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Marquez d*Avila e de Bolama

A Marqueza

dAlorna

Algumas noticias authenticas para a liistoria

da muito illustre e eminente escríptora,

que 05 poetas seus contemporâneos denominaram

LISBOA 1916

IMPRENSA DE MANUEL LUCAS TORRES 87 RUA DO DIÁRIO DE NOTICIAS 93

A MAnOUEZA DALORNA

Oitava Marqueza de Fronteira e sexta Marqueza d'Aloina

Marquez d' Ávila e de Bolama

riarqueza ò'Alupna

Algumas noticias authcnticas para a liistoria

da muito iilustre e eminente escríptora,

que 05 poetas seus contemporâneos denominaram

AceiPE

LISBOA IMPRRNSA M MWUKL LI]r\S TOilUES

87 - R. òo Diário ôe Noticias - 93 1916

A' memoria veneranda

DA

ILL.n'a E EX."'» SENHORA

D. MARIA MASCARENHAS BARRETO

8.3 MARQUEZA DA FRONTEIRA

E

6;' MARQUEZA D'ALORNA

Em testemunho do mais alto c saudoso respeito, c do maior reconhecimento

tem a honra de offerecer estcis noticias de sua excelsa bisavó

O Genlral

(2^'KQiZ'i.i^,tee^ f/ (^^^v-f/o' f> </e (§A)o'C-aM-<t .

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r:'- 1 1968

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As noticias auílieiíticas da Marqiicza d Morna demonstram, que esta muito illus- tve fidalga, tendo tido, desde os oiíoannos, uma vida excepcionalmente accidentada, era dotada de tâo extraordinário talento, que se tornou notável por uma rara il- lustração nas lettras e na pintura, c isto quasi sem auxilio estranho.

A famosa Alcipe, que padeceu tão cruéis adversidades, venceu-as sempre com a mais admirável resignação, e falleceu aos 89 annos, deixando um nome, que será ve- nerado como o de uma das mais notáveis mulheres portuguezas.

Para confirmar a exactidão das infor- mações que vamos apresentar, devemos dizer que ou foram extraídas da «Xoíicia hiographica da /:.v."'" Senhora D. Leonor

li .\ l liwiiUi I'iuíti</ií / l.tn\'iui f l.iiUiístiw /yu/^lii íií/ii por stííis /il/nis. jui / tiíinclmçiht ílíis ()/yiiis poctiiiis (/(' AU i/H'». (' Ui/ii/w/ii í/l' oiiírcis jui/^lií-íiçõcs, ciuiliiílítSíinwnU' ci- tciilíis, oii nos foriini /hriwcidíis poi- pcn- soíís (1(1 nidior r('spcií(ihHi(l(i(lc , í/iw csíão ruis mclh()i\'s roíuhçõcs de o poder [tizer, com seífiirança, jieUis inenioricis de suds /iimiUiis (• p('Uís sii(i< (iiitiifíis relações.

o

A Marqueza d'Aiorna

CAIMIUI.O I

O tinteiro de Alcipe. Creação do titulo de Marquez de Alorna. AriTias da Casa de Alorna. Ascendentes de D. Leonor de A! nieida Portugal Onde nasceu a 4.'^ Marqueza d'Alorna Alcipe. As três épocas principaes da vida d'esta por mui- tos títulos illustre dama. Sua reclusão no convento de Chel- las. Sua educação. O gabinete de trabalho e o camarim de Alcipe no palácio Fronteira, em S. Domingos de Bem- fica. Prisão do Marquez de Alorna nos cárceres da Jun- queira. Descripção d'estes cárceres, ali mesmo escripta pelo Marquez d'AIorna, Documentos comprovativos da inno- cencia d'este illustre fidalgo.

Quando veio do Brasil para Lisboa o Marquez de Aracaty, ' trouxe de presente a Condessa de Oevnhausen um tinteiro de loiça, que tinha expressamente mandado

João Carlos Augusto de Oeynhausen, nascido em 1778, era filho natural reconhecido do Conde de Oeynhausen. Seguiu o Imperador D. Pedro ao Brazil, onde, depois de ter sido Capitão general na pro- víncia de Matto-Grosso, foi Governador da província do Geará.

Tendo sido Senador do Império, e tendo exercido, durante algum tempo, o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, no Kio de Ja- neiro, onde recebeu o titulo de Marquez de Aracaty, voltou a Portu- gal, sendo nomeado pelo Ministro da Bandeira, em i83õ, Governa dor de Moçambique. Ali falleceu em 28 de Março de iS38.

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fdzor iiii Iiidiíi. c (juc tem as sevHiintcs dimensões; 29 cen- timolrt>s Jc comprimento, sobre 14,5 centimotros de lar- Vjiira, tendo tie um e outro kido o escudo do Casa de Aiorna, com 50 millimetros de altura por 48 de larsjura.

Os dois lui^ares para os recipientes tinta e di\ areia Sc^o circulares, e teem tle tiiametrc^ 85 millimetros por 50 daltura.

I:ste tinteiro tem o alto valor histórico de ter sido usado pi^r Alcipe, se^íurameníe a mais illustre das antis^as escriptoras portu^niezas.

A propósito devemos declarar que a meza de traba- lho {.\i\ eruditíssima poetisa, guando residiu no palácio iTonteira, em S. Domins^os de IVmfica, estava collocada n um pequeno i^abínete, junto i.U\ famosa sala de estudo tie seus netos, que é uma das mais bellas salas <Ao palácio, e (.\(\ qual os últimos Marquezes de Fronteira e d'Alorna fizeram camará.

O i^jabinete de trabalho de Alcipe é um pequeno quarto, i^raciosamente decorado em estvio Iaiíz XV, tendo nas paredes formosas pinturas a fresco, que se admiram em (luatro quadros princípaes, com as dimensões medias de 1'".33 por 0"\S0.

O cjuadro. que se observa do lado direito janella, representa um pescador, que. em pé. pesca á linha na mari^íem de um rio, tendo junto de si uma mulher. i]ue vae mettendo o peixe n'um cesto,

O cjuadro do lado esquerdo é constituido por duas mulheres de fc^rmas opulentas, iiue. dentro de um rio. cuja av^ia lhes chev^a até meia perna, pescam com ca- marcxMros; sJic^ acompanhadas por um hoimin .nu- nest-.i a linha.

O terceiro qu^^^l'"^"* exprime uma caçada as lebres. Um destes animaes sobe uma encosta, persev^uido por dois v^al\ios. lunto de um soutc^ veem-se do\> caÇa(.lores. um dos c|uaes estii atirando sobre ii lebiv.

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Representa o quarto quadro uma scena pastoril na margem de um rio. Um pastor, assentado numa pedra, toca uma gaita de folies; próximo delle está fiando uma pastorinha, embevecida pela musica do seu companheiro. Animam também o quadro uma cabra, um carneiro e uma ovelha.

No tecto do gabinete, alem da soberba ornamentação em estuque, ha também interessantes paisagens, pintadas a fresco, e bem assim uns meninos, que svmbolisam as quatro estações do ânno.

Próximo d'este gabinete de trabalho de Alcipe. fica o camarim da extincta Senhora Marqueza de Fronteira e d'Alorna, e que o tinha também sido de sua excelsa bis- avó, a Marqueza d'Alorna D. Leonor d'Almeida. O ca- marim é guarnecido com oito admiráveis quadros de azu- lejos, que constituem o seu lambris e que sem duvida são os mais preciosos do palácio. A sua composição é ver- dadeiramente inspiradora, e torna a sala digna de ter sido predilecta da gloriosa Alcipe, a famosa poe- tiza, que nos legou tão soberbas producções do seu for- moso talento.

Nos referidos quadros temos a considerar: o pensa- mento que os inspirou; a belleza e a finura com que foram desenhados, e a sua primorosa execução. E não é fácil dar preferencia a qualquer destas notáveis con- dições, que distinctamente se destacam no exame dos quadros, surprehendentemente encantadores, e que são todos da altura de l'^,12.

Começaremos a descripção dos quadros por aquelle que se encontra á esquerda da porta, que communi-

1 '

cdÇiío tio CiHiuirini piim d Stíld contiijua; tom r",50 lic compritncnio c representei : um recinto ajardiniido em torno de parte de um grande edifício, nas costas do qual uma admirável estatua de mulher tem nas mJios uma taça t|ue lança copioso jorro tie av^ua. Completam o qucidro três damas, sendo uma linda, e todas eleijantemcnlc ves- tidas, e enfeitadas com ricos atavios, em que se distinjjue um donairoso lecjue. Por detraz do i^racioso jjrup«.> um cavalheiro, vieiililmcnto assentado, parece cortejar a dama tlií leciuo. cm (juanto. a pequena distancia, um esbelto mancebo, conversando com uma dama edosa. offerece visivelmente os seus s^ralanteios á linda dama que ante- riormente indicilmos.

No cháo, lunto do j^írupo central, estão alguns instru- mentos c papeis de musica; e mais loní^je vê-se uma for- mosa mulher, com 0110111 o<;l<i ri^nviTs.nuK^ outro cava- lheiro.

A parede froiileira á janella do camarim está tamlxMn ornamentada por um quadro de 3'". 70 de comprimento. i)ue principia n'uma fonte, alimentada por um i^iolfinho. perto do (jual estão assentados num banco de pedra uma tiarna e um cavalheiro, que lhe offerece um ramo de flores.

Sevíue-se uma espaçosa varanda, em que se está rea- lisando um concerto musical; no meio dc\ varanda vê-sc um i^rande cravo, no (|ual está tocando uma dama, sendo acompanhatla por cinco mancebos, que focam res^X'cti- vamente um violáocello. uma rabeca, uma flauta e dois clarinetes. A varanda tem pro.ximo do cravo uma virande abertura, que deita para um e.xtenso lavío. em que se vê. iunto lie uma escadaria de pedra, um barco tripulado por cinci'» pessoas. Na extremidaile e no primeiro plano iki Viuaiula. duas senhoras e um cavalheiro merendam .ippelitosos fructos. destacando-se nelles cachos de uvas.

Outro ()ua(.lro. S direita di\ jx^rta di.\ entrada, de l'".55 de comprimento, representa um vruix^ de tr«.^ jx*s-

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soas em diversão musical n'um jardim ; n'um canapé, artisti- camente trabalhado, estão assentadas duas senhoras, tendo uma sobre os joelhos um bandolim, e parecendo a outra estar cantando a musica que tem na mão. São acompanhadas por um cavalheiro, que toca rabeca em frente do banco.

Na parede fronteira á porta, onde começa a descri- pção dos quadros, admira-se um constituído por cinco í^raciosas fii^uras de mulher, ricamente vestidas, e por cinco mancebos, parecendo muito novos. Três das se- nhoras conversam animadamente, em quanto um dos rapazes está na posição de admirar um dos dois pa- res, que estão dansando. Assentado no chão um rapaz toca viola, tendo ão de si outrem, que olha attenta- mente para uma das trez senhoras do sjrupo, que men- cionámos.

Outro interessante grupo, á direita da janella do camarim, representa uma mulher edosa, abrindo uma teia de linho, sendo ajudada por uma raparií^a muito moça. Ao de ambas está uma dobadoira; vendo-se o fio da meada no collo da dama edosa.

A' esquerda da janella nota-se n'um jardim um grupo formado por duas senhoras, sumptuosamente vestidas, estando acompanhadas por um cavalheiro; parecem todas esperar com interesse alguém que deve chegar.

Ha ainda no parapeito óà janella outro quadro, que é constituído por uma fonte, junto da qual um homem e up.Ki senhora conversam animadamente.

O tinteiro de Alcipe. que se conservou em poder da senhora D. Leonor Maria Pernandes de Sá. afilhada e

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Icilora de Alcijx\ tem d cuithcnticiddde de ter estado cm jxKJcr desta senhora c\\é hoje (18 de Dezembro de 1914) em (|iie foi por ella offcrecido S senhora Maríjucza d'Avila e de holama, bisneta da excelsa escriptora, por ser filha de seu neto, o General D. Carlos Mascarenhas.

Representa esta valiosa dadiva uma prova do muito elevado apreÇo. cjue a siir." 1^. Leonor Ternandes dedica á snr.' Marqueza d'Avila.

A snr.' D. Leonor Lenia ndes reside ha annos em S. Doiiiinj^os de Bemfica, tendo sempre devido especial carinho á ultima senhora Marqueza de ÍTonteira c d'Alor- na. e á sua faiiiiiia.

O tinteiro foi offerecido com um retrato da snr.» Marqueza de Lrontoira. avcS tia sur."* .Maniueza d*Avila.

A proposilti do tinteiro de Alcipe, de que sahiram muitas das prodií^iosas manifestaçCx?s da sua intellii^encia por tantos tiluK^is luMabilissima. e dc\ circunstancia de ter de catla iatlo um escudo com as armas tia excelsa es- cripttira. ct>meçaremt>s pf)r fazer a tlescripgâo d*cstas armas.

As armas tia Casa tlAItMiia sJic» as dt^s Ct>ntle5 de Assumar. ptiis o titulo tie Martiuez tr,Mf>rna ft^i creado por 1). |oão V. p(^r carta tIe v> tle Novembro de 17.»^. para 1). Petlrt^ tlAlmeitla PcjrtuvMl. terceirc» Ct^nde de Assumar e primein^ .Martiuez de Castellc)-Ntn't\ A crea- Çc^t> do titulc> de Martiuez d'Alc>rna teve por fim recom- pensar tis ví''ii'Hles serviços, tiue c) primeiro Marquez presli^u ni\ Intlia. t^iule. cc>ni c> seu valc>r e ccínhecimentt^s mililares. ccínse^iuiu a tt^matla tia praça de Alc>rna. a 5 tie .'^lait> de 1746. tjue foi a principal causa de se tomarem

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mais quatro praças ao inimigo do Estado, o rajah Buon- soló. A carta de 9 de Novembro de 174S diz que, atten- dendo aos distinctos serviços que o Marquez de Castcllo- Novo lhe fizera na índia, onde ultimamente tinha tomado ão inimii^o as praças e fortalezas de Morna, Bicholim, Avara, Tyrácoi e Rary, devendo-se estes serviços, depois do auxilio divino, á actividade, vigilância e prudência mi- litar do dito Marquez, que com a sua presença e valor animou as tropas a despresarem os perigos e a obrarem as gloriosas acções, que foram de grande credito para as nossas armas e para o exercito portuguez no Oriente, para perpetuar a memoria das referidas acções, orde- nava el-Rei que, em vez de se chamar Marquez de Cas- tello Novo, se chamasse Marquez d'Alorna.

Este primeiro Marquez foi feito, no anno de 1750. Mordomo-mór da Rainha, que foi a Princeza D. Marianna d' Áustria.

Foram pães de D. Leonor d'Almeída "Alcipe,,. D. \oão d'Almeida Portugal, segundo Marciuez d'Alorna e quarto conde de Assumar, Vedor da Casa Real, Commendador dc\ Ordem de Christo, Capitão de cavallaria na Corte, e foi sua mãe a snr.^i D. Maria de Lorena, quarta filha dos terceiros Marquezes de Távora, Francisco d'Assis de Tá- vora, que era terceiro Conde de Alvor, ramo dessa mesma familía. e a Marqueza D. Leonor Thomazia de Távora, em quem tinha recahído toda a Casa dos Ta-

voras.

A filha mais velha de O. Leonor de Almeida, e de seu marido o Conde de Oevnhausen. foi pelo seu casa- mento sexta Marqueza de Fronteira.

A oitiivci Mciiiiu»''^^! <-l«-' I roíitcird c sexta Marqucza tl*Alomn. era bisneta de D. Leonor de Almeida, quarta Marqiieza d'Alornii. e do Conde de Ocvntiausen.

Colleccionando elementos para a historia da Mar- cjueza d'Alorna, a afamada e douta Alcipe, entendemos dever desde indicar a localidade onde nasceu.

Os Marquezes d'Aloi:na, Condes de Assumar. seus pacs, viviam na época do seu nascimento em parte do jjrande palácio, que havia no sitio do Limoeiro c que pertencia aos Condes d'Assumar; na parte restante do palácio, que deitava para o lar^o do Conde d'Assumar, estavam installadas a Relação e a prisão que lhe ficava annexa.

O nobre senhor Conde da Fii^ueira. D. losé de Cas- lello Branco, fez-nos o s^rande obsequio de nos informar cjuc a menina D. Leonor d*Almeida Portui^ial. a futura (|uarta Marqueza dAlorna. tinha nascido no referido pa- lácio dos Condes d'Assumar, o que lhe fora por vezes confirmado por seu neto o Marquez de Fronteira. 1). José Trazimundo Mascarenhas Barreto.

Por occasião deste nascimento deu-se a ses^uinte oc- correncia, que é tradicional familia Mascarenhas- Alorna : "Um dos presos que estava na prisão annexa e condcmnado a pena ultima, tendo sabido do fausto acontecimento do nascimento dc\ menina, poz-se a Viritar: "Senhora D. Leonor pequenina, peça o perdão d'este desvíraçado. cjue esfã condcmnado ã morte.» A chronica di^ familia affirma que o condcmnado foi per- dOi\do.„

Quarta Marqueza d'Alorna (Alcipe)

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Quando foi injustamente preso o Marquez d'Alorna, pae de Alcipe, nào residia no palácio do Limoeiro mas sim, no seu palácio a Jesus.

No tomo primeiro da Introducção das Obras Poéti- cas da senhora Marqueza d'y\lorna, considcra-se cm três épocas principaes a vida da notabílíssima escriptora :

l.íi Menina e donzella. na vida de seu pae o Mar- quez D. João d'Almeida.

S.-i Condessa d'OcYnhausen, na vida do Conde, seu marido, e viuva até á morte de seu irmão.

3.'' Marqueza dVMorna, depois dc\ morte de seu ir- mão e dos filhos d clle.

A futura Marqueza d'Alorna começou muito cedo a sentir os golpes do infortúnio, pois na edade de oito annos, foi com sua mãe e sua irmã D. Maria d'Almeida, depois Condessa da Ribeira, presa do Estado, no con- vento de Chcllas, para onde entraram a 14 de Dezembro de 1758; emquanto seu irmão D. Pedro, de três para quatro annos de edade, ficava, como que abandonado á compaixão dos seus familiares, e seu pae, o Marquez D. loão d'Almeida Portugal, próximo a partir para Paris co- mo Embaixador á Corte de Luiz XV, foi lançado no hor- rível cárcere da junqueira, accusado falsamente de ter conhecimento do attentado da noite de 3 de Setembro de 175S. No retiro de Chcllas. durante mais de dezoito an-

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nos, ficoii esta mcninii sem mcslres, c scni (jualqiicr au- xilio para a sua cducaçcio, a nJio ser a doulriua e ternura de sua nuU\ e mais tarde as máximas e conselhos de seu pae. tiue lhe eram commuiiieados com s^rave risco para elle e i>ara sua mulher e filhas. A sua educação muito deveu porem aos livros escolhidos, que lhe foram minis- trados pelos amis^os de sua familia. que a tornaram in- sis^ne no conhecimento das linv!uas e nas lettras, pela philosophia dc\ musica e da poesia.

lira especialmente encarresjado l\c\ reclusão da Mar- iiueza d'Alorna e de suas filhas, o Arcebispo de Laccde- monia, que a tornava desa^íradavel por todos os meios, liste Arcebispo era creatura do Marcjuez de Pombal.

I). Leonor d'Almeida conhecia a fundo umas poucas de lins^uas, tinha vasta instrucção scientifica, pintava ad- miravelmente, e possuia ao mesmo tempo as prendas do seu sexo.

Nas salas citava-se a sua intrepidez e o seu espirito, e dizia-se, em voz baixa, (jue estes dotes eram notavel- mente affirmados na sua presumida resposta ao Arce- bispo de Laccdemonia. cjue lhe ordenara se vestisse de côr honesta e cortasse o cabello, por ter commettido o }jrandc crime de introduzir seu irmão junto de sua mãe. fazendo tomar a este o loi^ar de asjuadeiro.

Ses^undo a mesma versão, não tendo I). LeoncM' tlAl- meida obedecido a estas determinações, o Arcebispo ameaçcni-a de fazer queixa ao Marquez de Pombal, ao íliie D. l.et^m^r respondeu:

l.c coeur dl''.lconore cst trop noblc ei crop ír.inc l*our craiiivlre ou rcspecter Ic bourrcau de son sang.

O Arcebispo não sjostou tia resposta, mas finv!Índo attender ã nuKidatle dc\ sua interlocutora, contentou-sc em replicar cjue. "visto nãi^ poiler nunca Siiir tlaquella

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clausura, tanto importava que andasse vestida de preto, como de encarnado».

A resposta attribuida a D. Leonor d' Almeida, apesar de vir escripta por suas filhas na Introducção das Obras Poéticas de Alcipe, não é porem exacta, como o prova uma carta a seu pae, escripta pelo próprio punho da insigne escriptora c que em seguida transcrevemos.

Meu querido Par c Snr. do meu coração

Uma historia verdadeiramente cómica deve olhar-se comicamente e receber V. Ex.'' com o conhecimento delia aquellas pequenas impressões de que é susce- ptível um animo philosophico, como o de V, Ex.'. Eu estou tão cansada de escrever que pouco me é possível dizer a V. Ex.'i, mas ao menos será o necessário. Chegou meu irmão a Lisboa bom, galante e estímabilissimo, e, não obstante as melhoras de minha mãe, o ar frigido e coado das grades metteu medo ao medico, mas não houve remédio se não condescender com os desejos que cila tinha de o ver, e passados três dias de meu irmão estar em Lisboa, este, muito impaciente de ver sua mãe, obteve um tácito consentimento da Prelada e entrou com um barril d'agua. o que lhe custou, mas deu tudo de barato, jantou comnosco. tivemos um dia de folga todos juntos, e sahio meu irmão a noite segundo o costume conventual, o qual admitte aqui infinitas pessoas com qualquer pretexto. Minha mãe estava fora da cama muito contente com o filho, e nós igualmente com o irmão ; nem por sombras imaginávamos que isto seria preju-

>(l

tlicitil a cojsti ncnhiima. línlrclanlo as freiras. furií")Sds contra nós. deram conia do que se passou aos Prelados com o aspecto inais horroroso que é possível, e no dia sevfuinte S tarde veio a cosinheira ou aia óã Prioreza chamar-me a mim e ti mana i.\c\ parte <\o Arcebispo de Lacedemonia. A primeira coisa que me lembrou foi res- ponder que nAo queria ir ; mas permittio Deus que minha m^c julviasse o contrario e fomos ambas, eu e a mana. Ao entrar na i^rade, sahio para fora a Prioreza e apresentaram-se-nos dois homens, um d*clles valia y)or um es()uadrão. era uma baleia de rebugo em um capote tie baeta usado, um d*aquelles concsjos que pasma à fas- pcct d'une soupe, c sem mais cumprimentos com as pupil- las, se sentaram os nossos dois prelados. Este ^ordo era o Inspector, e o Arcebispo de menor volume, disse : V. I:x.i^ podem estar a seu i^osto sentámo-nos. elle es- carrou, tossiu, c SC rensorgcant na cadeira principiou. Sua Mai^estadc, a quem constou o attentado que hontem commcttcu seu irnit^^o de V. Ex.»'' violando a clausura, me manda rcprchender a V. Ex.^^ asperamente e é scr- vidc^ ordenar cjuc V. Ex.-^'' n«^o tornem Á s^rade até sc- i^unda ordem -. que andem vestidas honestamente e que as suas creadas se reformem nestes oito dias. passados os quaes. se o nCio fizerem, tem a Prelada ordem para serem expulsas. Eu e a mana ouvimos em silencio mo- destamente estes quatro versos, e acabada uma sjrande prelenv'a ciue elle fez sobre as immunidades da clausura, respondi eu : Que o nome au^justo de Sua Mas^estadc bastava para iiue pessoas que tinham sido educadas com honra olhassem com respeito quaesquer ordens, e (lue eu assev^urava a S. Ex.' que ellas seriam executa- das com fidelidade e promptidt^o ; porem que o nosso attentado era tt^o horroroso cjue. depois de protestarmos a nossa obediente submissAc\ restava aimla pôr na sua verdadeira luz o pretenilido attentado e convertcl-o cm

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uma acção generosa digna da piedade dos nossos legis- ladores, e alem d'isso conforme ás liberdades que eram concedidas a minha mãe. Pintei-lhe com cores bastante- mente vivas um filho que despresa o trabalho mais pe- noso para consolar uma mãe afflicta, e satisfazendo com o seu cansaço as apertadas leis da clausura. Disse-lhc que havia uma multidão de casos idênticos, e que demasias de pezares sem esperanças dallivio davam motivo a que abusassem do nosso estado as nossas ac- cusadoras. Perguntei-lhe se meu irmão padeceria também alguma coisa. Respondeu-me que não, porque meu irmão era um heroe, um assombro nos estudos, e fez do rapaz o elogio mais completo. Agradeci-lhe aquellas expres- sões, e disse-lhe que se nós tivéssemos a fortuna de ap- parecer no mundo, eu me lisongeava de que parecería- mos innocentes como elle, mas que dado o caso de padecer alguém, nós lhe pedíamos que quízesse S. Ex.' voltar tudo contra nós e poupar minha mãe e meu ir- mão. Não me esqueceu nada para mostrar-lhe o pezo âà sua injustiça, e descrevi o estado de minha mãe. se- gundo o sentia o meu coração, capaz de abalar uma pedra, por que ainda que minha mãe não tem nada. se uma filha tem arte de communicar a sua sensibilidade aos outros sempre os faz padecer, c V. Ex.» verá nas cartas que lhe vão o estado em que a julgam. Peço a V. Ex.a que delias não infira nada que o afflíja. porque eu lhe juro que não ha razão para tal. Emfim eu escrevi ão Arcebispo, e tendo escripto ao Conde dos Arcos e a D. loão de Faro, por que figurando eu scS neste caso e sendo obrigada pelo mesmo Arcebispo a não commu- nicar nada a minha mãe, emquanto elle trabalhava por nos restabelecer, não foi possível deixar de ciuebrar umas leis, quebrando-se aquellas t^ue deviam abrigar-nos destas sem razões. A respeito de vestidos, os nossos não foram invejados senão por limpos, e o .Arcebispo mesmo se

T)

nu tliis rc>|H^^t.i> |)liilt)s(>|)liicii> i|ik- lhe tlci, c tlii prom- pticK^^o com que mo i]u\z lov^o vestir pela sua eleição, achiindo-me muito honrddd em Í:l-Reí se divinar dar or- dens, numa matéria que eu muitas vezes deixava ao arbítrio do mercador. A reforma das creadas consiste em dois covados de cassa postos na cabeça. Considere V, Kx.a as difficuldades e os casos que fazem rodar um Arcebispo, de Lisboa até aqui. Chamar s^fente branca para a reprehender, e no fim dizer-nos que não neces- sitávamos de enfeites, porque somos muito bonitas. Ria-se meu cjuerido Pae. e olhe para estas coisas como mere- cem. Hoje esperamos que tudo se remedeie, porcjue o Marquez de Pombal disse hontem publicamente, que o caso não valia nada e ciue as freiras nos accusaram fal- samente, l^ecados ao inam-» e adeus que absolutamente não posso mais.

De V. Ex.a

Pilh.1 nuiiU^ amante c ( ihi'tli(.Mite

Noutra carta a seu pae. D. Leonor d'Almeida escre- ve-lhe cjue não esteja com cuidado no seu futuro, (juando continue a perse^uil-as uma sorte ; porque cjuando lhes não possam ser de utilidade as suas habili- tações litterarias. tanto ella como sua irmã estão em con- dições de v^anhar a vida, conu^ cozinheiras, bordadoras. costui eiras, enviomadeiras e em qualcjuer dos outros mes- teres mulheris: o accrescenta qu^' julv^a bem preferivel a situa<;ã(^ resultante de i)uaU|uer ilestes empresjos. *1 con- liicAi^ deprimenti- ili- p-uIitim «-«s hiMiiMfs (.ja miséria.

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Note-se que esta phílosophíca asserção era sustentada por uma joven senhora do mais alto nascimento, e que bem provava assim a grandeza áã sua alma.

A fama das poesias da futura Alcipe, que principia- ram a apparecer, e a da sua deslumbrante belleza. foram attrahindo á grade do convento muitos admiradores, entre .os quaes se contava o próprio Filínto Elysio. -

Estavam então em moda os outeiros na Corte e nos conventos.

Os do convento de Chcllas passaram a ser frequen- tados pelos sócios da Arcádia, onde alem de Francisco Manuel do Nascimento, havia muitos e bons poetas. Foi Fílinto Elysio que começou a celebrar D. Leonor d'Al- meída com o nome de Alcipe. e sua irmã D. Maria d'Al- meida com o de Daphne.

Do primoroso trabalho que a consagrada escriptora. a Ex."i.-i Senhora D. Maria Amália Vaz de Carvalho, in- seriu no Capitulo I do Boletim segunda classe da Academia das Sciencias de Lisboa '. trabalho que se in- titula "A Marqiicza de Alorna. A sociedade e a litícratiira do seu tempo, ,, tomamos a liberdade de copiar o seguinte periodo :

"Um dos encantos com tjue Alcipe deslumbra o sou

1 Vol. VI - N." 2 Julho, it)i2.

24

iiuditorio consiste \w iiicmorid proJivJiosii t|iic olla jx>s- suc c que manifesta, repetindo a decimo ^'alanteddora, ou o alambicado soneto, mal o seu autor acaba de im- provisal-o.,.

No Capitulo li! deste lioletim a sua muito illustre au- tora, descrevendo D. Leonor d'Almeida, quando cm 1777 sahiu do convento de Chellas, pela morte de El-Rei D. \oié. diz :

"Do retrato da nossa biosjrafada, que ainda hoje se admira numa das salas masjnifica vivenda dos Mar- (luezes de Fronteira, em Bemfica, a belleza imperial de Leonor resalta com expressão admirável. Não era so- mente uma mulher bonita, era uma mulher encantadora. Tinha a sas^acidade critica, o espirito leve e sarcástico e a observação nítida e profunda dum moralista. Nas suas poesias contaminadas, é certo, pelas pechas dci escola pseudo-classica, em que fora educada, e á qual subordi- nava o seu nativo engenho, cheias de alusões mytholo- Víicas, indispensáveis ao tempo, revela-se no entanto um bello poder descriptivo e uma força de reflexão viril. Mais tarde a educação que lhe deram as viaijens e o conhecimento da litteratura estrans^eira completaram e aperfeiçoaram o seu talento, e ella foi entre nós. como a Sjaol em Prança, uma espécie de iniciadora, de reve- latlora do pensamento c d*y poesia do Norte, que nos oram inteiramente desconhecidos...

Pstando muito doente com um ataiiue de nervo:? que lhe tomava os movimentos, a mãe de D. Leonor d'A!- meitla. chamou esta cjiie contava apenas 1 1 annos. nu>s- Irou-lhe umas tiras de papel, tcxlas escriplas com tinta

Segundo Marquez d'Alorna, antes de ser prezo no forte da Junqueira

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encarnada, e disse-lhc: "xMinha filha, conhece esta letra ?— Paréce-me a letra de meu pae Pois bem, é de seu pae. mas escripta com sangue, e se a minha filha revelar que viu estes papeis, o sangue de seu pae, o meu e o seu próprio correrá,,. '

Ficou assim D. Leonor d'Almeida encarregada por sua mãe da correspondência com seu pae. Tendo-se perdido quatro annos depois, involuntariamente, uma destas cartas, o susto e afflicção em que D. Leonor ficou por esta perda suscitou- lhe a ideia de tomar o habito de freira, para ver se por este meio podia reparar esta culpa involuntária; alcançou para esta resolução os votos das relioiosas, mas para nella se fortificar, confessou-se ao douto padre Frei Alexandre áã Silva, que foi depois Bispo de Malaca, e que, bem longe de a ajudar no seu propósito, lhe aconselhou a que ouvisse a Marqueza, sua mãe, e lhe beijasse a mão, porque em tão poucos annos não devia seguir somente a sua vontade. A este Padre de juizo; e também poeta, sócio da Arcádia portugueza. devem as lettras o ter sido desviada da resolução de se fazer freira a depois famosa Alcipe.

' E' possível que a Marqueza d'Alorna acere Jitasse que era san- gue a tinta de que usava seu marido, ou que se servisse d'csta ficção [>ara melhor compenetrar uma creança de onze annos da gravíssima responsabilidade em que incorreria se communicasse, a quem quer que fosse, o segredo da correspondência com seu pae.

Mas não é necessário accrescentar mais esta atrocidade ás muitas que impendem sobre o Marquez de Pombal no pavoroso processo dos Tavoras, visto que a tinta, que empregava o Marquez d'Alorna, era na realidade o producto da acção do vinagre, que lhe era forne- cido para as suas refeições, sobre a tinta encarnada da pobre mobília, que guarnecia o seu lúgubre cárcere.

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Nt"»ticicnu")S cm duas palavras um íactii impoi iaiiii>- sinuv Tendo fallccitlo I:l-I^ci D. )osc a 24 tlc I-ovcrciro de 1777. o tomando as rédeas do s^oveino a Senhora D. Maria I, abriram-sc as portas dos cárceres, c n'um dia (lue ficou para sempre assi^naiado. ches^iou pela meia noite a Chellas o pae de Alcipe. que não era o ^jentil cavalheiro de '25 annos. que tinha entrado para o forte l\c\ luntjueira, mas com o semblante macerado pelos pa- decimentos d'uma prisão tão dilatada e riijorosa.

Alem óc\ Marcjueza e de suas filhas, esperavam o Martiuer (.i'Alorna n^^ Lírade. >;rande numero tie pessoas. parentes e amii^os, c|ue haviam concorridt-» a festeiar a sua vinda, e cumprimentar a sua familia.

Na sala dos painéis do Palácio dos Mar(]uczcs de Pronteira em S. Dominsiios de hemfica. existem dois re- tratos do Marciuoz d'Alorna : um. in>^">'"«-í<^^ «-1^^^^ '^^ annos foi encerrado no \ov\c da junqueira, e outro, quando dezenove annos mais tarde, pelo fallecimento d'i:l-í^ei D. losi?. e dc\ subida ao throno da Rainha 1). Maria I. \o\ libertado do horrivel supplicio dc\ sua prisão.

l\ira se f^^^er ideia dos tormentos que o Marquez Ll'Alorna patleceu. durante os tiezenove annos, que esteve encerrado nas prisões da junqueira, vamos dar uma breve noticia d'eiies. transcrevendo o que a este restx^ito se no Capitulo I d'" As prisões da Jiinqucira, ditraníc o Ministcrio do Murqiuz de Poinlml, cscriptas ali nirs/rio pelo Mar- quez d' Alorna, uma das suas victimas...

O referido CafiituJo I trata lia tlescrip^:ão dos cár- ceres, c cctme(;a pt^r infortiiar i]ue eram em numero de

À

Segundo AlaiLiiicv crAlorna, quando saliiu da prisão da JunqucMra

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dezenove, sendo dois quasí inteiramente escuros, e ha- vendo, entre os outros, dois que pela sua pequenez e por estarem perto de um cano por onde se despejavam as immundícíes, eram reputados os peores.

"Em um (Vestes, diz textualmente o Marquez d'Alor- na, c a nossa habitação, ha dois annos, menos apertada do que cuidávamos no principio, por conta da tarimba, que llie cons- truimos com as nossas mãos, sem ajuda de ninguém, para a qual nos foram dadas duas portas velfias e licença para comptar três barrotes.

"Por cima da porta ficavam as janellas com duas grades, distantes dez palmos uma áã outra, por ser esta a larcrura da parede. Ha ainda por fora das janellas uma parede, levantada a altura que tira ás janellas a vista de qualquer objecto exterior; mas que tira tam.bem aos cár- ceres orande parte da luz. ficando estes assim com tão débil claridade, que se não podia ler sem candieiros. Por esta razão a maior parte dos presos, em cujo numero entramos nós também, tem luz na casa perpetuamente: e se acham a estas horas com a vista bastante enfraque- cida.

«O comprimento dos cárceres é pouco mais ou me- nos de sete palmos ; todo o edifício estava tão fresco, quando para elle foram transportados os presos, que com o dedo se lhe faziam buracos profundos nas pa- redes.

"Desta deshumanitaría circunstancia resultaram para os encarcerados muito frio c uma humidade intolreáveis.

"Debaixo da prisão do Marquez e ainda um pouco mais para o lado da terra, havia três casas subterrâneas, duas das quaes serviam de cemitérios, sendo a terceira, sciííundo diziam, destinada para tratos.,.

Pela descripção do Marquez d"Alorna fica-se sa- bendo as brutalidades com que eram tratados os presos

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}K'lo Dczcmhtiis^iKlDr-carccrciro. c por siui ordem pK»li>s vniiirdcis o nidis pess<.xil da pris<^o, sondo inauditos t)s horrores que passavam por falta de vestuário e falta de aceio nas roupas de cama, c principalmente na comida, cjue. alem de cosinhada com sJeneros de péssima quali- dade. Ilu"-^ i'io siMviíi.i iIc iini iiii-íeio as()ueroso e repu- j^nantc.

Era encars^o i^ieral dos presos o de varrerem as suas casas, fazerem as camas, e alimparem os seus candieiros e os seus lalheres; iiinv^uem, quakjuer que fosse a sua ediuic ou catci^ioria, se podia dispensar deste trabalho, sob pena de soffrer porcarias de toda a casta.

I:ntre as perversitlades que padeciam nas prisões tia luiiciueira as victimas do ódio e áã inveja l\o Marquez tle Pombal, ali encerradas por ordem delle. devem ci- tar-se as cjue dizem respeito aos enfermos : assim. sei*uniK> a descripção do Marquez d'Alorna, os médicos iam poucas vezes visital-os, ainda nas moléstias mais víravcs. e a maior [larte das visitas eram feitas por ceremonia. No principio entendiam os presos que procedia dos mé- dicos a falia de assistência ; conheceram depois clara- mente o contrario ; a uma queixa de um dos doentes ao medico por ni\o ter vindo, respondeu este que muitas vezes vinha á sala tio Dezembarviíador ' para ver c>s tioentes tjue lhe tlavam cuitladt^. mas que ali lhe diziam ífiw SC fosse embora, porque não eram necessários os seus serviços.

O l)ezembarv4atK>r linha sidc» adrede esct^lhidt^ \>c\o Maitjuez de Pc>mbal para carcereirc» das suas victimas.

O referitic) medicix de nome Martinht^, disse também ct>m relat^Ai^ a remetlit^s. cjue havia uns doentes que elle curava ct^mc» ententiia. mas que a outros não os po^Ua eurar,

' A cnlr.ui.i ilos nicilis.<>N n.is Irisocs li.t .luiu|iicir.i cr.i |Mir vNlâwl.i.

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senão como lhe mandavam. Com cffcíto, se o que receitava não era muito barato, ou se era alguma coisa custoso para os guardas, não se executava a receita.

Díspensando-nos de referir muitos remédios, que se não ministravam, diremos apenas que tendo o medico ordenado que se comprasse uma espécie de celiia es- treita para o Marquez d'Alorna metter os pés, ficando com a agua ate junto dos joelhos, esta ordem provocou o riso dos guardas, e não foi executada, assim como muitas outras determinações do mesmo medico.

O que se passava com a comida aos doentes era verdadeiramente monstruoso. O tal Dezembargador- carcereíro, que deve ser com justiça classificado como uma fera brutal, que por todos os modos procurava mortificar a triste situação dos prisioneiros, dava-lhes como consolação única a promessa de que, logo que morressem, se venderiam os seus trastes para se manda- rem resar missas por sua alma com o seu producto. O Marquez d'Alorna conta também que o Dezcmbarga- dor, com incrivel malvadez, lhe dera a elle próprio esta consolação, n uma circunstancia em que o seu estado de saúde era tão melindroso, que se suppunha que es- tava irremediavelmente perdido.

Terminamos esta lastimável descripção com mais uma horrorosa referencia : Em morrendo algum preso, cuida - va-se logo do seu enterro ; a maior parte passavam para a cova poucas horas depois de mortos, e desta forma, sabe Deus, se enterrariam alguns ainda com vida.

Excede como se vê, quanto se possa imaginar o tra- tamento dispensado aos doentes; para não enojar o lei- tor, dispensamo-nos de contar outras verdadeiras incle- mências que eram feitas aos presos.

Abstemos-nos de proseguir nesta medonha exposição, porque basta o que levamos dito para avaliar as atroei-

Mi

ddJcs niic os prcs<.>s padeciam, c que victinidram a rnuitt>s tlcllcs, caustindo-lhcs a loucura e a morle.

Accrcsccntarcmos porem apenas, c|uc as pcrversida- tles gue o Dezembarsjador carcereiro mandava fazer aos presos, com mào larjja, erain do inteiro conhecimento de tiuem tinha ordenado a sua horrorosa c injustíssima reclusAo.

Na ObservaÇi^o que precede a muito interessante pu- blicaçCio "As prisões |unc|ueira», descriptas pelo eru- dito í2." Mar(juez d'AIorna. pae di^ Marcjueza d'Alorna, Alcipe. enciMilram-se documentos comprovativos da com- pleta innocencia do Marquez, que deveu ao Marquez de Pombal estar ncllas preso, como dissemos, durante dcse- nove annos, e isto apesar de varias instancias suas para ser mettido em processo, visto nunca ter sabido, nem antes, ncni no tempo da prisdo, nem depois, a causa por ijue o prenderam.

A Rainha I). Maria I. informada da inncKencia do Marcjucz d'Alorna. mandou-o soltar fmr Portaria de 7 de Março de 1777.

A esta Portaria scí^ukvsc o decieiv^ de 17 de Maio do mesmo anno. o cjual é do theor sevjuinte :

"Por quanto fui servida mandar tjue o Marquez ilAlorna. quando sahiu dc\ prist^o em que se achava, se retirasse d'esta corte em cjuanto se mio justificasse da mais leve culpa de inconfidência, e requerendo-me o dili^ Maríjuez a e.vacta averiviuaçAo dt.\ sua inntx^encia ou culpa ; sendo commettido este inuxutante neviiKio a uma junta de Ministn^ divrni^s delle- com assistência do PrtuHirador ila minha real Coroa, foi por /odos uniforme-

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mente julgado que o dito Marquez se achava innocente, c sem prova por onde se podesse dizer culpado : Hei por bem de o declarar assim para que possa ser restabelecido ás hon- ras e liberdades, que por direito lhe pertencem.

Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, aos 1 7 de iMaio de 1777. Com rubrica de Sua Magestade.,,

O Decreto, que acabamos de copiar na integra, é não a prova provada da innocencia do Marquez d'Alor- na, mas demonstra a mais completa evidencia as atrozes arbitrariedades, praticadas pelo Marquez de Pombal, contra aqucUes que se lhe avantajavam em saber, em .virtudes, e muito especialmente em nobreza. Esta ultima condição constituia o lado fraco do famoso e notabilis- simo estadista.

No "Perfil do Marquez de Pombal,, interessante livro, devido á muito erudita penna áo eminente escriptor Ca- millo Castello Branco, e no capitulo que se intitula "O Marquez de Pombal e o terremoto,,, encontram-se im- portantes noticias dos serviços prestados pelo Marquez d'Alorna, pae de Alcipe, por occasião do terrivcl abalo scismico. que tão grandes prejuizos causou á bella ci- dade de Lisboa, e bem assim das memoráveis beneme- rencias que praticou a preclarissima Marqueza de Tá- vora, avó da quarta Marqueza d'Alorna.

No mencionado capitulo leem-se as importantes re- ferencias, que passamos a expor: "entre os que se dedicavam a minorar os formidáveis estrasjos. causados pelo terrivel terremoto, devem recordar-se os actos es- pontâneos executados pelos nobres e pelos parochos, salvando os moribundos e sepultando os mortos. Entre os primeiros vem citado D. loão de Bragiança, o futuro e muito illustre 2." Duque de Lafoens. que arrancou áa morte muita oentc entalada nos vis^amentos abatidos.

i2

Pelos iirrcJorcs de Lisboa andiiram vários fidal^jos, com <Y> seus niotiicos. cuiiindo feridos. Os mosteiros abriram espoiítiHieaniente as suas cjrcas para liospitaes, c os frades davam aos feridos o seu pâo, e os disvelos de enfermeiros e consoladores. Os conchos regrantes c os oratorianos receberam em S. Vicente e nas Necessidades muitas famílias desvalidas a quem sustentaram e abriíja- ram nas suas cercas. Os filhos bastardos de D. João V, denominados os Meninos de Palliavan. recolheram no paÇo e no jardim de Palhavan mais de duas mil pessoas, que alimentaram c vestiram durante muitos meses. Outros fidalijos, nestes extremos de caridade, empenharam os seus haveres desfalcados pela desí^raça commum. Parte . do palácio dos Tavoras. no Campo Pequeno, constituiu-o a Marqueza em hospital, de que ella foi a mais caridosa enfermeira. Poi mais um alto serviço, prestado pela no- bilíssima Marqueza de Távora, c que se procurou occul- tar e esconder, como aquelles que praticou na índia, durante o memorável periodo de quatro annos, em que nniúo distinctamente exerceu ali as funcções de Vice- kainha.

Devemos recordar também cjue neste mesmo capi- tulo do «Perfil do Marquez de Pombal» vem a celebre phrase im['»ropriamente attribuida ao Marquez de Pom- bal, em resposta á peri^unta do Rei I). losé. (jue, aterrado com a horrorosa calamidade, que imtxMidia sobre Lis- boa, exclamava : "O que ha-de asjora fazcr-sc?» Enterrar os mor/os, cuidar dos vivos c fechar os portos, respondeu o Martiuez dVMorna.

I:sta conceituosa resposta foi attribuida inexactamente ao Marquez de Pombal pelos seus adeptos, e talvez este d'ella se recordasse cjuanilo mandmi injustamente encer- rar nos fiMles tia lunqueira o Marijuez d'/Morna.

Conde de Oeynhausen, marido de Alcipe

CAIM lULO II

Fintrc os pretendentes á sua mão, D. Leonor de Almeida escolheu o Conde de Oeynhausen. Motivos porque esta inesperada escolha não foi do agrado do 2." Marquez d'Alorna. Ba- ptismo do Conde de Oeynhausen, e seu casamento com D. Leonor d'Almeida. Nomeação do Conde de Oeynhau- sen para Ministro plenipotenciário na Corte de Vienna d'Austria. Distincto acolhimento ali feito aos Condes de Oeynhausen. Concessão á Condessa da Ordem da Cruz Estrellada. Copia de uma carta que lhe foi dirigida pelo Imperador d'Austria José H. Outros argumentos da muito subida consideração dispensada á Condessa de Oeynhausen, especialisando o de Madame de Staèl.

Sobre a seounda época da vida da senhora D. Leo- nor d'Almeida, Álcipe, observemos, que cedo apparece- ram pretendentes á sua mão, pois as suas prendas e perfeições attrahiam as attenções s^eraes.

Entre os pretendentes apresentou-se o Conde de Oeynhausen Grcewemburo, que tinha acompanhado a Portus^al seu primo co-irmão o Conde Reinante de Schaumbouro-Lippe, Príncipe soberano em Allemanha. que no reinado de El-Rei D. José. viera para Portuoal commandar o exercito portu^fuez. Não seria o Conde de Oeynhausen o candidato preferido por o Marquez d'Alorna. pela circunstancia de ser estrangeiro, e de lhe

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lov.ir |H>rt.niio siui \\\\u\ pam lonv'c-> terras ; conít^rmou-sc cdiuIikIo loiíi a escolha ilc Alcipc. que achou muito tlivina da sua família. l:sta explicação do casamento de sua mi^e, que se encontra na Noticia bit>v'rat")hica da liv."" Senhora D. Leonor dAhneida. Marqueza dAlorna, publicada na IntnxiucÇc^o das Obras ptxMicas de Alcipc. justifica-se pelo res|xHto filial, hasta considerar a ccrtídáo dii baptisint^ i.\o Cc»nde de Oevnhausen. estando ao p<5 dA pia baiMisinal a Kíainha I). Maria I e l:l-Pei D. Pedro III. para se ficar certo (Ái\ alta nobreza do ncóphitc*

" Aquclles que não julg.ram hasiante concludente, para provar a nohrc/a 'Jo Conde de Oevnhausen, o elevadíssimo arf;umento de terem sido p:uirinhos do seu haptisado, c de terem aellc pes^oalmcntc assis- tido, a Rainha D. Mana 1 c o Rei P. Pedro III, sendo talvei: deste nu- mero o Marquez dAloína, pac de Alcipe, não podiam então considerar uma circunstancia que mais tarde aflirmou indiscutivelmente a alta linhagem do marido da grande escriplora portugueia, que foi depois Marqueza dAlcrna, c ConJessa de Assumar e de Oevnhausen.

Ksta illustre senhora recebeu a muito subida mercê de ser no meada dama da Cruz l.strcllada, pelo Imperador d'Ausiria José II, para o que teve o Marquez d'Alorna de mandar para Vienna os documentos comprovativos dos muitos quartéis da nobreza de sua filha.

A (Condessa c*e Oc\nhau>en. D. Frederica, tilha de Aicipe, rece- beu também a mtsma disiinciissima mcrcc, ficando assim demons- trada, com to ia a segurança a nobreza do Conde, seu p«e.

Consideremos ainda que a Rainha 1). Maria I concedeu A excelsa Viuva do (ieneral (^onde de Ocynhatisen, por diploma régio, a graça muito excepcionj] do titulo de Conde de Oevnhausen a todo» o$ seu* descendentes legiiliíos, e bem assim o tratamento de Kxcellencia Kste novo e distinctis^imo documento de nobreza afasta qualquer duvida, que vjbre ella se podcsse ou se quizcsse levantar.

Da graça de serem (^ondcssas de Oevnhausen aproveilaram-sc duus filhas solteiras da .Marqueza dAlorna. Assim o cstat^clecem oa papeis de Aicipe, entre os quaes se encontram numerosas cartas, di- rigidas ús III."** c Ex"«* Senhoras Condessas de Oeynhausen, D l°(cderica. ou I). Henriqueta, e a S. D. Mndemoiselle la Comiesse de Oc\nhausen, Irédériquc ou ilenrictte.

