9y^ '.¥' ^- !.-'■ v'^ ^.'■ « «.-j^j -^^. ,.. ■ Tl*^ HISTORIA £ MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. fiiai^ ox 0./ôs-l:2>s^, HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi utile est qtiod facimus , stulta est gloria. TOMO V. Parte I. LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA. I 8 I 7. Com licença de SUA MAGESTADE. Bisa Of PRIVILEGIO. E> /U a RAINHA Faço saber aos que este Alvará virem : Que havendo-me representado a Academia das Sciencias estabelecida com Permissão Minha na Cidade de Lisboa , que comprehendendo entre os objectos , que formão o Pla- no da sua Instituição , o de trabalhar na composição de hum Diccionario da Lingoa Portugueza , o mais completo que se possa produzir ; o de compilar em boa ordem , e com depurada escolha os Documentos que podem illustrar a His- toria Nacional , para os dar á luz ; o de publicar cm sepa- radas Collecçoes as Obras de Litteratura , que ainda não forão publicadas ; o de instaurar por meio de novas Edições as Obras de Auctores de merecimento , e cujos Exemplares forem muito antigos , ou se tiverem feito raros ; o de tra- balhar exacta e assiduamente sobre a Historia Litteraria destes Reinos; o de publicar as Memorias dos seus Sócios, das quaes as que contiverem novos descobrimentos, ou per- feições importantes ás Sciencias e boas Artes serão publi- cadas com o titulo de Memorias da Academia , ficando as * ou- outras para servirem de matéria a separadas e distinctas Col- lecçócs, nas quacs se dê ao Publico cm Extractos e Traduc- ções periodicamente tudo o que nas Obras das outras Aca- demias , c nas de Auctores particulares houver mais pró- prio , e digno da Instrucçao Nacional ; e finalmente o de fazer compor, e publicar hum Mappa Civil e Littcrario, que contenha as noticias do nascimento, empregos, e ha- bitações das Pessoas principaes , de que se compõem os Es- tados destes Reinos, Tribunaes, ou Juntas de Administra- ção da Justiça , Arrecadação de Fazenda , e outras particu- lares noticias, na conformidade do que se pratica cm ou- tras Cortes da Europa : E porque havendo de ser summa- mente despendiosas , tantas , e tão numerosas as Fxlições das sobreditas Obras , seria fácil que a Academia se arris- casse a baldar a importante dcspeza , que determina fazer nellas ; se Eu não me dignasse de privilegiar as suas Edi- ções, para que se lhe não contrafizessem , nem se lhe reim- primissem contra sua vontade , ou mandassem vir de fora impressas , em detrimento irreparável da reputação da mes- ma Academia , e das consideráveis sommns que nellas de- verá gastar : Ao que tudo Tendo consideração , c ao mais que Me foi presente em Consulta da Real Meza Censória, á qual Commetti o exame desta louvável Empreza ; Que- rendo animar a sobredita Academia , para que reduza a ef- feito os referidos úteis objectos , que o estão sendo da sua applicação : Sou servida Ordenar aos ditos respeitos o se- guinte : Hei por bem , e Ordeno , que por tempo de dez an- nos contados desde a publicação das Edições , sejão privi- le- siin o% legiadas todas as Obras , que a sobredita Academia das Scicn- cias fizer imprimir c publicar ; para que nenhuma Pessoa ou seja natural , ou existente , e moradora nestes Reinos as pos- sa mandar reimprimir , nem introduzir nelles sendo reim- pressas em Paizcs Estrangeiros: debaixo das penas de per- dimento de todas as Edições que se fizerem , ou introdu- zirem em contravenção deste Privilegio , as quaes serão apprehendidas a favor da Academia ; e de duzentos mil reis de condenação , que se imporá irremissivelmente ao trans- gressor , e que será applicada em partes iguaes para o De- nunciante , e para o ^ospital Real de S. José. Exceptuo porém da generalidade deste Privilegio aquel- les casos , cm que as Matérias , que fizerem o objecto daa Obras que publicar a Academia , apparcçao tratadas com va- riação substancial, e importante; ou pelo melhor methodo, novos descobrimentos, e perfeições scientificas se achar, que difFerem das que imprimio a Academia : sendo o exame e confrontação de humas e outras Obras feito na Real Meza Censória , ao tempo que se conceder a Licença para a im- pressão das que fazem o objecto desta Excepção : Encar- regando muito á mesma Meza o referido exame , e confron- tação ; para consequentemente conceder , ou negar a Licen- ça nos casos occorrentes e circunstancias acima referidas. Nesta Excepção Incluo as Obras particulares de cada hum dos Sócios ; porque estas só poderáõ ser privilegiadas , ou quando forem impressas á custa da Academia , ou quando os seus próprios Auctorcs Me supplicarem o Privilegio pa- ra ellas. Hei outro sim por bem , e Ordeno , que sejão igual- * ii mcn- mente privilegiadas pelo referido tempo todas as Ediçóes, <^ue a referida Academia fizer de Manuscriptos , que haja adquirido : com tanto porém que delias não resulte prejuí- zo ás Pessoas , que primeiro os houverem adquirido , ou lhes pertenção pelos titulos de Herança , ou de Compra , e te- nhâo intenção de os imprimir por sua conta. E para que a este respeito haja alguma Regra , que attenda á utilidade publica , e á particular : Determino , que a Academia pos« sa imprimir os referidos Manuscriptos ; ou logo que mos- trar que seus donos não querem imprimi lios ; ou que ha- vendo elles declarado quererem dallos^á luz, o não fizerem no prefixo termo de cinco annos , que neste caso lhes serão íssignados para os imprimirem. Hei outro sim por bem , e Ordeno , que na generali- dade do Privilegio, que a referida Academia Me suppiíca, c lhe Concedo na sobredita conformidade para a reimpres- são das Obras ou antigas, ou raras, ou de Auctores existen- tes , fiquem salvas as Obras que a Universidade de Coim- bra mandar imprimir; ou porque sejâo concernentes aos Es- tudos das Faculdades, que se ensinão nella ; ou porque sen- do compostas por Professores delia , as mande imprimir a mesma Universidade , como hum testemunho publico dos pro- gressos , e da reputação litteraria dos referidos Professores : E fiquem igualmente salvas a$ outras Obras , que actualmen- te estão sendo ou impressas, ou vendidas por algumas Cor- porações, e por Famílias particulares, e que nellas tem em certo modo constituído ha muitos annos huma boa parte da sua subsistência , e património ; e a cujo beneficio Poderei privilegiallas , ou prorogar-lhes os Privilégios que tiverem. Hei r\ Hei por bem finalmente, e Ordeno, que na concessão do Privilegio , que igualmente Concedo na sobredita con- formidade , para a referida Academia publicar o Mappa Ci- vil e Litterario na forma acima declarada , fiquem salvos os Privilégios seguintes , a saber : o Privilegio concedido aos Officiaes da Minha Secretaria de Estado dos Negócios Es- trangeiros , e da Guerra para a impressão da Gazeta de Lis* boa : o Privilegio perpetuo da Congregação do Oratório pa- ra a impressão do Diário Ecclesiastico , vulgarmente cha- mado Folhinha : c o Privilegio que Fui servida conceder a Félix António Castrioto para o Jornal Encyclopedico : Para que em vista dos referidos Privilégios, e das Edições que fazem os objectos delles , se haja a Academia de regular por tal maneira na composição do referido Mappa Civil e Litterario, que de nenhum modo fiquem oflfendidos os mes- mos Privilégios , que devem ficar illesos. E este Alvará se cumprirá sem duvida , ou embargo algum , e tão inteiramente , como nelle se contém. E pelo que : Mando á Mcza do Desembargo do Paço , Real Meza Censória, Conselhos da Minha Real Fazenda, e Ultramar; Meza da Consciência e Ordens, Regedor da Casa da Supplicação , Governador da Relação e Casa do Porto , Reformador Reitor da Universidade de Coimbra , Senado da Camará da Cidade de Lisboa , e a todos os Cor- regedores, Provedores, Ouvidores, Juizes, Magistrados, e mais Justiças, ás quaes o conhecimento e cumprimento des- te Alvará por qualquer modo pertença, ou haja de perten- cer ; que o cumprao , guardem , facão cumprir , e guardar inviohivelmentc , sem lhe ser posto embargo , impedimen- to. .-i r'" oi to, duvida, ou opposiçao alguma, qualquer que ella seja: para que a observância delle seja inteira , c tão litteral , como nelle se contem. E Mando outro sim ao Doutor An- tónio Freire de Andrade Enscrrabodcs , do Meu Conselho , Desembargador do Paço , e ChanccUcr Mór destes Reinos , que o faça publicar na Chancellaria , c que por ella passe : ordenando que nella fique registado , e que se registe em todos os lugares , em que deva ficar registado , e conve- niente for á sobredita Academia, para a conservação e guar- da dos Privilégios , que neste Alvará lhe Tenho concedido. Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda aos vinte e dois de Março de mil setecentos oitenta e hum. RAINHA-i Visconde de Villa nova da Cerveira, Ahará pelo qual Fossa Magestade , pelos motivos nelle men- cionados , Ha por bem conceder á Academia das Sciencias , esta- belecida com a Sua Real Permissão tia Cidade de Lisboa , o Pri- T/ltgio por tempo de dez annos \ para poder imprimir privativa- mente todas as Obras , de que faz menção : com excepções e modi- ficações , que vão nelle expressas ; e com as penas contra os trans- gressores do referido Privilegio. Tudo na forma acima declarada. Para Vossa Magestade ver. Registado nesta Secretaria de Estado dos Negócios do Reino em o Liv. VI. das Cartas , Alvarás , e Patentes a fl. 9 j j^. Nossa Senhora da Ajuda 7 de Maio de 17ÍÍ1. Joaquim J»ii Borralho. António Freire (I'AnJraJe EnserraMet Grátis. Foi publicado este Alvará na Cliancellaria Mor da Corte e Reino, pela qual passou. Lisboa de Maio de 1781. D. Scbaiiiáo MaUonaJo. Publiqiie-se , e tcfiste-se nos Livros da Chan- cellaria Alor do Reino. Lisboa \% de Alaio de 1781. António Freire d'Antlrade Enserrahodei. Registado na Chancellaria Mor da Cotte e Reino no Liv. das Leis a fl. j4 V- Lisboa 19 de Maio de 1781. António José de Moura. João ChryíotUmo de Faria e Sousa de Vaseaneellos de Sá o fez. Registado na Chancellaria Mor da Corte e Rei- no no Liv. de Officios e MercCs a fl. 68. Lisboa 21 de Maio de 1781. Matheus Rodrigues Vianna. íiaa OT HISTORIA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA PARA O ANNO DE l8l<í. Discurso recitado na Sessão publica de 34 de Junho de J 8 1 6 PELO VICE-SECRETARIO Francisco de Mello Franco. OEnhores. a Academia tinha na sua mão a livre esco- lha de qualquer dia do anno para as suas Sessões publi- cas ; mas com muita razão escolhco este , qiie hc o de São João , Nome do Principe Regente Nosso Senhor. Dois fo- rão os motivos , por que se determinou a esta deliberação : Toin. V. I. II Historia nA Academia Real i." para render com todos os bons Portuguezcs respeitosa vass.illagcm a S. A. R. , 2.° para deste modo mostrar em publico seu profundo agradecimento a tantas Graças , que da sua Aiigustn Alao tem sempre re zebido. S. A. R. nosso amabillissimo Príncipe, scguio constantemente para com a Academia as liberaes intenções de sua Soberana Mai , que foi sua Augusta Fundadora ; e para ainda mais a honrar , concedeo, depoisque faltou o Ex.'"" Duque de Lafões, seu primeiro Presidente, que o fosse o Sereníssimo Snr. Infante D. Pedro Carlos , seu querido Sobrinho , e Genro de saudosa memoria para todos nós : c por sua falta sobre maneira exal- tou sua Real Benevolência, dando-lhe por Presidente a seu mesmo Filho o Sereníssimo Snr. Infante D. Miguel , que Dcos guarde. Quanto não deve a Academia prezar , como preza , tão singular Presidência , digna de fazer emulação a todas as Corporações litterarías ! Accresce hoje a estes hum terceiro motivo , tal he o de suavisar, celebrando o dia de seu Nome, a viva sauda- de, que a sua fatal e inevitável ausência nos causou, e vai causando. Não o temos hoje diante de nossos olhos , co- mo por tantas vezes nos honrou neste mesmo lugar com a sua Real Presença: não o temos, he verdade, mas scja-nos de consolação saber que de lá mesmo do outro hemisfério , lá dos seus vastos Estados do novo Reino do Brasil tem a sua Academia sempre presente , pois sempre a honra , e a protege. Mas figuremos, SenJiores, por hum pouco com a nossa imaginação, que tudo pôde , figuremos que S. A. R. hoje nos faz o mesmo que já fez; e reverente continuo. Sei perfeitamente quão árdua he a empreza de fallar em publico , e muito mais , perante hum auditoria compos- to de illustres Sábios, a quem não podem escapar as minhas mais ligeiras falhas. Não he porém voluntariamente que te- nho a honra de occupar hoje a vossa benigna attençao : elei- to pela Acadertiía para seu Vice-Secretario , sem embargo de reconhecer em mim grande falta dos predicados , que exige similhante emprego, e de ser elle pouco compatível com HML-i oi DAS SciENCiAS DE Lisboa. iir com os laboriosos e pezados encargos da minha profissão , não quiz rcgeitar , como máo filho , a distincçao , comque tanto me honrava : porque huns pensando rectamente toma- rião a minha escusa , quando a fizesse , no sentido natural e verdadeiro , quero dizer , pelo reconhecimento que tenho das minhas tão acanhadas forças ; outros todavia seguindo di- recção -contraria , tcrião para si , que talvez no meu coração existisse huma humildade farisaica , que serve muitas vezes de capa ao mais refinado orgulho. Fugindo por tanto de dar hum passo , que podesse ser problemático , acceitei re- conhecendo , quão obrigado me devia considerar á benevo- lência da Academia. Não julguei então , que sobre meus fracos hombros viesse a recahir tão grande pezo , que legitimamente per- tence a outros de força em todo o sentido mui superior , os do nosso digníssimo Secretario o Snr. José Bonifácio de Andrada e Silva , que já por vezes em dia similhante at- trahio , e á força de sua eloquência dominou toda a vossa attenção. Os multiplicados embaraços dos seus empregos , que actualmente o afastarão da Capital, fazem com que eu inesperadamente suppra as suas vezes. Vós , que por mais de huma vez o ouvistes , julgarieis mui facilmente , quão longiquo e espaçoso he o horisonte dos seus profundos co- nhecimentos em diversidade de matérias , e não menos em apurada litteratura. Vós , que tendes de me ouvir agora , não ficareis duvidosos da tenuidade de meus talentos , e do quão pouco seelevão os voos da minha rasteira eloquência. Será hoje a vossa situação a meu respeito parecida com a de hum viandante , que tendo andado por caminhos planos e delei- tosos , respirando hum ar puro e embalsamado de variado perfume das singellas flores campestres, se vê constrangido a trilhar outros mal abertos em fragosas e alcantiladas pe- nedias áridas , escalvadas , e cobertas de montões de neve : porque sendo eu occupado por dever na meditação dos fe- nómenos da magnifica Natureza em geral , e com particula- ridade dos da complicada organisaçâo do homem , nunca me * 1 ii so- IV Historia DA Academia Real sobrou tempo bastante para cultivar as flores da encantadora eloquência , que aliás nada influe nos resultados de filosófi- cas observações ; as quaes muito pelo contrario requerem exacta reflexão , que hc sempre inseparável do recolhimen- to e taciturnidade. Do exposto , Senhores , obviamente se deduz huma con- clusão , que me será mui favorável , c vem a ser , que sen- do obrigado a tomar sobre mim tão avultado peso , e que não sendo annexo á minha profissão ser orador , estou no caso de merecer toda a vossa indulgência no tosco e rude Discurso , que tenho a honra de recitar na vossa respeitá- vel presença. Será elle dividido em duas partes: na i." pro- curarei mostrar as vantagens extraordinárias , que das Scien- cias e Artes resultão a todos os Povos : na 2.* exporei em breve o que se tem passado no seio da nossa Academia des- de 3j do ultimo Junho até o dia de hoje. RIMEIKA rARTE. O Homem , quando nasce , he sem duvida hum ente di- gno de toda a commiseração ; pois vem ao mundo por ef- Feito de multiplicadas e pungentes dores , que parecem di- lacerar as entranhas em que fora gerado: e a sua primeira acção, quando se desencarcera do claustro materno , he dar, e repetir supplicantes vagidos , como se com elles quizes- se commover a compaixão de quem o ouve. Nasce nú , e inerme , bem difierentcmente da generalidade dos outros animaes, que vem desde logo vestidos, e com os rudimen- tos das armas , que lhes são concedidas pela próvida Na- tureza ; a qual cautellosa os dota com as faculdades de po- der andar , correr , e procurar os soccorros , que demandão suas particulares necessidades : nas o homem na sua infân- cia ái3u or DAsSciEMCrASDeLlSBOA. V cia muito ao revéz tem de ser por alguns annos , sob pe- na de morte , em tudo c por tudo soccoriido. ^ Será por ventura madrasta somente da espécie humana a grande, a ineffivel Natureza , mãi caridosa de tudo o que creou ? Não , Senhores, quem o proferisse, seria blasfemo. Elia he tam- bém nossa mãi , e mãi mui terna : mas os destinos do ho- mem são outros e transcendentes ; c por isso devem ser di- versos os seus princípios , e meios. Esta absoluta dependência , em que nasce, he necessá- ria para se realisarem os altos fins, para que fora creado ; e entre elles o primeiro , quanto a mim , he fazelo sociá- vel : porquanto auxiliado pelos pais , e parentes , atéque principia a ter certo uso de razão, o que leva sete e mais annos, não pôde deixar de ser sensivel ás aíFeiçocs de ami- sade , reconhecimento , e por ultimo de costume. He portanto indubitável , que elle he por necessidade sociável ; e aindaque estas primeiras sociedades de familia ou patriarchaes sejão no seu principio resummidas , devem com o andar do tempo tornar-se numerosas. Mas , como nasce em perfeita ignorância de todas as cousas , e nutre cm seu coração o gérmen das paixões , que com a idade se vão desenvolvendo , não deixarão aquella e estas de produ- zir reciprocas desavenças , inimisades , e toda a sorte de desordens. Então a necessidade , lei suprema não só do mun- do fysico , mas também do moral , o obriga a entrar de cer- to modo em si , examinando , quanto permitte sua rude bar- baria , os meios de evitar os males , que cada hora os affli- gcm : e eis-aqui a origem dos primeiros dictames das So- ciedades , que são no seu originário estado tradicionaes j eis-aqui hum remoto começo de sua civilisação, que he ain- da tão informe como o mármore , que vem bruto para as mãos do destro e hábil Escultor, que lentamente o vai des- bastando , atéque o transforma com seus delicados cinzéis em huma bella c elegante estatua, que nenhuma demonstra- ção pôde então dar do que fora no seu primeiro ser. Don- de claramente se deduz , que a .infância de todas as Nações he VI HisToniA DA Academia Rkal he cheia de rudeza e de superstições ; he , em huma pa- lavra , hum perenne manancial de mil barbaridades. Vejamos o que forão , segundo Heródoto , os Schytas , que sacrifícavão ao seu Dcos Marte a quinta parte dos pri- sioneiros, que faz ião , e que aos restantes tiravão os olhos. O anniversario do Rei era solemnisado com a morte de cin- cocnta de seus Officiaes. Os que habitavao no Ponto Euxi- no sustentavão-se da carne dos estrangeiros , que alli apor- tavão. As pessoas de maior idade erao immoladas por seus próprios parentes , que se banqueteavão com a sua carne. Outros similhantes desvarios , segundo os mais antigos His- toriadores , tiverão os primeiros Persas , e os Romanos nos primitivos tempos da sua Republica. Por conseguinte a ida- de de ouro , que dizem haver acompanhado as Nações nos seus principios , foi huma deleitosa fabula , que sérvio de entretenimento á fecunda imaginação dos Poetas; pois, se dermos credito aos annaes de todos os povos antigos, e se reflectirmos no que se observa em os nossos dias assim na America , como em Africa , sempre a barbaridade foi pre- cursora do regular estabelecimento de todos ellcs. Houve , he verdade , hum fenómeno politico , huma Republica de soldados tidos por virtuosos , único povo po- bre por constituição , e pela mesma obrigado a desprezar a cultura das faculdades intelectuaes , e a dar-se exclusiva- mente aos exercícios do corpo ; bem sabeis que fallo de Sparta : mas era huma pequena Republica ; j e quão curta não foi comparativamente a sua duração ! E quanto não era a sua legislação maculada de paradoxos , e até de crimes au- thorlsados ! taes erâo a barbaridade dos senhores para com seus escravos ( e havia escravos ! ) ; a dureza dos pais , a ex- posição dos filhos , os roubos permittidos , o pudor viola- do tanto na educação , como nos casamentos ; e não sabe- mos mais , porque as particularidades da sua historia nos são mui pouco conhecidas, por terem sido alli desconheci^ das as letras. Por consequência esta celebre e admirada Re- publica nada prova contra as Sciencias y antes pelo contrario he muito em seu abono. Mas , DAS SciENClAS DE LiSBOA. VII Mas , Senhores , assimcomo os corpos fysicos regu- larmente impcllidos tonião certa carreira , vencendo os ob- stáculos , que são da sua competência , atéque lentamente se retardão , e vem por fim a parar , para depois com no- vo impulso receberem outra acção ou no mesmo , ou em ou- tro qualquer sentido ; da mesma sorte as faculdades moraes do homem, huma vez que se ponhão em movimento, de- vem andar hum certo caminho , marchando sempre do sim- ples para o mais composto, e do menos perfeito para o mais perfeito , atéque completando o seu circulo , voltem ao ponto , donde partirão : mas neste caso ficão sempre , co- mo debaixo das cinzas , faiscas scientificas , que só esperão tempo opportuno , para delias resurgirem. Não só pois as necessidades inherentes á espécie hu- mana , mas também a sua natural curiosidade a obrigarão a buscar o melhoramento de todas as suas cousas. Viviao os homens em choupanas mui toscamente fabricadas , mal de- fesas, e de quasi nenhuma commodidade. Não tinhão por vestido senão as pclles dos animaes , que matavão , c os pro- ductos de alguns vegetaes , que ageitavão ao seu uso. Se o homem pois tivesse hum instincto limitado , como os ou- tros animaes , cada hum na sua ordem , deveria parar nes- tes seus primeiros inventos : mas a Natureza lhe liberalisou o sublime dom da perfectibilidade , paraque com incança- vel trabalho , e longo tempo passasse por degráos do pouco ao muito, e do muito ao seu máximo, que he inderermi- navel. Seria fastidioso e Intempestivo mostrar agora , o como já por necessidades , já por accasos aproveitados, e já pela sua innata curiosidade , e indagação dos fenómenos , que ião observando , poderão estas primeiras associações de in- dividues chegar a tão admirável civilisaçao. j Mas quantos e quantos séculos não decorrerão , antesque tanto bem se con- seguisse ! Direi somente , que em todos elles o Supremo Arbitro do Universo faz apparecer sobre a terra homens , a quem concede engenho , e talentos superiores , os quacs ser- vem VIII Historia da Academia Real vem como de faróes , poronde a multidão se governa , e evita os escolhos , que a cada passo se encontrão neste tempestuoso mar do nosso mundo. Elles são os que obser- vando o coração do homem, e reflectindo maduramente nas maravilhas da Natureza , huns ensinão , quacs são as leis ac- commodadas aos climas , e aos paizcs , cm que vivem ; as quacs pela sua filosófica combinação enlação todas as clas- ses de cidadãos , indicando a cada hum os seus deveres : outros pelas suas meditações , pelos seus cálculos , pelas suas repetidas experiências arrancão, por assim dizer, aviva íor- ça dos recônditos arcanos da Natureza riquíssimas preciosi- dades , com que se esclarece , e se dilata o horisonte dos nossos conhecimentos. Os annaes das Sciencias, e da Litteratura fazem (vós hem o sabeis ) honrosa e agradecida menção dos nomes des- tes varões preclaros, que consummírao seus dias na indaga- ção das verdades religiosas , moraes , politicas , e fysicas ; por eflíeito das quaes tomarão hum polido realce os Povos assim antigos , como modernos. No meio da numerosa serie de todos elles reluzem agora na minha imaginação , como astros brilhantes, Hippocrates judicioso e profundo observa- dor da maravilhosa organisaçâo humana em ambos os esta- dos de saúde e de moléstia ; cujos escriptos ainda hoje em dia são como texto magistral para os mais conspícuos Mé- dicos ; e porque soube ler no livro da verídica Natureza , suas obras durão, e duraráõ tanto , como a Mestra, que as dictára. Sócrates , por antonomásia o virtuoso Grego , que , por querer melhorar com seu exemplo e doutrina a moral de seus concidadãos , foi por hum Tribunal invejoso e iníquo mandado envenenar com virulenta cicuta ; mas intrépido mor- reo ensinando a seus amigos é discípulos a immortalídade da nossa alma , e os sagrados e recíprocos deveres do ho- mem na sociedade ; doutrina , que foi a causa da sua mor- te: Platão, seu eloquente discípulo, nobre, grande, e ma- gestoso cm algumas das suas obras , foi em Metafysíca e em Moral para seus contemporâneos assombro , e para os pri- DAsSciENCIASDeLiSBOA. IX primeiros Padres da Igreja Auctor da maior contemplação; e, apczjr de intromctter na sua politica algumas idéjs ab- stractas c impraticáveis, não se pôde duvidar dos grandes conhecimentos, que havia adquirido neste ramo, se r;.flectir- mos na resposta que dêo aos Sicilianos , quando o consul- tarão sobre o que devião fazer, isto he, se restabelecer a Monarchia absoluta , ou o governo popular ? ao que Platão simplesmente respondeu : « Hum Estado nunca he feliz nem j> debaixo do jugo do despotismo, nem na licença de hu- » ma grande liberdade, O mais sábio partido he obedecer " a Reis , que respeitem da sua parte certas leis ; porque j> a excessiva liberdade , e a pezada escravidão produzem " pouco mais ou menos effeitos similhantes. " Estas pou- cas palavras deixão ver claramente , que Platão tinha idéas sãs , e profundas nesta difficil Sciencia de governar os ho- mens. Continua ainda a passar pela minha lembrança a gran- de serie de tantos Filósofos Gregos , que todos trabalharão incançaveis na cultura das Sciencias , ennobreccndo com seus desvelos a gloria da sua Pátria, onde ellas com as bellas Artes suas filhas de tal maneira se exaltarão , que sem te- meridade se pôde dizer , que a Grécia dcveo tudo ás Scien- cias , e que o resto do mundo deveo tudo á Grécia : pois por hum eíFcito natural da vicissitude das cousas humanas passarão para Roma ; e desta famosa Capital , depois de hum eclipse de séculos , sahírao debaixo das cinzas em que es- tiverão sepultadas, e se espalharão pela Europa então do- minada por tantas Nações barbaras ; e desta parte do Glo- bo se forão difFundindo pelas outras , como raios derivados de hum astro luminoso , creador , e benéfico. ^ Mas até onde , sem me sentir , vou dirigindo meus pensamentos ? He preciso não abusar da vossa indulgente paciência , que tacitamente me manda parar na longa car- reira , em que me ia enredando ; e por isso em breve cor- rerei pela memoria os tempos que nos são mais visinhos. Tow;. V. * 2 Des- X Historia da Academia Real Desde aquella feliz época da restauração das letras ^ quantos sábios Filósofos não tem apparecido, e não vão ho- je mesmo apparecendo sobre a face da terra , cujos esforços unidos tem incrivelmente melhorado a condição dos ho- mens? Seria inv.ncnsa a lista, que de seus nomes quizesse f.izer em qualquer repartição das Sciencias ; porque se os Egypcios , se os Gregos , se os Romanos forão celebres pe- los homens celebres , que os sublimarão , a Europa moder- na, amdaque em alguns ramos os não tem assas imitado, cm outros os tem sobremaneira excedido. Proferirei para prova da minha assersão os immortaes nomes de Verulamio , de Newton, de Locke , de d'Alembert, de Buffon, do in- feliz Lavoisier . . . . e poderia por largo tempo ficar referin- do os de outros muitos Escriptores da primeira ordem , a quem o mundo hc devedor de innumeravcis descobrimentos da maior utilidade para todas as Nações em geral. Mas , Senhores , devo lembrar-vos , que nada do que sahe das mãos do homem , tem o cunho da perfeição : j tal he a sorte humanai ^"Como podemos pois esperar que os Filósofos não errem .'' O magestoso Templo das Sciencias hc huma obra vastíssima , que nunca será concluída ; mas que á força de aturadas diligencias se tem magnificamente elevado. Verdade he que o trabalho de cada Sabio de persi he de pouca monta em huma empreza tão ampla e tão extensa : o trabalho porém de cada Sabio deve de necessi- dade entrar nella. ^ Quantos artífices não concorrem , cada hum da sua parte, para a construcçâo de qualquer edificio ? Hum só nada faria, todos juntos com mcthodo e diligencia vem por fim a sahir com o que pertcndem. ^ Que succede-- ria , se cada hum delles esmorecendo á vista de suas pou- cas forças desistisse do trabalho começado ? Graças pois se- jão cordialmente dadas a tantos Varões illustres e veneran- dos , que cm rodos os tempos antigos , modernos , e prcsen- t:s se empenharão , e empenhão em esclarecer por tantos meios o entendimento humano , sacrificando não digo já ca- ítsa oi DAS SciENClAS DB LiSBOA. XI cabedaes , e socego , senão até a própria existência ! ,; Que elogios não devemos tributar a estes Heroes generosos , que tanto trabalharão , e escreverão para os seus contempo- râneos , e não menos para os vindouros ? Se por ventura não tivessem aproveitado os sublimes talentos, com que os (lotara o Supremo Dispensador de todos elles , mui pouco nos teriamos affastado da rude condição dos primeiros ho- mens. Apparecêrão engenhos transcendentes , que profunda- mente se derão ás Sciencias mathematicas , que são a cha- ve de muitas das outras : e delias procedeo o que com tan- ta utilidade se conhece da Mechanica , da Hydraulica , da Fysica , da Arte militar , &c. Observarão esses inunensos Glo- bos luminosos tão assombrosamente distantes do nosso pe- queno Planeta ; calcularão suas respectivas massas , e distan- cias ; e isto que no principio pareceria talvez vã curiosida- de , veio a ser huma das mais úteis sciencias , convém a sa- ber , a Astronomia. He ella quem leva como pela mão os na- vegantes atravéz da vastidão dos mares com o soccorro da singular propriedade do Iman , que nossos antepassados to- marão por frivolo enigma da Natureza : o que serve para provar , que ainda o que nos parece fútil , e de nenhum préstimo , não deve ser desprezado pelos Filósofos ; porque muitas cousas nos pareceráõ hoje assim , que talvez dêm de si para o futuro muito interessantes resultados. A navegação , considerada por qualquer lado que seja , he utilíssima ao género humano ; pois por meio delia he que os Povos germanisárão , e vierão a considerar-se quasi como huma só familia ; por meio delia se communicão as Sciencias , e as Artes ; por meio delia se amacião nossos costumes , e se estabelece a indispensável tolerância ; por meio delia se supprem nossas reciprocas necessidades ; e sem ella finalmente poucos progressos poderíamos ter feito como Nações civilisadas. Porque o tempo he escasso , direi simplesmente , que muitos e muitos abalisados Médicos, Fysicos, Chymicos , * 2 ii Ci- XII Historia da Academia Real Cirurgiões , &c. tem feito grandes descobrimentos nos seus respectivos ramos ; e que , ajudando-se todos mutuamente , tem levado estas importantes Sciencias a hum notável auge de utilidade publica. ^ Qiie benefícios não tem colhido del- ias a mais bemfazeja de todas as artes , que conhecemos , quero dizer , a Agricultura ; a qual por cffeito de novos in- strumentos , c de novos methodos de cultivar a terra a obri- ga a pagar com usura o suor de quem a lavra ? j Que com- modidades não offcreccm a todas as Nações essas Cidades e Vilias regular e saudavelmente edificadas ? O seu commer- cio interior , que se não poderia fazer sem estradas , sem pontes , sem canaes , &c. ? ^ Que menos se pôde dizer de tantas , tão multiplicadas , c difFcrcntissimas Fabricas , as quacs todas como á porfia contribuem para satisfazer assim as nossas precisões, como as nossas commodidades ? Atcqui fallava eu das Artes , a que costumão cha- mar mechanicas ou fabris , as quaes são em todas as Socie- dades mais ou menos da primeira precisão. Verdade he que as denominadas liberaes não são immediatamente necessárias para a existência dos Povos ; mas quando elles tem chega- do a hum sobido gráo de civilisação , não podem deixar de as pôr em pratica , e de as aperfeiçoar , como no-lo-tem mostrado a historia antiga e moderna de todas as Nações. ^ Que homem civilisado e de bom senso deixará de se to- car , e de se render mesmo aos encantos da Poesia , da Mu- sica , da Pintura , &c. ? j H que são ellas senão a imitação das bcllezas da portentosa Natureza ? Direi mais : esta pro- pensão nasce com o homem; pois entre os mesmos Bar* baros sem excepção alguma se encontrão os rudimentos de todas as bellas Artes; porquanto todos tem suas canções, que a seu modo entoão ; todos tem seus rudes e informes instrumentos , que tal e qual tocão ; todos se adornão , e se pintão com certa symetria. A civilisação pois , obra de séculos , he quem tudo aperfeiçoa , porque aperfeiçoa o en- tendimento humano: e podemos calculala ao certo pelo au- ge DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XHI ge maior ou menor , em que se acharem as Scicncias , e todas as Artes. Nem ha que debater , que os homcní; em gera! trabalhão incançaveis para assegurar sua necessária e commoda subsistência , mas depois de a conseguirem , pro- curão pela maior parte os prazeres moraes , que são muito mais próprios de seres dotados de razão, e perfectibilida- de, doque os fysicos , communs a todos os animaes. Logo as bellas Artes, que julgo congénitas com a nossa espécie, são também como de primeira necessidade entre as Nações, que tem chegado a certo gráo de maior civilisação. Embora tenha havido espíritos melancholicos , e para- doxistas , que as hajão considerado como propagadoras do luxo; è embora affirmem , que este seja o precipicio dos Estados : mas huma grande Nação não pódc occupar a to- dos os que a compõem , em agricultar as terras , e em as defender como soldados, pois restão muitos, que por falta de occupação entregues ao ócio serião o flagello das Socie- dades ; as quaes sendo necessariamente compostas de opulen- tos , abastados , e pobres , hão mister que daquelles vivao estes , para assim se equilibrarem , quanto cabe na boa eco- nomia politica , as differentes fortunas ; nem preciso trazer á lembrança o delirio dos que tem pertendido a igualdade dos bens , a qual deveria assentar sobre a dos talentos , e industria ; mas o contrario disto he o que sempre se vio , e se vc entre os homens. Por ultimo , Senhores , tudo o que nos cerca , tudo o que somos , claramente nos indica , que o máximo bem de qualquer Nação he a sua apropriada ci- vilisação, que se deve sempre á cultura das nossas faculda- des intellectuaes , isto he , ás Sciencias. Mas de repente sobe á minha imaginação hum accon- tecimento notabilissimo , e único na memoria dos homens , que á primeira vista parece desmentir esta minha assersão. Do seio da Nação mais culta dentre todas se levantou a mais horrenda e furiosa revolução de quantas tem havido , da XIV Historia da Academia Real da qual fomos desgraçadamente testemunhas, e por muitos modos victimas. Não forão os Bárbaros do Norte , que fu- gindo da aspereza do seu clima , e da esterilidade dos seus territórios , vicrão , como nuvens pejadas de raios , buscar o Meiodia da Europa, onde encontravao hum ar sereno e temperado ; hum terreno pródigo em produzir com pouco trabalho , quanto diz respeito não só ás necessidades , mas aos commodos da vida humana ; e onde finalmente achavão accumuladas todas as riquezas do mundo. Forão sim os Fran- cczes , que no centro da Europa civilisada , debaixo da mais benigna atmosfera , e no seio de todas as Sciencias , e Ar- tes levantarão em furor o sanguinário estandarte da rebel- lião , e delirantes levarão ao patíbulo o seu próprio Rei , hum Rei bom e clemente : e como hum abysmo conduz a outros muitos , no meio da sua confusão e desordens sem conto assentarão comsigo que deviao submergir a Europa inteira na mais abominável de todas as escravidões. Ap- pareceo entre elles hum estrangeiro , hum Corso , que ar- dilosamente tomou a si a execução deste horrivel plano. Esta Riria vomitada do Averno , forjando mil pérfidos e vergonhosos embustes , com que destruio thronos , e der- ribou altares , commandando tropas immensas , tinha quasi avassallado a Europa inteira. ^ Mas que he feito das suas espantosas façanhas militares , das suas immensas conquis- tas , do seu grande Império ? Nós o vimos começar , e nós ( graças aos Ceos ! ) o vimos acabar. Elle mesmo , instrumento de tantos males , e de tão extensas desventu- ras, cahio do pináculo da sua grandeza fantástica, e jaz, por fortuna , prisioneiro em huma pequena Ilha , guardado como hum monstro assolador da espécie humana. ^ E quem , Senhores , fez tornar os Francezes ao governo de seu legi- timo Rei ? ^ Quem os fez detestar o jugo daquelle Tyran- no ? ^ E quem dêo cabo desta hydra de cem cabeças ? Foi , todos o sabem , a prodigiosa liga de todos os Soberanos , e Povos da Europa. Elles se ligarão j elles se armarão ; el- les combaterão j e depois de muitas e repetidas victorias , po- DAsSciENCiASDE Lisboa. xv pozcrão Lui7, XVIII. no Throno de seus Avós , e derao por fim a paz ao mundo. Sc os Inglezcs , se os Russos , se os Austríacos , se os Prussianos, se os Portuguezes ( dilo-hei com ufania) não tivessem cultivado as Sciencias , e as Artes, ^ como poderião armar tantos c tao numerosos exércitos ? Como poderião ter Generaes , que vencessem os Generaes Francezes tão hábeis , e tão aguerridos ? Portanto tonho para mim como certo , que as mesmas Sciencias e Artes, salvando o mundo de tão duro captiveiro, se salvarão a si do perigo immincnte , em que estiverão , de serem destruídas em toda a Europa ; o que sem a menor duvida succederia , se ellas não tivessem ainda atempo confundido e aniquilado o detestável Corso, que a ir por diante nos seus iniquos designios, nada menos faria doque reduzir os civilisados Povos Europeos a bárba- ros armados. He tudo assim , segundo o meu juizo ; mas não dissi- mularei , que nem sempre os Filósofos atinão com a verda- dadc , que buscão ; porque algumas vezes tomão a sombra pela realidade : com tudo estes mesmos desvios do princi- pal objecto, a que se endcreçao , tem sido de proveito aos que vem depois , bem como accontece aos mareantes , que evitão cautellosos os baixios , e cachopos , em que outros naufragarão: e disto devo concluir, que a indagação da ver- dade , ainda quando he desgraçada , não deixa de aprovei- tar ; e que só a cega ignorância he que para nada presta. Não dissimularei também , que alguns Filósofos presumpço» SOS e temerários , querendo traspassar as raias , que o Supre- mo Author da Natureza pôz ao entendimento humano, por mais sublime que seja , se perdem de todo no implicado labyrintho de suas imprudentes investigações ; porque não sabem , ou não querem saber , até onde podem chegar , e onde devem parar : mas suas indiscretas especulações vem a ter a sorte do fumo , que no ar se dissipa e desvanece. São estes pseudo-filosofos mui similhantes ás ondas encape- la- XVI ' Historia da Academia Real ladas do mar enfurecido , que vão rebentar com horrível bramido sobre as praias c penedos , parecendo que tudo ar- rojarão diante de si ; mas cm poucos instantes voltão atraz; como envergonhadas da sua inútil fúria ; inútil , porque a Providencia , marcando-lhes com seu Omnipotente dedo im- pretcriveis limites , lhes disse : Daqui não passareis. Mui diffcrcntes são os verdadeiros Sábios , que modes- tos , prudentes , e assisados parão , onde devem parar : ge- nerosos medirão, e trabalhão não só para a sua vida, mas também para a vida total da espécie humana : reverentes illustrão com seu profundo saber os Soberanos , e submis- sos obedecem ás suas determinações : benignos e indulgen- tes tolerão as fraquezas humanas, porque sabem que a dis- creta indulgência he o mais seguro meio de estabelecer a harmonia nas Sociedades publicas , e particulares : retira- dos vivem simples e virtuosamente : incançaveis honrão por muitos modos a sua Pátria : trafiquillos acabão finalmente com gloria tal , que os séculos posteriores em vez de a es- curecer , progressivamente a exaltao , e admirao. Este he sem duvida hum diminuto retrato , que de muitos de meus respeitáveis ouvintes , sem faltar á verdade , poderia copiar. Depois de haver mostrado, Senhores, segundo julgo, sufficientemente as grandes vantagens , que das Scienclas e Artes resultão a todos os Povos , o que formou a primeira parte do meu Discurso , passo agora a dar-vos hum resum- mo do que se tem passado dentro deste anno no seio da nossa Academia ; o que formará a segunda parte , a qual pôde servir também para provar a verdade da primeira. Segunda Parte. Orque se havia acabado o triennio dos empregados nas differentes repartições da nossa Academia, a 23 de Novem- bro do anno passado, por escrutínio e á pluralidade devo- tos DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XVII tos foi reeleito Secretario o Snr. José Bonifácio de Andra- da c Silva , c eleito Vicc-Secretario o Srir. Francisco Si- mões Margiochi ; mas teve a Academia de sentir a escusa, que dêo este benemérito Sócio , allegando as suas occupa- ções e embaraços , incompativeis com as obrigações do lu- gar. Foi então preciso proceder a nova eleição , e recahio ella sobre mim, que julguei necessário acceitar , agradecen- do muito á Academia a honrosa lembrança, que de mim ti- vera. Forão eleitos para Directores das três Classes , em que e.stáo repartidos os trabalhos Académicos os seguintes Se- nhores: para a das Sciencias Naturaes o Snr. Sebastião Fran- cisc > de Mendo Trigoso : para a das Sciencias exactas o Silr. Mattheus Valente do Couto : para a de Litteratura o Siír. Francisco Manoel Trigoso d' Aragão Morato. Não po- dia a Academia fazer melhor eleição , não só pela intelli- gencia nos ramos, de que forão incumbidos, mas também pela efficacia e zelo , que assiduamente mostrão pelo pro- gresso das Sciencias nesta illustre Corporação. Foi da mes- ma sorte mui dignamente eleito Thesoureiro o 111,'"° e Ex.""* Snr. Visconde da Lapa , cuja probidade e estudos são ge- ralmente conhecidos. Forão também nomeados para Sub- stitutos de Efectivos na .Classe de Litteratura os Senhores Francisco Ribeiro Dosguimarãcs , e Monsenhor Joaquim José Ferreira Gordo : para Sócios livres na Classe das Sciencias exactas os Senhores Francisco Villela Barbosa , e Manoel Pedro de Mello , de cujos talentos a Academia está assa's convencida, epor isso sobremaneira preza a associação de tão dignos coUaboradores : para Sócios Correspondentes o II!."''' e Rx.'"° Snr. Marquez de Abrantes D.José, o Síir. Doutor Joaquim Xavier da Silva , o Snr. Joaquim José Va- rella , e o Siír. Manoel José Pires. E como as Sciencias ( principalmente as Fysicas ) to- dos os dias adiantão novos descobrimentos, que não devem ser desconhecidos na Academia , tomou-se também na mes- ma occasião assento, que de Outubro de 1816 por diante se reservassem cada anno 6oc^ reis para se prover a nos- TotH. F. * 3 sa XVIII Historia da Academia Real Si liibliothcca das obras , que mais dignas e necessárias se julgjrcm. Devo com toda a ingenuidade e satisfação fazer-vos sabedores , que a Instituição Vaccinica , que não he senão huiria Comissão da Academia , faz conhecidamente notáveis progressos não só na Capitjl , mas cm todas as Províncias, onde mais radicalmente se vai estabelecendo : para o que muito tem concorrido o nosso previdente e benéfico Go- verna , que por todos os modos tem auxiliado este filan- trópico Estabelecimento, não só passando as mais judicio- sas c apertadas ordens aos C!)orregedores das Comarcas , e aos Capitães mores , paraque promovão eficazmente nos seus Districtos a Vaccinação ; mas também concedendo á Academia huma Loteria , cujo producto fosse applicado á sua mais firme e extensa propagação. Eu vos diria miuda- mente o que a este respeito se tem passado , se hum Mem- bro da mesma Instituição não viesse logo instruir-vos de to- das as particularidades : peloque só tenho de dizer vos , que este Estabelecimento Vaccinico he para a Academia da maior honra e gloria ; porquanto com elle evidentemente mostra ao publico , que o seu fim primário he ser util aos seus Concidadãos, salvando por hum meio tão simples, tão fá- cil , e tão seguro muitos milhares de vidas , que de certo serrão sacrificadas pela horrenda moléstia das Bexigas. E ain- daque o principal objecto da Academia he a cultura das Scicncias, não lhe seja de nota occupar-se da Vaccinação. ^ Qlic procura cila cm todas as suas emprezas scientificas se- não a utilidade publica? j E por que meio poderia ser mais util aos i^ortuguezes doque promovendo tão cfficaz e digna- mente este salutifcro Estabelecimento, cuja falta não só era de incrivel dainno á minguada povoação de Portugal , rnas não menos de desdoiro á Nação inteira , que pareceria não conhecer , ou desprezar hum Descobrimento , que até en- tre (.3 Bárbaros se acha divulgado ? Verdade he que á Aca- demia tem accrescido com este objecto maiores cuidados e tareias; mas nunca pcrdeo de vista as obrigações essenciaes do DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XIX do seu Instituto , como passo a mostrar-vos , referindo os trabalhos do cada huma das Classes , convém a saber , das Sciencias Naturaes , das Exactas , e da de Littcratura , que são os troncos , de que se dcrivão vários ramos, Sciencias Naturaes. Desejando o nosso vigilante Governo , que dos metho- dos , que lhe forão propostos para a desinfecção das cartas vindas de paragens ou pestifcradas , ou suspeitas , se puzes- se em pratica o que fosse mais efficaz e conveniente , or- denou que a Academia desse o seu parecer sobre aquelle , que julgasse melhor; o que cumprio encarregando este im- portante assumpto a huma Cummissao de Sócios , que para este exame se elegerão , cujo parecer subio ao Governo , que houve por bem coiiformar-t,e com elle. O Sfír. Sebastião Francisco de Mendo Trigoso , incan- çavel em cooperar para o adiantamento e lustre da nossa Corporação , apresentou o extracto da Memoria do Siir. João de Macedo da Guerra Forjaz sobre o estado da agricultura de Castcllo Branco , do qual se havia encarregada. O Sfír. Barão de Eschwege não obstante a distancia , em que está da nossa Academia, brindou-a com huma car- ta datada de Villa Rica em ly de Fevereiro de 1815-, que acompanhava duas Memorias ; das quaes a primeira era in- titulada Memoria sobre vários objectos motitanisticos , principal- mente sobre a decadência das minas de oiro da Capitania de Mi- nas Geraes , e sendo incumbido o Síir. Sebastião Francisco de Mendo Trigoso de fazer o seu extracto , mui judiciosa- mente o executou : a segunda tem por titulo : Jpontamenios que poderão servir de base para huma Administração motitanis- tica na Capitania de Minas Geraes. Fácil he de ver a impor- tância deste objecto em hum paiz todo cheio de minas não só de oiro , mas de todos os metaes ; onde a Aletalkirgia scientifica he atéagora pouco conhecida , e onde só reina huma prática empírica. * 3 ii O XX Historia da Academia Real O Snr. Doutor José Bonifácio de Andrada e Silva lêo huma interessinte Memoria minerograpbica sobre o districto tHetallifero entre os Rios Alva ^ e Zêzere ^ porondc viajou. O Srir. Alexandre António Vaadelli apresentou huma Memoria com o titulo seguinte : Experiências Chymicas feitas com duas espécies de Qiiina do Pará. He para sentir, que ten- do nós tantas qualidades de Quina cm diffcrentes partes do Brasil , algumas das quacs talvez possao competir nas suas virtudes com a do Peru , ainda com as de mais Nações nos sirvamos desta, que muito bem poderiamos escusar, se as virtudes das nossas estivessem comprovadas com experiên- cias exactas. Por conseguinte toda a indagação a este respei- to pode ser de utilissimos resultados ; mas não basta parar nas analyses chymicas , he ainda muito mais preciso , que se facão observações seguidas , de que se formem Diários y que especifiquem com miudeza o que se houver observado: isto porém só pôde ser desempenhado nos grandes Hos- pitaes , onde huma copiosa coUecção de Diários fieis , fei- tos por differentes Professores, e em differentes lugares , de- veria ser escripta em Portuguez com a traducção Franceza cm frente , paraque chegasse á noticia de todas as Nações. l Quanto não poderiamos lucrar com este trabalho , não só com o que deixássemos de despender , mas com o que ar- recadássemos dos Estrangeiros ? O Snr. Doutor Joaquim Xavier da Silva lêo nas Ses- sões Académicas huma Memoria sobre a Hygiene Mi/itar e Naval , que trata com muita individuação ; e que deve ser de grande utilidade á Pátria, por ser hum assumpto novo em linguagem Portugueza. Lêo o Srir. Doutor José Pinheiro de Freitas Soares ou- tra Memoria sobre a Policia Medica. , que promette á Nação similhantes resultados. Remetteo-nos o Srir. Doutor Francisco Soares Franco huma Memoria sobre a identidade do Systema muscular na Eco- nomia animal . na qual mostra o Author não só vasta erudição em Anatomia, e Fysiologiaj mas também judiciosa analyse das DAS SciEKClAS DE LiSBOA. XXI das diversas opiniões até hoje publicadas por homens da mais distincta reputação, e que tem siJo geralmente segui- das: e, quanto a mim, mostrou o que pertenJeo mo trar , combatendo victoriosamente as doutrinas, que mais directa- mente parecião oppor-se á sua these principal. Lêo-se huma Memoria remettida do Pará pelo Siir. Doutor Manoel da Arruda , em que descreve hum novo gé- nero de arvore, a que dêo o nome àcChaptalia em mcm:>. ria de Mr. Chaptal seu Mestre ; a qual he singular e no- tável , por se tirar do seu fruto muito óleo , e sebo. Nclla expõe o methodo de o conseguir. O Ex."'° Snr. Visconde da Lapa fez presente á Acade- mia de hum Diccionario clinico composto pelo nosso Sócio o Sfír. José Pinto de Azeredo , que faleceo no verdor de seus annos , quando havia ainda muito que esperar da sua extensa prática nesta Capital ; o que assaz prova o credito publico , de que se fizera merecedor. A raridade, em que estão as Memorias do Snr. Doutor Dala Bella nosso digno Sócio , e meu Mestre de Fysica em Coimbra , hoje Lente jubilado , sobre a cultura das Oli- veiras , e o melhor fabrico do azeite , obrigou a Academia a fazer huma nova edição , que está encarregada ao Snr. Se« bastião Francisco de Mendo Trigoso , que se incumbio de lhe addicionar Notas illustrativas , segundo os mais recen- tes descobrimentos. • O Snr. Joaquim Pedro Fragoso da Mota de Siqueira lêo huma útil e circunstanciada Memoria sobre as Qiicima- das da Aletntéjo , em que vem expendidos muitos objectos interessantes de agricultura. O Snr. Sebastião Francisco de Mendo Trigoso lêo hu- ma curiosa Memoria a respeito de hum verme vivo , existen- te no olho de hum cavallo, que o dito Snr. observava quasi desde que se dêo fé delle , e quando fez a Memoria, já estava de mui notável tamanho. Espera , que se extraia o olho, para então fazer a reducção do verme, e dar a sua descripção. Lêo XXII Historia da Academia Real Lco o Snr. Manuel José Maria da Costía e Sá humas Memorias acerca da Vaccinaçao no Brasil , acompanhadas de tre/.c nocumentos , pelos quaes se prova ter-se mui con- sideravelmente adiantado por todo aquelle vasto território tão profícuo descobrimento , que hc sem duvida húma da- diva celeste. Poz-sc em forma o Programma extraordinário , que dei- xou em seu testamento o nosso Sócio o Snr. Luiz de Si- queira Oliva , paraquc a Academia premiasse com 4CO(3Í) rs. cm metal , que deixou d sua disposição , a melhor Memoria ou de Naciunaes , que a devem escrever em Portuguez,, ou de Estrangeiros, que o podem fa/er em alguma das linguas jnais conhecidas na Europa. As Memorias , que concorrerem a este premio , serão entregues na Secretaria da Academia por todo o mcz de Maio de i8i8. O Programma diz as- sim : (( Q-ial he o methodo de curar radicalmente as Dysen- 5> terias chronicas, de qualquer causa que procedao; funda- » do em princípios , c confirmado por observações praticas, j» Foi huma Dysenteria chronica a moléstia , que na flor d* idade levou o Síír. Oliva á sepultura j e por este motivo fi- lantropicamente julgou , deixando este incentivo aos Médi- cos de todo o mundo, que delle tirasse a humanidade o proveito, que elle Testador não havia conseguido: mas jul- go que sendo o Programma tão abstracto , e sendo as cau- sas daquella enfermidade tão variadaí, e havendo-se final- mente escripto muito a respeito delia , ficará a humanida- de no mesmo , cm que dantes se achava. Este nosso digno Sócio mui hábil cm Chymica , que aprendeo em Paris com os mais fiimigerados Professores , não só fez serviços ao Estado com os conhecimentos que delia possuia ; mas tam- bém lhe não foi menos útil com o seu Periódico , que in- titulou Telegrafo Portugiiez : por meio do qual fez impla- cável guerra aos pérfidos Invasores de Portugal, pondo pa- tentes a todo o mundo suas abomináveis maquinações , e esforçando os ânimos daquelles , que menos corajosos po- dcrião por timidex desmaiar na haoica emprez.i dí salvar a DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXIIÍ a Pátria do tyranno jugo dos Wandalos do nosso desgraça- do tempo. Pelo que diz respeito aos trabalhos concernentes ás Sciencias Naturaes , he quanto se acha nas Actas da Acade- mia ; e nenhum se encontra pelo que pertence ás Sciencias Exactas. Náo foi assim o anno passado j mas todos sabem , que em razão da sua grande difficuldade, e pouca amenida* de são comparativamente poucos os que cultii^âo as Mathe- maticas : pcloque nesta Classe nem todos os annos podem ser igualmente férteis. Portanto passo em ultimo lugar a dar-vos conta dos trabalhos da Classe de Litteratura. Lerao-se algumas interessantes Memorias do Snr. Vicen- te António Esteves deCaivalho sobre os conhecimentos de alguns dos nossos Jurisconsultos a respeito do Direito das Gentes. O Snr. Sebastião Francisco de Mendo Trigoso lêa a traducção do segundo livro das Gcorgicas de Virgilio. O Síir. Manoel José Maria da Costa e Sá lêo huma Memoria , em que faz menção de alguns Escriptos do 111.'"" c Ex,""" Srír. Martinho de Mello e Castro , e offereceo hum Manuscripto do mesmo Ministro de Estado. O Snr. Francisco Nunes Francklin lêo huma erudita In» troducção , que deve accompanhar huma Memoria sua acer- ca dos Foraes das Terras do Reino. O Snr. Francisco Manoel Trigoso d' Aragão Morato entregou á Academia huma Obra , que lhe offerccia o Snr. Desembargador Luiz Dias Pereira sobre a Historia e Direi- to das nossas Cortes, e juntamente todos os Manuscriptos, que ficarão ao dito Snr. Desembargador por falecimento do Snr. José Isidoro Olivieri , que mui dignamente havia oc- cupado o distincto lugar de Reitor do Collegio Real de Nobres. O mesmo Snr. Francisco Manoel Trigoso quiz en- carrcgar-se de os ver, fazendo a sua redacção. O Reverendo Snr. Padre João Faustino offereceo da par- XXIV Historia d* Academia Real parte de hum Anonymo hum Glossário de palavnis , e fra- ses afrance/adas , ou estranhas , que se tem introduzido na linj^ua l'ortuguc/a. O nosso Sócio o Sfír. Doutor António de Ahncida tem rcmcttido trcs curiosas c interessantes Memorias Estatisticas de Pcníficl. O Sfír. Joaquim José Varclla remctteo também huma Mcni.iri.1 Estatística acerca da notável Villa de Monte Mor o Novo, pelo merecimento da qual julgou a Academia que o seu Author fosse admittido em o numero de Sócio Cor- respondente. He claro quanto são importantes estes Escri- ptos ; assim os houvesse de todo o Reino ! OíFereceo o Siir. Manoel José Pires huma Dissertação filosófica sobre as linguas , pela qual foi eleito Sócio Cor- respondente. O Siir. Manoel José Maria da Costa c Sá lêo huma Memoria para servir de illustração ao desenho das ruinas de huma Estatua de Cybele descuberta em Beja. O Collegio Real de Nobres hc possuidor de hum Can- cioneiro manuscripto , obra, que parece ser dos primeiros tempos da nossa Ãlonarchia. Entendeo a Academia , que fa- ria hum significante serviço aos amantes das nossas cousas antigas , se delle pudesse tirar huma copia para se dar ao prelo : para o que recorreo ao 111.'"° e Ex."'° Snr. Ricardo Raymundo Nogueira, Reitor do dito Collegio, o qual com a melhor vontade annuio á sua pertcnçao , cncarrcgando-sc elle mesmo de obter do Governo a faculdade para lho po- der entregar. O Snr. João da Cunha Taborda offereceo-se para copiar o mencionado Cancioneiro, o que a Academia acccitou agradecida. Ficou com a incumbência de dirigir este trabalho o Snr. Joaquim José da Costa de Macedo. A Academia , que nunca pôde esquecer a saudosa me- moria de seu primeiro Presidente o 111."'° e Ex.'"° Duque de Lafões , a quem dcveo tudo o que he , julgou unanimemen- te , que era do seu dever mandar fa/er em mármore o seu respeitável Busto , que será collocado nesta Sala das nossas Ses- DAS SciENCIAS DE LiSBOA» XXV Sessões publicas. Todos conhecerão , que he huma justa gra- tidão , que he huma respeitosa saudade , e não baixa adu- lação , que já não pódc ter lugar , quem inspirou d Aca- demia estes sentimentos , que tão bem lhe ficão. Esta pe- ça , que está quasi finalisada , he dirigida pelo habilissimo Snr. Joaquim Ãlachado de Castro, nosso Sócio, já de lon- go tempo conhecido por outras de mui alto pcrtc. He ella teita á custa dos Sócios Académicos , que de muito bom grado querem todos concorrer para tal despcza , que , at- tento o numero dos concorrentes, será de certo insignifi- cante. Não devo deixar no escuro as dadivas , com que no decurso deste anno foi brindada a nossa Academia , que mui agradecida as recebeo ; e são as seguintes : o Snr. D>:utor José Bonifácio de Andrada c Silva entregou duas Obras do Snr. João Chrysostomo do Couto; huma he intitulada: Ek' mentos de Arithmetica , a outra : Elementos de Álgebra. O Snr. Manoel Pedro de Mello entregou da parte do Síír. José Joaquim Rivara hum opúsculo intitulado : Resolu- ção anulytica de Problemas Geometricost OfFereceo o 111."° e Ex.'"" Snr. Principal Sousa por mão do nosso Vice-Presidente o 111.*"" e Ex."'" Snr. Marquez de Borba huma medalha de oiro de Carlos V. , que se achou nas ruinas de huma muralha de Castello Branco. O Snr. Francisco Xavier de Almeida Pimenta offere- ceo por mão do Snr. José Feliciano de Castilho 36 meda- lhas Romanas de prata, que a Academia muito prezou. O Snr. João Pedro Ribeiro offereceo huma Obra sua intitulada : Memoria para a historia das Confirmações Regias neste Reino. O mesmo Snr. fez presente de outro Opúsculo intitulado : Erratas na Impressão da Legislação Extravagante. Nem de longe se esquecem da Academia os seus Só- cios ammtcs das Scicncias. Comprova esta verdade o que fez o Snr. Thoir.az António de Villanova Portugal , que , sem embargo das suas ponderosas occupações, não se csque- ceo de rcmctter do Rio de Janeiro por via do Snr. Ale- Tom. V. * 4 xan- XXVI Historia da Academia Real xandre António das Neves , seu Irmão , hum caixote com vários mintiacs , entre os quaes veio huma quantidade de Topázios, e Cristaes de rocha brancos c corados. Outro tanto fez o Snr. Desembargador Bernardino Tei- xeira , que remctteo huma formosa Druza de Quart/o cris- talizado. O Ex.'"" Snr. Bispo de Elvas presenteou a Academia com hum arco , c varias flexas dos índios da Capitania de Pernambuco ; e com huma espécie de linho tirado de cer- ta casta de palmeira, o qual pela sua rigcza deve ser mui próprio para cordas , e amarras. Delle mandou logo o Snr. José Bonifácio de Andrada e Silva preparar hum pouco ; e nos apresentou huma estriga por fiar, e hum noveílo fiado, cujo fio era de extraordinária rigeza. Os Senhores Redactores assim do Investigador Portu- guês , como do Jornal de Coimbra , continuiío a remettcr-nos os seus Periódicos. Bem quízera , Senhores , pôr de parte recordações fú- nebres ; mas devo por obrigação dizer-vos , que no espaço deste anno temos tido a dolorosa perda de alguns Sócios, e Correspondentes , que muito nos honravão , e mui úteis nos erão. Em primeiro lugar pronunciarei o respeitável no- me do nosso Sócio Honorário o Ex.'"" e R.""* Snr. Principal D, Francisco Raphael de Castro. Para a geração presente nad.i hc preciso dizer das suas singulares virtudes ; porque erão tantas e tão seguidas , que ninguém as ignora : mas paraquc os viiidouros saibão , que neste nosso infeliz tem- po também houve, c ha beneméritos Varões, que a Provi- dencia fez apparecer no mundo para modelos de virtud>.'S , s(S direi , (pois mais me não cabe) que o Snr. Principal Cas- tro foi desde moço exemplar em urbano, grave, e modes- to Comportamento , de que nunca desmentio até o fim de seus dias. Como homem de letras, foi de extensos conhe- cimentos , e de mui apurado gosto ; e como Ecclcsiastico de mui alta veneração para todos. Foi Reitor da Universi- da- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXVII dade de Coimbra , oilde havia sido educado j e para o seu lustre, augmento , e boa ordem desejando faz,er muito mais, fez da sua parte quanto pôde. Fui seu súbdito nos primei- ros annos do seu Reitorado , e posso de sciencia própria affirmar, que a sua intelligencia, zelo, e veneranda integri- dade o fazião amado e ao mesmo tempo respeitado de to- dos os Académicos ; c he para desejar , que todos os seus successores o hajao de tomar por modelo. Em segundo lugar nomearei o nosso Sócio livre o Snr. Jeronymo Soares Barbosa , Professor emérito de Eloquência na Universidade de Coimbra. Gozou sempre de grande re- putação em matérias de Litteratura. Foi virtuoso Ecclesias- tico, e geralmente respeitado. Em terceiro lugar lamentarei a morte do nosso Sócio veterano o Snr. Pedro José da Fonceca , dignissimo Profes- sor de Rhetorica e Poética , ultimamente no Real Collegio de Nobres , em que foi aposentado pelas suas muitas mo- lestias , e mui avançada idade j que foi toda ( em quanto as forças lho concederão ) empregada no ensino da moci- dade , e em compor para sua regular instrucção obras da primeira necessidade ; as quaes não refiro , por serem ge- ralmente conhecidas. Tive a fortuna de ser seu discipulo ; e affirmo , que tendo tido depois tantos Mestres , nunca en- contrei hum só , que desempenhasse melhor as obrigações das suas respectivas Cadeiras. Era incançavel o seu desvelo para o adiantamento dos seus discípulos ; e era , sem se po- der exceder, tão admirável a sua digna urbanidade para com elles , que todos o amavão , e respcitavão. Faleceo , ou an- tes , despcnou-o a Providencia dos tormentos da sua mor- bosa existência a 8 do corrente mez : ninguém o tratou , que deixasse de prezar o seu caracter , e de reconhecer a sua erudição , conservando hoje delle vivas saudades. Também tenho que lamentar a perda do nosso Cor- respondente da Academia , e da Instituição Vaccinica o Snr. Doutor José Francisco de Carvalho , que morreo sem ter tocado o meridiano da vida. Pelas Memorias que remetteo , * 4 ii as XXVtlI HiSTOBIA DA AcABEMIA ReAL as qiiaes lhe grangcárao a Carta de Correspondente Aca* demico, mostrou a sua grande applicação, o seu bom sen- so, e até certa candura, que por si interessava. Não o co- nheci, mas foi o que passou por mim ao ler as suas Me- morias , e Cartas.' Lamentarei por fim a falta do nosso Correspondente o Snr. Vicente António Esteves de Carvalho, que utilmen- te trabalhou para a Academia. Vicrão a concurso duas Memorias : hunia a respeito da Descripçao da Villa de Buarcos , a outra a respeito da Villa da Covilhã. Ambas não merecerão a approvação da Academia. Mereceo porém ser coroada, e terá o premio, confor- me o Programma , huma Memoria a respeito da cultura das batatas , que remetteo o Snr. José de Sousa e Freitas , a qual vinha acompanhada das Attestaçóes exigidas. Foi também apresentada huma Tragedia intitulada : Os dois Irmãos inimigos ; mas como não viesse no tempo assigna- do para o concurso , deve ser entregue ao Author. A Me^ .mor/a sobre as Quantidades negativas deve do mesmo modo 6er entregue ao Author, por pertencer ao anno de 1817. Apparecem hoje impressas as Obras seguintes : a segunda Parte do IV. Tomo das Memorias da Academia. ■=: Elementos de Geometria pelo Snr. Francisco Viiiela Barbosa. = Segunda edição do Ensaio Económico do Ex.'"" Snr. Bispo d' Elvas. Fi- cão no prelo o Tom. IV. de Inéditos de Historia Porttégueza, =: Reimpressão do Descobrimento da Frvlida. Tenho concluído , Senhores , o meu Discurso ; e mui- to receio , que vos tenha parecido longo e penoso ; pois conheço, que por curto que seja qualquer caminho, se he árido c montanhoso , sempre enfada , e parece comprido. O que porém posso aíBrmar-vos , he,que despendi em o fa- zer o melhor do meu cabedal, não por motivo algum van- glorioso , mas sim porque tive sempre diante dus olhos o aca- oíij Gt DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXIX acatamento devido ao respeitável Auditório , perante quem devia recita-lo. Huma cousa tenho para mim como cei ta , e he , que com fortes razões ( embora fossem cilas bem ou mal expressadas) assaz mostrei, que a brutal ignorância he o mais horrível flagello da espécie humana ; e que sem a cultura das nossas faculdades intellcctuacs , isto he , das Scien- cias c das Artes suas filhas , as Nações nunca se libertão do misero estado de barbaridade , ou quasi barbaridade. ^E onde he que se cultivao as Sciencias , e as Artes ? ^ He por ventura nas Universidades ? Náo , Senhores ; porque nellas somente se ensinão seus Elementos. He sim nas Cor- porações de homens feitos e doutos ( a que se tem dado o nome de Academias ) onde ellas se arreigao , se fortifi- cáo , e dão finalmente frutos sazonados e abundantes. Por esta evidente e experimentada razão todos os Soberanos da Europa culta sempre efficazmente protegerão as suas Aca- demias , como astros brilhantes , que tem de alumiar o res- tante de seus Vassallos : eis-aqui o principal motivo , que leva o magnânimo Coração do nosso suspirado Príncipe a honrar-nos com tanta benevolência. ,; E pôde alguém dizer com verdade , que a nossa Academia não procura efficazmen- te desempenhar o primário fim do seu Instituto, que he o de ser útil aos Portuguczes? ^-Nestes mesmos trabalhos, que vos referi, praticados no curto espaço de hum anno, não mostra ella , quanto se desvela em promover o Bem publi- co ? d E qual he a sua recompensa ? He a mais honrosa , e a maior possivel : he este mesmo Bem publico. Não afro- xemos portanto , Senhores , na laboriosa carreira litteraria , que espontaneamente temos seguido ; marchemos intrépidos ; e não consintamos vigilantes , que a Ignorância proteifor- me deshonrc a nossa chara e benemérita Nação , fazendo-a desgraçada. Sejamos gratos ao Príncipe , que nos protege ; úteis á Pátria , que nos sustenta ; e dignos dos louvores de todos oíi homens sensatos. / Disse. CON- XXX Historia da Academia Real CONTA DOS TRABALHOS VACCINICOS Liilíi na Sessão Pública da Academia Real das Sciencias de Lisboa aos 2^ de Junho de 18 16. PELO DOUTOR Justiniano de Mello Franco. Hl .E neste fausto dia , Senhores , que a Instituição Vac- cinica creadd pela Academia Real das Sciencias de Lisboa vos tem dado sempre conta dos seus philantropicos traba- lhos desde o seu estabelecimento em Junho de 18 12. Já por três vezes , e neste mesmo lugar a historia annual des- te benéfico Instituto merecco a vossa attençâo ; era poréra narrada com mais arte , e engenho do que deveis esperar de mim, que pouco costumado a fallar em publico, e mui- to menos perante huma Assembléa tão sabia e respeitável, bem reconheço quanto esta empreza he árdua , e superior ás minhas forças ; e quanto devo ficar atra/, dos meus sá- bios Collcgas , que nos annos antecedentes tão dignamente occupárão este lugar. Não he portanto com pomposas frases , nem com ras- gos de eloquência , que espero atvrahir a vossa attenção , não sendo dellcs capaz a minha mal aparada penna ; mas como estou certo das minhas ténues forças , appello unica- mente para a veracidade, importância do objecto, e vosso reconhecido patriotismo. Confiado portanto em motivos tão sólidos espero , que attendais á interessante narração , que vou DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXXI VOU fazer-vos ; e que useis da vossa indulgência com os poucos , c limitados talentos do Orador. Não , Senhores , de certo me não negareis a vossa at- tenção , tendo eu de relatar-vos a continuação dos traba- lhos , e progressos da Instituição Vaccinica , cujo zelo , e actividade tem este anno arrancado das garras da morte muitas victimas , que pelo contagio assolador das Bexigas naturaes lhe serião sacrificadas ; as quaes , já votadas á sua devastadora fouce , forão pela simples , e innocente Vacci- nação resgatadas com tanta utilidade do Estado. Devo fa- zer-vos conhecer , se a tanto as minhas forças chegarem , o zeloso patriotismo, que tem mostrado neste philantropico Serviço, não só os Empregados desta Instituição , mas tam- bém a maior parte dos seus Correspondentes nas Provín- cias ; c não omittirei os trabalhos , e até sacrificios , a que esta Real Academia se tem sujeitado promovendo , e au- xiliando tão efficazmente este incomparável preservativo , cuja propagação em Portugal parece lhe estava reservada , para mais augmentar a sua gloria. Cumpre-me por ulti- mo fazer-vos o esboço das providencias , que o nosso sábio Governo , que tanto se esmera em promover o bem publi- co , a este respeito nos liberalisou , paraque com mais es- tabilidade , se propague o beneficio da Vaccina , a qual com progressivos passos se vai estabelecendo ; e com pra- zer vos annuncio , que já esta dadiva preciosa da Providen- cia SC var generalisando em diversas Capitanias do Brasil ; como também , que em alguns lugares de Portugal não ha já para vaccinar , senão os recem-nascidos ; o que por ou- tras palavras quer dizer , achão-se extinctas nestes lugares as hediondas Bexigas naturaes. Desejara neste momento possuir o dom de pathetica eloquência, para dignamente tecer os devidos elogios a tão patrióticos feitos, excitando nos vossos corações o mesmo, que no meu sinto , huma sincera gratidão , que he devida ao Excelso Pjuncipe, que nos rege, e á sabia Corporação, que por EUc protegida não cessa de espalhar por toda a par- iXTi XXXII Historia da Academia Real parte as suas benéficas luzes. Graças pois sejão dadas ao nos- so Paternal PpiNcirE : graças ao patriótico zelo dos que gra- tuita , c voluntariamente se occupão neste interessante ser- viço: graças finalmente á dócil, e natural obediência, que os bravos e fieis Portuguezes consagrarão sempre aos seus Soberanos. Diminuir os males , que opprimcm a Humanidade , sal- var a bem da Pátria vidas preciosas , extinguir hum conta- gio, que com razão tem alguns reputado mais devastador, que a mesma peste ; c conseguir por fim estes inestimá- veis bens por tão fácil, e suave meio, qual he o da vac- cinação , são de certo objectos , que ofFercccm hum vasto assumpto , com que vos poderia entreter por largo tempo ; mas cUe me faltaria para vos informar do que se tem pas- sado , que he a minha principal incumbência. Passo portanto a narrar-vos em resumo fiel o que tem acontecido a respeito da vaccinaçao em Portugal , desde a ultima Sessão publica até ao dia de hoje ; e de passagem, direi o que delia sabemos no Brasil , segundo tem chegado ao conhecimento da Instituição. Constará o meu Discurso de duas partes : na primeira exporei os progressos , que tem feito a vaccinação durante este anno passado, e o estado em que presentemente se acha : nem deixarei no escuro os nomes dos que mais se tem distinguido neste serviço. Na segunda tratarei de algu- mas obsci^vações , que forem mais dignas de notar-se senão por novas , ao menos por corroborarem as já observadas. Parte Primeira. Quando passo pela memoria as efficazcs providencias , que nos differentes paizes da Europa forão empregadas pa- ra estabelecer o grande descobrimento do imniortat Jcnnerj e quando me recordo das grandes, e diversas diíficuldades, que desde o seu principio se lhe tem opposto, sou de opi- nião , que he seguramente em Portugal , onde a Vaccina tem fei- UAS SciíiNCIAS DE LiSBOA. XXXllI Fiito mais rápidos progressos, e achado menos opposiçãò. Todos sabem , que em Inglaterra Sociedades philantropicas estabelecerão desde logo Instituições , onde se vaccinava gra- tuitamente •-, e não se descuidarão de lhes assignar pensões safficientes para gratificar os Empregados , e fazer as mais despezas que convinhao. Nem alli se negarão assim o Cle- ro , como outras pessoas de representação, á empreza de exhortar os povos , paraque quizessem utilizar-se de tão grande beneficio : mas não obstante todas estas tão bem com- binadas providencias, sempre alli houve, e ainda hoje ha incrédulos pertinazes, que desprezão esteeincaz,e benéfico preservativo. Destes me não admiro , pois semelhantes aos cegos , não atinão com o verdadeiro caminho ; admiro-me sim àe que haja Facultativos , que declamando contra a Vac- cina , sem terem a menor consideração pelas mui repetidas , e verídicas observações dos seus Collegas , parece que mer- cantilmente desejao , que lavrem epidemias de Bexigas : mas j que horror para a humanidade 1 Estes querem , que tama- nho mal persista , e aquellas Instituições forcejão por ex- tingui-lo. Em França , em Allemanha , na Suécia &c. gene- íalisou-se , he verdade , a vaccinação ; mas foi necessário obrigar os Povos directa , ou indirectamente ^ a que rece- bessem este beneficio , que a sua ignorância líao sabia ava- liar. Houve naquelles illuminados paizes obstáculos sobre obstáculos para a propagação da Vaccina ; ^ e como pode- ria ella deixar de os encontrar mais ou menos em Portugal ? Alas graças á docilidade dos Portuguezes , todos elles se tem quasi plenamente vencido j pois até os seus mesmos opposi- Tores vão cedendo á força da evidencia ; e he hum força- do silencio o ultimo abrigo a que recorrem. Para provar que em Portugal a Vaícina fez rápidos progressos , bastará lembrar-vos , que muita gente buscou aproveitar- se deste descobrimento, assimque teve delle no- ticia ; e que houve logo Facultativos , que o puzerão era prática. O Sfír. António de Almeida, Medico em Penafiel j benemérito Correspondente desta Real Academia , e da In- Totfi. r. * g sti- XXXIV Historia da Academia Reai> stituição Vaccinica , assim o confirma nos seus Ar.naes Vac- cinkos , que vão ser publicados. Passado algum tempo o nosso Augusto Príncipe , capacitado da inlaiivcl virtude deste preservativo , cheio de confiança nos Médicos , que tinha a seu lado , e conservando ainda fresca a fatal feri- da , que as Bexigas natuaes acabaviío de abrir cm seu cora- ção com a morte de seu Filho primogénito , tomou a reso- lução de mandar vaccinar os demais Serenissimos Infantes, para os livrar de outro semelhante golpe. Não foi , nem era preciso mais para se perder em grande parte a descon- fiança , que muitos tinhao arCvSpcito de hum descobrimento tão moderno. Deste modo progredia entre nós a Vaccinaçao , sem haver huma lei coactiva, que a isso obrigasse, nem hum Instituto publico para este fim. De* certo não tardaria mui- to a organisação de taes estabelecimentos , se a desastrosa invasão dos oppressores da humanidade nao viesse pertur- bar o nosso socego , obrigando a Familia Real a abando- nar-lhes seu Reino, e a ret"ugiar-se nos seus vastos, e se- guros Domínios Ultramarinos. Portugal então opprimido, e afflicto perdeo de vista tudo o que não foi sacudir o férreo jugo, que perfidamente lhe havião posto: e eis-aqui a cau- sa do eclipse da Vaccina por alguns annos. Por estes tris- tes acontecimentos ficou como esquecida, e como suffocada entre nós esta tão útil prática da Vaccinação. Logo porém que a expulsão dos pérfidos conquistadores nos promettia mais serenos dias ; e que o valor dos nossos invictos Guer- reiros nos seguravão huma paz mais permanente, esta Real Academia creou no seu seio a Instituição Vaccinica , a qual unicamente com persuasão , c exemplo tem adquirido mui- tos Correspondentes , cujo numero já sobe a mais de cem ; os quaes cuidadosamente tem espalhado este maravilhoso antídoto por quasi todo o Reino. Com grande prazer vos annuncio , que ao zelo destes beneméritos Vassallos deve o Estado este anno 17:611 pessoas que tiverao verdadeira vac- cina. Tiverão-na duvidosa 3:000; c neste numero devem en- trar DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXXV trar os que depois de servidos, não voltao para serem ob- servados : mas , segundo hum calculo mais aproximado , destes metade tem vaccina verdadeira ; e eis-aqui i8:iii in- dividuos salvos da cruel moléstia variolosa j e nesta conta nao entra o grande numero de pessoas , que particularmen- te se vaccinão ; das quaes a Instituição só pôde fazer idéa pelo grande numero de lammas com virus vaccinico , que frequentemente se lhe pede , sem poder averiguar o resul- tado. Para melhor mostrar os progressos , que tem feito a Vaccinação , em Portugal , cumpre-me dizer em breve o nu- mero dos vaccinados nos annos antecedentes. No anno de 1813 tiverão Vaccina verdadeira - - 3:323 Em 18 14 do mesmo modo Vaccina verdadeira - 8.727 Em 1815- igualmente Vaccina verdadeira - - - 12:305" Em i8i;las as Pessoas podem concorrer a elles , á excepção dos Sócios Ho- norários , e EíFectivos da Academia. Abaixo destes prémios principaes , propõe a Academia também a honra do Acces- sit , que consiste em huma Medalha de prata; e ainda abai- xo desta , a menção honorifica da Memoria que só disso se fizer digna ; a qual menção será feita nas Actas e Historia. As condições geraes para todos os Assumptos propos- tos são : Que as Memorias , que vierem a concurso , sejao escritas em Portuguez , sendo os seus Autores naturacs des- tes Reinos ; e em Latim , ou em qualquer das Lingoas da Europa mais. geralmente conhecidas, sendo os Autores Es- trangeiros : Que sejão entregues na Secretaria da Academia por todo o mez de Maio do anno em que houverem de ser julgadas : Qiie os nomes dos Autores venhão em carta fechada, a qual traga a mesma divisa que a Memoria, pa- ra se abrir somente no caso em que a Memoria seja pre- miada : E finalmente que as Memoria premiadas não possão ser impressas , senão por ordem , ou com licença expressa da Academia ; condição que igualmente se estende a todas as Memorias , que não obtendo Premio , merecem comnulo a honra do Accessit. Porem nem esta distincçâo , nem a ad- judicação do Premio , nem me^mo a publicação determina- da, ou permittida pela Acqjjemia , deverão jamais rcputar- se como argumento decisivo , de que esta Sociedade appro- va absolutamente quanto se contiver nas Memorias , a que conceder qualquer destes signaes de approvação ; porém somente como huma prova , de que no seu conceito desem- penharão , senão inteiramente , ao menos a parte mais im- portante dos Assumptos propostos. LIS- OAS SciENCIAS DE LlSBOA, XLVH LISTA DOS SÓCIOS JDa Academia Real das Sc tendas em Junho de 1817. PROTECTOR ELREI NOSSO SENHOR. PRESIDENTE O Sereníssimo Senhor Infante D. Miguel. Vice-Presidente Fernando Maria José de Sousa Coutinho Castello-BrancO e Menezes , Marquez de Borba. Sócios Honorários. S. A. R. O Principe de Gallcs , Regente do Reino unido da Grã-Bietanha. S. A. R. o Duque de Sussex. António de Araújo de Azevedo , Conde da Bai*- ea, ----------- no Rio de Janeiro. Arthur Wellosley, Marquez de Wellington, Du- que da Vicroria, ----.__. em França. Carlos Stuard -.----__.- em Paris. D. Domingos de Sousa Coutinho , Conde do Funchal ,----------_ em Rema, D. Duarte Manoel, Marquez de Tancos, - em Lisboa. Fernando Maria José de Sousa Coutinho Cas- tel- íi-rm* »« Penafiel. António de Araújo Travassos ----- ew Lisboa, Cypriano Ribeiro Freire ------- em Lisboa. Félix de AvcUar Brotcro ------- na Ajuda. Francisco José de Almeida _..--- gni Lishon. Fr. Francisco de S. Luiz ------- em Coimbra. Francisco de Mello Franco ------ em viagem. Francisco Pires de Carvalho e Albuquerque - em Lisboa. Francisco Ribeiro Dosguimarães , Substituto de EíFcctivo, ----------- em Lisboa. Francisco Simões Margiochi - '- - - - - em Lisboa. Francisco Soares Franco ------- em Coimbra, Francisco Villela Barbosa ------- em Lisboa. João António Salter de Mendoça . ~ - - em Lisboa. João Diogo de Barros , Visconde de Santa- rém , _---__--_--- fw/ Lisboa. João 51311 OT DAS SciENCiAS DE Lisboa. li João Evangelista Torriani - - _ - . -em Lisboa. D. João de Magalhães c Avellar , Bispo do Porto, ------------ no Porto. João Silvério de Lima ------- - em Santarém, Joaquim José Ferreira Gordo ( Monsenhor Fer- reira ) Substituto de Effectivo, - - - - em Lisboa. Joaquim Pedro Gomes de Oliveira - - - -em Santarém. José António de Sá --------em Lisboa. José Corrêa Picanço' ------ no Rio de Janeiro. D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Couti- nho , Bispo de Elvas ,------- e/« Lisboa. José Maria Soares --------- e;« Lisboa. D. José Maria de Sousa Botelho . - - - em Pariz. Justiniano de Mello Franco - - ~ - - - em viagem. Luiz Máximo Alfredo Pinto de Sousa , Viscon- de de Balsemão , -------- e»; Lisboa. Manoel Ferreira da Camera Bctancourt - no Rio de Janeiro. Manoel Pedro de Mello ------- tw; Coimbra. Marino Miguel Franzini ------- « Lon.ires. João Laureano Nunes Leger ------ em Lisboa. João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz - em Castello Branco. João Manoel de Campos e Mesquita - - - em Aveiro. João da Silva Feijó -------- no Ceará. João Theodoro Koster -------em Londres. Joaquim de Amorim e Castro - - - no Rio de Janeiro. Joaquim de Santa Anna Carvalho - - - -em Setúbal. D. Joaquim José António Lcbo da Silveira - - em Berlim. Joaquim José Varella - - - - ~ em Monte m r o novo. Fr. Joaquim Rodrigues .-_-_.- em Lisboa. Fr, Joaquim de Santa Rosa de Viterbo , no Convento da Fraga , em Viseu. Joaquim Xavier da Silva ------- em Lisboa. José Accursio das Neves ----•-«« Lisboa. Fr. José de Almeida Drak --■•--- em Lisboa. Fr. José de Santo António Moura - - - em Lisboa. José Avelino de Castro ------- no Porto. José Calheiros de Magalhães e Andrade - - em Braga. Fr. José da Costa e Azevedo - - - - em Pernambuco, Jo- mna ot UAS SciENCIAS DE LiSBOA. Llll José Egidio Alvares de Almeida - - m Rio de Janeiro. José Feliciano de Castilho ------ ^ím Coimbra. José Jacinto de Sousa ----.-_- no Porto. José Ignacio da Costa -----.. cm Lisboa. José Ignacio Paes Pinto de Sousa e Vasconcellos - no Porto. D. José do Loreto ------. --em Londres. José Manoel Ribeiro Vieira de Castro - - no Porto. José Manoel de Sequeira ------- no Cuiabá. D.José Maria da Piedade Lencastre e Silveira , Marquez de Abrantes y ------- em Lisboa. José Portelli - em Lisboa. José de Sá Bctancourt -._--__ na Bahia. José Theresio Michelotti ------ em Lisboa. D. José Valério , Bispo de Portalegre , - - em Portalegre. Fr. Lourenço do Desterro Coutinho - - - em Coimbra. Lucas Tavares -.--...--- cm Lisboa. Luiz António de Oliveira Mendes ... na Bahia. Luiz Dias Pereira ------ ^ .. em Lisboa. Luiz Henriques , Barão de Block - - - - em Dresda. Luiz Leonardo de Vasconcellos Almeida e Se- queira (Monsenhor Sequeira) - - _ - em Bemfica. Manoel Jacinto Nogueira da Gama - - no Rio de 'Janeiro. Manoel José Maria da Costa e Sá - - - - em Lisboa. Manoel José Mourão de Carvalho Monteiro - - vn Mealhada. Manoel José Pires -------- c;w Lisboa. Manoel Pereira da Graça - - -na Ilha da Madeira. D. Miguel António de Mello - - - - - em Lisboa. Fr. Patrício da Silva -------- c>í;<>o<><>oooc>c<>oc<>;x>o<><>o<>o«c«x; > " joooocoo;xxxxxxxxx>;>oo<>o *i3ta oi DAsSciENCIASDELrSBOA. 5 tomia significa hum tecido organisado (íj) mui semclliantô nas diversas partes da sua extensão, e o qual , reunido a ou* tros tecidos, fórma os diversos órgãos animaes. São cm con* sequencia os tecidos ou systemas huns elementos organisa- dos de que se compõem os corpos animaes (e o mesmo se pode applicar aos vcgetacs). Bichat vendo que alguns destes systemas cntravâo na composição da maior parte dos nossos órgãos , quando ou- tros erão limitados a hum pequeno numero delles , chamou os primeiros systemas geradores. Assim o tecido cellular , que entra na composição da maior parte dos nossos órgãos ; assim os vasculares, que lhes levão os principios e trazem, os resíduos da sua nutrição ; assim o nervoso , sede exclusiva da sensibilidade, são systemas geradores. Pelo contrario o sys- tema dermoideo he limitado á superfície externa do corpo, e o mucoso á interna ; e os ossos , as cartilagens , e as mem- branas serosas occupao partes muito circumscriptas da nossa maquina. A palavra systema nas outras Sciencias significa hum to- do, em que as diversas partes se referem a hum centro ou ponto de reunião commum ; por esta razão dizemos , em Phy- sica , systema planetário , porque todos os planetas tem o Sol por centro commum dos seus movimentos. Em Anatomia os systemas geradores formão também hum ponto de reunião commum : desta sorte os nervos tem hum centro commum no cérebro e medulla espinal ; as artérias e veias hum no co- ração ; e o tecido cellular forma hum todo continuo , em que estão mergulhados os nossos órgãos, desde a cabeça até á planta dos pés. Nos outros systemas não existe esta continuidade, á ex- cepção do dermoideo , c cpidcrmoideo ; c então a palavra systema lhes compete na verdade bem pouco ; mas conser- vamos este nome para explicar a somma , ou totalidade dos mesmos tecidos , que tendo huma estructura e propriedades A ii se- (/») Ou tambcm o Tratado sobre estes tecidos. 4 Memorias da Academia Real semelhantes , existem cm partes muito diversas da economia animal. Deste modo a pleura nao tem continuidade alguma com as outras membranas serosas , nem a albuginea com os outros orgâos fibrosos ; mas como tem entre si muita se- melhança de estructura e de propriedades , formamos dos primeiros o systema seroso, e de todos os órgãos fibrosos brancos o systema fibroso. Acabamos de dÍ7.er , que as diversas partes do mesmo tecido, ou systema tinhão huma estructura semelhante, e propriedades análogas ; e quando Bichat desce ao exame par- ticular de cada hum dclles, admitte a mesma doutrina; mas no Tom. 1. da Anatomia Geral, pag. 92 das considerações geraes , se explica pelo contrario do modo seguinte : « Vis- to que cada tecido organisado tem huma disposição unifor- me por toda a parte ; visto que qualquer que seja a sua si- tuação , tem a mesma estructura , as mesmas propriedades , &c. " Estas duas proposições são summamcntc inexactas ; se fossem verdadeiras , seria neceflario crear quasi tantos sys- temas , como as diversas partes do corpo ; porque ainda ad- mittindo com Bkhat o excessivo numero de systcmas , que traz na sua Anatomia Geral , qualquer delles não tem em todas as suas partes nem a mesma estructura , nem as mes- mas propriedades. Quem não vê as grandes diffcrenças que apresentão as membranas mucosas nas suas diversas partes? A membrana fungosa do estômago , cheia de villosidades vasculares pendentes , a do duodeno coberta de válvulas conniventes , não tem grandíssima diflFerença da membrana mucosa da bexiga , ou da pituitária , principalmente daquel- la porção que reveste os seios ? As glândulas são dotadas de parenchymas evidentemente diversos entre si ; e o syste- ma glanduloso não parece ser mais do que huma totalida- de de corpos bastantemente diversos , e só reunidos por al- guns caracteres vagos e genéricos , debaixo de hum ponto de vista commum. Nos mesmos systemas geradores , que parece devião ter mais uniformidade , se nota a mesma discrepância. O sys- te- siair oí DAsSciENClASDsLlSBOA. > 5: tema nervoso por exemplo offerece muitas difFerenças de cs- tructura: o nervo óptico, segundo i?^// , apezar da sua gros- sura , não he composto de filetes , como os outros nervos , mas consta de hum tubo só , em cujo interior ha muitas cel- lulas communicantes , onde estagna a medulla. Os nervos oU factorios e os auditivos tem grande difFercnça na disposição e cstrucrura das suas ultimas extremidades , e parece cjue assim era necessário para poderem corresponder huns á exci* ração das partículas odoriícras , outros á dos raios sonoros. O tecido cellular he igualmente diverso nas diversas partes ; em humas exhala serosidade , em outras gordura ; em humas he lacho , e composto de laminas evidentes; em outras , como á roda das artérias , e das membranas muco- sas he filamentoso, e muito denso, &c. Finalmente as ar- térias tem diversa estructura nos grandes troncos , ou nos minimos ; os primeiros não tem irritabilidade alguma , e os segundos a tem , ou pelo menos huma contractihdade activa muito próxima daquella força ; de mais as suas túnicas são proporcionalmente mais crassas do que nos troncos ; final- mente os vasos capillares , continuação das artérias , varião muito entre si , e nelles se passão muitos dos grandes fe- nómenos da economia, em razão mesmo da sua diversidade de estructura , e de propriedades. Logo he imaginaria , e contraria aos factos anatómicos a rigorosa uniformidade de estructura , e a identidade de propriedades em qualquer systema; basta que a sua estructu- ra , tomada em geral , seja semelhante , e que as suas pro- priedades não sejão dilFerentes em quanto á essência. Assim os nervos são em toda a parte compostos de nevrilema e substancia medullar , aindaque esta padeça diversas modifi- cações nas diversas partes : igualmente as artérias são com- postas das mesmas túnicas nas diversas regiões do corpo , postoquc a sua densidade e propriedades vão progressiva- mente variando. Nós temos particularmente insistido nesta doutrina , porque havemos de ter occasiâo de a applicar ao systema inus- siEii 01 6 Memorias da AcademiaReal muscular ; c na verdade oíFercccndo elle muita semelhança na organisação c propriedades das suas diversas partes , e mais talvez do que qualquer outro, não apresenta essa rigorosa uniformidade , que hc impossível encontrar senão em hum muito pequeno numero de órgãos idênticos. Se esta verda- de he provada , admittindo todos os systemas de Bichai , muito mais evidente se tornará , limitando-os como devemos fazer, a hum menor numero. Com tudo , anatomicamente fallando , não os podemos reduzir aos quatro elementos, de que falia Richeranã ^ celltt- loso, nervoso, muscular, e epidermoideo: estes podem rcputar- se como elementos mais remotos da organisação ; mas tra- tando dos systemas , que entrão im medi ata mente na forma- ção dos nossos órgãos , hc necessário , e essencial separar os ossos das cartilagens , estas do tecido fibroso , e mais ainda do celluloso , &c. Entre aquelles dois extremos ha hum meio , que me parece ser o que se deve seguir : desta maneira os dois systemas musculares formão somente hum , como mos- traremos nesta Memoria ; o mesmo pensamos a respeito dos systemas seroso e synovial, que não devem igualmente for- mar mais do que hum só ; do mesmo modo podem rcdu- zir-se a hum o epidermoioeo , e o pilloso , &c. Como pordm não pert^ndemos fallar de todos estes ob- jectos , basta termos fixado de algum modo as nossas idéas sobre o que se deve entender por systcma em Anatomia i e passemos a dizer algumas palavras acerca da distincção das duas vidas orgânica , e animal , paraque postos estes preliminares necessários , desçamos á particular discussão , que nos propuzemos. Ariitoteles e outros antigos tinhão já notado adiffcrcn- ça entre a vida , ou alma vegetativa , e racional ; com tu- do esta idea nunca foi applicada ás Sciencias Anatómica , e Physiologica : devemos a Crimeau esta applicação , a qual porém foi muito mais completamente desenvolvida por Bi- chai no Tratado sobre a vida, e a morte. Este Sábio chamou a huma , vida orgânica , porque a reputou commum a am- bos DAS SciENCrAs DE Lisboa. ^ bos os Reinos organisados animal , e vegetal ; a outra , ani- mal, peia julgar privativa dos animacs; e suppôz, cjuc se fosse possível revestir hum vegetal dos aparelhos da vida exterior , teríamos formado hum animal. Porém esta ídéa não he exacta ; porque todos os ór- gãos da digestão , e da respiração não se encontrão no ve- getal (íz) e nao pertencem também á vida exterior; e des- te modo na supposíção de Bichat ^ teríamos hum animal sem digestão , e talvez sem respiração ; por este motivo Mr. Biiisson chamou a estas duas funcçóes preparatórias. Mas pa- rece completamente supérfluo multiplicar nomenclaturas e distincçoes ; basta mudar o nome de vida orgânica no de vida assímilarriz, como fez Richerand^ e considerar de mais, que cila he nos animaes mais complicada do que nos ve- getaes , e que estes , aíndaque fossem revestidos dos apa- relhos da vida relativa , não se tornarião em animaes sem a addição , pelo menos , de hum tubo digestivo , caracter que parece ser o uiaís decisivo para distinguir o Reino ani- mal do vegetal. Além desta consideração ha outras duas mais impor- tantes ainda neste ponto da diflferença das duas .vidas , prin- cipalmente a respeito da discussão, em que vamos a entrar, e são as seguintes : i.^ Aíndaque as duas vidas se possão considerar isoladas e independentes , examínando-as abstra- ctamente , e attendendo só ás suas funcçóes e fins , com tu- do não se achão assim isoladas nas maquinas animaes. O es- tômago , os intestinos , e o coração pcrrurbão e alterao em infinitas circunstancias as funcçóes animaes 5 e vice versa as paixões , as sympathias , certos medicamentos logo depois de (/j) A respeito dos órgãos da digestão não ha duvida alguma: porém acerca da funtção di respiração , isto he , de huma fiincçáo pela <|u.il o ente org.misado decomponha huma parte do ar atmosk'rico , e absorva o oxigeneo, he problemático depois das experiências de i:7//j: mas de qual- quer modo he huma verd.idc irrefragívcl , que os animaes viciáo , e os vcgetaes purificáo a atmosfera ; e que a palavra respiração só pôde ser applicada aos últimos em hum sentido mais lato. Os mesmos órgãos náu tem entre si analogia alguma. filSLH or 8 MemoriasdaAcademiaRkal de introduzidos no estômago , &c. desordenão igualmente de mil modos as íuncçòcs da vida assimilatriz. E fallando de hum modo mais anatómico , as artérias e veias , que per- tencem ao systema circulatório , animao huma e outra vi- da, que se achão por consequência dependentes da mesma sorte da influencia do coração. Igualmente he necessária a influencia dos nervos para a formação dos movimentos rá- pidos da irritabilidade , ou estas tenhao lugar cm huma , ou em outra vida , como provaremos amplamente no decur- so desta Memoria. A segunda consideração hc de algum modo consequên- cia da prmicira ; e he que na economia animal ha órgãos , que estão debaixo da influencia das duas vidas : deste mo- do a pharinge , e a extremidade inferior do recto , que es- tão cm grande parte debaixo da influencia da vontade , per- tencem á vida assimilatriz pelo seu fim : o diafragma , e a bexiga estão em parte sujeitos ao império da vontade, e em parte obedecem a estimulos involuntários. Costuma di- y.er-se que taes órgãos ficão nos limites das duas vidas ; mo- do vago , e inexacto de fallar , e que nada quer dizer j o que se vê hc que não ha completa isolaçao das duas vidas , nem relativamente á influencia reciproca e decisiva , que exer- cem huma sobre a outra , nem a certos orgíos , que na rea- lidade não pertencem exclusivamente a nenhuma delias , por- que estão debaixo da influencia de ambas. Passemos agora a examinar miudamente os diversos mo- tivos , por que Bichat separou os músculos da vida animal dos da assimilatriz ; e esta discussão nos levará ao mesmo tempo a determinar o ponto mais importante desta Memo- ria , a saber : Se a irritabilidade he huma força única , ou se devemos separa-la da contractilidade animal sensivel (na frase de Bichat ) . CA- DAS bCIENClAS ti E Li. F, C da 7 i8 Memorias da Academia Real da irritabilidade consiste cm huma acção chcmico-animal e que a fibra muscular soffrc então huma alteração tal, que exige tempo , e huma nova nutrição para se por em esta- do de se contrahir de novo ; que os nervos dão alguma cousa, seja hum fluido ethereo, ou o que for, que igual- mente se consome, e que precisa de tempo para se formar de novo. Vemos também a necessidade do sangue arterio- so ; mas pelos factos conhecidos não podemos determinar se este sangue he necessário , porque dê também algum prin- cipio no acro mesmo da contracção , ou se serve somente para xiutrir e reparar a fibra muscular : com tudo esta segun- da opinião parece a mais provável , porque segundo as ex- periências de Lc Galois y a integridade das artérias he essen- cial para a conservação da potencia nervosa ; e por analo- gia também o systema arterioso será necessário para a con- servação da fibra muscular. Aindaque nós não saibamos o que he esta acção che- mico-animal, em que consiste a irritabilidade, com tudo he hum grande passo a certeza que temos da dependência em que está a fibra muscular da potencia nervosa , e do san- gue arterioso para se fazer aquella funcção cm todos os mús- culos , assimcomo da propriedade que tem de se repararem es- tas forças quando tem sido esgotadas pelo demasiado exercicio. Porém os nervos tem outro uso muito notável nos mús- culos voluntários, e he servirem-Ihes de estimulo natural; he evidente , que no estado de saúde são os únicos agen- tes encarregados deste serviço ; e he por outra parte tam- bém certo , que são ihdispensaveis para a integridade do musculo , e servem no próprio exercicio da irritabilidade. O primeiro uso he supprido no coração pelo sangue , no ventrículo e intestinos pelos alimentos , e na bexiga pela ourina. O modo de obrar de todos estes estimules he en- volvido em extrema dlificuldade ; mas não he mais obscu- ra a maneira de obrar do estimulo nervoso , do que a do sangue ou de qualquer outro; e não dizemos senão o que os factos nos patcntcão claramente. Ago- t5AsSciENCiAS DE Lisboa. r^ Agora torna-se evidente a razão , por que os músculos involuntários tem realmente menos nervos do que os volun- tários ; he porque ellcs lhes servem somente de dar a inte- gridade c de concorrerem para a formação das contracções ; sendo os seus estimulos filhos dos líquidos , que correm ha- bitualmente por dentro das suas cavidades. Consideremos agora os músculos relativamente aos seus usos ; Bichat julga , que attendendo a estes , facilmente os podemos distinguir em duas classes, vistoquc nuns servem na vida assimilatriz , e outros na vida animal. Na verdade não se pòdc dar huma prova mais forte da sua prcoccupa- ção pela isolaçao das duas vidas. Pelo mesmo argumento podíamos separar em dous systemas o celkilar ; porque hu- ma parte delle entra na composição dos órgãos assimilatri» zes , o outra na dos animaes. Poderíamos igualmente dizer, que as artérias tão uni- das entre si , e tão dependentes humas das outras até á aorta , sua origem commum , formaváo dois systemas ; vis- toque o cérebro c os nervos tem as suas artérias , assimco- rno os órgãos assimilatrizes tem também as suas; e tal pro- posição seria hum absurdo em Anatomia; porque a caróti- da interna , por exemplo , que se distribue no cérebro , ri- ra a sua origem da carótida primitiva, que dá também nas- cimento á externa , a qual se distribue nas parotidas , e em muitos órgãos tanto assimilatrizes, como animaes. O mes- mo que temos dito dos systemas cellular , e arterioso , se ap- plica ao absorvente , o qual , sendo único , tira indifferen- temente a sua origem de ambas as vidas. Que differcnça se nota ,/por exemplo , entre os lymfaticos do coração e os do deltóides? He clara a applicação da doutrina antecedente ao sys- tema muscular : a natureza , dando ás suas fibras huma es- tructura semelhante, sujeitou-os ás mesmas leis, e deo-lhcs fenómenos semelhantes nas suas contracções e usos ; espa- Ihou-os igualmente por ambas ab vidas , paraque pudessem servir aos seus diversos fins, conforme alguma variedade ac- C ii ci- 20 Memorias DA Academia Real cidcntal ou de formas, ou de partes visinhas a que os prcn- deo. Os fenómenos e circumstancias principaes da contrac- ção de todos os músculos siio os seguintes ; i.° a contracção he sempre desafiada por algum estimulo; 2.° ha estimulos naturaes e próprios para os diversos músculos , c só quan- do elles se applicao he que as contracções são regulares , for- tes , e duradouras ; também se contrahem na presença de to- dos os outros , que por isso podemos chamar artificiacs ; mas então as contracções são fracas, irregulares, muito rá- pidas, e brevememntc cessão; 3.° com todos os estimulos artificiaes he a contracção seguida da relaxação , e também com os naturaes na maior parte dos casos : mas ha circum- stancias em que estes últimos dcterininao huma contracção continua na totalidade do musculo ; são disto exemplo a contracção da bexiga , que continua até expellir quasi toda a ourina , o tetanos , &c. ; 4.° no tempo da contracção di- minuem os músculos em comprimento , e augmentão em grossura; f." endurecem no mesmo tempo; 6.° não se fa- zem pallidos , mas promovem a circulação do sangue veno- so; 7.° as contracções varião notavelmente conforme a sua força , estado do animal , vivo , ou morto recentemente , c outras condições que se podem consultar nas Obras Elemen- tares ; 8.° na contracção formâo-se rugas transversas mais ou menos visíveis; 9.° no tempo da relaxação o musculo volta ao seu estado anterior, faz-se mais comprido, menos grosso , amollecc , perde as rugas transversas , &c. Se os músculos pois tem huma estructura ser^ielhnnte, e executão em toda a parte os mesmos fenómenos , nao de- vem formar mais do que hum único systema. Os seus usos geraes , como são huma consequência immediata dos fenó- menos mencionodos , são igualmente os mesmos , c redu- zem-se (a) á contracção, e relaxação; os usos particulares que 1^ íj ) Mnif c'cn coujcurs en se reíSírinnt , qtiih ehranlcnt., cLvcn: ou ítbahscnty attirent ou npousscnt cts Aiffenns foids. Hauchecornc Atuit. Fbil. Tom. I. il-X^ 01 DAsSciEiJCiA.sDs Lisboa. ai que SC dcrlviío deste geral variao infinitamente , confonrc os fins , para que a natureza os destina ; os que se ap:'guo aos ossos servem para os mover huns soíire outros, ciando assim origem á multiplicidade de movimentos de locomo- ção, que se notiío na nossa maquina; os que se implantao no bulbo do olho, dirigem-no, c dao-lhc diversas posições conforme os objectos que queremos ver; os da laryngc ser- vem para imprimir diversos sons na voz, comprimindo ou dilatando a abertura da glotis ; o esfinctcr do anus, fcchan- do-o , Íã7. que os excrementos possíío ser expellidus a ho- ras regulares ; pelo contrario a túnica muscular da bexiga e intestinos expellem pela sua contracção os líquidos excrc- mcnticios, que devem sahir do corpo; os ventrículos e au- ricu!a«; do coração , impcUinJo o sangue pelos seus movi- mentos alternados , fazem a circulação ; e o diafragma pe- lo contrario , contrahindo-se , augmenta a cavidade thoraci- ca , e causa assim de hum modo muito particular a respira- ção. Os usos pois dos músculos tomados em particular são variadíssimos, e diversificâo segundo hum grande numero de circumstancias, que hc inútil especificar; mas o meio, de que a natureza se serve para encher todos clles , he hum úni- co em ambas as vidas : contracção , c relaxação ; e os fenó- menos destas contracções , e relaxações são igualmente os mesmos ; portanto os músculos não formão mais do que hum único systcma na economia animal. Parece que seria aqui o lugar de entrar no exame da questão , se a irritabilidade e sensibilidade são huma c mes- ma cousa ; Bíchat quando suppÕe a contractilidadc animal sensível dependente essencialmente dos nervos, julga, que elles não são os estímulos naturaes da fibra muscular ani- mal , mas realmente os orgã(j)s essenciaes da contracção ; e pelo contrario , quando chama irritabilidade á contractilida- ^ de sensível dos músculos orgânicos, julga-a huma íorça ín- sita, e independente dos nervos; segue por tanto a affirma- tiva no primeiro caso, c a negativa no segundo; distincção jia verdade, que tem tanto de novidade, como de inveio- si- gia^ O' az Memorias da Academia Real similhança ; mas so trataremos deste objecto quando ti\'er- nios analysado as razões , por que aquelle Rscriptor quer dis- tinguir as duas contractilidadcs sensiveis huma da outra. CAPITULO III. Não (levemos considerar a chamada contractilidaâe animal no cé- rebro c nos nervos ; mas só nos músculos , que náo sào pas- sivos , como Julga Bicha t. O. 'S motivos , por que Bichat faz depender a contracção muscular voluntária só do cérebro e nervos, sao os seguin- tes : 1° <í A acçáo muscular augmenta cm energia, quando a do cérebro he mais activa ; huma quantidade maior de san- gue dirigido para a cabeça.; o ópio , ou o vinho tomados moderadamente , são prova desta verdade : o terror , pelo contrario , diminuindo a acção do coração, e conseguintemen- te a impulsão do sangue para o cérebro , c os narcóticos cm excesso , abatem a energia daquellc órgão , e na mes- ma proporção a acção muscular voluntária. » Este argumen- to só prova , que do cérebro vem o estimulo natural para os músculos voluntários ; e sendo a acção destes na razão composta da sua aptidão para receber o estimulo, e da gran- deza delle , deve ella crescer ou diminuir , conforme for maior ou menor qualquer daquelles dois elementos. Da mes- ma sorte hum alimento estimulante desafia contracções pc- ristalticas no estômago e intestinos mais activas do que outro insipido, c da mesm maneira o sangue mais abundnn- ' te augmenta não só a velocidade , mas a força das puisa- sõcs ; c nem os alimentos , nem o sangue constituem a ir- ritabilidade. 