^. (. f ^i09^tm -'í ■ ".•.♦T*'»*í . ^• 'V'»";>t^-'/' '•s^ STi'-*^ ■'■■■ ^« *■*' .♦* • « ►. 1. ■ , •. ->, .. ,f ^ . N^ HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENGIAS DE LISBOA. 0JâS-/3 ^ HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi uíi/e est quod facimtis , stulta est gloria. TOMO VIIL Parte I, LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA, 1823. '■'^'^'mfmFmnr Á ■ ^ 7~^ 'T\<^ ^^" /»^^>-rí^;- --^1 Ur?- HISTORIA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA PARA O ANNO DE Iõ2 2. Discurso Histórico recitado na Sessão publica de i^ de "Junho de 1821 pelo vice-secretario Francisco Villkla Barbosa. Ofnhobes : Eu vejo a Viuva de Carneades , exclamou Cí- cero, vendo cm Atlicnas a Cadeira, donde aquelle Philosopho dictava as suas lições. Tal a imagem, que esta hoje repre- senta, despertando a nossa saudade , por quem tam dignamcn- Tom. VIU. Part. I. te. II HiSTOPIADAAcAnEMIAREAL te, c miis de uma vez a desposara neste dia solcmnc en- tre applausos c admirações. Sim, iilustres c sábios Aeade- micos, outro era o órgão, pelo qual a Academia Real das Sciencias devia dar- vos conta de seus trab.illios e progres- sos desde a ultima Sessão publica. Cabia a mais digno An- naiista de seus feitos scientificos, o Siir. Sebastião Francis- co de Mendo Trigoso , nosso Secretario , teccr-lhcs o elo- gio histórico , e pôr coin el!c o remate ao quadro annual das nossas taretas litterarias. Mas a grave infirmidade, que tanto o atormentou nos últimos tempos de vida , acabou por privar para sempre a Academia de um dos seus melho- res ornamentos , cobrindo-a de magoa e lucto , que toda- via he hoje forçoso alliviar em veneração deste fausto dia. Cumpre por tanto pelo dever que me impoz a Academia com o titulo de Vicc-Secretario , que seja eu o Orador da sua festividade publica. O cargo he por certo muito hon- roso , mas a empresa árdua e difficil. Qiic talentos não são precisos, que poder de eloquência, para que estindo ainda fresca e viva a ferida em nossos corações , vos faça esque- cer da grande falta que sentimos I Ainda vetinnem em nos- sos ouvidos os echos do ingenho e da erudição ! Mas emfim se me não lie dado desempenhar , como desejo , tam im- portante assumpto , pelo menos cuidarei de não cançar as vossas attenções ; c comrudo serei , se não panegyrista , fiel c exacto historiador dns fadigas académicas. Aprescntar- vos-hei sem flores, que delias não hão mister, fructos pre- ciosos , plant-idos e colhidos neste anno por distinctos col- laboradores no vasto terreno das sciencias , que cultivamos. Seguindo a ordem chronologica das nossas Assembleas particulares, c bem assim a das Classes que compõem est^ Corporação , principiarei referindo-vos que logo na Sessaq de j8 de Junho passado, a qual abriu o anno académico que hoje finaliza, nos estreou o nosso Consócio o Síir. Con- stantino Botelho de Lacerda Lobo com uma Memoria acer- ca DAS SciENCiAs DE Lisboa. rir ea do modo mais conveniente de applicar o calórico para aquen- tar os vasos que contém differcntcs líquidos. Esta obra , pela importância c utilidade da matcria , hc mais um testimuniro do muito saber e tervor , com que o Srir. Constantino Bo- telho procurou sempre augmencar o thesouro dos conheci- nienros úteis. E porém bem qui/cra cu, por não abrir nova magoa em vossos corações, occultar-vos, que foi este o ul- timo tributo que pagou á Academia tão insigne Varão ; pois também a morte o levou com grande perda nossa c da Universidade onde era Professor, havendo sido incançi- vel no estudo das sciencias physicas e suas applicações , que illu<;trou e enriqueceu com trabalhos e Memorias. Recebtfmos do Srir. Joaquim Baptista, Medico cm Vou- zela , nosso Correspondente , algumas addições á sua Me- moria sobre o encanamento e navegação do rio Vouga , a quil SC havia lido na Sessão publica passada, e se julgou mui- to digna de apparcccr em as nossas Collecções. O Srir. Friderico Luiz Guilherme Varnhagen , Tenen- te Coronel do Real Corpo de Engenheiros , rcmetteu-nos do Brazil uma breve Memoria , a qual contém a descripção geognostica da montanha de Arassoiaba na Provincia de São Paulo , e o principio ^x historia das fabricas de ferro alli estabelecidas, das quacs hc director. Ja no anno anteceden- te o Srir. Roque Schach , Bibliothccario da Sereníssima Se- nhora Princeza Real do Reino Unido de Portugal , Brazil , c Algarves , nos havia feito iguil presente, de que se vos deu conta neste mesmo dia , com a descripção e analyse da rica mina de ferro descoberta juncto a Itaubira do Cam- po na Provincia de Minas-Geraes. Segundo a conta do Srir. Varnhagen, trabalhando alternativamente dous fornos altos, produziu cada um delles por mcz 2400 arrobas de ferro. Donde se vê quam ricos somos também neste mineral , e quam grandes progressos e vantagens nos promettem nesta parte da metall urgia os trabalhos montanisticos em tam vas- tos territórios. Com cffeito, so a ignorância e desmazelo, com que as nossas couzas erâo tracradas , ou talvez errada * 1 ii po- IV Historia DA Academia Real politica , podia obrigar-nos a sair fora para mendigar o que tinhamos em casa cm abundância c de sobejo. Do monte de- Maracoiíba , juncto á Villa de Sorocaba naquellc mesmo districto, dizia o nosso cscriptor Rocha Pita na sua histo- ria da America , que tinha as cntraniias de ferro : e nem era de suppor , que a natureza liberal em tantas preciosidades para com aquelle abençoado pai/. , so fosse escassa em con- cedcr-Ihe o mais útil de todos os mineraes , o ferro , tam necessário em tudo ávida, até nos usos funestos, que delle fcz a perversidade humana, depois que o ouro, seu tyran- nico irmão, filho do luxo c da terra, o extendeu cm alge- mas e grilhões, o aguçou em espadas e baionetas, e o fun- diu cm balas e canhões , para instrumentos da tyrannia , de crimes , e da morte. Porém , Senhores , se uns escavando o seio da mãi ter- ra, descem a pcsquizar-lhc as entranhas, esse laboratório immenso , onde se operao ao mesmo tempo tantas prepara- ções, tantas combin:;çõcs , e tantos phcnomenos ; e vão ca- tar, para assim dizer, até na habitação dos Manes os peri- gosos metaes , fonte de bens c de males ; outros , encanta- dos com a belleza das plantas que lhe adornão a super- fície, encontrão nella , a cada passo, mais seguro e ameno campo de instrucçao c recreio ; e contribuem com as suas observações e estudos, a meu ver, de melhor sorte para o bem da humanidade. Neste intento, o Snr. Marquez de Ponte de Lima, propondo-se dar á Academia uns Elementos de Botânica em que trabalha , c que desde ja ella acceita agradecida , oftc- reccu-nos como preludio uma breve e exceli ente Memoria acerca do que seja Botânica , e do como se deva estudar : bem certo de que dependendo essencialmente o meio de colher com brevidade fructos bons e maduros em qualquer scien- cia de se prescrever o methodo deestudala, he este o ver- dadeiro fio no labyrintho da Botânica. Possuído dos mesmos desejos de ser útil á humanida- de e á pátria , c neste mesmo ramo das scicncias da natu- re- dasScienciasdeLisuoa. t reza , nos apresentou o Síir. Jeronymo Joaquim de Figuei- redo, Lente de Medicina n;i Universidade de Coimbra , o i.° Caderno ja impresso da sua Flora Phannaceiítica Portw gtte^a. Conhecendo elle por experiência ser muito pequeno o numero dos siniplices vcgctacs portuguezes , que se achiío nas nossns Noticas , em comparação dos muitoL> de prodi- giosas virtudes , que ou são indigenas de Portugal , ou ji naturalizados, buscou por esta forma dar aos Boticários, e aos Professores de Medicina um meio, que habilita os pri- meiros a terem provimentos de plantas mcdicinacs de Por- tugal , e os segundos a poderem applicar aos seus doentes muitas drogas , que ate á publicação da Flora Lusitana do nos- so Consócio o Síír. lírotero não podi.lo conhecer em Portugal. As observações em Medicina , quacsquer que ellas se- jão , devem sempre respeitar-se como da maior utilidade e importância para a humanidade affíicta. Foi pois recebida com grande apreço uma carta do Síir. Francisco da Silva de Figueiredo Fragoso , Prior de Fera boa , na qual dando conta de fel ices resultados que tem obtido, nas tosses prin- cipalmente as convulsivas , com a applicaçao do cha da flor da labaça grande, ou labação {Riimex aquatkur de Lin.) , o rccommcnda como remédio cfficacissimo contra esta casta de infirmidadcs. l'or tanto seria muito para estimar , que os Professores da Arte quizessem verificalo. O Snr. António Feliciano de Albergaria Bitancourt , Ouvidor do Rio Negro , continuou a lembrar-sc da nossa Academia, remettendo-nos por mão do Snr. Alexandre An- tónio das Neves luna porção de quina em ca^ca , e em pó, que o celebre Botânico Alemão, o Doutor Mareio, acaba- va de descobrir em diversos logares do Amazonas , e cara- cterizava por superior em qualidades e virtudes medicinaes , não so á que se cria em Mato Grosso , mas á que vem do Peru. Esperamos que a analyse comparativa , de que forSo incumhidos os Senhores Alexandre António Vandelli , Joa- quim Xavier da Silva, e Wcncesláo Anselmo Soares, abo- ne as observações daqucUe Naturalista. Leu VI Historia da Academia Real Leu o Sócio eíFectivo , o Siír. José Maria Soares, um Projecto de Systeina de Empregados relativos d saúde publica. Como porem se propozcsse a ofFcrccclo ao Soberano Con- gresso da Nação Portugueza , nâo deixou logar á Academia para interpor o seu juizo acerca do merecimento deste tra- balho. O Snr. Anronio Lobo de Barbosa Ferreira Teixeira Gyrão, cujos conhecimentos agronómicos são bem notórios, mimozcou-nos com uma interessante Memoria , acompanha- da do desenho de uma machina de sua invenção para pisar as uvas no lagar , e fazer o mosto. Esta Memoria consta de duas partes. Na primeira dá o Author a descripção da machina , c explica o seu uso. Na segunda , depois de al- gumas adveitencias acerca deste, mostra as grandes vanta- gens que delle resultao , e as quaes abona com a própria experiência: não so porque aperfeiçoa, e simplifica o tra- balho de pisar e esmagar perfeitamente as uvas no lagar ; mas porque executado assim este trabalho , concorre para melhorar a qualidade dos vinhos, e economiza a dispesa. No parecer pois de Juizes da Academia intelligentes e ver- sados na matéria , fez o Síír, Girão grande serviço á Agri- cultura e ás Artes, tornando mais simples e profícuo o fa- brico de um género do maior trafego , e o mais importan- te da nossa lavoura e commcrcio. Não merecem unicamente as obras originacs a nossa attcnção. Também são dignas de apreço as boas traducçõeSi Elias não so acreditão seus Authores , como ate augmen- lão a reputação daqueiles , que além de trabalhos próprios com que enriquecem as Sciencias e as Artes, procurão ain- da por esta forma dilatar a sphera da publica instrucção; á similhança desses grandes rios , que empenhados em pa- gar ao Oceano copiosos tributos , levão em suas aguas as de extranhos regatos, sem que por isso pcrcão nome, an- tes com ellas engrossão e crescem em fama. Assim o Snr. Rodrigo Ferreira da Costa , de quem ja possuimos bastiin- tes documentos de zelo patriótico pelas Lcttras c boas Ar- tes, dasScienciasdeLisboa. vir tes, excitnJo com a leitura da Memoria do Snr. Gyrao, offercccu d Academia , entre outras producçõcs de seu pró- prio cabedal , a traducçao das Observações Chymicas do Snr. Manuel Ignacio de Sampaio acerca dos processos que convcnt practicar-se no fabrico do vinho tincto : Memoria escripti cm fVancc/. , e incluida no Tom. XXIX, dos Jnnaes de ^g*'i- cultura frauceza. Com effeito cumpria , que se vulgarizasse entre nós tam interessante trabalho , rcvindicando-o como nascido em solo portugucz ; postoque filho deslembrado da pátria , deixou os ricos trajos da lingua mai para vestir os alliêos, e habitar casa extrangeira. Bem qiiizera também d.ir-vos conta da analyse chymi- ca das ;íguas thermaes de Cab;.ço de Vide, da qual a Aca- demia incumbira os seus dignos Correspondentes os Senho- res Francisco Xavier de Almeida Pimenta, Medico no Sar- doal , e Thomé Rodrigues Sobral , Lente na Universidade de Coimbra. E por ventura conseguira apresentar-vos hoje os mais felices resultados daqucUa analyse , se a nova serie de accontccimentos políticos que occorrêrão , chamando a mais alto destino o Srir. Doutor Sobral, de cuja consumma- da pericia esperava a Academia o desempenho de tam diffi- cil processo , não suspendesse por agora a sua continuação , ja em parte adiantado pelas fadigas do Sfír. Pimenta , que de bom grado se prestou a sollrer os incommodos de uma jornada, para observar as milagrosas virtudes destas aguas, e ensaialas na própria matriz. Sendo então Corregedor daquella Comarca o Snr. Ma- nuel Ferreira Tavares Salvador , fez-se por esta occasiao credor ao reconhecimento da Academia , offereccndo-se de boa vontade para alli coadjuvar nos com as suas luzes e au- thoridade. Na classe das Sciencias exactas não são os annos tam abundantes : não porque o terreno das Mathematicas seja árido ou infecundo ; mas pelos poucos que se d edição á sua VIII HiSTOniA DA Academia Real sua cultura, por certo árdua c trabalhosa; pois raras vezes cabe na imperfeição humana a rigorosa exactidão nos tra- balhos , a qual iaz o timbre e a divisa destas sciencias. Conuudo alguns fructos recolhemos , que contentarão as nossas esperanças. Merecemos a um nosso Consócio, assas respeitável pe- los seus talentos litterarios , trcs Memorias sobre o desenvol- vimento das funcções em series , onde se mostra o artificio analytico c destreza do Author em levar com simplicidade a um fim determinado infinidade de relações complicadas , de que so pode tirar vantagens uma escolha judiciosa. Co- mo porém se não julgassem bem estabelecidos os princí- pios em que se funda aquelle desenvolvimento, cumpre por agora não declarar o nome do Author, esperando a Acade- mia que a resposta , que nos dirigiu em sua defesa , haja de satisfazer ás reflexões dos Censores. O Sfír. Rodrigo Ferreira da Costa, continuando os seus trabalhos na formação de uns Elementos de Musica adapta- dos ao estudo da sua composição e execução , apresentou a 3." Secção do Tractado da Harmonia que ha de feixar o 2." tomo dos dictos Elementos, de que ja ficou impresso o i." no anno passado. Esta Secção , tendo por objecto a Harmo- nia Progressiva , e o Contraponto , forma o vinculo de to- da a matéria da Alusica , expendida desde o principio da mesma obra; pois ensina a ligar diíFerentes cantos, forman- do na sua união um todo harmónico debaixo dos preceitos da harmonia simultânea , e da succcssiva , precedentemente expostos. No entender do Author nasce sempre a harmonia da combinação c equilíbrio de dous princípios contrários , unidade e variedade, E com eíFeito , Senhores , não ha boa harmonia em musica sem a associação de cantos parciaes , inais ou menos ricos c adornados , marchando cada um por diversa direcção , e com presteza desigual , porém mantida sempre a unidade de tom e escala diatónica em todas as partes simultâneas. Assim também a harmonia do Universo, har- DAS SciENciAs DE Lisboa. ix harmonia deliciosa não ao ouvido, mas ao entendimento do Sábio, de cujas leis fora Pytliagoras o primeiro escrutador , resulta da combinação de dous principios contrários , a itier- cia , e a attracçao da matéria ; pois da composição destas forças da natureza physica provem a regularidade dos mo- vimentos dos corpos celestes por orbitas diversas, e com diffcrentes velocidades, eíFeituados sem collisão ou conflicto, antes com admirável concórdia entre si. Tem-se constituido cada vez mais benemérito da Aca- demia , o nosso joven Correspondente , o Sfír. António Di- niz do Couto Valente , o qual sem levantar mão da enfa- donha tarefa que tomara de calcular as Ephemerides para uso da Navegação Portugueza , apromptou logo em Janeiro passado as do anno de 1822 , que ja se achão impressas. Ultimamente seu digno Pai e nosso Consócio, o Síír. Mattheus Valente do Couto , oíFereceu-nos um Tractado de Navegação , a respeito do qual melhor vos informará logo elle mesmo com a exposição, que tereis o gosto de ouvir- Ihe , acerca deste bello trabalho. Entremos agora , Senhores , na rica e formosa Provín- cia da Historia e da Litteratura , que constitue a terceira e ultima do vasto Império das Sciencias, em que gloriosa- mente discorremos. O primeiro monumento , que encontramos neste anno na estrada que nos havemos proposto seguir, he uma Me- moria histórica e critica do Sfir. D. Francisco Alexandre I.cbo, Bispo de Vizeu , acerca de Fr. Luiz de Sousa , e de suas obras. Cabia á mesma penna , que tam dignamente se havia no anno antecedente occupado da vida e feitos do Principe dos Poetas Portuguezes , escrever do Biographo do Venerável Arcebispo de Braga , que pela castidade de lin- guagem e flores do estilo merece a primazia de logar en- tre os nossos Esciiptorcs em prosa. Não instruc menos a vi- da privada e publica do homem douto , do que os seus pro- Tom.VlILPart.L * 2 prios X Historia da Academia Rkal prios escriptos : e com razão di/ia o celebre Clianceller Ba- con na sua admirável obra sobre a dignidade e augmento das Scicncias , que a historia do mundo sem a historia dos Sá- bios , he a estatua de Polyphcmo , a quem se arrancara o único olho. A nossa litteratura , que muito deve i erudição e ta- lentos do nosso Consócio o Síir. Fr. Francisco de S. Luiz , foi ainda enriquecida por cUc com a continuação do seu Ensaia dos Syiiouynios Portugtiezes ^ que ja se fez publico pela imprensa. Postoque acerca do merecimento deste trabalho nada tenha que accrescentar , ao que ja disse melhor peií- na , (a) comtudo não deixarei de admirar o zelo patriótico, com que nas poucas horas , que lhe sobravão da direcção dos negócios públicos preparando a grande obra , que ha de marcar as raias entre a Authoridade do Monarcha e os direitos dos Povos, folgava occupando-se em assignar tam- bém as raias entre os poderes dos vocábulos , para não usur- parem uns o spirito e a força dos outros. Uma das cousas pordm , que no meu entender contri- bue em grande parte para se entrar no verdadeiro spirito das palavras e fixarerti-se as idéas , he a orthographia ou recta escriptura, etymologica quanto seja compatível com a pronunciação , e uso dos doutos. Deixemos gritar embora esses génios exquisitos , que inimigos das ctymologias por celebridade ou ignorância , e como que envergonhados de mostrarem nos rostos as feições de seus maiores , querem que tudo se escreva do modo que pronuncião , descendo o sábio ao nivel do ignorante ; como se o que possue rique- zas, não deva fazer delias conveniente uso, e até ostíii- talas , só porque os outros não sabem , ou não podem ad- quirilas. Fundado pois naquelles princípios, offcrcceu o Síír. Rodrigo Ferreira da Costa as suas ReJlexÔes e Observações pré- (a) Dnc. Uistor, do anno de 1820 impresso no Tom. \ II cias Mem. da Acad, R. das Sc, pag, xx'i. DAS SciENCiAs DE Lisboa. xí préviai para a escolha do melhor systcma de Orthographia por- tuguesa , que a Academia piesou cm muito, c iiinndou que se iniprimão entre as suas Memorias; pois conréin na ver- dade cou/as de bastante utilidade, a que deve attender aqiiel- le que pertendcr organizar o dict.) systema. O Síír. ALnuel Joíc Pires sem afrouxar na empresa , que uma vez começara , de transplantar para chão portu- guez as flores, que cultivara cm Roma o Dcmosthcnes I,a- tino, leu-nos a traducçao da 3.-'' Catilinaria, que mereceu ái Academia a acceitaçáo c louvor, que lhe havião grangeado as precedentes ; onde sem quebra de fidelidade para com o texto brilha o mesmo togo c veliemencia , com que o Côn- sul e Orador Romano expulsara da Cidade o conspirador atrevido , e aterrara dentro delia os turbulentos conjura- dos. Devemos também ao Srir. Augustinho de Mendonça Fal- cão uma Memoria histórica sobre a Villa de Céa , que se jul- gou muito digna não so de ser lida nesta Sessão , como de ver a luz publica entre as Memorias Académicas. Outro nosso Correspondente , o Snr. Fr. Fortunato de S. Boaventura, além de uma cwxM^à Memoria dcei'Cti do co- meço , progressos , e decadência da litteratura grega em Portu- gal ^ em que novamente nos deu provas da sua grande m- strucçáo e litteratura , presenteou-nos ainda com o Etraio de tmi Índice das palavras , adágios , dictos , sentenças , anexins , e phrases ^ que a língua portugticza tirou da grega ^ sem passa- rem pelo intermédio da latina. A Commissão nomeada pela Academia de entre os seus Sócios para visitar o Estabelecimento da Casa Pia, e exami- nar o seu estado actual , apresentou por mão de um dos seus Membros , o Snr. Joaquim José da Costa de Macedo , uma circumstanciada Memoria, apontando as reformas e me- lhoramentos que julgava necessários. Cumpre porém decla- rar, que deve a Academia a occasião de dar mais este testi- munho do seu zelo pelo bem publico ao amor da pátria e cuidados do Snr. Filippe Ferreira de Araújo e Castro , en- * 2 ii tão XII HiSTopiA DA Academia Real tão Intendente Geral da Policia ; pois a convidou pnra e5t3 •••■erviço em o fcu Officio de 31 de Outuhm passado, hori impresso com a dieta Memoria no Tomo VII. das nossas coU lecções. Nomearei ainda esta vez o Snr. Rodrigo Ferreira da Costa , para di/er-vos que nos leu parte dt> seu Extracto da historia comparada do systenm de Phtlosophia relutivamcute aos principias dos conhecimentos humanos , escripta por Degerando ; o qual muito nos agradou, e desejamos liaja de continuar. Se as traducçócs, como dissemos, contribuem poderosamen- te para o augmento da instrucçao publica , vulgarizando as producções da antiguidade e de paizes extranhos ; os bons extractos, além de serem também muitas vezes traducções, tem ainda a vantagem de que colligindo o substancial e mais proveitoso de qualquer obra, ministrao o alimento ja apurado , que em menos tempo nutre o spirito , sem este se enfastiar ou arrefecer com a extensa leitura de volumo» SOS tractados. Para completar o Tomo V. dos Inéditos de Historia por- tuguesa , remetteu o Snr. Francisco Nunes F"rancklin o Fo- ral de Beja , dando-nos com isto novos signaes de quanto se interessa em auxiliar-nos com as suas indagações históri- cas. Finalmente foi do mesmo Sócio o ultimo trabalho, que houvemos nesta classe. Como conseguisse a permissão Re- gia de offerecer a' Academia quaesquer obras suas , concer- nentes ao emprego de Chronista da Sereníssima Casa de Bragança , cm que acabava de ser provido ; leu-nos a €hro- nica do primeiro Duqtie , o Snr, D. AJfonso , a qual me pare- ceu escripta com boa critica e em linguagem corrente. Taes forão , Senhores, os trabalhos e Memorias apre- sentadas e lidas em as nossas Assembleas ordinárias : cum- pre porém ainda commemorar varias obras impressas , com que alguns doutos concorrerão a enriquecer a nossa Biblio- the- PAS SciENClAS DE L I g B O A, XIII thcca ; as quaes, postoque não fossem geradas no seio da Academia , ou por cila perfilhadas , demandao comtudo igualmente para com seus Authores nosso publico agradeci- mento. Fcz-se delle credor o Sfír. António de Araújo Travas- sos , brindando-nos com um jogo de exemplares do seu En- saio sobre tim novo methodo de ensinar a ler. Outro digno Sócio, o Síir. José Maria Dantas Perei- ra , obsequiou-nos com alguns opúsculos , que publicara acer- ca de difFcrcntes objectos marítimos. Tivemos do Snr. João Pedro Ribeiro uma Memoria im- pressa a respeito da Authoridade dos Assentos das Relações, e o extracto de outra Memoria sobre a tolerância dos Ju- deos e Mouros em PortJgal. O Snr. Joaquim José da Costa de Macedo presenteou- nos com um exemplar do seu Projecto de Regimento para as Cortes Portíigitezas ^ o qual me parece superior em mui- tas couzas aos de algumas Assembleas Legislativas. O Snr. Adriano Balbi remetteu-nos as suas Tábuas Syn- epticas geogrítphicas , e um volume da sua Ceographia ; peloque mereceu ser contemplado com uma collecçáo das nossas M?