Aífonlo II. de Portugal bifncto do Conde D. Henrique.

Nota 401.

O 105. verf I. De Etíopes Efte fingimento, de que Dom Bermudo levou quando toureava à praça muitos negros captivos, a que deo a liberdade, pronoftlca o que vimos verdadeiramente executado por feu defcendente o Vifconde D. Thomàs de Lima nas feftas Reaes do cafamcnto delRey D.Joaó V. onde toureou com grande primor, e luzimento, dando liberdade a hum grande nu- mero de negros, que comprou para efte fim, e as ou.ras fortes de D. Bermudo também fáõ figuradas pelas do Vifconde muito ácC- tro na equeílre, e em outras boas artes.

No-

B o T o E M J. 77

Nota 405. O. loS.verf.S Sibaritas povos da Magna Grécia dizem q eraõ taõ efeminados, q enfinavaó os feus cavallos a lufpender as maõs , e íegiiir o compaflo femprc que ouviaõ o fom de certos inftrumentos, e que labendo os Crotoninras Teus inimigos efte coílume do feu in- confiderado génio, levarão à batalha inftrumentos femclhantes, e tocando o mefmo fom, os cavallos principiarão a fua dança fem querer obedecer às efporas ; com que foraõ inteiramente derrota- dos. Veja-fe Athcneolib. 12. e a Ariftoteies, acjuem cita.

Nota 404. O. 109. verí. 4. Bucefalo. O nome de Bucefalo fígnifica ca- beça dcBoy , por ter com cfta alguma femelhança a do famofo ça- vallo de Alexandre , que íó defte Heròe deixava monraríè.

Nota 40 5. O. III. verf I. O Touro. Entre os encantos de Medea de que ja dey noticia para quejazon levaíTe de Colcos ( hcje chamado Mingrclia) o velocino de ouro, foy hum matar o Touro de fogo que guardava efte thefouro appetecido.

Nota 406. O. verí. verf 3. O em quejovc occultou. Dando a fabula dejove transformado em Touro para roubar a filha de Agenor a bella Europa, o nome a efta parte do mundo, ninguém pode igno- rar cfta hiftoria, que dizem foy verdadeira, naõem tudo, pois Jú- piter, que a fabula diz roubou pelo mar a Ninfa, fraterna per xquora vexit, transformado em Touro foy hum Hcróe,a quem da- vaõ o nome de Júpiter, que roubou cfta Princeza cm hum navio que tinha hum Touro na popa por diviza.

Nota 407. O. III. verf 5. Em Abril. Em 10. de Abril entra o Sol no íigno deTauro, o qual tem huma eftrclla muito ardente a que cha- maó os aftronomos Olho de Touro , e he da primeira grandeza.

Nota 408. O. III. verf. 7. Momo. Foy Momo o critico dosDcoíès, e cenfurando as fuás obras achou que Neptuno errara na do Tou- ro , pois fecha os olhos , quando executa os golpes , devendo entaó abrillos para prevenir os meyos da offenla, edadefenfa.

Nota 409. O. 112. verf. 2. Zodiaco. Chamo com nova metáfora, à praça Zodiaco pelo Touro que eftà nclla, como o fignono circulo celeftc.

Nota

78 NOTAS

Noto 410. O. 115, verf. S. Tirano artífice. Perillo fabricou para li- 2ongear o Tirano hum touro de bronze, para que dentro delle padeceíTe com fogo lento a morte cruel , o infelice , e foy elle o pri- meiro, que a experimentou. Arte perire lua, diz Ovidio.

Nota 411. O. 115. verf Hircania. Província da Afia de que os Tigres faõ muito ligeiros , e ferozes , c fe chamava por ella mar Hircano o Cafpio, que lhe fica a Oriente.

Nota 4X1. O. 118. verf 6. Da meya Lua. Eíla metáfora da meya Lua obra exterior, e defeníiva da fortificação das praças com ateílados Touros , a que os Poetas chamaõ Lunada.

( Media Luna las Armas de pi frente. diz o íublime Gongora no terceiro verfo da fua primeira Soleda- de ) vay feguindofe nefta oitava, e na imraediata,e adiverfifiquey lembrado que os Aríetes com cabec^as de Carneiro, e rambem Lunadas ferviaõ para a otfenfa na antiga expugnaçaô em tempo que naõ eraó conhecidas para a defcnfa as meyas Luas.

Nota 413. O. 119. verf g. Oífa. Na guerra dos Gigantes com os Deo- fes fupunhaõ hum monte íòbre outro ,€ Olimpo fobre Oífa. He ci- te hum monte muito alto na Tefalia. Hercules o leparou do Olim- po que he mais fublime.

O Poeta diz. que foy o Velion. Imponere Peito Offce Nota 414. O. iio. verf I. Tranitagana. Nome latino do Alentejodon- de os touros de Roncaõ faõ os mais ferozes.

Nota 415. O. 124. verf I. Megera. Finjo que Urania vio Megera hu- ma das três Fúrias iufernaes, fendo as outras duas Thefifone, e Aleóto que fimbolizaó os eípiricos malignos , que pcrtendiaõ tirar a vida a hum cavalleiro que havia de tirar muitas aos brutos in- fiéis Mahomeranos. Nota 416.

O IZ5. verí. 8. Trifaucc. Nome que deu a fabula ao caõ Cerbero guarda do Inferno, por ter três bocas chamadas fauces nas fuás três cabeças. Nota 417.

O. 117. verf. 5. Três Graças. Ulo aqui diverfamenre da com- paração das três Graças, que foraõ Taiia , Aglaya , e Eufrofina irmãas do amor cora as trcs DeoíaS|

No.

D o T o E M J. 79

Nota 418.

O. 117. verf. 7, Trcs Deofas. Sempre entendo pelas Deoías Jum , Palas, e Vénus, fendo efta a que foy preferida no juifo de Paris, dandolheamaçaá de ouro que a difcordia tinha offerecido à mais fermofj, Detur pulchriori.

Nota 419.

O. ilS.verí 8- Vénus propicia antes, que Dafne ingrata. As Coroas que nos triunfos antigos eraó os prémios, ou íe compunhaõ de Murta confagrada a Vénus mãydo Amor , ou de Louro em que le transformou Dafne ingtataa Apolo j e Bermudo que procura o favor de Urania prefere por efta cauía as de Murta.

CANTO VI.

Nota 420. O. 1 5. verl 8. Do ebúrneo dente. Todo efte Torneio fegue o eftillo daquelle tempo neftas feflas, que Ariofto, Taífo, c os mayores Poetas modernos imitarão dos livros dos Cavalleiros Andantes, de que foy o primeiro Vaíco de Lobeira Portuguez, e Autor de Ama- dls de Gaula. O Javali incitado pelo ciúme de Marte matou Adó- nis j e no Poema defte titulo bem podéra Marino naó copiar a im- pureza de huma Ode de Anacreonte.

Nota 4zr. O. 16. verf. I. Lidía. Reino da Afia Menor celebre pelas boas artes , e pelas riquezas do Rio Padolo , que tinha áreas de ouro.

Nota 421. O. 20. verf 5. Tonantes. As duas trovoadas que fe encon- trão chamo effeitos da cólera do Tonante nome que fe deu a Júpi- ter , poi cauzar os trovoens. Zomba dcfte falío Deos com eílc epí- teto o graciofo Gongora, no Soneto que principia:

Tonante Mon Semr de quando acÁ ? E acaba, com hum Apoftrophe burlelco O' Júpiter I O' tu 'vez.es tu l Nota 423. O. 35. verf I. Do Betis. Como pinto efte cavallo Andaluz filho do Betis hoje Gualquivir , com pès calçados , digo que pelo ligeiro pareciaó Talares, que faõ como expliquey as azas que Mercúrio cem nos pes para voar.

Nota 424, O. 33, verf. 6. Tu te retiras. Mais natural, e menos atre- vi da he a figura rethorica de falar aqui o cavaleiro ao feu ca- valo!

8o NOTAS

vallo, do que a de Homero , que faz falair eíles brutos com Aqu!« le». Nota 415.

O. 35. vcrf. 4. Plutão. Como Plutão era o Decs do Infer- no , naõ impropriamente lhe atribuo o temor dos ferros das lanças com hyperbole fazendo-os ferir fogo nas pederneiras, que cftavaó dentro na terra. Nota 416.

O. 36. verf 5. Ceres. Quando Ceres bufcou fua filha Por- ferpina , aquém tinha roubado PlutaÓ para reinar no abifmo, a an- dou Ceres bufçando com huma tca aceza, e aqui lembrando cfta fabula , digo que entenderão a buícava com duas teas pelas entra- nhas da terra a que abrirão as duas lanças.

Nota 4^7.

O- 41. vcrH i. Califas. O Reinado dos Califas entre os Mouros fe dividio em diverfas partes, e fc deo efte nome aos fuc- ceífores de Mafomarforaó os mais poderofos os da Siria, depois os houve na Perfia, c Egipto, outros também em Africa, cem Hefpanha:os Turcos fuccederaó em muitos deftes Reynos.

Nota 4z8.

O. 48. verf 4. Gladiatores. Os gladiatores eraõ, como pou- cos ignoraó, os que nos jogos públicos de Roma combatiaô com as efpadas , que lhe deraõ o nome , muitas vezes atè perder ã vida.

Nota 4Z9.

O. 58. verí. 1. Monomaquia. Significa combate de hum com outro inimigo, que íaó os defafios.

Nora 4 3 o.

O. 58. verf. 7. Simpatia. Nas tragedias de Grécia fc conhe- ciaÓ os affedlos, e a Simpathia com que cada hum dos aífiftentes fe inclinava aos reprefenrantes.

Nota 451.

O. 58. vcrf 8. Oiqueílra. Lugar do Theatro onde eílavaõ os Coros com inftrumencos, e muzica, e íè dilfc que era a Cro- mática a mais atraòtiva antes de haver no mundo es Bmocs, que tanto fuavizaõ a muíica moderna.

Nota 451.

O. 59. verf 2. Sofocles, e Euripides. Os dois mais famo- fos poetas trágicos dos Gregos, de que permanecem algumas tra- gedias : o primeiro foy Athenienfe, o fegundo também , e Sofo- cles deu a melhor ordem às tragedias de que inventou algumas partes , efcreveo 123. tragedias, c Euripides 75. Eíle era legundo algumas opinioens natural de Sakmina , nafceo na Olimpiada

75-.

D o P o E M A. U

75. 400. annos ances de Chiifto , a Sophocles cJiamaraõ a abelha^ ou Serea Atiça, Nota. 453-

O. 55). verf. 5. Cataftrofe.Hea ultima parte Ha trageJia , em que muitas vezes os Reys tyrannos tinhaó o caíligo. Titulo foi efle pouco próprio , e ainda menos no eííylo de hum livro Pôituguez lobre a revolução da Monarquia na depofiçaÓ de hum Rey , eju& íamente encobrio o feu illuftriíllmo author o nome cm hum ans- gramma. Nora 434.

O. 6z. veif. 5- Linha reiTca. A linha reóla , oa raya , que ie aílinalava enrreos dous combatentes , e as mais ceremonias que fe feguc, eraõ asq fc obíervavaÕ nos defafios públicos de que o ul» limo permitido foy em Hefpanha entre D, Feliz Torreilas, e D, Jeronymo de Anfa no tempo de Carlos quinto, qtse os prohtbioje aos particulares , o que melhor confeguiraó nos feus Reyuos El= Rey D. Pedro fegundo no de Portugal, e Luiz quâirorr,! o G -m-kj^. no de França. Nora 45).

O. ri.verií. i. Anteos. Lutava Alcides com Aaí§o , e como cfte era filho da cerra quando cahia neiia cobrava novas forças, ç advertindo Alcides , que ja voluntariamente fe deitava no chaõj o defpedaçou npar fem./leixalio chegar á cerra, . ^ j Nota 43 ó,

O..- 75. yerf. ,4,. lErya vuloqjç^ria. Como êm íadm ferida he vuinus, a Medicina, e Cirurgia. cfte nome;às ervas que ou bebi- aas , ou applicadas cutaõ as feridas , aííim o fer Aiquife , noiue que a h.unj íafciv? nos-iivios de Çavallana:

MT.v.: .; r. : Nota 4 57' .eri. 5., Esfera. O que foi maravilha na esfera de vi- dio, em que Archimédes abreviou em Syracufa coiios^ os movl- nicn:os Celelics j e que Claudiano defcreve em hum admirável epigrammj^ , hojehe, vulgar em mais exaclos inftrumeuros , e re- lógios, que mais exactamente recupilaõ aquelles admiráveis , e di- verlbs movimentos. Nota 438.

, O. 76. verf. 7. Chiron.; Aigumâsyezes repeti que o Centau- ro Chiron dera o nome , e inventara a Cirurgia , e fora meiUr^ de Efculapio Deos da Medicina. v

Nota 432.

vj. 7Ó. verf. S- £ o Numen Serpeníiao de Epidauro.. He o

mcfrao Lícuiapio lilho de Apolo , qae deEpidauro, hoje Ragula,

onde era adorado na forma de huma grande lerpente , foy levado

■X Rema no tempo de huma pefte, de que a livrou , ou a imagina-

k 020

82 N o 1 A S

çaõ , ou a magica , íè he vcrdadeiía efta hiftoria : no anno de Ro- ma de 461. foy eíle pi-odigio.

Nota 440.

O. 80. verf, I. Piimeií-o das Gentílicas. Paia parecei: veiofi- mil a brevidade da obra do templo de N. Senhora de Carquere, digo que foy feita primeiro de madeira, e pintura , que cubiia as paredes do edifício, que digo fora templo dos Gentios, e Mef- quita dos Mouros , e agora falia o Santo de futuro moítrando profeticamente os mármores , e Arcos, que a Igreja de Carquerc hoje tem , eque eu finjo , que o Conde D, Henrique tinha man- dado fazer íó de madeira.

Nota 441.

O. 82.. verf. 8. Templo de Diana. O Templo de Diana era Ephefo,quecomo moftrey,foy huma das fete maravilhas domim- dojComparo ao de Alcobaça da Religião de S. Bernardo rund-ido com largas doaçoens por ElRey Dom Aftonfo Henriques, que he hum dos famofos de Portugal , que defcreve em profecias S. Gi- raldo ao devoto, e generofo Henrique.

Nota 442.

O. 85. verf. 2. Junto ao Mondego lenho lacrofanto O mef- mo Rey D. Aflbnfo Henriques fundou em Coimbra o Real Moftei- ro de Santa Cruz , que deu aos Cónegos Regulares de Santo A- goftinho, chamado Águia de Africa.

No-ra 445.

O. 85. verf 5. Da gloria de Gufmaõ. A Máy da Rainha D. Terefa,era D.XimenaNunes de Gulmaõ,e defte mefmo íãgue repe- tido muitas vezes nos noíTos Reys foy S Domingos fundador da Venerável Religião dos Pregadores, a quem ElRey D Joaõ o pri- meiro deu o Real Convento da Batalha, que. fundou. Eílrellas faò as Armas defta Ordem , e claros, e efcurcs fe unem no íeu habi- to branco , e negro.

Nota 444.

O. 84- verf i. Defempenho. ElRey D. Joaõ o primeiro oi- tavo defcendente , e fetimo neto do Conde D. Henrique pelo vo- to qne fez para vencer a ElRey D. Joaõ o primeiro de Caftella na Batalha de Aljubarrota , edificou no campo do combate hum tem- plo a noíTa Senhora da Viótoria, pouco diftante do Convento da Batalha, de que a Igreja he huma das mafs lumptuofasdo mundo, e na Capelía dos Reys da mefma Igreja fe fcpukou , e todos fcus filhos.

Nota

D o P o E M A. 83

Noto 44?. O. 45". verf. 5. Hum defcendente feií. Ellley D. Manoel fi- lho do Infante D. Fernando neto delRey D. Duarte, e biíneto do mefmo Rey D. Joaó o primeiro , era o undécimo delcendente do Conde D. Henrique, e quando defcobrio a índia, fundou o mag- nifico templo , e Morteiro de Bellem no lugar deReftcllo huma legoa de Lisboa para o Occidente, e como Chrifto teve como lol de juftiçâ o feu Oriente em Bellem , digo que levando ElRey D. Manoel a do meímo Senhor de Bellem à Índia Oriental, levou a Deos do íeu Oriente ao mefmo Oriente.

Nota 446. O. §5. verf. I Interprete Divino. Aos Monges de S Jeronymo, que foy o interprete divino das efcrituras , e do texto da lingua lanta que he a Hebraica, deu ElRey D. Manoel efteReal Morteiro.

Nota 447.

O. 85. verf. 8. Mais de crés Reis do Oriente. Continua a ai

lufaó dos dous Bellens, e aífim como ao primeiro levarão três

Reys do Oriente os feus tributos , ao íègundo fez ElRey D. Mi-

nocl tributários muitos mais, e muito mayores Reys do Oriente.

Nota 448. O 8<j verf. i.Oevo decimo outavo. Todos os annos que correm do de 1700. da era vulgar atè o de 1800. fe contaõ co- mo do feculo decimo oitavo; nefte mefmo numero de defcenden- te dezoiro eftà ElRey D. Joaó o quinto pela fua real varonia com o Condi D. Henrique , e nerte evo , que fe toma por feculo para delempeniiar o voto que tinha feito pelo nafcimento de hum Prin- cipe,cdiíicou o Real Convento de Mafra digno da fua generofa pie- dade» Nota 449.

O. 86 verf, 5". Itaco facundo. UliíTes , natural de Ithaca , e muito íioquente,iègundo muitas opinioens, fundou , ou amplifi- cou Lisboa , a que deu o nome.

Nota 4ío. O. %(>. veif 8. Calirto fe levanta, o foi le efconde. Aparta fe Mafra de Lisboa quafi leis legoas ao Norte ; que he o mefmo que Calirto , e para o Occidente.

Nota 451. O. 87. verf 2. Vias Apias- A Via Apia era huma das mais fa- mofaí das em qne es Rr manos dividirão o mundo facilitando os cammhosdo feu Império, e as comparo as que vencendo as dificul- dades do terreno fe fabricarão de Lisboa a Mafra, e fecruzaõ pa-

k ii ra

84 A^' O T J S

ra oucro rleftrno. A Apia hia (i;e Roma, a Bnmduzio , e lhe dea o nònie Apio Chudio , que a fez lagiar. ' '■"■ '

Nora 451. O. 8!^. verf. 8- Praxircles,. Efcukor famrio; aucoiiza a cfta no ta a difcritiíTima copla deSoiis, na comedia de Triunfoscije Amor, j Fortuna , em que Vénus diz fallando da lua círatua 'feifa por efte Artífice.

La Bflatua que d Prãxitele<> Avmo todo cl efluàui , Que parece , que ai marmol quedo viõlerao lo mudo,

Nora 455. O. 90. verf !. SeraBm de Aífis. A Religião Capn.cha refor- mada da F;ovincia da Arrábida", e do Seráfico Saó Franciico de Aífis com trezentos Religiofos íuftenrados pela caridac^e delReyDc JoaÕ o quinto 3 he a quem íe deftinou pelo mpfmoRey o Conven- to cie Mafra Nota 4)- 4.

O. 90. verf. 5o Ao Santo que excelente. Santo António admi<= f âvel mos prodígios , que Deos obrou , e obra pela fua jntei'ceííaô< l\e o Orago do Convento de Mafra. Naíceo eíít Santo em Lisboa. mou-eos e eftà fepultado em Pádua , porem o principal Orago he â Vlrgemi Mana N. Senhora,

Nota 4^5-, O- «II'- vcrl, S- Sem impiedade aHakaô.as gârdias. Os finoí livms de çxTraordinaria grandeza , e outros deinomerofã arnionió. levantados a Torres muito altas comparo aos gigantes , que aíal- raraõ ao Ceo com a djíferença de qoe aquelies foraó por caufa da inopií^d^df ? e eftes per eífeito da devoção.

Nota 456. O. 9z. verf, i. Dezempenho. Depois de dsr EiRey so Ceo o Príncipe D. Pedro , feu primogénito j que nafceo dia de S. Pe- dro de Alcantra cm 19. de Outubro de 1712. emorreo em a 9. de Ci^urubro de 17 14 nafceo em 6, de Junho de 1714. o Príncipe D jozè , e das fuás regias virtudes j e das daPrinceza , e Infanta rie Efpanha Dona Maria Viólom he hum pequeno j. e verdadei- ro elogie eíta Oitava,

Nota 457- O 97. verf 6. A pura May, No Alcorão , quecompozMa- iOíDs, fe confeíía , que a Virgem Maria o foy antes , e depois do parto , e que jeíus feu Filho a que çham-aô Izay fora hum gran- de

r

D o P o E M J,

de, eSanto I-iofcta , e injiiltamentc pcifeguido pelos Judeos.

Nota 458. ** 4^ ' O. III. verf. 5. Hum galhardo Francez. Como a Cafa de Rohan ja pelos annos tle :00o. tinlia giandcs cen.is em Berianha, e os Príncipes de Soiibize contcõ òciá^ aquelle tempo , e ante.'» a ília illníhe Varonia , tiouxc ncfte Poema a Porrugal a Heicuks de Ròhan , e a ícu Irmão Halaoo nomes antigos ncíta Cafa, naõ me eíqticceado .. que paia a ininiia burquey cila aliança no caía- mento do Conde O. Luiz de Menezes meu filho com D. Anna Xavier de Rohan fiiha do Conde da Ribeira D. Jozè da Camará, e de Conftança Emília de Rohan , írmaa do Príncipe de Rohan, e do Cacdeal Armando de Pvohan , ambos Principes Eftrangeiros de França. Nota 4??.

O. 116, verf f . O Eftreito Hercúleo , e Gaditano Pego. Diz Muley que a Armada que vem de Africa de paíTar ^o eílreito de Gibâkar , e depois o golfo de Cadix para vir às coftas de Por- tugal , e a fòs do Mondego.

Nota 460.

O. 151. verf. 8. Tu de Muley, Sabia Haiy, que Aidara era Irmáa de Muley , e com efte artificio politico embaraça© íeu caia- nienco , e naõ explico aos leitores aplicados efte enrede ^ que cor- re por rodo o Pcema . fiando mais da íua inteligência j qus do meu comento,

CANTO VIL.

Nora ^61. O. i, veri. 7, Nas Eílrellas. A celebre vizaõ do Apocâlipíe vav recopilada neíles dois veríos. ' .

Nota 4C'2. O. 4. verf, 5. Dos Romanos. Se eu fora comentador de Obra alhea , aqui oftentaria huma difcriçaô dos rrianfos dos Romanos, que era huma das três coufis , que Santo Agoílinho dezejava ter vifto Bafta agora faber que o heròe no triunfo de Maria deuji- berdade aos caprivo?, que coílumavaõ ir atados ao carto.do ven- cedor na vaidade gentílica.

Nota 465, •O. 7. vecf 6. Ámniftia. Eda palavra , que fignifica em gre- go eíquecimentOj vindo do verbo Amnefteo, nfou CiceiQ pedin-

86 NOTAS

do licença de a introduzir , e lie hoje muito comm nos tratados de paz , e no perdaó g^al que concedem osPrincipes , pondo em elquecimento as hoítilidadas dos inimigos , e os dclidtos dos vairallos. Nota 464.

O 8. verf. 5. Palas , e Minerva. Que foíTe liuma , ou duas Deozas Minerva , e Palas, he queftaó entre os Mytholo- gicos , os primeiros daó a enttnder , que na cabeça de Júpiter, como na de lium Rey , donde eíla Deoza nafceo , naó podiaõ eitar dignamente as letras fem as armas , os fegundos que (aÕ os mais, as tuiplicaó por ferem taó diverlas as íuas operações. Para as illuzões de Axa , me valho muitas vezes do íonho taó comum MOS poetas heróicos Nota 467.

O. 1 1 verf. 4 Com ferro eíciico, Entre as duras , e barba- ras máximas do Alcofaõ , he haina, c]iie a ley Mahometana naó deve defendcrfe com a pena,fe naõ com a efpada.

Nota 468.

O. \6. verf. 5. Das azas de Dédalo. Finge a fabula que as azas coni que voou Dédalo / eraõ unidas com cera , e também as de ícaro de que o precipício deu , como ja diíTe , nome ao mar Icario. Aflim explico , que para a prociíTaõ íe deraó a todos tochas de cera Nota 469.

O. i7.verí 5. O Florentino experto. He GalileoGalilei gran- de Mathcmatico de Florença inventor dos óculos , e Telefcopios.

Nora 470.

O. 17. verf. 8. Numero num.erou inumerável. Naõ fe con- dene como jogo de vocábulo eíle verfo , porque entendo que naó he muito pueril , pois a femeihança das vozes unio humlub- ftantivo , hum verbo, e hum adjedlivo tudo fundado na Efcritu- ra no cap, 1 5, do Genezis, Sufpice Cctlí4»i, & numera fie 11 as ejus.ft po- tes. }3. irferi que os antigos dividirão pelas conftellaqóes que for- marão, íò mil e vinte duas elUcllas , cjueeraó as que podiaó ver, fem os óculos que naó conhecerão ;e como aqui as comparo com as vellas, e tochas, naó he imprópria a memoria nefte tiiunfo de Noda Senhora , de que Ericio Puteano achou mil e vinte dous verfos certos , na combinação das palavras de hum lo , entre qua- renta mil trezentis e vinte mudanças que lhe dava a melma com- binação nas outo palavras de que o verfo fe compõem Tor tibi [unt dotes 'virp , qf^ot fydera ca'lo Nota 471.

