LIBRARY OF PRINCETON

MAY I 8 1994

ML /fCO

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No outono de 1890, quando a capital gaúcha tinha muito de provincia- nismo, aqui aportavam dois missionários, Lucien Lee Kinsolving e James Watson Morris.

Traziam eles a mensa- gem episcopal para os brasileiros.

Um punhado de ho- mens, aceitando o que pregavam os dois pionei- ros, os ajudaram a im- plantar o episcopalismo em vários pontos da ter- ra gaúcha.

Américo Vespúcio Ca- bral, Antônio Machado de Fraga, Vicente Brande foram dos primeiros.

Com o correr dos anos muitos outros vieram e a Igreja Episcopal atraves- sou as fronteiras do Rio Grande do Sul.

E agora, passadas sete décadas, o anglicanismo está no Pará.

E na mesma cidade que recebeu Kinsolving e Morris realizou-se o Io Congresso que foi, com a graça de Deus, a de- monstração de quanto Êle abençoou a semente plantada pelos primeiros missionários.

O Congresso constou de exposições várias;

A IGREJA EPISCOPAL NO PAIS DO FUTURO

A IGREJA EPISCOPAL

NO PAÍS DO FUTURO

PUBLICADORA ECCLESIA

Composto e impresso pela Editora Metrópole de Pôrto Alegre para a Publicadora Eccletia

PASTORAL DOS BISPOS E TESES APRESEN- TADAS POR OCASIÃO DO PRIMEIRO CON- GRESSO DA IGREJA EPISCOPAL BRASILEI- RA, REALIZADO EM PÔRTO ALEGRE, DE DEZESSETE A VINTE E QUATRO DE JULHO DE MIL NOVECENTOS E SESSENTA.

Prefácio

Kealizou-se afinal a aspiração que Unham os episcopa- lianos brasileiros de se congregarem fraternalmente num conclave de âmbito nacional e de caráter popular. O I Con- gresso da Igreja Episcopal Brasileira foi, por muitps títulos, a concretização desse acalentado sonho.

Os planos preliminares do Congresso foram traçados em princípios de 1959, recebendo plena aprovação do Sínodo reunido naquele mesmo ano. A sua estrutura geral foi, pouco a pouco, se formando, com diretoria, comissões, entida- des participantes, programa, ternário, etc. Na qualidade de Secretário Executivo do Congresso, coube ao Kev. Henrique Todt Jr., Deão da Catedral da SS. Trindade, articular a ação de todos os elementos de que se compunha a complexa engrenagem do Congresso.

Não obstante os numerosos contratem fios que sempre sur gem nos planos e na execução de empreendimento deste vulto, o Congresso, a bem dizer, atingiu com êxito as suas finalidades.

Fazia dez anos que a antiga Diocese do Brasil Meri- dional se dividira em três dioceses, impedindo, assim, que o clero tivesse o ensejo de reunir-se em pêso, como outrora, nos concílios diocesanos, o mesmo sucedendo com os líderes leigos agora agrupados em três zonas eclesiásticas. O Con- gresso constituiu, portanto, neste longo período, o primeiro en- contro geral do clero e do povo da Igreja Episcopal no Brasil. Todos suspiraram por essa expressão de fraternidade que predominou no ambiente do conclave, perdurando ate o fim.

Tanto o pavilhão desportivo do Colégio Batista America- no, onde se ergueu para os principais ofícios um Altar, ao mesmo tempo, imponente e sóbrio, como o auditório do Instituto de Belas Artes, onde se realizaram as sessões plená- rias, se tornarem pequenos para as multidões que acorreram a

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esses locais. Cerca de mil eclesianos inscreveram-se como con- gressistas, porém as congregações presentes às quatro ce- rimónias religiosas mais importantes foram superiores a duas mil pessoas. As comunhões incorporadas dos homens, das senhoras, dos jovens e dos educadores, bem como a solene comunhão geral dos congressistas foram, sem dúvida, os instantes mais comoventes daquela semana.

As dez teses lidas perante o plenário foram escutadas com inusitado interesse e, depois, discutidas pelos grupos em qiií se dividiram os congressistas para este fim.

As manhãs do congresso dedicaram-se às conferências promovidas pelas organizações masculinas, femininas, e juvenis da Igreja, ao que devemos acrescentar o Encontro de Educa- dores Episcopais.

Inegavelmente, cresce, entre os membrt i da Igreja Epis- copal, a consciência de sua vocação, do seu tipo de culto litúrgico, da sua mensagem c, como consequência, da sua mis- são rio mundo. Mais e mais compreendemos que a própria natureza apostólica da Comunhão Anglicana, por um lado, e suas relações com a Reforma, pelo outro, nos colocam em posição de generalizada simpatia entre as demais corporações cristãs. E bem visível se nos torndtu neste Congresso que< Deus nos chama agora a utilizar ao máximo esta posição honrosa para estimular o presente movimento ecuménico de aproximação das Igrejas, como c manifesto desejo ida cristan-

Espcramos que os presentes Anais levem a todos os lares de episcopalianos e a inúmeros amigos nossos uma ideia do que foi o I Congresso da Igreja Episcopal Brasileira a sua inspiradora atmosfera de adoração, de estudos e de convívio alegre e fraternal.

Deus permita que todos quantos gozaram o privilégio de participar desta experiência tenham dela saído com a firma decisão de se tornarem mais fiéis e mais eficientes discípulos de nosso Senhor Jesus Cristo.

f Egmont Machado Krischke Presidente do Congresso

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ÍNDICE

Prefácio .... . . 9

Pastoral dos Bispes 13

A Posição Histórica c Doutrinária da Comunhão An- glicana — Rcimo. Dom Egmont M. Krischke 21

A igreja Episcopal na Comunhão Anglicana Rei.

Nataniel Ditial da Silia 3 3

Nosso Lugar no Cristianismo e Nossas Relações com Outras Comunhões Re imo. Dom Plínio L. Si- mões . . 47

Origens Bíblicas do Culto Cristão e sua Continuidade

Histórica Revmo. Dom Edmund K. Sherrill . . 61

O Sentido e o Valor da Eucaristia na Vida Diária

Rei. Jaci C. Maraschin . . . 75

O Homem e a sua Salvação Rei. Dr. José Del Nero 93

A Igreja e a Família Rei. Arthur Kratz 109

A Igreja e o Cidadão Dr. João Del Nero 123

A Tarefa dos Leigos Dr. Samuel Duial da Silva . . 141

A Igreja em Ação Ven. Antônia T. Guedes . . . . 151

Conclusões 159

Síntese de um Grande Acontecimento Jorge Alber- to Karam . . .. 173

Ilustrações 191

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PASTORAL DOS BISPOS

A todos os fiéis membros da Igreja Episcopal Brasilei- ra.

Muito amados no Senhor.

É com cs corações estuamos de grato júbilo perante Deus que nós, bispos da Igreja Episcopal Brasileira, vos diri- gimos a palavra, na ocas;ão em que, pela primeira vez, nos reunimos em Congresso.

I

Temos justos motivos para render graças a Deus, porque, nestes setenta anos de atividade da Igreja Episcopal no Bra- sil, a Sua graça nunca faltou ao clero e ao povo desta parcela do seu rebanho

Enquanto reverenciamos a memória dos pioneiros que, intimoratos, lançaram as bases da Igreja Episcopal no Brasil, sentimos que a experiência deste Congresso mais e mais nos compele a atentar na verdadeira natureza e vocação deste nos- so ramo do Cristianismo histórico, e a nos consagrarmos, de corpo e alma, ao cumprimento da nobre missão que o Senhor nos tem confiado.

Estamos que os estudos e discussões deste Congresso for- taleceram nossa convicção de que pertencemos a uma Igreja Católica no seu testemunho à inteireza da verdade cristã, na sua continuidade apostólica, mediante o episcopado, e na sua lealdade ao Credos e aos Sacramentos da Igreja indivisa; e, ao mesmo tempo, evangélica na sua proclamação da Palavra de Deus e no seu realce à pessoal em Jesus Cristo/ nosso divino Salvador

Nossa Vocação histórica envolve, portanto, a própria na- tureza da Igreja, a sua doutrina, a sua ordem e o seu culto. Esta é a tradição apostólica, a herança preciosa que nos vem de um passado pleno de heroismo e de fé.

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Não nos cabe, entretanto, guardar egoisticamente este tesouro vocacional, pois nele reside a nossa missão na pátria brasileira como em todo o mundo.

Deus é quem, deste modo, nos convoca, irmãos, para adorá-lo e para cumprir os Seus santos propósitos. É Èle quem nos manda anunciar a cristã e praticá-la no poder do Seu Espirito Santo. Não nos resta outra alternativa senão respon- der-lhe briosamente, como indivíduos e como coletividade cristã. À Igreja e a cada um dos seus membros recai o privi- légio de crescer, dia após dia, no conhecimento de Jesus Cris- to, na fé, na esperança e no amor que formam o testemunho do caráter cristão no viver cotidiano.

II

Não é mais possível ocultar-se o afrouxamento moral na família e na sociedade contemporâneas- As forças do bem contemplam estarrecidas a tremenda crise que ameaça arrastar a humanidade para o abismo Sociólogos de nomeada têm se ocupado do assunto. Por um lado, chamam a atenção daque- les sôbre cujos ombros pesa grande parcela de responsabilida- de. Pelo outro, conclamam o homem comum a cerrar filei- ras em torno de movimentos que visem à preservação do arca- bouço social que sofre o impacto das arremetidas de um ver- dadeiro rôlo compressor, que cego avança ignorando inteira- mente a vultosa soma de estragos que vem causando em sua trajetória incontida

Entretanto, não faltam manifestações de inteligências privilegiadas que procuram fazer-nos sentir que não mo- tivos para apreensões. Chegam mesmo a afirmar que todos quantos se afligem a tal respeito nada ma's são do que infe- lizes recalcados, os quais, não encontrando apoio no homem moderno para as suas ideias retrógradas, procuram intimidar os menos esclarecidos com o fantasma do mêdo. "Não mais lugar para pfbfetas na atualidade" costuma-se afirmar. "A ciência está colocando à disposição do homem contemporâ- neo meios eficazes que lhe permitam tornar-se dono de seu destino".

É evidente que se trava uma batalha de gigantescas pro- porções entre duas correntes de pensamentos irreconciliáveis

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uma que coloca o homem, com sua capacidade criadora, no centro do universo, e outra que ainda ousa proclamar a soberania de Deus.

Desta batalha quem sairá vitorioso? Muitos são os que. criados na atmosfera em que se aceita tacitamente a posição de Deus como Senhor do universo, não se perturbam; nem por sombra lhes parece viável que o homem possa vir a destronar o Criador de tôdas as coisas. O nosso aplauso aos que demons- tram tal confiança no poder de Deus

Mas, perguntamos, dar-se-á Deus por satisfeito em ver que seus filhos lhe confiam tôda a soma de responsabilidade? Teremos o direito de assistir impassíveis ao implacável incên- dio que vai destruindo a obra representada pelas conquistas das hostes do bem, as quais não mediram sacrifícios para le- gar à geração dos nossos dias um patrimônio moral e espi- ritual, cujo valor não cifras que nos permitam calcular?

Ninguém se iluda: colheremos no futuro o que estiver- mos plantando hoje. E qual é a semente que os Cristãos da atualidade estão lançando à terra?

Reservamos ao mundo o direito de indagar dos planos da Igreja Cristã para os dias vindouros. Se ela puder apresen- tar um esquema definido, tendo por fundamento o Evange- lho de Cristo, e amparado devidamente pelo consenso geral das forças cristãs do mundo inteiro, não haverá dúvida de que será ouvida a sua voz, e os milhares e milhares de inde- cisos, em face da confusão reinante, hão de seguir as normas do Cristianismo. Se, todavia, os cristãos preferirem continuar na posição de meros críticos dos que arrastam consigo boa par- te da humanidade, afastando-a de Deus, ser-lhes-á impossível atingir os seus objetivos. Nossos atos é que provarão a pro- cedência das nossas palavras .

Reconhecemos que existem inúmeros motivos para ren- dermos a Deus as nossas mais humildes e sinceras graças pela nossa gloriosa herança religiosa que nos convence termos, como membros da Comunhão Anglicana mundial, missão específica a ser cumprida neste continente e neste país.

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Esta missão nós a compreendemos, em parte, em termos geográficos. A Igreja Episcopal Brasileira nasceu, 70 anos, no Estado do Ro Grande do Sul. Mediante o trabalho e o testemunho dos missionário, c dos nacionais, a Igreja foi es- tabelecida na Capital deste Estado sôbre bases sólidas- Atin- giu, em seguida, as principais cidades do interior, de maneira que hoje duas Dioceses e mais de 75 paróquias e missões no Rio Grande do Sul. A Igreja, ao mesmo tempo, se esten- deu para o Paraná, São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Pará, assim como várias cidades do interior do Brasil, inclu- sive a nova Capital do País. Estamos convictos de que Deus nos chama, neste momento histórico, para traçar planos e desenvolver programas de ação, visando a uma penetração mais profunda da nossa ação missionária em outras cidades e regiões da pátria brasileira ainda não atingidas pela Igreja Episcopal. Aqueles cujas vidas têm se enriquecido com o amor de Deus no seio desta Igreja, à qual todos tanto devemos, podem acreditar que êstes valores devem ser repartidos gene- rosamente com todos os brasileiros. É certo, também, que a presença, em nossa comunidade religiosa, de representantes das várias regiões do Bras'l enriquece sobremaneira a nossa própria experiência de Jesus Cristo nosso Senhor, nos propor- ciona novas energias e nos oferece rehovada visão da nossa magna tarefa

Uma penetração geográfica mais profunda da nossa Igreja possui igualmente sentido sociológico. Nos centros de crescente industrialização está emergindo verdadeira massa de operários que clama por um sistema de vida que proteja a dig- nidade da pessoa humana. As universidades são verdadeiros campos de batalha entre as várias ideologias que pleiteiam a liderança da mocidade e procuram até decidir o próprio des- tino do povo. No interior surgem novas comunidades onde, faz pouco, havia apenas florestas virgens. A grande aventura do estabelecimento da nova Capital Federal é bem o símbolo dos dias empolgantes que atravessamos na história nacional . As atividades de um clérigo episcopal em Brasília dizem da nossa determinação no sentido de tornar presente a Igreja Epis- copal nestes decisivos eventos, não somente para contribuir com aquilo que Deus nos concedeu da Sua verdade e da Sua

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graça, como, ao mesmo tempo, aprender, junto com o povo deste país, as grandes lições proporcionadas pelo Senhor da História .

Esperamos que a intensificação da nossa obra missionária, social e educativa, resultante de um senso mais desenvolvido de responsabilidade da parte de todos, nos trará novas opor- tunidades para contatos mais frutíferos com os cristãos de ou- tras denominações. A necessidade de um cristianismo integral, que transfigure todos os setores da vida pessoal e coletiva, ao impacto da luz que vem do alto, requer a união de todos aqueles que chamam a Jesus de Senhor. Os próprios princípios do Evangelho, bem como a nossa tradição católica nos impõem o imperioso dever de testemunhar, por todos os meios possí- veis, que somos, pelo grande poder do Espírito Santo, um nele com o Pai.

Não dormitemos, pois, sôbre os louros colhidos nestes se- tenta anos, os quais não constituem propriamente mérito nosso e, sim, dádiva de Deus. Antes nos tomemos daquele zêlo sagrado e ardoroso que caracterizou as primeiras gerações cris- tãs e as compeliu a amalgamar, com a sua vida e a sua morte, aquilo que unicamente perdura o Evangelho e a graça da redenção na Santa Igreja de Cristo

f Egmon t Machado Krhchke Bispo do Brasil Meridional

f Plínio Lancr Simões

Bispo do Brasil Sul-Ocidental

t Edmund Knox Sherrill Bispo do Brasil Central

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A POSIÇÃO HISTÓRICA E DOUTRINÁRIA DA COMUNHÃO ANGLICANA

Revtno. Dom Egmont M. Krischke

Parece-nos oportuno iniciar esta tese definindo a Comu- nhão Anglicana nos termos do pronunciamento feito pela Con- ferência de Lambeth em 1930:

"A Comunhão Anglicana é, dentro da Igreja Una, San- ta, Católica e Apostólica, um congraçamento de Dioceses, Pro- v ncias eclesiásticas ou Igrejas regionais devidamente constituí- das, em comunhão com a de Cantuária, que têm em co- mum as seguintes características: a) mantém e propagam a e ordem católicas e apostólicas, na forma em que se en- contram, em geral, expressas no Livro de Oração Comum, com autorização das suas respetivas Igrejas; b) são Igrejas autónomas ou nacionais e, nesta qualidade, promovem, nos seus respetivos territórios, a sua própria expressão nacional de fé, vida e culto cristãos; c) não estão ligadas por uma au- toridade central, legislativa e executiva, mas por lealdade mú- tua, mantida pilo cons:lho dos Bispos reunidos em conferên- cia".

Essa definição nos leva a duas conclusões importantes: primeiro, que, no títub de nossa Comunhão religiosa, o vo- cábulo "anglicana" perdeu qualquer sentido patronímico, à semelhança do que sucedeu com a Igreja Católica Romana; c segundo, que não pode existir, na Comunhão Anglicana, hegemonia cu predomino de jurisdição eclesiástica, visto co- mo a própria Conferência de Lambeth afirmou "que a ver- dadeira constituição da Igreja Católica envolve o princípio da autonomia de igrejas, firmada na e na ordem tidas em comum".

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I A nossa posição histórica.

A Igreja Episcopal é reconhecida como ramo da Comu- nhão Anglicana, porque deriva historicamente da Igreja da Inglaterra que, na sua expansão missionária, se difundiu pelo mundo inteiro e chegou até nós, trazida por uma filha inde- pendente, a Igreja Episcopal dos Estados Unidos da Améri- ca, a qual, por sua vez, tudo faz para que nos desenvolvamos como Igreja brasileira para conquistar os brasileiros. O que de- nominamos de "tradição anglicana" é realmente 0 "ethos" daquela Igreja tantas vezes mal compreendida que estravasou das ilhas britânicas, levando para todos os continentes um clima religioso que lhe é peculiar, dentro do qual respiram hoje cerca de cincoenta milhões de cristãos anglicanos.

A cristã foi levada àquelas ilhas, então habitadas por semi-bárbaros, em dias muito próximos à era apostólica, pro- vàvelmente por cristãos dispersos ou por soldados convertidos das legiões imperiais de Roma- É certo que, em 314, compa- receram ao Concílio de Aries os bispos de York e de Lon- dres. Dom J. William C. Wand, Bispo aposentado de Lon- dres, lembra que a Igreja das ilhas era talvez mais grega do que latina e ela deve ter contribuído para a formação espiri- tual de Constantino, o primeiro imperador romano que tornou cristão. Ondas de invasores vindos do Continente compeliram os bretões para o oeste, onde a religião cristã pros- seguiu, ficando o leste e o centro novamente dominados pelo paganismo, durante século e meio

Missionários celtas, procedentes da Irlanda, de um lado, e, do outro, Agostinho, enviado pelo Papa Gregório Magno, estabeleceram-se no norte e no sul respetivamente. Após lon- gos anos de discussão entre os dois grupos, foi, no Sínodo de Whitby, firmada a jurisdição de Roma na Igreja Inglesa. Per- durou sempre, entretanto, mesmo durante a Idade Média, cer- to espirito de independência. Nunca o Rein0 se tornou parte do Santo Império Romano. Guieiros da têmpera de um Gros- scteste, fizeram severas críticas a Roma. E houve reis que, com o apoio da nação, assumiram atitudes desassombradas ante o Papado. A famosa Magna Carta claramente requeria que a Igreja Anglicana fôsse livre

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Êste é um ponto que reputamos de suprema importância, quando procuramos entender o "ethos", a maneira de ser pe- culiar à Comunhão Anglicana. O Anglicanismo propriamen- te dito não poderia ter resultado do conflito pessoal de Hen- rique VIII com o Papa. Êle emergiu historicamente desta ín- dole tôda especial do Cristianismo nas ilhas britânicas, desde o seu início obscuro, como produto da Diáspora cristã, e o seu estabelecimento pela junção de duas tradições (a celta e a romana), até a presente Diáspora Anglicana pelo mundo todo

Henrique VIII realmente ignorava o sentido profundo do seu ato. Por um lado, escreveu contra Lutero; por outro, in- surgiu-se contra o Papa. Pretendia uma simples mudança de política eclesiástica. Nada de reforma- Na realidade, porém, deu ocasião a que se desencadeasse, na Igreja inglesa, uma crise que êle jamais jugularia e que havia de prolongar-se por vários reinados. Nesta crise, nas marchas e contra-marchas de um tremendo conflito entre puritanos e romanistas, emergiu o que nenhum dos partidos queria, e que a história demons- trou ser o desígnio de Deus, algo diferente, algo independen- te — o Anglicanismo. Quem primeiro descreveu a situação anglicana, com fidelidade e clareza, foi Ricardo Hooker, cujo famoso tratado sôbre "Política Eclesiástica" arrancou do pró- prio Papa Clemente VIII a declaração de que a referida obra continha tais sementes de eternidade que a fariam perdurar até que o fogo final consumisse tôda a cultura.

0 monumento mais visível, mais discutido e mais ama- do na inteira Comunhão Anglicana, porque ditado pelo Es- pírito Santo e consagrado pelo sacrifício dos mártires é, por certo, o Livro de Oração Comum o nosso repositório de Fé. Culto e Ordem

II A nossa posição doutrinária.

1 A índole anglicana.

Quando afirmamos que o Anglicanismo emergiu em meio a terrível choque entre as facções romanista e puritana, nos sécs. XVI e XVII, não o estamos considerando mero fruto

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dessa crise, e sim um tipo religioso, um "ethos" ou modo de ser prcexstcnte àquela fase histórica c oriundo da própria for- ma independente em que o Cristianismo foi implantado nas ilhas britânicas. Êste é o ponto nevrálgico, dificilmente per- ceptível aos clhos de quem critica o Anglicanismo, postando- se fora do mesmo

O fato decisivo em nossa história religiosa é que nunca interrompemos a nossa continuidade com o passado, nunca lan- çamos fora a nossa herança apostólica. E êste foi exatamente o pomo da discórdia, nos dias da Rainha Isabel I. De um la- do, militavam os puritanos que, a todo o custo, queriam des- truir essa continuidade; e, do outro, arremetiam os romanis- tas que não reconheciam continuidade alguma fora da tutela papal. De certo modo, ambos tinham razão. Pois a continuida- de que desgostava os puritanos, possuía algo de novo que, aos olhos dos romanistas, parecia anulá-la. Nenhuma das facções podia perceber aquilo que infelizmente muitos ainda hoje, mesmo dentro do Anglicanismo, não conseguem entender, em- bora o saibam teoricamente o sentido profundo e provi- dencial da nossa Vocação religiosa .

A Igreja Episcopal, à semelhança de todos os demais ra- mos da Comunhão Anglicana, jamais cortoul sua continuidade com a herança católica e apostólica do passado. Preservamos o antigo ministério tríplice das ordens sacras e adoramos em- punhando o Livro de Oração Comum, o devocionário que nos liga à vida litúrgica da Igreja de todos os séculos

Ao mesmo tempo, quanto elemento precioso e renovador soubemos apropriar da Reforma protestante. As Santas Es- crituras foram restauradas como base de e orientação de- vccional dos cristãos, na contemplação dos atos poderoses c redentores de Deus; e práticas supersticiosas foram abolidas ou recuperaram seu antigo sentido sacramental, de acordo com a def nição católica da Igreja indivisa, graças ao novo in- teresse pelo estudo c pesquisa da cultura patrística

Quanto à doutrina propriamente dita, a tradição angli- cana mantem-se firmemente apostólica- Sua confissão de não possui características nem realces denominacionais. Sim- plesmente aceita e proclama a herança católica, expressa no Credo dos Apóstolos c no Credo Niceno. A própria maneira

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de a nossa Igreja apelar para as verdades das Santas Escri- turas foge aos moldes das fórmulas doutrinárias na Reforma continental, preferindo expôr essas verdades como se encon- tram engastadas n s velhos credos do Cristianismo indiviso.

2 Como interpretar a nossa posição.

A grande surpresa do movimento reformador em nossa Igreja foi que, ao invés de se formar uma nova denominação ou de se retornar à submissão a Roma, pela vitória de uma das facções em conflito, o que realmente sucedeu foi a emer- gência de um modo de pensar, de sentir e de ser, a que de- nominaríamos o "ethos", o génio da Comunhão Anglicana, e que, per mais de um milénio, se conservara latente na vida religiosa do povo

O resultado foi que, enquanto a cristandade ocidental se dividia em dois grupos definidos e exclusivos, nós preferimos seguir o que se convencionou chamar de "via média". Não se trata, porém, como poderia parecer a muitos, de um ca- m nho esquivo e tortuoso, um atalho por onde se fuja à luta. Ao contrário, a "via média" está eivada de percalços graves, impostos pela incompreensão e lógica dos homens, inclinados rempre a soluções mais simples e menos realistas. O princípio fundamental da "via media" é a síntese. Signif;ca isto qu~ somos católicos pela nossa origem e pela nossa doutrina, or- dem e culto; e somos protestantes porque nos sentimos sob o permanente juízo de Deus, e reconhecemos que a Sua Santa Igreja necessita, em tôdas as épocas, de visão profética e de renovação no poder do divino Espírito que nela habita.

No seu livro sobre a "Via Média", E. L. Mascall, moder- no teólogo anglicano, declara que "nos pontos cardiais da dou- trina cristã, a ortodoxia consiste em conservar juntas noções que podem parecer incompatíveis". Temos de admitir, com hu- mildade, que houve tempo em que a oposição entre católicos e protestantes se expressou em perseguições, fogueiras e guer- ras, assumindo formas institucionais, ainda hoje, na aparên- cia, irreconciliáveis. Nossa tendência natural é decidir-nos per uma dessas formas, com exclusão da outra, caindo, por-> tanto, em êrro- A síntese anglicana, contudo, parte do prin-

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cípio de que ambos os elementos são essenciais a uma expe- riência crista mais completa e, por isso, não podem ser in- compatíveis entre si, se adquirirmos uma compreensão mais profunda e real da sua natureza e função na vida espiritual da comunidade cristã .

O Bispo Wand, citado, observa, com muita proprie- dade, que São Paulo poderia ser considerado protestante ao declarar que "o homem é justificado pela fé", e católico ao ensinar que, no Batismo, somos enxertados em Cristo para re- ceber a Sua vitalidade em nosso ser e tornar-nos um com Êle. No primeiro caso, temos o caminho da fé, o aspeto psicoló- gico das nossas relações com Deus. O segundo é o caminho da graça, o fato ontológico, a atuação eficaz de Deus em nosso ser, especialmente por meio dos sacramentos que o Se- nhor mesmo instituiu. Pela fé. n:s voltamos para Deus- Nos- sas mentes pensam nêle e nossos corações anseiam por Êle, que é um Ser transcendente, além e acima de nós. Pela gra- ça, Deus se nos revela imanente, presente, não no univer- so, mas em nosso mesmo ser, transmitindo-nos, com o poder do Seu Espírito, especialmente através dos meios sacramen- tais, os benefícios da ação redentora de Cristo.

Por conseguinte, tôda a vez em que nos intitularmos de evangélicos ou católicos, na acepção de partidos opostos, estaremos tentando separar elementos essenciais à nossa vida religiosa, porquanto a e a graça, a crença e os sacramen-i tos são pontos fundamentais da síntese anglicana. Como lem- bra ainda o citado antiste, "nenhum de nós pode ser comple- tamente cristão sem ambas as atitudes".

Não poderíamos expôr êste ponto melhor do que o fêz o atual Arcebispo de York, Dr. Arthur M. Ramsey, que, no seu livr0 "O Evangelho e a Igreja Católica", afirma o se- guinte: "Se a nossa leitura do Novo Testamento, especialmen- te das epístolas paulinas, é correta, estas duas verdades a evangélica e a católica são ultimamente uma. Compreen- der a Igreja Católica e a sua vida e ordem é olhá-la como expressão do Evangelho de Deus; e compreender o Evangelho de Deus é participar com todos os santos na edificação do Corpo único de Cristo. Portanto estes dois aspectos do An-

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glicanismo não podem realmente separar-se. Êle possui plena catolicidade apenas enquanto é fiel ao Evangelho de Deus, e é plenamente evangélico enquanto mantém a ordem da Igre- ja na qual se realça um aspecto importante do Evangelho".

Um exemplo impressionante dêsse grande fato é o movi- mento litúrgico de nossos dias, o qual se processa não na Comunhão Anglicana, como nas demais corporações cristãs em geral. Trata-se de um reavivamento espiritual de bases ní- tadamente evangélicas, o que se pode observar, por exem- plo, no realce que procura dar à leitura do Evangelho na Eu- caristia e ao uso mais constante e mais eficaz dos chamados Sacramentos do Evangelho. Não resta a menor dúvida de que estamos, por índole, em condições privilegiadas para tirarmos de tal movimento o máximo proveito para a vida devocional das paróquias e de todos os eclesianos

Constituímos, pois, um tipo inclusivo e compreensivo de religião cristã, que muito nos aproxima da Igreja dos pri- meiros séculos. O que se observava então era uma verdadeira democracia católica, firmada no governo episcopal, com va- riados usos litúrgicos e outros pormenores locais. Porém os assuntos atinentes à e à ordem geral da Igreja, mormen- te quando a sua ortodoxia e estrutura apostólica estavam sen- do solapadas pelas heresias, foram estabelecidos, não pela he- gemonia e. menos ainda, pela infalibilidade de um homem, senão pelo consenso dos fiéis na voz autorizada dos Concílios Ecuménicos.

O Revmo. Philip Carrington, Arcebispo de Quebec, ob- tempera que a Comunhão Anglicana é, de certo modo, uma Diáspora, e que a sua constituição em dioceses agrupadas em Igrejas nacionais, sem um governo central, muito nos achega ao modelo apostólico. Pois o Senhor mesmo comissionou os Apóstolos, e estes, por seu turno, transmitiram a sua missão às Igrejas da Dispersão.

Que tais Igrejas ainda no séc. VI existiam unidas, porém

não submissas a uma autoridade, compiovam-nos as pa- lavras cheias de sabedoria do Papa Gregório Magno a Santu Agostinho, quando êste evangelizava a Inglaterra: "Meu con-

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sclho é que faças cuidadosa selcção de tudo quanto encon- traste nas Igrejas Romana, Galicana ou qualquer outra, e que seja aceitável a Deus Onipotente; e que ensnes, com dili- gência à Igreja dos ingleses, ainda nova na Fé, aquilo que puderes colher das diversas Igrejas. Escolhe, portanto, de cada Igreja as coisas devocionais. religiosas e recomendáveis, e, quando as tiveres incorporado, faze as mente/s dos ingleses acostumarem-se com elas". Como vedes, está ai um grande Papa a inocular no Anglicanismo nascente o princípio da sua Índole compreensiva e independente

E a sua índole é, sem dúvida, o seu rumo e a sua vocação histórica

III Conclusão

Pedimos vénia para resumir nossos pensamentos em tor- no à posição histórica e doutrinária do Anglicanismo e suas implicações com vistas à presente situação do Cristianismo, em três proposições como segue:

PRIMEIRO, mantemos a e a Ordem da Igreja Pri- mitiva, em continuidade histórica e doutrinária com os Após- tolos do Senhor. Nossos Credos são os da Igreja indivisa, co- mo o é a nossa estrutura e govêrno eclesiásticos. Regeitamos, de um lado, a autoridade autocrática que nega o direito à cri- tica, e, do outro, 0 desrespeito licencioso que degenera em anarquia. Nossa posição requer, portanto, inteligência, paci- ência e humildade .