2.° íí Succede o mesmo nas moléstias; tudo o que com- prime ou extingue a energia cerebral, produz o torpor, a pa- DAS SciENClAS DE LiSBOA. 23 paralysia , ou a apoplexia; pelo contrario as causas irritan- tes, como esquirolas, ósseas, &c. produy.em as convulsões: os mjniacos a pczar de terem muitas vezes o habito do cor- po débil , e os músculos delgados , aprcscnrão forças enor- mes. >J Estes factos são verdadeiros em geral ; mas a sua ex- plicação he a mcsina que dêmos no paragrafo antecedente ; assimcomo a das diíFcrcntcs experiências tentadas por Bi- chai e outros, feitas com injecções nas carótidas de diver- sos animaes , ou com irritações praticadas immediatamente no cérebro. Porém a'quelles factos devia Bichat accrescentar outros de natureza diversa , e igualmente importantes para se co- nhecer cabalmente qual he a influencia do cérebro nos mús- culos voluntários ; raes são os seguintes : os homens que aJcanção pelo excrcicio , alimentos lautos , &c. a robus- tez , e o temperamento athletico , conhecido pela grossura dos músculos , suas formas proeminentes , e côr vermelha , offerecem contracções musculares muito mais fortes, do que os de habito opposto , semque haja augmento algum de energia, ou de estimulo no cérebro. Vice versa, os que se tem extenuado por dieta , fadigas , ou moléstias , particu- larmente os hydropicos , e que se conhecem pela forma ar- redondada, molleza, e pallidez dos músculos, affrouxão ex- cessivamente na força e duração das suas contracções , sem que appareça a menor diminuição na energia do cérebro. Vê-se pois , que são precisos dois elementos para se estabe- lecer a contracção muscular , a boa disposição e nutrição das suas fibras , e o estimulo que lhe vem do cérebro ; até he fácil distinguir , qual destes dois elementos predomina ; se a força das contracções procede da boa nutrição da fibra , a vontade as pode repetir por muito tempo sem cansaço , e sem incómmodo ; se porém ella he filha de huma irrita- ção excitada no cérebro, como cólera, vinho, &c. , a sua duração hc curta , e os seus esforços são seguidos de pro- porcionado abatimcto e prostração. Considera depois Bichat a contractiiidade animal nos ner- 24 Memof. IAS DA Academia Real nervos, c reputa a mediilla cspii,ial como hum nervo geral, de que os outros são simplesmente ciivisõcs ; os fenómenos que resultão da ligadura , corte , compressão , ou irritação da espinal mcdulla , ou dos nervos , suo os mesmos : nos primeiros três casos iia suspensão de movimentos , no ulii- mo formão-se convulsões nos músculos subjacentes. As lesões da cspina quanto mais altas , mais perigosas são , pois se cxtcndem a hum maior numero de músculos; he por esta ra- aão que aíFcctando-sc somente a sua porção kunbar (a) , só cabem em paralysia, ou convulsão os músculos da bacia, e extremidades inferiurcs. Prescindindo actualmente (porque não pertence aa nos- so objecto ) da consideração muito inexacta de ser a espi- nal medulla hum grande nervo de que todos os outros se- jão ramificações , o que já Soemering , e ultimamente Galí refutarão completamente , esta maneira de considerar a con- tractilidade animal, he a mesma do paragrafo antecedente, c «"cm por tanto igual refutação. Antes achamos nestas ex- periências huma prova fortíssima , de que pelos nervos só vem o estimulo para os músculos voluntários ; porque ain- da existindo o cérebro , se irritamos a mcdulla espinal , ou qualquer nervo , entrão clles em contracções só por baixo do ponto irritado; logo dos nervos só vem a irritação; e quando no estado ordinário a vontade opera no cérebro, c excita a contracção, he evidente que a sua operação he a mesma que a dos outros estímulos ; isto he o que irrita , ou põe em acção a potencia nervosa. Pelo mesmo motivo nos animaes que não tem cérebro , a irritação voluntária parte de outro ponto do seu systema nervoso; e Igualmente nos animaes, que exccutão grandes movimentos, c tem o cérebro muito pequeno, como nos peixes , não ha proporção alguma entre esta visccra , e os mus- cu- (í7) As cxpcricncias ile Le Galliiis de^^menteni esta asscrçáo Ac Bicbat , con:o sf dirá no Cip. VI. ; in.is sempre he verJadc , c]ue só se .nffcctáo os rnusciilos ; que Hcáo porbaixo do íorte ou ifritação dos nervos , ou da espinal nicdulia. DAS SciENClAS DE LiSEOA. Ij* culos; e a iv.záo hc porque delia parte somente a cstimu" lo , o qual pòdc nascer de qualquer pequeno ponto ; pdo contrario tem grande medulla espinal , e nervos grossos pa- ra se poderem distribuir por hum systema muscular tão acti- vo. A conclusão geral , que devemos tirar do que temos dito , lie que nas contracções ordinárias o estimulo proce- de do cérebro, onde opera a vontade; e nas artificiacs, ou pathologicas o estimulo procede do ponto em que o appli- camos , não intervindo nestes casos' o cérebro , o que não poderia acontecer , se delle procedesse a força de contrac- ção animal , segundo a opinião de Bicbat. Continua depois o mesmo Escriptor a considerar aquclla sua força nos músculos , e hc fácil de ver pelo que temos dito ate agora quaes serão os seus resultados: não reconhe- ce nos músculos voluntários senão a necessidade da sua inte- gridade para poderem receber a excitação do cérebro ; e por isso hc preciso que não estejão pizados , confundidos , in- flamraados , que tenháo sangue arterioso , &c. ; mas estas con- dições são , segundo elle , unicamente necessárias paraque o instrumento musculo esteja apto para receber a força de contracção , que lhe vem dos nervos , e não porque elle te- nha em si principio algum activo para a dita contracção ; o que se confirma pelas próprias expressões do Author a pag. 290 do Tom. III. da Anat. Ger. u Na permanência de con- j> tractilidade animal depois da morte , os músculos são ab- 5' solutamente passivos; obedecem, assim como no tempo »> da vida , á impulsão que recebem dos nervos ; he o que í» a distingue da permanência da irritabilidade , propriedade »' pela qual depois da morte , assim como no tempo da vi- 5> da , o musculo tem em si mesmo o principio que o faz í' mover. » De maneira que no seu modo de pensar hum principio , que existe no cérebro , c desce pela espinal me- dulla , e nervos , posto em movimento pela vontade , sym- pathias, ou qualquer causa irritante, hc a causa única acti- va da contractilidade animal sensível , sendo a fibra muscu- lar voluntária inteiramente passiva , ou hum simples instru- Tom. V. D meu- aá Memorias da Academia Real mento apto para aqucllc principio poder desenvolver se , e produzir a contracção : absolutamente o contrario se pensa dos músculos involuntários. Conclusão errónea , cm que ve- mos dar a fenómenos idênticos , causas inteiramente oppos- tas , e substituir á uniformidade da Natureza as distincções da abstracção. Nós pela nossa parte temos mostrado , e mais ampla- mente o faremos nos dois Capitulos seguintes, que a fibra muscular he tão activa no coração, e intestinos, como nos músculos voluntários ; que o principio nerveo he tão neces- sário em liuns como cm outros ; e que a única diíFercnça , que ha entre elles, he que em huns o estimulo lhes advém de algum liquido , que banha a sua superfície interna , e em outros lhes lic dado pulos mesmos nervos , que recebem a irritação do cérebro , ou de qualquer ponto do systema ner- voso , que se irrite ; c que cm consequência a força he a mesma em todos os músculos , como pensou Hciller , sendo a distincção , introduzida por Bkhat ^ devida ao espirito de systemas, que quiz attribuir forças independente e diver- sas ás duas diversas vidas. CAPITULO IV. O Cérebro infiue de hum modo directo e decisivo sobre o co- ração , e os outros órgãos involuntários. P. Ara provar mais amplamente a diíFerença das duas con- tractilidades , Bichat desenvolve a pag. 35'6 do Tomo já ci- tado as razões , por que julga a irritabilidade orgânica inde- pendente dos nervos j e diz em primeiro lugar , que o cé- rebro para exercer a sua influencia nos músculos deve ser excitado pela vontade , pelos irritantes , ou pelas sympatliias ; € cm segundo aJBrma , que nenhuma destas três causas , quan- do íflFcctão o cérebro, fazem contrahir os músculos orgâni- cos. Em dasScienciasceLisboa. 27 Em quanto á primeira causa , ou vontade , touos con- cordamos , que não tem influencia directa no coração , estô- mago c intestinos ; e postoque julgamos que a tem na be- xiga , e no recto mais decisiva do que pensa Bichat , com tudo esta discussão pouco nos esclareceria ; e portant ) pas- semos ao exame das outras duas causas , sabendo entretan- to que a vontade não pôde operar sobre os músculos in- voluntários , e tendo os orgânicos os seus estimulos natu- raes , próprios da sua organisaçao , c das funcções , a que são destinados , a sua influencia não só seria desnecessária aos últimos, mas até funesta, porque iria contrariar a ac- ção dos seus verdadeiros excitantes. Bichat diz , que se irritarmos o cérebro com qualquer excitante , os músculos animaes entrao em convulsão , mas que os orgânicos conservão o seu movimento natural ; que o mesmo succede irritando , ou lacerando os nervos da vi- da orgânica , que nelles se distribuem ; porque nem preci- pltão , nem affrouxão as suas contracções : destes diversos agentes fixemos a nossa attençâo sobre dois dos mais po« derosos , o ópio , e o galvanismo. A respeito do primeiro se explica aquelle Escriptor do modo seguinte : « O ópio que entorpece toda a vida ani- » mal, porque opera particularmente sobre o cérebro, que >> he o seu centro , e que paralysa todos os músculos vo- >» luntarios , deixa intactos os outros nas suas contracções. » He bem estranho que Bichat tivesse a respeito do ópio se- melhante opinião , porque , apezar das contestações que ha em Medicina sobre o seu modo de obrar , ninguém duvida que elle produz effeitos summamente evidentes- no systema sanguineo, assimcomo no nervoso. IVhitt nos Ensaios de Edimburgo tinha já publicado, que applicando o ópio sobre o coração das rãs , as suas pulsa- ções diminuiâo ou cessavao inteiramente ; o mesmo provou Wirtenson. Vede ^ourn. de Med. Tom. LXXXVIII ; e mo- dernamente as experiências de Wilson tivcrão o mesmo re- sultado , principalmente enjeitando o ópio na superfície in- D ii ter- 7,Z Memorias da Academia Real terna daqucllc órgão. Sc das experiências passamos ás ob- servações , vemos todos os dias , que o opi.i , tomado cm maior quantidade , produz diminuição na pulsaçJio dns ar- térias. Altson já o tinha provado antigamente; c mais par- ticularmente o podemos concluir de trcs casos de cnvcna- mento do ópio referidos por AUbert nos seus Elementos de Therapetitica Tom. II. pag. jpp e seguintes ; cm todos trcs apparcceo juntamente com os symptomas nervosos o pulso raro , c pequeno. Os seus cíFeitos no canal intestinal são evidentemente torpentcs , e daqui a sua utilidade nas diar- rhcas ; e cm dose mais considerável diminuc , e até extin- gue as foiças digestivas do estômago. He pois evidente , que o ópio cm maior dose entorpece o principio sensitivo , se- ja no cérebro , nos músculos voluntários , no canal alimen- tar , ou no coração. Tomado em pequena quantidade os seus elFcitos visí- veis são de excitação. Não he do nosso objecto entrar na explicação deste fenómeno , por ser inteiramente alheia da presente questão: o que nos cumpre mostrar he que a men- cionada excitação se nota igualmente no systema sanguineo , e no nervoso. As experiências mais circumstanciadas , que conhecemos sobre os effeitos do ópio, tomado inteiramen- te nas pulsações das artérias , são as de Critmpe na obra in- titulada Àn Iitqiiiry into the Nature and Properiies of Opium, Destas escolheremos as duas seguintes : Experiência 7." A' huma hora depois do meio dia se dca a hum rapaz robusto , cujo pulso natural dava só 44 pan- cadas cm hum minuto , hum grão de ópio diluído em hu- ma pouca d'agoa quente ; as variações do pulso foiao as se- guintes : Em minutos Pulsações 10 44 ly 20 44 44 í5 50 50 52 70 80 46 44 90 ■V- ICO 42 no 4C 44 Experiência 8.* O Auctor , cujo pulso batia 70 vezes cm hum minuto , tomou perto da huma hora da taidc dois grãos :'.J'^''J- DAsSciENCiAs DE Lisboa, 29 e meio d'opio dissolvidos em huma onça d'agoa , c tcv;- 23 seguintes mudanças no pulso. Em minutos 5'lio[i5'J2o]25'J3o'55'!4o[45'Kok5-l<>o'75' Pulsações 74|7474|7Íi|80|7 2^7C|64jÓ4^6ój7o.7o,70 Prescindimos r.qui dos eíFoitos de somnolencia c tor- por, que nesta segunda experiência se manifestarão no sys- tcma nervoso , por ser o ópio cm dose considerável ; só no- taremos , que nao só se augmentou a velocidade , mas a for- ça das pulsações , as quacs depois por hum abatimento con- secutivo descem abaixo do seu rythmo natural , at<íque as cousas se restabelecem no antigo estado. Se o augmcnto de acç.lo no systema sanguinco hc produzido directamente , co- mo querem os Brawnianos , e o mesmo Crumpe , ou de hum modo indirecto , relaxando o systema capillar , e deixando nclle estagnar o sangue, como explicou ír/r/íwxo» lug. cit. , e ultimamente Barbier nos seus Ensaios de Pharmaclogia , he o que não examinaremos , por não pertencer á presente ques- tão. O ópio produz igualmente no cérebro e systema ner- voso huma excitação visivel ; delia nasce a alegria, o au- gmento de coragem , e a erecção venérea nos Povos e in- dividuos costumados ao seu uso moderado : Barbier pcrtcn- de também explicar estes fenómenos pela sua acção sedati- va, diminuindo a irritação, e o poder sensitivo, e não pe- lo seu estimulo directo; porém o ser de hum ou outro mo- do hc indiiFcrente para o nosso fim ; basia-nos , que a .«^ua acção seja a mesma nos músculos voluntários , e involuntá- rios , talvez porque affectando os nerv^os , e sendo o con- curso destes essencial para a irritabilidade , venha a obrar sobre esta de hum modo secundário. Hc verdade , que os effcitos torpcntes sao mais manifc.í- tos no cérebro c nervos doque no coração ; mas isto só constituc huma diffcrença em mais , ou em menos , c não na essência j trcs são as circumstancias , que principalmeiUc coa- 50 Memorias da Academia Real 3 concorrem para a produzir: i." obrar o ópio directamente sobre os nervos e o cérebro , e só remotamente no cora- ção por intermédio dcllc ; 2.' sendo o ópio absorvido para operar directamente no systema sanguinco, perde parte da sua actividade pela mistura com os suecos gástricos , e com o sangue ; 3.* este accumulado no systema capillar torna-se huma causa irritante para o coração , que conscguintcmcnte salic brevemente de algum estado de torpor em que tives- se cabido. A primeira destas causas hc tão poderosa , que o estômago e intestinos , apezar de serem órgãos involun- tários , rcscntem-se muito mais da acção estupefaciente do ópio, do que o coração, por elle obrar directamente nas suas superfícies internas. O galvanismo he o meio mais decisivo de excitar os órgãos irritáveis ; mas se fazia ou não contrahir os múscu- los involuntários , pondo-os cm communicação por meio do arco excitador , com o cérebro , espinal meduUa , ou ner- vos , tinha sido objecto de longa duvida até aos tempos de Nysteu. Bkhat tinha seguido , como he claro , a opinião ne- gativa ; porém elle não conhecia a pilha de Volta , este po- deroso meio de galvanisar , nem provavelmente as experiên- cias de Fowler , que tinha já observado antes delle , e sem o uso da pilha , a excitação do coração pelo galvanismo. Nysteti , como dizíamos , fez as suas experiências com tanta exactidão, diante de pessoas tão respeitáveis, e designando tão satisfatoriamente as causas , por que os seus antecessores falharão nesta tentativa , que nós julgamos a questão intei- ramente decidida por ellas. Vio contrahir-se o coração, es- tômago, e intestinos com a mesma promptidão com que se contrahião os músculos voluntários. Vede as suas Recherches de Physiologie y &c. de pag. 15)3 por diante. Porém se dos estimules fysicos passamos aos moraes , abre-se-nos hum campo immenso de irritações cercbraes com- municadas aos órgãos involuntários ; fallo das paixões , cu- jas profundas impressões são capazes de abalar o coração , o systema cipillar, estômago, intestinos, órgãos secretorios , &c. dasScienciasdeLisboa. 31 &c. Nem Halkr , nem os seus discípulos poderão jamais responder a esta prova directa da influencia do cérebro so- bre os órgãos involuntários. Bichai julgou cortar a diiíicul- dadc , pondo a sede primitiva das paixões nos orgãus da vida orgânica; idca insustentável, e que foi excellentemcn- tc refutada por Buissou. Certamente huma pessoa , que vê , e conhece hum perigo eminente , sente logo vacillar seus membros, palpitar, e enfraquecer o coração, e a paliidez da morte derramar-se na sua face : outro pelo contrario , a quem se diz huma injuria grave, entra em cólera, a ener- gia do seu cérebro augmenta , os músculos voluntários do- brão de força, o coração bate mais fortemente, e tudo mos- tra que a reacção communicada pela intclligencia , se der- ramou immediatamente por todas as partes da economia vi- vente ; o mesmo podemos dizer dos cfFcitps de huma no- ticia triste, que tira, ou aflProuxa as forças digestivas; da vergonha , que cora immediatamente as faces , e assim de todas as mais paixões , que produzem os seus cíFeitos , tan- to na vida animal , como na orgânica. He inútil discutir se huma disposição particular do systema nervoso , do san- guinco , ou de alguns órgãos internos torna os homens mais dispostos para humas ou outras paixões ; basta termos pro- vado , que a sua sede primitiva hc na alma, e no cérebro, c logo depois nas differentes partes da Economia. Consideremos agora a outra causa, que irritando o cé- rebro , excita os órgãos involuntários , e são as sympathias , sobre as quaes se explica Bichat de hum modo summamcn- te inexacto ; as suas expressões a pag. 357 do Tom. IIÍ. são as seguintes : <« Muitas vezes nas dores de cabeça ha vo- » mitos espasmódicos ; o coração precipita a sua acção nas í» inflammaçõcs cerebraes , &c. ; mas estes fenómenos são s) m- >í pathicos, que tem lugar nos músculos orgânicos como era >' todos os outros systcmas ; podem apparecer ou não appa- >' recer ; observão-se mil irregularidades na sua formação. j» Pelo contrario a contracção dos músculos da vida animal » pelas affecções do cérebro, hc hum fenómeno cónsunre, 3> iii- 31 MtMoRiAs DA Academia Real » invariável, que nada perturba, nem impede a sua dcsen- » volução , porque o meio de communicaçao lie sempre o >» mesmo entre o orgao aíFcctado, e o que se move. >> O Auctor começa a fallar no principio do paragrafo de sympatliias , e no fim delle , quando trata dos músculos voluntários , servc-sc do termo ajfecçSes do cérebro , o que he muito mais geral do que sympatliia , a qual lie simples- mente a mudança que padece qualquer órgão pela aíFecção de outro distante ; devendo excluir-se deste género de fe- nómenos as chamadas sympatliias univcrsacs por Whitt , as syncrgias , as progressões das moléstias , que vao atacando diversos systcmas , como inflamações , communicações cel- lulosas , &c. Voltando porem ao nosso propósito, as sympatliias dos músculos voluntários não são constantes e invariáveis , an- tes pelo contrario as encontramos tão inconstantes e variá- veis , como as de todos os outros órgãos. Assim as mulhe- res pejadas sentem, ou deixao de sentir, dores de dentes, e convulsões nos músculos voluntários , ou vómitos e pal- pitações nos involuntários. Os vermes produzem muitas ve- zes comichão no nariz, ou convulsões; e com igual iacili- dade tosses-, palpitações , e febres. Seria inútil repetir os multiplicados exemplos , que ha na variedade de sympathias em todos os systemas. Bichat julga responder ainda á difli- culdade de outro modo , dizendo que os fenómenos sympa- thicos tanto apparecem nos músculos orgânicos , como nos outros systemas ; e sem duvida assim he : mas que se se- gue dahi ? somente que o cérebro , e o systema nervoso em geral influem na digestão , nas secreções , no systema capiííar , &c. ; e postoque Bichat negasse esta influencia , arrastado pelo mesmo espirito de systema da isolação e in- dependência das duas vidas ; não ha Medico algum de in- strucção , que não saiba o contrario ; lea-se entre outros o judicioso Tissot no seu Tratado das Moléstias dos nervos. Li- mitando-nos porém ás sympathias dcs músculos orgânicos , he evidente que o cérebro he o centro donde partem estas ir- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 3J irradiações sympatnicas. Quai ouna conimunicaçao senão a do sensório, pôde haver entre o5> rins, por exemplo, e o estômago , paraque as pedras formadas nos prim^-iros da- quelles órgãos excitem o vomito no segundo ? De que mo- do nas syncopcs acordamos outra vez os movimentos do coração , chcgcndo hum pouco de amoniaco ao nariz ? De que modo qualquer liquido espirituoso , ou hum pouco de ethcr diluido , apenas se bebe , anima as nossas torças , e e desenvolve o pulso? As numerosas sympathias do estô- mago com as diversas partes do corpo não podem explicar- sc senão pela irradiação do cérebro nessas partes. Não tra- tamos agora de todas as sympathias, objecto muito vasto, e que não pertence ao presente objecto ; basta termos pro- vado , que as sympathias dos músculos orgânicos , c parti- cularmente do coração, não podião ter lugar, senão por in- termédio do cérebro ; c que em consequência as irritações excitadas nesta viscera se communicão áqucllas por meio dos nervos. Bíchat examina depois os fenómenos em huma ordem inversa, isto he , os effeicos que produzem as aíFecções dos músculos orgânicos no cérebro , e observa-se , diz elle , a mesma independência ; as suas palavras são as seguintes : " Considerai a maior parte dos vómitos , os movimentas j> irregulares dos intestinos, que tem lugar nas diarrhcas, " principalmente os que formão os volvulos , &c. ; vede o » coração na agitação das febres , nas palpitações irregula- >' res de que frequentemente he a sede , &c. em todas es- í> tas perturbações dos músculos orgânicos , vós quasi nun- " ca achareis signaes de lesões no órgão cerebral ; este está j» cm socego , quando tudo se vé desordenado na vida or- >» ganica. " Observa-se tudo, pelo contrario ; as febres mais simples produzem frequentemente perturbação nas idéas , e ás vezes hum verdadeiro delirio ; os moléstias deesiomago, como dyspcpsias , e as dos intestinos , principalmente se são acompanhadas de lentidão da circulação abdominal , fa- zem tão profunda alteração no sensório commum , que cons- Toiíi. V. E * ti- 34 Memorias da Academia Real tituem a maior parte das vezes a hypochoiidria , moléstia caractcrisada pela nova e particular ordem de idéas , e de sentimentos que a acompanhão. Basta huma mi digestão pa« ra nos fazer passar a noite em sonhos, ou causar vigilias; as cólicas são frequentemente acompanhadas de convulsões nos músculos voluntários , e as cardialgias de sincopes ; que não podem nascer senão da debilidade do cérebro, esgota- do pela violência da dor, debilidade que se commuoica im- inediatamente ao coração. Tão conhecida he , e tão geial a influencia das visceras gástricas, c do coração no cérebro, que causa na verdade admiração , que Bichat propuzesse se- melhante doutrina. As lesões dos músculos voluntários , co- mo inflammações , e mesmo gangrenas , e as dos órgãos dos sentidos he que affectão muito raramente o cérebro, apezar da correspondência directa que ha entre estes órgãos. CAPITULO V. O concurso da potencia nervosa he absolutamente necessário pa* ra as contracções dos músculos invuluntarios. Assemos actualmente a considerar a questão pelo seu lado mais importante , que consiste em determinar , se a potencia nervosa he ou não absolut.imcnte necessária para a formação das contracções dos músculos involuntários; por- que se o for, he claro que não são independentes delia; e se o não for , aindaque huma ou outra vez o cérebro pos- sa influir nellas , he também certo, que podemos com pou- co inconveniente considerar a causu deitas contracções , ou a irritabilidade, como isolada da dita potencia, c por con- sequência como diversa da causa que excita as contracções dos músculos voluntários , a qual he , sem duvida alguma , dependente delia. Os Médicos tem era todos os tempos tentado grande nu- dasScienciasdeLisboa. 3J numero de experiências a este respeito , c Bichat se expli- ca do modo seguinte, fallando delias: «O coração conti- » mia ainda a bater , os intestinos e o estômago se mo- j> vem algum temp ) depois de se tirarem a massa cerebral, " c a mcdulla espinal. Quem não sabe , que a circulação >' se faz muito bem nos fetos acéfalos ; que depois da pan- " cada, com que se atordoa e mata hum animal , e se põe " immovcl todo o seu systema muscular voluntário, o co- ■>■> ração ainda se agita longo tempo , a bexiga cxpelle a ou- »> rina , o recto os excrementos, &c. , e o mesmo cstoma- >» go vomita ás vezes os alimentos?" E hum pouco mais abaixo continua : « He verdade que o corte dos dois ner- j> vos vagos he mortal j mas somente no fim de alguns dias , " e duvido que seja pelo coração que comece a morte nes- " ta circumstancia. Os principaes fenómenos deste corte '» mostrão grande embaraço no pulmão , grande difficulda- " de da respiração , e a circulação não parece perturbada 'j senão consecutivamente. » Como os mencionados nervos vagos se distribuem " ao estômago, a mesma experiência serve para determinar '> a influencia cerebral sobre esta víscera ; a secção pois de j' hum só he ordinariamente nuUa sobre ella ; o de ambos »» lhe causa immediatamente huma notável perturbação; mas " esta perturbação he differente absolutamente da que se " segue ao corte do nervo de hum musculo voluntário , o » qual se torna subitamente immovel quando o estômago " pelo contrario , não communicando já com o centro pe- »» los nervoi vagos, parece adquirir momentaneamente hum '» augmcnto de força ; contrahe-se , e daqui os vómitos es- » pasmodicos, que se observão quasi sempre durante os dois » ou três dias, que o animal sobrevive á experiência, vo- >' mitos que observei constantemente nos cães , e que já " Ha/ler, e Crnikshank tinhão indicado. Parece pois em con- >' sequencia disto, que aindaque o cérebro tenha huma in- " fluência real no estômago , esta influencia he de nature- jj za absolutamente diversa da que exerce nos músculos vo- E ii » lun- 3^ Memorias da Academia Real »» luntarios. Advirto comtudo , que a irritação de hum dos ^> nervos vagos, ou de ambos faz contrahir immediatamen- »» te o estômago , como succede em hum musculo volunta- >» rio , cujo nervo se irrita. »» [ Estes argumentos erao justamente os mesmos , por que o celebre Haller tinha pensado , que os movimentos do co- ração erão independentes da potencia nervosa ; mas as ob- servações áoSoemering, e de Gall , e sobre tudo as experiên- cias de Le Gallois destroem completamente aquella doutri- na. A medulla espinal não se pódc considerar como hum nervo grosso, que tire a sua origem do cérebro, porque não tem proporção alguma com esta ultima viscera ; assim nos peixes , os quaes exccutão grandes movimentos , o cérebro hc muito pequeno , e a medulla espinal muito grossa ; no homem pelo contrario , o cérebro he muito considerável , e a medulla espinal proporcionalmente pequena ; nos acé- falos reaes , isto he , naquelles cujo cérebro nunca existio , tem apparecido a medulla espinal muito bem formada; vê- se pois , que ella não he huma continuação do cérebro , e que não tira desta viscera nem a sua existência , nem a sua força. Bastava a consideração de que a substancia cinzenta entra na sua composição para se concluir, que a sua orga- nisação he inteiramente semelhante á do cérebro , e capaz de produzir em si mesma a potencia nervosa. Mas tanto Haller (a) como Bichat derivarão esta ultima força só do cérebro , e por isso concluirão , que era desnecessária para as contracções do coração ; vistoque estas continuavão nos acéfalos , nos animaes em que se oíFendia o cérebro , e em qu& até se cortava o principio da medulla espinal. Marrber no Tom. II. pag. iio dos Commentarios ás Instituições de Boerbave tinha já mostrado , que as offcnsas da medulla espinal erão quasi sempre mortaes subitamente; que (rt) Haller admítte , que a medulla espinal também pôde produzir A- guns espíritos ammaes (potencia nervosa); mas dahi nada concluio con- tra a indepcndentia da irritabilidade , seu systetna fundamental. DAS SciENCIAS DE LlSCOA. 37 que op cortes dopar vago, e do grande sympathíco, senão suspendiáo constantemente os movimentos do coração , tra porf]:ie este continuava a receber a infiuencia nervosa do ganglio cervical inferior , e por con5ec]uencia dos últimos pares cervicaes , e primeiro e segundo dorsal ; e que posto que o coração continuasse os seus movimentos depois des- tas experiências, isso era pouco durador, e elles vinhão a acabar mais ou menos promptamente conforme as circumstan- cias. Estava reservado a Mr. Le Gallois provar por experiên- cias directas e decisivas as inducçôes àe Gall ., e de outros, e os raciocinios de Marrher. Delias nos consta que o ani- mal decapitado morre da mesma maneira , e com pouca dif- ferença no mesmo tempo , que o asfigiado ; mas que des- truindo-se toda a espinal meduUa , ou mesmo algumas de suas porções , e particularmente a cervical , o animal morre instantaneamente , porque o coração perde os seus movimen- tos , e fica incapaz de promover a circulação. Este ultimo resultado foi muito judiciosamente tirado do aplanamento e vacuidade das carótidas , e da falta de hemorrhagia , cor- tando-se algum membro ao animal. Os Hallerianos , e Bichat tinhão sido illudidos com os movimentos do coração ; porque este musculo arrancado do peito , e por consequência separado ao menos de nova in- fluencia nervosa , continuava as suas systoles e dyastoles ; mas não se tinha notado antes de Le Gallois ^ ao menos ex- pçrimentalmente , que aquclles movimentos crão irregulares, débeis , e incapazes de continuar a circulação ; e hum fe- nómeno desta ultima qualidade observa-se cm todos os mús- culos ; os quaes arrancados do animal , e estimulados conti- nuão por mais ou menos tempo a produzir movimentos de contracção e relaxação , mas débeis e irregulares. Somente o coração parece ser hum pouco mais vivaz que os outros ; postoque em algumas experiências os intestinos, e o mes- mo diafragma conservarão pelo mesmo tem,po a faculdade de se contrahirem. Em quanto ás experiências referidas por Bi- gixa 01 38 Memorias da Academia Real Bichai , relativas á secção dos nervos vagos , cstavao ain-^a muito incompletos no tempo deste Escriptor ; e semque examinemos agora qual he a causa da morte , que tem cons- tantemente luga,r nos animaes a quem se faz o dito corte, postoque cm intervallos variáveis , e que depende da sua influencia na respiração, segundo as experiências de D/inias ^ Dtipttytren f e Le Ga/lois , limitemo-nos somente a considerar com Blchat a influencia do dito corte no estômago. Haller c outros Escriptores asseverarão , que os alimen- tos se corrompião dentro do ventrículo ; tão poderosa era a influencia do córtc dos ditos nervos nesta viscera ! Le Cal- lois não observou este efícito , mas vio que a acção do es- tômago ficava tão completamente nulla , que os animaes mor- rerião de inanição , a não serem mais promptos os eíFeitos da asfigia. Desta maneira cortados os nervos vagos, o estô- mago fica paralytico , e irritado entra em contracção , exacta- mente do mesmo modo , que succede aos músculos voluntá- rios. Os vómitos , ou náuseas que sobrevem ao dito corte , c que Bichai reputa como eíFeitos de acção augmentada, e ca- pazes de constituir huma diíFerença do que succede aos outros músculos , quando os seus nervos são cortados , são verdadei- ros , e forão vistos por todos os Observadores , e particular- mente por Cruihhatick ; mas não são effeitos de acção augmen- tada , nem constituem differença do que succede aos outros músculos , e cessão immediataniente para não voltarem mais. Da mesma maneira nas sincopes , em que a influencia nervosa sobre o estômago he igualmente nulla , ou muito pequena , sobrevem também náuseas e vómitos , devidos á irritação que produzem os alimentos ou outros liquidos , que constante- mente se achão na cavidade daquella viscera. Os mesmos mús- culos voluntários, aindaque fiquem paralyticos pela secção dos seus nervos , entrão em contracções irregulares, logoque se lhes applica algum estimulo. Qi-ianto mais, o estômago não tira somente os seus nervos do par vago j vem alguns dos ganglios semilunares ; e esses que ficao são bastantes para concorrerem para essas pouco duradoras contracções. Te- DAS SciENCIAS DE LiSBOAt 3^ Temos pois provado, que o coração, estom.igo , e in- testinos precisão, assim como todos os outros músculos, da potencia nervosa para a execução dos seus movimentos ; e além disso da presença de hum estimulo, o qual varia se- gundo os diversos fins , para que elics são destinados. Resta-nos porém averiguar dois objectos : i.° porque razão não estão alguns músculos sujeitos ao império da von- tade , quando os outros são por ella movidos com summa facilidade. 2." Se a sensibilidade , e a irritabilidade são hu- ma c a mesma cousa ; ou se a potencia nervosa he alguma condição essencial para a formação dos movimentos muscu- lares , como já temos dito , ou somente hum estimulo da irritabilidade. CAPITULO VI. Exame da causa por que alguns músculos não são sujeitos ao império da vontade. A Primeira questão acima proposta pode dizer-se , que não está completamente decidida no estado actual dos nos- sos conhecimentos. Deixando as antigas, e já refutadas opi- niões , desçamos ás mais modernas. OíFerece-se em primei- ro lugar a de John ^ tone , que suppôz que os ganglios inter- rompião o fluxo da vontade , e por isso os órgãos involun- tários rcccbião delles os seus nervos, em quanto os dos vo- luntários não atravessavão ganglios. Esta opinião não tem deixado de alcançar algum favor daquelles mesmos Escripto- res , que a não seguirão , como de Tissot no Tratado de Moléstias dos nervos. Porckascka se inclina igualmente a cila, quando julga que os ganglios são suíHcientemente aper- tados para impedirem o influxo da vontade, o qual he pou- co forte , mas não tanto que suspendão a influencia impe- tuosa das paixões. O uso dos ganglios, apezar dos trabalhos de Scaipa y es- si-:M "• 40 Memorias da Academia Real está- aini'a envolvido tm muira escuridade; a sua organisação nío he bem conhecida , nem parece provável que sirváo unicamente de separar, o t; r. G sim- 50 Memorias da Academia Real simpltsniente os estimiilos natiiracs , e funda-se nas seguin- tes n/óes. I." t( A energia das contracções , que se observa depois das febres adynamicas ; a perm;incncia da contractilidadc nos niusculos para!ysad;)S pela apoplexia ; a identidade dos ni«- vimeiítos destes músculos, tratados pelo galvanismo, com os dos músculos sãos. i." A difterença das contracções mus- culares , quando a sensibilidade da porção livre do nervo exiítc ainda daquellas, que tem lugar, quando a dita sen- sibilidade está extincta ; a mesma ordem da cxtincçao da sensibilidade do nervo nos diversos pontos da sua extensão; 3." em fim a sensibilidade da fibrina do sangue ao galva- nismo , provada pelas experiências de AlMrs. Totirdes , e Cif' caud. Todos estes factos concorrem para provar , que a con- tr ctilidade hc huma propriedade inherentc à fibra muscu- lar , c inteiramente independente da influencia nervosa. " Nós julgamos , que aquelles factos provao somente o que já dissemos , e he que existe em diversas partes dos vcgetaes , c animaes, e mais particularmente na fibra mus- cular destes hum rudimento, ou principio de irritabilidade, cujas contracções são muito diflferentes daquellcs movimen- tos rápidos e regulares , que aprescntao os músculos , quan- do estão inteiros , e acompanhados da potencia nervosa , contracções , que inda semelhao mais á força tónica áe. Sthal y ou contractilidadc orgânica de Bicbat , do que á verdadeira irritabilidade ; ou ainda mais exactamente , parece ficarem medias entre estas duas forças ; porque a natureza não se sujeita ás classificações e divisões dos homens. Creou gran- de numero de órgãos , dotados unicamente de huma contrac- ção lenta e quasi insensível ; a outros porém modificou a organisação de modo que já os vemos animados de huma actividade mais notável- e nisto mesmo ha variedade não só respectivamente ao gráo desta actividade , mas á sua relação CDU diversos estimuios; emfim outros, e estes são os mús- culos , forão dotados de huma orgaIli^ação mais complica- da , e dos movimentos m-iis notáveis c enérgicos , que se ob- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 5^ t obserTao na economia animal. Hum dos meios cssenciaes , que a natureza empregou para dar a grande energia a estes movimentos hc a reunião da potencia nervosa com a fibra muscular {a) . Examinemos presentemente os primeiros dois fundamen- tos de Nysíen; porque a respeito do 3.° já dissemos a nos- sa opinião. Mr. Nysten parte de hum principio , que nos parece muito improvável , c he que a potencia nervosa está mui- to diminuída nas paralysias , c nas febres adynamicas; e con- sequentemente que se a irritabilidade dos músculos não fos- se independente delia , appareceria igualmente muito dimi- nuída , e não seria igual nas experiências galvânicas á dos músculos sãos. Mas aquellc principio, como dissemos, nos parece errado ; e na verdade nas apoplexias , e paralysias de compressão (e o são a maior parte delias ) o que ha uni- camente he a interupçâo da acção do cérebro nos nervos j porque tirada a dita compressão por sangrias , ou outros meios , immediatamente se restabelece a saúde \ por conse- quência a estructura , e a potencia dos nervos tinhão fica- do illesas. Nas mesmas paralysias antigas , e que tentamos curar por meio da electricidade , observamos muitas vezes movimentos convulsivos nos músculos dos membros paraly- ticos , quando fazemos o arco entre os nervos da meduUa espinal , ou entre os membros superiores e inferiores ; pro- va certa de que a potencia nervosa não estava diminuida nem extincta nos membros paralyticos , mas unicamente in- terrompida a sua communicação com o cérebro. Emfim hu- G ii ma (ii. V. I mi- (/i) A ultimo-A-ez que vi este Verme foi no fim de Julho; pareceo-me então hum pouto mais corpolento e os seus movimentos menos rápidos; em cju.into no mais conservava se tudo no mesmo estado. Hindo depoi<; para o c.-.mpo , alli me mandarão dizer em Outubro , cjue elle tinha mor- rido dentro do mesmo olho , pois que se via huma d.is suas extremida- des immovel na parte superior da névoa em que acima fallei , e o res- t.mte encoberto com ella; assim se conservou por algum tempo , até que dcsipparcceo de todo , porque tem crescido mais a névoa que talvez en- cobre o seu cadáver. O que ha de mais nocivel hc que o Cavallo ain- da vê alguma cousa deste olho. 66 AIemorias da Academia Real minhas avcrigunçõas nao me poderão descobrir mais do que trcs , mencionados cm diversos Auctores , e ainda hum delles náo parece ser totahnente conforme com este que descrevi. Bonet no seu Septtlchretum eira huma observação de Spiegcl , cm que elie achara o humor vitrio do olho de hum Cavallo totalmente corrupto , por causa de hum Verme que alli se introduzira , chamado por Gcsnero Fitiilus aqua- ticus : como Bonet não accrescenta cousa alguma , parece que o Verme (o qual pela desci ipção c figura de Gcsnero lie o mesmo a que os Naturalistas modernos dão o nome de Gorditis ) não passara do humor vitrio , onde morrera. A obra em que Spiegel falia nesta observação he-me total- mente desconhecida , por isso não posso accrcscentar nada ás palavras do citado Bonet (a) . O segundo facto , muito mais circunstanciado do que este , he cxtrahido das Transacções da Sociedade Filosófica Americana de Philadelfia , onde no Tom. II. se achão duas Memorias de Mrs Hopkinson c Morgan que o referem {h)» Se- (/j) Fitrcum octili hitmorem iion in''amniari tantum seii etiam putrescere argumento eu anno 1622 ab Adriano Spigelio repenus in vitrco humore ocu- li eqiiini vermic/ilHS , qui C. Gesnero vitultis aquaticus appellacur. 1. Rodiut Cem. I. Observai. LXXXIII. (A) Eis-.iqui o modo por que Mr. Hopkinson descreve este aconteci- B mento : « O vcráo pass.ido correo a noticia de se ter visto hum Ca- » vallo com huma cobra viva em hum dos seus olhos: ao principio des- » prezei esta noticia ; confirmando a porém muitos dos meus amidos que 1) a tinhio presenciado, tive a curiosidade de a examinir, ievando hum » dclles cm minha companhia. O Cavallo habitava em Ardi-.Streets , e D pertencia ,1 hum negro livre. Examinei o olho com toda a attençáo » de que era capaz, náo estando disposto a acreditar a opinião commum, Ji antes esperando descobrir huma impostura ou prcoccupaçáo dovuIf;o: » assim fiquei muito admirado de ver realmente hum Verme vivo den- Ji tro do globo do olho: este Verme era de ccit esbtanquçada , de gros- 11 sura e apparencía de hum pedaço de birlo delgado de Uzer renda, pi- )i receo-me ter de 2Í a J poUcgadas de comprimento: o que náopos- 1 so affirmar mui exactamente por não apparecet nunca o seu corpo to- M talmente descoberto , mas 3Ó aquella parte que se podia ver através» » sada no íris , que esrava grandemente dilatado. O animal estava em » hum continuo movimento vermicular muito vivo , rccolhcndo-sc de quan- » do cm quando na parte mais profunda do olho , e t.izcndo-sc totalmcn- « te invisível , outras vezes chegando-se fora au pc do íris , e mostran- i>i "»»* C\ T. DAS SciENClAS DK LiSBOA. ()^ '^ Segundo este ultimo a Gazeta de Pensylvania de 23 de Maio de 1782 foi a primeira que publicou a noticia de hum Cavallo, que então apparccia com huma Serpente viva dentro de hum oího , e isto deo motivo a concorrer grande numero de pessoas para O' observarem ; quando Mor- gui o vio, estava já a moléstia muito adiantada; a suppos- t-i Serpente , que como era de esperar , não passava de hum Verme , tinha tomado bastante corpolcncia , as men^ibranas internas do olho estavao destruidas , este extraordinariamen- te entumescido , por isso o Cavallo o tinha sempre fecha- do , e só algumas palmadas na anca o incitaváo a levantar a Pálpebra , durante dois ou três segundos ; assim os obser- vadores não poderão bem descrever o Verme , mas , pelo que dizem , conhece-sc que o caso he inteiramente similhante ao que agora se observa. Em quanto ao mais , os desejos daquelles Naturalistas não ficarão satisfeitos, e o possuidor do Cavallo , que era hum Negro livre , recusou-se a vendello para se examinar competentemente ; pois o preço que tira- I ii va » do-se plena e distinctamente , ao menos huma porção delle tamanha , D quanto era o campo do mesmo íris. Não pude distinguir a sua cabe- 11 ça , por^^ue nunca acabou de a mostrar perfeitamente em quanto o X examinava ; e na verdade o seu movimento era tão rápido e constan- » te, que não se poJia esperar huma averiguação muito circunstanciada. )i O olho do Cavallo estava muitissimo inflamado , inchado , e fora do n seu lugar , c assim mesmo os músculos contíguos ao globo do olho , u o que parecia causar-lhe grande dor , de maneira que com muita dif- n ficuldade se podia conservar aberto por poucos segundos , e eu era )i obrigado a espreitar o momento favorável para ver disrinctamente o » seu atormentador. Creio que o Cavallo estava totalmente cego daquel- í le lado , pois me paieceo que os humores do olho esiaváo confundl- 1 dos , e que o Verme occupj.va toJo o g obo , que ainda assim não tem » suííicicnte diâmetro para elle se estender ao comprido. Os humores do » olho principião já a fazer-se opacos e semelhantes a huma gclea , e > assim ficarão totalmente ao depjis segundo fui informado. )) Como este caso tem circunstancias fóri do commum , e vai inten- í der com muitas doutrinas philosoíicas , pôde lamentar-se que o Caval- » lo não s • tivesse comprado, e o seu olho dissecado para se fazer í hum melhor exime , livre de todo o engano. Tenho a convicção de a que havia dentro do globo do olho do Cavallo hum animal vivo com B njm movimento próprio. » Ó8 Memokias da Academia Real va de o mostrar ao Publico era maior do que a paga que se lhe offcrccia. O terceiro facto que ainda parece ser mais idêntico com o que actualmente presenciamos , he tirado de huma obra Hcspanhola intitulada Institucimies de Albeitaria . . . dispuestas por el Bachiller Francisco Garcia Cabero . . . Ma- drid 17 SS I vol. 4.° No fim desta obra vem huma consul- ta do M. Domingos Royo , em que refere que huma MuUa de 6 annos , do Provincial dos Franciscanos de Aragão , se achava com hum animal ( a que elle chama huma cobri- nha ) dentro do olho esquerdo , que cila era da grossura de hum cabello , do tamanho pouco mais ou menos de pol- legada e meia , e com os movimentos tão vivos que nem na agoa podião ser mais visiveis. Confessa o dito Royo que este caso era para elle totalmente novo , mas que lhe tinhão segurado que também succedera já em França {a) . Bem conhecida pois e pcsta fora de toda a duvida a verdade de similhantes factos , o ponto que naturalmente chama a nossa attenção he o modo por que o Verme se pôde gerar , ou introduzir dentro do olho do Cavallo ; ques- tão esta que por hum lado se acha ligada cora a da ge- ração dos Moluscos intestinaes em geral , e pelo outro cora a da extructura do olho, c alterações occasioaaes , que elia tenha experimentado. Em quanto a esta segunda parte, por isso mesmo que espero , como já disse , adquirir conheci- mentos mais exactos , quando se dissecar o dito olho , fica- rá reservada para então , tanto mais que o outro artigo da geração dos Molucos Intestinaes pôde tratar-se independen- temente, e abrir o caminho para o que depois se houver de discorrer sobre aquelle fenómeno. A geração dos Vermes em geral foi era' todo o tem- P^ (4) Nem aqueila consulta , nem a resposta dão outra alguma clare- za a respeito deste Verme ; o Cabero iiáo pode mesmo persuadir-sc que haja hum animal vivo dentro do olho. O objecto que ambos os auto- res tem em vista he examinar se será ou não possível romper a Córnea e extrahir o Verme sem que o olho fique cego , do que nada duvida o mesmo Cabero. DAS SciENCiAs DE Lisboa. 6y po matéria de mui grandes disputas. Aristóteles , e muitos Antigos que o seguirão; vendo no ar, ajudado do calor, hum principio de vida e de animalisaçao , admittírão a geração espontânea como tendo lugar em Animaes desta natureza ; cm quanto outros a negarão pertinasmentc e até a ridijcu- lisárão, não só entre os mesmos Antigos, mas sobre tudo entre os Modernos. Os argumentos dos dois partidos erao com tudo mais especiosos do que concludentes; a experiên- cia he a que devia decidir , e estava ella muito longe de ter ainda fallado por hum modo capaz de tirar todas as difficuldades- Os Quadrúpedes , as Aves , os Peixes , em fim todos os animaes de Vértebras , e alguns dos Invertebrados tem órgãos próprios para a geração , e propagao-se pelo concur- so dos sexos, ou elles estcjão em animaes diíFcrentcs , ou em o mesmo individuo. Este facto exactamente averiguado fez tirar a conclusão precipitada de que sendo esta a mar»- cha regular da Natureza naquelles animaes, deveria ser tam- bém a mesma em todos os outros : como se ainda aquelles que tem huma estructura totalmente diversa , estivessem a pezar disso sugeitos ás mesmas leis ; como se não fosse possivel haver mui variados modos para multiplicar a es- pécie ; e como finalmente se as classes de animaes , que ainda restavão para observar , não comprehendessem mais individues que aquellas que já erão conhecidas. O funda- mento daquelle systcma era hum argumento de analogia , mas esta só pódc servir de prova , quando não ha lugar para a observação, e ainda então he necessário que as cir- cunstancias scjão muito parecidas, quando não idênticas. O descobrimento dos Animaes infusorios , e huma ave- riguação mais exacta sobre alguns Pólipos veio fazer conhe- cer modernamente que elles se propagâo por modos muito extraordinários , e de que d'antes não havia a menor sus- peita : as Infusões de muitas substancias , e até a agoa dis- tillada guardada em vasos fechados , dão origem a huma quan- tidade de animaculos a que não hc fácil descobrir os pro- yo Memorias DA Academia Real genitores em systema algum , que não seja o da geração es- pontânea. Desde este tempo fez-se huma revolução comple- ta nesta parte da Zoologia , a classe dos Vermes foi escu- dada com o maior ardor ; e a doutrina da geração espon- taaea cessou de ser olhada com ludibrio, logo que o ce- lebre BufFon com seductora eloquência a apoiou em toda u sua plenitude. Muitos Naturalistas seguirão este grande Génio ; mas devo confessar que na minha opinião talvez transposcrao a meta , attribuindo ao accaso ou ás molccuUas orgânicas a formação dos Moluscos Intcstinaes ; segundo os sentimen- tos do Plinio Francez , a porção não digerida do leite he a que lhe dá origem quasi á nascença do Animal , c se ou- tros Vermes se desenvolvem durante o seu crescimento , he ainda a huma superabundância de matéria orgânica e á sua demora em algumas partes do animal que elle attribuc esta geração: desenvolvem-se , ou cristalizão pela mesma manei- ra , que cristalizão os animaeulos microscópicos pela quie- tação do vehiculo aquoso. Se pois por hum lado , segundo o estado actual dos nossos conhecimentos , não se pôde regeitar de todo a ge- ração espontânea ; ^ não parece pelo contrario que se lhe dá huma extensão demasiada attribuindo-se-lhe a origem d js Moluscos Intestinaes ? assim me persuado. Mas neste caso ^ qual será o ponto , quaes serão os animaes em que essa geração espontânea cessa de ter lugar ? he o que por ora se não pode determinar de huma maneira decisiva; sem que deixe de haver algumas considerações , que parecem indi- callo com bastante probabilidade. Acima dissemos , que desde o homem o mais perfeito dos Entes orgânicos até ao ultimo Verme havia huma gra- dação mais ou menos sensível de faculdades , que principian- do naquelle em o maxiniitm , se hião pouco a pouco amor- tecendo ou aniquilando , até se desvanecerem quasi todas nos Polypos e animaes infusorios. Ora basta somente o ra- ciocinio para fazer ver que estas faculdades estão na ra/.ao di- dasScienciasdeLisboa* 71 directa da organização dos animaes : a esrructura dos Qua- drúpedes he JummaiTiente complicada , a dos Vermes extre- mamente simples , a^^sini as faculdades dos segundos não poderão ter comparação cm numero com as dos primeiros. Outro facto que he igualmente certo , he que á proporção que estas faculdades diminuem na sua quantidade , augmen- tão cm intensidade : o homem cego e surdo adquire e aper- feiçoa o sentido do tacto até hum gráo maravilhoso ; e o que acontece em hum mesmo individuo , acontece também cm individuos de natureza diíFercntc ; por tanto os Vermes dotados de mui poucas faculdades , gozao em toda a exten- são daquellas que possuem. Não he isto huma hypotese fundada em meras con- jecturas , são factos que a experiência confirma todos os dias, c por mil maneiras difTerentes : mostra ella que se os Qiiadrupedes tem a faculdade de regenerar as carnes de pequenas feridas , os Vermes podem regenerar membros in- teiros , e he opinião de grandes Fysicos que os Caracoe? cortando-se-lhes a cabeça , ou ao menos huma parte delia , ainda vivem , c adquirem outra nova {a) . Se os Quadrú- pedes tem a faculdade de se multiplicar por meio dos ovos, os Vermes tem huma infinidade de outras maneiras ; pois co- mo em muitos a simplicidade da sua organisação não lhes pcrmitte ter órgãos próprios para aquelle fim, perpetuão-se huns , como os Polypos de agoa doce , por bolbinhos , á maneira de muitas Plantas ; outros como os Zoofitos , por gomos c rebentos , com que se ramificão e tomão a appa- rcncia de pequenos arbustos ; outros ainda cortando-se ao se ( por hum anno inteiro estavão no mar , hindo-se no in- » verno , e voltando no verão , por nao haver senão dois >» ventos " e accrescenta <« que era esta terra mui afastada » das ribeiras da índia >» e já antes havia dito dos Chins, como testemunha ocular *< que navegavão , ainda que com » grandes difficuldades , ás Ilhas Filippinas e ás Molucas , » posto que muito distantes do Continente (a) . » Do segundo que andou pela índia vinte c cinco an- nos , podemos apontar dois lugares que aqui multo servem : j> Duas Ilhas ha , diz elle, em a índia Interior a cerca dos » extremos fyms do mundo , e ambas por nome som cha- » madas Jaua maior , e menor ; e jazem contra Oriente ; >» E estam alonguadas d'terra firme huu mez de navcgaçom. >» E antre hfia e outra das ditas Ilhas som cem milhas em j» ho mais perto , aonde elle cõ sua mulher e filhos e cora- j» panheiros do mar de sua peregrinaçom folgou per nove j> mezes. Alem destas (Jauas) per navegaçom de quinze j» dias mais contra Oriente jazem duas Ilhas , huraa se cha- »> ma Sanday , e a outra Badam , em a qual so nace o cra- » vo , e dalli o levam as Ilhas de Jaua. Foi Nicolao Vene- » to para Occidente , e navegou a Cidade de Liampa , que j» jaz em costa de mar, e navegou a Ilha Secutera que ja/^ 5» contra o Occidente da terra firme cem milhas , e neste » caminho esteve dois mezes (b) . " Particularmente se notou dos da Ilha de Otahiti , ou Taiti no Oceano Oriental , que perdendo a vista de terra , navegavão sem Bússola até 400 legoas longe das Costas , e chegavão até a Nova Zelândia , e conhecião as grandes distancias ás Ilhas do Mar do Sul. Dos Chins se diz o mes- mo ; conta-se que desde o Século IV. e V. não só navega- vão ( que acham a estrella do polo alta ou baixa , c esto sabem »> por certa medida. E nõ menos mede ho curso que fa- >» zem , c a distancia que tem de huu lugar pêra outro ; >> e assi sabem em qualquer lugar em que estiverem no >» mar (a) . » Podemos trazer em confirmação disto mesmo , o que os nossos escrevem do Piloro Gazarate, Malcmo Cana, que Vasco da Gama levou de Mclinde para dirigir a navegação para Calecut , o qual contava entre as mais praticas que teve com elle <« que os Pilotos do Mar roxo alem de seus » particulares instrumentos usavão principalmente da estrel- >» la , de que se mais scrvião em a navegação ; mas que elle j» e os mareantes de Cambaia e de toda a índia peró que a » sua navegação era por certas estrellas assi do Norte , ccmo " do Sul , e outras notáveis que cursavão por meio do Ceo » de Oriente a Ponenrc. »> ( Barros Decad. I. Liv. IV. C. VI,) Luiz Barthema Bolonhez , que andou algum tempo a serviço de Portugal , fc;lJando de suas viagens da Moluca Borneo ejava, dá hum claro testemunho desta antiga pra- tica de navegar sem Bússola. <« I)im:ndó il mio compagno » alli Christiani poi che noi h ;bbiamo pcrso la tramonta- Tom. V. L » na {a) Livro de Ni 0I.10 Comi , ch.iiT.ado vulgarmente Nicolao Feneto , traduzido cni Portuj;uez por Valentim Fern.indes , no fim do Livro de Marco Polo, Edic. de Lisboa içoi foL O Texco Latino vem no Tom. I. da ColUct^ão dai Fiagcns de Ramusio C. Vlll. 82 Memorias da Academia Real » na , come si governa costui : evvi altra stella tramontana » che qucsta , con la qual noi navighiamo ? Li Christiani »» ricercarono il padron delia nave , qucsta medisima cosa ; » et cgli ci mostro quatro ó cinquc stelle bellissime ; infra '» Ic quaii ve n'cra una, qual disse ch'era alTincontro delia j» nostra tramontana , et ch'egli navigando seguiva quclla , j» per che la calamita era acconcia et tirava a la tramon- j> tana nostra: ci disse anchora che dali' altra banda di dctta 5» Isola, verso mezzo giorno, vi sono alcune genti le quali " navigano con le dette quattro ò cinque stelle , che sono í> per mezza la nostra tramontana ; et piu ci disse , che: di « là dalla detta Isola si naviga tanto , che trovano che il " giorno no dura piu che quattro hore , et che ivi era " maggior freddo che in luogo dcl mondo. >> ( Iten. di Bar- them. na Collecção das Navegações e V~tagens de Ramiisio Tom. I. pag. 168 3.* Edição ) Tanto se servião os Asiáticos , Indianos , e Árabes da observação dos Astros , que até por ella se guiavão nas jornadas por terra , quando atravessavão grandes solidões e desertos , o que conta o mesmo Nicolao Vcneto , e parti- cularmente o nosso famoso Viajante , tão pouco lido e tão digno de o ser, o Padre Manoel Godinho na sua viagem da índia; aonde assevera como testemunho ocular « que as ter- » ras que se estendem para o meio dia são todas cubertas j> de vastos e cansados areaes , não se achando nellas pe- j> dras , arvore , herva , nem caminho ou carreira por espa- » ço de 300 léguas; e que os que por ellas caminhão, ob- »> servão o curso do Sol e das estrellas para se não perde- » rem. »> {a) CA- (4) Cap. 18. pag. 103. éW-t r» DAS SciENClAS DE LiSBOA. 83 CAPITULO II. Do conhecimento e uso da Bússola ou Agulha de marear , e de alguns outros Instrumentos maritimos , antes do mea- do do Século XIF. E Aliamos no discurso antecedente do regulador ou guia das antigas navagações do alto mar, pelo subsidio do aspe- cto do Cco, ou curso do Sol c das estrcllas: segue-se com- pilar as noticias que podem servir para mostrar que a Bús- sola e outros instrumentos modernos da Náutica crão já co- nhecidos e usados antes do meado do Século XIV. isto he antes da época de Flávio Goia Amalfitano. Os meios e instrumentos maritimos principaes são a Bússola , o Astrolábio , a Balestilha , o Quadrante , a Son- da, e as Cartas maritimas. Diremos o que podemos saber de cada huma destas cousas, que certo não he ainda quan- to desejávamos , e quanto deviamos esperar dos Antigos : este tem sido o destino dos illustres Artistas, bemfeitores da humanidade , que enriquecerão e aperfeiçoarão as Artes pelas suas invenções , que a ignorância ou desattenção dos Escritores seus contemporâneos privarão na posteridade da noticia de suas pessoas , nomes , profissão e caracter , do tempo em que viverão , e de seus descobrimentos e inven- ções. ,; Quantos succcssos nos não offerecem os Annaes do espirito humano, transmittidos sem menção de algumas da- quellas circunstancias, que podião satisfazer a nossa curiosi- dade , que naturalmente folgaria de as saber? Daqui vem que as épocas do descobrimento da Bús- sola , do Astrolábio , e de outros instrumentos maritimos , os povos que primeiro os pozerao em uso , c os seus Au- tores, são Problemas que tem hoje occupado a penna de mui illustres Escritores , e que ainda não estão inteiramen- L ii te 84 Memorias da Academia Real te resolvidos : com este prcsupposto fallaremos dos princi- paes instrumentos , e meios próprios da direcção da Nave- gação. Artigo I. Da antiguidade da Bússola ou Agulha de marear. Da Bússola. JLX Um dos instrumentos maritimos he a Bússola ou Agu- lha Náutica , sem a qual se entende geralmente , que não era possível fazer-se navegação cm largo mar. i Mas temos nós certeza, de que d' antes não havia o regulador da Bús- sola , e quando o não houvesse como hoje o temos , que não haveria outro meio de supprir esta falta ? Quanto ao primeiro nós ainda não sabemos como foi descuberto o segredo da pedra Iman e da Bússola , nem o tempo, em que se intioduzio, e recebeo entre as Nações ma- rítimas da Europa; nem as primeiras vantagens, que se ti- rarão do seu uso. Pôde porém suspeitar-se , que os Antigos a conhecerão e usarão ; e que perdida depois , e ignorada por muitos Séculos , esta Arte se restituio outra vez ao mundo , crendo-se invenção nova , o que só foi recupera- ção da antiga (a) , Avancemos porém a alguma cousa mais positiva e certa. Os Chins entrarão na pertençao do seu invento, datan- do o seu uso já desde o reinado do Kinpcrador Wang-Ty , muitos annos antes da EraChrisrã. Falião disto o Padre Mar- tim , Missionário da China , na Historia Sinica pag. 106, as- severando que a Agulha Náutica era conhecida na China mais de três mil annos antes da Era Christã , opinião que seguio Mr. Esmenard no seí\ bello Poema Francez da Nave- gação no Canto V. Delia também faz memoria o outro Mis- sionário o Padre Amyol , que a jwem no reinado de Hoang- (/j) Atsim o conjecTOfou o discreto Feijó no Tom. ^^ í>iscurso XV'. §. V. pag. )24. fallando da Areetica. 01 DAS SciENCtAS DE LiSBOA. if Ty , que corresponde ao nnno 1637 antes da Era Chris^á {a) . Fíjrâo para csra parte o Padre d' EnlrccoUes , referido na Historia Universal por huma Sociedade de Homens de Letras qu.; as.sevcra/a como testemunha ocular, que os Chins ti- nhao huma espécie de Bússola , de que ellc descreve a par- ticular composição (b) , Fournier na Hydrografia Lib. II. C. I. , Pluehe no Espectáculo de Natureza , e FronctcUi em huma Dissertação num. 29. §. I., que todos reconhecerão huma espécie de Bússola entre os Chins. Com effeito consta que elles desde 45-8 não só nave- gavão pelas costas do Japão, de Jcsso , e de Kamtschatca, mas até se engolíavão nos mares largos , chegando , sem cos- tearem a terra , a algumas partes remotas , e a varias Ilhas do Alar do Sul , como já dissemos, de que fallárão Hornio, Hyde , o Barão de la Houtan , du Praz, e principalmente Mr. de Guingncs no seu Extracto das Viagens no Tomo XXVIII. das Memorias da Academia das Inscripçoes e Bellas Letras ; sendo assim que foi para muitos verosimil , o que diz Montucla na Histm-ia das Mathemaíicas , que delles pro- viessem aos Europcos o conhecimento deste segredo da Na- tureza por intervenção de Marco Polo, ou de alguns Mer- cadores Venezianos , que fiV/ião o commercio da índia pelo Mar roxo ; e affirmando que os mesmos Chins ainda depois de aperfeiçoada a Buiisola pelos Europeos , faziao uso de hum pedaço de ferro tocado no Iman , e posto sobre hura pequeno páo ou cortiça , dentro de hum vaso cheio deagoa, que parece ser ainda hoje a Bússola dos juncos Chinezes (c) . Não só ha quem f;;ça os Chins inventores da Agulha Náutica, mas ha muitos que procurão achar-lhe a pátria en- tre os Árabes : em verdade o Geógrafo Nubiense , que es- creveo pelo Século XII. , indica o seu uso entre elles ; e por esta parte o citão Kircker na obra Magnes , Fournier na (íí) Abrtgé Chronolog^iqiie de rHistoire Univtrsclle detEmpirc Cbitii/is , <]ue vem no Vo!. XIII. das Memorias tocantes aos Chins , p. 234 n. 3. (i>) Tom. XX. pag. 141. CO Histoir. des Aíatbcmatiqucs P. II. Liv. II. §. II. pag. }84. ■ 86 Memorias da Academia Real na Hydrograpbia Liv. II. C. I. c Riccioli na Geografia e Hy- àrografia Liv. X. C. i8. Para a mesma opinião encaminha o curioso Bergcron , que na Historia dos Sarracenos pertende que os Árabes fossem seus inventores , e delia ^ie servissem longo tempo antes dos Europeus , para viajarem nos mares da índia , c commerciarem com os Chins , aonde Icvavao as suas mercadorias ( Abrcgé de rilistoire des Sarraans p. 119) o què se faz verosimil , vendo que elles crao mui peritos na Náutica, c que delia escreverão em Séculos, em que na- da se escrevia na Europa ; superiores nesta parte a Gregos e Romanos , e aos mais povos da meia id:ide , que quanto nós hoje sabemos nos não deixarão obra alguma desta scien- cia (tf), e por certo que cm hum Livro, que entre elles cor- re com o titulo Ketab Allachiar ^ fizcrao menção da pedra Iman e de seus cíFeitos e virtudes {b) . Tan- (rt) Casiri entre outras obras de que faz menção na Bibliochcca do Escurial , refere o Tratado de hum Anonymo da Arte Náutica , e ou- tro de Tabet ben Corrab de Syderibits eorumque occasH , ad anis Nauticx usiim accommodatis Tom. I. pag. 586 , Tom. II. pag. 6 (/') He traducçáo Arábiga de huma obra que esereveo Aristóteles so- bre a Pedra por excelUncia , de que Diógenes Laércio nos conservou o titulo, na qual o Filosofo já fallava da virtude da pedra Iman , cuja in- venção parecia attribuir aos Orientaes. O Texto Grego perdeo-se , e só se acha traduzido entre os Árabes , do que faz memoria Harbelot na Bi- bliotheca Oriental : e com efFeito Aristóteles por seus gr.indcs conheci- mentos na Historia Natural e nas Artes , e pelos que podia haver por meio das conquistas de Alexandre Mat^no , seu líiscipulo , estava em estado de saber o uso, que os Orientaes faziáo da pedra Iman, e da Bússola. Não ignoramos que alguns tiveráo para si , que esta obra não era a de Aristóteles, e a rejeitarão como apociyfa , e foi hum delles Lipe- nio no seu Dissurso sobre a navegação de Ophir C. V. ; c depois Ti- rabo;cl>i , o Abbade ]oão André , e outros msis se persuadirão ter sijo producçâo de algum Árabe , que lhe procurou dar sabida com o nome supposto de Aristóteles. Dos mesmos que a tem por obra do Filosofo ha quem pense ter havido falsificação no seu Texto. ; E que interesse tinháo os Interpretes Árabes de o falsificar , c attribuir ao Escritor Gre- go hum conhecimento que cUe não tinha, ou não inculcava ter em seus escritos; Was demos a bel prazer a impostura da obra, ou a falsificação do Texto: sempre por esta Trjducção assim mesmo ou suppoita, ou in- fiel se prova , que se Aristóteles , ou os Gregos não conhecerão a virtu- de e effeitos do Iman, o conhecerão cettameiue os Árabes, que he quan- to nos basca pata o nosso assumpto. DAS ScTENCiAS DE Lisboa. S^ Tanto usavão da Bússola como instrumento de sua in- venção , ou pelo menos de longo tempo adoptado na pra- tica , que até se valiâo , c valem ainda hoje da Bússola nas viagens de terra , quando caminha) sobre camcllos os vas- tos c longos areaes e desertos de Africa , para irem em ro- magem a Meca ou a outras partes : assim o attcsta o Gre- go Leôncio Chalcondila no Liv. III. de Rebtts Tiircicis Ca- nte lios ascendunt utentes sigiiis , qu nautae Açus appellant. Quarum formam proter eos , qui >> a maritimis regionibus semoti sunt , haud alienum arbitror » explicare. » Vasculum est e ligno factum , planum atque rotun- »» dum , altitudine duorum aut trium digitorum. In médio j> habet stylum prxfixum , in summo prseacutum , aliquan- » tò brevicrem , quam sit vasculi ipsius altitudo. Regula » dcindc c ferro solcrtissimè facta , tenuis & angusta ad »> vas- 88 Memorias da Academia Real vasculi modum dimensa ; ita tamen , iit diametri ipsius vasculi longitudincm non cxasquct , inducitur. Styli vcrò cuspis per mcdium hujus regulae , quod est infcrius exca- vatum & fastigianim , supcrius immissa, ira cam suspcn- sam , parihusquc momcntis libraram conriner , ur urrinqiie ângulos pares cfF.ciar, Operculo deindc virreo xnea vir- gula circundara firmaro , ne possit regula cxcuri , & ali- qua ex parre labarc , conrcgirur. Cuni vero magncris ca narura sit , ut non modo fcrrum ad se rrahar , veruin etiam una illius pars ad Seprentriones aspirei, altera in Austrum propendeat, naturamque suam cum ferro ccirimu- nicet: efficitur , ut , cum regulx huius caput ad eam nia- gnetis partem , qux spectat ad Scptcntrioncs, applicatum , attrituque illius extersum fucrit, candcm in se vim con- cipiat : & cum ita suspensa extiterit, ut mobiliter in varias partes impelli possit , semper in Septentriones insira pro- pensione referatur. Sic autcm fiebat ; at nautse hoc instru- mento moniti , quamvis in profundo pélago versarentur, & cjelum esset nubilum , & caliginosum , possent tamen ad Septentrionis lationem cursum dirigere. Hanc autein regulam, quia ad açus similitudinem proximè accedebat, acum naviculariam appellabant. Dcinde cum facillimum sit humanis ingeniis addere semper aliquid ad ea , quz sunt solerter inventa, aliam norma: rationem excogitarunt, qua possent exactius, quem cursum in navigando tenerent, ratione perspicere. E viigulis enim ferreis figuram efíi- ciunt lateribus paribus , angulis imparibus , in rhombi speciem deformaram. Huic unam cx parte superiora, al- teram ex inferiore chartam orbiculatam adglutinant. Ma- gnctis autcm adiuncta vi, sic figuram hanc temperant, ut unus ex acutis angulis Septentrionem , alter Austrum respiciat: ex obtusis vero unus ad ortum Sol is , alter ad occasum spectet. Diametri autem orbis huius longitudo figuras longitudincm non exccdit. Habet autem orbis hic in médio jeneum umbilicum alExum , ad eam formam fa- ctum , qua diximus rcguls médium fabricatum fuisse. » Per DAS SciENciAS DE Lisboa. S9 « Per umbilicum illud igitur styli cuspis iminissa , orbcm >> hunc suspensum continct , qui iion modo rcgulae illius , >» de qua dixinius , vice fungitur , sed omnes ventorum re- >» giones, quorum flatibus navis impellitur, in conspcctu pro- » ponit. In charta namque supcriore Scptentrio , & Auster, j> & Orieiís, & Occidcns , & interjecrs inter hos términos " regiones cxactissimê describuntur. Norma ad hunc mo- >» dum constituta , hoc restabat incommodi , quod opus erat »> quoties navis fluctibus agitata, ut fieri nccesse est , in »» pupim aut proram , aut in alterutrum latus inclinarct , j» ut illa in profundo subsidens adhaeresceret , ncque motu j» libero in Septentiioncs dirigi posset. Ne autem hoc eve- j> nieret, fuit solertissimè cxcjgitatum. Nam vas ipsum pau- j» lò infra labrum circulo xneo arctè constringitur. Utrin- V que autem ab eo circulo virgula calybea ducta , in fora- j> mcn alterius circuli maioris & extcrioris , módico intcr- j> vallo ab interiore distantis , immittitur ; virgulíe vcrò bi- " nae ita sunt squales & oppositae , ut si ex utràque una » & perpetua ficret , circularis illius spatii diametrum con- » tincret. Exterior autem circulus circa duas illas virgulas >» quasi circum axem versatur. Rursus ab exteriore circulo >» ali£e binx virgula pari intervallo ad ambitum alveoli cu- » juí^dam orbiculati , intra quem hsc machinatio contine- » tur, simili ratione perducuntur. Ita sunt autem has vir- >» gulx exteriores interioribus ex adverso constitutae , ut si " du3E tantum ex illis quatuor directx fierent , sese ad an- » gulos rectos intersccarentur. Cúm vero machinatio ex in^ » feriore parte znea & ponderosa sit, neque fimdum attin- í» gat ullum , ita undique pellitur , ut médium locum te- »> neat. Et cum pcnsilis & mobilis existat , pondere suo >» nixa ca ratione consistit, ut quamvís maximi fluctus na- »» vem jactcnt, ipsa semper ad íibellam directa permaneat. " Sic autem fit, ut nihil interveniat , quod normam ab eo " motu , quo in Septentriones fertur , impedire queat. His '» normis solcbant uti iam illo tempore Árabes illi {a) . Tom. V M Sen- (4) Se a tudo isco se quizer lepôr , que esta Aguliia e BuisoU Ara- 5)o Memorias DA Academia Real Sendo tudo isto , dos Árabes cm geral podião haver os Euiopeos o conhecimento e uso da Agulha Náutica ; fosse dos Árabes Asiáticos, fosse por meio das Expedições em Ásia debaixo do titulo de Cruzadas , fosse por via dos S.irraceiios de Africa , que se espalharão pela Itália , e pela Hespanha (a) . Não ni)s contentemos porém com esta só prova, ten- do outras , que nos ofFcrecem as memorias dos dois Sécu- los XIII. e XIV. No principio do primeiro achamos o cc- nh?*de"" ^^^^^ Pocta Franccz Guyot de Provim , que vivia por 1200: Guyot. o qual no seu Poema escrito em o idioma Gaullez , que appareceo em 1204 com o titulo La Bible Gujiot , dá hum bem claro testemunho da existência da Agulha náutica (b) , des- bica ou Indiana diíferia da Europea , pouco nos importará esta dltferen- ça , para a cerccza da existência de hum Instrumento próprio pun a na- vegação do alto mar , que entre aquelles povos servia para sua direc- ção , como a mesma Bússola Europea para as nossas navegações. Bastará o que temos dito pata se encontrar a doutrina do sábio Do- mingos Alberto Azuni , na sua Dissertação sobre a origem da Bússola : elle se propoz mostrar, que ella não fora conhecida dos Antigos; que os Chins e Árabes a tomarão dos Europeos ; e que entre estes forão os Francezes os primeiros , que a descobrirão e pozeráo em uso. Com tu- do não o fez sobre bases solidas , e só sobre conjecturas c suas induc- çócs ; não podendo delias ccncluir-se exact.)mente nem a total exclusão do seu uso , ou de outro seu equivalente entre aquellas nações ; nem a invenção original dos Francezes , precisamente por usarem da Bússola no Século XIII. , e delia fallarem alguns de seus Escritores : notando C0R1 razão Saverien que lhe dá o primeiro uso por 12CO, que não cons- tava que os Francezes fossem os inventores , e se devia remontar irais acima , e entender que era ja conhecida dos Antigos. (- Contes Tom. H. reftie alguns versos, e Fouchet transcreveo cinco na sua obra d.is j^níitjtiitts de la France Liv. II. , hum e outro com defeito. Azuni na Dissertação tur lOrigme de la Boussole traz o lugar pot inteiro , e tirado do próprio otigiaal MS. DAS SciENCIAS DeLiSBOA. pi descrevendo elle as estrellas circumpolares , explica-se des- ta maneira. >í Voisissi , qu*il semblas Testoile » Qlií ne SC muet : bien la voyaent » Li marinicrs , qui si avoient , j> Et lor sen , & lor voie tienncnt. » lis rappellent la tresmaintaigne. » Icelle cstoile est moult ccrtainc : j> Toutes les autrcs se removent , >» Et rechangent lor lieus , & tornent j >» Alais celle cstoille ne síe muèt , »> Un art sont qui mentir ne puct , '> Par la vertii de la marinière; j> Une picrre laide & brunière , 3> Ou li fcrs volontiers se joint, »> Ont , si esgardent le droit point , yy Puisquc une aguille ont touchié , j» Et en un festu Pont couchié ; j» En l'eve le mettent sans plus, » Et li festus la tiennent desus. » Puis se tourne la pointe toute >» Contre 1'estoilc , si sans doute » Que ja nus hom n'en doutera " Ne ja por ricn ne fausserá : j> Quand la mer cst obscure & brune , » Qiiand ne voie cstoile , ne lune » Dont sont à l'aguille allumer " Puis n'ont ils gardc d'esgarer " Contre Testoile va la pointe (a) . # M ii Com (> rea , postquam magnetem contingerit, ad stellam Scpten- » trionalem , velut axis firmamenti , allis vcrgentibus , non » movetur, semper convcrtitur, undc valdc necessarius na- j> vigantibus in niari. j> Testemu- No mesmo Século apparece depois destes a mesma no- nho da i\(^\^ na antiga Chronica de França , que põe nositivamen- Chronica . »„ , ' i ^ , , "^ • '^ i deFranç3,te O uso da Dussola com O nome de Marmett pelos tem- e de Hugo p^j ^^ primeira expedição das Cruzadas para o Oriente por Luiz IX., i&to he por 1248; e em Hugo de Bercy , Escri- tor muito exacto e contemporâneo de S. tuiz, que falia desta espécie de Bússola; e dá delia huma dcscripçao , co- mo de cousa já conhecida e usada em França , declarando que os marinheiros de seu tempo delia se servião para co- nhecer o Scptentrião. Testemu- Pertence ao mesmo Século o outro testemunho , que nhodeVi-se acha em Vicente de Bcauvais , chamado geralmente o lovacense. Bcllovaccnse , quc falleceo em 1262 , cu como quer o Padre Echard em 1269 , o qual no seu Speculmn Historicum ^ que chega até 1244, impresso em Vetleza em 1434,00 Tom. í. Lib. VIII. C. 19, attribuindo a noticia disto a Aristóteles, diz assim : « Aristóteles in libris de Lapidibus : Lápis ma- 5> gncs ferrum trahit ; & ferrum obediens est huic lapidi jj per virtutem. occultam , quae inest illi , ipsum movet ad j» se per omnia corpora solida , sicut per aera ; & uno qui- j> dcm ipsius angulo trahit ferrum ; ex opposito angulo fu- »» gat ipsum. Angulus quidem ejus , cui virtus est attrahcn- j> di ferrum , est ad Zoron , id est Septentrionem ; angulus >» autem oppositus ad Afron , id est meridiem. Itaque pro- j» prietatem habet magnes , quod si approximes ei ferrum j> ad angulum ipsius , qui Zoron , id est , qui Septentrio- '> nem DAS SciENClAS DE LlSBOA, (JJ » nem respicic, ad Scprentrioiícm se convertit; si vero aJ »> angulum oppositiim fcrrum admovcris ad Afron , id est , »» meridiem se movcbit. Qiiod si huic ferro fcrrum aliud ap- >» proximaris , ipsum de magnete ad se trahit (a) . » Cresce a força destas autoridades com a do famoso Escritor da mesma idade Alberto Magno , fallecido cm 1 280 , Testemu- no seu Tratado dos Mitteraes ou Metaes Tract. II. C. VI. ^'°Q*jyj3^ cUe diz expressamente: 5 gio- {a) Ainda que ests dcscripçáo náo hc exacta , todavin prova o co- nhecimento , que então havia , da attracção e força directiva da Magneta para o norte. (fc) Dos Vocábulos Zoron e Afron , de que usáo Vicente de Beauvais , e Alberto Magno , concluio Tiraboschi que a obra de Lapidiòus , que cllcs citáo como de Aristóteles , n.ío podia ser delle , pois que estas palavras náo eráo Gregas , e nem ainda Latinas : j mas que implica que se hajáo por Arábicas , e que os Árabes por ellas quizessem expressar o sentido do Filosofo i SI3U - ra P4 Mkmokias da Academia Real „ giori , secondo che elle sono piu presso , ó piu lungi di „ quelle tramontane ; &sappiatc, clic a questc diie tijmon- ,, tanc vi si apprcnde la punta dclTaco verso quella tiamon- ,, tana, a cui quella faceia giacc. ,, Lib. II. C. 49 foi. 5'4. Arrematemos a serie destas testemunhas do Século XIII. Testemu- com a autoridade do famoso Hcspanhol Raymundo LuUio , Raymun- ^"'''''"''i-ido O Doutor Illiiminado , pela sua estupenda erudição doLuilio. ainda hoje respeitável. Trata elle expressamente da Agulha náutica de ferro em diversas partes das suas obras , que es- crcveo desde 1271 até 1298, e explica mui doutamente, como grande Filosofo que era, a sua direcção para o polo, tocada no Iman , e o seu uso no curso da navegação do seu tempo. Eis-aqui alguns lugares do seu Livro I. de Contem- platione. « Sicut açus per naturam vertitur ad Septcntrioncm, „ dum sit tacta a magnete , ita oportet , quod tuus servus (fal- „ la com Deos) se vertat ad amandum & laudandum suum Do- „ minum Deum {a) . z; Quia sicut açus náutica dirigit marina- „ rios in sua navigatione, ita discretio dirigit hominem in ad- „ quisione Sapientije : nam sicut est naturale acui , Domine, „ vertere se ad aquiloncm , per naturam magnetis a qua est ,, tacta , ita naturale potentiie rationali dirigere hominem ad j, discretionem. „ {b) Artigo II. Da antiguidade do Astrolábio. Do Astro JL/lgamos agora do Astrolábio , que serve para se conhe- cer a altura do polo e por ella saber o que estamos apar- ta- is) Cap. i2p num. ip. (t) Cap. 2pi num. 17. De tod.i esta serie de Escritores se convence o pouco ou nenhum fundamento com que muitos pertendêráo d.ir j Flá- vio Gioja Amalfitano a gloria da invenção da Agulha , c particulnrmen- te Fabrini , o ]esuita Bartholo , e o "siibio GrimaMi na sua Dissertação Sobre 3 Hu<;soIa , cjue vem no Tom. III. das Actas da AcaJcmia de Cor- tona : os quac ficáo tendo contra a sua opinião todas as provas , que aqui temos apresentado , de testemunhos anteriores ao Cidadão Amalfitano. LtAsSciBNCiASD£ Lisboa. 9^ tados da Equinocial , ou em que parte está o navio do ca- minho que leva, como se não navegue de Leste a Oeste, pois então se julga já por estimativa ou fantasia. Entcnde- se vulgarmente que em tempos passados não havia Astro- lábio, c que sem ellc se não podia navegar ao largo. Mas ^ está decisivamente provado , que d'antes o não havia , ou pelo menos , que não houve algum outro equivalente , que o sup p risse .'* Sem remontar a tecnpos antiquíssimos, e tra- zer á memoria a Arhaleta dos Chaldeos , a que elles chama- vão Báculo de Jacob , com que tomavão a Latitude e distan- cia do lugar, em que estava o navio relativamente ao Equa- dor {a) , basMrã lembrar que o Astrolábio , ou instrumento equivalente a elle , não deixou de ser conhecido muito antes do Século XV entre as gentes do Arabismo , e em nossa mesma Hespanha ; porque do Árabe Cordovez Al-Zarcaili se conta , que inventara nclla hum instrumento para observa- ção do Sol e das estrellas , de que pasmarão os sábios As- trónomos do Oriente quando o chegarão a ver. (Vej.oAu- thor da Bibliutheca dos Filosqfos Jrabes). Geralmente se ha- vião propagado entre estes povos instrumentos , que ou erão análogos ao Astrolábio , ou serviâo , como elle, para a ob- servação da altura do Sol e do movimento dos Astros. Vem a propósito e em confirmação do que dizemos o que conta o nosso grande Historiador da índia de Malemo Cana , Mouro de nação , que Vasco da Gama levou comsi- go de Melinde por piloto : « E amostrando-lhe Vasco da „ Gama (diz Barros) o grande Astrolábio de páo , que le- „ vava , e outros de metal , com que tomava a altura do „ Sol , não se espantou o Mouro disso , dizendo : que al- „ guns Pilotos do Mar roxo usavão instrumentos de latão „ de figura triangular , e quadrantes , com que tomavão a ,, altura do Sol em a navegação. Mas que elle , e os ma- „ reantes de Cambaya e de toda a índia .... não toma- „ vão a sua distancia per instrumentos semelhantes áquel- „ les , mas por outros. „ Tão (,a) Veja-sc Saverien ic8. ^6 Memorias da Academia Real Tão sábio era este Mouro Guzarate , que Vasco da Gama pelas praticas que teve com clle , o houve por hum grão thesouro , como se explica Barros; e bem certo que debaixo da sua guia atravessou cm 23 dias por 700 legoas o grande golfo, que separa a Africa da Índia, e o fez sur- gir felizmente em Calecut. Finalmente dos Árabes cm geral diz o douto Renau- , dot , que tem instrumentos bem construidos , e particular- mente pequenos Astrolábios, que os seus Pilotos regularmen- te trazem no seio, e de que usão ha muitos tempos (a) ; e que os que sahiâo do Golfo Pérsico , e hiao até á ponta do Malabar , e o corriao , e atravessavao o canal até a Ilha de Ardeman , e passavão ao outro porto do Golfo de Bengala , usavão unicamente do Astrolábio {b) . Sendo isto assim , não se pôde negar ser já conheci- do em tempos passados entre os Árabes o Astrolábio , ou instrumento a elle similhante : donde fica menos razão aos que o considerão como insrumento de invenção moderna e Europea , sendo hum delles o nosso Poeta Manoel Thomaz na sua Insulana : Em seu conceito , sendo o Astrolábio Dos certos gráos , medida mui segura , De Europa he instrumento , e não Arábio (c) . Artigo III. Da antiguidade da Balestilha. Da Eaiesti- xA. Balestilha he outro instrumento náutico , que tem o ^^ Piloto com o Astrolábio, com o qual toma a altura do Sol ou {a) Dissertatiou de Venirée des Aíahometaiin a Ia Chinc. (í») Podem Icr-se sobre isto as duas Relações He dois viaiantc; Maho- metanos ás índias , e China , no Século IX. , traduzidas do Aribe em Fran- cez com notas, Paris 1718: a primeira de 357 da He»ira , <]iie corres- ponde ao anno de 8çi de Era Chtistá : a segunda de 574 da mesma Egi- ra , 877 da mesma Era. (f) Liv. III, Est. 55. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. P7 OU de hum astro , sendo de noite , para conhecer a do l^o- lo. Foi também este instrumento conhecido cm tempos mais antigos : pelo mesmo Barros na Dec. I. Liv. IV. C. VI. pag. 72 jf^. se prova que os Árabes usavao de hum instrumen- to similhante , o qual mostrou a Vasco da Gama o mesmo Piloto de Melinde , Malemo CanáGuzarate, que era de três taboas. « E posto que ( diz Barros ) da figura e uso delias „ tratamos em nossa Geografia , em o Capitulo dos Instru- „ mentos da Navegação , basta aqui saber que servem a el- j, les naquella operação , que ora acerca de nós serve o „ instrumento a que os Mareantes chamão Balestilha , de „ que também no Capitulo que dissemos se dará razão del- „ le , e de seus inventores. „ O que mostra que tal instru- mento era já conhecido dos Árabes , e usado de muitos tempos atraz. Artigo IV. Da antiguidade do Qtiadrante. Ambem do Quadrante náutico havia já uso de tempos 1^° 9^* antigos nas viagens do Mar roxo ; assim o attestava a Vas- " "" CO da Gama o já referido Piloto de Melinde, como conta Barros , dizendo «< que alguns Pilotos do Mar roxo usavao „ de instrumentos de latão de figura triangular, e quadran- „ tes , com que tomavão a altura do Sol. „ ( Dec. I. L. IV. pag. 7^ f- Do mesmo instrumento se ajudavão em suas viagens os Árabes de Egesimha , e geralmente das Costas de Qui- lôa , Sofala , c Moçambique , que erão grandes navegadores , como escreve Osório : - N; DAS SciENClAS DE LiSBOA. p^ Artigo VII. Da antiguidade das Cartas maritimas. Ão deixaremos de fallar das Cartas maritimas ou Hy- Das Carta» drograficas , que ensinão a disposição que tem entre si os ^y jg'J^ portos , ilhas , baixos , bancos , e outros inconvenientes que lev. SC oflFerecem na navegação ; e os caminhos que ha de hu- mas partes para outras. Destes subsidios andavao já os Ára- bes em tempos antigos bem providos em suas navegações. Não nos cança citar muitas vezes a Barros , por quão gran- de he a sua authoridade , e trazer de novo a theatro o Pi- loto Guzarate acima mencionado ; « do qual Vasco da Ga- „ ma (diz o nosso Historiador) depois que praticou com j, clle ficou muito contente , principalmente quando lhe j, mostrou huma Carta de toda a índia , arrumada ao modo „ dos Mouros, que era em meridianos mui miúdos, sem ou- „ tro rumo de ventos ; porque como o quadrado daquellcs „ meridianos e parallelos era mui pequeno , ficava a Costa „ por aquelles dois rumos de Norte Sul , e Leste Oeste „ mui certa , sem ter aquella multiplicação de ventos da „ Agulha commum da nossa Carta , que serve de raiz das „ outras.,, (Decad. I. III. C. VI. p. y6 f.) Com Barros concorda Osório , que também nunca nos pezará de trazer cm nosso abono ; fallando elle dos Asisim- bros , diz assim : << His normis solebant uti jam illo tem- „ pore Árabes illi , & chartis prseterea , quibus maritimarum „ regionum situs , secundiim descriptas in illis lineas , expio- „ rate cognoscerent. „ ( Lib. I. ) Os Europcos desde muito tempo usavão também de Cartas maritimas , principalmente na navegação de Levante ; e erão eminentes nisto os Malhorquinos , de que falia o nos- so douto Pedro Nunes no Tratado da Defensão da Carta de marear: d'entre elles fez vir o Infante D. Henrique com muito custo o Mestre Jacome , homem mui perito na Ar- N ii te loo Memorias da Acadbmia Real te de navegar , que fazia Cartas e instrumentos , para haver de ensinar os nossos. ( Barros Dec. I. Liv. I. C. 16.) Os Venezianos no Século XIV e principios do XV costuma- vão também fazer Cartas e Roteiros ; e póde-se notar que algumas houve , que já demarcavao o Cabo da Boa Esperan- ça, e indicavão as ultimas ilhas para as Costas da America. Isto basta para se entender quão antigo era o uso da observação dos Astros, e da Bússola , e outros instrumentos náuticos , nos mares da Europa , Ásia , e Africa , e deduzir em consequência a possibilidade da navegação pelo alto mar em tempos mui remotos. DO DAS SciENCIAS DE L I S B O A. lOI DO CONHECIMENTO Que era possível ter da existência da America , pela tradição dos Antigos , e por motivos Filosóficos. Por António Ribeiro dos Santos. A, .Praz compilar em breve algumas cousas sobre o co- nhecimento que se poderia ter da existência da America ou Novo Mundo , assim pela tradição dos Antigos , como por observações filosóficas , antes dos seus novos descobridores. Com razão havia já dito o douto Commentador de Elia- no , Jacob Perisonio , que não duvidava que os Antigos cres- sem , ou soubessem alguma cousa da America , parte por antiga tradição, havida dos Egypcios ou Carthaginezes , par- te por discurso c reflexão sobre a forma e posição do Or- be {a). Artigo I. Do conhecimento que se podia ter da existência da America pela tradição dos Antigos, Oi tradição constante em toda a antiguidade , que alem da Europa e Africa , para as ultimas partes do Oceano Atlân- tico Occidental, ou a Oeste, existia hum grande Continen- te. Este conceito tiverão os Egypcios , Gregos, Romanos, Hebreos , e Árabes. Quan- {a) NuUus tamcn dubito quin vetercs aliífuid crediderunt vtl scienmt .... de America ; fartim ex antiqua traditione ab /Egyptiis yel Carthagincnsibiis accepta , partim ex ratiociíiatione dejorma ó- situ Orhis terrâtum coUi^ehant supeiesse in hoc Orbe etiam alias terras , prxter Asiam , Africam <â>- " Ettro- pam. 6IS« 01 102 Memorias da Academia Real Ttadi(;5o Quanto aos Egypcios c Gregos , sabidos são os luga- dos Egy- fçg jg Platão no seuTimeo, e no Dialogo entre Critias e Sócrates : este grande Filosofo da antiguidade assevera no primeiro , que sendo ainda moço ouvira fallar nesta maté- ria a seu avô Critias , o qual na sua mocidade tinha si- do instruido por Sólon, amigo de Dropydas seu pai, que havia viaj ido pelo Egypto , e de lá tinha tomado os seus conhecimentos filosóficos, e escolhido para seu ensino al- guns dos Sacerdotes de Sais , Cidade do Delta. « Huin >» destes Sacerdotes ( refere Platão ) versado nas Scicncias , j> e instruido em toda a antiguidade , exclamava desta ma- >» neira : O' Sólon ! Sólon ! vos outros os Gregos sois ainda » moços j não ha hum único velho entre vos ; vos igno- >» raes o que se tem passado ou aqui , ou entre vós mes- j» mos ; nós conservamos a historia de oito mil annos , es- » crita nos livros sagrados ; podemos subir ainda mais al- j» to ; e fallar-vos das acções illustres de vossos pais , de » nove mil annos para cá. Vós não tendes conhecimento j» senão de hum deluvio , a que muitos outros precederão. » Ha muitos tempos que Athenas subsiste , e que o seu no- 3> me he famoso no Egypto. Sabei pois como resistindo a >» huma Potencia que sahio do mar Atlântico , a vossa Re- j» publica nos conservou a liberdade. Este mar era então >f navegável ; e cercava , não muito longe da embocadura a >» que vós chamais em vosa lingua Columnas de Hercules, i> huma Ilha mais vasta que a Azia e a I^ybia juntamente; »> entre elle , eo Continente ainda havia algumas Ilhas mais » pequenas. Este grande terreno chamava-se Atlântida j era »» povoado e floreçente , e governado por Prinçipes pode- j» rosos que se apoderarão da Lybia athe o Egypto, e da » Europa athe a Tyrenia : estes emprehenderão conquistar >» todas as Províncias situadas dentro das Columnas de Her- »» culcs , e nós todos viemos a ser escravos. Então he que »» os da vossa Republica se mostrarão superiores a todos os »» mortacs : vós conduzistes as vossas frotas contra os con- >» quistadores , os vossos conhecimentos na arte da guerra '> vos DASÍÍCIENCIAS DeLiSBOA. IOJ »» VOS soccorreríu neste eminente perigo ; vós vencestes os »> inimigos, e nos livrastes da escravidão. Mas huma maior " infelicidade se preparava para os Atlânticos ; e quando >» nestes últimos tempos sobrevierao os terramotos e as in- »> nundações , a Ilha Atlântica foi súbito submergida ; os >♦ vossos guerreiros , e hum Gontinete mais vasto que a Eu- »' ropa e Azia juntas , dcsappareçcu no espaço de huma noi- j> te; por isso o mar que alli existe, não foi mais navtga- »» vel nem conhecido por alguém , porque todo ellc se » converieo em huma alagoa pantanosa, proveniente da tcr- » ra submergida. »» Eis-aqui o sentido de tudo o que Platão nos disse a respeito da Atlântica ; o mesmo assumpto repetio o Filo- soto no dialogo de Critias c Sócrates : alli conta como os Dòoscs se apartarão ; como a Neptuno coube em sorte a Ilha Atlântica , como a povoou, e dividio o senhorio en- tre seus filhos , donde Atlas o mais velho teve maior qui- nhão , e como este Rei deo o seu nome a todo aquelle paiz ; nenhum Principe teve mais sciencia , nem transmit- tio tanta riqueza a seus herdeiros. A Ilha era de três mil estádios sobre dois mil de largura , e era de huma forma oblonga , e abundante em tudo. Os bosques a fornecilo de madeira de construcçao ; a terra criava toda a casta de ani- maes selvagens e domésticos ; terminava ao norte por huma cadca de montanhas , e este terreno era fértil , bello e ma- ravilhoso ; produzia toda a sorte de metaes , e sobre tudo ouro , e o oricalco que hoje se não conhece ; elle falia da magnificência dos dcscer.dentes de Atlas , da riqueza dos Templos, da povoação do paiz , e de hum terreno fertiliza- do pelos trabalhos de muitas gerações em huma longa car- reira de Séculos. « Os Estados envelhecem (accicscenta el- >» Ip) os Atlânticos, e seus governadores se corromperão, j» e os homens os mais virtuosos e mais sábios vierao a ser » os mais Ímpios e depravados ; clles irritarão os Deoses »> por seus crimes e abominações : Júpiter ultrajado de seus »> excessos ajuntou os Deoses nas suas moradas celestes, que 104 Memorias da Academia Real » são situadas no meio do Universo por . . . >? Aqui aca- ba o fragmento ; o resto do Dialogo , que trata evidente- mente da submersão , perdeo-se , c não existe {a) . Com Platão pódc trazer-!sc a similhante sentimento Aristóteles, no Livro do Mwnlo no Cap. III. em que di/, que toda a terra habitada he hiima Ilha cercada do Mar Atlântico , e que he provável que hajão outras Ilhas remo- tas e oppostas a esta, além do mar, e já maiores do que es- ta , já menores, todas porém anos desconhecidas. O mes- mo Filosofo, ou quem foi o Author do Livro áí^s Maravi- lhas ^ assevera que no mar , fora das Columnas de Hercules , ti- (<í) Escrabâo , que nao Lo^^unla tatilnitmc acreditar as noticias das an- tigas navegações , com tudo iolire a existência dc^te Coin:ntrne diz no Liv. III. da sua Geog. , que já pôde ser que não fosse Fabulopo. Pôde também ver-se sobre a existência da Atlântica o Conde Carli Cartas Americanas T. II. Cartas 56, 57 , e 58. Não será desagradável accrescentar aqui huma observação fysica que não he vulgar , e pôde servir de tornar mais verosimiil a antiquissima existência daquelle gran- de Continente , e persuadir que he parte rest.>nte delle o novo Mundo. Olhando nós desde a boca do Rio grande do BrazJl , iité á ponta do Ca- bo de Tangrin , na Costa Africana de Malagueta , por huma linha que faça hum angulo com o Equador de 50 a 55 gfáos , vèm-se nella , pe- la grande extençáo do mar Atlântico , claros vestígios de haver quasi desapparecido , ou por innundaçócs ou por outras causas similhantes , hum grande Continente ; porque nesta mesma linha se descobre huma conti- nunção de Ilhotas , Picos , e Baixos , demonstradores da antiga existên- cia de huma vastissima região ; o que bem mostra Mr. Buache em os dois Mrppas que publicou , e depois reimprimio o já citado Carli nas suas Cartas estamp.idas em Cremona em I78j. Ainda se pôde ajuntar a esta auctoridade a de Bory de S. Vincent nos seus Eiuaios sobre as Ilhas Fortunatas ; onde fallando da subversão de hum grande Continente no Mar Atlântico , não somente traz o argumen- to da tradição da mais remota antiguidade , mas também o que se de- duz do estado fysico das Ilhas Canárias , e das outras Atlânticas , que parecem ser restos do antigo Continente , submergido pelos eff;itos reuni- dos da violência do Oceano , e das irrupções vulcânicas , sendo prov-^s disto a pouca profundidade que ha naquelles mares , e as muitas Ilhas e Ilhotas que nelles se obsetváo. ]á antes deste ultimo tinhão inclinado para a mesma parte os trcs também modernos Escritores , Mentelle , Volt jire , e Rainald. ir Eu não ve- » jo nada (disse o primeiro) que se possa oppor a ter existido noutro i tempo, entre a Europa e America, hnnia muito gr.nde exten. áo de II terras , de que 3 Madeira, as Canárias, os Açores, e talvc. as mesmas II Ilhas de Cabo verde sáo rcsios ainda subsistentes, j O mesmo , com pouca difíisiença , dizem os dois últimos Autores que citámos. DAS SciENClAS DE LiSBOA. lOJ" tinhão achado os Caithagine/cs huma Ilha abundante de todas as cousas , que alguns delles alli ficarão , como em la- gar de gralhes regalos e delicias, e que o Senado prohibi- ra com pena de morte que ninguém mais navegasse para aquellas partes , porque se não despovoasse Carthago. A' existência destas novas terras de outro Orbe alludia S. Clemente Alexandrino , de quem traz as palavras S. Je- ronymo , quando excitava a questão , se ainda além do nos- so Orbe havia outro Mundo , existente ao trave/, do Ocea- no (a) ? Diodoro Siculo ao fazer memoria das Ilhas Occiden- taes no Oceano, que descobrirão os Fenícios, sendo a ci- las lançados por huma grande tormenta, dá as noticias que então havia da grande Ilha , que elles .descobrirão , e a des- creve com todos os sinaes , que indicão claramente o paiz da America, " Ha ( diz elle ) no Oceano defronte da Lybia „ hua mui grande Ilha , distante muitos dias de navegação , „ de ar saudável , fértil torrão , e de amenos campos ; cor- „ tada de montes , regada de rios navegáveis , que mais pa- „ recia habitação de Deoses que de homens : em tempos „ antigos se ignorava , por estar separada do nosso Orbe , j, e foi achada deste modo. Os Fenícios , costeando a Afri- „ ca pelo Oceano, tivcrão huma tormenta, que os arrojou „ para o mar alto ; e a cabo de muitos dias aportarão áquel- „ la Ilha incógnita , de cuja situação e fertilidade fizerão „ na vinda hum relatório. ,, (b) Para aqui vem talhado hum lugar de Thcopnmpo , se- gunda) o refere Eliano , Escritor do Scculo II. , no Cap. XVIII. do Liv. III. da Faria Historia ; nella faz menção expressa de hum Continente diverso do nosso, dizendo que Sileno Tom. F. O en- (<») Secundiim sMtilum iiimuli hujns utnim tiain &■ /iliud SMulum sit , tjuod noit pcrtineat aã nmndiim istum , sed ad mundos alios , de quihus <ò- Clcmens in epistola ma scribit ; Oceanus éi- tnuiidi qui trans ipsum sunc ' An miindus unus iste sit. (Tom. IV. de suas Obras C. 2. Epist. ad Ephe- sios. ) (/<) Eit Lybiatn versus ad Occcanum sita plurium dierum navigatione in- sula permagna , agro fenili , tum campis /jm*7iif , lum montibus distincta to6 Memorias DA Academia Real entre as praticas , que teve com Midas Rei da Phrygia , que vivera mais de treze Séculos antes da Era Christã, affirma- va que a Europa, Ásia , e Lybia (isto he Afaça) era hu- ma Ilha cercada toda em derredor de mar ; e que lóra des- te Orbe havia hum Continente , cuja grandeza era immen- sa e infinita : os homens crao de longa vida , e a terra de grande quantidade d'oiro c prata ; o que bem indica ter si- do a America ( j>é.,ii /.;> lOw!- Se dos Fenícios e Gregos se desce aos Romanos, acha- Tradição se Séneca nis Suasórias ^ aonde Avíto attestava , que corria a^i^ísRonia- . . ^ . • • j .' ' .nos. opinião commum da existência de outras praias c terras de outro Orbe alem do Oceano (a) ; a que parece que elle tnmbein alludia no bem sabido passo da sua Tragedia Medéa^ cm que apontou para outras novas terras Occidentaes, e pre- disse o que veio a acontecer nos fins do Século XV, certo que guiado pelo farol das tradições. Venient ànrtis sacula seris , Oiiíbus Oceanus vincula rerum Lnxvt , & itigetis pateat telltts , Thethys que novos delegai orbes ; Nec sit terris ultima Thule ou pelo dizer em Portuguez Inda tempo virá nos tardos annos , Fm que abrirá seus seios o Oceano, Em que huma vasta região se amostre , O ii E (íj) Fertiles in Oceano jacere terras y tiltraqne Oceanum rtusus alia lit- tora , alium nasci orban. Suas. i. io8 Memorias ua Academia Real E novos mundos nos descubra Tethis j Nem já ultima terra seja Thule. Para aqui pôde vir o passo de Manilio , contemporâneo de Augusto , no Liv. I. do Jstronomico S'- 437 e seguintes. Altera pars orbu sub aqtiis jacet . . . Iguorata que hominum gentes , nec . , • Comniune ex uuo lutnen ducentia sole, •i„. ..Arnobio no Liv. I. Contra Gentes , c Tertulliano de Pai' lio no Cap. II. , e igualmente no apologético reconhecerão huma grande Região ou Continente , aldm dos mares oppos- tos á Africa , da parte do Poente ; e Ammiano Marcellino mos- trou ao dedo a America quando disse: "No Mar Atlan- „ tico ha hua Ilha maior que o Continente da Europa. „ {a) He decisivo o lugar de Lúcio Apuleio : "Muitos (diz „ elle) dividem a terra em duas partes : a híía chamao Ilhas , „ e a outra Continente ; nisto porém manifestao sua igno- „ rancia , pois a nossa terra cercada do Mar Atlântico , fór- „ ma huma só Ilha juntamente com todas as que se vem „ neste golfo ; além desta ha no Oceano outras varias se- „ melhantes. „ Sobre a probabilidade que resulta destes testemunhos he digna de se apontar aqui a authoridade do famoso Geó- grafo Christovão Cellario , o qual fliUando do Ní;vo Mun- do , e considerando alguns destes lugares , que temos com- pilado , não duvidou rematar com estas palavras : " Proba- „ bile cst altcrum orbem non plane antiquis ignotum fuisse; „ & omnino quidem in eum invectos^revectos que, qui far „ mam de eo sparserint. „ (a) Pôde agora accrcscentar-se que não só os Gregos e os Ro- (a) In j^tlantieo ntari Europ£0 orbe potior Insula. (a^ Notitia orbis antiqui , ou no fim ái sua Geogtafia no Ase cjue serio Árabes , Fenícias , ou Púnicas , assim coroo se reputarão as que se acharão abertas na TOcha de Digthon , na Ameiica Sepcencrional , àt que falíamos acima pag. 106. aiaj O * 112 Memouias da Academia Real Artigo II. Da suspeita que se poderia ter da existência da America por ideas filosóficas. k3Eguc-se a segunda parte deste Discurso , isto he , o co- nhecimento , ou antes suspeita da existência de hum novo Orbe. 1.' Conje- Primeiramente para se conjecturar que podia haver hum ^id"do^(]u! novo Continente no largo Oceano Occidental , podia bem oc- xoerertuxo corrcr a marinheiros entendidos c filósofos o que tinha occor- oí mares, j.jj^j ^^ discreto e subtil Raymundo LuUio nos fins do Sé- culo XIII : discorrendo aqucllc illustre Filosofo da sua ida- de sobre as causas do fluxo c refluxo do grande mar , consi- derou que observada a convexidade delle , e o seu medido fluxo e refluxo , devia haver necessariamente para as partes do Occaso grandes valles oppostos , que contivessem a agoa tão vasta e movediça , e fossem como portaes de seu ar- co : e inferio dahi que na parte que nos he occidental , havia de existir hum Continente , em que topasse a agoa movida , assim como topava em a nossa parte respectiva- mente oriental; persuadindo-se que o alterado movimento do fluxo e refluxo necessitava do concurso da terra , e dos seus dois extremos , em que se contivesse o volume das agoas sobre si , e satisfizesse a este movimento (rt) . Esta idéa talvez foi a que excitou a Colom ; porque a razão que elle dava de navegar em direitura para o poen- te era, que o balanço do Orbe terráqueo necessitava de hum Continente no Occaso, opposto a nós outros, o que era o mesmo discurso de Lullio ; e como este deixou muitos li- vros seus em Génova , já pôde ser que Christova© Colom Genovez , e Estevão Colom seu irmão tivessem occasião de saber e aproveitar os seus discursos. Po- (a) Vem isto na sua obta Guotlibetica Qttdistiones per Artcm Demon- strativnm soltihiles em 1287, e tem 2c6 Questões ; e na 154. trata do fluxo e refluxo do mar. dasSctenciasdeLisboa. 113 Podia tarnbcm occorrer a outros, para conjecturar a cxis- 2." Conje- tencia das terras da America , a mesma reflexão , que parece ^^""^ "^^ que também occorreo depois ao mesmo Colom , deduzida theoria s •"«"'<>' ^^ e de madeiras, plantas, e corpos humanos que appareciao .(eiras, plã- boiando sobre as ondas, e annunciavão rambem que havia''"' ^"^^ ' ,, . . , , 1. . , pos mortos, terras próximas para aquelles sítios ; hum destes 101 o pao que vinhSo esculpido fluctuante sobre as agoas , que achou hum Piloto «''^«"^ Portuguez , que se havia empegado , mais do que era cos- tume naqucllcs tempos , para os mares de Oeste ; o qual vinha trazido pelo vento da mesma parte , e lhe fez crer que vinha de alguma terra incógnita , situada perto daquel- Tom. V. P le XI4 Memobias da Academia Real le mesmo ponto ; c o outro madeiro tambcm talhado de es- culprura , que achou o Piloto cunhado de Christovão Co* lom , trazido pelo mesmo vento de Oeste {a) , e também roseiras bravas de huma grossura enorme, similhantcs áquel- las que Ptolomeo descrcvco como huma producção parti- cular das índias Orieiítaes : e arvores desarrcigadas que se encontravão sobre as costas dos Açores : plantas ou hcrvas marinhas muito espessas , de que vião os maics coalhados era muitas paragens , a que os marinheiros cosruraavâo chamar Çargaço, que erSo indicações da visinhança de terras para aqucUes siiios. Finalmente corpos mortos de homens que al- gumas vezes se achavâo , e de feições diversas dos habitan- tes da Europa , da Ásia , e Africa , que os mares traziâo da mesma parte , quando o vento Oeste continuava por mai- to tempo. Por tudo isto se vê que não faltavâo principies e mo- tivos filosóficos , que podião ter indicado a existência das terras de hum novo Continente occidental , que he a se^ gunda parte deste nosso discurso. Condusáa Quando cada huma das cousas , que temos até aqui apontado , de per si só não sejão suficientes para apurar nosso propósito , com tudo ellas todas juntas mutuamente se ajudão , e formão por sua combinação harmónica huma prova geral de probabilidade de que , desde tempos mui re - motos, cursava entre os antigos huma noticii e tradição so- bre a existência de hum novo Orbe, fora do que então se conhecia , e além da Ethiopia ou Africa , e nos fins do Oceano Tenebroso ou Occidental ; e que lhe precedera al- guma navegação para aquellas partes , que dêo lugar ao co- nhecimento de terras daquelle vasto Continente. DA (ÂS SciENCIAS DE L I S B O A. 11^ DA POSSIBILIDADE E VEROSIMILHANÇA Da Demarcação do Estreito de Magalhães no Mappa do 1»' fante D. Pedro. Por António Ribeiro dos Santos. H. .Avendo tratado em huma Memoria particular da pos* sibilidade e verosimilhança da demarcação do Cabo da Boa Esperança , nos dois Mappas do Cartório de Alcobaça {a) , e do Infante D. Pedro , Duque de Coimbra , passamos ago- ra a fallar da possibilidade e verosimilhança da outra de- marcação do Estreito de Magalhães, que só se acha no do Infante D. Pedro , ainda mais notável que a primeira. Prin- cipiamos confessando , que grande motivo he para duvidar da existência , ou authenticidadc deste Mappa , achar-se nel- le demarcado aquelle Estreito, o que pode admirar a hun«, e fazer vacillar a outros. Gomo admittir ou suppor facto de longa navegação para a America Meridional , como era necessário que hou- vesse , antes do Descobrimento de Fernando de Magalhães , para dclle poder resultar a singular demarcação daquelle Estreito , para assim se sinalar no Mappa do nosso Infante ? Seja-nos dada a liberdade de discursar hum pouco sobre es- te assumpto , e de resolver , se nos for possivel , as diffi- culdades. Não pertendemos defraudar com isto a gloria de Magalhães, que será sempre grande e magestosa aos olhos do Universo , de qualquer modo que se considere a sua na- vegação : mas não o ofiFcndemos , se em matéria ( qu2 tem sido , e he ainda hoje controvertida de alguns Sábios ) da P ii ori- (ijj Memorias de Litieraiura Portugueza da Açotlemta K. das Scientias Tom. 8. pjg. 275. ii6 AIkmorias DA Academia Real originalidade deste descobrimento tomamos por outro cami- nho mui diverso do que até aqui se ten\ seguido. CAPITULO I. Da possibilidade da navegação para as partes da Jlmerica , an- tes dos descobridores Colom e Magalhães. kJEndo o Estreito denominado de Magalhães tão remoto do nosso Continente , e dclle separado por tão longos ma- res , he claro que a sua demarcação no Mappa do Infante D. Pedro, que A^eio a Portugal em 1438, não podia dei- xar de ser resultado do Facto de alguma viagem , que lhe tivesse precedido para aquellas partes do novo Mundo, i Era esta navegação possivel naquelles tempos ? ^ Houve algum facto de descobrimento de terras da America , que faça ve- rosimil aquella descoberta antes de Colom e Magalhães? São estas as duas cousas que se devem aqui notar. Come- çando pela primeira , dizemos que esta navegação era pos- sivel naquelles tempos , porque podia ter sido feita i.