O. 19. verf 2. Tardo. Com loccego. O movimento do pri- meiro

D o P o E M J. 87

meiro movei , que he o mefmo , que do Firm-iinento. Segundo Ceo , em que eftaó as cíliciías fixas, t oiuaõ os antigos , e vnodei- nos com alguma diferença, mas a opinião mais comua ht:-, que ha de acabara fua volta em vinte c cinco mil e duzentos annos. A eíle cliamavaõ anno Platónico , dizendo que todas as couzas ha- viaõ de tornar ao feu principio, e hii fuccedendoconio a primeiía vez. ElVa compamçaõ continua a luzaó daseftiellas, e vagar, com que a piociílaó caminhava.

Nota 472. O. 19. verf. 5. Por trir.ta , e cinco eítadios.Hum eftadio era a diftancia em que podia ouvirfe claramente a voz de hum ho- mem , e continha cento e vinte e cinco paflos , eefta he quafi a dif- tancia de Lamego a Carquere,onde (e encaminhava a piociflaô.

Nota 475. O. 20. veif. 8- A acorde melodia. Era também opinião dos Filofofos antigos vendo a ordem, eaimonia,com que fe movem as eftrellas, e o Firniamenro, que formavaõ huma mufica fuavif- lima, a qual, ou pela diftancia fe naõ ouvia, ou pelo coftume de a ouvirmos íempie, fc naó podia diíliuguir : os inftrumenros de que traça a oucava ainda que alguns fe fupoem de invenção mais moderna , bem fabem os eruditos as queiloens que hafobre os no- mes,que aefcritura, eque hoje tomaiaó inftrumentos difererv tes , e da mefma forte ie daõ os nomes modernos aos antigos, c os Puetas uíaõ deftas antecipações de tempos.

Nota 474. O 2 1. verf. I. Pneumático. Como na oitava antecedente diíTe os inftrumenros que hiaõ no triunfo , nefta com Kirker, Meurfio , e todos 0% Aurores da mufica , os divido cm três claf- fes. Chama-fea primeira pneumática , que he o mefmo, que ven- to,pois ifto íignifica pneuma,que he vento , e efpirtio ; a efta claí- íe fe reduzem a Trombeta , o Orgaõ , a Flauta , e os mais inftru- mentos , que tocaó com o vento. A fegunda fe chama encordia dos inftrumentos, que tocaó com as cordas , como faõ a cytara , a Arpa , a Viola , e os mais defte gcnero. A terceira he a pulfatil dos que tocaó batidos, como os Timbales ( Atabales lhe chama- remos lempre) os Tambores, os Adufes, e os mais defta efpecie.

Nota 475. O. 11. verf I .Novecarros.AM<aynhadosAnjoscia jufto,qeftes imitados celebraíTcm nos léus noveCoros divididos em ttes Gerar- quias que a Igreja leconheceo depois do antjop livro de caelefti

hierar-

S8 NOTAS

JiierarquJa atdbnido a S. Dionizio Aieopagica ainda que os Ciid» cos lh<? àaó outro Dionisio por Autor,; ,--

Nota 476, O. 27. verf. j. Os atiibdtos. Nas Efcríturas , e na Ladainha Lauretana, que a Igreja íó permite je reíe a N. Senhora , íe achao Qs Teus íoberanos atributos , que nefta outava , e nas leguintes fe a.plicãõ á fundação, e patrocínio de Portugal : veja-íè o livro do Panocinio N. Senhora eTcrito pelo Padre Alonfo de Andrade, e o de Divi Tateíares do noílo erudito Padre António de Mace- do da meíh)a Companhia , e nao. íó os Áuchores 5 que o Padre' Manacio pripcijíiou a recopilar na''ÍLia Biblioteca Mariana , mas' QS iunameraveiSj que dedicarão as fnas obras em louvor do,-? infi' nitos atributos de Maria. Duas Bibliotecas dcrtas piiífimaè obras

Nota ,4^7.- p. zò,. vcri. 7. Heitaura'dor:''ElRèy L^Ja^lCO quarcosquc fc;-v o Reynoféudâtaâõ à Conceição. . '■'■'' ^ ■- ■-•

Nota"^47S.. O. 54.. verC 7. Hum dos Meiiós, <^^i.uv. v'> i,»^)r,;ii>.;i;, , .: por Tronco dailluftre família dos Mellos a D PedroFecmaHs

Nota 479; O, 34. ver-, £., Vaíconcellos. No icãi^w.;^ ...t... •^w-.íb.u«-,.* .v. ...- creveo Joaõ Salgado de Araújo Abbade de Pêra ;da iiluílre fairtói- lia àos Vaíconcellos oíí entronca com o Conde D. Ozoiio de Ga breira deícendete de ElReyD. Ramiro Ill.de L.eaò,como diz o Con- de D. Pedro , ídeíl^familiâ íaõ qs Condes de Caftelio-Melhar: ) qs-.Moígados do Efpçiraó,, e outros ramos illuíhes. ',' :: :.■,,■ ■, . 'Nota 480, ' ^' ' O, ,4 3. y^çiif. '8 , Generofo. No carader de generofo, que dev ao meu Heroe fem nunca o diTmintir fegundo me parece, cabem todas aqueiias afições , que fe julgaõ menos acaatelladas pei.os po- líticos, em que ja, desconfiança he contraria. da getierofidade, e íè .aqui, h,a algum defeito, ja nas advertências preiiminaies moílrey CQ^i os , medres da. arte, que era precizo para fazer verofimeis as vertudes do Herotí ãó Poema diferente do da Novéila. -; V ' Nota 481.- / .0,'àfG, verf. 8. xMedujEa. Muitas vezes íe repetio que Medu-

jçatjfíh^ icrpe^ntes pof.cabellos.

' Nota

DO P O E M J. 89

Nota 48z. * ■"' *

O. 49. verf. 8. Eílatuas. Como dizem que Meduza convertia em pedras a todos os que a viaõ , e que a fua cabeça depois de cortada cauzava o mefmo effeito, aqui o introduzo para moílrar a fufpençaõ dos que viraóeftc prodígio : aííim dizem os Médicos que ficaõ os que tem o mal incurável , chamado Catalepíis em que o íangue fe congella , e os deixa na meíma acçaó em que el^ tava5. No ícu mundo fubterraneo refere Kirker com outros Au- thores q na Tartaria havia huma Cidade chamada Biadagio,q por hum calligo do Ceo ficará petrificada , e os homens , e animaes da mefma forte , porem os modernos o negaó , c os novos Sá- bios da Academia Ruílianna o naó tem defcuberto.

Nota 485. O. 55. verf I. Fátima. Como os Mouros faõ contrários da idolatria faço a reflexão de que entenderão que Fátima, a quem veneraõ , era filha de Mafoma , e mulher de Ali , que fundou huma Seita , chamada dos fatimidas. Fingem que foy virgem de- pois de May de muitos filhos , morreo em Medina féis mezes de- pois de Mafoma tendo z8 annos.

Nota 484. O. 57. verí. 1. Phosphoro. Efte nome grego , que a luz , e o fogo deraô à eftrella de Vénus na Aurora de quem diz Marcial.

Phofphore redde dietn , cur gaudia noftra mor ar is ? He o mefmo que deraó os Chimicos modernos a todas as pro- duções naturaes , ou artificiaes , que luzem na efcuridaõ : huma das principaes he a pedra de Bolonha: veja-lè deftes phofphoros, o que diz Ozanam na ultima ediçaõ das recreações mathematicas.

Nota 485. O. 6i. verf. 5. Eroftrato. Bem conhecido ficou pelo íàcri- legio com que queimando o templo de Diana em Efefo, quiz im- mortalizar o feu infame nome , na melma noite em que nafcfo o 'grande Alexandre, e porque iium orador lizongeiro diíle que Dia- na que com o nome de Lucina era a Dcofa dos Partos, íe defcui- dará do feu Templo , que lhe importava mais ajudar aOlympia no nalcimento daquelle Príncipe , outro Orador , como diz Plu- tarco , reípondeo, que aquelíe penlainento ac ulador eia taô frio, que le admirava de que naó baflafle para apagar o incêndio do templo. Nota 486.

O. 65. verf 5. Radamanto. Minos , eRadamanto diz a fa- bula , que pela fua Juiliça foraõ nomeados peios Deozes Juizes

1 dos

90 :v^ NO T J[ f

dos condenados ao abifmo,para onde paíTaraõ os foldados pelo defcuido de eftarem dormindo fendo o lono imagem da Morce,

Nota 487. í

O. 6}. veif. 8. As deixou como as achara. Atribue-fe efte

apotegma a Alexandre Magno , que condenando-lhe matar hum

foldado fentinella que eftava dormindo , refpondeo que o deixa-

xa como o tinha achado*

Nota 488. O. (jj.vcrf. 1. Touro. Dizem qae Neptuno fez o Touro, o qual cerra os olhos quando marra, e Momo,por efta caufa culpou aqttella imperfeição fechando os olhos quando havia de abrillos para dar o golpe.

Nota 489. O. 70. verf. 8. Vulcano. Vulcano foy ferreiro iníígne , e di- zem que a armonia fe inventou jobfervando a proporção dos gol- pes do ferro quando bate o martello fobre a Bigorna , porque fa- 2iaô confonancia de hum a hum , ou de hum a dois , que he o principio da Muzica , edounifono, e MonòteíTaron.

Nota 490. O. 73. verf I. Bellicoía, e beliílima Bellona. A propriedade com que fe a Axa o nome de Bellona Deoza da guerra , e os Epítetos de belicoza, e beliífima, defculpa efta quazi paranomazia de que naó faltariaó exemplos , até no meímo Cicero , e naó ha íigura , que naó fendo frequente fe exclua da Rhetorica , c Poé- tica. Cielia , e Pantaziléa ja fe diííe quem foraõ.

Nota 491. O. 74. verí. 8. Foge a mefma morte. Naó ío he hipérbole e conceit© poético , mas parte da narraçió , para moftrar que Axa ficou ferida, e naó morreo, porque a morte fugio de medo dos golpes de Egas Moniz.

Nota 492. G. 84. verf. 7. Atlante. He parte da fabula de Perfeo , e M«- duza , que tanto fe tem explicado , a tranformaçaó de Athlas, ou Athlante , Rey de Mauritânia em monte do melmo nome que di- zem fuftenta o ceo em que fe converteo , porque Perleo o calti- gou da fua hoípedagem , moftrando-lhe a cabeça de Meduza.

Nota 493- O. 84. veil. 8. Do mcimo Athlante. Em outro lugar fe dirá o dominio de Portugal contra Athlante, aííim no oceano deftc nomq, como nas tejras de Africa nas vifmhanças defte monte.

Nota

D o T o E M J. 91

Nota 494. O. 87. veiT. 6. Piromancia. He a parte da magica , eNigro- mancia , cm que fe adivinha pelo fogo chamado Pyios , a que faz no at heaEromancia, na agoa Hydromancia , e na terra Geo- maneia , efta fe uza também com o mefmo nome com linhas, e pedras, Emancia figniíica adivinhação.

Nota 495.

O. 88. verf. 7. Moloílo. He o nome de hum câo , que fabri- cou Vulcano de bronze , e o deu a Júpiter , e Júpiter a Europa^ depeis a vários caçadores , fendo feroz, e ligeiro, àcremque Mo-: loíTum lhe chama Virg. 5. das Geor.

Nora 496,

O. 8 8. verí. 8. Cololío. A grande eftatua de Rhodes hum» das fete maravilhas do mundo.

Nota 497.

O 89. verf. 5. Sanfaõ. A comparação de hum heròeChriftaõ com Saníaõ , que foy figura de Chriílo , e a do Gigante com o Templo naõ í'e eílranhará em hum Poema também Chriftão. Naó íèy íe o era muito António Henriques Gomes , e fez hum Poe- ma nSió indigno , que intitulou Sanfon Nazareno. A Efcritura DOS diz , que Sanfaõ abraçando-fe com duas colunas arruinou o Templo dos infiéis , e perdeo com todôs a vida.

Nota 498.

O. 90. verf. I. Anteo. Em humaNota referimos ja efta fabu* l;i. Nota 499.

O. 97. verf. 5. Huma delgada névoa. He alluzaó ao que diz a Efcritura : tamquam virgula funú ex aromanbusy o que fe compa- la com a Igreja no livro dos Cantares cap.3.

Nora 500.

O. 97- verf 7. Pluraõ. O roubo de Proferpina por Plutão fe repete algumas vezes nefte Poema , lendo entre muitos defte af- fumpto o que Claudiano efcreveo em quatro livros com o titulo Òq Raptu ProferpWdí y a que no generofo burlefco , iguala, ou ex- cede o Efpanhoi D. Pedro Sylveftre, fe he que , como adverti nos preliminares, naó tem Autor mais exceilente. Aqui continuo efta fa- bula para appiicalia a huma verdade , que he a alegoria 5 pois fa- fim como Jove colocou íeis mezcs a Profer,pina no Ceo , onde fingirão que era a Lua, também Deos que he o Supremo, c ver- dadeiro Jove livraria , a quem he : pulchra ut luna do roubo que Plucaõ fulminava da fua imagem.

lii Nota

^7. NOTAS

Nota 501.

O. roi. verf. 6. Elemento fubtil. Os que tiverem qual quer luz da Filofofia Carteziana , entenderão , o que em poucas pa- lavras fc iníinua do terceiro elemento , e da cauza de ferir lume a pederneira , e tantas outras producções da natureza em que cila porçiõ lutil eílá rezervada.

Nota 503.

O. 104. verf. I. Amianto. Tudo o que fe tece com os fios do Amianto , c fe chama depois por incombuftivel , Asbefto, he cer- to que naõ eftà livre de queimaríc , mas que fe lava no fogo. Naõ ío efta efpecie de Alúmen plumen, como chamaó os Boticá- rios, le confervaõ em muitos gabinetes de raridades , mas nas do meu Mufeo tenho papel pardo,e hum pào ligeiro, que naõ podem queimaríe. Naõ entro na queftaõ, feeraõ verdadeiras as Alampa- das , ou lucernas inextinguíveis , que dizem fe acharão acezasem algumas íèpulturas Romanas, e que fe apagarão, expondo-fe ao ar, de que entre outras hiftorias íe conta , que no tempo do Papa Paulo III, fe achou a de huma filha de Marco Túlio Cicero , cha- mada Tuliola , veja-fe o volume de lucernis anciquis de Fortunio Liccto , Panciròlo rerum deperditarum, e os muitos que o defen- dem, fendo mayor , e pôde fer que melhor, o numero dos que o impugnaõ. Nota 505.

O. 106. verf. I. Arvore da Vida. A comparação da Arvore da Vida izenta do roubo de Eva com a Virgem he muito commua, e aqui íe compara o templo com o Paraizo 5 e a efpada de fogo do Querubim , com o que agora preíerva o templo do incêndio.

Nota 504.

O. 110. verf. I. Chuva de ouro. A fabula de Júpiter que pa- ra introduziríe na torre em que Acrifio Rey dos Argivos tinha preza a faa filha Danae, íe transformou em chuva de ouro , he taô conhecida,como a alluzaõ de que o intereífe corrompe as gu- ardas, c vence as mayores difficuldades.

Nota 505.

O. 111. verl.ç. Falange. Nome que davaó osMacedonios aos feus batalhões guarnecidos por todas as partes de lanças, e outras defenfas, originando-fe eftenome das aranhas chamadas Falanges que he huma efpecie de centopeas, que por todas as partes eftaõ rodeadas de pés , que lhe deu o nome de Centumpedcs, e com elles oífendem , e fc defendem.

Nota

t> o T o E M J. 93

Nota 50Ó. *" O. 1 50. verf. I. Sem armas. Efta defcripçaÕ de Egas Moniz affli(íto pela perda do Infante D Affbnfo he huma figura da que Camões deícreve do mefmo Egas Moniz quando como outro A- tilio Regulo foy facrificar a vida, por livrar a Portugal do tributo deCaftella.

CANTO VIII.

Nota 507. 0. 5. verf. I. David. Nefta Oitava inclui os nove da fama de que nem a efcolha(fegundo entendo ) foy jufta , nem a tradição he antiga , pois he certo, que he mais moderna , que Gofredo , e cuido que huma Chronica antiga Efpanhola chamada dos nove da fama he a primeira, que os elegeo , pois naó acho nas outras Naçoens origem deftes efcolhidos heroes. Bem fe elegerão os três da efcricura Jozuè, David, e Judas Macabeo, porém Moiz€s,San- faó , e outros podiaõ também competir com algum dos três. En- tre os Gentios naõ havia de eleger a Heíflor , fenaõ a Aquiles que o matou , e a nenhum dosdous, pois entre os fabulolos cftava primeiro Hercules, e com mais noticia, como Plutarco nos mof- tra na fua vida , dera eu o primeiro lugar a Thefeo , a Alexandre, c a Cezar naõ difputo o lugar. Entre os três chriftaos , he Artur o o Heytor , porque defte famofo Rey de Inglaterra faõ poucas as acçoens que naõ íejaõ fabulofas. Carlos Magno , e Gofredo con- ferveu^ embora a preferencia, ainda que naõ lhe falravaõ no con- curfo fortes oppofítores. Bafte neftas breves notas o pouco que di- go de Heròes taó conhecidos no mundo

Nota 508. O. 5. verf. I. Vedes o Templo. Sobre quatro arcos , ainda que naó taõ funtuofos como eu os defcrevo, fe levanta o Templo de Carquere , e os aplico aos que tem as propriedades dos arcos, que incluem os últimos dois verfos.

Nota 509. O. 6, verf. i. Eftyllo Lapidario. As infcripçoens que os Gre- gos, e Romanos gravavaõ nas pedras chamadas em latim Lapides daõ o nome ao eftyllo lapidado , cm que com regras de diverfa, e ignorada medida, e com letras todas majuículas, ou grandes de que algumas faõ as primeiras de cada r.ome chamadas iniciaes , e

com

94 NOTAS

com outras notas , e abreviaturas fe dicifra quanto eftes certos inv')numcnros nos confervaõ da antiguidade. Delles temos amplif. fimas colleçóes em Grutéro Reyneíio , Sponio Fabreto, e ourros muitos j os modernos depois de Juglar, e Thefauro inventarão hum eftyllo a que chamaõ de Elogio , que lie meyo entre a proza, eo verfo com agudeza , e alguma armonia , de que amplamente tratou Boldonio na fua Epigrafia.

Nota 510.

O. 7. verí. ;. Auftio- A Igreja de Carquere tem a Cidade de Lamego ao Sul, que he o Auftio.

Noca 511.

O. 7. verf. y. Cinthio plauftro Cinthio he epiteto de Apolo, pelo monte Cinthio , e plauftro , he o carro , e aqui íígnilica o carro do Sol. Nota 5 i z.

O. 7. verf. 8. Preludio. Fcy Carquere primeiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agoftinho , que depois tiveraõ o magnifico Convento de Santa Cruz de Coimbra, de quem digo foy Prelu- dio o de Carquere.

Nota 515.

O. 8- verf. i. Terá de Paroquial. Depois que os Cónegos Regrantes largarão o Convento de Carquere, foy a Igreja Paro- quial , e ElRey D. SebaftiaÓ , que foy o decimo fcxto entre os de Portugal , deu efta Igreja para rezidencia aos Padres da Compa- nhia de Jefu do Collegio de Coimbra, a quem pela fua Univer- íidade chamo nova Athenas , Republica de Grécia , que floreceo muito nas Letras.

Nota 514.

O. 9. verf. I. Neófitos. Neo em Grego fignifica novo , e fi- tos planta, e efta he a caufa de íe chamarem Neófitos os nova- mente convertidos, ao Chriftianiímo, e efta outava he hum digno Elogio da Companhia , comparando as íuas Leys com as de Li- curgo famofo Legislador de Lacedemoiiia; e chamo Taumatur- go , que fignifica pcodigiofo , a S. Francifco Xavier da mefma Companhia, e Apoftolo do Oriente.

Nota 515.

O. IX. verf. 5. Com fingido furor. Como em hum Poema de obfervar fe o carader de cada hum dos aótores , e o Infante D. Affonfo ainda que também Infante na idade he com milagre de Nofla Senhora de Carquere, a pedra fundamental em que o Con- de D. Henrique feu Pay fundado o Reyao de Portugal de que

o In-

D o F o E M J. 9y

O Infante havia de fero primeiro Rey, me naÕ rendi à critica dos que tiveraó por menos nobre efte Carater da infância em que a- nimado pelo milagre , e antecipando-fe o ufo da razaõ podia Af- fonío obrar, c dizer muito do que llie atribuo: em Virgílio omi- nino Afcanio falia , e obra conforme a íua idade , e naõ me pa- rece que incorro na cenfura, que faz Boileau Defpreaux ao Moi- zes Libertado de Saint Amante, quando falta, c brinca com hum feixinho, que depois offerece , a quem o livrou, como fe no canto primeiro da fua Arte Poética. Em Homero me naõ faltavaô exemplos das que os modernos chamaÕ puerilidades, como fe o copiara natureza em hum caracter horrorofo foíTe amável > e em hum innocente aborrecivel?

Nota 516. O. i^.verf, 5.Timantes. Aquibufco por modo diverío a com- paração de Timantes, que ja expliquey quando encobrio oroftro de Agamenon afflifto pelo facrificio de liia tilha Iphigenia com hum lenço: vejaó-fe os affeótos defte Pay inconfolavel na admi- rável crt^edia de Iphigenia efcrira em Francez por Racini.

Nota 517. O. 19. verf I. Tullio , e Demoftencs. Deftes dous oradores de que o primeiro foy o mayor dos Latinos , o fegundo ,que foy no tempo muito primeiro, o mais infigne dos Gregos , fazendo o paralello de ambos o erudito , c difçreto Padre Rapin , digo que naõ imitou S. Giraldo como orador lagrado as flores, e ar- tificies da Rhetorica , mas que fez huma craçaó patética do mi- lagre de Maria. Nota 518.

O lé. verf. 8- Ourique. Moftra o Santo , que teve revelação da appariçaõ de Chrifto a ElRey D. Aftonfo Henriques em 1139. quando lhe deu as cinco Chagas por armas, e venceo cinco Reys Mouros fendo acclamado Rey , e confirmado nas Cortes de La- mego. Nota 519.

O. 24. verf. 8. O eípirito divino fobre a agoa. Depois de ex- plicar S. Giraldo os três bautifmos de agoa,e fangue pondera, que o fogo do amor divino com que ja deíeja o bautifmo o fará ver na mefma agoa o Efpirito Santo , explicando aílim com os Santos, e Expofitores o verfo do pjimeiro capitulo do Genezis : Spiritus Dommi ferebutur fuper aquas.

Nota 520. O. 27. verf. 7. A Cidade. Depois de prevenir Henrique a de- feníà de Lamego íe kmbra do veiíò do Plalmo ísift Dtnn?iíis cuf-

tçdigrit

96 NOTAS

todierit ctvitateni frujla vigilar qui cuflodit eam.

Nota ízi. O. 29. verr.7. Napca. Eraõ asNapéas as Ninfas dos bofques, como as Driadas , e as Naydes eraõ as das fonces.

Nota 5Z2. O 38. verf. 5. Veas que deixa. Sigo a metáfora da circulação do langue no corpo humano , que íahindo do coração pela Aor- ta entra nelle pela vea cava , paífa por feu inventor Harveo , e di- zem alguns, que o delcubiimento foy cio famolo Fra Paulo Sarpl Religioíb Seivita taõ venerado cm Veneza como condenado em Roma. Nota 525.

O. 50. verf. I. Sou filha. Como Aldára naó fupunha , que a ouviaõ pondero os effeitos do íèu amor a Muley , e em hum fo- liloquio muito ufado em Poemas, e Tragedias fe propõe a fi mef- ina as duvidas cm que vacilava, e que fervem muito de inftruir a Pelayo , que a eftava eícutando , de darlhe occaíioens de novas finezas , e de ir prevenindo os lances futuros.

Nota 524. O. 5 I. verf, 5 . Anteo. Junto a Tangere , q.ie deu o nome á Mauritânia Tingitana, como ja notey, fe conta que fe achou hum oífo de huma perna do Gigante Anteo feu fundador de èxcraor- dinaria, e incrível grandeza.

Nota 525. O. 5:9. verf. í. Azul eílrella. Eftes fínaes que dnhaó Aldàra, e Muley, íèrvem depois para provar, que faõ filhos do Con4e D. Henrique. Nota 5-2(7.

O. ól. verf 4,0 que fiou da agulha a vofla pena.A fabula de Filomena a que feu cunhado ElReyTeréo caiado cõíualrmãaProg- ne,violentou,e cortando-lhe a lingoa para que ella o naó publicaflè bordou com a agulha as letras em hum lenço por onde avifou a Progne a fua infelicidade , e fendo convertida em Roxinol ficou por efte fucceflo com a lingoa farpada fendo Progne transformada era Andorinha, c Teréo em Eftorninho, vay rezumida nefta ou- tava em que Aldàra vay contando a íua hiítoria a Filomena.

Nota 527. O. 61. verf 8. Nénias. Eraõ as Nénias as cancoens triíles, que íe cantavaõ nos funeraes , Manoel de Faria fez humas a crof- íica-i a Raynha de Helpanha Dona Izabel de Borbon primeira mulher de Filippe IV. que merecerão huma graciofa , mas txceC- íiva fatira de D. Gabriel dei Gorral Abbadc de Toro , que anda

nas

D o F o E M J. 97

nas obras de D. Luiz de UUoa infigne Poeta Hefpanhol da meíma idade. Nato 5x8.

O. 6x. verf. 8. A violência, Elles efteitos contrários que fente Aldàra faõ huns avizos de que era Muley íeu Irmão , c equivoca- vaõ a íiinpatia do langue com o amor que eílava n'alma,

Nota 519.

O. 64. verf. I, Amado aborrecido digo. Ja procurey juftifi- carme, que naõ digo como equivoco o nome verdadeiro de Ama- do que a hiftoria a Pelayo, com o adjecl:ivo de aborrecido, que aqui uza Aidàra, equivocando mais os atfectos que os nomes.