SEGUNDO, nossa Igreja é inclusiva e compreensiva, por índole, por fôrça do seu próprio "ethos", e será inútil todo esforço no sentido de reprová-la por isso, ou de reduzí-la a uma natureza unilateral. Todos os seus membros são, a um tempo, católicos e evangélicos, não nas acepções artificial- mente antagónicas dos têrmos, porém no sentido nobre e fun- damental em que ambos formam a síntete gloriosa do Angli- canismo. Nossa compreensividade religiosa não provém de um

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1 beralismo frio e amorfo. Provém do amor que é o fruto do Espírito Santo

TERCEIRO, cabe-nos a responsabilidade inevitável de testemunhar ao mundo e, em particular, à cristandade, qu? o acalentado ideal do Ecumenismo constitui uma realidade existencial na Comunhão Anglicana, nesta democrac-a cató- lica, onde se encontra a liberdade dentro da ordem, a varie- dade dentro da un dade, o espírito de reforma dentro da con- tinuidade apostólica, diferenças de ênfase cerimonial e teoló- gica dentro de uma doutrina e de um Livro de Ora- ção Comum.

E Deus que nos confiou essa Missão, nos conceda tam- bém o necessário entendimento, humildade, idealismo e intei- ra consagração aos Seus sábios propósitos

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Preâmbulo

A Igreja da Inglaterra não foi um produto da Reforma. A verdadeira tempestade que o monge agostiniano, Martinho Lutero, no século XVI, desencadeou na Europa não criou a Igreja da velha Albion. Com isso, não queremos, nem de longe, insinuar não tenha o movimento reformista tido in- fluência no Cristianismo inglês Teve, e quiçá bem grande. Mas é preciso se reconheça sempre que entre influenciar a Igreja da Inglaterra e criá-la vai uma grande diferença-

Quando Lutero e os demais reformadores do continente europeu romperam com a Igreja de Roma, a da Inglaterra existia, velha de vários séculos. Agostinho, agora chamado de Cantuária, quando aportou às ilhas Britânicas, em 597, encontrou uma Igreja estabelecida. A origem dela é desco- nhecida. E sua absorção pela que o monge de Santo André estava trazendo, nunca se fêz completamente. Teodoro de Tarso, Arcebispo de Cantuária, tem a glória de unificar am- bas as Igrejas, afastando as arestas bem agudas que as sepa- ravam .

Por vezes, estudiosos algo apressados têm julgado de 6o- menos importância os motivos de desencontro das duas Igre- jas. Uma apreciação mais acurada, no entanto, demonstra o contrário. Tinham elas posições diversas; maneiras diferentes de encarar as coisas. Daí a dificuldade de união, e certos ressentimentos que sempre perduraram. Isso explica o que po- deríamos denominar rebeldias as quais, periodicamente, se ma- nifestavam. Roberto Grosseteste, grande antiste de Lincoln,

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foi o campeão das reivindicações da velha Igreja que, como acentuamos, jamas se deixou absorver por inteiro.

Quando, n0 século de 15 00, Henrique VIII, o possuidor do título de Defensor da (título êsse que lhe foi conten- do pelo próprio Bispo de Roma), levantou a famosa questão com o Papa do seu tempo, querendo a anulação de seu casa- mento com Catarina de Aragão, estava na hora da separação das Igrejas em terras inglesas. Sem grande esforço sc verifi- ca, pois, que não foi o discutido divórcio real a causa da separação e muito menos 0 fam gerado rei o criador do An- glicansimo. Afirmar isro é dar prova de desconhecimento to- tal doe movimentos que, de tempos já, se vinham sentindo entre os cristãos 'nglcses. E, mats ainda, obscurecer a im- portância da doutrinação e ensinos daquele que é denominado, cem justa razão, a "Estrela Matutina da Reforma" Wy- clif fe

A querela entre a corôa e a tiara, entre o rei e o papa, diziames nós, deu o momento azado para o rompimento. E assim foi. Rompimento entre Igrejas; não fundação de uma nova Igreja, com doutrinas outras, cerimónias outras, outro ritual que não fossem os adotados, ao correr dos séculos, pela Cristandade ocidental

As vicissitudes porque passou a Igreja da Inglaterra, nos tempos em que se efetuava o referido rompimento, mostram claramente as influênciac, por vezes bem acentuadas, do mo- vimento reformista- Não é do escopo deste trabalho indicar essas influências, nem discuti-las. Aos interessados, porém, recomendamos, entre outros, o estudo atento do Livro de Oração Comum, em suas diversas revisões. Pois é nesse es- tudo, acima de tudo, que se ficará sabendo da profundidade e persistência da influência reformista na Igreja da Ingla- terra

No entanto, antes de tudo, a reforma inglesa, como tão bem acentua Dawley, não foi rompimento com os princípios católicos e tradicionais. Pel0 contrário, foi uma afirmação dos referidos princípios. E afirmação bastante enfática. Pode- ríamos mesmo afirmar, sem mêdo de contestação, ter sido ela um retorno ao Cristianismo primitivo, de antes da quebra

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da utvdade religiosa, ocorrida em 1054, quando surgiu i Igre- ja do Oriente, comumente denominada Igreja Ortodoxa.

Se houve rompimento, foi êste com as interpolações me- dievais e os abusos doutrinários e de governo surgidos nessa época da história e nessa época introduzidos na Igreja Cris- tã. Êles a haviam corrompido e deturpado perigosamente. E contra êles, é bom que se lembre, não foram poucas as vozes que se fizeram cuvlr dentro da própria Igreja Latina.

Histórico

Feito êste preâmbulo, que nos pareceu necessário, entre- mos, então, no tema que nos propomos apresentar.

Foi c sa Igreja estabelecida na Inglaterra, expurgada das distorções maléficas de doutrina e prática, que veio para a América c aqui deu origem a êste ramo que agora denomi- namos Igreja Episcopal, e que hoje nos congrega.

Esta não é, por sua vez, uma Igreja nova. É a mesma Igreja com apenas algumas caraterísticas próprias, que lhe são peculiares mas que, no entanto, não desmentem a sua origem, não lhe deram um novo génio, numa palavra não a des- figuraram.

Ao que se sabe, o primeiro contato do Novo Mundo com a Anglicanismo se deu em 1579. Nesse ano, na costa norte- americana do Pacífico, em local próximo à hoje cidade de S. Francisco, o capelão de Francis Drake, o segundo a fazer a viagem de circunavegação do glôbo, dirigiu o primeiro ofício religioso, segundo 0 uso da Igreja da Inglaterra-

O continente americano do norte foi descoberto em 1497, cinco anos depois da viagem heróica de Colombo. O autor dessa descoberta foi João Cabot, então a serviço do rei Henri- que VII, que queria também partilhar das terras encontradas do outro lado do Atlântico pelo famoso genovês.

Somente, porém, 88 anos mais tarde é que se vai come- çar a cuidar da colonização daquelas terras. Ocupava o tro- no a rainha Isabel 1, e ela encarregou da tarefa Sir Walter Re- leigh, homem de sua confiança. E êle funda, na margem do

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Atlântico, a Virgínia, dando êsse nome em homenagem à so- berana, a célebre "Rainha Virgem".

Em 1607, uma expedição pequena, de três navios, che- gou à América. Nela vinha embarcada o Rev. Robert Hunt, empolgado pela idéia de implantar nesta lado do mundo a Igre- ja da sua pátria. O punhado de aventureiros que os barcos trouxeram fundaram Jamestown. E foi nessa colónia que o Rev. Hunt, a 21 de junho desse ano, sendo o 3.° Domingo depois da Trindade, celebrou a Santa Comunhão.

Com Roberto Hunt a Igreja chegou à America para fi- car. Não foram poucas as dificuldades que enfrentou nos seus primeiros temp:s. Ataques dos índios, negligênc a religiosa dos colonos, estiveram entre os maiores. Enfren- tando tudo isso, porém, foi se espalhando e crescendo. Os puritanos, inconformadas com os Atos de "Uniformidade" c "Supremacia", foram opositores terríveis.

Agravava a situação o estabelecimento da escravidão. Em 1619 chegara o primeiro navio negreiro e. com êle. todos os males provenientes da nefanda instituição, entre os quais so- bressaia, como em todos os lugares onde foram empregados bra- ços escravos, o rebaixamento moral.

Falar na Igreja na América do Norte nos primeiros tem- pos dos Estados Unidos, e nos inúmeros problemas que teve de enfrentar, sem citar o nome de Thomas Bray, é clamorosa injustiça. A êle o episcopalismo e a Igreja da Inglaterra mui- to devem. Possuidor de um caráter nobre e devotado, infati- gavelmente trabalhou pela sua Igreja. E é a êle que deve o Anglicanismo a fundação de duas notáveis soe edades a Promotora do Conhecimento Cristão e a de Propagação do Evangelho em Terras Distantes. Ambas ainda existem, com larga folha de serviços prestados à evangelização do mundo. Foi através delas que o clero colonial recebeu livros para se ilustrar e a própria Igreja obteve meios para o seu sustento e avanço.

O grande problema da Igreja na outra América, no en- tanto, era a não existência de bispos para governá-la. Sem um prelado sequer, não havia confirmações e nem ordenações, o que impedia a organização regular da Igreja e o seu funcio-

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namento normal. Quem supervisionava a obra anglicana era o Bispo de Londres, mas este se encontrava do outro lado do imenso mar, a muitas milhas de distância. De tempos em tempos enviava êle emissários especiais, os quais, na realidade, pouco ou nada mesma podiam fazer. Com isso ficava tão so- mente garantida a ordem- mas não a disciplina.

A luta pela obtenção do episcopado foi longa e extenu- ante. Apelos e mais apelos foram feitos à Igreja-Mãe. Pla- nos e mais planos foram arquitetados. Na Inglaterra mesma não faltaram clérigos de tôdas as ordens que se preocupassem com o grave problema. Tudo em vão. Por que? As explica- ções são várias, avultando entre elas e da união da Igreja com o Estado. E aqui certamente está a verdade. As injunções políticas, de envolta com a indiferença e a ignorância devem ter obstado todos os esforços. Junte-se a isso o reconhecimen- to de que a ide a de um bispo apostólico não exisitia ao mes- mo tempo. Na época, bispo era uma criatura superior, um par do reino, ser, portanto, distante, alcandorado.

De outro lado, por sua vez. o puritanismo, na Inglaterra, fazia o máximo para evitar se estabelecesse o episcopado nas florescentes colónias americanas. E uma das razões é ser da essência do puritanismo uma ojeriza profunda e arraigada a todos os bispos.

Em que pese tamanha luta pela obtenção do episcopado, a Igreja caminhava na América. Seus passos eram forçosa- mente lentos, refletindo a triste situação. Em determinados lugares, tinha a primazia e a simpatia do povo. Em outros, porém, era olhada com suspeição ou até com desprezo. E o número de clérigos era insuficiente

Em meio essa situação deveras grave, teve início a guer- ra da independência dos norte-americanos. Cumpre notar, po- rém, que no famoso Congresso Continental, reunido na cida- de de Filadélfia, serviu como capelão um clérigo anglicano William White, que viria a ter, um pouco mais tarde, papel saliente na Igreja Americana. E chegaria também ao episcopado .

A guerra, no entretanto, afetou profundamente a Igreja, pois a separação das somente treze colónias inglêsas, estabe- lecidas na margem atlântica do continente do norte, a obri- gou a uma revisão completa em sua posição e em seus méto-

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dos. Senão vejamos: teve a Igreja de 1.° se reorganizar por inteiro; 2.° obter o episcopado fora da Inglaterra; 3.° planejar novos métodos para o seu sustento e expansão.

Organização

Finda a guerra, cujo vulto certamente maior e mais ex- pressivo foi George Washington, fiel eclesiano da Virginia, se precisa reconhecer certo declínio da Igreja Anglicana no Novo Mundo, na nação que acabava dc surgir. No entant:, cm pouco mais de meia dúzia de anos, as congregações espalha- das nas antigas colónias agora libertas passaram a formar uma Igreja Anglicana livre e independente. E, reconheça-se, foi isso prova eloquente da vitalidade do Anglicanismc.

Essa Igreja foi a primeira fora da velha e tradicional Al- bion. Era, pois, uma experiência nova, completamente nova dentro dêsse ramo do Cristianismo. Graças a Deus por ter si- do ela deveras abençoada, tendo dado início a uma nova fa- se na vida do Anglicanismo. Foi com a Igreja americana, sur- gida das contingências criadas pela guerra da independência, que começou de fato a grande Comunhão Anglicana que hoje congrega em seu seio alguns milhões de cristãos espalhados no mundo inteiro.

Em 1780, antes mesmo de ter terminado a guerra, reu- niu-se uma Convenção. Poucos clérigos a ela compareceram c, também, não muitos leigos. No entanto, essa Convenção se tornou histórica por representar o primeiro passo serio para a erganização definitiva da Igreja neste lado do mundo. Nes- sa importante reunião surgiu o nome de Igreja Protestante Episcopal. Nesta altura será bom lembrar que "a palavra Protestante significava qualquer tipo de Cristianismo ociden- tal não subord nado ao Papa. E visto que o episcopado era o caraterístico mais notável que distinguia os anglicanos dos outros grupos não romano", o nome era natural."

Mas. como obter o episcopado? Parecia algo quase impossível. Não faltou quem sugerisse fôsse organizada a no- vel Igreja em convenções, como foi o caso de William White, pároco dc uma igreja em Filadélfia. Sua sugestão lhe daria, como é claro, um aspecto muito congregacionalista. As ideias

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do futuro Bispo de Pennsylvania foram, em grande parte, de- pois, adotadas. e a elas se deve, por certo, o referido aspecto que ainda perdura e que ficará, queremos crer, para sempre marcando o episcopalismo.

Em Connecticut, no entanto, reunem-se dez clérigos e resolvem eleger um bispo. Temos de tomar essa iniciativa como uma reação às sugestões de White. Foram indicados os nomes dc Jeremias Leamíng e de Samuel Seabury. Um deles devia partir imediatamente e buscar a sagração na Inglaterra. O pri- meiro recusou, devido à idade avançada. Seabury, porém, no vigor da vida, creu de seu dever aceitar a indicação de seus colegas. E partiu para o Velho Mundo, levando cartas de re- comendação de clérigos importantes e. também, daqueles que o escolheram, em Connecticut.

Foi bem recebido na Inglaterra, mas não conseguiu a sa- gração. Os antistes britânicos alegaram que não faria êle ju- ramento de obediência à coroa inglesa; que não havia diocese de fato organizada em Connecticut e, por fim, que os leigos não haviam tomado parte na sua eleição.

Seguindo as instruções recebidas ao partir, Seabury diri- giu-se à Escócia, onde a Igreja era livre, não devendo obediên- cia ao rei inglês. E ali foi sagrado, a 14 de novembro de 1784, em Aberdeen, pelo Diocesano, que ostentava o título de "pri- mus Scotiei Episcopus", e mais dois bispos escoceses. E de Aber- deen, Seabury retornou com um "episcopado livre e pura- mente eclesiástico".

Ficou-lhe a glória de ter sido o primeiro bispo de qual- quer Igreja nos Estados Unidos, pois somente seis anos após os católicos romanos viram sagrado o seu-

Samuel Seabury fêz uma Concordata com a Igreja da Escóc a pela qual se comprometia que os bispos americanos se manteriam livres da lei civil; o culto e a disciplina da Tgreja em Connecticut, tanto quanto possível, seriam postos de acor- do com os da Igreja Escocesa. Dessa histórica Concordata re- sultou a introdução no Livro de Oração Comum americano, mormente no Ofício da Santa Comunhão, algumas caracte- rísticas da liturgia escocesa, por s nal, assinalemos, de passa- gem, uma das melhores da Comunhão Anglicana.

Depois de Seabury, outros bispos foram sagrados. ago- ra por prelados ingleses, afastados que haviam sido os entra-

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ves de ordem política, os quais tinham impossibilitado a sagra- ção do primeiro bispo americano.

Diversas Convenções, reunidas nos anos subsequentes, de- ram a organização geral da Igreja. Furtamo-nos de enumerá- las aqui uma por uma, temendo se torne essa numeração por demais fastidiosa. Uma, porém, precisa ser citada devido sua enorme importância, a de 1789. Nela foi adotada uma Cons- tituição, a qual "restaurou 0 antigo princípio de governo ecle- siástico por meio de sínodos representativos com a admissão de leigos com voz e voto nos negócios da Igreja. Os corpos diri- gentes deviam ser as Convenções trienais, compostas da Câ- mara dos Deputados Clericais e Leigos. Êste seria o supremo sínodo nacional. Cada Diocese- então correspondendo a cada Estado, realizaria anualmente sua convenção diocesana, presi- dida pelo bispo e composta de delegados clericais e leigos das paróquias e missões que a formavam. Realmente a Igreja era uma federação de dioceses independentes e cada diocese uma federação de paróquias independentes, ao invés de uma ins- tituição eclesiástica. Êste tipo de organização era natural numa Igreja cuja nova vida constitucional foi formada ao mesmo tempo e sob as mesmas influências que criaram um governo fe- deral para os estados soberanos da nova república americana. Houve marcante semelhança entre a organização da Igreja e do Esrado. Ambos foram organizados na base de uma Cons- tituição escrita. Adotando-a, treze dioceses independentes for- maram uma Igreja ass m como treze colónias independentes formaram uma nação- As duas Câmaras da Convenção Geral correspondem às duas do Congresso. Tanto Igreja como o Es- tado foram controlados pelo princípio da representação. Em certo aspecto a Igreja pode ser considerada niais democrática que o Estado, pois ela não deu a ninguém autoridade execu- tiva. Houve um "Bispo-Prcsidente", mas não um "Presidente".

Com alterações insignificantes, essa é ainda agora a orga- nização da Igreja Episcopal. Com ela se tem expandido den- tro e fora dos Estados Unidos, numa obra missionária de en- vergadura. Igrejas têm sido implantadas cm nações america- nas, africanas c asiáticas, para demonstrar o seu atendimento à ordem do Senhor: "Ide, pregai o Evangelho".

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Movimentos

Quando a Igreja Anglicana tomou, na América, o nome de Igreja Episcopal, ela não deixou de ser, em tudo e para tu- do, tão somente um ramo do Anglicanismo. assinalamos isso no decorrer deste trabalho, mas não nos parece fora de propósito repetí-lo novamente.

E, como parte integrante do que hoje denominamos Co- munhão Anglicana, a Igreja Episcopal nãj podia de xar de ser afetada pelos grandes movimentos que têm surgido em sua cé- lula mater a Igreja da Inglaterra.

Entre estes, avulta o assim chamado Movimento de Ox- ford, iniciado por John Keble com um sermão pregado em 1833. A grande finalidade do famoso e discutido movimento era elevar a religiosidade decadente na época E nêle surgem como figuras mais destacadas Hurrell Fronde, Eduardo Bouve- rie Pusey e John Henry Newman. Todcs autores de folhetos que marcaram época.

Sem discutir aqui os méritos de tal Movimento, por fu- gir isso à finalidade deste trabalho, queremos, no entanto, assi- nalar a sua imensa repercussão. Ela foi tão grande que ainda agora é sentida em tôda a Comunhão religiosa à qual perten- cemos e da qual nos gloriamos-

Na Igreja Episcopal, êle realmente começou a agitar as águas a partir de 1843, dez anos após seu aparecimento na Igreja Inglesa. Em algumas reuniões da Convenção Geral o assunto foi trazido à consideração da Câmara dos Bispos. E várias foram as tentativas para o encontro de uma solução às querelas e posições antagónicas tomadas, no seio da Igreja, tanto por clérigos como por leigos.

É nessa hora difícil que surge o inspirado vulto de William Augustus Muhlenhorg, principal autor de um Memorial que ficou ligado para sempre ao seu nome digno da maior vene- ração. Nesse documento Muhlenberg assinala a pos'ção da Igre- ja não como uma seita como, em certo sentido, vivera e se organizara até então.

Combateu êle 0 predomínio de partidos e de idéias. Sen- do legítimos, todos cabiam dentro dos amplos limites da Igre- ja. Dizia mais, e com profunda sabedoria não poder estar

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i Igreja de Cristo condicionada às predileções e atitudes de um bispo.

Apresentava-se Muhlenberg a si mesmo como CatóLco- Evangélico, não no sentido lato das duas palavras, mas para mostrar o que deve ser, no seu entender, o ideal da Igreja. Seu catolicismo incluia o protestantismo, ao qual muito admirava,

e sua evangélica achava expressão num ritual estético, ar- dente, vívido, não convencional.

Para êle fundador da primeira igreja livre de qual- quer influência, a da Santa Comunhão "ampla porta devia ser aberta a quaisquer clérigos, desde que fossem fiéis c since- ros na fé". E achava, ainda, não se devia fazer das coisas de- sejáveis para alguns, coisas necessárias para todos-

O Memorial fêz profunda impressão, dando, por fim, uma nova e nobre idéia sôbre a missão da Igreja. Foi êle a semente da revisão do Livro de Oração Comum bem como da Declara- ção de Unidade, lançada na Convenção Geral de 1 886 c do famoso Quadrilátero de Lambeth, qstabelecido pela Conferên- cia dos Bispos Anglicanos dois anos depois.

Muhlenberg, com o seu Memorial inspirado pelo Espírito Santo, salvou a Igreja numa hora crucial, pois que ela ouviu o seu apêlo para a unificação c um avanço verdadeiro.

Outro movimento de resultados importantes foi assim chamada Controvérsia sôbre Ritual- Surgiu ela da ênfase que alguns davam à natureza da Igreja, a eficácia dos Sacramen- tos, às cerimónias elaboradas, aos adornos nos templos. E den- tro da Igreja Episccpal certamente controvérsia alguma mais apaixonou e teve mais acalorados participantes.

As Câmaras dos Bispos e dos Deputados tiveram de par- ticipar da tremenda luta, procurando encontrar uma solução satisfatória. Quem conseguiu amainar a tempestade de fato foi o Rev. James de Koven. afirmando que tôda a disputa, no fun- do, não era sôbre cerimonial, mas doutrinária. E concluia que, se a doutrina é legítima, então o cerimonial que a simboliza também o é. Foi assim que terminou a amarga questão, que tanto acirrara os espíritos, e a liberdade continuou a imperar na Igreja. Desde então tem reinado a paz entre as várias corren- tes que vivem no seio da igreja, tôdas cooperando na pregação

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do Evangelho que é o seu alvo e objetivo ún:co e para o qual foi fundada pelo Senhor Jesus.

Sirva isso de advertência c inspiração para todos quantos, dentro do Anglicanismo. pensem, um dia, em reviver e ali- mentar essa velha controvérsia, hoje de todo inadequada e fo- ra de hora, completamente superada.

Conclusões

Falar em Igreja Episcopal é falar em Anglicanismo. Não diferenças doutrinar as e nem de ritual. São a mesma coi- sa. A Igreja da Inglaterra em nada de essencial está separada da Igreja Episcopal na América ou de qualquer outro ramo da Comunhão Anglicana na Ásia, África ou Oceânia. Pequenas variantes quanto a formas de governo ou organização não têm sentido de separação e muito menos de antagonismo.

Nesta altura, conviria lembrar que a nossa Comunhão poderia ser apresentada como uma grande federação de Dioce- ses, segundo o modelo da Igreja Primitiva, isto e, do início do Cristianismo. Não seguimos o rígido sistema da grande e respeitável Igreja Latina, herdeira da tradição do império ro- mano, no qual o César guardava para si a última palavra. O venerando c respeitável Arcebispo de Cantuária tem lugar de henra cm nossa Comunhão por ser o ecupante da inicial do Anglicanismo. mas nada tem a ver com o govêrno das Dio- ccs;s espalhadas no mundo

A contribuição do episcopalismo ao Anglicanismo foi obri- gá-lo a enfrentar o aparecimento de uma Igreja Nacional, in- dependente, mas disposta a guardar a segundo os seus pa- drões, a manter o Livro de Oração Comum e a governar-se de icôrdo com o seu modelo.

Com a Igreja Episcopal começou, na verdade, a Comu- nhão Anglicana, que hoje conta com 15 Igrejas autónomas, so- mando cêrea de 400 Dioceses, em todos os continentes.

A Igreja Episcopal, fiel à sua origem, está empenhada numa grande obra missionária que alcançou diversos paí- ses, em todos eles lançando os fundamentos de Igrejas que se hão de sustentar e dirigir por si mesmas, portanto nacionais, independentes, respondendo às necesidades e peculiaridades de cada povo.

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NOSSO LUGAR NO CRISTIANISMO E NOSSAS RELAÇÕES COM OUTRAS COMUNHÕES

Rei mo. Dom Plínio L. Simões

Em linhas gerais, nosso trabalho está baseado no Rela. tório do Congresso Anglicano de 1954.

E as razões, para isso, são óbvias: o tema de nossa tese foi amplamente debatido, naquela ocasião, e nós somente po- deremos lucrar, volvendo o nosso olhar para os horizontes mais amplcs do Anglicanismo, reunido numa Assembléia de âm- bito universal.

I Nosso lugar fio Cristianismo

Começamos reconhecendo, com humildade, que a nossa Comunhão, embora podendo contar com mais de 40 milhões de membros, é uma parcela bastante pequena da Cristandade que é calculada, em dados não muito precisos, em cerca de 8 00 milhões.

Embora reconheçamos, pois, com humildade, sermos pro- porcionalmente poucos, não será por falsa modéstia que dei- xaremos de reconhecer e proclamar que Deus nos tem reser- vado uma contribuição tôda especial a dar ao Cristianismo como um todo.

Somos de opinião que a Igreja de Cristo deveria cons- tituir uma sociedade visível e unida; mas, na realidade, está ela mais que dividida. O objetivo primordial da missão reden- tora de Cristo foi, e é, aproximar os homens de tal maneira que venham a constituir a grande Família de Deus. Em ter- mos gerais, praticamente todos os Cristãos concordam com que devamos ser "Um em Cristo Jesus", mas não podemos

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deixar de lamentar que haja tantas forças contribuindo para a falta de união sincera entre os vários ramos do Cristia- nismo.

A Igreja do Novo Testamento apresenta-se como uma sociedade visível e unida, podendo-se tão somente falar em separação, no sentido da distância que mantinha isoladas as diferentes igrejas locais, mas que constituíam parte integran- te de um grande todo.

E foi com a mesma característica que a Ecclesia Angli- cana se estabeleceu na Inglaterra, como parte integrante do corpo todo: a Igreja Católica ou Universal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mesmo durante o período da Reforma, não alterou sua posição naquilo que constituía a essência do Cristianismo, mas discordando fundamentalmente do Papado que nega a liber- dade concedida às Igrejas do Novo Testamento de divergirem em matéria não essencial, e conservarem elementos de auto- determinação.

O fervor missionário, que levou a Ecclesia Anglicana além das fronteiras da Inglaterra, transformou essa Igreja de características regionais numa Comunhão de índole universal.

No entanto, onde quer que estejamos estabelecidos como Igreja não nos apresentamos como a verdadeira e única Igreja, mas como quem possui uma compreensão tôda própria da Cristã. Mas continuamos alimentando o ideal de ver o Cris- tianismo unido, do qual as igrejas locais sejam meras represen- tantes da Igreja Cristã como um todo.

Mediante uma tal concepção, estamos em divergência com o pensamento patrístico e medieval que não concebia a pos- sibilidade de dividir-se a Igreja, pois tôda vez que se verificas- se uma separação, a Igreja permanecia indivisa, visto que a parte separada deixava de ser Igreja, por haver perdido o Cris- to e a possibilidade de oferecer a salvação. Igrejas Cris- tãs que ainda se conservam dentro dêste conceito de caracterís- ticas medievais, embora talvez um tanto modificado. Mas a Comunhão Anglicana jamais se apresenta como sendo ela mes- ma a "Igreja Católica", e não reconhece a igreja alguma o direito de apresentar-se como tal.

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Os representantes do Anglicanismo, através dos relatórios das últimas três Conferências de Lambeth, admitem que se pode observar dentro do Cristianismo Universal uma tendên- cia de aproximação, no sentido de ser reencontrada a verda- deira Catolicidade da Igreja de Cristo.

Um Cristianismo que se apresenta dividido ao mundo não pode ser o Cristianismo vivido pelo próprio Cristo. Pois sem- pre houve, e continua havendo, o perigo de grupos de Cristãos exagerarem certos aspectos da Igreja em detrimento de ou- tros. O Cisma não somente divide, como também leva no seu bôjo o gérmen da separação. Comunhão alguma pode apresen- tar-se como padrão, nem tampouco, por si só, ministrar a ple- nitude da graça de Cristo- Portanto, numa igreja dividida, ne- nhuma das partes é possuidora da plena Catolicidade.

Entretanto, admitimos que o Espírito Santo age em qual- quer igreja, cujos membros vivem no espírito de Cristo e se tornam participantes da comunidade redimida. Deus faz uso de tais grupos como instrumento em suas mãos para atingir os objetivos da Igreja estabelecida por nosso Senhor Jesus Cristo.

Sendo assim, não vemos como se possa afirmar categori- camente: "Esta Igreja é verdadeira e aqueloutra não o é". É possível que uma determinada Comunhão Cristã, por suas ca- racterísticas, possa aproximar-se mais do que se concebe como sendo a Igreja de Cristo em sua plenitude, mas as suas imper- feições não lhe permitem julgar-se merecedora de ser a ver- dadeira.

Temos todos de reconhecer, com0 igrejas separadas, que necessitamos de corrigir as nossas imperfeições com aquêles ele- mentos da verdade que foram assimilados de modo mais feliz por outras comunhões. Mas isto somente será possível na Igre- ja unificada, para o seio da qual cada igreja separada possa levar as suas características próprias, que venham a fundir-se num processo de edificação e aperfeiçoamento mútuos. Para tanto, deverá haver acordo no que seja ejssencial, e boa dose de liberdade no que for secundário. A união das igrejas jamais poderá resultar da submissão de uma determinada igreja a outra, mas todas têm de reconhecer, com humildade, que sem- pre existe algo que se pode aceitar de outrem, visando ao aper- feiçoamento geral.

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Se esta é a posição ideal, se este é, realmente, o caminho a seguir, qual seria, então, a contribuição especial que a Co- munhão Anglicana poderia oferecer com vistas à Igreja Unida do futuro?