° ca- sualmente: 2." ainda deliberadamente e de propósito. Naves;a<,ão Primeiramente podia ser casual , acontecendo que , sahin- cisuaL ^Q algum navio hum pouco da esteira ordinária de navegar . 6en'ilmente pela Costa , entrasse muito pelo Oceano Oc- cidental j ou fosse porque demasiadamente nelle se engol- fasse correndo a alueste mais do que quizera , ou tosse por esgarrar por tempestade de ventos que lhe desse, e o ar- remeçasse para aquellas partes. ;Não tem acontecido simi- Ihantes desvios a muitos mareantes ? j Não tem sido por es- te modo que muitas terras d' antes incógnitas, se tem acha- do em hum e outro Hemisfério ? Não foi casualidade , quando o nosso insigne Capitão Pedro Alvares Cabral , fazendo a sua rota para a Índia , e amarando-sc muito ao largo do Cabo da Boa Esperança , arrebatado da força dos ventos que lhe saltarão, veio a des- ca- ST^TM OT DAS SciHNCiASDH Lisboa, 117 cahir tanto para o Oceano Austral , que clicgou a ter vista de huma terra do novo Mundo , descobrindo a do Brasil ? Com effeito não falta quem conte algumas outras viagens casuacs para ab partes da America , antes de Colom , e de Magalhães (a) . Em segundo lugar esta navegação podia ser feita deli Nave<;arão bcradamentc e de propósito para algum descobrimento. oeiíDcraaa. Supposco quanto os homens são aventureiros , e de scii natural cubiçosos de novas cousas , podiao bem Pilotos e ma- rinheiros affoitos e atrevidos , largar mão da Costa , e aba- Jançar-se pela extensão do Oceano para os últimos fins do Occidcnrc; c isto ainda mesmo desprovidos do soccorro dos instrumentos próprios para a navegação do alro , (bem que expost-i a maiores difficuldades e riscos , que seria preciso sobrcmontar) : quanto mais sendo certo que já antes do Mip- pa do Infante havia o conhecimento e uso da Agulha náu- tica (h) . Dizemos que podia cometter-se esta empreza maríti- ma , ainda sem o auxilio da Agulha, na persuasão de que nos fyis do Mar Occidental se acharia hum Continente ; per- suasão que assentaria ou sobre noticias e tradições dos An- tigos, a quem não foi inteiramente desconhecido ( como en- tendemos) o Continente do novo Mundo ; ou sobre racioci- nios e discursos filosóficos , que podessem excitar idéas da existência daquellas terras iç) . CA- (<í) Sobre as navegações casuaes para a America póJe vci-se Joio Fi- lippc Cassei , Professor de Brema , na Dissertação de Friicmum naviga- íione jortNÍta in Amtrictim , Sxculo XI facta. Míigdcbtiri^i 1741 , e na ou- tr» Dt Navigationtbui jontiitts in Amtricam ante Colunúium factis. Magdt- burgi. f^i. (h) Vcja-se isto provado na Memoria a pag. 77 deste mesmo volume. (f) Veja-se ?. Alemoria precedente a pag. loi. é\TS. 01 ■ , — - ^> ii8 Memorias da academia Real CAPITULO II. Da verosimilhança de alguma navegação para as partes da America 'avtes de Colom e Magalhães, D. 'Epois de ter fallado da possibilidade da navegação pe- lo alto mar , nos tempos da demarcação do Estreito de Ma- galhães na Carta Geográfica do Infante D. Pedro ; tem lu- gar a illustração do outro ponto da sua verosimilhança , pe- la consideração de alguns factos e documentos , que se re- ferem , os quacs provão terem precedido navegações para aquelle Continente , antes dos dois famosos Argonautas. Do desço- E começando pela America Septentrional , que foi a aMa^^ttiP''''"^'''^ a que chegarão Colónias Europeas , sabido he , que rasdaAme-já na meia idade houvera navegação para as Costas Boreaes ricaSepten-(^aqugllg novo Continente, que descobrirão e conhecerão a trienal ates „ • j. a • n i «- • t-.t- i • das expedi- ^itocnlandia : ve-se isto no Breve de Gregório IV , eleito j;óesdeCo- Pap^ em 817 , dirigido a Santo Anscario, Arcebispo de Hani- burgo , e a seus successores , Legados Apostólicos para as nações circumvizinhas , e para as Septentrionaes e Orien- taes ; por quanto entre ellas se noniea Gronlandon , que he claramente a Groenlândia , extremidade septentrional da Ame- rica. (Vej. Pedro Lambecio. Or/ç/;;. Hamburg. 1706, pag. E na verdade a Nação Groenlandica foi quanto pare- ce a primeira da America Septentrional que os Europeos co- nhecerão. A Marinha dos antigos Scandinavos , formidável a muitas Nações , excitou o espirito das aquisições marítimas de novas terras, em que fundassem Colónias: em 874 fi- zerão huma expedição á Ilha de Islândia, donde ficava fácil passarem a terras da America Septentrional. Com efFcito acon- tecco que Torwal Senhor Norwegiano , e seu filho Eric , havendo commettido hum crime , embarcassem para aquella Ilha em 982, e dalli tentassem descobrimentos, e fossem dar DAS SciENCiAS DF. Lisboa. ir^ dar com huma região da America , a que chamarão Gron- land ou Groenlândia, isto he terra verde, em que já encon» tráráo habitadores, e nella fizerao huma Colónia , principal- mente no paiz Occidental aonde estão hoje Colónias Dina- marquezas (a). Em 983 descobrio Leif filho de Eric, na mesma America Septentrional , hum paiz a que deo nome Dinamarqucz de Viinhand , pelas vinhas silvestres de que ^ abundava. Oláo Trigucson , Rei de Norwegia , ouvindo-lhe contar algumas cousas destas terras , quando elle voltou á sua pátria , enviou Colonos a Groenland , que fundarão a Cidade de Guarde , que depois se chamou Alba ; e desde então ficou Groenland tributaria á Norwegia até 1348. Também se referem as viagens de Herjollo , e de Bioin) cmprehendidas no Século XI, com as quaes pertende Forstcro mostrar que Colom não foi o primeiro descobridor do no- vo Mundo (Z») . Consta também , que morto Owen Guyneth , Princip* de Walles , havendo discórdia e guerra civil entre seus fi- lhos sobre a succcssão , Madoc hum delles , deixando a Hy- bernia , navegou a buscar no Occidente novas terras j e que descobrindo algumas da America Septentrional , voltara e levara muitos comsigo , e fizera alli Colónias na Florida , e no Canadá , ou como outros dizem na Virgínia ou no- va Anglia ; o que confirmão as tradições da Virgínia , e de Guahutemalia {c) . Com (/j) Podem ver-se Torpheo nas Amif^uidadts hlandicAs , impressas em 170; ; t Jonas Argorim IsUndez na Obra De Rebus Islaudkis Lib. III. impressas em Hamburgo em lyp?; historiadores de huma fé conhecida, que nio fazem mais que seguir as antigas e mais authenticas Chionicas Islandezas. (J)) Veja-se Mr. Mallet na sua Introdtic^io d HiitorÍ3 de Dinamarca ^ que cita a Chronica de Oláo , Rei da Noruega , composta por Snoro ^cuoladines , Ou Stuolusones. Stokolmo 1657 ; altm das duas Dissertações de ]oáo Filippe Cassei já citadas. (f) Sobre isto podem ver-se Martyr Dec. VII. C. III. e Dec. VIU. C. V.; David Powel na Historia deCambria ao anno 1170; Homio das Origens Americanas Liv. III. C. II. pae. i^ç e 136; Hetberc no Af pen- ais ou Itinerário na Collecçáo de Hackluit». lao Memorias oa Academia Real Com o descobrimento destas terras da America Septen- trional devemos ajuntar também o de alguma das Ilhas An- tiliias ou Antilhas , que pertencem áquella parte do (>,nri- nente : sirva para isso o documento do Mappa ou Planis- ferio, ainda existente, de Anc-ré Biancho de 1436, de que já falíamos na Memoria sobre a demarcação do Cabo da Boa Esperança no Mappa de Alcobaça. Vio este Mappa Mr. il'An.':e Villoison , Membro da Academia Real das Inscripçóes e Bei- jas Letras. « O Ms. Italiano (diz elle) num. LXXVI da Biblio- » theca de S. Marcos de Veneza contem huma Carta ma- » ritima , desenhada com muita exacçao , composta de 10 j» folhas. Nesta Carta acha-se huma das Antilhas , dcmar- » cada pela mesma mão , e vê-se escripto com o mesmo >» caracter s; isola Antillia tz o que he tanto mais notável » quanto vemos , que o descobrimento das Antilhas se at- » tribue a Christovão Colom em 1492. Espantado desta j> singularidade, fiz copiar muito exactamente á minha vista j> esta preciosa Carta, e a enviei em 1781 a Mr. o Conde » de Vergennes , que a apresentou ao Rei : hum dos meus j» amigos , a quem eu enviei esta noticia á Alemanha , a 3> fez imprimir na Gazeta de Gotha pag. 39 do anno de >» 1732. (a) » Não devera isto espantar tanto a Willoison , se soubera que o Historiador Gonçalo Fernandes de Oviedo já dava as Ilhas Antilhas , e a nova He;;panha descubcrtas pelo anno de 590. Ora bem se sabe, que as Antilhas, as- sim chamadas por estarem antes das Ilhas maiores do Gol- fo Mexicano , são partes da America , que ficão ante o seu Continente Septentrional. O douto traductor e annotador das Cartas Americanas do Conde Carli reconhecia , que as Antilhas vinhao sinaladas no mesmo Mappa ou Planisfcrio de Veneza, longo tempo antes de Colom (pag. 22.) A' noticia deste Mappa pôde ajuntar-se a da Carta Ma- ri- (1) Carta XLIX. no cora. II. das Cartas Americanas do Conde C do Novo erão Portuguc/es , que podião mui bem ser dos » muitos que o Infante D. Henrique mandou a este des- j» cobrimento, alguns dos quaes não tornarão ao Reino : as- >> sim que nem os que querem dar invenção do descobri- » mento do Mundo Novo a Christovão Colom, nem os que » dizem que erão nãos Biscainhas são dignos de credito. »» E entre outras cousas remata por fim com huma reflexão , que não deixa de merecer contemplação: «E se Christo- » vão Colom ( diz elle ) antes que fosse ao seu descobri- » mento, promettia nelle grande somma de ouro c prata, » e assim succcdeo ; claramente se pôde Inferir que de al- » guma outra pessoa foi elle certificado desta verdade, que 3» a tivesse já visto com seus olhos ; c que o Genovez pe- j» rito na Geografia e Astronomia , e grande marinheiro en- >í traVa por isso em pensamentos altivos de cometter e des- » cobrir aquelle novo Continente. » Deveremos occupar aqui a critica de Robertson , que tem por pouco digno de credito o lugar de Mariz , e isto em razão do silencio dos dois Historiadores antigos Hespa- nhoes , André Bernaldes , e Herrera , e do Italiano Pedro Már- tir, que publicou a primeira Historia Geral que houve do Novo Mundo ; sobre o que diremos que Bernaldes era ami- go de Colom , como reconhece o mesmo Historiador In- gleZjTom. I. Not. XXI, e podia sobreestar, ou não dizer cousa que podcsse diminuir alguma parte da originalidade e gloria de seu descobrimento : demais não só a elle mas aos outros dous podia ser ignorada esta noticia ; he com tu- do certo que ella correo entre os nossos , e os Hespanhoes , Q,ii CO- 124 Memokias da Academia Real como o refere hum dos mais clássicos Historiadores da Ame- rica , Trancisco Lopes de Gomara , Author mais antigo que Mariz ; diz elle assim na sua Historia de las índias e Con- quistas do México , impressa cm i y ç 2 . » Navegando una caravella por nuestro mar Oceano , tuvo tan forçoso viento de levante , y tan continuo , que fue a parar en ticrra no sabida , ni pucsta en el Mapa , ó Carta de marear. Bolviò de allá en muchos mas dias que fuc , y quando a cá llcgò no traya mas de ai piloto, y a outros três o quatro marineros , que como vcnian enfermos de hambre , y de trabajo , se murieron dentro de poço tiempo en el puerto. He aqui como se dcscu- brieron las índias, por desdicha de quicn primero las viò , pues acabo la vida sin gozar delias , y sin dexar , a lo menos sin aver memoria de como se Ilamava , ni de donde era , ni que ano las hallò. Bien que no fue culpa suya , sino malicia de otros , o invidia de la que llaman fortuna. Y no me maravillo de las historias antiguas , que cuenten hechos grandissimos , por chicos o escuros prin- cipies , pues no sabemos quien de poço a cá halló las ín- dias , que tan scnalada y nueva cousa es ; quedaranos , si quiera , el nombre de aquel piloto , pues todo lo ai con la muerte fenece. Unos hazen Andaluz a este piloto , que tratava en Canária , y en la Madera , quando le acon- tecio aquella larga , y mortal navegaciou. Otros , Vyz- caino , que contratava en Inglaterra , y Trancia. Y otros Português , que yva , o vénia de la Mina o índia : lo qual quadra mucho con el nombre que tomaron y tienen aquellas nuevas tierras. Tanbien ay quien diga que apor- to la caravella a Portugal; y quien diga que a la Ma- dera, o a otra de las Islãs de los Açores. Empero ningu- no afirma nada. Solamente concuerdan todos en que falle- cio aquel piloto en casa de Christoval Cólon. En cuyo poder quedaron las escrituras de la caravella , y Ia reía- cion de todo aquel lungo vi.igc , con la marca , y altu- ra de las tierras nuevamente vistas, y bailadas. »» No £ia« U( DAS SciENCIAS DE L I S B O A. I ly No ritulo semiintc , que tem por summario Qttien era Christoval Colom , continua o mesmo Author a dizer desta maneira. » Este Christoval Cólon començó de pequeno a ser >» marinero, oficio que usan mucho los da Ribcra de Ge- » nova. Y assi anduvo muchos annos en Suria , e en ou- » trás partes de Levante. Dcspucs fue maestro de hazer Car- j' tas de navegar , por do le nacio cl bien ; vino a Porto- » gal por tomar razon de la Costa Meridional de Africa, »> y de lo que mas los Portogueses navegavan , para mcjor ha- >> zer y vender sus Cartas. Caso-se en aquel reyno , o como » djzen muchos , en la Islã de la Madcra. Donde picnso j> que residia , a Li sazõ que llegò alli la caravella suso di- >» cha. Hospedo ai patron delia en su casa. El qual le dixo >» el viagc que le avia sucedido , y las nuevas tierras que » avia visto , para que se Ias ascntasse cn una Carta de » marear , que le comprava. Fallecio el piloto en este ca- " médio. Y dcxole la relacion , traça , y altura de la nue- >» vas tierras. Y assi tuvo Christoval Cólon noticia de las >» índias. Quieren ranbien otros , porque todo lo digamos , " que Christoval Cólon fuesse buen Latino , y Cosmogra- »> í'o. Y que se movio a buscar la ticrra de los Antipodas , » y la rica Cipango de Marco Polo , por avcr Icydo a Pla- " ton en el Timco y cn el Cricias , donde habla de la gran >' Islã Atlante, y de una tierra cncubierta , maior que Ásia , '» e Africa; y a Aristóteles, o Theofrasto en el libro de '» muravillas , que dize , como ciertos mercadores Carthagi- '» neses , navegando dei estrecho de Gibraltar hazia ponien- j> te y médio dia , hallaron , ai cabo de muchos dias , una '» grande Islã despoblada , empero proveyda , y con rios »> navegables. Y que leyó algunos de los authores , atras " por mi acotados. No era doto Christoval Cólon, mas era " bien entendido. E como tuvo noticia de aquellas nuevys »' tierras por relacion dcl piloto muerto , informose de om- í> bres leydos sobre lo que dizian los antiguos a cerca de >• otras ii6 Memorias da Academia Real otras tierras, y mundos. Con quien mas comunico esto fue un Fray Juan Peres de Marchena , que morava en el monastcrio de la Rábida. E assi crció por muy cieito lo que Ic dexó dicho y escrito aquel piloto, que murió cn su casa. Pareceme que si Cólon alcançara por sciencia donde las índias estavan , que mucho antes, y sin venir a Espana tratara con Genoveses , que corren todo el Mun- do , por ganar algo de ir a dcsccbrillas. Em pêro nunca penso tal cosa : hasta que alho con aquel piloto Espaílol , que por fortuna de la mar, las halló. " (rf) O mesmo disserão depois Estevão de Garibai. D. João Salusano De Jure Indiartim Tom. I. Cap. V. n. 6. Henau nas Antig. de Cantábria. M. Feijó no Tom. IV Discurso 8 num. 84. Hornio. De Origine gentittm Americanarum. João de Laef. Cláudio Bartholomeu Marisó na Histeria Orhis Maritimi, Liv. II. Cap. 41 pag. 649. Ricioli na sua Geog. e Hidrogr. Liv. III. Periegeticus Cap. 2Z pag. 93. Este ultimo e grande Mathematico, principalmente na Chronologia , Geografia , e Hidrografia , fallando de Co- lom , expressamente assegura que elle achara as terras do no- vo Mundo, ou por inducções e conjecturas de seu próprio engenho , ou por informações e noticias que lhe communi- cara Martim Behaim , de quem acima já falíamos, e ainda logo fallaremos , o qual lhe precedera nos conhecimentos de algumas partes do outro Hemisfério. >> Christophorus Columbus (diz elle) ex Palestrella » stirpe Placentina oriundus , & postea Liguriae incola , » cum prius in Madera Insula , ubi conficiendis ac delincan- » dis chartis Geographicis vacabat , sive suopte ingenio , ut >» erat vir Astronomise , Cosmographix , & Phisices gnarus , >» si- (d) Foi. 10 f. DAS SciENCIAS DE L I S B O A. IZJ >* sive indicio habito à Martino Bohemo , aut ut Hispani »» diciitant ab Alphonso Sanchez de Helva nauclero , qui >» forte inciderat iii insulam , postea Dominicam dictam , co- >» gitassct de Navigationc in Indiam Occidenralcin & id pro- » posuissct Joanni II. Regi Lusitano. » (a) Não podemos deixar de accresccntar aqui , quanto aos nossos , que entre elles foi constante o que disse Mariz no lu- gar já citado, que as experiências e observações dos navega- dores Portuguezcs servirão também de muito ao Genovez ; el- Ic era discipulo da doutrina Portugueza, como justamente o intitula Francisco de Brito Freire na Guerra Brasílica Liv. I. n. iz, e teve muitos dos nossos de que se podesse aproveitar, principalmente de Bartholomcu Perestrello , seu amigo e pa- rente , da mesma ascendência dos Pcrestrellos da Lombardia, hum dos mais acreditados varões da Escola do Infante D. Henrique , c dos illustres Capitães e descobridores em suas primeiras expedições: delie dizem que muito se ajudara Co- lom , e que viera a ser possuidor de suas Cartas e itenera- rios , em que achara notas e demarcações , que muito lhe ser- virão para o feliz successo de suas emprezas maritimas. De tudo isto se pódc coUigir que Colom não foi em sua navegação ao mero acaso , nem somente guiado por principios da sua grande theoria ; mas muito particularmen- te por informações e noticias de pessoas , que tinhao antes delle avistado e reconhecido alguma parte daquelle vastis- simo Continente ; por quanto se vê bem pela Historia de sua viagem, que sahindo da Gomeira , huma das Canárias , tomou a derrota caminho do poente , e dirigio constante- mente o seu rumo para Oeste , engolfando-se cada vez mais no largo Oceano Occidental , com huma constância invariá- vel na sua rota , apezar dos clamores de seus marinheiros , e dos riscos de vida a que se expunha , sem jamais des- maiar ; como que tinha certeza , por precedente informação , de que por fim acharia por aquella parte huma nova terra : se- (/J) Ricioli na sua já citatada Geografia e Hidrografia Liv. 111. Pene- jeticHS Cap. 22 pag. pj. 128 Memorias da Academia Real segurando aos seus , que passados dias havião de ver com seus olhos o que então a esperança dilatada lhes represen- tava ijnpossivel : com tanta segurança c senhorio o affirma- va , que suas palavras erao cheias de certeza, c daviío no- vos corações a seus já desfalecidos companheiros (d). Do desço- Demos agora mais hum passo por diante , para nos apro- aMw °ter- ximarmos ao particular objecto destes nossos discursos ; e nsdiAme- inustremos que nao só houve noticias da existência de al- dioliaMus guiTias terras da America Meridional , antes de Colom , mas da expedi- que tambcm as houve daquellas mesmas partes que depois j° /;/'••"- se chamai ão de Magalhães. , Para isto não duvidamos recorrer outra vez ao grande cação doEs- Astrónomo e Cosmógrafo Martim Behaim ou de Buhcmia: íreito,qde- pQjg pgj gyjjs Cartas Maritimas já estavão demarcadas as mou de Ma- terras visinhas á Ponta Austral daquelle ContinL-nte , ou ao galháe'! , at- Estreito quG depois se chamou de Magalhães. Isto escreve lw'artin°Be-delle positivamente Pigaffetta, author coevo, e fidedigno, haimnoseu que foi scu Companheiro de viagem {b) , dizendo que o mes- MaupL' ' nio Magalhães vira na Thesouraria de ElRei de Portugal hu- ma Carta , feita por aquelle excellentissimo homem Martim de Bohemia , em que aquellas terras vinhão delineadas. Nesta parte pode também servir a authoridade de Fran- cisco Lopes de Gomara na Hisioria das índias , o qual as- severa que Magalhães vira as Cartas de Behaim , em que es- tava traçada a rota que se devia seguir para aquellas partes, e que este lhe facilitara aquella nova descoberta que de- pois achou. Poremos aqui o seu lugar por ser de Authur clássico em taes matérias. >■<■ Fernando Magallanes y Ruy » Falero vinieron de Portogal a Castilla a tratar en el Con- >j sejo d' índias , que descubririan si buen partido les hi- » ziessen , las Malucas, que produzen las especias, por nue- >» vo (> cisco Ximencz de Cisncros , governador de Castilla , y los >» dei Consejo de índias les dieron muchas gracias por el » aviso y volunt;id , y gran esperança que, venido cl rey dou >> Carlos de Flandes , scrian muy bien acogidos y despncha- j» dos. Ellos espcraran con esta respuesta , la venida dei >> nuevo Rey , y entretanto informaron asaz bastanteinentc j> ai Obispo Don Juan Rodrigue?. d' Fonseca , presidente » de las índias , y a los Oydores de todo el negocio , y » viage. Era Ruy Falero buen Cosmógrafo y humanista , » y Magallanes gran marincro. El qual afirmava que por » la Costa dei Brasil , y Rio de la Plata avia passo a las j> islãs de la especicria mucho mas cerca que por cl ca- » bo de Bucna Esperança ; a lo mencs antes de subir a se- » tenta grados , segun Ia Carta de marear que tcnia el Rey » de Portogal , hecha por Martin de Boémia , aunque a- >> quclla Carta no ponia estrecho ninguno, a lo que oy de- M zir, si no el assiento de los Malucos. Si ya no puso por » estrecho el Rio de la Plata , o algun otro gran rio de j> aquella Costa. Mostrava una Carta de Francisco Serrano » Portogucs , amigo o pariente suyo , escripta en los Ma- » lucos, en la qual le rogava que se fucsse allá, si queria » ser presto rico. >» Com este testemunho de Gomara concorda outro de Herrera também Hespanhol. Sobre tudo podcm-se allegar por esta parte Wangensei , que deo esta noticia tirada dos Archivos de Nuremberg , que vem no Paneg. de Behaim ^ af- fii mando que elle achara o Estreito , para por elle se ir por Occidente ás índias Oricntacs. Seguirão a mesma tradição O Author do Dicciouario Universal HoUandez. Dopelmayer na Relação Histórica dos Artistas de Nuremberg. O Barão de Bielfeld na Obra intitulada Progres des Ale~ mands no Cap. III. cm que repete esta mesma noticia. Freher in Tbeatro. Tom. F. R Não 130 Memorias da Academia. Real Não podemos adoptar a conjectura de quem já se lem- brou , que a demarcação nas Cartas de Martim de Bohemia tinha sido por ventura trcsladada das noticias que dera a Américo Vespucio , nas cartas e papeis que apresentou a ElRei ; Por quanto as Cartas e Globos de Martim de Bohe- mia havião sido anteriores ao facto de Américo , tendo ellc feito o seu Globo quando esteve com seus parentes em . Nuremberg, aonde o deixou no anno de 1491, e já antes disso nas suas Cartas Marítimas , o que tudo vem a ser muito anterior ás viagens de Américo Vespucio em ijor e IS"©! ; além disso não consta que Amcrico chegasse nas suas duas primeiras viagens áquelle Estreito , havendo fica- do na altura de 32 grãos, isto he na visinhança do Rio da Prata , como elie mesmo o diz em huma das Cartas escri- tas ao Senhor Rei D. Manoel sobre as suas viageus. Isto he o que pertence á demarcação de hum paiz da America Meridional , qual hc o Estreito chamado de Ma- galhães , no mesmo Século XV , e antes da expedição do rncsmo Magalhães : e posto que este facto seja posterior á demarcação que se acha no antigo Mappa do Infante D. Consequen- Pedro ; todavia i." destroe a originalidade da descoberta cias que se (j,,qy£i]g fgnioso navcgadot : 2.° concorre para mostrar, que facto. destruído o fundamento daquella originalidode , se faz me- nos inverosímil aquella nota em hum Mappa mais antigo e anterior a Magalhães. ^ Mas como pôde servir, dirão alguns , o facto do des- cobrimento daquelle Estreito trinta e cinco annos antes de Magalhães , para tornar menos inverosímil a existência de huma descoberta ou demarcação mais antiga, e anterior não só a Magalhães, mas ainda ao mesmo Behaim, qual a que se achava no Mappa do Infante ? Responderemos , se podermos , a esta duvida , que a mui- tos pôde fazer peso. Se o desço- Behaim não poz nota alguma, nem nos Globos , nem jç™^r^a^o nos Mappas , em que declarasse a originalidade da demar- do Estreito caçao do Estreito j não nos disse se ella fora sua própria e ori- Eiíni Oí DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I3I original, por seu mesmo descobrimento, ou se foi trasla:i- foi por facto cia e derivada de algum outro M.ippa ou Globo mais an- j^^'°J'j'.'° "^ tigo que o seu ; nem alguns dos Authores que disto fallá- Fthaimjou de tacto a- rão asscverão cousa alcuma decisiva e parcntoria nesta par- „ . te: redu/,mdo-se huns a afhrmar o seu descobrmicnto por cedente. Behaim , sem nos dizerem precisamente se o dcscobrio cm consequência de noticias de outros Mappas que lhe prece- dessem ; e outros a terem para si aquella demarc^^çao por ori- ginal , conjecturando-o assim pelo só facto de a verem por elle assignalada no seu Globo e Mappas. Nesta incerteza ou silencio ^- quem nos prohibe , ven-ftianeirapor do o mesmo luMr apontado iá no Mappa do Infante D, Pe-'í P"'''* j* O r j i k .... ter entrado dro , julgar que delle mesmo , ou de algum outro navega- no Mappa dor antecedente se trasladou e derivou aquella demardação '^° injante para o Globo e Mappas de Bchaim , vindo este a ser na- demarcação quella parte, não originário e primitivo descobridor, mas d" Estreito, sim hum simples annotador e copiador daquellc passo? chamnTdo ^Porque não diremos que algum aventureiro, de tem- Magaliiies. pos muito mais remotos aos de Colom e Magalhães e do mesmo Behaim , teria alcançado noticia das partes circumvi- sinhas daquelle Estreito ? Em verdade já no Século XIII e XIV havia feito a marinha Europea pr) Do pouco credito que ElRei dava a Colom, c quanto os Cos- mógrafos houverão por v.jidade suas palavras , talião os nossos , e entre elles João de Barros na Dec. J. Liv. III Cip. XI. pag. 5-'; e dos es- tranhos bastará cit.ir por todos o Padre Laiícau na Historia dos Descobri- mentos e Conquistas dos Portuguezes Liv. I. pag, 67. I i DAsSciENCiAS DE Lisboa. 135' E tão acceso andava neste descobrimento da índia , que sem embargo de ter já reconhecido até além do Cabo da Boa Esperança por mar, o quiz também fazer por terra em 1486 , enviando viajantes encarregados disso (a) ; e cm verdade tantos desejos tinha de a descobrir , que havia concertado € prestes huraa armada para este fim , com os regimentos feitos , e escolhido já por Capitão Mor delia o mesmo Vas- co da Gama (b) . Em fim foi este o seu unlco disvello, co- mo o mesmo Capitão expressou bem ao Rei de Melinde di- zendo : Este , por haver huma fama sempiterna , Mais do que tentar pode homem terreno Tentou , que foi buscar da roxa Aurora Os términos , q' eu vou buscando agora (c) . EX- {a) Garcia de Rezende na Chronica de D. João II. Castanheda Cap. 60 pag. 42. (/>) Garcia de Rezende Cap. tcs íol. 122 ir. e I2J, CO Lusiad, C. IV. Est. LX. SI3a OT I3<5 Memorias da Academia Real (*) EXTRACÇÃO DE LOTERlASj Que se executa em tempo brevíssimo ^ e sem que se possa com- metter erro ou engano : proposta Por António de Araújo Travassos. kjUppondo que a Loteria seja de 10:000 Bilhetes, faz-se a extracção pela maneira seguinte. Forma-se hum numero ao acaso entre todos desde 1 a 10:000 , tirando entre os dez algarismos o. i. 2. 3. 4. f. 6. 7. 8. 9. hum para a casa das unidades , e repetindo-se a mesma operação 2.* , 3.* , e 4.* vez para as casas das dezenas, centenas, e mi- lhares j sem que se extra'ia algarismo algum para a casa das dezenas de milhar , pela razão de que esta casa só pôde ser occupada pelo algarismo i , no caso único de terem si- do o. o. o. o. os quatro algarismos tirados á sorte : os quaes são a decima millesima combinação , e por isto se conven- ciona que representem o numero 10:000. Pode dar-se ao numero formado o nome de Regula- dor , porque serve para regular a distribuição de todos os prémios da Loteria facil e promptamente , pela maneira se- guinte. Em a Noticia ou em os próprios Bilhetes da Loteria se declarará que o maior premio ha de pertencer ao Regu- lador, e o 2.°, 3.°, 4.°, 5.° &c. e todos os mais prémios, ?J2_ ( * ") Este modo de extracção de Loterias foi communicido á Acade- mia Real das Sciencias em 29 de Agosto de 1815, e por isso antes que o que se publicou a pag. i8o da segunda parte do Tom. IV desta Col- lecçáo : publica-se porém somente a^ora pela razão de ter sido remetti- do por Ordem de Sua Magcstade a fim de se examinar, o que impcdlo a sua impressão , em quanto não houve licença expressa , que ultimamen- te se obteve. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I37 pela ordem de seus maiores valores , hão de pertencer aos numeres immcdiatos depois delle ; e no caso de que estes números até o ultimo da Lotcria não sejão bastantes para se lhes conferirem os referidos prémios , continuar-se-ha a distribuição pelo numero i , e seguintes. Se não se quizer que os prémios todos hajão de per- tencer a números seguidos , fácil he o declarar na mesma Noticia , ou nos Bilhetes , as diíFcrenças ou intervallos que deve haver entre o Regulador e os números a que ha de conferir-se cada premio ; ou , o que vem a ser a mesma cousa , declarar-sc-ha que os números dos Bilhetes , iguaes á soma do Regulador com os números que se indicarem , terão os premies que adiante delles igualmente forem indi- cados , e que daquellas somas do Regulador com os refe- ridos numeres que se indicarem , as quaes forem superiores ao numero total de Bilhetes, subtrahir-se-ha o dito nume- ro total , e os restos serão os numeres , cujos bilhetes go- zarão dos prémios respectivos. Talvez isto se entenda melhor á vista do seguinte pla- no ; no qual todavia por amor da brevidade não se declarao as diffcrenças todas por extenso e cada huma de pcrsi , e usa-se do artificio de designar muitas debaixo de hum nu- mero e seus múltiplos. Com eíFoito he mui sufficiente esta declaração ou sistema, para cm conformidade delle, e de- pois de formado o Regulador , se fazer a Lista Geral , e j^ara cada dono de Bilhete , ainda sem consultar a dita Lis- ta , saber logo qual foi a sua sorte na Loteria. Tom. r. S P/a- 138 Memorias da Academia Real Plano de Loteria , e medo de formar a Lista Geral para ã distribuição dos prémios. O numero Reguladpr terá - i premio de Reis. i6:oooii)ooo E os números que forem iguaes á soma do Regulador com cada hum dos números que aqui se dcciarão , terão os prémios seguintes. Adver- tindo que daquellas somas do Re- gulador com estes números , as quaes excederem a 10:000 , e que por con- sequência não se encontrão em Bi- lhete algum desta Loteria , se sub- trahirá o referido numero 10:000 , e os restos serão os números pre- miados. 5:001 -------- I----- 8:000(||)000 ^:$or -------- i---.. 4:000^000 7:500 1 2:coo|)ooo T.l')! e 6:1J2 ----- 2 de 1 :000(Í)COO 2.000>|)000 603 , $:6oi , 3:i05', e 8:103 4 »» 400^000 1:600^000 1:197 e todos os seus múltiplos 8 '» loo^jfjooo 1:600^000 600 e dito dito dito - 16 >» looc^ooo \:6co^ooo 333 e dito dito dito - 30 »> 60(|)000 i:8oO(jÇ)ooo 141 e dito dito dito - Jo »> 20J^ooo 1:400^000 3 e todos os seus múltiplos que não estão acima comprehendidos - - - 3:200 »> i$^QQíO 48:000(^)000 Bilhetes com Premio - 3:334 Ditos sem Premio - - 6:666 Abatidos 12 p.' c." importão os 10:0 do B.^ a lo^ooo rs. 88'000(3booo " sT sina Ot DAS SciENCIAS DE LiSBOA, 139 Se O numero de Bilhetes não for dez mil , mas por exemplo vinte mil , deve extrahir-se para a quinta casa do Regulador hum algarismo, não entre os dez já menciona- dos , mas só entre os dous o c i ; porque neste caso o. o. o. o. o. hc a vigcssima millcsima combinação, con- venciona-se que represente o numero 20:000. E se o numero de Bilhetes for por exemplo 30:000 , deve extrahir-se para a quinta casa do Regulador hum al- garismo entre os três o. i. e :. ; c porque neste caso o. c. o. o. o. he a trigessima millesima combinação , con- venciona-se que represente o numero 30:000. Hum modo análogo se seguirá em qualquer outra Lo- reria de 40, 50, 60, 70:000 Bilhetes &c. Sc porém não for de numero redondo e completo de dezenas de milhar , mas por exemplo de 16:000 Bilhetes; neste caso, depois de extrahidos os três algarismos para as casas das unida- des, dezenas, e centenas, extrahir-se-ha hum algarismo ou hum numero composto de dous algarismos para a casa dos milhares , ou para esta e para a das dezenas de milhar , entre os 16 algarismos e números seguinres, o. i. 2. 3. 4. y. 6. 7. 8, 9. 10. II. 12. 13. 14. e rj. E porque o. o. o. o. o. he a decima sexta millesima combinação , convenciona-se que represente o numero 1 6:000. Semelhantemente se praticará em as Loterias que fo- rem de outros números de Bilhetes , e a todas se poderá applicar facilmente qualquer distribuição de prémios que mais agradar , exactamente como acontece em as Loterias até agora usadas entre nós. S ii ME- 140 Memorias da Academia Real MEMORIA Sohre a nova Mina de ouro da outra banda do Tejo. Lida em 10 de Maio de 1815". Por José' Bonifácio de Andrada e Silva. J Ulgo não será desagradável a esta Academia dar-lhe desde já em pequeno bosquejo alguma idéa da nova Mina de ouro chamada Priíuipe Regente , que se está lavrando "actualmente. Principiarei pelo seu descobrimento e pesqui- sas preliminares , e depois passarei a noticiar o estado pre- sente da sua lavra e aproveitamento ; reservando para outro tempo a parte technica de seus trabalhos. Sendo do meu dever na conformidade dos Regimen- tos, e das vistas paternaes de S. A. R. quando se dignou crear a nova Administração de Minas , descobrir e aprovei- tar todos os mineraes úteis que encerrâo as entranhas do nosso Portugal (que cm verdade pôde correr parelhas, cm riquezas subterrâneas , com os mais privilegiados do Glo- bo) julguei que nao devia por mais tempo- deixar de>cn- nhecida e desaproveitada , ao menos huma pequena porção do muito ouro , que encerra ainda Portugal , não obstante a extensa e antiga mineração dos Carthaginezes , Romanos, Árabes , c ainda dos Portuguezes nos primeiros séculos da Monarchia. Os motivos que me induzirão a escolher de preferen- cia o terreno da bahia , que começa na ponta da Trafaria , c vai findar no Cabo de Espichel , para estas tentativas e pesquizas, forao as noticias históricas, que tinha obtido da Torre do Tombo ; das quacs consta, que os Ouriviciro."? ou Mineiros da Adiça , que fica três quartos de legoa ao Nas- cen- vJSH 01. I DASSCIENCIASDE LiSBOA. 141 ccntc da nova Mina , dcsãe o tempo do Senhor D. AíFonso Hcniiqucs, em que já estavao cm lavra estas terras, até o do Senhor D.João III. que as doou a hum certo António da Fon- seca , sempre se conservarão em trabalho constante e lucrativo , a pezar do muito ouro , que pelas navegações do immortul In- fante D. Henrique , nos vinha então da Costa da Mina. Que as antigas Minas da Adiça forão de muita utili- dade á Coroa e ao Reino , o provao os grandes privilégios ciMicedidos pelos nossos Reis aos Mineiros , em huma lon- ga serie de Cartas de confirmação desde o principio da Mo- narchia até os fins do Reinado do Senhor Pvci D.João III. cm que cessarão esses serviços ; talvez porque passarão da Coroa para as mãos de António da Fonseca. A Adiça for- mava hum Coutí) Real com Juizes próprios e privativos pos- tos por lilRci nos primeiros tempos, e chamados então Qtiin- tciros , e depois eleitos pelos próprios Mineiros. Tinhão es- tes o jirivilegio de se queixarem immediatamcnte a ElRei das pessoas , quaesquer que fossem , que lhes não cumpriáo seus foros e isenções ; ou os incommodavão cm seus trabalhos e occupações. Não pagavão jugada , nem imposto algum de suas herdades e fazendas : não hião á guerra : não respou- dião em causa civil ou criminal perante algum Juiz, que não fosse o seu próprio : ninguém pousava em sua casa ; nem se lhe tomava cousa alguma do seu contra sua vonta- de : cstavão isentos de todos os encargos e officios do Con- celho , até mesmo da Almoraçaria ; e o que mais he , até es- ravão livres dos Pedidos Pvcaes de géneros c dinheiro , e dos encargos de Caudclaria : finalmente podião empray.or perante ElRei todo e qualquer Juiz , que fosse contra al- gum destes privilégios. Tudo isto consta da Carta de Con- firmação do Senhor Rei D. Manoel de 2 de Maio de 1497 , onde vem inseridas todas as outras mais antigas desde o Se- nhor D. AfFonso III. O Senhor Rei D. João iíl confirmou ar.tcs da do;ição já mencionada , os mesmos privilégios pela sua Carta de 17 de Abril de ijzó. Parece pelos documentos que examinei , que até o Se- nhor si-í-x or ■■>r-->ííVí-. 14» Memorias da Academia Real nhor Rei D. Duarte formavâo os Mineiros huma compa- nhia ou sociedade viontanistica ; e nao só pagavao o quin- to do ouro , que tiraviío por sua conta ; mas erão tambcm obrigados a lavrar por conta d' ElRei certos sities daquel- la costa. Em tempo porém do Seniior D, Duarte mudou-sc esta administração, a requerimento dos Mineiros , cm huma capitação annua , pelo ouro que lavravão no chamado Me- dão ou Barreira, que acompanha e fica sobranceira ás praias desta costa : ficavão porém obrigados a lavrar a Mina do si- tio chamado da Malhada , quando entendessem ser tem- po próprio de se apanhar o seu ouro , do qual pagavão me- tade a ElRei. Os Adiceiros formarão então huma com- panhia composta de vinte e huma pessoas , chamadas Mi- neiros mores , incluídos neste numero hum Mestre , e hum Escrivão ; e de vinte e três outros chamados Mineiros me- nores. Os primeiros pagavão por cabeça annualmentc duas coroas de bom ouro , e os segundos huma só. Deste modo a capitação dos Mineiros , afora a metade do ouro que se apanhava na Malhada , de que não sei a quantia , montava a sessenta e cinco coroas de ouro, que julgo serem das an- tigas do Senhor Rei D. Pedro , por não haver outras cu- nhadas até o Senhor Rei D. Duarte. Ora cincoenta destas dobras de ouro fino fazião hum marco , e por tanto vinha a importar esta capitação no tempo de agora em valor in- trínseco 144(3^640 reis com mui pouca differença. Tal foi a sabedoria e magnanimidade do Senhor Rei D. Duarte , que soube contentar-se com huma tão diminuta renda , pa- ra assim animar a classe interessante dos Mineiros , de que Portugal havia tirado grandes proveitos , e os Senhores Reis huma parte mui principal do seu Património. Devo esperar da sabedoria do nosso Augusto Príncipe , que tão gloriosa- mente caminha pela estrada de seus Augustos Avos , que haja de favorecer as nossas nascentes Minas , de que foi o Creador , com o mesmo amor e patrocínio , que merecerão as antigas a seus Augustos Antecessores. Além destas noticias accrescco o ter sabido que alguns ho- DAsSciENClAS DE. LiSBOA. I4J homens ás escondidas , e sem licença , tinhão ha poucos an- nos gandaiado algum ouro por estes sitios , c o vcndiao aos Ourives de Lisboa. Animado de tão boas esperanças , logo que cessarão os perigos da guerra desastrosa , que fe- lizmente acabou , mandei fazer pcsquizas successivas , para me certificar da abundância de ouro , e calcular pelo preço presente dos jornaes , se me era possivel restabelecer essas antigas Minas. Começarão estas pcsquizas em Outubro de 1813 , e se concluirão em 25 de Maio de 18 14; então cheio de summo prazer, por ver realizadas as minhas esperanças, paticipei ao Governo destes Reinos o seu resultado, e pe- di a sua approvação , c algumas providencias de que pre- cisava , que me forão logo concedidas. Os primeiros ensaios e pcsquizas forão feitos em trcs difiFcrentes sitios, i.° nas visinhanças da antiga Adiça , 2.° na sitio chamado a Ponta do mato , onde fiz abrir a Mina que hoje se lavra com o nome Príncipe Regente , e no dos Olhos d'agoa mais ao Sul , e distante do primeiro perto de legoa e meia. Posteriormente ordenei novos exames ao longo do pé da Barreira ou Medão , entre os dois extremos da Adiça c da Ponta do mato ; e por elles consegui felizmente certeza de que em toda esta extensão de costa ha mais ou menos ou- ro , que pôde ser aproveitado. Das outras pcsquizas feitas terra a dentro no sitio da Azoia , e Ponte das cabeças , e ultimamente nas Cruzinhas junto á praia, fallarei depois. Achando-me sem Mestres , nem obreiros , que soubes- sem da mineração e apuração de ouro em pó , e só com o hábil Mineiro Manoel Nunes Barbosa, natural da Capitania de Goyazes , por acaso residente nesta Cidade, e que hoje he o Inspector e Mestre da nova Mina , vi-me forçado a começar hum só serviço para ir attrahindo gente , e flize-la instruir na laboração do ouro , para depois poderem servir de Mestres , e Feitores de novos estabelecimentos , que dese- jo successivamente ir fazendo em tempo próprio nestes dis- trictos ; e cm outras Províncias do Reino. Pela novidade do objecto, e pelo alto preço dos jornaes, que espero dimi- nuão 144 Memorias oaAcade MIA Real nuão com o tempo , c quando houver maior abundância e baratcza de viveres, não pcSdc ainda este Estabelecimento chegar ao gráo de prosperidade c lucro, que delle espero. Acresce também a falta de tempo para poder recolher no verão mineral em abundância , que depois se haja de lavar pelo inverno , em que as continuas borrascas , chuvas , e grandes marés difficultao, c impedem muitas vezes abrir no- vas catns , c recolher a pissarra aurífera : todavia com o fa- vor Divino, eá força de zelo e actividade, e com ajuda das sciencias auxiliares , até para aproveitar devidamente a dif- terença das mares nas praias , e escapar das marés vivas , temos lutado ftílizmente contra os elementos ; e a extracção do ouro não tem parado até hoje, a pezar das terriveis in- vernadas que tem havido, e das ventanias e borrascas con- tinuas que reinão nesta costa gerdlmente. No dia 4 de Julho de 1814 se começou pelas três ho- ras da tarde a primeira cata encostada á fralda da Barreita, no sitio já mencionado da Ponta do mato ^ que fica quasi no meio da bahia. Principiou-se este trabalho com três únicos homens , e estes mesmos erão Soldados inválidos do peque- no destacamento , que guarnece aquella Mina. Eu mesmo fui examinar o terreno c a formação, e dar as instrucçõcs e ordens que me parecerão mais convenientes para o me- thodo e andamento daquclle serviço. Nos fins da semana se- guinte , que acabou aos 11 , me recolhi muito contente e cheio de enthusiasmo com 215 oitavas e 5-7 grãos de ouro cm pó muito limpo e de excellente cor : este producto ex- traordinário porém foi devido , parte á escolha do lugar , onde a formação era mais rica ; e parte á actividade e tra- balho desmesurado , que empregou sem cessar o Mestre Ins- pector. Foi preciso porém deixar por algum tempo a ex- tracção , para se cuidar em edificar a mina , construir lava- douros ou bolinetes , e fazer outros trabalhos preliminares e indispensáveis a qualquer novo estabclccimcnro. No fim de Julho já o numero dos trab.ilhadorcs se tinha augmen- tado até 13, e hoje andão de 30 a 40. An- DAS SciENClAS DE LiSBOA. I.lf Antes de ir abrir a Mina , cuidei logo de fazer hum regulamento para organizar c dirigir a administração c eco- nomia deste novo Estabelecimento , cujos Officiaes de Ins- pecção são hum Inspector c Mestre , hum Contador e Fis- cal , c hum Feitor ou Cabo da gente empregada. Huma das economias que introduzi , e que já tem rendido bastante , foi o aproveitamento pela amalgamaçao de toda a área c es- meril que fica depois de apurado o ouro pela lavagem e batea , o que no Brasil e ainda em varias partes da Europa se deita fora : por este novo methodo portim ganhamos , apczar de ser feita a lavagem e batcagcm com todo o es- crúpulo e perfeição da arte , ainda assim mais de -^ da quan- tidade total do ouro apurado. No Brasil ouso affirmar , que perdem quasi metade do ouro, que apurao. O ouro se acha nesta Mina em estado nativo , em pa- lhetas de cor amarella gemmada , que são ás vezes já de bom tamanho; e menos lisas, e mais brilhantes, que o ou- ro em pó dos rios de Sena , e do Brasil , por via de regra. Acha-se este ouro disseminado em hum taboleiro , ou ca- mada de terra arenisca , e mui pouco consistente , que tem de altura hum até dois palmos : já se tem achado porém de cinco palmos de grossura. Conrém hum palmo cubico desta formação , hum por outro , segundo o calculo feito até hoje , dous grãos de ouro. O taboleiro , ou formação , que hc de cor de cinza , passando a amarella depois de scc- ca , consta de pissarra formada de área mais ou menos fi- na , e conglutinada ou mesclada com argilla , e contém mis- turados em maior ou menor quantidade fragmentos e par- ticulas de esmeril , ou mineral de ferro arenoso negro , ai- tractono, de mica branca argentina, de quartzo cristalisa- do , amethista , e pedrinhas coradas , que vistas com a len- te mostrão pela cor e brilho ser fragmentos de espinello , ou Kannelstein de Werner. O esmeril do sitio da Mina Pr//;- cipe Regente , assim como o da Adiça, he mui fino, e em maior abundância que o dos Olhos d'agoa : igualmente os dois primeiros sitios contém menos amethistas , e espinel- Tom. V. T los , 14^ Memorias da Academia Real los , que o terceiro. Também contem esta formação seixos ro- dados de quartzo commum , e outros corados , ou malhados de amarcllo e vermelho de schisto siliceo commum , e lydico. Pousa a camada mineral sobre salão ou argilla plásti- ca cor de cinza: sobre a supcríície do salão se deposita bas- tante ouro ; e por isto se cava este para se aproveitar a cô- dea superficial. A pissarra ou camada mineral hc coberta por área do mar , que tem de altura segundo os lugares das catas 5 , ^ , e is vezes lo , e i8 palmos. Esta área se des- capa por desmonte , para se poder tirar, e aproveitar a pis- sarra auriFera. A Barreira ou medão , que fica quasi a pique , e so- branceiro á fralda da praia, tem de altura 122 palmos, e consta de 8 camadas distinctas , quasi horisontaes ; as quaes no sitio da Mina Príncipe Regente são as seguintes , princi- piando debaixo para cima : I.* Argilla ou salão cor de cinza, escura quando molha- da , e menos carregada quando sccca , fica ao nivel do mar ; não sabemos ainda a sua profundidade. Na continuação da praia , onde em alguns sitios as camadas fazem sellas , ou alteamcntos undulosos , observa-se abaixo do salão huma ca- mada de marna argillosa denegrida; e abaixo desta outra de petrificados de conchas engastadas em pasta argillosa cor de fumaça , que lhe dá o oxido de ferro , que nella abunda. 2.* Pissara argillosa , que na sua prolongaçao para a praia he onde se lavra o ouro , e já fica desciipta. Tem ás ve- zes pedaços e detritos de conchas marinhas : e aa barreira tem vinte palmos de grossura. 3.* Área algum tanto argilosa, cor de fumaça com muitos fragmentos grandes e miúdos de conchas ; e com finíssimas partículas de mica argentina : tem de grossura vinte palmos. 4.' Área de cor parda amarellada , com muita mica disse- minada : tem de grossura quinze palmos. 5:." Área amarclla cor de ocre , com manchas e laivos mais desmaiados , e tambcm com mica : tem de grossura dez palmos. • 6.' Pissarrâo ou saibro pouco argilloso , de cor parda ama* rel- íiiaa 01 DAS SciENCiAS DE Lisboa. 147 rcllada , mais escura que a do n.° 4.° , contém muito pedre- gulho de quartzo commum , e algumas partículas de mica argentina : tem de grossura dez palmos. 7/ Saibro grosso com alguma terra vegetal , de cor do n.° 4.° , mas sem mica : tem quinze palmos de grossura. 8.^ A camada ultima superficial hc de área grossa, pura, e quasi branca , com alguns seixos rodados amarcUados de quartzo siliceo , e com particulas de mica transparente : tem de grossura trinta palmos. Este medáo ou Barreira não he inteiramente falto de ouro; he este porém em tão pequena quantidade , que não faz conta alguma o apurallo. No principio desta lavra duvidei se o ouro da píssar- ra , que se acha como disse nas fraldas do medao ao lon- go da praia , viria de longe ; trazido e depositado alli pe- las vagas do mar , que banhão aquella costa ; pois o Geó- grafo Árabe , Ebn Edrisi , que escrevco em Sicília , onde estava refugiado, pelos annos de ii^i a ii5'3, diz fallan- do do Castcllo de Almada ( que quer dizer Castello da Mi- na) que assim se chama por causa do ouro, que para alli acarreta o mar , quando anda bravo : porem posteriores e mais miúdas observações me tem convencido, que este ou- ro não vem de fora ; mas se acha mais ou menos dissemi- nado nas formações alluvines daquelle terreno , o qual foi formado das ruinas e detritos de montes e vieiros auriferos, ou distantes ou visinhos , que as antigas inundações do Oceano , ou de grandes lagos , e rios internos , causarão em diversos tempos. He provável que pelo andar dos séculos as chuvas, penetrando as camadas, desmoronando as barrei- ras, e abrindo canaesinhos , lavassem as terras, e ajuntas- sem o ouro , e o fossem depondo nos baixos , e sitios mais azados da costa, onde as ondas lavão, e apurão as suas par- ticulas disseminadas. Querendo verificar esta suspeita , que tive logo que pela primeira vez examinei o local , e a natureza da for- mação, mandei no mez de Abril passado trabalhar de novo cm alguns sitios , já lavrados no estio antecedente. Desde T ii 17 148 Memorias ua Academia Real 17 de Abril até 6 do corrente mcz de Maio, o. ouro que temos recolhido naquella Mina , Foi rodo tirado das antigas catas , que o mar de novo enchera , revolvendo c lavando repetidas vezes as arcas , e as terras desmoronadas das fruí- das da Barreira. Verdade he que a camada aurifera , que se formou de novo , não tem por ora mais que hum palmo de grossura ; e o palmo cubico só rende hum grão de ouro : todavia em trcs semanas, em que se não pode abrir em si- tio virgem catas mais rendosas , pela falta de agoa , e ou- tros embaraços locaes, que já estão vencidos, deo esta se- gunda colheita 416 oitavas, ou 6 marcos e 4 onças de ex- cellente ouro em pó e amalgamado. Assim se por hum lado as ondas do mar embravecido sobre a immensa praia desabrigada contrarião muitas vezes nossos trabalhos mineraes , por outra he o Oceano ao mes- mo tempo hum valentíssimo e excellente operário, que ajun- ta, e deposita as fagulhas seiji conto do ouro derramado, e as lava c apura sobre as rampas da praia , que lhe ser- vem então de óptimo bolinete ou lavadouro de concentração , quando acha base firme , qual he o salão ou greda já descripta. As novas pesquizas ultimamente feitas na Azoia e suas visinhanças , de que vou a fallar, dão tambcm muita luz a esta matéria. No districto da Azoia, que fica a duas Ic- goas da Mina Príncipe Regente , e arredada do mar quasi meia "Icgoa , he coberto o terreno em muita parte por huma ca- mada superficial de cascalho de hum até trcs palmos de gros- sura , e pousa sobre outra inferior de pissarra de cor ás ve- ves parda , com manchas cinzentas e azuladas. Esta piss-irra não he aurifera , mas sim o cascallo. Esta cascalheira ou conglumcrado de seixos de diver- so tamanho , pela maior parte de quartzo branco , ou cora- do, e de pedra da Lydia , aglutinados por área e argilla fer- ruginosa , pousa sobre pedra calcarea , densa , acinzentada ou amarellada , a qual alterna com bancos de pedra de área branca de grão fino , e muita mica argentina disseminada , que ao ar se mancha em amarello pardeçcnto , e bancos de mi- sia-J OT DAS SciENCiAS UE Lisboa. 149 mina de ferro argillosa com muita arca ou preta ou ama- rcUa pnrdecenta , ou parda amarellada de diffcreiítes visos. Por baixo da cascalheira aurífera scgue-se hum pissarrão de diversa grossurj , de cor parda , tirando ás vezes a sangue de boi , em outras passa a cinzento , o que também se nota no cascalho. Notei nas provas que se fizerao tanto net.te si- tio, como no da Ponte dos cabeços, cm que fallarci , que o cascalho he tanto mais aurifcro , quanto he mais carre- gado em cor. Qiiatro palmos cúbicos deste cascalho, apura- dos pela batea , dcrão ;^ grãos de ouro ; c dariao mais se muita parte do seu ouro, que he muito fino e polme, se não perdera na apuração pela simples bateagem ; o qual se aproveitaria sendo este casc.ilho lavado e concentrado era lavadouro ou bolinete próprio e bem construído , e a fa- rinha , assim lavada , apurada depois pela amalgamação. Continuando na direcção dos jugos , ou encostas que vem da lombada central já mencionada, e no sitio da Pon- te dos cabeços apparece a grande cascalheira descoberta , a .qual he quasi da mesma natureza que a acima dc>--cripta, e se estende até os baixos do Feital. Esta cascalheira he ioda cortada por muitos bavrocaes profundos , por onde cor- rem grandes torrentes de inverno, deixando nos remanços e cotovelos bastante arca , que he muito mais rica em ou- ro que o mesmo cascalho. Devo notar que este cascallio pousa sobre bancos de pissarra muito grossos, commumcn- tc de cor de sangue de boi , mais ou menos carregado ou deslavado. Sobre a supcrficic do terreno , tanto nesta cas- calheira , como na antecedente do sitio da Pereira , appare- cem soltos na superfície seixos rodados de quartzo branco commum , e lácteo. Dois palmos cúbicos do cascalho des- tes barrocaes derao pela bateagem 3^ grãos de ouio palhe- ta excellente , c graúdo ; o qual se for aproveitado de o.;- tro modo , será então mais abundante. Temos pois descoberto e ensaiado felizmente huma tor- mação de cascalho superficial, owGuapiara na frase dos Mi- neiros do Brasil , que espero poderá ser lavrada com pro- vei- siavt or jjro Memorias da Academia Real veito, apezar dos grandes jornaes, logo que se possa ajuntar a agoa necessária , formando-sc tanques e prezas nas profun- das quebradas, ou barrocas, como fazem nas Minas do Hartz em o novo Reino de Hannover ; onde apezar de não haver agoa corrente , por este único modo se sustenta ha sécu- los huma grandissima mineração de prata , chumbo , &c. Nesta Guapiara pois podemos aproveitar não só o cas- calho , e talvez , como espero , parte da pissarra ; mas tam- bém a área das quebradas , em que o ouro está mais lim- po e concentrado pela lavagem natural das enchorradas. Sendo tradição entre os velhos das visinhanças do Ca- bo de Espichel , que quando em tempo do Senhor Rei D. João V. se abrirão as minas da agua , que vai conduzida í Senhora do Cabo , se dera em rocha que continha muito ouro, e que por isso piarara a sua continuação, quiz ultima- mente examinar esta formação. Á primeira vista perdi toda a esperança , não observando senão pedra calcarea densa acin- zada de formação muito nova ; mas discorrendo e exami- nando com mais cuidado aquelle sitio , descobri hum gros- so banco de cascalho quasi da mesma natureza que os já descriptos , que corre norte e sul , e se inclina para o Les- te cm angulo quasi de 45- gráos , seguindo o pendor das encostas da lombada central. Este facto Geognostico foi pa- ra mim inteiramente novo , por nunca o ter até hoje ob- servado em todas as minhas vastas peregrinações pelos mon- tes e serras da Europa , que viajei. Não podendo penetrar pelas bocas e poços da mina d'agoa ao interior do monte, por se acharem já quasi entupidos pelo decurso do tempo, contentei-me em quebrar hum pequeno pedaço do cascalho superficial , que se pizou e lavou para ver se continha algu- ma fagulha de ouro visivel , ou algum indicio , que compro- vasse a tradição daquelles povos. Não apparcceo ouro, mas sim muito esmeril na frase dos Mineiros do Brasil. O exame regular e em grande deste cascalho fica reservado para me- lhor tempo. Depois de ter examinado do modo que me foi possí- vel DAS SciKKCiAS DE Lisboa. i^t vcl todos estes cascalhos e pissarras , fui de novo visitar a costa do mar , que decorre desde a Mina Priticipe Regen- te até Á lagoa d' Almofcira , e dahi até perto do Cabo de Espichel. No sitio dos Olhos d'agoa , em que já fallei nesta Memoria , achei todas as disposições para huma nova lavra de ouro em pó. Não só ha cinco grandes nascentes d'jgoa , quasi pegadas humas ás outras , cm vários pequenos boqueirões formados pelas agoas chovcdiças, que se preci- pitão da Barreira para a praia, mas igualmente sobre o ban- co de salão , que decorre em pouco fundo para o mar , to- das as áreas que nelle assentao são auriferas , e o seu ouro he de muito fácil extracção. Verdade he que sendo a praia estreita neste sitio só em tempo de verSo se poderão lavrar e apurar estas áreas c pissarras; mas estou certo que darão então muito ouro. Passada a lagoa de Almofeira examinei de novo o si- tio das Cruzinhas , que o Inspector em 9 de Março do pre- sente anno já tinha de algum modo pesquizado, e achado que sete bateas do pissarra arenisca davão dois grãos de bom ouro : os exames que se fizerão de novo confirmão o lesul- tado daquclla pesquiza. Este sitio fica hum quarto de Icgoa para o Sul da lagoa : o local he excellente por haver bas- tante agoa corrente, e sor o mcdáo ou Barreira mais baixa e espraiada do que no resto desta costa. Referirei aqui também o resultado das pesquizas que mandei fazer ^ de legoa da Mina Príncipe Regente para o Norte no sitio da antiga Adiça chamado a Fonte da Telha ; «ssim na fralda da Barreira e praia , como no cascalho de pedregulho miúdo, ou propriamente pissarrão, quasi super- ficial , o qual cobre o cimo do medao ou Barreira , e tem de grossura hum até dois palmos , formando na sua prolon- gação varias pequenas undulações. Na praia e fralda da Bar- reira fica o salão em que pousa o ouro muito mais fundo que na Mina Príncipe Regente ; e só começou a apparecer algum ouro na profundidade de dezoito a vinte palmos de desmonte. Não temos ainda chegado ao salão por falta de hu- lya Memorias da Academia Real huma bomba própria para esgotar a cata , que se ha de apromptar brevemente : do que está profundado sahcm já amostras boas. Em outra abra ou pequeno boqueirão visi- nho a este sitio , aonde já ordenei pcsquiza em grande , ha esperanças de lavra rendosa , visto ser a praia mais lar- ga, de inclinação mais doce, c de salão menos profundo; e haver também muita agoa nasccdiça e corrente psra as lavagens e apurações. Iguahncnte em ambos estes sitios , em duas fundas goivas para dentro da Barreira, ha dois brejos ou lagoas , cujo fundo poderá ser bastante rico , visto ter recolhido em remanço todas as agoas chuvediças , que pre- cipitando-sc do cimo da Barreira , cortao e desmoronão o banco de cascalho aurífero superior , em que já tallei. Este cascalho miúdo ou pissarrão he composto de área grossa e fina com muitos seixos pela mor parte de quartzo commum, e algum schisro siliceo do tamanho de huma ave- lã até huma noz e mais. Este pissarrão quando húmido he de cor cinzenta amarellada , e quandp secco mais amarella- do. O seu ouro he de boa cor , porém miúdo e polme j mas não faz por ora conta a sua lavra em grande. De todo o exposto até aqui se vê quanto esta mine- ração de ouro pôde extender-se e ampliar-se com o andar do tempo (a) . ^ E quantas outras riquezas , que já conheço, não darão as Provindas de Portugal hum dia , se Soa Alteza Real , livre dos cuidados da guerra , se dignar favorecer tão importante ramo de occupação e utilidade publica , co- mo he de esperar da sua Magnanimidade e Sabedoria ? (/J) A totalidade dns despezas feitas nas pes<^uiz3$ , edifícios , ferramen- tas , maquinas , abertura e laboração da mina , montão ate o fim de Abril em 5:504^810 reis ; sendo a somma das despezas, cjue cessão para o futuro, 1:234^)170 reis. Nos três quartéis findos em Setembro e Dezembro do anno passado , e em Março deste anno entrarão na Casa da Moeda em ouro em pò , e amalgamado 63 marcos , 7 onç.is , 6 oitavas e 66 grãos , que depois de fundidos , e apurados na lei de 22 quilates e li grãos , ficarão reiiuzidos » 61 marcos ,4 oitavas e 60 grãos ; cujo valor intrínseco monta a 6:5 15(^)5:0 reis. ME- MEMORIAS DOS CORRESPONDENTES* '.ifaa oõ MEMORIA estatística ^cei-ca da notável Vtlla de Monte Mor o Novo. Por Joaquim José Varella. Le Monde est plein de Magistrats , et de gens employés , qui font leurs charges sans jantais s'en former un sistéme j qui vivent au jour la journée , et qui ayant agi toute leur vie sans scavoir comment , sotit encore regretdz aprés leur mort sans qiCon sache pour quoi. Bar. de Bielf. Inst. Polit. INTRODUCÇÃO. Ouo o homem que observar miudamente a importância d' huma Estatistica , trazendo á memoria os resultados de uti- lidade que delia tira a Republica , bem conhecerá quão relevantes sao os serviços cstatisticos. O Monjrcha , que co- nhece as forças dos seus Dominios , e os recursos que nelles tem , pode com certeza decidir os pontos políticos de maior interesse ; na discórdia e disputa com qualquer Nação po- derá sempre ter hum equilíbrio infallivel na sua balança j he então que o Politico trabalha com certeza no gabinete, e o General na campanha. Se tanto se deve á Estatistica , ^- que fado nos tem prohi- bido este conhecimento de primeira ponderação , esta tra- balhosa coUecção , que faz ver a grandeza ou decadência Nacional ? Se hum pequeno golpe de reflexão faz conhe- A 11 cer 4 Memokiasda Academia Real cer, que a cntcrtn idade não pódc ser curada sem o seu pré- vio conhecimento, e das suas causas, ^ ijuao importante se- rá este golpe levado em grande ao nosso objecto ? He a Estatistica , que tem o privilegio exclusivo de apre- sentar todas as faces de grandeza e abatimento de hunia Na- ção , suas causas, e resultados; logo só por esta via poderá o Legislador dar o conveniente remédio ao mal , que cm ponto claro e visível se lhe apresenta no grande mappa dos cCHitentos dos seus Dominios. Tal he a grandeza c impor- tância dos trabalhos estatisticos ; a sua cmprcza será sempre considerada, como huma daquellas, por que o Cidadão se faz digno do seu nome ; he por isso que me dediquei á' este serviço em beneficio da Pátria a quem devo a existên- cia , e cuja Estatistica trabalhada no anno de 1 8 14 eu ouso apresentar ao Publico nos doze artigos , em que dividi a. minha Memoria. Oxalá que os meus ténues trabalhos , sendo proveito- sos á Nação , possâo nesta parte ser imitados por aquelles ^ que constituidos em dignidade pelo Soberano , tem maio- res meios , e ainda maiores obrigações de formar a Estatisti- ca nos limites do seu governo : desta arte a Toga se torna- rá cada vez mais digna daquelle a quem serve de ornamen- to ; Portugal então será contado no numero dos felizes Es- tados , que de perto conhecem o seu gráo de elevação , ou de abatimento; o Monarcha e o Vassallo, o Politico e o Filosofo , cada hum no lugar que occupa , sem sahir do seu gabinete , poderá correr a extensão das terras , avaliar as suas riquezas e producções y e contemplar os seus habi- tantes. «air 01 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. A R T I Q O I. Da posição de Monte Mor o Novo , e suas principaes es- tradas e direcções. M< ^Onte Mor o Novo , huma das primeiras Villas do Alem- téjo , está situada no coração desta Provincia em lo gráos e 12 minutos de longitude, e 38 e 34 de latitude. Di.sta da Cidade de Évora sua Capital cinco legoas ao Noroeste, que vem a ser duas legoas e meia até Patalim , aonde se encontra huma má estalagem , e outro tanto até áquella Ci- dade ; dista quinze legoas pelo Occidente da Cidade de Elvas , que vem a ser três legoas a Arraiolos , o mesmo á Venda do Duque , outro tanto a Estremoz , e seis legoas áquelle destino ; fica em distancia pelo Oriente da Capital do Reino em igual espaço de quinze legoas do seguinte modo , duas legoas ás Silveiras , o mesmo ás Vendas No- vas , três legoas aos Pegões , cinco a Aldegalega , e três a Lisboa. Está fundada nos baixos d' hum eminente castello , ou arrabaldes da Villa velha {a) . Tem (/J) A V1II.1 velha está edificada em hum ponto elevadíssimo , formado de trCi altos montes, sitio agradável pelo çrandc golpe de vista, que se estende ao longe em distancia de muitas legoas , e bellissimo pela pure- za de frescos e saudáveis ares. Desta eminência de montes , em que se fundou a antiga c illustre povoação, lhe veio o nome de Monte j\!or, chamando-se-lhe Novo em contraposição ao Velho. Aquella Villa ainda ho- je existe cercada de fortes mutos com quatro portas , e sobre ellas qua- tro soberbas torres , algumis já arruinadas pelo tempo. Tem ainda no seu tecinto três Parochias , a Matriz , S. João , e S. Tiago. Tem o Con- vento da Saudação das Religiosas de S. Domingos , e o rologio em hu- ma magnifica torre pro.vima á porta principal. Tudo o mais está sepul- tado debaixo das ruinas , como a mais antiga e sagrada P.irochia de Nossa Senhora da Villa , o famoso Palácio , que foi dos Alcaides Mores , os Paços do Concelho , e outros muitos edifícios. Os moradores , deixando » Viila antiga, foráo povoando os arrabaldes , cstendendo-sc princip:ílmen- tc pela parte do Norte , roubando a meia ladeira c grande margem dos montes daquelia Villa. 6 Memorias da Academia Real Tem o seu Termo seis legoas de Norte a Sul , e sete de Nascente a Poente («). Monte Mor o Novo pela sua posição he frequentado dos viajantes ; as suas estradas verdadeiramente militares tem o seu principio na povoação , assim para a Capital do Rei- no , como para a Cidade de Elvas ; são mui largas , por cilas se dirigem em cavallos de posta os Correios , que se envião áqucUas Cidades , e chegão a estaVilla nas terças feiras , quintas , e Domingos de todas as semanas. Tem Monte Mor o Novo trcs pontos telegráficos ; na direcção de Lisboa, no sitio das Vendas Novas, qua- tro legoas de distancia daquclla Villa, acha-se hum ponto, que communica para o Oriente no espaço de três legoas a outro situado na Parochia de Nossa Senhora de Safira , e dahi se dirige no espaço de huma legoa ao ponto próximo á Ermida de Nossa Senhora da Visitação , que está para a parte do Norte em pequena distancia de Monte Mor o No- vo , e continua o golpe de vista em trcs legoas de distan- cia até a Villa de Arraiolos. Artigo II. Da antiguidade , nobreza , e dignidade de Monte Mor o Novo (b). XXLguns observadores das antiguidades tem pertendido que Monte Mor o Novo já no tempo dos Romanos fosse con- (_a) O Termo de Monte Mor o Novo comprehendia outr'ora mais algum terreno , pertencia-lhe a Villa de Lavre em distancia de trcs legoas ao Nordeste. O Srir. Rei D. Dinis fez a desmembraçáo da dita Villa , mandando a Monte Mor o Novo Rui Soares , Deão das Sés de Braga, e Évora , pedir á Gamara Termo para povojr a Villa de Lavre. Entre os papeis avulsos da mesma Camará acha-se o traslado da escriptura de con- sentimento , que o Concelho de Monte Mor o Novo dco para a desmem- braçáo da Villa de Lavre. (/>) He tão respeitável o nome antiguidade, que ninguém ha no mun- do, que não pertenda remontar-se a huma origem desconhecida. Todas as scicncias , todas as artes tem cogitado hum começo mui remoto , e DAS SciENCIAS DE LiSBOA. J considerável e insigne , deduzindo as suas observações dos mais bellos monumentos, que se tem encontrado nestes sí- tios. Entre estas peças a mais importante he a celebre pe- dra , que se acha embutida na parede exterior do adro da Igreja Matriz , intitulada Nossa Senhora do Bispo. Eu con- sidero esta Lapide tão antiga como huma peça de todo o valor; por isso a offereço em copia aos meus leitores (a). A legenda , que ao homem observador apresenta a fren- te ou testa do Sepulcro Romano , mostra muito bem , que de- todas ellas percendem esconder-se nas primeiras eras do mundo : o homem hc o ente , ijue m.iis ambiciona este género de j;randeza , envolvido muitas vezes em genealogias , qne nutrem mais de metade da sua al- ma , vai ancioso á velha idade indagar o nascimento dos seus Avoengos, desprezando as vezes huma mais moderna , que lhe dá o lustre e feli- cidade ; tem chegado neste ponto a vaidade do homem a tal excesso , que clle tem pertcnJido encontrar a sua origem , humas vezes nos Deoscs , e ouiris além de Adam. Esta máxima , que a cada passo se encontra no mais perfeito habitador da terra , estendese também ao lugar do seu nas- cimento : o homem não se gloria só com a antiguidade dos seus ascen- dentes , quer tamhem que a origem do seu paiz vá encontrar-se com as primeiras e mais celebres habitações do mundo. Deste pequeno esboço se conhece quio venerável e respeitável he a antiguidade , por isso eu apresento aos meus leitotes este ponto histórico da minha Pátria. ( /j ) Esta peJra he de branco jaspe, tem oito palmos e meio de comprimento até ao lado quebrado , e dois de altura ; este monumento tio famoso escapou a indagação e vigilância do Mestre Resende , e não tenho noticia de escriptor algum antigo, que delle fizesse menção; t.il- vez escapasse aos Antigos por não estar patente , podendo ser encober- to pelas ruinas de aigum edifício da Villa velha , ate á factura do adro que he moderno , senJo evidente a qualquer homem , que a pedra foi pos- ta na parede do adro da Igreja Matriz , bem como outra de nenhurr» valor ; o que he visivel , observando-se que do lado esquerdo se acha quebrada pela ignorante mão do alveneo : se nos deixou a legenda , foi isso devido ao melhor geito que a pedra faz , posta por este modo na parede. Por via de certas escavações feitas com o tempo , houve quem observasse no fundo da pedra quatro buracos circulares, que seriáo pa- ra sustentar, as columnas do sepulcro ; hoje, como a p.írede está concer- tada , só se observão dois. Seria para desejar que hum monumento tão celebre , que nos con- serva hum facto de antiguidade tão respeitável , fosse tirado das ruinas do tempo , que já lhe tem feito estriges consideráveis ; e que exacta- mente se observassem as luminosas providencias do Alvará com força de Lei de 4 de Fevereiro de itíoz , e de 15 de Maio do mesmo anno. S Memorias da Academia Real debaixo dellc cstivcrâo as cinzas de huma Flaminea, Sacer- dotiza Romana da remota antiguidade (a). Alem desta peça , encontrou-se também outra , que igualmente offcreço aos amantes de Antiguidades (b) Sendo occupada a Villa pelos Mouros , o primeiro Mo- narcha dos Portuguezes a conquistou : destruida depois , e desamparada , a mandou de novo povoar seu filho o Snr. D» Sancho I. , dando-lhc Foral pelos annos 1239 da era de Ce-» sar , 1201 do Nascimento de N, S. Jesu Christo , libera- lizando-lhe isenções c Privilcg^ios iguaes aos da Corte c an* tinquissima Cidade de Évora: eis-aqui as palavras do Foral , que sâo dignas daquclle grande Rei , a quem com toda a justiça derão o egrégio titulo de Povoador : In nonúne Pa-* tris , et Ftlii , et Spiritus Sancti Ameíi. Ego Rex Sanctius Ma-. (mo á Villa por huns trabalhadores , que encontrat\do alguns vasos em que est.iváa depositadas as cinzas , quebrarão imniediatamente estes preciosos monu- mentos ; a pedra acha-5e actualmente entre as famosas antiguidades do Illustrc Cenáculo, aonde a vi com o meu amigo Josc António de Leão, Corregedor da Comarca de Évora ; eu devo a sua legenda a este tãa famoso Jurisconsulto c Politico , como sabedor de Antiguidades. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. p giti , Alfonsi Regis Filius una cu ftliis méis Rege Alfonso , Re- ge Pctro , et Rege Fernando , et Regina Blanca , et Regina Dulcissa ad honorcm Dei , et Sancta Marine semper Ftrginis et omniítni Sanctormn Montem-M ajorem volumus populare. Foi Pclagio Peres o primeiro Alcaide Mor desta Villa ; c o Sfír. D. João , filho do Sfír. D. Fernando , Duque de Bragança , o seu primeiro Marquez (a). Os Condes de San- ta Cruz tbrão Alcaides Mores por mercê do Snr. D.João II. , feita ao seu Capitão de Ginetes , Fernão Martins Mascare- nhas, na Cidade do Porto a 8 do mez de Dezembro de 1483 annos. O Snr. D. Manoel a unio para sempre á Coroa em Santarém a 4 do mez de Janeiro de 1498 {b) . Celebrarão Cortes nesta Villa os Senhores Reis D. Affonso V. , D. João II. , e D. Manoel no anno de 1497, em que se determinou a expedição da índia : este grande Monarcha lhe dêo novo Foral em Lisboa no dia 15' de Agos- to de 1503. O Snr. D.Sebastião a fez Notável , nas Cortes de Lisboa em ij de Fevereiro de 1563 , de que lhe pas- sou Carta a 20 de Março do mesmo anno. Tem voto em Cortes , e assento no quarto banco. ArtigoIII. Dos illustres Escriptores de Monte Mor o Novo (c) . D Affonso Furtado de Mendoça , Reitor da Universida- de , Bispo da Cidade da Guarda , de Coimbra , Braga e 7om. V. B Lis- () Seria cousa bem util ver igora est.is Memorias para se combinar 11 decadência ou o augmento de Monte Mor i não pud': alcançar noticia alguma acerca deste manuscripto. fíAS SciEiTCiAs DE Lisboa. ii Tract. de auxiliis etc. Ulisip. 1604, Lugd. 16 14. Pro defeusi Imitucul. Concept. Epist. Hispal. 1616. Ojjicium S. Anton. Uli- sipon. Ulisip. 1623. Trnctado sobre vários weios para o remédio do Jiíílaismo, lózf , e varias obras ms. Falleceo cm 1628. Padre Francisco Barreto , Jesuita , Missionário do Ma- labar, donde veio por Procurador a Roma, e ahi publicou cm Italiano Relatione delia Provifxia di Malabar ^ Rom. 1645' , e sahio em Francez , Paris 1646. Foi eleito Bispo de Co- chim , c Arcebispo de Cranganor. Padre Jeronymo Rodrigues , Jesuíta^ Missionário na ín- dia , escreveo quatro Cartas sobre a Missão até 1570 , que sahí- rão nas collec. latinas. Doutrina Christã na língua Malaia (ji). Padre Ignacio de Carvalho , jeSuita , escreveo Compen- âium Lógica Coiiimbricens. Eborae , 4.^ Falleceo em 1682. Padre Ignacio Mascarenhas, Jesuíta, escreveo Relação d) Este he 6 homem fain-iso , com que Monte Mvir o Novo se {>loria j o Sr^nde pai dos pobres, fundador da hospitalidade, fiasceo n.t rua Verde de<:ca Villa, aonde está hoje ediHcada a sua casa, em que ha- bitãp os Religiosos, que elle instituio. O virtuoso Andrc Cidade foi o seu progenitor, ignora-se o nome de sua mái ; seu prodigioso nascimen- to hc inculcado por Moreti no Dkc. Hiit. pai. Monte Mor o Novo, no dia 8 de M.irço de 1405 ; segundo a Chronica da sua n.eIigiáo aconte-* eco no dia 25. Passando á Hespanha o varão ditoso, la morreo no dia 8 de Mirço de 1550. Os nossos Monarchas nas suas viagens por esta Villa tem o religioso costume de enrr.ir na Ermida do Santo , c beijar a sua teliquia. Sua Magestade ora Rein.-.nie, e sua Augusta Familla tam- bém ia praticarão este acto de grande devoção. j% Memorias da Academia Real Sermão na Ctwonização de S. Luiz Gonzaga.^ Lisboa 1721» Tract. de potest. et jiirisd. conservatorum. Falleceo em 1745'. Luiz Martins de Sousa Chichorro escreveo Psalmot de David cm verso heróico Porttig. e Latim. ms. Padre Manoel Banha Qi^iaresma escreveo Thesaur. resO' lut. ad leges mwticip. ordinal ion. Portug. Roms 1724 até 1727 , 4 tom. tol. Falleceo cm 1726. Fr. Alanoel Caldeira , Provincial dos Gracianos , escre- veo Catalogo dos varões Hl us três da Ordem , ms. Duas Postil- las de Theologia , que estavao no Convento de Lisboa. Fal- leceo em 16Ó2. Fr. Manoel Coelho, da Ordem de S. Domingos , De- putado d 1 Conjcih 1 G^ral, escreveo Sermão nas Exéquias de ElRei Filippe L , Lisb. 1600, 4.°; Loci dijpci/es S, Script. , ms. foi.; De Potest. Papa:, ms. foi. Falleceo em 1622. Padre Paulo Mendes , Jesuita , escreveo Setas do Amor Divino f Évora 1678, 8.° Falleceo cm 1687. Artigo IV. Da população de Monte Mor o Novo ^ por espécies de in' dividitos. Èl. XOmens cazados -.-------- 1715 Mulheres cazadas ---------- 1711 Viúvos ------------- 207 Viuvas ------------- 178 . , ,.,,(■ homens 937 { ate 30 annos de idade -< ,, „ o , • 1 ^ l mulheres 8Ç7 boltenos < 1 ^ ^ ) , . f homens 464 t de 50 annos para cima < ,, ^ ^ ^ l mulheres 222 Total geral 6291 {a) Por (íj) Inc,ins;ivclmente trabalhei pata averiguar a população de Monto Mor o Novo, consultei por isso os Farochos , e esperei mais de seis mezes pelas respostas de alguns j í\z todo o género de combinação dos. áI3S 05 • DAsSctENCrAS DE LiSEOA. IJ Por idades. Aré IO annos de idade --------- iipi De IO aré 20------------ 1298 De 20 até 30 ------.->-- nój- De 30 até 40 --_--_-_--- 1194 De 40 até j o ------__--- 810 De 5-0 até 60 ----------- - 35-1 De 60 até 80 ----------- - 369 De 80 até 100 -..--»----- ij Cazamcntos no anno de 1814- - - - - - - 91 Fogos no mesmo anno ---------2031 A população de Monte Mor o Novo aeha-se em hum gráo muito abaixo daqiicllc , a que poderia ser elevada. Huma das causas , que mais consideravelmente con- corre para diminuir a população de Monte Mor o Novo , he a desigualdade , que se enconrra entre os proprietários e não proprietários. Huma grande parte dos prédios de Mon- te Mor o Novo , mui principalmente as herdades que são os mais importantes, pertencem a ricos Morgados, que vi- vem na Corte , ou nesta Villa ^ os quaes , não cultivando hum só palmo do terra,- utilisão tudo quanto a mesma pro- duz, ; daqui vem que esses grandes proprietários cobrem de miscria huma immensidade de homens, que pela sua situa- ção deixâo o estado conjugal. Cresce este mal com a pratica análoga , que se encontra ni'S , _ 1 livros H.is Compaiiliias das Ordenanças com as' r.>l3çóes Parochlaes ; pare- ce-me por isso i]tie o resultado dos meus trabalhos he o mais apurado í certo. Não trato neste artigo da população por classes , porque fazen- do menção nos lufares competentes dos números respectivos a cada huma dellaí , julguei cjue não devia repetir o que o leitor ahi pôde ver : ad- virto também, que nessa toTal população são comprehcndidos iío mendi- gos do sexo masculino, e lOi do sexo feminino, igualmente fi expos- tos do sexo masculino , e 1 1 do sexo feminino. Lembro ao meu leitor que as quatro niulíieres canadas, que falcão para completar o numero dos homens cazaJos , estão fora do Termo de Monte Mor. 14 Memorias da Academia Real nos cultivadores ; hum só homem occupa grandes planícies j vastas c extensas herdades , e cogita todos os dias para expul- sar de hum pequeno terreno o seu visinho , que bem o cultiva. Huma multidão de mendigos , que cm fervedouro cor- re a Villa e o Termo , não cogitando em outra cousa mais do que na abundância da fatia , faz também diminuir sen- sivelmente a população de Monte Mor o Novo. A mortandade de engeitados , como se verá no Map- pa , que unirei a esta Memoria , he mais hum fatal golpe na pcpulação. Aldm destas causas ha aqui huma mui sensivcl , que faz a perda da população por aquelle mesmo lado por on- de cila SC promove c augmenta. A falta de educação da mocidade da minha Pátria , de que faltarei no lugar competente , he a origem deste gran- de mal. O homem , que deve tudo á educação , como ben» advcrtio hum Philosopho da Antiguidade, sendo guiado sim- plesmente pelos dictames da natureza, propende sempre pa- ra o estado brutal, e não tem aquelle gráo de capricho so- cial , tão necessário no meio das acçóeá do mundo civiliza- do ; daqui vem que alguns mancebas levados ao estado Cí)n- jugal , sem vergonha nem pejo despre/ão suas mulheres , até jia proximidade dos dias das bodas ^ e desta sorte hum meio tão santo de promover a população , tornando-se em objecto de calamidade e desordem , faz diminuilk por aquelle mes- lao lado , por onde ella cresce e augmenta. Evitar estes ohstaculos será cousa bem proveitosa pa- ra a população de Monte Mor o Novo , esta empreza não he tão árdua, que não possa vencer-se : gozem muito em* bora os grandes proprietários dos prédios , que a fortuna lhes concedeo , porém para benefício da povonção repartão huma parte do seu dominio com aqucllcs que cuttivão : sc- jao muito embora os grandes proprietários scnhoics directos, rcnhão porem os cultivadores o donimio útil ; desta sorte o espaçoso ttircno , que serve só para manter o lustre de hum DAS SctENClAS OE LiSBOA. I^ hum homem , se tornará útil a muitos , e o vasto campo , em que se encontra huma só casa , e ás vezes nenhuma , te- rá muitos ca/.aes , que farão rápidos progressos na população. Igual remédio deve ser applicado aos lavradores ; seja vedada a estes a extensão de terrenos que não cultivão; ha- ja huma igualdade proporcionada com as forças na cultura das terras ; muitos edifícios niraes , que a avareza dos lavra- dores negociantes , e monopolistas tem privado do seu habi- tador , para os entregar aos ratos e ao tempo estragador , se- jão restituídos a hum casal , que cultiva o seu pedaço de terra. .... Laudato ingentia rura '. Exiguum colito. He expressão de Virgílio; Georg. II. Eis-aqui hum verdadeiro meio , que fará prosperar a população de Monte Mor o Novo. Para extinguir os mendigos nada mais he necessário do que renovar as saudáveis providencias , que nos forão dei- xadas pelo fífír. Rei D. Sebastião. Para crear os Engeitados , que tanta contemplação de- vem merecer, apontarei os remédios conducentes no lugar, em que hei de fallar desta matéria ; a educação da mocida- de vai ser desenvolvida no artigo seguinte. Artigo V. Da historia fysica e moral dos habitantes de Monte Mor o Novo. Estado fysica. O Homem de Monte Mor o Novo considerado na sua al- tura , configuração , ou estructura , em nada diíferc d' hum ou- tro homem Portuguez de qualquer Provinda ; porque nclic se encontra a variação d' altura e forças segundo a sua condição. A sua duração pequena diflFerença fará do resto dos outros homens, sendo certo que aqui se encontrão muitos avan- i6 MemoriasdaAcademiaReal avançados em idade , havendo entre estes de setenta c oi- tenta annos '. alguns sobrevivem a esta idade. As moléstias , que mais grassâo nesta terra , são febres intcimittentcs ; quasi todos os annos pelo estio chegão a atacar trcs quartas partes da população : parece ser esta mo- léstia a única , que tem o caracter de endémica. ^ Será ella devida a hum cano geral, que atravessando a Villa, decor- rendo para cUe todo o género de immundicia , c nao sen- do de boa corrente, pelo calor do estio, desenvolva mias- mas pútridos , que atacando o systema nervoso , o predis- ponháo para similhantes febres? ,; Ou acnso poder-se-ha attri- buir esta predisposição a miasmas desenvolvidos dospaúes, charcos , e agoas estagnadas , vistoque esta Villa he cingi- da de huma ribeira, a qual, aindaque quasi sempre corren- te , não deixa de dar occasiao a fermentações pútridas ? Sen- do por estas ou outras causas predispostos os indivíduos desta povoação , poderá considerar-se como causa occasio- nal para a desenvoluçao das mesmas febres a grande abun- doncia de fructas , de que goza esta povoação , das quacs se abusa frequentemente , comcndo-as prematuras e mal sa- zonadas ? Piírece ser esta huma delias , por isso que todas aquellas intermittentes são complicadas de vicio gástrico, cuja complicação sendo tirada, e corroborado depois o sys- tema nervoso, he quasi certa a cura; aindaque outras cau- sas occasionaes podem descobrir-se , como excessos de ca- lor encontrados com o uso de bebidas frias ou lugares frios. Algumas moléstias se desenvolvem neste povo proce- didas da norma de vida : os deboches , o excesso das bebi- das produzem em não poucos individuos hum cstadb de as- thenia , que os leva ao estado caquctico , e sugeita huma boa parte destes á hydropesia ascistis, de cuja moléstia tra- tados methodicamente sempre o resultado lie paliativo ; e decorrendo o tempo , por mais apropriado tratamento de que gozem , lhes provém a morte : similhantcmente se pro paga entre individuos dedicados a excessos venéreos a mo- léstia syphilitica , a qual por falta de policia e de moral , os ' DAS SciEKCrAS DE LiSBOA. I7 OS mancebos que a adquirem , sendo pela sua idade libidi- nosos , facilmente propagao sem horror j recebido assim es- te mal por pessoas desgraçadas , mercenárias , e que des- te trato vivem , por huma necessidade de subsistência o pro- longao , c os primeiros authores, que apenas cuidão no tra- tamento da moléstia quando são incommodados , logoque as sensações incommodas se modcrâo , continuão a semear o mal sem o evitar em si , donde resulta que huns por desordenados , e outros por necessidade fa/em o estabele- cimento chronico desta moléstia. Neste mesmo povo infelizmente grassa outra molés- tia chamada leucorlhca , em tal excesso , que delia se pode- rão considerar atacadas duzentas mulheres ; da historia desta moléstia não pôde conseguir-se facilmente hum conheci- mento de causa , por isso que ella ataca mulheres de todos os estados , e talvez se confunda muitas vezes esta fluxão com a moléstia , de que acima fallei em hum estado chro- nico , mas que o pudor ou reparação de credito farão in- culcar como porvenicntes de outra causa • entre tanto he digno de advertir-se , que esta moléstia ataca as pessoas mais morigeradas , e muitas vezes se tem querido attribuir á mul- tiplicidade de partos e desordens feitas depois destes , e outras vezes se tem attribuido ao demasiado uso do chá em pessoas de pouco alimento : a observação mais notável he encontrarem-se meninas , de sete até dez annos de idade , ata- cadas deste mesmo mal. As applicaçóes de medicamentos excogitados de todas as maneiras , já da classe dos nutrientes e mucilaginosos , já da classe dos tónicos c adstringentes , ferro , agoas fér- reas , banhos frios , mui pequeno resultado tem dado na cura desta moléstia j aindaque se modere por algum tem- po , raríssimas vezes se obtém a sua extincção. Seria para desejar, que os homens litteratos e mais aba- lisados na sciencia Medica inclinassem para aqui huma boa parte dos seus cuidados, a fim de illuminar a grande igno- rância , que a este respeito ha , do que resultaria para el- Tom. V. c les i8 Memorias da Academia Real les extraordinária gloria , e hum grande beneficio para a humanidade {a) . Estado moral. Com bastante magoa sou obrigado a descrever agora o estado moral do homem da minha Pátria ; eu sinto mui- to dizer certos verdades, porém insta o dever de cscriptor; as minhas reflexões serão agradecidas, quando, patenteadas á fjce do publico, obtiverem os remédios convenientes ás cntcrmidades ; eu exporei os Estabelecimentos e melhora- mentos , e se algum dia recahirem sobre a Pátria as mi- nhas lembranças , então me lisonjearei de lhe ter feito hum serviço tão importante. O principal quadro , que se me offerece , he a educa- ção dos mancebos, ea cultura das Sciencias ; estes ramos tão importantes estão em inteiro menoscabo em huma Villa no- tável e de consideração politica. Se Innço hum golpe de vista ao passado , e o levo até ao presente , observo então huma notável mudança ; os ve- lhos de Monte Mor o Novo cuidarão mais em cultivar o espirito dos seus descendentes , do que os modernos. Teve esta Villa em cutro tempo Aula publica de pri- meiras letras, tevc-as particulares , hum grande numero de me- ninos frequentavão estas Aulas, daqui sahião para o publi- co Gymnasio da lingua Latina; e habilitados assim, passa- rão i Cidade de Évora , e á Universidade de Coimbra , aonde aprendião as sciencias Ecclcsiasticas, Civis, c da Na- tu- (<^) Estas idóis devo eu a hum bom amigo professo na sciencia Me- dica , cujas luzes tem sido vantajosas a este povo. Por esta occasiáo de- vo notar , que os habitantes de Monrc Mor são .itacados do contaf;io daj bexigas , ijue muiio tem grassado nestes dias , cm que esrou escreven- do , e que podendo evitar-se pelo melo da Vaccina táo recommendada por rodas as Nações , arcgora não se tem d.ido hum só passo a esie respeito. Nãn se vio ainda neste povo vaccin.ir hum só individuo ; esta grande descobrinicnio i em vtz de defensores , tem aqui inimigos : seria jvua desejar, ijue se reprimisse de algum nioJo huma indocilidade , que ob- servo aqui contra a Vaccina , e que se fizesse excrcitAr este único pre- servativo d.íS bexigas. f UAS SciENCIAS DE L I S B O A. 19 turcza. Teve Monte Mor o Novo muitos Doutores , que , honrando a sua Pátria , derão lustre ás Scicncias , e esten- derão o seu vasto campo (a) . Bem differcnte c mui calamitosa he a situação moral dos actuacs habitantes ; não ha huma Aula publica de pri- meira educação , os Mestres particulares , sem aptidão e ap- provação, contao mui poucos educandos ; o Professor de lin- goa Latina cm muitas estações não tem hum só ouvinte ; he para lamentar , que huma povoação notável , que conta no meio de huni Reino bem civilizado 6291 habitantes, oito Morgados opulentos {b) , e muitos proprietários e ho- mens ricos, não tenha actualmente hun^só oriundo, que frequente algum Gollegio , ou Universidade. Não tem Mon- c ii te (<'<) Alem dos homens illustres , de que fiz mençáo no Artigo III. desta Memotl.i , e de muiros outros , de que a sepultura não encobre o' nome , aind.i hoje existem egrei^ios e dignos varões da minha Pátria : hum João Ignacio da Fonseca Manso , Doutor cm Ciiiones , Deão da Sé de Leiria ; hum Gervásio Hyppolito de Vasconcellos Salema , Licenciado da mesma Faculdade , Inquisidor do Santo Officio da Cidade de Évora , e Thcsoureiro Mor da Sc da mesma Cidade * tem a esfera da probidade e da sciencia , que caracterisa os grandes génios ; hum Fr. Hetmogenes António da Conceição Ribeiro, Doutor na Sagrada Theologia , Freire da Otdem de S. Tiai;o de Palmella ; hum Fr. José Valentim Laboreiro, da Ordem de S. Jcronymo, Licenciado na mesma faculdade; Iium ]osé Xavier da Costa, Bacharel formado em Cânones, Freire da Ordem de S. Tiago de Palmella , Parocho de S. Romão do Sado , são Varões de todo o porte e sciencia , que tem honrado os seus Empregos ; os Ba- charéis formados em Leis Francisco Joaquim de Torres , famoso Advo- g.ido ói Casa da Supplicaçáo; ]osé Ferreira Cidade, que se tem empre- gado na Magistratura , honráo o Foto e a vara da justiça ; assimcomo o Licenciado da mesma FacuMade , António Manoel Laboreiro ; o Ba- charel formado João José Claudino Metejana , opnmo Advogado do Au- ditório de Monte Mor ; o Bacharel formado em Cânones , A:itonio Ma- ria de Castro , hum moço da maior probidade e sciencia , e o melhor Advogado na Cidade de Évora ; e o Bacharel formado em Leis , Ignacio Pedro Guião, muito sábio e recto Juiz de fora da Viila de Pcrtcl. (/>) Estes oito Morgados , residentes nesta Villa , icm avultadas ren- das, exceptuando hum, que apenas recebe annualmente KCOCj^oco, ou i:2COi^ooo réii , os rendimentos dos mais chegão a 6, 8, 10, 12, até i<; mil cruzados. * Aindique nasceo em Viinna do Aldntélo , foi todavia naturalizado dcid: 4 mocid.ide em Monte Mor , noiule s;uj ill',i«t'ej Psis viverão. 20 Memorias da Academia Real te Mor nestes dias hum só individuo dedicado ás Scicncias Ecclcsiasticas , Civis , e Naturaes. Entregue ao vicio e á preguiça observo eu a maior parte da mocidade da minha Fatna , calamidade , que he de- vida ao criminoso abandono dos chefes de familia ; daqui nascem os máos costumes , os péssimos usos , os frequen- tes jogos, os lupanares, e as intrigas, que sSo as insignias infalliveis do homem ocioso , e sem educação. He este o mais breve esboço , que sou obrigado a fa- zer como escriptor no meio do publico ; por elle poderá o meu leitor ajuizar, da situação moral dos habitantes de Mon- te Mor o Novo. ■' Neste lamentável estado do homem da minha Pátria he para desejar o remédio que impeça tanta ruina. O es- tabelecimento das Aulas publicas da prmieira educação, que recaia em pessoas dignas e hábeis , que a Villa não tem , será huin dos passos que concorrerá primeiramente para o melhoramento. Fará este o seu progresso quando a Comar- ca formar os Lyceos , e os Seminários de esclarecidos Pro- fessores , que ensinem as lingoas , artes, e sciencias j en- tão , fazendo-se desterrar dos mancebos o ócio e o vicio , se ligaráô os Pais á sua educação. Não veja então o pai seu fiiho no altar, celebrando o Sacrifício, semque tenha alcançado os grcindes conhecimentos Ecclesiasticos , que de- mandão tão alto e considerável emprego. Não possa então chegar o filho a certa idade , semque seu pai lhe tenha buscado o destino pelas sciencias , pelas artes liberacs ou mechanicas , pela agricultura, pelo serviço militar, ou ou- tra qualquer occupação : deste modo será destruido o mal , que a minha Pátria padece , e de que huma grande parte do Reino não está isenta. A nomeação do Ex.""" Siir. D. Fi. Joaquim de Santa Clara para Metropolita da Sé de Évora , he hum dos me- lhores presagios , que pode ter o lugar do meu nascimen- to. Este venerando interprete dos Oráculos sagrados não carece dos meus elogios ; e o seu nome , huma vez profe- ri- DAS SciENCiAS DE Lisboa. ai rido , he bastante para fazer a apologia da sciencia e da virtude. Évora verá ainda dentro dos seus muros crigirem-se os Gymnasios ; e cntáo , desterrada a ignorância por todo o Arcebispado , o vicio e o ócio tomarão outra direcção. Hiima livraria vasta , monumento eterno do grande Cená- culo , rival das mais celebres que o Reino possue , deixa- rá de ser cousa inútil ; e augmentada pelo novo e respeitá- vel Prelado, levada a hum gráo de perfeito arranjo, fran- queada ao Publico , enriquecerá o espirito humano ; o edu- cando e mais o sábio Eborense terá então hum edifício pa- ra elle feito , em que a sua alma se poderá saciar. JlLi A T R I G o VI. Dos diversos impostos e tributos. íNtre os tributos de Monte Mor o Novo conta-se co- mo hum dos mais antigos o chamado Cizas ou Património Régio ; sahe das compras e vendas dos bens de raiz , cor- rentes, e caza do peixe {a). He regulado a lo por cento para os indivíduos não encabeçados , e na ametade daquel- la quantia para os encabeçados. Como o producto das com- pras e vendas nao dá huma somma necessária para fazer a totalidade do imposto , por isso he fintado o povo da Villa e Termo , rendeiros &c. , em cuja finta recahe huma par- te sobre a Villa, e duas sobre as Parochias ruraes {b). No anno de 1814 foi a totalidade do cabeção geral 3'39S(í)756 reis, de que tem Sua Magestade o seguinte, ( que se arrecada pelo Cofre da Comarca ) ; pelo singelo i'37i<í>77^ reis, pelo dobrado outra igual quantia, pe- la propina de cera 1-^^600 reis, pelo novo addicionamen- to (íil O producto da Ciza das correntes e casa do peixe he arrendado pela Camará no principio de cada hiim anno. ( ^ ) O cabeção íjeral d.» Villa de Lavre pa^a desde tempos mui re- motos 7,^000 reis para o lançamento di finta de Monte Mor ; este re- conhecimento talvez SC possa deduzir da circunstancia apontada na no- ta (rt) pag. 6, 2Z Memorias da Academia Real to 8o(í)ooo reis, que produzem a total somma de 2:2s7^i$6 reis (a) . Ha tainbcm aqui dois impostos chamados Real d'agoa , e Subsidio Interario ; aquclle sahe das carnes talhadas nos açougues, e do vinho cozido, que se vende aquartilhado ; paga-sc hum real por cada hum arrátel de carne , e o mes- mo por cada Iiuma canada de vinho cozido , este sahe dos vinhos manifestados em mosto (Z»), das agoas ardentes, e vinagres, c paga-se por cada hum almudc de mosto i 2 rs. j do vinho verde , chamado vulgarmente de enforcado , 5 rs. ; d' agoa ardente 48 rs. ; e de vinagre 6 rs. Os mais consideráveis tributos desta povoação são as decimas ordinárias e extraordinárias de todos os prédios ur- banos e rústicos , das sommas de dinheiro a juro , das agen- cias ou maneios , é novos impostos , as decimas ordinárias de Confrarias e Irmandades , e mais do excesso que vai destas decimas á terça parte dos seus rendimentos ; quinto dos bens da Coroa ; decima ordinária da Casa da Misericór- dia, dos bens da Coroa, abatido o quinto, e decima ex- traordinária do commercio , lojas e casas publicas. Estes diversos tributos derão no anno em que escrevo a Memoria ()'.';A.2^6^y reis {c). Os Ecciesiasticos pagão também a decima respectiva ás suas côngruas , que no mesmo anno deo a somma de 247(^)175' rs. , e o terço dos seus Benefícios, que foi arre- matado por 668<3Ç)ooo reis. Os bens do Concelho pagão a terça parte dos seus rcn- (^) Este pag.imenfo he fixo, e só altera para mais ou menos a pro- pina da cera , segundo o preço por que se vende cnda huma arroba na feira do S. João da Cidade de Évora. O excesso que vai da tot.ilidadc da finta ao que recebe Sua Magcsiade , serve p.ira salário do Juiz, Es- crivão do Lançamento 5 Escrivão das Cizas , Pintores, Recebedor, Al- caide , concerto de estradas , e ordenados dos Médicos. ( /> ) O Lavrador he obrigado a manifestar a producçáo da sua colKei- ti em mosto , em cada huma somma de 100 almudes faz-se o abate de ao para quebras. (f) Esta totaliríade entra no Erário Rcgio pelo Cofre da Comarca, tem algumas qucijris , r.ne Jlie fazem pequena diminuição , assimcomo as quantidades, que sahem para cobradores, remessas, &c. L DAS SciENCiAS DE Lisboa. 23 rendimentos , que no anno acima referido deo a somma de 5-09(^168 rs. ; pagão mais aos Médicos da Universida- de de Coimbra 5-8(^310 rs. • e ao Secretario do Desembar- go do Paço 3 2 (í) 100 féis. O pagamento da Terça durou até ao anno de 1806 ; deste tempo em diante se accrescentou outra igual Terça , ap- plicada por Ordem Regia para estradas, calçadas, e pon- tes , de cuja applicaçao foi ultimamente tirada para as dcs- pczas do Estado (a). Ha aqui também hum tributo particular applicado pa- ra o reparo das calçadas desta Villa ; sahc de todas as gal- leras , calcças, carros, c carretas, que são de fora do Ter- mo , e transitãõ por estes sítios ; este tributo he arrenda- do pela Camará no principio de cada hum anno , e o ar- rematante rcm o direito de receber por :ada huma gallera 80 rs. , calcça 40 rs. , carro ou carreta 40 reis. O novíssimo tributo applicado para as despezas do Es- tado he a imposição do SjIIo dos papeis públicos , dos quaes se satisfaz a quantidade taixada pela Lei ; tendo nesta Villa simplesmente o uso de 10 rs. até 40 rs. por cada meia folha de pajíel. Artigo VIL H, Dos estabelecimentos de Monte Mor o Novo. Ecclesiastkos Seculares ^ e Regulares. .Um Vigário da Vara , Juiz dos Rcsiduos , he a Autho- ridade Ecclesia>tica de jMonte Mor o Noví) {b). Tem hum Promotor , Escrivão , e Meirinho ; a sua jurisdicçao cstcnde-se até á Villa de Lavre. Nos C .' ) Da terça parte dos rendimentos do Concelho, única ,atIsfeitos os ordenados do Ministro , Escrivão da Ca- mará , Continuo, Alcaide, Escrivão d.is armas, Carcereiro*, e Relojoei- ro, afém das decimas; para o i^ue não chegando esta terça parte, tem por isso o Concelho hum avultado empenho. ( /' ") Exerce actualmente este emprego o Reverendo Daniel Agosti- nho Perdigão , Clérigo respeitável. 44 Memorias da Academia Real Nos limites da Jurisdicçao Ecclesiastica estão eonsti- tuidjs 4 Parochias da Villa , e 12 ruraes. A primeira e mais antiga he a Parochia chamada de Nossa Senhora da Villa (a): seguefn-se a Igreja chamada Nossa Senhora do Bispo, que he a Matriz {l/)-^ S. João Baptista (r), e S. Tiago do Castello (d). As (rt) Ests Igrcia Paroclii.U foi fundada em 1231; por Domingos Pcla- gio , descendcnie do novo povoador Pclagio. Ciianiou-se Nossa Senhora da Villa , por ser a tutelar e titular da primeira Igreja , tjue se fundou depois de conquistada a Villa pelos Christáos. Também se lhe dco o ti- tulo de Nossa Senhora dos Milagres pela sua Imagem , ou dos Açou- gues , porque estavâo próximos a esta Igreja. He sagrada , c tem Comenda intuul aaa de Santa Maria dos Açougues , de que he Comendador Ge- rardo Wenceslio Braamcamp. Hum Reitor collado , seis beneficiados , e hum Sacristão compõem a sua CoUegiada : tem actualmente hum só Be- neficiado, e servem pelos mais cinco Economos. Esta Parochia, como já disse cm outro lugar, estava fundada dentro dos muros da antiga povoa- ção: na sua origem foi Matriz, e única; lioje só ss vèm as ruinas , rias qriaes ainda se conserva o monumento da sua fundação, que o meu bom amigo José António de Leão pouJc ler a todo o custo , da seguinte rtja- neir.i : j4d bonorem Seu Mari,c Perpetiix Fir^inis Genitricis Dni. Nri, Ihu. Cbri. fttndavit Ecdesia inistam Dnícus Pcla^ii ejiis pral/itus , qui procenit e pto- gcnic Pelagii .... snb era MCCLXXf^ií. Este monumento d' huma Igre- ja Parochial do principio da Monarchia , bem mereci.i ser tirado da ve- )'^a parede, que o pode sepultar nas ruinas, e guardado segundo as Leis da P.itria. (/>) A Parochia de >3ossa Senhora do Bispo foi fundada pelo Dio- cesano em 1500; chamou-se assim por pertencerem os dizimos da Igreja ao Bispo Diocesano de Évora , que foi elevado a Dignidade de Arce- bispo no Reinado do Snr. D. João III. , por isso conserva ainda hoje O nome antigo: o Exceilentissimo Arcebispo de Évora he o seu Prior, e cura o Arcediago da sexta. A sua Collegiada he composta de hum Rei- tor collado , oito Beneficiados , e hum Sacristão ; servem hoje oito Kco- riomoi. Onze Ermidas estão sngeitas á Igreja Matriz , Santo Andrc do Oiteiro , q:]e foi hospital de empestados, c ja existia pelos annos de 151'^, Nossa Senhora da Visitação, Nossa Senhora da Luz, Nossa Se- nhora da Paz , S. Pedro , S. Sebastião , S. Lazaro , S. Simão , Nossa Senhora das Necessidades, Nossa Senhora da Penhi de França, eo CalvJrio. (c) A Igreja Parochial de S. João Baptista foi erecta cm Mestre-es- colado , sendo o primeiro Afl-bnso Annes , que também o foi da Sé de Évora: achava-se já fundada pelos annos de 1580. Tem dois Beneficia- dos, hum delles he Reitor, e hum Sacristão; estas Dignidades Ecdesias- ticas forão outr'ora apresentadas pelo Reitor da Companhia de Jesus , por annexaçáo feita á Universidade de Évora no anno de 1561 ; hoje esrâo 35 suas renda.9 annexas ao CoUceio Real de Nobres da Cidade de Lisboa. (rf) Querem alguns que esci\ Patochi» pertencesse em outro tempo i * DÁS SctENCIAS DE L I S B O A. if As Parochias ruraes são as seguintes : S. Mattheus (a) , S. Tiago do Escoural (^) , S. Christovão , S. Romão, Nos- sa Senhora de Safira, Santo António das Vendas Novas (c), Santo Aleixo, S. Gens (d), S. Giraldo , Nossa Senhora da Purificação da Repreza (e) , Santa Sofia , e S. Brissos (/) . O governo de cada huma destas Igrejas he dirigido pelo seu respectivo Parocho, oU Cura rural , ajudado de hum Sa- cristão ; e só a Parochia de Nossa Senhora da Purificação da Repreza tem, além do Parocho, hum Coadjutor (g). Os estabelecimentos Regulares consistem em cinco Con- ventos , e hum Recolhimento situados na Villa , e dois no Campo. O CortVento de S. Francisco he o primeiro da Villa (h) : Tom. V. D se- á 0'Jem de S. Tiago : h.i noticia desta Igreja pelos annos de 1457^ O Snr. Cardeal Infante , Arcebispo de Lisboa , e Governador de Évora , apresentou nella l'tior no anno de 15^4. Forma a sua Collegi.idi hum Prior collado, c quatro Beneficiados. Tem actualrfiente hum Beneficiado , três Economos j e hum Sacristão. (/») Tem duas F.rmidas, que lhe são sugeitas , chamadas de S. Luiz, e de Santa Margarida. (/') As Ermidas do Snr, Jesus, de Nossa Senhora do Rosário, e de' S. Chriuováo pertencem á jurisdicção Ecciesiascica do Cura de S.Tia- go do Escoural. (f) He celebre pelo famoso Palácio, que nos seus limites mandou fundar o Siir. Rei O. João V. ( d ) Tem duas Ermidas , que lhe sáo sugciras , chamadas de S. Tof- quato , e Videira. (f) Tem Commcnda da Ordem de S. Ti.igo , de que he Commenda» dor o Exccllentissiiiio Marquez de Alvito. (/) A Ermida de Nossa Senhora do Livramento está situada nos li- miies da Parochia de S. Brissos. Ha outra Ermida de S. Erancisco situa- da no Termo de Monte Mor , porem sugcir.i atj Parocho d.