Nota 550.

O. 65. verf, S por beber meu Sangue. Efte penfamenro, que parece menos claro , cuido que íe explica querendo Aldàra pcrfuadir a Pelayo, que fe mataíle a Muley havia de perdella, por- que os dois coiaçóes eftavaó unidos, e no Tangue de Muley ver- teria cambem o de Aldàra, e aífim procurou evitarlhc hum inimi- go taó formidável fiando mais da fua generoíldade , e fineza^ áot que temendo incitar aífim feu ciúme , e a fua defeíperaçaõ com clle deícngano.

Nota 531.

O. 67. verf. 4. Adtcon. Ja fe vio em outra Nota , que Aíleon foy convertido em Cervo por Diana 5 porque a quiz ver em hum banho çom as fuás Ninfas.

Nota 552.

O. 86. verí. I. Girifalte. He o nome de huma das dez efpe-_ cies de falcoens , e vem do Norte , e das fuás qualidades , e das mais Aves de rapina , e termos defta arte real íe vejaô muitos Au- tores que efcreveraõ da Volataria , he hum delles Carlos JX. Rey. de França no livro que imprimio intitulado : Chajfe Royaíe , de que fiz hum largo Catalogo , tratando também da origem deíla cafa defconhccida até o decimo Século

Nota 55?.

O 89- verf 5. Águia real. Quando a Águia íe dcfcobre , fo- gem as mais Aves de rapina, e ha no firmamento huma conílela» çaõ letentrionaln que he a Águia de Júpiter.

Nota 5 54-

O. 90. verf. 8. Carnivolo. Úfo deíla pxilavra culta , para moílrar a voracidade com que as Aves de rapina comem a carne de outros paíTaros,

v; . m Nota

98 NOTAS

Nota 555. O, 91. veif! 8. Aufpicios. os Auípicios, de que os das Águi- as eraó os mais felices, foraõ propícios na fundação de Roma, e eiaõ os pronoílicos favoráveis que fe faziaõ pelo voo das Aves ,a- qui lie o aufpicio , e vaticinro de que Portugal como Águia voan- do para o Oiienre havia de vencer os infiéis, que aqui íe lymbo- iizaõ nas aves de rapina , atribuindo-fe commummente ao graõ Tuico o Açor. D. Miguel de Barrios no feu Coio de Muzas em hum verlos anagramaticos, e quaíi acrofticos , diz aflim. RoniA aguda bolando ai Turco Az.or.

Nora ^36. O. 91. verf I A legião dos domefticos Açores. Legião entre os Romanos correfpondia a hum regimento de Infantaria de féis mil homens divididos em dez cohortes , que eraó como os noíTos batalhoens de féis centos homens cada hum , e nefte lugar digo que os Açores domefticos, ou por me explicar melhor domeftica- dos,formavaõ huma legiaõ contra as perdizes , que poeticamente digo com Ovidiojque Perdicas foy hunifobrinho, e difcipulo dé^ Dédalo, e eíle envejolo de que elle o venceíTe na habilidade, ven- do que inventara a lerra , e ocompaífo, o precipitou de hum monte, e os Deofes o converterão em Perdiz, Mr, Defmarets. ef- creveo hum Poema fummamente engenhofo dos amores da regra, e do compaffo , em veríos Francezes que eu' traduzi em oitavas Portuguezas , e dediqucy a D. Joaõ da Cofta III. Conde de Soure, meu intimo amigo , que em poucos annos fe adiantou muito nos progreííos Militares, e literários , e morreo no Reyno de Valença fendo Sargento mór de Batalha , em 1706.

Nota 557. O. 94. verf. 8. Amaltea. Foy Amaltea a Ninfa que criou aju- piter , e como foy fua a Cornucopia , ou corno da abundância adornado de flores , e frutos , explico aífim os cornos de caça inftrumentos venatorios , que precederão á montaria.

Nota 538' O. 95. verf 1. Meleagros. que Alcides , Marte , e Adoniz foíTem caçadores he muito vulgar, e naó o he menos , que Me- leagro mataífe o Javali de Calidonia , e porque ofereceo a Ata- lanta os defpojos da caça, envejofos Plexipo , e Toxeo Irmãos de Alréa May de Meleagro, quizeraõ tirar a Atalanta o Javali, e Me- ieagro os matou -, e Altea , que livrou quando Meleagro nafceo hum Madeiro , que as Parcas principiarão a queimar, e a que efta-

va

B o V o E M A. 99

vft vínculaííaa vida de Meleagio , por vingarfe da moríC de feus Irmãos, lançou no fogo eílc madeiro , e quando acabou de quei- marfe elpirou Meleagio. Efta Atalanta quciem alguns , que feja a mefma , que Hiponienes vcnceo na carreira com os três pomos de Ouro da labida fabula } outros as diílinguem fazendo efta filha de Schenéo , cu Suenéo Rey de Arcádia , e a outra de Jazio Rey ik)s ArgÍYOs, c naó faltaõ Autores que lhe daó trocados eftes Pays.

Nota ^"i)^.

O. 95. verf. 5. Batida. Hehuma das efpecies da montaria, ba- tendo os Monteiros as moutas , para qu.e faya a caça grolja, que ou fe efpera nas portas para matallas a efpingarda , o que no tem- po do Conde D. Henrique, era íó com íetas , ou íe for de Por- cos monrezes fc correm a lança. He a calcada, outro género de caça, que para defcubrir-fe fe vay com os pes dos cavallos calcan- ido o mato , quando he praticável.

Nota 540.

O. 98. verf 2. Melampos. Eftes nomes de caens a que cha- mamos fabujos, faõ muito ufados dos poetas, e naõ merecem hii- ma digreíTaõ para as fuás ethimologias.

Nota 541.

O. 98 verf 5. Hecuba, Hecuba Rainha de Troya convertem os Poetas em cadelia. Veja-fe Ovidio , e Homero , e Virgílio, e na tragedia da Troade do difcreto Efpanhol Séneca fe pode ler o ícu carader, e íbcceílos com os dclRey Priamo leu marido, e da fua illuftre , e telicc família.

Nota 541.

O. 98. verf.5. Mera. Que Mera fe converteo na mefma efpe- cic canina diz a fabula nos Metamorfofeos.

Nota 545.

O. ^^. verf 8- Calydonia. Província de Arcádia famoíà por

rhum dos trabalhos de Hercules, c pelo fucceflb de Meleagro nos

ferozes porco efpim, e Javali, que vencerão, e alguns querem que

folTe hum , que Diana deu por caibgo a aquelic paiz de Grécia,

por lhe negarem o culto. Nota 544.

O. 100. verf 2. Erimanto. Ja íe explicou outras vezes o que era Erimanto , e em muitas notas fenaõ repete o que ja eftava co- mentado. Nota 54;.

O. loz.verí. 8- Os dous caens celeftes. Saõ duas as conftela- çoens defte nome , e da parte do Sul , chamando-fe a primeira o caõ mayor,aque daõ o uome de Siiioique pela morte de ícaro de

m ii quem

loo 'fe^- iívr o r J f^ Cl:

quem era, não quiz comer mais, e foy transferido ao Ceo , o it* oundo Te chama Piocyon,ecaõ menor, que he a Canicula bem conhecida pelo ardor dos caniculares, em que o Sol eftà nefta conflelaçaó da zona tórrida, veja-fe a fua fabula em Hyginio,e nos mais que tratarão das celeftes.

Nota 54^. O. 103. verf. I. Hacanea. Efte nome he mais conhecido pe- la que fe ofFerece ao Pontífice, como feudo do Reyno de Nápoles, e delle fe derivou chamaríe em Hefpanhol, e em Portuguez facas os cavallos medianos no tamanho ; e no eftylo humilde , ie diz faquineo, fendo efta ethimologia mais natural, que a que deo Me- uage , dizendo que Equus dera o nome a Alfana , que em Italiano he hum cavallo pequeno, de que hum poeta fatiricodiííe em hum Epigramma Francez contra efla violenta ethimologia , que íe Al- fana vinha de Equus , íe mudara muito na derrota perdendo no caminho todas as letras do nome de que a derlvavaõ. Veja-fe o cavalleiro de Cayli com o nome de Alèyli.

Nota 548- O. 105. verf 8. A maquina. Efte verfo pedia huma larga dií- ferracaÕ, fe eu quizelTe deffender a opinião Carteziana de que os brutos laõ maquinas, ou defcrever , o que he inftindlo , termo certamente mal entendido, e que o engenhofo, e erudito Padre Feijó, combatendo as duas opinioens , difputa com a lua coftu- mada agudeza , pois ainda que he Herético dizer que os brutos tem alvedrio , aquelle doutiííimo critico pondera certo grào de diícurío por huma ejpeciede inferências, e de comparaçoens de ideas , que confirma com varias experiências, mas a tudo refpon- dem os Filofofos modernos.

Nora 549. O. 109 verf. Hecatombe. Significa em Grego o facrificio de cem bois, mas achafe por todo o que he de cem vidimas fempre com o mefmo nome, ainda que lejaó de outras rezes , e de cem águias fe em Homero o nome de Hecatombe.

Nota 550. O. 1 10. verf. 5.0ribafo. Do nome defte, e dos outros caens fe baftancemenre a echymologia Grega neftes quatro verfos , e foroõ os meímos nomes que tivcraõ entre outros muitos os do fa- mofo Caçador Acheon, como pode ver-fe em Natal Comes cra- ;tando na luaEmythologia da fabula defte curiolo,e infelice artia- te de Diana , que o transformou em veado , e o dçfpedaçaraó^os

' !: ,r. ' leU9

feus próprios caènsi?' fJÍ-'' Npta' 5^1- ^ cr ;

O. II ;.verf. 7Vlphigenia Para fiiavizar a tragedia de Iphige- nia dizem alguns poetas, que em leu lugar aceitou Diana huma Cerva por facrihcio. Nota 551.

O. I 1 5. verf. I. Licaon. He o ncme daquelle tyranno qne ma- çava os horpedes , e os dava a comera outros, e a quem Júpiter, e Mercúrio transformarão em lobo,vendo cm fua cala efta atrocida- de; e irritado Júpiter calUgou os homens com o diluvio , ou fof- o ufiiveifal , a que os Gregos chamarão cataclyfmo ,ou o parti- cular de Tbeíalia. " Nota 55-5.

O 115. verf. 4. Pyrrha, O diluvio de que fe falvaraõ Deu- talion , e Pyrchá , defcrcvem os Poetas, e admiravelmente Horá- cio nos verfos laphicos da íua fegunda ode , que principia : '^awi fatis terrts. Nota 554.

;i ii:. O. 1 17. verf. Pir^rve» Nome da Ninfa de quem o tomarão os rno^ntcs Pirènèos , que dividem França de Caftella.

Nota uu O. I ly.verf.S.Qiie o Erice fe axou no Erminio. Como digo que efte Paftor amante feguia a Vénus Mãy do amor, c que ama- va a Dorimene Paftora da ferra da Eftreila, chamada pelos antigos monte Erminio, digo também, que naquelle monte achou o Erice» que era confagrado a Vénus em Trinacria , que he Sicilia, don- de como ja diíle, lhe chamarão Ericina. Pareceome confervar nel- ta nota huma copla antiga das paftoras da ferra da Eftreila , que o inllgnc Bacelar imitou, mas naó fey fe fazendo-a mais difcreta , a deixou menos natural. Dizia a copla :

Nafceo na Serra da Eflrella , Qíie fica junto às efirelLií , Tomou a afperez^a delia , -'''" "■'■~ ' I. a formo fura delias ^

'Diz Bá-ceilar. fafior a do gado branco ,

..1'jini: >i Ttlha da Serra da Epella , Oue no ceie fie , e no dure/. Lhe rouoafle a natureza. Nota 556. O. 120. verf. 5. O perfpicaz efpofo de Hipermneftra. He o Lince huma elpecie de lobo cerval, de vifta agudiílima, tanto que diziaó penetrava o folido , iciea falfa , e ridícula, que ainda hoje dura nos que crem,que ha homens, que vem o interior r'os outros, e que defcobiem o que e^à occuico nas çniranhas da i^rra. Ja em

Fran»

loz X. NOTA S a,-

França Ce defvaiieceo a illuzaó cora que Jaques Haymar uíava da chamada por elles Baguetre devinacoire ^ e pelo noíTo vulgo vari- nha de condaõi defendeo efte paradoxo com, mais fubtileza que verdade Vallemont na fua Fitíc^ oculta. Diz a fabula que Lynco, ou Lynceo efpoíode Hypclmneftra a quem 'elU livrou da morce, que luas quarenta e nove Irm-ãas deraõ na iji^lm^ npute a (eus ef- pofos fora convertido em Lince. > (^a-àtmk^in^-noiwy

Noca 557. O. 123. Dos campos Lauriccnos. Dei o nome de campos Lau- ricenos , aos do Louriçal Villa do Bifpado de Coimbra onde tera a miuíiafamiliâ o leu antigo dominio,he hoje celebre pelo magni- fico Convento que a piedade, e grádezade ElRey D. Joaõp V. fun- dou em memoria do inftituto da ferva de Deos Maria do Ladod* primeira regra de S. Francifco, e com Laufperene ao Sanriífimo Sacramento. As galgas daqnelle deftrido faó celebres , e Centelha era o nome de huma , que excedeo a todas em Salvaterra, e San- ta Marcha, e a deu meu Pay o Conde da Ericeira D. Luiz de Me- nezes a feu particular amigo o Conde da Atalaya D. Luiz Manoel defcendenre por varoniadelRey D. Duarte, eheròe que depois de grandes acções Militares ,e politicas deu a vida pela pátria, mor- rendo de huma baila que recebeo indo a reconhecer a Praça de Al- cântara em Abril de 1706. deixando em feus dous illulhes filhos, os Condes da Aralaya D. Pedro Manoel, e D. Joaó Manoel de No- ronha, hoje General , e Governador das Armas do Exercito , e Província de Alentejo, huns dignos retratos das fuás heróicas vir- tudes. O titulo de Marquez do Louriçal deu ElRey D. Joaõ o V. ao Conde da Ericeira D. Luiz de Menezes, nomeando o fegunda vez ViceR.ey da índia em i 740. mandando huma numerola eíqua- dra. Nota 5 ^8.

O. 127. verf. 5. Para alcançar. Efta comparação da caça cora a guerra, he imitida de Xenofonte na íua Cyropedia , em que o grande Cyro faz efta s reflexoens a Chryfanto, e as ampliou nas íuas excelentes noras Militares a Polibio Mr. Frolard no primei- ro volume da fua Tradução.

Nota 559. 0. 1 30. veríi 6. Sertofios, Sertório defendeo cm Luzitaniao partido de Mário, e he bem iabido ,quecoft:umando huma Cerva a comer na fua orelha, ganhou a fuperfticiofacredulida Je dos po- vos para que creíTem, que da parte dos Deofes^ o vinha infpirac para as gíoriofas vitorias que alcançou com tropas Luziranas

das

D o F o E M A. Í03.

das Romanas. Nota 560.-

O. I 3z. verf. 5. Afllm o fez quanto Rcy grande. O erudito Portugnez Mendoca no feu Viridario excita o problema , le ao Príncipe he mais útil fer caçador, fe eftudiofo, e o deixa por de- cidir , porém parece que as (ciências excedem muito a caqn, Íena5 he que a tememos como imagem da gueria , que he muito mais nobre por mais heróica , que rodas as applicaçoens humanas, mas nunca vale a copia tanto como o original ; he cerco que mui- tos dos mayores Reys do mundo exercitarão fempre a caça , que deve ler illuftrc diverfaó, e naó único emprego.

Nora 561. O. 155. verf. 1 . Claro Mecenas. Torno a invocar como Me- cenas ao Senhor Infante D. António, a quem dediqucy o Poema lembrandonie de que no campo Tranftagano que he o melmo que de Alentejo, matou hum Gamo na Real Tapada de Villa Vi- çofa em huma diftancía taó grande , que parecia impoíllvel que a baila o alcançaíTe , o que enraõ celebrey com hum Soneto Efpa- nhol , que naó foy mal recebido na Corte dclRey Catholico D; Filíppe V. ém 1729. que foy o anno em que fe celebrou emCaya o caíamento reciproco dos dous Principes , ePrincezas de Portu- gal, e Hefpanha. Nota 562.

O. 134. verf 5. De Saturno. Na applicaçaó ào^ metaes aos Planetas atribuem os Chimicos o chumbo a Saturno.

Nora 563. O. 136. verf I. Teus Irmãos , Pay , e Avo. ElRey D, Joaó o quinto exercita a caça com a mefma deftreza , e primor com que faz tudo ao que fe applica Nefte exercício foy infigne ElRey D Pe- dro II, e feu gloriofoPay ElRey D. Joaó o IV. e dos Senhores In- fantes D. Francifco , e D. Manoel íe tratara logo.

Nota 5(^4. O. 1-36. verf 5. Em novo Augufto o Príncipe D. Jozé entre os vircuolds exercícios a que le aplica , ao da caça hum gran- de lugar, e florece nella , e em todos os progreíTos deftros, e ro- buílos da arre venatoria ; como o vaticínio i-.e do Conde D. Hen- rique, conta efte ao Príncipe feu XVllL nero ponvaronia, como quem ha de fer feu fucceílor no Reyno , e nas virtudes , e nos ex- ercícios nobres. Nota 565.

O. 137. verf I. Francifco. Que o Senhor Infante D. Fran- cifco he infigne em todos os exercitit-s vaicnís,an!m rérrcftres, co- mo raaritimos , he taó notório, que naó nçcçííira de ir/ais e\pii4

caça©

104^ .K 'NOTAS Cl

caçaõ, eigaalmente fe diftingue nay-fdcncias militares , e nauci- cavs , que lias equelhes , e venstoiias. '

Nota '^,GG. O- 138- verf I. Manoel: o Senhor Infante D. Manoel, que principiava a exetcitar a cac^a com prinioi- , fahio de Lisboa a ven- cer os Turcos, a quem chamo Feras Bizantinas, por íer Bizâncio o nome de GonftantinopU Corre do Graõ Senhor , e t^uc rrafem nos Eftandartes as meyas Luas. Achoule gloiioíamente na Bata- lha de Peter Varadin , e Conquiíla de Temefvvar , em Hungria, que he a antiga Pannonia, e pa batalha, econquilla de Belgrado, que he a capital da Servia derramado em defenlá da Religiaõ,e do Império o feu Real Sangue fendo General o hecòe deíle féçiilo o Príncipe Eugénio de Saboya.

Nota 567. O. I 59. verf I. Carlos , c Pedro , Scc. Naõ me atrevi a em- niendar eíla ourava quando ao elbrever eftas notas tinha a morte roubado a Portugal no anno' de ij^á. ao Senhor Infante D. Carlos de Regias elperanças , e a Senhora Infanta Dona Francif- ca de Soberanos atributos. O Senhor Infante D. Pedro he tam- bém igualmente inclinado , entre outros nobres exercícios, ao da caça. As três Princezas laó a Raynha D. Mariana de Auftria, e a Princeza do Brazil D. Maria Vi6toria,e foy como acabo de dizer a Senhora Infanta D. Franciíca, aoutta he a Princeza de Afturias, que affim era Caftella como em Andalufia ( que he a antiga Bcti- ca ,) fegue na caça a fua Real Familia.

CANTO IX.

Nota 685.

O. i. verl. 5. FeSo como Apolo, hc Deos da Muíica que exercita no Parnafo cora as nove Mufas , e venceo nella a Pan , e a Marfias padecendo ambos o caftigo da temeridade de competir com elle. Nota 569.

O. 4. verf. I. D. Garcia Rodrigues. Pela doação original que cílá na torre do Tombo confta, que D. Garcia Rodrigues, que era dos Fonfecas, teve as terras do Couto de Leorail , que depois pof- luiraó os Coutinhos feus defcendentes , e que em Africa, e ou- tras partes deraõ a Portugal imufiortal gloria. Foy hetdeira da Ca- la de M^rialvaa InfiiuaD. Guionur Coutinho de Menezes, que

caiou

D o F o E M J. lof

cafou com o Infante D. Feinancio filho de ElRey D. Manoel , e da Raynha D. Maria , de que naõ ha rucceíljó , porciD heidou o reí- to defta Illuílre Cala a Marqueza de Maiialvá D. Caterina Cou- tinho , que caiou com o grande D. António Luiz de Menezes, de qnem dciccndem, e a quem iniicaraó os Marquezes de Máiialva, e Condes de Cantanhede.

Nota 570. O. 9. verí. I. Poliorcedica. Chamoufe em Grego aíTim a ar- te de ganhar as Praças, e por conqaillar muitas íe deu o nome de Poliorcetes a Demétrio, e no feculo pafiado ao Marechal de la Mothe-Houdan court, r ..■ •• ' Nota 571.

- O. 9, verf. 5. Archimedes. Poucos ignoraõ , que Archimedes admirável profeílor das Mathematicas com as maquiíias que in- ventou defendeo Siracufa em Sicilia contra os Romanos , que o matarão inadvertidamente , porque naõ reipondeo a hum Solda- do, pela grande applicaçaó ç-om que ellava a huma iigura Geo- métrica , que defcrevia na arca.

Nota 57i. -i. i.Ovzg. vef. 8- O Graõ Sepulcro libertou de Chrifto. A ex- pedição do Conde D.Henrique á Terra Santa de Paleftina, achan-i do íècom Gofredo de Bullon na conquifta dejeruíalem , he ma- is conhecida de alguns dos noíTos efcritores, que dos Eílrangei- los. Efte verío he huma tradução literal do legundo veríc dajera- faiem libertada de TalTo.

3VOÍI tiu ^e ti gran Sepcicro libero de Crijlo. s.jp. •?:''••■■ ■' ' Nota 575.

-' -i 28. verí. I. Interamnenfe. He o nome latino que feda a Prcvincia de Entre-Douro , e Minho , e fe deriva de inter amnes, ou entre Rios. Nota ^74.

íípl O i-g. verf, 5. Quando aílaltando osceos. Aífim nomcyo poe- ticamente 3 Província de Trás dos Montes.

Nora 5 75". O. 28. verf 7. E quanto ainda em LeaÓ. He cerro, que ou por dote , ou por direyto , e conquifta occupou o Conde D. Hen- rique no Reyno de Leaõ muitas terras DelR< y D. Affonfo VI. feii Sogro, e entre ellas a Cidade de Aftorga, onde morrão em 1 1 12.

Nota 5 7^- O. 29. verf 2. o Douro, ôzc. Os quatro Rios que inclue o verío faõ dos mais.caudalolps da Beira , ç ^ílaPiovincia naõ a-

io6 NOTAS

qui fe refuine , mas a cofta que cone fobre o Oceano defde Ca- minha que hc no Minho até a Figueira, c Buarcos, que faó na Bei- ra , onde o Mondego dezemboca no mefmo mar.

Nota 577. O. ?5'.vern I. Expugnaçaó, &C. Nefta outava, e nas outras fe refumem as acções ja refeiidas , o que fe obferva , naõ lo nos Poemas, mas nas hiftorias para renovar a memoria dos fucceiros em grande beneficio dos Leitores.

Nota 57S. O. 57. verf. 7. Hercules. O Hercules gallico le pintava com cadeyas de ouro na boca para moftrar que os heròes naõ ven- cem adivamentc com o valor , mas prendem íuavemente com a eloquência. Deita fe chamar Áurea íãó tefterannhas os epítetos da- dos a Dion, e a S. Joaõ, ambos chamados Chrifoftomos , ou bo- cas de ouro, e a S. Pedro , o Ghryfologo, que íígnihca pratica,- ou difcurfo de ouro. Nota 579.

O. 5" 8. verí. 5. Eu a vejo , eu a vejo. Efta figura de repetição, e efta imagem da dilcordia com os feus afpides, faõ muito ufadas dos que conhecem ainda medianamente a Rhetorica , arte igual- mente deieitavel . e ucil. Veja-fe a de Ariftoteles , a do Padre La- my , e outras exceilentes, em que he a mais vafta a do Padre Cau- íino. Nota 580.

O. iíi. verf. i. De verdes pinhos. O pinhal delRey chamado também de Leiria, he ainda hoje famofo ,e agora mais pelas no- vas maquinas com que ElRey D. Joaõ o V. facilitou o corte das madeiras para navios, e obras publicas; occupa mais de nove le- goas, e ficava à efquerda do Exercito do Conde D. Henriquc,que vinha da parte do Norte, com a direita para a do mar , e ainda que efte pinhíl foíle plantado por ElRey D. Diniz, pode luppor a poefia , que o tinha havido antes , e que foy queimado , ou cer- cado, e que na terra própria para eftas arvores também íè tiveífem ferneado muitas como ja le explicou, tendo o primeiro pinhal íido do Confelho , pelo que hoje tem efte nome.

Nota 581. O. (ji. verf I. Sobre a indómita- Delcreve-íe o monte, eo areal de noíTa Senhora de Nazareth , de que a Imagem ainda fe jcxcuJcava ,e apareceo com o milagre de Dom Puas Roupinho no tempo delRey D. Affonfo Henriques, econtaõ alguns Autores dos •jioííbs qiie alli .fieera penitencia com o Monge Romaõ ElRey D. Rodrlga ulcifflo dos Godos de Her^anha^ de (^ue a fepulcura di- zem

B o T O E M A 107

zem fe achou em Vizeo, e na fiia Chronica antiga Hefpanhola íe acha efta hiftoiia akerada com muitas fabulas.

Nota 58Í. 0.65.verr. I. Ja no Eícorpiaõ O. Efcorpiaó em q o Sol entra a 25. de Outubro he onde o Outono tem a mayor força, e princi- pia a diminuir o calor. A fabula diz , que foy o Efcorpiaó o que mordeo hum ao Gigante Orion, por atreverfe a Juno , c tam- bém que o precipicio de Faetonte fora caufado pelo medo, que ti- veraõ os cavallos do Sol do veneno defte monftro.