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Apczar porem de ser o Conde de Oevnhnusen de iiobilissima e principesca estirpe, o Marquez d'Alorna fez violenta opposíção á escolha imprevista de sua filha, que o tomou para marido, sem attender á sua grande pobreza, e esquecendo-se dos seus protestos de obede- cer em tudo a seu pae, e especialmente em assumpto tão sério, como era o casamento.

Não foi, nem podia pois ser do agrado do Marquez d'Alorna a escolha para marido, que fez sua filha do nobre fidalí^o alemão, porque previa os embaraços e amarguras, que devia padecer, por falta de meios, pa- ra sustentar a posição, que a sua situação social exi- gia.

O descontentamento do pae levou-o á interrupção de relações com sua filha, que chegou ate cessar de responder ás suas cartas: teve portanto como causa de- terminante aquella que acabamos de apontar.

Nas cartas do baillio de Malta, D. Luiz d'Almeida, á Condessa de Oevnhausen, sua sobrinha muito querida, encontram-se successivas referencias ao estado das re- lações do Marquez d'Alorna com sua filha, e muito grande satisfação quando estas relações se restabelece- ram, reatando-se a interrompida correspondência, cuja falta muito amofinava a Condessa de Oevnhausen.

Para que a escolha de Álcipe se podesse porem rea- lisar, abraçou o Conde de Oeynhausen a religião catho- lica romana, sendo padrinhos neste acto a Rainha D. Maria I e seu marido Bl-Rei D. Pedro, por quem n'esta occasíão foi armado Cavalleiro da Ordem militar de Chrísto, sendo convidada toda a Corte para assistir a estas distinctas cerimonias. Sua Magestade a Rainha deu-lhe o abraço ou accolada, El-Rei pôz-lhe o cinturão e tocou-lhe com a espada nua, e os Principes D. losé e D. loão ajudaram os Reis seus pães n'esta solemne inves- tidura, em que Suas Magestades tiuizeram mostrar o

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muito i|iic pri>lc\íiam esta ailiaiiça. ' A esta investidura scvjuiu-sc a iionicaçJio do Comlc de Ocvntiauscn para o commaiulo cio 6,<' rci^imcnli'» do Infantcria. guc era ent»io o primeiro re^limento do Porto, para onde Iojjo partiram os Condes de Oeynhausen: isto passou-sc cm 1780. Dois mezes depois o Conde de Oeynliauscn foi nomeado mi- nistro plenipotenciário junto li Corte de Vienna d'Aus-

N'cs(ii noiíi apresentamos .1 copia da ccriiJfio auiheniifa do ba- ptismo lio Conde de Oiiynhausen

Kr. Ignncio de S. Caetano por mercê de Deus e da S. Sedo Após tolica Bispo de PcnaíUI do Cons.» de S Magcstade FideliisJma, seu Confessor, e das Sereníssimas Senhoras Princeza, e Infantas de Por- tugal, etc

Attestamos, e fazemos certo a todas, cada uma das pessoas d? qualquer prehcminencia, gráo, ou condição que sejam, a quem csl.is nossas letras forem apresentadas : que no dia quinze de Fevereiro pró- ximo passado, em o Oratório dos Paços Reaes de Salvaterra de Ma- gos, em presença de Suas Magestades Kidelissim.is, e mais Posoas Reaes; c Oiticiacs da Sua Casa, administramos solemnemente o Sa- cramento do Baptismo, sub conditione, ao III."" e Ex."" Conde de Oeynhausen com o Nomo de Pedro, Mana, Josc, Carlos, Augusto sendo Suas Magtstades Fidelissimas seus Padrmhos, havcndo-sc ante- cedentemente reconciliado com a Igreja, e na forma d'ell3, depois de admittido ao seu grémio, absolvido das censuras aJ caulellani; o qual nasceo na Cidade de Hanovcr cm Alemanha, em cinco de Dexembro do anno de i;3M, ellc filho legitimo de Frederico Uirico Conde de Oeynhausen, e de Cuilheimina dizemos, c de Fcdcrica (íuilhelmina Condessa de Schulemhour^', : e depois de haver recebido o f^aplismo. logo no mesmo acto, lhe conferimos o Sacramento da Confirmnçfio, em que foi seu Padrinho ICl-Hei Fidelíssimo o Snr. I). Pedro 5.». De- pois do que. por commissão ua Fidelíssima Kainh.t N Sor como (lovcrnadora. c perpetua Adminisirado'a da Ordem de Christo. lhe lançamos o Habito da referida Ordem sendo ji armaio Cavallciro por Kl-Rci c Príncipes Nossos Snr.*. c o Snr. D. Jofio MorJomo-Múr «la Casn Real. precedendo o haver publicado, em voi intclligivel. que toilos perceberam, o III.""' e Ex."» Visconde de Villa Nova de Cc.vcira Mmistro Secretario ile Kstado do» Negócios do Reino, que a mesma

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tria, tendo pois de deixar o commando do rej^ímento. Não acompanharemos a Condessa de Oevnhausen na sua viai^em pela Europa, e residência em Víenna d'Austria ; diremos apenas que por toda a parte foi alvo das maiores attenções, devendo especialisar-se as que Ilie foram feitas em Vienna d 'Áustria pela ^rande Impe- ratriz Maria Thereza e por toda a Corte.

Senhora, por graça especial, para a recepção daquelle Habito dispen- sava em tudo o que fosse prohibidopor Definiiorios, Leis, ou Estatutos da mesma Ordem. Em do que mandamos passar a presente pelo Nosso Secretario infrascripto. Dado no palácio de N. Snr." da Ajuda sol) nosso Signa! e sello de nossas Armas aos vinte e trez dias do Mez de Março de 1778.

Fr. Ignacio Bispo de Penafiel De mandado de S. Ex.a

Francisco T. de Mendonça Secretario

José Mendes da Costa, Desembargador da Relação Ecciesiastica. Juiz do Tribunal da Nunciatura Apostólica, e Prior da freguezia de Santa Isabel, Rainha de Portugal, etc.

Certifico, que a folhas duzentos sessenta e seis verso do Livro oitavo dos Baptisados d'esta dita freguezia, se acha um Assento do theor seguinte Em os dezenove dias do mez de Abril de mil sete centos setenta c oito, nesta Parochial Igreja de Santa Isahel, Rainha de Por- tuga), me foi apresentada uma Petição em nome do Illustris- simo e Excellentissimo Conde de Oeynhausen, com uma Attestação do Excellentissimo e Reverendíssimo D, Fr. Ignacio de S. Caetano, Bispo de Penafiel, do Conselho de Sua Ma«restadu Fidelissima, seu confessor, e dos Serenissimos Senhores Princeza e Infantes de Portu- gal, em data de vinte e trez de Março d'este mesmo anno, pedindo ao Excellentissimo e reverendíssimo .Arcebispo de f.acedemonia. Provi- sor e vigário do Eminentissimo e Reverendíssimo Senhor Patriarca eleito e vigário capitular da Santa Igreja Patriarcal Lisbonense, sédè vacante, que na forma da dita Attestação lhe mandasse abrir Assento do seu Baptismo no correspondente Livro d'esta freguezia. por ser

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C) IiinxTiKlt>r li^sc II. íilhi^ ílii vTiIihIc Inípcrdtriz. suc- ccticntlo a sua iiu^c. continuou a disivnsvir á Condessa de Oevnhausen as mesmas provas de estima que esta llie dispensava, e fez-lhc presente da insii^nia e diploma dii (^rtiem di) Cruz Iistreliada. escreventlo-Ihe l\o seu próprio puntio uma carta na ijual llie dizia que, sendo

n'clla m rador, como com effeito é, na rua direita de Santa Isat>cl. c que leilo o dito Assento, se llie passasse certidão nas costní da mesma Auestação, ficando copia d'cl!a neste cartório, se necessário fosse ; ao qiic lhe difcrio n dito Kxcellcntissimo c Revcrendissimo Arcebispo por despacho de treze do corrente Al)ril, que cot> a referida copia se ^ua^da no mencionado Archivo d'esi?. dita freguezia ; e consta dj in- sinuada Attcsiaçáo fazer certo o dito Excellentissimo e Reverendís- simo liíspo de Penafiel que no dia quinze de Fevereiro próximo pas- ^ado, em o Oratório dos Paços Reocs de Salvaterra de Magos, cm presença de Suas Magestades Fidelíssimas, c mais pessoas Keaes, e oDictaes da Sua Casa, administrou solemnemente o Sacramento do Hapiismo sub condicione ao Illusirissimo e Kxcellentissimo Conde de Oevnhausen, com o nonie de PeJro, Maria, José. (Carlos. Auguslr». sendo Suas Mugestadcs Fidelissiinas, seus Padrinhos, havendo-sc an- tecedentemente reconciliado com a Igreia, e na forma delia, depois de a Imíttido ao seu gremic, absolvido das censuras <iJ cautelattty o qual nascera na cidade de Hanover, cm Alemanha, em cinco de l)c- zenibro do anno de niil sele centos trinta e oito, e que c Hlho legitime lie Fcderico UIrico, Conde de Oevnhausen, e de Federica Guilhclniina (Condessa de Schulembourg : e para que conste o referido, fiz este t.rmo. que assignei. dia. mez e era ut supra O Prior José Mendes da (^JSta ; e nada se contem mais no dito Assento a que me reporto Lisboa vinte c um de Abril de mil sete centos setenta e oito.

O Prior Josí Mendes da Costa

l''ica registada a aiteslat,-rio retro no livro doze do registo geral lia Camura l\itriarca*, por despacho do Ex."» Sr. Arcebispo de l.acc- demonia de i3 de Abril do presente nnno. cuio dcsp.icho Hcn n'eslc Archivo. I.isb«)a 7 de Mai»j df 17 -.S.

(^ P.tilrc í'(r 11. Ilido loM- Alviires

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ella metade allemã pelo seu casamento, desejava que o fosse toda acceítando aquella insii^nia.

Álcipe usou d'esta mercê depois de ter recebido a competente auctorisação sua Soberana.

Alem destas muito elevadas mercês encontramos entre os papeis de Alcipe uma prova de que o Impera- dor losé II a distinguia com cartas particulares.

A carta é a sei^uinte :

Vienne, ce 19 Février 1788

Mon aimable Comtesse. Tai vu avec une vive satis- faction par votre charmante Lettre que, malsjréla distance et le temp de votre absence, jc^int aux occupations et à Tintérêt que vous donne votre patrie, vous voulez néan- moins vous souvenir encore de Vienne et même des peu de moments que j'ai eu le plaisir de vous voir, el qui mont parus aussi rares que courts. Ce ncst peut-être qu a ceux-Ià et à votre induloence, (]ue je dois la bonne opinion que vous voules bien me temoi<^ner avoir de ma personne. Je serais le plus heureux des mortels si dans ces moments, oíi seul avec moi je me vois et me ju*^e. je pouvais me persuader seulement de la moítié des bel- les qualites et de leurs bons effets, que votre politesse veut bien maccorder.

le suis enchanté que le l^^rince de Brésil vous donne de si justes esperances de réussite; mais si j'osais le con- seiller. ce serait avant de fixer ses idées de venir voir par lui-même les hommes et les objets. qui souvent sont três différents de lopinion i]u\^n en prend de loin, soit en bien ou en mal.

Tavais déjà appris avec bien de rintérêt. mais non sans quekjue surprise. le mariai^e de nc^tre cher Duc. '

' O scfíundo Di.K)iic do I.ufões, 1). João Cark)^ J<' Hr;iL;<inça.

4(»

SiMi \on\i silcncc miiuiuictait. m^iis jc vt>is qu*-' ^on cou- rtwic et Id scnsibilité Jc son ctrur, qiii fdisdicnl Ui bjse de son Ccirdctèrc <|iic jestimais Umt, nont pas chai^é avec Yàsic.

Oserais-je vous prier. Madame la Comtesse. de las- suicr lie la part que je prends à cet evénement et com- bien je souhaite cjiril fasse son bonheur.

Vous voudrcz cv^alement ne pas douler de rintc^rê* qiK- je prendrai toujoiírs i1 tout ce (jiii jXHit vous rei^ar- der. ainsi iiuo dii dc^ir que j'ai de vous rcvoir et de vous assurcr de bouche des sentiments de considcVation el dVstiiiK' avec lescjuels je suis

Madame la Comtesse

Vt^tre três affectionni?

loseph.

Como ar\:umentos muito subida consideraçt'\o que \o'\ tiispensada á Condessa de Oeynhausen. diremos ainda tiue achando-se esta illustre dama em Vienna pe)r occasii^i-» di.^ visita tiue o Pontífice Pio Vi fez na sua pró- pria capital ao Imperador )ost^ 11. recebeu então a ^raça de beijar t> a Sua Santidade, e ficou em \ào boas relações com este Pontifice. tiue recebeu delle duas car- tas em francêz. escriptas pela sua nuV">; a primeira do Vaticano para Vienna em 13 de Maio de 1784, e a se- siunda de Santa Maria Maior para Paris em 17 de Agosto de 1785.

No faustos».^ dia '24 de lullu^ de 1833, contando a Mar()ue?a 83 anno> de edade. teve o vírande ^osto

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de receber a visita do Marechal Duque áã Terceira e de seu neto o Marquez de Fronteira, que a foram cumpri- mentar apenas entraram em Lisboa. Apezar da sua avan- çãdã edade, ainda poude assistir ao Te-Deum na pela entrada de Suas Majestades em Lisboa, e aos Desposo- rios de Sua Mas^estade a Rainha com o Principe Au- gusto de Leuchtemberg.

O estado delicado da sua saúde não lhe permittio porem assistir as segundas núpcias de Sua Majestade a Rainha com o Principe D. Fernando de Saxe-Cobours;í e Gotha. Não obstante não estar presente, Sua Majes- tade a Rainha di*^nou-se lembrar-se da Marqueza d'Alor- na, enviando-lhe a insií^nia da Ordem de Santa Isabel. (1UC lhe mandou de sua mão com expressões de especial apreço. Por sua parte o Principe D. Fernando fez-lhe a grande disíincção de uma demorada visita. O mesmo Augusto Senhor dispensou mais tarde á Marqueza uma alta prova da sua estima, enviando-lhe os dois Sere- níssimos Príncipes, seus filhos, acompanhados pela sua dama.

No álbum da Penhora Marqueza de IVmposta-Sub- serra, que tinha a maior veneração pela senhora Mar- queza d'Alorna, que também muito apreciava a sua companhia, encontram-se os seguintes versos do Conde de Saint Priest, Ministro de França em Lisboa, autor e membro da Academia de França.

A' Mddame la Marquise tJAIorna. agée de 86 ans.

I^ans votrc clinuit scductcur I.ti naturc scmblc uti prcstii^o I.à siir Ki bmiiclic ou sur Ui li^c Ccst toiíjoiírs Ic fruit ou la fleur! I)c votrc cspril tol cst rciiiblóuic Toujours il brillc son l:tc^ Viiiiicu par son charme suprêmc. Pour lui Io Icmps se-st arrct<5 II es! nianiuc truii caractere Que ricn n'cffacc ni n'a Itere. Son âije est rimmortalité.

Lisbonne. le ? Aout lS3ó.

O Conde de Saint Priest atlniirava-se de ver jx^r vezes pouca isente eni casa (.\i\ Mariju»-*^*^ tlAlorna. e dizia iiue lievia ser «le salon le plus concouru du mon- de», censurantio a sociedade cjue nào sabia apreciar a(]uella seíihora. cjuc tinha dotes raros e instrucçc^io única, e que encantava peK> seu espirito, intelli^iencia e memoria.

Não se |ej esperai a se^niinte resposta da Marqueza trAlorna. resposta (jue se encontra cuiiiadi^Siimente ar- chivaila em um dos volumes das memorias manuscrip- tiis i.\i^ ultima senhora Marcjueza de iTonteira e d'Alornd:

Quand Api^Ilon taccorde Une lyre aussi touchante l)'éciHiter il mordonne II défendit iju^' W chante. Si je nuMais mes acccnts A \ou chant pur et sublime De Martias les tourments Pourraient bien punir mon crime.

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Ton chant resscmble ò rose Par son parfum, so beautc, Fdisant mon apothcose M'obtícnt rinimortalíté.

As relações que a Condessa d'OeYnnausen tinha con- trahído em Paris com Madame de Staèl, quando passou n'aquella cidade, em viagem para a Corte de Vienna d'Austria, foram renovadas em Londres, para onde a Condessa voltou a residir, durante dois annos. deixando a casa em que habitou até 1812, no Glocestershire. nas visinhanças do paÍH de Galles.

Na Notícia Bioi^raphica da Bx.'"=' Senhora D. Leonor d'Almeída, Marqueza d'Alorna, Condessa d'Assumar e d'OeYnhausen, que precede o Tomo I das Obras Poéti- cas de Alcipe, lê-se: "Eram na verdade interessantes as conversações entre estas duas illustres damas, acerca das discussões politicas do tempo, seguindo ellas opiniões diversas, e príncipios inteiramente oppostos. Madame de Staèl, nascida na Suissa, era republicana como seu pae Mr. Necber, e adversa á causa de Luiz XVlil, não obs- tante haver sido maltratada, e desterrada por Bonaparte. A Condessa era monarchica. sequaz da Realeza, con- traria a tudo quanto a podesse vulnerar-, e Luiz XVIll era um Rei lesjitimo; o que bastava para que a Con- dessa sustentasse a sua causa. Achando-se ambas um dia em casa do Duque de Palmella. que então era Mi- nistro de Portugal, onde tinham sido convidadas a jan- tar, CO negaram questionando sobre a diffículdade i.U^ restituição dos Bourbons á Lrança. A Condessa julgou-a muito possível ; e Madame de Stael pelo contrario, de-

ciiliii-ii iiiipiiiticavcl. pt>r(|uanlo Luiz XVIII (dizia cila) iiAi> linha cm seu favor mais que trcz coxos, c quatro cci^os (luc o scsíuiam; alludindo cxaiijcradamcntc ao {'•riiicipc de Ttillcvrand, c|uc era coxo de uma jxTna ; c iio Duque de hiacas. que padecia dos olhos, c estava qiic\s\ cei^p. N^o se perturbou a Condessa com c^ta deci- SiV"); mas voltando-se para o Ministro d*Austria, convidou-o a fazer uma saúde ti próxima rcstituiçi^^o de Luiz XVIII. Um anuo depois aohava-se esta realisada ; e no dia sc- i^uinte cl partida de Luiz XVIII para Prança. foi Madame ttc Sfael a llamersmith. morada i.L\ Condessa, dar-lhe as desculpas de se haver en^janado no seu juizo. aprovei- lando a occasic^io de lhe dizer coisas muito lisonjeiras e aikiradaveis ticerca do mcsmi'» objecto, e l\o espirito da Condessa.

Pareceu-nos cjue não tieviamos deixur de transcrever esta tliscussAo em que se debateram dois altos espíritos, e (lue [irova também o i^randc enj^enho c talento d'ÁI- cipe. c|ue mereceu, ci^mo vimos, a Matlame de Stael as suas muito honrosas tlesculpas. e a aifiniiacão de se ter envianado no seu juizo.

CAPITULO III

Alvará da Rainha D. Maria I, concedendo á Marqucza d'Alorna os titulos de Condes e de Condessas de Oeynhausen para seus filhos, e bem assim o tratamento de Excellencia. Di- ploma de El-Rei D. João VI, quando Principe Regente, concedendo á Condessa de Oeynhausen a mercê de a no- mear Dama de Honor da Princeza Sua Mulher. Decreto da Rainha D. Maria II, fazendo á Marqueza d'Alorna a graça da pensão de seiscentos mil réis annuaes para as suas duas filhas solteiras. Nomeação da Marqueza d'Alorna para formular o plano das pinturas que deviam adornar o palácio da Ajuda, exprimindo as acções gloriosas dos por- tuguezes. Premio em mathematica, conferido pela Acade- mia Real das Sciencias de Paris, á sua consócia Marqueza d'Alorna. Notabilissimo artigo de Alexandre Herculano, publicado no Panorama, fazendo a apreciação da eminente escriptora Marqueza d'Alorna. Folhetim do Correio Por- tuguez de 1868, agradecendo a offerta dos Volumes 1." e 2.0 das Obras Poéticas da Marqueza d'Alorna. Opinião de Francisco da Fonseca Benevides sobre Alcipe. Vol. 2." das "Rainhas de Portugal». Opiniões sobre a mesma excelsa escriptora de Ferdinand Denis e de Castilho.

Á Rainha D. Maria 1, ciucrendo dar á Condessa de OeYnhauscn, depois Marqueza d'Alorna, um alto teste- munho de muito elevada eonsideraeão, mandou expedir o Alvará de que seoue a copia:

•ir.

"I*ciçt> StUui iU» (jiic este Alvtirá virem. (jiie atlendcndo ás illustres cjiKilidcules do Conde. Pedro. Múria, losé Car- los, AiivHisto dOeYiiliiUisen Grcxívembouri^, Conde- do S. IiiHx^rio Uomano, Clentilhoinein cki Còrle do Rev d'In- i^'liiterra. Tcticntc Cleneral dos meus l:xcrcitos, c Inspector Gercil dii Infantaria, l\o meu Conselho, c Commcndador dci Commenda de Villa Mean e Prança, defunto: Tendo attenÇt^io ao seu merecimento pessoal, e zelo com que se empres^iou sempre no l-^eal Serviço, assim como ao sanviue illustre, c|ue r:l-l>íev D. losé, meu muito amado Pai, de s^jioriosa memoria, attendeu em seu Primo co- irmão, o Conde de Schaumbourv^ Lippe, lley por bem. e mando que iw minha Corte, e em todos os meus Pev- nos, e domínios, sem excepçc^o de luijar ou de pessoa, se reconheção seus filhos k^ilimos. e os successores le^ji- timos d'estes, ce^mo Condes e Condessas de Oevnhausen, com o tratamento de Kxcellencia, tanto de palavra como por escrito; sendo este tratamento o que supra mais itiiediatamonte os fitulos. previleijios e tratamento com que o l)i[->ltMiia Imperial lioiira esta familia. em linha le- s^itima e descendente; e por ser justo mesmo para decoro l\o meu l-^eal Serviço, que sujeitos do préstimo e talento lio defunto Conde de Oeznhauseu. não percão nelle as peroviativas do seu nascimento.

I: este se cumprirá como nelle se contem sem duvida ou embarv^i^ alv,;um iiualquer (jue seja, e não obstante tiuaesquer leis. ou disposições em contrario, as quaes hey por tierrosjadas para este effeito stSmente. ficando aliás em seu vi^ior. Pelo que mando etc.»

"Alvará por cjue Vossti Ma^jestade manda i]uc nos seus l^eynos e dominic>s aos successores tio Conde de Oeynhausen se dêem os títulos de Condes e Condeças dXVynhausen e tratamento «.le l:xcellencia com i]uc nas- cerão, em virtude <.\o Diploma lm|XMÍal...

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Na copia deste Alvará, a Marqueza d'Alorna escre- veu a seguinte observação:

«El-Rey ordenou a José de Seabra que cumprisse este Alvará, e mo desse leçalisado, com ordem de que eu lhe apresentasse todos os meus filhos logo com as honras que lhes declarava : o que fiz com a copia do Diploma Imperial, cuja copia mandou guardar na Secre- taria, e com a maior bondade recebeu e festejou os meus filhos e como grandes os tratou. O que se confirmou por escrito em todas as ordens c^ue no Serviço se derão ao Conde jocão, meu filho».

EI-Rei D. João VI, sendo Principe Regente, desejando dar á Condessa de Oeynhausen um publico testemunho da sua consideração, fez-lhc a elevada mercê de a no- mear Dama de Honor da Princeza Sua Mulher, pelo di- ploma de que segue a copia.

"Eu o Principe Regente Faço saber a vós Visconde de Balsemão, do Meu Conselho d'Estado, Ministro e Secre- tario d'Estado dos Negócios do Reino, que servts de Mordomo- mór da Minha Casa, que Attendendo ás qua- lidades e mais circunstancias recommendaveís, que con- correm na pessoa da Condessa de Oevnhausen, e de aquelles de quem descende, que foram beneméritos das Honras e Mercês dos Senhores Reis d'estes Reinos, e

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IcmkIo cl Ilido ciMisidertiçAo : Inii servido Ttizer-lhc Mercê de a Acceitiir por Dona de Honor da Princeza Minha Muito Amada e Presatia Mulher : Ordeno-vos o tenhaes assim entendido e lhe façaes assentar este Alvará nos Livros i.\c\ Matricula Minha Casa para que vença em cada anno cento setenta e três mil novecentos e qua- renta réis tie suas limarias. I-^acões de creadas. Propinas e Moradias, com a antiv^niidade de quatro do presente Mez e Anno; e feito o dito Assento lhe fareis dar este Al- vard para Minha Lembrança e sua Guarda. Dado no Pa- lácio de Mafra em nove de Novembro de mil oitocentos e um Principe —- com Guarda "Visconde de IVilse- m5o».

Alvará por que Vossa Alteza l^eal Ha por bem La- zer mercê a Condessa de Oevnhausen de a Acceitar por Donc\ de Honor d<\ Princeza sua Muito Amada e Prezada Mulher, na forma acima tlcclarada. "Para Vossa Alteza l-íeal ver.,,

A l-^ainha Dona Maria 11. querendo dar á Marcjueza d'AK-)rna uma nova e alta prova tio seu real apreço, cn- viou-lhe o sevHiinte decreto:

"Attendendo aos lombos serviços e acrisolado amor. (|ue sempre me consa^jrou a Marqueza cLAL^rna. minha Dona de Honor, e ciuerendo dar-lhe hum testemunho do apreçc^ cm que tenho as suas virtudes, sou servida con- ceder a Dc^na Lrederica e a Dona llenritiueta. filhas <.\i\ sobredita Martiueza dAlorna. a cada uma delias huma pensáo tle seiscenti^s mil réis annuaes. pa^os i^x-llo meu k\Ml Cofre em mesaiKis mensaes. O Vedor kU^ minha

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Real Casa, encarregado da receita e despeza, o tenha assim entendido e faça executar.

Paço das Necessidades vinte e seis de Mayo, anno mil oito centos e trinta e sete.

Rainha. Thomaz de Mello Breyner.

Tendo publicado o "Jornal do Commercio,,, n.^^ 4415. de 1868, sob a epigraphe— /\ Marqueza d'Alorna d\- oumas considerações sobre o mérito daquella célebre senhora, na ordem de desenho e pintura, mérito apre- ciado pela escolha que delia fizera o Príncipe Recente, commettendo-lhe o honroso encargo de formular o plano para as pinturas que deviam decorar o palácio áà Ajuda, í. Ribeiro Guimarães, na sua muito valiosa obra "Sum- mario de varia Historia,,, no artigo "Recordações da Marqueza d'Alorna„, depois de publicar o officio '

1111. "a Ex.°" Sr. = Tenho a honra de communicar a V. Ex.a, que o nosso augusto Soberano, reconhecendo as grandes luíes e co- nhecimentos de que V. Ex.a se torna merecedora na historia portu- gueza, assim como a sua vasta erudição e amor a tudo que pode inte- ressar ao esplendor do throno e da nação, deseja que V. Ex.» queira communicar-lhe, por esta Secretaria de Estado, algum plano sobre as qualidades das pinturas com que se poderá adornar o novo palácio real, as quaes deverão exprimir as acções gloriosas dos nossos augustos Soberanos e dos portuguezes .-nemoraveis em todas as edades. Espera, pois, o mesmo Senhor, que um digno producto do gosto e saber de V. Ex.» haja de contribuir em grande parte para embellezar aquelle magnifico e soberbo edíficio, que a sua real magnificência tem mandado levantar.

Com esta occasião tenho a honra de protestar a V. Ex.' a alta consideração e estima com que respeitosamente me confesso de V. Ex." o mais respeitoso e obediente servidor.

D. Rodrigo de Sousa Coutinho

111. "'a Ex.fna Sr.° Condessa d'Oeynhausen Arroyos em 2 de Ju- lho de 1802.

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pelo cju.íl o ministro I). RoJrisío de Sousa Coutinho en- carreirou a Marqueza daquella honrosissima commisscio. offerecc aos seus leitores uma carta de um protegido da Senhora Marqueza d'Alorna, Cândido Ios<5 de Carvalho na qual. depois de se referir a esta commissâo de que tinha sido encarreirada a sua protectora, accrcscenta tex- tualmente o seijuinte:

"Ha, porem, um facto cjue, em meu humilde entender, eleva a res^it^es mais subidas a memoria sjrande sabia, e que vou dar á publicidade; quebrando d'esta arte o sii^illo cjuc me foi recommendado pela própria Mar- qucza.

"Achava-mc homisiado em sua casa no ultimo pe- ríodo do reinado do Senhor D. Mii^uel de Brai^ança. (juando a minha nobre protectora me mandou chamar para lhe escrever uma carta, que ella dictou. em resposta a outra que lhe endcrci^ára o Intendente s^^^al poli- cia, helfort. prevenindo-a de que era obrií^ado a mandar proceder a uma busca em o seu palácio, no intuito de ser capturado um individuo, (que era cu) .illi ihcuMí^ contra quem havia ordem de prisão.

"A este tempo fez-se annunciar o encarregado do con- sulado de Prança, que ia com a miss^^^o única de depo- sitar nas nitros tia grande sabia o premio que lhe fora conferido pela Academia Real tias Sciencias de Paris, de que era stKia. sobre assumptt^s de mathematica. em tjue tinham sidt^ ouvidos os demais socit>s ! liste premio era uma preciosa gravura, feita a(í Iwc, (jue delineava a aptifhctise da grande heroina !

"Pctirandt">-se o apresentante. t|ue. se a memoria me n^o falha, era mr. Durieu. pediu-me a minha protectora tiue lhe tiesse um sacc» de seda vermelha, onde costu- mava guardar alguns papeis muitc» particulares, e encer- rando ali c> valiost^ tit>cumentt\ recommentiou-me silen- cii\ e. com atiuelle stMrist^ eltx)uente. que lhe era parti-

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cular, murmurou : "Um cadáver galvanisado nao po com tanta «ala Estes franceses

etubal, 22 de julho de 1868.

Cândido José de Carvalho.

Este premio era um documento de alta notoriedade, porque provava que ás variadíssimas aptidões de Alci- pe, accresciam também as sciencias niathematicas, que são muito raras numa senhora, e portanto muito para ser nella admiradas.

Entre os documentos de maior vah'a, que se pexiem considerar, para provar os elevadíssimos méritos da emi- nente escriptora, que os académicos seus contemporâneos denominaram Alcipe, avulta o artis^o de Alexandre Her- culano, intitulado «D. Leonor d' Almeida, Marqueza d'Alor- nâ-», artigo que appareceu a pagina 405 áo Panorama, e no qual o seu muito illustre auctor, alem áo seu alc- vantado propósito de fazer a apreciação da distinc- tissima e douta poetisa, nos apresenta a seu próprio res- peito a muito importante dcclarat;ão de que aos conse- lhos e á mão ami^a de Alcipe devia os benévolos incita- mentos, que o levaram a caminhar pela senda do estudo ;e da instrucção.

O artigo é textualmente o seguinte:

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D. Leonor d'Almeida. Marqueza d"Alorna

N. cm 31 de Outubro 1750 Pcill. em 11 de Outubro 1839

"l\^r ijraiidc que deva ser a ijrdtidão que se associa ás recordações daquelles que nos geraram, por funda que a saudade inseparável da memoria paterna, no coraçáo do bom fillio, lia um affecto não menos puro, e náo menos indestructivel para o liomem cuio espirito allumiado pela cultura intcilectual tem a consciência de que o seu lo^iar e os seus destinos no mundo sáo mais elevados e nobres que os desses tantos que nasceram para viverem uma vida toda material e externa, e depois morrerem sem deixarem vestigio. Este affecto é uma es- pécie de amor filial para com aquelles que nos revela- ram os thesouros da sciencia. que nos res^eneráram pelo baptismo das letras-, que nos disseram: "caminha !«c nos apontaram para a senda do estudo c da illustração, ca- minho táo povoado despinhos como de flores, e em cuio primeiro marco milliario muitos se teem assentado, náo para repousarem e sej^uirem avante, mas para re- trocederem desalentados, quando sósinhos nâo sentem máo amiv^a apertar a sua e conduzi-los após si. Tirae á paternidade os exemplos de um proceder honesto, as inspirações da divfnidade humana, a severidade para com os erros dos filhos, os cuidados dc\ sua educação, e dizei-nos o que fica? Pica um certo instincto, ficam os laços do habito, e para impedir que tão franjeis prisões se partam fica o preceito de cima qile nos ordena aca- temos e amemos os que nos vicraram. ainda que a elles

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não nos prendd senão a dádiva da existência, esse tão contestável beneficio. Pelo contrario aquelles que foram nossos mestres, que nos attrahiram com a persuasão e com o próprio exemplo para o bom e para o bello, que nos abriram as portas da vida interior, que nos iniciaram nos contentamentos supremos que ella encerra, para esses não é preciso que a lei de aoradecimento e de amor esteja escripta por Deus; a razão e a consciência estampáram-na no coração: cada gôso intellectual do poeta, do erudito, do sábio lha recorda, e quando elles se comparam com o vulgo das intelligencias reconhecem plenamente a justiça do sentimento de oratidão que os domina.

"Estas reflexões occorreram-me ao abrir o primeiro volume das obras da senhora Marqueza d'Alorna, con- dessa de Oeynhausen e de Assumar, D. Leonor d'Almeida, que actualmente se publicam e de que dois se acham nitidamente impressos. E foi para mim um prazer verda- deiro escrever essas cogitações dum momento. Áquella mulher extraordinária, a quem faltou outra pátria, que não fosse esta pobre e esquecida terra de Portugal, para ser uma das mais brilhantes provas contra as vans pertenções de superioridade excessiva âo nosso sexo, é que eu devi incitamentos e protecção litteraria, quando ainda no verdor dos annos dava os primeiros passes na estrada das lettras. Apraz-me confessá-lo aqui, como outros muitos o fariam se a occasião se lhes offerecesse; porque o menor vislumbre dengenho, a menor tentativa d'arte ou de sciencia achavam nella tal favor, que ainda os mais apoucados e timidos se alentavam; e d'isso eu próprio sou bem claro argumento. A critica da senhora iMarqueza d'Alorna não affectava jamais o tom pedagó- gico e quasi insolente de certos lítteratos que ás vezes nem sequer entendem o que condemnam, e que tomam a brancura das próprias cans por titulo de sciencia, de

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v*osto, c de tudo. A sua critica cm modesta, e tinha náo sei o que de natural e affccluoso que se recebia com táo bom animo como os louvi^rcs. de que n^o se mostrava escassa quando merecidos. Uma virtude, rara nos liomens t.\e lettras, mais rara talvez entre as mulheres que se teem tlistin\;íuido pelo seu talento e saber, <5 a de náo alardea- rem escusadamente erudiÇc^io. c essa virtude tinha-a a se- nhora Marciuoza cm s^rdu eminente. A sua conversação variada e instructiva era l^o mesmo tempo fácil e amena. I: todavia dos seus contemporâneos quem conheceu tâo bem, náo dizemos a litteratura ^re^a e romana, em que ii;íualava os melhores, mas a moderna de quasi todas as nações l\ci Huropa, no c)ue nenhum dos nossos portujjue- zes porventura a ivjualou ? Como madame de Stael ella fazia voltar a atten<;c\o da mocidade para a arte da Al- Icmanha. a qual veio dar nova seiva á arte meridional, que vej^etava ni\ imitação servil das chamadas lettras clássicas, e ainda estas estudadas no transumpto infiel da litteratura franceza L\<^ época de Luiz .XIV. l'oi por isso e pelo seu profundo eni;;enho. c^ue. com sobeja raz^o se lhe attribuiu o nome de Staêl portu^íueza.

"A vida desta nossa célebre compatricia acha-sc á frente dc\ edição das suas obras: para remettoo leitor. .•\hi verd como em todas as phases da sua lar^a e não pouco tempestuosa carreira, ella S(^ube dar perenne tes- temunho do seu nobre caracter de independência e sje- nerosidadc; verá que em quanto na terra natal primeiro a tyrannia, e depois a is;ínorancia e a inveja a perse- ^^niiam.ella ia encontrar entre estranhos a justa estimaçãc^ de príncipes e de illustres persona^íens da republica das lettras. Ahi verá como nascida no século do materialis- mo, vivendo larsjros annos no foco das ideias anti-relii^io- sas. acostumada a ouvir todos os dias repetir essas ideias por homens de incontestável talento, ella soube conser- var puvc\ a crença dcx sua infância, e expirar no seio do

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chrístíanísmo. Ahí finalmente verá como as ausências, por vezes involuntárias, da sua terra natal, não poderam fazer-lhe esquecer o amor que devemos a esta, ainda nO meio das injustiças e violências de todo o género.

"O primeiro volume das obras poéticas senhora Marqueza d'Alorna contem afora a vida áâ auctora, e uma noticia biographica do Conde de Oevnhausen seu marido, as poesias compostas na mocidade. Boa parte destas foram escríptas no mosteiro de Chellas, para onde entrou de oito annos de idade com sua mãe, occorrendo a prisão do Marquez d'Alorna D. loão. Encerrada em aquelle mosteiro passou D. Leonor d'Almeida os annos mais viçosos da juventude, tendo para alegrar as triste- zas de tão longo cativeiro, que excedeu dezoito annos. unicamente o lenitivo do estudo, e os conselhos e affa- gos maternos. Quízera alguém que tivesse havido mais severidade na escolha das composições daquella épo- ca, algumas das quaes desdizem do primor que n outras posteriores se encontra. Eu lamento que se não po- desse ajuntar a cada uma a sua data. Assim, bem longe de ter sido um inconveniente essa desigualdade innega- vel, houvera ella sido um meio para se avaliarem bem os rápidos progressos da joven auctora, que nas obras de tão verdes annos annunciava o seu brilhante futuro nos rasgos frequentes de um engenho ao mesmo tempo solido, delicado e vivo.

"O resto do primeiro volume e o segundo contém as poesias da senhora Marqueza posteriores á sua sahida do mosteiro. Na disposição delias também não se guarda o methodo chronologíco: a natureza dos poemas deter- minou a ordem d elles. Julgar essa grande variedade de composições não cabia nos estreitos limites deste jornal. Os que as teem lido, e que sabem entendê-las apreciam- nas devidamente. Elias são um íllustre monumento para a historia da poesia portugueza, um nobre testemunho

«Sft

da piedade filial que as trouxe á luz publica, c para em tudo esta pubiicaç»5o ser apreciada, a sua nitidez typo- v;raphica c uma prova dos proíjressos que a arte de im- priniir leui feito entre luSs

A. Herculano. m

luli^amos dever reproduzir aqui o folhetim, com que «O Correio Portui^iuez». no seu numero de 17 de Setem- bro de 1S6S, ai^iradece os volumes 1.° e 2.° das Obras Poéticas de D. Leonor d' Almeida Lorena e Lencastre. Marqueza dAlorna, Condessa de Assumar e de Oevn- hausen. que acabavam de lhe ser entrci^ues.

"Temos lido com sofres^uidío e saudade os versos nu- merosos i.\(\ insii^ne poetiza. Com saudade, repetimos, por- que ti^o vertiadcira cjuc^o pun^^ente a motiva a compa- ração {\i\ opulência e primor litlerario de ha ainda alsjuns annos embora concentrado em circulo estreito ca pobresa e esterilidade presente. A aridez politica parece ter eivado e ressequido os corações e ens^ienho dos hoje denominados litteratos; e uma moda inventada pelo aca- nhamento, pela prci^uit^a, e quasi diria pela curtcza e isiínorancia. ha pretendido expulsar dos jartiins \òo mescjuinhos! <<\cí litteratura hodierna a flor que lhe> realçava vilorias ~ a poesia!

"Lidam em vtlo! Os en^íenhos, que sentem c se sen- tem, não deslembrarão nunca o dever saibrado de thuri- ficar com triplice adoração a deusa bemfazeia. que lhes reveza horas trabalhosas e viv!ilias amofinadas com incf- faveis vjiosos.

"Não é para a brevidade, com que se nos ívrmitte occupar-nos avjora das poesias (.\ci illustre Alcipe, entrar nc\ individuação das differentes com|x>siçòes que formam

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ã riquíssímd e inapreciável collecção que nos está aos olhos. Comtudo não nos isentamos de pagar o tributo, que julgamos dever em consciência a tão distincto mérito.

"E por ventura devíamos aqui ficar; porque, encómios geraes, qual homem de letras ha deixado de liberalisa-los ás mãos cheias á memoria gloriosa da sr." Marqueza D. Leonor d' Almeida? Viva, sua reputação igualava, se não excedia, a de que se logra de nós ausente ; que por mísera condição da natureza humana costumamos ser tão pródigos então, quanto dantes fôramos avaros, de não agradecidos louvores.

"Mas quem não folgará de proclamar em voz alta que a poesia de Alcipe é riquíssima não menos de saber que d'imaginação ? que seu estylo é terso, e próprio, e nume- roso? que sua linguagem é legitima e portugueza?

"Não nos deteremos a repetir o que dizem todos que merecem ser ouvidos em tão grato assumpto ; mas não é possível, nem devemos, que fora injustiça, calar e omit- tir o que pensou e escreveu dos dotes e da poesia da fallecida sr." Marqueza d'Alorna o maior poeta dos úl- timos tempos o sempre lembrado Filinto Elisio. "E' uma fidalga em quem os dotes do animo superam a antiquís- sima, e bem illustrada nobreza. Não ponho aqui seu nome (ainda que por muitos titulos o mereça) porque rasões que devo respeitar me atalham : mas a bellesa, e altivez de seus versos e da sua imaginação a farão dis- tinguir de quantas, e ainda de quantos correm a mesma vereda.» Depois de tal testimunho, nos cumpre em- mudecer.

"Entretanto romperemos este silencio religioso para convidar todos os amigos da nossa litteratura, e espe- cialmente a mocidade estudiosa, a que leiam, meditem, e se inebriem, versando com diurna e nocturna mão as obras, que vimos de annuncíar-lhcs.

"E receba o editor primoroso das obras de Alcipe os

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iivrrtidecimentos c louvores (juc lhe s^o devidos: fez mimo sobremaneira valioso á republica litteraria ; e, no .iccío e esmero da ediÇc^o. deu mais uma prova da alta conta em que tem, e deve ser tido de todos, o nome il- lustre reverenciada authora.,,

A pas^ína 205 do volume 2." do seu notável Estudo Histórico "Rainhas de Portus^iaN. Francisco da Fonseca IWnevides ínclue entre aKjuns illustres portus^íuezes. que floresceram no tempo da Rainha D. Maria I. a Marqueza d'Alorna. D. Leonor d'Almeida. que denomina j^frande litterata c ami^^a d.^ célebre Madame de Stael.

lerdinand Denis. o eminente escriptor francez. que tc^o amisiío foi dos portui^íuezes, aos quaes prestou im- portantes serviços, insere a pa^^ 4S9 do seu livro «Resu- me de illistoire litléraire de Portuv^il», as scí^uintes notá- veis referencias ao talento da Mar(iue?a d'Alorna :

"On sest piainl ciuelquoíois en Portui^ial de ce que léducation des femmes laissait beaucoup ^ désirer-, mais 11 scmble cjue le même reproche ne puisse plus ôtre fait maintenant. et plusieurs dames jouissent d*une iuste ccMe- brité. par leurs ouvra^^vs. Au premier ranv! on doit mettre la Contesse tiXX-ynhausen. cjui a écril dans tous les vícn res. et qu'\ joinf à la connaissancc des lanjjíues. un talcn'

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remarquable de versifícatíon. On met au nombre de ses meílleurs ouvrages une traductíon de TOberon de Wie- land.,,

No seu poema «As Flores», o grande Castilho, referín- do-se a Alcípe, presta-lhe a alta homenagem de a classi- ficar como douta, e diz que a Condessa cVOeynhaiísen, Mar- qiieza cVAlorna, é talvez a mais afamada mulher que Portugal tem produzido.

Também na nota III, escripta pelo eminente poeta, que se encontra a pag. 158 do vol. 51, das suas obras com- pletas, se textualmente:

«Dei por necessário escrever uma nota de propósito, para dizer que o epitheto de douta applicado a Alcípe não é complemento de verso, ' mas expressão de rigorosa verdade. A senhora condessa de Oevnhausen, Marqueza d'Alorna, é talvez a mais afamada mulher que Portugal tem produzido. Todos os maiores poetas desde a Arcá- dia até hoje, Diniz, Garção. Quita, Alfeno, Filinto, Bocage, Monteiro áo Amaral, teem dado incensos a esta Musa, contemporânea de tantas gerações. Chegada quasí á raia de um século de existência, cangados todos os sentidos, sem forças para ler ou escrever, índa comtudo sua con- versação é ínstructivo recreio para pessoas de Letras. Do muito que leu. que viu, e que meditou, nada se lhe per-

* Se alvas Musas engenho vos sopraram, ali se vos levanta Alcippe, a douta, do seu Tejo ao Tamisa arremessada. Assim cantava por jardins britannos de Flora o reino lindo em lindos versos.

(Canto II do nDi^i no Jardim» de António Feliciano de Castilho i

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deu nem boralhou espaçosíssima memoria : c (o que é mais) sua imaiíinaç«5o ainda n^o despiu o verdor e flo- res dos vinte annos. Muitas obras lia suas, aldm das im- pressas, umas orisjinaes, outras versões do ijreijo, do la- tim, do inj^lcz, do allemáo, do italiano, etc. Na conta das inéditas e oriçinaes é o Poema das Recreações Ek)tanicas. mencionado no meu texto, obra onde abundam bellezas, e de cujos cantos cada um foi pela Autora dedicado a cada uma de suas filhas.

Castilho.

A Marquesa d'AIorna tinha çrande consideração por Bocai^íc. c apreciava especialmente o seu merecimento. Recordemos que n'uma reunião em casa do Conde de Camarido, em que estavam vários membros da Arcádia, e senhoras, entre as quaes a famosa Alcipe, como se esti- vessem Viilozando motes, deu a excelsa poetisa o sesjuinte a hocas^e. que o vilozou prompfamentc:

Defender os pátrios lares Dar a vida pelo Rei l: dos Lusos vaJorosos Caracter, costume e lei.

lintre os objecteis cjuc |KrkiKcM\ini, scin duvida. Á douta Alcipe. destaca-se o binóculo, mont.ido cm madre- pérola, de que damos a photo-ijravura.

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D. Magdalena de Vilhena

CAPITULO 111

Parentesco da Marqueza d'Alorna com Frei Luiz de Sousa. Ai- cipe considerada como pintora: o seu quadro "A Solidão,,. O .euarda-joias d'Alcipe, offerecído á ultima senhora Mar- queza de Fronteira e d'Alorna, pela célebre escriptora hes- panhola, D. Carolina Coronado. O jazigo da Marqueza d'Alorna. Últimos trabalhos de Alcipe. Uma carta autogra- pha de Filinto Elysio á Ex.ma Senhora D. Leonor d'Almeida. Noticia da Paraphrase dos Psalmos em vulgar. Auctorisa- ção de Alcipe para ser impressa a sua "Arte Poética de Ho- rácio, ou Epistola aos Pizões.,,

Na série dos notáveis ascendentes das famílias de Alorna e de Assumar, deve muito dístínctamente englo- bar-se Frei Luíe de Sousa, Manoel de Sousa Coutinho, que foi casado com D. Magdalena de Vilhena, da casa dos Condes de Miranda. Esta illustre dama, era mãe de D. Joanna de Portugal, mulher de D. Lopo d'Almeída, primeiro Conde d'Abrantes, por onde claramente se en- laçam os Almeidas na ascendência de Alcipe. É bem co- nhecido o facto de ter D. Magdalena de Vilhena, mulher de D. João de Portugal, passado a segundas núpcias com

1 Esta autonsação vem na carta a D. Leonor da Gamara, integraí- mente transcripta no capitulo VIII.

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Miiílocl de Soiisci Coutinho, por se ler juli^ddo perdido ou morto seu marido com l:i-Rci D. Sebastião na infeliz jor- nada de Alcacer-Kibir. Verificando-sc depois a vida e existência de D, loao de Portuvíal, resolveu-se D. Maçda- lena de Vilhena a tomar o habito de reliíjiosa no Con- vento l\o Sacramento ao Campo de Santa Ciara, com o nome de soror Mas^dalena das Chagas, entrando Manoel de Sousa Coutinho no Convento de S. Domini^os de Bem- fica. onde, pelo seu estudo, tanto se assis^rnalou nas letras pátrias com o nome de Hrei Luiz de Sousa,

No Palácio ÍMonteira em S. Domini^os de Bemfica, existe um quadro excellente representar.do D. Maçdalena de Vilhena; este (ju<-i<-í>o tem sido sempre considerado na familia Mascarenhas, como sendo de Soror Maj^dalena das Chagas.

Hntrc as variadas prendas de Alcipe não deve esque- cer a pintura. Lembremos a este respeito, que também no palácio Fronteira existe um quadro da eximia escrip- tora, do género pastel, que se denomina Solidão ou Sole- dade. Lsfe quadro tem curiosa historia, merecendo espe- cial referencia a causa determinante ác\ sua composição.

Tendo a Condessa, ausente de Portugal, escripto va- rias vezes a seu pae. sem ter recebido resposta, depois de baldadas diligencias, lembrou-se de que. sendo seu pae amante k\ò arte L\y\ pintura, talvez lhe respondesse se lhe enviasse um painel feito por sua mão. Realisando este pen- samento, pintou-lhe um engenhoso quadro ái\ sc^lidão. ou soledade, representando de um modo bem eloquente e sensivel. a saudade, o silencio e o pesar em que vivia jx^la falta de noticias de seu pae, noticias que anciosamente esperava.

Liste quadrei chegou felizmente a ser entregue áquelle a quem era destinado, o qual nâo podendo resistir ao paternal impulso, começou desde logo e continuou a es- crever a sua filha, com regularidade.