- morias económica?. E finalmente também de fóra do Reino recebeu a Aca- demia demonstrações de estima e consideração. Um digno Moço nosso compatriota, o Sílr. Luiz da Silva Mozinho de Albuquerque , enviou-nos de Paris um exemplar das suas Geor- gicãs Portugttezas , que muito o acreditao, e nas quaes nos deu um Poema do género didáctico, de que são mííi raros, ou talvez nenhuns entre nós , os que mereção este nome. Com eíFeito grande parte dos nossos Poet:s evaporao em composições avulsas, para nos servirmos das mes nas expres- sões de um nosso erudito , («) o seu enthusiasmo muitas ve- zes (a) O Sr. Cândido José Xavier. Ann. das Sc. , das Artes , e das Letr. Tom. IX. XIV Historia da Academia Real ses fecundo e digtio de ser consagrado d utilidade da pátria , ao adiautanteuto da litteratura nacional^ e d sua própria glO' ria : c o que mais hc para ccnsur.ir cm muitos , profanáo íVcqiiciuemcntc este sacro dom , prnstitiiindo-o á lisonja dos Grandes, sem ao menos aqiiella animosa dignidade, com que Horácio, ao mesmo tempo que apresentava a Augusto o incenso que havia de lisonjealo , exaltava a coragem do celebre Catão , e aquella intrépida firmeza que nada pôde abalar. Amante porém da sua pátria , e convencido o Srir. Mo- zinho , de que a linguagem dos Deuses so deve emprcgar- se em louvar os seus beneficios , entre os quaes havemos por um dos primeiros a arte de cultivar a terra , cantou eni verso pátrio os nossos trabalhos ruraes , mostrando que na lin^ua dos Lusíadas também tem emulo o Agrónomo de JMantua. Outro presente, que muito contentou a Academia, fo- rão varias obras acerca de algumas inscripçoes sepulchraes , e de medalhas arábicas , com que seu Author e insigne Orientalista , o Srir. Christiano Martinho Fraehn , Sócio da Academia Real das Sciencias de Petersburgo , e Bibliotheca- rio do Imperador da Pvussia , procurou , como ellc mesmo confessa na obsequiosa carta que nos escreveu , dar-nos tes- tinninho da distincta veneração , que nelle excitarão para com esta Academia as Memorias de Litteratura Portugeza , e os vestígios e documentos arábicos do Snr. Fr. João de Sousa: testimunho na verdade mííi lisonjeiro para a Acade- mia, como da estimação e apreço , cm que são tidos nossos escriptos e trabalhos pelos doutos das nações estrangeiras, ordinariamente mais justos e sinceros, do que os próprios na- turaes. Além da Bibliotheca , também se augmentou muito neste anno o nosso Museu na parte ichthyologica , assim pelo numero dos productos, como pela delicadeza e perfei- ção com que ^o preparados. E finalmente foi enriquecido com varias medalhas an- ti- DAS SciENClAS DE LiSBOA. XV tigas de prata c de cobre , dadiva do nosso digno Vice- Pres)dente, o Excellentissimo Sílr. Marquez de Borba. Resta porém , Senhores , paCa nao ser tachado de omis- so na conta dos accontecimentos mais notáveis occorridos no decurso deste anno académico , mencionar também as duas Sessões extraordinárias de 21 de Outubro , e de 29 de Março passados , que se convocarão em observância de Or- dens superiores. Leu-se na primeira o Relatório da Commissão da Aca- demia , nomeada p.ira dar o seu parecer á Juncta Prepara- tória das Cortas acerca do melhor methodo de convocalas : e se prestou nessa mesma Sessão juramento de obediência ao Governo Provisório então estabelecido , a's Cortes , e á Constituição que ellas houvessem de fazer , mantida a Re- ligião Catholica Romana, e a Dynastia da Sereníssima Casa de Bragança. Na segunda Sessão forâo lidas e juradas as Bases da Constituição Politica da Monarchia, que as Cortes Geraes extraordinárias e Constituintes da Nação Portugucza tem reconhecido , e Decretão e Mandão, que provisoriamente se guardem como Constituição. Nunca furão por certo as nossas Sessões particulares tão luzidas como então , nem a sua matéria tão nova e su- blime. Ouviu-se alli pela primeira vez falar a Philosophia do seu Throno acerca dos direitos individuaes do homem, e do cidadão; e a estas suas palavras A livre commtinicação dos pensamentos he um dos mais preciosos direitos do homem , contesso-vos , Senhores , que se me figurou veros mesmos li- vros, que ornão a Sala das nossas Sessões, como animados do spirito dos seus Authores, afasturem-se entre si , preparan- do logar para receber o Livro sagrado da Constituição PoUli- ca i'a Mocarchiãy esse Código generoso , que ha devir acom- panhado de dignos filhos da judiciosa liberdade da impren- sa , nellc proinettida c assegurada. Oh ! Praza a Deus Omni- po. 5CVI Historia da Academia Real potente, Legislador do Universo, que vejamos concluída tam grande obra , a Arca da Alliança entre o Monarclia c o cidadão , e contra a qual nem possa o tempo , nem ouse tocar impune a mao do homem perverso! Então invejosos da nossa fortuna dirão os Povos do Mundo com o Poeta (a) Vivitc folhes , quibus est fortuna peracta lítfíi sua : Chamado agora por triste mas forçoso dever , a que bem quizcra esquivar me, cumpre-me referir vos, que alem dos illustrcs companheiros, que perdemos, os Senhores Se- bastião Francisco de Mendo Trigozo , e Constantino Bote- lho de Lacerda Lobo , também nos roubou a morte outias pedras não menos preciosas , que esmaltavão a coroa aca- démica. Deixarão para sempre o horizonte da vida em que brilhavão, os Senhores Adrião dos Sanctos , Soão Veterano y Francisco de Mello da Cunha c Menezes , Marquez, de Olhão e Sócio Honorário ; João Faustino , EJfeetivo na Classe das Scien- cias Exactas ; e José Banks , Sócio extrangeiro , e Presidente da Sociedade Real de Londres, Perdemos também entre os Cor- respondentes os Senhores Luiz Dias Pereira, e João Manoel de Campos e Mesquita. Beneméritos todos da Pátria a quem servirão , não merecerão menos da Academia , c particular- mente o Silr. Trigozo. Director por algum tempo da Classe das Sciencias Naturacs , Membro da Coiumissao da P\.efor- jTia dos pesos e medidas do Reino, Yice-Secrctario da Aca- demia em quasi três triennios suecessivos , e ultimamente Secretario pela ausência do Sfír. José Bonifácio de Andrada , vós o encontrastes sempre na estrada real dos seus deveres, assíduo e zeloso pela gloria da Academia. Ah ! E pois que me não he possivcl tecer a cada um dclles mais amplo elo- gio , possão peio menos espalhadas sobre seus jazigos ser- Ihes (a) Virgil. Eli. Lib. III. vers. 493. DAS SciENCIAS DE L I S B O A. XVII lhes gratas estas pi^ucas flores , que as lagrimas da amiza- de c do reconhecimento conservao sempre frescas e viçosas! E comtudo não lhes faltará monumento , pois durão e du- rarão seus nomeá nos Fastos académicos com maior sauda- de nossa e da Pátria , do que os daquellcs , que em már- mores de Paros , ou bronzes de Corintho fez abrir a vaida- de dos netos j ou a lisonja dos escravos. Tenho sido , Senhores , talvez um tanto longo ; mas serei desculpado, se attenderdes, a que não são poucos os fructos , que tinha de apres-ntar-vos , colhidos pela Acade- mia no decurso do anno , que' hoje termina; sendo as suas Sessões frequentadas e sempre animadas do spirito da har- monia e do sancto amor das Sciencias. Se não concorrerão Memorias aos prémios académicos, como em outros annos, procede provavelmente, de que a nova ordem de couzas , sendo de maior importância, tem attrahido e fixado a atten- ção dos Litteratos sobre as sciencias do Governo, da poli- tica, e da economia. Entretanto estareis convencidos de queí não havemos parado , antes progredido gloriosamente nx carreira bem que ardui e trabalhosa das sciencias e das ar- tes, que nos abrirão e frequentarão illustres predecessores. O seu exemplo e o nosso procedimento , despertando em pei- tos gcnerosiyS a nobre resolução de nos acompanharem na emprosa de extender o Império das Sciencias, convidarão a alisiar-se neste anno debaixo das bandeiras da Academia em o numero dos Correspondentes , os Senhores Marquez de Pon- te de Lima, Augustinho de Mendonça Falcão, António Lo- bo de Barbosa Ferreira Teixeira Gyrao , c Friderico Luiz Cjuilhermc Varnhagen. E foi nomeado Sócio extrangeiro o Snc. Christiano Martinho Fraehn. Com tam briosos Companheiros crescerá a gloria da Academia, trabalhando pelo augmento da instrucção publi- ca , primeira fonte da felicidade nacional ; pois são as Scien- cias c as Artes os verdadeiros signaes da liberdade e prOs- 7om. nu. Part. I. * 3 pe- xviii Historia oa Academia Real peridade dos povos, assim como a ignorância, da sua es- cravidão e miséria. E a quem , Senliorcs , devemos aquel- las, senão ás Sociedades littcrarias , estas Companhias de Sábios activos e laboriosos ? A epocha dos progressos do spirito humano data do est.ibelecimento delias*, e esta ver- dade he confirmada pela historia de todos os povos , e pela nossa. Ninguém ignora que os dias de esplendor da Grécia rebentarão do seio do Pórtico o do Lyceo ; e que o nome portuguez saiu a assombrar o mundo do centro da pequena Academia de Sagres. Eia pois , illustrcs Académicos , o Palácio das Sciencia» ainda está por acabar ; e muitas das suas obras esperao a voz do génio. Comtudo não ha difficuldades , que não vença o amor das sciencias e o zelo do bem publico: e nada pode cmpecer-nos ao abrigo do Throno de um Monarcha justo e liberal, que ao titulo de Rei se gloriou de ajunctar o de Protector da Academia: porque proteger sabias^ segundo um nosso historiador , {a) he atinar com o melhor modo de conser- var Reinos. Continuemos pois na gloriosa carreira , em que tanto ja havemos ganhado , ensinando ao mesmo tempo á mocidade com a applicaçao ao estudo , o que os moços La- cedemonios aprendião de seus Mestres, o respeito às leis e o amor d virtude. E porém não queremos outra recompensa mais, do que a estima dos nossos Compatriotas, e a venera- ção das nações extrangeiras. Se algumas ha, que injustamen- te nos tem julgado bárbaros, leião os nossos escriptos, e a historia dos nossos dias; e dirão do Solo Portuguez , o que disse o philosopho Aristippo, quando naufragando sobre as praias de Rhodes , viu traçadas na arêa algumas figuras geo- métricas : Aqui habitão homens. Disse. DIS- (a) Cândido Lusitauo. Vida do Inf. D. Henrique. DAS SciDHCIAS DE Llf. hOA. XIX DISCURSO HISTÓRICO Acerca dos trabalhos da InHttniçao vac cínica recitado na Sessão publica de 24 de Junho de 182 1 Por Francisco Elias Rodrigues da Silveira. ORNO outra vez perante vós , illiístre Assemblea , cha- mado só pelo dever, que a lei me impõem , de expor-vos os trabalhos da Instituição vaccinica no decurso deste an- no. Ourr'ora dura empreza me parcceo esta, quando ainda havia cabedal bastante, e de que podia dispor, para cum- prir a tarefa que estava a meu cargo , porque então o ar- dor dos Correspondentes e dos mais Vaccinadores , e até mes- mo o natural attractivo de huma Instituição nova , levanta- da na cflervcscencia do enthusiasmo , me subministravão ma- téria feitil, para preencher o meu objecto, além de que n..quella oc:asião foi elle por sua natureza digno de poder prender a vossa attcnção. Poróm hoje que me vejo despido de forças e de talen- tos, talto de tudo, porque tuuo se tornou peco e estéril, e até porque a vaccinaçao cm algumas Provinciís está quasi moribunda, c em outras de todo extincta, encho me de re- ceio , e de susto na certeza de que não poderei desempe- nhar ainda rasteiramente o objecto que tenho de tratar , e sobre tudo quando tem sido tão grandemente satisfeito por outros muitos, que me precederão nos annos anteriores; vcndo-me por isso necessitado de mendigar estranhas e alheas cores , único meio que me resta , para com ellas po- der formir o tosco quadro, que vos devo apresentar, e que passo a descrever. Olhando para os annaes da Historia , vejo serem mui- * 3 ii tas XX Historia da Academia Real tas vezes os acontccimcinds cxtiaoidinaiios c as dcscobef- tas maravilhosas o que tem servido, para marcar com ca- racteres firmes e tocantes, a fim de escapar do poder do Tempo, que tudo bz esquecer e tudo gasta , as Épocas diíFcrentcs do mundo conhecido , numeradas dcsd' essas re- motas e incertas idades , em que o pensamento vacila , quan- do pertcndc esquadrinhar o que fizcrao os primeiros habi- tadores do Globo, e o que iovao elles nas artes c nas scien- cias : por quanto se olharmos para o grão de perfeição a que chegarão os Egypcins , os Gregos e ainda os Fenícios, como bem o demonstrão ainda muitas das suas obras de en- genho e de primor, nos encheremos de assombro e de es- panto , e concluiremos que esse grande problema da anti- guidade do mundo não está ainda hoje completamente re- solvido , e que talvez nunca o será. Feliz do género humano , se muitas d'essas decantadas Épocas , que a Historia aponta , nunca tivessem sido des- lustradas com o ferrete de succcssos desastrosos e malfaze- jos , como forão aquellas em que houverão sanguinolentas guerras , excitadas por ventura só pela cega e cavilosa lei do capricho , ou ambição desmesurada de orgulhosos Conquista- dores , ou ainda mesmo por opiniões particulares , que se pertemlião defender e introduzir, á força do poder do ferro e do fogo , muito embora contra eilas se declarassem sem- pre os atropelados c mal defesos direitos da razão c da Hu- manidade. Longe de mim querer recordar o que f DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXV alem de que, sendo outro o objecto com que devo entre- ter a vossa attençáo , c para o qual fui chamado, cumprc- me só fazer-vos a exposição fiel dos trabalhos da Instituição vaccinica no decurso do ultimo anuo académico , mostran- do ao mesmo tempo o muito que importa promover este ramo de utilidade publica, bastante afrouxado c empecido: e sendo esta a segunda vez , que tenho a honra de me apresentar perante tão respeitável Assemblea , para tratar d' huma matéria a mais interessante á população de qualquer estado, apezar de só ter acanhados talentos, e não possuir os encantadores atavios de huma sublime eloquência , e nem essas frases pomposas', que muitas vezes custumao mascarar antes a verdade que illustralla , espero com tudo merecer a vossa benévola attenção , não pela pessoa do Orador , mas pela grandeza e importância do objecto de que trata , e qualidades dos que me escutão , na certeza de que serei franco e breve. Qi-iando já por toda a parte estava generalisada a vac- cinação, c que na Inglaterra, Alemanha, Rússia, França, e demais paizes da Europa se vião estabelecimentos públicos de vaccina , protegidos e sustentados pelos próprios Gover- nos; e que com o maior enthusiasmo esta interessante des- coberta era acolhida até entre os povos menos civilisados da Ásia , Africa c America , em Portugal estava ainda pou- co familiarisado este precioso antídoto das bexigas naturaes, com que a Providencia Divina quiz brindar o género hu- mano nos dias das suas misericórdias, para combater contra a morte , e augmentar a nossa espécie : por quanto apezar de ser já conhecida a vaccinaçao cm Portugal, desde o anno de 1799, nunca vogou com regularidade bastante, para que se estendesse a todo o Reino , pois apenas por varias vezes e em diversos tempos tinha apparecido em alguns lugares; e assim mesmo isto só acontecco até áquella época desas- trosa , em que o nosso Monarcha nos deixou saudosos , re- tirando-se para o Brazil ; para esse Paiz , que sendo ainda por muito tempo, depois da sua descoberta cm ijoo, jul- Tom. FUI, Part. 1. * ^ ga- xxYi Historia da Academia Real lio só dioiío de ser habitado pelos malfeitores de Portugal , veio a ser no aiino de 1807 hum seguro asilo na persegui- ção do Déspota da Europa , recebendo em seu seio o seu Rei e toda a sua Dynastia. Então , desde esta época , quasi que esteve de todo afrouxada , ou esquecida a vaccinaçao em Portugal , em quanto não começarão a appareccr em 7 de Junho de 1812 os trabalhos da Instituição vaccinica esta- belecida pela philantropia da nossa Academia. Mas com que presteza depois da sua instalação não se propaga a vaccina por todo o Reino ? E quantos zelosos vac- cinadores não se oíFcrecem á porfia , para se alistarem no nu- mero dos seus Correspondentes ? O bem publico , o amor da gloria e da humanidade , lisongeiras esperanças de hum futuro brilhante , e pequenos soccorros pecuniários submi- nistrados pela Academia ; eis todo o cabedal que havia no seu começo , e de que podia dispor então a Instituição , para conservar a sua estabilidade, e alliciar coUaboradores j mas que seria bem pouco tudo , e nada poderia adiantar na sua arriscada empreza , se não contasse com as virtudes pa- trióticas dos seus Concidadãos , c com huma decidida pro- tecção do Governo. Porém esta primeira vantagem , conseguida na propaga- ção da vaccina , a despeito dos partidos contrários á sua vir- tude antivariolosa , teve huma duração ephemera , e foi atra- cando pouco a pouco; de maneira que, para dar maior vi- da e alento a tão útil estabelecimento , instituírão-se então prémios honorificos e pecuniários , para serem distribuídos , segundo a qualidade do serviço e graduação de cada vacci- nador. Mas não sendo possível , que a nossa Academia ex- trahisse dos seus amesquinhados fundos todo o necessário , para preencher similhante tarefa nos annos successivos , se dirigio então ella ao Governo; e este acolhendo benigna- mente a sua representação, houve por bem conceder huma Loteria a favor da Instituição ; e depois desta graça , a de hum conto de réis annualmente ; cuja quantia, deixando de ser recebida com regularidade , fez com que se alterasse; in- tei- DAS SciENClAS DE Li S BOA. XXVII telramente a marcha detalhada neste importante ramo, e fos- se necessariamente dcscahir>do a vaccinaçao do seu progres- so c prosperidade. Assim, no decurso de todo esse tempo até hoje, este tao patriótico estabelecimento tem tido épocas de grande- za e decadência , á proporção dos meios próprios de lhe conservar a existência , e a força ; mas nunca chegou ao ponto de aniquilação , como desgraçadamente se acha redu- zido , este ultimo anno , em consequência da falta de quasi todos os seus recursos úteis ; porque todos estão unicamente limitados a philantropia d'alguns dos seus mais zelosos Correspondentes, e aos trabalhos da Instituição, sustentados particularmente pelo disvelo e energia dos seus Membros , e ainda pelo possível amparo da Academia : o que vereis na succinta e abreviada recopilação , que passo a expor-vos. Com bastante magoa principio por annunciar vos, que neste ultimo anno vaccinico o numero dos vaccinados na In- stituição em todo o Reino , e que tiverão vaccina legiti- ma, apenas monta a 3215"; não contando os que não com- parecerão , para serem observados , ou se vaccinárão fora das suas vistas. De certo he bem diminuto tal numero de vaccinados em todo hum Reino , e principalmente por ser o nono an- no , em que a Instituição vos dá conta dos seus trabalhos vaccinicos, por ser também o nono da sua creaçao ; tendo já chegado no anno de 18 17 a ser de 19993 ; o que fez então conceber as mais bem fundadas esperanças de que a vaccinação hiria em augmento, e que em breve estaria to- do o Reino vaccinado : mas não acontcceo assim , pois to- das essas lisongeiras esperanças se malograrão , e o numero dos vaccinados progressivamente foi diminuindo, de então pa- ra cá. Na verdade , Senhores , o avesso Fado de Portugal , sem- pre opposto á fruição das suas felicidades , e só solicito em promover a sua ruina , ainda á custa dos maiores sacrifícios e interesses, não consentio , que este mesmo ramo de utili- 4 ii da- « xxvHi Historia da Academia Real dadc publica progredisse como devia: c para complemento de maior mal , foi ate bem diminuta neste anno a aquisição de novos Correspondentes ; pois apenas houve a do Sfír. An- tónio Baptista Varela , Capitão das Ordenanças da Villa do Torrão, em consideração ao bem que tinha servido, e fei- to prosperar a vaccina em todo o seu districto e povos cir- cumvisinhos ; e a da Senhora D. Anna Raquel Leite Cid Madureira , em razão dos assíduos trabalhos e desmedido zelo , vaccinando os que voluntariamente se oíFerccião , e convidando a muitos , que não podendo subtrahir-se aô po- deroso império das suas rogativas , se sujeitavão por fim a receber o milagroso beneficio da vaccinação ; e espera a In- stituição , que as virtudes desta Senhora , a par da amabili- dade natural do seu sexo, venhão fazer o maior interesse á causa da humanidade, á imitação d'outras que a tem prece- dido, e encher o lugar que deixou a Senhora D, Maria Isa- bel Wanzellcr , obrigada pela irrevogável lei , que manda acabar tudo o que nasce , cuja morte cobrio de pezado lu- to a toda a Instituição ; pois nella perdia hum dos mais bri- lhantes e seguros esteios da sua prosperidade ; e de quem vós em igual solemnidadc , o anno passado , ouviste o elo- gio traçado por huma mais delicada penna. Não parou aqui o nosso desgosto , pois tivemos de sentir também, neste anno, a perda do Síír. José Fradesso Bello , Cirurgião Mór em Elvas , e Lente da Cadeira de Ci- rurgia , a quem a Natureza tinha dotado de talentos , e de huma alma dócil, bemfazeja , e própria para caminhar sem- pre com promptidão para as acções de bedeficencia e cari- dade , logo que para isso o convidavão os impulsos do seu coração , conservando sempre com a Instituição huma exacta e útil correspondência ; e tão constante foi sempre em sa- tisfazer esta obrigação voluntária, que foi o mesmo sentir- se a falta de remessa das suas contas mensaes , que ter-sc a certeza da sua morte. He desnecessário dizer-vos , que oSrir.José Fradesso Bello recebeo da Instituição quanto ella possuía de mais hon- DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXIX honroso e apreciável ; e por isso diversos prémios lhe fo« ráo conferidos, dos que era custume distribuir-sc, todos os annos , aos mais beneméritos Correspondentes ; mas todos el- les pouco ou nada valião , quando tinhao de recompensar tão distinctos serviços. Os seus Discípulos , os seus Ami- gos, e toda a Cidade de Elvas, que muito o chorarão no dia da sua morte , ainda hoje o pranteao , e sentem a sua falta i e o mesmo farão todos aquelles que conheciao a sua natural caridade , e amor pelo bem publico. E eu se não receasse fatigar em demasia a vossa attenção , estenderia mais o seu elogio , para melhor consagrar á sua memoria os dignos feitos , com que clle esmaltou os seus dias ; mas co- nheço que já me tenho desviado bastante do trilho , que deveria seguir , apczar de , quando me recordo , que estou á vista de tão patriótica Assemblea , eu me esqueço de tu- do, e só me lembro de que seria por vos mesmo culpado, se deixasse de fallar de hum Membro da Sociedade , que tão utilmente prestou á Pátria as suas fadigas e cuidados. Tendo sido mui escassa a colheita dos vaccinados nes- jte anno , e mui acanhada a correspondência das Províncias, Ideverião igualmente ser bem mesquinhas as observações. Na Tcrdade nada appareceo de notável nessas bem poucas rela- ções , que chegarão ao conhecimento da Instituição ; mas cumpre declarar , que todas ellas comprovarão o mesmo que já por muitas vezes tinha sido geralmente reconhecido, mostrando que a vaccina marchara sempre na sua dcsenvolu- ção com aquella mesma benignidade até aqui observada , con- servando constante a sua virtude antivariolosa , tanto mais decidida , quanto sendo huma verdade de facto , a succes- são dos tempos a hia mais e mais arraigando ; que ne- nhum acontecimento desagradp.vel houvera nos vaccinados , ou fosse a respeito de serem atacados das bexigas naturaes, ou de sofrerem algum outro successo desastroso , que po- desse ou devesse attrrbuir-se á vaccinação ; que as suppostas bexigas, sobrevindas aos vaccinados , erão verdadeira e posi- tivamente as innocentes varicelas, mas que pela muita simi- Ihan- XXX HiSTOKIA DA AcADEMIA ReAL Ihança , que custumao ter na sua apparcncia , tem sido com cilas contundidas, o que á pouco acabou de acontecer com hum filho do Srir. Ignacio Redmond ; que a vaccina longe de ter sido nociva á constituição do vaccinado, muitas ve- zes a fazia melhorar c dispor para o curativo de algumas enfermidades chronicas , sendo esta observação conforme com o parecer do Dr. Bryce ; e finalmente que as moléstias cu- tâneas nem sempre contrariavao a vaccinaçao, quando já se achavao no estado chronico : porque então a vaccina em vez de ser nociva á constituição do enfermo, sempre se tor- nava útil e proveitosa, principalmente quando produzia sym- ptomas de affecçao geral. Apezar de ter confessado o abandono , decadência , c quasi aniquilamento da vaccinaçao em todo o Reino , fal- taria ao meu dever, se deixasse de faliar d' alguns dignos Ministros e beneméritos Correspondentes e Vaccinadores ^ que dotados de hum natural bemfazcjo, não tem deixado de suster sempre a vaccinação pelo modo compatível a's suas forças , para não acabar de todo hum estabelecimento digno de melhor sorte : por cujo motivo direi , que entre os Ma- gistrados muito se avantajarão cm zelo , actividade e intel- ligencia os Senhores Dr. Francisco Maria Coelho , Juiz de Fora da Villa de Portel ; José António d'Almeida , Juiz de Fora de Lagos; João Anastácio deCarvalho Henriques, Pro- vedor do Algarve ; e João Nepomuceno Dias Benevides ,, Juiz de Fora da Villa Nova de Portimão. E entre os Cor- respondentes e mais Vaccinadores , que mais se fizerão be- neméritos pela promptidão e regularidade na remessa das contas e maior numero de vaccinados ; e que mais se dis- tinguirão pela diligencia constante, nunca interrompido dis- vclo e grande efficacia em promover a vaccina , não me sendo possível faliar de todos , especificarei com particula- ridade As Sr," D. Angela Tamagnini d'Ahreu. D. Luiza Adelaide Coutinho. D. Anna Raquel Leite Cíd Madureira. E DAS SciENClAS DK LiSBOA, XXXC EosSnr.' Francisco Xavier d'Almeida Pimenta. José Nunes Chaves. Francisco José Monteiro. João António dos Sjnrcs Cordeiro, O Rev. Manoel José Coirca Vclloso. António José Giraldo d' Oliveira. Carlos António Lopes Pereira. José dos Santos Dias. António Teixeira de Pinho. João Baptista Torres. João Gervásio de Carvalho. Francisco Ignacio Pereira Rubiao. Francisco Maria Roldão. José Ignacio Pereira Derramado. Qiiando trato dos que mais se tem esmerado em sus« tentar ainda a vaccinação , e promover tamanho bem publico , não posso esquecer as positivas ordens, que por determina- ção do Governo passado forão expedidas a todas as Autho- ridades do Reino , reforçando outras anteriores , para pro- moverem com efficacia a vaccinação : porém ao mesmo tem- po que o antigo Governo mostrou sempre boa vontade em se promptificar ao que lhe era representado pela Instituição cm nome da Academia , he forçoso confessar, que todas ci- las como não erão coactivas , e nem impunhão responsabili- dade alguma aos seus executores , nenhum effeito seguro e constante produzirão , pelo qual se podesse conhecer de que a voz do Governo tinha sido ouvida com submissão e res- peito , apparecendo apenas , depois de huma profiada espe- rança , ordinárias formalidades que nada produzirão de real e útil. Mas vendo ultimamente a Instituição , que todo o Rei- no principiava a desenvolver novas forças radicaes , que até alli estavão como adormecidas por huma virtude magica , que tinha todo o poder de as conservar em perfeita inac- ção , para no devido tempo apparecerem no seu mais alto Zcnith ; e que sendo o Augusto Congresso formado pelo vo- xxxti Historia da Academia Real voto gcr.il da Nnção , c por isso mais conhecedor dos inte- ressas do povo, e do muito que convinha augmciitar a po- pulação d' hum paiz precisado de braços, para o progresso das Artes e das Scicncias ^ na Sessão de j de Fevereiro de- terminou a Instituição , que se dirigisse huma representação á Academia, a fim d'csta levar ao conhecimento das Cortes a decadência , em que se achava a vaccinação em Portugal ; para que estas tomando em sua alta consideração hum ob- jecto de tanta monta e utilidade publica , lhe desse aquelle impulso, que julgasse próprio ao seu melhoramento, e esta- bilidade: em virtude do que na Sessão de 14 de Maio foi presente á mesma Instituição o Aviso da Regência, mandan- do executar a resolução do Supremo Congresso, que deter- minava se entregasse á Academia hum conto de réis annual para as despe/as da vaccinação , pagando-se o que se lhe devesse; por isso que os trabalhos da Instituição deverião limitar-se unicamente a Lisboa, por ter.de pertencer este ramo de utilidade, publica a hum plano geral c concertado para a saúde de todo o Reino. Porem esta mesma parcial providencia, talvez por circumstancias imprevistas e que não estão ao alcance da Instituição o conhecellas, nab foi ain- da verificada. Por tanto á vista do quadro que acabo de vos apresen- tar , hc desnecessário reflexionar sobre o que he bastante obvio á vossa prespicacia e penetração ; sendo para mim bem agradável , que tendo referido os trabalhos vaccinicos deste ultimo anno , não tenha de vos relatar successos desas- trosos , mortes prematuras , monstruosidades horriveis , ou em fim moléstias desconhecidas nas Nosologias medicas até a descoberta da vaccina , como alguns d'esses desvairados espíritos tem pertcndido imputar a innocente vaccina ; só por serem inimigos naturaes da novidade : por isso que ar- reigados aos princípios velhos , que vogavão nas escolas do seu tempo , nem se quer consentem que a sua razão reflicta hum pouco sobre a verdade dos factos , que de novo se lhes offcreccm : e se attcndcrdcs ao que se tem passado nosannos an- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXXIII antecedentes , tereis mais hum poderoso argumento , para convencer o« que sem critério e sem exame, e só fascina- dos por huma virtude desconhecida se atrevem a erguer a vo/ , para declamar contra factos apoiados em experiências multiplicadas c repetidas por mais de vinte annos , feitas em paizes diíFerentes , cm regiões remotas e separadas , e até em indivíduos de diversa casta. Alem disto o interesse que todas as Nações cultas tem tomado na propagação de tão soberano invento , mostra sobremaneira a convicção da sua verdadeira utilidade: sen- do por isso que a Inglaterra premiou com avult.idissimas somraas o seu descobridor, o immortal Jenner ; e expedio ordens mui positivas , para que fosse levado a todos os seus estados hum tão grande bem ; e que a França e a Suécia com presteza mandassem organizar estabelecimentos públi- cos , pondo fundos a' sua disposição , não s(S para os susten- tar, mas ainda para conferir prémios avultados aos que mais se distinguissem neste importante serviço j e que na Alema- nha e na Prússia se promulgassem leis , que fizessem com que ninguém nos seus estados deixasse de se vaccinar; e a final que em Portugal também apparecesse huma Instituição vaccinica , sabida do seio da Academia ; mas com tão a;nes- quinhados meios para a sua permanência , que já de todo se teria eclipsado , se não tivesse sido amparada pela exal- tada philantropia dos seus Membros , e os possíveis soccorros da mesma Academia. Com tudo , apezar de tantos esforços , e tão repetidos desejos e desvelos , he preciso confessar que a Instituição vaccinica vai a de apparecer de todo diante dos vossos olhos ; e que aquelle manancial precioso , onde vós tendes sempre encontrado prompto e seguro remédio , para acudir e salvar C8 vossos filhos de hum mal , que por multas vezes tem le- vado ao tumulo milhares de innocentes victimas , e feito cor- rer dos olhos de caridosas e enternecidas mais lagrimas de hum sentimento inútil, tem chegado ao seu ultimo termo, e sem remédio. Tom.Vin.Part.I. * y hum XXXIV Historia da Academia Real Não penseis , que isto aconteça ; porque os Membros da Instituição vaccinica , e a Academia tenhiío afrouxado hum pouco d'jquclle espirito bemfazejo , e daquella phylantropia exaltada, que no principio fizera o timbre da sua reunião; porém a Academia tem os seus recursos estagnados , e os Membros da Instituição já não podem sós suster a sua con- servação: porque os estabelecimentos públicos não se podem sustentar sem Fundos , assim como os corpos vivos não po- dem existir sem vida ; e edifícios ou maquinas de tal natu- reza , muito embora sejao elles bem construídos , que de nada servem , se lhe não he applicada huma força propor- cionada paia as fazer mover. Em fim , Senhores , conheço ter cançado em demazia a vossa attenção, c abusado da vossa benevolência; mas a fe- licidade de hum Paiz a que pertenço , nfío por origem de nascimento, mas por principio de educação; pois a cllc de- vo todo o meu ser moral , toca tão vivamente o meu espi- rito, que me julgaria criminoso, se d'outra maneira proce- desse, quando se trata dos seus interesses: e muito mais ain- da se me avivão taes sentimentos , quando vejo que a fran- queza de fallar em matérias úteis he hoje huma virtude so- cial reconhecida. Seja pois a convicção de que a vaccina he hum bem indisputável , para o augmento da população , o estimulo mais forte, para chamar a attenção do nosso Augusto Congresso na desenvolução dos meios poderosos e capazes de lhe dar esteio e extensão ; e já que não tem bastado só a força da persuasão , empregada até aqui tão vivamente pela Institui- ção e por tantos e tão diversos meios , imite-se o que tem praticado as outras Nações zelosas , e providentes em susten- tar , e promover a força dos seus estados pela multiplicação de maior numero de braços , as quaes , apezar de milhares de causas destruidoras da sua população , apparecem ainda hoje como se cilas nunca tivessem sofrido guerras sangui- nolentas e devastadoras , e emigrações continuadas. DIS- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXXY DISCURSO Recitado no Paço de Qtieluz perante ElRei o Senhor D. João Vl^ em 9 de Julho de 1 8 2 1 , por occasiao do seu feliz regres- so ao Reino de Portugal pelo vice^seoietario Francisco Villela Barbosa. SENHOR K UNCA esperei dever tanto á fortuna , que lhe merecesse reservar para o tempo do meu ministério no emprego de Vicc-Secretario da Academia Real das Sciencias a honra de ser o órgão delia , representada hoje por estes seus dignos Sócios , a fim de felicitar a V. Majestade pelo fausto mo- tivo de se ver rcstituido ao Berço e Sede da iVlonarchia Por- tugueza. Fiel interprete dos sentnnentos da Academia , pos- so affirmar a V. Majestade, e digne-se V. Majestade de acrcditar-me, que penetrada do mais profundo respeito ella vem apresentar-se ante o seu Real Throno , transportada ao mesmo tempo de jubilo por ver satisfeitos os rotos , que no decurso de quasi três lustros de ausência de V. Majestade , não cessou de dirigir frequentemente ao Ceo, acompanha- dos de fervorosas supplicas , para que lhe concedesse este dia , tam suspirado por todos os bons Portuguezcs. E de quan- to não sáo ellcs hoje devedores a V. Majestade? Não of- fcreccm os Annaes da historia documento de maior e mais heróico sacrifício , qual o que V. Majestade acaba de fazer tam facilmente pela felicidade dos Povos. E na verdade , Senhor , que riscos e trabalhos , confian- * 5 ii do XXXVI HisToPiA DA Academia Real do V Majestade a sua preciosa vida ás ond.;s do duvidoso Atlântico, para vir consolidar a nossa ventura! Qiie gene- rosidade ao mesmo tempo tam nova , e sobrenatural para com os nossos Irmãos do hcmisplicrio antárctico, não hesi- tando em dividir o próprio coração, para deixar-lhes meta- de, apczar dos gritos da natureza na custoso separação dos mais charos objectos da ternura paternal, o Filh) Primogé- nito de V. Majestade, os Netos Augustos, o Herdeiro, e Fiadores do Throno Portugucz ! Com cíFeito so cabe tanta virtude cm animo verdadei- ramente Real : e porem era esta a devida recompensa do nosso soffrimento no centro das miiiores calamii'adcs, e do nosso amor para com a Augusta Pessoa de V. Majestade , e da sua Real Familia , amor nunca desmentido , e nova- mente firmado com solemnc juramento na Presença do Todo Poderoso em seus sagrados Altares. Acredite pois , Senhor , acredite V. Majestade os puros sentimentos do Povo Por- turuez , c os da sua leal Academia : ninguém melhor dq que ella deve, pode, e sabe sentir e apreciar a alta ventu- tura de ter presente o seu Rei , o seu Amigo , o seu Pro- tector. Ah 1 E porque não ditei também Pai? Sim, excel- so Monarcha , permitta-nos V. Majestade, que o invoque- mos com este doce Nome ; e não deve negai tam honrosa prerogativa á sua illustre Academia , particularmente agora que tem a sublime distincção de haver por seu Presidente o Filho Augusto de V. Majestade , o Serenissimo Senhor Infante D. Miguel. Posto á frente d'ella , e conduzindo-a perante o Throno de V. Majestade (permitta-me, Senhor, que fale com a franqueza que me he natural ) exalta-se aci- ma de si mesmo , honrando Sua Alteza a nossa Academia ; porque honrar Sábios he prezar a Sabedoria , prezar a Sa- bedoria he assimilhar^se á Divindade. Disse. DIS- AS SciENClAS DE LiSBOA. XXXVlI DISCURSO Recitado no Paço de Qtieluz perante o Sereníssimo Senhor Infan- te D. Miguel , Presidente da Academia y em 17 de Julho de 1821 , por occasião da sua chegada ao Reino de Portugal PELO VICE-SECRETARIO Francisco Villela Barbosa. SERENÍSSIMO SENHOR A Academia Real das Sciencias, representada por estes seus Sócios beneméritos , vem comprimentar a V. A. pela sua feliz chegada a esta Capital dos Estados Portuguczcs; e ao mesmo rempo agradecer a V. A. a alta honra , que de tam longe se dignou de fazer-lhe , acceitando o titulo de seu Presidente. Por certo não podia V. A. occupar abaixo do Sólio, do qual na mesma linha c com iguaes preroga- tivas somente o desviou a epocha do Nascimento , um lo- gar mais digno de si; nem a Academia, esta illustre Cor- poração de Sábios respeitáveis assim Nacionacs , como Ex- trangeiros , e que se gloria de contar entre os seus Sócios também Principes , e Monarchas , devia pôr á sua frente um Chefe menos digno delia ; principalmente depois de haver tido por seus Presidentes o Senhor D. João de Bragança , Duque de Lafões, e o Serenissimo Senhor Infante D.Pedro Carlos , ambos Principes de Sangue Real , ambos Parentes de V. A. E na verdade, Senhor, que emprego mais digno * j- iii de MXvm Historia da Academia Real de um Príncipe , do que o de pn"sidir no Templo dns Scicn- cias , animando com a sua Real Presença a Paltsfra dos Sá- bios , e ao mesmo tempo instruindo-se com ellcs ? Assim na pequena Villa de Sagres , c no seu mesmo Paço , rodea- do do homens doutos , se honrava , e foignva de conversa- íos outro Infante de Portugal , o Senhor D. Henrique , cujo Nome será sempfe repetido com respeito , e ouvido com saudade , em quanto houverem as Letras adoradores no Mun- do. Digne-se pois , Sereníssimo Senhor , digne-se V. A. , imitando este seu íllustre Antepassado , de honrar com a sua assistência a nossa Academia , aeolhendo e prezando os seus Sábios ; e sobre tudo despertando com o seu exemplo no coração da Mocidade portugueza o amor das Sciencías e das Letras : pois he o exemplo , e a bondade dos Príncipes in- centivo mais poderoso para as grandes Acções , c heróicas empresas , do que os applausos do Universo , e os louvo- res da Posteridade. Disse. PRO. PROGRAMMA DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIaS DE LISBOA, ANKVNCIADO NA SESSÃO PUBLICA DE 24 DE JUNHO DE 182I. NAS SCIENCIAS NATURAES. Para o anno de 182a. E 'M CHYMICA. A Blscripcão de hum Processo o mais proiupto , e menos dispendioso pelo qual ahimdantemente se possa haver do Sal marinho a Soda , qne se faz nccessarid para uso das nossas fabricas ; com tanto que ella venha a custar menos , que a extrahida da Barri/ha do Cowmercio ; avaliando-se por hum alkalimetro. EM ECONOMIA RURAL , E DOMESTICA. Sendo reconhe- cida , nas nossas fabricas de tincturaria a necessidade , e uti- lidade da planta chamada Granza , ou Ruiva dos tincturei- ros ( Rubia tinctorum Linn. ) Em qne terreno prospera mait a sua cultura ? Ouc outras espécies se lhe podem substituir , e se alguma delias merece a preferencia na tinctttraria ? Por que modo y e em que tempo ^ devemos promover a cultura des- ta planta ? Otiando estará na r circumstancias de se recolher para uso da f fabricas ? Oiie parte da planta serve , e como se deve preparar para este fim ? Otie outros usos podemos fa- zer da mesma planta , alem dos que rc peitao d tinctttraria ? Oite vantagens tirará o Lavrador da sua cultura , compara- da com as dijferentes sementeiras que podem ter logar nos terrenos , onde deve ser cultivada ? Qtte consummo fazem ho- je XL Historia da Academia Real Je delia as nossas fabricas ; e quanto aunuahmnte pouparía- mos , se a tivéssemos de cultura própria , e não a comprás- semos aos Extrangeiros. EM MEDICINA. Hum Catalogo por ordem alphahetica , qtie coiiiprebenda as Composições officiuaes Pharmnccutico-Chymi- cas , designadas pela tionieticlatura mais conhecida ; e por aqtiel- la , que a cada buma deve corresponder segundo os principias da Cbymica moderna : descrevendo-se lambem as propriedades Physicas , e Chymicas , que ms assegurem a sua pureza , e boa manipulação. Neste Catalogo se devem referir todas as Com- posições da Pbarmacopêa geral do Reino com as observações , que parecerem necessárias ; e aqucllas de outras Pharmacopéas , que são de uso geral em Medicina. Assumpto para 1822 com Premio dobrado. EM MEDIClNJ. Qíiaes são as causas y que, ha annos , tem concorrido para tão grande numero de Apoplexias nesta Capi- tal ? Utrão ellas ediopathicas , sjfuptomaticas , ou sympathicas ? A resolução deste Progratmna deve ser fundada nas dissecções dos cadáveres. Prémios extraordinários para 1822. litmi Epitome das Leis agrarias Porttiguezas , publicadas desde o principio da Mouarchia até ao presente , e os Aphoris- mos , que das mesmas se podem deduzir a beneficio da Agricul- tura , Povoação , e Commercio do Reino de Portugrl , e dos Al- garves. A dieta Obra deve ser composta segundo o methodo seguido por Mr. Fournel na que imprimiu cm Paris no an- no de 18 19 com o titulo Les Loix rwales de la France , ran- geés dans leur ordre naturel. A JNlemoria que for approvada , ou que pelo menos merecer o Accessit , obterá o premio de huma Medalha de ouro do valor de ijo^ooo reis. Qiial he o methodo de curar radicalmente as Dysenterias chro- DAS SciENClAS DE IvISBOA, XLI chronicas , de quaUjuer cansa que procedao ; futiilado em prin- cípios , e confirmado por observações practicas. Este Programma rcm o picmio de 400(^000 réis. Para o anno de 1823. EM ECONOMIA RURAL. Visto o estado da nossa Agricul- tura , ílelerrritiar qual seria o melhor inaboJo pura conseguir que as encostas , c cumes dos nossos Montes , que estão incul' tos , se plantassem de arvores. De que espécie se poderia ti' rar maior partido ? qtial seria a sua melhor plantação e cul- tura} e qu interes es poihrião resultar delia ao Estado} EM MEDICINA. Mostrando a experiência que o uso da qui- na, e de outros amargos chamados antifehr/s he nocivo em muitas febres intermittentes , designar cm quaes destas são in- dícados aquclles medicamentos \ e qucl seja o tractamento nas outras : estabelecendo principias theoricos , e referindo factos para provar a opinião que se adoptar em qualquer dos dois casos. Assumptos fixos para todos os annos. I. A Descripção Physica de alguma Comirca , ou Território considerável do Reino , ou Dominios Ultramarinos , que comprehen- da a Historia da Na/urez-a do Paiz descripto. II. A Descripção Económica de alguma Comarca, ou Terri- tório con ideravel do Reino , feita conforme o Plano adoptado pela Acrdemia para a visita da Comarca de Setúbal , e que se pu- blicou uo Tom. III. das suas Memorias Económicas. III. A Topograpbia Medica ãe huma grande Povo<'ção (Ci- dade , ou Filia notável ) de Portugal : segundo o Plano indica- do na Histoire et Mcmoires de la Sociérc Royale de Méde- cinc , Prcfac. p. XIF. Tom. I. : ou Descripção de alguma mo- léstia cpidrmica , ou endémica em algum logar de Portugal , in- dicãndo-se o tractamento mais conveniente, NAS xLii Historia da Academia Real NAS SCIENCIAS EXACTAS. Para o anno de 1822. EM ASTRONOMIA, Mostrar tanto pelo calculo^ como por observa filo , a influencia do erro , que pôde resultar nos ân- gulos horários do Sol e da Lua de se nÍo attender d figura da Terra. EM MECHANICA. Princípios fundamentaes de Mechanica , esta- belecidos ( quanto poder ser ) geometricamente. Para o atino de 1823. EM ASTRONOMIA. Algumas Observações de Eclipses do Sol ou OccuhiKÕcs de Estrellas pela Lua , feitas por Navegantes Portuguezes em portos do Braail ou da Ásia '. especificando' se todos os meios e Instrumentos de que se servirão nessas Observações. EM MECHANICA. Resumo das Regras-practicas {que se usao) para traçar a figura de hum Navio sobre os três planos or- tbogonaes de projecção , mostradas ( com toda a clareia pos- sível ) pelos Desenhos correspondentes ; ejunctamente o Calculo- practico do Porte e Capacidade do Navio. NA LITTERATURA PORTUGUEZA. Para o anno de 1832. EM língua PORTUGUEZA. A Historia da nossa Poesia até ao fim do decimo quinto século , indicando os Auctores , que os nossos Poetas tomarão por modelos. O Exame critico dos nossos Oradores Sagrados , que flo- recêrão desde 15- o o até 163:0, tanto pelo que respeita á Dou- trina , conw d Eloquência ; fazendo ver o proveito , que da sua lição podem colher os Pregadores. EM DAS SciENCIAS UE L I S B O A. XLIII BM HISTORIA PORTUGUEZA. A Historia dos nossos des- colrimentos em Austrais yia , e Polinésia , com a syiwnymia dai descobrimentos feitos posteriormente pelas outras Nações Eu- ropéas nas mesmas Regiões. Qiiaes são as attribuições do Direito Feudal tanto se- cular como ecclesiastico em Portugal , e as alterações que successivamente foi tendo até d Sua total extincçãõ. Para o anno de 1823. EM língua PORTUGUEZA. A Historia da lingua Portugue- sa nos quatro primeiros séculos da Monarchia. EM HISTORIA PORTUGUEZA. Determinar o augmento , t diminuição de População nos Reinos de Portugal , e Algarves nar diversas Epochas da Monarchia , indicando as verdadeiras causas y que ie devem assignar d sua respectiva alteração. Assumptos fixos para todos os annos. EM POESIA, E THE ATRO NACIONAL. Huma Tragedia Portugueza, Huma Comedia de caracter em verso , ou em prosa. Assumpto de premio dobrado sem limitação de tempo. Huma Grammatica Pbilosophica da Lingua Portugueza, Os Prémios ordinários consistem em huma medalha de ouro do peso de 5'0(j[)ooo réis : e todas as Pessoas podem concorrer a cllcs , á excepção dos Sócios Honorários, e Ef- fectivos da Academia. Abaixo destes prémios principaes, pro- põe a Academia também a honra do ylccessit , que consiste em huma Medalha de prata : e ainda abaixo desta a menção honorifica da Memoria, c]ue só disso se fizer digna; a qual menção será feita nas suas Actas e Historia. As XLiv HisTOKiA DA Academia Real As condições gcraes para todos os Assumptos propos- tos são : Que as Memorias , (.]ue vierem a concurso , sejão escriptjs em Fortugue/ , sendo os seus Auctores naturaes destes Reinos ; e em Latim , ou em qualquer das Línguas da Europa mais geralmente conhecidas , sendo os Auctores Extrangeiros : Que sejão entregues na Secretaria da Acade- mia por todo o mez de Abril do anno , em que houverem de ser julgadas : Que os nomes dos Auctores vcnhão em carta fechada , a qual traga a mesma Divisa que a Memo- ria , para se abrir somente no caso em que a Memoria se- ja premiada: E finalmente que as Memorias premiadas náo possâo ser impressas senão por ordem , ou com licença ex- pressa da Academia ; condição que igualmente se extende a todas as Memorias , que , não obtendo Premio , merecerem comtudo a honra do Acccssit. Porem nem esta distincção , nem a adjudicação do Premio , nem mesmo a publicação determinada, ou permittida pela Academia, deverão jámnis rcputar-se como argumento decisivo , de que esta Socieda- de approva absolutamente tudo quanto se contiver nas Me- morias , a que conceder qualquer destes signaes de appro- vação ; porem somente como huma prova , de que no seu conceito desempenharão , senão inteiramente , ao menos a parte mais importante dos Assumptos propostos. LIS- DAS ScienCias de Lisboa. XLV LISTA DOS SÓCIOS Da Academia Real das Scicncias em Dezembro de 182a. PROTECTOR ELREI O SENHOR D. JOÃO VI. PRESIDENTE O Sereníssimo Senhor Infante D. Miguel. Vice-Presidente Fernando Maria José de Sousa Coutinho Castello-Branco e Menezes, Marquez de Borba. Sócios Honorários. S. M. ElRei da Grã-Bretanha. S. A. R. o Duque de Sussex. Arthur Wellcsley, Marquez de Wellington, Du- que da Victoria , ^'^^ Londres. António de Saldanha de Oliveira e Sousa , Con- de do Rio Maior , em Lisboa. D. Caetano de Noronha , Conde de Peniche , em Lisboa. D. Carlos da Cunha , Cardeal Pafriarcha , . . em França. Carlos Stuard em Paris. D. Domingos de Sousa Coutinho, Conde do Funchal , «» viagem. Tom. VIU. Part. L * 6 D. XLvi Historia da Academia D. Duarte Manoel , Marquez de Tancos , . . em Lisboa. Fernando Maria José de Sousa Coutinho Castello- Branco c Menezes, Marquez de Borba, Vice- Prcsidente, em Lisboa. Luiz António Furtado de Castro do Rio c Men- doça , Conde de Barbaccna , em Lisboa. D. Marcos de Noronha , Conde dos Arcos , em Lisboa. D. Miguel Pereira Forjaz, Conde da Feira, em Lisboa. O Ministro e Secretario de Estado dos Negó- cios da Fazenda , em Lisboa. O Ministro e Secretario de Estado dos Negó- cios da Guerra , em Lisboa. O Ministro e Secretario de Estado dos Negó- cios da Justiça , em Lisboa. O Ministro e Secretario de Estado dos Negó- cios da Marinha, em Lisboa. O Ministro e Secretario de Estado dos Negó- cios do Reino , em Lisboa. D. Pedro José Joaquim Vito de Menezes, Mar- quez de Marialva, em Paris. D. Pedro de Sousa Holstein, Conde de Palmella , no Alemtejo. D. Seçismundo Caetano Alvares Pereira de Mel- lo , Duque de Alafões , em Lisboa, Thomaz António de Villanova Portugal , . . evi Thomar. Sócios Extrangeiros. António Lourenço de Jussieu, em Paris. Cliristiano Martinho Fraehn , . . . . em S. Petersbourg. Frederico Bouterwek , em Gottinga. Jiime EdM'ard Smith , em Londres. José Francisco de Jacquim (Barão de Jacquim) Em Vienna à^ Áustria, D. Manoel Abella , em Madrid. Ma- DAS SctEhfCIAS Dli LiSBOA. XLVIÍ Maria Carlos José Pougcns , em Parts. Kcnato Justo de Hauy , em Paris. Ricardo António de Salisbiiry, em Londres, Sócios Veteranos, Joaquim Pedro Fragoso , em Lisboa. Manoel Luiz Alvares de Carvalho, . . ^ . em Lisboa. Sócios effectivos. Na Classe de Sciencias Naturaes. Bernardino António Gomes, Director da Classe , em Lisboa. Fclix de Avellar Brotero ........ na Ajuda. Francisco Elias Rodrigues da Silveira , • . . em Lisboa» José Bonifácio de Andrada e Silva, ua Provinda de S. Paulo. José Corrêa da Serra, Secretario, . ... em Lisboa, José Pinheiro de Freitas Soares, . . • . . em Lisboa. Na Classe de Sciencias Exactas. Francisco de Borja Garção Stockler, '. , . em Lisboa. Francisco de Paula Travassos , em Lisboa. Francisco Simões Margiochi, em Lisboa. Francisco Villela Barbosa , Vice-Secrctario da Academia , em Lisboa. José Maria Dantas Pereira, em Lisboa. Marino Miguel Franzini , em Lisboa, Matihcus Valente do Couto, Director da Classe , c Thesoureiro da Academia, . .... em Lisboa. Rodrigo Ferreira da Costa , em Lisboa. * 6 ú Na xLVàii Historia da Academia Na Classe de Littcratura Portugueza. D. Fr. Francisco de S. Luiz , Bispo de Coim- bra , c Reitor da Universidade , .... em Coimhra. Francisco Manoel Tri^ozo de Aragão Morato, Director da Classe , em Lisboa. Francisco Ribeiro Dosguimaraes , em Lisboa. João Pedro Ribeiro , em Lisboa. Joaquim de Sar^to Agostinho de Brito França Galvão, em Lisboa. Joaquim José da Costa de Macedo, .... cm Lisboa. Joaquim José Ferreira Gordo (Monsenhor Fer- reira ) em Lisboa. Manoel de Almeida e Vasconccllos , Conde da Lapa I ' . . . . . . em Lisboa, (Cê-. Sócios Livres. Alexandre António Vandelli , Guarda Mor dos Estabelecimentos da Academia , , ... em Lisboa, António de Almeida , cm Penafiel. António de Araújo Travassos, cm França. António Diniz do Couto Valente, .... em Lisboa. Cypriano Ribeiro Freire , em Lisboa. Fr. Fortunato de S. Boaventura , em Coimbra. D. Francisco Alexandre Lobo, Bispo de Viseu, em Viseit. Francisco José de Almeida , em Lisboa. Francisco Nunes Franklin, em Lisboa. Francisco Soares Franco, em Lisboa. Francisco Xavier de Almeida Pimenta , . . . m Sardoal. Guilherme Eschwege , em Alemanha. Ignacio António da Fonseca Benevides, . . em Lisboa. João António Salter de Mendonça, Visconde de Azurara, em Lisboa, João DAS SciENCIAS DE LiSUOA. XLIX D. João de Magalhães e Avcllar, Bispo do Por- to , »o Porto. João Silvério de Lima , em Santarém. Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, .... em Lisboa. Joaquim Xavier da Silva , em Lisboa. Fr. José de Santo António Moura ^ . . , . em Lisboa. José Corrêa Picanço , no Rio de Janeiro, José Feliciano de Castilho , em Lisboa, D. José Maria de Sousa Botelho, .... em Paris. Justiniano de Mello Franco, em S.Paulo. Luiz Máximo Alfredo Pinto de Sousa, Viscon- de de Balsemão , no Perto. ^lanocl Ferreira da Camará Betancourt , no Rio de Janeiro. ^lanocl José Maria da Costa e Sá, . . . . em Lisboa. ^Manoel José Pires em Lisboa: Minoel Pedro de Mello, em Coimbra, Paulo José Maria Cicra , em Lisboa, Pedro José de Figueiredo ,..•..... em Lisboa. Pedro de Mello Brcyner, em Roma,. Ricardo Raymundo Nogueira , . . , , . em Lisboa. Timotheo Lecussan Verdier, em Parts: Wencesláo Anselmo Soares, em Lisboa^ Correspondentes. Agostinho de Mendonça Falcão, . ... em Lisboa. António Lobo de Barboza Ferreira Teixeira Gy- rão , em Lisboa. Balthasar da Silva Lisboa , em a Villa dos llheos no Brazil. Bento Affonso Cabral Godinho , em Évora. Fr. Bento de Santa Gertrudes Magna, no Mosteiro de S. Bento da Saúde , no Porto. D. Blaz Martinez, ,,...'... em Pamplona. Caetano Arnaud , em Chacim. * 6 iii Dio- L HiSTOFIAnAAcADEMIA Diogo de Toledo Lara Ordoíícs , . . . »o Rio de Janeiro. Egydio Patiicio do Couto , ei7i Lisboa, Eustáquio Joaquim de Azevedo Franco, . tia Azambuja. Félix José Marques , em Lisboa. Francisco António Marques Giraldes , . m Rio de Janeiro. Francisco António de Almeida Moraes Peçanhu, em Lishca. Francisco de Oliveira Barbosa , em S. Paulo. Francisco Vieira Goulart, no Rio de Janeiro. D. Francisco Xavier Cabanes , em Madrid. Francisco Xavier do Rego Aranha , . . . . em Elvas. Fridcrico Luiz Guilherme Varnhagen , na Província de S. Paulo. Guilherme Muller , em Londres. Jacobo Graberg de Hemso , em Tangere. João António Monteiro, em Frcyberg. João Croft , em Londres. João da Cunha Neves e Carvalho , . . . , etn Coimbra. João Laureano Nunes Leger, em Lisboa. João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz , em Castello Branco. João da Silva Feijó, . . . , . . . 