Nota 583. O. 6f .verf, 6. Pomona, Vertuno. Efte era o Deoí? , e aquella a Deofa dos frutos,c os que chamo áureos, faó as laranjas que dizem vem de Aurancia pela cor de ouro, e chamo falvas de efmeraldas as folhas. Nota 584.

O. 8i. verf. 5.Palamedes. Dizem que Palamedes no fitio de Troya , que durou dez annos , inventou para deverrii os Gregos o jogo chamadado dos Latruticulos,que querem feja ò do Xadrez. delle efcieveo hum excelente poema Jeronymo Vida , e defcraveo afte jogo Marino no feu Adónis com a fabula de Galania trans- formada em Tartaruga, porq Vénus ralvofa de q ella advertiíTe a Adónis hum lance para livrarfe do Mate , lhe quebrou nas coftas o taboleiro ,e o ficou trazendo perpetuamente, he mais certo que o Xadrez que hoje temos foy inventado na Perfia donde figni- fica Rey como prova em huma diíTertaçaõ o erudito Mr. de Sar- razin , e em huma ficção agradável , referio a ElRey Luiz XV. de França muito deftro neftejogo, na fua puericia, a Academia Real das infciipçoens ,e bellas letras, como na faa excellente hiftoria refere Mr. deBòze leu illuftre Secretario. ' ' Nota 585.

O. 85"- verf. 5. Mas pouco importa quanto Deos decreta. A- qui fe explica o Rey Mouro com o erro do Alcorão de que tudo ha de fucceder por força, e oacrefcenta com o Atheiímo de que ain- da aílim fia mais ào feu valor , que dos decretos divinos, máxima própria do caraftei de hum infiel , e tyranno.

Nota 586. O. 89. verf 5. Nabaõ. O Rio Nabaõ pafla por Thomar Villa celebre da Eftremadura , e bem conhecida por fer pátria de Santa Iria, ou Irene, q com o feu Martyrioem Santarém lhe deu o nome, e por fer cabeça da Ordem de Chrifto com o leu fumptuofo Con- vento q naõ merecia menos vaticinio,qos que Poema íe dcílcre-

nii vem.

io8 N O 1 A S

vem. A marcha do Exercito Maboinecano fe dirige por Anciaõ Villa , que íe eiigio para o Conde de Ericeira D. Luiz de Menezes cm memoria do que obrou fendo General da Artelharia de Alen- tejo em 1665. na paíTagem do rio Degcbe, e na batalha do Amei- xial, mandando ElRey D. Aífonfo VI. que fe levantaíTe hum pa- drão , que com huma elegante infcripçaõ latina immortaliza eíla memoria , confervando-fe eíla Villa, e os lugares do feu termo na cafa da Ericeira. He bem conhecida a Serra, e Ribeira de Ancião por ler em clima benigno, ainda que em terreno afpero,e na eftra- da principal de Coimbra para onde marcha o Exercito de ElRey Aily.

Nota 587- O. 95. verf. I. Na peninjula. Aqui fe defere ve Peniche Villa da Cafa dos Condes de Atouguia, e que depois ie fortificou, e eíla em huraa peninfula, que fignilica quaíí Ilha , a que os Gregos chamarão com nome genérico Cherlonezo , e a lingoa de terra, que a ata com a terra iirme, íe chama como ;a áiíÍQ Ifthmo.

Nota 588. O. 95. verf. ^. Qiie a pedra que ferida lança fogo. Bem cla- ro eftà o nome da Pederneira, Villa, e porto pequeno na cofta do Oceano na Eilremadura, eem pouca diftancia do monte da Na- zaré c , que lhe fica iminente.

Nota 589. O. 10 1. verf ó. Panopéa. He o nome de huma Deoza Ma- rítima , que a fabula diz foy huma das 50. filhas de Nereo , e Do- ris, dizem que foy Serea, e lhe deu o nome aperfpicacia da vifta. r,::oJirf Nota 590.

O. Io?, verf 8" Pois naõ pode m^idallos. Eftailuíaõ daSeréa, e do Confilio dos Deoíes , he efeito da cega idolatria da Rainha Axa , a que o mào Génio peiluadia eftas falfidades , e as dos anti- gos fupunhaó na fua errada Theologia , que Júpiter naõ podia o- brac contra as Leys do Deftino , nem contra o conlelho dos Deo- zes , fe eftavaõ todos conformes j confundindo aílim a verdadei- ra ordem da Província divina, onde naõ açafos , le naõ hum continuo acerco.

Nota 591. O. 104, verf r. Cilenio. Nome que fe á Mercúrio pelo monte Cilenio, em que nafceo , ou pela eloquência , Virg. fegue o I. Enead lib 8. e e lo D^os era o que convocava para o confe- Iho por fcc correyo de Júpiter,

Nota

DO P O E M J. 109

Nota 592.. O. 107. verf. I. O Neto de Atlante. Mercúrio era hlho de Jú- piter, e Ja Ninfa Maya, que deu o nouje ao mez de Mayo , e era tílha de Aclaiue Rey de Mauritânia. AHimihe cluma Horácio Ne- pos Atlantis, e eu finjo que por eíla cauía era contrario aos Por- tuguezes, como explicaó as nocas que brevemente declaraó efta averlaõ de Mercúrio.

Nota 595. O. 107. verC 7. Marre. Faço Marte favorável aos Portugue- zes para moftrar o animo guerreiro defta na«^aõ , que com Viria- to , c Sertório venceo os Romanos , fendo o primeiro hum Paftoc a quem chama Lúcio Floro Rómulo da Luzitania.

Nota 594. O. 109. verf. 8. Vencer o mundo , e fuftentar a esfera. He a primeira caula da oppofiçaõ de Mercúrio aos Portuguezes ler me- nos valente , e eíla naçaó nos primeiros feculos pouco aplicada a eloquência, ainda que ja Strabaõ diz na fua Geografia , que con- fervavaõ em verfo as acçoens dos feus mayores , e que os Pheni- cios feus primeiros conquiftadores inventarão as letras Bem acre- ditarão nos íeus últimos Séculos a fua elegância hum Padre Antó- nio Vieira , hum Joaó de Barros , hum Luiz de Camoens , e ou- tros illuftres Oradores , Hiítoriadores, e Poecas. Fingiaõ que El- Rey Atlante, convertido em monte, fuRentava o Ceo nos feus hombros,roas que o ajudava Heicules, por ler muito alto o mon- te Atlas da Mauritânia.

Nota 595. O. 120 verf I. Em Africa Sente Mercúrio ver nas eílrel- las , que os Portuguezes em Africa haó de vencer os Mouros até as fraldas do monte Atlante , e que haó de conquill:ar, as praças que fe refumem nefta ourava , e outras muitas que com gloria ga- nharão , e por defcuido perderão

Nota 5 9(í. O. 1 10. verf )'; Ceuta ie rende. A primeira conquifta em A- frica foy a famoía expedição a Ceuta por ElRey D. Joaó o L os Infantes íeus filhos, e quali toda a nobreza de Portugal no anno de 141 5. Tanger foy ganhado por ElRey D. A.Tonfo V. em 1471- e depois dado em dote à Rainha da Grãa Bertanha D. Catherina quando cafou com ElRey Carlos II. de Inglaterra em i6Gx. os Inglezes a abandonarão aos Mouros, e a fua hifioria efcreveocom grande elegância o Conde da Ericeira D, Fernando de iVíenezes

que

lio NOTAS

que foy feii Capitão General, perto de íeis annos, defdeode i6^$ e naó defmereceo a gloria que tantos do feu appelido adquirirão em Tangere, e Ceuta. Efta ultima foy a única Praça que naõ acla- mou em ) 640 o feu Rey verdadeiro , e na paz de 16^8 ficou ce- dida aos Elpanhoes, eliberrando-a do mayor fitio na duração que nunca vio o mundo , o valor das armas de ElRey Católico D. Fe- lipe V. e a tmlid íoccorrido ElRey D. Pedro 11. mandando as tro- pas Portuguezas com grande credito Pedro .Vlaícarenhas , Con- de de Sandomil, Vice-R-^y na índia, do Coníelho de Guerra , e Governador das Armas de Alentejo , fempre com igual reputação, que fe augmentou em 1711. foccorrendo Campo mayor, quando gloriolamente a defendeo o Conde da Ribeira D. Luiz Manoel da Camará. Arfiia também ganhada por EIRey D. Affonlb o V. fe perdeo no tempo do governo de Caftella. As outras Praças largou por mào f onfelho ElRey D. Joaó o III. e (o fe conferva Mazagaó, que era a menos importante.

Nota 597. O. i it. verf, I. Atlântico Oceano. Todo o mar Oceano que corre pelas coft.is de Portugal , e Africa fe chama Atlântico em memoria daquelle monte, e he a outra caufa da enveja de Mercú- rio,porque os Portuguezes com os feus defcubrimentos das Ilhas, e navegação ao Oriente haviaõ de íer os primeiros que o navegaU lem , e dominaffem.

Nota 598. O. III. verf 7. As Athiantides Ilhas. Eftas Ilhas em que os antigos fingirão tantas fabulas querem que fejaó as de Cabo Ver- da , que outros chamaõ Gorgades, e Hefperides defronte do Ca- bo Arfinario de quem diz Camoens :

Que de Cabo Arfmario o nome perde chamado pelos mjfos Cabo Verde. Nota 599. O. Ill verf i.Athlantide Platão chamado o divino nosíeus Diálogos defcreve a Ilha Atlantide , que diz foy íeparada da Eu- ropa por hum terremoto de que o mar Oceano a dividio : muitos entenJem, quetiveraó os Gregos, e os Cartaginezes pelas nave- gaçoens de Hanon, e outros, alguma noticia da America. Veja-fe em izac VoíTio , e no Padre Feijó , e outros muitos a curiofa in- veftigaçaõ dos primeiros povoadores da America , que ao Sul fe divide peloEftreitode Magalhacnsjda terra do fogo chamada tam- bém dos Pacagoeíis , defcobrindo aquelk Eftteito , e a navcgaça©

do

DO T O E M J, irr

do mar do Sul remando de Magalhães Portuguez , dando a nào Vitoria a primeira volta , que íe deu ao mundo.

Nora 600.

O. Ill, veif 6. America. Ja diííe que Américo Vefpucio Florentino debaixo dos auípiciosdelRey D. Manoel teve a gloria de dar o nome .1 America, naó quarta pane do mundo , mas outro mundo novo.

Notacíoi.

O. 1 1 1. veiT. 8. O opulento, o fragante , e o preciofo. Neíle verfo íereíumem as riquezas das noíras Conquiftas, qa£ (e com- põem de ouro , prata, afoma:S , pedras pieciofas j frutos , e outras varias producções. Nota 6oi.

O. 113. verf. S. Mercúrio Deos da paz , Marte da guerra. Ar- gue Marte Deos da guerra a Mercúrio Deos dos furtos , e do^ en- ganos da eloquência artificiofa, de que como Deos da paz, fimbo-/ lizada no Caducco em que as Serpentes eftaõ prezas , aborrecia a guerra ,epor efla caulaaos Luzitanos , que fempre invencíveis a exercitarão. Nota 605.

O. 114. verí. I. Vénus. O admirável Camoens deu as cau- fas , porque Vénus ( de quem Marte era amante ) favoreceíle aos Lufitanos como rinha feito aos Troyanos , e bafta aquelle gran- de Poeta, e os feus comentadores para que eu me naõ atreva a repetir o que nelles pode verlè.

Nota 604.

0. 117. verf. z. Chipre, eCithèra. Eftas Ilhas ganharão os Turcos, a de Chypre em 1571. e outras em diveríos temposj tornando aqui a lembrar Vénus as viótorias do mar Egeo de que fizemos memoria no Canto fegundo.

Nota 605.

O. 118. verf I. Palias. Era Palias inimiga de Vénus, porque Paris a preferio no pomo de ouro do monte ida, e também emu- la de Marte , e protedora de Axa, e por coníequencia inimiga dos Portuguezes. . Nota 607.

í : O. 1 19. verf. ;i. Apolo. Para fazer Apolo inimigo dos Portu- guezes buíco poeticamente os motivos de que tftá Lufitania na parte mais Occidental do mundo onde o Sol morre r.o Ocafo. Naô fey fe diga com o infigne Vieira que cm Pcrtugal quem luz znais fe fepulia logo, como elle adverte no Sermaõ de Santo An- tónio entre as fombras no feu temo iz. Tambtm he Apolo inimi- go de Portugal por lhe ir tirar o culto que tinha no Oriente, dódc

os

112 NOTAS ''-*

os Perfas o adorarão com o nome de Mitra,exifl;indp entre elles al- guns chamados Gntcs da fua antiga idolatria, ô o litros GeiltíÓs 4a Àfiá adoraõ o Sol eom diveríos nomes. ' '* "-fcíiA .i""'' '^U

Nota, 6o8.- £' ^''''^■"■'■^ * ^ S%-tcvc.\?1l O. 120. verf. I. Neptuno. O Deos do mar naõ podia lofrer que os Portuguezes dercobriírem os léus fegredos,e o opprimiíTera com as Aias armadas, ^i

^^"^ Nota 6o^: . ; ' O. Ill, verf. i. Baco. mefma' razaõ ; porque o refpcito de Luiz de Camoens me fez naô amplificar as caUías do patrocínio <le Venus aos Portuguezes, meobrigaa naó referir as da inimizade de Baco , que conquiftou o Oriente %oth'ónotnÈÍ de Dionizio.' t .f. ■" r. Nota 6 IO.

^''ví-h^í^. j^i^X^^dt^^^^^ozitano. Os rfiitigòstoniavàõb epitetóqye "crn algiins foy antónomaíiá '#'dàs ^a^bensí^qiie-conquirtavaôt,'-^ que venciaõ, eaííim comoScipiáõ fôy chamado Africano pôr ga- nhar Cartago em AtFrica, promere Axa a ElRey'Aly, que fera chamado Luzitano por vencera Hém*i^ue , ê conquiílaí CoiíÀ- bra em Luzitania. K^,-.;.íí>/, •« ' >^

-^-^' O. 'ii4. verf i. Tritonii. JàeJípiicJiíey què Tritonia erà Pla- **■ las , e que o feu elcudo era hum efpelho, onda Axa magicaiiièti- '''tea moftrou a ElRey , e aos fcus Generaes , para perfuadirlhes jun- tamente que naõ dividirtem as forças, porque como ja tinha íii- ro virtude unida obra mais forde fegundo o prõloquií);: 'Vvtius Ignita fortins agit. Sertório aíliní o flemoíi;íh"oii'< hiaioaiiáatóíieíhMti Cavallo , que naõ pode arrancar unida o moço mais robufto , c íeoa por íeda , desfez o velho mais débil, 'i ; . J

,, c A N t:o X. ,.'":,

Nota 6 12, A ■' ^ '

O. 4. verf 8. Atis. Foy Atis amante de Cibelles transformado era pinheyro, e uzo defta fabula quando refiro que os Mouros atearão o fogo no pinhal , em que o Exercito de Henrique ti- nha a ala efquerda , e. ja dey a ra^aó na nota da ourava 61.' do Canto 9 de eomoipodãa haver efte.pinhaj antes cio reiti^ó de ElRey D, Diniz.

' Q ' No-

DO T O E M J. 1 1 3

Nota 613. O. (. veil 5. Tezifone. As três fúrias infernais, que eraõ Te- zifone, Alcdo, e Megera, tem aqui diverío emprego fegundo a fua etymologia , c fabula.

Nota 614. O. 12. verf. i. Signifero. He o nome de quem leva a bandei- ra chamada Signum pelos Latinos , e o que fe ao Alferes mor> que dizem foy por aquelles tempos D. Fafes Luz.

Nora 61 5. O, iV. verí. I. Plataõ. Veja-fe a imitação, que fiz da deícrip- çaõ que faz Claudiano no feu Poema deRaptu Porferpinae em que pinta o carro de Deos do abifmo.

Nota 6 I 6. O, 16. verl. 8. A meya Lua. Ainda que as meyas Luas na5 fejaõ muito certo que na quelle tempo foííem a divifa dos Mahome- ranos, os Poetas tem liberdade para eftasantecipaçoens, ea forma lunar dos íeus Exércitos para que com o numero ganhem pelos flancos os contrários , também dizem alguns he fuperfticiofa pa-. ra imitar as fuás meyas Luas.

Nora 617. O. 21. verf. j. Sabina. Odefafio dos Horacios , e Curiacios na guerra dos Romanos , e Sabinos defcreve Tito Livio, e incluyo Pedro Ccrnelio na íua incomparável tragedia Franceza de Horá- cio, que venceo os três inimigos , perdendo os íeus dous Irmãos» Críticos , que dizem que efta hiftoria ou foy repetida , ou fur- tada a outra que fuccedeo em Grécia.

Nota 618. O. 44. verí. I. Nada difto veras. Eíle generolo ciúme de Pe- layo Amado, e efta obediência à invencível inclinação de Aldàra , que defejava coníervar a vida de Muley, parecerá inveroíímil aos que naó conhecem os eftranhos eífeitos de hum amor puro , e ao mefmo tempo activo. Nota 619.

O. 29. verí. 8^ Flegra. O campo em que os Gigantes Titaens , que fe atreverão a efcalar o Ceo, foraó fulminados pelos rayos de jove, fe chamou Flegra de que o nome fe deriva de ardor , que a- braza,nalingoa Grega, donde fe chamou Phlegeionte orlo arden- te do Inferno , ja na nota i oitava 6 j . adverti, que podia haver pi- nhal antes que ElRcy D. Diniz o raandaíTe plantar.

Nota óio. O. 51. verf. 1. Promethèo. A fabula da EftatuadePromçtúèofi-

114 ' N O 1 J S '^

lho Japeto , que roubou o fogo do ceo para dar efpirito corpo inanimado , he taõ vulgar como cuido que o naõ -he a comparação de que Henrique reftiruiile com o feu valor, e ardor o efpirito, que ja naó.cinha o corpo lieíaniaiadoíiovfcu.exewiLO. iBíiE ú. -Nora óaiwincííTitri^"^ am:?. uo'iãi'^ ; ' '- O. 3 ;. verf i. Mas ao brandir. Elia ficção de que Palias vio- lentamente arvcebatou no Câtro de PI uca/) a HiRey Ali , lerve de moftrar, que aííim poderia livtar-fe cora hum prodígio da ef- pada do Heròe, e de conTervar em Ali o caracter de valerofo, e íjae hãõ fugiria ài batalha íem efta violência. Aífim vemos nos melhores Poetas en nobrecer os emulos dos Teus heròes para aug- mentat a eftes a gloria de vencellos.

Nota 6(12. o ;"0. 69. verf. li Dez hecatombes. Como ja diíTe que hecatom- era ofacrificio de cera viclimas, moftro o numero de mil Chrif- tãos, que facrificaraõ a vida pela em dez vezes ícnto. ^■'('.uipíS(4iiÀi - Nora óijidnug.siíp iisií«6X2riA eií-f 23i

-. Ok do. verf. 6. Nerèas. Nerèas, ou Nereiáâs'faó as Ninfas mar filhas do rio de Trinacria.

'Or<jr verl. "I, Sagttario. O Sol entra èrnSagifario ai t de Novembro , e digo que pelos effeitos anticipou o tempo às agoas de Aquário em que entra 325. de Janeiro eftando entre hum , e outro Signo o de Capricórnio ■> ^'s*

-.;-.. Nota 6l^. ^ í 'olg %h íf^ :..^;

0. ^lé verf. 7. Tem gravidas de aquáticos eflúvios. Efte vèrfo cuítò,quediz que as nuvens eftáõ prenhes de agoa copio- fa com o nome de eíiuvios bem utado em outros fentidos pelos Fiiofofos modernos , para produzir dilúvios de chuva, pode dif- penfar-fe à fraze heróica de hum Poema, que naõ affeda a efcurir. daõ do eftyllo. Nota. 6 i 6.

V,; ^O. 6z. verf. 4. Protheo. He o Deos marítimo, e o Paftor do gado de Neptuno que muda íempre de forma , e que faço entrar pela terra a inundar Vertuno Deos Aos frutos. Imitey a Horácio na Ode 1, e íegunda ftrofe. aon tí.:v;. Mí.íw. víuzí . :;

omnecumProtkeuiffcuseptmlit^. .. ^^^ v.^ ..«i . ■:■ :,:.vifere tmntes. i •> . fobt-stíb o ^àâl •:i ; gâjirisbai^. ■■ .>;^ z&v&yjjo iz: Nora 627. ■." : ;-. ■■ :%-;i&VI O. 67. vcri. t. Eia atjuatico o foífo. Nefte foflb aquático, qèc «jitaiwio pode enchcr-fe, evazar-fe * ar bicrio dos iitiados» íeçhaitia- '^'iú, va

D o P o E M J. iiy

'^a Cuneca , introduzo os tevmos da fortificação antiga procuran- do lemprc tirar alguma utilidade para a inftrucçaõ da guerra mo- derna. Nota 62S'

O. 69. yttC- 1. Arquimedes, ja fe explicou o que Arquime- des obrou com a ftia Iciencia na defenfa de Siracufa cm Sicília. A Eftatica he huma parte da Mathemaiica, que trata dos pezos, e por ella inventa a Mecânica muitas maquinas úteis , c admiráveis , ve^ ja-fe entre outros a Mr. de Varignon.

Nota 629. O. 69. verf. 5.Palamedes. Ja também fe diíTe, que inventa- ra o jogo do Xadrez no fitio de Troya a que aqui chamo muros Frigios. Dizem defte. jogo, e dos que íe applicaó demazidaraen- te a elie, que para fciencia he pouco , e para jogo he muito.

Nota 650. O. 70. verf. I. Nem efpolo real. De Lynco efpofo de Hi- permnefcrá , de Aquiles filho invulnerável de Tetis, de ItacoUii- íes , de Alexandre que ganhou a Tiro , e de outros Poliorcétes, ou eonquiftadores de Praças, fe tem dado neftas notas repetidas no- ticias. Nota 651. ? O. 71. verf 4. Celebres. As Coroas eraó as que fe davaõ aos que as mereciaõ por vidorias grandes , e outras acçoens, como ja ■íè- explicou na nota 200.

Nota 6$!. O. 72. verf. 7. Hercules. Alguns dos noíTos Eícritores, que tnais amantes da gloria da pátria , que do exame da antiguidade trouxcraõ a Portugal a Hercules , para vencer a Geriaõ que diziaó ter três cabeças, dizem que eraõ tresReys Irmãos, muito unidos , a quem Hercules venceo. A torre de Coimbra , e hum fitio ame- -no , vifinho a cfta Cidade chamado a Geria , faõ débeis tefterau^ nhãs deíla tradição.

Nota 555..

"• O. 78. verf 5.Gordio. Que Alexandre cortou o Jugo enlaçs-

tào do de GordiO', ou Gordiano dizendo : tanto importa cortar

como defatar, e que aífimvencéo aAzia , he muito vulgar erudir

qaó. Aqui introduzo para defenfor de Coimbra a D. Pedro Bet»

nardo de S. Fagundo , porque fendo cerro eíle filio , naó fe lhe

fabe o defenfor , e bafta para hum Poema efta prova negativa.

Nelle epifodio tinha efcrito e-ra muitas ouravas os afcendentes , e

^dçfcendentes defte verdadeiro tronco dos Menezes, e ainda qufi

cfta giotiâ era commua a taõ dilatada família , me icudi a alguns

t. o ii <^Q%

ii6 - 'HDTJ S ^

dos meus Cenfores que entenderão poderia interpretarreeomo Vai- dade, vicio a que fou fumamence contrario, e também era repeti- ção, porque tinha feito nefle, Poema memoria de alguns de meus afçendentes ; porem- para confervar neftas notas as oitavas a que no rorpo do Poema fubílitui cpnvepilodio mais nobre a liilloria de Portugal até o Conde D. Henrique , as fiz copiar tio 6m dei- tas notas, para que feja mais faci! deixarem de as ler os que riaõ intefeífaõ, eos que le oppoera, ás glorias alheyas, fendo que pou- cas famílias haverá em Hefpanha, e ainda em Eyropa, a queni naõ pertençaõ muitos deííes Varoeus illuftres , e de D. Henri- que de Menezes Senhor do iouriçgil , e famoío Governador da índia defcendem em Portugal quarentas cioco Caías das primeiras que hoje fe conícrvaõ. . .,

Nota 654.1 ., ,0. 8^3» veríl X4 Nqs longes deífa lamina.; Na5 hi de agradar •a,QÇitica ,1 qae faço aos que fallamente zelofos da gloria da pattift. ac|m>itera; ttadiçosns pouco certas, e pôde ^efqu« digaó, que ao menos,em hum Poema bem podia eu deixar como eítâva d povoa- ção de Tubâi, o nome de Setúbal, e a echimologia de Elifa, c de i Luzo, porém como fe authoriíàõ com os Poetas aqueHas verda- des hiftoricas , e que. nos íeus poemas íc ícparaõ da fabula, tiaó quiz moftrar , que me perfuadiaõ os que equivocarão Ibcria Proí-. vincia da Azia com Hefpanha que muitos leculos depois teve o xigme de ibéria pelo rio Ebro fendo a primeira Ibéria a quem po- voou Tubal filho dejaphetjc neto de Noè , como pôde ver-íeoo^ douto Bochart no feu Phaleg, ou Geografia Sacra. Lufo eompa^^ ; nheiro de Bacho, e Elifa mais autores tem antigos, nías todos eír 1 tes fe fundão na certeza da Echimologia íem. verificar as expjBp;^ diçoens deites heroes na Luhrania, nem as conquiftas, e Colo- ,, nias de algumas naçoens , que conduzem a Portugal , e Hefpanha.- >

Nota 6h« sO. 8 3-verf. 8. Fenieios. A primeira expedição certa que ía- betnos aos portos dos Reynos, que depois fe chamarão Algarve, Portugal, he a dos Fenieios, que merecerão bem efte nome pe^ las palmas, c pelas vidorias , que immortalizaraõ a fua naçaó , c o Reyno de Fenícia cm Azia. Veja-fe a hiftoria do comercio, dos an- tigos, do liiuftriaimo Huet, e o ja allegado Bocharti Queellesfo^ : raõ os inventores das iecras , diz entre muitos em dois eiegan^STB vcríbsJLucano. .,..»-w2o:í

:.4 .sal,. * -EJO: .

