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IFFOKSO DE E. TIDIIIY
HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
Escripta á vista de avultada documentação inédita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes.
TOMO TERCEIRO
(1641-1651)
CYCLO DA CMÇfl flO INDiO - LUCTflS COn 05 tIESPANHOES E 05 JE5UITA5 O QRANPE PÉRIPLO RAP05IAM0.
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Tvp. loEAL. - H. U. CANTON Rua Ribeiro ok LtMA. 22
SÂo Paulo
Apezar da falta de geographia, cuja sciencia totalmente ignoravam, todos os antigos paulistas, sem outro adjutorio mais de que o sol, penetraram na maior parte dos incultos sertões da America, conquistando naçõ^ barbaras.
Costumavam, penetrar estes sertões com interesse de reduzir ou conquistar os indios de diversas nações^ para que aproveitando-se estes da felicidade do sagrado baptismo ficassem depois servindo com o caracter de administrados aos seus conquistadores, a cujos descendentes passava esta ad- ministração, o que se praticou sempre em todo o estado do Brasil, até pronibir-se pelos annos próximos de 1752. Uns se entranhavam aos sertões dos Goya;íes até o Rio das Amazo- nas, no Estado do Pará; outros aos da costa do mar desde o rio cios Patos, até o rio da Prata, eníranhando'se pelo cen- tro até o rio Uruguay c Tibagy; e subindo pelo Paraguay até o Paraná, onde desagua o Rio Tietê ou Anhamby.
Atravessaram inuitas vezes o sertão vastíssimo além do Rio do Paraguay e cortando a sua cordellieira se achavam no reino do Peru.
Tinham os sertanistas de pelejar com os inimigos e com os elementos: estes armados com os rigores do tempo, e a- quelles revestidos da cólera do odio : Poderia acobarda-los a falta dos mantimentos, se já não estivessem bem acostumados com as agrestes íructas dos sertões incultos, com o mel syl- vestre de suas abelhas, com as amêndoas das variedades dos cocos do mattos. com os palmitos doçes e amargosos, e com raizes das plantas conhecidas capazes de digestão.
Onde podiam encontrar remédio para a fome achavam augmento para a fama sempre mais grata a quem vencia ho- mens que a quem matava feras.
Pedro Taques
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AOS PAULISTAS
Manes dos Goes, dos Lemes e dos Buenos ! Vós que, pelo Brasil, com forte braço, Ganhastes os sertões de immenso espaço, Para o animo vosso inda pequenos,
Sós, na rota dos campos agarenos, Vedastes aos Leões d'Hisperia o passo, Fechando a liberdade no espaço Das montanhas e matfos paulicenos.
Evaristo da Veiga — 1822
PREFACIO
Aos doUS volumes da Historiõ Geral das Bandeiras Pau- listas que a este antecedem, encetámos a chamar a attenção dos leitores para o facto de que se lhes offerecia uma obra de analyse de documentos muito numerosos, jamais coorde- nados, e, em sua grande maioria, inéditos.
Não nos era portanto absolutamente possivel cogitar ou retraçar syntheses d'aquillo que, ainda não fora exposto e ainda menos analysado.
Mereceram estes dous tomos apreciações numerosas e sobretudo as criticas muito generosas, assignadas por alguns dos mais prestigiosos nomes das letras brasileiras. Assim nos seja permittido aqui recordar a benevolência com que ao nosso tentamen julgaram Alfredo Ellis, Oliveira Vianna, Fer- nando de Azevedo, Vicente Licinio Cardoso, Clemente Bran- denburger, entre outros.
Houve também quem, soífregamente, já quizesse, nestes volumes, encontrar apreciações do conjuncto dos factos do bandeirantismo — quando elles mal historiam a phase inicial do movimento anti-tordesiihano ~ e ao autor o arguisse.
Seja nos permittido contestar a esta impaciência lembrando aos reparadores quanto o estado actual dos estudos sobre o bandeirismo é ainda o da phase da descoberta da documen- tação, o da interpretação dos elementos esparsos e de reunião por vezes difficil, exigindo indispensável concatenação como a que intentámos realisar.
Vencidos estes óbices, compendiados os ensinamentos das tontes, postos os valores em relevo caberá ahi agora a fempo e a hora — o ennunciado das syntheses.
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Neste terceiro tomo do nosso ensaio abrangemos uma década importante, historiando a continuação do conflicto his- pano jesuítico paulista, a pendência anti-jesuitica de 1Õ4() em S. Paulo ; os factos que se prende.n á adhesão pauHsta á res- tauração portugueza; as expedições bandeirantes, officiaes e particulares ao norte do Brasil, as jornadas sertanistas espon- tâneas em diíferentes zonas brasileiras e sul americanas.
Não constituem estes annos um lapso de somenos impor- tância. Nelle exactamente occorre o maior dos grandes péri- plos sertanistas, a jornada raposiana de 1Ó48-1651, a máxima expedição de devassa das terras americanas. Se acaso diminue de relevância a lucta contra os hespanhoes por outro lado é maior a actuação das bandeiras paulistas, no norte e centro do paiz, preparando o prodigioso surto semi secular e final que vae da expedição esmeraldina de Fernão Dias Paes á conquista de Goyaz.
A documentação que a este terceiro tomo estriba é em grande parte a de Sevilha, apontada pelas pesquizas magistraes de Pablo Pastells. Veio nos ás mãos por intermédio dos dous conscienciosíssimos copladores-archivistas Snrs. Santiago Mon- tero Diaz e Francisco Navás dei Valle.
Mas immenso nos valeram a do archivo municipal de S. Paulo, as Acíâs e o Regisío Geral, mandadas imprimir pof Washington Luis, a do Archivo Nacional (com o seu papel capital, por nós revelado sobre a acclamação de Amador Bueno) a do Archivo do Estado de S. Paulo, na serie opulenta dos Inventários e Tesfamenlos publicada ainda por Washington Luis, e em que Alfredo EUis também realisou magníficos achados, a do Archivo do Estado da Bahia, revelada por Borges de Barros, a correspondência inédita de Antonio Vieira agora tornada publica pelo eminente erudito João Lucio d'Azevedo etc.
E com verdadeiro prazer constatamos quanto a mór parte desta vultuosa e valiosa massa de documentos é pela primeira vez aproveitada por quem escreve uma historia concatenada da penetração e conquista do Brasil.
Assim nos seja permittido também affirmar, em cons- ciência, que a es La benevolência dos fados procuramos cor- resjíonder respeit indo com o maior rigor os depoimentos tão diversos que nos chegaram como verdadeiras vozes da liis- toria do Brasil.
Para a impressão do presente volume mereceu a Historia
Gerol das Bandeiras PauJislss. doS poderes do Estado de S. Paulo nova demonstração de apreço e apoio que nos é sobre- maneira agradável relembrar.
A 30 de setembro de 192Ó justificou Alfredo Ellis na Camara dos Deputados do Congresso Paulista o projecto
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numero 34, da sessão daqitelle millesimo, autorisando o Poder Executivo a auxiliar a continuação da nossa extensa obra.
E o fez o joven e iilustrado parlamentar com tal abun- dância de conceitos generosos que realmente não sabemos como lhe exprimir quanto nos penhora esta demonstração de um apoio tão desvanecedor, partido alem de tudo de quem já desde annos alcançou no campo das nossas letras históri- cas e sociológicas elevado e justíssimo renome.
Mereceu o projecto do Dr. Ellis, apoiado pela voz do leader da maioria Dr. Antonio A. de Covello com algumas phrases de sua bella eloquência o voto unanime da Camara e ao chegar ao Senado obteve nova demonstração de apreço que sobremodo nos penhorou : as palavras do parecer n.° 64 de 192Õ, da Commissão de Fazenda, assignado pelos Snrs. Drs. A. M. Fontes júnior e Antonio de Pádua Salles. Nelle nos coube ler as palavras sobremaneira generosas com que os seus illustres signatários fizeram a apreciação dos nossos modestos estudos.
Unanimemente approvado pelo Congresso paulista teve o jDrojecto de Alfredo Ellis a sancção presidencial na promulga- ção da lei n.** 2146 de 25 de novembro de 1926.
Também se volta a clara e culta intelligencia de Carlos de Campos para a belleza das nossas cousas tradicionaes. Dahi esta sua demonstração de applauso ao nosso tentamen que tanto o honra.
E' longa e trabalhosa a empreza a que nos abalançámos. Pouco vencemos em relação as que nos caberá realisar se o Todo Poderoso para tanto nos conceder vida e forças.
O amparo que de amigos illustres e dedicados temos merecido é o melhor incentivo ao proseguimento de tão afanosa tarefa.
Affonso cJe E. Ta una y
Ouro Preto. 4 de abril de 1927.
PRI/nEiR/i PARTE
A missão de Monicya e Dias Tano em Madrid e Roma.
— Regresso dos missionarias ao Brasil. — Os tumul- tas cnii-jesuiticos de 1640. - O grande conflicto de julho de 1640. — Expulsão dos Jesuítas de S. Paulo.
— Sua readmissão em 1653- - O episodio de Ama- der Bueno.
CAPITULO I
Os prelados do Rio de Janeiro e os traficantes de es- cravos Índios. — Lactas com fluminenses e pau- listas. — Questões da Camara de S- Paulo com o Vigário Nunes. — Rebellião contra o Prelado Lou- renço de Mendonça.
Posto de sacrifícios foi o cargo de prelado da pre* lazia do Rio de Janeiro, creada em 1576 pelo papa Gre- gorio XIII, com jurisdicção sobre todo o sul do BrasiL
Era a cidade fluminense o grande mercado central do escravismo vermelho; para ella se encaminhavam as levas de indios escravisados no sertão. Dahi, o odio com que a população carioca perseguiu vários dos seus prelados, tenazes defensores da Uberdade dos autoch- tonos. O primeiro, dr. Bartholomeu Simões Pereira, mor- reu expulso, exilado, no Espirito Santlo, «pelos ódios do povo, que não soffria reprehensão' de seus vicios e com suspeitas de envenenamento». O segundo, dr. João da Costa, desacatado pelos paulistas, na sua villa, veio a fallecer, segundo parece, de traumatismo moral. A' medida que o século XVII avança, recrudesce o trafico de indios. Ao dr. Pedro Homem Albernaz coube a pre- latura no tempo em que do sertão de Guayrá vinham.
4 HISTORIA Geral das bandeiras paulistas
para a costa, enormes caravanas de captivos. A todo o transe queriam então os fluminenses, como vigário, um péssimo clérigo alcunhado o Arrevessa toucinhos.
Como o prelado lhes contrariasse a vontade, obri- garam-no a demittir-se, não podendo, por mais tempo, tolerar as ignominias e desattenções com que o tratava o povo.
Teve o seu successor, dr. Lourenço de Mendonça, difficuldades enormes com os paulistas. Assim se de- prehende do termo da Camara de S. Paulo, a 4 de março de 1635.
Já, desde o anno anterior, estava a Camara em lucta aberta com o vigário da villa, padre Manuel Nu- nes, ex-jesuita que, embora desligado da Companhia, continuava a ser adversário acérrimo do escravismo ver- melho.
A 18 de fevereiro de 1634, intimara-o a Camara a que se abstivesse de invasão de attribuições. Queria «metter-se na jurisdicção da lei». Para dar toda a força ao convite, ordenou o Conselho que «os tabaleães da villa fossem a noteficar ao dito padre Vigário se não entremettesse na jurisdisão da lei». Isto, sob a ameaça de graves penas. Era, aliás, declara va-se, uma medida de prudência, pois receavam os edis que o povo se amo- tinasse contra o parocho. Proivavelmente instigado pelos incitamentos provenientes do seu superior herarchioo, proseguiu o vigário a sua perlenga.
Para o pirraçar, exigiu o Conselho que lhe resti- tuísse o sino municipal desde tres annos a enfeitar, e p>or empréstimo, o campanário parochial. Egreja sem sino! era bôa!! declarou o vigário enfurecido. Não da- ria a campana! Recuando SS. Mercês ante a violência preferiram responsabilisar os seus antecessores culpa- dos de tal cessão. Comminaram-lhes a grande, a enor- me, para a éf>oca, multa de seis mil réis, além de al- guns dias de cadeia. Riram-se os ameaçados: Onofre Jorge e os dois sertanistas illustres, Jacques Felix, o fundador de Taubaté, e Frederico de Mello, o logar tenente de Antonio Raposo, na jornada do Guayr á. Bem sabiam que estas cousas não eram para elles. E, com
o PRELADO LOURENÇO DE MENDONÇA 5
effeito, na sessão de 19 de julho, decorridos tres me- zes, viam a duplicata da intimação que «ficara por isto mesmo», e ficou «por isto mesmo».
E o vigário, este com certeza fez, a grande, do- brar e repicar o sino municipal com verdadeiro gozo. Cada vez mais gangento, tornou-se de tal modo desa- busado, que, em 16-38, deu verdadeiro golpe de Estado.
A cada passo chegavam então a S. Paulo grandes comboios de escravos apresados pelas bandeiras, pois justamente se attingira ao apogeo do cyclo da caça ao indio.
Em janeiro de 1688, publicou o padre Nunes so- lenne excommunhão contra os apresadoires que não en- tregassem ás aldeias do padroado real os escravos ca- sados, que houvessem deixado no sertão «maridos, molhe- res ou filhos». Era um meio de arrancar á cubiça dos traficantes muitos dos infelizes apresados nas reduc- ções jesuíticas.
Furiosa, proclamou a Camara Municipal que se op- punha a semelhante ordem, «porquanto era com prejuízo do povo», e o procurador do Conselho, Cosme da Silva, apresentou embargos á excommunhão. Em todo o caso, hypocritamente, declarava que todos os sertanistas, ora no sertão, a ella obedeceriam.
Nem se esqueceu o escrivão de reforçar aquella conspiração municipal, tomando a precauçãoi de affir- mar que notificara aos vereadores, juiz e procurador, os termos das cartas regias sobre a escravisação dos Índios e as provisões dos governadores Diogo Botelho eDiogo Luiz de Oliveira.
Inteirado do que succedia em S. Paulo, resolveu oi prelado fluminense vir dar mão forte ao seu delegaidia e parocho.
E não é que não tivesse grandes difficuldades com o seu rebanho carioca.
O dr. Mendonça, diz o bom Duarte Nunes no seu «Almanach histórico da cidade de S. Sebastião», «cora o logar, herdara as affrontas com que o tratou o povo desde os primeiros dias de sua residência».
6 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
A' memoria fazem-lhes taes luctas a maior honra, pois, como já o notamosj provinha toda esta opposição exclusivamente da coragem com que affrontava os mer- cadores de escravos, classe dominante na cidade flu- minense.
Pertinaz e corajoso como raros, entendeu o prelado atacar o touro pelas aspas e assim partiu para São Paulo.
Apenas chegado, num domingo, presente todo o povo que por elle convocado concorrera á villa, vehe- mente pregou contra os traficantes, demonstrando quanto desobedeciam ás ordens reaes. Immfediata, se manifestou a reacção....
Reunidos os officiaes da Camara, chamaram a con- selho os bons homens da republica paulistana ,e «sendo todos juntos com a m6r parte do povo» ordenaram ao escrivão municipal, Ambrósio Pereira, e ao tabellião Calixto da Motta, fossem ter com a desabusada auto- ridade ecclesiastica, afim de a intimarem «a que se nao entremettese em matéria de venHa e compra dé peças do gentio por ser da jurisdicção de sua mages- tade; si acaso fizesse o contrario protestava a Camara defender os direitos reaes».
Defender os direitos reaes subentendia- se: correr péla violência o inoommodo prelado reparador.
E, com effeito, intimidado, não tardou que o dr. Mendonça se recolhesse ao Rio de Janeiro. Ahi tam- bém o esperava enérgica repulsa dos seus súbditos amo- tinados e solidários com os paulistas.
Embarcaram-no os fluminenses, á força, com destino a Portugal «num desapparelhado barco, deixando o seu ultimo destino á Providencia».
Pôde, comtudo, chegar a Lisboa, onde lhe deram a recompensa e galardão dos maus annos da prelazia, nomeando-o para o importante priorado de Aviz.
CAPITULO II
Missão de Montoya e Diaz Taho em Madrid e Roma. — Óptimos resultados. — A cédula real de 1639 e a bulia de Urbano VIU. — Regresso dos je- suítas á America. — Incidentes contemporâneos em São Paulo.
Percebendo quanto seria inútil insistir com as au- toridades, no sentido de se obterem providencias con- tra os paulistas, maUograda que acabava de ser a via- gem do padre Tano a Charcas, para pedir garantias á Audiência Real, resolveu o Provincial Diego de Borôa enviar o mesmo Tano e o mais illustre dos seus pa- dres, o eminente Montoya, levar as queixas jesuíticas ao sólio pontifício e ao throno catholico.
Acabava Montoya de ser de novo eleito superior das reducções do Paraná, Uuruguay e Tape.
No capitulo provincial então celebrado em Cor- doba um^ dos pontos mais debatidos foi o do paradeiro a oppor-se ás «las fieras tropas Mamalucas, compuestas todas de hombres facinerosos, Ímpios y tolerados la- drones», diz com a maior violência de expressões o biographo Jarque.
8 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
Assim se decidiu que a Roma fosse o padie Diaz Tano e a Madrid o illustre peruano «para que pu- diese, como testigo de vista, representar al rey nuestro senor y á su real Consejo de índias las hostilidades de los salteadores Mamalucos, suplicando á Su Ma- jestad mandase proveer á un mal tan grande socorrido remédio, lo que los Padres Simon Maceta y Justo Man- silla no habian podido alcanzar de los gobernadores dei Brasil, por ser complices interesados en aquellos latrocínios».
Levava Montoya a melhor documentação f>ossivel, das mais elevadas autoridades da America do Sul hes- panhola e sahindo de Cordoba em 1637, com Diaz Tano, partiu para Buenos Aires onde se embarcou.
Teve, no Rio de Janeiro, óptimo acolhimento dos seus confrades. Na festa de Assumpção j>ediram-lhe que pregasse e uma voz sobrenatural, refere Jaque, acon- selhou-lhe: «Predica algo contra los agravios que hacen á los p>obres indios».
Pensou que fosse inspiração diabólica para o in- compabilisar com os fluminenses, «cuja cidade era um mercado de escravos comparável a Tunis de Berbéria», mas, pedindo o auxilio divino, sahiu-se tão bem do escabroso assumpto que obteve admirável resultado, tal a habilidade e a uncção com que cuidou do seu thema. Seis mezes viu-se forçado a ficar no Rio á espera de conducção. Afinal sahiu pana Lisboa, de onde seguiu para Sevilha, onde imprimiu o seu memorial.
Intelligencia poderosa, como sabemos, dialectista Con- sumado, erudição superior, foi Montoya um dos maiores americanos de seu século.
Má causa, porém, advogava em Madrid, essa da permissão do porte de ai-rnas de fogo, questão de vida e morte para os estabelecimentos de sua Companhia.
Precisava dissipar do animo dos homens de estado hespanhoes a convicção profunda de que não entrava nas vistas da Companhia de Jesus esta fundação de um império theocratico, qualquer dia praticamente indepen- dente dos liames castelhanos, que muitos lhe irrogavam. Fez Montoya ao Conselho das índias uma exposição
SUPPLICA AO THRONO
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completa e minuciosa das condições em que estava a obra dos missionários e dos grandes flagellos e revezes sem conta, que havia padecido.
Falou na necessidade, em que se achava a Hespa- nha, de uma politica diligente e vigorosa nos confins, ainda imprecisos, dos domínios das duas coroas, prin- cipalmente á vista das pretenções alarmantes dos colo- nos de S. Paulo.
Bem se vê que taes razões eram de molde a impres- sionar e mover o animo da côrte de Madrid, á cuja sagacidade dc certo não escapavam symptomas mal dis- simulados dos successos que dalli a pouco iam pôr emi conflicto as duas nações da península. Atalhando á úni- ca objecção que se lhe podia oppor aos reclamos, adian- tou-se o Jesuíta a prometter que as armas de que se m.unissem os catechumenos «ficariam sob a guarda dos missionários e só seriam entregues aor- indios nos mo- mentos de perigo»; e, em nome da Companhia «tomou o compromisso de carregar com toda a despesa dos armamentos e prover a tudo o mais», de modo que o governo nem tivesse o trabalho nem desembolso de es- pécie alguma com o que se ia fazer. Para acquisiçãoi de todo o material apurar-se-iam «por meio de esmolas» os fundos suf ficientes ; e para a milícia a crear-se, «al- guns padres que tinham militado antes de ir para a Com- panhia, instruiriam os indios no manejo das armas».
Expressamente pedia Montoya, pouco depois, ao Rei «Senor, suplico humildemente á Vuestra Majestad sea servido de abrir con tiempo los ojos, porque los portu- gueses intentan quitarle una de las piezas de su ReaJ, corona.
1) Que V. M. mande se guarde la ley que se hizo en Lisboa, a 10 de Septíembre de 1611, la cual manda que ningun indio pueda ser esclavo, agravandoi las penas.
2) Que se pida á Su Santidad confirme las Bulas de Paulo III y Clemente VIII, que dicen que ningun indio pueda ser esclavo, agravando tambien las penas y censuras.
10 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
3) Que V. M. mande que el cautivar indios sea caso de inquisicion por las causas que decimois en el Memorial largo, y que se envie y nonbre cOmisario.
4) Que el gobemador dei rio Geneiro tenga ju- risdiccion sobre las ViUas dei Sur; San Pablo, San Vi- cente, etc, al modo dei gobernador general, porque hoy no la tiene, sino para remittir las causas, á la Bahia, y asi perece la justicia.
5) Que la administracion espiritual que hoy es, sea o bispado con pK>deres de núncio apostólico, para que reprisa á los religiosos que causan tan graves males.
6) Que el o-bispo, comisario y gobemador, por lo que á cada uno le toca, con graves penas prohiba las embarcaciones que van á cautivar indios.
7) Que de aqui adelante no destierren indios ni otros delinquentes al Brasil, que, comimmente los des- tierran allá y como es tierra que confina con el Para- guay, y hay caminos muy trillados, han pasado mu- chos, de que somos testigos, de treinta arios á esta parte los cuales con porfia tratan de entregar aquellas índias á los rebeldes.
8) ;Que V. M. mande se dê plena libertad á los indios, hombres y mujeres que padeoen horrible cauti- berio. Y que se envien á Buenos Aires, que es viaje de qumze veinte dias á costa de los que los tienen, que puestos allá ofreso en nombre de mi provincia restituirlos á sus pátrias, aunque se vendan los cálices y ornamentos.
9) Que el obispo y comisario, con descomunio- nes, obliguen á manifestar los indios y que esta desco- munion comprenda á los que no denunciaren á otros.
10) Que sean castigados los culpados y justicias que han consentido estas maldades para que con esto se desagravie el santo Evangelio, que ha sido infa- mado entre los gentiles y cristianos recien convertidos.
11) iQue los indios que se hallaren no tener en
BULLA DE URBANO VIII
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sus tierras pueblos ni deudos, ni á quien llegarse, se pwngan con liberdad en las aldeãs de indios que están en el rio Geneiro.
12) El ultimo, dei qual pende el buen asiento de todo, os que V. M. sea servido de enviar persona grave y celosa dei servicio de Dios y dei de V. M. con ma- no armada de gente que asista al obispo y comisario, porque en aquellas Villas parece que no reconocen á V. M. por senor, y reciben con mosquetes y cuerdas en- cendidas las cédulas reales y no las obedecen ni ejecutan.
De todo lo cual se conseguiran dos cosas, la una, la libertad de tantos hombres que en sus mismas tierras cautivan y los xenden y compran, la otra, que V. M. assegurará los reinos dei Perú que con tanto conatt> procuran entregar á los rebeldes, y ya el camino está abierto desde San Pablo hasta los confines dei Potosi V protesto que mi intiento no es muerte de alguno ni efusion dc sangre.»
Na sua estada na Europa, imprimiu Montoya seus preciosos manuscriptos, entre elles, o Vocabulário e The- souro e a Conquista Espiritual.
A longa cédula real sobre a liberdade dos indios, expedida ao governador do Paraguay a 16 de setem- bro de 1639, seria arrazadora para os paulistas, se tudo quanto S. M. resolvera, não passasse de mais absoluta letra morta que jamais se cumpriria.
Emquanto Montoya, na Hespanha, obtinha taes pro- videncias, em Roma conseguia o padre Dias Tano a actuação do seu Geral Mucio Vitelleschi.
Este, horrorisado de tudo o que ouvira, conduziu o padre Tano á presença do próprio papa, Urbano VIII; e o pontifica promulgou a bulia de 22 de abril de 1639, renovando a de Paulo III (de 1537).
Commenta Vamhagen a propósito da viagem dos dous jesuitas: «Os dois emissários obtiveram em Roma e em Madrid tudo quanto pediram de Urbano VIII a publicação no Brasil da bulia de Paulo III, a favor dos índios do Perú, que declarava inqorreriam em ex-
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HISTORIA GKRAL das BANDEIRAS PAULISTAS
communhão os que captivassem, vendessem, traspassas- sem ou fizessem uso do serviço dos índios; do rei ca- tholico a cédula de 16 de setembro de 1639, ordenando ao Vice-Rei do Peru (Marquez de Mancera) que podes- sem os índios das missões paraguayas arregimentar-se e armar-se para se defenderem dos Paulistas. Tal foi a origem da organisação de uma força armada nas mis- sões paraguayas, obedecendo aos Jesuítas, com a qual no meiado do século seguinte, eUes ousaram' apresentar resistência a cumprir as reaes ordens.»
Muito consolado de ver assim tão fortemente am- parada a sua causa, voltou o padre Tano a Mádrid,. onde, mais referto ainda se sentiu de estímulos e co- ragem ao saber de que havia ali conseguido e padre Montoya. De Roma já voltara Dias Tano acompanhado de muitos missionários que se lhe offereceram para as missões da America; e o governo hespanhol ainda ac- cedeu em fazer os gastos de viagem para toda aquella gente. Em Lisboa, onde devia embarcar com a sua grande comitiva,' encontrou o padre alguns embaraços, que finalmente venceu mediante intercessão da duqueza de Mantua, e poude partir, com alegria e novo alentb, para a terra onde estavam todos os seus cuidados e esperanças.
Emquanto iam os jesuítas na Europa obtendo van- tagens para a sua causa, com a missão dos seus con- frades illustres, os ecos de seus triumphos, animando os seus correligionários do Brasil, os incitavam a reagir contra a acção dos escravistas.
Dahi talvez a insistência com que os prelados flu- minenses renovavam as suas tentativas de repressão do trafico.
Em janeiro de 1369 excommungava o vigário de S. Paulo aos moradores que não depositassem nas aldeias as peça.í vindas do sertão e, no;oriam3nte, casadas ou com filhos.
Refere-se esta intimação, não pôde haver duvida possível, aos índios do Tape. Poz o Procurador do Con- selho, José Fernandes Madeira, embargos a tal excom- munhão. Declarou ser em prejuízo do povo a internação
Carta ao Conde de Monsanto 13
de Índios e indias nas aldeias. Curiosa a declaração de Madeira: «todos os moradores desta dita villa que ao sertão foram, hobedecião á escommunhão e somente naldea tinha embargues» (sic!) Pitroresca, singela e rudimentar hermenêutica!
Certa, ao mesmo tempo, de que breve desabaria a desde muito imminente, reacção ante-escravista, sob a forma de alguma carta regia severa, repressora do trafico, ou mesmo confiscadora de escravos indios, a- chára a Camara de S. Paulo de boa politica escrever ao donatário de sua capitania, o conde de Monsantx>, expondo-lhe as condições de sua longínqua terra brasi- leira e pedindo-lhe a mediação junto ao rei. Foi o que se fez a 13 de março de 1638, esm'erando-se o ta- bellião-escrivão municipal .A.mbrosio Pereira em aprimo- rar o estylo para que se impressionasse bem S. S.
Um tanto ironicamente ( ?) começa a missiva por um agradecimento ao «illustre príncipe» (sic) pelo facto de não se achar ainda de todo esquecido de sua capita- nia, pois se lembrara de escrever ás camarás vicentinas como recentemente o fizera por intermédio do capitão Antonio de Aguiar Barriga. Não deixa de haver certa malicia aldeã em tal cumprimento bonacheirão.
Justificando a imprescindível necessidade dos desci- mentos, dizia o digno notário: «os moradores desta Car pitania por estarem faltos de gente para fabricarem suas lavouras e mantimentos tem descido algum gentio do sertão, o que fizeram constrangidos, da necessidade para sustentarem sua casa de que também resulta aug- mento dos redizimos de V. S. e Sua Magestade de- fensa de sua capitania. Somos informados que por este resp>eito das partes do povo vão com queixas a Sua Magestade com. "niá informação ao que V. S. deve acodir como príncipe do povo de sua capitania alcançando perdãc) geral para todos os compiehendidos a que, pe- dimos a V. S. com muitas veras para quietação desta capitania.»
Era então juiz da villa, Pero de Moraes Madureira, que em segundo lugar assigna tal carta. Delle dia Pedro Taques que, educado em Portugal, a S. Paulo
14 Historia Qeral das Bandeiras Paulistas
recolhera «com a boa instrucçâo que trouxera». Seria por indolência que ao escrivão municipal deixava redi- gir aquelle abominável cassange da epistola, sem a minima opposição ao attentado grammatical?
A . 11 de setembro novas denuncias de violências contra os indios, foram trazidas por Fernão Dias e João Fternandes Saavedra, capitão da aldeia de Ba- ruery, cujos indios fugiam diariamente ante os attenta- dos dos brancos.
Havia pouco, tinha João Missel Gigante levado a força tres casaes de bugres para as suas terras. Manda- ram os officiaes uma precatória a Parnahyba ordenando a Missel que, perante elles comparecesse. A 20 de novembro sublevou-se o povo de S. Paulo contra o vigário padre Manuel Nunes, antigo jesuita.
Investido das attribuições de visitador, provavelmen- te pelo prelado começava a dar cumprimento ao man- dato, quando recebeu a visita dos officiaes da Camara, acompanhados de grande concurso de homens bons.
Informados de que se intromettia na jurisdicção real e a queria usurpar na visita que ia fazer, foram-lhe da parte de S. Magestade avisal-o «uma e muitas vezes não se intrometesse, por modo algum que era usurpar jurdisão real querendo visitar sobre vindas de indios forros entrados no sertão por real jurdisão de Sua Ma- gestade.»
Nada mais explicito do que os capítulos da correi- ção, ordenando não consentissem elles, os officiaes, que se usurpasse a jurisdicção real.
Lidos os textos dos ouvidores, ainda exigiram os officiaes que o padre exhibisse os poderes e provisão para começar a sua visita. A tanto os obrigavam os de- veres do cargo, como as exigências clamorosas do. poivo, que os ameaçava responsabilisar pela frouxidão.
Encolerisou-se o cura, sem se intimidar. Batendo o pé, declarou que, nada mostraria. Como o povo come- çasse a clamar, resolveram a Camara e homens bons que nenhum vassallo se sujeitasse ao inquérito. De tal resolução lavrou o escrivão municipal incisivo termo. E
A Camara de 1640
15
assim se nullificou o esperado effeito da provisão pre- lacial fluminense.
A 9 de julho de 1639 novamente preoccupava o mo- vimento sertanista a attenção da Camara. Contava-lhe o procurador Sebastião Gil que se dizia «por esta vila alguns moradores dela se apnestavãoi para irem ao sertão- a dar guerra ao gentio».
Em dezembro de 1639, nova perlenga com o Vi- gário, que intimado pelas autoridades municipaes, amea- çadas de excommunhão cedeu ante os adversários. No termo de 17 de dezembro se consigna que restituiu o cura ao competente proprietário numerosos documentlos que abusivamente retinha em seu poder: nada menos do que a carta do rocioi de S. Paulo jos «autos deposse e demarcação e marcos postos»! Papeis capitães ao que se vê. Tomou logo a Camara precaução de fazer trasladar todos estes documentos para o seu Registo Geral.
Entrou o anno de 1640 sem maior novidade, sendo eleitos juizes ordinários dois homens sobremodoi violen- tos, Bartholomeu Fernandes de Faria e Fernando de Camargo.
O tom da acta de sete de janeiro é diverso ido das demais, no tocante á questão do sertão, muito mais enérgico e até insolente: Noticia era chegada ao pro- curador de que o ouvidor geral vinha á villa devassar sobre os moradores idos ao sertão a descer o gentio.
«E por quanto até ao presentle estava em usoi iC costume ir-se ao sertão, disse atrevidamente o procura- dor, por os moradores não poderem viver sem' o sertão sendo que nunca os ouvidores geraes taes devassas ti- raram requeiro aos officiaes da Camara acudam a ista por ser bem commum».
Approvado o requerimento, resolveu o Conselhoi que de tal decisão se fizesse sciente o Ouvidor Geral.
A 3 de março appareceu este magistrado, Simãx> Alvares de la Penha e a sua correição foi summarissi- ma. E' o que do termo a ella referente se deprehendeL
Limitou-se a mandar que se executassem as dos seus antecessores, especialmente as dos drs. Miguel Cys-
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Cincoenta cruzados, foi em quanto taxou a multa
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curaaor das mmas e administrador dos Índios
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sua nomeação em regra, com a chancella do Gover-
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sao dos mdios reservando a para sy, sendo que ela
mstrador e procurador dos Índios das aldeias da Sua Magestade». Da Camara requeria traslado da páteme inserta no registo geral e ella prometteu auxilial-o.
Dia, t""^ ^""''^ ° P^dre Francisco
Dias Tanho, de regresso de Roma e portador da buUa
CAPITULO III
Dias Taho no Rio de Janeiro. — Tumultos ahi e em Santos. — A monographia de Pedro Taques sobre a expulsão dos jesuítas. — Os apontamentos de Pero de Moraes Madureira. — Engano de Anto- nio Piza. — O manuscripto inédito por este des- coberto. — A reunião dos procuradores das Ca- maras em S. Vicente.
Trouxe a presença de Tano, no Rio, formidável aJ- vcroto.
«Acossado de tempo raes, e não podendo entrar no Prata, teve de fazer arribada ao porto do Rio de Ja- neiro; e aqui entendeu, com pouca prudência sem du- vida, o padre Tano de apresentar a referida bulia ao administrador ecclesiastico, rev. Pedro Homem Alber- naz, para que a fizesse publicar, no intento de conseguir agora o que antes não tinham alcançado os padres Mazeta e Mansilla, sito é, a restituição dos indios que Antonio Raposo havia, em 1629, trazido da Guairá; ou ao imenos a prohibição de continuarem os bandeirantes a praticar taes excessos contra as reducções do . Para- guay. Consultou-se a respeito o visitador geral, rev. Dr. Pedro de Moura, e o padre Matheus Dias, procu- rador dos Jesuítas, e com approvação de todos foi a
18 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
bulia publicada. Mas imprevisto tumulto levantou-se contra os padres, assaltando-se em grande sanha o CoUegio do Castello, terido os Jesuítas a fortuna de sahir incólumes de\'ido á hábil intervenção de Salva- dor Benevides.
Refugiaram-se os padres no Convento dos Carmeli- tas; e no outro dia (22 de Junho ide 1640) reuniram-se ali, de uma parte o visitador geral, o prelado da admi- nistração o padre Diaz Tafio, o procurador do collegio; e de outra parte, o procurador juiz» e vereadores da Camara, o ex-sargento mór João Dantas, os capitães Aleixo Manoel, Diogo de A\ala, e João dos OurP(S (ou dos Zouros) como deputados do povo; e accordaram num termo de arranjo amigável, desistindo os padres da execução da bulia, e compromettendo-se ainda os mis- sionários do Rio a não acolher nas suas aldeias indio nenhum que estivesse a serviço dos moradores, antes empenhando-se por fazer voltar aos donos os que ti- vessem fugido. Com este expediente tudo se harmo- nizou no Rio».
A proclamação da bulia em Santos provocou enor- me motim que Southey narra exageradamente,; no di- zer de Rocha Pombo.
«A matula de Santos ainda chegou a maiores exces- sos, derribando o vigário geral, que publicava a bulia, calcando-o aos pés, e ameaçando-o de morte com pu- nhaes aos peitos si não revogasse as censuras e não assignasse a appellação para o papa. A apaziguar os amotinados sahiu o superior dos Jesuítas, levando nas mãos o cibório; diante delle prostraram-se alguns, outros ficaram de pé, protestando que do fundo da alma ado- ravam a Deus presente no Sacramento, mas que não se sujeitariam a perder os escravos, sua única proprie- dade».
Com a maior rapidez chegaram as noticias destes successos a S. Paulo determinando ahi uma serie de incidentes, os mais importantes quer na historia muni- cipal paulistana quer na historia geral do Brasil e do bandeirismo, qual o da expulsão dos ignacinos de seu collegio de Piratminga.
A MEMORIA DE PEDRO TAQUES
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Sobre este episodio escreveu Pedro Taques uma memoria que se acha inserta na Revista do Institutoi Histórico Brasileiro (tomo XII, pag. 5 et pass).
Neila se queixa o linhagista de que já no seu tem- po havia no archivo da Camara Municipal de S. Paulo, grande falta de documentos, tendo desapparecido os que se referiam á expulsão dos jesitas, provavelmente de modo proposital.
Assim se valera de um caderninho de apontamen- tos devido a Pero de Moraes Madureira, livrinho aliás no seu dizer insignificante. «O archivo da camará desta cidade de S. Paulo tem muita falta de livros,, e se não acham os do tempo da expulsão dos padres jesuítas, que foi executada na manhã de uma sexta feira do dia 13 de julho de 1640. Esta certeza descobrimos em um li\-ro manuscripto da letra do capit,ã|0 Pedro de Moraes Madureira, que por paulista de qualificada nobreza, sahiu da pátria na idade de oito annos para Portugal, e se criou na villa de Vinhaes, entre os seus parentes por parte de seu avô Balthazar de Moraes de Antas, e recolhido com boa instrucção que trouxe, teve advertência de fazer construir um livrinho, no qual escreveu alguns apontamentos, entre os quaes de- clarou que no dia referido de 13 de julho de 1640 fo^ ram lançados do collegio de S. Paulo, a saber: o reitor, o padre Nicoláo Botelho, com os padres Antor nio Ferreira, Antonio de Mariz, Matheus de Aguiar e Lourenço Vaz, e os leigos Domingos Alves, Pucuí de alcunha, Antonio Gonçalves e Lourenço Rodrigues. Na- da mais diz a memoria que deixou o capitão Pedro de Moraes que em outra parte continúa dizendo que os padres estiveram treze annos lançados fora dos seus collegios, até que tornaram a ser a elles restituidps».
Revolvendo um archivo de familia, papeis que ha- viam estado em poder do Marechal Arouche, desco- briu Antonio de Toledo Piza volumoso manuscripto referente a este assumpto. Imprimiu-o no tomo III da Revista do Instituto Histórico de S. Paulo e aço- dadamente proclamou que encontrara o tal caderninho de Madureira.
20 Historia Geral das Bandeiras paulistas
De modo inilludivel demonstrámos que tal identi- ficação é absolutamente inaceitável, na obra de nossa lavra «Escriptores Coloniaes» no artigo consagrado a Pero de Moraes Madureira. O manuscripto de Piza tem procedência setecentista, mas traz contribuição até certo ponto valiosa e é quiçá da lavra do próprio Pedro Taques.
Documento importante que se não transcreve nas «Actas» nem no «Registro Geral da Camara de São Paulo» e de que o manuscripto de Piza nos dá noticia é a acta da reunião dos procuradores das camarás das capitanias vizinhas de S. Vicente e Conceição effectua- da em S. Vicente ai 25 de junho de 1640 (cf. Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo, III, 63).
A ella não se refere Azevedo Marques nem a men- ciona Pedro Taques. Reuniram-se na casa do conse- lho de S. Vicente os procuradores de S. Vicente,, San- tos, S. Paulo, Parnahyba, Mogy das Cruzes, Itanhaem, Iguapé e Cananéa. Dentre elles tem relevo Balthazar Fernandes, de Parnahyba e José Preto de Mogy.
Declararam expressamente qual o motivo de tão so- lemne reunião a que desejavam dar todos os cara- cteres de legalidade.
«Todos juntos trataram de remédios que haviam de ter para informarem a Sua Magestade,, e supplicarem a Sua Santidade sobre os Breves de Sua Santidade e do Senhor Coleitor destes Reinos de Portugal passa- dos a instancia dos Reverendos Padres da Companhia de Jesus, e entre todos determinairami o seguinte (para o que tomaram juramento dos Santos Evangelhos so- bre hun livro delles para detreminarem o que lhes parecer mais acertado, encaminhando ao bem comum em serviço de Deos e Salvação de suas Almas».
Passaram depois á questão essencial de angariar recursos para a sustentação provável da árdua campa-» nha, accordando em recolher 4:000 cruzados o que para as p>osses da terra era immenso. Pittoresca a porcentagem das fintas distribuídas entre as diversas villas; dá uma ideia da relatividade dos recursos. Ca- beriam a S. Paulo um conto de reis (2.500 cruzados),.
Reunião dos Procuradores
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a Parnahyba 1201000, ItanhaeiT 100$000, Santos 801000, Mogy, Iguapé, S. Sebastião 60,fO00, S. Vicente 3OS000 e Cananéa 25$?000. Era bem fraca a arithmetica dos senhores procuradores; assim a somma diestes subsi- dios attingia apenas a 1:535$000 em vez dos annun- ciados 1:600$000, apezar de declararem «tudo faz soma os quatro mil cruzados os quaes se hão de tirar com a brevidade possível, e entregues pelos Procuradores das ditas Camara e Povos da Villa de Santos aps Officiaes da Camara delia com Cartas e mais papeis e pelo tempo adiante se tirará outra tanta quantia pe- las mesmas Villas, seguindo a mesma ordem».
Tratando depois do assumpto capital da reunião accordaram S. Mercês: (Ibid, p. 65).
«Ordenaram mais que havendo respeito ás altera- çoens, e motins, que os Gentios destas Capitanias co- meçaram a fazer fundados nos Reverendos Padres da Companhia por razão destes Breves nos favores, que lhes davam, induzimeníos que lhes faziam, de que se seguia risco notável das vidas, fazendas e honras de todos os moradores destas Capitanias, que se não podia atalhar por meio algun senão lançando os ditos Reverendos Padres da Companhia fora desta Capitania e loutro sim visto não se poder administrar Justiça, nem dar cumprimento as Leys de Sua Magestadey e na sua presença porquanto se tem feito tão poderosos que querem que tudo se faça a seu cjuerer, e vontade, tanto assim que qualquer Ministro que lha não faz, o procuram logo calummiap para que os outros com! me- do de semelhante exemplo.nã)0 saião fora de suas or- dens como a experiência ordinariamente nos mostra.»
Era insupportavel a attitude destes religiosos. Ca- lumniavam os magistrados que não obedeciam ás suas insinuações contra os povos e {>eior mostravam-se pu- blicamente sediciosos. «Tanto assim que publicam.entle dizem e mostrão por Cartas que dizem- ser de outros Padres da sua Religião affirmativamente^ e ainda cora juram.entos, que temos outro Rey vivo, dizendo que hé Dom Sebastião que Deus tem', persuadindo isto a muita grande parte destas Villas, e porque alguns ho-
92 HISTORIA ORRAF. das BANDEIRAS PAUÍ ISTAS
mens de pouco saber, e antendimento se pôde temer».
Era certamente a insinuação calumniosa mas outra não ocoorreu á inventividade pobre dos procuradores Apellavam pois para este caso gravissimo de lesa pá- tria afim de o remediarem. «Alguma duvida antes disto vir a mais, se assentou para evitar com tempo as al- teraçoens que daqui se podia seguir».
E ahi recorriam a um argumento coetano excellente, embora em profundo descrédito de um paulista. Mas era este jesuita e apóstata e embora lhe deturpassem o .nome, o caso era óptimo e o argumentpi ad rem.
«E juntamente constando que hum Padre de siia mesma Ordem, Religioso professo, Sacerdote, e prega- dor, que governava as Aldeãs dos índios de Pernam- buco por nome o padre Francisco de Moraes, ao qual elles haviam constituído t por capitão e Governo dos mesmos Índios em a Guerra de Pemambuooi contra os Olandezes, se rebellou, e lançou com o inimigo levan- tando Guerra contra os nossos, assim elle com os mesmos indios, fazendo-nos notáveis damnos, e mortes, de que procedeo a tal ruina de Pernambuco por serem os Índios muitOiS em quantidade, e por remate se fez Apóstata e foi casar em Olanda».
E perigo residia no levante geral dos indios pela influencia enorme da Companhia sobre elles e assim aos grandes males... decidiu-se cortar o mal pela raiz, segundo o velho chavão.
«E tem os ditos Reverendos /padres tanta mão com estes indios que se pode temer o risqo de nossas vi- das, entrada que por esse meio somente poderia ter com o Inimigo. O que tudo considerado para mais segu- rança, e defensa destas capitanias, e quietação dos Vas- sallos de Sua Magestade, e serviço do dito Senhor se ordenou e assentou a que pela mais hcita,, honesta e moderada ordem, que se poder alcançar, se botemi todos os Reverendos Padres da Companhia, que nesta capitania assistem, fora delia com protestação de nun- ca mais os admittir nella, por ser assim serviço a Deus, e a Sua Magestade, e bem comum) e quietação destas capitanias e povos».
CAPITULO IV
O tumulto anti-jesuitico de 1640. — A expulsão dos ignacinos.
Vejamos como em S. Paulo se deu o tumulto an- ti-jesuitico de 1640.
A 2 de julho reuniu-se a Camara comoi para tra- tar de assumptos da vida coramum'. Elegeu-se um ve- reador, João Fernandes de Saavedra, que obteve vinte e sete votos contra quatro, attribuidos a Paulo do Amaral, o conhecido sertanista, um dos mais dedi- cados auxiliares de Antonio Ra,poso Tavares.
Deu-se posse ao novo official, e depois se tratou da magna questão da ordem do dia. Chegara a São Paulo, transportada com todo o cuidado e carinho, uma caixinha em que se encerrara a acta da sessão dos procuradores municipaes de toda a capitania em S. Vicente.
Enorme o concurso dos homens de pról, da ^/illa, anciosos pelo desfecho da longa questão por elles e seus paes mantida contra os jesuitas, cerca de cento e trinta homens, entre os quaes os mais notáveis re- presentantes do bandeirismo.
Na assembléa não figurava Antonio Raposo Ta-
'M HISTORIA OERAL DAS BANDEIRA? PAULISTAS
vares, provavelmente occupado na conducta do soc- corro paulista a Pernambuco, mas nella o representava o irmão Diogo Tavares, seu fidus achates Paulo do, Amaral e seu logar tenente da campanha de 1637, Dio- go Coutinho de Mello, além de numerosos dos com- participantes de suas entradas.
Amador Bueno, ouvidor, homem do governoi, tam- bém ali não se achava; representavam-no, porém, o filho, Amador Bueno, o moço, e o genro D. Fran- cisco Rendon de Quevedo.
Além destes, quantos nomes notáveis nos annaes do bandeirismo! a começar por Fernão Dias Paes, Domingos Jorge Velho, Sebastião Fernandes Preto, Bar- tholomeu Fernandes de Faria, Pedro Vaz de Barros, José Ortiz de Camargo, Ascenso de Quadros e tanios mais!
Aberta a caixinha leu o escrivão municipal o do- cumento ao povo, que com estrepitosas acclamações xhouve por bem feito» o que haviam votado os pro- curadores e estrepitosamente reclamou da Camara a sua execução.
Partiram todos, officiaes e populares, em direcção ao Collegio. Intimado a comparecer perante a turba amotinada de seus adversários ouviu o padre reitor Nicolau Botelho a ordem expressa de despejarem, elle e a sua oommunidade, a villa, dentro de seis dias, de- vendo recolher-se ao Collegio do Rioi de Janeiro. Tal procedimento dos cidadãos de S. Paulo, declarou a Camara, era dictado pela razão elementar da mais legitima defesa, «para segurança de suas vidas, onras e fazendas contra os alevantamentos do gentio, de que não viviam seguros, como a experiência tinha rnos- trado e para a segurança e defensão de todos nas villas da capitania e neUes não tivesse o inimigo entrada^).
De tudo se daria conta a Sua Magestade e aos seus ministros ou a quem de direito pertencesse. O prazo de seis dias não soffreria dilação alguma a vista da provável sublevação do gentio e «a calamidade do tem- po, em que o mimigo rebelde tinha tantas praças do Estado do Brasil».
MOTINS ANTl-jESUlTICOS
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. Os homens bons de S. Paulo, incitados a continua vigilância, resolutos a servir ao rei e a evitar alguma indecencia (sic) á vista do tumulto e ajuntamento do povo, requeriam aos reverendos padres se submettessem e partissem logo para o Rio, para o qual teriam toda a ajuda e favor. Si se mostrassem contumazes, correria tudo por conta dos advertidos, nunca podendo a Camara ser responsabilisada pelos graves successos prováveis que procurava evitar.
Na sessão de sete, querendo dar arrhas de sua obe- diência ás leis de S. Magestade, timbrava a Camara ©m deixar no livro de suas actas o vestígio de sua acção anti-escravista. Requereu o procurador Saavedra aos jui- zes ordinários Fernando de Camargo e Barthòilomeu Fernandes de Faria o «socresto» (sequestro) das suas fazendas «moves como de raiz» de vários indivíduos, cuja partida para o sertão se annunciava imminente, como os filhos de Pedro Vaz de Barros, Domingos Barboza (Calheiros), Manuel Peres Calhamares, Jacomo Nunes. O gentio deviarlhe ser confiscado e aldeado. Fosse a Parnahyba expedida precatória para repressão dos que já haviam partido.
Estava a exgottar-se o prazo de seis dias e os je- suítas ainda se mantinham no Collegio e sem dar signal de retirada.
Quiz a Camara conceder-lhes um supplemento de tempo, tres dias mais e o povo alvorotado, exaltadíssimo, acudiu ao Conselho, «requerendo não desse aos ditos padres mais tempo algum, nem dilação alguma». E tal a sua attitude, que o escrivão, redactor da acta, consigna que se pretendeu então «fazer força» para que a Camara puzesse em immediata execução o que se deliberara na reunião de S. Vicente.
Aquilatando esses reclamos exaltados, declararam os officiaes que se não afastariam «do decreto na dita junta».
Pertinazmente reclamavam os paulistanos a expulsão dos seus adversários ferrenhos.
A' sessão de 10 de julho, compareceu novamente grande concurso de cidadãos para fazer entrega de
26 Historia Geral das Bandeiras paulistas
uma representação que se realisou debaixo de grande «clamor e muita estancia muitas vezes da piarte de sua magestade para bem desta villa paz e quietação delia e bem commum.»
Não se deferissie a decisão tomada na junta dos procuradores. Já se esgotara o segundo prazo e os jesuítas não se iam! Mais dois dias, agora, desta ter- ceira vez, era quanto se podia dar «perentorios do ter- ceiro termo».
A esta assembléa assistiu muita gente e muita lhe assignou a acta; cerca de sessenta paulistas de prol entre os quaes muitos nomes de grandes bandeirantes.
Entre elles Bartholomeu Fernandes de Faria, Fer- nando de Camargo, Garcia Roiz Velho, José Ortiz de Camargo, Matheus Grou^ Antonio Bicudo de Mendon- ça, Dom Francisco de Lemos, Paulo do Amaral, Pedro Vaz de Barros, Diogo Coutinho de Mello, Antonio Pe- droso de Barros, Balthazar de Godoy Moreira, O ma- nuscripto divulgado por Antonio Piza dá grande im- portância á acção, dos dous irmãos Rendon D. Fran- cisco e D. José Matheus nos sucoessois desse dia.
Sahindo de tão grave sessão seguiram incorpora- dos, Camara e povo, ao terreiro do collegio. Presentes estavam os seis representantes do poder municipal; os dois juizes, o procurador e tres vereadores. Aos bra- dos do povo enfurecido, appareceu á portaria o padre Antonio Ferreira que noticiou a ausência do Reitor, de quem se disse substituto.
Foi elle quem ouviu a ultimla e pittoresca íntimaçãòi: Despejassem S. Reverencias da Companhia «esta villa e capitania e não no querendo fazer sem violência pro- testavam de não encorrer na ex-com'munhãO' «si quis suadente diablo» (o latinório não é de lei) nem em outras alguas censuras». E ficassem s.s. r.r. sabendo que ninguém os lançava fóra «por persuadição doi de- mónio ou odio ou maquerença nem vingança mais que somente por defenderem suas fazendas onras e \ddas e de suas mulheres e filhos como tudio provariam lar- gamente ante juiz competente a cual fazenda vida e onra de outra maneira não podiam defender». Alludia o
Expulsão dos jesuítas
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pretexto á necessidade de se manter o prestigio da raça dominante ameaçado pela possivel revolta geral dos Índios escravizados.
Em alta voz leu a intimaçãx> o tabelliãa Domingos da Motta «que o. dito padre bem ouviu» constatou em seu termo o escrivão municipal Manuel Fernandes Velhou
No dia 11 chegaram a São Paulo os procuradores das camarás de Parnahyba e Mogy, Gonçalo Ferrei- ra e João Homem da Gosta para cooperar, em nome dos seus municipes na obra eradicatoria da Compa- nhia em terras paulistas. Exhibiram á Gamara de S. Paulo as suas procurações que foram achadas eiii regra.
Apresentava-se inevitável a violência tantas vezes acenada aos ignacinos. No dia 12 passava o padre reitor do Collegio de São Paulo procuração ao vigário da villa, padre Manuel Nunes, afim de que ficasse na administração dos bens de sua casa.
Pelo desvio le detrimento dos bens do Collegio responsabilisava os officiaes da Camara a quem os en- campava, dizia o instrumento. Tanto aos que serviam ao culto divino como quaesquer outros delles dariam' conta os officiaes, desrespeitadores de uma posse de noventa annos. Ficava o padre Nunes como zelador das casas, fazendas, moinhos, vinhas da Companhia, «como cousa sua pnqpria, dando as ordens que pera bem da dita fazenda fossem necessárias, tomando con- ta de tudo pera que estivesse em sua fOrssa» e para que se não perdessem de todo «os bens ecclesiasticos dedicados ao serviço divino e dos religiosos».
E terminando a sua procuração de modo eleva- díssimo, ainda deixava o Reitor de São Paulo trans- parecer aquelle sentimento, aquella preoccupação con- tinua que era a dos seus, o titulo de grandeza e nobreza de sua Companhia. «Peço ao mesmo reveren- do Padre olhe com particular cuidado que se não fação aggravos aos escravos e indios forros de serviço deste Collegio mandando lhes dizer algumas missas quando alguns delles morrer pagando a esmola dos bens deste Collegio».
2S Historia Geral das Bandeiras Paulistas
No dia seguinte passou-se a scena da tão annun- ciada expulsão dos padres. Muito pittoresca a analyse das actas relativas a tal successo.
Na primeira declarava o escrivão municipal que o vereador José Fernandes Saavedra lhe ordenara dei- xasse duas meias folhas de papel para assignar o po- vo «autoi de se aver de boifar os reverendos 'padres fora desta villa».
E era preciso muito espaço mesmio, porque 226 as- signaturas vieram testemunhar a solidariedade do po- vo paulistano com os seus edis. Representavam muitas delias os mais illustres nom.es do bandeirismo e dos annaes da capitania vicentina.
Citemos entre os mais fai.iosos, além dos mencio- nados da representação de 10 de julho Luiz Dias Le- me, Ascenso de Quadros, Alvaro Netto, Fernão Dias Paes Leme, Domingos Barboza Calheiros, Diogo da Costa Tavares, Henrique da Cunha Gago, Alvaro Ro- drigues do Prado.
O velho Amador Bueno, até entãio esquivo, não se escusou agora a acompanhar a corrente triumphante da opinião paulista, quasí unanime. Não ha . duvida de que excepções notáveis se reparam na lista destes oppoentes aos ignacinos. Assim, não vemos entre os signatários Pedro Taques e seus irmãos Lourenço Cas- tanho Taques e Guilherme Pompeu de Almeida, ho- mens de alta posição, nem os dos Pires mais tarde tão affeiçoados aos expulsos. Quer parecer-nos que já ahi se desenham os primeiros lances da terrível con- tenda dos Pires e Camargos, mostrandoi-se aquelles in- fensos á expulsão dos jesuítas ou talvez a ella se op- pondo porque os Camargos eram dos seus mais ar- dentes propugnadores.
E' verdade que, por occasião dos acontecimentos de julho de 1640, vemos Fernão Dias Paes colloGar-se entre os anti-;jesuitas, quando mais tarde, em 1653, foi dos que prestaram o maior auxilio á reintegração dos loyolistas em seu collegio.
Não nos conta Pedro Taques si a causa da terrível rixa do seu tio avoengo e homonymo com Fernão de
Guerra civil
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Camargo, o Tigre, questão que motivou, no anno de 1640, verdadeira batalha campal nas ruas de S. Paulo, com numerosas baixas de ambos os partidos em lucta, se originou de alguma divergência relativa ao modo de se levar a effeito a expulsão dos ignacínos. E' pos- sível que sim, é possível que não.
Nada nos leva a propender por qualquer hypo- these, tal a confusão e deficiência das provas docu- mentarias.
CAPITULO V
A expulsão dos ignacinos. — Incidentes vários. — Al- titude do Vigário Manuel Nunes. — Exigência de solidariedade por parte da Camara.
Na manhã de 13 de julho de 1640 levou-se a effeito a expulsão dos ignacinos do seu collegio de São Paulo, tudo entre «muito instancia e clamor» do numeroso po- pular que concorrera á sessão da Camara, assistida dos procuradores de Mogy e Parnahyba.
Professando repugnância á responsabilidade, não quiz a Camara de São Paulo, que o seu escrivãoi deixasse de mencionar quanta se esforçara ella por apaziguar e aquietar os seus municipes. Tudo se baldára, porém; cada vez mais insistente exigia o povo o cumprimento das disposições da junta de S. Vicente. Assim, pro- testava <a Camara, não haveria de incorrer em penas nem em censuras pelo que se tinha passado, visto não conseguir dominar o sentimento publico.
Curioso como estes homens, que se sentiam tão fortes na sua posição militarmente privilegiada, não tivessem a coragem plena das opiniões como a dos actos e recorressem á comedia das excusas infantis e pessimamente remendadas dos termos forjados paia o rebate de possiveis accusações, aliás anodinas.
lESUITAS RFFUCADOS EM SANTOS
31
Episódios anecdoticos das scenas de treze não os conhecemos; nenhum menciona Pedro Taques na sua «Noticia histórica de expulsão dos jesuítas do Collegio de S. Paulo», aliás tão pallida.
Das actas da Camara nada se deprehende. Como teriam sahido os padres? Quue rumo seguiram? Quan- do embarcaram para o Rio de Janeiro? Teriam sido physicamente maltratados ou tratados cx>m deferência?
Crêmos que não foram maltratados. Pelo menos nada a tal respeito dizem os historiadoires jesuíticos do Paraguay. Relata Charlevoix apenas que o gover- nador do Rio mandou castigar severamente um capi- tão de navio, que, sabedor dos successos de São Paulo, fizera salvar em honra ao escorraçamento dos igna- cinos. Montoya nada pormenorisa.
Incidentemente, conta Pedro Taques, que os loyo>- Hstas expulsos encontraram óptima guarida em Santos, devido á amizade do prestigioso amigo, Manuel Affonso, Gaya, de quem diz;
«O dito Manuel Affonso Gaya, foi capitão dos mo- radores da ilha de Santos. Em tempo que ainda não era praça d'armas com presidio de infantaria paga; e assim consta no archivo da camará delia no livro I registros folha 82. Serviu repetidas vezes os cargos da Republica e de juiz ordinário. Foi o senhor de en- genho na sua fazenda de Pirayquiguassú. Em serviço da corôa, fez varias entradas ao sertão do Parnaguá. Teve grande respeito e igual veneração, não só dos moradores da praça, mas também dos paulistas da pri- meira nobreza. Este merecimento fez conseguir pelo seu ardente zelo, que os padres da Companhia de Je- sus, que tinham sido lançados do Collegio de São Paulo em 13 de julho de 1640 (este successb e expulsão dos jesuitas temos tratado era titulo de Moraes), não passassem de seu collegio da villa de Santos; cujos religiosos, conhecendo o beneficio, o gratificaram com uma obrigação por esrcipto, para qu,e o seu protector Ma- nuel Affonso Gaya e seus legítimos descendentes tives- sem jazigo próprio naquella egreja e suffragios comxJ religiosos, e cedeu a fúria dos paulistas ás rogatíivas
32 HISTORIA Geral das Bandeiras paulistas
do Capitão Gaya, em cuja contemplação não foram logo embarcados os ditos reverendos, que depois vie- ram também a largar aquelle coUegio. Este capitão Manuel Affonso Gaya, foi inteiro irmão do Padre Pe- dro Nunes da Siqueira, que foi clérigo coadjuctor da igreja matriz da viUa de Santos, e de D. Catharina de Mendonça, mulher de Francisco Barboza Soutto- Maior, cavalleiro professo da ordem de Christo, cuja nobreza e pureza de sangue consta nos autos de ge' nere de seu filho Antonio Barboza de Mendonça, na camará episcopal de S. Paulo, maço letra a; e foram filhos de outro Manuel Affonso Gaya, em que teve principio a familia deste appellido na villa de Santos e de sua mulher Maria Nunes de Siqueira, de nobre e antiga familia dos Siqueiras Mendonças, da mesma vil- la, da qual são descendentes os Oliveiras Leitões por allianças de casamentos, e da mesma foi a mulher de Luiz Dias Leme § 5.o n.o 2-7: como mostramos e consta também no cartório dos orphãos de S. Paulo, maço I de inventários, letra s, o de Salvador Nunes/ filho de sobredito Manuel Affonso Gaya e Maria Nunes de Si- queira, a qual foi filha de Pedro Nunes de Siqueira, no- bre povoador da villa de Santos. E teve de seu ma- trimonio nesta villa de Santos, nove filhos».
Em outra parte da Nobiliarchia ainda se refere o linhagista á amizade de Gaya aos ignacinos:
«No anno de 1640, em que os jesuitas do collegio de S. Paulo, foram lançados pelos paulistas no dia 13 de julho deste anno (vede este successo historiado era titulo de Pires, cap. VI), se declarou protector dos ditos padres jesuitas o capitão Gaya, não só pelo gran- de respeito que tinha entre os moradores de Santos, mas pela igual veneração que desfructava dos da primeira nobreza de S. Paulo, e f)or isto concorrendo sempre com todas as forças para a restituição dos mesmos pa- dres contra os quaes tinham concebido intranhavel odio a maior parte dos homens das villas de toda a capi- tania de S. Vicente, de S. Paulo, obteve um padrão de agradecido reconhecimento dos padres do collegio de Santos, que por escripto lhe concederam honrosa
Expulsão dos jesuítas de S. Paulo
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sepultura para elle e sua descendência na igreja do collegio daquella villa, com os suffragios praticados com os RR. quando fallecem».
No dia 14 de julho saboreando o fácil triumpho reuniu-se a Camara «para tratar do bem commumi» e o procurador requereu que se fosse tomar posse da tão contestada aldeia de Baruery, em nome de sua ma- gestade e na forma dos capitules de correiçãoi, sendo nomeado capellão do aldeiamento o padre Thomaz Cou- tinho» para que «quellas almas não perecessem á min- gua de sacramentos, visto não terem quem os adminis- trasse e ser este sacerdote «auto e sofisiente».
Acceitou o padre Coutinho a incumbência para ser- vir a Deus e a sua magestade e bem oammum das al- mas dos fieis christões (síc) e a muita estimação que tinha a suas mercês».
Era, já se vê, um adversário dos jesuítas o novo cappellão. O vigário da villa, este se mantinha fiel aos seus amigos; assim declarou neste mesmo dia que não se apresentaria á procissão aoleimne e municipal do Anjo da Guarda «por escrúpulos que tinha e não incorrer nos sagrados cânones».
Corajosamente, fazendo frente a uma população in- teira, continuou o vngario Manuel Nunes a luctar contra a Camara e a quasi unanimidade dos seus parochianos. Fechou a sua matriz e recusou a administração dc^s sacramentos ao seu rebanho, fazendo ao mxsmo tem- po enorme propaganda entre os demais clérigos da villa a que o imitassem por toda a parte declarando que os habitantes de S. Paulo estavam todos excommungados.
Não tardou o conselho em reagir violentamente.
Na sessão de 21 de julho requereu o procurador Miguel Garcia Carrasco que se intimasse o vigario^ a exhibir a procuração que dos jesuitas recebera para os representar durante a ausência; queria comprovar- Ihe a authenticidade ; outrosím, pedia se fizesse saber ao padre Nunes que a Camara não consentiria nO' alie- namento de qualquer bem do património jesuítico; para a boa guarda deste pedia a nomeação de fiscaes de- positários. Desejava ainda saber o procurador porque
34 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
em todas as villas da Capitania se administravam os sacramentos, como em temjxjs normaes e era São Paulo não.
Só pelo «zelo, odio e vingança» do parocho que, ,além de tudo, era antigo jesuíta.
Em represália requereu ainda o official que se re- quesitasse do provedor da fazenda real a suspensão dos ordenados desse cura que não curava as almas e até mesmo a sua deposição da vigararia.
òbedeoeu o padre Nunes á intimação e pronipta- mente exhibiu o original da procuração dlo reitor que a Camara lealmente mandou inserir no seu livro de actas. Chegou neste Ínterim a S. Paulo a noticia de que em Santos iiaviam os odiados ígnacinos expulsos, sido benevolamente acolhidos. Tinham chegado até os procuradores da villa, Lucas de Freitas Azevedo, Fran- cisco Pinheiro Paes e dar-lhes toda a proltecção per- mittindo que se recolhessem ao seu collegío alli.
Na vereação de 24 de julho protestou o conselho de S. Paulo com a máxima energia contra tão extranho proceder. E as decisões tomadas em junta, unanime- mente pelos representantes de todas as camarás da capitania? Que lealdade, que solidariedade era esta? Presente á sessão, o ouvidor José Simões, representou ao procurador paulistano contra tão insólito procedi- mento, pedindo fossem os procuradores de Santos de- postos «por serem falsos procuradores e traidores á pátria e, como taes, devendo ser desnaturados das vil- las e capitania». Ordenou o ouvidor que se tomasse o dito requerimento para se fazer justiça, devendo se- rem citadas testemunhas para informação do auto.
Receiosa do poderio jesuítico na côrte de Hespa- nha e suspeitando secreta sympathia dos officiaes do fôro pela causa dos padres, quiz a Camara pôr em prova a lealdade dos tabelliães, escrivães, alcaide e meirinho da vílla.
Na vereação de 28 de julho, convocados todos estes funccionarios a virem á presença de suas Mercês, fo- ram severamente inquiridos os dois tabelliães Doiínin- gos da IMoítta, Manuel Fernandes Yellio, o escrivão^
EXPULSÃO DOS JESUÍTAS
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Manuel Cunha, o alcaide Francisco Preto e o meirinho Francisco Martins Nobre. Havia algum delles passado aos jesuitas, ou a seus procuradores «alguma certidão ou papel sobre os botarem fóra da villa e capitania?»
Juraram todos que não Não haviam passado «serti- dão allgua ne outro allgu papel aos padres da companhia assim por mandado da justisa ne de seu officia em re- zão de os botarem foira desta villa a elles religiozos ne a preourador seu».
E, reforçado o valor da solenne attestação, ac- crescentavam: «nem tal até o dia de oje não se achará papel nem sinal seu». Facto curioso, quiz a 'Camara, por dever de coherencia e lealdade que cada um de seus membros também varresse a testada. Affirmaram todos, aos Santos Evangelhos, que estavam nas con- dições dos officiaes forenses. Assim não havia duvi- das nem suspeitas possíveis. Encerrou-se a sessão com a escolha de Gaspar Gomes para representante da mu- nicipalidade paulistana em Santos.
No dia seguinte, vereação extraordinária, diz a acta de 29 de julho, a requerimento do povo.
Tinha a Camara recebido dos padres uma proposta de accordo e os paulistanos mostraram-se anciosos em conhecer a resposta a ella offerecida por seus edis, assistidos de numerosos homens da Governança da ter- ■ ra. Exprimiu o procurador do Conselho a replica mu- nicipal e o povo unanimemente a applaudiu. «Na for- ma que nos artiguos era declarado poderiâo os padres vir a possuir e lograr seu Collegio e bens e adminis- trar os sacramentos como sempre o fizeram».
Ordenou - se que o escrivão trasladasse para o li- vro de. actas os termos desta composição, mas, como, infehzmente, não o fez, não sabemos em que termos se redigiu este projecto de ajuste, não cumprido «pera seguransa do gentio e dos moradores destas capita- nias que tem em seu poder do seu serviso».
Querendo demonstrar, comtudo, quanto apesar da violência feita aos ignacinos, não discreparia da sua attitude de fiel vassalla, reaffirmou a Camara as suãs providencias contra o movimento sertanista; na sessão
36 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
de 26 de agosto falou em enviar ao governador geral o rol dos que marchavam para o sertão. A 15 de se- tembro repetia a baboseira da ameaça do confisco dos bens.
Mas o que da expulsão dos jesuitas se evidenciou logo, e com toda a robustez, foram as violências contra os Índios e os maus tratos inflingidos aos pobres ho- mens de raça inferior que redobraram logo, a ponto de provocar celeuma em vereação de 13 de outubro. Veio José Fernandes de Saavedra relatar á presença dos officiaes o que em Baruery se passava: estava esta aldeia de sua magestade muito desfalcada «por irem homês á dita aldeãs cõ negros e brancos e saltarem os Índios e indias e llevarem nos para suas cazas contra suas vontades». Nada mais lógico e natural. Des- apparecera a única barreira anti-escravista.
Attendendo a vehemente protesto resolveu a Ca- mara enviar ao local o procurador Geraldo da Silva «con o dito Saavedra por ser dos da repubica e ser vezinho da dita aldeã e saber como vesinho de que se llá fazia».
Providencias? Algumas, talvez, tímidas, de trancas ás portas em casa roubada.
Termo curioso é um dos últimos de 1640, o de 29 de dezembro em que a Camara pede ao Procurador que se nomeie depositário seguro e abonado para que em suas mãos ficasse «o dinheiro que se pedio por o negosio dos padres da Companhia.
Pormenor valioso e curioso sobre a expulsão dos jesuitas de S. Paulo é o que nos fornece Jaboatâo (cf. Novo orbe seraphico III, 520 et pass).
Assim relata que os jesuitas attríbuiram ao funda- dor do convento de S. Francisco em S. Paulo, o padre Fr. Francisco dos Santos parte capital nos males que lhes sobrevieram em 1640. Accusaram-no mesmo de ha- ver sido um dos princípaes amotinadores dos paulistas nos conflictos de julho.
Falando dos motins deste mez diz o autor do Novo orbe que nelles «se envolveram também os nossos, es- pecialmente o Prelado do Recolhimento Fr. Francisco
Franciscanos versus jesuítas 37
dos Santos, culpando-o o reitor da Residência de S. Paulo e principalmente o P. Francisco Pires da mes- ma Residência que fora Fr. Francisco dos Santos gran- de parte e concorrera com a camará e povo da Villa para lançarem fora de S. Paulo aos ditos Padres da Companhia».
Chegando os ignacinos expulsos, ao Rio de Janei- ro, publicou o padre Francisco Pires violento libello contra o prelado franciscano, que a este obrigou a deixar a sua fundação de São Paulo e ir ao Remo a responder a processo, de onde voltou livre, porme- norisa Jaboatão. Exasperados ainda levaram os jesuí- tas o caso á Curia romana. Seu Procurador Geral Pyrrho Gerardo obteve, a 31 de janeiro de 1645, com- missão para que o Núncio de Portugal syndicasse do caso. A mandado deste, Jeronymo Batalino, executou a ordem o prelado fluminense Antonio de Mariz Lou- reiro que a 28 de maio de 1646, excommungou quan- tos haviam tomado parte nos motins de julho de 1640 inclusive o prelado franciscano e seus frades. Em maio de 1649 mantinham estes em juizo uma appelação de tão rigorosa sentença, de que obtiveram absolvição.
Eram muito do espirito dos tempos, na America, estas demonstrações de animadversão entre as ordens e congregações, as religiões, como então se dizia. Os jesuítas preeminentes como eram, attrahiam a má von- tade dos demais regulares. São celebres as suas j>en- dencias com os dominicanos.
E exactamente nas vizinhanças de 1640 tremendo conflicto tão violento que terminaria pela guerra civil, iria abrir-se entre o franciscano bispo do Paraguay, o celebre D. Fray Bernardino de Cárdenas e elles, numa serie de scenas da maior violência em confronto com as quaes são innocuas as de S. Paulo, como as que se deram por occasião da expulsão dos ignacinos da Assumpção.
CAPITULO VI
Tentativa de accordo repellida «.in liminey>. — Dele- gados paulistas enviados a Lisboa. — Represen- tação a D. João rv. — O parecer do Marquez de Montalvão.
Mudara a Camara de S. Paulo, como era natural, em princípios de 1641. Serviam agora como juizes Fran- cisco de Camargo e José Fernandes de Saavedra, ve- readores João Martins de Heredia, Antonio de Barros da Silva, Paulo do Amaral; procurador Geraldo da Silva.
A' sessão de 18 de maio compareceu o ouvidor da capitania Francisco Pinheiro Raposo trazendo uma mensagem da camará de S. Vicente determinada «pelas incommodidades da capitania na impossibildade que se oppunhão aos negbssios delia, moléstia e prizões que padeciam os moradores». Era um meio rudimentar de dizer que havia grave e geral crise politica.
Assim apalpava a edilidade vicentina a opmião da sua coUega de serra acima: «se era de parecer que debaixo de concertos firmes e bons se aceitasem os Reverendos Padres da Companhia recebessem e res- tituisem suas cazas e residências».
REPULSA DE ACCORDO COM OS JESUÍTAS 39
Advogou o ouvidor o accordo, calorosamente, por si e, pelo Marquez Vice Rei do Brasil mas a cama- rá abroquelou-se com o alvitre de recorrer a um ver- dadeiro plebiscito convocando para discutir assumpto de tanta magnitude» as pessoas nobres mais antigas da villa e da governança delia».
Quanto a elles vereadores (e isto nos parece bem frouxo de sua parte) não se oppunham ao ax:cordo desde que se fizesse concerto por escripto, e os padres offerecessem pessoas abonadas da capitania por fia- dores de sua conducta. Podiam ir procuradores da ca- mará ao Rio de Janeiro negociar a paz.
No dia seguinte se deu o comicio. Estavam os officiaes reunidos em casa do juiz João Fernandes de Saavedra, quando a elles \'ieram, em attitude \iolen- ta, os homens bons da terra.
«Veyo a ella todo o povo e com grandes clamores e requerimentos diseram húa e muitas vezes, em voz alta, que com os Reverendos padres da companhia não querião consertos algús e todos os que a dita camera e homês atras tinhão tratado e asentado de fazer re- clamavam e por nenhúa via queriam estar per elles porque confiam na clemência de sua real magestade e em sua santidade e no senhor marques vizo Rey que os havia de ouvir de sua justiça e admitilos a sua rezões pois as tinhão bastantes e cauzas mui le- gitimas pera não aseitarem nem receberem os ditos padres pello que requerião ao dito juis e mais offi- ciaes da camará viessem ^a caza do conselho logo e desfizessem os termos que estavão feitos sobre a ma- téria dos consertos e quando o não quizesse fazer lhes tirariam a vara pois elle hera feito pelo dito povo o qual -pegando no dito juis e mais officiaes da ca- mera os trouxerão em sua companhia a esta dita caza do conselho aonde mandarão se riscasse o termo atraz e rompessem os mais papeis que sobre a matéria es- tivesse feito e visto os clamores e requerimentos dos dito povo prometerão os ditos officiaes de se não pro- ceder em cousa algua nem' darem a enxecuçam nada sem se lhe dar vista o que os ditos officiaes asi fi-
40 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
zerão por verem a deliberação de todo este povo e se fes este auto em qije todos asinaram Manoel Coelho escrivam da camera o escrevi».
Era o furor do povo extremo. Assumia elle toda a responsabilidade do acto desculpando os seus edis. As- sim prohibiu a remessa de mantimentos ao Rio de Janeiro, mandou trancar o caminho do mar, nelle pôr guardas no Rio Pequeno, intimou ao moageiros que não moessem para Santos, instituiu passaportes para quem quizesse ir ao littoral e determinou que se pe- dissem providencias idênticas ás camarás de Parnahyba e Mogy das Cruzes.
Parece-nos que estas medidas visavam sobretudo a pessoa de Salvador Correia de Sá, pois o governador fluminense tomara partido, decisivamente, em pról dos ignacinos.
Nomeado em fevereiro de 1637 capitão mór do governador do Rio de Janeiro, por carta patente so- bremodo honrosa, esta^a Salvador Correa de Sá no meio de sua longa carreira, cheia de acções glorio- sas. Nascido em 1594 no Rio de Janeiro, aos dezoi- to annos de idade encetara a vida militar. Destaca- ra-se em diversos feitos maritimos, alcançára uma luci- la Victoria sobre os hoUandezes no Espirito Santo quan- do conduzia o soccorro do Sul á obra de restauração da Bahia em 1625.
Almirante do mar do Sul, em 1634, fora mandado j>elejar no Rio da Prata com os calchaquis a quem ba- tera, aprisionando seu principal chefe, rebelde de trinta annos de resistência. Nesta campanha tivera nada me- nos de doze ferimentos.
H omem de excepcional prestigio, era francamente sympathico aos jesuítas.
Na sua biographia de Salvador Corrêa de Sá (cf. Rev. do Inst. Hist. Bras., tomo III, p. 102), diz Var- nhagem :
«Nomeado de 1640, quasi simultaneamente com a noticia de haver tomado posse do governo deste Estado o 1.0 Vice-Rei Marquez de Montalvão, chegaram a seu conhecimento os motins e tumultos que em S. Paulo
Actuação de Salvador Corrêa 41
haviam occasionado as providencias que tentaram pôr em execução os Padres da Companhia, para reprimir ou terminar o captiveiro e trafico dos indígenas, fun- dando-se em muitas leis e instrucções do Governo de Portugal, e numa bulia por elles obtida do Papa Ur- bano VIII em que lhes concedia ou lhes permittia ar- rogar-se para este fim de poderes temporaes, Salvador Correa julgou com razão do seu dever cumprir as leis conforme os jesuítas reclamavam; se bem que não po- dia deixar de conhecer que dava um passo contrario; não só talvez aos seus interesses, como aos da maior parte dos habitantes do Brasil, dos quaes alguns com a realisação da liberdade dos indios ficariam reduzidos á mediocridade ou á indigência como se viu succeder a muitos quando o Marquez de Pombal fez por em exe- cução as leis a tal respeito promulgadas.
Porém toda a opposição que no tempo de Salvador Corrêa se experimentou, existia só na província de S. Paulo.
Para evitar que esta cidade do Rio de Janeiro se levantasse com as mesmas exigências daquella provin- cai, convocou o prudente Governador procuradores para uma concordata do povo com os Padres da Companhia, que se celebrou no dia 22 de junho (documento 2.o). Outro tanto quiz promover na província de S. Paulo.
Em data de 6 e 23 de setembro escreveu aos ha- bitantes de S. Vicente, extranhando-lhes o terem-se em tal assumpto conduzido com superioridade absoluta e convidando-os a imitar o procedimento dos desta ca- pital. Estas instancias foram baldadas, que os habitantes da dita província estavam de todo divididos contra as novas providencias que iam de frente a «seus interes- ses». Assim o caracter independente da provinda de S. Paulo, a fez precursora do banimento da seita jesuí- tica, que, se acaso tinha alguma vez em vista o inte- resse espiritual e corporal dos neophitos, quasi sempre fazia reverter o resultado em exclusiva utilidade da Companhia.
Salvador Corrêa vendo frustradas as ameaças, pro- curava em janeiro do anno seguinte capturar pelo brio
42 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
os ânimos revoltados, recommendando-lhes que fugis- sem de obscurecer os seus muitos serviços á Corôa Portugueza,, com a p>ertinaz persistência na recalcitração ás ordens superiores. E estes altivos brasileiros foram surdos a taes reclamações, e um novo acontecimento, grande em si e em seus resultados, lhes alimentou es- peranças novas em suas pretenções.
«Os habitantes de S. Vicente, por intervenção de Salvador Corrêa, praticaram pouco depois, com.o os do Rio de Janeiro; mas querendo o mesmo Salvador Cor- rêa conseguir outro tanto dos de S. Paulo, não annui- ram estes a isso e se prepararam á resistência. De- balde Salvador Corrêa, passando a Santos, ameaçava atacar os heróicos defensores dos seus direitos; senho- res dos campos de Piratininga, os paulistas faziam cor- taduras nos caminhos e apresentavam-se armados para defender o passo; e ao mesmo tempo elegiam quarenta e oito indivíduos para velarem em manter illesos os seus interesses.»
Então Salvador Corrêa conheceu que era mais pru- dente propor capítulos de conciliação, e disso avisou ás Camaras das outras \dllas.
Eis em summa o conteúdo dos capítulos por elle propostos :
Que os quarenta e oito do po'>o se obrigariam, com os officiaes da Camara a obedecer ás ordens que vies- sem de íel rei, sem direito de replicar, excepto no que respeitasse aos índios, se as ordens não fossem a seu gosto. Que elle governador elegeria, para ad- ministrar e fazer beneficiar as minas, ires directores, dos quaes dois seriam indi\dduos da villa de S. Paulo e um ide Santos. Que estes tres directores, com o thesoureiro e officiaes das minas, lhe dariam conta do que se fizesse.
Que obedeceriam todos aos officiaes de justiça le- galmente postos, e havendo duvidas se decidiriam pelo maior numero de votos entre os ditos officiaes e os quarenta e oito eleitos.
Que não consentiriam dissenções nem palavras, para com os moradores das villas da marinha. Que ac-
ACTUAÇÃO DE Salvador Corrêa
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ceitos estes capítulos, desimpediriam os de S. Paulo os portos e caminhos, e elle governador os deixaria em paz, recolhendo-se no Rio de Janeiro.
Não sabemos se mediaram ainda algumas duvidas até que esta convenção se levou definitivamente a ef- feito; é porém certo que, emquanto isso se não tinha arranjado, enviaram os de S. Paulo, á corte seus pro- curadores com uma representação».
Nas actas da Camara de S. Paulo nada ha a res- peito deste incidente tão importante e a que se re- fere Azev^edo Marques em sua «Chronologia» (2, 223). O precioso documento descoberto por Varnhagen no Archivo de S. Vicente é que nos dá indicações in- directas sobre a attitude dos paulistas.
E' uma carta que Salvador Corrêa escreveu á Ca- mara vicentina explicando a sua attitude para com os paulistas.
Não figura no «Registo Geral» de São Paulo. Diz aliás Azevedo Marques que consultou um livro de pro- visões e alvarás que não podemos achar. Pela sua leitura se verifica que realmente os paulistas, num caso de salus populi, haviam eleito uma espécie de junta de salvação publica composta de quarenta e oito no- táveis.
Refere-se o honesto Antonio Duarte Nunes no seu excellente e precioso «Almanack histórico da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro» a esta pendência entre Salvador e os paulistas.
«Os paulistas, geralmente fallando, eram desafeiçoa- dos a Salvador Corrêa de Sá e Benevides pelas ra^- zões seguintes.- Este Governador zelava a liberdade dos Índios e desejava executar as leis que prohibiam ca- ptival-os.
Elle e seus parentes defenderam os jesuítas na occasião em que amotinado o povo acommetteu com mão armada o seu Collegio, por haverem publicado na sua Igreja uma bulia, em que o Papa fulminava a pena de excommunhão contra os plagiários do Gen- tio Americano.
Elle tinha castigado ao mestre de um barco, que
44 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
vindo de Santos nesse tempo, entrou por esta barra com signaes capazes de amotinarem o povo, e indi- cativos de novidade interessante do publico, por tra- zer a noticia de que os moradores da Capitania de S. Vicente e Itanhaen, induzidos pelos paulistas, tinham expulsado todos os Jesuítas pela dita causa de pu- blicarem^ também nas suas Igrejas a mencionada Bulla.
Elie, finalmente, solicitou e conseguiu a restituição dos mesmos Padres aos seus CoUegios de Santos e S. Paulo, como lhe ordenava o Snr. D. João ÍV em que muito lhe recommendava aquella restituição».
Provido no cargo de governador do Rio, por seis annos, em 1637, com enorme latitude de poderes, não levou avante o futuro e glorioso restaurador de Angola a sua tentativa em prol dos jesuítas.
Nomeado administrador geral das minas do Bra- sil passou o governo do Rio de Janeiro a Duarte Correa Vasqueannes a 19 de março de 1642.
Fracassada a tentativa de separação de São Paulo, á vista da repulsa do principal interessado, Amador Bueno da Ribeira, e acclamado D. João IV, solem- nemente, na villa piratiningana^ a 4 de Abril de 1641, resolveram os paulistas, como geralmente se sabe, enviar a Lisboa delegados que ao seu novo soberano annun- ciassem, a expressão de sua fidelidade. E, nesta mes- ma occasião, aproveitaram-se do ensejo, para explicar ao monarcha as causas que os levaram á expulsão dos ignacinos, longo documento de que apenas conhecemos a parte salva da destruição por Pedro Taques, cujo original desappareceu do Archivo de S. Paulo.
Explica o caso o linhagista attribuindo a sua des- truição aos ignacinos.
«Nós o descobrimos por casualidade entre os pa- peis que deixou Manoel da Costa Duarte,, natural da cidade de Lisboa, que teve em S. Paulo honrosos em- pregos da republica e do serviço de Sua Magestade, posto que truncada, por lhe faltar o seguimento da oração no fim da segi^nda lauda duma folha de pa- pel, e passa em diverso sentido, como se vê do con- texto da mesma representação; e bastariam os jesui-
Representação ao Rei
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tas, depois de restituídos a S. Paulo, para sacarem do archivo da camará o livro onde ella estivesse re- gistada».