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Alem do quddro da Solidão, ha noticia do quadro "Amor Conjugal,,, que offereceu á Princeza do Brazii. D. Maria Benedicta, quadro, que se queimou no incêndio do palácio áã Ajuda.

O retrato do Conde de Oeynhausen, que existe na ga- leria dos retratos de familia, no Palácio Fronteira, e que apresentamos em photo-gravura, foi debuxado por Al- cípe, alguns mezes depois da morte de seu marido; e sa- hiu-lhe tão parecido, que serviu de assumpto á engra- çada cantiga, que ella dedicou ao seu pincel, e que prin- cipiando pela quadra

Pincel, celeste pincel De Amor divina invenção ! Tu es certamente feito Da felpa do coração.

termina pela seguinte:

Mas que digo ? Quanto dista A ficção da realidade! O meu pincel é feito Dos estames da saudade.

De outros quadros de Alcipe ha apenas referencias, mas não se sabe que fim levaram.

As diversas photo-gravuras, que offerecemos á consi- deração do leitor, são devidas a photographias, traba- lhos admiráveis do primoroso artista amador, o nosso

dedicado cuiiii^o, snr. lonje de Aliiicidcí Uma, a quem apresentamos de novo a expressão do nosso melhor re- conhecimento.

O enthusiasmo pela Marquesa d'Alorna é notavel- mcnle afirmado em muitos objectos preciosos, que lhe foram especialmente dedicados.

í:ntre estes assii^inala-se uma caixa com lavores artis- ticos, em madeira de espinheiro, tendo na tampa um anjo, sesjurando uma facha, na qual se lê: *Viva a Ex.""» Senhora Marciucza de Alorna», em letras primorosamente imbutidas na madeira.

A caixa, que tem as dimensões de 0'n,35 de compri- mento por 0'^,^0 de lar^^ura e 0"',195 de altura, assenta sobre quatro pés de bronze lavrado e doirado, e tem duas ars^olas do inesmo metal.

junto ao fundo ha uma gaveta, que se fecha com um segredo, e esta não pode abrir-se sem que esteja aberta a caixa ou cofre, que devia ter servido para guarda jóias.

Madame Perrv, a muito illustre escriptora hespanhola. D. Carolina Coronado. ' na sua pesquiza de objectos antigos, de cjue era muito apreciadora, encontrou esta

'D. Carolina Coronado, cciebre c-cripiora hcsp.inhola, nasceu, a lide Dezembro de 1H20, em Almendr.ilcio, província de Badajoz. Eotre as Muas obras, notáveis pela graça e pela profundeza dos senti- mentos, citam-se, segundo a Kncyclopedia 1'ortugueza lllustrada, Poe- sias : O quadro da Esperança, comedia ; Aflbnso IV, drama ; e os ro- mances : Paquita : a Adoração ; JariPa ; Sigea e A Roda da desgraça.

Casou em 1H40 com o diplomata americano, Horácio Perry.

Kaileceu em Lisboa, na quinta da Mitra em i5 de Janeiro de 1911, tendo 91 annos.

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valíosd caixa numa loja de coisas antioas ; apressou-se em adquiril-a, por que era também çrande admiradora da muita excelsa lítterata, Marqueza d'Alorna.

D. Mathílde Perry Coronado, adorável filha de Ma- dame Perry, que falleceu pouco depois de sua distinctis- sima mãe, sendo casada com o Ex.mo Snr. D. Pedro Tor- res Cabrera, filho dos íllustres Marquezes de Torres Cabrera/ offereceu á ultima senhora Marqueza de Fron- teira e de Alorna a soberba caixa, que temos descripto, e^ que actualmente está na posse da senhora Marqueza d'Avila: e de Bolama, que foi intima amiga da extincta senhora D. Mathilde Coronado.

Tendo vivido quasi 89 annos a Marqueza d'Alorna, falleceu a 11 de Outubro de 1859; conservou-se no es- tado de viuva desde 3 de Março de 1795, em que falle- ceu aos 54 annos de edade, o Conde de Oevnhausen, sendo Tenente General e Inspector Geral de Infantaria.' e estando nomeado para o cargo de Governador do Algarve.

Na Noticia biographica da Excellentissima Senhora D. Leonor d'Almeída, Marqueza de Alorna, que precede as Obras poéticas d esta preclarissima dama. lê-se que tendo vivido quasi 89 annos, em que deo provas cons- tantes de boa christã e de boa portugueza, foi a norma do seu procedimento: «Amar a Deos, a sua Pátria e a sua familia; dar lustre áquella, e a esta fazer todo o bem que era possível».

«Conheceo o termo final da sua carreira e resignou-se com a vontade de Deos, recebendo os últimos Sacra- mentos. Nessas ultimas horas da existência faltou-lhe a

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vistci o o ouvido, c. juivícíndo que cstavd só, começou a ovioiiisar-sc a si mcsnin. Rosou ti Saudação Angélica, c r\(\ uitinui paliivra da oraÇiio . . . [dllou-lhc a voz.-- c fdl-

icceu».'

Assim terminou a sua Ioniza, dindd que na maior parte atribulada existência, uma das mais admiráveis mulheres que tem nascido em Portus^al.

A Marqueza d'Alorna está depositada no jazií^o n.» 336 áci rua n." íl áo cemitério dos Prazeres, onde se lè:

"D.Leonor d'Almcida Portui^al Lorena e Lencastre, 4.» Marqueza d'Alorna, 7.-^ Condessa de Assumar e de Oev nhausen. Dama de Honor de Sua Mas?estade Fidelissima, das Ordens de Santa Isabel e da Cruz Lstrellada.

Nasceu cm 3i de Outubro de 1750 e morreu em 11 de Outubro de 1839.

Suas filhas saudosas levantam este Mc^numcnto á sua memoria.-.

Nos últimos annos OíCí sua vida.apezar de amarsjura- dos pela morte de seu filho, o Conde )oâo de Oeynhau- scn, a Marciueza d'Alorna, continuando os seus trabalho-; litterarios, paraphraseou os psalmos de David, e princi- palmente fez ás letlras portut^uezas o inolvidável serviço de animar Alexandre Herculano a caminhar e proi^redir na senda dos seus estudos. D'este elevadissimo serviço nos conta o próprio Alexandre Herculano no admi- rável artii^o (lue publicou no Panorama de 1844, e que textualmente transcrevemos.

' o I alavTio cm que fallcceu a Marquez.i il'Alorna crn siiuado ni ciuiio (^alçnJn «1«> Snlitrc, csquinn dn Iravess* das Vacas.

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Por morte de seu pae, e em consequência da invasão franceza, saiu a Condessa de Oeynhausen para Madrid, e depois para Inglaterra, onde esteve até 180Q, tendo ali escrito, alem de outros trabalhos o Poema das Recreações Botânicas. A entrega de um exemplar deste poema valeu a Alcipe uma carta de Filinto Elysio, que está archívada entre os seus mais importantes papeis, e que é textual- mente como se segue :

111. '"a e Ex.'"a Senhora D. Leonor d'Almeida

O Ex.'"o Snr. Conde de Palmela me entregou o Poema das Recreações Botânicas, com recommendação de V. Ex.a de que o emendasse. O Poema li-o com aquelle prazer com que sempre li quanto vem do Soberano In- genho d'Alcipe. As emendas, não cabe na alçada da minha ignorância pôr-lhe a mão, ainda quando o Poema delias precisasse. Alem de serem para mim sagradas as Obras de Alcipe, e ter eu por sacrílega a ousadia de tocar n'ellas. Se, nesse trigo candíal, algumas arestas haja Apollo que é quem as pode perceber, Apollo as sopre; e não um caduco peticégo aposentado servente do Par- naso, como é

O admirador de V. Ex."*

Francisco Manoel.

P. S. 1." Mais completo seria o prazer, que o Poema me causou, se acompanhado viesse com as tam necessá- rias notas, com que a eruditíssima A. o pode ornar.

P. S. 2." Nunca tive o gosto de ler a traducção da Arte Poética de Horácio, com que V. Ex." me quíz brin- dar. Agora, que a Ex.'"a Condessa da Ega vive em Lon- dres fácil fora que ella me cedesse essa producção de V. Ex.'* para que eu tenha mais uns motivos de admira-la.

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Um dos mais monumentdcs trabalhos de Alcipc é a sua Paraphrasc dos Psalmos em vulvjar, a qual constituo o Tomo VI das Obras Poéticas da Marqueza cVAlorna.

Para thema ou cpivjraphe da Paraphrasc adoptou-sc o Ps. 70 V. 18 :

Deus docuisti me a juvenítiíe mea, it iisquc nnnc pronuntiabo mirabilia tua.

ijue a douta Alcipc paraphrascou assim :

Di^o o que me inspiraste desde a aurora De meus dias, meu Dcus: daima traslado

O cântico entoado Que me nasce do bem de conhecer-te ; I: jamais cessarei de enjjrandecer-te.

A paraphrasc dos Psalmos prova, á mais completa evi- dencia, o profundo conhecimento que a Marqueza de Alorna tinha <\c\ lin^jua latina, e demonstra tambcm a sua- vidade e a melodia do canto da excelsa F)oetiza. Assim o affirmam muitas das suas paraphrascs de que escolhe- mos cjuasi ao acaso as sevíuintes:

Ps. 50 V. 4 e 5 :

(4) Quoniam iniquit citem meam ego cognosco, et precatam mcum contra me est sempcr.

(5) Tibi soli peccavi, et ma/um coram te feci : jastificeris in setmonibus íuis, et vincas cum judicaris.

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PAPAPHRASE

Reconheço, Senhor, minha malícia ; O meu peccado sempre tenho á vista ; Faz-me horror quanto nelle achei delícia.

Ah ! contra ti pequei. Ao mal ante os teus olhos me entreguei.

Ps. 54 V. 6 a 7 :

(6) Et dixi: quis dabit mihi pennas sicut colam bae, et volabo, et requiescatn ?

(?) Ecce elongavi fiigiens et mansi in soíitadine

PARAPHRASE

Ah ! quem me dera ter azas. E como a pomba voar ! Buscara um ninho remoto, Allí fora descançar :

Fora aonde não se ouvisse. Nem o vento murmurar.

Ps. 73 V. t :

{*) Ut quid, Deus, repulisti in finem ? ira tus est furor tuus super oves pascuae tuae ?

PARAPHRASE

Assim nos abandonas. Deus irado ?

Quaes ovelhas errantes, Sem conductor. sem pasto, em sitio estranho Tu deixas sem aprisco o teu rebanho?

Ps. Ilí V. 1 :

(l) Laudate pueri Doiuiiium, landatc noincn Dornini

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l'.\KAI'HllA.sh

Levcintcii suaves cantos, Mancebos, a Deus louvai ; O seu sanctissimo nome Com fervor novo invocai.

Ps. 125 V. 1 :

(l) /// converti n (/o Dom in tis captivitaícm Sion facíi siimiis sicuí consolati.

PARAPHRASF

Quando, oh Senhor poderoso. Quebrares vJrilhões pezados Com que estii Sião captiva Por obra destes malvados. Tal será (\o j^osto o effeito. Que para tanta ventura Tique o coração estreito.

Ka carta a D. Leonor áci Camará, em que Aleipe auc- torisava que fossem impressos os seus versos, triumphando assim a vontade da amijiHa da sua repuiínancia, e talvez ác^ própria razão que lhe prohibia de expor d censura dos intellis^entes obras c)ue nunca aspiraram ã fama. e que tinham sido compostas para passar e adoçar instantes, cjue tantos acontecimentos |x?nosos enchiam de amar^fura, a douta escriptora referindo-se ã sua *Arte poética de Ho- rácio, ou l:[">istola ac^s PizcVs». em portus^uez. denomina-a traducçãc\ imitação, ou o ciiio lhe t|uizerem chamar os entendedores.

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E accrescenta :

«As regras de composição poética, que Horácio es- creve com tanta perfeição, ficam ao alcance de muita gente, sem o trabalho de estudar a língua latina.»

Effectivamente o admirável trabalho da Marqueza d'Alorna, que constítue o quinto volume das Obras poé- ticas de Alcipe, não realisa inteiramente o seu propó- sito anteriormente exposto, mas affirma ainda o seu me- recimento como poetisa, e o seu superior conhecimento da lingua latina.

A leitura de qualquer dos brilhantes períodos da Arte Poética de Horácio, publicada em portuguez, exemplifica á completa evidencia o que levamos dito.

CAPITULO V

Cinco cartas de Alcipe, dirigidas do convento de Ciielias ao Mar- quez d'Alorna, seu pae, então preso no forte da Junqueira. Resposta da Condessa de Oeynhausen ao Secretario d'Es- tado, que lhe remetteu as graças de Marqueza d'Alorna e de Condessa de Assumar. Extracto da carta escripta pelo próprio punho da Marqueza d'Alorna ao Marquez de Wel- lesley. Copia da folha de um jornal, escripto por D. Leonor d'AInieida, nos últimos dias da sua prisão em Chellas. Re- querimento da Marqueza d'Alorna pedindo a revisão do processo que injustamente condemnou o General Marquez d'Alorna, seu irmão.

Na preciosa collecção das cartas de Alcípe, que exis- tem no Palácio Fronteira, copiámos aquellas que teem os números de ordem 29, 30, 97, 98, e 99, e que foram diri- oídas do Mosteiro de Chellas ão Marquez d'Alorna. que estava então preso no forte da junqueira.

Na carta n.o 29 encontram-se os seguintes períodos :

Meu querido Pae e Snr. do meu coração

Quando escrevo por este portador parece- me que V. Ex.a está mais perto, ou que posso fallar-lhe ao ouvido e copiar o meu coração. A doença d'El-Rei, que não tem ido a melhor nem a peor, tem posto os negócios na sua

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louvável indcÇcio ; porem niio deixa de encher de esp>e-

rançiis cl miiitii sI^Mitc c de sustos o Marquez de Pom- bal.

Scíiiprc me deram que entender os desis^nios do Mar- tjuez de Pombal para o futuro, e com effeito principiaram a manifestar-se bastantemente na intentona de fazer jurar o Príncipe contra todos os direitos da Princcza. '

l:l-l^ei continua a repousar-se sobre uma falsa virtude, que c^ talvez a única que se conhece n*esta terra. A utili- dade publica e a justiça voaram, como diz a fabula, para os céos, e os homens acham-se dispensados de as prati- car; comtanto que murmurem aos ouvidos do confc*ssor quatro ridicularias insiiínificantes. Tudo se leva por o ce- remonial e com isso se contentam.

Ha mais tempo teve o Patriarcha a resolução de di- zer a Hl-l-íei que elle como hispo. considerando ^ua Ma- i^estade como ovelha sua. tinha obri^íaçâo de dizer-lhe que a voz publica era de que os Tavoras padeceram in- nocentes, i:l-l^ei ouviu rfans nu morne silence e Uc^io respon- deu uma palavra. O Patriarcha. que viu como tinha sido inútil a sua demonstração, tornou a fallar a El-Rei e de novo lhe disse cjue o povo todo estava persuadido i\ci innocencia l\í{ nossa familia. El-Rei com um ar enfa- dado replicou : «Pois daremos conta a Nosso Senhor desse peccado.» Parc^ce-me que um atheista nt^^o respon- dia melhc>r. Ni^o me posso persuadir de que o nosso So- berano ivinore muitas das cruekiades, que se praticam comnosco ; mas é certo que muitas coisas lhe dizem com

' Isto é de promul^nr a lei salicn em Portugal, ainda em vida •J'EI-Rei D. José, tomando assim nulos os direitos de D. Maria I, e de- terminando que succcdesse no throno a seu Avô, o principe D. José.

Segunda Marquc/a d'Alorna, mãe de Alcipe

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a mais execranda falsidade. Elle até açora não soube da minha doença e outro dia chegou por um acaso singular a noticia ás Senhoras Infantas D. Maria Anna e D. Maria Benedícta, Creio que minha mãe conta a V. Ex.a este suc- cesso. Eu passo a outra coisa.

A minha saúde delicada, e que desejo conservar para consolação de V. Ex.^s depende muito do beneficio do ar. e vejo que inutilmente trabalho para a fortificar, sem ap- plícar-lhe o remédio único. Não posso queixar-me senão do desalento que se apoderou tanto de minha mãe como do mano. Nem uma nem outro fazem uma deligencia de que se possa esperar resultado, porque tudo se reserva de uns dias para outros, que nunca chegam. Quem po- derá dizer que fazendo-se uma conferencia no dia 10 de Agosto e offerecendo-se o Wadde para attestar em casa áo Marquez de Pombal a verdade da minha queixa, ainda a certidão que elle passou está nas nossas mãos, ainda meu irmão se não encontrou com elle! Falta um mez para meu irmão se ir embora, e torno a ficar nos mesmos ter- mos, sem esperança nenhuma de allivío. Eu bem sei que o Marquez de Pombal não ignora que eu estou doente, porem que se lhe a elle d'isso, quando com a minha moléstia não sente a minima importunação ? Todo o amor que eu sei que minha mãe me tem, todo o pezar que V. Ex."^ occulta do que eu padeço foi impedimento talvez a que as cou- sas se fizessem nos termos que devem ser. Eu creio que não exijo demasiado cm que por trez ou quatro dias se cuide unicamente d'ísto e resolvo-me a dizer a V. Ex.^ o que me parece, pedindo-lhe o maior segredo de para que as cousas tomem caminho.

Nem levemente passe a V. Ex. ' a idéa de que me queixo. Desconsolo-me do meu estado, e desejo que minha mãe e meu irmão não percam em mim um objecto que amam e que os ama coma maior ternura. Eu não tenho nenhum

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tip|iLiiic tic Siíhir ti iU|iii. os objectos para cjiic quero vida aqui os tenho. Unicamente invejo a fortuna de meu irm«5o que pode app)arccer a V. Ex,«, e cu certamente lhe appa- rccia loí^o, se podcssc praticar alí^uns remédios ; talvez esta consolaçi^o me desse a vida, que me foigeno seio da desconsolação c i.\c\ aniari^ura.

Ha três dias que sahio daqui uma preta vasando-se em sans^íue pela bocca, c ha três dias que lhe parou, e scnte-se-lhe melhora jurando, sem mais nL^diy fazer que mudar para uma (juinta, que fica mais alta, mas defronte deste convento. As^íora tenho a Condessa de Vimieiro, * em Lisboa -, no caso que meu irmão se fosse, poderia com ella dar os meus passeios. A idéa de sahir pelo processo c|ue minha mãe communicou a V. Ex.a e que no princi- pio me fez o appcfitc que é natural, pareceu-me depois cheia de inconvenientes, que me des^^ostaram, e quiz an- tes padecer mais alcjuma coisa que melhorar por aquelle meio. Náo se assuste V. Ex.« com o que diçoimasjinando s^randes coisas; cu não tenho tido demais senão ali^umas convulsões e melancolia, por isso ando mais imaiijínativa, mas a cor não tem diminuído demasiado, e nem um dia estive de cama. As^ora tenho pena de atcrrorisar a V. í:x.'' com estas impertinências, mas aiiíora ou o moço ha-de ir sem carta ou eu hei de mandar esta. Creia V. Ex.\ iiiou iiucrido pae. ciue não lhe desejo dar senão ^osto. Mande-nie V. í:\;' dizer como lhe poderei mandar uns li-

' I> Thereza de Mello Breyner, nuctora Ja Osmia, e a amiga mais querida de Alcipe.

A Osmia, como se sabe, é uma irsgedia em cinco actos, premiada pela Academia RenI das Sciencias de Lisbon. cm 1 3 de Maio de

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vros que sahíram agora, que lhe podem dar algum de- vertímento, são do tamanho da Biblíotheca. Recados do mano Tancredo a V, Ex.», meu querido pae.

De V. Ex.a

Filha muito amante e obediente

L.

Depois de concluir; não sei que tom grosseiro acho n'isto que me respeita ; eu desejo que as recommendações que V, Ex.a fizer ao mano e a minha mãe, sejam todas sobre o methodo e a brevidade : qualquer que seja sobre a efficacia pôde ser uma injuria a pessoas a quem devo tanto carinho, tanta ternura, e que por força da mesma ternura não atinam com o que me convém.

A carta 30 diz textualmente o seguinte :

Meu querido Pae e Snr. do meu coração

Tudo quanto V. Ex;^ me diz me enternece, e me oc- cupa de modo que me esqueço de todos os debates scien- tificos, e reduzo tudo aos momentos deliciosos, que me pintam um pae enternecido sobre a sorte e felicidade de uma filha extremosa, e que deseja distinguir-se entre as submissas e obedientes. Eu nunca li nenhuma das obras prohibidas de Voltaire, e tendo muito appetite de ler o Sé- culo de Luiz XIV e votos para que o lesse, não me resolvi a depor o meu escrúpulo. Conheço unicamente o que V. Ex.a me deu licença para ler, excepto a Vida de Cezar, que não a tenho, nem nunca me emprestaram. Em algumas collecções de Poesias fugitivas e de papeis volantes te-

7>í

nho visto alijunias poças suas de nenhuma importância, c de summa vJ^ilanteria que ordinariamente rolam sobre as^radecimentos de obras que lhe dedicam ou de novas que espalham, umas vezes l\ò sua morte, outras contra os seus escriptos, coisa de que faz pouco caso, e nesse es- pirito diz que, porque Nonote escteve parvoíces, ellc a não ha- de enforcar, mas perdoar-lhe e ficar em paz. Acho que quer dar n'ísto uma lit^ão de moderação e da piedade, que se po- dia usar com ellc, que também de vez em quando erra consideravelmente. Devo dizer que ainda não vi os seus erros; minha mãe é que diz que sempre que abre os livros (jue V. lix." sabe que eu tenho, lhe acha uma blasfémia. I:* certo que o seu modo de fallar.(juct5 inteiramente diverso da excessiva devoção de minha mãe, pode produzir este cffcito. límfimeu ciuo me limito sempre ao que V, Kx.'^ po- dem querer, procuro modelar o horror desta melancólica inacção, com a lição que me é permittida. Leio todas as manhãs Bourdaloue ' ou Pénelon, e depois d'isto. Histo- ria, Poemas, Loi^ica. Metaphisica,e Phisica. São as matérias de i.\wy: v^osto e creio que me são permitfidos os livros em que me instruo, porque nenhum delles deixa de ser no- meado por V. lix.» ; a historia natural faz as minhas deli- cias, e se V. I:x.° me privar d'isto, sci^uro que me priva daquillo <^H»c mais me recreia. Com tudo estou prompta para queimar Mr. de huffon e tcxios os que me vierem á mão dessa espécie. I:u creio bem que para uma tola, seria prejudicial o conhecimento de alsjunsses^redos de que tra- tam os naturalistas, mas fixa no principio do Marquez de Pau, de que todas as palavras na bocca de uma pessoa honesta são honestas. A natureza denudada c presente

' fíourdalouc Celebre jesuíta e pregador franccz, que falleceu em 1704. Adquiriu enorme reputação justiHcadissima, porque os seut sermões causavam verdadeira admiração.

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aos meus olhos não é mâís que uma maravilhosa obra do meu Creador, que eu olho com respeito, com modés- tia, e com o receio que nas almas sensíveis produz a su- blimidade do artifíce e dos artefactos. V. Ex.a^ farão de mim o que lhes agradar, e com isso a minha felicidade, Remetto a V. Ex.' esse primeiro tomo das obras dessa madama com quem tenho emulação, gosto bastante delia, o seu caracter é tão bom como as suas obras, mas eu creio que morreu. Traduzi os versos inglezes para que V, Ex.'"' não tivesse a sensaboria de os não entender, versos não se traduzem senão em verso, e por isso eu os fiz muito maus, mas que comtudo são mais soffriveis que a prosa.

Dizem que se converteu á catholica romana um cé- lebre Lord inglez, que havia escripto muito contra ella, e que o parlamento (de que elle era membro) se conten- tara de perguntar-lhe com que tenção tinha tomado se- melhante resolução. Dizem também que os ínoleses estão persuadidos de que mesmo para os negócios políticos lhes convém a tolerância dos papistas, e que virão a mudar de systema. Duvido ; mas será.

O Papa escreveu ão Rei da Prússia para a extincção total dos jesuítas na Sílesia, mas elle zomba dos raios apos- tólicos. Os jesuítas pediram a um bispo as ordens para os seus noviços e não as querendo dar o Bispo em con- sequência da Bulia da extincção, El-Rei da Prússia o fez suspender. São parvoíces a montes, mas a mim não me importam essas matérias.

Sahio um edital da Mesa Censória contra uma carta do Bispo de Cochim para o de Cranganor, em que se condemna o proceder da inquisição contra o Malagrida, '

i A condemnaçáo do Reverendo Padre Gabriel Malagrida é uma das maiores atrocidades do Marquez de Pombal ; nenhum dos seus defensores apresenta justificação acceitavel d'este acto de pavo- rosa vingança.

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Á piMici de imutc. Nci ctiiUil ccMicicmna-sc (jucni tiver a tal Ctirta, porem uào \w pena para quem tiver o edital onde cila vem copiada e refutada com as solidas razões de um ministério illustrado ; o Marquez de Pombal, queixando-sc com rasAo cie tal carta, exclamou : e que seia isto pos- sível contra a S^inta Incjuisiçc^o onde se juntam os maio- res Theoloijos ! o tribunal da fd onde reside a justiça c a verdade ! etc. I:ste homem provavelmente vc próximo o seu termo, ou. ainda que o Uc^o veja, avalia o mundo bem e busca a honra í.\í\ reliv*ii^o, presentemente, com um ar- dor com que tem cheijado a dizer, que está prompto a dar a vida por cila. l:tc.

Dizem que \S «;c nc^o trata do casamento do Príncipe em Prança.

Ao mano Tancredo infinitos recados e agradecimentos pelos livros que vinham cxcellcntes. com muito boa en- cadernação, letra, etc. c que me tenho consumido de lhe m^io mandar a Los^ica de Pclice, mas que brevemente irá. Quero a bençc^io de V. Kx.i meu querido Pae e sou

De V. Rx.» filha muito amante e obediente L.

Eu tenho passado alí^uma coisa melhor, mas ainda fraca.

Mm querido Pae c Snr. do meu coração

A estas horas terá V. I:x.» visto as caras das suas jx>- bres lilhas; quando Deus nos der o ^osto de nos vermos, achará V. I:x.»uma cirande differença. porque a insensibi- lidade do meu retrato náo admitte aquella alteraçáo que háo-de causar em mim os sentimentos áo meu coraçáo em semelhante encontro. Também por temos lido nos- sas comeilias com o (jue por se terá passado •. estes quinze tlias tccn-iKw parecido compridíssimos.

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Remettí ultimamente a V. Ex.a os livros de Boulanger, e esqueceu-me dizer que eu não tinha lido os últimos ca- pítulos do 3."^ tomo, porque o Tamagníni me tinha adver- tido, que tinham muita liberdade contra a Religião. Mas como V. Ex.a tem licença não importa. V. Ex.a verá nas cartas de meu irmão as esperanças que temos de o ver para a Páscoa : Deus queira dar-nos este gosto, que é o único que tem semelhança com o de ver a V. Ex.a.

Saberá V. Ex.a que estou na resolução de deixar por agora o estudo do árabe. Mas como a mana Maria se adiantou alguma coisa, convíemos eu e ella, a beneficio dos nossos estudos, das nossas bolças e das nossas saúdes, que estudasse ella aquella lingua, em quanto eu concluía o estudo da latina, porque depois lhe ensinaria eu a ella o latim, e ella me ensinaria a lingua árabe. Conheci que o estudo pesado daquellas duas linguas me cansava, e não me deixava aprender depressa nem uma nem outra. E junto com tudo o mais a que eu gosto de applicar-me, seria faltar áquella sobriedade que V. Ex.» quer nas mi- nhas applicações. A mana não ha-de experimentar damno algum com o tal estudo de árabe, porque tendo ella muito mais pachorra do que eu, faz estas coisas mais com- modamente, e além d'isto não tinha presentemente estudo sério de coisa nenhuma. Pelo que respeita á minha pala- vra dada ao Príncipe, eu supponho que elle não torna lá, porque os seus negócios teem peiorado, e o homem não está para graças; além d'isto não foi dada tão seria- mente que exija um cumprimento exacto; o pouco que fiquei sabendo das minhas lições, com o meu desembaraço talvez que seja sufficíente ; e se não fôr, paciência ; porque cUe também disse que faltaria a lingua portugueza, e. pelo que me consta, ainda não sabe uma palavra. Queria mandar a V. Ex.» umas sátiras, que teem sahido contra os nossos poetas, mas ficarão para a outra vez. por que as não posso copiar, nem escrever desta vez quanto desejo.

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Nt^^o ha nenhumas novidades, scnJio o casamcnti/» uc uma filha de Luiza de Saldanha com o Maquinei.

Dê-mc V. f:x.* a sua benção que nâo f>osso mais. Re- cados ao mano Tancredo.

De V. lix.- Filha amantissima c muito obediente L. Lisboa, 3 de Abril.

Mfu qneiiilo Pae c Snr. do meu coração

Temos estado com çentc n'csta casa de modo que muito tarde podemos desembaraçar- nos para escrever a Y. I:x.» poucas refiras. Reiíietio a V. I:x.» a carta da Con- dessa de Vimieiro e uma que lhe escreveu a ella a Prio- rcza em resposta dos parabéns.

Tive summo j^íosto de que a V. Ex.« lhe ai^rradasse o meu Drama, e proponho-me açora de lhe dar todas as voltas para cjue ficjue melhor. estou com appetite de fazer mais al^iuma coisa ; e, se a minha saúde me ajudar, farei obra totalmente minha, que possa divertir a V. E.x.»: este c* o objecto de todos os meus desejos. Tenho appetite de tratar um assumpto, tirado úã Historia romana, em cjue acho caracteres nas personáj^ens, muito analoi^os aos nos- sos; mas aintia n^o estou resoluta. Náo ha novidades. Recados ao mano Tancredo e adeus meu querido Pae.

Vou bem com os meus banhos, tenho sete.

De V. I:x.«

IMIha muito obediente

L.

Meu qurrído Pae e Snr. do ntrii coração

Na ultima vez (jue escrevi a V. J:.\.' caiava lao pretK- cupada com as ideais de uma mudança próxima, que aiv-

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nas me sentia ainda em Chellas. O costume de olhar para todas as coisas seriamente ha muitos annos, faz com que ainda aquellas mesmas que deveria escrever alegremente, recebam debaixo da minha penna, um certo tom languido, que lhes tira talvez a graça. Porem o que V. Ex.'' não encon- trar nos meus escriptos, passe a buscal-o immediatamente no meu coração, que se geme por costume, não é por isso menos capaz de crear e de sentir a alegria. Paréce-me ás vezes que não deixando escapar coisa alguma á minha sensibilidade, dilato mais a minha existência. Pelo senti- mento se passa do nada ao ser, e quando o sentir muito me possa ser incommodo, sempre lhe acho mais utilidade que na insensibilidade e na incapacidade de olhar um objecto e de avalial-o por todos os lados. Bem quizera eu não achar nada que receíar nos papeis que estão na mão do Marquez, mas não sei tranquíllisar-me, lembrando- me que poderão ser os que pertencem aos estudos de V. E.x,''. Não sei sobre que seriam, mas os objectos que prin- cipiavam a interessar nimiamente o mundo litterario, quando V. Ex.» foi preso, e que certamente interessa- riam a V. Ex."*, são perigosos de tratar em um paiz despó- tico, onde o capricho é unicamente a lei que servimos. A política que principiava a apurar-se muito com o favor da philosophia, é hoje o objecto que mais interessa os philo- sophos, e em que os políticos machíavcllicos mais receiam ser instruídos. Dizer : que os Príncipes são protectores das leis; que o seu poder é restricto para elles; que a justiça não consiste em opprimír, mas em manter e conservar os direitos de cada individuo, que compõe a sociedade, são blasphemías, e o phílosopho que as pronunciar deverá occultar o seu nome para abrígar-se das iras do Ministé- rio. Tanto nos governa o capricho, e tão desaforadamente, que o Arcebispo me disse a mim (quando lhe dava as mais solidas razões para livrar-nos da oppressão em que estamos), que eu não comprehendía o génio do Marquez.

Si

e como com cllc se conscvíiiicim os coisas: que a arte toda consistia cm espiar o instante (jue ellc tinlia de ceder, e que esse mesmo instante, preferia elle muitas vezes que nt^^o chevfasse, por que em uma occasiáo. estando muita isente a fallar-lhc, entrava nc\ casa a fazer varias corfezias, observando com o seu óculo as diversas pessoas, e que ultimamente vendo u.-n certo (o qual por boa: razões en- tendemos ser meu irmão), voltdra para o Arcebispo di- zendo, que entrasse para a casa de dentro, porque tintia coisa importante a communicar-lhc. O Arcebisix\ depois de achar-se só, per^iuntando qual era o nesíocio. teve esta resposta : Nada ! Conversemos, que eu quiz evitar que um certo procedesse para comis;;o d'um modo. que hei-de procurar evitar, a poder que eu possa. l:u res- pondi que nao conhecia senão a innocencia própria, e a justiça i.\i\ causa, fiando que estes objectos fossem bas- tantes para merecer a attenÇi^o de um ministro esclareci- do e recto, como eu devia suppôr o Marquez. Quiz dizer quQ Utlo consultava caprichos nem génios extrava>?antes de ninvnicm. mas vi que me perdia, e com muito trabalho tive a pruilencia de caJar-me. Se V. li.x." escreveu coisa c)ue respeite essas matérias, quando ainda o temp)o nâo conslraniiiia tanto atc^ as ideias, temo bem que elle esteja enraivecido com isto fortemente.

I: tonuira saber o (lue poderd ser, para tomarmos as nossas medidas.

O moço necessita partir mais cedo que do costume por isso acabo.

Ixccados ao mano. e adeus meu querido Pae do meu coraÇc^o.

ÍK- \. I:.\.^ lilli.i 111, lis aiii.uiti* o I >h<'< 'ioiili'

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Resposta de Alcípe âo Secretário d'Estado que lhe remetteu as traças de Marquesa d'AIorna e Condessa de Assumar.

lU.^o Ex."^o Snr.

Recebi o aviso com que por ordem de Sua Majestade V. tx. me favorece: muito excede o meu reconhecimento gratidão, respeitoso affectoe acatamento quanto cabe nas mmhas toscas expressões, quando por este modo honroso tl-Rei meu Senhor renova em mim a memoria pura de aquelles a quem succedo. Da bondade de V Exa espero que supra o que em mim falta, para expressar repetidas vezes a bua Majestade estes meus vivos sentimentos Prou- vera a Deus que como os meus. em que o Estado achou sempre servidores zelosos e fieis, eu tivesse meios e talento para demonstrar quanto amor ao Soberano, e zelo pela §loria daMonarchia transmittiram. com o sangue ao meu coração.

. Diane-se V. Ex.a. na presença de El-Rei meu Senhor desermterprete do que tenho a honra de manifestar-lhe' e acceitar o protesto da alta consideração com que sou

De V. Ex." muito attenta veneradora Marqueza d'Alorna Condessa d'Assumar e d'Oevnhausen.

Nos numerosos papeis, que a snr.a D. Leonor Fernan- des possue da Marqueza d'Alorna. encontra-se a copia de uma notável carta, que a Marqueza escreveu ao Marque^ de Welleslev. e da qual damos aqui um rápido extratJ

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Mylord

Ha nionicntos c sitiKiç<^cs na vida, cm que, se nos su- bmcttemos á reflexão, somos cruéis e injustos. A politica e o interesse aconsclham-me o silencio; ocoraçáo, a ami- sade, o sançue, obriíjam-me a implorar o auxilio de V. Ex.«

I: scS V. I:x." que pode acrescentar á íjjloria do seu Mi- nistério outra v^loria nova, restituindo d Naç<5o portujjue- za c ao Príncipe Ressente a infeliz Nobreza de Portuijal. e purificando-a horrivel imputaÇc^o de infidelidade.

Creia V, lix.a que muito monos preciosa c a vida dos Nobres, do que a sua rcputaÇc^o. Delia far^o s^ostosos o sacrificio no campo l\c\ honra. Se a vida foi concedida aos Portuiiiuezes que ficaram residindo em Portuiíal. ten- do servido ás ordens dos l'rancezes, por que motivo ha- de ella ser recusada aos outros, que se nc^io acham ali por n^o os terem querido resçatar em tempo próprio?

Um acto ti^io humanitário i.\c\ parte de V. Rx." existe a maior brevidade. Não podemos duvidar de que V. l:x.' tomará na consideração devida as nossas supplicas. nas- cidas nos horrores óci angustia, e nos transes ciò incerteza a respeito dos entes mais queridos eis nossas almas.

Stroab Mouse. 'J'2 de Abril de 1811. S. !:. le Marquis de Wellesley.

Condessa de 00'^f^^'^^^"-

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Julgamos interessante apresentar a copia deveras curiosa da folha de um jornal, escripto por D. Leonor d'Al- meida nos últimos dias da sua prisão no convento de Chellas.

Segue a folha:

Estes 18 annos, e quatro mezes e meio, junto ão leito da minha amável e infeliz mãe, foram um espaço, em que tinha exercício a minha imaginação, o meu desejo de conhecer meu pae, de consolar e distrahir minha mãe; estes foram os incentivos que crearam em mim a vontade de saber mais do que sabia, para os poder aliviar. Depois que se incendiou e se destruiu a Torre de Belém, transpor- taram meu pae para o Forte da junqueira, e tiraram-lhe o creado; ahí ficou num cárcere, quasi sem luz, frio; des- acommodado, e sem nenhum soccorro; eu teria então dez para onze annos, e como sabia escrever, ainda que mal, lembrou-me fazer um plano de educação, para as donzel- las portuguezas, plano que divertiu muito minha mãe, e communicou-o ás pessoas que nos cercavam, as quaes o fizeram correr Lisboa, c me deu uma certa celebridade que decerto a obra não merecia. Continuei a minha assidui- dade junto ao leito de minha mãe, e a ler-lhe cm portu- guez tudo quanto ella queria; a maior parte das obras eram devotas, masescriptas por aquelles que melhor fatiavam a lingua portugueza, por e.xemplo Frei Luiz de Sousa. Bernardes, Fr. Thomé de lesus, a vida de D. João de Castro, por Jacintho Freire, algumas orações académi- cas, de meu pae, e de meu avô, etc. Com isso adquiri a correcção na lingua ; nesta época, chegou uma carta de Malta, em que meu tio D. Luiz d'Almcida, irmão de

s.q

nicii piic. dciva muitos parabéns d minha mòe, das ha- bilidades de sua filha, dizendo, que lhe constava que cu sabia muito bem francez e italiano; era falsa a noticia, eu nt^io sabia nem francez nem italiano, mas entrei com tal zelo, a estudar uma e outra lini,jua, que de 13 annos en- tendia tudo, li Telemaco, varias outras obras de Mr. de Pe- nelon.e a de Mr. de Ramsai. que traduzi toda em portu- s^uez. e que ficou na mão l\o bispo de Malaca, homem muito instruido e de muito ens^enho; começou-me a ten- tar a leitura dos pocMas, li Ferreira, e finalmente Camões; esto quasi me fez endoidecer de enthusiasmo. e fez desen- volver em mim, esse tal qual estro, que tanto recreava meu pae-, fui lendo tudo quanto achei, e pude adquirir, por um folheto que comprei, o qual tinha por titulo. Bi- bliothfqtw d'un hommc de RoCii; che^iuei a adquirir ^Oid vo- lumes meus. quasi todos cheios de notas, para meu estu- do c instrucção. Mas depois da soltura de meu pae, e do meu casamento, mandando ir esta collecção de livros para o Porto, onde meu marido commandava um rci^i- mcnto, furtaram-me estes õOO volumes, que eu juls^iava serem o meu thezouro.

A Condessa de Oevnhausen tendo reigressado a Por- tuvial, e tendo promovido com a mais insistente dedica- ção a revoíijação i\c\ sentença que iniustamente tinha con- tlemnado o Marcjuez d"Alorna, seu irmão, como traidor ã pátria, ficou habilitada pelo tribunal que fez a revisc^o do processo a fazer o requerimento se^iuinte :

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Senhor

Diz a Condessa de Oevnhausen, que tendo provado na maior evidencia a honra e lealdade de seu irmão, o Marquez d'Alorna, contra a sentença proferida em 22 de Dezembro de 1810, que a Supp.^ embargou, foi elle ab- solvido, restituída a memoria do dito seu irmião, e absol- vido do crime que injuriosamente lhe fora imputado, re- vogada a dita sentença condemnatoria, e declarado inculpado, assim como innocente, e honrada a sua me- moria; foi também habilitada a Supp.^ para promover todos os effeitos civis desta restituição, bem como o de todos os seus bens livres, de vínculo e prazos, direitos e acções, e quanto pertencer á sua herança e successão, tudo em conformidade da Ord. L. 5, n.o 6 § 11, como mostra pela sentença no documento junto.

Ha comtudo, Senhor, uma contradicção manifesta na sentença, porque mandando restituir tudo ão Marquez d'Alorna, irmão da Supp.'^, limita a sentença a restituição de bens e rendimentos d aquelles que estão comprchen- didos na disposição do Decreto de 9 de Fevereiro de 1821, art. 6.0, os quaes ficam salvos nos terceiros possui- dores, assim como ão Real Erário rendimentos ou valo- res que alli tenham entrado.

O texto expresso da Ord. do Reino, sobre o mesmo, prevenio os damnos graves que produz esta excepção; e sendo certo que o Marquez d'Alorna, Irmão da Supp.*^ estava perfeitamente innocente, sendo muitos os martvrios quesoffreu:e parece que a justiça, e a razão natural pro- hibem que a sua herdeira, que por tantos annos soffreu in- calculáveis mágoas, fique privada agora dos meios que lhe são necessários para reparar as brechas, que lhe fize- ram os castigos e privações não merecidas.

Mais que tudo a vista da inexhaurivel bondade que

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todos reconhecemos no \^é^\o Coraçt^o de Vossa Majes- tade, da sua munificência, e jjrandeza, imp>ossivel é csp)c- rar, que coarcte d Supp>*a mesquinha porção de bens que lhe competem, e que deixando de lhe serem restituídos, deixa de als^um modo equivoca e contraditória ademons- traçi^oda justiça que acaba de julijarseu honrado e infeliz irnic^io : para evitar esta collisâo a mais desai^radavel, a Supp/' nt^^o quer mais que a simples e literal observância da Ordenação L. 5, n." ó, § 11. que o Decreto de 9 de Fe- vereiro de 1821. nâo revoíjou nem expressa, nem tacita- mente, em consequência do que está em seu viijor aquel- la Ordenação do L. 5, n.« 6. § 1 1 como é expresso na Ordenação L. 2, n.« 44.

Nem esta prctençào da Supp.^ Senhor, é extraordinária nem excessiva, antes o mais natural, o mais justa, o mais conforme com as paternaes e benéficas intenções de Vossa Mai^estade : esses terceiros cujos direitos a sentença junta mandou salvar, ou estão de posse de bens que sào da Casa do Marquez d'Alorna, em que a Supp.<^ succedeu. por titulo de compra, ou por Graça quanto aos primei- ros que compraram, e porque os bens se venderam por um preço arrastadissimo, e neste caso devem entre- j^ar esses bens comprados, porque são da herança do Marquez d'Alorna. em que succedeu a Supp.**, e n*este caso levantar o dinheiro ou valores do Real Erário, que lhos ha-de entrej^iar. porc^ue cm nome de Vossa Mavies- tade não ha de querer locupletar-se com tão horroroso prejuiso da Supp.«^ : e quanto aos sesjundos. isto é, que estão de posse dos bens por Graça de Vossa Majestade, estes com dobrada razão os devem restituir d Supp.<^ porque todas estas Graças, foram ob-e subrepticias ; pois tal houve, permitta-mc Vossa Majestade que exponha a verdade sem rodeios, tal houve que faltou á verdade, e env^anou a Vossa Mav^estade expondo, para obterem a propriedade, que a Supp.'' iS estava tle ^x>sse dos vinculos

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da Casa, tendo sido incorporada na Real Coroa; pois nem a propriedade estava incorporada na Real Coroa, nem a Supp.'^ estava de posse, pois que de alguns apenas tomou posse no anno de 1820, a 50 de Maio.

Eis aqui quanto a Supp.^ julga preciso para apadri- nhar a sua justa supplica quanto á restituição de todos os bens sem a restricção do Decreto de 9 de Fevereiro de 1821, mas sim segundo a letra expressissíma da Ordena- ção L. o/o n.o 6, § 11, que está em inteira observância, e que a Supp.^ reclama na Real Presença de Vossa Majes- tade em seu auxilio, e que a Vossa Magestade pede que mande observar segundo a sua letra.

P. a Vossa Magestade humildemente que, como signal de honra, e de be- nevolência, lhe faça a Graça de a despachar como supplica, e de man- dar cumprir exactamente o que de- termina a citada Ordenação L. N." 6 § 11, que está em seu vigor.

E. R. M/^

CAPITULO VI

Mais quatro cartas de Alcipe a seu pae. Em outra carta a seu pae, Alcipe refére-se a um sermão, que escreveu para favorecer um pobre frade, o qual, depois de o ter pregado desastra- damente, o vendeu a outro frade por 4S000 réis, podendo-o assim rehaver D. Leonor d'Almeida, e podendo portanto mostral-o como elle era, e não como tinha sido pregado.

Do muito elevado engenho de D. Leonor d'Almeida vieram dando successívas e concludentes provas as cartas por ella escriptas no seu quarto no mosteiro de Chellas, cujas paredes estavam destinadas a limitar o horisonte da sua visibilidade.

Passamos a apresentar algumas destas cartas :

Meu querido Pae e meu Snt. do meu coração

Com o desejo de entreter a V. Ex.a agradavelmente nas novidades politicas e litterarias de que me tenho instruído, perguntei se se resolviam a mandar hoje o moço, disso- ram-me que não, e tendo-me uma rapariga deste con- vento pedido que lhe fizesse vários rascunhos de cartas, umas para cobranças de dinheiros e negócios semelhan- tes, fiada no tempo, não achei outra occasião de fazer- Ihas, e no fim diz-me minha mãe que se resolve a man- dar o moço.

Dizem que o Marquez de Pombal pedira uma Bulia

«M

para se cIcspciKkTcm os cahidos dos bens da I^atriarchal no serviço dlil-kei ; tju^' o Papa respondera gue se pro- vessem os luí^ares vaijos. por que cllc nâo tinha duvida de conceder o que sobejasse a Sua Mai^estade ; mas que era indecencia. emquanto se faltava ao serviço da Ivjrcja, sacrificar o que lhe estava destinado aos prazeres do Soberano.

Pediu-se mais. licença para prover e confirmar o Bispo de Coimbra, respondeu o Papa que a disciplina Igreja ni^io consentia mais que um Pastor a cada rebanho, e cjuc nào lhe constando dci morte do outro BisfX), se nào podia lulmitlir cm boa consciência al^jum outro.

A Hl-I.?ei propozeram-lhe o despacho de ali^uns papeis, respondeu que n^o estava para nada, que o seu corpo pedia ócio, que ócio queria, e que entregassem isso a (juem quizessem. Tem continuado a achar-se peior, fez-sc uma junta de que resultou a continuaÇtio dos banhos do Estoril, mas também se falia em Caldas.

Dizem quo aqui se espera brevemente o Duque de Chartres com uma esquadra. í:ste Principe estimável, como presentemente o é toda a Casa I^eal de rran«;a. dizem que vem fazer al^nima observaç*io importante, e que talvez viril contratar o casamento do Principe. Íil-Rei de Prança é um I^incipe estimabilissimo e que faz honra á naç«io franceza. um coraçc^io terno e sensivel capaz de compre- hender todos os seus vassalos : restabeleceu todos os des- siraçados e as pessoas respeitáveis dos tribunaes. que no reinado antecedente tinham itio abaixo.

rodas as escolhas que tem feito lhe fazem honra, e os francezes finalmente estAo na edade douro.

Xi^o ha tempo para mais, eu terei um cartapacio prompto para a vez sevniinte.

De V. Kx.-

I ilha muito olx^diente

l.

95

Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração

Apesar do tempo mais fresco continuei os meus ba- nhos e com elles recebo bastante beneficio, essencialmente em varias coisas, que talvez teem sido a origem de todas as minhas moléstias; porém como o meu peito é summa- mente delicado, estes dias com o frio tenho-o tídoalsjuma coisa dorido e com tosse ; porem todos me acham de boa cara e a minha côr, que foi das melhores que tem rapa- rigas, torna a apparecer de dias em dias. Quererá Deus talvez melhorar-me, apesar da minha sorte? Eu trabalho para que nenhuma coisa deste mundo tenha a habilidade de destruir os meus allivios, preparo-me mesmo para des- pedir-mc do mano sem demasiadas lagrimas, porque me faz mal chorar. E a ídéa de que podia avigorar-me se ti- vesse liberdade, olho para ella como para uma fabula bo- nita, que poderia ornar a poesia ; emfim, torno dío stoi- cismo para ver se engordo, que é o que me falta. Appa- rece uma velha aqui, mulher muito de bem e pobríssima, a qual se quer acommodar com minha mãe por creada ; toca cravo maravilhosamente, e eu estou com grande ap- petite de ter este soccorro para a solidão em que nos deixa o mano; desejo muito que a pague Ignacio Pedro e proponho-me fallar aos Cresos para que me consigam este divertimento, vistas as sentenças rigorosas que recaem sobre mim. Meu irmão diz que hoje ia fallar. âo Marquez de Pombal, creio que não fará nada, nem ao menos en- contrar-se com elle, por que isto é o que tem succedido até aqui. O nosso protector estimável, o Snr. Infante, olha para nós com summo dó, e temos a consolação de sa- ber que clle se compadece áo mano Tancredo e certa- mente fará a sua felicidade em as coisas mudando. El- Rei está da mesma sorte e todos asseguram que o Marquez de Pombal está doente, porem como não está declarado não nos serve isto de nada ainda. Temos assentado em

yo

que V. í:x.a rit^o nomeie nas siuis cartas nenhuma das pes- soas que nos consolam ; porque no caso de haver alvju- ma dcssjraça n^o devem estes nomes ser causa de outras ; e para que haja muita coníusâo podem servir os nomes de auctores francczes. Assim D. Thereza de Mello hrey- ner será Tjrze; o Conde dos Arcos será Mr. Dorat.o Ta- niavinini, Mr. lialer, célebre medico allemâo d'este século, excellente poeta também, homem de muita litteratura e bom síosto ; Almeno náo seja mais Almeno, seja Abbade de Rance ; o 1'ilinto Mr. Prior, reitor Inijlez ; Albano, Mr- Destile ; losé Dios^o, Mr. Deslandes, auctor da arte «de ne point sennuycr. c|u'ennuie cependant» ; Gonçalo Pedro nâo acho que lhe quadre senão o venerável Scoto. 15 as pessoas respeitáveis que nos consolam devem também ter seus nomes : O Snr. Infante nâo se deve nomear nunca senáo por Pedro l\c\ Silva, nome que náo nos olhos, lil-l-íci a mulher o o Marquez de Pombal o marido. Mr. Deslandes assim lho ciiama.