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-mo<{^-imettfftram rudíbas vocítnfignare figuris, «iticfcis

lii^a-í ji: L.\. ::Í!. ;.■ - . 6^6. ' '"'":'

f^j, j O. 4.^ vttt, 9^ Uoce fruto o primeiro que florece. Origem menos glorioía, porem mais natural Bocharc ao nome Je Luzji tania de hunia palavra Fenícia , que fignifica amêndoa , por (êr eíle fruto o que vinha bufcar entre outros às coftas do Algarve ; - que (eji a Amendoeira a arvore que primeiro florece , he bem noc coriOj e o ponderai a difcreta íeguidilha antigua/ „-

'^^ - Fueron mis efperanças - '-^^

■::&R^.i»^o'>. conto el Almendro , tj? '

■•.r :■ íloreckron tanpram, '

cayeron prejh. Nota 657; O. 87. vèrf. í, Púnicos. A feguhda çônqiliftá de Luzírania foy a dos Púnicos , ou Cartaginczes com a Amílcar, Anibal, e ou- tros Varoens Africanos bem conhecidos na hiftoria Romana Tito, e na Grega de Polibio , e Vidas de Plutarco; e naó ca- bem em humas breves notas a hum Poema as largas hiftorias def<» tas, c outras naçoens», ac dos feus varoens infignes, nem as que fe feguem dos principies de Portugal, eHefpatiha teraõ aqui ínais que huma breve explicação;- ^'^^ òúbsinh-t:!'} :ím ms& i •ss^ícín ^inv

i; -•~- ■•■•;.: Nota 658. n^r;'."

^ G.i giíí vcfC í. Ves trcmolar. Vencerão aos Carthaginezés 'êf Romanos, que fingiaó defcendcr de Marte fazendo-o Pay de Ró- mulo^ primeiro Rey , e fundador de Roma, e depois do letimo*" Rey que foy Tarquinio o Soberbo, fe erigio a famoía Republica , qae conquiftou Luzitania, c de quem muitas vez ^s foy vencida, principalmente no cempo de Viriato, que foy morto com traição, como diz 3 oitava feguinte.

Nota 659. O, 88. verf i. Sertório. De Sertório fe deo ja baftante noticia, e da fua Cerva , e que Cezar venc^lfe , e illuftraíle Luzitania di- '^ zem todas as hiftorias. '

Nota 640* - '

-'^^- O. 89. verf. I. Do gelo Aquilonar. Dentro de Norte que hfl ' o Aquilon , vieraó os Godos, e outras Naçocns conquiftar a Ro- ^■ ma cora Alarico, c a Heípanha , e Portugal com Ataulfo , e a ou^" tros Rcynos com diverfos Capicaens Pelos annos de 412. princi- piou a fua Monarquia em Heípaaha.

Nota

r^-

tíi NOTA S

'■"'■ Nora 6^\,

O. 90. verf. I. Debuxo gótico. Os Godos para fazer efque^rer atè as boas artes era que os Romanos floreceraõ , íeguiiaó nellas, e'ha Pintura , e Architètura outros principiòs fem imitar ás' pro« ftrçoens da natureza, mas com huma magnificência barbara , ca- íiió íe no que ainda exifte do gofto gorico acè o decimo fexto Jeculo y em que as boas artes fe rcftauraraõ.

Nota Ó42.

O. 90, verf 5 V^amba. O grande Santo Rey Vvamba vulgar- ííiente chamado Bamba , foy líatural de Idanha a Velha chama-i da entaõ Egirania , Cidade que era da Beira , e fe he certo , que na fu3 eleição íloieceo hnma vara, indicio foy de que havia de flo- recer nas virtudes , e Religião Catholica , em que o naõ imitarão muitos Re^^s Arrianos , que lhe íuccederaó. ^"^s^'' »8>{: v ;í^g-vl-o;-^ 3::t^,^ jSJora 645. -i^^^^--' '^ Mxm^.'; oL„:,..J

Y5>?lTO;'i^fT vèrf. i. Recaredo. O grande 'Flávio Recarécíó Kéy èú9 Godos em Hefpanha, reítaurçu a Religião verdadeira, que alguns dos feus anceceíTores Arrianos tinhaõ perfeguido.

Nota 644.

O. 91. verf.^#. Rodrigo. No primeiro canto , e em outros defte Poema, dey alguma noticia de D. Rodrigo ultimo Rey dos Godos em Helpanha, a quem os Mouros a ganligraô na bacalha de Guadalete no anno de 645, vsmfôtls -> «.> oôa^ísiis-í . '

^-. . ...,.•■,,.■ Nota Í45. -■ -;v-v^;:r-- .'■

iiO. 0ií vttti'\. Ambas as Hefpanhas. Naõ fe dividio Hcf» panha pelos Romanos emLufitania, Betica , e Tarraconenfe, mas em Citerior , e Ulterior j celebre he o verfo do Poeta Gabriel Pe- reira de Caílro no principio da Ulyílea. - -^ De ambas as Índias^ de ambas as EfpaHhas*^' <^'*^ PS3*".*M^ Nota 646. - inhuíí-:í O. 95. verf 2. Pelayo. ElRey D. Pelayo foy logo-o^^ue fal- vando as relíquias do exercito de Hefpanha íe retirou as monta- nhas de Afturias, onde foy acclamado Rey, e com milagroías vic- torias principiou a reftaurar do jugo iníiel a Monarquia, ãç que os Mouros naõ acabarão de fahir le naõ perto de outocentos an^- , nos.<iepoi&-<ia fua primeira entrada. * .^ ■■ ui,i.-;rí>>:i. Cj . Nota 647. - >'>^t*v za O. 91' verí. 2. Cantábria. ElRey D. Affonfo Catholico, filho de Pedro Duque de Cantábria, e genro delRey D. Pciayo foyopri- laciro que veyo de Afturias, a^"e os amigos chauiavaõ Canra- ^4<>ii bria r

D o P o E M A 119

bria, e le dividem cm Aftuiias de Oviedo, e de Santilhana , a fazçt guerra aos Mouros em Portugal. Vejaó-fe Brico, e Faria. í6.. .M .;.,w. -. . -.-. Nota64Íj.

. Ci 66. verf. 1, Outro Aífonfo a quem Caílo denomina. El- Rey D. Affcnío o Caílo venceo muitas batalhas , e conquiftou em Portugal as terras que diz a outava , e outras muitas de que ha pouca memoria.

Nota 649.

O. 97. verf. I. Outras altas. As conquiftas cm Portugal que fizeraó aos Mouros ElRey D. Ramiro primeiro, e D. Ordonho de Leaõ , e ElRey D. Aífonfo o Magno, que ganhou Coimbra, podem kr-í€ em Mariana , Feneras , e nos hiftoriadores Pottuguezes.

Nota 650.

O. 98. verf 4. Ordonho. A diverfa forte, que Lisboa teve, fendo perdida, e recuperada muitas vezes no tempo dos Mouros, caõ he muito conhecida nas hiftorias- Sabe-íe porém que ElRey D, Ordonho lil. de Leaõ a ganhou aos infiéis.

Nota 6)-i.

O. 98. verf 7. Sobre Vifeu Afíonfo V. ElRey D. Aftonfo V. de Leaõ foy morto pelos Mouros no fitio de Vizeu.

Nota 65 i. ?^í

O. 99. verf I. Vez em tudo primeiro o Graó Fernando. ElRey D. Fernando o I. chamado o Magno, fez muitas conquiftas em Portugiil, principalmente na Beita, onde ganhou a Cidade de La- mego , e a Villa de Cea, vizinha da Serra da hílrella , e naquel- le tempo buma Pitça fóire , hoje faó feus Alcaydes mòies es Con- des de Saizedas da Cafa dos Sylveiras , que tiveraó a varonia de Lobos , hoje a de Távora por António Luiz de Távora filho k- gundo do Conde de Alvor bem conhecido em Europa , e Ame- rica pelas fiias acçoens militares, e efta >^lcaydaria mòi he-^dou a Cala de Sarzedas pelados Sylvas. ElRty D. Fernando o Magno findou em Portugal muitos Templos de queexiftem as doaçcens.

Nova 6 5 5.

O. 100. verf. 3, Garcia. Na divizaõ de Eí^anha teve ElRey D. Garcia o titulo de Rey de Portugal , de que o dtípojou ElRey •D. Affonfo VI. fcu Irmão chamado o Empeiador , e de que mui- tas vezes temos tratado por fer fogro do Conde D. Henrique. c; ii j .; Nota 654.

-' O, 101. vetl. 1. De Santa! èm. Sabe-fe que ElRey D. Arfbnfo VL ganhou Saiiurèm aos Moucos , mas naõ íe íabe tomo te písr-

1 20 N O 1 A S

deo, o mermo fiiccede na conquifla de Lisboa, e Cintra , fe achou o Conde D. Henrique, eqiic ei^ faço nefte Poema lejç ac(;^aõ do meu Heròe , como. adiante le veià.

Nota G$^. O. Í05. verf I. Dos Duques Borgonha. Sempre /egui nef- te Poema a opinião que o Conde D. Henrique naõ era por va«- roniada Cafa dos Condes de Borgonha, 011 Franco Condado, co- mo alguns dos noflos Autores diíTeraó , e defendeo no Teu Marte Portuguez o douto Joaó Salgada de Araújo, Abade de Pera , a quem naõ allega D. Luiz de Salazar, que renovou no noflo tem- po eíla opinião. Henrique , como ja apontey , era filho de Henri- que, que naõ chegou a fer Duque de Borgonha por morrer em vida de feu Pay Roberto Duque de Borgonha , que era filho de Roberto o devoto Rey de França filho de Hugo Çapeto , que he o tronco da 3 . geração, que hoje reyna em França, e a Varonia dcquel- les , e dos no0bs Reys. Os Genealógicos mais exaótos, e entre elles o Padre D. António Caetano de Souíâ na ftia excellente obra da hiftoria Genealógica da Caía Real de Portugal naÕ reconhecem com certeza mais que a Robetro o Force vifavo de Hugo Capeto , naõ contando como verdadeiros os afcendentes que o entfoncáÔ ate Carlos Magno, de quem afegunda linha que reynou em Fran- ça fe derivava, e muito menos os que fe nomeaó de Carlos Mag- no atè Clodoveo primeiro Chefe da primeira família que reynou cm França, e com muito mais duvida, os nomes que fe atribuem aos avos de Clodoveo atè os Reys da Troya. Brevemente fahirà a luz hurna Dlífertaçaó Académica , em que me parece provey que ainda que naõ fejaõ cercos os nomes deftes afcendentes de Roberto o Forre, he quafi demonftrado pelas provas que allego , que Hago Capeto dcfcendia de Carlos Magno , eíle de Clodoveo ,e Clodo- veo dos Reys dos Francos netos dos de Trova. '*^ Nota 655.

O. 105. verf. i. Sibila. Ja expliquey a allegoria com que o no- me de Mãy do Conde D. Henrique, e o íeu efpirito me fez intro- duzir huma Sibila no meu Poema, imitando a Virgilio, e a outros poetas. Nota GjC>.

O. 107. verf. 5. Vês como traz ao Reyno. Huma das provas que o Conde D. Henrique foy á conquifta da Terra Santa he o Santo Lenho, que D. Rodrigo da Cunha diz, que cile trouxe de Jeruíalem à de Braga. Nota 657.

O. iip. \tií. í. Paraninfo, Aos quç hojç íe çhamaõ padri-

' . jihos

'.D o T o E M J. 121

iihos^ dos que cafaó , e de outras funçocns davaÕ os antigos o no- me de Paraninfos formado do Grego pela propoziqaõ /?.<>'<, e pelo nomQNimphos^ que lie oeípofo , cii defpoíado , e no lêntido mif- "tícojfedácftcnomeao Anjo Cull.AS.M-gueldou o epíteto dePara- Binfo, como os poetasosdaõaos Anjos da gnaida,e que eííe Archan- )0 o fofle de Portugal piovey largamenre no Panegírico que por clciçaãdelRey recitey na Academia Real da hiftoria em 1711. ao Pontífice InnocencioXlII. de que era o nome Miguel Angelo Con- ti, e que tinha fido Núncio em Portugal, era leu Cardeal Prote- dqr, e foy eleito dia da appariçaó de S. Miguel. Veja-fe Macedo ♦livro : Divi Tutelares,

c A Tsr T O xr.

Nota 6)S. O. 4. rerf. 1. Outros conhcionados. Ainda que naõ havia pólvora no tempo do Conde D. Henrique, fempre fe ufou na mi- lícia antiga de materiaes conhcionados para o fogo » e havia •faxinas para cobrir as trincheiras , livrando-as das pedras, e íetaí* ' Nota 6^ç)..

O. 7. verl. r. Sahe com mil íoidados. Introduzi em Coimbra •tropas de França chamada Gallia peios Latinos para moílrar a an- tiga aliança delias duas generofas naçcens, que em todos os teiij* pos quàfifem excepção fe foccorrersõ reciprocamente. t

,«- V '• Nora 660.

■•■ O. 17. verf. I. Hum rebanho de Aríetes. Metaforicamente chamo rebanho de Arieces , ou carneiros à maquina niilitar , -que linha efte nome, como ja notey, por ter huma cabeça de car- neyro de bronze , e quanto mais reciiavfíõ cora movimento eílra- nho tanto era mcyor o impuiío com que batiaõ os muros, em que poeticamente digo que comisô as msrmíres.

Neta (Jói. . ' . O. 18. verf. I. Catapulta. Ja dckfeyi eíla maquina militar , t todas podem verfe cm Juílo Lipíío, e nos mais, que trataõ da mi- lícia Romana. Nota 66i.

O. 19. vetj. I. Ealiílas. Tami^cji) cila maquina fe deícreveo , c pôde ver-fe nos Autores ailegadcs, e de algum modo a imitarão as bombas inventadas em França por Pe^iio Maitus em 1Ó3S. a reduzidas a arte por Bionclel depois que a Geometria achou a medida da linha chamada Parábola.

D No-

I2i NOTAS

Nota6(j3. O. 20. vtít. 4, Sulftireo.Ja naõ prevalece a opinia5 dos Filo- fofos antigos de c]ue o vento oppiimido , a que aqui chamo No- to , que iie o Sul , he o que caiifa os terremotos nas concavida- des da terra, porque a razaó, e a experiência moftraó, que as mi- nas de enxofre unindo-íe com as ào falitre , fórnuó de algum modo pólvora, e rebentando fubvertem , e avruinaó Cidades , e Províncias fendo mais fugeluas a eftes danos, as que tem montes , que pelas minas de enxofre lançaõ fogo, clumando-fe por eíle motivo ignivomos, e volcães por Vulcano, que fingia a fabula ti- nha nelles a fua forja de ferreiro, e faõ em Europa os mais cele- bres, o Etna, ou Mongibello de Sicília, o Vcfavio, ou monte 4a Soma de Nápoles, e o Hecla de Iilanda.

Nota 66àf. O. ir. verf 5/deNumancia , Sagunto , e de Cartago. Nu- mancia que alguns autores Portuguezes querem com pouco fun- damento foíie em Portugal, era na Heípanha Tarraconeníè , por naõ render fe aos Romanos depois de hum largo ficio , tendo- fe defendido de outro que durou 14. annos. Sagunto que tam- bém era na Efpanha Tarraconcnle aliada do povo Romano fe quei- mou por naõ rende£-íe a Anibal. De Cartago em Africa íe lea o ulti- mo fítio em Tito Livio, Marco Catam votou que le deftruiíJe,Sci- piam Nàíica que fe confervaíle ; rcndeo-fe a Scipiaõ na 5. guerra Púnica, Nota 6(^5.

O. II. verC S- Jerufalem, Ravena, Tiro. O íitio dejerufa- lem por Gofredo de Bulhon pode ler-fe poeticamente em Taífo a quem procurey imitar. O ficio de Ravena em que houve fome extraordinária foy famofo pela conftancia dos defenfores. O fítio de Tiro por Alexandre Magno contaõ Arriano, Plutarco , Quinto Curfío com elegância. Nota GG6.

Q. zi. verf, 7. Babel. A Torre de Babel, ou de Babilónia prin- cipiada por Nembrotpara alTaltar oCeo, e a Efcritura nos conta , e o Padre Atanazio Kirker curiolamcnte defcreve em hum volu- me , fe perdeo pela confufaó das lingoas , que eu aqui applico a confufaó, com que fe arruinarão as ideas dos infiéis no íitio de Coimbra, e nas torres que levantarão pata conquiftalla.

Nota 667. O. 14. verí. 5. Quando Lifis a Licio. Defte epifodio amorofo , e trágico, eque imita o de Olindo , e Sofronia de Tallb , dey ra- zaó uas advertências preliminares.

Nora.

D O F O EM A. 12^

Np (a (^ç,%. ;■■"' -^

O. 2,7. verf.,8. Adifcriçaõ. Naõ. me condenem os crítico^ co- mo eqvitvoco o que digo de renderíe Lizis à difcricaò de Licio, e- quivocaudo a eloquência a que chamamos diíciiçaõ . com a fI.■a■^ ze milicar de renderíe à diícnqaQ>.Qiià mercê do vencedor ,qiieni naõ pode defenderfe , mas-íbsíne naó valer efte protefto , bem pu- dera, como .outras ve^Çs adverti, defender o equivoco quando he jiajural ^e íenaó abafa delle,cum exemplos muito illufties, e adif- çreta máxima de Soliz aic ncíle mefmo Auçqr tçv.e i^i^uius ex^ei-; çoens, ainda que diíle. ;

•<>. r.j-xv>[i :'/■ r h^^ equívocos fe acahen sr. ■' Reynen folo los concetos i .

ofv. ívo ha de ejiar la difcriclon

fn. que nos equivoquenios.^^^, *&H».'i Nota 66,9. ,'•€). iS. verf. 8. Friçs abraças. Xi^aõ velho eíppfo da Afiíor;i ide ■q«e ja. çpxitçy .^ fabula.

Nota ó.7pf O. 30. verf. I r.Cafta Diana. Como Pifina,era, Peofa t^ pu- ra , digo que a Lua fe efcondeò para naõ ver nem o licito termo. dp amor conjugai dos dous amantes , e que Vénus chamada pro-- nuba,que, he-O: epíteto que fe lhe d^ya qu9.ndo afllília aptaíamq» veyo animar a Lilis, e Liíio. Marino efe r.eveo hum epitaíàmio^ em. fraze mais diícreta que, pura intitulado : V£nçre Pih.fuh.

Nota, 6,7j[..'r O 44. verf 1. Qiiadrupedes medrofos. Os, coelhos faõ os que enlinaraõ aos homens a fabricar as minas para ganharas pra- gas por baixo da tejrra , e por efta razaó lhe chamayaó Cunuíílf , e íe formava õ iuftentando os aliceces dos muros fobre eftacas de madeira ço.m pès , e outras matérias infamáveis, e deixandolhe fogo quando acabavaõ de arder , íe arruinavaó os muios faltan- dolhes o fundamento > a piimeira mina depois da invenção da pólvora fez executar o graõ Capitão Gonçalo Fernandes de Cór- dova no fitio de Gaeta tm Nápoles, efe afiirraa, que voando hiun lanço de muralha, deixou ver ^os fitiadores humi cortadura, que os defenfores fabricavaõ, mas c^hindo outra vez o muro , iicara inteiro (obre os mtlmos pontos donde tinha voado. Iftp que pa- rece incrível , vimos fucccdcr tm Seipa com huma torre de mar-' ^•nore , que em 1707. íe intentou voaíTe , e. ficou muito pouco .penaents -^n^e faltes eftava.

Tno-

124 N o 1 J S

Nota 672. O. $0. verf. 2. Do trópico do gelo. Diz que o Sol tinha fa- l:iido havia pouco tempo do trópico de gelo , que he o de Ca-^ pricomio, em que íe faz o íol fticio invernal em 2 i. de Dezembro com o mais pequeno^dia do anno

'^í;^;*^^^:''.^"' Nota 67?. i"-^-

O. 5'3 verf. 2. Barhaiãs. Barbara?; , e galarias laõ como as outras obras bem conhecidas da fortificação antiga , e moderna, a primeira entre a muralha, eo foíTo, e fegunda para paíTar o mcf- mo foíío. Nota 674.

O. $^. verf 5. Periandro. Entre os fcte Sábios de Grécia foy hum dos mais famofos Periandro, que a pezar da fua Filoiofia jnoral dominou Corintho , advertindofe, que o nome de tyranno naõ fe dava ao que era cruel , ma? , ao que ufurpava aliberda- <le da pátria. Segundo a opinião mais commua foraô os outros £q\s Sábios Dias de Priene , Chflon de Lacedemonia , Clèobulo ^e Lydia, Pitacode Micilene, Sólon de Athenas, eThales Miíefio-

Nota ÍÍ7Í.;,

O. 59. verf 5. Lizandro. Capitão Fámbfo. Nota 676.

O. $<). verf 6. Temiftocles. General infígne de Athenas, ^onde foy defterrado pela Ley do Oílrâcifmo,. èpaíTanda-fe aos Perfas , fe matou com o langue do touro , que fe facrificava por naõ concorrer para a ruin-a da lua pátria. Vejaõ-fe Cornelio 'Nc- 3>os , e Plutarco. Nota 6*77.

O. 62. verf 8. Venenofos dentes. Diz a fabula , que Cadmo iemeou dentes de Serpentes , de que nafceraõ homens armados , que logo le combaterão; e que Africa produza Serpentes, hebem íabido, pois atè o adagio antigo, que perguntava Ouidnovi} ti- nha a reporta : Síinms ne in Africa ? porque íignificava , que Li- l)ia fe produziaó cada dia divcrfas eípecies de animais venenofos. Aíilm chamou Gongora a huma Dama Africana. Hija alfin de jus arenas Engeridr adoras de Sierpes. Nota 678

O. 64. verf 8- Deftes três novilunios. Ja ponderey , que pO" deria repararfe o anacronilmo , ou erro de tempo no em que os Mouros ufaraõ nos eftandartes as três Lu?s ; mas entendo que faó riais antigas eftas divizas pelo muito que o Alcorão atende à Lua nova, fuppondo os Mouros, que Mahometo , ou Maforna

tinh^

D o T o E M J. I2J

íinhâ ó^overno do mundo dado por Alia, nome que davaó a Deos. Nota 679.

O. 6j. verf. 2. Qiie trifoime te raoílras. Das três Luas doei-» tandaite tiiou a idolatra Axa a invocação à triforme Cynthia Jvia yirguns ora Dianjc , lendo efta D-^oía Lua no ceo, Diana na caça , e Prolerpina no abiAtio ; e lembiâ ourra vez a indigna fama, que E- roftrato perrendeo por queimai o templo de Diana em Ephezo , como algumas vezes fe terá lido neftas noras.

Nota 680. O 85. verf. 7. Pean. Segundo Homero , como ja expliquey, era Pean Medico, ou Cirurgião, que curava as feridas dos Deofes, e Apolo foy também chamado Pean , e Deos da medicina, fendo a Cirurgia mais antiga inventada por Chiron , que foy meftre de muitos heròes , e de Efculapio filho de Apolo , e inventor da Medicina. Nota 681.

O. 90. verf 8. Do Mançanares , do Piduerga, e Tormes. Ja fe diíTe algumas vezes, que D. Pedro Bemaidode S. Fagundo , ou de Sagun era rico homem , e grande Senhor em terra de Campos, e em Leaõ , e Caftella , por onde correm o Mançanares de Ma- drid, oPiííuerga de Valladolid , e o Tormes de Salamanca.

Nota682. .

O. 99. ver(. y.Portuno. He o Deos dos portos , os Gregos lhe chamarão Palemon , e di^em que efte Deos fora primeiro Me- licerta filho de Ino , que precipitando-fi no mar , fugindo da fú- ria delRey Arliamante íeu marido , foy convertida em Deofa. Os jogos Poitunos, e lílhmicos fe lhe dedicarão.

Nota 683. O. 100. verf. 8. He Paulo da Tebayda Llizitana. Digo que à viíla do monte de nolfa Senhora de Nazareth fc derrotou a Armada dos Mouros com huma tormenta, pelas oraçoens de hum Anacoreta a que chamo imitador de S. Paulo primeiro Ermitão da Tebaida do Egypto, e na Luzitana, ou de Portugal, houve de- pois a Religião dos Pauliftas , que da Serra de OíTa em Alentejo continuaõ em dar virtuofos exemplos. Chamey a imagem fimula- cro, porque achey naõ em Poetas, mas em Autores muito gra- ves darfe eíle nome às imagens verdadeiras dos Santos, 'e naó aos Ídolos dos Deofes falfos.

Nota 6S4. O. 101. verf. I. Na esfera Superior. Do Ceo Empíreo defceo S. Miguel ao Ceo Sydereo , ou das eítt£iias,que he o fegundo , e

Ycyo

12(5 NOTA Sj a

veyo ao aeieOjque he o terceiro, e ultimo a executar as ordens Ha Rainha dos Anjo? ^ e digo que fez fugir os màos efpiritos , C[Uí muitos Theologos, e Fiioíofos dizem ficarão na Região do ar, dft que os antigos tiverào algum conhecimento.