Certamente não foi obra do escrivão municipal do tempo, pois o estylo é totalmiente diverso daquella gra- phia solesticica que tanto torna pittoresca a redacção das Actas e do Registo Geral.
Ao catholico, benigno e invictissimo rei e senhor co- meça a camará a explicar que em paga de haverem os loyolistas «recebido da gente de S. Paulo o me- lhor com que situaram collegio e casas feitajs com dispêndios das fazendas dos paulistas e depois de se verem ricos, prósperos, e poderosos» queriam esbulhar os seus bemfeitores de uma posse immemorial e an- tiquíssima.
(Era o seu continuo cuidado açular os indios contra «os leaes vassallos que tanto zelavam o bem do seu rei».
jE com excellente argumento que agora vinha a talhe de fouce foi reproduzido o caso de Manuel de Moraes cujo nome já ahí se não adulterava mais. As- sim verberavam «as ignominias calumnias e afrontas, que os reverendos padres lhes impuzeram, e os le- vantamentos do dito gentio, mortes, insultos, latrocí- nios, roubos, traições, e outros males que hão feito de que ha tantos exemplos neste dito Estado».
Seja o primeiro o que nos nossos tempos fize- ram nas miseráveis praças de Pernambuco, que o ini- migo e rebelde hollandez de doze annos a esta parte tem occupadas; pois chegou a tanto seu desaforo, que de todas as aldeias, que naquelle 'contorno havia, não ficou índio gentio que com o inimigo se não mettesse, e com elles o Padre Manoel de Moraes,, seu doutrí- nante que os induziu e persuadiu a commetterem tal insulto, fazendo-se o mór herege e apóstata que tem hoje a igreja de Deus, sendo com isso causa e ori- gem de se matar muita multidão de homens, mulheres, moças, moços, e meninos comendo-os e forçando don- zellas e mulheres casadas e principaes, exemplo de virtude e castidade e as que por guardarem-na e ob- servarem por traças escaparam de suas mãos não es-
46 Historia Geral das Bandeiras paulistas
caparam da fome, de que morreram e pereceram nas incógnitas mattas, causando tantas destruições e ma- les, que são mais catholico rei e senhor, para ise sentirem chorando, que para se representarem a V. M. e que obrigam a dita lastim'a».
E depois do caso singular de Manuel de Moraes invocaram-se a atrocidade dos aymorés em Porto Se- guro e os horrores feitos no Recôncavo pelos indios desembarcados da esquadra hoUandeza quando Nas- sau sitiara em 1638 o Salvador. E eram estes indios procedentes de aldeãs jesuiticas.
E vinha ainda recordado o longínquo caso do as- salto a Pinheiros, junto de São Paulo, em 1590 e a profanação da capellinha alh existente! E não só isto quem não sabia que os jesuítas protegiam piratas es- trangeiros contrabandistas de pau l^rasil em Cabo Frio para quem faziam trabalhar os seus indios? Como o famigerado Pamelar (?) e Guilherme Macello (?).
Fora a questão do escorraçamento dos padres ab- solutamente um caso de vida e de morte. Publicado o Breve de Urbano VIII; impressionaram-se sobremo- do os indios «com a fama de que eram livres, isentos, sem sujeição de servidã.o por estipendio e daqui, com o favor dos padres,, se iam fulminando já le\ajita- mentos, incêndios, mortes e outros insultos», dizendo- Ihes: «Meus filhos, andamos por amor de vos des- terrados e fóra de nossas casas, pois estes maus ho- mens e hereges vos querem fazer captivos, o que não ha de ser assim, meus filhos; e com estas palavras amorosas, que para um bárbaro, que não tem muito uso de razão, menos ha mister para fazerem mil ex- cessos; pelo que V. M. não permitta que os ditos reverendos padres voltem a perder este seu estado, que dependem destas capitanias, por serem mui fér- teis e abundantes de todos os mantimentos».
Fiabil como se vê e cheia de persuação esta ló- gica argumentadora a apontar series de factos indis- cutíveis. Mais hábil ainda, o remate acenava ao rei com a possibilidade de se transformar o Brasil num segundo pactolo. Havia nas suas capitanias e no ser-
Representação dos paulistas ao Rei 47
tão desta «muitos haveres e riquezas, principalmente os metaes de ferro, cobre, salitre e calaini (sic), no- ticia de muita prata e minas de ouro, que se tiram: «m pó, esmeraldas e outras riquezas».
Mister se tornava a presença de brancos práticos, capazes de ensaios de fundição de metaes. Mas tam- bém e muitos «fidalgos de sangue christão, desinte- ressados e verdadeiros no serviço de S. Magestade que nos governem e assistam, sem os mover odio, nem) paixão e amizade».
Exactamente o opposto de Salvador Correa de Sá, obcecado pela amizade votada aos jesuitas, a ponto de lhes haver empenhado a palavra de que os re- poria em seus collegios de S. Paulo!
Viessem homens differentes daquelle detestável go- vernador actual a quem não movesse «paixão e ami- zade como a que tem mui particular o governador Sal- vador Corrêa com os reverendos padres, e inimiza- de com os moradores destas capitanias em razão de patrocinar e zelar tanto esta cauza dos reverendos pa- dres, que por todos os meios lhe tem promettido e empenhado palavra de os metter nestas ditas capitanias e. com mais isenção e procura de novo fazer, com' os cargos que V. M. lhe fez mercê, que vem a ser todos os que trouxe o governador D. Francisco de Souza, que Deus tem, como a esta camará nos avi- sou, se bem ainda não vimos as provisões e ordens». E não seriam fallazes as suas pretenções? Aventava a camará: «de quem esperamos para melhor se con- seguir seu real serviço, lhe mande novo successor no tocante á administração das minas e descobrimento delias».
Era preciso que S. M. lhe desse successor que, com bom governo, seria a capitania ura novo Poto- si. «Porque quanto mais V. M. fomentar esta maté- ria e der calor a ella com pessoa que anime aos moradores, e os premeie e honre em nome de V. M. tanto melhor terá o bom successo, que estamos ante- vendo, de que V. M. ha de achar neste Estado outro Perú».
48 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAIíí KTA^
O que também a Repartição do Sul podia for- necer excellentemente era tudo quanto se referia á cons- trucção naval, «pela abundância de madeiras e outras commodidades, com mui pouco dispêndio da real fa- zenda de V. M., vindo desse reino enxárcias, breu e \elame; se bem nestas capitanias se faz hoje muito bom, porque as madeiras se fazem e descem com os mdios e gentio: o ferro, como fica dito, é de abun- dância, havendo fundidores delle e melhor do que ne- nhum, como se tem Wsto e experimentado. Os por- tos, onde as ditas náos e galeões se façam, abundam de mantimentos e madeiras incorruptiveis; bahias ca- pazes para poderem sahir com todas as marés; mas para isto é necessário encarregar V. M. da feitoria a pessoas de qualidade e experiência antiga neste Es- tado». A dous indivíduos podia S. M. confiar a su- perintendência de tão importante serviço «Domingos da Fonseca Pinto, provedor que até aqui foi da fazen- da de V. M. nestas capitanias, homem pratico e bem attendido e grande serWdor de V. M., inteiro e ver- dadeiro; e outro Amador Bueno, natural destas par- tes,, homem rico e poderoso, bem entendido, capaz e merecedor de todos os cargos em que V. M. o occu- par, porque nos de que foi encarregado deu sempre verdadeira conta e satisfação».
Acabava a Camara a sua longa e tremenda re- presentação com uma denuncia contra Sebastião Fer- nandes Correa, provedor da fazenda, substituto de Fon- seca Pinto, agora reconduzido no seu emprfego, gra- ças a «uma informação sinistra e falsa» pois era*' in- dividuo sem serviços alguns,, indigno do alto cargo, pois ha muitos annos na villa vivia do rendimento de uma tenda.
Tal a representação dos povos de S. Paulo ao seu novo monarcha, enérgica, bem feita, cheia de tacto e demonstração de vontade bem orientada, com que se encerra a primeira phase do conflicto local paulisto- jesuitico, capitulo a parte da grande pendência sulr americana, entre o bandeirante e o filho de S. Ignacio. Foi a representação levada a D. João IV pelos
Parecer do Marquez de montalvAo 49
procuradores da Camara, especialmente enviados a Por- tugal, Luiz da Costa Cabral e Balthazar de Borba Gato.
Diz o linhagista:
«Até aqui o fim da folha de papel desta representa- ção, por cuja falta ignoramos o mais que ella poderia conter; a sua data e os officiaes camaristas de S. Pau- lo que a deram se já se achar no desembargo do paço de Lisboa, se é que os jesuítas não abafaram este pro- cesso. Sabemos que esta representação foi entregue ao senhor rei D. João IV pelos enviados procuradores já referidos, os paulistas Luiz da Costa Cabral e Baltha- zar de Borba Gato.»
A representação paulista subiu a estudo do Con- selhcr do Estado como deixa patente o parecer do Mar- quez de Montalvão, cuja copia pretende Pedro Taques ter encontrado entre os papeis de Manuel da Costa Duarte em S. Paulo. Fora o Marquez Vice Rei do Brasil, exactamente durante a passagem da restauração, e tudo o indicava para o exame da questão. Na mes- ma occasião estudou D. Jorge de Mascarenhas duas petições contrarias: a accusação do provincial jesuítico do Brasil e dos seus padres, contra os moradores da Repartição do Sul, outra das Camaras de S. Paulo, Si- Vicente, Santos e Rio de Janeiro contra a Companhia «de cousas graves e de muita consideração». Ambas as accusações reciprocas não haviam tido vista da carga que se lhe fazia. A documentação abundante annexa a ambas as representações parecem - lhe suspeitas, pois cada contendor tratava do seu commodo, utilidade e credito, e, portanto, só apresentava argumentos cheios de parcialidade.
Também não lhe pareciam fidedignas as informa- ções e depoimentos de varias personagens. O do desem- bargador de aggravos, Diogo Alarcão Themudo, que podia valer, se o magistrado, jamais estivera no Bra- sil e se baseara nas palavras dos procuradores das ca- marás? O Dr. João de Souza de Cardines estivera an- nos no Brasil, mas desde muito de lá se ausentara; mudara muito a situação daquelle Estado e nem o Dr.
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Cardines presenciara os acontecimentos deten-ninados pela publicação das bulias.
O que dizia o Dr. Thomé Pinheiro da Veiga, desem- bargador do paço e procurador da coroa não tinha melhor base. Nem sequer apparecia nos autos o depoi- mento insubstituível do governador fluminense. Salva- dor Corrêa de Sá, nem o do Prelado fluminense!
Pensava o Marquez que a substituição de doutri- nantes jesuitas pelos clérigos seculares, daria péssimos resultados. Eram estes muito exigentes e expressiva- mente adduzia o parecer.:
«Os padres da companhia fazem de graça, sem te- rem, como na verdade não tem, renda alguma para sua sustentação na administração das ditas aldeias, e vivem somente de uma ordinária, que lhes dá o Rio de Janeiro, e não se hão de os ditos clérigos seculares ordenados e vindos de fóra aceitar, e hão de tirar sua sustentação dos trabalhos dos pobres indios, que de ordinário são pagos com quatro varas de panno de al- godão que não basta para elles e suas familias».
Faltavam ainda depoimentos do máximo valor, co- mo o do bispo do Brasil. Era o iMarquez sobremodo inclinado a dar razão aos ignacinos.
«Também se não falia em informação alguma que se tomasse do governador de todo aqueile Estado, nem' do bispo da Bahia, que é como metropolitano de todo elle, sendo que uma e outra pareciam mui necessárias para se tomar o assento que convém em matéria de tanta importância. E fallando da administração do es- piritual das ditas aldeias, tem muito que considerar sa- ber-se notoriamente que os ditos padres da companhia ha muitos annos que tratam de as largar pelo muito trabalho que têm da dita administração, e desgostos que tem os moradores sobre a repartição dos indios para trabalharem em suas fazendas, e vexações que os ditos moradores lhes fazem contra toda a justiça; e é cousa constante que querendo os padres largalas aos governadores daquelle Estado, Gaspar de Souza e D. Francisco de Souza e a mim, nunca elles nem eu con-
VOTO DO MARQUEZ DE MONTLAVÃO 51
sentimos; nem também os prelados, por acharem nesta parte grandes inconvenientes de que dei conta a V. M'. assim deste particular, como da expulsão dos padres, de que se acharão as cartas que escrevi, na secretaria de Estado, de que tenho as copias em Lisboa. Demais de que também, que tendo muitos religiosos, administra- ção e cura espiritual de algumas aldeias em Pernam- buco e outras capitanias, todos os largaram por verem o trabalho e vexações que por causa delias padeciam; e também é sabido que entregando-se algumas vezes a clérigos seculares a cura espiritual de algumas aldeãs, ellas se acabaram de todo, e sómente persistiram as que tem a seu cargo os padres da companhia, que pelo zelo que tem do bem espiritual dos próximos, tão co- nhecido, cortam por semelhantes incommodidades, e é muito para ver a doutrina com que tem aos indios das aldeãs que hoje tem, porque em cada uma delias bene- ficiam os ditos indios as missas em canto de órgão, e assistem aos mais officios divmos; e todas as vezes que são necessários os indios para o serviço de V. M. os mandami com grande pontualidade.»
Assim, para que se desse boa solução a tão grave caso, pedia o Marquez que se abrisse inquérito no Rio dejaneiro, sobre os tumultos anti jesuíticos. Viessem in- formações do Governador Geral, do Bispo, das autori- dades civis e ecclesiasticas.
Neste Ínterim se mantivesse o statii quo sobre as aldeias. Quanto ao caso de S. Paulo, arbitrava Montal- vão, categórico: «Se deixem assim estar até se tomar assumpto; e que os padres da Companhia da villa de S. Paulo, que são somente sete ou oito religiosos, com sua igreja, moveis e mais bens ecclesiasticos de que viviam, sejam logo restituídos e se exercitem pacifi- camente nos ministérios espirituaes da Companhia, que dantes se exercitavam, pois consta que os padres de S. Vicente e Santos estão já restituídos pelos morado- res das ditas capitanias, e não ha outros que estejam expulsos. E nesta restituição não pode haver duvida pelos ditos padres não poderem ser priv^ados de sua
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igreja, casa e bens ecclesiasticos, pelos moradores da dita villa, sem graves escrúpulos de consciência e cen- suras da igreja, e que se os ditos padres não administra- rem entretanto as aldeãs de V. M. que dantes adminis- travam, cessarão as occasiões de inquietações; isto é o que me parece; V. M. mandará o que for servido».
CAPITULO VII
O alvará de D. João IV, a 3 de outubro de 1643. — A embaixada de Costa Cabral e Balthazar de Borba Gato. — Incidentes occorridos em S. Paulo com os syndicantes.
Quiçá, influído pelo parecer do Marquez, deu D. João IV ganho de causa aos jesuítas, pelo alvará de 3 de outubro de 1643.
«Eu, el-rei, faço saber aos que este alvará virem, que havendo respeito ao que por suas petições juntas, assignadas por Jacintho Fagundes Bezerra, meu escrivão da camará, e enviaram a dizer por seus procuradores da villa de S. Paulo, Santos, S. Vicente e Rio de Janeiro e outras do Estado do Brasil, e o provincial dos padres da companhia do dito Estado, e visto as causas que allegam, e as informações que mandei to- mar nesta cidade de Lisboa, e as que de novo tenho mandado fazer no dito Estado do Brasil ouvindo a estas partes sobre suas petições, de que haverão vista, e en- tretanto que com as informações referidas se toma a resolução que pede matéria tão grave; hei por bem e me praz que as aldêas de que se trata estejam', como hoje se acham, sem alteração alguma, e os padres da
54 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
companhia da villa de S. Paulo, com sua igreja, moveis e mais ben? ecclesias ticos, de que vivem, se restituam logo ao estado antigo, e exercitem os ministérios espi- rituaes, como faziam; pelo que mando ao governador geral do Estado do Brasil, e ao Rio de Janeiro e mais justiças officiaes e pessoas, a quem o conhecimento disto pertencer, que cumpram e façam cumprir este alvará, como se nelle contém, o qual valerá, posto que seu ef- feito liaja de durar mais de um anno, sem embargo da ordenação do livro 2.°, titulo 40, em contrario».
Nesta mesma data, 3 de outubro de 1643, mandou D. João IV que o governador do Rio de Janeiro, então Luiz Barbalho Bezerra, o heroe da retirada do Cabo de S. Roque, informasse sobre as petições dos cama- ristas e moradores das villas de S. Paulo, S. Vicente Santos e Rio de Janeiro contra os padres jesuitas, e também sobre as petições que estes fizeram de queixa contra os paulistas.
Recommendava-lhe o monarcha informasse com a maior brevidade, mas não conhecemos o teor do re- lato desse illustre cabo de guerra, muito mais capaz nas lides da espada do que nas da penna e sequer da inlelligencia, pois, envolvido nas intrigas de que resul- tara a deposição do Marquez de Montalvão, engendrada pelo jesuita Francisco de Vilhena, escapara ao castigo que sobre os seus companheiros de pronunciamento se abatera por lhe imputar o Rei os erros «á falta de juizo.»
Algum tempo antes da expedição deste alvará, re- cebera o Rei os deputados paulistas Luiz da Costa Cabral e Balthazar de Borba Gato, «que ambos tinham passado ao reino depois da gloriosa e feliz acclama- ção do senhor rei D. João IV, a dar obediência por parte dos moradores de S .Paulo»; e a este reverente e humilde rendimento agradeceu a paterna bondade do mesmo senhor por carta firmada do seu real punho dirigida aos officiaes da camará de S. Paulo, com data de 22 de setembro de 1643.
Diz Azevedo Marques que a carta tem a data de
DEPUTAÇÃO PAULISTA A D. JOÃO IV
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24 de setembro, e na biographia de Borba Gato, assim fala deste embaixador:
«Natural de S. Paulo, e um dos destemidos explo- radores dos sertões da Capitania de S. Vicente, no século XVII. Suas qualidades pessoaes e os recur- sos de que dispunha, deram-lhe posição prestigiosa so- bre seus patricios, por cuja razão, quando a camará e povo de S. Paulo desejaram levar ao throno de D. João IV seus votos de adhesão e fidelidade, e suas queixas contra os jesuítas, nomearam a Balthazar de Borba Gato e a Luiz da Costa Cabral, como sendo os paulistas mais dignos e aptos para esta commissão.»
E' tradição que por essa occasião foram levados ao rei valiosos presentes de ouro, e que este, admirado, disséra aos dois enviados que pedissem alguma cousa.
«Se nós vimos dar, como havemos de pedir?» Foi a resposta rude, mas sincera daquelles dois homens, que exprimiam exactamente as ideias e o espirito dos pau- listas daquella época.
A' esta deputação respondeu D. João IV com uma honrosa carta de agradecimentos aos pauhstas, datadá de 24 de setembro de 1642. (Are da Camara de S. Paulo, liv. de Reg. de cartas regias e vereanças de 1641 e 1642 — Pedro Taques, Nobil.)
Foi Balthazar de Borba Gato casado com D. Ma- rianna Domingues, filha de Antonio Domingues e de D. Isabel Fernandes; ignora-se porém, a época de sua morte. Quanto a Luiz da Costa Cabral, a sua bio- graphia é sobremodo obscura.
Diz Azevedo Marques ainda ter visto o traslado desta carta num Hvro de registo da Camara de S. Paulo. Na collecção impressa, vol. II, ha uma grande lacuna; faltam os documentos registados entre 29 de dezembro de 1640 e 30 de junho de 1647.
Em 1643, novo alarme em S. Paulo occorreu a pro- pósito dos jesuítas, como se vê do termo da sessão da Camara a 17. de outubro.
Como constasse na villa que a ella vinha o ouvi- dor geral José Coelho «com soldados de presidio, afim de manter os padres da Companhia», acudiu o povo
56 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
alvorotado á casa do Conselho a fazer um precatório ao dito magistrado, o que logo se realisou, não appa- recendo mais o ouvidor-papão a intimidar os revoltados paulistanos.
CAPITULO VIII
Lactas da Camara e povo de São Paulo com o pre- lado fluminense Loureiro. — Altitude rebelde dos paulistas. — Truncamento do Caminho do Mar. — Carta violenta da Camara ao Diocesano.
A tomada de posse do novo prelado fluminense dr. Antonio de Marins Loureiro, pareceu trazer iim modas vivendi. Quiz eUe terminar com a solução de con- tinuidade existente na vida espiritual dos paulistas. E assim lhes mandou como visitador um sacerdote que passava por prudente e moderado: o dr. Francisco Paes Ferreira.
Chegando este a S. Paulo e havendo examinado detidamente a situação, ouvidos os superiores das tres «religiões» então existentes na villa: benedictinos, car- melitas e franciscanos, resolveu suspender o interdicto.
Não tardaria que o prelado, desapprovando-lhe ín totum o acto, o demittisse e o chamasse ao Rio de Janeiro. Teria exorbitado? Seria precipitado em tomar tão grave resolução?
Certo é que a sua demissão causou verdadeiro fu- ror aos paulistas. Quando a lavraria o Prelado? Não é facil affirmal-o, tão obscura a redacção dos doeu-
Õ8 HISTORIA Geral das Bandriras Paulistas
mentos; muito difficil mesmo o destnnçar do fio chro- nologico dos acontecimentos.
Quer nos parecer, porém, mais acceitavel que, de- mittido o visitador . Ferreira, lhe deu logo o prelado como substituto o padre Domingos Gomes Albernaz, clérigo fluminense, homem de sua inteira confiança. Re- cebido foi, provavelmente o novo cura com muita má vontade pol- parte dos parochianos.
Era o padre Albernaz homem de rara violência de sentimentos, muito mais nascido para o porte da couraça e do arnez do que da estola e da sobrepeliz. Amigo dedicado dos jesuitas, não tardou a indispor- . se, e muito, com os parochianos.
Teria ellc sido nomeado já no governo do dr. Lou- reiro, empossado do alto cargo em 1644? E' o que não sabemos dizer. Certo é que este prelado trouxera de d. João IV a incumbência de restituir o coilegio de S. Paulo aos jesuitas. Tarefa, entre parenthesis,, nada fácil, pois, do alto de suas montanhas riam-se os pau- listas dos ukases do Bragança, recemposto no throno e para elles lettra morta.
Assim, no desempenho da real commissão, para S. Paulo partiu o nov^o prelado. Séria lhe sahiu a ten- tativa.
Amotinaram-se os paulistas, forçando-o a asylar-se no Convento de S. Francisco, onde, por muitos dias, o tiveram cercado. Afinal, deixaram-no voltar a Santos.
Com elle partiu o vigário Albernaz, expulso de seu curato pela revolta das enfurecidas ovelhas, pro- va\'elmente porque fizera causa commum com o seu superior hierarchico.
Chegado a Santos, partiu o dr. Loureiro para o Rio. Em data de 28 de março escreveu o \igario á Camara de S. Paulo pedindo-lhe permittisse a volta á villa e á sua matriz, como cura.
Quatro dias mais tarde, dando todas as arrhas de submissão ao poder municipal, tinha verdadeiro acces- so de fraqueza, enviando ao conselho, para que delle fi- zesse o uso que entendesse, um documento em que attestava a indole pacifica dos pauHstas e a sua fide-
Revolta contra o prelado fluminense 59
lidade á coroa lusitana. Terminava a sua declaração de capitulante implorando da Camara que lhe deixas- se reassumir o cargo.
Vendo-o assim humilhado, f)ermittiram os officiaes de Piratininga que regressasse á sua villa.
Quanto ao prelado, este, enfurecido com o que lhe haviam feito as insubordinadas ovelhas, solemnemente excommungou, em maio de 1646, todos quantos ha- viam tomado parte na expulsão dos jesuítas e queixoso da attitude pouco firme dos franciscanos, nos maus dias do cerco, delles deu parte a Roma, segundo pa- rece. Pelo menos appellaram elles ao papa de sua sentença, conta-nos o ingénuo Jaboatão, já o dissemos.
Não tardaria que entre o vigário Albernaz e a Camara paulista surgisse a mais furibunda contenda, pendência acabada com o recurso ás armas, que cons- titue um dos mais curiosos episódios da vida tão pit- toresca de S. Paulo seiscentista. Teremos de o narrar.
As lacunas, a falta de precisão chronologica dos nossos antigos documentos causam frequentemente a maior perturbação aos seus interpretadores modernos. E' o que succede exactamente com os incidentes que estamos tentando reconstituir. Em que data teria oc- corrido a revolta contra o Prelado do Rio de Janeiro? E' o que não pudemos descobrir. Depois de janeiro de 1644, comtudo, — visto como no catalogo das au- toridades ecclesiasticas do Rio de Janeiro é este mil- lesimo apontado como o da sua provável tomada de posse — e antes de 1.° de janeiro de 1647.
Teria acaso sido o desejo de enfrentar a situa- ção anti jesuítica a determinante da viagem do dr. Loureiro a São Paulo, jornada que provocara as vio- lências do seu revolucior.ario rebanho, e a sua expul- são e a do padre Albernaz?
Enxotados de São Paulo o dr. Loureiro e o vi- gário não tardou que ali chegasse, em visita judicia- ria, o Ouvidor Geral da Repartição do Sul, dr. Da- mião de Aguiar. Nos capítulos de sua correição, feita a 21 de novembro de 1646, deu toda a razão á Ca- mara e aos moradores contra «os prelados e seus vi-
60 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
garios que se intromettiam a avexar e oprimir os lei- gos, tomando por motivo que hião ao sertão», e as- sim ordenou «que por nenhuma via se lhes consentis- sem fazerem egtas violências e opresões e usurpasem a jurisdiçan Real como fazião nessa gente». Em ma- téria de jesuítas não «piou» timoradamente, é bom lem- bral-o. Pouco depois, porém, inesperadamente, prendia e deportava da Capitania de São Vicente, o escri- vão da Camara e tabellião da Villa, Manuel Coelho da Gama.
Verdadeira explosão de cólera se deu então no seio do povo de São Paulo. Era Gama como que o men- tor dos seus concidadãos. «Por ser corrente em pa- peis nos encaminhava os nossos e punha em via os requerimentos de nossa justiça», allega a grande pe- tição, assignada por cerca de 250 dos mais prestigiosos moradores e dirigida como protesto á Camara.
E porque assim agira o ouvidor? «Conduzido dos jesuítas», não havia duvida. Já ao padre Ferreira ha- via despachado para Angola, afim de se atalharem aos paulistas os meios de seu remédio».
Prendia-se a prisão do notário á mesma ordem de machinações: «afim de carecêssemos de quem nos encaminhasse nossas causas e vendo nos atalhados e faltos de remédios para conseguir nossas causas».
Ante tanta e tão grande provocação, decidiram os chefes populares, só havia um recurso: o das repre- sálias extremas.
Resolveram, pois, ao mesmo tempo escrever uma carta ao prelado daquellas boas, e novamente proce- der ao trancamento do Caminho do Mar. Viessem os adversários serra acima fazer valer os suus desaforos!
Não tardou que, assignada por grande numero dos primeiros cidadãos de São Paulo, fosse parar ás mãos do diocesano atrevidíssima carta, que assim começava:
«Tem V. s. alma e consciência? E' pastor, é pae amoroso e espiritual, como deve, ou tyramno, como vemos, lobo carniceiro e perseguidor?»
E neste diapasão continuando, declarava-lhe a mo- ção que em São Paulo ninguém o temia. «Temos bom
insolentíssima carta ao prelado 61
Deus e bom Rei, que, ainda que tarde, ha de conhe- cer e ver tantas maldades, potencias, poderes abso- lutos e vexações que seus vassallos recebem».
Era deste modo que s. illma. recompensava o bom trato dos paulistanos? Não se lembrava, então, de ha- ver escripto á Camara «que só vinha para amar e estimar os moradores» e de que na Corte não tinha sequer um pão para matar a fome?»
Pois não lhe fizeram a Camara e o povo de São Paulo o mais estrondoso acolhimento, como si fora a pessoa real? Para lhe satisfazer a vaidade, não che- gára aquella em consentir que na sua entrada na villa trouxesse «anel episcopal e roquette e toda a mais purpura episcopal».
Bella paga déra a tantas provas de amizade e excessiva deferência...
Demittira o excellente visitador Ferreira, «homem tão bem nascido tão bem letrado, e douto, de tanta virtiide», de quem, ao despachar para São Pavdo, di- zia só «o haver largado para o melhorar com tão hon- rado beneficio».
E, no emtanto, agora o perseguia crudelissimamen- te: prendera-o no Rio em cárcere rigoroso, «com op- probios, moléstias e vexações, nunca vistas com pes- soas criminosas e homiziadas, consentmdo que todos o affrontassem e nomeando casos que eram de Santo Officio».
E ainda lhe tomara e confiscara e mandára vender sua fazenda como si fora herege. E agora sabia-se em São Paulo que, coroamento de tão nefando proce- der, pretendia «embarcal-o subrepticiamente para An- gola, para lá perecer e morrer!»
E quaes as verdadeiras determinantes de tão iní- qua perseguição? A escravização pura e simples do prelado aos jesuítas, ao padre Barcellos, vigário do Rio de Janeiro, inimigo rancoroso do dr. Ferreira e sobretudo ao abominável judeu padre Manuel de Arau- jo, homem de nação, christão novo, «a quem, comtudo, fizera seu vigário geral! E isto quando em todo o Brasil ninguém ignorava que a judia, sua mãe, commet-
62 HISTORIA OBRAL das BANDEIRAS PAULISTAS
tera o mais horrendo sacrilégio: Furtára uma hóstia consagrada e a escondera largo tempo em casa, numa botelha! E, ao rematar a violentissima recriminação, ainda se dizia: «Antes a São Paulo jamais houvéra V. illma. vindo !»
«E porque os homens bons extranham taes pro- cedimentos os excommunga v. illma. e se vae embo- ra, deixando desta sorte tudo torto!» Dest'arte se con- cluia a serie das exaspveradas arguições e remoques!
CAPITULO IX
Revolta dos paulistas contra o seu diocesano. — Tran- camento do Caminho do Mar. — Declarações da Camara. — Temor das responsabilidades. — Syn- dicante timorato e velhaco.
Continuando a série de medidas de rebellião, to- madas contra seu diocesano e as autoridades regias, que o apoiavam, decidiram os paulistas trancar o Caminho do Mar, até receber a reparação dos direitos offendidos a que se julgavam com direito.
A 1." de janeiro de 1647, apresentava-se o povo al- vorotado, perante os seus edis para lhes fazer a entrega de um requerimento, «dizendo todos em geral e em vozes altas que se viam avexados, opprimidos e molestados pelos ministroa ecclesiasticos e seculares, os quaes com força e violência, e por respeito dos reverendos pa- dres da Companhia, lhe não guardavam seu direito de justiça, nem davam lugar que á Sua Magestade chegas- sem seus clamores e queixas por lhes tomarem papeis, impedirem o curso delles, afim de que não recebessem appellação nem aggravo!»
Perante esta colligação de poderes adversos, elles.
64 Historia geral das Bandeiras Paulistas
paulistas, estavam resolvidos a fechar todo e qualquer commercio com o porto de Santos, até «que seu rei d senhor natural acudisse».
Documentando-se Dara a defesa opportuna, certa- mente pró formula, e fazendo uma resistência que não podia ser sincera, exigiram os vereadores, como medida prévia, que o tabellião reconhecesse todos os signaes e assignaturas dos peticionários. Assim o fez logo este official, declarando então os camaristas «que por ne- nhhuma via consentiam que o caminho do commercio e navegação se tapasse», por ser «em grande desser- viço de Sua Magestade e damno do bem commurn dos povos».
Além do mais, como poderiam Officiaes de Sua Magestade encabeçar tão feio acto de rebeldia? Solen- nemente affinnaram, pois, que a elle se opporiam, pro- cedendo contra os morg^dores com todo o rigor da jus- tiça, «como transgressores e inobedientes dos mandados delle».
Explicando a sua attitude, affirmou a assembléa po- pular, pelo órgão de seus «leaders», a sua fidelidade á real corôa de Sua Magestade, o sr. d. João tV. Trata- va-se de uma medida de salvação publica, contra os maus servidores d'El Rei. «O que agora intentavam e queriam fazer era por defensão natural e por se desfor- çarem por si mesmo da força e violência notável que lhe faziam os ministros.
Categoricante, porém, avançou a Camara que não deferia o requerimento a que acompanhavam cerca de duzentos e cincoenta assignaturas e cruzes dos mais grados moradores da villa.
Consentiu, porém, que no seu Registro geral aver- basse o escrivão municipal os termos do requerimento e a carta-protesto enviada ao prelado, que já tivemos o ensejo de analysar.
Que attitude tomou o vigário Albernaz no meio des- tes acontecimentos repassados de \iolencia e insubordi- nação? E' o que se não pôde explicar, dada a defi- ciência dos documentos.
Capitulação do Vigário
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Capilulára, como vimos, em 1646 ante a Camara, para poder ser reintegrado no cargo parochial.
DeixoLi-se, provavelmente^ á espera da occasião aza- da para intervir na pugna, como a tanto o instigava o caracter arrebatadissimo. Para isto, precisava deixar se esbatessem as prevenções fortes que, contra a sua pessoa, deviam nutrir os paulistas, e esquecidas as cau- sas da sua primeira expulsão. Não podia, porém, du- rar por muito tempo este armisticio, dados o caracter dos contendores e a irreductivel opposição em que se moviam.
Depois disto, por algum tempo, nas «Actas» não se reflectem novos sobresaltos. Succedem-se uns aos outros os eternos quartéis de prohibição de entrada ao sertão, tão ingenuamente hypocritas.
A 29 de julho de 1648, me^io assarapantado, compa- receu perante a Camara de S. Paulo o desembargador syndicante Dr. Manuel Pereira Franco, tranquilisando a Suas Mercês a propósito de suas intenções.
«Nan fazia acordo e nenhô tributo de que trazia para lansar nesta repartisam do sul nem menos tratar de padres da companhia por si nem por outro qualquer pessoa caminho ou via que se fosse ofereser».
Mais categórico e accommodado não podia ser! -
Era aliás um formidável negocista este senhor syn- dicante; fazia tranquibernias em vinhos como já re- latamos em nossa Piratininga (pag. 65), e opportuna- mente pormenorizaremos.
CAPITULO X
O alvará de 1647. — Acção de Fernão Dias Paes e João Pires em prol dos ignacinos. — Inciden- tes vittorescos. — Novas questões com Albernaz.
Querendo levar os naulistas a uma composição ami- gável expediu D. João iV o alvará de perdão geral' aos moradores de S. Paulo que expulsaram os jesuítas de seus collegios», a 7 de outubro de 1647.
«Eu el-rei faço saber aos que este meu alvará vi- rem, que tendo respeito ao que me representou o go- vernador geral de todo o Estado do Brasil, governa/- dor e; officiaes da camará do Rio de Janeiro e das villas de S. Paulo, S. Vicente, Conceição e Parnahyba,, ácerca da expulsão dos religiosos da companhia de Jesus: Hei por bem de conceder aos moradores de S. Paulo i>erdão geral de todas e quaesquer culpas que tiverem commettido ainda que tenham partes, re- servando-lhe direito para demandar em o eivei e damnos; com declaração que lhes concedo não ha de ter effeito senão depois de restituídos os padres da companhia, porque com esta tenção lhes mando perdoar e não de outra maneira».
A amnistia geral foi, no dizer de Pedro Taqur
NOVA PENDÊNCIA COM O ViGARlO
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grandr determinante da acção insistente e poderosa dc Fernão Dias Paes Lemte e João Pires, chefes do grujx) Pires, para que se puzessem á testa do par- tido promotor da volta dos ignacinos.
«Reconhecida a paternal clemência do soberano, e o seu real agrado de serem restituidos os jesuitas aos seus collegas, de que tinham sido lançados, como fica indicado, se constituiram protectores dos mesmos je- suitas os dois paulistas ricos e poderosos, geralmente respeitados, Fernão Dias Paes e João Pires, que am- bos faziam uma grande roda de parentes da primeira nobreza de São Paulo á capacitar á plebe para se es- quecer das offensas recebidas do ardor jesuítico».
Tanto a Nobiliarchia como o manuscripto desco- berto por Antonio Piza nada relatam dos aconteci- mentos referentes á pendência jesuítica entre 1647 e
Em ambos ha a seguinte phrase que para elles !ireenche este periodo dilatado:
«Nestas disposiçoens se foi consumindo o íenipo c correndo a causa na Corte até o anno 'de 1653, em que teve ef feito a pretendida restituição».
Nas «Actas» ha bastante cousa que historie inci- dentes desta lucta já antiga. Vejamos alguns.
Assim a nova contenda entre a Camara e o Vi- gário Albernaz. Começou a segunda phase da lucta, segundo parece, por uma questão entre o parocho e Manuel Paes de Linhares, «homem dos mais principaes da republica paulistana», tão prestigiado que até a rua mais importante da villa, hoje 15 de Novembro, tinha então o seu nome. Era elle, graciosamente, com certeza, mestre de capella da matriz, quando, a 2 de junho de 1649, foi o padre Albernaz denuncial-o á Camara, exi- gindo-lhe a demissão immediata.
Não se comprehende bem hoje que teria a Camara com o caso, mas naquelles tempos assim se passavam as cousas. E' preciso notar, comtudo, que, em S. Paulo, desde muito, era o poder municipal absolutamente so- berano.
«Não era serviso de deus nem bem o ornato do
1653.
€8 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
culto devino que manuel paes de linhares exercitasse o ofisio por quanto não hera util nem capas de servir o dito cargo», declarou, categórico, incisivo e, sobretudo solecistico — a fé do escrivão municipal — o padre Albernaz.
Assim, nunca se déra ao trabalho de formar coro, não tendo discípulos nem músicos para a celebração dois officios divinos, «como era uso e costume em to- dos os mestres de capella».
Reprehendera-o e dahi, por vezes, sobrevieram gran- des tumultos, «palavras escandallosas», mesmo deante «do Santissimo Sacramento e do mais povo presente»; em certa occasião, até quando já o cura estava para- mentado, para dizer missa. Também, o suspendera. O peior occorrera, porém, r.a ultima Semana Santa: Es- tava o vigário «na seleb rasam dos sacramentos do can- to», quando o povo, sobremodo escandalisado, vira o mestre de capella «vir assentar-se em' um arco da dita egreja» e por muitas vezes «fazer escarninhos e rir-se dos que estavam ajudando os ofisios divinos».
Chamada a solver a intricada questão, e não sa- bendo como agir, decidiu a Camara que Linhares desem- penhasse o cargo até que o seu superior hierarchico, o prelado fluminense, tomasse providencias. Pancada no cravo e na ferradura... Mas ainda era o mais sen- sato alvitre, deante de um caso de policia ecclesiastica-
Não podia tal resolução agradar ao parocho, que, se retirou furioso, ao passo que os seus inimigos reju- bilaram.
Continuou o conflicto latente, Sabia-se quanto era o Padre Albernaz o grande propugnador de chamada dos jesuítas. Não ha, comtudo, concatenação entre os aliás numerosos documentos, referentes á lucta entre a municipahdade e o vigário e nem de taes papeis se po- dem tirar illações limpidamente lógicas dos factos, visto como nelles abundam as lacunas e as difficuldades de interpretação, por vezes insuperáveis, tal o emmaranha- mento estylistico dos bons escrivães do temj>o. ,
Apenas decorreram tres mezes da denuncia do mes-
PASQUINO CONTRA O VlGARIO ALBERNAZ 69
tre de capella, de novo surgia á presença dos officiaes o combativo parocho.
Constava-lhc, declarou, que pela villa circulava, de mão em mão, um papel que se dizia assignado pelo seu prelado, e documento em que severamente se lhe criticava, sinão verberava o proceder, declarando-o até exonerado dos encargos parochiaes! Si tal era verdade, continuou, vinha entregar á Camara as chaves da sua matriz, porque punha o maior empenho em não parecer indisciplinado, em relação ao seu superior.
Respondendo a esta proposta, aclaradora de situa- ções, disse o procurador do Conselho, Belchior Barrei- ros, que aos seus companheiros de vereança requeria a não acceitação das chaves, até a decisão do caso pela assembléa dos homens bons da villa, visto como fôra o vigário, a um tempo, acceito pela Camara e o corpo eleitoral. Approvado o requerimento, que nos parece como uma moção de confiança ao cura, affirmou o pa- dre Albernaz, á vista da attitude da Camara, que con- servaria as chaves da egreja. Brevemente,, porém, as entregaria ao povo.
Ejm todo o caso, ajuntou, peremptório e sempre pro- vocador, «não administraria sacramento algum, a quem quer que fosse», emquanto lhe não exhibissem o mali- cioso pasquim calumniador, «sem primeiro saber a cla- reza do dito papel», pois queria a certidão de que era o mais obediente súbdito do seu prelado.
Coubera desta vez a victoria ao insubjugavel clé- rigo.
Que seria o tal pasquim? alguma «sátira» da lavra do demittido mestre de capella? Que horrores conteria para que tanto enraivasse o «satirizado»? Como vimos, era elle dos que, como diz a expressão popular, «não engeitam brigas».
Um imez mais tarde, intima va-o a Camara e não mais receber em casa indios da aldeia de S. Miguel. Abu- sivamente os mantinha a seu serviço, afiançava-o pe- rante os officiaes, o próprio capitão do aldeiamento, cerlo Simão da Costa. Teria o clérigo obedecido? Pro- vavelmente, tanto caso fez da intimação municipal, quan-
70 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
to os peixes da feliz comparação hugoana, cogitam das maçãs.
Eroquanto se davam estas questões violentas, oc- corriam como que episódios anedocticos pittorescos da grande pendência da população paulistana com os igna- cinos.
Na sessão de 6 de agosto de 1650 foi a ordem do dia muito interessante. A ella compareceu o pro- curador da Companhia de Jesus, em S. Paulo, Do- mingos da Rocha, a convite da Camara. Mandou esta no seu escrivão que o notificasse de quanto es- tava a Igreja do Collegio em ruinas servindo o seu recinto para a pratica de mil e um attentados á moral. «Estava denificada e os muros derrubados por onde se entrava dentro e se fazião algumas cousas pouco dessentes pelo gentio desta terra».
E quanta desidia havia da parte de seus guardas e depositários! «Sendo hú templo devino deve de estar fexado e ícomposto para que se não emtre nelle mais que p>ella porta principal quando se abrisse», advertiu o escrivão ao relaxado procurador. Agora ficasse elle intimado a vir dentro de quinze dias com os indios de Carapicuhyba que eram da Companhia, a murar e con- certar a igreja.
Respingou Domingos Rocha. Não servia de pro- curador aos padres para tratar das cousas da Igreja e Collegio. Tinham-nos em São Paulo e outros «mai? antigos». Os indios «herão voluntários que não que- rião fazer o que se lhes mandava». Suas Mercês os of- ficiaes que os compyellissem a tal serviço! E depois al- çando o diapasão do seu atrevimento verberou o pro- curador ignacino a conducta da Camara e dos Paulis- tanos. Pois não se confiscara o Collegio? a dita egre- ja e Collegio não heram deste povo?». Assim para se conservarem taes edifícios «tinha obrigação cada hua pessoa dar e acodir com seus negros, poucos ou iviuitos, a consertar o dito collegio». Elle como «homem do povo se obriga\ a a o fazer quando os outros o fizesscxU/i.
Registando a insolente resf>osta dava-o em todo o caso o escrivão como intimado.
NOVA EXPULSÃO DE ALBERNAZ
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Etm 1650 novo incidente grave deixava echos nas paginas das «Actas»: a renovação dos conflictos da Ca- mara com o irreductivel vigário.
Grande conflicto arrebentou entre os contendores, que desde tempo se desafiavam.
Certo Francisco Sutil, homem bom da villa pau- listana, levou á Camara grave denuncia do vigário. Vi- via elle, affirmava o morador, a cobrar de cada ban- deirante, chegado do sertão, e a troco de pagamento da confissão e desobriga, a somma, enorme para a ép>oca, de dois mil réis! E ás vezes, ainda mais exigia, allegando arrecadar a taxa para o seu prelado.
E, no emtanto, afiançava Sutil, estava tudo isto em absoluta contradição com a sentença regia, desde muito passada em julgado, «em que se dava determina- ção sobre a matéria, por ser cousa da corôa real e não do eoclesiastico».
Energicamente reclamava, pois, o homem bom, a cohibição de taes abusos.
Tão seria pareceu a denuncia ao procurador do Conselho, que, para o dia seguinte, domingo, 16 de outubro de 1650, marcou sessão da Camara. Si se rea- lisou, não o sabemos, pois delia não existe acta.
Que teria o padre Albernaz explanado em abono da sua increpada extorsão?
O que do termo de 19 de junho de 1652, que bre- vemente analysaremos, se deprehende que não conse- guiu manter-se em S. Paulo, dahi tendo sido novamente expulso pela Camara e pelo povo.
Pôde o vigário Albernaz ter sido ávido de dinhei- ro, e tido os muitos defeitos de que o accusaram os seus inimigos numerosos. O que se lhe não pode negar é a coragem.
De S. Paulo, escorraçado, voltou ao Rio de Ja- neiro a expor aos seus superiores a razão do seu se- gundo exilio. Obtivera a solidariedade do seu coad- jutor, que chegou a acompanhal-o ao Rio.
A 20 de março de 1651, da cidade fluminense escre- via á Camara de S. Paulo, o vigário geral da Prelazia do Sul, padre Manuel de Araujo, pedindo-lhe que per-
72 Historia Geral das Bandeiras paulistas
mittisse o regresso do parocho e do seu auxiliar, cujo nome, segundo dá a entender um termo do Registro Geral, devia ser Ignacio de Barcellos. Pouco tempo de- pois fallecia aliás este coadjutor.
Ora, ao padre Manuel de Araujo, como já o nota- mos, insultára gravemente a Camara de 1647, chaman- do-lhe judeu e filho de sacrilega. Teriam os officiaes de 1652 acompanhado as disposições hostis dos seus antecessores? Acaso haveria sido possivel obter-se al- guma composição entre os partidos em lucta? Certo é que o padre Albernaz recorrendo á inspiração estra- tégica que aponta a victoria ao partido assaltante, de- cidiu reencetar, e com a maior energia, a campanha reivindicadora de sua posição.
Do seu prelado obteve, não só a confirmação da vigararia, como ainda uma corrimissão de visita canó- nica ás Capitanias do Sul. E' mais ainda, armou-se de uma procuração dos jesuitas investindo-o de plenos po- deres para negociar um accordo com os adversários de S. Paulo, e promover a restituição de seu collegio.
Munido de taes documentos, apresentou-se tranquillo aos officiaes piratininganos.
Trouxe a sua presença grande alvoroto á villa. In- timado a comparecer á sess,ão da Camara de 19 de junho de 1652, atrevidamente respondeu ao interroga- tório do juiz Domingos Barbosa Calheiros, o celbre bandeirante que se notabilisou nas correrias de Cor- rienles e tão infeliz devia ser alguns annos mais tarde na campanha contra os indios bahianos.
Que ordens e poderes trazia para assim affrontar um povo inteiro? Insolente e superior, redarguiu-lhe : a provisão de visitador da Capitania. «Não dana a S. SMcês. comtudo a confiança de lhas exhibir agora, porque estava apenas de passagem por S. Paulo, devendo primeiro percorrer outras villas em sua visita canónica. Deixaria a sua antiga ]>arochia para a ultimá dás fre- guezias visitadas e quando o quizesse fazer».
Ahi, sim, tnostral-a-ia, e ao mesmo tempo ainda a provisão do seu prelado que o restabelecia no curato de que fôra illegalmente despojado, provisão rubricada
Exílio do Vigário Albernaz
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pelo dr. ouvidor geral da Comarca do Sul. Apenas pre- tendia agora saber si os officiaes de S. Paulo ousariam desrespeitar um mandato das justiças de Sua Magestade.
Conhecedora da força do seu adversário, tomara a Camara a precaução de enviar ao Rio de Janeiro um emissário, certo Diogo Roiz, para expor as suas queixas ao prelado. Quiçá mantivesse a esperança de obter o refreamento dos destemperos do padre Albernaz.
Exasperada com a nova phase da questão, fez vir á sua presença o seu delegado para lhe tomar pôr termo as declarações relativas á infructifera missão.
Explicou-liie este que nas próprias mãos do prelado depositára a representação dos officiaes paulistanos, em presença do vigário geral Manuel de Araujo e de outro padre.
Indagando de S. Illma. ácerca do praso do recebi- mento provável da resjxjsta, contestara-lhe o interpel- lado evasivamente, que a daria em tempo opportuno.
Viera este agora, com a reintegração do parocho expulso !
Obrigou a Camara o seu informante a confirmar o depoimento sob juramento aos Santos Evangelhos.
Não podendo viver em S. Paulo, recolhera-se o vigário deposto a Parnahyba, protegido pela rivalidade que entre parnahybanos e paulistas sempre existira e agora acirrada, desde que na villa de SanfAnna se re- fugiara muita gente do partido dos Pires, então venci- dos pelos Camargos. Assim se vê sua assignatura em muitos inventários do tempo, datados de Parnahyba e de 1653, como visitador.
Já nesta época, porém, muito próxima estava a volta a S. Paulo dos ignacinos expulsos do seu collegio havia longos annos.
A falta de documentos já o dissemos não nos per- mitte affirmar que a questão do regresso dos igna- cinos se filie ás grandes luctas civis mais tarde chama- das dos «Pires e Camargos», já delineadas desde 1640 e realmente occorridas na década de 1650. Mas muito nos faz crer que sim.
74 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRA.-s PAULISTAS
Foram Fernão Dias Paes e João Pires os chefes dos Pires, a principio vencidos pelos Camargos e obri- gados a emigrar para Parnahyba. A sua attitude actual de amigos dos ignacinos e o não apparecimento dos Camargos nestes incidentes parecem indicar que a tal sympathia hajam recorrido bastante por manobra po- litica.
Era Fernão Dias Paes homem de notável intel- hgencia. E é bom notar que em 1640 fora dos mais ardorosos expulsadores dos loyolistas.
Quanto aos juizes de 1652, um: Domingos Barbosa Calheiros, celebre bandeirante, era dos principaes che. fes do partido dos Camargos, como já o lembrámos, mtimamente ligado como se achava a Fernando, seu companheiro de jornadas sertanistas e a José Ortiz, irmão deste e mentor do partido; o segundo, Jero- nymo de Camargo vinha a ser irmão do Tigre.
CAPITULO XI
Preliminares para a conclusão da paz. — Fernão Dias Paes e João Pires. — Accordo de 12 de maio
de 1653.
A 2 de dezembro de 1654 reuniain-se em camará o juiz ordinário Fernão Dias Paes Leme, os vereadores João Paes e Francisco Furtado e o procurador do Con- selho, Manuel Fernandes Barros. Noticiou este ultimo que convinha nomear novo administrador para a aldeia de Baruery «por quanto se hia acabando o ano». Eira sobretudo necessário reunir o povo para se lhe lêr a «resposta que mandavam os padres da Companhia e avisasse aos mais povos sobre a mesma cousa».
Na sessão de dezeseis do mesmo mez, depois de se referir que tal resposta dizia respeito a concertos sobre a vinda dos jesuitas, decidiu-se em camará convocar o povo para um grande meeting no dia de Natal, «para se lhe lêr e confirmar sobre a vinda dos ditos padres>;.
Etitretanto, ao que parece, não se realisou tal reu- nião. Pelo menos a ella não se referem as «Actas:>.
Mais um anno decorreu em espectativa anciosa,, talvez f>erturbasse ao almejado accordo a pendência
76 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
entre a Camara e o Vigário Albernaz, que já relata- mos. Ao expirar seu mandato deu a Camara de 1652 verdadeiro golpe de estado, a 1.° de janeiro de 1653. Declarou fraudulentas as listas dos jjelourosy e assim não quiz abril-os prorogando seus poderes indefinida- mente. Era um episodio grave da guerra civil dos Pires e Camargos.
Mas como que houve uma trégua de partidos a pro- f>osito da reconciliação dos paulistas com os ignacinos. .
A 22 de março de 1653 reuniu-se pois a Camara! com intenções fortemente conciliadoras. Decidindo re- partir responsabilidades resolveu «chamar algús mora- dores desta villa que soem servir na republica e sen- do juntos em camera a saber o capitam calisto da mota, joam pires, amador bueno, Anrique da cunha lobo, joam frz, saiavedra, mel peres, joam pais, grasia roiz velho e logo pellos ditos ofisiais da camera lhes foi dito que os tinham mandado chamar pera com elles tratarem sobre o bem comum deste povo»;
Ora, João Pires, Henrique da Cunha e Garcia Roiz eram dos mais prestigiosos chefes de facção contraria Assim pois queriam ambas as parcialidades a recon- ciliação com os jesuítas.
Continua a acta: tinham os officiaes em mãos duas sentenças de S. Magestade relativas aos ignacinos. In- felizmente está parte do termo destruído, assim não sabemos bem do que se trata. «E' que nesta camará tinham auaj sentensas, de sua magestade que deos guarde em que manda o dito s.or que nesta villa
nam avia nem... se dese em relação couza nenhúa
que os padres da companhia fizesem e que os sobre- ditos desem seu pareser no que mais bem deste ppvo sobre estes negosios dos padres da companhia e por elles todos juntos foi dito que e'm tudo se dese cum- primento ás sentensas de sua magestade e que se su- metiam ao que sua magestade como rei e senhor orde- nase e que eles seus vasalos obedeciam a tudo o que elle ordenase e sendo manifesto ao povo por ele foi dito que em tudo obedesiam ao que sua magestade manda e
Acção de Fernão Dias Paes
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o procurador do conselho em nome do povo de que de tudo mandaram fazer».
A acta assignou-a João Pires com verdadeiro dessas- sombro de procurador que procura para os seus pro- curados numa insistência género «Delenda Carthago». «Com declarasam que dise joam pires que com partido dezia viesem os padres da companhia e se asinou».
A 8 de maio veio o Ouvidor Geral da Repartição do Sul, Dr. João Velho de Azevedo, repor a legalidade em S. Paulo. Depoz a Camara abusivamente alargado- Ta do seu prazo, procedendo a nova eleição e dando posse á nova Camara. Daria isto ensejo ao exacerba- mento das contendas entre Pires e Camargos, que te- remos ensejo de narrar pormenorisadamente.
Quiz a nova Camara acabar -de vez com à pendên- cia jesuitica. Assim, aplainadas todas as difficuldades, partiu Fernão Dias Paes para o Rio de Janeiro a buscar os ignacinos e, segundo parece, também o Vigário Albernaz que acabara forçado a se refugiar alli e acerca de quem conseguiu que os rebellados parochianos per- mittissem a reintegração.
Já, por carta, se dirigira ao Ouvidor Geral, receioso' talvez de que por si só não conseguisse realisar o me- lindroso pacto de ajuste de pazes, que tanto tinha a peito.
Diz o manuscripto descoberto por Antonio Piza (cf. Rev. Inst. S. Paulo, 3, III), attribuindo decisiva acção a Fernão Dias e João Pires, quando já a acta de março nos mostra que todos os partidos queriam o accordo.
«Estes dons ])aulistas, protectores da sociedade deno- minada Uc Jesus escreveram cartas chamando do Rio de Janeiro ao Doutor Ouvidor Geral daquella cidade e Repartição do Sul João Velho de Azevedo, o qual posto em S. Paulo, e disposta a matéria da recepção dos Jezuitas foi ao Senado da Camara no dia 12 de Mayo de 1653 estando prezentes os Juizes ordinários Do- mingos Rodrigues de Mesquita e Domingos Garcia Ve- lho, os Vereadores Calixto da Motta, Francisco Cubas e Gaspar Corrêa e Procurador do Concelho Sebastião Martins Pereira e entre todos assentaram que os Jezui- tas fossem aceitos nesta capitania, e seus collegio's se
78 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
o$ Provincial aceitasse também as condições da camará e moradores».
Ha, ahi, evidente exagg«ro do chronista. A causa principal da vinda a S. Paulo do Ouvidor fôra a ques- tão das eleições municipaes, como vimos.
Afinal, a 12 de maio seguinte, assignava-se definiti- vamente a paz, solenne, presente ao acto o Doutor João Velho de Azevedo, os juizes Domingos Garcia Velho e Domingos Rodrigues de Mesquita, os vereadores e o procurador.
Como intróito a este tratado, se declara:
«Considerando a falta q. os R. Ps. da compa. fazem nesta vila asim para o serviço de deos como pela con- servação dos moradores desta vila e mais capitania, paz, e quietação sua e outras particulares conveniên- cias que a este povo se segião da vinda dos padres para o collegio que nesta vila tem acordarão que aceitando o pe. R.or as condiçoins seguintes logo e sem dilação algúa fosem os ditos padres restituidos a sua caza.»
Vem depois a lista de condições para a composição, clausulas sobremodo severas para os jesuítas e consa- grando o triumpho definitivo da Camara e do povo.
«Primeiramente que por via de transacção e ami- gável composição farão o R.'^ Pe. Reitor e mais Reli- giozos com o mt.o R.» Pe. provincial desistências de todas as queixas auçoins c apelaçoins especialmente da sentença apelada que sobre o entredito se alcasou sobre o dito entredito e nunca em nenhú tempo irão nem ino- varão couza algúa contra a dita sentença.»
«Que não an de pedir perdas nem danos gastos nem despesas a],guas feitas athe o prezente por cauza da dita expulsão digo chamada expulsão e que an de por de todo o sobredito aos moradores por desobriga- dos e com declaração que se algum morador lhe tiver algúa couza movei e de raiz que p>ertença a elles ditos Religiozos que contra esses ocupádores de couzas suas em particular f)oderão requerer de seu direito e justiça como lhes parecer e que o mesmo direito lhes ficará para requererem contra seus procuradores para lhes darem conta de suas fazendas e lhes pagarem e res-
TRATADO DE PAZ
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tituirem tudo e em que como tais lhes forem obri- gados».
Vinha depois a parte altamente melindrosa, causa- dora da velha pendência:
«que não recolherão nem ampararão os indios que fugirem aos moradores nem os consintirão em seus mosteiros e fazendas, e que desistirão e não -íeráo nunca partes na execução nem publicação do breve que dizem ter de sua santidade sobre a liberdade do gentio como tão bem no substancial dele de que de tudo se farão escrituras publicas asinadas pelo dito muy R" Pe. provincial reitor e mais Religiozos como tão bem se obrigarão a mandar vir todas as condi- çoins declaradas nestes capitulos e tão bem asinadas por seu geral de Roma e confirmados por sua Mages- tade el Rey nosso snr Dom joão o quarto que deos guarde em conveniente tempo.
e que os contratos escrituras que se fizerem sobre esta matéria an de ser com tais clausulas e condi- çoins que para todo o tempo fiquem obrigados os sucesores do dito Pe. Provincial, e Reitor e os pre- lados seus superiores e todos os Re'igiosos seus pre- desesores e vindouros».
Havia depois a parte relativa ás re}>araçõe5:
«que os moradores voluntariamente por sua devo- ção os ajudarão a concertar e reformar seu colégio conforme a devoção de cada hú fazer o que quizcr sem deste oferecimento nacer obrigação e a mesma ajuda lhes prometem cauzo que queirão mudar seu colégio para outro citio.
e feitas as ditas condiçoins ascentarão os asima nomeados que se tirase hú treslado autentico pera se entregar ao R" Pe. vigairo desta vila domingos guomez albernaz e ao cappt.ão franc" roiz da guerra pera com o dito reslado e ascento e condiçoins se fazerem as escreturas que forem necessárias com o muito R"^ Pe. Provincial e mais Religiozos da compa. de jesus na forma da procuração que outrosi ascentarão se fizes- se aos sobreditos procuradores e j>era que a todo o tempo constasse este termo e asento o mandarão fa-
SO Historia Geral das Bandeiras Paulistas
zer neste livro que todos asinarão com o dito ouvi- dor geral».
Dous dias mais tarde, a 14 de maio portanto, havia a ratificação na Capital da capitania em S. Vicente Presentes á reunião solemne também se achavam os procuradores de vS. Paulo e Parnahyba; da primeira \ illa o seu vigário Domingos Gomes Albernaz já fa- moso pelas suas contendas com a Camara, que mais tarde ainda recrudesceriam e o capitão Francisco Ro- drigues da Guerra.
Diz o documento que abaixo transcrevemos que ambos tinham procuração dos moradores e Camara de S. Paulo mas o v^elho papel descoberto por Antonio Piza (cf. Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo, t. 3, p. 114) pretende que Guerra representava Parnahyba como seu procurador.
Ligara a Companhia de Jesus a máxima importân- cia ao acto; basta lembrar que a elle vieram assistir além dos Reitores dos Collegios de S. Paulo e Santos o Padre Provincial do Brasil e o seu assistente.
Assignou-se verdadeira capitulação completa por par- te dos ignacinos.
«Escriptura de transacção e amigável composiçãp celebrada na villa de S. Vicente na camará delUa aos 14 de maio de 1653. Estando junto os officiaes da camará delia, o juiz ordinário Paschoal Leite de Me- deiros e os vereadores Gonçalo Ribeiro Tinoco, Do- mingos de Meira e João Homem da Costa, e o pro- curador Thomé de Torres Faria, e também das pes- soas da governança da terra o capitão Lourenço Car- doso de Negreiros, o padre Domingos Gomes de Al- bernaz, então visitador de Sul, e o capitão Francisco Rodrigues da Guerra, ambos procuradores bastantes dos moradores e camará de S. Paulo; para ef feito de serem os padres restituidos aos seus collegios se ac- cordou da maneira seguinte:»
«Primeiramente disse o reverendo padre provincial, e mais religiosos acima nomeados, que elles promettiam, e de effeito desistiam por via de transacção e ami- gável composição de hoje para todo o sempre, de
Tratado de paz
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todas as queixas, acções e appellações, especialmente da sentença appellada, que sobre o interdicto alcan- çaram, e promettiam que nunca em nenhum tempo pro- seguiriam, nem innovariam cousa alguma sobre a dita sentença, antes disse o dito reverendo padre provin- cial que desde logo dava plenária absolvição, pelos poderes que para isso tinha, a todas e quaesquer [jes- soas que por qualquer via ou modo houvessem in- corrido em algumas censuras ou censura de qualquer qualidade ou condição que fosse ou haja sido; outro- sini disse o dito reverendo padre provincial e mais religiosos que desistiam de todo o direito que tinham ou podiam ter sobre as perdas e damnos,, ou injuria, que por qualquer via se lhes .houvesse seguido na cha- mada expulsão, para em nenhum tempo allegar ou pedir, para que tudo fique em perpetuo silencio e conservação da paz e concórdia, que pretendem ter; com declaração que se algum morador da dita villa, ou qualquer outra pessoa que tiver alguma cousa súa, assim movei, como de raiz, que j>ertença a elles di- tos padres ou a seu collegio, que contra esses occu- padores e suas causas poderão em particular requerer contra seus procuradores, para lhes darem conta de suas fazendas, e lhes pagarem e restituírem tudo o que como taes lhes i forem obrigados ; outrosim. que não recolheriam nem amparariam em suas casas ou fazendas os indios ou indias dos moradores, serviços dos moradores, nem os consentiriam em suas fazen- das e mosteiros, antes os entregarão aos seus donos com boas praticas para que os sirvam; outrosim disseram mais o dito reverendo padre provincial e os mais reli- giosos que desistiam, e não seriam nunca partes na execução do breve, que dizem ter de Sua Santidade, 'sobre a liberdade do gentio, como também no subs- tancial delle. Outrosim disseram os procuradores da dita villa de S. Paulo e camará acima nomeados, que elles em nome de seus constituintes promettiam de dar aos ditos padres ajuda que cada um {xjdesse volunta- riamente, conforme sua devoção, para reformação do dito seu collegio antigo; e em caso que o queiram mu-
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dar para outro sitio, lhes promettem a mesma ajuda, sem que desta promessa e offerecimento nasça obri- gação alguma; outrosim prometteu e se obrigou o dito padre provincial e mais religiosos a mandar vir em tempo breve e conveniente todos estes concertos e condições acima declaradas, assignadas e confirmadas por Sua Magestade, que Deus guarde, e pelo reverendo padre geral, que assiste em Roma, para que assim fiquem os successores do dito padre provincial e mais prelados que agora são e ao diante forem, obrigados a guardar todas estas condições acima declaradas, as- signadas e confirmadas por S. M., que Deus guarde, e pelo muito reverendo padre geral que assiste em Roma, não innovando cousa alguma, como delles se deve con- fiar; e por assim todos serem contentes, disseram que acceitavam uns e outros os ditos concertos e promes- sas e conveniências, e para mais segurança e cumpri- mento de tudo o acima e atraz escripto disseram que obrigavam todas suas pessoas, bens e moveis e de raiz, havidos e por haver, e nunca irem contra estes concertos, e portheor desta disseram que haviam feito e só esta querem que se cumpra, tenha força e vigor; e disseram mais o dito provincial e mais religiosos que se nestes concertos e amigável composição faltasse al- gum ponto de direito, clausula ou solemni.Iade alguma por declarar, que as haviam aqui todas propostas, ex- pressas e declaradas, de que mandaram fazer esta es- criptura neste livro dos registos desta camará, e que delia desse os traslados que cumprissem, onde todos • .aram com as testemunhas Domingos Freire Jar- c.i., (^-íspar Gonçalves Meira, João Nogueira e Hen- rique Mattoso, todos moradores desta villa, e pessoas de mim escrivão da camará conhecidas; e eu Antonio Madeira Salvadores, escrivão da Camara, que o escrevi neste livro de registro. O padre Francisco Gonçal- ves, provincial. O padre Domingos Gomes Albernaz». Francisco Rodrigues da Guerra. O padre Francisco Paes, reitor do collegio de S. Paulo. O padre Gonçalo de Alburquerque, reitor do Collegio de S. Miguel. O Padre Francisco Madeira. Gonçalo Ribeiro Tmoco. Pas-
ACCORDO COM O VIGÁRIO ALBERNAZ
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choal Leite, Domingos de Meira, João Homem da Cos- ta. O Capitão Pedro Gonçalves Meira. O' Capitão mór Bento Ferrão Castello Branco. Lourenço Cardoso de Negreiros. Manuel Lopes de Moura, Gaspar Gonçal- ves Meira, Henrique Mattoso, Domingos Freire Jardim, João Nogueira.
Assignado o tratado de paz e aproveitando a oc- casião fez o Dr. João Velho extensa correição cujos capítulos trazem a data de 7 de junho de 1653. Nesta tomou especiaes providencias sobre o homicídio de es- cravos. Arbitrou preços diversos sobre o achado de peças escondidas no termo da villa, fóra delia, e no sertão. E quanto aos homisiados da villa os seus de- tentores que as manifestassem dentro de 15 dias, sob pena. de por ellas pagarem quatro vinténs por dia, de jornal.
Como terá talvez notado o leitor a segunda as- signatura era a do Vigário Albernaz, provavelmente impando de satisfacção e enthusiasmo, ao ver ven- cedora a causa de seus amigos da Companhia de Jesus.
CAPITULO XI]
Cartas ao Rei e ao Governador Geral. — Applauso real. — Carta do Geral da Companhia á Camara.
Logo depois entendeu a Camara, a 2 de junho de 1653, participar ao Rei que se fizera a paz entre ella e os seus inimigos de tantos annos e pedindo a ratificação real (cf. Registo Geral, III, 376).
Gabava o seu espirito conciliador e a alegria oriunda da paz. «Com a restituição dos reverendos padres da companhia a esta villa de São Paulo^ donde foram expulsados era cousa em que debatia ha tantos .annos com não pequena inquietação deste povo por falta de justiça, nos pareceu aos officiaes da Camara deviamos fazer aviso a sua magestade como obedien- tes e fieis vassallos que somos, do que temos obrado nesta matéria de tanto bem commum desta capitania, poucos dias depois de nossa eleição tratamos logo de vencer todas as difficuldades que se oppunham a con- seguir este negocio de tanto serviço de Deus e as- sentando com os ditos padres um conchavo e com- posição amigável de concertos que pareceram neces- sários para quietação total das desconfianças passa- das os tornamos a restituir, ao seu collegío e a metter de posse de tudo o que se achou ser /seu nestp disi-
CARTA DA Camara ao Governador Geral 85
tricto com grande alegria e applauso geral de todo este povo que está muito contente com sua vinda e nós em nome de todo elle rendemos... graças a vossa magestade por nos haver mandado neste tempo por ou- vidor geral um ministro tão cabal e tão cuidadoso.»
Passou depois o poder municipal a elogiar a atti- tude do ouvidor Azevedo e a pedir a approvação do monarcha.
«De seu real serviço como o doutor João Velho de Azevedo... que com seu conselho, prudência e christanda- de,... este negocio de maneira que com paz uniformidade e satisfação de todos se veiu a concluir^ além de me- recer que vossa magestade lhe faça mercê pelo bom modo... com que introduziu e poz em seu vigor... e in- teireza que nesta gtrra faltava... por falta de ministros que administrassem com... pequeno dispêndio da au- toridade leal os concertos que com os padres da com- panhia assentamos que serão presentes a vossa mages- tade pedimos humilmente seja vossa magestade servido havelos por bem e mandalos confirmar para maior fir- meza de paz e amizade que com os ditos padres espe-t ramos continuar.»
Ao mesmo tempo também escreveu a Camara lon- ga carta ao Governador Geral do Brasil, dando-lhe parte do feliz successo e fazendo os maiores elogios ao ouvi- dor que restituirá a paz á republica paulistana (cf. Reg. Geral II, 379).
«Foi Deus servido que em tempo do governo de vossa excellencia se desse fim a este negocio da resti- ' .ií/ào doà padres da companhia tão debatido em tantos ânuos. E' nos temos por bem afortunados de sermos os instrumentos desta effectuação á sombra do amparo de vossa excellencia que Deus guarde o modo como o diremos em breve com a nova eleição dos officiaes da Camara que fez o doutor João Velho de Azevedo ou- vidor geral desta repartição em que procurou metter homens repúblicos e amigos da paz, se tratou com calor a tornada dos padres da companhia para seu collegio e concertando com elles uma composição amigável de concertos, que pareceram necessários para segurar os
83 HISTORIA Geral das Bandeiras paulistas
ânimos de alguns dos confiados os mettenios de posse de seu collegio e mais bens que se acharam seus neste dislricto com grande alegria e universal consolação de todos esperamos agora que Nosso Senhor com sua vinda nos ajude fazer muitas mercês e dar-nos uma grande paz e quietação, que... até agora nos faltou; ao dito ouvidor geral... de bom successo deste negocio e por elle... tanta prudência uniforme consentimento e satisfa- ção de todos pelo que pedimos a vossa excellencia seja servido agradecer-lhe por carta não só no que isto obrou que foi muito mas o ter introduzido outra vez a justiça e inteireza nesta terra que tão esquecida estava delia.»
Ficou o. monarcha muito satisfeito com o apazigua- mento desse fóco de luctas que havia já quasi 13 annos se acendera, assim escreveu á Camara de S. Paulo uma carta, do real punho em que lhe exprimia o seu prazer.
«Juizes, vereadores e mais officiaes da camará da villa de S. Paulo. Eu el-rei vos envio muito saudar. Pela provisão que com esta vos mando remetter enten- dereis como fui servido de approvar os procedimentos que João Velho de Azevedo, ou\^idor da capitania do Rio de Janeiro, teve na correição com que foi á essa villa e capitania de S. Vicente c resoluções que to- mou, por tudo ser conforme á justiça c bom governo, e muito do serviço de Deus e meu, e de annuUar os que em contrario teve depois José Urtiz de Camargo, enviado pelo conde de Castello-Melhor, sendo go\erna- dor desse Estado: pelo que vos encommendo, encar- rego muito e mando que em tudo cumprais e guardeis e façais dar á sua devida execução a dita provisão,, tão inteira e pontualmente como de vós confio, estando certos que fico com particular lembrança do serviço que me fizestes na aceitação dos religiosos da compa- nhia, e bom termo com que \^os houvestes com o ouvi- dor e pessoas que o acompanharam^ para folgar de vos fazer, e a essa camará, o favor e mercê que hou- ver lugar. Escripta em Lisboa a 11 de Dezembro de 1654. Rei.»
Documento muito interessante é a carta que de
Carta do Geral da Companhia 87
Roma, a 26 de outubro de 1658, á Camara de S. Paulo, escreveu Jeronymo Uchrt(?), talvez secretario do Geral dos Jesuítas, que então era Gotifredo muito grato aos bons tratos dos paulistas para com os seus irmãos de roupeta, segundo ou\ ira do Provincial do Brasil, o tão conhecido Simão de Vasconcellos (cf. R. Ger. II, 553). «Senhor Juiz e Vereadores
A noticia que tive por cartas do padre provincial Simão de Vasconcellos, da muita graça amor e bene- volência que os padres desse collegio experimentam ca- da dia desse nobre Senado em geral em cada um dos senhores que neile assistem em particular me encoraja a escrever esta para dar a vossas mercês as devidas graças e certificar que vivem e viverão sempre em nos- sa memoria dos benefícios recebidos e a lembrança dos bemfeítores deante do divino acatamento pedindo... que recompence com sua liberal mão o que da nossa parte não é possível satisfazer.
Também se chegou a noticia que por causa das cousas passadas havia alguma desconfiança dos nossos religiosos nessa villa... os senhores moradores delia que int€n... restituíam... pelo que me pareceu assegurar a vos- sas mercês que estejam for... nesta parte confomie o accordo feito pelo padre provincial Francisco... para servir a Deus e vossas mercês, segundo... as regras de nosso instituto, e não por interesses temporaes que en- contram a justiça e caridade... Guarde o senhor a vos- sas mercês por largos annos. Roma vinte e seis de ovi- tubro de mil e seiscentos e cincoenta e oito. Servo de vossas mercês Jeronymo Uchrt.»
Suppoz o escrivão municipal, na sua ignorância, que a assígnatura fosse a do Papa Negro, e assim averbou o documento: «Registo de uma carta vinda de Roma do Padre Geral da Companhia de Jesus a esta camará da Villa de S. Paulo», ou quiçá haja tomado a assígna- tura do secretario pela do Geral.
Era este, na occasião, o romano Gotifredo e este nome Uchrt de\e estar estropeadissimo. Realmente, Pe- dro Taques, na biographia de João Pires, escreve Hie- ronymo Richet a relatar que o jazigo concedido a Pi-
88 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
res para si e sua família no collegio jesuítico o fora por este Ríchet a quem erradamente chama reveren- díssimo padre geral. Isto, em demonstração de reco- nhecimento «ao protector dos padres para serem resti- tuídos a S. Paulo». Morreu Pires a 8 de julho de 1657.
'Em outro ponto da Nobiliarchia, onde se refere o línhagista a este caso, ao tratar de João Pires Rodri- gues, que se sepultou no jazigo paterno, mas ahi chama ao doador do tumulo, Hyeronimo Ríchet.
Terminando a sua memoria sobre esta longa per- lenga, que tanto apaixonara os paulistas, faz Pedro Ta- ques os seguintes considerandos:
«Etsta foi a expulsão, e restituição dos Padres Je- suítas de S. Paulo, cujos os movimentos, c cauza del- les não anda ainda em corpo algum de Historia. Eu aqui a tenho relatado com pureza, e verdade, pelos Documentos que produzi, os quaes me deram a ínstruc- ção para conhecimentos do que aconteceo para serem os Jesuítas lançados da Capitania de São Vicente e São Paulo. E supposto que depois de restituídos á mesma Capitania foram estimados e favorecidos de sorte que estes benefícios chegaram a occupar a Real Lembrança do Senhor Rey Dom João VI, e muitos annos depois o agradecimento do Padre Prepozito Geral; o tempo, porém, que costuma alterar a ordem das cousas, e con- sumir aquellas imagens do fiel reconhecimento, fez com que os mesmos Jesuítas com occulta sagacidade tor- nassem a produzir nova cauza para novas desconfianças nos Moradores de S. Paulo, de tal sorte que sahindo de soccorro a conquistar os bárbaros índios que hiam destruhindo as villas de Camamú, Boípeva e Cayrú do Recôncavo da Bahia, em tempo do Governador Geral do Estado Alexandre de Souza Freire no anno de 1670, entre as prepozições que o Paulista Estavam Ribeiro Baiam Parente, Governador das Armas deste soccorro, representou ao dito Governador Geral foi: «Que os Pa- dres da Companhia não teriam Jurisdição neste Gentio por serem os ditos Padres a cauza de todos os homizios como a experiência tinha mostrado». E parece que esta
ACCUSAÇÕES AOS JESUÍTAS 89
cautela não foi fanatismo do Governador Baiam porque já neste tempo tornavam os Jesuítas a ir tirando a mas- cara, com que de antes encobriam a dominante paixão que tinham de possuir o dominio espiritual c tempo- ral dos Índios do Brasil».
I
CAPITULO XIII
A continua farça da prohibição das entradas no período da ausência dos jesuítas de S. Paulo.
Distingui rase a Camara de 1635 pela serie de quar- téis ou proclamações prohibiado as entradas :i selva. A 28 de maio, informada de que algumas pessoas es- ta\ani para ir ao sertão e dar guerra ao gentio, contra a lei de sua magestade, e capitulos de correição, prohibia taes entradas a quem quer que fosse, sob j^ena de 200 cruzados para a guerra da Bahia (que entre parent])eses era em Pernambuco), sob pena de se ha\er por trahidora á coroa real e ter a fazenda confiscada em proveito da real e seus indios postos nas aldeias. A 2 de julho, novo quartel; agora com multa de 500 cruzados, «visto os avisos dos inimigos estarem nesta côrtex'.
A 11 de agosto escrexia a Camara ao capitão rnór que «a mór parte dos ;iioradores da villa estava de viagem, parte para o sertão, sem embargo dos quartéis affixados nos logares públicos e todas as mais provi- dencias. Assim acudisse S. Mcê »a atalhar e defen- der a tal viagem como capitão mór que era desta capitania ». I\Ias S. i\Icô que bem sabia que era esta
Quartéis e correcções
a eterna comedia municipal certamente não se moveu das suas commodidades de São Vicente.
A Camara seguinte, começou prohibindo as entra- das e já ahi ameaça\a os desobedientes com a ])risão e a remessa á relação bahiana. Assim também as de 1637 e 1640.
A 7 de janeiro de Í640 o procurador Miguel Gar- cia Carrasco protestava contra o que ouvira falar do Ouvidor Geral. Vinha este magistrado abrir devassa contra os moradores da villa que haviam ido ao ser- tão a descer gentio. Ora «até o prezente estava em huso e costume hir se ao sertão pois os moradores não podiam viver sem o sertão», sendo que até ago- ra nunca os ouvidores geraes taes devassas haviam tirado». Assim a isto acudisse a Camara.
Curiosa declaração official e contradictoria! Então que pensar dos recentes procedimentos dos paulistas contra diversos ouvidores?
A 4 de fevereiro seguinte era o mesmo Carrasco quem pedia o apregoamento de quartel contra os que queriam ir ao sertão!
A '3 de março appareceu em correição o Licen- ciado Simão Alvares de la Penha e uma das suas providencias ei^a multar em 50 cruzados, metade para o Conselho e metade para a Bulla de Santa Cruzada! a quem alliciasse «peças escravisadas a fugir de um rancho de sertanistas para outro!»
E,mqaanto davam os paulistanos largas ao seu fu- ror anti-jesuitico, expulsando de sua villa os odiados ignacinos e mantendo-os exilados durante treze longos annos, nem por isto deixavam os seus edis de tomar bem cuidado eni fazer inserir nas actas de suas reu- niões as eternas disposiç>ões relativas aos quartéis de prohibiçâo de entrada ao sertão e do aprezamento de Índios. O respeito perenne á palavra escripta, ás or- dens majestáticas levava-os a não se descuidar de uma providencia que lhes parecia ser como um pararaio con- tra a possivel descarga da ira real em defesa da auto- ridade da coroa.
A 15 de setembro, sempre de 1640, requeria o m-
92 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
defectível Carrasco declarar sob juramento que embo- ra houvesse o licenciado Penha deixado mandato para o confisco dos bens dos sertanistas ausentes em ope- rações de descimento nenhum dos tabelliães de São Paulo e o escrivão da Camara recebera tal mandato!
Na sessão da Camara de S. Paulo, de 28 de se- tembro de 164!1, declarava o procurador do Conselho "ainda Miguel Carrasco, aos seus pares, que «a sua noticia hera vindo que se aviaram desta \illa mais de setenta pessoas moradores delle para hirem ao ser- tão contra as leis provisões e prohibições de Sua Ma- gestade». Requeria providencias as mais severas por parte dos juizes ordinários para que se não effectuas- se tão grande deserviço a Sua Magestade, inclusive a expedição de precatórias aos capitão mór e ouvidor da Capitania visinha, repartição da Condessa de Vimieiro.
Assim se procedesse ao confisco dos bens dos fu- turos sertanistas, sobretudo de seus indios.
Bem sabia Carrasco que no anno seguinte o seu successor estaria requerendo as mesmas cousas agora quiçá contra elle próprio Carrasco, em vésperas de par- tir para a selva em armação de descimento para alli «procurar o seu remédio».
Mas o respeito á palavra escripta, o temor vago, a apprehensão das responsabilidades o levaram a que- rer accumular termos sobre termos abonadores do seu respeito ás leis de S. Magestade. E era Paulo do Amaral, Paulo do Amaral! leia-se-lhe bem o nome! quem mais barulho fazia nesta memorav^el sessão, «re- quereu da parte de Sua Magestade que os juizes logo fossem prender, arestar e proceder com todo o ri- gor contra as pessoas «dos sertanistas pondo-lhes suas peças em aldeias ». Se o não fizessem, elle, Paulo do Amaral, Paulo do Amaral! denunciaria o caso ao Go- vernador Geral do Brasil. Impagável attitude!
Na sessão seguinte dizia o procurador Carrasco que os candidatos á viagem ao sertão persistiam no seu in- tento. Pedia sequestro de seus bens, prisão e intima- ção de fiança por parte de taes desobedientes ás leis de Sua Magestade. Risum..-
NOVOS QUARTÉIS CONTRA AS ENTRADAS
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A 5 de outubro de 1641 mais um quartel sobre «a viagem ao sertão».
A 13 de fevereiro de 1644, o eterno quartel de prohibição de entradas, mencionava agora uma multa immensa, quinhentos cruzados! A gente de S. Paulo ia não só para seu sertão, como para o de Parnahyba como para o de Mogy. Era a corrente migratória de que nasceriam as villas intermédias a Taubaté, já então fundada. O quartel apregoado a 21 de janeiro de 1645 era moti\ado pelo despejo «desta terra», que estava em risco de poder ser tomada, nVaximé quando se sabia que em Canárias estava uma armada inimiga para vir infestar esta cesta. Conendo «a capitania muito risco de ser tomada». Pela primeira vez mencionam as actas uma allusão á possível reconquista hespanhola. Pouco antes, perante a Camara anterior, a 12 de novembro de 1644, vieram os indios de Baruery por intermédio de seu capitão, Manuel João Branco, queixar-se do seu capellão Padre João de Caldas Telles. «Não usava com elles o que era justo, desinquietava-os e era causa de que despejassem suas aldeias.» Pediam' que o substitui s- sem pelo Padre Thomaz Coutinho.
A' matriz, foram incorporados pedir os officiaes da Camara, ao vigário, Dr. Francisco Paes Ferreira, ouvi- dor da vara ecclesiastica que em nome de sua magestade demittisse o Padre Caldas e nomeasse o Padre Cou- tinho. Sete dias depois intimava a Camara ao \igario Pero Gonçalves Bouças, que deixasse a aldeia dos Gua- ramimys pois delia estava demittido pelo vigário que < lhe extinguira e jurisdicção »; sob pena de excommu- nhão recolhesse á São Paulo «por não ser de nenuhm aserto».
E' de crer que houvesse do parocho obtido a Camara tudo quanto queriam os indios.
Logio depois fallecia aliás o padre sem testamento como em Camara se disse na sessão de 9 de abril de 1644.
O termo de 6 de fevereiro de 1646 é importante. Tratando da entrada ao sertão, da continua comedia dos quartéis ])rohibitivos, declara que «a maior parte dos
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94 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS \
moradores da villa, e ainda os de maiores posse, esta- vam de caminho para o sertão sem nenhum temor de Deus, nem das justiças, desamparando a capitania e deixando-a exposta a notáveis perigos». Já por duas vezes representara a Camara ao capitão mór da Capitâ- nia para que a isto pozesse cobro «atalhando estes ex- cessos».
E como nada houvesse feito «se lhe deprecase ter- seiro precatório porque se lhe encãpase a capitania».
A 21 de novembro de 1646 estava em S. Paulo o Ouvidor Geral da Repartição do Sul, Dr. Damião de Aguiar «vendo o que de mais util e necessária para o bem da Republica e Reformação da justiça».
Tomava uma serie de precauções de ordem pura- mente administrativa e de entradas ao sertão não cui- dou. Pelo contrario, como que effectuou uma demonstra- ção de sympathia aos sertanistas, dando-lhe mão forte contra o poder ecclesiastico «cujos prelados c vigários se intromettiam a avexar os leigos, tomando por mo- tivo que hião ao sertão e lá tinham copula com as pagãs», condemnando-os sem serem convencidos, ouvi- dos e sentenciados judicialmente, no que usurpavam ma- nifestamente a jurisdicção real e quebravan-» as leis de Sua Magestade.
Algum receio infundira aos paulistanos a \inda do Ouvidor Geral o que se reflectira na acta de !7 de novembro de 1646.
Assim aos seus collegas contou o Procurador do Conselho que tinha por noticia que «o ouvidor geral desta repartiçam do sul devasava as entradas do sertaii o que hera em grande dano e prejuízo do bem^ comum pelo que requeria se juntase este povo e com nlle fo- sem a requerer ao dito ouvidor geral que visto não trazer provisam particular de S. Mage. (ju de seu go- vernador geral per a. devaçar do dito serram o não fi- zese». Decidiu a Camara, ao mesmo tempo, uma visita ás aldeias de indios.
Talvez, o que não dizem as .'\ctas, encontrasse o Dr. Damião um tal ambiente na villa que, cauto e timorato,
NOVOS QUARTÉIS SOBRF. O SERTÃO
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aão se abalançasse a tratar do caso do sertão num dos capítulos de sua innocua correição.