710 Rio de Janeiro. João Theodoro Koster , em Londres, D.Joaquim de Santa Anna Carvalho (Bispo do Algarve ) « em Lisboa. Joaquim Baptista , em Voiizella. D.Joaquim José António Lobo da Silveira , Con- de de Orioila , em Berlim. Joaquim José Varclla , em Monte mór o novo. Joaquim Navarro de Andrade , em Coimbra. Joaquim Pedro Cardozo Cazado Giraldes , . .no Funchal. Fr. Joaquim Rodrigues, em Lisboa. José Accursio das Neves , em Lisboa. Fr. José de Almeida Drak , em Lisboa. José Avcllino de Castro, tio Porto. José Calheiros de Magalhães c Andrade, . . em Braga. Fr. José da Costa e Azevedo , . . . no Rio de Janeiro. José Egidio Alrares de Almeida , . . . no Rio de Janeiro, José Feliciano Fernandes Pinheiro ..... em Lisboa. Jo- DAS SciKNCiAs DE Lisboa. li José Jacinto de Sousa, m Porto. José Ignacio Paes de Sousa c VasconccUos , . em Lisboa. José [.iberato Freire de Carvalho, .... em Londres ^ José Lino Coutinho , m Brazil. José jManoel Vieira de Castro , no Porto. José Manoel de Sequeira , m Cuiabã. D.José Maria da Piedade Lencastre e Silveira, Marquez de Abrantes , em Lisboa. José Portelli , , em Lisboa. José Romcr Luiz de KerckhoíF, em Ânvers. José de Sá Betancourr, 71a Bahia. D.José Valério, Bispo de Portalegre, . . em Portalegre. José Villela de Barros, em Lisboa. Lucas Tavares , em Lisboa. Luiz António de Oliveira Mendes, .... «a Bahia. Luiz Henriques, Buao de Block , . ... em Dresda. Manoel Agostinho Madeira , . . . . em Torres Vedras. Manoel Francisco de Barros e Mesquita , Vis- conde de Santarém , ------- f;;; Lisboa. Manoel Jacinrho Nogueira da Gama , . . no Rio de Janeiro. Manoel José Mourão de Carvalho Monteiro , na Mealhada. D. Miguel António de Mello, em Lisboa. D. Fr. Patrício da Silva, Arcebispo de Évora, em Lisboa. Pedro Celestino Soares , em Lisboa. Pedro Gcaninni , em Bolonha. Pedro Machado de Miranda Malheiros (Monse- nhor Miranda) no Rio de Janeiro. Roque Schuch , no Rio de Janeiro. D. Thadco Manoel Delgado, ..... emHespanha. Thomé Rodrigues Sobral, em Coimbra. Vicente Gomes de Oliveira , .... mo Rio de Janeiro. Vicente José Ferreira Cardoso, . . na Ilha de S. Miguel. Vicente Navarro de Andrade , ... «o Rio de Janeiro. RE- Lii HistoriadaAcademia RELAÇÃO Dos Membros^ e Correspondentes da Institui f/ío Vacciuica da Academia Real das Sciencias. Membros da InstituiçÍo Vaccinica. Bernardino António Gomes , - - - - ~ - em Lisboa. Francisco Elias Rodrigues da Silveira , - - - em Lisboa. Francisco Soares Franco ,-------£■;« Lisboa. Ignacio António da Fonseca Benevides, - - em Lisboa. __ oaquim Xavier da Silva , - - - - - - - em Lisboa. José Feliciano de Castillio, ------ ;;;; Lisboa, José Pinheiro de Freitas Soares, - - - - ~ em Lisboa. Justiniano de Mello Franco, - ----- em S. Paulo. Wcncesláo Anselmo Soares, - - - ~ - - em Lisboa. Correspondentes da Instituição Faccinica. D. Angela Tamagnini de Abreu, - _ - - em Lisboa. António de Almeida, Medico, - - - - - em Penafiel. António Anastasio de Souza, Medico, - - - em Pombal. António Coelho de Magalhães e Queiroz , Bo- ticário , _-_.___---£■/« Villa-meam. António Joaquim de Carvalho, Medico, em Ponte de Lima. António José de Almeida , Medico , - - - em Mafra. António José Giraldo de Oliveira, Cirurgião, em Tavira. António _]osé Teixeira, Cirurgião, - - - - em Alijó. António Manoel Pedreira de Brito, Cirurgião, emVtllano- va da Cerveira. An- DAS SciENClAS DE LlSBOA. LMI António Pereira Xavier, Medico, - - . . no Crato. B.irnabc Bustamante, Medico, ----- em Ferreira. Carlus António Lopes Pereira, Cirurgião, m Pe o da Regoa. Carlos Fridcrico Lccor , Tenente General, em Monte Fideo. Domingos José da Fonseca , Cirurgião Mór do Batalhão de Caçadores N. 4 , - - - - em Penamacor. Fernando António Cardoso, Cirurgião, - - em Peniche. Francisco Ignacio Pereira Rubião, - - - em Filia Real. Francisco Ignacio dos Santos Cruz, Medico, emPtinhete. Francisco Manoel de Albuquerque, Medico, - em Pinhel. Francisco Maria Roldão, (ilirurgilo, - . - jiq Cano. Francisco Xwicr de Almeida Pimenta, Medico, no Sardoal, Francisco Zefyrino Mendes, Cirurgião, - em Estremoz. João António de Carvalho Chaves , Medico , - no Redondo, ao. -■ ' o — 7 — Joaquim António Baptista Varella , Capitão de Ordenanças , na Filia do Torr..., Joaquim António Novaes, Medico, - , - na Certa. Joaquim António de Oliveira, Cirurgião, - - na GollegS. Joaquim Baptista, Medico, ----- - em Fouzella, Joaquim Gomes Barros , Cirurgião, em Santa Leocadia de Pedra furada. José António Barbosa da Silva , Cirurgião , - cm Santo Tyrso. José Duarte Salustiano , Medico, - - - - no Porto. José Gomes Cabral, Cirurgião, ----- em Mello. José Guerreiro da Silva , - - - em Filia nova de mil fontes. José Ignacio Pereira Derramado, Medico, - - em Portel. José Ignacio da Silva, Cirurgião, - - - em Estremoz. José Joaquim Mixotc , Cirurgião , - - - - no Redondo, Ji)sc Luiz Pinto da Cunha, Cirurgião, em Fianua do Minho. Jo;é Maria Bustamante , Medico ^ - - - . em Alvito. José Maria Pereira de Sousa , Cirurgião Mór do Regimento de Cavallaria N. 1 , - - - - em Lisboa, Jo- Liv Historia da Academia José Nunes Chaves, Mctlico , - em VílLmva de Portimão. José Pinto Rcbello de Carvalho , - - w/j Filia de Barc s. José Pinto da Cimha , Cirurgião, - emContto deTravan a. José dos Santos Dias, Medico, - - - - em Àlciitalnre. Luiz Cypriano Coelho de Magalhães , Medico , em Aveiro, Luiz Gonzaga da Silva, Medico, - - - em Santarém. Luiz Mendes Fortio , Cirurgião, - - - - em Âviz, Luiz Soares Barbosa, Medico, ----- em Leiria. D. Luiza Adelaide de Magalhães Coutinho da Motta , ---------- fw Filia Real. Manoel Coelho do Nascimento, Cirurgião, - emCollares. Manoel Lopes de Carvalho, Cirurgião, - - em Bellas. JNIanoel José Malheiro da Costa Lima , em S. Vicente do Penso. Manoel José Mourão de Carvalho Azevedo Mon- teiro , Medico ,-------- na Mealhada, Manoel Vicente , Cirurgião ,------ «^ Guarda. Nicoláo de Sousa Galliáo, Cirurgião, - - - emLanhezcs. Pedro António da Silva, Cirurgião, - - na Marinha Grande, Pedro António Teixeira de Pinho , Cirurgião , em Ovar. Plácido de Azevedo Tavares , Cirurgião , em S. João de Ta- rouca. ME- MEMORIAS DOS SÓCIOS. MEMORIA Do começo , progressos , e decadência da Litter atura Grega em Portugal desde o estabelecimento da Monarquia ati ao rei- nado do Senhor D. José I. Por Fr. Fortunato de S. Boaventura. ^^^UEM tratasse de indagar qual foi a primeira escola de Língua Grega nas Hespanhas , difficultosamente acharia alguma que precedesse a estabelecida em Osca (a) para uso da mocidade de todas as Províncias das Hespanhas , incluída a Lusitânia , que fazia a principal figura nos tempos , em que o famoso Capitão Sertório apoiado nâo menos em a valen- tia dos melhores soldados do Universo do que na pericia militar, cm que talvez excedesse a todos os Generaes do seu século , fazia frente ao poder e aos Exércitos de Ro- ma. O insigne historiador Plutarco pensando que o empe- nho de animar as letras acreditaria sobre modo aquelle va- rão esclarecido , faz lembrança da escola {h) também insti- tuída a favor dos Lusitanos , que sendo incontestavelmente os mais apurados no exercício das armas , da mesma arte o serião no estudo das letras humanas. Serve-nos isto de tan- to credito, que o immortal Justo Lipsio escrevendo ao Li- cenciado Manoel Corrêa , e louvando os progressos , que tí- nhamos feito nas humanidades durante o reinado do Senhor D. Joáo III, trouxe á memoria o dito de Plutarco, a fim de mostrar que os Portuguezes do século XVI havião herdado Tom. VIU. Part. I. a de {a) Attesta Gaspar de Barreiros na sua Corografia impressa em 1561 pag. 204 ou foi. 203 -fr. que os Oscenses u ainda hoje se prezão ') do estabelecimento das Cadeiras de Humanidades por Sertório. (6) Pluíwchi Vitcc Edit. Xilandri, Francofurti 1599 Tom. 11 p. 575. a Memokias da Academia de seus mais remotos ascendentes a propensão aos estudos da Lingua Gicga , que não tiiiliao afrouxado no meio do tu- multo das armas , c quando parecia desterrada inteiramente dos nossos climas a paz , e a tranquillidade , que se deman- úão para huma feliz cultura das letras e das scicncias. O que devia esperar-se de hum Cidadão Romano edu- cado em huma pátria , que ja então se dispunha para alcan- çar as duas primazias, a das armas e a das letras, e todo empenhado cm chamar á independência os povos mais in- dóceis de jugo estranho , nunca se deveria nem ainda sus- peitar dos meros conquistadores , cujo maior interesse he saquear os vencidos , tirar-lhes as forças , e embrutece-los ; nem dos Mahometanos , cuja sciencia reduzida ao Alcorão blasonou desde o seu principio de ser jurada inimiga das le- tras , que hão de chorar eternamente o incêndio da Biblio- theca de Alexandria , por certo a catástrofe mais lastimosa que cilas tem padecido. Entre tanto não pôde negar-se , que os Árabes e Judcos Hespanhoes cultivarão as humanidades incluindo nas suas applicaçóes a Grammatica e Poesia; e hc certo que os primeiros trasladarão do Grego para o seu idioma nativo alguns escritos Filosóficos dos Gregos ; e se não passavão mais adiante, foi pelo bem sabido horror , que elles tinhão aos Poetas como fautores da idolatria , e con- trários á unidade de Deos. Em algumas das Províncias , de que hoje se compõe o nosso Reino , e principalmente no do Algarve , houve estudos de Bellas Letras ; he porem dif- ficultoso , ou talvez impossivel de averiguar, se a Lingua Grega fez parte desses estudos , ainda que as versões de Aristóteles feitas do Grego para o Árabe dão hum testemu* nho irrefragavel da cultura do Grego entre os Árabes , de cuja Lingua se tirou a versão Latina das obras daquelle Filo- sofo , que era o texto das explanações e commentarios dos Sábios da meia idade, e dos tempos seguintes, sem exceptuar cmais engenhoso e perspicaz de todos , quero dizer, S, Tho- tnaz de Aquino. He para admirar que havendo nos séculos XII e XIII con- dasScienciasdeLisboa» 3 continuas expedições d Terra Santa , e por consequência mui- to e frequentissimo trato dos Cruzados da França e das Hcspanhas com os Gregos de Constantinopola , onde reina- rão Imperadores Francezes, não se propagasse mais o estu- do de huma Lingua , que a pezar de ja estar muito decahi- da , bem mostrava ainda ter sido a lingua dos Demosthenes e dos Chrysostomos, e que alem disto era vulgar em huma considerável extensão de Paiz , o que ja não succedia á Lin- gua dos Romanos , que se tinha sepultado com o seu Im- pério. Se os interesses religiosos muito mais fortes naquel- la época do que os civis não vulgarizarão hum estudo , que tanto fazia a bem da Igreja Catholica , que ja nestas idades tinha feito cantar a Epistola , o Evangelho , e o Sym- bolo da Missa nas duas Línguas Latina e Grega , quando era celebrado o Concilio Geral de Leão de França em 1174, e que no de Vienna também Geral de 1 3 1 1 recommendá- ra expressamente os estudos das Linguas Orientaes como in- dispensáveis para o devido conhecimento das Escrituras, e intelligcncia dos Padres (no que elia mostrou aborrecer a ignorância , e inieressar-se na propagação das luzes) não deve estranhar-se que ficando pela maior parte sem effeito estes clamores, sejão tão escassas as noticias de Litteratura Gre- ga nos séculos XIll e XIV ainda nos povos, que então se di/,ião os mais cultos da Europa , e que proseguisse o in- considerado e funesto desprezo de taes estudos, Apparece todavia entre ntSs bum claro testemunho de que as recom- mendações da Igreja não forão desattendidas ; e he a insti- tuição de hum GoUegio ou Seminário para dez Capellães , vinte Merciciros, e seis Escolares de Latim, Grego, Theo- logia , e Cânones, feita pelo Bispo de Lisboa D. Domin- gos Jardo , Chanceller-mor d' ElRei D. Diniz ; (a) e ain- A ii da (n) Assim o escreve D. Fr. Manoel do Cenáculo em os seus Cuida- dos Littcrmios pag. 30. Tenho razõ' s para duvidar que o Grego fosse inchado em taes estudos : mas deixemos passar o facto á sombra de ta- manha auctoridade. 4 MfmoriasdaAcademia da cjiie não possamos alcnnçar quaes forSo os proveitos des- ta fundação , podemos sim concluir delia que as trevas da ignorância da L.ingua Grega não crao tão cerradas entre nós durante o século XIII, como vulgarmente se cuida. Não ignoro que o sapicntissinio D. Fr. Manoel do Ce- náculo attribue o conhecimento da Lingua Grega a hum Por- tuguez do século XIII , que eu muito desejaria contar en- tre os sabedores desta Lingua , e até seria grande felicida- de para mim , se a genealogia dos affeiçoados á erudição Grega tivesse por tronco o esclarecido e gloriosíssimo San- to António de Lisboa. A interpretação de vocábulos Gregos , que apparece nas suas obras , podia tirar-se facilmente ou dos antigos Padres e Escritores Ecclesiasticos , que ja os tinhão interpretado , ou de alguns Diccionarios ja usados naquelle tempo, e nos quaes se podia beber facilmente hu- ma erudição , que a ser mais profunda , mal poderia con- ciliar-se com os primeiros estudos daquelle Santo , e com a pouca duração de huma vida toda empregada em objectos de maior importância. São porem dignos de se lerem e me- ditarem os fundamentos , que o ja louvado D. Fr. Manoel do Cenáculo coUigio do Italiano P. Azzoguidio , e que pelo menos quando não cheguem a mostrar que Santo António fosse mui versado na Lingua Grega , chcgão com tudo a mostrar que teve suas luzes desta erudição , o que he de sobejo para acreditar as escolas da Sé de Lisboa , onde o Santo recebeo a sua primeira educação litteraria. (a) Começão a apparecer no século XV as mais exuberan- tes provas do gazalhado capplauso, que mereceu entre nós o estudo da Lingua Grega. Desta se pode affirmar que hu- ma desgraça a plantou nos Reinos da Europa, e outra des- graça a fez medrar e subir a huma altura , donde nunca mais passou, nem passará facilmente. Os fa ta es prelúdios da tomada de? Constantinopola succedida cm 145:6, e a queda total do Império Grego, arrojando para a Itália muitos e sa- (ju.) Ceuuculo Cuidadoi Litíciarios pa^. 78 e seguintes. dasScienciasdeLisboa. f sábios fugitivos, deu causa ao plantio da Litteratura Grega nos paizcs , onde era ou mui rara , ou totalmente desconhe- cida ; e outra desgraça muito maior , quero dizer , a chama- da reforma de Luthero excitou os ânimos para lançarem mão de hum estudo , que se fez necessário para rebater as falsas interpretações dos que abusavão da pericia das Lin- guas para estabelecerem e propagarem as suas doutrinas. Não he agora do meu instituto provar , que os estudos da Lingua Grega , quando assomarão as novidades de Luthero , ja erão vulgares c bem succedidos entre os Catholicos , o que fez com a sua costumada erudição o ja citado Arcebis- po de Évora ; e contcntando-me de lembrar de passagem os desmedidos trabalhos, que se tomarão de ordem do Cardeal Ximenes para a edição da famosa Bibiia , ou antes Polyglot- ta Compliitense , e a memorável fundação do Collegio Trilin- gue da mesma Universidade Complutense , ou de Alcalá de Henares , devo fixar o renascimento da Litteratura Grega em Portugal , muito antes das controvérsias excitadas na Alle- manha por Luthero , e seus sequazes. Ja o Concilio de Ba- siléa deputava o Bispo de Viseu D. Luiz de Amaral para ir á Grécia, não tanto pela sua dignidade, como pelos seus conhecimentos da Lingua do paiz , o que faz grande prova de não sermos hospedes na sobredita Lingua , quando o erão outras nações da Europa. Huma inscripçao aberta , e repe- tida no sumptuoso edifício da Batalha , e largamente exami- nada e discutida pelo sábio e polidissimo historiador Fr. Luiz de Sousa , he indicio forte de que a Lingua Grega era estimada nos reinados do Senhor D. João II , e do Senhor D. Manoel ; e a correspondência do .erudito Angelo Policia- no com o primeiro destes Reis bem mostra que ja então se lançavão os fundamentos daquella erudição, que cedo ha- via de medrar , e produzir entre nós sazonados frutos. Não accrescentarei nada ao que escreveo Fr. Luiz de Sousa so- bre aquella inscripção notoriamente Grega , e ainda virá tempo que eu faça delia especial memoria , quando me for necessário discutir a etymologia do nome Lusitânia , bastan- do 6 AIemoriasdaAcademia do por ngora advertir aos meus leitores que o TaM''«í èpii aberto n;is delicadíssimas tarjas da Igreja, e mais edifícios da Batalha , era aliusivo ao que então dava mais que enten- der aos Portuguezes , a saber o descobrimento de novas ter- ras , e novos mares. Assim como não devemos ururpar a Angelo Policiano a gloria de ter lançado neste Reino as primeiras sementes da Litteratura Grega , também se deve confessar que a mo- cidade Portugueza começava a ser tão estudiosa pelos fins do século XV , que facilmente procuraria outros Mestres , quando não estivesse mais prompto aquelle ja conhecido e estimado dos nossos Reis , que muito alentarão o principio de taes estudos. Abre a magestosa sccna dos nossos progres- sos o claro nome de Ayres Barbosa , discípulo de Angelo Policiano, e que he justamente reputado o primeiro (a) que trouxe para as Hespanhas esta luz , que pelos fins do sé- culo XV allumiou toda a Itália , de cujos prelos sahírao nes- se tempo as edições de Prosadores e Poetas Gregos ainda hoje respeitadas. Ayres Barbosa depois de ensinar as Linguas Latina e Grega, e Rhetorica na Universidade de Salamanca por mais de vinte annos, foi chamado cm is^zi para Mes- tre dos Infantes D. AíFonso , e D. Henrique , filhos d' ElRei D. Manoel ; c a pezar de quantos esforços e diligencias ti- nha posto nos vinte annos , que professou a Lingua Grega em Salamanca para fazer medrar estes novos estudos , parece que a mocidade Castelhana não respondia aos seus intentos, como elle desejava , e assim pode infcrir-se de huma car- ta Latina , que elle dirigio ad Juvcnes stiidiosos bonarum ar- tium , que vem no principio do Tratado de Fysica , que o Lente Pedro Margalho compoz e offereceu ao Arcebispo de Bra- (a) André de Rezende no seu Encómio de Erasmo fallando em Ay- res Barbosa , diz : Docuit nam primus Iberos Hyjiocreneo Grajas cotnponcrc vocês Oie. DAsSciENCiASDK Lisboa. 7 Braga D. Diogo de Sousa , e foi impresso em Salamanca no anno de ij2C. São notáveis estes versos, e mui dignos de se appíicarcm a outros tempos e circunstancias, (a) Iam mofiítri símile cst hoc inter Graça sonare j Ac mula fccta mirins illttd opus. lure igitur fugitmt Gracos , pugnantque frequenter Pro se , proque suis , barharieque sua. Sed sterilis quamvis aliquos Hispânia gigHis Nunc etiam celebres^ rara avis ilta tamen. Outro discipulo de Angelo Policiano também digno de especial memoria he João Rodrigues de Sá e Menezes , que vivendo a longa idade de cento e quinze annos , teve occasião de ver plantar, crescer, e talvez murchar o estu- do da Lingua Grega neste Reino ; c he bem para sentir que não se imprimissem os seus doutos Commentarios a Home- ro, Pindaro , e Anacreonte, de que se faz cargo a Bihlio- theca Lusitana., ainda que so os nomes destes clássicos ja depõem muito a favor deste Cavalheiro assaz conhecido por outras obras Poéticas , que sendo escritas em lingua- gem , nem por isso deixão de nos inculcar as pUras fontes , onde o Auctor bebeo certa elegância e harmonia , que so tem os que aprenderão nos bons modelos da antiguidade La- tina e Grega. Tinha aqui lugar outro discipulo de Angelo Policiano, que foi Luiz Teixeira Lobo, filho do Chancel- Icr-mor João Teixeira ; como porem não deixou mais teste- mu- — ■^— — ■ (a) lS'ão parecerá estranha similhantr guerra litteraria a quem sou- ber o que passou o erudito João Luiz Vives para salvar os estudiosos das 1/inguas Orientaes da nota de fautores de heresias , e o que pregou e elaniou Erasmo, abalisadoCoryfeo desta Litteratura , para que os setis cultores não esmorecessem á vista das contrariedades e desgostos, que por toda a parte lhe suscitavão a ignorância e a malevolpncia de hu- Dia ioiiiiidade de competidores , que de mãos dadas resistião ao pro- gresso dos bons estudos. 6 Memobias da Academia munhos do seu saber na Língua Grega , que a tradição con- servada pelo Auctor da Bibliotheca Lusitana , {a) dispensou- me da especial memoria , que por sobejos titulos merecem outros varões il lustres da mesma idade. Não se pôde negar que os esforços de Ayres Barbosa tiverão melhor successo neste Reino do que talvez era li- cito esperar depois dos ja mencionados queixumes, em que elle rompia ao ver o desprezo da Erudição Grega , e porque o exemplo dos Reis e dos Grandes em tudo aproveita quan- do he bom , assim como perverte e damna quando he máo, eu faltaria ao meu dever , se deixasse de apontar entre as causas , que mais promoverão os estudos da Lingua Grega na- quella idade áurea da nossa litteratura , o cuidado que tive- rão os nossos Reis não so de a mandarem aprender nos Rei- nos estrangeiros, mas de a fazerem ensinar dentro dos seus Palácios á mocidade nobre , que ahi se educava , e até a seus próprios filhos , que nesse tempo erão mais ou menos versados na Lingua Grega. Estudou-a o Cardeal Lifante e depois Rei D. Henrique ; e o que hc mais , a Infanta D. Maria , digna filha do nosso grande e venturoso Rei o Se- nhor D. Manoel , teve por Mestra de Grego a famigerada Luiza Sigêa , Dama de Toledo , filha e discipula do erudi- to Diogo Sigeo , a qual penetrou os mais recônditos segre- dos desta erudição, e muito contribuio para que ella se fi- zesse vulgar neste Reino. Por esse mesmo tempo achamos no Paço a insigne Joanna Vaz , Mestra de Latim da mesma Infanta , e versada nas Linguas Latina , Grega , e Hebraica , que aprendera com Diogo Sigeo, e que chegou a escrever huma carta nessas três Linguas ao Summo Pontífice Paulo III, que assombrado desta maravilha litteraria benignamente lhe respondeu. São notáveis as instrucções do Duque de Bra- gan- (n) He necessário desconfiar muito dos elogios em que costuma ser pródigo o Auctor da Bibliotheca. Veja-se o nome José de Sousa, que era hum cego dado á Poesia , e ahi se encontrará huma hipérbole a mais injuriosa á memoria do Cantor da I liada. OAsSciENCiAs DE Lisboa. p gança D. TheodoFio sobre a educação Litteraria de seus ir- mãos os Senhores D. Fulgencio , e D. Theotonio , em que mostrou desejar que primeiro fossem bons Latinos, e depois soubessem alguma couza de Grego. Outra D. Maria Prince- za de Parma , e filiia do Infante D. Duarte , estudou a Lín- gua Grega ; c he de immortal gloria para os mesmos Es- tudos , que a Senhora D. Catharina Duqueza de Bragan- ça, e pertendente da Coroa destes Reinos , de que a esbu- lharão os artifícios, e os exércitos de Philippe Prudente, se lembrasse de procurar Mestres de Grego para todos os seus filhos e filhas, o que so de per si era argumento irrecusá- vel do bom gazalhado que tiverâo entre nós aquelles Estu- dos ; c se me fosse permittido descer a exemplos de menos consideração , eu teria de encher muitas paginas so com os nomes das pessoas da mais alta nobreza que os cultiva'râo , c que por certo derão grande impulso á voga extraordiná- ria que elles conseguirão naquelle ditoso periodo , em que os elogios ou de Nicoláo Clenardo , ou do Bispo D. Jero« nymo Osório tantas vezes allegados e repetidos , erão outras tantas verdades constantes da observação de todos os dias. Somos chegados á época mais gloriosa da Litteratura Grega não so em Portugal , mas em todos os Reinos da Europa , que nesses dias competião entre si a qual seria mais estudioso da antiguidade, e daria mais provas de ater em grande apreço , e consideração. Graças immortaes devem render todos os peritos da Lingua Grega ao Senhor D. João III de saudosa memoria para os Sábios , e para as Le- tras, que este Soberano acalentou e animou por tantos mo- dos , que não he exaggerado o parallelo tantas vezes insti- tuído do seu século com o século de Augusto. Mandou es- tudar ás Universidades Estrangeiras todos os mancebos Por- tuguezes , que davão esperanças , contribuindo generosamen- te para os salários dos Mestres , e subsistência dos Discí- pulos ; e houve occasião em que por diíFerentes escolas da França e da Itália se contavão mais de setenta e dous Pen- sionarios d' ElRei de Portugal j {a) e como estas luzes pro- Totit. mi. Pari. 1. B cu- to MemoriasdaAcademia curadas a tanto custo nos Reinos Hstrangeiros , se come- çavão a propagar neste Reino, ainda antes de trasladada a Univcrsid.ide de Lisboa para Coimbra , e de serem consti- tuídas as Humanidades naquelle estado respeitável , de c]ue adiante Falaremos, pede a boa ordem que examinemos co- m.) SC dispunháo as couzas para a época mais brilhante da nossa Litteratura. Nenhuma das Corporações Religiosas desta Monarquia respondeu melhor que a de Sancta Cruz de Coimbra aos desejos daquellc Soberano ; e quem ponderar que forão aquelles tão sábios como virtuosos Cónegos Regrantes , os que para animarem os estudos da Lingua Grega se conde- mnarão ao trabalho férreo de serem revisores, compositores, e até impressores , não poderá recordar-se daquclles tem- pos sem a mais viva saudade, Achavao se aquelles Cóne- gos em actual reforma , de que fora incumbido o Monge de S. Jeronymo , (b) e depois Bispo de Leiria Fr. Braz de Barros, o qual para dar tom aos estudos não so da Corpo» ração, que elle reformava, mas também do Reino, se valeu do Cónego Regrante D. Damião da Costa , que havia estu- dado na Universidade de Paris, e que por ser hum sujeito de confiança e de vasta littcratuni , recebeu d' ElRei a hon- rosa commissão de eleger os primeiros Professores de Hu- manidades entre os muitos Portuguezes , que de Ordem Re- gia as estudavão em Paris. Porão eleitos os Mestres Pedro Henriques, e Gonçalo Alvares, que em ijiS começarão a ensinar Latim , Grego , e Hebraico aos sobreditos Cónegos , que (a) ApoDtamentos inaiiuscriptos do Chronisfa-nior Fr. António Bran- dão , donde se vê que as teiiyas erão deduzidas dos Benefícios Eccle- siatiticos dos Cardeaes Infantes D. Ilcuiiquc, e D. Affbnso. (A) Bem desejava cu saber se a traducção da Carta ou Homilia de S. João Chr_) sostomo Nemo /a'ditut iiisi a se ipso , feita pelo Monge de S. Jeronymo Fr. António de Beja , era tirada imniediatamente do Gre- go : o que me não fòi possível apurar, nem fiquei auctorizado para coUocar desde ja o iMosteiro de Belém no grão de superioridade , que lhe caberá para o diante no scculo mais estéril de Litteratura Grega. DAS SciKNCIAS DE LiSBOA. ^IJ que muito aproveitarão , e sobresahírão nestes estudos. Con- correrão muitos sujeitos de todas as jerarquias a estes no- vos Estudos , e para commodidade dos Discipulos se fun- darão os dous Coilegios , o de S. Miguel e o de todos os Sanctos; o primeiro para Fidalgos , e o segundo para Estu- dantes honrados , e pobres. Destas Escolas de Humanidades sahírão egrégios Discipulos , entre os quaes poderei ja no- mear os Cónegos Regrantes D. Heliodoro de Paiva , e D. Pedro de Figueiró , bem conhecidos o primeiro pelo seu Diccionario das Linguas Grega e Hebraica, que foi impres- so no Mosteiro de Sancta Cru/ em 1J32, e pela sua con- summada erudição nestas duas Linguas, que lhe grangeou os applausos do Núncio Apostólico nestes Reinos Luiz Li- pomano , que o ouvio explicar os Actos dos Apóstolos e as Epistolas de S. Paulo , e que confessou o grande pro- veito , que tirara destas conferencias ; e o segundo pelos seus eruditissimos Commentarios á Sagrada Escriptura , em que faz uso continuo das Linguas Grega e Hebraica , por onde mereceu que o Bispo Conde D. Fr, João Soares o ap- pcllidasse o Jerónimo dos nossos tempos. Não se contentou o real animo do Senhor D. João III deste como ensaio dos bons estudos , que se propunha es- tabelecer na Universidade de Coimbra , e assentou que de- via levar á ultima perfeição os estudos das humanidades. Como lhe não chegavão para as diíFerentes classes os su- jeitos naturaes deste Reino, e ja versados nestas erudições; nem os Cónegos Regrantes, que as possuião, animados com o espirito da sua reforma, qucreriao sahir do Claustro pa- ra lerem nos Paços Reaes , que então liberal , e generosa- mente forão doados por clie para assento da Universida- de ; {a) resolveu chamar de fcSra os mais abalizados Mestres , H ii que (a) Vej^-se a este propósito o que vem no Elogio do Arcebispo de Évora D. Theotonio de Bragança , que foi educado no Mosteiro de San- cta Cruz, apag. 233 do Tomo das Colkcções da Academia Real de His- toria Portugueza , que responde ao anno de 1725. 