-i Ffeguezia , chamada Boa fé , que está fundada no Termo da Cidade de Évora , é tem Parochianos no Termo de Monte Mor , assimcomo a Parochia de S. Sebastião da Giesteira. (,? ) Além dos Ecdesiasticos empregados nas Igrejas da Villa , e ruraes ,• ha quatro Clérigos Presbyreros sem destino. (/') Este Convento, pertencente á mendicante e Seráfica Ordem de S. Francisco, foi fundado na Ermida de Nossa Senhora das Graças; ha noticia de viverem Religiosos neste Convento pelos annos de 14çí , o gue bem se deduz do depoimento das testemunhas inquiridas em Monce Wor o Novo no processo de santificação do Patriarcha S. João de Deos, He governada esta corporação Regular por hum Guardião , que tem dt- aó. Memorias DA Academia Real seguem-se os Conventos de Nossa Senhora da Saudação (a) , de S. Domingos (b) , de S.João deDeos(f), e de Nossa Senhora da Conceição (d). Ha também na Villa o Reco- lhimento chamado de Nossa Senhora da Luz ( próximo á Ermida de Nossa Senhora da Luz. Pelo citado Al- vará ficarão sugeitas as Recolhidas ao Provedor da Misericórdia , hoje estão sugeitas ao Ordinário , a cuja obediência se ligarão desde o dia ti de Julho de 1780, sendo Arcebispo o Excellentissimo Cardeal Rege» dor D. João da Cunha. Seguem os estatutos do Real Convento do San- (iisimo Sacramento do Louriçai j podem ter ate trinta e três Recolhi- das , tem actualmente vinte e duas , que são governadas por huma Re- gente , CUJO cargo occupou primeiramente a Irmã Joanna Rita Custodia do Sacramento. Tem o seu Capelláo e Confessor. (/») Pertence este Convento aos Eremitas de S. Paulo; está situado na Parochia de S, Maitheus em huma cimpina raza , pro.vima ao rio cha- mado Mourinho , distante de Monte Mor huma boa legoa ao Sul. Ha hum dos Eretnitorios mais antigos da Ordem de S. Paulo , foi fundado por Mendo Gomes Seabra , que o dedicou á Santa Cruz ; foi confirma- do pelo Sãr. Rei D. Duarte no dia 10 de Julho de 1456. Este Mostei- ro está actualmente arruinado , não tem , ha niuitos tenipos , Religioso algum ; as suas rendas são applicadas para o Collegio de Coimbra dos Eremitas de S. Paulo. (/>) Este retiro está fundado na Parochia de S. Tiago do Escoural, distante huma legoa de Monte Mor pela parte do Sul ; foi primeiramen- te habitado em 1710 pelo respeitável Padre Balthasar da Encarnação da Villa de Serpa. No dia 11 de Fevereiro de 17:5 foi benta pelo Ordi- nário esta habitação. Os Eremitas congregados estão sugeitos ao Ordi- nário ; tem actualmente hum Prior , e onze Irmãos Súbditos- Ainda hoje existe a gruta do Padie Balthasar , e os escarpados rochedos e covas subrerraneas , em que viverío os primeiros Eremitas ; he hum sitio bello, agndavcl á vista cio Filosolo , e do observador , e por isso he frequen- tado dos viajantes de bom gosto. Tolas estas relações dos estabelecimentos Ecclesiasricos Seculares, e Regulares de Monte Mor o Novo são devidas simplesmente ao meu tS Memorias da Academia Rkal Da Administração publica , politica , e económica, O Senado da Gamara he o governo politico e econó- mico de Monte Mor o Novo: trcs Vereadores, e hum Es- crivão c Procurador compõem aquella assemblca , que he presidida pelo Doutor Juiz de Fora desta Villa. Ha também hum ChanccUer , a quem se entrega o Sello , que se põe nas Sentenças. Entre os doze Misteres do povo se elegem dois Procuradores , e hum Escrivão , que tem assento na Cimara simplesmente nas arrematações dos preços das car- nes , e no estabelecimento , ou reforma de alguma Postu- ra ( rt ) . Tem dois Avaliadores do Concelho, que também ser- vem no Juízo dos Orfáos , hum Thesoureiro , c hum Con- tinuo {b) . Per- iMbalho ; a maior p,irte dos l^arochos e Prelados lo.aes ij^nora ns insti- tuições e anciguidaJes das Farochias e Conventos que dirige , por isso julguei cousa util o breve esboço , que nesta «Memoria hço das origens Parochiaes e Conventuacs de Monte Mor o Novo. ( .; ) Por esta occasiáo devo notar que a Camará de Monte Mor o Novo para formar as suas Leia economicai; tem dividido geralmente a po- voação em três partes, Villa , Vinhas , c Matos; em cada hum destes ii- tnites , que cila cem marcado 5 ha hum Rendeiro Coimeiro, que exerce a sua occupaçáo pelas l.cis Municipaes , ou Posturas , que lhe foráo consti- tuídas. Esra ultima collecçáo , que a Camira tem teito , he do anno de 1787 , que compreheridc até aos dias da minha Memoria 106 Posturas , das quaes quatro se acháo suspensas no acto da Correição leita pelo Doutor José António de Leão , e huma revogada pela Camará. Seri.t cuusa impcrtinenie e até enfadonha encher esta Memoria com a collec- çáo das Posturas , por isso limito-me simplesmente a dizer , que ness.i collecçáo , que huma e muitas vczes tenho visto com individuação , se acháo bellissimas Leis Municip.ies tendentes á prosperidade de Monte Mot o Novo , todavia tem algumas , que necessitâo de correcção , e outras que e.-cigem huma absoluta abrogação. Como este Código não he mui tertil no objecto Agricultura , que faz a parte essencial da grandeza de Monte Mor o Novo , segundo observo pela repetida lição do mcsn.o , cr: para desejar huma nova collecçáo de Leis Municipaes tendentes a objecto tão importante. ^(íi) A Camará de Monte Mor o Novo cem sens rendimentos consti- tuídos em lamosas herdades, segundo as informações, que obtive do ieu Escrivão, montão huns annos por outros a 1:500^000 e tantos reis. •; é/Jjr Oc DAS SciEKCIAS DE L I S B O A. 2^ Pertencem igualmente ao governo económico e Muni- cipal dois Almotacés, que a Camará elege de três em três mc- Huma das cousas mais bellas, que a Camará possue , sem o saber, he o seu Cartório; aqui se cnconcráo mui velhos e importantes perjjami- nhos , peças de todo o valor : cu tenho vi^to huma coilecçáo de 6^ destes titulos de Antiguidade , que o erudito José António de Leão tirou do desprezo , em que se achaváo , para os arranjar do muilo possível. Fará se conhecer a importância destes papeis antigos , ofFereço aos mtus Leitores o Índice de muitas matérias, que nelles se contem, que vem a ser : Privilegio dado pelo Snr. D. JoÃo I. aos besteiros de conto. Ciipitiilos de Cortes feitas pelo mesmo Senhor. ^ Capitulas offcrectdos no Snr, D. Duarte pela Filia de Monte Mor o Nov9 nas Cortes de Évora , assii^nadas pelo mesmo A4onarcha. Capítulos respondidos nas Cortes da Cidade díi Guarda em 1465. Cortes do Síir. D. Afonso V. Capítulos de Cortes do mesmo Senhor. DcmnreaçSes do Termo de Monte Mor o Novo. Capítulos respondidos em Cortes de Lisboa e Évora. Respostas dadas pelo Siir. D. Ajfonso V. a doze Capítulos , que nas Cortes de S^wtarem se lhe of.rícerito. Capítulos respondidos pelo mesmo Snr. em Évora aos Procuradores do pO' vo de Monte Mor o Novo , que se queixavão do numero dos besteiros de KOnto. Determina^ío para se reduzirem a vinte os besteiros de conto. Cortes de Evnra no Reinado do Snr. D. Manoel. Foral que este mesmo Monarcha lhe dco. Carta de ConfirmacHo do Snr. D. Pedro II. paraque a Villa de Monte Mor o Novo seja realenga , e não se dê a pessoa alguma. Muitas outras cousas importantes contém os velhos pergaminhos do car- tono da Camará de Monte Mor. Tem além disto preciosas Provisões e Cartas Regi.is ori^iaaes , assignajjs pelo próprio punho dos nossos Césares , collcçáo respeitável e ds toda a importância para Monte \íor o Novo ; muitas delias deixáo ver a grande attençáo que aos nossos Monarchas sem* pre mereceo esta Vill.l , achando-se a cada passo Cartas Regias , em que se dão as melhores providencias para a fortificação de Monte Mor e para muitos outros objectos. Ninguém pódc duvidar , que a lição dos papeis antigos ttaz ao ho- mem muitas idéas de grande proveito e utilidade ; a combinação Dipio- riitica pela serie dos tempos fornece ao Politico as mais beltas observa- ções , com que pôde brindar a Pátria : muitas destas c mui vantajosas na ordem das cousas pôde formar o Critico e mais o Politico , tendo á vista 03 antigos papeis da Camará de Monte Mor. O Governo dos nossos Monarchas , a origem e antiguidade de muiio> estabelecimentos , os costumes dos povos , as suas máximas , os seus requerimentos , as de- cisões , as virtudes e os vicios dos tempos antigos , as Cortes , a sua con- corrência , 3 sua linguagem, as expressões dos povos, &c. &c. ; ludo isto 30 Memorias da Academia Real niezes dos Vereadores passados, e dos indivíduos que estão constituídos no gráo de primeira nobreza da Villa. Tem es- tes dois Juizes hum Escrivão para executar as suas provi- dencias (- de se governa a Santa Casa da Misericórdia desta Villa. (W) O Hospital do Espirito Santo teve o seu principio no anno de IJ16. No anno de 1554 erigio-se huma Confraria em honra do Aposro- lo Santo Andté : foráo primeuos confrades D. Rui Gomes, Dona Magda- leiía , Pêro Esteves, e Dona Constança Domingues, sua mulher, os quacs dcráo as casas , com que se accrescentou o Hospiral , c dahi em diante íc chamou de Santo .-indiéi fizcio compromisso em \C de Junho do di- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 33 ficos edifícios , que servem de apoio á humanidade afflicta. Como estas Casas sao de todo o respeito , ainda no cora- ção do homem bárbaro e cruel , devo dizer alguma cousa á cerca do seu governo , e do uso das suas rendas. He constante e sabido por todos os habitantes de Mon- te Mor o Novo , que a Santa Casa da Misericórdia desta Villa he huma das opulentas do Reino de Portugal j as suas rendas , segundo as intormaçóes que pude alcançar , Totn. V. E mon- to anuo , c nomearão primeiros Mordomos do Hospital a Miguel Domin- gues , Mercador, e Domingos de Araj:a. Aquelles Confrades , estes Mor- domos , c alguns mais que se seguirão , deixarão as £uas fazendas au Hospital. No anno de 151K principiou o Hospital de Santo André a ser admi- nistrado pela Misericórdia , em cuja administração esteve ate o anno de 1531 , no qual passou para os Cónegos de S. João Evangelista, que a conservarão ate o anno de 1567, em que passou outra vez para a Mi- sericórdia, que novamente administrou o Hospital ate o anno de 1C77, cm cuja época entrou a Religião de S. João de Deos , a quem foi da- da em Cortes pelo Senhor D. Pedro II. a requerimento do povo de Monte Mor o Novo , em obsequio a S. ]oâo de Deos , Patrício desta Villa ; nesta administração se conserva actualmente. Do Compromisso da Confraria de Santo Andté consta ser obrigado o Hospital a curar os Confrades pobres , depois passou a curar os mendigos até o tempo da administração dos Cónegos de S. João Evangelista , hoje cura todos os pobres que se apresentáo , não sendo moradores desta Villa estabelecidos com família , a quem soccotre a Santa Casa da Mise- ricórdia ; cura também todos os Militares doentes aqui estacionados , ou transitantes. Tem duas enfermarias aonde se exerce este dever da huma- nidade , huma de homens de quarenta camas , e outra de mulheres de oito camas. O numero ordinário de enfermos diários calcula se de dez a doze. Tem outrosim huma roda de e.vipostos , cuja origem se ignora , po- rém sabe-se que não existia no tempo da administração dos Cónegos de S. João Evangelista, Ha também dentro do Hospital huma botica , que já existia no tempo daquelles Cónegos , e próximo ao mesmo esta nu- ma Casa de albergaria, em que se recolhem os mendigos , que he da mes- ma data. Hum Prior administrador, hum Capellão, hum Boticário, e cois Eit- fermeiros são os empregados eíFectivos no exercício das funções de hospi- talidade. Ha também hum Advogado e Escrivão do Hospital , dois Mé- dicos partidistas , dois Cirurgiões , hum Sangrador , e hum Barbeiro. Hum Cosinheiro , Almocreve , Moço de enfermaria , e Ama da to- da são os quatro servos do Hospital. Dentro do edeticio encontra-ss huma magnifica Igreja de abodeda. Esta relação he deduzida das informações do digno administrador Fr. José do Carmo e Sampaio. 54 Memorias da Academia Real montão a dez e doze mil cruzados ; no anno em que es- crevo derão a somma de 4:380(2)027 reis. He para lamentar que de dia cm dia se tenha afrou- xado o governo desta Casa; sem mcthodo, e sem ordcra se cobrão annualmente avultadas rendas , e por este mes- mo gosto se despendem : muitos livros de receita e despe- za tem a Secretaria da Santa Casa da Misericórdia desta Villa , pori5ra não se encontra nelles huma tscripturação exacta , antes pelo contrario he tal a sua confusão , que com muita difficuldade e trabalho se pôde vir no conheci- mento dos devedores ; e quando estes são antigos , cresce cada vez mais a difficuldade. O uso dos rendimentos tem hum igual methodo no seu destino ; sem ordem e sem exame confusamente se ad- mitte todo o individuo ao curativo da Santa Casa da Mise- ricórdia, e desta sorte folga muitas vezes com os bens dos pobres aquelle que o não he. Neste estado de cousas he para desejar hum melho- ramento , que faça entrar no devido arranjo os reditos des- te bom estabclecim.ento ; hum edifício composto de boas en- fermarias , aonde se curassem as pessoas , a quem a Santa Casa costuma soccorrer , seria a meu ver hum melhoramen- to o mais plausível (a); desta sorte se evitaria» grandes males c desvios das rendas destinadas para os pobres (^), c o soccorro da Medicina , Cirurgia , e botica seria mais a tempo (c). Pas- (íj) As rendas da Santa Casa, como já disse, são de grande vulto, as dividas atrasadas são também de grande consideração , por isso era cousa mui fácil formar huma casa de enfermaria , para cujo exercicio tem Médicos , Cirurgiões , Sangradores , Boticário , Capelláes , e servos. (/>) Muitos doentes abusão dos reditos da Santa Casa, humas vezes sem necessidade recorrem ác]uelle soccorro, que sem escrúpulo, só com o pretexto mal entendido de fazer bem, lhes he dido francamente pelo informe do Mordomo ; outras vezes , não aproveitando o remédio do Me- dico , demorão a moléstia para gozar o diário sustento d' envolta com a familia assistente. Na repartição dos soccorros ha immensas cavilaçóes usa- das muito de propósito pelos servos; tudo isto se evitava com o estabe- lecimento indicado. (r) Esta verdade sahe aos olhos de todos, que conhecem ser mais DAS ScfENCiAs DE Lisboa. ^f Passo a fallar do outro estabelecimento , o Hospital Ci- vil de Santo Andrc. Os rendimentos desta boa casa , segun- do as informações que pude obter, são certos, e incertos; entre os primeiros contão se foros , juros , trigo , centeio , cevada , azeite , porcos , lenha e palha ; entre os contingen- tes entrão os reditos da botica , das sepulturas na Igreja e cemitério, os dinheiros que se achão aos enfermos, os pa- gamentos que muitos destes fazem , &c. &c. Como considero este objecto o mais importante , e por isso digno de toda a indagação e conhecimento , eu apre- sento aos meus leitores hum geral esboço da receita e des- peza feita no tempo do Administrador Carmo e Sampaio. Anno de i8ii. Receita Despeza Saldo 2\o6^^y<;^ 2:010^)445: $9Í>1^^ Anno de 181 2. Receita Despeza Saldo 1:984(2)000 i'.^6%^o^o ^5^95° Anno de 1813. Receita Despeza Saldo 4:08^(^870 2:846(^320 i:24o^jr5'o Anno de 18 14. Receita Despeza Saldo 3'S70^J7S 3:4)7(í)oio V-ii^ÒS^S E ii A N- fâcil visitar huma enfermaria, e dat-lhe os remédios a cempo , doque muicús enfermos separados. ^6 JNIemorias da Academia Rbal 'r •U A N N O DE iSry. Receita Despeza Saldo 1:341^415- 461(^415 88i(í)ooo {a) lj . , - ' ' ■ • -. • Estes rendimentos náo tem sido empregados sempre com o cuidado e disvcHo actual ; o pobre e mui princi- palmente o exposto tem sido victima de huma prematura morte ; he testemunha iirclragavcl deste facto o mappa dos expostos, que entrarão no Hospital desde 1790 até 1814; custa a crer que uo decurso da quarta parte de lium secu* lo, entrando na roda 811 engeitados , sobrevivessem sim- plesmente 110, sendo sepultados 701^ Como esta matéria tão importante he ligada ao Hos- pital , oíFercço aqui aos meus leitores as relações , que a seu respeito pude alcançar. Em huma pequena casa dentro do Hospital de Santo André , aonde se acha a roda , em que se recebem os ex- postos , ha huma mulher com salário e ração paga pelos reditos do mesmo Hospital ; he do dever desta serva acei- tallos ou tirallos da roda, accallos , levallos ao Administra- dor para fazer o competente assento em hum Hvro com este destino, onde se dcclaia o dia (ia entrada , os signacs, e o vestido que trazião. O priíneiro passo que d4 o Ad- ministrador em beneficio d'>s expostos, he flizcllos bapti/ar na Igreja Matriz. , em que se despende 100 rs. ; tratq logo de procurar ama de leite para os crear, e em quanto a não acha , são nutridos os engeitados com certas papas , que lhes faz a serva ; succedendo muitas vezes não se achar ama , e ser ( advertir, t)ue exisrcm em deposito )udi- cinl 68í'jj>4CO reis , de cjue iC não fnz menção nas contas acim.i refe- ridas; c ijue as sommas respectivas ao anno de 1815 só se entendem des- de o mez de Janeiro até Abril ; advirto também , que no saldo final de 88i^^D rcjis ciitrãA l^d^iQO reis eiu mict,al. Akm destas somnias resta* rio também 2z8 alqueires de farinha , e Jy de cevada. dasSciengiasdeLisboa. 37 ser por isso necçssarip recprrer i Vara (}a Justiça , sao le- vados neste meio tempo por algumas casas, aonde se tem noticia que haja mulheres com filiios de mama. Sendo achada a ama , recebe esta o cngeitado com q vestido necessário, que se reforma, e três pães de três quar- tas , e hum arrátel de assucar ; deste tempo em diante co- meça a vencer ordenado , que tem sido mui variulo y no anno de 175:3 forão foo rs. por mcz ; de 1753 até 1790, 720 rs. ; deste tempo até 1798 , além do ordenado de 7ZO rs. mensaes , estahelecco-sc hum premio de lOc^ooo rs. para cada ama , que desse o engeitado vivo e são no espa- ço de dois annos ; cincoenta e hum prémios despendeo o Hospital no espaço de oito annos (a). Nesta mesma épo- ca appareceo o fatal mcthodo de criar os engcitados a lei- te dtr cabras , destinando-se para esse fim huma casa em cer- ta herdade da administração do Hospital cm distancia de huma legoa , mandanJo-sc para esse sitio camas e mulhe- res s ( rt ) As melhores lembranças emiaReal res a fim <.Ie trabalharem nesta ideada officina , cujos resul- tados forão as continuadas golpclhad is de cngeitados des- graçadamente mortos , de cujo facto sendo testemunha oc- cular , ainda hoje me horrorizo. O famoso e sempre vantajoso plano dos prémios foi suspenso no anno de 1799, augmcntando-se o ordenado mensal, que principiou a ser de 1000 rs. ; em Agosto de 1813 subio a i5'oo rs. nos primeiros seis mezcs da cricção , e dahi até á idade de 7 annos conservou-se o ordenado de 1000 reis. A criação dos engoitados teve outr'ora certas regula- ções feitas em seu beneficio, de que apenas hoje ha os ves- tígios de memoria ; hum Diploma Régio de 10 de Julho de 1546 determinava que metade do numero , que excedesse TO, fosse criado á custa do Concelho; huma Provisão do Exccilentissimo Arcebispo de Évora de 19 dejulho de 1696 mandava que o esmoler desse annualmente 6o(f)ooo rs. pa- ra ajudar a criação dos engeitados ; hoje porém não se ve- fificão aquellas graças , sendo as dcspezas feitas só pelo Hospital. Tenho exposto alguns factos mais óbvios sobre hum assumpto tao importante , vou agora lembrar alguns meios de melhoramento. Era necessário que o Hospital tivesse na, casa da roda huma ou duas amas de leite ; estas devião ser de boa saúde , abundantes de leite \ e paru não se secar , devião criar dois engeitados; os officios destas servas scrião dar de mamar aos expostos , em quanto o Administrador não achasse ama destinada para a criação. As amas devião apresentar os expostos mensalmente, quando recebessem o competente ordenado , assimcomo to- das as vezes que os mesmos expostos adoecessem ; deste modo se evitaria muito prejuízo , que tende a fazer mor- rer aquelles desgraçados , que pelas suas molestius e as das amas vão para a cova antes do tempo. Os engeitados desde o dia da sua apresentação de- vião ser vestidos de boas camizas , de bons coeiros , em vez DAS SciENCIAS DE LiSBOA. jp vez de trapos velhos , tirados das enfermarias dos corpos doentios. Seria óptima providencia nomear huma pessoa cap.iz para vigiar continuadamente na criação dos expostos. Voltando o fio do discurso ao Hospital de Santo An- dré, devo dizer, que tendo inculcado o arranjo de huma casa para curar os enfermos , a quem a Misericórdia costu- ma soccorrer , parece-me que este projecto seria vantajosa- mente executado, unindo aquelle Hospital á mesma Casa da Misericórdia , em cuja administração esteve outr'ora , como já disse ; accrescentadas as enfermarias , preparadas de todo o necessário, quanto podem as avultadas rendas destes dois estabelecimentos , constituída huma bem vigiada administra- ção , veríamos então este bello estabelecimento em huma Villa notável, e da primeira ordem, situada no coração da Província , poronde se encaminhão frequentemente as tro- pas , e os paizanos. Deste projecto, sendo executado, nasceriao muitas uti- lidades, grossas sommas deixarião de se gastar para se em- pregarem em beneficio dos pobres, doentes, e engeitados j os dois Médicos, os Cirurgiões, Sangradores, e Boticários, que recebem dois partidos de Misericórdia e Hospital , te- rião hum só proporcionado ao seu trabalho , e os servos da Santa Casa fariao serviço mais prompto e adequado. Estou persuadido que este projecto seria huma das portas de pros- peridade , que se abriria em Monte Mor o Novo. Da agricultura. Entre os estabelecimentos de Monte Mor o Novo tam- bém se conta hum tendente ao bem da Agricultura , a que se chama Superintendência de Caudelarias ; este cargo hc mui honroso , c por isso exercitado por pessoa da principal nobreza desta Villa j em virtude da Mercê Regia , tem seu Escrivão para fazer as diligencias, e execuções próprias do emprego. Es- snra oi 40 Memorias da Academia Real Fstii administração caminha rodos os dias de mal pa- ra pcor , neniium cuidado ha cm manter a obrigação que os Lavradores tem de conservar boas egoas nas herdades , conforme se aciíão ligados pela Lei do Reino ; os Cavallci- los , cm vez de bons cavallos , que segundo o seu Regi- mento devem ter para a cobriçao das egoas , usao de pés- simos sendeiros, ou pequenos cavallos mal feitos, c cança- dos com o trabalho. Deste notável desleixamento provém dois grandes males , a falta de bons cavallos para a remon- ta do Exercito , e a das egoas para o exercício da lavoura. Alem do bem conhecido Regimento , que ha a este respeito , seria para desejar huma nova regulação adequada ás circumstancias actuaes. Ha outro estjbelccimento , que se dirige a beneficio da lavoura, denomidado ccllciro commum e deposito ge- ral. Foi instituído a requerimento dos Misteres e Procura- dores do povo desta Villa pelo Alvará de 6 de Maio de j6()^ , que lhe concedeo para seu fundo os quartos , que produzissem as terras de huma defesa chamada Adúa , de- terminando que para este fim se repartissem as ditas terras em courellas pelos singcleiros c pessoas do povo , que mais necessidade tivessem, e que se observasse o Regimento da- do para o celleiro commum da Cidade de Évora. Os acrés- cimos , com que devem entrar aquelles que recebem para a sua lavoura os géneros do celleiro , regulárão-sc em três al- queires por cada hum moio de pão. Não pude entrar no conhecimento do primeiro fundo deste bom estabelecimento , todavia posso asseverar , á vis- ta dos respectivos livros , que o celleiro commum chegou ater avultadissimas quantidades de pão, porém grandes por- ções vendidas humas vezes para obras de açougues , outras vezes para o arranjo das calçadas &c. &c. , forão diminuin- do de tal sorte este estabelecimento , que apenas conserva hoje trinta moios de pão. As pessoas empregadas no celleiro são cm primeiro lu- gar o Juiz de fora, que Iic o seu executor j o Juiz do cel- lei- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 41 leiro , que he o Vereador mais velho , a quem incumbe as- sistir ás entradas e sabidas do pão , hum Escrivão para la- vrar os termos necessários , c hum Thesourciro para guarda do deposito. Ao Corregedor da Comarca pertence tomar as contas do celleiro. Das fabricas f e artes mecânicas. Dentro da povoação ha huma fabrica de sola , que pertence á propriedade de António José da Rocha c Sousa , hum dos homens mais opulentos desta Villa. As pelles que se fabricão são as de boi , chibato , car- neiro , e cabrito ; usa-se para este fim dos seguintes géne- ros , cal , casca de sobro e carvalho , sumagrc , aroeira , fa- rellos, estrumes de pombo, de cão, pedra hume , caparoza , borras de azeite, sebo, manteiga de porco, farinha de tri- go espoada , e sal. Cortidas as pelles , sahem depois as se- guintes peças, a que chamão sola, vacca, bezerros, cordo- vões , carneiras , e pellicas brancas. As quantidades, que annualmentc se fabricão, são 800 coiros de sola, 200 de vacca, 400 de bezerros, 1200 de cordovões , igual quantia de carneiras , e outras tantas pel- licas. Três mestres, quatro officiaes , e outros tantos serven- tes são os empregados no trabalho da fabrica. Os diversos géneros desta fabrica são extrahidos para a Capital do Reino, e para a Provincia do Alemtcjo ; pôde fabricar cinco vezes mais do que as quantidades acima men- cionadas, quando haja extracção («). Nos campos de Monte Mor , em pequena distancia des- ta Villa , nos sitios chamados da Ferras , ha outra fabrica Tom. V. . F des- (/») Estas relações forão transmittldas pelo dono da fabrica, que não ponde certificar-me a somma da extracção , nem o seu producto , porem eu posso asseverar em geral , que esta fabrica em alguns annos manufa- ctorisa mais avultadas porções cos diversos coitos , doque as acima men- cionadas ; posso também asseverar que esta fabrica , sendo mui provei- tosa ao publico , he também de conhecida utilidade para o pioprictâiio. \ „ 42 Memorias da Academia Real destes géneros , destruída e arruinada , o que he para la- mentar ; porque estando fora da Villa , e em huma boa si- tuação , podia ser mui proveitosa , e de muita utilidade. EUa he susceptível de ser reedificada. Passando a fallar das artes mecânicas , offereço a rela- ção dos mestres , oíficiaes , e aprendizes empregados nas obras dos três Reinos da Natureza. No Reino Animal. Cortadores ---,----.----- % Fabricantes de cortumes de coiro. Mestres e officiaes ----------- 7 Surradores. Mestre e officiaes --_---_---- t; Odreiro. Mestre -.-_____._.,__ x| Sapateiros. Mestres e officiaes --__--_---- 75- Aprendizes -----_*--.---_ 2y Selleiro. Mestre ----._--_«,_-- j Somhreireiro, Mestre --.-..-.-...-. i Cardadores de, la. Mestres --_-____._.___ t Cereeiros, Mestres ------.-,--_-- 1 No i DAS Sci£NCIAS DE LiSbOA. 4S No Reino Vegetal. Serradores de madeira. Mestres- --------.__.. ■, Marcineiro. Mestre --------_____ i Carpinteiros de casas. Mestres e officiaes ---------- j? Aprendizes- ----.____..- ^ Carpinteiros de carretas. Mestres e oflSciaes ---------- n Aprendizes -----------__ ^ Moleiros de moinhos d'agoa - - - - - 30 Padeiras ----------- jj Forneiros ----------- y Tecelões de panno de linho. Mestres ------------- 7 Tecedeiras ---------- Z (à) No Reino Mineral. Ferreiros. Mestres e officiaes ---------- j> Aprendizes ------------ ^ Ferradores. Mestres e officiaes ---------- 6 Aprendizes ------------ a F ii Ser- Q/;) Também tecem e fazem obras de lá. 44 Memorias da Academia Real Serralheiros. Mestres e officiaes -\. -------- 5- Aprendizes .--«._-_-,-- 2 Cabouqueiros, Mestre __---__.-_--_ i Aprendiz ------------- i Calceteiro. Mestre ----___.----- i Fabricantes de cal ------- - 4 Ditos de tejoUo e telha ------ y Pedreiros, Mestres e officiaes ----------20 Aprendizes --__-^-,---- 4 Olkiros. Mestres ------------- 7 Aprendiz --<-----.---- l(«) Além destes ha outros diversos officios, como Alfaiates, Mestres e officiaes --------- -n Aprendizes ------------ 4 Alhardeiros. Mestres ------------- 5- Bar- (a) AsOUarias, ou fabricas de louça de barro foráo outr'ora mui fa- mosís ; muitos escriptores Pottuguezes falláo deste assumpto , apontando como celebres certos púcaros de beber agoa ; os mesmos estrangeiros fazem menção djs OUarias como cousa digna de apreço, a La poterie de Montemor . . . . est fort estimée n diz de la Croix , Geog. mod. et «mV. tom. I. sect. 4. ^rt. 5. Hoje porém CStáo na decadência, em 4ue se achád as outras artes. tiTã. Cl DAS Sci£KCIAS DE LiSBOA. 4J Barbeiros. Mestres -------------- i8 Aprendizes _----_---.--- ^ Estalajadeiros ------ 4 Todas estas artes mecânicas estão em hum atrazamcn- to incrível ; pôde sem exageração dizer-se , que não se en- contra hum só artista capaz de exercitar o seu ofEcio com primor. No meio desta crassa ignorância obscrva-sc huma filáucia tal , que o mestre de hum ou outro officio desde- nha sempre das obras de perfeição , que vê sahii; da Cor- te , ou d' algumas outras partes , não querendo jamais cor- rigir os seus erros pelos modellos , que se lhe oflFcreccm ; es- ta indocilidade , este ignorante orgulho he huma das causas da decadência das artes mecânicas em Monte Mor o Novo. Este mal he de fácil remédio ; para abater o mecânico orgulho , será óptima providencia introduzir na povoação bons officiacs , ou mandar aprender os mancebos nuquellas Cidades e Villas , aonde se ensina o primor das anes , li- gando-os depois a estabelecerem-se no lugar do seu nasci- mento. Artigo VIII. Das feiras publicas. Em Monte Mor o Novo duas feiras publicas , que se líãzem no seu recio no primeiro do mez de Maio, e no pri- meiro Domingo de Setembro de cada hum anno ; são com- postas de lojas de mercadores , de capella , de mercearia , quincalharia , chapelaria , sola , louças , diversas obras de palma do Algarve , &c. Vcnde-se nestas duas feiras muito gado de todas as espécies , vacum , lanígero , cabras , ovelhas , porcos , ca- vallos , mulas , e burros , sendo mui famosa a feira de Maio , pela abundância de bom gado vacum. Além ^r 4^ Memorias da Academia Real Além destas duas feiras ha outras, reguladas pelas Leis Municipaes , que impõem aos Lavradores e criadores a obri- gação de fazer feira no recio desta Villa com os porcos dos seus montados , em alguns dos dias de Santo André , Nossa Senhora da Conceição , e S. Thomé ; e a quacsquer outros indivíduos , que engordão porcos , em algum Domin- go ou dia Santo , não sendo dos acima referidos. Artigo IX. Da Agricultura de Monte Mor o Novo , e dos seus diversos ramos e producfões , etc. E. /Ste objecto o mais importante, e o primeiro da Nação Portugueza , que fecunda todos os outros ramos , e lhes dá a sua felicidade e prosperidade , este manancial de riqueza e fir- me esteio de grandeza faz a parte mais considerável e essen- cial da Villa de Monte Mor o Novo ; por isso devo apresen- tar aos meus leitores as averiguações e indagações , que , se- gundo o estado dos meus conhecimentos , pude fazer. Já indiquei em outro lugar a extensão do termo de Mon- te Mor o Novo , vou agora apresentar os diflFerentes obje- ctos agronómicos que nelle se encontrão : 779 farrejaes , 298 herdades, 113 courellas e sesmarias , 545^ olivaes , 813 quin- tas e pomares , 42 vinhas constituem a principal grandeza e felicidade do povo de Monte Mor o Novo. Natureza e qualidade do terreno em geral : modo da cul- tura dos coutos. Deixando agora a verosímil opinião dos Filósofos , que nenhum terreno pode considerar-se estéril (/i), eu passo a (/») Tem observado os Chimicos que a certa simplesmente não pôde constituir por sua natureza a nutrição dos vegetaes ; que he necessário com- binar as matérias subscanciaes , que lhes dão o alimento , ou expo-la á influencia da atmosfera , que contém muitas daquellas matérias ; por este modo abanJonáo a divisão de esterilidade e fertilidade, e juigáo que todo O terreno o mais ingrato se fcriilisa com a industria. DAS SciENCiAS DE Lisboa. 47 a referir brevemente o que encontro no terreno de Monte Mor o Novo ; este compóese por humas partes de terra preta, argilosa, vermelha e compacta, e por outras de ter- ia delgada e areenta. O terreno mais bem cultivado desta Villa he aquclla parte , a que chamao Coutos , ou porções de terra mais pró- xima á povoação : a sua cultura faz-se de dois modos , a ^ue chamão serôdia e têmpora ; vcrefica-se a primeira , cor- tando a terra nos mezes de Janeiro , Fevereiro , e Março , semeando neste ultimo e depois , e gradando ; no seguinte armo vcrefica-se a segunda, semeando-se o alqueive feito, e lavrando-se. Os proprietários destes campos cuidao muito em os adubar já com os bardos das ovelhas , já com os estercos das cavalharices ; daqui vem que as melhores searas , que annualmeiite se colhem , sáo aquellas que produzem os far- rejaes dos Coutos. Herdades , sua cultura e tratamento. As herdades ou são de terra campa, ou de mato; hu- mas e outras tem a sua cultura dividida em folhas , que são de três e quatro annos nas primeiras, e de seis e sete nas segundas. As searas das herdades de terra campa são serô- dias ou têmporas ; pratica-se a cultura das primeiras na ter- ra forte , charruando-a no mez de Janeiro , Fevereiro , e Mar- ço , e logo semeando ; c na terra delgada , abrindo-a naquel- Jes mezes , depois cortando-a , semeando-a , e gradando-a (^i). As (**) Quando ns searas serôdias sáo de milho, costumão os bons La- vradores tazer o seguinte trabalho : hum mez antes de Abril e Maio char- ruáo as terras menos húmidas , e hum mez antes de S. João 3s terras mais húmidas , passando immediatamente a grada-las ; a este serviço ch:- máo abafar. LoRoque chegáo aquelles mezes, tornáo a charruar, semean- do e gradando immediatamente. Nasce o milho , cria algumas folhas , f..z o Lavrador o outro trabalho , a tjue se chama sacha , que he o mesmo <]ae huma cava feita com pequena enchada , diixando ficar cada huma planta na distancia conveniente para bem vegetar. Depois passa a butto trabalho, a que chamáo arrendar, ou chegar a cerra próxima ao milho. 48 Memorias da Academia Real As tcniponls fabricao-se da seguinte maneira : no meZ de Janeiro e seguinte principia o Lavrador a alqueivar a folha , torna a cortar a terra no mcz de Maio , e nas pri- meiras agoas do mcz de Outubro e seguintes lavra e se- mea : no anno que se segue faz o mesmo á outra folha , lavrando e semeando de Outubro por diante o terreno da tolha passada , a que chamao relvas. As herdades de mato só admittem searas têmporas ; se exceptuarmos pequenas porções próximas ao Monte, (assim se chama á habitação do Lavrador ) cm que se observa a pratica dos coutos, a maior cultura reduz-se ao seguinte tra- balho: corta-se o mato, a que os homens do campo cha- mão roças , no mez de Maio , depois no mez de Agosto c seguintes abrazao-sc todas essas roças, sobre as cinzas do mato , e simultaneamente de muitas e importantes arvores criadas , e que vão a criar-se ; lança-se a semente e o ara- do nas primeiras agoas , que cahcm sobre a terra. Quem lançar hum golpe de vista sobre as minhas ave- riguações , dirá huma e muitas vezes , que Monte Mor o Novo, aonde se encontrão 298 herdades , (prédios os mais consideráveis ) podia fazer as delicias suas , communican- do-as a todo o Reino em abundância : não se preenche to- davia a esperança do observador; a pouca cultura, a inér- cia dos habitantes , a sua indocilidade , o immenso afinco ás suas opiniões fazem decahir tanto a povoação , quanto cila podia prosperar em beneficio seu e da Nação. As herdades , estes famosos prédios compostos das in- teressantes arvores de sobro e azinho, e de grandes terras, ca- de maneira que fjça hum monte á roda de cada planta. Isto mesmo se pratica nas searas dos grãos c feijjes , não Jevando o trabalho , a que chamáo arrendar. Os máos Lavradores charruáo huma só vez , semean- do e gradando mimediatamente , e dando huma só sacha ao milho , de- pois de nascido. Nos meloaes trabalha o Lavrador a terra do seguinte modo : no mez de Fevereiro e Março charrua e grada , em Abril e Maio torna a char- ruar, e logo corta a terra duas vezes com o arado , e depois semea c gta-, da. Nascida a planta , praríca o mesmo , que nos milharaes. I PAsSciENCiAS DE Lisboa. 49 caminhão todos os dias para a sua ruina pela vergonhosa vereda do desprezo ; cu vejo huma grande parte dclJas tra- tadas do cavallaria , e que , podendo dar muitos moios de pão, nada mais produzem doque pastagens (a), que com o andar do tempo, em terra inculta, offcrecem menos van- tagem , do que sendo nascidas em hum terreno cultivado (b). Levando o mesmo golpe de vista aos montados , ob- servo huma grande parte sem alimpaçao alguma , rodeadas de mato as suas arvores : nao tendo a ellas chegado a po- dôa , o machado , o enchadao , e o arado , offcrecem áquel- les , que assim as tratao , a producção de que se fiizem di- gnos , em vez dos grandes fructos , que poderião colher. As carvoarias, arte que o inverno inventou, tem sido o mimo de muitos proprietários , que destruirão em hum só dia as arvores de muitos séculos , pelo sórdido interesse de poucos momentos. Não he a falta de legislação , que deixa correr este mal: alem das Leis do Código Nacional, tem Monte Mor o Novo bellissimas Posturas e constituições Municipaes , que rigorosamente pcrtenderão evitar tantos prejuízos ; nesse Código domestico e privativo de Monte Mor , de que já faltei em outro lugar , acha-se huma Postura , em que se prohibem as escavações das arvores , e os cortes peio pé , debaixo de gravíssimas penas , e dão-se muitas providencias sobre os fogos ; esta famosa Lei Municipal he devida ao cuidado e zello do immortal Varão , o Ex."'° D. Rodrigo de Sousa Coutinho , pela Ordem expedida ao Corregedor da Comarca de Évora no dia 6 de Maio de 1803. Todavia tan- Tom. F. G tos (/j) Quando leio em Plinio , que na Beócia e no Egypto produzia muitas vezes hum grão de trigo cem espigas , lamento ainda mais a fal- ta de cultura de muitas herdades , que priva a Nação de tão considerá- veis recursos. (6) Advirto neste lugar, que Monte Mor o Novo não tem prados artificiaes , porém não he cousa impraticável nos seus campos : aindjque o Alemtéjo he árido, todavia Monte Mor o Novo he huma daqucllas po- voações , que abunda de nascentes e fontes , que se podiáo aproveitar para o artencio dos prados , tendo para isso beliissimos sítios , onde a mio industriosa os poderia fazer. yo Memorias da Academia Real tos cuidados , tantos disvcUos pela Pátria tem sido mallo- grados ; a parte difficil da Lei ( a sua execução ) não tem sido satisfeita; no meio de tão bellas providencias trabalha impunemente o destruidor machado do hediondo carvoeiro, cerceando em hum dia , sem ordem nem escolha , immensi- dade de arvores , e reduzindo a planicies espessos monta- dos (a). Eis-aqui a deplorável situação de huma grande parte das herdades de Monte Mor o Novo. Olivaes. Levando o mesmo golpe de vista á cultura dos oli- raes , ramo de toda a importância desta Villa, observo mul- tiplicados deslcixos , encontrando apenas hum ou outro cul- tivador diligente ; vejo pela maior parte hum extenso arvo- redo cheio de mato , sem alimpaçao alguma tanto no ter- reno , como nas arvores ; corro com a vista a immensidade de olivaes, e não vejo actualmente hum tanchão , huma en- xertia nos zambujeiros para multiplicar tão importante arvo- redo (b) . A ferrugem, moléstia que ha muitos annos con- tagiosamente tem destruido os olivaes , apenas encontra os golpes de alguns proprietários ; a maior parte destes deixa crescer de dia em dia este ruinoso mal , menoscabando tan- tos (<í) Os Rendeiros ou Coimeiros , a quem incumbe fazer desviar mui- tos desces e outros males , que todos os dias carregáo sobre a Agricul- tura desta Vill.i , são, em vez de remédio, novos golpes, que augmen» tão a sua decadência e ruína ; aquelles homens , quando fazem o seu ajus- te e publica arrematação , contáo com o que recebem do Lavrador , e muitas vezes tem á vista hum mappa das quantidades dos géneros e di- nheiros , que annualmente sahem da lavoíra para estas novas aves de ra- pina , daqui vem o pouco ou nenhum exercício do Rendeiro na occupa- çáo de que está encariegado, e deste procedimento nascem dois grandes males: i.° entrar impunemente na seara alheia o gado daquelle que dá a espórtula certa i 2.° o grande tributo, que o Rendeiro impõe aos Lavrado- res. Era para desejar que em Monte Mor o Novo se puzesse simplesmen- te em pratica a Lei , em que se permitte a qualquer do povo encoimar com huma testemunha os gados , que achar fazendo damno no seu ptc» dio ; este meio era mais regular e conforme aos interesses da Lavoira. ( {) ) O abandono dos gados pelos Coutos , aonde se acha a maior exi tensão dos olivaes , he huma das causas de»te mal. íTatf or I DAS SciENCIAS DE LiSBOA. fl tos remédios, produzidos pelas experiências de homens ob* servadores. Hum dos grandes prejuízos que observo nos olivaes , he o methodo de varejar , ou lançar abaixo a azeitona pa- ra ser apanhada ; vai acima da arvore hum homem de boas forças , e com hum páo ipui forte a castiga desapiedada- mente , lançando abaixo não só a azeitona , mas também muitos ramos e folhas , deixando a oliveira inteiramente nua e atormentada ; daqui vem a pouca ou nenhuma pro- ducçao dos olivaes no anno seguinte , e a triste nomen- clatura de atino de novidade ■, e de anno contrario. O melho- ramento deste ramo he a emenda dos males apontados , mui facii de ser praticada. Qíiintas j e pomares. Fez a natureza em Monte Mor o Novo hum paraizo , dando-lhe as mais bcllas quintas e pomares cheios de fer* tilissimas arvores , que , produzindo deliciosos fructos , pe- la sua abundância e variedade , regalâo e saboreao não só os seus habitantes , mas também muitos outros povos em huma grande parte do anno. Estes prédios dividemse em dois ramos, de espinho e de caroço; aquelles produzem bellissimas laranjas da china, doces e azedas, e otimos limões doces e. azedos (^); estes offerecem as mais bellas e abundantes variedades de fructas , como peras , maças , marmellos , ncsperas , figos , pecegos , ameixjs , ginjas, e nozes {b). K maior parte destes pré- dios he composta também de plantações de vinha, G ii Vi- (<») Ha no Termo de Monre Mor huma Aldeia , chamada de S. Tia- go do Escoural , e só cila he composta , pela maior parte , de abundan- tíssimos laranjaes , que não só regaláo os seus habitantes , mas também muitos povos , aonde são levados os seus fructos. Ahi se acháo , além das espécies acima ditas , toranjas , cidras , limas , e limões de Santa Hele- na : de todas as fructas de espinho , de que abiinJa este bello e agra- davel sitio, he preferível o limão doce, que pode dizer-se o melhor do Reino. C^) Todos estes fructos tem immensa variedade de vista, gosto e sa- bor ; aqui se encontra hum sem numero de espécies de bellisimas amei- f» Memorias da Academia Real J'lnhas. Não foi a natureza escassa em produzir este bel lo ra- mo p;!ra fazer a completa feliciJadc do homem de Monte Mor ; todavia elle he mais penojo do que proveitoso , pelo afinco , que os habitantes desta Villa tem ás opiniões dos seus avocngos. Ha dois modos de plantar a vinha , a que os proprie- tários desta fazenda chamao de velho, ou de acção; plan- tar a vinha de velho he deixar crescer e engrossar a vara, e depois formar hum perfeito circulo, a que os vinhateiros chamão velho , que descança em hum terreno em forma de caldeira, que se descobre com o trabalho chamado escava, e xas, acolá ainJa maior vaiieJade lie maçãs , deliciosos peros e peras tocáo por roda a parte os sentidos dos habitantes de Monte Mor , e aformoseáo as suas mv:/as. Duarte Nunes de Leão na sua obra intitulada Descrip^ão do Jíeino de Poriugal , primeira edição , fallando da excellencia dos Iru- ctos , diz assim no cap. ^^ pag. 6z : a Em Monte Mor as peras de pee n de perdiz pequenas no corpo , mas saborosíssimas. De codornos e de )i maimellos ha muita abastança .... de Monte Mor o Novo sae a enchen-» 1 te dos peros de Rei , que he a mais nobre fruta , que todas as das D castas de maçãs, porque alem de virem, quando a outra fruta se aca- x ba , sani de suave cheiro e mui cordiaes , que se não dam em outra par* t te de Hespjnha : e por sua excellencia se chamao de Keis, » [-"osso asseverar aos meus leitores , que todo e qualquer elogio feito i minha Pátria , pela grandeza e variedade dos seus frucros , he inferior, elles excedem muito ao que a penna retere. No mcio dc^ta abundância ob- servo j.i aljjum dcílcixamento nos propnetarios destes bons prédios. Todo» sabím , que o arvoredo envelhece , e que na ordem vegetal ha hum canças» so iftiial ao que se observa no Reino animal ; por isso tendo Monte Mor onti'or.i abundantes fructos de certas arvores , hoje apenas tem algumas amçítras , por exemplo , das pereiras de Rei , d.is Flamengas , c de muita» outras , que o pouco cuidado tem deixado perder ; os proprietários vendo o seu pouco fructo , e não reparando que a idade dectepira he a causa diito , tem desprezado a plantação e enxertia daquellas arvores, que nos davjo tão saboioso^ c suaves pomos. Alem das arvores , de que tenho fallado , também se encontrão al- guns d'ho visto vinhas plantadas de acção muito antigas , e produzirem ainda mais doque as vinh.is de velho. Supponhase por hum pouco , que a sua duração e producçáo he menor , ; não fica isto muito bem compensado com a exclusão de tantos trabalhos, e de tantas dcspezas ! ( ft ) Como o exemplo persuade mais ao homem de poucas luzes , tenho eu pertendido muítis vezes convencer por este moJo aos proprietários de vinhas da minha Pátria , fazendo-lhes ver, que as grandes vinhas do Doiro e Ribatejo são todas plantadas e formadas de acção ; os meus ttabalhos tem sido baldados , e a minha voz similhante áquella , que clamava no deserto. 5*4 Memorias da Academia Real Diversidade de trabalhos , e preço dos trabalhadores. Os trabalhos principaes nos diversos ramos de lavou- ra , de que tenho fallado , são os seguintes , esmoitar ou limpar as terras ou os montados por baixo , em cujo tra- balho ganha hum jornaleiro o diário de 360 até 400 rs. ; desbastar as arvores, cortando- lhes os ramos inúteis e prc- judiciaes, neste trabalho ganha 480 até 600 rs. ; roçar e ar- rotear as terras 480 até 500 rs. Vem depois os trabalhos da sementeira de 400 até 440 rs. , de arrelvaçao de 300 até 320 rs. , da cava dos milhos , mcloacs &c. de 400 até 480 rs, , da ceiía do pão de 600 até 800 rs. , da malha e debulha, de 400 até 480 rs. Estes trabalhos dizem respeito ás her- dades (rt) . Pelo que pertence ás vinhas , g^nha hum jornaleiro na desempa e rebuça 400 rs. , na escava 5'oo até 600 rs. , na poda e empa 480 até 500 rs. , na esvediga 400 rs. , na ca- va 600 até 650 rs. Nos olivaes pratica-se o trabalho de esmoitar e enter- reirar, em que o jornaleiro ganha 400 até 480 rs. , e o mes- mo no varejo da azeitona , em cujo apanho ganhão as mu- lheres, que fazem este trabalho, 200 até 140 rs. (í»). Estrumes, Os estrumes de que lança mão o Lavrador para adu- bar as suas terras são os animaes j os vcgetaes e os mixtos , que se considerão os mais úteis e abundantes, tem mui pou- co (o) Ha também outro trabalho, a que chamão monda , ou arranca das hervas nocivas, que nascem entre as searas, cujo trabalho feito pot mulheres, a lOO aré 1 6o reis permeio dia , não he igualmenrc praiicauo ; apenas se usa nos Coutos , e nas searas próximas ao monte ou casas do Lavrador. Nas quintas e pomares, aonde não ha vinhas, mas só arvore- do de truta, despende o proprietário com os trabalhos da escava e cava. (i) Todos estes jornacs são calculados de huns annos por outros, comendo o jornaleiro á sua custa. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. yj" CO USO nos campos de Monte Mor : o gado lanígero tão proveitoso ao Lavrador deixa com a morte na terra fria clieia de gelo o estrume , que com as camas de palha se podia augmentar e melhorar , evitando ao mesmo tempo a morte do utilissimo animal. Aparelhos ruraes. Os instrumentos ruraes , de que usa o Lavrador de Mon- te Mor o Novo no serviço da terra , são os que geralmen- te se conhecem. A charrua he hum dos mais perfeitos e úteis , de que o Lavrador lança mão para romper a terra , e fazer as suas sementeiras serôdias de tremez , milho , e meloaes. O arado he geralmente empregado nas lavras têm- poras ; aindaque este instrumento he susceptível de per- feição e artificio nas suas relhas e aivecas, para melhor rom- per a terra , e cançar menos o útil animal , todavia he su- perior a muitos que tenho visto em algumas Províncias. Usão também os Lavradores de outro instrumento , a que chamão grade , com dentes de ferro , para esmagar e des- fazer os torrões , e aplainar o terreno lavrado. De todos os aparelhos o mais próximo á perfeição he a carreta , em que o Lavrador conduz os géneros e pro- ducções da terra ; esta maquina rural excede muito aos car- ros , que tenho visto em algumas Províncias \ as suas ro- jdas maiores que as dos carros, e mais bem construídas , tem huma maior mobilidade , economisao as forças dos bois , e , fazem menor estrago nas estradas. Grãos j suas diversas espécies. Os diversos grãos , que geralmente se colhem nos cam- pos de Monte Mor o Novo com maior abundância , são os seguintes , trigo branco , anafil , galego , tremez , centeio , e cevada: são ainda de huma cultura mui diminuta o milho e arroz j os Lavradores antigos desprezarão inteiramente a in- yí Memorias da Academia Real intercssaiuc cultura destes géneros , e ainda hoje ha multo descuido, de maneira que a cultura deste segundo género reduz-sc a huma mera c\jriosidadc de hum ou outro Lavra- dor. Ha também varias semeaduras de grãos , de feijões de diversas espécies , de chicharos , favas , ervilhas , lentilhas , e tremoços. Podião os campos de Monte Mor produzir com mais abundância alguns géneros , que as outras Provindas culti- vão muito, como batatas, que, tendo hum uso tão provei- toso na casa do Lavrador, são quasi despresadas ; apenas se encontrão pequenas semeaduras feitas por curiosidade ; e ha poucos annos , que hum ou outro individuo lança á terra pequenas porções , em vez de muitos moios , que as outras Províncias semeão. Animaes , sua variedade e numero. Principiando pelo gado vacum , conta Monte Mor o Novo no exercício da lavoura 1566 bois, yy toiros, 1961 vaccas, 583 bezerros e vítcllas; 8140 carneiros e ovelhas fazem a parte do gado lanígero ; tem 6890 cabras e chiba- tos, 4701 porcos e porcas (a), 34 cavallos , 106 egoas , 28 potros, 6-j machos e mulas, 493 burros e burras. Estes diversos números de animaes levados á somma total dão 2462Ó cabeças, que os campos de Monte Mor annualmente sustentão (Z»). Posso asseverar, que as castas destes animaes são boas geralmente fallando ; o boi dos campos de Monte Mor he grande e formoso , e tem muitos dos requisitos e qualida- des , (rt) Os montados das herdades engordarão no anno de 1814, ^184 cabeças de porcos; podem, segundo o arbítrio dos Lavradores, engordar huns annos por outros 2147 cabeças. (t) Esta relação he tirada das informações do» Juizes da Vintena. Tenho lido em alguns Cotograios Portuguezes , que os campos de Monte Mor o Novo sustentaváo outrVira mais de 4Oi|)00O cabeças de diversos gados, de cujo facto (sendo filho de averiguação) bem se deduz o quan- to tem diminuído este importante ramo da Lavouta. !i dasScie^jciasdeLisboa. 5*7 dcs , que Culiimclla aponta para se dizer perfeito (a). O gado lanígero hc das boas castas que se encontrão no Rei- no , assimcomo as cabras e' as porcas ; multo inferior he a raça cavallar pelo máo regimen em que se acha a admi- nistração das caudelarias , de que já fallei em outro lugar. Mo/estias dos gados ^ suas curas e remédios. Fazendo meramente hum esboço mui geral deste as- sumpto devo dizer, que as moléstias dos gados devem ser apontadas entre os males mui fataes , que annualmente sof- fre a lavoura de Monte Mor o Novo ; eu tenho visto mor- rer cm poucos dias grandes porções de gado vacum ; em alguns annos perde o Lavrador huma grande parte , e ás vezes todo o rebanho do gado lanigero : de verão e inver- no eu vejo ás costas dos pastores hum sem numero de ove- lhas mortas ; as cabras e os porcos sofFrem também as suas enfermidades , porém não são atacados tão geralmente. As causas destas moléstias são muitas , entre ellas po- dem apontar-se o máo uso das agoas no verão , as humi- dadcs a que o gado fica exposto no inverno , e os pastos não bem sasonados , cem que se sustenta e ' nutre. Nesta matéria ha sem duvida muita ignorância e muito desleixa- L mento ; podiao os Lavradores ter agoas limpas , fontes e Bl tanques arranjados , e desta arte evitar muito prejuizo ; po- ^Hdião conservar os gados em cabanas no tempo do inverno, ^B fazendo-lhes camas de palha, como se pratica em muitas ^^ partes , e aproveitar depois o estrume misto , mais útil , e I mais abundante : a tudo isto chamão esses homens rústicos theorias impraticáveis , que jamais podem verificar-se nos gmndes rebanhos ; porém he a sua ignorância e o seu des- Icixamcnto , que não lhes deixa enxergar huma verdade ma- nifesta 5 he a sua indocilidade e obstinação , que lhes tira o uso da razão para não conhecerem que he melhor con- Tom. V. \\ ser- I (rt) Lib. 6 cap. I de Re lust. ^8 Memorias da Academia Rkal servar era cabanas huma menor porção de gado lanígero , que vive , que produz melhor , e utiliza tantas vezes a casa rústica , do que ter grandes rebanhos , que morrem expos- tos ao rigor do inverno , deixando apenas algum estrume na húmida terra , que lhes fez perder a vida. O monopó- lio das herdades deve também ser apontado entre as cau- sas das moléstias dos gados ; o desprezo da cultura da ter- ra faz produzir más pastagens , estas são devoradas muitas vezes pelos gados apenas suhem da terra , e por isso no meio da gordura dos gados observao-se mortíferas enfermi- dades. A Arte veterinária he inteiramente desconhecida nos campoe de Monte Mor ; apenas se encontra hum ou outro Empírico, ou Curandeiro, que tem o seu Cavaco^ e outros de igual lote , que lhe servem de guia na applicaçao dos remédios. Colmeias, Em outro tempo abundou Monte Mor o Novo deste artigo , ainda hoje tem em algumas Parochias ruraes boas e bem construídas silhas de colmeias , porém em geral en- contrão-se pequenas porções mui divididas. Segundo as in- formações que pude obter dos Curas , e dos Lavradores , podem regular-se ao todo em jyoo cortiços, cada hum dos quaes em huns annos por outros poderá produzir duas a três canadas de mel, sendo feita a cresta regularmente. Este mimo produzido no meio da lavoura bem mer.- ce ser levado ao gráo de augmento , em que se achava nos tempos antigos ; os campos de Monte Mor são mui belios para favorecerem este augmento, huma vez que se dester- re a perguiça inherente a este povo , a cuja moléstia he muito atreito. Caça e pesca. Como o Termo de Monte Mor o Novo he cheio de muitas herdades de mato , e terra campa , abunda por isso de ^7.1'T or DAS SciENClAS DE LiSBOA. 5"9 de muita caça; a cada passo se encontrão perdizes, coelhos, lebres , alguns javalins , viados , e corças ; abunda também de perniciosos lobos, raposas, c outros animaes carnicei- ros. As ribeiras de Monte Mor, principalmente a chamada de Canha , tem abundância de bellissimos peixes , como bar- bos , bordallos , eirozes , bogas , e pardelhas. As sabias regulações que prohibem o uso da caça nos mezcs , em que a natureza se recreia em passar á posteridade a nova geração das aves e dos quadrúpedes silvestres , são inteiramente desprezadas nos campos de Monte Mor , he nesse tempo que o caçador mata maior numero de aves ; chamando os perdigões atraiçoadamente com o reclamo , deixa viuvas no campo immcnsas perdizes ; milhares de es- tratagemas praticão os caçadores para apanhar e matar os animaes nos seus dias mais deliciosos («) : os guardas dos gados destroem huma grande parte dos ninhciros das per- dizes, e de outras muitas aves, que chegao a vender al- gumas vezes na povoação. Tambcm a pesca soffre muitos abusos; a Camará des- ta Villa tem prohibido a pesca de redes em certos sitios da ribeira de Canha , e os Rendeiros coimeiros devem vigiar pela observância desta determinação ; todavia nada ha mais frequente do que a pesca de redes nesses sitios vedados. Pódc di^er-se que na pesca da ribeira de Canha ha também o seu monopólio ; certos homens na occasião em que o pei- xe vai a subir, fazem atravessar redes, e não deixão gozar os outros tanto do divertimento , como da utilidade da pes- ca. As cocadas na primavera he de todos o peor mal ; usão muitos desta depravada arte , que aonde ella se executa faz morrer todos os peixes. H 11 Pro- (a) Tenlio observado no campo homens tão ardilosos nesta matéria, que sabem fazer certas chiadas, como os coelhos, para se ajtmtarem ; dei- te moJo maião muitos. 6o Memoptas da Academia Real Produccoes dos diversos géneros. Para entrar no conhecimento ilas producçõcs dos diver- sos geacros de Agricultura, averiguei e examinei escrupu- losamente a arrecadação dos dizimos , que se faz mui varia- mente; porque ha aqui dízimos gcraes e particulares, que tem por isso diffcrentes airccadações ; fiz este exame res- pectivamente aos annos de 1813, e 1814, e o resultado dá a seguinte producção. No anno de 181 3, trigo de todas as espécies 11 3430 alq. , centeio 39980 alq. , cevada 35685 alq. , milho gros- so e miúdo sí6° alq. , feijão 740 alq., favas 440 alq. j azeite 18146 alq., mosto ÍO737 almudes e meia canada. No anno de 1814, trigo 1 10960 alq., centeio 59430 alq. , cevada 36155 alq. , milho 5080 alq. , feijão 1030 alq. , favas 6js alq- > azeite 1728 alq., mosto 20020 almudes (a). Processos dos productos da natureza. Hu4na das consideráveis perdas , que tem a Villa de Mon- (/í) Kstc computo he o mais exacto e próximo a verJacie ; não se- rá possivcl ach^r outro melhor; apenas ficáo fora do alcance aqiiclias pequenas porções , que não chegáo a cinco , e que por isso não sáo di- zimadas , a excepção do azeite , que rodo he dizimado , e por este mo- tivo o calculo acima referido pôde considerar-se ite huma verdade abso- soluca. As três porções de tri^o , centeio, e milho dão no anno de 181 5 a somina toial de 15897O alqueires, e no anno de 1814 175470 alquei- res : ebtai quantidades não chegáo para o sustento dos habitantes ; a menor porção que pôde aqui arbitrar-se a cada individuo , geralmente fallando , he de ?o alqueires , porque o» homens de Monte Mor comem muno pão , que he o sustento precípuo dos habitantes do campo , cujas mezas abundão sempre dCítc género ; em muitos trabalhos os jornalei- ros só comem migas, e açordas, que he huma vianda composta de pão , azeite, e agoa ; eu tenho \isro os homens do campo comerem esta vian- da , misiurando-lhe ao mesmo rempo mais pão Dandose pois a cada ihdividiio 50 alqueires de pão, e senastagen$ , tio cotticulo do seu arrenda- mento. Alguns proprietários , Lavradores só no nome , fazem da lavoura não hum utii trafico , mas sim hum destruidor negocio , utilisando sim- plesmente os seus campos em alguns dias dc divertimento , e entregan" do tudo ao cuidado dos feitores e caseiros ; p.ira estes homens pois re- commendo muito as bellas máximas do citado Culumella no cap. 2., en- t^c as quaes se acha a seguinte : Nam illud vetus est éi- Catonis : Agrum p.siime multiri , cujus dominus quid in to faciendum sit , non docet , sed audit villicum. At Corporações , abusando da Lei , dão as mãos para augmeniar o inali disfructando famosos prédios, que deviáo aforar, fazem humas ve- 2Cí o mesmo que o Rendeifo geral , c outras vezes imitáo aos máos pro- prietários ; em nm he evidente que hum administrador trienal não empre- ga os seus cuidados para beneficiar hum terreno, que o seu futuro «uc- cessor hade utilisar , ou talvez deixar destruir. Emquanto pois não forem tirados estes grandes estorvos pela raiz , não se espere prosperidade na lavoura Transtagana-; a matéria não he tão árdua , que se não possa chegar ao alcance dos meios para se obter ; pa- ra issâ ne mister que se ouça a voz do Legislador : 11 Corporações , vóí D nád podcic exercitar a lavoura , entregai-a ao dominio uiil de quem cul- I tiva. Proprietários, sede lavradores, ou aforai vossos prédios, s Execu- tai á risca esta voz legitima , lieremos então caminhar avante todos os ramos de Agricultura ; o AvOengo , o Pai gosrosos (rabalharáó no augmen- to do prédio , que he a legitima herança dos netos e dos filhos ; prin- cipiará então hum novo commercio, que se acha amortecido pela estagna- rão dos prédios na mão do proprietário, donde pela sua natureza vincu- ada não pódc sahir ; desta arte utilisando o senhorio directo a percepção do cânon sem despeza , e dos laudemios crescidos pelo augmento do va- lor do prédio , ganhará muito o Estado , vendo florecer o seu esteio e sus- tentáculo , e entrar no seu erário tantas soinmas de novos teditos Reaes » ée que á muito tempo se acha privado. l 6ê: MeMoUias da Academia Rcal Artigo X. Dos rtiitief'aes mais attendiveis. k3Egundo as observações , que pude fazer, alcancei , que em algumas partes do Termo de Monte Mor o Novo se en- contrão itiinas de ferro , e sulfato de ferro. Na Freguezia de S. Tiago do Escoural tirou hum Lavrador das entranhas da terra porções de ferro , com que fabricou dois arados. Na serra dos Monges das Covas de Montforado , além destas minas , ha muitas porções de sul- fato de ferjro. A R T I G o XI. A Das Ribeiras , Pontes , e Fontes. Ribeira mais considerável de Monte Mor he aquella a que os habitantes dão o nome de Canha; a sua corrente hc inui próxima á Villa , e cinge as faldas dos montes da antiga Sovoação pela parte do Sul. Perto do Eremitorio dos Padres e Santa Cruz de Rio Mourinho , de que fallei no Arti- go VIL, ha outra assim chamada; c na distancia de huma légoa àõ Poente encontra-se a pequena Ribeira , chamada da Lage. Duas pontes de pedra bem construidas dão aos habi- tantes de Monte Mor o Novo a passagem da Ribeira de Canha ; a antiquissima Ponte chamada de Alcácer (a) , que fica fnni 'próxima á Villa pela parte do Sul , e a Ponte de Évora, que fica para a parte do Norte em pequena distan- cia ■y chamadas assim pelas suas direcções ( ^ ) . A pequena Ri- (a) He do rempo do Siir. D. Sancho í. , que a mandou fazer. (6) Na estrada desta Villa em direcção para a Cidade de Lisboa nâo havia Ponte alguma sobre a RibeiM de Canha, cuja falta causava im- Mensos damnos ; prmcípiòo^se esta obra de prosperidade debaixo da di- tecçáo do meu bom amigo o digno e habilissimo Inspector João ]osé d« I i DAS ScTBNCiAS DE Lisboa. 67 Ribeira da Lage tem igualmente huma Ponte de pedra do mesmo nome. Goza a Villa de Monte Mor e os seus campos de 5-65: Fontes , entre as quacs se contão 43 de bellissimas agoas férreas (a). Artigo XII. JlLí Do Commercio. /M dois pontos de vista se pódc considerar o cohimer- cio de Monte Mor o Novo , activo, c passivo {b): o trigo, centeio, c cevada nos annos da maior fertilidade f.izcm o objecto do commercio activo (c), dirigindo-se para a Ca- pital do Reino, c para algumas outras terras; o feijão faz o objecta do commercio passivo , assimcomo o arroz , cujos géneros nos fornece a Cidade do Porro , a Villa de Setú- bal , e Alcácer do Sal. O vinho he bastante para os habi- tantes , todavia entráo todo o anno grandes quantidades de vinho de fora , que se vende nesta povoação contra a-> pos- turas da Camará , que o prohibe. Faz tambcm objecto do commercio activo o azeite , que se dirige para a Capital do Reino , e para as Provincias. I ii As Veiga, hoje Corregedor d^- Ilha de S. Miguel, porém intelizmente a de- viscador.i guerra levou as providencias a outros destinos , e a Ponte tão necess.iriâ em huma estrada militar ficou em menos de ametade , era pa- ra dcseiar que náo ficassem baldados tantos trabalhos e tantas despezas já feitas , e que se ultimasse huma obra tão proveitosa. (ii) Correm muitas destas agoas férreas proximamente á Villa, sáo frequentadas pelos habitantes , e applicadas medicir.almcrte ; de todas as mais famosas são quatro Fontes férreas , que correm na Farochia de Sáo Tiago do Escoural , c huma na de S Brissos , debaixo do cume de hum monte , a qual ainda nos annos mais secos tem a corrente de huma te- lha d' agoa i pessoas que vivem em muita distancia anciosamentc a man- dão buscar. (fc) Chamo commercio activo aqu-lle que os habitantes fazem com as producções do seu local , e passivo ao que lhe provém das cousas existentes fora da povoação. (f) Nos annos , em que estes géneros náo chegáo para osr habitantes , e ainda mesmo no tempo de esterilidade , levão daqui os monopolistas va- lias porções , que fazem huma considerável talta nesta povoação. 68 ^tEMoHIAS DA Academia Real As fructas , de que tanto abundão estes siitioe , entcáo em commcrcio activo ; a Capital da Província do Alemtójo , e muitis outras terras comem cm hama grande parte do an- no as hellas e deliciosas fructas , com que a natureza enri- quece a minha Pátria. O commercio activo mais considerável he a carne de porco ; mui gordas varas de porcos caminhão daqui todos os annos para a Capital do Reino , e para muitas partes das Províncias. Os bois, vaccas , carneiros c chibatos fazem o objecto do commcrcio mixto, cntrão muitas manadas des- tes difFerentes animaes , e sahem também muitas , criadas no Termn. As lãs e diversa coirama da fabrica , de que fallei no Artigo VII. , fazem huma parte não pequena do commercio activo que se dirige para as Provincias ; não ha porém huma só droga , que não seja objecto do commercio passivo ; as de lã c algodão em grande parte vem da Capital do Rei-, no, assimcomo as de seda, que também nos fornece a Gi-« dade do Porto, c o Reino de Hespanha ; as saragoças a Vil- la do Torrãa , e os chapeos as Cidades de Lisboa e Bra- ga. Alguns pannos de linho se fibricão em Monte Mor , são todavia poucos e mal arranjados ; a maior parte dos ha- bitantes usa de pannos de linho da Provincia da Beira. O sal c o peixe he todo do commercio passivo, que nos fornecem as Villas de Setúbal e Alcácer do Sal, Tem Monte Mor o Novo quatro lojas de Mercado- res , duas de Algibebes, e huma de Panneiros, estas com- prehendem também ramos de capella , mercearia , quincalha- ria , e alguns comestíveis. Os empregados nestes ramos de negocio são quatro Mercadores e seis Caixeiros , hum Al- gibcbe e Caixeiro, hum Panneiro e seu Caixeiro, O commercio desta Vi lia podia estcndcr-se muito em beneficio dos habitantes, e da Nação : melhorada a Agricul- tura nos diversos ramos , de que ella se compõe , teremos também melhorado o commercio ; melhoradas as machinas , em que se manufactnrão as producçoes da terra , aperfei- çoa- 1 dasSgienciasdeLisboa. C<) coadas as artes tão decahidas nesta povoação , teremos no- vos passos progressivos para o augmento dcllc ; o concer- to das estradas publicas , que o tempo e a guerra tem destruido , ultimará as vantagens e prosperidades do com- mercio de Monte Mor o Novo («). Aààitamento ao Artigo W. I^Uando tracei o plano , que devia seguir no desempe- nho desta Memoria , inclui nelle também a relação dos nascidos e mortos por espaço destes últimos dez annos em todo o Termo daquella Villa ; para este fim recorri aos Fa- rochos , aos quaes enviei hum papel mui claro das averi-» guaçoes , que delles pertendia (^). Eu não pude obter então aquelle fácil conhecimento ; porque os Parochos das Freguezia de S. Brissos , e de São Sebastião da Giesteira se desculpavão com a falta dos Li- vros , asseverando que estavao na Cidade de Évora ( r ) , e o (/i) As estradas publicas fazem huma parte essencial da felicidade dos povos j e do seu commercio ; todo o homem , que apenas rem hum vislumbre d;.'sta arre , conhece , que debalde produzem as terras com ter- tilidíde , quando os- povos não tem estradas capazes de levar aos seus visinhos a abundância do seu paiz. Deste vehiculo de fecundidade? ptin- cipia Monte Mor a gozar nos dias em que escrevo ; as suas estfadas es- taváo mui arruinadas , cm muiros sitios não podia passar huma carreta , ou hum carro sem f^rande risco ; a guerra foi causa principal de hum tal estrago, porque tendo-a? destruido corn os difFerenies trilhos do trem bcllico , não dêo tempo de as concertar. O actual Juiz de fora , o Doutor Cypriano Justino da Costa , tem destinado huma patte dos seus cuida- dos para este objecto tão importante. C/") Adiante oftcreço .-.os meus leitores hum dcsres papeis de avcti- gua/;áo , e a resposta do Cura rural aos respectivos quesitos. De propó- sito não quiz usar de mappas mui riscados , cuja complicação se deve evitar na indagação da verdade , mas sim de huma singela relação dos contentos Parochiaes. (f) Nestas ultimas averiguações conheci a futilidade do pretexto; to» 70 Memorias da Academia Real o Cura da Parochia de Santo António das Vendas Novas , patenteava as consideráveis omissões do seu antecessor , que havia negado o devido assento a muitos nascidos e mor- tos ( rt ) . Apezar desta triste circumstancia continuei no meu trabalho , que pude ultimar em ponto exacto , indagando por mim mesmo os Livros das Parochias mais principacs , e aproveitando-me de alguns dignos Pastores , que me aju- darão nesta util tarefa : o Parocho da Freguczia de Santo António das Vendas Novas , pelo fácil conhecimento de hum pequeno circuito , poude mui bem supprir as faltas do seu antecessor , de maneira que o mappa manifestado agora ao publico neste additamento he filho de rigoroso exame , e da mais escrupulosa indagação ( ^ ) . Es- <3os os livros dos assentos dos nascidos e mortos no espaço de dez an- nos estaváo e estão ainda nos cartórios Parochiaes : eu devo muito nes- te trabalho ao oflicioso génio do Reverendo José António da Silva , Pa- rocho da Treguezia de S. Tiago do Escoural , o qual não só se encar- regou do mais exacto exame da sua Parochia , mas também das três vi- sinhas , S. Brissos , Boa fc , e S. Sebastião da Giesteira , de cujos Paro- chos cu não poderia esperar respostas , que satisfizessem os meus desejos. (rt) Eu presenciei estas faltas, encontrando entre as folhas dos livros dos nascidos c mortos pequenos papeis , que continháo algumas lembran- Ç.1S e declarações , que não forão lançadas no luçar comp?tente. (/í) Este trabalho, a que me dediquei , dèo occasiáo a ver alguns de- feitos importantes em certos livros dos assentos Parochiaes ; por isso sou obrigado a dizer pelo amor da verdade , caracter que deve ser insepa- rável do escriptor, que Oi livros dos Parochos necessitáo de hum arran- jamento feito por certo methodo claro e adequado as suas Parochias ; to- da a vantagem desta proposição será conhecida no publico , quando se obscrv.u que a Carta Estatística Nacional depende mui principalmente das averiguações Parochiaes ; ninguém melhor do que os Pastores Eeclesias- ticos p jde dar a perfeita e cabal descripçáo de hum pequeno circuito , aonde tem a sua efFectiva residência para dirigir as almas , e aonde hum espirito de recreio e curiosidp.de os pôde levar ao mais roiudo conheci- mento daquclla parte do seu rebanho , que lhe foi confiada : quando es- ta verdadeira lembrança se verificar , a passo e p.isso farão progressos as descri peões estatísticas até ao complemento da Carta geral tão inuior- tanre , e tão desejada. Parcce-me que seria óptimo methodo para evitar enganos , e ao mes- mo tempo mais facll e ptompto haver nas Parochias livros com os di- zeres communs impressos. I DAS Sf^iENciAS DE Lisboa- 71 Esrc mappa offcrccc ás vistas de hum leitor amante da sua Pátria as mais dolorosas observações. Monte Mor o No- vo não entra no numero daquelles si tios os mais doentias da Província do Alemtéjo : ; quanto he pois para lamentar que huma bclla Vi lia tenha visto diminuir sensivelmente a sua população , morrendo no espaço destes últimos dez an- nos 339 habitantes, numero considerável, que excedeo os nascidos! (a) Sc este lastimoso facto está verificado na mi- nha pátria , i a que ponto de desgraça será levado nessas povoações , que sao bafejadas por hum ar impuro , cercadas de pântanos e de immundos charcos, privadas do bom ali- mento , da abundância das agoas , e dos soccotros da Clini- ca ? i Que horroroso aspecto offerece á nossa vista esta ter- rivel comparação 1 Não he pois para desprezar huma observ^içao fatal ; a perda considerável da população da notável Villa do Mon- te Mor o Novo no espaço destes últimos dez annos exige providencias bem enérgicas para toda a Província , este ra- mo he o primeiro a que deve lançar a vista o verdadeiro politico ; a falta progressiva dos Vassallos diminue a gran»- deza do Soberano , e faz cahir a Nação a pouco e pouco até á sua ruina. Deixo inculcado no Artigo IV. desta Memoria al- guns remédios , que me parecerão conducentes para o des- vio dos males , que estorvão a população de Monte Mor o Novo ; e aprescntando-me o mappa dos nascidos e mortos de todo o Termo daquella Villa , cm comparação bem de- l duzida , huma pavorosa imagem de toda a Provinda , seria 1 muito para desejar os remédios convenientes a tanto mal (b) . I A (a) Agora SC verifica cm ponto bem claro, o que eu asseverei no Ar- tigo IV. flcst« Memoria. (fr) Este infeliz resnlt.ido não poderá deixar de ferir sobremaneira o cor.tçâo do politico Portuguez , mui principalmente se eu lhe apresentar , 1 nesta nota cm ponto verdadeiro o resultado desta bem deduzida supposi- I ção ; pari isto será bastante ler poucas linhas do Investigador Portuguez • ifri Inglaterra Vol. 1. pag. ic6 ; ahi achará o mappa da população àe \ Portugal cm 1801 , que o convencerá da verdade, que tenho deduzido- 7» Memorias da Academia Real A Agricultura da Provinda do Alcmtéjo , companhei- ra inseparável da população, caminha, á muitos tempos , pe- la calamitosa estrada da perda e da ruina, todas as Memo- rias e Discursos , que tem appaiccido na nossa terra a res- peito deste importante assumpto , dcixíío ver em ponto tão claro como a luz do meio dia a asseveração desta dura ver- dade. A guerra , que á pouco nos deixou , dêo a ultima demão ao estrago da Província Transtagana : todos sabem as mui variadas maneiras desta tcrribilissima luta; basta que lembre ao bom Cidadão , ao bom patriota , que os Portu- quezes se estragarão huma e muitas vezes para enfraquecer o inimigo nas suas arrebatadas invasões , defesa dura , po- rém necessária , e de prospero e milagroso resultado. Se os factos ruinosos da Agricultura do Alemtéjo são visíveis, he mister remedia-los de huma vez com energia, porque he bem sabido que não pôde haver população sem Agricultura , e que esta sem aquella também não existe ; são ambas as simultâneas promotoras da felicidade nacio- nal. Eu já apontei no Artigo IX. desta Memoria alguns remédios , que poderião generalisar-se á Província Transta- gana , e lembrarei agora , que seria hum passo indispensá- vel não tirar hum só braço deste terreno , que faz o seu fundo principal nos diversos ramos de Agricultura , cujo ob- jecto he o sustentatulo da Nação em todos os seus perío- dos. Tropas estrangeiras assalariadas , fazendo o serviço mi- li- Na pag. I IO .ipresenta aquelle mappa a difFerença dos nascidos e mortos ái minha Província da seguinte maneira ; a No Arcebispado de Évora fez « differença contra a população o numero àe 5/82 do sexo masculino , e ■ 933 do sexo femenino. No Bispado de Porcalegre too , e lOp. No Bis- a pado de Elvas 635 , e 456. No de Beja 35 , 158. " Combine pois o Portuguez , amante da sua Nação o csrado desta Província com as outras ; observe , que nem scijuer hnm sn Bispado do Alemtéjo ofFerece aspecto favorável , antes pelo contrario a nwis dolorosa mortandade ; iembre-se igualmente , que se a minha Província escava no anno de 1801 no calamitoso estado de população apresentado pelo map- pa inserido no Investigador , a que ponto de desgraça terá chegacío hoje este fatal estrago , depois dos visíveis males , que desde então tem de- corrido , os quaes fazendo época na historia do Patriotismo Portuguez ^ UDlbem a liZiía no destroço da sua população. UAS SciENCIAS DE LiSBoA. 7J litar da Província , dcixarião á Agricultura os braços , que no meio de lia tem nascido ; desta arte hum bom numero de homens , muitos dos quacs se naturalisariao na Provin- cía , e contrahirião amizades c allianças , faria prosperar a sua Agricultura, e por conseguinte a população («)• Oxalá que cu tenha dito neste fraco esboço, a que me conduzio o funesto mappa , alguma verdade , que possa ser tão util d minha Provincia , quanto são os meus desejos; eu me lisonjearei então com esta Memoria ; o Filantropo agra- decerá os meus trabalhos , e o Publico conhecerá sempre as grandes vantagens , que a Nação pode tirar das dcscripções est.itisticas. '(i) A Suissa, cuja Constituição militar he hum.i das inais bellas que se conhece , podia fornecer óptimos soldados , que preenchessem o nu- mero lios Regimentos necessários á Provincia do Alcmtcjo ; este serviço praticado por hum espaço de vinte ou mais annos deixava gozar a la- iavoura de todos os braços da Provincia , que lhe são roubados no es- tado da melhor robustez para o duro trabalho do campo ; cresceriáo as- sim as familias , c appaceceriáo novos chefes : desta época por diante pa- rcce-me que as descripções esratisticas apresentariáo huma face agradá- vel , offcrecendo aos olhos do publico mappas do engrandecimento da lopulaçáo e Agricultura, em vez do triste aspecto, com que se mani- csiáo em os nossos dias. r< tom. V. K Ke- 74 Memokias da Academia Real Relação da Freguezia de Santo Aleixo , e resposta do Pnrocho aos quesitos que mlla se contem. Numero de indivíduos por espécies. Qiiantos homens casados --------- ^6 QLiantas mulheres casadas --------- 66 Quantos viúvos ------------ao Quantas viuvas ------------20 46 39 4Z 24 Quantos homens solteiros até 30 annos de idade - - Qiiantas mulheres solteiras até 30 annos de idade Quantos homens solteiros com mais de 30 annos de idade Quantas mulheres solteiras com mais de 30 annos de idade Numero de individues por idades. Quantos tem até lo annos 10 até 3o - • 20 até 30 30 até 40 - ■ 40 até fo jo até 60 - - 60 até 70 - ■ 70 até 80 - ■ 80 até 100 - - Numero dos nascidos. Quantos nascerão no anno de Sexo masculino < i8of 1806 1807 1808 1809 1810 1811 i8ia 1813 l 1814 Quan- 5-4 6Ó é4 69 39 30 4 I o 4 9 1 1 10 7 6 IO 5 4 DAS SciINCIAS DE LiSBOA. 7S Quantos nascerão no anno de Sexo feminino-^ ri 8oy 180Ó 1807 1808 1809 1810 i8ii 1812 1813 L1814 Numero dos mortos. 4 6 S 7 6 9 7 S 4 13 Quantos morrerão no anno de ' Sexo masculino Quantos morrerão no anno de Ç Sexo feminino < 806 807 808 809 810 811 8iz 813 814 805- 806 807 808 809 810 811 812 813 814 S II 12 9 7, 12 10 II 12 6 3 6 3 16 it 6 7 10 7 14 K 11 En- j6 Memorias da Academia Real Engeitados. Qviantos nascerão «Jcsde iSoj" até 1814- - - - - o CjtLiiintos morrerão xlesde 1805' até 1814- - - - - o Numero dos casamentos. Cantos se celebrarão no anno dei8i4 - - - - 4 Numero dos fogos. Quantos existem ------------88 Numero das casas. Qiiantas existem habitadas ---------88 Quanus inhabitadas ----------- 14 Numero de indivíduos por classes. Qiiautos Clérigos ---__._--__ x; Qi^iaiitos Frades ------------ o Quantos proprietários de casas, ou prédios urbanos - o Qiiantos proprietários de fazendas , ou prédios rústi- cos de cjualquer natureza _-___--- ^ Quantos individues que vivem somente das suas ren- das _»-_.-_--_----- p Quantos indivíduos que vivem da sua industria , ou do seu trabalho mechanico --------- g^ Qi-iantos indivíduos que unem qualquer trabalho ás suas rendas ------------- 6 Quantos trabalhadores jornaleiros ------ 48 Qiiantos creados ------------49 Qiiantas crcadas ------------13 Quantos mendigos do sexo masculino ----- 3 Quantos" do sexo feminino --------- 4 Ge- I DAsSciEKCIASPxLlSSOA. chega para a fregue- Quanto produz cada silha ? J zia. Minas. Ha algumas minas descobertas de ferro , salitre , capa- roza &c. , e seus sitios ?--------- o Ha algumas pedreiras attendiveis ? - - _ - o Fabricas. Quantas fabricas ?---------- o Qiiantos fornos de cal ?-------- o Quantos fornos de tijollo? ------- o Quantos moinhos d'agoa ? ------- 7 Em que ribeira estão construídos ? Na de Monte Mor. Qiiantos lagares de uvas ? ------- o Qiiantos lacares de azeite ?------- t ^ Of- DAS SCIEKCIAS OE LiSBOA. 79 Officios Quantos Albardeiros ? - - - Mestres Aprendizes Alfaiates? ------- Mestres Aprendizes Barbeiros ?_------ Mestres Aprendizes Carpinteiros de casas ? - - - Mestres Aprendizes Carpinteiros de carretas ? - - Mestres Aprendizes Esteireiros ? ------ Mestres Aprendizes Ferradores ? ------ Mestres Aprendizes Oleiros ? __----- Mestres Aprendizes Sapatcims ? ------ Mestres Aprendizes Sciralheiros ?------ Mestres Aprendizes Surradores ? ------ Mestres Aprendizes Tecelões ?------- Mestres Aprendizes Torneiros ?------. Mestres Aprendizes E mais algum officio que houver na freguczia será posto aqui. Nesta freguezia ha s(^mente hum oíficial de Sapatei- ro , c hum picapedras , e moleiros tantos quantos são os moinhos. Confrontações. Com que freguezias ou termos parte a freguezia ? Pe- la parte do norte , com a Matriz S, Lourenço , e termo da Villa de Lavre : pelo nascente com a freguezia de S. Gens : pelo meio-dia , com a freguezia de Saphira : e pelo poen- ■ te com a freguezia de Santo António das Vendas Novas. Historia abreviada da Igreja. Ede-se mais huma idéa breve da Igreja Parochial , que comprehcnda a sua origem , seu nome , se sempre o conser- vou ; seu Orago ; a quem está sugeita , se tem algum pa- droeiro ; seus reditos , suas Irmandades e Confrarias , seus no- 8o Memorias da Academia Real nomes , origens , e rendimentos ; quantas Ermidas , ou pe- quenas Igrejas tem sugeitas á Parochia , pelos seus nomes ; se tem algum monumento ou inscripçao de antiguidade di- gno do aticnção , e como he ; e tudo o mais que íqt ce- lebre ? Pelos livros que ha nesta Igreja mais antigos he somen- te poronde posso dizer o seguinte j e pela tórma com que se observa erecta a Igreja material. A primeira obra na erec- ção foi huma Capella muito bem forte de abobeda , que ti- nha tanto de larga como de comprida , que não excede a seis passos, e agora accrescentada por duas vezes tem ein seu comprimento o dobro quadruplicado da Capella ; a primei- ra visita em que consta desta Capella erecta cm Parochia foi no tempo do Arcebispo D. José de Mello no anno de 162 1 : ha só no destricto desta frcguczia a Igreja P.irochial , tem só huma Confraria , que he a do Rosário , confirma- da no anno de 1735", não tem mais reditos, doque os que dão de esmolas os Irmãos , segundo os estatutos , ou sua voluntária devoção ; a nada mais chegão 03 meus conheci- mentos. AP- dasScienciasdeLisboa. 8i APPENDICE Á MEMORIA ANTECEDENTE. Copia do Foral antigo de Monte Mor o Novo , como se conserva no Real Archiva no Maço 1 1 dos toraes antigos N. 16 , e no Maço 1 1 dos mci mos N. 3 fo/. 29 , e no Livro dos Foraes antigos de Leitura Nova foi. 78 cal. 2." I N nomine Patris et Filii et Spiritus sancti amen. Ego Rex Sancius , magni Alfonsi Rcgis filiiis, una cum filiis mcis RegeAlfonso, et Re- ge retro , et Rege Fernando , et Regina Tarasia , et Regina Dulcia ad líonorem Dei et sancte Marie seniper virginis et omnium sanctorum , Montem maiorem volumus populare. Damus vobis fonim de Elbora , tam preícntibiis quam futuns; ut duas partes do cavaleiros vadant in fossad-,) , et tercia pars remaneac in villa ; et una vice faciant fossado in anno: ille qui non fuerit a fossado pcctet pro foro quinque sólidos pro fossadcira. Et pro homicidio pcctet centum sólidos ad palaciíim. Et pro casa derrota cum armis , sentos , et spadas , pectet trecentos só- lidos, et septima ad palacium. Et qui furtarei , pectet pro uno novem, et liabcat intentor duos qiiiniones , etseptem partes ad palacium. Et qui mulier aforciaret, et illa clamando dixerit quod ab illo est afor- ciata , et ille negaret , det illa autorgamento de homines tales qualis ille fuerit, ille juret cum duodecim ; et si non liabuerit autorgamento, juret ipse solus, et si non potuerit jurare , pectet ad illam trecentos só- lidos , et septima ad palacium ; et testimonia mentirosa et fidele men- tiroso pectet sexaginta sólidos, et septima ad palacium, et duplet el avar. Et qui in concilio aiit in mercato vel in ecclesia feriret , pectet sexiginta sólidos , médios ad palacium et médios ad concilio ; et de médio de concilio septima ad palacium. Et homine qui fuerit gen- tile aut eredoro,non seat merino: et qui in villa pignos afflando et fiador et ad montem fuerir pendrar , duplet Ia pendra , et pectet sexa- ginta sólidos, et septima ad palacium. Et qui non fuerit ad sinal de judice, et pignos sacudiret ad saion , pectet unum solidum ad jiidicem. Et qui non fuerit ad apelido cavaleiros et pedones , exceptis hiis qui sunt in servicio alieno , miles pectet decem sólidos , pedon quinque só- lidos ad vicinos. Et qui liabuerit aldeiam, et uno jugo de bovcs , et quadraginta oves. et uno asino, et duos lectos, comparet cavalo. Et 3ui crebantaverit sinal cum sua mulicre , pectet unum solidum ad ju- icc. Et mulier que leisaverit maritum suum de benedictione , pcctet trecentos sólidos et septima ad palacium. Et qui laxaverit mulierem suam pectet unum denarium ad judicem. Et qui cavalo alieno caval- Tom. F. L ga- 2i Memorias oa Academia Real garet , pro uno die pectct iiniim cainariíini ; Et magis pectct las an- giieiras pro uno die qiiinqucdsnaiics, et pio una noctc unum solidiim. Et qui fcriret de lancea aut de espada pro Tantrada , pectct dcccm solides. Et si trociret ad alteram partem , pcctet viginti sólidos ad que- rcloso. Et qui crebantaverit oceulum aut brachium ayt dente, pro uno- quoquo membro pectet centum sólidos alisiado , et ilt^det scptima ad palacium. Qui mulier ante suuni niaritiim fcriret , pcctet triginta sóli- dos, et septima ad palacium. Qui moion alieno in suo ero nuidaret , pectct quinque sólidos , et septima ad palacium. Qui linde alieno cre- batavcrit , pectet quinque sólidos , scptima ad palacium. Qiii conducte- rio alieno mataverit , siius amus colligat homicidium et det scptima ad palacium ; similiter de suo ortelano et de quarteiro et de suo n-.on- leiro et de suo salarengo. Qiii iiahuerit vasalos in suos solar aut in sua hereditate, non serviant ad aherum hominem detota sua facien- da , nisi a domino de solar. Tendas et niolincs et lornos de homines de Monte maiori sint liberi de foro. Milites de Monte maiori sinr in judicio pro podestades et infiinsones de Portugal : Clerici vero ha- beant mores militum. Pedones sint in judicio pro cavaleiíos villos de altera terra. Q^ii venerit vozeiro ad suum vicinum pro liominc de fo- ras villc, pectet decem sólidos, et septima ad palacium. Ganado de Monte maiori non slt montado in ulla terra. Et homine qui se ana- fragaret suo adextrato quanvis habeat alium sedeal exqusato usque ad capud anni. Mancebo qui mataret hominum foras yille etfugerit suo amo, non pectet omicidio. Por totas querelas de palácio el Júdi- ce sedeat vozeiro. Qiii in viiia pindrar cum saionem, et sacudircnc ei, pignos autorgent et el saion, et prebendam concilio de três colla- ciones , et pindret pro sexaginta sólidos , médios ad concilio et médios ai rancuroso. Barones de Monte maiore non sra in prestano dado?. Et si homines de Monte maiore babucrint judiciar;; cum bnmines du alia terra, non currat inter illos firma , sed ciirrjt pesquisa aut recto. Et homines qui quesierint pousar cum suo ganaio in términos de Mon- te maiore , prendar de illis montadigo , de grego das oves quatuor car- neiros, et de busto das vacas una vaca: isto montadigo est de con- cilio. Et omnes milites qui fuerint in fossado vcl in guardiã, omnes cavaleiros qui se perdiderint in algara vel in lide, primo erectis eos sine quinta, et postea detis nobis quintam directam. Et totó homine de Monte maiore qui invenerit homines de aliis civitatibus in suis tcrminis tallándo aut levando madeira de montes prendant lotum quod invenerit sine calupnia. De azarias et de guardiãs quintiun par- tem nobis date sine ulla ofírecione. Qiiicumque ganatum doincíiicum pignorare vel rapare feccrit, pectct scxsginta sólidos ad palacium, et duplet ganatum a suo domino. Tcstamus vero et prehenniter firma- mus «uu or DAS SciENCIAS DE LiSBOA. ffj mus, ut quicumque pignoraverit mercatores vel vlatores christianos, judeos sive mauros, nisi fuerit fidejussor vel debitor , quicumque fece- lit , pectet sexaginta sólidos ad palacium , et duplet ganatum quod per- derit a suo domino; et insuner pectet centum morabitlnos pro couto quod fregit : Rcx habeat medietatem , et concilium medietatem. Siquis ad villam vcstram venerit per vim cibos aut aliquas res accipere,et ihi mortuus vel percussus fuorit , non pectet pro eo aliqua calupnia , ncc suorum parcntum omicide habeantur. Et si cum qucrimonia de ipso ad regem vel ad dominum terre venerit , pectet centum morabi- tinos , medietatem Regi, et medietatem concilio. Mandamus et conce- dimusvobis, quod si aliquid fuerit latro.et si jam per unum annum vel duos furari vel rapere dimisit , si pro aliqua re repetitus fuerit quam comisit, salvet se tamquam latro , et si latro est et latro fuit, omnino percat et subsubeat pena latronis. Et si allquis repetetur pro furto, et non est latro , neque fuit, respodeat ad suos foros. Si aliquis homo filiam alienam rapere extra suam voluntatem, donet eam ad suos parentes , et pectet illis trecentos morabitinos et septima ad pa- lacium , et insuper sedeat homicida. De portatico foro , de trosel de cavalo de panos de lana vel de Uno unum solidum. De trosel de la- na unum solidum. De trosel de fustanes quinque sólidos. De trosel de panos de colore quinque sólidos. De carrega de piscato unum solidum. De carrega de asino sex sólidos. De carrega de christianos de coni- lios quinque sólidos. De carrega de mauros de conilios unum mora- bitinum. Portagem de cavalo quem venderint inazougi unum solidum De mulum unum solidum. De asino sex denarios. De carneiro trcs medaculas. De porco duos denarios. De forom duos denarios. De car- rega de pane et de vino três medaculas. De carrega de pedone unum denarium. De mauro quem venderit in mercado unum solidum. De mauro qui se redimit , decimam. De mauro qui taliat cum suo domi- no, decimam. De corio de vaca et de zevra duos denarios. De corio de cervo et de gamo três medaculas. De carrega de cera quinque só- lidos. De carrega de azeite quinque solides. Ista portagem de homi- nes foras ville tersia de suo hospite , et duas partes de rege. Ego Rex Sancius una cum filiis méis hanc cartam confirmamus et roboramus : quicumque hanc cartam irrumere voluerit , sit maledi- ctus et excomunicatus : amen. Facta carta mense marcii era millesima duccntesima quadragésima prima. Qui afFuerunt Mar. Bracarensis Ar- chiepiscopus confirmai. Mar. Portugalensis Episcopus confirmar. Petrus LamecensisEpiscopusconfiruiat.Nicolaus VisensisEpiscopusconfirmat. Petrus Colimbricnsis Episcopus confirmat. Suarius Ulixbonenf Is Episco- pus confirmat. Pelagius Elborensis Episcopus confirmat. Alfonsus Me- L ii nen- 84 Memorias DA Academia Real nendi Pretor de Sanctarem testis. Egas Pclagii testis. Rodericus Vene- gas testis. lohanes Gonsalví. Domnus G. Menendi Maiordomus curie confirmar. Domnus Mar. Fcmandiz signifer domini Regis confirmar. Domnus lohanes Fernandi dapifer domini Regis confirmar. Domnus Rodericus Menendi confirmar. Domnus Pelagius Suarii confirmar. Pe- lagius Pctri Pretor et populator ejusdem loci testis. Petrus Nuni restis. Fernandus Nuniz testis. Petrus Gomes testis. lulianus curic notarius. Ego Alfonsus II. Dei gratia Portugalie Rex , una cum uxore mea Regina domna Urraca , et filiis nostris Infaniibus domno Saneio et domno Alfonso et domna Alionor , concedo et confirmo vobis popu- latoribus de Monte maiore istam cartam et istud foium, quod vobis dedit Pater meus excellentissime memorie Rex Domnus Sancius. Et ut hoc meum factum in perpetuum firmissinium robur obtineat, precepi fieri istam cartam, et eam feci meo sigillo plúmbeo communiri. Facta fiiit hec carta mense lanuarií apud Sanctaren sub era millesima du- centesima quinquagesima sexta. Nos supranominati qui hanc cartam íieri precepimus coram subscriptis iilam roboravimus , et in ea hcc si- gna fecimus. Qui afíuerunt Domnus Stephanus Bracarensis Archicpis- copus confirmar. Domnus Mar. Portugalensis Episcopus confirmar. Do- mnus Petrus Colimbriensis Episcopus confirmar. Domnus Suarius Ulix- bonensis Episcopus confirmar. Domnus Suarius Elborensis Episcopus confirmai. Domnus Pelagius Lamecensis Episcopus confirmar. Domnus Bartolameus Visensis Episcopus confirmat. Domnus Mar. Egitaniensis Episcopus confirmar. Domnus Mar. lohanis signifer domini Regis confirmar. Domnus Petrus lohãnis Maiordomus curie confirmar. Domnus Laurencius Suarii confirmat. Domnus Gil Valasquiz confirmat. Domnus lohanes Fernandi confirmat. Domnus Fernandu^ Fernnndiz confirmat. Domnus Gomecius Suarii confirmat. Domnus Rodericus Menendi con- firmat. Domnus Poncius Al fonsi confirmar. Domnus Lopus Alfonsi con- firmat. Magister P/acius CamoT Portugalensis rcsris. Petrus Ga rsie tes- tis. Vincencius Menendi testis. Mar. Perriz testis. Petrus Petriz testis. . loanninus testis. Gunsalvus Menendi Cancellarius domini Regis. Novo Foral dado a Monte Mor o Novo pelo Senhor Rd D. Ma- noel, copiado do que se acha naCamera da dita Vi lia , e con- ferido com o riginal do Archivo da Torrt do Tombo. D, 'Om Manoel per graça de Deos Rey de Portugall e dos Algar- yes daquem e dalém mar em Africa , Senhor de Guynee e da Com- quista Navegação e Commercio de Ethiopia Arábia Percya e da Ín- dia. A quantos esta nossa Carta de Foral dado a Villa de Monte Moor DAS SCIENCIAS DK LlSBOA. 8^ Moor ho novo virem fazemos saber , que por bem das deligencias e pauccs e emquyryçooens que em nossos Regnos e Senhorios manda- mos civelmente fazer pêra justificaçam e declaraçam dos foracs del- lec : e por algumas sentenças e determinaçoens que com os do nosso consellio e Letrados fizemos. Acordamos , visto o foral da dita Vii- la , dado por ElRey Dom Sancho o primeiro, que as Rendas e di- reitos Rcaes se arecndassem na forma seguinte. Posto que por o dito foral não fossem postos nelle nem decra- rados os Reguengos e propriedades, que nos c a Coroa Real destes Regnos tem na dita Villa , por ser couza própria nossa patrimonial , porem nos agora queremos fazer no foral desta Villa o que temos feito nas outras de nossos Reynos , a saber. Declarar todollos direitos que avemos na dita Villa os quaaes sao os seguintes. Primeiramente he da Coroa Real o Reguemgo nosso no termo da dita Villa, que chamão ho azinal cm que ha quinze arados que es-Azinlid, tão aforados e darcndamentos a prazer dos Lavradores e de Dom João de Sousa nosso guarda moor que de nos os hora traz. E paga- rão os Lavradores delle as ditas pençoens e foros , segundo as aven- ças e escripturas e contrautos que asy antre huns e os outros forem feitos; por quanto o dito Reguemgo he da Coroa Real yzentamente» e por isso as pessoas que em nosso nome o tem ou tiverem husarao delle como atee aqui fizerem per prazer dos Lavradores , segundo ss com elles consertarem , asy de paão e pitanças como de quaesquer cou- zas que se obrigarem de pagar per suas escripturas e convenças. E aos moradores da dita Villa fique inteiro seu direito e liberdade que tiverem ou poderam ter na serventya do dito Reguemgo , sem em- bargo de lhe agora ser embargado ou empedido, sem embargo do qual avemos por bem que se guarde seu direito. E alem das herdades emcabessadas que ha no dito Reguengo ' c demarcadas per suas divisoens, anda também com o dito Reguengo I ho moinho que estaa no dito Reguengo , que paga sobre sy huum í^loinho. moyo de trigo e trinta alqueires de cevada. E tem mais isso mesmo no dito Reguengo huma orta que esta O'*^ a fonte do chaão , em que hora esta Tome Fernamdes , que tem de foro cada anno dous mil reis. E tem isto mesmo na dita Villa humas casas que remdem de fo-Cazas. TO dous mil reis cada anno e doze galinhas e ovos, as quaes estão ao pelourinho da dita Villa. Etem mais a Coroa Real em a dita Villa outro Reguengo, que Reguengos anda com os direitos dalcaidaria , e por isso ho trás ora Dom . . . .doCastella nosso Capitão dos ginetes como Alcaide mgor que lie da dita Villa , c a valia ercmda delle, easy doutro de citna dio azinhal, ouvemos por 8^ Memorias da Academia Real porescuzada decrarar aquy , por que nam pagam foro certo, antes se mudam muitas vezes e por isso a renda delias não vai aqui; porem o dito Alcaide moor e as pessoas que depois dejle o dito Reguen- go de nos trouxerem, o daram pollos preços que poderem por anno ou annos, como lhes mais aprouver per prazer e comssintimcnto dos Lavradores que ncllcs ouverein de lavrar; no qual Reguengo os mo- radores da dita Villa iiuzaram como sempre costumaram, o qual cos- tume de tempo uzado a vemos por bem que se lhe guarde. Tabaliacs. Pagaram os cynquo tabaliaes do Judicial em cada huum anno aquella penssao soomente que soyam de pagar os quatro, ante que nestes cynquo fossem acrescentados, a saber mil e quatro centos reis cada hum dos quatro, que fazem soma cynquo mil e duzentos c sns- senta reis, a qual somma se ade partir igualmente pollos ditos taba- liaaês ; e pagam na dita maneira de mil e quatro centos e corenta reis por anno cada hum dos três tabaliaes das notas da dita Villa cada hum per sy. Açougage. Os açougues da dita Villa sam nossos e per consseguinte pa- gam a nos os direitos seguintes, a saber, pagam os almocreves que vem vender ao dito açougue de cada carga de pescado dous reis c mais hum arrátel pêra o Alcaide moor, e se forem sardinhas paga- ram os ditos dous reis e mais huma dúzia de sardinhas de cada car- ga , e este direito pagam os de fora como os da Villa , e pagam mais os de fora o direito da Portagem segundo em seu capitólio yra de- crarado. t^allaio. E as vendeiras que venderem na praça pagaram de qualquer cesto que teverem ante sy vendendo , dous çeitiis por dia , e se he gi- ga grande pagará meyo real ; e de qualquer carga que venderem pagaram huum real, e as padeiras pagaram de cada amassadura dous çeitiis. Carnecei- E pagaram ysso mesmo açougagem das carnes que cortarem no '°^ dito açogue, o qual direito estam em costume de se pagar por aven- ça que cadanno os Rendeiros com os carneceiros fazem , em que em- tra huuma casa própria dos ditos açougues em que os carneceiros sempre costumarão de terem e guardarem seus coyros, e porque se faria escândalo aos ditos carneceiros quando a dita avença se lhe non quizerem fazer pollos preços costumados , avemos por bem e manda- mos que quando os Rendeiros ou officiaaes se não quizerem com- certar com os ditos carneceiros, que os Juizes ordenairos vejam as avenças dos trcs annos passados, e de todos três façam soma , e o que montar no terço de todos três isso paguem os ditos carneceiros e mais nam. ' • E por quanto no corregimanto dos ditos açougues nam se pode bem DAS SciENciAs DE Lisboa. 87 bem determinar, segundo a imquirição que mandamos disso tirar, que Reptiro quem avia de correger e repairar os açougues do pescado : Decra- ''« »s°"- ramos que o açougue da carne, e asy a caza sobredita pêra recolhi- -■'■"'^ mento dos ditos carneceiros seja sempre corrcgida e repairada de todo o que lhe comprir aa custa dos ditos direitos que se delia pa- gam pêra quaacsqiier pessoas que os ditos direitos de nos tiverem ; V.' quanto as cazas e açougue em que se vende o pescado achamos polia dita imquiriçam que nam estam em costume de se corregercm a custa das nossas rendas , e por tanto decraramos que nam scjão a iíso obrigadas ao dianre. Porem polia dita inquiriçam se mostra ho Marques que foi da diia \'illa tomar e desfazer ho açougue que es- tava dentro da Villa,c mandou fazer estoutro a sua custa, e deu cer- ta parte das casas delic a hum Fernam Dias Carvalho, a comdiçam que elle repairasse seiv.pre e corrcgcsse o dito açougue , a qual obri- gaçam passa a seus sobcessores que devem de fazer a dita despesa e nam o Comcellio; porem por não ser ouvido primeiro mandamos aos vereadores e procurador da dita Villa que demandem loguo os possoyv'ores das ditas casas pêra a dita despesa , e façam o feito con- cordir dentro doyto mezes , sopena ày en diante fasercm a sua custa a despesa dos ditos açougues. È polia penna darma se levaram duzentos reis e as armas per- Pena dai- didas, segundo nossa ordenaçam ; com estas decraraçÔes a saber, que"i»- a dita pena se nom levara quando algumas pessoas apunharem espa- da ou qualquer outra arma sem a tirar , nem pagaram a dita pena aquellas pessoas que sem prcposito e em reixa nova tomarem paao ou pedra posto que com el!n façam mal. E posto que de preposito tomem o dito paao ou pedra , se nem li?erem mal com eJle, nom pa- • garam a dita pena, nem a pagara moço de quinse annos pêra baixo, nem molher de qual quer hydade; nem pagaram a dita pena aquel- las pessoas que castigando sua molher e filhos e escravos e criados tirarem sangue; nem pagaram a dita pena quem jogando punhadas sem armas tirar sangue com bofetada ou punhada. E as ditas penas e cada huma delias nam pagaram ifso mesmo quaaesqucr pessoas que em defendimento do seu corpo, ou por apar- tar e estremar outras pesoas em arroydo tirarem armas , posto que com ellas tirem samgue; nem escravo de qual quer jiydade que com pao ou pedra tirar sangue. O gaado do vento hc direito Real segundo nossa ordenação , Gaado do com decraraçam que a pessoa a cuja maão for ter o dito gaado ho vento, venha dizer ao Escrivão pêra isso ordenado, sopena de lhe ser de- mandado de furto. A Dizima da execuçam das sentenças se recadara e levara na di- eT5',r OT Maninhos. Montados. 88 Memorias DA Academia Real Dizimadas dita Villa por direito Real c de tanta parte se levara a dita dizi- Senten<,as. mg ^^ quanta SC fizer a cxeciiçam da dita sentença , posto que a sentença de mayor conthia seja ; a qual dizima se nam levará se ja se pagou em outra parte poiía dada delia. Os maninhos da dita terra quando os liouver scram dados por sesmeiros segundo nossa ordcnaçam, sem nenhuum foro nem trebuto. Os montados dos gaados que vem amontar de fora ao termo da dita Villa , tynliam cm costume os officiacs da Camará de os re- partirem antre sy , ho que temos mandado que se arecadc pêra a arca e renda do Comcelho, e asy mandamos que se faça daqui em dian- te, com decraraçam que em Camará osofiiciaes delia façam as aven- ças com os donos dos gados segundo sempre costumaram de faser, sem mais rigor nem apressam dos criadores do que se atecqui cos- tumou. E dos gados que emtrarem sem vesinbança ou licença ou avença dos ditos officiaaes ou dos seus B.cndeiros, pagaram por cada vez que asy focem achados a dez reis por cabeça degando vacuum, e cynquo por porco, e a real por cabeça de gaado miúdo; a qual pena e coima scnam levara senam despois que o malham ior to- do descuberto , e o gaado andar todo de dentro do dito termo e doutra maneira nam. E alem do foro qile asy pagam ao dito com- celho , pagaram também aos senhorios dos montados o que se com elles comcertarem , e asy do dano que lhe fiserem. E foi isso mesmo reservado pêra a dita Villa aliem do monta- do sobredito , que quem viesse a cortar madeira a seu termo perdesse a ferramenta e cousas com que a dita madeira cortasse , da qual pa- lavra a dita Villa nam husou segundo o rigor do dito foral , asy por guardarem boa visinhamça a seus comarcaãos , como a elles mesmos nos taaes lugares outro tal lhe fesesem; e por tanto tem-peiaiido a dita palavra com o costume mandanos que os que forem achados cortar a dita madeira pêra levar pêra fora , paguem p(^r cada vez cem reis e mais a ferramenta com que a dita madeira cortarem , e isto aquelles que nam tiverem licença ou avença ou forem Devora na com- tenda da giesteira , homde podem cortar sem coima como sempre fi- seram, sem nenhuma outra em.novaçam. Determinações pêra a Portagem. Primeiramente decraramos e poemos por Lei geral em todollos foraaes de nossos Regnos, que aquellas pessoas ham somente de pa- gar portagem em alguma Villa ou lugar que nam forem moradores e vcfinhos dclle , e de fora do tal lugar e tfrnio delle ajam de trazer as cousas pcra hy vender, de que a dita portagem ouverem de pagar ou CoRar ma- deira. DAS SciENCIAS UE L I S B O A. ?