Depois que se foi de S. Paulo é que pretendeu mos- trar energia, como já referimos ha uns capitulos atraz ;;rovocando então protestos violentos dos paulistas.
A 26 de janeiro de 1647, no\'^o quartel sobre sertão.
Ninguém se intimasse por se terem nova:s do Se- ihor Governador de que «havia inemigos olandezes».
Facto único, virgem até agora nos annaes muni- . ipaes, era o seguinte:
O próprio povo requeria á Camara que intimasse a Antonio Nunes a não partir para o sertão, no desco- brimento de minas «porquanto estava este povo todo balado para sahir em sua companhia»!
Curiosa demonstração!
No termo de 26 de fevereiro seguinte se declara [ue se tratava de Antonio Nunes Preto. Mentia elle dizendo que ia tentar descobrir minas de prata, quando se sabia que pretendia descer indios.
Assim pedia o procurador do Conselho, Simão Ro- Irigues Coelho, que se notificasse o caso ás demais tâmaras da Capitania para que não deixasse sáhir povo algum para o sertão, nem lhe dessem «mantimen tos nem favor e nem ajuda».
E" este termo sobremodo curioso pela sua ingenui tade incommensuravel. Assim revela que Antonio Nu- les a]:;resenta.ra á Camara um rói de doze homens .brancos que em sua companhia deviam partir, tend > • >btido a a])provação municipal para esta iista! E os arnosos quartéis? e as eternas precatórias? protestos e todo o arsenal de termos concomittantes? Outra de- ■daração capciosa, se insinua na acta: se acaso fosse ealmente Antonio Nunes a cata de prata e iiUercurren- emente trouxesse gentio «que o puzesse nas aldeias de Sua Magestade»,
Mas o delicioso é o final: a recommendação ao ser- tanista. Caso descobrisse minas «todo o gentio que ou- vesse de redor das ditas minas o deixassem ao povoa- dor para o beneficio das ditas minas deixaíido-as es- tai- assim c da inaneira que estão em seu alvidrio-.
96 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
Teria o Doutor Manuel Franco do Desembargo de Sua Magestade, syndicante das capitanias do Sul, com poderes de Ouvidor Geral do Eetado do Brasil, auditor geral dos exércitos, ficado impressionado a respeito dos paulistas, pelo que ouvira do seu collega o Dr. Damião de Aguiar? Provavelmente. Certo é que a 29 de ju- lho de 1648, perante os officiaes da Camara, fazia a se- guinte e timorata declaração: Não trataria de Padres da Companhia, por si nem por outra qualquer pessoa, caminho ou via que se podesse offerecer, «nem faria acordo e nenhú tributo de que trazia pera lançar nesta repartição do sul» os expulsos ignacinos. Demorou-se o homemsinho em S. Paulo algum tempo na villa, voltou a sua correição datada de 16 de março de 1649.
Sobre a questão do sertão foram as suas providen- cias anodinas. Intimou aos individues que tinham pe- ças de gentio da terra fugido ou induzido a abandonar os seus legitimes senhores a entregal-os a suas donos, dentro de 9 dias, sob pena de pagarem por cabeça e por dia, quatro vinténs de aluguel e ficarem passiveis de processo de furto.
Mandou também que a Camara fizesse voltar ás aldeias os indios delias apartados, fizesse reformar as casas dos pobres bugres e puzesse com assistência con- tinua em taes povoações capitães e clérigos que se delles se ausentassem poderiam soffrer multa de 200 cruzados e dous annos de degredo em Angola, pena de que estavam também ameaçados os officiaes mu- nicipaes !
Simplesmente impagável este Doutor do Dezembar- go de Sua Magestade! Era aliás um grande velhaco contrabandista de vinhos, como solemnemente de tudo o accusou a Camara de 1649, e, opportunamente te- remos de pormenorisar.
CAPITULO XIV
F-pisodios da questão servil durante a ausência dos jesuítas.
Vejamos agora alguns incidentes relativos á questão Índia, decorridos durante a ausência dos jesuítas de S. Paulo.
Na sessão de 4 de maio de 1640, a Camara, re- prehendendo a João Missel Gigante das violências pra- ticadas contra os indios de Baruery, lembrava quanto era aquella aldeia «tan necesaria pera as couzas que se oferecerem e pera o que de prezente ordena e man- da o Snr. Marques vizo Rey da leva que a esta ca- pitania mandou fazer o Capitam Antonio Raposo Ta- xares».
A 23 de setembro de 1645, surgiu emi S. Paulo mi- portante personagem: o Sargento Mór Francisco Gar- cez Barreto que trazia a jxjmposa patente de prove- dor das minas e quintos reaes e da casa da moeda.
Apresentou-se em Camara para lhe formular grave queixa. Constava-lhe que se tinha mandado e orde- nado aos capitães das aldeias de S. Paulo que lhe não dessem indios alguns «sendo assim que nellas os tinha Sua Magestade para as occasiões do seu real ser-
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Historia Geral das b \ndeiras Paulistas
*^iço>;. Justamente agora era uma destas e queria de S. Mcés saber ao certo que vinha a ser semelhante historia. Constava-lhe ainda que nas aldeias havia mui- ta gente que abusivamente mandava quando a sua autoridade única a que as devia reger era a, municipal. Dahi resultava «desnaturalisarem-se os indios e dividi- rem-se e andarem destinctos e apartados e menos uni- dos e conservados do que hera necesario».
Assim requeria aos officiaes de S. Paulo que ja- mais deixassem menoscabar a sua autoridade. Que fra- queza era essa? Decidiu a Cainara que faria vir á sua presença os bugres para que soubessem quem em relação a elles queria, podia e mandava.
Mas, qual! era tudo isto palanfrorio. Conta-nos o termo de dez de maio de 1646 que «alguns moradores <la villa tiravam os indios de suas aldeias forçosa e vio- lentamente e os levavam para o sertão, desunindo-os e apartando-os. Fosse um dos juizes ordinários tornar effectiva a ]x>sse municipal sobre as aldeias».
Amiudam-se nas Acfas os termos sobre as violên- cias feitas aos indios.
A 6 de julho de 1647 queria a Camara' que, pe- rante ella comparecessem os }>rincipaes das aldeias para lhe notificarem em que casa de brancos estavam os indios forçados a servir.
A 4 de setembro de 1649, tudo em matéria de se respeitarem as leis protectoras dos indios continuava letra morta. Era o que denunciava o capitão de S. Miguel, Simão da Costa. Seus indios viviam a servir cm casa dos moradores da villa e até na do Padre Domingos Gomes .\lbernaz.
Poucí; depois, a 8 de janeiro seguinte ;_de l650), deu-se um incidente que, apezar do embotamento dos cspiritos, a ]iroposito de taes casos, causou funda im- pressão. Vinha o mesmo capitão de S. Miguel, Simão da Costa, para S. Paulo, em companhia de vários indios e Índias, quando na estrada foi victima de uma em- boscada de escravistas! Era uma scena de alto ser- tão nos arredores da villa. Foram-lhe os indios appre- heiídidos [>elos assaltantes.
Violências inauditas
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Reuuiu-se a Camara ena sessão solenine c o Pro- curador Simão Lopes Fernandes trovejou contra esta soena indescriptivel. «Mandasse a Camara chamar o ca- pitão mór para que mandasse tocar caixa e couvcj- cassc os capittães de ordenança e para que estes com suas companhias acompanhassem o ouvidor da capi- tania c mais justiças, afim flii que fossem a casa ou casai^ de quem tal força v assuada fizera com pouco temor de Deus e Sua Magestade e menor resj^eito ás justiças dc Sua Magestade. Fariam elle o juiz e ve- readores sua obrigação como Sua Magestade lhes en- commendara».
Unanime declarou a Camara que officiaria ao ca- pitão mór governador Manuel Pereira Lobo e ax> Ou- vidor Paulo do Amaral.
•Imagine-se o interesse com que o Ouvidor Paulo do Amaral, o grande destruidor do Ckiayrá, terá acom- panhado este caso!
Também em Camara não se «piou» mais sobre o facto, nem sobre os índios nos dezeseis mezes mais pró- ximos de tão pom|X)sa sessão. Pois não estava tudo sanado desde que dos livros constava o termo de con- demnaçào dos assaltantes dos «negros da tera»?
A 2S- de maio de 1650 notifica\'a o procurador aos seus pares, que por «abzenssia» do respectivo capit?;> Anrique da Cunha, estava a adeia de Conceição ace- phala. Assim pedia a elles officiaes provesse'^ i car)i- tão para que os indios fossem bem governados, seg-undo o que exigiam os capítulos de correição.
A 29 de março de 1653 compareceram jxrante a Camara dous promotores de entifada, João Maciel Bay- ão e Alvaro Rodrigues do Prado. Não pretendiam desresi)eitar os quartéis de Sua Magestade, quanto ás entradas no sertãtx Tinham ambos provisões, poderes e ordem do Provedor de Minas, Pedro de Souza Pereira. Assim requeriam que o poder Imunicipal lhes fornecesse os indios necessários para se conseguir o serviço de Sua Magestade a que partiam ;e qnv era o di-srohii- mento das minas.
Com pouco caso trataram S. Mercês o primeiro re-
100 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
querente; exigiram que lhes exhibisse a papelada em regra assim «se lhe deferia no causo».
Quanto a Alvaro do Prado, disseram-lhe que os índios, uns estavam occupados no descobrimento das minas, e outros «eram hidos a boscar o ouvidor Geral». Assim visse S. S. los indios que havia delles viesse dar um rói «p>era se lhe darem visto ser serviso de SuaMa- gestade».
Aproveitou a Camara o ensejo para representar con- tra o Provedor das minas, Pedro de Souza Pereira, e, a .propósito da renovação do seu velho projecto de trasladar aldeias inteiras de indios para Paranaguá, Assim dava-lhe os motivos d^ desobediência (Reg. Ger. II. 380) «Não executamos esta ordem por nos parecer impossível, mormente pelos grandes inconvenientes que daqui se seguem que são os segtiintes os principaes: que estes indios não se haviam de mudar ainda que nós os mandássemos por saberem elles ser aquelle logar mui estéril e doentio e quando forçados e constrangi- dos abalassem de aqui haviam de metter pelo sertão como costumam fugindo destes... com o que vinha a faltar lá e cá ao serviço de Sua Magestade, que se tem por experiência que mudados de seu natural para lugares pouco sadios e estéreis em breve morrem' de pancada como se lhes desse peste, que estas aldeias são a defesa ordinária desta costa enfestada ha tem- pos do inimigo hollandez e estes indios são os que acodem aos rebates quando se dão e os de que se servem os ministros reaes para as occasiões que se offerecem do serviço de Sua Magestade como nesta ex- perimentou mesmo Pedro de Souza, pois estes são os que servem comsigo a estes descobrimentos de minas.»
depois, tudo fazia o provedor com a maior im- previdência, falta de caridade christã.
«Elles out... e solicitos, não parece justo molesta- los tirando-os de seu natural aonde tem fartura e egre- jas e sacerdotes que os doutrinam a mandalos aonde morrem cm quatro dias que quando se fizessem esta mudança primeiro se havia lá de ter roçado e plan- laílo em abundância porque gentio da terra não soffre
Protesto contra o Governador Geral lOi
sustentar-se de ração quando tem comsigo suas famílias c para estes mantimentos virem' á luz sempre se requer de um anno e meio cá para esta banda; estes são os inconvenientes que nos obrigaram a parar com a exe- cução até nova ordem de Sua Magestade a quem avi- samos; também a de vossa excellencia quando lhe pa- reça ao contrario.»
A 16 de setembro de 1651 mandava a Camara que as p>essoas lavrando em terras de indios ou nestas pos- suidoras de gado as desp>ejassem. A 19 de setembro de 1652 echoou em Conselho uma noticia de grande gra- vidade. Ordenara o Governador Geral do Brasil que os indios de S. Miguel passassem a residir no littoral, na Bertioga!
Violentamente, protestou o Procurador Lazaro da Costa, contra tal decisão. «Hera desnituralisar os ditos indios do seu natural». Importava isto em abandonar a Camara os privilégios de sua jurisdicção. Assim, pois, se acatava a palavra do Governador Geral, «obedecendo á dita provisão, beijando-a e pondo-a na coroa da ca- beça o mesmo dizendo todos os vereadores» nem por isto havia lugar de que largassem sua jurisdicção.
A' sessão compareceram vários indios de S. Miguel; declararam «que se nam querião sair de onde tinhão suas cazas e filhos e igreja na sua aldeia, que estavam muito bem».
Mandaram os officiaes que se lhes tomasse a pe- tição e elles indios declararam que «se deixavam estar em suas casas e aldeã visto ser bem de sua parte e não quererem mudar e consentirem na provisam». A ella obedeciam^ declaravam e a punham na cabeça mas que «na mudansa de jurdisam não havia lugar». E- expli- cavam-no: «Por ser a paragem da bretioga terra muito doentia e que mais propincos e prestes estavam os di- tos indios pera acudirem ao serviso de sua magestade no lugar onde estavam em sua aldeã que nam na dita \'illa de santos por estarem milhor aqui pera p benefi- sio das minas como de prezente hiam os ditos em serviso».
Assim esta\am prestes a partir para as minas do
102 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
Paranaguá com o administrador Pedro de Souza '^'Pe- reira.
Logo depois deu-se entrada á sessão de um certo Bartholomeu Correa, morador em Santos. Fora este su- jeito quem na Bahia arranjara a traficanciasinha da transferencia dos Índios para a Bertioga. Era negocio como quem hoje, por exemplo, obtivesse augmento de pauta alfandegaria.
Ia ter braços numerosos e baratos, pensava, mercê da concessão do Governador Geral. Mas enganou-se redondamente, ylpresentou aos officiaes «húa pro\'isam do sor governador geral em a qual lhe faiza merse da cap.ta dos Índios da aldeã de sam migel mandandose pera a bretioga e por eUes todos juntos foi dito que obedisiam a dita provisam e a punham na cabessa mas que não avia lugar do que neUa se tratava porquanto an davam os indios ocupados em serviso de sua magestade e que de tudo enformariam o s^r g.dor».
Em todo o caso, em respeito ao que se devia ao alto cargo do Governador Geral de tudo se informaria ao dito Snr. Governador. E retirou-se o Snr. Bartholo- meu Correa com um não redondo, desapontado do des- vanecimento de seu bello sonho de ter escravos bons, numerosos e... grátis.
CAPITULO XV
O episodio da acclamação de Amador Bueno. — O relato de Frei Gaspar da Madre de Deus. — A pecha de falsidade lançada ao benedictíno por Can- dido Mendes. — Nova aggressão ao chronista por Moreira de Azevedo. — A inanidade do ataque deste ultimo escriptor. — O documento do Archivo Na- cional. — Exame psychologico de taes aggressões.
Provocou a restauração da independência portugueza o apparecimento na historia do Brasil de um episodio pittoresco e typico, que tem o mais alto relevo psycho- logico como documento do estado de alma de uma população já em núcleo avultado e forte nos seus ca- racteristicos raciaes: a acclamação de Amador Bueno.
Quem nol-a revelou foi Frei Gaspar da Madre de Deus, nas suas Memorias para a historia da Capi- tania de S. Vicente, num relato singelo, quando, depois de haver contestado o que para os paulistas parecia injurioso, nos escriptos de Charlevoix e Dom Vaissette, pretende explicar as causas que levaram os dois au- tores francezes a acoimar os filhos de S. Paulo, de rebeldes a Corôa 3e Portugal. (Cf. Memorias, 3. edi- ção, pag. 240).
«Muitas vezes tenho advertido que, as fabulas res- pectivas de S. Vicente, publicadas pelos extrangeiros.
104 HISTORIA OERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
nas suas historias, todas ou a maior parte delias, se originaram de algum facto verdadeiro, viciado pelos escriptores. A esta classe pertence a impostura, de que os mamamcos sacudiram o jugo da autoridade Di- vina e humana, como o explica Charlevoix. E' beni natural que esta fabula tivesse a sua origem de um dos successos mais notáveis da Historia de S. Paulo, o qual, jx)r me parecer interessante, vou relatar em substancia, como se passou.
Chegando á S. Paulo a noticia de que Luiz Dias Leme havia acclamado Rei na Villa Capital de S. Vicente ao Sereníssimo Senhor Duque de Bragança com o nome de D. João IV, por ordem e recommendação, que pa- ra isso lhe dirigira em carta particular D. Jorge dc Mascarenhas, Marquez de Montalvão e Vice-Rei do Bra- sil/ foi esta inesperada novidade um golpe sensibilissimo aos hespanhoes, que se achavam estabelecidos e casa- dos na dita Villa de S. Paulo, para onde tinham con- corrido não só da Europa, mas também das índias Occidentaes. EUes desejavam conservar as Povoações de Serra acima na obediência de Castella; e não se atrevendo a manifestar seu intento, por conhecerem que seriam victimas sacrificadas á cólera dos paulistas, se lhes aconselhassem que permanecessem debaixo do abor- recido jugo hespanhol, resolveram entre si usar de arti- ficio, esperando conseguir por meio da industria, o que não haviam de alcançar se fossem f>enetrados os seus designios...
Tinham por certo que a Capitania de ,S. Vicente e quasi todo o sertão brasilico, antes de muitos annos tornariam a unir-se ás índias de Hespanha, ou pela das armas, ou pela industria, se os paulistas cahissem no desaccordo de se desmembrarem de Portugal, eri- gindo um Governo separado, qualquer que elle fosse, supfKJsta a communicação que havia por diversos rios entre as Villas de Serra acima, as Províncias de Prata e Paraguay. Com estas vistas, fingindo-se penetrados do amor do paiz, onde estavam naturalisados, e do bem commum, propuzeram aos seus amigos, parentes allidados e a outros, um meio que lhes pareceu o mais
Amador Bueno de ribeira
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seguro, para conseguirem os seus intentos; tal era o de elegerem um rei paulista e ao mesmo tempo aponta- raiTi, como o mais digno da Corôa a Amador Bueno de Ribeira, em cuja pessoa, para não ser regeitado pe- los seus patricios, concorriam as circumstancias de ser de qualificada nobreza, e de muito respeito e autori- dade pelos empregos públicos, que havia occupado e ainda exercia, pela sua grande opulência, pela roda de parentes e amigos, e pelas allianças de seus nove filhos e filhas; duas das quaes estavam casadas com dois irmãos, fidalgos hespanhoes, D. João Matheus Ren- don e D. Francisco Rendon de Quevedo, que tinham passado ao Brasil em 1625, militando na Armada Hes- panhola, destinada para a restauração da Bahia.
Mas os hespanhoes, ao designar-lhe a Amador Bue- no da Ribeira, se lisonjeavam, que por ser filho de Bartholomeu Bueno da Ribeira, natural de Sevilha, pro- duziria nclle maior effeito o sangue de seus avós pa- ternos para vir a declarar-se Vassallo de Hespanha, do que o herdado dos seus ascendentes matemos da nobre Familia dos Pires, e o ter nascido em uma província portugueza, para haver de seguir o legitimo partido das outras do Brasil, Reino e Conquistas».
Filho de Bartholomeu Bueno de Ribeira, sevilhano, que em 1571 emigrara para S. Paulo com seu pae Fran- cisco Ramirez de Pórros, nascera em S. Paulo do con- sorcio do hespanhol com Maria Pires, filha de um dos mais illustres p>ovoadores, Salvador Pires.
O velho Bartholomeu, patriarcha dos Buenos, este era «pessoa de estimação e respeito em S. Paulo e de sua governança», refere Pedro Taques, servindo repetidas ve- zes os cargos da Republica. Em 1622 fora juiz ordiná- rio e de orphãos, dois dos mais altos cargos a que um paulista podia attingir. Já, em 1612, apparecem nas «Actas» referencias á actividade de Amador Bueno na republica paulistana. Era, em 1616, um dos prin- ripaes moageiros de S. Paulo.
Ouçamos, porém, a Pedro Taques:
«Amador Bueno (glorioso desempenho da honra e nobreza dos seus ascendentes), foi um dos paulista»
106 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
da maioi- estimação e respeito, assim na pátria, ctwno fóra delia. Teve grande tratamento e opulência por dominar debaixo de sua administração muitos centos de Índios, que de gentio bárbaro do sertão se tinham convertido á nossa fé, pela industria, valor e força das armas, com que os conquistou .\mador Bueno em seus reinos e alojamentos. Com o trabalho destes liu- mens, occupados em dilatadas cultuias, tinha todos os annos abundantes colheitas de trigo, milho, feijão c algodão. Desta fartura ficava sendo igual a da criação dos porcos. Possuiu numero grande de gados vaccuns, animaes ca\'allares e rebanhos grandes de ovelhas, de que foi muito fértil o estabelecimento e povoação da cidade de S. Paulo, cujos habitadores não logram no presente tempo daquella abundância antiga da criaçãf) das ovelhas, por cuja falta se extinguiram as fabricas iJe (Chapéos, grossos, que, ainda no fim do século e anno de 1699, estavam estalx;lecidas. Da abundandia que possuia Amador Bueno sabia liberal empregar na utilidade publica, e desjiender nas occasiões do real serviço, porque de S. Paulo costumava ir para a cidade da Bahia, em apertos de guerra, soccorros de farinhas dc trigo, carnes de porco e feijão, que pediam os go- vernadores geraes do Estado em diversos tempos.
Occupou Amador Bueno os honrosos empregos da republica da sua pátria, tendo as rédeas do govenao delia repetidas vezes; e sempre o primeiro voto nos accordãos do bem publico e do serviço do rei. Foi ouvidor da capitania de S. Vicente, e na camará desta \ illa, como cabeça de comarca, tomou j)osse a 11 de fevereiro de 1627. E neste mesmo anno pediu de ses- marias umas terras que se lhe concederam, e na sufv plica relata haver feito muitos serviços a Sua Ma- gestade, e haver acudido com suas armas e escravos em todas as occasiões de inimigos á villa de Santos, sempre á sua custa. Foi provedor e contador da fa- zenda nacional da dita capitania por provisão de Dio- go Luiz de Oliveira, datada na Bahia a 6 de dezembro de 1633, de cuja occupação tomou posse em Santos, que lhe deu Pedro da Motta í^ite, capitão-mór gover-
ACCLAMAÇÀO DE AMADOR BUENO 107
!íador da dita capitania e 27 de abril de 1634 Passou a governador da dita capitania de S. Vicente, com par tente de capitão-mór, com 80$000 de soldo, que sempre perceberam os capitães-móres governadores da capita- nia de S. Vicente e S. Paulo, até o ultimo, em quem se extinguiu este caracter.»
Continua Frei Gaspar da Madre de Deus: ' Valeram.-se os hespanhoes de todos os argumentos ix)ssiveis para persuadirem aos paulistas e europeos ]X)uco instruídos, que sem encargo de suas consciências, nem faltarem á obrigação de honrados e fieis vassal- los, podiam não reconhecer f>or Soberano a um prín- cipe, a quem não haviam jurado obediência. Fomenta- \ am ao mesmo tempo a vaidade dos ouvintes, exaggie- lando o merecimento dos paulistas e europeus prin- ci]:>aes, dizendo que as suas qualidades pessoaes e no- liieza hereditária os habilitavam para outros maiores impérios. Para os livrarem de temores, lembraram os inilhares de indios seus administrados e escravos, Com ffuo podiam levantar exércitos formidáveis de muitos mil combatentes; e a situação de S. Paulo summamente defensa^'el e tão sómente a estrada de Paranapiacaba de <;|ualidade muito má, bastaria lançarem-se pedras pela serra abaixo, para se retirarem derrotados os expu- ernadores.
Eram sinceros os moradores de S. Paulo e ainda tjuc fieis, bem poucos entre elles teriam a instrucção ne- cessária, para conhecerem o Direito incontestável da Sereníssima Casa de Bragança ao Sceptro, e para per- ceberem o? laços e as funestas desgraças, em que aquel- Tas machinações os iam precipitar. AJém disto, a plebe cm toda a parte é fácil de mover-se e de arrojar-se a excessos. Os hespanhoes conseguiram seduzil-a, e a- juntar um grande numero de pessoas de todas as clas- ses, que aclamando unanimemente (>or seu Rei a Ama- dor Bueno de Ribeira, concorreram, cheios de alvoroço Ide enthusiasmo, á sua casa a congratular-se com cUe.
Pasmou Amador Bueno de Ribeira quando ouviu se- melhante proposição: elle detestou o insulto dos que
lOH HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
o proferiram e com razões efficazes procurou dar-lhes a conhecer sua culpa e c^ga indiscripção. l^mbrou- Ihes a obrigação que tinham de se conformarem com os votos de todo o Reino, e a ignominia de sua Pa- tria, se se não reparasse a tempo com voluntária e prompta obediência o desacerto de tão criminoso at- tentado. Mas a repugnância do eleito augmenta a obs- tinação do povo ignorante: chegam a ameaçal-o de morte, se não quizer empunhar o sceptro. Vendo-se nesta consternação, o fiel vassaUo sahiu de sua casa furtivamente e com a espada nua na mão, para se defender se necessário fosse, caminhou apressado para o Mosteiro de S. Bento onde intentava refugiar-sè. Advertem os do concurso, que havia sabido pela porta do quintal e todos correm após elle, gritando: viva Amador Bueno nosso Rei; ao que elle respondeu mui- tas vezes em voz alta: viva o Senhor D. João IV, nosso Rei e Senhor, pelo qual darei a vida.
Chegando Amador Bueno de Ribeira ao Mosteiro, entrou e fechou rapidamente as portas. Como os pau- listas antigos veneravam summamente aos sacerdotes, principalmente aos Regulares, nenhum insultou ao Con- vento e todos pararam da parte de fóra, insistindo po- rém na sua indiscreta pretensão. Desceu á portaria e D. Abbade acompanhado da sua Commoinidade, e com attenções entreteve a multidão, emquanto Amador Bue- no de Ribeira mandou chamar com pressa os ecck- siasticos mais respeitáveis, alguns sujeitos dos prin- cipaes que se não achavam no concurso. Vieram logo uns e outros, e todos unidos ao ditx> Rueno fizeram cóm- prehender aos circumstantes, que o Reino pertencia ã Sereníssima Casa de Bragança e que delle se acha- ria esta em {X)sse pacifica desde o dia da morte do Cardeal Rei D. Henrique, se a violência dos monar- chas hespanhoes não houvera suffocado o seu Direito.
Nada mais foi necessário para se conduzirem aquel- les portuguezes, como deviam: todos arrependidos do seu desaccordo, foram cheios de gosto acclamar so- lennemente o Senhor D. João IV com magoa dos hes- pannoes, os quaes para não perderem as commodida-
ACCLAMAÇÃO DE AMADOR BUENO 109
des, que tinham vindo procurar em S. Paulo, pres- taram também o juramfento de fidelidade ao mesmo Soberano. Para beijarem a Real Mão de S Magestade Fidelissima em nome do Senado, e moradores de S. Paulo, foram mandados á Corte os dois paulistas Luiz da Costa Cabral e Balthiazar de^ Borba Gato; e o mesmo Senhor se dignou agradecer esta obediência por carta firmada do seu Real Punho, datada em Lis- boa a 24 de Setembro de 1645.
A substancia do referido caso se confirma com as palavras de Arthur de Sá e Menezes, Capitão Ge- neral da Repartição do Sul, e Governador da Com- panhia dos Officiaes de guerra reformados. Juizes e Vereadores, que tivessem servido na Camara de S. Paulo, por elle passada a Manoel Bueno da Fonse- ca e datada aos 3 de Março de (1700, na qual depois de relatar alguns serviços do mesmo diz o General:
<ÍE quando não bastaram estes serviços, era merecedor de grandes cargos, por ser neto de Ama- dor Bueno que sendo chamado i>elo Povo para o acclamarem Rei, obrando como leal e verdadeiro Vassallo, com evidente perigo de sua vida, cla- mou, dizendo que vivesse El Rey D. João IV seu Rey e Senhor e que pela fidelidade que devia de Vassallo, digno de grande rc numeração, hei por bem nomear»...
Esta patente foi confirmada pelo Senhor Rei 1). Pedro II a 25 de Novembro de 1701; e nella depois de se relatarem os serviços e merecimentos do mesmo Manoel Bueno da Fonseca, se dignou S. Magestade de honrar á memoria daquelle grande horrtem' com as seguintes expressões: E aUiinamente por ser neto de, Amador Bueno leal e verdadeiro Vassallo de níinhá coróa.
Também o Senhor Rei D. João V no alvará, que se 'passou a 20 de novembro de 1704, para effeito de ser armado Cavalleiro da Ordem' de Christo o re- ferido Manoel Bueno, faz iima igualmente honrosa com-
110 Historia Oeral das Bandeiras Paulistas
memora çáo do mesmo respeitável paulista: Por ser neto do meu muito honrado e leal Vassallo Amador Bueno. Pela tradição constante entre todos os antigos e alguns modernos desta Capitania, sabem-se as mais circums- laiicias principaes do mencionado successo, o qual eu refiro com gosto, não pela honra de contar entre os nieuí=^^ terceiros avós ao dito Amador Bueno, uras sim para ]>ropor ao mundo uir. exemiplo da mais heróica fidelidade c porque os paulistas conservando na me- moria estas e outras gloriosas acções dos seus Maio- res, continuem a mostrar em- todo o tempo aquelle mesmo amor, c inalterável fidelidade, que sempre os •caracterisou para com os seus Augustos Soberanos. A ^i^Ioria de ter por progenitor a Amador Bueno de Ri- beiro pertence a muitas nobres famílias existentes nas Capitanias de S. Paulo, Goyyazes, Geraes. Cuyabá e Rio de Janeiro».
AUusões e referencias diversas de Pedro Taques '<in totum», confirmaram: as asserções do benedictino vicentmo.
«Foi Amador Bueno vassallo de tanta honra e fi- <lelidade que, achando-se na sua maior opulência de cabedaes, respeito e estimação, com dois genros caste- lhanos, ambos irmãos e fidalgos ambos, que tinham poderoso séquito dos hespanhoes, casados e estabele- cidos em S. Çaulo, com alliança das familias mais prin- cipaes <Ja capitania; não podendo estes castelhanos sup- portar a gloriosa e feliz acclamação do Sr. rei D. (oão IV de Portugal, e 2.° do nome entre os serenissi- mos duques de Bragança foram um corpo tum\iltuoso, e á ,vozes acclamavam por seu rei a Amador Bueno, intentando vencer com este bárbaro e sacrilego atten- tado a constância do honrado vassallo Amador Bueno para deste modo evitarem a obediência e o reconhe- cimeiito que se devia dar ao legitimo rei e natural se- nhor, ficando S. Paulo com a voz de Castella, assim como estiveram os moradores da ilha Terceira até o ánno de 1583 com a do Sr. D. Antonio, prior do Crato, que se achava refugiado em França, e a favor de quem sustentava ajquelles mares cou:i armada de muitos va-
ACCLAMAÇÂO DE AMADOR BUENO
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SOS Filipp>e Strozi e Mr. de Brizay, que ficou flesbara- tada a 26 de julho de 1582 por JD. Gaspar de Bazan, marquez de Santa-Cruz, o qual voltou sóinente á mes- ma ilha já em 1583 contra o poder de Mr. deChatry, ca\alIeiro de Malta, e ficou rendida a armada fran- ceza e as ilhas deram obediência a el-rei de Castella em dito anno. Tinha o corpo da rebellião adquirida forças nos autores delia, os castelhanos, que por si e suas famílias avultavam em grande numiero. Eram os tres irmãos Rendons, da cidade de Co ria; D. Francis- co de Lemos, da cidade de Orense, comi seus dois fi- lhos D. Balthazar e D. Hieronimo de Lemos; D. Ga- briel Ponce de Leon, da cidade real do Guairá, da provincia do Paraguay; Bartholomeu de Torales, da Villa-Rica do mesmo Paraguayy, com vários filhos que trouxe de sua mulher D. Anna Rodrigues Cabral, que falleceu em S. Paulo a 13 de maio de 1639, naturaJ da cidade real' do Guairá; D. André de Zuniga e seu irmão D. Bartholomeu de Contreras e Torales; D. João de 'Espinola Gusmam, da dita provincia de Paraguay, e outros muitos hespanhoes da Europa, etc. Porém Amador Bueno, sem temer o perigo nem deixar pren- der-se da indiscreta lisonja, com que lhe offereciam o titulo de rei para o governo dos povos da capitania de S. Paulo, sua pátria, soube desprezar e ao mesmo tempo reprehender a insolente acclaniação, desembai- nhando a espada e gritando á vozes: — Real, real por •D. João IV, rei de Portugal — S d.ou a vida do perigo em que se viu pelo corpo desta horrorosa se- dição, recolhendo-se ao sagrado do mosteiro de Sã^) Reuií), acompanhado dos leaes portuguezes europeus e paulistas até ficar em socego o inquieto animo dos cas- telhanos que tinham fomentado o tujnulto. Nesta ac- ção deu inteiramente créditos de si â incontrastavel lealdade deste vassallo paulista. Não occultou o si- gredo do tempo na officina do olvido esta briosa rcr- solução de Amador Bueno, porque reinando o Sr. rei B. João V, de saudosa memoria, se dignou a sua real grandeza mandar lançar o habito de Christo a Ma^ noel Bueno da Fonseca (deste capítulo, § 7 n.'> 3rl),
1J2 HISTORIA Geral das Bandeiras paulistas
sem preceder as provanças p>ela mesa da consciência e ordens; porque logo que lhe fez esta mercê o houve por ihabilitado, e na carta que lhe mandou passar, corno governador e perpetuo administrador do mestrado da cavallaria e ordem de Christo, se contem esta expres- são: por ser neto do meu muito honrado e leal Vas- sallo Amador Bueno. Este facto da intentada accla- mação do rei, que não aceitou Amador Bueno, se lê no «Archivo» da camará da villa capital de S. Vi- cente no livro grande de registros tit. 1864, fl. 125 até n2a No mesmo «.'\rchivo», liv. 1684 até 1702, fl. 125 se acha a patente de Arthur de Sá a Manoel Bueno ida Fonseca, em que se declara a lealdade de Ama- dor Bueno, sendo acclamado pelo povo; a qual pa- tente confirmou el-rei D. Pedro II em 23 de Novem- bro Ide 1701:, registrada em S. Vicente no liv. tit. 1702 f. Iv.
Fof tão conhecido o grande merecimento de Ama- dor Bueno pelo zelo que teve do reál serviço, que representando os officiaes da camará de S. Paulo ao Sr. rei D. João IV vários factos dos jesuítas, depois que foram lançados do seu collegio pa,ra fóra da ca- pitania no dia 13 de julho de 1640, representando ao •mesmo senhor o descobrimento das minas de ouro, fundição de ferro e construcção de náos de alto bordo^ dizem o seguinte:
«Mas para isto é necessário encarregar Vossa Ma- gestade da feitoria a pessoa de qualidade e experiên- cia «antiga neste Estado: bem e como devenio o fariam duas que nomeamos a Vossa Magestade: é uma Do- iningos da Fonceca Pinto, provedor que até aqui foi da fazenda de Vossa Magestade nestas capitanias, ho- mem pratico e bem entendido, e grande servidor de Vossa Magestade, inteiro e verdadeiro; e outra é Ama- dor Bueno, natural destas partes, homem rico e po- deroso, bem entendido, capaz e merecedor de todos osi cargos em que Vossa Magestade o occupar por- que, nos de que foi encarregado, deu sempre verda^ deira conta e satisfação».
Em outro ponto da «Nobiliarchia» ainda confirma
ADVERSÁRIOS DOS CHRONISTAS DE S- PAULO 113
o linhagista o seu relato, assim se referindo ao Ac- clamado de 1641:
«Pela' sua grande autoridade teve a honra de ser rleitt) para ser elle que acclamasse ao Sr. Rei D. João IV, estando naquelle tempo a capitania fortificada de castelhanos de respeito, que fulminavam corpo tumul- tuoso, que não chegou a vencer o seu depravado in- tento de quererem conservar a capitania de S. Vicente V S Paulo com a voz de Castella.
Esta matéria temos referido quando tratamos de Amador Bueno, em titulo de Rendons, cap. 1.°; cuja lealdade foi mais estimada então em Portugal, do que é hoje applaudida em a cidade de S- Paulo, porque o segredo do temjxj fez consumir aquella acção digna de se perpetuar com um padrão que sempre lhe accu- sasse a heroicidade; mas até para este descuido con- correu muito o destino occulto de ser paulista Ama- dor Bueno».
Nasceu entretanto no século XIX, entre os nossos historiadores uma corrente de opinião inquinando de phantasiosas as affirmativas leaes dos chronistas de S. Paulo, sobretudo as de Frei Gaspar a quem já pres- tigiara aliás o apreço de autoridade no valor de Saint Hilaire.
Violenta phobia de aspecto realmente curioso, a aver- são p>or tudo quanto lembrasse os privilégios do Velho Mundo, sobretudo as regalias nobiliarchicas — phobia filha do inebriamento causado pela recente libertação das colónias americanas, a ogeriza aos europeus, do- minadores de hontem, e do exacerbamento das idéas liberaes de 1830 — fundamente impregnou a mente de uma geração de brasileiros... Essa cuja mocidade se escoou nos annos temj>estuosos das nossas regên- cias e viu no despacho de Pedro I um como pro- longamento sul-americano da grande Revolução fran- ceza e da grande Revolução ingleza. Ao rei não se lhe cortara a cabeça, mas dera-se-lhe um pontapé. Ma- nifestações desse sentido, ao mesmo tempo anti-monar- chicas e lusitanophobas, houve-as de todas as escalas, ferozes e truculentas, innocentes e muitas vezes, como
114 HISTORIA GEÍ^AL das BANDEIRAS PAUIJSTAS
era de esperar, ridículas, como a todas as cousas hu- manas succede.
Desde a «Saint-Barthélemy» a Rusga de Matto Gros- so, em 1834, em que perderam a vida centenas de por- tuguezes, até ao repudio dos nomes ancestraes lusi- tanos, substituídos por outros de vehemente sabor in- diatico, muito embora de significação grotesca, como nos casos de quem se appellidou Tamanduá ou Sus- suarana, que os houve.
A esses moços de 1830 e a seus discípulos, ha- veria de ficar o indelével apêgo a semelhante orienta- ção que o decurso dos annos e a reflexão da edade não conseguiram desvanecer.
Muito embora affeiçoados á inonarchia constitucio- nal, concretisada na pessoa grandiosa de Pedro II, haveriamde ver e applaudir com verdadeira e arre- batada emoção os versos virulentos do Pedro Ivo, de Alvares de Azevedo e do Juarez de Fagundes Varella.
A esta categoria de apaixonados da liberdade e do nivelamento americanos pertencia o illustre Candi- do Mendes de Almeida. E foi tal feição que o le- vou a aggredir com desabrida \aolencia os dois chro- nistas de S. Paulo: Pedro Taques e frei Gaspar da Madre de Deus. Um porque, no seu entender, ima- ginou Ipovoar as terras vicentinas de aristocratas, e o outro por seguir a orientação do emulo c amigo^ e, ainda por cima, atrever-se a architectar uma série de lendas e fabulas |)ara dar uma apparencia de verda- de ás abusões nascidas da sua megalomania regional.
Pois, graças a ella, não chegara a inventar uma tentativa de estabelecmiento de monarchia em S Paulo, para maior lustro de um antepassado seu? ,
'Formida\eis requisitórios escreveu o senadoi ma- ranhense contra os seus dois adversários setescentistas, libellos em que accumulou a argumentação que o gran- de talento e a cultura privilegiada lhe inspiravam. São paginas de advogado, mas não de historiador, porque lhes falta o esteio documental, estribadas como se a- cham, em um' systema conjectural.
Conseguiu, porém, graças á autoridade do seu no-
ARGUMENTOS INJUSTOS DE CANDIDO MENDES 116
líWí, diminuir um pouco e tenipt)rarianiente, apenas, é nossa convicção, o apreço em que devem ser tidas as obras dos dois historiadores. Abundando nas suas conclusões, e sem exame ^lessoal, vieram' algtms es- i riptores dos nossos dias refarçar-lhes a aggressão, en- tre elles Sylvio Romero e Moreira de Azevedo.
Para Candido Mendes, o que affirmam os nossos rhronistas, inquina-o de lendário ou, pelo menos, sus- V)eito.
Provinha-lhes a balda da mama nobiliarchica que os empolgava, do prurido da \'aidade, frequente entre os genealogistas e atávica entre paulistas, commenta josé Verissimo, acudindo ao autor maranhense: E a tal propósito lembra uns versos em que Pedro An- tonio Corrêa Garção lhes chama «bebedores de con- gonha » e lhes procura ridicularisar o vezo de enalte- cer «a fabulosa, illusire descendência de seus claros avós de Portugal, emigrados, no emtanto. <cem jaleco e ceroulas»....
Irritou-se Candido Mendes ]>orque os dois histo- riadores affirmaram haver, desde as primeiras levas martim-affonsinas, passadas ás terras de S. Vicente gente de linhagem e posição. Assim pretendeu demonstrar quan- to mentem ao relatar que mulheres brancas acompa- nharam os povoadores primevos.
Nada mais injusto e descabido do que semelhante ataque. Acaso procuraram o linhagista e o monge pren- der esse? povoadores ás dynastias européas, siquer ás casas titulares portuguezas-^ Absolutamente não; pro- \êm <:>s troncos de que se orgulham' da fidalguia me- diana, sinão modesta, do Reino^ da boa burguezia. Títu- los para ambos altisonantes são «a limpeza do sangue» dos christãos velhos, livres das mesclas impuras com
judeus, mouros, nu quaesquer outras infectas nações» 1.1 emprego no real serWço e a atisencia do <cmecha- nismo» nas progénies. Seria tão difficil empreza obter- '^e em Portugal cincoenta ou cem casaes nestas condi-
r)es, famílias distinctas, quiçá empobrecidas, esperan- ^nsa*- de readquirir a fortuna, transmigrando á Ame- rica?
116 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
Isto. a nosso vêr^ representa tão j>equenas exigên- cias por parte dos chronistas, que não comprehendemos o furor de que se possuiu o illustre maranhense ante o que intitulou as pretensões dos escriptores paulistas.
A nenhum delles cabe a deducção genealógica, aliás honesta, embora inverosímil, graças á qual, algumas de- zenas, sinão centenas de milhares de compatriotas nossos procedem de capetingios, carolingios e merovingios.
Irritam-se os críticos com a designação de «nobre>\ attribuida a estas e áquellas familias, esqueceiído-se, po- rém, de que para os antigos portuguezes, «nobre» a «fidalgo», não eram exactamente a mesma cousa. En- furece-os o attributo «princeza brasílica», referente ás matriarchas paulistas, miilheres de João Ramalho e An- tonio Rodrigues, vulgares índias, filhas de vulgare-s ca- ciques, allegam.
Esquece-se, entre parenthesis, a moderna balda, de quanto aos portuguezes de antanho era familiar — e até aos fins do século XVII — designar as nossas iri- bus indígenas e as da Africa, pelo qualificativo «rei- nos» e seus chefes pelo de «reis». Quanto nos annaes setecentistas de Goyaz e Matto Grosso se fala em «rei- nos» de Cayapós e «reinos» de Payaguás!
E mais... avultasse um quilombo, e já offícíaln«;nte lhe davam o titulo de «reino de pretos fugidos»...
Si, portanto, caciques e zumbys eram reis, natural que ás filhas chamassem «princezas», sem que a nin- guém occorresse a ídéa extravagante da equiparação de taes dynastias (?), pelle vermelhas, ou negras, aos sangues e instituições míUiares da Europa, como pre- tenderam os reparadores descobrir na obsessão anti- nobilíarchica.
De tal comparação nasceu a má vontade para com os chronistas de S. Paulo, personagens a seu vêr, allu- cinados |x;la megalomania e cuja petulância sem limi- tes os levou a remontar ao sangue azul dos nossos «príncipes» tupys, transvasado nas veias dos filhos de pretensos fidalgos reínoes, quando, salvo raras exce- pções, era o Brasil quinhentista luma terra de degrega- dos, apenas.
DEFESA DE FREI GASPAR
1Í7
Commentando a aggressão, partida de Candido Men- des de Almeida, c, talvez nascida de um t(Spico dubita- tivo de Varnhagen, seja-nos |>ermittido ainda aqui re- produzir o que escrevemos na biographia do mongfe.
Tomou-se o illustre senador maranhense de verda- deiro odio á pessoa e á obra do benedictino e, atacou- os com uma vehemencia pouco consentânea da modera- ção e imparcialidade exigida dos historiadores, pois si a 'principio usou de phrases comedidas, acabou com verdadeiro desabrimento de expressões.
Aos olhos do observador moderno, que não pode afastar-se do axioma de que a Historia se faz com os documentos, e só com os documentos — de nada vale, porém, este amontoado de argumientos, todo o arra- zoado eloquente em que tudo ha, menos a mais elemen- tar {>esquisa documentaria.
Fulminando a excommunhão vitanda a frei Gaspar, baseou Candido Mendes a sua sentença no seguinte facto: desvairado pelo orgulho de casta e pelo bair- rismo, falsificara e forgicara o benedictmo os documen- tos acariciadores de sua megalomania incommensuravel, obretudo o testamento de João Ramalho, feito em' vS. âuio a 3 de maio de 1580.
Accumulando as deducções habilmente encadeiadas, einonstrou o senador maranhense que Ramalho «uma e única pessoa com o bacharel de Cananéa» não ix)dia er vivido além de 1560. (Cf. Rev. do Inst. Hist. Bras., r. 40, pag. 2).
E, no emtanto, tres annos mais tarde, reproduzia a bbra de Azevedo Marques, a celebre acta da Camara 'e S. Paulo, de 15 de fevereiro de 1564, em que vem ma declaração do famoso naufrago, confessando-se aior de setenta annos, então! Desabou de vez o já combalido castello de cartas, tão penosamente edifi- cado por Candido Mendes, com a descoberta do docu- ento publicado por Washington Luis em 1905. Al- uem mais, além do chronista, havia lido o original do alsinado testamento; não o inventara, pois, frei Gas- r...
Assim succedeu a muitos historiadores, de muito
118 HISTORIA OERAL das BANDEIRAS PAUI-ISTAS
maior polpa do que o nosso illustre compatriota, a muitos e eminentes escriptores de Historia, que tentaram supprir a documentação pela argumentação.
Haja vista, e, por exemplo, os esforços de Ranke, tie Voigt e de outros grandes historiadores papaes de- tidos pela intransponível muralha das portas dos archi- vos vaticanos. Os esforços extraordinários para tirar premissas e conclusões da deficiência das fontes consul- tadas, mao grado toda a energia da pujança mental, totalmente os inutilisou a apparição de uma serie de dociunentos inacataveis trazidos á luz por Pastor, a cjuem dera Leão XIII o sésamo dos archivos pontifícios.
«Causa dó ver tanto e tão nobre trabalho perdido!); exclama o illustre historiador contemporâneo. Assim suc- cedeu a Candido Mendes.
'■ Movido 'p>or generoso impulso de desaggravo ao que imaginava ser um attentado á verdade da Histo- ria J^rasileira, levou-o a paixão muito além do que devia ir. A voz dos documentos rehabilitou a memoria de frei Gaspar das increpações e invectivas do seu adver- sário; o que ainda subsiste de tão formidável assalto, pouco desmerece o valor da obra do chronista.
Nova e estrondosa reparação devia proporcionar ao benedictino o segundo ataque á sua obra, verdade é que, incomparavelmente, menos poderoso.
Generalisando, avançara imprudentemente Candido Mendes, que, no formigar das patranhas de frei Gaspar uma havia de singular descaro: as invencionices rela- tivas a Amador Bueno.
Lançou o repto, que Moreira de Azevedo soffrega- mente reaffirmou em 1887, com verdadeira leviandade (cf. Rev. do Inst. Hist. Bras., T. 50, p. II, pag. 1 a 10).
Partiu de premissas falsas ao asseverar que o sena- dor maranhense já provara «não serem exactos no que escreveram de João Ramalho e Tibiriçá» os dois chro- nistas de S. Paulo. Muito mais sensato e prudente, no emtanto, seria avançar que as hypotheses do eminente Candido Mendes, e a sua argumentação apenas se re- vestiam do aspecto da verosimilhança, pois, com effeito, nenhuma prova cabal pudera elle adduzir da falsidade
ATAQUE DE MOREIRA DE AZEVEDO
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daquelles a quem Hftratava F>n tendeu o autor flumí- iiensc propicia a occasião jjara «faire aussi son petit Niehuhr;' de «bancar» de Niebuhr como diz a pitto- resca expressão da giria moderna.
Grata e elegante tarefa! Muito pouco i-cí.ta i^ara o Ciominio da lenda na Historia do Brasil, exigua e des- pida de grandes lances.
Já Varnhagen pulverizara a de Caramuru e Pa- raguassúj afilhados dos reis Christianissimos. Assestou pois, as suas baterias o estimável autor d' O Rio de Janeiro contra Amador Bueno, que lhe pareceu summa- mente expugnavel, cousa de quatro ou seis tiras de papel.
De uin facto simples, tão verosimil e possivel de se ter passado como esse da acclamação de Amador, quiz fazer monstruosa deturpação da verdade histórica, com V grande e H maiúsculo, obra da vaidade incommen- suravel, da descabellada imaginativa, do bairrismo su- per-exaltado dos dois chronistas.
Tudo isto ctranseat»; injustissima, }>orém, a pecha de falsificadores de documentos irrogada aos dois es- criptores setecentistas de S. Paulo. E assim, «ab ovo», decretou que a famosa }>atente de capitão passada :a Manoel Bueno da Fonseca pelo governador do Rio de Janeiro, Arthur de Sá e Menesas, base de toda a documentação do benedictino e do genealogista, fôra escandalosamente manipulada, si não mais escandalo- samente ainda, inventada.
Como argumento insophisma^'eí fizera copiar do Ar- chivo da Camara de S. Paulo — de S. Paulo, note-se bem — no livro de Registros «que prmcipiou em 1684», a folhas 125, ô malsinado documento, vibrando de m- dígnádo, quando o archívista lhe commumcara não ha- ver encontrado vestígio deste acto. Que maior prova do embuste do que esta? a citação feita por frei Gaspar do livro de 1684 ás folhas citadas coutem registro dif- ferente do que elle se refere. Vê-se, pois, conunenta íriumphante, que não foi o chronista exacto no docu- mento que cxhibiu. «Proh pudor»! não teria deixado de accrescentar o rectificador, caso fosse o conselheiro Accacio.
120 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Pérfida, ou méra e aliás grave, distracção inspi- rara o escripior ao traçar estas linhas. Commettera, no emtanto, monstruoso engano.
Não se dera ao trabalho de prestar attenção á mais elementar indicação das fontes documentarias do chro- nista, pois quizera encontrar em S. Paulo o que alli jáimais existira. A patente de Manoel Bueno da Fon- seca achava-se registrada, diz-nos com toda a clareza o lijenedictino. (Memorias, l.s edição, nota 2.a, pag. 134) no livro de Registros que principiou em 1684, a foi. 125, no Archivo da Camara de S. Vicente!!!
Triumpho completo para o nosso Niebuhr brasílico, que, para mero desencargo de consciência, ainda allega p>equenas buscas realisadas, sempre no Arc'iivo da Ca- mara de S- Paulo, afim de poder «ex-cathedra e ex- corde, fulminar esta sentença; assim não ha documento algum que prove a acclamação e recusa da coroa por Amador Bueno, sendo este facto apenas uma tradição:-).
Tal prurido em expoirgar a Historia brasileira da picteusn lencL de Amador Bueno, filho da precipita- ção leviana, do juízo malévolo e preconcebido, ha de custar-lhe á reputação de historiographo bem grave nó- doa, porém. Vendo-se desmentido agora e formalmente, pela voz do documento que declarou forjado, dirão os observadores imparciaes que ao accusador de frei Gas- par bem se pôde attribuir o baldão arrasador lançado pelo velho Mello Moraes á sua geração de historia- dores: de que jámais de leve siquer um só, prescrutou os arcanos dos Archivos Nacionaes.
Verdadeiro horror consagravam ao contacto com os papeis velhos, á «poeira dos séculos», únicas fontes da verdade histórica. Historiadores á feição de certo con- selheiro fanam o histórico dos cercos como o abbade Vertot. Si o chronista veterano e si Pedro Taques do modo mais formal declaram que a patente fôra passada por Arthur de Sá e Menezes, nada mais ele- mentar, como justiça e como critério, do que suppor no Arphivo Nacional, no Rio de Janeiro, em algum li- vro de registro daquelle notável governador do Rio de Janeiro, a existência do original trasladado para
ACCUSAÇÕES INEPTAS
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outro livro idêntico da Camara de S. Vicente, apon- tado pelos escriptores desmentidos. Dizem o monge e o linhagista:
1) A substancia do referido caso se confirma com as palavras de Arthur de Sá e Menezes, capitão ge- neral da Repartição do Sul, e governador da cidade do Rio de Janeiro, em uma patente do capitão e go- vernador da Companhia dos Officiaes de guerra refor- mados, juizes e vereadores, que tivessem servido na Camara de S. Paulo, por elle passada a Manoel Bueno da Fonseca, e datada aos 3 de Março de 1700 («Me^ morias», l.a ediç., pag. 1.134). 2) «Este facto da inten- tada acclamação de Rei que não acceitou Amador Bue- no, se lê no «Archivo» da Camara da Villaj Capitai fls. 125 até 126. No mesmo «Archivo», livro de ÍQS4^ até 1702, fls. 125, se acha a patente de Arthur de Sá a Manoel Bueno da Fonseca em que se declara a lealdade de Amador Bueno, sendo acclamado pelo povo «Nobiliarchia Paulistana», «Revista do Instituto Histórico Brasileiro» t. 32, pag. 182)».
Para desmentir aos chronistas de S- Paulo era pre- ciso poder ir ao Archivo e remexer papeis velhos. Muito mais fácil declarar pura e simplesmente «demolida» a reputação do frade e do genealogista, com a simples affirmação de que haviam sido os autores de colos- sal invencionice.
E no emtanto, bem ^ mão se achava a defesa dos calumniados: No livro Vil da coUecção «Governadores do Rio de Janeiro», fls. 82 (cf) «Annaes do Archivo Nacional», t. XI, pag. 91) em deante se encontra o documento rehabilitador, que mais abaixo na integra transcrevemos, delle havendo graciosa cópia, graças á obsequiosiadde de erudito amigOj tão amável quanto versado na Historia nacional dr. Eduardo Marques Pei- xoto.
Não ié nossa intenção discutir detidamente as opi- niões e affirmações de Moreira de Azevedo; apenas aqui desejamos offerecer aos estudiosos da Historia do Bra- sil o acto reivindicador das accusações aos dois chro-
122 Historia Oeral das Bandeiras Paulistas
mistas, destituídas de base e fundamento, levianas, ma- lévolas e, sobretudOj clamojosamente injustas.
Patente de Capitão Governador de Reformados a Manoel Bueno da Fonseca:
Arthur de Sá e Menezes. Faço saber aos que esta minha Carta patente virem, que tendo respeito ao mto. q. convém ao serviço de sua Magestade, que Ds. gde. e ao bem Cumum destes Povos de São Paulo alistaremce todos os homens q. ha Capazes de pegarem em armas pa. o q. formei dous terços de auxiliares e ordenança e (porq. a principal gente está por alistar q. vem a ser os officiaes de guerra Reformados, Juizes e Vereadores q. tem servido na Camara e porq. estes são os principaes p2i. fqualquer incidente suceda, porq. de todos fio o brasão conforme a sua nobreza e ]>essôas, e pa. gover- nar esta infantaria Se necessita dc Capitão de grande talento, experiência. Valor e Respeito que com a sua actividade e disposição sobre com acerto que se espera e vendo eu os Serviços q. tem feito Manoel Bueno da Fon.seca, além de ser uma das principaes pessoas das fam.ilias de S. Paulo e ter servido a Sua Magestade q. Ds. Gde. nos postos de Alferes de Infantaria da or- denança Capitão e Sargento mór Com muita acceita- ção e zelo, e sendo Juiz ordinário na Camara desta Vúldi, Sabendo as ordens q. Sua Magestade q. Ds. Ode. tinha mandado Sobre a baixa da moeda logo poz em execução a da. baixa, Sendo contra a vontade de muitos, malquistado e pondo-se em Risco de perder a Vida no que se mostrou Com deliberada Resolução, mostrando o zelo de leal vassallo uor dar a verda- deira Execução ás Reais Ordens. E na occasiâo q. se lhe encarregou arrecadação do Donativo, Real, foi á villa de Jundiahy arrecadar o D." Donativo. Como consta dos seus papeis e quando não bastavam estes serviços era merecedor de grandes cargos, por ser neto de Amador Bueno q. sendo chamado pelo povo para o acclamarem Rey obrando cont leal e verdadeiro vas- sallo com evidente perigo de sua vida, exclamou dizendo
Patente de Manuel Bueno
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que vivesse El-Rey Dom João o quarto seu Rey e Senhor q. pela fidelidade, q. devida de Vassallo queria morrer nessa defença e respeitando eu neste tão lou- vável Vassallo digno de grande remuneração hey por bem nomear, e eleger, com {>ela presente faço nomeo, elejo, ao d.» Manoel Bueno da P^onseca por Capitão Governador da Compa. dos Reformados, Juizes e ve- readores q. tem servido na Camara e servirá o d." posto, emquanto Sua Magestade q. Ds. Gde. o ouvcr assim por bem em tudo de q. for encarregado dará inteira satisfação, Como delle espero, e gozará com o d.o posto de todas as honras e privilégios, Liberdade ysenções que em razão delle lhe }>ertencerem e será ysento dos terços, e só se agregará na occasião que por mim ou o Capitam lhe fôr ordenado, e ordenado a todos os officiaes mayores de guerra e justiça tenhão, honrem e estimem e conheção ao d ' Manoel Bueno da Fonseca, por Capitão Governador da Compa. dos Reformados, Juizes, Vereadores q. tem servido na Ca- raara, e ordeno a todos os officiaes e soldados da sua Compa. lhe obedeção como são obrigados, guar- dando suas ordens por escripto, e de palavras e jurará em minhas mãos de bem e verdadeiramente cumprir as obrigações do seu jxjsto para firmeza do q. lhe mandei passar a presente sob meu signal e sellp de minhas ar- mas q se cumprirá como nella se contem;, Registrando- se nesta secretaria em Livros da Camara da Capitania. Dada nesta Villa de São Paulo aos tres dias do mez de 'Março de mil e settecentos. O secretario Joseph Rebello Perdigão o escrevi. — Arthur de Sá e Mener zes. — Lugar do sello. — Carta patente por q. V. S. fas mce. nomear no posto de Capitão Governador da Companhia dos Reformados, Juizes, Vereadores que ser- virão na Camara a Manoel Bueno da Fonseca pellas rasões nella declaradas. P. a V. S. a Ver.
Dos mais interessantes é o cotejo do texto da pa- tente e o do autor das «Memorias»:
124 HISTORIA OERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
Te«to de Frei Gaspar
E quando não bastavão estes serviços era merecedor de grandes cargos, por ser neto de Amador Bueno, q. sendo chamado pelo Povo para o aclamarem Rei, obrando como leal e verdadeiro Vassallo, com evidente perigo de sua vida, "clamou", dizendo que vivesse El-Rey Dom João o IV seu Rey e Senhor, e que pela fidelidade que devia de Vassallo queria morrer nessa defensa; e respeitando eu tão louvável Vas- sallo, digno de grande remune- ração hei por bem nomear,...
Texio do Documento do Ar- chivo Nacional
E quando não bastavam estet serviços era merecedor de grandes cargos, por ser neto de Amador Bueno, q. sendo chamado pelo Povo para o a ceiam arem Rey, obrando como Leal e verdadeiro Vassallo, com evidente perigo de sua Vida, "Exclamou" dizendo que vivesse El Rey Dom João o quarto seu Rey e Senhor q. pela fideli- dade q. devia de Vassallo queria morrer nesta defensa, e respei- tando eu neste tão louvável Vas- sallo digno de grande remune- ração, hei por bem nomear,...
Mais favorável não pode ser o confronto; inequi- vocamente demonstra a escrupulosa fidelidade de frei Gaspar.
Pondo de lado as divergências meramente orthogra- phicas, sem importância alguma, notamos num dos do- cumentos clamou e noutro exclamou; já no original um neste que não existe no de São Vicente, e só...
Raramente se commetteu tão seria injustiça quanto a de Moreira de Azevedo em relação ao çhronista vi- centino. Lavrou o decreto condemnatorio do benedicti- no, a «demolição» da «lenda» de .A^mador Bueno, e as consequências de tão iniqua senten'ça, revestida das ap- parencias da verdade, não se fizeram esperar. Assim, pois, estribado no que escrevera o autor d'0 Rio de Janeiro, avança Sylvio Romero na «Historia da Littera- tura Brasileira»: ^^Investigações recentes provaram o exa- gerado do caso, reduziram-no a proporções mais mo- destas». Protestando contra o injusticavel emprego do substantivo inicial e do verbo de que é sujeito, enten- demos que o respeito ás fontes históricas impwe a subs- tituição da phrase por outra: «Recentes hypotheses e meras conjecturas, sem fundamento documentário al-
Confronto de documentos
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gTam, pretendem demonstrar o exaggero do caso, re- duzmdo-o a proporções mais modestas».
E' esta a verdadeira lição que se deprehende do exame das allegações de Moreira de Azevedo que, longe dc: conseguir amesquinhar o apreço em que a obra de frei Gaspar deve ser tida, proporcionou retumbante en- sejo, para que se evidenciasse quão grande foi o res- peito pelo chronista consagrado á exactidão dos docu- mentos transcriptos para o alicerçamento das suas affir- laarões leaes.
A hora da reabilitação soou, porém, para frei Gas- par, desde uma década.
Kevesíiu-sc a commemoração, bicentenária, que o Instituto Histórico e Geographico de S. Paulo, em 1915, levou a effeito, dos attributos de uma solennidade des- aggravante e reparadora. O tempo se encarregará de remover do nimbo que envolve a memoria do historia- dor honesto, que frei Gaspar da Madre de Deus foi, os vestigios do embaciamento produzido f>elas invectivas de seus detractores.
Novos documentos clamarão a sua defesa de pro- fundis, dos recessos dos archivos, onde os irão buscar os ardorosos pesquizadores dia a dia a avolumar-se no paiz, e inspirados nos verdadeiros princípios da mo- derna critica histórica. Assim também o senso das cou- sas históricas não trahiu a Porto Seguro, quando com- provou varias das asserções do autor das Memorias.
I")efendido pela voz dos documentos inatacáveis, con- fimdirá frei Gaspar as ultimas allegações de seus ad- \ ersarios.
Já está um delles, Moreira de Azevedo, fóra de combate.
E, assim, cada vez mais .se afffirmará a glorificação cio historiador vicentino, amante da verdade, cujas fal- tas e cujos deslizes não são sinão as manifestações da bòa fé, productos sub-conscientes do mais geral, do mais intrinseco dos attributos humanos: a inevitabilidade do pendor para o erro.
126 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Si frei Gaspar da Madre de Deus, mal inspirado, nem sempre escreveu a verdade na plenitude de sua pureza, procurou, estamos convictos, fazel-o com tí>- das as veras da alma, agindo com o maior (iscruj>ulo, após as longas meditações e o extenuante labor das pesquizas e dos cotejos rigorosos.
Haverá historiador que melhor possa ter procedid*.
CAPITULO XVI
Conceitos de tllis. — Opiniões de Southey, Varnhagen, Saint tiilaire, Machado de Oliveira, Rocha Pombo e Galanti. — A acClamação de Amador Bueno ^ o dissidio dos Pires e Camargos. — A acclamação de D. João /V, em S- Paulo. — Reparos judiciosos de Ellis.
Commentando este incidente historico-litterario, bem deixa Ellis patente quanto ha de importante como do- cumento psychologico, já não só original, paulista, como brasileiro, neste facto da acclamação de Amador Bueno (■ quanto é um reflexo do grande surto da indepen- dência, produzido pelo bandeirismo.
Não resistimos ao desejo de lhe transcrever os con- ceitos, muito embora tenhamos as referencias que ao nosso trabalho fez. como o indice de vun espirito sum- mamente generoso como é o do joven e já tão eru- dito autor d' O Recuo do Meridiano.
«Ainda que não sejam propriamente episódios do bandeirismo, estas duas acclamações, a de Amador Bueno e a de D. João IV, a elle estão ligadas, por laços taes, que resolvemos incluir o nosso estudo sobre ellas, entre os que realisamos, referente á grande epopéa da gente paulista.
128 HISTORIA QERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
A acclamação de Amador Bueno a rei dc S. Paulo, bellissima pagina do nosso passado, que frei Gaspar da Madre de Deus, aquella vivida retina, onde re- flectiram as variegadas côres dos afidalgados brasões dos lusos, povoadores da nascente capitania vicentinia, nos fez chegar com tanta precisão e que tão duramente atacada foi pelo odio surdo e inexplicável de Candido Mendes, teve, entretanto, a sua definitiva consagração, na reconstituição das «Memorias de frei Gaspar», pelo tão erudito, quão incansável historiador paulista, Al- fonso Taunay, que de vez para sempre, derrocou o equivoco levantado por Candido Mendes, para lhe ser- vir de base á aleivosa accusação, contra o monge bc- nedictino historiador. Credor é o Dr. Taunay da gra- tidão de todos os descendentes daquelle grandioso vulto do nosso passado, que foi Amador Bueno, a personifi- cação da lealdade cavalheiresca paulista, por ter sido esse insigne pesquizador o descobridor das peças docu- mentaes, onde se assenta a verdade histórica, semiprc tão cultivada por frei Gaspar ».
Escrevendo sobre o caso de .Amador Bueno, admit- te-o Southey como se tendo dado exactamente, como frei Gaspar o narrou le entende que si se houvesse realisado a independência de S- Paulo, teriam os pau- listas passado a ser o mais formidável |>ovo da Ame- rica do Sul (Historia do Brasil, III, 445). Nega o his- toriador inglez. que a fama de insubordinação attri- buida aos paulistas, haja desta historia provindo como pretende o monge.
Assim, affirma que a sua versão dando a chefia do 'movirnento independentista aos hespanhoes é tão fal- sa quanto a de Silva Lisboa, fazendo «figurar neste negocio os jesuítas como buscando recuperar a per- dida influencia. Num caso foi o espirito nacional, no outro o odio de partido que suppriu o lugar da autori dade, infundadas e gratuitas ambas as asserções». De Southey discordando, o seu, aliás medíocre, annotador Cónego Fernandes Pinheiro, entende que se deve se- guir a frei Gaspar que escreveu á vista de «valorosos» documentos e inspirado em veridicas tradições.» Saint
Conceitos de porto Seguro
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Hilaire e Machado de Oliveira, estes, acceitam in totum a versão de frei Gaspar.
Varnhagen, (Historia Geral, \l, 693), mostra-se sce- ptico em relação á narrativa do chronista.
«Se acreditarmos na tradição, que no século pas- sado recolheu um monge benedictino, filho da Pro- vincia, houve até o pensamento de independência; e ao tratar-se de o realisar, não se levou a effeito, pela abnegação de Amador Bueno, a quem foi offerecida a coroa. O credito em que era tido na provincia este grande hom.em, se collige das palavras da represen- tação, com que no anno immediato o recommendavam ao novo rei, como patriota, rico e poderoso, bem enten- dido, capaz e merecedor de todos os cargos em que V. M. o occupar, porque nos de que fora lejicarregado deu sempre verdadeira conta e satisfação.»
«Ante o facto (se realmente succedeu da rejeição de uma corôa neste Estado, ainda então em faixas da infância, não sabemos qual admirar mais, — se o juizo são Ido que descobriu que tal corôa não podia então ser perdurável, e menos possuida por si, num Estado que carecia de todos os elementos constitutivos da na- cionalidade, e que ainda não poderia apresentar-se com dignidade ao lado dos outros povos do universo, man- tendo fa alta cathego;ria de nação — se a abnegação do 'homem desambicioso, que sacrificou sua elevação no 'altar da pátria, evitando o fraccionamento desta, ou pelo menos poupando-lhe uma sanguinolenta guerra civil».
Não comprehendemos bem este scepticismo de Var- nhagem, francamente. Entre os escriptores contempo- râneos influenciados pela attitude desabrida de Candido Mendes, vemos Galanti perfeitamente fiel á versão gas- parina, apesar de muito pouco, em geral, apreciar o chronista. Transcreve Rocha Pombo, em nota, na in- tegra, o longo trecho das Memorias, sem oppôr em- bargos á narrativa do monge (Historia do Brasil, V. 136).
Ao encerrar o incidente, diz o historiador acceitar opiniões de Milliet de Saint Adolphe, autor de medio- cre nota: «Os caudilhos hespanhoes, fracassada a ten-
130 HISTORIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
tativa, tiveram de provar obediência e fidelidade ao novo rei, mas isso não impediu que ainda por muitos aripos ficasse a sizania a lacerar os p>ovos da capitania».
Assim, pois, entende o eminente escriptor paranaen- se, seguindo as pegadas de Milliet, que a longa e sanguinolenta lucta dos Pires e Camargos se filia ao caso da acclamação de Amador Bueno, em 1641, o que não parece exacto pois Pedro Taques categori- camente nos conta que já, em 1640, houvera, nas ruas de S. Paulo, tremenda batalha entre as duas parcia- lidades, decorridas do duello entre Pedro Taques e Fernando de Camargo, o Tigre (cf. Re\'. do Inst. Hist. Bras. T. 32, pag. 245).
«Pedro Taques, estando casado com D. Potencia Leite (irmã direita do governador Fernão Dias Paes, que depois foi mulher de Manoel de Carvalho de Aguiar) teve umas differenças em 1640 com Fernando de Ca- margo, o primeiro deste nomie na familia do seu appel- lido, chamando o Tigre de alcunha, e, desembainhando ambos as espadas e adagas no pateo da matriz da villa de S- Paulo, se travou tão rija contenda, que, acudindo numeroso concurso a favor de um e do outro partido, passou este desafio a combate de guerra viva. Baralhada a machina deste tumulto, se offendiam uns aos outros, sem atinarem na tranquillidade, que em taes casos costuma ser todo o empenho dos que se põem na rua a atalhar qualquer pendência. Esta teve princi- pio á porta do templo, mas levados uns e outros do ardor pela peleja, se continuou este estrondo, corren- do as ruas até fechar- se esse vicioso circulo no mesmo lugar onde tivera origem o primeiro furor da paixão dos dois primeiros contendores. Grande foi a providen- cia occulta de Deus neste lance, porque, sendo muitos os mortos naquelle desordenado rompimento, não pe- rigaram os dois principaes combatentes, Pedro Taques e Fernando de Camargo».
Quanto a Capistrano, nos seus bellos Capítulos de «Historia Colonial», não se detém a tratar do caso de -Amador Bueno talvez por achal-o pouco digno de at- tenção ou quiçá lainda obscurecido pela ausência de
ACCLAMAÇAO DE D. JOAO IV EM S. PAULO 131
documentação. Em que data teria occorrido a accla- mação de Amador Bueno? Com' os elementos docu- mentaes de que dispomos, não poderemos fixal-a. A noticia da restauração portugueza foi sabida na Bahia somente a 15 de fevereiro de 1641 e no Rio de Ja- neiro a 10 de março seguinte. Diz Varnhagen (cf. Hist. Ger. II, 692 e 693):
<dDe levar ás villas do sul a noticia da acclamação do novo rei foi incumbido o capitão Arthur de Sá, commandante da recente fortaleza Ida ilha das Cobras.
Teve assim logar a acclamação, alguns dias de- pois, nas villas de Santos e S. Vicente; a de S. Paulo não se apressou, para o que bastaria terem-lhe sido as ordens communicadas pelo governador Salvador Cor- rêa com quem estava em guerra aberta».
Se Arthur de Sá sahiu do Rio a 11, como diz Galanti, sem o documentar (Historia do Brasil, II, 23S), é provável que em Santos estivesse a 15 ou 16. A 18 podiam os paulistanos saber da grande noticia. Foi, pois, na segunda quinzena de março e no máximo até 3 de abril de 1641, que se pode ter dado a acclamação kie Amador Bueno, a menos que ella não haja occor- rido como reacção á proclamação de D. João IV em S. Paulo, a 3 de labril daquelle anno, em que vemos reappareoer na primeira linha o nome de Antonio Ra- poso Tavares, logo após a assignatura do loco te- nente do donatário Conde de Monsanto, e governador da capitania, João Luiz Mafra (cf. Registo Geral da Camara de S. Paulo, VII, 251).
«O vereador mais velho Paulo do Amaral, arvorou o dito pendão por tres vezes, dizendo em cada uma Real Real Real por El rei D. João o quarto de Por- tugal, respondendo a cada uma destas vozes, todos os circumstantes com mil vivas e júbilos em o dito al- tar que estava preparado em o qual assistia o reve- rendo padre vigário, revestido com o sobre peliz e estola em um livro dos Santos Evangelhos ou missal, jurou nelle o dito capitão mór João Luiz Mafra de conhecer e manter por estes reinos de Portugal ao se' nhor dom João e quarto rei de Portugal, promettendo-
132 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
lhe a menagem desta capitania e que não a entregaria senão a sua real magestade ou a seu certo recado e acabado^ tornou o dito vereador a tremular com o dito pendão tres vezes, dizendo Real Real por El Rei Dom João o quarto de Portugal, a quem seguiam os vivas e júbilos dos mais circumstantes e sahindo da dita procissão á casa do conselho donde havia de ficar o dito pendão por remate de tudo, antes de se reco^ lher, o dito vereador fez as ditas cerimonias arvorando tres vezes o dito pendão ao que seguiu a acostumada e aprazível voz de todos com mil vivas e júbilos e por aquí se deu fim a esta tão festejada como alegre cerimonia de que mandaram fazer este auto de jura- mento e obddiencia e eterna vassalagem e sujeição ao dito senhor rei dom João o quarto de Portugal, lem que assignaram e eu Manoel Coelho escrevi. / João Luiz Mafra / Antonio Raposo Ta\'ares / Francisco Pinheiro Raposo / João Fernandes de Saavedra / Paulo do Ama- ral / João Martins de Heredia / .... Miguel Garcia Car- rasco..... frei João da Graça dom abbade de S. Bento /
frei Manoel de Santa Maria. , Custodio /
frei Francisco dos Santos, guardiãos ambos de São Francisco / Fernão Dias Paes Antonio Pompeu de Al- meida / Francisco Rodrigues da Guerra / O licenciado Francisco de Chaves / o vigário Manoel Nunes / Fran- cisco Velho de Moraes / João Ferreira Coutinho / Lou- renço Castanho Taques / Victor Antonio e Castro Novo padre Manoel Madureira Bernardo de Quadros / dom Francisco de Lemos / Manoel Lourenço de Andrade / Luiz Rodrigues Cavalheiro / Balthazar de Godoy / Cláu- dio Furquim / Manuel Mourato Coelho / Domingos da Rocha, frei Vicente de Brito, frei Antonio de Santo Estevam, frei Domingos da Luz, frei Domingos da En- carnação, Antonio Pedroso de Alvarenga, / Antonio Ri- beiro de Moraes / Acenso Ribeiro / João Raposo Bo- carro / Francisco da Fonseca Falcão / Gregorio Fagun- des / Francisco Martins.
Não está este auto de acclamação datado, em vir- tude de haver desapparecido o seu cabeçalho. Na cer-
RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL
133
tidão que logo a seguir a este documento existe ha a data de tres de abril de 1641.
«Certifico eu Manoel Coelho da Gama, escrivão da Camara desta cidade de S. Paulo e tabellião do pu- blico Judicial e notas nella e dou fé em como aos tres dias do mez presente de abril se jurou e recebeu nesta villa junto a nobreza delia e mais povo, por rei legitimo dos reinos deste Portugal, ao senhor D. João o quarto deste nome que Deus guarde, fazendo-se todas as cerimonias contendas no auto atraz em que assignaram alguns delles confessando o dito povo uni- formemente ao dito senhor D. João o quarto por seií rei e senhor, promettendo-lhe obediência, lealdade e eterna vassalagem por bem do que passei a presente por mim feita e assignada no dito dia acima da era de mil e seiscentos e quarenta e um annos — Manoel Coelho da Gama (Registo Geral, vol. VII, supplemento 205). Entende EUis que a acclamação de Amador Buer no se deva ter dado antes da de D. João IV e cremos que lhe assiste toda a razão. Affiança Azevedo Marques, do modo mais categórico, (Apontamentos 1, 8) que tal scena se passou a primeiro de ,abril de 1641 e repiza-o (Ibid. II, 233).
Frei Gaspar nenhuma data menciona e Azevedo Mar- ques 'não documenta a sua asserção. Ha, aliás, nume- rosos equívocos nos seus Apontameníos. Assim, por exemplo, ainda em relação ao assumpto que agora nos occupa. Affirma que a noticia de acclamação de D. João IV, a 3 de abril de 1641, elle a tivera do Ar- chivo da Camara de S. Paulo, livro de vereanças, 1641 (cf. Apontamentos, p. I). Em 1904 contestou-o Washin- gton Luis, com toda a razão, a biographar Antonio Raposo Tavares. (Rev. do Inst. de S. Paulo).
«Assim, pois, poderia elle ter tomado parte na ac- clamação de D. João IV, em S. Paulo, a 3 de abril de 1641.» Escrevemos «poderia ter tomado», porque pa- rece que Azevedo Marques se equivocou quanto a esse facto e a essa data.
Nesse dia, 3 de abril, não houve vereança e nem nos livros de vereança existe auto algum de acclamação.
134 HISTORIA Geral das Bandeiras Paulistas
Examinamos com cuidado diversos outros livros da Camara — registos, fianças^ eleições — que serviram no anno de 1641, e em nenhum delles encontramos esse auto de acclamação: e possível que elle exista em al- gum outro livro de que não tivemos noticia».
Proveio este desencontro de uma citação de Azevedo Marques, verdadeiro lapsus calami. Em vez de livro de vereanças, tit. 1641, deveria ter escripto livro de Re- gistro Geral, tit. 1641, que é onde se acha o docu- mento.
Assim não parece de todo firmado se o episodio de Amador Bueno antecedeu ou seguiu-se á scena da acclamação de D. João IV, muito embora, como já o dissemos, nos inclinemos a acceitar a primeira hypo- these. Corrigindo as asserções de diversos historiogra- phos açodados, escreve Ellis (ob. cit. p. 12q).
«A causa, porém, desse erro que ameaçava se en- raizar nas paginas da nossa historia, está no pouco cui- dado dos que a tem estudaido, limitando-se a copiar o já 'impresso, abstendo-se das pesquizas originaes, jdoís que chegam muitos historiadores a ignorar o nome do próprio governador da capitania nesse anno de 1641!!. Parece incrível que se tenha affirmado ter sido o ca- pitão-mór nessa época, um tal Luis Leme (talvez attri- buindo a Luis Dias Paes Leme, o bandeirante já nos- so conhecido), quando é certo não figurar nos docu- mentos esse nome como exercendo o mencionado car- go da governança! Ermelino de Leão, corrigindo essa asserção, diz que o capitão-mór na occasião, foi Fran- cisco Pinheiro Raposo e, naturalmente, o mesmo signa- tário do auto de acclamação de dom João IV, como vi- mos acima.
A emenda nos parece tão errada ^quanto o soneto, pois o capitão-mór era João Luis Mafra, como se vê dos do- cumentos impressos, estando de accordo com a verdade o saudosíssimo João Mendes, que isso affirmava.»
Que a razão esteja ahi com Ellis e não com Erme- lino .de Leão, ié cousa que a affirmativa das autoridades não deixa duvidas, (cf. frei Gaspar da Madre de 'Deus: Relação dos Capitães loco tenentes que governaram
RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL 135
a capitania de S- Vicente, na Revista do Instituto His- tórico de S. Paulo, tomo V, pag. 170). Não são pala- vras do próprio auto da acclamação de D. João IV, «jurou nelle o dito capitão-mór João Luis Mafra?»
Equivocou-se pois Ermelino de Leão, certamente: Francisco Pinheiro Raposo a quem antecipadamente attri- bue o cargo de Mafra, só foi capitão-mór por carta de 24 de maio de 1643. (Cf. Frei Gaspar loc. cit! pag. 171) . Conclue EUis os seus commentarios com uma serie de conceitos que in totum subscrevemos (ob. cit. 125).
«Reintegrada, pois, a verdade histórica e banida qual- quer duvida existente sobre a \ erdajcleira data das accla- mações, com elementos irrefutáveis, como os que es- tampamos acima, egtão ellas definitivamente perpetua- das da nossa historia, marcando os episódios, que tanto enobrecem o caracter paulista.
«Dignas seriam, principalmente a de Amador Bueno, de um monumento que as perpetuasse á posteridade da nossa <aarbs», evidenciando não só a lealdade desse vulto paulista que foi Amador Bueno, antepassado de mi- lhares de brasileiros contemporâneos, como a gratidão do 'presente ao passado remoto, que testemunhou o primeiro movimento nacionalista da pátria brasileira.
A ingratidão e, mais ainda, a ignorância dos pre- sentes, em assumptos da nossa historia, tem impfedido que tal preito seja levado a effeito.»
Af fiança Azevedo Marques (Apont. 1, 9), que no dia seguinte ao de sua acclamação, retirou-se Amador Bue- no para a villa de Santos, onde residiu por algum tempo para acalmar a exacerbação dos ânimos. Não documenta, porém, esta asserção tão plausivel quanto coherente, com a linha de conducta que seguira.
AliáSj são numerosos os documentos affirmativos de que o desprezado r da coroa paulista por largo tempo residiu no littoral, onde parece ter tido propriedades e negócios avultados. Em Santos também exerceu lon- gamente cargos públicos, como o de ouvidor da capi- tania. Havendo procedido como procedeu, ninguém, na opinião dos patricios, estaria tão indicado para levar a
136 HISTORIA OERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS
D. João IV a adhesão dos seus súbditos paulistas, co- mo aquelle vassallo fidelíssimo.
A 4 de maio de 1641, cogitava-se na Camara da eleição dos procuradores «que houvessem de ir á Corte levar a D. João IV a adhesão dos paulistas á Restau- ração. Infelizmente não se menciona o termo desta elei- ção. Aliás, não se realisou, pois, na acta de seis de agosto seguinte se diz que, presentes os officiaes da Camara e procuradores geraes da villa, effectuou-se a eleição unanime de Amador boino (sic) «Acceitou a dita procuradoria com declaração que se ajuntará di- nheiro bastante para que não falte e faltando lhe al- gum em Portugal se obrigarão, em nome deste povo e pelos poderes que tem delle, de pagarem toda a quan- tia que o dito amador boino tomar a ganância e lhe for necessária para os negócios a que vae o que tudo prometterão fazer».
Não f oi, comtudo, acdamado a Portugal, e de 1641 em diante, quasi desapparece do scenario paulistano.
«Amador Bueno, de quem não m_ais falia a historia, escreve Azevedo Marques, parece haver-se recolhido in- teiramente á vida privada. Sabe-se, porém, que até 18 de outubro de 1649, ainda vivia, porque nesse dia com- pareceu na audiência do juizo de orphãos da villa de S. Paulo, para entregar certa quantia de dinheiro per- tencente aos menores seus sobrinhos, filhos de seu ir- mão, Francisco Bueno, solicitando exoneração do en- cargo de tutor dos mesmos, por ser já bastante velho e :por achar-se onerado com o encargo do tutor dos fi- lhos de seu irmão, Jeronymo Bueno, fallecido no sertão».
5EQUNPA PARTE
Questões politicas paraguayas. O Bispo Cárdenas. — Invasão do Paragiiay pelos paulistas. — Campanha de Antonio Raposo Tavares ao norte do Paroguay. — Incursões das bandeiras na região da mesopotâmia platina.
CAPITULO I
Échos da Victoria de Mbororé. — Agradecimentos reaes, — Cédulas reaes. — Tentativa de Montoya- bem suc- dida em parte. — Desordens no Paraguay-. — Fray Bernardin de Cárdenas. — Seu pr\estigio e qua- lidades. — Eleição ao bispado do Paraguay. — Irregularidade de sua sagração. — Extravagância de sua conducta. — Guerra aos jesuitas.. — Sua deposição. — Seu exílio. — Regresso a Assuni- pção. — Fatie cimento do governador Escobar O- sorio. — Apossa-se Cárdenas do poder. — Expulsão dos jesuitas.
\ A Ellis levou o exame da documentação dos «Inven tarios € Testamentos»! a fazer as mais acertadas con- jecturas a propósito do papel de Jeronymo Pedroso no desastre de Mbororé sobre o qual tão longamente es- crevemos no tomo segundo desta obra, hypotheses estas que a documentação hespanhola veio corrobora^
No inventario e testamento do sertão de Sebastião Gonçalves (Inv. e Test. vol. XI) achou o erudito pes- quizador a seguinte nominata de sertanistas presentes ao grande desastre ide 'março de 1641 nas aguas uruguayas:
«Capitão Jeronymo Pedroso de Barros (cabo da tropa) e capitão Antonio Pedroso de Barros, Capitão Antonio da Cunha Gago (o gambeta), Balthazar Gon-
140 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
çalves (o fallecido), Antonio Rodrigues (?), Clemente Alvares, Simão Borges, João Leite, Mathias Cardoso, (de Almeida), Pero Nunes Dias, Domingos Furtado, Mi- guel Lxjpes, Matheus Alvares, Pero Lourenço, Amador Lourenço, Jioão Pires Monteiro, Pedro Cabral. Domin- gos Pires Valladares, Sebastião Pedroso Bayão, Antonio de Aguiar, Antonio Fernandes Sarzedas, Antonio Car- valho e João de Pina («Invent. e test.» v. XI, 500 a 507).
Esta bandeira, no sertão, em setembro de 1641, só deveria ter chegado ao povoado paulistano, em Agosto do anno seguinte, data em que, judicialmente, foi ini- ciado o inventario de Sebastião Gonçalves», (cf. «O ban- deirismo paulista e o recuo do meridiano, p. 111).
Assim ficamos sabendos que entre os sertanistas notáveis da expedição mallograda figuravam \ailtos de alto relevo, como Antonio Pedroso de Barros, Clemente Alt vares, Mathias Cardoso de Almeida, que a ser o famoso lugartenente de Fernão Dias Paes Leme devia então achar-se nos annos da adolescência.