14 MemoriasdaAcademia qiie movidos pela grandeza dos prémios e salários viessem consolidar o edifício apenas começado pelos ja mencionados PortiiiTiiczes. l'oi Director desta empresa de ordem d' ElRei o Pomiguez André de Gouvca , ja então Principal de lium famoso Collegio , que clle creára c dirigia na Cidade de Bourdeaux , e qye convidou para o seguirem a este Reino muitos dos Professores seus collegas , ja mui celebres não so cm França , mas também na Inglaterra , e na Allemanha. Chegados a Coimbra entrarão logo no exercício das suas Cadeiras, que, segundo a Chronica dos Cónegos Regran- tes, forão distribuídas desta maneira: (a) trou Nicola'o Gruchio , Francez ; leu a primeira classe de j> Latim e Grego Jorge Buchanan ; segunda Diogo de Tei- » ve ; terceira Mestre Guilherme , Francez ; quarta Mestre >» Patrício Escoro; quinta Mestre Amoldo Fabrício, Fran- >» cez ; sexta Mestre Elias , Francez ; septima Mestre António 5» Mendes , depois Bispo de lilvas ; oitava Mestre Pedro >» Henriques ; nona Mestre Gonçalo Alvares ; decima Mestre j> Jacques, Francez; decima-primcira Manoel Thomaz , Por- >j tuguez. Era Sub-Principal Mestre João da Costa , Doutor í> em Leis. >» Ate aqui D. Nicoláo de Santa Maria. Não me foge a summa variedade , com que os nossos Historii^do- res (b) contão estes successos da primeira fundação do Col- leoio das Humanidades ou das Artes em Coimbra , nem a discrepância , que ha entre os nossos , e os próprios estran- geiros (c) que vierão dcBourdcaux, assim no que toca aos annos que servirão, como ao numero dos Professores , e Ca- deiras que lhes forao assignadas ; e sem entrar agora nesta dis- (a) D. Mcoláo de Santa Maria , Chronica dos Cónegos Regrantes de Saneio Agosíinlio , 2. parte Liv. 10. Cap. 5. pag. 300 e seg. (t) Vfja-se Aláriz nos D. de varia Histor. , emendados nesta parte pelo douto Padre António Pereira de Figueiredo em as notas ao Elo- gio d^ElRti D. João lll. (f) Buchanan , Comment. de vita sita , que vem à frente das suas obras, Tom. I. da Jiklijão de Edimburgo em 1715. DAS SciEKClAS DE LiSBOA. ij discussão , que levando muitas paginas , bem pouco fazia ao meu intento , exporei somente a ordem de estudos ado- ptada por André de Gouvca no seu Collegio de Bourdeaux , que certamente ellc abraçou quando estabelecia o de Coim- bra : o que tarei não so para utilidade dos curiosos , mas principalmente por entender , que huma noticia especial do que figurarão os Estudos da Lingua Grega naquellas onze ou doze classes , he do meu assumpto. Devemos a I. F. Adry, antigo Bibliothecario da Con- gregação do Oratório em França , o trabalho de redigir hu- ma excellenre Memoria (a) tirada em grande parte de hum Opúsculo raro de Elias Vineto , hum dos Professores ja men- cionados, e que se intitula Schola Âqtutanicn ^ (b) onde re- ccnsêa os grandes serviços feitos á Litteratura pelo nosso in- signe compatriota •, e não duvida marcar as duas mais fa- mosas épocas da Litteratura daquella Cidade em os tempos de Ausonio , e durante o principalado de André de Gouvea. Entremos pois na distribuição das classes e suas tarefas , o que foi ordenado pelo nosso Gouvea. Havia dez classes. A decima chamada dos Abccedarios era dos meninos de se- pte ou menos annos de idade , que sabendo ler , escrever , e declinar , passavão á nona , onde se aperfeiçoavao as no- ções bebidas na antecedente , e vião-se os Disticos de Ca- tão cm duas linguas, e observava-se o costume de entregar a lição cscripta primeiro que fosse recitada. Na outava liâo-se algumas Cartas escolhidas dcCiccro, hum extracto dos Col- loquios de Mathurin Cordicr , e algumas Scenas de Terên- cio. Na septima continuava a explicação dos mesmos Aucto- res , porem seguidos , o que também se praticava na sexta. Alguns Livros por inteiro de Cartas de Cicero , humaCo- mc- (a) Vem a pag. 229 do 1. volume d.is obras de j\lr. de Kando- villi que aos Dogmas da Igreja Romana sobre o Mysterio >» da Eucharistia » e que em premio do bom gazalhado, que lhe fizerão neste Reino , e que so perdeu pelos seus desmanchos, fez satyras indeccntissimas aos seus Collegas , ao Soberano de Portugal , e até ao Paiz que o sustentara e honrara , não era digno de ensinar a mocidade Portugucza. E não he de estranhar que hum tal procedimento induzisse o religioso animo d' ElRei D. João III a desconfiar dos Mes- tres, e por fim a despedi-los do Collegio, no que todavia mostrou a sua justiça, remunerando os beneméritos , e não os incluindo na sorte dos que lhe tinhão desagradado. Antes de principiarmos o exame tão árduo , como de- licado dos motivos , que trouxerão a decadência da Littera- tura Grega nos fins deste século , e nos seguintes , he do meu officio apresentar aos meus Leitores huma idéa geral dos adiantamentos da Litteratura Grega , que repartirei em três Classes para evitar o fastio inhcrente á ordem alphabe- tica , em que o medíocre tomando lugar muitas vezes aci- ma do óptimo , enfada o Leitor , obrigondo-o a calcular e pe- ia) Veja-se o que elle próprio escreveu no citado CotnmeiUario de vita sua, pag. 6. i6 MemoriasdaAcademia pezar diiFercnças, o que nunca succedc abraçando-se a or- dem systcniatica, Composições originaes , Traductores , Com- mentadorcs á Sagrada Escritura , Jurisconsultos , Médicos , Philosophos , vão dar matéria a outros tantos Capitulos , que se deverão reduzir a hum so , quando chegar o século XVII bem mesquinho destas erudições. Comecemos pelos Aucto- res Portuguczes , que fizerao composições em Grego. Nota- rei de passagem que sendo ellas mui poucas nada provao contra o uso frequente de taes estudos naquella idade ; pois ainda que muitos eruditos fizerao exccllentes composições cm Grego , passa hoje como certo que ellas são ociosas e inúteis , c pelo menos tal he o sentimento dos Wolkenaers , dos Heynes , dos Harles , c outros Corifeos da Litteratura Grega. O primeiro de quem pude achar que fizesse compo- sições Gregas , he talvez hum Diogo Pereira , de quem o Abbade Barbosa nos dá huma breve noticia dizendo ape- nas , que fora Poeta , e florecêra no Reinado do Senhor D. Manoel ; e como no primeiro Tomo das Obras de Erasmo , que em 1705 começarão a imprimir-se em Leide , achei en- tre vários elogios , e epicedios consagrados á memoria daquel- le insigne varão alguns debaixo do titulo Didaci Pyrrht Ln- sitani em as duas Linguas Grega e Latina , parcceu-me justo separar e extrahir os que pertencem á erudição Grega , pois além de não serem lembrados pelo Auctor da Bihliotheca Lu- sitana, são dignos de ficarem á posteridade, e de darem mais huma prova do que os nossos aproveitarão com a feliz res- tauração dos bons estudos. Primeiro Epitaphio em Grego. AOavaTor ooÇUtt , t^' ^' ômTor Efflt^/xor ní' 1» TOir «OXWOIÇ «fl/WTlTai E^ClTl«r. AuT>i oTi fra/rai , ainir «Ti fxiTix». Se- DAS SciENClAS DE L I S B O A, I7 Segundo Epitáfio em Grego, (a) Terceiro Epitáfio bilingue, Qítod honus , atque pius fueris , ^«oá doctus , Erasme y Quod 11011 ipse tuas mores culpaverit unquam Quod divorum auges numerum novus incola cali , J2í'ouidos a Galeno , e ÍBtitula-se Galeni omitino vera , experiS' quti piasagUix). 22 MemoriasdaAcademia das Livrarias , ou a ter noticia ilc quantos opúsculos se im- primião fora deste Reino , c sobeja-llie para muito credito seu a cxccllencia da traducçao sobre a que vem incorpora- da nas Obras de Galeno , que ja no titulo he difficultosa , como advertio Harles , {a) c caminhando-sc mais para dian- te, acha-se logo a mais decidida vantagem do nosso tradu- cror sobre os dous ja lembrados. Cumpre ainda notarmos 1.° Qiic alguns Livros de Galeno explicados por António Luiz, como por exemplo o que tracta de usu respirationis j ja não apparcce em Grego , c apenas se conserva em as traducçôes Latinas, por certo as únicas que António Luiz podia consultar. i.° Que os Críticos modernos tem por mui- to suspeitos ou espúrios alguns dos Livros traduzidos, ou commentados por António Luiz, como por exemplo o que tracta De ttrinis. {b) Passemos a outro género de producções connexas com a Lingua Grega , por serem commentarios ou explanações de Auctorcs Gregos. Erotematitm sive Commentarioriim m Libros de crisibus Galeni, Ltbri três. Erotemaíum niimeri temarii, in qnibus tota fere ars medica cotttinetur. Erotemata de difficili spiratkne. Erotemata de usu respirai ioiiis , Liber alius. De (a) Guinter traduzio o nome Epigenes para o Latino Posthumus , e merece a censura que fez das suas traducçôes o grande Huet, Bispo de Abranclies, no seu Tmct. de Cl. Interpr. (é) ]Na fíibliolhcca de Fabrício supplementaUa por Harles, vem três «iiflerentes tractados De í/r//i/.í , tidos como espúrios; e o mesmo juizo alli se faz do Tractado-Aii animal sit quod in útero contitictitr , pag. 442 e 4-51 do Tomo V. DAsSciENCIASDeLiSBOA. 2í De Corde Libcr uniis absolntissimiis , in quo tunt Aristotelií quaniplitrinii errores explicantttr , tum vero plttrima qu\ccorum olim lectitan- ti , frcquens lectio uobis suppeditavit , et pertinax memoria reti- tiuit. Ainda faltão duas Obras manuscriptas , a saber : Castigationis nonnullortim locorum ex libris de medicameutorum simplicium facultatibns , Theodorito Clenardo interprete. jítitiotationes aliquorum locorum , in qtiihiis alliicinatus est Eras- mus in transferendo Galeni Libe/lo , qui inscribitur : Exhorta' tio ad bonas artes. Era necessário que Anronio Luiz fosse eminente na Lingua Grega , para se medir com Erasmo , cuja versão do citado opúsculo de G;ilcno sahio em Paris (i5'47); ainda que a descuberta de algum erro grammatical , ou desvio da mente do Auctor apenas mostrará , que Fas est opere in longo obreperc somnum ; pois Erasmo trabalhava ao mesmo tempo com huma paciên- cia incrivel , ja traduzindo , ja corrigindo , ja publicando hum sem numero de Auctores sagrados , e profanos. Demorei-me com este insigne e laborioso traductor para lhe fazer a justiça , que os Estrangeiros ou não sou- beião, ou não quizerão fazcr-lhe. Confesso que me estoma- guei contra o Sábio Haller, por tocar mui pcrfunctoriamcn- te neste agudissimo e judiciosissimo expositor de Galeno, e por ver que incluindo na resenha das su-is versões e com- mentarios a palavra attracfão, nenhum indicio nos deixou de que ja em o meado do século XVI havia hum Portu- guez , que deitava os alicerses do famigerado systema da attracção , que passados tempos , havia de immortalizar o grande Newton, (a) Os (a) Leiubra-me fazer aqui menção dofliilologo, e Medico Luiz JNu« DAsSciENCiASDE Lisboa. ay Os Jurisconsultos António de Gouvca , natutal de Beja, c falecido em Turim no anno de ijój, e Miguel Cabcdo de Vasconcellos figurão como traductores , o primeiro da Jsagoge de Porfyrio , que sahio em Leão de França, (15:41 em 8.*) e o segundo por ter vertido de Grego para Latira aos vinte c dous annos de idade a Comedia Pluto de Aris- tophanes , que sahio em Paris debaixo do titulo: Flutus , Âristophanis Coniícdia jti Latir/um conversa sernionem. D, Gtindisalvo Pinario Visensi Episcopo Joannis III Lusita- niie Regís in Gallia Legato , avtinculo suo, Parisiis apud Micbaelem Vascosanum: 1547 j 8.° O Dominicano Fr. António de Sousa , que morreu Bis« po de Viseu em 1597, publicou Manual de Epicteto Philosõpho , traduzido do Grego em lingua- gem portugueza. Coimbra, por António Mariz ; 1594 j 12: Lisboa por António Alvares, iS^S j ^^' ^^^ reim? presso em nossos dias. He do mesmo tempo Jorge Coelho , que entre itiaij Tom. FUI. Part, I. u obras nes , que o Auctor da Bihliotheca Lusitana diz fora muito versado Dã Língua Grega, não tanto por esta erudição (de que elle não deixou provas , que lhe mereção hum lugar depois de António Luiz ) como £ira emendar alguns erros, e omissões notáveis da nossa Pibliotheca. lUiz Nunes he natural de Sanctarem , e não de Anvers, onde se estabe- leceu Álvaro Nunes seu pai a instancia do Cardeal Alberto, quando foi trasladado do governo deste Keino para o dos Paizcs-Baixos , o que teve lugar em 1596; e nós achamos na própria Bihliotheca huma Obra de Luiz Nunes impressa em ]tí07, que era muito cedo para ser Auctor, se elle tivesse nascido depois de 1596". Accresce mais que Luiz Nunes em a Dedicatória do Dicdoiiario de António de Nebrixa ao Reitor da Universidade de Coimbra Fr. Diogo de Murça , chama-se Ludovicus No- tam a Sauctarena , e o tal Diccionario correcto , e addjcionado pelo nos- so Portuguez foi impresso duas vezes, (IHH e 1553) e de neuhuina sç lembrou a nossa Bibliotheca, 2Í Memorias da Academia obras suas impressas em Lisboa na Olficina de Luiz Rodri- gues (1540) nos deixou a seguinte : Lticiani de Dea Syria Liber unus. Oxalá que Diogo de Teive chegasse a publicar a sua tra- ducção da Cyropedia de Xenophonte , o que nos mctteria de posse de hum dos melhores livros da antiguidade , e muito concorreria para se aperfeiçoar a nossa linguagem ; e não ob- stante o ser emprehendida de ordem d' ElRei D. João III, e de SC guardar ainda no tempo dos primeiros collcctores de noticias para a Bibliotheca Lusitana, cu julgo que terá pe- recido , por ver que em nossos dias se concluio huma tra- ducção da Cyropedia , que talvez não se intentasse , havendo esperança de se descubrir a que fizera Diogo de Teive. (a) Devendo citar os Commentadores Portuguezes á Sa- grada Escriptura, que fizerão uso continuo da Lingua Gre- ga , contento-me de lembrar os immortaes nomes do ja lou- vado Cónego Regrante D. Pedro Figueiró, dos Dominica- nos Fr. Francisco Foreiro , Fr.Jeronymo da Azambuja , Fr. Luiz de Soutomaior , e dos Jesuítas P. Sebastião Barradas, P.Manoel de Sá, P. Cosme de Magalhães, e P. Brás Vie- gas ; e He bem para estranhar , que os nossos Theologos não se aproveitem do trabalho dos nossos maiores, por cer- to mais conhecidos e respeitados cm longes e alheias ter- ras, onde se tem ou impresso pela primeira vez, ou reim- presso muitas vezes as suas obras, do que entre nós, que in- (a) Não he seguro o Auctor da Bibliotheca Lusitana cm as noticias da Litteratuni Grega , iias qiiaes ainda ignorando a Lingua podia ser mais exacto. Daqui procede não fazer eu memoria de Lopo de Sousa Coutinho, pai do nosso Fr. Luiz de Sousa, que o Abbade de Sever diz traduzira em ver.so solto Portuguez as Comedias de Pindaro. He bem sabido que este Poeta escreveu Odes, e não Comedias; e he tão diffi- cil traduzir as Odes em qualquer das Linguas vivas da Europa , que não basta huma simples asserção da Bibliotheca para darmos ao nosso Keino esta gloria. dasScienciasdeLisroa, 27 injustos desprezadorcs das próprias riquezas, estamos afFci- tos e dispostos sempre a mendigar as alheias. Não me oc-" cupc em referir os titulos das obras escripturarias daquelles grandes homens , porque alêm da nota de extensão fasti- diosa, era que eu podia incorrer, he mui fácil acha-los na Bibliotbeca Lusitana^ ainda que não posso resistir ao desejo )LÍe mostrar que procedi com algum conhecimento de cau- sa , o que farei sem cortar o fio desta Memoria, {a) D ii Ja (1) Fr. Francisco Forclro escreve na Prefação dà siia obra Isaietí TrophctK vctus et nova cx Hebraico vcrsio , que sobre a pronuncia do Taade seguio a seu Meiitre Angelo Canino, ijui ad Linguas docaulas tia- íus case videbutur , alque Hispali mortuiis est. Ora Angelo Canino , segun- do attcsta Mr. de Thou em a Historia do seu tempo , foi hum dos maiores llellcnistas do século XVI, e eu também o conheço pela ex.» periencia de revolver o seu Helleiámio ; e daqui se vê que grandes Mestres de Línguas tinhão os Portuguezes mandado estudar fora do Reino pelo Senhor D. Jo5o III. Ainda que o Padre Foreiro faz maioí uso da Lingua Hebraica , segundo pedia o seu intento , nem por isso deixa de empregar os seus vastos conhecimentos da Lingua Grega, de que eu podia allcgar muitos exemplos; basta-rae porém indicar as foi, 24 , 25 , e 26 daquella Obra da edição de Veneza em 1563. Fr. Luiz de Soutomaior além dos seus Commentarios ás Cartas de S. Paulo a Tiraotheo e a Tito , que vem fartos de erudição Gre- ga , como se pôde ver a pag. 102, 110, e 126 da primeira edição desta obra , compoz , e tinha oflerecido ao Senhor D. António , Prior do Crato , huns Escólios ao Manual de Fpicteto , que íicárão manuscri» ptos. Fr. Heitor Pinto logo na Dedicatória dos seus Commentarios a Da- niel, que sahio em Lisboa, por António de Mariz , ( 1579) se mostra lido nos Auctores Gregos , e cita passagens de Platão no original ; e para mais exuberante prova dos seus conhecimentos da Lingua Grega, veja-se a foi. 59 jlr. , 68 , e 83 daquella obra. Falando com o Cardeal D. Henri<|ue antes do Commentario a Isaias , lhe d.á conta dos seus Estu- dos das Linguas Grega e Hebraica, em que diz ter consumido outo an- nos de incançavel estudo. Se a ordem ]\Ionastica, de que Fr. Heitor era digno filho, não tivesse ja antes hum Fr. Brás de Barros, eu suspeita- ria que o primeiro teria enriquecido a Livraria do seu Collegio de São Jeronymo de Coimbra , com as primeiras edições Gregas de Homero e Luciano , ambas de P'lorença , a primeira de 1-188 , e a segunda de 1496 ; e talvez nenhuma outra Livraria de Portugal possua estes Li- vros, que são raríssimos. O Padre Sebastião Barradas uos seus Commentarios is. Concórdia Evath iS M EM OR IA S D A Ac A D EM IA Ja mencionei dous Jurisconsultos traducrorcs , e confes- sando que muitos mais sabcrião a Lingiia Grega naquclle tempo , em que ella figurava como preliminar indispensável para as sciencias maiores , não reparo cm que elles muito menos excitados pela sua profissão do que os Theologos para usarem da Lingua Grega , não deixassem tantas provas destes conhecimentos, que resumbrao todavia mais ou me- nos (a) de todas as composições sagradas c profanas daquel- la idade. Não passarei em claro o nome de Duarte Caldei- ra natural de Lisboa , coevo c favorecido de Philippe Pru- dente, e que extrahio dos originacs dos Jurisconsultos Gre- gos existentes na Bibliotheca do Escurial , muitas resoluções , que traduzio e inserio nas suas obras , o que dá a entender conhecimentos não vulgares da Lingua Grega. Sobresahírao nestes por ventura mui acima de todos os mais Sábios da- quelle tempo os Médicos e Philosophos. Henrique Cueller , que em is^7 regia a Cadeira de Prima de Medicina, pou- co depois (i5'43) ^^-^^^ sahir dos prelos da Universidade Com' gclica desde a sua Dedicatória ao Bispo Conde D. AfloDso de Casteilo- braiico , faz uso da Lingua Grega , não obstante o espraiar-se muito em aHegorias , e moralidades pelo decurso da obra. O Padre Cosme de 3Iagalhães. — Ja forão louvadas as suas Poesias Gregas, e pertencem a este lugar os seus Conimeutarios por ventura os mais abundantes de erudição Grega , que se tem publicado entre nós. Quando se reformar a Bibtiot/ieca Lusitana, deverá o Atlante, que se incumbir deste enorme pezo , revolver e examinar quanto seja possí- vel as obras dos Auctorcs Portuguezes , pois dentro dos Commentarios do Padre Magalhães, e nomeadamente em os que conipoz Iii Moysis caittica , et benedictiones Patriarcharum , vem reduzidos a verso Latino da mais accurada polidez e exquisita elegância , muitas e escolhidas pas- sagens da Sagrada Escriptura. Assim por toda aquella obra, como nas suas explanações á Historia dos Juizes examina verso por verso a tra- ducção dos Septenta, e mostra possuir a Lingua Grega. Padre Manoel de Sá. — Logo a inscripção da sua obra Notationes in Saetam Scnpturam , &c, que se imprimio a primeira vez em Anvers (lããS) nos dá huma idea cabal da sua instrucção nas Linguas Orien-- taes. (a) Devo nomear o Canonisfa Pedro Aflbnso de Vasconcellos , que na sua obra De harmonia Ri(l/riíantTn Júris Cauonici deixou provas Irre- fragaveis desta erudição. DAS SciENClAS DE LiSBOA. 7t) Coninietitaria in prognostica Hippocratis anu Commentariis Gaí- leni. Ambrósio Nunes illusrrava os Aphorismos deHippocra- tes. Francisco Giraldes , e Jcronymo Lopes explicavão os originaes de Galleno. João Rodrigues de Castellobranco es» merava-se em corrigir o texto Grego de Dioscorides, e ou- tros muitos de que faz menção a Bibliotheca Lusitana , se- guião a mesma carreira. Não se devem omittir os grandes serviços dos Jcsuitas para a correcção do texto Grego de Aristóteles , e assim como o eruditissimo António Ribeiro dos Sanctos deixou claras provas do seu amor á justiça , quando vingou para aquelles Padres o saber da Lingua Gre- ga, eu também caminhando pelas mesmas pizadas louvarei o P. Pedro da Fonseca, (a) e os maisjesuitas editores das obras Philosophicas ou explanações de Aristóteles, conheci- das debaixo do titulo , CoUegium Conimbricense in tmiveriam Dialecticatn , in três Libros de anima , in cpiatuor Libros de Coe lo .y e outras obras de Aristóteles , que se imprimirão en- tre nós pelo fim do século XVI , e sem o texto Grego , que so começou a apparecer nas edições de França e Allema- nha. O erudito Harles menciona a edição de Colónia e Mo- guncia (1600) de 3 vol. em 4.° sem fazer delia juizo al- gum , o que todavia não obsta ao apreço em que se devem ter os conhecimentos de Grego , que mostraváo aquelles Pa- dres ; c quando eu carecesse da auctoridade gravissima e não suspeita daquelle nosso tão respeitável Philologo , cn- costar-me-hia ao voto do moderno, critico, e clegantissimo Historiador da Philosophia moderna , e actual Professor de Got- tinga Mr. Buhle , que referindo os trabalhos do século XVI pa^ (1) ]Nos seus Cominentarios a Aristóteles, que se imprimirão por muitiis vezes , como se pôde ler na Bibliotheca Lusitaiia , e nos quatro volumes cie que se compõe esta Obra, acha-se o texto Grego dos Li- vros Methai)liysicos de Aristóteles, e a terceira parte, que sahio em FJvo- ra na Officina de Manoel de Lira, eiu ltJ04, vem igualmente acompa- nhada do mesmo texto em formosos caracteres. 50 MemoriasdaAcadkmia para a critica, c verdadeira intelligencia das obras de Aris- tóteles depois de advertir que as diligencias dos Sábios Ita- lianos para propagarem os escriptos de Aristóteles, c para os emendarem com boa critica tiverao imitadores fóra da Itália , entre os quaes se distinguem os Jesuitas de Coim- bra, accrescenta : «Ainda que estes últimos seguirão o nie- » thodo Escolástico , levantando-se com tudo mui acima dos >» Escolásticos Aristotélicos ordinários , c do seu modo de j> commcntar " (a) Se o amor da verdade me obrigou a manter os Jesuitas no lugar , que lhes toca , e que os seus maiores inimigos os Protestantes lhes não disputao , nem por (a) Vcja-se a Historoa da Philosophia moderna desde a restauração das Letras até Kaut , por JoSo Gottlieb Bulile , traduzida em Fraiieez por Mr. Jourdan , Tom. II. P. II. pag. 404, edição de Paris em 1816. Kste mesmo Sábio começou a publicar a edição Bipontina das Obras de Aris- tóteles, que infelizmente não passou do 5. volume impresso em Aus- burgo (1800), e no 1. tomo faz huma circunstanciada resenha das obras de Aristóteles , e suas innunieraveis edições, e queixa-se no artigo dos Jesuitas de ignorar quaes forão as primeiras edições de alguns dos Commentarios do Collegio dos Jesuitas, o que não he para admirar snc- cedesse a hum estrangeiro, quando ao nosso Barbosa escaparão também algumas primeiras edições, como por exemplo a dos Commentarios so- bre os quatro Livros de Calo, que se imprimirão em Lisboa na Offici- na de Simão Lopes (1593, 4.°). Reparei que o mesmo Sábio deixou de apontar alguns trabalhos sobre Aristóteles feitos em Coimbra , e o que sahio dos prelos da mesma Cidade antes que viessem os Jesuitas. Parece-mc justo dar o Catalogo destas producções. Torphyrii Imtitutiones ad Chnjsaorium iiite)-prete Joachimo Perionio Bciic- diciino Comairiaccno. Conimbncce apud Joannem Barreiium et Joanncm Alvares, 1548 , 4." Depois das Instituições seguera-se neste volume as Categorias de Aristóteles , e de interjirctatione do mesmo interprete , e mais de prima rcsolutione Lilri duo, sem o nome do interprete. Aristotelis de dcmomtratioue sive de secunda parte analyticOiri Lilri duo : Nicoluo Grouclão Rhotcmageiísi iiiUrjnrte Conbnbrica: : ujiud cosdan , 1549. e seguem os outo Livros dos tópicos da mesma edição. Aristotelis de reprehetisioitibus sopliistarum , L. mius. Eodem interprete ; apud eosdem 1549 : 4.° DAS SciENCiAs DE Lisboa. 31 por isso deixarei de os censurar, quando se mostre e con- clua de factos incontestáveis, que elles concorressem para a decadência da Litteratura Grega. Não me faltaria que dizer, se eu quizesse expor lar- gamente o uso que os nossos Historiadores Humanistas e Poetas daquelle afortunado tempo fizerao da Lingua Grega. Quem duvida que o Heródoto Lusitano o insigne João de Barros gastasse na composição das suas immortacs Uecadas muito desse cabedal , que adquirira nas Aulas do Paço de ElRei D. Manoel , e fòra augmentado pela assídua lição dos melhores Historiadores Gregos ? Quem ignora que Fr. Bernardo de Brito, c Fr. Luiz de Sousa se tinhão prepa- rado com huma instrucçao mais que ordinária da Lingua Grega , cujo sabor elles mostrão não so em as continuas elegâncias do seu estylo , mas o que ainda he mais notá- vel , em o próprio tecido e construcção dos discursos ? Quem poderá contar os vestigios de lição Grega , que ap- pareccm nas obras Latinas de André de Rezende , que nos consta haver desempenhado fielmente o preceito de Horá- cio revolvendo de dia e de noute os exemplares Gregos ^ c incumbindo-se principalmente de emendar e chamar i devida pureza o texto de Anacreonte , e empregando as ho- ras vagas de maiores estudos em colligir huns quinhentos vocábulos Portuguezes derivados do Grego ? (a) Qiiem fo- rão os Mestres de António Ferreira , e Francisco de Sá e Miranda senão os Poetas Gregos ? O primeiro alem de imi- tar com frequência a Anacreonte, Moscho, e Theocrito , deixou bem estampada na Tragedia Castro a elegante sim- plicidade de Euripidcs , que foi visivelmente o seu modelo, pois os Latinos ficando nessa parte muito áquem dos Gre- gos, t — — — ■ (a) Assim o deixou escripto no Liv. 1. dos quatro que escreveu de Antiquitatibus Lusitaniee , edição de Évora por André fle Burgos (1593) foi. 38 ; e he bem para sentir que se perdessem estes preciosos traba- lhos , que feitos por mão tão hábil nie di^pensarião de outro similhaa- te, que tenho ciuprehendido. 