Cremos que o Conselho Mundial de Igrejas, reunido na cidade de Amsterdã em 1948, estava certo, ao afirmar que "o abismo que nos separa são as tradições católica e protestante". Se, de fato, assim é, a Comunhão Anglicana tem realmente uma contribuição muito especial a fazer, pois ela, mais do que qualquer outra, pela graça de Deus, tem procurado man- ter unidas, numa comunhão visível e espiritual, ambas as tra- dições: a católica e a protestante

Admitimos que existe grupos de cristãos que ressaltam com mais propriedade do que nós os elementos característicos do "Protestantismo". Reconhecemos, também, que existem ou- tros grupos que dão mais ênfase do que nós às características do "Catolicismo", mas queremos crer que dificilmente uma comunhão cristã possa oferecer esta contribuição peculiar do Anglicanismo, isto é: de manter unidas as tradições católica e protestante, num mesmo corpo, prova de que ambas as tra- dições não precisam ser tão contraditórias que tenham de vi- ver, necessariamente, separadas.

II Nossas relações com outras Comunhões

Sob o tópico "Nosso lugar no Cristianismo", afirmamos que a Comunhão Anglicana, mais do que qualquer outra, pe- la graça de Deus, tem procurado manter unidas, numa comu- nhão visível e espiritual, as tradições "católica" e "protestante".

Iniciando as nossas considerações referentes a êste segun- do tópico, julgamos não exagerar dizendo que nenhuma outra Comunhão Cristã tem estudado, com tanto carinho, a ne- cessidade da União das Igrejas- Mas não sob o aspect0 mera- mente teórico, pois tem dado passos efetivos no sentido de encontrar-se com outras Igrejas, numa ambiente de compre- ensão e boa-vontade.

na Conferência de Lambeth de 1920 veio à lume um veemente apêlo em favor da União das Igrejas. E, desde então, não cessaram as negociações com outras Igrejas, visan-

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do a um maior entendimento e aproximação. Foi notória a liderança do Anglicanismo na elaboração do esquema que tor- nou realidade a Igreja do Sul da índia, em 1947. Permitam- nos, igualmente, afirmar que a Comunhão Anglicana ocu- pou posição de relevo no Movimento de e Ordem, em Lausanne, no ano de 1927. E quem desejar certificar-se de que a Comunhão Anglicana não poupa esforços em favor da união da Cristandade, que acompanhe a vida deste im- portante órgão, conhecido como Conselho Mundial de Igrejas.

Não são poucos os que julgam o ideal da União das Igre- jas inatingível, mas nós continuamos insistindo em que vale a pena lutar por ele, pois "para Deus nada é impossível".

Mas o ideal não será atingido, enquanto houver um gru- po que se coloca na posição de "ser a Igreja", para a qual de- vem ir aqueles que desejam a união. Também não resolverá a situação simplesmente admitir que, de qualquer modo, esta- mos unidos em espírito, se cada qual continua agind0 isola- damente, como se a salvação da humanidade dependesse exclu- sivamente dos esforços de um determinado grupo.

Somos francos em dizer que a União, como nós a con- cebemos, deve ser orgânica e visível, embora não centralizada. No referido apêlo de Lambeth. vislumbramos uma socie- dade visível, com um arcabouço de fé, sacramentos e mi- nistério, existente na forma de igrejas regionais unidas, plena- mente autónomas, mas em completa comunhão umas com as outras.

Concordamos que até muito que andar. Mas o fa- to é que estamos andando. Nossa posição não tem sido a de lamentar a situação, ficando inativos. Temos colaborado, como foi dito, na elaboração de esquemas que estabelecem bases para intercomunhão entre Igrejas autónomas e separadas, me- diante um ministério mutuamente reconhecido. Mas estamos ccnvencidos de que a cooperação somente não basta, nem mes- mo que haja intercomunhão, ainda que êste passo seja reco- mendável com vistas à união perfeita, num mesmo corpo ecle- siástico

Prosseguindo em nossas considerações, gostaríamos de dei- xar claro que a União com que sonhamos não seria apenas en-

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tre Igrejas-Irmãs, por assim dizer, mas sim entre Igrejas Cató- licas e também Protestantes.

Continuamos mantendo que pode haver união com va- riedade, desde que haja acordo em certos princípios que con- sideramos essenciais. se tornou famoso o chamado Quadri- látero de Lambeth As Santas Escrituras, os Credos, Os Sa- cramentos do Evangelho, um Ministério comum, mantido atra- vés do Episcopado Histórico.

No aludido esquema da Igreja do Sul da índia ficou es- tabelecido que as Igrejas, a se unirem, não teriam de abrir mão de suas tradições doutrinárias, litúrgicas e outras, dado que se procedesse de acordo naquilo que fôsse realmente essencial. De igual forma, no acordo entre a Comunhão Anglicana e os Velhos Católicos ficou assegurado que a intercomunhã0 era perfeitamente possível, sem que houvesse necessidade de com- pleta unidade na doutrina ou na liturgia.

Houve quem temesse, na Conferência de Lambeth, que, à medida que as dioceses Anglicanas iam se unindo a outras Igrejas para formarem um corpo eclesiástico, a Comunhão Anglicana terminaria desaparecendo. Mas houve também quem, de bom grado, veria a Comunhão Anglicana desaparecer, se do seu desaparecimento resultasse a União da Igreja Cristã.

Não nos move o desejo de que outras Comunhões ve- nham a tornar-se Anglicanas, mas que todas as Igrejas possam trazer a sua contribuição positiva e amalgamar tudo de tal maneira que resulte a verdadeira união.

Enquanto vamos andando pel0 caminho que nos há-de levar à União do Cristianismo, temos encontrado certa difi- culdade em unir nossa própria Comunhão com outras Igrejas, isto por insistirmos em abrigar, sob o mesmo teto, as tradições "católica" e "protestante".

Por exemplo pelo fato de reconhecermos que "a Sagra- da Escritura contém tôdas as coisas necessárias para a salva- ção, de modo que tudo qut nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma seja crido como artigo de Fé, ou julgado como requerido ou necessário para a salvação", afirmação est,a que lembra, sem sombra de dúvida, a nossa herança "protestante", e mais a interpretação

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evangélica das doutrinas da Igreja e dos Sacramentos, têm S do difícil que a Igreja Ortodoxa entre em união plena com a nossa Comunhão.

Por outro lado, nossa insistência em que seja mantido o Episcopado Histórico, bem como a interpretação Anglo- Católica das doutrinas da Igreja e dos Sacramentos, em nosso* meio, têm sido um obstáculo a que algumas Igrejas Protes- tantes se aproximem mais de nossa Comunhão.

E as dificuldades de um perfeito acordo, entre nós mes- mos, quanto à política que devamos seguir com vistas à União das Igrejas, não são pequenas, em virtude de conservarmos ambas as tradições-

O motivo de não haver uma divisão em nossa pró- pria Igreja é precisamente êste: quando se trata de tomar de- cisões de caráter final, a maioria jamais passa por cima da minoria, como se fôra um rôle-compressor Contudo, não esperamos até que a última opinião divergente seja ven- cida, até tomarmos as nossas deliberações sôbre o que deva ser feito ou não.

Pelo fato de não querermos desprezar a minoria, há, por vêzes debates que se alongam de tal maneira que tiram a paciência de um ou outro grupo, mas nem por isso as nos- sas assembléias perdem a cabeça, e o Anglicanísmo pode con- tinuar dando um exemplo de unidade na diversidade.

Sabemos perfeitamente que a Comunhão Anglicana tem sido alvo de críticas, por admitir situações que, aos olhos dos de fora e também dos de casa, revelam uma certa confusão. Por exemplo, jamais nós, Anglicanos, chegamos a um acor- do sôbre se devemos ou não permitir que membros de ou- tras Igrejas que nos visitam, especialmente as que não mantêm o Episcopado, recebam os elementos da Sagrada Eucaristia. Um visitante pode mesmo passar pelo dissabor de poder co- mungar numa igreja nossa, mas não em outra.

Outro exemplo: os que não conhecem a nossa Igreja poderão achar estranho que numa certa paróquia as cerimó- nias sejam bem mais elaboradas do que noutra, na mesma cidade.

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Outras tantas situações poderiam ser lembradas, como prova de que somos liberais naquilo que não é realmente de importância fundamental.

Sempre houve quem pretendesse alterar esta situação um tanto confusa, e estabelecer normas mais definidas, mas continua de a pergunta: não será preferível que cada qual tenha liberdade de seguir os impulsos de sua própria consciência, dentro da variedade oferecida por nossa Igreja, a que se imponha uma uniformidade que nos colocaria ofi- cialmente de um ou de outro lado, muito antes de termos podido chegar a um acordo?

Devemos render graças a Deus pelo fato de haver inú- meras evidências de maior amizade, entendimento e coopera- ção entre as várias Igrejas Cristãs, no mundo inteiro. Basta que acompanhemos as atividades do Movimento Ecuménico, desde a Conferência Missionária de Edinburgo, em 1910, da qual resultou a criação do Concilio Missionário Internacional, em 1921; seguida pelo Movimento de Vida e Obra, reunido em Estocolmo, cm 192S, e do Movimento de e Ord?m, em Lausanne, no ano de 1927, movimentos êsses que se uni- ram para formar o Conselho Mundial de Igrejas, em 1948.

É sumamente inspiradora a declaração daquela Assem- bléia: "Aqui em Amsterdam nós nos dedicamos novamente ao Senhor, e concordamos em constituir êste Conselho Mundial de Igrejas. É nosso propósito manter-nos unidos".

Ainda que se tenha a lamentar a ausência da Igreja Ca- tólica Romana nas Assembléias Internacionais do Movimen- to Ecuménico, que tem contribuido, de maneira extraordiná- ria, para a aproximação das Igrejas não romanas, não deixa dc ser significativo o fato de ter o Santo Ofício, nas instru- ções sobre o Movimento Ecuménico, em dezembro de 1949, concedido permissão aos Católicos Romanos de manterem dis- cussões teológicas com outros grupos de Cristãos, c, mais ainda, permissão para reuniões mistas, quando se trata de "agir em conjunto, em defesa dos princípios fundamentais do

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Cristianismo, e da lei natural", ou "quando se faz necessá- rio reconstruir a ordem social ou questões semelhantes".

No que diz respeito à posição do Anglicanismo em rela- ção à Igreja Católica Romana, parece-nos oportuno trans- crever o seguinte parágrafo, contido no Relatório da Confe- rência de Lambeth, de 195 8: "Reconhecemos que haverá oca- siões em que os Anglicanos têm de assumir uma atitude de critica em relação aos pronunciamentos ou à posição da Igre- ja Católica Romana, quando estiver em jôgo o significado ou a aplicação do princípio de liberdade religiosa, ou as jus- tas pretensões do Anglicanismo- Contudo, estamos certos de que os Anglicanos, por sua parte, esforçando-se sempre pela promoção da verdade, franqueza e justas negociações entre os Cristãos, farão tudo que estiver ao seu alcance, a fim de pro- porcionar entendimentos com Católicos Romanos, como par- te de seus esforços visando à paz e à União entre todos os Cristãos".

E, quando afirmamos que evidências de maior apro- ximação entre as várias Igrejas, podemos citar os entendimen- tos havidos, e que continuam, entre Anglicanos e Velhos Cató- licos, Presbiterianos e Metodistas, e também as Igrejas Lute- ranas da Escandinávia e do Báltico, a Igreja Síria "Mar Tho- ma", as Igrejas do Sul e do Norte da índia, a Igréja Inde- pendente das Filipinas, as Igrejas da Armênia, da Assíria e da Etiópia, as Igrejas Reformadas da Espanha e Portugal, cujo primeiro Bispo tivemos o privilégio de sagrar, em Lisboa, em junho de 5 8, na pessoa do Revmo. D. Antonio Ferreira Fiandor.

No caso da Igreja do Sul da índia, verificou-se a união real de 4 Dioceses Anglicanas da índia. Paquistão, Birmânia e Ceilão, com as Igrejas Metodista, Presbiteriana e Congre- gacional. Jamais houve exemplo tão significativo, pois tor- nou-se possível a união entre igrejas episcopais c não epis- copais.

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Muitos anos se passaram, desde que a Comunhão An- glicana lançou o seu veemente apêlo, na Conferência de Lam- beth de 1920, apêlo que, por ser da vontade do Criador, vem

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encontrando receptividade no seio das várias Igrejas Cristãs do mundo inteiro.

É bem verdade que alguns se tornam impacientes, e consideram a União das Igrejas verdadeira utopia, mas a Co- munhão Anglicana continuará ferindo esta mesma tecla, até que a Cristandade tôda caia cm si e, arrependida, venha a reconhecer a veracidade desta afirmação do Cristo Eterno: "a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste".

Sabemos que a nossa voz, aqui neste Congresso, é por demais fraca para que possa ser ouvida per todos os Cristãos, mas Deus há-de abençoar as nossas discussões em torno deste palpitante assunto, qual seja: a "União de tôdas as Igrejas de Nosso Senhor Jesus Cristo".

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ORIGENS BÍBLICAS DO CULTO CRISTÃO E SUA CONTINUIDADE HISTÓRICA

Kevmo. Bispo Edmund K. Sberrill

A Comunhão Anglicana se distingue entre as demais denominações cristãs por diversos pontos de sua doutrina, dis- ciplina e culto- Profundamente influenciada pela Reforma Protestante, que ocorreu no continente europeu no século XVI, teve opcriunidade de incluir em sua estrutura muitos dos principais valores que caracterizaram aquele movimento, man- tendo-se, contudo, fiel aos princípios vitais e necessários da ordem católica e universal da Igreja de Jesus Cristo. Esta característica fundamental da nossa tradição se revela, de um modo especial, no que diz respeito ao culto, centro da vida comunitária e expressão mais profunda da obediência à pala- vra de Deus Triuno. A Comunhão Anglicana sempre reco- nheceu, e na providência divina sempre reconhecerá, a rela- ção íntima, profunda e constante entre o estudo das Escritu- ras Sagradas do Velho e Novo Testamentos e a devoção sacra- mental e litúrgica da Igreja. Os Anglicanos têm contribuído de modo extraordinário para o desenvolvimento da compreensão geral da mensagem eterna das Escrituras e têm cultivado um ambiente devocional fundamentado na leitura inteligente e disciplinada da Bíblia. Também, de forma alguma, têm negli- genciado a experiência religiosa secular do Corpo de Cristo, pela qual a vida espiritual é nutrida e mantida, antes de tu- do, pelos Sacramentos do Evangelho. O exame desta maravi- lhosa relação entre a Ordem Sacramental e a Palavra Escrita de Deus é justamente o propósito do presente trabalho

Cabe-nos examinar certos princípios sobre o culto que os homens oferecem a Deus, princípios êstes estabelecidos no

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Velho Testamento e presumidos pelo Novo Testamento, for- necendo deste modo as bases para a adoração da Igreja Cristã. Podemos resumir estes princípios mediante quatro afirmações: Primeira o culto a Deus é oferecido por pecadores, sendo, portanto, o seu propósito a reconciliação; Segunda a ado- ração a Deus está profundamente relacionada com a ética, sen- do o seu propósito a moralização do homem; terceira o culto é ato de obediência de uma comunidade que vem a exis- tir em virtude de uma aliança entre Deus e os homens; e quarta o culto é um auto-oferecimento a Deus, pelos ado- radores, para que possam ser os Seus servos, no cumprimento da Sua missão como Criador e Salvador de todos os homens.

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PRIMEIRO: o culto a Deus ê oferecido por pecadores sendo, portanto, o seu prppósito a reconciliação. A doutrina bíblica é clara sobre este ponto fundamental de que o homem está alienado do Criador e do seu verdadeiro ser. A história do Jardim de Éden e da Queda, com que se inicia o Livro Sa- grado, é o símbolo da situação de cada homem e da coleti- vidade. Não existe mais relação natural entre o humano e o divino. Não qualquer caminho fácil a fim de vencermos as consequências do pecado e comungarmos com o Divino Pai. O Velho Testamento se preocupa sobremaneira com êste problema fundamental da religião, como se pode verificar, por exemplo, na famosa e angustiante pergunta do profeta Mi- quéias: "Com que me apresentarei ao Senhor, e me inclinarei ante o Deus altíssimo? Virei perante êle com o holocausto? Com bezerros de um ano? Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros? De dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu pri- mogénito pela minha transgressão? O fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma?"

O cristão não encontra no Velho Testamento resposta adequada a esta pergunta. O preço enorme do pecado foi pa- go, porém, pelo próprio Deus mediante a morte sacrificial de Seu Filho Jesus. Em Cristo os homens encontram o novo caminho para comungarem com Deus, visto que o pecado foi vencido e redimido pelo precioso sangue de Cristo, o Re- dentor- Esta doutrina se expressa claramente nos capítulos

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nove e dez da carta aos Hebreus, onde o autor faz uma com- paração entre os ritos da Velha dispensação, incapazes de ti- rar o pecado por meio do sangue de touros e bezerros, e o sacrifício de Cristo, oferecido uma vez para sempre, e sempre eficaz, para desbravar perante o pecador um novo e iluminado caminhe que o conduz a Deus. A Santa Eucaristia é, pois, o único sacrifício e oblação realmente eficaz para tirar os pe- cados, de que os homems se podem utilizar, por ser ela a co- memoração do sacrifício do Calvário, que traz ao adorador, no presente, todos os beneficios da sua redenção, proporcio- nando-lhe verdadeira comunhão com Deus A nossa conclu- são é esta: qualquer pessoa, que se convença da realidade do seu pecado e da sua grande necessidade de Deus, deve vir participar, humilde e agradecida, dos sacramentos, por meio dos quais o perdão divino lhe é concedido e a reconciliação efetuada.

SEGUNDO: a adoração a Deus está profundamente re- lacionada com a ética, sendo o seu propósito a moralização do homem. Certamente não necessidade de provas da imensa herança bíblica no campo moral. Tal herança não é constituída apenas dos Dez Mandamentos mas, também, da mensagem profética e da experiência religiosa secular do povo de Israel. Existe sempre no homem, centudo, uma tendência para disassociar a religião ou melhor, o culto, da sua condu- ta diária. Neste fato se baseiam algumas das acusações mais fortes dos profetas contra o culto dos seus dias, riquíssimos, solenes e seguidos apenas da injustiça e da iniquidade. Assim fala Amós, em nome de Deus, contra tal tipo de adoração: "Aborreço, desprezo as vossas festas, e as vossas assembleias solenes não me dão nenhum prazer. E ainda que me ofere- çais holocaustos, e ofertas de manjares, não me agradarei de- las; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos. Afastai de mim o estrépito dos vossos cânticos, por- que não ouvirei as melodias dos vossos instrumentos. Corra, porém, o juízo como as águas e a justiça como o ribeiro im- petuoso".

A existência de uma lei divina é para o homem senten- ça de morte, se êle não possui fôrça para obedecê-la. Todas

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as exortações dos profetas não adiantam, se não algo que transforme a sua fraqueza em fôrça, a sua falta de vontade de fazer o bem em desejo ardente, o seu egoísmo em amor São Paulo viu com bastante clareza que Jesus Cristo é a res- posta divina ao problema moral claramente analisado na tra- dição judaica- A sua carta acs Romanos é uma exposição ob- jetiva da situação do pecador condenado pela lei santa e jus- ta de Deus e, ao mesmo tempo, da maneira como Cristo vem em nosso auxílio para nos transformar interiormente pelo seu poder enquanto permanecemos ainda tolhidos pelo pecado. A conclusão do apóstolo é apresentada no capítulo doze da re- ferida carta aos Romanos, que começa com as seguintes pa- lavras: "Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agra- dável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos confor- meis com êste mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus". A graça divina, o perdão de Cristo, a reconciliação pelo sangue do Crucifica- do, vim a nós para nos transformar, para nos capacitar a obedecer a santa vontade de Deus no viver diário. É certo que, sem o auxilio de Deus, não podemos agradá-lo. Esta é a razão por que temes os sacramentos do Evangelho, fontes de poder e meios de graça, através dos quais podemos nos ofe- recer a Deus sem mácula de pecado, e caminhar pelas vere- das da obediência às Suas leis. Conclusão: qualquer pessoa, que procure viver de acordo com os mais altos padrões de moralidade, deve vir participar, humilde e agradecida, da vi- da sacramental da Igreja, pela qual o poder de Cristo passa a habitar nela e possibilita a sua mais perfeita obediência.

TERCEIRO: o culto é ato de obediência de uma comu- nidade que vem a existir em virtude de uma aliança entre Deus e os homens. No Velho Testamento, verificamos como Deus chamou Abraão e proporcionou a sua família um desti- no especial, como Deus libertou o seu povo do jugo de Faraó por meio da travessia maravilhosa do Mar Vermelho, como Deus solenizou uma aliança eterna com êste povo no deserto perto do mont,e Sinai, como Deus garantiu a êste mesmo po- vo um lugar na terra da promissão. Tudo foi feito visando a

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uma comunidade, a uma nação santa, a um sacerdócio real A religião de Israel, pois, sempre foi a resposta desta comu- nidade aos ates divinos de que haviam regulado a sua pró- pria existência

Estes fatos são fundamentais para a compreensão do culto em Israel, e igualmente do culto cristão. No Livro de Êxodo, capítulo 24, a narrativa da celebração da primei- ra aliança, feita com o povo de Israel. Moisés subiu ao mon- te onde ouviu a palavra de Deus a qual deveria transmitir a todo o povo. Ao descer, edificou um altar e realizou um cul- to com sacrifício. Leu os mandamentos de Deus e, depois, tomando o sangue dos animais que haviam sido sacrificados, o aspergiu sôbre o povo, dizendo: "Eis aqui o sangue do con- certo que o Senhor tem feito convosco sôbre tôdas estas pa- lavras".

Esta aliança, porém, não f^i perfeita nem suficiente, de- vido à desobediência do próprio povo de Deus. Os profetas predisseram, portanto, uma segunda aliança que aperfeiçoaria a primeira. Esta é estabelecida pela vinda de Cristo e selada cem o seu sangue, conforme as suas próprias palavras: "Êste cálice é o sangue da Nova Aliança que é dado por vós e por muitos para a remissão dos pecados. Fazei isto quantas vezes o beberdes em memória minha". E, consequentemente, pelo sangue de Cristo, o sacramento do altar, é que a aliança san- ta — que inclui o povo de Deus, pedra fundamental da re- ligião da Bíblia é firmada, comemorada e tornada eficaz para tôdas as gerações. O Cristianismo, como o Judaísmo, não é uma religião de indivíduos separados mas de um povo, de uma comunidade, de uma família .

A adoração é um ato de obediência a um mandamento divino, uma resposta aos atos misericordiosos de Deus. Con- vém lembrar aqui as palavras do teólogo Millar Burrows no seu livro UM ESBÔÇO DA TEOLOGIA DA BÍBLIA: "O sistema ritual da religião do Velho Testamento foi sempre diferente da mágica dos legisladores sacerdotais e historiado- res pela aplicação da idéia da Aliança (concêrto). Todos os ritos complicados da tradição sôbre o culto foram subordina- dos à idéia dominante do que foi isto, que o próprio Deus requereu, foi êste o caminho da reconciliação e da comunhão

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com Êle como Èle mesmo o ordenara". A nossa conclusão é ev dente: a constituição do povo escolhido encontra a sua per- feita realização na vida sacramental da Igreja Cristã. Qual- quer pessoa que pertença ou quiser pertencer à família de Deus participará, humilde e agradecida, destes sacramentos.

QUARTO: o culto c um auto-oferecimento a Deus, pe- los adoradores, para que possam ser os serros de Deus no cum- primento da Sua missão como Criador e Salvador de todos os homens. No primeiro livro da Bíblia, Génesis, lemos as se- gu ntes palavras acerca da vocação do patriarca Abraão: "Ora o Senhor disse a Abraão: Sai-te da tua terra e da tua paren- tela e da casa de teu pai, para a terra que cu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas tôdas as famílias da terra"- Aqui temos uma enunciação clara sobre o princípio do propósito universal da religião bíblica. Esta missão universal é declarada inúmeras vezes pelos profetas. Devido, porém, às circunstâncias histó- ricas da pequena nação israelita, houve um forte movimento em sentido contrário. Pouco a pouco, essa nação, incumbida de uma missão universal, fechava-se cada vez mais sôbre si mesma, procurando desta forma preservar sua pureza centra a contaminação racial, os costumes pagãos, a idolatria. Êste movmento se manifestou na regulamentação dos sacrifícios, que acabaram sendo centralizados em um templo em Jeru- salém ,onde foram realizados com grande solenidade mediante um ritual complicado e dispendioso.

Cem a vinda de Jesus Cristo terminou esta anomalia e a missão universal de Israel foi reconquistada. Todos os ho- mens são unidos num povo e numa família mediante a no Salvador do mundo. Não mais judeu ou grego, escravo ou I vre, mas todos são um em Cristo e têm acesso Nele ao Pai de todos nós. Êste fato tremendo e revolucioná- rio tem a sua expressão no culto sacrificial da Igreja Cristã que substitui e aperfeiçoa os ritos e cerimónias do velho Israel. A Santa Eucaristia é o culto sacrificial de um movimento missionário. Usam-se pão e vinho, coisas comuníssimas, que

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qualquer pessoa pode oferecer. O rito é tão simples que se pode celebrá-lo em casas particulares, nas prisões, nos túmu- los, bem como nas grandes basílicas e onde estejam dois ou três reunidos no nome de Cristo. Ainda mais: através deste sacramento ,o mundo todo, e todos os homens, são ofereci- dos a Deus por aqueles que crêem. Finalmente, neste culto, a própria morte é vencida pelo poder e pela presença do Cristo ressurreto, de maneira que se unem os céus e a terra e somos um, não apenas com todos os homens de todas as na- ções que habitam a face da terra mas somos um, também, com aquêles que passaram além do véu e que esperam conosco a vinda triunfante do nosso Deus. e Senhor Jesus Cristo. Conclusão: no culto sacramental da Igreja de Cristo encon- tramos o significado de tôda a existência humana e participa- mos desde do nosso destino eterno com Cristo. Qualquer pessoa, portanto, que tem fome e sede da verdadeira fraterni- dade humana e que busca de todo o coração a verdadeira sig- nificação da sua vida, deve participar, humilde e agradecida, dêste sacramento. Esta doutrina é a das Escrituras Sagradas, bem cemo da tradição católica e apostólica da Igreja. A ado- ração não pode ser separada da doutrina. Citamos certas fra- ses de Hardman no seu livro A HISTÓRIA DA ADORA- ÇÃO CRISTÃ: "A adoração de Deus da parte do homem, mediante seu culto e vida moral, está condicionada à exten- são e veracidade do seu conhecimento a respeito do mesmo Deus De acordo com o que êle pensa, assim adora e orienta a sua vida. Quando a sua concepção de Deus é falsa e im- perfeita, a sua moralidade é falha e o seu culto deficiente, ainda que sejam grandes a sua intenção e sinceridade. O ver- dadeiro culto a Deus está na dependência do verdadeiro co- nhecimento de Deus".

O conhecimento de Deus, da Sua natureza e do Seu plano, nos é revolado nos Seus atos registrados nas Escrituras Sagradas, e principalmente na Encarnação do Seu Filho Jems Cristo. A Liturgia da Igreja obedece perfeitamente à revelação testemunhada pela Biblia, e por si mesma revela o próprio Deus.

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II

Na segunda parte, pretendemos examinar os dois prin- cipais sacramentos, Batismo e Eucaristia, à luz da revelação do Deus vivo, Senhor de tôda a história, nas Escrituras. Deus é um só, eterno c imutável, e os S:us a:o3 poderosos formam uma unidade maravilhosa, um plano que se desenvolve dentro do tempo e do espaço- O Deus de Abraão, de Moisés, de Davi e dos profetas, é o mesmo que se revela na mcrte e ressurrei- ção de Cristo, é o mesmo que hoje nos a Sua graça ine- fável. O cen'ro deste plano divino está em Jesus Cristo, con- forme o testemunho apostólico. O que foi antes de Cristo é figura e tipo da Sua vinda, o que vem depois de Cristo é sacramento do Seu reino e antecipação do Sen triunfo final.

O Santo Batismo é uma figura da Morte e Ressurreição de J< .us Crsto. Nas orações finais, na Administração deste Sacramento, conforme o LOC, encontramos uma expressão que evidencia êste faro: "Humildes te suplicamos que, sendo morta (eTta pessoal para o pecado, v va para a rrridão, e, se- pultada com Cristo na sua morte, seja também participante da Sua ressurreição". Pela água do Batismo o candidato par- ticipa da morte de Cristo, sendo assim libertado da lei do pe- cado e da morte, assim como partic;pa da vida eterna do Cris- to ressurreto. Ao mesmo tempo, a água batismal nos faz lembrar outros atos poderosos de Deus, anteriores à Sua Encar- nação, que prepararam o mundo para a vinda do Cristo. Os dois principais são o dilúvio, registrado no livro de Gôn.s.s do qual Ncé foi preservado pela providência divina, e a tra- vessia do Mar Vermelho, milagrosa libertação do Velho Israel então sob o jugo egípcio. Êstes eventos, pois, são figuras da Morte e Ressurreição de Cristo, como São Paulo esclarece nos primeiros onze versículos do capítulo 10 da sua primeira car- ta aos Coríntios. Isto não quer dizer que não foram eventos reais e históricos. Aconteceram justamente como a morte de Cristo aconteceu. Mas o seu significado final depende da vida e da obra do Filho Unigénito de Deus. Da mesma maneira, quando dizemos que o sacramento do Batismo é no seu modo de ser uma figura da Morte e Ressurreição de Cristo, não queremos dizer que a admin.stração da água não seja um even-

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to real em si mesmo. Ao contrário, a incorporação de uma pcs-oa no Corpo de Cristo c um acontecimento tão concreto quanto a própria morte do Senhor da Igreja. O significado, porém, do Batismo depende daquele evento que ocorreu na longínqua Palestina, ao qual os apóstolos testemunharam, e pelo qual somos libertados da lei do pecado e da morte-

O padre francês Jcan Danielon expressa e^ta ideia chave na sua ebra A BÍBLIA E A LITURGIA: "No Êxodo, na Morte c na Ressurreição do Cristo, e no Santo Batismo, é a mesma ação redentora que é cumprida nos diferentes níveis históricos: o da figura, o da realidade c o do sacramento".