Historiando os successos de 1641 em deante .escreveu Rio Branco:
} «No mesmo anno do combate de Mbororé, os je- suitas das missões entre o Uruguay e o Paraná foram, com os seus Índios, atacar dois fortes que os paulistas occupavam, um no Tabaty, outro no Apitereby.
O Tabaty, onde antes esteve a missão de S. Xavier, é o af fluente da margem esquerda do Uruguay a que os jesu/tas davam' o nome de Yguarape nos seus mappas de 1722 e 1728^, e que em 1759, segundo os demarcadores f)ortuguezes e hespanhoes, era conhecido por Itapuã. Hoje tem o nome de Camandahy.
O rio que os jesuitas chamavam então Apitereby era, como ficou provado, o primeiro acima do Salt» Grande, isto) é, o que os paulistas conheciam por Pequiry ou Pepery. Os jesuitas applicavam este ultimo nome ao Mandi-Guassú, de 1759.
Estivesse, porém, o entrincheiramento de que se trata no antigo e supposto Apitereby dos jesuitas, ou no f>e- queno rio, que ainda conserva esse nome, o importante é que no território hoje em litigio (o de Missões), já
EXPUGNAÇÃO DE FORTINS PAULISTAS 141
esses brasileiros occupavam em 1641 uma posição for- tificada, segundo o padre Lozano, chronista da Com- panhia de Jesus na província do Paraguay. Diz elle (jue os Guaranys da Missão, depois de tomarem o forte do Tabaty, foram atacar o de Apitereby.
«Passaron volando a otro fuerte llamado Apitereby, y acometiendolo, obligaron a los Mamelucos á pxjnerse em fuga, dejando en el cuanto tenian de provisiones, viveres y cautivos, y se huyeron tan ocupados dei miedo, jamas adelante hasta el dia de hoy, se atrevieron á in- festar la provincia dei Uruguay...»
Nesta ultima informação enganou-se o padre Lo- zano, pois elle próprio refere, em outro lugar de sua obra, que no dia 9 de Março de T652 os paulistas re- partidos em quatro corpos, atacaram novamente as Mis- sões, entre o Uruguay e o Paraná, o que é confir- mado por diversos chronistas e alguns documentos ainda inéditos».
Deste ataque teremos de nos occupar longamente pois se refere á aggressão das bandeiras a Corrientes.
Em real cédula, ao Vice-Rei do Peru, Marquez de Mansera, a 21 de maio de 1640, e de Saragoça, dissera lhe Philippe IV que era «mui conveniente que todos os Índios do Prata, Paraguay, antigos christãos, de cuja lealdade se não podia duvidar, fronteiriços dos portuguezes, se exercitassem ao manejo de armas de fogo pela falta que havia de hespanhóes, para que se poudessem defender dos irreparáveis damnos que a experiência mostrara haverem recebido dos portuguezes da villa de São Paulo. Apenas se tomassem provi- dencias sobre o requerimento das armas, de pólvora, das munições que deviam ser cuidadosamente vigiadas pelos jesuitas. Convinha também fazer com que nas reducções assistissem irmãos conversos da Companhia, antigos militares que houvessem pelejado no Chile (Archivo General de índias 76-3-28),
O grande oppoente á acção da Companhia era defesa dos indios era, porém, o espirito dos colonos hespanhóes a ella infensos dotado de uma mentalidade .que os levava a Sympathisar com os paulistas comoi
142 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
apresadores de índios. Só pensavam em obrigar os sel- vagens ao servido personal. Era o que se demons- trava a cada passo. Assim por exemplo neste mo- mento de crise, imminente a invasão paulista, queria a camará de Assumpção, que o governador paraguayo Don Pedro de Lugo, a 3 de dezembro de 1640, in- formasse à S. Magestade sobre o estado dos irfdios de Corpus e Ytapúa acerca do pagamento de taxa e e tributo em serviço p)essoal. O cabildo da capital para- guaya mostrava-se alarmado pelo facto de correr o boato de que determinara a "Real Audiência de Char- cas fosse a mita paga em espécie, nessas aldeias recen- temente apadroadas por D. Pedro de Lugo. A isto se recusavam os encomenderos de Assumpção energica- mente, representando o Cabildo contra tal providencia a mostrar «el inconveniente, grande desconsuelo y al- teración que causaria a los indios circumvecinos que hacen mitas, si los dichos indios dei Paraná pagasen sus tributos y tassas en espécie» (cf. Pastells, 11, doe. 642).
Sempre atrazadas chegavam as noticias das cousas americanas ao sólio catholico da Sacra Magestade do Snr. D. Philippe IV. Assim bom tempo decorreu antes ique se inteirasse da grande victoria hispano-jesuitica em Mbororé. Pela real cédula de 4 de fevereiro de 1646 quasi cinco annos depois! mandava ««Yo, El-Rey,» ao seu governador do Paraguay que agradecesse aos in- dios das reducções, a cargo da Companhia de Jesus, «por lo bien que se han defendido de los portuguezes dei Brasil». Em recompensa a estes serviços de tão boa vassalagem dizia S. Magestade: «no consintaes se hagan moléstias ni novedades con los indios de las di- chas reduciones y cuideis mucho de su alivio que asi conviene a mi servicio».
A 14 de fevereiro de 1647, veio nova cédula real, em que S. Magestade, enthusiasmado, se referia ás proezas de seus súbditos guaranys: «Habian defendido su tierra echando a los portugueses de ella aste ponerlos en huida ignominiosamente por dos veces, con que hoy go- zan de paz sin que los portuguezes se hubiesen atenido a
Agradecimento de Philippe IV aos Índios 143
volver sobre ellos». E estivera o Paraguay a pique de se perder! Assim como estes bons indios em recompensa solicitavam da munificência real (calguma merced que le pudiese ser de alivio en los tributos que pagan» en- carregav^a elle, Rei, ao fiscal da Audiência de Charcas, Don Geronymo de Camargo que cuidasse do allivio e conservação dos indios das ditas reducções «todavia {)orque conviene alentarlos para que continuen al ser- vido con sus armas.»
E como taes serviços «gravados ficavam no peito de seu grato .soberanlo» como diria um dynasta, seu descendente aos descendentes de alguns dos assaltado- res do Paraguay, naquella época, expandia-se o cora- ção paterno do Snr. D. Philippe IV:
«Le dareis en mi nombre las gracias por lo bien que me ayo servido de ellos y le encargareis le con- tinuen en lo adelante por las occasiones que se puedajn ofrecer con el ceio y atencion que asta aqui alentando los mucho para que los aga asi conviene a mi ser- vido».
E não pararam ahi as demonstrações do apreço real. Noutra cédula regia, da mesma data, encarregava Philippe IV, ao seu vice rei peruano, Marquez de Man- sera, que puzesse todo o cuidado em procurar allivio de condições para os indios das reducções das provin- das do Uruguay e do Paraná «por lo bien que han servido defendiendo se de los rebeldes de Portugal».
«Balientisamamente, de doce anos a esta parte» salvando Paraguay de cahir em mãos dos paulistas co- mo estes rebeldes intentavam! (Arch. Gen. de índias, 122-3-2).
Neste Ínterim maus dias atravessava o "Paraguay.
Ao norte invadido, talado, pelos paulistas, a oeste sempre sob a imminencia de renovamento dos assaltos indios do Chaco, ainda o assolavam longas luctas civis provocadas pela extranha attitude do bispo d. frei Ber- nardim de Cardenas.
Curiosa personalidade a deste prelado! figura sin- gular, celebre pela extravagância e violência dos sen- timentos.
144 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Nascido no Peru', em Charcas, no anno de 1579^, oriundo de família fidalga, fizera-se. desde a adoles- cência, franciscano.
Nomeado missionário apostólico, angariara a justa fama de ardente e incançavel propagador da fé.
Era-lhe a vida a de um asceta, tinham-no muitos até como verdadeiro santo, falava com eloquência viva, rude e pathetica, prégava a mais severa penitencia, a que escrupulosamente se submettia, aliás, e tal o pres- tigio angariado pela sua acção apostólica em todo o Peru' que, segundo Charlevoix, «por toda a parte o recebiam as populações como um homem milagroso, sobrenaturalmente dotado de visões e revelações.
Entretanto, accrescenta o autor jesuítico, nunca foi outra cousa sinão «o mais perfeito e o mais perigoso extático que jíámaís existiu.»
Já era o padre Cárdenas sexagenário quando, vaga a diocese paraguaya, por morte do bom bispo frei Chris- tobal de Aresti, foi o seu nome apontado a Philippe IV pelo celebre jurisconsulto Solorzano, que o conhe- cera, havia tempo, em Lima.
Era incontestavelmente um dos vultos de mais des- taque do clero híspano-am.ericanio.
Conhecia numerosas línguas indígenas, algumas na perfeição: doutor em Theologia, \agario provincial vi- sitador na^ província de Charcas, nomeara-o commis- sario delegado «para a extirpação da idolatria» o conci- lio provincial argentino de 1629, em que fizera bri.; lhante figura.
«En el desenpeno de ese ministério, diz Garcia Mérou na sua «Historia da Republica Argentina», penetro en- tre las tríbus salvajes, haciendo-se notar por su valor y conseguiendo muchas veces apaciguar á los índios y evitar el derramamiento de sangre».
ídolo do populacho, orador para as turbas, ma- goara O" franciscano aos superiores e até á autoridade diocesana, motivo pelo qual fora então forçado a re- colher-se ao seu convento em Lima, a titulo de reclu- são disciplinar.
Apenas soube da Inomeação. em 1640, sahiu Ber-
FRAY BeRNARDIN de CARDENAS
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nardim da capital Peruana, cujo arcebispo detestava, e foi pedir ao bispo de Tucuman que o sagrasse Nãjo recebera as bulias papaes relativas a sua investidura, mas taes cousas fez que o hesitante prelado do Rio da Prata obtemperou aos seus desejos, apesar da viva opposição dos jesuitas e da Universidade de Cordova que solennemente lhe contestaram a validade da sa- gração.
Partiu o novo bispo para a sua cidade episcopal, onde o esperava o mais estrondoso acolhimento. Den" tro em semanas era o verdadeiro dominador do Pa-i raguay, muito embora ás pessoas sensatas causasse extranhesa e reprovação a extravag'ancia das suas pra- ticas devocionárias e o exaggero de suas palavras, fre- quentemente descabelladas.
Diariamente rezava diversas missas, dizem os his- toriadores do Paraguay; sahia á rua em túnica, a car- regar pesadissimas cruzes, ou relicários, acompanhado de chusmas de indios e do povilóo da Assumpção para proceder á benção da terra «afim de se afastarem as epidemias, affirmava, e a esterilidade do solo.
Como houvesse instituído uma serie de exercicios de piedade na igreja do Collegio, «de preparação para a morte», e de sua invenção, respeitosa, mas severamente advertiu o Reitor quanto lhe eram taes innovações absolutamente condemnaveis, jámais podendo merecer a sancção da igreja.
Já muito irritado com a attitude dos jesuitas de Cordova, subiu com este facto a verdadeiro paroxismo o odio do diocesano á Companhia de Jesus.
Cada vez mais violento, praticou actos desarrazoa- dos; assim, mandou arrazar o convento dos Domini- canos, porque estes religiosos começaram a edifical-fo antes de receber a permissão real.
Fraco e accommodaticio, embora pvessoa honesta, timidamente começou o governador do Paraguay, D. Gregorio de Hinestrosa, a fazer opposição ao bispo, visando defender os jesuitas.
Como (segundo os autores loyolistas) allegasse Cár- denas «que em sua diocese era pap|a e poderia dÍ2er até
146 Historia Oeral das Bandeiras Paulistas
nove missas diárias, si a idéa lhe viesse á mente», contra elle representaram ao rei, o governador, diver- sos membros do cabildo e os jesuitas. Sobretudo agora que se puzera a declarar que a ordenação era como o baptismo, com ella se convertendo os peccadores inveterados, motivo pelo qual já conferira ordens a diversos rapazolas, alguns dos quaes ignoravam uma única palavra de latim, observava Hinestrosa á Corte.
Tremenda lucta se estabeleceu então entre o des- vairado bispo e o poder civil.
Foi Hinestrosa excommungado e a capital para- gnaya posta em interdicto.
Nestas pendências, varias vezes levou a melhor o prelado a quem lo tibio governador pediu composição obtida á custa de pesadas multas.
Na immensa e deserta America do Sul, como se podia tornar respeitada a autoridade real?
Estava a audiência de Charcas investida de pode- res para reprimir todas estas scenas.
Mas era o caso do guizo e do j>escoço do gato. Quem obedeceria ?
Eim 1644, rompeu Cárdenas, desabridamente, con- tra os jesuitas , relata Charleroix, segundo quem parecia, ás vezes, demente.
Ex-proprio Marte, introduziu alterações no modo de celebrar a missa em sua cathedral, inventando um «osculo da paz», que aos assistentes distribuía a dizer: «Recebei o Espirito Santo».
Energicamente protestaram os ignacianos. Tiveram ordem immediata de suspensão do funccionamento do seu collegio e do ministério sacerdotal. Em diversas paticas e escriptos, serviu-(Se Cárdenas de uma ar- ma, que bem sabia quanto era terrível nos seus ef feitos: assoalhou, que tinha positiva noticia da descoberta de riquíssimas jazidas de ouro e prata, no território das reducções jesuíticas, depósitos estes que a Companhia zelosamente escondia e de onde auferia enormes ri- quezas.
Uma vez preparado o terreno, agitou entre os hes- panhóes a conveniência da expulsão dos jesuitas idéa.
Deposição e exílio de Cardenas
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que, como era de esperar, foi com verdadeiro enthusias- mo acolhida por aquella ix)pulação de encornmenderos de índios.
Oppoz-se Hinestrosa ax)s desígnios do bispo que, acaudilhando-se, foi assentar arraial em Yaguaron, a oito léguas da Assumpção,. Estava imminente a guerra civil, quando o governador, pondo-se á testa de oito- centos homens e dos indios fieis á Companhia surpre- hendeu o acampamento episcopal, prendeu o terrível dio- cesano, acabando por deportal-o para Corrientes, de on- de sobre elle c os jesuítas choxeram as excommunhões maiores, bem innocuas entre parenthesís.
Dividida a população paraguaya em duas facções, diz G. Merou, chegou a anarchia ao auge. Levou o bispo destituído as suas queixas á audiência de Charcas, pe- dindo reparação.
Quatro annos lhe durou o exilio, e, neste longo lapso de tempo, manteve-se o governo hespanhol inerte, con- tentando-se em offerecer ao prelado deposto a diocese de Popayan, na Nova Gr,anad,a, para o afastar do Paraguay. Desdenhosamente repelliu Cárdenas a pro- posta: era quasi septuagenário e queria morrer no só- lio episcopal, de que tivera a investidura, declarou termi- nante. Pensando accommodar as cousas, mandou Fe- lippe IV substituir o governador Hinestrosa por D. Diego de Escobar Osorio, a quem recommendou, com- tudo, pnotegesse efficazmente os jesuítas.
Sabendo que Hinestnosa partira para Buenos Ayres e Osorio ainda não chegara do Peru' (era Ouvidor da Real Audiência de Charcas), correu o bispo a Assum- pção, onde o partido anti-jesuitico lhe fez estrondosa manifestação de apreço.
Chegando Osorio, comprehendeu que o prestigio de sua autoridade era insignificante ante a do diocesano e assim procurou contemporizar.
Deu-se então a invasão paulista de 1648, dirigida por Antonio Raposo Tava^fps, e Andrté Fernandes, epi- sodio que detidamente analysaremos.
Cada vez mais premido pelas circumstancias, pre- cisou o pobre D. Diogo, frouxo como era, fechar os
148 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
olhos ante a primeira investida do bispo á Companhia: a destituição do governo das aldeias do Itatiii, agora assolado pelos bandeirantes.
Quasi subitamente falleceu Osorio, em principíos de 1649, quando acabava de entrar em campanha o corpo expedicionário, enviado de Assumpção contra os paulis- tas. '
Diz Charlevoix que seu fallecimento se dera «de- pois de haver tomado um remiedio que lhe mandaraín, como especifico para certo inconlmbdo que o affligia»^ allegação outrora frequente naquelles tempos de pou- cos conhecimentos pathologicos.
Não podia Cárdenas perder aquella occasião.
A' testa dos partidários, correu á Camara Muni- cipal, onde foi acclamado governador-capitão-general do Paraguay, para tanto invocando umas disposições de antiga cédula real, de Carlos V, conferindo privilégios á cidade de Assumpção.
Logo depois, a officiar na cathedral, relata o deão Jarque, no seu hoje raríssimo Insignes Misinneros, afi ançou o bispo que ia expulsar os jesuitas em virtude de expressas ordens reaes.
A 'B de março de 1649, era o collegio arrasado pela turba sedenta de saque; embarcavam-se, a força, os jesuitas, ao lóo da correnteza do Paraguay, em velho e podre batelão, onde nem lhes deram provisões para a perigosa viagem os rancorosos inimigos.
Puderam contudo attingir Corrientes, onde lhes dis- pensou forte protecção o mestre de campo, aliás por- tuguez, Manuel Cabral, Saqueado o Collegio, retiradas as suas alfaias, mandou o bispo incendial-o.
Delle apenas subsistiram as grossais e indestructiveis taipas.
Ao mesmo tempo, ainda ordenou o rancorosíssimo septuagenário a abertura de vários e rigorosos inquéri- tos para se documentar contra o inimigo que acabava de vencer. ^
Prende-se um' delles estrictamente á historia de São Paulo o jque se iniciou a 21 de maio de 1649, na cidade da Assumpção, p>elo alcaide ordinário da ca-
Patranhas jesuíticas ?
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pitai paraguaya, capitão Christovam Ramirez Fuenleal, (A. G. I. 14-6-28J.
Tinha este documento por fim provar a s. n.ajestade que os paulistas jámais haviam assaltado as redacções e, pelo contrario, foram os jesuitas os seus aggressores desleaes e infames. Nunca se déra a in\asão, de dezem- bro anterior, do Itatim, pelos bandeirantes de Antonio Raposo, tudo isto não passando de formidável inven- cionice do padre Mansilla e seus asseclas. Forjára e ma- chinára a Companhia mil mentiras para obter mais armas de fogo, falém das muitíssimas com qúe alicer- çava o seu já fortíssimo dominio sobre dezenas e dezenas de milhares de indios, em vésperas da proclamação do seu famoso império theocratico paraguayo.
CAPITULO II
Difficuldades de apreciação de fados. — O processo contra os jesuiias. — Innocuidade de sua acção. — Acervo de falsidades inintelligentes. — Revisão da questão a pfoposito da campanha de D. Pedro de Lugo contra os paulistas.
'<E' muito diffici] apreciar de que parte está a razão em todas estas questões», expende Martim Garcia Me- rou, na sua Historia de la República Argentina, Da ex- tensa leitura de documentos e autores nenhuma convic- ção nos fica a não ser que foi o bispo um dos homens mais irasciveis e violentos que jámais houve.
Pintam-iio os historiographos jesuitas quasi demen- te, os seus partidários como arroubado patriota, extrenuo defensor das regalias episcopaes e reaes usurpadas pela Companhia de Jesus.
Assim, pretendem os episcopalistas que o inicio da terrivel discórdia fora a opposição dos jesuitas a que o diocesano lhes visitasse as aldeias e a sua repulsa indi- gnada a uma tentativa de suborno, ao passo que os seus adversários assignalam, como causa única, o zelo da Companhia pela disciplina ecclesiastica e o respeito aos cânones, a cada passo ftóstergíados pelo desvairado bispo.
«La cuestión debatida — diz um historiador sul-ame-
Encomenderos versus jesuítas 151
ricano, citado por Merou — mo era dei episcopado con- tra el apostolado, sino dei elemento europeu y dei espi- ritu municipal formado joor el desarrollo de la conquis- ta .contra el proselitismo, que acaudillaba el elemento indígena, organizado y axinado en forma de reducciones de sahajes sometidos á un regimen teocratico».
E, realmente, tal nos parece o verdadeiro critério a seguir-se; trata va-se de nov^a modalidade assumida pela eterna questão da encomienda, da iniia, do ser- vido personal, a ]v.cta entre o branco cWú, ávido do ser- viço do bronco pellejvermelha e contrariado em sua cobiça pela acção jesuítica.
O exame imparcial dos actos e documentos do go- verno do bispo Cardenas ,a que vamos proceder, não é dos mais abonadores da lealdade dos seus processas de agir e menos ainda da sua intellígencia, singular- mente obliterada pelos desvarios da colera-
Talvez lhe assistisse razão em diversos de seus ca- pítulos de queixas contra os jesuítas, pouco submissos á srua autoridade diocesana, homens de mentalidade, to- talmente diversa á sua, creoulo hespanhol, nascido de antiga e rica família de escravizadores de índios, soli- dário jxjr instincto, 'com a gente de sua raça de con- quistadores.
Mas dahi a lançar mão dos processos de que se ser- viu, como desforço a todo^ o transe, ha intransponível abysmo para alguém a quem não cegou completamente a mais iracunda paixão.
Só esta poderia accumular um acervo de documen- tos que a exaggeração tornou innocua, tal a insubsis- tência de que os revestiu a incapacidade de raciocinar de quem os forjou.
Pertencem áquella famosa categoria de actos poli- cos que Talleyrand cynicamente classificava peores do que crimes porque eram erros,. E erros infantilmente com'^ mettidos, tão pueris e tolos na machínação da sua precipitada factura que não supportavam o embate das mais fracas objecções á sua verosimilhança.
Assumindo, pois, o governo do Paraguay, ordenou Cardenas que se procedesse a inquérito sobre as armas
152 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
de fogo que para a sua defesa possuíam os indios das reducções do Paraná e Uruguay, aldeamentos estes su- perintendidos pelos jesuitas.
Nove depoentes arrolou: o mestre de campo, ge- neral Francisco de Espinola, os capitães Juan Valdez, Melchior de Luchete e Juan de la Rotela, os comarcões e feudatarios do districto de Assumpção, Gonçalo de Ro- das, Marcos Guillermo, os ajudantes de guerra Sebas- tião de Escobar Pabon e o sargdnto-mór Thomaz dé Ayala .(Arch. Gen. de índias 74-6-28).
Encarregado de dirigir o inquérito, nomeou ao capitão Christovam Ramires Fuenleal, alcaide ordiná- rio da capital paraguaya.
Motivára semelhante determinação — declarou-se — ser publico e notório que o padre Juan Pastor, jesuí- ta, procurador dos doutrinado res das provindas do Uru- guay e Paraná, affirmára, ante o Rei e seu real con- selho das índias, a quem apresentára memorial, que os seus indios tinham mais de setecentas espingardas compradas á sua custa, para se defenderem dos portu- guezes do Brasil, que vinham captival-os e os vendiam como escravos. Depois de apercebidos de escopetas, haviam os paulistas sido derrotados e fugido «para sus tierras, vergonsosa y inominiosamente». A' vista do ex- posto, tendo o padre afiançado que os hespanhoes não estavam em condições de defender os seus neophytos, requerera ainda a S. M. relevação de impostos para as reducções, além da permissão para que se conser- vassem as armas nos aldeamentos.
Annuindo o rei a esta solicitação, aiiida consegui- ra o padre Pastor uma cédula real, mediante cuja apre- sentação permittira o vice-rei do Peru', marquez de Mancera, tudo quanto desejavam os jesuitas e ainda lhes déra mais de cento e cincoenta mosquetes, setenta bo^ tijas de pólvora e outros tantos quintaes de chumbo.
Queria agora o bispo restabelecer a verdade pro- vando quanto Pastor mentira e enganara a El-Rey e ao seu real conselho. Assim mostraria na máxima evi- dencia: primo que os jesuitas se armavam não contra os paulistas e sim contra o governo do Paraguaiy;
Depoimento falso
153
secundo) que nas reducções só havia padres extran- geiros e originários das províncias rebelladas contra Sua Majestade e sua real coroa (Portugal, Paizes Baixos, etc). Do inquérito se fariam diversos traslados para o rei, o seu real conselho, o vice-rei daquelles reinos, e |a audiência de La Plata (Charcas).
Monumento de falsidade, a tal devassa presidida pelo capitão Fuenleal, sob a inspiração do bispo; mas sobretudo monumento de incommensuravel imbecilida- de, na sua pretenção incomprehensivel de annullar a verdade accumulada pelos documentos de dezenas de annos, numa série de factos de inatacável lógica. Em todo o caso era ia postura em pratica, por anticipação, do conselho de d. Basilio, relativo ás vantagens da ca- iu mni a.
Industriados pelo bispo, repetiram os nove depoen- tes as mesmas cousas, depois de haverem proferido «juramento por Dios Nuestro Senor y por la senal de la cruz de desir verdad».
Affirmou o mestre de campo Espinola que jamais haviam os paulistas atacado as reducções do Paraná e Uruguay! Fôra tudo farça dos jesuitas que, para conseguirem os seus fins sinistros, de vez eim quando inventavam uma algara paulista e manda vaiil pedir soc- corro em Assumpção, «y llegando dichos soccorros a la primeira reducción que está a treinta léguas de esta ciudad», despediam-nos, «diciendo unas veces que ya los portugueses se avian buelto a sus tierras, otras que abian tomado otras derrotas y caminaban para otras tierras,»
O que pretendiam os padres com a presença dos soccorros era somente atemorizar os indios e mantel- os em dura sujeição. Taes as suas falsidades que, affir- tnava a testemunha, jamais se haviatn visto paulistas nas cercanias das reducções.
E ahi se prestou o mestre de campo Espinola a relatar um conjunto de indecorosas inverdades, expli- cando, a seu modo, a campanha dirigida pelo governa- dor d. Pedro de Lugo y Navarra contra a bandeira, com quem se batera em Caasapaguassu', matando-lhe
154 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
alguns homens e aprisionando-lhe muitos mais. Nesta refrega perdera a vida o jesuita hespanhol Diogo de Alfaro, pelejando a frente de seus indios. Occorrera isto em 1639, havia dez annos, pois.
Pittoresca a série de invencionices do mestre de campo, que se dizia commandado, nesta jornada, pelo próprio d. Pedro de Lugo.
Marchara este governador em soccorro dos padres e, chegando ás reducções, não achara o menor vestígio de paulistas.
Encolerizado, havia intimado aos jesuitas que o levassem ao encontro do inimigo e estes, enganaaido-o, fizeram-Tio percorrer para mais de oitenta léguas eral direcção á costa do Brasil,. Afinal, um dia preveniram-no de que tinham á vista uma bandeira «Detrás desta siga de monte, que se mira, estan portugueses co n muchos yndios». Retrucara-lhe o governador: «Pues, pa- dres, detengan-se aqui que yo quiero llegar y hablallos y saver que derota Uevan y adonde van». Assim se en- caminhara em direcção aos paulistas, seguido de al- guns officiaes. Mal vencera tres ou quatro quadras, ouvira estrondo de fuzilaria: retrocedendo a toda a pres- sa para ver quem pelejava, encontrara alguns cadáve- res de inimigos, já despojados de suas roupas, e depois alguns paulistas que vinham pedir-lhe amparo. Era uma expedição pacifica, que o jesuita guia da columna, aggre-
dira para justificar a viagem. Marchava este padre á testa dos seus indios, armados de um arcabuz de seis
palmos e gibão d'armas (escupil). Morrera, porém de
um balasio desfechado na confusão da escaramuça,
por um de seus próprios soldados.
Affirmava o mestre de catnipo que nenhum' destes
paulistas atacados do modo mais desleal, trazia armas siquer defensivas/ Eram gente de paz que tinham apa- nhado alguns indios vagos «a su usanssa».
Foram esta aggressão e outras a causa das represá- lias paulistas dirigidas contra as reducções.
Quanta infantilidade! Acaso poderia este depoimen- to annullar os relatórios referentes á campanha de 1639 do punho do próprio d. Pedro de Lugo, já incorpora- dos aos archivos reaes? Tola empreitada a do bispo Cárdenas.
CAPITULO III
Ainda o processo anti-jesuitico. — Sua perfeita' inno- cuidade. — Aítitude do Vice-Rei do Peru - — De- ferimento de uma petição de Montoya.
Reforçando os depoimentos anti-jesuiticos dos seus predecessores, ao processo ordenado pelo bispo Car- denas, pouco disse o sargento-mór Thomaz de Ayala, além do que já se affirmára e temos analysado.
Apenas ajuntou que ao soberbo estado maior de d. Nicolas Nheenguiru', o indio atrevidaço pouco res- peitador da autoridade castelhana, acompanhavam nu- merosos cornetas, tambores e buzineiros; depois do com- bate de Caasapagtiassu', avistara tres dabeças de pau- listas carregadas em triumpho pelos seus indios.
Quanto á invasão bandeirante no Paraguay, tinha- a como improvável.
Si os paulistas , dispondo da via fluvial, jámais até agora haviam intentado fazer mal a Maracaju', pelo facto de temerem perder-se «a la buelta para sus tierras!»
Era exacto que, em 1633, surgira em Santiago de Jerez uma bandeira de sessenta homens, arrebanhando alguns indios, mas isto porque doze ou treze comarções daquelle districto haviam resolvido passar a viver em São Paulo, com suas famílias, o que se não pudera jemediar.
156 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
E quanta gente morrera então, neste êxodo, atra- véz das cem léguas que separavam os dois pontos!
Gonçalo de Rosas, este, referindo-se á affronta do cacique de Ytapua ao governador Valderrama, por- menorizou o caso, dizendo que os indios forçaram, pela sua attitude hostil, o capitão-general a retirar- se apressadamente, quando elle se puzera a lembrar- Ihes os deveres de vassallos do rei de Hespanha.
Não havia quem ignorasse, aliás, quanto se oppu- nham os padres a que os capitães-'generaes e bispos do Paraguay e do Prata, lhes percorressem as al- deias.
Jeronymo Pabon repetiu o caso das cabeças dos bandeirantes, accrescentando que com os indios, cruéis degoUadores, vira jesuitas.
Menos monótono é o testemunho do capitão Juan Valdez.
Acompanhára, outrora, em diversas expedições, o general don Gabriel de Vera y Aragon, mas sempre a pacificar indios sublevados e nunca a repellir paulistas como annunciavam os jesuitas quando pediam os soc- corros.
Nestas jornadas muitos caciques vira encarcerados pelos padres que os governavam com a máxima tyran- nia. Lembrou as revoltas dos guaranys, nove, já todas reprimidas á custa de muito bom' sangue hespanhol.
Grave fora a de 1611, em que os sublevados haviam degollado os habitantes de uma aldeia inteira, que se não quizera alçar contra os brancos, o que motivara a acção repressora do general don Juan Resquin. Nu- ma das jornadas que elle, depoente, fizera, com o ge,- neral Aragon, assistira ao desarmamento de quatro «pueblos» do Uruguay.
O que os padres, acima de tudo, intentavam, era isolar brancos e pelles vermelhas, para que se não descobrissem as jazidas de ouro, pedrarias, ferro e aço (sic), abundantíssimas na região, e de que queriami ser senhores absolutos.
Melchior Pucheta invocou contra os ignacinos a preferencia que davam á permanência nas reducções.
Victoria de Montoya
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á. estada no seu coUegio de Assumpção, «con tantas commodidades de hacienda y esclavos», semi ousar re- cordar, comtudo, que deste mesmo coUegio acabara o bispo de os expellir!
Quanto a Marcos Guilherme, lembrou insistente que a trinta léguas de Assumpção possuiam os ignacinos verdadeira praça forte, defendida por fossos e baluarte, com uma guarnição de quatro ou cinco mil indios; a vinte léguas sobre o rio, outro presidio, com mil hoi- mens. E faziam ainda todo o possivel para chamar a si seis reducções «con fleros y amenasas que cada dia ymbian». No mais repetira'm todas as testemunhas os mesmos items de accusação, formiulados pelo primeiro depoente.
De nada valeu, porém, tanto trabalho tomado pelo bispo governador do Paraguay para acabrunhar os je- suítas.
Não ligou o conde de Salvatierra, vice-rei do Peru', a minima importância aos documentos pelo prelado accu- mulados contra os adversários.
A 21 de maio de 1649, deferia a petição do padre Antonio Ruiz de Montoya, reitor do collegio da Assum- pção e procurador geral da Província de Paraguay, para que os novamente conversos do Uruguay, Tape, Paraná e Itatim, da jurisdicção paraguaya, fossem re- levados do serviço pessoal e da mita, em attenção ao trabalho que tinham em enfrentar os paulistas. (A. G. I. 74-6-29.)
Neste documento allegava o illustre philologo que a sua companhia fundara no Uruguay, Tape e Parai- ná vinte e quatro reducções a custa do martyrio gloj- rioso de nove dos seus sócios, além de mais tres jio Itatim, nos confins de Santa Cruz de la Sierra.
Mais de cincoenta sacerdotes regiam estas missões rosteando os paulistas. «An tenido de algunos anos a esta parte rrenidos enquentros con los rebeldes portugueses que con pertinácia hasta oy ententan la conquista de aquelas tierras para hazer pié en este Peru', de las quales han obtenido insignes victorias matando mucho numero deles y ahuyentandolos de nuestros confines»..
158 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Para se defender dos paulistas havia a companhia comprado mais de seiscentos arcabuzes e muita muni- ção, a cujo valor se devera «no estar aquella tierra en poder de dichos rebeldes portugueses de los quales se tiennen frequentes avisos de la prebención que hazen para bolver a sujeitar la tierra».
Também viviam os seus indios em «vigilante exer- cício de las armas como es notório». Tinham os cate- chumenos da Companhia acudido sempre ás occasiões do real serviço contra os indios ferozes ou rebeldes «con toda fidelidade y logro de vitorias»
Si se "haviam entregue á Companhia era sob a promessa de não serem enccoritmodados nem sujeitos «al perigo intolerable de servicio personal», horrorizados, exasperados que viviam das «vejaciones y maios trata- mientos que recibian commumente los yndios de los espanoles en este Reyno».
Assim os declarasse s. exc. vassallos de Sua Ma- jestadc e pertencentes á sua real coroa. Já os protegera o Rei, permittindo que o anterior vice-rei do Peru', o marquez de Mansera, os soccorresse com armas de fo- go e munições. Agora era só s. exc. com elles fazer o que se obrara em outras partes da America hespanhola; no Chile havia tropas indias vencendo soldos de Sua Magestade. Na cidade de Cuzco viviam os indios Ca- nares livres de impostos e obrigações, por terem sido sempre submissos, desde os dias de Pizarro. N o Reino de Terra Firme (Colômbia), gosavami de isenções os das províncias de Guayli e Darien, cm paga da real docilidade em se converterem. Agora mesmo concedera o marquez de Mansera, no Chile, privilégios ao cacique Manquilante, seus filhos e vassallos, por se sujeitarem ao jugo hespanhol.
Ora, aos das reducções jesuíticas, ímpunlia a ameaça paulista os maiores sacrifícios de fazenda e vida; nada mais justo que a recompensa pela real mercê. Mas, como o Vassallo devia sempre a vassallagem ao seu su- zerano, lembrava Montoja que as reducções pagassem uma capitação de um peso de oito reales por chefe de família.
Serviços da Companhia á Coroa 15»
Mas não havia nos aldeiamentos ouro nem prata, metaes desconhecidos naquella terra; podia a capitação ser paga em cobre, mas nunca em géneros, dada a enor- me distancia daquelles centros a Buenos Aires ou a Tucuman e se excusarem questões com agentes fiscaes, evitando-se assim «quentas e supercherias» com estes func- cionarios ávidos. Melhor seria encarregar da cobrança os officiaes reaes de Buenos Aires, superintendendo-a o- thesoureiro e contador, mas nunca os governadores das provincias, que no curto prazo do exercicio de suas funcções não tinham menos escrúpulo em molestar os Índios, na avidez do enriquecimento rápido. Em troca do tributo e dos encargos militares, visando os paulis- tas ,decretasse o vice-rei que ficavam os indios livres de qualquer «mita», já que Sua Magestade os dispensara do serviço pessoal por nova e especial cédula.
E completasse aquella obra de justiça, recommen^ dando aos officiaes reaes a brandura e o geito na co- brança dos tributos.
A real cédula a que alludia Montoya era a de 14 de fevereiro de 1647 e nella lembrava Philippe IV os serviços dos indios reduzidos pelos jesuitas dos 24 «pueblos muy copiosos e lustrosos, que se avian defen- dido valentissimamente, de doce anos a esta parte, de los portugueses dei Brasil, hasta poner los en huida: ignominiosamente por des beces, con que oy goçaban en paz, sin que los portugueses se ubiesen atrevido a bolver sobre ellos», de tudo resultando salvar-se o Paraguay, muito arriscado da invasão paulista.
E todo este serviço á coroa catholica fôra feito a expensas da Companhia, declarava o monarcha. As- sim, grato, recommendava ao vice-rei do Perú que al- liviasse quanto possível os encargos de tão valentes vassallos, pelo bem com que haviam obrado, defendendo terras da Hespanha dos rebeldes do Brasil, alentando- os a que continuassem a proceder como procediam.
Como documentos em apoio de sua pretenção, jun- tou Montoya dois attestados, um do capitão Jeronymo de Bustamante Marques, natural de Cordoba de Tu- cuman, e agora alcaide provincial de Lima, e outro ■
160 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
de Francisco Alvares Reyero, morador de Potosi, outrora por longo tempo residente no Paraguay.
Lembrou o cordovez a dedicação da Companhia, que já contava cinco martyres no Uruguay, dois no Itaj- tim e ukn no Tape (o padre Alvarez). Exaltou-lhe a obra da conversão e a repulsa dos paulistas com quem nos últimos doze annos haviam' os seus guaranys tido gran- des encontros, sobretudo dois, posteriores á revolta de Portugal. Graças aos jesuítas, affirmava, não estava o Paraguay em poder da gente de São Paulo, e com elle Buenos Aires e Tucuman.
Maior infâmia não se podia inventar do que dizer que os reduzidos da companhia eram hostis aos hes- panhóes. Com quem se tinham havido os governos do Paraguay contra os guaycurús, payaguás, chanés, char- ruas e outras nações ferozes, sinão com elles? Quem sustentara a autoridade vacillante do governador don Gregorio de Hinestrosa ? e a quanta nação barbara não haviam domado, hoje regidas pacificamente pelos fran- ciscanos e outros religiosos? Nãof! justiça era que to- dos estes valentes defensores de sua Magestade per- tencessem á sua real coroa, que, aliás, em todo o Para- guay, não possuia um só indio .«Las cosas estan oy en aquella província dei Paraguay muy peligrosas, ter- minou o fiscal, será su majestad muy bien servido que dichos yndios sean premiados e se animen a contijiuar en el real servicio.» Si o resto dos selvicolas da Ame- rica não se sujeitava ao jugo hespanhol, era exclusiva- mente pelo terror do regimen da conquista, sob o látego desapiedado dos encomenderos.
Estes mesmos conceitos rej>etiu-os Francisco Alves Reyero, que fez arroubada relação dos serviços dos jesuítas, dos resultados de sua catecheSe, graças á qual viviam agora tantas dezénas de milhares de indios na pratica da fé,, «morigerados y ensenados, libres de bor- racheras y otros vicios». De quarenta annos a esta parte, accrescentava o dep)oente, que se empeçó a plantar ali «la fee, no se a visto un solo yndio tomado desto vicio».
CAPITULO IV
Versão nova sobre a campanha de 1639- — Don Nicolas Nheenguiru\ — Curiosa historia. — Inexistência do perigo paulista. — As minas de ouro escori- 'didas pelos jesuítas.
Reiterando seus depoimentos phantasiosos, no sen- tido de obter as boas graças do vice-rei peruano para o seu amigo, o bispo Cárdenas, relatou o mestre de campo don Francisco de Espinola curiosa historia. Corria o anno 1639 e governava o Paraguay don Pedro de Lu- go y Navarra.
Atemorizados com a approximação dos paulistas, pe- diram-lhe soccorros os jesuitas das reducções correntinas e elle partira immediatamente levando o depoente como mestre de caimpo de seu troçp de hespanhóes e indios. Pois bem: mal attingira a zona missioneira, sahira-lhe ao en- contro o Índio a quem os seus compatriotas chamavam: í> governador. Surgira-lhe em um poderoso cavallo, rica- mente ajaezado e soberbamente adornado com «un som- brero de muchas plumas, un aderesso dorado en la cinta, y una escopeta al assion, rodeado, ae mucnos 'pajés y lacaios». Como insígnias «traia el dicho yndio en la mano un setro muy bien hecho y obrado y, sobre el sombrero, una corona que parecia ser de papel, aunque
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por estar muy pintada y obrada, de colores no se) determinaba bien».
E o peor é que este majestático personagem cami- nhava á testa de um exercito de quatro mil «yndios con muchas armas de fueg^o y otras de su usso». lanças, alfanges e escudos.
Pasmaram- se o governador paraguayo e todos de seu séquito, de semelhante imponência, mais ainda quan- do, com o máximo atrevimento, o interpellára o chefe ou soberano indio, dizendo-lhe atroadoramente: «Seja bem vindo, mas só por esta vez e nunca mais! Recebono em minhas terras em nome do Papa!»
Tivera o governador, desacompanhado como estava, mas fremente de cólera, de supportar semelhante af- fronta.
Ao tal indipt lhe chamavam os patricios Don Ni- colas Nheenguirú, ou Nienguirú, ou ainda Nienguiú.
Era este indio um cacique de grande prestigio, em terras hoje riograndenses, e como amigo do padre Diego Alfarro prestara-lhe todo o apoio contra as hordas in- christianizaveis de Nheçum, o principal martyrizador do venerável Roque Gonzales. Fora Nheenguirú' quem no combate de Piratiny vencera o terrivel Nheçum e o obrigara a passar para a margem direita do Uruguay. ainda quem obrigara o districto rebellado do Tape a submetter-s6 á' dominação jesuitica, auxiliado na em- presa por um fíortuguez residente em Corrientes, o mestre de campo Manuel Cabral, amigo dedicadissimo da Companhia.
Fiel aos seus alliados, representara o mais impor- tante e decisivo papel, «homem egrégio na paz e na guerra», por occasião das investidas paulistas sobre as reducções do Tape. Vencera os paulistas exactamente com don Pedro de Lugo, em Caasapaguassu'. Nomeado capitão general de todas as reducções, era o mais forte esteio da dominação ignacina como o fora, em menores dimensões, Tebyreçá, em relação aos jesuitas de Pira- tininga.
Si acompanhára don Pedro de Lugo contra os pau- Llistas, á testa dos seus indios, como admittir esta sua
Nicolau Nheenguirú
16»
attitude majestática ante o represeatiante e delegado do rei catholico?
Foi esse Nicolau Nheenguirú' que os anti-jesuitas do século XVIII resuscitaram para fazer crêr á Europa na verdade das accusações feitas aos ignacinos, de que mantinham um estado guarany, independente, em ter- ras da coroa da Hespanha. Foi talvez a lembrança de sua personalidade a principal fonte inspiradora da for- midável patranha pombalina, relativo a um Nicolau I, rei de Paraguay, imperador dos mamelucos, certo al- mocreve andaluz, Nicolau Rubiuni, arvorado em sobe- rano guarany por inspiração da Companhia, e cuja ef- figie circulou pela Europa cunhada em moedas man- dadas fazer pelo marquez Ide Pombal, segundo é voz geral
Ainda a propósito da insolência dos indios, acoro- çoada pelos padres, narrou Espinola que, em outra oc- casião, visitando o «pueblo de Ytapua», em companhia do governador Martin de Ledesma Valderama, assistira a luna scena de verdadeira rebeldia. Quizera o governador dar a entender aos atrevidos guaranys que eram vas- sallos de Sua Majestade Catholica e, portanto, deviam obedecer aos representantes do poder real, ás suas jus- tiças e governadores. Pois bem, respondera-lhe um Ín- dio com toda a desenvoltura: «Ya sabemos lo que és el Rey y jque és más el Papa!» — «Y se le sufrió», continuou o depoente, «p>or enganado llevaron al dicho gobernador con sólo treinta hombres».
Seriam necessárias mais demonstrações do espirito de rebeldia dos indios, insuffladios pelos seus catechi- zadores ?
Quem no, Paraguay ignorava a resistência opposta p)elos jesuitas á acção das autoridades reaes, a todo o transe procurando impedir visitas e fugindo á sujeição do Real Patronazgo? (Padroado).
Pois a algumas léguas da Assumpção não tinham uma reducção que era uma cidade, com milhares de ho- mens capazes de pegar em armas, «mucha cantidad de indios, con todo género de armas, amenazando esta ciudad».? B não dominavami o curãOi do Paraguay, com outra, guarnecida por mil homens? Dahi o constante so-
164 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
bresalto da capital paraguaya vivendo «en continua ve- la y cuidado».
Só havia um recursoi contra esta espada de Dâ- mocles de novo género, si nos é permittido recordar a estafada allusão syracusana: a arrecadação de todas as armas de fogo em poder dos guaranys sujeitos aos padres.
Isto de perigo paulista, continuava o mestre de cam- po, era refalsada hypocrisia. «Esta Província», affir- mava categoricamente, «na tiene riesgo de invasión de Portugueses, porque hay desde ella a la villa de S. Pablo muchas léguas de caminos desiertos, ásperos y montanosos, impedido por muchos rios y pântanos, y que és imposible el Português pueda traer gente de guerra, con vituallas y municiones, para poder ofen- der, ni acá tiene de onde proveerse, porque si lo inteni: tase pereceria miserablemente» !
Assim o jurav^a, «como hombre de esperiencia de las cosas de la guerra».
Perigo serio era o da permanência daquella formidável bugrada armada.'
Si a real audiência de La Plata, com muita brevidade não lhe tomasse ois arcabuzes e munições: Finis As. sumptionis! Finis Paraquariae! Como é que em terras de Sua Majestade catholica existia um estado organi- zado, regido «tanto poder por extrangeiros». Extrangeiros sim, pois dos numerosíssimos jesuítas missionários, não havia sinão meia dúzia de hespanhóes e estes mesmos catalães, gente havia pouco rebellada contra o poder real.
Allemães, flamengos, francezes, inglezes, italianos, portuguezes! Até portuguezes! vassallos do rebelde du- que de Bragançai! eis o que era o pessoal jesuítico das Missões, onde nãjo havia sinão uns dois ou tres caste- lhanos.
Quanto ao requerimento dos padres ao rei para que fossem isentos do pagamento de impostos, tinha até es- pirito esta pretenção, commentou Espindola, ironica- mente.
Não havia como sua majestade lhos relevar nem
Perigo de invasão paulista
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alliviar porque não os pagavam, havia mais de trinta annos, «ni a sus encomenderos m' a su majestad en peca ni en mucha quantidade.»
E todos estes processos torvos dos jesuitas, não eram sinão um meio de encobrirem <dos ricos minerales de oro que se tienne p>or cierto an descubierto en las dichas provincias».
Quanto aos successos recentemente occorridos no siil do Matto GrossO), no Itatim, não passava tudo aquillo da mais calva invenção dos doutrinadores e mais con- frades do collegioi da Assumpção, quando assoalhavam que tres exércitos de paulistas vinham sobre as terras de Hespanha, um com rumo ao Perú e os outros sobre as reducções jesuiticas do Itatim' e do Paraná.
Era tudo mentira e, no emtanto, as suas invencionices haviam causado a partida de duas expedições, otnerosis- simas, em busca dos invasoores.
Cinco vezes tinham estas columnas percorrido «la provincia por su contorno», sem achar o menor vestigio dos bandeirantes! numa jornada de oitenta léguas!
Tremenda carga, como se vê, a do mestre de cam- po Espinola aos loyolistas... Nada mais fizeram os de- poentes, seus successores, do que repetir os seus con- ceitos, norma commum em documentos contemporâneos deste jaez.
Reitera a fila panurgica as affirmações de quem a encabeçou; quando muito, dentre ella surge uma ou outra voz, trazendo algum pormenor novo. {A. G. I. 74-6-28).
Assim, o capitão Juan de la Rateia accrescentou que o tal Nicolau Nheenguiru',, nem se dignara apear do Cavallo para saudar o governador hespanhol, a quem falara do modo mais rispido e chamando-lhe «capitão» í
Indignado, dissera então d. Pedro de Lugo, aos de seu séquito, que, si se não sentisse tão fraco e não o houvessem engazopado os padres, daria o troco á «des- uerguenza deste Yndio»! Ajuntou ainda que já eram oito as vezes que os indios, das vinte e quatro reducções, se tinham subevado, selmpre com morte de hespanhóes; que dos seus missionários só dois havia castelhanos: os
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padres Clavijo e Roímero. A maioria dos jesuitas nem o hespanhol sabia falar!
E que padres bellicosos! mais de quarenta vira a Cavallo armados de ponto em branco, capitaneando os seus Índios, salvo Clavijo, depoimento este em que muito havia de verdade, aliás, pelo que se coUige das declara- ções jesuíticas.
Quanto a Sebastião de Escobar, este narrou que, dos paulistas aprisionados em Caasapagnassu', por d. Pedro de Lugo, percebera quanto os espantára a súbita aggressão hespanhola. Poderiam ter-se defendido e não o haviam feito por avistarem o guião real no campo contrario. «-Nunca entendieron se les hiciera mal», di- ziam as victimas, <cquietas y pacificas», da traição dos ignacinos.
Depoz também que os padres affirmavam por toda toda a parte a existência de muita artilharia no exer- cito com que Antonio RapwDso Tavares pretendia con- quistar o Peru'. Tal a força de suas mentiras que, ao bispo de Buenos Aires, de passagem por Corrientes, ha- viam mostrado flexas ensanguentadas, provenientes dos encontros dos seus indios com o exercito paulista do Sul, motivo pelo qual fugira o prelado ás pressas. «Con estas cautelas y manas hacen papeies para enganar á Su Ma- jestad y á sus tribunales de las índias.»
Tão açambarcadores os da Companhia que desmorali- zavam a obra dos clérigos seculares e dos franciscanos nas quatro reducções por elles fundadas nas immediações da Assumpção, subornando-lhes e attrahindo-lhes os ca- techumenos e contemporaneamente até os indios dos cidadãos e naturaes da capital paraguaya. A seis léguas desta, no pueblo de Yta, mantinham um terço de indios ferozes, cujo sargento-imór, certo indio d. Cristóbal Ta- g^açu', era dos seus mais dedicados servos. Os mil ho- mens brancos, hespanhóes, capazes de pegar em armas, no Paraguay, podiam affrontar, e com \'antagem, todas as forças do Brasil.
Entretanto, si se não desarmassem os indios, não só se despovoaria o Paraguay, como não haveria segurança para as províncias de Tucumán, e até para o Peruf.
CAPITULO V
Uma bandeira exterminada. — Engano de Pedro Ti- ques? — O exemplo de Tucumán. — Os tumultos do Paraguay. — Condemnação de Cardenas. — Sua deposição e exilio. — Seus últimos annos de vida. — Retractação dos seus partidários. — As declara- çiões in extremis de Fuenleal. — Visita do governa- dor Leon ás redacções.
Poucas cxjusas ha tão lacunosas e cheias de incer- tezas como a historia do bandeirismo, cujas fontes tão pouco exploradas têm sido. Chamámos a attenção dos leitores para diversas refeirencias dos documentos hes- panhóes a uma entrada dos paulistas em terras para- guayas, no anno de 1647, entrada repellida victoriosa- mente pelos assaltados e no anno seguinte desforçada pe- la expedição de Antonio Raposo Tavares, como oppor- tunamente veremos.
Mais uma allusão a este acontecimento encontra- mos num depoimento acostado á «Real Provisión dei Virrey dei Peru', conde de Salvatierra, recebiendo por vassallos de su majestad los indios nuevamente conver- tidos en las províncias dei Uruguay, Tape, Paraná y Itatin, de la gobernación dei Paraguay.» Foi este data- do da cidade dos Reis (Lima, a 21 de junho de 1649 (A. G. I. 74.6-29).
168 Historia Oeral das Bandeiras Paulistas
Depois de relatar a expedição de d. Pedro de Lugo em soccorro ás reducções, de modo bastante defeituoso e cheio de anachronismos, e dizer que, depois de 1641; varias haviam sido as invasões paulistas, oom intuitos de conquista do Paraguay, e das provinçias do Prata, re- fere, o papel, a propósito dos acontecimentos de 1647: «Llegaron dichos portuguezes rebeldes y cogiendoles (aos jesuítas) de repente captivaron tresientos yndios y poniendoles em coUeras iban a inquietar a otros, pero juntando los religiosos de la oompania buenas tropas de gente siguieron al alcance de los dichos enemigos y quitandoles la presa y matando a muçhos los ahueyen- taron de todo».
Quem seria este cabo de tropa vencido, qual esta bandeira derrotada e pesadamente castigada ,pelos cas- telhanos ?
A de Jeronymo Bueno, o genro de Manuel Preto, que, segundo Pedro Taques, «penetrára o sertão do rio Paraguay, acompanhado de numerosa bandeira, sahin- do de São Paulo por commandante da expedição, e com toda ella pereceu em 1644, ás mãos dos bárbaros»? Não haverá engano do millesimo citado pelo autor da «Njo- biliarchia» ?
Ao vice-rei peruano aconselhára Reyero a máxima brandura em relação aos indios paraguayos. Sobretudo agora, em que «las cosas de la Província estavan tan peligrosas». Olhasse para Tucumán. Como ia adeantada a catechese dos calchaquis, levada a cabo, com tanto igeito e dedicação, pelos jesuítas! Subitamente, porém, molestados por hespanhóes escravistas, déra-se a rebel- lião geral e a matança de quanto branco e quanto negro os indios exasperados apanharam, detst ruindo -se então a cidade de Londres .
Para os dominar, que despesa e sacrificio de gente fizera o Peru' !
A 21 de junho de 1649 decretou o vice-rei peruano que as varias aldeias jesuíticas, discriminadas na peti- ção dp padre Montoya, seriam incorporadas ao real padroado, dada, sobretudo, a lealdade com que se ba- tiam contra os paulistas, defendendo as terras da coroa
Deposição de Cárdenas
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hespanhola. Ficariam exclusivamente sujeitas ao paga- mento do tributo de um peso de oito reales (320 réis annuaes); por chefe de familia, tributo este a ser co- brado ainda, com toda a brandura e sua\'idade, tudo isto depois de ouvidos, em accôrdo com' sua exc. os princi- paes magistrados do Peru' e membros ordinários do conselho vice-real. Emquanto tal triumpho obtinham os jesuítas, continuavam os tumultos no Paraguay, onde dominava o usurpador don Frei Bernardin de Cárdenas, á testa do governo por elle illegalmente implantado.
Recorrera o bellicoso bispo a Madrid, enviando ao rei grande documentação reunida para abater a causa jesuítica.
x^ppellaram os ignacinos para a Audiência Real de Charcas. Ali foi ter o reitor de seu collegio- de Cordoba, o padre Alonso de Ojeda, que entregára a causa ao superior dos Mercedarios frei Pedro Nolasco, eleito juiz conservador da companhia.
A 19 de outubro de 1649, era o bispo Cárdenas con- demnado como contumaz e intimado a deixar immediata- mente o governo do Paraguay, para o qual foi nomeado, interinamente, don André Garavito de Leon, ca-valheiro de S. Thiago e um dos ouvidores da .-\udiencia, até que s. majestade se fizesse ouvir.
Ordenou-se ao mestre de campo D. Sebastião de Leon que, immediatamentc;, assumisse o governo da pro- vincia até a chegada do novo capitão general.
Approvou o vice-rei do Peru' todas estas determi- nações.
Marchou o mestre de campo sobre Assuinpçãu, onde Cárdenas, á testa de muita gente armada, jurara não entregar a cidade.
Houve uma refrega entre as tropas reaes e a gente do bispo; foi esta derrotada, quasi morrendo no embate o mestre de campo.
Refugiando-se o prelado na cathedral, ali foi o vencedor procural-o; Tratou-o com a maior deferência, ifconsentindo que ficasse preso em seu palácio. Foi-lhe depoi: significada a ordem de sahir para sempre do Paraguay.
170 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Algum tempo depois, seguiu rumo do exilio, em di- recção ao Alto Peru', ao passo que os jesuitas eram re- integrados em suas propriedades no Paraguay.
E assim se encerrou este periodo tumultuario da his- toria paraguaya.
Quanto a Cárdenas, receberam-no no Alto Peru' com as m*ais extraordinárias demionstrações de apreço e en- thusiasmo.
Encarnava o espirito do encomendero contra o do jesuita, do colono contra o do missionário, e não é de admirar esta veneração das populações hespanholas por aquelle que tão ardentemente desposára seu modo de ver, e defendera o escravismo vermelho.
Nomeado bispK) de Popayan, recusára terminante- mente a transferencia, já o dissemos. Convidado a ir á Hespanha, respondera que não faria tal viagem. Man- teve-se em La Paz, sempre na esperança de recuperar o sólio paraguayo e cercado da veneração geral.
Emquanto isto, continuava a suscitar novas difficul- dades aos jesuitas, agora no campo theologico, pois, inquinára de herético o cathecismo com que instruíam os guaranys, em sua própria lingua.
Grande trabalho deu aos ignacinos, repellir a gra- ve accusação.
Comi a inércia característica do governo hespanhol no século XVII decorreram largos annos sem que nin- guém se lembrasse de se occupar com' a pessoa de Car- denas, cujo regresso ao Paraguay parecia provável de um momento a outro.
Afinal, só em 1665 é que Philippe IV o removeu para a diocese de Santa Cruz de la Sierra, mas dando, ao mesmio tempo, bispo novo para o Paraguay — pois, até agora, estivera este throno vago! Decorridos 16 an- nos! Iam depressa as cousas na Hespanha seiscentista!
Tres annos mais tarde, morria Cárdenas, aos 89 an- nos de idade, sempre vivaz, a empregar a sua extraj- ordinaria vitalidade combativa, em defesa dos princípios que desposára.
Não antecipemos, pvoréan.
ECHOS DA QUEDA DE CARDENAS
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Emquanto vencido, mas não subjugado, passava Cárdenas os últimos annos da longta e agitada existência, fóra da diocese, que tanto convulsionára e pagava com o desterro o curto período de dominação, exercido em 1649; seus partidários submettiam-'se um' a um á ordem vencedora de cousas instituida no Paraguay, pelo novo governador. Entre os mais dedicados estava o velho es- cravista don Luis de Céspedes Xeria, o nosso conhecido de longos annos. Alferes real no tempo do bispo, e um de seus principaes agentes, teve de se recolher á vi- da privada.
Quanto ao alcaide Fuenleal, este dentro em pouco fornecia, em maio de 1651, estrondoso documento a fa- vor da Companhia.
Enfermando gravemente, sentiu que ia morrer e ficou espavorido de remorsos. Pediu os últimos sacra- mentos e fez então publica e solenne retractação, ao ser convidado pelo jconfessor a declarar o que havia de verdade nas suas affirmações contra os jesuítas.
Assim, affirmou que a historia das minas de ouro do território de Missões, descobertas e mantidas em segredo pelos ignacinos, era mentira. Como mentira- o facto de serem todos os missionários não hespanhoes e inimigos da Hespanha. Tudo quanto affirmara sobre a não existência do perigo paulista retractava-o agora.
Assim, de tudo pedia perdão, sobretudo ao reitor de Assumpção, e ao superior das reducções. Delle não se esquecessem em suas missas e orações,. Autorizava a máior divulgação a estas declarações, proclamando falso tudo quanto assignára, a caiumniar os jesuítas,.
E ao acto dictado pela consciência deu a maior solennidade, quer pela presença de numerosas testemu- nhas, quer pela rubrica dos officiaes reaes. (A. G. 1. 74-6-28.)
A grosseria dos documentos forgicados por or- dem; do bispo não pudera a ninguém na Côrte em- baçar. Não se descuidaram os jesuítas de reforçar as provas de sua lealdade para com a coroa hespanhola, posta em suspeição pelo seu inconciliável adversário.
172 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Assim|, a 27 de junho de 1651, requereu o padre Francisco Dias Tanho certidão de como o nov^o gover- nador do Paraguay. don Andrés Garavito de Leon, vi- sitara as quinze grandes redacções do Paraná e Uru- guay, a cargo da Companhia N. S. da Candelária, 3- Cosme € S .Damião, Sant' Anna, S. José, S. Carlos,- Conceição, S. Miguel,. Santos Martyres, S. Pedro e S. Paulo, Santa Maria do Iguassu', S. Nicolau, S. Xavier, N. S. da Assumpção de Mbororé, S. Thomé, e os San- tos Reis do Yapeyu'. Examinara as condições de cinco qixe jámais haviam sido percorridas: S. Cosme, Sant' Ana, S. Miguel, S. José. c S. Thom.e.
Assim também pediu a confirmação para as antigas, e a esmola de um' sino, um paramento inteiro de anis- s.t 2C pesos de doze reales e meio de côngrua annual a cada uma (cerca de setenta e cinco mil réis.)
Solicitava o padre superior o, mesmo favor para as novas, lembrando os sacrificios da Companhia na fundação das vinte e tres grandes reducções destruídas pelos paulistas. (A. G. I. 74-,6-28).
E' a este propósito expendia uma serie de conceitos dos mais interessantes para nós outros:
Houvesse S. Majestade por bem premiar «los cer- visios que estan continuamente haciendo assi los dichos yndios como los dichos religiosos, defendiendo estas fronteiras y estorvando el paso al enemigo português rebelde viviendo en continuo cuydado y sentinela usando los yndios de sua armas, flechas y armas de fuego.»
E fôra s .exc testemunha ocular daquella militari- zação.
«Vuestra senoxia a visto la destreça con que este paso está cerrado al enemigo, como es notório, para que conste a su majestad lo que en esta parte estan obrando continuamente assi los dichos religiosos como los dichos yndios ,los quales, por aver muerto muchos en esta de- fensa y derramado su sangre, inerecen que su majestad les faboresca y premie Jan caiificados servidos».
E a esta petição se annexava uma declaração do governador buenairense, don Jacintho de Lariz, datada dos Santos Reis de Japeju', a 19 de novembro de 1647,
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eni que este alto funccionario affirmava haver visto nas reducções numerosa indiada, munida de escopetas e flechas e perfeitamente adestrada, motivo pelo qual re- commendava o reconhecimento das cinco novas reducç- ções, como desejavam os padres.
CAPITULO VI
Lacunas da historia do bandeiristno agora preenchidas em parte. — A grande bandeira de Antonio Ror poso Tavares e André Fernandes em 1648-
Está a historia do bandeirismo no Paraguay cheia de enormes lacunas de difficil supprimento. Pouco a pouco, porém, muitas delles se têm reduzido, graças ás pesquisas archivaes e ás descobertas dahi provenientes.
Quasi nada até agora se sabia sobre a grande ex- pedição de Antonio Raposo Tavares a Matto Grosso, em 1648, em transito para o Peru', na formidável jor- nada que deveria fechar o seu jDeriplo á foz do Amazonas. Conhecida em suas linhas geraes, delia não se divulgaram pormenores.
Documentos hespanhóes nos habilitam, agora, a narrar ,de modo mais completo, algumas das extraordi- nárias façanhas do assombroso sertanista que, já aos cincoenta annos, novamente se embrenhava no coração da America Meridional, tendo em mente a execução de um programma gigantesco, e após as suas grandes campanhas de 1628-1629, no Guayrá, com Manuel Preto/ de 1632, no sul de Matto Grosso; de 1637, no Tapé, Rio Grande do Sul, a >da, em 1639, a Pernambuco, a pele- jar com os hollandezes.
Passemos a analysar estes papeis inéditos, onde muita
Nova campanha de Raposo Tavares 175
cousa nova se desvenda para a historia do Brasil.
De Caaguassu' no Itatim (norte do Paraguay), a 3 de novembro de 1648, escrevia o illustre ignacino pa- dre Justo Mansilla, reitor e superior das reducções, — que tanto se notabilizara no Guayrá, em 1628, e na co^ rajosa defesa dos seus neophytos — notificando ao go- vernador (teniente) de Villa Rica que os bandeirantes haviam assaltado a reducção de Mboiymboy. (A. G. L 74,6-29; PasteUs, II, D. 768.)
Tinham! pela manhã de Todos os Santos entradoi de sof>etão na aldeia, habitada pelos fugitivos da antiga reducção de Tarem, já destruída no anno anterior. «Los que vinieron a avisarme, narraiva o padre, los vieron por sus ojos. No tiene género de duda ,1a nueva és sertissi- ma». E instante accrescentava: «V. merced como capitan a guerra vacuda oon prestesa y soccorro que el caso pide, y de aviso dei al sefior governador o por rio o por tierra ,por onde fuere mas breve el despacho, de otras cincumstancias mas no puedo dar cuenta, por que has- ta a hora no se sabe mas aqui, y no me parecei bien: detener el despacho, porque qualquiera tardança puedc ser de mucho dafio.»
Remettia-se a carta aberta a Ypané, pedindo ainda o loyolista que o seu correspondente, Francisco de Rojas Aranda, a fizesse seguir logo, «porque todos interessa- nos y el tiempo no dá lugar». ,
Do mesmo local, na mesma data e pelo mesmo por- tador escrevia o abnegado missionário ao governador do Paraguay, don Diego de Escobar Osorio, num tom de quem endereça as mais justas recriminações a um res- ponsável inconvencivel.
Ao lhe narrar os factos, amargamente commentava: «Ahora se berrá si estos yndios tienen razon de quexarse delante de Dios y de Su Majestad de que en esa ciu- dad se les defiendan las armas de fuego, que como a vas- sallos suyos, a costa de su real hazienda, les embió su majestad para defenderse con ellas contra su enemigo»,
A 7 de novembro immediato, era o tenente de Villa Rica dei Spiritu Santo quem enviava uma parte official sobre a nova invasão ao capitão-general paraguayo.
176 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Acabava, naquelle momento, de receber o aviso do padre Mansilla .Deviam os paulistas trazer nume- roso corpo de exercito para vingar o revez soffrido por suas armas na ultima incursão — «estoy cierto será pujante arma, porque la passada no lo fué y pereció parte delia con la resistência que se les hico».
Poucos elementos offensivos e defensivos tinham os castelhanos concentrado em Villa Rica, confessava Aran- da. Mal pudera despachar doze soldados brancos em soccorro aos pontos ameaçados. A vizinhança perigosa dos Guaycurús e Payaguás não lhe permittia «enfla- quecer, mas esta plaça». (Pastells 2, D. 770.)
Mandara recolher a gente de Talavera pelo tenente alli commandante e mantel-a de promptidão.
Felizmente, podia documentar-se que os graves suc- cessos não o apanhavam desprevenido. Ahi estava a carta que recentemente escrevera a s. mercê o gover- nador e ao cabildo de Assumpção- Percorrera todas as ald eias fronteiriças, onde fizera «prevención de armas» e arrolara «los yndios que podiam pelear».
Achara em Higpané 180, Guarambaré 100, Atira 155 Arccaya 160, neste numero entrando os ausentes, idos a Assumpção em serviço de suas mitas.
Ordenara que destacamentos patrulhassem «los pasos sospechosos», se activasse a fabricação de morrão, para o que havia falta de pessoal. Emfim, reforçava agora aprestos e providencias. Pouca confiança tinha de êxito, porém, «El enemigo a empesado a de acabar y libre». Assim pedia rápidos soccorros.
De Caaguassú dirigiu o padre .Alonso .Arias a re- pulsa aos paulistas. Pondo-se á testa dos seus indios, deu-lhes um ataque á tranqueira, onde acamparam, a 7 de novembro. Uma segunda carta do padre Mansilla ao governador do Paraguay relata o facto com por- menores.
Estavam» os bandeirantes acampados no mesmo ponto de onde, no anno anterior, liavdam feito fugir uma reducção. Ao padre Christovam de Arenas, parocho de Mboymboy, aprisionado por occasião da tomada de sua aldeia, traziam sob apertada vigilância, dia e noite.
Ataque ao arraial paulista 177
Quizera o padre Arias libertai -o e assim atacara o arraial paulista. No imj>eto do assalto, pudera arreba- tai-©, mas perdera a vida, ao retirar-se dominado pela su- perioridade das armas inimigas.
Mataram os seus indios nesta occasião «seys ó siete portuguezes a pelotassios, y a algunos tupis, con muclio animo y brio.»
Fora a causa da derrota a desproporção do nu- mero das escopetas, não fazendo os paulistas a menor conta dos flechaços, graças aos seus gibões, as «armas de algodão, como lhes chamavam.
«Como las armas de fuego, que tenembs, fuessen poças y las de los enemigos 180, hallamonos obligados, a retiramos porque de flecherias se rien fiados en los escupiles que traen, a quienes la flecha no passa. Mu- rieron de los nuestros 9 y algunos poços heridos, todos de pelotassos, ninguno de flecha; a solos dos cogieron vivos».
Enorme desanimo causara a morte do padre Arias aos indios fieis. Declararam que não ficariam á fron- teira como estavam a perecer em combates de armas tão deseguaes, sobretudo quando os mosquetes — «que' el Rey nuestro senor, como tan catholico principe, les dava de su real hazienda, como necessários para su conservación y defensa como lo son» — lhes eram' con- fiscados e de modo iniquo, por ordem do governador paraguayo. x^ssim premeditavam um êxodo geral.
Pedia o padre Mansilla que o governador enviasse uma sua carta ao padre reitor; não havia segurança alguma na região para os correios. Aproveitando-se do pânico, haviam-lhe indios salteadores de Tobaty fur- tado nove cavallos — que traia para mi avio que harta falta mi hizieron por estos caminos tan maios. El Senor lo remedia, ya que no lo hazen los a cuyo cargo está», terminava o loyolista num pequeno desabafo.
Por todos os pontos da occupação hespanhola, na zo- na invadida pelos paulistas .correu célere a noticia dos successos de Mboymboy.
De uma das aldeias escrevia, a 13 de novembro de 1648, o licenciado Miguel Diaz ao «teniente» de Villa
178 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Rica, Aranda ,já nosso conhecido, noticiando a che- gada de um próprio enviado pelo corregedor da Gua- rambaré para avãsar que os portugueses estavam «atran- querados em Mbo>Tnboy» onde haviam «matado toda Ia gente dei districto y a im padre de la Compánia». Sa- bidos ao seu leincontro, haviam os indios de Caaguassu" tido uma refrega que lhes custara dez vidas, retirando-se por se lhes ter acabado a munição. Sabia se dera novo êxodo de indios, guiados por um jesuíta que procura- vam refugiar-se em PirLaJ e Carayatape. «Aora bea vues- tra merced lo que se a de hacer com cuatro ombres desarmados que ban sin municion para tan gran pujan- ça como trae el enemigo, segun quenta el yndio, que hasta negros traen», dizia espavorido o pobre licenciado, rematando a sua carta com a desoladora noticia de que os paulistas, desde alguns dias, marchavam sobre Caa- ;guassu'. «Su p>ersona de \tiestra merced es muy im- portante en esta ocasión como ombre de esperiencia y de balor». concluía o apavorado correspondente a implorar a presença do chefe militar do districto. E, comtudo, que poderia elle fazer, desprovido de elementos. de lucta como estava?
Era entretanto um official brioso este tenente Rojas Aranda. No dia immediato, 14 de novembro, de 1648. officiava ao governador do Paraguay, notificando-lhe- que ia immediatamente partir para a zona conflagrada. Apenas podia, ix)rém. levar comsigo quatro soldados brancos mal armados, «desnudos», e muito poucos indios.
Séria partida empenha^a-se com os rebeldes do Bra- sil; qualquer soccorro partido de Assumpção se lhe afigurava providencial, «la gente que viniere de esa ciudad, vengan como pudieren, ix)rque en la primera resistência está el remédio». Mas era preciso trazer tam- bém gado, para sustento da tropa e munição em abun- dância.. Fosse recrutada toda a gente de Tala\ era; havia perigo, também, da queda de Terecane e Maracaju , Viessem egualmente dois franciscanos «para retener al- guna fúria dei enemigo por ser affectos dei» e instrucções circumstanciadas superiores, para o governo de tão af- flicto commandante.
Pedidos de soccorro
179
Em todo o casQi, hypothecava-lhe o melhor dos seus esforços- «Vuestra Senoria, como tan gran capitan, emendará lo que faltare en mi de prevención que don- de occurren obligacion y voluntad y faltan las fuerzas, supliran las vidas que la mia offereço en esta occasión, en ser vicio de su majestad.»
E, terminado este período thermopyliano, ainda pe- dia o tenente Aranda soccorros espirituaes para si e sua gente, como bom catholico que devia ser: «Ruego y suplico los divinos remédios a los religiosos de esa ciudad y sacerdotes». (A. G. I. 74-6-29.)
CAPITULO VII
Os paulistas tomam Mboyniboy e avançam sobre Caa^ guassu - — Instantes pedidos de soccorro.
Reinava o pânico em Villa Rica dei Spiritu Santo, capital do itatim, com a noticia da tomada de Mboy- mboy pelos paulistas e seu avanço sobre Caaguassu'.. A 14 de novembro de 1648 escre\aam ao governador do Paraguay tres dos mais conspícuos cidadãos da loca- lidade: Juan Gonzalez, Jeronymo Garceto y Paralta e Pedro de Andia: «El soccorro sea lo más breve que ser pudiere, que el caso lo; requiere», imploravam. Era das mais melindrosas a situação da villa: «falta de munición, yndios y toda ayuda y estar tan arresgada jwr estar en frontera. La occasión pide brev^edad de soccorro de munición y soldados, siquiera para ayuda de retirar la gente y guarnecer estas reduciones, las que se vié- nen retirando dei Itatim.» (A. G. I. 74.6-29.)
Preciosos são os pormenores do padre Bernabé de Bonilla, em sua carta de 14 de novembro de 1648, endereçada da aldeia de Pirahy, também ao governa- dor paraguayo, don Diego de Escobar Osorio. Graças a ella ,ficamos sabendo quem eram os chefes paulistas que percorriam o Itatim e já se haviam apossado de Mboymboy. *
Não antecipemos, porém, Começa referindo o pa-
Antonio Raposo e André Fernandes isi
dre Bonilla que o seu superior daquellas missões, o ])a- dre Mansilla, estava occupado em recolher os caiechu- menos, «persuadiendo la g-eiue que in;.Iien^ al retiro y maior seguridad». Elie próprio, informante, empe- nhado com seu chefe em tal faina, já rongre;;ara um «goljjecillo de gente».
Vivo fôra o combate travado entre a tropa d > ])a- dre Arias e os invasores: «Acometicndo con iiiuclio aliento y brio, se derramo no poca sangre de una y otra parte, y el buen padre la suya. animando a sus hijos a la defensa de sus ermanos, cristiandad y pátria; cer- cole el golpe de los encmigos, que, como eran mas de los que se pensaban, no dieron logar a mas defensa, y asi le mataron con otros doce o catorce de nuestros hijos, saliendo muchissimos heridos, y no menos de los enemigos auncjue de estos fueron menos los mucrtos que no é podido bien a-vcriguar)).
Pelo cjue conseguira saber o ])adre Bonilla, era aquella columna paulista a vang"uarda de forras avul- tadas cufa chefia tinha Antonio Raposo Tavares, ope- rando de aocordo com outro corpo menor, co^iTiianda- do por André Fernandes (o fundador cie Parnahyba, de quem dissera outro jesuita ser «uno de los mayores autores de robôs, ynsolencias y cautiverios de estos des- almados y infernales portuguezes de San Pablo;>V
A Tavares «dicen que el duque de Bragança (D'. João IV; os hespanhóes não haviam ainda reconliecido a independência portugueza, restaurada em 1640) a he- cho maestro de campo, para conquistar estas tien-as y hacer paso para el Perúl y que fviene aora con muclia gente, y André Fernandes, con otra esquadra aunque pequena, por Maracaju' y hacia la otra vanda dei Pa- raguay a recoger i:)rimero los ynfieles que hallaren:-.
Assim, pois, dá-ao5 o padre Bonilla noticia de uma etapai da, mais prodigiosa de todas as bandeiras, p, expedição do terrível Antonio Raposo Ta\ arcs, que, achan- do-se no sul do Matto Grosso, em fins de 16-18, iria apparecer em' Gurupá, á fóz do Amazonas, etn 1651, depois de encerrar enorme périplo por terras de Hespa- nha e immensidade do continente selvático, .Vssini,
182 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
também, nos revela uma nova expedição invadindo ter- ras á direita do Paraguay, hoje bolivianas, sob as or- dens de André Fernandes.
«La verdad que ello tiene no la se, pero la ipr&!- vención es siempre buena», commentava o jesuita. «La gente que por acá vino parece al padre Cristo\'al de Arenas (o vigariic- de Mboymboy) — que estuvo en- tre elles preso, será como ciento e ochenta aunque los tupis son poços, porque se les an muerto muchos. Vie- nen entre los enemigos tres espanoles de la villa, ave- cindados en San Pablo, que saben bien toda la tierra».
E, facto curioso, haviam os paulistas tratado o lo- yolista seu prisioneiro com a maior deferência. A este propósito expandiu-se o padre Bonilla em amargos com- mentarios, provoccados pelas reminiscências dos maus tra- tos soffridos no Paraguay pelos seus irmãos de roupeta. Opprimidos pelo partido do bispo d. Fray Bernardim de Cárdenas, rancoroso e violentíssimo inimigo, haviam visto incendiado o seu coUegio de Assumpção.
«Verguença me da el trata:miento que en esa ciudad de la Assunción se hace a la Compania quando oygo al padre Cristov^al de Arenas contar la cortesia con que estos enemigos Io trataron, asi de palabra como de obra en su sustento y regalo que se compadecia con la ne- cesidad que ali avia.»
Si se confirmasse a noticia do assalto de André Fernandes a Maracaju' e Terecani, era de esperar o êxodo destas aldeias para Talavera dei Rey. E ahi, por falta de recursos do districto, viriam os fugitivos a soffrer infallivel fome. «Talavera no tiene sustancia de casseria ni pesqueria». Com certeza então se daria a concentração em Pirahy, onde os elementos avultavam mais.
Só faltava gado, «porque es mucha la gente y aunque ay ropas ( ?) es todo viento., Si el enemigo llega al Ypané, serame fuerza retirar a esta nueba población la chusma». Aqui se estabeleceria uma linha de defesa, onde se esperaria o adversário firme e corajosamentê..
Não havia a menor segurança para os correios.
Em Maracaju' era chefe politico um paulista! Em
Terríveis angustias
183
Talavera vivia «rnucha gente peligrosa>;. Requeria-se a maior discreção e cuidado com a correspondência.
Procurasse o governador entender-se com o irmão do seu informante e um tal Yedros, mandando-os como portadores a Pirahy. «Nuestro senor se sirva de dar fin a tantos males!» exclamava desanimado o dedicado catechista, ao assignar a carta.
De Talavera outra missiva se despachou á Assum- pção, esta do padre Diego de la Torre, expondo, o grave perigo que á (cidade ameaçava, pondo-ia «en el estremo>:(. tendo «el português pujante robado ya todas las en- comiendas dei Ytatin,, a barrer estas dotrinas y tomar estos lugares». A' testa de uma columna vinha o capitã<o André Fernandes, ;<a propósito para llevar todo esso de Piray».
G mais serio por isso era a fermentação existente na população de Talavera , prestes a fraternizar com os paulistas, gra,ças ás extorsões dos officiaes do fisco hespanhol !
«Otra cossa y de ma,yor peligro ay que esso de Talabera que hombres y mujeres a tiempo que cstan aguardando esta portuguessada para yr se con ellos por que se \'en tan aburridos en aquel lugar per el poco sof- ciego que tienen de deudos y'no poder paguar :.
Tal a sua miséria, aliás, que como únicos bens po- dian apenas apresentar as redes em que dormiam! «Me an dicho que es una desdicha quales biveri!»
Reclamava o padre Torre a presença do governa- dor. «Su persona será de gran efecto,' no liandole a nadie, que un .governador a todos atemorisa; es gran nombre como el Rei Nuestro Seíior en cl cuerpo don- de todos Con reverencia le acatan como ministro de Nues- tro Rey y Seíior y asi \aiestra senoria con su sagasi^- dad vea su govierno que está en tumbo de perder los naturales y perder la conservación de esa ciudad, que esa ciudad sin los yndios acabase». Limpido cst\'lo o do bom jesuita!
E' a lançar mão dos mais fortes argumentos, lem- brava o sacerdote que s. s. não podia fugir ao appello dos seus jurisdiccionados, tão afflictos. «xVnimese xiies-
184 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
tra sefíoria que ymporta al servicio de entrambas majes- tades y bien publico de su gobierno y su fama que es el principal».
E ahi |Se atrevia o padre a insinuar qualquer cousa contra a bravura do governador Escobar "Osorio. In- felizmente está o 'documento truncado. «Corre mucho... que no... a vuestra senoria tanto...»
De Villa Rica, novamente escrevia, a 16 de novem- bro de 1648, ao governador, o commandante da praça, o nosso já conhecido Francisco de Rojas Aranda:.
Insomne, «desbelado cori los cuydados de cosa tan peligrosa», era á meia noite que traçava aquellas li- nhas, começava por infonnar a seu superior.
Achava-se muito descrente e desanimado ácerca da sorte de Maracaju' e Teracani; no seu parecer era for- çoso evacual-as. Apesar de toda a vigilância dos padres da Companhia, «aguardando al enemigo, no les avia entrado sin sentir em Mboymboy?»
A seu ver estava Talavera esfaimada e com a sua gente «desparramada», correndo risco os seus benefi- cio s e encommendas.
O estylo do bom tenente Aranda é pavorosamente obscuro, aggravado, com certeza, pela nervosidade do perigo imminente e a insomiiia. Difficil comprehender- se o alvitre que ao capitão-general suggere na sua linguagem confusa como a dos mais trapalhões algar- vios.
Aventa a idéa de se recolher em Villa Rica parte do povo de Talavera ,lembrando-se de uma «conta que em tempo dfferecera ao marquez de Mansera, (entã^) vice-rei do Peru', por intermédio do governo do Pa- raguay, e referente á «la cantàdad' de portugueses».
E o. que conseguimos inferir de tão tortuosos pe- ríodos e parece indicar o final da carta. Ia elle, Aranda, começar a faina da trasladação da chusma fugitiva para os «pueblos» da vizinhança de Villa Rica; col- locando parte em Atira e Iguarahy, a uma légua da villa e logares de muitos recursos venatorios, lenha e agua.
A par de semelhantes informações de ordem estra-
Mentalidade dos colonos hespanhoes 185
tegica, vêm algumas phrases que sobremodo illuminam o estudo da mentalidade destes castelhanos premidos pe- las bandeiras e comtudo mais infensos aos jesuitas que aos paulistas.
Na sua opinião, era a guerra um facto consummado; está empezada», devido á circumstancia de se achar o inimigo of fendido pelos padres!
Ao saber da chegada dos paulistas, pensara elle, tenente, «dalles una visita que es gente cortesana y venceria con cortesias», tanto mais quanto os velhos de Villa Rica a tanto o acoroçoavam: «los viejos dicen huirles de offender sino es en lo forçosso».
Curioso prisma! vinham os homens de São Paulo em terras castelhanas prear indios e as autoridades deviam esforçar-se para não os offender! Bem mostra este ponto de vista da população hespanhola e de seus regedores quanto havia completo divorcio entre os je- suitas e seus compatriotas. Aos laços da solidariedade ibérica por completo rompera a divergência entre o escravismo ferrenho e a tenacidade formidável com que a Companhia o enfrentava.
CAPITULO VIII
Junta de guerra. — Alvitres discutidos. — Providen- cias adoptadas.
Terminando a carta ao capitão-igeneral, em que lhe narrava os apuros de Villa Rica, ameaçada pela colu- mna, vanguarda de Antonio Raposo Tavares, abriu-lhe o governador da praça os recessos da consciência em plena confissão de hesitação e fraqueza, combatidas pelo pundonor e o dever militar: «Confieso mi poca experiên- cia, pero seria mengua mia huir en ,esta ocasión dei j>eligro; antes morir en servicio de Dios e de Su Ma- jestad que donde ay berguença y valor sobra la ex- periência, y dar la gloria a otro despues de aberlo tra- bajado será injusticia».
Viessem cabos de guerra experimentados, de Assum- pção, e estava prompto a lhes pedir conselhoi, sendo- Ihe depois justo retirar-se a reparar a sua «desdicha.»
Mas já nos primeiros communicados recebidos, con- vocara o capitão general paraguayo accôrdo e junta de guerra, celebrados em Assumpção, «con las personas mas jx>liticas de aquella republica»,, a 15 de novembro de 1648. Para este conselho, convocou o ajudante Pabon, ministro do governador, «las personas mas praticas y ancianas dessa Republica, soldados viejos y de esperien- cia», como os generaes Lourenço de Ortega Vallejo e
Conselho de guerra contra os paulistas 187
Diegio de Yegros; os mestres de campo Alonso Pizano, Francisco, de Espinola, Franciscoí doi Arce e mais vo- gaes, capitães, sargentos móres, cidadãos conspicuos, todos pessoas que haviam exercido «puestos de justi- cia y de guerra» ou vizinhos feudatarios do districto da capital paraguaya. (A. G. I. 74-6-29.)
Abrindo o debate, declarou o general Ortega que, na sua opinião, devia ser enviada immediatamente tropa á região de Mboymboy, a rechassar os paulistas,^ í<por ser los casos de guerra peligrosos en la tardança quan- to felices en la promtitud que oy se debe tener.»
E' interessante este «oy». Para que tal restricção de tempo?
Com o seu camarada concordou «in totum» o mes- tre dc campo Pizano.
Convidado a falar .impugnou tal parecer o mestre de campo Espinola.
Não eram positivas as noticias enviadas pelo padre Mansilla; já por diversas vezes havia elle, precipitada e inutilmente, alarmado o governo com os seus temores injustifiicados.
Ora, nestas condições, mandar uma colunma cami- nhar cem léguas, e isto quando faltava gente para fazer frente aos guaycuru's, vizinhos, era realmente inaccei- tavel. Applaudiram o general Yegros e diversos vogaes a estas palavras de prudência. Outros membros do con- selho alvitraram que, desde já, se alistasse a gente do soccorro; não partisse este, porém, até a confirma- ção 'das noticias.