<> OU se os ditos homens de fora comprarem cousas nos lugares bon- de assy nam sam vesinhos e moradorts, e as levarem pêra fora do dico termo. E por que as ditas condiçooens se nam ponham tantas vezo? em cada hum capitólio do dito foral , mandamos que todollos capitólios e cousas seguintes da portagem deste foral se enicmdam e cumpram com as ditas condiçoens e decraraçoens , a saber, que a pessoa que ouvcr de pagar a dita portagem seja de fera da dita Villa e do termo , e traga hy de fora do dito termo con?as pcra vender , ou as compre no tal lugar donde assy non for vesinho e morador, e as ti- re pêra fora. E asy dccraramos que todollas cargas que adiante vam postas e nomeadas cm carga maior, se emtendam que sam de besta muar ou cavallar , e por carga menor se entenda carga dasno , e por costnl ametnde da dita carga menor , que he o quarto da carga de besta maior. E asy acordamos por escusar prolixidade, que todallas cargas e cousas neste foral postas e decraradas seentemdam e decrarcm ejul- gem na reparti^-am '»e conta j> delias asy como nos titullus seguintes do pam e dos panos he limitado; sem mais se fazer nos outros ca- pitólios a dita repartiçam da carga maior nem menor nem costal nem arrovas; soomente polio titullo da carga mayor de cada cousa se entendera o que per esse respeito e preço se deve de pagar das ou- Jias cargas e peso; a saber, poílo preço da carga mayor se entendera ]oguo sem se mais dccrarar que a carga menor será dametade do pre- ço delia , e o costal será a metade da menor ; e asy dos outros '» pesos »» e cantidade , segundo nos » ditos » capitólios seguintes he decrrrado. E asy queremos que das cousas que adiante na fym de cada hum ca- pitullo mandamos que se nam pague portagem; decraramos que das taaes cousas se nam haja mais de fazer saber na portagem , posto que particularmente nos ditos capitólios non seja mais decrarado. E asy decraramos c mandamos que quando algumas m.ercadorias ou cousas se perderem per descaminhadas segundo as Leys e condi- çoóes deste foral , que aquellas soomente sejam perdidas pêra a por- tagem que forem escondidas e sonegado o direito delias, e nam as bestas nem outras cousas em que as taaes se levarem ou esconderem. Port.igem. De todo trigo, cevada , centeio, milho painço, aveia , e de fari-Pam, vi- nha, de cada huum deiles; ou de linhaça e de vinho ou vinagre ounho, sal, de sal e de cal , que a dita Villa e termo trouxerem homens de fo- "'• Tom. V. M ra 9© Memorias oa Academia Real ra pêra vender, ou os ditos liomens de fora as comprarem e tirarem Eera fora do dito termo , pagaram por carga de besta maior» a saber esta » cavalar ou muar huum real ; e por carga dasno que se chama menor meio real; e por costal que hc a metade de besta menor dous ceitiis ; e dy pêra baixo em qualquer cantidade , quando veer pcra vender, hum ceitil. Equem tirar pêra fora de quatro alqueires pêra baixo nam pagara nada , nem fará saber á portagem. E se as di- tas cousas ou outras quaacsquer vierem ou forem em carros oa car- retas contar-se-ham cada huum por duas cargas mayores , se das taaes cousas ouuver de pagar portagem. Cousas de que se nam paga portagem. A qual portagem se nam pagara de todo pam cozido , queijadas biscoito , farellos , ovos , leite , nem de cousa » delle » que seja sem sal 5» nem de prata lavrada»' nem do pam que trouxerem ou levarem ao moiniio , nem de canas , vides , carqueija , tojo , vasouras , palha ; nem de pedra, nem barro, nem lenha, nem erva , nem de carne vendida a peso ou a olho , nem faram saber de nenhuma das ditas cousas. Nem se pagara portagem de quaaesquer cousas que se comprarem e tirarem da Villa pêra o termo nem do termo pêra a Villa »» posto >» que sejam pcra vender, asy vesinhos como nam vesinhos. Nem se pagara das cousas nossas nem das que quaaesquer pessoas trouxe- rem pêra alguma armada nossa , ou feita per nosso mandado ou au- toridade. Nem do pano e fiado que se mandar fora tecer e pisuar, curar ou tinger. Nem dos mantimentos que os caminhantes na dita Villa e termo comprarem e levarem pêra seus mantimentos e de suas bestas. Nem dos gaados que vierem pastar alguuns lugares pas- sando nem estando , salvo daquelles que hy soomente venderem »» Nem dos panos e joyas que se emprestarem pêra vodas ou festas.»» Cara mo» De caza movida se nam hade levar nem pagar nenhum direi- vida. to de portagem de nenliuma comdiçiío e nome que seja , asy hinJo como vindo , salvo se com a casa movida trouxerem ou levarem cou- sas pêra vender de que se aja e deva de pagar portagem , porque das taaes se pagara honde somente as venderem e doutra maneira nam ; o qual pagaram segundo a calidade de que forem, como em seus ca- pitólios adiante se comrem. Passagem. E de quaaesquer mercadorias que á dita Villa cu termo vie- rem , de qualquer matieira que forem , de passagem pêra fora do ter- mo da dita Villa pêra quaaesquer partes , nam se pagara direito nenhum de portagem , nem seram obrigados de o fszerem saber, posto que hy descarreguem e pousein a qualquer tempo e hora e lugar; ese hy mais 6iaB oi r DAS SciENClAS DE LiSBOA. pi nvjis ouverem de estar que todo ho outro dia por alguma causa , em- tam o fará saber. E esta liberdade de passagem se nam emtendera quando forem pêra fora do Regno , porque emtam faram saber de todas, posto que de todas nam ajam de pagar direito. K esto se en- tendera no derradeiro lugar do estremo. Nem pagaram portagem os que na dita Villa e termo hcrd.irem Novidades alguns bens moves , ou novedades doutros de raiz que hy herdassem ; ''°^ '"^"' ou os que hy tiverem bens de rais propios ou arremdados , e leva- P^" "^ reni as novidades e fruitos delles pcra fora. Nem pagnram portagem quaesquer pesoas que ouverem pagamentos de seus casamentos , ten- ças, mercees , mantimentos cm quaesquer cousas e mercadorias posto que as levem pêra fora e sejam pêra vender. De todoUos panos de seda ou laã ou dalgodam ou de linho se panos fi- pag.ira por carga mayor nove reis , e por menor quatro reaes e meio , "os. e por costal dous reis e dous ccitiis , e por arrova jiuum , e di pêra baixo soldo aa livra, cando vierem pêra vender; porque quem levar dos ditos panos ou de cada hum delles retalhos e pedaços pêra seu huso nam pagaram portagem nem o faram saber ; nem das roupas que comprarem feitas dos ditos panos: porem os que as venderem pa- garam como dos ditos panos, na maneira que acima >? neste capi- tólio >» he dccrarado. A carga maior se emtende de dez arrovas e a menor de cinquo Carg?^ em arrovas , e o costal de duas arrovas e mea , e vem assy por esta con- arrovas. ta e respeito cada arrova em sinquo ccitiis e hum preto, pollos quaaes se pagara huum real : e polia dita conta e repartiçam se pagaram as cousas deste foral quando forem menos de costal. E assy como se aqui faz esta decraraçam e repartiçam pêra cmxempro nas cargas de nove reis, se fará nas outras soldo aa livra, segundo o preço de que forem. E do linho em cabello, fiado ou por fiar, que nam seja tecido ,La3, linho, c assy da laâ »e de feltres >» burel , mantas da terra , e de outros simi- panos gros- lliantes panos baixos e grossi s , por carga mayor quatro reis, e por^o'- menor dous reis, e por costal hum real, e dy pêra baixo atee hum ceitil quando vier pêra vender ; porque quem das ditas cousas e de cada huma delias levar para seu huso de costal pêra baixo que he hum real , nam pagara portagem nem o fará saber. Nem das roupas feitas dos ditos panos baixos e cousas que pêra seu uso comprar, e os que as venderem pagaram como dos mesmos panos baixos, segun- do a cantidade que venderem , como acima he dccrarado. De todo boy ou vaca que se vender ou comprar per homens deoaados. fora , por cabeça hum real , e do carneiro , cabra , bode , ovelha , cer- vo, corço ou gamo, por cabeça dois ceitiis. E dos cordeiros , borre- M ii gos. ^> Memorias da Academia Real Carne. Ca(,-a. Coyrama. Calçadura. Pelitaria. Azeite , mel , e se- melhantes. Marcaria e semellian- tee. Metaacs. Ferro lavra- do. .^rmas , e feiramenta. gos, cabritos, OU leitões nam pagaram portagem, salvo se cada hu- ma das ditas cou«as se comprarem ou venderem juntamente de qua- tro cabeças para cima , das cjuaaes pagaram por cabeça hum ceitil. E de cada porco ou porca dous ceitiis por cabeça. E da carne que se com;rar de talho ou cmxerqua nam se pagara nenhuum direito j> de portagem» E do toucinho ou ninrraa inteiros por cada huum huum ceitil , e dos emcetados se nam pagara nada. E de coelhos , lebres , perdizes >> patn.s » adees , pombos , galinhas , 6 de todollas outras aves e caça nam se pagara nenhuma portagem pollo comprador nem vendedor, nem o faratn saber. De todo coiro de boy ou vaca , ou ilo >» cada » pelle de cervo, corço, gamo, bode, cabras, carneiros ou ovelhas, corridas ou por cortir, dous ceitiis; e se vierem em bestas pagaram por carga mayor nove reis, e das outras per esse respeito. E na dita maneira de nove reis por carga mayor se pagara de çapatos, broziguis, e de toda outra calçadura de coyro , da qual nam pagara o que a comprar pêra seu huso e dos seus, nem dos pedaços de pelles ou coyros que pêra seu u?o comprarem , nam sen- ão pelle inteira , nem ilhargada , nem lombeiro , dos quaaes pagaram como no capitólio de cima, dos coyros, se comtem. E de cordeiras , raposos , martas , e de toda pelitaria ou forros , por carga mayor nove reis, e de pelicas e roupas feitas de pelles por peça meo real , e quem comprar pêra seu uso cada huma das ditas cousas, nam pagaram nada. De cera , mel , azeite , cevo , hunto , queijos cecos , pez , manteiga salgada , rezina , breu , sabam , alcatram , por carga mayor nove reis ; e quem comprar pêra seu uso atee hum real de portagem , nam pagara. De graâ, anil, brazil, e por todallas cousas pêra tingir, e por papel , e toucados de seda e algiiodam , e por pimenta e canella , e por toda especiaria , e por ruibarbo, e por todallas cousas de boti- ca; c por asuquar, e por todallas conservas delle ou de mel; e por vidro e cousas delle que nam tenham barro; e por estoraque, e por todoUos perfumes ou cheiros ou aguas estiladas, por carga mayor de cada huma das ditas cousas , e de todallas outras suas semelhantes se pagara nove reis. E quem das ditas cousas comprar pêra seu uso «atee meo real de porr;ifj;cm e dy pêra baixo» nam pagara nada. Do aço, estanho, chumbo, latam, arame, cobre, c por todo outro metal, e asy das cousas feitas de cada hum delles; e das cou- sas de ferro que forem moidas , estanhadas » limadas» ou enverniza- das , por carga mayor nove reis , das quaaes nam pagara quem a? levar pêra seu huso. E outro tanto se pagara das armas e ferramen- ta , das quaaes levara pêra seu huso as que quiserem sem pagar. b':::'.T oi liAsSciENCiAS UE Lisboa. pj E do ferro em barra ou em niaçuquo , e por todallas Cousas Ferfo g'<»- lavradas dclle que nam sejam da? acima contheudas , limadas, moy-'"- tias, estanhadas, nem emvernizadas, por carga mayor quatro reis e meo ; c quem das ditas cousas levar pêra sen serviço c das suas quintaas ou vinhas em qualquer cantidade nam pagara nada. Ue carga mayor de pescado ou marisco Iium real , e cimquo ceitiis ; ePescalo, e quem levar de meia arrova para baixo nam pagara. E do pescado "'^'"^'^o- d íi^oa doce atee mea arrova nam se pagara portagem , nem faram saber asy da venda como da compra, sendo somente truitas cu bor- dallos ou bogas , e dv pcra baixo. De castanhas verdes c secas, nozes, amcixeas, figos pasSados , Fruita seca. uvas, amêndoas, epinhoôes por britar, avcUaãcs, bollotas , favas se- quas , mostarda , lemtilhas, e de todollos legumes secos, por carga mayor trcs reis. E ourro tanto se pagara do çuiiuigrc e casca pcra ('jicajeçu- Ctirtir; e q;iein levar das ditas cousas meya arrova pêra seu uso , "'*Sf«- fiam pagara. E de carga mayor de laranjas, cidras, peras, cerejas, uvas ver-Fruita ter^ des , e figuos , e por toda outra fruita verde, meo real por carga. E ''^• outro tanto dos alhos secos, ccbollas, e mcllooes e ortaliça. E quan- Oitalica. do das ditas cousas se vender ou levar menos de mea arrova , nam íc pagara portagem poUo vendedor , nem comprador. Do cavallo , ou egoa , ou rocim , e bestas de muu ou mulla , huum lestas. real e cinquo ceitiis. E do asno ou asna hum real. E se as eguoas ou asnas se venderem com crianças nam pagaram portagem senam polias maaens. Nem se pag;ira direito se trocarem Jnimas por ou- tras ; porem quando se tornar dinheiro, pagarseha como vendidas, e do dya que se vender ou comprar o faram saber aas pesoas a isso obrigados , aiee dous dyas »» primeiros »» seguintes. E este direito nam pa- garam os Vassallos c esaideiros nossos , e da Rainiia , c de nossos filhos. Do escravo ou escrava que se vender hum real e cinquo cei- Efcravos. tiis. E se se forrar por qualquer concerto que fistr com seu Senhor, pagara a dizima de todo o que por sy der aa dita portagem. E se se venderem com filhos de mama, nam pagaram senam polias maií, e se se trocarem huuns escravos por outros sem tornar dinhcirc» , nam pagaram , e se se tornar dinheiro por cada huma das partes pagaram »» a dita >» portagem , e a dous dias depois da venda feita Jiyram arecadar na portagem as pessoas a isso obrigadas. De carga mayor de telha ou tigoUo, ou qualquer louça de bar- Telha, e ro que nom seja vidrada dous reis , e de menos de duas arrovas c tijollo. mea nam se pagara portagem pollo comprador. E da mallcga , e de qualquer louça ou obra de barro vidrada fliallega. do Reyno ou de fora delle , por carga mayor quatro reis. E de meo real sia^a ot Moos. Pedra , e barro. Cousu He paao. De palma , esparto, e seraelliaii- tes. Emtrada per terra. Descami- nhado. 94 Memorias da Academia Real real cie portagem pêra baixo natn pngaram os que as comprarem pêra seu uso. E de moos de barbeiro dous reis, c das de moyniios ou atafo- na quatro reis , e de casca ou azeite seis reis. E por moos de mão pêra pam ou mostarda hum real , e quem trouxer ou levar as ditas cousas pêra seu uso nam pagara nenhuma cousa de portagem. Nem pagara isso mesmo de pedra nem barro que se leye , nem traga de compra nem venda por nenhuma maneira. E de tonees, arcas, gamellas, e por toda outra obra e louça de paao, por carga maior cinquo reis. E do tavoado sarrado ou por sarrar , e por traves , tirantes , e por toda outra madeira semelliante grossa, lavrada ou por lavrar, dous reis por carga mayor , e quem das ditas cousas levar de cos- tal pêra baixo, que sam duas arovas e mea , nam pagara. De palma , esparto , junca ou junco seco pêra fazer empreita delle, por carga maior dous reis; e quem levar pêra seu uso de mea arrova pêra baixo , nam pagara nada , e por todallas alcoíiaas , es- teiras, seirooes, açafates, cordas, e das obras e cousas que se fazem da dita palma e esparto &c. por carga mayor seis reis, e de meia arrova pêra baixo >j quem as tirar »> nam pagara nada. E as outras cousas conteudas no dito foral antiguo ouremos aqui por escusadas, por se nam husarem por tanto tempo que nam ha delias memoria , e algumas delias tem ja sua provisam por Leis ge- raes e ordenaçooes destes Reynos. Como se arrecada a portagem. As mercadorias que vierem de fora pêra vender nam as descar- regaram nem meteram em casa , sem primeiro lio notificarem aos ren- deiros ou officiaaes da portagem ; e nam os achando em casa toi:i3- ram huum seu vezinho ou huma testemunha conhecida , a cada hum dos quaaes diram as bestas e mercadorias que trazem , he onde hain de pouzar. E emtam poderam descarregar e pousar homde quizerem de noyte e de dya , sem nenhuma penna , e assy poderam descarre- gar na praça ou açogues da dita Villa sem a dita manifesraçam. Dos quaaes lugares nam tiraram as mercadorias sem primeiro ho notificarem aos rendeiros ou officiaaes da portagem , so pena de as perderem aquellas que somente tirarem e sonegarem , e nam as bes- tas nem outras cousas. E se no termo do lugar quiserem vender , fa- ram outro tanto se hy ouver rendeiros ou officiaaes da portagem. E se os nam ouver, notefiqueno ao Juiz ou vintaneiro ou quadrilhei- ro do lugar honde quiserem vender, se os hy achar, ou a dous ho- tnees dasScíenciasdeLisboa. jiç- mecs boos do dilo lugar, ou a huum se mais non achar, com os quaes arecadara ou pagara sem ser mais obrigado a buscar os offi- ciaacs nem rendeiros , nem cmcorrer por isso em alguma pena. E os que ouvcrem de tirar mercadorias pêra fora , podellas ham Saida per comprar livremente sem nenhuma obrigaçam nem cautclla , e seram '*;'"• soomente obrigados aas mostrar aos officiaaes ou rendeiros quando as quiserem tirar, e nam em outro tempo; das quaes manifestaçoóes de razer saber a portagem nam seram escusos os privillcgiados , pos- to que a nam aja de pagar , segundo adiante no capitólio dos pri- villcgiados vai decrarado. As pessoas eclesiásticas de todallas Igrejas, e moesteiros assy Prjvillegia- domees como de molheres , e as provencias e moesteiros em que ha dos. frades e freiras, e Irmitaâes que fazem voto de proíissam , e os clé- rigos dordes sacras , e os beneficiaados em hordes menores , que pos- to que -nam sejam dordens sacras vivem como clérigos e por taaens sam havidos , todos os sobreditos sam isentos e privillcgiados de to- do direito de portagem , nem hus.ijem , nem custumagem , per qual quer nome que a possam ciiamar, asy das cousas que venderem de seus bens e befieficios , como das que comprarem »» trouxerem >j ou le- varem pêra seus husos e de seus benefícios e familiares. E assy sam liberdades da dita portagem per privillegio que tem as Cidades , Villas e lugares de nossos Regnos que se seguem , a sa- ber, Monte moor o novo , a Cidade de Lixboa , e Agaya iIo Porto, Povoa de varzim , Guimarães, Braga, Barcellos , Prado, Ponte de li- ma , Viana de lima. Caminha, Villa nova de Cerveira, Valença, Momçam , Crasto Leboreiro, Miranda , Bragança , Frcixio, Oazi- nhoso, Mogadoiro, Anciaaes , Chaves, Monforte de rio livre. Mon- te alegre , Crasto Vicente»» Villa Real»» a Cidade da Guarda, Jar- mello , Pinhel , Castel Rodrlguo , Almeida , Castel mendo , Villar mayor , Sabugal, Sortelha, Covilhaã , Monsanto, Portalegre, Mar- vão , Arronches , Campo mayor. Fronteira , Monforte , Villa viçosa , Elvas , Olivença , a Cidade Devora , Lavre >» pêra os vendeiros soomen- te »> Monssaras , Beja, Moura, Noudar, Almodouvar, Odemira , os moradores no Castello de Cezimbra, E asy sam liberdades da dita quaaesquer pessoas ou lugares que nossos privillegios tiverem e mos- trarem , ou o treslado em pubrica forma , aliem dos acima contheu- dos. E pêra se poder saber quaaes seram as pessoas que seram havi- visinháça. dos por vezinhos dalguum lugar, pêra gouvirem da liberdade delle , declaramos que vezinho se emtenda dalguum lugar o que for delle natural, ou nelle tiver alguma dinidade ou officio nosso , ou do Senhor da terra, per que razoadamente viva,e more no tal lugar. Ou seno tal 513Í1 OI 96 Memorias da Academia Real tal lugar alguum for feito livre da servidam em que era posto , ou seja hy pertilhado per alguum hy morador e ho perfilhamento per nos confinrado. Ou se tiver hy seu domicilio ou a maior parte de seus beens com preposito de ali morar. E o dito domecilio se enten- dera onde cada iuim casar , em quanto hy morar. E mudandosc a outra parte com sua moljier e fazenda com tençam de se pcra Ia mudar, tornandose hy depois nam será ávido por vezinho , salvo morando hy quatro annos continuadamente com sua molher e fazenda , emtam será ávido por vezinho , e asy o será quam vier com sua molher e fascnda viver algum outro lugar estan- do" nelle »J os ditos quatro annos. E alem dos ditos casos nam será ninguém ávido por vezinho dalgum lugar j pêra gouvir da liberdade delle pêra a dita portagem. E as pessoas dos ditos lugares privillegiados nam tiraram mais o trellado de seu privillegio , nem no trazeram , somente traram cer- tidam feita pollo escrivam da Camará , e com ho sello do Concelho como sam vezinhos daquelle lugar. E posto que aja duvida has ditas certidooens se sam verdadeiras, ou daquelles que as apresentam , po- der lhes ha sobre isso dar juramento sem os mais deterem , posto que se diga que nam sam verdadeiras. E se depois se provar que eram falsas, perdera o escrivam que a fes o officio, e degradado dous annos pêra Cepta , e a parte perdera em dobro as cousas de que asy emganou , e sonegou a portagem , ametade pcra a nossa Ga- mara , e a outra pêra a dita portagem : dos quaes privillegios husa- ram as pessoas nelles contheudas polias ditas certidooens , posto qus nam vam com suas mercadorias, nem mandem suas procuraçooens , com tanto que aquellas pessoas que as levarem jurem que a dita cer- tidam he verdadeira , e que ns taes mercadorias sam daquelles cu^ he a cerdidam que apresentam. Penadofo- E qualquer »> pessoa " que for contra este nosso forsl , levando mais "'• direitos dos aqui nomeados, ou levando destes mayores conthias das aqui decraradas , ho avemos por degradado por hum anno fora da Villa e termo, e mais pague da cadeia trinta reis por hum de todo o que asy mais levar , pêra a parte a que os levou. E se a non qui- ser levar, sea ametade pêra quem ho acusar, e >j a outra»» pêra os ca- tivos. E damos poder a qualquer Justiça onde acontecer, asy Juizes como ventaneiros ou quadrilheiros , que sem mais processo nem or- dem de Juizo, sumariamente sabida a verdade, condenem os culpa- dos no dito caso de degredo , e asy do dinheiro atee conthia de dous mil reis, sem apellaçam nem agravo, e sem disso mais poder conhecer Almoxerife , nem contador , nem ourro official nosso , nem de nossa fazenda , em caso que o hahy aja. E se o senhorio dos di- tos «asScienciasdeLisboa. 97 ros direitos o dito foral quebrantar per sy ou per outrem, seja lo- guo sospenso deiles e da jurdiçam do dito lugar se atever, em quan- to nossa mercê for; e mais as pessoas que em seu nome ou por elle o feserem , emcorrcram nas ditas penas. E o? AlmoxerifFes , escri- vaaens , e officiaaes dos ditos direitos que o assy nam conprirem , perderam logo os ditos officios , e nam averam mais outros. E por tanto manda;i)os que todallas cousas contheudas neste foral que nos poemos por Ley , se cunpram para sempre; do telior do qual man- damos fazer três , hum deiles pêra a Camará da dita Villa , e outro pêra o Senhorio dos ditos direitos, e outro pêra a nossa Torre do Tombo, pêra em todo tempo se poder lirar qual quer duvida que so- bre isso possa sobrevir. Dada em a nossa mui nobre e sempre leal Cidade de Lisboa aos quinze dias dagosto arino do nacimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos e três. E eu Fernam de Pina por mandado especial de Sua Alteza o fis faser em desano- ve folhas com esta , e concertei per mym. ELREY. Registado no tonbo. Fernam de Pina. Ano do nacimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos e quinse anos, aos vintee sinco dias do mes dabril , em esta Villa de Monte mor o no- vo dentro na Camará do Conselho da dita Villa , estando hy juntos em vereaçam o Licenciado Antam Feyo Lopes , Juis de fora com alçada em a dita Villa por ElRey nosso Senhor. Heytor de Sequei- ra, Cavaleiro da Casa do dito Senhor, e Joham Fernandes, Verea- dores que ora sam em a dita Villa , e Fernam Rodrigues , Procura- dor do Conselho , e loguo hy na dita Camará perante elles officiaes , e outras pessoas testemunhas, e mnito"; homens do povo que foram chamados , foi publicado este foral dElRey nosso Senhor ante of- ficiaes e povo por Álvaro Fragoso, Cavaleiro da Caza dElRey nos- so Senhor , que o dito foral troux,era a dita Villa por mandado dElRey nosso Senhor: e publicado como dito he, mandaram a mim tscrivam que pusese aqui a dita publicaçam , que foi asiiiada pelo dito Juis e omciaes , e pelo dito Álvaro Fragoso, testemunhas que estavam presentes, Eítevam de Faria, criado do dito Álvaro Fra- goso, e Joham Afonso, porteiro da Camará. E eu André Lopes, escrivam da Camará, esto escrevi e assinei. =: Antam Fevo Lopes, ^ Heytor de Sequeira. r= Joham Fernandes. := André Lopes. = Joham Afonso. = Estcvam de Faria. N. B. /Is paliivrai que vão em grifo neste Foral não se encontrão no do Ar' chivo dn Torre do Tombo , mas sim tin do Cartório de Monte Mor o novo ; pelo contrario as que vão virguladas a.bão se no Exemplar do Archivo e não no da Camera de Monte Mor. He escusado dizir que o Registo he só do foral de Monte Mor, Tom. V. N ER- ERRATAS. Pag, Liu. Erros Emendas V XI 6 17 18 2 os affligem germanisárão das suas 0 affligem SC gcrmanárão ' nas suas 15* i7 12 17 ultima nos hemiplegios articular confundidos enjeitando nas hemiplegias orbicular contundidos injectando 41 ^9 com raião com razão 4» 56 33 24 das experiências os distinguem nas experiências as distinguem ^ ME- 99 MEMORIAS, QUE SE CONTÉM NA I. PARTE DESTE QUINTO TOMO. H I S T o R I A. D. ISCURSO recitado na Sessão publica de 2^ de Ju- nho de 18 16 , pelo Vice Secretario Francisco de Mel- lo Rranco, --_._.-«-- Pag. i Conta dos trabalhos Vaccinicos lida na Sessão publica da , Academia Real díis Sciencias de Lisboa aos 24 de jf«- nho de 1816 , pelo Doutor Justiniano de Mello Fran- co. --------------- XXX Frogramma da Academia Real das Sciencias de Lisboa , annunciado na Sessão publica de 24 de Junho de 18 16. xliu Lista dos Sócios da Academia Real das Sciencias. - - xlvii Relação dos Membros , e Correspondentes da Instituição Faccinica da Academia Real das Sciencias. - - - liv Memorias dos Sócios. Memoria sobre a identidade do Systema muscular na Eco- nomia animal , por Francisco Soares Franco. - - i \ Memoria -sobre hum Verme vivo dentro do olho de hum cavai lo , lida em a Sessão publica de 24 de Junho de 1816, por Sebastião Francisco de Mendo Trigozu. 60 I Da Antiguidade da Observação dos Astros ; e da Bússola e de outros Instrumentos no uso da Navegação , por António Ribeiro dos Santos. ------- 77 Do Conhecimento que era possixel ter da existência da America , pela tradição do' Antigos , e por motivoi Fi- losóficos, por António Ribeiro dos Santos. - - - 101 Da Possibilidade e verosimilhança da Demarcação do Es- N ii trei- joo Índice. treito de Magalhães no Mappa do Infante D. Pedro , por António Ribeiro dos Santos. ----- ny Extracção de Loterias ; que se executa em tempo brevís- simo , e sem que se possa commetter erro ou engano : proposta por António de Araújo Travassos. - - 136 Memoria sobre a nova Mina de ouro da outra banda do Tejo. Lida em 10 de Maio de iSij , por José Bo- nifácio de Andrada e Silva. ------- 140 Memorias dos Correspondentes. Memoria Estatística d cerca da notável Villa de Monte Mor o Novo , por Joaquim José Varella. - - - 4 ylppendice d Memoria antecedente. ------- 8; CA- SI3« Oí « MAPPA DOS EXPOSTOS, Que entrarão , morrerão , e existirão no Hospital Real de Santo i( André da Vill.i de Monte Mor o Novo , desde lyyo até i8i4- ), 1 >> iíl^^=ií=^:í^^^=?:í=^^=v«?íbí=}:f'^=?=^^^::?^=^i5==:ií=^^ M A P P A I Dos nascidos c mortos na Villa de Monte Mor o Novo e ff seu termo, desde o anno de iSoj até ode 1814. fr i Numero dos mortos á> i » .1 "> « 1805 1806 I 1807 l I 1808 I 1809 <^ 1811 1813 1814 Totalidades Numero dos nascidos M ASCULINO 146 142 1 82 186 166 161 143 18 1 'EMININO 1629 138 I 18 149 164 1 66 ..Masculino 1497 148 196 187 191 147 192 196 2 2 2 I 46 1778 Fe.m E.MININO 149 ,6,1 2ro| Mi?! .84I >•> .79 j^ LAPIDE Achada nas visinhanças de Monte Mor o Novo, copiada como se acha no anno de 1814 entre as antiguidades do lllustre Cená- culo, Metropolita da Sé de Évora. LVRIAE T. F. BOVTIAE G. IVLIVS L. F. GAL. SEVERVS VXORI SIBI SVIS Q^VE. F. G LAPIDE De jaspe branco embutida na parede exterior do adro da Igreja Matriz, intitulada N. Senhora do Bispo, da Villa de Monte Mor o Novo. Copiada como se acha no anno de 1814. D M. S. MEMORIAE G. F. CALCHISIAE FLAM PROV. LVSIT. II FIL. PIISSIM. ET. MAR. L. F. SIDONIAE NEPT. DVLC. ET APON. LV PIANO. MAR. MERENT. FABRIC. QVA. MISER. MA TER IVN. LEONICA. KARIS SVIS ET SIBI ({JSomnia 159 =?á=^:í?=5:F'^í^^;í=i(a 8i:ri 0'1> CATALOGO Das Obrai jd impressas , e mandadas publicar pela Academia Real das Scieítcias de JJshoa : com os preços , por que cada huma delias se vende brochada. I. IJR K V > 5 Instrucçóes aos Correspondentes da Academia sobre as remessas dos productos naturaes , para formar hum Museo Na- cional , Jolheto a." -- no II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a Manufactura do Azei- te em Fortugal : remettidas á Academia por ]oáo António Dalla- Bella , Sócio da mesma , i vol. 4.° ..-.-.--- 480 III. Memoria sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal , remetti- da á Academia pelo mesmo , i volume ,4." ...... 480 IV. Memorias de Agricultura premiadas pela Academia , 2 vol. 8." p6o V. Paschalis Josephi Mellii Frcirii Hisioriae júris Cívilis Lusitani Liber singularis , 1 vol. 4.° ...-.--..-.. 640 VI. Ejusdcm Institutiones Júris Civilis , et Criminalis Lusitani , 5. vol. 4.* .............--..-- 1400 VII. Osmla , Tragedia coroada pela Academia , joih. em 4-'^ - - 24P VIII. Vida do Infante D. Duarte, por André de Rezende, folh. 4° 160 IX. Vestigios da Lingoa Arábica em Portugal , ou Lexicon Eiymo- logico das palavras , e nomes Portuguezes , que tem origem Ará- bica , composto por ordem da Academia , por Fr. Joáo de Sousa , I vol. em 4.° 480 X. Dominici Vandelli Viridarium Grysley Lusitanicum Linnaeanis nommibus illustratum , i vol. 8.°----------- íOO XI. Ephemerides Náuticas , ou Diário Astronómico para o anno de 1789, calculado para o Meridiano de Lisboa, c publicado por ordem da Academia , i vol. 4."--- -.- j6p O mesmo para os annos seguintes até 1809 inclusivamente. XII. Memorias Económica; da Academia Real das Sciencias de Lisboa , para o adiant.imento da Agricultura , das Artes , e da In- dustria em Portugal , e suas Conquistas , 5 vol. 4.° - - - - 4000 XIII. Collecçáo de Livros inéditos de Historia Portugueza , desde o Reinado do Senhor Rei D. Dinis , até ao do Senhor Rei D. João II. 4 vol. Jol. - 7200 XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparenres , mandados re- copilar por ordem da Acaxlemia , (olh. 8.° - - gr. XV. Tratado de Educação Pysica para uso da Nação Poriugue^a, publicado por ordem da Academia Real dns Sciencias , por Fran- cisco de Mello Franco , Corrcspondfnte da mesma , i vo!. 4.° - }íO XVI. Documentos Arábicos .d.i Historia Portugucza , copiados dos Originaes da Torre do Torabo com permissão de S. Magestade , e ',y A T A L o o o. Estão no prelo as seguintes. Documentos para a Historia da Legislação Portugiieza , pelos Sócios da Academia )oáo Pedro Ribeiro , Joaquim de Santo Agostinho de Briío Galv Jo , e outros. Ccllecçáo dos principaes Historiadores Portuguezes. Collccçáo de Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultramari- nas. Taboas Trigonométricas , por ]. M. D. P. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler , Tom. 2." Memorias da Academia , Tom. 5." Obras escolhidas do Padre Vieira, Fendem-se em Lisboa nas lojas dos Mercadores de Livros na Rua das Portas de Santa Cacharína i e tm Coimbra e no Porto também pelos mes- mos pregos. HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. siau Oõ HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS D E L I S B O A. Nisi uttle est qtiod faciínus , stulta est gloria. TOMO V. Parte II. LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA, I 8 I 8. Com licença de SUA MAGESTADE. ST3>1 CO DISCURSO Recitado na Sessão publica de 24 de Jutiho de 18 17 pelo vice-secretario Sebastião Fiancisgo de Mendo Triqozo. ^EKHOREs. Quando cm hum dia semelhante tive a honra de expor na vossa presença os progressos da Academia , e o summario dos seus trabalhos em o anno de 181 3, bem longe estava de prever , que tornaria tão depressa a ser o órgão , por onde se vos annuiiciasse a continuação dos nos- sos esforços no desempenho da difficil tarefa , a que gosto- samente nos sugeitámos. O triennio do meu serviço devia então acabar dentro de pouco , e passado elle esperava hum successor, que com maior lustre corresse até ao fim a mes- ma estrada , e satisfizesse melhor as obrigações de que en- tão me achava incumbido. Assim aconteceo , e a nomeação do Síir. Francisco de Mello Franco devia dar-vos as mais bem fundadas esperanças de que , ainda mesmo nos impe- dimentos do nosso benemérito Secretario o Snr. José Boni- fácio de Andrada , haveria hum fiador, digno de o substi- tuir, e de fazer menos sensivel a sua falta, j Quanto porém são illusorios os juizos do homem , até á cerca daquelles objectos que toca com a mão ! Não prévio a Academia , que as qualidades que tornavão o Snr. Francisco de Mello tão digno da sua escolha, havião de ser as mesmas que con* correrião a fazer-lho perder dentro de poucos mezes : não prévio que por mais modesto que seja o verdadeiít) mere- cimento , não he possível encobrir-se ; e que ainda mesmo quando o podesse conseguir o Filosofo profundo , e o Es- critor polido e elegante , não haveria meios de suíFocar o brado de milhares de victimas, arrancadas á morte, e que Totn. V. Part. 11 * i aben- II HiSToniA DA Academia Real abençoão o seu libertador. Este ceco festivo retumbou na Corte do Rio de Janeiro; e o nosso Soberano que já tinha repetidas provas de que ellc não era nascido de hum enthu- siasmo momentâneo, nomeou o Snr. Mello, juntamente com outro Collega nosso o Sfír. Bernardino António Gomes, pa- ra acompanhar desde Liorne até ao Bra/.il a amável Princeza , que vai fazer as delicias do Herdeiro da Monarquia e de seus felices Povos, e para vigiarem ambos a conservação de huma vida que por tantos motivos nos he preciosa. Privada assim a Academia de hum dos seus melhores esteios , tornou de novo a impor-me huma obrigação , com que indubitavelmente não pode nem a minha precária saú- de , nem os meus poucos conhecimentos. Tanto mais me foi isto penoso , que na mesma occasião se achava também precisado a ausentar-se por alguns tempos o nosso Secreta- rio , que vai continuar a dirigir pessoalmente os trabalhos do encanamento do Mondego , de cujo principio já este an- no tem resultado grandes ventagens aos habitantes do Cam- po de Coimbra. Recahindo pois em mim por esta manei- ra , e quando menos o pensava , as obrigações que quasi sempre costumão andar repartidas por dois Sócios bcne- iTieritos , ^ como será de esperar que os meus hombros não verguem com hum peso tão superior ás suas forças? Deveis facilmente persuadir-vos disto , e esta persuasão não será pa- ra mim estéril, pois me dá hum meio de alcançar a invlul- gencia necessária na presente occasião , em que tenho de traçar o esboço da Historia c Trabalhos Académicos duran- do o anno pretérito. Se hum semelhante assumpto requer ordinariamente ser tratado por huma penna hábil , muito mais o pediria aindo hoje , em que ha para recordar objectos , próprios pela sua grandeza a cativar a artenção de todos , e a commover a sensibilidade de nossos corações. Nem se pense que elles são alheios deste lugar : ainda que o Santuário das Lettras fica as mais das vezes isolado no meio das pequenas com- nioções das Sociedades , e he indifferentc ao espirito de par- ti- DAS SciENCiAs DE Lisboa. iit tido , e ás pequenas lutas de paixões ; não succcdc assim quando os Destinos decidem da sorte dos Monarchas que as protegem, e fazem a felicidade dos seus Povos: então o patriotismo tanto mais ardente, quanto he mais illumina- do se apodera dos verdadeiros Sábios , e lhes fa/ estimar ou sentir com dobrada energia os successos prósperos ou in- faustos. Em ambas estas circunstancias se achou a Academia no decurso deste mesmo anno , em que teve de chorar hli- ma Soberana , a quem tudo devia ; e adquirio em o novo Monarcha que nos rege o penhor mais firme da sua esta- bilidade e perseverança. Apôz estes acontecimentos , que os escassos limites a que me vejo circunscripto não me dei- xarão tratar com a extensão devida , mostrarei o reconheci- mento da Academia pelo seu primeiro Instituidor; e minis- trar-me-hão ampla matéria á segunda parte do Discurso as mudanças occorridas na Sociedade , e a enumeração dos Es- critos que forão apresentados e lidos nas nossas Sessões or- dinárias. A vastidão , e diversa natureza destes assumptos me fez tremer a mão , quando lancei as poucas linhas que servem de indicallos ; mas obrigado a cumprir o preceito que me foi imposto , farei como aquelle que vendo despe- daçado o navio no grosso da tormenta , se lança ás ondas , incerto ainda se virá a succumbir, falto de forças, nomeio da carreira ; ou se conseguirá beijar a praia e escapar ao naufrágio , que o ameaça. Rinta e sete annos contava a Academia desde o seu primeiro estabelecimento , isto he , desde a Época em que Sua Magestade Fidelissima a Senhora Dona Maria I. se ti- nha dignado amparalla com a sua Real Protecção , appro- vando o Plano dos seus Estatutos , e concedendo-lhe a ines- timável graça de fazer nelles as alterações , que o tempo indicasse como mais convenientes : Trinta e sete annos ha- * I ii via jv HrsTORiA DA Academia Real via que acolhida á sombra do Thiono no Real Palácio di." Nossa Senhora das Necessidades , nas mesmas Sallas que servirão á Junta dos Trcs Estados , se tinha lançado a pri- meira pedra no alicerce do monumento litrcrario, que a nascente Sociedade se propunha levantar ás Scicncias , e á Litteratura nacional : Trinta c sete annos finalmente erão decorridos depois da nossa existência , sendo raro aquclle em que nos não achávamos penhorados de hum novo motivo para bemdizer huma Soberana sempre propensa a conceder- nos novos favores, quando a morre nc-la roubou, e foi eter- namente receber o premio de su;is virtudes. Extremamente sensível a tao grande perda , única até agora nos annaes da Academia , desejava ella exprimir publi- camente a sua magoa por hum modo , que não desmerecesse do objecto que a causava : não podia haver longa hesitação a este respeito ; parecia evidente que não erão pompas fú- nebres as que se podiao esperar do nosso Instituto , mas sim a efFusão dos nossos corações pelas incomparáveis qua- lidades que adornavão tão illustre Bcmfeitora. O SSr. José Bonifácio de Andrada devia pelo seu lugar ser o interprete dos sentimentos de toda a Sociedade , e por isso foi incum- bido de recitar em huma Sessão publica , destinada unica- mente para este fim , o Panegyrico da incomparável Rainha que perdemos. Nem a escolha do Orador podia ser mais acertada , nem assumpto algum oilerecer-lhc com mais pro- fusão idéas grandes e sublimes , em que deixando correr á vontade a penna , excitasse n'huni Auditório já favoravelmen- te prevenido lagrimas de ternura , por aquella que empunhan- do o Sceptro , não cessou nunca de ser a Mãi de seus Vas- sallos, e á qual poucos dos presentes deixavão de ter mo- tivos para venerar particularmente pelos beneficios que ha- vião íccebido. Huma pequena circunstancia , que em outra occasiao seria pouco attendivel , tornou este acto, se pode ser, ain- da mais august:> c pathetico. Algumas disposições que a Aca- demia se vio na nccesidade de fazer para melhor commodo do trair oar dasScienciAsdeLisboA. r do seu Museu e Livraria , que diariamente se augmcntão , obstruirão a Salla das Sessões publicas , já por si mesmo bas- tante pequena; de que resultou vcr-se obrigada a pedir ao Governo outra para semelhantes solcmnidades : a que se lhe destinou em consequência desta rogativa, a que hoje occu- pamos, c que nos sérvio pela primeira vez para aquelle fú- nebre acto, hc justamente a mesma Salla que, quando Suas Al;:gestadcs habitavão este seu Palácio , servia de Capella Real ; e onde aqueih que fazia o objecto da nossa sauda- de , Rainha de hum grande império , senhora dos corações de seus Vassallos , consagrando os dias á ventura e á feli- cidade delles , vinha tantas vezes ante o Rei dos Reis de- por a Coroa e o Sceptro , humilhar-se na sua presença , pe- dir-lhe novas luzes para o reger com justiça, e obter final- mente o bom despacho de suas supplicas. ^Quantas vezes, nestas mesmas paredes que nos cercão , não soarão os seus votos pela prosperidade da Nação, e os seus suspiros quan- do em negócios difficeis , receava nao acertar com a verda- deira vareda ? ^ Qiie fervorosas acções de graças neste mes- mo lugar não tributava ella aos Ceos , vendo a Paz , a Fe- licidade , e a Abundância espalharem os seus dons nos Do- ininios Portuguezes , durando todo o tempo do seu feliz go- verno ? Vós ouvirieis .... mas que digo ? perdoai ao sen- timento , que me obrigou a rasgar de novo huma ferida ain- da mal fechada ; corramos a cortina sobre quadro tão me- lancólico , e procuremos se he possível algum lenitivo á dor que nos opprime. ^- E será clle por ventura difficil de encontrar? a Provi- dencia que ha tantos séculos derrama os seus favores sobre o Império Lusitano, deixallo-ha desta vez órfão e sem ar- rimo ? Não certamente ; c nós o temos já experimentado. A arvore robusta e viçosa , cujas raizes se extendem larga- mente pela terra , e cujos ramos fecundos sobem livremen- te aos ares , não he certamente aquella que produz fructos mesquinhos e enfezados; c tal he em geral a ordem da na- tureza não só nas plantas , mas no mesmo homem , quando cau- sm. °^ »"*>• VI Historia da Academia Real causas extraordinárias não a contrarião. Assim o herdeiro do Sceptro materno devia igualmente ser o herdeiro das virtu- des maternaes. Qiiantidade de annos de huma feliz Regên- cia tinhão posto esta verdade tão evidente , que ainda mes- mo que o direito de successão não chamasse o Senhor Rei D. João VI. a asscntar-se no throno de seus maiores , não deixaria hum instente a Nação de desejar aquelle , que achan- do-se largos rcmpos envolvido em hum laberinto de peri- gos e difficuldades , poude triunfar de todas e conservar se- gura a taboa de salvação , que o guiou e ao Reino intei- ro ao porto do descanço ; aquelle que acabou da maneira mais magnânima, c para que em yão se buscaria exemplo, a luta penosa e prolongada, para cujo bom êxito tão essen- cialmente tinha concorrido ; aquelle em lim que querendo só ser grande pela prosperidade dos seus Estados , acolhe as Sciencias e as Artes , e faz viajar os Sábios de todas as Nações pelo immenso território do Brazil , a fim de conhe- cer melhor os seus recursos, e de formar depressa hum flo- rescente Império , do que ainda ha pouco era huma Coló- nia de diminutas forças , e mal avaliada pelos mesmos na- turaes. Consenti , Senhores , que por hum pouco pareça af- fistar-me do meu principal assumpto , e tomar hum estilo difFcrente do que propriamente me compete •, mas quan- do tenho de me alegrar comvosco pela feliz Acclamação de Sua Magestade : quando tenho de mitigar a pena que nos deve causar não serem ouvidos os nossos vivas , por aquel- le que ao mesmo tempo jurava manter os nossos foros e direitos ; he impossível amoldar-me á singeleza de Histo- riador, e suffocar hum grito de admiração pelos extraordi- nários acontecimentos occorridos em Portugal , e a que deo motivo a resolução mais pasmosa de que ha memoria nos Fastos da Monarchia. O Regente de hum vasto Império , largando o seu Paiz natal , os Vassallos por quem era amado , e a quem quiz administrar justiça até a ultinia hora do embarque, levando conisigo toda a Real Famiiia , passando ás suas Possessões Trans- I DAS SciENCiAS DE Lisboa. vir Transatlânticas, illudindo assim os projectos de hum inimi- go temerário e ardiloso, lançando os fundamentos da maior e mais poderosa Monarquia do Universo , pois que a sua posição a destina a ligar os interesses jáo ambos os Hemis- férios; hum Principe que, durando o tempo da sua Regên- cia , poude conceber este sublime plano , e teve a nobre audácia de o pôr por obra, deve forçosamente electrizar as almas dos seus Vassallos : e por isso não he muito que os convertesse em outros tantos heroes , promptos a dar as vi- das em seu serviço e defcza. Estes motivos porém se por hum lado levâo ao ultimo ponto o nosso reconhecimento , excitão pelo outro ainda mais a nossa saudade á vista de huma ausência tão prolon- gada ; e como o desejo nem sempre segue os dictames da razão , supportamos talvez com diíEculdadc privações que hu- ma nova ordem de cousas traz necessariamente comsigo : mas estes embaraços devem cessar pouco a pouco , e entretanto as considerações particulares ceder á utilidade publica. A Ba- lança carregada com pesos ainda mesmo iguaes , principia sempre por fazer grandes oscillações , e só depois de tempo he que pára em perfeito equilíbrio ; assim também o mes- mo tempo he quem nos deve fixar a prumo o fiel , que ha de ser de huma maneira permanente o indicativo da nossa prosperidade. Podem talvez estas verdades não ser ainda ho- je conhecidas por todos , pt^dem mesmo algumas pequenas nuvens offuscar momentaneamente a claridade do Sol ; mas apôz huns dias scguem-se outros , e ouso appcUar com con- fiança para os annos futuros , sem receio algum de que a pos- teridade me desminta. Quando pois nesta posteridade se recontarem despidos de lisonjas e de falsas cores os incríveis acontecimentos do presente século ; quando se conhecer em toda a sua luz a brilhante porção de gloria , que coube em parte á Nação Portugueza : j quanto não pasmarão os homens vendo grava- do em laminas de ouro pelo buril da Historia o Nome do Monarca , que então a governava , e em cujo tempo se re- no- nrfH Or VIII Historia da Academia Real novou por hum modo tão assignalado a lembrança do Senhor Rei D. João I. no illiístre triunfo da liberdade Portugue- za ! j Qiianto não pasmarão de ver o nome do Monarca , que não desmentindo a grandeza de animo do Segundo João, seguio parte da estrada que clle lhe começaVa a abrir a tra- vez dos mares , até arvorar com a sua própria mão as Sa- gradas Quinas no novo Império, que o Senhor D.João III. tinha principiado a povoar com Colónias , c reduzido a Ca- pitanias hereditárias ! j Quanto não pasmarão de ver o No- me do Monarca que , não menos feliz do que o Senhor Rei D. João IV. , vio em seus dias Portugal restaurado do ca- tiveiro , cm que gemia debaixo de hum dominio estranho j e que finalmente herdou de seu magnânimo Bisavô os sen- timentos de piedade e de Religião , e a mesma munificên- cia que o tornarão immortal ! Nome de feliz agouro, que tantas venturas tem trazido á Nação , que hum Destino be- néfico tem feito repetir tantas vezes , praza aos Ceos que nós vos possamos invocar por huma longa serie de annos , c que os filhos dos nossos filhos entoem ainda vivas alegres pelo Senhor D. João VI. Taes são , Senhores , os ardentes votos dos Vassallos do Reino Unido em geral , e particularmente os da Acade- mia , a quem Sua Magestaue tem já tantas vezes libera- lizado os seus beneficies, que sobre maneira seria extensa a minha narração se intentasse numerallos todos. Em lugar porém de os referir miudamente , ,; porque me não será li- cito declarar com hum nobre orgulho , que esta Sociedade tem até agora estado na posse de obter o bom despacho das suas supplicas , logo qiie cilas chegâo aos pés do Throno ? ^ e que gratidão não exige da nossa parte hum semelhan. te favor? ^quanto nos não seria gostoso beijar a mão be- néfica do novo Monarca , que tão benignamente nos tem sempre attendido , e tributar-lhe assim as nossas homenagens ? Já porém que nos he vedado cumprir este voto , rogámos ao nosso Vice-Presidente , que houvesse de escrever ao Síír. Conde da Barca , a fim de que por intervenção do Serenis- si' I DAS SciENCiAS DE Lisboa. ix simo Senhor Infante D. Miguel obtenha hjma Audiência , em que os Sócios , que actualmente se acháo na Corte do Rio de Janeiro , apresentem a Sua Magestade as felicitações sinceras da Academia pelo fausto motivo da sua Acclama- ção. Por hum modo análogo a esie tinha já procedido a Academia, quando lhe chegou a noticia de ter subido ao Throno o mesmo Senhor pelo falecimento de sua Augusta Mãi. Não são porém somente os Monarchas protectores das Sciencias , que tem direito ao reconhecimento das Socieda- des Littcrarias : outros ha , que sem~~embargo de^nao terem subido a este summo gráo da elevação humana , merecem não menos a nossa gratidão já pjlos seus vastos conheci- mentos e ardente amor que profcssão ao Estudo , já pelo Patriotismo que os incita a diffundir o gosto das Letras em o seu Paiz , já pelo acolhimento e amparo com que abri- gão os homens dados ás Sciencias, e já finalmente, se he necessário dizello , pelo seu grande nascimento-, qualidade illustre quando traz de companhia em gráo proporcionado as outras virtudes sociaes. Todas as vezes que semelhantes Personagens são destinadas a figurar no mundo , bem lon- ge de se poder reputar lisonja a expressão dos sentimen- tos que em nós excitão , seria antes hum crime não os patentear com a maior publicidade, j E que ventura não he hoje para mim reunircm-se circunstancias, que me dão motivo a cumprir com este dever sagrado , e a fallar-vos do Homem grande , que pôde servir de modelo aos que se quizerem immortalizar seguindo a mesma estrada ? O seu Nome he bem conhecido , e escuzo de repctillo , para to- dos saberdes que tenho em vista o Fundador da Academia e seu primeiro Presidente , o Duque de Lafões. Não penseis , Senhores , que a minha ouzadia me leve agora a traçar o seu Elogio ; eu seria o mais incompeten- te de todos os Panegyristas , não só pela falta do cabedal necessário, mas porque não tive a honra de o conhecer, nem como Presidente da Academia, nem na sua vida pri- Tom. V. Part. II. * 2 va- 5c HisTOKiA DA Academia Real vada , onde era não menos grande e admirável do que o foi na publica , cm quanto as forças lho permirtírao. O meu fim he unicamente annunciar-vos, que a Academia não se esquece das suas obrigações; e obrigação reputará cila sempre manifestar o mais vivo reconhecimento por aquelle que nunca deixou de olhar como Pay , e cujos disvclos e affigos lhe embalarão o berço desde o nascimento. Por es- tes motivos e para suavizar ao mesmo tempo a sua sauda- de incumbio o primeiro dos nossos Escultores o Senhor Joaquim Machado de Castro, seu digno Correspondente, de executar em mármore o busto do Fundador , para ornar com elle a sala das suas Sessões, e ter de alguma sorte constantemente á vista , ainda além do tumulo , aquelle mesmo que em vida tantas vezes a tinha animado com a sua presença. Esta lembrança , suscitada por hum dos Só- cios , foi com tanta avidez recebida pelos outros, que im- mediatamente se determinou fazer-se á custa dos Membros da Sociedade , e não do seu Cofre , toda a despesa que ex- igia hum semelhante projecto. Pensávamos assim tomar cada hum de nós huma porção mais pessoal neste pequeno tributo offerecido á memoria do Duque : mas esta contri- buição voluntária , para que todos desejavão concorrer do modo mais liberal , tornou-sc em extremo diminuta pela generosidade , com que o Sfir. Machado executou a parte mais essencial desta obra , isto he , tudo o que pertencia ao trabalho das suas mãos. Pelas minhas he que conêrao estas diíFcrentes transacções : e se tive o gosto de annun- ciar ao Corpo Académico o desinteresse do Artista insigne, tive também a satisfação de ver o bem merecido apreço que se fez daquella offerta , e o voto unanime de cila ser de alguma sorte compensada por este testemunho publico de gratidão , e pelo dom de huma Medalha d'ouro , o maior premio com que entre nós se costuma gratificar o saber e os talentos. Eis aqui , Senhores , toscamente recopilado quanto no decurso d'tste anno se passou na Academia a respeito dos seus DAS ScrBNcrAs DE Lisboa. xr seus primeiros Bemfcitorcs , daqiicUes cujos nomes fazem até agora o seu mais brilhante ornato, e que parecem des- tinados a viver ainda pelos Séculos vindouros na memoria dos homens , não só como Protectores das letras e do me- recimento, mas ainda mais como amantes da Virtude e bem- feitores da Humanidade. Se fui tão pouco extenso nos ar- tigos que lhes consagrei , nao procedeo isto de falta de ma- téria a hum mais amplo elogio , era-me mais d ifficil apanhar do que soltar as velas ao discurso; c gostosamente satisfa- ria os meus desejos , senão conhecesse que apenas tenho chegado ao meio da carreira , e que me resta ainda dar- vos conta dos trabalhos dos meus Gollegas, e das mudanças que tem occorrido na Sociedade. Principiarei a narração destas pela morte de hum dos nossos Sócios Honorários o Siír. Marquez de Aguiar: o qual como homem de Letras merccco a estimação dos Sábios pelas obras com que enriqueceo a Litteratura nacional , e como homem de Estado obteve toda a confiança do Sobe- rano, que o honrou com ella até aos últimos instintes di sua vida. Falieccrão também pelo mesmo tempo o Snr. Ri- cardo Luiz António Raposo, hum dos mais hábeis Enge- nheiros Portuguezes, e Sócio da Academia desde a sua fun- dação; e o Snr. Francisco José d'Horta Machado , que pre- encheo louvavelmente a sua carreira Diplomática, e poude ajuntar huma magnifica collecção de Medalhas antigas e mod-rnas , estudo cm que adquirira não vulgares conheci- mentos. Primeiro que todos estes foi-lhe ensinar o caminho da sepultura , e o modo por que o Filosofo Christão deve descer a ella, o Siir. Batholomeu Ignacio Gorge , hum dos mais beneméritos Littcratos do nosso Paiz, e que também a Academia apenas nascente soube avaliar, e attrahir para o seu grémio. A gratidão , que devo a hum homem que dirigio a parte mais essencial da minha educação litteraria , faz que me seja extremamente gostoso vingar o seu nome do es- * 2 ii que- xn Historia da Academia Real quecimento, a que o poderia talvez condenar na posteridade a rara modéstia de que era dotado : por isso exporei cm breve a parte mui essencial que ellc tomou na cm preza mais árdua e difficil , de quantas até agora se propor, a Aca- demia. Logo na primeira Sessão publica desta Sociedade ce- lebrada em Julho de 1780 deu o Snr. Pedro José da Fon- seca o Plano para hum Diccionario da Lingua Portugueza, que em outras Sessões particulares tinha já competentemen- te sido discutido e approvado. A vastidão do objecto, a immensidade de livros, que segundo este Plano era neces- sário ler e extractar, tornava impossível esta empreza a hum só homem , e ainda mesmo a poucos , quando não fos- sem soccorridos pelo maior numero de Sábios da Nação : forão pois estes convocados para cooperar com os seus tra- balhos ; e vio-se com satisfação que nenhum se recusava a hum projecto , que levado ao fim faria a gloria da nossa Litteratura. No primeiro momento de enthusiasmo , que fazem nas- cer as ideas grandes e sublimes , tudo parece fácil de ex- ecutar: mas á proporção que o nosso espirito se accalma , e que a fria reflexão torna a adquirir o seu império, prin- cipião se então a conhecer as difficuldades ; e as mais das vezes bem longe de se cumprir a carreira começada, per de-se o fôlego a maior ou menor distancia do ponto da par- tida. Assim succedeo aos novos Diccionaristas : executarão alguns a tarefa , de que se tinhão incumbido ; mas a maior parte delles acharão , e com rasão , o trabalho tão enfado- nho e pr.)lixo, que vendo absorver-lhe o tempo necessário para outras occupações , forão desanimando pouco a pou- co : e isto ao ponto de se acharem só por fim em campo, para levantar nos seus hombros este Collos^o, aqucUc mes- mo que primeiro o havia delineado, e os Snrs. Agostinho José da Costa de Macedo , e Bartholomeu Ignacio Gorge. Estes três Sábios ligados entre si pelos vínculos da amizade, pelos do Estudo, e ate pelos mesmos empregos (pois Sldlí QZ DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XIII ( pois todos crão Professores Régios ) reputarão de algu- ma sorte a sua honra compromcttida , scnáo ultimassem o primeiro volume, e com clle a primeira letra do Alfabeto. Tomada esta resolução , nada os fez mudar do seu intento : o trabalho mais assiduo , as vigilias mais extensas , e por annos successivos , em que não perdião hum instante do tempo que lhes restava das suas obrigações , tudo se poz por obra, até se acabar a impressão, que onze annos de- pois sahio finalmente á luz com credito immortal de seus Auctores. Semelhante gloria porém foi comprada a grande cus- to: os Snrs. Pedro José da Fonseca, e Bartholomeu Igna- cio Gorgc ficarão em estado de não poderem mais ser uleis a si, nem ao Publico ; por isso obtiverao ajubilação nas suas respectivas Cadeiras , e o lugar de Veteranos na Academia. O primeiro fallcceo á pouco de huma dolorosa enfermidade , aggravada pela vida sedentária , a que tinha si- do obrigado ; o segundo foi atacado de huma ophtalmia que lhe tornava impossivcl qualquer applicação , e assim se con« scrvou até o fim da vida. Resta unicamente o Snr. Agosti- nho José da Costa de Alacedo , mas no mesmo estado de cegueira que o seu digno Collega. Tal he o trágico fim que tiverão homens tão beneméritos e desinteressados, que nem ao menos estamparão os seus nomes no frontespicio da Obra que tantas fadigas lhe custara. Por esta Jubilação do Snr. Gorge perdeo o Real Col- legio de Nobres hum dos seus mais insignes Professores : ao mais profundo conhecimento da arte de pensar, reunia elle tal dom de clareza , que na sua boca tornavão-se evi- dentes e palpáveis as mais intrincadas e abstractas ques- tões da Methafisica. O systema do grande Lock , aperfei- çoado e para assim dizer depurado em a cupella de huma critica a mais rigorosa pelo illustre Condillac , tinha levado a convicção á sua alma , e por isso era o adoptado em as suas prelecções. A minha boa fortuna levou-me a assistir a ellas em os últimos annos que regeo aquella Cadeira , e aln- BI3« 05 3CIV Historiada Academia Real ainda agora pasmo quando me lembro do arceficio com que, sem se aíFastar do mcthodo mais rigoroso, entremeava hu- ma immcnsa variedade de idéas, e de conhecimentos , ainda, mesmo daquclles que podião parecer mais alheios da sua profissão : accrcsccntarei finalmente ( a pezar de não ser este já entre nós o gosto dominante do século), que a ninguetn ouvi fallar a lingoa Latina com maior facilidade e elegân- cia. De tudo isto porém já nada existe senão a memoria; privilegio dos homens grandes , que sepultando debaixo da campa o seu cadáver , fica-lhes vivendo ainda largos tem- pos o nome sobre a terra. De hum destino análogo a este se fez sem duvida acrcdor outro Sócio , que também expirou á pouco , o Síír. Manoel Joaquim Coelho Vasconcellus da Costa Maya , cé- lebre Geometra do nosso Paiz , e que por muitos annos foi Lente desta Faculdade na Universidade de Coimbra j alli assisti também ás suas lições , que explanava do modo mais distincto , não o sendo menos nas outras partes da Mathematica , em que deixou hum grande numero de Dis- cípulos , que todos elles abonaráó esta verdade. Para os lugares destes Sócios , de cujos soccorros se achava privada a Academia , e para os daquellcs , que ha- vendo falecido anteriormente , ainda se achavâo vagos , fo- rão eleitos Sócios Honorários os 111.'""' e Ex."""' Snrs. Mar- quez de Tancos , Arcebispo de Évora D. Fr. Joaquim cie San- ta Clara , Conde de Barbacena , Conde de Palmela , e D. Mi- guel Pereira Forjaz. Nomeárao-se Sócios Estrangeiros o Sfír. Barão de Vincent , Director do Jardim Botânico de Vicnna d' Áustria , e o Snr. Frederico Boutterwek, que já ha mui- to era nosso Correspondente. Passarão a Sócios Veteranos os Síirs. Joaquim Pedro Fragoso , e José Martins da Cunha Pessoa; e achando-se com estas promoções três lugares va- gos na Classe das Sciencias Naturaes , entrarão para dois dellcs o Snr. José Pinheiro de Freitas, e eu ; o outro per- tencia indubitavelmente ao Snr. Félix de Avcllar Brotcro , que dasSctenciasdeLisboa. XV que não annuio aos nossos desejos , não só pelas suas mui- tas occupações, mas pela grande distancia cm que he obri- gado a assistir, como Director do Jardim Botânico do Paço da Ajuda ; pelos mesmos motivos recusou também a Direc- ção da Classe , que igualmente se lhe conferia , e pre- fcrio ficar como até aqui entre os Sócios Livres. Este lugar de FíFcctivo conserva-se por ora sem se preencher, assitn como também o outro que vagou na Classe das Sciencias Exactas pelo fallecimento do Snr. Maya. Não sendo possivel ao Snr. Visconde da Lapa occupar por mais tempo o lugar de Thesoureiro , fazendo-o assim constar á Academia , e pedindo que se elegesse outrem pa- ra este emprego ; recahio a nomeação no Sfír. Joaquim José da Costa de Macedo , que actualmente o occupa. Subirão de Correspondentes a Sócios Livres os Snrs. Alexandre António Vandelli , António de Almeida , e José Maria Soares ; e entrarão de novo para Correspondentes os Snrs. Ignacio António da Fonseca Benevides , e Manoel Agos- tinho Madeira Torres. O primeiro destes fez com que se lhe patenteassem as portas da Academia por duas Memorias sobre as Agoas mi- neraes de S. Gemil. Comprehende huma delias a descripção topográfica do sitio das Caldas e de seus contornos ; a clas- sificação Linneana das producções , que alli se encontrão per- tencentes aos trcs Reinos da Natureza ; e remata com as propriedades físicas das ditas Caldas, e algumas observações medicas sobre o seu uso interno e externo. A segunda Me- moria , destinada toda ella somente á parte Chimica, versa sobre a analyse de indicação pelos Reagentes , que empre- gou de hum modo muito variado ; sobre os contentos , as- sim gazosos como fixos que obteve pela evaporação; e so- bre o methodo de compor artificialmente as agoas hepatiza- das de S. Gemil. Este he em geral o plano que o Snr. Be- nevides seguio para o seu trabalho : e não sendo possível descer a hum exame mais circunstanciado delle , somente ac- eres- XVI Historia da Academia Real crescentarei , que quasi sempre lhe servirão de guia os cé- lebres Fourcroi , e De la Porte no bem conhecido Trata-. do sobre as agoas mineraes de Enghien ; e c]ue OvS princi- pios de humas e outras destas agoas são quasi os mesmos, ainda que variem algum tanto na sua proporção {a) . Outro assunto de bem diversa natureza e não de me- nor interesse foi tratado pelo Snr. António de Araújo Tra« vassos em huma Memoria sobre a Dcstillação , lida á tem- pos , e depois novamente retocada , e outra vez entregue , quando já não podia acompanhar as outras que este anno se publicão. Huma historia abreviada da Destillação serve como de preambulo á noticia , que o Auctor dá dos seus apparelhos destillatorios , e á confrontação que dellcs faz com os de Duarte Adam e Izac Berard , bem conhecidos hoje em toda a Europa. Chaptal reunindo , e aprovcitan- do-se dos descobrimentos dos dois mencionados Auctores y parecia ter esgotado a matéria ; mas as experiências já co- nhe- (/») l-'ara que se conheça a semelhança das Caldas de Enghien conj as de S. Gemil , ajuntamos aqui a recapiculaçáo dos contehcos de humas e outras , segundo as Analyses já inencionadas. Gâz hydrogenio sulfurado. acido carbónico - - Muriato de Magnesia. - de Soda . - - Sulfato de Magnesia • • de Cal - . . Carbonato de Magnesia - de Cal . - . de Ferro - - - Terra siliciosa - - - - Alumina --.-.. Matéria colorante - - - Matéria extractiva- • • 100 libras de Ag. de S. Gem. Polg. cubic. 610 520 Gráos - 70 65 68 1 "7 71 "5 3 2 X 100 libras de Ag. de Ent^hica P. c. Gr. 700 1S5 52 24 62 141 118 o X o o X \ DAS SciENClAS DE LiSBoA. XVII nhccidas do Snr. Travassos sobre a formação dos Fogões, e o modo mais vantajoso de communicar o Calórico aos Liquijos, devião segurar-lhe hum feliz resultado na sua a p- plicaçâo ás Cucurbitas dos Lambiqucs. Não se restringem porém somente a isto as observações do nosso Consócio : elle examina a configuração que devem ter as mesmas Cucurbi- tas , no que tanto tem variado as opiniões , sem que até agora se possa decidir de huma maneira incontrastavel j trata do modo de fazer a destillaçlo', da melhor forma do Refrigerante ; do methodo para condensar os vapores ; e separa , segundo as regras de huma critica judiciosa , aquel- Ics pontos que hoje parecem demonstrados , de outros que ainda he necessário acclarar com experiências novas e va- riadas. A leitura desta Memoria facilitará a solução do Pro- gramma extraordinário, que a Academia propoz o anno pas- sado, e que neste torna a repetir, sobre o mais económico modelo de hum aparelho destillatorio, que seja também próprio para as operações em pequeno : Programma princi- palmente interessante na occasião actual , em que he neces- sário dar sabida aos nossos Vinhos inferiores , que não se podendo consumir todos dentro do Paiz , em nada se po- dem empregar com tanta vantagem, como na fabricação da Agoa-ardente. Tempos houve já que em Portugal se fabricava este género em tanta abundância , que além de prover ampla- mente todos os nossos Mercados , se exportava em gran- de quantidade para fora do Reino, Em 1777 sahírão dos nossos portos perto de 700 pipas de Agoa-ardente , e quasi o mesmo com poucas diferenças nos annos seguintes : mas depois tudo mudou de face , não só pela carestia , a que causas extraordinárias fizerão subir os nossos Vinhos ; mas também pela perfeição e economia , a que as outras Na- ções , sem exceptuar a Hcspanhola , levarão os seus apare- lhos destillatorios, que tem sobre os nossos huma vanta- gem talvez de 25- por 100. Esta tão considerável perda faz- Tom. V. Part. II. * 3 nos xvm Historia da A c a n km i a Re/ l nos mui difficLiltoso concorrer com os Estrangeiros, agora mesmo que o preço dos Vinhos cem diminuído tanto; por isso a Memoria do Snr. Travassos não pode vir mais a pro- pósito, nem a solução do Progranima da Academia deijcar de ser acolhida como hum beneficio feito á Nação. Outro muito interessante escripto de que tenho de dar conta, hc a Viagem de pesquisas de Ouro, que fez o In^ spector das Minas Manoel Nunes Barbosa por parte da Extremadura e Beira Alta, segundo a ordem c direcção do Snr. José Bonifácio de Andrada , Intendente Geral das Mi- nas e Metaes do Reino. Principiarão estas pesquisas no lugar da Moita junto á Barquinha, onde apparecC^rão boas formações de cascalho com sinaes de ouro : o mesmo e ainda mais acontece na Ribeira do Seival defronte de Tancos; nas margens do Zê- zere, junto á barca da Estiveira ; e no lugar de Alqucidão , (3esde o sitio das Olayas , e Ladeira da Negra , até o Ça-. )3eço do Carvalho, Continuando a subir as margens do Zê- zere para Domes encontrao-se grandes lavrados , restos de vasta mineração de ouro , provavelmente do tempo dos Ro- manos ; e o mesmo acontece junto á Fabrica de ferro da. foz d'Alge , porém somente nas margens do Rio, achan- do-se ainda intactos os lugares afastados de agoas correntes , talvez por se quererem evitar as despesas do transporte do mineral : pois deve notar-se que nestes sitios já lavrados não ha vestígios de levadas para o desmonte do cascalho, nem para as lavagens e apuração do ouro ; parecendo por isso certo que os Antigos desmontavao á mão , escolhião e se- paravão os seixos grandes , e transportavão a terra e pissar- ra para onde havia agoa , que lhe podessc servir para a la- vagem ; sendo feita esta lavagem e apuração por meio da hatea ou pequenos holinetes ^ como ainda hoje praticao os Ciganos da Transylvania , e os Gandaieiros de França e Alemanha. Esta mineração Romana ainda se cxtcnde ao lu- gar do Cabaço , e suas visinhanças , hoje quasi todas cul- tivadas. Pas- ST3U Ot DAS SctENCIAS DE LiSBOA. XIX Passada a Serra de Alvaiázere c as Cinco villas , onde nada se encontra , tornao a apparecer os antigos lavrados junto a Pampilhosa ; próximos a esta Villa estão os trcs lu- gares de Piscanscco , em dois dos quaes ainda ha sinaes de bom ouro: também alli se descobrio Gallena de Chumbo: e no lugar do Sepo , em hum vieiro de Quart/o esbran- quiçado , que atravessa a Rocha Schistoza , varias Pyrites, que examinadas no Laboratório Chimico de Coimbra , mos- travão conter alguma prata. Este Schisto argiloso prolonga-sc pelos montes que vão desde Piscanseco até Pomares ; e os moradores se ser- vem das lagcs , que d'alli tirão com muita facilidade , para telhar as suas habitações. Pomares fica já sobre as margens do Alva , c perto de Avó ; daqui até Villa Cova encontrão- se formações , mineradas pelos Antigos , de que ainda se poderia tirar algum proveito : o mesmo succede até o lu- gar de Secarias , passando por Coja , e nas visinhanças de Serzedo. Esta mineração tão extensa durou talvez séculos inteiros, e ainda hoje poderia continuar, sendo o terreno lavrado por talho aberto , ou regos d'agoa ; methodo que dantes se não conhecia , e para que ha alli toda a commodi- dade. Se elle se estabelecesse , além da extracção do ouro , conseguir-se-hia outro fim não menos importante, qual he o de ganhar para a Agricultura, por meio das regas, huma extenção de terreno, até hoje deserto e de pouzio. Desde que acabão as lavias dos Romanos não torna mais a apparecer formação aurilcra, até huma legoa de Coimbra , aonde se mostrão alguns vestigios , mas que não são comparáveis com os que em muito mais abundância se descobrem em Antanhol e suas immediações. Passadas es- tas , no sitio de Ponte de Pedra , fronteiro ao lugar do Ce- gonhal começa a mudar-se o terreno, sendo alluvial, de b.irr!) arccnto vermelho , com área branca grossa por cima : m:is de Villa Pouca voltando por Taveiro, até á Ribeira da Nazareth que vem de Antanhol , ha todos os sinaes de hu- ma perfeita formação , que continua até á Venda do Cego. * 3 ii A XX Historia da Academia Real A antiga estrada de Coimbra , desde onde se sepnra da nova ató á Picada dos Corvos , he sempre acompanhnda de pedra calcarca : e daqui atd huma Icgoa para diante de Ancião, apparecc huma bcllissima formação auriícra , tor- nando outra vez a mostrar-se a pedra calcarea ainda huma Icgoa para cá de Thomar: aonde o rigor da Estação im- pcdio o Viajante de proseguir nas suas averiguações. Como esta relação não he destinada a imprimir-se, pa- rcceo conveniente dar hum breve extracto delia, a fim de que semelhantes noticias não fiquem perdidas com o andar dos tempos; como entre nós tem succedido a muitas ou- tras não menos interessantes. No resto das Memorias de que vou fallar não ha esta circunstancia, por isso também serei mais resumido no seu annuncio , já que o tempo me não permitte demorar-me com todas do modo conveniente. Não deixarei com tudo o que diz respeito á nossa Me- tallurgia , sem primeiro fallar em huma Memoria do Snr. João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz; na qual dá huma noti- cia bastante circunstanciada da Mina de Chumbo do lugar de Monforte da Beira , que , segundo elle , tantas vantagens promctte , não só pela sua riqueza , mas pelas boas propor- ções que alli concorrem para a sua extracção. Este Destricto era merecedor de ser examinado por Mineralogistas de pro- fissão , pois não he o Chumbo o único Metal que alli se en- contra ; sabe-se que as margens do Rio Ouravil são abun- dantes em ouro, o que talvez concorresse para se lhe dar aquelle nome; e na serra junto a Monforte ha grande quan- tidade de Ferro , de que os Antigos seseiviao, como se co- nhece pelas muitas escorias que alli existem ainda hoje. He necessário confessar que estes Antigos , com me- nos luzes do que nós, aproveitavão melhor os dons, com que a Natureza enriqueceo este Paiz. O Snr. João de Ma- cedo falia nos poços e grandes galarias subterrâneas , que se encontrão nesta Serra, e que indicao evidentemente os im- mensos trabalhos de Mineração, que alli houve por huma longa serie de annos , e que depois forao de todo abando- na- DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXI nados. Quaes scriao porém , entre os Povos que occupavão a Lusitânia , aquelles que mais se derão a estas minerações ? A tradição Popular attribuc tudo aos Mouros, e pelo con- trario os Auctores que escreverão da matéria fazem quasi tudo obra dos Romanos ; o que talvez proceda mais de não terem tido os Árabes Escritores , que transmittissem noticias dos seus trabalhos, do que de elles senão terem exercitado em huma occupação, de cujos immcnsos lucros estavao ain- da vendo os vestígios. Não foi somente a Mineralogia a única parte das Scien- cias naturaes , em que se empregarão os estudos Académi- cos ; a Medicina foi também enriquecida com duas obras , que ha muito tempo se desejavão em Portugal : huma versa sobre hum Projecto de Policia Medica para o interior do Reino, e foi escripta pelo Siír. José Pinheiro de Freitas; a outra he hum Tratado de Hygicne Militar c Naval do Siir. Joaquim Xavier da Silva. De ambos estes escriptos se fea já menção o anno passado , mas estavão apenas principia- dos ; agora porém achão-se de todo completos , e hum del- les prompto para imprimir-se. Além disto forao entregues á Academia huma Observação do fallecido Correspondente José Francisco de Carvalho sobre huma dor sympatica da Cárdia; outra do Siír. Pedro da Silva, Cirurgião da Mari- nha grande e Correspondente da Instituição Vaccinica, so- bre huma Febre puerpcral acompanhada de circunstancias extraordinárias. E fez-lhe presente o Srir. Francisco de Mel- lo Franco de algumas Notas , e Additamcntos ao seu bello Tratado de Hygiene , que devem servir para a futura edi- ção que delle se fizer. A Zoologia he talvez o ramo da vasta Scicncia da Na- tureza, que menos se cultiva entre nós. Quasi todos osPai- zes da Europa tem os seus Faunos, em que se descrevem e classificão os animaes que nelles vivem ; em Portugal mui pouco se sabe ainda a este respeito : por isso foi re- cebida com toda a satisfação a Memoria de hum Anonymo á cerca de alguns Peixes do Mar c Rios do Algarve , com va- Sia-a OT XXII Historia da Academia Real varias observações sobre a sua pesca , e sua classificação se- gundo o systema de Linnco \ Quanro níío seria para desejar que este trabalho se extcndcssc ao menos aos outros Mares c Rios do Paiz ! O Silr. Constantino Botelho de Lacerda , Lente de Fi- 7.ica na Universidade de Coimbra , e que tanto tem traba- lhado para a Academia , acaba de lhe rcmettcr d pouco três interessantes Memorias : a primeira sobre a diversa tempe- ratura que tem os líquidos e sólidos mergulhados na At- mosfera : a segunda sobre hum novo Pyrometro para deter- minar a dilatação comparativa dos liquidos : e a terceira sobre a diversa densidade da agoa em diíFcrentcs alturas. Estes escritos do nosso sábio CoUcga são tanto mais para estimar, quanto he menor o numero das pessoas que entre nós fazem dos estudos fizicos a sua occupação principal. Em lugar destes , as Sciencias Agrarias e Económicas são as que parecem fixar mais a attenção do Publico , sem duvida pelo interesse mais immediato que são susceptíveis de produzir. Hum grande projecto de que ainda não posso dar-vos conta foi este anno submettido ao exame da Acade- mia , que não omittio nada para facilitar o seu bom êxito, e para que se possão formar Escolas de Agricultura , que sendo, como diz Columella , a primeira e a mais variada de todas as artes, he justamente aquella que se não ensina. Lerão-se também alguns escritos, que dizem respeito a es- tas mesmas Faculdades : assim o Sfír. Joaquim José Varella foi Auctor da Memoria sobre hum mcthodo particular de plantação , e cultura de Vinha , conhecido nos Destrictos de F.vora, Monte-Mór e Arrayollos com o nome de Fiuha de Velho ; e que segundo parece data da maior antiguidade. O Síir. Visconde de Balsemão tratou do melhoramen- to da nossa Agricultura por meio das Companhias Agra- rias, e do methodo que julga mais adequado para as for- mar. E eu apresentei as Noras e Illustrações que tinha sido incumbido de fazer á Memoria do Snr. Dalla-Bella sobre a cultura das Oliveiras em Portugal. DAS SciENCIAS DE LlíBOA. XXtd O Snt. António de Almeida tem remettido cinco in- teressantes Alappas Estatísticos de Pcnaf..;! : o mesmo ex- ecutou o Snr. Fr. Simão de Jesus Maria Castellino B.icel- !ar , a respeito da Freguezia de Paço de Suusa , quç faz parte da dita Comarca. E finalmente o Snr, João Faustino entregou n' Academia huma obra inédita, de não vulgar me- recimento , do nosso já defunto e beficmcrito Consócio An- tónio Henriques da Silveira , intitulada Memorias analyticas da Villa de Estremoz. As Scienci^s Exactas pelo estado de adiantamento , em que se achão , não podem ser tão fçrteis todos os annos em cousas novas ; e no que acaba de passar tivemos ape- nas o tratado de Geometria Esférica do Srir. Francisco Vil- iela Barbosa , que serve de remate aos jjeus Elementos de. Geometria já impressos. Não succedeo o mesmo na Classe de Litteratura q Historia , onde a colheita foi bastante copiosa. Por motivo da publicação das Chronicas dos Senhores Reis D. Pedro I. , e D. Fernando cscrcveo o Siír. Francisco Manoel Tri-. gozo hum Prologo , em que se discute de hum modo lumi- noso a quaes dos nossos Chronistas pertencem as Chronicas que hoje existem dos Reis de Portugal ; matéria em que desde tempos antigos tem havido tão grande discrepância, que causa admiração as opiniões contraditórias a que tem dado origem. O mesmo Sócio trabalhou em outra erudita Memoria , que logo ouvireis ler , a qual çomprehende a Historia do Theatro Portuguez , desde a sua origem até á sua decadência, no tempo em que geralmente se perdco o bom gosto em todos os ramos da nossa Litteratura. O Snr. João Pedro Ribeiro, que tantos serviços ten» feito á Legislação Pátria , acaba ainda de fazer-lhe hum em, os novos additamentos ao seu índice Chronologico, que se estão imprimindo actualmente. Fazem parte do meio volume da Collecção Académi- ca , SUM Ol XXIV HiSToniA DA Academia Real ca , que este anno se publica , três Memorias que o Snr. António Ribeiro dos Santos , tinha entregado á muito tem- po , mas que de novo retocou e augmentou ; tendentes to- das a provar, que algumas partes da America erão conhe- cidas anteriormente ao descobrimento de Collon , e que este célebre Navegador com rasao foi de tempos a tempos perturbado por alguns Escriptores na posse , em que geral- mente se soppunha estar de tão assignalada primasia. Já a Academia de Copenhague , desejando pôr fim a esta con- trovérsia sobre huma das Épocas mais notáveis da Historia Moderna , tinha proposto hum Programma , em que convida- va os Sábios a ajuntarem todos os indícios, em que se fun- da a opinião da anterioridade d'aquelle descobrimento ; c isto foi o mesmo que fez o Snr. António Ribeiro , antes de ter apparecido aquelle projecto na .Capital da Dinamar- ca. O modo por que elle encara esta questão , faz-lhe invol- ver nella outros factos , que servem a elucidalla : assim a primeira Memoria he destinada a provar que o uso da Bús- sola data de século anterior ao de Flávio Gioja, que nasceo em Amalfi pelos annos de 1300: e que também são de mui- to maior antiguidade do que commumente se crê muitos dos outros Instrumentos marítimos , e a applicação do conheci- mento dos Astros , de que se servião os Fenícios , os Gre- gos , os índios , e os mesmos Árabes. Estes meios e Scien- cia Náutica fazem já desvanecer muito do maravilhoso , que se pode achar nas viagens pelo mar Inrgo , anteriores ás nossas e ás de Collon : e por isso esta Memoria serve como de Proemio á segunda , em que se recapitulão os testemu- nhos contra a prioridade attribuida ao mesmo Genovez. Não pára porem aqui o Snr. António Ribeiro, e de- pois de ter mostrado que já erão conhecidas algumas pa- ragens da America Septentrional , pertende provar em hu- ma terceira Memoria que também o erão outras da Meri- dional, e entre ellas o célebre Estreito de Magalhães: com o que ficaria vindicada a authenticidade dos decantados Map» pas .1 DAS SciENCIAS DE L I S B O A. XX/ pas do Infante D. Pedro Duque de Caminha , c do Car- tório de Alcobaça , onde he fama que de tempos mui re- motos se achava aquclla demarcação. He no Auctor que se devem ver as razões cm que elle funda esta opinião , que n* hum simples extracto perderião muito da sua força. Se porém a Historia , admittindo estas asserções ou cm todo, ou em parte, tiver hum dia de recuar a época dos descobrimentos na America; he muito provável que te- nha também de fazer o mesmo no que àii respeito ás nos- sas Ilhas , e ás navegações Portuguezas em geral , segundo ' indica o Sfír. Joaquim José da Gosta de Macedo em a pri- meira parte de huma Memoria que leo sobre este assum- pto, e da qual não damos maior noticia, por não se achar ainda terminada. O Snr. Manoel José Maria da Costa e Sá recitou em huma das nossas Sessões o Elogio Histórico do defunto Só- cio Alexandre Rodrigues Ferreira , cujos vastos conhecimen- tos e incançaveis trabalhos se fazem patentes pela prodi- giosa quantidade de manuscritos que deixou por sua mor- te , mas que infelizmente não estão ao alcance da Acade- mia. O Snr. Manoel José Pires recitou também outro Elo- gio ao Snr. Rei D. José de Gloriosa Memoria, e que a de- verá ter eterna nos corações dos Portuguezes. O ultimo tratado de que tenho a fazer menção he o que mereceo ao Síir. Manoel Agostinho Madeira ser convocado para Correspondente da Academia , e versa sobre a Histo- ria da Villa e Termo de Torres Vedras , que nestes últimos tempos tem tornado a adquirir a sua antiga celebridade , pe- los notáveis succcssos de que foi theatro. Esta porção do seu tr.balho, já he por si de bastante interesse, e ainda o terá maior quando for acompanhada da parte Económica e Estaristica , em cujas indagações se occupa com a maior •actividade , e que se acha quasi de todo concluída. A Instituição Vaccinica tem proseguido com o maior zelo na sua laboriosa e útil tarefa, e logo ouvireis os seus progressos , que de anno em anno são mais consideráveis ; ToiN. r. Part. II. * 4 pó- XXVI Historia da Academia Real póiie mesmo annunciar-sc que a maior parte do Povo , tor- nando a si de huma injusta e barbara prcoccupação , corre a abraçar com gosto este especifico , que o isenta d' hum tão tcrrivcl flagelo. A Commissão de Historia continua a desenterrar os Do- cumentos que devem hum dia aclarar as épocas dos anti- gos Fastos da Monarquia : assim não só estão concluídas as copias do chamado Livro Preto da Sé de Coimbra; mas também se ultimou a distribuição chronologica destes , e de alguns outros Diplomas; distribuição enfadonha e diffi- cil por não exprimirem muitos deiles, senão por hum mo- do indirecto, a época prefixa em que forão escritos. Além destes trabalhos dos Sócios da Academia, que lhe forão positivamente consagrados, houve alguns outros, não só dos mesmos Sócios , mas de pessoas de fora da Corpo- ração, que não devemos passar em silencio: Assim o Snr. José do Nascimento Pereira da Silva de Menezes remcttcu- nos hum seu Manuscrito intitulado : Ensayo dos Dirciíor do Príncipe Primogénito de Portugal d Successao e d Regência do Reino ; e o Snr. José Pedro Roussado hum Elogio cm La- tim c Portuguez na faustissima acclamação do Senhor D, JoÂo VL O nosso Correspondente o Srír. [acobo Graberg de Hemso , actual Cônsul da Suécia emTangcre, tez entregar huma obra sua, ultimamente publicada cm Itália, sobre a falsidade da origem Scandinava , attribuida por alguns Es- critores aos Povos da Europa meridional ; o Snr. José Ma- ria d'Antas a sua primeira Memoria Naval-M ditar ^ impres- sa no Rio de Janeiro ; e o Siir. António Feliciano deCas- tiiho hum Epiccdio que compozera á morte de S. M. a Rainha Dona Maria \. ; finalmente o Srír. Anastácio Joa- quim Rodrigues offereceo os Planos e Perfiz das Minas de Ramehberg no Hartz ; e os Redactores dos dois Periódicos intitulados: Investigador Portiigue:^ , e Jornal de Coimbra con- tinuarão a remettellos , como sempre tem feito até agora. Também devo lembrar que o Srír. José Cypriano Redmond of- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXVII offereceo para a nossa Livraria dous Opúsculos impressos , relativos aos Concelhos de Guerra do Chefe de Divisão Ro- drigo José Ferreira Lobo , e o Snr. Adolfo Frederico Lin- dem berg a Memoria sobre a Litter atura Portugueza , traduzi- da do Inglez , com notas illustradoras do Texto , pelo Snr. Mullcr, agora impressa fora de Portugal, Não npparcceo Memoria alguma a concusso sobre os Programmas publicados para este anno , por isso se repe- tem ainda os mesmos para o seguinte. Esta falta não he nova , ha já tempos que se experi- menta , e pende de diversas causas , que a Academia não pô- de remover. Com mais prospero successo corrco a distri- buição dos prémios para o adiantamento da cultura das ba- tatas; pois o Snr. Francisco Joaquim Carvalhosa , que já ha dois annos tinha introduzido esta planta na Comarca de Alemquer , acaba agora de fazer o mesmo beneficio á de Torres Vedras , onde quasi de todo era desconhecida. Hu- ma das circunstancias mais interessantes da sua conta he y ter clle vendido nos mezes de Março e Abril deste anno perto de 200 alqueires desta colheita a diversos Lavrado- res , que com o seu exemplo se resolverão a semear bata- tas ; abalançando-se a este novo recurso , por verem amor- tecidas as esperanças das searas de trigo , que tanto sofFrê- rão com as seccas passadas. Assim a necessidade abre mui- tas vezes o caminho á abundância, e só huma Nação igno- rante e inerte hc que se pódc reputar realmente pobre. O outro Lavrador que obteve o premio foi o Snr. José Francisco Rosa , do Casal dos Claros , da Comarca de Lei- ria , onde era bem para desejar que o seu exemplo fosse imitado, pela excellente qualidade de terreno que alli oflfe- rece a natureza para semelhante cultura. Também este anno se apresentarão á Academia algu- mas Maquinas e Invenções , como se praticava outr'ora em tempos mais felices. Parece que a Industria nacional vai em fim principiando a erguer-se do penoso lethargo , em que esteve tão profundamente submergida ; esforço este que , a * 4 ii pe- XXVIII HiSTOFIA DA AcADEMIA ReAL pesar de ser aind-i diminuto, bastará haver applicaçao c per- severança , para fazer com que n?.() tenhamos hum dia que invejar ás Nações Estrangeiras , de quem agora somos tri- butários. Entre a;; novas invenções que este anno se apresen- tarão, fixou particularmente a attençao huma bella fechadu- ra de segredo , que não somente he impossivel ser aberta por qualquer pessoa , que o não tenha antecipadamente co- nhecido ; mas que além disso contém dentro de si huma campainha de dispertador, a qual indica os esforços que se fazem para a abrir , e até que ponto cUes são bem suc- ccdidos. O Auctor deste invento hc o iM^srre Sarralheiro Joaquim Francisco Caldas , com loja nesta Cidade. De outro muito maior interesse deverá ser huma espé- cie de Bomba aspirante , própria para esgotar os poços , e paúes , a qual á simplicidade da sua eonstrucção , reúne a vantajcm da diminução dos attritos , tão incommodos em se- melhantes maquinas ; o Inventor desta he o Snr. Alexandre António das Neves , que roub.indo alguns momentos aos im- portantes negócios de que se acha incumbido , quiz dar mais esta prova do seu amor a's Sciencias , tornando-se a occupar de objectos , que quasi tinha sido obrigado a pôr to- totalmente cie parte. O modelo desta maquina não poude apiontar-sc a tempo de se expor nesta Sessão ; mas pareceo- me assim mesmo que não devia demorar esta breve noticia. Rcsta-me por Em r.nnunciar-vos que as Obra'- que este anno sahírão dos nossos Prelos , forão o Breve Tratado do Geometria Esférica do Srir. Francisco Villcla Barbosa , de que acima fallei ; a Aícmoria para servir de índice dos Fo- mes das Terras do Keim de Portugal e seus Dom ;n tos , pelo Snr. Francisco Nunes Francklin ; a Parte primeira do 5.° vokime da Historia e Memorias da Academia ; e o 4."*, volume dos hiediios de Historia Porttigiieza , que além das Chronicas de que fiz menção, contém os Foros e Costumes de Santarém, S. Martinho de Mouros, e Torres Novas. Esta intcrc^s.lntc CoUecçao deverá continuar , em havendo manus- critos sufficientes para outro volume ; e já o Sílr. Francklin of- állíl OT I DAS SoiENCIAS DE LiSBOA. XXIX offereceo para cUe os antigos Costumes da Cidade da Guar- da. Se todos os nossos Li tteratos seguissem o mesmo exem- plo, não estariao as nossas antiguidades ainda hoje tão igno- radas; saber-se-hia o que tinha sido a Nação Portugucza nos diversos tempos da Monarchia , e até os mesmos Estran- geiros repetirião com mais respeito o nosso nome. Eis-aqui , Senhores , expostas summariamente as tarefas da Academia no anno próximo passado. Tereis visto por ellas que cm quanto a Litteratura nos seus diíFcrcntes ramos oc- cupou constantemente huma porção dos nossos Sócios , a outra se apphcava com igual zelo á Historia Natural , á Fy- sica , á Chimica , e á Medicina : mas de todas as Sciencias aqucllas que parecerão cultivar-se com maior ardor forão a Agricultura e Economia; reflexão, que deve ser bem satis- fatória para todos os que se interessão pela prosperidade nacional , visto que nenhum outro estudo lhe pôde ser tão vantajoso como este nas circunstancias actuaes. O conheci- mento cabal do nosso Paiz , no estado em que agora se acha a respeito de Industria, Agricultura, População, e Econo- mia , he a base em que necessariamente devem assentar to- dos os cálculos , e o ponto d'onde devem partir todos os melhoramentos, para serem geralmente vantajosos. Mas ad- quirir esta Sciencia não he obra de hum dia , nem de hum homem ; e por isso devemos redobrar de esforços em prO- seguir no caminho, que com tão felices auspicies começá- mos. O maior premio, a que esta Academia aspira he ser útil aos seus Concidadãos , e conseguillo-ha mostrando-lhe os dif- ferentes recursos , de que podem lançar mão para a sua pros- peridade. Taçs são os seus votos actuaes , e os que ella pa- tenteou desde os primeiros dias da sua existência na Epi- grafe que escolheo para servir-lhe de divisa. Nisi utile est quod facimus , stulta est gloria. Disse. DIS- XXX Historia da Academia Real DISCURSO HISTÓRICO Sohre os trabalhos da Instituição Vaccintca , lido iia Sessão publica da Academia Real das Sciencias de Lisboa em 2j\. de Junho de 1817. PELO DOUTOR W E N C E S L a'o AnS£LMu SoARES. hjs Iísta', Senhores , finalizado o quinto anno dos trabalhos da Instituição Vaccinica , creada e sustentada pelos desvelos desta Academia desde o anno de 18 12 : e o dia de hoje, dia de tanto jubilo para a Nação inteira recordando-se do Nome do nosso Augusto Sokkpamo, he com justa ra/.ão es- colhido pela mesma Academia para manil^star ao Publico as diligencias e assiduidade, com que os seus Sócios se es- merão cm felicitar a Nação, já procurando por meio de seus escriptos augmentar os conhecimentos scicntificos , e indi- car ao Lavrador e ao Artista o modo de melhorar e fazer mais profícuos os seus trabalhos , já ofFercccndo c franquean- do a todo o Reino o precioso bem da Vaccina , fácil e in- fallivel meio de evitar hum mal , que ha mais de doze sé- culos tem affligido e devastado a espécie humana : e em qualquer destes dois ramos a Academia , como hoje fa7, ver ao Publico , não tem até ao presente afrouxado na briosa carreira, em que entrou, e se dirige unicamente a promo* ver a felicidade Nacional. Sendo porem a continuação e augmento do zelo desta Academia mui particularmente devido á Munificência e Pri- vilégios , com que Sua Maghstade a protege e honra , já libcralizando-lhe rendas , já franqucando-lhc a imprensa , já finalmente providenciando a tudo quanto esta Corporação lhe DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XXXI lhe representa (i). F'm tnes circunstancias, Senhores, a glo- ria da Academia reflecte pela maior parte no Soberano , restando-lhc somente a satisfação de haver sido hum dos instrumentos , de que o Monarcha se serve para felicitar os Povos, e fazer glorioso o seu Reinado. Sendo por tanto o dia de hoje aquelle , em que a Academia faz públicos os benefícios , que por esta repartição o Soberano prodigaliza á Nação inteira, dobrado miuivo ha para que ella penetra- da de jubilo se prostre hoje respeitosamente perante o Throno , e oiFereçn á Regia Beneficência as mais sinceras c enérgicas expreosõcs de gratidão. Já ouvistes. Senhores, em hum eloquente e bem de- duzido Discurso a fiel exposição dos trabalhos da Academia desde a Sessão publica próxima passada ; e por isso vos não hc novo que cila tem continuado a propagar por todo o Reino o bem da Vaccina , encarregando este cuidado á Insti- tuição Vaccinica , Commissão formada de alguns de seus Só- cios. E quando outro serviço a Academia não fizesse , este só bastaria para que a Nação lhe dirigisse bem merecidos louvores , e agradecesse ao Soberano a protecção e soccor- ros, com que tão eíficazmentc anima hum Estabelecimento, que tem salvado da morte ou de horrorosas deformidades tantos individuos ; os quaes deste modo continuão a ser mem- bros úteis do Estado , alvo do amor paternal , amparo de suas famílias , e consolação de seus amigos. ij Que outro objecto mais digno do amor do Soberano, da vigilância dos Sábios , e do cuidado dos Médicos, do que evitar a grave moléstia das bexigas, fazendo propagar a Vac- cina seu efficaz preservativo ? A certeza e enormidade de hum mal he a fonte , donde naturalmente correm as mais cia- (/l) Pelas contas dos annos antecedentes constáo aj providencias do Go« vcfno a beneficio da Vaccinaçâo : e ultimamente por huma Portaria do torrente aiino acaba o mesmo Governo de conceder hum conto de réis para supprir as d''spesas da Instituição, em quanto Sua Macestade híq lixa rendas para a continuação desce Estabelecimento. XXXII Historia da Academia Real claras provas do apreço, que deve tazer-se do remédio pre- servativo desse mal : a extensa e continuada serio de factos he a prova mais convincente da virtude preservativa de hum remédio : quem oíFcrecc , franquea , e applica tal preserva- tivo he digno de elogios, e agradecimentos tanto maiores, quanto mais terrível he o mal , e mais eííicaz o remédio, Applicando por tanto estes principios ao meu objecto , so- bre elles traçarei este Discurso Histórico ; e só pela histo- ria ou exposição de factos referidos com a brevidade , que me he permittida, mostrarei i.° a ccrte/a com que a espé- cie humana deve esperar o ser accommettida das bexigas naturacs , e a grandeza , e enormidade desta moléstia ; 2.° provarei a infallibilidade da Vaccina como preservativo das bexigas; 3.° e finalmente referirei os progressos , que a Vac- cinaçáo tem feito em Portugal , particularmente neste an- no , do qual me compete dar conta ; e isto bastará para que o Publico conheça os agradecimentos e elogios , que são devidos aos Correspondentes c cooperadores da Institui- ção. Oxalá que no Discurso por vós ouvido ha pouco , o seu Auctor se tivesse encarregado de fazer a historia dos trabalhos vaccinicos do anno Académico , que hoje termi- na j ou que algum outro Membro da Instituição Vaccmica occupasse hoje este lugar : tintas mais finas copiariao exacta e expressivamente o quadro , que apresenta e immortaliza as vantagens da Vaccina , e o nome dos beneméritos Portu- guezes , que neste anno empregarão os seus cuidados em generalizar este bem : quiz porem a lei estabelecida nesta Sociedade (i) que me coubesse o arrostar tão árdua emprc- za , e como obediente á lei hc forçoso que me submetta a hum peso mui superior ás minhas débeis forças. Não te- reis (rt) A Instituição Vaccinica em huma da? suas Sessões deliberou que o Secretario, que servisse no trimestre de Março , Abril , e Maio, fos- se o que fizesse o Discurso Histórico , que deve ler-se na Sessão publica d\ Academia. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXXUt reis por tanto hoje o prazer de ouvir, como nos annos pre- cedentes, hum discurso, em que a verdade e a eloquência marchando de mãos dadas ensinavao aos mais incrédulos a estrada, que os levava a huma clara e perfeita convicção sobre o grande preservativo das bexigas : farei todavia que a verdade, ainda que marchando só, nao se perca da estra- da , que acertadamente abrio , e pela qual felizmente cami- nha já com segurança a maior parte da Nação , acreditando e procurando aquelle cfficaz preservativo. N. Parte Primeira. Ão se pôde ao certo determinar a época , em que a Humanidade começou a pagar o pezado tributo da horro- rosa e quasi indefectivel enfermidade das bexigas naturaes. A Historia assim como deixou sepultados no esquecimento muitos outros factos, cuja noticia nos interessaria, também não confiou de nós o verdadeiro e exacto conhecimento da origem , Paiz , e causas que derão principio ás bexigas na- turaes ; e apenas podemos assegurar , que este fl.igello não existia no tempo dos Gregos e Romanos (a) j séculos de lu- zes , em que viverão grandes e sábios Médicos, e escrupu- losos Historiadores , aos quaes sem injustiça se não pôde imputar ignorância ou ommissão em descrever hum mal , que, ou medica ou politicamente considerado, lhes deveria merecer a maior attenção. A inconstância porém dos tem- pos , que a nada perdoa , empeceo os progressos , que na- quelles luminosos tempos fi/era o espirito humano , e co- mo invencível barreira lhes oppoz a barbaridade , que suc- cedeo nos séculos immediatos : séculos , em que as podero- sas e successivas invasões dos bárbaros do Norte , e os san- guinários scismas religiosos, á força de perscgu çóes , estra- Tom. V. Part II. * 5- gos , {a") Veja-se Trai^e histcnque et pratique de i inoculation par Dezo:eux tt F/tlcntin , pdg. 25 e 24, .inno 8. da Republica: SiJobie Diisert.itio de variolií pag. 5. XXXIV HlSTOniA DA AcADEMlA ReAL gos , c mortes fomentarão dissençõcs e partidos, accendê- râo o facho da rebellião , e mudarão a face politica dos Estados. No meio de tão horrorosa inquietação bem era de esperar, que faltasse o tempo e tranquillidade necessária pa- ra cultivar as Sciencias, e transmittir á posteridade exactas observações ainda sobre aquclles fenómenos mais extraordi- nários , e consternadores , como erão as epidemias variolo- sas. Seguio-se outra época ainda mais desgraçada , na qual grande parte dos homens , sacrificando a razão á impostura e despotismo de Mafoma , chegarão infelizmente a acredi- tar como preceito religioso , que devião fechar absolutamen- te os olhos i luz das Sciencias. E tendo sabido de tão es- curo século e Paiz as primeiras noções sobre epidemias de bexigas , não causão admiração as poucas e incertns idéas , que temos da origem e estragos das primeiras epidemias ; e por isso nos limitamos só a dizer , que na declinação do VI. Século já a Arábia era victima das bexigas naturacs (n). Crescendo depois em poder o Império , que Mafoma havia fundado, e seus successores dilatado por meio de rá- pidas conquistas j grande parte da Ásia , Africa , r Iviropa se vio sujeita ao pesado jugo dos Árabes, os quacs de en- volta ahi levarão a assolação da gucira, e o •^ernicn das be- xigas naturacs : de maneira que desde o Vllf. Século , em que os Sarracenos entrarão em Portuí^al , são também co- nhecidas neste Paiz as epidemias variolosas (b) . As conquistas , que os Portuguczes e Hcspanhoes fize- rão no Século XV., e as relações commerciaes, que poste- riormente se estabelecerão entre as differentes N;'çóes e Po- vos do Mundo , levarão o contagio varioloso áquelles mes- mos Paizes [c] , onde os Sarracenos não tinhão chegado ; e (■) Ve)a-se a pag. 27 da obra citada na mesma not.i, (í) Vejáo-se as obr;is citadas na nota (<í) pag. xxxiii. Não consta que na America fossem conhecidas as bexigas antes de DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XXXV c eis como este mal terrivel estcndeo o seu império pof toilo o Mundo conhecido. Por tia^^ello grande foi sempre considerada , e por lon- gos annus se não perde da lembrança dos Povos qualquer assoladora epidemia , ainda quando á sua pestífera influencia tcnháo sido inaccessiveis centos de indivíduos: ^e quanto maior terror devem causar as bexigas naturacs, enfermida- de epidcmica e contagiosa, a cujo furor he raríssimo o que escapa ? Esta verdade , que a observação de tantos séculos infelizmente tem demonstrado a toda a classe de pessoas, n(,s auctoríza para sem hypeibole aífirmar , que a espécie humana fora condemnada a sofFrcr , ao menos huma vez, este hediondo mal. Se a Historia nos aponta hum ou ou- tro indivicun , que ches^and ) a longa idade morreo sem pagar este tributa , ^ quantas duvidiís occorrem sobre a exacti- dão desces raríssimos factos r ^"Será por ventura incrível , que alguns soflião este mal no ventre materno ? ^ Não tem sido observados por graves Médicos os casos de febre varíolosa sem erupção de pústulas, e esta anomalia não terá dado lu- gar á persuasão daquelles extraordinários e raríssimos factos ? Vivão pois toáos os homens persuadidos de que na sua cons- tituição não achão forças, que absolutamente, e cm todo o tempo , se opponhão ao contagio varioloso , para o quil todos ou cedo ou tarde mostrão ter disposição. A este res- peito sirva de aphnrísmo o que disse o grande Condimine : jO/í';7 «'jy a d'exempts que cenx qui tte vivent pas assez poiír ra/íeridre (a) . E se hum mal ainda pequeno amcdrenta , e sobresalta * j ii a .'hj cheg.ufiii os seus conquisradorcs : c das primeiras epidemias desta itiolesriii foi a que succecWo no fim de 152O no México , a qual matou tiiuitos Cacicos , e taiiibcm Magiscatrin irmão de Montezunia , famoso Imperador do México, como refere Fernando Cortez na sua segunda Car- ta ao Inípcndor Cr.rlos \'. p.-.^. 188. (a) No Tratado iia inoculação já citado se achão estes, e outros ar- gum.ntos para provar que tudos estamos sujeitos a soffier liuma vez as bexigas. xxxvi Historia da Academia Rbal a quem o espera como certo , incalculável será o susto e horror de que deve possuir-se aqueilc que, não tendo per- dido a luz da ray.