As figuras e tipos da Santa Eucaristia são muitos e mais uma vez encontram o seu centro, a sua explicação, na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. A Epístola aos Hebreus estu- da de um modo especial a preparação para o verdadeiro culto s.icr ficial constituída palas cerimónias do velho Israel. A Pás- coa dos judeus é uma figura da salvação em Cristo, "pois é êle o verdadeiro cordeiro Pascoal que foi imolado por nós e tirou os pecados do mundo". Poderíamos citar muitos outros exemplos, mas êstes são suficientes para confirmar a tese, que os eventos do Velho Testamento são figuras da Morte e Res- surreição de Cristo, e, portanto, figuras dos sacramentos cris- tãos

Ao mesmo tempo os sacramentos não comemoram ape- nas eventos passados, como, também, prefiguram coisas que estão para vir. O Santo Batismo incorpora o candidato na Morte de Cristo, e, também, na Sua Ressurreição, de manei- ra que participe desde do eterno reino de Cristo e espera com a Sua Vinda com poder para ser o Juiz dos vivos e dos mortos. A Santa Eucaristia é uma comemoração da Mor- te c Ressurreição de Cristo como eventos reas do passado; é, também, um banquete messiânico, uma antecipação do dia final quando comeremos e beberemos com Cristo na per- feição do Seu Reino Divino

Quando estudamos os sacramentos da Igreja, à luz das Escrituras, verificamos que são ritos que resumem todos os

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atos poderosos dc Deus desde a Criação do mundo até a con- sumação de todas as coisas. Pelos sacramentos, a nossa vida de hoje vem a ser incorporada de uma maneira concreta e dramática ao plano divino revelado aos profetas e apóstolos e cujo centro é a Encarnação, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. A conclusão a ,que chegamos então é esta: os sacramentos e a liturgia são fundamentados nos eventos bíblicos e na doutrina das Escrituras Sagradas Êles não podem ser compreendidos a não ser através de um estudo do texto sagrado. Ao mesmo tempo, os eventos bíbli- cos, e de um modo especial aqueles que dizem respeito a Je- sus Cristo, podem ser vividos e os seus benefícios tornados presentes e eficazes Unicamente por intemédio da vida sacra- mental da Igreja. A liturgia nos leva ao estudo da Bíblia. O estudo da Bíblia nos leva a nos colocar de joelhos e assim par- ticipar agradecidos dos sacramentos

O Revmo. Bispo da Diocese Meridional disse na sua pas- toral deste ano o seguinte acerca da "tremenda autoridade doutrinária da Bíblia": "A Igreja, desde cedo, reconheceu essa autoridade, para que as Santas Escrituras fossem inter- pretadas não individualmente, mas dentro da comunidade dos fiéis. A "doutrina dos apóstolos" não comporta o tipo de exe- gese literalista e dispersiva que faz de cada cabeça uma sen- tença dogmática. A Bíblia constitui, antes de tudo, um clima espiritual em que Deus executou os atos portentosos da nossa Redenção- E é dentro deste mesmo clima espiritual na companhia dos remidos, que estes atos divinos adquirem rea- lidade e sentido doutrinário para nós como indivíduos. Ainda mais, cabe à Igreja manter essa atmosfera bíblica de intensa adoração e expectativa, para que, segundo a promessa de Cris- to, o Espírito Santo continue a guiá-la a tôda a verdade".

A manutenção da atmosfera bíblica depende de dois fa- tõres principais: o estudo do texto sagrado pela Igreja tôda, e a celebração litúrgica dos atos divinos que nos proporcio- nam nossa salvação. Um biblicismo divorciado da vida sacra- mental levaria ao dogmatismo estéril, à excessiva intelectua- lização, ao romanticismo acerca do passado, ao individualis- mo, à fragmentação do Corpo de Cristo. Um sacramentalis-

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mo divorciado da Bíblia degenera em mágica e superstição, em ritos obrigatórios cujo sentido não é compreendido pelos ado- radores, na destruição da liberdade e dignidade concedidas aos Filhos dos homens pelo Filho de Deus, na perda da e a sua substituição pela crença. Êstes perigos não são imaginá- rios. Existem. Que o mesmo Deus que manifestou o Seu poder e a Sua misericórdia às gerações passadas nos preserve dos mesmos e nos guie nos caminhos certos da Sua Palavra e dos Seus Sacramentos.

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O SENTIDO E O VALOR DA EUCARISTIA NA VIDA DIÁRIA

Rev. Jací C. Maraschin

I

Antes de considerarmos o valor da Eucaristia ( 1 ) na vida diária é necessário compreendermos o seu significado e o seu lugar na longa h stória do Cristianismo. Os muitos títu- los que a qualificam apenas indicam a riqueza de seu con- teúdo e a impossibilidade teológica de se encontrar uma pala- vra que transmita o seu significado cabal- Chamemos êste Sa- cramento de Ceia do Senhor ou Missa, Divina Liturgia ou Santa Comunhão, Santa Ceia ou Santa Eucaristia, estaremos apenas dando testemunho da limitada apreensão humana das verdades celestiais e manifestando a nossa imensa necessidade de comunicação.

O Sacramento do Corpo c Sangue de Cristo procede, na- turalmente, da Última Ceia celebrada pelo Senhor antes de sua Paixão e Morre- O amplo trabalho realizado em recentes déca- das, por estudiosos especializados, apenas tem acrescentado evi- dências à ligação deste Sacramento com o próprio Senhor Je-

1 A palavra Eucaristia usada para designar êste Sacramen- to significa "agradecimento", "ação de graças". O No- vo Testamento usa as expressões "partir do pão" e "ceia do Senhor"- A palavra Eucaristia, contudo, está implícita em cer- tas porções do Novo Testamento e é largamente usada na Igreja Primitiva. Além do Didaquê, os escritos de Santo Iná- cio de Antioquia e de Justino Mártir consagram o seu uso.

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sus Cristo. (2) O certo, também, é que a Ceia adquire sen- tido quando é apreciada no contexto da vida do Cristo. Jesus, o Verbo Encarnado, viera para trazer os homens à aceitação completa de Deus e do perdão, no Reino eterno. Sua vinda era o próprio estabelecimento do Reino. Suas palavras e atos faziam parte da construção dessa nova existência.

Os evangelhos estão cheios de referências ao Reino de Deus. "O pensamento do Reino", afirma V. Taylor, "tão cen- tral no ensino galileu, fulge na própria sombra da Cruz. Je- sus vive e morre absorvido no pensamento do Remo de Deus". (3) É fácil verificarmos a existência desta ênfase. O sentido de uma comunidade redentora estava presente nos atos de Jesus desde o início de seu ministério. Chamou apóstolos. Formou um núcleo humano. Produziu coesão entre os seus seguidores. A força, no entanto, desta comunidade ,estava, inegavelmen- te, na presença permanente do Senhor. Era êle que a levan- tava na hora do desânimo e determinava a maneira de agir no momento da incerteza. Não podemos imaginar o surgi- mento e a formação da Igreja Primitiva sem esta familiaridade com Jesus. A morte de Cristo poderia ter esfacelado os alicerces do Reino se algo profundamente misterioso não tivesse acon- tecido. Convém lembrarmos também a presença constante do elemento escatológico na pregação do Reino "O Reino está en- tre vós", e "o Reino virá" são os dois poios paradoxais por onde o Evangelho oscila. Jesus refere-se continuamente ao fi- nal dos tempes, à consumação dos séculos. Na noite anterior à sua morte, reunido cem os apóstolos, estabelece uma Nova Aliança: "Êste é o Cálice da Nova Aliança". No seu sacrifí- cio e morte estava a redenção do homem e aquela noite tra- ria aos discípulos a memória da salvação que viera .

Além disso, ao se reunirem para o "partir do pão", te- riam a sua presença real: "Isto é o meu Corpo oferecido por vós". O Reino continuaria a existir "entre vós", apesar de sua morte, pois na Eucaristia os dicípulos teriam o encontro necessário com o seu Senhor. O Reino estaria vivo no meio do

2 Veja a discussão dêste assunto em Brilioth, "Eucharistic Faith and Practice Evangelical and Catholic", capítulo I. 3. "Jesus and His Sacrifice", pág. 259.

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mundo, garantido pelo poder da sua ressurreição; efetivado pelo "anúncio" da sua morte até que tudo se reunisse em Deus no final dos tempos, e no mistério do reconhecimento de J:sus no Partir do Pão.

Pod:mos concluir que a Santa Comunhão, na sua ori- gem, foi estabelecida pelo Cristo para ser o sinal efetivo da continuação de seu Reino entre os homens até que se realize a consumação final dos tempos. Foi assim o início de um no- vo convénio, o surgimento do Novo Israel. Diversos estudio- sos modernos concluem, seguindo esta linha de pensamento, que a fundação formal da Igreja fêz-se ali no Cenáculo, quan- do Jesus Cristo instituiu a Eucaristia. (4)

II

Os diversos elementos da Eucaristia

1 Ação de Cracas

Jesus Cristo anuncia aos discípulos que será a última vez que comerá com êlcs até que se reunam na banquete ce- lestial. Lembremo-nos de que a Páscoa judaica era uma oca- s ão de alegria para Israel. Esta alegria escatológica estava pre- sente em Jesus Cristo apesar da sombra da morte que se apro- ximava. Havia, além da morte, a certeza do Reino vindouro. A nota de alegria e ação de graças permeia a celebração in- teira embora não seja êste o seu único elemento.

2 Comunhão

A célula inicial de uma grande família estava reunida. Ali cada pessoa encontrava comunhão com o próximo e com o Cristo. Podemos ir mais longe: descobria-se uma nova comu- nhão com o mundo, com os objetos e, o que é mais impor- tante, com o próprio eu; I Cor. X:17 expressa a idéia de comunhão eucarística: "Porque nós, embora muitos, somos

4 Veja o artigo "The Church", de K. L. Schmidt, em "Bible Key Words", vol. I, editado por G. Kittel.

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Unicamente um pão, um corpo; porque todos participam do único pão." A literatura da Igreja Primitiva é abundante sõbre este aspecto (5). Mais do que as palavras, o ato da co- munhão expressou sempre o sentido profundo da irmandade cristã. A participação do mesmo pão e do mesmo vinho signi- ficava a unidade do Corpo de Cristo, reunido no próprio Se- nhor.

3 Comemoração c Proclamação

"Fazei isto em memória de mim". A idéia de comemo- ração da morte de Cristo está presente nos escritores do Novo Testamento. A Eucaristia relembra não a morte, mas o próprio Cristo que viveu na carne. Testifica a vinda de Je- sus Cristo na história humana. Richardson, ao estudar os Pais Apostólicos sobre êste assunto, conclui que os docetas, que não acreditavam que Cristo veio na carne, não compreendem a Eucaristia porque nela está o testemunho de que "o Verbo se fez Carne" e que o Evangelho da Encarnação refere-se a um acontecimento histórico real (6).

Além disso o significado bíblico de memorial é mais ri- co do que o seu sentido profano. Lembrar alguma coisa diante de Deus é tornar vivo o ato lembrado, trazido do tempo para a eternidade, onde a memória humana não tem signifi- cado algum. É trazer do passado para a eternidade de Deus que, por sua vez, é presença permanente em todos os tempos. Pertence ao poder de Deus. É porisso que ao relembrarmos o Cristo no Santo Sacramento nós o fazemos pela iniciativa de Deus e, sendo um ato divino, é uma presença. Assim o Reino se constrói em cada memorial e Deus acrescenta novos ele- mentos de seu poder no "partir do pão". Ao comemorarmos a

5 Baseado no Didaquê, interessa-nos êste hino eucarístico recentemente traduzido para o Hinário Episcopal: "Qual

grão outrora dispersado/ E agora unido neste pão,/ Assim a Igreja no teu Reino/ Alcance eterna e santa união".

6 "An Introduction to the Theology of the New Testa- ment", pág. 366.

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memória de Cristo ,fazemo-lo presente, e trazemos ao mun- do a proclamação de sua realidade.

4 . Sacrifício

A ideia de sacrifício está presente na mente do homem. Diz Maurice que "quando o senso de dependência é restau- rado ao homem pela descoberta de sua própria incapacidade quando lhe é restaurada a confiança pela descoberta de que o Senhor de todos também quer o seu bem êle se apresenta para render-se e oferece um sacrifício que é a expresão de sua entrega" (7).

Na Páscoa judaica a oferta do primogénito era a dedi- cação e a consagração de tôda a nação a Deus. Na Eucaris- tia temos um sacrifício perfeito. A oferta do Corpo e do San- gue de Cristo, originada em Deus, torna-se presente, como sendo a fundação do Reino. Cristo, reunindo a humanidade em si, apresenta-a diante do Pai, em sacrifício absoluto. Jesus oferece diante de Deus a rendição do homem- Assim, no dizer dd teólogo, "a Revelação de Deus é a revelação de um sacri- fício" (8).

No Livro de Oração Comum pode parecer que existe a idéia de que o Sacrifício é todo nosso: "aceites benignamen- te êste Sacrifício de louvor e ação de graças"; "e aqui ofe- recemos. . nossos corpos e almas, em sacrifício racional, vivo e santo . . " A idéia, porém, não perdura quando descobri- mos que êste Sacrifício é nosso na medida em que nos uni- mos ao sacrifício de Cristo: "sejamos cheios de tua graça e bênção celestial, e feitos um corpo com êle". Éi que "os sacrifícios são de Deus, não somente no fato de serem ofere- cidos a êle, mas em que Deus os origina e prepara" (9).

5 . Mistério

Poderíamos dizer que Mistério é tudo aquilo que desafia o nosso entendimento e permanece oculto depois mesmo de

7 F. D. Maurice, "The Doctrine of Sacrifice", Sermão II.

8 Idem. Sermão XII.

9 . Idem. Sermão X.

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6

ser experimentado. D'z Tillich que é impossível expresar-se a experiência do mistério em linguagem comum (10).

O Novo Testamento deixa que se perceba um elemento de mistério ao redor da pessoa do Cristo. Mais vivo é quando estudamos a Eucaristia. O simples fato do homem entrar em comunhão com Deus situa-se além da esfera dos fenómenos co- muns. O Livro de Oração Comum se refere ao Pão e ao Vinho consagrados como "santos mistérios". Vê-se, então, que o mis- tério maior está no fato de Deus ser espiritual e ao mesmo tempo ter valorizado os elementos materiais- Deus alcança a estrutura material do mundo através da carne de seu Filho. A revelação está mediada no tempo e no espaço pela matéria.

Brilioth, estudando este aspecto do Sacramento, assim classifica os seus elementos de mistério: a) a presença pessoal de Cristo em cada celebração, como o verdadeiro sacerdote que reparte os dons do seu perdão na Santa Mesa; b) a presença do Senhor no Sacramento, em que êle não somente preside mas também se aos fiéis através do pão e do vinho; c) a presença da Cristo no Corpo Místico, unindo todos os fiéis vivos e mortos, no que chamamos de Comunhão dos San- tos. (11)

6 Presença

O novo Testamento não defende nenhuma teoria espe- cial da forma ou modo como Cristo está presente no "partir do pão". Faz mais do que isso. testemunho da experiência mística dos cristãos da época. O Senhor é reconhecido pre- sente no "partir do pão", e é êste acontecimento glorioso que torna a Igreja nascente tão poderosa e cônscia de sua missão no me:o do mundo.

"O pão que partimos não é a comunhão do Corpo de Cristo?", diria São Paulo ousadamente, enquanto os escritos do IV Evangelho enchiam de ardor a alma dos primeiros ado- radores :"Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não

10 Paul Tillich, Systematic Theology, Vol. I, págs. 108 e 109.

11 Brilioth ,op. cit., pág. 286.

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beberdes o seu Sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é ver- dadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem co- mer a minha carne e beber o meu sangue, permanece em mim - eu nele" (6:53-56).

7 Síntese do Evangelho

A Santa Eucaristia é ainda a síntese do Evangelho. É o lugar correto onde podemos avaliar tôda a experiência reli- giosa da Igreja. É, podemos dizer, a porta da compreensão da Igreja. Resume o Evangelho porque nela estão contidos todos os elementos do Kerygma (pregação apostólica) e nela se reali- za o alvo supremo de Cristo: a sua dádiva por amor e a sua aceitação da nossa miséria humana. Na Eucaristia, ao comun- garmos, aceitamos a aceitação de Deus em Cristo e recebemos em nós mesmos a redenção que foi feita uma vez para sem- pre. É, talvez, porisso que Richardson afirma ser "somente no culto eucarístico da Igreja que a teologia do Novo Testamen- to pode ser verdadeiramente entendida" (12). Nem dogmas, nem mesmo a Bíblia tem o poder de expôr o Evangelho tão existencialmente como este ato sacramental.

No século dezenove Maurice escrevia: "Pergunte a você mesmo, solene e sèriamente posso encontrar o cristianis- mo, o cristianismo que desejo, e cristianismo de atos, não de palavras, o cristianismo de poder e vida, o critianismo cató- lico, d.vino e humano, para homens de tôdas as terras e épo- cas, todos os gostos e dons, todos os temperamentos e! necessi- dades, como eu encontro neste Sacramento?" (13).

1 1 I

Tão variado em significado e tão rico em realidade espi- ritual, como foi tratado pela Igreja êste Sacramento?

A expressão registrada em I Coríntios 11:26, "Tôdas as vezes que comerdes êste pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor até que êle venha", ênfase à freqúênci.i

12. Op. Cit., pág. 387-

13. F. D. Maurice, The Kingdom of Christ, edição de 1838, I, pág. 287.

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do seu uso. O cristão evangelista, cheio de ardor missionário, sabia que nesta celebração havia uma proclamação viva, um testemunho real e perene, uma nova interpretação da existên- cia e da história. Ao compreender êste fato não hesitava em "anunciar a morte do Senhor", pôsto que era "morte salva- dora".

Oscar Cullmann, após exaustivo estudo do culto cristão dos tempos do Novo Testamento, conclui que, como regra, "não havia reuniões da comunidade sem o partir do pão, e que, mesmo se houvesse ofícios que fossem exclusivamente da Palavra , teriam sido exceções" (14). A Igreja, como Cor- po de Cristo, realizava-se nas reuniões da comunidade quan- do todos participavam da presença do Senhor que era a sua vida e a razão de ser. O mesmo processo da Encarnação é revitalizado na presença sacramental.

O livro dos Atos dos Apóstolos apresenta êste aspecto da prática primitiva: "Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam o pão de casa em casa. . ." (2:46). O resultado dêsçe intenso convívio com o Senhor, na Comunhão, vê-se claramente no versículo seguinte: "Enquanto isso acres- centava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos" (47)-

Vê-se que mais tarde a celebração era a maneira oficial de se comemorar o primeiro dia da semana: uma renovação da presença ressurrecta do Cristo.

Santo Inácio de Antioquia, morto por volta do ano 110, recomenda aos fiéis a prática constante da Eucaristia e, con- cita que 6eja sempre grande o número dos participantes neste Sacramento, pois é "remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver para sempre em Cristo (15).

O Didaquê (Doutrina Dos Doze Apóstolos), situado no ano HO, assim se expressa: "Nos domingos do Senhor, reuni- vos e parti o pão, dando graças e confessando antes os vossos pecados, para que o vosso sacrifício seja puro" (16).

A Santa Comunhão era cercada de respeito e veneração. Diz Justino Mártir (morto cêrca do ano de 165), na sua Pri-

14 Early Christian "Worship, pág. 29.

15 Epístola aos Efésios, 70, 71.

16 Capítulo 14.

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meira Apologia, após ter descrito a maneira da celebração: "Êste alimento é chamado entre nós de Eucaristia, do qual ninguém pode participar se não crer que o nosso ensino é ver- dadeiro e se não tiver sido limpo com a lavagam para a remis- são de pecados e regeneração e que, assim, vive como Cristo quer. Pois não recebemos êste alimento como pão e vinho comuns. . " (17).

Com o passar dos anos a Eucaristia foi emoldurada pe- la devoção, pela piedade e pela arte. Na alta Idade Média era celebrada todos os dias e, até mesmo, muitas vezes num dia. Quando a Igreja começou a se deturpar verificaram -se também muitos abusos com respeito ao Sacramento do Altar. O declino da Idade Média é exuberante em "missas solitárias" e "comunhões sem comungantes". O Sacramento da comu- nidade c do amor transformou-se num ato de individualismo e de separação.

Teólogos de valor ergueram o seu protesto e a Reforma do século XVI procurou corrigir o mal. Não foi contra a fre- quência das celebrações que êles ergueram suas vozes mas, isto sim, contra as celebrações onde o povo não passava de mero expectador, sem ao menos comungar- Massey Sthepherd Jr., no seu livro Adoração e Vida, diz que "todos os refor- madores, com exceção de Zwinglio, insistiram no sentido de que a Santa Comunhão devia ser o ofício principal nos domin- gos e dias santos. Sabiam perfeitamente que esta era a prá- tica e a tradição da Igreja Primitiva" (18). Tanto Lutero co- mo Calvino expuseram altos conceitos sobre a Santa Eucaris- tia. No Pequeno Catecismo o reformador alemão concita os pastores a que preguem de tal forma que os fiéis desejem rece- ber a Comunhão sem a necessidade de leis (19), enquanto Calvino denomina a Eucaristia de "Sagrada comunicação da própria carne e sangue", pela qual Cristo incute sua vida em nós, não sendo, diante de nós, "um sinal vazio", pois "oferece e mostra a coisa significada a todos os participantes desta fes- ta espiritual" (20).

17 Capítulo 66.

18 Op. Cit., pág. 160.

19. Bettenson, Documents of the Christian Church, pág. 289.

20 Christianae Religionis Institutio, Livro IV, cap. XVII-

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Na Comunhão Anglicana o Santo Sacramento ocupa lu- gar central. É o fundamcnio dc sua vida eclesiástica eco aJi- mento espiritual dos seus milhões de fiéis. No seu comentá- rio ao Livro de Oração Comum Massey Shepherd claramente confirma êste princípio: "A Santa Comunhão é o ato pri- meiro e central do culto incorporado da Igreja, e a partici- pação regular na sua observância é obrigação solene de todos os fiéis de Deus". (21).

Em 1681 foi publicado na Inglaterra um tratado de Isaac Barrow, grande estudioso anglicano, presbítero e professor, con- citando os eclesianos à comunhão frequente, aduzindo cm fa- vor o exemplo da Igreja Apostólica, sendo esta prática a for- ça que fez perseverar no fervor santo da piedade homens e mulheres comuns. (22)

A Teologia Anglicana do século XVII .ipresenta grande acervo de obras sobre a Eucaristia. Passado o primeiro ímpen da Reforma e serenados os espíritos- a perspectiva histórica podia agora apreciar o Sacramenta no seu dev do lugar. Tho- mas Ken, bispo anglicano de Bath e Wells, em 1684, podia exclamar: "Eu não posso explicar como tu, que estás nos céus, estás presente no altar; mas eu creio firmemente, pois tu o disseste. . " (2 3)

A questão da Presença Real de Cristo através dos ele- mentos toma grande parte da atenção, norando-sc no pensa- mento geral da Igreja o reconhecimento de um milagre ao evitar qualquer teoria que explique o acontecimento. (24) John Cosin, em controvérsia sôbre a Transubstanciação ad- mite que "o Corpo e o Sangue de Nosso Salvador não somen- te são representados apropriadamente pelos elementos, mas

21 The Oxford American Prayer Book Commentary, pág. 65.

22 Works, ed. 1818, Vol. V, págs. 606 a 608. 23. The Practice of Divine Love, ed. 1685, Pág. 75.

24 Veja Lancelot Andrewes, Responsio ad Apologiam Car- dinalis Bcllarmini; também o seu XVI Sermão de Na- tal: "Na Bendita Eucaristia existe uma espécie de união hipostática do sinal e da coisa significada, de tal for- ma unidos, como as duas naturezas de Cristo".

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também, por virtude de sua instituição, realmente oferecidos a todos, por cies, e assim comidos pelos fiéis de modo místico c sacramental" (25).

Quando o Movimento de Oxford sacudiu a Igreja da In- glaterra, despertando os cclcsianos à grande ação missionária c social, os seus lideres entenderam bem que nida poderia ser realizado, com bases profundas> se não houvesse um centro de adoração e vida. A Eucaristia foi novamente estudada e, como acontece nas histórias dos grandes movimentos, Pusey e Keblc foram buscar no exemplo da Igreja Primitiva a ins- piração para os seus princípios. O próprio movimento evan- gélico não abandonaria a prática da Eucaristia embora desse ênfase especial à pregação

Nos dias presentes a Comunhão Anglicana está incorpo- rada no salutar Movimento Litúrgico, classificado pelas gran- des autoridades contemporâneas como um dos acontecimentos de maior importância na vida interna c externa da Igreja.

Os grandes documentos da Cristã, publicados pela Comunhão Anglicana, dão testemunho vigoroso da proemi- nência do Santo Sacramento na vida comunitária da Igreja e na vida diária dos seus membros. O Congresso Pan- Angli- cano, realizado em Mineápolis, em 1954, devotou sua atenção ao estudo do elemento sacrificial na Eucaristia, e a Comissão Especializada que na última Conferência de Lambeth (1958) examinou a questão, adotou com aprovação geral as seguin- tes palavras de A- G. Hebert: "O Sacrifício Eucarístico, este centro tempestuoso de controvérsia, está encontrando em nos- sos dias uma expressão verdadeiramente evangélica da parte dos "católicos", quando se insiste que a ação sacrificial não é, de modo algum, a re-imolação de Cristo, ou em sacrifício adicional ao seu único sacrifício, mas a nossa participação nêle. O verdadeiro celebrante é Cristo, o Sumo-Sacerdote, e o povo cristão reune-sc como membro do seu Corpo para apre- sentar diante de Deus o Seu Sacrifício, e ser oferecido em sa- crifício através dc sua união com Cristo" (26).

25 Citado em P. E. More e F. L. Cross, Anglicanism, pág. 468

26 Lambeth Conference, 1958, pág. 284

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IV

Passamos agora para a última parte deste nosso trabalho que é a apreciação desta teologia e a prática na vida diária de cada indivíduo cristão.

John Donne, deão da catedral de S- Paulo, em 1621, es- creveu este pensamento: "Já terás considerado que & digno recebimento do Sacramento consiste na continuação de uma vida santa após a recepção tanto quanto num preparo antes de recebê-lo?"

É, talvez, inspirados nesta pergunta do grande escritor do século XVII que somos forçados a concluir que, como membros da Igreja, deveríamos viver à luz da Comunhão que acabamos de receber, preparando-nos para a próxima vez em que a receberemos. Torna-se ponto constante de referência em nossa vida comum. É uma espécie de razão de ser para a ati- vidade e para a meditação, um profundo manancial de inspi- ração e refrigério, de poder e graça divina

A vida humana é cheia de angústias e problemas. A an- gústia é, talvez, o seu problema máximo. Nascida de nossa insatisfação básica conosco e com o mundo, e da nossa inca- pacidade de responder totalmente ao apêlo divino, deixam em nossas consciências o estigma da culpa. Ameaçada pela perda de tudo o que possui na transitoriedade em que se en- contra, a vida humana não oferece segurança alguma. Deses- perados procuramos forjar teorias absurdas nas quais somos o absurdo maior. Sistemas políticos reclamam para si valores un versais e eternos que pertencem ao Cristianismo. Cultos es- tranhos procuram cativar a procura ansiosa do homem.

vinte séculos foi proclamado o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Em rápida síntese podemos dizer que o Evangelho é a Boa Nova de que Deus aceita a vida humana, com suas angústias e problemas, e tem o poder de transfor- mar o que somos em novas criaturas. O nosso problema, a nossa ansiedade, é a separação de Deus- É vivermos longe de Deus, com a consequência de nos concentrarmos em nós mes- mos, no mais completo egoísmo .

O Evangelho expressou-se em Cristo, o Deus Encarna- do. Na oferta de Jesus Cristo a humanidade inteira é trazida

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a uma nova aliança com Deus. Estabelece-se uma Igreja. A presença deste ato supremo de Cristo é a fôrça que manterá viva a comunidade cristã através dos tempos. A Santa Eu- caristia é a perpetuação do sacrifício de Cristo pela salvação humana, através dos tempos, e o testemunho de sua ressur- reição. É a gratidão da alma humana pela salvação de Cristo, além de ser, como vimos, a proclamação, a comunhão e a irmandade, num clima de mistério divino.

O homem contemporâneo tem assim, na sua frente e dentro de si, pela Eucaristia, a revivência do Evangelho, a recepção do amor de Deus, manifesto no perdão e na aceita- ção

O sentido e o valor da Eucaristia na vida diária está preso de maneira íntima ao que dissemos na primeira parte deste estudo

Tomemos agora o nosso Livro de Oração Comum. A primeira parte do Ofício Eucarístico é uma solene preparação. Começa com oração, pois é neste ato que expressamos a nossa vontade de conhecer a Deus. Ouvimos a Epístola e o Evan- gelho, vivos hoje, falando à nossa vida diária. O Credo rea- firma a confessada pela Igreja através de incontáveis ge- rações e o Sermão instrui-nos na recepção do Evangelho. Esta é a preparação ritual. Pressupõe uma preparação fora da Igre- ja. Pressupõe uma vida que deseja encontrar o Senhor nosso Deus e buscar nÊle a resposta para a angústia de cada dia.

Vem o Ofertório. É a entrega de nós mesmos. Trazemos ao Altar de Deus o nosso dinheiro, os nossos talentos, os nossos corpos e almas, com tudo o que possuem: pecados, ignorân- cias, sofrimentos e enfermidades. O Ofertório é o ato supre- mo da humildade. Aqui depositamos diante de Deus a nossa imensa indignidade. É porisso que a Confissão de Pecados faz parte da ação do Ofertório. Isto pressupõe em nossa vida diá- ria o reconhecimento de nosso pecado e a disposição de trazer- mos diante de Deus tudo o que fazemos e temos na vida co- mum .

O ponto central da Eucaristia é a Consagração. As nos- sas ofertas são recebidas por Deus, num mistério de atmor. Unimo-nos aqui à oferta perene de Cristo. O Santo Sacrifício de Cristo se une ao nosso. Somente em Cristo a oferta hu- mana torna-se digna E dá-se a consagração do Pão e do Vi-

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nho porque o Cristo recebe estes elementos em si, devolvendo- os com a sua presença. Quer dizer, na vida diária, um des- preendimento pelos bens materiais. Em última análise êles são de Deus, e é entregando-os, com reverência, que os recebe- mos de volta, com um novo significado e uma nova realidade.

Tendo os elementos consagrados acercamo-nos do altar. É a Comunhão. O Senhor Jesus dá-se agora ao povo fiel. "De tal medo comamos a Carne de teu amado Filho Jesus Cristo, e bebamos seu Sangue, que nossos corpos pecadores sejam pu- rificados por seu Corpo, e nossas almas lavadas por seu pre- ciosíssimo Sangue, e que sempre vivamos nele, e êle em nós". Esta dádiva é a efetivação do dom do Evangelho- Somos de tal maneira aceitos pela misericórdia de Deus que em nossos próprios corpos e almas o Senhor se digna habitar, realizando a frase bíblica de que somos templos do Espírito. Esta expres- são do seu amor, que aniquila a distância entre o eterno e o temporal, que acontece entre símbolos humildes e realidades co- tidianas não envolve nenhum mérito de nossa parte. Porisso o Ofício Eucarístico termina com uma sincera nota de Ação de Graças. Fortalecidos com a Presença e com o poder de Cristo, suplicamos agora "que perseveremos em tão santa companhia, fazendo todas as boas obras que preparaste para andarmos nelas . . " e exultamos na alegria do Gloria in Ex- celsis. A Bênção e a Paz que excedem tôda a compreensão humana são as armas que a Igreja nos ao sairmos do altar para carregarmos no mundo prosáico o sublime poder da acei- tação de Deus

Não podemos, portanto, pensar na Eucaristia sem refe- rência aos atos redentores de Deus em Cristo, mas, é também verdade, não podemos imaginá-la sem as nossas frágeis vidas humanas. É porisso que êste Sacramento está no centro da vida da Igreja. Precisa estar no centro de cada vida humana. O movimento Litúrgico e os grandes movimentos educacio- nais da Igreja contemporânea, diante do testemunho da histó- ria, tem voltado a atenção, à frequência da celebração euca- rística. Se é, realmente, um sacramento de sentido e valor na vida diária, se é uma síntese do Evangelho e se transmite, em verdade, a presença de Cristo, deveremos então considerar sè- riamente a nossa maneira de usá-lo. Talvez devamos buscar

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cm Massey Sherpherd a palavra conciliatória. No seu livro traduzido entre nós temos a sugestão que segue: "O programa ideal de culto incorporado na Igreja, conforme traçado no Li- vro de Oração, é raramente realizado em qualquer de nossas paróquias. Isto imporia a realização das Orações Matutina e Vespertina diárias, incluindo os domingos, frequente uso da Litania, e celebração da Santa Comunhão, com preparo pró- pr o, pelo menos aos domingos e dias santos, não meramente como um ofício "extra", mas como parte da vida incorporada regular de tôda a paróquia" (27)

Não basta a Igreja fazer a oferta. É preciso que os ecle- sianos compreendam e, na Comunhão, saibam "discernir o Corpo do Senhor".