Predominou esta corrente, por grande maioria de vo- tos.
Della dissentiu o capitão-general, que justificou lar- gamente o seu modo de ver. Nada havia como a pres- teza para o bom encaminhamento das operações de guerra. Se os portuguezes tomassem pé era Mboymboy, enormes sacrifícios exigiria a sua expulsão, muito maio- res do que os de agora. Acima de tudo, collocava elle a sua responsabilindade pessoal ,para que o não incluís- sem' na classe destes capitães do «não cuidei!». Assim, lançando mão da autoridade que lhe assistia, determi-
188 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
nara a jiartida ck' uni soccorro de oitenta soldados bran- cos e dos Índios que fosse possível ajuntar. Queria s(í fizesse o immediato alistamento; a elle procedessem o general Ortega e o mestre de campo Picaiio, como ministros de guerra, actuaes, do Paraguay. E a encer- rar a discussão, categórico, peremptório, affirinou, o en- tão bellicoso d. Diego de Escobar Osorio.
«E yo el dícho gobernador buelvo a decir que se se pusiessen las cosas de color que me fuese preciso salir personalmente la faccion referida, o mi teniente general, teniendo aviso de algun dafío notable, o se- mejante accidente, que necesitasse, de mayor dcmonstra- ci^ón para quebrantar las fuerças y orguUo dei dicho enemigo Português, se aperciban ciento y sesenta hom- bres». Entrada de leão...
A 16 de novembro, dia immediato, fez-se o arrola- mento destes milicianos: dezenove capitães, quatro al- feres, dois ajudantes e um sargento-mór, além de um general, don Francisco Flores de Vastidas, que forma- ram uma officialidade de 27 figuras para um total de 70 homens, um official para duas praças; verdade é que neste computo não entravam os indios, o que au- gmentaria notadamente a proj^orção, pois, certamente estariam também mobilizadas algumas centenas de gua- ranys.
Alistando estes homens, comminaram as autorida- des severas penas contra os possíveis desertores; sus- pensão dos fundos por quatro annos e multa de duzen- tos pesos de prata.
Na mesma occasião enviou o capitão general ao Al- caide ordinário de Talavera, Bartolomé Duarte, termi- nantes ordens para que mandasse doze soldados de li- nha, e indios em socoorro de Villa Rica: «sin que aya en ello dilacion; ya estoy despachando de aqui el soc- corro possible». (A. G. I. 74.6-29.)
Em carta de 17 de novembro de 1648 escrevia D. Francisco de Rojas, governador de Villa Rica, ao go- vernador do Paraguay, D. Diego de Escobar Osorio. Recebera a 7 aviso por carta do padre Justo Mansilla que domingo, dia de Todos os Santos, haviam' ps
iNSTRUCÇÕES ESTRATÉGICAS
189
paulistas assaltado a reducção de Mboyniboy, lugar para onde em 1647 se havia trasladado a de Tarem. «Estoy cierto será pujante armada porque la pasada no lo fue y pereció parte de ella con la resistência que sc los hiço».
Falto de elementos offensivos e defensivos como se achava só pudera mandar ao jesuíta doze soldados de soccorro, que partiram no dia seguinte. Não po- dia 'desemparar a sua praça, a cada momento amear çado por payaguás e guaycuru's. Pedia instantemente reforços ao tenente de Talavera; arrolara iindios para a defesa da Villa Rica nas povoações vizinhas arman- do em .Guararambaré 100, Atira 155, Higpané 180 e em! Aracaya 160. Muito impressionado dizia D. Fran- cisco achar-se sobremodo apprehensivo com o aspeçto^ das cousas. (A. G. I. 74-6-29; Pastells 2,193.)
A 19 de novembro dava Escobar Osorio instrucções de guerra aos commandantes do soccorro; mestre de campo, Francisco de Arce, e siaígento-mór, Francisco Va- lasques Trieto, cabos de uma columna de sessenta ho- mens brancos, que a tanto se reduziram os primitivos arrolados.
Em duas companhias caininharia esta tropa com a máxima velocidade. Passando pelas aldeias recrutasse todos os Índios ^tos ao manejo das armas.
Attingido o districto invadido, procurasse o mestre de campo recolher os indios dispersos e homisiados de- vido á invasão paulista, enviando-os á zona segura; es- tudandOr.se o case da trasladação das reducções para o sul. Com muito cuidado, apadroando-se os indios es- capos aos bandeirantes, afim de que pudessem depois prestar serviços a Sua Magestade. Muita prudência em atacar os paulistas, que estavam perfeitamente arma- dos e municiados e eram numerosos.
Não seria acertado pôr-se ao alcance de tiro de peça e enfrental-os directamente e sim entreter uma campanha de guerrilhas e emboscadas, isto depois de se recolherem os indios e hespanhoes «desparralnados».
«Y advierto, recommendava o cauto conselheiro, que aunque al pareser hagan los portugueses demostraciÓA
190 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
de poca gente an de tener sus emboscadas para ver si los siguen, cosa que se deve mirar con atencíón y a donde durmieren o hisieren quartel se fortificaran que con eso estaran el dicho maestro de campo y sar^- gento mayor mas seguros de los repentes dei en^migo, teniendo lugar de ponerse a punto de pelea».
Aproveitasse o mestre de campo o ensejo para con- vencer ao maior numero de caciques da vantagem do abandono do Itatin e da concentração em torno da ca- pital paraguaya, para tanto tratando-ios «con agasájo y amor».
E, como synthese de norma de conducta em matéria militar ,advertia o capitão-general : «Si el dicho português embiare algun mensaje se le oyga a cuya respuesta se le dará aj ctrirender el excesso y arrojamiento que a tenido sin occasion en aver venido siendo christiano y sin buscarle a perturbar el sosiego de quien no le ha hecho mal con derramamiento de sangre de los que siempre an deseado ser sus amigos.
Pittoresca esta contraposição da cordialidade de um capitão-general, governador, por Sua Magestade Ca- tholica, da capitania do Paraguay, para com um bando de rebeldes, facciosos, súbditos do faccioso e alevan- tado duque de Bragança, usurpador de uma das coroas da mesma catholica majestade! ^
E o estado de guerra — permanente de 1640 a 1668 — entre os dois paizes ibéricos? Entre o senhor e o Vassallo insolente? E, no emtanto, era um satrapa hespanhol que aos seus oommandados recommendava cordialidade para com os portuguezes «de quem sempre desejara ser amigo»!? amigo de vassallos rebeldes do seu rei !
Prova desta deplorável fraqueza foi a carta autogra- pha que aos seus logares. tenentes entregou para que fi- zessem chegar ás mãos do «gobemador, maestre de cam- po, el capitan y cabo de la escuadra portugueza». E' um documento da maior frouxidão que certamente não assignaria um destes capitães de infantaria hespanho- la temidos pela bravura em todos os campos de bata- lha do mundo. Avalie-o o leitor em sua deplorável in-
Mensagem aos paulistas
191
tejgra. wAvviso he tenido, senor, de que vuestra merced
coii su escuadra avia llegado a tierras deste govierno,
y aun hecho algun dano en el, oossa a que no pude
persuadirme porque no se que desta Provincia aya oc-
cassionado nadie a vuestra merced ni a sus soldados,
y mas quando soniios xptianos (christãos) y estamos
en defensa de la santa fee catholica; que si agora ay
alguna discórdia, confio en Nuestro Senor que maiía-
na emos de ser todos amigos y juntos acudir a la
defensa delia como debemOs, que aunque en este go-
vierno no falta balor y fuerza de gente para salir a
qualquier rreparo e querido hacer este primero por la
obligacion que me oorre de ser gobernador, y que se
entienda no e faltado a ella — si la yndignacion la
caussan algunas personas particulares y estuviere en
mi mano el remediarlo doy mi palabra que lo hare teniendo avisso de vuestra merced; mas si la venida es
para otros effectos que no se puedan declarar, y se aya
de proseguir con elLos, pondre por obra la defensa de
lo que tengo »a( mi cargo, cossa que me llegará al alma
y que entre xptianos fuese menester tener mas médios
de los que son tener a Dios Nuestro Senor de huestra
parte, desta carta se sirba vuestra merced embiar rres- puesta y (agradecer mi buen deseo que todio: se ende- reça al servicio de la divina majestad que guarde a
vuestra merced muchos anos»..
Triste documento para a fé de officio do capitão-ge- neral jDaraguayo.' este mendigar de sympathias e com- posição por parte de um inimigo duplamente criminoso como invasor e depredador de territórios hespanhóes e súbdito rebellado contra a majestade do Rei Catholicoí! Onde ficavam as tradições do grande Gonçalo de Cor- doba e as dessa brava infantaria hespanhola, que ainda iiaquelles annos era a temivel adversaria de Condé e de Turenne? E, mesmo nas campanhas sul-americanas, jamais assignariam os intrépidos Hernandarias de Saa- v«lra, Antonio de Anasco, Riquielme de Gusman, Ga- briel de Ynsaurralde e tantos mais tão deprimente pa- pel. Nem tão pouoo o joven e intelligente predecessor do tibio governador, don Pedro de Lugo y Navara-o, o vencedor de Caasapaguassu'^
CAPITULO IX Auto de guerra... — Novo conselho de guerra.
Ajo passo que, reservadamente, enviava o capitão- genera] paraguayo, ao caho da tropa de São Paulo, re- cem-invasora do Itatim, uma mensagem em que, lamu- rioso e humilde, pedia a sua retirada das terras caste- lhanas, offe recendo -lhe todas as satisfacções, mandava ao mesmo tempo, lavrar solenne auto do que se resol- \'era em junta de guerra contra «el português rebelde».
Majestosamente ordenou S. S. que todos os convo- cados á tomada de armas para soccorno dos povos e reducções se apresentassem ao serviço militar, quer na Assumpção, quer eín Talavera e Villa Ric£. "oi isto apregoado a toque de caixa de guerra.
Assim, a 24 de novembro de 1648, pelas ruas de As- sumpção, andou a rufar tambor o negro João, escravo de sua senhoria, por falta de pregoeiro publico. Aos seus berros e rufos a<:udiu murto «concurso de vecinos y moradores de la ciudad, los cuales le oyeron y enten- dieron», como o testemunhariam João Fernandes de Cor- dova, Ignacio Baez e Fernando dei Villar, testemunhas ad-hoc.
Assim, pelos urros do arauto africano, ficaram todos sabendo que, sob pena de morte, deviam os moradores de Talavera dei Rey, Villa Rica dei Espirito Santo e
Novo CONSELHO DE GUERRA 193
da província de Maracaju', acaso ausentes em Assum- pção, sahir e regressar <duego y sin dilación alguna á las dichas WUas», apresentando-se ás autoridades, «por convenir asi al servicio de Su Majestad y guarnicion de los dichos lugares, respecto de los accidentes que podrian sobrevenir.»
A mesma inexorável pena se acenava a qualquer cidadão de Assumpção que se ausentasse da cidade, para Corrientes ou Santa Fé, por terra ou pelo rio, revogando-se todos os passaportes concedidos neste sen- tido, «para que esta ciudad esté con el seguro que con- viene al servicio de Su Majestad.»
Ordenava contemporaneamente o capitão-general que se fizesse a lista dos comarcões feudatarios obrigados a acudir «a las facciones que se ofrecieren al servicio de Su Majestad soccorro y defensa de dicha reduc!.- cion y hechar al su enemigo delia y de las demas partes de su districto».
Organizada a lista dos encommendeiros de indios da província do Itatim, e delia ausentes ou retirados a Assumpção, verificou-se, então, que eram nove a quem o capitão-igeneral ameaçou multar em cem pesos, cada um, si não acudissem com a sua quota de armas, cavai- los e indios enoommendados para a formação do soc- corro ao districto ameaçado.
A 8 de dezembro de 1648 reunia-se em palácio o «ca- bildo hecho p,or la justicia y regimiento de la ciudad de la Assunción para tratar de lo que convenia hacer para amparo y defensa de los indios contra los portu- gueses de San Pablo dei Brasil. (A. G. I. 74-6-28.)
Nas entrelinhas deste documento curioso lê-se muita cousa. Claramente se percebe quanto no intimo estavam as altas autoridades paraguayas satisfeitas com a in- vasão paulista, que rebatia para perto de Assumpção milhares de indios já semiJcivilizados pelos jesuítas, e que agora, apadroados pelo governo, iam ser distribuídos pelos encommendeiros do districto da capital. Reforço de braços para estes latifúndios ainda despovoados era o resultado pratico da avançada bandeirante no sul de Matto Grosso. Ei como não estariam contentes esles
194 Historia Geral das Bandeiras Paul stas
latifundarios ante a perspectiva da recepção destes novos servos affeiçoados á disciplina pelos esforços dos igna- cinos do Itatim?
Eis ahi j>orque o capitão general tanto recommendava aos seus prepostos militares a imiaior brandura para com os invasores de S. Paulo.
Ao conselho compareceram os alcaides ordinários, os regedores, os capitulares e o procurador geral do cabildo, Justiça e regimento da cidade de Assumpção, em numero de nove officiaes, sem contar o nosso já muito conhecido de longa data Don Luis de Cespedes Xeria, allferes real. Além destes representantes do po- der municipal, concorreram também, a convite do ca- pitão general, os dois generaes Francisco Nunez de Ava- los e Diego de Yegros, o thesoureiro real, Juan Delgado e tres grandes feudatarios da comarca, representando a sua classe, provavelmente.
Em longo aranzel relatou o governador o que todos de sobra sabiam; frisou a força dos paulistas, sua «gran pujansa de indios, negros y mulatos»; as suas depreda- ções nas reducções de Tarem; contou todas as provi- dencias tomadas, quer quanto ao soccorro enviado, quer quanto ás disposições das autoridades do districto in- vadido.
Sabia-se agora que havia outro corpo do exercito paulista marchando em direcção ás províncias do Paraná e Uruguay.
Ali «se guardan las mayores inquietudes por ser muchas las reduciones y pueblos que todos los tienen a su cargo y doctrina los religiosos dotrineros de la Compania de Jesusi», lembrou o orador, no meio da consternação (?!) da assistência.
Havia, un êxodo geral dos indios dos districtos hoje sul^mattogrossenses em direcção aos núcleos mais fortes de população hespanhola, «a guarecer y ampa- rarse al abrigo de sus encomenderos y espanoles». E'm Caaguassú era a debandada formidável, e chegavam as noticias de que os indios corriam para as tres reducções de sua nação e parentes, a trinta ou quarenta léguas de Assumpção: as aldeias de São Francisco de Atira,
EXODO DOS índios
195
S. Pablo do Ypané e Guarambaré. «Con esta derrota de los dichos indios y casiques es cierto seguirse les gravíssimos danos y consum[mbs a esta ciudad y a las demas deste gobierno y muy en deservicio de Dios Nuestro Senor y de Su Majestad p>or aver dejado de- siertos de su natural y en p>oder de los enemigos sus tierras y natural».
Até então estava o illustre presidente do conselho narrando velhas novas.
A novidade foi a sancção official de um boato: de- pois que os paulistas haviam assaltado a reducçào e aldeia de Tarem, ali se tinham entrincheirado e for- tificado, como a tomar posse da terra para a sua pre- tensa coroa. Fôra esta a causa do abandono de Caa- guassú pelos indios.
Seria sincera a informação do capitão-general? Es- taria a dizer o que pensava ou a.penas preparando terreno para boa execução do plano que acarinhava?
A segunda hyíx)these é a que mais nos parece ac- ceitavel.
Assim, sua mercê, ou antes, sua senhoria, entendia da mais urgente necessidade ver-se o que se podia fa- zer em prol dos indios, escapos á arrancada bandei- rante, «para su mejor consenvacion y seguridad». Era o remédio um só: ir um delegado do governo onde estivessem «los dichos casiqueis e yndios!, huyendo e der- rotados», afim de os conglobar e, immediatamente, os apadroar, isto é, dar-lhes novos senhores, pseudo man- datários do poder real de Sua Magestade Catholica,
Que mina esta chegada de indios já semi-civilisados pelos ignacinos! fugindo aos paulistas para encher de servos as glebas do Paraguay Central! Que bella re- dada a dar-se neste enorme cardunije!
Assim, «los junte todos y empadrone como se acos- tumbra poniendo con cada casique sus sujetos y basai- los y de todo hechois los dichos padrones se liaga suma y divida en dichas tres reduciones rata por cantitad por tersias partes, poniendo y agregando en cada uma su parte con claridad y distinccion de los que son en- commendados e de los que ubieren baços para que se
196 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
puedan sustentar», etc. etc. Vinha ahi um luxo de pres- cripções previsoras do bom estabelecimento de toda esta grande bugrada esparramada em pânico, tudo isto para o bom serviço das duas majestades, a divina e a real.
Imagine-se si o conselho de guerra ia dissentir de tal proposta! Como devia sorrir a todos os seus vo- gaes aquella perspectiva da chegada dos indios «que vinham vagos» sem dono.
Nada mais lógico, portanto, do que o .seu voto unanime, de enthusiastico assentimento e incitação: «una- nimes y conformes dixeron todos que se conformavan y conformaran en todja y por todo en la dicha propuesta dei dicho senor governador por ser como es el remédio eficasissimo que el caso y necesidad presente pide».
Imagine-se si d. Luis de Cespedes Xeria iria vo- tar contra semelhante alvitre!
Concordaram todos que para o cargo ia a calha- o general don Diego de Yegros, a quem deram como ajudante o capitão Juan Riquel, pessoa de grande ex:. periencia, que conhecia «de \ãsta. trato e communicação a todos os caciques e indios das provincias de líatim».
Não tardou que de Assumpção partisse rumo das reducções invadidas pelos paulistas o soccorro de bran- cos e indios, destinado a rechassar o inimigo. Segundo parece, já nãoi o encontrou, assim pelo menos afian- çam os depoimentos que temos á vista e pretendemos analysar. Voltara, quiçá. André Fernandes a S. Paulo e oontinuára Antonio Raposo Tavares a sua jornada pa~ ra oeste, para as terras do Peru, que largamente ha- veria de explorar, apanhando mais tarde um dos gran- des affluentes do Rio Mar, pelo qual attingiria o cau- dal amazonico, podendo assim explicar-se a sua appa- rição em Gurupá, quasi no littoral, em 1651.
Um documento do Archivo General de índias (74-6-28) dá-nòs alguns pormenores mais sobre este soccorro. Nelle ha uma lista de «vecinos encomenderos de los indios de la província dei Itatim que estan oy retirados de ella para que den el soccorro que puedan.» São onze de quem se requesitam cavallos e armas, sob pena de multa de cem pesos e suspensão de seus feudos.
CAPITULO X
Novo governador. — Vicissitudes da missão do ftatim. Ataques paulistas de 1647 a 164H.
*
Mudara o Paraguay de governador e o novo dele- gado régio d. André Garavito de Leon, desejoso de saber as piarticularidades das ultimas invasões paulis- tas em terras de sua jurisdicção, pediu aos jesuitajs da zona assolada esclarecimentos sobre os tão graves successos.
A 20 de março de 1652, escrevia-Jlhe o padre Manuel Berthod fazendo-ílhe um histórico da missão dos Ita- tins (A. G. I. 74-6-29).
Para aquella zona seguira, em 1633, a mandado de seu superior, o illustre Montoya, em companhia de quatro confrades: os padres Justo Mansila, Diego Fer- rer, Ignacio Martinez e Nicolau Henarcio.
Começaram a operar no território da antiga cida- de de Xerez, já destruída pelos paulistas, até ás terras dos Chiriguanas (hoje território boliviano). Fundadas tres reducções, não tardou que sobre cilas cahissem os paulistas. «Dieron sobre ellas y las robaron y ra- ptibaroji.»
Aos escapos á razzia reuniram os padres no'v'amente em cinco pontos, distantes dos primitivos umas trinta ou quarenta léguas: em Taraguy, Ybú, Yatebo, Farcin e
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Jutahy. Decorreram dois annos e reappareceram os pau- listas, dando-se então a dispersão geral dos indios.
Milhares refugiaram-se em: terras á margem direita do Paraguay, entre os infiéis, outros muitos se mette- ram entre os Payaguás do norte, Não desanimaram, comtudo, os missionários.
Retrocederam para o sul, estabelecendo-se em Caa- guassú, a 40 léguas de Assumpção, onde localizaram du- zentas familias, «relíquias de tantas tribus e aldeias». De desgostos e exgottamento falleceram os padres Ferrer e Henarcio, ficando Mansila tão doente que foi pre- ciso recolher-se ao bom clima do Uruguay.
Mas em que estado haviam cahido estes desampa- rados indios! «bárbaros, borrachos, pintados, cabelludos como mujeres, suberbios, desobedientes!». Grandissimo trabalho tivera elle, padre Berthod, auxiliado por seus compadres Vicente Hernandez e Domingos Mun^a, para os recivilizar e rechristianizar, pois estavam «ariscos co- mo venados».
Pouco depois se fundava a reducçâo de Tarem com immenso trabalho dos padres Hernandez, Munoa e Chris. tovam de Arenas. Os indios daquella região eram tão rebeldes quanto os Chiriguanas. Ladrões inveterados, ameaçavam a cada passo assassinar os padres. Varias vezes os espancavam e immenso trabalho deu inutilizar as insinuações de um feiticeiro da tribu, a quem ouviam muito.
Afinal triumphara a cruz, fundando-se e prosperan- do, até, as reducções de Nossa Senhora da Fé e de S. Ignacio, depois do glorioso martyrio do venerlavel padre Romero e do irmão leigo Matheus Hernandez, mortos pelos indios da direita do Paraguay.
Em 1647 destruiram os paulistas a reducção de Ta- ren e a 1.» de novembro de 1648 a de Mboy.mboy, re- fugio dos indios de Tarcin.
Occorreram, então, a prisão do superior da reduc- ção, o assalto ao acampamento paulista, chefiado pelo padre Arias, a Imorte deste, em combate, e a libenta- ção do padre Arenas, arrancado ás mãos dos bandeirantes.
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Poucio depois fallecia também este «de dolor de la perdida de tantas almas».
Ha\'iam os índios escapos aos paulistas, do Taren ao Caaguassú, procurando refugio em Ypané, de onde ordenara o, 5isjx> Cardenas fossem expulsos/
Espalhados pelos montes, de mil familias só subsis- tiam agora trezentas! cento e cineoenta em Ypané e outras tantas em Aguaramby, onde as haviam locali- zado os padres Mansilla e Bonilla, isto quando, de- posto o perverso prelado, tinham volvido os jesuitas aos seus «pueblos».
Agora .graças á dedicação dos dois missionários, oontavam-,se sob sua guarda nada menos de oitocentas familias.
Reforçando as declarações do seu confrade, narrou o padre Barnabé de Bonilla diversos factos interessantes das occorrencias recentes do Itatim, e da invasão pau- lista nesta zona sul-mattogrossense.
Fôra em 1'640 ou 1644, não se leiiibra\a bem, tão n:K)no tonos e diff iceis de assignalar lhe correram os annos, que partira a doutrinar ali, onde encontrara as reducções recemfundadas pelos padres Diogo Ferrer, justo Mansilla. Vicente Fernandes e Domingos Mufioz, a saber, Santo Ignacio em Caaguassú e N. S.enhora da Fé no Taren. Em dois annos congregaram-se quinhen- tas familias.
Pela região jamais apparecera hespanhol algum, ci- vil ou padre secular; presenciara a partida do vene- rável padre Romero para a sua missão do outro lado do Paraguay, onde encontrara gloriosa morte devido á conspiração urdida «por un gran hechisero» i feiticeiro) Índio.
Derajse o assalto dos paulistas á reducção de Ta- ren, a 8 de setembro de 1647.
No anno seguinte, em novembro, o ataque á de Mboymboy.
Quando elle, depoente, e seu confrade Munoa, es- tavam na faina de congregar os indios dispersos, viram desesperados chegar uma escolta enviada pelo gover- nador Osorio, a pedido do bispo Cárdenas. «para ex-
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pelir-nos y despojar-nos de nuestros fieles a costa de tantos trabajos y sangue derramado».
Ao partirem numa balsilha rota, tripulada por seis Índios remeiros, presenciaram as mais compungentes sce- nas «de ódios y lagrimas de aquelles pobres desampa- rados, los quales biendo.se em manos de los que tan poco amaban-se esparcieron y huyeron por los montes».
Afinal, restituídos os jesuítas aos seus «pueblos», em 1650, por ordem do governador Zarate, haviam con- seguido novamente congregar trezentas das mil famí- lias outróra já catechisadás e civiliza:das.
Temível crise abalara o instituto jesuítico sul-ame- ricano, com a perseguição do bispo Cardenas a re- forçar a acção bellica dos paulistas.
Procuravam os ignacínos, pois, precaver-se, quanto possível, da possibilidade de repetição de semelhante convulsão.
A 28 de agosto e 14 de outubro de 1652, respeito- samente solicitava o seu superior padre Juan Pastor, ao governador paraguayo don Andrés Garavíto de Leon, que visitasse as doutrinas dos índios itatíns e as do Paraguay e Uruguay, afim de lhes dar «forma y modo de como se an de governar en sus pueblos, assi eu tiempo de paz como en tiempo de guerra que son pro- bocados cada ano de los portugueses dei Brasil, que. con mano armada, vienen, en busca suya para llebarlos cautibos al Brasil y servír-se dellos como esclabos com muerte de innumerables dellos que haii perecido y apartando las mugeres de sus maridos y a los hijos de sus padres y haciendo outras muchas moléstias \ agrabios (A. G. I. 74-6-29 e 74-6-28).
Poucos eram os escapoj$ á «tirania de dichos por- tugueses». Considerara-os o rei como soldados de pre- sidios fronteiriços e tomara-os sob sua protecção, lí- vrandojos do serviço pessoal.
Queriam, agora, os padres a sancção da presença de um alto representante da pessoa de sua majestade catholica.
Recorriam, pois, al grande caudal de sàencia de s. senoria, experiência y prudência». Tanto mais quan-
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to s. «senoria, havia venido principalmente a paoificacion de la inquietud causada a esta provincia».
Mas a «caudalosa sciencia» do satrapa aconselhou-o a que não tomasse posições definidas, em occasião tão melindrosa como aquella, perante o partido anti-jesui- tico. Assim, indeferiu os dois requerimentos.. Prova do quanto obedecia ás ôrdens e desejos reaes de pro- tecção aos Índios, dera-a sobeja, allegou.
Mandava s. majestade fossem desaggravados aquel- les selvagens; ora, jamais haviam sido aggravados por hespanhoes, jamais submettidos ao regimen das encom- mendas. Que mais podiam pretender?
E assim expostos vários moti\x>s, tão procedentes como estes, peremptoriamente declarou sua senhoria que não iria \dsitar as reducções do Itatim.
E' que. além, do cançaço e da maçada, não lhe convinha mostrar-se demais propenso a attender aos reclamos da Companhia de Jesus. Os ignacinos que tratassem de se avir com os paulistas, os seus velhos e constantes inimigos, já que podiam armar a sua gente com armas de fogo.
Seguissem os exemplos de seus confrades do sul.
CAPITULO XI
Lacunas preenchidas pela documentarão liespanlioW . — As expedições de 1651. — Ignorância iterai a seu respeito. — Arrancada bandeirante. — Proje- ctos sobre Buenos Ayres. — Acção conjuncta de uma expedição mariidma e de numerosas bandeiras S0bre a capital portenha. — Fracasso das tenta- tivas bandeirantes.
Já numerosas vezes temos frisado quanto é lacu- nosa a historia do bandeirismo, sobretudo pela defi- ciência da documentação paulista, sendo a hespanhola fonte de numerosos achados cojca que se podem preencher algumas destas falhas, muitas delias de capital interesse.
Assim, quasi nenhum auto assignala o anno de 1651 de modo especial. Sobre elle nada diz Azevedo Mar- ques em sua «Chronologia».
No «Cyclo da caça ao indio», de sua monumental <<Expansão geographica do Brasil», refere-se Basilio de Magalhães ao millesimo em questão, lembrando apenas que é o ida morte de João Pedroso, o filho mais velho do «Terror dos indios». Entretanto, foi 1651 um anno de grande actividade para as operações de guerra entre paulistas e castelhanos, como nos informam os docu- mentos hespanhoes que vamos analysar.
Tentativas contra o Prata 203
o princiipal uma carta do padre Francisco Dias Tanho, superior dos jesuitas do Paraguay, escripta ao governador d. Andrés de Leon Garavito, sob o titulo «Victorias contra portuguezes, ailo 1651» (A. G. I. 74-6-28, Vd. Pastells 2, D. 1031).
Na quaresma de 1651, refere Dias Tanho, reap- pareceram os paulistas em grandes bandos, procuran- do destruir as reducções do Paraná e Uruguay. Eram quatro columnas que acommetteram os aldeiamentos «por quatro partes distinctas para con este médio dividir las fuerzas de dichos naturales y alcansar sus intentos». Tinham em (mira attingir Buenos Aires, affirma o pa- dre, tanto mais quanto corria estar prompta no Brasil uma expeedição naval destinada a atacar a cidade por- tenha. operando de accordo com a gente de S. Paulo.
E' o assaltoi a que rapidamente se refere Rio Bran- co, citando Techo e Charlevoix, em data de 9 de mafr- ço de 1652, o que nos parece inexacto.
Mallograra-se, no emtanto, providencialmeute, o in- tuito dos portuguezes. «Fué Nuestro Senor servido, que con la vigilância y cuydado que dichos yndios tienen en las sentinelas continuas descubrieron su venida y les salieron al enquentro».
Rude foi a refrega então. «Pelearon con ellos y los vencieron y hizieron huir bien maltratados, echan- do los de los fuertes que tenian y cogiendoles quanto tenian en ellos que para dichos yndios an sido m;xy buen despojo».
Recebidos de diversos membros da Companhia os relatórios destes successos de guerra ,mandou O' paldre Dias Tanho reunil-os em autos destinados a serem apre- sentados á catholica majestade de Philippe IV.
RemetteujQS o governador paraguayo ao seu sobe- rano ajuntando-lhe umas notas pittorescas. Assim, qua.- lificou os jesuitas de «escudo y muralla para poner freno a las invaciones de los mamelucos de San Pablo, ralea de gentes que ni antes de la rebelion (1640) ni despues tubo temor de Dios ni obediência al rei nuestro senori (que Dios guarde)».
Este D. André de Leon na sua ingenuidade merecia
^'iSTQRiA Geral das Bandeiras Paulistas
especial menção. E realmente seria muito curioso con- seguir explicar como gente ja de si alevantada haveria de mudar de rumo depois dc se declarar em franca e official rebelliâo;!
E aos relatórios de procedência jesuítica mandou acostar os depoimentos dos quatro indios, então em As- sumpção, que haviam estado em campanha contra os mamelucos para que, informado o monarcha do melhor modo possível, pudesse recompensar os servidores fieis de sua coroa.
O primeiro relatório é o do padre Juan Suarez de Toledo, superior interino, na ausência de Diaz Tanho, de todas as reducções.
Relata o padre Toledo que, vivendo sempre de so- bre-aviso, mandara que de Corpus sahisse uma esqua- drilha de canoas a vigiar o rio Paraná até á foz do riacho Jaguambé.
Ali encontrara uns indios muito sobresaltados. Já os paulistas lhes haviam atacado as tabas. Partindo então a vanguarda guarany em demanda do inimigo, tão feliz fora que o derrotara.
«Llegando a buen tempío y dandoles una buena carga, los atemoriçaron, de suerte que no se pudieron poner en orden ni defenderse, con que los desalojaron e pusieron en huida, apoderandose de lo que dejaron en la fuga, hamacas, coUares y cadenas en que ponen a los que cautivan, alguna ropa y municiones».
Aos vencedores commandavam os padres Diogo de Salazar e Silvério Pastor. Foi o que informou o padre Suarez de Toledo, de Nossa Senhora de Loreto, a 10 de maio de 1651.
Na sua parte, datada de Nossa Senhora do Mbo- roré, e de 24 de maio de 1651, relatou o padre iMiguel Goriies que, sendo a sua reducção um ponto estratégico, desde muito andava alerta á espera dos paulistas, cuja vanda sabia imminente coUocando espias e sentinellas em numerosos pontos.
Afinal capturara cinco desertores tupys, dos paulis- tas, e eses,t o informaram de que seus senhores esta- vam aguardando a seu capitão Antonio Raposo Tavares
Ataque a Buenos Ayres?
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para axx>mmetter as reducções. Decidira-se o padre en- tão a tomar a offensiva.
Dado o rebate de guerra e armados todos os seiís Índios, sahira ao encontro do inimigo, tendo á sua testa como caudilho o cacique capitão don Ignacio Abiarú.
Procedera este indio como chefe de grande capaci- dade. No fim de alguns dias surprehendia os paulistas num grande capão dos Pinhaes de S. Thereza, onde acampavam. «Acometeron les (los nuestros) con lindo brio y ^nimo querendo les cercar y acavar con ellos mas reparando elles que era cierta su muerte aunque al principio pelearon y Jios hirieron algunos, ultimamente huyeron como covardes dejando el campo y corriendo como gamos a guareser se dei monte yndo les siempre los Yndios a los alcances, ma por sobrevenir la noche y aber-se todos metido en dl fuerte fuerza retirar-sé y dejarlos».
Grande a presa tomada aos bandeirantes, numero- síssimos instrumentos de captiveiro, armas, utensílios de guerra e castrametação, munições e uma bandeira com a effigie de S. Antonio, e isto sem contar as centenas de prisioneiros que já haviam arrebanhado.
Dois tupys «muy ladiilos» e homens de confiança dos paulistas, aprisionados, contaram que as quatro co- lumnas (bandeirantes pretendiam fazer juncção para a expe'dição a Buenos Aires.
Era entre elles corrente que o triumpho coroaria seus esforços. «Tienen por cosa hecha los dichos Por- tugueses el coger a Buenos Ayres por el poco concepto que tienen de sus fuerças y epercevimento», tanto mais quanto a expedição marítima dispunha de mluita ar- tilharia.
Notificaram mais os taes tupys que a gente de S. Paulo, agora desbaratada, era a m.esmla que, dois annos antes, assolara o sul de Matto Grosso (o Ytatim).
O padre Christovam Altamirano informou o se- guinte: achava-se na reducção a seu cargo, os Santos Reis do ]a.peyú, quando soubera que, pelas vizinhanças, anda\'am indios infiéis, em correria, e, logo depois, que os portuguezes de S. Paulo rondavam por perto. Ti\'era
206 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
então o ensejo de interrogar dois tupys, longos annos moradores em S. Paulo e Santos, e estes lhes haviam referido as novidades paulistanas. Falava-se em Pirati- ninga, como cousa certa, da partida de uma expedição considerável, armada, contra Buenos Ayres, levando gran- de material de guerra para a fundação de um presidio á margem meridional do Prata, caso a cidade resistisse á primeira investida.
Agiriam simultaneamente os caudilhos paulistas, que, arrebanhando o povo das reducções e arregimentando-o a força, deviam uns í;ooperar com a divisão naval, outros tratar de apoderar-se das povoações hespanho- las ribeirinhas do Paraná e do Paraguay.
Alarmado com tão graves noticias, armára elle, pa- dre, a sua gente. Dias depois, apparecia um cacique in- fiel, fugindo á invasão, com sua familia. Por este sou- bera onde estavam os paulistas acampados. Assim, man- dára logo cem homens, todos perfeitamente armados, a fazer um reconhecimento. Avistára este destacamento dois tupys espiões, dos quaes um cahira preso, fugin- do o outro aJ dar o alarme aos paulistas. Vieran estes immediatamente ao encontro do inimigo, travando-se re- nhida refrega: «comenzaron a pelear con esfuerzo gran- de, de entrambas partes», refere o jesuita, «y aunque al enemigo se le juntó, en breve, gente de socorro, sé reforzó la batalla| y orgulloso entendió vencer los indios. Elles se portaron con tal brio y denuedo y les dieron tan fuertes rociadas asi de arcabuceria como de piedras que, con hondas (fundas), tiran diestramente y es arma terrible, que, no obstante el socorro que les vino y el tener grande numero de gualachos en su compania, que son grandes guerrenos, huyeron infamemente».
Continuaram os indios a perseguil-os até que, cahin- do a noite e refugiando-se os retirantes no alto de ura cerro, acamparam no logar, desafiando os adversários a pelejar n odia seguinte. Mas acharam os paulistas mais prudente retirar-se e assim, depois de algumas escaramuças e aligeirando-se da bagagem, partiram j>ara o norte, seguidos um dia inteiro ainda pelos vencedores. Foi grande a presa, realizada no acampamento aban-
Derrota dos paulistas
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donado e enorme a- quantidade de mantimentos, so- bretudo.
Confessou o tupy espião aprisionado que os seus senhores deviam estar muito desanimados. Tinham co- mo cousa feita a tomada de Buenos Ayres, «deseaban coger estas reducciones, y con los indios de ellas acabar com todos los espanoles y quedar senores de la tierra toda» (A. G. I., 74-6-28; Pastells D. 1031).
)
CAPITULO XII
^Núvos depoimentos sabre as derrotas paulistas. — O exercito de Domingos Barbosa Calheiros e as suas sete columnas — t A lenda do ouro jesuítico. — Pe- dido de inquérito. — Depoimento de um marinheiro portuguez. — Denegação. — Victoria dos jesuítas.
Coube ao padre Diogo de Salazar tambein depor no processo relativo ás victorias dos indios das reduc- ções sobre os paulistas, na quarestna de 1651.
Partira, Paraná acima, p>oT ordem do padre João Soares, e em companhia de seu confrade Silvério Pas- tor, á testa da gente de guerra, que ia reconhecer o ter- reno onde havia o inimigo sido recentemente avistado.
Presenciára de longe o combate, terminado pela der- rota completa dos portuguezes que haviam deixado gran- des despojos em mãos dos vencedores.
Quanto ao padre Lucas Questa, o seu depoimento é valioso. Fixa data e |é o único a fazel-o.
Assim nos conta que, avisado por um bilhete do pa- dre Altamirano, redobrara de vigilância na sua reduc- ção de S. Thomé, multiplicando roídas sobre roídas. Uma das suas patrulhas, a 8 de março de 1651, dia de muita neblina, tivera inesj>erado contacto com o ini- migo.
Bandeira destroçada
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Vendo-se em grande inferioridade de numero, reti- rára-se, mas sempre em boa ordem e a pelejar.
Sabedor do que lacontecia, partira o depoente, a txxia a pressa, em seu soccoTro, mobilizando toda a sua gente. \
Não contando com este soccorro, puzeram-se os pau- listas em retirada, acossados pela cavallaria jesuitiqa até se recolherem a uma posição onde se acharam áo abrigo dos adversários.
Como ficassem os hespanhoes de observação, tive- ram o ensejo de apanhar dois tupys desertores do acam- pamento paulista; ambos chamados Miguel e escravos um, de Clemente Alvares, e outro, de Francisco Ribeiro.
Larga e minuciosamente inquiriu elle, padre Quessa. a estes indios. Contaram que vinham de S. Paulo. Dali partira grande corpo de exercito cmmandado por Domingos Barbosa, «com sua esquadra e gente», em di- recção aos caayguás, que o tupy designava por Yrayti Ynhacame. A's demais chefiavam Pedro La Rosa (sic) que se destinava ao Busua e Mbororé; João Montiel (sic), ao rio Guacacahy; Martin Longa (sic) á serra ou tapéra antiga da reducção de S. Thomié; Braz de Arzão, ao rio Jatatiná; Francisco Ribeiro, ao Japejú; Jorge Moren (sic), á reducção de S. Thomé.
Cada qual destes bandeirantes ia á testa dos esco- peteiros de sua companhia e dos indios de sua chusma,
Accrescentou o tupy que estas sete columnas eram de exploração, devendo no anno seguinte pôr-se em exe- cução o plano da tomada de Buenos Ayres e a expulsão dos hespanhoes da vertente atlântica da America me- ridional.
P.elaton aind o indio que este projecto sobremodo inflammava os paulistas. A elle constantemente se re- feriam em conversas, em S. Paiílo, e de modo tão aberto que o informante pôde narrar ao jesuita as diversas correntes de opinião reinante na Villa. «Lo dice con tanta particularidad, que refiere hasta los pareseres en- contrados que tivieron porque algunos de ellos desian •que por reselo de los vientos no era bueno venir por -mar y dividir las fuerzas, sino que todoí juntos vinie-
210 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
sen por tierra conquistando yndios y de esa manera dar en Buenos Ayres».
Vem este documento revelar-nos uma grande ex- pedição desconhecida, a de Domingos Barbosa Calheiros bandeirante de valor, embora seu nome não tenha o brilho do dos grandes sertanistas coevos como Antonio Raposo, Fernão Dias e o primeiro Anhanguéra.
Mais tarde, em 1658, sahiria de Santos, com "Fer- nando de Camargo e Bernardino Sanches de Aguiar, para pacificar os Índios do valle do Paraguassú, na Bahia, attendendo a un:^ convite directo do gover- nador do Brasil, Francisco Bariretio. Muito mais de- veria iUustrar.se Braz Rodrigues de Argão, agora seu logar-tenente, pois, em 1671, seria quem, com o temivel Estevam Ribeiro Bayão Parente haveria de promover a conquista do sertão bahiano. Francisco Ribeiro, pa- receu^nos ser Francisco Pires Ribeiro, bandeirante de elevado valor e sobrinho de Fernão Dias Paes, e cuja biographia escura poz Silva Leme em relevo.
Com. abundância de argumentos deante dos quaes nos inchnamos. diverge Ellis de nossa opinião e cremos que toda a razão lhe assiste.
«Ao se iniciar a segunda metade do século dos seis- centos, um raid verdadeiramente notável, implantou no bandeirismo um marco Imemorável, testemunhando a au- dácia dos sertanistas de São Paulo.
Foi no anno de 1651, conta-nos Taunay, que vários bandeirantes, acompanhando Domingos Barbosa Calhei- nas e iBraz Rodrigues de Arzão, chefiando algumas qua- drilhas de assalto, perambulando pelos sertões sulinos, em razzias e correrias, chegaram á vista da cidade' hoje argentina, de Corrientes, no termo mesopotamioo de Castella entre as miss.ões jesuíticas, não trepidando em marchar sobre a hoje majestosa capital argentina, Bueons Ayres.
Dessa arrancada phantastica que Taunay descobriu, analysando a documentação castelhana, conseguiu apre- sentar alguns nomes de chefes de quadrilhas que cons- tituiam a expedição.
Divergimos ligeiramente do historiador na identi-
A GRANDE BANDEIRA DE 1651
211
ficação desses nomes, mal graphados nos papeis hespa- nhoes. Francisco Ribeiro poderia ser identificado com o que foi inventariado em 1683 (I:nv. e test. 27, 540) pu então de preferencia com Francisco Ribeiro de Moraes, fallecido no sertão em 1665 (I. e t. ,16, 510), não o podendo ser com Francisco Pires Ribeiro como pensou Taunay por ter este paulista, sobrinho do futuro go- vernador das Esmeraldas, nascido em 1656, sendo que, effn 1670, ao se proceder ao inventario de sua mãe Se- bastiana Leite da Silva tinha apeioas 14 annos (I. q t^, 27, 290; Silva Leme, Gen. Paul. 2, 128 e 454). Joãoi Maciel, seria, sem duvida, o filho de João Maciel Valente cunhado, portanto, de Domingos Barbosa Calheiros (Gen. Paul. 8, 258) e Jorge Moreira, que foi juiz em S. Paulo. (I. et. vol. 16) seria o outro chefe bandeirante.
Desgraçadamente pouco se sabe deste feito, que não repercutiu, de maneira alguma, na dofcumentação paulista, sendo que delle só tivemos conhecimento pelas noticias que publicou Taunay, que com tanto brilho se tem dedicado ao estudo da documentação hespanhola, nas cousas que respeitam ao nosso passado.
Só assimj, tal emprehendimento não passou ao es- quecimento, banido como foi até então da nossa historia, pela completa indifferença dos paulistas de outras eras, em perpetuar posteridade aos seus feitos grandiosas.
Talvez, fosse porque os nossos avoengos, habitua- dos com a manifestação continua das cjualidades bellicas de seus pares não tinham consciência do quão extraor- dinárias eram, achando-as naturaes, bem como dos phan- tasticos prodigios de audácia e temeridade, por elles praticados.
Os castelhanos, mais parcos em cousas desta natu- reza e mais providos de loquacidade, que é proverbial, foram mais hábeis em escrever as chronicas registradoras dos documentos para a historia».
Ha ahi tambem.ra nossa ver, um factor que se deve levar em conta: eram os hespanhoes os aggredidos e os baudeirantes seus aggressores. Se clamavam pela voz dos documentos é que intentavam obter soccorro de seus soberanos.
212
Historia Geral das Bandeiras Paulistas
E além disto, prohibidas as entradas, officialmente, todos os motivos tinham os paulistas para que sobre ellas tratassem de destruir quanto possível, os vestigios do- cumentaes.
Termina Ellis: nesse mesmO anno de 1651. a ban- deira de Barbosa Calheiras deveria ter tornado a São Paulo, pois que Jogio ao se iniciar Í1652 foi eleito juiz ordinário, cargo que occupou todo o anno (Actas, vol. V).
Pedro de Rosa, Martin Longla e Jorge Moren não sabemos como identificar.
Martin Longa, nome evidentemente estropiado, seria Martim Garcia Lumbria? Manuel da Rosa é nome nos- so conhecido, mas não Pedro da Rosa. Jorge Moren, tão visivelmente desfigurado, parece-nos inidentificavel.
Completando os depoimentos dos seus confrades, fa- lou por ultimo o padre Silvério Pastor. Relatou que o padre Juan Suarez de Toledo, vice -superior das Reduc- ções, o manaara e ao padre Salazar, Paraná acima, acompanhando os indios que iam ao encontro dos pau- listas.
A 11 de março de 1651 ouvira a expedição tiros de arcabuz á margem esquerda do Paraná. Logo depois appareceram indios que vinham fugindo á perseguição paulista. Pouco depois, dava-se o combate, sendo des- troçados e postos em fuga os portuguezes.
Assim, de accordo com estas declarações jesuiticas, malográra-se a expedição heptarchica de Domingos Bar- bosa Calheiros, personagem que aliás, na Bahia, dei- xou mediocre reputação como sertanista capaz.
A lenda do ouro abundante, extrahido de minas exploradas pelos jesuitas e cuidadosamente por estes occulto ás autoridades reaes, essa continuou a ser vi- gorosamente rebatida pela Companhia.
Subsistia, como base para estas patranhas, a denuncia dos capitulares de Assumpção ao rei, em 1648 e 1649. De vez em quando, renasceu a fabula tenaz, cuja ultima explosão viria a occorrer em eras pombalinas do arra- zamento do instituto jesuítico.
Em 1657, percebendo o padre Juan Bautista Mejia que os inimigos de sua congregação persistiam em es-
Minas auríferas jesuíticas
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palhar o boato, pediu ao visitador Juan Blasquez de Val- verde, que tomasse os depoimentos do marinheiro por- tuguez Domingos Farto, então na Assumpção.
A este individuo apontavam como perfeito sabedor de toda esta historia.
A 17 de abril daquelle anno fazia o maritimo as suas declarações. Era portuguez, viera menino para S. Paulo e ali se casára/ Em 1648, passára a Buenos Ayres, de onde o governador Lariz o desterrára para Cordova.
Fôra em sua juventude maloquero, «como lo acos- tumbravan y acostumbran los vecinos y avitadores de la dicha ciudad de San Pablo».
Em 1637, chegou até á região de Santa Theresa dos Pinhaes, destruída em 1636, por outra bandeira, que não a sua.
Toda aquella terra, «desde Santa Thereza hacia la sierra de lo mar» tinham-iia os paulistas como terra de S. Paulo.
Não visitára reducção jesuítica alguma e assim nada podia informar sobre o caso do ouro. Ouvira frequen- temente o boato, mas não sabia que valor lhe dar. Lavrasi de ouro vira -ias em S. Paulo, a 7 léguas, num cerro chamado «Ybiturum» e no porto de Paranaguá, 12 lé- guas ao sul do Cananéa, «dos parages donde se labra y saca oro por todos los que quieren ir a sacarlo porque son minas communes para todos».
Interpellou-o severamente o ouvidor: .Si não esti- vera no Uruguay e Paraná, segundo acabava de con- fessar, nem nas reducções, como, no emtanto, alardea- va conhecer que os padres tiravam ourío da província do U ruguay }
Dissesse o que sabia, sem medo, pois, si se averi- guasse o contrario, seria gravemente castigado, e si désse noticias certas, pinguemente recompensado. Res- pondeu categórica e expertamente o tal marujo: jamais affirmáraj o que quer que fosse sobre sobre a exis- tência de minas e trabalhos de mineração dos padres desafiando quem sustentasse haver-lhe ouvido o contra- rio. Tãc fiel sabia ser á coroa de s. majestade catho- iica, que deixara sua pátria, Portugal, porque esta se
rebellár. contra o seu legitimo soberano. Assi-^ sendo Si tivesse sciencia de minas de ouro escond das net' padres, acaso haveria de calar-se? ^^«"^idas pelos
en^rTrct::ZTe.r: --mphantes. , ^onseifto Keal de índias, como mais uma
CAPITULO XIII
Receios liespanhóes de uma aggres^são portugueza na America éo Sul. — Providencias recom\mendadas ás autoridades do Peru' e do Prata. — Correspon. dencia da corte de Madrid com varias autoridades.
— Queda d^\ domínio hollarídez em Pernwmbaco.
— Solidariedade castelhana dos Jesuítas do Prat^.
— A questão da mineração occuíta do ouro.
No principio da segunda metade do século XVIÍ, muito recearam as autoridades hespanhóes da America Meridional que os luso-brasileiros intentassem séria ac- ção bellica, tendente a expulsar a dominação castelhana de toda a vertente atlântica.
Como já o relatámos, os principaes agentes de tal campanha deviam ser os paulistas cuja acção terrestre coadjuvaria a de uma expedição maritima. sahida do Rio de Janeiro para atacar Buenos Aires.
Em) miserável esatdo: militar e financeiro ficara a Hespanha com os grandes esforços, os exhaustivos sa- crificios que lhe acabara de impor a Guerra dos Trinta Annos.
Muito difficilmente lhe seria dado defender cfficaz- mente a fóz do Prata contra «el rebelde português», como era* de praxe designar os alevantados e facciosos súb- ditos de sua majestade catholica, agora vass^llos do re-
216 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
belde Duque de Bragança, imp>ostor coroado sob o nome de d. João IV, no dizer castelhano da época.
Ei a estes receios aggravavam sobremaneira as no- tícias relativas ao' verdadeiro surto de vitalidade e ener- gia, animador da pequejia. e valorosa nação, cheia de en- thusiasmo pela sua reintegração no rol dos povos inde- pendentes. ,
Fora tal estuo a causa da derrocada do poderio hol- landez no Brasil septentrional, agora em plena agonia.
E esta prodigiosa recuperação de Pernambuco as- sombrara os hespanhóes; dahi a justificativa para os seus temores acerca do estuário platino.
Recommendava o governo de Madrid a maior vigilância ás suas autoridades do Prata, Paraguay, e Peru'; o maior cuidado com' os portuguezes residentes nas terras de sua jurisdicção.
Respondendo a esse pedido de attençâo, coube ao bispo de Cordova escrevei á Corte uma carta de minimo valor histórico, mas pittoresca por encerrar pormeno- res curiosos relativos ao estado de alma de certos indi- víduos, e revelando característica reacção por parte de conculcadas consciências.
Dirigindo^s© ao seu rei, dizia o bispo que a tanto (O obrigavam as circumstancias., Frei Juan de Torre- blanca, mercedario, filho de paes muito humildes, neto de Índia, com ascendência paterna vizinha em Portugal, nascido de uma família de sapateiros e pulperos, canalha refinadíssimo!, coin um curricu^utrL vitae horrendo, de fugas, apostasias, estellionatos^ rebelde a todos os seus superiores, autor de tentativas de sedição, impostor atre- vidíssimo, calumniador miserável e pasquineiro emérito, causador de mortes — q ue lhe faltava, emfim? — Frei Juan de Torreblanca coroava a immunda vida fazendo-se o defensor e arauto do usurpador, que a sua majjestade catholica pretendia arrancar a coroa de Portugal! Tal o seu furor anti-castelhano que af firmava:
«Si el tirano de Vergansa (Bragança) (llamandole- por d. Juan IV) vienese a este reino, le assistiria y ayu- daria, y con el otros.»
Um agente dos portuguezes?
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E' a tal propósito apregoava a mais interessante de- monstração de affecto ao soberano portuguez rebelde:
A uma besta branca, muito de sua estimação, dera o nome de Bragança! Dizia em brados,, o energúmeno mercedario, que desde a sua mocidade odiava os reis de Castella e Leão.
Philippe II? Jámais houvera «mas mal rei y de mala consciência en el mundo!» Assim também jazia nos in- fernos. E si Philippe IV, neto deste monstro, possuia to império das índias Occidentaes. era «con titulo imposto ytiranamente», dispondo dos mesmos direitos que a elle, Fray Juan, assistiam ou a qualquer outra pessoa.
«Venha elle para aqui!», convidava o temivel debla- teradorí, a apregoar uma série de projectos acêrca dos quaes dizia o prelado «el respecto de tan humilde Vas- sallo como yio\ soy, escusa repetir semejantes horrores en carta.»
Si o quizesse, elle, Fray Juan, ter-se-ia deixado aclar mar rei do Peru', quando SOO homens, rebellados, e seus partidários, nas minas de Lipes, a todo o transe instavam para que acceitasse a antiga coroa incaica.
Particularidade que a este religioso sul generis exas- perava era a canonização de Santo Ignacio de Loyola, qual santo nem (meio santo: fôra tal canonização comprada a peso de ouro! clamava furioso.
Vendera-se ^ papa aos jesuitas! Cançado de tão grandes crimes, mandara o provincial dos mercedarios prender o faccioso, mas elle se evadira. Agora, em acção,, conjunta, bispo, provincial e governador de Cordova haviam lavrado o decreto de extermínio do insupporta- vel mercedario, arauto da rebellião portugueza e amigo quiçá agente dos mamelucos de São Paulo.
Convinha agir com toda a reserva e prudência^ oomtudo, pois, embora fosse aquelle vice-reino do Peru' «muy nobre y muy leal y muy xpiano (christão)» e per- feitamente fiel, sempre tinha «províncias retiradas lle- nas de maios humoreis y quen a sido já cabesa de van- do en esas partes puede causar alguna inquietude que cueste mucho su remédio», finalizava o prudente bispo de Cordova. Em todlo o casoi* contasse sua majestade
218 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
com a sumjna vigilância de quem se orgulhava de ser o humílimo vassallo do rei catholico, a exemplo do que lhe ensinavam paes e avós. (A. G. I. 34-6-446: Palstells D. 955.)
Esta questão de possível tentativa de estabelecimento de portugueses no estuário do Prata, preoccupava cons- tantemente até as autoridades castelhanas secundarias. Sobretudo, depois que o próprio governo hespanhol man- dara avisar aos seus delegados dos apregoados projectos dos rebeldes de Portugal.
De Potosi escrevia a Philippe IV, a 31 de maio de 1653, oi dn Francisco de Nestares Marin, relatando t> desempenho que havia dado á sua commissão de vigi- lância sobre o porto de Buenos Aires. (A. G. I. 74-4-7).;
Reforçara-se a guarnição portenha com uma leva da gente de Tucuman. Obedecendo ás instrucções re- gias, prohibira o governador don Jacintho de Lariz, aos portuguezes residentes no Prata, que fossem a An- gola.
Um delles. certo Francisco Barroca, obtivera li- cença para ir á Africa buscar negros, mas, como se provasse que em vez de carregar em; Angola, tomara ps- cravos no Brasil, apenas chegado a Buenos Aires man- dara enforcal-o.
A outros marítimos contraventores confiscara os ne- gros. Chegara o novo governador d. Pedro de Bay- gorri e continuava nas mesmas normas de vigilância e severidade.
Pouco depois reiteraram-se as instrucções do além mar. Vinha uma real cédula, datada de Madrid e de 25 de agosto de 1654, lembrar que se redobrasse .de cuidado. (A. G. I. 122-3-2.)
Plavia terminado a campanha de Pernambuco com o mais completo extraordinário e inesperado triumpho para as armas dos rebeldes portuguezes e provavelmente recrudesceria o furor das entradas paulistas e se poriam em pratica os planos de assalto ao Prata. Assim, «ti- vesse el governador dei Rio de la Plata mucha \-igi- lancia en el puerto de Buenos Ayres.»
Arribara a Vigo e Bayona a gente hollandeza s,a-
Novas correrias paulistas
219
hida de Pernambuco em virtude da capitulação da Cam- pina do Taborda: quatro navios em que vinham «el ca- pitan general que por los Estados Generales governava allá, un presidente que es uno delos dei goviemo de Holanda y fquattro consegeros dei Brasil y el generaF y presidente con sus famílias».
Dissipou-se comtudo e gradualmente o primitivo re- ceio; decorreram os annos e nunca se effectivou a amea- ça que tanto sobresaltara os portenhos.
Escrevendo de Assumpção ao rei, em data de 23 de janeiro de 1657, narra va-lhe o governador Baygorri que conseguira dominar e rieprimir a grave insurreição dos Calchaquis, tendo nesta oocasião prestado os maiores serviços, um soccorro de trezentos e cincoenta indios das reducções jesuíticas do Paraná, commandados por dois dos seus missionários.
Continuavam; os paulistas a invadir os territórios á direita do Paraná. Agora mesmo, naquella data, esta- va;m «robando aquelle imiserable gentio!» Pouco fazia que um destacamento de duzentos indios da reducção de' Yapeyu' se batera com uma bandeira tomando-lhe os escravos, que iam em sete correntes com gargalheiras, e aprisionando-lhe tres homens brancos e muitos dos sesu tupys que nos grilhões tinham tomado o logar de suas antigas victimas.
Despachados para Assumpção, onde elle, governa- dor, os esperava «para la devida demostraçion», haviam conseguido evadir-se em caminho. Só chegaram á ca- pital paraguaya dois mulatos paulistas, companheiros dos bandeirantes e «ministros de su inhumanidad». Tra- zia-os a bom recato nas masmorras de Assumpção. Não fôra a excellente vigilância dos indios e seus missionários è já os paulistas «no solo ubieram 'ya asolado y de todo destruydo aqueles pueblos con g'rande triumfo y acre^ centamiento dei orgullo y fuerzas dei portuguez xet- belde sino infestado las ciudades mismas de este go- vierno ( 'Rio da Prata^, «y dei de el Paraguay que, se- gun as placa su detença se les pudiera temer de ello's su prostrer ruina ya los Reynos dei Peru' otros danos mas universales pues les quedava el paso aberto y
220 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
donde quiera es siempre pxeligrosa y aresgada la cer- cania dei enemigo.»
Grandes o valor e a fidelidade daqueUes bons Ín- dios, exclamava enthusiasmado o governador platino.
Ouvisse sua majestade a voz da sua experiência de quarenta annos de soldado em todas as occasiões do real serviço!
Outro interesse não o movia além do desse mesmo real serviço. Assipi promettia não só alentar aquell^es bravos guaranys, como excital-ios a se aperfeiçoarem no manejo das armas, distribuindo-lhes os prémios e mer- cês, que tanto 'mereciam, como unioo e verdad,eiro balu- arte ãci America Meridional hespanhola contra a so- berba e a laudacia destes infames portuguezes de São Paulo.
A" Companhia de Jesus tornára a perseguição do bispo Cárdenas muito mais insistente em pedir ás au- toridades reaes a fiscalisação de suas obras.
Em 1658, conseguiu que um ouvidor da real audiên- cia de la Plata, o dr. Jjoão Basques de Valverde, agoira nomeado governador e caípitão-general do Paraguay e visitador das províncias do Uruguay e do Parjaniá e Yta- timj, por sua majestade, não só, visitasse como apadroasse diversos pueblos e doutrinas, o que pertinazmente recu- sara o seu antecessor, d. Andres Garavito de Leon.
A 3!l de dezembro de 1656, assumira Valverde o go-. verno do Paraguay, muito a contragosto aliás, escrevera a Thilippe IV.
Suspirava pela sua reintegração na magistraturta.
Estava oi Paraguay perfeitamente tranquillo, havia tres annos, sensatamente governado pelo tenente-genéral don Cristobal de Garay Saavedra, a quem nomeara Justiça-Maior o vice-rei do Peru', conde de Salvatierra. O partido do bisjx) de Cárdenas sentia-se dominado.
«Todos los ruidos cesaron con la ausência dei rev- mo. o bispo, puesto dos los que, vestidos de su afecto, fue- ron de su séquito, han reprimido, aunque no olvidado,, el odio que tieneíi; á los padres de la Compania: la causa Cs, de temer entendido) y estar persuadidos que por ellos estan privados de las encomiendas y servicios que pue-
Novo TRIUMPHO JESUÍTICO
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dan tener para sus chacras y haciendas en los indios dei Paraná, raiz y origen de la aversion que les tienen e tendrán perpetuamiente».
Erai Vaiverde affeiçoado aos jesuítas, ou pelo me- nos imparcial ou moderado.
Continuavam os ignacianos a reclamar o castigo» daquelles que "haviam propalado a noticia de que elles exploravam as minas de ouro, secretamente, para defrau- dar o fisco.
Entre estes o antigo capitão-general seu constante inimigo don Luiz de Cespedes Xeria, e o general Yegros.
Determinara o rei que o novo governador visitasse attentaraente as reducções e defendesse os direitos do real padroado. Um 'a um arrastados aos tribunaes, os bcateiros do ouro humilharam-se todos como fizera o marinheiro portuguez.
Intimou-os o capitão-general a que o acompanhas- sem ao local da mrneraçãoí ^ ^sta medida provocou logo numerosas retractações. Triumphavam os loyolistas em toda a linha.
Em junho de 1657, encetara o capitão-general a sua visita aos «pueblos», pelos de Sãp Carlos, passando, depois aos de S. Nicolas. S. Pedro e S. Paulo, Conceição, S. Miguel, Martyres, Santa Maria, Maior, S. Francisco Xavier, Santos Reis do Japeju', Assumpção do Mbororé, S. Thomé, todos da provincia do Uruguay, onde recen- seou 5.686 famílias com' 23.383 indios aldeiados de ambos os sexos, dos quaes 922 «reservados», com 4.746 homens validos, a'rrolados, corno tributários. Dispunham estes gua- ranys de 441 mosquetes,, 443 alfanges e mais de pail chuços. (A. G. 1. 74-6-29.)
CAPITULO XIV
Visita de Valverde aos paeblop da Mesopotamío^. — Arrolamento de forças. — Apadroamento de re- dacções. — Diversas decisões reaes.
Satisfeitíssimos com a visita demorada que o go- vernador Juan Blasques de V^alverde fazia ás suas re- ducções, incorporando-as ao patrimionio da coroa da Hes- Hpanha, com todas as formalidades legaes, desafiavam agora os jesuitas aos seus accusadores do Paraguay e do Rioi da Prata, indicassem o local onde se achavam as famosas minas de ouro que a Companhia explorava emsegredo.
Promptificaram-se a lhes fornecer 'todos os meios para attingir taes jazidas e . como nenhum dos adversários acu- disse ao appello de esclarecimento, accumularam docu- mentos sobre documentos do seu triumpho, para os lê var á presença do rei.
Proseguindo na sua viagem de visita aos pueblos je- suiticos, percorreu o governador Valverde os do Pa- raná, de julho de 1657 em deante, detendo-se em Can- delária, S. Cosnue e S. Damião, S. Anna, Nossa Senliora de Loreto, Santo Ignacio do Yabebery, S. José, Corpus Christi, Assumpção de IItapu'a, onde recenseou 3.258 familias com 12.854 individuos de ambos os sexos, dos quaes «reservados» 587, por velhos e inválidos, e 2.770
Formalidades do apadroamento 223
tributários validos, dispondo de 251 arcabuzes, e mos- quetes, mais de duzentos alfanges e outras tantas lanças e chuços.
Curiosf e' que em muitas destas reducções se guar- davam com o maior cuidado os trophéos arrebatados aos paulistas.
Assim, nos Santos Reis, do Uruguay, mostrava o doutrinador padre Viveiros quarenta e quatro «colleras de hierro que sus feligreses (freguezes) han quitado^ en ocasiones por despoíjps a los portuguezes mamalucois, que los han venido a invadir a sus pueblos.» No Mbororó 80 gargalheiras, sete cadeias largas, sete «escupiles» ou armas de |algodão, couraças contra as flechas, além de um estandarte oom a effigie de S. Antonio. E assim em di- versos outros logares.
Refiramos algumas formalidades dessa incorporação^ dos pueblos ao real padroadoi Começava o processo por um auto exhortatorio em que o governador da pro- víncia solicitava do provincial jesuítico que ordenasse ao cura da reducção o recenseamento dos seus freguezes, recommendando-lhe. a máxima exacção nas operações censitorias, dsicriminação «de los feligreses, tributários, mugeres, muchachos y muchacbas, que ubiere en ella de qualquier edade y calidade, que sean y que sea con la legalidad que se espera de tan gran religioso».
E isto se repete, pois no tempo não havia o ímenor gosto em renovar formulas, exercício julgado mutil.
Intimado o provincial, era também notificado o ca- cique do aldeiamento a que procedesse aoi censo-, com toda a lealdade sob pena de destituição do cargo, si acaso se averiguasse a existência de lacunas por desidia.
Immediatamente, a toque de caixa, mandava o tu- xaua reunir toda a sua gente, que jdesf ilava ante o vigar riol encarregado de lhe tomar os nomes. Faziam-se á parte a relação dos resertVados e a 'matricula dos Ín- dios e muchachos infiéis, recentemente incorporados á reducção.
Finda a discriminação dos alistados, era a autoridaide real convidada a revistaff o arsenal do pueblo, as armias defensivas e offensivas de que dispunha, todas ellas
224 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
armazenadas numa sala dp oollegio do aldeiamento, sob a gtiarda immediata do cura.
Isto feito, podia o governador dar o seu placet á petição do apadroamento.
Seguia-se uma pequena cerimonia, em que o repre- sentante da Coroa explicava aos Índios, a importância dos factos succedidos aos novos vassallos directos de sua majestade.
Apadroando os indios do pueblo de Sant' Anna, man- dou Blasquez de Valverde explicar aos guaranys, por meio de seus interpretes, que, em nome de sua majés- taide catholica, ali viéra ter para os consolar e assegurar a possei 'die terras «para sus chacras y estancias y reoonocerlos por vassallos dei Rey nuestro Senor.»
Explicassem bem os taes línguas aos seus patrícios quanto deviam ser pontuaes no pagamento do tributo, pois sua majestade gastava muito subsidiando aos seus curas e defendendo-os «de los rebeldes portugueses, ma- malucos de San Pablo que los vienen a infestar a estas províncias para llevarlos |a vender, conlo si fosen es- clavos, a los dei Brasil y Rio-Genero».
Attento ao speech, respondeu o cacique, em nome de sua gente: «Estaban todos gososisimos de la merced que sua majestade les hacia en acuerdar-se de ellos envíando-les a visitar y Consolar».
Sobremodo reconhecidos, pagariam o tributo pedi- do, con tanto entusiasmo que si para pagarlo fuese ne- cessário darian la sangre de sus benas por servir a su Rey y Senor natural cuyos vassalos eran y se avian reconocido por tales desde que fueran sacados de su infidelidaid y reducidos a nuestra santa íee catholica».
Penhorado, ao perceber tanto arroubo, respondeu d governador agradecendo em nomie da corôa as pro- messas cheias de sinceridade dos novos vassallos do rei seu amo.
As mesmas formalidades quanto a S. Ignacio dei Yabeberi a 19 de agosto de 1657^ e quasi as mesmas palavras, aí jião ser talvez que ahi foram os paulistjas chamados «tiranos portuguezes, mamalucos de San Pa- blo.» ( A. G: 1. 74-6-28 e 74r6-29.)
A questAo das armas de fogo
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Família por família se discriminaram os jndios. Nota- se nestes recenseamentos geralmente a existência de poucas creanças entre os guaranys, raros os casaes com quatro filhos, raríssimos oaití miais de quatro.
E'i' que provavelmente nas aldeias reinava enorme mortalidade infantil, explicável pela detestável hygiene destes agrupamentos.
Alguns annos parecem ter decorrido de 1651 em deante etn que os paulistas deixaram^ de ter contacto com as reducções jesuíticas. Tal a vastidão do Brasil que lhes ficára enorme area a peijcorrer sem passar á's terras de Castella, tanto mais quanto á esquerda do Pa- raná e ao norte do Iguassu', no antigo território guayre- nho, nenhum vestígio restara do antigo poderio jesuíti- co. Subsistiam no actual norte do Paraguay apenas os núcleos de Villa Rica de Spiritu Santo, que em 1676 destruiria Francisco Pedroso Xavier.
Assim, desapparecendo o perigo paulista, recome- çaram os colonos, incançaveis, a sua lucta com a Com- panhia de Jesus, a acenar ao rei os perigos da paz ar- mada que elle permittira como regimen ordinário^ das reducções, A 16 de outubro de 1661 expedira Philíppe IV uma real cédula ao governador paraguayo, ainda don Juan Blasquez de Valverde, mínistrando-lhe instruc- ções de como se devia haver de modo a recolher as ar- mas detidas pelos jesuítas em suas aldeias.
Recommendava-lhe, desde as primeiras linhas, que^ sobretudo, de forma alguma abrisse mãoi de suas pre- rogatívas, como único chefe das forças militares do Pa- raguay.
Fosseml quaes fossem os motivios invocados, ne- nhuma tropa se mobilizasse sem ordem expressa sua.
Declarava-se Oi rei impressionado com o que elle governador lhe relatava do poderio militar dos jesuí- tas.
O facto de disporem de 800 armas de fogo jul- gava-o grave, pois só deviam ter as 150 fornecidas f>elo vice-rei do Peru', marquez die Mancera. Julgava sua majestade procedente a representação dos cidadãos no taveis da Assumpção e assim decidira que se tomassem
Historia Geral das Bandeiras Paulistas
aos padres as espingardas sem replica nem dilação alguma, devendo ficar sob a guarda do governo para atiender ás occasiões do serviço régio. Voltava-se agora o catavento real sob a influencia de um sopro host/1 á Companhia.
Assim, avisara aos padres: «de aqui adelante no se entremetan a exercitar a los dichos yndios en los alar- des ni en el manejo delas (armas), ni en ninguna accion politica ni (militar, lo qual advertireis al Pro- vincial y demas superiores de la dicha religion, dando- les a entender que de lo contrario me daré por tan de- servido que se passará a executar con ellos todas las acciones necessárias que miraren á la defensa, quietud y scsiego de esas Províncias».
Ei ainda mais: si na Assumpção não houvesse ar- senal capaz de guardar tantos mosquetes, fosse um' construído á custa da Companhia.
Calcule-se a alegria com que os colonos receberam o decreto régio, o jubilo dos antigos partidários do bispo Cárdenas! Mais uma vez pendia a Coroa a favor dos encommenderos contra os missionários! Mas estava sua majestade tão longe, a Hespanha tão dis- tante !
Fizeram- os jesuitas ouvidos de mercador, e, sabi- dos como eram, conhecedores do regimen hespanh^l do amanhã, tão lentamente agiram, que apenas entre- garam meia dúzia de armas.
Nada havia como um dia depois de outro, pensavam e muito bem. E, com ef feito, novas cédulas reaes de Madrid se despacharam, ^.gora a 30 de abril de 1668, já sob o abuliooi e necrophilo Carlos II, assignadas por sua mãe num' dos seus muitos impedimentos.
Ao presidente da Audiência de Buenos Aires, don José Martinez, mandava a rainha que se reconsiderassem as disposições da cédula, de 1661, attendendo aos enor- mes e benéficos resultados obtidos, contra os paulistas, pelos índios armados. Mostrara a experiência dos annos que os padres não haviam abusado da situação, .\ssim, para se resolver o caso oomoj mais fosse util ao serr viço divino e ao do rei. ordena\'a ella, rainha, que o
Armas contra os paulistas
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presidente da Audiência chamasse a conselho dois dos mais antigos e provectos missionários da Companhia, e dois dos mais acreditados ouvidores da Audiência.
Estudassem bem a questão e lhe mandassem um parecer por onde pudesse a Coroa guiar-se.
Nesta mesma data, escreveu a soberana ao pro- vincial da Companhia de Jesus, no Paraguay, nos «^^- mos mais amistosos.
Desejava oi statu qao, em relação á permanência do armamento nas reducções até a decisão da junta, agora nomeada para o estudo deste caso, e dizia-lhe quanto aos serviços de seus religiosos: «estov muy asse- gurada de sus procedimientQs y lo bien que cumpren con su oblgaciion y de que lo haran concedo desvelo asi en lo que mira al aprovechamiento espiritual y buena ensenanza, de los dichos yndios (que es lo principal de su ministério,) como e.h entranar en ellos el amor y piedad que deven tener al Rey, mi Hijo».
Nova e dura desillusão para os inimigos da Co(m- panhia! Iria tel-a, nos últimos dias da longa e tão agi- tada vida, o seu maior adversário, o bispo Cárdenas fallecido em sua nova diocese de Mizque (Santa Cruz de la Sierra), em junho de 1668, aos 89 annps de edaidej e cercado de universal veneração. Ao dar conta a sua majestade de seu passamento, relatava o presidente da Real Audiência de Charcas, d. Pedro de Velasco, uma série de farjos sobrenaturaes devidos á sua santidade.
Tivera a revelação do dia da morte e da salvação do rei Philippe IV, predissera o dia e a hona exacta da própria morte, curara um paralytico com o signal da cruz, e passado um anno do fallecimfento, fora-lhe o corpo achado incorrupto e sem cheiro algum.
Numa cédula de 16 de março de 1663, aliás, (or- denara Philippe IV ao conde de Santo Esteban, Vice-rei do Peru', que se attendesse ao pedido do novo gover- nadoi nomeado, para oi Paraguay, don Juan Diaz de Andino, para que do arsenal de Buenos Ayres lhe for- necessem trezentos mosquetes e duas peças de arti- lharia casi para defenderse de los enemigos portugue- zes de San Pablo como de los indios levantados».
TERCEIRA PARTE
O soccorro paulista ao Nordeste contra os hollandezes e a Retirada do Cabo de S. Roque. — O grande périplo raposiano. — O segundo soccorro paulista para a repulsa dos hollandezes. - Bandeiras diversas, da década de 1640 e de menor importância.
J
CAPITULO I
Soccorro de São Paulo\ na lucta contra 0'S hollandezes.
— A solidez do domínio baiavo em 1638.. — Vinda da esquadra do Conde da Torre. — Operações con^ junctas de 1640. terrestres e navaes. — Levas de soldados para a esquadra, em todp o Brasil. — Contingentes solicitados da capitania de S. Vicente.
— Decreto/S do governo geral. — A leva em São Paulo.
Maus dias atravessava, então', o Brasil de 1638; pa- recia o batavo inexpugnável nas terras á esquerda do Sãoi Francisco, sobretudo agíora em que a dominação se alicerçava na capacidade formidavej. de Mauricio de Nassau.
Mesmo. Sergipe não estava muito seguro e a Ba- hia sofírera la aggressão tremenda de abril e maio de 1638. felizmente repellida.
Fizera a monarchia hespanhola extrenuo esforço para expellir os batavos do nordeste brasileiro. Para isto armara, mau grado as enormes difficuldades da época e do periodo agudíssimo da politica européa em pleno desenvolvimento da victoriosa phase franceza da Guer- ra dos Trinta Annos, para isto preparar^, o poderoso (arma- mento entregue ao icommando de medíocre cabo de guerra, o conde da Torre.
232 Historia Oeral das Bandeiras Paulistas
Desta esquadra diz Galanti (2.148): — As noticias do cêrco posto pelo conde Mauricio á Cidade do Salva- dor causaram, tanto susto na metrópole que, por fim se resolveram os ministros a mandar para o 'Brasil uma notável armada com bastante reforços. Verdade é que, ao serem informados da victoria dos nossos, houve quem fizesse a proposta de enviar aquellas forças contra os francezes que assediavam Pontearabia, Triumphou, to- davia, a idéa de soccorrer a colónia americana. Com o titulo de «Capitão-General de mar e terra», collocaram á frente don Fernando de Mascarenhas, conde da Tor- re, militar de prestigio e conselheiro de Estado. Partiu de Lisboa a s£te de outubro de 1638; passou pela altura da Recife a 23 (a 10, segundo os holJandezes), de janeiro de 1639. indo lançar ferro na Bahia, onde achou tão gran- de falta de tudo, que, para prover-se das cousas mais ne- cessárias, teve de trabalhar quasi um anno, mandando buscar mantimentos em diversos lugares, até ao Rio da Prata. Ordenou, no entretanto, a André Vidal que seguisse pelos sertões até a Parahyba, afim de dis- trahir o inimigo, e, em' tempo opportuno, chegasse á costa para informar a frota do que occorria no interior do paiz. Como o plano do conde, segundo parece, lera aggredir os inimigos a um tempo, por mar e por terra, enviou no principio de agosto também Camarão, á fren- te de seus indios, recommendando-lhe que, atravessado o rio São Francisco, fosse entender-se com o morubixaba Rodella e, juntos, marchassem até a Ipojuca, o Cabo de Santo Agostinho, São Lourenço e a Várzea, acos- sando por toda a parte o inimigo. Cumpria-lhe igual- mente tratar de manter intelligencias com Vidal, e conservar espias para receber novas da armada, á qual devia servir quando lhe fiosse necessário communicar com a terra».
Accrescenta o douto jesuita:
«Estavam os hollandezes tão desprevenidos, que, segundo affirma o Supremo Conselho, em carta de dois de março de 1640, si o conde da Torre, ao passar deante do Recife, no anno precedente, aggredisse a praça sem pôr tempo no meio, a tomaria com certeza, apesar de
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ter perdido tres mil homens em Cabo Verde, e de estar com muitos doentes a bordo. A 29 de outubro de 1639, navegou para a iHollanda. Adrian Van der Dussen, membro do Supremo Conselho, afim de expor .t metró- pole as necessidades graves e urgentes da colónia. A treze de novembro, recebeu Mauricio a noticia de ter, no dia 8 de outubro, chegado á Cidade do Salvador o soccorro da Ilha ferceira, que (xmstava de dezeseis iia- \ios e inil homens. Tratou então de organizar a defesa, pondo seu principal cuidado no mar, porque entendia que, si os portuguezes conseguissem desembarcar, es- taria perdido o Brasil Hollandez. Dispunha, porém, ape- nas de dezoito ou \'inte vasos, emquanto a frota do conde da Torre contava para mais de oitenta velas».
Pittorescamente descreve Pedro Taques o susio por que passaram os hollandezes, ao referir-se .í falta de decisão do conde da Torre.
(Cf. Rev. do Inst. Bras. T. 34, p. 2, pg. 172.;
«Havia o) conde da Torre sabido de Lisboa nus últimos de outubro de 1638, com armada para restaurar Pernambuco, do poder dos hollandezeis. e do seu general, o conde de Nassau, tão poderosa nos vasos como crescida no portante dos navios, galeões, fragatas de guerra, náos grossas, copia grande de embarcações ordinárias, com in- strumentos bellicos, artilharia, etc. Era a frota mais pwderosa, que até aquelle tempo sulcara os mares da America. Em 10 de janeiro de 1639, avisfou-se do Arrecife esta pomposa armada, com assombro dos inimigos e al- voroço dos pernambucanos, que, vendo aquelle poder pelo vulto dos vasos, emcheram de discreta confiança a sua .çxpectação. O hoUandez, parecendo-lhe que o des- engano do golpe lhe chegava, sem tempo para o reparo, lhava para o ique temia, e para o que necessitava. Via as suas praças desmantelladas, suas fortificações calii- das, e sustentadas só na confiança da paz, em lembrança das victorias. Considerava-se sitiado no Arrecife, e sem aquella provisão de mantimentos e nnmições preci- sas para sustentar um cerco.
Os soldados, tão poucos por suas fortificações, que, reconduzidos do sertão, e chamados das fortalezas, não
^ HlSTORtA^OERAI^A^ BANDEIRAS PAULISTAS
faziam corpo, que pudesse avultar á vista do nosso poder Olhava para o que tinha no mar, e só via Í5 iná<os' que estavam; 0 carga. Cotejava b seu estado, e no.^sa mjunaj. e não achava em que pudesse fundar a m^- nor confiança para se oppor a resistência, e assentava comsigo o ^eíi- chegado o fim do império hollandez em aquella porção da America. Porém, quando o conde de Nassau se considerava perdido, se viu respirar desa- bafado; porque, sem tomar panno, f^i navegando a ar- mada, até dobrar o cabo de Santo Agostinho, e ancorar na enseada da Bahia».
E foi este receio absolutamente exacto, pelo que se deduz da carta de 2 de março de il640, dos directores da Companhia no Brasil aos da Companhia das índia.. Occidentaes. quando attribuem a sua victoria á inter- venção divina, por muitas e muitas causas, entre outra.s, á ine]>cia do General (cf. Rev. do Inst. Bras.. t. 58, part. I).
Para que a esquadra do conde da Torre pudesse levar o mais forte corpo expedicionário possível, angaria- ramvse recursos em todas as colónias da coroa. Assim, a ella se incorporaram contingentes bahianos. espirito- santenses, fluminenses, e até platinos. Era, pois, muitò natural que, também, se requisitassem soccorros pau- listas.
Assim, pois, precisando de gente, a 3 de fevereiro de 1689, para este fim expedia Torre uma provisão a Salvador Corrêa de Sá. «alcaide-mór da cidade de São Sebastião do Rio de Janeino, almirante da costa do Sul e Rio da Prata, superintendente em todas as matérias de guerra da dita corte e capitão-mór e governador da Capitania do Rio de Janeiro. Neste documento (cf. Registo Geral da Cmnafa de São Paulo, II. 79), \o\iva. 01 conde a br-avura e a experiência dos soldados do Sul. faz promessas de recompensas e perdoa aos que se alistarem os delictos da^ entrada ao sertão, «porquanto se tem entendido qtae, para se obrarem' as facções de guerra que sua magestade manda intentar neste Estado são de grande effeito e utilidade os soldados naturaes.
Leva para o Norte em SAo Paulo
flhos da terra, por terem mais uso e experiência das entradas do sertão e ser ora informado que, na capitania do Rio de Janeiro, SãO' Vicente e Sãjo Paulo, se podiam levantar trezentos soldados e ter noticia que convêm declarar-lhes os favores e graças que, da parte de sua magestade, se lheis hão de fazer-lhes manifesto que todo o soldado que se alistar para servir nesta guerra desta presente occasião ha: de ser pago como a mais gente de guerra deste exercito e que de seus serviços se lhe passarão certidões, para que, acabada a oQcasião, pos- sam, requerer que se lhe dêm os cargos digo as serven- tias dos officios das capitanias donde forem moradores, digo naturaes. que couberem em- suas pessoas e outro- sim se lhes declara que acabada esta occasião os ha- verão por desobrigados, para se poderem tornar pa- ra suas terras e a todos os que forem homisíados p tiverem perdão- da parte lhe será commutado seu degredo para esta guerra e da mesma maneira a todos os que forem culpados em qualquer delicto, excepto lesa- magestade divina ou humana, sodomia, mor... falsa lhes farão sentencear suas culpas brev^ e summariamente livrando-se por seus procuradores e commvitando-lhes a pena no serviço desta occasião.»
Da leva em; Sãoí Paulo, incumbiu Salvador de Sá a dom Francisco Rendon de Quevedo, a 18 de março seguinte. A 10 Ide abril immediato, registou-se esta or- dem na Caimara de São Paulo.
Recommendava o governador fluminense ao noAO capitão.
«Faça a, leva de gente que for possível das capi- tanias de baixo para que trazendo-a a esta cidade se en- \'iem com! a mais que nella vou alistando á da Bahia e por que este negocio é da consideração que se deixa ver em' cuja execução sua magestade se haverá )x>r mt» bem servido e para melhor cffeito deile.»
Para estimular os ânimos, ordenára Salvador qu« cada alistado recebesse logo quatro mil réis adeantados, no momento da partidja", e que se acceitasse o alistamenta de todos os indixjs que quizessem vir a ser\nr a sua ma-
236 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
jestade, nesta occasião, nesta empresa, podendo fazel-o livremente, ficando severamente defesa a qualquer pes- sôa oppôr impecilhos a tão justo desejo, sob pena de sof- frer os castigos comminados aos rebeldes.
à
CAPITULO II
Motim sebastianista &m S. Paulo. — As abusões do se- bastianismo) n,o mundo lusoi. e{m vésperas da res- tauração de Portugal.
O registro da provisão real, deu ensejo a uma explor são popular, de feição sebastianista, sobremodo typí- ca do tempoi e da mentalidade lusitana sob) o dominio cas- telhano.
Enfibrado á trama da velha alma lusa, desde que o Rei Cavalleiro se encobrira em Africa, na fatal pri- meira segunda-feira de agosto de 1578, anno por anno se exasperara o sentimento sebastianista, ante o recuO( dos tempos que não traziam a ressurreição do paladino de Alcácer Kibir.
Accrescia-se a literatura raystica sybillina e pror phetica do Bandarra e de dom João de Castro de novos elementos, cada vez mais inflammados e mais hirsuta- mente incomprehensiveis, á medida que os decennios da dominação extrangeira pareciam sedimentar inabala- \'elmente a submissão portugueza ao castelhano.
Lia-se febrilmente, e relia-se, em Portugal e nas co- lónias lusas, tudo quanto a descabelladía verve propheti- ca do sapateiro santo do Tranoosoi e seus emulos impin- gia á alma popular, sedenta de independência, de rein- tegração) nacional no roi dps povos livres. A's babo-
238 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
zeiras dos astrólogos e judiciários casavam-se os raisti- forios das beatas e donas santas inspiradas por espíri- tos de confusa linguagem.