32 MemobiasdaAcademia gos , não tem nada que oppor , nem ainda a Eschilo. O se- gundo commcntava Homero na própria Linguagem deste Poeta , cuja lição era o seu encanto , e ao mesmo passo hum grande estimulo para se apurar nas composições ori- ginaes , que nos ficarão da sua pcnna. Quem será tão cego, que não veja nos Lusíadas , neste padrão eterno da nossa gloria , continuas provas da erudição Grega do seu Auctor ? He bem para lastimar que os illustres Portuguezes do sé- culo XVI não tivessem o gosto dos nossos vizinhos Caste- lhanos, que obedientes ao impulso, que lhes dera o Car- deal Ximenes , trasladarão naquelle século para a sua Língua a maior parte dos Auctores Gregos , pois neste caso acha- riamos que o vestido Portuguez he de todos os Europeos o que fica mais airoso á eloquência e poesia Grega : e pos- so assegurar , que se por ventura tivéssemos hum Heródo- to posto em linguagem por João de Barros, hum Xenophon- te por Fr. Bernardo de Brito , ou Fr. Luiz de Sousa , hum Platão por Fr. Heitor Pinto , ou por D. Jeronymo Osó- rio, (a) hum Euripides ou Sophocles por António Ferreira , hum Theocrito por Diogo Bernardes , hum Homero por Sá de Miranda , e todos os mais Clássicos Gregos á propor- ção , ficaríamos superiores a todas as Nações da Europa , e as nossas traducçôes poderiâo servir de norma a quantas se houvessem de intentar para o futuro. Temos observado a grande altura a que chegou entre nós o estudo da Lingua Grega , e he de força vermos-nos agora reduzidos a confessar, que muito decahio o mesmo estudo ja no fim do século XVI , e quasi de todo no seguin- te. (a) Este Prelado ja podia figurar entre os Conimentadores 4 Sagra- da Escriptura, mas deixei-o para este lugar, onde melhor "cabião os bem merecidos louvores do grande empenho , que elle teve de suspender a queda da Litteratura Grega. Tal foi o seu interesse pelos bons estudos, que chegou a ensinar Grego e a Geometria de Euclides aos seus fami- liares no Paço Episcopal do Algarve , como nos affirma seu sobrinho e Cónego de Évora , do mesmo nome , que confessa i,ei aproveitado mui- to com as lijões do seu grande Tio. PAS SciENCIAS DE L I S n O A, 33 te. Seria longo, c por ventura fastidioso enumerar as cau- sas , que fi/erâo murchar a frondosa arvore dos bons estu- dos , e que despedindo mortaes golpes sobre huma das suas rai/es , por bem pouco os não fizerao desappareccr deste Reino. Mal tinha elle enxugado as suas bem merecidas la- grimas pela derrota de Alcácer , e pela horrivel necessida- de de succumbir á dominação estrangeira , quando vio su- mir-se com a sua gloria militar a gloria litteraria , que tão acreditados fizera os reinados precedentes. Se alguma couza todavia nos pódc consolar no meio de tão lastimosa deca- dência , hc a certeza de que ainda mesmo entre os Protes- tantes , que por mui afFcrrados á que elles chamão Única regra da Fé y nunca deveriâo pòr de parte, ou consentir que esmorecessem os estudos da Lingua Grega , elles decahírão muito no século XVII, do que eu podia agora citar vários testemunhos ; reduzo-me porém a hum maior que toda a excepção , e vem a ser o de Tibério Hemsterhusio , cele-> berrimo cultor da Lingua Grega , e verdadeiro reformador do seu estudo , que continuou ao século XVIII a gloria , que o XVI possuíra nos Buddeos , Erasmos, Reuclinos , e Estevãos , c o XVII nos Casaubonos , Heinecios , e Grocios; lie tão notável , e vem tanto ao meu propósito o que dis- se este Sábio na sua Oração de Lingua Gyaca prastantia , que julguei o devia aqui transcrever, por isso mesmo que aquelle geral definhamento dos estudos Gregos deixou de ser observado e trazido ao intento pelos que tem exami- nado as diversas causas da inferioridade do século XVII ao antecedente neste ramo de Litteratura. Fertim , diz o citado Auctor , ut c ater a pratermittam , inveterattis jam sermonis Gra- ci , Greecartimqiie Litterarum negkctus satis stiperqtie dictis fi^ dem adstnih , /« qua studiorum parte cum prisci illi heroes eruditionis velut arcem , et caput collocarnnt , utile quidem posteris , sed spretum et abjectum , quod illi ovien despuebant , exempliim prodideriint : nunc in eiim Graça Litteratura locutu recidit , ac pro Capsa est , ut qui omnium esse priíiii in huma- niori d ctrina videri volmit , si ad has ia Musarum republica Tom. Fin. Part. I, e ta- 34 MkmobiAs DA Academia tabulas accesserint , pro capite censis referri debeant. (d) Por esta Oração recitada nos principies do século XVIJI se pór de ver que não forão so os Portuguczes descuidados da Lit» teratura Grega , c que este desprezo dos bons estudos la- vrou por todos os Reinos da Europa , o que também se de- ve attribuir á sorte ordinária das couzas humanas cm que parecem tocar-se por tal modo os extremos da maior per- feição c da ultima decadência , que muitas vezes aquellc he hum signal certissimo de que vai a começar o outro , c fará cedo os mais espantosos progressos. Em fim para ul- tima prova do miserável estado a que se reduzirão os estu- dos da Lingua Grega neste Reino , cumpre-me citar as pa- lavras formaes do Dominicano Fr. Thomaz da Gosta em a Censura á traducção das Eglogas de Virgilio por Leonel da Costa : « he muito dificultoso applicar a frase Grega , » c Latina á nossa materna linguagem Portugueza , no que *> o Auctor se mostra não so bom Latino , mas bom Grc- a> go , couza tão nova em nossos tempos, j» {b) ^ Quem se alarga muito na indagação das causas , que não tinhão sido apontadas pelos nossos escriptores , nem por isso quer negar as que ja forão estabelecidas e de- monstradas. He incontestável que osjesuitas, apezar de te- rem no seu grémio vários sujeitos mui versados na Lingua Grega , não olharão quanto devião por este género de estu- dos , nem se derão a fazellos medrar com a mesma effica- cia , que empregavão nos estudos da Lingua Latina. Hum es- criptor amante da verdade não pôde encubrir certa magoa de que os Mestres subordinados a Diogo de Teive causas- sem desgostos ao Senhor D. João III , quando le que nas vinte c duas Classes instituídas , c dirigidas por aquelles Pa- dres no Real Collegio das Artes , erão onze de Latim , Rhe- torica , e Letras humanas , quatro de Philosophia , e so huma de {a) Ti. Hemsterhusii Oraiioncs í,- Lugdimi Batavonim 1784. 8.'' pag. 39. (6) Imprimio-se a primeira vei esta traducção eiu lG'ii. DAS SciENCiAS D K Lisboa. jy de Grego e de Hebraico, c que ja antes no Collegio aber- to cm Lisboa no i.° de Outubro de iffi, apenas se faça menção de Rhetorica , de Grammatica , e de Latim , e do nome genérico de Humanidades , sem darem a entender que havia Mestre especial da Lingua Grega, (a) Nem o Colle- gio de Évora , quanto se pôde colligir das Memorias do rei- nado do Senhor D. Sebastião compiladas pelo Abbade Bar- bosa , tiverão naquelles tempos Cadeira de Grego j e o que mais desconsola he ver que no principio do século XVII era regida a Cadeira de Grego e de Hebraico pelo Jesuita de Douay António Laubcjois , que se intitula Professor de ambas as Linguas em hum Epigramma de quatorze versos Gregos feito cm louvor da obra ja citada do Padre Cosme de Magalhães />; Moysis Caníica , e não menos que da reduc- ção de duas Linguas tão diíBceis a huma so classe e a hum so Mestre , eu concluo do chamamento de hum estran- geiro apezar de benemérito, como se vê no Diccionario de líjoreri , e nas Bibliothecas de Alegambe , Koenig , e Fop- pens , que os Jesuítas não se esmerarão em cultivar a Lin- gua Grega , nem tomarão a peito exceder os Professores , 3 quem vinhão substituir em o Real Collegio das Artes. São deste lugar os mais serviços , e nomeadamente os typographicos , que se fizerão á Lingua Grega nos fins do século XVI e princípios do seguinte. O Sábio Académico António Ribeiro dos Sanctos em a citada Memoria , e ja an- tes delle outro Sábio , {h) nos guardarão a noticia do que sahio dos prelos Conimbricenses , ou de António de Mariz, ou do Real Collegio das Artes , para uso dos principiantes, c dos ja adiantados no estudo da Lingua Grega. Em bene- ficio dos primeiros se publicarão na OíEcina daquelle im- pressor E li Cra- (a) São espécies tiradas da Bibliotheca Lusitana em as palavras Col- legio de Coimbra , e Collegio de Évora. (6) D. Fr. Mauoel do Cenáculo em as Memorias Históricas , que brevemente me faiei cargo de citar com os devidos elogios. 36 Memorias DA Academia Crie cie mminum etverborum inflexiones in usum tyrotium: 1594, cm 8." e na Officina do Collegio das Artes cm 160% as Instituições Gregas de Nicolao Clcnardo : e se as reimpressões das ar- tes de qualquer Lingua nos dão hum tcstemunlio certo da sua cultura , ao vermos que a Arte de Clcnardo se rcimpri- mio no mesmo prelo cm 1702, quem não tirará deste si- lencio typographico o geral abandono dos estudos Gregos no século XVII? Sem que a reimpressão feita em 1595" por Simão Lopes na Capital do Reino , e dahi a poucos annos por Pedro Crasbeeck no mesmo lugar, possa destruir o meu argumento ? Em beneficio dos segundos se publicou huma Collccção de peças Gregas debaixo deste titulo : Aliquot opiiscula Gr» De Homero os hymnos a Vénus , a Diana, a Palias, á Madre Terra, e ao Sol. De Lucia- no os Diálogos maritimos de Cyclope e Neptuno, de Me- nelao e Proteu , o de Panopes e Galenes , o de Neptuno e Delphim , o de íris e Neptuno, o de Xantlio e do Mar. Vários Epigrammas Gregos dos antigos escolhidos d'cntrc os mais elegantes , c as fabulas de Esopo com o Latim á margem. Devo accrescentar a estas noticias que a segunda parte do livro intitulado Syha iUiistrium aiictoriim , &c. que foi impressa em Lisboa (ijSS) e que era destinada pa- ra os Poetas Latinos, trazia no fim Alphabetum Gr^c£ Lm- gua , et Dominica oratio et Angélica Grace , lembrança esta di- DAS SciENCIAS DE LiSEOA. 37 digna de muitos louvores não so porque mostrava a intima imião das duas Línguas , c dispunha os ja instruídos cm huma para começarem o estudo da outra , mas também e ainda mais por vermos que aqucllcs antigos Mestres liga- rão quanto era possível os interesses da Religião com o es- tudo das Letras Humanas , fazendo repetir aos seus alumnos as melhores e mais sublimes de todas as orações na pró- pria Língua , em que os Auctorcs Sagrados as transmittírão aos fieis de todos os séculos. Não appareccrá todavia o século XVII tão escasso de monumentos da cultura da Língua Grega entre nós , que sejamos obrigados a confessar que elle se finou a ponto de acabar esta semente dos bons estudos, (a) Ja os Gommcn- tadores á Sagrada Escriptura , que pertencem a este século, deixão de citar os origlnaes da Palavra Divina Escripta , e os que mais se distinguirão na explanação do Texto Sagra- do, ou perderão inteiramente de vista os originaes , ou se contentarão das versões Latinas , (b) ou do Grego dos Se- ptenta , ou de quacsquer outras Línguas , como a Arábica e Syriaca , e ainda que em alguns Gommentarlos impressos neste século se observe hum frequente uso da Língua Gre- ga , ou forão reimpressões , ou forão trabalhados por sujei- tos que ainda alcançarão huma boa parte do século antece- dente , e souberão aproveitar o que ainda restava de Ljtte* ratura Grega; (c) e posso allcgar, deixando outros, para testemunho desta asserção o douto Jesuíta Padre Francisco de («) Níío sei que lugar dê nesta Weinoria ao Jesuíta Rodrigo da Fonseca, natural de Trancoso, e Missionário naCiíina, que traduzio em Lingua Chincza os Livros de Aristóteles de Calo, que llarles suppõe dados á luz em 1625. ís'asce a minha incerteza de não poder liquidar, se Le traducção feita ja sobre alguma Latina das muitas que corrião por aqueJle tempo. (6) Como por exemplo o Sábio e laborioso Carmelita Fr. João da Silveira quç nos seus dif fusos Comnientarios se valia das Polyglottas, e suas versões Latinas. (c) Sirva por exemplo o Trinitario Fr. Balthasar Paes. 38 MEMOniASDAÂCADEMiA de Mendonça, que nascendo em 1^73, publicou em 1624 na Cidade de Évora , onde rcgcntava as Cadeiras de Fscri- ptura , os seus Commentarios aos quatro Livros dos Reis : e he fácil entrever do uso que elle faz das Línguas Gre- ga e Hebraica , hum não sei que de menos fundo , e hu- ma erudição muito inferior d dos outros seus Collegas ja apontados e louvados. Fundado em iguaes razões eu tira- ria ao século XVII a gloria , se acaso fosse verdadeira , de ter produzido hum Traductor das Fabulas de Esopo , que ver- tidas em Linguagem por Manoel Mendes natural da Vidi- gueira , que pelos annos de 1614 ensinava Grammatica La- tina em Lagos no Reino do Algarve , sahírão da Officina de Manoel de Lira em Évora (1603): como porem estas fabulas se reimprimirão três vezes no século XVII , deixei para este lugar, onde se fazia mais commodo, vista a pe- núria do século , hum exame , que interromperia no século antecedente , e com assaz desagrado dos Leitores , a exposi- ção dos trabalhos úteis , a que se derâo os nossos com in- veja dos estranhos. O mero testemunho da BihUotheca Lusi- tana pareceu-me insufficiente para assegurar ao Professor Ma- noel Mendes a honra de ser o primeiro dos nossos que hou- vesse traduzido por inteiro as obras de hum Auctor Gre- go ; sabendo eu ao mesmo passo que talvez se perderão as obras genuínas de Esopo , e que debaixo do seu nome cor- rem muitas fabulas, de que clle não escreveu huma so pa- lavra, mas que conservando o seu nome rendem huma es- pécie de tributo ao inventor deste methodo de ensinar a Phi- losophia Moral , examinei a traducção Portugueza , c logo á primeira vista conheci que muitas fabulas erao traduzidas litteralmente do Latim de Fedro , e que outras das que cor- rem debaixo do nome de Esopo, erão vertidas de traduc- ções Latinas ; e quem tomar o trabalho de conferir a ver- são da fabula das Rans , que pedirão hum Rei a Júpiter , e que he a 30.' das traduzidas por Manoel Mendes, com outra símilhante de Esopo , que foi traduzida por Fedro , verá que o Professor Manoel Mendes não sabigi a lingua Gre- ga, pasSciekciasdeLisboa. 39 ga , (d) o que eu poderia mostrar com grande copia de exemplos, se o não julgasse desnecessário e fastidioso. Esbulhado o século XVII {b) de hum traductor , que nenhum credito lhe daria, ainda mesmo que o considerás- semos na sua verdadeira linha de traductor do Latim , vê- se precisado a mendigar nos Reinos estrangeiros, e nos Por- tuguezes desterrados da sua pátria , não muitos porém insi- gnes e abalizados cultores da Lingua Grega. Apenas indica- rei os desmedidos trabalhos do Judeu Portuguez David Cohen de Lara , que durando mais de quarenta annos assaz relu- zem no Diccionario , que fez imprimir em Amsterdão , e que intitulou : Corona Sacerdolwn , seu Lexicon Talmtidico-Rabinicum aniplissi-' mtim et locupktissiimim de convenientia vocabulorutn Talmiid. et Rabinkorum anu Lingua Chaldaica , Syra , Arábica , Pér- sica y Turcica , Graça , Latina , ItaUca , Hispânica , Lusi- tana , Gallica yGermanica , Saxónica , Bélgica , et Anglicana : e passarei gostosamente ao maior padrão, que os nossos tem levantado á litteratura Grega. Falo da traducção completa do Tractado de Stephmto de Urbibiis , quem primus Thomas de Pinedo Lusitanus Lalii jure doiiabat , et observationibus , scruti- nio variarum liiiguartim , ac pracipue Hebraica , Phtcniciíe , CracíC y et Latina ^ detectis ^ illustrabat ., que assim o lemos no frontispicio da traducção que se publicou : Awsteloda- mi (a) Foi todavia lembrado como traductor de Ksopo no Tomo 1. da Bibliotheca de Fabrício pag. Góí) , onde aponta a edição de Lisboa cm 1621 ; e o que he mais para admirar, vem citado por Bauer na sua Bi» Zliotheca Librorum rariorum '. (b) Pouca honra fazem a este século huns dous versos Gregos, que fazem parte de hum Soneto em seis línguas, que vem na pag. ultima do Ccrtamen Pocficum, &c. , que se fez por motivo da Canonização da Rainha Santa Isabel , e sahio impresso em Coimbra na Ofíicina de Dio- go Gomes do Loureiro, Z()1S6. Quão desfigurados vem alli os caractere^ jGregos ! 40 AI E M o R 1 A S D A A C A D E M I A tfii typis Jíicobi de Jotige ^ 1672, folio. Ainda que vários Philologos Protestantes , c entre ellcs Beverlando (f) , acha- rão defeitos na traducção do nosso Portugiiez , o que não deve estranhar-se em obra tão longa , não deverei passar em silencio o juizo que faz o erudito Hárles na Bibliothe- ca ja por tantas vezes citada. Depois de recenseados os grandes serviços de Thomas Pinheiro , que daria a maior prova da sua bem escolhida e profunda erudição , se tivera composto so o Index dos Auctores citados por Stephano , faz o devido elogio á sã e apurada critica do nosso Tra» ductor , que humas vezes accresccntava algumas palavras in- dispensáveis , outras corrigia as allucinações de Xilandro , (h) c confessa que a modéstia , fadigas, e zelo incançavel por adiantar este ramo de litteratura , prendas estas que trans- luzem assim da traducção como das notas que a acom- panhâo , nunca serão desconhecidas ou reprovadas por quem íbr assizado , e souber a difficuldade de taes emprezas. Em quanto os nossos Portuguezes domiciliados em Rei- nos estranhos promovião a Litteratura Grega pelo modo cjue temos visto, e que tanto nos acredita, vinha hum Es- trangeiro residir em Lisboa , onde se empregaria ja em as- soprar o fogo que dormia debaixo das cinzas, ja em ac- cende-lo novamente , para que os fins do século XVII e metade do seguinte não ficassem absolutamente privados da erudição Grega. Foi elle Official de Linguas da Secretaria de Estado, chamou-se Aleixo Collotis dejanbilet; e na obra, c|ue se intitula Hor^e SubseciVíí , e que sahio impressa em Lisboa na Ofiicina de João da Costa, e anno de 1679 , es- palhou taes sementes daquella erudição, e forcejou tanto pa- ra (a) No Tract. de peccuto originali, pag. 87. (h) Xilandro he hum dos eruditos do século XVI, que mais traba- lharão na correcção do Texto dos Auctores Gregos ; e ainda que não he inettido entre os melhores criticos daquella idade , elle todavia gozou tia reputação, que bastíi para que TJiomas Pinheiro sendo capaz de O emendar, tenha por isso a opinião de muito sabedor da Lingua Grega, DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 4I ra a propagar entre nós, que eu não serei temerário, se llio attribiiir certo gosto da Littcratura Grega , que lavrou entre os nossos Eruditos por esse tempo, em que cllc vivia na Capital do Reino. Logo na entrada da obra se pode ler hum Epigramma Grego do bem conhecido e elegantíssimo escriptor Latino António Rodrigues da Costa , que no anno de 1684 lhe succedeu no emprego de Official de Linguas. Consta de seis versos , que a pezar de náo cheirarem á boa poesia dos Gregos, merecem algum louvor, e no decurso da mesma obra (a) se encontrão as traducçócs em verso La- tino dos Epigrammas Gregos , que o citado Rodrigues da Costa fizera á morte do esclarecido heroe Portuguez D. An- tónio Luiz de Menezes , primeiro Marquez de Marialva. Daqui se vê que os Portuguezes do século XVII fizcrao composições originaes Gregas ; e deve notar-se que a Bi- bliatheca Lusitana no artigo daquellc Portuguez se esqueceu de indicar estas producções Gregas , mais dignas de memo- ria , que tantas Cartas e Opúsculos manuscriptos de ho- mens , que nunca deveriâo tomar assento entre os varões beneméritos das Sciencias e Humanidades. Não pararão aqui os esforços de Aleixo Collotes , pois naqucUa mesma obra se le humi Carta Latina a D. Fernando Mascarenhas , Con- de da Torre, {b) em que o anima a proscguir nos estu- dos da Lingua Grega , e transcreverei as suas palavras for- maes , que dizem ao meu intento ; e oxalá que fossem pe- zadas e meditadas em nossos dias. Non eiiim siint attdieiídiy qui dicunt , Gi\ecum est non legitur : ncque id mantellium , uti ait Lipsius , igtiavue adhibendtmi ; balbi balbos inteUigiint , et damnat qiiisque qtiod ignorai. Ja antes respondia {c) nervosa- mente a Manoel de Galhegos , Censor da Academia dos Sin- gulares, que o estranhara por lhe ouvir que não se podia saber perfeitamente o Latim sem o auxilio do Grego , e Tom. FUI. Pan. 1. f ac- (a) A pag. 54 c seguintes. (i) Vem a pag. 99 , c lie datada a 7 de Outubro de 1677. (c) Pag. 6(> e seguiutes. 4^ Memorias da Academia accrcscentava para o fim da Carta : jitqiie progredior uJterius , et aio uon posse qitetulibet Liiskannrn ahsolmam 'vcniactili sevmo- fiis cognitionem adipisci absqiie G>\ecíiriim Littcrnriim admiuicnlo ; sexcentis Lrisitani dictionibtii Grtecanicis iitiinliir , eartim pie" i'ieque ciim Gallis , Italis , Hisptinis communes , at non paticx Cracis duiitaxat ac Lnsitanis aptata sunt , quartim vim ety- tnokgicam , nisi ad Gracum , e quo manam , f ontem rccurras , iiimqtiam cxplictteris. He bem natural que destes incitamen- tos para o estudo da Língua Grega viessem os poucos e mal sazonados fructos que produ/io aquclla idade, mere- cendo todavia especial menção o P\.cligioso da Ordem de Cliristo Fr. Thomé da Luz , que na sua Amalthea sive Hor- ttis Onoviastictis &c., impressa em 1673 faz uso contínuo da Lingua Grega, apezar de que ja por extrema penúria de typos Gregos foi necessário ao Impressor aproveitar os Latinos cm hum crescido numero de palavras Gregas , o que denota o lamentável desuso , em que tinhão cabido taes applicaçõcs ; e como este Padre era tio materno do erudito Luiz do Couto Félix , daqui procedeu a instrucçao do so- brinho , de quem ha noticia que compozera Epigrammas Gregos, e ja em a Poesia Latina, que elle fez em obse- quio de seu tio , vem palavras Gregas entre os versos La- tinos, e o próprio Aleixo Col lotes {a) faz menção de que o Padre André de Christo interpretava na Academia dos Generosos a Arte Poética de Aristóteles com tal variedade de expressões , e tal penetração do sentido do Auctor , que lhe parecia estar vendo e ouvindo o próprio Aristóteles cm conversação com os seus discipulos; elogios estes, que mal poderião assentar em quem explicasse Aristóteles pelas ver- sões (a) Todo o Livro Jío/re suhsecivm lie digno de se ler com atteiição por dous motivos ; primeiro por loear cm vários pontos da Litteratura tortugueza, como por exemplo duas traducções do Soneto de Ca- mões :? Sérvio Jacob ii que constão de igual numero de versos Lati- nos 5 segundo porque vem alli espalhada em muitas cartas a historia daquelles tempos, e das graudes batalhas, que assegurarão a nossa iu- dependcucia. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 45 sõcs Lntinas , Francezas , e Hcspanholas ja vulgares naqucU Ic tempo. Proscguláo entre tanto as Lições publicas de Lingua Grega no Real Collcgio das Artes , e as ediçÓes da Gram- matica Grega de Clenardo feitas cm 1702 e 1729, assim como hum resumo daquella Arte , que sahio dos prelos do sobredicto GoUegio em 1712 (a), nos convencem de que houve alguns estudiosos desta Lingua nos principios do sé- culo XVliL A Bíbliotbeca Lusitana nos guardou a memoria dos estudos Gregos do erudito Padre D. Luiz Caetano de Lima , que por versado nesta Lingua escreveu Ânuotutiunes Gr^ecie in Librtim Luciani de amicitia manuscripto , de trjn- cisco Gomes de Sequeira, do Padre D. Jeronymo , Conta- dor de Argote , e de outros mais, que a pczar de não te- rem deixado provas do seu saber na Lingua Grega, são me- recedores de elogio por terem lançado mão ao que era nes- ses tempos desconhecido e rejeitado. Quem não deveria es- perar qu2 as sabias e efficazes recommendações do Augus- tissimo Rei D. João V. á sua Academia de Historia Portu-» gueza sortissem o desejado efieito de alentarem os bons es- tudos ? Por Decreto que Sua Magcstade foi servido man- dar á Academia em 13 de Agosto de 1721, determina que se guardem e ponhao em cautella por todo o Reino os mo- numentos antigos , e prohibe que se desfaça ou destrua qualquer edifício , que mostre ser de tempos antiquíssimos , c ordena que se tractem com estima os mármores, estatuas, e cippos , em que estiverem esculpidas algumas figuras , ou tiverem letreiros Phenices , Gregos , Romanos , Góticos, Ará- bicos; não vejo porem que a Academia promovesse os es- tudos que lhe erao indispensáveis para encher os votos do Soberano , antes em as orações ou Portuguezas , ou Lati- F ii nas (a) INos extractos dos Manuscriptos da Livraria do Conde do Vf. mieiro, feitos em 1724, vem debaixo do N. lOa Arte Grega explicada em Portuguez differcnte da dt Cle/iardo , e com bom mcthodo. ISão sei a que sccuio peitcuce. 44 ^ Memoriasda Academia ras recitidas na mesma Academia n:1o so faltiío indicios ainda os mais leves de quj ella animasse tacs estudos, mas o que hc peior , as orjçõ^s dos seus mais sábios alumnos de que apenas lembrarei a que foi recitada em 22 de Se- tembro) de 1730, abundavao em espécies, que fjrião esmo- recer a quem mais empcniiado fosse na cultura do Grego: e ja em o Fanegyrico aos annos do Sereníssimo InLnte D, António recitado pelo sábio Conde da Ericeira em 1725' encontrão-se a pag, 9 duas palavras Gregas cm caracteres Latinos, o que mostra a penúria a que tinhão thogado os nossos prelos; e o erudito Padre Antoni;) dos Reis na sua Oração em louvor do Académico António Rodrigues da Cobta , inserida na Collecçáo de 1732, não lhe faz os elo- gios bem merecidos da instrucção mais que vulgar do dicto Académico na Lingua Grega, (ti) Comcçava-se nesses tempos hum edifício littcrario de grande vulto e consideração, qual foi o Diccionario da Lin- gua Portugucza , que hum estrangeiro intentou c levou ao £.n , conseguindo a immortal gloria , que nenhumas adJi- ções , correcções, ou melhoramentos que se lhe fi/erão, e Jhe podem ainda tazer , chegarão a tirur-lhe on diminuir- Ihe. Em toio este Diccionario reluz a erudição Grega do seu famoso Auctor o Padre D, Rafael Bhitenu , que esta- beleceu hum grande numero de Etymologias Gregas , ref r- jnou outras, e abrio caminho para o descobrimento de outras muitas , serviço este que lhe grangêa os créditos de ser hum dos que á força de repetidos exemplos convidarão os Sábios deste Reino para indagarem melhor, do que se fize- ra nos séculos precedentes, a origem da nossa linguagem, estudo import. ntissimo , e so motejado e escarneci lo peloj que ou ignorão o nexo da Grammatica com a Philosophia , ou querem fugir ao trabalho férreo , que demandão estas in- (a) Citarei as expressões frias (!o Elogio: IScc in Grava hospcs Juit , quatn no^i alitcr, atqui ii docturus- cam esset, addidicU, Merecia luais quem couipucha íaciluiente versus Oremos. DAS SciENCIAS DE LiSROil. 