ão , conhecer a grandeza e enormidade do mal , que o ameaça. Não he objecto do meu discurso fa- zer exacta dcscripçao das bexigas naturacs ; devo com tudo indicar , para que ninguém ignore , os grandes e terríveis males , que as acompanhao , e lhes succedem. A morte , prova a mais decisiva da gravidade da mo- léstia, que a produzio, he o termo fatal, ao qual as epi- demias vaiiolosas arrastão milhares de victimas , depois de exhaustas as forças com penosos tormentos. Veja-se a His- toria dos tempos, e ficaremos convencidos das horrorosas assolações, que alguns Escritores julgarão exceder ás da guer- ra , e ás da mesma peste. A este respeito diz Hostius : que por muitas vezes tem estado em perigo a Ásia , Africa , Eu- ropa , e também a America , por causa de febres malignas e pestilenciaes ; porem este Escritor se enche de espanto observando os estragos da epidemia variolosa de 1614, c a fereza , com que não poupara a sexo ou idade. Esta epide- mia começando pelo outomno na Alexandria , Creta , e Cida- des visinhas da Grccia , e com inevitável mortandade in- vestindo no inverno seguinte a Turquia e Calábria , e na primavera a Dalmácia, Veneza, Itália, França, Inglaterra, Alemanha , Polónia , e Rússia , successivamente dentro de hum anno correo , e tão enormemente despovoou a Europa inteira , que Hostius ao referir este facto exclama: O' annum perniciabilem ! O' variolas detestahiles \ (a) Não se formarão em todos os tempos listas, por on- de constasse a grande mortandade motivada pelas bexigas ; porem essas mesmas , que neste ultimo Século nos deixarão Escritores mais curiosos , são bastante testemunho para quem por observação própria não esteja convencido da gravidade desta moléstia. Em 1720 morrerão desta cruel enfermidade só (a) Veja-se a primeira obra citada na nota (rt). snTt_ 01 É DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XXXVIt SÓ cm Paris 20(í) pessoas. Em 1744 fallecêrão de bexigas em Monrpcllier mais àc i^ crianças. Desde 1661 até 177a morrerão de bexigas cm Londres 195:432 indivíduos. No mesmo espaço de tempo , e por causa só desta moléstia hou- ve cm Genvbra 3:973 mortes. De;.de 1744 até 1763 falle- cêrão de bexigas em Edimbourg 2:441 pessoas; e na Haya desde 175' 5" até i-^ó^ forão 1:455: as victimas desta enfer- midade. De tão horrorosas crtastrophcs tem os observadores concluido : que de 6 bexigosos provavelmente morre hum: este calculo porem indica somente hum termo médio de- duzido da mortandade de divcri-as epidemias variolosas : pois algumas houve , em que o proporcional numero dos mortos foi muito maior; como nos ofFerece hum exemplo Cullen , quíndo dÍ7, , que cm Gl iscov/ em 1768 grassarão bexigas tão funestas, oue de 10 doentes apenas escapava hum. Em fim seria não acabar, se miudamente se descreves- sem os estragos , que este fl.mello tem levado a toda a par- te. A Historia da Medicina nos aponta epidemias variolo- sas tão mortíferas, que tem finado famílias, suspendido os trabalhos de fabricas, despovoado Vilías , arruinado Cida- des commerciantes , e assolado Provindas inteiras (a). Não he unicamente a morte (o que só bastaria) o te- mível perigo , com que as bexigas aterrão a humanidade : aquelles mesmos, que escapâo a esse fatal e decisivo gol- pe , j quantos outros perigos correm , quantos males sof- frem , e a quantos ficão condemnados por todo o resto da sua penosa vida .'' Ommitto pequenos incommodos , alguns dos quaes não são de pouca monta , pois a formosura , e as feições de huma bem proporcionada fysionomia , dote pre- cioso da Natureza , muitas e muitas vezes desapparecem debaixo dos disformes vestipios do veneno varioloso. Não posso com tudo poupar a sensibilidade de quem me ouve, dei- (rt) Na citada obra sobre a iriociilaçáo se referem estas e outras hof- rorosas cacastioplies causadas petas bexigas. XXXVIII Historia n a Academia Real deixando de referir os effeitos mais terríveis daquelle fla- gello. ^ Qiiantos desgraçados não tem pelas bexigas perdi- do absolutamente a vista e o ouvido ? Em alguns os olhos são destruídos , affectados de estaphylomas , a córnea ulce- rada ; coberta de cicatrizes ; as pálpebras avermelhadas , as lagrimas continuas por obstrucção do canal nazal e pontos lacrimaes : em outros os beiços inchados , as ventas inflam* madas , o nariz destruído ou desfigurado pelas cicatrizas : muitos são atormentados por abscessos sobre diversas par- tes, caries, descobrimentos de ossos, ulceras, fistulas, des- truição de capsulas articulares, vindo depois a ser vlctimas de espinas ventosas , de febres lentas , do morasmo , e da atrophia {a) . Oh terrível enfermidade , que por tantos mo- dos c tão cruelmente te empenhas cm annlquillar a espécie liumana ! Tremei , tremei , País de famílias , que embriagados com a belleza de vossos filhos , viveis como em profundo somno , esquecidos dos terríveis males , que os ameaçao ; e que hum dia converterão em desfigurados cadáveres 03 ob- jectos mais caros do vosso amor paternal ! Cruel e pun- gente aviso seria este para os Pais, que viverão no tempo, cm que poucas idéas havia sobre o tratamento desta msles- tia , e nenhum conhecimento do preservativo , que a evitas- se. Porem m.ais cruéis e pungentes remorsos deve este aviso causar hoje aos Pais , que indolentes deixão precipitar seus filhos no abismo de perigos , não buscando o fácil preser- vativo , que se lhes tem ensinado , e do qual vou fallar. A ARTE OEGUNDA. NATUREZA e a razão , sentlncllas vigilantes sobre a conservação do homem , não cançárao de procurar em todo o tempo os meios de remediar hum mal tão grave como as (;tituição tem dirigido aos Senhores António Annstasio de Souza, Medico em Pombal; Francisco Xavier d'Almeida Pimenta, Medico no Sardoal; Nicola) de Souza Callião, Cirurgião em Lanhczes j José Joaquim Mixote , Ci- rur- xLVí Historia da Academia Real rurgiío em Redondo ; António Baptista , Cirurgião cm Mon- temor o Velho ; Pedro António Teixeira de Pinho , Cirur- gião em Ovar; Fernando António Cardoso, Cirurgião em Peniche ; José Maria Pereira e Sousa , sendo Cirurgião Mór do Regimento de Cavallaria N. 8 em Niza ; João António da Silva, Cirurgião no Sobral de Montagrasso ; Manoel José Malheiros da Costa Lima , residente cm S. Vicente de Pen- so ; Diogo Pinto de Azevedo, residente cm Barqueiros; e alguns outros , dos quaes adiante faliarei ; pois he hum de- ver que eu me apresse a tributar os mais sinceros agrade- cimentos a todos os Correspondentes pelos efficazes serviços que tem prestado á Nação : sendo mui distinctos nos Annaes Vaccinicos os nomes das Senhoras Dona Maria Isabel Wan- zeller , e Dona Angela Tamagnini de Abreu, a cujo zelo e virtudes patrióticas deve o Porto , e Thomar o ver gran- de parte de seus habitantes alegres triunfar das epidemias variolosas. Se observo porem o calor, com que em algumas Pro- víncias huns Correspondentes grangeárão , e animarão ou- tros , excitando-lhes nobre enthusiasmo em tão digna cm- preza , seus relevantes serviços me deixão perplexo sobre qual mais se distinguio por este lado ; c para cu ser justo repetiria ao mesmo tempo , se fosse possivel , us nomes dos Senhores António d'Almeida , nosso Consócio , e jMedic»? cm Penafiel ; José dos Santos Dias, Medico em Montalegre ; e José Fradesso Bello , Cirurgião ein Elvas. Não pôde muitas vezes o engenho, actividade e z lo só de hum homem suggerir forças bastantes para vencer a in- credulidade e indolência do povo mais rude, e que de or- dinário não teme os perigos antes de sentir os seus eíFeitos. Foi esta verdade conhecida pela Instituição , a qual dese- jando destruir tal obstáculo , e prosperar as diligencias dos seus Correspondentes , propoz á Academia as providencias , que julgou necessárias. Apenas esta proposta foi levada pela Academia á presença do Sábio Governo, que tão acertada- mente interpreta e satisfaz nestes Reinos a Soberana Vonta- de, DAS SciENCIAS OE LlSBOA. XtVtt de , c Real Beneficência , forão logo expedidas insinuações aos Reverendíssimos Prelados; e orJcns aos C^orregeuores , Generaes das Armas , Capitães Mores , para (^ue a voz do Soberano chegasse pelos comi^^etentes órgãos aos ouvidos dos Vassallob , e para que em t(;da a parte os nossos Cor- respondentes recebessem das authoridadcs o auxilio , que as circunstancias exigissem. Pelas anteriores contas já são pú- blicos os resultados desta aceitada providencia ; e de novo poderia citar cm seu abono as vantagens , que neste arino conseguirão os Senhores José Joaquim da Silva , Medico em -Alvaiázere; José Igr.acio da Silva, Cirurgião em Estremoz ; João António Rodrigues de Oliveira , Cirurgião cm Lame- go •, António de Carvalho e Almeida, Medico em Celori- co; c José Luiz Pinto da Cunha , Cirurgião em Vianna do Minho ; os quaes auxiliados pelas Autoridades , empenharão seus ardentes desejos em beneficio do Publico , que aliào scrião illudidas por infructuosas esperanças. Pelos admiráveis esforços que nos annos precedentes se fizerâo em algumas terras , a ponto de não reatarem pa- ra vaccinar mais do que os recem-nascidos , pequenos Map- pas de vaccinados nos envião hoje os Correspondentes , que •a tão ajustada perfeição levarão os seus anteriores trabalhos. Mas em taes circunstancias qualquer pequeno Mappa , que ainda hoje recebemos dos Senhores João Gervazio de Car- valho , Medico no Cartaxo ; e Joaquim António de Olivei- r.i , Cirurtíião na (jolleííã : esse mesmo he hum novo mct-n- tivo para nos tra/.cr á lembrança os elogios que merecerão, e que ainda h()j'j lhes são devidos. Não he só pelo numero de vaccinados que a Institui- ção julga o merecimento dos seus Correspondentes; obs-r- vações exactas , que illucidem a natureza e marcha da Vac- cina , e aperíciçoem a pratica de vaccinar, representao no mesmo cunho a beneficência do Vaccinador , e a instrucçáo do 1'acultativo. He porem tão uniforme esta moléstia e mo- derada em seus symptomas, que mui raras anomalias sofFre , e essas poucas são já assaz conhecidas. Todavia não deixa- rei XLvm Historia da Academia Real rei em silencio , que alguns Correspondentes continuão a ob- servar, que as affecções chronicns de pelle diminuem de in- tensidade , c chegão a curar-se mais promptamentc depois de affectada a constituição pela Vaccina. A este respeito fa- rei particular menção de huma Menina , que nascendo gor- da começou a soffrer escoriações pelos sovacos, virilhas, e pescoço ; e depois erupções hcrpeticas por todo o corpo , especialmente na cara, a ponto de não poder abrir os ollios: a iiístancias do Siir. António Coelho de Magalhães eQi.iei- roz , Cirurgião em a Villa de Meam , Comarca de Penaíic 1 , foi vaccinada esta Menina ; depois do que ficou perfeita- mente curada de todas aqucllas aftecções. O Snr. José Félix Baima , Medico em Santarém , e o Snr. João Pedro Alexandrino Caminha , Medico em Benaven- te , notarão alguns indivíduos , em que a Vaccina desen- volvera os seus primeiros symptomas , passados muitos dias. O Siir. José Ignacio Pereira Derramado , Medico em Por- tel , entre o grande numero dos seus vaccinados , conta três indivíduos atacados de febres intermittentes ; e observou , que estas cederão mais facilmente depois da vaccinação ; c posto que se não atreva a deduzir de tão poucos factos hu- ma conclusão positiva , e genérica , todavia abre caminho a novas observações sobre a infiucncia da Vaccina nas febres de simples asthenia, c adianta juduciosas conjecturas, que sendo para o futuro confirmadas , podem interessar muito para o tratamento destas febres. Foi a vaccinação praticada em pessoas de difFerentes idades , sem que esta circunstancia influísse na regularida- de da sua marcha, como affirma o Sfir. Francisco Maria Rol- dão, Cirurgião da Villa do (^ano , o qual vaccinou três crianças de hum mez de idade ; a Senhora Dona Maria Isa- bel Wanzcller , que vaccinou pessoas de ^o annos , e o Sfír. António Coelho de Magalhães e Qiieiroz vaccinou hu- ma Senhora de 82 annos de idade. Alguns factos houve, que mostrão certa analogia entre o virus vaccinico e varioloso. Os Senhores |uitiniano de Mel- \ DAS SciENClAS DE LlSKOA. XLIX Mello Franco, Membro da Instituição; João Pedro Alexan- drino Caminha , Medico em Benavente , c Ignacio José dos Santos, Cirurgião em Viseu , vaccinárão pessoas, cm que, por estarem já contagiadas de bexigas , apparecêrão estas e a Vaccina ao mesmo tempo , e correrão os seus periodos re- gularmente : em todos estes casos se observou benignidade nas bexigas , o que já anteriormente tem sido notado por outros Correspondentes. Estes factos , quando não se obser- vão com judiciosa critica , são aquelles de que os detracto- res da Vaccina se tem muitas vezes servido para fazer du- vidar da infaliibilidade deste preservativo, mas sem razão; pois se não lembrão de que a Vaccina indispõe a constitui- ção para ser ferida pelo contagio varioloso , porem não pô- de empecer ao desenvolvimento e marcha das bexigas , quan- do o contagio varioloso tem atacado o individuo antes de vaccinado. Muito faz a Vaccina , se mesmo então mitiga os cffcitos daquellc contagio. São algumas constituições , segundo parece , maccessi- vcis ao veneno varioloso ; e por isso não admira que outras o tenhão sido também ao contagio vaccinico, apezar de re- petidas vaccinaçócs. Casos desta natureza referem alguns Correspondentes; e hum delles o Snr. Filippe Joaquim Hen- riques de Paiva , Medico em Castello-Branco , o qual con- firmou pelas suas experiências , que a vaccinaçáo falhava , quando era praticada em pessoas, que tinhão já soffrido be- sigas ou havião sido vaccinadas : donde se conclue, que de- pois de qualquer destes contágios a Constituição ordinaria- mente não fica susceptível de padecer de novo algum del- Jes. Não he com tudo esta regra absolutamente isenta de excepções, posto que mui raras; porque se alguns Práticos ncgão , que se possão ter bexigas por duas e mais vezes , outros ha que o affirmão ; e sendo esta opinião a mais se- guida , não causará espanto que também entre hum immen- so numero de vnccinados , que a salvo tem arrostado por entre enfurecidas epidemias variolosas , appareça hum in- Tom. V. Part. II. * 7 di- V Historia da Academia Real dividuo , que depois de vaccinado não ficasse absolutameft- tc indisposto para contrahir bexigas. Hum facto desta natureza tem a Instituição de publi- car hoje pela primeira vc/ ; e apezar da natural difficulda- dc para se acreditarem phenomenos rarissimos , a probidade e conhecimentos do Sfír. José Nunes Chaves , Medico em Villa Nova de Portimão, obrigao a julgar por verdadeiro o extraordinário acontecimento de hum vaccinado em Silves , que , segundo se informou o dito Medico , tivera vaccina legitima, c passados 5 mezes fora atacado de bexigas, que o dito Professor observou c reconhcceo. Acreditamos que o Snr. José Nunes Chaves empregaria todos os meios para conhecer, se era exacta a informação que lhe deráo sobre a legitimidade daquella vaccina ; todavia este phcnomcno tão extraordinário ficaria totalmente livre de duvida , se a Vac- cina tivesse sido observada por aquelle Professor. Este facto porem, único entre óitifp vaccinados, de que a Institui- ção tem dado conta nestes cinco annos , longe de afracar a confiança , que devemos ter na virtude preservativa da vac- cina , ao contrario he mais huma prova da sua força anti- variulosa ; porque acontecendo n'huma época , em que todos os variolosos morrião de bexigas malignas e confluentes , aquelle vaccinado teve apenas algumas bexigas discretas, e salvou-se para ainda assim mesmo ser hum pregoeiro da vir- tude vaccinica. Embora se tenhão citado outros factos semelhantes ; a Instituição não tem podido até ao presente verificar segun- do , apezar de ter empenhado imparciacs averiguações , pe- las quaes só tem conhecido , que nos casos citados ou as bexigas que sobrevem forao confundidas com a varicella , ou os vaccinados não tem go/ado da Vaccina legitima. Neste ultimo caso está o filho do Snr. Abr-Berens , morador cm Setúbal , o qual nos participou que hum de seus filhos fora vaccinado na Instituição, e que depois tivera bexigas natu- racs : porém sendo examinados os livros dos assentos achou- se: A-d-a OT D A S S C I E N C I A S D K L r S li o A. tt se: que aVaccina d.iqudlc Menino tinha sido julgada du- vidosa, c por isso não admira que cllc não ficasse preser- vado das bexigas. Outros dois factos de que o Snr. Berens faz menção na sua carta , ainda que não podem ser contra- riados com igual authcnticidade , nada convencem; por não haver certeza alguma de que a Vaccina tivesse sido verda- deira e constitucional, pois não foi observada por Faculta- tivo pr.itico nesta matéria. Cessem por tanto de huma vez capciosos argumentos- contra huma verdade confirmada por milhares de factos; cm- miKJeção os detractores da Vaccina, se ainda os ha , e sejão mais reservados os que por estranhos á Faculdade não de- vem arriscar a sua opinião em matérias , que lhes são des- conhecidas. Hum momento de séria reflexão bastará para an- tever o abismo de males cm que precipitão a humanidade; e a morte de hum só individuo , que seduzido por sua er- rada opinião venha a ser victima das bexigas, lhes excitará mil remorsos, que jamais aplacará nem a confissão do erro, nem o arrependimento da culpa. Tendes , Senhores , ouvido quaes forão os Correspon- dentes , que neste anno mais contribuirão para o avultado numero de vaccinados , que a Instituição hoje publica : po- rem o trab.ilho de alguns muito prosperou ( como já disse) com a eíTicaz cooperação das Auctoridades; este apoio, sem o qual a Instituição não poderia vencer alguns obstáculos, deve penhorar a nossa gratidão , pelo auxilio que prestarão os Corregedores das Comarcas de Viila Real , Vianna do Mmho, Castello Branco, Trancoso, Pinhel, e Tavira, os Senhores Alexandre Thomaz de Moraes Sitmenro, Joaquini de Magalhães Mexia de Macedo, Daniel José Ignacio Lo- pes, João Nogueira da Silva, António Júlio de Frias Pimen- tel e Abreu , c Manoel Ghristovao Mascarenhas de Figuei- redo ; e os Juizes de Fora de Celorico, Moura, c Monchi- que, Albufeira; os Senhores António Pereira da Mora Cas- tello Branco , Jo:iquim José Anastasio Monteiro , João de Dcos de Faria , e José Silvestre de Macedo. 7 ii Cor- « til Historia DA Academia Reae Corrcspondeo o effcito ás esperanças, que a Instituição concebera de marchar mais expedita e regularmente , diri- gindo seus passos pelas Capitanias Mores : seu systema de organisaçao , a facilidade que o Povo tem contrahido de reunir-se á voz desta classe de Chefes , a grande influencia destes sobre o Povo, alistamentos já feitos, tudo afiança o mais completo resultado. Faltava a boa vontade , prompti- d;1o e diligencias dos mesmos Chefes ; mas nem isso fal- tou , sâo Portuguezes , exactos na observância das Ordens , assíduos nos interesses da Pátria , excessivos no bem de seus Concidadãos; e cm testemunho desta verdade rccommenda- rei á lembrança do Publico os nomes dos Senhores José Lou- renço Peres, Capitão Mór de Torres Vedras ; Francisco Per- feito Pereira Pinto, Capitão Mór de Lamego ; José Joaquim Aguas, Capitão Mór de Monxique; Fr. António de S.José Ah''ares , Prior do Convento d'Ancede e Capitão Mor de Couto d'Ancede; e Francisco Barata Feteira, Capitão Mór d'Alvaiazcre. Deste modo tem a Instituição Vaccinica levado a todas as Provindas o grande antídoto contra o contagio varioloso ; e os resultados, que suas diligencias e perseverança tem con- seguido , redobrão as lisonjeiras esperanças de chegar hum dia, em que a Vaccina não seja desconhecida na mais pe- quena Aldêa , nem pelo mais rude serrano. Assim o po-ie- mos esperar , vendo que a Instituição todos os annos adqui- re novos Cooperadores , e deste modo se habilita para ge- ncralisar cada vez mais o seu plano , e coruar a execução da empreza , que tem a seu cargo. Neste mesmo anno crcs- ceo o numero dos Membros da Instituição Vaccinica com a acquisição do Srir. Tgnacio António da Fonseca Benevi- des , de cuja assiduidade e instrucção tem já recebido effi- caz auxilio : e para Correspondentes nas Províncias forão nomeados os Senhores Joaquim Baptista , Medico em Von- zelia ; Pedro António da Silva, Cirurgião na Marinha Gran- de ; António Manoel Pedreira de Brito, Cirurgião em Villa Nova da Cerveira ; Carlos António Ltjpcs Pereira , Cirur- gião nAsSciENClAS deLisboAí llfl gião no Pezo da Regoa ; Domingos José da Fonseca , Ci- rurgião em Pena Macor ; José Maria de Aloracs Sarmento, Cirurgião na Villa da Feira j ejoão Pereira de Mello, Cirur- gião em Lamego; aos quaes a Instituição julgou dignos do Diploma de Correspondentes , como primeiro testemunho do apreço que fez dos seus serviços. Mui distincto Jugar merece na historia da Instituição a correspondência , que se começou com a Sociedade Me- dica de Marseilha. Esta sabia Corporjção desejando promo- ver no seu Paiz a propagjção da Vaccina , c colher obser- vações para mais apurar os conhecimentos scientificos sobre este importante objecto, pedio ser informada sobre o esta- do da vaccinação em Portugal , e offerecco-se a communi- car-nos o resultado dos seus trabalhos. A Instituição autho- risada peia Academia agradeceo tão lisongcira proposta , e remetteo áquella Sociedade todos os escriptos , que tem im- presso acerca da Vaccina. Tal hc , Senhores , o bosquejo que- pude traçar da his- toria da Instituição Vaccinica até ao fim de Maio do cor- rente anno, época, a que se referem as contas , que a mes- ma Instituição publica todos os annos. Talentos mais apu- rados e estilo mais sublime fariâo melhor sentir a impor- tância do objecto , e merecimento dos que para elic con- correrão. Estando porem indicados na primeira Parte deste Discurso os horrores e calamidades , que tem feito gemet a Espécie humana , oppressa pela gravidade das epidemias variolosas ; c sendo já indubitável (como notei na segunda Parte) que a Vaccina he o único, seguro, e forte escudo, que a Natureza até ao presente nos tem oíFerccido para ar- rostarmos a salvo aquellas terríveis epidemias , com estas previas idéas fácil hc conhecer o justo apreço , em que a Nação deve ter os trabalhos v;iccinicos deste anno , e o me- recimento das pessoas , que contribuirão para tão útil ser- viço , como pcrtcndi mostrar na terceira Parte. Convém pois não desanimar na briosa carreira , c do- brar esforços para tocar quanto antes a desejada meta : con- clua- Liv Historia da Academia Real clua-sc o immortal monumento , que sustentado nos séculos futuros pela gratidão dos Povos , perpetuará a gloria do presente século. Vive e ha de sempre viver na lembrança dos Povos o nome do hábil guerreiro , que , ainda a custo de penosos sacrifícios , e perda de vidas , chegou a liber- tar a sua Nação do flagello de invasores inimigos ; porem a maior gloria aspira , e terá mais justo direito ao reconhe- cimento dos Povos , quem por meios tão suaves , e sem risco de vidas , salvar huma Nação opprimida por inimigo interno , cujos furores e estragos tem por vezes horrorisa- do mais que a própria guerra. Eia pois , concorramos todos para tão grande empre- za ; em qualquer emprego, condição, sexo ou idade , rodos podem ter parte na gloria desta campanha. O respeito dos Eccicsiasticos , as ordens dos Ministros , o exemplo dos Gran- des , as luzes dos Sábios , a diligencia dos Facultativos , o preceito dos Pais, a obediência dos filhos, a docilidade dos súbditos, e finalmente os mútuos conselhos de todos, con- tribuirão para animar os progressos da Vaccina , e conseguir completa victoria de hum inimigo , que por tantos séculos tem vexado a Espécie humana. Não se julgue porém ser o amor da gloria o imico incentivo , a que a Instituição recorre para obter o auxilio necessário em tão útil serviço. O bem do ív^tado o exige , o Soberano o determina, e por tanto será escusiiJo accuniu- lar provas para mostrar; que promover a vaccinaçáo hc de- ver inherente a todas as Autoridades. Tem estas por úni- co fim procurar a prosperidade do Estado e a felicidade dos Povos : cumpre-lhes por tanto empregar os meios ne- cessários para augmentar , e conservar a população , da qual depende a segurança do Estado, o augmcnto da agricultu- ra , e a multiplicidade de engenhos , que cultivem e aper- feiçoem as artes e sciencias : cumpre-lhes afastar do Publi- co todas as calamidades , que possão , alem de diminuir a população, accrescentar o numero de indivíduos, que inuti- lisados por deformidades fysicas causem peso á Sociedade : cum- 1) A S S e I E N. C I A S D E L I S B o A. I.V cumprc-lhcs finalmente assegurar a satisfação c felicidade indivixíunt, a que o Cid^Jão laborioso tem direito conio pre- mio do seu trabalho j felicidade , que em muitos objectos só deve esperar das pfav'li.leiKÍ-aí5 , c conselhos de quem o governa , e sem a qual não pôde contribuir para o bem e prosperidade pivblica. Nenhum destes encargos pode ser com- pletamente desempenhado sem evitar hum mal tao devasta- dor e funesta como as bexigas ; he por tanta a vaccinaçSo indispensável para conseguir o bem do Estado ; e de rigo- rosa obrigação deve ser promovida por todas as Auctorida- Nem mesmo aos Ministros da Igreja he estranho este dever : ao contrario sendo encarregados de dirigir o espiri- to publico pelos dictames da sã moral , devem convencer os Pais de que a Religião condemnará , como enorme crime o desprezo de hum meio fácil , que a Providencia lhes depa- rou para conservação da vida de seus filhos , ameaçada por hum mal eminente c terrivel. Sabei tabem , Pais de familias, que pelo descobrimen- to do grande Jenncr accrcscco mais huma obrigação sobre as muitas , ouc contrahistcs : o bem do Estado e a Religião exigem que vaccineis vossos filhos : não hesiteis hum mo- miMito cm obedecer a preceitos tão poderosos e respeitáveis ; c SC nem estes mesmos são assaz fortes para vencer a obsti- nação , que vos alkicina , outro finalmente vos lembro , ao qual vivente algum pôde jamais resistir : trata-se de con- servar a vida dos objectos que vos são mais caros ; escutai as vozes da Natureza ; consultai o aitiur paterna! ; e ficareis plenamente convencidos, de que a Instituição Vaccinica vos chama a cumprir hum dever , que o Estado exige , a Reli- gião approva , e a Natureza reclama. ELO- siiu or LVt Historia DA Academia Real "— I II . . H ELOGIO Do Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira, Por Manoel José' Maria da Costa e Sa', A. .LEXANDRE Rodiigucs Ferreira , OfEcíal da Secretaria d' Estado dos Negócios da Marinha e Dominios Ultrama- rinos , Vice-Dircctor do Real Jardim Botânico , e mais Es- tabelecimentos annexos , Administrador das Reaes Quintas de (^leluz , Caxias , e Bemposta , Deputado da Rej] Jua- ta do Commercio , e Sócio Livre desta Academia , nasceo na Cidade da Baliia aos 27 de Abril de i/fó. Se a memoria d' hum homem de letras, benemérita por si , não pede mais do que as contemplações devidas ao me- recimento ; certo desejo nos leva a indagar o periodo em que manifestou a sua aptidão para o exercicio das Sciencias: nós pertendcmos saber, se o talento, este dote particular ao ser pensante appareceo logo e antes que os estudos o desenvolvessem; ou se amortecido necessitou, para dispcrtar e ganhar vigor, de completar primeiro algum curso scien- tifico. Ainda que nestas investigações só pareça ter parte a curiosidade, ellas com tudo não são esperdiçadas á conside- ração attenta do bom educador. O Srir. Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira foi hum dos engenhos felices , que desde logo presagião o que viráõ a ser na carreira das letras. Seu Pai Manoel Rodrigues Fer- reira, agradecido as boas disposições que mostrava, cuidou de aproveitá-las procurando-lhe estudos convenientes. E tão rápidos forão os progressos com que rcs-p ndco ás sollici- tudes paternas , que contando apenas doze annos , se acha- va apto a tomar pratica nas sciencias maiores. Seu Pai jul- oou-o ! DAS SciENClAS DK LiSBOA. LVU gou-o filho de benção, e o destinou ao Sacerdócio, não só por lhe parecer este estado accommodado á indole que lhe divisava ; mas porque de certo era próprio da maior capa- cidade que lhe conhecia no exercício das letras : assim aos 20 de Setembro de 1768 reccbco as primeiras Ordens Clc- ricaes. Ainda que esta determinação fosse unicamente sugge- rida pela piedade , nem por isso solidas ra/õcs dcixavão de a justificar. A influencia que os Ecclesiastlcos gozão no geral da Sociedade , hc a maior: directores das consciências, sabedores das inclinações de cada hum, elles tem de fazer abortar mil projectos damnosos; de remediar males commet- tidos; obstar á continuação dos crimes; levar allivio aos des- graçados , acalmando a turbulência das paixões por meio de conselhos salutares : em huma palavra , tem de dar vigor ás leis na solidão e no retiro, livre e isento da força que de- termina sua obediência. O desempenho destas funcções , de- manda tanta prudência c sabedoria , como virtude innoceu- te o Sagrado Ministério que o Ecclesiastico tem de exer- cer. Por isso da sua maior, ou menor illustração dependerá sempre grande parte do socego , e bem estar das Nações. Vendo Manoel Rodrigues Ferreira, que os talentos de seu filho merecião mais ampla desenvolução , assentou pro- movcr-lha fazendo-o seguir os estudos maiores : para o que teve de atravessar o Oceano a fim de na Universidade de Coimbra seguir o curso Académico. Não foi este porem o mesmo que seu Pai lhe destinara , mas outro assas diíFeren- te , e que ainda o devia fazer transpor o mesmo Oceano , a fim de que com as luzes adquiridas percorresse as vastís- simas Regiões de sua Pátria, colligindo espécies, e noti- cias, que tirassem da escuridão e nuUidade muitos de seus territórios. Foi no mez de Julho de 1770 que elle aportou em Lisboa; e dcmorando-se aqui pouco tempo, passou a Coim- bra onde em Outubro se matriculou na Cadeira de Institu- ía : succcdcndo porém logo no anno seguinte fechar-se a Tom. F. Part. II. * 8 Uni- Lviii Historia da Academia Real Universidade por causa da reforma j e havendo fixado a sua rcsidciicia nesta mesma Cidade , em quanto assim estiverão interrompidos os Estudos Académicos , deo-se o Sfír. A\c^ xandre Rodrigues com a maior ânsia cm satisfazer o seu es- pirito que SC achava cheio da nobre ambição de obter o conhecimento daquellas scicncias , que pela sua magnitude e sublimidade mais o encantarão ; e que erão bem outras das de sua vocação primeira. Com eíFeito' a formosura, e mocidade com que a Na- tureza falia nas terras do novo Mundo ; o encanto e ma- gcstadc dos Ceos ; a vasta extensão dos mares , que vinha de admirar na longa derrota que tez ao nosso hemisfério , mui próprio era a trazer seu espirito enthusiasmado com o amor das letras , e com o alvoroço , e desassocego de al- cançar as thcorias sublimes que nos põe em estado de me- ditar as Leis que regulão o Universo. Portugal , como que acabava então de sahir , digamnlo assim , de huma espécie de interdito que vedava a noticia dos progressos que os co- nhecimentos humanos levavao n.is outras Nações. A Nature- za havia já mimoseado os trabalhos dos Filósofos da Euro- pa com muitos e grandes descobrimentos. Os livros destes erão lidos e meditados , e a novidade de suas doutrinas ti- nh;> mil attractivos. O Snr. Dr. Alexandre não podia ser indiffcrente ao garbo e riqueza das Sciencias naturaes , em cujo louvor exclusivamente tudo fallava; mormente quando hum génio elevado , nascido também no Brazil , tanto in- fluía no restabelecimento daquella Faculdade. Achava-se impcllido pois a seguir o curso das Scicncias Naturaes co- mo por huma espécie de necessidade do seu espirito ; que , fazcndo-o divergir do seu destino primeiro, de mais a mais o aventurava a divngar, falto de estabelecimento , que pro- mettessc hum proporcionado emprego , e paga á sua appli- cação , de que, por descuido, ainda hoje sem remédio, in- felizmente carece a Faculdade do Naturalista. Os progressos com que o Snr. Dr. Alexandre se dis- tinguio cm seus estudos , em quanto frequentou a Uliiver- si- í; DAS SciENCIAS UE LlSIiOA. LIX sidadc , em ludo forão correspondentes á melhor attcnção que lhes dava. E se o descanço com que alguns indivíduos , certos na superioridade de seus talentos, dcixao avançar ou- tros na carreira que seguem , o privou de ser rido constan- temente como o primeiro na Faculdade , elle não deixou de obter semelhante vantagem no ultimo anno do curso Fi- losófico , quando se despertou para a acquisição do premio destinado a servir de laurel á verdadeira a]iplicação. Já nes- te tempo o seu mérito decisivamente conhecido , lhe ha- via obtido o emprego de Demonstrador de Historia Natural na Universidade; lugar que excrcco nos dois últimos anãos que alli teve de frequência , com zelo c louvável desempe- nho , e não menos desinteresse ; não requerendo , nem acei- tando a gratificação ordinária que se costuma pagar por se- melhante incumbência. Mas este desinteresse, e o amor ao serviço do Estado , depressa o fará antepor ao Despacho certo para huma das Cadeiras de Filosofia , que lhe estava destinada , apczar das commodidades do descanço próprio , outra Commissão fértil em trabalhos, que se alguma espe- rança promcttia para o futuro , apresentava desde logo grandes privações , e até riscos de vida , que teria de cor- rer. O impulso , que communicou á Nação Portugueza a actividade dos vinte e seis annos , em que reinou o Senhor D. Jo.sé I. de feliz recordação , devia progredir durante o Reinado de sua Augusta Filha; o Commercio , a Agricul- tura , e Industria , reputados germens das riquezas , e base da prosperidade das Nações , nã.) podião deixar de rece- ber animo , e conforto de huma Soberana , 'que tantas qua- lidades rcunio para nossa melhor ventura ; cuja perda tris- temente hoje temos de lamentar ; a qual seria para nós a maior calamidade , se não encontrássemos em seu Augusto Filho, nosso clementíssimo Soberano, hum verdadeiro Pai de seus Vass.illos , que tanto se desvela pela felicidade de todos os Doniinios de sua vasta Monarquia. Porém ^ como SC aproveitarão aqucUes mananciaes da riqueza publica dos • 8 ii Eb- Lx Historia da Academia Real Estados , ignomiulo-sc a natureza , c disposição do terreno que os deve produzir, e alimentar? Convencidos geralmen- te desta necessidade, já os Governos mais esclarecidos da Eu- ropa promoviao a este tempo as viagens de sujeitos sá- bios , e intelligentes , que divagando pelas Províncias de seus Impérios, e ainda dos estranhos, dessem conta de quan- to era relativo aos importantes fins de os tornar prósperos, e florescentes (a). Esta pratica, de que nos dá exemplos a antiguidade , exemplos de que o nosso Portugal no tempo de seu vigor sem duvida foi o primeiro que tirou parti- do , chegava então a constituir-sc moda, e gosto dominan- tre na Europa ; mas independente disto , outro motivo muito mais ponderoso accrcscia a respeito do nosso Brazil. Este, permitta-sc-mc dizê-lo, fora como nova herdade que augmen- tára os bens a hum rico proprietário , que pouco ambi- cioso , e satisfeito dos haveres espontâneos que recebia , não olhava pelos outros maiores que ahi se continhao : mas co- mo aquelles já faltassem , a mantcnça do prédio começava a ser pesada , e onerosa , requerendo despczas avultadas. Os (rt) São loiíhccid.is as soUicituues dos Governos da Rússia , Succia , e Dinamarca a este rcspciío ; e as excellentes obras a cjue deráo lugar. Tolos conlicciín os sábios escritos dos dois Gmclins , de Sreller , de GuiJenstad , de Georgi , dos Fabricios , e assim de muitos outros. Os trabalhos de Arthur Young , seja nas suas duas vias^ens de Inglaterra e Irlanda , seja na ijue fez pela França , são geralmente conhecidos e es- timados : a França alem dessa, tem a viagem aos seus Departamentos, que hc estimável , e se publicava aos cadernos , de que vi alguns. A Hes- panha possue a este respeito obras de tanto merecimento como dignas de imitação. Portugal não deixa também de ter excellentes viagens ul- timamente executadas nos seus diversos Dominios por sujeitos mui sá- bios e advertidos ; e até pnssue excellentes excursões feitas nas Provin- das da Europa : os trabalhos a este respeito do Sfir. José Bonifácio de Andrada e Silv.i , c do Siir, Manoel Ferreira Bctancoutt , são de tanto preço , como dignos de virem á luz : porém com pequenas excejsões , tildo o que respeita a Portugal e seus Domínios está ainda manuscripto. Sobre a utilidade das viagens pela Pátria , he de excellente aviso a inte- ressante Dissertação d- Linneo : De Pcregiiiiatioiíuin in Patna nuessita' te : do que nos havia elle mesmo já dado o exemplo nas suas viagens pela Laponia , Gothlandia , e outras Provindas da Suécia. DAS SciENClAS DE LiSEOA. LXI Os vizinhos alteravão as balisas de suas raias : os Colonos , pedião luz, e direcção que os fizesse não abandonar o ter- reno , e que tirando-os da apathia , lhes trouxesse maior acti- vidade e scguiança. Cumpria pois , que as extensas Comarcas da America Portugucza fossem cuidadosamente viajadas , e observadas por quem aos precisos conhecimentos unisse probidade e confiança de caracter. O Ex.'"° Snr. Martinho de Mello e Castro , a quem sempre se deverá lembrança de respeito , era então Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Alarinha e Domínios Ultramarinos , e vendo bem a neces- sidade de reaii/ar hum tão importante expediente , com- mcttco a escolha de sujeito apto para semelhante empe- nho ao Síir. Domingos Vandelli , primeiro Cathedratico da Faculdade Filosófica da Universidade , que não hesitou , as- sim como a Congregação , na escolha do Snr. Dr. Alexan- dre , não obstante achnr-sc em quinto lugar na ordem da Matricula. Aceitou ellc esta empreza tão digna como dif- ficil, e partio logo para a Corte aos 15 de Julho de T778, onde ficou esperando as ordens , que a semelhante respeito deveria receber do sobredito Ministro de Estado. Se por circunstancias, que absolutamente me são escon- didas, e nas quacs influiria muito a guerra, que então abra- z:iva a Europa, c as Colónias suas dependentes, o Snr. Dr, Alexandre não foi logo immediataniente para o seu destino, nem por isso ficou ocioso em qu-into se demorou em Por- tugal. Porque logo no mez de Novembro daquellc anno de 1778 lhe ordenou o Ex.""" Srir. Martinho de Mello e Castro , que fossi: , junto com o Snr. João da Silva Feijó, ao exame da Mina de Carvão de pedra de Buarcos: o que fez a muito contento e satisfação do dito Ministro d' Estado , por quem então corria a inspecção da referida Mina, novamente ad- ministrada pela Coroa. Foi nessa occasião que aprovei tnn- do-se dos estudos , e despezas que havia adiantado , voltou a Cdimbra a tomar o grão de Doutor, na conformidade da Mercc que Sua Magestade fizera á Faculdade Filosófica , que era LXii Historia da Academia R.kal era a mesma que tambcm concedera ciiráo á de Mathe- niatica (laçao tias ri/tgens filosóficas , que por Ordem de Sua Mageundc fez. nas terras da jurisdici^ão da Filia de léte , t em algumas dos Maravcs no anno de 1788 ò-c. 1.XIV Historia da Academia Real hum sábio Charlcvoix : tudo o mais se limitava a noticias breves c seccas , restringidas ás Capitanias e terras da beira- mar, e quando muito a descripçõcs particulares, pela maior parte de Missionários e Mineiros , que limitadissimas ao to- do , dcixavão justas desconfianças pelo pouco que adianta- vao os nossos conhecimentos , e pela ignorância com que assombraváo as suas narrativas. Os estabelecimentos que tí- nhamos no interior, cabeceiras, e encruzilhadas desses rios famosos, que regão as Províncias daquella Região (ou fi- l^ios de Certanejos homisiados, ou da audácia do Paulista sempre incançavel em percorrer os territórios mais distan- tes e remotos ) quasi todos tiverao por objecto as lavras de ouro , achando-se assim na primeira infância ; se não he que muitos , exhauridas as riquezas que convidarão os pri- meiros faisqueiros a assentar suas rancharias , se achavão abandonados : sendo as leis por que taes Estabelecimentos e Comarcas se região , como peças que ainda que bem ima- ginadas no Gabinete , todavia tah^ez se ignorava se ajusta- rão e erão conformes ao rodo a que tinhao sido destina- das. Numerosas tribus de Nações diversas de índios enchiâo as densas florestas que cntrecortao as nossas povoações ; e não só o interesse geral do Estado pedia que o génio , cos- tumes , e disposições daquelles índios fossem examinados ; mas a curiosidade do Filosofo , e Lictcrato , também se pro- metiia colher daqui grandes vantagens para a sua medita- ção e estudo. Deste esboço, ainda que resumido e breve, se mani- festa não só a magnitude , e necessidade de huma seme- lhante emprcza , mas os embaraços a sua pontual, e melhor execução. Accrescendo que o Síír. Dr. Alexandre deveria alem disso recolher , c apromptar todos os productos dos três Reinos da Natureza que encontrasse nos paizes da sua viagem , para serem remcttidos ao Real Museu de Lisboa ; assim como também se lhe incumbio a espinhosa tarefa de fazer particulares observações filosóficas e politicas acerca dtí todos os objectos desta mesma viagem. A 11 DAS SciENCIAS HE LiSBOAé LXV A Cidade de Belcm do Pará, (situada na foz do rio deste nome e próxima ao golfo, que cUc com Ourros jun- tos ao grande Amazonas , o maior do Globo , formão na sua entrada no Oceano , constifuindo-se por isso da maior im- portância ) foi por onde o Snr. Dr. Alexandre deo princi- pio a suas excursões. E para ahi se fez á vela em Setem- bro de 1783, levando comsigo dois Riscadores, e hum Jar- dineiro Botânico de que se devia ajudar na execução de sua empreza {a) . Em Outubro seguinte he que elle aportou na Cida- de de Belém ; e immediatamcnte em cumprimento da sua commissão passou á grande Ilha de Marajó , ou de Joan- nes que jaz ao abocar o Amazonas. A grandeza desta Ilha , fértil em muitas curiosidades para os Gabinetes de Historia Natural , deo-lhe occasião de recolher bastantes que apromptou para enviar ao Real de Lisboa : e havendo alli feito mui interessantes observações , recolhendo tudo o que mais importava a seu objecto, passou ás Vi lias de Ca-' mela, Bayão, Pcdreneiras , e Alcobaça, onde se empregou com zelo e esmero , e nao menos desempenho por todo resto daquelle anno , e parte do seguinte de 1784. Nos fins deste, deixando as visinhanças da Cidade do Pará, em- brenhou-se em companhia do Governador e Capitão Gene- ral daquelle Estado Martinho de Sousa e Albuquerque , que também hia visitar algumas das povoações do Certáo {b) . Discorreo o Srir. Dr. Alexandre por todd elle , resarcindo os grandes incommodos que padecia com os valiosos fru- tos que alcançava de suas investigações. Dahi foi demandar o extenso Certão da Capitania do Rio Negro , cujo rio Tom. V. Pait. II. * 9 mon- (.i) Joaquim ]osc do Cabo , e José Joaquim Freire eráo os Riscado- res, ou Desenhadores: o nome do Jardmeiro Bocanico era Agostinho Joa- quim do Cabo. (/») Desta viagem feita pelo Oovernador escreveo hum bom Roteiro ChofOgrafico João Vasco Manoel de Braun , de quem ha outras diver- sas obras manuscritas , concernentes a cousas do firazil , e onde se en- contra exacçáo e bom discernimenio. Lxvi Historia da Academia Real montou até os nossos últimos Estabelecimentos : c descen- do-o depois , veio subir o grande Rio Branco , que naquel- le une o poder de suas agoas. E remontando este ultimo até ás suas vertentes nos elevados picos da serra Cuaunaru ou a Nevada , ahi teve occasião de observar o numeroso e singular gentilismo que a povoa , bem como a toda esta extensa Região , que partindo com as Guianns Hespanho- la , Hollandeza , c Franceza , tem os seus limites ao N. E. ainda incertos , c não demarcados. E descendo aquelle rio , tornou á Villa de Barcellos , Capital do Rio Negro , onde se demorou para fazer apromptar c encaixotar os productos c raridades naturaes que deveriiío ser mandados a Lisboa , bem como em fazer desenhar as plantas , aves , animaes , índios , e suas povoações mais singulares , em que tanto abundão os largos Certóes que divagara. Não se limitou porém a esta , ainda que só per si , ta- refa assas trabalhosa ; porque o amor aos interesses do So- berano lhe fez coUigir , e debater as solidas razões , que fazião de inquestionável direito á sua Coroa , a importan- te possesão do Rio Branco , que agora aIJi se controver- tia (a) . A descida que prcsenccou da brava e numerosa Na- ção (a) Desde o meio do século de seiscentos <^ue navegamos o Rio Bran- co , havendo estabelecimentos próprios ao commercio que abi faziamos ; chegando a delinear pelos annos de 1750 Fort.ileza , que amparasse nos- sas explorações e escabelecimentos ; a posse de todo este território sem- pre pois , sem 3 menor hesitação , nos foi reconhecida. EUe foi com- prehendido debaixo da cor branca , e dentro da linha de pontinhos em que se assigna o que he de Portugal , 110 Mappa que se publuou em Hespanha no anno de 1740 , debaixo do timlo : Aííippn pitanias do Pará , Rio Negro , Mato-Grosso , e Cuyabá •, aonde além í de ser encarregado de obsen-ar, acondicionar, c remeter os productos i naturaes dos trcs Reinos Anim.;! , Vegetal , e Mineral , foi igualmen- D te incumbido de rodo o género de observações Filosóficas e Politicas s sobre as dilíerentes repartições e dependências da população , Agricul- » tura , Navegação, Conimetcio , Manufacturas, de que deo toda a sa- » tisfaçáo que devia esperar-se da sua honra , talentos , e applicaçóes : ji Ha por bem f.izei-lhe Mercê em remuneração , do Habito da Ordein » de Christo , com sessenta mil íeis de tença ; de que se lhe passarió »iaa Cl-, Lxxir Historia da Academia Real Ex.'"" Srír. Martinho de Mello c Castro ; cujo testemunliO hc exhubcrantissimo pela parcimonia , se não absoluta ne- gação que aquelle Ministro d' Estado tinha cm approvar o que decisivamente o não merecesse: a noticia que ajunto no fim deste Elogio, dos Escritos do Sfír. Dr. Alexandre res- pectivos a estes mesmos objectos, são argumentos tão con- vincentes , que não hei duvida de affirmar , que satisfez ta- refa tão árdua com distincto , e o mais benemérito desem- penho, e mesmo superior ao que se poderia esperar, quan- do cila fosse entregue não a hum , senão a muitos indiví- duos de merecimento. Chegando o Sfír. Dr. Alexandre á Cidade do Pará em Janeiro de 1792, ainda ahi teve nove mezes de demora es- perando embarcação que o conduzisse para Lisboa com os iramensos objectos que trazia para o Museu e Gabinete Ré- gio , e com os pertencentes ao trabalho da sua viagem. Não ficou porém ocioso neste meio tempo, porque o Governa- dor e Gapitão General , aproveitando-se da capacidade que lhe reconhecia , o nomeou logo Vogal para assistir ás Jun- tas de Justiça e Fazenda, o que cumprio com acerto, e a mais fiel integridade , assistindo a quantas então houve. Foi então mesmo que mudou de estado , casando-se com Dona Germana Pereira de Queiroz , filha do Capitão Luiz Pereira da Cunha, seu Correspondente que fora, para a re- messa dos productos que mandara á Corte ; o qual pelo trabalho, e crescida despcza que nisto pòz, não houve re- compensa do Estado , nem colheo outro premio que não fosse a alliança do Snr. Dr. Alexandre (a) . Na j os competentes Padrões , que se assentarão nos Almoxarifados do Rei- « no, em que couberem , sem prejuízo de terceiro, e não houver prohi- » bicão , com o vencimento na forma das Reaes Ordens. E logrará do- » ze mil reis da referida tença a titulo do Habito da sobredita Otdem , » que lhe tem Mandado lançar. Palácio de Queluz cm 3 de Julho de » 1794. — ]oseph de Seabra da Silva. — Registado a foi. 158, n {a) Chegando o Sin, Dr. Alexandre ao Par.-í , na volta da sua viagem, ponderou-lhe o Capitão Luiz Pereira da Cunha, que assim era que ti- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXXIU Na sua chegada a Lisboa , cm Janeiro de 1793 > scguio* se ser nomeado O/ficial da Secretaria d' Estado dos Negó- cios da Marinha e Dominios Ultramarinos. Porem logo no anuo seguinte foi dispensado do exercicio deste emprego , por ter sido encarregado da administração e direcção inte- rina do Real Gabinete de Historia Natural , e Jardim Bo- tânico, c suas anncxas (a), incumbindo-se-lhe também m- ventariar todos os productos , instrumentos, livros, e uten- sílios alli existentes. Foi tão boa a ordem , e economia a que o Sfír, Dr. Alexandre trouxe este estabelecimento, re- duzindo consideravelmente suas despezas , que mercceo que Sua Magcstade , por seu Real Decreto de 11 de Setembro de 1795" , o nomeasse Vice-Director do mesmo Estabelecimen- to ; removendo a bem do seu honrado Vassallo o que havia desgostado a sua extrema delicadeza nos outros Decretos de 29 de Junho , ej de Julho do mesmo anno , cm que» dando huma nova forma a todo aquelle Estabelecimento , o nomea'ra para seu Administrador. Esperava o Publico que o Snr. Dr. Alexandre reco- lhido das suas peregrinações, procurasse logo coordinar, e publicar a sua tão interessante viagem, mas não podia ser assim , porque quando elle voltou das terras da nossa Ame- rica, as Sciencias na Europa yá não se achavão em o mes- mo ponto em que as deixara. O espirito humano , tomndo desse fogo que de épocas a épocas o incendea , avançara pro- Tom. V. Part. II. * 10 di- nha remettido todos os productos , tjue lhe enviara para mandar á Cor- te i mas que por isso se achava no desembolso de tão considerável des- peza , com a ijual poderia dotar huma filha : ao que o Snr. Dr. Ale.vaii- dre respondeo : liso n.io sei virá de emiarnçp a sen casamento, eu serei q:iem receba essa sua filha por muíker-, e assim o fez, celebrando o seu mairi* monio aos 26 de Setembro de 1792. (rt) Conío são , Gabinete da Bibliotheca , dito Jo Desenho , Casa do Laboratório , dita das Preparações , Armazéns da Reserva 3cc. Foi no dia 7 de Setembro de 1794, havendo f.illccido o Administrador Jtj- lio Mattiazzi , ) Apenas por Decreto de . . . lhe foi nomeado para abrir as estam- pas pertencentes á sua viagem , Manoel Marques d'Aguillar , que acaba- va de recolher-se d' Inglaterra onde fora aperfeiçoar-se na arte da gra- vura ; e com effeito algumas das ditns estampas vi abertas com o pn- nor que catactetisa as obras desce Artista. ixxvi Historia da Academia Real turcza , que pelo commum não he flicil de accommodar-se aos baldoes da Sociedade. Sua alma criada com os bons exemplos da antiguidade , nutrida com as idéas da virtude ; encantada , por assim dizer , com as imagens de hum Só- crates , de hum Phocion , de hum Catão , e de hum Sé- neca y nao aguarda pelos avisos com que Aloralistas expe- rimentados lhe pintáo a convivência debaixo das cores de carregada misanthropia : estas são leves sombras , que ce- dem á belleza dos grandes rasgos de virtude e integrida- de que o transportão. Elle não vê as Leis dirigidas pelos homens , sim os homens governados pelas Leis. Considera a Pátria como Divindade , que até ao centro do (Jabinete toma contas pelo emprego do tempo , que examina as con- sciências , c que deve guiar os passos : finalmente não po- de combinar como o nome de homem honrado servira para a coberto se commetterem crimes , ultrajando hum titulo tão augusto. Mas quando este homem ,• entrando no gran- de mundo , tem de ficar ao encontro de suas sem-razõcs ; quando a sinceridade própria da innocencia se vê enleada e ferida nas tramas da intriga ; quando suas acções envenena- das pela inveja, perdem o fito de inteireza que as dirigia; quando , sendo homem de bem , não ha com quem tratar verdade , nem de quem fiar ; então as graciosas imagens que se conceberão , desvanecidas ao clarão da realidade , deixão a alma deslumbrada , e esmorecida ; a vida como falta do alimento que lhe pertence , perde o preço ; avalia-se e de- seJ3-se o fim da existência; e ganhando-sc hum génio abor- rido e melancólico, cahe-se na misanthropia, que chega a ser absoluta. Então he que , segundo as disposições pró- prias, ou apparecem os Democritos que escarnecem as ton- tices humanas , ou os Heraclitos que as chorão , he então que os Rousseaus , destinados a ser ornamento das Socieda- des , se constituem ásperos declamadores da prcversidadc que as apodrenta. Desculpe-se-me hum tão longo, se não importuno, des- vio; porque ^como fallar do estado doloroso que contristou o I 8,1 a a oi DAS SciENCIAS DF. LiSBOA. LXXVU O animo do Srir. Ur. Alexandre, sem estas prévias conside- rações ? Dotado de hum caracter igual e sincero , não podia elle acostumar-se á lisonja que saborêa , ainda mesmo sen- do conhecido o prcjuizo de seu veneno. A força que com- munica o Stoicismo já exhaltado , o fazia declarar a sua opinião com franquc/a tao desembaraçada e decisiva , que não deixaria por vezes de tomar parecenças de grosseira e áspera censura ; como succedeo quando huma Pessoa tão respeitável pela ordem da Nobreza , e alto emprego , co- mo pela encyclopedia de seus conhecimentos, fallando lhe na tentativa de climatizar o chá em nossjs terras, seccamen- tc respondeo : j blão temos pão , e tratamos de chã ! Ainda que varias reflexões tragao a este dito naquellas conjunctu- ras algum pêsí) de reparo e consideração , com tudo elle não deve ser avaliado senão procrio da independência e firme- za , que pelo excesso com que já caprichava de o osten- tar , era hum modo com que procurava dcsforrar-se , e co- mo ccnstituir-se campeão contra a geral immoralidade. E se- gundo este espirito he que fallão os últimos escritos que vi do Sfír. Dr. Alexandre , guardando por isso hum estylo conciso e claro , com a deducçao que acompanha o conven- cimento e ordem da verdade. O caracter do Sfír. Dr. Alexandre , como dizia , sisu- do e inteiro , que gastara o melhor dos annos no estudo , ou nos desertos da America , não podia deixar de sentir effeitos desabridos e oppostos , quando tendo de passar á vida de Corte , se achou n' hum mundo diflferente das idéas que por elle tivera. Então foi mudando pouco a pouco a sua seriedade n' hum desgosto absoluto para os prazeres da convivência. Debalde as repetidas Graças da Soberana , já conce* dendo-lhe a condecoração do Habito da Ordem de Chris- ^° C'') j j^ nomcando-o Administrador de Suas Reaes Quin- tas (..j) Tor Decreto de 1$ de Julho de 17^4' si3)i or Lxxviii Historia da Academia Reax, tas (a) , já dando-lhe o lugar de Deputado da Real Junta do Commercio {b) , tossem outros tantos estímulos , que lhe devessem despertar ambição e desejo de querer lograr se- melhantes distincçocs e cargos , pois o seu dissabor hla sem- pre em crescimento , are que as funestas alternativas da guerra, por que vimos de passar, o trouxerao e precipi- tarão na mais acerba melancolia. Nsta situação (sem duvi- da a mais desgraçada por que pôde passar o homem , a quem todos os males se dão a sentir no peso da immensi- dade ; quando a razão offuscada apparece de espaço a es- paço para dar melhor a conhecer o horror da desordem que a involve ) nesta situação em que atacada a alma , so- fre os transtornos do delirio , mas sem o respiro de sua in- sensibilidade, e em que alterando-se para logo o physico, se completa e ultima a desordem das faculdades intellectuaes; o individuo fica como submergido na dor e na miséria, e só na morte vê termo a suas angustias e penalidades, che- gando , por assim dizer , a adquirir huma necessidade de morrer. Inúteis se tornão então quaesquer concelhos ; a desordem que se apoderou do espirito he absoluta ; não pô- de ser acalmada nem pelos avisos da amizade, nem pelos soccorros da piedade mais sublime : existe huma espécie de turpor , c insensibilidade para tudo o que he consolação : o fogo d,e huma mania taciturna e silenciosa , e por isso mais afflictiva , vai lavrando , priva c embarga todo o allivio ; c só acha termo na consumpção da victima de que se apo- derara. Tal , pouco mais ou menos , foi o desgraçadíssimo estado por que passou o Snr. Dr. Alexandre Rodrigues Fer- reira, e que o fez perder á sua familia no dia 23 de Abril de C^) Por Decreto de 25 de Dezembro de 17515. (b) Por Decreto de 24 de Junho de 1807 Sua Magestade havia ou- tro sim feiro Mercê ao Snr. Dt. Alexandre da propriedade ii« hum Oífi- cio na Alfandega do Maranhão. I \ DAS SciENCtAS DE LrSBOA* tXÍClK de 1815" ; assim como alguns tempos antes já o havia rou* bado á Pátria e á Academia. Porém se esta misanthropia o punha como em desterro do género humano, a integridade do seu caracter trouxe-o constantemente em quanto viro ao desempenho de seus deveres , como homem , e cmpre* gado publico: pois ainda quando o seu estado physico, ce- dendo á impressão da melancolia que o devorava, lhe não permittio mais sahir de casa , então mesmo não deixou nun- ca de dar ás suas obrigações o cumprimento que este esta- do lhe permittia: constantemente examinou e revio as folhas pertencentes ds Repartições que dirigia e governava , e hum momento antes de fallecer assignou a conta do anno de 1814: acabando esta assignatura elle já não existia, e as- sim deo ao serviço do Estado o ultimo instante em que a vida o animou. Bom Cidadão , e zeloso Vassallo , sentia nas desventu- ras da Pátria a dor própria do verdadeiro patriotismo : o seu cspifito adquirio novamente todo o seu primitivo vigor quando pelas transacções da Paz de Madrid celebrada com a França , lhe tinhamos de ceder terras na America , e elle defendeo com energia conveniente a propriedade destas ter- ras á Coroa de Portugal. O cargo de Vice-Director do Real Jardim Botânico lhe fez ainda no anno de 1801 , a pezar das suas moléstias , descrever o celebre Macaco Simia Mor' moH , espécie que poucas vezes se tem visto na Europa , e da qual tinha chegado hum individuo para o Real Museu , que ainda se conservou vivo bastantes mezes. Sabendo que o merecimento dos seus antigos companheiros de estudo era obscurecido, c posto em dcsattento esquecimento, elle não os vê homens com quem geralmente se achava divorciado , julga-os como precisados de sua Voz , e elle a levanta em sua apologia ; assim entrado na região do desgosto e agas- tamento , paga as delicias que seus antigos collegas lhe pro- curarão na idade das illusões e esperança, e dalli os saúda, defendendo a sua reputação ; e o amor da justiça e verda- de , que o retiraváo da Sociedade , o chamáo outra vez a el- siíta 01 Lxxx Historia da Academia Real ella , quando cumpre advogar causa tão sagrada. O Snr. Dr. Alexandre era para o Universo , quando o Universo já não existia para elle ; por isso as distinctas qualidades que possuia , tornando sua memoria saudosa , a fazem digna de outro tributo maior , que este meu fraco Elogio. Por fallecimcnto do Sfir, Dr. Alexandre Rodrigues Fer- reira ficarão duas filhas , e hum filho , por nome Germano Alexandre de Queirós Ferreira , a quem Sua Magestade hou- ve por bem de nomear Official Supra-numerario da Secreta- ria d' Estado dos Negócios da Marinha e Dominios Ultra- marinos. NO- fl LXXXI NOTICIA DOSESCRITOS DO SENHOR DOUTOR ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA. E. /Sta Noticia he fielmente extraliida do Inventario dos Papeis do Siir. Dr. Alexandre, que como pertencentes á sua viagem , forao por ordem do Snr. Visconde de Santarém entregues ao Snr. Félix de Avellar Brotero aos ^ de Julho de 1815:; sendo no dito Inventario que me foi confiado, nao só comprehendidos todos os seus escritos, mas ainda outros muitos Papeis não pertencentes á dita viagem. As composições do Siir. Dr. Alexandre vem ahi designadas com as ini- ciaes do seu nome. Obras pertencentes á viagem filosófica do Grão Pará , Rio Negro, Mato-Grosso , e Cuyabá. Prospecto da Cidade de Sanita Maria de Belém do Grão Pará , 52 pag. de foi. Deixou outras copias desta Obra. Misrellariia histórica para servir de explicação ao Prospecto da Cidade do Pard , 171^4, yj pag. de foi. Deixou outras duas co- pias desta Obra. Estado prese»te da Agricultura do Pard em 1784, 25: pag. de foi. Esta Obra de que deixou outra copia , foi depois consideravelmen- te accrescentada , ampliando-se a 75^ pag. de foi. Noticia histórica da Ilha de ^oannes ou Marajó , 34 pag. de foi. Deixou outras duas copias. Tom. V. Part. II * 11 Me- Lxxxn Historia da Academia ReAl Memoria sobre a Marinha interior do Estado do Grão-Pard , 1787 , 170 pag. de foi. Extrato do Diário da 'viagem filosófica pelo Estado do Grão Pard , 1787 , ^4 pag. de foi. Deixou mais duas copias desta Obra. Memoria sobre os engenhos de branquear o arroz no Estado do Pard, 10 pag. de 4.° Miscellania de observações filosóficas no Estado do Pard no anno de I7b'4, 19 pag. de 8.° Diário da viagem filosófica pela Capitania de S. 'José do Rio Ne- fro , com a informação do esta lo presente dos Estiielecimen'os ortuguezes na sobredita Capitania, 140 pag. de foi. Esta Obra de que deixou outra copia , foi depois consideravelmente augmen- tada formando assim outro M. S. de 5'44 pag. de foi. Participação geral do Rio Nfgro , e seu território ; Extracto do Diário da viagem filoscfica pela dita Capitania 1785', e 1786, 226 pag. de foi. Deixou outra copis. Tratado histórico do Rio Branco , 5 8 pag. de 4.* Diário do Rio Branco, 27 pag. de 4.° Relação circunstanciada do Rio da Madeira, e seu território, desde a sua foz até d sua primara cachoeira chamada de San- to António , feita nos annns de 1788, e 1789 j loi pag. de foL Deixou outra copia incompleta. Supplemento ao Diário do Rio da Madeira, 16 pag. de foi. Supplemento d Memoria dos Rios de Mato-Grosso , 14 pag. de 4." Prospecto Filosófico e Politico da Serra de S. Vicente , e seus Esta- hekcimentís , 1790, 44 pag. de foi. Enfermidades endémicas da Capitania de Mato-Grosso y iio pag. de foi. llagem d gruta das Onças em 1790,. 16 pag. de foi. Ca- ãiatt 01 DAS SciEncías de Lisboa. lxxxiií Catalogo da verdadeira posição dos lugares abaixo declarados per* tementes ás Capitanias do Pará e Mato-Grosss , .i 2 pag. de foi. Noticia da voluntária reduccao de paz e amizade da feroz Na-^ . ção do Gentio Mura ^ nos annos de 1784., 1785', e 1786 , 105^ pag. de foi. Deixou duas copias desta Obra. Memoria sobre o mesmo Gentio Mura , 12 pag. de foi., de que tam- bém deixou duas copias. Memoria sobre os Gentios Uerequenas que babitão nos rios Yçana e l.xié, 1787, II pag. de foi. Deixou outra copia desta Memoria. Metnoria sobre os Gentios Caripunas que habituo na margem oc* cidental do Rio Yatapu , 17Í7 , 4 pag. de foi. Deixou mais três copias. Memoria sobre os Gentios Cambebas que habitao as margens e ilhas da parte superior do Rio SelimÕes , 1787, 14 pag. de foi. Deixou duas outras copias. Memoria sobre os Gentios Yurupixunas , 17Z7 , 3. pag. de foi. Memoria sobre os Gentios Mauhas , habitantes do Rio Cumiary e seus confluentes , 1787, 3 pag. de foi. Memoria sobre os Gentios da Nação Miranha , huma das mait populosas do Rio Solimões , 1788 , 2 pag. de foi. Memoria sobre os índios Hespanhoes desertados da Provinda de Santa Cruz de la Sierra , 1787 , 6 pag. de foi. Memoria sobre os Gentios íuaicurus ^ i/pi > li P^g. de foi. Memoria sobre huma das Gentias da Nação Catauixi , habitante no rio dos Punis, 1788, 4 pag. de foi. Memoria sobre os instrumentos de que usa o Gentio pára tomar o \[. tabaco Paricd, 1786, 3 pag. de foL Memoria sobre a louça que fazem as índias do Estado do Grão Pará, 1786, 2 pag. de foi. * II ii Me- i.ltxxvt\' Historia DA AcADFMrA Real Memoria sobre ijs cuias que fazeiu as índias de Monte-altgre , e Santarém, 1786, 7 pag. de foi. Memoria soh-e as mascaras , e fardas que fazem para os seus. bailes os Centior Yurti-pixunas , 1787, ly pag. de foi. Pesta Memoria deixou quatro copias talvez com mudanças , &c. Memoria sohre as salvas de palinha pintada que fazem as Indiat. da Vi lia de Santarém, 1706, 2 pag. de foi. Memoria sobre as Malocas dos Gentios Curtttús , situados »o Ri». Mpaporis , 17ÍÍ7 , 4 pag. de foi. Relação das cinco remessas dos ptoductos naturaes do Rara , que remetteo a Lisboa , 5 pag. de foi. Mcppa geral de todos os productos naturaes e industriaes que rc" metteo do Rio Negro, cm foi. Relação das oito remessas dos productos naturaes do Rio Negro , que remetteo a Lisboa, 160 pag. de foi. Deixou ou:ra copia tal- vez com mudanças , em 208 pag. também de foi. Relação circunstanciada das amostras de ouro, que remetteo para o Real Gabinete de Historia Natural, ;o pag. de foi. Observações geraes e particulares sobre a classe dos Mammaei. observados nos territórios dos três Rios das Amazonas , Negro , c da Aladeira : escritas em 387 pag. de foi. no anno de 1790. Desta Obra deixou li uma outra copia em 466 pag. de foi. Relação dos animaes silvestres que habitão nos matos de todo o Certão do Estado do Grã Pard. N. B. Desta Obra me deo noticia o Siír. José Bonifácio da Andrada c Silva , o qual possue huma copia Incompleta em 4.° Memoria sobre as Tartarugas, 11 pag. de foi. Memoria sobre as Tartarugas Yurard-rete , 1786, $>. pag. de fol- Memoria sobre a Tartaruga Matamata , 3 pag. de 4.° Des' «13» 01 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. tXXH Descrip(âo da mesma Tartaruga, 1784, 6 pag. de 4.° Memoria sobre o uso que dãò ao Peixe Èoi no Estado do Grão Pard , e sobre outros objectos j 39 pag. em foi. Memoria sobre o Peixe Pirarucu, 1787 , 8 pag. de foi. Deixou ou^ trás duas copias desta Memoria. Descripção do Peixe Arananãa , 1 787 , 2 pag. de foi* Relação dás amostras de algumas qualidades de madeiras dai margens do Rio Negro, 17883 30 pag. de foL Diário sobre as observações feitas nas plantas que se recolherão na Capitania do Rio Negro, 1786, 118 pag. de foi. Diário sobre as observações das plantas que se recolherão no Rio Branco, 12 pag. de foi. Diário das observações das plantas que se recolherão no Rio dà Madeira , 36 pag. de foi. Memoria sobre as palmeiras, 11 pag. de foi. Collecção das experiências de Tinturatia que se fizerao em a via' gem da Expedição filosófica pelo Rio Negro, com 12 amostras tintas em lã. Relação dos pfeparos necessários d Expedição filosófica que execU' teu, os quaes pedio em 1786, 36 pag. de foi. Papeis avulsos de Memorias e escritos pertencentes d viagem ire. : laziâo 1840 pag. de foh , e 428 pag; de 4.° Obfaá sobre diversos assumptos não pertencentes á viagem. Oração Latina por occasião dos annos do Serenissimo Siír. Zi ^osé , Príncipe do Brazil , feita no anno de 1779, cm 4.° Falia que fez para recitar no dia da posst dos Ex,"" Sfir." Ge- lxxxvi Historia da Academia Real ncral do Pará Martinho de Sousa e Albuquerque , e Bispo D. Fr. Caetano Brandão; 2 pag. de foi. Fal/a que fez na noite deiQ de Setetnbro de 1784 ao despedir-se do III.'" e Ex."" Súr. Martinho de Sousa e Albuquerque , 3 pag. de foi. Falia que fez na tarde de 1 de Março de 1785" ao III.'"' e Ex/"* Siír. foto Pereira Caldas , quando entrou a visitá-lo na Villã- de Barcellos, 4 pag. de foi. Falia que fez ao mesmo no dia 4 de Agosto de 1785' , dia em que fazia annos , 4 pag. de foi. Proprieda/le e posse das terras do Cabo do Norte pela Coroa de Portugal t 17^2, 47 pag. de foi. Propriedade e posse Poríugueza das terras cedidas aos France» zes , 1802, 9 pag. de foi. Memoria ou parecer sobre a plantação dos olivaes nas terras que na Villa de Coruche tinha foaquim Rodrigues Botelho. Desta Obra achei noticia no caderno das Memoiias particulares do Snr. Dr. Alexandre, do anno de 1783. Memoria sabre as matas de Portugal , dividida em três partes , e lida na jdcademia Real das Sciencias no anno de 1780, 82 pag. de 4.° Abuso da Conchyologia em Lisboa , para servir de introducção d sua Thcologia dos Vermes^ 178 1 , 26 pag. de 4.° Foi também lida na Academia Real das Sciencias. Descripção de huma planta desconhecida pelo Cirurgião Mor do Regimento d'' Alcântara , 14 pag. de 4.° Creio que esta Obra que assim vem annunciada no Inventario dos papeis do Síír. Dr. Ale- xandre , que tenho citado , he a mesma que passamos a annun- ciar segundo a ir.dicaçao do seu caderno de Memorias particu' lares ^ onde se diz que também fora lida na Academia. Exame da planta medicinal^ que como nova applica e vende o Li' cenciado António Francisco da Costa , Cirurgião Mor do Regimen' to de Cavallaria d^ Alcântara (a) . Re- (l oõ í-* „>«-■-- - em Lisboa. Fr. Joaquim Rodrigues ----___ em Lisboa. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo ,• no Convento da Fraga , em Viseu. Joaquim Xavier da Silva - - . ~ - -' . em Lisboa. José Accursio das Neves ------- em^ Lisboa. Fr. José de Almeida Drak ------ eni Lisboa. Fr. José de Santo António Moura - - - - em Lisboa. José Avelino de Castro ------- no Porto. José Calheiros de Magalhães e Andrade - - em Braga. Fr. José da Costa e Azevedo - • - no Rio de Janeiro. José Egidio Alvares de Almeida - - no Rio de Janeiro. José Feliciano de Castilho ------ em Coimbra. José Jacinto de Sousa -------- no Porto. José Ignacio da Costa ------- em Lisboa. José Ignacio Paes Pinto de Sousa e Vasconcellos no Porto. José do Loreto -------- --ew Londres. Tom, F. Part. IL * 14 Jo- cvi Historia da Academia Real José Manoel Ribeiro Vieira de Castro - - - iw Porto, Jos(í Manoel de Sequeira. __--_. j;^ Cuiabá. D.José Maria da Piedade Lencastre e Silveira, Marquez de Abrantes ,------- í»» Lisboa. José Portel li > ___._-_--. ^wí Lisboa. José Romer Luiz de KcrckhofF ----- fw/ Anvers. José de Sá J3ctancourt -------- tia Bahia. José Thcresio Michelotti ------- íw Lisboa. D. José Valério , Bispo de Portalegre , - - evi Portalegre. Fr. Lourenço do Desterro Coutinho - - -em Coimbra. Lucas Tavares -------- ..-em Lisboa. Luiz António de Oliveira Mendes - - - - na Bahia. Luiz Dias Pereira --------- cm Lisboa. Luiz Henriques , Barão de Block , - - - - em Dresda. Luiz Leonardo de Vasconccllos Almeida e Se- queira ( Monsenhor Sequeira ) - - - ' em Bemfica. Manoel Agostinho Madeira - - - - em Torres Vedras. Manoel Jacinto Nogueira da Gama - - no Rio de Janeiro. Manoel José Maria da Costa e Sá - - - - em Lisboa. Manoel José Mourão de Carvalho Monteiro na Mealhada. Manoel José Pires --------- m/ Lisboa. Manoel Pereira da Graça - - - - na Ilha da Madeira. D. Miguel António de Mello ----- ew Lidoa. Fr. Patricio da Silva -.-.-.--gm Coimbra, Paulo José Maria Ciera .------- pw Lisboa. Pedro Celestino Soares '-.------ em Lisboa. Pedro Gianinni ---------- wí Bolonha. Rodrigo Ferreira da Costa - - - - • - em Lisboa. D. Thaddeo Manoel Delgado - - - - em Hespanha. Thomé Rodrigues Sobral - - - - - . - -em Coimbra. Vicente Gomes de Oliveira - - - - no Rio de Janeiro. Vicente José Ferreira Cardoso - - na Ilha de S. Miguel. Wencesláo Anselmo Soares ------ em Lisboa. RE- DAS SciENClAS DE LiSBOA. CVII RELAÇÃO Dos Membros , e Correspondentes da Instituição Vaccinica da Academia Real das Sciencias. Membros da Instituição Vaccinica. Bernardino António Gomes ...... em viagem. Francisco Elias Rodrigues da Silveira . . . em Lisboa. Francisco de Mello Franco m Rio de Jatieiro. ■ Francisco Soares Franco em Coimbra. Ignacio António da Fonseca Benevides . . em Lisboa. Joaquim Xavier da Silva em Lisboa. José Feliciano de Castilho em Coimbra. José Maria Soares em Lisboa: José Pinheiro de Freitas Soares em Lisboa. Justiniano de Mello Franco .... no Rio de Janeiro. Wencesláo Anselmo Soares em Lisboa. Correspondentes da Instituição Vaccinica. D. Angela Tamagnini de Abreu em Lisboa. António de Almeida , Medico em Penafiel. António Anastasio de Sousa , Medico . . . em Pombal. António Joaquim de Carvalha, Medico em Ponte de Lima. António José de Almeida , Medico . ... em Mafra. António José Giraldo de Oliveira, Cirurgião em Tavira, António Manoel Pedreira de Brito , Cirurgião em Filia nova da Cerveira. 14 u An- cviii HisTOBiA DA Academia Real António Pereira Xavier , MeJico no Craío. Carlos António Lopes Pereira , Cirurgião no Peso da Regoa, Carlos Frederico Lccor , Tenente General , em Monte Video. Domingos José da Fonseca , Cirurgião Mor do Batalhão de Caçadores N. 4 . . . . em Penamacor. Fernando António Cardoso, Cirurgião . . . em Peniche. Francisco Ignacio Pereira Rubião , Medico . em Filia Real, Francisco Manoel de Albuquerque , Medico . em Pinhel. Francisco Maria Roldão , Cirurgião • . . tio Cano. Francisco Xavier de Almeida Pimenta , Medico fw Sardoal. Francisco Zefyrino Mendes , Cirurgião . . em Estremoz. João António de Carvalho Cliaves , Medico . no Redondo. João António Rodrigues de Oliveira , Cirurgião em Lamego. João António dos Santos Cordeiro, Cirurgião em Monforte. João Gervásio de Carvalho, Medico . . . no Cartaxo. Joaquim António Novaes, Medico .... na Certa. Joaquim António de Oliveira, Cirurgião . . naGollegu. Joaquim Baptista , Medico em Fotizella. Joaquim Gomes Barroso , Cirurgião em Santa Leocadia de Pe- dra furada. José António Barbosa da Silva , Cirurgiáo . em Santo Tyrso. José Duarte Salustiano Arnaud , Medico . . no Porto. José Fradesso Bello , Cirurgião em Elvas. José Gomes Cabral , Cirurgião na Guarda. José Guerreiro da Silva , Juiz Ordinário em Filia nova de mil fontes. José Ignacio Pereira Derramado , Medico . . em Portel. José Ignacio da Silva , Cirurgião .... em Estremoz. José Joaquim Mixote , Cirurgião tio Redondo. José Luiz Pinto da Cunha , Cirurgião em Fiana do Minho. José Maria Bustamante , Medico .... em Alvito, José Maria Pereira de Sousa, Cirurgião Mor do Regimento de Cavallaria N. 8 .... em Niza. José Nunes Chaves , Medico . . em Filia nova de Portimão. José Pinto Rebello de Carvalho, . . na Filia de Barcos. José Pinto da Cunha, Cirurgião . . em Coutto de Travanca, Jo- S13U 01 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Cljt José dos Santos Dias , Medico . . . .em Montalegre. Luiz Cypriano Coelho de Magalhães , Medico . em Aveiro. Luiz Gonzaga da Silva , Medico .... em Santarém. Luiz Mendes Fortio , Cirurgião em Âviz. Luiz Soares Barbosa , Medico em Leiria. Manoel Coelho do Nascimento, Cirurgião . . emCollarcs. Manoel Lopes de Carvalho , Cirurgião . . em Bellas, Manoel José Malheiro da Costa Lima em S. Vicente de Penso. Manoel José Mourão de Carvalho Azevedo Mon- teiro , Medico na Mealhada. Manoel Vicente , Cirurgião fia Guarda. D. Maria Isabel WanzcUer no Porto. Nicolão de Sousa Galliao , Cirurgião . . em Lanhezes. Pedro António da Silva , Cirurgião . na Marinha Grande. Pedro António Teixeira de Pinho , Cirurgião , em Ovar. ME^ li-HH OI MEMORIAS DOS SÓCIOS. SI3.VÍ OI k MEiMORIA SOBRE A DISTILLAÇÀO. Por António ue Araújo Travassos. D. Os pioductos deste Reino lie o vinho o que princi- palmente alenta o nosso commercio com os paizes estran- geiros ; outro tanto se pódc dizer a respeito do commer- cio de muitas Ilhas pertencentes á Coroa de Portugal : bem se vê disto quão considerável he o consumo de boa aguar- dente , para o preparo daquelle artigo , e quanto para lamen- tar que grandissima porção venha de fora ! No Brasil a dis- tillação dos melaços , e exportação de aguardente de cana he similhantcmcnte hum grande ramo de commercio. A ne- nhuma Nação pois compete mais do que á Portugueza o co- nhecer e praticar os methodos de obter licores espirituosos com a maior perfeição e economia : e creio que he bem conforme com os principios de instrucção e utilidade publi- ca , que professa a Académica Real das Scicncias, o apresen- tar a esta respeitável Corporação hum resumo dos princi- pacs aparelhos distillatorios , de que se servirão os anti- gos , dos que se tem posto em pratica nos tempos moder- nos , e finalmente de alguns , sobre que já ha mais de onze annos o Principc Regente Nosso Senhor me concedco Pri- vilegio , os quacs agora acho que são pouco differentes, ou pelo menos abrangem as vantagens dos que com grande I aplauso se tem depois publicado já em Escócia , já em Fran- ça como inventos de outros homens , particularmente de Duarte Adam , e de Isaac B crard, Mr. (^haptal extrahio de hum escripto de outro Bcrard ( Estevão Bcrard^) a historia dos principaes alambiques anti- , Tom. F. Paru II. A gos 2 Memorias iiA Academia Real gos e modernos , e achou próprio inserir tão importantes noticias em humas observações que lêo sobre esta matéria no Instituto nacional de França em 1809. Creio que longe de me ser cxtranhado , me lie honroso querer seguir tão respeitável exemplo , traduzindo resumidamente as ditas ob- servações daqucUc Sábio ( o que dará matéria á primeira parte desta Memoria); para que se comparem os meus pró- prios aparelhos distillatorios ( cuja descripção encherá a se- gunda parte) com alguns a que elle faz grande elogio. PRIMEIRA PARTE. N> Em os Gregos, nem ainda os Romanos usarão de alam- biques , e posto que se servissem da palavra distillatio , não tinha então este vocábulo a significação de que agora se tra- ta. Plinio que viveo no primeiro século da era Christa , escreveo hum livro sobre as vinhas e vinhos, c quanto lhes he concernente , sem dizer huma só palavra a respeito de aguardente. A arte da distillaçao parece ter nascido entre os Ára- bes , donde succcssivamente passou para Itália , Hespanha , e Sul da França. A palavra alambique he Arábica , c já era usada antes do Século X , porque Avicena nesta época usou delia, comparando o catarro com huma distillaçao, em que o estômago he a cucurbita , a cabeça o capitel , c o naiiz o bico por onde escorre o humor. Rases e Albucase des- creverão processos particulares para extrahir os princípios aromáticos das plantas ; os capiteis em que se recebião os vapores erão refrescados com panos molhados. Ray mundo Lullo no Século XIII teve conhecimento não só da aguardente , mas também do espirito de vinho ou álcool ; na sua obra Testamentum jiovissimum diz que se fazem sete rectificações , mas que bastão três , para que o álcool seja inteiramente inflammavel sem deixar residuo aquo- so. Arnaldo de ViUa-nova , que viveo no mesmo Século , faU la sia^ OT. DAS SciENClAS DE LiSBOA. J la muito da aguardente , e dá algumas novas applica^ões deste producto da distillaçao; mas segundo se vê do já re- ferido , não foi o primeiro inventor de alambiques , e mui injustamente lhe tem sido attribuida esta gloria. Miguel Savonarole que no principio do Século XV es- creveo hum tratado sobre o modo de fazer a aguardente , diz que antes delle o processo da distillaçao consistia em pôr o vinho em huma caldeira de metal , recebendo cm hum tubo banhado por agua fria o vapor , o qual alli conden- sado corria para hum recipiente. Observa que os distillado- res formavão sempre os seus estabelecimentos junto a hu- ma corrente de agua , para a poderem ter const.mtemente fria. Ajunta que no seu tempo se introJuzio o uso de cu- curbitas de vidro para se obter a aguardente mais perfei- ta , e que se esfriavão com panos molhados os capiteis , os quaes aconselha que sejao mui grandes para multiplicar as superfícies : entre outras cousas curiosas também diz que alguns fazião o collo , que une a cucurbira ao capitel , o mais comprido que lhes era praticável , para obterem assim logo de huma vez a aguardente perfeita : hum amigo delle chegou a pôr a caldeira no nivel da rua , e o capitel no cume da casa. João Baptista Porta no fim do Século XVI em o seu tratado de ítistillatmibus encara a distillaçao por todos os ladoS , applicando esta operação a todas as matérias que são susceptiveis delia, e descreve alguns aparelhos para obter logo de hum2 vez o álcool daquelle gráo que se queira : hum destes he hum tubo formado em espiral , unido em ci- ma da caldeira; outro consiste cm diversos capiteis postos huns em cima dos outros , cada hum com sua abertura ao lado , á qual se a(;lapta hum bico que ajusta no recipiente. Segundo as indagações de Rubêo sobre a distillaçao os an- tigos tinhão usado de processos pouco diíFerentes destes. Nicolao Lcfebvre em 165-1 publicou a descripçao de hum aparelho para obter em huma única operação álcool o mais livre de fleuma j he hum longo tubo formado de A ii mui- 4 Memo«iasdaAcap,emiaRkal muitas peças , que encaixão humas nas outras em forma de zigzag , estando unida huma extrciTiidade á caldeira, e aca- bando a outra no capitel , em cujo bico ajusta outro tubo que atravessa luima tina cheia de agua fria para alli se con- densarem os vapores. O Doutor Arnaldo de Lyon na sua Introduction a la Cbimie ou à la vraie physiqtte ^ impressa em 1655 , dá muito bons princípios sobre a composição dos fogões e modo de dirigir o fogo ; aconselha que as caldeiras sejao baixas pa- ra facilitar a evaporação , e falia da conversão da aguar- dente em espirito de vinho , por meio de repetidas distilla- ções , ou de huma só cm banho-maria. João Rodolpho Glauber na sua obra Descriptio artis distíl/ntoriae novae f impressa, em 1658, descreve alguns apa- relho* , em que se reconhece o germe de vários processos que se tem aperfeiçoado nos nossos tempos. Consiste hum em transmittir os vapores da distillação para hum vaso ro- deado de agua fria , passando os que nelle não se conden- são para outro vaso similhantemente banhado, o qual cora-» munica com o primeiro por hum tubo arqueado , e assim por diante, de vaso em vaso, até ser perfeita a condensação. Outro aparelho de Glauber consiste em adaptar a hum to- nel, em que está o vinho que se quer distillar, o bico de huma retorta de cobre , posto sobre hum fornilho , tendo unido á parte superior do mesmo tonel hum tubo que con- duz o vapor a huma serpentina mettida dentro de agua fria. No ultimo capitulo de huma obra de Felippe Jacqucs Sachs, impressa em Leipsick em 1661 com o titulo de Fi- tis viuiferae ejurque partium cmisideratio ^ vê-se que os antigos usarão de vários modos de extrahir do vinho os espiritos; ellcs empregavão hum calor muito suave , ou separavão a fleuma do vinho por meio de pedra-hume calcinada , ou punhão pedaços de gelo sobre o capacete do alambique , para que passassem somente os vapores mais subtis , ou fa- zião o collo da cucurbita muito comprido. Moise Chavos em a sua Pharmacopéa impressa em 1676 Évr.r Cl DAS SciENClAS DE LiSBOA. ^ lóyó descreve o aparelho de Nicoláo Lctobvre , additandu- Hic alguns aperfeiçoamentos , e adaptando hum refrigeran- te ao capitel. Nos Elementos de Chimica de Barchusen impressos em 17 i8, e nos de Boerhaave que se virão em Paris em 1733 , achâosc vários modos de obter o álcool muito puro logo com huma única applicação de calor: consistem todos em fazer passar o vapor por tubos muito extensos , a fim de se condensar a parte aquosa , e receber a final o espirito mais puro e ligeiro. Desde aqueila época até o meio do ultimo Século o aparelho usado nas fabricas de distillação era huma caldei- ra redonda tão larga como profunda , reduzida na boca i terça parte do diâmetro , com seu capitel bastantemente al- to , em cujo bico ajustava huma serpentina de seis ou se- te voltas em espiral. Com este aparelho , de que ainda hoje geralmente se faz uso entre nós, extrahia-se do vinho a aguardente commum , e desta com segunda distillação o álcool em banho-maria , ou a fogo muito brando , conti- nuando a operação por mais ou por menos tempo , confoi^ me o gra'o c qualidade que se desejava. Depois do meio do Século passado até aos últimos tem- pos o principio fundamental , que tinha dirigido os aucto- res que tratarão de distillação , foi facilitar a ascensão dos vapores fazendo maior a largura e a abertura da caldeira , e menor sua profundidade ; c operar huma pronta e com- pleta condensação por meio não só da serpentina , mas de hum refrigerante que banhava o capitel. Com esta ultima forma de alambiques, e com meios mais económicos de applicar o fogo , conseguio-sc efflcti- vamente muito grande vantagem sobre as formas de que pre- cedentemente se tinha feito uso ; mas desprczou-sc de to- do este mui importante principio: Que os vapores espirituo' SOS do vinho , quando ferve , sempre sobem acompanhados de huma mator ou menor porção de vapores aquosos , dos quaes he neces- sário separallos para que o álcool seja puro. Esta separação pô- de ÍI2U 01 6 Memorias DA Academia Real de effcctuar-se por dois modos , ou fazendo passar os vapo- res por tubos compridos e tortuosos , que apresentem gran- de superfície , a fim que só cheguem á parte mais distante os vapores puramente espirituosos, cahindo na caldeira con- densados os aquosos , se não se lhes dá sahida para reci- pientes separados ; ou conservando o vaso que recebe os va- pores banhado por hum Hquldo , cuja temperatura esteja cons- tantemente entre 6<; e 70 grdos de Reaumur , a fim de alli se condensar o vapor aquoso , passando a condensar-sc o es- pirito em outros vasos mais frescos. He em conformidade com estes princípios , diz Mr. Chaptal , que no sul da França se tem ultimamente construí- do aparelhos distillatorios , sem comparação mais perfeitos do que os anteriormente conhecidos. O primeiro he o gran- de aparelho de Duarte Adam. Consiste em duas caldeiras chatas , postas sobre dous fogões , com huma chaminé com- mum : as tampas são muito bem seguras com parafusos , e do meio de cada huma eleva-se hum tubo que arquêa a al- guns pés de altura , e mergulha em o vinho que está em hum grande vaso oval ; da parte superior deste , a qual se conserva vasia , sahe segundo tubo , que similhantemente mer- gulha em outro vaso também oval mais pequeno que o pri- meiro ; do segundo sahe outro tubo que mergulha em ter- ceiro vaso, e deste outro que igualmente mergulha em quar- to ; de sorte que em seguimento das duas caldeiras estão postos quatro grandes vasos , communicando entre si por tu- bos arqueados, e contendo muito grande porção de vmho. ( Esta primeira parte do aparelho de Duarte Adam represen- ta bem fielmente toda a parte mecânica do muito conhecido aparelho de Wolfio. ) Hum tubo que sahe da parte vasia do quarto vaso oval conduz os vapores do vinho que ferve nas duas caldeiras, e nos quatro vasos ovaes , para hum recipien- te de forma redonda , com a metade inferior mergulhada em huma tina de cobre com agua , n^ qual está também outro recipiente para os vapores que não se condensão no primei- ro; depois desta tina ha duas mais, cada huma com dois re- ci- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 7 cipientes de maneira que chega a seis o numero dos reci- pientes, por- onde succcssivamcnte passa o vapor, e o que nelles não se condensa enfia hum longo tubo até chegar a huma serpentina elevada e reírescada em huma tina , pelo vinho que djlii já vai quente para a caldeira ; desta serpen- tina passa para outra refrescada por agua fria , e corre a final cm o vaso destinado a receber o ultimo producto da distillação. Tal he a idca que se pode formar deste sober- bo e immenso aparelho , no qual se distillão de cada vez seis a oito mil pintes de vinho, isto he , 330 a 440 almu- des , passando os vapores espirituosos por conductos de 100 metros de comprido , isto he mais de 9 1 varas Portugue- zas , antes de se completar sua condensação. Eu não fallo , diz Mr. Chaptal , do modo de montar o aparelho , nem dos meios de recolher os productos , ou de novamente os lançar na caldeira á medida que se conden- são na serie de refrigerantes ; basta observar que o serviço deste bello aparelho se faz mui commodamente ; de bons depósitos se eleva o vinho por huma bomba á altura con- veniente para correr para a tina em que está a serpentina superior, e passar depois de quente para dentro da caldeira por competentes tubos 5 torneiras no fundo dos vasos ovaes dão sabida ao resíduo por outros tubos que similhantemen- te o conduzem á caldeira , a fim de alli se acabar a distil- lação com hum calor mais forte. Para claramente se entender o todo deste apparelho se- rá bom considerallo debaixo de dois pontos de vista , ou di- vidido em duas partes, huma distillatoria ^ a outra cmidensato- ria. A primeira hc formada de duas caldeiras , e quatro va- sos ovaes que contem o vinho , e conduzem os vapores de huns para os outros por tubos arqueados , á maneira do apa- relho de Wolfio , consistindo a operação em aquecer e fa- zer evaporar o liquido pelo vapor que nelle entra muito quente ; processo dcscripto pelo Conde de Rumford nos seus Ensaios Políticos , Económicos , e FiJosoficos. He incontestável , diz Mr. Chaptal, que esta parte do pro- SI3U or 8 Memorias da Academia Real processo de Adam dà o meio de aquecer buiiia grande porção de vinho com hum só fogão , e 'que por consequência, ha jd nis- to grande economia em braços ^ tempo ^ e combustivcl. Em quan- to á economia de combustível , não estou do mesmo acor- do: no primeiro capitulo da segunda parte desta Memoria se verá que segundo as exptíricncias do Conde de Rumford , não he mais económico aquecer de huma vez porções de agua e::traordinariamenrc grandes , do que porções mais mo- deradas. Diz também : Tem ao mesmo tempo a vantítgem inapre- ciavel de extrabir maior quantidade de aguardente de huma da- da quantidade de vinho ; esta ultima vantagem provem certamen- te do maior grão de pressão y e di^ calor , porque se faz passar este liquido , principalmente na caldeira e nos primeiros vasos ovaes. Muito attcndivel hc esta proposição de Mr. Chaptal , e também na segunda parte desta Memoria farei algumas considerações sobre este ponto. A segunda parte do aparelho de Duarte Adam hc for- mada dos seis recipientes dois em cada tina , banhados etn agua pela sua metade inferior; communicando de huns pa- ra os outros , e passando do ultimo o vapor que nelle não acaba de se condensar para a serpentina mais elevada ba- nhada com o vinho , da qual corre finalmente para outra ser- pentina mettida em agua fria. Ve-se que este aparelho condensatorio tem a vantagem de produzir logo de huma vez aguardente de todos os grãos que se deseje ; a segunda vantagem he aquecer no primei- ro banho da serpentina huma grande massa de vinho suffi- ciente para fornecer a caldeira : outra vantagem he , bastar pouca agua para o serviço do aparelho , visto que o álcool se condensa em grande parte na serpentina bainhada pelo vinho , e recebe pouco calor a agua que banha a segunda serpentina. Pode dizer-se contra este aparelho , que não sendo pra- ticável por pequenos fabricantes , tende a pôr o commercio dos vinhos e aguasardentes nas mãos de hum pequeno nu- mero de especuladores ricos. Também se pôde ajuntar que a DAS SciENCrAS DE L I S B O A. ^ a resistência que oppócm á passagem dos vapores as quatro columnas de vinho nos quatro vasos ovacs faz huma pres- são tal contra as paredes da caldeira , que a nao haver pru- dentissimas precauções, muito seria de recear alguma explo- são. Em fim os vasos condcnsatorios , só meio banhados na agua , não refrescão quanto convém , e por isto se fazem ne- cessários em maior numero do que podia bastar, resultando disto gasto supérfluo no estabelecimento, sem accrcscimo de vantagem ou melhoramento no aparelho. Estes principaes inconvenientes forao bem notados por Mr. Estevão Berard, e o próprio Duarte Adam os tinha já reconhecido, tendo feito construir outros apaielhos mais pe- quenos , em que ha apenas dois vasos distillatorios , inclui- da a caldeira , e dois vasos condcnsatorios , de que o se- gundo hc repartido em três vãos, por onde os vapores pas- são successivamente até chegar ás duas serpentinas , a pri- meira banhada pelo vinho , e a segunda por agua fria. Mr. Solimani de Nimes construio aparelhos segundo os mesmos principios , e pouco mais ou menos no mesmo tempo que Dunrte Adam , elle até pertende a gloria da prioridade do invento. O Aparelho de Isaac Berard só he relativo á parte con- densatoria , e segundo a opinião de Mr. Chaptal , he o twn phis ultra da perfeição j estas são as suas próprias palavras, e desculpe-sc-me dizer que me são muito liyongciras ; pois o condensador de Berard diíFere tão pouco do que eu ado- ptei entre os mais aparelhos distillatorios , cuja descripção apresentei á Real Junta do Commercio em 1803 (e que já alguns annos antes tinha mostrado a alguns amigos), que não seria mui estranho presumir-se , que já antes disto me ti- nha constado o invento de Berard , se agora não se sou- besí^c que naquelle tempo ainda elle o não tinha publicado, c que em 1805 hc que obteve privilegio; ou que alguém o informou do meu invento , e elle o publicou como cousa sua, feitas ligeiras alterações: o que muito longe estou de pensar , não só porq.ue acabamos de ver que já vários au- Tom. V. Part. II. B to- to Memorias DA Academia Reai, torcs antigos construirão aparelhos análogos a estes de que SC trata ; mas também porque todos sabemos que não he ra- ro encontrarem-se idéas similhantcs em pessoas difFcrcntcs , quando com a mesma espécie de talento , e partindo dos mesmos principios se dedicao seriamente a investigar o mes- mo objecto ; alem disto não se pódc dizer que he huma copia fiel do outro. O condensador de Berard he hum cilindro de decime- tro e meio de diâmetro, e metro e meio de comprido, ba- nhado com agua na temperatura de 6o a 70 gráos de Rcau- mur , e dividido interiormente por paredes ou diafragmas perpendiculares aos lados , cm diversos rcpartimcntos que tem communicação huns com os outros por duas aberturas , huma na parte superior de cada diafragma para dar passa- gem ao vapor , e outra na inferior para escorrer e entrar novamente na caldeira a aguardente fraca c fleuma ; tendo- se por esta razão collocado o dito cilindro com a inclina- ção necessária. Por meio de competentes torneiras pôde obri- gar-se o vapor do vinho ou a não entrar no condensador, indo directamente a huma serpentina ; ou a passar só por al- gumas ou por todas as divisões delle, segundo se queira aguardente commum , de prova, ou espirito puro. Os dois aparelhos de Duarte Adam , e Isaac Berard , posto que difFerem hum do outro, preenchem sem duvida o mesmo fim , isto he , o de fazer-se a separação entre os va- pores aquosos e alcoólicos por meio da condensação ; mas os meios empregados são muito dilFercntos , e se nestes se quizer achar similhança , será preciso concordar em que to- das as maquinas successivamente inventadas para produzir o mesmo effeito são similhantes entre si. Ajuntando, diz Mr. Chaptal , o que nos ditos dois apa- relhos he mais perfeito, poderia construir-se hum , que pou- co deixasse a desejar. Pensa que se póJe adoptar do soberbo aparelho de Duarte Adam o modo de aquentar o vinho pelo vapor, diminuindo com tudo o numero dos vasos ovaes , os quaes bastão ser dois , hum para o vinho , e o outro para as dasScienciasdeLisboa. II as aguasardentcs fracas e aquosas ; desta sorte se minorai ia a enorme pressão que soffrcm os vapores para vencer a re- sistência que lhes oppocm as quatro columnas do liquido nos quatro vasos ovaes , com o que ficaria evitado o perigo de explosão ; seria desnecessário empregar tanto metal na grossura dos ditos vasos e caldeira , nem tanto cuidado e trabalho em argamassar as juntas ; nem haveria o risco de tomarem as aguasardentcs gosto empyreumatico , o que prin- cipalmente acontece no fim da distillaçao , ou quando o li- cor a ella submettido não he vinho, mas sim cerveja, ci- dra , ou outros algum tanto viscosos : e neste caso melhor hc lançar na caldeira exposta ao fogo agua , e não os ditos licores , para que seja o vapor aquoso e não o fogo o que immcdiatamente lhes communique o calor, ficando por'est<; modo inteiramente livre de empyreuma a aguardente que dalli resultar. A este primeiro aparelho distillatorio seria bom adaptar o condensador de Isaac Bcrard , ao qual se seguiriâo final- mente as duas serpentinas de que usa Duarte Adam. E con- clue Mr. Chaptal as suas observações com o seguinte pa- ragrafo. it As vantagens deste processo de distillação são incal- culáveis, as suas aplicações são sem numero; mas nem pa- ra fazer gozar a Nação deste importante ramo de industria he permittido privar os homens hábeis que o creárão , de huma propriedade que adquirirão por seus inventos , e pelas Cartas de privilegio que lhes forâo concedidas. O Governo pois deveria tratai com Duarte Adam , e com Isaac Berard para o fim de que esta sua propriedade fosse commum : por maior que fosse a compensação que se lhes concedesse, se- ria mui pequena relativamente ao beneficio que disto havia de resultar para a industria e commeicio da França. >» B ii SE- 12 MEMOftiAâ DA Academia Real SEGUNDA ^ARtE. Endo dado conta de vários aparelhos distillatotios an^ tigos e modernos pela mesma ordem com que o fez Mr. Chaptal nas suas Observações, seguc-se agora descrever al- guns dos meus próprios : e para que se veja o que ncUcs he novo e melhor, ou peior, ou idêntico com os que pas- são por mais celebres , será bom considerallos divididos em três partes principaes , a saber: i." o fogão, e modo de a- piicar o calor ao liquido que se quer distillar: j." a forma da caldeira, e modo de se fazer a distillaçao: 3." o refri- gerante , e modo de condensar os vapores : e estes scrao os objectos dos três seguintes Capítulos. A Capitulo I. Construcção de fogões , que tem merecido maior ap- plauso , he a do Conde de Rumford : consiste em fazer gi- rar o fogo e chamma em canos horisontaes, em contacto com o fundo, e ainda com os lados da caldeira , permlttin- do a entrada do ar somente pela parte inferior das grelhas. Chegou a conseguir aquelle Physico que huma grande por- ção de agua fria, no gra'o de congelação, fervesse, e che- gasse a 80 gráos de Reaumur, com a combustão de hu- ma vigessima parte em peso de lenha de pinho seco , is- to he , que hum arrátel de lenha de pinho fizesse ferver vin- te arráteis de agua : o que excede a quanto se tinha con- seguido nas operações vulgares da cozinha , e das Artes : e esta construcção tem sido adoptada pelos principaes distii- ladores. A construcção do-; meus fogões he muito differente , he fácil , e não depende da habilidade do pedreiro : eiles estão unidos á caldeira , ou a huma bacia , que lhe serve de banho. Consistem em hum tubo de metal collocado vertical- men- DAS SciKNCIAS DE LlSBOA. IJ mente ou com alguma obliquidade por exemplo de 8o a 70 gráos ; do comprimento de sete, dez, ou mais vezes o seu diâmetro , segundo a qualidade de combustível , e quan- tidade do liquido ; com humas grelhas enconchadas junto á extremidade inferior, tendo ahi mais largura para conter sufficiente porção de lenha ou carvão, estreitando logo abai- xo das referidas grelhas , e acabando como em funil ; isto he , sendo pela metade ou terça parte do diâmetro das mes- mas grelhas a abertura inferior por onde cahcm as cinzas e entra o ar. Concêntrico a este tubo está outro exterior- mente, na distancia de huma oitava ou decima parte do diâ- metro , e he cheio o intervallo com algum liquido , cuja fervura somente seja possível naquelle gráo de calor, ou pouco acima do que for próprio para a matéria que se quer distillar ; a qual se lança dentro de hum vaso ou caldeira que encaixa , e he banhada em a espécie de bacia que tem communicaçáo com o intervallo dos dois tubos pela parte superior destes , e que deve conter huma porção do mesmo liquido de que está cheio o dito intervallo. Cobre-se o tu- bo externo e toda a superficie da bacia com algum estofo ou acolchoado de lã , ou com outra qualquer matéria pou- co conductora de calor , para que não haja grande perda , e se communique quasi todo ao liquido que se quer dis- tillar em puro beneficio da evaporação. Tão superiores são estes fogões aos até agora praticados , que feita a compa- ração dclles com os melhores de Rumford , lhe excedem muito consideravelmente na economia de combustível. Com os meus consegue-se que forvão e adqulrão 80 gráos de ca- lor, segundo o thcrmomctro de Reaumur , vinte e tantos, trinta, c mais arráteis de agua no gráo de congelação, cora o calor desenvolvido na combustão de hum só arrátel de le- nha ; o que melhor se nóde ver no meu Ensaio sobre a eco- nomia dos combustíveis , no qual se relatao as experiências que se fizcrão a este respeito no Real Laboratório Chlmlco da Casa da Moeda , e no Arsenal Real do Exercito. E grande conveniência he obter-se com pouca dlfFcren- ái::J OT 14 Memorias da Academia Real ça a mesma economia de combustível quando se opera em pequenas , como cm grandes porções ; o que não acontece fazendo uso dos fogões de Rumford, pois quando a quan- tidade de agua , nas mais celebres experiências deste sábio Philathropo , foi somente cousa de oito arráteis , não obte- ve mais economia do que ser o peso do combustível con- sumido a respeito do peso da agua , que do gráo da conge- lação passou ao da fervura , como hum para menos de se- te ; quando a quantidade de agua foi 43 libras esteve pa- ra ella o combustível na razão de hum para doze j somente chegou a ser na razão de hum para vinte quando a quan- tidade da agua foi 187 libras; quando foi de $o2 libras foi a economia quasi a mesma ou pouco menor ; e quando foi a quantidade de agua 11:368 libras esteve o peso do combustível consumido a respeito da agua , que adquirio 80 gráos ou ferveo , como hum para 14^. Suppondo agora que os fogões de Duarte Adam não são mais perfeitos do que os de Rumford , no que certa- mente parece-me que não lhe faço injuria ; operando elle em porções tão consideráveis como já vimos, isto he 400 e tantos almudes ( o que ainda excede a quantidade de agua da mais avultada experiência de Rumford ) não ss. pode es- perar que o consumo da lenha esteja para a porção do li- quido , que eleva a 80 gráos na primeira caldeira a que im- mediatamente he applicado o fogo , em huma razão mais favorável que a de hum para quatorze e meio : daqui pa- rece-me que se pode deduzir que haverá huma vantagem de 40 a 50 por cento no consumo do combustível em sub- stituir os meus fogões aos do aparelho de Duarte Adam , e dos outros grandes actuaes distiliadores. Nem se julgue que esta comparação não pôde ser jus- ta , pelo motivo de ser o vapor o que naquelles aparelhos communíca o calor da caldeira que está sobre o fogo aos outros vasos cm que se evapora o liquido; esta circumstan- cia he independente das vantagens que resultão da construc- ção do fogão ; alem disto este expediente póàe ser utíl pe- la DAS SciCNCIAS DE LiSnoA. 1 5- la boa qualidade dos productos , sendo estes livres de em- pyrcuma , e pela cominodidadc de quem faz a distillação ; mas não he mais económico cm o gasto do combustível , nem o Conde de Rumford o propoz com esse intuito, mas sim para ser mais commodo o serviço, podendo estar o fo- gão consideravelmente distante de muitas tinas ou outros vasos, em que ao mesmo tempo seja preciso operar, e ha- ver certo gráo de calor , sem que para cada vaso ou cal- deira haja hum fogão , como geralmente acontece , e não com pequeno incommodo , nas fabricas de tinturaria, onde sem duvida he preferível o referido methodo de aquentar com o vapor. Certamente em quanto ao aceio e perfeição deste mo- do de aquentar os líquidos, pouco ou nada resta a desejar, todavia usando de imparcialidade, e não nos deixando fas- cinar pelo esplendor da novidade , he fácil de reconhecer que este methodo , exigindo tubos reguladores ou válvulas bem calculadas para evitar explosão , ou que se forme vá- cuo na caldeira e retroceda o liquido, exige huma construc- ção superior ao talento e habilidade dos vulgares constructo- rcs de alambiques , nem muito adequada á rudeza das pes- soas a que geralmente se encarrega a distíllação. Nem me persuado de que seja mais utíl communicar o calor por meio de huma corrente de vapor, a qual não he muito fá- cil conseguír-se constante e com a regularidade convenien- te , do que por meio de huma considerável porção de maté- ria liquida , na qual em volume igual se acumula em mui- to maior quantidade , sem que o gráo sensível exceda o que se deseja e he próprio , em contacto com o furtdo e l^dos da caldeira ou vaso a que deve communicar-se Vem a ser isto huma espécie de banho-inaria naquel- la temperatura ou gráo de calor que se deseje , este he exactamente o meu methodo , o qual supponho ser novo em qu.mto á forma do fogão , segundo já o descrevi ; e pou- co ou nada vulgar cm quanto a formar o banho com as m.terías liquidas próprias a receberem e demittirem o ca- lor i6 Memorias da Academia Real lor no gráo desejado. Pode fazer-se uso de agua commum , quando se quizcr cxrrahir álcool da agoardente ; de agua saturada mais ou menos , de sal marinho ou de outros ma- teriaes dissoluveis, quando for vinho o liquido que haja de distillar-se ; e quando seja necessário maior gra'o de calor que o que se pode conseguir usando de sacs ou outras ma- térias dissolvidas na agua , pôde emprcgar-se azeite ou ou- tros líquidos próprios para o intento. Nem se faz precisa grande porção destas matérias , porque o espaço entre os deus tubos , e entre a bacia e o vaso ou caldeira a que serve de banho , está perfeitamente fechado , tendo apenas hum orifício na parte superior, sem que chegue a exceder a duas pollegadas a grossura do referido espaço, b;'.stando até cm muitos casos que esta seja apenas de meia poUe- gada. APITULO II. A Forma de caldeiras recommendada pelos autores mais acreditados era, já havia mais de meio século, muito cha- ta e pouco profunda , e a abertura para a sahida do vapor muito grande, a fim de que a operação se fizesse pelo mo- do mais expedito. Segui de boamente , e levei quasi ao infinito estes principias^ com tanta mais razão quanto o meu princi- pal designio era purificar ou refinar aguasardentes fracas ou defeituosas ; e com este liquido ou com agua he que fiz experiências com os aparelhos de minha invenção , nas quaes o êxito excedeo quanto sobre o objecto anteriormen- te eu tinha concebido e esperado de mais lisongeiro. Desta minha expressão levei quasi ao infinito estes prin- cipias , bem se entende que reduzi por extremo a altura da caldeira , e augmentci seu diâmetro , fazendo o fundo in- teiramente plano para poder ser coberto pela pequena por- ção de liquido, que lhe lançava de cada vez, só com a in- clinação indispensável para dar sahida ao resíduo. Cheguei a DAS SciEKctAs DE Lisboa» 17 a não lançar na caldeira para cada distillação mais do que huma pollegada de altura do liquido , c ainda muito me- nos; e quanto menor era a quantidade deste, tanto crescia a brevidade da distillação , alem do que proporcionalmente era de esperar. Por este auge a que levei a largura da caldeira e a abertura para sahir o vapor, e também pelo expediente de fazer cobrir a sua parte superior ou tampa, que fa.7. as ve- zes de capacete , com estofos ou acolchoados de la , ou com outras matérias más conductoras, bem em contrario da pratica que era e he ainda hoje seguida de lhe applicar hum refrigerante , ou de o conservar de,^cobe^to e exposto ao ar ; particularidades que não me consta alguém publi- casse njm praticasse , até ao tempo cm que eu pratiquei es- tas idéas em 1799 e 1800, nem ainda até o anno de 1803 em que dei a discripção disto á Real Junta do Commer- cio , ou ao de 1804 em que me foi concedido privilegio; julgo que não devo ter escrúpulo em chamar invento meu esta fóima de alambiques. Nas observações de Mr. Chaptal , e em todas as des- cri pções dos aparelhos antigos ou dos novamente usados cm França , jamais vi ter-se alli adoptado com tanto extre- mo nem a forma das caldeiras , nem os expedientes que te- nho referido. De algumas noticias porem muito succintas que tenho podido alcançar sobre os alambiques , usados ul- timamente em Escócia , com os quaes se tem chegado a fazer vinte distillaçõcs cm huma hora , parece-me que pôde coUigir-se, que a forma ou principios com que são construí- dos, devem ser os mesmos, ou muito similhantes a estes meus, de que acabo de fallar; e allusivamente a este obje- cto he que no principio desta Memoria disse, que naquelle paiz se fazia uso de aparelhos distillatorios pouco differen- tes dos meus. E no seguinte Capitulo se verá que não com menos justiça , mas allusivamente a outras circunstancias , proferi a mesma proposição a respeito dos mais famosos de que hoje se está fazendo uso em França. Tom. r. Purt, II. G De. l8 Memorias da Academia Reai, Depois de ter feito experiências em alambiques da construcção já declarada ; 'parecco-me que seria convenien- te fiizer o fundo da caldeira ou vaso distillatorio , em vez de liso e plano, antes enrugado; occupando toda a sua su- perfície , e fazendo as voltas para isto necessárias , hum único rego , no qual vá entrando por hum orifício o liqui- do que deve distillar-se , e depois de fazer sua longa pas- sagem , ( bem como a agua em as regas dos campos que estão com alfobres para isso amanhados , ) e de ter evapora- do toda a parte alcoólica , e ainda alguma aquosa inevitá- vel , saia o residuo por outro orifício na parte mais baixa do dito fundo ; praticados ambos com o facil e necessário artificio para que nío possa por elles entrar ou sahir nem o ar da atmosfera , nem o vapor do liquido. Não tive oc- casião de experimentar esta lembrança , mas estou persua- dido por outras experiências algum tanto análogas , que deste meio deve resultar maior evaporação , que esta se fa- rá sem ser necessário empregar tanto calor, e que o vapor alcoólico passará para o condensador com menos mistura do aquoso , e livre de empyreuma e gosto metálico , que mais ou menos, segundo me parece , sempre resulta da gran- de demora do residuo na caldeira. Tenho projectado outras formas de vasos distillatorios, e novos meios de distillaçao , como porém não os tenha ain- da posto em pratica , reservo para outra occasião o ser mais extenso á cerca destas matérias , caso que o agora exposto não seja mal aceito. Mas não devo passar a outro Capitulo sem fa/er as promettidas considerações sobre a já indicada proposição de Mr. Chaptal : — que pelo processo de Adam se extrahe maior porção de aguardente ou álcool de huma determinada quantidade de vinho, por causa do maior gráo de pressão e de calor que alli experimenta este liquido. Longe de contrariar esta opinião , depois exporei al- gumas circunstancias que ma fazem olhar como muito pro- vável , todavia não deixa de haver alguma razão para se duvidar delia. A pressão que experimenta hum liquido que se !>'^i\ d» DAS SciENCiAS DE Lisboa. 