Venciam-se 1590, 1600, 1610, 1620, 1630. Uns após outros vinham os íniUesimos decimaes e El Rey D. Sebastião não sahia de sua mansão da Ilha de S. Boh rondom para corresponder á anciã, hypertendida do seu povo ,nesses prazos de crise. Mas os oorypheus de geu culto não desanimavan^ Ag'ora era a approximação de 1640 qu( inflammava a mente lusa sebastianisada...Era o anno! era o anno! El Rei vinha! El Rei vinha! El Ríei se desencobria! Não havia duvida possivel! Já — an- nunciara o Bandarra e já, o annunciara o venerável Ab- bade Joaquim, clamava-o Pedro de Frias e com elle o beato Antonio, S. Isidoro eS. Frei Gil, Soror Martinho e Soror Leoiior Rodrigues, o clan completo do sebastia- nismo literário.
E era Bandarra a prophetisar:
Trinta dois anrws e meio Haverá finaes na terra. A €scriptura não erra Que assim faz o conto cheio Um dos tres que ve\m arreio Demonstra grande perigo ti ave r acceito o castigo A gente que não nomeio.
Trinta dois e não trinta e dois., isto é, trinta vezes dois sessenta; e ímais treiz e meioj; a saber, sessenta e um., sessenta e dois ou sessenta e tres. Portíanto, sommados estes números a 1578, data do encantamento de dom Sebastião, vê-se que 1640 estava incluido na época «-pe- riguosa».
Que remédio sinão a castclhanada <fgentc não no meada por evidente» acceitar o castigo de suas infâmias, j>ara com os seus vizinhos de oeste e o seu pobre sobe- rano, vicitma de inacreditáveis ignominias, quando, em 1000, se descobrira em Veneza?
Outro propheta iUustre, Santo Isidoro, iia sua pro- phecia quadragésima, também o proclama\'a.
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«Zia sazón se hallegará que el Enciibierto vendrá en Espana, cavalfrado en cavallo de madera?
Cavallo de madeira? Nada mais ex-idente: náu. na- AÍo, haveria ousa mais clara?
E não accresçentava o Santo na sua septuagesima : De spués dei pueroo miierio, cuatido las tierras^ fi.fi de las (terras llamadas, estuvleran con nuevos insultos, despertará el león de su sueno temerário, causa de tantos danos y cOn tigres y t,obo hyrcanos vendrá vengar grandes injurias. '
C porco só podia ser Philipi>e II que morrera co- berto de piolhos. A terra «fim das terras chamadas» Portugal no extremo occidente europeu. Cheias de in- sultos, pois não viviam opprimidissimas pelo estran- geiro?
Tigres e lobos hyrcanos? Hereges ou infiéis, cla- rissimo! E havendo duas hyrcanias, a Boreal e a Austral, ]x>diam ser los musulmanos si viessem do sul com o «Desejado», ou os hereges, acaso procedessem do Norte!
B tioda esta mourisma e todos estes calvinos che- gariam a Portugal, no séquito de d. Sebastião, para se reincorporar á Santa' Madre Egreja Catholica! Tudo claro !
Agora é que se evidenciaria quanto seriam inúteis desprezíveis a força e a arrogância castelhanas!
Estava ahi S^o Cláudio a vaticinar: Dominará los fuertes y \np ayrá fuerzas que igualen las de sus col- milLos. El bramido dei, en grarídes y diversas pr\oviny cias se estenderá.
Adeus CasteUa! sovada a valer em horrenda bata- lha nos campos de Évora, Seria peor que nos tempos ide El Rei Rodrigo, do conde Julian«Oi e da Cava, quando hostes de Tarik haviam' de levar o crescente aos Pytet- neus e ao Loire, até á m^rtellada tremenda e salvar dora de Poitiers. Qual! nem Hespanha pensaria re- fsistir! affirmjavam alguns fiados nas palavras severas e categóricas de Conrado Léonicio, judiciário famoso e au- lor de um livro que se imprimira em Lyão de França, t «Um principe do occidente será reconhecido, o qual feendo mancebo, fizeram-no morto f)or impostura e tra-
240 Historia GEgAL_DASjANDEiRAs Paulistas
hição dos seus parentes mais chegados. EUe removerá bem' as cousas em sua herança; seus adversários farão pouca resistência contra eUe e seus vizinhos se unirão com elle, mais depressa». Nada mais lúcido do que este trecho do astrólogo leonez (de França).
Era d. Sebastião o príncipe do occidente. despoja- do por seu tio Philippe IL e seus prímos os demais Philippes. «por impostura e trahição». Mas o quarto Philippe, o actual queixudo de Madríd, é que se não atrevería a lhe disputar a herança usurpada. Isto era certo !
que valera ao terceiro destes prognathas habs- burgos do ramo hespanhol, haver em 1601 encarcerado a d. Sebastião em S. Lucas e tel-o obrigado a remar numa [galé como presidiário? Sob o azorrague dos feitores de chusma? Nada!
Apenas para fazer cumprir as prophecias do vene- rável abbade Joaquim e de Santo Angelo, indicadores dos avatares diversos do encantamento de El Rei, o Desejado.
Widetur fuisse detrusus per biennium et septimestre et mensetn et dimidiumf>, affirmava solennemente o ve- nerável prelado (cuja prelazia, seja dito entre parenthe- sis. os sebastiansitas difficilmente saberiam localizar.)
«Parece quie esteve preso — esteve! note-se bcaii — dois annos e sete mezes e mez e meio.»
E por seu lado reduzia S.. Angelo o prazo da afer- rolhamento: Estará o Encoberto em prisão estreita (da qual ha de sáhir á liberdade), por espaço ou pO< tem- po de um jubileu composto de sé\manas, accrescentando- Ihe mais duas.
Um anno de sombra para um dos grandes corypheus do sebastianismo), trinta e dois mezes e meio para o outro. Não havia indeterminação possivel graças aos limites daquella integração penitenciaria do Rei Dese- jado.
Ah! haviam os castelhanos posto a í erros e enfor- cado um pobre diabo como si fosse o heróe de Alcac^r- Kibir?
Para que? porque o verdadeiro d. Sebastião lhes
Allucinação sebastianista
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havia escapado, numa nave mysteriosa, em' cujas velas se estampava a coroa imperial, refugiando-se nos jje- nhascos mysteriosos de St. Borondom, ilha do Mar oceano !
Ainda não aprazia á Divina Providencia trazel-o a Portugal, pois o reservava par^a as grandes contin- gências.
E estas vinham illudivelmente chegando nos annos sombrios do decennio de 1630-1640, de geral convul- são européa, sinão imundial.
E' que a igTierra dos Trinta Annos cobraa a Europa de ruinas, e, sobretudo, das peores appnehensões para os bons catholicos. O, Império da Allemanha, atacado pelo heregid e o turco, parecia fadado a inevitável ruina- Cada vez mais atrevido, o hollandez sovava o hes- panhol. em Flajidresi, e ia arrebatando as colónias lusas do Oriente, conquistadas á custa de sacrifícios «maiores do que promettia a força humana». A França — go^- vernada por um cardeal da santa Egreja Romana! — apoiára o grande Gustavo, da Suécia, a hyena hyrcaria, o» açoute da Egreja, e agora concorria, com os seus, exércitos, para acossar o Império, baluarte do catholi- cismo...
Assim, nada mais natural do que a chegada de uma era terrível, em; que os turcos e os outros \n- fieis, auxiliados pelos herejes e os «huganotes», de- pois de derribarem o Imperào, haveriam de invadir a Itália, á busca do papa. Teria este de fugir para Lyão, diziam as prophecias, onde morreria apedrejado pelo f)ovo francez, converso aos fervores da heresia.. E assim, a realizar um sonho ancestral, entraria o Grão-Turco a Cavallo na Basílica de São Pedro, levando o seu ginete ao altar dos P rmcipes dos Apóstolos, convertido em angedoura!
Refugiados em ura subterrâneo, os poucos carde- aes escapos á carnificina do Sacro Collegio teriam as maíjres tentações para a eleição do novo pontífice, até que lhes apparecesse um joven franciscano, de vinte an- s ,cuja impressão sobre elles tão forte haveria de sefi
242 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
que o fariam immediatamente chefe da Egreja. Era o «Papa Angélico» de todas as prophecias.
E uma vez enthronizado, via o successor de Sãoi Pedro a Egreja por toda a par-te derrotada e acabru- nhada.
iMas ahi também surgiria, inopinadamente, d. Se- bastião, desencantado, para a salvlação do catholicismo. A eUe enviaria o Papa las insígnias de Carlos Magno, transferindo-se a coroa imperial da Allemanha a Por- tugal!
Também' que desforra, que desforço rápido! Num relâmpago libertava o novo imperador a Hespanha da caterva dos mouros, ali reapparecida; a heresia era aos pontapés que a afugentava da Hespanha, da França e da Itália. Aos trambolhões reduzia Hollanda, Ingla- terra, e Suissa, Escossia, Scandinavia e Moscow, o norte inteiro! E dentro em jx)uco o papa .Angélico coroar*ia. em Roma o Desejado como imperador do Santo Império Romano, confiando-lhe o commando da cruzada uni- versal encarregada de anniquilar o Turco, enxotal-o de- Constantinopla, e afinal arrasar a casa da Meca, extir- pando do mundo a religião nefanda de Mafoma.
Então ahi voltaria o imperador a Lisboa, agora ca- beça do Universoi, para reinar, na maior gloria, muitos e muitos annos, comio senhor da terra e arbitro dos homens!
CAPITULO n[
Motim sebastianista. — D. Francisco Rendon e seus irrriã^s. — Resultados da leva paulista. — Passa o CíOmmando da recruta a Antonio Raposo Tavor ress. — Deficiência de pprmenores sobr^ a expe- dição.
Nãoí podia São Paulo alhear-se á corrente sebas- tianista, universal nos meios lusos. Vicejavam na villa piratiningana todas as abusões, todas as crendices do culto do Encoberto.
Quiçá iriam os devotos de Kjal religião, pelas ma- nhãs de bruma, longamente demorar, anciosos, á mar^ gem do Tietê, á espera do desembarque do Lohengrin encantado em Alcácer Kibir, si nos é concedida esta já cangada comparação. Curiosa demonstração do se- bastianismo paulista occorreu em dias de abril de 1639.
Foi incontestavelmente, era todo o caso, muito mais rnna reacção contra o acto do governo geral, recrutando gente para a guerra do Nor<te[. do que uma explosão? mystico-politica, mas tomou a feição sebastianista o que é altamente significativo.
Não que os paulistas se desinteressassem da sorte Brasil septentrional. As Actas e o Registro Geral da Camara de Sãp Paulo têm algumas referencias comprobatórias de que os attingiam' os écos .da guerra do Norte.
244 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Para elles, comtudo, o inimigo era mais o secular, adversário do portuguez, o castelhano do sul e do oeste, com quem mantinham um contacto ignorado pelos de- mais brasileiros e portuguezes do Brasil.
Mas no immenso e deserto Brasil seiscentista dis- tava São Paulo muito mais de Pernambuco do que hoje de Portugal, dado o isolamento em que as ^i^^rsas re- giões do pais viviam umas das outras. Assim é; que, nas actas da Camara, raro se encontroam referenc[ias ás pugnas luso-hollandezas, do decennio de 1630-1640. Além das questões (meramente locaes, o que nellas se lem são os vestígios da preoccupação da devassa ser- taneja.
Começou-se a falar na leva e principiaram a apparc- cer os alistamentos e offerecimentos de homens de mui- to valor e prestigio na villa, como, por exemplo, os irmãos Luiz e Valentim Pedroso de Barros, etc.
Partiam os officiaes obedecendo ás instigações ema- nadas da coroa ou de seus delegados immediatos e aos sentimentos da solidariedade lusitana. Os soldados, estes é que não se sentiam muito felizes com a troca do modo de \ida e a perspectiva da campanha com os here- ges de Pernambuco.
Dahi a curiosa explosão ocoorrida e a que nos re- ferimos.
Aproveitaram-se descontentes de um recurso, muito natural, então, para annullar os desejos do governo geral e, ao mesmo tempo, fugir ás agrurks possíveis de uma campanha tão longínqua quanto perigosa e alheia, aliás, aos fins geralmente explorados pelas ban- deiras.
Appareceram pela villa mysteriosas cartas, annun- ciando a vinda, por aquelles dias, do Encoberto. Enor iiic; aivuroço causaram taes papeis què correram de mão em mão, commentados longamente e provocando verdadeira exaltação de ânimos.
Serviam como juiz ordinário Amador Bueno da Ri- beira, procurador do Conselho Sebastião Gil, vereadores Gaspar Cubas, Manuel Mourato Coelho e Pedro Fer- nandes de Aragão.
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Homem do maior prestigio, procurou o^ em breve «Acclamado» de 1641, dar toda a força ao cumprimento das ordens regias. Era, certamente, o mais influente e acatado paulista do tempo «pelo glorioso desempenho da honra e 'nobreza dos seus ascendentes, pessoa da maior estimação e respeito, assim na pátria como fóra delia, «diz o chronista da Nobiliarchia.
Pretendeu dissipar a tormenta que se formava mas não o conseguiu. Quando menos o esperava, appareceu- Ihe uma turba de furiosos a bradar anltíe a casa do con- selho: «Viva el-rei, don Sebastião!» Entreguem-lhe o reino de paz! lO Santo Papa mandará excommunhões a quem tolmar íarmas contra elle!» e quejandos brados sediciosos e «de alvoroço».
Accudindo o juiz ordinário ao limiar do paço mu- nicipal, entregou-lhe um energumenoi um dos papeis causadores da amotinação a mensagem do Encoberto aos seus fieis súbditos de São Paulo.
Reunidos logo em sessão os officiaes da Camara, não houve quem se illudisse sobre a (natureza e a causa do movimento popular.. E representando a opi- nião geral, severa è gravemente fez o procurador do Conselho Sebastião Gil, que o escrivão da Camara consignasse em acta o que os edis de São Paulo pensa- vajm a tal respeito:
O, motim parecia-lhes «ser em despreso de sua ma- gestade nosso senhor. E nessa occasião de ste fazer ^ente para a bahia, diguo a restaurasão de per,nãobuquo», ac- crescentava categórico, o que se tinha em vista era impedir o alistamento de soldados.
Assim requereu Gil a suas mercês os vereadores «obrigassemi aos juizes devassarem, do causo fazendo^ lhe pera iso requerimentos necessários pera seram cas- tigados os comprendidos na cauza».
Era por demais infantil o recuriso,, mas talvez ain- da o mais efficiente e capaz de surtir algum efffeito, este de que lançaram mão os adversários do recruta- mento. A' sua mentalidade primitiva outro meio menos simples não occorreu.
E' que também esta explosão sebastianista qua-
246 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
drava perfeitamente com ios tempos e o estado dalma do mundo luso. E não haveria em São Paulo muitot sebastianistas, certos do regresso triumphal do Enco- berto? Certamente. Tão numerosos eraim em toda íí monarchia. que pouco def)ois ao se consummar a restau- ração da liberdade portugueza com a enthifonização do primeiro Bragança, haveriam de obrigar D. João IV a prometter — a restituição do thrt>no desde que se des- cobrisse o paladino desapparecido nos areaes de Al- cácer Kibir.
Ficou, certamente, o inquérito em letra ^norta.
Nas Actas e no Registo Geral nada mais se eiv contra sobre o pittoresoo episodio em que os pacifistas os derrotistas de então, ha\aam tentado estonar, lan- çando mão (los recursos offerecidos pelo sebastianismcj allucinante e infantil, uma demonstração da solidaric-v dade paulista com o resto do Brasil luso.
Com; certeza, fôra propositalmente feita pelo go- verno geral, a escolha do commandante do soccorm paulista, entre os parentes do homem de maior ptesti- gio da época na villa paulistana: Amador Bueno da Ribeira.
Recaliiu a designação sobre um de seus genros. D. Francisco Rendon, marido que era de d. .\nna da Ri- beira. O irmão mais velho de D. Francisco, por nome D. João Matheus Rendon, também desposara uma filha de ^\mador, d .Maria Bueno da Ribeira.
E' preciso accrescentar, fvorém, que D. Francisco tinha mérito próprio e algum passado militar.
Ha\iarn; os dois irmãos emigrado para u BrasH na esquadra da Restauração á Ealiia em 1625.
<íA illustre familia de Rendons, Quebêdos, Luna», Alarcões, Cabeças de Vacca (que por varonia são Sar^ mentos) da capitania da cidade de São Paulo, e da df São Sebastião do Rio de Janeiro, traz a sua propagaçãx> da cidade de Coria no reino de Leão em "Hespanha, e de onde eram naturaes os Rendons, filhos do fidalgo D. Pedro Matheus Rendon, que foi regedor das justiças na villa de Ocanha, pelo estado dos fidalgos, e de sua mulher d. Magdalena Clemente de Alarcão Cabeça de
Dom Francisco Rendon
247
Vacca, que se passaram ao Brasil, seguindo o reaJ ser- viço na armada, que veiu á Bahia do Salvador de Todos os Santos, com o general delia D. Fradique de Toledo Osorio, marquez de IJvaldeça, no anno de 1625, «conta-nos Pedro Taques (cí. Rev. de Ins. Bras. T. 84, p. 2.a, pag. 129.0
Com a. joão Matheus Rendoji e d. Francisco Ren- don dc Quebedo. em 1652, viera mais outro irmão, D. Pedro Matheus Rendon Cabeça de Vacca. De um Juarto membro desta irmandade D. José Rendon de Quebedo, diz Pedro Taques, que também emigrou» mas muito depois, em 1640.
«A cada um destes tres irmãos fez el-rei D. Filip- pe IV, por seu alvará, mercê de 8 escudos de mais pon mez, além da praça ordinária que venciam. Acabada a guerra da Bahia e alçando delia os belgas, se retiraram as arm.as, largando as vellas no dia 4 de agosto do mesmo anno de 1625. Ficaram continuando o real ser- viço os tres fidalgos Rendjons, até que se passaram para São Paulo.
Estabelecendo-se ahi, casou-se D. João Matheus a 17 de novembro de 1631.
Seu irmão e Snais tarde concunhado, foi «juiz de or- phams proprietário em São Paulo, onde sempre teve as rédeas do governo da Republica e da milicia». rOr deando-o o maior prestigio.
Numaj nova provisão, datada de 2 de agosto de 1639, declarava Salvador Corrêa que D. Francisco Ren- don «com cuidado e zelo do serviço de sua magestade já alistiára 22 infantes e 54 indios frecheiros e arcabu- zeiros, que ao Rio de Janeiro era pessoa conduzira com notável despendio de sua própria fazenda. Mas era o contingente insufficiente ainda e assim o incumbia de voltar a São Paulo para angariar mais soldados, ar- mando-o de uma provisão para que pudesse perdoar", crimes, particularmente os da entrada ao sertão, em troca do serviço militar.
Nomeiou-o capitão de infantaria de picas hespa- nholas com 40 escudos de soldo mensal e ainda deu
:^4rt Historia Geral das Bandeiras Paulistas
á sua provisão dc amnistia geral o sentido o mais lato ITOssivel.»
Muito medíocres haviam sido os resultados obtidos lia .primeira leva vicentina e assim o coimmenta Ellis (Cf). O recuo do meridiana e o bandeirismo paulista. pag. 114.
«Vinte c dois infantes e cincoenta e quatro Índios ' jnsignificajites cifras, para o enorme espaço de tempo levado no serviço de recrutamento. Por estes números diminutos se pôde verificar o pouco enthusiasmo que despertava na capitania a guerra de restauração no lon- gínquo nordeste, pois só em agosto chegou ao Rio de Janeiro d. Francisco de Quebedo, com seu minguado corpo expedicionário (Registo Geral da Camara, vol. II 90). muito menor do que qualquer das expedições sa- hidas de São Paulo, para as bandas sertanejas, á con- quista de índios.
Esta apparente falta de patriotismo do paulista, em não concorrer, oom as suas forças, para a nobiliss^ ma campanha da expulsão do invasor flamengo, deverá ser attenuada. tendo-se em conta os parcos recursos eco- nómicos da gente de São Paulo., que a sua custa finha de niobihzar e concentrar no porto do Rio de [aneiro a força armada alistada, com os respectivos aviamen- tos de bocca e de armas.
Era um duro sacrifício a se desejar, por parte dos pauhstas, que tinham as suas posses, limitadas a pe^ quena lavoura de trigo. m.armeIlo, milho, canna e al- godão nas redondezas de São Paulo e São Vicente, e que não viam interesse directo na lucta da reconquista contra o hoUandez, que era considerado, pelos próprios portuguezes. como inimigo de CasteUa, contra quem a HoUanda dirigia os seus botes em Pernambuco.
ía a tal ponto a boa fé portugueza em relação á HoUanda e h inverso para oom a Hespanha que., impacientemente, aguardavam o transe de se alliarem aos batavos, para se verem livres dos castelhanos.»
Ao< reproduzir, Pedro Taques, na Nobiliarchia, a provisão de Salvador Corrêa, datada de 2 de agosto dc 1639, escreveu que Rendon «juntou muitos infantes e
o SOCCORRO CONTRA OS HOLLANDEZES
249
54 Índios frecheiros e arcabuzeiros» (cf. Rev. do Inst. Hist. Bras., 84, 2, 175.)
Declara haver copiado tal papel do cartório da provedoria da fazenda real de Santos, livro de registos n. 6, titulo 1.626, p. 40. O documento que existe no arr chivo municipal de São Paulo (cf. Reg. Geral IL 90) precisa, porém estes números: 28 infantes e 54 indios.
V^oltanda a São Paulo com as suas attribuições ampliadas, recomeçou Rendon o alistamento. Conimenta ainda EUis, judiciosa e documentadamente.
«Maior proveito deveria Rendon ter conseguido, neste seu novo alistamento, em São Paulo, uma vez que accenava com o perdão de sua majestade, ao grande numero de criminosos existentes em São Paulo, culpados de exercicio do bandeirismo.
Não conseguimos saber o numero dos que Rendon conseguiu alistar desta vez. Não ha nos documentos pau- listas a menor referencia ao vulto deste segundo corpo expedicionário. Delle, porém, deveriam ter feito parte os seguintes paulistas:
João Sutil de Oliveira, alistado para o fim de seu pae Francisco Sutil de Oliveira obter o perdão das muitas bandeiras em que tomou parte («Registo», vqI. TI. 99.)
Paulo Pereira, («Registo», vol. II, 103), que não che- giou a partir, pelo que en\nou quatro indios em seu logar;
«Estevam Fernandes, o moço|, e Manuel Gonçalves», loc. cit. 131; «Jeremias Nogueira», (loc. cit. 145; quatro indios de João Matheus Rendon; José Mameluco, filho bastardo de Pedro Alvares Moreira, acoompanhado de seis indios que haviam sido de seu pae («Invent.» ie «tests».. vol. XI, i243 e 855), «Alberto ,(de Oliveiraí filho dei Rafael de Oliveira, o velho, que fez todos os gastos do aviamente, para ser perdoado das enti-adas que fez ao sertão, («Invents. e tests.», vol. III, 311),; e «Lazaro Bueno, que, chegando da conquista do Tape, na bandeira chefiada por Francisco Bueno, também se alistou na gente de D. Francisco de Quebedo («In:-
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vents. e tests^>, vól XTJ
Cunha Gago) ' inventario de Francisco da
em 1633 em S Pí.„ln , "y^"' f^'^^ portuguez, casado
desde o mjrfo rf^ T ^ P*"'" *««âo dentro.
logo n: S :ral~^^^^^^^^^ ^ ^^^^^^ Luiz Barbalho Bezerra!r ^""^P^ Está a phrase dubiamente redigida. Terá o linh. ÍZTt^ significar que os .paulistas dl rj^t
BarbaTh^p s::^!:''::^^- z.tt'' "
hypothese somos levados a concluir que Raposo ^^haja comparticipado da Retirada do Cabo deT
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deve^ersfrt' ''"'"'^ '^^^^^^ ^ ~ deve tei sido «bem mais numerosa do que a primei-
E' possível que sim. e talvez mesmo provável
.nn. c T T'""" ^""'^^ ^ promessa de perdão, annexara Salvador Corrêa á sua provisão outra do con- de da Torre, expedida da Bahia, a 8 de junho de 1639. em que affirmava as promessas anteriores e determinava que cada companhia teria oitenta homens (cf. Res Geral II, 92..} ^'
Escasseiam immenso os documentos sobre a léva de São Paulo. Já não pode Pedro Taques lel-os. pois nao mais os encontrou nos archivos paulistas.» E' las- tima não descobrirmos documentos, que nos certifi-
A LEVA PAULtSTA AO NORDESTE 25^
quem de Ixkíos os capitães que, nesta importante occa- sião, ti\ieram a lionra do rea) set<viço! Apenas enconr tramos a certeza de que do cor|X) militar paulistano,, forant capitães de infandtaria \'alcntim de Barros e seu irmão, Luiz Pedroso de Bar nos, Antonio Raposo Tavares e seu irmão Diogo da Costa Tavares, Manuel Fernandes díí Abreu è Joãio Paes Florião. No portoo da Viljla de Santos, debaixo do comriiando do capitãoi dom» Francisco Rendon de Quebedo embarcaram os capitães, seus officiaes e soldados, com grande numero de Índios flecheiros e arcabuzeiros para a Bahia, onde íoram recebidos os capitães com bcnigtK) agazalho pelo oonde da Torre, que lhes mandou passar suas paten- tes. pagando-»se a tpdos os soldos, desde o dia que tinham destacado de São Paulo», (cf, R-ev. do ínst. Bras. T. 84. P .2. pag. 178.)
Elementos inéditos recentes são os que EUis col- leccionou e acitiia aproveitados. De diversas fontes tam- bém' obtivemos alguns, aliás de menos imix)rtancia, sob o ponto de vista paulista.
Curioso é que d. Francisco Rendon não seguisse á testa do íseu corpo, pois, affirma o linhagista: ;<Do Rio de Janeiro fez regresso o capitão Rendon para São Paulo, ficando entregue de todo o corjx) militar o go- vernador Salvador Corrêa de Sá. Estas companhias fo- ram en cor jx) radas na Bahia, no terço do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra.» (cf. Rev. ínst. Bras.. 2, V.^..}
Pensa Ellis que os nomes acima citados por Pe- dro Taques, coan o díe Antonio Raposo Tavares á tes- ta, sejam' os dos officiaes da primeira leva.
Affirma o linhagista que eram os dos capitães das companhias.
Assim^!, pois, chegariam estas a seis é, a estarem completas, teriam partido da capitania de São Vicente para a esquadra do conde da Torne, 480 homens, nu- mero exagerado, pois se sabe que reunida a força paulis- ta á fluminense ap pareceu Salvador Corrêa na Bahia» com' pouco mais ide quinhentos homens,
O próprio Pedro Taques nos refere na biographia
252 Historia Oekal das Bandeiras Paulistas
de Valentim de Barros que d. Francisco Rendon foi dispensado da commissão, sendo para ella nomeado An- tonio Raposo Tavares, provavelmente como homem de maior prestigio e sobretudo capacidade. Foi elle o «go- vernador da recruta» (cf. Rev. Inst. Hist. Bras. 35, 1, 47), com; o alto posto de mestre de (campa, ao passo |que o seu antecessor tivera apenas o de capitão.
«E depois se encarregou a mesma recruta a Antonio Raposo Tavares com o caracter de governador com todo pleno poder para formar as companhias, como se vê, da sua mesma carta patente de governador (vide em titulo de Raposo Tavares).
Documentou o linhagista a sua asserção com um titulo em que se incluía a biographia de Antonio Ra- poso, infelizmente perdido com tantos e tantos capítu- los da Nobiliarchia Paulistana.
Fia aliás, nesta obra, a affinnação positiva de que o commando da leva tinha sido transferido a Antonio Raposo Tavares, o que lhe valeu a patente de mestre de campo. Ao falar de Beatriz Furtado de Mendonça, mulher do bandeirante, refere o genealogista: (cf. Rev. 35, 2, 21).
«Casou com Antonio Raposo Tavares, natural de São Miguel de Beja, em Alemtejo, de onde vciu na com- panhia de seu pae, .Fernão Vieira Tavares, que sahiu despachado em capitão mór, governador da capitania de São Vicente e São Paulo, no triennio que acabou em 1622, succedendo-lhe no logar o capitão-mór, governa- dor João de Moura Fogaça. O dito Antonio Raix>sa Tavares, occupando os honrosos cargos da republica, acabou em mestre de campo, pago do terço, que se for- mou em São Paulo, para a restauração de Pei*nam- buco, do poder dos hollandezes era 16i0, cora o cara- cter de governador desta recruta.»
Quando lhe haja sido conferido este alto posto, é o que não sabemos. Ainda em 4 de maio de 1641, era simples capitão. Neste dia advertiu a Camara de São Paulo, a Jioão Missel Gigante que não praticasse violeni- cias contra os indios de Baruery, lerabrando-lhc quanto era aquella aldeia «tão necessária para as cousas que
253
se offerecereml, e para' o que de presente ordena c man- da o sr. marquez vice-rey da leva que a esta capitania mandou a fazer o capitão Antonio Raposo Tavares».
Em 19 de novembro de 1640 chamava o Marquez de Montalvão governador a Antonio Raposo Tavares como se lê da patente que Pedro Taques copiou .ao traçar a biographia de Diogo da Costa Tavares o irmão e ?lugar tenente do sertanista (cf. Rev. Inst. Hist. Bras. 35, 2, 28.)
«D. Jorge Mascarenhas, etc, Porquanto convém a<> serviço de Sua Magestade que da infantaria, terço que mando levantar nas capitanias de São Vicente e de Soã Paulo, e nas mais do sul, .pelo governador Ant^> nio Raposo Tavares, se formem companhias e se pro- vam nellas pessoas ide valor, satisfação, sufficiencia e boas partes, tendo consideração a que estas e outras muitas concorrem em vós Diogo da Costa Tavares: hei por bem!, pelo que tendes sfervido a Sua Magesí- tade, nas occasiões em que vos tendes achado, tive por bem de vos eleger e nomear, como em virtude da pre- sente o faço, por capitão de uma companhia de picas de infantaria hespanhola da gente que levantardes nas ditas capitanias, etc.»
Se o sertanista já promovido fora a noticia ainda não chegara a S>ão Paulo .Quiçá lhe haja vaHdo o titulo de mestre de campo a actuação politica para a accla- mação de D. João IV em Sião Paulo como opportuna.- mente vimos.
CAPITULO IV
Teria Antonio Raposp Tavares desembarcado no Cabo de São Roque? — A narrativa de Pedro Taques. — Episódios da famosa retirada de Barbalho Be zerra.
Teria Antonio Raposo Tavares embarcado na es- quadra do conde da Torre?
Provavelmente sim, embora até hoje náo se tenha, ao que saibamos, descoberto documento que o com- prove.
Partiram os paulistas do seu commando e assim descreve Pedro Taques a sua campanha:
«No fim do anno de 1639, sahiu da Bahia o conde da Torre, deixando entregue o govergio a d. Vasco Mas- carenhas, conde de Óbidos, (depois vice-rei da índia e o 2.0 do Estado do Brasil em 1663). e com vento em popa navegou a armada até avistar a Barra Gran- de, distante de Pernambuco pa^fa a parte do sul, 25 lé- guas; ali se advertiu a conveniência do porto para o intento de lançar-se a gente em terra debaixo do com- mandc do seu mestre de campo, o Barbalho, como ti- nha premeditado na Bahia o conde da Torre, genei^ desta armada, e feito antecedentes avisos deste seu projecto aos de Pernambuco; fwrém', não se admittiu o conselho pela distancia, A' vista de Tamandaré, 17
Batalhas de ItamaracA
255
léguas do Arrecife, se fez o mesmo requerimento e foi reprovado, não sabemos si p>or despresò.
Já nesta altura exp>erimentava a frota a vehemen- cia com que corriam as aguas, que, ajudadas da fúria doi ventos, fizeram inútil todo o governo do lemie e ldi> panno. O inimigo hollandez que, com destreza, se sabia aproveitar das occasiões que lhe offerecia a fortuna„ mandou largar panno a 20 fragatas e alguns patachos, (já de antes prevenidos para este fim',) que sahiram do porto com a vantagem de navegarem a barlavento dos nossos, cahiram sobre a capitania com ousada resolu- ção tres fragatas, intentando abalroal-a, brevemente sa- hiram da empresa, ao mesmo tempo, castigados e arre- pendidos.. A primeira tragaram as ondas, despedaçada; e as duas desarvoradas e desfeitas, de sorte que, apesar da memoria as desconhecia a vista. Abonançou o vento por espaço de 3 horas* em cujo tempo poderam os nos^- sos navios ordenar-se para a batalha, que a temeu o contrario, e valeu-se do desvio, servido da fúria, com que se repetiu a tempestade^ que, a uns e a outros, nãc» deixou mais salvação que a de obedecer aos mares.
Levado das ondas,, desgarrou a f rpta portugueza, ;para índias de Hespanha, onde primeiro a levou o destino do que a ordem que el-rei tinha dado ao conde da Torrfe, para que, concluida a empresa de Pernambuco, tomasse as índias e comboiasse os galeões da frota de São Lucar.
As náos hollandezas, favorecidas do vento, volta- ram para o Arrecife; embandeirada de negro, entrou a sua capitania, em cujo luto se amortalhou toda a ale- gria da aventura, tão custosa pela perda, como pela magua com que delia se tiraram os corpos dos mortos entre os quaes vinha o do seu kgeneral.
Este infeliz successo na nossa armada, fez acordar aos capitães do terço do mestre de campK> Luiz Bar^ balho Bezerra a vigilante cautella, com que agora o con- de de Nassau poderia intentar ir sobre a Bahia, recof nhecendo a falta das forças militares, que se desgarrava na armada, que seguiu para índias de Castella e propur zeram ao conde da Torre a necessária providencia e
256 HlSTORíA GeRAL DAsJBaNDE1RAS_PaULISTAS
soccorm. que devia deixar em terra em qualquer dos portos daqueUa costa, de onde podessem marchar pelo sertão para a Bahia. Instava a importância desta reso- iuçao; e, no porto do Touro. 14 léguas do Rio Grande para o norte, deixou a armada ao mestrò de camno Barbalho com mil e trezentos infantes, em que entra, vam os capitães, officiaes e soldados paulistas e os «>- vernadores d. Antonio Felippe Camarão e Henrique JJias. com seus pretos; este dos crioulos e minafe, e aquelle dos índios».
Expressivamente nota o [genealogista as appn- hensoes da columna retirante e quanto para ella seria util a presença dos paulistas affeitos á vida do sertão Os apontamentos que affirraa haver copiado da pa- tente de um dos officiaes paulistas, são sobremodo inte- ressantes e até hoje jámais novamente utilizados, (cf Rev. 34, 2, 179). '
«Havia de ser a marcha pelo interior do matto e em parte por entre a bar(baridade dos Índios do sertão, topando em hiuitas com armas dos inimigos hollandezes, e em todas sem provisão nem esperanças de soccorro humano com distancia de quasi 300 lé- guas até a cidade da Bahia,, cujas difficuldades eram superiores aos mais ousados corações, e só o de cabos tao destemidos e que já tinham^ o caracter de bons serta- nistas, havendo conquistado muitas e diversas nações barbaras dos sertões de São Paulo e índias de Hespa- nha nas províncias do Parag-uay até o reino do Peru' poderam intentar e vencer semelhante empresa, que ainda depois de conseguida se fez duvidosa. Os transes desta jornada vimos compendiados no cartório da pro- vedoria da fazenda de Santos, no livro de registos n. 4 tit. 1641 pag.. 154 V. na patente de ajudante de João Mar- tins Esturiano, um dos soldados paulistas, que^ teve a honra de servir em uma das companhias da leva de São Paulo, e desta patente consta o seguinte successo:
Parte de um deserto era o porto de Aguas- su' junto ao do Touro, onde a armada deixou ao mestre de campo Barbalho comi a gente já referida ,no dia 7 de fevereiro de 1640, sem mais viveres, que <os que
Allocução de Barbalho aos seus 257
cada uni dos soldados pôde tirar na sua nioxila. falta que, considerada em semelhante logar, está accusando a determinação não só de temerária, si não de louca, fiando á livrança dos perigos a contingência de mila- gres; porém, aqueUe vãlor de portuguezes sempre egual nos despresos da Vida pelas melhoras da pátria nada mais lhe deixava ver, que a* constância, a lealdade e o serviço do rei. Todo-s se alentavam por estes bniof- sos estímulos e alentado coração do seu mestre de cam- po Barbalho, que então lhe fez tim;a discreta e adver- tida ponderação, lembrando-lhes : «Que o motivo que os tirára a [uns da Bailia^, e ,a outros de São Paulo, deixando todos a pátria, os lançára agora naquella praiá pKjr ficar infructuosa a restauração de Pernambuco, e se voltaram para ia defensa da Bahia que no máu suc- cesso da armada tiveram parte os elementos, e não os inimigos, e que nesta jornada tinham de pelejar com os inimigos e com os elementos; estes armados dos rigores do tempo, e aquelles revestidos da cólera do odio: que tudo se venceria si estribados na causa alen- tassem a confiança, por ser certo, que não falta Deus com auxílios a íquem lhe dedica obséquios: que os po- deria acobardar a falta dos mantimentos, si já não estivessem bem acostumados com as agrestes fructas dos sertões incultos, com o mel silvestre de suas abe- lhas, comi as amêndoas das variedades de cocos dos mattos, co!m os palmitos doces e amargosos, e com as raizes das plantas conhecidas capazes de digestão; e porque onde se tontrasta o maior perigo se alcança a maior gloria, era de parecer, que na marcha se buscasse o povoado, no qual poderiam conseguir remédio para a fome e augmento para a fama, que sempre foi mais gra- -ta a quem vencia homens, que a quem mata feras; e que quando o hollandez os procurasse poderoso, então se aproveitariam da retirada com a vantagem do conheci- mento de penetrar sertões, que se fazia superior as forças e numero dos soldados inimigos.
Com esta bem advertida ponderação formou .o mes- tre de campo Barbalho a sua gente e começou a mar- cha, levando diante do seu esquadrão descobridores pa-
258 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
ra as cilladas, e guias para as veredas, com ordem que todos os cav^allos e bois que descobrissem', os; recolhes- sem para o sustenta e para o serviço. Com saudosa ma- goa perderam de vista as ultimas vozes ,da armada, que na\egava arrazada em popa. Dos moradores que encon- travain, recebiam os soldados de Barbalho o sustento, que voluntariamente davam compadecidos de sua ne- cessidade. Das fazendas do inimigo mandava Barbalho tomar o necessário e queimar o restante, sem que a es- pada deixasse \ada. que jx>desse chorar a perda. Nb districto do Rio Grande acharam ao seu governador cha- mado Gusmão, e destruídas as suas armas, o levaram captivo com muitos flamengos e indios. seus confedera- dos, até á Bahia. Na villa de Guyana, onde chegara<m j^íelas 2 horas depois da meia noite, deram um assalto ao inimigo e lhe degollaram 530 hollandezes, que tinha o presidio, entrando o seu governador Ale.x;andre Ri- cardo e outros officiaes de estimação; e os que deste conflicto escaparam foram perseguidos ao romper da alva. e todos acaba i-am na casa forte, onde se haviam refugiado. Chegando á matta do Brasil, onde se alojá- ram', e tocando na rectaguarda o inimigo artna, foi in- vestido de uma companhia volante, que matando a mui- tos, escaparam outros com vergonhosa fugida, largando armas, munições e petrechos, de que os nossos se apro- veitaram. Em outras muitas partes encontr(aram inimi- gos, em desigual numero que em todas destruíram com egual sorte. Em íiada era dissimilliante a dos indios rebellados, em os quae^ a entidade da culpa não deixava \'er a distintçao da natureza.
Chegou ao Arrecife primeiro a noticia da perda, que a da "marchai, e o impaciente Nassau, fez sahir ao general Marfez. com 13.000 soldados em tres terços, com instrucção de que a todo o risco seguisse e p)erseg^s&e a Barbalho, até lo destruir e sua gente. A este tempo já o mestre de campo deixa\'a atraz o districto de Per- nambucoi, e delle tinha aggregado a si, não poucos mo- radores com suas fainilias, que receiosos da vingança, que em sua innocencia havia e.xecutar a tyrannia trocavam o captiveiro da pátria, pela liberdade do desterro. In-
Salva-síi a columna retirante
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formado o valoroso Barbalho do poder com que o se- gxiia o hollandez, lhe escondeu a marcha: por muitos dias penetrou o interior do matto com tanta moléstia, que a força de braço se ia abrindo caminho.
Passou o rio de São Francisco e ,da parte do 'Sul, fez alto para descança e allivio de tão dilatada jornada, A nossa vista parou o iniímigío, que o seguia, temendo na passagem o destroço. Passados alguns diasi, continuou Barbalho a iniarcha; e cheia de espanto a cidade da Ba- hia quando entraraim nella, não cessou em muitos dias de encarecer o muito que o mestre de campo Luiz Barn balho Bezerra com seus capitães ganharam de gloria, e adquiriram de fama. O esquadrão inimigo voltou a marcha para o Arrecife, e a cólera contra os pobres moradoresil, matando e destruindo tudo quanto topou até Pernambuco.»
Ha neste relato numerosas incorrecções dessas que outr'ora eram tão frequentes quando se citavam nomes extrangeinos. Assim o? Gusmão era Gartsman e o ge- neral Marfez deve ser, assonantemente, o major Mans- feldt.
Quanto a Alexandre Ricardo é o bem conhecido major Alexandre Picard, o entregador de Calabar a Mathias de Albuquerque, que com o capitão Lochmann foi realmente batido, completamente, em Goyana, ahi perdendo a vida num alagadiço onde se havia refugiado e coim elle o seu logar tenente e mais de 400 homens, numero que nos parece exagerado. Pelo mesmo processo chamam os nossos antigos chronistas a Segismundo ora Vanscopo! ora Vandescop e a Arciszewski ora Arqui- chofle e ora Artischofski.
CAPITULO V
Lacunosidade das fontes informatiPas. - Os chronis- tas. Papeis hollandezes. - Depoimentos vários antigos e recentemente descobertos. _ Desappare- cimento do documentação paulista.
Ha a mais deplorável falta de documentação sobre esta gloriosa acção de guerra que Galanti acha não só comparável, mas de lalgum modo superior á famosa dos Dez md gregx>s (cf. Hist. do Bras. .11, 159), «visto como se tratava de atravessar bosques, rios, pântanos, e mon- tes mtransitaveis bem como de combater sem descanço com um mmiigo valente, numeroso, assanhado e tão cruel, que nao dav-a quartel a ninguém. Contou Barbalho nesta occasião entre os seus destemidos officiaes^ Fran- cisco Barreto, o futuro hei^óe dos Guararapes. A falta de documentos nos veda affirmar como certo, embora o tenhamos como provável, ter-se Barbalho na sua re- tirada unido a Henrique Dia^, a VidaJ e a outros cam- panhistas que aindavam pelo norte.»
De tão notável episodio o que mais falta sentimos é a ausência de aJgum depoimento pessoal. Terríveis as peripécias da retirada no dizer singelo do bom chronis- ta Diogo Lopes .de Santiago. (Cf. Rev. do Inst. Hist. Bras. I 39, 1, 156) hoje, e por «alguns, não sabemos si com
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justiça, accusado de se ter muito valido do Valeroso Lucideno.
Deixou Luiz Barbalho os feridos entre uns mattos por não haver em que se comboiasse tanta gente nem elles o poderem seguir a pé, posto que um ou dois ho- mens de joelhos o seguiram alguns dias, com grandes clamores e ithoros dos que ficavamf, porque bem sabiam que não haviam ide escapar com vida, despedindo-se dos outros soldados, que apenas dali tinham andado uma jornada quando os indios Pitiguares e flamengos a to- dos mataram sem deixar nenhum, pedindo-lhes elles quar- tel }X)is estavam feridos; mas comtudo foram mortos assaz a sangue frio.» Apesar de perseguido por tres mil homens logrou Barbalho Bezerra escapar ao perigo de cahir ás mãos dos hollandezes atravessando o São Fran- cisco com muita felicidade.
«Chegou o inimigo com seus tres mil homens ao rio e não quiz passar dali, temendo que se juntasse muita gente nossa e ficassem destruídos,. Foi Luiz Barbalho caminhando para a Bahia já com mais allivio e desí- canscx, e os hollandezes se tornaram para o z\r'r6cife, roubando os portuguezes moradores e matando a muitos por mãos dos indios^ e bastava dizer um negro: «Este morador falou com los soldados da Bahia, que já estava enforcado ou arcabuzado com rigor nunca visto. Tam- bém os flamengos mataram a todos os nossos soldados que haviam ficado feridos atraz ou enfermos de doença, e para acharem os que estavam escondidos fizeram gran- des diligencias', e .a todos os que acharam tiraram as vidas; verdade seja que o conde de Nassau perdoou a alguns. Também perseguiram com tormentos aos morar dores cjue suspeitavam que lhe haviam daao de comer õu os curavam[, e assim ficou esta , terra em grande tri- bulação quando cuidou ficar livre delia». (Ibid. pag. 158).
Estavam aliás os flamengos exasperados com o pro- cedimento das guerrilhas esparsas pela campanha de Pernambuco, que a muitos matavam e lhes saqueavam as propriedades como também se haviam convertido por vezes em verdadeiro flagello dos próprios compa- triotas.
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Assim, num recente raid á ilha de Itamaracá, dois destes guerrilheiros André Vidal de Negreiros e Paulo da Cunha tinham morto diversos batavos. De\nam estes bandos operar uma acção em conjuncto com os da es- quadra como bem observa Galanti (Cf. Hist. do Brasil, II, 157).
«Emquanto estas cousas se p>assavam no mar, os guerrilheiros não estavam ociosos pelo sertão. A.t.f-aA-^s- sado o rio São Francisco á frente, de 1.500 homens, seguiu Camarão para las Alagoas, Camaragibe e í^orto Calvo. Tendo-se unido com João Lopes Barbalho, am- bos marcharam com dois mil homens na direcção de Una. Foram enviados contra elles o coronel Hans \ an Kjoin e o sargento mór Mansvelt. Nos dias 23 e 29 de janeiro João Lopes Barbalho, tendo apenas quatrocen- tos homens, encontrou-se na IjKjjuca com o capitão Falck. Fugiu Barbalho, mas logo depois travou renhi- da peleja no lengenho Bertioga, obrigando o batavo a retirar-se com seis mortos e dezesete feridos, A tres de fevereiro o sargento mór Mansvelt atacou de sur- preza nas alturas ide Massurepe os nossos, que, fugin- do!, deixaram no logar passante de duzentas armas, e diversos papeis entre os quaes ha\^a as instrucções do conde da Torre ,para Camarão, e as de Luiz Barbalho para J. I>opes Barbalho, seu sobrinho... Extranham imui- to os hoUandezes o facto de se ler nessas instrucções a ordem de não conceder quartel a ninguém como si eUes não tivessem dado esta mesma ordem aos seus. Cumpre reconhecer que a guerra se fazia com notável crueldade de parte a parte.
Percorriam! neste mesmo tempo e devastavam a Parahyba André Vidal, d. Francisco de Sousa, Henrique Dias e o Rebellinho. Debalde Mauricio enviou tropas contra elles, que emi diversos rencontros se bateram com heróico valor, particularmente Henrique Dias, de quem dizem os hollandezes que era um «obstinado ma- ráu».
Quando Luiz aBrbalho propoz a Nassau atraxessar os domínios do Brasil hollandez sem fazer depredação alguma, remetteu-lhe o príncipe um traslado das ins-
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trucções que ellq. Luiz Barbalho, enviára ao sobrinho João Lopes Barbalho, escriptas na Bahia, a 16 de no- vembro de 1S39 e denunciadores do «animus rapinandi» do mestre de campo. Publicou-as José Hygino na Re- vista do Instituto Archeologico e Geographico Pernam- bucano, n .B4, p. 33. Depois de recommendar que «não dê quartel a indio nem; framengo, entregaíndo-os aos tapuyas e d*esculpando-se com elles e aproveitando.se que é tempo» declara positivamente: «Eu não quero do- brões nem fatq, fnegros e mais negros, todos em meu nomq, que eu comporei os soldados.» Eis uma recom- mendação que bem traduz a mentalidade do homem de guerra seiscentista, do chefe de saqueadores e ra- pineiros. contemporâneo da guerra dos Trinta Annos. Ainda dizia Luiz Barbalho que só se poupassem «os engenhos de Gaspar de Meridai e o de Antonio de Bu- lhões ou do seu filho Zacharias, nestes não se devendo fazer damno algum».
Interceptada a carta foi ella divulgada a 24 de fe- vereiro de 1640 ípMDr um edital de Maurício de Nassaji* «a todos os moradores do Estada do Brasil». Ahi avi- zava o governador hollandez com a maior severidade.
E por ser ídigno de retribuição tão perversa ordem e intenção, mando que nenhum dos ditos moradores receba em sua casa, nem fôra delia, nem por nenhuma via, esconda soldado algum do inimigo, nem doente, nem feridoi^ e si pelo dito inimiga lhe for algum: deixado forçosamente em casa o manifesto, e leve logo no es- tado em que estiver ao presidio mais vizinho para o ri- gor que o inimigo deu por ordem se executasse em nos- sos soldados, e será morto seàrí piedade alguma, )e seus bens dados em pilhagem a nossos soldados». (Cf. Rev. do Inst. ArcheoL Pernamb. 34. 441).
Encerram os bastidores da historia revelações so- bremaneira amesquinhadoras de muitas figuras notáveis. Assim succede a João Fernandes Vieira, tão descido do seu pedestal, com as descobertas de Alberto Lamego tcf. Rev. do Inst.. Hist. Bras., 175, 2, 21 eé pass) a Hení- rique Dias e outros heróes com as denuncias dos autos do processo de Manuel de Moraes (cf. Rev. do Inst. Hist.
264 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Bras. t. 70, p. I p. 1 et pass) e assim por deante. Em todos elles havia ura pouco, pelo .menos, de aprovei- tadores da guerra. Não nos esqueçamos, em todo caso, quanto era fundamentalmente diversa, da nossa, a rude mentalidade do século XVII.
E afinal de contas a guerra é e ha de ser semprte a ^erra.
Deu; ciccumentos hollandezes, divulgados por José Hygino Duarte Pereira são de preciosa contraposição á documentação portugueza mostrando quanto realmente foram violentas as acções de guerra nessa memorável re- tirada do Cabo de São Roque.
Um delles é a carta que do. Recife, a 2 de março de 1640, e sobre as batalhas de janeiro desse anno, es- creveram aos directores da Companhia das índias oc- cidentaes os membros do Conselho Supremo do Bra- sil van Ceulen e Gyseling e encabeçada por João Mau- ricio de Nassau, existente na coUecção Brieven en pa- pieren uit Brazilie.
Cheia de pormenores da maior importância narra diversos episódios da retirada (cf. Rev. do Inst. Hist. Bras. T. 58, p. 27).
«Mas desde então tivemos noticia que dos ditos navios desembarcára Luiz Barbalho com 2.000 ou 2.500 homens, que segundo parecia, se tinham posto em mar- cha para cá. Tendo Barbalho chegado a Potengi, Garts- man, informado de que a força inimiga não excedia de 200 homens, sahira ao seu encontro, e a pedido dos Tapuias, que eram em numero de 200, o atacou; mas como a tropa inimiga era muito forte, os 60 homens sob o commando de Gartsman foram' batidos, c elle mesmo cahiu prisioneiro, e os Tapuias, vendo isto, fugi- ram sem ter combatido. Dos nossos soldados perde- ram-se sómente 20.
Soubemos ainda que em Ponta Negra se encontrou uma caravela sem gente (o que mostra que ella tinha navegado também para terra) e entre os baixos um navio grande naufragado e feito em pedaços, tendo ti- do carga de assucar.
— Resolvermos que o capitão Da^y com a tropa
Episódios da Retirada
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sob o seu toinmandq. tanto soldados como índios, se- guisse de Goyana, onde então se achava, para a Para- hyba, e reforçasse o capitão da guarda Charles de Tourlon, afint de vigiarem o inimigo c lhe fazerem todo o damno possivel e para cortar os viveres ao ini- migo escrevemos para a Parahyba que fizessem des- cer todo o igado da terra parla a vizinhança dos fortes bem como exigissem tanta farinha quanto fosse possi- vel, sem terem muito em! conta as reclamações dos mO;- radores, pois era melhor que estes mantimentos fossem consumidos por nós do que pelo inimigo..
Mandamos também que o sargento niór Alexandre Picard, que estava em Iguarassu', segxiisse com a sua tropa para Goiana, onde ficaria mais perto para prestar soccorro, ao passo que daqui seguiria gente para Igua- rassu'.
Em! São Lourenço estaciona o coronel Hans van Koin com uma 'tropa numerosa para vigiar o inimigo, caso elle rompa pelos iiiattos e appareça em alguma parte. O coronel van Koin expede constantemente par- tidas pela terra no encalço das do inimigo,, e já algumas tem sido apanhadas e passadas á espada.
Explicando como se originára a idéa da retirada, dizem os conselheiros (Ibid p. 54) «O Conde de Ba- gnolo. que partira da Bahia no (galeão «São Philip'i>e»; e no dia da primeira batajlha se passara para uma car ravela, estava nessa mesma caravela, perto da costa, com d. Francisco de Moura, ex-capitão mór da Bahia, e com o mestre de campo Luiz Barbalho. Vendo este desfazer-se assim a armada, veiu offerecer-se para des- embarcar cdm a gente que ainda estava reunida na- quelles navios e abrir caminho pelos mattos, até á Bahia, afim de reforçal-a. Sendo isto approvado, Bar- balho partiu com 1.500 homiams, e o Conde de Bagnuolo, comquanto estievssc muito indisposto. \eiu á terra, para vêl-o segi.iir.
Alguns dos navios que estavam na costa se fize- ram á vela, antes da partida de Luiz Barbalho; dizem que uns pretendiam voltar á Bahia, para carregar assu-
26r> Historia Geral das Bandeiras Paulistas
car, e que outros seg-uiriam para Portuj^^al, ou para as Ilhas.
Tal parece ser. cora effeito, a verdade, c assim ficamos livres da ^raiada hespanhola. Deus o fez, e a honra pertence somente a Deus!
■Nesse, entrementes, Luiz Barbalho seguiu até Cu- nhau', donde nos dirig-iu uma carta cortez, mui humiil- demente escripta, em que pedia quartel para os seus doentes e pessoas incapazes de marchar, e dizia não duvidar que lhes fossem guardados os usos da guerra; ao que s. lexc. i-espondeu enviando-lhe uma copia au- thentica da própria carta de Luiz Barbalho c das ins- trucções assignadas pelo Conde da Torre, e dirigidas a Camarão e a João Lopes Barbalho, nas quaes re^ comtnendavani que não dessem quartel a pessoa al- guma, e ímatasscm todos (os prisioneiros) ou os entre- '^assem aosi Tapuias, para serem mortos, e ob'servou s. exc. a Luiz Barbalho que aquella sua própria carta determinava a quartel (que elle pedia)».
A 7 de maio seguinte, escreviam os directores (Ibid. p. 56):
«Na nossa carta anterior communicámos que..,., ainda estávamos perseguindo as tropas que a armada hespanhola (não tendo alimento para tanta gente), lan- çára em terra acinia, do Rio Grande, sob o commando de Luiz Barbalhoi, e no intuito de seguirem para a 'Ba- hia, e ao tempo da partida daquelles navios, já tinliam passado pela Parahiba.
Fizemos toda a possível diligencia por cortar-lJir-- O' passo e 'dar-lhes o trágico fim ique merecia o seu cruel propósito de matar tudo, como o mosti-am as dif- ficeis marchas dos srs. coronéis Kjoin e Doncker e do capitão da guarda Charles de Tourlon.
Os Portuguezes, desleaes para com este Estado, foram a sua principal salvação; não os tivessem elles fa- vorecido, ao passo que nos transviaram, as tropas ini- migas não iriam tão long'e. O alto c não trilhado pa- minho que seguiram pelos miattios, e a inacreditável pressa com! que proseguiram em sua marcha, sem olhar para pessoa alguma, dt i>aando atrás de si os que não podiam
Carta de Mauricio de Nassau
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avançar, deram causa a que escapassem ás nossas mãos. 'Não escaparam', porém, sem que perecessem algumas cen'tenas (entre elles nove capitãjes, vários ten.crntés e alferes) , tanto daquelles que não puderam resistir ás fadigas da marcha,, como dos que se afastaram do ca- minho á procura de viveres e que foram encontrados ,6 postos por terra pelos nossos».
A 9 de maio era Mauricio de Nassau quem pesl;-. soalmente informa v'a á assembléa dos Dezenove. (Ibid, p. 57).
«A nossa carta geral dá as necessárias infor,mações sobre o que aqui se passou, e por ella v. v. s. s. verão como Deus Omnipotente nos livrou tambeai dos inimigos que vieram por terra da Bahia em numero de 2.000 homens, forçados a desembarcar 13 léguas abaixo do Rio Grande por mingua e falta dagua.
Por diversas vezes e em differentes logares o atacá- mlos e destruimos muitos dos seus, bem como muitos pe- ceram de fome,. Antes de poderem passar o rio de 'São Francisco, perderam quasi metade, segundo todos os prisioneiros declaram, contando- se entre os mortos nove capitães, quatro tenentes e tres alferes, o numero dos soldados mortos não é conhecido. Para haver noticias, apprehendemos tres capitães, tres tenentes, cinco al- feres e poucos soldados, visto como não se deu quartel e todos os apprehendidos foram mortos:
Dei nosso lado perdemos o major Picard, o capi- tão Lochmann, dois tenentes, quatro alferes, cerca de 160 soldados e mais de 30 indios.
Em toda essa campanha e occasião os nossos indios se houveram com- muita lealdade e valentia, tanto mais quanto sabiam que os inimigos não davam quartel a nós e liem a elles.
E assim, graças a Deus, expurgav^am outra \ez toda a íterra de inimigo^^, e o damno soffrido não é tã-o grande como certos commissarios levianos tem escripto e ainda hão de escrever para pagarem com isto u seus amoa, enviando-lhes essas cartas em vez de re- tornos. ~
Foram; queimados os dois últimos engenhos que ha-
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via em Alagoas, e nenhum outro; as casas dc Rosiére e der Wynandts (Parahiba) foram lambem queimadas, mias não os engenhos, o que não tem 'grande Impor- tância.»
Que papel coube aos paulistas nesta memorável jornada?
Não se sabe de todo si o seu corpo desembarcou integral em Touros ou somente em parte. «E' possível que sim, annota Ellis judiciosamente, apesar de tremen- da "desordem da frota luso-hespanhola tão completa- mente desbaratada (obcit. 117)..
E' ];ossi\el também c[ue uma pequena parte dos pau- listas tenha ido com 'alguns galeões dispersos, sob o command(j dc Vegia de Bazan, até Cartliagena das ín- dias, para dahi se passar a São Paulo, onde deveriam ter eUes chegado em; data muito posterior.»
E,. aliás, assim pensa Washington Luis (cf. rcv. do Inst. de São Paulo, 9, 494.)
«O, que parece mais iDrovavei é que os soldados pau- listas, levados aoi Rio de Janeira e entregues a Sal- vador Correa, ^'cjenham sido enviados á Bahia e ahi incorporados na armada do Conde da Torre; e que. após os combates na^-aes de janeiro dc 1640 com os hollandezes, parte desses soldados tenham sido desem- barcados con> Luiz Barbalho e feito, iportanto, a me- mora\e] retirada; e que a outra ])artc tenha seguido na divisão hespanhola da armada do Conde da Torre, commandada por Vega de Bazan e tenha sido desem- barcada emi 1641 emt Cartagena das índias como diz o barão de Rio Branco.
Antonio! Raposo Ta\'ares, porem, não seguiu para Cartagena das índias, porque, no período dc tempo as- signalado para a xia^em e desembarque nessa cidade, estava elle nas capitanias do sul a levantar sOfldados por ordemi do Marquez de Montalvão.»
A illação ])elo illustre autor de «Rodrigo Cegar de Menezes», tirada não nos parece inteiramente irretfu- tavel. A patente é de novembro de 1640. Em seis me- zes. de janeiro a julho, poderia Antonio Raposo Ta^ vares ter idoi a Cartagena e voltado. Tão difficeis
Os PAULISTAS NA RETIRADA DE S. ROQUE 269
(■ sobretudo tão raras eram porém as conimunicações naquelle tempo que quasi certamente não partiu Anto- nio Raposo na divisão de Vega 'de Bazan, si é com|- tudo que haja tomado parte na retirada de Luiz Bar»- balho, e que nenhum: documento até hoje affirma, ié ]yoml notai -o, repizemol-o... O que se sabe de positivo c que Antonio Raposo Tavares, já governador ou mes- tre de campo', continuou coni a commissão militar .co- mo declara a patente de seu irmão Diogo da Costa Tavares passada pelo vice-rei marquez de Montalvão, (cf. Rev. Inst. Hist. Braá. 35. 2, 234.)
«■D. Jorge de Mascarenhas, etc. Porquanto convêm ao serviço de S. Magestade. que da infantaria, terço que mando levantar nas capitanias de São Vicente p São Paulo, e nas mais do sul pelo governador .Anta- nio Raposo Tavares .se formem companhias e se pro- vem nellas pessoas de valor»...
Deve a retirada de São Roque ter deixado 'umai impressão fundissima na maioria dos paulistas, a ava- liarmos pelo que sobre ella escreveu Pedro Taques nas biographias dos Rendons e dos Pedrosos de Barros. Ou- tras noticias traçou o linhagista sobre o mesmo assum- pto em diversos logares de sua obra, mas infelizmente z seu copista, Diogo Ordonbes, provaveímente, teve a infeliz inspiração de supprimir estes trechos por achal- os redundantes.
Pena sobretudo foi haver, por impaciência, sup- primido q trecho annexo á biographia de Diogo da Costa Tavares. «Continua o autor a narrar annotando como foi o e^nbarque cm Santos e na Bahia, e o suc- cessc da expedição até a volta por terra de Pernam- buco, o que deixo de copiar 'por já estar narrado este façto em titulo de Rendonsu n. 2.o e era titulo de Bar- ros, cap. I».
Ha um trecho da «Nobiíiarchia» ainda em que Pe- dro Taques se refere aos serviços prestados á columna retirante pela experiência dos sertanistas de São Paulo quando se refere á sua habilidade era descobrir nas mattas «raizes e paus de digestão» preciosos para ia
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tropa esfaimada e quasi completamente desprovida de \nveres .
«Para se vencer o rompimento da dilatada mata trabaljiaram, todos os soldados como robustos escra- vos e se sustentaram de mel de abelhas e de raizés; de páos de digestão (como sempre costumavam os an- tigos paulistas), a que chamam guariba por não te- rem levado o necessário sustentai, e não lhes ser per-i mittido matar caça para não serem sentidos pelo écho das armas.
Devia certamente tal faculdade ser sobremodo pre- ciosa pois como vimos q no dizer de Diogo Lopes de Santiago foi a fome a terrivel acompanhadora da co- lumna, «e, como a força era fgrande e faltava o manti- mento aos nossos, e vinham alguns cansados c feridos, foi necessário a Luiz Barbalho metter-se muito ao ser- tão, aonde não havia outro mantimento mais que mi- lho zaburrov e este pouco e a carne dos ca\allos que o levavam lhes servia de sustento.»
CAPITULO IV
Os documentos paulistas desapparecidos. — Pesquizus baldadas de Washington Luis. — Opiniões de au- tores diversos sobre a retirada de São Roque.
Sobre o papel dos pa,ulistas na memorável retirtada do cabo de São Rqque, a documentaçãfio de que pôde Pedro Taques servir-se elle a menciona como sendo (além da patente de Antonio Raposo Tavares, cujo ori- ginal transcreveu na parte que se perdeu da Nobiliar- chia) «os autos de justificação de serviços do capitão Valentim de Barrqs' e de seu irmão o capitão Luiz Per droso de Barros, processados na villa de São Vicente em 1643;. sendo escrivão Antonio Madureira Salvado- res, tabellião da dita villa, sendo juiz ordnario delia Pedro de Souza Muniz. nos serviços do grande João Paes Floriãoj, decretados e registados na nota do ta- bellião da villa Mogy das Cruzes, te na patente já re- ferida do ajudante João Martins Esturiano, na pro- vedoria da fazenda da villa de Santos, datada em 14 de otuubro de 1645 annos', e passada pelo capitão-mór governador e alcaide-niór da capitania de São Vicente, Francisco da Fonseca Falcão.» (cf. Re\-. do Inst. Hist. .Bras., 34, 2, 182.)
Assim, parece, que coube a João Paes Flori ão um
272 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
papel de sumtno destaque na retirada do Cabo de São Roque.
Todos estes documentos procurou-os com afinco e debalde Washington Luis (Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, 9, 494..)
«Para verificar essas infoi^^mações, fomos a San(-. tos e af Moigy das Cruzes; c o que pudemos verificar foi que, em Santos, o cartório referido não possue mais documento algum; e que, em Mog>', 'o archivo da ca- mará municipal já não tem- o primeiro livrfo e nem o tabellião desta cidade tem mia^is as 'notas relativas ao século XVII.»
Assiml e.xara o mesmo autor a sua opiaião sobre o caso, justiceira, para com o linhagista.
«Entre tantos documentos desapparecidos. só resta a autoridade de Pedro Taques, cuja boa fé não pôde ser posta em duvida; m;as cuja critica, em harmonizar, comparar documentos, que teve a seu alcance, pôde ser contestada.»
Deparou-se nos no acervo dos manuscripíos da Bi- bliotheca Nacional um documento sobre João Paes FIo- rião, o «grande» João Paes Flprião de Pedro Taques que muito nos deu a esperança de «um bello achado s obre a personalidade deste notável comparticipante da re- tirada do Cabo de São Ronque 'e esperança aliás de todo desvanecida. E' uma carta do capitão general Fran- cisco Barreto á rainha regente, D. Luiza de Gusmão, da- tada da Bahia), e de 23 ide fevereiro de 1658, referenfe ao sertanista. Quizera o Desembargador Salema de Car- valho prendel-o, e elle, governador geral, resistira a este desejo, até que se decidira a mandar fazel-o mas em' sua própria casa;, á vista da prodigiosa intempe*- rança de sua linguagem «indiciado até de menor confi- dencia á Gorôa». E a seu propósito relata o Governa- dor varias particularidades curiosas e realmente raras nos vassallos seiscentistas.
«E' um sujeito de qualidade, discreto e engraçadís- simo, muito velho e desprezador da authoridaide». Pos- suía avultados cabedaes e fôra sompre estimado de
João Paes Florião
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todos por sua pessoa e conversação c dos generaes que foram deste estado».
Prestara grandes serviços á fazenda real como ar- rematador de dízimos.
«Noi modo e juizo naturalmente jocoso e agudo, era um regalo ouvil-o falar «em qualquer parte folga;- ya.m os mais ou menos entendidos 'de o ouvir.»
«Por não perder um bom dito 'não reparava talvez em dizer uma heresia.» Mas isto não se revestia de grá- vidadc, «nem nelle passava da superfície nem nos que o ou\-iam o escândalo».
Celiebre a liberdade com que inventava pilhérias e espalhava dichotes contra os reis de Castella, antes da restauração da liberdade portugueza. trudo quanto lhe passava pela cabeça «se dalji tirasse conceito para dar gosito aos que procurava a rir.»
E tail a sua mania de ridicularisar que não trepicla- va. em metter-se a bulha. «O mesmo praticava de si próprio, se convinha com muita galantaria.»
Typo emfim absolutamente excepcional no meio da- cjíielles portuguezes soturnos, merencórios e tacitutnos.
Com este bom liumor \ivera sempre. O que o 'pr,e- judica\a era não ser bem a\'aliado por alguns idos auditores, gente estúpida «não comprehendia muitas ve- zes ou a subtileza com que falava ou os fundamentos com que discorria.»
De tal licença de linguagem nascera aquelle rumor confuso couT que os seus ouvintes dejíois de o cele- brarem o murmuravam.»
lO' seu desbragamento vinha do tom soldadesco nunca áo pendor de inconfidente á coroa real.
Assim pensavam todos os sujeitos de prudência, da Bahia: em tpdas as acções do incorrigível re- parador, «nada havia que não fosse venialidade ou ve- nialidade desculpável.»
Curiosa esta feição deste velho sertanista de São Paulo! fixado provavelmente na Bahia depois de finda a retirada sanroquense, onde no dizer do autor da ^Pbi: liarchia obrara verdadeiros prodígios.
E agora que lhe conhecemos a balda faceta avalia-
■M4 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
1T1ÓS quanto lhe deve ter sido realmente importante o pa- pel como reanimador dos espi ritos abatidos daquella soldadesca tão experimentada pelas adversidades.
Dois dos capitães paulistas, Valentim e Luiz Pe- droso de Barros, deixaram-se ficar algaim tempo no- Norte, onde desposaram duas irmãs bahianas, de fa- milia distincta.
A elles referindo-se diz Ellis: (obcit.. p. 118) :
«Com a volta destes dois heróes a São Paulo, ter- minou a historia do primeiro soccorro paulista ao nQr- deste. infructifero ,como vimos, sob o ponto de vista collimado ou da restauração, mas aureolado pelo mar- tyrio estóico soffrido, com Barbalho, nas catingas per- nambucanas e "[Dela gloria de ter participado de uma das paginas mais bellas da historia brasileira».
Os livros da Provedoria Real de Santos, onde Pe- dro Taques pôde ler os pormenores da retirada nas pa- tentes de que fala, talvez estejam, com tantos mais có- dices paulistas, naquelle enorme acervo de documentos do Archivo Nacional, ainda não inventariados. Assim, é possível que resurjam os papeis que o velho linhag^sta leu, a preencher as numerosissimas lacunas existentes neste capitulo da Historia Geral das Bandeiras Pau- listas.
Em 1912, fez o dr. Alfredo de Toledo recolher ao Ar- chivo Nacional os códices a que nos referimos. Estavam na Delegacia Fiscal de São Paulo e eram mais de uma centena, provenientes do fundo dos cartórios das antigas- provedorias rcaes. Muito os manuseara Azevedo Mar- ques.
Dedicando á retirada do Cabo de São Roque um dos melhores capítulos da sua Brava Gente, bello livro referto de patriotismo, commenta Elysio cie CarvalhO' — tão cedo arrebatado ao amor de nossas tradi'çõefi^ -— arroubadamente:
«Luiz Barbalho realizou, com a exjjedição do Porto dos Touros, um dos mais brilhantes feitos d'armas de to- dos os tempos.
A \ncroria foi completa, sob todos os a.specros,. e devida principalmente ao seu genid, á sua prudência
COMMENTARIOS SOBRE A RETIRADA
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e á isua maravilhosa temeridade.. Si nos fastos militares do Brasil a tragédia que acabaxnos de narrar é facto único, constituiria ainda um dos successos mais memo- ráveis nos annaes do universo, si tivesse tido quem lhe traçasse a historia. Até aqui tem sido a epopiéla vaga- m(ente referida (1920. mas no dia em que for julgada por technicos ou ev^ocados por um Thucydide ou um outro que possua o segredo da dourada abelha attica, ver-se-á a qualidade do heroísmo e a quantidade de belleza que se contém na estupenda acção do invicto pernam- bucano. Desde millennios, de Xenophonte a Napoleão e de Taunay a hoje. hou\-e no mundo muitas ocoorren- cias semelhantes, mas a commovénte a\ entura de Bar- balho é singularissima, e sem egual nos antigos co- mo nos modernos tempos. ..Antes de tudo, ha mistér assignalar que não se trata de 'uma reVwada, distinc- çãx) que não occorrera ao espirito dos historiadores. :Não foi um' recÚQ, foi um! admirável avanço commandado pela estratégia de um guerreiro valente e sábio, uma en- trada atrevida visando do mesmo modo uma sahida fe- liz, uma marcha para a frente de uma cohorte rudemente impellida por um final espantoso de batalha, uma verda- deira diiabase, palavra grega que exprdme a marche en avarit dos francezes. Seja como for, nella se com*- pendiam', com oi prestigio sobrehumano da marcha tri- umphal e as virtudes symbolicas da guerra justa, as qualidades primaciaes da raçaj, a disciplina, a resigna- >ção no soffrimento, o sacrificio, à honra, o amor da pátria e a tejiíeridade.»
Os commentarios de autores lusitanos e extrangei- ros. que Elysia de Carvalho reprfoduz, bem revelam quanto aos contemporâneos e pósteros fundamente im- pressionou a faniosa expedição.
«D. Francisco IVíanuel de Mello ( Epanaphoras, 495), tratando da marcha do Porto dos Tourps. escreveu: «Ali teve principio aquella memorável viagem', que fez nos- sa gentq, a cargo do mestre de campo Luiz Barbalho, raro por ellaí, nella e antes valorbso. Com valbrosos companheiros, atravessou quatrocentas léguas de deser- tos f)ela barbara .A^merica. donde elementos, e homens,
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Historia Geral das Bandeiras Paulistas
não poderão contrastar a constância portugueza, que émi maravilhas e trabalhos escureceu esta vez a fa- mosa expedição dos catalães em Grécia, e ainda a dos macedonios em Asia». I
Brito Freyre, militar e historiador, mencionando pela primeira vez o nqme de Barbalho na Hlstí/ia iílu Guerra Brazilica, á , pagina 183, diz: «A quem tantas con- tinuadas occasiões. pelo decurso desta historia, adianta- rão ao insigne mestre de campo, e derão illustre fama: principalmente naquella celebre e portentosa expdição em que soccorreu a Bahia, penetrando por quatrocentas léguas os desertos da America.»
D(o mesmoí n:iodo o conde ide Ericeira ( Hidoria -de Portugal Restaurado, 162), enthusiasmadiO pela teme- ridade dos retirantes, disse: «Vendo Luiz Barba- lho que partida a armada lhe :não ficava outro soccorífo mais que oi da sua industria,, aninoado do seu \alor. e da fortaleza invencível dos seus soldados, se resol- veu a superar inconvenientes quasi invcnciveis : abriu caminho pelo sertão, rompeu quartéis de hollandezes, venceu muitas emboscadas, \adeou grandes rios, soffreu fome e continuos assaltos, e conseguiu \'aloro.samente depois de tão longa jornada, chegar a Bahia coiíi a maior da gente com cjue sahiu 'de Pernambuco».
O autor do Castrioto Lusitano assevera que «de toda a sorte, se pôde affirmar foi esta expediçã') ia mais notável de todas quantas exag"era a fama» e que «nella \enceu a nação portugueza a todos do mundo na deliberação,, na valentia, na paciência, e na coinsta,ncia (pag. 160).» Varnhagen (Historia das Luctas contra os Hollandezes no Brasil. Vienna d' Áustria 1870, 47), diz que Barbalho, com valor e constância se arrostou a es^a retirada comparável a dos Dez mil gregos, ao regressar a Pérsia, sendo porém, para sentir que o Xenophonte pernambucana nos não deixasse, como o atheniense, a narração dos serviços que então lhe deveu a pátria.» Os próprios historiadores hollandezes, taes como Bar- laeus e Netscher, não cccultarani a sua admiração, pelo heróico episodio e do ultimo são estas jíalavra»^' «Et ils s'avancèrent dans Tinterieur du pays, ou', par
COMMENTARIOS DE NETZCHER
277
des efforts incroyables ct apròs des dangers immenses ilis parvinrent a tourner notVe colonie pour arriver à S. Salvador (Les HoUandais aii Brésil Haya, 1858, III)».
J
CAPITULO VII
O grande périplo raposiano.. — Cúnimentaúos de vá- rios autores. — As descobertas de Washington Luís.
Em fins da década de 1640 'a 1650 colloca-se o ini- cio da grande jornada de Antonio; Raposo Tavares que deveria vir a ser o périplo máximo de devassa- mento das terras americanas.
Foi incontestavelmente assombroso feito, muito em- bora já o tenhamos como accrescido das tendências au- g^mentativadoras oriundas da tradição oral.. Pena que se haja perdido a biographia do formidável sertanista que Pedro Taques incluirá na Nobiliarchia.
O itinerário formidável do homeriada seiscentista que, sahindo de São Paulo, atravessou o Paraná, asso- lou as reducções do norte, paraguayo para depois reap- parecer em terras j>ei-uanas e afinal surgir á foz do Amazonas! tão prodigioso foi que este jornadear, esta expedição de devassamento da selva americana, a maior ha^'ida nos dois continentes, se revestiu dos attributos de lenda. ' '
Seja como fôr, a actuação de Antonio Raposo Ta- vares de tal ordem; se revelou que tudo justifica a aureola que lhe envolve os feitas de «homem: de ferro.»
E no emtanto', por um desses caprichos da memo-
o PÉRIPLO RAPOSIANO
279
ria humana e da sortci. até benx pouco tcmjx> viveu o seu nome em profunda obscuridade:
Ninguém lhe repetia mais os appellidos quando foi certamente um dos maiores desses lusos temiveis que a fic e o império dilataram» 'c as terras viciosas an- daram devastando. Na decadência em! que Portugal ia descambando no século XVII , nenhum vulto dos contemporâneos de Antonio Raposo Tavares ]>ode pre- tender disputar-lhje a palma como representante legitimo da grande raça dos Vasco da Gam.a e dos Bartholomeu Dias, dos .Alfonso de Albuquerque e dos d. João de Castro.
Na era seiscentista, onde tão poucos ha dos últi- mos portuguezcs. das navegaçõeis e das conquistas, mor- tos Ruy Freire de Andrada, Jorge Botelho e Pedro Fer- nandes de Queiroz, quem fica? — Um apenas — 'Antonio Raposo Tavares.
E diziamol-o, no emtanto, dos portuguezes rarissi- mos ha que lhe conheçam os espantosos feitos. Dos brasileiros, dos filhos da terra, que elle perscrutou do extremo sul ao extremo oeste, do extremo norte ao extremo oriente, no Rio Grande do Sul, em Mattoi Grosso, na Amazónia, no Rio Grande do Norte, egual- mente rarissimos eram. bem pouco ainda, os que lhe conheciam oi nome.
Cabe a Washington Luis, como se sabe, a gloria da reivindicação histórica que veio dar ao homeriada as suas características exacta,s.
Resumindo o prodigioso itinerário de Raposo Ta- vares assim o descrexe .A.ntonio de Toledo Piza, aliás insciente dos pormenores das operações de guerra de 1648 contra os hespanhjóes e jesuítas de que demos iior ticia, graças aos documentos sevilhanos..
«Partiu Antonio Raposo, de São Paulo, cm 1648 por catninho que os chronistas não mencionam; em 1649 estava elle em território de Matto Grosso onde enccm- trou varias aldeias de indios catechisados pelos jesui- tas hespanhl6es, vindos do Paraguay. Estas aldeias es- tavam algumas no planalto dia serra do Maracajá, en- tre as cabeceiras dos rios Nhanduhy, e Pardo, affluen-
280 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
tes do Paraná c do Cahy, affluente do Mbotetey; ou- trds estavam: no valle do rio Mbotetey e outras ainda lio valle do rio Paraguay, pouco abaixoi da barrb. do Mbotetey; foram todas, Cruz de Bolanos, Xeres, íiutin. ■Nossa Senhora Fé e outras, destruidas pelo dito Antonio Raposo, que depois seguiu dali para a Bolivia e Perú, onde deu combate aos hespanhóes atravessan- do 0|S Andes e lavando as Imãoç nas aguas do Oceano Pacifico, voltou pelo Amiazonas e chegpu em São Paulo tão desfigurado, que a sua própria familia o desconhe- ceu», (cf. Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo. ív. IV pag. 8.)
Comroentando este relato escreve Basilio- de Ma- galhães umas linhas que nos parecem sobremodo exactas e refertas de critério. (Cf. do Inst. Hist. Bras. vol. especial, 2. p. 106.)
«A narração devida ao involvidavel Antonio Piza, a que é. pouco mais ou menos a dos tradicionaiisfas, relembra- em sua prrmcii-^a parte, a destiruição das mis- sões de Itatines e da povoação de Xeres, de que tra- támios atra2í, e é provável não passe de uma reedição do raid de 1632.
A nosso ver, aquella atrevida façanha rcsente-se de exaggeros, de excessiva phantasia, que lhe detur- pou os factos essenciaes.»
Provêm', provavelmente, estes exaggeros, cíl ^cia- to de Machado de 0|li\neira, onde se lê uma scena ror mantica inspirada pelas reminiscências da conquista da Africa septentrional pelos musulmanos quandoi, sob os primeiros Khalifas, o emir Muza chegando ao Atlân- tico, lançou o icavallot ás viagas ,a exclamar que «não conquistava mais terras para o Propheta porque não as havia ma-is!» (Cf. Quadro Histórico, p. 108.)
«Desenganados os paulistas, que malogradas seriam todas as tentativas em que se empenhassem contra o Paraguay, onde, por largo tempo, foram pungentes as deploráveis recordações da carnificina do Guairá e ca- ptiveiro da sua população, e se havia tomado, como primeira medida contra as aggressõas do inimigo, a concentração das reducções no território abraçado pe-
281
los rios Paraná e Uruguay; esses homens esforíçadosi, que tinham banido de si o ocio^ e o viver no circul|a domestico, voltaram face para as regiões septentrionaes do Brasil, e penetraram os longinquos sertões, que se estendem até ao rio Amazonas, inçados de rios cau- dalosos e elevadas serranias, e de tribus de selvagens de uma ferocidade indomavél. O que começou esse trilho invadindo cordilheiras e transpondo rios, que alimen^m o Amazonas e tão caudaes como esse rio gigante, foi Antonio Raposo, que, á frente de uma par- tida de sessenta homens, tão audazes, e aventurosos co- mo o valente caudilho, tendo em séquito alguns indios, atravessou o Brasil de sudoeste a lioroeste, escalando os Andes, chega ao Peru, penetra este paiz, entra nas aguas do Pacifico com- a espada núa levantada, dizendo que «avassalava terra e rmar pelo 'seu rei», é por vezes ccmpellido a recontros e combates com os hespanhóes, levando-os sempre de arrancada. .Deixa o antigo im- pério dos incas, e dirigindo-se para o Amazonas, na- vega este rio em jangadas, abandon.ando-se á sua cor- renteza. desembar(?a em Gurupá, e ali foi generosamaníe) acolhido pelo povo, que assom,brara-se da tamanha audácia do paulista.
O regresso de Raposo á sua terra, através dos ser- tões, que se interpõem; ás duas regiões, durou annos, e, no cabo delle, achou-se tão desfigurado, que foi des- conhecido por sua famlilia e parentes.»
Nlão documenta Machado de Oliveira a sua asser- ção grandíloqua e altisonante que Basilio de Magalhães inquina de excessiva phantasia, e realmente deve provir das exagerações da tradição oral. Assim também pensa Washington Luis, como adeante veremos.
Sobre esta jornada, não se detém Capistrano nos seus admiráveis Capítulos de hhtcrla colonial.
Houve por muito tempo: sérias duvidas, commenta Basilio de Maaglhães, sobre se o autor da longa e portentosa expedição teria sido o destruidor de Guayrá.»
Deve-se a Washington Luis a descoberta deste eni-
282 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
gma histórico, lembremol-o de novo. Realizou-o com sijigiilar brilho.
Após ter fixado a filiação e 'a data do nascimento do formidável sertanista, acompanha-lhe a biog*raphia mostrando que fôra o chefe das expedições contra os estabelecimentos jesuiticos na America Hespanhola, de- pois de se ter mostrado o «leader» do mo\-imento muni- cipal paulistano, contra a Companhia, em 1633 (cf. Rev. do Inst. Hist de S. Paulo, tomo IX, 487-491).^
Commentando o que apprehendeu da documentação relativa á grande jornada de S. Paulo a foz do Ama- zonas, expõe Washington Luis com tal clareza as suas opiniões que não resistimos ao desejo de lhe transcre\'«r as esplendidas paginas. (Cf. Rev. Inst. Plist. de S .Pau- lo, t. IX, pag: 495).
«Resta-nos agora a travessia de São Paulo ao Amazonas — um dos episódios mais curiosos do tem- po colonial — que anda tão confundida e embrulhada que se chega a duvidar de que se tenha realizado.
Por isso é interessante seguir esse episodio atra- vés das chronicas que o têm transmittido; ver cíomo elle se foi desfigurando, se envolvendo na phantasia, sa- hindo, emfim, da historia para entrar na lenda, que encontrou sua completa crystalização no <<Quadro His- tórico».
.A principal fonte de informação para a expedição famosa de Gurupá no Amazonas^ foi Berredo que — «Annaes do Maranhão» — paragrapho 956-7 - conta que «no principio de 1651 chegaram a fortaleza de Santo Antonio de Gurupá 59 homens da capitania de São Paulo, coin mais algum gentio, governado tudo pelo mestre de campo Antonio Raposo; essa tropa, desen- caminhada e perdida nos sertões de São Paulo e não atinando comi o rumo para se recolher á capitania, va- gou alguns mezes por differentes alturas até que che- gou ao grande reino do Peru, onde foi aconunettida não só de muitos indios de cavallos, como também de grande numero de castelhanos assistidos de missionários da província de Quito.
Dando e recebendo os mais jiczados golpes, {jorcm
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\-ictoriosa eim todos os encontros, penetrou até o rio x'\lmazonas, pelo qual, descendo em balsas, chegou á povoação de Gurupá, onde, segundo diz Berredo, foi deixada a descançar de tantas fadigas por não se acliar delia outra memoria.
Em escripto anterior ao de Berredo. n padre Joãjo de Sousa Ferreira, sem individuar nomes nem precisar datas, refere-se evidentemente a essa expedição quan- do narra que uma tropa composta de homens de São Paulo», subiu o rio da Prata até as suas fontes, em vários lagos e campinas alagadas, nas iquaes muitas vezes se achou perdida, andando dias inteiros com a roupa na cabeçja e agua j^ela barbía; mas se empenhotu tanto que, alimentando-se de olhos de palmas e ten- do encontros com os castelhanos do Peru, desceu em jangadas o rio Madeira, entrou no Amazonas e chegou ao Pará, depois de gastar tres annos pelos sertões.