M."^*^ des lloulières diz mil coisas s;;alantes contra o que V. li.v.' pensa, e certamente não ha outra como ella. Mr. Dorat ha muitos dias que não frequenta o valle das Mu- zas e por essa razão poucas notas posso dar delle.

Mr. Haler, persuadido também de que eu estimava de- masiado os phiiosophos modernos, n^o quiz que V, li.x.** o juljkíassem participante. Ckuáci aj^íora na deliijencia pia de me voltar contra todos, trazendo-me quantas criticas cé- lebres se tem feito a estes amii^os; trou\e-me uns livros intitulados Trez séculos ád Litteratura franceza uma espécie de Diccionario curioso, que me pediu mandasse a V. l:x." como j^rande coisa. As criticas de Mr. Clement. o sirande detractor de Voltaire; joão Baptista Kíousseau. vinv'ado contra a opinião de Voltaire, e a critica de Mr. tie La liarpe. I:m|im faz-mej^randes prefações contra loão jaccHics l^ousseau, como se este ami^o fosse o meu orá- culo, unicamente por ver \\c\ mesma estante o Romance

97

da Julía. Emfim este que eu esperava que ao menos me não ralhasse, porque sempre me tratou com alguma bran- dura, já está do partido commume ralha quasí como um frade velho, ainda que eu estou cada vez mais firme no que tenho assegurado a V. Ex," meu querido pae ; tomara que V. Ex.a me mandasse dizer quando lhe hei-de man- dar estes livros, e se o homem lhos pode entregar, por- que na verdade dão grande ideia da litteratura presente. O Abbade de Rance tem estado aqui vários dias, po- rém ainda se não encontrou com Mr. Haler como dese- java ; esteve na companhia de M."^^ des Houlières de que gostou muito. Minha mãe quer que eu acabe ; adeus meu querido pae, adeus mano Tancredo, que não posso mais.

De V. Ex.", meu querido Pae,

filha muito amante e obediente

L.

Mr. Dorat é que quiz que os nomes se trocassem.

Aíeu querido Pae e meu Snr. do meu coração.

Estou cheia de saudades de V. Ex.a, e com effeito isto de dia dannos não é graça ; a memoria de um de mais sem felicidade, tem o quer que seja de melancólico, que se não tira com boas reflexões : deixa-se a gente ir com as turmas, e faz tolamente suas quatro lamentações, que po- derá fazerem outro qualquer dia. Xodós annosde Y. Ex.a fiz vários papeis : levanteí-me cedo, porque me tocava hospedar bem os convidados (o mano e José Diogo) ; \\z o jantar todo pela minha mão, ficou muito bom e eu muito presumida. De tarde enfeitei-me bastantemente ; veio D. I. de F. e Haller. O mano estava vestido de côr de rosa muito galante ; mas, pelas cinco horas da tarde foi neces- sário mudar para assistir eio enterro do pobre Ignacio Po-

()Q

dro. que dentro cm cinco dias acabou de um picuriz. Todo o dia falíamos em V. Kx."*, minha màc ã'ini\i\ me pareceu linda, mas ali^uma coisa majora ; todos diziam que cila es- tava melhor ciue nós. Se assim é (do que duvida a mdna com o devido respeito), V. Ex." o vird a julvjar brevemente, porque ha quem o espcVe na bondade de Deus. Depois (juc o mano se foi, ficou Mallcr e D. 1, Convcrs<imos ora nos nossos assumptos litterarios, ora nos políticos; todos confiam na misericórdia de Deus de que esteja próximo o remédio das nossas anijustias. Tenha V. Ex.« animo ; sei que o comp>* nào quiz levar a V. Ex.» mais que três jornaes, cjucira Deus que av^ora se resolva a levar o resto. O mano foi a casa do Arceb. . . e disse-lhe que como partia para Coimbra se nâo atrevia a deixar sua m3e e suas IrmiSs no descommodo terrivel em que as via, que queria saber o estado em que ficavam os nossos nei^cKios. Respondeu-lhc que brevemente vinha dizer á Prelada que nos desse toda a casta de consolaçáo que necessitás- semos, e cila soubesse escos^itar ; ainda náo veiu. A Prio- reza ha muito tempo que mette o negocio á bulha, e que tliz cjue, como náo tem ordem nenhuma d'EI-Rei, nào está obrivíada a se^iuir extravas^ancias. Todos julgam que nt*>s teriamos feito bem em desprezar a maior parte dos ter- rores, por(5m os nossos limites n^o podem ser condemna- dos. e ainda ciue nós temos aliífumas horas dapcrtos i\o coraçtio, a maior parte sJ\o de tranquillidade. Com í;;ente que náo tem pés nem cabeça, obra-se sem pós nem cabeça. Cada dia appardce uma nova incoherencia. mas no estado presente conhecem-se e dcixam-se passar sem obstáculo -, o mais tem consequências aborrcciveis e ridí- culas muitas vezes. A Casa de V. l:x.« deveria passar j^ara as meios de minha nu^ie, porém o mano depois da morte i.\o Iv!nacio foi três dias a fio a casa do Marquez de Pom- bal sem nunca lhe fallar, e finalmente nomearam um so- brinho do tal homem em tudo aquillo em que o tio ser-

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viu, e por consequência na administração. Não trocámos com perda, por que o tal rapaz é muito civil, e era por quem nós conseguíamos alguma coisa do pobre morto. Veremos o que o tempo e, emquanto corre tão con- trario, é preciso que nos julguemos uns instrumentos pas- sivos nas mãos da necessidade (se acaso a necessidade tem mãos).

Pelo que pertence aos nossos negócios, a difficuldade de remédio quasi me tem feito insensível. Não sinto nenhum ódio aos inimigos, desejo a minha felicidade sem o seu damno. e satisfaço-me com o testemunho interno.

O meu sermão irá em estando copiado.

Não posso mais. Dou os parabéns ao mano pelos dias de hoje e damanhã. Por festejou-se muito bem. O mano P.o vae-se 5." feira, se não tiver obstáculo. Adeus meu que- rido pae, tenho muitos desejos de conversar com V. Ex.^ e muito que dizer: Deus me de o gosto de vêl-o.

De V. Ex.=^ Filha mais amante e obediente L.

Meu Querido Pae e meu Snr. do meu coração

Agora que o susto de minha mãe me não embaraça de falar livremente de V. Ex."* na grandíssima consternação, em que estivemos no dia da triste execução, não serve de nada descrever a V. Ex.a as meudas circunstancias do meu tormento : mas, para V. Ex.i fazer delle uma ideia, basta julgar que eu fui a única que soube com certesa. que tudo caminhava para a junqueira; o tive o valor de não dar signal de mim até que chegou meu irmão. Graças a Deus que não foi comnosco, nem era nosso conhecido, como esteve para ser. por causa das minhas pinturas, e da mi- nha tal ou qual habilidade para essa arte. O pobre ho- mem morreu, sempre com um valor pasmoso; e é bem

IH)

digno maior Uístima. O susto Jc V. l:x.- ucspedaça-mc o coração ; o mano Tancredo conta as suas circunstan- cias por um modo, que interessa summamente, e que fez chorar a sua noiva umas lindas lavirimas. Tive o vjostodc pensar como V. tix.» e de me achar no mesmo estado de animo, pouco mais ou menos, esperando quasi insensivel e que viesse dar comigo só. O que tocava a V. Ex." nâo o podia imaginar sem me sentir morrer, porem, comonáo sabia nada com certeza, nt^o deixava que o medo tomasse posse docoraçtSo,

Dizem que o Marquez tem guardas dobradas depois funcçc^^o, e n^o fala a ninguém S noite ; quando sae vâo os soldados com as espingardas carregadas com ba- las; o homem não anda em si e vcrifica-se nelle o retrato que faz Mr. de Fenelon de Pigmalii^o. N5o ha nada mais de novo. scn^o a morte repentina do Conde de Lumiares, com que todas aqui estamos consternadas, por causa de Condessa e da prima Antónia.

Tudo quanto V. í:.v." dizia nas suas ultimas me deu a maior consolaçc^o. I:u ni^o gosto muito de disputas se n^o moderadas ; gosto muito de entreter a V. E.x." e por isso mandei os livros, mas as notas que elles levavam oram d<.^ mana Maria, c eu nem sabia que elles as levavam.

O Piron tem feitiçaria para ficar. I:stou resolu- Çc^o de mandar a V. Ex.» também os jornaes encyclope- dicos, que tenho desde o anno 73. Se V. Ex.« quizer os mais atrasados, eu os mandarei; mas se tiver mais appe- tite dos d'este anno, onde vem algumas noticias curiosas sobre o Papa e a Companhia, iráo: tomara consola-lo e divortil-o. meu cjuerido pae. Dê-me V. Ex.» a sua ben- Çi^^o. Eu me dilatarei mais para a outra vez. kecados ao mano Tancredo.

De V. Ex.«

í-ilha mais amante e obediente

l.

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Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração

Estou com muito cuidado em V. Ex.'' e com o desejo ardentíssimo de poder soccorrêl-o. Ninguém melhor que eu coniiece o que V. Ex."* está padecendo, e isto me aviva dobradamente a compaixão e a ternura. Prouvera a Deus que o nosso Tamagnini podesse acudir a V. Ex.^ assim como vem acudir-nos e consolar-nos a nós. Elle hoje achou-me melhor e até mais gorda ; a exactidão com que pratico quanto me pode ser útil não pode deixar de fa- zer effeito. Tornou a ordenar-me os banhos, e faço ten- ção daproveitar os bons dias que houverem ainda. Es- tou com melhor côr, que é para mim um grande sígnal. A debilidade é o íncommodo único que me persegue ain- da ; mas eu creio que brevemente terei meios de fortifi-

car-me Desejei muito dar

a V, Ex."' algumas novas dos sábios de que tenho nota e que não são do seu tempo, mas para o fazer com perfei- ção talvez necessite mais tempo e mais saúde; assim como é possível, vae o que sei.

Mr, de Voltaire, que é famoso ha mais de meio sé- culo, ainda agora se conserva á frente de uma multidão de sábios, que o adoram como oráculo do gosto. Não está tonto, antes o vigor e as graças do seu engenho admiram ainda e recreiam a todos ; as suas poesias, que apparecem a cada instante nos papeis volantes como jornaes enciclopédicos e outros, mostram que elle vence a todos na dicção e no modo delicado de pensar.

Um grande numero de obras suas teem apparecido de- pois da prisão de V. Ex."* e ainda que eu me abstenho de ler as que V. Ex." me defenderia, sei que tem escripto sobre a Phvsíca, a Moral, a Politica, a Agricultura, e sobre tudo quanto se acha. Uma das mais célebres obras são as ques- tões sobre a encYclopédia. que por virem sem nome de auctor eu li, e V. Ex.-^ terá a bondade de perdoar- me se

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lhe parecer gue d minha humilde confissão o merece. I. |iKqut-'S Pousscdu é depois de Voltaire o mais famoso pelo seu elcijantissimo estylo, unido a uma profundidade de conhecimento muito s^jrande e a um jjenio philosophico o mais raro e o mais estranho, gue o tem levado a umas sins;;ularidades. gue ou a vist^io ou as preoccupaçôes cha- mam redicularia. O caracter deste homem é virtuoso, mas dcss^raçada mente sejtjue essas ideias gue nt^o concordam com o chrislianismo, e se concordam estico expostas de um iKxIo c]ue revoltam o mundo christáo, c os devo- tos mais gue tudo ; das suas obras conheço lulia unica- mente, como disse a V. Iíxa Sej|juem-se Mrs. d'Alem- bcrt c Diderot dois homens raros, o primeiro do caracter mais amável gue é possivel, os seus escriptossâo a razcio mesma, o seu cstylo é clarissímo. e mostra sem difficul- dade a gualguer pessoa aguellas coisas, gue até aj^ora eram para um pegueno numero de escolhidos. A ma- thematica d o seu forte, mas elle com ei^ual habilidade maneja todos os assumptos, e tanto nas sciencias como nas bellas letras escreve excellentemente. Li d'este auctor quatro tomos, que contcem diversas obras, e todos me encantaram. Diderot menos encantador gue o seu amij^o e collevía, é também estimável ; tem composto um numero prodigioso de arti^ios de encvclopédia. é auctor de um tratado celebre chamado o Código da natureza, c attri- buem-lhe os dois mais célebres livros gue teeni sahido n't'-.te século : O Systema d^ natureza, e O Systema social, os guaes sdo admirados e combatidos pelos dois partidos Fhilosophico e Antiphilosophico, em gue está dividido o mundo Hf torario. Mr. de Buffon vive ainda e compõe obras excelletiles, e agora saliio uma muito boa: Accrescenta- mento S Historia Natural. Marmontel, Tomas. Dorat, Clar- deau, Arnaud de Baculard, Dismerie. Sidoine (Gre.^sol) gue devia ter precedido estes, e o Dugue de Xivernois. em bellas letras e na Poesia, brilham principalmente ; mas cu

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confesso a verdade que de nenhum gosto, como de Boí- !eau, Racine, La Fontaine e os do século precedente.

O Rei de França é um astro que vivifica todas estas plantas, que estão ainda tenras algumas d ellas. As pal- mas do merecimento começam a despender-se em melhor ordem.

Esquecia-me fallar em Court de Gebelin, que é outro diano de muita estimação. O resto vale pouco, e se me lembrar algum mais, que seja famoso, eu darei noticia d elle, assim como posso de cada um destes dar algumas mais indívíduaes, por que conheço as obras de todos Não posso mais, adeus, meu querido Pae, adeus mano F. até um dia cedo.

De V. Ex.a meu querido Pae

Filha mais amante e obediente L.

Dê-me V. Ex.a a benção preciosissima, que me faz feliz.

Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração

Agora que meu irmão não me toma o tempo quero ter o gosto de conversar com V. Ex.a e de tocar vários pontos em que tenho appetite de fallar-lhe. Gostei muito de ver que V. Ex.a conhecia alguns dos Francezes mo- dernos, de que eu faço estimação, e admira-me a ideia que forma do Duque de Nívernoís. que é summamente respeitado pelos melhores critícos. O Palissot que tem voto ponderável, diz que os seus escriptos parecem di- ctados pelo gosto e pelas próprias graças. Compáram-no com Horácio, com Despréaux e Rousseau, o Poeta E o pouco que conheço do tal Duque não deixa de me dar

in.i

uma ideia vantajosa deste senhor; a sua obra mais fa- mosa 6 «Umas reflexões críticas sobre o çenio de Horá- cio. Rousseau e Boiicau»; traduziu com felicidade algumas obras do primeiro e ci'mL\c\ (juc presentemente ha muitas traducÇcVs francezas deste poeta, que se preferem á de IVasier, as do Duque brilham entre as mais, secundo dizem os seus patricic^. Confesso a verdade: uma tra- ducçao mais moderna, de um tal Mr. de Maui^rv. me avirada incomparavelmente mais.

Sobre Voltaire nâo acho que dizer, por que V. Ex.» entende datiucllas matérias melhor que eu: sobre a con- trovérsia sou prohibida de faiar por todos os principios. e até devo a S. Paulo a obriçaçao de me escusar o meu parecer absolutamente.

Com tudo elle é reputado por um ijrande philosopho e como o assombro d'cste século. I:u me lastimo dos seus erros, mas n^o posso deixar de confessar a V. Ex.«, que me vieram as lav^rimas aos olhos, quando vi que V. \:x.^ lhe dava sentença de queima. De que servem ho- mens queimados, meu querido pae? Por ventura reco- nhecem elles a verdade na foviueira ? Nào é Deus (Ui<^*m deve pôr o termo aos nossos dias? Se Deus soffre os homens miseráveis sobre a terra, que direitos teem os outros homens para os n5o soffrer ? Eu conheço que V. Ex.a tem muita virtude e muito juizo para decidir bem. mas eu que sou mulher com o coração muito j^equeno. (juando se fala em matar sempre me aflijo pelo senten- ciado, seja quem fòr. Ncio está mais na minha melo. Deus tcr.i piedade minha fraqueza se níio é boa. em con- setiu<-'ncia do preceito— de amar o próximo como a mim mesma. Queira Deus que eu n'isto n«So di<a alguma to- lice, que desagrade a V. Êx.«; mas copiei o meu senti- mento e ilisfarçal-o parecer-mc-hia peor.

listimo que V. \:x.* se divertisse com a minha epistola, e sinto que ella nc^o levasse a perfeição com que V. Ex.«

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houvesse de contentar-sc. Mas como a distancia enfra- quece, o que eu varias vezes tenho dito, torno a repetil-o para ver se V. Ex.» se persuade e se satisfaz. Depois de ter estudado como V. Ex.» sabe, e com o fim único da minha felicidade, formei um pequeno plano para as mi- nhas acções, que, sendo conforme com as intenções dos meus queridos pães, eu podesse contentar-me também e pratical-o livremente. Meditei as minhas obrigações a respeito de Deus, da sociedade e de mim mesma, avaliei quanto me era possivel o estado do mundo e principal- mente o da minha terra, e resultou d'aqui assentar fixa- mente, que .eu não podia ter uma hora de socego, se me lembrasse um dia de escrever para o publico, que a este serviam verdades disfarçadas, ou mentiras po- sitivas, que a liberdade (idolo do meu entendimento) seria uma víctima infeliz das máximas estranhas da minha terra, e que se queria ter fortuna com ella, servisse o jugo âã opinião posto pelas tolas de edade, pelas ignorantes de titulo, e por outros indivíduos semelhantes, a que chamo em segredo baixa plebe. Cuidei de distinguir bas- tantemente o caracter das pessoas com quem falo, c com quem estabeleço muito acauteladamente as minhas relações litterarias, debaixo da inspecção adorável da minha querida mãe. Assentei que o numero devia ser muito pequeno, e com effeito o é. Mas fi.xo este, tudo aquilio que não contradiz a ideia que eu tenho da vir- tude e da felicidade, que são para mim o mesmo, livre- mente o pratico e com isso me recreio. Assentando fixa- mente que os meus versos não encontram o parecer de nenhuma das pessoas a quem os mostro, de quem quero o premio, ora os dirijo a um, ora a outro dos três ami- gos nossos que me entendem, e gosto de o fazer assim por que me agradavam os inglezes bons e os allemães. onde vejo este methodo estabelecido, como um meio para facilitar e acccndcr mais a imaginação, e as cir-

inA

cunsltincias do objecto a que dirijo as minhas palavras O ijosto das moralidades também me persuade a isto. por que mais facilmente se offerecem reflexões suppondo haver quem nos escuta do que falando com as pare- des. Parc^cc-me alem d'isto que o meu trabalho nâo é uma honra nem uma lisonja, que faço áquelles homens, mas um sivinal minha j^ratidâo pelo que elles contri- buem para o meu adiantamento, com as suas conversa- ções, com os seus livros, e com a emulação que me d^o com as suas obras. Ncnlumi delles estima essas coisas Vc^^as. que tecm valor entre os que sabem pouco. Pe- linto é de um caracter original para a nossa terra. Co- nhece bem que a felicidade está em si, que lhe náo vem das honras que lhe fazem os fidalgos ; nâo os distintrue senão pela virtude ou pelos talentos: é um philosopiío incapaz de sujeitar-se a lísonjas, nem de s^abar-se das ciue recebe. V. l:x.« o conhecerá e verá que dista muito da ideia que V. í:x.« forma. Nestes termos, achando quasi de portas a dentro quanto era necessário para me occu- par aí^radavcliiiente, para aqui d que escrevo; ncio quero que me leia nini^uem que me possa reparar no que diijo. por que quero falar o (jue entendo e o que me inspira a razão e a virtude; não quero se não isto, (luo c (^ p.um ídolo, quero paz, amizade, irmãos e pães.

Toda esta prelenv;;a se reduz a asseijurar a V. lix.* que, cm dizendo als^iuma coisa, é na opinião de ser bem : <abendo porem perfeitamente que em V. í:x.* lhe achando defeito o tem, e estou prompta a sacrificar a composição mais do meu s^osto. a ternura e a submissão de que me preso, e que faz toda a minha felicidade, potie dar forças para este sacrifício, por que tudo custa menos que o perder um verso que se não julga máu. A confusão em que concluo esta carta talvez me fará põr mil par- voíces. V. Hx.'* olhe sempre para o meu coração e perdoe o resto, se vae máu. l:stou ainda com muito do mano

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Tancredo, mas lonoe de aflígir-se deve estimar muito esta occasião, porque M.n^^ Tancredo me disse em muito segredo, que d'isto não teria que sentir, se não que para uma obra boa elle houvesse de pedir licença, e que a resolução de ir sem esse cumprimento tem dobrado preço na estimação de uma rapariga virtuosa, V. Ex."* guarde segredo que não quero que me chamem chocalheira, e dê-Ihe os meus recados.

Meu querido Pae, dê-me V. E.x.*' a sua benção e adeus.

De V. Ex.^

Filha muito amante e obediente

L.

P. 5. Não pude escrever quanto queria.

Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração

Minha mãe diz a V. Ex.'' a razão- ..... Espero que estas nossas fadigas se acabem brevemente ; cada dia nos seguram que a mulher está a despedir-se, e ainda que eu tenho demasiada critica para fiâr-me de quanto dizem interessados, não ha duvida que podemos crer que a sua vida não será muito dilatada ; os nossos negócios estão parados, e este é o seu melhor estado emquanto não volta o tempo. Eu sei que qualquer coisa em que se bula, não ha de ser com vantagem nossa, e o melhor partido que se toma com gente furiosa é deixal-a, sem lhe apre- sentar razões que não acceita. O estudo moderado é a delícia mais certa, que se escolhe na solidão. A paz não foge senão com a virtude; quem não tem de que ar- guir-se, acha nos minimos objectos motivos de consola- ção, e seguro a V. Ex.'\ que as mais pequenas coisas me áão summo divertimento na situação presente, em que o preço de cada bagatela se faz grande. A musica e a dança, de que usamos bastantemente ás noites, são gran-

Kis

dcs soccorros. I:u e a mana c a minha discípula valida, somos as que melhor dansamt>s, porem o reslo das mi- nhas Nimphas. que vem a ser quatro ou cinco mais. sempre s^íbem o que basta para entretôr. Contradanças. cosinhados, ele. liçòes, musica, etc. occupam muitas ho- ras, que, por pessoas de outros çenios, seriam sacrificadas ao horror e ti desconsolação. Haller, que ó o único com (juem falíamos, com uma philosophia sublime, e cheia de piedade, vem de vez em quando animar o ^osto do es- tudo, e accender em nós e até nas nossas discípulas um amor de sabedoria, que assaz vemos comp)ensado no atliantamento que reconhecemos umas nas outras. A mo- ral ó o estudo principal de cada uma, reconhecendo que o acerto dos costumes faz a felicidade i.\a vida. Eu na realidade, por força de um temperamento que desejara trocar por qualquer outro, tenho minhas horas de fastio-, mas a viveza com que me presto ás consolações possí- veis, e as situações, em ciuc a Philosophia e o Christianis- mo me tornam a pôr, pav^iam-me tudo.

Saberá V. I:x.« que ái\ mesma sorte que José Dio^o nao quer lar^iar meu irmão, a minha discípula me nâo cjucr laritiar a mim. e declarando-me. que ella tinha a maior aversáo para o partido a que a destinavam, n^o tinha outra ambição sencio a de viver comnosco. I^iiu- me ha muito tempo por quanto ha. que quizesse eu se- \:urar-lhe que a náo havia de abandonar, porque ella tirnicmente me protestava, que larviaria todos c tudo para se náo separar de nós jamais. A sua edade e a sua viveza por muito tempo me conservou intlecis*i na res;x>>ta que devia dar-lhe. e, sem saber a vontade de minha máe. apenas me resolvi a animal-a e a cnxu^ar-lhe as lagri- mas, com que ella me fazia as suas supplicas. Minha míie (^ppunha-se als:uma coisa, temendo que ni^o fosse bom tiral-a do partido a que seu pae a destinava, porém ul- timamente reconheceu que uma violência execranda.

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poderia obríoral-a a ser freira ; enternecida bastantemente. e mais que tudo animada peio que V. Ex.' ha mais tempo me tinha mandado dizer, consentiu em que eu lhe promct- tesse, que teria em nós uma amisade fiel c um abrigo. Finalmente eu assim o fiz, como em premio da sua ap- plicação, e de tal modo interessei a rapariga, que faz justamente a respeito de nós, o que José Diogo faz a respeito do mano. Ha comtudo alguma difficuldade no modo de tiral-a daqui ; e o mais que se pode fazer por ã^ovà, é conserval-a sem que a mettam no noviciado. Porem mudando a nossa fortuna sem que haja nenhuma violência com os parentes, que são uma boníssima gente, se V. Ex."* quizer, muito facilmente poderá conseguir que ella comnosco. Nada me dava tanto gosto como fazer a fortuna desta rapariga, que criei, e a quem com bas- tante gosto e trabalho communiquei as poucas luzes que tenho. Na sua edade, que ainda agora é de quinze annos e meio, tem certamente muito adeantamento, e um modo de pensar original e galante. A sua figura é bastante- mente engraçada. Creio que virá a ser muito digna de estimação, por que formou o seu coração e o seu íuizo entre tudo aquillo, que pode aperfeiçoal-o e fazel-o enérgico. Um convento é uma desgraça fatalissima para quem tem juízo, e aquellas que o conservam no seio de tantas preoccupações e ridicularias, provam grande ta- lento. Se V. E.x." proteger a minha discípula, não tenho mais que desejar neste ponto, e teremos o gosto de fazer feliz esta innocente creatura.

Recados ao mano Tancredo ; muito me lastimo do socego do Ps e de quanto succede nesse sitio infeliz. Deus se condoa das nossas afflicções. V. E.x." dê-me a sua benção e adeus meu querido Pae

De V. Ex.a Filha muito amante e obediente L.

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Meu querido l'af c meu ònr, lio ririi coroçuo

Minha mae recebeu j^rande bH^neficio com a san^río. e eu eslou por isso muito contente. O meu sermão tem sido objecto de vJr^indes íjavos. e por esse motivo estou também muito presumida. O fradinho vendeu-o a um frade nosso amiv!o por 4.000 rs., o que estimei summa- mente para lhe fazer uma grande patacuada de descon- fianças, e poder mostral-o. como elle <é. e nâo como elle o prc^v;;ou. Veja V. lix.» cjue boa cachimonia.

Continuam as desconsolações a montes com a discí- pula. Nilo cuido quasi em outra coisa, senão no desgosto fortíssimo que me tem iX^áo esta raparií^a, e pasmo ao mesmo tempo áò minha credulidade e da sua ini^ratiuào. Nclo sei que mas^ia tem um convento, meu querido pae. A virtude, esta delicia dos coraçòes honestos, c^ uma phan- tasma nestes sítios, nJio tem nenhum pcxier sobre as almas frívolas d'estas miseráveis creaturas. Apezar dos mais ternos e trabalhosos cuidados fuvíiu-me dentre as mc^os esta planta que eu cultivava com tanto çosto. e nòo vejo nella mais que o estraigo horroroso das más companhias. Confesso a V. Ex.* que me custa a suppor- tar a dosconsoL^J^o e a perda do meu trabalho, mas está bem castíjjada a presumpçáo que eu linha de fazer a igente boa, e reconheço agora quanto eu tenho que aperfeiçoar em mim. antes de intentar a educação dos outros.

Defeitos que eu abomino, envjanos, hYPocrisias, ca- lumnias aborreciveis, foram o premio que esta infeliz ra- parivia reservou para a minha amisade. e com isto náo posso senáo chorar a sua desordem, e pedir a Deus ar- dentemente queira accender nella o amc^r da virtude.

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Não posso fazer esta carta tão comprida como eu desejava, dê-me V. Ex.'' a sua benção; recados ão mano T. e adeus meu querido Pae do meu coração.

De V. Ex.a Filha mais amante e obediente L.

O correio ainda não chegou. Dizem que chegou, mas ainda não ha tempo de virem as cartas.

Esta carta dá-nos noticia de que o notável talento de Alcipe se manifestou também na oratória sagrada ; o sermão, a que allude a excelsa senhora, foi escripto para favorecer um pobre frade, que denomina fradinho, e que depois de o ter pregado, errada e desastradamente, o vendeu por 4$000 réis a outro frade, de quem Alcipe o poude rehaver, com muito gosto, para poder rectificar os disparates que o fradinho attribuiu á sua eminente bem- fcitora, como agradecimento áo grande favor que lhe dispensara.

Não encontrámos o sermão, a que se refere a carta de Alcipe a seu pae, mas para o effcito do merecimento de D. Leonor de Almeida nesta distíncta especialidade, é sem duvida um argumento de grande valia, o sermão escripto em 1 774 por esta muito illustre escriptora, e que prova o seu esclarecido engenho e a sua maravilhosa erudição. Offerecemos adiante este sermão a considera- ção do leitor.

CAPITULO Vil

Noticia extraida de um caderno, cuidadosamente archivado no palácio Fronteira, em S. Domingos de Bemfica, entre os papeis e autographos da quarta Marqueza d'Alorna, o qual tem escripto na capa "Resumo da vida de meu Irmão,;. N'este caderno encontra-se uma occorrencia de alta impor- tância para aquilatar o primoroso caracter do futuro e dis- tinctissimo General Marquez d'Alorna. A referida occorren- cia offeréce também valioso argumento para um estudo da Índole do Marquez de Pombal, o famoso Ministro de El-Rei D. José.

No Resumo, a que nos reportamos, e que infelizmente está muito incompleto, a Marqueza d'Alorna descreve nos seguintes termos a brilhante situação social de D. Pe- dro d'Almeida Portugal :

Terceiro Marquez dVMorna, quinto Conde de Assu- mar, Vedor da Casa Real de Portugal. Commendador de diversas ordens, Grande do Reino, Tenente General dos exércitos de S. M. Fidelíssima, General em Chefe e Governador da Província do Alemtejo, do conselho de S. A. R. o Príncipe D. loão (depois El-Rei D. João VI). nascido em Lisboa a de Janeiro de 1754.

O appellido da muito illustre família dos Marquezes d'Alorna é Almeida, conservado desde a tomada de Al- meida, no reinado de D. Sancho I, por um dos seus an- tepassados, que por este feito ficou conhecido pelo nome

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dc Alnicid«io. Kstc AliiicidJio era p)orem de nobre li- nhciszcm por ser ncMo dc IVUisjio Amado, companheiro darmas c favorito do Conde I). Henrique, pae de D Aífonso llenricjues, o 1." I^íci de Portu\;al.

Distinviuiram-se sempre nas armas c nas Icllras os Al- meidas,*'antcpasst1dos do ijrande D. Prancisco d'AImeida. o primeiro Vice-Rei das índias Orientaes.

Na i^ioleria dos retratos de familia dos nobilíssimos Marquezes de iTonteira e d'Alorna, encontra-se o de D. Francisco d'Almcida, em cxceilente pintura, que apre- senta o illustre s;;ucrrciro de tamanlio natural, e em corpo inteiro, e prova cjue era de v''ande estatura. Na tela. que mede 2 metros de altura F)or l'",05 de lariijura, veem-se, na parte superior S direita, as armas dos Almeidas. O !.<• Vice-Pei da índia é representado traiando vistosas vestes. Sobreposto ão i^ibcio de j^jola bordada a ouro, amplo capote se lhe desprende dos hombros. que, dei- xando a descoberto o peito, permitte ver que nelle se ostenta valioso colar do mesmo metal, tendo pendente uma cruz n'uma jóia oval. O calção é de tecido em ris- cas também bordadas, e as botas que lhe comprimem as pernas, mcxlelando-as ate* i\o joelho, e que n'esta altura se alarjjam ampla c íolvjadamentc, scí^uram por meio dc solidas correias fortes acicates lambem de ouro.

Terminamos esta pallida descripçc^o do magnifico re- trato, dizciulo (lue a cabeça está descoberta, e diriçe para a frente o olhar dominador, e (jue a máo esquerda do heróe assenta sobre os arlislicos copos espada.

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Offerccemos a^ora. a respeito desta muito grande personagem, uma bem triste nota finai:

D. Francisco d'Almeída, o autor de tão gloriosos feitos darmas, e que fez estremecer de pavor todos os potenta- dos da índia, foi morto obscuramente no sitio da Aguada de Saldanha, na costa occídental da Africa, próximo do Cabo da Boa Esperança. Esta deplorável occorrencia succedeu em uma escaramuça contra alguns negros, um dos quaes derrubou o Vice-Rei, despedindo-lhe uma seta.

No Livro III, Cap. IX da Década II, descreve João de Barros, cm termos eloquentemente sentidos, o fatal acon- tecimento que victimou o Ínclito 1." Vice-Rei da InJia, seguramente um dos mais afamados heróes de que re- sam as chronícas portuguesas.

Pinheiro Chagas, na sua Historia de Portugal, \7ol. Ill, pag. 250, diH:

«Dois grandes homens teve a índia, dois robles au- gustos, que dominam essa espessa floresta de heróes : D. Francisco d'Almeida e Affonso de Albuquerque. Am- bos morreram longe da pátria, a ambos encheu de amar- guras o Rei ingrato, a quem a posteridade chamou venturoso.,,

Ainda a respeito de D. Francisco d'Almeida, João de Barros Década II, Livro VI, Cap. X, pag. 150 e 151, diz textualmente o seguinte:

"Christovam de Brito, vindo de regresso para o Reino, onde chegou em 26 de Junho de 1512, na sua náo carre- gada de especearia, ao passar pela Aguada de Saldanha. onde estavam os ossos d'aquelle tão illustre Capitão D. Francisco d'Almeida. c dos outros que com cllc perece-

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mm, csquccidt>s de seus hcrdeirc^s, e táo mal vjalardoados i.\o MuikIo, por revcrcMiciíi dVIles (iui2 ver o lo^jar onde jazicim, por iilli ir com cllc por mestre da sua n«io Dio^o d'Uiihos, que o fcSra tombem da n^lo do Viso-Rev, c sabia onde seu corpo e o de Lourenço de Brito foram enter- rados.

"Chejijado Christovam de hrilo a este lenhar a que a fortuna trouxe tanta pessoa, tanta virtude e tanta caval- leria como D. Francisco teve, pois que em mais lhe ntlo podia aproveitar, disse por sua alma, c de Lourenço de Brito hum responso, e cobrio seus ossos com uns poucos de seixos, e em cima huma cruz de pdo.»

Uma S(5rie de «cirandes homens, do appellido Almeida, prestou iiinumeros serviços ao Estado, c no scculo IS.», o Marquez de Castello-Novo. D. Pedro d'Almeida Por- [u^ò\, foi promovido a Marechal de Campt\ na edade de 21 annos, no campo ^.U^ batalha. Vo'\ este distincto of- ficial. que tendo sido depois enviado ás índias Orientaes, como Vice-Rci, ali praticou, como dissemos, tt^o assi- sjnalados feitos militares, que lhe valeram a alta recom- pensa de ser o seu titulo de Marquez de Castello Novo, trocado pelo de Martiuez d'Alorna.

O terceiro Marciuez d'Alorna. que se chamava tam- bém D. Pedro dAlmeida Portui^al. e que foi o divino n<5to de seu illustre avò. era ncMo materno dos terceiros Marcjuezes tle Távora, cjue foram ini(|uamente supplicia- dos no cadafalso, mandado sinistramente en,!uer na praia de Belém, em consecjuencia de uma sentença, que ainda hoje causa profundo horror.

O mencionado Resumo, de^x'>is de descrever a nobi-

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lissíma linhagem dos Almeidas, refere uma occorrencia de grande importância para aquilatar o primoroso ca- racter do futuro e brilhante General, terceiro Marquez d'Alorna, quando na edade de 14 annos era simples es- tudante, e a quem por especial mercê se dava uma me- sada.

A occorrencia, que vamos apresentar, offeréce também valioso argumento para um estudo da indole do Mar- quez de Pombal, o grande Ministro de El-Rei D. José.

«Os grandiosos e muito eminentes serviços da familia Alorna, e a sua correspondente importância, excitaram a inveja do Marquez de Pombal, a qual se traduziu na cruel perseguição de que demos anteriormente noticia.

«Deve notar-se que se deu porem a não vulgar cir- cunstancia de ter sido o terceiro Marquez d 'Alorna o único da familia, que foi tratado com menos severidade, em quanto seu pae, mãe e irmãs gemiam, sem crime, nos ferros tirânicos do déspota que governava Portugal, illudindo n esta perseguição o melhor dos Príncipes.

«O jovem Marquez, conhecido então pelo nome de D. Pedro d'Almeida, parecia uma boa presa á avidez do Ministro, por causa do seu grande nascimento e da sua fortuna. Pombal dcstinou-o pois para sua filha mais nova. D. Pedro d'Almeida tinha sido sob a influencia do Mar- quez de Pombal, um dos primeiros alumnos admíttidos no CoUegio dos Nobres, instituído por El-Rci D. José; mas quando attingiu a idade de 1 4 annos, o Ministro abriu- se com elle, e declarou-lhe que os cuidados particulares que lhe tinha merecido, o tinham singularmente affeiçoado á sua pessoa, e que tencionava por isso dar-lhe por es- posa sua filha mais nova, e com ella restituil-o ao goso das honras e dos bens, que pertenciam á sua familia.

"D. Pedro, tendo escutado o Marquez de Pombal com a maior attenção, rctorquiu-lhe com todo o acatamento a seguinte vigorosa resposta: "Estou sem nenhuma duvida

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compenetrado dos cuidados (luc tendes tomado da mi- nha infância c úi\ minha educa(;âo ; recordar- mc-hei dcllcs sempre com sentido reconhecimento : mas vós mesmo de- veis concordar em que me t^ imjK)SSÍvel receber uma es- posa por mais bella que seja. quando as màos que ma offerecem esteio tintas no sanviue dos meus... O Marcjuez de Pombal nào escutou mais nada e immediatamcnteobri- ijou I). Pedro a partir para a Universidade de Coimbra, a íim de estudar a jurisprudência, e renunciar á nobre proflsst^io das armas, na c^ial os Grandes e Senhores de Casa eram liabitualmentc educados em Portugal.

Uma circunstancia imprevista trouxe D. Pedro a Lis- boa quatro annos depois, deixando Coimbra, onde o seu talento, a sua vivacidade e o seu espirito e amabilidade o tornaram tiuerido de todos. Começou desde loijo a dis- tin^uir-se na sociedade. O uniforme militar açradava-lhe mais do que a beca, que clle nAo tencionava usar nunca- I). Pedro dedicou-se com o maior cuidado aos estudos militares, mas apesar l\c\ distincç«5o com que os exercia, e da constante approvaçâo dos seus superiores, nílo avan- çava em postos, porciue tinha contra si a formal antipa- thia do poderoso Ministro. O fallecimentodiil-l^íei D. loscS em 1777, veiu livral-o d'esta pcrsesjuiÇcio. e permittir-lhe que se adiantasse na carreira, em que se assivjnalou de um modo distinctissimo. chefiando a ser um dos mais il- Iiistrr^ ( K-nri.HS tin i-VLMcifo portusiuoz.

A iinportiHilc iKxonciKM. ijiu iianscrevemos do Ivc- sumo tia vida do terceiro Maniuoz d*;Morna,escripto ^x^a quarta Marqueza d'Alorna, sua irmt'^, nAo prova Á evi- dencia a vrrandeja de caracter daquelle illusirc militar.

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mas serve para estudar a índole do famoso Marquez de Pombal.

Este notabilíssímo estadista, onze annos depois de ter mandado encerrar nas infectas masmorras da junqueira o segundo Marquez d'Alorna, e de ter ordenado a prisão, no convento de Chellas, da Marqueza, mulher deste e de suas duas filhas, tendo n essa época sido executada a sen- tença do pavoroso processo dos Tavoras, que attingiu entre outros os terceiros Marquezes de Távora, avós ma- ternos do terceiro Marquez d'Alorna, tomou a seguinte resolução, muito para ser apreciada.

Não obstante as medonhas recordações destas atro- cidades, que sem duvida por vezes lhe adviriam á mente, proseguiu no propósito, que de longe tinha engendrado, de casar sua filha mais nova com D. Pedro d'Almcida Portugal, que era herdeiro da Casa d'Alorna, alem de ser de nobilíssima estirpe.

Se D. Pedro fosse de animo fraco ou hesitante, e se não oppozessc immediatamente a mais nobre recusa á realisação do propósito do Marquez de Pombal, ter-se- hía dado a monstruosidade de o casarem com a filha do crudclissimo perseguidor da sua família, o qual sem a mínima hesitação tinha cuidadosamente preparado este enlace.

CAPITUÍ-O VIII

Copia do primeiro documento para a revisão do medonho pro- cesso dos Tavoras, firmado pela Rainha D. Maria I, a soH- citação do Marquez d'Alorna, pae de D. Leonor d'Almeida, e genro dos Marquezes de Távora. Copias de outros do- cumentos sobre o mesmo assumpto. Uma carta ao Minis- tro Martinho de Me)!o, que prova que foi por vezes de grande penúria a situação da Condessa de Oeynhausen. Copia de uma resposta ao pedido de uma amiga para que consentisse na impressão de algumas das suas poesias. Co- pia da declaração feita em Londres, em 1809, por D. Do- mingos de Sousa Coutinho, com respeito á Condessa de Oeynhausen. Copia da ordem do Intendente Geral da po- licia, de 6 de Outubro de 1809, intimando a Condessa de Oeynhausen a sair immediatamente do Reino, embarcando no prinieiío paquete para Inglaterra.

Parcce-nos interessante offerecer á apreciação do leitor o primeiro documento para a revisão do medonho e iníquo processo, que horrorísou Portugal e muitas das Cortes da Europa, e que é conhecido pelo processo dos Tavoras.

Este processo, como se sabe, determinou o supplicio dos Marquezes de Távora e de muitos dos seus parentes, e motivou a perse<;;uíção e cativeiro de varias famílias de alta nobreza, entre as quaes se comprehende a dos Mar- quezes d'Alorna .

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C) tlocumcnto, de que se sc^ue a copia, foi firmado pcUi Painha I). Maria 1, c é devido á representação e so- licitaÇi^o l\o Marcjucz d'Alorna. pac de D. i-eonor de Al- meida Portui^al. e s^eiiro dos Marquezes de Távora.

COPIA

i:ii a l^ainha ía<;o Stiber : que represcntando-me o Mar- que? tlAIorna, como procurador da memoria e fama posthuma de seussoi^ros, c cunhados, epelo interesse que nella tem sua mulher, c filhos, que na sentença proferida na lunta tia Inconfidência, cm 12 de janeiro de 1759, so- bre o horroroso Crime de Lesa Mai^.S c alta traiç<!io, com- mettido na infausta noite de 3 de Setembro de 1758. contra a Saibrada, e Amabilissima Pessoa de El-Rey meu Senhor e Pav. (luc descansa em i;:loria, houvera nc^o scS nullidades substanciacs, mas t«5o bem injustiça notória por se expenderem na mesma sentença factos, fundamentos, e provas que n^o existiam no processo, supplicando-mc (H'c fosse servida conceder revista de craca esjxxialissima (.\c\ dita sentença : fui servitla depois de madurt>s exames, e averivíuaçtVs, mandar proj">òr este ne^íocio em uma lunta de Ministros do meu Conselho, e Dezembarçío, zelosos do serviçt^ tlc Deus. e Meu. 1: sendo examinado o processo uniformemente assentaram, que as circunstancias d'este ex- traordinário caso faziam justa a concessão da dita revista, disjxMisando em ciuaosqucr Leyí^. ^1^'*-^ ^xxiessem obstar e, no Alvará de 17 tie janeiro do tlito anno de 1759, em quanto confirmou a dita sentença. I: tendo attenç^o ao que me foi proposto pelos Ministros da sobredita lunta. e a ser do serviço de Deus e Meu. que a verdade se faça patente, para que se n^o (.iuvide, ou d^ justiça com que se houver proferido, ou dci innocencia de toilos aquellcs que fossem condemnadc>s n^o justamente. Si^u servida con-

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ceder revista de Graça especialíssima da dita sentença, não obstante o lapso de tempo e todas, e quaesquer Leys em contrario, as quaes e ão referido Alvará de 17 de Ja- neiro de 1759, hei por derrogadas, como se de cada uma delias fizesse especial mensão, sem embargo da Ordena- ção em contrario. E sou outrosim servida nomear para juizes da mesma revista os Doutores José Ricalde Pereira de Castro, do meu Conselho e Dezembargador do Paço, que servirá de Relator, Bartolomeu Jorge Nunes Cardoso Geraldes de Andrade, tão bem do meu Conselho e Dezem- bargador do Paço, os Doutores Manuel J. da Gama e Oli- veira, e Jerónimo de Lemos Monteiro, ambos do meu Con- selho, e do da minha Real Fazenda, os Doutores Francisco António Geraldes de Andrade, e Francisco Feliciano Ve- lho, tão bem do meu Conselho, e Deputados da Meza da Consciência, e Ordens, os Doutores Thomaz António de Carvalho Lima e Castro, Juiz dos Feitos da Coroa e Fa- zenda, Jorge Joaquim Fmaus, Corregedor do Crime da Corte e Casa Real, Ignacio Xavier de Sousa Pissarro, Jorge Pinto de Moraes Barcelos, Jorge Roberto Vidal da Gama, Domingos António de Araújo, João Xavier Telles de Sousa, e Constantino Alves do Vale, todos Dezembargadores dos Aggravos da Casa da Supplicação, e para Fscrivão da mesma revista nomeio o Dr. Henrique José de Mendanha Benevides Cirne. Corregedor do Crime da Corte ; e assis- tindo o Procurador da Coroa em razão do seu offício: fazendo-se as secções que forem necessárias na Secreta- ria de Estado dos Negócios do Reino, presidindo nellas, ou todos os meus três Ministros e Secretários de Estado, ou aquelles que se acharem desempedídos para o dito fim. e ajuntando-se aos Autos o assento dos ditos Mi- nistros informantes, como se pratica ordinariamente nos processos de revista. Pelo que mando ao Visconde de Villa Nova da Cerveira, do meu Conselho, e meu Minis- tro, c Secretario de Estado dos Negócios do Reino, que

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façd executar este Alvard como nelle se contem, o qual íic^io passarei pela Chanccilaria. posto<iue seu effcito haja de durar mais d'huin lMiuo, nAo obstante a OrdenaÇt^o que o contrario determina.

Dado no Palácio de Lisboa em 9 de Outubro de 1780.

Rainlia Visconde de Villa Nova da Cerveira.

Por este Alvará de 9 de Outubro de 1780. Sua Ma- í^estadc a Rainha D. Maria 1 div:nou-se conceder a revi- sito do denominado processo dos Tavoras ao segundo Marc)uer d'AIorna. (luarto Conde de Assumar, D. loâo d'Ahneida I^ortus^al, como procurador da memoria pos- thuma de seus sogros, os terceiros Marqueses de Távora, Prancisco de Assis e Távora e D. Leonor de Távora, em quem por morte de seu irmJio tinha recaído toda a Casa de Távora ; e bem assim como procurador iÁc\ referida memoria dos filhos dos terceiros Marquezes de Távora. Luiz Bernardo de Távora elosc* Maria de Távora, o pri- meiro dos (|uaes foi quarto Marquez de Távora ; e casa- do com I). Thereza de Távora ; e ei^iualmente como pro- curador de 1). jeronymc^ de Athaide. Conde de Athou- guia, genro dos terceiros Marquezes de Távora, por ser casado com a sua filha 1). Mariana Bernarda de Távora-, e pek> interesse ciue o mencionado segundo Marquez d'Alorna tinha no processo por sua mulher, D. Leonor de Távora, também filha tios terceiros Marcjuezes de Tá- vora. Sua Magestatle houve por bem conceder-lhe a graciosa revisão do processo de inconfidência, em que os mesmos sogros e cunhados tinham sido condemnados.

A revisi'\o áo processo dos Tavoras teve como conse- (luencia a sentença seguinte que se encontra também na certitU^o authentica quee.xiste nos archivos da Casa Fron- teira.

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CERTIDÃO

«O que tudo visto c o mais que dos autos consta, com a mais séria, exacta e escrupulosa circumspecção : Sepa- rando a verdade da confusão e da desordem, e a inno- cencía da perfidía : ficando em todo o vioor a sentença a respefto dos verdadeiros e acima mencionados Réos do sempre sacrile§o e abominável insulto, commettido na referida noite de três de Setembro de mil sete centos e cíncoenta e oito, contra a Sagrada, e Real Pessoa do Au- gustissimo Senhor Rei Dom José primeiro :

«Revogam a mesma sentença pelo que respeita aos Marquezes de Távora, Francisco de Assis, e Dona Leo- nor de Távora, seus filhos Luiz Bernardo, e José Maria de Távora, e seu genro leronimo de Athaide, Conde de Atouguia, por se não provar que fossem cúmplices no re- ferido insulto, ou para elle concorrentes.