Nota 685. -

O. loz. verf 8. Indigetes. Os Indigetes conhecerão os Genf cios por proteâ:Qres das Cidades , que inviziveis foccorriaõ aoç que os ihvocavaõ, Virg. no primeiro das Georg. falia nelles. Dit zem fe chamaiaó aííim , porque non mdtgehant , ou naó neceflíta-; vaó de ninguém. Daõlhes outras ethimologias , os que crem nos génios malignas chamados pelos Efpanhòes Duendes, fuppoem qiíeeraõèílèsefpiiitQs.íiereosvéiCom fútil, eengenhola extrava- gância o PadreTuenre la Penha no Ente Dillucidado quer perfaar dir , qije íaõ^animaes moitaes , e invifiveis.

Nota 6^6. "O. ' roíí. verf. 3. Doris, Tetis, e Anfitrite. Deofas maritimas. Foy Doris ., ^'^pofsi áe Nereo , e Thecis filha de Nereo, efpo-: ÍA de Peleo, e May;ide Aquiles ; Anfitrite Irmãa.de Tetis efpofa deNeptunQ.*--;^íK-:'.,- -Nota 687.

O. loo.wètrí.fí^í^rtntao. Baíiaõ para faber a fabula •de.Tritaõ os dois verfos de Camoens, e o leu comento de Faria. Era Tritão Mancebo negro , e feyo Trcmbetx de fcu Pay , e (eu correja. - i' 1 .'■;! Oí.'íiij.'!ji^ ijífr; 0(i Nota 68 8. f(^--^ ^■■■,'--f. Q'>é.M-iy,^i

' O. lo^.-vttí. r.. E'olo. He imitação de Virgílio no primeiro livro da Eneada , quando principia. '

Soltam venit , hic vaflo Rex /Eolus antro Lu cianth ventos , tempeftates que fonoras império premit^ac vinclis , & cárcere franat. Nos ventos que nomeyodediverfasregioens fe incluem os ou- tros que dos quatro pontos do Norte , e Sul , Leíle , c Oefte cor- rem os rumos nas tempeftades grandes , e os nomes que cetn ho- je modernos dizem que lhos deu Carlos Magno, e tem outros no Medi terraneo. Nota 689.

O. 1 1 8- verf i. Triremes, A's nàos, e Gales antigas de que •naõ he hoje muito conhecida a conftrucçaó , le dava o nome de Biremes , fe tinhaó duas ordens de remos, edeTriremesfetinhaó três, e fupponho, que tinhaõ animaes de efcultura nas popas para' •fazer que fe tranfórmem em monílros marinhos como Virgilio íez às Nàos de Eueas em Ninfas maricimas, c aqui pinto as Setas í, / me-

B o T O E M A izy

medrofas, pedindo focorro às Focas , e Balèas formidáveis mool- tros Marinhos. Nota 6ç)o.

O. 112. verf. 8. Procheo. Ja declarcy , que Proteo era paftor 4o rebanho maritimo.

Nora (391. O. 114. verf. 8. Betis. Naó chamo Rcys do Betis , aos de Córdova, e Sevilha, mas ao de Granada , com ellcs paíTou efte rio para incorporar-fe com Ali, como depois fizeraõ,

Nota 6ç)t.

O. 125. verf 4. Dam. O Rio Dam naõ muito caudelofo o nome à Villa de Santa Comba , que o cera de huma Santa Portiv- gueza , e entra no Mondego.

Nota 69?.

O. 1 14. verf. 8. Argonautas. O nome de Heròes fe deu a to- dos os Argonautas , que embarcarão na nao Argos com Jazon, porque fegundo a minha opinião combatida pela eloquência do Marquez de Valença na Academia Real naõ podiaõ fer Heròes em lentido próprio , fenaõ por expcdiçoens militares , como o foy a Argonautica combatendo eftes heròes móllros, e elementos : ve- jaõ-íe os feus nomes na Mythologia de Natal Comité, e nos frag- mentos atribuidos a Orféo, em Dionizio Milezio, e nos dous Poe- mas Grego, e Latino de Apolonio Rhodio, e Valério Flacco, de que fiz juizo nos preliminares.

Nota 694.

O. ií6. vérf. 8. Pierio. Eíla paufa no fim do canto aílim na Poeíia, como na Mufica, he armoniofa , e fazendo a pena da A- ve Fénix, efpero que no ultimo Canto poífa renacec ao fogo o de Apolo , e do Pierio , monte de Beócia em Grécia viíinho ao mon- te Parnazo que lhe tomou o nome , e as Mafas o de Pierides de- pois que vencerão a eftas defalojando-as do feu monte. Fierius menti calor inctdtt , diz Stacio.

CANTO XII.

Nota 6<)^. O. I. verf. 8. Eftro, vaticínio, e cntuíiafmo. Invocar a Mu ia no corpo do Poema cem muitos exemplos, que allega Faria no Comento da oitava de Camões que principia como Canto 3. Agora tu Caliopè me enfina , O qm contou ao Key o lllujire Gavia ,

e baf-"

128 N o T J S

e bailava o grande Camões para exemplo. O Eftro, qu« he o ítt fe- do, ou mofca, que pica os Poetas , e lhes o furor, e o vadciniò, que os faz profetizar , e o cntufia/mo , que os eleva febre o com- nium com huma quaíi divina loucura de que diz o Liiico : Eicc/«- dit fanos Helicone poetas ; eftà raõ difcorrido nos Meftres da Arte como mal apjplicado pelos inimigos da poeíia, cuxíslal i>í>;^^.:f •?) hvt..'^-j .. : , .Mota 6<)6.

O. i. verC I. Touro luminofo. Ja corre o tempo da acçaõ atè 20. de Abril dia cm que entra o Sol no Signode Taiiro , queheo Touro, em que Júpiter fe converteo para roubar Europa que deo o nome á mais pequena, e mais illuftre das quatro partes do mun- do, e comcfta alluzaõ a faço também às armas do Touro, que íaÔ «m meya Lua, infignias dos infiéis ; o inimitável Gongora, e Pin- daro Efpanhol, principia aííim as fuás cultas 5oledadc5- 'EradelaneLieflacionfioricLí, en que el mentido robador de Europa , media tuna las armas de fu frente , ' '

Naõ poíTo. deixar na pernVilTaõ , què tem as notas , de contar que ouvi muito íériamisnfe em humâ Academia explicar eftes ver- fos pelo g\aòTiírco, qiiecra mentido roubadòrde Europa, e tí-'? nha meya lua por armas : naõ occorreo erta inirepretaçaó a Pell- cer , nem a "Coroneí.

Nota 697. O. 3. verf. 6. Patroclo. De Patroclo amigo de Aquiles tratou Homero. De Scipiaó, e Lélio efcreve com outros Cice'ro toman- do o titulo de Lélio no leu admirável tratado de Anítátia , a què feguio em outro livro do meímo titulo elegantemente o Portu- -guez Macedo com elogios em profa , e verfo dos poucos amigos, verdadeiros, que houve no mundo , e que ainda hoje faõ mais ; raros. De Eneas, c Achates fe lea Virgilio . de Hercules, e Tc- , zéb fe veja Plutarco. Nota 69 8. ..^

O. 6. verf, 5. D. AniaÕ de Ertrada. Fazem os Genealógicos a D. Aniaõ deEftrada, tronco dos Goes.j que pela Caía de Sorte- lha pertence hoje ao Conde de Viila nova , ç da qual terra com . outra^ lhe fez doação o Conde D. Henrique, e a Rainha D. The- , reza eni mo. Nota 6^ç). j,

O. 6. verf 7. Garcia Rodrigues. Ja hz nienç?.õ de D- Garcia í, Rodrigues, tronco dos Courinhos, e Senhor do Couto de Leo«,,> mil , que entaõ fe ch«mavaõ Couteiros , de donde lhe veyo o ape-

lidr^

Nota

DO P O E M J. U5»,

Nota 700. '^

O. 8. verf. I. D. Egas Gomes. D. Egas Gomes fe acha afíg4 í> nado em muitos privilegies, efoy o primeiro que tomou aosMou- ros a rerta de Souza em entre Douro, e Minho, achou-íeem mui- tas batalhas com o Conde D.Henrique, e ElRey feu hlho.

Nota 701.

O. 8. verl. j,D. Gonçalo Traftamires. Chamou-fedaMaya pot

fer Senhor defta terra entre o Douro, e Ave, era filho de Trafta-

miro Alboazar, e alcançou ò tempo dos Reys D. Aífonlo V. e VI.

de Leaõ , e do Conde D. Hentique. ^

Nota 702. '^.

O. 8. I- verf, 5. Maya o lidador. D. Mendo Soares da May» rico homem foy chamado o lidador pelas muitas baralhas, e com- bates , que venceo, que entaõ íe chamavaõ Lides» e ainda em Cas- telhano fe diz Lid pela contenda , e o termo vulgar de lida , c lidar por trabalhar , he uíado em Portuguez. Era D. Mendo filho de D. Soeiro Mendes da Maya, e Irmão de D. Maria Soares da Maya cafada com D. Pedro Bernardo de S. Fagundo.

Nota 705. >jq ãf^lf

O. ij. verC I. Córdova, c Toledo. Vay o Conde D. Hen ti- que recopilando os benefícios que deve a N. Senhora , e fe lem- bra agradecido das viâorias que alcançou dos Mouros de Córdo- va, e Toledo , quando ícrvia a ElRey D. AíFonfo VI. de Leaó , an- te de eftabelecer-fe em Portugal.

Nota 704. O. 2 5. verf. I. Sem legiaó. As legioens (como diíle) íènurae- tavaõ no Império Romano , e fe dividiaó cm cohortes.

Nota. 705. ' O. 15. verf 8. Talifman. O nome de Taliíman fe deo na iin- gôa hebraica a certas figuras, que fegravavaõ em pedras, ou rae-j taes, que criaõ , que por influencia de algum Planeta , ou Signo dava bens, c pcrfervava de males , e muitas vtíes íè efculpia a mefma figura celefte no Taliíman, e por ilfo digo que era a Lua , a que a lupeiftiçaõ fazia agora entre os infiéis mais poderofa. Ja- cobo Gafarei em hum livro antigo Francez intitulado Cursofitès Finovies defende, que naó ha fuperftiçaô nos Talifmans como mefmo fundamento com que intenta provar , que o ceo he hum livro em que pôde aprender-fe a ler pelas tftrellas os fuctflcs fu- turos, porque cilas fe naó dividem nas figuras com qu^: áS debu- xdu a Aftrologia, mas <jue todas formaõ os cara-5teres , e letr;«s he-

q braicas

Tb^: > ^ O TAS". . fe.

bçaicas , que podem facilmente ler.fe , e dedfrarfe.'

y-n':- / " Nota. 706.

O.. 29.vern 3. Mufulmanes. Mufulmaoes na lingoa Arabigt íígnifica ííeis,eos Mouros,queo naó íaô , com barbara impiedade cham£4Õ idolatras aos Chriftãos, porque adoraõ a Trindade, e ve- neraõ as imagens; e figo o caraòler defte Rey infiel como he pró- prio , e precifo fazer aos Poetas.

Nota 707. O. 54. verí. 7, Eftes que a figura da reticencia Apofiopeíís com o exemplo de Virgílio , e de outros interrompe o fentido com pro- priedade , ainda que Neptuno no primeiro da Eneida hc quem fe- jnterròmpe a íi raefmo ameaçando os ventos.

Quos ego-j fed motos praflat contpoaere fluãus.

Nota 70 §. sjâo^l líiiifi I

O. (ji.verf. 8. Codro Rey de Athenas. Líicidoro generofa mente fe efquece da ufurpaçaõ de Aly, e lhe lembra o exemplo de Godro Rey de Athenas , que fe disfarçou era Paftor para dar a vida pela pátria, por ter dito b oráculo, que venceria aquella na- ção a quem na batalha fe niataíTe o Rey, e aífim fuccedeo. g.3iijsancrós ^íiisaciífi Nota 709. O. 72. vérí! 8. Os oráculos. Faça-íè memoria de que no ter- ceiro canto promeieo Palas a Axa que no dia do feu tnayor triun- fo havia de íer fervida no templo dos Chriftãos por Henrique, e Terefa, o que Axa entaõ naó entendeo, e fe verificou no feu ba u- tifmo, e delRey de Lamego íeu eípoío. Qiie os oráculos foíTem todos artificios dos Sacerdotes defendeo eruditamente Van Dale; e refumio difcretamente Mr. de Fontenele, erudito Secretario da: Academia Real das Sciencias, mas eftia opinião abfolutamentenaó he fácil de defender-fe contra o commum dos Santos Padres, que J4:ílgaraõ qye 9^ demónios muitas vezes failavaó nos oráculos , 2 que Chrifto fez ceifar.

Nota 710. O.ySf verf 6. Onome do Pamazo. Para dizer que fedefmayôa'* o,$ol , lhe (H^íimo nume do Pamazo por fer Apollo o que preíide às Mufas n-aqúielle monte.

N.ota 711. íííi'' O. 79* VieíC'i . Heròe. Efta hiftoria, que defenlaça todo o en* r^do do Poenw CQncinpando a de MuLey , e Aldàia que em variai parres d.a H^nriqueid^ íe vay referindo , he contada por Tancre^ do, q,ue 119 Çaiíí» iiíi íç diffç.. fora cativo por hum pirata MourQ.*:: •£;í v.Ki, . . " ' '"-' ~ quando

D o P o E M J. 131

quando depois da morte de Matilde fahio de Bayoiia de França intentando levar eftes dois filhos do Conde D. Henrique para Bayona de Galiza governando aquelle Reyno o Conde D. Ramort primo do Conde D. Henrique.

, Nota7rí. '"'! . -' ')'''

O. í)i. verl. 2. Jío, ou Izis. Para dizer que còMôrtifrtfâ^ílVc*"* zes fe coftuma traziaó os Mouros navio huma vaCâ que lhe da- va leite, lhe chamo Jo, que féconverteo em vaca pelo ciúme que Juno teve de Jiipiter, que amava èfta Ninfi filha dc^Riõ Inaco , e que depois foy aiíorada em Egipto cóm o nome de Izis, e guarda- da por Argos que rinha cem olhos a quem Mercario com 0 to-que da Flauta, c do Caduceo adormeceo primeiro , e matou depais , converrendo-fe em Pavaõ de que os matizes parecem oltios , c dcf. ta fabula diíTe hum Poeta Portuguez.

Jo foy 'VACd , Júpiter foj touro. Nota- 71 5VíT^í<^»>'- O. 91. vcrf. 5. Capella. Em latim capella he diminutivo de capra pela que deo de mamar a Júpiter , e he huma eftrella da pri- meira grandeza , que íê tem por chuvofa como os Hedos , ou ca- britos , que tem a meíma origem nas fabulas aftronomicas. •-^^*' ' ' - Nota 714.

O. 91. verf. 6. Cornucopia. Eftas queftoens podem cha- mar-fe de lana Caprina^ todas tocaõ com a cornucopia de Amaltèa as fabulas referidas. Nota 715.

O 91. verf 8. Bootes. Eftenome le ao guarda dasconrtela- çoens das Uríras,que foy filho dejupiter,c Calixto,e chama- íeafíim, porque o feu çurfohetaÕ,vagarofocomooboy,C/í: i/í» i.denat.Deor,

Nota. 75 6. O. 105. verf. 5. Tarudante, He Tarudante Reyno de Africa, a que Camoens faz de-trez fylabas, dos muros de Marrocos , e Trudante, deu-lhe o nome a Cidade de Teurant no Reyno de Sus, fu-geito ao de Marrocos.

Nota 717. O. 115. verf. 5. Leovegildo. Ao Ermitão que ElRey D, Affbn- Co Henriques diz no feu juramento o auilou junto a Caftro Verde no Campo de Ourique de que Chrifto queria apareccr-lhe, chama' Fr. Bernardo de Brio Leovigildo Pires de Almeida , e vay na fua ^ efta noticia, que me bailou para o f32er pay de Pelayo Amado , que fe conta por tronco defta illuftre frmilia , e aqtii me fervio^ para verihçac o fim da hiftoria de Muley , e Aldàta.

- q U Nota

132 N o T J S

Nota 718.

O. 1 2 1. verf. 7. Í^Jeòphitos. Aos novamente convertidos cha- ma a Igreja Neophitos. Veja-fe a nota 5*4.

Nota 719. 0. 1 21. verf. 5. Tobias. Pôde ler-fe, como a lua conftancia, e virtude fez felice o feu cafamento com Sara filha de Raguel , a- fugentando o mào eípírito Afraodeo , que matou no tálamo os primeiros fete maridos defta mulher virtuofa ,, animando a Tobias ainfpiraçaõ do An^o Saó Rafael.

Nota 720. O. 122. verf, (. Jordaõ. Para figura do bautifmo íe lembra o rio Jordaõ , que os Hebreos paíTaraô a enxuto , baucizando depois S. Joaõ Bautifta a Chiifto-junto a efte rio da Paleílina.

Nota 721. iii"i,iÊ<|. ;Síijs ,6 5iul . ,

O. 129. verf 5. As vidorias de Henrique. Imito a Virgílio que nas copis da baixella de Dido defcrevc a Eneas muitas ac- çoens heróicas , e eu as fupponho nos adornos das mefas , que antigamente fe chamavaõ triunfos, e em algumas partes íè uíãó ainda hoje em occaílões publicas dos Palácios, , .. .\ -,Jí

'~\'''V\'^'''-''-^.'^''r'^ !*■'' Nota 722. . -:'^> ,■ O. ijr. verf. 8. A milhares. O numero de mil quêindefinito temprivilegio de exprimir-íe entre os poetas, eatè era Autores mais fagrados para íignifi.car multidão , medco a confiança para repetil-, lo em todos os verfos defta oitava para darhuma ideada grande- zaj ícm temer que pareça jogo de vocábulo, a que condena Luper- ci© dizendo como ponderey em outra nota, QHejugttr de vocabla es trtjle feta. Nora 725. O. 152. verf. ?. Agamenon. He bem conhecido efte heròe em Homero, por fer General das tropas de Grécia, e o leu Epitalamia com aRainhaClitemncftra, qnecantaraó os Poetas,dizem íeachoa ha poucos annos em hiima lamina de bronze Orcheftra he o lu- gar do teatro onde eftavaõ os Muíicos, e infttumentos.

Nota 71 §. KU„;?i.!_^' ;::i.ií.,Jaj.i tOíff ;

o. 135. verT 7. Chorèas. Era o nome que áavaÕLbrí^iit^o» às danças das Ninfas : Virg.i£neid. lib 6. v. 644. :^--

Pars peàtbus pUadant chorcAS, & carmina dlcnnt. parece que efta dança he a que fe acom^ariha cofid aMuílca, e a íua^ eihimologia vem de chorus; '^- ivi-í^.M^s^ ^sup ?5iíi ,1

Notíi'

DO T O E M A. 1^5

Nota 725. ir:0. 15 ç. verf. i. Dos dons Talamos. Neftes dous leitos nup- ciaes digo eftavaó bordados os cpitalamios mais celebres, como fo- raõ o de Júpiter , e Juno, que eraó os principais Deo(es,e irmã- os j o de Cupido, e Píiques , a quem depois da íua infelicidade fa- zem alguns Mythologicos efpofa do Amor, porque Pfiques em Gre- go fignihca a alma ; o de Anfitrião, e Alcmena , da qual nafceo Hercules tomando Júpiter a forma de Anfitrião, como fc ve na admirável comedia del^lauto bem imitada por Molieri , e por Ca- nioens ; o de Heitor filho de Priamo com a bella Androroaque famola em Homero , e nos poetas trágicos Gregos , e naó menos em Racine Francez ; o de Peleo , e Tetis , que com puriílímo eftylo eíçreveo CatuUo a quem chamo Cilne de Verona, por fer como difle a íua pátria.

■^ - ; '■■'■'■'. Nota 7%^--^%. -? ^■

-^ O. 15o. verf I. Cinco Amores. Nos epitalamios naõ fe en- troduzia o Amor, mas muitos Amores, eaíTim o diz Claudiano no Epiralamio de Honório, e Maria, fazendo o primeiro filho de Vénus , e os outros das Ninfas.

. . Hqí NimpbA f4riímt , illum Vénus áurea folum. Marino diz* úm sbjí-i^-ftMJ:- O •.^'•««dtírír  t \'iiv ".? si ,0

i Capitan frà gl^ altri AmorUmore, Gongora ,

Corona lafcivo enxamhre De cupidillos menores : E eu reduzo eftes Amores a cinco para reprefentar os fenti- dos , e fugi neftes epitalamios da maliciofa licença, com que An- zonio fendo Poeta Chriftáo tirou cenroens impuros de hum Poeta Gentio , mas nmito puro, como foy Virgílio, de quem diz Santo Agoftinho Virgíliumptteri legam , e a mefma licen<5a tomarão mui- tos Poetas nos ícus epitalamios. ■^i Q f- Nota 727..

O. 158 verf O Amante de Climene. Bem fe íabe que he A- polo, que de Climene tev£ a Faetonte, e que a eíle Deos venceo fempre Cupido , porque o Sol , e o Amor faõ as fontes do calor de que o mundo fe anima. -a-í-ííí

Nota 728. O. 147. verf 5. De buma fanta railicia revertido. A hiftoria diz, que efte D. Pedro AfFonío foy o primeiro Meftre de Ayiz , Ordem raais antiga entre as Militares de Portugal, e que depois

134 N O r J s

foy Religioío de S. Bernardo, e morreo lantamente em Alcobaça. A Ordem de Aviz inftituhio ElRey D. Affonfo Henriques, ecomo efte Rey teve outro filho do mefmoxionie, feequivocaóas acçoens de hum, e outro D. Pedro Affoníb, como adverti , e me pa- receo que o dizer fahira de Portugal nefta occaziaô a bufcar a guerra da terra Santa, como D. Pedro dizem que fez, era huna modo decoroío de o naõ deixar com Aldàra para confervar o íeu Caraóter com efta ultima , e generofa reíbluçaó,- dando com cila acção quafi trágica hum novo exercício aos quelerem o Poema de que o fim com efta oppofiçaõ de tragedia, e felicidade , naõ fica menos próprio das regras épicas , pois aífim he a morte de Hei- tor , e de Patroclo , em Homero , e a de Camila, e Turno em Virgílio. Nora zz<).

O. 151. verf. De Guimaraens nas Cortes. Vcja-fe a Fr. An- tónio Brandão na 5. parte da Monarchia Luzitana a noticia que pQde alcançar deftas primeiras Cortes de Portugal , em que fe ef- íAbdeçeraõ Leys muito úteis antes que as de Lamego.

,, Nota 7JO.

,,é,j «Q^íAJ^^exí.^ f. Medoro. Da fermoía Angélica amada de Or- lando , e amante do galhardo Medoro tratou larga, edilcretamen- te Ariofto no íeu Orlando furiofo , e com brevidade naõ menos conceituofa o lublime Gongora no Romance que principia. En un Pajloral alvcrgue , Que la guerra entre mAs. robles Le dexo per efcondido . O' /í- perdono por pobro> Nota 731. O. 175. verf. 5. O cabello crinito. Os cometas que faõ huns a&xos peiegrinos íe dividem em crinitos , porque a luz faz que pareça que tem cabelios, que ifto fignifica crinito, e por iílo o applico ao cabello da Infernal figura de Mafoma ; em Barbatos, porque parece , que a meíma luz fica como barba creícida na cf- treil% , e por efte motiva os applico ao rofto de Mafoma ; e em cêuci^ços porque parece tem huraa cauda, que atribuo á veílid-u-i r^ dftfta. horrenda viz^ó.

Nota 7?2.

O. 178. verf 8. Aquiles de Heótoc, de Turno Eneas Nas au-

ri^ras Sit^.s do T^)0. voit díípoiído.o, fii-ni da> acçiõ, em hum com-

baqe finguUii do H«eò.e com o feu puincÉpalGOiaDrai^fO^ eomo' H%>-

i^ftva.defcr^v^ Qi 4e Aqiiiif & lUMaàdo. a H^iwr , ^-Virgilio,- o^dè'

: !i Eneas

DO V O E M J. 13 f

Eaeas tirando a vida a Turno. oino:>: Nota 735.

O. 179. verf. 5, De ferro. A porca do ferro em Lisboa tinha efte nome quando a ganhou aos Mouros ElRey Dom AíTonfo Henriques , e o conlervou arò os últimos feculos.

Nota 754. *

O. I 87 vetí. I. Valle ameno. Ao norte de Lisboa eftà firuado o valle da Anunciada entre os montes de S. Roque, e Santa An- na , e he hum dos mais- apraziveis fitics de Lisboa , cheyo de Pa- lácios, e Jardins , onde de algum modo me lembro do do5 Con- des da Ericeira, da fonte de Neptuno, obra admirável do infigne Elcukor o Cavalleiío Joaõ Bautifta Bernini , o primeiro entre os modernos , e que em Roma compets com os antigos. ':-*• -- i- - Nota 735.

"' ' O^PÍ^o.í verf 5. Oftracifmo. Ja tratey deíla ley antiga Gre-'^ cia em Athenas , e Laccdemonia, onde quem fe diftinguia muito ' dos mais Cidadãos no merecimento; pelo receyo, de que podeflTei tiranizar a patiia, padecia ainda que com honra, o defterro de dez annos, e le chamavaOftraciímo, porque íe votava com cafcas de Oftras brancas , e negras. Em Sicilia chamavaó a efta ley Petalif- rao porque votavaõ com folhas verdes , e íecas de Oliveira, que* ena Grego tem o nome de Petalos.