O reavivamento litúrgico de nossa época não deve ser encarado como a ressurreição de gestos vazios e cerimónias do pasmado. É. antes de tudo, um esforço para trazer o homem comum com sua vida diária diante de Deus e do Evangelho de Deus. É um desejo intenso de tornar viva a família da Igreja, com significado fora da Igreja. Assim a Eucaristia é levada aos lares, às fábricas, aos hospitais e prisões Nas pa- róquias é o Ofício da Família reunida- Os eventos comuns da vida, aniversários, casamentos, formaturas, mortes, são tra- zidos ao contexto da Comunhão. É uma restauração do prin- cípio bíblico da Encarnação em que o Verbo e o Sacramento unem-se numa grande missão salvadora. A Palavra fala da situação em que o homem se encontra e apresenta o Cristo como resposta. O Sacramentp objetiva o encontro neste diá- logo perene entre o Senhor e a Sua Igreja .

27 "Adoração e Vida", págs. 171 e 172.

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O HOMEM E A SUA SALVAÇÃO

Rev. Dr. José Del Nero

Que É o Homem?

O homem é um animal com algumas diferenças e algu- mas especificidades. Será que existe grande diferença entre o homem e o animal? Será pelo seu sistema nervoso mais com- plexo?

O cão tem um sistema nervoso mais complexo que o da lesma, entretanto, permanece mero cão. O cavalo árabe tem o sistema nervoso mais compkxo que o cachorro e, entretan- to, continua sendo cavalo árabe. . As diferenças entre o ho- mem e o animal são muitas

O homem é capaz de civilização. Êle edifica cidades, escreve letras, elabora filosofas e inventa milagres. A capaci- dade máxima do animal é o repetir-se Êle se veste, desveste, emigra; como era no princípio, será sempre. Por que é que o animal é incapaz de civilização? Por que as suas experiências não ão aproveitadas? Por serem experiências individuais. Êle trabalha em compartimentos estanques, não comunicação. É por isso que êle é incapaz de civilização: não coopera, não troca, não se organiza. A civilização é essencialmente um sim- pósio: A contribui com isso e B contribui com aqui- lo- Mas o que se dizer dos cardumes e dos enxames? Êles se amontoam, não se associam. Outra especificidade do homem: o homem conjuga o verbo viver em todos os tempos e modos. É senhor do tempo. O animal é senhor tão somente do atual; é prisioneiro do agora, do aqui e do presente, nada mais. E por ser o homem senhor do tempo, êle constrói consciente- mente. O passado lhe serve de alicerce para o futuro.

O animal constrói por instinto. O João de Barro, por exemplo, constrói porque constrói; não se supera, não se jus- tifica, não planeja, age apenas por instinto- O homem constrói

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conscientemente pelo poder do pensamento abstrato. É um animal racional, porque possui um principio de vida, uma es- sência espiritual, em uma palavra, uma alma. Pela inteligên- cia, conhece espiritualmente o material; arranca, por assim dizer, o material do espiritual. A vontade tem um tropismo incoercível, uma tendência insopitável.

Ora, esta tendência para o espiritual pode provir de uma essênc a espiritual. O efeito deve ser adequado à cau- sa. A águia tem olhos agudos, mas não abstrai, não gene- raliza, não faz ciência, e é por isso que não pode construir conscientemente. O animal é escravo do particular: cha- péus, mas não chapéu; não se concentra, não arranca o espiritual do material. Por que? Porque não pode abstrair. Essa capacidade de abstração é privativa do homen que é de es- sência espiritual. O cão por exemplo, traz o chapéu que viu o dono usar, e quando alguém traz outro chapéu, não o iden- tifica. Não o reconhece porque êle é escravo daquele deter- minado chapéu. O homem faz comparações, como por exem- plo: Fulano é maior poeta do que Beltrano. O que vem a ser isto? Um ato mental, espiritual, por ter a essência espiritual. O animal não procede assim porque o mais não pode proce- der do menos. O animal não tem o que o homem tem, uma essência espiritual! E essas caudais do pensamento abstrato, desembocam no mare-magnum da linguagem. Mesmo as lin- guagens primitivas, salietam os entendidos, não se compõe de gritos. uma gramática. E o homem êsse animal com ra- ciocínio e com uma essência espiritual, não somente fala como também rí. Por que? Porque o rir é próprio do homem. Êle até de si mesmo devido ao seu pensamento abstrato.

O homem transforma, domina e manipula o meio. A fa- ce da terra é o grande barro do grande oleiro, de cuja subs- tância êle faz para o telescópio, o microscópio, o rádio, a televisão e outras realizações. O homem é essencialmente um dominador; o animal um dominado. Eis o mito do Génesis. Quando o homem dava nomes aos animais, não queria dizer que êle realmente estava dando nomes e sim que êle domina- va- Essa capacidade do oleiro não pode ser explicada por cate- gorias animais. Seria um ilogismo flagrante, uma conclusão maior que as premissas. Seria colher figos de larangeiras.

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O hcmcm domina o meio manipulando-o c transcenden- do-o por ser de essência espiritual. Face à grandeza do uni- verso, o homem se pergunta como Davi, nas mais recua- das épocas: "Que é o homem para que te lembres dêle?". Poderemos responder como o pensador: "O homem é cosmi- camente cómico e estelarmente absurdo". Mas será verdade? Não! Em face dos colossos astronómicos o homem é um as- trónomo. Ele mede o sol, analiza o sou conteúdo e, no entan- to, o sol não o e nem dêle toma conhecimento, por não ter capacidade para tal. O homem admira as estrelas. "Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a ebra de suas mãos". Salmo 191. Contudo as estrêlas não o vêem. O próprio valor dessas tremendas maravilhas, desse uni- verso maravilhoso encontra no homem a sua razão de ser. E o homem, nesse sentido, é a medida de todas as cousas. Da- vi, ou aquele que escreveu o salmo oitavo disse: "... êle foi feito pouco abaixo dos anjos". E apezar da sua pequenez, é êle que sentido a todas as cousas- O homem é capaz de ci- vilização. É senhor do tempo, senhor do meio e também pos- suído de imperativos éticos. O animal termina nos impulsos. O impulso é o seu Alfa e o seu Omega, seu princípio e o seu fim . Ele não tem imperativos éticos, nem imperativos categóricos como o homem. "Eu deixei de fazer o que devia ter feito e fiz o que não devia fazer". E por ser possuidor de imperativos categóricos é uma criatura paradoxal, um sêr de antítese; da mesma fonte, contrariamente àquilo que diz o Apóstolo, "Jorra água doce e jorra água amarga".

É a beleza no mundo no dizer do poéta, o paradigma dos animais, mas também a quinta-essência do pó. um sêr de contrastes, é a glória e o sedimento do Universo" co- mo diz Pascal. Êsses imperativos categóricos geram situações paradoxais, e essas situações paradoxais caracterizam a nossa civilização moderna. O mesmo homem cria a penicilina e lan- ça a guerra bacteriológica e o mesmo homem que descobre a ciência nuclear, usa bombas pavorosas! Êssc mesmo "Homo Sapiens" esse "Homo" cientista, está gerando um "Franken- stein". As alternativas da civilização moderna, por o homem ser o que êle não é, são essas: amor ou boimbas, "ágape ou armagedon". E êsse paradoxo é porque o homem é um sêr

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livre, e porque livre, de essência espiritual. O animal é está- vel não tem escolha porque não tem essa centelha espiritual. Tudo para ele está muito bem. Mas o homem é capaz de li- vres escolhas- Será mesmo? ou êle é u'a máquina, quase per- feita, condicionada a botões? Nós pensamos que escolhemos, mas isso é uma ilusão. O que existe com o homem é isto: êle é um Robot muito perfeito. Eu preciono certos botões que dão o verde ou o vermelho. E êle pensa que está esco- lhendo Não, a liberdade de escolha é um fato. A escolha é realmente minha

Conceituação de liberdade. Fundamentos.

Consciência popular: A consciência popular se revolta ante certas ocorrências criminosas que atingem a sociedade Haja vista o infanticídio ha pouco ocorrido na Guanabara e a reação que provocou no povo e nos próprios detentos. Isso significa que nós somos responsáveis pelas nossas ações porque somos livres

Consciência psicológica: o mesmo testemunho; na fase deliberativa eu sei que poderia ter deliberado de outra maneira; na fase decisiva eu sei que poderia decidir de outra maneira; na fase executiva eu sei que poderia ter executado de outra maneira

Consciência moral: Eu não sou responsável pela minha digestão, mas sou responsável por meter a minha mão no bol- so do meu vizinho Eu sei que fiz uma coisa que não devia fazer, porque eu sou responsável

Consciência socai: Orienta todos os contratos que nós fazemos. Eu compro um terreno, recebo a escritura etc. Tudo isto está baseado no fato de que existo e que sou um sêr livre. Então pela consciência popular, pela consciência psicológica, pela consciência moral, pela consciência social eu sei que sou um sêr livre. Contudo, no determinismo algo de verdade. É que a liberdade é limitada. Eu sou condicionado pela minha hereditariedade. Biologicamente certos indivíduos nascem com tendências morônicas, pesadonas, outros nascem com uma vi- vacidade mental muito grande, assimilam com grande rapi- dez. Uns nascem com um uma força formidável, outros nas- cem com uma fôrça menos ponderável. Tudo isso é nossa herança biológica. Elementos biotípxos. Somos muito depen-

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dentes de nossa hereditariedade, do nosso ambiente, mas não scmos função cega do ambiente, nem da hereditariedade Aliás nós estamos cercados de limitações, somos uma ilha. Um jovem por exemplo, escolhe uma companheira e rejeita outra. O artista, desenhando o animal, tem de se limitar às formas daquele animal O cientista, se não se tornar uocil como uma criança, obediente, limitado, não pode entrar no reino da ciência por estar esta limitada por leis. Então ai está algo de verdade. Nos admitimos que uma limitação de nossa liberdade, mas, a minha escolha não é mera resultante dessas forças citadas. A minha escolha criadora se resume em uma frase: dependência, mas não escravidão. Prossigamos, o que é o homem? O sêr humano é uma pessoa e o animal, indiví- duo. Quando eu aponto para um determinado homem eu ins- tintivamente, per um ato reflexo digo: Quem é aquele? Agora se apontar para um animal eu não digo: quem e aquele, e sim que é aquilo? É preciso distinguir entre indivi- dualidade e personalidade, bo o homem tem personalidade, a cousa cu o animal é uma individualidade e, mais ainda, o ho- mem é consciente de si mesmo, afirma o mesmo EU de hoje e afirma o mesmo EU de ontem. Eu não existo, eu sei que existo; não penso, eu sei que penso Mais ainda, o homem é um animal filósofo êle vive não de pão, êle vive de "por- quês"- Êle não vive de pão e de ar, mas de sentido. Eu passeio com o meu filho pelo campo e êle pergunta:

Papai, que é aquilo?

É uma vaca, meu filho

Por que?

O homem não indaga, êle se inquieta, sempre se mo- vendo como a própria esfera em que êle habita. Em dados momentos, nós temos sentido, êle se sente imigrante, es- trangeiro, peregrino na sua própria terra. Aliás o autor des- conhecido de Hebreus diz que nós somos peregrinos e foras- teiros em demanda de uma cidade permanente. Vezes não poucas, nós sentimos os versos do salmista quando dizia: "Le- va-me ó Senhor para uma rocha que é mais alta do que eu". Conta-nos o grande cónego Richardson, descrevendo êsse par- ticular do homem, que êle pode se assemelhar a um urso po- lar. Êle se desprendeu do Polo, e está numa fração dêssfc

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gêlo; e a medida que esse gelo vai se afastando do Polo o urso se torna cada vez mais impaciente. É isso mesmo. Eis o ho- mem. "NOI.ENS VOLENS", quer queiramos ou não, nós suspiramos por Deus enquanto os animais suspiram, no máxi- mo, pelas correntes das águas. O homem é um animal essen- cialmente inquieto e sendo inquieto se rebela. Todas as espe- cificidades dependem de uma especificadora que é a alma. Raciocinemos agora por absurdo. Se o animal fôsse homem e o homem mero animal, como querem alguns, reduzir-se-ia so- mente à gerdura, a ferro, a fósforo, a potássio, a magnésio, e o seu valor seria de duzentos cruzeiros, se houvesse compra- dor E essa mater a, por combinações fortuitas, teriam pro- duzido uma Sinfonia de Beethoven, uma Suma Teológica, e as maravilhas que são as produções do ser humano. Não mais sem razão, não maior absurdo, nada mais esdrúxulo do que iste. Mas o homem é também de essência espiritual, êle é um composto substancial de alma e corpo. Corpo sem alma mor- re imediatamente porque o corpo é enformado pela alma.

Uma alma sem corpo, são olhos em quarto escuro. "Não caimos - como diz Maritain muito bem -, nem na falácia an- gelista nem na falácia animalista." Êle é ambas as coisas: tem uma alma e tem um corpo. Não estamos vivendo por desgra- ça. Platão é que afirmava que nós vivemos aqui por desgra- ça. A matéria é algo de triste, algo que deve ser desprezado. Pl:tino que velejava na rota de Platão, nunca se deixou pin- tar. Não porque fôsse feio; pelo seguinte: êle achava que o corpo é algo de tão desprezível que não merecia essa honra. Essa não é a doutrina cristã. Tôda criatura de Deus é boa. Nós cremos na religião da encarnação: "E o verbo se fez carne"- SARX no original grego, é carne das mais comuns. O Evangelista não hesitou em usar aquela palavra: "e o verbo se fez carne". As coisas materiais são meios de graça. Nós cremos não na imortalidade da alma, mas na ressurreição do corpo, numa vitória total sôbrc a merte, corpo e alma. E a raiz do Evangelho social está em que Cristo não veio salvar somente a nossa alma, mas nosso corpo, o nosso universo, e a sociedade também. Êle veio trazer justiça social, acabar com essa montanha russa, uns em cima outros em baixo. A raiz do Evangelho social está justamente aqui: que nós não

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cremos na mera imortalidade da alma e sim na ressurreição do corpo. E aqui terminamos as especificações do homem! É um pecador. muita gente que não gosta da expressão: Pecador- Mas é isso que êle é, é alheiado de Deus. O que é o pecado? É o seguinte: é a troca de Deus pelo Eu. É a soberba, é 01 egoísmo, é fazer-se centro do universo, e êsse pecado não es- tá nas pessoas menos categorizadas, está em gente respeitável.

Na queda nós aprendemos isso. "E sereis como deuses". O homem se pós no lugar de Deus. Eis a sua imensa tragédia. Agora, diante deste fato, o homem precisa de Iluminação ou de Rendenção, de ma s escolas, de mais universidades ou de um Salvador? Êle precisa de um poder extrínseco, um poder de fo- ra, êle nãc precisa de mais educação - tirar alguma coisa que está nele. Eram várias as teses dos pagãos, que o pecador era um mero ignorante e nada mais. Êle pode se levantar com os laços do próprio sapato. São Paulo era um iluminado, con- tudo, eis a expressão da sua tremenda tragédia interior: "O bem que quero, êsse eu não faço e o mal que não quero pre- cisamente êsse eu pratico". Êle precisava algo mais do que ilu- minação, prec sava de um força de fora. "Tudo posso naquele que me fortalece". "E graças a Deus que em Cristo sempre me faz triunfar". Não devemos nos iludir, no mais profundo do. nos:o sêr nós semos maus- Nós fazemos um ou outro ata bom e esses atos bons, são bons, como dizia Santo Agostinho, mas "são vícios explendidos" às veses porque não provem da fé. "Nada em nós que esteja são". É a expressão da nossa confissão geral que é admirável. Êle é mau. Precisa de algo de fora que o redima, que o salve. Não mera educação; nós pre- cisamos é de salvação e de restauração. O homem está no hos- pital de câncer e não pode sair da cama com seus próprios es- forços, porque êle está perdido. Êle se fêz substantivo. Recorda- mos num dos nosses primeiros contatos com a gramática: O que é um substantivo? e surgia sempre a resposta categórica c elementar: É uma palavra que subsiste por si só. Muito bem. O homem quer ser isto: uma realidade que subsista por si só. Independência. Êle não quer saber de Deus. Êle quer ser o centro de todas as coisas: "Sereis como Deus" e daí a sua grande tragédia. É como diz o grande Bispo católico romano de Nova Iorque, que é de uma lucidez notável, professor de

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filosofia da Universidade de Lovaina: "O homem usou uma caneta para abrir latas, e o resultado está aí". "O salário do pe- cado é a morte". Êle não precisa de mais iluminação, mas de um salvador, de redenção. Daí Deus não se manifestar a nós numa teofania, mas em algo de mais íntimo. Êle se tornou car- ne, para que nós participássemos da sua vida. Êle se tornou pe- queno para que nós nos tornássemos grandes; não por Êle, mas pela vida d'Êle. Nós temos um salvador que nos livra do pecado original. E o que é o pecado original? É uma inclina- ção tremenda que vem de geração em geração devido ao ho- mem ter se feito Deus. "Em pecado me concebeu minha mãe", diz o salmista. E esse pecado original, essa tendência incoersí- vel para o mal é de verificação empírica. Eu tenho dois filhos. Dou um carrinho para o Josué. O Pedro quer brincar com aquele carrinho e o Josué não quer isto. Conferencio com mi- nha esposa. Vamos comprar um carrinho igual para os dois. O Pedro quer o carrinho do Josué e o Josué quer o carrinho do Pedro. .

Mas não são iguais, meu filho?

São, mas eu quero aquele.

está uma das poucas evidências do pecado original.

Nós cremos no progresso inevitável, o homem é essen- cialmente bom, precisa de um pouco de iluminação, uni- versidades ? Não! O que d zermos do ano de 1914 ? O que dizer-se do ano de 1939? E o que dizer-se do ano de 19. . .? Ninguém sabe. Cultura não falta. A essência do pe- cado, portanto é Deus desentronizado, e a essência da salva- ção é Deus entronizado. Nós não cremos numa depravação total, mas cremos que uma maçã deteriorada em determi- nado caixote e que compromete todas as outras. Não uma de- pravação total como quer uma escola exageradíssima. Não. Mas cremos que uma maçã deteriorada nessa caixa. Outra figura: Somos uma moeda antiga cuja efigie está apagada. Mas em Cristo restauração dessa moeda. A moeda é cunhada de novo, os contornos aparecem claros, a inscrição aparece nítida e a efigie é revivida. Cristo liberta o canceroso do hospital. "Quem me livrará do corpo desta morte?" E a resposta é sim- ples: "Graças a Deus que nos a vitória por Nosso Senhor

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Jesus Cristo". Salve esse bendito Salvador; e como os discí- pulos enchiam a Jerusalém, com o sagrado neme que é sôbre todo o nome, enchamos também nós a todos os setores onde Deus nos tenha posto com a notícia de que a Graça de Deus em Cristo se manifestou trazendo salvação a todos os homens. O que de mais nós precisamos é de um evangelho sem amálga- ma, que nos faça imitar aquele que montou c cavalo brancq do Apocalipse e que saiu para vencer. Falamos que o homem precisa de salvação. Agora terminemos caracterizando essa sal- vação.

Sal i a ç ã o

O que é a salvação? Somos salvos de que?

Somos salvos da culpa dos pecados passados. "Seu peso é insuportável". Mas o sangue de Jesus nos purifica de todos os pecados. "Êle salvará o seu povo dos seus pecados". Conta- nos o grande Bispo Ingram, pregador admirável pela sua luci- dez e pela sua profundidade, versando este ponto do estudo da salvação, o seguinte: Inspeciona-se um regimento. A impres- são do general é ótima. Resultado: alguns presos são livres. Nós temos as boas novas do bom nome, do nome que é sôbre todo o nome. Portanto, estamos livres da culpa do pecado. "Fiel é esta palavra e digna de tôda aceitação. Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecauores". Nos o amamos porque Êle nos amou primeiro. Èle nos salva também da morte. Se a morte é o fim de todas as coisas essa vida é um conto,) como diz o poeta saxão, contado por um idiota, cheio de fúrias e de sons e que nada sigmíica ". Nós procuramos cobrir ejsa inseguran- ça, às vezes, com anedotas, mas no fundo de nosas almas, nos recantos mais profundos de nossa mente, nós nos perguntamos: Se o não fôsse a última palavra, se o resultado de todos os nossos esforços, canseiras, tristezas, incompreensões, não fôsse um vasto zero, que beleza. . Será que uma resposta? Con- ta um teólogo Anglicano que um rapaz estava morrendo ali na linha de frente. Foi o capelão se arrastando e disse: Meu ami- go, você precisa ir para a linha de retaguarda para ser conve- nientemente medicado, está muito ferido. Diz o rapaz: Reveren- do cu sei que estou no fim, eu se. que vou morrer, daqui uns mo-

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mentos estarei fertilizando rosas. Êsse é o destino do homem: ser um futuro adubo. E o que o rapaz estava pensando. Será que salvação, alguém que nos salve da morte? Há. É Aque- le de quem sc disse que é as primícias dos que dormem, o pri- mogénito de muitos irmãos. Êlc aboliu a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade; não que não morramos mais, o rádio aboliu as distâncias no sentido delas se tornarem irrelevantes. Assim também, nós vamos morrer, mas a morte não é a rainha dos t:rrores e sim a rainha dos favores. não é uma porta, é uma comporta que nos levará àquela cidade maravi- lhosa, cidade das 12 portas, cidade quadrangular, cidade per- feita à direita de Deus, onde fartura de alegria, onde delícias para todo o sempre. Aboliu a morte e nos livra da culpa do pecado- Mas nos salva para que? Simplesmente apa- gou a lousa e disse: "Teus pecados são perdoados?" Não. Êle escreve nesta mesma lousa: "Vida". É para isso que nos salva. Vida abundante. Jesus nos integra no nosso verdadeiro centro, no centre do meu universo que é Deus. muitas falácias mo- dernas no que tange a salvação do homem. A falácia da psica- nálise. Diz o meu bom amigo psicanalista: "Determinado indi- víduo precisa ser integrado em seus amigos, em seus emprega- dores, êle precisa aprender a "Ménager les choses", precisa se adaptar perfeitamente à sociedade onde vive. Mas meus ama- dos irmãos, quando o indivíduo está integrado em Deus e re- cebe esta vida que verdadeiramente é vida, vezes não poucas, êle se torna um perturbador. Jesus foi crucificado justamente com es a acusação: "Êl? perturba o povo". Outra falácia; que êle se salve pela cultura, mas o máximo da cultura é alargar o conhecimento sôbre o homem, sôbre a natureza e sobre a his- tória. Há benemerência nessas coisas, mas são integrações no que parece, não o que é- O homem precisa de uma medicina eterna; êle tem fome do real, tudo mais são cisternas rôtas que não podem reter as águas. Êle não pode chegar ao pôrto com as caldeiras próprias, mas com as caldeiras de Deus. "Sem mim nada podeis fazer". Como diz Maritain muito bem: "Pode- reis fazer é grandes nadas". Então êsse salvador nos integra em Deus e nos integrando cm Deus nós haurimos a vida de Deus. Eis a salvação. Somos salvos da culpa do pecado. Somos sal- vos da morte, somos salvos para alguma coisa de formidável, de indescritível, salvos para a vida de Deus na alma do homem.

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Estou convencido de que a vera essência da encarnação, o sig- nificado mais profundo dela está aqui nesta palavrinha grega: "Zoé". Jesus encarnou para nos trazer vida, a vida de Deus na alma do homem. Êle encarnou para que nós fôssemos partici- pantes dos poderes do século futuro, para que nós herdássemos como diz S. Paulo as armas para derrubar fortalezas. Vamos derrubar essas fortalezas. Nós temos um tesouro formidável. Um rapaz ama, e nesse amor êle encontra um novo dínamo. E nós dizemos: fulano, salvou-se, gostou daquela moça, está ou- tro rapaz, irreconhecível. Salvou-se. Por que? Êle foi arrancado de si mesmo. O mesmo mecanismo funciona em religião. Cristo nos amou e se deu a mesmo por nós. Arrancou-nos de nós mesmos e nos centralizou em Deus e ,nos centralizando em Deus, poderemos haurir de sua força tremenda. Somos salvos então para vitalidade do primogénito de muitos irmãos, e a sal- vação, e isso é importante, plenifica-se com o tempo, e onde? Na Igreja. Eu acho que, nessa matéria como em muitas outras, nós todos deveríamos pertencer à alta Igreja; nessa ênfase da Igreja como continuadora de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas alguém me dirá: essa Igreja tão cheia de misérias? De uma feita Napoleão conversava com o Bispo de Roma e disse com tôda franqueza como era de seu costume : "Um dos meus maiores ideais é destruir a Igreja". O Bispo de Roma , então com muita ironia, retrucou: "Meu amigo, nós aqui dentro procuramos destruí-la tantas vêzes e não conseguimos, como é que o senhor vai destruí-la?". É isso mesmo, a Igreja apesar dos pesares é o corpo de Jesus e nós somos membros dêsse corpo. Berdyaev, êsse ma- ravilhoso teólogo leigo da Igreja Ortodoxa, conta que um ju- deu começou a se interessar muito pelo cristianismo e foi ao centro de uma determinada Igreja: "Eu quero conhecer a Igre- ja ali nas origens, onde ela é mais forte". Dirigiu-se a êste lo- cal e ficou muitos meses. De volta , alguém perguntou a ês- se senhor israelita: "Que tal?" Êle disse: "Meu amigo, estou convertido. Pertenço àquela Igreja". "Mas como?" "Sim, diante de tanta coisa feia que eu vi c a Igreja continuou, eu não tive dúvida: ela está formada realmente sôbre um poder Divi- no"- É isso mesmo. Mas alguém me dirá que crendo no Se- nhor Jesus Cristo estará salvo; "nada de Igreja, nada de sacra- mento, nada de ministério de palavra!". "S. Paulo deve ser in-

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terpretado por São Paulo", e êsse mesmo Apóstolo que usou a expressão: "Crê em Jesus e serás salvo" nos fala do complemento de Cristo, na coluna e apôio da verdade. A Salvação plenifica-se no tempo, e dentro da Igreja. Nada de cristianismo isolado. Muitos se contentam em ter a Bíblia em casa e se expressar em cânticos. Não basta. Cristo amou a Igreja e deu-se a si mesmo por ela e amou-a não com palavras, amou-a com sangue. "Extra Eccle- siam Nulla Salus", dizia Tertuliano. Fora da Igreja não salvação. Essa afirmação é passível de exagero, mas tem algo de verdade notável que é a salvação de Cristo plenificada den- tro da Igreja, porque a Igreja é a extensão do próprio Cristo. A Igreja é o cuidado dessa alma redimida pelo sangue do Cor- deiro.

Teorias:

Origenes achava que Cristo nos salvou porque o homem pecou, então Jesus foi uma espécie de refém, uma espé- cie de resgate. Santo Anselmo o grande Arcebispo de Cantuá- ria provindo de Aósta, fazia a seguinte explicação: "A honra de Deus foi ofendida pelo pecado, e o pecado é o crime de le- sa magestade". Cristo, o Homem, aplacou a ofensa dos homens. Na reforma, quando se raciocinava com categorias forenses, sobre a expiação, dava-se a seguinte teoria: Deus é justo, o homem pecou, merece castigo, logo Cristo recebeu o castigo no lugar dos pecadores; e assim por diante. O que dizermos dessas teorias? O seguinte: essas teorias são o esboço para se descrever aquilo que não se descreve. É isso- O Novo Tes- tamento não tem teorias sôbre a salvação. A Igreja também. Tanto amor não pode caber em alguns compêndios, em algu- mas palavras. O importante é o fato de que Jesus salva. Nós por exemplo cremos na doutrina da Eucaristia, na presença re- al, Cristo está realmente presente, mas sem definições. As- s m também na doutrina de expiação, nós cremos que Jesus sal- va, mas não palavras, não compêndios que possam dizer tais coisas. O fato é êste: Jesus nos salva da culpa do pecado, salva-nos da morte e nos salva para a saúde, nos integra cm Deus e integrando-nos em Deus nós recebemos a seiva de Deus. E disso nós não recebemos conforto mas fôrça. Essa saúde, meus amados irmãos, nos poder para que vivamos vitorio-

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sãmente e altivamente. Conta um pensador que as vezes gos- tava de fazer um pouco de blague: Era uma vez um gato e esse gato incomodava um pouco; tinha as garras um pouco fortes, de vez em quando arranhava, e seus vizinhos delibe- raram o seguinte:

Temos de acabar com esse gato.

Mas, como?

Arsénico, a resposta é simples.

E lhe davam porções sempre crescentes. Quanto mais arsénico comia aquele gato, mais engordava, mais forte se tornava. . Êsse, meus amados irmãos, é o poder que Jesus nos dá. É fortalecermo-nos com as angústias da terra. É po- der (alquímico) que faz com que nós transformemos os nos- sos sinais de menos, em sinais de mais; nossas lágrimas em pé- rolas, nossas derrotas em vitórias, nossas cruzes em púlpitos-

O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado e nos prontifica para tôda a boa obra, e esta salvação mara- vilhosa não é comprada, é dada. Como diz o genial Bispo de Hipona, nós não fomos ao caminho, é o caminho que veio para nós. Agora, como apropriarmos esta salvação? Crendo. E crer não é um assentimento intelectual. Crer é uma aposta no capitão de nossa salvação para o que der e para o que vier.

Nota:

Êste trabalho não foi lido, mas foi gravado. E é publi- cado como se conseguiu extrair.

A Bibliografia sobre que se recalca êste trabalho inclui, entre outros volumes, os seguintes:

Richardson: The Gospel and the Modern Thought.

Mc. Cartney: The Greatest Questions in the Bible.

Ingron: Under the Doom.

Pike: The Faith of the Church.

Pittenger: Christian Affirmations.

Pittenger: The Episcopal Way of Life.

Bede Frost: The Christian Misteries.

Jolivet: Compendio de Filosofia.

Pittenger: Theology and Reality.

Pittenger: Christ in the Haunted World.

Becthume Baker: The Faith of the Apostles Creed.