Ao tempo em que o padre João de Sousa Ferreira escrevia a sua «America Abreviada», no Pará existiam dessa expedição um frade e u^mi secular com os quaes passou elle alguns serões sobre a mateaáa, e dos quaes recebeu pormenores geographicos a respeito dos ser- tões interiores do Brasil. >
Simplificando a narração de Berredo, citado for- malmente, conta Southey que «60 intrépidos salteado- res (?) com Antonio Raposo Tavares por capitão, acom- panhados por um troço de indígenas, penetrariam até a província de Quito, sem voltarem atraz, sinão depois de terem sustentado differentes acções com os hespa- nhóes; retirandb-se então sobre o Amazonas, ou mais provavelmente sobre algum dos seus mais remotos tri- butários, em. jangadas que construiram, se confiaram á corrente e cheg'ara'm; a Gurupá».
O grande reino do Perú era realmente um reino grande; poiss em seus indeterminados limites abrangia grande parte do Brasil actual, que, naquelle tempo, vi- via sob o rcgimlen da linha de marcação, modificada em Tordesilhas.
Essa linha, que nem Hespanha nem Portugal res- peitaram!, passando pela bocca do Amazonas e indo
284 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
morrer no littoral de Santa Catharina deixava a oéste immenso território, que veiu a ser brasileiro, mas que então pertencia ás índias de Hespanha.
O reino do Peru, divisão administrativa dessas ín- dias., na America, comprehendia território em que se acham os Estados de .Matto Grosso. Amazonas, parte dos de Pará e de Goyaz. A provincia de Quito, sub- divisão do Peru, corria no alto Amazonas..
Navegar o alto Paraguay, o Madeira, entrar a e.s- sas partes era de accôrdo com a linha de marcação, penetrar em territórios do grande reino do Perú, das ín- dias de Hespanha..
Esquecendo-se desses dados geographicos, escre- vendo em época em que essas remotas partes já eram brasileiras, e deduzindo illações das noticias que lia, tendo em vista a posição geographica do Perú. actual, circumscripto principalmente ao território andino, Saint- Hilaire accrescenta á noticia de Southey, que traduz, que, «sob o commando de Antonio 'R.'aposo, 60 homens au- daciosos atravessam o Brasil de Sudeste e Noroéste, escalam os" Andes e chegam ao Perú, onde dão aos hespanhóes combates sangrentos., Retiram-se cm se- guida para o Amazonas ou um dos seus affluentes, ahi constróeSn: jangaxdas nas quaes se abandonam ao curso do rio e desembarcam em Gurupá. onde foram recebi- dos com hospitalidade generosa pelos habitantes as- sombrados. Para voltar ás suas terras, através dos desertos, era necessário fazer \-iagem de alguns annos.:>
Fazendo os mesmos raciocínios. Machado de Oli- veira ^ae mais longe — aqui transcreve o douto autor o trecho do Quadro Histórico que o leitor já conhece.
«Azevedo Marques — Apontamentos — apesar do citar Machado de Oliveira), faz partir Antonio Raposo exi'. 1650. augmenta-lhe os companheiros a 120 homens, — é verdade que esse numero inclue os indios; naxria que a expedição atravessou o Brasil de Sudoeste a Nordeste escalou os Andes, entrou no Perú, i^enetr-ou esse paiz, chegou ás aguas do Pacifico, teve diversos combales com bandos de hespanhóes e finalmente, diri- gindo-se ao .Amazonas, desembarcou no Guaporé, e
A MONOGRAPHIA DE WASHINGTON LuiS
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\oltoii a ,seu paiz eni 1666, onde foi desconhecido pelos parentes e amigos, por se achar muito desfigurado .
Comprehendido o que era o Peru daqut^lle tempo, vê-se que, para neljle se penetrar, não era necessário es- calar os Andes, nem chegar ás aguas do Pacifico.
Despido esse episodio dos pormenores fabulosos que o tornaram quasi inverosimil, reduzido ás suas jus- tas proporções, ainda fica muita cousa para ser conside- rado como uma das travessias mais ousadas que já se emprehenderam através do continente americano.
As informações de Berredo e do Padre J. de Sousa Ferreira, fornecem alguns, embora escassos, elementos para a reconstrucção approximada do itinerai.rio audaz da bandeira famosa.
Segundo Berredo, essa bandeira chegou a Gumpá em princípios de 1651, gastando, conforme Sousa Fer- reira, tres annos pelos seritões; é prova\'el„ pois, que tenha partido de São Paulo por 1648.
«Perdida nos sertões de São Paulo, chegou ao rei- no do Peru' onde foi acommettida de indios de ca\'al- los de castelhanos assistidos de missionários da pro- víncia de Quito, penetrou até o Amazonas pelo qual desceu a Gurupá (Berredo) ; subiu o rio da Prata até os lagos e campinas alagadas, onde elle tem suas ori- gens, e 'depois, descendo pelo Madeira, chegou ao :\ma- zonas e foi até o Pará (Sousa Ferreira)».
Os irídios de cavallos. ou indios cavalleiros, são naturalmente os Guaycurús. indios que usavam da equi- tação e que habitavam as margens do Paraguay do Mboteter para o sul.
:0 rio da Prata;, de que fala Sousa Ferreira, !é;„ sem du\ida. alguma, o próprio rio Paraguay, cujo alto curso, na época das cheias, se alaga, formando lagos enormes, que, naquelles tempos, eram denominados <rXa- raies», e designados como nascenças do Rio da Prata^
Ao outras indicações são precisas: rio Madeira, rio Amazonas até Gurupá, fortaleza do Pará no Estada do Maranhão.
Par?, chegar, poróm, ao território dos Guaycurús e ,ao ric Paraguay, por onde segaiiu a b andeirá? Teria sg-
-286 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
guido a que mais tarde foi chamada a navegação dos rioo começando no Tietê.
Supponios, porém, que a bandeira tivesse seguido a caminho terrestre de São Paulo pelo Guayrá; porque, nesse tempo, elle era completamente conhecido e mui- to praticado pelos paulistas, que por ahi foram a destruir as reducções jesuíticas, e continuaram a ir para capti- var Oo Índios.
Esse caminho, primitiva via indígena de communi- cação, pre-^colonial, era ciiamado «Peabirú» ou (íPiabiyú» pelos Índios, e caminho de S. Thomé pelos jesuítas.
Encontrando caminho existente antes da vinda dos conquistadores europeus, os jesuítas o attríbuíram á intervenção sobrenatural, e concluiram que fora feito por milagre, comi a só passagem do apostolo S. Thoimé por aquellas partes.
Comio quer que seja, esse caminho existia e mui- to batido, com uma largura de 8 palmos, exteijden- do-íse por mais de 200 léguas, :desde a capitania de São' Vicente, da Costa do Brasil, até ás margens do rio Paraná, passando pelos rios Tibaxiba (Tibagy), Huya- ha.y (Ivahyj) e Pequiry.
íA celebre estrada partia de São Paulo e, nas ca- beceiras do Tibagy, bifurcava-se, indo um galho para os Patiqs eí outro em direcção -ao rio Paraná, s endo este propriamente o chamado de São Thomé. •
' Por esse caminho andou «Cabeça de Vacca», com uma tropa de 200 homens e '57 cavallos' por 1.542', e nelle encontrou, o indio Miguel, que ^vinha de Assumpção comi destino ao Brasil.. Por elle seguiram jesuítas de São Paulo para catechese dos Carijóis, e talvez para o o Guayrá; por elle veiu Ulrico Schmidel dc Assumpção). Por elle vinham a São Paulo moradores e vizinhos de Villa Rica.»
D. Luiz Antonio de Souza, de accor lo com um mappa antigo que possuía, descreve esse caminho sahindo de «São Paulo», passando por «SoríKraba^), pela fazenda de «Botucatu;) que foi dos Padres da Companhia, dirígia'- do-se a <^S. Miguel», junto ao ParanapaneniA e costeando esse rio pela esquerda, tocando, em «Enícarnacion»^ «Santo
Hypotheses de Washington Luis 28T
Xavier» e <íSanto ígnacia>. onde, em canôa, descia o 'Pa- ranapanetna, entrava no «Paraná» e subia o «Ivinhcima» até quasi ás suas nascenças; ahi seguia, por terra, pela «Vaccaria», até ás cabeceiras do «Aguaray'> ou «Corren- tes», onde, tornando-se de novo fluvial, seguia por esse affluente até o Paraguay, pelo qual subiu, etc.
Seguindo, provavelmente, esse itinerário, a bandeira famosa, tendo na «Vaccaria» seus encontros com os in^ dios ca\'alleiros ou Guaycurús, continuou pelo Paragíuay acima, e depois, ganhando o «GuajX)ré», o «Mamoné»: io «Madeira» entregou-se á Corrente do Amazonas que a levou a :Gurupá.»
Assim repudia Washington Luis as hypotheses de que Antonio Raposo haja estado no Pacifico! e em, terras dc No\: Granada.
Teve em, 1648 encontros armados com os hespanhoes; isto é fóra de duvida, mas estes se deram exactameinte no Sul dc Matto Grosso, como fartamente demonstramos nos capítulos em que descrevemos o ataque paulista as reducções paraguayas de Mboymboy. Nesta occasião sua expedição se conjugava com] a de André Fernandes.
E' provável que outros combates se tivessem dado com castelhanos nas missões do Alto Peru.
A vultuosa documentação castelhana que apontámos dá-nos irrefragavel most!ra de que a passagem de Anto- nio Raposo causou o maior alarme si não verdadeiro pânico entre os hispano-americanos do nosso continen- te. Longos annos mais tarde, a cada passo recordasriam os documentos hespanhoes de procedências diversas a impressão causada pelo extraordinário «raid» citando o nome daquelle que o encabeçava.
Quanto á bandeira de André Ferna(ndes é provável que depois de sua correria no nofrte paraguayo haja vol- tado a S. Paulo carregada de despojos.
CAPITULO VIII
05 diverws Antonio Raposo. — Document&s desco- bertos por E\llis. — Opinião áe Varnhagen e F(o. cha Piombo, — A carta inédita de Antonio Vieira descoberta por J. Lucio d' Azevedo. — Novo docu- mento revelado por Paulo Prado.
Provando que foi o destruidor do Guayrá o cabo da formidanda empresa escreve ainda Washington Luis (Ibid. p. SOO):
«O Barão do Rio Branco idiz que Antonio Raposo (Pegas) desembarcado da armada de Vega de Bazan por 164L e'm; Cartagena das índias, achava-se cm ,Gu- rupá, em 1651, neste ultimo ponto está de- accôrdo com a tradição paulista.
A razão da preferencia paulista., porém, por Anto- nio Raposo Pegas é a imesma pela qual foi elle indi- cado ooimo cabo das expediçõtes do Guayrá, isto 7é. falarem as chronicas apenas em Antonio Raposo sem mais appellidos que distinguisse Pegas de Tavares. En- tretanto, esses dois nomes, tanto pertenciam a Pegas 'comoj a. Tavares; e, arbitrariamente, não se pode dar áqueljle o que é deste.
Parece mais provave]), ao contrario, que tenha si- do Antonio Raposo Tavares o capitão, desta bandeira. A primeira \dsta. a informação de Berredo, nos
289
Annaes tto Maranhão, não decide a contenda; entre- tanto. eUe designa o chefe da expedição com o posto de mestre de campo, posto ique possuia Tavares, -e pelo qual era designado commumente nos documenH tos coevos depois de 1640.
Occorre ainda que Berredo. quando noticia a ida do Pe. Antonio Raposo ao Tocantins, lhe accrescenta aos nomes o a.ppellido Tavares.
Ror sua ascendência não podia esse padre usar o appellido Tavares; emciuanto que o mestre de campo se assignava incontestavelmente Antonio Raposo Tavares.
E' licito suppôr que, recolhendo noticias sobre dois individuos com os nomes Antonio Raposo, um dos quaes era Tavares, Berredo désse ao padre o aplpellido do bandeirante.
Falando de um, Vaz Madeira, informa-nos Pedro Taques que elle foi para o sertão do gentio Iratens., na tropa de Antonio Raposo Tav.ares e ficou no Grãor Pará, de onde não voltara até o anno de 1681.
Difficil é precisar a posição geographica dessa tri- bu indigena cujo nome pode ter sido mal graphado, devendo-se ler Itatines.
Os Itatines tinham sido aldeiados pelos jesuítas hespanhóes na vertente oriental do Paraguay, entre os 19j e 22o de latitude sul, segundo Charlevoix, em re- ducçòes que foram destruidas por bandeiras paulistas das quaes foi Antonio Raposo Tavares um dos ousad^os cabeças.
Pela sua situação, pois, os Itatines estiveram em região que foi percorrida pela bandeira que foi ao Gu- rupá.
Em, qualquer caso, Antonio Raposo Tavares capi- taneou uma bandeira que viu um dos seus membros ir parar no Grão-Pará. E' possível que fosse a mesma da travessia farrnosa.
Esses são fracos argumentos para se decidir pctr Antonio Raposo Tavares; mas apesar de fracos ainda existem em favor de Antonio Raposo Tavares. E eai favor de .Antonio Raposo Pegas nenhum existe; ou
Historia Geral das Bandeiras Paulistas
melhor existe o mesmo que em favor do outro — a semelhança dos nomes.
Antonio Raposo Pegas teria sido um obscuro co- lono, (cuja vida deslizou, apagada sem deixar traços fortes; assim se explica o silencio em que o deixou Taques e do qual o foi tirar Azevedo Marques para thc emprestar uma celebridade a que não teve -di- reito.» j „
Qual teria sido o pretexto inicial do portentoso péri- plo? Explica-o Alfredo Elflis mercê de um documento inédito que descobriu, (cf. «O bandcirismo paulista e o recuo do meridiano», pag.„ 140.)
«Partiu o mestre de campo Antonio Raposo Ta- vares, em, busca de minas a descobrir, intemando-se ]>eio Paragua\- nas possessões castelhanas, onde attin- giu a cordilheira andina, dir-se-ia que a procura do precioso toetal;. nas pro.ámidades de Potcsi, onde já .^.ntonio Castanho da Silva, bandeirante paulista, havia penetrado tem.pos antes e ahi fallecido em 1622. O do- cumento a que supra nos referimos e que prova ter Antonioi Raposo Tavares ido campear metaes ou pe- drarias é um «traslado e registo da patente do capitão mór Manuel de Sousa Silva», constan.te do vol. 11, pag. 489 a 493, do «Registo Geral». Eit-o, nos dizeres que no^ interessam:
«Dom, Affonso, por graça de Deus, rei de Por- tugal e dos Algarves daquem e dalém mar em A.frica .senhor da Guiné e <ia conquista navegação e oommercio de Ethiopia, Arábia, Pérsia, e da ín- dia etc, faço saber aos que esta minha patente vi- rem que por oi Marquez de Cascaes Dom AlVaro Pires de Castro, donatário da capitania de São Vicente e São Paulo no estado do Brasil me ha- ver proposto para capitão delia tres pessoas na forma das minhas ordens para eu escolher e no- mear o que fiosse servido e ser uma delia o alferes Manuel de Sousa da Silva que me tem servidoi a^gum tempo no Maranhão, achando-se com o Ca- pitão Pedro da Silva Favella no castigo que foi dar ao gentio truquejão por commerciar com os
Documento descoberto por Ellis 291
hollandezes, acompanhando depois ao Mestre de Campo Antonio Raposo Tavares por seu alferes na viagem çu^ f^^z mt descobrimento de )ni- r/as que durçu (fuatro annoe,
Ora,, Raposo Tavares só foi mestre de campo depois que esteve no nordeste, comimandando o primeiro soc- corro paulista em 1640-1641 e a única bandeira em que delle se tem; njoticias, depois desta data, é ^ que par- tiu em, 1648, \oltando em 1652, depois de ter andado por Ínvios sertões, justa e precisamente quatro annos, como: reza o documento supra me^ncionado.
f az certo, pois, este texto não só ter Manuel de Sousa da Siha acompanhado a bandeira de Raposo, como seu alferes, como ter sido objectivo delia a ex- ploração de território, em busca de minas».
Sobre o itinerário raposiano commenta o joven e erudito autor: (Ibid. p. 141);:
«Talvez tenha o nota\iel sertanista seguido a es- teira deixada, meio século antes, por Nicolau Barreto, e dahi penetrando em terreno paraguayó de Castèlla, que feriu de rijoi, para sahir na bacia ama^oníca, sen- do de crer tenha elle procedido a devassas, aítrahido pela fama de Potosi, bem como pelo rumor do ouro do paiz de Ophir.
0 sólo, foi, porém;, ingrato ás pesquisas do ban- deirante, que tão ao longe, ao regaÇõ da formidável cor- dilheira €i nais margens do caudal imimenso, foi pa- tentear a grandeza da raça, como que querendo com- paral-a ajos dois monumentos gigantescos que a natu- reza implantara na .\merica sulina.
Não ha noticias de ter Raposo algo encontrado na sua incursão, que nem por isso deixou de ser um marco milliario no desbravamento das nossas selvas e uma gloria immorredoura para a gente de São Paulo.
01 documento que estampamos, sem ter illuminado inteiramente este feito memora vél, foi, porém, o escla- recedor de seu objectivo. Outras pesquisas futuras a fazer, por quem melhor proveito souber tirar dos do- cumentos, terão em conta, sem duvida, este ponto de partida para mais profundas conclusões.
292 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Ainda a descoberta do documentO;, que é objecto desífe estudo, se deve a Washington Luis com a publi- cação dos nossos archivos, manancial soberano, de on- de jorram aos borbotões, crystallinos conhecimentos so- bre a historia do bandeirismo».
Escre\endo sobre a acção de Antonio Raposo Ta- vares no Guayrá'. diz Rocha Pombo (Historia do Bra- sil, t. VI p. 50). i :
«Não se têm documentos positivos para affirnar jnas é provável que Raposo continuasse no sertão man- tendo o seu arraial como centro das batidas e explo- rações que fez. ou que fizeram seus companheiros, dli- rante alguns aiinos. naquella \-asta provincia da Com- panhia. O certo c que a elle e á sua gente se iattri- buc a conquista para o património portuguez daqliillo que já se julga v^a dominio da corôa da Hespanha.»
Estas palavras do nosso eminente historiador nas indicam que;, ao escrevel-as. ainda não se achava elle ejiii contacto com os documentos do bandeirismo, hoje desvendados, pois si assim fosse não teria duvidas: a respeito da acção do sertanista no Paraná e Rio Grande, em 1629 c' 1636. por exemplo.
Referindo os pormenores da jornada máxima ra- posiana transcreve Rocha Pombo a versão de Macha- do de Oliveira, cinbora relate ainda que Washington Luis «contesta muita cousa de q\ie tem de riiaravillioso esta expedição». A sua conclusão não nos agrada:
«Quaesquer que sejam os fundamentos desta his- tjoria. o que é preciso admittir é que Antonio Raposo tem um lugar de destaque entre as figuras mais notá- veis daquelle cyclo heróico dos bandeirantes.)}
Achamol-a, por demais fraca quanto á fixação da personalidade do formidável sertanizador no conjuncto da historia brasileira.
Quanto a Varnhagen (Hist. Geral, II, 700), o seu miodo de pensar sobre a jornada de Antonio Raposo Tavares é (dubitativa) : assim diz:
«Em! 1648, uma numerosa bandeira de paulistas acommetteu a imissão de Xerez sobre Embotetey, hoje denominado Mondego, que já era bispado, e fez prisio-
Documento descoberto por Lucio d'Azevedo 293
neiros aquelles de seus moradores que uão consegui- ram fiigar-se. Chegaram os in\asores a projectar um ataque á própria cidade de Assum,(:ção, onde estava então de governador D'. Andrés Garavito de Leon; e talvez houveram levado avante o seu propósito, oi não lhes sai &m campo,, á frente de aiumerosas forças 'de Índios armados, o P. Alfaro, obrigando os ag^gres sores á retirarem-se destroçados. Por ventura seriam restos destas bandeiras as que, correndo para o norte, vieram a varar ao Tocantins', e a descer [as aguas deste rio, ao mando do mestre de campo Antonio Raposo, apre- sentando-se em Gurupá em 1651.
Berredo, paragraphos 956 e 957. Ern 1677, um, Pe.
Antonio Raposo dava noticia de minas ao governador do Maranhão. C. R,. de 23 de out. Ter-se-ia feif ) pa- dre o mestre de campo?»
A formidável confusão em, que laborou o illustre Porto Seguro bem Inos mostra quanto no seu tempo estavam, os factos do bandeirismo mysteriosos ainda.
I Novoi documento raposiano acaba de ser revelado graças a um, dos mais honestos e profundos sabedores das letras históricas luso brasileiras nossas contempo- râneas J. Lucio d' Azevedo— o autor dessas obras valio- sas cheias de espirito critico, justiceiro e riqueza docu- mental que são Os Jesuítas no Grão Pará o Marquez de Pombal. Histeria cie Anionio Vieira, Historia dos CJiristãos NovqS', tão acatadas quanto admiradas.
Publicando as Cartas do Padre Antonio Vieira, de que já deu o primeiro tomo, em grosso volume de mais de 600 paginas, in 8, teve o illustre erudito portugiu-ez o ensejo de revelar muita cousa inédita do admiraA'<ei epistolographo que foi o grande jesuita seiscentista.
Entre estas cartas está a de numero 56. dirigida em, 1654 ao Padre Provincial do Brasil, sobremodo «ex- tensa e \aliosa e até hoje quasi inédita.
.\ seu respeito annota o douto commentador c biographo de Vieira: «Inédita na m,aior parte. Exceptos na Historia da Companhia de Jesus. Liv^. V, Mss. da Bi- bliotheca de Évora, com o titulo: Copia da segunda
294 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
carta de noticias que o padre .\ntonio Vieira escreveu do^ Maranhão.»
«Escriptura da mão de copista imperito e talvez copia de copias, em que se foram successi vãmente accu- mulando cs erros e as lacunas orthographicas e cal- ligraphicas.
As palavras e phrases em colchetes preenchem por conjectura as folhas e phrases illegiveis e tentam reme- diar as deformações do original.
A data menos de um anno passado da carta 54 (22 de maio de 1653) deve ser anterior a 22 de março de 1654, dia eini que o autor pregou <..o sermão das" verdades», eni São Luiz do Maranhão.
iNio intervallo,, desde o regresso do Pará, fôra vi- sitar as aldeias dos indios, no interior da ilha, de on- de escreveu.»
Ha nesta carta de Vieira um documento precio- síssimo para a historia paulista: a extensa noticia que nos dá dos factos do périplo raposiano.
Tão importante quanto interessante: Assim i^ermit- tam os leitores que lhes transcrevamos na integra o riquíssimo achado de João Lucio d'.-\zevedo. benemé- rito sob tantos titulos da historia brasileira.
«Na primeira carta disse a V. Reva, a grande perseguição que padecem os indios, pela cobiça dos pjortug-uezes em os cativarem. Não tenho que dizer de novo senão que ainda continua a mesma cobiça e perseguição a qual cresceu agora miais, e assoprou miii- toi o .seu fogo um grande numero de homens moradores etnl Sãoi Paulo- que por este tempo se acharam no Pará. pela occasião que brevemente direi, pôsío que seja matéria de larga narração. No anno de 649 pai- tiram os moradores de São Paulo ao sertão, em de- manda de uma nação de indios chamados serranos, distante daquela capitania muitas léguas pela terra den- tro, com intento de, ou por força ou por vontade, os ar- rancarem] de .suas terras e os trazerem ás de São Paulo para se servirem dêles como costumam. Constava todo o arraial de duzentos p>ortugue2es e mais de mil indios de armas, divididos em duas tropas. A primeira
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governava o IVI^^stre de Canip<i Antóni<) Raposo Ta- vares, que ia também' por Clabo de tudo. a sesiiuida o Capitão António Pereira.
Andados... (i) meses de viajem, encontrou esta se- gunda tropa com luna aldeia de indios da doutrina dos padres da Companhia, pertencente á Província do Pa- raguay e estando todos na egreja e o Padre.... céu a esta grande impiedade., por ser dia de Todos os Santos,, segundo a relação dos que menos querem encobrir a fealdade do feio, eat. aram cs soldados de mão cV.-pMda na aldeia, e dentro na mesma igreja prenderam' em ferros a todos os indios c indias que não iioderam es- capar, e nem aos altares, \-estiduras e \'aso!S sagrados' perdoava a cegueira e a cobiça, por que de tudo des*iX)ja- rant a igreja. Sobre esta presa se divertiram oito dias na mesma aldeia, fazendo bastimentos e tendo sempre em custódia ao padre, para que não pudesse i'r biifscar algum, remédio ás miseríiveis oyelhas de que era pas- tíor. Tiveram contudo noticia do caso. por alguns dos que escaparam:, os padres de duas aldeias vizinhas os quaes fazendo logo armar os seus indios, vieram tanto em, goccorro dos já cativos como por ver-se. rompen- do o inimigo comum, podiam escapar de o ser. Sairam os de São Paulo á batalha, e podendo mais a melhoria das armas que a da causa, fugiram os indios e ficou no campo nioito um dos jmdres de uma bala. O mata- dor, ao tempo que isto escrevo, está no Pará, e se aponta com o deda, e os que governam p ecclesiastico... c o secular, posto que o conheçam, o deixam andar tão solto e tão absoluto comb os demais, mas perm[ite. Deus m.uitas vezes que semelhantes delitos os dis'simufiem 0,3 homens, porque quer que se paguem com maiores cas- tigos do que são os que se podem dar na terra.
O certo é que não faltou b do céu a esta grande, impiedade, porque dentro em unn .'mjês se virara os exe- cutores dela castigadqs com. a peste, fome e guerra; a peste foi tal que nenhum ficou que não adoecesse mortalmente; a fome era quasi extrema porque as raizes
(r Falta o Tiuincro do Mss.
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jilSTORiA Geral das Bandeiras Paulistas
e frutos das árvores era o maior regalo dos enfermos, e esses não haviam, ainda quem tivesse forças para os ir buscar e colher; sobre tudo no meio desta fraqueza e desampai-u, eram continuamente assaltados de bár- baros, de pe e de cavalo, que os atra,-^e3sa\am com (fre- chas); não lhes valcíndo a diferença e melhoria das suas armas, porque apenas haxia quem as maneasse. Finalmente, ao cabo de um ano das maiores misérias que jamais se padeseram. se vieram; a encontrar com a outra tropa, tão diminuídos que dos portuguezes, lhe 'faltava a metade, e dos indios as duas partes, e os que resta- vam, mais pareciam desenterrados que vivos.
«Juntas assim as duas tropas chegaram 'emfim á terra dos seus desejados serranos, as< quais porem seis íriêses se detiveram nêste lugar insistindo con novas dili- gências de forças e manha para reduzir a si os serra- nos; e posto que nêste tempo^j e em (todo o ano seguinte, que também^ gastáram em descobrir novos sertões e gentes, sé lhes renderam alguns indios, assim ^errano^ como de outras nações, os quais três léguas das stuas povoações os receberam com frechas e ciladas c[ue lhes tmhanx armado, e metendo-se todos pelos bosques os deixaram frustrados das suas esperanças, apósl das quais havia dois anos que caminhavam com promessa -de ps acompanharem e seguireini. até nisto se viu o cas- tigo de Deus. Todos emfim lhe faltaram com a palavra, e os deixaram, no m'eio daquela imensidade de terras, mais cuidadosos de sah ar as ix)ucas \idas que lhe res- tavam:, que dos interesses e presas que vieram buscar, andando em; demanda de novo e mais breve caminho, encontraram um rio não mui caudalosoi, que por indi- cios de uma... (i) (Falta a palavra no Mss.) Talvez «gai- vota», por confusão dos navegantes, vendo alguma ave parecida), entenderam estavam perto do mar. Resolve- ram-se a buscar por êle a costa do Brasil, e a fa- bricar embarcações para navegarem, que para tudo tra- ziam offficiaes e instrumentos. Lançadas as calnoas á agua, ao terceiro dia se lhes sumiu o rio entre uns juncais; mandaram- descobridores a buscál-o, e depois de três
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dias de jornada tornaram a dar com êlc, iuas distante do lugar onde se lhe tinha escondido.
Deliberaranvse a passar lá as canioais', e assim o fi- zeram á pura força de braço|s e de honibros, como dos Argonautas contam as fábulas, com exemi)lo verdadei- ramente grande de constância e de \'alor, se o não des- lustrara tanto a causa. Embarcados segunda vez, se lhe reno\ou o primeiro indicio com \-erém sm-gir e mei''- gulhar (alguns) («Golfinhos do Amazonas, Bottes no Mss.. o ique é sem, du\ida errada leitura) bôtos, mas andavam estes tão peregrinos do mar quanto eles da sua terra. Aos oito dias de viagem: deram na madre do rio, e vnavegando por êle (cousa que se não tivera tantas testemunhas parece in^digiia de todo o rédito) gastaram onze mezes inteiros na navegação, sem saberem ]iara onde iãm até quq, aportando á fortaleza do (airupá!, conheceram que tinham descido pelo rio das Amazo- nas abaixio. Dai todos estes onze mezes só trinta íe tres dias se detiveram, emj espalmar e concertajr as ca- noas, e todos os outros naxegaram. E j^ôsto que as jornadas que faziam cada dia eram breves, dando a cada uni! somente dez léguas, que é o menos que po- diam, andar, indo tão ajudados de corrente, \em a fazer o que navegarani mais de tres mil legxias de rio. Tres anos e depois meses puseram neste grande rodeio, que deram ao interior da America; e em tantas quajresmas e páscoas, em tantas enfermidades, guerras, mortes e outros infortúnios, e perigps que passaram de ^■ida e alma nenhum destes homens se coínfessou nem recebeu ano ailgum sacramento, e a meu vêr menois é ainda não receberem em tanto tempo, e para uma tal jornada, sem le- varem comsigo quem lhos administrasse. Nenhuma comu- nidade de calvinistas, nem' luterajuos, nem ainda de turcos, partiram a outra muito menor \'iajem, por mar ou por terra, que não levasem comsigo os ministros da sua seita. Mas tornando que \erdadeiramente foi nniíi das mais nota\eis que até hoje se tem feito no mundo, nuiito digna cousa, fôra dje saber em Ique) ajtura e por qUe rumlos a. fizeram, inas só destes instrumentos ia:n fartes;, e assim não sabem dizer cousa certa.
29S HíSTORiA Geral das Bandeíras Paulistas
^ SegTindo mui (tos deles) dizem que quando a pri- meiVa vez entraram ineste grande rio estavam na al- tura do Espirito Santo, que são desanove graus ida banda do Sul, e, segundo os logares por onde lhes de- morava o sol, affirmam que os primeiros seis ou sete mezes caminharam sempre já a> Léste, e que nos últi- mos quatro, como cangados (já de andar tanta terra), tomaram de carreira paira o Nor/tej e Noipeste, a desem' biocar no n^ar; de aqui se colhe que .çste rio se estendb pelas terras que ha no interior da America, aonde ainda nem da parte do Peru', chegaram os castelhanos, ,neni da parte do Brasil os portuguezes, e que estas terras têm sem du\-ida iiiuito maior latitude da que lhe medi- r^m até agora os cosmographòs e se pinta jnos ma'pas. A multidão de nações de que são habitadas as ribas deste rio. ou para melhor dizer as jiraias deste mar doce, que assim lhe chamaram o que o viram, nem êles o sabem contar sinão por admirações. A quinze dias de entradas no no começaram, a ver povoaçõe/s e ai por deante ne- nhumi dia houve que não \'issein algumã, e ordinaria- mente todos os dias muitas. Cidades \iram, em que (contarant) trezentos ranchos que assim lhe chamam os sertanistas de cá. São umas casas ou armazéns mui com- pridos, sem. distincção nem partimento algum, em que vivem junta?iien'te muitas familias, e alguns ha tão ca- pazes que agasalham quarenta e cincoenta.
Desta grandeza eram os desta cidade, e, lançando as contas ao que poderia alojar entre grandes e peque- nos, julgaram que teria cento e cincoenta mil almas. Já na jornada do descobrimento de Quito que se fez no aimo de (1638) por um braço deste mesmo i-io, que me disseram pessoas dignas de fé que viram, lançadas junto á ribeira do rio, povoações como Lisboa.
O em: que falam' os de S. Paulo, pela cousa mais no- tável que viram neste genem. foi reino fechado, de uma e outra banda do rioi, pelo m,eio ;do qual atravessaram oito dias inteiros, e estavapii e eram as povoações tantas e tão juntas que quasi não ha\'ia distancia entre uma e outra. E oi que se deve notar, que o que estes ho- mens dizem é só o que está edificado á beira do rio.
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poi-quc do ciue vai de ai para identro cies náo vii-am ncni dão noticia do que contém outros niuitios rios, que vêm. ent]-ar nêle tão larg-ôs e caudalosos que, pe não correm tão perto deste, tiveram grande nome. A gente que isto habita c toda, com pouca differença, da côr da do Brasil, e quasi do nresmo trajo, poi-que em! parte andam' as mulheres vestidas. As linguas são totalmente diversas e ellas foram só as que defende- ran^ dos homens de S. Paulo, não bastando para issio nem a resistência, nem as armas, nem a multidão.
Tomavam (ailguns) e corno lhes não entendiam a lingua os torna\'am a lançar de alli, pelia maior p-ârto em differentes terras.
Espero em' Deus que estes, que por ali foram se- meando, nos hão de ser\ir muito algum dia para a conversão, porque terão aprendido as linguas e podem ser interpretes de umas nações e outras.
O; modo com que estes indios recebiam os ]Donu- guezes era ordinariamente de pa'z, e só com sinais de grande espanto e pasmo, que lhes causava a novidade de gente e trajos que nunca tinham visto e outros havia que, ou de maior valor ou de imaior medo, tom.avam as armas e se punham a defensa de suas casas. E, per- guntando eu a um, dos cabos desta entrada, como se haviam com eles, me respondeu com grande desenfado e paz da alma: «A esses dá',-amos-lhes iuma carga cerrada, caiam uns, fugiam outros, entrávamos na al- deia, toma\amos aquillo que haviamos mister, ínettia- mol-o nas canoas e, si algunia das suas eram melhores que as nossas, trocávamol-as e proseguiamos nossa \ ia- gem;». Istot me resj^ondeu este "capitão como se conta uma acção mui louvável; e assim fala toda esta gente nos tiros que fizeram;, nos que lhes fugiram nos que alcançaram, nos que lhes escaparam, e nos que mataram, oomoi se referiram as festas de uma montaria, e nã,o importaram mais as vidas dos indios que a- dos java- lis ou gamos.
Todos estes homicidios e latrocínios se toleram em um reino tão católico como Portugal, ha mais de ses- senta annos, posto que, no temlpo em que estivemos su-
300 Historia Geral^as Bandeiras Paulistas
jeitos a Castela, se acudiu com Provisões reacs e Bre- ves"* dos Sumos Pontifices, que se não guardaram. Com a restituição da coroa ao legitimo rei se nos acabou a deecul])a destas maldades, (que) ainda se contin(uam comO' dantes, sem haver para elas nem devassa, nem (procedimentos), nem ainda por i)ejo do inundo um leve homizio; sinâo publica e total imunidade.
O mjerecimento por que são concedidos aos sertanis- tas de São l'aulo estes pri\'ilegios. declaram eUes mes- mos com muita galanteria (não sei si com igual verda- de) que o ouro que se tira nas 'ininas de São Paulrt (é todo) enr barretas em que se vai cunhar, e dizein elles que, em fazendo barretas a estes ministros icom estas barretas, logo ficam tanto em sua graça que dos seus peccados lhes fazem virtudes.
De alçadas que foram a São Paulo, e governado- res que têm, ido ao Brasil, se contam casos particula<- res e '\"erdadeiros. O ]-)eior será que as cortesias destas barretas tenham, também lugar na côrte.
O oertlo é que os maiores autofres destes delictos á côrte vão, na côrte vivem, na côrte requebrem, na côrte corre se lhes a follia, sendo que, si 'se correram as de to- dos os mattos do Brasil, se haviam de achar todas tintas com, o sangue destas tiranias, e nenhuma havia que se não convertesse em; linguas, para pedir castigos e \ingan- ças ao céo.
Mais; ainda mal. ])orque vêmos os castigos e o maior de todos é não acabarmos de conhecer que é esta a! i^rincipal cauza. (,!) (Aqui seguia-se o pe- ríodo abaixo, evidentemiente interpelado na copia: «Um dos últimos castigos; que Deus deiu a £l-rei por ca- ti\-eiros injustos, foi tirar-lhe o primogénito e, porque não cessou antes continuou tirar-lhe por fim. o reino mais a vida.» A carta é de 1654; d. Jpão l\' morreu em; 1656.)' Si os reis não emendaram por si estais tiranias, não ha que esperar que os autores delias te- nham nunca emenda. E bemi se vio na occasião desta jornada, porque, sobre \irem tão açoutados e castiga- dos delia a contricção que tiraram deste castigo foi em,barcarem-se logo alguns, que em São Paulo têm maior
Documento descoberto por Paulo Prado 301
{x>der e 'mais (cabedal), para de lá tornarem ao se!r- tão do Pará, e tirarem delle os indios Tupinan>bás e outros de lingua geral, dc que aqui tiveram noticias, e se teme que ja os terão levados.
Estas são, padre Provincial, as noticias que posso dar a \'. revma.', desta conquista do Maranhão de' onde faço esta. (a) Antonio Vieira.
AlemI deste documento de capital importância outro foi ultimante divulgado, inédito, e também valioso, por Paulo Prado a propósito das contendas dos Pires e Camargíos. ^
E' a informação do secretario do Conselho Ultra- marino, »accrca dos moradores da x illa de São Paulo», datada de Lisboa e due 6 de junho de 1674. O sr. Eduardo de Qastro de Almeida publicou-a na Hntegraí no seu «Inventario dos documentos relativos ao fBra- sil existentes no Archi\o de Marinha e Ultramar de Lisboa» (cf. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro t. 39, p. LS2).
Em Í674, o Conselho LUtramarino transniitte de movo ao rei as queixas de Fernando de Camargo, recla- mando contra os ouvidores geraes do Rio de Janeiro «que quando iam em correição a São Paulo, como cor- regedores da camiara, queriam e intentavam prender al- guns daquellas famílias (Pires e Camargos) pelps suc- cessos passados, contra o seguro real que tinham...» (Archivo da Marinha em. Lisboa: capitania do Rio de Janeiro, ns. 1216-18). A informação que pela secretaria do conselho juntou Manoel Barreto Sãopayo á recla- mação de Fernando de Camargo, é um documento in- teressante, e inédito para a Historia de São Paulo. Diz ella:
«V. Sa. me ordena da parte de S. A. lhe dê plenária inforniação da gente de São Paulo destricto do igo- \erno do Ryo de JaneirOj, de seos serviços no descobri- mento daquelle Çertão, e da próxima noticia de estar hu cabo desta gente nas cabeçeiras do Ryo dos To- cantins e Grão Pará segundo as noticias e papeis fl[ ouver no Cons.o desta gente, e seu procedimento, para S. .\. mandar deferir á Consulta sobre a confiirmação
302 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
do perdão que pede Fernão de Camargo, em nome das famílias deste apelido, e da dos Pires, todos daquelllív vi'lla, em virtude da Provis^ão, que lhes jpassou em o anno de 655 o Conde de Athouguia, sendo Governador e Capitão geral do Estado do Brasil, pias causas,, que se aponfão na Provi:?ãQ, de que se envia a Copia.
«A. villa de São Paulo conthem em sy e em seu recôncavo miais sette villas, e todas terão vinte Inil vezinliDs; he annexa á capitania de São Vicente onde assiste capitão rnór e ouvidor de capa e espada postos pelo Donatário o Marquez de Cascáes; governasse a de São Paulo na forma das demais do Rn.o com òfficiaes da Cainlara, e juizes ordinários pia ordenação; e sob're a elleyção dos officiaesi, he que tiverão as ditas fa- milias os debates,, e controvérsias, que a Provizão acu- za: Os ouvidores de Ryo de Janeiro vão em correição a estas villas, como corregedores da Comarca.
«A cauza de não quererem consentir alguas \ezes estes ouvidores para q presistao na dita V.a (posto que os deixem entrar nella em correição) he que séndo aman- tes da justiça, experimentão que estes Ouvidores a algus criminozos, q a ella se acolhem, os multão a dinheyro, sém lhes darem o castigo, que por seos cri- mes mereçemC cõ que os (Ouvidores publicão, que es- tes moradores lhes não conçentem fazer aly estas ve- xações.
«Senão que os moradores daquella V.a vivem con- forme ás leys do Rn.o, e muito obbedientes as ordens de S. A- e depois da concepção do perdão do Conde de Athouguia, não ouve até o prezente controvérsia algna, antes estão unidas por cazamtos huas famiUas com ou- tras;, cland)osse ao descobrimento do çertão, e á fa.- brica, e lavoura dos fruitos da terra de que he abuín- dante, provendo o Ryo de Janeiro, e mais capitanias de farinhas, carnes, algodoens ,Mgumes, e outros gé- neros até a B.a;,i e por sua industria tem fabricado as villas de que se faz 'menção, e íoutras muitas povoa- ções, sem ajuda do braço de S. A.
«Em' vários tempos todas as vezes, que forão cha- mados para o serviço de S. A. (o fizerão com muita
A VOLTA DE Antônio Raposo 303
promptidão, assy como as pessoas, camio com o soc- cono de mantimentos, o q se experimentou no Çitia da B.a, e guerras de Pernambuco, em que tiverão di- ferentes encontros cõ o inimigo, cortando aquelles çer- tões e fazendo lhe grande dano.
«Desta villa sah>io o Mestre de Campo Antonio Rapozo, em descubrimento dos çertões, empenhandoisse dc tal modo, que vindo a parar mi Quito dahy pelo. Ryo das Almanzonas, veyo sair ao Maranhão, em cuja via- gem passarão grandes trabalhos, e gastarão mais de tres annos.»
Ahi temos mais ulraa confirmação da veracidade do périplo raposiano e uma nova hypothese: a estada do extraordinário bandeirante em Quito, ou pelo rnenos em terras do districto da capital hodierna |do Equadoir.
Como\ voltou Antonio Raposo de Gurupá a São Paulo é o que não sabemos. E ha de ser diíficil des- cobril-oi Ao seu lar tão desfigtirado chegou, diz a tra- dição que a familia e os amigos itão lo reconhece ram.
Quando morreu? Ninguém o sabe. Como? Também ninguém o sabe. Pelo inventario do filho, era 1658,, tem,-se noticia de que já não vivia entjão.
Tal o relevo de sua personalidade, a energia de sua actuação que julgamos haja desapparecido logo após o regresso a São Paulo.
Nãio era .\ntonio Raposo Tavares homem para vi- ver na obscuridade...
Desappareceu exhausto, prematuramente, pela pro- digiosa consumpção de forças exigida pela sua tarefa descommunal. Deixa\'a porém a mais vehemente das ins- tigações a qiuiq o iimitasse a gente de sua grey...
E assimj, sob o impulso dos temíveis homens ves- tidos de couro, seus eraiilos e successoanes ie clujp lemma é: o Brasil sempre a Oeste!, recuam espavoridos (os leões de Castellal, recua o meridiano tordesilhano p milhões de kilometros quadrados se adquirem para o nosso património nacional.
exemplos de Antonio Raposo Tavares sobrenio- do fructificam. Cada vez mais audazes precipitam-se as bandeiras paulistas para o âmago do Continente...
304 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
São os irmãos Bueno a cle\ assar o sul de .Matto Grosso(, onde encontrann a morte ás margens do Ta- quary, em; dura refrega cpm os guaycurús, Antonio Pires de Campos, Manuel Dias da Silva, e tantos mais a percorrer o soJo mattio-gtossense em todos os senti- dos, Luiz Pedroso de Barros, penetrando em 1662, no território peruano .de Sejrranos e tantos e tantos mais percursores do grande cyclo, ctujo apogeu se dá entre 1690 e 1725.
Resurge hoje eni pleno fóco a figura de Antonio Rajwso Tavares. E' o primeiro bandeirante que recebe a consagração do mármore e do bronze [justa homenar gem dos governos da nação soberbamente aquinhoada pela intrepidez e a constância .do magnoi fsertanista.
CAPITULO IX
A ameaça dos hollandezes d BaJua elm- 1647. — Pedido instante de soccorAo do Governador Geral aos \pau- lisías. — A expedição de Antonio Pereira de Aze- vedp. — Duvidas. — Obscuridades sobre obscu- ridades.
Corriam bem as cousas da campanha restauradofra pernambucana e o- novo governador do- Brasil Aíiitb- nio Telles da Sih^a jul|gava breve poder ver expulsos os batavos de Pernambuco. E já 'dilatando o seu so- nho pensava implantar as quinas á foz do Prata! A 253 de outubro de 1646 escrevãa á Camara de São Paulo communicando que tinha;, nas capitajiiias do Sul, man- dado fazer barcos para a segurança do Recôncavo ba- hiano e oonducção de soccorros a Pernambuco.
E affirmava: «em se concluindo- as conveniências com' Hollanda» servirão taes embarcações «para se em- prehender com; esta armada a conquista do Rio da Prata!»
Ao capitão mór da capitania encarregava da cons- trucção de «dous barcos capazes», dos q)uaes um deve- ria ser feitio á (custa ida villa Ide São Paulo (cf. Reg. Geral, 2,169). «E porque destas duas embarcações to- ca uímia a essa villa, e o ipouco Ique poderá custar divi- dido por seus moradores, virá a ser despesa imuito
306 liíSTORiA Geral das Bandeiras Paulistas
breve para todos, me pareceu encommendar e encar- regar a vvíossas mercês que com toda a brevidade façam pôr mão a fabrica deste barco de maneira que se veja no effeito a demonstração com que espero que desem- penhem, vossas mercês nesta occasião a confiança que faço de sua lealdade pois p>or tantos respeitos de.'- essa villa ser a primeira em fazer este se^rviço a Sua Magestade a quem o representarei com o mesmo ani- 'mjo com que vossas mercês se dispozerem a elle Nofsso Senhor etç Bahia vinte e tres de outubro de 1646.»
Commentando este documento diz Ellis ( O Recvo do Meridiano p. 135):
«Barco que São Paulo naturalmente equiparia le que sortiria de soldados para a ousada empreitada.
E' o sonho que Manuel Lobo, em 1680, realizou» em parte, com a fundação da Colónia do Sacramento.»
Divergimos do tão distincto autor, quanto á facili- dade com quie acceita a possibilidade da realização dos projectos de Antonio Telles. «Tivessem, porém, os por- tuguezes conseguido esses referidos accordos com a Hollanda, hoje, sem duvida, as aguas plácidas do Pra- ta reflectiriam as cores da nossa bandeira».
«Que era ,ai conquista do rio da Prata para os paulistas, que já haviam humilhado CastelLa, no Gua)- r^, no Tape, no Paraguay, e no Perú tendo mesmo os çsculcas bandeirantes marchado contra Buenos Ai- res ?»
TãiO minguados, no momento, os recursos do ues- manteladissimo recem-restaurado reino luso, e tão dif- ficil a eimpresa, tão longe projectada, que se nos afi- gura absolutamente fadada a real desastre.
Menos de um mez m.ais tarde, totalmente outro era o toni; de Antonio Telles! Haviam os hoUfindezes feito a fortissima diversão sobre a Bahia em que houve muito serio alanne c o grave revez de Itapafrica, onde Segis- mundo \ion Schkoppe bateu e matou o bravo Rebel- linho.
Assim,, pois, escrevendo não mais propunha «arro- gante offensiva contra os antigos cojnfederados caste- lhanos>' ,mas «implorava o auxilio de 200 homens para
Pedidos de instante soccorro ^
a guerra de Pernambuco e contra os hoUandezcs que in- vadiram territórios até ao Rio São Francisco, e aup' fossen^ elles por terra, acompanhados dc 2.000 índios.»
Realmente angustioso o tom do Governador Geral que enviara eni' missão especial a São Paulo um offi- cial. (Cf. Reg. Geral, 2.170).
«Chegou' tão grande poder de HoUanda ao Re- côncavo e fazeim os hollandezes tantas prevenções para tornar a: continuar, neste Estado tão injustamente, a guerra, contra as pazes, que convém que todos os vas- sallos que Sua Magestade, que Deus gfuarde, tem nelle, o sir\am nesta occasiãoy com a demonstração que se de\e esperar de sua lealdade. — E por que é girandiei a confiança que eu faço da idos moradores dessa villa e tenho entendido que considerando elles estas mesmas razões estão com o animio mui anticipado, para fazerem a S. Magestade um grande donativo de mantimentos, |e le- vantar uma companhia de cem homens para a ^campanha de Pernambuooi, mie pareceu dizer a vossas mercês, que será este um' dos particulares serviços, que iesses moradores podem fazer neste tempo a Sua Magestade e de que eu farei maior estimação.
E assimi para que a companhia se comsiga, e os mantimentos se contribuam, segurem vossas mercês de minha parte aos que melhor se animarem a uma cousa e outra que lhes farei todo favor no que de mim de- penderem e Lhes procurarei de Sua Magestade toda a mercê e honra, que de sua grandeza devem' esperay. E ao capitão que vier, o confirmarei, e lhe mandarei passar patente de capitão de infantaria. E por que confioí de vossas mercês que na disposição e effeito destes soccorros, se haverão de maneira que se egua- lem a brevidade á importância de serem infajliveis, lhes não encarrego mais apertadaimentie. Aoi ajudante Filippe de Proença que esta ha de dar a vossas mer- cês mando a essas capitanias, e em' particular a essa villa assim:, para falar de minha parte ás pessoas que forem de maior cabedal, e zelo do serviço de Sua Ma- gestade para que nesta occasião se animem a merecer, o favor com que metteram.. seus augmentos como para
308 Historia Oeral das Bandeiras Paulistas
ajudar a vossas mercês o favor com que rnetterão prin- cipio para seus augmentos como para ajudar a vossas Imercês e fazer dar o 'calor e pressa com que em todo o caso for ]X)ssivel para que sem dilação alguma eu veja nestes soccorros a certeza com que os devo espe- rar desses moradores, e de vossas mercês como a quem mais publicamente tocam as obrigações de serWr a Sua Magestade a quem representarei o bem que Vossas mercês nesta occasião procederem para lhes fazer a honra que eu sempre folgarei de lhes solicitar».
A' carta de h de no\'embro de 1646 seguiu-se, coni pequena distancia, outra, a dç 21 do mesmo mez. Con- tava que os hollandezes com poder grande tinham ca- bido sobre a região do rio de São Francisco, para lá havendo sido mandado o Mestre de Campo Fran- cisco Rabello com um troço de infantaria «a acudir ao damno». Mas a situação geral continuava má, Assim Telles pedia, instantemente, que de São Paulo partissem além, dios cem homens, promettidos pela Camara, para a campanha de Pernambuco, mais cem, além de dois mil Índios, «que é o menos que julgo que dahi se po- dem abalar das aldeias de Sua Magestade e dos par- ticulares que forem; dizia: marchelri! logo pelo sertão ao Rio de São Frajicisco, e descendo por elle abaixo se incorporem ahi com o dito Mestre de Campo; jornada que segundo me dizem pessoas praticas, creio que ha de ser tão bre\'e como será particular o serviço que com ella se fará a Sua Magestade além' da utilidade de que pode resultar a esses moradores».
E ainda ahi punha Antonio Telles . em brios os paulistas lembrando-lhes as grandes acções de serta- nistas (cf. Reg". Geral, Ibid. p. 172).
«Porqud se fazem, entradas ao sertão mais inte- rior por caniinhos tão dilatados, em busca de indios, mais facilmente jxjderão fazendo esta demonstração de bons \'assallos, vir com a imesma esperança de que quando se recolherem embora façam a mesma pre- za de mais perto e assim me pareceu pedir e ordenar muito apertadamente a vossas mercês tanto que esta receberemi se animem a dispor esta jornada na forma
Bloqueio hollandez á Bahia
309
que digo com toda brevidade, confiando com muita certeza que nos effeitos delia consistirá grande parte dos fa\ores que desejo fazer a todo esse povo. E para que a jornada se faça como confio se 'formem c[uairo companhias de cincoenta homens cada uma. e se eleja um cabo sujeito em que concorram' as qualidades c[lie mereça a importância desta facção que a todos man- darei passar patente e confirmatr as nomeações que vossas mercês fizerem junto com' o capitão mór dessa capitania a; quenx escrevo e lhes farei a todos a mercê que nesta occasião souberem merecer a Suas Magesta- des de quem tenho poderes muito largos que logo com effeito os tenham' em: satisfacção do que serxem e es- pero de vossas mercês que egualem nesta acção a con- fiançcv que posso, ter de seu zelo, ,para ella pel^o que tenham vossas mercês muito que representar a Sua Magestade e eu que lhes agradecer a todbs e cada um em particular em o que se offerecer de seu m0lho\ra- niento.»
A terceira carta é de 11 de 'março de 1647 e leu- se eiiv Camara de São Paulo. Tão empenhado estava o governador que mandara tres missivas, autogíraphas !
Neste terceiro appello contava as agruras da si- tuação.
«Um; ,mez ha que Segismundo está sobre esta pra- ça com trinta velas e{m que tomou posto- ha ilha de Taparica e nos tem sitiado por mar com intento, segundo se infere de suas acções, de continuar o cerco por mui- to temix); em,i cuja consideração me valho de todos os meios possíveis para metter aqui a maior quantidade dei imantimentos e forças par'a sustentar o sitio e re- chaçar o initiiigo.» !
Tinha a maior confiança na próxima chegada do reforço paulista,
«Bem certo estou eu c^ue quando esta carta che- gar a éssa. villa já seus moradores haverão dado cum^ primento á ordem que Ihies enviei para que pelo sertão soccorressem. o rio de São Francisco com duzentos fi- lhos da terra e o maior numero de mil arcos que po- dessem; comO! por sua parte se me havia offerecido, e
310 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
pelo menos que quando não hajani podido, estejam agora para o fazer: e assim pela confiança que faço de seu valor e lealdade, mie pareceu escrev;er esta a vossas mercês para lhes ordenar (como por ella faço) que tanto que a receberem no mesmo . ponto, se elles ti- \erem já partido, lhes jnandem vossas mercês aviso, a toda pressa, que corteir, o sertão e jdesçam a soccorrer esta praça; e quando se não tenham ainda posto a caminho, vossas mercês os dispoíiham a que sem de-, ino]'a alguma venham a fazer este soccorro.»
Reiterava em, nome do Rei a promessa de perdão de crimes ; promettia- honras e mercês. Esta jornada do São Francisco para paulistas nada era, «por caminhos tão sabidos», quando cousa muito mais cansativa e pe- rigosa estavam sempre ' a se offerecer.
Assim também não se descuidasse a Camara de en^ iar os Imantimentos pedidos para a Bahia. Fossem barcos fretados e despachados.
«E para que eu veja melhor ã pontualidade com que essa capitania e em partícuiar essa 'villa, ^soccorre esta cidade ppr terra cora seus naturaes, e por mar com; seus mantimentos.
E se se executassem as instrucções do governo tudo chegaria a salvo podendo os barcos «metter-se com segurança entre os fortes da barra desta cidade.»
Falando! deste pedido de soccorro explica Pedro Taques (cf. Rev. Inst. Bras., 33, 1, '226) :
«Este grande soccorro de duzentos paulistas sol- dados e dois mil indios flecheiros ('não das aldeias do real padroado ,sim da administração de paulistas par- ticulares que neste tempo abundavam, de sorte que muitos havia, que possuíam debaixo da sua adniinistra- ção quinhentos, seiscentos e setejceiítjos indios, que se occupavam no trabalho da agricultura em copiosas sea- ras de trigo, plantas de milho, feijão, legumes e nos algodoaes), sahiu debaixo do commando do cajDitão de infantaria e cabo maior Antonio Pereira de Azevedo em julho de 1647. (Archivo da Camara de São Paulo, titulo «Cartas do governador geral Antonio Tellfes da Siiva>\)
A BANDEIRA DE AnTONIO_R_DE AZEVEDO 311
Accusa o linhagista a Antonio Telles do desastre de Itaparica por ter feito «atacar ao inimigo com mais imprudência de valor que com forças das nossas lar- ma?. ,
Era Antonio Pereira de Azevedo um bahiano que passara a residir em: Parnahyba. Casara-se em São PauTo com. Virginià Missel, filha do capitão de Parna- hyba Jioão Missel alcunhado o Gigante, grande per- seguidor de Índios como por vezes temjos notado. Per- tencia João' Missel, cuja nacionalidade se ignora, por alliança,, á falTiilia dos famosos Fernandes Povoadores po\s desposara Constança de Oliveira, filha de \ngela Fernandes e neta portanto do patriarcha Maliuel Fer- nandes Ramos, co-fundador de Parnahyba com seu '.filho André.
A '30 de Junho de 1647 comparecia perante a Ca- mara de SãJo Paulo Antonio Pereira de Azevedo pro- pondo-se como leal vassalljo e desejoso de servir la Sua Magestade para capitão da leva que em São Paulo se alistava para a Bahia. Queria fazer este serviço a Sua Magestade a sua própria custa; apenas pedia na- vio (cf. Rev. Inst. Bras. 33, 1, 221).
Tal proposta feia perante os offficiaes, e o ou- vidor da capitania Luiz da Costa, offerecendo-se para Gonamandar 100 homens.
Declara Pedro Taques ignorar se a expedição de Antonio Pereira ficou na Bahia ou passou a Pernam- buco, como elle, chronista, conjectura devido á im- portância das operações de guerra, alli.
Emi todo o caso julga que o socoorro paulista não se deu pelo São ÍFrancisco á vista do assalto de Segismundo sobre Itaparica;>, para cujo soccorro se fez baixar a recruta paulistana».
Graças á sua conducta voltou Antonio Pereira de Az€\-edo, da campanha, professo da Ordem de Christo e alguns annos mais tarde falleceu em Parnahyba co- mo relata al Nobiliarchia. Sobre esta jornada pora- menta Ellis (ob. cit., p. IS^G) :
«Nada se sabe ao certo 'se essa companhia foi le- vantada com o effectivo de '200 homens e mais 2.000
■òi2 Historia Geral^das Bandeiras Paulistas
Índios, números elevados de mais para uma singela conipanliia. Nião encontramos documento algum que prove a partida da expedição.
Também! é ignorado si, anteriormente a esta leva, já haviam seguido outras atravéz do sertão, como que- ria o governador.
Pesquizas no archivo bahiano, ou mesmo no Na- cional poderiam, fazer certos esses pontos do nosso pas- sado);.
Na própria docunientação paulista ultimamente pu- blicada encontrou Ellis ura papeli que realmente suscita mui las duvidas.
Falando da expedição sertanista de Affonso Dias, em 1648 nota o tão probo quantíO autorisajdio escriptor cujas expressões a nosso r'espeito somos forçados la calar, tão generosas são:
«Quaes teriam sido as regiões attingidas por essa bandeira? Seria ella, iX)rventura, uma das muitas ban- deiras assignaladas, pelos documentos hespanhóes. em terras do go\'erno do Paraguay, nesse anno de 1648^ as- saltando as aldeias ao norte Ida serra de Miaracaju', das quaes nos dão conta a pena perscrutadora do Dr. Tauiiay?» Ou talvez fosse ella uma parte do segunda soccorro paulista ao nordeste occupado pelo: batavo de Nassau, que deveria ter tomado o caminho terreis- trc. sahindo de São Paulo em 1647?
«São apenas conjecturas que se esvoaçam dos la- cónicos documentos citados, bem como das datas das empreitadas referidas,, mas que, entretanto, delias sa- hii" seria .\ior demais temera;rio, visto como nada 'ha por emquanto, que as solidifique».
cAinda nesse anno de 1648, no mez de maio, nos- re\ela a documentação impressa paulista uma outra expedição, iniciando a descida pelo Tietê^ de onde de- veria se internar no sertão ignoto, talvez demandando o sul dc Matto Grosso ou o Paraguay.»
«Quando, ainda no porto de Pirapitinguy, «estando para embarcar a fazer utria Adagiem rio 'baixx»>, Pedro^ Fernandes, lembrando-se dos perigos que ia atravessar, teve a idéa de fazer o seu testamente, graças ao i.[ual
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nãd ficou a léva de que era parte postergada ao es- quecimento, por isso nos foi possível organisar o se- guinte rói de bandeirantes: Antonio Pereira de Aze- redo. Pedro Fernandes, Francisco Bicudo Furtado, Vi- cente Annes Bicudo, Antonio de Andrade, Miguel de Qd" Martinho, Sebastião de Peralta, Francisco Diniz e Manuel Velho Moreira («Invent e tests». v XII, 3^7).»
Não designando com precisão o destino desta ex- pedição o documento, entretanto, faz notar uma interes- santíssima particularidade, digna da maior attenção, e que traz não poucas reflexões a respeito ,delLa.»
ComiO \ imos, do rói acima, consta o nome de An- tonio Pereira de Azevedo. Ora, o paulista deste nome é o que, em junho do anno anterior, se havia proposto a chefiar a tropa paulista de soccorro á Bahia, amea- çada por Segismundo von Schko{)j5e, conforme já fi- zemos notar em escripto anterior.»
«Si elle, em junho de 1647, partiu commandando esse soccorro, como afirma Pedro Taques («Nobiliaa'- chia^), loc. cit.) e como fazem eatender os documentos que iria partir, comoi se explica, que logo, em^ 1648, esteja ejle, em bandeira, para descer o Tietê?».
«Poder-se-ia, talvez, explicar, com a hypothese de ser a bandeira da qúal fez parte Antonio Pereira de Azeve- do, nada mais do que o próprio soooomo paulista á Bahia, do qual foi chefe o mesmo Pereira de Azevedo. E,' entretanto. esVa hypothese absurda, visto como o Tietó conduz a direcção opposta á que foi alvo do soccorro paulista.»
«Neste caso, então, só duas explicações são viá- veis. Ou em SI Paulo haveria dous moradores, bandei- rantes, com o mesmo nome de Antonio Pereira de Azevedo, cousa que é muito difficil admittir, ou An- tonio Pereira de Azevedo, nunca seguiu para a Bahiai chefiando o scccorro paulista, que, ou não se efffectivou, ou seguiu corrtmandado por outrem.
Pensamos ser esta a hyiwthese miais provável, fi- cando em erro Pedro Taques».
O facto de haver a coroa recompensado Antonio Pereira de Azevedo com o habito de Christo é para
314 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
nós solido indicio de que elle levou avante a sua ex- pedição, provavelmente com effectivo reduzido ou mes- mio quasi nullo. E' o rque se deprehende do silencio existente em torno delia da súbita cessação dos échos de suas passadas.
A; tal propósito pensamios com Basilio de Maga- lhães ;
«Nãoi sabe Taques quaes os serviços prestados por essa expediçãjo; é certo comtudo que não foram de todo despiciendos pois o cabo mlór da leva por elles me- receu vir a ser professo da Ordem de Christo.
A; descoberta por Ellis realisada de um Antonio Pereira de Azevedo, presente entre um troço de ban- deirantes, que, no porto de Pirapitinguy, esta\'a <-para embarcar e fazer uma viagem rio abaixo» é realmente das mais desconcertantes.
A coincidência dos tres nomes não vem a ser de tal ordem que se mostre inaceitável mas oium núcleo tão pequeno, como o de São Paulo seiscentista, íorna- se realmente extraordinário que se possa adnaittir -a coexistência dos dois Antonio Pereira de Azevedo.
Na toponymia de São Paulo diversos Pirapitinguy ha. Assian, se chamJa um /pequeno affluente do Para- hyba, cuja foz se achJa no municipio de Pindamonhan- gaba, um outro ribeirão, affluente do ainda pequeno Ja- guary, no valle do Tietê, e um terceiro, aífiuexite in- significante do próprio Tietê junto a Ytú. O único que apresenta affinidades com a geographia do bandeiris- mo é eiste. Em' todo caso a sua barra é a montante do Sa.lto, naquelle trecho de corredeiras, tão lindo e abaixo da Cabreuva.
Não viriam os bandeirantes esc0]lher porto logo aci- ma do grande obstacuJo do Salto, quando se sabe que a sua na\'egaç'ão começava ^.baixo do Sajlto algumas lé- guas • a jusande e mais tarde muito. ailém em Porto Feliz, na antiga Araraytaguaba.
E depois; se 'Antonio Pereira de Azevedo estava em( Pirapitinguy devia seg-uir rumo do oeste e não o do Norte.
Só se Pirapitinguy era em outro ponto ou ainda
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que. Azexedo haja voltado da Bahia pouco depois da sua partida. E com effeito para alli partira em junho de 1647 e estas a em Pirapitinguy., a 15 de maio de 1648, prestes a tiomar a entrada geral dos pTeadores de índios. Fixa Calógeras a partida da bandeira de Antonio Pe- reira dc Azevedo em 1649 (cf. Minas cia Brasil I, 38), mas ha provavelmente ahi erro de impressão. Basilio de Magalhães o rectifica.
Não sabemos porém eni que se estriba o autor das Minas ép Brasil para affirmar que se fez a expedição do São Francisco. A descoberta e di\ailgação da carta inédita de Antonio Vieira referente á grande joirnada raposiana, divulgação que se deve, entre tantos e as- signalaidos ser\-iços á nossa historia, ao eminente eru- dito J. Lucio de Azevedo trouxe nova incerteza.
Neila se diz que o lugartenente do grande serta- nista SC chamava Antonio Pereira,
Seria elle Antonio Pereira de Azevedo? Eis uma per- gunta a que em hypothese alguma, podemos por em- quanio dar resposta.
CAPITULO X
Bandeiras e bandeirantes diversos das primeiras dé- cadas seiscentistas, e sobre quem ha pouca {documen- tação. — Os Buenos. — Diversas expedições ao seráão entre 164-0 e lGJ-7 — Bíiitdeiras a s signa- lados por ENis. — Vicente Bicudo, João Pereira, J\eronymo Bueno. João Mendes Geraldo e Sebastião Fernandes Camacho. — Bandeiras ájionykmas. — Expedição de Antonio Nunes Pinto- — Antonio Do- mingues e Francisco de Paiva.
Só ba\ia no São Paulo seiscentista, do primeiro quartel do século, cinco ou seis pessoas que não ser- tanisavam;, af firma o Padre Justo Mansilla \'an Surck. Innumeras devem pois ter sido as expedições á selva. Mas a maioria destas entradas mada deixou de si. De algumas apenas ha a nxais restricta recoixlação. Do- archivos surgem agora apontamentos, sempre escassos, documentando fugazmente esta ou aquella balndeira.
Entre os descedores de indios do século XV lí no- táveis foram) os Buenos. /,á os \'imos numerosos na. grande jornada do Guayrá. De modo geral sabemos que lhes coube no conjuncto do bandeirisanio seiscentista notável papel.
Die Amador Bueno da Ribeira, o famoso «acclama- do» de 1641 e de quejm tanto íjá faKármos, sabemos por
Os Buenos bandeirantes
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Peclro Taques que foi personageni de prol do bandei- rismo (cf. Rev. do Inst. Hist. Bras, t. XXXII, p. 179
Muito pittorescuinente nol-o relata com. a sua sabo- rosa maneira de contar: «Teve grande tratame^toi c opu- lência por dominar debaixo de sua administração mui- tos centos de indios, que de gentio bárbaro do sertã.o se tinham: convertido á nossa sanita fé. pela industria, valor e força das arm,as, com que os conquistou em seus reinos e alojamentos.. Com' o trabalho destes homens, occupados em dilatadas culturas, tinha todos os annos abundantes colheitas de trigo, milho, feijão e algo- dão. Desta fartura ficava sendo igual a da criação dos jxjrcos. Possuia numero grande de gados vaccuns, aiii- maes cavallares e rebanhps grandes de ovelhas, cie que foi muito fértil o estabelecimento e po\oação da cidade de São Paulo, cujos habitadores não logram no presente tempo daqueila abundajicia antiga da cria- ção das ovelhas, por cuja falta se extinguii'fam; as fa- bricas de chapéos grossos, que, ainda no fim do século e anno de 169Ç), estavam estabelecidas. Da abundância que possuia Amadoi' Bueno sabia liberal empregar na utilidade publica, e despender nas occasiões do real serviço, porque de São^ Paulo costumavam ir para a cidade de Bahia, em apertos de guerra, soccori-os tle farinha, de trigo, carnes de poroa e feijão, que pedi/ram os governadores geraes do Estado em diversos tempos.»
¥oi Antonio Prelo, gejiro de Amador Bueno e fi- lho do famoso Manuel Preto, outro grande caçador de indios pelo que se pode deprehender de nefertíncia, da Nobiliarchia (Rev. do Inst. Bras., o2, 1, 184).
.\ffirma Basilio de INíagalhães que Antonio Bueno, filho do Acclamado, também dirigiu bandeiras para o 'sertão em 1637 «mas não nos diz de onde houve esta referencia, Francisco Bueno, irnaão de Amador, este «pela mesma data, capitaneou uma leva, com grande numero de outros paulistas, tendo o cabo fallecido em 1638.» '
Tratando da invasão bandeirafite no Rio Grande do Sul tivemos o ensejo de falar detidamente deste, serianista e suas proezas.
318 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Die Jierionymjo, Bueno, também irmão de Amador e genro de Manuel Preto, diz Taques (cf. Rev. do Inst- Hist. Bras.. t. 32, I, p. 236):
<vHieronimo Bueno (filho do Sevilhano, etc.) tendo servido os honrosos cargios da republica de São Paulo-, sua pátria, penetrou o sertão do rio Paraguay dos do- mínios de Castella com o interesse de conquistar na- ções de gentios Bakans etc; sahiu por capitão-mór des- ta triopa e corti toda ella pereceu ás mãos do inimigo em 1644,, Qomo se vê no cartório de orphãos de São Paulo, maço l.o de inventários, letr. H. n.o 5, o de Hieronimo Bueno, estava casado com Clara Parenta, natural de São Paulo, filha de Manuel, Preto, natural de Portugal, e de sua mulher Agueda Rodrigues, fun- dadores da Capella de Nossa Senhora doO'.»
Entende Ellis, no seu mag'nifico estudo, que tanto temios citadoi, que a Saandeira batida em Mbororé não poldc ter tido o vulto que lhe assignalaram os his^toria-. dores hespanhóes ignacinos.
<oNo- nordeste, em porfiada lucta contra os fla- mengos, estaria ainda o importante corpo de soccorro en\'iado de São Paulo, sob o cottimando do mestre de campo Antonio Raposo Tavares e dos cinco capitães, oommandantes: das companhias. Justamente nessa oc- casiãio em que se feria M'Bororé, ao se ter a noticia, em) SãiO Paula, da elevação dos Braganças ao thronoi portuguez, então separado da Hespanha, grande quan- tidade de povo acclamava Amador Bueno, rei de São Paulo, e, quasi ao mesmo tempo, outra m^ultidão^ 'fazia o mesmo em relação a íd. João IV.
Foi também em- 1640, quando deveria ter já par- tido a gente paulista de M'Bororé, que os hollandezes desembarcaram em Santos, em um «raid», de tentativ^a de conquista do Brasil meridional, que tanto ef feito lhes tinha surtido na Bahia e em iPernambuco, annos (^n- tes. Tiveram, os paulistas de, á pressa, organisar vultuoso corpo de armas, que, pela serra de Mar abaixo, corr<eu a repellir o invasor, o que conseguiu não sem ardo'.rosa lucta. Eoram) os paulistas chefiados, então, pelo já ce- lebre sertanista capitão Fernão Dias Paes Leme, como
Bandeira re^^rlaoa por Ellis .-iiO
revelou Affonsa Taunay. na sua tão citada, quão ma- gnifica conferencia sobre este mencionado «condaCiere».
De sobreaviso, pois, deveriam, ficar os bandeirantes de serra acima, contra outras tentati\^as de flamengos, que muito bem poderiam repetir a façanha e encontrai os morajdores do littoral, como os cio pjanaltp, despre-i venidos. si não estivessem elles em mobilização con- tinua e ininterrupta, Aliás, era esta a norma .de pro- ceder dos paulistas, quando, ao longe, surgia um, re- bate c[ualquer de inimigos na cosia, ficando, em conse- quência prohibido o bandeirantismo.
Treniendas foram, co.tno se vê, as energias, que os habitantes de São Paulo tiverami de pôr em jogo com tantos perigos e tantas empreitadas em acção.
Não lhes era possivel, com, isso, reunir um exercito de 4.000 tupys e 500 a 600 fmameluoos, como dizem ps jesuítas (Teschauer, loc. cit) e enviai-os contra os fran- galhos das organisações da Com,panhia de Jesus na margem direita do Uruguay.»
Realmente ha entre os depoimentos hespanhóès acen- tuadas divergências. As cifras citadas pelos chronistas ignacinos são evidenteiuente exageradas: 600 mamelu- cos e 4.000 tupys, numero ainda agora repetido pelo douto Teschauer.
Ruyer cujo depoimento capital acompanhámos, tão de- tidamente, no segundo tomo desta obra, reduz o exercito vencido a 350 brancos e 1200 tupys.
Sigamos poroOT a argurr.eatação de Ellis que, sobre as bandeiras de 1640 e 1630 adduz importantes iacha- dos.
«Além, de íudo isso, ainda havia bandeiras do ser- tão, a chefiada por Jeronymo Pedroso de Barros, que é justamente a que julgamos ter militado em M'Bororé, e outra internada e-m. sertão anoinyrno, da qual faziam parte os seguintes bandeirantes:
Vicente Bicudo, Luiz Dias (faliecido no sertão), Francisco Correia, Antonio Gil, Sebastião Gil, Pe- dro Furtado... Baptista, .Antonio Lopes Perestrello, Francisco Barreto, Antonio Agostina e mais outros que escaparam á identificação.
320
Historia Geral das Bandeiras Paulistas
(<^nv-. e tests.» v. XIII, 434, testamento de Luiz Dias)i.
Em setembro de 1642. de\ eria estar de retorno ao po- voado paulistano esta expedição.
Uml anno antes, em .setembro de 1641, aprestava- se em São Paulo importante IcA^a, para ir ao sertão, cousa que cha'm!ou a attenção da governança, ainda abalada pelo recente «raid» e desembarque flamengo em San- tos, p^o que lo procurador do conselho requereu que: «...a sua notisia hera vindo que se aviavam desta vila mais de sesenta pessoas moradores delia pera hi- rem ao sertão contra as leis pro\izões prohibiçjões de sua magestaide que pedia e requeria aos juizes ordiná- rios q. logo e com effeito impidisse a tal hida do sertão, procedendo cora todo rigor contra as ditas pessoas e prizãio e sequestro de todos seus bens e indios de s^u serviço postos nas aldeãs pera que obrigadas de rigores deixassem de fazer hum tão grande desserviço de smade..-» (Actas, vol. V, 107)^. e com tão 'pouos meios de impedir tal entrada se encontrava o procurador, que, talvez, já ella tivesse abandonado o povoado, em direcção a Itanhaen, onde, provavelmente, de\eria en.ibarcar com destino ao std, segundo se deprehende do requerimento. ProsíCguiai o procurador no seu peditório.
«...e outrosi aos ditos officiaes da camera man- dassem; pasar precatório ao capitão mór e ouvidor da capitania e repartição da condeça do vimieiro offes, da camera de tinhaem impedirelm com todo o effeito que por aquella capitania não pasase gente gente nenliua ao dito sertão nem delia sahisise. e pelo contrario protestavão de ique s. (magde sendo informado' mandar proceder contta elles e se ha- ver per suas fazendas c bens todas as perdas da- nmos que da dita hida c \ iagem resultas'sem e que se fixase quartel»... («Actas». \'. V, 107.) E' muito possível, e as datas comparadas o admittem que esta expedição, de que este citado documento muni- cipal nos dá noticias e do qual se deprehende, com cla- reza, de nada terem adeantado as medidas severas annuncíadas pelo procurador do conselho, seja a mesma que, um anno depois, chegou a São Paulo, e da qual de-
Bandeiras descobertas por Ellis 321
mos noticia acima, com uma lista de bandeirantes, con- seguida graças ao testamento de Luiz Dias. faliecido no sertão.
Depois destes emprehendimentos, não nos outor- garam os documentos examinados, nenhum esclarejci- mento novo a respeito do bandeirismjo, até 1643, quan- do sahiu de São Paulo:, uma bandeira sob a chefia; de um tal João Pereira, desconhecido homonymo do capitão mór Botafogo, meio século atraz, da qual fez parte ura dos grandes sertanistas do tempo, o capitão JieronymO', da \'eiga. que, na opinião de Azevedo Mar- ques, foild'os maiores potentados paulistas, pela sua gran- deza em cabedaes. Era elle filho de Belchior da Veiga, não mencionado por Siha Leme, e genro de João Ga- go da Cunha».
Acerca 'de Jeronymo da Veiga ainda teremos de fallar assaz extensamente. Foi para o fim do século personsâidade de alto relevo na historia do ban- deirantismo:
Prosegue Ellis ;
«Divergindo da direcção sul, então tomada pela totalidade das entradas, que procura\-am os grandes ce- leiros de Índios, já domesticados das reducções, de além Tordesilhas, esta expedição de Jeronymo da qual tam- bém! foi componente Sah ador de Edra, tomou o rumo norte, jiá quasi esquecido no passado, pelos paulistas, para entrar no sertão dos indios gúaromimis, depois chamados guarulhos, affins dos guayanazes, que fica- vam; em território actualmente de Minas Geraes, na ver- tente de alémi Mantiqueira, no alto Sapucahy, e vizi- nhos !dos Puris e Caetés, todos de raça tapuia.
Eram estes territórios da vertente opix)sta da Mantiqueira, quasi exclusivamente trilhados, pelos companheiros de Jacques Felix, que sobre o Pa- rahyba, nessa occasião assentavam o alicerce.de Tau- baté. Trouxe Jeronyinw a São Paulo, nessa occasião, grande numero de peças gúaromimis que estabeleceu «n sua fazenda de Caucaya.
Revelou-nos esta entraida o inventario de Pedro Rodrigues, tendo levado para o sertão um carijó ta
322 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
este pertencente. («Invents. e tests.», \. IX, 248 e se- guintes).
Semi entrarmos no conhecimento de bandeiras, já sabidas como a que Pedro Taques nos revela em 1644, sob oi mando de Jieronymo Bueno anniquilada no Pa- raguay. e para as quaes nada adeantam os documentos publicaldos, vamos em 1645 encontrar uma, em^ sertão anony- mo sob a chefia do capitão mór João Mendes Geraldo e oom os seguintes companheiros conhecidos:
Capitão Francisco de Siquçira, Antonio Bicudo de Brito, Bernardo Bicudo, João Bicudo de Brito, Antonio, Pedroso de Alvarenga (talvez o segundo deste nome), Manuel Domingues, Belchior da Cos- ta Luiz Castanho de Almeida, Christovam de Aguiar, Girão, Manuel Girão , Pedro da Silva, Mi- guel Gonçalves Corrêa. Antonio Gomes Borba (fal- lecido no sertão), e Francisco Ribeiro de Alvaren- ga. («Invent. e tests.», v. XI, 347 a S70. inv. de Antonio Gomes Borba).
Infelizmente, o documento, onde fomos colher a noticia desta empreitada sertaneja, não nos valeu para sabermos jiiais alguma cousa a respeito delia.»
Neste mesmo anno de 1645 falleceu outro sertanista notável de cujos feitos quasi não conhecemos pormeno- res, Francisco. Dias. pae do illustre Francisco Dias Velho o primeiro povoaidor da ilha de Santa Catharina.
LJma referencia a seus feitos já a citamos a das Acta,', da Camara de São Paulo, que o diz no seje tão em 1636 (cf. Hist. Geral, das Band. Paul., 2, 232), A seu respeito escre\eu Peídro Taques:
Francisco Dias se fez opulento de arcos, cujos indios conquistou com armas de sertão, e gostando desta guer- ra tornou para a mesma conquista, e no sertão dos Patos ei Rio de São Francisco para o Sul até o Rio Grande de Sã/O Pedro: Falleceu no anno de 1645.»
Continúa Ellis :
Nesse anno de 1645, de Sant' Anna das Cruzes de Mogy. hoje Mogy das Cruzes, o capitão Sebastião Fer- nandes Camacho se punha á frente de 'uma expedição
Bandeira de Sebastião F. Camacho 323
de descoberta de inetaes, conforme se \ê de texto .se- guinte :
«...a notificar ao capitão Sebastião Fernandes Camacho por uma ordem por escripto que o dito senhor me deu como go\ ernador das minais e reaes quintos da Casa da Moeda deste Estado; a que com. pena de crime; de lesa magestadc e confis- cação de seus bens. e de se proceder contra elle oom todo o rigor não fizesse ás partes donde o intentava e fazendo a dita modificação o dito Sebastião Fernandes Camacho me respondeu c^ue ia ao serviço de sua magestade como leal Vas- sallo ao descobrimento das minas e metaes e par- ticularmente ao de prata de que tinha bastante noticia; e que tinha feito grandes gastos por ser- viços do dito senhor; e que havia de seguir sua viagemi emquanto sua magestade não mandasse o contrario...» (<;Registo.», v. VII, 216.) No anno de 1646, além da chegada a São Paulo ida bandeira de João Mendes Geraldo, de que demos noticia acima, só encontramos referente ao bandeiris- mo, que em fe\eieiro desse anno partiu de São Paulo, para o sertão, uma foriiiidavel bandeira, como asse- gura o seguinte texto documental:
«..porquanto, a mor parte dos moradores des- ta villa e ainda os de maiores poses estavam de caminho para o sertão sem nenhum temor de Deus nem, das justiças dezamparando esta capita- nia e deixando a exposta a notáveis perigos so- bre a que por duas vezes se tinha deprecado lao capitão mór da capitania a villa de Santos re- querendo-se lhe viesse a esta atalhar estes ex- cessos,..» («Actas», V. V, 262).
E' facto \-erdadeiramente notável ter esta bandei- ra denunciada por este documentio municipal compos- ta da maior parte e dos maiores potentados da terra pas- sado despercebida a Pedro Taques. bem como a qual- quer outro illuminador das trevas do nosso passado. Para onde ter.se-hia dirigido esta léva, que deixava des- amparada a villa paulistana, exposta aos perigos e ao
324 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
terror, que os cruzeiros flamengos lhes causavam; tan- to mais quanto já tremenda ia de novo a guerra que os patriotas pernambucanos moxiain ao intruso invasor?
Qual o emprehendimento que de longe no sertão distante attrahia a acti\idade de tantos bandeirantes, o qual não se reflectiu, ainda, nas paginas de nossa his- toria conhecida?
E' o que fica ao futuro resjionder. quando os docu- mentos do nosso aixhivo tiverem sido melhor estudados, por algum paciente rebuscador que vá escavar essa mina riquíssima, até agora soterrada na poeira do es- quecimento.»
Além destas expedições ainda fixa o pven e lerudi- to autor outras de real importância desvendadas gra- ças ao seu brilhante e honestissimo esforço. Cit^-ivíl> pois salvo quanto aos conceitos em que sempre generoso se refere aos nossos trabalhos.
«Em; fevereiro de 1647, quanda se aviava em São Paulo, o soccorro á Bahia, aprestava-se também, para partir, mna outra expedição, com o fito. pelo menos apparente, de descobrimento da prata, a qual seria capitaneada poi^ Antonio Nunes Pinto, que devia le- \-ar apenas 12 homens comsigo. segundo demonstra o zeloso requerimento do procurador do conselho, na ve- reação de 16 de fevereiro de 1647;
«porqto van a buscar o gemitio e nam ao des- cobrimento da prata e que fose notificado antonio nunes pto que nam le\ase mais gemte em sua compa. que) ia que tinha nomeado nesta camera por hu rol que eran doze homieís; e outrosi requereo mais o dito procurador do conselho que sendo cazo que o dito anto nunes pto indo a busca da prata que hia descobrir que todo o gemtio que troxesse ho pozesemi nas aldeãs de sua magde...» («Actas», v. V, 294,)
Nada mais rezam os documentos, dahi por deante em relação ao destino tido pela léva de .Antonio Nunes Pinto, que certamente, nada encontrou de prata nem de outro qualquer metal.»
Bandeira de Antonio Domingues 325-
De Antonio Nunes Pinto e suas façanhas serta- nistas os docuniicntos do Archivo da Marinha e de Ultramar de Lisboa se occupain bastante. Foii a sua ex- pedição de cunho absolutamente proapecter. Trouxe do sertão umas amostras de minério que suppunha de prata e foram enviadas a Lisboa onde as analysou certo Paulo Antonio Rivadeneiro. Desta analyse se occupou o Con- selho* Ultramarinq, nas duas consultas de 15 de feve- reiro e 26 de abril de 1651. Estes minérios parece que Nunes Pinto os achara no sertão de Curityba. Na ex- tensa c (c uriosa carta do celebrado Provedor Pedro de Souza Pereira, dirigida a D'. João IV, datíada de Ita- nhaen e de 20 de maio de 1653, se conta que neste ,mil- lesimo esta\a o sertanista novamente na selva, sempre á pesquiza da prata, «havendo se internado do porto da Laguna para oeste. Fornecera- lhe o Provedor largos ele- mentos aliás. A' sua expedição volteremos quando tra- tarmos da mineração seiscentista.
Em 1674 ainda vivaa .Antonio Nunes Pinto em Pa- ranaguá como demonstraiTi vários documentos (cf. An-- naes da Bibi. Nacional, 39, 20!9).
Continua Ellis:
«Beni mais vultuosa que a de Antonio Nunes Pinto foi a bandeira de Antoniol Domingues, assignalada no sertão, em 25 de junho de 1648, graças ajos testamento e inventario, feitos por morte do bandeirante Affonso Dias. de onde tiramos a seguinte lista de membros da expedição:
Capitão Antonio Domingues (cabo da tropa), (Silva Leme não menciona este membro da familia dos Domingues, talvez fosse elle itimão de Amaro Domingues e filho de Pero Dofining-ues o velho), Pero Domingues, o moço, João de Oliveira (Sutil de de Oliveira, que fez parte do primeiro soccorro (a Pernambuco e outras bandeiras, já mencionadas por nós,) Domingos Cordeiro, o moço, Francisco Cor- deiro, Pero Cabral de Mello, João Paes Mallio, Ma- nuel Domingues, Antonio Cordeiro (o futuro ca- pitão mor de Jundiahy, Antonio de Oliveira Cor- deiro);. Jorge Ferreira da Rocha, João FerrfeiTa,
326 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Roque Lopes do Amaral. Balthazar Ferreira, Affon- S(0 Dias (o fallecido), Antonio Martins, Balthazar Carrasod dos Reis, Matheus Serrão, Jorge Gon- çalves, Pero Correia da Silva, Paschoal Dias, o moço, Jeronymo da Si,l\a, loão Dias, Martim Ro- drigues, LSimão Rodrigues Coelho e Affonso Fer- nandes («Invent. e tests», v. XV, 52 a 60).