19 se quer fazer ferver, hc sempre em detrimento da fervura, e precisa ser vencida por maior gráo de calor ; nisto con- cordáo todos <>s Fysicos , e supérfluo seria expor aqui as ex- periências com que se estabcleceo este principio. Se a fer- vura pois he o meio de extrahir do vinho o álcool , ^ de que serve para este fim hum maior gráo de calor , que fica inutilisado por aquclle accrescimo de pressão ? Pódc-se responder que a distillaçao dos licores alcoó- licos não consiste simplesmente em recolher os vapores , mas sim na separação que se faz entre elles , para a qual pôde convir a grande pressão , retendo e condensando os aquosos, e deixando passar os alcoólicos. E alem disto ain- da quando a porção de calor , para assim dizer inutilizado ou contrapczado pela maior pressão , não concorresse para a evaporação , nem para a referida separação das duas qua- lidades de vapor alcoólico , e aquoso , nem servisse para ex- trahir o álcool que já existe formado no vinho , pôde aca- bar de formar nelle alguma porção, para a qual apenas exis- tião os princípios antes da distillaçao. Esta opinião deriva das idéas de Fabroni , o qual não julga o álcool producto , immediato da fermentação vinhosa , mas sim também do fo- go e da distillaçao, o que não deixa de ser apoiado por Fourcroi e outros Chimicos modernos , e creio que pelo mesmo Chaptal ; e parece-me que principalmente debaixo deste ponto de vista se deve entender a referida proposição. Como todavia não esteja cabalmente decidido , nem se saiba ainda ao certo qual he o gráo de pressão , e de calor que deve experimentar o vinho para ser mais proveitosa a distillaçao ; e aconselhando o mesmo Chaptal que se di- minua a enorme pressão que soffre nos aparelhos de Adam, acho prudente não admittir sem maior exame aquclla já mencionada proposição ; sendo para isto bom averiguar pri- meiro , quanto devem áquella causa ou a outras os felicis- siinos resultados dos ditos aparelhos de Adam. E tanto mais acautelados devemos ser a este respeito , quanto ainda ha pou- cos annos todos os alambiques modernos, e notavelmente C ii os ao Memorias da Academia Real os dé CFiaptal erao construídos com espaçosa abertura , e cm tudo adequados para ser mui diminuta a pressão sobre o liciuido e v.ipor nellcs contido ; e go/;írao por isto mes- mo de grande reputação c decidida preferencia sobre os dos antigos. E'.i nunca tinha encarado a distillação debaixo deste ponto de vista , por isso nunca fiz experiências que des- sem luz sobre este objecto : e lic notável que tendo-se es- crtpto tanto acerca de alambiqnes , e gloriando-se o nosso século de tao brilhantes aperfeiçoamentos ha construcção delles , não se tenhão Keito (peio menos não me consta que se tenhão publicado) experiências exactas que deixem deci- dida a questão , isto he , que mostrem ao certo qual hc a pressão e o grão de calor em que se deve effectuar a fer- vura do vinho e sua evaporação , para produ/ir maior quan- tidade de álcool, j E quanto será para admirar se a referi- da proposição eíFectivamcntc for comprovada por taes ex- periências ! Pois em tal caso parece necessário conceder que ós- reprovados e antiquíssimos alambiques profundos , com al- tos collos c estreitos orifícios para a sabida do vapor, são preferíveis aos modernos • quero dizer aos que se usarão an- tes dâs novíssimas construcções , que nesta parte tornão a assimilhar-se aos dos antigos. Em apoio da referida proposição scra próprio referir o que ha mais de vinte annos me communicoú , como segredo de grande preço , hum Irlandez chamado Pedro O Neill , então empregado ou sócio em huma cta de Commercio , que preparava muito vinlio para a Grã-Brctanha , e fazia grandes disrillações: assegurou-me que lançando juntamente com o vinho dentro da caldeira huma grande porção de cinza e sal marinho (pratica que já depois vi aconselhada póf alguns autores) obtinha de huma dada quantidade de vinho , espirito mais grato ao paladar , e em muito maior porção. Fazendo bom conceito do caracter daquelle homem , o qaal alias nenhum interesse tinha em me enganar, acre- ditei a asserção, e pertcndi explicar o fenómeno, pelo que to- DAS SciENClAS DE LiSBOA. 21 loca á cinza e melhor gosto da aguardente , com a com- binação que se faz com a potassa , do acido malico e ou- tros existentes no vinho ; e pelo que toca ao sal marinho fui obrigado a fazer conjecturas talvez demasiadamente atre- vidas para aqui as referir. Agora porem acho mui justo pen- sar que o cffeito mais attendivel da cinza e do sai seria difficLílcar a fervura , obrigando o vinho a receber maior gráo de calor antes de chegar a ferver, e se eflfectuar a cvnpora- çíó. E se com effeito se conseguisse maior porção de ál- cool , pelo artificio de que acabo de fallar , fica com isto nâo pouco corroborada a nova opinião de Mr. Chaptal , is- to he , a proposição de que estamos tratando. Que a porção de álcool , obtida de huma dada quanti- dade de vinho, seja maior porefiFeito de maior calor e de nuiior press.^o , hc hum facto, que posto tenha necessidade de maior confirmação, não he todavia inexplicável, attri- bu ndo-o como acabo de fazer a hum complemento de fer- mentação , ou a certa nova combinação dos elementos do vinho lançado na caldeira , e exposto ao fogo. Porem que a aguardente obtida da distillação, feita em caldeira mais proíunda que larga , apresentando menor superficie á eva- poração , seja de melhor sabor , segundo Mr. Curaudau o affirma cm huma Memoria escripta em i{io8, he hum facto ainda mais extraordinário. Estou todavia mui distante de o contradizer, nem ouso affirmar que pela construcção que já reicri das minhas caldeiras , nem pelas de que antigamente usava Mr. Chaptal , ou por outras em que a superficie eva- porante he muito maior do que propõe Mr. Curaudau , se consiga aguardente de melhor, nem talvez de tão bom sa- bor ^ Quem sabe se o vinho exposto por mais tempo ao calor, ou a maior calor, com tanto que não seja violento, nem faça deposito que se pegue e queime na caldeira , ad- quirirá por isto mesmo a qualidade de produzir huma aguar- dente mais agradável e suave ? Se porém se verifica esta circumstancia , assim como a de que precedentemente falíamos , he indispensável con- fes- 21 AÍemorias da Academia Real fessar que pelos mcrliodos e fórmas de alambiques de que usarão os antigos hc possivcl conseguir de huma dada quan- tidade de vinho , nao só maior porção de aguardente , po- rém até de gosto mais suave , do que pelos meus próprios aparelhos ou pelos de Mr. Chaptal , em quanto erão de forma achatada , e mui espaçosa a abertura por onde sahia o vapor. E lançando os olhos para os de Duarte Adam , para os de Isaac Bcrard , ou ainda para os que depois des- tes novamente propoz Mr. Chaptal , vê-se eíFectivamente que se assemclháo aos dos antigos, nos collos estreitos c al- tos , e por consequência pelo maior calor e pressão que nelles experimenta o vapor , e o liquido que se distilla. Tal lie a sorte das cousas humanas , não só os talhos dos vestidos e as modas, sujeitas a mero capricho, tornão a vir como já foráo ; mas até cessão, e dão o lugar a ou- tras mais antigas , algumas praticas das artes, que huma fal- sa e orgulhosa scicncia sehtencea por mais perfeitas , e que parecem immudaveis ! A Capitulo III. Parte condensatoria dos meus alambiques he o que se acha mais análogo entre ellcs, e os mais modernos de que se está fa/.endo uso em França , como se verá da seguin- te descripção. Na parte superior de hum lado da caldeua ou vaso distillatorio já dcscripto no antecedente Capitulo, ajusta hum tubo do diâmetro, nesta união, de huma quar- ta parte do diâmetro da caldeira , e do comprimento de vin- te , trinta , ou mais vezes o seu próprio diâmetro. He col- locado em huma posição quasi horisontal , e dividido no seu interior por huma espécie de anneis ou diafragmas per- pendiculares aos lados , rotos no seu centro , ou acima dclle , para que possa passar de huns reparti mentos para os outros o vapor, mas não o liquido que nelles se condensa, o qual alli reprezado , ou como empoçado , á medida que recebe mais calor, vai evaporando a parte mais espirituosa; c es- ta dasScienciasdeLisboa. aj ta passa a condensar-se nos seguintes rcpartimentos que acha mais frescos ; tendo sabida por hum pequeno orifício com o seu estreito tubo e competente torneira para recipientes se- parados , ou novamente para a caldeira , a parte pouco es- pirituosa ou fleuma que se deposita em cada repartimento. De maneira que em huma só di^tillaçao se obtém do ulti- mo repartimento álcool o mais dcflcumado , e aguas-arJen- tes do gráo que se desejao dos diffcrentcs rcpartimentos menos distantes da caldeira , segundo a temperatura em que se conserva o liqui.lo que os banha ; pois este tubo , de que logo torniremos a ter occasião de tratar , está mergulhado na parte mais baixa de hum profundo canal cheio com agua ou com o vinho , de que se ha de encher a caldeira na se- guinte distillação. Recordando- nos da descripção do condensndor de Be- rard , que já vimos na primeira parte desta Memoria , he indubitável que entre elle e o meu ha grande semelhança ; das differenças porém que se observão entre hum e outro creio que não resulta desvantagem para o meu. O banho do condensador de Berard não tem divisão alguma , nelle está a agua , toda cm o mesmo gráo de temperatura , que se conserva cuidadosamente entre 6o e 70 gráos do ther- mómetro de Reaumur ; de maneira que o vapor alcoólico puro ou misturado com algum aquoso , não podendo con- densar-se nos rcpartimentos do referido condensador , passa para huma serpentina segundo geralmente se pratica nos alambiques ordinários. O banho ou profundo canal , que refresca o meu condensador , não está todo como o de Be- rard em huma só temperatura , pelo contrario he dividido por outros tantos diafragmas como o respectivo condensa- dor ; de sorte que a cada repartimento do condensador cor- responde huma divisão do banho. O modo de encher estas divisões com agua ou com o vinho, que ha de passar para a caldeira na immediara distillação , he o seguinte. Lança-se , seja agua , seja o vi- nho f na lUtima divisião por hum tubo estreito que o con- duz ot 14 Memorias da Academia Real duz ao fundo ; estando cheia a dita divisão , e lançando- se-lhe mais quantidade de liquido , sahc huma igual porção por hum orifício na parte superior , e por outro tubo he conduzida semelhantemente ao fundo da divisão immedia- ta ; e assim de cada huma para a antecedente ; ora como o liquido está sempre mais fresco na parte inferior do que na superior, acontece que na ultima divisão se conserva frioj e com este simples artificio indo crescendo gradualmente e acumulando-se todo o calor de divisão em divisão, toma a primeira próxima á caldeira o grão da fervura ou pouco menos. Se as diversas divisões do banho se enchem com vi- nho, o vapor que aellc se exhala vai distillando por meio de tubos , que lhe dão passagem para alguns dos reparti- mcntos do condensador ; ou o condensão elles próprios , estando refrescados em algumas das ultimas divisões do mesmo banho , ou em outro refrigerante : e o resto do vi- nho entra depois na caldeira para a seguinte distillação. E se he agua o liquido com que se enchem as ditas divisões, serve a primeira de banho-maria a hum vaso , no qual aque- ce e distilla huma p;)rç.'io de vinho , passando também o restante á caldeira , segundo fica dito. Todas estas divisões do canal que serve de banho são perfeitamente tapadas peia parte de cima , e toda a super- fície externa , assim como já se disse no primeiro Capitulo a respeito da caldeira e fogão , está coberta com matérias más conductoras. Deste modo o calor que se desenvolve da combustão , com mui pouca perda se emprega na cal- deira por via do seu respectivo banho ; e todo o que o va- por do vinho demittc nos diversos repartimentos do con- densador , communicando-se ao liquido que está nas varias divisões do seu competente banho, com o artificio já des- cripto retrograda , para assim dizer , de humas para as ou- tras até chegar á primeira , onde serve para outra simultâ- nea distillação, segundo também já está referido. Observando que , segundo as experiências de Wat , a quan- dasScienciasdeLisboa. If quantidade de calórico que dcmirtc o vapor aquoso na sua condensação he pouco mais ou menos 5- j vezes tanto, co- mo o que demittc a agua na mudança do gráo da fervura para o da congelação , c suppondo que a quantidade de li- quido que se obtém dadisiillação rambem seja para a quan- tidade de vinho que se submetcc a esta operação como hum para 5- j; supposiçao assas verdadeira, quando o vi- nho que se distilla não he muito forre, ou quando se per» tende aguardente muito espirituosa : scgue-ye que em tem- po de inverno , mostrando o o thermómctro , pôde con- dcnsar-sc todo o producto em huma distiilr.ção com a frial- dade do vinho que ha de distillar-se na .seguinte, e basta- rá pequena porção de agua , somente a que for necessária para esfriar o diro producto depois de condensado, e para que não saia ainda quente , antes sim muito frio. Para isto se verificar na pratica e com aproveitamen- to de todo o calórico , seria preciso que as matérias que envolvem o aparelho fossem perfeitamente inconductoras j que as divisões do banho fossem tantas, que na ultima ja- mais o liquido podesse adquirir nem hum só gráo de ca- lor ; e que o calórico latente do vapor aquoso fosse igual ao do alcoólico : parece todavia que póJe affirmar-se que em o meu aparelho distiilatorio a quantidade de agua fria empregada , e de calórico perdido , he a menor que per- mitte a nature/a da cousa. Deve-se poréiYi ter em vista que imporia muito menos algum desperdício de agua ou de calor , do que de vapor alcoólico , do qual geralmente se perde alguma porção na atmosfera , se o liquido que distilla não sahe muito frio : por esta causa he necessário que a ultima divisão do banho , em a qual está mergulha- do o ultimo repartimcnto do condensador , se conserve no maior gráo de frialdade possível ; e até para este fim será acertado fazer uso de neve ou de outros meios arrificiaes. A vantagem de se aproveitar o calor demittido na condensação do vapor não se encontra no condensador de Bcrard : mais se assemelha nisto com o meu aparelho dis- Tm. F. Part. II. D til- i6 Memorias DA Academia Real tillatorio o de Duarte Adam , no qual huma das serpentinas he banhada com o vinho de que ha de encher-se a cal- deira na seguinte distillaçao ; com tudo ha ainda perda de calor em todos os outros vasos , huns banhados cm agua , outros inteiramente expostos ao ar sem as próprias cober- turas. Pode dizer-se em summa , que os repartimentos que se seguem ao primeiro em o meu condensador fazem o of- ficio do condensador de Berard , com o qual muito se as- semeihão , c os últimos o da sua serpentina ; com diíFeren- ça que todo o calórico que demittem os vapores no meu condensador , segundo já referi , aproveita-se em fazer dis- tiliar nova porção de vinho, e no de Berard he inteiramen- te perdido. Também diffcre cm ser muito mais comprido o meu condensador, c em diminuir o diâmetro principal- mente no ultimo repartimento , que acaba em huma poile- gada ou ainda em menos. Comparado com o aparelho de Duarte Adam , posto que mui differentc na figura , he mais semelhante nos ef- feitos, fazendo as vezes dos seus vasos ovaes a primeira di- visão do banho , c dos seus recipientes ou vasos condensa- torios os diversos repartimentos do meu condensador , com a vantagem , além das já referidas , de muito considerável diminuição no custo ou despeza da construcção. A differcnça mais essencial que ha entre a construcçaa dos meus aparelhos distillatorios, e a dos de Berard, ou de Adam , he que a abertura da minha caldeira , ou a sua com- municação com o condensador, he muito larga; o que jul- guei acertado não só porque tinha principalmente em vista a refinação de aguas-ardentcs , mas também declarando-o in- genuamente , porque estava possuido das idcas dos melho- res Autores modernos, e com bem justo titulo das de Mr. Chaptal ; sendo pelo contrario muito estreitos os tubos que dão passagem ao vapor da caldeira para os vários recipientes ou para o condensador , nos aparelhos de Adam , de Berard , c nos ultimamente recommendados por Mr. Chaptal. Ve- DAS SciBNCIAS DE LiSBOA. 2/ Verificado porém que seja mais conveniente a estreiteza de tubos que já vimos ter sido mui criticada aos antigos , e com tudo novamente seguida pelos mais celebres actuaes distilladores , fácil hc imitallos nesta parte. Por causa desta incerteza he que principalmente acho mais acertado não ajuntar a esta Memoria os desenhos das formas de alambiques que proponho , á vista dos quaes pa- receria querer eu decidir a questão , o que certamente não ouso fazer. Por outro lado considero que para os intelligen- tes, capazes de especular, que quizerem fazer grandes dis- tillações , e a quem pódc ser útil esta Memoria , bem su- pérfluas serião as estampas ; as quaes para os destituídos dos princípios necessários , poderiâo servir de prejuízo , fazen- do-os entender por cousas essenciaes , as que effectivamente não são, isto he , a figura e exterioridade, que sem incon- veniente nem alteração nos resultados podem variar-se por modos innumeraveis. D ii ME- 28 Memorias da Academia Real MEMORIA Sobre a diversa temperatura que tem os líquidos , e solidas mergulbados na utmosfera. Por Constantino Botelho dh Lacerda. O §. I. Muito saber , e experiências do respeitável Musschen- brocck era;) para mim motivos bastantes para eu não duvi- dar do seguinte principio : Os corpos mettidos na atnwsfe' ra , OH sejão solidas , ou líquidos tem huma igual temperatue- ra. (a) §. 2. Esta doutrina , que aprendi do meu sábio Mestre , e te- nho ensinado ha muitos annos , e até fazendo as experiências do mesmo modo que Musschenbrocck, parece confirmar aquel- Je principio. §. 3- Fez pois Musschenbrocck as experiências com o Ther- mometro de Drebbel , julgando que este era o mais sen- si- ( /3 ) Qjiamohrem ignif se qttaqna versmn diptinlendo ex corporibus cxit , doiicc aequali copia in omnibus ctirporibm ambientibus et viciíiis haeret. Ideo si in loco nuod/im et spatioso plurima fiierint corpora finm et fluida , veluti Jerruiii , plumbum , marmor , villits , lana , plumae , cotoiHtíin , ligiwm luber , vinnm , ,;(jua , vitrioltis , oicmii , niercurins et alia qnaaumque , atque haec aliqiiot horis sibi cominiss.t sim ; locuf tiwcm itec ab hoimnibiis calescat , ap- parcbuiit niimia corpora ope mobiliísimi Thernwmetri atque ignita sive aequc cálida. Lleiíiciiia [-"liysicac conscripta in Uios AcaJcniicos a Peiro ^ an Musschenbrocck, Tom. primus §. 79J. Kditio 4. DAS SciENCiAs DE Lisboa. 25^ sivel de que se podia fazer uso, e com cffeito mnitas ve« zes appliquei sobre dilFcrentes corpos o que ha no Gabine- te de Fysica-Experimcntal da Universidade de Coimbra ^ e nunca observei o mais minimo movimento no liquido, que continha o dito instrumento. §• 4- Observando eu que o Thermometro de Drebbel pe- la rua consrrucçiío não podia mostrar pequenas diíFerenças de temperatura nos corpos , que estão mettidos na atmos- fera , c tendo outro de Farenhcit ( mandado pelo nos- so João Jacinto de Magalhães de Londres ) que era mais sensivcl , lembrci-mc fazer experiências com elle , o que na verdade assim executei. §. 5-. Fiz as minhas experiências primeiramente á sombra em difFerentes líquidos mergulhados na atmosfera , e nas circunstancias , que recommenda Musschenbroeck ; o resul- tado foi observar que huns tinhao huma temperatura maior, outros menor , e alguns igual. §.6. A temperatura que mostrão os líquidos mergulhados na atmosphera postos á sombra se conhece em hum golpe de vista olhando para o Mappa competente , no qual a primei- ra columna comprehende as series das experiências, que se fizerão ; a segunda o ar , e líquidos mettidos dentro daquel- le fluido por tempo de dous minutos ; e a terceira a diffe- rente temperatura indicada pelo Thermometro de Farenheit. §. 7- . Não me satisfiz em observar somente a temperatura dos li- 3© Memorias da Academia Real líquidos á sombra , quiz também saber qual seria a que po- derião adquirir sendo postos ao Sol , em hum dado , e igual tempo para todos ; o que também se mostra no seguinte Mappa , aonde se vêm as series das experiências ; os liquidos que estiverâo ao Sol por tempo de huma hora , e a sua tem- peratura , seguindo a mesma ordem das experiências feitas d sombra. §. 8. A respeito dos sólidos mergulhados na atmosphcra , pos- tos á sombra , e ao Sol , hc também difforcnte o seu caló- rico Thermometrico. O plano das experiências he o mesmo , e o resultado consta dos competentes Mappas. Jc « 5' 6.' DAS SciENCIAS DE LiSBOA Àr, c llijiiidoí mergulhados neste fiuiio. Ar - - - Acido Miiriatico ordinário Uito Muriatico oxigenado Diro Nitrico ------ Oito Nitroso ------ Ar Acido Sulforoso . - - . Dito SuHiirico - - - - - Dito Fo^liiroso ----- Oito A>;cioso . - - - - Vinagre ------- Etlier .---.--. Agoa corumiim - - - - - Dita salgada ------ Álcool -------- Ar Mercúrio ------- Azeite ------- Óleo de Linhaça - - - - Ar -------- - Acido Fosfórico - - . - - Ar Dissolução de Sulfato de ferro Dita de Carbonato de Soda - Lita de Nitrato de Chumbo - Dita de Nitrato Mercurial Dita de Nitrato Baritico - - Dita de Nitrato de Cobre - - ■ Dita de Carbonato de Potassa Ammonia ------- Ar Dissolução de Nitrato de Potassa Dita de Sal Ammoniaro - - • Dita de Sulfato de Ma!;nesia - ■ Dita de Sulfato de Soda - - Agoa de Cal ------- Dissolução de Nitrato de Soda ■ Vinho --------- Temijuratura á , sombra indicada pelo T/iermoineira i de haienhàt. | 66 f;r. 66, s 64, S 64, i 6J, S 6í, 66, «S 64, 63 <5i, 62, 65 6{ 6j, 6 65 , S 6), 5 6;, 5 64, $ 64, 8 65, 6 6J 64, I 6i, 5 6í , 4 66, i 6}, 2 62, 4 7i, 7' , 71 , 75, 7' , 70 7> , 71 , 2) 3^ K ScrUí l/c íi-- /< pertencias. Memorias da Academia Rkal Temperatura ao Ar, í liqttiJos mcr^alheiltt neste fiiiijo, _,", '" '' "í"" ' ' " ■' i htnnometro i/e jl h\irc:it/ít'it. tf Ar ... - Dissolução de Nitrato de Cobre Dita de Nitrato Mercurial - - Dita de Nitrato de Soda - - Dita de Nitrato de Potassa Dita de Sulfato de Ferro - - Dita de Sultato de Magnesia - Dita de Sulfato de Soda - - Dita de Nitrato de Chumbo - Dita de Nitrato Baritico - - Dita de Sal Aramoniaco - - Etlier ...--.-_ Álcool -----.-. Agoa de Cal Ar Acido Sulfiirico . - - Acido Sulfofoso - - - Vinagre ------ Acido Fosfórico . - - Acido Fosforoso - - - Acido Nitrico - - - - Acido Nitroso - - - - Acido Muriatico ordinário Acido Muriatico oxigenado Vinlio .-.._. Azeite ------ Óleo de Linhaça - - - Ammonia - - - - - Ar - . Mercúrio -------- Agoa salgada ------- Agoa cominum -.---- Dissolução de Carbonato de Soda - g>.=^b?^:í==í:^>^5:J==ií^:í=4í'=%^ 82, s 113. 8 102 , 2 94. 9 loy, 8 94. 5 8V, 3 98, 4 94. 3 96, 8 88, X 86 93 7Í, 3 113, 8 83, 7 «8, 2 84, í 89 87, I 99. 7 89, 7 99, T- 88, 3 103, 8 loi, 5- 87, 9 86, 3 11,2 99. ^ 9f , 4 9Í. 3 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. «,í^:^^:^^:í='>~í^=i!^a^=^:^^:í^í=%{=Í5Í^iP^íS=!s«;í^aí^^:ÍÍKÍN^ (jj Series de f a.- perienclai. Ar, c loliJos mergulhados neste fluido. Ar - - - - Ferro - - _ Chumbo - - - Zinco _ - - Estanho - - - Cobre - - - Lata - - - - Oiro - - - - Prata - - - - Vidro - - - Mármore preto - Veludo caimesim Veludo azul Baeta vermelha Baeta parda Baeta preta - - Setini amarello - Algodão - - - Linho - - - Madeira do Brasil chamada Pe- tihá -------- Dita chamada Marcanahibá - - Dita chamada Maceirana - - - Dita do Brasil de cor branca cha- mada Angélica - - - - - Dita amarela chamada Amargoso Dita preta chamada Cabiuna - Tom. V. Part. II. E 33 ■5 TemyeraUtra à )>) sombra indicada Ua pelo Thermometro \, de Viirenheit. iv 63 » 9 63 j 5 64 , I 64 , 4 á4, 8 64, 7 64, 8 64, t 64, 8 64, 64, 64, 64 , 6f , óf, (>5. 65, às. (>l •> 9 78,4 l 79 r 34 Memorias ua Academia Real Temperatura á Jj) Ar , ( s»lid»s mergulhaéoi neste fluiio. K Striei áe ex- fi pertcaeiíil. \ Madciía vermelha chamada Goií- dorú >------. Dita verde chamada Arco-Tala- jupoca -_-.___ Dita roxa chamada Violcte - - Dita variada chamada Gatiado fi- no --------- Dita descorada chamada Canclla Capitão mór _ _ - . - Ar - - - - - Carvão « - . - Gomma elástica Limagem de Ferro Enxofre - - - - Magnete - - - - Marfim - - - - Ar Aliimina tirada do Sulfato alumi- noso -------- Carbonato calcário - - _ - Carbonato de Magnesia - - - Cal viva -------- Barro vermelho - - - - - Barro misturado com área - - Barro branco ------ Terra preta solta - - - - - Área do Rio ------ sombra indicada pelo Thermonietro'^ de Fareiíheit. ff 79 79 79, 8 79 > 5" 79 > ^ 77, 8 8o 77 , 7 77 , 1 77, 8 77, S 77, 9 79 &^^»=«''!=?=!«"-=5c^-^;?^^^i:?=-ií=5:5=^^?'='i^=í::?'=^" 78, 79 , 79, So 79 , 79 79 78, 78, % f DAS Í5CIENCIAS DE I S B O A. ©:^:í^^=^lí=5=:^=5:á^:í=^^=!i:^í=4s (? Strles de ex- S pcrienciai. (í i I I I I Ar y e Sólidos mergulhados neste fiaido^ e postos ao Sol por tempo de huma hora. Ar - - - - Cobre - - _ Estanho - - - Chumbo - - Zmco - - - Prata - - - Oiro - - - Lata - - - - Vidro - - - Latão - - _ Ferro - - - - Mármore preto VeUido carmesim Veludo azul Baeta vermelha Baeta parda - - Baeta preta - - Sctim amarello - Algodão - - - Linho - - - Ar - Madeira do Brasil chamada Pe- tihá - - - Dita chamada Marcanahibá - - Dita chamada Maccirana - - - Dita do Brasil de cor branca cha- mada Angélica - - - - - Dita de cor amarella chamada A- margoso ------- 3f Temperatura ao Jj boi Indicada peto C\ Thenuomeíro de í' Farcnheit. }) 8y, 99 j 90, ICO , 103 , 86, 88 92 99 107 , 112 , 82 82 , 84, 84, 8y, 84, 85, 91 94, 97 , 88 , 8 \ » )) I )e!íií^>!^?íP5s?=?;;á^=í:í=^í=5:5=^:f'5 E ii ^fc^^sT^^rí?'» 3^ ' Striei it Uáoí HiergulhaJvs atitt fiulja , t portal úo Sol for tempo de huma hora. Madeira preta chamada Cabiuna Dita vermelha chamada Gondorú Dita verde chamada Arco Tala- jupoca ---,--_ Dita roxa chamada Violete - - Dita variada chamada Gatiado fi- no Dita descorada chamada Canclla Capitão mór . _ _ _ - Ar Carvão - - - - Gomma elástica Limagem de Ferro Enxofre - - - - Magnete - - - Marfim - - - - Ar Alumina tirada do Sulfato alumi- noso -----..-- Carbonato calcário - - - - Carbonato de Magnesia - - . Cal viva -_--,_- Barro vermelho - - - - _ Barro misturado com área - - Barro branco ------ Terra preta solta - - - - - Área do Rio ------ 92, 8 94, 8 9S ) 5" 98, 5 96, 4 8f, 88, 104, 108 , 88 98, 89, 90, 106 , 87 93, 99 96 j 98, 109, 1 10 , JS»^5^^í^^^^»;sáf:%i?^í«^r?=^í=N>3;^:^^á»^s?^^^^^;^í=^: I Ob- PAS SciENCIAS D£ L I S B O A. 37 Observações sobre as experiências dos liquiãos á sombra. Em cada huma das series das experiências se faz a comparação da temperatura do ar com a dos líquidos mer- gulhados dentro delle. 2." Na primeira serie somente o Acido muriatico ordinário tem huma temperatura maior que o ar ; he porém menor nos outros Ácidos , a saber : no Acido muriatico oxigena- do , e Ácidos nítrico , e nitroso. 3.' Na segunda , terceira , e quarta serie os Ácidos fos- fórico , acético , Vinagre , Ether , Agua commum , dita sal- gada, Álcool , e Azeite tem huma temperatura menor que o ar, he porém maior no Acido sulfúrico, sulfuroso, e Olep dç linhaça. Na quinta c sexta serie he maior a temperatura nas dissoluções de Sulfato de Ferro , de Carbonato de Soda , e de Cobre , c de Sulfato de Magnesia ; menor nas dissolu- ções dos Nitratos de Chumbo , mercurial , e baritico ; de Carbonato e Nitrato de Fotassa , de Muriato ammoniacal , de Sulfato e Nitrato de Soda ; Agua de Cal , e Vinho. Em todos os líquidos em que observei o seu calórico thermometnco , somente no Mercúrio vi que elle era igual ao do ar , nos mais cm huns he maior , em outros menor. Ob jS Memorias da Academia Real Observações sobre as experiências dos liquidas ao Sol. Em cada huma das três series de experiências se com- para também a temperatura do ar ao Sol com a dos diíFe- rentes liquidos, que não só he diversa em todos elles, po- rém maior que a do ar atmosférico. Na primeira , segunda, e terceira serie adquirirão hu- ma maior temperatura a dissolução do Nitrato de Cobro , e Acido sulfúrico , e Mercúrio j e menor o Acido sulforoso , e Vinagre. 3-' O differente calórico thermometrico que observei nos liquidos do Mappa antecedente , não he nem na razão di- recta, nem inversa das densidades ; porque no primeiro ca- so seria a do Mercúrio mais subida , e no segundo a do Ether j porém a experiência mostra o contrario. 4 a • O Mercúrio com O calórico da Agoa át i6i; gr. (a) di- lata-se pouco , ^ e por que posto ao Sol adquire tamanha temperatura ? Em quarenta liquidos em que observei a sua dilatação comparativa , o Acido nitroso he o que mais se dilata j i mas por que mectido na atmosfera ao Sol não re- cebe elle hum maior calórico thermometrico ? Ob- (d) Do Thermometro de Farenheit. f ■ '-■% DAS SciENCIAS D£ LiSBOA. 39 Observações sobre as experiências dos solidas d sombra. Em cada huma das series faço a comparação da tem- peratura do ar á sombra , com a de alguns sólidos mettidos dos neste fluido , que não hc igual em todos como aífirma Musschenbroeck, mas diffcrcnte. 2." Na primeira serie tem hum calórico thcrmometrico maior que o ar, i.°os metaes seguintes, a saber, o Chum- bo , Zinco , Estanho , 'Cobre , Lata , Oiro , Prata , 2." o Vidro, e o Mármore preto, 3.° algumas Baetas, e Velu- dos , o Setim amarello , Algodão , e Linho. Na segunda serie as Madeiras do Brasil , em que fiz as minhas observações, mostrarão ter hum calórico thcrmo- metrico maior que o do Ar , e ao de todas ellas excedeo o da Madeira chamada Canella Capitão mór. Na terceira serie houve no Carvão , e Marim huma maior temperatura do que no Ar , foi igual no Enxofre , e menor na Gomma elástica , Limagem de Ferro , e Magnete. Na quarta serie o maior calórico thcrmometrico que se observou foi na Cal viva ; igual no Barro branco , e vermelho misturado com área , e menor nas outras terras. Ob- 40 ■ Memorias da Academia Real Observações sobre as experiências dos sólidos postos ao Sol, Em cada huma das series de experiências se faz a comparção da temperatura , que o Ar tem ao Sol com a dos diffcrcnses sólidos mcttidos dentro dellc : mostra o com- petente Mappa que de todos ellcs , o que adquirio hum maior calórico thermometrico , foi o Mármore preto , e menor a Alumina pura tirada do Sulfato aUiminoso. De todos os metaes em que fiz as minhas experiên- cias , o Zinco , e o Ferro forao aquelles , que adquirirão hu- ma temperatura mais subida , e muito maior que o Oiro , e a Prata. Observei hum calórico thermometrico maior na- quelles metaes , que tem huma maior affinidade com o Oxi- génio , sendo postos ao Sol em hum igual tempo. Das madeiras do Brasil que sugeitei á experiência , aquella que adquirio huma maior temperatura he a chama- da Gatiado , que tem huma cor variada. O Linho posto ao Sol aquece menos, do que o Algodão, e este lantu .orno o Sctim amarello ; a Baeta preta , e a parda mais do que a de outra qualquer cor. 4.' Entre as terras postas ao Sol , aquella que adquirio hum maior calórico tliermometrico foi a área do Rio , de- pois a terra solta preta , e ultimamente a Cal carbonatada. A Argila tirada do Sulfato aluminoso he aquella que me- nos se aquenta ao Sol em hum igual tempo. 5-' DAS SciENClAS DE LlSEOA. 41 5-' Destas experiências julgo que se pôde concluir, que o chão onde predomina a Alumina, com huma igual tempe- ratura da Atmosfera se aquenta menos , c conserva a humi- dade por mais tempo , do que aquelle em que existe em maior quantidade a Área , e Carbonato calcário ; por isso não havendo rega, definhão muito primeiro aqui as plantas, do que alli. O chão que os nossos Lavradores chamão frio, póde- se aquentar misturando-ihe Arca , c Carbonato calcário , mui- to principalmente quando assim mesmo não he azado para alguns vegetaes , que alli possao viver bem , e que sejão proveitosos ao Lavradoí*. Tom. V. Pnrt. II. ME 41 Memorias DA ACADEMIA Rbal MEMORIA Sobre o Theatro Portugttez. Lida na Assembléa publica dt 14 de Junho de 1817 Por Francisco Manoel Trigozo d'AragXo Morato. H. .E escusado hir procurar a origem do Theatro Portu- guez nos primeiros qujtro séculos da Monarchia: a igno- rância e barbaridade dos dous primeiros ; a falta de conhe- cimento que então havia dos antigos Escritores Gregos, e Romanos , e da lingua em que elles escreverão ; o peque» no e mui vagaroso polimento que a Poesia e Linguagem pátria adquirirão , depois que forão honradas por ElRei D. Diniz («) ; as guerras finalmente , e perturbações domesticas , erão causas bastantes para nossos maiores desconhecerem inteiramente hum género de Litteratura , de que seus ante- passados não havião deixado exemplos nem regras ; e que os outros povos da Europi seus contemporâneos , hum pou- co menos bárbaros , apenas conhecião e praticarão. Não he que os Portuguezes fossem insensíveis ás pu- blicas e honestas recreações ; até os povos de todo bárba- ros tem suas festas : porém entre os nossos maiores erão estas conformes ao género de vida a que as circunstancias dos (/i) He visível a poliJez <^ue foi adquirindo a nossa lingua , desde o tempo d' ElRei D. Diniz; para o que concorreo muito o maior uso, que delia então se começou a fazer nos documentos públicos. Vcj. Disseit. Chronolog. e Crit. Tom, i. p,ig. 184. O mesmo Rei, segundo diz Ferrei- ra n'hum Epigramma , Honrou as A/hs/is , poeto» , e leo: e a elle se attribuem varias obras escritas em poesia vulgar. Vej. os Au- tores allegados na £ihlioth. Lusit. no ait. D. Diniz. 1ÍI3U 01 DAS SciENCiAS DE Lisboa. 43 dos tempos os impellião : a caça offcrccia-lhcs a vcntagem de poderem destruir os ursos , e outros animacs ferozes , que mfestavão algumas Províncias de Portugal (rt) , e a de fortalecerem o corpo para que melhor podesse soportar as fadigas da guerra; as justas e os torneios crao huns arreme- dos da mesma guerra. Estes erão os passatempos dos nossos Monarchns , e os povos apenas conhcciao outros , porque como dizia hum dos nossos antigos versejadores {l>) : Hos jogos , nojos , plazeres , costumes , trajos , e leys , virtudes , manhas , saberes y e hos e mãos paresceres , m segundo qttere reys. sam Ainda mesmo o uso dasjustas e torneios , ou pelo me- nos o seu maior esplendor , parece introduzido por ElRei D. Fernando , talvez no casamento da Infanta Dona Beatriz sua Irmã com D.Sancho Irmão d' ElRei D. Henrique de Castella (r) ; e seguido depois por ElRei D. João I. tan- to no seu casamento com. a Rainha Dona Filippa , como no casamento de seu Filho D. AíFonso com a Filha dç» Con- destabre {d) . Nestes tempos de que vou fallando , a musica e a dan- ça tinhão tambcm parte nos divertimentos dos Portiiguezes ; mas he preci.^^o confessar, que ambas estas artes estavão mui- to na sua infância , e que ellas se estimavuo mais pelo que tinhão de forte e clamoroso , do que de pathetico e deli- cado. He assim que ElRei D. Pedro I. nas danças publicas que fazia muitas vezes de dia e de noite nas ruas de Lis- F ii boa , (/j) Vi-j. Fernão Lopes , o mais antigo dos nosso; Chronist-is , na Chrun. d' El Rei D. h\dro I. cap. i. e na Chron. d' £lJlei D. Fumando, 110 piinc. e no cap. ç>(j. (b) Gírcia de Resende , na Aíisccllunia. (f) Fernão Lopes , Cbruii. d' ElRei D. Fintando , cap. 84. () O mesmo, na Chron. d' ElRei D, João I. Pnrt. 2. cap. 96. (f) Nesse tempo florecèiáo Feiíiáo Lopes , e Gomes Eanes de Zura- ra; e muitos Poetas, cujas obras se. coUigirão no Cancioneiro de Resen- de, impresso em içi6, (d) Finos grandes judari/is Judeos , guínolas t louras , tambe mouras , nwurarias , seus bailos , galantarias de muitas fermosas mouras : sempre nas festas reaes seram os dias princtpaes festa de mouros avia; também festa se fazia que non podia ser mais. Vimos costHtiie bem cbam iirryt CfT DAS SciENCiAS DE Lisboa. 4f Nos Momos que se fizerao em Lisboa pelo casamen- to da Infanta Dona Leonor, Irma d'ElRci D. AfFonso V", com o Imperador Frederico , figurarão o mesmo Rei e os Infantes seus Tios (a) ; e nos Momos de Évora pelo casa- mento do desgraçado Frincipc D. Affonso , figurou ElRei D. João II. seu Pai {b) . Estas ultimas festas forao as de maior grandiosidade , que até então se tinhao visto em Por- ruiral : poiém sendo tantas as invenções de prazeres , que shi se praticarão, c que largamente se achão referidas por Garcia de Resende , não me parece que delias fizessem par- te as composições dramáticas. He provável que as touras e guínolas fossem rebuços ou mascaras com que os Mouros c Judcos se disfarçavão , para fazerem as suas danças e fo- lias, e para arremedarem o espectáculo dos touros. Os mo- mos não passivão ordinariamente de representações mimicas acompanhadas de dança , que precedião quasi sempre as jus- tas e torneios , e lhes servião de desafio. Finalmente os que Resende chama entremezes e representações , erao figuras , ou maquinas , que encravao e sahião , e que ou pela novi- dade dos trajos , ou pela semelhança que tinhao com as cou- sas figuradas , enchião ora de admiração , ora de assombro aos e.spcctadores (c) . He ■ ■ ■ _ I II ■ — •^•~ nos reys ter esta m.mcira corpo de Deos , Stim Joam avc^ c^nas , procissam , aos domingos carreira , cavalf^Mr pclla cidade com muytr, solonúdade , ver correr , saltar , Iwtar , dançar , ca{ar , montear em seus tempos e hidade. Garcia de Resende , ns JMiiceUama. (a) Chron. d' EUlei D. Afonso V. (ap. i^i, (t) Fida d"" ElRei D. João 11. por Garcia de Resende , cap. ii6. (c) Tal foi a r5prcscntação do par.iiio na porta de Avis cm Évora, ouando os Rcaes Noivos fizerão a íua entrada pi.blica naquelia Cidade (^Carcii de Rcs. cap. mi): Tal a representação cio Rei de Guiné, que entrou na Sala da Cêa , seguido de três gigantes espantosos de mais de quarenta palmo» cada huni , c d'huma rica Mourisca retorta, em que liiâo 4^ Memorias da Acade»viia Real He verdade que estes momos e entremezes nem sem- pre crão mudos : muitos dellcs diziiío palavras apre pricdas ao caracter das pessoas que reprcscntavao : as Fadas espeiá- ráo a Princeza na entrada da Cidade, e a fadarão cada hu- ma de sua cousa ; mas estas falias , talvez extemporâneas , ou fossem cm prosa ou em verso , estavão bem longe das representações dramáticas ; e só mui remotamente se podem referir á historia littcraria do Theatro Portugucz. A maior prova do que digo he , que Ga'cia de Resen- de não falia expressamente cm comedia feita e representa- da , senão quando descreve as festas que se fizerao pelo ca- samento da Infanta Dona Beatriz com o Duque de Saboya , o que pertence já ao anno de ijió. e reinado de D. Ma- noel (a) : e por outra parte nos consta que esta comedia fora feita por Gil Vicente , a quem ambos os Resendes (b) attribuem sem hesitação alguma a primitiva origem do nos- so Theatro. Mas a lição das Obras de Gil Vicente convencendo-nos de todo desta verdade, ainda nos ensina muito mais particula- ridades ; pois nellas se nota que a primeira cousa que o Au- tor compozera , e em Portugal se representara , fora a visita- ção que elle fez ao parto da Rainha Dona Maria e nascimen- to de ElRei D. João III. estando presente a Senhora Dona Bea- duzentos homens mui grandes baiUdores {]d. cap, 125): TjI o entremez muito grande que appareceo na mesma Sala , em que vinhào muitos mo- mos mettidos em huma fortaleza ( Id. cap. iiíí). (a) Vej. Ida da Infanta Dona Breatriz para Saboya : no fim da Fi- da rf' ElRei D. João II. Qf) André de Resende , in Cenethl, Princ. Joann. Garcia de Resende , na Áíiscdlania : £ vimos singularmente fazer representações destilo mtiy eloquente de mui novas invenções e fcitã' por Gil Ficinte: elle foi o que invemoit isto c4 1 e o moH cS mais graça , < mais dotrina ; posto que Joam dei Enzina o pastoril começou. DAS SciSNCiAS DE Lisboa. 47 Beatriz sua Mâi , e a Duque/a de Bragança bua Filhi , na se- gunda noite do nascimento do dito Rei , isto lie , a 7 de Junho de lyoi : que esta representação (que he hum Mo- nologo Pastoril de doze estancias) agradara tanto á Rainha velha , por ser cousa nova em Portugal , que pcdio ao Au- tor lhe representasse isto mesmo ás Matinas do Natal , ap- plicado ao nascimento do Redcmpt:)r ; o que elle pozera em execução , compondo hum novo Auto em que cntravão seis Pastores; e que adquirindo maior fama com esta nova obra, fora successivamente compondo outras peças dramáticas , que quasi todas se representarão nos Thcatrus da Corte dos Reis D. Manoel , e D. João 111. e isto por espaço de trin- ta e quatro annos , isto he , até ao anno de ijbó , em que compoz a Comedia intitulada Floresta (fengatios, que he a derradeira que fez em seus dias. Não virão estas Obras a luz publica em vida de seu Autor; mas elle deixou escritas por sua mão, e juntas em hum livro a maior parte delias ; e seu filho Luis Vicente acrescentando-lhe as que ainda restavão , fez imprimir to- das em Coimbra , e Lisboa por João Alvares nos annos de 15-61. e 1562. em hum grosso volume de folha, primeira e única edição correcta das obras d'aquelle insigne Cómico. He este volume dividido em cinco livros : o primeiro contém as Obras de devação , que constão de dezesetc Autos , gran- de parte delles representados nas Matinas do Natal : o se- gundo contem quatro Comedias : o terceiro dez Tragico- medias : o quarto onze Farças : o quinto varias trovas e cou- sas miúdas : grande parte das peças dramáticas tem a data do lugar e anno em que forão representadas. Estas datas cuidadosamente conservadas naquella Edi" ção, não só dcmonstrão a origem e progressos da Arte Dra- mática em Portugal por quasi toda a primeira metade do Século XVI. mas habilitão-nos para compararmos o esta- belecimento do nosso Theatro com o das outras Nações Eu- ropeas , c conhecermos assim se Gil Vicente teve Mestres a quem seguisse , ou se elle mesmo foi o guia dos que de- pois lhe succederão. Já 48 Memorias da Academia Real Já tem sido tratada por muitos Escritores a historia do Tiíeatio das Nações cultas da Europa; nem eu preten- do repetir neste lugar o que clles já tem dito , ou segun- do o rigor da verdade histórica , ou segundo a affeição que cada hum mostrou pela gloria da sua l\itria. He certo que os Italianos deixarão mais depressa a representação dos mis- térios da Religião, para se applicarem á traducção e imi- tação do Theatro dos antigos , que appareceo renovado com grande Fasto nas Cortes dos Frincipes d'a(|uclla região: mas Angelo Policiano , e Ariosto , que no fim do século anterior a Gil Vicente renovarão a antiga Tragedia e Co- media , não erão certamente mais conhecidos do Poeta Por- tuguez, do que os Dramáticos Gregos e Latinos que clles imitarão; e Machiavello , c Aretino forão seus contemporâ- neos. Mais possivel he que os Francezes dessem a Gil Vi- cente a primeira idca de composições dramáticas , segundo o ponto de vista em que elle as tomou : pois he certo que depois de passada a primeira metade do Século XV. tinha adquirido em França grande celebridade a representação da historia da Vida de Christo por João Michel , e a da far- ça do Advogado Pathelin. Gil Vicente podia ou ter segui- do os Autores destes Dramas , ou encontrar-se casualmente com elles na escolha dos assumptos, e no caracter que deo ás suas composições: quem preferir a primeira opinião, po- derá talvez achar alguma semelhança entre a vida de Jesu Christo representada pelo Autor Francez , e o Breve Siim- mario da Historia de Deos desde o principio do Mundo até d Reswreição de Christo representado pelo Portuguez ; e re- flectir que as trovas e enselladas de França , cantadas no fim d'algum3s peças de Gil Vicente , mostrão o conhecimento que este tinha da Poesia Franceza , e o apreço que fazia delia. Bem sei que ha fortes pretensões sobre a prioridade do Theatro Hespanhol ; que a Corte Aragoneza vid repre- sentar huma Comedia allegorica composta pelo Aían-juez Flen- DAS SciKNClAS DE LiSBOA. 49 Henrique de Vilhena no anno de 1412, por occa«ião das festas do casamento d'ElRci Fernando I : que os Castelha- nos , posto que concebessem mais tarde a idéa do estabcle- .cimeiíto de hum Thcatro , possuião já nos fins do Século XV. as composições dramáticas de João de la Enzina , que me- recerão ser muitas vezes representadas no Thcatro dos Reis Catholicos Fernando e Isabel : e que finalmente em parte nenhuma das Hcspanhas erão desconhecidas por este mes- mo tempo as representações dos Mystcrios da Religião. Gomtudo não me atrevendo eu a ncçar nenhuma des- tas cousas , espero que ninguém também me negue , que huma só Comedia allcgonca de Vilhena não mostra a exis- tência, e muito menos a permanência de hum Theatro na- cional : que as peças de la Enzina muito conhecidas cm Portugal no tempo de Gil Vicente, pois que delias faz men- ção o seu contemporâneo Garcia de Resende , erão dramas puramente pastoris , e até nomeados limitadamente com o ti- tulo de Eglogas : e que os Autos sagrados não passavão de meras representações burlescas das ceremonias da Religião , nas quaes nenhum Poeta de consideração tomava parte. Só os Hespanhoes coevos a Gil Vicente merecerão al- gum nome na Poesia Dramática : mas desses mesmos os dous que mais se assemelharão ao gosto e estilo do Cómico Por- tuguez (rt) , cahirão bem depressa em esquecimento, e dei- xarão o Theatro de Hespanha na rude simpleza , em que con- fessa te-lo achado o illustre Miguel de Cervantes , quando já decahia o século sexto decimo {b) . Assim longe de ambicionarmos vãmente a gloria de sermos os primeiros creadores do Theatro moderno , conce- deremos aos Estrangeiros a prioridade do estabelecimento Tom. F. Part. II. G dos (rt) Butholomcii Torres N varro , c Lope de Rucd:.. ip) O que acjui se diz acerca do Theatro Hespanhol , lie tirado de Nicoláo António, Bihliotb. Hi^p. N^/v. da Historia da Litteratura H(spa- nholíi , escrita em Alleniáo pelo nosso Consócio o Sfir. Fridenro Bou- tcr>xek, e traduzid. em Trincezi e de Simonde de Sismondi , De la Lit- tcrathre du Midi de l' Eiirope. go Memorias da Academia Real dos seus Thcatros nacionaes ; comtanto que nos concedáo , que os primeiros que entre elles promoverão este ramo de Litteratura , não tiverão huma influencia duradoura nos Au- tores dramáticos das suas ou das estranhas nações : em quan- to Gil Vicente , primeiro autor e actor do Theatro Portu- guez , sem imitar , e talvez sem conhecer os trabalhos d'a- quelles que em outros Paizes o tinhao precedido , teve a ventura , não digo já de fazer as delicias de duas Cortes tão polidas coino torao as dos Reis D, Manoel , c D.João 111. nem de ser admirado e applaudido de seus contemporâneos e vindouros; mas a de fixar o gosto e interesse publico pe- las representações dramáticas ; a de mostrar á Europa intei- ra , que não era possível cativar a attcnção dos espectado- res com puras traducções , e imitações servis dos antigos Gregos e Romanos ; a de estabelecer hum género de Thea- tro nacional , que sobreviveo a todas as revoluções que nos séculos seguintes se fizerão para someter a hum jugo estra- nho o mesmo Theatro ; e a de ser o mestre de cuja esco- la sahio o fénix da Hespanha Lope de Vega, que pelo seu espirito cómico , e pela admirável e quasi prodigiosa abun- dância das suas composições dramáticas , conseguio exerci- tar por si mesmo huma influencia immediata , não digo já nos Theatros de toda a Hespanha , mas nos de ítalia , In- glaterra , e sobre tudo nos de França. Eu bem sei , que quem considerar hoje os Dramas de Gil Vicente ou segundo as regras que os antigos estabele- cerão para estas composições , e que os modernos tem pou- co a pouco conformemente admittido ; ou segundo os nos- sos actuaes costumes , principios e opiniões ; achará sem du- vida exagerados os elogios que se tem feito a este Cómico insigne : tão enganoso he julgar cada hum aos Escritores segundo o seu próprio capricho, e decidir dos tempos pas- sados unicamente pelos presentes ! assim nos parece hoje a litteratura dos antigos irregular e gigantéa ; assim , se elles hoje resurgissem, lhes pareceria a nossa mesquinha e uni- forme. Em i DAS SciENCIAS DE LiSBOA. JI Em quanto ás regras que os antigos dcrâo e pratica- rão sobre a poesia dramática , achão-se ellas inteiramente desprezadas nas Obras de Gil Vicente, e pódc-sc dizer com bastante certeza que este inteiramente as ignorou. A Biblia, em cujo estudo era assas versado , formava todo o funda- mento da sua erudição ; dos Cómicos Gregos e I,atinos não se acha rasto algum em todas as suas Obras. D*aqui vem que os Dramas não são divididos cm Actos (a) ; que os bai- les e chançonetas se introduzem segundo o capricho do Poe- ta , ou pelo meio dos mesmos dramas , ou no fim delles ; e que o Autor dcsconhecco inteiramente as unidades dramáti- cas. O Auto de que já fallei , intitulado Breve Stinutiario da Historia de Deos , basta só para provar a falta destas unidades : os seus interlocutores , tendo vivido em tempos tão diver- sos , apparecem successivamente na mesma sccna j Adão e Eva , Abel , Job, Abrahão , iVloisés , David , S.João Baptista , e Jesu Christo. A Comedia de Rttbena não he mais do que hum romance representado, assim como aquelle Auto he hu- ma historia também representada. A vida de Cismena nasci- da em terra de Campos em Castella , faz o primeiro ob- jecto deste Drama ; ella apparece primeiro recemnascida , depois pastorando gado , levada antes dos quinze annos a Creta, ahi perfilhada por huma nobre dama, e ultimamente casada com hum Príncipe de Syria , que fora ver desconhe- cido aquella Cidade. De qualquer modo que se considere a regularidade de hum drama , debalde se procurará ella nos de Gil Vicente. O que se chama enredo da fabula , he quasi desconhecido : os interlocutores apparecem no Theatro , fallão , e re tirão se , quando o Poeta quer que facão estas diversas cousas ; os episódios não tem as mais das vezes relação com o objecto G ii prin- (a) A Comedia de Riibcna he a única que se i\ch;i dividida cm três Actos, a qpe o Autor chamou Scenas : porque ainda que.tenháo a mes- ma divisão as £tnhí!rca^ues áo Inferno , An Purgatonu , e da Gloria , ná» he por serem representadas estas peças consecutivamente n'hum só tem- po e lugar , mas por serem fundadas todas ellas n' huma mesma oUe- goria. j2 Memorias da Academia Real principal da fabula : emfim os dramas são escritos simulta- neamente cm Portugucz e Castelhano ; em redcndilhas de estancias desiguacs ^ e em versos de arte maior ou hendeca- syllabos. Mas se passarmos a considerar a contradicção em que se achão os costumes e opiniões do nosso tempo com os do tempo de Gil Vicente, por certo muito acharemos que notar nas suas Obras: pois que parece assas desconforme com a delicadeza dos nossos actuaes costumes , tcr-se re- presentado o Auto da Viagem do Inferno na própria cama- rá da Rainha Dona Maria , estando ella enferma do mal de que falleceo; e também não se dedignar o Príncipe D. João depois Rei III. do nome , de figurar como interlocutor de huma Comedia , ainda que fosse só para decidir qual das duas filhas d' hum mercador de Burgos devia casar com hum Príncipe Estrangeiro, que apaixonado de ambas não sabia a qual delias desse a preferencia. Se por hum lado a singeleza d'aquèlles tempos afastava da idéa dos nossos Príncipes certas apprehensõcs , que o des- dém dos séculos posteriores fez transcendentes a classes muito menos privilegiadas ; por outro a decadência e corrupção dos costumes daquelles mesmos , que por seus ofHcios devião ser o exemplo dos Povos , tornavao tolerável a critica muitas ve- zes pungente e assas descoberta deste novo Aristophanes : pois que removido com a própria presença dos Soberanos o perigo de demasia contra a verdade e contra a decência , em que costumão muitas vezes degenerar arjuellas invectivas ; e recatadas estas das vistas c dos ouvidos do povo , que não sendo espectador dos dramas que as mais das vezes se representavão no interior do Paço, não podia estender ao caracter de certos empregados públicos o desprezo que só os vícios delles merecião; não podia aquelle arbítrio deixar de produzir huma saudável , ainda que lenta reforma nos públi- cos costumes. Assim o entendia o esclarecido Rei D. Ma- noel , do qual conta o Chronísta Gocs {a) , que consentia na («) Chron. geiros {a) . E Qà) Não permittem os curtos limites d'huma Memoria Académica f.U- lar com mais extensão das Obras d' hum Autor hoje tão iioípco conheci- do, e que tanto o merece ser, como Gil \'icente. Simonde de Sismou- di tirou de Boutervek vários extractos do Auto da Fiira , representado a ElRei D. João III. em Lisboa, nas Matinas do Natal do anno de 1527. e os imprimio no Tom. 4. da Obra já citada , pag. 451. O outro Auto conhecido depois com o nome de Mofina Mtndes , e representado a ElRei D. João 111. nas Matinas do Natal do anno de 1534. tem mui relevante merecimento. Entra primeiro hum Frade , que por modo de pregação recita o argumento do Auto , no qual acarreta muitos nomes de Autores sagrados e profanos , que parecem trazidos ali de propósito para se escarnecer o vicioso estilo de que usaváo os pre- gadores do tempo. O Frade explica o fim por que apparcce na scena: M^itàarãme aqui subir neste sancto anflithcatro fera aqtn introduzir as figuras que hã de vir com todo seu aparato : he de notar que haveis de considerar isto ser contemplaçam jóra da historia geral mas fundada em devai^am. No príncipe do Auto entra a Virgem Maria acompanhada das suas damas, que sáo a Pobreza, a Fe , a Prudência, c a Humildade. Vem depois o Anjo Gabriel , e faz-se a Annunciação. Então cerra-sc a corti- n.i , e ajuntáo-sc os Pastores para o tempo do Nascimento; os quaes de- pois de repetirem hum comprido dialogo , deitáo-sc a dormir. Neste mo- mento apparece de novo a Santa Virgem , S. José, e a Fé com as mais Virtudes, que de joelhos resáo hum Salmo a versos. Esta scena rem mui- to sal cómico: mandando a Virgem acender a veia da Esperança, res- ponde S. José seguindo a mesma allcgoria : Senhora , nam monta mais semear milho nos rios , que querermos por sinaes meter cousas divinaes nas cabeias dos bugios. DAS SciENClAS DE LtSBOA. $y E com effcito bem se pôde acreditar que estes dramas representados na Corte d' ElRci D. Manoel , concorressem principalmente para serem tão fallados no mundo os serões de Portugal , como depois escrevia o nosso Sá de Miran- Tom. V. Part. 11. U da Míindai-lhe acender candcai que chamem ouro e fazenda , e vereis bailar baleas , forque irão tirar das veas O lume com que s' acenda. E a gente religiosa manda-lhes velas hispaes , a cera de renda grossa , os pavios de casaes , e logo não porão grosa. Acabada esta Sccna , chora o Menino posto em hum berço ; as Vir- tudes cantando o embaláo, o Anjo o annuncia aos Paitoies. No fim do Auco os Anjos tocáo seus instrumentos ; e as Virtudes cantando , e os Pastores bailando , se vão. Da applicaçáo burlesca das cousas e costumes modernos ás dos sé- culos antigos , ha muitos exemplos em Gil Vicente , assim como cm to- dos os Cómicos do seu tempo. No dialogo sobre as tentações de que já fallei , os Reinos do mundo que Satanás ofFerece a ]esu Chtisto , são a terra de Kio frio, Aldegalega, Coruche, o que vai desde Çamora até Salvaterra, e desde Almeirim até a Erra , que tudo diz ser terra sua; E a terra que tenho de cardos e de pedras que vai desde Cintra até Torres pedras. Sismondi tem razão para dizer que as Comedias de Gil Vicente sáo as mais insignificantes das suas peças dramáticas : e que as Tragicome- dias não passão d' hum grosseiro esboço do que vieráo a ser as Come- dias heioicas dos Hespanhoes , mas que a pczar disso tem scenas mui'o patheticas. Com efteito a primeira Tragicomedia sobre os amores de D. Duardos Frincipe d' Inglaterra , com FÍorida filha do Imperador Palmei- rim de Constantinopla, abona o sentimento de Sismondi. As Tragicome- dias intituladas Náo d' amores , Fragoa d' amor , e principalmente a que toi feita á partida da Infanta Dona Keatriz Duqueza de Saboya , exce- dem a iodas na graça cómica , na delicadeza das allegoiias , c no estilo faceto com que André de Resende caracterisa o Autor, dicax , atqtie inter vera facetus : Gillo jocis levibtis doctus pr^stringere mores. Entre as Farças , a de Inez Pereira , representada a ElRei D. João III; ;8 Memorias da Academia Real da (a) ; ao menos conra-se tle Desiderio Erasmo , que se re- solvera a aprender a lingua Portugiieza para ler Gil Vicen- te , e que não julgara perdido o seu trabalho : e he certo que hum homem tão versado cm toda a antiga litteratura como André de Resende , e outro tão grave c judicioso co- mo João de Barros, antcpunhão Gil Vicente não só aos ou- tros Cómicos do seu tempo, mas aos antigos Gregos c Ro- manos (/') ; e que quando já a arte dramática tinha feito entre nós maiores progressos , ainda a Corte d' El Rei D. Sebastião se deleitava em ouvir representar as peças d'aquel- le antigo Cómico (c) , Pouco tempo depois de ter sido criado por Gil Vicen- te o nosso Theatro, tomou este huma direcção mui diver- sa, e como huma nova face nas mãos d' hum Poeta insigne, que será eternamente chorado pelas Musas Portuguezas , qual foi Francisco de Sá de Miranda. Rccolhendo-se á Pátria já no reinado de D. João III. depois de ter viajado pelos mais celebres lugares da Hespanha e da Itália , foi elle o primei- ro no seu Convento de Thorn.ir , foi composta por occasiáo de duvidarem cercos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas Obras, ou se as furtava de outros , e por isso lhe deráo este thema sobre que fizesse huma : mais quero asno que me leve , que cavallo que me dernilx. Da lição de Gil Vicente póde-se também tirar algum conhecimento acerca do que era no seu tempo o appar.ito scenico: he certo que os Actores representaváo em anfitheatto , ÍMohe, em lugar mais elevado re- lativamente aos Espectadores ; que havia nnuaçóeb òe scenas , que se fa- ziáo por meio de bastidores , ou de cortinas , que náo faltava todo o gé- nero de maquinas de Theatro , as quaes eráo )a usadas em Portugal mui- tos annos antes de existirem composições dramáticas ; c que finalmente os dramas se representaváo náo só nas Igrejas , e nos Palácios dos nos- sos Soberanos, mas também em outros differcntes lugares. (4) Os momos , os serões de Portugal , Tão fatiados no mundo , onde são idos , £ as gradas temperadas de seu sal ? Sá de Miranda , Cart. 6. (J>) Resende , no Poema já citado ; e Barros , no Dialogo em louvor da nossa linguagem. (f) Luís Vicente , no Prologo da primeira Edição das Obras de Gil Vicente. íiua 01 DAS SciENClAS DE LiSBOA. ^J> ro que lançou os fundamentos ao Theatro clássico , que os Italianos já ha mais annos havião restaurado , e que os Cas- telhanos do seu tempo apenas conheciáo por imperfeitas traducçoes ou imitações de poucos Poemas Dramáticos assim Gregos como Romanos. Escreveo Sá de Miranda duas Comedias , Os Estrangei- ros , c Os Filhalpandos : na primeira he a pessoa da Come- dia a que faz o Prologo, c que conta brevissimamente a sua mesma historia ; isto he , " como cm Grécia nascera e lá lhe >» fora posto o nome , como depois passara a Roma , onde » chegara a tanto , que lhe não fallecera hum nada de ser >» Deosa , como se perdera com muitas das boas artes en- j> trc as ruínas d'aquclle império , onde jouvera longo tem- >» po como enterrada , té que os visinhos a tornarão á vi- " da , posto que maltratada e pouco para ver ; e como pos- >» ta outra vez por terra pela guerra sua inimiga , a tempo » que já hia ganhando pés , viera fugindo para Portugal , »> onde achara paz , e não sabe se acharia assossego. Emfim » pede ella que não a obriguem a fazer no cabo dos seus j> dias o que até então não fizera , que he trocar o nome >í de Comedia pelo de Auto ; que lhe deixem aquelle por >í amor da sua natureza , e que ella deixaria também os ver- >> SOS torçados dos seus consoantes j>. Eis-aqui a primeira origem e ensaio , assim como o verdadeiro caracter da Co- media clássica Portugueza. Assim não se pôde duvidar , que as Comedias de Sá de Miranda fossem moldadas ás dos Latinos, e Italianos, e principalmente ás de Terêncio e Ariosto ; o que o mesmo Autor claramente confessa {a) , e se conhece até pela allu- H ii são (». Tão pouco parecia conforme ds luzes do século , que as Igrejas se convertessem em Thcatros de chocarrices e pro- fanidades : por isso se acautelou em todas as Constituições Synodaes de Portugal , publicadas no Scculo XVI. que nas Igrejas se não fizessem representações , ainda que fossem da Paixão, Resurreição c Nascimento de Christo , sem especial licença do Ordinário (a) . Nas Constituições de Coimbra pu- blicadas pelo Bispo D. Affonso de Casteibranco em xypr. he esta prohibição absoluta , e não deixa esperanças de mo- dificação ou dispensa. Mas o costume inveterado dos povos frustrou a execu- ção de tão sabias leis. Em todo aquelle século , e no século se- Esquecidos do conselho , Poderá dizer mandado , Sendo-o , porque foi vedíido No santissimo Evangelho , Aos cães não deis o sagmdo, Sá de Miranda , Cart. 2. (á) Assim o detertnináo todas as Constituições Synodaes d'aquelle sé- culo , que tenho á vista; a saber, as de Lisboa do Cardeal Inlante D. Arfbnso, publicadas em Synodo de (556 : as de Braga do Cardeal infan- te D. Heiirit)ue, em Syno^Io de tçjy: as de Angra do Bispo D. Jorge de Santia_:;o, cm Synodo de 1559: as de Lamego do Bispo D. Manoel de Noronha, em Synodo de 156I : as de Miranda do Bispo D. Julião d Alva , em Synodo de 1565 : as do Funchal do Bispo D. Jcronymo Bar- reto , em Svnodo de 1578: as do Porto do Bispo U. Fr. Marcos He Lis- boa, cm Synodo de 158?." e ultimamente o Concilio Provincial de Évo- ra, celebrado no anno de 1567. no Tir. 4. álA-x OS - ; 9-''. ■-- DAS SciEKCiAs DE Lisboa. 6p seguinte foi frequentíssimo o uso dos Autos e Comedias sa- gradas ; e basta ler o ultimo índice do;; Livros prohibidos em Portugal, publicado em 16:4 pelo Bispo Inquisidor Gerai D. Fernando JMartins Mascarenhas , para se conhecer o gran- de numero dos Autos publicados só até esse tempo , e a sua particular indolc c natureza ; pois que nos de Santa Barba- ra , e Santa Gathariíia não du\Mdárão seus Autores represen- tar no Thcatro a administração do Sacramento do Baptis- mo; e no Auto da Paixão , composto por Fr. Francisco Va's de Guimarães , mandao-sc pôr todos de joelhos , cm quanto Jcsu Christo consagra o pão na Scena. Tão difficeis são de arrancar os prejuízos dos Povos , e as idéas que formarão acerca da Religião , e que o habito e a educação nclles radicou ! Os Autos Sacramentacs representa- dos em todas fls Cidades de Portugal na Procissão do Corpo de Deos , e acompanhados de jogos , bailes , e entremezes profanos , durarão no Século XVI. e seguinte , contra os es- forços reunidos dos dous poderes Eccleslastico e Civil. Só na Cidade do Porto acharão clles tão decidida aceitação, que pa- ra evitar maior mal , foi necessário que no anno de isi^ fizesse o Bispo com a Camará hum acordo, que depois foi confir- mado por ElRei D.João III., segundo o qual ficou permit- tido, que quando a Procissão passasse pela rua nova, se fi- zesse hum Auto d'alguma historia devota e breve , estando todos entretanto em pé sem barretes diante do Sacramen- to ; e que na véspera do dito dia , podessem os jogos entrar na Sí , com tanto que não fizessem torvação ás vésperas, e á procissão que então andava com o Sacramento pelas naves do templo (ã) . As profanações prohibidas por ElRei D. Se- bastião na procissão da mesma Cidade em i j6o , e outra vez até certo ponto toleradas no anno seguinte , pertencem mais ás representações mímicas do que ás dramáticas (b) . Os (íj) Cjrti Rcgi.i de D. João III. ao Concelho do Porto , dada em Lisboi a 8 de Junho daquelle anno : no Cartório da Camará do Porto , Livr. I. das Propr. Prov. da Cam. foi. jjo. (/i) Pela Carta Regia dirigida ao Concelho do Porto , e dada em Lis- 70 Memorias da Academia Real Os últimos aiiiios do Secuío XVI. virão ainda nascer deus novos c monstruosos gcncros de composições de Thea- tro , que forao as Tragicomedias sagradas, e as Comedias Magicas. Aqucllas devem a sua origem aos Jesuítas : entre estes o Padre Iaiís da Cruz foi talvez o primeiro que com- poz quatro Tragicomedias escritas em verso Latino , das quaes a intitulada Scdecias ., ou destruição de Jerusalém por Nabucodonosor , foi representada a ElRei D. Sebastião , quan- do acompanhado do Cardeal D. Henrique visitou a Univer- sidade de Coimbra no anno de i5'70. Durou este gosto de representações nos Claustros Jesuíticos , especialmente nos três Collcgios de Lisboa, Évora, c Coimbra, por todo o Século XVn. e até á extincção delles pelo meio do Sécu- lo XVIII (a) . Erão as Tragicomedias tiradas pela maior parte das vidas dos Santos , especialmente dos Jesuítas , al- gu- boa a 50 de Maio Je 1560. (Cart. da Cam. do Porto, Livr. 2. d.a ['lúpr. Prov. joi. 187.) prohibio ElRei D. Sebastião as profanidndes que se pra- cicaváo na procissão de Corpus Christi d'acjuella Cidade : c delia consta que se tomaváo cada anno para 3 dita procissão cinco ou seis moças as mais fermosas , filhas de Ofliciacs mecânicos , huma que hia por Santa Maria, outta por Santa Catharina , outra pela Magdalena , ourta por da- jna iio Drago, outra por Santa Clara, com duas Freiras , e muitos Mou- ros com ellas , que ifies hiâo f.illando multas deshonestidades : rambetn consti , que na procissão que á véspera se tazia dentro na Sé, hiáo mui- tos Imperadores , e danças, e folias, de que se seguia grande perturba- ção. Porem da Carta Regia expedida pelo mesmo Rei á Camará do Por- to, e dada cm Lisboa a 1 5 de Maio de 1561. (no mesmo Livr. 2. foi. IJIJ.) conhece-se que o Concelho fizera tantas representações contra o dis- posto na Carta antecedente , que o Soberano julgou conveniente modifi- car a disposição delia , permittindo que só lossem na procissão ss moças que repre>entavão Santas , e também as representações de Reis e Im- peradores , e os mais jogos honestos , de que se não seguisse torvação , nem escândalo , como se praticava cm Lisboa. (jí) Não quero com isto dizer, que as Tragicomedias fossem só usa- das em Portugal , ou tivessem unicamente por Autores os Jesuítas. Dio- go de Paiva d'Andradr , o Sobrinho, que florecia nos últimos annos do Século XVI. e cm grande parte do seguinte , compoz três Tragedi.is La- tinas intituladas: yíntonius Ma^nns , "Joannes Baptista, c Eilnardus. O ce- lebre Pr. Francisco Je Santo Agostinho Macedo compoz : Urpheiís Trajai- contidia , in Aula Rc)^ia Palatii Parisieiísis coram He^e Christianissimo Lu- duvico XiF. acta : Impressa em Paris em 1647. Destes e de outros Au- :ores de Tragicomedias faz menção a Bibliothcca Lusitana. dAsScibnciasdeLiseoâ. 71 gamas da antiga historia do Testamento Velho , e outras de íactos recentes e nacionacs. Dos seus programmas , e das re- ijções que existem impressas , conhecc-se o custoso appara- to com que íorão representadas ; pois só na do descobri- mento e conquista do Oriente por ElR.ci D. Manoel, re- presentada cm Agosto de 1Ó19 na presença de Filippe II. cntravâo 3 5^0 figuras. Eráo além disso acompanhadas de gran- de orchestra , de coros, de canto , c baile , c de todo o gé- nero de maquinas ; e nestas cousas consistia provavelmen- te o maior merecimento de huns dramas , em que se vião violadas quasi todas as regras do antigo Thcatro , e todas as da verosimilhança; cm que os Anjos, e os Diabos, os Vir cios, e as Virtudes, o Amor divino c do mundo, c a mes? ma Companhia de Jesus com o seu Anjo da guarda appar recém frequentemente em Scena com as pessoas ainda viva^ na terra, e com os bemaventurados no ceo ; e em que as acções religiosas são pouco decorosam.ente representadas eni- trc as sombras da fabula, c da allcgoria. j Com que nobres- za e simplicidade se não vião por esse mesmo tempo accom- modadas a hum Theatro profano as historias trágicas de E&- ther e de Athalia , na delicada penna de Racine ! As Comedias Magicas parece terem sido inventada^ por hum Cómico celebre , que se transformou a si mesmç de Simão Machado em Boaventura Machado , de Secular enji Religioso Franciscano, e de Purtuguez em Catalão. As duais partes das Comedias da Pastora Alféa , escritas era verso Castelhano , e representadas na Cidade do Porto , são as primeiras que conheço d'aquelle género: o Autor censuran- do asperamente aos Portuguezes de gabarem muito as cou- sas estranhas , e terem as suas em pouca monta , pareoc dar a entender' que quizera introduzir este novo género de Comedias , para se vingar da pouca aceitação que prova- velmente tivcrão as suas Comedias de Dio («) : e se con- si- Ça) Ftndo qitam mal aceitais Ai obrai dos naturaes , i\3M- O» y i Memorias da Academia Real siderarmos a acção dramática relativamente ao interesse , e divertimento dos Espectadores , prescindindo dos meios por que aqucUe se deve conseguir , não se pôde duvidar que Wachado fosse mais feliz na invenção das fabulas deAlféa, do que na representação do primeiro Cerco de Dio. Huma historia chronologicamcntc escrita em verso rimado não pô- de produzir hum bom Poema Épico , nem huma boa Co- media ; e bastava que Francisco de Andrade (a) e Simão Machado tivessem dado o nome de historia áquelles diver- sos Poemas , para não deverem esperar o applauso do pu- blico entendido: ao contrario as Comedias d'Alféa , com os repetidos prodigios e transformações , que fazem todo o seu fundamento, intercssao e divertem o publico; e tello-hiãu sempre attento até o fim do espectáculo , se não fosse mui- tas vezes importunamente distrahido ou com as rústicas fal- ias dos Pastores , ou com os discursos conceituosos c alam- bicados dos amantes , ou com os diálogos puramente intan- tís de alguns Interlocutores com o seu Eco. Mas estas cousas já pertencem ao estado d' huma gran- de degeneração do Theatro Cómico em Portugal : quando as esperanças da Monarchia estavão sepultadas nos areaes de Afrjea , quando tínhamos perdido a Pátria , e com ella o espirito nacional , e a gloria dos anrigos Portuguczcs , per- deo-se também a nossa Litteratura , c com cila o nosso Thea- tro. Comtudo esta perda não podia deixar de ser lenta e successiva , porque a hum scculo quisi inteiro de esforços bem combinados , e dirigidos para o adiantamento das Scien- cias , e dos bons estudos , não se podia seguir rapidamen- te Fiz esta em lingita estrangeira , Por ver se desta maneira Como a elles nos tratais. Fio-me no Castelhano ; Fio-me em ser novidade; Scc. (^d^ Francisco de Andrade conipoz lium Poema Heróico , ou antes hu- mi Historia escrita em oitava rima , com o titulo ; O primeiro cerco que os Turcos pozerão d Fortaleza de Dio: impressa cm Coimbra no anno de DAS SciENCiASDE Lisboa. 73 te hum século inteiramente bárbaro. Todos sabem que hum numero não pequeno dos nossos bons pjosadorcs e poetas do Scciílo XVII. se preservarão mais ou menos do conta- gio do máo saber, e máo estilo que então grassava nas Hcs- panhas ; e eu já disse que nos primeiros vinte e quatro an- ros deste século , posto que já se tivesse inteiramente per- dido o Theatro clássico , conscrvava-se ainda o uso dos an- tigos Autos Religiosos , e Farças Portuguezas , de que díío bom testemunho as Obras de AíFonso Alvares , de Vr, An- tónio de Lisboa , de Baltazar Dias, de Francisco Rodrigues Lobo , e de outros. Depois deste tempo observa-se maior decadência na Poesia Dramática , do que em todos os outros ramos da Lit- teratura ; e muitas causas concorrèrcío para este fenómeno. O Theatro Hespanhol tinha entáo chegado ao maior auge da sua gloria: Lope de Vega, e Pedro Calderon de la Bar- ca estiverão successivamente á resta deste Theatro , e tive- rão hum grande numero de discipulos , que em invenção e fecundidade pretenderão igualar aquelles dous famosos Mes- tres. Tal era então a inundação de dramas Hespanhoes, que La Huerta calculando só os impressos , os faz subir ao nu- ro de 38J2 , e ainda estes pela maior parte são do tempo de Ccldcron : o numero dos não impressos não podia dei- xar de ser muito maior, pois que Lope de Vega só á sua parte compoz 2200 , dos quaes apenas se imprimirão 300. Os Hespanhoes podiao assim bastecer de Comedias e Tragedias a todos os Theatros da Europa; e as circunstan- cias do tempo fazião com que os de Portugal se aprovei- tassem facilmente de tão prodigiosa abundância, e se sujei- tassem ainda nisto á fatal influencia Castelhana. Não haven- do já Corte em Lisboa , concorrião aqui os Comediantes Hes- panhoes attrahidos pelos Vice-Reis , e representavão os dra- mas do seu paiz. Dos Portugue/.es , huns na sua mesma Pá- tria , outros na Corte de Madrid , pretenderão ou imitar ou exceder aquelles modelos ; mas quasi rodos escreverão em t>:^s'.elliano , e nenhum se atreveo a afastar-se do caminho Tom. V. Part. II. K cn- 74 AÍkmorias DA Academia Real entáo seguido , c a formar huma nova escola. Entre os mal» iJlustres , D. iMancisco Manoel de Mello compoz; Comedias Castelhanas; e Manoel dcGalhegos, e Rodrigo Ferreira pa« recèrâo contenn.r-sc com os applausos que alcançarão do pu- blico de Madrid , e ainda mais com os elogios que merecò- rão o primeiro a Lope de Vega , e o segundo a João Pe- res de Montalvã") , que era o principal discípulo d'aquelle grande Cómico Hespanhol. Assim no meio de tão grande abund.incia de Dramáticos Portuguczcs, póde-se dizer com verdade que não existia jd hiun Thcatro nacional. A maior prova do longo tempo que durou entre nós o gosto do Thcatro Castelhano póde-se tirar dos escritos do Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes. Este sábio que des le a sua mocidade merecera os elogios de Boi- Icau, que traduzira a Arte Poética deste celebre critico Fran- cez , e que nos deixou na Henriqiieida hum Poema Épico , em que escrupulosamente observara todas as regras da ar- te , seguio na Poesia Cómica a torrente dos outros Poetas , e houve quem o applaudisse por ter escrito em vinte ho- ras huma Comedia de quatro mil versos. Alguns dos seus collegas na Academia de Historia o mais que fizerao nesta matéria , foi conservar o uso nunca inteiramente extincto dos Autos Religiosos : taes forao José do Couto Pestana , José da Cunha Broxado , e Fr. Lucas de Santa Carhnrina. Todos sabem a nenhuma influencia que teve aquella Socie- dade no bom gosto da Eloquência c Poesia Portugueza. A Musa entrtteuída de vários Entremeses foi talvez a úni- ca cousa nova que o Século XVII. produzio em Portugal relativamente ao Thcatro. Manoel Coelho Rebello he o au- tor desta Obra, que consta de vinte e quatro Entremezes , huns em Portuguez , outros em Castelhano, os quaes forao primeiro representados, e depois coUigidos e impressos em Coimbra no anno de i6j3, e em Lisboa no de léçf. Não conheço entre nós outros Entremezes mais antigos , toman- do esta palavra no seu moderno e vulgar entendimento ; e o Autor da Musa jocosa de vários Entremezes Portaguezes e Cos- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 7^ Castelhanos^ impressa em Lisboa no anno de 1709, confes- sa que imprimira esta nova coilccção , por ver que haven- do hum só livrinho intitulado Musa entretenida ^ este se ti- nha impresso segunda vez , pela falta que havia de Entre- mezes Portuguczes. Entre tanto a Opera Italiana transplantada para Lisboa, e aqui sustentada pela magnificência d' ElRei D. João V. fez nascer ainda hum novo género monstruoso de espectá- culo : fallo das Operas Fortuguezas , representadas nos Thea- tros públicos do Bairro alto c Mouraria desde o anno de 1733 até o de 1741. Estas peças que alias não são estimá- veis nem pela invenção, nem pelo enredo, nem pelo estilo e linguagem , tem muita graça cómica , e (se me he lici- to assim dizello) huma certa originalidade que debalde se procura cm todos os nossos Dramáticos do século antece- dente. Não se sabe o verdadeiro autor de todas aquellas Operas: cilas se attribuem em grande parte a António José da Silva, Poeta menos conhecido pelas acções da sua vida, do que pelo seu trágico fim. A' Sociedade da Arcádia estabelecida no anno de 175'^, se deve privativamente a restauração do Theatro Portuguez. Já oito annos antes hum de seus membros , Francisco José Freire , havia pretendido rcsuscitar o Theatro clássico em Por- tugal , com o mesmo zelo com que o seu contemporâneo Ignacio de Lusan pretendera renovallo em Hcspanha {a) . Es- tes dous Escritores jurando nas palavras de Aristóteles, su- jeitárão-sc inteiramente á sua theoria poética; e o Filosofo Grego , que desde então cessava de ser o oráculo das Scien- cias da razão , em que eminentemente se distinguira , to- mou hum novo e assas absoluto império sobre a Poesia Dra- mática. Comtudo por mais judiciosa que aquclla thecria pa- recesse a Freire e a Lusan , estava ella muito em contra- K ii dic- {a) A pr.meira Ldiç.To da Arte lo.-tlca Je Fraiuisco Josú Freire he fjiia cm 1748. Lusan tinha publicado a sua l-'octica cm 1737; e niorreo fin 1754. y6 Memorias DA Academia Real dicção com a opinião publica , para ser repentinamente se- guida pelos nossos Dramáticos", era preciso fazer conhecida."? as Escolas Franccza e Italiana , que tomando já ha mais tem- po por modelo o mesmo Aristóteles, tinhao accommodado as regras por cllc dictadas ás novas e mui diversas cir- cunstancias dos tempos e lugares; e era também necessário que Poetas de bom engenho se exercitassem em composi- ções novas, c que cativassem a attcnção publica, não se contentando unicamente com libertar o Theatro Portuguez do jugo dos Hespanhoes, para o hircm novamente sujeitar ao dos Francezcs , ou Italianos. Eis-aqui o que tez a Arcá- dia : Freire traduzio a Merope de MaíFei , c a yíthalia de Racine; Garção, Diniz, e Quita exercitárão-se em todos os géneros de Poesia Dramática. Custão a arrancar , como já disse , do espirito publico hábitos inveterados ! O Theatro Portuguez caminhou então por muito tempo sem direcção alguma , e com inteira incer- teza. Comedias Castelhanas , ou feitas segundo o gosto Cas- telhano , recheadas com os costumados epithctos de Novas c Famosas ; Dramas Francezcs c Italianos de Voltaire , Mo- lierc , Metastasio , e Goldoni , accommodados com melho- res intenções do que feliz eíFcito ao chamado gosto do pu- blico Portuguez , inundarão simultaneamente o nosso Thea- tro. Accrescco a decidida aceitação da Opera Italiana, que foi levada nos dous últimos Reinados ao maior auge de es- plendor ; e também a pouca attenção , que os nossos bons Poetas modernos derão ao melhoramento do Theatro Nacio- nal. A pezar disto he certo que fazem parte da nossa actual Litteratura bastantes Tragedias e Comedias, mui digna*^ de passarem á posteridade: a esta pertence examinallas impar- cialmente , e julgallas segundo os principios de huma sã cri- tica ; e cu espero que ellas hajão de dar amplo assumpto a huma nova c mui interessante historia do Tlieatro Portu- guez , escrita por mais hábil penna. ME- nAsScrENClAS DE LlSEOA. 77 MEMORIA Sobre as pesqtiizas e lavra dos veios de chumbo de Chacim , Soiito , Ventozello , e Filiar de Rey na Provinda de Trás os Montes. Por José' Bonifácio de Andrada e Silva. c íONCOBRER para o ailgmento da industria e riqueza do Estado e da Nação he dever de bom Vassallo , e Cidadão: buscar conhecer e aproveitar os thesouros subterrâneos , com que a Divina Providencia dota'ra a nossa Pátria , he obrigação particular do Intendente Geral das Minas e Mc- taes. Para cumprir pois com o meu Regimento e cargo quanto me he possivcl , tenho constantemente procurado des- cobrir e examinar os mineraes úteis, que encerrão nossos montes : por isso dei parte ao Governo , que mandava pesqui/^r cm grande a veia de chumbo que me constava haver perto da Villa de Chacim , c de que já tinha man- dado recolher boas amostras. Em Alarço de 1816 começou esta pesquiza , e findou cm 9 de Setembro do mesmo an- no. Frusrrárão-se desgraçadamente as esperanças que tinha ; porque o mineral não era seguido , mas somente em peda- ços soltos, encravados em hum veio de argilla azulada, que dava muita agoa , com que logo se alagavão as escavações. Este mineral seria muito conveniente a ser pegado e con- stante; porque a galena dava huma por outra 70 por cen- to de chumbo, e este chumbo na copellação hum por ou- tro 3 ; onças de prata: cujas amostras junto comas das ou- tras minas tenho o gosto de offcrecer á Academia. Ao mes- mo tempo que se continuava nesta pesquiza achárão-se veios de mineral de feiro micacco e magnético , que se poderão apro- 78 AlEMOriASDAAcADEMIAREAL aproveitar com muito lucro, logocjue haja maior cuidado no plantio de arvoredo pelos vasti. s baldus, que ha por aqucilcs districtos Como hia perdendo as esperanças de huma boa mine- ração de cluimbo e prata em Chacim , mandei logo exami- nar em Junho do mesmo anno hum veio que havia na quin- ta chamada do Souto ^ termo do Mogadouro ^ onde cm outro tempo se tinha aberto iium poço, que mandei desentulhar. Este veio he seguido e vai encaixotado em rocha fácil de cortar, e tem por ganga ou matriz qunzo branco; mas he delgado e pobre , achando-se o mineral de chumbo muito disseminado na ganga. Não tenho porém perdido de todo as esperanças de encontrar em outros sitios do mesmo mon- te , ou este mesmo veio mais possante e rico , ou outro al- gum novo , que faça maior conta. Tanto em Chacim como no Souto ganhárão-se nas pesqui'/ius feitas perto de 5-0 arro- bas de mineral , que hão de ser aproveitadas com as outras que já estão tiradas nos lugares de Fentozello e Villar de Rej. As minas de Ventozello^ em que hoje já se trabalha re- gularmente, constão de dois veios de chumbo j o primeiro fica ao Nascente do lugar de Veuto^ello em \\\xm. monte cha- mado o Carril , e corre na direcção da hora 4." j da Bús- sola do Mineiro, isto he, entre Norte e Leste; he quasi vertical com pequena queda para Poente , tem de possança ou grossura hum palmo e ás vezes mais. Foi descoberto á borda da estrada que vai para o Douro, e atravessa o dito monte do Carril. Nos montes visinhos se observa a mesma correnteza e continuação deste veio. Começarão os trabalhos desta mina em Setembro de 18 16 por huma gallaria e hum poço vertical, que já tem de altura mais de 4 braças : ha ou- tro poço começado na distancia de 100 passos deste. Consta- va este veio na primeira gallaria, que se abrio, de gale- na de chumbo quasi densa e pouco lamcllosa , de cor de- negrida , ás vezes com drusas ou cavidades revestidas de chumbo branco cristallizado com oxydo terroso de chum- bo , DAsSciENCIASDErjlS;;OA. 79 bo , alvjdio e amarei lado. {n) Esta galena anua acompanha- da de subcarbonato de chumbo amarellado e cinzento , d« estructura ccHuIosa ou esponjosa , que parece como ossi.s carcomidos, envoltos em rcrra Feriiig)ni,)sa e plumbcs d*,' cor alvadia. Algumas amostras da galena escura eonipíicca dcrão pelo ensaio 68 , e outras 70 de chumbo por cento » o qual só contém 4 oitavas e 41 giáos de prata. O oxy» do porem , bruto c sem ser lavado c tQncentradp , dco no ensaio 40 por cento de chumbo. Este veio tem no primeiro poço por salbatulu. ou ca» miza da parte do Nascente huma faixa de quarto , c Á^ par*- te do Poente huma camixa ou salbanda de argilla arçr.usa com grãos de galena disseminados , e rins de chumbo b)an«- CO , a qual tem ás vezes 4 pollegadas de grossura- Para P fundo esta camiza de argilla se estreita, c não mostra grão? alguns metallicos ; quando pelo contrario a outra salbandg ou faixa de quarzo do lado do Nascente continua constan.- te , c mostra pequenas massas e venulas de galena ; o qgç dá esperanças de que esta salbanda mais para o fundo se en' corporará com o veio de chumbo , c formará huma só mas- sa de grossura mais conisideravel. No fundo deste poço o veio metallico de modo se es- treitou , que parecia ter-se acunhado inteiramente ; mas ap- parecco logo para o fundo mais grosso que d'antes , for- mando huma massa de galena de chumbo , e de oxydo al- vadio compenetrados , e mui pesada. Neste poço já es- tão abertas duas galiarias para ambos os lados da çorr^tníc- za do veio. Cm huma nova gallaria , que mandei abrir junto a outro poço novo para a parte do Sueste, trabalhando- se 00 tecto delia , achou-se galena pura , lamellosa e muito brilbafiri: em corj^«) seguido da grossura de 4 para 5 pollegadas , «n- Cci- (1) Est.! v.irieda(3e de g.ilena tie rara , e não se acha dcscrtjM.i ne» lívrot -de MincTAiO^ia. So Memorias ua Academia Rkal caixotauo de anibos os lados cm qiiarzo. Neste sitio na profundidade de 2 palmos , quando se começava a abiir o icgiindo poço já mencionado , dco-se logo com hum veio que constava de oxydo de chumbo cinzento e galena com- pacta escura com algumas manchas de chumbo branco ter- roso : o veio só tinha entuo de possança 1 pollcgadas, mas logo foi alargando para o fundo até 5. Observou-bc que a salbunda ou faixa de quarzo , que no primeiro poço ficava ao Nascente , neste estava ao Poente , o que mostra ser cbtc veio hum ramo diffcrcnte do outro, que tem por sa!- banda communi o quarzo , que corre no meio de ambos. A terra , que se hia tirando desta nova pesquiza , foi no prin- cipio huma espécie de saibro amarellado , que talvez pro- viesse da decomposição do Schisto niicacco que se lhe seguia, o qual mais para o fundo adquirio huma estructura grano- sa , de cór avermelhada , que parecia granito , penetrado de chumbo verde em forma de agoada. A lavra do veio do Car^ ril nos sitios , em que hoje se trabalha , he muito fácil , por ser a camiza de quarzo, que fica ao Nascente, e que tem de grossura f poilegadas , muito fendida e fácil de romper ; e muito mais fácil ainda he a outra salbanda de argilla arenosa para o Poente. A rocha , de que se compõe o monte do Carril , e os que se lhe encadeão , he de Schisto tniciueo. Distante do primeiro poço e veio do Carril 400 pas- sos pouco mais ou menos no sitio chamado o FuHe das eiras havia huma escav>'ção, que tinhão feito no tempo da nossa feliz Restauração os Soldados para tirarem o mineral de chumbo , de que faziao bailas de espingarda. Depois de ter- raplenado e firmado o terreno, abrio-se hum poço para pe- netrar o veio , o qual he de galena de chumbo Kirnellusa brilhante, encaixotada em quarzo muito rijo e inteiro. Na superfície tinha o veio 4 poilegadas de largura , mas foi lo- go alargando para o fundo até á grossura de 9 poilegadas, e cada vez mais engrossará á proporção que se for u profun- dando. Como porém o terreno tinha 'ido nas visinhançis do dasScihnciasdeLisboa. 8i do pnço revolvido e desmoronado , mettia muita agoa ; e era diffiJl o seu esgoto, por ser aberta a mina em terreno quasi plano , que não pódc ter dcsagoadouro mais fundo que 3 braças j o que se evitará para o futuro abrindo-se ou- tro poço em sitio mais alto que tenha maior esccante. Do fundo do poço se tirarão pedaços de galena de 8 e i z ;'r- ratcis de peso. He de notar que mais para o fundo appare- ee o quarzo das salbandas mais fendido e com alguns ni- nhos de argilla avermelhada c branca muito macia. Creio que este veio , segundo algumas novas observações, He com- posto de dois ramos; hum mais grosso, que consta de ga- lena compncta quasi baça , e outro de galena lamellosa mui- to brilhante. Ambas estas galenas sáo tão ricas como as do veio do Carril. Corre este veio do Valle das eiras quasi com a mesma direcção do outro, e tem mui pequena queda para o Norte. O poço já tinha zf palmos de altura. Man- dei parar por ora com a lavra desta mina , em quanto se não apromptão as bombas de esgotar as agoas : mas o veio do Carril já está em lavra contínua e regular , e já estão tiradas mais de 25:0 arrobas de mineral de diversas sortes, que deveráõ ser fundidos para primeiro ensaio em hum for- no á maneira da Carinthia , que já mandei construir. Ha em Ventozelro duas ribeiras de agoa corrente, hu- ma distante da mina do Carril hum quarto de legoa , em que se pôde construir hum açude com mui pouca despeza para dar a agoa necessária aos engenhos de pilar e aos la- radoiros ; outra fica arredada meia legoa de bom caminho com agoa constante em todo o anno , e passa junto ao lu- tar chamado Filhirinho. Ao ]on"o deites ribeiros e em suas visinhanças ha lenhas e madeiras sufficientcs, e huma mata Real chamada do Prado,, que os povos tem estragado por talta de quem vigie nella , e me consta que hum serrador daquelles sitios tem comprado ao povo desta e de outras matas muitíssimas madeiras de castanho, ulmeiro, e freixo, que depois de serradas cm taboado vende até para a Hes- p nha. Tom. V. Part. II. L Ao 8í Memorias v k Academia Real Ao mesmo tempo que se cxaminavão os veios Je Ven- tozello, nSo me esqueci de maiKÍ;!r tambcm pesqui/ar hu- ma mina velha, que me constava haver em Villar de Rey. Esta mina jaz no sitio chamado o Prado de Rcys, distan- te j de legoa da povoação, e do lugar de Vcnto/cllo quasi legoa c meia. Os antigos tinhao aberto hum socavão ou valia de 12 braças de comprido ao longo do veio, e fun- da ly palmos: estava porém abandonada, talvez porque nes- ta altura a galena de chumbo era em pouca quantidade, e SC achava muito disseminada na ganga ou mqtriz quarzosa. Nos lados desta escavação achãose ainda agora montículos de pedaços de quarzo , que contém muitas partículas de galena , e poderáõ ser aproveitadas no pizão ou engenho de pilar , que se deve construir. Ccmo a lavra regular des- ta mina me parccco fácil e rendosa, ordenei que se apro- fundasse hum poço de pesquiza para melhor se examinar a natureza e possança do veio , que corre de Sudoeste a Nor- deste. Com effeito este se abrio quasi no fim da escavação antiga para o Sudoeste; e até a altura de 15' palmos mos- trava ter sido já bólido o terreno; mas dahi para baixo ap- pareceo o veio intacto , que consta de quarzo com galena cm ninhos de palmo , e palmo e meio de diâmetro , alter- nando com camadas da grossura de dois palmos de huma ocra amarellada , que involvc pedaços de chumbo verde cris- tallisado. Mais para baixo continua o veio com a grossura de quasi 5 palmos; e consta de ganga quarzosa alvadia com- listras de quarzo branco , e galena disseminada em massas pequenas e grandes, ás vezes já tão consideráveis, que pesa cada pedaço 3 arrobas. Estas massas ou rins de galena achão- se cobertas ordinariamente de hum oxydo de chumbo ama- rellado, que contém algum ferro. Ha ioda a esperança que aprotundando-se mais e mais este veio augmcnte de pos-an- ça e de riqueza. A galena hc lamcllosa , de laminas finas c cruzadas , cuja estructura a faz mais escura e menos bri- lhante que a galena ordinária. Alguns ocos ou ifrusas desta galena são forrados de chumbo branco cristallisado , c ás ve- i\tv 01 DA^SciENCiASDE Lisboa. 8» vezes apparece cm manchas chumbo negro. Polo ensaio al- guns pedaços tio mineral bruto dcrão por cento , liuns por outros, 4j até fo de chumbo; mas este chumbo he mais pobre em prata que o das minas de Vcntozello. Nas visinhanças desta mina e no circuito de meia Ic- goa ha diffcrontes arvoredos e matas , quaes são os de Pas- so , Villadalla , e a grande mata da Nogueira , que tem 4 legoas de" extensão. Alem destes bosques ha na distancia de huma kgoa c mais, alguns outros pequenos, quaes são os de Tó, Villa dos Sinos, &c. , que tem porém pouca lenha grossa. Antesque conclua esta Memoria julgo conveniente dar alguma idéa do methodo de fusão de que pertendo usar , para a apuração do chumbo destas minas j e apontarei as ra- zões da sua preferencia. Diversos são os methodos de fusão usados nas Offici- nas , escolhendo cada huma delias aquelle que lhe parece mais conveniente , segundo a natureza das gangas ou ma- trizes ; a qualidade c abundância do combustivel ; ou tam- bém segundo as circunstancias locacs dos jazigos c minas. Os mincraes de chumbo , que se fundem e apurão com o só fim de obter este metal , podem dividir-se metallur- gicamente em três classes : 1° Galenas (sulphureto de chumbo.) 2." Cal ou ocras de chumbo ( oxydos. ) 3.° Chumbo acidificado ) ou saes de chumbo. Todos estes mincraes ou se achão puros e limpos de outros metaes , ou misturados e encorporados com ouro , prata , zinco , arsénico , &c. Todos antes da fusão devem ser escolhidos , sortea- dos, e competentemente preparados, conforme for o esta- do da sua maior ou menor riqueza e pureza ; e assim são pilados a secco , ou com agoa , c depois lavados nos boli- netes ou lavadouros , para se concentrar e purificar das par- tes estranhas a fiuuiha mineral. Do primeiro methodo nos servimos para as galenas ricas e em pedaços grandes , para L ii os S4 Memorias DA Academia Real os oxydos ou subcarbonatos de chumbo puros e compactos, e para os chumbos , branco , ( carbonato de chumbo ) verde , {pboipbato de chumbo) amarei lo , ( Molybdato de chumbo) &c. ; do segundo usamos para os mineraes pobres , mescla- dos com terras c pedras. A fundição hc ou de mineraes criís , ou de mineraes tostados. Os fomos para estas fusões são de reverbero , cora o lar ou assento em forma de gamei la , e abobadados por ci- ma , como usão os Inglezes que se servem do carvão de •pedra ; ou de chama com o lar inclinado , e formando cano ou regueira no meio , como se pratica em Willach e Bley- berg na Carinthia. Este he o mcthodo que preferimos pa- ra a fundição dos mineraes de Ventozello , e Villar de Rey , do qual trataremos adiante com mais alguma miudeza. Em ambos estes fornos se mistura com cal o mineral pilado pa- raque esta absorva os ácidos existentes , ou os que se for- mão no processo da fundição. Servem também os fornos de poço , mais ou menos al- tos. Nestes fornos se praticão dois merhodos de fundição, segundo o mineral vai cru ao forno, ou vai já tostado. Pa- ra os crus usa-se só da fusão chamada de precipitação ^ mis- turando-se os mineraes de chumbo com granalha de ferro, ou somente com o seu mineral crú. Paraque haja huma boa fundição por este methodo he preciso que as cargas de galena sejão misturadas com cal e escorias mui fusíveis , ou que contcnhão algum oxydo de chumbo vitrificado, que sir- VSo de fundentes á galena ; assimcomo a granalha de fer- ro serve de precipitar o chumbo metallico , absorvendo o enxofre. Porém nem todo o chumbo se precipita , porque Tiuma parte juntando-se com outra de ferro e enxofre , for- ma hum sulphurcto de ferro plúmbeo, que chamamos me- tallina crua. O resto do ferro oxydado combinando-se com as terras , e resto do chumbo , forma escorias , que podem de- pois servir para ajudar a fusão. Quando usamos de mineral férreo e cal mesclados nas cargas , cumpre que os fornos não sejão de tiiattga ou de peitoril , porém mais altos alguma cou- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 8f cousa , chamados de meta altura , que tem com pouca difFe- rença a mesma forma e medida que tem os dos mineraes de prata. Esta maior altura he precisa , porque o mineral de foro requer maior gráo de calor para se fundir e metalli- lar. Pela mesma razão he o forno construído com huma es» pecie de bojo ou obragem , como são em grande as forna- ças de ferro. Desta fusão se obtém os seguintes productos : i.° chumbo metallico mais ou menos puro ; 2.° metalliua crua: 3.° escorias. Para os mineraes já tostados ou queimados , cuja opc- Tação se faz ou em fornos de reverbero de lar chato , ou em camadas alternadas com lenha ao ar aberto , dentro de hum recinto murado, ou sem recinto, servem os fomos chama- dos de poço , que são ou de manga , ou meio-ahos. Em ambas estas espécies de fornos de poço funde-se o mineral ou sobre caldeira com o cano tapado , não se vasan-" do pafa a pia ou forma , senão depois desta cheia ; ou so- hxe o cano aberto , deixando o sangradouro destapado , por onde a matéria fundida vá correndo de continuo. He muito ■necessário nesta espécie de fundição que a mistura do mi- neral c fundentes seja feita de maneira que âs escorias saião muito fluidas e pUras. Quando se tem recolhido em qualquer destes fomos bastante metallina crua , então he esta tostada em montes ■ou camadas estratificadas e alternadas com lenha, cuja us- tulação se repete por mais de huma vez , atéque se vola- tilize todo o arsénico ou enxofre , que possa ainda ter a metallina. Então funde-sc esta outra vez era fornos de po- ço ou de reverbero, ajuntando-se-lhe as misturas e funden- tes necessários. Como o chumbo que se obtetti fundido venha ordina- riamente ainda impuro , precisa ser refinado : o que se al- cança , tornando-se a fundir cm forno de reverbero , ou so- bre lenha accesa em fornilho de cova como as fragoas de ferreiro , ou em covas compridas e mais altas ^ cheias de ca- 8i DAS SciENCIAS DE LlSBOA. JíJ O seu resumo nas cxccllcntcs Ephemcrides , que desde mui- to tempo publica aunualmcntc , com o titulo de Conheci- mento dos tempos. A' proporção que os Instrumentos se aperfeiçoarão , os resultados vicráo a ser mais interessantes; as applicaçóes feiras á Fysica, á Alcdicina , c á Agricultura ampliarão o dominio da Meteorologia c a tornarão huma Sciencia ver- dadeiramente útil , a qual se propagou pelo zelo com que as Sociedades Littcrarias da Europa , seguirão o exemplo dado pela Academia das Scicncias de Paris ; devcndo-se particularmente á Sociedade de Medicina daquella mesma Cidade, e i Sociedade JNletéorologica de Manhcim cxcel- lentes collccções destas observações ; achando-se também outras muitas nas Transacções Filosóficas da Sociedade Real de Londres , nas Memorias da Academia de Petersburg , e Berlin; e nas Ephemerides de Vienna , Milão, &c. &c. Não era possível que os Astrónomos, e os Fysicos , se occupassem com semelhantes observações, sem que na- turalmente se seguisse o exame dos resultados que obn- nhão , e a indagação das causas mais ou menos influentes sobre as variações da atmosphera : donde se seguirão dif- ferentes hypotheses imaginadas para expJicar os meteoros que nella se formão , como também para descubrir as cau- sas das variações do barómetro , e estabelecer huma theo- ria geral , applicavel a todos os fenómenos que nos offerece a atmosphera. Os Authores destas thcorias considerarão a Lua como a mais influente , pondo o Sol em segundo lugar ; á excep- ção de Mr. Poitcvin , que considerou o Sol pela acção do seu calor e da sua luz , como a causa geral e regular do fluxo e refluxo diário da atmosphera , hoje tão exactamente reconhecido pelas observações barometricas j e pensa que a influencia lunar só intervém como causa perturbadora , não obstante ser a sua força de attracção sobre a terra , trcz vezes maior que a do Sol. Julgão alguns , que os longDS periodos lunares , ou luni solares conduzem ás mesmas tem- pe. siau ot 94 JNTkíwoeias da Academia Real pcratiiras , como por exemplo o de 19 annos , ou aquelle de quasi 9 annos , que dá pouco mais ou menos as mesmas quantidades de chuva em certos climas. A outros lhes pare- ce desciibrir no espaço de cada revolução lunar , causas as- saz influentes para produzir mudanças de temperaturas , seja de huma a outra phase , como o estabelece Toaldo na sua theoria dos pontos lunares , ou nas diffcrenres declinações da Lua , como o suppóe Mr. de Lamarck na sua hypothe- se das constituições lunares , boreal e austral. Toaldo consultando a experienciaa , c combinando o estado da atmosphera com as posições da Lua ; para o que comparou as observações de quasi 50 annos, feitas por elle e pelo Marquez Poleni , achou que a proporção , ou gráo de probabilidade para que acontecessem variações atmos- phericas em cada hum dos pontos lunares era por aproxi- mação a seguinte. Lua Nova Lua Cheia Lua Nova Lua Che Lua Nova Lua Cheia a ) . . . . >Perigea ia 3 . . • ■ ^•Apogea 6:1 5:1 10:1 7:1 8:1 Lua Perigea 7:1 Lua Apogea 45:1 Equinócio ascendente . 3^:1 Equinócio descendente 2^:1 Lunisticio Boreal ... i-'.i 4 Lunisticio Austral ... 3:1 Quarto cresc. ou m. . . 2j:i Não devemos porém deixar de observar, que as cau- sas das variações da atmosphera , especialmente nas zonas temperadas , são tão numerosas e complicadas , que será sempre assaz difficil discernir as que são devidas exclusi- vamente á influencia da Lua e do Sol , em hum periodo tão curto como o de hum mez para a Lua , e de hum an- no para a influencia solar combinada com a da Lua , pois que não só obra simultaneamente confundida huma com a outra, mas também se lhes reúne a força de attra-cção que ex- DAS SciENCtAS DE L I S B O A. J^f exercem todos os outros planetas , especialmente Júpiter ç Vénus , os quacs quando se achão no seu Pcrigeo , exercem sobre a Terra , o primeiro huma attracção equivalente a rb da attração limar , e o segundo rf* , sendo a de Jupitet capaz de produzir por si só huma elevação nas aguas do Oceano , de mais de i^ poUegada , e a de Vénus outra eleva- ção de mais de huma pollegada. A tão grande numero de causas , que todas obrão mais ou menos sobre a atmosphe- ra , devemos também contemplar as que são o côeito da força ou industria humana , a qual não he tão diminuta que não seja capaz de produzir pot si só , consequências mui sensiveis. Por exemplo está hoje provado , até á evidencia , que a destruição das arvores faz diminuir notavelmente a humidade e quantidade da chuva que costuma cahir no ter- ritório aonde se pratica o corte , alterando-se por conse- quência a temperatura dominante. Os diversos géneros de cultura , a que se destina huma grande superfície de terre- no , podem alterar a constituição da atmosphcra , como o presume o celebre Astrónomo Carlini , comparando a quan- tidade media de chuva , que cahe actualmente no territó- rio Milanez , com a de épocas mais remotas. Presume aquel- le sábio , que o seu augmento pôde ser originado pelos in- numeráveis canaes de rega com que a industria agrícola , daqucUc fertilissimo território , tem cuberto a sua superfí- cie , augrtientando-se desta maneira a evaporação. He igual- mente sabido que a posição do lugar influc decididamente sobre a sua constituição atmospherica , independentemente da Latitude ; a elevação sobre o nivcl do Mar ; a visinhan- ça de grandes serranias, que rcsguardão ou expõem mais particularmente a certos ventos ; a proximidade do Mar , de Lagos , ou de grandes Rios , ai terão de tal maneira es- ta constituição , que muitas vezes , a poucas legoas de dis- tancia , se encontrão climas os mais diversos. O laborioso Cotte , a quem muito deve a Meteorolo- gia , tendo examinado e comparado as diversas rheorias com a observação , não achou ainda resultados satisfatórios , e ^6 Memorias bA Academia Real conclue , que só o exame de mui longos períodos lunares , he que talvez poderá conduzir a resultados concludentes. O período de 1 9 annos tem merecido , á muito tempo , a attenção dos obseiTadorcs Meteorológicos , os quaes estão persuadidos que sendo positivamente reconhecida a influen- cia geral da Lua sobre a atmosphera , devem os seus ef- feitos ter alguma semelhança nas épocas em que se acha quasi nas mesmas posições a respeito da terra. Assim por exemplo verificando-sc o perigco lunar , no mesmo ponto da orbita, no espaço de 8,85- annos, devem neste mesmo pe- ríodo repetir-sc alguns fenómenos geraes, e com effeito a comparação das observações já feitas nos annos que tem de- corrido, confirmão plenamente esta theoria , notando-se que a quantidade de chuva cahida durante o periodo de 9 annos, em que se repetem os perigeos , he com pequena differen- ça igual á quantidade cahida durante os períodos antece- dentes , o que se ftao verifica sommando outro qualquer nu- mero de annos que não seja múltiplo de nove. Cumpre aqui observar de passagem , que a pratica se- guida quasi geralmente de avaliar as colheitas por quinqué- nios , não pôde ter outra origem , que o ter-se provado por observação , que a somma das colheitas de 5" annos consecutivos he pouco mais ou menos igual entre si , sen- do aliás tão dcsiguaes as colheitas paiticuLires de cada an- uo, pelo que os Lavradores intelhgcntes não tomao as ter- ras de arrendamento por menos de j annos , e os mais ins- truídos já estão convencidos ser mais exacto o period;) de p annos. Esta pratica parece confirmar a theoria da influen- cia lunar , pois verificando-se a revolução do perigeo em hum periodo de 8,85" annos deve acontecer hum retroces- so de fenómenos quasi pelo meio deste periodo , ou entre 4 e j annos , sendo mais sensível esta influencia da repe- tição dos fenómenos , no período de 9 annos , o qu.il , co- mo já dissemos , fornece na sua totalidade a mesma quan- tidade de chuva. Os Nodos vcrificão se no mesmo ponto da orbiti dc- vol- DAS SciENCiASDt Lisboa. ^f volvido hum pcriodo de i8,<)2 aniios. O Sol e a Lua achão-sc quasi nas mesmas posições a respeito dos Nodos decorrido o espaço de 18,03 annos, e por fim o celebre ciclo lunar , em que as phazes da Lua acontecem nos mes- mos dias do anno , e quasi á mesma hora, he de 19 an- nos. Tomando hum médio entre estes três períodos, e o dupio do periodo do pcrigeo , resultará hum de 18,34 an- nos, e como este numero he maior que 18 c menor de 19, concluiremos que no periodo de 18 ou de i<> annos se de- vem repetir de alguma maneira, os mesmos fenómenos, e se desejarmos hum periodo ainda mais exacto, triplicaremos esto valor, e acharemos que o periodo de yj annos he o que maior attenção nos deve merecer. Do que temos exposto facilmente se coUige , que as causas immediatas das variações atmosphericas são mui nume» rosas e complicadas , e por isso mesmo difiiceis de discernir; mas também não poderemos duvidar , que estas causas imme- diatas estão sujeitas á influencia de causas mais gcraes, que modificão e coordcnão realmente os seus principacs eflFeitos. Assim , contra a apparencia que offerecem á primeira vista , nas nossas regiões , os fenómenos atmosphericos , os quaes parecem entregues á confusão e desordem , existem realmente leis que nos seria muito útil conhecer, e que só unicamente a observação nos poderá fazer descubrir. Para obtermos pois a solução de alguns destes impor- tantes problemas , parece indispensável continuar a estudar com attenção e perseverança , a temperatura c constituição atmospherica do maior numero possivel de Regiões, na certeza de que resultarão vantagens não indiflFercntes a fa- vor da Agricultura e Medicina ; não se podendo duvidar que huma vez bem conhecida a marcha geral das estações, c os diversos fenómenos atmosphericos dominantes em hum pai/. , será mais fácil dirigir com acerto os trabalhos da agri- cultura , e diminuir os funestos effeitos de algumas enfermi- dades, cujo desenvolvimento he devido a essa mesma cons- tituição. A tndos os instantes se nos manifesta a grande Tom. V. Part. 11. N in- p8 Memorias DA Academia Real influencia da atmosphera sobre a nossa saúde , pois he o âr que pelo seu pezo , calor, elasrcrio, e humidade obra im- mincntemente sobre o desenvolvimento e conservação de to- dos os entes organizados , sendo por consequência hum dos mais poderosos agentes da vida. A grande utilidade, que destas observações poderia re- sultar a favor da Agricultura e Medicina , já à pressentia o celebre Fontenelle , quando no principio do século pas- sado dizia " que as mudanças acontecidas nesta grande mas- „ sa de ar parecem talvez mais irregulares do que eífecti- „ vãmente o são , por falta de observações assíduas desti- j, nadas a descubrir as leis dessa apparente irregularidade ; „ o certo he , continua o mesmo sábio , que se existem „ não se poderão descubrir senão em consequência de huma , longa serie de observações feitas em diíFerentes lugares. Quem sabe , por exemplo , se não ha alguma compensa- j, ção e troca de bom c máo tempo entre difFcientcs re- j, giões ? os Náuticos sabem pronosticar os ventos e oS j, temporaes por meio de alguns signaes , que sem duvida j, são os mais apparentes , o os que exigem as menores „ indagações. " Deve ser mui agradável , para quem contempla a na- „ tureza , ter presente a historia fysica de cada anno. Ella „ mostrará os mezes que forão secos ou chuvozos , como se „ distribuio nestes mezes a agua cabida da atmosphera , a j, relação que houve entre a pressão do ar , e a constitui- j, ção que forma o bom ou máo tempo , os limites do j, maior calor e frio , se forão iguaes cada hum nas suas j, respectivas estações , ou de quanto se excederão etc. " A' vista destes fundamentos poder-se-ha conjecturai „ com muito mais probabilidade, donde procede a esteri-' „ lidadc ou fertilidade do anno , o motivo por que foi sau- „ davel ou doentio ; mas o que confirmará ainda melhor „ estas conjecturas he a comparação de muitos annos, pois „ que hum maior numero de factos ofFerece mais relações „ e dá maior probabilidade ás consequências. Des- "T nr dasScienciasdeLisboA. 