«Declaram que não incorreram em nota, ou infâmia alguma. Absolvem a sua memoria, e restituem todas as Fa- mílias dos sobreditos ás suas honras, e ao uso do appeli- do de Távora, que lhes foi prohibido pela dita Sentença. Palácio de Nossa Senhora d'Aíuda em vinte e três de Mayo de mil sete centos oitenta e um.

«Com três Rubricas dos lUustrissimos e Fxcellentissimos Secretários d'Estado dos Negócios do Revno, dos Negó- cios de Ultramar, e Marinha, e dos da Guerra, e Estran- geiros — a que se seguem as assignaturas dos Juizes Castro Giraldes de Andrade Velho Emaus Li- ma e Castro Doutor Coelho Ribeiro de Lemos Doutor Costa Vale Telles Vidal Araújo e Sil- va — Pissarro E á margem as palavras seguintes - Fomos presentes, e peço vista para Embargos Com duas Rubricas dos Dois Dezembargadores Procuradores da Coroa, e Fazenda.»

I 2(>

\l nc"io SC continhd mais cm n referida scntcnçd. aqui com verdade </<• irrào ad vrrbum fielmente transcripfa.c ccv piada sem cous^i ijuc liuvida |x>ssa fazer, c que se pre- ciso fôr rcsalvada nèlo : com a declaração porem de que a mesma Sentença n^^o tem lido ate* o pr

to alvjum. {x-ír e^te se achar suspenso com tre>

de Hmbarvji^, dedusidos pelo Dezembar^ador Procura- dor da Coroa : a saber : uns de obrepçílo, c subrepÇdo. outros rx dffccia intcfjníatis proccsaus.c os terceiros que im- pUíjnam a sentença, c fundamentos nella expendidos, a fim da mesma se reformar, que todos pendem sem a sua ul- tima decis«5o, como dos autos se manifesta, aos quaes em tudo. e por tudo me reporto debaixo da f<5 que Sua Ma- Vjestadc se diijnou confiar-me. com a qual eu o Dezem- banjador Henrique Ios<5 de Mendanha Bcnavides Cime, depois de conferir esta Certidão com os oriíjinaes de que foi extrahida. e passada em sessenta meias folhas por mim numeradas, e rubricadas com a rubrica Doutor Men- danha—de que uso, c achar que com os mesmos oriíji- naes se conforma, a subscrevo, e assi^no com .* ' i

assiyjnatura para o fim de ficar authentica, e lc\;.:

Lisboa vinte de Agosto de mil sete centos noventa e um. Henrique losc* de Mendanha Bena vides Cime.- Eoutro- sim tleciaro e certifico, que as palavras escriptas no fim áci sentença, e Á margem ^Aa mesma sio da própria le- tra do.Dezembarcador Procurador da Coroa, que foi quem jx^diu vista para Hmbaryos. e quem depois a em- barcou, era ut supra, em que eu. o sobredito Dezembar- Vador assim o declarei, e novamente assi^nei Henri- que losc* de Mendanha benavides Cirne»

I: trasladada a concertei com a que me |oi apresen- tatla. (jue se acha encerrada, com a qual a conferi, e a ella me reporto, e a tornei a entregar a quem a apresen- tou. Lisboa doze de Mayo de mil sele centos noventa c dois: etc. cu Joaquim |osc* de hrito. cídadam em esta ci-

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dadc, e Proprietário de um dos Officios de Tabellião pu- blico, etc. notâs pela Fidelissima Rainha Nossa Senhora, que Deus guarde, o subscrevi e assinei em publico e raso Em testemunho de verdade

Joaquim José de Brito

l'*g. mil sete centos e oitenta de sellos. í..a 12 de Maio de 1823

A revisão do processo dos Tavoras determinou a affir- mação da innocencia do Marquez d'Alorna, que lhe foi reconhecida pela lunta congregada pela Rainha D. Ma- ria I.

Esta Soberana mandou publicar um decreto, em Maio de 1777, declarando o Marquez d'Alorna puro de toda a falta de fidelidade, devida a El-Rei seu augusto Pae, e man- dando-o restituirás honras que por decreto e nascimento lhe pertenciam.

Com respeito á revisão do processo dos Tavoras e ao decreto de Maio de 1777, declarando o Marquez d'Aloriia purc^ de toda a culpa de inconfidência, vem a propósito citar o denominado testamento politico d'El- Rei D. losé, que o governo pouco depois dofallecimento de S. M. fez dar á estampa, e distribuir officialmente pela cidade de Lisboa.

Este testamento, que se compõe de seis artigos, pa- rece ser destinado, como diz a alta apreciação de Latino Coelho, no volume I da sua Historia Politica e Militar de Portugal, a intentar prcmumir o testador com a tardia clemên- cia contra a severa condemnação da posteridade.

Effectivamente no artigo (5.'^ o Monarcha moribundo aconselha á Princeza D. Maria sua herdeira, que conce-

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ikssc o fXTdt^o tiquclles r<5os do f:slndo, d quem hou- vt-ssc' |x^r merecedores da suâ clemência, e tcrmínd o seu escriplo com a asseveraç«!io de que por todos os crimes c liffcnsas (juo tl'e5tes culpadt>s recebera, elle próprio lhes havia f^erdoado, para (|ue Deii^ lh'(^ tomasse em conia da remissiko dos seus peccado-

Por este artii^o 6." a memoria <.\o Moiiarcha appare- cia justificada, e imputava ao Mart|uez de Pombal a cul- pa tie todas as oppressCSes e attenlados, que se tinham pra- ticado contra os iniciados no medonho processo. Nâo era porem necess*irio este artiyjo para que a historia illibasse o Monarcha das atrocidades cjue foram commettidas, e que foram por ella integralmente atribuídas ao seu po- deroso Ministro.

Sem entrar lui íHmcçuisiu» i\,.\ lUithenticidaiic cio ». mi- mado testamento politico, de que nos vim(.>s occupando. (.tiremos iiue tjuakjuer que fosse o pro^x>sito que a Painha intencionasse adoptar para o seu reinado, nâo pnxlia evidentemente inaus,;ural-o sem enxugar as lagrimas cru- ciantes de tantas familias, privadas dos seus chefes e dos seus queritios parentes. Um dos primeiros actos de D. Maria I foi pois, como ticvia ser. restituir a lilvrdade aos encarcerados, que tinham padecido desoitoanniwl»- lior- rorosa pris«!io.

Devemos consignar aqui. que esta resolução da So- berana mereceu o applauso vieral.

A situaçc^o de Alcijxr. a notabilissima escriplora. foi por vezes de extrema ixMiuria. conu> clar.^ ' o pro- vam muitas das minutas ilas suas cartas. is pelo seu próprio punho, centre as quaes escolhemos a sc^infc.

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diríçída em 25 de Março de 1788 ão Ministro Martinho de Mello. ' Esta minuta de que se encontra o autoçrapho enlre os preciosos papeis da Margueza d'Alorna, é assi- ^nada Condessa d'OeYnhausen, que era o titulo de que então usava.

Ill.'"o e Ex.^io Snr.

Que fiz eu a V. Ex." senhor Martinho de Mello, para casti§ar-me com um silencio tão firme e tão austero ! Se V. I:x,a me quiz fazer reconhecer que os meus gemidos são inúteis, e que a piedade de V. Ex." os não attcnde; esteja descansado, porque a extensão das minhas penas prova- me bastantemente qual c a extensão do seu poder. Saiba V. Ex.a que injurias não as soffre um homem d'honra, mas perdôa-as uma mulher pouco feia, que trabalha pela fe- licidade de seu marido e de seus filhos; tal é a que de novo se apresenta a V. Ex.\ V. Ex.-"» bem sabe no fundo da sua alma que eu tenho rasão, e que se V. Ex.'^ quízer

' O famoso estadista do século XVIII, Martinho de Mello e Castro, nasceu em Lisboa a 1 1 de Novembro de 1716. Tendo sido destinado <i vida ecclesiastica, fez os seuí estudos na Univeri>iJade de Évora, a qual, graças aos Jesuítas seus pntronos, ia adquirindo distincia cele- bridade ; foi depois formar-se em Coimbra em direito pontifício, o que o habili ou, apesar de muito novo, a ser provido n'um canonicato da Patriarchal.

Não tendo porem predilecção para o sacerdócio, aproveiiou-se do favor especial que El-Rei I^. José lhe dedicava, para ser nomeado, em 1751, Encarregado dos Negócios de Portugal junto dos Estados Geraes das Províncias Unidas, d'onde foi transferido para a missão na Corte de Londres, em 1754. A sua grande aptidão diplomática salien- tou-se durante a guerra de 1762 entre Portugal e Hespanha, prestando notáveis serviços na execução, com singular zelo, das insirucçóes que lhe foram enviadas. Onde porem Martinho de Mello atfirmju notavel- mente a sua habilidade diplomática foi no Coiigresso de Paris, em 17Ô3, e no qual, pretendendo o Duque de Choiseul a preeminência da sua Nação na assignatura do tratado, o nosso Delegado (como se Ic na

y

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.Khdr-iii'ii, cusiar-llic-lui dimKi mcnt>s do tjuc prtnMr que li pAo tenho. Qucím V. I:\.* por Ininitinidiuic decidir Ivm ou nuil o ijue me resiX'ilo. |>or t|ue se iii^o ix>sso viver em p<3?. quero ir morrer de miserid ao jx' de meu marido e dos meus filhos.

Lisboa. 23 de Março de 1 788.

Obri^adissima a V. Rx.» Condessa d'OcYnhausen.

Para se poder apreciar devidamente o caracter de D. Leonor dAlmeida Portuv;a!. que foi depois a célebre Mar- qucza d'AIorna. julj^amos conveniente transcrever a sua resposta, em carta, ào pedido de uma sua amiça para que consentisse na impress<5o de ais^umas das suas \>oç- sias. I:sta resposta, que se encontra num dos volumes manuscriptos das obras poéticas de AIcipe.<5 textualmente a scvíuinie :

Kncyclopcdia Portiigucza lUusirada) étfendeu tão brilhantememte os direitos de Portugal, que conseguiu, tanto quanto foi possível, sair viiiorioso J'essjs pendências diplomáticas.

VolLindo paia n mi^sáo de Londres ali $e conservou até 1770, rcalisando-se neste anno o seu regresso a Portugal c a $u* entrada para o governo, cm subsiituiyâo de Francisco Xavier de .Mcndon»;a. irmão do Marquez de Pombal.

No hiccionario Bib!iographico Portugurz vem Litados dcse»cte documentos muito interessantes, em parte impressos c em parte ma nuscriptos, que servem para o esluio da Historia do Brazil e, dío ideia clara dos serviços prestado» por .Martinho de Mello c (!.i»irii, durante o tempo em que foi Ministro dj Marinha.

A muito distincta habilidade de .Murtinho de Mclio .icmonvirou- se porem principalmente em ter conseguido licar de p^ nas suas tn- íructifqras tentativas de minar n influencia do Marque» de Poi»ib»l, cn- tlo no apogeu de um valimento tio alto, que eraelle de facto o Sobe- rano de Portugal. Ora Pombal nlo hesitava em castigar duramente qualquer falta contra elle commettida. ainda que o auctor fosse um

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A D. Leonor Camaiti

Lutou muito tempo a minha razão, e o meu amor próprio, contra o desejo que me mostraste de ver im-. pressos os meus versos; porém finalmente triumphou a tua vontade da minha repugnância, e talvez da razão mesma que prohibia expor, a censura dos inteiliçentes, obras, que nunca aspiraram á fama, e que compuz para passar e adoçar instantes, que tantos acontecimen- tos penosos enchiam de amargura. Alem do teu desejo, o que determinou finalmente a impressão desta obra. foi a impossibilidade de soccorrer por outro modo um in- feliz, a quem o talento raro não bastou para evitar os inconvenientes da miséria, e da fome, nos dias últimos sua carreira. O não presumindo eu de alegar motivos que possam interessar os entendedores, a favor desta traducção, imitação, ou que lhe quizerem chamar, da Epistola aos Pizões, ou Arte Poética de Horácio ; estou certa ciue muitas pessoas hão de comprar este escrito.

dos seus collegas. Basta a este respeito lembrar o que se passou com José Seabra da Silva, e com outros eminentes personagens.

Não podendo de modo algum admitlir-se que o Marque2 de Pom- bal perdoasse tacs tentativas, força é assentar que foram praticadas de modo que o seu auctor não deu azo a que podesse exipir-lhe a sua responsabilidade.

Attribue-se a Martinho de Mello a ideia, que foi acceitc, de se ins- taurar processo contra o Marquez de Pombal, quando falleceu El-Rei D. José ; e ainda a de ter sido elle que se encarregou de participar ao ex-poderoso Ministro que estava demittido dos elevadíssimos cargos que exercia.

Dos seus relevantes serviços como Ministro da Marinha devem especialisar-se : o augmento do numero de nsvios da esquadra, a or- ganisação do quadro dos ofRciaes da armada, a construcção do dique do Arsenal, o considerável alargamento da Cordoaria Nacional, a reor- ganisaçáo do Arsenal da Marinha e muitos outros cu)a enumeração não cabe nos pequenos moldes d'esta noticia

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(jiuinilo soulxTcm que se iiuprimo (\ favor de um |X)brc benemérito e portuijuez.

As refraseia composií^t^io poética, que Horácio escre- ve com tanta perfeição, ficam ao alcance de muita gente, sem o trabalho de estudar a linijua latina. Talvez lhe se- jam aijradaveis os meus versos, quando os animam as ideias de um poeta excellente; fiada n'isso encerrei com cuidado na minha carteira todas as minhas obras oriçinacs, para evitar assim que me accusem de temeri- dade. Se comtudo os meus versos parecerem correctos e harmoniosos; se julijarem a minha lins^uaijem pura, e nc^o dcsapprovarem (]ue cu vestisse, em traje portuijuez e pouco ornado, o pocMa latino, tomarei animo, e quan- do se apresentar um motivo tâo justo como o que me determina aijora, tentarei talvez imprimir mais algumas obras, c cuidarei cm mostrar (jue a minha lingua é por- tugucza, como c pi^titii^Hic? c^ meu coração.

A/cipr.

Para a historia l\<\ Condessa dcOeynhausen, Marqucza d'Alorna. c? sc^nira monto iniorossante a copia das seguin- tes: liool.uMÇão .nifiv^r.iplia o iiitiiiiação.

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Declaração aulographa qne fez D. Domingos de Sousa Coulinlio, em J.ondrcs, anles que partisse para Lisboa a Condessa de Oejnbausen, no anno de 180Í), cuja declaração original ficou na mão d'ella para apresentar se fosse preciso

Declaro que em todo o tempo em que tenho tido a honra de conhecer a Ex.ma Snr.'' Condessa de Oeynhausen. fora de Portugal, não nunca lhe descobri o mínimo indicio de opiniões francezas; mas se acaso parecia mos- trar excesso, antes foi sempre o de antipathia contra os Francezes modernos e seus princípios.

D. Dominoos António de Sousa Coutinho.

No dia 6 de Outubro, o Corregedor de Belém veio a Bemfica, onde residia a Condessa de Ocvnhausen em companhia de seus netos, e lhe intimou da parte do Inten- dente de Policia a seguinte ordem :

Copia áâ ordem

Em execução das ordens de Sua Alteza Real procu- rará V. M.'' a Condessa de Oevnhausen, e lhe intimará em nome do mesmo Senhor, que saia ímmediatamente deste \:tcmo, embarcando no primeiro Paquete para In-

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Vilatcrra. ficando a cuidado de V. M/^ acaulclar, que nào leve comsij^o os netos da casa de f Tonteira.'

V. M.'" fica encarreirado desta importante diliiícncia. Deus G>- a V. M.'* etc, seis de Outubro de 1809.

Assii^nado, o Intendente Geral Policia.

A Marqueza d'Alorna. tendo res^resstido a Lisboa, cm 1813. vinda de Ini^laterra. impetrou de S. Santidade, o Papa Pio Vil. auctorisação de entrar no Mosteiro de Chellas. para sua consolaçc^o espiritual, e para visitar as suas parentes e amisijas.

lista auctorisaçc^o foi-llie benevolamente concedida.

l-^ecordemos cjue a Marqueza d'Alorna, quando era apenas D. Leonor de Almeida Portuj^al, tinha estado, du- I ante desoito annos. no referido mosteiro como presa do Lstadtx

Temos á vista uma carta autoj^raplia óò Marqueza dVMorna. datada do Mosteiro de Cliellas. em 1 1 de Pe- verciro de 18^20. I:sta carta ieva-nos a crer que a erudi- lissima escriplora residia n'aquella data, no mencionado Mosteiro.

' Os netos da Casa de Fronteira eram : o Marquez de Fronteira, D. José Trnzimundo Mascarenhas Barreto, que nasceu a 4 de Janeiro de 1810; seu irmáo D. Carlos Mascarenhas, nascido u 1 de Ahnl de i8o3, e que foi depois o brilhante General deste nome ; e sua irmã D. l-eo- nor Mascarenhas, que nasceu a 4 de Ah'il de 1804, e que foi Condessa d'Alv.r

No palácio l"rontcira ha um quadro representando estes três Mas- carenhas quando meninos.

CAPITULO IX

Copia do muito interessante requerimento, apresentado pelo Mar- quez d'Alorna, a S. A. R. o Principe D. João, depois El-Rei D.João Vi, e em que se resume a anaiyse das flagrantes in- justiças e horrorosas perversidades que se praticaram no de- nominado/7/'í7í:^55(? dos 7aw/-í75, deduzidas do consciencioso exame do mesmo processo.

Senhor

Não é esta a primeira vez, que procuro dar razão de mim a Vossa Alteza, e que recorro á sua protecção, e ao seu Real poder, para conseguir o que me parece de jus- tiça, lá fiz sem fructo ha mais tempo esta diligencia; e inferindo dahi, que não queria Deus ainda, que fossem ouvidos por Vossa Alteza os meus clamores, tornei a en- trar no silencio, em que tenho estado ha vários annos.

Agora porem, que para amparo nosso, e para mode- ração do justo sentimento que nos causa a moléstia, que offende a preciosíssima pessoa da Rainha, minha Senhora conduziu a Divina Providencia a Vossa Alteza, ao lugar de Regente deste Reino, torno a dar occasião, ao que Deus quererá fazer a nosso favor, indo prostrar-me aos pés de Vossa Alteza, onde vou por este modc"). fiado na sua real bondade, e obrigado a aproveitar-me delia, por falta de saúde. Ninguém mais (\o que eu está persuadido,

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i|iK cm cdiisns do inconfitlciicio. d iicnhurn vaswlo hon- liulo pódc ser licito conslituir-sc procurador, scnâo d'd- tjuclk^s que por boas razões pareçam ser somente des- V^raçados. A bondade desta refira é da maior evidencia, para (luem teve a minha educação ; mas sendo eu preso em virtude de um decreto, que dizia ser assim preciso, para certa averis^íuaçao, que nunca se fez. por mais que eu a rcíiueresse ; sendo-me av^i^ravada a pena sem moti- vo, na passassem th^ Torre de Belém, para o I-orte da lunciueira, onde estiveram dois Padres da Companhia, (luc nâo foram nunca pers^untados, sem embargo de se lhes imputar em uma sentença a inducç^o para o maior de todos os delictos. 1: achando-se no mesmo luijar tan- tos outros reclusos em seigredo, com quem se procedeu da mesma forma, comecei a duvidar dc\ inteireza jus- tiça, que se teria praticado com outros reputados por culpados.

Os defeitos da sentença, a occultaçâo dos autos, e als;;uns factos que se foram divulvMndo. acrescentando estes primeiros indicios, até que entrando em examinar depois de solto, se seria possivel dar coartádas dos que interessavam minha mulher e a minha descendência, achei mais do ciue era necessário para concluir que. em muito boa consciência, me era permittido solicitar o que fosse a bem di\ reputaçi^io de meus soijros. e de alijuns mais involvidos na sua causa. Approvada a minha resc^luç<\o pela Rainha, minha Senhora, com sis^inaes da sua bené- vola acceitação. entrei a requerer-, mas sobre o que a isso se scijuiu, e em ordem a evitar demasiada dilatação, pa- réce-me c]ue bastarei dizer a Vossa Alteza, que a rovíi^s meus se tirou um \irande numero de testemunhas. Que passados quatro annos alcancei alvard de revista, e que em consequência desta Jtíraça. houve sentença a favor dos meus constituintes, a qual foi contrariada pelo Pro- curador il.i Coroa, acrescoiilando a essa. impucnaçi^o

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de obrepção e subrepção. Esta ultima novidade inespe- rada, fez julgar aos Ministros novamente consultados, que, segundo o direito e sentença de revista, que ti- nham os meus constituintes, não devia haver decisão fi- nal, sem eu ser ouvido, e que para esse effeito era de ra- zão que os autos me fossem confiados. Então os vi pela primeira vez, achando nelles que não concordavam com a sentença condemnatoría, a que deviam servir de fun- damento ; e menos ainda com os decretos, em que El-Rey D. José, meu Senhor, regulava a forma de proceder n'a- quella causa.

Achei varias outras coisas monstruosas : mas âo mes- mo tempo tive a consolação de me confirmar de todo, em que não podia haver nenhum escrúpulo sobre a in- cumbência de que me tinha encarregado; porque, segundo o que conteem os mesmos decretos, a Procuradoria na causa de meus sogros vem a grangear-me a honra, de ser juntamente defensor da Justiça, da Bondade, e da Re- ligião d'El-ReY D. losé, meu Senhor.

Com effeito a doutrina de que me tenho valido para bem dos meus constituintes, é a que se acha nos decre- tos d' este soberano ; nelles ordena Sua Magestade a obser- vância exacta do direito natural, e que se não omitta meio algum, para o descobrimento da verdade. Manda, que aos réos se defesa plena. Recommenda aos juizes o cuidado de evitar, que os innocentes padeçam detrimento. Dispensa as formalidades de direito positivo, excepto al- gumas, que manda observar.

Não validade senão aos escriptos do Ministro no- meado para Escrivão daquella devassa. Nomeia Advo- gado dos réos, a quem encarrega de um modo exhorta- tívo, a que faça quantas diligencias possa haver a seu favor. Regeita a proposta do luiz do Povo sobre denun- cias occultas; mas mostra ceder ao uso dos tratos, or- denando cjue tenham logar somente quando precederem.

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iicU^ (|iiiK'sqiK'r iiicIkk^s, iiui^ iiuíku)-^ \ ciicincntcs. Nâo d».i poder siiii^uliirmcntc d nenhum dos Ministros nomeados. Declara que somente o deleita ao concurso de todos clles. í: para que ncio houvesse fallencia na observância d'estas reaes determinaçòes. manda, que os três Secretários d'F:s- tado assistam. t|uanto for possivel, a tudo o que p>erten- cer cl formação do processo, c ao seu juízo final. N'estcs termos bem Vossa Alteza, que nins^uem se pode quei- xar d'í:l-ReY D. losé, meu Senhor: e que os meus cons- tituintes. a!(5m de lamentarem a desgraça, de nc^o ter sido posto em pratica o que Sua Maijestade ordenou, teem multo que admirar na summa Oíjuidade deste Monarcha, c na sua real moderação. Porcju*^' >cvnindo o que se obser- va nesta causa, se conhece que Sua Majgestade sem em- barjjo de Soberano, e de luiz Supremo, não quiz ter nclla mais acção, do que para determinar o que era de justiça, e entresiiar a execução das suas ordens ao Ministro d'í:s- tado da sua maior confiança, a quem constituiu Presi- dente n'a(iuella occasião. Deste Ministro revestido maior authoridade. fiscal das execuções das Ordens re- gias, considerado como a voz do Soberano, de quem estava sendo quasi o único informante acreditado, é que todos nos podenK>s o devemos c]ueixar; porque foi quem preverteu o que l:l-I^ev D. losé, meu Senhor, determinou, com a mais apurada rectidão. Km lusjar de se nâo omit- tir meio aliifum para o descobrimento da verdade-, não foram per^nintados os três Padres da Companhia, repu- tados como primeiros e maiores criminosos-, não foi per- VJuntada a Marqueza de Távora, minha soijra, a quem se attribuia a corrupção dos d^ sua familia, que foram con- demnatios. I: dc\ mesma forma não apparecem as per- s^iuntas de vinte e tantos ri5os. tidos nos autos como par- ticipantes do mesmo delicto horrorosa'» ; apestir di:>s dois primeiros delactores serem interessadi>s na sua accusiição, pelos prémios (lue lhes foram promettido^ I-siiviiam

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muitos dias na* prisão os meus constituintes, que morre- ram, sem haver contra elles o que lhes queriam imputar; porque todos os que foram perguntados nesse tempo, íncluzívé os verdadeiros culpados e confessos, depozé- ram e juraram a seu favor. Mas ouvindo a um destes úl- timos o Secretario d'Estado Presidente, que também a sua vida tinha estado em perigo, pôz no processo uma nota marginal desta noticia, e a poucos passos appareceu com um depoimento da sua própria letra, tirado em sua casa a um denunciante, que serviu para regular um novo in- terrogatório, feito dahi por diante a tantos pretendidos réos, que então se mandaram tratear; não concorrendo na maior parte delles, as circunstancias para o tormento, determinadas por El-Re^ D. José, meu Senhor, nos seus decretos. D este martvrío ninguém recebia allivio, sem de- clarar o que Ih- queriam fazer dizer, ou quando o Ci- rurgião avisava que o não podiam supportar sem ris- co grande de vida. No resultado desta diligencia é ma- nifesto, da parte dos interrogantes, o empenho de achar crimes nos meus constituintes, e medo grande de encon- trar verdades contrarias. Por isso as rectificações das confissões dos réos foram sempre precipitadas, e pela maior parte feitas, no mesmo dia, e no mesmo logar. con- tra o que mandam as Leis. As confusões não se procu- raram aclarar; as diversidades não se quizeram concí- h'ar; as retractações procuraram evitar-se; e as que se não poderam impedir, não as quizeram escrever. São muito poucas as confissões violentadas, que teem assigna- tura das pessoas a quem pertencem, e algumas delias com circunstancias, que as qualificam bastantemente de falsi- dade. Nunca houve confrontações, nem antes, nem de- pois dos tratos; nem as quizeram admittír. com parente, ou com estranho, a quem as requereu; sendo esse um meio importantíssimo para a ínstrucção de que necessita- vam os juizes.

uo

Ao MR'siiK> icrn|n>, foi fcit«.> sfiiiprc- iiin continikidn um.) tio dolo da siiv;i^cstt\o. c c de crer cjuc nas pcnjuntas fei- tas cm tratos, que n5o apparecem nos autos, houvesse essa mesma maldade, de um moílo ainda mais escanda- loso óo que nas primeiras que existem, feitas antes do tormento; e que seja essa a razt^^o do juramento, que vem nos autos, dado aos luizcs, para não dizerem nunca, o çue se perguntou aos réos nos tratos e se não escreveu no processo.

Desta forma houve trateados que. induzidos e ator- mentados, deposeram contra os seus próprios depoimen- tos já jurados, o que lhe foi suvjijerido. para criminarem os meus constituintes. Mas nessa mesma occasi«!io parc5ce coisa íiiilavTosa. não haver tormento que potlesse obri- jtiar os verdadeiros culpados a deixarem de manter o que tinham dito a seu favor nas primeiras perj^untas. De modo cjue culpando-se a si. e aos seus cúmplices, parc^ce incrivel c)ue contra a verdade, e dando motivo pela sua constância, á continuação l\o tormento, quízessem pou- par os meus constituintes, (jue lhes eram tanto mais estra- nhos e indifferentes; e ainda que dois dos meus consti- tuintes vêem no processo como confessos, de parte do que lhes foi attribuido na sentença ; um delles disse o con- trario na defesa, e retratou-se publicamente uo cadafalso e (.lo outro ha nos autos uma contradicção muito estra- iiiui. porcjue vem negativo na instrucçâo para a defesa. Vem da mesma forma nei^ativo na sentença da devirada- ção l\{\ «.^rdem. í\c\í\(\ pelos mesmos Ministros. \k>t dele- jijação <Sci Mesa l\í\ consciência ; e vem k.\o mesmo mocto no papel dos erros Ímpios, sabido da Secretaria d'Kstado poucos dias depois das execuções. No que toca Á defesa, bem lonsje de ser plena, foi mais depressti de pura ceri- monia, í: em ordem a cjue o defensc^r não visse os autos, como nós os vemos aviora. lhe foi áada uma chamada minulii muito breve, mal exlrahiila iU>s'mesmos autos, para elle se inforniH iin ixnicas ht^i-^-- ili>i|iu' linh.i iitu* Ji-er.

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para salvar as vidas de onze réos atormentados, e for- mar outras tantas defesas. O mesmo pouco caso se fez da Lei d'[:l-ReY D. José, meu Senhor, em que restringe a validade do que pertence á devassa, aos escriptos do Es- crivão nomeado, por que está o processo cheio de lettras diversas, e n elle se que, assim Ministros d'Estado, co- mo Ministros de Justiça, foram naquelle processo, ora Presidentes, ora- Juizes, ora Escrivães, e ora varias destas coisas ao mesmo tempo. Sobre o poder para devassar e para julgar, que El-Rey D. José, meu Senhor, concedeu somente ao concurso de todos os Ministros, egualmente se não attendeu ás ordens regias; e antes pelo contrario se conhece pelas assignaturas dos despachos, que nunca concorreu a maior parte. No Juizo da causa se encontram as mesmas desobediências, e as mesmas injustiças. Parece impossível concluir-se o que se por feito no tempo comprehendido pelas datas, e que os autos que contém sessenta e tantos depoimentos, fossem examinados em vinte e quatro horas por dois diversos Juizes, o da Incon- fidência, e o das Ordens. Que se ponderassem as circuns- tancias, e os differentes gráos de delicto. Que fossem fei- tas duas Sentenças, acrescentadas com diversas coisas, de que se não trata nos autos, e se intimassem a onze Réos, os quaes as não poderam embargar, por se achar moles- tado o seu procurador, e não quererem dar remédio a esse embaraço. Esta precipitação occasionou varias de- sigualdades nas penas de alguns réos; não as havendo nos documentos que serviram para a sua imposição; e houve uns, que foram condemnados pelos mesmos fun- damentos que serviram para serem outros absolvidos. Eu fallo com muita brevidade a Vossa Alteza, porque assim o devo ão seu respeito, e ao Governo de que Deus o quiz encarregar. Se dissesse tudo o que vem nos autos deste género, faria um papel muito volumoso, e seria ainda maior se recorresse ás notícias de noventa c tan-

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las testemunheis que produzi, onde se acham as coartá- das dos meus consliluinfes. (lue morreram ; as provas de gue a maior parle dos luizes nào viram nunca os autos ; as declarações d'esles mesmos feitas a diversas pessoas. de cjue se colhe, terem assiijnado a sentença condemna- toria. sem o preciso conhecimento causa -, e muitas outras circunstancias espantozas, postas na evidencia, que ad mítte essa casta de demonstração.

O que tenho dito até aqui a Vossa Alteza, é somente o tjue me pareceu indispensável, para dar a conhecer os defeitos das causas, em que me queriam envolver, e mos- trar a opposiçâo constante, entre essa desordem, e a san- tidade dos decretos d'l:l-Rev D. Ios(5, meu Senhor ; onde se quanto Sua Masjestade estava persuadida, de que, se iio maior crime, como 6 o de lesa-Masjestade compete a maior pena ; a maior das injustiças, é de imputar esta casta de delicio a vassallos inn(Kenles e honrados. Para evitar este mal tomou Sua Maijestade todas as precau- ções necessárias. Nc^io esteve por nenhuma daquellas opi- niões que, com apparencias de ens^randecer os Sobera- nos, destroem nelles a imas^em que teem de Deus. O di- reito natural lhe pareceu mais di^no l\o que tudo, para a recommendaçc^io de ciuem linha o seu real caracter. I: como o maior numero é ordinariamente menos sujeito a preoccupações, e a subornos, fez dependente a execu- çCio das suas ordens, do concurso de todos os Ministros d'I:stado e de justiça. Parece incrível que esta summa etjuidade não fizesse a impressão que devia, e era natu- ral ; mas depois desta malevolencia e desta atrocidade, que coisas Ci^ualmente preversas, diris^idas a uma appro- vação iijcral, se nào empregariam, para persuadir l:l-f^ev D. losé; meu Senhor, que as suas ma.vimas tinham sido respeitadas, e cjue as suas ordens tiveram uma perfeita execução? Ainda mal. que uma certa bondade, que anda annexa ao supremo poder, e á suprema independência.

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tem occasionado muitas vezes nos que occupam os Thro- nos, excessos grandes de boa fé, mais prejudíciaes do que nunca, nas occasiões de actos de Justiça punitiva, em que a grandeza real não admitte o conhecimento pratico das coisas.

Foi desgraça nossa durar o engano tantos annos, e não entrar El-Rey D. José, meu Senhor, em desconfiança, senão quando lhe não era possível outra acção, mais do que para dar signal aos successores da sua auctori- dade, que havia que corrigir em algumas coisas do seu Governo, feitas em seu nome, contra a sua real intenção. A Rainha, minha Senhora, não quiz deixar de dar a isso providencia. Conheceu que os indícios de indignação da parte d'El-ReY, seu Pae, no tempo em que Deus come- çava a dar luzes maiores, concordavam com documentos, conservados pela Providencia, para fazer acertada a sua real deliberação, a favor dos meus constituintes. Então foi ponderado o pequeno numero dos prejudicados. A pouca consideração dos bens a que teriam direito. Que o lapso do tempo não podia ter lugar em um facto, de que eram muitas as testemunhas oculares existentes ; e de que se deviam descontar os annos, que os autos estive- ram sumidos na mão do Ministro poderoso, que presidiu á sua formação. Que isto mesmo ainda era mais certo, não tendo havido embargos á sentença condemnatoria, dada por uma Junta de Commissão, para a qual legislou particularmente El-Rev D. José, meu Senhor. Que tendo- se faltado continuadamente ás ordens de Sua Magestade, estava tudo nullo. Que por esta razão, não havia que attender á honra da Justiça. E que antes pelo contrario, era muito importante, evitar-se o equivoco dirigido, a confundir o Soberano justo, com a maldade de quem o enganou. Que a separação patente d estas duas coisas tão diversas, que envolviam no modo de proceder, a vir- tude, com o delicto, e a Religião com a maior perversí-

1 i ;

diulc. faziam inuik> necessária esta mesma Jivis«io, para o credito justiça e da bondade de lil-I^ey. meu Se- nhor, l: entáo se conlieceu que o ultimo decreto de Sua Masjestade, approvando os autos, e a primeira sentença, não podiam ter sido passados senão na i.\c\ perfeita exe- cução das ordens antecedentes, li que sendo esta mesma execução da forma referida, não podia o dito decreto deixar de ser obrepticio. Também se advertiu e se con- templou, que para o conhecimento desta verdade, quiz Deus cessar quem conservou duas rejjias declarações, tão contrarias uma á outra ; as quaes obrisjando a procurar- se-lhe alijuma conciliação, davam loijo a conhecer que em um caso de maior gravidade, com tão pequeno in- tervallo de tempo, não era nada natural que l:l-I-^ev D. José, meu Senhor, mudasse para uma opinião tão diame- tralmente opposta, sem razões que produzissem effeitos de alijum novo arraiijamento. isto fez parecer incrível que Sua Maj^estade, sem ens^ano, approvasse uma desobediên- cia a mais criminosa, que incluia a reprovação dos seus l^rimeiros decretos, tão acertados, e tão justos, e destruia as suas recommendações observância do Direito na- tural e divino impreterivel, a que Sua Maj^estade mostrava tanta inclinação e tanto respeito. Westes termos não ha- vendo que vacilar sobre a imputação destas advertên- cias, destas contrariedades, destas injustiças, de que o fá- cil descobrimento parece mvsterioso. Quiz a Rainha, mi- nha Senhora, cjue nesta causa houvesse novo exame, e tornasse a ser juli^ada. Na execução desta real vontade, parece impossível, que podesse haver mais attenção S primeira sentença, do que houve, para ser dada a da re- vista. Sem embarjkio dc\ lan^ja informação de testemunhas, (jue disse, cujo destino, ses^undo os termos da Rainha, minha Senhora, era para ter uso, quando Sua Majjestade fosse servida mandar tratar daquella causa. Cheirada essa occasíão, não c)uízeram os juizes admittir esses imjx^ír-

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tantes documentos, fundados na regra ordinária, de se não receberem nas revistas, os que fossem estranhos aos autos. Debalde instei eu, que não se reputasse como es- traniia uma defesa determinada pelo direito natural, que suppria de algum modo, a que tinha sido negada aos meus constituintes. Continuei a requerer que ao menos fosse acceita a declaração de Fr. Manoel de S. Boaven- tura, authentícada pelo Juizo da Inconfidência, a qual pelo seu contexto mostrava ser pertencente aos autos, a que devia juntar-se, para a sua mais aproximada integração. Nada d'ísto foi attendido, nem absolutamente se admíttiu nenhum Procurador. E os autos, assim mesmos informes, e feitos de propósito, para a ruina e diffamação dos meus constituintes, foram o único instrumento que serviu, para ser dada a seu favor a sentença revisoria. Apesar desta summa jurisprudência, com que foi posta em pratica a graça de uma Soberana de tantas e tão certas virtude? ; e sem embargo de dar isso mesmo a conhecer quanto pode a innocencia para tirar provas de justificação dos maiores artifícios da malevolencia e do engano; a fata- lidade que acompanha os meus constituintes entretém a indecisão que continua a haver nesta m.atería. Parece coisa sobrenatural, porque á vista do que tenho exposto a Vossa Alteza, está esta causa em uma alternativa, que deveria mais depressa concorrer para a sua prompta re- solução; porque, ou se ha-de punir pela doutrina de El- RcY D. losé, meu Senhor, e fazer-se patente a sua recti- dão, ou se ha-de occultar a equidade deste Soberano para encobrir e defender a desordem de quem lhe deso- bedeceu, e inverteu a Santidade das suas reaes determi- nações. Nesta matéria não posso imaginar, que haja em mim nenhuma illusão; porque isto mesmo viram tantos Ministros consultados, e os luizcs que deram a sentença de revista. Se ha algum talento superior, que vçjã as coisas doutro modo. deveria fazer em nós o effeíto

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iki luz. !iviando-nos das ircvtis com nuiitii proniptidâo. Dcvciid nianifcslar tio publico essa suâ descoberta, e te- ria d'isso estreita obris^açâo, porque a demora excessiva desta causa, ou o encerramento delia nas suas circuns- tancias, alem de inculcar um pejo dci sua publicidade, que denota debilidade de razões. nAo pode ser expediente (jue convenha á Grandeza Real de um Soberano táo justo, como }:I-Rev D. )osc. meu Senhor, se mostrc^u naquella mesma occasião. Is^ualmente é offensivo á Rainha, minha Senhora, depois concessivo do seu alvará de revista, c de ponderadas por Sua Maj^estade todas as razões que podiam obstar, ou facilitar a mesma ^raça. O certo é que depois de uma semelhante resolução, parece nào ha- ver nenhum meio virtuoso, entre a contirmaçtlo da pri- meira sentença, no caso de haver razões para a manter, e a validade sesiíunda, que a derroija. fundada em Leis soberanas e novissimas.

Uma tui outra coisa estava o mundo esperando, para formar conceito fixo, sobre um caso em que todavia, a justiça exiv^e a maior publicidade, por ser o exemplo nos castiitios o seu objecto principal. Mas todas estas ra- zões, e muitas outras que omitto, para níHotomi^ ^temp)o a Vossa Alteza, não tem valido ate* aj^iora. ndade

de dois Soberanos tem tido efficacia ba-' livrar

de embaraço a causa dos meus constitui 'a fal-

tam mais als^umas clarezas, e se ha du as ou

politicas, que façam impedimento á su ào se-

ria eu o primeiro, tjue desejasse, que pozes-

sem em publico, e se consultassem a lades de

Castella, e as mais famosas da Kurop.i to d,^ jus-

tiça d'HI-Rev I). lostS meu senhor, r la NaÇtlVo.

mereceriam esse disvello. líntiVo se v inmum sen-

tir das vcntes, tlimanado tlaquella ) jue IXnis al-

lumia todo o homem, se osIXvrett IX joscS meu

Senlu^r. siio ou ni>o conciliáveis C( >so ; e se o

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que ha nelles de invariável e de claro a todas as luzes deve servir de regra á Rainha, minha Senhora, e a Vossa Alteza Creio, que se não acharia nenhuma opinião im- parcial, que fosse favorável ao triumpho do Enganador. Nem haveria quem fizesse ponto de honra, que vencesse a justiça, sobre dar-se a conhecer, que El- Rey D. José meu Penhor, foi enganado n esta causa.

O mundo será persuadido, ha muitos séculos, que o Governo de um Reino excede as forças da Humanidade gue no logar em que Deus põe um Soberano, onde não pode saber por informação, nem operar senão por dele- gação, esta mais do que ninguém sujeito a enganos e a tazerem-se em seu nome coisas violentas, sem demasiado encargo da sua consciência. A historia do mundo certi- fica esta verdade, e mais ainda as Letras Sagradas onde se ve, que Deus desculpa os Reis, como não desculpa os homens de outra condição. Por isso se considera, que para os d essa dignidade, tanto consiste o bom governo em pro- curar benefícios, como em remediar males, para que se nao façam mais compridos, segundo a expressão de um Monarchade espirito sublime. Ainda haveria bastante que dizer sobre coisas desta espécie, se eu soubesse com cer- teza os motivos quepoderamter servido de demora nesta causa : mas esta representação poderá parecer demasia- damente dilatada, sem embargo de um negocio perten- cente ao ponto mais importante da honra, que intere..a vassallos mais obrigados á sua observância, não se pode tratar com brevidade, quando pela primeira vez se conta delle a um Príncipe Regente, e se procura vencer uma demora excessiva e summamente ruinosa. Comtudo para nao ser censurado, de abusar da paciência e da bon- dade de Vossa Alteza, ponho na sua real presença, por ulhmo artigo d este papel, que. apesar do que tenho ou- vido, e do mais que queiram dizer, não me posso persua- dir que. para a habilitação dos meus constituintes exís-

MS

tentes, c para alíjum seu melhoramento de fortuna, lhe possa ser conveniente, pedirem o perdt^o de pena lesmai : e gue a I^ainha, minha Senhora, e V. Alteza assim o quei- ram, depois da revista concedida, e da sentença dada a seu favor.

Sc em semelhante petição não houvesse mais do gue sis^nificarem os meus constituintes a sua summa depen- dência, e o seu profundo respeito, ia teriam feito ha muito tempo essa dilii^iencia. na quõ\ não podiam nunca ter a menor duvida, sendo as coisas desse s^enero pertencen- tes ao culto civil, devido da parte de qualquer vassallo ao seu Soberano.

Mas o perdão denota crime, e de uma qualidade, na causa de que trato, a que devemos todos ter horror, isto parece que implica com a prova judicial da innocencia. facilitada e auxiliada pela I^ainha, minha Senhora. 1: vem a dar de si, nos que pedissem semelhante perdão, quere- rem por interesse particular, condemnar e denes^rir a me- moria de seus pães justificados, e fazerem-se por isso in- dií^nos dc\ beniv^nidade de \7ossa Alteza.

Esta é a substancia das razões, que tem obstado a ser posto em pratica semelhante arbítrio. Parece justo, que assim se observe, em qu^^nlt^ "ão concorrer o que quer (jue seja. que salve as difficuldades que acabo de dizer. Mas passando a ver esta questão por outro lado. é certo, que de qualcjuer modo, que sejam considerados os meus constituintes, ninv^uem duvida, ses^íundo as suas edades, (]ue não podiam ter nenhuma culpa pessoal. Neste caso. permitta-me V. Alteza a reflexão patriótica, de que no tempo, em cjue muitos Peinos l:uropa tem reduzido, ou aproximado as suas differentes lei^islaçòes ao Direito natural. (|ue não admitte corrupção de sanviue. nem os seus effeitos violentos, nada seria tão próprio dos nossos Príncipes, mais virtuosos do que todos, do que mostra- rem-se persuadidos desta santa doutrina, e anteciparem

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o exercício delia ao effeíto da benigna intenção, que tem de introduzir c estabelecer no novo código.

A vista d'isto, seja-me licito trazer á lembrança de Vossa Alteza, que os ditos meus constituintes teem pade- cido, no espaço de trinta e tantos annos, trabalhos gran- des, de falta de liberdade, áz ignominia e de miséria ; objectos dignos da Real compaixão de Vossa Alteza. Em- fim Príncipe, meu Senhor, bem desejaria eu ver-me livre d esta lida, e não tornar a ter occasíão de importunar a Vossa Alteza com arrazoados que obrigam a tanta dif- fuzão. Estimaria ao menos poder conservar-me no silen- cio, em que estive muito tempo, confiado na bondade, e na rectidão da Rainha, minha Senhora ; mas mostran- do o tempo coisas, que segundo a experiência e o con- ceito universal, de modo nenhum podem proceder da Real vontade, e recta decisão de Sua Magestade, e de Vossa Alteza, de quem somente deve depender a nossa sorte, não posso deixar de implorar o soccorro dos que Deus quer, que façam as suas vezes n este Reino. O certo é, que a maldade nas mãos da Justiça, sendo certa, não costuma achar, o que ha annos a esta parte tem encontrado a de- manda dos meus constituintes. Os crimes, não se provam suspendendo o curso das causas. A clareza e a publici- dade, é necessária nos delictos conhecidos e atrozes. Para a Justiça, não ha ninguém que seja despresivel. No que toca á honra, não são poucos os que devem ser attendi- dos ; e a politica não parece ter logar nenhum, sobre duas causas particulares, para as quaes tem parecido bastante em toda a parte as regras da Justiça ordinária.

Alem d'isto, como as contrariedades costumam com- bater neste mundo o que Deus quer, tudo concorre para me persuadir, que faltaria ao que o mesmo Deus me in- dica, e ao que devo a Vossa Alteza, no tempo em que faz funcção de Juiz supremo, se não recorresse ao seu Real poder, e á sua íllustração, para que ponha teimo

1^0

nesta causa, conforme o que Deus lhe inspirar, e lhe pa- recer mais acertado. Queira a Divina Providencia, que Vossa Alteza seja o Príncipe destinado para cortar este gordio. Que para esse effeito se reijule p)elo que achar no seu rciíjio coraçc^o. e no seu entendimento: Que dahi se nos sisja a felicidade de nos ser confirmada a esperança da continuação dos nossos Príncipes nacio- naes. í: que Vossa Alteza em premio das suas reaes vir- tudes, tenha também, entre muitas vantai^íens. a Gloria de fazer patente a justiça, ebenii^na intenção de seu Au- sjusto Avô, Kl-Rey D. José, meu Senhor, pondo em exe- cução o que Sua Majestade faria, se podesse voltar a este mundo. Ru assim o peço a Deus, com o fervor que com- pete a quem se acha no ultimo quartel da vida. persua- dido do que acabo de dizer, l: juntamente lhe rosjo, que esclareça, que prospere, e conserve a real pessoa de Vossa .Alteza por muitos annos. como eu. e todos os seus fieis vassallos desejamos, e havemos mister.

Marquez d' Alar na.

CAPITULO X

Documentos comprovativos dos esforços da Condessa de Oeyn- hausen, Marqueza d'Alorna, para que fosse completamente illibada a memoria do Marquez d'Alorna, seu iririão.

O General D. Pedro de Almeida Portuíjal, terceiro Mar- quez d'Alorna, e sexto Conde de Assumar, avivou brilhan- temente os altos feitos militares dos seus nobilíssimos as- cendentes, entre os quaes se devem especialísar os prati- cados na índia por seu avô paterno o primeiro Marques d'Alorna, e também os muito valiosos serviços prestados contra os inimigos do Estado, por seu muito illustre avô materno, o General terceiro Marquez de Távora, serviços com os quaes notavelmente assignalou o seu governo como vice-Rei da índia, e que não deixaram de ser devidamente considerados, mas que se procuraram apa- gar com a mais odienta ingratidão.

Eram muito grandes as obrigações que lhe impunha a sua por muitos titulos alta ascendência ; mas o General Marquez d'Alorna desempenhou-se delias com a maior distincção.

Assim, sendo Coronel decavallaría em 1803. tendo 39 annos, foi escolhido para fazer parte da divisão auxiliar á Hespanha, tornando-sc notável logo nos primeiros com- bates em que entraram as tropas portuguezas. Tendo po- rem recolhido a Lisboa, com licença, no fim de um anno.

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foi i^ituliiaclo cm Marechal tic campo em 1804. epromo- viilo á cffectividade deste posto no anno seviuinte. sendo entíio nomeado commandante da lei^i«So de tropas ligei- ras que o governo mandou ori^anisar ndquellâ época.

A vis^iiancia l\o Marquez d'Ak>rna, que em 1807 ijo- vernava o Alemtejo, deveu a |-amilia Real portuijueza, o nào ter ficado prisioneira do exercito francez. que inva- tliu í\")rtuv:al, podendo ausentar-se para o Rio de laneiro. embarcando pouco antes di\ entrada de junot em Lisboa.

Sendo chamado a Lisboa por junot pouco depois da cheviada l\o i^íeneral em chefe francez a esta cidade, p)ediu loíijo a sua demisst^o, que lhe não foi concedida.

Hra notório o desaffecto do Marquez d'Alorna aos francezes, sentimento que nobremente affirmou a lunot quando foi por elle interros^ado sobre o propósito que se lhe atlribuia de ter cjucrido impedir a entrada dos fran- cezes cm Portu^^^l. e que não levou a effeito por ter re- cebido c^rdens terminantes da Res^encia para que rece- besse amij^ravelmente as tropas estraníjeiras.

As condiçòes em que se encontrava o exercito portu- itiuez, e (juc eram bem conhecidaf? de Junot. levaram este Cleneral a mandar ors^íanisar a leijriâo de que o Marquez d*Alorna foi nomeado commandante em chefe, sendo Go- mes Lreire de Andrade se^iundo commandante. e chefe de estado maior o hrií^jatieiro Pamplona ; isto é. foram escolhidos os três distinctos officiaes, manifestamente atlvcrsos aos francezes. e que era portanto conveniente afastar do paiz.

l: sabido cjue em Abril de 1808 a kvião dcAIorna re- cebeu ortiem tie marcha para huri^os, devendo concen- trar-se em Salamanca, e se\íuir para o seu destino por Valladolid.