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IGREJA E A FAMÍLIA

Rev. Arthur Krat

/ Introdução

Bastante complexo e importante se nos afigura o tema que nos foi designado para abordar ao ensejo da realização deste magno congresso, grandiloqúente testemunho de em Deus e da vitalidade da Igreja a que pertencemos e buscamos servir. Complexo porque iremos tratar de um assunto que diz respeito à natureza humana e suas inter-relações pessoais, que se expressam na vida em família, (e todos sabemos da com- plexidade da personaldade humana em si e muito mais nas suas inter-relações de indivíduo para indivíduo) ; importante porque ninguém ignora o tremendo impacto que o espírito secularista e as forças desagregadoras da época vêm produzin- do sôbre a estabilidade da família em geral e, particularmen- te, da família cristã, procurando abalar-lhe os alicerces sôbre os quais repousam, em grande parte, as esperanças da tão necessária e urgente reforma moral da sociedade.

Partiremos do seguinte princípio: a família poderá atingir suas finalidades precípuas (que têm como um dos sub- produtos a conquista de um grau relativo de felicidade) me- diante o reconhecimento da soberania de Deus e consequente aceitação das responsabilidades morais dela decorrentes. Nesta altura, seria oportuno lembrar que não existem fórmulas má- gicas que solucionem, completa e definitivamente, todos os problemas com que se defronta a família cristã. Enquanto a criatura humana "viver na carne", nunca poderá alcançar a desejada perfeição nas suas ações, e muito principalmente quan- do se trata de relações com o seu próximo, como é o caso da vida em família.

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// A Situação Atitai

A família é a célula máter da sociedade. Eis um lugar- comum que, ao contrário de certos lugares-comuns, expressa uma realidade fundamental da experiência humana através dos séculos. De fato, desde eras remotas, a instituição da famí- lia vem sendo fator importante na preservação da ordem mo- ral e na estabilidade das coletiv dades. O vínculo matrimo- nial que une um homem e uma mulher, e que origem à família, fei instituído por Deus. O amor na sua mais alta expressão é o amor monogâmico. Embora existam, na maio- ria das pessoas casadas, por vezes, desejos poligâmic^s, o ver- dadeiro amor se traduz em monogamia, ou seja, na fidelidade recíproca dos cônjuges. Esta é a base da felicidade matri- monial-

0 cristão é, pois, uma pessoa que crê pertencer a mo- nogamia à ordem divina das coisas. E a história, "a mestra da vida", tem demonstrado que a decadência de uma civili- zação principia sempre com a decadência da fidelidade con- jugal e suas nefastas consequências na dissolução da vida fami- liar. A experiência humana veio, assim, confirmar a verdade biblica, neste como em tantos outros aspectos da vida do homem.

Todos sabemos que a situação atual da família quanto à sua estabilidade está longe de ser satisfatória. Vai se tor- nando mesmo alarmante. Não é necessário citarmos estatís- ticas para que nos apercebamos da realidade. O número alar- mante de desquites que se verificam em nossa pátria é, por si só, um exemplo do que afirmamos. Os alicerces da institui- ção divina da Família estão sendo abalados. Consideremos ago- ra algumas das causas desta situação:

1 A transformação social. Processa-se hoje em qua- se todo o mundo, e também no Brasil, uma profunda mu- dança na estrutura social. Refcrimo-nos ao movimento cres- cente de mudança das populações dos campos para as cida- des. Isto traz mudanças radicais nas ocupações, padrão de vida, recreação e na própria unidade da família. vinte ou trinta anos, quando a vida ainda era mais agrária e não havia ainda o tipo atual de vida agitada das grandes e dades, os mem- bros de uma família dependiam muito mais uns dos outros

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Trabalhavam juntos, divertiam-se juntos e adoravam a Deus juntos também. Tinham muito mais tempo de estarem jun- tos. Hoje, com o grande desenvolvimento urbano e indus- trial, observa-se em muitas famílias precisamente o contrário: seus membros trabalham separados, divertem-se separados e adoram a Deus separados (quando acham tempo para isto! . . . ). A luta titânica pela vida, a escassês crescente de tempo, a proliferação das atrações mundanas, são fatores que atraem os membros da família para fora do lar e, portanto, afrouxam os laços que os unem e fortalecem-

2 O declínio da religiosa e da lei moral. Vivemos em uma época na qual se verifica pronunciado declínio da religiosa em geral e de um dos seus sub-produtos, a lei mo- ral. Poder-se-ia obtemperar, nesta altura, que está havendo em várias partes do mundo um verdadeiro reavivamento religio- so, o que, evidentemente, é um fato auspicioso. Mas, as con- sequências do catecismo e do convencionalismo moral que ca- racterizaram a primeira metade deste século (em grande par- te devido às duas guerras mundiais) ainda se fazem sentir in- tensamente na sociedade dos nossos dias. Para muita gente ain- da hoje parece ser de "bom tom" não ser praticante de reli- gião alguma e não ser sujeito a qualquer espécie de lei moral, que lhe cerceie a liberdade individual. Não dúvida de que a estrutura e a dignidade da família estão sendo profundamen- te abaladas por esta concepção materialista da vida. A autori- dade dos pais, o respeito dos filhos, e os próprios vínculos espi- rituais que unem os membros da família, como o amor, o per- dão, a ajuda mútua e a comum, tendem a desaparecer paulatinamente sob a influência desta mentalidade secularista.

3 . A emancipação da mulher. Ao abordar êste assun- to talvez corramos o perigo de ferir susceptibilidades. Não so- mos dos que acham que a mulher deva viver confinada entre as paredes da casa. As contingências económicas de hoje for- çam-na, muitas vezes, a trabalhar fora do lar, o que é perfei- tamente plausível, e, mesmo, desempenhar um papel mais ati- vo na vida da comunidade, onde a contribuição feminina tem sido de inegável valor. Mas, por outro lado, prejudiciais têm sido os efeitos do abandono excessivo e desnecessário do lar, seja por amor à vida mundana, seja por demasiada ambição de

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ganho para despender em superficialidades e luxo. Para mui- tas esposas e mães de hoje, qualquer atividade fora do lar é considerada muito mais interessante e mais benéfica à socie- dade do que uma atividade caseira. É evidente o prejuízo que isto iraz a vida normal uo lar. tm resumo: não esqueçamos que vivemos em uma época de tremendas mudanças sociais. Os fundamentos da religião, da moral, das instituições polí- ticas e, mesmo, da própria noção da natureza do homem fo- ram sacudidos- Seria impossível que a instituição da família não fôsse afetada também. Suas consequências estão. Bus- quemos, pois, elementos para a leconstrução da família.

/// Elementos de Reconstrução

Admitindo que a situação atual da família vai se tor- nando alarmante, que pode ser feito para ajudar a sua recons- trução em bases mais sólidas?

1 O problema básico. Somos obrigados a reconhecer, de início, que o problema da reconstrução da família depen- de de outro problema que consideramos básico: a re-descoberta das noções fundamentais dos princípios da Religiã: Cristã Pode parecer exagero, mas a verdade é que, mesmo entre membros da Igreja, a ignorância religiosa ainda é grande. Não nos referimos tanto à ignorância de conhecimentos sobre a religião e a Igreja, mas à falta de uma verdadeira e clara noção básica a respeito de Deus e, principalmente, à falta de uma ver- dadeira experiência de vida em relação com Deus. É muito fá- cil se incidir no erro tão comum de íazer com que as pes- soas se interessem pela Igreja, pelo culto, pelos assuntos rela- tivos à educação religiosa, quando estas mesmas pessoas não possuam sequer noções elementares a respeito da natureza de Deus e nenhuma espécie de experiência religiosa. É quase cer- to que nossos esforços por interessar tais pessoas na Religião serão inúteis, pois lhes falta o lastro mínimo indispensável para que possam apreender o sentido do que pretendemos en- sinar. Como, por exemplo, se poderá fazer com que alguém goste de adorar a Deus na igreja, se esta pessoa duvida sèria- mente do fato de que Deus se tenha alguma vez revelado à humanidade? Concluímos, pois, que informação a respeito de Deus e da Igreja não podem, de modo algum, servir como subs-

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titutos da experiência da presença de Deus na vida do indi- viduo.

O remédio para certas situações deploráveis na família não consiste, portanto, em medidas superficiais, como, por exemplo: "leiam bons livros, divirtam-se juntos, sejam paci- ciii.es uns para com os outros, ide à Igreja juntos!" Quando uma família sofre de problemas sérios, de desajustes perma- nentes, é preciso pesquisar as causas primeiras, que residem, muitas vezes, em falsas noções sôbre a realidade e a natureza de Deus, a Fé, o Dever, a Responsabilidade e o Amor. De idéias erradas nascem atitudes erradas!

2 A reconstrução da Fé. Por reconstrução da entendemos a recuperação das noções básicas e reais sôbre Deus em relação com a nossa experiência humana, noções que, aliadas a uma genuína conversão religiosa, deverão transfor- mar, substancial e permanentemente, o modo de pensar e de agir dos integrantes de uma família, orientando-os rumo à harmonia e relativa felicidade.

Muitas vezes a ruína de um lar é causada por idéias e atitudes erradas de um ou mais dos seus membros em rela- ção a tudo o que é importante e fundamental na vida: Deus, o homem, a natureza do matrimónio e o sentido da existên- cia. Por exemplo: se um jovem par se casa pensando que o amor físico recíproco basta para lhes garantir a felicidade, é quase certo que, dentro de pouco tempo, sofrerão tremenda desilusão. Falta\ a-lhes a base espiritual do casamento: o ver- dadeiro amor que supera os aspectos meramente exteriores de uma personalidade. Em tais casos, é evidente que a instrução religiosa, conquanto útil, não pode substituir a conversão re- ligiosa. Só a experiência de uma conversão à Cristo! será ca- paz de transformar o modo de pensar e de agir dos cônjuges a ponto de imprimir um rumo ascensional às suas vidas e ao seu lar.

A reconstrução da família é, pois, a reconstrução da Fé, a re-conceituação correta dos valores da vida, fundamentada na conversão sincera e real a Jesus Cristo, o Senhor e Salvador. Compete à Igreja, a intérprete e mestra da verdade revelada, ajudar os casais a recuperar a em um Deus de amor que age sôbre o espírito humano e por cuja inspiração e graça

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tòdas as afeições humanas podem ser aprofundadas e todas as tribulações e problemas humanos podem ser superados.

Precisamos, pois, proporcionar aos casais os meios de que carecem para terem, mais que uma teórica e vaga em Deus, uma experiência real de Cristo, adquirida através das experiências, por vezes dolorosas, da vida diária: êstes meios a Igreja os possui: a Bíblia, os Sacramentos e a Vida na Co- munidade da própria Igreja. Resumindo: urge que haja uma recuperação da no Cristo vivo e eterno, na visão de cuja cruz se verá tôda a vida, inclusive a vida familiar, em uma nova perspectiva: a perspectiva do Amor que perdoa, salva e transforma vidas.

/V A Vida da Família Cristã

Entramos agora em uma parte mais prática do nosso assunto: a vida da família. Existe um êrro bastante comum quando se considera a vida da família cristã. Referimo-nos à idéia de que a religião seja uma coisa fcrmal, ligada exclu- sivamente a viua eclesiástica. Quando sc lala em "religião no lar", logo se pensa nos antigos costumes da oração familiar, da ação de graças antes das refeições, de quadros bíblicos, co- mo a Santa Ceia, pendendo das paredes, e assim por diante. Na verdade, tudo isto faz parte da vida religiosa da família, porém esta não se limita a tais exteroridades. Religião no lar é mais do que a conservação de tradições e pios costumes, muito mais que ccisas rotineiras. A vida da família deve ser per- meada pelo Espírito de Cristo em todos os seus aspectos, mes- mo naquêles que não são estritamente religiosos. Queremos dizer que em tôdas as atividades comuns de uma família, como no trabalho em comum, no divertimento em comum e na prática da adoração em comum, deve haver uma clara per- cepção de que Cristo reina soberanamente em cada coração e no lar. Cabem aqui algumas sugestões que julgamos Úteis para alcançar êste objetivo:

1 Trabalho em comum. muitas famílias que decobriram um novo interêsse pela vida no lar quando come- çaram a aproveitar as horas vagas para realizar algum tra- balho em conjunto, como, por exemplo, cultivar um horta ou jardim, fazer reparos na casa, como pinturas, etc. Isso, além

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de ter valer terapêutico, possui a virtude de servir como po- deroso vínculo de união entre os membros da família.

2. Adoração em comum. Não é possível se dispensar a antiga tradição do culto doméstico, embora reconheçamos que, na época atual, o problema "tempo" é, frequentemente, de difícil solução. Seja como fôr, quando interesse verda- deiro pela oração familiar, sempre será possível separar al- guns minutos diários para reunir a família para as suas devo- ções coletivas. Isto depende muito do senso de disciplina e ordem no lar, coisa que muitos acham fora de moda, mas que faz parte daquelas coisas básicas e permanentes sem as quais não podem subsistir as instituições, inclusive a da família.

3 Divertimento em comum. A tendência atual é a de cada um se divertir só. Sem que se pretenda privar ne- nhum membro da família de um grau razoável de liberdade individual, não seria demais sugerir alguma forma de diverti- mento em comum. Hoje muitas famílias possuem eletrola ou, pelo menos, um toca-discos. Que os pais procurem, pois, incu- tir nos filhos o bom gôsto musical, promovendo, de quando em vez, e especialmente nas grandes datas do Ano CrÍ6tão, pequenas audições familiares, nas quais se ouça a música dos grandes mestres! Além, das gravações da imortal música sa- cra de Bach, Palestrina, Haendel. Cesar Franck, Hindemith e outros, existem as soberbas páginas dos clássicos, como Be- ethoven, Mozart e Haydn, que também servem para lem- brar que "nem de pão vive o homem" e, desde tempos ime- moriais, o homem tem procurado expressar através da música, a aspiração inata pelo Infinito que existe dentro de cada um de nós.

Em um lar no qual a família consegue, pelo menos em parte, trabalhar, adorar e se divertir em comum, Deus não está longe. É um lar em que cada tristeza é aliviada pela fé, cada pecado pelo perdão, e cada mal pelo Amor que jamais falha.

V A Família, a Igreja e Deus

Dizíamos no começo dêste trabalho que não existem fórmulas mágicas que solucionem os problemas familiares Isto porque nas relações humanas não existem regras que se

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apliquem a tôdas as situações- Mas, somente os princípios de Cristo podem se considerar aplicáveis, de um modo geral, às circunstâncias variáveis da vida da família. Entre estes so- bressai-se a Regra de Ouro: "fazei aos outros aquilo que que- reis que eles vos façam", princípio positivo de ética cristã que consideramos fundamental nas relações humanas, mormente na v?d« da família. Quase todos os problemas internos da família provêm do egoismo, Sendo a Regra de Ouro de Je- sus precisamente o oposto do egoísmo, concluimos que sua aplicação perseverante na vida diária do lar viria contribuir poderosamente para, se não resolver, pelo menos reduzir gran- demente os atritos e as desuniões no seio de muitos lares. Mas, não será apenas pela simples aplicação de regras de conduta, por melhores que sejam, que se alcançará o objetivo da famí- lia. Estamos convenc;dos de que as melhores soluções para os problemas da família podem ser obtidas por aqueles que vivem na comunidade de Cristo, que é a Igreja. Sem a Igre- ja, isto é, sem se participar da vida da Igreja, não pode haver uma verdadeira compreensão do sentido da vida, e nem uma real experiência de Deus, porque a Igreja é a comunidade dos remidos por Jesus, o Redentor, a qual guarda e transmite a de geração em geração, e rcstemunho, pela experiência, do poder transformador de Cristo nas vidas dos que o seguem. Sem que a família procure integrar e participar da vida da Igreja, dificilmente haverá clima favorável no lar para a aplicação prática das regras e princípios éticos de Jesus, os quais, repetimos, quando levados a sério, podem transformar por completo a vida de cada um e a vida da família como um todo .

Religião no lar não basta, portanto. É necessário que a família viva integrada na comunhão da grande família de Deus, que é a Igreja. Para a concretização deste objetivo a Igreja proporciona oportunidades várias através de ofícios, reuniões e atividades que visam integrar cada vez mais a fa- mília na Igreja e, através desta, a integração da família em Cristo, o Cabeça da Igreja e Hóspede invisível de cada lar. Merece menção especial, nesta altura, a crescente aceitação que vem tendo o Ofício da Família como o pr ncipal culto dominical da paróquia, sem dúvida poderoso fator de união interna da família e desta com a Igreja e com Deus.

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V/ Conclusão

Toda a vida em comunidade é difícil, por certo, pois que envolve necessariamente alguns choques de personalidades. f. então que a Religião, uma vez que seja sincera, age como elemento normativo da vida familiar, permeando a atmosfera do lar e fazendo com que. pela graça divina, os problemas que surgem sejam resolvidos. Não nos iludamos, p:rém. A famí- lia da Igreja enfrenta os mesmos problemas que a família do mundo. A vida do lar requer paciência e disciplina, mansi- dão e firmeza, justiça, fidelidade, compreensão, e, sobretudo, amor. Não é possível a existência destas qualidades nos indi- víduos que compõem uma família, a menos que haja, da par- te de cada um, sincero e constante esforço no sentido de pôr em prática, na vida diária, os princípios do Evangelho de Cristo, consubstanciados na Regra Áurea: "Fazei aos outros aquilo que quereis que êles vos façam". Não hesitamos tam- bém em afirmar que será extremamente difícil, senão im- possível atingir êste desiderato sem que a família se integre na Igreja, canal através de que flúi o manacial inesgotável do Amor e da Graça de Deus, que santificarão e abençoarão o lar dos seus filhos.

Finalmente, parafraseando o Apóstolo, concluímos di- zendo que a Família Cristã é aquela que tem consciência e experiência de que, nem a morte, nem a vida, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem coisa alguma, em qualquer circunstância, a podem separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.

Não poderíamtos finalizar êste modesto trabalho sem transcrever as resoluções da Conferência dos Bispos Angli- canos em Lambeth (1958) sobre a Família Cristã :

"A Conferência recomenda, como subsídio ao ensino re- ferente ao casamento e à vida no lar, as seguintes características da família cristã. Tal família:

1 Procura viver consoante o ensino e o exemplo de Jesus Cristo.

2 Participa da adoração a Deus Onipotentc, aos do- mingos, na Igreja.

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3 . Participa da oração em comum, da leitura bíblica

e da bênção às refeições.

4 Cultiva o espírito de perdão e de responsabilidade de uns para com os outros.

5 Une-se em tarefas e diversões em comum.

6 Usa responsavelmente suas habilitações, tempo e posses dentro da sociedade.

7 Pratica a hospitalidade e a boa vizinhança-

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A IGREJA E O CIDADÃO

Dr. João Del Nerp

A matéria, objeto de nosso tema "A Igreja e o Ci- dadão" — poderia, em parte, compreender outra questão: "Pode a Igreja ser neutra em face dos problemas sociais?"

Obscrve-se, de início, que era comum, pelo menos en- tre os protestantes radicais, ouvir-se a afirmativa de que a Igreja nada tem que ver com política. Ela lhe é indiferente, pois seus campos de ação se situam em poios opostas: o do natural e o do sobrenatural.

Afirmavam mesmo os mais radicais que um cristão evan- gélico não deve entrar em política para não se "corromper".

Êsse conceito individualista ou mesmo egoístico da vir- tude cristã subestima a resistência da verdadeira virtude, pois admite implicitamente que, ao embate da corrupção, ela é vencida peio mal.

Êsse "isolacionismo" moral, por outro lado, impede no seu egoísmo que haja uma influência cristã na política, influência que, embora possa ser imperfeita, é preferível a deixar a política entregue apenas às forças do mal e inspira- da no maquiavelismo.

/ Não neutralidade em face dp mal

Além disso, esquece-se de que não "neutralidade" em face das injustiças ou em face do crime. Aquêle que fôr neu- tro no conflito tremendo que se trava, hoje em dia, em fa- vor da justiça e da maior igualdade estará favorecendo o sta- hi-quo.

Afirmam aquêles adeptos radicais da neutralidade que as Igrejas Ortodoxa e Católica-Romana se corromperam, por entrarem em política, o que em parte é verdade. É que, em- bora essas Igrejas tenham razão, ao afirmarem que a religião

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cristã não é "questão privada" e deve influenciar todas as es- feras da vida, na prática aplicaram mal aquele princípio, ten- tando "dirigir" todas as esferas da vida o que é erróneo.

Mas aquela posição protestante também incidiu em er- ro, pois a "neutralidade" favoreceu embora não fôsse a causa do capitalismo o surto de uma civilização que, não obstante alguns valores materiais apreciáveis, encerra injus- tiças tremendas.

Embora seja exagerada a tese de que o calvinismo pro- duziu o capitalismo como demonstrou Tawney deve-se reconhecer que a èle se adaptou, chegando até a sancionar o ideal do lucro e a considerar a riqueza material como um sinal "exterior" da graça divina. Daí o prestíg o da riqueza e desprezo pela pobreza na civil:zação puritam diz Reinhold Niebuhr. (1) Aliás, esse influente teólogo afirma que o "sen- timentalismo" do Cristianismo social teve, pelo menos, o mé- rito de livrar o Protestantismo dos erros de um legalismo in- dividualista rigoroso. (2)

Mas é falsa a separação entre o "espiritual" e o mate- rial. Um não se opõe ao outro. O antigo dualismo cartesiano de "alma" e corpo, "espirito" e matéria, é filosofia ultrapas- sada e não pode ser aceita pela Igreja, em face da Encar- nação.

Um problema político ou social não interessa apenas ao "material", ao natural. Interessa, profundamente, ao "espiri- tual". Ninguém poderá pretender que a promiscuidade de um cortiço não prejudique, ou impeça, o cultivo de princípios morais. Por outro lado, num regime totalitário, é mais difí- cil praticar os princípios cristãos. Ainda que esses Estados permitam a prática do culto e de atos "devocionais", não se pode, por isso, concluir que não exista conflito entre êles e o cristianismo autêntico. É que o cristianismo é integral não oposição entre cristianismo individual e cristianismo social. Logo, conflito entre aquele e qualquer concepção totalitária da vida.

Ilustração viva do que vimos afirmando, quanto à ne- cessidade de princípios sociais cristãos, se encontra na atitu- de da Igreja Luterana. É sabido que Lutero afirmava que a Igreja não deve ocupar-se com "questões terrestres". Deve ela, conforme afirmou Ihmels, representante luterano na Con-

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ferência Ecuménica de Stockolmo, "orientar as almas para o céu, sem procurar agir diretamente sobre as questões ter- restres".

Ora, ainda que seja exagerada a afirmativa de que o luteranismo foi a causa do nazismo, é forçoso reconhecer que a "neutralidade" da Igreja Luterana auxiliou o surto dêsse regime

Niemoeller reconheceu que "a Igreja aprendeu agora que ela tem uma responsabilidade pela vida pública, responsabili- dade que não sentia antes. Foi devido à sua cegueira (e outras razões; que a Igreja não teve, como ihe cumpria, voz tirme e clara. E que a Igreja via para que destino Hitler estava con- duzindo a nação alemã, mas permaneceu calada porque jul- gou que não era sua missão intremeter-se em política o que foi êrro funesto". "Mas concluiu êle "isso não acontecerá novamente". (3)

// Não intervenção mas pregação de princípios

É dever da Igreja apresentar ao cidadão princípios cris- tãos aplicáveis às questões sociais e políticas, embora não devam elas intervir, nem indiretamente, na política. Confor- me demonstra o eminente teólogo John Bennett, "a responsabi- lidade do cidadão cristão é, fundamentalmente, a extensão do amor cristão aos aspectos da vida pública que afetam para o bem ou o mal, o bem-comum do semelhante." (4)

Para a Igreja, o cidadão não é apenas o indivíduo da tradição helénica, ou o civis do Direito Romano, isto é, o "homem dotado de direitos" outorgados pelo Estado. Para o Cristianismo, o cidadão é uma pessoa de valor intrínseco e que tem um dever, ou missão, ordenada por Deus ( 5 ) .

Ao con:rário do indivíduo, pessoa é categoria espiritual e religiosa (6).

O personalsmo da filosofia cristã, portanto, evita os escolhos do individualismo e do coletivismo, pois para êle não é supremo o indivíduo, categoria natural e biológica, nem a rociedade que existe para o homem mas a pessoa, cate- goria espiritual e religiosa, cuja conceituação se deve aos San- tos Padres da Igreja, participantes do Concílio de Nicéia, con-

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forme demonstra o eminente pensador calvinista Denis de Rou- gemont (7).

Êsse princípio quanto a não intervenção da Igreja nas questões sociais e políticas, não é aceito, pacificamente, pelos pensadores católicos-romanos. A diferença de orientação, porém, é devida ao fato de serem diferentes o conceito cató- lico-romano e o reformado inclusive o anglicano sobre a Igreja.

Se a Igreja se confude com o Reino de Deus, embora não completo e acabado (8), pode ela, em certas circunstân- cias, (9) interferir em questões sociais e políticas, e não ape- nas através de princípios ou de cidadãos cristãos.

Procurando intervir diretamente em questões políticas, a Igreja pretenderá estar cristianizando a ordem social, quando pode o que aconteceu na Idade Média estar sancionando os sistemas dominantes. É verdade que uma corrente cató- lica-rcmana mais liberal, que é contrária ao clericalismo, à teocracia e que prega apenas uma intervenção indireta. Dessa corrente, um dos corifeus é o influente pensador Jacques Maritain-

Entretanto, embora reconheça êle que o Estado cristão não é o Estado clerical (10) nem o Estado formalmente cris- tão (11), ou farisàicamente cristão (12) ou "defensor da religião" (13) e afirme que a civilização norte americana "pode vir a ser um solo particularmente propício para o de- senvolvimento de uma nova Cristandade (14) considera válido o "poder de a Igreja intervir na vidai temporal em ra- zão da subordinação do temporal ao espiritual" (15). Na prá- tica, portanto, em que pesem sua largueza e idealismo cris- tão, sua posição pode degenerar em interferência "pura e ine- quívoca", no dizer do insuspeito Otávio de Faria (16).

A tese intervencionista, mesmo a da intervenção indi- reta — confunde a Igreja com o poder espiritual, ou mesmo com o Reino de Deus o que é êrro, pois nenhuma das confissões cristãs pode inculcar-se a representante do poder espiritual.

IH Humildade primeiro passo para a solução da crise

Poderia parecer, à primeira vista, que a humildade ne- nhuma relação tem com a questão social, cuja solução sem-

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pre está associada a processos radicais, quando não revolucio- nários, de transformação dos sistemas económicos e políticos.

Mas, para os cristãos, que reconhecem haver injustiças no sistema vigente, não motivos para orgulho pelo fato de ser a questão social fruto do pecado. É que eles, também, da mesma forma como os não cristãos, são responsáveis pela ordem social pagã e desumanizada. Daí o acerto do grande pensador cristão Berdiaef na afirmativa de que o pri- meiro passo para a solução da crise contemporânea é o ar- rependimento, da parte dos cristãos.

Tôdas as comunhões cristãs têm seus "pecados históri- cos". Tôdas deixaram de pôr em prática, plenamente, os ideais de Cristo. Muitas vezes permitiram que o Eterno se cristalizasse em formas particulares e transitórias das civili- zações, em que Aquele se encarnou.

Sua atitude, por outro lado, foi tímida e vacilante em face dos sucessos apocalípticos das forças do mal na época moderna, para não se falar em injustiças por elas cometidas, acomodando-se a padrões do mundo, e o que é pior cobrindo-os com o manto do sagrado. Em muitos casos, as Igrejas estão mais condicionadas às categorias sociais e socio- lógicas do que ao Espírito Santo, mas o pior pecado é não se reconhecer esse fato, pretendendo inculcar-se o relativo como se fôsse o absoluto.

A santificação do que é relativo, passageiro, ou menos injusto, tem sido, em geral, o pecado de tôdas as comunhões cristãs.

O amor tem sido pregado nas Igrejas, mas talvez nelas mesmas haveria surpresa se fôsse pregado como algo que de- ve inspirar tôdas as relações sociais, não como um sentimento mas como algo que se reflita em atitudes concretas e que transforme as condições económicas e sociais. O amor cris- tão não é sentimentalismo; deve êle expressar-se em fatos, nas relações diárias

Mas outro motivo de humildade para os cristãos- É ver que muitas vezes foram eles, ao invés de inspiradores do progresso moral da humanidade, verdadeiros "obstáculos no caminho do Cristianismo" (Berdiaef). Sem invocar exemplos dramáticos desta afirmativa, como a inquisição, a intolerân-

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cia religiosa, poderia ela ser comprovada com exemplos de cristãos de escol, pelos quais se verifica que até expoentes do Cristianismo organizado foram sujeitos a limitações, embora neutros setores da vida moral fossem admiráveis. Daí ser par- cialmente verdadeira a tese de que basta converter o homem para se conseguir a reforma da sociedade. Homens transfor- mados nem sempre se elevam, em tôdos os setores da vida social, acima do meio em que vivem. É necessário reformar, também, os sistemas sociais e económicos. Basta ressaltar que Wilberforce, não obstante sua visão quanto ao problema da escravatura, foi contrário às reivindicações dos operários, afir- mando que êles se preocupavam demasiado com "questões ma- teriais" e não compreendiam que sua pobreza poderia salvá- los de tentações que lhes poriam em perigo a salvação eter- na (18).

Embora o Cristianismo não possa ser responsabilizado pe- la indignidade dos cristãos, têm êles muitos motivos para se- rem humildes. Se, em nome do Cristianismo, podem julgar o "mundo", devem sempre lembrar-se de que o "julgamento" também os atinge. Daí ser confortador o fato de que a Con- ferência Ecuménica de Amsterdão, embora concluísse ser ne- cessário divergir, por meio de princípios, do comunismo, ne- le, viu, humildemente, a "mão de Deus", e "reação contra uma sociedade que se considera cristã, não obstante seus er- ros", reconhecendo, outrosim, a responsabilidade das Igrejas pelo surto de um regime que, para a mocidade "preencheu um vácuo moral e espiritual".

ÍV Formação de homens

A função precípua da Igreja não é a de formular pro- gramas casuísticos de ação social. O Cristianismo não pode apresentar uma solução específica para cada problema social, porque, se os princípios fossem aplicados à sociedade, a ques- tão social não seria solucionada; seria abolida".

A maior tarefa da Igreja, portanto, é a de apresentar ao cidadão os princípios do Cristianismo, que se aplicam aos indivíduos e à sociedade. Por outro lado, deve ela dar-lhes o dinamismo religioso que torne possível essa aplicação. Em su- ma: a tarefa primordial da Igreja é a de forjar os formadores da Nova Cristandade

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Deve a Igreja apresentar princípios por meio dcs quais o cidadão possa ter uma atitude concreta, definida, em face dos problemas políticos, ou mesmo diante da necessidade de exercer o direito de voto.

Não deve ela permitir que o cidadão, partindo da pre- missa de que todos são maus, faça sua escolha por critérios não cristãos.

sistemas, partidos, homens públicos, que se afastam menos da Regra Áurea. Aliás, mesmo no sentido individual, não cristãos perfeitos.

A objeção de que todos os sistemas têm defeitos não au- toriza a conclusão de que nenhum deles é cristão, num sen- tido derivado, como se usa para os indivíduos. Aquela obje- ção levaria à conclusão de que não existem indivíduos cris- tãos. .