519 Deste modo fallava Mr. de Fontenelle no principio do século passado , 011 na cpnca do nascimento da Metéo- r»>l<)gia. ( Academia das Sciencias anno 1699 , pag. zo. (/)) Mctnodas da AcadciPU das Scirncias de Faiís de I74<> > P^g- terminando o anno com fiiatf oí- Constituiíjiíes dominantes no Inv>.Tno e Primavera de 1816. Temperado — Atmosphera variável com alguns aguaceiros. Temperatura muito fria, «ca, e ventosa. — Ventou mui rijo por três dias , e gelou nas duas noi- tes de 10 e II de l>ezembro. Temperatura variável e húmida — Nublado, Nevoeiros e algum chuvisco. Temperatura tria e muifo húmida — Chuvas abundantíssimas, especialmente a 21 de Dezembro, em (.)uc cahirão o,j'j. ile palmo, em 12 horas. Temporaes do j.° i.|uadrante. Temperatura fria e algum tanto húmida Claro com alguns Nevoeiros de manha. Temperatura variável e humid.i — Atmosphera encuberta. Temperatura muito variarei e húmida — .^í;uaceiros amiudados e muito frios. Tépido e húmido — Chuvas copiosíssimas , e forte temporal de SO a 8 de Fevereiro— Tremor vio- Ifuío as o h. 40.' damanhí de j de i>vereiro. Frio e seco — Atmosphera clara — Ventou mui rijo do NE. por j dias. W.riavel e húmido — Chuvas de aguaceiros acompanhadas de refegas. IVmperado e seco — .A.tmosphera clara — Ventou rijo do N. a 1 5 e 16 , esfriando a atmosphera. Frio e húmido — Chuvas alternadas , e ventos rijos de NO. i frio e muito húmido — Chuvas abundantes. rtuito frio e húmido — Chuvas de aguaceiros — Ventou muito rijo de NO. a S de Abril. Temperailo e hiiiiiido — Chuvas copiosas e continuadas, com alguma pedra — Ventou rijo de SO a I > e 16. rio e húmido — Chuvas brandas de aguaceiros frios. Temperado e seco — Ventou rijo do N. a 8 e 9. rio e muito húmido — Chuvas de aguaceiros, que esfriarão a atmospliera — ^Trovoada distante a 16. Temperado e seco — Atmospliera clara — Dias algumas vezes quentes, porém as noites frescas. * (Mem. Acad. T. V. Pait. II. Mcm. Soe. pag- I0$.) Meies e Dias em i^ue acon- tecerão as mu- danças de cons- tituiria rez. I a 7 8 a M l6 a 20 21 a 24 2)3 7 de Jan. S a 12 ij a }i Fev. 1 a 1 1 12 a 29 .Março i a 8 9 a 2j 2+ a ji CoincKfeiKia com os Pontos Ltinarcí Temperaturas Apog. Lua eh. Perig. l*erií. Perig. ' l.ua eh. I Apog. j Perig. i Lua eh. Apog. Lua nov, Pcri-. Lua c!i. Lua no\', ToT>iL DO Abril 1 a 5 6 a I i 12 a 20 :l ai.^deiMaio 2 a 14 26 a ji 9 Inverno 1 i — 14 — 16 — i8 1 19 — Lua eh. Apog. Lua nov. Total ua Primavera nias ] 7 8 ! 4 14 i '9 41 43 Í4 4i >l S2 54 49 í I !1 S2 48,0 Sú 6 ; 6z 61 'i8,í Í7,i 66 49,! 67 Sí.O| Barómetro 62 49 ôo 4S 66 >S 67 49 7S ÍO 69 i2 80 i7 80 45 54 55,7 60 59,7 66 " Max. Altura 1 Pollcg. Jí^i^i = 9,54 jO,II 29,57 iC',04 29,64 29,64 29,40 !0,:4 39,72 i.,,S -9,89 iO,2 1 29,52 29,S6 29,10 !0,2S 29,59 jo,o6 29,46 iO,l i 29,6j 29,'!l 29, ii ÍO,2i 29,10 = 9,72 29, '4 29,60 29,24 29,76 29,4) 29,82 29,51 !0,i> 29,68 29,98 29,41 J0,02 29,65 ' jO,li 29,14 50,00 50,C0 29,85 29,49 JO,OI 50,10 29,79 29,45 29,96 29,82 29,94 29,61 29,85 29,49 39,41 29,6) 29,69 29,92 29,65 29,98 29,67 Estado da Atmospliera o;2 o;l 1 2;2 i;2 i;o o;! iS;o 2;2 i4;i !;i 6752 o;l 4;í 1 1;2 2;o 5;2 o;2 i;o 4;o o;í 2;2 )c;o o;i S;o 7;o 22;j í;0 i;2 2;o 4;o 4;i 452 4;i 2;o 1 j2 — 6;o 5;o c;2 — iS;o i;í 41 Palmos 0,01 0,44 0,0] 0,01 0,27 0,5 5 0,14 Ventos Dominantes 1,56 o,] o 0,29 o,o3 NO. N. NE. NE.: NO. O. SO.: s. NE. N. NO. NO. O. SO.' O.' NE.= N. NO. O. SO. N. NO. N. NE. NO. N. SO. s. o. NO. O. SO. S. O. NO. N. N. NE. SO. a NO. NE. N. N. NO. Gonstituiçjes dominantes no Inverno e Primavera de 1816. Temperado — Atmosphera variável com alguns aguaceiros. Temperatura muito fria, wc.i , e ventosa. — Ventou mui rijo por ttes dias , e gelou nas duas no:- tes de 1 o e 1 ] de Líezembro. Temperatura varia\el e húmida — Nublado, Nevoeiros e algum chuvisco. Temperatura fria e mui'o húmida — Chuvas abund.innssimas , especialmente a 21 de Dezembro , em que cahiráo 0,50. de palmo, em 12 horas. Temporaes do 5.° quadrante. Temperatura fria e algum tanto húmida Claro com alguns Nevoeiros de manhã. Temperatura variaiel e húmida— Atmosphera encuberta. Temperatura muito varia^ el e humida^Aguaceiros amiudados e muitn frios. Tépido e huinido — Chuvas topiosissimas , e forte temporal de SO a 8 de Fevereiro — Tremor vio- lento às o h. 40.' damanhá de 5 de Tevereiro. frio e seco — Atmosphera clara — Ventou mui rijo do NE. por 5 dias. V.,riavel e himiido-^Chuvas de aguaceiros acompanhadas de refegas. Temperado e seco — Atmosphera clara — Ventou rijo do N. a i j e 1 6 , esfriando a acmospíiera. Frio e húmido — Chuvas alternadas, e ventos rijos de NO. Frio e muito húmido — -Chuvas abundantes. Muito frio e huinido — Chuv.as de aguaceiros — Ventou muito rijo de NO. a 8 de Abril. Temperado e húmido — Chuvas cnpios.is e continuadas, com alguma pedra — Ventou rijo de SO a 1 5 e I 6. Frio e húmido — Chuvas brandas de aguaceiros frios. Temperado e seco — Ventou rijo do N. a 8 e 9. Frio e muito húmido — Chuvas de aguaceiros, que esfriarão a atmosphera — Trovoada distante a 16. Temperado e seco — Atmosphera cl.ira — Dias algumas vezes quentes, porém as iioites frescas. * (Mem. Acad. T. V. Pait. II. Man. Sac. p-lg' loj.) Constituiqúes dominantes da Atmosphera, no Estios Outono de iSitf, remperatuM seca e fresca — A 7 houve hum furacão de ESE. que durou i o horas. Temperatura húmida e fresca. — Chuvas de aguaceiros. Temperatura húmida e fresca. Temperatura variável , húmida , e fria. — Chuvas brandas de aguaceiros — Veottw rijo de S. e SO. a 20 , 29 , jo , e j 1 de Julho. Temperatura seca e quente — Ventou rijo do N. e NE. por 6 dias. Temperatura húmida e fresca. — Chuvas abundantes nas noites de i6 e 2S de Agosto. Temperatura seca e temperada — Calor forte a7,8,9,H,ei; de Setembro; porém as noites sempre frescas. — Na madrugada do dia 10 houve huma viol. refega de ESE., que durou lol Temperatura húmida e fresca. Temperatura húmida e muito fresca — Chuvas de aguaceiros. Temperatura seca e quente. "emperatura quente e seca. Temperatura húmida e tépida — Chuvas alternadas. !'emperatura quente e seca. 'emperatura fresca e seca. 'emperatura muito fresca e húmida. — Chuvas abundantes e continuadas , com fortes lemporaes do S. e SO. , a 28 , e 29 de Outubro; 4 , ; , e 6 de No\'embro. 'emperatura muito fria, seca, e ventosa. — Houve geada nas noites de iS e 19 de Novembro. temperatura fria e muito húmida — Chuvas de aguaceiros, e fortíssima tempestade de SE , ? SO , a 21 , 22 , e 2} de Novembro. 'emperatura fria seca, e ventosa, principalmente a 27 e 28 em que soprou NE mui rijo. (MsM. AcAD. T. V. Part. II. Mem. Soe. pag' 105.) Mezes e Dia.? em que acon- tecerão as mu- danças de cons- tituição. ;,°Jun.a6Jui. 7 a IO 1 1 a iS 9Jul. aç de A;:, IO a 32 2j a ji Set. 1 a 1 j i6 a 19 20 a 2 ) 24 a jo , Coincidsncu cn n I os ?ont(W /.mures Temperaturai U Ç ^ Lua cli. Luj cli. Luanov. Pcrig. Lua nnv. Pcri-, Idni. Total do Estio Oiit. I a ) aS 2 Lua eh. Apog. 4 a 10 29 — 1 1 a lí io — 17 a 24 n — 2 j a 9 de Nov. Í2 — L" A. 10 a 14 n — 31 a 2 j i4 — Lua nov. 24 a jo iS — — — Total do Outono 64 54 Eaio,-n:tra ^ I - «1 Só 64 5Ó I 81 5i,o 5!,i 6íA 66,0 70,0 S6,6 68,0 68,1 lSi.7 58, j 57,0 57,! 66,0 71.7 !9,6 ( i>7 i.2 i8,S 29,96 Í9i97 30,06 iO,o6 >9,9! )0,01 )0,04 29,88 >9,94 l°,0} jo,o6 )<5!M 29,56 í9,7a 29,72 29,55 29,77 29,60 29,70 29,69 29,7! 29,86 29,(5 29,94 29,8) 29,?! 19,70 29,86 29,59 29,27 29,77 29,«7 29, 1° io,i4 29,72 29,49 28,87 29,99 29,40 29,8) 29,81 29,98 29,82 29,85 29,82 29,88 29,81 29,87 29,92 29,84 29,89 29,77 29,74 29,80 29,)i5 29,97 2 9,Oi 29,84 29.7! Estado da Atmospbtra jO;2 2,0 6;i I );o i2;i s;o i|;o 2;o i;! 6;í 9!;o !;a i;! 5;i 7;" í;o lo;2 6; 2 5,2 I-,2 7;" o;l );i 2;o 2;o 'i! o;l 2Si2 !■,: o;i o;) 5;i o;2 i;o o; 2 .3 i;! o;) >-,! 7;' ii;o 16 0,01 0,08 0,07 0,09 0,04 0,29 0,11 0,5 SO'. NE' N. N. Nt SO. Temperatura se« e ficsca — .\ 7 houve hum fuiacSo de ESE que durou 10 hotu. Temperatura húmida e fresca. — Cbtn*a5 de aguaceiros. Temperatura húmida e fmn. Temperatura variável, húmida, e fri.i. — Chuva? brandas de at^uaceims — Vento» rijo de S. o SO. a ao , 29 , JO, e p t!c Julho. Temperatura seca c quente — Ventou rijo do N. e NE por 6 dias. Temperatura húmida e fresca. — Chuvas abundantes nas noites de a6 e a8 do Agnsta Tcmperatur.i seca c temperada — Calor forte a7,8,9,i|,eif de Setembro; pnrím as noites sempre frescas. — Na madmgada do dia 10 houve Imma viol. tefcga de tSE. , que durou 10' Temperatura húmida e fresca. Temperatura húmida e muito frCKa — Chuvas dr ij^uacciros. Temperatura seca e quente. Temperatura quente e seca. Temperatura húmida e tépida — Chuvas alternadas. Temperatura quente e seca. Temperatura fresca e seca. Temperatura muito fresca e húmida. — Chuvas abundantes c continuadas , com furtes lemporaci do S. e SO. , a aS , e a9 de Outubro; 4 , s , c 6 de Novembro. Temperatura muito fria, seca, e ventosa. — Houve geada nu noites de 18 c 19 de Novembro. Temperatura fria e muiro húmida — Chuvas de aguaceiros, e fortíssima temputidc de SE, e SO,a 21 , 22, e 2) de Novembro. Temperatura fria seca, e ventosa, p/iiicípalmente a 27 e 28 cm que soprou híE mui ri;o. (Mem. Alad. T. V. Pari. II. Mtm. Soe. pag' loj.) ;0 METtOROLOGICO DE 1816. Ventos Hiimidos Diaj de teinp. no- ftvíl por 41 d m CO u V -c S 0 Q Q 8 i 9 4 '5 4 9 S 41 16 " f" 2 56 I J6 I 77 i P 7 IQ9 i2 18 OBStRVAÇÕES. Fiio, muito chuvoso, e Iiumido. Muito fria, e extremamente chuvosa. Aluito fresco, e húmido. Muito variável, chuvoso, e tempestuoso. Frio, muito chuvoso e hnm/do. j:o 1 1:3 2:0 1:2 1 0:2 S:o — f d:o 2:0 — — — 22:0 — 5 í:o 4:0 4:0 1:0 1:0 12:0 — i 7:0 4:0 2:2 0:2 0:2 14:2 — S 8:0 5:0 í:o 4:0 1:0 24:0 — 6 6:0 j:o j:o — — ia:o 4 — 6:0 j:o 1:0 — i:c 1 1.0 2 — 5:0 7:0 4:0 1:0 — 27:0 2 — 7:2 ):í 6:2 j:o — 20:2 7 — 2:0 2:2 4:0 — 0:2 19:0 1 I — 4-:í i-i 7:0 2:0 0:2 17:2 s — í:o 2:2 2:0 2:2 2:2 12:2 — 8 Temperatura mui variável , mas em geral fria c húmida. Temp.-ratura variável e húmida, com hum ter- ço do mez muito chuvoso. Huma terça parte tcpido e húmido , e os dois terços frio e seco. Metade frio e húmido, e metade temperado e seco. Frio, muito chuvoso e húmida Metade frio e muito húmido , e metade tem- perado e seco. Seco e tresco. Húmido e fresco — Chuvas brandas de aguacei- ros. Seco e temperada Seco e quente. Temperado , e no fim chuvoso. Frio, húmido, e mui tempestuoso. (Mem. Acad. T. V. Patt. II. Aí4,o 66,0 7 5,0 14,0 6,1 fi!,7 49. i 54,S 61,0 i6,c Temp. ao Sol ás 2 horas da tarde >!,! 86 j S2,o i8,5 67,0 i8,í Í9,° II) 120 iJi I ii Earometro 64 I 94 62 97 jo,2; K,2S i°.ií jo,o6 iO,'4 29,10 29,14 29,M 28,87 29,8í 29,67 29,84 29,7 í Estado da Atmosphera. S (5 67:2 ! jo:o 24:2 I 21:2 9í:o !7:i 25:2 12.-) 8,87 29,80 222:1 I 90;j í2:i i:j 104 22:j ii:o i:2 1 1:0 palm. i,!ó 0,78 0,29 0,86 " g rs a. = ;: 3 3 cy- canad. 12,00 6,,, 2,24 6,6s Ventos sec03 í,49 27,00 101 S4 10 lós 94 Ventos Húmidos IDias de temp. no- , ftvel por 64 2! 41 i' 41 41 16 2t ^ 2 i6 ■ là 1 7? i !0 7 199 OoStR VAGÕES. ili <5 Fiio, muito chuvoso, c liiimido. f> 2 Muito fria, o cxtrcmiimi.ntc cliuvosa, Muito fitisco, u huinido. Muito variável, chuvoso, c tcmpcscuoso. j 1 J 2 1 >í I rio , muito cliuvoso e luim/do. RESUMO DAS OBSERVAÇÕES MEKSAES. Dezemb. de 1815 Janeiro de 1816 Fevereiro Março . Abril . Maio . Junho Julho . Agosto Setembro Outubro Novembro +3 54 49 54 (i S8 4 52 62 58 70 — 62 7i 6i 74 6; 76 64 76 59 70 50 59 48 60 49 60 52 67 I !7 , 80 52 1 67 IH 1 77 111 64 >i> ' 84 115 95 120 114 106 114 M! 1 ii 1 22 96 J0,24 29,40 8i JO,2I 29,52 104 50,25 29,10 94 íc-,ií 29,55 77 29,82 29,14 92 50,15 29,41 97 29,96 29,56 92 jo,o6 29,5 5 96 jO,o6 29,6c 1 12 50,04 29,69 114 29,94 29,50 lOj 50,14 28,87 29,91 29,90 29,77 29,35 29,55 29,79 29,85 =9,85 29,84 29,87 29,72 29,75 18 10 19 20 5 19 25 20 25 24 i8 19 1 5 8 5 9 5 5 "6 6 0,45 0,28 0,55 0,27 0,58 0,21 0,01 0,1 j 0,11 0,04 0,42 0,44 5,48 2,17 4,26 2,09 4,49 5:2 4:0 );o liio 6:0 1,62 ^14:0 c,o8 '17:0 1,01 0,85 0,iO 4:0 9:0 5,25 ! 9:0 j,40 ; 6:2 14:2 1:2 5:0 1 j:o 1:0 21:2 í:o 9:0 20:0 17:0 2:0 16:2 7:0 6:0 8:0 19:0 6:0 19:0 6:0 4:0 15:0 io;2 7:2 1 1:0 12:0 15:2 4:2 17:0 5:0 2:0 4:0 4:0 s:o 5:0 5:0 7:0 5:2 2:2 5:2 2:2 — — 4:0 1:0 2:2 0:2 6:0 4:0 5:0 — 1:0 — 4:0 1:0 6:2 j:o 4:0 — 7:0 2:0 2:0 2t2 1:2 ; 0:2 I »:o 22:0 iioj 12:0 0:2 114-2 1:0 I 24:0 I a:o II. o 27:0 20:z 19:0 I 0:2 I 1 7:2 2:2 ; 12:2 1:0 0:2 Temperatura mui variável , mas cm gemi friii c iiumida. Temperatura variável c húmida, com hum ter- ço do mcz nuiit<» chuvoso. Huma torra parte ícpido c huniido, c os dois terços frio c seco. Metade frio e húmido, c metade temperado e seco. Frio, muito chuvoso c humido. Metude frio e muito luiiiiido , e metade tem- perado c seco. Seco e ficsco. Humido e fresco— Chuvas brandas de aguacei- ro?. Seco c temperado. Seco e quente. Temperado , e no fim chuvoso. 6 [ Frio, humido 3 c mui tempestuoso. •" (,Míbí. AcAD. T. V. Part, 11. Mon. Strc. pa-. loó.; DAS SciENCIAS DE L 1 S B O A. lOJ com O Outono , que se compõe dos dois mezes restantes de Outubro e Novembro. Parcceo-me que assim deviamos considerar Mctéorologicamentc as estações , neste nosso cli- ma , para seguir-mos a sua influencia sobre a vegetação das plantas , saúde e sensações dos animaes , sendo da maior importância para estas comparações , a determinação exacta das temperaturas e fenómenos dominantes nas sobreditas quatro estações. Alem destas Taboas , que oflícrecem reunidas a totali- dade das principaes observações feitas em Lisboa , pancco- me que merecia algum interesse o resumo chronologico dos mais notáveis fenómenos Meteorológicos acontecidos em cada hum dos mezes , cuja descripção não pôde ter lugar nas sobreditas Taboas. Nestes resumos nSo só relatarei os fenómenos que presenciei , mas também os que chegarem ao meu conhecimento pela via dos Jornaes , ou por infor- mações particulares , fazendo particular menção dos terre- motos e irrupções volcanicas , os dois mais terriveis fenó- menos que observamos na superficie do nosso globo , e que parecem ter reciprocamente a mais estreita connexão. Nos abalos da terra tudo indica a acção de fluidos prodigiosa- mente elásticos, que procurão sabida para se diffundirem na atmosphcra. Nas costas occidcntaes da America , aonde elles exercem a sua influencia com o maior vigor , se ob- serva muitas vezes que esta poderosa acção se communica quasi instantaneamente desde o Chili até ao golto de Cíua- yaquil , em huma extensão de mais de 600 legoas , notan- dose constantemente que as concussões são tanto mais vio- lentas , quanto mais afi:'astados estão os pontos abalados dos volcanos em actividade. — Este mesmo fenómeno se obser- va no Reino de Nápoles e Sicilia , igualmente atormenta- dos por terremotos e fogos vulcânicos , por cujo motivo os habitantes de Messina , e Nápoles, ou os do Gotopaxi e Tanguragua , só temem os terriveis cffeitos dos terremotos^, quando desde muito tempo observão soccgados os seus vol- cões. O desenvolvimento da enorme massa dt fluidos ga/,o- O ii SOS io8 Memorias da Academia Real 80S , e de .electricida>.1tí , que diariamente fornecem á atmp^ plicra os 2CO voicõcs actualmente existentes , deve necessa- riamente influir de huma maneira mui sensível na formação dos meteoros , e por isso não pôde ser indifferente a sua observação para a Meteorologia. São estes os principacs objectos que tenho considera- do no meu plano de observações, tendo principalmente ern vista desempenhar a primeiía parte , quero dizer determi- nar a constituição do nosso clima , ou a Estatística atmos- pherica da Cidade de Lisboa. A Segunda parte , a Chimica ou Fysica atmospheri- ca , hum dos ramos mais interessantes e complicados do estudo Meteorológico , tem já occupado a attençao de al- guns sábios , como provâo as modernas c interessantes ex- periências e resultados, obtidos pelo Dr. Wells, sobre o orvalho. Nâo obstante ainda se acha muito atrazada , ape- sar de ser susceptível de progressos ulteriores assas interes- santes, sendo provável que vá seguindo os admiráveis dcs-? cubrimentos que a Chimica tem feito em nossos tempos. Ainda á pouco acabamos de ver a feliz applicaçao de Mr. Leslie , o qual por meio de simplíces combinações desco- brio hum methodo facil p;ira gelar artificialmente , e com a maior rapidez, qualquer fluido, em todos os climas e es- tações ainda nos mais ardentes. Esta parte da Sciencia he inteiramente separada no seu objecto , e independente da 1.» e ;." parte. Finalmente a 3.' parte , ou aquella a que verdadeira- mente deveria pertencer a denominação de Meteorologia, cujo objecto, auxiliada pelas observações analizadas e com- paradas , he subir ao conhecimento das causas geraes que produ/em as variações annuaes da atmosphera , de discernir a ordem que existe na sua succcssão , de conhecer as rela- ções existentes erTtre essas mesmas variações, e as circums- tancias necessárias para a sua formação; em huma palavra de determinar as circumstancias que favorecem a tormação dos meteoros , ou a sua dissoiyçáo , ij^o tem esta até ao pie- SI3\I 05 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I09 presente obtido notável adiantamento, por isso mesmo que exige huma copiosa coUccçao de observações feitas duran- te hum dilatado lapso de tempo , e em hum grande nume- ro de pontos diversos ; por cujo motivo só a constância e assiduidade neste género de observações , he que poderá pre- parar os materiaes necessários para que algum dia , hum talento transcendente, abrangendo a totalidade destes fenó- menos c das suas causas , possa crear huma theoria lumino- sa ; semelhante áquella que outros sábios de igual ordem , souberão formar pela descuberta da attracção universal , sub- metendo ao mais rigoroso calculo o maravilhoso encadea- mento da marcha dos corpos celestes , que nas primeiras <5pocas do desenvolvimento do espirito humano, parecia tão irregular , e independente de qualquer Lei. Recapítulação dos mais notazeis succcssos Meteorológicos do anno de 1 8 1 6. D, DEZEMBRO DE i8ij. TA 2 1. — A' I hora da tarde marcava o Termómetro ^(>° e o Barómetro 2 9,45" , soprando SSO. forte , com a at- mosphera mui escura e carregada : então começou a chover com tal violência que em poucas horas se acharão alagadas as ruas desta Cidade , não podendo as enxurradas ter suf- ficientc evasão. A chuva que cahio na tarde e noite subio a o, ^6 de palmo , esp^lhando-sc por consequência sobre a superfície ce huma braça quadrada , a enorme quantia de 23 almudes de agua. Esta chuva causou geral admiração aos moradores de Lisboa e subúrbios , os quaes se não Icm- hrão ter presenciado outra tão copiosa. — A temperatura media deste mez , foi de jo." sendo por consequência o mais frio do anno. JA- L tia'» oc lio Memorias da Academia Real JANEIRO DE i8i6. Dia 6. — A's y.*" e '- da manha, marcava o Termó- metro 38.°, c o Barómetro 30,09, soprando NE. com o Ceo mui claro. Foi este hum dos dias mais frios do an- no , aparecendo de madrugada muita geada , c em partes algum gelo , ainda que mui delgado , c que prompt^imente se desfez. Hum frio igual se sentio na noite do dia 19 de No- vembro seguinte, soprando N. brando, com o Ceo claro, marcando a Barómetro 29,89 , o qual igualmente produzi» geada. — A temperatura media deste mcz foi de ji.", ou hum gráo mais quente que o antecedente. FEVEREIRO. Dia 2. — A's o.'' 40.' da manha marcando o Termó- metro ^0.° e o Barómetro 29, ój , sopranio vento O. se sentio hum forte tremor de terra, que durou quasi hum minuto , parecendo que as oscillaçoes se fazião na direcção do NE. ao SO. , sendo o abalo mais foite quisi no fim. Causou geral susto aos moradores desta Cidade , sahindo bastante gente de suas casas com receio de repetição , a qual effectivamente aconteceo ás 6.^ e ^ da manhã , sendo porém mui leve e de muito curta duração. Logo depois das primeiras oscillaçoes seguio-se chuva mui copiosa. A esfera de actividade deste tremor , não só abrangeo o Reino, mas se extendeo a quasi 300 legoas ao occiden- tc de Lisboa como se pôde coUigir do extracto dos dois seguintes diários de navegação. Extracto do Diário do Navio Marquez de Angeja , na sua volta de Bcngalla para Lisboa. — Na tarde do dia i." de Fevereiro passou o vento de OSO. para ONO. , escure- cendo bastante a atmosphera , pelo que receando-se mdo tem- DAS SciENCTAS DE LiSBOA. III lempo se mandarão arrear os mastarcos de Joannctc. A's 3.'' escureceo muito, c ficamos em velacho , e nos segundos rinzcs; aclarou depois ficando o vento O., e ONO. até ás S.*" ; o Barómetro marcava 29,70 e o Termómetro da cama- rá 66.° — A's II.'' e j ( o.'' 46.' da manhã em Lisbna ) sentio-se hum movimento no Navio , que á primeira vista fozia crer que a embarcação hia arra-tando por algum bai- xo , ainda que se não .-entio toque ; durou isto mais de 2 minutos , reconhecendo nós então ser eJF.itn do tremor , o qual novamente repetio ás 5.'' da manha (6.'' cm Lisboa); porém muito mais diminuto. Pelas ob.-ervações do dia 5-, conclui-mos , que o Navio á hora do grande tremor , esta- va em 34." if.' de Latitude N. , e ij.° 10 O. do Meri- diano de Lisboa , ou 270 legoas a OSO. desta Cidade. Extracto do Diário do Bergantim Paquete de Lisboa , vindo da Bahia para Lisboa. — No sobredito dia 2 de Fe- vereiro ás o.'' 15.' da manhã (o.'' 42.' em Lisboa) se sen- tio hum grande tremor, que durou j ou 6 minutos , pelas S-*" ^ í ( 3-^ 4*^-' ^^ Lisboa ) repetio segundo que durou 233 segundos, em Latitude N. de 36. 'y 6.', e 6.° 5:2' de Longitude occidental de Lisboa, ou 120 legoas a OSO. desta Cidade; e pelas 5-.'' e ^ da manhã (y.'' 5-7.' cm Lis- boa) repetio 3.° tremor, que durou como o primeiro por 3 minuros. Annunciárão as Cartas de Zwol , na Hollanda , que nesta mesma noite de i para 2, , se observou hum estraor- dinario movimento no fluxo do mar , que pareceo ser ef- feito de tremer de terra , durando este movimento perto de meia hora. Abalroarão navios grandes huns nos outros , e quebrou-se o gelo com terrivel tracaço. Do referido se deduz que foi instantânea a primeira concussão , a qual abrangeo huma supcrficie cujos extremos conhecidos distávao mais de 600 lego.^s , o que parece provar rer sido commum o ftko que motivou este terrivel fenómeno. As pequenas differenças de minutos podem atri- buir-se á falta de exacção em observai a hora que marcá- vão sia.« oi' 112 Memorias ha Academia Real vao os relógios no momento da concussão, e também is differcnças que teriâo a respeito do tempo verdadeiro. Dia 1 2. — Começarão a soprar os ventos NE. , que du- rarão com pequenas variações até ao fim de Março , e que parece forão geraes no Oceano , pois conduzirão em 46 dias até ao Rio de Janeiro , a expedição commandada pelo Tenente General Lecor. Dia zj. — Observou-se a maior altura do Barómetro, que subio a ^0,25-, soprando NE. brando com o Ceo mui claro ; o Termómetro marcava ^2." — A temperatura media deste mcz foi de J2,°9, ou 2° mais quente do que o mez de Janeiro. ABRIL. Foi este o mez mais chuvoso do anno, cahindo até ao dia 21 — o, 5^7 palmos de agoa ; a sua temperatura foi muito húmida e fria , não excedendo de yf." , e por conse- quência hum só gráo mais quente que o mez de Novem- bro. No dia 22 sentio-se em Varsóvia hum calor mui in- tenso, que fez subir o Termómetro a 8i.° JUNHO. Em quanto nesta Cidade e Reino , decorria hum meZ sereno e sem chuva , cahindo apenas ~ de palmo, com a temper.itura fresca , prom.etendo ao mesmo tempo huma boa colheita de grãos e fructas , na maior parte da Euro- pa acontecião os mais desastrosos fenómenos Meteorológi- cos; referiremos aqui alguns dos mais importantes. Desde o dia 31 de Maio até 3 de Junho, não cessou de chover copiosamente no Reino de Lombardia, innun- dando-se mnis ou menos os seus férteis campos. Desde Pes- chicra até Vicenza foi extraordinário o atrazamento da ve- getação ; porem no território Padovano passou a ser medo- nho o estrago , pois se innundárâo mais de 130 mil cam- pos, UAsScitNCIASDELlSBOA, II3 pos , arrombando-se as suas novas e sumptuosas estra- das. Dia 7. — Descco naquelle mesmo Reino , o Termó- metro de Fahr.' de 82.° a 48." — Avalia-sc em muitos milhões o estrago cauzado nos campos por este tão extraor- dinário frio. Dia 10.— Iluma tcrrivel chuva de pedra destruio por 10 Icgoas , na margem esquerda do Danúbio ate perto de Alunich , as esperanças dos lavradores. Dia 14. — As devastações de que o Fricktal , naSuissa, foi victiina ne^te dia , deixarão horrorosas recordações. As agoas despenhadas do Monte Jura , em tão grande abun- dância como se lussem ribeiros , os rios sahindo inopinada- mente dos seus alveos , leva'rão a assoluçao aos vales de Schupfurt , c de Mumpf. Toda a povoação nesta ultima aldca se tinha reunido na Igreja para implorar a clemência do Ce:) ; mas em breve penetrarão torrentes de agoa no sanctuario , e apenas dérão tempo a estes infelizes de subi- rem ao telhado e á torre. Ao mesmo tempo forão damnifi- cados muitos edifícios , e outros desabarão ; pontes solida- mente construídas forão arrebatadas , e vastas campinas fica' rão cobertas de ai ca e de pedras. O Rheno offerecia ao mesmo tempo hum pavoroso espectáculo , annunciando no- vas desgraças em outras partes ; e accarretava arvores de- sarreigadas , moveis de casas , e animacs affogados. O valle de Wegensteten soffreo igualmente estragos. No Sulzthal aniquilárão-se todas as esperanças do lavrador ; jardins , pra- dos, campos, e vinhas arruinadas , casas, chatarizes , acque- ductos e caminhos destruídos ; tal foi a triste sccna da- quclle desgraçado paiz. Dia ij'. — Na noite deste dia houve nos contornos de Bambcrg tão grande chuva , que ficarão inteiramente des- truídos os campos de 17 aldêas. Perecerão muitos gados , forão varias casas levadas pela cheia que despenhou das Serras , e morrerão 1 5 pessoas. Tom. V. Purt. II. P Dia 114 Memorias da Academia Real Dia 19. — Avisão de Pctcisbiirgo que a vegetação está nnii bclla ; o tempo sccco e quente , conservando-sc a temperatura ordinária cm 77." de Falir.' Segundo as noti- cias que se recebem das Provincias , succede o mesmo no interior do Império. Dia 28. — Pelas 4.'' da tarde durante huma continua chuva , abaixou-se tanto huma nuvem sobre a Cidade de Francfort , que se temeo não involvesse em seu turbi- lhão a torre de Santa Catherina , rompendo-se de repen- te ; por felicidade levantou-se vento, que i^upellio a nu- vem , deixando huma forte pancada d'agu.i. Consta poriím que esta borrasca produzio horrendo estrago em Vihhcl , distante 3 Icgoas daquella Cidade. Em alguns sitios forâo levados os telhados das casas, dcstruidos totalmente alguns edifícios, e arrancadas mais de 400 arvores fructiferas. A pedra que cahio amontoou-se na espessura de quasi 3 pal- mos nas ruas e nos campos. Era tal o escuro que foi pre- ciso acender luz. As continuas chuvas tem feito grandes es- tragos naqucUas visinhanças. O feno novo aprodeceo no prado e o mesmo succedeo ao trigo. Todos os rios e ri- beiras transbordarão de modo que não podião trabalhar as azenhas. Iguacs sccnas assoladoras se passávao nos dois Reinos de França c Inglaterra , fazendo desaparecer rapidamente todas as esperanças do Lavrador. No fim do corrente mcz achava-se a vegetação ta» atrazada na Dinamarca , que ainda não apareciáo morangos maduros nos jardins , fenómeno que não tinhão visto acon- tecer os mais antigos habitantes daquelle paiz. As Gazetas de Halifíx dizião , que á mais de 40 annos se não lembravão de ver a vegetação tão atrazada cnmo estava acontecendo na Nova Escócia. Apenas se vlãt> alguns signaes pelo meado deste mez. No porto de Ha- lifax ainda liavia gelo , e os campos estavão cobertos de neve. A temperatura não tinha sido menos extraordina-- ria ■.lUH. 01 dasScienciasdeLisboa. ir5' ria nos paizes situados mais ao Sul. Os lavradores forão obrigados a lavrar c semear pela segunda vez as suas ter- ras no fim da Primavera. A temperatura media do mcz , em Lisboa , foi de 6$.° , excedendo somente dois grãos á temperatura do mez de Outubro. JULHO. Dia 7. — A chuva deste dia subio a 0,08 de palmo, sendo mui proveitosa á lavoura , especialmente para os milhos. Dia 20. — Choverão 0,04 de palmo , sendo esta agua favorável aos milhos , ainda que causou algum prcjuizo aos trigos ceifados , porém como foi de curta duração depressa enxugarão. Dizem os lavradores que a colheita não tem si- do tão abundante como indicavão as apparencias ; mas em ge- ral foi boa. Ventou rijo do S. e SO. a 20 , 29 , 30, e 31. Escrevião de Zutphen na HoUanda , a f deste mez , que as grandes chuvas tinhão alagado aqucllcs bellos pra- dos , arruinando não só os fenos mas até o trigo. Nas Pro- víncias de Overyssel e Frisia , forão ainda mais funestas as consequências de huma innundação d'Eítio. Em lyyó so- freo aquelle paiz outra calamidade semelhante. Avisarão de Arnheim na mesma data , que as torrentes de chuva acompanhadas de tormentas e torbilhões que cahi- rão na Suissa e Alemanha , produzirão tal enchente no Rhc- no, que o fizerão subir a iç i pés de altura , inundando-se todos os campos visinhos. Os dcstrictos do Mosa e do Vaal ficarão debaixo d'agua : o Yssel apresentava hum deplorá- vel aspecto. As forragens desaparecerão , e os lavradores virão-se obrigados a cortar o trigo , aonde isso se podia fa- zer , para sustentar os gados. Em Thiel , no mesmo dia 7 , continuava a agua a ele- rar-se, achando-se naquelle dia em 17 f pés de altura ; e o Vaal estava ao nivel dos diques. Jamais se vio nesta esta- ção huma tão deplorável inundação. P ii A \i6 Memorias da Academia Real A temperatura media deste mcz , cm Lisboa , foi de ^7.° ; ou hum gráo mais frio do que os dois seguintes me- Ees de Agosto c Setembro. AGOSTO. Nas noites de 26 e 28 choverão 0,09.?, soprando ven- tos brandos do S. e SO. Esta agua causou algum damno aos trigos , que se achávao nas Eiras , sendo ainila mais prejudicial ás palhas. Os dias secos que se seguirão, seca- rão promptamente o trigo. SETEMBRO. No principio deste mez reinarão oS ventos do N. e NO. rijos, e no dia 10 pelas 6^ e '- da manhã, marcan- do o Termómetro 66 ° , e o Barómetro 29,81 , desfechou repentinamente sobre esta Cidade hum violento furacão de ESE. , que apenas duraria lo minutos, c que teria produ- zido graves prejuizos se não fosse de ião curta duração. Na sua passagem derribou o velame de huma dúzia de moi- nhos sitos no alto de Monsanto , e encapelou tão fortemen- te as aguas do Tejo , que chegou a assustar a gente que se achava nos cães, a qual se retirou precipitadamente. — A atmosphera ficou abrazada de calor por alguns minutos. Annunciárão as Gazetas que no principio deste mez acontecerão violentas tempestades , e turbilhões na Gosta do Senegal , os quacs fizerão encalhar muitas embarcações y e outras experimentarão grandes avarias. Dia ij. — Foi este o dia em que experimentámos o mais intenso calor do anno , subindo o Termómetro a 86." O Barómetro marcava 29,85 , c o vento apenas sensivel» soprava de E. Foi igualmente a única noite em que se sen- tio algum calor, conservando-se o Termómetro em 72." — Nos dias 7 , 8 , 9 , e 13, também foi sensivel até ás 4.'' da tarde , sendo dahi por diante refrigerada a atmosphera com as costumadas virações marciras. or dXs Sciencias de Lisboa. ti/ A temperatura dos mezcs de Agosto e Setembro fo- rao iguacs e não excederão a 08.", sendo por consequên- cia os mais quentes do anno. OUTUBRO. Foi cálida a sua temperatura até ao meado do mez, conservando-se o calor médio em 69.° c 70.° Nas horas quentes dos dias ii , 12 , e 13, subio o Termómetro a 8i.° A 17 começou a variar rapidamente esta temperatura passando á frescura outonal: descco io.° , não excedendo de 68.° a mais elevada. No dia 24 aparecerão os ventos de S. e SO. com chu- vas copiosas , e nos dias 28 e 29 , soprarão aqucUes ven- tos com muita violcnciai NOVEMBRO. No i.° deste mez marcava o Barómetro 29,80, so- prando ventos variáveis do SO. ao NO. com aguaceiros j porem no dia 2 principiou a baixar sensivelmente descendo em todo aquelle dia 0,24 de polegada , e assim continuou no dia 3, em que desceo mais 0,16, vaticinando o gr.mde temporal do dia 4 , que começou hum dia antes da Lua cheia Dia 4. — Continuou a descer o Barómetro até 18,32. O temporal de SSli. , e SO. dcsenvolveo-se com toda a violência , dur.iudo com mais ou menos intensidade até ao dia 6. Na tarde deste dia reforçou furiosamente , e só ás V-'' hc que começou a abrandar-. Esta tempestade sorpre- hendeo os nossos pescadores , fazendo naufragar mais de 30 embarcações com as suas respectivas equipagens : o Ba- rómetro a annunciou com dois dias de antecipação. Dia 7. — Começou a cfFeituar-se a mudança para o bom tempo; porém só a 10 he que se declarou definitivamen- te fixando-se o vento ao N. e NE. com a atmospUera fria e seca. A temperatura media esfriou io.°, tornando-se tão ia- Í,I1'1 OT iiB Memorias da Academia Real intenso o frio; que no dia 20 descco o Termómetro a 38.° igualando o frio que sentimos a 6 de Janeiro , que foi o mais forte do anno. Nas noites de 18 e i<) tivemos geada. Foi igualmente a 10 do corrente que começou o frio a scntir-se em Francfort , por huma chuva de neve , aug- mentando progressivamente , e chegando por duas vezes , até ao dia 2Ó , a 9.° e 10." de Reaumur abaixo da conge- lação, ou a 12.° e 9.* da divisão de Fahr.' Já cm S. Petcrs- burg se sentio no dia y , hum frio de 10/ de Reaumur, abaixo da congelação. No dia 19 , cm que também aqui expjrin\entamos o maior frio, desceo o Termómetro em Varsóvia a 12.° de Reaumur abaixo da congelação , ou f." da divisão de Fahr/ ; porém no dia 21 houve alli huma forte chuva, que aque- cendo a atmosphera produzio o súbito rompimento do gelo o qual levou parte das pontes. Esta rápida passagem de huma constituição fria e seca , para outra húmida e quente , aconteceo igualmente em Lis- boa ; pois no dia 20 , hum dia depois da Lua Nova , co- meçou a cffcituar-se a mudança dos ventos septentrionaes, pura os quadrantes de SE. c SO. , obscurccendo-se a atmos- phera , c amaciando a aspereza do frio. A's 8.'' da manha marcava o Barómetro 29,84 , e então começou a baixar , descendo 0,2 polegad.is , até ás 11.'' da tarde. Dia 21. — Continuou a descer o Barómetro com gran- de rapidez chegando ás 11.'' da noite a 28,? 95'. — A's y.'' da tarde começou hum furioso temporal do Sul , que continuou toda a noite , passando com a mesma violên- cia para o SO. , pelas 2.'' da manhã do dia 22. O Baró- metro ainda desceo mais , chegando até 28,^ 87 , de ma- neira que desde o dia 20 baixou huma polegada , fenóme- no que raras vezes acontece em tão curto intervallo. Chu- vas copiosas acompanharão este temporal , que só começou a abrandar no dia 23^0 frio diminuiu 12." , e a quantida- de de chuva cahida nos trcs dias , subio a 0,2 de palmo , sen- DAS SciENCiAS UE Lisboa. T19 sendo para notar, que apezar de serem tão abundantes ape- nas chegarão a dar metade da agua que produzio a memo- rável chuva do dia 21 de Dezembro passado. Dia 24. — Effeituou-sc a mudança pnra o bom tempo , e ventos do quadrante Nlí. A temperatura media conser- vou-se igual á antecedente não descendo de 5 3.° O Baró- metro subio com rapidez. Ainda que neste mcz tenhamos sofrido os mais inten- sos frios do anno , todavia a sua temperatura media não dtscco de 54.°, c foi por consequência quasi igual á do rrez de Abril, que só a excedeo de hum grão. Recapitulação das Estações. INVERNO. Acontecerão nesta estação 12 series diversas de cons- tituições atmosphcrivas ; 10 succedcráo debaixo da influen- cia dos principaes pontos Lunares da theoria de Toaldo , e 2 falhaVão. Quatro anteciparão a época do ponto , 4 coincidirão com o mesmo ponto , e a posticipárao. A maior d.vcrgcncia foi de 3 dias. A que teve maior duração per- ma.iceo 19 dias, dominando os ventos do quadrante NO. A teaiperarura media mais fria, foi de 44.°, que durou os 8 dias que vão desde 8 ate 16 de Dezembro, e a mais quente foi de ff." que dominou nos 7 primeiros dias do mesmo me/, de Dezembro, e ly nos fins de Março. — O maior frio foi de 38.°, e o maior calor 67° ^ differindo os extremos 29.° — A temperatura media da estação foi de 5" 2.", que para o nosso clima se reputou fria, sendo alia's muito chuvosa e húmida. — A altura media do Barómetro reduzida ao nivel do Tejo, e á temperatura media de 63.°, foi de 30,1'- 128. A differença entre a maior e menor altu- ra foi de I,'' if. Dominarão os ventos dos quadrantes NE. e NO. , os quacs soprarão 93 dias , ou as j partes do in- verno. Os dias em que choveo forão 41 , ou a terça parte do giaa 01 120 Memorias DA. Academia Real do inverno , durante os quacs caliio hum pouco mais dos ^ da chuva total do anno. Os dias claros Forão 67 , ou pouco mais de metade do inverno. Forão i3 os dias que experimentamos trio intenso e sensível ao corpo ; e 6 os dias de tempestade ou ventos mui rijos. PRIMAVERA. Apparccerão nesta estação 7 mudanças de constituição , das quaes três coincidirão com os pontos lunares , e 4 fa- lharão, A que teve maior persistência durou 13 dias, do- minando os ventos do quadrante NE. A temperatura me- dia mais fria foi de 51.°, que durou 6 dias nos princípios de Abril ; e a mais quente foi de 66.° , que dominou 6 dias no fim de M.iio. O maior frio foi de 45.°, e o maior calor 80.° , dilíerindo os extremos jy." — Foi a temperatu- ra media da estação ^S.° ^, mui fria para o nosso clima, sendo ao mesmo tempo extremamente chuvosa , e húmida. — A altura media do Barómetro , reduzida como a antece- dente , foi de 29,P 927. A diíFcrença entre a maior e me- nor altura foi de i/oi. Dominarão os ventos dos qua- drantes NO. e SO. Os ventos de NO. , SO, , e O, , que conduzirão as chuvas , soprarão 3 i dias , ou metade da es- tação , sendo 26 os dias em que chove ) , ou quasi os ~ do total. Cahio neste intervallo huma quinta parte da chuva do anno. Tivemos nesta estação 6 dias que incommodárão pelo frio e 4 pelo calor : os dias de tempestade ou ventos rijos forão dois. ESTIO. Apparecerão nesta estação 9 mudanças de consticuição , das quaes ^ coincidirão com os pontos lunares , e 4 discor- dara). — Duas posticipárão , duas coincidirão , c huma an- ticipou aos sobreditos pont')s. A que teve maior permanên- cia durou 36 dias, que juntos com os 6 que já tinha do- mi- DAsSctENCIASDF. LiSUOA. 12I minido no fim da Primavera , dá 42 dias , durante os quaes soprarão os ventos N. c NO. — A tcinpcratura media mais fria foi de 6:5 ,"7 , que dominou 4 dias de Setembro ; c a mais quente foi de 70.°, que dfjniinou 13 dias de Agos- to. O maior frio foi de f^.° , e o maior calor de 86.°, diíFerindo os dois extremos 31.° — As noites forao cm ge- ra! 3.''gráos mais frescas do que as manhãs , cm consequên- cia das virações mareiras que aparecerão nas tardes. A tem- peratura media da estação foi de 67.°, a qual se reputou muito fria , e na realidade os calores só forao algum tanto sensiveis nas horas próximas ao meio dia , sendo constan- temente frescas as noites. Forao 22 os dias em que este calor se fe/. sensível , e só duas vezes soprarão ventos vio- lenio , ainda que de mui curta duração. — A altura media do Barómetro reduzida como as antecedentes , foi de 30,^078; diffcrindo os extremos da maior e menor altura , de o,P çr. Os ventos dominantes forao NO., N. , O., e SO. , soprando 77 dias os húmidos, que conservarão gran- de frescura na atmosphcra ; porém com pouquissima chuva , pois esta não excedco -tí da chuva total do anno , sendo bem notável esta excepção , comparada com o que se pas- sava ni) centro da Europa. Os dias claros forão 1^3 , ou as ■^ pjrtes do verão, sendo somente 15 os dias em que cho- veo , ou a ^ parte do estio ; porém se contarmos somente os dias naturaes em que efiectivanicntc esteve chovendo, estes apenas chegão a 4 , ou hum dia cm cada mez. A frescura imprópria da estação , influio notavelmente na madurez das fructas , as quaes forão em geral pouco saborosas. A uva padeceo por este mesmo motivo , fican- do pouco madura , pelo que sahirão os vinhos de qualida- de inferior, ainda que no total foi abundmte a producçao. A colheita dos farináceos foi geralmente boa cm todo o Reino. OUTONO. Acontecerão nesta estação 7 mudanças de constituição Tom. F. Part. 11. Q^ do- 122 Memorias da Academia Real minante , tias quacs só 3 coincidirão com os principaes pon- tos lunares. A que teve maior permanência durou 16 dias, nos fins de Outubro e principio de Novembro , djminan- do ventos violentos do quadrante SO. A tcmpcr.itura me- dia mais fria foi de fo." , que durou i r dias do meado de Novembro ; c a mais quente desta estação e de todo o anno , foi de 72.° , a qual permaneceo 6 dias no meado de Outubro , fazendo estas duas temperaturas hum salto de 22.° , em menos de hum niez. O maior frio foi de 38.° , e o maior calor de 8i.°, cuja diíFcrença hc de 43." — A temperatura media da estação andou por j8.° ^, e ainda que bem igual á da Primavera quanto ao v.ilor numérico, foi extremamente irregular , chuvosa , e tempestuosi. — As Y partes do mez de Outubro forão quentes e amenas ; po* rém o mez de Novembro foi o mais variável e tempes- tuoso do anno , fazendo-nos experimentar em poucos dias os dois extremos de calor e frio. — A temperatura das ma- nhãs foi geralmente 2.° mais fria que a das noites. A altura media do Barómetro, reduzida como as ante- cedentes , foi de 29,P 985 , diíFerindo os extremos de i,'' 27. — A altura media ás 2.'' ; da tarde foi sempre menor o,'' oi do que a altura media da minha e noite. Os ventos dominantes forão N. , e NE. , os quaes soprarão 29 dias , ou metade da estação. Os dias em que choveo forão 22, ou pouco mais de j, durante os quaes cahio a quinta parte da chuva total do anno. Os dias cla- ros forâo 37 , ou I do total. Forão 5^ os dias em que experimentamos algum calor incommodo , a saber desde 11 até ij de Outubro; e 8 em que sentimos frio mui vivo , o que teve lugar a 1 1 e 12 , e 15 até 20 de Novembro. — Houve oito dias de tem- pestades e ventos violentos ; a saber 4,5*, e 6; 21, 22, 23 i 27 e 28 de Novembro. Re^ sisvr or DAS SciENCiAS DE Lisboa. 123 Resultado geral do atino. Das obseiTações referidas resulta que cm todo o anno de 1816, ;iconteceriio 35- series altemauas de constituições dominantes, das quaes só 21 coincidirão com os princi- paes pontos Lunares de Toaldo , discord;;ndo 14. Desta ex- periência poderemos concluir que a probabilidade tjvoravel ao sobredito systcma foi este anno, no nosso clima, de YT y ou I ; e por tanto em <; casos , três acertarão e 2 fa- lharão. He digno de reflexão ter sido esta probnbilidade mais efficaz no Inverno e Lstio, cm que chegou a — , cu quasi j , sendo muito mais incerta na Primavera e Outo- no , em cujas estações apenas chegou a -^ ou ^. A temperatura media do anno foi de S9° 5 qi-ic se re- putou assas fria , diíFerindo os extremos de calor e frio , 48.° — A altura media do Barómetro reduiida com.o as ante- cedentes foi de 30,P of 4 , diíFerindo os extremos de i,'' 38. Os ventos dominantes forão N. , NO. , e NE. ; porém na totalidade prevalecerão os ventos húmidos , os quaes so- prarão 199 dias, e os secos 165-. — Os dias claros forão 222 , ou quasi os j do anno ; aqucllcs cm que choveo fo- rão 104, ou rr do anno, ainda que realmente os dias na- turaes de chuva effectiva não passarão de 52 , ou metade dos antecedentes. A quantidade de chuva cabida foi 3 ^ palmos , rece- bendo por consequência cada braça quadrada de superficie , a avultada quantia de 9 pipas de agua ; e ainda que não tenha-mos observações anteriores com. que estas se possao comparar, hc com tudo evidente que o anno de 1816, foi hum dos mais chuvosos , especialmente no Inverno e Pri- mavera , decorrendo o Estio mui fresco e húmido , ainda que bem pouco chuvoso ; circumstancia que como já fize- mos notar , contrastou singularmente com as innundaçõcs de que foi vlctima o centro da Europa. Forão 3 1 os dias em que se experimentou hum calor Q, ii iii- 124 Me M OK IAS DA AcADEMIA ReAL coniniodo , o qual porém hum só dia chegou a 8(5.°, sen- do para notar que este calor unicamente se fez sensível nas horas visinhas ao meio dia. Os dias de considerável frio não passarão de 32 ; acontecendo por consequência huma igual distribuição nos excessos de temperatura , repartidos cm dois nie/es : os dias de tempestades e ventos violentos forão 18. Ainda que o anno tenha sido para nós muito frio , chuvoso c húmido , foi com tudo tavoravel d agricultura , sendo cm geral abundantes as colheitas , posto que a qua- lidade dos fructos se resentio da falta do calor do estio. Em toda a Europa , á excepção da Península , Rússia , e extremidades meridion.ics da Itália, foi o anno de i8i6, hum dos mais calamitosos , pela escassez das producções , do que se originou huma fómc quasi geral , cujas funestas consequências se fizerao sentir com mais violência, no se- guinte anno de 181 7. Constou pelas noticias de Calcutta , que este anno foi grande a seca em muitas partes da índia , o que tinha cau- sado cm Bengala grande cscacez de arroz , e total falência na colheita do anil; e que por fim tinhao sobrevindo chu- vas tão copiosas, que não tinhao sido menos prejudiciaes que a seca. Foi também neste anno que aconteceo o sin2;ular fe- nómeno do derretimento dos gelos no pólo Boreal. Enormes massas convertidas em Ilhas flnctuantes , algumas das quaes tinhao mais de 200 pés de altura , apparecerão no Oceano Atlântico até ao parallclo de 40.°; sem que o calor desta Latitude tivesse poder para as derreter. Em Junho de 18 17, affluio tão grande numero sobre a Ilha de Terra Nova , que correrão muito risco os Navios que se dirigião áquel- las paragens , alguns dos quaes abalroarão com as sobredi- tas Ilhas. Os Capitães dos Navios que pescão Balea nas costas da Groenlândia , declararão que em consequência da singular mudança acontecida no clima daquellas aspras re- giões , o mar se tinha libertado do gelo , pelo que alguns dos SI3« OT DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I 2 J dos seus Navios tinhão penetrado aré 84.' de Latitude, e outros tiiihao aterrado á costa occidcntal ca Grodandia , o que SC não tinha podido clícituar á mais de 400 annos. Estf succcsso motivou a intea-ssantc expedição que na pri- mavera de 18 1 8 dêo i vela dos portos Britannicos , com o intuito de penetrar no Oceano 1'acifico , ciuzando o pólo, e da qual esperamos os mais importantes descubrimentos. Mvertencia. A collccção dos successns meteorológicos do anno de 1817 sendo aigum tanto extensa, parecco conveniente que formasse o objecto de outra Memoria. OB- SinM OT 126 Memorias da Academia Real OBSERVAÇÕES Feitas no Observatório Real da Marinha por Paulo José Ala- ria Cicra , e comtntmicadas á Academia Por Matheus Valente do Couto. T. V. Jane ir. 21 2J Fever. 14 Out. 24 Nov. 2; Agost, 11 Em. do i." Sat. de Júpiter ------- {lím. do i.° Sat. de Júpiter ------- Em. do 2." Sat. de Júpiter ------- ^ (■ Imm. 110 limbo escuro Occult. de Aldeberan pelíi (L < „ ,. , ... l^Em. no limbo illum. Em. do ).° Sat. de Júpiter ------- Imm. do 2.° Sat. de Júpiter ------- f Imm. do j." Sat. de Júpiter ------ lEm. do dito ----------- Em. do 2." Sat. de Júpiter ------- Eclipse da Lu.*. {duvidoso --------- de certo tinha começado - - - - {Immersáo --------- tmersao --------- Timocharis (Immersáo, centro ------ „, f Immersáo , centro ------- Plato 4. ' (.Emersão, centro -------- Eudoxus (Immersáo, centro ------- Aristóteles (Immersáo, centro ------ Ffra -------------- 6.'< 10.' j2" (boa) 8. 2. 42 (muito boa) ij. so. ji (boa) >• }i. 29 (Inst.) 6. jj. 57 (muito boa) 7. j8. 55 (menos má) 16. 29. 26 (boa) 12. j8. 19") . >(muitoboas) 16. 6. 28/^ ^ 16. 5. 45 (boa) 2 26 4- 9 21 10 14- 25 30 57 2g 24 í 51 ss JS 49 JS 5 18 12 Fe- lSl4 Fever. II'' Março •5 Abril Maio 12 l6 Junlio M I8i5 Jan. ig Fever. 2t 31 Marco IS ig Junho ImmersSo do i.° Sat. de Júpiter Emersão do i.° Sat. de Júpiter Emersão do i ." Sat. de Júpiter Immersáo do 4.° Sat. de Jiipiter Emersão do 2." Sat. de Júpiter - Emersão do i.° Sat. de Júpiter - Emenão do i.° Sat. de Júpiter {Immersáo do j." Sat. de Júpiter Emersão do dito .... {Immersáo do 4." Sat. de Júpiter ■ Emersão do dito ..-.-. Immersáo do i.° Sat. de Júpiter Emersão do j.° Sat. de Júpiter - Occult. de n de H pela j ; Immers. no limbo escuto Immersão do i." Sat. de Júpiter . , . . - Emersão do 3.° Sat. de Júpiter 10.'' 12.' 51" (menos má) 9. J. sg (muito boa) 7. 45. 5 9 (boa) 9- Ji. 17 (muito boa) 10. jo. 29 (bo.i) 9. $4. 56 (muito boa) 10. 4. 7 (boa) 1}. Jí. $ i6. 44. 3 ' \ (boas) ■^- '°- "l(boa,) 1 7- 44. 4$ J 14. 5J. SI (boa) 1 7. 26. S (menos m£) g. 28. 49 (Inst.) 9. 45. aj (boa) 8. lg. i{ (muito boa) n 1x8 I8ij Juiilio »?'' Dez. 9 iSi6 Fever. J7 2) 26 IMarço 1 ! 14 20 21 28 Maio 10 14 Junho 22 Memorias oa Academia Real T. V. Emersão do i." Sat. de Júpiter f Ii Occult. de j j X. psl' ^ '1 F Iinm. no limbo escuro - Em. no limbo illum. - Immersão do i.° Sat. de Júpiter Immersáo do 2.° Sat. de Júpiter Immersáo do i.° Sat. de Júpiter Immersáo do i.° Sat. de Júpiter Imnicrçáo do j.° Sat. de Júpiter Immersão do l.° Sat. de Júpiter Immersáo do 2.° Sat. de Júpiter Immersáo do 2.° Sat. de Júpiter Emersão do 2° Sat. de Júpiter Emersão do i." Sat. de Júpiter Immersáo do }.° Sat. de Júpiter - . - - {Imm. no limbo escuro Em. no limbo illum. - Emersão do i.° Sat. de Júpiter Emersão do 2.° Sat. de Júpiter Enn:rsão do 1.° Sat. de Júpiter p.t" 12.' 18' Qboa) 5. 50. 44 (Inst.) 7. 6. 40 (duvidosa) 1;. 58. 50 (boa) 15. 56. 25 (muito boa) 12. 21. j (boa) II. 9- 10. 40. 21 (menos má ) 4- 56 (muito boa) }6. 47 (muito bo.i) 5 7- 5} (muito boa) M- >7 (boa) 9. j2. 9 (boa) I ] . 40. 5 7 (boa) 11. 57. 24 (muito boa) 7. j;. j6 (Inst.) 8, 47. 31 (boa) 50. 44 (menos má) 8. 44 (muito boa) 5. 27 (muito boa) Agost. uAs SciKNCiAs UB Lisboa. 129 iSiâ Agost. 14" Nov. 26 Vez. 4 Emersão do a." Sat. rfe Júpiter - Iinmeisão do j.° Sue. de Jupicer T. V. Occult. de n de Leo pela C < Imm.no limbo illum. Em. no 1 imbo escuro Eclipse do Sol J Immersío l Emersão Occult. de 2 T de Í5à pela ^ { Imm. no li mb. escuro Em. no limbo illum. Eclipse da Lua. Princip . fduvi io< ide c Inimersóes Emersões lidoso --•.-■ : certo havia começado ■ principio - - . . . ' Grimaldus-<^ meio --•--. C fim ------- Galileus --------- I Tycho ---------- ) Copcrnicus -------- Dionysius --------- Proniontorium acutum - - - - - i IManilius --------. Galileus --------- C principio . - - - . Grimaldus< meio ------ C fim ------- S." )!.' 41'' (menos má) 7- J9- 7 (boa) >}• '}■ 5 5 (muito boa) 14- '4- Ji (Inst.) '9- 21. 4}. 31- ::::}<-> 8. )i- 18 (Inst.) 9- 40. 51 (menos má) 59- 40. 48. 49- 51. I. Tycho Fim A'. B. Ceo com nuvens. Tom. r. Part. II. I. 25- 44- 50- 5 7- 21. 39. 30. 12. 14- ir 22 20 g 58 17 3* 42 53 CO S 54 12 a 47 28 i2 II R Ja- 133 1^17 Memorias da Academia Real Jane ir. Fever. Immenáo do 2° Sat. de Júpiter - - - - - Kmersão de \! de Tf no limbo illuminado da (£ 12 21 2S Março 29 Abril 5 15 Maio II Julho 1 1 29 Occult. de n deLeo pela (^ { Imm.noliiTiK illumin. Em. no limbo escuro ImmersSo do 1.° Sât. de Júpiter . - - - - Emersão de K de Libra no limbo escuro da ^ - T. V. A Emersão do 1." Sat. de Júpiter - {Immersáo tmersao - Emersão do 2.° Sat. de Júpiter - Immers.ío do i.° Sat. de Júpiter Emersão de ti de Leo no limbo illuminado da ^ {Immersáo t.mersao ■ i;.!" 50.' 4J'' (hoa) 5. 52. 12 (duvid.) g. }%. 5 6 (muito boa) 9. 42. 2? (Inst.) 1 ;. 4. 9 (menos má) li. 58^ 12 (Inst.) 16. 57. II (boa) '*■ '9- '^(muitoboas) 16. 5 1. 6 ) 17. 21. 10 (muito boa) 15. 14, iS (menos má) 6. 5?. 4 (muito boa) 14. j6. is 1 6. 49. 5 Emersão do i.° Sat. de Júpiter - Immersáo do j.° Sat. de Júpiter Emersão do l.° Sat. de Júpiter - Emersão do 2.° Sat. de Jiipiter - Emersão do j.° Sat. de Júpiter - "\(boas) 5J J 1 5 . 44. j X (muito boa) 10. Ji. 45 (muito boa) II. 11. 49. (duvid.) 10. o. 6 (muito boa) 8. 55. 7 (muito boa) AgosU fiiau 01 r^-- -•?;., I i8i7 DAS SciENCIAS D£ LiSBOA. Agost. «5 Nov. i6 Einersáo do i." Sat. de Júpiter Emersão do 2.° Sat. de Júpiter - Occult. de 2 T de ss pela (^ { Tmm. no I imb. escuro T. V. -V 131 7" 50/ o'' (boa) 9- 4í. 47 (muito boa) 7- 19- 2 5 (Injt.) Em. no limb. iUumin. g. 4,. ^^ (duvid.) R 11 EX- tj2 Memorias da Academta Real EXPERIÊNCIAS (a) Sobre duas diferentes Cascas do Par d. Por Alexandre António Vandelli. H, .AVENDO recebido o Delegado do Físico Mór do Exer- cito quarenta arrobas de duas dilFcrentes Cascus amargas do Pará para o uso dos Hospitaes militares , enviou ao Labo- ratório Chimico da Casa da Moeda meia arroba de cada luima delias , pedindo se analysassem. Sobre a sua quali- dade c preferencia havia diversas opiniões , pela incerteza que ha de ajui/ar pelos caracteres externos da boa ou má qualidade destJS substancias. Vunquclin {h) diz, quanto hc duvidoso determina-la pelas propriedades físicas. A cor , o cheiro, sabor, fractura, porosidade &c. sao qualidades mui- to arbitrarias , por ser pelos sentidos , c habito que se jul- ga. Já muito antecedentemente Mutis , que pelo espaço de 37 annos , no Paiz nativo djs quinas, fez differcntes applica- ções , e importantes descobrimentos , tinha reconhecido a fld- sidade dos signaes adoptados para o conhecimento da me- lhor quina {c) . O Director do Laboratório chimico , e meu respeitá- vel Mestre , me incumbio verificasse eu a qualidade destas Cascas, e se encarregou da descripção das suas proprieda- fisicas. Comparei-as cu com a quina do Rio de Janeiro, e com as officinacs vermelha , e amarella. §^ (/») Foráo teir:is em Dezembro de 1811. {Jti) Ann. de Chim. tom. «<;. • rerorçarao a cor. Tartrato de potassa e antimonio -y Cnsca de carvalho -----> não fizerao alteração. Galha J A decocçao com a colla de peixe fez precipitado cinzento- Agoa de cal precipitado amarello avermelhado. Sulfato de cobre — precipitado cinzento csverdtado. Sulfito de ferro mudou a côr do liquido para verde garrafi. Acetato de chumbo _ precipitado abundante avermelhado. Acido sulfúrico — precipitado amarello acinzentaáo. Casca de carvalho _ mudou a côr para amarello averme- lhado. G:i!ha precipitado abundante , cinzento avermelhado. Oxalato à^amrnonia — mudou a côr para amarello. Potassa \ c ■ -> " c j ?■ rerorçarao a cor. ooda J ' Turnesol mudou para vermelho. Tartrato de potassa e antimonio não fez alteração. Qiiina vermelha officinal. Esta quina quando se pôz de infusão fez pouca es- cuma , e esta de côr vermelha : filtrada ás 24 horas o li- quido era de côr amarellada ; sabor próprio desta quina. Com a colla animal não fez alteração. Agoa de cal _ precipitado avermelhado , menos abundante do DAS SciENCIAS DE L I S B O A. I39 do que das outras quatro infusões : o liquido amarcllo de palha claro. Tan _ precipitado amarcllo avermelhado. Galha _ precipitado branco amarcUado. Tartrato de potassa e antimonio _ mudou de cor. Sulfato de ferro — i muda a côr do liquido para verde. Sulfato de cobre _ precipitado verde escuro. Acctito de chumbo _ precipitado vermelho amarcllado. Oxalato à.' ammoiiia turvou. Potassa \ c ■ ^ A Soda i-f'-'^»'-?^''^»» a cor. Quina do Huanuco. A infusão desta casca com a galha fez precipitado bran- to amarcllado. Sulfato de cobre 1 • • j ' j Sulfato de ferro / P'''''P'"^° ""^'^^ "'"'■°- Acetato de chumbo _ precipitado branco amarcllado, Tartrato de potassa c antimonio _ precipitado branco. Casca de carvalho _ precipitado amarcllo avermelhado. Oxalato de ammonia _ precipitado branco. Agoa de cal _ precipitado amarjjla esbranquiçado. Turnesol _ diminuto precipitado , azulado. Potassa Ir . ■' -^ / s Soda J '''^^^'^''çarao a cor (rt) . S ii §. 3. C/l) Não refiio mais por extenso as experieiícLis das quinas , ja anre- cedcntemciuc feit.is por hábeis Chimicos , por o jul^u , pelo menos , es- cusado. Periendia se só saber se as duas casc/ts do Par d er.lo ou mo ver- dnitetrns quinas , segundo a classificaiâo do celebre Vanquelin. Se consegui deicrminá-lo não toi inteiramente inútil nicu trab.lho; e se delle resul- tasse alguma utimade , dar-nic hia por sobejamentí recoTipensado. Só o fim a que me propuz me póJe justificar dí haver tentado hum trabalho jd tratado , e esgotado , por assim o Jizcr , por celebres Chimicos. Digo esgotado , porque como diz Parmcntier _ l^anatynão fizerao alteração, t-jasca de carvalho - - - _ f s Oxalato d'ammonia ----'' Casca N. 2. A mesma dissolução alcoólica porém do extracto da casca N. 2 com a colla fez precipitado. Sulfato de cobre _ precipitado verde escuro. SuHatp de ferro _ precipitado verde muito escuro. Acetato de c-liumbo _ precipitado Jlocoso amarellado. Casca de carvalho ") , ^ /-» I ^ j, • >■ turvarão. Dxilato u ammonia i Turnesol ^ avermelhou. Emético 7 ^ r - I - GJha r"'" fizerao alteração. ^^ ^^ Anules de Cliimica ; c as Experiências chiniicas sobre a Quina do Rio de Jamirn compartida com /ts outras ; feitas pela Commissão nomçada pela Aca.íemia Keal dii Scienci.is de Lisboa , que fotáo publicadas no Tom. iil, £art. li. das sius Minorias de Mathçmaúca ç Fl;iysiica. áiSTi 01 OAsSciENCIAS DE LlSBOAi I4t §• 4- D<2 Substancia extractivo-mucilaginosãi. Casca N. i. A dissolução aquosa do extracto da casca N. r com a coUa animal íez precipitado flocoso , vermelho amarellado. Sulfato de cobre _ precipitado verde cujo. Sulfato de ferro ^ precipitado verde escuro cujo. Acetato de chumbo _ precipitado vermelho acinzeMado, Agoa de cal „ precipitado vermelho escuro. Acido sulfúrico _ precipitado avermelhado. Potassa — , ennegreceo. Turnesol — , avermelhou. Emético " ■ "a Casca de carvalho j - /. ^ . . çy ., >nao fiicrao mudança alguma. Oxalato d'ammonia'^ Casca N. 2. A dissolução aquosa do extracto desta casca com a coUa fez abumlante precipitado Jlocoso amarello avermelhado. Sulfato de cobre _ precipitado verde cujo. Sulfato de ferro _-, precipitado verde escuro. Acetato de chumbo ") • • 1 u 1 ... ,r . > precipitado avermelhado. iVcido sulrunco - - J ^ '^ Agoa de cal _ abundante precipitado vermelho escuro. Galha — diminuto precipitado. Oxalato d*tímm<»iia ") / - 1 r^ j u ?• turvarão hum pouco. L.asca de carvalho J ^ Potassa ennegreceo. Emético ^ não fe^ alteraçãq* Con- sis-i o» 142 MtMORiAS DA Academia R< das Sciencias* Conclusão. A casca do Pará N. i precipitando a colla animal pó- de-se considerar como huma verdadeira quina , segundo a classificação de Vanquelin. A infusão desta quina com a do Rio de Janeiro não fazendo alteração alguma; pòde-se considerar, segundo o mesmo celebre Chimico, como contendo ambas os mesmos princípios. A decocção porém desta quina do Pará parece dever ser mais cíHca/ que a do Rio de Janeiro , porque precipi- ta o tartaritc de potassa antimonial , o que não faz a do Rio de Janeiro. A infusão da casca N. 2 só altera a colla. Esta infu- são com a da quina do Rio de Janeiro não faz alteração alguma. A infusão desta casca misturada com a do Rio de Janeiro precipita a colla , e a casca de carvalho , e turva o Tartrato de potassa e antimunio {a) . A decocfão desta casca do Pará precipita a colla , e tur- va a casca de carvalho. Esta decocção tratada com os reagen- tes dá os mesmos resultados , que a da quina do Rio de Janeiro. (jl) A simples infusão da casca do Para N. i sò lurvou a colla , e i)áo fez muJança alguma com o Tartr.ito de potassa e ancimonio , e cas- ca de carvalho. A ititusáo da quina do Rio de Janeiro também só pet si precipita a colla, mas nao f z mudança alguma com o Tan , e Tar- trato de potassa e antimonio. Misturadas a^ cluas intusóes precipicão a colia , e casca de carvalho , e turváo o emético. Decandole n.i sua excellente obra £ísíií sur les proprietés medicales dcs plantes compnrécs avec knrs formes exterietires et teur classification na- twelle , ha poucos annos publicada, estabelece difFerentes regras mui im- portantes sobre as formas , e as propriedades das substancias vcgetaes ; sendo huma delias , que « Na comparaçío das propriedades se deve at- >i tender á ditFerença, que póJe existir no modo de extracção, e pre- y> par.içáo dos medicamentos : estas circunstancias influem muitas vezes D tanto como a sua natureza intrinseca. d ME- M E iM o R I A S DOS CORRESPONDENTES, V , A, OBSERVAÇÕES Sobre alguns Peixes do Mar e Rios do Algarve. Por*** (rt) PREFAÇÃO. _ .s Observações que ofFereço á Academia sao dos pes- cadores miis práticos c intclligentcs , que consultei nas cos- tas do Reino do Algarve. Eu nellas não tenho outra par- Toni. V. Part. II. a te (a") Esta Mcmori.i otterecida por hum Anonymo, foi julgada digna de se publicar na presente collecçâo , náo só porque pôde servir de com- plemento ao Cap. III. da Memoria sobre algumas observai^ncs feitas tio an- uo de 1789 , relativas ao estado da Pescaria de Entre Douro c Minho áo Snr. Constantino Botelho de Lacerda, inserta no tom. 4. das Aínnorias Económicas , como também por dar a conhecer os nomes vulgares de al- guns Peixes , e noticias interessantes sobre .1 sua pesca. O conhecimento exacto , e a classificação destes nomes he de sum- ma importância para o estudo da Sciencia , por isso se aproveitou esta oc- cnsiáo para ajuntar em Notas .is denominações vulgares, i^ue do^ Peixes de t]MC se falia nesta Memoria trazem alguns outros Icthyologos: os prin- cipaes destes são o S:it. Constantino Hotclho na obra acin)a citada , o Dr. Vandelli na Fhrj: et Fatou Ltisitantj: spccimen ; o Snr. l-elix de Avcl- br Brotcro na Nomenclatura que cscrcveo para a Tr.iJucçáo dos Elemen- tos de Historia Natural de Ctivier; D. José Cotnide no Ensaio de tina Historia de los Peccs &c. , Nemnich no Al genuities Polligluten-Lcxicun der Naturgccliichte , c algUHs outros. Estes Autores nem sempre vão uniformes na classifícaçáo dos Pei- xes de que tratào ; o que náo procede tanto de engano , como de ter ás vezes entte nós o n)e>.mo Peixe diversos nomes em diversos lugares. Quando porem tstc engano era manifesto, pir:ceo conveniente advcrtillo em Notas. Finalmente como o Sysicma doe Peixes de Linnco , cujas di- vsões :'doptou o Autor da Memoria , tem soíFriJo modernamenie grandes alterações nos seus Géneros, accresceiítou-sc também nas mesmas Notas a Nomenclatura Systematica de La Ccpede , que darri ao mesmo tempo a traducção Ftanccza da Nomentlatuta Linneana , e dus nomes tri\iacs Portuguezes. a Memorias DA Academia ReaL te mais do que o arranjamcnto que lhes dou, e a diligen- cia que fi/ para que todos os lactos que ellcs me refcrião fossem verdadeiros. Para conseguir este fim foi preciso vencer algumas dif- ficuldades , como era a persuasão cm que estavao de que as minhas averiguações não servião para mais do que para o augmento dos Tributos. Tive grande trabalho para os con- vencer de que cilas não rinhão outra consequência senão satisfazer a minha curiosidade , e somente ficarão persuadi- dos da sinceridade das minhas expressões quando virão as Estampas de muitos Peixes que levava. Facilitando-lhes es- tas , se admiravão de ver desenhados muitos daquclles que cncontravão no mar ; depois com roda a franque/a não so- mente apontavão nas Estampas aqucUes que tinhão visto , mas com muito gosto satisfizerão ao que delles pcrtcnJia saber; como, quaes são as famílias dos Peixes de que abun- da mais o mar daquelle Reino, em que distancia da costa se faz a sua pescaria, a profundidade em que vivem, quaes são aquelles que andao em cardumes , os de passagem , os que vivem sempre naquelle mar , que tempo he mais pró- prio para que com proveito se faça a pesca dos referidos Peixes, os usos económicos que tem, os aparelhos de que se servem , as preparações que lhes dão , e qual he a sua exportação. Estas observações que sdmcntc podem fazer os mais antigos e práticos pescadores, são quasi todas ellas fora do alcance dos Icthyologistas , que ordinariamente se occupão na classificação e descripção dos Peixes , depois que são pes- cados , e não lhes he possível fazer aquellas observações que somente se aprendem dos experimentados Marítimos. Como as sobreditas observações influem muito para o conhecimento do grande e continuado trabalho da arte da pesca, doestado em que se acha, c do melhoramento que pode ter: este he o fim por que as refiro em todas as cin- co ordens de Peixes a que pertencem os da costa do Algar- ve. OR- DAS SciENCrAS DE LiSBOA. ORDEM PRIMEIRA. Peixes carti L A G I N E o S. Qjondropterygii e Brauchiostegi de Linn. Barbatanas guarnecidas de cartilagens em vez de ossos. §. I. ALBAFAR ou ALBAFORA («). Sqttaltií Carcbarias Linn. Artedi. Gen. 70. Syn. 98. Bonnaterre Encycl. method. PI. 7. Fig. 20. Na costa de Lagos morre este Peixe nos mezes de Maio , Junho , e Julho na armação , porém cm pequena quantidade , assim como na costa de Tavira , aonde se pes- ca na distancia de quatro legoas , ena profundidade de ^^o braças. Os pescadores de Olhão fazem com os espinheis huma grande pescaria deste Peixe ria profundidade de 175: , aoo, 400 e 450 braças d'agoa. Ellc faz hum grande damna na armação^ c tem poucos compradores cm fresco; secca-se e depois vai para Hespanha. Aproveitao as entranhas de que tiiâo azeite em grande quantidade. A ii §. 2. (. J. Comida di-sc-!lie igualmente o nome de Cascarra , «jue tanto ( diz elle ) se parece com o de Cai(barias. 4 Memokias'da Academia Rkal §. 2. ANNEaUIM (a). Squahis maximtis Linn. Bonnat. Encycl. method. PI. 7. Fig. 19. Na costa de Lagos pesclo-se os Peixes desta familia em Janeiro e Fevereiro , desde 100 até 25'o braças d' agoa , em quatro Icgoas de distancia ao Sul , Sudoeste , e Este da dita Cidade , porém em pequena quantidade. Morre na cos- ta de Tavira e Olhão hum maior numero de Annequins , os quaes hindo atrás das Pescadas , quando os pescadores Icvantão os anaoes , são logo apanhados por elles com o barpão. Este Peixe faz grande estrago nas linhas que sustcn- tão os anzoes : consome-se em fresco em Lagos e Tavira. Em Olhão salga-se algum , que he exportado para o Alemtéjo. ARRAIA (b), Raja Linn. Bonnat. Encycl. method. PI. 2. Fig. 5 , 7 e Pi. 4. Fig. 10 II. Morre na costa de Lagos em Outubro , Novembro c De- ( perto da terra na profundidade de lyj e 200 braças d'agoa , outras em maior distancia, c na profundidade de 225 e 250 braças : a quantidade deste Pescado he muito pequena. Os pescadores do Algarve me disserão que morrião as pessoas que tocavío a espinha dos Peixes desta tamilia. §. II. LIXA (rt). Squattis Ceutrina Linn. Bonnat. PI. j. Fig. 13, Os pescadores de Olhão são os unicos que apanhao este Peixe em todos os niezcs do anno , ao Sul da dita aU dea , em distancia de oito legoas, e no sitio a que chamão Mar negro. Para esta pescaria usao do espinhei , e a fazem na profundidade de 300, 325- , e 3J0 braças d'agua. Os de Tom. V. Part. II. b Ta- (/1) Os pescadores de Olháo chamáo a esta Lixa de lei , e Lixa nioxa á Espécie Acambiai de Linn. Bonnaterre PI. 5. Fig. 12, (Not. do Aut.) O S{]ualtas estas difFerentes denominações parece que devem ceder á de I^tixc-Efcolnr , com que he )a nomeado nas Ordenarei Afonsinas, (/») 7e'roilecMlo cm alguns 1*81268 mc- ridionaes da Frar'j.'a. 24 ATekobias DA Academia Real §• 34- ARANHA (a). Trachinus Draco Linn. Bonnat. PI. 28. Fig. 98. Os Peixes desta familia pescao-se em todo o tempo do anno alinha e nàs redes ^ na profundidade de huma até duas braças d'agoa. Tem grandes c grossas espinhas , que causão muitas dores a's pessoas que as tocao ; o que dá «c- casião a dizerem que são venenosos. Os pescadores de La- gos me informarão que desapparecião as ditas dores appli- cando hum pouco d'alho na parte oífendida ; e aos de Ta- vira ouvi dizer que morrião em grande quantidade , porém que fazião pouco caso delles , pela persuasão cm que esta- vão de que as cabeças erão venenosas. §• 3Í- BAILE {h). Gadus Pollachius Linn. Bonnat. PI. 30. Fig. 107. Os pescadores de Olhão apanhão os Peixes desta fa- mília no mez de Junho, de noite, na profundidade de três bra- (/j) Trachinc vive de La Cepeik Tom. 2. pag. 554. Píixe-yJratiba lhe chama o Súr. Brotcro , e Nemnich Dragão do mat. (i) Gnde Pollack^ de La Cepede Tom. 2. p.15. 416- PoUnche ou Pes- cada Pollaca llie chama o Snr. Broiero : Nenjnith, e D. ]. Cornlde cha- máo-!hc Badejo 011 Ahadcjo ; e com efteito o Hcixe que o Dr. Vandeiti , e depois deile o Snr. Constantino Botfliio descreverão com este nume, não diftcre essencialmente da espécie 1'oUachlm. O Sfir. Brotcro ajunta o Badcjij com o Jiacalháo ou Gadus Alorhiia de l.innco: |)6de porém duvi- dár-se tjuc hum ou outro scjáo o Baile das coitas de Olhão e Lagos. dasScienciasdeLisboa. 25- braças d'agoa. Os de Lagos em todo o tempo do anuo , mas de Verão em maior quantidade. He feita a matança deste Peixe 110 rio , e também morre algum nas chavegas , porém muito por acaso. §. 36. FANECA (rt). Cadus barbattis Linn. Bonnat. PI. 3p. Fig. 103. Morre este Peixe em todos os mezes do anno á linha ^ e algum nas gorazeiras , no mar que fica em direitura de Olháo , em duas legoas de distancia, c na profundidade de 62 j 100, e 112 braças d'agoa. Os pescadores de Tavira fa- zem a mesma pescaria de Verão e de Inverno , nos lugares pcdragosos da costa , e na profundidade de 10 e 12 bra- ças d'agoa , de dia e também algumas vezes de noite. A pe- quena quantidade deste pescado consome-se em fresco. §. 37. PESCADA (^). Gadíis Merlucius Linn. Bonnat. pag. 43. Lí grand Merlus. Os pescadores de Olhão ainda que procurao este Pei- íe por toda a costa desde Tavira até Lagos , com tudo vão Tom* V. Part. IL t> mais {a) Gailt lactvid de li Cepcde Tom. 2. p.ig. 409. O Snr. Constan- lino Boielho , o Dr. VamJelli , e D. J. Cotnide dão todos o nome de FanecA a esta mesma espécie. K^h) Gade Aíeriíis de La Cepede Tom. 2. pag. 446. He conhecido por todos com este mesmo nome. n6 A!kmorias da Academia Real mais vezes ao mar que fica em direitura da dita aldea , è ao charnal y aonde apanhão a Pescada, de Verão na profundi- dade de 175 e 200 braças d'agoa , e de Inverno mais perro da terra , na profundidade de 100 até iz<; braças d'agoa. Na costa de Lagos pesca-se em Janeiro e Fevereiro á linka , em quatro legoas de distancia, na profundidade de iiy até ijo braças; em Dezembro nas chavegas , e mui perto de terra. Na costa de Tavira morre de Verão no chnrual á linha , e de Inverno mais perro da terra ; porem aqui a maior ma- tança he em Janeiro e Fevereiro. Todo este pescado , que he em maior quantidade em Olhão c Lagos do que em Tavira , parte consome-se em fresco , parte salga-se , e sec- ta-se , e depois he exportado para o Âlcmtéjo, Hespanha, e Lisboa. ORDEM aU A R T A. Peixes Peitoraes , que tem as barbatanas inferiores debaixo das do peito. Thoracici de Linn. §. 38. AGARRADOR {d). Echeneis Remora \ , . ,7. >• Lmn. - - - - Ncticratcs ) Bonnat. PI. 133. Fig. 123. e 124. Os pescadores de Olhão fazem a pescaria deste Peixe á () O Autor não aponta Synonimia alguma pata este grande Feixe DAS SciENCiAS DE Lisboa. 31 Huma parte deste pescado consoine-se em fresco , e a ou- tra que he mais considerável , salga-se e secca-se. §. 4^- CHOUPA (/»). Spiíruí Chromif Linn. Bunnar. PI. 45. Fig. 187. Os pescadores de Lagos fazem a pescaria deste Peixe nos mczcs de Vcnio com os covãos , em himia legoa de dis- tancia ; c nos de Inverno á Unha , mais longe da costa , e na profundidade de 25 até yo braças d'agoa. He ordina- riamente grande a quantidade da Choupa que se pesca nes- ta costa , da qual se salga a maior parte , e depois he ex- portada para diffcrentes lugares. §. 47» D E N T à O ih). Spartis Deutex Linn. Bonnar. PI. jo. Fig. 190. Na costa de Lagos apanha-se este Peixe no mez de Maio á linha , em duas legoas de distancia , e na profundi- dade de 100 e I2J braças d'agoa. Na de Olhão em todos os trezes do anno , e na de lavira somente de Verão nos me- do» nossos mjreç , e nelium dos nossos lctliyolo;;o5 f.illa nelle , talvez por não vir inteiro nos mercados, somente IJ. j. Coinide ocUssiti.a en- itc as Schcnai , e lhe aponta a espécie Lípiuna. (ay Spíire Mnrron de L?. Cepcde Tom. ^i. pag. ?4<5. Nemnich dá a «t» eípecie o nome de Cistanhet.i ; e tanto eile como D. J. Cornide , e O l)r. V.indclli chanião CHtuta ou Choupa ?o Sparns titelanurm de Linr.eo. (c) Sparc Ventec de La Cepedc Tom. 4- pjg' '-*^- gz Memorias da Academia Real niezes de maior calor ; sendo o berbigão a camada de que se scrviao para a pescaria dcllc. Em ambas estas costas He ella feita com o mesmo aparelho, perto da terra, e na pro- fundidade de jo e 6o braças d'agoa. Este pescado conso- me-sc todo em fresco em Tavira , onde hc muito procura- do para os doentes, e muito saboroso sendo frito: já não siicccde o mesmo cm Ollião c Lagos , aonde huma grande parte se salga, c depois he exportada para o Alemtéjo , e Lisboa. §. 48- DOURADA {a). Sparus yítiratn Linn. Arted. pag. 53. N." i." Bonnat. PI. 48. Fig. 180. Em Lagos e Tavira morre este Peixe em todo o tem- po do anno : naquclla costa perto da terra , e na profundi- dade de 10 braças d'agoa ; nesta no mar chamai , aonde os pescadores affirmárao que andava sempre boiando. Em Olhão pesca-se em Setembro e Outubro , cm três legoas de dis- tancia , na profundidade de 75 até ijo braças d'agoa. Fa- zem esta pescaria nos covãosy espinhei y com o anzol, leva- das, e em alguns lugares também usão áo harpão. A peque- na quantidade deste Peixe consomc-se cm fresco , e segun- da ouvi aos pescadores de Tavira , clle he muico estimado naquclla costa , e muito saboroso principalmente de tejcla- da : os mesmos me informa'rão que n'outro tempo moniao muitas Douradas nos tresnmlhos , assim no mar como no rio, e que tmhão huma grandeza mais considerável ; porém que hoje em dia por acaso se pescavão algumas , e que a Sar- dinha he a camada de que usao para a pescaria delias. §-49' (íi) Sparc D^r.ule de 1-a Cípcdc. lodos os klityologos assim lhe cha- inau. DAS SciENCiAs DE Lisboa. 33 §• 49- E N X O V A (a). Scomber Trachnrus Linn. Bonnat. PI. j8. Fig. 230. Apanha-sc este Peixe na costa de Lagos na armação y nos mczes que delia se faz uso , c fóra deste tempo com o anzol, a que costumão ajuntar huma penna para mais fa- cilmente fazerem a pescaria : na costa de Tavira nas artes da Sardinha, c também á linha no mar de Pedra (assim cha- mão á restinga pcdragosa que se observa na costa ) . Deste aparelho, e também das redes, usao em Olhão cm Agosto c Setembro, na distancia da terra de 62^ braças d'agoa , e na profundidade de 12 até ij. Os pescadores de Tavira me informa'rao no anno de 1790 que em outro tempo se apa- nhava a Enxova em muito grande quantidade , á linha , na bar- ra de Ayamonte , em Junho e Julho ; porém que hoje em dia por acaso apparece alguma nas chavegas ; mas que hin- do alguns pescadores desta Cidade á costa d'Afiica , obser- varão os Peixes da dita familia em grandes cardumes. Or- dinariamente consome-se em fresco todo este pescado; sal- ga-sc algum em Olhão quando he em maior quantidade. Tom. F. Part. II. e §. jo. (a) Caranx Trackure de La Cepede Tom. j. pag. 60. Deve notnr-se 3emnich. ÇJ)) Zée jorj^eron de La Cepede Tom. 4. pig. 577. Tem o mesmo no- me de f\ixi:-GaUo em toJos os Ichiyologos »jue tiatío dos 1'eixes djs nossas costas. DAS SciENCiAsiJE Lisboa. 3^ G O R A Z {a). Sparus Smaris Linn. Bonnat. PI. 48. Fig. 182. Em o mar que fica defronte de Lagos fazem a pesca- ria deste Peixe cm todo o anno , porém cm maior abundân- cia nos mezes de Janeiro , c Fevereiro , na protiindidade de 175 , 200, 225-, e 300 braças d'agoa. Os de Tavira prati- cão o mesmo no chamai. Os de Olliao no seu mar , em qua- tro Icgoas de distancia , e na profundidade de 125" , 200 , 225- , e 300 braças d'agoa ; porém de Verão apanha-se maior quantidade de Gorazes do que em outro qualquer tempo. Os aparelhos de que usão são o anzol , o espinhei y c a gora- zeira. A quantidade deste pescado he ordinariamente grande nos differentcs lugares da costa. Huma parte dclle consome-se em fresco, e outra salga-se, e depois he acarretada para o Alemtéjo. §• SI- IMPERADOR {b). Zciis Gallus Linn. Bonnat. PI. 31. Fig. r5'3. Os Peixes desta Familia pescão-sc na costa de Olhão á linha. E_n §. 54- (obre o Esta- do da Pescaria d'entrc Douiro e Aíinho dÍ7. que se chama alli Solha ao Pleuroii. Solca Linn. ; nome que se dcveri-i deixar , pelo muito que se confunde com o de Solho, que exptime hum género tão difilTcnte. (í") Cnranx Amk de [^a Cepedt Tom, 5. p,ig. 64. Como o Autor desta Memoria em alguns indivíduos se governou principalmente pela? Eitampas para a sua classific;içáo, e como tanto AttcJi como Bonnater- re fizeráo gr.ivar equivocadamente para este Peixe huma figura que per- tence a outro ou a outros ; pódc succeder qye tamhem aq no , ao menos na espécie. \'eja-sc a . - . eder qye taiiuiem aqui luiji cn^a- nota de La Cepede no lugar citado. SlZ\l 07 DAsSciENCIAS DE LiSBOAi 37 P A M P A L O (rt) . Zeus Lima Linn. Bonnac. PI. 39. Fig. iff. Dos Peixes desta família somente mç dcrao noticia 03 pescadores de Olhão , os qur.es disserão que cllcb inorrião nas artes mui perto da terra, e na profundidade de 12 bra- ças d'agoa , c que os poucos que aqui se apjnliavao se coo- sumiíío cm fresco. §• ?7- P A R G O (^). Sparu! Pagrus Linn. Bonnat. PI. 45). Fig. 18Ó, Os Pc ires desta família andao em cardumes, e os pes- cadores de Olhão fazem a pescaria dclles cm todo o tem- po do anno , porém no Fstio em maior quantidade , em hu- ma legoa de distancia, e na profundidjciç de 5-0 até ifo braças d'agoa. Os de Tavira os pcscão nos lugares pedra- dosos da costa, somente no méz de Junho, tempo em que aqui fazem a sua arribação. Os aparelhos mais ordinários de que us3o sao o aii^ol , o espinhei^ e também apparecem al- guns nas cbavegas , porem poucos. Em tempos mais anti- gos (4) Chrywtce Lui-c Ác la Cepede Tom. 4. pag. 587. Nemnich cha- ma assim ao Sp.nui Snipa Linn. (^) Spare Pngre i]a La Ccpecie Tom. 4. p.ig, 45. Fica (Jito no §. 52 c|iic o Siír. CoTiMiniino Botelho liá o nome de Pargo ao Spariis Sim- >is. Nemnich, e D. ]. Cornidc eh niáo l^argo ',0 Sparni anniilflrií. gS Memorias DA Academia Reai, gos era esta huma das pescarias mais dominantes da costa de Tavira , segundo as informações que me derao os pes- cadores ; porem hoje cm dia he mui pequena a quantida- de de Pargo que nclla se pesca , mas apaniia-se em maior abundância no mar que fica em direitura de Olhão. Huma parte deste pescado consome-se cm fresco *, outra he acar- retada para Lisboa , c Alemréjo. Os cardumes de Pargo (ou Vczugo como outros lhe chamao) sao tanto maiores, e se chegão mais á torra , quando o trio he maior. §. 58. PESCADA BICUDA (a). Gasterosteus Spinachia Linn. Bonnat. Pi. 57. Fig. 216. Nas costas do Algarve observão-se outras Pescadas dif- ferentcs das ordinárias , as quaes os pescadores chamaa Bi- cudas. Os de Olhão as apanhão nas artes em pequena quan- tidade , porém os de Tavira disserão que por acuso as en- contravão. §• 59- RASCASSO ;j>) . Scorpana Porcus Linn. antennata Bonnat. PI. 38. Fig. 15-1 , c PI. C8. Fig. 368 , 270, Em todo o tempo do anno apanhão este Peixe os pes- ca- (íj) Casterostee Spinachiv de La CepcJc Tom. 3. pag. i) A primeira tspccie he o Scorpene Ranane de La Cepede T. 5. DAsSciENCIASnELiSliOA. 39 cadorcs tlc Ollião no ri(> aonde o encontrão, caqui somen- te nos lugares cm que ha maior quantidade de lodo : núo se servem de outros aparelhos mais do que da redinha. Os de Lagos o pescao nct-ta costa , assim de dia como de noi- te á Ihiha e nos covãos ., na distancia da terra de 125 braças até meia Icgoa. Os de Tavira também matão o Rascasso no seu mar, cm 20 braçjs de profundidade, de Inverno e de Verão, porem neste tempo em mnior quantidade. O pe- queno nunn.ro que ha dei.tc pescado cunsome-se em fresco sem que dclle se faça exportação alguma. §. 60. R O B A L L O (rt) . Perca Lfíhrax Linn Bonnat. PI. f^. Fig. ;oí!. Os pescadores de Olhão fazem em rodo o tempo a pescaria do Roballo nõ rio, aonde ha abundância de lodo, e na profundidade de 4 , 5 , c á braças d'agoa : fóia da barra morre á linha e nos espinheis , na profundidade de 6 e 7 braças d'agoa. Todo este pescado , que não he em muita quantidade, consomc-se na sobredita aldeã e seus .ir- redores. § ííi. pag. 275 , e .1 sc^unJa o Scorp. /inuute do inosmo Autor , il>id. pag. jR7. O Dr. Vandelli chani.i d primeira e.vpecic Siir.'rs:o ou Romaz , c o Snr. Broiero dá-llie tamlicni os nomi"s df f.-Jiiãsco do mar ou Cantarilio. (2. 267. Nemnich , P. ]. Cornidc , c o Snr. B.outo dáo-Uic o mesmo iiotiic. SJaa O.-: 4© Memorias da Academia Real §. 6i. RONCADOR {a). Perca formosa Linn. Bonnat. PI. 51. Fig. 221. Somente os pescadores de Lagos e Olhão me dcrão noticia deste Peixe , o qual em Janeiro e Fevereiro morre nos lugares pcdragosos desta costa mui perto da terra , e na profundidade de 10 e 20 braças d'agoa. Naquella apanha-se á liuba c nos covãos no mar de Pedra : aqui tambcni se apa- nhão alguns nas levadas na profundidade de 10 até 37 bra- ças d'agoa. Huma parte deste pescado consome se em fres- co , c outra salga-se , e depois he exportada para o Alem- téjo e Lisboa. §. 62. ROMEIRO (b). Coryphíena peutadactyla Linn. Bonnat. PI. 13. Fig. 126. Somente na costa de Lagos apparecem alguns Peixes desta familia , que morrem ds vezes nos covãos nos mezes de Julho, Agosto e Setembro, mui perto da terra. §-'^3- (rt) Lntjan EcKreuil de La Cepede Tom. 4. pag. 205. Quasi (odos os Naturalistas fazem esta espécie exclusiva dos mares da Carolina ; com tudo o citado La Cepede diz que tamhem habita nas Molucas e outros mares Orientaes, nas Ilhas de Bahama , e nas Antilhas. Assim ainda ) Spare Saupe de La Cepede Tom. 4. pag. py. Assim lhe chama também o Snr. Brotero , e Nemnich. Este lhe acrescenta etjuivocadamen- te o nome de P/impalo. Vejn-se a nota ao 5. 55- ^li 01 41 Memorias da Academia Real tes , cm todo o tempo que ellas anduo no mar. Os de Olhão o matão nos mczcs de Julho , Agosto e Setembro , nos trestnalhos e redes de arrastar, e disserao que sempre o ti- nhíío visto em cardumes. De todo este pescado conscme-se em fresco talvez a maior parte , e a outra salga-se , e de- pois he acarretada para diffcrcntcs lugares. §. 6s, S A L M O N E T E («). Mtillus barbatiis ") r . Surmtiletus > Bonnat. PI. 59. Fig. 232, 233- Os pescadores de Olhão fazem a matança deste Peixe cm todo o tempo do anno , no rio com os covãos , e fora da barra nas artes , e á linha. Os de Lagos o apanhão cora o trcsnialho ^ e nas artes. Nesta costa he mui pequena a quaa- tidade deste pescado ; naquella maior he , porém huma par- te dellc consome-se em fresco , e outra depois de salgada vai para o Alemtéjo. %.66. (j) yí-/f Linn. Bonnat. PI. 34. Fig. 210. Na costa de Olhão apanhão os Peixes desta família á Unha, F ii OR- (rt) Aindi tjuc Liniico conte 65 espécies no género CÍ'__il ^^ j»*3 *i»^>iri Mr. Jacksun suppõe que algumas familias de Chillohes descendem dos Portuguezes, que já possuirão a Gosta Oc- G ii ci- jra Memorias da Academia Real cidcntal do Magh'reb , a qual abandonarão depois do des- cobrimento da America. Isto nau he impossivel ; porém não sei em que funda a sua outra asserção de que os Chillohes da provincia de Haha se distinguem pela sua physionomia ( tbey are fhymgnowically distitiguishable ) dos de Sus. EUe devia ao menos explicar em que consistia essa diversidade. Leon de Granada, Marmol , e outros Escritores fallão de dois povos Barbariscos , que denominao Havnara , e Comera. O primeiro destes existe até hoje nas provín- cias de Gurt , Hiaina , e Tedla , ainda que as suas antigas habitações sejao occupadas pelos Árabes. Os Gomeras (dos quaes se tem querido fazer huns adoradores da Lua ; porque o seu nome tem alguma analogia com o nome Arábigo do Satellite da terra) estão sempre em possessão da sua antiga herança nas províncias de Rií; e de Gart , até aos confins do Telmsan , a pouca distancia do Mar Mediterrâneo e do Penhão de Velez , onde ha huma montanha , hum rio e huma grande aldeã com os nomes de Goraer. Hum Autor Inglez , Emanuel Bowen , julgou comprovar ha muito tem- po , que os Gomeras descendiâo em linha direita de Go- mer , filho primogénito de Japhet , e que erão da mesma raça que os Kymros, os Gaelics e os Biscainhos ou Canta- bros em Europa. Sempre se crêo que estes últimos ioráo oriundos da Africa, e hc cousa digna de notar-se, que os nomes de Penhão , de Tarsonnel e de Nefgal , ( trcs peque- nas ilhas situadas perto da costa , não muito distantes da aldeã de Gomer ) se avisinhão admiravelmente á lingua Ga- lica, que até ao dia de hoje se falia na parte occidental da Inglaterra , e na Baxa-Bretanha em França. Finalmente he reconhecido , que a lingua dos Goanches nas ilhas Ca- nárias tem muita semelhança com a dos Bárbaros , e sem duvida não he por hum simples acaso , que huma daquellas ilhas se denomina Gomera. Era quanto á lingua Barbarisca , todas as informações que tenho podido alcançar , confirmão que ella apresenta hum caracter muito original , avisinhando-sc ao Hebraico , e i\'Jt OT DAsSciENCiAS DE Lisboa. 5*3 e por conseguinte , segundo penso , ao Phenicio. Os Bár- baros chamão-no com o noiuc de '»juy*j TamazigFt , do qual não conhecem nenhuma etymologia. Todavia , a jul- gar pelo que sabemos de outra parte desta linguagem , a palavra jj>«l Jmaz/gb , deve significar nobre , assinalado , illustre He esta a mesma palavra que Leon de Grenada , deixando de por o ponto diacritico sobre o Zain , nos fez ler /ímarigb. O ,.:íj Fa inicial he o artigo feminino, c a mes- ma letra renninaudo a palavra designa o género. Assim , íu-^( significando nobre , illustre &c. *i.^*i quer dizer : a nobre y a illustre y subcnten4cado-se a palavra ^!! lis a lin- gua. Não posso affirmar com certeza se he verdade que os Bárbaros hajão de todo tempo dado á sua lingua este no- me de Amazigh. Se assim hc , reconhece-se nisto hunia da- quellas denominações cthnicas que indicao sempre huma Naçáo primitiva, a qual se persuade que descende direita- mente dos primeiros c mais antigos habitadores do paiz que occupa. Sc ha alguma affinidade entre os idiomas que fallão os Bárbaros e os Chillohes , não ha a rainima entre estes idio- mas ,, e o dos Mouros Arábigos , á excepção de poucas pa- lavras y como termos religiosos e technicos , introduzidos pelo decurso do tempo que assistirão juntos os dous povos. Leon de Granada affirma não terem os Bárbaros , ou antigos Africanos , lido outra Escritura' senão a Latina. Isto chama-se, pouco mais pouco menos, delirar, como veremos agora. He verdade que quasi todas as Memorias dos Ára- bes acerca dos primitivos habitadores deste Paia, parecera traduzidas do Latim, composto no tempo dos Arrianos, e ainda mais antigamente. Os livros perdidos de Tito Livio devem ter contido, a este respeito, cousas summamente iiRr portantes. Ainda assim hc quasi demostrado que os Africa- nos , e particularmente os Numidas tiverao huma Escritura sua própria. Valério Máximo , referindo huma anecdota de Massinissa Rei de Numidia., parece-me pòr este facto fora de 5^4 MemokiasdaAcademiaReal de qualquer duvida. He pois preciso crer , que os Roma- nos , os Christãos refugiados de Itália , os Vândalos , e fi- nalmente os Árabes anniquilassem aquella antiga Escritura. Ibn Ruchich , Autor Africano , affirma outrosi , que os an- tigos moradores do Magh'reb tinhao a sua lingua e a sua escritura particular. Hoje nem Bárbaros^ nem ChiUohes conhecem outra Es- critura senão a dos Árabes. Eu ignoro se existem outras collecçóes impressas de palavras , e de frases Barbariscas , e Chillohcs , fora daquellas que se achão publicadas nas Re- lações de Marrocos de Jorge ¥k)St , e de Luís de Chenier , e na traducçao Franceza da Viagem de Hornemann desde o Cairo até Murzuk ; ás quaes Jacksons e Ali-Bey ajunta- rão muito pouco : mas parece-me , que se tem dito sem ra- zão , que ninguém fez ainda conhecer na Europa frases e periodos cohercntcs , que possão dar huma idéa qualquer da structura desta lingua interessante. Temos na obra do defunto Adelung , intitulada Mithridates , ou Collecção de Orações Dominicaes em mais de quinhentas línguas , hum Tadre nosso Barbarisco , com huma douta e judiciosa Dis- sertação acerca daquella lingua ; a qual Dissertação com tu- do he tirada de outra mais antiga de Jesrael Jones , que Chambcrlayne enxirio na sua Collecção de Padre nossos , im- pressa em Amsterdam no anno de 171J. A pezar de todos os meus esforços , não tenho podido procurar-me huma traducçao de algumas sentenças Arábi- gas, e outros periodos de certa extensão, que para este ef- feito tenho mandado pedir a diversos lugares deste Impé- rio com demandas instantes de obter a versão delles em lin- gua quer ^^j quer ^ . Seria necessário para isto o soc- corro e apoyo do Sfír. Manoel Ignacio de Brito, douto Phar- maceutico Portuguez c Official respeitável e valido do Rei de Marrocos Mulci Soleimão , com quem acompanha em todas as suas viagens no interior do Paiz^ porém não tenho a honra de o conhecer. Em quanto á opinião dos Senhores Ventura , Marsden , DAS SciENCIAS DE L I S B O A. fj e Langlcs acerca da origem Púnica da lingua Barbarisca , não me smto inclinado a subscrever a cila. Todas as mi- nhas investigações a este respeito tem sido quasi totalmen- te inúteis. Sem embargo do que, não duvido affirmar , que a lingua dos Bárbaros não pode por nenhum modo ser hum dialecto da de Carthago. As Nações no meio das quaes os Carthaginezes fundarão o seu F.stado , dcvião ter as suas lin- guas particulares : a dos primeiros pôde ter exercitado so- bre estas alguma influencia , porém não teria podido anni- quiJallas", e tanto menos que a mesma situ.ição do Estado Carchaginez prova , que o numero de seus habitadores na- cionaes estava em proporção muito pequena com a das Na- ções circumvisinhas , das quaes tirava os seus soldados , e as suas tropas auxili;ires Pelo contrario, Sallustio , que foi Prefeito em Africa , informando-nos de terem os matrimónios das mulheres de Leptis com os Numidas alterado a lingua dessa Cidade , comprova não só que a lingua dos Numidas era diversa da de Canhago , mas tambcm que ella era a mais dominante , porque podia alterar os piincipios desta , fa/cndo-a dobrar dcbaxo da sua influencia. Deixo já dito , que Valério Máxi- mo afiirma terem os Numidas tido o bcu alfabeto particu- lar. ^ Não se deve então considerar esta lingua Numidica co- mo a base da Barbarisca } Fu o creio com tanta maior con- fiança que he presentemente reconhecido ser esta ultima lingua a mãi de todos os dialectos originários da Africa , que se fallão desde o Aíagb'ych-el-Jkfíí até aos confins do Sudan e aos Oásis do deserto de Libia. Porém, como huma lingua cultivada , e grammatical ficará sempre superior ás que não se culiivão, principalmente nas t(Simas dos verbos; e como não se pode deixar de reconhecer huma scnsivel conformidade entre as formas das linguas Púnica c Barba- risca, hc tanto mais preciso que se creia na influencia exer- cida pela primeira sobre a segunda , que sabemos ter sido a lingua Púnica , até aos tempos de Santo Agostinho , de S.Jcronymo j e de Procopio , a lingua geral da Costa Scptcn- trio- 5*6 Memofias da Academia Real trional da AtVikiáh , e do Magh'rcb. Com tudo isto , por pou- cos que scjão os monumentos que nos remancccm dessa lín- gua , sobejão para nos fortalecerem na opinião de que nun- ca pódc ter sido ella a mai da dos Bárbaros, Entretanto a identidade desta lingua com as dos Cabailes de Argel e de Tunes, das Tribus do deserto entre Ferran e o Egypto, e dos Tuaryks do Salihara , confirmada pelas observações de Jones , Shaw , Host , Aabd-cr-Rahman Agá , Hornemann , Langlés , Marsden , e Ventura , hc e será sempre hum dos descobrimentos mais importantes que enriquecerão os fastos da historia ethnographica. Ora se com estas rápidas observações , que se devem considerar como preliminares de pcsquizas mais amplas , eu não conseguir senão acordar a attençâo dos doutos sobre hum assumpto tão interessante , não crerei ter perdido o meu tempo ; e considerar-me-hei muito feliz , se a Academia Real das Sciencias de Lisboa , a quem dedico este meu ensaio , se servir de receber com bondade a minha tentati- va, concorrendo com ella, quanto em mim esta', para o al- cance do seu intento, isto he , o accrescentamento da maça dos conhecimentos humanos. F I M ME- f7, MEMORIAS, QUE SE CONTÉM NA II. PARTE deste quinto tomo. Historia. n ISCURSO recitado na Sessão publica de 24 de Ju- nho de 18 17, pelo Vice-Secretario Sebastião Fran- cisco de Mendo Trigozo. ----- Pag. 1 Discurso Histórico sobre os trabalhos da Instituição Vac- cinica , lido na Sessão publica da Academia Real das Sciencias de Lisboa em 24. de Junho de 1817 , pelo Doutor Wençesláo Anselmo Soares ----- xxx Elogio do Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira , por Ala- noel José Maria da Costa e Sá. ----- - lvi Relatório da Commissão nomeada pela Academia Real dai Sciencias de Lisboa , para lhe dar conta da neva Edi- ção dos Luziadas impressa em Paris no anno de i8f/. xc Lista dos Sócios da Academia Real das Sciencias. - - c Relação dos Membros e Correspondentes da Instituição Vaccinica da Academia Real das Sciencias, - - - cvu Memorias dos Sócios. Memoria sobre a Distillação , por António de Araújo Travassos. ------------- t Memoria sobre a diversa temperatura que tem os liqui» dos , e sólidos mergulhados na atmosfera , por Cons- tantino Botelho de Lacerda. ------- a8 Memoria sobre o Theatro Porfuguez , lida na Sessão pu- blica de 24 de Junho de 1817, por Francisco Ma- noel Trigozo d'Aragão Morato. ------ 41 Memoria sobre as pesquizas e lavra dos veios de chumbo Tom. y. Part. II. h de 58 Índice. de Chacim , Souto , Veutozello , e Filiar de Rcy fia Provinda de Trás os Montes , por José Bonifácio de Andrada e Silva. --_----_.- 77 Ohservaçoss Meteorológicas feitas 11a Cidade de Lisboa tio atino de 1 8 1 6 , e 1 8 1 7 , acompanhadas de varias reflexões sobre o estudo e applicação da Meteorologia , offerecidas d Real Academia das Sciencias , por Alari- no Miguel Franzini. ---_-._.- ^j Observações feitas no Observatório Real da Marinha por- Paulo José Maria Gera , e communicadas d Academia por Mattheus Valente do Couto- ----- iiá Experiências sobre duas differentes cascas do Pard , por Alexandre António Vandelli. ------. 131 Memorias dos Correspondentes. Observações Sobre algutis Peixes do Mar e Rios do Al- garve , por *** ..-.-..-.4 Xi Indagações sobre a lingua dos Bárbaros , por Jacob Graberg de Hemso. -._.»---.- /^^ CA- CATALOGO Das Obras já impressas , e mandadas publicar pela Academia Real das Scieticias de Lisboa : com os preços , por que cada híima delias se vende brochada. I. IjReves Insttucções aos Correspondentes da Academia sobre as remessas dos productos naturaes , para formar hum Museo Na- cional , /o//)ffo , 8.° UO II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a Manufactura do Azei- te em Portugal : remcttidas á Academia por João António Dalla- Bella , Sócio da mesma , i vol. 4." --..----- 480 III. Memofia sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal , remet- tidâ á Academia peio mesmo, 1 vol., 4.° ..-.-.- 480 IV. Memorias de Agricultura premiadas pela Academia , 2 vol. 8.° <>6o V. Paschaiis Josephi Mellii Fteirii Histotiae Júris Civilis Lusitani Liber singularis , i vol, 4.° 640 VI. Ejusdem Instituciones Júris Civilis , Sc ctiminalis Lusitani , 5 vol. 4." .-- Í400 VII. Osmia , Tragedia coroada pela Academia , Mh. 4.° - - - J40 VIII. Vida do Infante D. Duarte, por André de Rezende , /o/*. 4-" 160 IX. Vestigio5 da Lingoa Ar.ibica em Fortug.il , ou Lexicon Etymo- logico das palavras, e nomes Portuguezes , que tem origem Ará- bica , composto por ordem da Academia , por Fr. João de Sou- sa , I vol. em 4.° -- 480 X. Dominici Vandelli Viridiarum Grysley Lusitanicum Linnxanis nominibus illusrratum , i vol. 8.° ..-..-.--- joo XI. Ephemerides Náuticas, ou Diário Astronómico para o anno de 1789 , calculado para o Meridiano de Lisboa , e publicado por ordem da Academia , i vol. 4. "•-.-. ------ ^60 O mesmo para os annos seguintes até i8op inclusivamente. XII. Memorias Económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa , para o adiantamento da Agricultura , das Attcs , e da Industria em Portugal , e suas Conqui^-.tas , 5 vol. 4.° - . - 4000 XIII. Collccçáo de Livros inéditos de Histotia Portugueza ; desde O Reinado do Senhor Rei D. Dinis , até ao do Senhor Rei D. João II. 4 vol. \o\. 7200 XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparcntes , mandados re- copilar por ordem da Academia , \o\h. ...-.---. gr. XV. Tratado de Educação Fysica pata uso da Nação Portugueza , publicado por ordem da Academia Real das Sciencias, por Fran- cisco de Mello Franco, Correspondente da mesma, i vol. 4.° JCO XVI. Documentos Arábicos da fjistoria Portugueza , copiados dos Originaes da Torre do Tombo com pvtmisãào de S. Magestade, H ii • Catalogo. e vertidos em Portuguez , por ordem da Academia , pelo seu Cor- respondente Fr. João de Sousa , i vol. 4.° 480 XVII. Observações sobre as principaes causas da decadenua dos Portuguczes na Ásia , escriptas por Diogo de Couto cm forma de Dialogo, com o titulo de Soldado Pratico , publicadas por or- dem da Academia Real das ÍJciencias , por António Caetano do Amaral , Sócio Eftectlvo da mesma , 1 vol. 8.° mai. - . - 480 XVIII. Flora Cochinchinensis ; sisrens Plantas in Kegno Cochinchi- nae nascentes. Quibus acccdunc alix observatx in Sinensi Impé- rio , Africa Orientali , Indiffique locis variis , labore ac studio loan- nis de Lot^rciro, Regix Scicntiaium Academia; Ulyssiponensis So- cii : ju^su Acad. R. Scient. in luccm edita, 2 vol. 4.° mai, - 24CO XIX. Synopsis Chronologica de Subsidios, ainda os mais raros, pa- ra a Hlstorta, e Estudo critico da Legislação 1'ortugueza ; man- dada publicar pela Academia Real das Sciencias , e ordenada por ]osc Annstasio de Figueiredo, Correspondente do Numero da mes- ma Ac.idemia , 2 vol. 4.°--- .--... .... 1800 XX. Tratado de Educjçáo Fysica para uso da Nação Portugueza , publicado por ordem da Academia Real das Sciencias , por Fran- cisco José de Almeida, Correspondcnic da mesma, i vol. 4.° 360 XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha,. publicadas de ordem da Academia, i vol. 8.° 600 XXII. Advertências sobre os abusos, e legitimo uso das Agoas Mi- neraes das Caldas da Rainha , publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias , por Francisco Tavares , Sócio Livre da mes- ma Academia , folh. 4.° ............. jjo XXill. Memorias de Litteratura Portugueza , 8 vol. 4.° - - - 6400 XXiy. Fontes Pro.\im.is do Código Filippino , por Joaquim ]osé Fer- ^ reira Gordo , Correspondente da Academia , i vol. 4.° - - - 4OO XXV. Diccionarío da Lingoa Portugueza , l.° vol. foi. mai. - - 48CO XXVI. Compendio da Theoria dos Limites , ou Introducçáo ao Me- thodo das Fluxões , por Francisco de Borja Garção Stockler, Só- cio da Academia. 8.° .............. 240 XXVII. Ensaio Económico sobre o Commercio de Portugal, e suas Colónias , offerecido ao Sereniesimo Príncipe da Beira o Senhor D. Pedro, e publicado de ordem da Academia Real das Sciencias, pelo seu Sócio D. ]o'é Joaquim da Cnnha de Azeredo Coutinho: segunda edição corrigida , c accrescentada pelo mcsiro Auctor , » vol. 4.° 480 XXVIII. Tratado de Agrimensura, por Estevão Cabral, Sócio da Aademia , t vol. 8." ---..--..--.-. 240 XXIX. Analyse Chymica da Agoa das Caldas, por Guilherme Withering , em Poriuguez e Inglcz , folb. 4," 240 XXX. Princípios de Táctica Naval , por Manoel do Espirito Santo Limpo , Correspondente do Numero da Academia , i vol. 8.° - 480 XXXI. Memoriís da Academia Real das Sciencias, 5 vol. /o/. - looco XXXII. Memorias para a Historia da Capirania de S. Vicente, I vol. 4.° - - _ 480 XXXIII. Observações Históricas e Criticas pata servirem de Me- mo- ria» 05 1 CATAtOCO. morias ao systema da Diplomática Portugueza , por ]oáo Pedro Ribeiro , Sócio da Academia , Parr. 1.4." .--.... 483 ,^XXIV. J. H. Lamberc Suppícmenta Tabularum Logarithipicarum , et Trigonometricarum , i vol. 4." .......... ç^o XXXV. Obras luéticas de Francisco Dias Gomes , i vol. 4.° - Boo XXXVI. Compilação de Rellexóes de Sanches, Ptingle Síc. sobre as Causas e Prevcnçócs das Doenças dos Exércitos , por Alexan- dre António das Neves, para distnbuir-sc ao Exercito , yo/<). 12.° gn XXXVII. Advertências dos meios para preservar da Peste. Segun- da elisão accracetitada cum o Opúsculo de Thomaz Alvares sobre a Peste de 1560, folh. 11° --.-..-.-..- no XXXVIII. Hippolyto , Tragedia de F.uripides , vertida do Grego em Portugiiez , pelo Director de huma das Classes da Academia ; tom o texto , i vol. 4.* --..------•-.- 480 XXXI X. Taboas Logarithmicas , calctiladas até á sétima casa deci- mal , publicadas de ordem da Real Academia das Sciencias , por ]. M. D. P. , i vol. i.° 480 XL. índice Chronologico Remissivo da Legislação Portugueza pos- terior a publicação do Código Filippino, por João Pedro Ribei- ro , Parte i.', 2.% 5,' 4.", ej.' ..-....-..- 4j<3o XLI, Obras de Francisco de Borja Garção Stockler , Secretario da Academia Real das Sciencias , I.° vol. cm 8.° - - * - - - 800 XLII. Collccção dos principaes Auctores da Historia Portugueza , publicada com notas pelo Director da Classe de Litteratura da, Acidemia Real das Sciencias , 8 vol. 8.°--'------ 4800 XLIII. Dissertações Chronologicas , c Criticas^ por João Pedro Ri- beiro, 3 vol. 4.° ------. -■'•---^-- 24CX) XLIV, Collecçâo de Noticias para a Historia e Geografia das Na- ções Ultramarinas , Tomo I.° Números i.°, 2.'^, 5.°, e 4.° - - 6ca O Tomo II. * 800 Vi'V. Hippolyto, Tragedia de Séneca; e Phedra , Tragedia de Racine: traduzidas em verso, pelo Sócio da Academia Sebastião Francisco de Mendo Trigozo , com os textos. -...--- 600 XVI. Opúsculos sobre a Vaccrna : Números I. até XIIT. - • - 500 XLVII. Elementos de Hygiene , por Francisco de Mello Franco, Sócio da Academia. .........-..--. 600 XLVIII. Memoria sobre a necessidade e utilidade do Plantio de novos bosques em Portugal, por José Bonitacio dc.AnilraJa e Silva , Secretario da Academia Real das Sciencias , l vol. 4.° - 40O XLIX. Taboas Auxiliares para uso da Navegação Portugueza, com- piladas de ordem da Academia Real das Sciencias, i vol. 4.° - 600 L. Elementos de Geometria, por Francisco Villela Barbosa, Len- te de Mathematica na Academia Real da Marinha , Sócio da Aca- demia Real das .Sciencias , i vol. 8." ...-...-- 8cX3 LI. Breve Tratado de Geometria F.spherica , por Francisco Villela Barbosa , em addiíamento ac-i seus Elementos de Gcomtria , foi, 8.° 160 Lll. Memoria para servir de índice dos Foracs das Terr.is cio Rei- no de Portuí;.il c seus Dominios , por Francisco Nunes Franklin , Oliieial da Reformação do Real Archivo, 4.° .-..-. 480 LIIL ;i3-a Cataloúo^ LIII. Tratado á cerca de diffcrentes matérias, que dizem respeito a hum Projecto de Regimento de Policia Medico-Judiciaria pata Portugal , por ]osc Pinheiro de Freitas Soares. .--.-- goo Estão no prelo as seguintes. Documentos para a Historia da Legislação Pottugueza , pelos Sócios da Academia , João Pedro Ribeiro , Joaquim de Santo Agostinho de Bri- to Galvão , e outros. Collecçáo dos principaes Historiadores Portiaguezes. Coltecçáo de Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultrama- rinas. Taboas Trigonométricas , por J. M. D. P. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler, Tom. 2." Obras escolhidas do Padre Vieira. Grammatica Philosophica da Língua Porrugueza , ou princípios da Gram- matica Geral applicados á nossa Linguagem, por jeronymo Soares Bar; bosa. Vendem-se em Lisboa nas lojas dos Mercadores de Livros na Rua das Portas de Santa ÍJatharina ; e em Coimbra e no Porto também feios mes- mos pregos. << J^ t r rt^'-