Para acalmar <\ excita»;ão que a ordem produziu, por se dizer que a leviião era mandada para IVança. lunot mandou publicar e imprimir uma declaração de que as

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tropas portuguezas sabiam apenas com o objectivo de acompanharem o Imperador Napoleão até Lisboa.

Por ter adoecido gravemente em Burgos, o Marquez d'Alorna não poude acompanhar a legião na sua mar- cha até Bayona, onde lhe foi passada revista pelo pró- prio Napoleão, e onde mais tarde se lhe reuniu o Mar- quez d'Alorna.

Deve deixar-se consignado que a legião chegou a Bavona, com pouco mais de 6.000 homens, sendo quasi de 9.000 homens a força com que sahiu de Portugal : es- tando pois diminuida de cerca da terça parte, que se tinha ausentado desertando.

Apesar de muito redusida, o receio de que podesse reunír-se a quaesquer forças hespanholas que se levan- tassem contra os francezes, determinou Napoleão a inter- nar a legião em França, dando-lhe Grenoble como quar- tel. O Marquez d'Alorna ficou apenas como commandante nominal, ate que em Março de 1809 foi mandado para Madrid com ordem de se unir âo quartel general do Rei losé, mas sem qualquer ingerência no commando das tro- pas. Em íunho de 1810 mandaram o infeliz General para Salamanca, a fim de se apresentar no quartel general de Massena, que preparava ali o exercito para invadir Por- tugal.

Este exercito transpoz a fronteira portugueza em 24 de lulho de 1810. O Marquez dAlorna, que foi obrigado a acompanhar Massena não praticou acto algum de hos- tilidade aos seus conterrâneos, e pelo contrario fez quanto poude para minorar os horrores da invasão, como succedeu em Coimbra e em outras localidades.

O governo da Regência tendo conhecimento de que o Marquez estava no quartel general de Massena, sem at- tender ás circunstancias em que se encontrava, resolveu, por portaria de 6 de Setembro, não exautoral-o de to- dos os títulos, honras e dignidades, privando-o até do nome

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de portiij^ucz. iiujs offcrcccr a iciiiuiK-ravdo de mil inoc- tlcis ii c|uc»ii o aprcsciitiissc mork) ou vivo. A esta porta- ria scviuiu-sc processo no Tribunal de Inconfidência, em tjuo foi condcmnado d morte.

[■ica assim explicado, que o Marquez d"Alorna nào tentasse illudira í^rande visjilancia que sobre ellc exerciam os francezes, para procurar apresentar-se em Lisboa, tendo de voltar para Hrança. onde em 1812 foi encarreirado de inspeccionar as tropas da lei^ii^o portuj^ueza. que foram dcsii^nadas como elemento do exercito, que ia tomar parte na campanha da Rússia.

Quandv» o exercito francez marchava com esteobiecli- vo. o Marcjuez d'Alorna recebeu a nomeação de Gover- nador de Mohilev ' e ali ficou como se na erudita in- troducção do Sr. [-ernando Mava ao proficiente trabalho. do iMarquez d'Alorna "Reflexões sobre o systema econó- mico do exercito,,, até que principiou a retirada do exer- cito francez. ao qual se juntou nas manténs de Dniepper. Tendo porem chev;[ado muito doente a Koeniiísben^ nos últimos tiias de Dezembro, ali falleceu a 2 de laneiro de 1813.

Aos incessantes e porfiados esforços da Condessa de Oeynhausen, durante mais de dez annos, é devida a revi-

' A civJ.iilc de Mohilev, praça de guerra, é capital da provincia d'es- te nome, constituída por uma região, situada na Rússia Occidental europeia, que hanhiim vários rios de que s5o prin»:ip;ies os seguintes: Dniepper, Soj, Troni.i e Mercsina. Nj reRifio, que c muito fértil, en- contrum-se também vários laj{os de pequenas dimensões. A praça de Mohilev demora na margem esquerda do Dniepper.

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são da sentença que havia condemnado o Marquez d'A- lorna, seu irmão, sendo absolvida a sua memoria da im- putação do crime de que fora accusado. e declarada inno- cente e honrada a sua memoria e fama. Esta sentença é de 16 de Agosto de 1825.

Dos meritórios esforços da Condessa de Oevnhausen para que fosse revogada a sentença, que injustamente condemnou o Marquez d'Alorna. seu glorioso irmão, dão também notícia as cartas de que seguidamente apresen- tamos copias:

111. "IO Ex.ni" Snr. Meu irmão' de toda a m.a estimação

Remetto a V. Ex.a copias de duas cartas que me escre- veram, uma ainda quando eu estava em Londres, e que é de Mr. Wallerstein, Addido á Embaixada Russa em Hespa nha. o qual eu não conhecia; mas passando por Londres e sabendo que eu allí estava, tomou aquella honrada re- solução de avisar-me de que elle serviria em todo o tem- po de testemunha da innocencia de meu irmão.

A segunda é do Barão de Blumenstein, que V. Ex. ' tal- vez conheceu ; ficam na minha mão os orígínaes para po- derem servir quando forem precisos.

Desejo muito novas do Saldanha, que está com nan- dando no Rio Grande," e se elle me não escreve por que sou mulher, talvez escreva a V. Ex.a a quem pode di- zer muita coisa interessante. Vae partir o novo Paquete e preciso dizer adeus. Henriqueta acaba de me dizer que

' A Marqueza d'AIorna dava o nome de irmão e primo a D. Bernardo da Silveira Lorena, que foi Conde de Sarzedas.

2 Foi depois o g-Iorioso Marechal Duque de Saldanha.

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a rccommemlc d V. Rx.», o mesmo quer Iredericd. O meu filho ' está em livora com o seu rej^Mmento.

O Carlos - está em Matto Grosso esperando pelo seu successor ha cinco annos. Se V. Ex.* poder contribuir para que clle para a sua destinaçáo no Pará, ou para (ju<-' ^- M- lhe licença para vir a Lisboa, muito preciso d'isso, a sua capacidade e juizo muito me havia de aju- dar, e até seria de i^rande utilidade.

brevemente parte outro navio e irei escrevendo e man- dando coisas interessantes, á medida que for tendo forças para escrever. Adeus meu estimável Irmão. Sou

De V. Hx."

Irma, Prima, e fiel Ven.""»

Leonor.

P. S. A carLi de V. I:x.' não trazia data.

Copie

Londres ce 7 Aoút 1813 Leicester square, Sabloniéres hotel

Madame la Comtesse

lln hasard me fit savoir votre sdjour á Londres. Teus le bonheur de faire la connaissance de feu M"" le Marquis d'Alorna, votre freire, et je ne puis rc^sister au dc%ir doffrir mes hommavies rospectueux. á la soeurd'un si dii^ne hom- nie. je lai connu dans un tems oíi accablé de rei^rets et tie dcSespoir, il avait besoin ^x^ur se soulai^er de dépo- ser ses chagrins dans le sein d'iin homme qui sút sentirei

' O Conde Jo5o d'(>eynhauscn, que morreu tendo ig annos, e sendo rencnte Coronel de um regimento de cavallaria. Morqiiei d'ArjiL;uy.

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compatír de si grands malheurs. II me crut digne d etre le confidení de ses ennuis; et de ses projets. Ex'cedé de la peine que lui causait leloianement de sa patrie et de sa famille, plus que du regret des richesses qu'il avait perdu. abattu par ríde'e douloureuse d etre considere comme un traitre á sa nation, lorsque Tamour et lattachement pour son Monarque et son pays, remplissaient exclusívement son coeur. il étaít decide á tout risquer pour revenír sur ce qu'il avait été entrainé de faíre. Déja il avait pris les me- sures les plus determinées, lorsque son gouvernement, §uidé plutôt par Ia sévérité quí lui dictait une sage pré- voyance, que par Tindulgence que pouvaient re^clamer des circonstances extraordinaires, contraria brusquement les desseins de M^ votre frére. et lui ferma à jamais les portes du retour. II en gémissait, mais nen conserva pas moíns lespérance de convaincre par la suite son Souve- rain de Ia pureté de ses sentiments.

le me suis étendu dans ces légéres notions pour vous engaoer. Madame, de me permettre de vous communiquer quelques autres détails qui concernent feu le Marquisd'A- lorna; je marrete avec plaisir à lespérance de pouvoir contribuer par ce moven à adoucir votre douleur. et à venger la mémoire d'un homme quí n etait pas moins dícjne d'intérêt par ses revêrs, que par ses brillantes qua- lités.

En attendant votre réponse, je vous prie. Madame la Comtesse. d agréer les hommages respectueux avec les- quels í'ai 1'honneur d etre.

Votre três humble et três obe'íssant serviteur Henri í. de Wallersteín.

Adresse A son Exccllence Madame la Comtesse de Oev-nhausen. etc. etc.

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Copie

Au chtiteau la Goutc par I-íouhan; départcmcnt de la Loire, le 17 de Septembre 181 ô

Madame la Comtesse

lai depuis lonijtems recherché loccasion de pouvoir avoir des nouvelles de Votre Excellence, et de lentrete- nir de son malhcureux frcrc. que nous avons eu le plai- sir de voir souvent pendant sou séjour en iTance. je pro- fite avec empressement de cclle qui se presente pour sa- tisfaire à ce besoin de mon coeur.

Lorsquc les cvénements ne tournent pas heureusement. le conible du nialheur est de voir soupçonner les inten- tions et les sentiments de ceux (.]ui on ont été les victimes. Cest ee qui est arrivc à Tinfortuné Marquís d*Alorna.

Comme il connaiss.iit ndtre liaine pour celui qui a fait le nialheur de Ia Trance et de Tliurope entière, etqu'il savait combien Ia rcconnaissance nous altachait au j^jouverne- nient Portuv^ais. il nous confiait ses idées et ses projets. |c peux vous assurer. et ce será une bien douce consc">la- tion pour Votre tixcellence dans son malheur. dappren- dre que toutes les pensées et tous les voeux de M"" votre freire étaient pour tacher d'arracher son pays à la domi- nation qui laccablail. jainais. ni les promesses, ni tous k> niovens, que lon a employé pour reni^a^er, nont pu le déterniiner à preter sernient à honaparte. II a tc>ujours répc>ndu tiue rien au nionde le ferait inanquer à Ia tidélitt^ (luil devait à son Souverain ; je crois même que pendant sa vie aucun Portu^iais na pretc* ceserment. Cest un fait dont il est aisé de se convaincre.

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Vous connaíssíez son génie ardent et entreprenant ; la conduite quavaít ténue le Marquís de la Romana excitait en luí un vif désír de soustraíre ses compagnons darmes de lab^me ou ils avaíent été entraínés. Persuade des sen- timents qu'il nous exprimait pour la cause des Souveraíns legitimes, à laquelle nous avons toujours tout sacrifié ; heu- reux de pouvoir être utiles à des Portugais; nous avons faít tous nos efforts pour laider dans cette noble entre- prise, à lui fournir tout ce que nous pouvions disposer, soit par nous mêmes, soit par nos amis. Malheureusement le climat rigoureux de la Russie '70us a enleve à vous un frère qui vous chéríssait, et à nous un ami que nous ai- mions et estimions, et dont la mémoire mérite detre vé- nérée.

Votre Excellencc me pardonnera de lui rappeller daussi tristes souvenirs; les sentíments de fidèlité á son legitime Souverain, dattachement à son pavs, qu'il nous a si cons- tamment manifestes, seront pour vous un adoucissement à votre malheur et pour nous une bien grande satisfaction de pouvoir vous en donner lassurance.

Tai Thonneur d etre avec un profond respect.

Le três humble et três obéissant servíteur Le Baron de Blumenstein.

111. "10 e Ex.mo Snr, Meu Irmão

nào tenho outro, mas posso dizer que a verda- de começa a apparecer. ainda que não em toda a sua luz. O que tenho padecido ha dois annos. excede quasi

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as forças c coniprehcns.u) hunuiiias. i^cici preciso para rclatal-o mais fi>r(;a c tempo dogue tenho neste momento, em que devo remetter a V. Ex.* a primeira gazeta ini^le- que SC atreve a informar o mundo dos infortúnios e innoccncia daquclle, que nos últimos dias iL\ sua vida disse estas palavras N«io desejo contar a minha histo- ria, scncio a minha irmã. c áquellc. que está na índia. - Que fiador maior dd sua lealdade e martvrio! uma his- toria de que eu, e V. Ex." éramos tlis^nos. nào podia ser senáo a mais leal e a mais dolorosa, vistas as suas funestas circunstancias. Todos em segredo lhe rendem a justit^a que merece ; mas estd o mundo tão fraco, que nin- s^iuem até agora se atreveu a dizer o que entendia, onde competia dÍ2el-o. Eu esmagada e opprimida por todos os modos, não desalentei, e como o maior dos crimes <5 o que deve causar maior horror, justo era que traba- lhasse, por entre as maiores difficuldades, a juntar quan- tos documentos me fossem possíveis, para destruir a suspeita de que ninguém na minha raça era capaz se não de virtudes e heroismo. d'Amor da Pátria e Leal- dade jo Soberano, como o tinham sidc^ todos aquelles de quem descendo. Tenho certamente as maiores provas disto a respeito de meu irmão, e necessito que S. A. P. me permitia fallar alto e claro, e recorrer aos meios de defcza natural que a todos se devem conceder: se o meu sangue bastasse a conseguir isto, não vacillaria um momento cm derramal-o por um motivo tão nobre; mas são precisos meios e protecção, ate para poder dizer o que é verdade e justo. Se V. Ex.« fica na índia, não sei quem me ha de ajudar. O meu filho, muito moço. e sem poder até agora vir acudir-nos. não me basta para o tiue ha que fazer.

No jornal cjue remetto. vera V. Ex.« coisas que me res- peitam; tudo é verdade excepto o fim. Porem é verdade que tive licença de S. A. P. para ir a Lisboa recolher o

16;

que âs leis me concedem. Bens de Coroa e ordens, etc. tudo ainda está debaixo da horrivel sentença. Comtudo não podemos duvidar de que a verdade uma vez mani- festa achará em S. A. R. o primeiro defensor. O ponto é que permitta a justificação, a qual até agora soffre uma opposição infernal ; e esta opposição é tanto mais pode- rosa quanto mais a fundaram nas iliusões, que tão artifi- ciosamente espalharam aqui, de onde unicamente podia vir o nosso remédio. Se V. Ex.^fôr ao Brasil, o que muito de- sejo, ou se como espero tornar com S. A. R. para Lisboa, como é tão provável agora, vista a total ruina de Bonapar- te, ainda poderei encontrar alguma consolação e abrigo. Padecendo quanto padeço, não posso dizer mais, se- não que luliana está em Stocboim, esperando que a cle- mência do Principe lhe permitta vir para os braços de sua mãe, justificada como merece a sua innocencia e he- róico valor : não permittiu Deus conservar-lhe aquellc que com ella faria a minha felicidade, e quando ambos vi- nham consolar-me e justificar-se completamente, a morte que eu julgo obra do tvranno, pôz termo a toda a espe- rança e levou-nos um irmão tão digno de melhor sorte; não posso mais.

De V. Ex."

Irmã e Prima

L. 14 de Dezembro. 1S13.

Copie

Antigalican Monitor li? Dec. 1S13. The Marquis d'Alorna In our last number we ^ãve the memoirs of this un- fortunatc noblcman. but ín doing ít. fell into an error

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which we now bcv* Idivc \o rectify. \\ c bt.ítcd that thc Portuviuvrsc army had lx*cn joincd to that unJcr Masscna in his invasion of l\>rtuiíral. This was a mistabc, as lhe Portuíjucsc troops did not cross thc fronticrs of Prance. Thc i^fficcrs indced wcrc told. that thc rcijimcnts wcre scrvimj iindcr Masscna in Portuijal. and vrcrc ordcred to join thcir rc>jinicnts forthwith. ThcY obcicd. and in thcir arrival in thcir ovrn country found thcy had hccn cntra- pcil and dcccivcd. Thcy wcrc. of coursc, without an al- tcrnativc and wcrc thus obli^cd to ^ivc some appearancc of national support to thc universal invader.

Traducçtio

AntÍ!t!alican Monitor 12 de Dezembro, 1813. O .Wiircjiic? JAIorna

No nosso ultimo numero escrevemos acerca das me morias deste infeliz fidals^o. mas fazcndo-o eahimos n um erro, que pedimos aflora licença para rectificar. Nós asse- verámos que o exercito Portui^ucz se tinha reunido «Squcllc que estava sob o commando de Masscna na sua invas<So de Portuv'al. Isto foi um erro. ix>rque as tropas Portu^ue- zãs ncio atravessaram as fronteiras de ÍTança. Aos offi- ciaes na verdade foi-lhes dito. que os regimentos estavam servindo sob o commando de Masscna em Portugal, e foi-lhes ordenado tjue se juntassem sem demora aos seus rcviimcntos. Obedeceram, e chcj^ando ao seu paiz viram tjue lhes fora armado um laço. c cjue tinham sido encana- dos. Picaram deste modo sem uma alternativa, e foram assim obrivjados a dar uma tal qual apparencia de au- xilio nacional ao invasor universal.

His aqui tem V. l:x." o artigo que vem na gazela se- guinte, c muito necessário «5 que a verdade possa appa-

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recer sem este modo vã^o. Agora tudo se sabe, o ponto é que o deixem publicar. V. Ex.» desejará muito miú- das informações, que eu por doente não posso escrever ; porém saiba que, na occasião cm que em Lisboa pro- cederam contra o nosso irmão, estava elle justamente tratando de entrar e ir-se pôr á testa das tropas contra os francezes. Uma pessoa importante, testemunha de vista, e que eu nunca tinha visto, sabendo que eu existia, es- creveu-me para me dar esta certeza, offerecendo-se para o provar, e communicar-me quanto fôr necessário para honrar a sua memoria.

Todos os officiaes que escaparam faliam pela mesma bocca, e a primeira certidão da morte diz, que no dia 2 de Janeiro de 1815 falleceu com todos os Sacramentos o Marquez d'Alorna, dando até ao ultimo instante as maio- res provas da sua honra, lealdade e patriotismo.

Mandei a Konisberci saber as circunstancias deste de- sastre, e ainda que o publico diz que morreu de uma fe- bre, a certidão do medico diz, que morreu, porque esta- vam extinctas ríeíle todas as forças que podiam mantcr-lhe a vida. Esta asserção sinijular paréce-me prova de que morreu de veneno, ou de dôr; porque sei de certo que no dia 23 de dezembro estava com perfeita saúde, e juliana espe- rava juntar-se com elle em Petersburço para virem jun- tos. Temo que morresse de veneno, porque me consta que o rodearam nos últimos momentos figurões france- zes e italianos, de quem muito desconfio. Se foi dôr que o matou, tãobem sei qual foi. Tinha comsigo losc Bene- dicto, filho do Conde de Rezende e João de Mello, filho do Conde de São Lourenço-, animou-os para que fossem para os Russos, e mataram-lh'os. José Benedicto. que o seguiu, morreu com elle no mesmo dia, assim como ou- tro ajudante Portuguez, tudo isto é muito exquisito para ser natural. Se eu puder, antes de sahir d'Inglaterra. man- dar a V. Ex.« a triste relação áo que sei. com certeza isso

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basftUii pard, com a ccrtcsti da honra c da iniuKcncia. supportar um i^olpc \ào severo. I:u nc^o tardarei em sc- Víuir um objecto i^o infeliz e tâo querido-, também sinto que SC me exhauririam as forvas, se me nâo mantivesse o desejo de honrar-!ho as cinzas e justificar a sua memoria. Este Stioipe. sobre outro cruelissimo, me prova, que se duro, é por que Deus quer de mim alguma coisa, e supfxinho que d a justificaÇi^o dos meus. e a restauração de um no- me, cjuc foi ornamento do Hstado.

li!.""» e Ex.«no Snr.

'21 (^\c Janeiro de 1S17 - l-isboa.

Meu irnic^o de toda a minha estimaç<!\o. t:stou ha mais de dois annos em Lisboa, e as^iora recebo a primeira car- ta de V. I:x.' jul^iuc quanto cuidado e tristeza me terá causado o seu silencio, tanto mais que soube pelo seu sobrinho Scbastiáo. que V. \l\.* tinha tWitado sanvíue jx^la bocca e padecia. Deus o conserve, meu estimável irmáo. para fazer mil bens de que V. Ex." ^5 ti^o capaz, c para supprir-me o outro que. com a sua amizade e zelo, re- síiscitámos, c por quem choro sem ^xx^er consolar-me. e íjue ato o ultimo momento tia sua existência provou a sua honra e constante fidelidade. Suppomos aqui que V. Ex." estará no Pio de laneiro. e por isso me resolvo a escrever para ; creio que se V. Ex.' está, logo a V. Ex." será enlreviue esta carta ^x>r Pedro de Mello, a quem devo muitas obriviaçòes, e que também tem tido bom gui- nháo n,.\ falta dr fortuna : elle Stibe muito de mim. e muito poili- contai V. r.v ». A distancia cm i)ue está Sua

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Magestade, junta com a insensibilidade e temor que teem mostrado os que la estão, tem feito com que nada se in- dague, e que ninguém advogue a causa dos infelizes, que morreram ou ainda estão padecendo, e por maior que seja a somma das provas de innocencia dos accusados, que as circumstancias actuaes tem desenvolvido, nada chega lá, e a resposta é que se não pode fallar a S. M. nos infelizes. Primeiramente não rhe parece isso possível, conhecendo eu tão de perto a bondade do coração de S. Al. e sabendo que sempre foi máxima do Paço, que se não devia condemnar ninguém sem ser ouvido, e isto mesmo chegava a tal ponto, que se ouviam sempre todos, até aquelles a que se faria exacta justiça se se mandassem calar. Ora o processo de meu irmão foi á revelia, como confessam aqui todos os do Governo; e não isso; foi condemnado antes de ser julgado; poseram-lhe a cabeça a preço antes de examinarem se tinha ou não culpa : e quando elle invocou o Governo para voltar, quando fa- zia quanto cabia nas suas forças para resgatar todos os seus camaradas, fecharam-lhc a porta única por onde podia entrar; deram por matéria assentada que deviam dar cabo delle.

Agora é tal a convicção da sua innocencia, que os mesmos que assignaram a sua condemnação põem as mãos na cabeça, e wào fazem mvsterio de que o julgam victima da preoccupação em que estavam, e do modo que lhe figurou monstros onde haviam irmãos e ver- dadeiros defensores. O que ha de célebre n'isto, é muita coisa que por ora e:cusa de ir em carta ; mas que servirá á perfeita justificação da mais pura innocencia. Como á força de calumnias tomou isto um aspecto horrível ! Não se canse V. Ex.-^ senão em sollicitar, quando poder, ordem para que minha cunhada possa, apesar áo lapso de tempo, embargar a sentença e justificar seu marido, o que se nos não permittiu até agora, porque os Procura-

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dores, que eu aqui tinha, atemorisados. nunca se atreve- ram a fazer o enibarv^o tjuando era tempo, e a mim man- davam-me calar, e nc^o me deixaram demorar aqui um instante quando vim. e Deus sabe e o mundo também, quantos falsos testemuntios me levantaram para me ta- par a bocca e mandar-me embora.

Lei está o Ministro Rússia advoíjando também a causa da mintia infeliz luliana ; faça V. Ex.* conhecimento com clle e ajude-o se puder. Port?m. primeiro que tudo. manifeste V. K.x." o seu próprio merecimento, por que ciuando S. M. conhecer a verdade, e o que V. Ex.« vale. entáo é que podemos esperar justiça e consolação.

De V. I:x.^ Irmã e Prima e fiel Ven." L.

CAPITULO XI

Copia de duas cartas do General Marquez d'Alorna á Condessa de Oeynhausen, sua irmã. Alguns periodos da Memoria jus- tificativa do Marquez d'AIorna, escripta por sua irmã, a quarta Marqueza d'Alorna. Referencia ao Decreto de 26 de No- vembro de 1807, em que Sua Alteza Real o Principe D.João annuncia a sua partida para o Rio de Janeiro, permittindo a entrada das tropas francezas que se aproximavam de Lis- boa, e ordenando que as recebessem amigavelmente. Aviso á Condessa de Oeynhausen para assistir á trasladação do real cadáver da Rainha D. Maria 1 da Igreja de S. José de Ri- bamar para a Igreja do Real Convento da Estrella.

lulgamos conveniente publicar açora duas cartas do Marquez d'Alorna, que se conservam entre os papeis da Marqueza d'Alorna, sua irmã.

de lunho Castello Branco

Mana do meu coração

Tenho-tc querido escrever muitas vezes, mas de boas vontades está o inferno cheio ; a minha vida ambulante apenas me tempo para desejar alíjumas coisas es- tamos em armistício, e todos cuidam que teem paz

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eu dinda ncio cuido, nem faço tenção de cuidar, ain- da mesmo depois de concluida a paz portjue o es- tado em que i-sf.^^í^ as coisas niSo v para descansar \^o cedo.

\l preciso que se saiba, que os descuidos atrazados nos puzeram nas circunstancias de nâo termqs, nem tro- pa, nem mantimentos, nem munições, nem armas, nem bestas, nem nada do que é preciso para fazer a v!uerra. e sobre tudo isto nclo lia nem a mais leve sombra de sys- tema, e desta ultima falta é que tem saiiido o que esta- mos vendo, e at<5 o que se não vê, que é a ijuerra mais cruel aos nossos lavradores. Nâo apparéce dinheiro, e se nc^io tem havido fome e desesperação nas tropas da bcircí. ó pelo acaso da affeição que esta s^ente me tem tomado, por meio da qual me tem emprestado tudo quanto possuem. Á força de apparecer em toda a parte e dar apparencias de ter muito, consesjuiu-sc impor ao inimis^o. quo iwo juli^ando poder ter aqui bom josjo, decidiu o seu atacjue por outro lado, mas se elle soubesse o esta- do em (juc nos achávamos!- . cu não tinha pólvora nem artilharia - e o enthusiasmo que inspirei, havia de achar- se destituído dos meios de se sustentar, se nos atacassem em força.

Fomc^s atacados ultimamente nos dias 9-10-11 tive- mos a fortuna de rechassar o inimis;;o; o nosso Ribeira achou-se com 60 homens em um posto atacado por 200 e depois por 600, e dcfendeu-se com admiração de toda a v^ente -. eu preparei uma manobra com que decerto lhe havíamos de dar um bote - mas é preciso não nos en- i^anarmos com isto; o total da machina está desorçani- sado, e neste momento, nem Goltz nem Turenne a pode- riam remontar.— A paz é necessária, não para descansar. mas para nos prepararmos para a guerra, e as condi- ções duras servem para pretexto de secundo rompimento, lovio cjue o systema e a orvíanisação nos ponham em

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medida de fazer valer a nossa razão. Esta é a minha opinião Não me movo daqui sem ordem, porque se o armísticio se romper, não quero que me ache fora do lugar em que sou necessário.

Aqui tenho dado em traições grandes plenamente provadas, e que espero que o Príncipe não perdoe, cu também escapei de ser assassinado, muito casualmente, na noite do dia 14, recolhendo-me do campo para o meu quartel, e, como devo aos Castelhanos este obsequio, desejo pagar-lho estando em boa medida de o fa- zer.

Se me tivessem deixado obrar, talvez que a campa- nha tivesse levado outra volta ; três vezes intentei fazer uma diversão, e puchar a attenção do inimigo, mas no momento de atacar, tiraram-me as tropas e a artilharia com estas idas e voltas apercebeu-se o inimigo, pu- chou forças para o ponto que eu queria atacar, e atacou- me elle, defendi-me porque estava em ordem, e de zangado preparei-me para o atacar no dia seguinte; n'es- sa noite chegou-me a ordem do armistício, escondi-a, porque se os Castelhanos fingiam ignoral-a atacando-me no dia 11, também eu a podia ignorar até 12 mas logo atraz veiu uma duplicata, e tanta publicidade, que não tive remédio senão metter a viola no sacco. O armistício assígnou-se a 8 e os Castelhanos atacando-me a 1 1 bem se que era de fé, e com o intento de ficar com um na Beira, e ter mais esse galhardete para pôr na ^à- zeta ficaram sufficientemente chamuscados, eu perdi um homem a quem havia de dar grande premio, mas emíun não entraram apesar de serem em numero sextuplicado ao áà primeira gente que lhes teve mão antes foi't5m sacudidos uma légua para do Erge, onde um piquete de seis cavallos da legião teve a ousadia de lhe ir quei- mar as arribanas não ha mais papel, adeus. Se Ega está, dize-lhe que tenho meios para que no fim de dois

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annos fique o mcintimcnlo dd tropa d'cstd Província quasi

de i^rtiça. mas acutlindo-Ihc jd.

Mano Pedro

P. S. Sc fôr d tempo esse papel ao Pr., mas que seja rasiijado apenas visto.

Mana do meu coração

l>?cccbi a tua carta do ultimo correio, e çostei muito delia por ser tua c comprida, mas fiquei scismando por me dizeres que tratavas dos meus negócios - eu náo te- nho neiíiocio nenhum, e ainda que o tivesse náo cuidava nellc. nem me fazia conta que qualquer pessoa, na pre- sente occasião. pensasse que eu me occupo da mais leve coisa c|ue me possa fazer conta. Pelo que pertence a dinheiro estou soces^ado, porque Sotáro mandou-me di- zer que como eu servia bem o Kstado, era preciso que tivesse com cjue. e que saccasse sobre clle todas as Le- tras que cu (|uizcssc. porque estava certo que em che- vMndo a paz. eu me reduziria a feijões se fosse preciso para lhe pa^ar pelo que pertence a objectos d'ambi- ç^o nào tenho em vista tratar de os alcançar e como me basta merecer, n^o dependo scnc^io de D. P. e de mim portanto n^^o sei o que tu chamas os meus nei^ocios. e peÇo-te tjue me expliques o t|ue isto vem a ser.

Apesar do armisticio e ajuste para nc^o haver reforço nem movimentos na fronteira, principiam as tropas fran- cezas e hespanholas a reforçar-se sobre esta fronteira da heira— se as hostilidades devem continuar, estimarei mui- \o ciue seja por este lado. porque é mais fácil de defen- der : mas toniilra (lue nos acudissem ilepressa com ^x>I- vora e dinheir»^ llm.i il.m inis.is onc rii pc^-sst^. ó faicr

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desertar todo o exercito Francez, e talvez batel-os com as suas mesmas armas, poderia formar mais corpos fran- cos e enthusiasmal-os com nomes pomposos, e com ou- tros meios moraes porém tenlio tantos velhos que mandam mais do que eu, que quasí me não toca senão defender o Estado com o corpo. O outro dia fui cha- mado ao Quartel General para dar o meu voto sobre os meios de defeza escrevi uma coisa comprida sobre isso e ficou ; vim para casa, e tornei a escrever outra coisa ainda mais comprida ambas foram muito applau- didas, e se eram boas queira Deus que se ponham em pratica.

Vocês querem que a Condessa * e os pequenos vão para Lisboa ; não pode ser, porque a Provinda está com o olho n'isso, anima-se em quanto a vê, porque tem em mim, e diz que tendo aqui a mulher é signal de que não sinto perigo ; as duas pequenas acções de Arronches e Flor da Rosa fazem honra á nossa infanteria, e quem disser o contrario mente.

Mano Pedro.

Da Memoria justificativa do Marquez d'Alorna. falle- cido em Koeniosbero-, em 2 de laneíro de 1S15, Memo- ria escrita por sua irmã, a quarta Marqueza d'Alorna, D. Leonor d'Almeida Portuijal, extrahimos os períodos so- bre modo interessantes, que se lêem em seguida :

A Condessa de Assumar, que, por morte de seu sogro, foi ter- ceira Marqueza d'^Alorna, chamava-se D. Henriqueta da Cunha, e era filha mais velha dos sextos Condes de S. Vicente

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"F: inteiriimcntc certo que o General Marquez d'Alor- na recebeu l\o Governo do keino ordens repelidas para nc^o exercer nenhuma resistência contra as tropas fran- cezas, que vinham entrando cm Portui^al ; é cigualmente certo c|ue o illustre General enviou varias vezc*so seu aju- dante de campo para pedir auctorisaç<io de repcilir o inimisjo, no caso de que elle se atrevesse a atacal-o, e que este ajudante de campo, o Major joâo Antunes Gai- vào, depois Coronel de Milicias. voltou finalmente sem resposta, como foi provado peio attestado que passou ; em ultimo los^jar a prohibiçâo de resistir demonstra-se pelo decreto de í2ô de Novembro de 1807, no qual Sua Alteza Real (o Principe D. lo^o) annuncia ao publico a sua partida para o Pio de janeiro, pcrmittindo a entrada das tropas francezas, que se aproximavam de Lisboa, e determinando que as recebessem amis^javclmente.

"lista pois provado que o Marquez d'Alorna não re- sistiu em obediência ás ordens soberanas, e, se se consi- dera a energia, o pundonoroso brio do illustre General, e o ardor com que amava a sua pátria, assim como a sua paixão pela s^loria, é fácil de comprehender o sacri- fício doloroso que a obediência lhe impunha. As occor- rencias subsequentes, occasionadas pelas violências que se sci^uiram. provam também claramente que todas as acções do nobre Marquez não eram senão o fructo do respeitei, com que se submettia ás determinações do seu Pei.

"Coube em partilha ao Marquez dAlorna, de ficar em Portuijial. sem outro commando alem do da Provín- cia do Alemtejo. de que era Governador : propoz-se en- tão a conservar-se no seu posto, durante a ausência do Soberano. Mas o General francez. que provavelmente estava informado dci particular antipathia, que Bonaparte tinha concebido contra o Marquez (por motivos de que Sua Alteza Ivcal teve inteiro conhecimento) informou-se.

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logo que chegou, do que fazia o Marquez e onde estava ; e dois ou três dias depois enviou-lhe, por um officíal fran- cez, ordem de vir a Lisboa. O Marquez d'AIorna respon- deu-lhe que não podia abandonar o seu posto, e que por isso não vinha ; mas no dia seguinte, um segundo cor- reio trouxe-lhe uma ordem da Regência, intimando-o a que partisse immediatamente, por assim o exigir o ser- viço do Princípe, e nesta mesma ordem, em post scriptam, accrescentavam os Regentes do Reino, que elles espera- vam da honra do Marquez que attendesse ás circunstan- cias, e não procurasse nenhum pretexto que o impedisse de partir sem demora. O Marquez, soldado franco e leal. lendo estas palavras apenas poude conter a cólera, que unicamente a subordinação subjugava. "Parece incrível que estes senhores me forcem a obedecer, faltando em nome do Principe, exclamava clle ; mas quantas desgra- ças resultarão de tal ordem!,,

"Veiu pois a Lisboa, onde encontrou Junot. Senhor Marquez, disse-lhe este, é verdade que nos queríeis fazer a guerra, e impedir a nossa entrada em Lisboa ? É in- teiramente exacto, respondeu o Marquez, e, sem o con- sentimento de Sua Alteza Real, nenhum estrangeiro ar- mado entraria no Reino, em quanto eu tivesse um sopro de vida. Sois muito bravo, retorquiu-lhe lunot; um homem como vós merecia estar sempre á frente de exércitos. Este cumprimento não produziu nenhum effeito sobre o Mar- quez, o qual pediu no dia seguinte a sua demissão que lhe foi recusada; repetiu o pedido, mas sempre inutilmente, e tanto mais quanto os officiaes e soldados, de accordo com o Governo lhe pediram instantemente que os não abandonasse a um commandante francez.,,

Estes alevantados feitos, pouco tempo depois de te- r-ím sido praticados, e quando deviam estar ainda bem presentes na memoria dos que superiormente geriam os

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ncviocios tio l^^ciíio. lu^obiAstdram para evitar que os refe- ridos l-^cijcntes mandassem pôr a preço a cabeça do mui- to brilhante e infeliz General, e que este fosse mais tarde jul^iado S revelia, e condcmn^ulo i1 morte !

Desta terrível sentença foi illibada a memoria do Mar- quez d'Alorna, graças, como dissemos ao persistente tra- balho da sua s^iloriosa irmã, a quarta Marqueza do mes- mo titulo.

Entre os importantes papeis da Marqueza dAlorna encontramos o aviso ses;;uinte. que lhe foi diris^ido, sendo Condessa de Oeynhausen : '

111."'» e Ex."»» Srn.»

Ilavendo-se de fazer, no dia 8 do corrente mez, a Trasladaçc^io do I-íeal Cadáver, da Senhora Kaynha Dona Maria 1. <.\i^ lijreja de S. jost^ de Ribamar, para a 1 igreja i.\o Real Convento da Estreita: lie Sua Mai^estade a Ravnha minha Senhora servida, que V. Ex.a se ache no ditto Real Convento, pelas 6 e 'A horas da tarde do

' No dia IO de Março de i8i6 expirou no Hio de Janeiro a Rainha Dona Maria I, com perto de 8i annos de edade, nfio tendo obtido me- lhoras aos seus padecimentos, durante a sua residência oo Novo Mun- do, e tendo-se conservadi a sua rasão completamente obscurecida.

O corpo da infeliz Kainha foi depositado, no di.i a? de Março do mesmo anno, no (Jonvcnio dos Kelipioso.< de Nossa Senhora da Ajuda do Rio de Janeiro, de onde foi trasladado a bordo da fragata Frinceza Real para Lisboa, chegando a esta capital a 4 de Julho de i8ai ; três dias depois foi depositado provisoriamente na Igreja de S. Josc de Ri

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referido dia: no dia 19, pelas Ave marias: e no dia 20, pelas 10 horas da manhã, para assistir ás funcções fúne- bres, que alli se Lhe hão de fazer. Advirto V. Ex.a, que o Real Cadáver, também ha de ser vellado, c que para esse fim, V. Ex.a deve receber as instrucções da Condessa de Soure, D. Catharina, que tem as ordens de Sua Ma- gestade.

Deus Guarde a V. Ex." Paço de Queluz em 14 de Março de 1822.

Marqueza Cam.a M.or Ill.Tia e Ex.r"a Snr.a Condessa de Oeynhausen.

baniar, sendo feita a sua trasladação no dia i8 de Março de 1822 para a Igreja do Mosteiro do Santíssimo Coração de Jesus, á Estrella, e no dia 20, depois ije um solemne ollicio de corpo presente, foi o Régio Cadáver entregue á Prioresa do Mosteiro, que se chamava Soror Ma- ria Barbara, segundo se na obra notável de Francisco da Fonsecn Benevides «Rainhas de Portugal».

O bello tumulo, onde jaz a Rainha Dona Maria I está situado, do lado do Evangelho, na Capella mór da Igreja do Coração de Jesus

Como é sabido, deve-se á Rainha Dona Maria I a construcçáo do magnifico Mosteiro da Estrella.

CAPITULO XII

Processo dos Tavoras. Extracto da Sentença de 12 de Janeiro de 1759, que se proferiu na Janta da Inconfidência. Breves considerações sobre este Processo. Residência urbana e cam- pestre dos Marquezes de Távora, em Lisboa. O Crucifixo da terceira Marqueza de Távora. O atroz e odiento supplicio d'esta nobilissima senhora.

Processo dos Tavoras

Extracto da Sentença de 12 de Janeiro de 1759. que se proferiu na Janta da Inconfidência.

Na hedionda Sentença que em 12 de janeiro de 175'?, se proferiu na Janta da Inconfidência, lê-se no n.» 29 tex- tualmente o seguinte:

"Condemnam ao Réo loscph Mascarenhas, que se acha desnaturalisado, exautorado das honras e privilé- gios de Portuguez, e de Vassallo, e Criado ; degradado da ordem de Santiago, de que fov Commendador; e rela- xado a esta junta, e Justiça Secular, que nella se admi- nistra ; a que, como hum dos três cabeças ou Chefes prin- cipaes desta infame conjuração, e do abominável insulto, que delia se seguiu, seja levado com baraço e pregão á Praça do Cães do lugar de Belém ; e que nella em hum cadafalso alto, que será levantado de sorte, que o seu

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Ccistii^o seja visto de todo o Povo. a quem tanto tem of- fcndido o escândalo do seu horrorosíssimo dclicto. depois de ser rompido vivo, quebrando-se-lhe as oito canas das pernas, c dos braços, seja exposto em liuma roda, para satisfaçi^o dos presentes e futuros Vassallos deste Reino : I: a c}ue, depois de feita esta execução, seja queimado vivo o mesmo Rc^o com o dito cadafals<.\ em que fôr justiçado, att^ que tudo pelo foj^o seja reduzido a cinzas, e a pó, que seri"\o lançados no mar, para que delle, e de sua memoria ncio tiaja mais noticia. E posto que como Réo dos abomináveis crimes de rcbelliCio, sediÇc^io. alta trai- ção, e parricidio, se acha condomnatlo pelo Tribunal das Ordens em confiscação e {^erdimento de todos os seus ben5 para o Pisco e Camará Real, como se tem praticado nos casos, em que se commctteu crime de Lesa Majestade de primeira cabeça : com tudo attendendo-se a ser este caso tão inopinado, tão insólito, e tão estranhamente hor- roroso, e incoviitado pelas Levs, que nem ellas derão para ellc providencia ; nem nelle se pode achar castii^o, que tenha proporção com a sua desmedida torpeza; pelo que com este motivo se supplicou ao dito Senhor em Consulta desta lunla. com cujo parecer foy Sua Mas^es- tade servida conformar-se, ampla jurisdicção de estabe- lecer todas as penas, que se vencessem pela pluralidade de votos, alem das que pelas Levs, e Disposições de Di- reito estão delcrminatlas: l: considerando-se que a mais conforme o Direito he a de escurecer, e desterrar por to- dos os modos da lembrança, o nome. e a recordação de tão enormes deliiuiuentos: Condemnão outro sim o mes- mo R<5o não nas penas de Direito commum, para se- rem derribadas, e picadas todas as suas Armas e Escu- dos em iiuaesquer lu^íares em que se acharem postos: c as casas, e edifícios maleriaes <.\c\ sua habitação, demoli- dos e arrasados de sorte, que delles não t»qu<-' S''mc\\. «^cn- do redusidos a campos, e saldados ;

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mas que também todas as casas formaes, ou vínculos por elle administrados; naquellas partes em que houve- rem sido constituídos em bens da Coroa, ou que houve- rem sahido delia por qualquer modo, maneira, ou titulo que fosse ; como por exemplo o forão os bens declara- dos nas Doações da Casa de Aveiro, e os mais semelhan- tes, sejão confiscados, e perdidos desde logo com effecti- va reversão, e incorporação na mesma Coroa, donde sahirão, sem embargo da Ordenação do liv, 5, tit. 6, § 15, e de quaesquer outras Disposições de Direito, e clausulas das Instituições, e Doações, por mais exuberantes, e irri- tantes que sejão : Consultando-se ao dito Senhor esta de- cisão com a supplica de mandar cassar, averbar, e tran- car na torre do Tombo, e nas mais partes onde perten- cei" os sobreditos Títulos, para que como cassados, e anullados se não possão mais extrahir copias delles, nem serem admittidas em Juiso, ou fora delle, as que se acharem extrahidas em mãos particulares ; nas quaes não terão fé, ou credito algum, para se poderem allegar, pro- duzir, ou attender em algum Auditório, ou luiso, mas antes, logo que forem apparecendo; serão sequestradas, e remettidas ao Procurador da Coroa, para serem lace- radas, e rotas, como nullas, para, como taes. não pode- rem em caso algum produzir effeito, ou prestar impedi- mento. O mesmo mandão, que se observe pelo que per- tence aos Prazos de qualquer natureza que sejão, com a providencia estabelecida sobre a venda delles em be- neficio dos direitos Senhorios pela Ordenação do liv. 5, tit. 1, § 1. Polo que pertence porém aos outros Morgados constituídos com bens patrimoniaes dos Instituidores, que os fundarão ; declarão, que se deve observar em benefi- cio dos que nelles houverem de succeder, o que se acha determinado pela Ordenação do lív. 5. tit. o. § 15.„

ISO

I). \osé Masccircnhos, Duque de Aveiro, que depois do cittentddo de 3 de Setembro de 1 75S. tinha pedido licença para residir no seu sumptuoso palácio de Azcitào. foi ali preso, e sev^uidamente conduzido ao palácio dos hi- xos em helem, com seu íilho, o Marquez de Gouveia, D. Martinho Mascarenhas, mais quatro criados.

Esta prisão rcalisou-se no dia 13 de Dezembro de 1758.

Do mesmo hediondo e odiento processo dos Tavoras, e do mesmo titulo '29. vamos e.xtrair as sentenças relativas aos terceiros Marquezes de Távora, avós da quarta Mar- queza d'Alorna, Alcipe.

"Nas mesmas penas condemnt^o ao Réo Francisco de .Assis de Távora, também cabeça mesma conjuração, persuadido pela sua mulher, e ejjualmente desnatura- lisado, c.xautorado e relaxado pelo Tribunal das Ordens a esta lunta e lustiça Secular, que nella se administra. E ponderando-se com a seriedade, e circunspecção que erâo indispensáveis neste caso, que não o dito réo. e a sua mulher, se fizeram cabeças pessoaes desta ne- fanda conjuração, traição, e parricidio; mas que também fizerão estes enormíssimos delictos communs á sua fami- lia, conses^uindo associar nelles a ma^or parte da mes- ma familia, e jactando-se com fátua, e petulante vaidade, de que a reunião delia lhe bastaria para se manterem naquellas horrorosíssimas atrocidades: Mandão, que ne- nhuma pessoa, de qualquer estado, ou condição que seja, possa l\c\ publicação desta em diante usar do appelido de Távora ; sob pena de pertli mento de todos os seus bens para o Fisco, e Camará Real, e desnaturalisaçâo destes Reinos e Senhorios de Portuv^íal. e perdimento de todos os privilcijios que lhe pertencerem como naturaes delles.

"I: S D. Leonor de Távora, mulher do Réo Fran- cisco de Assis de Távora, por ali^umas justas conbidera- çòes (relevando-a das mavores penas, que por suas cul- pas merecia) a condnnnài^ siSmeiíte .i c)ue com baraço, c

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pregão seja levada ão mesmo cadafalso, e que nelle morra morte natural para sempre, sendo-lhe separada a cabeça do corpo ; o qual depois será feito pelo fogo em pó, e lançado no mar também na sobredita forma. Condemnão outro sim a mesma em confiscação de todos os bens para o Fisco e Camará Real; comprehendendo-se nesta confiscação os de Vínculos, que forem constituídos em bens da Coroa, e os Prazos; com todas as mais penas, que ficam estabelecidas para a extincção da memoria dos Réos loseph Mascarenhas, e Francisco de Assis de Tá- vora.

Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, em Junta de 12 de Janeiro de 1759.,,

Com as Rubricas dos três Secretários de Estado, que presidirão.

Apezar de ter mandado adrede organísar o processo dos Tavoras, o Marquez de Pombal não conseguiu que nelle se provasse a sua culpabilidade ; pois apenas o Du- que de Aveiro, sob a acção de cruciantes torturas, de- clarou a cumplicidade d'aquelles nobres fidalgos, no at- tentado de 5 de Setembro de 175S, não tendo conseguido idêntica declaração de qualquer dos creados, com quanto fossem sujeitos aos mais terríveis supplicios.

Mas Pombal, no seu animo rancoroso, tinha resolvido aniquilar aquella poderosa e muito illustre familia, que ousara contrariar e criticar a sua administração.

O cumprimento do seu sinistro propósito correu po- rem de modo, que o horror das odientas sentenças con- demnatorias dos Tavoras. foi ainda excedido pela atroz perversidade, com que, de animo leve, se ordenou a sua execução.

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Assini. qucinJo teve dispostas as coisas para a rcali- s*iÇc^o dos seus tenebrosos planos, mandou prender, na terrível noite de 13 de Dezembro de 1758. e nos dias se- sjuintes, numerosas pessoas, entre as quaes os terceiros Marc|uezes de Távora, c o Marque? d'Alorna, D. lodo de Almeitia Portui^ai. ' sendo pouco de^x>is presa sua mu- lher, D. Leonor de Lorena, e suas duas filhas, a mais ve- lha das (juaes tinha, como dissemos, oito annos, e foi de- pois a celebre Mart|ue?a d'Alorna, Alcipe.

Permittam-sc-nos alikjumas breves considerações sobre o processo dos Tavoras, ()ue tem merecido o c»studo e a at- tençt^o de muito notáveis escriptores, e queé a medonha realisaçâo de uma sinistra vin^íança. que enche de san- Sjuinolento opprobrio a brilhante e fecunda administra- Çt^io úo Marquez de Pombal.

Começaremos por dizer que o illustre e orjjulhoso fi- dalj^io. Marquez de Távora, adepto dos padres da Com- panhia de lesus. era, sem a minima duvida, contrario Á politica {\o famoso primeiro Ministro, e portanto indis- cutivelmente um inimivio deste.

Observemos também que a formosa e extraordinaria- mente litla Maríjueza de Távora. nAo scS se desempenhou, com a maior distinc(;c'io dos deveres que lhe impunha a sua alta situação de mulher de Vice-Rei áò índia, mas praticou actos verdadeiramente memoráveis, queassi^na- laram notavelmente a sua passa^icm n'aqu*^ll*ís lonjjiquas para^jens.

l: conveniente recordar (jue a Marqueza de Távora. I). Leonor, foi vice-Rainha da índia, desde 1750 até 1754.

' n. Jo.'io d«' Almci-la Portugal, semiiulo .Marque/ J.Morn», e quar- to (.londe de A»»umar, nasceu a 7 de Novembro de i,a''». e casou a 7 de Dciemhro de 1747. com D. Leonor de Lorena, quarto hlha dos ter- ceiros Marquezcs de Tavorn.