4Ç indagações. No meio das que fez o Padre Bluteau mrtte compaixã) o vermos que tão raras vezes appareccm naquel- ]e Diccionario os caracteres Gregos, o que devendo im^u- tar-se ao descuido dos prelos acarretou sobre elle muitos eYros, que em melhor século se tcrião evitado. Ainda terei occasião de falar alguma vez desses trabalhos etymolcgi- cos em obra espocialmenre dirigid.i ao mesmo fim, que por agora disse o qu- bastava pjra se reconhecer a obrigação cm que ficou a L:rterjtura Grega a esse incançavel c erudi- to fabricador do nosso Diccionario. Ainda me apparecem entre a lamentável deserção dos estudos Gregos dous beneméritos Monges da Congreg'çáo de S. Jcronymo , que por ventura lembrados do seu Fr. Hei- tor Pinto fizerão grandes esforços para conseguirem hura vasto conhecimento da Lingua Grega. São elles tanto mais pnra louvar, quanto menos estimulos havia, que os allicias». sem para huiis estudos ou desamparados, ou taxados de inú- teis ; e com cfFeito os dous Monges de Beiem Pr. Jacyntho de S. Miguel , c Fr. Manoel de Santo Ambrósio movidos de huma louvável competência verterão em linguagem a Arte Histórica de Luciano Samossatcno ; e ambas estas ver- sões, das quaes huma he lirteral, c outra mais estudiosa de apaniiar o sentido do Auctor , sahíráo impressas cm Lisboa (171?)* ^ '^^ '"^"^ P^'"'* admirar que publicando-se o segun- do Tomo da Bibltotheca Lusitana em 1747, onde se men- ciona Fr. J.icyntho de S.Miguel, e que sahindo muito depois o Tomo IV da mesma obra , escapasse ao seu Auctor huma tiaducçrio mais extensa de Fr.Jacyntho de S. Miguel, e pu- blicada em hum volume de 4.°, que se imprimio em Lisboa na OíHcina da Musica (1739) c<^'" '^stc titulo : Discursos de Luciano Samossateno vertidos da Lingua Greea na Portugueza por Fr. facyntho de S. Miguel , Monge de S. Jcronymo d-' Portugal, e professo du Real Mosteiro de Bjlein. Con- ^.í MemokiasdaAcademia Contcm-se nesta versão as obras seguintes de Luciano: Do Sonho OH a Vida de Luciano. Do Parasito. Encómio da Mosca. Contra hum ignorante que comprava muitos Livros. Dialogo das audiências. Macrobios ou de vidas longas. Vos que vivem de salário. /Ipologia a favor dos que servem por salário. Alexandre ou o falso Propheta , e vinte e seis diálogos dos mortos. Examinando esta versão achei que o traductor se esmerou em mostrar, que não se valia das traducções Lutinas d u Lu- ciano, o que certamente lhe fez perder muitas das grjças e bellezas do Auctor, que em traducção mais livre se po- derião commodamente trasladar para a nossa linguagem, (rt) Pelo meado deste século XVIII havião chegado os es- tudos da Lingua Grega a huma decadência tal, que moveu o insigne Fhilosopho e Philologo Portuguez Luiz António Vcrney a levantar a voz desde a Capital do Mundo Chiistão , para onde se havia retirado ; e como estes sinceros e elo- quentes brados muito concorrerão para o melhoramento dos Estudos da Lingua Grega , pareceu me juto fazer memoria deste reformador das Letras , que na sua Carta lançada a P'^g' (u) L»evo ao Doutor Miguel Gomes Soares, tio Kcal CoUcgio de São Pedro da Universidade de Coimbra, c digno (Jppcsitor ás Cadeiras da Faculdade de Leis, o conhecimento desta versão de Fr. Jacjnlho de S. Miguel , (jue por certo me escaparia , se elle me não deparasse hum exemplar, que tenho cm meu poder. Pvão me soflie o corayao que eu deixe de reconhecer neste lugar o muito que devo ao benemérito Lente da Faculdade de Mathematica o Doutor António Honorato de Caria e Moura, que não se poupou a diligencias e incommodos para ine franquear tudo, que a Livraria da Universidade, de que tile he digníssimo Bibliothecario , tivesse de préstimo e de utilidade para esta ilemoria. JJAS SciENCIAS DE LiSBOA. 47 pag. 12 c seguintes do Tomo I. do seu Verdadeiro MethO' do de estudar, que se diz impressso em Valença (1746) chega a dizer, que as Línguas Hebraica e Grcgq são abso- lutamente desconhecidas em Portugal, e que toda a scien- cia da primeira se reduzia és palavras ^meii e Alldtiia^ e da segunda ás palavras Kyrie eleisou \ ainda que este con- ceito me parece exaggcrado , pois do ócio e descuido da maior parte não deve concluir-se que a Lingua Grega aca- bara de todo entre nós. A Bibliotbeca Liifitana por esse tempo nos aponta o Doutor Canonista Graduado em 174a Manoel de Oliveira Ferreira , que aprendeu a Lingua Gre- ga cm Coimbra com o Jesuita Irlandcz Padre Patricio Bar- newal , chegando a compor versos na mesma Lingua , o que hc prova de conhecimentos mui acima de vulgares ; e cor- rendo o anno de se imprimia cm Lisboa o Diverti' fíieuto erudito do Eremita Augustiniano Fr. João Pacheco , que detende com assas calor a utilidade e necessidade dos Estudos da Lingua Grega , {a) mas entre tanto devemos confessar que o sábio Verney tinha sobeja rasão de lasti- mar a nossa ignorância, que se manifesta ainda melhor nos paradoxos e absurdos , que sahírão da penna dos seus ad- versários. Os Auctores da Conversa e Exame crítico do ver- dadeiro niethodo de estudar , que também se diz impresso em Valença (1750) respondem miseravelmente aos argumentos indissolúveis do Arcediago de Évora , e mais arrebatados da paixão , que do zelo da verdade que os devia animar, chegão a proferir , que não servem as Linguas Grega e Hebraica depois que os Judeos e Protestantes viciarão os Textos Sagrados ! {b) Ja no tempo em que mais fervião es- tas (a) No Tomo III. da Obra citada, pag. 597 c seguintes. (è) A Jiia iutelligeiícia do Canon Tridentino , que estabelece a au- theiíticidade da Vulgata, deu azos á opinião absurda de vários Theolo- gos , que imputando ao Concilio o que elle nao quiz decretar, assen- tarão que ja os textos originaes ficavão sem aaucloridade , que oCgu* cilio uem ainda levemeutc quiz infringir. 48 M E M o n I A S D A A C A D E M I A tas memoráveis disputas o cnidirissimo D. Fr. Manoel do Cenáculo tinha aprendido a Linguá Grctja com o Abbadc Durand (novo indicio, de que appareccndo no curto espa- ço que vai de 1740 a 175-0 dous Mestres Estrangeiros, estava cila como agonizante ) e nas Conclusões snhre a líis- loria da Philosophia , que fez imprimir no Real Collcgio das Artes em i7S'i ainda inscrio passagens de Auctores Gre- gos no seu original , o que todavia ja lhe não foi possível no anno seguinte, em que tinhão desapparecido esses pou- cos typos Gregos, de que se fazia tao pouca estima; e com cfFeito he digno de lêr-se o que nos conta o referido Pre- lado sobre o modo e poucos subsidios , com que deitou mão á empresa de saber o Grego , e sobre os projectos que assim elle como outros Doutores da Universidade que lhe seguirão o exemplo, tinhão formado a bem da Littcr.i- tura Portugucza , que oxalá tivessem medrado como cUes se lisongeavão e promettião. {a) Maiores serviços fez ain- da este varão immortal aos estudos da Lingua Grega não so quando era um dos collaboradorcs da Obra intitulada Compendio Histórico da Universidade ^ &c. em que se propõem as vantagens da Lingua Grega para todas as sciencias de hum modo tão atilado , tão magistral , e tão decisivo , que no meu conceito deixarão esgotado o assumpto : mas tam- bem na Academia de Línguas orícntacs, que formou no seu Convento de Jesus cm Lisboa, e de que resultarão os fru- ctos mencionados cm obra particular, que os estudiosos de- vem ler {b) como hum precioso testemunho da nova exis- tência , que lhes derão entre nós as fadigas de hum homem talhado pela Providencia para ser hum restaurador da nossa Litteratura. Se- (a) Cenáculo Memorias históricas e Jtppcmíix segundo á Disposição quaiia , &c. Tora. II. p.ig-. 202. (b) Origem e progresso das Linguas Orientaes na Congregação da Ter- ceira Ordem de Portugal, por Fr. Vicente Salgado da mesma Ordem. Lisboa 1790, 8.° DAS SciENciAs DE Lisboa. 4p Scguio-se ao Compendio Histórico^ que era lium prclidij da reforma da Universidade , outra producçao litteraria de mjior vulto, que abraçando todas as sciencias, e os subsi- dies que mais convinhúo para todas , e o verdadeiro metho- do de as ensinar, devia servir de espanto ao orbe litterario, e mostrar-Ihe o que são os Portuguezes ainda nas épocas ) cm que he mais censurado dos estrangeiros o seu dcscuid ) das sciencias e humanidades. São muitos os lugares dos Estatutos da Universidade, em que se recommcndáo os es- tudos da Lingua Grega , assim como forao mui providen- tes as medidas que o Senhor D. José I tomou neste par- ticular , ja creando por todo o Reino muitas Cadeiras de Grego, ja nomeando para reger a estabelecida no Collegio das Artes o Irlandez Guilherme Bermingham , que nSo cedia aos Grouchys e Vinetos empregados n'outra época. E a di- zer a verdade, se os puros votos e desejos daquelle grande Rei , e do seu illustrado Ministro e Confidente o grande Marquez de Pombal tivessem o devido complemento , sub- iria entre nós a Litteratura Grega ao esplendor, a que che- gou nestes últimos tempos não so entre os Allemães e Inglezes a meu ver Príncipes desta erudição , mas ainda en- tre os nossos visinhos Castelhanos , que apezar de nos imi- tarem no desprezo da Lingua Grega , como nos assegura huma testemunha que não he suspeita, e que em 1760 ape- nas contava seis Hespanhoes que a soubessem , (a) tanto se dérão ao mesmo estudo no glorioso reinado de Carlos III ^ que bem poucos Auctores Gregos da primeira classe deixa- rão de traduzir completamente , ou de lhes emendar as an- tigas traducções , sem lhes faltar o Creador da Epopea , cu- ja Iliada sahio em Madrid (1780), e para remate dos seus progressos até conferirão e emendarão os originaes Gregos lom. FIIL Part. I. g pe- («) P. Fr. Bento Jeronynio Feijó, Tom. 5.° das Cartas eruditas e cu- ricsas Impresso em Jladiid ( 1760 ) em a Carta 23 , eui cj^ue dissuade luiin seu amigo de estudar a Lingua Grega , &c. jo MemobiasdaAcademia pelas versões dos Aiabcs guardadas na Livraria manuscripta do Escurial , o que vi primorosamente desempenhado em a Taboa de Ccbes. Qiiando louvo os estrangeiros, não he do meu animo roubar aos nossos a gloria que lhes pertence. O impulso , que recebeu a Littcratura Grega cm o reinado do Senhor D. José I , não deixou de patentear ás outras Nações , que se nós quizermos , ninguém poderá levar-nos a palma assim nos trabalhos de Marte , como nos de Minerva. Nos ap- plausos , que se fizerao á inauguração da Estatua Equestre daquclle Soberano, apparecem Epigrammas Gregos de Fr. Vicente Ferreira da Terceira Ordem , e do Professor Ré- gio o Padre Custodio José de Oliveira, que também fez as tiaducções cm linguagem do Tractado de Lovghio sobre o su- blime., e do que compoz Luciano sobre o modo de escre- ver a historia , além da collecção das peças de Aucrores Gre- gos para uso das Escolas do Reino , a que ajuntou excel- lentes notas Grammaticaes e Philologicas , e da publicação das Raízes Gregas^ e do projecto levado ao fim , quanto era da sua parte , de hum Diccionario de Grego para Portu- gucz , e que na sua Diagnosis Typographica dos caracteres Gre- gos , Hebraicos , e Arábicos da Impressão Regia , onde se publicou em 1804, deu a ultima prova da vastidão dos seus conhecimentos nas linguas mortas c vivas. Também mere- cem aqui hum lugar distincto o Professor Régio Luiz An- tónio de Azevedo conhecido pelas suas traducções dos Ri- laes Dialogo de Platão , e dos Versos de ouro de Rythagoras , que illustrou com varias notas , e o Professor Régio de Língua Grega na Cidade do Porto António Teixeira de Magalhães , que principiando o seu magistério na Cidade de Braga o abrio com huma eloquente oração Latina feita para dissipar as prevenções contra a Lingua Grega , tradu- zio a Tahoa de Cebes ^ e cm verso Portugucz a maior parte das odes de Anacreonte , e que para animar os bons estu- dos presidio em 1791 na Cidade do Porto a humas Conclu- soes Publicas sobre a Grammatica c Lingua Grega , onde ic- dasScienciasdeLisboa. fl- rcluz o seu exercido e grande saber nestas erudições. Con- cluindo esta Memoria com a devida recordação de hum no- me justamente saudoso para a Academia Real , indicarei a traducçao de Htppolyto de Euripedes cm verso Portuguez , e da Cyropedia de Xenophoiite em linguagem , a primeira ja im- pressLi, e a segunda manuscripta do exccllcnte Philologo e douro Padre Joaquim de Foyos da Congregação do Ora- tório, G ii AD- 52 MemoriasdaAcademia ADDITAMENTOS E ILLUSTRACOES. JTag. 4 onde se discute se o grande Sancto António de Lisboa era sabedor da Língua Grega. Podendo entrar cm questão se o famigerado Olyssiponense, que subindo ao tlirono Pontifício se cliamou João XX ou XXl , foi versado na Lingua Grega, pareceu-me conveniente elu- cidar esta matéria , para que não julguem os meus Leitores , que eu não tive noticia dos argumentos que a Litteratura Grega tem por íi para contar aquclle insigne varão entre o? seus cultores. Ja~~^o Auctor oa Ribltotheca Lusitana se absteve de affirniar que Pedro Julião igno- rasse a Lingua Grega , que talvez seria o argumento mais nervoso para combater os eruditos Keckermano e Hornio , que annunciãião a Lógica de Pedro Hispano como traducção ou de Máximo Planudes, ou de Miguel Psello, ambos mui acreditados entre os Aucions Gre- gos da meia idade. Accrcsce mais que entre os Auctores expos'Os ou commentados pelo Mestre Pedro Hispano apparecem não so o Medico Árabe Joannicio , mas também os corypbeos da Medicina Gre- ga Hippocrates e Galeno; indicio este, que não he para desprezar, de que o Commentador talvez possuísse a lingua original dos Aucto- res a quem explanava. Confesso porem que taes indícios são para mim de pouca ou nenhuma consideração, c que so por elles eu nun- ca me atreveria a enriquecer a Alcmorin sobre a Litteratura Grega de mais hum nome tão conspícuo e assignaiado na republica das le- tras. Sabem os eruditos, que as obras de Hippocrates e Galeno to- marão o vestido Árabe e Latino muito antes da existência de Pedro Julião, e sem apontar agora os Códices Latinos daquelles Auctores, que se guardao na Bibliothcca Real de Parlz, contento-me de pro- duzir o auctorizado testemunho do sábio Cassiodoro , que na sua obra De institv.tione Divinarum Litterartim Cap. 31 recommcnda aos Monges incumbidos do tracto e cura dos enfermos , que leiãf) as obras de Hippocrates e Galeno vertidas em Latim; e com efteito fo depois de ver que os Manuscriptos de Pedro Julião linhão alguma prova intrínseca da sua erudição Grega , cu assentaria que eile fosse dado a estes por aquclle tempo mui raros e quasi desconliccidos estudos. Compoz todavia Pedro Hispano alguns comincntarios /';; /_,/- l/ium Philaretí de pulsibus , et in Libriim Theophili de tu iuis , e se DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 5-5 se fosse verdade incontrastavcl que Poiício Vcrunio auctor do século XV tivesse sido o primeiro traductor destas obras Gregas , que são do hum so Auctor, então poderia ter lugar a conjectura de que Pedro Julião soubesse a lingua do Auctor commentado, se por ventura ain- da no seu tempo não estivesse traduzido cm Latim ; como porém não seria esta a primeira vez, em que perecessem as antigas versócs Latinas , o que succedeu ás de Hippocratcs c Galeno citadas por Cassiodoro , mal se pode assegurar que Pedro Julião soubesse inter- pretar o Grego, mormente quando liuma primeira versão Latina fei- ta sobre o Grego não exclue outra igualmente primeira versão Latina feita sobre o Árabe. Folgaria muito de ajuntar aqui ao menos os títulos das obras de Pedro Hispano, que não chegarão á noticia do Auctor da BiOl. Lu- sit. , se o meu instituto o pedisse, mas tenho esperança de que me .não ha de faltar opportunidade de restituir a este e mais outros abalizados Portuguezes, muitos dos seus bens e thesouros litterarios, que se tem alienado ou distrahido. Quem desejar todavia mais lar- ga instrucção nesta matéria consulte Movtfaucon Bibl. Mss. no- va pag. jiJo e 427, 760, 1623. Catalog. Codic. Mss. Bibliothe- c£ Régie Paris. N." ^S^J, (^%(> ■, (>9S7y 70';i, 71^9-: 74i<^) yj^i- Tabric. Bibl. Gr^ec. vol. 12, pag. 649 e 6ji. Fabric. Bibl, Grec. Edit. Harlcs vol. 2 , pag. 603. vol. j , pag. 423 e seguintes. Pag. 16 (talvez Diogo Pereira.) No Supplcmento á Bibl. Lu' sitíina ou Toino 4, se faz menção de Diogo Pires, que compozera hum Epigramma Latino, o qual sahio impresso no fim da edição das obras de Qiiinto Smyrneo ou Calabro publicada em Anvers (1639) m.is desesperando de concordar este anno com a idade em que floreceu o Poeta elogiador de Erasmo, fiquei indeciso, e mais propenso a que fosse Diogo Pereira o auctor dos epiíaphios a Erasmo. Fazendo po- rém diligencia por ver a edição que se dizia de 1639, achei que era de 1)39, ° ^""^ "^^ obriga a declarar por mais provável que Dio- go Pires fosse o auctor dos versos incorporados na Memoria. Pag. 25^ (onde se fala de Jorge Coelho.) Jorge Coelho remet- teu ao Cardeal Pedro Bembo, hum dos restauradores das letras no Occidente , e Secretario do Papa Leão X, alguns dos seus opúscu- los, onde entrava a traducçao da Deosa Syria de Luciano, e fazem grande honra ao nosso traductor as expressões da resposta que lhe deu o Cardeal , e são estas : Quam quidem meam voluptatem ea tua scripta , qs/,e mihi una cum Epistola misisti , non unius scilicet genfvis carmiua , et Luciani de Dea Syria historiola abs te Lati- na facta , magnopere auxerunt. ( Opere dei Cardinal Pietro Bem- bo. hl Venezta 1729. Tom. 4. pag. 25). ) Pa§. 5*4 M E M o n I AS n A A C A D EM I A P.ig. 33 (otide se fala na penúria de sabedores da í.ingiia Gro- i;a em o século XVII. ) Nao quero dar azos a que se prefuma , que o meu affecto ao Clironisra-mor Fr. Bernardo de Brito me fez pas- sar por alto lium Epigramma de seis versos mesclados de Grego e Latim, que dizendo-se /';/ laudcm utriusqiie auctoris lie quasi todo contra Fr. Bernardo de Brito, e so feiro para lisongear o Auctor do Exame de antiguidades , que saliio em Lisboa. (í6i6) Dando a ca- da hum o que lie seu tenho o epigramma por indigno de ver a luz, assim como respeito o Auctor do Exame de antiguidadts por lio- mem visto na lição dos Auctores Gregos , de que se vnic no decurso da obra com tanto saber como propriedade. NO 55 NO DISCURSO HISTÓRICO. Errata. p,lg. linh. Erros Emendas viir 20 fexar fechar XII 7 do systema dos systemas XV 3^ Mocarchia Monarchia XVII I lagrimas lagrymas Na Memoria sobre a Orthografia. Errata. Pag. linh. Erros Emendas 102 8 De Art, Poet, Sat. I lib. I. 107 19 e Coryfeo corêo ^ e coriamho 117 2ei2,not. igual egual ... 10, not. Igualmente Egualmente 118 21 do tempo no tempo 125- 5, not. sete septe 127 f, not. Iguies Eguaes 128 7 sendo empregado Ahi era empregado 8 delia delias Omittiria aqui alguns dos erros accusados, se o as- sumpto da memoria não fosse orthografia. ME. S7 MEMORIAS, QUE SE CONTÉM NA I. PARTE DESTE OITAVO TOMO. Historia. D. ISCURSO Hiitorico recitado na Sessilo publica de 34 de Junho de 1821, pelo Vice-Secrctaiio Francis- co Villcla Barbosa. --------- Pag. l Discurso Histórico acerca dos trabalhos da histituiçao vac- cinica tia Sessão publica de 2^ de Junho de 1821 , por Francisco Elias Rodrigues da Silveira. - - - xix Discurso recitado no Paço de Õuehi:^ perante ElRei o Se- nhor D. João VI., em 9 de Julho de 1821 , por oc~ casião do seu feliz regresso ao Reino de Portugal , pe- lo Vice-Secretario Francisco Villcla Barbosa. - - xxxv Discurso recitado no Paço de Oticluz perante o Sereníssi- mo Senhor Infante D. Miguel, Presidente da Academia , em z7 de Julho de 1821 , por oc casião da sua che- gada ao Reiuo de Portugal, pelo Vice-Secretario Francisco Villcla Barbosa. ------- xxxvii Progravwia da Academia Real das Sciencias de Lisboa , anmmciado na Sessão publica de 24 de Junho de 1822. xxxix Lista dos Sócios da Academia Real das Sciencias. - - xlv Relação dos Membros, e Correspondentes da Instituição .^ Vaccinica da Academia Real das Sciencias. - - - ^clOS- L i'- Memorias dos Sócios. Memoria histórica e critica acerca de Fr. Luiz de Soiza, e das suas Obras .f por D. Francisco Alexandre Lo- bo , Bispo de Viseu, ---------- 1 Tom. FIIL Part. L H Re- 5» Inpice, Reflexões e observações prévias para a escolha do melhor sjstetna de Ortlíografia 'Portuguesa : e deãuccão dos seus princípios capitães. Auctor Rodrigo Ferreira da Costa. -------------- J02 Memoria breve de D. Jorge da Costa, Cardinl de Lis- boa , do Titulo de S. Marcelliiio e de S. Fedro , ou como outros chamavao o Cardial de Portugal , e vul- garnrente o Cardial de Alpedrinha , produzindo-se hum dos raros Documentos originacs do mesmo Cardial de muita erudição e Sentenças , por Francisco Nunes Francklin. ------------- 15- 1 Exame critico das primeiras cinco Edições dos Lusiadas , por Sebastião Francisco de Mendo Trigoso. - - 167 Memoria em que se per tende dar a solução do Program- ma de Astronomia proposto pela Academia Real das Scictuias em 24 ^e Junho de 1820 , por Matthcus Va- lente do Couto. -----------3lj Memoria sobre a Lei das Sesmarias, por Francisco Ma- noel Trigoso d' Aragão Morato. - - - - - - 223 Observações feitas no Observatório da Marinha de Lisboa por Paulo José Maria Ciera, e coinmunicadas d Aca^ demia Real das Sciencias pelo Director do dito Obser- vatório Mattheus Valente do Couto, - - - - 23 J" Memorias dos Correspondentes. Memoria do começo , progressos , e decadência da Litte- ratura Grega em Portugal desde o estabelecimento da Monarchia até ao reinado do Senhor D. José L. , por Fr. Fortunato de S. Boaventura. ------ 1 CA- CATALOGO Dar Obras impressa t , e viaudadas publicar pela Academia Real das ^'ciências de Ltsboa ; com os preços , por que cada uma delias se zeitde brochada. I. DReves Instrucçoes aos Correspondentes da Academia sobro as remessas dos prodiictos naturaes, para formar um Museu l^ac\ona\ , folheto em 8.° -------- 120 II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite em Portugal , remcttidas a Academia por João António Dalla Bella, Sócio da mesma, i vol. em 4.°- - ^80 III. Memorias sobre a cultura das oliveiras em Portugal, peio mesmo. Segunda Edição accrescentada pelo Sócio Se- bastião Francisco de Mendo Trigoso , i vol. em 4, ° - - 480 IV. Memorias de Agricultura premiadas pela Academia , 2 vol. em 8.° -----a-.. ^8q V. Pa«chalis Josephi Melli Freirii , Historiae Júris Civilis Lusitani Liber singularis , i vol. em 4.° - - . - - - ^^q VI. Ejusdem Institutioncs Júris Civilis et Criminalis Lusita- ni , 5 vol. cm4. ^ 2400 VII. Osmia , Tragedia coroada pela Academia , folheto em 4. " 240 VIII. Vida do Infante D. Duarte, por André de Rezende, folheto cm 4.°--* ----.. j^q IX. Vestigios da Lingoa Arábica em Portugal, ou Lexicon Etymologico das palavras, e nomes Portuguezes, que tem origem arábica , composto por ordem da Academia , por Fr. João de Sousa, i vol, em 4.° -.--.-. ^8q X. Dominici Vandelli Viridariíim Grysley Lusitanicum Lin- naeanis nominibus illustratum , I vol. em 8.° - . - _ 200 XI. Ephemerides Náuticas , ou Diário Astronómico para os annos de 1789 até 1798 inclusivamente , calculado para o Meridiano de Lisboa, e publicado por ordem da Academia : para cada anno i vol. em 4.°--------- 3^3 O mesmo para o anno de 1823. --------- ^60 XII. Memorias Económicas da Academia Real dasSciencias de Lisboa , para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Industria em Portugal, e suas Conquistas, j" voJ. em 4.° 4000 H 2 XIII. Catalogo. XIII. Collecçao de Livros inéditos de Historia Portugucza , desde o Reinado do Senhor Rei D. Diniz, até o do Se- nhor Rei D. João II., 4 vol. cm folio ...... 7200 XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparentes, man- dados recopilar por ordem da Academia ./o/wf/o cm 8.° gr. XV. Tratado de Ediícaçiío Fysica para uso da Nação Por- tugucza, publicado por ordem da Academia Real das Scien- cias, por Francisco de Mello Franco, i vol. cm 4." - - 3ÍJ0 XVI. Documentos Arábicos da Historia Portugueza , copia- dos dos originaes da Torre do Tombo com permissão de S. Magestade, e vertidos em Portuguez, de ordem da Aca- demia , por Fr. João de Sousa , i vol. em 4.° - - - - 480 XVII. Observações sobre as principaes causas da decadên- cia dos Portuguezes na Ásia , escritas por Diogo de Couto em forma de Dialogo , com o titulo de Soldado Pratico , publicadas por ordem da Academia Real dasSciencias, por António Caetano do Amaral , Sócio efFectivo da mesma , r f tom, em 8.° -- 480 XVIII. Flora Cochinchinensis, sintcns Plantas in Regno Co- ' chindiiniae nascentes, Qiiibus acccdunt aliae observatae in Sinensi Império , Africa Orientali , Indiaeque locis variis ; labore ac studio Joannis de Loureiro, Regiac Scientiarum Academiae L^lyssiponensis Socii : Jussu Academiae in lucem ' edita, 2 vol. em 4.° niai. • 2400 XIX. Synopsis Chronologica de Subsídios, ainda os mais ra- ' ros,para a Historia, e estudo critico da Legislação Por- tugueza ; mand.ida publicar pela Academia Real das Scien- ' cias, e ordenada por José Anastasio de Figueiredo, Cor- respondente do numero da mesma Academia, 2 vol. de 4.° 1800 XX. Tratado de Educação Fysica para upo da Nação Por- tugueza, publicado por ordem da Academia Real das Scien- '' cias, por Francisco José de Almeida , i vol. em 4,° - - 360 XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha, pu- ' blicadas de ordem da Academia , i vol, em 8. ° - - - Cco XXII. Advertências sobre os abusos, c legitimo uso das Agoas mineraes das Caldas da Rainha, publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias, por Francisco Tavares, Só- cio Livre da mesma Academia , /ú/Aí/ :>a<>:>c><>c>c><>oooooc><>30oooo<>ooo><>ooc>o< ?: ^ joo<>;>c>o<>;xx>c><>ooo<>o<>ooooc jf MEMORIAS D A ACADEiAIIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. MEMORIA HISTÓRICA E CRITICA A cerca de Fr. Luiz de Soiza e das suas Obrasé Por Francisco Alexandre Lobo. D, 'eve o amor da verdade vencer, nas opportunas occa- ziòcs , a natural e por isso desculpável repugnância , que temos todos á confissão das faltas próprias ou , o que hc o mesmo, das faltas da Pátria. Eu a venço pois, fazendo- me não pequena força , para declarar que a Literatura Por- tugucza nos dois Séculos XVII. e XVIII. , sendo muito abundante de escritos , foi com tudo pobre de monumentos de engenho , que nos possão instruir e honrar {a). São de Tovi. FUI. Part. I. A to- (a) Desde o principio tio Scculo XVII. até meado do S Fr. Luiz de Soiza segue piiucipal incute Wicoláo Autouio. —^ • i 6 "Memorias da Academia Real Portuguczcs. Diogo Barboza Machado não acrescenta mui- to (a) ao que referirão os nossos Escritores Dominicos. Os Dominicos Fr. José da Natividade , e Fr. Lucas de Santa Catharina (b) pouco mais fazem do que seguir á risca o que escrcveo no Prologo da segunda Parte da Chronica , quando pela primeira vez a dco á luz , Fr. António da En- carnação: c este ultimo, se no tocante a Fr. Luiz de Soi- za he muito succinto , no tocante a Manoel de Soiza Coi- tinho ainda satisfas menos a nossa curiosidade, (c) Fr. Pe- dro Monteiro outro Dominico , Francisco de Santa Maria, e D. António Caetano de Soiza tocão muito de passagem a historia d'este homem illustre ; {d) o Theatro Literário Lu- Ântonio Touron, também Dominico Fmuccz nascido em iUSG. e falle- cido em 1775, compoz entre outras obras — Historia dos homens illus- tres da sua Ordem. Pariz 17-15. 