Nota7j(í. O. 195. verí. 5. Cintra. Que Cinera íeguio o deftino de Lisboa rendendo-fe ao Conde D. Henrique , diz Brandão no lugar mui- tas vezes citado. He Cintra humá Villa diftance de Lisboa cinco legoas ao Norte celebre pela magnificência do feu Palácio, fun- dação deiRey D. Aífonfo o V, e que ElRey D Joaõ o V. reftaurou da ruina : pela afpereza , e ao meímo tempo amenidade da lua lerra , e mais que tudo pelos feus Santos Conventos da Pena, c dos Capuchos, Tudo defcreveo em hum Poema Latino a admiFa*; vel Luzia Sigéa, que cultivou a Academia da em tudo inconapa*!' rôvel Infanta D Maria. A Ericeira pouco diftante de Cintra, e fctjB bre o mar bem [conhecida pela fuapefcaria, deo-lhe o nome, eac-o mas hum marifco chamado pelos antigos Eiriç , hoje Ouriço ■;•. he antigo titulo , e perpetuo Senhorio dos Condes da Ericeira j da família dos Menezes.

Nota 737. O. 197 verf. 8- E o diadema as fe idas cure, e ate. Conta-fél ^e Ak^andiie atou com o Diadema as f<?iidas 5Í& Liúmaco de que

136

NOTAS

ihe profetifaraÕ, que havia de Ter Rey de Macedónia, o que Ce ve- rificou na repariiç .0 que íe fez depois da morce do grande Ale- xandre. Nora. 758.

O. 201, verí. 2. Centumaiio. He hum nome que fe ao Gi- gante Briarèo , que diziaõ tinha cem braços , c foy hum dos que fia guerra dos Titaens contra os Deoíês punha montes íobrc mon- tes , e cnirc elles os dois da Grécia Pelion , e OíFa, de que diz o Poeta. iniponere Pelion OJ[a.

Nota 756. O. 2o<j. verf 8- Do venenoío peixe os pefcadores. He certo que o peixe chamado pelos Latinos Torpedo, e pelos Portuguezes Tremelga, faz entorpecer o braço, mas naõ querem os modernos, que illo íeja por virtude occulta , pois tem expemnentado que as muitas fibras de que fe compõem , com hum movimento convul- íivo le apertão de repente quando os fere o anzol , ou qualquer outro inftrumento , e fente o braço de repente o mefmo aperto que o peixe faz no ferro , e que agita com violência o mefmo bra- ço pelo cordel , em que o anrol eftà prefo.

Nota. 740. O. 2,08. verf. 8- Os Efcudos, e os Alfanges. A repetição de Efcudos , e Alfanges em diverfos ufos naõ desfigura eíla Outava como ja ponderey em outras em que o mefmo nome também fe repete que Falangues era hum batalhão Macedonico, e que os Lou- reyros fe fuppunhaó livres dos rayos he muyto fabido , e fe acha íieílas noras algumas veze^ explicado.

Nota 741. O. 2i2. verf. I. Apolinea rama. Depois da transformação de Dafne foy o Loureyro chamado Apolineo, porque o conlagraraõ a Apolo. Nota 742.

O. zi 5. verf 8. Mas àtct a efcurecer o negro abifmo. Aca- bey o Poema, imitando a Virgilio , que diz de Eneas , matando a Turno, Vitaque cum gemttu fugit indignata fub umbras y vetfo que fe acha repetido no meímo Poeta, a que imitou Arioíto , e outros que conhecerão o Poema heróico havia de acabar com a mor- te do Emulo do Heròe, deixando fuppor fe o fim da acçaõ fem in- dividuala, como fe faz nas obras Dramáticas dos teatros, delica- deza que na5 entenderão muitos antigos, e modernos ; e que deo confiança a Mafeo Vegio para entender , que Virgilio deixara c feu Poema poílumo imperfeito, parecendo-lhe, que havia de con tinuar o Poema depois da morte de Turno, como eftabelecimentc»

de

DO P O E M J. 137

de Eneas no Reyno de Itália, ecafamento de Lavinia, círcunftan- cias que largamente ponderey nas advertências preliminares que fervem muito para entender a Henriqueida , e as fuás notas , que he ja tempo de concluir.

O Epirodio da Torre de Hercules em que D. Pedro Bernardo vio debuxada a fua afcendencia , e defcendencia na varonia do$ Menezes , e que fe mudou no canto decimo pelas razoens que le daõ na nota 63 ?. à outava 78. do mefmo Canto , introduzindo em Teu lugar , outro epifodio dos princípios de Portugal , e con- lervando-íe eftas outavas pelos motivos que íè podem ver naquel- la nota , e com o exemplo , ainda que taó deíigual pelo excedo, que me faz Luiz de Camoens cm tudoincòparavel ,deconfervar Manoel de faria, e Souza no feu erudito comento as outavas que o Poeta tirou dos feus primeiros manulcriptos.

FIM DAS NOTAS.

§

OITA-

n9

OITAVAS.

I.

Vío que laminas fulgidas , e puras Naõ fua magnânima afcerdencia, Mas de Mufaico em immortaes pinturas Dos feus Menezes a alta defcendencia : Hercules com proféticas figuras Vendo fem excepção quanta excellencia Todos teriaõ no marcial officio Os quiz eternizar fabio , e propicio.

Trinta feculos que o Grande Ealto Rey de Gocia chamado o atrevido , De que a progénie generofa exalto , Deixa ao Báltico mar feu nome unido ; Efte da torre no lugar mais alto He da ptofapia tronco efclareciao j Por evos dezefete o feguem todos Rayos fetentrionaes Monarcas Godos.

3- Seu dcfcendente o Balro Theodoreao No Trono illuftie, que illuftrou de Hefpanha Foy por íeis luftros dos contrários medo^ Jufto na paz, gloriofo na Campanha; Eurico filho feu o alto rochedo De Pirene venceu com gloria eftranha ; E Marte, que o anima , eoaconfelha, Lhe cinge o louro em Aries , e Marfelha .

c ii t<í

14(5

4.' O coroado fuccéfíbr de Eurico

Teve valor igual, deÍJgual íorce Qfje o grande Clodoveo deu a Alarico Nos Eogladenfes campos dura morte: Naô cem melhor fortuna Amalarico , Que menos religiofo do que forte , Aos decretos do Ceo naõ viíTe humilde Que amparou as virtudes de Clotilde.

5- Depois da uzurpaçao de Atanagildo

Com valor raro , e religião profana

Filho de Amalarico , Leovigildo

Moflra no rofto a condição tirana :

Mais lhe dcveo o Santo Hermenegildo

Banhada em fanguc a imagem Soberana ,

Sendo Progenitor , fendo homicida.

Que na vida mortal, na immortal vida.

6.

Em Grécia Atanagildo a fúria evita ^

Com que a herezia barbara o perfegue,

Contra infiéis intrépido milita

A bufcada aliança entaó confegue

Em íeu fiiho Ardavafto depofita

De altas virtudes o exemplar , que fegue

Atè que de Arrio vence o horrendo medo

O Cat lolico Flávio Rccaredo.

Foy filho de Ardavafto o claro Hervigio Que o Sceptro empunha Gothico , e Hífpano Na cíuerra aíTombro foy , na paz prodigio. Luz no (agrado , gloria do profano, , .

Em Pedro de Cantábria hum veftigio onuo^Q Naõ fe apagou de hum Pay taõ fobciano, v; ^

E o Cantabro renova antigas glorias Com que de Roma difputou vidorias,. ^ j .

'fri

141

8. Com a fombra ecclipfou das acçoens fuás O Carholico Aftonío Key piimeiro Triunfantes Mahomccanas meyas Luas A quem foy íol o celebre guerreiro : Nelle, ó Pelayo, a gloria perpetuas Que a Herpanha libertou do cativeiro Logo fuccedcm três imagens bellas De hum Rey Affonfo Cafto , c dois Fruelâs,

9-

Robuílo illuftre Principe Bermudo

Naõ reinou ; e reinar bem merecia,

Mas da íendo efpada, e fendo efcudo

Ramiro a dilatava , e defendia ;

De Clavijo no campo afpero , e rudo

Rendida a gente barbara íe via ,

Porque a memoria no trofeo confagre.

Que. o Ceo peio valor obra o milagre.

IO.

Reina o primeiro Ordonho , e porque poíTa Ser igual ao Graõ Rey efclarecido , Vio em Toledo ,HueIca, e Qaragoça Desbaratado o bárbaro temido ; O Magno AíFonfo para a gloria noíTa Seja exemplar illuftre , alto , c luzido, Pois mais que o vencedor do mundo em Afia Mereceo a gloriofa antcnomaíia ,

1 1.

Segundo Ordonho de Leaõ , e Afturias Cinge a coroa profpero , e guerreiro Domefticando as Mauritanas funas He do valor exemplo verdadeiro. De outro Fruela a Parca com injurias Do feu Reyno o privou no anuo piimeiro^ Mas deixou o pincel bem expreíTivo No femblante feros o peico altivo.

II.

12.

Ainda que Ordonho efclarecido Infante PcrdeíTe a vifta às mãos da tirania , Naó fe efcurece o nome relevante Pois ao tempo, fe naó vio ao dia, E Dom Affonío Ordonhes , fulminante Rayo , e Conde de Afturias , parecia Que dos Mouros aos pérfidos arrojos Ainda ali fe ving^a-a nos deípojos.

15.

Rodrigo Aííonfo fucceíTor illuftre Do incomparável Pay fegue o exemplo , D. Diogo Rodrigues claro luftre Em tudo igual com fufpenfaõ contemplo Em Dom Bernardo Dias naõ íe fruftre O lugar que referva no feu teríiplo A milicav memoria em que o aclama Com infignes padroens a eterna fama.

14.

Pedro Bernardo a eílatua fucceíTiva, Como fe fofleefpelho que o retrata, Admirou , e a efpada fempre adiva , que os infiéis valente desbarata : A memoria immortal a gloria viva Em Caftella , e em Lizia fe dilata, E o debuxo lhe moílra nas figuras As paíTadas ácçoens como as futuras.

15. que da grande praça na defenfa

A fundação do Império certa eftava,

E que Hercules por alta reeompenfa

O feu nome feliz diviniíava ,

E depois dominando terra imincnfa ,

E libertando a nobre Calatrava

Das Cidades do Reyno de Toledo,

Será pafmo, terror , aíTombro , e medo.

16

H3

Também com gerolificos Alcides Lhe diz aífim : ò Pedro vslcrofo , Porque grande no tempo te apelides. Ouve o meu vaticinio vcnturoío : No Régio tronco as ramas, cjue divides Fazem de Europa o âmbito frondofo , E os Menezes feraõ em poucos annos Transplantados aos troncos íbberanos.

17-

Naõ dos Rcys mil vezes derivados^ Mas os Reys do fcu Tangue produzidos Os verá nas coroas enlaçados Em trinta e féis grandezas repartidos : De huma linha os varoens afinalados temoftro em retraólos parecidos, Porque fem excepção no mar , e terra Foraó rayos intrépidos da guerra

a Tello teu filho , que tomando Primeiro o nome excelfo de Menezes Aos bárbaros contrários deílroçafido , Fez triunfar Caftelhanos , e Leonezes. Cuenca em padroens eternos vay moftrandoy Que vencer Mahomecicos arnezes He gloria defte nome Tobcrano Como canta outro Oínc Lufitano.

19- De hum perfeito varaõ a clara idca Moftra de AíFonfo Telles a pintura , O Mouro vence , e o rebelde enfrèa , E de Albuquerque os muros aíTegura , Rompe das Navas a fatal cadea , E rompendo ao palanque a força dura Nas armas em que os ferros eterniza, A efcravidaõ dos Mouros íimboliza.

*■■*

10.

14+

20.

D. Joaó Aífonfo Tello varaõ force Do Segura , e do Becis fértil cerra Dando ao fero Ifmaelita facal morce Ao mefmo fvlarce vencera na guerra, Vera o Algarve ao rigido Mavorce, E quanco Hefpanha em largo efpaço encerra Verá muico applaudido, e refpeicado , Do Porcuguez AíFonío alço aliado.

21.

Naõ a Aquiles no valor o igualo Por digno de afcendences caó felizes Nas viólorias illuílres que afinallo Para fazer aos Mouros infelizes , Porém na aílucia excede o Graó Gonçalo Toda a deftreza do facundo UliíTes , É foube unir no milicar officio , Eífeicos do valor , e do artificio.

2a.

Naõ baila a AíFonfo Telles , que invencivci O viíTem as campanhas de Caftella, Para que hum Rey de condição cerrivel , Naó uniíTe a crueldade , e a cautella , Para evicar a offenfa mais fenfivel A Porcugal o guia a fua eftrella. Donde com fucceííivas alcas glorias Coroou as magnânimas vistorias.

Dos campos Tranftaganos tia paleftra Marcini Affonfo Tello fe exercica Com fciente valor , com força deílra , Prudence manda , intrépido milita: Sendo a prudência das virtudes meílra , Modera a forcaleza , que a incita, E nas quatro floreei fem mudança Igualando à Juítiça a Temperança.

i4.

145

24-

De Neiva , e de Faria illuftre Conde Gonçalo em Elvas o arma Cavalleiro O Rey ; a quem taõ fino corrcfpondc Aos herdados acertos de guerreiro: donde corre o veloz Douro , e donde O Vouga rega a opulenta Aveiro, Deixando a irmãa por bella coroada Fiel, ao Luzo Rey, defende a efpada.

A Gonçalo fuccede em nome , e gloria, O Menezes iníigneD. Martinho, Que ajoaõ filho illuílre da memoria. Segue na Extremadura, Beyra , e Minho ; No mar , e terra mais de huma viâioria Lhe deo da Fama a o templo amplo caminho Perde os domínios pela ingrata forte. Porém naõ perde o fer fiel , e forte.

x6.

A ninguém cede o varonil Fernandcj Que em Ceita rayo foy do Luzo Jove, Tetuaó fe lhe rende , e receando Tangere o feu valor a Africa move. -

Acilio Portuguez o admire quando f

Entre infiéis os duros ferros prove. Ate que triunfante dos contrários , Os refpeitaõ os duros adverfarias.

Outro Fernando ao grande Pay fuccede Segundo Scipiaõ , Marte Africano, O Palanque de Tangere lhe cede, E fe rende o foberbo Mauritano : Civil difcordia a gloria naó lhe Impede^ Ainda que ja no campo Luaitano Alfarrobeira chore o duro fado De Pedro varonil , mas deígraçado.

Xf;

1^6

28.

Cante a lira de heróica Mageftadc Do Virgilio entre vates Luzitanos , De outro Menezes logo , cuja idade Hemayor na prudência , que nos annos: Gentileza , valor , zelo , verdade Santas virtudes , dotes foberanos, Fazem vencer na índia ao grande Henrique , Porque eterna memoria delle fique.

Segue Diogo os paternaes veíligios Ceita o confeíle , Tangere , e Arzilla -, "

Também do amor reíííle aos vãos preíligios A conílancia magnânima , e tranquilla: Premio de quantos bellicos prodígios Efta marcial prorapia recopila , Deu a Ericeira na grandeza logo, Fiiho deite Diogo a outro Diogo.

30.

Fernando a aquelle fegue generofo, E com quatro Irmãos íeus exalta as quinas, Dous em Alcaçar cem termo gloriofo Três as cadeas fofrem mais indinas , Fernando taó fiel , taó valerofo , Quiz libertar a pátria das ruinas , Que tudo perde às iras do inimigo , Mas eftimou por premio efte caftigo :

3». Africa , Europa , e Afia prefumiaõ De fer trofeos dos braços fingulares, da foberba America fe viaõ Taó izentas as terras , como os mares, Porém ja na Bahia fe efculpiaó Em bronzes os acertos militares De outro Henrique ; que vence em mar, e terra Do Batavo feros a feros guerra. Gi

3*.

H7

Qiiàl cm Càftor, ePolIuxà fraterna No GcMninis uniàõ indilToluvel , Qiic a mortal natureza com a eterna Alcernaú efla maquina volúvel ; Parecendo , que hum tudo governa Da amifade no laco naõ foluvel ; E Roma os vc valentes , e brilhantes Em dous cândidos brutos triunfantes.

AíTim Fernando , aOlm Luiz fe via, E outra Helena os unio taõ cafta , e bella , Que fe a Grega a Dardania deftruia , Foy efla à Luíitania clara eílrella : Joanna em que de Aonia bem fe lia No nome, que huma mufa inspirou nella ; Dandolhe com virtudes mais difFufas Belleza as Graças, e fciencia as Mufas.

34.

Fernando , que cm ItaUa fez primeiro Ser Faetonte no Eridano os contrários, Neptuno fobre ornar ove guerreiro. Vence no Guadiana os adverfarios : Scipiaõ no tempo foy primeiro Em triunfar de Afiicanos temerários, Febo em fciencia iguala, e fabio obferva, Leys de Themis , preceitos de Minerva.

35- Luiz em tudo igual teu nome efpalhas

O' Cezar mais fiel, naõ menos forte,

A Hiftoria efcreves, vences as batalhas,

E afinas com a efpada á pena o corte:

De Elvas, Valença , e Évora as muralhas *^

Defendes , ou afialtas Graõ Mavorte ,

Ao teu zelo, e juftiça deo a idèa ,

Nemeíis incorrupta, igual Aílrea.

148

Francifco fegiie ao longe eíles que adora Vcfligios de valor inimitáveis , E para o eíludo na primeira aurora Achou de ApoUo os rayos favoráveis; De Henrique ha de cantar com voz fonora As heróicas acçoens incomparáveis j E decifrando o Épico mifterio , A fundação do Euzicano Império.

37- . Luiz do grande Avo máximo nome

Em Letras , e Armas claro defempenhe ,

Em Alentejo ao forte Hiípano dome,

E em foccorrer Campomayor fe empenhe:

Occupe a Sumba , e a Pacàne tome,

E ou no mar fuja , ou no Sertaó fe embrenhe ,

O Arábio o tema , o índio, o Perfa , o Mouro,

Que a gloria trouxe de Azia por chefouro.

38. O magnânimo Rey , que à Azia opprimida Poderofo foccorro deftinava , Do Louriçal a linha efclarecida De Marquez com o titulo illuftrava: Segunda vez o manda , e da temida Do grande Vice-Rey valente eípada Fia o Monarca as Luzitanas glorias Da Religião , e a Pátria altas vidorias.

39- Francifco em gentil forma ainda fe via De educação feliz, de Índole amável, O eftudo militar também feguia , Quanto permite a paz fempre eílimavel, Dos outros defcendentes fe encubria A ferie pelo tempo variável , Mas com exemplos taes bem he fe efpere, Que do eíludo , e valor naó degenere.

149

Furtandú-fe os primeiros quatro Cantos defit Poema moftrou BlRey fenttmento , e quiz, prometer premio a quem os reftituíjfe , ajfim o fz,eraÕ , e o Conde da Ericeira ti- nha offerecido a Sua Magejlade depois de rejlaurallos de memoria ejie

SONETO.

SEntis , Senhor , que das acçoens de Henrique , De quem fois o mais claro defcendence , Quanco a Mufa cancou pouco eloquente A Enveja roube, a Fama naó publique,

Apolo o permicio, para que aplique A vòs coda a Épica excellente; Pois de lium Heròe a perda fe naó fente , Porque de outro mayor o acerco explique.

Mas fe por efcrever da Luza hiftoria O Poema feliz que a Mufa ordena FoíTeecerno no Templo da memoria;

Vòs o illuftraes , Apolo o naó condena ; Pois nunca alcançaria canta gloria , Quanta lhe deu na perda a voíTa pena.

ERRA-;

A íf'^'^

•oqoV-íUiy?

APPROVACAM DO P. D. JOZE' BARBOZA. Erratas, T^Ag, i. reg. 15). atem alem Pag. 5. §. 10. ouviado ouvia

APPROVAC,AM DO P. PAULO AMARO. Pag. 3. §. 5. reg. 4. Deimocrico Demócrito

ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES. Ertatas.

PAg.i.reg,z6.}i Lucano efguilace á del.ucanoEfquiUche. Pag. 1 1. reg- ... Claro em nobre Demarine em claro, e emnobre, deMa- rtene Pag. 1 6. reg. 24. nos autores que rrataõ uefies autores que tratao Pag. 1 8.icg-2.6. ou combate, de fende cu o combate , ou o defende Pag. 27 ultima reg.approvar /;rí>r4r Pag. jo.ceg.i.Abdara Aldara Pag. 55. reg.penukimae naõ fendo enaÕ tendo Pag.54.reg.6.Puley Pw/c^ Pag. 56.reg.23. duBertás í/«£jyfií Pag,7o. reg. 18- emayor de todos eo maior de todos Pag. 71. reg. 3. Leiria Pombal Leiria e Pombal

CANTO L Erratas do Poema. Oit, 5?o. e o mundo naõ o e o mundo u nao

CANTO IL Oir. 2J. verf. 7. Scintilla cintiíla

CANTO III. 0{t.57.v.5.e digna e dina Od.4o.v.i. ficiticios^^^ os Oit. jg. v. 7. refgnardo refguardo Oit.62.v.4.BabeIovia Babilónia Oit.^j.v.l.nos debuvos nos debuxos Oit. 105^. v.j. orque Porque Oit. i ^y.v-S' efqua- drocn. efquadroens

CANTO IV. Oit.9.v. 8. pertos perto Oit. )0. v. 2. intentara intentava Oit. iio.v.7. falfos í//í/í^;/oí Oit. in. verf 5. ptefurforas precurfora

CANTO V. Oit. i8.v.(5. o raro oh raro Oit. 61. v.5. tranformadas transformadas Oit. Sj. V. 8. maogas magoas

CANTO VI. Oit. 4.V. 4. o rcceyo ao recejoVcrf. 5. fedefcobre nao fe emcobre Oir. 26. V.2. aquém a queOit-^-i^-^w-j. deíTe décc Oit. 44.V.6. Hazm HaT^en Oit. 54. V 4.0 teu o feu Oit.65 V.2 indinos indignos Vcif 6. condinos condignos Oit. 79. v. 6. e dos S.iperiores e Superiores Oit. 155. v. 3. da carvidaó efcravuUm

CANTO VII. Oiz.j dímini^idL amníjlíA Oit.44.v,i.qie ai mas que as armas Oit. 55.' V. 5.E que aos últimos três E aos fete que formou Oit 6i.v z.aflegura- va ajfegurara Oit. 67. v.j.oM.onis ó Moms Oit.7i.v,i.fiagoa a fra-

goa

goaOit.j^.v.i.Snt.SutfíOiz.yS-v.^, aos Mahomc:3Lnos ao Aíahome- tano

CANTO VIII. Oit.8.v.8.Suftente o fujiente Verf.j.As razoes A^s raz.oes Oit.i4.v.i,. lhe refpond lhe re ff onde Oit. 40 v.4. acfentos acentos Oit. 46. v. í. negror negros Oit. 49, v. i.Poir, por forma Pois por cauzA NçiC^. e a noro canoro Oic 54. v, 2. Nos primeiros Noí meus primeiros Oit. f 5.v.4.Fex ¥es Oit. 5 ó.v.g. Ser 7er Oit. 77v. 5. arrifcando arrifcado Vcrf 6. cftrado ^_/?4í/(? Oit. 95. v. 4.rigororos v/^í?rcf/òíOit. iii.v.6. a cautela cautela

CANTO JX. Oit.9.v.8.obta etr/í Oit. 5 5. v. 5'. Eolo Eo/o Oit. 89. v,?. corre corrj Oit. 9i.v,4.oftoris aSoris Oit.pS.v.i.Só atreves [e atreve o Oit. 114. v. 8. exercite exercito

CANTO X. Oit.5.v.7.os Luziranos aos LuútanosOit.i i.v.i.tranfraontan tranf- tnontanos Oit. 100. v. 2. conquifta conqmflas ,

CANTO XI. Oit. 14.v-1.nas féte eras «4í Seteiras Oit.ij.y.C.Q k cte e fe cre y Oh. 41. V. 5. a tala 4fi/4 Oit.v. 6. céntc gente Oit. 79. v. 6. [euia.sfeqHras Oit.84.v.5. veneira venera Oit.88. v. 8. com grociffimo cow hum gr O' cijfímo Oít.9 1 .v.y. unras uniram Oit.9 j.v. 8. fepultados/f/^w/fíiííoOit. 1 1 6.V. 6. e legueras e ligeiras Oit.i 10. v. z. e afétta inficionada e á fetta inficionava

CANTO XII. Oit. 9. V. 2. cn ejofo envejofo Oit. i o.v.8 da fuperftíçaô 4 fuperftiçam Oit. 24. V. 6. a a a direita a ala direita Oit. 32. v. 7. o pc igo o periga Oit.54-v- J.ecudo efcudo Oit. 66. v. duvido o </«vi^ç/í)Oit.8 5.v.4.fof- ho fufptro Oit. 9 2. V. 2. A joou Izirà A Jo ouIúsaOit. 94. v. 8. edo que paíToii e do que antes paffou Oit. 1 14.V. i. de feu he feuOh. I 53. v. I. o nabre a nobre Oit. i } 8. v. 5. Porque a alcança Pois fe o alcança Oit. 156. V. y. barbararidade barbaridade Oit. 178. v. 6. ulIiíTeo uli^io Oit. í 98. V. 2. femove, c omvo fe move hum , e outro Oit. i^$.v. 7 . faz rayos/(íí nosrajos Oit. 213. v. hoirida horrenda

A D'

ADVERTÊNCIAS DAS NOTAS Erratas. Erutliçois vulgares erudições mems vulgares no que podia o (lue podU para devifar para deixar

NOTAS CANTO II. N. Si.CefàCoãroftcodion,^^. que continuou qne fe continuou n.89' atribui e itriouirfe n.i ly.em a ccrtar em aceitar n. iip. ElRey Tal- co ElRey Jerio CANTO III.