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e recordar dinda que esta preclaríssíma fidalga, quando regressou a Lisboa, não quíz receber em sua casa o Mar- quez de Pombal, e isto por motivos de muito justificado pundonor, que a historia do reinado de D. José registra em uma das suas tristes paginas.

Entre os actos memoráveis, praticados pelos vice-Reis, Marquezes de Távora, devem notar-se as festas com que resolveram solemnisar, em Gôa, a acclamação de El-Reí D. José, as quaes foram planeadas com desusada mages- tade, e executadas com a mais sumptuosa pompa. Para estas festas o génio inventivo da vice-Raínha creou coi- sas inteiramente novas na índia. Começou por mandar construir um theatro no paço de Pangim, para ali feste- jar, durante três noites, a acclamação do Rei.

Na primeira noite representou-se em francez a tra- gedia de Corneille "Poro vencido por Alexandre,, ; a maior parte dos assistentes não conhecia a lingua fran- ceza, mas os espectadores gostaram muito da novidade, porque para a intelligencía da tragedia, além de muito bem representada, a Marqueza tinha mandado traduzir da opera um summario em portuguez.

A guarda-roupa tinha também sido dirigida pela ex- celsa Marqueza. sendo favorecida pela circunstancia de se passar a tragedia na Índia, e de poder portanto facil- mente talhar e seguir o rigor dos ricos trajos dos perso- nagens, que eram em numero de seis. Depois da trage- dia houve um bailado, sendo executantes os interlocuto- res âã tragedia. Ás danças seguiu-se uma primorosa ceia offerecida ás fidalgas de Gôa.

A representação na noite seguinte consistiu n'unia opera portugucza, desempenhada por curiosos, os quaes bem se houveram na execução dos seus papeis. Os exe- cutantes foram acolhidos com muito agrado, pela intclli- gencia do idioma, segundo se no proemio do "Perfil do Marquez de Pombal», devido a' pcnna brilhante do cmi-

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ncntc cscriplor Camillo Castcllo Branco, procmio de que extraímos esta noticia.

No terceiro dia dos festejos reprcscntou-se uma co- media hespanhola, havendo deix')is um jantar para os cavalheiros e uma ceia para as damas.

O dia de maior rej^osijo foi porem o quarto, em que se deu um virande banquete a toda a nobreza, sendo os brindes acompanhados a salvas de artilheria.

No citado procmio lê-se: "se^iundo diz um chronista. nunca se vira no Oriente uma exuberância eçual de igua- rias. Competiu em todos estes dias a grandeza com a profust^o. estando a copa de Sua í:xcellencia aberta e prompta para todos os que queriam chá, chocolate, caf<5. doces, c outras delicadas bebidas, sendo eigual o çosto dos creados, que serviam, á i^randeza e realeza do san- i^ue de seu illustrissimo e excciientissimo amo!»

íiniretanto a Marqueza mandava distribuir reigalos e avultadas esmolas pelas familias fidalijas, decahidas cm miséria.

N\^o foi pearem com festejos que o Marquez de Tá- vora assii^nalou o seu governo na Índia. Portui^al deveu- Ihe feitos de virande monta, praticados sob a sua acção, e preparados pela sua enerçica iniciativa. Assim Canajá. inimivH^ poderoso, que infestava os mares, foi por clle rigorosamente castiijado. A fortaleza de Neubadel foi ar- rasada, sendo queimadas as embarcaçòes. Venceu n'uma batalha naval o Marata. outro inimii^o do listado. Tomou a fortaleza de Piro ao Rei de Sunda. e devastou as ter- ras de Pondil e Zambaulim.

As proezas óo terceiro Maniuoz de iavora toi\iiii ^.n-. chivadas em quinze opúsculos, que checaram até nós. apesar de muito raros, porque houve todo o empenho em destruir estes trabalhos de auctores diversos, para fazer desapparecer o nome e os serviços dos Tavoras. dejxíis do atteiitado contra a vida de Cl-l^<4i 1). José. O propt^-

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sito do Marquez de Pombal neste sentido foi porem bal- dado.

Comprehende-se bem que, em 1754, no desembarque em Lisboa do seu regresso da índia, os ex-více-Reis, que pelos seus distinctissimos serviços mereciam ser recebidos com honras especiaes, encontrassem da parte do Rei o acolhimento correspondente ao ódio que o seu primeiro ministro votara aos illustres fidalgos, também por terem admiravelmente continuado os serviços prestados a pá- tria pelos seus gloriosos ascendentes.

A altitude de D. José I não era porem resultante dos perversos sentimentos, que o Marquez de Pombal votava á nobilíssima familia Távora; havia ainda outras razões e de natureza tão especial, que não podiam dei- xar de influir no animo do Rei.

O palácio urbano dos terceiros Marquezes de Távora que é o actual Museu das Bellas Artes, tinha sido o pa- lácio dos Condes d'Alvor ; ultimamente era conhecido como palácio da Casa dos Marquezes de Pombal, porque tinha entrado para esta casa, para a qual, depois de con- fiscado, fora adquirido em hasta publica por módico preço.

A residência campestre dos Marquezes de Távora era no actual palácio Galveias, no Campo Pequeno; no tecto de uma das suas salas ainda ha retratos dos primitivos possuidores.

Da dispersão e destruição completa de mobiliário da residência urbana dos mencionados Marquezes. escapou um Crucifixo de madeira, que foi salvo pela veneração de uma creada, e pela sua declaração de que lhe perten- cia o referido Crucifixo, âo qual a terceira Marqueza de Távora consagrava a mais acrisolada devoção. Devemos observar que esta empresa foi também favorecida pela

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circimstanciíi tlc se reputar então de jx^queno vaior ma- terial aquelle objecto de modeira.

A este conjuncto de condições se deve a conscrva- Çc^o da histórica preciosidade, que adiante descrevemos, e (]ue authenticamente pertenceu, como vamos provar, á preclarissima e infeliz senhora, que foi horrível e injusta- mente suppliciada no cadafalso erecto na praia de Belcm.

O Crucifixo foi offcrecido pela dedicada serva á sua antii^a ama, a senhora D. Leonor de Lorena, filha mais nova dos terceiros Marquezes de Távora, e casada com o scsjundo Marquez d'Alorna, D. loão de Almeida Por- tusiíal. que estava presa do Lstado no Mosteiro de Chellas. A sei^unda Marqueza d'Alorna dedicava a mais alta ve- neração ao primoroso objecto do culto de sua desjgra- çada mãe, veneração accrescida pelo profundo respeito, que lhe inspirava a sua memoria, e a sua immensa affeição.

A quarta Marqueza d'Alorna. D. Leonor de Almeida Portuçial, herdou de sua mãe o memorável Crucifixo, que passou depois para a posse de sua filha, a Condessa d'Oevnhausen, D. iTcderica.

Foi desta ultima senhora que a Snr.' D. Leonor Fer- nandes de ' houve o precioso Crucifixo, que tem cons- tantemente conservado em seu poder, com a maior dc- vo<:C\o, desde o fallecimento dci Condessa d'Oevnhausen. sua bemfeitora.

Descrevamos avjoraa admirável jóia. sej^iuramenteum dos raros objectos, que chev^ram atc^ nós, d<\ lesijendaria terceira Marqueza de Távora.

' A Snr.a D. I.eonor Fernandes de S.i, como tivemos occasiio de referir, era leitora e afilhada da Marqueza d'Alorna, Alcipe.

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Crucifixo da terceira Marqueza de Távora

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A imagem do Chrísto Crucificado é uma bella escul- tura em madeira colorida. O corpo, bem modelado, é coberto de chagas, em que o sangue gotejante uma grande impressão de realidade, e a cabeça, egualmente bella, apresenta na face a expressão do verdadeiro mar- tyrio.

Mede de altura, isto é, da cabeça aos pés 0,^30, e na sua largura máxima, tirada pelas extremidades das mãos tem 0,ni26.

Correspondendo á perfeição da imagem, a Cruz emerge de uma base muito artística, a que foi dado um aspecto pronunciadamente pedregoso.

Para satisfazer o ódio que lhe inspirava a nobilíssima senhora D. Leonor de Távora, Marqueza de Távora, por ter tido a audácia de se não curvar respeitosa perante as prepotências, inventadas propositadamente para abater e humilhar a alta nobresa, o Marquez de Pombal não preparou a horrorosa sentença, que textualmente trans- crevemos, mas ordenou que a sua execução se effectuasse com a mais requintada e inaudita malvadez.

Assim, a infeliz senhora tendo chegado ao primeiro degrau do patíbulo, onde ajoelhou, confessou-se durante cincoenta minutos. Estava vestida de setim preto, tendo os cabellos grisalhos atados por meio de uma fita, e vi- nha envolta n'uma capa alvadia, não lhe tendo sido con- sentida a mudança de roupa, durante um mez, no cárcere em que estivera presa. Três carrascos obrigaram-na a percorrer o patíbulo, mostrando-lhe um por um todos os instrumentos do supplicio, explicando-lhe o modo como

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seriam dali a pouco ctnprcviados para torturar o marido c os jilhos.

Tendo sido assentada sem capa, num banco de pinho, collocado no centro do cadafalso, a Marc)ueza de Tá- vora, apesar de n^io poder deixar de estar aífectada pe- los medonhos preparativos do seu atroz supplicio, e pela minuciosa descripçtlo daquelles que se preparavam para seu marido e filhos, preparativos que o carrasco ia exe- cutando com propositada lentid^io, nem por um momento perdeu a linhada sua principesca altitude, nâo proferindo grito alí^um, formulando apenas o pedido de nâo ser des- composta, e pronunciando unicamente a expressão de incitamento «Yamos>.

Poi-lhc cortada a cabeça de um golpe, ficando ali exposta até ao fim do supplicio dos seus, para maior tor- mento delles.

Para a historia da Marquesa d'AIorna, Alcipe. vamos av^ora apresentar resumidas notas sobre a ascendência e descendência desta eruditissima escriptora.

A muito nobre senhora D. Leonor de Almeida Portu- vmI. era filha l\o segundo Marquez d'Alc^rna, D. \o^o de Almeida Portugal, c neta. por sua m^e, D. Leonor de Lo- rena, dos terceiros Marquezes de Távora, que foram sup- pliciados na praia de IWlem.

Do casamento da celebre Marcjueza d'Alorna com o Conde de Oeynhausen uiSo ficou filho variV\ e os seus descendentes Si^io unicamente os de sua filha mais velha, n. Leonor IWnedicta d'OeYnli<3usen c Almeida, que foi Marqucza de l-riMileira pelo seu casamento com o sexto Marque? lio Tronteira. D. KxV^ Mascarenhas i^arreto Palha.

A begunda Marqiieza (.1'Avila c de Bolama, bisneta de Alcipe

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Por esie casamento a senhora Marqueza d'Alorna foi bisavó da ultima senhora Marqueza de Fronteira e d'Alor- na, D. Maria Mascarenhas Barreto, e da senhora Marqueza d'Avila e de Bolama. D. Leonor Maria Mascarenhas, e de seu irmão, o snr. D. José Mascarenhas.

Devemos ainda dizer que o erudito segundo Marquez d'Alorna, Académico de Numero da Academia Real da Historia Portugueza, nascido em 7 de Novembro de 1726, foi preso em Lisboa, na sua casa, a Jesus, na mesma ter- rível noite de 13 de Dezembro de 1758, em que foi preso o Duque d' Aveiro e outros parentes seus. A prisão reali- sou-se estando o Marquez recolhido no seu quarto, por serem horas muito adiantadas da noite. Quando foi preso, achava-se nomeado Embaixador para França.

O segundo Marquez d'Alorna, apesar de ter padecido os terríveis tormentos de uma prisão de mais de 18 an- nos, falleceu a 9 de Junho de 1802, tendo tido a ventura de ver nascido seu bisneto, o sétimo Marquez de Fron- teira, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, que nas- ceu a 4 de Janeiro de 1802.

Offerecemos ainda á attenção do leitor uma pequena noticia que se nos afigura de algum interesse :

No terrível incêndio que ameaçou de completa ruina a casa em que residia, na Calçada do Salitre, a Marqueza d'Alorna, salvaram-sc. com grande dífficuldade, os pa- peis da distinctissima escriptora, alguns dos quaes com visíveis vestígios do incêndio, como foram os Rescriptos de Sua Santidade Pio VII, concedendo-lhe auctorisação e a suas filhas, para entrarem na clausura do mosteiro de Chellas.

Faltava mais esta desgraça para completar a série de infelicidades, que foram frequentes na vida accídentada da muito erudita e abalisada Alcipe.

CAPITULO XIll

Copia de algumas paginas das Memorias inéditas do Marquez de Fronteira, que são interessantes para a historia da Mar- queza d'Alorna, sua muito illustre avó.

Para a historia da Marquesa d'Alorna, vamos textual- mente copiar algumas paginas das Memorias inéditas de seu illustre neto, o Marques de Fronteira e d'Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto.

"Em quanto corria tão bello o tempo em Lisboa e seus arredores, minha avó em Londres diligenciava e obtinha licença da Corte do Rio de laneíro para voltar a Portugal. Sabendo que seu filho estava em Lisboa, mandou-lhe alguns fundos, ordenando-lhe que partisse immediatamente para Londres, porque não podia sair de Inglaterra, sem ter ali um homem que lhe arranjasse os seus complicados negócios.

"Foi portador desta ordem o velho copeiro maltez de meu bisavô, por nome Miguel, que tinha creado minha mãe e a acompanhara para Inglaterra, o qual vinha ba- nido, com ordem de não ser recebido em Bemfica, por- que minha avó sonhou que elle tinha concorrido para o infeliz casamento ád. sua filha Luiza.

"A determinação de minha avó a respeito do velho Miguel não foi cumprida . . .

«Meu tio executou as ordens de sua mãe, e no pri- meiro paquete partiu para Londres.

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"Pelos nossos cálculos csp)crd vamos que nossa avó estaria em Lisboa, dois mezcs depois da partida de seu filho daqui, mas n:\o aconteceu assim ! ; no paquete que cheijou Ioj^o após a partida do Conde |o<5o d'Oevnliau- sen, veiu ella com uma filha, um creado e uma crcada.

«Foi extraordinária a nossa surpreza quando o co- nhecido aivi(;areiro nos veiu annunciar esta chei^rada. e partimos imnicdiatamente para cas<i dos Marqnezes (f Abran- tes, a Santos, onde ella tinha desembarcado. Ali a en- contrámos em companhia d^ nossa tia Henriqueta, tendo ficado em Londres nossa máe e tia Frederica.

«Com espanto de todos estava furiosa p>ela partida de seu filho!: debalde lhe ponderavam que elle fora em virtude de carta sua ; n^^o ncjjava ter escripto a carta, mas lastimava anvlt^^^^k'ntc diu' tiiiioiuMii a tivesse en- tendido.

«Passado este cpiscxiio partimos para I5cmfica, aonde minha avó se installou, principiando loi^io a tratar dos seus nes^ocios importantes, que eram rcvendicar do fisco a Casa de Alorna.

«Tinha ella na mav^istratura parentes e pessoas im- pi-)rtantes, que muito interesse lhe mostravam, entre ellas o bem conhecido e respeitável Pedro de Mello ttreyner e Sebastião Xavier Botelho, e tinha uin dos melhores advoí^a- tlos de Lisboa o Dr. Simas, pae do actual Procurador Cleral da Lazenda ; mas clles nada podiam fazer ; por- que minha avó queria saber mais de direito do que todos elles. Para decifrar alsjiuns documentos anti\?os, que havia no cartório d^x Casa de Alorna, foi chamado um paleó- VJrapho dos melhores de Lisboa, p«.'>rem come<;ou k">v»^^ ^^ briviar com elle, porque náo decifrava a seu ijosto; que- ria por forga (jue os documentos dissessem o que lhe convinha, ou a sua imavíinaçAo lhe fantasiava.

«iiram excessivamente orisiinaes as reunióes, que mi- nha avó fazia em hemfica ! Sebastião Xavier Botelho, Pedro

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de Mello Breyner, Dr. Simas, e o paleógrafo concordavam com minha avó em se reunirem para conferenciarem e exa- minarem os documentos; mas ella esquecendo-se do que tinha combinado, convidava para as noites daquellas conferencias, muitos poetas e artistas por quem tinha predilecção, e as salas de recepção de Bemfica offere- cíam um espectáculo curioso, que presenciei.

"Dum lado os Magistrados, o Advogado e o paleó- grafo, procurando os meios de revendicar a casa d'Alor- na; doutro lado D. Henriqueta rodeada dos elegantes da época, Thomaz Mascarenhas, Thomaz de Mello, Conde de Pe- nafiel, e cantando uma cavatina que lhe ensinara o fa- moso Crescentini, acompanhando-se a viola francesa ; e para o outro minha avó repetindo aos poetas as suas composições, e ouvindo as delles.

«A sociedade era muitas vezes numerosa, e appare- cíam n'ella duas nossas parentes, freiras da Esperança, que moravam com Sebastião Xaviet Botelho ; uma delias, D. Bernarda, era muito feia e fazia taes caretas e dava uns gritos, que provocavam o riso a todos.

"Os Magistrados e o Advogado abandonavam os ne- gócios, fechavam os documentos, e com o parecer triste diziam: «Snr.» Condessa por hoje está acabado.» Minha avó nunca attribuia a tristeza dos seus amigos âo des- gosto que sentiam, por encontrarem numerosa sociedade quando iam tratar de negócios; as suas iras tornavam-se todas contra o pobre paleógrafo, dizendo que nunca mais lhe dava de jantar, porque bebia tanto vinho que ficava incapaz de trabalhar.

«Pela nossa parte não nos faltava que fazer, porque tanto cu como meu irmão recebíamos differentes com- missões de nossa avó, as quaes nos davam muito gosto: porque sahíamos da vida monótona, em que vivíamos. debaixo das vistas do nosso velho mestre.

«Umas vezes julgava-nos ella homens feitos, esque-

ccncío->c ijuc linhamos nascidi» cm íí>02 c 1803, c que cstiivcimos em 1S14. outras, tratava-nos como se fosse- mos creancas que sahissemos das amas.

"Quando chefiou d'lnmlatcrra considerou-nos como dois homens completos, e por isso encarregou-nos de duas commissões importantes.

«Hscolhcu-mc para ir apresentar ao Marquez de Borba. e ao Secretario tia Rci^encia Salter, o Decreto em que Itic era concedida a licença para voltar ão I^eino: mandou- me vestir uma casaquinlia curta verde, espécie de niza. com botòes amarellos ; pôz-me ella mesmo no p)cscoço um lenço branco ençomado. e uns enormes collarinhos (jue me lu^o deixavam voltar a cabeça ; deu-me um cha- peu [ino que me trou.xera de'lnj^laterra, mas com a copa muito alta. emprestou-me para levar na mào uma ben- sjíalinha de castigo dourado, que fora de meu avô Oeynhau- sen. e ensinando-mc o recado para os Governadores l\o Kcino, fcz-me entrar scS para a carruavícm e partir. Pui repetindo o recado cjuc minha avó me ensinara até ao palácio de Santa Martha ; e quando subia a escada tre- miam-me as pernas e ia muito perturbado. Os meus ami- í;IOS, filhos do Marquez de fíorba, que fallavam sempre em coro. vieram ao meu encontro, e lovio que souberam ao que ia, principiaram a s^ritar adiante de mim. abrindo as portas *0 MarcHicz de Pronteira com um recado da avó.» Quando apresentei ao Marquez o Decreto, nào sei o (|ue disse, mas tanto elle como a Marqueza riram muito.

«Rstc debute de minha avó. depois de li2 annos de ausência, foi muito celebrado.

«A meu irnu^o disse: «Meu Carlos, tu c*s mais robusto c mais resoluto l\o que teu irm«^o. conto comti^o, p>orquc estou rodeada dinimivios; veste-te e acompanha-mt a casa dos Desemba raladores k\o I'isco. f:stou í.\\\A'>\ a di- zer-ff t)iu' i'i!ii.ís iini dos fains luie vi hontem na antiv^a

Sexta Marqueza de Fronteira, filha mais velha de Alcipc

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guarda-roupa de teu pobre pai.„ Muito custou a João

Evanoelísta desvanecer-lhe esta ide'a.

«Depois da visita aos Juises. queria por força, fazer acreditar que as attenções, com que elles a tinham tra- tado, eram devidas ao meu joven irmão, que lhes impu- sera receio com a sua presença.

«O facto é que nos fez grandes elogios pelo bem que tmhamos desempenhado as suas commissões; e quíz que mudássemos de quartos para outro junto ao seu, dizendo que muito receava os seus inimigos, e que dormiria descançada estando guardada pelos seus netos.

«Estando um dia com minha avó no pateo dos Mar- quezes d'Abrantes, fomos surprehendidos vendo aproxi- mar-se úa portinhola meu tio, o Conde de Oeynhaasen que acabava de chegar d'Inglaterra com minha mãe, e minha tia Frederica. Havia annos que a mãe não via o filho mas sem lhe importar alguma outra coisa, nem mesmo se lembrar de que as filhas ainda estavam a bordo do pa- quete, principiou minha avó a pedir-lhe contas da sua ida para Inglaterra, da sua demora ali ; de não ter com- prehendido a sua carta, etc; e no fim de meia hora de enfadonho dialogo, conservando-se sempre na car- ruagem, é que se occupou do desembarque das filhas que se fez na rocha do Conde d'Obidos, dirigindo-se de- pois a casa dos Morquezes d' Abrantes, aonde nós está- vamos.

«Tivemos então o oo^Xo, eu e meu irmão, de abra- çarmos nossa mãe, e o grande sentimento de vermos que ella tinha peiorado d uma maneira extraordinária' e a ponto tal. que não nos reconheceu, tomando-nos a mim pelo Conde da Ribeira seu primo, e a meu irmão pelo Conde d' Oeynhaasen seu irmão ; persuasão em que se con- servou até á sua morte, oo annos depois.

\')ti

'Sào quciKi ininhci avc) reconhecer corno parente nenhum descendente do Marquez de [■'ombai, excepto os Condes de Rio Maior, c por isso prohibia-nos que nos tra- tássemos por tu com os outros n<5tos do inimigo da sua familia. apesar de termos com elles as relações mais in- timas, depois que tivemos uso de razáo. O nosso emba- raço era grande quando nos encontrávamos com os nos- sos antiijos amii^os na presença delia ; c davam-se ás ve- zes sccnas muito cómicas, dando-nos clles o tratamento de tu cm quanto ncSs os tratávamos no impessoal,

«Minha avó ioijo que se estabeleceu em Pedroiços. cercou-se dos seus predilectos da época. O General Lecor era um dos que mais vezes ali ia jantar, porque tinha o 'seu Quartel General em Bclem, aonde estava orijanisando a Divisi"\o de Voluntários Reaes.

«O Conde de Rio Maior que sempre foi um dos amiijos de minha avó, estava com a sua familia em Oeiras, em casa de seu sojjro o Marquez de Pombal, e era certo em Pedroiços todas as noites, mas a horas muito incommo- das, sempre próximo, ou passada a meia noite. Minha avó pedia-lhe que viesse a horas mais rasoaveis. e elle prometteu-lhe que. dali por diante, seria dos primeiros que se apresentariam na sua sala.

"O tempo era cxcellente, e os banhos de mar n)uito aproveitavam a minha \w^q e a todos nós: mas minha avó teve a fantasia de tomar a direcção dos banhos, c fez com que todos adoecêssemos, porque nos constipá- mos em consequência delia nos fazer lavar em agua doce, lovio que sahiamos do mar. l;lla mesma adoeceu, ni^io tomando banhos do mar: quiz banhos dar. e man- dava pôr na praia uma banca e uma cddetra, estando ali muitas horas, fazendo as suas composições, como se (.'stivfssi' lu-» st'u ''abiiu-te.

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"A nossa casa tornou-se um hospital, e ouvi dizer ao Dr. José Laureano, ão seu colleíja Le^iíer «vamos man- dal-os todos para Bemfica, senão a Condessa cabo de toda a familia». Partimos pois para Bemfica, ainda mal convalescentes.

«Minha avó continuou na sua vida habitual, sendo muito visitada por pessoas de todas as classes da socie- dade ; e é fora de duvida que uma das salas mais agra- dáveis para os homens de letras era a da Condessa d'OeYnhausen.

«Por esta occasião (1816). como tivesse conseguido entrar de posse de uma pequena parte da Casa d'Alor- na, minha avó, que vivia num bello ideal, assim como suas filhas, ímaoinou estabelecer-se em Lisboa para gozar mais de perto a sociedade, queixando-se das longas noites em Bemfica, apesar da casa ser frequentada por numerosos amigos, e de minhas tias irem constantemente aos theatros e aos bailes, em companhia da Condessa de Rio-Maíor.

«Enganou-se minha avó nos seus cálculos, porque os nossos parentes e amigos continuaram a frequentar, de preferencia á sua casa de Lisboa, a minha casa em Bem- fica, onde tínhamos ficado em companhia de minha mãe.

«A resolução de se vir estabelecer em Lisboa custou á Marqueza d'Alorna sérios embaraços pecuniários.,,

Julgamos dever ficar por aqui n'esta descripçâo de uma época da vida da muito erudita escriptora, que foi a brilhante Marqueza d'Alorna.

PJiS

Com respeito a sua excelsa avó, a senhora Marqueza d'AIorna. D. Leonor d'Almeida PortuvíaK lêem-se também na parte sexta 1834 a 1842 das Memorias inéditas, as seijuintes interessantes observações :

"A sala de minha avó, apezar dos seus oitenta e cinco annos, ou a sua camará, onde ella em ^cral rece- bia, era muito frequentada por pessoas d'ambos os sexos. de muito espirito e sííraça : o que muito concorria para adoçar a triste posição de minha boa avó, a quem os annos e trabalhos da sua Ioniza vida tinham posto cm um virande abatimento, com quanto conservasse sempre aquelle espirito distincto, que fez a admiração dos seus contemporâneos. Ainda nessa <5poca fazia versos que foram impressos depois da sua morte, e mereceram os applausos dos pocMas do tempo, e quadras picantes ana- Ivsando a cómica situação politica que nos dominava. O Conde de Sabugal, minha sojjra ' e a Condessa Itc- derica d'OeYnhausen. todos áa escola d'Alcipe, faziam honra ao mestre ; os seus epiíjrammas e os seus versos, que o publico conheceu foram muito bem acolhidos.

«Ali passávamos lioras as mais aijrada veis. tanto eu. como minha mulher, indo ali diariamente, não para nos informarmos da saúde da illustre parente, mas para ali levarmos nossa filha a completar a sua educação: a distancia de Lisboa a IWmfica era cirande para os mes- tres, e por isso iam a casa de minha avó. onde nossa filha recebia as suas liçòes. o iiue muito interess<iva e itistrahia a bisavó. Tanto eu. como minha mulher, admi-

I A senhora D. Maria de Noronha.

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ravamos como minha avó fora perseguida no principio do século pelas suas opiniões politicas. Ninguém melhor do que ella comprehendia o progresso litterario do sé- culo, e as suas producções litterarias o provam ; mas o progresso politico nunca o cornprehendeu, ou não quiz comprehender.

A entrada do Duque da Terceira em Lisboa á frente da sua divisão, que se compunha apenas de mil e du- zentos homens, foi tristemente commemorada pela vio- lenta peste de cholera, que assolava a capital, e que ia fazendo numerosas victimas, não entre os habitantes, mas entre os militares que constituíam a divisão do com- mando do Ínclito Marechal.

Dissemos que entre as homenagens, que tinham sido prestadas á Marqueza d'Alorna, occupava lugar dístincto a visita que lhe tinha feito o glorioso Marechal Duque da Terceira, no dia 24 de lulho de 1853, isto é, no pró- prio dia da sua brilhante entrada em Lisboa.

O illustre Marquez de Fronteira e d'Alorna, nas suas Memorias inéditas, conta também esta visita nas seguin- tes te.xtuaes palavras :

«No próprio dia da entrada em Lisboa da divisão do commando do Duque da Terceira, depois de um pouco de descanço, fui visitar os meus parentes, e apezar dos muitos affazeres do General, quiz ellc ir também a esta visita.

«Tive o gosto de abraçar minha avó, a senhora Mar- queza d'Alorna, que apezar dos s^us oitenta e três an- nos, ainda estava bastante' ágil, e com todos os seus sen- tidos muito apurados; tive egualmente o gosto deabra(;ar

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meus sobros, d snr." D. Maria de Noronha e o snr. D. Luiz dd Camard.

*0 Conde de IMcalho teve a ajjradavel commissáo de soltar sua mde, que estava presa no Convento das Orillas, em companhia de uma tia minha, a Marqueza de Castello-Melhor, avó do Marquez João de Vasconcellos e Sousa.

*f:sta minha virtuosa e excellente parente sahiu da pri- são para ser victima de um ataque de cholera. três dias depois L\a sua soltura, morrendo rodeada de seus filhos.»

Nâo resistimos ao desejo de copiar das referidas Me- morias mais aiçuns períodos, que offerecem indiscutível interesse:

"O cholera estava em toda a sua força; muitos pa- triotas, que applaudiram o nosso desembarque no Ter- reiro do Paço, succumbiram durante a noite.

"Um joven e elci^ante voluntário dos Atiradores de Milícias, que eu tinha visto no Terreiro do Paço, mon- tando um bello cavallo, com a bandeira azul e branca tia m^o, exaltando as massas, e dando muitos vivas, tendo sido o primeiro que arvorou no Castello a ban- deira da Liberdade, morreu nc\ noite da nossa chegada, quasi repentinamente, á porta do Quartel General, onde estava de i^uarda.

"I:ra tal o enthusiasmo, que antes de anoitecer havia hatalhòes Nacionaes or\janisados bem ou mal. O Coronel, lo^o António d'Almcida. hoje Bar3o de Villa Cova, saindo do Limoeiro, onde estivera cinco annos, tratou losjo de reon^anizar o seu antivio Batalhão, e antes oite tinha mais de cem homens.

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"A exaltação era grande contra os miguelistas. O ca- cetista major Chicória, e Augusto Xavier da Silva, hoje Par do Reino, foram conduzidos pela populaça á porta do Quartel General, devendo o escaparem á morte aos esforços que o General e todos nós fizemos.

«O Barão de Quintella não podia receber-nos na sua bella residência que estava debaixo da protecção da bandeira franceza, residindo ali o Cônsul de França; alojou-nos perfeitamente em casa de sua cunhada, e fez- nos servir lautos jantares e magníficos almoços, a que eram muitos os concorrentes, porque o Quartel General estava sempre cheio de indivíduos, que vinham apresen- tar-se. Conheci muitos indivíduos naquella occasião, que tinham estado escondidos, em aguas-furtadas e sótãos, todo o tempo da nossa emigração.

"A nossa esquadra então reforçada com as embarca- ções tomadas a D. Miguel, não tinha vapores para a re- bocarem, e uma grande calmaria impedia que ella en- trasse no Tejo.

"Os presos da Torre de S. Julião eram muito mais numerosos do que os do Limoeiro, e mais importantes pela sua posição social. O Duque mandou logo dífferen- tes militares com ordens positivas ao Governador para soltar todos os presos, e pela noite adiante muitos delles vieram apresentar-se e abraçar o seu libertador.,,

A Índole do nosso trabalho e consequentemente as suas resumidas dimensões, obrigam-nos a terminar aqui a copia das muito importantes e verídicas informações, que sobre este memorável assumpto se encontram nas Memorias inéditas do Marquez de Fronteira, D. José Tra- zimundo Mascarenhas Barreto, que dos offíciaes que compunham o estado-maior do Duque da Terceira, foi o único que não deixou nunca de ficar com elle alojado, e que tinha portanto as melhores condições para estar

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bem a par do giic se passou durante a tomada de Líst>óa cm 24 de lulho de 1833.

Tendo ches^iado do Rio de janeiro a suspirada licença para o casa incuto do Marqncz de Pronteira com a snr> D. Maria Constança di\ Camará, apressou-se o Marque? cm fazer a respectiva participaÇc^o a sua avó, a senhora Marqueza d'Alorna ; esta acolticu a participação com as scsjuintcs tcxtuacs palavras: que o mundo andava tis vessas que os avós <5 que annunciavam os cisanu-tifos aos ndtos e nâo os netos aos avós.

Copiamos está resposta da parte 2." das Memorias óo Marquez de fronteira c d'Alorna (1818 a 1824) da qual também extraímos a curiosa dcscripção que se scjgue. e que concorre para a apreciaçc^io do caracter orivíinal da douta c notabilissima Alcipc:

"Minha avó residia de verJio em Almada, na antivia casa de meus avós. Um dia recebi uma carta sua para a ir ali ver. c combinarmos como havíamos de festejar os annos de sua filha, D. Hcnri(iucta. nos primeiros dias do mcz de lulho. Ches^iando a Almada com meu irm.5o. ncU^ encontrámos nossa avó, nem parentes, que nos tinham deixado recado para irmos á Costa, aonde estavam em uma vi'"'^'ide pescaria. A dis^ressc^o era lonça. e n^o a juli^avamos muito divertida ; com tudo estava próximo o anniversario que se queria festejar, e nós m^io quería- mos concorrer para que se frustrassem os projectos de nossa respeitável avó.

"Minha avó que, como tenho dito. era um pouco persistente nos seus princípios, tinha teimado em ir no

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seu paquebot, com o seu velho cocheiro e libré da antiga Casa d'Alorna. A equipagem e a parelha eram tão ve- lhas como a dona e o cocheiro ; o caminho areoso e im- praticável para qualquer equipagem; e tendo nós alu- gado cavalgaduras e partido a todo o galope para a Costa, encontramos no caminho umas mulheres que nos perguntaram se éramos os meninos da Senhora Condessa d'Oevnhausen ; e sabendo que sim, nos disseram que a nossa avó e avô estavam enterrados na arêa a pouca distancia d ellas, e que os machos estavam quasí mortos. Accelerámos o passo intrigados, sem sabermos quem era o nosso avô e achamos o velho cocheiro desamparado ao da carruagem e da parelha, rogando mil pragas a sua ama, declarando que nunca mais havia de servir poetas, e dizendo que o rancho de minhas tias se tinha adiantado, ficando minha avó com Mr. Cheruliem. que era quem as mulheres annunciavam por meu avô, os quaes tinham seguido montados em mulas de moleiro, acompanhados pelo moço da traseira. Seguimos o cami- nho, e pouco adiante encontramos a caravana, dirigida por nossa avó, montada em uma das taes mulas, tendo posto por cima da touca e cabelleira loura um grande chapéo de palha, que lhe havia emprestado um pescador da Costa, por causa do grande calor, e conseguindo re- solver o seu companheiro a fazer o mesmo, pondo sobre a calva empoada um chapeo semelhante. Mr. Cheruliem ia de casaca á romana e meias encarnadas, e o moleiro levava-lhe na mão o chapeo de três cantos. O velho moço da traseira seguia a caravana cançadissimo e de péssimo humor, e Mr. Cheruliem, perdido de riso. excla- mava, apontando para minha avó, que ia na frente, que creatura ! que graça ! que espirito ! que talento !

"Assim chegámos á Costa, onde fomos recebidos pela

outra parte do rancho, que se tinha adiantado ; e o mes-

e de desenho. Luiz Thomé de Miranda, fez uma espécie de

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caricatura da entrada de minha avó e do seu compa- nheiro, a qual muito sinto ter perdido.

«Tcndo-nos dito nossa avó o que desejava para os annos de sua filha, e os convites que dcviamos fazer em Lisboa, e os creados que lhe devia mandar para a pro- jectada festa, partimos para Cacilhas, tendo primeiro ar- ranjado um carro armado para conduzir nossa avó e Mr. Cherulicm.w

CAPITULO XIV

Copia de mais algumas paginas das citadas Memorias inéditas, também interessantes para a historia da Marqueza d'Alorna. Organisação da Sociedade da Rosa, e graves consequências que esta associação teve, especialmente para a famosa Al- cipe.

Extrahída da Parte 1."* das Memorias, vamos apresentar uma notável communicação, que serve para aquilatar a organisação, por muitos títulos distincta, da admirável Marqueza d'Alorna, e que explica o seu degredo de doze annos em Inglaterra.

"Minha avó odiou toda a sua vida as sociedades ma- çónicas, e detestou os jacobinos, porque tinha sempre presente á imaginação as scenas de horror que presen- ciara em Paris e Marselha, onde esteve na época do ter- ror da Revolução franceza. Daqui resultou que ella ti- vesse o pensamento dbrganisar uma Associação, que intitulou a Sociedade da Rosa, com o fim de combater as ideias daquella Revolução, e as sociedades secretas.

«Apesar dos esforços empregados por meu pae para affastar minha avó do seu intento, a Associação progre- diu, e muitas pessoas nella se filiaram entre ellas o fa- moso poeta Bocage, fazendo-se as primeiras reuniões em minha casa em Bemfica.

"Nestas reuniões, que tanto cuidado davam á policia

onA

tratdVti-sc menos de politica e mais de litteratura e artes; pcissavam-se cilas cm improvisos, c em musica, arte em (juc minha mâe c tias eram eximias; e cm uma cxplen- dida merenda, dada por meu pac, contra sua vontade, apesar de estimar e amar a sociedade, mas com j^rande applauso de minha nic^ie, que, filha de poeta, e também poeta, muito se divertia nestas reuniões.

«Meu bisavô, o Marquez dAlorna, que ainda vivia, e a quem desoito annos de priscio nos scijrcdos do forte da luncjueira tinham tornado prudente, préi^ava contra taes reuniões, mas nada conscs^uia.

«Tristes reuniões foram ellas, com effeito. porque cus- taram a minha avó doze annos de dcs^redos em paizes estransífeiros ; a meu tio. o terceiro Marquez d'Alorna, um sem numero de pezares, e por fim a morte, e á maior parte dos sócios uma série de desgostos.

«A sahida de minha avó capital não deixou de ter a sua parte cómica. Km uma bella noite de verào. chetjíando de Bemfica á sua casa á \^oc\ Morte, achou a casa cercada de avjentes de policia, e de uma força de cavallaria da Guarda Real de policia, estando os seus cjuartos occupados militarmente, e o Intendente Geral da policia, Manique, esperando-a para a intimar a sair de Lisboa em '■24 horas, e para se apoderar de todos os seus papeis.

«Cumpriu a ordem, apoeierando-se de todos os ma- nuscriptos. c|ue mais tarde minha avó. a muito custo, poude recuperar. Hram elles os poemas, que depois se imprimi- ram, e ciue tanta honra fazem á litteratura portu^iueza.

«O activo Intendente d,^ policia examinou todos os cantos da casa, e encontrando no quarto de cama de minha avó um movei, que muitas apprehensòes lhe deu, apesar de o examinar com todo o escrúpulo, exclamou : snr." Condessa, temos ali uma maquina ! Minha avó. sem lhe dar outra explica(;ão. respondeu-lhe : Snr. Intendente,

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eu nunca menti, e por isso lhe digo que é exacto ha ali ama maquina. O Intendente apodéra-se com enthusiasmo do movei, persuadido de que levava o corpo de delicto da Associação, manda-o com toda a cautella para a Inten- dência, a fim de ser examinado por peritos, e corre a QueluE para informar S. A. de que a diligencia estava ultimada com o melhor êxito. Chegando a Intendência pede o auto d exame da fatal maquina, e acha-se com a descripção d' uma tripeça ingleza, com as suas duas bombas !!

"Entre os papeis aprehendidos estavam os estatutos da Sociedade da Rosa, e sobre elles foi mandado ouvir o bem conhecido Dezembargador do Paço «Castello», o qual respondeu : que pela extravagância eram elles mais obra de poeta do que de conspiradores.

"Minha avó partiu para Aldeia Galleoa, escoltada por uma força da Guarda Real da Polícia, com seu filho, o :Conde \odiO d'OeYnhausen, que tinha nove annos, e continuou a sua viagem para Madrid.

"Poucos mezes depois de estar em Madrid foi inti- mada para sair dali, a exigências do Embaixador de França, vendo-se obrigada a partir para a Corunha, por não poder voltar ao seu paiz, e porque o Embaixador lhe negara passaportes para Paris.

"Na Corunha encontrou um antigo amigo, o capitão de mar e guerra Lord Bcauclerb, que commandava uma náu ingleza, e acceitando o offerecimento que elle lhe fez de a transportar para Inglaterra, foi para Plvmouth, e residiu em Inglaterra até á paz geral em 1815.

«Foi aquelle mesmo Lord Beauclerb, que comman- dando em 182S. como Almirante, a estação naval ingle- za, surta no Tejo, me recebeu a bordo da sua náu almi- rante com minha mulher e filha, quando fui obrigado a emigrar para escapar a perseguição do governo do Usur- pador. Coincidência célebre, que não quiz deixar de notar aqui.»

CAPITULO XV

Narrativa de uma extraordinária resolução da Marqueza d'Alor- na, que teve bem tristes resultados para a insigne escriptora. O binóculo de Alcipe.

A narrativa que passamos a transcrever textualmente da Parte l.a das Memorias inéditas do Marquez de Fron- teira, sobre ser verdadeiramente extraordinária, dá-nos uma elucidativa demonstração de quanto era original a douta Marqueza d'Alorna nas suas resoluções, que a le- varam por vezes a praticar actos phantasiosos, e que pro- vocavam consequências oraves; mas que não deviam ser imprevistas, se tivessem sido devidamente consideradas.

Recordemos que a Marqueza d'Alorna, estando des- terrada em Inoiaterra, não devendo ter duvida de que não lhe seria permittido levar seus netos para aquelle paiz, como lhe tinha sido officialmente communicado, encarregava os capitães dos paquetes, que vinham a Lisboa, da commissão de ir buscar os netos a Bemfica e de lhos levar nos seus navios.

«Um dia appareceu cm Bemfica um d estes capitães» portador de uma carta para o Marquez de Fronteira, em que sua avó lhe dizia: *Mru neto. Parto pelo primeiro pa- quete com Luiza para Bemfica, prepare- me quartos. O resto da familia fica em Londres.* Todos os meus parentes tiveram conhecimento desta carta, e entenderam que minha avó tinha sido amnistiada ; mas falando n'isto aos Oo-

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vcrnadores do Reino, cllcs nada sabiam a tal respeito.

"Nenhum de nós tinha a fortuna de conhecer esta avó. Tinha sido minha madrinha de baptismo, havia as- sistido ^o baptisado de meu irmt^o, mas tinha sahido de Lisboa antes óo nascimento de minha irmi. Pode sup- por-se com que alvoroço esperávamos a sua checada ! Kra a voz da natureza que em nós falava.

"O alviçaieiro de Buenos Ayres veiu a todo o )2alop)e a Bemfica, annunciar-nos que o pacjuete estava á vista. Os aiviçareiros eram naquclle tempo homens muito impor- tantes, e i^anhavam muito tliiiheiro. Corremos loijo para a Junqueira a casa dos Condes da Ribeira : mas antes de cheirarmos fomos prevenidos de que nossa avó des- embarcava nas escadinhas do Conde da Ponte, a Santo Amaro, aonde morava o Conde d'Alva. escadinhas cé- lebres para a minha familia ; porque por ellas sahiram para Prança, os meus parentes Marquez d'Alorna e Con- des da Eça, para Ins^laterra. minha mãe e minhas tias, e por ali desembarcava minha avó e sahiu 48 horas de- pois para Inv^laterra, obrii^ada pelo Governo.

"Na quinta do Conde áà Ponte encontramos as nos- sas avó e tia D. Luiza. acompanhada da nossa tia D. Leonor da Camará, da Condessa d.AIva e do seu velho capell^o, o Abbade D. Sucaro, italiano c do bem conhe- cido poeta Talassi, amis^o intimo de minha avó. e que sabendo da sua ches^ada, correra ao seu encontro. Nós Íamos com o Abbade. e o Padre Allen. c assim que as vimos corremos a abraçar nossa tia Luiza. de quem tí- nhamos immensas saudades, porque era a nossa predi- lecta. Hstava com minha irmi^ ao collo. e lavada em lagrimas [■)elo j^oslo de nos ver.

"A primeira entrevista com minha avó fez-me ijrande impressão. Hlla parecia que nío cheirava duma viagem, listava assentada em um banco de pedra, nxieada das pessoas que mencionei, e lendo a Talassi uma traducçAo

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que fizera de Metastasio. Recebeu-nos com affeíção, mos- trando prazer em nos ver, e recebeu os nossos mestres com urbanidade.

"Em consequência de estar cançada, quíz jantar em casa do Conde da Ribeira, aonde foram abraçal-a todas as suas antigas amigas, perguntando-lhe com o maior interesse se tinha licença d'El-Rei para residir em Portu- gal, ão que ella respondia : o documento está no saco , mas sem o mostrar.

"Durante o jantar fallou em tudo, menos nos seus negócios. Fez-nos aos três netos um exame vago sobre theatro francez, de que nada sabiamos, e argumentou com os nossos mestres, que ficaram admirados do seu talento e saber; fazendo também improvisar em italiano o velho Talassi.

"Minhas tias, D. Luiza e D. Leonor, estavam muito inquietas, porque sabiam que minha avó não não tinha documento algum, que lhe permittisse residir em Portugal; mas nem passaporte trazia do nosso Embaixa- dor, pois que vinha com um do Ministro do Hanover.

«Depois de jantar fomos todos na mesma carruagem para Bemfica, aonde minha avó encontrou o nosso aquar- telado o Capitão Pedro Lopes de Calheiros, a quem conhe- cia do Porto e Minho, e a quem pediu que fosse a Lis- boa, visto estar muito relacionado com os Governadores do Reino, sondar o que se dizia da sua chegada, dizen- do-lhe que isto era simples curiosidade da sua parte, porque ella tinha todo o direito para ficar em Portugal, e ninguém a podia mandar sahir.

«Pedro Lopes, regressando da sua commissão, disse- Ihe que, se não tinha documento por onde mostrasse estar amnistiada, o Governo a mandaria sahir do Reino, ao que respondeu que tinha um documento qije apresen- taria quando fosse intimada. Ficaram todos em casa acre- ditando que tinha algum decreto d'El-Rei amnistiando-a-

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•No dia sci^iiíntc. depois da missa, estando nós a al- moçar, annunciou-sc o Corregedor do bairro de BeUm. O Abbade voltou-se para minha avó e disse-lhe : "temos historia,,, âo que cila sorrindo-se respondeu como p)0<5ta, cjue divaija sempre nos espaços imaijinarios: *nada é mais natural -. estamos no bairro de Bclem. e o Correge- dor, sabendo que eu ctiei^uei. vem visitar-me.»

"l.evaniando-se L\di meza. e passando d sala houve acjui uma perfeita comedia. O Corrcijedor era um antigo magistrado muito civil, e trazia ordem positiva de intimar minha avó para sahir do Reino, quando n3o tivesse um decreto d'Kl-Pei amnistiando-a ; mas minha avó empe- nhava-se em impedir a intimação. Principiou agradecen- do-lhe a polidez da sua visita, apresentou-ihe os netos e todas as pessoas presentes, fez-lhe um exame vago sobre c^s melhoramentos áo palácio d'Ajuda, repetiu-lhe uma quantidade de sonetos e odes aos nossos feitos nas cam- panhas peninsulares, e sempre que o pobre Corregedor queria cumprir a sua missão era interrompido, até que por fim, reconhecendo a mangação. tomou o seu logar e disse: "Senhora Condessa, eu agora fallo aqui em nome de Sua Magestade...

«O Corregedor disse-lhe •'que sabia que ella não trazia passaportes legaes, mas que precisava saber se tinha algum Decreto do Príncipe Regente.» Minha avó apresentou, com grande importância, uma carta do Car- deal Callepi. Núncio no Rio de laneiro. em que elle lhe dizia conslar-lhe (jue Sua Magestade dentro em pouco lho mandaria licença para voltar á pátria.

"O Corregedor ciuiz cjue minha avó assignasse a in- timação para sahir <So Reino, mas ella recusou, e fazendo uma mesura, disse-lhe «Passe muito bem».

"Minha* avó foi prevenida de que o Corregedor vol- taria, acompanhado de força para fazer cuinprir a inti- mação, c então roso!voii-sc a partir para a lunqueira.

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dizendo que receava que a assassinassem. Pediu a Pedro Lopes Calheiros que a acompanhasse na mesma carrua- gem, levando a sua espada e pistolas, e quiz que os creados da carruagem fossem armados, ão que João Evangelista annuiu pafa a tranquilísar.

«A's duas horas noite minha avó, descendo as mesmas escadas por onde tinha subido, embarcou para Inglaterra no mesmo paquete em que viera.

«Foi naquellas escadas que eu e meu irmão abraça- mos pela ultima vez nossa tia Luiza, que apenas tinha 20 annos, e era tão boa como bella.»

O binóculo de Aicipe

A bella Marqueza d'Alorna apreciava muito um binó- culo, seu companheiro constante, de que apresentamos a photo-gravura. e que passamos a descrever resumida- mente :

«O binóculo é montado em madrepérola, assente sobre quatro anneis de bronze dourados, artisticamente traba- lhados.

«As lentes são magnificas, e conservam-se em muito bom estado.

«Embora não tenha nome de autor, o binóculo parece ser de fabricação franceza, porque nas oculares se : «Prt/- brevef d'invention et de perfection».

«O binóculo, apoia-se sobre uma haste de madrepé- rola, que facilita o uso ào instrumento.

Alem desta verdadeira preciosidade possue também a sr.a Marqueza d'Avila c de Bolama o saco da sua bis- avó, que é também terminado por um fecho de bronze dourado, de alto valor artístico,

CAPITULO XVI

O doloroso golpe do fallecimento do Conde João de Oeynhau- sen, seu filho, levou a Condessa de Oeynhausen Alcipe a ir residir na pequena mas elegante casa em Buenos-Ayres, Onde elle tinha vivido, e onde morreu; e determinou lam- bem a sua mudança, pouco tempo depois, para uma casa na rua do Alecrim. Frequentadores d'esta casa. Ali se hospe- dou o eminente sábio José Corrêa da Serra, aquém se deve a fundação da Academia Real das Sciencias, auxiliado pelo segundo Duque de Lafões. Breves noticias a respeito de Corrêa da Serra e do segundo Duque de Lafões.