Ora, êsse critério habilita o cidadão a escolher entre os Lstauos Totalitários e a Democracia, entre sistemas políticos maquiavélicos e outros que, embora com defeitos, se afastam menos dos princípios cristãos. Aliás, na política não se pode procurar a perfeição. Apenas se pode pretender um bem re- lativo, que, frequentes vezes, se confunde com o menor de dois males.

A Igreja demonstrou através dos séculos que esses prin- cípios representam uma realidade para o indivíduo; são expe- rimentais; qualquer pessoa que os puser em prática, no labo- ratório da vida, encontrará paz interior, integração da perso- nalidade e terá uma existência mais abundante- Essa verdade, pregada pelo Cristianismo, está hoje sendo corroborada pela psicologia, conforme demonstram Jung, Pfister e Link.

V Pregação de princípios: Cristianismo integral

É necessário, porém, que a Igreja demonstre, hoje em dia, que os princípios do Cristianismo são, também, realidade experimental para os problemas que assoberbam a sociedade contemporânea. Não cogitar, porém, de Cristianismo in- dividual ou Cristianismo social. O Cristianismo apresentado pela Igreja deve ser integral deve incluir ambos os aspec- tos. Transformar a sociedade sem transformar o homem não

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passa de utopia marxista. Desvia-se a corrente do mal, mas a sua fonte, que é o coração do homem, continua intacta O mal pode expressar-se ,embora em formas diferentes, nu- ma sociedade socialista. Verdade tragicamente ilustrada em nossos dias. "Supor-se que um poder irresponsável" afir- ma Bertrand Russel, socialista que não é cristão "só por- que é chamado socialista ou comunista. se livrará miracu- losamente das más qualidades de todo poder arbitrário do passado, não passa de ingénua psicologia infantil, para a qual "o mau príncipe é substituído pelo bom príncipe e tudo aca- ba bem" (19). Afirmar, porém, que a transformação moral do indivíduo trará, necessariamente, a transformação da so- ciedade, é "meia verdade". A experiência demonstra que os indivíduos transformados nem sempre se elevam, em todas as esferas da vida, acima do padrão de valores dominantes em seu meio. Além do exemplo citado, de Wilberforce, se po- deriam invocar outros bastante eloquentes e atuais.

Ao lado da transformação do indivíduo que é fun- damental — se devem atacar os males da sociedade. É que, assim como males do indivíduo que provêm do pecado, males sociais cuja raiz está no pecado social e devem scr atacados. Tratar todos os males sociais como se representas- sem apenas o pecado do indivíduo, seria o mesmo que tratar um doente mental como se sua doença fôsse resultado de uma ação pecaminosa. A verdade plena da filosofia social cristã, portanto, é transformar o indivíduo e transformar a socie- dade. Ao lado do combate ao mal arraigado no coração do homem, se deve dirigir um ataque em larga escala ao mal ar- raigado nos sistemas e instituições sociais. Mas a Igreja não deverá fazer êsse ataque direta, ou mesmo indiretamente, e, sim, através de cidadãos, isto é, através de "forjadores da No- va Cristandade". A principal tarefa da Igreja, no terreno so- cial, é a de modificar a mentalidade dos cidadãos, a respeito dos problemas sociais, denunciando as injustiças e absurdos dos sistemas baseados no ódio e na competição egoística, e en- sinando-os a aferir os sistemas, não pelos "resultados'' econó- micos, mas pelos seus resultados morais e espirituais. Por ês- te critério, o comunismo e o capitalismo são aspectos diver- sos do mesmo materialismo do homem moderno. Deve a

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Igreja, portanto, apresentar um conceito integral do Cristia- nismo, em que os cidadãos, que sofreram uma transforma- ção moral, se considerem soldados na luta contra os males e injustiças sociais. Não basta que a Igreja produza bons cida- dãos, tomada a expressão no sentido romano, isto é, indiví- duos que obedeçam às leis e tenham a moralidade do meio ambiente. "Os fariseus fazem o mesmo" . . É preciso que o cidadão cristão, que é uma pessoa tenha, afora o com- portamento cívico e moral exemplares, preocupação com o bem-comum, isto é, deve ele sentir-se responsável pelos as- pectos da vida social que interessem o seu semelhante, que é seu irmão. O problema não é de caridade; é de justiça, que, aliás, na lição do apóstolo São Paulo, é a caridade em sua plenitude. A justiça do cristão, portanto, deve exceder à do burguês. A sua moral não é aferida apenas pelos atos que o prejudiquem: embriaguez, luxúria, desonestidade, mas, tam- bém, por aqueles que prejudicam o semelhante e o bem-co- mum. O orgulho racial, a injustiça social, a intolerância, são, também, pecados, segundo o critério não individualista do Cristianismo integral. Uma das grandes tarefas da Igreja se- rá a de mudar a mentalidade dos membros mais privilegia- dos da sociedade. Para eles é quase impossível verem os er- ros de sua classe ou de seu meio. Em geral, sua filosofia so- cial " coincide" com seus interesses. "Se as Igrejas" diz Bennett "conseguirem que grande número de seus mem- bros compreendam a racionalização pelas quais defendem seus privilégios, de modo que possam compreender em que grau suas opiniões filosóficas e sociais, e pendores políticos, são mol- dados por um mesquinho interesse de classe; se êles se acostu- marem a pôr à prova todas as opiniões que colidam com o seu interesse; se as Igrejas tentarem sèriamente esses empreendi- mentos, terão progredido bastante no preparo do caminho de uma transformação social pacífica" (20).

V/ Ação positiva contra os males sociais

Na sua missão social, deve a Igreja incluir uma açãp

positiva através do cidadão contra os males sociais. Reco- nhece-se que, em geral, a tarefa de promover a ação social,

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isto é, o bem-comum dos homens, cabe ao Estado. Em cer- tos problemas, porém, devido à sua influência internacional e interracial e ao seu dinamismo religioso, deve ela ocupar a vanguarda, a fim de descobrir o inimigo, embora caiba, na maioria das vêzcs, ao Estado, como se verificou com o problema da escravidão, a tarefa de desalojá-lo.

No terreno económico, deveria ela pregar princípios de cooperação e mesmo estimular as sociedades cooperativas, até que, pela interferência do Estado, se conseguisse a transfor- mação dos sistemas económicos dcsumancs e anticristãos da sociedade atual. Nos Estados Unidos, católicos-romanos, pro- testantes e judeus prestigiam as cooperativas. Em 1937, o Conselho Federal das Igrejas organizou uma comissão encar regada de estudar o problema "A Igreja e as Cooperativas" (21). Deve ela, por outro lado, atacar corajosamente as dis- tinções raciais, ainda que provenham do próprio Estado. Com esta ação positiva contra os males sociais, conquistará influên- cia perante o homem moderno, que espera ponha em prática o que prega. Desiludida de paliativos e utopias, a humanidade espera que a Igreja não seja, na imagem de Shepherd, angli- cano, "uma ambulância a recolher, na retaguarda, os feridos e derrotados da ordem social", mas que ela, desassombrada mente, tome a vanguarda na guerra sem quartel aos inimigos do homem. Não foi a defesa apologética dos princípios do Cristianismo que atraiu a simpatia e o respeito de Einstein, mas a nobre resistência da Igreja Confessional Alemã às rei- vindicações exageradas do Estado Totalitário, quando as uni versidades e os centros culturais cederam diante da ditadura, que lhe grangeou conforme êle mesmo disse, "ilimitada admi ração pelo Cristianismo" (22). Através de homens, portanto, deve a Igreja colimar à formação de uma "sociedade respon sável para usar a terminologia inculcada pelas Conferências de Amsterdão (1948) e Evanston (1954) a qual, no con- ceito ecuménico, segundo ensina Bennett. a que ên- fase a três responsabilidades: a responsabilidade da comuni- dade como um todo de Deus; responsabilidade do cidadão pe la Justiça e pela ordem pública e responsabilidade daqueles que exercem poder sôbre as pessoas cujas vidas são por cies influenciadas" (23) .

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VII Cristianismo integral pressupõe união dos cristãos

O Cristianismo integral, leva, necessariamente abs- traidas as especulações teológicas ao ecumenismo. É que se o Cristianismo é apenas individual; se visa somente a pre- parar almas para o céu, sem se preocupar com o cidadão, is- to é, com seus problemas materiais e terrenos, realmente a discussão sôbre a unidade das igrejas é acadêm ca. Mesmo de- sunidas, podem elas realizar aquela tarefa, embora limitada- mente. Se, porém, o Cristianismo é para o homem todo, e, portanto, também para o cidadão, isto é, para todas as esfe- ras da vida, não religiosa, como social, moral e económi- ca, é evidente que esse Cristianismo integral pressupõe, para ser apresentado, uma Igreja una. Como pregar a união, a co- operação de classes e das nações, o amor, se os próprios cris- tãos entram em conflito por motivo de diferenças teológi- cas? A "divisão" dos cristãos não é um desmentido à "pre- gação"? Pregação não é apenas informação: é também e principalmente demonstração de homens transformados e das próprias estruturas eclesiásticas.

Trasladado, pois, o problema para o âmbito social, o ecumenismo, longe de representar empobrecimento do Cris- tianismo, ou mesmo da Reforma, representa, ao contrário, o único meio de ser aquele mais plenamente pregado e exem- plificado numa era em que, ma:s do que em outras, a desu- nião dos cristãos é mal tremendo, ou mesmo "pecado" como re- conheceram as Conferências Ecuménicas.

Segundo o eminente sociólogo Karl Mannheim, em pre- leção feita a teólogos sob a presidência do Arcebispo Tem- ple, o Cristianismo precisa voltar a assumir, na época moder- na, uma posição de liderança (não de "domínio"). Para isso, demonstra êle, o Catolicismo-Romano tem a vantagem de não ser individualista, e estar mais acostumado a encarar as ins- tituições sociais como um todo, segundo as funções que reali- zam na sociedade. Por outro lado, diz êle, o Protestantismo tem a vantagem de conservar o espírito crítico e o espírito de liberdade, de responsabilidade e cooperação "antíteses de tôdas as formas de autoritarismo e centralização". Num

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"planejamento para a liberdade", portanto, seria necessário um Cristianismo que incluísse o "institucionalismo" do Catoli- cismo-Romano ou seu caráter orgânico e o espírito de crítica e de liberdade do Protestantismo (24). Cumpre ob- servar que esse ideal, pelo menos em princípio, conforme demonstra o eminente teólogo protestante Paul Tillich, se encontra na posição da Igreja Episcopal (25): católica e re- formada. Entretanto, seria erróneo desejar a união dos cris- tãos somente por motivos políticos, como defesa contra o co- munismo ou mesmo contra o materialismo. Seria isto colocar o efeito antes da causa, pois a crise social e a ameaça que pe- sa contra a civilização cristã provêm principalmente da pró- pria divisão dos cristãos e de haverem eles negado, na práti- ca ,os ideais do Cristianismo, embora louvando-o com os lá- bios. Somente um aprofundamento espiritual uma "volta ao Cristo" poderá assegurar a tão anelada união que, para o ecumenismo, não significa absorção de nenhuma comunhão crista. Não será um amálgama, um cosmopolitismo religioso, mas um supra-confessionalismo, um enriquecimento espiritual. Sem entrarmos no problema da união orgânica das igrejas cristãs, cumpre frisar que elas devem procurar pôr em prá- tica, em todas as esferas da vida, um Cristianismo integral, uno e dinâmico. E é neste plano que se darão as mãos, fra- ternalmente, todos os cristãos não obstante suas divergências no terreno doutrinário, a fim de que seja feita, na terra, a von- tade do Pai e se cumpra a prece do Divino Mestre: "para que todos sejam um; para que o mundo creia". Partindo do pres- suposto de que a unidade é uma realidade, os cristãos veri- ficarão que as verdadeiras causas da desunião não residem principalmente naquelas divergências e esta é a grande contribuição do ecumenismo para a nossa época. Essa unida- de trará objetivo que parece impossível aos homens, mas é possível a Deus união, embora seja impossível saber qual a forma por que ela se expressará e quando será realizada ple- namente. Não obstante, é possível afirmar que essa união ten- derá a expressar-se em formas concretas, em novas estrutu- ras eclesiásticas e incluirá elementos católicos e princípios bá- sicos da Reforma, evitando-se os dois extremos: o divisionis- mo do Protestantismo radical c a unidade sem liberdade do Catolicismo-Romano.

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"O Século XX será o século da Igreja" vaticina o famoso bispo Dibellius. Não sabemos se, em nossa era, se cum- prirá êsse vaticínio, pois não depende apenas dos homens, hi- pótese em que seria utopia. Mas podemos afirmar que a espe- rança de união da cristandade se realizará, não quando a Igre- ja abandonar princípios básicos da Reforma, porém, ao con- trário, quando os aplicar, com mais humildade e coerência, não à vida religiosa, no sentido individualista, como, tam- bém, às questões sociais e morais. E que o ideal de união dos cristãos o ecumenismo representa, em última análise, apenas uma aplicação, às necessidades do mundo atual, do espírito da Reforma, que é eterno e não se confunde com suas formas históricas. Ao invés de dirigir a ordem social, ou de abandoná-la às forças do mal, contentando-sc com o "interior", ou o "espiritual", deve a Igreja cristianizá-lp. Na síntese de Vinet, "transformar todo homem e transformar todo o homem" eis a tarefa da Igreja em face do cidadão.

Num mundo cujos fundamentos morais se desmantelam e diante do Estado materializado, da idolatria da riqueza, da degradação do homem, deve a Igreja pregar ao cidadão moder- no uma nova cruzada a do estabelecimento da cooperação fraternal e da paz entre as nações e entre os indivíduos.

Vêm a talho, em remate, as palavras de Berdiaef (26) n "profeta da Idade Nova" e de uma nova expressão do Cris- tianismo: "O Cristianismo entra numa fase completamente nova; para o futuro será impossível viver uma exterior, li-

mitar-se a uma devoção ritual. Os cristãos devem levar a sé- rio a realização do Cristianismo em todas as esferas da vida. O Cristianismo exterior, falsamente retórico, simulado, não pode mais subsistir. Sua era passou. Chegaram os tempos em que os cristãos precisam deixar de ser obstáculos no caminho do Cristianismo. A indignidade dos cristãos foi a causa do abandono do Cristo pelo homem moderno- Assim, o renasci- mento cristão será, acima de tudo, uma volta ao Cristo e à Sua Verdade, livres de tôdas as deformações e adaptações humanas".

Eis o que deve a Igreja fazer, para que possa falar cm cidadão moderno.

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BIBLIOGRAFIA

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23) The Christian as Citizen pg. 5 8.

24) Diagnosis of Our Time N. York, 1944 pgs. 109 e seguintes.

25) Theology of Culture N. York, 19 59 pg. 169.

26) Christianisme et Kéalité Sociale Paris, 1934 pgs. 252-253.

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A TAREFA DOS LEIGOS

Dr. Samuel Duval da Silva

A tarefa dos leigos pode resumir-se a duas palavras Lealdade e Vida.

Quando de nossa apresentação à Igreja, em que fomos incorporados ao Seu corpo místico, o Ministro pronunciou palavras sacramentais, que nunca deveremos esquecer: "... e o assinalamos com o emblema da Cruz, em garantia de que, de hoje em diante, se não envergonhará de confessar a no Cristo crucificado, de pelejar com valor, sob sua bandeira, contra o pecado, o mundo e o mal: e de continuar fiel sol- dado e servo de Cristo até o fim de sua vida".

Sim, cada membro da Igreja tem o dever sagrado de cumprir os votos assumidos em seu Batismo e ratificados, posterior e espontaneamente, na Confirmação.

Ser membro da Igreja não significa, apenas, adorar e dar testemunho, encerra, igualmente, um sentido de responsa- bilidade pelo trabalho da Igreja responsabilidade da qual não é possível fugir

Aos leigos cabe, em última palavra, levar a Igreja avan- te. Sem essa contribuição decisiva, não haverá progresso subs- tancial.

Não são os ministros, em muitos sentidos, que fazem a Igreja mas sim os leigos. Aqueles se contam às centenas e êstes aos milhões.

Uma Igreja, pois, será o que fôrem os seus leigos.

Se o ministro é um leigo ordenado especializado nu- ma tarefa específica isto não significa esteja êle desti- nado a trabalhar em lugar dos que não foram ordenados. Sua tarefa é auxiliá-los em suas vidas espirituais, relembrando-os da responsabilidade no trabalho, encorajando-os a persevera- rem nele.

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E a un.dade dos fiéis não deve nem pode deter-se entre os leigos, que de igual valia é o "vaso escolhido", sejam leigos homens, senhoras, jovens ou crianças. Mas a unidade dos fiéis ultrapassa a nave e se estende ao presbitério, isto é: mi- nistros e leigos se confundem, integrados no mesmo tipo de cristãos, apenas diferindo em suas funções.

Haverá uma revolução na vida da Igreja no dia em que esta verdade fôr redescoberta e aplicada.

Se a Igreja é, em grande parte, função do laicato, faz- se mistér reconhecer o axioma: onde a Igreja estiver falhando os leigos estarão, tremendamente, comprometidos.

Entre o laicato é costume pensar-se na Igreja em ter- mos de comissões, sociedades e congregações, atribuindo a um ou vários grupos deficiências e falhas que residem, mais pre- cisamente, no próprio indivíduo. é por demais chegado o tempo em que o leigo deva abandonar a cadeira do juiz e repetir, convicto, "mea culpa".

A filosofia do laicato deve ser a de integrar-se na Igre- ja, mantê-la e desenvolvê-la.

A Bíblia, referindo-se aos fiéis como o "povo escolhido", "santos", "povo de Deus", "embaixadores", "ministros da reconciliação", etc. está confirmando ser impossível à Igre- ja cumprir sua tarefa neste mundo sem que os leigos este- jam apercebidos de sua inteira responsabilidade-

Conceitos e costumes arraigados têm feito com que os leigos se atenham a simples trabalhos auxiliares na admi- nistração da Igreja, enquanto ignoram ou abrem mão das prer- rogativas dum ministério muito mais completo.

"Serme-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como até os confins da terra".

"Procurai com zêlo os melhores dons."

"Somos embaixadores de Cristo, como se Deus rogas- se... "

um fundamento teológico do ministério leigo, per- meando tôda a Bíblia.

Em meio de um mundo crescentemente hostil, tanto o clero como o laicato devem estar apercebidos do "ministério da reconciliação".

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Estar com Cristo e levá-lo aos outros deve ser uma evi- dência mais marcada em nossas vidas de cristãos. Somos to- dos instrumentos humanos, através dos quais opera o Espí- rito Santo. A verdade e o poder salvador do Evangelho não redimirão a sociedade enquanto não revelarmos esse fato pe- lo nosso testemunho.

Destacado o grande valor do espirito missionário, a ta- refa dos leigos deve estender-se ao mais amplo sentido da vida cristã, ressaltando-se, particularmente, nos aspectos económi- co, administrativo e religioso.

Nos dias difíceis por que atravessamos, a Igreja se res- sente da cooperação financeira de seus filhos.

Qualquer empreendimento, ainda que modesto, requer fundamentação pecuniária. Não se pode pensar em avanço sem despesas. Mais ainda o próprio sustento do trabalho existente se torna, cada vez mais, custoso

Sentem, com particularidade, a angustiante situação as paróquias independentes, pois as consequências recaem, em Mia inteiriza, sobre seus próprios ombros

A desvalorização continuada do cruzeiro obriga a revi- sões periódicas do orçamento anual o que, nem sempre, é possível fazer

A contribuição dos leigos e ministros se torna indispen- sável e isso acarreta uma sobrecarga nas finanças, desequi- libradas, de cada contribuinte

Numa semelhante contingência, a elevação das contri- buições se faz com sacrifício, de variados graus, dependendo do padrão de vida de cada um.

Mas o povo fiel deve sentir um dever e privilégio con- tribuir de modo sacrificial, planificado e sistemático para o sustento da Igreja. Faz-se mistér exaltar a necessidade dessa participação de modo mais decisivo e eficiente.

Um dos grandes entraves à consecução dêsse fim é o de que muitos não contribuem ou o fazem fracamente enquanto pequeno grupo é onerosamente sobrecarregado. Ocorre citar, como solução justa e definitiva do problema, o repisado te- ma do dízimo.

Não tem êste recebido a aceitação que devia por uma série de razões, entre as quais se pode citar a falta de exemplo da parte de muitos líderes, clérigos e leigos, o não reconheci-

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mento de sua inadiável aplicação, a ausência de disposição de querer sustentar a Igreja com "suor e sangue", tudo decor- rendo, em grande parte, do auxílio que nos tem vindo, gene- rosamente, da Igreja-Mãe e que, cobrindo nossa enorme defi- ciência, não nos tem feito sentir, na própria carne, as conse- quências da incapacidade, ao mesmol tempo em que estiola o espírito de contnouir com sacrifício

Se um dos principais papéis da Junta Paroquial é zelar pelos bens da comunidade, êsse dever não pertence a ela mas a todos os demais membros. Somos todos responsáveis pelo que nossos antecessores nos deixaram. E muita atri- buição nesse sentido.

O aspecto material duma igreja também tem valor mis- sionário.

Uma igreja de bancos quebrados, de vidros rachados, de soalho sujo, de alfaias desbotadas, de tapetes rotos, de instala- ção eletrica precária, etc, etc, não está, por certo, em con- dições de atrair muitas pessoas .

É necessário que cada membro da Igreja esteja pronto a observar as falhas, nesse sentido, e cooperar para saná-las.

Todo o esforço dos leigos deve concentrar-se no propó- sito de elevar os padrões espirituais, morais e culturais- Eis o fundamento, a base, o princípio e o fim da tarefa do cris- tão no mundo.

"Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de tôda a tua alma, e de todo o teu entendimento".

E a grande jornada começa por nós mesmos. Não leva- remos ninguém se não formos à frente.

Procuraremos desenvolver uma religião escoimada de superstições, de tradicionalismo puro e simples, de superficia- lidade e que se entrose firmemente em nossas vidas, fazendo parte integrante de seu contexto.

O caminho da salvação é estreito e difícil seu longo percurso se faz através do próprio mundo. Mundo em trans- formação, perplexo e atribulado. Vivemos uma dessas cri- ses periódicas, pelas quais a humanidade tem passado, em sua história milenar. Crises decorrentes de guerras, de superpo- pulação, de fome, de novas teorias políticas ,etc.

E as consequências se fazem sentir em tôdas as esferas da at.vidade humana. Surgem profetas e profecias, moralis-

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tas e nova moral, filósofos e filosofias e, o que é mais gráve, novas religiões.

E, com a atração da novidade, espalha-se a f losof ia sim- plista, conferindo o modo de viver à dependência da vontade, isto é, cada um leva a vida que entender, alheio à opinião dos outros. Eis o fundamento do existencialismo.

Multiplicam-se teorias complexas, prolixas, que se apre- sentam qual solução integral para todos os problemas da hu- manidade, como se a cultura e a técnica fossem um fim em si mesmas.

Defrontamo-nos, então, cem a filosofia do super-homem, isto é, o homem colocado ao centro do Universo!

Uma das relevantes tarefas do laicato é manter-se alerta com respeito a essas e outras tantas inversões de valores. Nin- guém desconhece a dissolução dos costumes, a exploração do sexo, o enfraquecimento dos liames familiares e perversão dos sentimentos e a excessiva liberdade social.

Por tôda a parte sentimos esta verdade nas artes, na literatura, na música.

Como as águas dum rio, os dias não cessam de chegar e passar, trazendo coisas velhas e novas, boas e más.

E entre as coisas recomendáveis e necessárias, como es- te Congresso abençoado, chegam coisas que jamais deveriam existir como, entre muitas, por ex., a Bossa Nova, algo que se poderia definir como uma mentalidade, uma maneira de ver e agir em tudo diferente da ética e da moral cristãs.

Cabe a cada um de nós preservar as linhas morais pre- gadas pela Igreja. Nossa salvação pessoal e a subsistência da própria Instituição decorrem, decisivamente, dêsse fato.

Não estaríamos reunidos, aqui, neste momento, se nos deixássemos contaminar pelos males que nos cercam.

Temos, pois, de estar vigilantes em relação à nossa fé.

A crise que o mundo vive provém da ação dos homens e jamais poderá alterar os planos divinos da redenção mani- festados, suficientemente, por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Salvaguardados os fundamentos de nossa religião, des- frutaremos o crescimento "em graça e sabedoria". É um pro- cesso lento mas progressivo. Decorre de exercício, de consa- gração, de estudo, de confiança sem limites na Igerja, pois ela se propõe a cumprir essa tarefa que lhe foi conferida. Não

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é em vão que tão repetidamente reafirmamos, de público e com ênfase: "Creio na Igreja".

Se o crescimento espiritual gera formação moral tam- bém é verdade que a sadia cultura robustece e aprimora o de- senvolvimento espiritual.

Dai por que não se pode descuidar de nenhuma dessas três facetas da vida do cristão-

E podemos imaginar, então, a fôrça do impacto que a Igreja determinará neste mundo adverso, em que foi posta "co- mo ovelha em meio de lobos", quando contar com um laicato poderoso espiritual, moral e culturalmente falando.

Somos uma grande minoria, num país de tradição reli- giosa católica-romana e não devemos alimentar a pretensão de nos tornarmes majoritários

O que temos de estimular, enalterecer e conseguir é o refinamento, isto é: tornarmo-nos uma minoria respeitável, em que a nossa consagração ao Mestre dos Mestres realce as nobres linhas do cristão, êsse indivíduo estranho que perten- ce ao mundo mas não se deixa absorver por ele, que está em meio do mal e não se contamina, que "se toina agradável em tudo", na linguagem inspirada de São Paulo, "na pureza, na ciênc a, no amor sem fingimento, na palavra da verdade, pe- las armas da justiça e no poder de Deus".

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A IGREJA EM AÇÃO

Ven. Antônio T. Guedes

Saudamos a todos os irmãos, clérigos e leigos, partici- pantes deste 1.° Congresso da Igreja Episcopal Brasileira, ro- gando a Deus derrame as mais ricas e excelsas bênçãos sobre todos e sobre a amada Pátria Brasileira.

Como organismo vivo a Igreja tem de manter-se em constante movimento, pois sua ação é dinâmica e não está- tica.

E, como a assembleia dos fiéis, é necessário estender essa ação a fim de não apenas servir aos crentes, mas, também, à humanidade.

Longe vai o tempo em que se pensava ficar a Igreja limitada às paredes do Templo e ser sua função simplesmen- te ensinar a orar e mostrar aos fiéis o caminho da resignação, baseado em que "aspiravam a uma Pátria melhor, isto é, a celestial".

A humanidade desviou-se tanto de Deus que somente uma poderosa ação levada a efeito em todos os setores da vida po- derá conseguir os resultados almejados

Note-se que esse alvo será atingido quando a Igreja der aos homens aquilo por que eles anseiam. Não apenas uma paz prometida no futuro, mas a paz interior conquistada ago- ra e a justiça social baseada nos princípios igualitários e fra- ternais do Evangelho- Se a Igreja não acompanhar a atual an- siedade por evolução e dias melhores e não se bater por uma justa e necessária reforma social; se não disser aos homens on- de estão realmente os erros a serem corrigidos e como fazê- lo; se não mostrar que todos são irmãos e que têm os mes- mos direitos a Igreja perderá o controle das massas que sc desgarrarão para o terreno ultra perigoso da revolução a se

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apresentar como a única forma de resolver os seus crucian- tes problemas. É preciso, porém, não esquecer que o Cristia- nismo é uma revolução social iniciada 2.000 anos, quando o Mestre ordenou ao homem rico: "Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu!"

Infelizmente, muitas vezes, a Igreja, pelas circunstân- cia ou comodismo, tem olvidado sua revolucionária missão e o facho brilhante das reivindicações sociais passa a outras mãos, incapazes e, por isso mesmo, muito perigosas para o equilíbrio da humanidade.

A fim de evitar isso e para sacudir a Igreja onde estiver dormente é que propomos uma vigorosa ação espiritual que se faça sentir em todos os setores da nossa comunidade religosa.

Ação Educacional No setor educacional devemos dis- tinguir duas sub-divisões:

a) Instrução

b) Educação Religiosa

a) Instrução Sempre haverá necessidade de escolas e colégios. Mas precisamos antes de professores .Temos poucos estabelecimentos de ensino médio. Precisamos, porém, de uma Escola Normal e Faculdade de Filosofia para o preparo dos prefessôres. Enquanto não tivermos estes estabelecimentos, a ação de nossa Igreja, neste setor, será sempre deficiente. Pre- parados os professores, deveríamos intensificar a criação de Escolas Paroquiais uma, no mínimo, em cada Paróquia ou Congregação. Quem tem tido experiência neste setor sabe quão abençoada tem sido. E, naturalmente, procurar melhorar e am- pliar nossas Escolas e colégios. Quando teremos nossa Uni- versidade?

b) Educação Religiosa se sente algo de tangível neste setor. Louvados sejam os esforços dos que trabalham pa- ra dar-nos livros e material que nos capacite a bons resulta- dos. Mas é necessário um grande programa que venha dinami- zar a Escola Dominical e torná-la uma atração, bem como trei- nar elementos que possam ir às Paróquias e ajudar a preparar outros e a reorganizar as Escolas Dominicais, que devem ser

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padronizadas e devem, também, transformar-se em centros de atividades missionária e espiritual da Igreja.

n

Ação Assistencial A sem obras é morta- É pre- ciso manifestar nossa através da obra de assistência social que a Igreja deve intensificar numa ação positiva e de grande alcance moral.

As obras de assistência social dão trabalho e exigem um grande esforço de nossa parte mas são um subproduto do cristianismo de incalculável valor. Ninguém poderá negai a posição influente que assume a Paróquia onde florescem tais obras e o interesse que as mesmas atraem para a Igreja.

Não é fácil criá-las, nem é fácil mantê-las. Mas que :e pode conseguir sem esforço? Lares para velhos, internatos pa- ra meninos ou meninas Cidades de Meninos, Institutos, Educandários, Abrigos, Creches são obras de assistência social que atrairão para as Paróquias o interêsse da coletivi- dade e, por si, são verdadeiros pregões do Evangelho são a luz brilhando de tal modo que os homens vêem as boas obras e glorificam ao Pai que está nos céus!

III

Ação social Através dos sodalícios de uma Paróquia pode-se desenvolver uma intensa ação social, participando ati- vamente da vida da comunidade onde a Igreja se situa. Os so- dalícios são os agentes de que o Pároco lança mão para esten- der a influência da Igreja. Congregando pessoas de boa von- tade e fé, a Igreja tem de agir através de seus membros. Real- mente o Corpo Místico de Cristo tem de agir na sociedade pelo testemunho pessoal de cada eclesiano. Os membros da Igreja precisam compreender que, onde quer que estejam, êles são cristóforos, isto é, levam Cristo consigo e precisam fazê- lo conhecido, manifestando aos homens a influência do Mes- tre. A Igreja tem de ter uma palavra definida sôbre os pro- blemas que afligem a comunidade: o divórcio, a reforma agrá- ria, o salário-mínimo, as questões entre capital e trabalho, a livre iniciativa, os problemas entre Oriente e Ocidente, a ener- gia atómica, etc.