N. 175. e as advertências nas advertências n. i8í. toucandoííc fm- canàotn.i%z.co\r\ot\\âs como ela n.i Sy.da cobra a cobra da cabra a ca- bra n 209.0 conceito Hypcrbole o comceitOy e Hyperboíen.z 1 5 a Nim- fa a Nimfa Jo n.^ i 8. brevomonte velocinio acanicula fendo Af- tro do Norte brevemente velocino que também naõ he Afiro do T^orU n. 22 I . a Ercólo a Talfcrena a Erião a Falferena

CANTO IV. N.518. á con^ancia a confiam ia n.319. adverriraõ advertiram

CANTO V. N.325. o celebre Malpighl o celebre Malpighi n. 546. e éle reconheço quando digo ao menos e éle inferior a Homero c a Virgilio e éle re- cmheceo quanto era inferior a Virgilio por tjfo eu digo que ao menos me de a Muz.a a infpiraçaõ que a Efiaciopara defcrever os [eus jogos n. 5 5 i .deftes defies n.55 5.oaxpelido oapelido n.555. 35'íj.n.36i.Bezancon BezAn- ^on n.jóg.que atribuem que lhes atribuem n. 5 8i.enaõfc) fervia ík^ío fervio n. 375. monte Econio inonte AÓnio n. 376. aos Cantanhede com outra das 4í?í de Cantanhede cem outras das n, 5 8 2. do Conde Hen- rique Conde D. Henrique Tavares foy Embaixador do que foy Embaxa- dor n. 5 8 5 .no fpirito e nojpirito caT^ucom D. Luiz. de Cafiro IV. Marques de Cafcaes fuccejfor defia illnfire Caz.a , que deu a Portugal , e a CafieU duas Raynhas , tendo a varonia pelos Noronbas delRey D. Henrique II. de Cafiela, e de huma Filha delRej D. Fernando de Portugal ., e com tantos merecimentos próprios como herdados dos j eus efclarectdo^ Vays , e Avos n. 393. pelo dois pios dois n. 403. ca5 efeminadas tat afeminadas 413. imponere Pelio imponcrc Pdion

C A N T O VI. N. 425. Gualquivir Guadalquivir

CANTO VII. N.474- Ibe chamaren->os fcímpre lhe chamaremos antes n. 500. pois fá- fim pois ajfim n. 501, de Alúmen iunr.en de Alúmen plunu.

CANTO VIII. N 520. fru([afrufira n. 5 3 4.carnivolo carnívoro n. 555. humverfos bans verfos n. 541. iliuílre e fèlice illufire e infeUçe

C A N-

CANTO IX.

N.585.na Pininjula tM VenmfuU n. 55)0. da Província <í^Prí^i</íwi'4 n. ^^^. de Caboverda de Cabo'verde

CANTO XI. N. 6S9' letra n formem Je transformem

OITAVAS ULTIMAS Erratas. Oit.i.u.i.vio quevioem Oit.iy.v.j.recipenfa recompenfaOít.ii.v* 2. feiezes felkes Veil. 4. infelizes infelias

BIBLI-

BIBLIOTHECA

COM CATALOGO DOS LTFROS 'IMPRESSOS,

manufcriptos que compuZjeraÕ os Condes da. Ericeira dd Familíít de Menez^es^ ajjim os Senhores dejla Caz,a , co- mo osjilhos fegimdos delia , e os de algumas , que os Condes da Ericeira hojepZJfuem.

D. DIOGO DE MENEZES, I. CONDE

da Ericeira.

V

I D A de D. Henrique de Menezes , Go- vernador dela índia, con vna dedicacoria ai Conde Duque. 4. Madrid. X628.

D. FERNANDO DE MENEZES, 11. Conde da Ericeira.

H

Iftoriarum Lufitanarum libri decem ab anno 1640. ufque ad annum 1656. pars I. UlyíTi- pone 1734. in quart.

3 Hiftoriarum Lufitanarum, pars II. in quarc. Ulyífip.

1735.

4 Hiftoria deTangere, in foi. Lisboa. 1732.

5 Vida de ElRey D. Joaó I. quarc. Lisboa 1 668.

6 Monumento perene à memoria da Rainha D. Ma- ria Francifca Izabel deSaboya, com hum Epitome da íua vida em Porcuguez , outro em Latim , e varias obras em profa , e verfo em feu louvor quart. M. S.

7 Relaçoens , e Tratados Hiftoricos de vários fucceí^ fos de Portugal militares, e políticos , do anno de 1640. até o de 1669. quart. M. S,

8 Difcurfos , Oraçoens Académicas , e Panegyricas. quart. M. ^.

9 Cartas , e Difcurfos na lingua Latina, quarc. M. S.

c 10 Poe-^

154 BIÈLIOTHECA

10 Poefias Latinas , que fe imprimem na Coltecçaõ dos Poetas illuftres Lufitanos. quart. M. S.

1 1 Poeíias Portuguezas com hum Poema heróico de Lisboa conquiftada, de que ha cinco Cantos : Hum Epinicio à batalha do Ameixial , e outras obras. q. M.S.

12 Poefias Hefpanholas, com a Comedia : es de- fenganõ el defprecio: dous Autos Sacramentaes , c outras Rimas, quart. M.*^.

13 Papeis politicos , e militares no Confelho de Ef- cado , e outros Tribunaes. L Parte foi. M. S.

14 Papeis politicos , e Militares, fendo Regedor das Juftiças , e Capitão General de Tangere. foi. M. S.

D. LU I Z D E M E N E Z E S , IIL C 0,N D E

da Ericeira. **

15 T_T Iftoria de Portugal Reftaurado 'do annp de jTJL 1640. atè o de 1656. P. i. Lisboa 1679. foi.

16 Hiíloria de Portugal Reftaurado do anno de 1657- atè a paz de 16Ó8. 2. Part. foi. Lisboa. 1664. -

17 Exemplar de virtudes morales en la vida" de Jorge Caftrioto quart. Lisboa I668. . .

1 8 Compendio da vida do L Marquez de Távora com varias obras em feu louvor, quart. Lisboa. 1674.

19 Relaçocns militares de algumas campanhas, quart.

M. Sif^, o% : JiUOoíJ .Jliiiíp .tc;(K'' ^ .lá jb jt

20 Difcurfo?', e Oraçoens Académicas r>:igPi:oblenias $noraes quart. M. S. ,;:' 1; ' -^oí %;j'-^^; r-'-i ii'aj2f . Obras Poéticas Hefpanholas. L Part. quart. M.S.

23 Obras Poéticas Herpanholas , que contem huma Reporta pelos mefmos confoantes a todos os Sonetos de D. Luiz de Ulhóa ; o Poema da fabula de Orfeo, e duas Comedias. 2. Part. quarc. M. S. lup .^^òi ^h

24 Papeis Politicos fendo Vedor da Fazenda , e ou- tros em negócios importantes do Rcyno : foi, M. S.

25 Papeis miiicares fendo General 4^1 Artilharia do

: "^ ~ Al-

EKICERIANA 155

Alentejo , e Governador das armas de Traz-os-Monces : foi. M. S.

26 Cartas familiares. foL M. SI) 2 í O VI /

DONAJOANNA DE MENEZES III.

CondeíVa da Ericeira, 't T

27 X T Ida Panegyrica deS. Agoftinho :fol. M. S.

V 28 Defpertador dei alma a] fueno dc.l^ vi- da en trecientas Octavas, com o nome fuppoílode Apol- linario de Almada, quarc. Lisboa 1695.

29 Reflexos fobre a Mifericordia de Deos, traduzidas de Franccz de Soror Luiza da Mifericordia, que foy Du- qu€za de Vaujour, com hum Panegyrico à Rainha da Graõ-Bretanha , Anonvmo : oitavo Lisboa 1694.

30 Panegyrico ao Duque de Saboya , traduzido do Abbade de S. Real, Anonymo. quarr. Lisboa 168O.

3 1 Cartas Francezas à Rainha D. Maria de Saboya , e outras pefloas illuftres , e vários Difcurfos na mefma lir*- gua quart. M. S. /

32 Triunfo das mulheres, traduzido de Francez , e illuftrado quart. M. S.

3 ^ Difcurfos Académicos , e Moraes , com huma Novella allegorica, quart. M. S.

34 Cartas familiares a varias Senhoras. I. Part. quart. M. S.

35 Cartas familiares lí. Part. quart. M. S.

36 Obras Poéticas , Francezas, e Italianas, e traduc- çoens. quart. M. S.

37 Obras Poéticas Hefpanholas. í. Part. quart. M. S.

38 Obras Poéticas Hefpanholas, que contem duas Comedias ; dois Autos Sacramentaes , e outras obras de Theatro : II. Part. quart. M. S.

3 9 Obras Poéticas Hefpanholas, que contem a fa- bula Heróica dePcrfco, em cinco Cantos : o Poema fú- nebre a Pvainha D. Maria dcSnboya : III. Part. quart. M.S.

t ii 40 Obras

ij6 BIBLIOTHECA]

40 Obras Poéticas Portuguezas quarr, M. S:

D. FRANCISCO XAVIER DE MENE- zes , IV. Conde da Ericeira.

41 T T Enriqueida , Poema Heróico, em doze Can- JrX to quart. Lisboa 1741.

42 Obras Poéticas Portuguezas , foi. M.S.

43 Obras Poéticas Hefpanliolas , foi. M. S. 'r 44 Obras Cómicas Hefpanholas , foi. M. S.

45 Obras Poéticas Latinas, Italianas, e Francezas, e traducçoens deftas línguas com a da Arte Poética de Boileau em quatro Cantos .• foi. M.S.

46 Oraçoens Académicas, fendo Prezidente, e Di- redor em varias Academias ; foi. M. S.

47 Oraçoens Panegyri<:as na Academia Real , e em outras : foi. M.S.

3 8 Difcurfos , Problemas Académicos , e moraes : foi. M. S.

49 Difcurfos Filológicos, que contêm doze liçoens fobre o methodo dos eftudos : foi. M. S.

50 Difcurfos Filológicos fobre queftoens eruditas; foi, M. S.

5 I Excellencias do numero XXII. cumprindo ElRey D. Joaó V. vinte, e dois annos cm 22. de Outubro de 171 1. foi. M. S.

5 2 llluftraçaõ das Armas da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa .• foi. M. S.

53 Tratados Scientificos, I. Part. que contém fetc liçoens Académicas fobre as artes liberaes, e outras em varias Faculdades foi. M. S.

54 Tratados Scientificos , II. part. que contém va- rias diíícrtaçoens , e obíervaçoens Filoíbficas , c Ma- thematicas : hum epitome da Lógica : e hum fiftema da caufa das febres .' foi. M. S.

i$ Tratados Scientificos, III. Part. que contem hu-

_ _ _ ^^

ERICLRIJNJ. lyy

ma difíertaçaõ fobre a exiftencia do Vnicorneo , provan- do que he a Abada , feica à inftancia do Imperador Car- los VI. foi. M. S.

56 Obras Hiftoricas , I. Part. que contém as memo- rias da vida do Conde da Ericeira D. Franciíco Xavier de Menezes : foi. M. S.

5 7 Obras Hiftoricas , II. Part. que contem as memo- rias Eccleííafticas do Arcebifpado de Évora, I. Part. pela Academia Real ; foi. M. S.

5 8 Obras Hiftoricas III. Part. que contém a fegunda parte das memorias Eccleíiafticas de Évora : M. S.

59 Obras Hiftoricas , que contém a III. Part. das me- morias Ecclefiafticns de Évora .- fol.^M. S.

60 Obras Hiftoricas, que contem a IV. part. das me- morias Hiftoricas de Évora, com os documentos , e pro- vas dos primeiros três volumes ; foi. M. S.

61 Obras Hiftoricas, que contem Relaçoens impref- fas do ficio deCampo-mayor, em 17I2. e de outros fuc- celTos milicares , impreftos fem nome: DiíTertaçoens hif- toricas fobre vários pontos duvidofos da Hiftoria de Por- tugal , e fuás Conquiftas : Defenfa do direito de Portu- gal ao Maranhão , c outras terras ; Memoria dos Bifpos de pouca idade .• foi M. S.

61 Obras Hiftoricas, que contém Diftertaçoens Criti- cas da Hiftoria Ecclefiaftica fobre os Concilies univer- faes ; Diílcrtaçoens Cricico hiftoricas fobie vários pontos da Hiftoria Eccleíiaftica : foi. M. S.

63 Relaçoens de feftas lleaes, e de outras, feitas por direcção do Conde da Ericeira, e outros Tratados :

64. Mifccllaneas , que contém fama pofthuma do Pa- dre António Vicyra ; Relação das Fxcquias, que o Con- de da Ericeira lhe fez celeb.^ar cm Lisboa, em 1697.

65 Illuftraçaõ do nome Nuno ; cenfuras a duzentos livros de varias nmtcrias: Cbíervacoens a vários Autores :

c

Diftribuiçaõ da Eibliotheca Regia ; e Catálogos curio- íos , e feieclos ; foi, M. S,

66 Obras

I y3 BIBLIOTHECA

66 Obras Genealógicas j que contém varonia, e Ar- voics hiftoriadas com a vida dos afcendences, Varocns illuílrcs em virtude, c armas, e letras, dos Menezes da Caía do Conde da Ericeira : fol.M. S. -. 67 Obras Genealógicas, que contem Apologias de divcrfas famílias , foi. iVÍ.S.

68 Obras Genealógicas, que contém varonias, e Ar- vores de algumas famílias afnm nacuraes , como eftran- geiras ,- l-A. S.

T.'69 Obras Sacras; Reriexoens fobreas fete palavras da Virgem Santidlma : Medicaçoens fobre as fuás dores: foi. M. ^.

70 Oraçoens pias, e devotas, foi. M. S.

71 Papeis políticos íobre negócios importantes do ReVDO : Manifeftos, ínftrucçoens, e pareceres na Junta dos Três Eílados : votos, e outros papeis militares, nas fete Campanhas , em que íc achou ; foi. M. S.

72 Bibliotheca Soufana, com obfervaçoens a trezen- tos , e feffenta livros , que eícrevia o P. D. Manoel Caeta- de Souza, Clérigo Regular : in quart. Lisboa , anno I738.

73 Extraclos dos livros, que a Academia da RuíTia mandou á Academia Real da Hiftoria .- in quart. Lisboa

' 74 Apparato Hiftorico para ávida do Conde Dom Luiz Menezes .• in foi. M. S.

í ^25"'-. Vida de Soror Maria Magdalena de Jefu , Freira no Convento da Madre de Deos de Enxobregas : inquarr. M. S.

67 Epicedio na morte da Sereniffima Senhora Infan- te D. Francifca in quart. Lisboa 1737.

77 Temvld de Nepiuno : Epithalamio nos cafamentos do Illuílriíllmo , e Exccllentiffimo Senhor D. Luiz Joíéph de Caftro Noronha Ataide e Souza, com a lUuílriírima, e ExcellcnciíTima penhora D. Joanna Perpetua de Bragan- ça , Marquezes de Cafcaes : in quart. Lisboa 1758.

73. Documentos a ícu neto D. Franciíco de Menezes < ■; .' V -•' fo-

ERICEKIJNJ. 159

fobre as leys do ducllo .- in quart. M. S.

79 Reflexocns ao Theacro Critico , que compoz o R. P. Fr. Benco Féyjoó, diícorrendo por cada hum dos Tratados daquella exccllente obra : in quarc. NÍ.S.

80 Memoria mctrica, que contem cm verfo para fe ter. de memoria a Hiftoria univeríal, e a particular do Rey- 110 ; a Mythologia , a Geografia , a Filologia , e os princí- pios de todas as Artes , e Sciencias : Part.l. in oclavo M.S.

8 1 Memoria métrica , II. Part. in od. M. S.

g2 Difcurfos, Panegyricos, e outras obras recitadas por ellc na Academia Real : in foi. M. S.

8 3 Duzentas hiftorias memoráveis para fe ajuntarem ao \\\xo de Scitl dignis : in quarc. M. S.

84 Tratado das honras Civis, que muitos Ecclefiaíli- cos tem na Europa: in quart. M. S.

- SOROR-NtARlA MAGDALENA DE ]E- S U , Irmãa dos Condes da Ericeira D. Fcr- 'iiáiidOj'eD. Luiz de Menezes, que foy feí- ^'.- ' íenta annos Religiofa no Moftcira 'i da Madre de Deos de Enxobre-

gas.

8 5 T T Iftoriá de algumas Religií^fás- , que marreraõ i 1 no Morteiro da Madie de Deos com opi- nião de Santidade : Vida da rncfma Soror Maria Magdale- na efcrica por duas Religiofas do mefmo Mofteiro, e mui- to accrefcentada por íeu Sobrinho D, Franci-fco Xavicc de Menezes,. Cande da Ericeira ; in foi. M. S. "

86 Meditaçocns fobre alguns Pfalmos de David. Me- thodo para comnujngar com pcríciçaõ .- Obras myfticas , c alguns Poemas Sacros : M. S. in fo!.

87 Cartas devotas , e familiares, foi. M. S.

D, LU-

ss

160 íBIBLIOTHECA

D. LUIZ DE MENEZES V. CONDE da Ericeira, e primeiro Marquez do Louriçah

COmmentarios do que lhe fuccedeo em todo o tempo , que foy Vice-Rey da Índia, a pri- meira vez : in foi. M. S.

87 Inítrucçoens , Regimentos , e outros papeis poli- ticos , pertencentes à boa adminiftraçaõ do governo da índia / M. S. in foi.

90 Difcurfos, e pareceres fobre o commcrcio , e Con- quiftas de Portugal M. S. in foi.

9 1 Supplemento , e Correcçoens Anonymas ao Voca- bulário Portuguez , que compoz em dez comos o R. P, D. Rafael Bluteau , l.Part. in foi. M. S.

92 Supplemento, e Correcçoens Anonymas ao Voca- bulário Portuguez do P. D. Rafael Bluteau ; II. Part. in foIM. S.

9 3 Supplemento , e Correcçoens Anonymas ao Voca- bulário Portuguez do P.D.Rafael Bluteau:III.P.in fol.M.S.

94 Correcçoens, e Supplemento ao Diccionario his- tórico de Moreri, principalmente a tudo o que pertence a Portugal; as quaes correcçoens , e Supplemento vem na íCdiçaó Franceza de Pariz, e na Caftelhana de Leaó. I. Part. in foi. anno 173

95 Segunda parte das Correcçoens, e Supplemento ao Diccionario de Moreri, imprefla em Pariz, e Leaõ in í^oí. 1735.

96 Terceira parte das Correcçoens, e Supplemento ao ao mefmo Diccionario .• foi. M. S.

Fr.

ERICERIANJ. i6i

Fr. ANTÓNIO DA PIEDADEDOU- tor nos Sagrados Cânones : agora Religiofo da Familia Seráfica na Província de Portugal , fi- lho do quarto Conde da Ericeira D. Fran- cifco Xavier de Menezes.

97 Ç Ermoens vários , Part. I. in quart. M. S,

v3 98 Sermoens vários, Part. II. in quart.M.S.

99 Sermoens vários, Part. III. in quart. M. S.

100 Sermoens vários , Part. IV. in quart. M. S. I o I Sermoens vários , Part. V. in quart. M. S. I02 Sermoens vários, Part. VI. in quart. M.S. 1O5 Sermoens vários , Part. VIL in quart. M.S.

104 Sermoens vários , Part. VUI. in quart. M. S.

105 Pareceres em Theologia Moral, e Canónica, I. Part. in quart. M. S.

106 Pareceres em Theologia Moral, e Canonica:II.P. in4.M.S.

ERICERIANA.

107 \ Pothemas , verfos , obfervaçoens , e cir- Jl\ cunftancias particulares das vidas,e acçoens

de Senhores , e Senhoras da Cafa dos Condes da Ericeira , recopilados das fuás mcfmas obras, ede outras memorias fidedignas, pelo Conde da Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes : I. Part. foi. M. S.

108 Apothemas, &:c. Part. II. in foi. M. S.

CATALOGO CRITICODALIVRA-

ria dos Condes da Ericeira, fe to pelo IV. Conde

da Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes , e

peloV. D. Luiz de Menezes, Marquez do

Louiical.

109 "lU Ibliocheca Friceriana com o Extrado, e Catalogo Critico dos livros da Biblia, e

V íeus

i6z BIBLIOTHECA

feus commcntadores, Santos Padres, Theologia.- foi. M.S. I IO Biblioreca Ericenana : FiioíaEa, Medicina, Bif- toria natural / fbl. M.S. -pMI'^ m ■]

1 1 1 Bibliothcca Ericeriana ; Filologia , Grammatica, Diccionarios , Oratória , Poética , Antiquários , e Mifcel- ianeas : foi. M. S.

1 12 Hifloria univerfal , e particular ; foi. M.S.

113 Bibliotheca Ericeriana , M. S. Eftrangeiros.

114 Bibliotheca Ericeriana , M. S. Portuguezes.

SUP P LEM ENTO A' BIBLIOTHECA ERICE- riana dos A A. de que a Cafi da Ericeira poffúe os Morgados,

DIOGO DE PAIVA DE ANDRADA

Theologo deElRey D. Sebaftiaõ ao Concilio

Tridentino.

115 1"^ Efenfio Trident. Fidei ; quart..Ulyíripone ;

slJ 1578. '■'r.í^-y

1 16 Orthodoxae Fidei confultaciones .* quarc. Ulyín- po 1574. ^ ^rn outras ediçoens.

117 Oraçoep*^ no Concilio Tridentino , e outros O- pufculos impreííos em diverfas Collecçoens com os Elo- gios ao A. demais de cem Efcritores illuftres.

11 8 Sermoens vários, Part. I. in quarc.

119 Sermoens vários, Pare. II. in quarc.

120 Sermoens vários , Part. III. in quart. Todas três impreíTas mais vezes, e traduzidas em divcrfàs linguas.

Fr. THOME' DE JESU, RELIGIOZO

Aguftiniano, e Irmaõ de Diogo de Paiva de An-

drada, que morreo com opinião de Santo no

cativeiro de Marrocos.

121 'T~'Rabalhos de JESU, Part. I. que com a fe-

X giinda foy traduzida em oito línguas, c

im-

ERICBRIJNJ. t6o,

imprefi^a muitas vezes. A ulrirr,a cdiç^u com a vid&. do A.efcrica pelo iUullriíVimo DJr. Aleixo de Menezes,Arce- bifpo de Goa, e Braga, Vicc-Rey da índia , c de Poituc;al, lie a de Lisboa na Officina Aguíliniana, cm quarc. 1734.

122 Trabalhos de ]r!SU, Parr. II. ibidem.

117, Oratório Sacro : em Lisboa, e em outras partes em diverfas formas

124 Vida de Fr. Luiz dcMonroya : InQruccaõ de No» viços, e outros tratados .- M. S. in quart.

125 De Oratione Dominica. Antuerpiíe, in od. I2Ó Praxis Fideí : Colónias , 1629. in o6tav.

127 Methodus Spiritualis , Colónia:, 1623. inod.

128 Comedia em louvor de S. Agoftinho, e hum vo- lume de verfos, que vio, e leo Jorge Cardozo> comoelle refere

129 Vida de Chrifto, in quart.

130 Tratado Dogmático contra os Judcos , com a Relação da Controverfia, que teve com hum Rabino, a quem converceo em Marrocos : dirigido a fua Irmaã D. Violante de Andrada CondeíTa de Linhares.

Fr. MANOEL DA CONCEIQAO, RELIGIO-

fo, e Provincial de S. Agoílinho filho de Álvaro

Peres de Andrada, Commendador de S. Pedro

de Torres Vedras na Ordem de Chriílo.

131 T T Heatro triunfal de Lufitania ; in quarc.

JL A 132 Sermoens vários , in quarc. •,

FRANCISCO DE ANDRADA, IRMAM de Diogo de Paiva , e de Fr. Thomé de JESU.

133 /^ Hronica de ElRey D. Joaõ III. in foi. Lis- V--' boa 1613.

1 34 Hiftoria de Efcanderbc^o , ou Jorge Caftrioco. foi. Lisboa 1^67,

15) Fi-

1^4 BIBLIOTHECA

1 3 5 Fiolomena de S.Boavenuira, in od-Lisboa i$66:

\16 Poema heróico do primeiro cerco de Dio , no governo de Nuno da Cunha , e António da Silveira : in quarc. Coimbra 1589.

157 Peregrinaçoens de Fernaó Mendes Pinto , fobre as memorias deíle Author , impreflas muitas vezes, cem varias hnguas.

' 138 Opufculos em vcrfo traduzidos de Diogo de Teve : in od.

139 Inftrucçaõ politica, Dialogo entre o Anjo da Guarda , e o corpo humano , M. S. em folha , da letra do A.qu€ feconvcrfa na Bibliotheca dos Condes da Ericeira.

DIOGO DE PAIVA DE ANDRADA COM-

mendador de S.PayodeFragoas, filho deFrancií^

CO de Andrada Commendador da mefma Co-

menda«

14b "C Xame de antiguidades, in quart.

JLL 141 Cafamento perfeito : in quart, duas vezes impreíTo.

142 Chauleidos , Poema heróico Latino , in quart, Lisboa 1628. e em outras partes.

143 De S<:itu digms^\\Ko emprofaLâtinajquehadeim- primiife muito accreícentado pelo P. António dos Reys da Congregação do Oratório : he volume de quarto.

144 Poefias Latinassem queentraõ três Tragedias \nú' txAzàdiS : Antonius Magmis^Joannes BapriJia^ereEduArdusxVíinQ* gyricos,e diverfas obraSjque com o Chauleidos, e com a vi- da do A. comprehendem o terceiro volume ja impreflfo da CoUecçaõ dos Poetas Portuguezcs , feita pelo mefmo R. P. António dos ReySjpor ordem de ElRey D. Joaõ V.in quart.

1 45 Cartas Latinas , e vulgares, Poefias, e Enigmas na língua Italiana, Hefpanhola , e Portugueza : in quart.

F I M.

/

n