Continuando a soccorrer-nos ás muito interessantes paginas, que constituem o volume das Memorias inéditas que vimos citando, podemos dizer que a Condessa de Oeynhausen, tendo padecido o muito profundo golpe do fallecimento de seu filho, o malogrado e brilhante Te- nente Coronel Conde de Oeynhausen, deixou o bello palácio do Lavra e foi installar-se na pequena mas linda casa, em Buenos Ayres, em que havia residido e falle- cido seu filho. ' Tornando-se-lhe porem a casa mais triste e melancólica, porque nella encontrava recor- dações que a affligiam, sahiu dali para outra casa na Rua do Alecrim, onde reunia um grande numero de De-

' Nesta casa habitou depois o Conde de Toial.

piiUulos c homens políticos ciaijuclla cpocd ; Manuel Clonçdives de Miranda, Ministro li.i ^niorra. era um dos seus primeiros amijjos.

Síio deveras curiosas e elucidativas as noticias que vamos apresentar, de um dos periodos da accidentada vida dc\ muito erudita e afamada Marqueza d'Alorna. noticias transcriptas das citadas Memorias, e que provam á evidencia, que o seu talento extraordinário e vastíssi- mos conhecimentos, levavam a imaçinaÇc^o de Alcipe a um desassocei^o, que n^o era compativel com qualquer descanço.

"As salas áa casa da rua do Alecrim nc^^o eram i^ran- dcs, e muitas vezes ncío se cabia nellas. Os Deputados nâo iam ali discutir politica, e admirar a poetisa e o seu espirito. As suas obras liam-se a miúdo e eram escu- tadas cm silencio e muito applaudidas.

"Minha avó era viuva í\q um verdadeiro militar e d um General distincto, e uma parte da sua vida tinha visto seu marido rodeado d'um numeroso Rstado Maior. Klla também sempre quiz ter o seu. mas muitas vezes os seus Ajudantes de Campo n^o possuíam as melhores qualidades, e foi por elles trahida ; naquella época, tinha porem um, Padre Luiz Mendes, excellente homem. que. apesar de ser capcllc^o áci casa de senhoras ijrandes abso- lutistas, era liberal, instruído e franco; mas duma rustici- dade pouco commum, e çrande admirador de minha il- lustre avó. Hra correspondente c amivjo áA maior parte dos Deputados do Norte tie Portuijal, e apresentava-os ás dúzias na residência de minha boa parente.

«Minha avó Uc^io svmpathisava com a constituição de vinte, mas tinha um medo terrível áò, reacção. Vinte annos de perseviuiÇt^o pelo vioverno absoluto, faziam com que ella se ni^o podc^se conformar com a volta daquelle systema.

«llin dl- seus primeiros amiijos, e que também fora

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seu companheiro nas perseguições, desde o principio do século, poude voltar á pátria no seu ultimo quartel da vida. O Abbade Corrêa da Serra, que se evadira de Por- tugal por causa da perseguição que lhe fizera a Inquisi- ção e a Policia, havia residido em Paris por longo tem- po, até que o seu particular amigo Araújo, Conde da Barca, subindo ao poder, conseguiu que elle fosse no- meado Ministro Plenipotenciário junto ao Presidente dos Estados Unidos, e voltara á Pátria para occupar um lo- gar na assembléa legislativa, por ter sido eleito Depu- tado.

«Tinha sido companheiro de minha avó em varias viagens, e passado com ella em Marselha na época do terror, época que surprehendeu minha avó naquella bella cidade, quando estava para se embarcar para Lisboa, e que impediu que d'ali sahísse por muitos mezes.

«O Abbade era uma verdadeira múmia ; vinha aca- bar os seus dias á Pátria. Tinha a côr macilenta, a voz quasi extincta, e uma notável magreza, mas os olhos muito vivos denunciavam o seu grande espirito e talen- to; não percebia a sociedade moderna, nem compre- hendia nada do que se passava. Foi muito bem recebido. e foi uma nova curiosidade para os Deputados o ir ver o Abbade, que tinha ido habitar em casa de minha avó.

"A sua toiktte era a dum cavalheiro americano, e nada tinha de ecclesiastica ; mas conhecendo a inconve- niência d aquella toilette para Portugal, como homem sen- sato que era, adoptou o seu antigo vestuário de Abbade, e vestiu a sua batina, ajudado pelo Padre Luiz Mendes, que minha avó encarregou dos necessários arranjos.

"A primeira vez que foi á Camará, veiu de com- pletamente desorientado. Foi então que pela primeira vez leu a Constituição, e pelo que ouviu na discussão e leu, concluiu dizendo que estávamos mais democratas do que nos Estados Unidos, c que instituições republicanas

01 Q

cm unw Monarchia eram uma experiência muito arriscada, e que lhe parecia que a reappariçâo do absolutismo era infallivcl. Nâo occultou estas suas ideias aos Deputados iiuo frequenlavam 3 sociedade de minha avó.»

O eminente escriptor A. A. Teixeira de Vasconcellos. no Tomo I do sou notável livro «Glorias portuijuezas». detlica o Capitulo II a |osc Corrêa Serra; e tratando da vida d'este notabillissimo sábio de muito alta enver- gadura, apresenta-o nos sesjuintes termos:

"\osé Prancisco Corrêa da Serra, Clerisjo do habito de S. Pedro, do Conselho de Sua Mai^estade, Fidali^o Ca- valleiro da Sua Peai Casa, Conselheiro de Lei^açáo. e Assente diplomático em Londres, Ministro Pleni[X)tenciario iunto ao Governo dos f:stados Unidos. Cavalleiro da Ordem de Christo e Commendador da ConceiçOio, Con- selheiro da Fazenda, Deputado ás Cortes de 1822, Dou- tor em direito cam-ínico pela Universidade de Roma. Sócio fundador e Secretario perpetuo Academia Real das Sclencias de Lisboa, Correspondente do Instituto de Fran(;a. di\ Sociedade philomatica de Paris, Sócio da Sc^- ciedade Real de Londres, das Academias de Turim. F-|o- rença. fV^rdeus, \Aào, Marselha, Lie^ie. Sena. Mantua e Cortona, das Sociedades Reaes de Agricultura do Pie- monte. dA Toscana, e di.^ Luineana de Iníjlaterra, dos An- tiquários de Londres, e d^^ Sociedade Real e f:conomica de Valença, nasceu no dia ó de iunho de 1750 na villa de Serpa, na província do Alemtejo. filho legitimo de Lui? Dias Corrêa. í^acharel formado em Medecina pela Universiilado de Coimhiw i- lie D Trancisca Lui?a da

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Serra. Desde os seus primeiros annos manifestou tama- nhos índicios de engenho e de agudeza, que seus pães determinaram empregar todos os esforços para que a sua educação litteraria fosse proporcionada a tão precoce e espantosa capacidade. Com effeito, em 1756 passou seu pae a Roma, levando comsigo toda a familia, deixando apenas o filho mais moço, talvez em companhia do avô, que sabemos era ainda vivo por esses tempos. José Cor- rêa da Serra começou os seus estudos naquella cidade e, tão extraordinários foram os seus progressos, que na idade de quatorze annos imprimiu a sua primeira obra, consagrada a S. losé, em obsequio dos sete gozos e tris- tezas do mesmo Santo.»

No brilhante artigo de que vimos extrahindo esta no- ticia, lê-se que a Botânica, as Antiguidades e as Línguas foram então o principal objecto das locubrações iittera- rias de José Corrêa da Serra, tornando-se tão insigne no conhecimento das Linguas, que lhe eram familiares a franceza, ingleza, allemã, árabe, italiana, latina, hespa- nhola e portugueza.

O moço estudante juntava a maior perseverança e assiduidade no estudo á prodigiosa aptidão com que o dotara a Providencia, vendo-se por vezes seu próprio pae obrigado a intervir para que interrompesse o traba- lho, com receio de que lhe prejudicasse a saúde tão atu- rada applicação.

O erudito Duque de Lafões, D. loão Carlos de Bra- gança, viajava por esse tempo em Itália, em cumprimento de ordens que recebera de El-Rei D. losé; encontrou-se ali com o Dr. Luiz Dias Corrêa, com quem contrahíra intima amisade na Universidade de Coimbra.

Tendo descoberto no moço Corrêa da Serra as raras qualidades e disposições littcrarias de que era dotado, pediu ao pae que lhe permitisse leval-o comsigo na via- gem, que durou um anno. c que determinou estreitas rc-

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IdÇòcs ilc iimizddc entre o moço cstudanle e o Duque. reUiçòes que mincd se inlerronH>eram. '

I:m hcirnionid com d profissão ccciesidstica d que tinha sido destiniido. CorrOa í\í\ Scrrd ordenou-sc, c disse j primeira Miss<í na l>asiiica de S. Pedro de l^oma, cm 1775.

Avisou-o seu pac no anno se^iuinte para que voltasse para Lisboa, onde pelo Marquez de Pombal lhe estavd destinado emprev;o correspondente ao seu muito elevado merecimento; tendo sido obrií^ado a fazer d vidçem por terra, entrou em Portui^al a 29 de Março de 1777, isto é, (luando pelo fallccimento d'l:l-I^ei D. |os<5 o Marquez de Pombal lieixára de ser Ministro!

Ntio acompanharemos Corrêa da Serra nas occorren-

O segundo Duque de Lafões, l>. João Carlos de Mr.ii;an.,-.i, nas- cido em 1719, c fallccido cm 1808, depois de curiosas peripécias por ter querido csiudar na Universidade de Coimbra, apesar de ser sobri- nho de I). João V, por ser filho de D. Miguel de Bragança, filho bas- tardo de I>. Pedro II, depois do fallecímento de D. João V, por causa de uma p.iixfio amorosa que desagradou a El-Rei D. José, foi por este Soberano mondado viajar pela Furopa. A viagem durou 37 annos, isto é, até á morte de I). José, e portanto até que cessou o governo do Marquez de Pombal, que lhe n5o era affecto por temer que, na sua qualidade de príncipe de sangue, podesse exercer qualquer influencia que contrariasse o seu poderio.

Pela sua illusiração, deveras notável em pessoas da sua calhego- ria, e pela alta distincçfio com que se houve na guerra dos Sete-annos, em que serviu como voluntário sob a bandeira «ustriaca, adquiriu a intimidade do Imperador d'Ausiria, José H. intimidade de que nos concludente argumento a carta, anteriormente transcripia, que este Soberano escreveu .1 Marqueza d'Alorna.

Do casamento do segundo Duque de Lafões com D. Henriqueta Júlia de Lorena de Menezes, filha dos Marquezes de Mariah-n, n.iv:e- rnm três filhos ; um varão que recebeu o titulo de Duque de Miranda, e fallcceu de 6 nnnos. e duas meninas, uma que herdou o titulo de Duqueza de Laíóes, c outra qne foi Duqueta de Cadaval

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cias que se seguiram a este revez, até que pelo regresso a Lisboa do Duque de Lafões, em janeiro de 1779, foi viver na companhia daquelle Princípe, seu fiel amigo. * Foi no retiro do palácio do Duque de Lafões, e sob a benéfica influencia deste benemérito e generoso protec- tor das letras portuguezas. que o muito douto lose' Fran- cisco Corrêa da Serra delineou a organísação e os esta- tutos da Academia Real das Sciencias, que o Duque de Lafões fez im mediata mente crear por Aviso régio de 24 de Dezembro de 1779.

Tendo o Visconde de Barbacena resignado o cargo de secretario da nova Academia, para que tinha sido logo nomeado, assumiu Corrêa da Serra o referido car- go, que bem lhe cabia, porque tinha sido o creador d'aquelle prestante instituto.

Os relevantes serviços e as provas de gi»ande compe- tência, que prestara ás letras no seu paiz, não o isentaram de ser envolvido em baixas intrigas, que o obrigaram a afastar-se da pátria ingrata, exilando-se para Londres, de onde seguiu para Paris, tendo sido. quer em Inglaterra, quer em França, acolhido enthusiasticamente no seio das sociedades scientificas e litterarias, devendo entre estas especialisar-se o Instituto de França, que lhe fez a grande distincção de o admittir no numero dos seus sócios cor- respondentes.

Condições especiaes da sua vida, e talvez o seu amor das viagens, levara m-n'o aos Fstados Unidos, onde se fixou em Philadelphia. sendo ali obrigado, por falta de recursos, a abrir uma aula de Botânica para grangear meios de subsistência.

Nos Estados Unidos foi nomeado pela Corte portu- gueza, então estabelecida no Rio de janeiro, Ministro

' A residência dos Duques de Lafões era no palácio ao Grillo.

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Plenipotenciário junto do Governo da ^rdnde Federação anicricdnd; c n'csta qualidade prestou serviços, que foram superiormente considerados.

De^x^is de muito lanjas jx^rei^rinaçôes, Corroa da Serra resolveu rei^ressar Á pátria, onde checou em 1821. I:m iJsboa retomou o seu lui^ar de secretario da Academia Peai das Sciencias, e abriu a sessão publica de 24 de Junho de 1822 com um mai^nifico discurso, que Vicnu assiiijnalado nos annaes da Academia.

Fomos levados a estas informações sobre o erudilis- simo losé IVancisco Corroa da Serra, pelas noticias que a seu respeito transcrevemos das Memorias inéditas do Marquez de Fronteira.

As relaçõKís litterarias de Corrêa da Serra com a muito illustre Marqueza d'Alorna, sío mais um valioso ariju- niento cm favor do famoso cns^cnho c prodis^iioso talento tia afamada Alcipe.

Pouco ijosou l\cí tranquillidade do seu regresso á pá- tria o muito douto Corrêa da Serra, pois a 1 1 de setem- bro de 1S23 falleceu nas Caldas iSa. Rainha, victima da acç3o de uma diabete, que de lonije o vinha enfermando.

O leitor, que deseje conhecer o que foi a alta indivi- (.iualiciade scientifica. que se chamou |ost5 Francisco Cor- rêa l\õ. Serra, encontra pormenorisada informaç<^o no citado e brilhante artiijo de Teixeira de Vasconcellos, no Tomo 1 das suas "Glorias portuijuezas», e também na admirável noticia c]ue a seu respeito se na Fncvclo- pódia Portuijueza lllustratia

Terceira Marqiieza de Távora

CAPITULO XVII

Os retratos da terceira Marqueza de Távora, e de sua filha, a segunda Marqueza d'Alorna. O famoso quadro de Pelle- grini, representando os terceiros Marquezes d'Alorna e seus filhos. O fallecimento do General, Conde de Oeynhausen. Versão, em portuguez vernáculo, dos quatro primeiros cantos do Oberon, de Wieland. Descripção do quadro "A Solidão,,. Referencia á biographia de D. Leonor d'Almeida, Mar- queza d'Alorna, extraída do notável livro de Teixeira de Vasconcellos "Glorias portuguezas».

No palácio Fronteira, em S. Domingos de Bemfica, existe um retrato da terceira Marqueza de Távora, D. Leonor de Távora, que aos 58 annos, edade em que foi supplíciada, era ainda uma das mais formosas damas da Corte, possuindo soberbos olhos azues, que foram sem- pre lindos, e que eram dotados de admirável fulgor. O busto distinguia-se pela forma esculptural, e o conjuncto da sua encantadora belleza e das acções heróicas, que praticou na índia, deixou ali a mais brilhante recordação.

A estas captivantes condições accresciam os dotes do seu espirito excepcionalmente culto, que tornavam a le- gendaria Marqueza de Távora, uma mulher verdadeira- mente extraordinária.

No mesmo palácio encontra-se também uma delicada e artistica miniatura do século XVIII, época do apogeu destas deliciosas pinturas, e que é o retrato da filha mais

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nova da terceira Marqucza de Távora, que se chamava I). I,ciMior de Lorena, e que foi secunda Marqucza d'Alorna.

Num fundo de paizai^em repousa, sentada cm alti- tude cjue denota i^raça e simplicidade, uma joven senhora de feições regulares, admiravelmente formosa, cabellos castanhos esparsos sobre os hombros, e levemente des- cahida sobre o lado esquerdo a entristecida cabeça, co- berta com um ijracioso chaptío de palha, enfeitado de rendas pretas.

W-» olhar doce ha aquella cxprcssãcí de bondade e iniinita tristesa, que parece terem sido seus attributos.

A suavidade e firmeza de tons que o artista conjugou nesta composição, fazem da bella miniatura um encanto.

Devemos ainda observar, que no palácio Fronteira, entre os preciosos cjuadros que adornam as suas salas, toma losjar excepcionalmente levantado a tela devida ao famoso Pellesjrini, que representa o General terceiro Mar- quez de Alorna, a Marqueza sua mulher, D. Henriqueta da Cunha, primeira filha dos sextos Condes de S. Vicente, e seus filhos 1). \oC\o dAlmeida Portui^jal, alferes da le^itio de Alorna. cjuc nasceu a 15 de Aijosto de 1796 e morreu afov'ado n'um tanque em Borba a '27 de Setembro de 1805. e seu seikíundo filho D. Nivíuel. também alferes lL^ mesma kviào. tjue nasceu em 1797, e morreu de um remetiio tro- cado em Aijosto de 1806. estando a tratar-se de uma queda de cavallo. í'oi pelo fallecimento destes dois meninos, tiue a senhora 1). Leonor d'.Almeida Portuijal, Condessa d'OeYnhausen. herdou a Casa de Alorna c os títulos de

Terceiros Marquezes d'Alorna e seus filhos

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quarta Marqueza d'Alorna c de sexta Condessa de As- sumar.

A bella representação do General terceiro Marquez d'Alorna, da Marqueza sua mulher, e de seus dois filhos, foi feita, como dissemos, pelo hábil pintor italiano. Do- mingos Pelle§rini, na tela com que, durante a sua estada em Lisboa, enriqueceu a vasta e valiosa coUecção de re- tratos de familia. que existe no palácio Fronteira.

Mede este quadro 2'^24 de altura e 1^82 de largura, tendo como fundo um pequeno trecho do Tejo, em que se ostenta majestoso, de vellas enfunadas, um barco de guerra.

No plano principal, em attitude de descer uma esca- daria, o Marquez, conduzindo pela mão um dos seus fi- lhos, dá o braço á Marqueza, que por sua vez conduz pela mão o outro filho.

São ricos e vistosos os trajes do General D. Pedro d'Almeida Portugal, apresentando-se seus filhos D. João e D. Miguel com uniformes de officiaes da Legião d'Alor- na, a que, apezar de creanças, pertenciam como ante- riormente dissemos.

A Marqueza veste de branco, tendo sobre os hombros um chalé vermelho, e por único enfeite, no penteado, um rico fio de pérolas, que também lhe adorna o formoso pescoço.

E', porem, o aspecto accentuadamente marcial e um tanto altivo do Marquez, e a feliz expressão das cabeças do grupo, a parte notável deste artístico trabalho, que uma grande correcção de traços c harmonia de conjun- cto, completam.

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Para a historia di\ Marcjiicza cl'AIorna oftcrcccm in- discutivci importância as considerações que vamos apre- sentar :

A Condessa d'OeYnhausen, estando em Lisboa, pa- deceu a 3 de Março de 1793 o profundo ijolpe de perder seu marido, o Tenente General e Inspector Geral de In- fanteria, Conde d'OeYnhausen, que tinha 54 annos de edade, e que estava nomeado para o Governo do Al- i^arve.

Hste doloroso j^olpe. que a deixou viuva, sendo ainda moça, tendo seis filhos, e sem bens de fortuna, tinha sido precedido de dois funestos acontecimentos, que muito dilaceraram o seu coração : os fallecimentos da Mar- queza d'Alorna. sua màe, e o da condessa da Ribeira Grande, D. Maria d'Almeida Portugal, sua irmã.

A dôr cruciante, cjue lhe causou a morte de seu ma- rido, achou lenitivo no cumprimento das suas obriíjaçòes maternaes. que a levaram a educar primorosamente suas filhas, e ainda a soccorrer as creanças pobres e as filhas dos rendeiros e visínhos das suas terras d'Almeirim, fa- vorecendo-as com os parcos meios, que estavam ao seu alcance, para que aprendessem a ler, a coser, e os mais trabalhos próprios do seu sexo e condiçc^o. Para animar as suas protes^idas no estudo, compunha-lhes cantisjas, que n»5o as entretinham, mas que lhes forneciam ensi- namento. Sesjuia assim o mesmo processo que usava em beneficio da instrucç»^o de suas filhas, para as quaes com- punha em verso lit^òes di^ Historia de Portusjal.

Devemos também notar uma curiosa aposta, que fez a Condessa com um erudito allemâo chamado Muller. ci^mpro!nettendo-se a traiiuzir para portuvíue? vernáculo

A SOLIDÀO Quadro pintado pela Marqueza d'AIorna (Alcipe)

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qualquer poema allemão, comprovandc . assim a opulên- cia da lingua portugueza, que o contendor deprimia para realçar a língua allemã. O resultado desta aposta foi a versão dos quatro primeiros cantos de Oheron, no- tável poema de Wieland.

Cumpre acrescentar que, durante a sua estada em Inglaterra, Alcipe passou por bem fundos desgostos.^entre os quaes avultam a separação do filho, que teve de mandar para o Rio de Janeiro, onde estava foragida a Corte portugueza ; a morte de uma filha, e a deshonra que muito injustamente enodoava a reputação de seu ir- mão, o brilhante General Marquez d'Alorna. A Provi- dencia recompensou-a porem, dotando-a de um talento tão extraordinário que lhe era bálsamo salutar para as suas grandes mágoas. As Recreações botânicas, a versão da Arte Poética de Horácio, e os seus admiráveis trabalhos para reconstituir a verdade sobre o procedimento de seu irmão, e conseguir que lhe fosse restituída a gloria do seu nome, offuscada pela mais falsificada calumnia. de- ram porem larga compensação aos seus pezares.

Observemos também que, entre as variadas prendas que adornavam Alcipe, não se deve deixar de apresen- tar a da pintura, de que foi distincta cultora. Os seus trabalhos, de que apenas chegou até nós o quadro "A Solidão,,, cuja composição foi como dissemos, inspirada pelo sentimento filial de obter resposta de seu Pae ás numerosas cartas que embalde lhe escrevia, mereceram a alta distincção de ser convidada pelo Príncipe D. João a formular o plano para fazer do palácio da Ajuda, que então começara a edificar-se. um monumento da gloria portugueza, por meio das Bellas-Artes.

A Condessa d'OeYnhausen acceitou a commissão, apesar de ser muito vasta, e de desempenho deveras dif- ficil. Fizeram porem com que esta ideia patriótica não tivesse realisação as intrigas do Paço. auxiliadas pela

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citiin, c aos quacs iic^o foi nv^riulavcl que tc^o alta em- presa fosse commcttida a uma Senhora, que era aureo- lada pela sua famosa reputaÇc^o litteraria, mas que nào tinha ainda adquirido a consideração como pintora, de que justamente i^josou mais tarde.

Devemos também consiijnar aqui, que o honroso con- vite do Principe D. loAo, á ò\c\mc\dã e douta Alcipc, foi motivado pela notável circunstancia que passamos a narrar :

«Frequentava a casa da Condessa o pintor italiano Foschini, òo qual. para recrear a sua sociedade, e para instrucçc\o e exercicio de suas filhas, a Condessa dava pros^ranimas. que Foschini executava a lápis. Entre ou- tros deu-lhe "O Sonho de D. Manuel 1», imaginado no canto 4.0 dos Lusíadas, c com elle a apotheosc de Ca- mões. Os desenhos de Foschini. que eram primorosos, foram levados (\o Principe D. loão. e açradaram-lhe tanto, bem como os pensamentos que exprimiam, que lhe suv^s^eriram a ideia de encarrev^ar a Condessa d'Oevn- hausen áci commissão. que «infelizmente nào executou, e que seria decerto um monumento nacional.»

O quadro *A Solidc^o» foi pintado cm Vienna d'Aus- tria, onde a Condessa d'Oevnhausen residia com seu ma- rido, que era Ministro Plenipotenciário de Portuyjal, junto do Imperador d'Austria José II.

Para ser devidamente apreciada a photovíraviira do ciuadro "A Solidão... vamos apresentar á consideração do leitor a seguinte resumida descripção:

Sobre um fundo de paizagem um pouco sombria de ceu plúmbeo, destaca-se a figura dc\ gentil e joven Con- dessa d"Oevnhausen, sentada sobre um fragmento de musgosa rocha. n'uma altitude de abandono e de resi- gnada tristeza.

-\ sua formosa cabeça «.le cabellos castanhos, quasi

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louros, descansa sobre a mão esquerda, cujo braço vae apoíar-se sobre o joelho; o outro braço cae ao longo do corpo.

Os seus grandes e bellos olhos parecem fixar-se com saudade numa visão longínqua, que a faz sorrir com amargura.

Veste á moda do seu tempo, um leve casaquinho azul sobre um vestido côr de rosa fanada, e aperta-lhe a delicada cintura uma fita verde escuro.

Junto a si tem uma frauta. aos pés um esquadro e um compasso, e mais atraz uma estatueta, símbolos da mu- zíca, do desenho e da esculptura, de que a illustre fidalga era distincta cultora.

pela sua bella composição, pela magnifica ex- pressão, este quadro exprime bem a alegoria da solidão, que a autora, a própria retratada, quiz e conseguiu re- presentar com feliz êxito.

Dissemos, no Capitulo VII, que o primoroso talento Marqueza d'Alorna se tinha também manifestado na oratória sagrada, e citámos para demonstrar o seu me- recimento nesta distincta especialidade o sermão, escrito cm 1774 por D. Leonor d'Almeida Portugal. Este sermão destinado para uma festa a Santa Luzia, em acção de graças pelo restabelecimento da segunda Marqueza de Alorna, sua mãe, tinha por thema

"Inventa aiitem una pietiosa margarita, abíit, et vendidit oní- nia qiiae habiiit, et emit eam.,,

Achada uma pérola preciosa, vendeu (o mercador de que trata o Evangelho) tudo quanto possuia. e com- prou-a.

S. Math. c. 13 v. 4õ.

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No seu nottivcl livro "Glorias portuijuczas,, o emi- nente escriptor. António Auvíusto Teixeira de Vascon- cellos. cietiica uni capitulo a D. Leonor d'Almeida, Mar- queza d'Alorna, Condessa de Assumar e de Oeynhausen. Neste primoroso trabalho diz o autor : «que entre as mu- lheres, que no século 18." e 19.» representaram mais fiel- mente o sentimento e os costumes nacíonaes, foi a prin- cipal I). Leonor de Almeida, Marqueza d'Aloma, a brilhante poetiza di\ velha monarchia. e a veneranda fi- dali^a, honra da corte portuijueza nos primeiros annos dinastia constitucional. A' senhora por tantos títulos illustre. cuja ions^a vida abraniijeu cinco reinados, dos mais notáveis pelas successivas transformações politicas e sociaes. occorridas desde 1750 att? 1839, cabe um dos dos primeiros locares n'esta modesta galeria dos perso- nasi?ens portuj^iuezes do decimo nono século..

Como tivemos occasiào de demonstrar, a ascendência directa de D, Leonor de Almeida era dos .Almeidas e dos Tavoras. pelo que pertencia ci mais alta nobrcsa de Portuv^íal ; não devemos porem deixar de notar, que por seu avô paterno. D, Pedro de Almeida, pertencia á es- clarecida familia de Alorna. que era ei^iualmente da me- lhor linhavíem.

A influencia que a ."^larqucza dAlorna exercia na alta sociedade ue Lisboa era tamanha, que nunca nin- i^uem a exerceu tão çrande. Os Governadores do Reino tinham desta influencia inteiro conhecimento, e sabiam lambem i]ue lhes era tiesfavoravel o espirito justo e admi- ravelmente instruído de D. Leonor dAlmeida, D'estas circunstancias provitVam as iniquas restiluçòcs de a man- dar sahir ilo Reino, por suspeita^ de deslealdade ti Pátria

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e ao Rei, quando era notório o seu patriótico c cons- tante ensinamento a seus filhos, de servirem a uma e a outro com a maior dedicação, seguindo assim os nobres e nunca desmentidos exemplos de seus muito illustres ascendentes.

Para ser grande tudo o que dizia respeito á Marqueza d'Alorna também o foi a perseguição de que foi victima por parte dos altos poderes do Estado, sem que tivessem por vezes as considerações devidas ás suas excepcionaes condições, e ao seu elevado merecimento.

O brilhante artigo de Teixeira de Vasconcellos, a que nos vimos referindo, termina pelas duas seguintes impor- tantíssimas asseverações áo talento e engenho de Alcipe :

«Dizia o Duque de Palmella, D. Pedro, que o talento e caracter da Marqueza d'Alorna valiam mais do que todos os volumes das suas obras. Excellcnte juiz era! Dizia bem.»

CONCLUSÃO

Da leitura dos capítulos, em que estão agrupadas no- ticias para a historia da excelsa Marqueza d'Alorna, D. Leonor d'Almeida Portugal, inférem-se, em resumo, as seguintes veridicas asseverações:

D. Leonor d'Almeida principiou a ser perseguida pela sorte adversa, desde a edade de oito annos, em que foi enclausurada no mosteiro de Chellas, como presa do Es- tado, com sua mãe, a segunda Marqueza d'Alorna, D. Leonor de Lorena de Távora ;

nesta reclusão ficou apenas entregue aos carinhos de sua mãe; não tendo porem havido o minimo cuidado em prover á sua educação pela escolha de mestres;

as suas poderosíssimas faculdades desenvolveram o seu preclaro engenho, entregando-se á leitura de livros. que lhe eram facultados por amigos da sua familia, e es- tudando as lições e conselhos de seu pae, enviados com grave perigo para este, para sua mãe e para ella própria ;

durante mais de dezoito annos de clausura, os seus estudos litterarios, scientificos e de bellas artes, não a im- pediram de aprender as prendas do seu sexo, e os diffe- rentes mesteres mulheris, em que foi eximia ;

a sua formosura e talento attraiam aos outeiros de Chellas. os mais distinctos poetas da época da sua resi- dência naquelle famoso mosteiro ;

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loi^i) que cippiírcccii nti sociedade, depois da sua sa- hidd do mosteiro, em 1777, lornou-se notável pelo seu espirito e pela sua brilhante erudiç<5o;

a inesperada escolha do nobre allenic^o. Conde de Oevnhausen, para seu marido, feita por D. Leonor d'Al- meida, n^o as^radou ao Marquez d'AIorna. seu pae;

a alta nobresa do Conde de Oeynhausen foi affirmada pela muito subida honra que lhe dispensaram S. S. M. M. a l^ainha 1). Maria 1 e Í:l-Rei D. Pedro 111, acompa- nhando-o pessoalmente á pia baptismal, como padri- nhos, quando para casar se filiou na Relii^icio catholica ;

a mencionada nobresa foi porem depois indiscutivel- mente demonstrada pela concessão óà Ordem da Cruz listrellada, á Condessa I). Henriqueta de Oevnhausen, sua filha ;

o dcsaiiírado do Marquez d'Alorna pelo casamento de 1). Leonor d*Almeida foi motivado principalmente pela excessiva pobresa do Conde de Oeynhausen ;

este desai^irado checou ate á cessação de respostas ás cartas de sua filha ;

as boas relações dix Condessa de Oeynhausen com seu pae foram reatadas, depois deste ter recebido o qua- dro «A Solidão, expressamente concebido e executado, em Vienna dAustria. pela douta Alcipe. para tentar rea- lisar esta filial aspiraçt^o;

a sua demora em dijíerentes Cortes, que visitou como mulher do Conde de Oeynhausen. nomeado, pouco de- pois do seu casamento. Ministro Plenipotenciário na Corte de Vienna d'Austria. deixou ali distinctamente demonstra- das as suas eminentes qualidades, nas lettras, nas scien- cias, e nas bellas artes ;

de revijresso ao seu paiz padeceu cruéis persei^uiçôos dos Governadores do Reino, que a reputaram injusta- mente como conspiradora muito periviosa :

a sua situação f»'»! pc»r vorc-- de >'i.iiu!i- jh-iuiií.i

235

recebeu as mais elevadas provas de consideração de S. M. o Imperador d'Austna, José II, e de Sua Santidade, o Papa Pio VII ;

o seu alto merecimento foi reconhecido, em honrosas mercês, por S. S. M. M. D. Maria I, D. João VI e D. Ma- ria II ;

a preclarissima M."^*-' de Stael demonstrou-lhc a sua admiração;

prestaram-lhc as maiores homenagens os mais emi- nentes homens de lettras do seu tempo.

Terminando a publicação de algumas noticias authcn- ticas para a historia da famosa Marqueza d'Alorna. e bem assim a de algumas das suas eruditas producções, devemos notar que, de umas e de outras, se conclue, que esta distinctissima dama deixou affirmada a excelsa fi- dalguia do seu formoso talento cm muitas e deslumbran- tes manifestações.

Dá-nos elevado argumento da exactidão destas mani- festações a preciosa carta que, a propósito da recepção do Poema das Recreações Botânicas, Alcipe recebeu de Filínto Elvsio, seguramente o primeiro poeta do seu tempo, carta de que reproduzimos, em zinco-gravura, o muito valioso autógrapho.

Observemos também, que o exame cuidadoso das referidas noticias e producções demonstra claramente, que foram variadis^^imos os assumptos versados com proficiência pela insigne escriptora.

Este exame leva-nos depois a especialisar, entre os levantados méritos da grande Alcipe, a persistência com que. durante dez annos, trabalhou para illibar. como ef-

236

fcctivamcntc illibou, o memorio do General terceiro Mar- (liiez d'AIorna. seu brilhante e infeliz irmáo, victima de uma condemnaÇt^o atroz e terrivelmente injusta, a qual lançava nódoa indeli5vel sobre a muito illustre família Almeida.

Cumpre-nos ainda avivar a recordação de que a quarta Marqueza d'Alorna era neta paterna do primeiro Marquez do mesmo titulo, e neta materna dos terceiros Marquezes de Távora, que foram horrorosamente sup- pliciados no cadafalso levantado na praia de Belém.

hasta esta recordação para provar a alta estirpe da nobilíssima Alcipe.

Notemos asjora que as adversidades, com que a sorte perseguiu D. Leonor d'Almeída Portugal, desde os seus tenros annos, ficam tristemente assis^naladas, mas com a asseveração de que foram sempre supportadas nobremente.

Desta apreciação offercce-nos admirável argumento a carta a seu pae. citada no Capitulo 1. em que lhe dizia, que não estivesse aprehensivo. com respeito ao seu futuro e ao de sua irmã, para a eventualidade de continuar a sor- te a ser-lhes adversa; visto que estavam ambas habilitadas a ser costureiras, bordadoras, cosínheiras, ' e a exercer cjualquer outro dos mesteres mulheris, quando lhes não fossem de utilidade as suas habilitações litterarias. Desne- cessário é chamar a attenção para a inexcedivel nobreza de sentimentos, que esta carta revela.

Diremos finalmente que, pelo fallecimento da quarta Martiueza trAK^iia, o sou muito honroso titulo passou,

' Da habiliJade de D. I^conor d'AlmeKÍJ, como cosinheira, <\á ei- cellcnie demonstração o jantar, todo cosinhado por su.is mãos. para festejar o dia de annos de seu pae, e de que deu a este noticia na cana que anteriormente publicamos.

237

por graça da Rainha D. Maria II, para o sétimo Marquez de Fronteira, a quem pertencia, como herdeiro de sua mãe, a sexta Marqueza de Fronteira, filha mais velha da Marqueza d'Alorna Alcipe. A mercê do titulo de Mar- quez d'Alorna foi concedida âo Marquez de Fronteira, graciosamente acompanhada com a de Vedor da Casa Real, officio que os Marquezes d'Alorna exerciam, desde o reinado de Filippe II, e que tinha sido ultimamente des- empenhado, ainda em vida de seu pae, por D. Pedro de Almeida Portugal, que foi o celebre General, terceiro Marquez d'Alorna.

Depois de concluída a impressão de "Algumas noticias authenticas para a historia da Marqueza d'Alorna.>' tivemos conhecimento da seguinte occorrencia. que offerecemos á consideração do leitor em

Nota complementar

N'uma urna, magnificamente trabalhada em nogueira, e or- namentada com figuras de bronze dourado, urna que tinha per- tencido á grande Marqueza d'Alorna, e que foi por sua filha, a Condessa de Oeynhausen, D. Frederica, offerecida a D. Leonor Fernandes de Sá, ultimamente fallecida, encontraram-se bastantes papeis, pertencentes á famosa Alcipe; entre estes merecem espe- cial consideração três lithographias da Marqueza d'Alorna, exe- cutadas em 1824. Estas lithographias estão assignadas pela douta poetisa, que tinha então 74 annos, e teem por titulo "Copia de uma miniatura, feita em 1824,,, miniatura que existe em poder da senhora Marqueza d'Avila e de Bolama.

Junto das lithographias encontrou-se a copia a lápis de um retrato da terceira Marqueza de Távora, superiormente tirado em 1750 antes d'esta preclarissima dama ter partido para a Índia, acompanhando seu marido, que exerceu brilhantemente n'aquelle Estado as altas funcções de Vice-Rei, desde 1750 até 1754,

Dada a notável aptidão da Marqueza d'Alorna para a pintura, e sendo de primorosa execução os seus desenhos, e consideran- do ainda o cuidado e o sitio em que foi archivada a deslum- brante copia do retrato de que vimos falando, não nos repugna admittir que fosse feita pela própria Alcipe a copia do retrato de sua infeliz avó, e isto segundo a versão de D. Leonor Fernan- des de Sá, que fora sua afilhada e leitora.

Devemos accrescentar que este parecer pode também ser ba- seado na comparação com o modo de fazer dos seus bellos qua- dros, dos quaes é principal a soberba tela "A solidão,,.

A copia, de que nos vimos occupando, encontra-se entre os preciosos quadros de familia dos nobilissimos Marquezes de Fronteira e d'Alorna,

índice

CAPITULO 1 P^^- 10

o tinteiro de Alcipe. Creação do titulo de Mar- quez d'Alorna. Armas da Casa d'Alorna. Ascen- dentes D. Leonor d'Almeida Portugal Alcipe. Onde nasceu a quarta Marqueza d'Alorna Alci- pe. As três épocas principaes d'esta por muitos titulos illustre dama. Sua reclusão no mosteiro de Chellas. Sua educação. O gabinete de trabalho e o camarim de Alcipe, no palácio Fronteira, em S. Domingos de Bemfica. Prisão do Marquez d'A- Icrna nos cárceres da Junqueira. Descripção d'estes cárceres, ali mesmo escripta pelo Marquez d'Alor- na. Documentos comprovativos da innocencia d'es- te illustre fidalgo.

CAPITULO II. P^-- ^^

Entre os pretendentes á sua mão D. Leonor d'Ameida escolheu o Conde de Oeynhausen. Mo- tivos porque esta inesperada escolha não foi do agrado do segundo Marquez d'Alorna. Baptismo do Conde de Oeynhausen, para o seu casamento com D. Leonor d'Almeida. Nomeação do Conde de Oeynhausen para Ministro plenipotenciário na Corte de Vienna d'Austria. Distincto acolhimento ali feito aos Condes de Oeynhausen. Concessão á Condessa da Ordem da Cruz Estrellada. Copia de u!na carta que lhe foi dirigida pelo Imperador d'Austria José II. Outras argumentos da muito su- bida consideração dispensada á Condessa de Oeyn- hausen, especialisando o de Madame de Stacl.

240

CAPITULO III...-. pag. 45

Alvará cia Rainha D. Maria I, concedc-ndo á Marqiicza trAlorna os tilulos de Condes c de Con- dessas de Ocynhausen para seus filhos, e bem as- sim o tratamento de íixcellencia. Diploma de El- Rei D. João VI, quando í^riricipe Regente, con- cedendo á (Condessa de Ocynhausen a mercê de a nomear Dama de Honor da Princeza Sua Mu- lher. Decreto da Rainha D. Maria II, fazendo a Marqueza d'Alorna a graça da pensão de seis cen- tos mil réis annuacs para as suas duas filhas sol- teiras. Nomeação da Marqueza d'Alorna para for- mular o plano das pinturas que deviam adornar o palácio da Ajuda, exprimindo as acções gloriosas dos portu^uczcs. Premio em mathematica, conferido pela Academia Real das Sciencias de Paris, á sua consócia Marqueza d'Alorna. Notabilissimo artigo de Alexandre Herculano, publicado no "Panora- ma», fazendo a apreciação da eminente escriptora Marqueza d'Alorna. l'olhetim do "Correio Portu- guez,,dc 1868, agradecendo aoffertados Vol." 1.» e 2.0 das Obras poéticas da Marqueza d'Alorna. Opinião de Francisco da honscca Benevides sobre Alcipe, Vol. 2.0 das "Rainhas de Portugal». Opi- niões sobre a mesma excelsa escriptora de Ferdi- nand Denis e de Castilho.

CAPl rUI.O IV.. P'U'- (»i

Parentesco da Marqueza d'Alorna com Frei Luiz de Sousa. Alcipe considerada como pintora: o seu quadro "A Solidão». O .uuarda-joias de Al- cipe, offerecido á ultima senhora Marqueza de Fronteira c d','\lorna, pela celebre escriptora hes- panhola, D. Carolina Coronado. O jazigo da Mar- queza dAlorna. Últimos trabalhos de Alcipe. Uma carta autographa de Filinto Flysio á Ex."'* Senho-

241

ra D. Leonor d'Almeida. Noticia da Paraphrase dos Psalmos em vulgar. Auctorisação de Alcipe para ser impressa a sua "Arte poética de Horácio, ou Epistola aos Pisões,.. (Esta autorisação vem na carta a D. Leonor da Camará integralmente trans- cripta no capitulo VIII.)

CAPITULO V. pag.73

Cinco cartas de Alcipe, dirigidas do Mosteiro de Chellas ao Marquez d'Alorna, seu pae, então preso no forte da Junqueira. Resposta da Con- dessa de Oeynhausei] ao Secretario dT.stado, que lhe remetteu as graças de Marqueza d'AIorna e de Condessa de Assumar. Extracto da carta escripta pela Marqueza d'Alorna ao Marquez de Wellesley. Copia da folha de um jornal, escripto por D. Leo- nor d'Almeida, nos últimos dias da sua prisão em Chellas. Requerimento da Marqueza d'Alorna pe- dindo a revisão do processo, que injustamente con- demnou o General Marquez d'Alorna, seu irmão.

CAPITULO VI.. . pag. 93

Mais quatro cartas de Alcipe a seu pae. Em outra carta ao Marquez d'Alorna, sua erudita filha refére-se a um sermão que escreveu para favore- cer um pobre frade, o qual, depois de o ter pre- gado desastradamente, o vendeu a outro frade por 4.000 réis, podendo-o rehaver D. Leonor d'Almei- da, e podendo portanto mostral-o como elle era, e não como tinha sido pregado.

CAPITULO VII pag. , ,3

Noticia extraida de um caderno, cuidadosa- mente archivado no palácio Fronteira, em S. Do- mingos de Bemfica, entre os papeis e autographos da quarta f/iarqueza d'Alorna, o qual tem escripto na capa "Resumo da vida de meu Irmão,,. N'estc caderno encontra-se uma occorrencia de alta im-

16

242

porta ncia para aquilatar o primoroso caracter do futuro e clistinctissinio General Marquez d'Alorna. A referida occorrencia oíferéce também valioso argumento para um estudo da Índole do Marquez de 1'ombal, o famoso Ministro de EI-Rei D.José.

CAPITULO VIII. Pag- 123

Copia do primeiro documento para a revisão do medonho "processo dos Tavoras», firmado pela Rainha D. Maria I, a solicitação do Marquez d'Alor na, pacde D. Leonor d'Almeida, e genro dos Mar- quezes de Távora. Copias de outros documentos sobre o mesmo assumpto. Copia de uma carta ao Ministro Martinho de Mello, que prova que foi por vezes de j,'rande penúria a situação da Condessa de Oeynhausen. Copia de uma resposta ao pedido de uma amiga para que consentisse na impressão de algumas das suas poesias. Copia da declaração feita cm Londres em 1809 por D. Domingos de Sousa Coutinho, com respeito á Condessa de Oey- nhausen. Copia da ordem do Intendente geral de policia, de 6 de Outubro de 1809, intimando a Condessa de Oeynhausen a sair immediatamente do Reino, embarcando no primeiro paquete para In- glaterra, toniando-se porém as precisas precauções para que não levasse comsigo os netos da casa de f-ronteira.

CAPITULO IX. pap. 135

Copia do muito interessante requerimento, apre- sentado pelo Marquez d'Alorna, a S. A. R. o Prin- cipe D. João, depois El-Rei D. João VI, e em que se resume a analyse das flagrantes injustiças e pa- vorosas preversidades, que se praticaram no de- nominado processo dos Tavoras, dnluziílas do consciencioso exame do mesmo processo.

243

CAPITULO X pag. 1 5 1

Documentos comprovativos dos esforços da Condessa de Oeynhausen, Marqueza d'Alorna, para que fosse completamente illibada a memoria do Marquez d'y\lorna, seu irmão.

CAPITULO XI paR. 1 67

Copia de duas cartas do General Marquez d'A- lorna á Condessa de Oeynhausen, sua irmã. Al- guns períodos da Memoria justificativa do Mar- quez d' Al orna, escripta por sua irmã a quarta Mar- queza d'Alorna. Referencia ao Decreto de 26 de Novembro de 1807, em que Sua Alteza Real, o Príncipe D. João, annuncia a sua partida para o Rio de Janeiro, permittindo a entrada das tropas francezas que se aproximavam de Lisboa, e or- denando que as recebam amigavelmente. Aviso á Condessa de Oeynhausen para assistir á traslada- ção do real cadáver da Rainha D. Maria I da Igreja de S. José de Ribamar para a Igreja do Real Convento da Estrelia.

CAPITULO XII pag. 177

"Processo dos Tavoras. Extracto da Sentença de 12 de janeiro de 1759, que se proferiu na Jun- ta da "Inconfidência,,. Breves considerações so- bre este "Processo,,. Residência urbana e cam- pestre dos Marquezes de Távora. O Crucifixo da terceira Marqueza de Távora. O atroz e odiento supplicio d'esta nobilíssima Senhora.

CAPITULO XIII. pag. HJl

Copia de algumas paginas das Memorias inédi- tas do Marquez de Fronteira, que são muito in- teressantes para a historia da Marqueza d'Alorna, sua muito illustre avó.

CAPITULO XIV pag. 205

Copia de mais algumas paginas das referidas

244

"Memorias inéditas», tamt)em interessantes para a historia da Marqucza d'Alorna. Ori^anisaçâo da Sociedade da Rosa, c graves conscíiucncias que esta associação teve, especialmente para a famosa Alcipe.

CAPITULO XV. ... pag. 209

Narrativa de unia extraordinária resolução da Marquc/a d'Alorna, que teve l>em tristes resultados para a insigne escriptora. O binóculo de Alcipe.

CAPITULO XVI. pag. 214

O doloroso golpe do fallecimento do Conde João de Oeynhausen seu filho, levou a Condessa deOeynhansen.— Alcipe a ir residir na pequena, mas elegante casa cm Ííuenos-Ayres, onde elle ti- nha vivido c onde morreu; e determinou também a sua mudança, pouco tempo depois, para uma casa na rua do Abícrim. 1'requcntadores d'esta ca- sa. Ali SC hospedou o eminente sábio José Cor- rêa da Serra, a quem se deve a funda<,'ào da Aca- demia Real das Sciencias, auxiliado pelo segundo Duque de Lifôes. Breves noticias a respeito de Corrêa de e do segundo Duque de Lafões.

CAPITULO XVII.. pag. 223

Os retratos da terceira Marqueza de Távora, e de sua filha a segunda Marqueza d'Alorna. O fa- moso quadro de Pellcgrini, representando os ter- ceiros Marquezes d'Alorna, e seus filhos. O falle- cimento do General Conde de Oeynhausen. Ver- siio, em portugucz vernáculo, dos quatro piimci- ros cantos do Oberon, de NXieland. Descripçào do quadro "A Solidão». Referencia á biographia de D. Leonor d'Almeida, Marqueza d'Alorna, ex- traida do notável livro de Teixeir.» •''• \'.isi-.>turl- los "Glorias pnrtupuezas».

CONCLUSÃO. pag. 233

COLLOCAÇÃO DAS GRAVURAS

A oitava Marqueza de Fronteira e sexta Marqueza d 'Morna 1

O tinteiro de Alcipe 9

A quarta Marqueza d'Alorna Alcipe 17

O segundo Marquez d'AIorna, pae de Alcipe (antes de ser

preso, em 13 de Dezembro de 175S) .... 25

O segundo Marquez d'Alorna, pae de Alcipe (quando sa-

hiu da prisão, em 7 de Março de 1777) 26

O Conde de Oeynhausen, marido de Alcipe 33

D. Magdalena de Vilhena 61

O guarda-joias de Alcipe- 6-1

Uma carta de Filinto Elysio á Marqueza d'Alorna, (zinco- gravura de um precioso autographo d'este eminente

poeta) : ....•.•....•.. . 67

A segunda Marqueza d'AIorna, mãe de Alcipe 75

O Crucifixo da terceira Marqueza de Távora. 1S7

A segunda Marqueza d'AviIa e de Bolama, bisneta de Al- cipe . 1 S9

A sexta Marqueza de Fronteira, filha mais velha de Alcipe 195

O binóculo de Alcipe 213

A terceira Marqueza de Távora, avó de Alcipe. ....... 223

Os terceiros Marquezes d'Alorna e seus filhos (famoso

quadro de Pellegrini) .-...•. . - - 224

A Solidão, quadro de Alcipe 227

ERRATAS PRINCIPAES

Pag.

linha

onde se

leia-se

27

28

intolreáveis

intoleráveis

46

23

Oeznhausen

Oeynhausen

117

20

jovem

joven

134

23

1820

1802

142

32

D. José;meu

D. José, meu

203

35

mers e

mestre

213

30

artístico,

artístico.

PQ 9261

A6Z55

Ávila e de Bolama, José de Ávila

A marqueza d'Aloma

Jitonio

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