Infelizmente, nesses documentos examinados, não enoontramoa dados para concluir quaes as paragens, por onde andou, essa grande turma de desbra\-adores do sertão e conquistadores de indios.
Não voltou ella a São Paulb, porém:, antes de ou- tubro de 1649, data do «cumpra-se» de testamento do fallecido Affonso Dias.
Quaes teriam sido as regiões attingidas por essa bandeira? Seria ella, porventura, uma das muitas bandeiras assignaladas, pelos documentos hespanhóes, em terras db governo do Paraguay, nesse anuo de 1648, assaltando as aldeias ao norte da serra de Maracaju', das quaes nos dão conta a pena perscrutadora do Dr. Taunay? Ou talvez fosse ella uma parte do segundo soccorro paulista ao nordeste occupado pelo batjavo de Nassau, que deveria ter tomado o caminho terresfre, sahindo de São Paulo em 1647?
São, apenas conjecturas que se es^■oaçam dos la- cónicos documentos citados, bem como das datas das e)m.preitadas referidas,, mas que, entretanto, delias sa- hir seria por demais temerário, visto como nada ha, por emquanto, que as solidifique.»
Como que não ha\ia então em. São Paulo quem se jdespreoccupasse do bandeirantismo confirmando-se o que (escrevera o Padre Mansilla emi 1629: xEil toda la vila de San Pablo no habrá mas de uno ó dos que po vayan k captivar yndios y enbien sus hijos ó otros de su casa.»
Participavam os clérigos desta feição de sua coUe- ctividade oomo varias vezes já o notálmos.
Entre os sertanistas da década de 1640 lembra Pedro Taques o Padre Pedm de Lara Moraes de quem diz: «Clérigo de São Pedro, passou-se para a liba
Bandeira de Bernardo Bicudo 327
Grande Angra dos Reis. Neila descobriu pelos annos de 1647 os campos c terras de ge...nae Mambiccaba, e pediu de sesmaria quatro léguas, dizendo na supplica cjuc cspera\-a cie São Paulo -a seus paes com quatro ^-;ernos cuniiados delle, que eram Lourenço Castanho Taques, Luiz Castanho de Almeida, Tristão de Oliveira Gago e Francisco Martins Bonilha (Cart. da provedoria da fazenda real de São Paulo, L» de sesmarias, n.» 10, anuo 1643, pag. 65), e lhe foram concedidas as ditas' quatro léguas para o dito effeito. Porém nem os paes, nem, os cunhados forairí, e somente seu irmão Joaquim' de Lara, foi seu morador da ilha Grande.»
Referindo-se ao grande périplo^ raposiano merece- dor do capitulo extenso e especial que lhe consagramos annota EUis de passageni:
<^Foi ainda nesse 1648, que de São Paulo sahiu a memorável expedição que Raposo Tavares, o maior bandeirante jdn tempo, le\ ou até ás boccas do Amazonas, dci)ois de ter assaltado as reducções de Bolanos, Xe- rez, Itaiin e 'N. S. da Fé, em combinação com outra ban- deira chefiada ])elo mameluco «matador de indios», .André Fernandes, segundo documentação hespanhola, revelada pejo Dr. Affonso Taunay, (Enganou-se S(ilva Leme que, na !«Geneal. Paulistana^, vol. VII, 225, diz ter André Fer- nandes fallecido em 1641», Aliás ha na NabiUarchia uma referencia [positiva á existência do fundador de Parnahyba em .1658.
E ainda da nos conta o erudito autor de uma ul- tima ]íe.x]>ediçã(). nova no rói das bandeiras...
«No anno de 1649, no nTez de março, fazia Bernardo Bi(^udo o seu testamento, no sertão, onde falleceu, de- nunciando, assim, a lé\a do capitão Francisco de Paiva, em( companhia da qual estaca elle bandeirando. Con- seguimos, desla entrada, saber os seguintes componentes ©:p(dicionarios:
Lazaro Diniz, Christovam Diniz, Domingos Dias Diniz, Manuel Collaço de OHiveira, Domingos Nunes Bicudoi. Domingos Paes da Silva e Bernardo Bi- cudoi, o fallecido. (Invent. e tests», v. XV, 176)|. Absolutamente desprovido de qualquer elemento, do
Historia Geral das Bandeiras Paulistas
qual se pudesse tirar uma qualqUer illiação sobre o fim desta bandeira, ficamos na impossibilidade de com- mental-a.»
Ao bomeçar a década de 1650 extingue-se outro sertanista notável que já vimos figurar com realce na grande bandeira de 1628. Delle diz Pedro Taques:
«Antonio Bicudo, fez o seu estabelecimento na mes- ma fazenda de Carapicuhyba, que fora de seus paes. Fez varias entradas ao sertão, e reduzindo muitos Ín- dios Igentios, depois de instruidos nos sagrados dogmas, se fizeram catholicos, e com elles se ser\iu, com o ca- racter de administrados, para todo o género de servi- ço, íassim íio trabalho da cultura, como na extracção de ouro de faisqueiras de diversas partes da serra de Jaraguá ,e ribeirão de Santa Fé. Falleceu com testa- mento aos 4 de dezembro de 1650, declarando .nelle os nomes e as naturalidades de seus paes, e a mulher com quem fora casado.»
CAPITULO XI
Fernão Diias Paes Leme, personalidade de enorme re- levo. — Lacunas preenchidas de sua hiographJ^ obscura. — Seus irm\ãos, — Seus prlfneiros 'iféÍto\s bandeirantes.
Já em; diversos capítulos desta obra tivemos o en- sejo de nos referir a essa personalidade máxima do baiudeirantismo que foi Fernão Dias Paes Leme, ao his- toriar diversos episódios em que esteve envolvido como nas expedições ao Rio Grande doi Sul, na década de 1630, e 'na expulsão dos jesuitas de São Paulo, Tal po- rém o relevo deste grande vulto que á sua biographia precisamos consagrar algumas paginas especiaes, pois não lha talvez nos nossos annaes de colónia nomfe mais histioricamente prestigioso le popular do que o do grande bandeirante seiscentista, do incançavel explorador dos imimensos e ignotos sertões do «Guayrá», dos «Itatins», do i«Ibuturuna», dos «Cataguazes», hoje territórios do Paraná, Matto Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Ca- tharina^, do Uruguay, Minas Geraes, Bahia, o famoso governador Idas Esmeraldas, a quem Bilac intitulou Caçador de Esmeraldas, augmentando-lhe o já tão lar- go renome Ig raças ao estro dos admiráveis alexandri- nos emj que lhe celebrou a gloria.
E jno emtanto, até agora, muito pouco é o que
^bre elle se escreveu, pouco ainda o que deite sé co nhece. Enormes as lacunas de sua biographTa obrcura esparsos os elementos fixadores de s„í / !,
escreveu Pedro t1 A"'*'W»-«
dos d„ li I bisneto. Aos da-
u uine Ur%ille Derby o itinerário da ?rande ban deira esmeraldina, .^inda ultimamente, na sua f r^^
O) J.OO, concatenou Basilio de IMao-alhães
Z d:r rf ^ ^^"^-^ edi-
ções ca %ura maxwm que é o sertanista
mZ Vtr ° ^'^^«-'-^ ano-
eXo T'''' São Paulo, que
levamos a effeua, trouxeran. novos elementos bioera- pnicos referentes ao caçador de csnaeraldas
Js últimos documentos sobre Fernão Dias Paes ^c>elad.os loraml os que Capistrano de Abreu, com a sua formlda^'el sciencia de nossa historia, descobriu e cíom,numcou. publicando-os outro erudito do maior va ior. Feu de Carx alho, então dedicadissimo director in- termo dc Archi^-o Publico de Minas Geraes. nos to- mos XIX e XX de sua Reuista.
Tivenws ensejo de descobrir, na massa dos au- tos amda não catalogados do Archi^■o do Estado de bao Paulo, algumas folhas, infelizmente não volumo- sas, de papeis pertencentes ao filho, lambem notável, do ckv^assador de sertões: Garcia Rodrigues Paes; as .at- testaçoes de serviços em que alleg^ a d. 'Pedro II as gran- des -acções paternas. E ainda veiu-nos ás mãos. graças a unia dadiva generosa de Silva Leme, o eminente -e- neealogista em quem o escrúpulo corria parelhas com a eiudiçao, veiu-nos ás mãos, diziamos. uma série de
ICONOGRAPHIA DE FERNÃO DiAS 331
paginas de um capitulo inédito e truncado da Nobiliar- chia Paulistana, onde ha \arias curiosas e desconheci- das referencias á> acção do 'grande bandeirante nas luctas civis de sua villa natal.
Pouco sobre Fernão Dias Paes se tem escripto, dis- semol-oi. H, com ef feito, além d» Bilac, apenas, ao: que Inos ])arece, delle se occupou Carlos Góes, um' dos nossos mais justamente acclamados dramaturgos.
Numa) bella peça: O governador das eSmeraída^s faz o autor de Innocencia. de Maria Quita, e d'0 sa- crifício, reviver, com o forte sentimento de sua arte, as scenas cruéis do rude ambiente em que se moveu o bandeirante
Ainda não ha muito verberava Adolpho Pinto, e com a {maior propriedade de termO;S e motivos, a grande divida que São Paulo tem a saldar para Com aquelles que, Depellindo o meridiano de Tordesilhas, para o longín- quo Oeste haviana levado o Brasil até ás margens do Paraguay e do Madeira.
E a falar especialmente de Fernão Dias Paes Le- me lembrava que uma única homenagem lhe fôra en- tão feita em sua cidade natal: a que o Abbade Dom Miguel Kruse e a sua conxmunidade lhe haviam vo- tado, decidindo esculpir-lhe a effigie sobre a muralha extenor da nova e cyclopica egreja abbacial recem- oonsagrada nimia cerimonia magnifica e onde repou- sam os seus restos.
E assim surgiu o bello bronze de Dom Adalberto Gresnigt, tão expressivo na sua virilidade ideahzando- se ic> rostc do descobridor, de que não havia retrato, e oomo é ide pjaxe, segundo os traços nobres e austeros, de seu quinto neto, em linha varonil, o sr. dr" Pedro Dias Giordilho Paes Leme, um dos vultos aristocrati- coo ide realce pelas maneiras c cultur,a, de ique se pôde orgulhar o nosso segundo império, cheio de raça, si nos é permittido o gaUicismo expressivo, ate a raiz dos cabellos.
Eni (mil no\^eoentos e vinte e dois, pela primeira vez teve o governador das Esmeraldas a consagração da es- tamaria. Numa figura solenne, majestosa, hierática, ide-
3-^2 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
aliziou-o a bellissima arte de Brizzol^ra, nuím mármore que se acha no peristylo do Museu Paulista. Encarna o segundo Igrande cydo bandeirante, o da pesquiza do ouro e das pedras preciosas e tem em frente outra fi- gura máxima do sertanismo^ a symbolizar o primeiro grande cyclo, Antonio Raposo Tavares, que o admirá- vel esculptor representou na mais apropriada e estu- penda das attitudes, com; o braço alçado ao nivel dos olhos, num gesto de quem attento esquadrinha o hori- zonte infindo e hostil.
Também interpretou outro artista, Williani Zadig, a figura de Fernão Dias Paes, n'um dos tres grupois. principaes do seu tnonumento a Bilac.
E' um; pouco que se paga da 'grande divida da gratidão nacional para com a figura máxima do serra- nizador.
De posse de alguns elementos novos, jámais invoca- dos, e servindo-nos dos já divulgados, seja-nos per- mittido tentar reconstruir a g'rande vida do bandei- rante.
Onde nasceu é o que se não sabe. Certamente em São Paulo, ou suas cercanias e em 1608 segundo nos revela o inventario de seu 'pae. Tinha em 1633, 25 an- nos de edadel diz o lauto. E' io (que aliás confirma a declaração do Padre Domingos Dias, Reitor do Colle- gio ^(de S. Paulo. Disse o jesuita que, ao encetar Fernão Dias, a grande jornada esmeraldina, em 1674 partira «semi Ireparar em sua maioridade que hera de sessenta e seis annos» (cf. Revista do Archivo Publico Mineiro, XX, p- 187.)
Era em 1639 capitão das ordenanças da villa de São Paulo, <;do districto e limites de Cotitambaré ( ?)» nome que se apagou na 'geographia rejgional.
Nesse mesmo anno partira «com ogovernador de toda 'a gente de guerra que fôra no sertão descobrir minas». Um inventario do sertão, ultimamente publi- cado, nos conta que, no anno anterior, estava em terras hoje paranaenses numa bandeira.
Pertencia Fernão Dias Paes aos mais velhos clans
Antepassados de Fernão Dias Paes
333
vicentinos, provindo das primeiras levas de colonos hiartim-affonsinos.
Filho primogénito de Pedro Dias Paes Leme, «paulis- ta (de grande estimação e respeito, que muitas vezes occupou os cargos da Republica e fallecido em 1633»; era sua mãei Maria Leite, também paulista, filha de Paschoal Leite Furtado, açoriano fidalgo, passado ás minas da Capitania de São Vicente, em^ serviço da Coroa e aparentado com Pedro Alvares Cabral e Gon- çalo Velho Cabral, o descobridor dos Açores,.
Pela avó materna prendia-se Fernão Dias Paes a Jioão do Prado, emigrado para o Brasil, em^ 153Í, com Martim Affonso, personagem quinhentista, do mais al- to rele^'0 em Sád Paulo-, pelo numero de entradas no sertão, e as grandes lavouras de canna doi littoral onde fazia trabalhar numerosos indios captivos.
Fallecera em 1597 no sertão , quando acompanhava o capitão-mór da Capitania João Pereira de Sousa, na sua campanha contra os indios.
Quanto a Pedro Dias Paes Leme era elle filho de Fernão Dias Paes, neto de Pedro Leme e bisneto de Antão Leme,, também madeirense. Já em 1544 juiz or- dinário emi Sãoi Vicente, segundo frei Gaspar da Ma- dre de Deus, republicano de destaque em !S;ão Vicente, Santo André da Borda do Campo e São Paulo, despo- sara Fernão Dias Paes a sua sobrinha Lucrécia Leme, filha de Pedro Leme e afazendara-se em Pinheiros con~i enorme latifúndio.
Assim fora Antão Leme, observa-o Silva Leme, o fundador Ida familia em terras de São Paulo. Provinha ella, em Portugal, de um flamengo, Martim Lems, de Bruges, que com d. Affonso V mettera lanças em Africa. Havendo-se o filho- distinguido em Tanger e Arzila, dera-lhe o Africano, em 1471, o brazão onde figuram os fcinco melros conhecidos, «em sautor, sem pés nem bicos».
Assim, Antão Leme, aparentado com a melhor gente da Madeira, descendente do descobridor da ilha, representava lim dos melhores elementos angariados por
mr^ Affonso de Sousa, para a nascenT^^
Nascido em São Paulo, em 1608, teve Fernão Dias Paes Lem,e a sua adolescência na época em que o cy2 da Caça ao mdio começou a intens ficar se F . l feuo (quando Antomo Raposo Ta^trdertrum os'^^^^ des estabeleczmentos jesmtico-hespanhóes de além fira
Ltel P. ' definitivamente as terra, a
leste do Paraná, mcorporadas ao Brasil
Tres annos mais tarde destruiam Raposo e seu. paulistas Santiago de Xerez, além Pavaná na! Ta" centes do Aquidauana, San José, Angeles' San Pe dro . San Pablo, reducções situadas nf ^alle do rio Pardo, em JMatto Grosso, entre os Itatines
Deante da investida paulista fugiam os hespanhóes e os ignacinos para o sul e para foeste. Em 1636. Anto- nio Raposo Tavares invade e tala o território riograa- dense. So em^ 1641 é que os jesuítas conseguem pôr um paradeiro as incursões dos inimigos, com a graL Victoria obtida em Mbororé..
Destas diversas expedições contra os pueblos i- suiticos, não nois consta haja Fernão. Dias Paes feito parte. Seu irmão. Paschoal Leite Paes, este, em 1636 figura na lista dos brancos que seguiaa. a bandeira dl Antonio Raposo ravares. segundo a relação descoberta por VVashmgton Luis, appensa a um inventario
Estava então esta expedição em [esus Maria de Ibiticaraiba, aJdeia da província do Tape, e destinava-se a assaltar os índios arachãs. no sertão dos carijós
Tivemos o ensejo de descobrir na documentação sevilhana que íii,ais tarde chefe da bandeira foi" Paschoal Leite Paes, batido e aprisionado por D. Pedro de Lugo y (Navarra, governador do Paraguay, na refrega de Caasapagu-assú em 1639 o que lhe valeu prolongado captiveiro em Assumpção.
Foi aliás Pasclíoal Leite Paes bandeirante de so menos relevo.
-^s trinta annos já era Fernão Dias Paes Leme
Os IRMÃOS DE TERNAO DiaS PaES
335
cabo de tropa. ReveJ.am-no no\'os documentos da Icolle- cção dos Inventários e Testamentos apontados por Ellis ei Ipor elle- lucidamente interpretados. Aceitamos in io- tuni as suas condlusões no segfundo tomio desta obra (pag. 248-253).
Deste papel se evidencia que eni 1638 talava Fer- não Dias Paes terras do Rio Grande do Sul á testa de vultuosa bandeira. Um segundo irmão do grande ban- deirante Pedro Dias Leite, também foi sertanista. Quanto ao ultimo da familia, este, de indole mais branda, se deixou levar pela vocação sacerdotal. Passou á corte de Lisboa a ordenar-se, tomando o grau de doutor em Theologia. e ;delle diz o sobrinho, o autor da Nlabitiar- cliia Panlisiana. com aquella saborosa linguagem, entre gongcrica e ao mesmo tempo singela, archaica e affe- ctada. «Foi sujeito de bom nome entre os seus naturaes,, dos quaes e dos extranhos grangeou grande respeito e applausos de estimação. Falleceu em São Paulo, deixando saudosa (lembrança, repartindo o seu cabedal em obras pias ic deixando grandes legados a \ arios parentes po- bres.» Merecera a «incomparável honra de receber uma carta .firmada do real punho do sr. dom Pedro 11», cheia Ide expressões muito honrosas.
Homem de letras e virtudes, pessoa de grande autoridade, fôra \isitador do bispado do Brasil pelas villas da marinha do sul e as do centro. E graças a sua influencia, obtiveram os bons povos que visitava a concessão pontifícia «para o uso do pingo, a que chamav^am banha de porco, nos dias das vigilias e tent- po de quaresma.»
E não pouco valia tal abrandamento de regimen naquelleí> tempos de rigorosos jejuns.
Curiosa' a ecliosão desta personalidade branda e affectiva numa raça composta de homens aspérrimos, como a do Caçador de Esmeraldas...
CAPITULO XII
Defesa d\o liitoral. — Luctas civis sanguinasas. — Fer- não Dias Paes e os jesuitas. — O accardo de 1653.
Era em 1639 Fenitão Dias Paes Leme capitão de ordenanças, já a dissemos. Maus dias corriam para o Brasil lusitano. Haviam os batavos levado as frontei- ras do seu dominioi até ao São Francisco, ao Sul, avé ao Ceará ao Norte. Dirigida a colónia pela clarividenaia e lo talento de Mauricio de Nassau, parecia definitiva- mente implantado em nosso solo o poderio neerlandez.
Ao longe da costa audazes e ameaçadoras surgiam as esquadras holalndezas.
Uma destas divisões navaes appareceu á barra de Santos ameaçando São Vicente e a ^'illa vizinha ;de Braz Cubas.
Era a segunda vez que um armamento hollandez considerável apparecia em attitude prenhe de perigos para a integridade paulista. Em 1615 tivera a esquadra de Jioris van Spilberg diversas escaramuças com ios vicentinos reforçados por paulistas, descidos da Serra sob lo commando de Sebastião Preto. Retirara-se, de- pois de alugmas depredações, desanimada da conquis" ta do porto paulista.
Parece ter sido o assalto de 1640 muito mais gra\ l.-.
Ataque hollandez a Santos 337
Curioso 'é que até hoje não se encontraram docu- mentos jpormenorisadores desta acção, de guerra.
Diz Garcia Rodrigues Paes. a enumerar a D. Pe- dro II os ser\iços do pae, que este, em 1640, accudira em' defesa das villas do littoral com' cem arcos -et muitos escravos que trabalharam nas fortificações to- mando parte em íiumerosos combates com os bat^a- vos |os quaes se retiraram depois de perder muita gente. De onze naus se compunha esta esqjuadra, batida em toda a linha.
Desta acção de guerra o documento qiue conhece- mos é a certidão passada la 16 de dezembro de 1640 por João Luiz Mafra, capitão-miór da capitania de São Vicente fa Fernão Dias Paes.
Neila se diz que a esquadra hoíllandeza tinha «on- ze inaus de força» que ha\'iam vindo a São Vicente, para saquear e tomar a villa afim ide se refazerem de mantimentos de que estavam mui faltos. ,
A\ásado pelo governador do Rio de Janeiro pro- curara Mafra precaver-se pedindo o auxilio dos paíu- listas. Fôra então que lhe accudira Fernãlo Dias Paes com. as milícias, de que commandava uma compamhià
«A' sua custa, com mtuito gentio seu, assistira ma villa de Santos, porto e barra, durante todo o rebate^ oom muito grande dispêndio de sua fazenda, ajudando a fortificar a dita villa com^ Imuito cuidado, mostff^ando- se muito diligente e zeloso no serviço de Sua Mages- tade, accudindo ás guardas necessárias como pelos mi- nistros da Guerra lhe era ordenado sendo sempre dos pri- meiros que se offereciam para o dito serviço.»
Expressiva, 'gratalmente delle diriam em 1681 os officiaes da camará de Santos: «Quando o inimigo hol- landez infestava esta costa tocavam a rebate e elle era dos primeiros que com todos os seus familiares acudia a socoorrer e fortificar este posto, animando os mais e exortando-os â defenção da pátria.»
Neste mesmo anno de 1640 houve em São Paulo terrível dissídio entre os Taques e Camargos, verda- dadeira batalha campal nas ruas da villá entre as duas facções chefiadas por Pedro Taques, cunhado de
^_iljSTORiA Geral das Bandeiras Paulistas
, Fernão Dias Paes, pelo casamento cona Potencia Leite irmã do bandeirante e Fernão de Camargo, o famoso Tifrre de alcunha, \ulto também proeminente nos fastos do bandeirantismo.
Ainda em 1640. exasperados com a resistência que os jesuítas oppunhant ás entradas ao sertão e á ca- ptura de Índios, reuniram-se os paulistas, imi>ondo aos padres ido Collegio de São Paulo, que se retirassem da Villa. Figurou Fernão Dias Paes entre os homens bons e notáveis da \illa que exigiram a sabida dos ignaci- nos. Mais tarde seria o magno protector da Companhia como já vimos.
Occorria pouco depois', já em 1641, o assassinat,o. de Pedro Taques pelo Tigre, facto que tornaria Fer- não Dias Paes mais tarde o irreducti\el adxersario: dos Camargos, na segunda phase da grande guerraj civil.
Curiosa esta feição paulistana,' esta lucta pelas ar- mas de d-oís partidos que transplantaram ao Brasili costumes de antanho, hábitos da Itália medieval, como foram as luctas encarniçadas dos Capuletos e Montec- chi, de Verona, immortalizadas pelo idyilio shakespea- reano de Romeu e Julieta.
Vencidos os Taques abandonaram a villa e. reti- raram-se para Parnahyba. E com elles os principaies vultos ide seu grémio, como Guilherme Pompeu de .Al- meida e Fernão Dias Paes.
Durante largos annos continuou agitadíssima a po- litica municipal de São Paulo, cuja Camara se revol- tou contra a autoridade do go\ernador do Sul. Sal- vador Corrêa de Sá. e a do prelado fluminense, o dr. Lourenço de Mendonça. Ao mesmo tempo, rusgava, e ào modo mais vehemente, com o \igario da \illa, o [enérgico padre Domingos Gomes .\lbernaz. Nova sé- rie de pittorescos incidentes, entremeados de. violências graves e effusão de sangue, e (|.ue pormenorisadamentó narrámos no segundo tonio de nossa Historia Seiscen. iista d\a Villa de' São Paulo.
Nestes annos torvos, que fez Fernão Dias Paes?
Fernão D<as Paes conciliador
339
Ter-se-ia ausentado de São Paulo em suas expedições ao sertão?
A 11 de fevereiro de 1640, estava em S. Paulo, onde requeria á Camara, comio filho e neto de povoa- dores, chãos para fazer casa em que morasse, pedindo " dez braças /da face da rua que a Camara abrira para a banda de Aleixo Jorge, com outro tanto de quint,al. Bem. modesta pretenção esta: nem quinhentos metros quadrados numa época ena qítie nada valia a terra. Pois as3ir?i mesmo a Camara só lhe outorgou seis de tes- tada e oito de quintal: «para fazer suas casa e quintal na paragem onde pedia resahando comtudo a circums- rancia de que sendo ali já dados os chãos os tomaria onde fclaclos não fossem;», o que prova que não havia propriamente uma repartição de cadastro nos assentla- mentos de concessões de terrenos na Camara da boa \illa de São Pai^lo do Campo de Piratininga, capitania de São Vicente, Estado do Brasil.
Parece ter sido Fernão Dias Paes o agente da pri- meira conciliação entre as facções politicas Htigantjes., Talvez desolado com a guerra civil que durante annos a fio desolara a villa le o planalto, niais lhe falasse ao patriotismo o interesse superior da communidade a que pertencia do que os baixos dictames de um par- tidarismo odiento e mesquinho. Aproveitou o prestigia de sertanista e os grandes dotes da personalidade su- perior para promover este apaziguamento.
Seja como fôr, nelle teve papel salientissimo.
A sua influencia prova-a a investidura recebida em 1651 como chefe do executivo municipal, eleito que foi juiz ordinário para este anno. No dia de Anno Bom', tradicional para a transmissão de poderes, e de accôr- do com as ordenações de sua magestade, a quem Béas guardasse, foi pelo juiz de 1650, Amador Bueno, passada a vara ao sertanista, dando-lhe «juramento aos santos exangelhos para que bem e verdadeiramente ser- visse o cargo de juiz ordinário por aver sabido no pel- louro ique se se abrira este presente anno de mil e seis- centos e cincoenta e hu e elle aceitou o dito juramento e prometeo de asim comprir pello que o dito juiz do
~ LÍÍstoria_Geral_^ Bandeiras P
^\ULISTAS
armo passado o ouve por empossado do dito caro-o.
^^^"^^ ^-1' escrnl^ d: Tomando a< chefia dos negócios municipaes teve
a^é o^ra " T '"^^^^ ^esde o primeiro Z ate para completar a ca^^ra. Nos pelouros, abertos
Ortzz de Camargo, o violento chefe dos Camargos.
Mas este excusára-se á posse, protestando os pri- vilégios da provedoria da Santa Casa de Misericord^ que exercia, isentando-o do serviço municipal.
A 7 de janeiro, dadas a sua recusa e a de diver- sos homens bons designados para a vereança. fez-se nova eleição sendo escolhidos dois vereadores e um
ITZ " ° ^^bellião Domin-
gos Machado que Ortiz de Camargo lhe notificara a sua desistência defmitiva do juizado para o qual de- signara a eleição popular.
Entretanto, a 14 de janeiro voltava á Camara de- clarando <3ue vinha tomar posse do cargo. Arrepende- ra-se provavelmente do passado ou, talvez, açulado pelos partidários, queria reassumir i^mta posição que assegfu-
ntT ? T . '"''^ Preeminência na politica mu-
nicipal. Confessou que. desejando excusar-se ao servi- ço, appellara para o Ouvidor e este lhe negara provi- mento a appellação; assim vinha servir com toda a le^dade, obediência á intimação do collega já empos-
Aoolheu-o Fernão Dias Paes muito bem. deu-lhe posse, mostrando quanto tinha o espirito conciliador e desarmou o contendor acirrado que era Camargo.
Portou-se este muito beím. aliás, dfurante todo o anno. tomando parte discreta nos negócios municipaes^ e .deixando que o collega imprimisse a directriz á acção da Camara.
Da leitura das actas numerosas de 1651, tira-se a con- clusax) de quanto conscienciosamente quidou Fernão Dias i-aes do bom andamento das cousas do bem publico, tratando do aprovisionamento de carnes e vinhos, das entrada ao sertão, das cousas da almotaçaria, etc.
Fernão Dias juiz ordinário
341
Tendo apparecido em São Paulo o licenciado Dio- go da Costa como juiz de orphamis e como estivesse ia exorbitar, attitude enérgica assumiu Fernão Dias con- tra este magistrado, intimando-o a que não exercesse o cargo antes de regularizada a sua'SÍtíuação pelo ouvidor geral da Repartição do Sul.
No fim do anuo, gostosamente começou Fernãlo Dias Paes a cuidar de um assumpto que tinha muito a peito: a reintegração dos jesuitas em seu Collegio de São Paulo.
Já aliás, e pormenorisadamente, o historiamos nos capítulos ida primeira parte deste volume. A qlles queira reportar-se o leitor.
De 1653 lem diante immenso avultaria o papel de Fernão Dias Paes Leme nos fastos do bandeirantismo. Assim lhe acompanharemos attentamienfe a notabilissii ma carreira. ' I '
Notas
I
Podre João Álvares, vigário de S. Paulo
No tomo segundo desta obra commettemos um erro, para o qual nos chamou a attenção o Rev. P. Paulo F. da Silveira Camargo, quando do Padre joão Alvares dissemos que foi vigário de Parnahyba. O do- cumento comprobatório de tal asserção, papel do Archivo General de índias. já por nós publicado nos Annaes do Museu Paulista, affirma, inilludivel- mente que aquelle sacerdote era parocho de S. Paulo e não de Parnahyba como por inadvertência escrevemos.
IT
Paulista ; bandeirante
No tomo I desta nossa Historia Geral referimos a existência de um documento de 1684, o mais antigo dos papeis nossos conhecidos em que lemos o gentílico paulista. Depara se nos agora outro, um pouco mais longínquo, de 1673, publicado por Borges de Barros em seus Ban- deirantes e sertanistas bahianos, em que O Governador Geral, Furtado de Mendonça emprega o adjectivo.
Quanto a bandeirante aventa Paulo Prado, em sua Paulistica. a hypothese de que a palavra haja sido pela primeira vez revelada por Ayres do Casal, em sua Corographia. no primeiro quartel do século XIX.
Um documento do Archivo do Estado de S Paulo nos revela que devia o termo ser corrente já na primeira metade do século XVIII Surge elle num regimento passado pelo Capitão General de S Paulo, D Luiz de Mascarenhas, Conde de Alvôr, a propósito de uma entrada contra os indios Pinares, em Goyaz e em 1740. Neste papel faz o Governador recommendações ao cabo da tropa a propósito do modo pelo qual deverá reger os bandeyranles da sua bandeyra.
E' possível senão provável porém, que a palavra tenha sido, pela primeira vez, impressa por Ayres do Casal.
inoice:
Prefacio ........ 1
PRIMEIRA PARTE
A missão de Montoya e Dias Tano em Madrid e Roma — Regresso dos missionários ao Brasil. — Os tumultos anti-jesuiiicos de 1640. — O grande con flicto de julho de lõ-fO, — Expulsão dos Jesuítas de São Paulo. — Sua readmissão em 1653. — O episodio de Amador Bueno.
CAPITULO I
Os prelados do Rio de Janeiro e os traficantes de escravos indios. — Luctas com fluminenses e paulistas. — Questões da Camara de São Paulo com o Vigário Nunes. - Rebellião centra o Prelado Lourenço de Mendonça. pag. 3
CAPITULO II
e Montoya e Dias Tafio em Madrid e Roma. — Óptimos re- sultados. — A cédula real de 1639 e a bulia de Urbano VIII. — Regresso dos jesuítas á America. — Incidentes contemporâneos em São Paulo. pag. 7
CAPÍTULO III
Dias Taiío no Rio de Janeiro — Tumultos ahi e em Santos. — A mo- nographia de Pedro Taques sobre a expulsão dos jesuítas. — Os apontamentos de Pero de Moraes Madureira. — Engano de An- tonio Piza. — O Manuscripto inédito por este descoberto. — A reunião dos procuradores das Camaras em S. Vicente, pag. 17
CAPITULO IV
O tumulto anti-jesuitico de 1640 — A PYniiicSr. ■
c iuiu. A expulsão dos ignacinos. pag. 23
CAPITULO V
^ Xtuel" ur'"°%~^'"^''^^^^^ - ^« Vigário
Manuel í.unes. - Exigência de solidariedade por parte da Ca-
pag. 30
CAPITULO VI
^"fLÍbor"' - "^^'""^ "'i><""
Pag. 38
CAPITULO VII
""?nl' r H^1° '""n r ' 1^^- - ^ -baixada de
Costa Cabral e Balthazar de Borba Gato. - Incidentes occorri- dos em Sao Paulo com os syndicantes.
pag. 53
CAPITULO Vlli
Luctas da Camara e o povo de São Paulo com o prelado fluminense Loureiro - Attitude rebelde dos paulistas. - Trancamento do caminho do Mar.-Carta violenta da Camara ao Diocesano pag. 57
CAPITULO IX
Retolta dos paulistas contra o seu diocesano. - Trancamento do cami- nho do Mar. - Declarações da Camara. - Temor das re,pon- sabihdâdes. - Syndicante timorado e velhaco. pag. 63
CAPITULO X
O Alvará de 1647. - Acção de Fernão Dias Paes e João Pires em prol dos ignacinos. - Incidentes pittorescos. - Novas qnestões
com Albernaz. ,
pag. 00
CAPÍTULO XI
Preliminares para a conclusão da paz. Fernão Dias Paes e João Pires — Accordo de 12 de Maio de 1653. pag. 75
CAPITULO XII
Cartas ao Rei e ao Governador Geral. — Geral da Companhia á Camara
Applauso real. — Carta do pag. 84
CAPITULO XIll
A continua farça da prohibição das entradas no período da auiencia dos jesuítas de 5. Paulo. pag. 90
CAPITULO XIV
Episodio da questão servil durante a ausência dos jesuítas. pag. 97
CAPITULO XV
O episodio da acclamação de Amador Bueno. — O relato de Frei Gas- par da Madre de Deus. — A pecha de falsidade lançada ao be- nedictino por Candido Mendes. — Nova aggressão ao chronísta por Moreira de Azevedo. - A inanidade do ataque deste ultimo escriptor. — O documento do Archivo Nacional. — Exame psy- chologico de taes aggressões. pzg. 103
CAPITULO XVI
Conceitos de Ellis. - Opiniões de Southey, Varnhagen, Saint Hilaíre, Machado de Oliveira, Rocha Pombo e Galanti. - A acclamação de Amador Bueno e o dissidjo dos Pires e Camargos. — Accla- mação de D. joão IV, em S. Paulo. - Reparos judiciosos de
pag. 127
SEGUINDA PARTE
Ouesiôes politicas paraguayas. — O Bispo Cardenas. — invasão do Para- guay pelos paulistas. — Campanha de Antonio Raposo Tavares ao norte do Paraguay. — Incursões das bandeiras na região da mesopo- tâmia platina.
CAPITULO I
Echos da victoria de Mbororé. — Agradecimentos reae».— Cédulas reaes. Tentativa de Montoya bem succedída em parte. — Desordens no Paraguay. — Fray Betnadim de Cardenas. — Seu prestigio e qua- lidades. — Eleição ao bispado do Paraguay. — Irregularidade de sua sagração. — Extravagância de sua conducta . - Guerra aos jesuítas. — Sua deposição. — Seu exílio. - Regresso a Assump- ção. — Fallecimento do governador Escobar Osorio. — Apos- sa-st Cárdenas do poder. - Expulsão dos jesuítas. pag. 139
CAPITULO 11
Difficuldades de apreciação dos factos. — o processo contra os jesuítas. — Innocuidade de sua acção. - Acervo de falsidades inintelli- gentes. - Revisão da questão a propósito da campanha de Don Pedro de Lugo contro os Paulistas. nag. 150
CAPITULO III
Ainda o processo anti-jesuitico. - Sua perfeita innocuidade. Attitude do Vice-Rei do Perú. — Deferimento de uma petição de Mon- toya, pag. 155
CAPITULO IV
Versão nova sobre a campanha de 1639, — Don Nicolas Nheenguirú. ~ Curiosa historia. — Inexistência do perigo paulista. As minas de ouro escondidas pelos jesuítas. pag. 161
CAPITULO V
Uma bandeiía exterminada. — Engano de Pedro Taques? O exem- plo de Tucumán. — Os tumultos do Paraguay. — Condemnação de Cardenas. — Sua deposição e exilio. — Seus últimos annos de vida. — Retractação dos seus partidários. — in extremis de Fuenleal. — Visita do governador Leon ás re- ducções. pag. 167
CAPITULO VI
Lacunas da historia do bandeirismo agora preenchidas i , ■ -
grande bandeira de Antonio Raposo Tavares e André Fernandes em 1648. pag 174
CAPITULO VII
Os Paulistas tomam Mboymboy e avançam sobre Caaguassíi — Instan- tes pedidos de soccorro. pag.
Capitulo viu
Junta de guerra. —Alvitres discutidos. -Providencias adoptadas, pag. icO
CAPITULO IX
Auto de guerra .. - Novo conselho de guerra. pag. 186
CAPITULO X
Novo governador. — Vicissitudes da missão do Itatim. — Ataques paulis- tas de 1647 a 1648.
CAPITULO XI
Lacunas prenchidas pela documentação hespanhola. — As expedições de 1651. — Ignorância geral a seu respeito. — Arrancada ban- deirante. — Projectos sobre Buenos Ayres. — Acção conjuncta de uma expedição marítima e numerosas bandeiras sobre a capi- tal portenha. — Fracasso das tentativas bandeirantes, pag. 197
CAPITULO XII
Novos depoimentos sobre as derrotas paulistas. — O exercito de Do- mingos Barbosa Calheiros e as suas sete columnas. — A lenda do ouro jesuítico. - Pedido de inquérito. — Depoimeuto de um marinheiro portuguez. Denegação. - Victoria dos jesuitas. pag. 202
CAPÍTULO XIII
Receios hespanhoes de uma agoressão portugueza na America do Sul.
— Providencias recomendadas ás autoridades do Peru e do Prata.
— Correspondência da Côrte de Madrid com varias autoridades
— Queda do domínio hollandez em Pernambuco. -- Solidarie-. dade castelhana dos jesuitas do Prata. - A questão da minera- ção occulta do ouro. pag- 215
CAPITULO XIV
Visita de Valverde aos pueblos da Mesopotâmia. Arrolamento de fDrças. - Apadruameuío de reducções. — Diversas decisões reaes.
pag. 222
TERCEIRA PARTE
O soccorro paulista ao Noroeste contra os hollandezes e a Retirada do Ca- bo de S. Roque. — O grands périplo raposiano. — O segundo soc- corro paulista para a repulsa dos hollandezes. - Bandeiras diversas, da década de 164-0 e de menor importância.
CAPITULO I
Soccorro de São Paulo na lacta contra os hollandezes. —A solidez do dominio batavo em 163S. — Vinda da esquadra do Conde da Tor- re. — Operarações conjunctas de 1640, terrestres e navaes. — Levas de soldados para a esquadra, em todo o Brasil. Contin- gentes soleciíados da capitania de S. Vicente. — Decretos do go- verno geral. — A leva em São Paulo. pag. 2.S1
CAPITULO II
Motim sebastianista em S. Paulo. — As abusões do sebastianismo no mundo luso, em vésperas da restauração de Portugal, pag. 237
CAPITULO III
Motim sebastianista. — D. Francisco Rendon e seus irmãos. — Resul- tados da leva paulista. — Passa o commando da recruta a An- tonio Raposo Tavares. — Deficiência de pormenores sobre a ex- pedição, pag. 243
CAPITULO IV
Teria Antonio Kaposo Tavares desembarcado no Cabo de S. Roque? — A narrativa de Pedro Taques. — Episódios da famosa retira- da de Barbalho Bezerra pag. 254
CAPITULO V
Lacunosidade das fontes informati\as. — Os chronistas. — Papeis hol- landezes. — Depoimentos vários, antigos e recentemente descober- tos, — Desapparecimento da documentação paulista. pag. 260
CAPITULO VI
OS documentos paulistas desapparecidos — Pesquizas baldadas de Wa- shington Luis, opiniões de autores diversos sobre a retirada de São Roque pag, 271
CAPITULO VII
O grande périplo raposiano. — Commentarios de vários autores, — As descobertas de Washington Luis. pag. 278
CAPITULO VIII
Os diversos Antonio Raposo, — Documentos descobertos por Ellis. — Opiniões de Varnhagen e Rocha Pombo. — A carta inédita de An- tonio Vieira, descoberta por J, Lucio d'Ázevedo. — Novo documento re- velado por Paulo Prado pag. 288
CAPITULO IX
A ameaça dos hollandezes á Bahia em 1647. — Pedido instante de soc- corro do Governador Geral aos paulistas. - A expedição de An- tonio Pereira de Azevedo, pag. 305
CAPITULO X
Bandeiras e bandeirantes diversos das primeiras décadas seiscentistas e so- bre quem ha pouca documentação. — Os Buenos, — Diversas expedições ao sertão entre 164ti e 1(547. — Bandeiras assignala- das por Ellis, — Vicente Bicudo, João Pereira, Jeronymo Bueno, João Mendes Geraldo e Sebastião Fernandes Camacho, — Ban- deiras anonymas, — Expedição de Antonio Nunes Pinto. — An- tonio Domingues e Francisco de Paiva. pag. 305
CAPITULO XI
Fernão Dias Paes Leme, personalidade de enorma relevo. — Lacunas preenchidas de sua biographia obscura. — Seus irmãos. — Seus primeiros feitos bandeirantes. pag. 329
CAPITULO XII
Defesa do littoral. — Luctas civis sanguinosas. — Fernão Dias Paes eos jesuítas. — O accordo de 1653. pag. 336
índice: onomástico
Abiaiu' (D. Ignacio) 205. Abreu (Antonio da Cunha) 250. Abreu (J, Capistrano) 130, 330. Abreu (Manoel Fernandes) 251. Affonso V, 333. Affonso VI, 290. Agostim (Francisco) 319. Aguiar (Antonio) 140. Aguiar (Bernardino Sanchez de) 210.
Aguiar (Dr. Damião de) 59, 94, 96.
Aguiar (Manoel de Carvalho) 130.
Aguiar (Pe. Matheus de) 19.
Albernaz (Vigário Domingos Gomes) 58, 59, 64, 67-69, 71, 73, 76, 79, 80, 82, 83, 98, 338,
Albernaz (Dr. Pedro Homem) 3, 17.
Albuquerque (Affonso de) 279. Albuquerque (Pe. Gonçalo de) 82.
Albuquerque (Mathias de) 259. Alfaro (Pe. Diego) 154, 162, 293.
Almeida (Candido Mendes
de) 114, 115, 117, 118, 128, 129.
Almeida (Antonio Pompeu de) 132.
Almeida (Eduardo de Castro
de) 301. Almeida (Guilherme Pompeu
de) 28, 338. Almeida (Luiz Castanho de)
322, 327. Altamirano (Pedro Christovam)
305.
Alvares (Clemente) 140, 209. Alvares (Matheus) 140. Alvarenga (Antonio Pedroso de)
132, 322. Alvarenga (Francisco Ribeiro
de) 322. Alves (I. Domingos) 19. Amaral (Manoel do) 340. Amaral (Paulo do) 24, 20, 38,
92, 99, 131, 132. Amaral (Roque Lopes do) 326. Afiasco (Antonio de) 191. Andino (Juan Diaz de) 227. Andino (Pedro de) 180, Andrada (Ruy Freire de) 279.
352
MiSTORiA Geral das Bandeiras Paulistas
Andrade (Antonio de) 313. Andrade (Manoel Lourenço de) 132.
Angelo (Santo) 240. Antas (Balthazar de Moraes) 19.
Antonio, Prior do Crato (Dom) 110.
Aragão (Pedro Fernandes de) 244.
Aragon (D. Gabriel de Vera v) 156.
Aranda (Francisco de Rojas)
175, 178, 179, 184. Araujo (Pe. Manoel de) 61 71
72. ' '
Arce (Francisco de) 187, 189. Arciszewski (Christovam) 259. Arenas (Pe. Christovam de) 176 182, 198.
Aresti (Bispo D. Fr. Christo- vam de) 144.
Arias (Pe. Alonso) 176, 177,198.
Arzâo (Braz de) 209, 210.
Athouguia (Conde de) 302.
Avalos (Francisco Nuiíes de) 194.
Avila (Diogo de) 18. Azevedo (Dr. João Velho de)
77, 78, 83, 85, Azevedo (J. Lucio) 315. • Azevedo (Lucas de Freitas) 34.
Azevedo (M. A. Alvares de) 114.
Azevedo (M. A. Moreira de)
115, 118, 121, 124, 125. Ayala (Thomaz de) 152, 155.
Baez (Ignacio) 192. Bagnuolo (Conde de) 205. Bandarra (Gonçalo Annes) 237
Barbalho (João Lopes) 262,
263, 266. Barcellos (Pc. Ignacio) 61, 72. Barreiros (Belchior) 69.
Barreto (Francisco) 210, 260
272, 319. Barreto (Francisco Garcez) 97. Barreto (Nicolau) 291. Barriga (Antonio de Aguiar) 13. Barroca (Francisco) 218. Barros (Antonio Pedroso de) 26, 139.
Barros (Jeronymo Pedroso de)
139, 319. Barros (Luiz Pedroso de) 244,
251, 271, 274, 304. Barros (Manoel Fernandes de)
175.
Barros (Pedro Vaz de) 24, 25. Barros (Valentim de) 244, 251, 271, 274.
Batalino (Jeronymo) 37. Bayão (João Maciel) 99. Bayão (Sebastião Pedroso) 140. Bazan, Marquez de S. Cruz (D.
Alvaro de) 111. Bazan (Vega de) 268, 269, 288. Baygorri (D. Pedro de) 218, 219 Berrcdo (Bernardo P de) 282,
283, 285, 288, 293. ' Berthod (Pe. Manoel) 197. Bezerra (Jacyntho Fagundes) 53.
Bezerra (Luiz Barbalho) 54, 250, 251, 254-266, 268, 270 274-276.
Bicudo (Antonio) 328.
Bicudo (Bernardo) 322, 327.
Bicudo (Domingos Xunes) 327.
Bicudo (Vicente) 319.
Bicudo (Vicente Annas) 313.
Bilac (Olavo) 331.
Brito (Fr. Vicente de) 132.
Brizay (Mr. de) 111.
Brizzolara (Luiz) 332.
Bocarro (João Raposo) 132. Bonilha (Pe. Bernabé de) 180,
181, 189.
Bonilha (Francisco Martins) 327.
iNDicp. Onomástico
353
Borba (Antonio Gomes) 322.
Boroa (Pe. Diego de) 7.
Botafogo (João Pereira de Sou- za) 320.
Botelho (Diogo) 5.
Botelho (.Torge) 279.
Botelho (Pe. Nicolau) 19, 24.
Bouças (Pero Gonçalves) 93.
Branco (Manuel João) 93.
Brito (Antonio Bicudo de) 322.
Brito (João Bicudo de) 322.
Bueno (Francisco) 136, 317. 318, 322.
Bueno (Lazaro) 249.
Bueno (Simão) 140.
Bulhões (Antonio de) 263.
Cabeça de Vacca (Alvaro Nu- nes) 286.
Cabeça de Vacca (Magdalena de Alarcão) 246.
Cabral (Luiz da Costa) 49, 54, 55, 109.
Cabral (Anna Rodrigues) 111.
Cabral (Gonçalo Velho) 333.
Cabral (Mestre de campo Ma- nuel) 148, 162.
Cabral (Pedro) 140.
Calabar (Domingos Fernandes) 2Õ9.
Calhamares (Manoel Peres) 25. Calheiros (Domingos Barbosa)
25, 72, 209-212. Calógeras (João P.) 315. Camacho (Sebastião Fernandes)
322, 323. Camarão (Antonio Felippe)
232, 256, 266. Camargo (Fernando de) 15, 25,
2C, 28, 29, 130, 174, 210, 301,
302, 338. Camargo (Francisco de) 38. Camargo (Jeronymo) 74, 143. Camargo (José Ortiz) 24, 26,
74, 86, 340. Campos (Antonio Pires de) 304.
Caramuru' (Diogo Alvares Cor- rea) 119.
Cardenas (Bispo Fr. Bernardi- no de) 37, 143, 145, 148, 151, 169-171, 182, 199, 200, 220, 226, 227.
Cardines (Dr. João de Souza) 49, 50.
Cardoso (Mathias) 140.
Carlos 11, 226.
Carlos V, 148.
Carvalho (Antonio de) 140.
Carvalho (Desembargador Sale- ma de) 272.
Carvalho (Elysio de) 274, 275.
Carvalho (Theophilo Feu de) 330.
Carrasco (Miguel Garcia) 33,
91, 92, 132. Cascaes (Marquez de) 302. Castro (D. Alvaro Pires de) 290. Castro (D. João de) 237, 279. Castello Branco (Bento Ferrão)
83.
Cavalheiro (Luiz Rodrigues) 132.
Ceulen (Mathias van) 264.
Charlevoix (Pe. Francisco Xa- vier de) 31, 103, 144, 146, 203, 289.
Chaves (Francisco) 132. Clemente VIII, 9. Clavijo (Pe.) 166. Cláudio (São) 239. Coelho (José) 5». Coelho (Manuel) 40, 132. Coelho (Manuel Morato) 132, 244.
Coelho (Simão Rodrigues) 95, 326.
Cordeiro (Domingos) 325. Cordeiro (Francisco) 325. Cordova (Juan Fernandez) 192. Corrêa (Bartholomeu) 102. Corrêa (Gaspar) 77. Corrêa (Salvador) 18.
354
Corrêa (Sebastião Fernandes) 48.
Correia (Francisco) 319. Correia (Miguel Gonçalves) 322. Costa (Belchior da) 322. Costa (Diogo) 34. Costa (João Homem da) 27 80
83. ' '
Costa (Dr. João da) 3. Costa (Lazaro da) 201. Costa (Luiz da) 311. Costa (Simão da) 68, 98. Coutinho (Frederico de Mello)
4.
Coutinho (José Ferreira) 132. Coutinho (Padre Thomaz) 93 133.
Cubas (Francisco) 77. Cubas (Gaspar) 244. Cunha (Henrique) 99. Cunha (João Gago da) 320. Cunha (Manuel) 35. Cunha (Paulo da) 262.
Dantas (João) 18.
Derby (Orville A.) 330.
Dias (Affonso) 312, 325, 326.
Dias (Bartholoracu) 279.
Dia.s (Padre Domingos) 332.
Dias (Fernão) 14.
Dias (Francisco) .322.
Dias (Henrique) 256. 260, 262,
263.
Dia.s (João) 326. Dias (Luiz) 319-321. Dias (Matheus) 17. Dias (Paschoal) 326. Dias (Pedro Nunes) 140. Diaz (Miguei) 277. Diniz (Christovam) 327. Diniz (Domingos Dias) 327. Diniz (Francisco) 313. Diniz (Lazaro) 327. Doraingúes (Amaro) 325. Domingues (Antonio) 55, 325. Domingues (Manuel) 322, 325. Domingues (Marianna) 55.
Domingues (Pero) 325. Doncker (Coronel) 266. Duarte (Bartolome) 188. Duarte (Manuel da Costa) 44, 49.
Dussen (Adriano van der) 233.
Edra (Salvador de) 321.
Ellis Júnior (Alfredo) 127, 133, 134, 139, 249, 251, 268, 290, 306, 311, .'Í18, 319, 321, 327, 3.35.
Encarnação (Fr. Domingos da) 132.
Ericeira (Conde da> 276. Escobar (Seba.stião de) 166. Espinola (Francisco de) 152,
104, 187. E.sturiano (João Martins) 256,
271.
Fagundes (Gregorio) 132. Falcão (Francisco da Fonseca)
132, 271. Faria (Bartholomeu Fernandes
de) 15, 24-20. Faria (Miguel Cysne de) 15. Faria (Thonié da F.) 180. Farto (Domingos) 213. * Favella (Pedro da Silva) 290, Felix( (Jaques) 4, 321. Fernandes (Affonso) 326. Fernandes (André) 147, 181,
183, 196, 207, 327. Fernandes (An gelo j 311. Fernandes (Baithazar) 20. Fernandes (Estevam) 249. Fernandes (Lsabel) 55. Fernandes (Pedro) 312, 313. Fernandes (Simão Lopes) 99. Ferrer (Padre Diego) 197-199. Ferreira (Padre Antonio) 19, 26.
Ferreira (Baithazar) 326. Ferreira (Dr. Francisco Paes)
57, 58, 60, 61, 93. Ferreira (Gonçalo) 27.
índice Onomástico
355
Ferreira (i>e. João de Sou/.a)
283, 285. Ferreira (João) 320. Fiorião (João Paes) 251. 271,
272.
Fogaça (João <le Moura) 2.32. Fonseca (Manuel iíueiio tia)
109, 111, 112, 119-123. Franco (Dr. Manuel Pereira)
65, 96.
Freire (Alexandre de Souza) 88. Freire (Francisco de Brito) 276.
Frias (Pedro de) 238. Fuenleal (Christovam Piamirez)
149, 152, 153, 171. Furquim (Cláudio) 132. Furtado (Domingos) 140. Furtado (Francisco) 7;). Furtado (Francisco liicudo)
313.
Furtado (Paschoal Leite) 333. Furtado (Pedro) 319.
(lago (Francisco da (]unha) 250.
(lago (Henrique da Cunlia) 28, 76, 139,
(lago (Tri.stão de Oliveira) 327. Galante (Pe. Raphael) 129, í3i,
232, 260, 262. (iama Manuei Cooiiio (ia) t)'i,
' H.'!. 1.34.
Ama (Vasco da) 279. ' rarção (Pedro A. Cor rea) llií. (lartsnian (Major) 259, 264. ;aí.o( Ballhazar de Borb;') 49,
54, 55, 109. Gaya (Manuei Afíonso; 32). Geraldo (João Mendes) 322, 323. Gerardo Cf^yrrho) 37. Gigante (João Missel) 14, 97,
252, 311. Gil (Antonio) 319. Gil (São Frei) 238. Gil (Sebastião) 75, 244, 245,
319.
Girão (Christovam de Aguiar) 322.
Girão (Manuel (322. Godoy (Balthazar de) 132. Goes (Carlos) 331. Gomes (Gaspar) 35. Gomes (Pe. Miguel) 204. Gonçalves (Antonio) 19. Gonçalves (Balthazar) 139. Gonçalves (Pe. Francisco) 82. Gonçalves (Jorge) 326. Gonçalves (Manuel) 249. Gonçalves (Sebastião) 139. Gonzalez (Juan) 180. Gonzaícz (Roque) 162. Goiifredo, Geral dos Jesuítas, 87.
Graçíi (Fr. .ioão da) 132. Gregorio XÍII, 3. Grou (Matheus) 26. Guerra (Franci.^co Roiz da) 79, Xa, 132.
Giiilhermo (Marcos) 152, 157. Gusman (D. Juan de Espinola) 111.
Gusman (Riquielme de) 194. Gusmão (Rainha D. Luiza) 272. Gysselinçii, 264.
Henarcio (Pe. Nicolau) 197, 198.
Henrique (Cardeal Rei Dom) 108.
Heredia (João Martins de) 38, 132,
líernandez (Irm. Matheus) 198. í-íernandez (Vicente) 198, 199. Hinestrosa (D. Gregorio de)
145-147, 160. ííorla (Antão Lopes de) 16.
Isfdoro (Santo) 238.
Jaboalão (Fr. Antonio de San- ta Maria) 36, 59.
35o Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Jardim (Domingos Freire) 82, 83.
Jarque (Francisco) 7, 148.
Joaquim (Abbade) 240.
João IV (Dom) 44, 53-55, 58, 64, 66, 79, 84, 86, 88, 104, 108- 111, 113, 123, 124, 127, 131- 134, 216, 217, 246, 253, 300, 318, 325.
João V (Dom) 109, 111.
Jorge (Aleixo) 339.
Jorge (Onofre) 4
Koin (Hans van) 262, 265, 266. Kruse (Abbade Dom Miguel) 331.
Lamego (Alberto) 263.
La Pefia (Simão Alvares) 91.
Lara (Joaquim de) 327.
Lariz (D. Jacintho de) 218.
La Rosa (Pedro) 209, 212.
Leão XIII (Papa) 118.
Leão (Ermelino de) 134.
Leite (João) 140.
Leite (Maria) 333.
Leite (Pedro Dias) 335.
Leite (Pedro da Motta) 106.
Leite (Potencia) 338.
Leme (Antão) 333.
Leme (Balthazar) 111.
Leme (Fernão Dias Paes) 28,
67, 74, 75, 77, 132, 140, 318,
329, 332-334, 336-341. Leme (Luiz Dias) 28, 32, 104,
134, 184, 325, 327, 330, 333. Leme (Lucrécia) 333. Leme (Luiz Gonzaga da Silva)
210, 320. Leme (Pedro) 333. Leme (Pedro Dias Paes) 333. Leme (Pedro Dias Gordiíbo . Paes) 331.
Lemos (D. Francisco de) 26,
111, 132. Lemos (D. Jeronymo de) 111 . Lems (Martim) 333.
Leon (Andrés Garavito de) 169.
172, 197, 200, 203, 220. Leon (Gabriel Ponce de) 111.
Leonicio (Conrado) 239. Linhares (Manuel Paes de) 67, 68.
Lisboa (Balthazar da Silva) 128. Lobo (Manuel Pereira) 99. Longo (Martim) 209, 212. Lopes (Miguel) 140. Loureiro (Dr. Antonio de Ma- rins) 37, 57-59. Lourenço (Amador) 140.
Lourenço ' (Pero) 140. Lozano (Pe. Pedro) 141. Loyola (Santo Ignacio de) 217. Lumbria (Martim Garcia) 212. Luz (Fr. Domingos da) 132.
Macello (Guilherme) 46. Maciel (João) 211. Machado (Domingos) 340. Madeira (Pe. Francisco) 62. Madeira (José Fernandes) 12, 13.
Madeira (Pero Vaz) 289. Madureira (Pe. Manuel de) 132. Madureira (Pero de Moraes) 13, 19, 20.
Madre de Deus (Frei Gaspar da) 103, 107, 113, 114, 117 - 120, 124-126, 128, 133, 134, 333.
Mafra (João Luiz) 131, 132,134. 337.
Magalhães (Basilio de) 202, 280,
281, 314, 315, 330. Mallio (João Paes) 325. Manccra (Marquez de) 12, 141,
143, 152, 158, 184, 225. Manquilante (cacique) 158. Mansfeldt (von) 259, 262. Mansilla van Surck (Pe. Justo)
8, 17, 175, 176, 188, 197, 199,
310, 336. Manuel (Aleixo) 8.
índice onomástico
357
Marins (Dr. Francisco de Nes- tares) 218.
Marques (M. E, de Azevedo) 19, 20, 43, 54, 55, 117, 133-135, 202, 274, 284, 290, 320, 330.
Marques (Jeronymo de Busta- mante) 159.
Martinez (D. José) 226.
Martinez (P. Ignacio) 197.
Martins (Antonio) 326.
Martinho (Miguel de Quevedo) 313.
Martins (Francisco) 132. Mattoso (Henrique) 82, 83. Mazzeta (Pe. Simão) 8, 17. Medeiros (Paschoal Leite de) 80.
Meira (Domingos) 80, 83. Meira (Gaspar Gonçalves) 82. Meira (Pedro Gonçalves) 83. Mejia (Pe. João Baptista) 212. Mello (Diogo Coutinho de) 24, 26.
Mello (Diogo Coutinho de) 24, 26.
Mello (D. Francisco Manuel de) 275.
Mello (Pero Cabral de) 325. Mendonça (Antonio Barbosa de) 32.
Mendonç a (Antonio Bicudo de) 26.
Mendonça (Beatriz Furtado de) 32.
Mendonça (Catharina de) 32. Mendonça (Dr. Lourenço úe)
4-6, 338. Menezes (Arthur de Sá e) 109,
112, 119-123, 131. Merida (Gaspar de) 263. Merou (Martins Garcia) 144,
147, 150, 151. Mesquita (Domingos Rodrigues
de) 77, 78. Missel (Virginia) 311. Monsanto (Conde de) 13^ 131.
Montalvão (Marquez de) 40, 49- , 51, 53, 104, 253, 268, 269. Monteiro (João Pires) 140, Montiel (João) 209. Montoya (Pe. Antonio Ruiz de)
7, 8, 11, 12, 31, 157-159, 168,
197.
Moraes (A. J. de Mello) 120. Moraes (Antonio Ribeiro de)
132, 211. Moraes (Francisco Velho de)
132.
Moraes (Pedro Manuel de) 22,
45, 46, 263. Moraes (Padre Pedro de Lara)
326.
Moreira (Balthazar de Godoy) 26.
Moreira (Jorge) 211, 212. Moreira (Manuel Velho) 313. Moreira (Pedro Alvares) 249. Motta (Calixto) 5. Motta (Domingos da) 27, 39, Moura (Dr. Pedro de) 17. Moura (Dom Francisco de) 265. Muniz (Pedro de Souza) 271. Munoz (Pe. Domingos) 198,199.
Napoleão I, 275.
Nassau (Mauricio de) 231-234,
260, 261, 263, 264, 267, 336. Navarra (D. Pedro de Lugo y)
142, 153, 154, 161, 162, 166, 168, 191, 334.
Negreiros (André Vidal de)
232, 260, 262. Negreiros (Lourenço Cardoso
de) 80, 83. Netzcher (Fr.) 276. Netto (Alvaro) 28. Nheçum (cacique) 162. Nheenguiru' (cacique) 155, 162,
165.
Nicolau I (Imp. dos mamalu-
cos) 163. Niebuhr (Bartholdo Jorge) 119.
358
Nobre (Francisco Martins) 35 Noguera (Jeremias) 949 Nogueira (João) 82, 83
Sr, ir*' «•
Nunes (AíanueJ) 139 Nunes (Salvador) 3I.
Obi^los (Conde de) 254 «Je^ía (Alonso de) 169* J>||veira (Alberto de) 249 ^ ve.ra (Constança de) sir ^ --a (Diogo Lui. dei 06 0'-ra (Francisco Sutil de)
OJíveira (João de) 325
: 281, 284, 292
«'-e,ra aianuei Coliaço de)
JJlivt^ira (fíaphaei de) 249
Ordonhes (Diogo) 269
«-;o (D. Fadricie''de- Toiedo)
""u^ US
j^;; í'-, 180, ,84, ,88,
JJaes (Fernão Dias) 333. Paes (Pe. Francisco) 82 p'e' f;'''"^^^^° í^inhei;o) 34. 1^7 ^""^''Sues) 330,
Paes (João) 75 Paes- (Paschoal' Leite) 334. Paiva (Francisco de) 327 Pamelar? (Pirata) 46. Paraguassu' (Catharina) II9 Parente (Clara) 318.
1'arente (Estevam tj o - 2,0. ^™ ^- Bayao) 88,
Pastells (Padre Pablo) 142 176
207, 2,8. Pastor (Padre Juan) 152. '-ora..dre^i...,..,,,,,,^
Paulo rií (Papa) ^
D p"''"'' ' (Inipei-ador) U3. D.^Podro II (Imperador) 112,
í>. Pedro 11 (Rei) 33O, 335, 337.
Pedroso (.íoão) 20í>
Pegas (Antonio Raposo) 288-
, enha (Sunao Alvares de la)
P-Hita (.leronymo Garceto y)
Perdigão (.Joseph Hebello) 123 Pereira (Ambrósio; 5 ,3 Pereira (Antonio) 295, 315
Pereira (Paulo) 249
J^^-reira (Sebastião Martin.) 77. Perestrello (Antonio Lope,/
í'hiíippe IV, 26, ,4,-144 159 m 21(i-218, 220. 9.-; J,,' 239, 240.
Picano (Alonzo) ,87, ,88 Pícard (Alexandre) 258 ' 2->Q 265, 267. '
Pinheiro (Cónego J. F. Fernan-
ííe-s) ,28, ,29. Pinto (Adolpho) 33, ^'325 ^"^'""es) 324,
^48," 1^2''"''"^''' da Fonseca)
INDXE OÍNGmAaiiCO
359
Pires (Pe. Francisco) 37. Pires (João) (i?, 74. 76. 77, 87,
88, 140. Pires (Maria) 105. Pires (Salvador) 105. Piza (Antonio de Toledo) 19
20, 67, 279. 280. Pombal (Marquez de) 41, 163. Pombo (.1. F. da Hocha) 18,
129, 292.
Porras (Francisco Ramirez de)
! li."..
Prado (Alvaro Rodrigues do)
28, 99, 100. Prado (João do) 333. Prado (Paulo) 301. Preto (Antonio) 317. Preto (Antonio Nunes) 95. Preto (Francisco) 35. Preto (.losé) 20, Preto (Man liei) 168, 174, 317
318.
Preto (Sebastião) 336. Preto (Sebastião Fern;indes) 24. Proença (Felippe de) 307. Pucheta (Melchior de) 152^156.
Quadros (Ascenso de) 24, 28. Quadros (Bernardo de) 132. Quebedo (1). Franci.sco Rendon
de) 24. 26, 105, 235, 246, 248.
249, 251. 252. Quebedo (D. .losé Rendon de)
247.
Queií-oz (Antonio de) 250. Queiroz (Pedro Fernandes de) 279.
Questa (Padre Lucas) 208, 209.
Ramalho (.João) 116-118.
Ramos (Manuel Fernandes) 311.
Ranke (Leopoldo) 118.
Raposo (Pe. Antonio) 289, 293.
Raposo (Francisco Pinheiro) 38, 132.
Rebello (Francisco) 262, 306, 308.
Rebello (Joseph Perdigão) 123. Reis (Balthazar Carrasco dos) 326.
Rendon (José Arouche de To- ledo) 19.
Rendon (D. ,íoão Matheus) 105.
Rendon (D. José Matheus) 26, 246.
Rendon (I). Pedro Matheus) 246.
Restfuin (D. Juan) 156.
Reyero (Francisco Alvarez) 160
Ribeira (Amador Bueno da) 24, -14, 48, 103, 105-108, 110-113, 118. 119, 124, 130, 1.33, 135, 136, 244, 246, 313-318, 339.
Ribeira (Bartholomeu Bueno da) 105.
Ribeira (D. Maria Bueno da) 246 .
Ribeiro (Ascenso) 132. " Ribeiro (Francisco Pires) 209- 211 .
Rio Branco (Barão do) 140,268, 1Í88 .
Rivadeneira (Paulo Antonio)
;;25.
Rocha (Domingos da) 70, 132. Rocha (Jorge Ferreira da) 325. Rodas (Gonçalo de) 152. Rodrigues (Agueda) 318. Rodrigues (Antonio) 116, 140. Rodrigues (Lourenço) 19. Rodrigues (Martini) 326. Rodrigues (Pedro) 321. Roiz (Diogo) 73. Romero (Pe. A.) 166, 199. Romero (Sylvio) 115, 124. Rotela (Juan de La) 152, 163.
Sá (Salvador Correa de) 40-43, 47, 50, 234, 235, 247, 248, 250, 251, 268, 338. Saavedra (D. Cristobal de Ga- ray) 220.
Saavedra (Hernandarias) 191.
360 Historia Geral das Bandeiras Paulistas
Saavedra (João Fernandes) 14,
23, 28, 36, 38, 39, 132. Saint Adolphe (Milliet de) 113,
129, 130. Saint Hilaire (Augusto de) 129,
284, 208, 212. Salazar (Pe. Diego de) 204. Salvatierra (Conde de) 157,
167, 220.
Salvadores (Antonio Madurei- ra) 82, 271.
Sampaio (Manuel Barreto) 301.
Santa Cruz (Marquez de) 111.
Santa Maria (Fr. Manuel de) 132.
Santiago (Diogo Lopes de) 260, 270.
Santo Estevam (Conde de) 227. Santo Estevam (Fr. Antonio de) 132.
Santos (Fr. Francisco dos) 36, 132.
Sarzedas (Antonio Fernandes) 140.
Schkoppe (Sigismundo von) 259, 306, 309, 311, 313.
Schmidel (Ulrico) 286.
Sebastião (Rei Dom) 21, 237,
239, 240, 245.
Serrão (Matheus) 326.
Silva (Antonio Castanho da> 290.
Silva (Antonio Telles da) 305, 306, 308, 310, 311.
Silva (Cosme da) 5.
Silva (Domingos Paes da) 327.
Silva (Geraldo da) 36, 38.
Silva (Isabel da) 250.
Silva (Jeronymo da) 326.
Silva (xManuel Dias da) 302.
Silva (Manuel de Souza da)
290, 291. Silva (Pedro Correa da) 326. Silva (Pedro da) 322. Silva (Sebastião Leite da) 211. Simões (José) 34,
Siqueira (Francisco de) 322,
Siqueira (Maria Nunes de) 32.
Siqueira (Padre Pedro Nunes de) 32.
Solorzano (D. Juan de) 144.
Souto Maior (Francisco Barbo- sa) 32.
Southey (Roberto) 18, 127, 128,
283, 284. Souza (D, Francisco de) 47, 50. Souza (Gaspar de) 50, Souza (João Pereira de) 333, Souza (D, Luiz Antonio de)
286.
Souza (Martim Affonso de) 333, 334.
Spilberg (Joris van) 336. Strozzi (Philippe) 111, Sutil (Francisco) 111.
Taguassu' (D. Christovam) 166. Taiio (Pe. Francisco Dias) 7, 8, 11, 12, 16-18, 172, 203, 204, Talleyrand (Príncipe de) 151.
Taques (Lourenço Castanho) 28, 132; 327.
Taques (Pedro.) 337.
Taques de Almeida Paes Leme (Pedro) 13, 19, 20, 31, 44, 49, 66, 87, 105, 110, 114, 120, 130, 168, 233, 248, 250, 251, 254, 269, 271, 272, 274, 278, 289, 290, 310-314, 317-319, 322, 323, 326, 328, 330.
Taunay (Visconde de) 275,
Tavares (Antonio Raposo) 4,17, 23, 97, 131-133, 147, 149, 166, 167, 174, 181, 180, 196, 204, 250, 254, 268, 269, 271, 278, 279, 281, 283, 284, 287-289, 290, 291, 292, 295, 303, 304, 318, 327, 332, 334.
Tavares (Diogo da Costa) 24, 28, 251, 253, 269.
Tavares (Fernão Vieira) 252.
Techo (Pe, Nicolau dei) 203.
ÍNDICE Onomástico
361
Teschaucr (Pe. Carlos) 319. Telles (Pe. João de Caldas) 93. Thermudo (Diogo dc Alarcão) 49.
Tibiriçá, 118, 162. Tinoco (Gonçalo Ribeiro) 80, 82.
Toledo (Alfredo de) 274.
Toledo (Pe. Juan Suarez de) 204, 208, 212.
Torales (Bartholomcu de Con- treras y) 111.
Torre (Conde da) 16, 231-234, 250, 251, 254, 2ÕÕ. 262, 266, 268.
Torre (Pe. Diego de la) 183. Torreblanca (Fray Juan dc)
216, 217. Tourlon (Carlos de) 265, 266. Trielo (Francisco Velasquez)
189.
Uchrt (? Jcronynio) 87. Urbano VIII, 11, 16, 41, 46.
Vaisseite (Dom) 103.
Valderrama (Martini dc Ledes- ma), 156, 163.
Valente (João Maciel) 211.
Valladares (Domingos Pires) 140.
Vallejo (Lourenço de Ortega)
168, 186. Valverde (D. Juan Marques de;
220, 221, 222, 224, 225. Varella (Luiz N. Fagundes) 114. Varnhagen, Visconde de Porto
Seguro (F. A. dc) 11, 40, 43,
119, 125, 129, 131, 270, 292. Vasconcellos (Pe. Simão de)
87.
Vasqueannes (Duarte Correa) 44.
Vastidas (Francisco Flores de) 188.
Vaz (Pei Lourenço) 19. Veiga (Belchior da) 320. Veiga (Jeronymo da) 320, 321. Veiga (Dr. Thomé Pinheiro da) 50.
Velasco (D. Pedro de) 227. Velho (Domingos Jorge) 24. Velho (Francisco Dias) 322. Velho (Garcia Roiz) 26, 76-78.
Velho (.Manuel Fernandes) 27, 34.
Verissimo (José) 115. Vertot (Abbade) 120. Vieira (Pe. Antonio) 293, 294, 301, 315.
Vieira (João Fernandes) 263. Vilhena (Pe. Francisco de) 54. Villar (Fernando dei) 192. Viveiros (Pe. Francisco de) 223.
Vimieiro (Condessa de) 92. Vitelleschi (Mucio) 11. Voigt (João) 118.
Xavier (Francisco Pedroso) 225.
Xenophonte, 275, 276. Xeria (D. Luis de Cespedes) 171, 194, 196, 221.
Yegros (Don Diego ide) 187, 194, 196, 221.
Ynsaurralde (Don Gabriel de) 191.
Zadig (William) 332. Zarate (Juan Ortiz de) 200. Zouros (João de) 18. Zunega (D. Andres de) 111.
Washington Luis P. de Souza, 117, 133, 288, 272, 279, 281, 282, 288, 292, 334.
índice geiograrhico
Açores, 266, 333. Aguaramby, 199. Aguaray, 287. Alagoas, 262.
Alcacerkibir, 237, 240, 243, 246. Allemanha, 242.
Amazonas, 181, 278, 280, 282-
284, 297, 298, 303, 327. Andes, 280, 281, 284.
Angra dos Reis, 327.
Angola, 60, 218. Apitereby, 140, 141. Aquidauana, 334. Aracaya, 176, 184. Araraytaguaba, 314. Arzilá, 333.
Assumpção do Paraguay, 34, 142, 14&, 147, 148, 153, 157, 163, 165, 169, 176, 182, 192- 194, 196, 204, 212, 213, 219, 226, 286, 293.
Atirá, 176, 184, 189, 194.
Atlântico (Oceano) 280.
Bahia, 40, 45, 50, 90, 102, 105, 106, 210, 212, 231, 234, 246, 247, 250, 251, 254-259, 261,
263, 265-267, 269, 272, 276, 277, 306, 310, 311, 313, 315, 317, 318, 324, 329.
Barra Grande, 254.
Baruery, 14, 33, 36, 75, 93, 97.
Bayona, 218.
Beja (S. Miguel de) 252. Bertioga, 101, 102, 262. Boipeva, 88. Bolaííos, 327. Bolívia, 280.
Borondon (Ilha de) 238, 241.
Brasil, 3, 8, 9, 12, 41, 44, 49, 53, 54, 61, 66, 87, 89, 96, 275, 283, 296, 298-300, 302, 303, 333-336, 338, 339.
Buenos Ayres, 7, 10, 147, 159, 160, 166, 203, 205-207, 209, 210, 213, 215, 218, 226, 227, 306.
Busua, 209.
Caaguassu', 175, 176, 178, 180.
194, 199. Caasapaguassu', 153, 155, 162,
166, 191. Cabo de Santo Agostinho, 232.
índice Oeoqraphíco
363
Cabo de São Roque, 54. Cabo Frio, 4G. Cabo Verde, 233. CabreuVa, 314. Cahy, 280. Camaragibe, 262. Camamu', 88. Caniandahy, 140. Cananéa, 20, 21, 213. Candelária, 172, 222. Carayatape, 178. Carapicuhyba, 70, 328. Carthagena de las índias, 268, 288.
Cataguazes, 329. Caucaya, 321. Cayapós, 116. Cayru', S8.
Ceará, 330. Chaco, 143.
Charcas, 7, 142-144, 153, 169, 227.
Chile, 141, 158. Ciudad Real, 334. Colónia do Sacramento, 306. Conceição, 172, 221.
Cordoba de Tucuman, 7, 145, 159, 169. 213, 216, 217.
Corpus, 142, 204, 222.
Corrientes, 141, 148, 162, 166, 193, 210, 287.
Cunha, 266.
Curytiba, 325.
Cuyabá, 110.
Cuzco, 158.
Darien, 158.
Encarnacion, 286.
Escossia, 242.
Espirito Santo, 3, 40, 298.
Flandres, 241. Goyana, 258, 259, 265.
Goyaz, 110, 116, 284. Guacacahy, 209.
Guaporé, 284. Guarambaré, 176, 189, 195. Guararapes, 260. Guarulhos, 99.
Guayrá, 3, 4, 17, 99, 111, 174, 175, 281, 286, 288, 292, 306, 316, 329, 334.
Gurupá, 181, 196, 281, 285, 287, 288, 293, 297, 303.
Hespanha, 163, 165, 171, 226, 246, 248, 283.
Hollanda, 22, 219, 248, 306, 307.
Ibituruna, 329. Ibiticaraiba, 334. Iguapé, 20, 21. Iguarahy, 184. Iguarassu', 225, 265. Ilha Grande, 327.
Inglaterra, 242. Ipojuca, 232, 262. Itália, 338. Itamaracá, 262.
Itanhaen, 20, 21, 44, 66, 320, 325.
Itaparica, 306, 309, 311.
Itatim, 148, 149, 157, 165, 180, 183, 190, 192-194, 196, 199, 201, 205, 280, 327, 329, 334.
Ivahy, 286.
Ivinheinia, 287.
Jaguambé, 204. Jaraguá, 328. Jatatiné, 209. Jesus Maria, 334. Jutahy, 198.
Laguna, 325.
La Paz, 170.
La Plata, 153, 164.
Lima, 144, 159, 160.
Lisboa, 6, 8, 12, 44, 86, 103, 159,
232, 233, 242, 298, 301, 325'
335. Loira, 239.
3G4 Historia Geral d;
Loreto, 204, 222. i'.os Angeles, 339. í.yão, 239, 241.
Madrid, 7, 11, 12, 169, 216, 218. Madeira (Ilha da) 332. Madeira! (Rio) 283-285, 331. Marabucaba, 327. Mamoré, 287. -Alandigiiassu', 140. Mantiqueira, 321 . Maracaju', 155, 178, 182, 184,
193, 278, 312, 326. Maranhão, 282, 288, 290, 293,
294, 301, 303. Massurepe, 262.
Matto Grosso, 114, 116, 165, 174, Í81, 193, 205, 278, 284, 287, 304, 312, 329, 334.
Mbororé, 139, 140, 142, 204, 209,
223, 318, 319, 334. Mbotetetu', 280, 285, 292. Mboymboy, 175-178, 180, 182,
184, 187, 198, 199, 287. Meca, 242.
Missões, 140, 141, 171. Minas Gcraes, 110, 329, 330. Mizque, 227. Mondego (Rio) 292. Mogy das Cruzes, 20, 21, 27, 30, 40, 93, 271, 272, 322.
Nhanduhy (Rio) 279.
Nossa Senhora da Fé, 198, 199,
280, 327. Nova Granada, 147, 158, 287.
Pacifico (Oceano) 280, 281,285, 287.
Paizes Baixos, 153.
Pará, 283, 285, 289, 293-295.
Paraguassu', 210.
Paraguay, 10, 37, 104, 111, 141, 143, 145, 147, 148, 152, 155, 157, 160, 161, 163, 166, 167- 170, 172, 178, 181, 182, 188, 190, 195, 197-200, 203, 206,
; Bandiíiras Paulistas
216, 220, 222, 227, 256, 285.
287, 289, 290, 306. 312, 318,
322, 326, 331. 334. Parahyba, 232. 262, 265. 266,
314, 321. Paraná, 7, 140, 141, 142, 152,
153, 165, 166. 172, 194, 203,
204, 206, 212, 218, 219, 221,
222, 278, 280, 281, 286, 292,
329, 334. Paranaguá, 31, 100, 213, 325. Pardo (Rio) 278, 334. Parnahyba, 14, 20, 21, 27, 30,
39, G6, 73, 74, 80, 93, 181, 311,
327, 338. Patos (Sertão dos) 322. Peabiu', Piabiyu', 286. Pequiry, 286. Pequi ry guassu', 140.
Pernambuco, 22, 24, 90, 174, 216, 218, 219, 249, 250, 252, 254, 255, 257-259, 269, 276, 303, 305, 307, 308, 311, 318.
Peru', 11, 12, 141, 144, 152, 157- 159, 165, 166, 169, 170, 174, 181, 184, 196, 216, 217, 220, 225, 227, 256, 281-285, 298, 306.
Pina, 178.
Pindamonhangaba, 314. Pinhaes de Santa Thereza, 204. Pinheiros, 333.
Pirahy, 180, 182, 183.
Piratininga, 16, 18, 42, 162,206,
312, 314, 315, 339. Piratiny, 102. Popayan, 147, 170. Porto Calvo, 262. Porto Feliz, 314. Porto Seguro, 46. Portugal, 49, 131, 136, 153, 160,
237, 242, 244, 260, 279, 283,
299, 318. Potengy, 264. Potosi, 160, 290, 291. Pyreneus, 239.
índice geographico
365
Quito, 282, 283-285, 298, 303.
Recife, 232, 233, 258, 259, 261, 264.
Recôncavo da Bahia, 88, 307.
Rio da Prata, 104, 141, 145, 156, 167, 215, 216, 218, 219, 222, 232, 234, 283, 285. 305, 306, 337.
Rio de Janeiro, 3, 6, 10, 11, 17, 18, 24, 31, 38, 40, 42-44, 49, 53, 54, 57,, 58, 61, 77, 86, 110, 119-121, 215, 224, 234, 235, 246-248, 251, 268, 301, 302.
Rio Grande do Norte, 256^ 258, 266, 279.
Rio Grande do Sul, 279, 292, 317, 322, 329, 335.
Rio Pequeno, 4.
Roma, 7, 11, 12, 16, 58, 82, 87.
Rosiére (Engenho) 268.
Salvador (Cidade d'0) 232, 233.
Salto, 314.
San Lucar, 225.
San José, 334.
San Pedro y San Pablo, 334. SanfAnna, 172, 222, 224. Santa Catharina, 284, 322, 329. Santa Cruz de la Sierra, 170, 227.
Santa Fé, 193, 328. Santa Maria do Iguassu', 172. Santa Maria Maior, 221. Santa Thereza, 213. Santo Agostinho (Cabo de) 234. Santo André da Borda do Cam- po, 333.
Santo Ignacio, 198, 199, 222,
229, 287. Santos Martyres, 172, 221. Santos Cosme e Damião, 172, 222
Santos Reis de Japeju', 172,205.
219, 221, 223. Santos, 18, 20, 21, 31, 32, 34, 35,
40, 42, 44, 49, 51, 53, 54, 58,
80, 102, 106, 131, 135, 206, 249, 256, 269, 271, 272, 274, 318, 320, 322, 336, 337.
São Carlos, 172, 221.
Soã Cosme, 172.
São Francisco (Rio de) 231, 232, 259, 261, 262, 267, 307- 311, 315, 322.
São Francisco do Sul, 322.
São Francisco Xavier, 140, 172, 221, 287.
São José, 172, 222.
São Lourenço, 232, 265.
São Miguel, 69, 98, 172, 221,286.
São Paulo, 5, 8, 10-15, 18-20, 23- 25, 27, 29, 33, 34, 37, 38, 41- 45, 47, 49, 53-55, 57, 59-62, 66, 70-73, 78, 80, 81, 86-88, 91, 92, 94-97, 103-106, 112, 113, 116, 117, 119, 122, 123, 128, 130, 133, 141, 148, 155, 164, 167, 181, 182, 185, 192, 193, 194, 196, 203, 205, 206, 210-213, 220, 224, 235, 243- 249, 251-253, 256, 257, 268, 269, 274, 278-280, 282, 283, 285, 290, 291, 294, 295, 298- 303, 305-309, 311-314, 316- 324, 326, 327, 329, 330, 332-
335, 337-339, 341.
São Pedro e São Paulo, 172, 221.
São Nicolau, 172, 221.
São Roque, 250, 264, 269, 271, 272, 274.
São Thomé, 172, 208, 209, 221.
São Thomé (Caminho de) 286.
São Vicente, 10, 20, 21, 23, 25, 30, 38, 42, 43, 49, 53-55, 60, 66, 80, 86, 88, 103, 104, 106, 112, 115, 121, 131, 235, 248, 251-253, 269, 271, 290, 330,
336, 337. Sapucahy, 321. Sergipe, 231. Serrarias, 304.
Historia Peral das Bandeiras Paulistas
Sevilha, 7. Sorocaba, 286.
Talavera, 176, 178, 182-184, 194.
Tamandaré, 254.
Tape, 7, 157, 160, 162, 166, 174,
306, 334. Taquary, 304. Taraguy, 197.
Tarem, 175, 189, 194, 197-199. Taubaté, 93, 321. Terceira (Ilha) 233. Terecane, 178, 182. Tibagy, 280. Tietê, 286, 312-314. Tobaty, 140, 141. Tocantins, 289, 293. Tordesilhas, 283, 321, 331. Touros, 250, 256, 268, 275, Trancoso, 237.
Tucuman, 145, 160, 166, 167.
Uruguay, 7, 140, 141, 143, 152,
153, 155, 160, 162, 172, 194,
198, 200, 203, 213, 220, 221, 319, 329.
Veneza, 238. Vaccaria, 287.
Villa Rica (do Guayrá), 111. Vigo, 218.
Villa Rica dei Spiritu Santo, 175, 176, 178, 180, 184-186, 188, 189, 192, 225, 286, 334.
Vinhaes, 19.
Xerez (Santiago de) 155, 197, 280, 292, 327.
Yaguaron, 147. Yatebo, 197.
Ybituruna, 213. Ybu', 197. Yguarape, 140.
Ypané, 175, 176, 182, 189, 194,
199. Ytá, 166.
Ytapua, 140, 142, 156, 163, 166. Ytu', 314.
Wynandts (Engenho) 268.
Date Due
PRINTED |
IN U. S. A. |
X