155

A Ação Social da Igreja tem de ser manifesta em forma positiva, sem rebuços nem subterfúgios encarando dc fren- te os problemas e ex gindo dos eclesianos o cumprimento fiel das normas evangélicas. Somente assim os homens olharão pa- ra a Igreja não apenas com respeito, mas com admiração e amor.

IV

Ação Missionária Finalmente a Igreja carece de uma vigorosa ação missionária, sem a qual estará falhando em sua principal missão: salvar almas!

Não é possível que se limite a ação da Igreja apenas ao trabalho paroquial, sem procurar expandir os limites da Pa- róquia.

Cada eclesiano tem um dever precípuo: semear a pala- vra de Deus. O trabalho pessoal de evangelismo, pelo exem- plo e pela palavra, pode produzir frutos de inegável valor e resultados maravilhosos. O lar tem de ser um prolongamento da Igreja e cada eclesiano um evangelista- Sempre haverá, em tôrno de nós, pessoas que estejam apenas esperando um con- vite para virem a Cristo.

O trabalho missionário, feito pelo clero e leigos, rios subúrbios, nas vilas, realizando ofícios nos lares, é um fator importante na vida paroquial e pode trazer grandes contin- gentes de novos eclesianos. Poder-se-á dizer o mesmo do tra- balho realizado nos hospitais e presídios, bem como nos quar- téis e escolas.

Concluindo

Propomos seja adotado um Programa de Ação para tôda a Igreja, incluindo cs setores de Instrução, Educação Reli- giosa, Assistência Social, Evangelismo e Missões.

Propomos, também, seja elaborada e publicada uma De- claração de Princípios que consubstancie o pensamento da Igre- ja em relação aos problemas que afligem ou preocupam os homens.

Propomos, finalmente, a criação de uma Comissão Per- manente interdiocesana para fazer executar o Programa de Ação com, pelo menos, dois membros em cada Diocese onde seriam os animadores do mesmo.

156

CONCLUSÕES DOS GRUPOS DE ESTUDO

Cumpre-nos, de início, ressaltar a importância de que, intrinsicamente, se reveste o presente relatório, que se propõe sumariar algJ do pensamento através das conclusões al- cançadas pelos dez grupos de estudos deste I Congresso da Igreja Episcopal Brasileira, em face dos temas que lhes foram oferecidos.

É interessante mencionar-se, de saida, a verificação de que o ep scopalismo brasileiro se apodera do senso de que é parte integrante de uma Comunhão histórica e universal. Nas teses dcs nossos preletores e nos estudos em grupos, ressoa en- tre nós a palavra da Conferência de Lambeth a mensagem da hierarquia anglicana trazendo-nos esclarecimento, ins- piração, mais firmeza e, esperamos, dinamizando o sentido de nossa missão como Igreja no Brasil.

Facilmente podemos identificar no ternário deste Con- gresso muitos dos assuntos estudados pela famosa Conferên- cia e sugeridos à consideração dos fiéis anglicanos em tôda a parte do mundo.

Congratulamo-nos com a Comissão Organizadora do te- rnário, pela excelência e oportunidade dos tópicos escolhidos. Lamentamos apenas a exiguidade do tempo reservado ao seu estudo e discussão, pelo que não foi com pequena dificuldade que o coordenador e os diretores de grupos conseguiram ali- nhar as conclusões que temos a satisfação de apresentar a seguir.

161

Conclusões sobre a tese do Revmo. Bispo Dr. Egmont Machado Krischke "A Posição Histórica e Doutri- nária da Comunhão Anglicana"

1 A Comunhão Anglicana afirma e prova que tem

as suas raízes historicamente fixadas na Igreja Pri- mitiva, preservando a e Ordem apostólicas, con- forme expressas nos Credos:

2 Fundamentamos a nossa posição, em face do ecu-

menismo, nos elementos básicos enunciados no "Quadrilátero de Lambeth":

a) as Sagradas Escrituras

b) os Credos Apostólico e Niceno

c) os dois Sacramentos do Evangelho

d) o Episcopado Histórico.

3 Acrescente-se também que, como decorrência do

ethos anglicano, o ecumenismo é uma realidade em nossa Comunhão eclesiástica, onde, de forma compreensiva e inclusiva, as acepções católica e evangélica co-existem, promovendo uma síntese

gloriosa, rica e única no seio da cristandade;

4 Hemos por bem sugerir à Igreja divulgue, com

bases científicas, a verdade histórica de sua ori- gem, com vistas sobretudo a um esforço de pene- tração no ambiente cultural e educacional do país.

// Conclusões sobre a tese do Ven. Arcediago Nataniel Duval da Silva "A Igreja Episcopal na Comunhão Anglicana"

1 A Igreja Anglicana, conquanto tenha estado, por muitos séculos, sob a dominação da Romana e, também, experimentado a influência da Reforma Protestante, jamais perdeu o senso de independên- cia característico da primitiva "Ecclesia Angli- cana". Em face dos problemas e paixões huma- nas, sempre procurou manter-se numa posição de equilíbrio e sensatez, buscando sabedoria em Deus e nas lições da História. Dêste espírito e desta índole é herdeiro o episcopalismo;

162

2 Com a Igreja Episcopal na América do Norte co-

meçam a surgir as igrejas nacionais dentro do an- glicanismo;

3 Da expansão anglicana pelos quatro cantos da ter-

ra, bem nos uma ideia a comparação das esta- tísticas referentes à primeira e à última Confe- rência de Lambeth. Em 1878, estavam presentes 76 Bispos e Arcebispos, 43 dos quais provenientes de campos estrangeiros. Em 195 8, dos 310 que compareceram, 246 tinham suas sés nas mais diver- sas regiões de além-mar, representando nada menos de 40 na- ções. Como resultado do seu grande impulso nos últimos 2 50 anos, a Comunhão Anglicana constitui-se hoje de 333 dioce- ses, somando aproximadamente cincoenta milhões de almas.

/// Conclusões sobre a tese do Kevmo. Bispo Dr. Plínio Lauer Simões "Nosso Lugar no Cristianismo"

1 Concluímos ser sábia e abençoada a posição de

nossa Igreja como Católica e Protestante, "não no sentido artificialmente antagónico dos termos, mas no seu sentido nobre e fundamental", pelo que, opinamos, é, na atualidade, uma miniatura do que poderá vir a ser a Grande Igreja do futuro;

2 Reconhecemos, outrossim, que existe certa diver-

gência de apreciação dentro da Igreja, que é o preço que devemos pagar pela grande e gloriosa aventura ecuménica que estamos vivendo cre- mos, com a bênção de Deus;

3 Não reconhecemos a nenhum ramo do Cristianis-

mo o direito de apresentar-se como "a única Igreja Católica". Temos como ideal a união da Cristan- dade. Essa união deve ser visível e orgânica, toda- via, descentralizada- E apontamos, como ponto de partida, o mencionado "Quadrilátero de Lam- beth";

Afirmamos e proclamamos que Deus tem reservado à Comunhão Anglicana uma contribuição muito especial a dar ao Cristianismo como um todo.

163

/V Conclusões sobre a tese do Revmo. Bispo Edmund Knox Shcrrill "Origens Bíblicas do Culto e Sua Continui- dade Histórica"

1 Apontamos como princípios fundamentais do culto :

a) o de reconciliação da criatura pecadora com o Criador, perfeito em justiça, santidade e amor;

b) o de moralização do homem, em virtude do profundo vínculo do ato de adoração com a ética;

c) o de ser o mesmo um ato de obediência de uma comunidade que existe como fruto de uma aliança entre Deus e os homens;

d) o de significar o auto-oferecimento do ado- rador a Deus.

2 Compreendemos que os sacramentos do Batismo e

da Eucaristia estão relacionados com a ressurreição de Cristo, das quais o primeiro é uma figura e o segundo, uma explicação, ambos resumindo todos os atos poderosos de Deus, desde a Criação até o fim dos séculos;

3 Concluimos que o culto anglicano é fundamental-

mente bíblxo, bastando citar que, de modo apro- ximado, 70% do conteúdo de nosso Livro de Ora- ção Comum são extraídos das Santas Escrituras, e o conteúdo restante é a interpretação ordenada das mesmas Escrituras, em forma de Ofícios li- túrgicos.

V Conclusões sobre a tese do Kev. Jaci Corrêa Maraschin "O Sentido e o Valor da Eucaristia na Vida Diária"

1 Compreendemos que a Sagrada Eucaristia é o si-

nal efetivo da continuidade do reino, de vez que perpetua a presença de Deus no seio da Igreja, a representante visível dêsse reino no mundo;

2 Quí; é o ofício centrai da Igreja, instituído pelo

próprio Senhor Jesus Cristo. Dada, pois, a impor- tância básica do sacramento do altar na vida da

164

comunidade, solicitamos: a) que 6e maior ins- trução sôbre o mesmo, através de literatura, estu- dos e sermões; b) que se intensifique o uso da sua celebração nos lares; c) que se esclareça o po- vo da Igreja no sentido de associá-lo com a co- memoração de eventos significativos, como ani- versários, casamentos e encomendações;

3 Possuímos evidência para afirmar que estamos bas-

tante aproximados da prática néotestamentária da celebração eucarística todos os d^min^os; e lem- bramos aos episcopalianos que participação assídua à Comunhão do Corpo e Sangue de Cristo é vida e poder para êles mesmos c para a Igreja inteira;

4 Considerando a posição de proeminência da fun-

ção sacerdotal na Igreja, não podemos, contudo, deixar de lembrar a essencialidade do ministério profériro da r-'-orl?macão das l*^as tvt^..-,. ^„ Deus em Cristo. Em nossa Comunhão religiosa, altar e púlpito se completam, e não entram em conflito.

Conclusões sôbre a tese do Kev. Dr. José Del Nero "O Homem e a Sua Salvação"

1 Compreendemos que a grande tragédia humana é

o pecado;

2 Salientamos o fato de que a salvação é obtida

dentro da Igreja, portanto, através dela, que é o corpo místico do Senhor:

3 Como consequência, ressaltamos o sentido nitida-

mente missionário do Cristianismo. Daí a proprie- dade da idéia de que "ser cristão é ser missioná- rio"- Na província eclesiástica, na diocese e na paróquia, o constante imperativo de ser a evan- gelização. Disse alguém que Deus gerou um único Filho e este foi missionário.

4 Lembramos ainda que "a Igreja é a extensão da

encarnação de Cristo" e, dentro dela, a responsabi- lidade de testemunho e de ação é de todos os seus membros, clérigos e leigos; que o Cristianismo é basicamente "uma vida em nosso íntimo", a vida

165

de Cristo que eu recebo, tu recebes, que a Igreja recebe, e que precisa ser comunicada a todos os homens, a fim de que se capacitem para partici- par conscientemente das dádivas da redenção. 5 Interpretamos a salvação como a vida de Deus que nos é transmitida por Cristo, através da Igreja, dando sentido à nossa condição existencial.

V/7 Conclusões sobre a tese do Rev- Cónego Arthur R. Kratz "A Igreja e a Família"

1 Reconhecemos que a necessidade fundamental da

família, para a consecução de suas finalidades pre- cípuas, é ser ela teocêntrica, com as suas conse- quentes implicações;

2 A instabilidade e a decadência da família se atri-

buem, em grande medida, às transformações socio- económicas e ao relaxamento espiritual que levam, não raro, à desintegração do lar;

3 A condição básica para a reconstrução e manu-

tenção da família é a conversão a Cristo e a de- corrente participação na vida da Igreja, onde se incluem a assiduidade aos ofícios religiosos e aos sacramentos, a leitura da Bíblia no lar e a reali- zação do culto doméstico;

4 A família não pode ser feliz sem a Igreja, porque

por meio dela recebe os elementos indispensá- veis à concretização dêsse ideal. Por fim, ecoando mais uma vez a palavra de Lambeth, a família da Igreja "procura viver consoante o ensino e o exem- plo de nosso Senhor Jesus Cristo".

VIII Conclusões sobre a tese do Dr. João Del Nero "A Igreja e o Cidadão"

1 O cidadão cristão deve exercer seus direitos e obri-

gações cívicas segundo o critério de princípios e não o de interesses;

2 A nossa Igreja, embora se reconheça sem sufici-

entes recursos ainda para exercer uma influência mais decisiva em face das injustiças sociais, deve denunciá-las, quer provenham da soe edade em ge-

166

ral, quer estejam no seu próprio meio. Ao mesmo tempo, declara-se grata a Deus por ter podido contribuir, nesses 70 anos passados para o forja- mento da nacionalidade, mediante principalmente cidadãos formados nos princípios do eterno Evan- gelho de Jesus Cristo;

3 Mais e mais, deve a Igreja preocupar-se com a

educação de sua mocidade, oferecendo colégios que sejam realmente partes integrantes da comunidade religiosa.

4 Recomendamos seja feita ampla divulgação das te-

ses e das conclusões dos grupos de estudo do pre- sente Ccngresso em todas as paróquias episcopais do Brasil e em todos os lugares onde fôr possível e julgado conveniente, bem assim através da im- prensa.

/X Conclusões sobre a tese do Dr. Samuel Duval da Silia "A Tarefa dos Leigos"

1 Consideramos a necessidade de dar-se maior ênfase

à exposição e prática da doutrina bíblica do "sa- cerdócio universal de todos os fiéis", mediante a a qual cada leigo é verdadeiramente comissionado para o exercício do apostolado cristão no mundo;

2 Realçamos o ensino de que a contribuição material

do povo de Deus, antes de ser uma obrigação, é um verdadeiro ato de culto; a Deus ofertamos em adoração nossos corpos e almas, talentos e bens, nossas vidas;

3 Que os episcopalianos encarem com mais decisão

e senso de responsabilidade o imperativo moral de emancipação financeira de sua Igreja. E apontamos como prática ideal de contribuição a do dízimo sagrado.

167

X Conclusões sobre a tese do Ven. Arcediago Antônio T Guedes "A Igreja em Ação"

1 Compreendemos que a razão de ser número um da

Igreja é proclamar o Evangelho da Redenção, e administrar os santos sacramentos;

2 Enquadrados no seu propósito maior, de inte-

ressar-se ainda por outros setores de atividade, aos quais procurará levar também a verdade e a luz de Cristo. Neste sentido, opinamos que a Igreja pode e deve usar, na medida adequada aos seus recursos materiais e humanos, a possibilidade de agir nos campos educacional e da assistência so- cial. Sugerimos que no âmbito de ação de cada pa- róquia, seja criada, no mínimo, uma escola, que funcione de fato como uma extensão da Igreja;

3 Recomendamos considerem as competentes autori-

dades eclesiásticas a ideia enunciada do estabeleci- mento de uma Universidade Episcopal no Brasil.

165

EDUCADORES EPISCOPAIS

O I Encontro de Educadores Episcopais promovido pelo I Coneresso Ha lereja Episcopal Brasileira, nos dias 18, 19 e 22 de Julho de 1960, em Pôr to Alegre, Estado do Rio Grande do Sul. anos estudos e debates sôbre os temas "CRISTO E A EDUCAÇÃO", de autoria do Prof. Alfredo Pradelino da Ro- sa e "A IMPORTÂNCIA DA ORIENTAÇÃO EDUCA- CIONAL NA ESCOLA E NO LAR", de autoria do Prof. Heitor Berdemaker Alves, aprovou o seguinte:

I __ CONCLUSÕES

1 Recomenda-se a promoção, anualmente, de "Encontros" de educadores episcopais, e daqueles que exerçam suas ati- vidades nas instuições da Igreja, diante da magnitude da matéria educacional.

2 Que se realize um movimento com vistas a despertar vo- cações para o magistério, a exemplo do que se faz em re- lação ao ministério religioso, face às exigências do ensino moldado ao espírito da Igreja.

3 Que se crie uma Escola Normal a entrar em funcionamen- to imediato, usando-se para isso o Colégio Cruzeiro do Sul que dispõe das condições necessárias exig;das cm Lei, dependendo apenas, de recursos financeiros levantados através de uma campanha de âmbito nacional, em todas as paróquias.

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4 Que se organize em todos os educandários ligados à Igre- ja um serviço de Orientação Educacional, consultadas as experiências das escolas em que funciona tal departa- mento, visando à educação integral.

5 Que se incentive a formação de "Círculos de pais e mes- tres", com vistas à integração dos pais na vida escolar, para que conheçam os problemas, a orientação e as aspi- rações do estabelecimento.

II MOÇÃO

Os educadores episcopais reunidos no seu I Encontro afir- mam e proclamam:

O Princípio de que a educação integral encontra em Cris- to o seu conteúdo, motivo por que as instituições da Igre- ja Episcopal Brasileira funcionam como extenção da pró- pria Igreja, e adotam por base imprescindível a filosofia cristã, estruturada nos ensinos de Jesus Cristo, que é o Mestre dos mestres.

170

SÍNTESE DE UM

GRANDE ACONTECIMENTO

Jorge Alberto Karam

Julho de 1960 ficará na história da Igreja Episcopal Bra- sileira. Dos mais longínquos recantos da Pátria, e usando os

mais diversos meios de locomoção, peregrinos e forasteiros di- rigiram-se para a Capital Gaúcha levando em mente apenas um objetivo: participar do Primeiro Congresso da Igreja Episcopal Brasileira

A Capital Gaúcha vive grandes momentos

Os matutinos e os vespertinos de Pôrto Alegre anuncia- ram minuciosamente, através de suas páginas, os acontecimen- tos relacionados com o Congresso. As Emissoras pelos seus programas noticiosos anunciavam que dos quatro cantos do país estavam chegando homens e mulheres, bem como uma grande caravana de jovens, dando um colorido especial às ruas da Capital. A TV Piratini, também, apresentava cenas do Congresso, enquanto nos cinemas eram exibidos aspectos da obra de nossa Igreja.

Nas montras dos estabelecimentos comerciais expunham- se cartazes destacando o lema do Congresso: "Pela grandeza espiritual da Pátria".

Damos a seguir uma resenha dos vários atos, cerimonias e outras atividades do Congresso, e das Conferências de Ho- mens, Senhoras, Educadores e jovens umeístas.

O Congresso à guisa de preparação espiritual, foi ante- cedido da Celebração da Santa Eucaristia, em tôdas as paró- quias da Capital, no domingo da sua inauguração, dia 17 de julho

175

Abertura oficial do Congresso

O Local para a grande Ofício de Abertura do Congres- so foi o Pavilhão Olimpico do Colégio Batista Americano, que com suas dependências completamente lotadas, foi cená- rio de uma grande concentração religiosa- Foi pregador o Rev. Curt Kleemann, pároco da Igreja do Redentor do Rio de Ja- neiro. Fêz-se ouvir o Grande Coral do Congresso, nesta, e nas demais cerimónias, sob a direção do Rev. Jaci Maraschim. Estava, com êste solene ofício religioso, inaugurado o Pri- meiro Congresso da Igreja Episcopal Brasileira.

Os trabalhes do Plenário

De 17 a 24 desenvolveram-se em vários pontos da cidade os trabalhos do Congresso

Importantes teses foram apresentadas no Instituto de Belas Artes, entre elas os trabalhos dos leigos Dr. Samuel Du- val da Silva, médico em Pelotas e do Dr. João Del Nero,^ magistrado da capital paulista. O primeiro com "A tarefa dos leigos" e o segundo com "A Igreja e o Cidadão".

Por sua vez, a mocidade concentrava-se em Teresópolis no Colégio Cruzeiro do Sul e na Associação Cristã de Mo- ços os leigos

Naquele mesmo dia foram inauguradas, oficialmente, as

Exposições de Arte, Fotografias e Documentos Históricos, res- pectivamente no Salão Paroquial da Catedral da SS. Trinda- de e na Pinacoteca do Instituto de Belas Artes. Foi orador na primeira destas cerimónias o Rev. Dr. Dirson Glênio Vergara dos Santos e na segunda o Rev. Dr. Gamaliel Vespu- cio Cabral

O plenário do Congresso esteve reunido à tarde, dos dias 18 a 21, no Auditório do Instituto de Belas Artes, sendo a presidência sob forma de rodísio, pelo Presidente e Vice-Pre- sidentes- As teses, num total de dez, foram apresentadas aos congressistas, em tôrn0 de quatro temas gerais: Nossa Voca-

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çao, Nosso Culto Incorporado, Nossa Mensagem e Nossa Mis- são, conforme se encontram publicadas neste volume. Foram as mesmas discutidas em grupo, cujas conclusões estão incluí- das neste livro

A mocidade da mesma, pertencente à UME, se reuniu em Conferência no Colégio Cruzeiro d0 Sul, sob a liderança do Rev. Telmo de Oliveira Castro. Logo ao início da Confe- rência se realizou o Festival de Acólitos na Igreja da Ascen- são, em Teresópolis.

No salão do Círculo Militar os Educadores Episcopais também tomaram parte saliente n0 Programa do Congresso, reunidos em Conferência sob a direção do Prof. Dr. Paulo Appel

Concomitantemente, se realizava na Associação Cristã de Moços, a Conferência Interdiocesana de Homens, sob a presi- dência do Dr. Caleb Leal Marques.

No mesmo local, esteve reunida a Irmandade de Santo André, em Convenção Nacional, cujos trabalhos foram pre- sididos pelo Dr. Cláudio Hanssen.

A Reunião Trienal da Sociedade Auxiliadora, realizou-se nas manhãs dos dias 18 a 21 no Auditório do Instituto dte Belas Artes, sob a presidência da Senhora Noemi Krischke.

70 anos no Brasil

Na quarta-feira, dia 20, novamente no Pavilhão Olím- pico do Colégio Batista Americano, às 20 horas, realizou-se o Solene Ofício Comemorativo aos 70 anos do trabalho Epis- copal em terras brasileiras. O Clero desfilou entre alias dd Piquete Governamental da Brigada Militar do Estado. Foram pregadores os Bispos Arthur Kinsolving, da Diocese de Arizo- na e Plínio Simões, da Diocese do Brasil Sul-Ocidental. Gran- de assistência participou dêste ofício, bem como autoridades civis e militares, destacando-se a presença do Governador do Estado, Dr. Leonel de Moura Brizola. O Bispo Kinsolving,

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12

falando em português, a todos encantou e o conteúdo de sua mensagem animou os presentes.

Programas especiais foram realizados durante o Con- gresso, entre os quais destacam-se o Concerto Sinfôn co do Clube Haydn, sob a direção do Maestro Leo Schneider; Pro- jeção de Filmes Religi-sos, exibidos pelo Dr. Carlos Tiet- boehl; e a Recepção nos Salões do Clube Leopoldina Juvenil, sendo os congressistas saudados pelo Secretário Executivo do Congresso, Deão Henrique Todt Jr..

Encerra-se o Congresso

Domingo 24, pela manhã, houve Comunhão Incorparada dos Congressistas celebrada pelQ Presidente do Congresso, sen- do pregador o Deão Marçal Oliveira, da Catedral do Media- dor, em Santa Maria. À noite, realizou-se Ofício de Encer- ramento do Congresso. Sendo pregador o Revmo. D. Daniel I. Evans e Revmo. D. Egmont Machado Krischke, Presiden- te do Congresso.

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MENSAGEM DE SUA GRAÇA O ARCEBISPO DE CANTUÁRIA

É com a maior das satisfações que, em nome da Igreja da Inglaterra, enviamos saudações efusivas aos irmãos reunidos em congresso. Como Arcebispo de Cantuária, temos o privi- légio de sentir um interesse especial em cada uma das partes da Comunhão Anglicana, e em nossas próprias viagens tem- nos sido possível visitar muitas partes dessa família de Igre- jas. Muito lamentamos nunca ter tido oportunidade de visi- tar a América do Sul.

A Igreja da Inglaterra tem o seu próprio bispo na Ar- gentina e ilhas Falkland, a cujo cargo está a supervisão das capelanias britânicas no Brasil. É para nós motivo de júbilo o fato de ter-se recentemente celebrado uma concordata en- tre nós e o nosso estimado amigo Dom Henrique Sherrill, en- tão Bispo Presidente da Igreja na América. Os fundamentos de relações amistosas e profundas foram assim assentados; tu- do o que resta agora é que tais relações sejam desenvolvidas com fiel amor cristão por ambas as partes. No Brasil estamos certos de que a unidade de espírito e o vínculo da paz con- graçam todos os bons anglicanos no propósito de dar o seu tes- temunho fiel ao Evangelho de Cristo e à Sua Igreja. Assim; oramos para que Deus vos abençoe e inspire nesse congresso e em todas as boas obras às quais Êle se dignar chamar-vos.

Sinceramente

GODOFREDO,

Arcebispo de Cantuária.

181

MENSAGEM DO BISPO PRESIDENTE DA IGREJA EPISCOPAL NOS ESTADOS UNIDOS

Desejo enviar-vos esta palavra de saudação no ensejo do 70.° Aniversário do Trabalho Anglicano no Brasil.

Muito me alegra que o Kevmo. Dom Arthur B- Kinsol- ving estará convosco, na qualidade de representante oficial da Igreja nos Estados Unidos. Porém desejo também acres- centar a minha própria palavra pessoal de congratulações e melhores votos a todos vós. Estou certo de que o Congresso terá grande significado para a vida da Igreja no Brasil, e rogo a Deus derrame sdbre vós todos a sua Bênção.

Nova York, 12 de julho de 1960.

ARTUR LICHTENBERGER Bispo-Presidente

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MENSAGEM DA IGREJA LUZITANA CATÓLICA APOSTÓLICA EVANGÉLICA

Prezado Bispo Krischkc:

Muito grato me confesso pela sua bem apreciada carta de 27 do mês findo e bondosos desejos que na mesma exprimia pelo restabelecimento de minha saúde.

Na verdade, muito sinto também perder esta tão ancea- da oportunidade de conhecer e me encontrar com os queridos irmãos da Igreja Episcopal Brasileira, comungar com êles mo- mentos de justificada alegria, de merecidos louvores a Deus, juntando assim a alegria e os louvores dos episcopais lusita- nos aos dos seus irmãos brasileiros, nas celebrações festivas ao seu I Congresso comemorativo do 70.° aniversário do episco- palismo no Brasil, trabalho no Senhor, para o Senhor e sua Santa Igreja.

que não me é possível, por motivos de força maior, estar junto de vós, representando, bem modestamente é cer- to, a Igreja Lusitana que, pelo favor de Deus, sirvo 57Í anos e tanto amo, estarei, sem dúvida, cpnvosco ehm espírito; c verdade. Nas minhas orações a Deus, de, 17 a 24 do cor- rente, incluirei louvores e ação de graças à grandeza do SeU) amparo e Amor em bênçãos concedidas durante estes 70 anos ao trabalhp Episcopal no Brasil e rogarei que a graça do Seu Santo Espírito guie, guarde e fortaleça êsse trabalho, para ale- gria dos Seus servos, crescimento da Sua Santa Igreja, com to- da a honra, louvor e glória a Seu Santíssimo Nome-

Em nome de todo o Clero e membros da Igreja Episcopal Lusitana, cumprimento os venerados e Revmos. Bispos da Igre- ja Irmã no Brasil, o seu ilustre Clero, todo o seu fervoroso p.ovo episcopaliano, quando ao comemorar o 70.° aniversário de ati- vidade eclesiástica, celebram também o primeiro Congresso da Igreja Episcopal Brasileira.

Aceitai as nossas mais afetuosas e fraternais saudações com os sinceros votos de que o calor e graça do Espírito Santo de Deus esteja agora e sempre convosco, santificando as vossas vidas na Família, no Trabalho, na Pátria e na Igreja.

Rogando ao meu mui ilustre Irmão o bondoso obséquio de transmitir ao meu sempre recordad0 Amigo, Bispo Dom Plinio Simões, um afetuoso abraço, cordialmente me confesso seu dedicado

no amor de Jesus Cristo e conservo na Sua Santa Igreja, Antônio Ferreira Fiandor

MENSAGEM

DA CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL

Em nome da Confederação Evangélica do Brasil, enti- dade de representação do evangelismo brasileiro, em nome de toda a comunidade evangélica do nosso país, saudamos o 1 Congresso Nacional da Igreja Episcopal Brasileira, suplicando a Deus que se digne abençoar ricamente tão significativo con- clave para que, sob a soberana direção do Espírito Santo, êle seja um eloquente testemunho da fraternidade Cristã e pode- rosa inspiração para revigoramento de nossa comum em Je- sus Cristo, o Senhor.

Louvamos a Deus pelos setenta anos de vida da Igreja Episcopal em nossa terra. Somos reconhecidos pela dedicação de seus pioneiros do passado e de seus obreiros d0 presente; pelo espírito de cooperação e solidariedade com as confissões irmãs que constituem o evangelismo de nossa pátria; pela preciosa contribuição de sua rica herança histórica e espiritual em fa- vor da apreensão do sentido mais autêntico da Igreja, Corpo de Cristo.

Unimos as nossas preces às que agora se elevam de todos os quadrantes do Brasil para que a amada Igreja Episcopal Bra- sileira prossiga em sua obra, vigorosa e militante, para reden- ção e edificação do povo brasileiro, alegria de toda a família Cristã, e para honra e glória de nosso Pai.

Fraternalmente

p/ Confederação Evangélica do Brasil Kev. Dr. Derly Chaves Rev. Ahron Sapsezian

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Pela Grandeza Espiritual da Pátria

Ilustrações do Congresso

Sua Graça o Arcebispo de Cantuária, Dr. Geoffrey F. Fischer, Primaz da Comunhão Anglicana

Revmo. Dom Arthur Lichtenberger Bispo Presidente da Igreja Episcopal dos Estados Unidos

Revmo. Dom Lucien Lee Kinsolving Primeiro Bispo da Igreja Episcopal Brasileira

Revmo. Dom William M. M. Thomas Segundo Bispo da Igreja Episcopal Brasileira

Revmo. Dom Athalício T. Pithan Primeiro Bispo da Diocese Missionária do Brasil Meridional

Revmo. Dom Egmont M. Krischke Bispo do Brasil Meridional

Revmo. Dom Plínio Lauer Simões Bispo do Brasil Sul-Ocidental

ivmo, Dom Edmund K. Sherrill Bispo do Brasil Central

conferências da mocida- de, dos homens e das se- nhoras bem como da a- presentação de impor- tantes teses de autoria de leigos e clérigos de pro- jeção na Igreja.

Foram recebidas men- sagens de Sua Graça o Senhor Arcebispo de Can- tuária. Primaz da Comu- nhão Anglicana; do Bis- po Presidente da Igreja Episcopal dos Estados Unidos; da Igreja Luzita- na; da Confederação Evangélica do Brasil além de outras.

Diversas autoridades prestigiaram com sua pre- sença aos ofícios religio- sos então realizados.

Sua Excia. o Governa- dor do Rio Grande do Sul compareceu à magna so- lenidade comemorativa ao estabelecimento do episcopalismo no Brasil.

A PUBLICADORA EC- CLESIA, com imensa sa- tisfação, apresenta como seu primeiro lançamento «A Igreja Episcopal No País do Futuro».

Em suas páginas o lei- tor encontrará o pensa- mento cristão, sem fron- teiras religiosas, sobre os problemas do homem, da vida e do mundo.

59025TR

5-1P-S4 3P1B0