6. vol. 4.° zz No vol. V. pag. 147. (.se- guintes toca a historia de Fr. Luiz de Soiza. — A Bibliolhéca Ilespa- iiliola de Nicoláo António he muito conhecida e muito digna de o ser. ]Não escapou a este labóriozo e exacto Bibliothecario huma breve noticia enterrada no Agiologio de Jorge Cardozo , de que se lallará em seu (a) Mas acreceiíta, e até aponta copiada formalmente a carta por- que Francisco de Lucena mandou, da parte do Governo, pedir a Fr. Luiz de Soiza a Historia d^ElRei D. Joào IH. A carta he datada de 9. de Janeiro de 1632 ; e a copia tem agora mais preço por ser perdido o originaL , , ^ . , r /-. (i) Fr. José da Natividade natural de Lisboa , professo no Conven- to de Azeitão cm Novembro de 1727, acrccentou o Agiologio Domini- co e nVlIe escreveo a liistoria de Fr. Luiz de Soiza ao dia 11. de Maio tomo Vi. pag. 336 e seg. — Fr. Lucas de Santa Catharina natural de Lisboa, professou em Beuifica em 1680, e fallecco em 1740. Foi Aca- démico da Academia Real da Historia, e escreveo a Parte IV. da His- toria de S. Domingos em Portugal. Vej. ib. L. 1. C. 24. (c) Fr. António da Encarnação natural de Évora, professou no Con- vento de S. Domingos i!a sua Pátria. Passando á índia, n^ella ensinou e foi Prezentado cm Theologia.em 1630. Voltou ao Reino , foi Deputa- do da Jnquizição em Évora e cm Lisboa , Prior de Bemíica onde vive- ra Fr Luiz de Soiza, e Vigário das Freiras do Sacramento , onde vivera Sór fliagdairna das Chagas. 'Morreo no Convento de S. Domingos de Lis- boa cm Outubro de 1665. (cl) Veia-se o Claustro Dominicano tom. IJI. pag. 286. , Anno Histó- rico tom. il. a 5. de Maio, e a Historia Genealógica da Caza Real Por- tugueza tom. X. pag. 802. , e tom. XIL pag. 360. DAsSciENciASDE Lisboa. ^ Luzitano de João Soares de Brito não pude ver ; (a) mas he bem de suppôr que não contem mais noticias que as que dá Diogo Barboza que o vio. Nas próprias obras do nosso Historiador apura-se até certo gráo a historia literá- ria d'ellas , mas pouco se acha que possa pertencer á do Autor ; e isso mesmo se torna embaraçado por ser em vá- rios cazps duvidozo se ha de ser referido a Fr. Luiz Ca- cegas , se a Fr. Luiz de Soiza ; pois que ambos tem n'ellas parte quazi por igual , e em alguns lugares he quazi for- çado entender antes o aparelhador do edificio do que o ar- chitccro. {b) F.sperei achar outros moios de informação na Livraria e Cartório de Bemfica , onde Fr. Luiz de Soiza protessou e onde viveo pelo largo espaço de dezenove an- nos ; mas hum incêndio que os destruio ha pouco tempo, c de que vim a saber quando me dispunha a examinallos, me cortou roda a esperança. Na Congregação dos Domi- nicos , por ultimo , não se conservão , segundo o que al- cansei de alguns d'elles mais abalizados por esrudo e em- pregos , informações mais miúdas e claras ; e até me dou a crer. pelo que infiro dos relatórios de Fr. António da En- carnação , de Fr. Lucas , e de Fr. Pedro Monteiro , que nun- (n) rr O Visconde de Villa Nova da Orveira Thomaz Telles da Silva fez tinir em Pariz , diz Barhoza, liuiiia Copia do Theatro Literário Lu- zitano zr \ io e servio-se o mesmo Barboza d''esta Copia , segundo eon- feasa. RUis pondo eu alguma deligencia em saber se ainda se conserva na Livraria do Exeellentissimo Marquez de Ponte de Lima, me respon- de© ultimameuXe o Amigo entendido e honrado, aquém incumbi a ave- riguação , que não achara dV-lla noticia. (b) O que se lô por exemplo, na Vida do Arcebispo L. l. c. 1." rz Corremos pessoalmente todas as terras de Entre Doiro e Minho , &c. ::: refere-se a Fr. Luiz Cflcegas , e não a Fr. Luiz de Soiza; e igualmcn. te o que se lê na Chron. P. L L. I. C. 18. rr Passando quem isto escre- via a Roma, no anno de 1571. vio, &c. r: Ao contrario refere-se a Fr. Luiz de Soiza , e não a Fr. Luiz Cacegas , o que se lê na mesma P. l. L. I. da Chron. C. 14. =: Por nossos olhos o vimos em Argel. &c. ■=: Fr. Luiz de Soiza esqueceo-se n^este ponto da clareza e distincçao que tanto prezava , e de cuja falta nos outros se queixa por varias vezes. 8 Memorias da Academia Real nunca as houve, (a) Ccdco aqui a Religião de S. Domin- gos cm Portugal , aquellc descuido que Fr. Luiz de Soi- za tanro e tantas vezes estranha nos seus Maiores: sendo de esperar mai; curiosidade e millior averiguação da parte dos três Dominicos ultimamente nomeados ; pois que to- dos fazião muito cazo dos escritos.. de Fr. Luiz de Soiza , e da honra que com elles grangeou a sua Provincia , e que hum d'elles foi contemporâneo do nosso Historiador, e os outros dois forão homens aplicados c indagadores , que po- derão valer-se a tempo da Livraria c Archivo de Bemfica, Somos pois obrigados a usar d'esse pouco que os mais antigos nos deixarão, e que se pode colligir dos escritos de Fr. Luiz de Soiza. He necessário porem , que para os ex- plicar , e maiormente para suprir no que he de mais im- portância o com que faltarão , empreguemos conjectura. Ainda na prezcnça de abundantes documentos o historiador he forçado a lançar mão de conjectura ; porque rams ve- zes são elles tão sufficientes e tão claros , que não deixem occazião para adivinhar ou o que ommitirão, ou o que de- clarão imperfeitamente. E se o historiador perciza sempre de sizuda diligencia cm examinar , não preciza menos em todo o caso de penetração discreta , ou para prender o fio histórico que acha cortado , ou para dezc.npeçar perplexi- dades, ou para compor differcnças, e talvez contradicçoes. Podem com tudo ficar certos os no.ssos Leitores , de que nem porisso seremos , por me servir das formaes palavras de Fr. Luiz de Soiza, atrevidos tio contar. Estamos bem ca- pacitados de que a principal valia da Historia consiste na vcrd;'.de dos succcssos referidos ; e nem a paixão , nem a propensão própria nos podem aqui levar a relações desti- tuidas de bom fundamento. Quando conjecturarmos , apon- taremos as razões com que o fizemos , e os Leitores pode- rão (a) Porque se as houvesse, não poderino elles i^^nor.illas ; e ião .;s ignorando seriáo, particularmente Fr. António da Knc.irnação, e Fr. Lucas de bauta Calharlua, mais largos, e mais seguros no que referem. DAS SciENCIAS DE LiSBOAi 5 rão njuizar da sua força, ou fraqueza-, c assim como nunca exporemos factos sem indicar o fundamento histórico, assim nunca offcrcccremos conjectura sem advertir por hum ou por outro modo , que a não pretendemos vender por mais do seu justo valor. Com tão sincera declaração dos nossos meios e rezol uçdes , parece-nos que temos merecido a confiança dos Leitores ; a qual poremos muito cuidado em conservar no decurso d'csrc trabalho, a que vamos já dar principio, por entendermos que não he necessário mais dilatado pre- ludio. Entre os Portuguezes de muito valor, srandes servi- ços e ainda maior respeito, que creou a formoza e luzida idade que chamamos de quinhentos, foi notável Lopo de Soiza Coitinho, natural de Santarém, Filho de Fernão Coi- tinho e Bisneto do segundo Conde de Marialva D. Gonça- lo Coitinho. {a) Na idade de dezoito annos {U) se embar- cou de Lisboa para a índia ; e ali sérvio em tempo do Governador Nuno da Cunha, nas emprezas militares de mar e terra , com tanta honra e fama , que em voltando ao Rei- no , ElRei D. João in. o reccbeo com distintas mostras de estimação, e o mandou por Governador do Castello da ^!ina. Acabado este Governo , em que se houve com mui- to zelo e dezintercsse , veio outra vez para Portugal , e en- tão , porque a morte de seu Irmão mais velho Ruy Lopes Coitinho o metera em posse da principal herança de seus Pais, cazou com huma Dnma da Rainha Dona Gatharina , por nome D. Maria de Noronha , (r) de quem teve nu- Tcm. VIU. Pnrt. I. B me- (o) Dona Joaniia Coitinho, i, concorrendo agora com as boas dispozições do nosso Historiador e com o dezalento , que nas pessoas de maior generozidade cauzou , para outros pro- je- (a) zz Ad Horatianam laudem proxime acccssit rz são .ns formaes palavras de Miccláo António, a que coirespoude fielnienle a versão r: pouco menos que igualcu. zz (b) Conveni , audivi , amavi .... Utraqiie ille officii , et patris, et magistri indulgrntissiiné jjraístitit. Inter alia Arttin Foeticaiu Horatii irihi seíiulo explanavit, (adcmque ipsa scholia dictavit, qese his li- bris &c. =: Vcja-se o i'rolo^o ciudo. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. ZJ jectos que não fossem os de vida retirada c escura, a ruí- na da Pátria succedida por aquelle tempo , o inflamarão mui- to mais no amor dos estudos , em que podia achar occu- pação horvesta , e a consolação única que admittião os nos- sos infortúnios, {a) Com estas idéas se determinou a pas- sar a Portugal logo depois do anno de ij??, {b) e a to- mar parte nos luctos e dezamparos da sua Nação e Famí- lia , ambas consternadas com a dôr de tamanhos damnos prezentes e com os justos receios ainda de pior futuro, (c) E entrando com eíícito em Portugal , n'elle perslstio sem mudança alguma de estado, atò que entre 15-84, e ifSÓ, se me não engana a ponderação de alguns indícios histó- ricos, {d) veio a cazar com D. Magdalena de Vilhena. D íi D. («) Do citado Prologo se confirma o eíTeito que cauzarão era Ma- noel de Soiza as conversações com Jaime Falcão: bera que ahi mesmo se diz elle quazi esquecido , nV sst- tempo , das Muzas , e pouco ardente para o seu commercio. — Ad studia Literarum pene jam Musarum obli- tura excitavit, languoiitem ad Poesim inipulit. =: (A) Entrando em Valença em J577, e demorando-se ahi dois annos, devia sahir quando mais cedo em 1579 — duobus anuis ut patré colui, Ut iiiagistrura vcncratus sum. =: Prologo citado. (c) Pelo que respeita á Família de Manoel de Soiza, seu Irmão mais velho Kuj Lopes (Joitinho diz Bíuboza, no artigo de seu Pai, que se achou na batalha de Alcácer e devia passar j)elos incommodos que são de suppór (menos a morte por que Manoel de Soiza na Chronica Part. II. Liv. VI. Cap. 3. attesta que vivia e estava no Reino em 1580) mas que não acho na historia particularizados: e do outro Irmão Lopo de Soiza Coitinho diz a Historia Genealógica Tom. XII. y.58. que fico^ cativo. (d) Nascendo Manoel de Soiza Coitinho, segundo a nossa suppozição em 1555, devia completar trinta a trinfei e hum aunos entre 1584, e 158G ; e he de prezumir que não cazasse em idade mais adiantada. Por outro lado Fr. António da Encarnação no Prologo á Part. II. da Chro- nica diz D. Magdakna viuva de poucos annos de D. João de Portugal: se nisto quiz dizer que tiulia poucos de idade, devia ter no de 1578 vinte e dois e no espaço que digo devia completar trinta, que he o mais que á vista de tal dito se lhe pôde attribuir; e se quiz dizer, o que jul-o mais provável , que tinha poucos de viuvez, não deviào passar Ue sei» ou oito, que SC cumprirão em 1584 e lóSti. a8 Memorias da Academia Real X>. ALigdalena de Vilhena foi Filha herdeira de Francis- co de S :)iza Tavares , (a) Capitão mór do mar da índia e das Fortalezas de Cananor v. Dio , e de suli Mulher I). Marm da Silva. CazaVa D. Mngdalena em primeiras núp- cias com D. João de Portugal Neto do primeiro Conde de Vimiozo e Filho u'aquel!e D. Manoel de Portugal, a quem diricio a Ode VII. Luiz de Camões, c de D. Maria de Mi.nezes Filha de D. Henrique de Menezes Commcndador de Idanha a Velha , Governador da Caza do Civel e Em- baixador a Roma. Teve de D. João de Portugal hum Fi- lho e duas Filhas. O Filho morreo moço antes de cazar ; huma das Filhas cazou com D. Pedro de Menezes Neto do primeiro Conde de Linhares , e não teve successão ; c a outra , por nome D. Joanna de Portugal , cazou com D. Lopo de Almeida, (b) O tempo , que costuma fazer nas gerações e Famílias misturas tão naturaes e com tudo tão curiozas, veio depois a unir a descendência de D.João de Portugal e D. Magdalena de Vilhena com o principal ra- ino da Família de Manoel de Soiza Coitinho; porque D. Diogo Fernandes de Almeida , Neto de D. Lopo de Al- meida c pela Mulher d'este Bisneto de D. Magdalena de Vi- (a) Francisco de Soiza Tavares foi F^ilho de Gonçalo Tavares segun- do Senhor de Mira e D. Catharina de Castro F'illia de Diogo Lopes de Soiza Mordomo niór dTílRei D. Atfonso V. e Alcaide mór de Arron- cti.-s. Por ultimo tomou 1'Vaiieisco de Soiza Tavares o habito da Provin- cia da Piedade e fallccco no Convento de Santo António de Aveiro. V,ja-se Barl)oza na JBibliothéea Luzitaua , e a Historia Genealógica da Ciza Real Portngueza Tom. XII. Part I. pag. '2^>:i. (&) D. liOpo.dc Almeida foi P;ii de D. João de Almeida o formo- zo, e este Pai de D. Pcdr.) de Almiida o 1." (onde de Assumar por Car- ta de 11 de Abrjl de 1U77. Historia Genealógica Tom. X. 804. seqq. D A S S C 1 K N C; I A S DE L 1 5 b O A. 2 0 Vilhena , cazou com D. Joanna Thcrcza Coiíinho , Filha de Francisco de Soiza Coitinho , (a) e por ellc Neta de Gonçalo Vaz Coitinho, o terceiro entre os Irmãos do nosso Historiador , que por acabarem sem successáo os dois mais veliios ficou, como já tocámos, Senhor da caza de seu Pai Lopo de Soiza Ccirinho. D. João dç Portugal , que com seu Pai , com seu Tio o segundo Conde de Vimiozo , q com seu Primo Filho d'esre c hum dos heroes da lealdade Portugueza D. Francisco de Portugal , (b) acompanhou El- Rei D, Sebastião ni jornada de Africa, ficou n'ella mor- to , ou extraviado mas na opinião de m';rto ; e sua Mulher D. Magdalena de Vilhena, se realmente o não era, repu- tavn-se de muito boa fé em plena liberdade para contrahir segundo matrimonio. Se era ainda vivo o Filho que D. Alag- dalcna houvera de D.João de Portugal, {c) não parece que o matrimonio com ella traria grandes commodos c conve- niências a qunlquer Cavalheiro de igual nobreza, com di- reitos a hum mais solido e bem assentado estabelecimento; porque se bem era herdeira e como tal administrava a caza transmitida por seus P.iis, seu Filho devia com grande pro- babilidade excluir da successío os de outro leito. He ver- dade que este obstáculo podia desvaiieccr-se e talvez, se desr vanecco ; mas era o mns natural que perseverasse , e em quanto durava dLvia nbrigir a grande reparo. Mas ou quç as convenienci.^.s tossem realmente, maiores do que agora pa- re- I I I I I J . H I II (rt) Eiiviailo a Hollonda e Fi-ança ^epois da revolução c!c Iti-iO , e Embaixador a lionua, Alcaide mór rie Souzcl , Conselheiro de Estado e iioiinado Governador do Brazil íiillrcfo eiu 'J.2 de .lunlio de IGfíO. (b) Coní cfleito foi heróico o rroriy porque este gríHide l'ortu^ii£z se houve em seguir as partes do Friór do (.'rato por morte do Laríieal Rei; e na persuaz.ío certamente, de que assim o requeria a lealdade ^ Pátria, ás suas Leis e interesses. Veja-bc a íiibliothcea Lusitana no arti- o de D. Francisco de Portugal n." 11. e l-aria e boiza Europa Toiji, III. 'art. I. Cap. 4. ' png. 95. ... (t) Parece provável que o não fosse, laas não pçtsso i^ffiruj^r ou ne- gar. D. António Caetano de Soiza aflirma que moxreo em (J^eutia de hum dczastre, uias uão diz em que anuo. i; jo Memorias da Academia Real recém, ou que Manoel de Soiza se determinasse antes por qualidades da Senhora do que por conveniências de outro género, he certo que se rezolveo c eiFeituou entre ambos cazamento , cujos laços nao foráo dczatadus pela morte , mas por huma resolução fóra do commum , de que não pu- derâo os mais antigos , nem podemos nós indicar com in- teira certeza os motivos verdadeiros, (a) Nao devo encubrir aos Leitores, para que facão mais seguro juizo da minha sinceridade e milhor conceito das ra- zões porque me determino em aífirmar ou suspeitar, a dif- ferença que a narração de outros faz d'esta minha sobre alguns dos successos referidos ou sobre as suas circlinstan cias. Todos elles , se tirarmos Diogo Barboza , insinuao mais ou menos claramente que a viagem ou viagens a am- bas as índias precederão ao cazamento com D. Magdalena de Vilhena: mas á cerca d'esta diíFcrença, nada me resta que acrescentar ás ponderações que deixo feitas c de que ain- da agora me não descontento. Francisco de Santa Maria (Z>) não só antepõe ao cazamento as viagens ás índias , mas até lhe antepõe o incêndio da sua caza de Almada , cu- ja época foi quazi de certo o anno de 15:99; mas alem de que me parece retardar muito o successo do cazamento e nisto se afasta dos outros documentos , acrece que este Es- critor suppõe que Manoel de Soiza Coitinho desde o ca- zamento não sahio mais do Reino , o que he por certo fal- so *, pois que em huma das compoziçõcs Latinas se diz auzente da Pátria , da Mulher e Filha , com grande enca- recimento da distancia que d'ellas o separava, (c) António Tou- (a) Veja-se o que dizemos adiante k cerca do divorcio, em conse- quência do qual se recolherão Manoel de Soiza para o Convento de Bcm- fica e D. Magdalena para o do Sacramento. (b) Vcja-se o Anno iiistorico Tom. II. a 5 de Maio. (c) Quin et curarum fiuctu contiiudor acerbo Dum procul a pátria totó jam dividor orbe Et subeunt conjux , et nata dulcis imago. Navigatio Antartica. I oAsSciENCiASUti Lisboa, 31 Touron â\7, que desde o cativeiro àc Argel não tornou ^ Portugal scníio muitos aniios depois da batalha de Alcácer; que D. Magdalcna de Vilhena repugnou hirgo tempo ao míitrimonio pcitendido por Manoel dt Soiza , e que pas- sados mais de dez annos depois da prin^ira nova da mor- te de D. João de I'ortugal , he que , seguindo os conse- lhos dos seus próprios parentes , veio a condescender com a pertenção. Ignoro porém em que se funda o relatório d'ct>- te listrangeiro aliás diverso do de todos os Pottuguezes , e até do de Echaid e Nicoláo António , os quaes , como Jhe era mais natural e mais fácil , seguio no tocante a Ma- noel de Soiza. Não me parece per tanto que estas diíFe- renç.is sejão bastantes para me desviír do rumo que tenho tomado; e que tenho tomado, não a mero arbítrio meu, que mal pudera ser recebido na historia , mas pelas razões mais ou menos substanciaes que ficão expendidas. Manoel de Soiza Coitinho depois que cazou , permaiieceo em Alma- da , onde era como diz Barboza , (a) Coronel de setecen- tas infantes e cem cavallos , occupndo no governo do cor- po militar que tinha a seu cargo , no meneo da sua caza e Família , e na cultura das letras humanas ; que á vis- ta do que sabemos da sua indole e avultados progressos , nã') podemos deixar de crer que foi, entre todos es empre- gos de tempo, o com que elle lidava e se recreava muito de prefL-rencia. A quietação porem e honesto contentamen- to que aqui desfrutava veio depois perturbar hum estranho successo , que o obrigou a deixar a Faoiilia c Pátria , e a ir peregrinar cm remeto desterro. Filippe II. no anno de 1583 havia deixado por Go- vernador do Reino o Arquicuquo Alberto , a quom ajuda- vão o Arcebispo de Lisboa D. Jorge de Almeida e Pedro de (n) rr Alinaclnc in Lusitânia agebam. (diz clle mesmo no citado Pro- logo) Viti erat curis lilKia et peiíc lusticaiia, prfeter-.juaiii quod praefe- cUirain inibi imposuerat JHex septingentorum pedilUm , equitum ferine ceiítum &.C. = 32 Memorias da Academia Real de Alcáçova , servindo de Secretario Miguel de Moira já então elevado ao officio de Escrivão da Puridade. M;is cni 1594 chamou o Arquiduque a Madrid para o prover no Ar- cebispado de Toledo, que vagara de fresco; e nomeou Go« vcrnadores de Portugal o novo Arcebispo de Lisboa D. Mi- guel de Castro, os Condes de Portalegre, de Santa Cruz e do Sabugal , c o mesmo Miguel de Moira. Governado- res, que sim erao naturacs mas governavão em nome de hum Rei que não era natural , ainda quando não abn/as- scm da sua autlioridade , tcriao muitos motivos e occaziõcs de se tornarem pouco agradáveis ao todo cu parte dos seus compatriotas: quanto' mais que hc muito de suppôr da fra- queza humana, do orgulho e insolência ce que mal se de- fendem os podcrozos, c da ambição pouco menos que in- vcncivel , que havia de levar os Governadores a servirem bem aos intentos de Castclla , que no comportamento ou de todos ou de alguns d'clles , houvesse certo desvio do favor que deviâo aos seus Portuguezes , e da escrupuloza attenção e fino amor que devião á Pátria. Taes circunstan- cias são na verdade muito criticas; e na sua prezença não aspira a mais o Cidadão ponderado , que ao retiro quieto e obscuro ; e só muito obrigado ou da força incontrasravel da tyrania , ou da mais bem fundada esperança de ser alta- mente útil aos seus , he que se arroja no meio das ondas civis; e então mesmo não o faz sem advertir na possibili- dade do naufrágio, mas todavia bizarramente rezoluto a pe- recer n'clle como victima honrada de huma cauza glorio- za. (a) Aquelle ou aquelles Cidadãos , ao contrario , que sem o impulso de iguacs motivos acceitão ou requerem man- dos e reprezentações cm crizes similhantes , carecem por certo de ponderação ; e de Governadores cm que falta pon- dc- (a) Non ille pro caris amicis , Aut pátria timidus pcrirc. Diz na sua adjuiravel brevidade Horácio na Od. IX. do I,iv. IV. ad LoUium. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. ^J dcMção , bem se podem recear negligencias , erros e até malicias. Eu não posso affirmar em qu.il d'estcs cazos esta- váo os Governadores do nosso Reino que succederao ao Ar- quiduque , porque em tamanha escuridade da historia o não pudera affirmar sem temeridade. Porem como quer que fos- se, Francisco do Santa Maria dá testemunho de ter havido encontro, ou encontros, entre clles e Manoel de Soiza Coi- tinho: e ainda antes de cu ler o que este ultimo diz no sou Prologo a Falcão , (a) mesmo reputando singular o tes- temunho de Francisco de Santa Maria, sempre propendi pa- ra llic dar credito, em razão da sua grande verosimilhan- ça. O procedimento seguinte de Manoel de Soiza foi tão impetuozo , que em hum Fidalgo bem educado e discreto , mal se pode explicar sem lhe suppormos indispozição ou exasperação antecedente de animo: se já não he que a im- paciência habitual do jugo estranho serve nos peitos nobres de estimulo continuo para romper, ate com certa demazia, contra todos os ministros da oppressão. Por fallecimento do Cardeal Rei , quando a intriga e armas de Filippe II. luctavão contra o direito milhor, mas menos poderozo , o commum , ou mais exactamente o ge- ral do Reino era dezinclinado a Filippe , inferior na razão de succeder, inferior por estrangeiro, e mais inferior ainda por estrangeiro de caracter muito pouco popular. Não fal- tarão todavia Portuguezes, huns por temor, outros por am- bição, outros por indifferença muito absurda aos proveitos da Pátria , e todos por degeneração e cobardia , que não duvidarão acccitallo , e até favorecerão por modo vergonho- zo as suas pretcnçóes. Na Memoria dos que se renderão a Tom. rui. Part. I. E p ro- ía) . . =: meãs (/Edes) etiani sibi postulant: quro postulatio ÍDÍqui plena impcrii contra morem patrium , et niaiorum iustitiita, regiiin que leges mitissimas satis indicahat, nova illos veteris in me ofleiís.T recor- dationc , jamdiu coinprcssum odii vinis opportuné evomero, iiequaquã in memoriam revocantes, dedeccre Priíicipes viros , quaks ii essent, iu privatain vindictanj potentiâ publici magistratus abiiti. = 34 Memorias da Academia Real promessas traz Manoel de Faria apontado hum Ruy Lopes Coitinho , que supponho ser o Irmão mais velho do nosso Historiador, {a) Se he como parece , somos obrigados a ad- mittir, com lastima, este labéo na descendência de Lopo de Soiza Coitinho , e a confessar que muito desdisse do de- zinteresse e dignidade de hnm Pai tão illustre, e muito des- prezou as lições da primeira idade o seu mesmo primogé- nito. Com tudo , á vista da magoa profunda com que Ma- noel de Soiza Coitinho falia da fatal jornada de Africa em tantos lugares , e do patriótico enthusiasmo de que a ca- da passo nos offerece argumentos , (b) he muito de prezu- mir que o contagio nem tocou levemente o seu delicado pundonor. He certo que poucos d'esses mesmos cobardes deixarão , como he costume , de se arrepender depois , quan- do virão as promessas sem cumprimento , a Pátria tyrani- zada , c o Rei estranho logrando a obra , esquecidos , se- não quebrados com desprezo , os mesmos instrumentos. Mas não temos razão alguma para julgar que Manoel de Soiza entrou no numero de taes arrependidos ; antes tudo se cons- pira para o reputarmos desde o primeiro momento ferido no intimo do coração pelos públicos dezastres , e indigna- do (a) Este Ruy Lopes Coitinho devia ser pessoa de alguma importân- cia, e não tenho noticia de outro tal, senão do Avó e innão mais ve- lho de Lopo de Soiza Coitinho , e do Irmão mais velho de Manoel de Soiza Coitinho ; e be bera claro que Faria e Soiza não podia fallar ali de qualquer dos dois primeiros. Veja-se Faria e Soiza Europa Tom. 111. Part. í. C. 2. pag. 119. 120., onde vem a lista dos que receberão cédu- las de Christovão de Moira , para favorecerem as pretenções de Fili- pe IJ. a respeito de Portugal. (è) Parece escuzado apontar lugares que o Leitor mais superficial das Obras de Fr. Luiz de Soiza pode encontrar e notar com grande fre- queucia: Veja-se com tudo, como argumento de quanto elle amava este Reino, a P. ii da Chron. 1. ii c. vii. , onde diz it sacrifício não pequeno, pelo excesso com que todos amamos este ?iosso torrão ; n e como argu- mento do conceito alto c veneração, com que olhava para os antigos Príncipes de Portugal , o que no Prologo ás Obras de Jaime Falcão se aventura a dirigir a Filip))e iii. chamando-lhe u Regem influlgentia in nostros , o^quitate iu ouiiies Lusitauorum Regum vera successorem ii DAS SciENClAS UE LiSBOA. JJ" do contra o jugo tão torpe como opressivo , e pronto a sacudillo ou arremessallo da cerviz generoza com varonil re- zolução. E ou por esta impaciência de jugo, como hiamos dizendo, e contínuo estimulo que ella traz comsigo , ou pelo encontro antecedente a que Francisco de Santa Maria refere este succcsso, Manoel de Soiza rompeo em hum acto de vigor, que de força havemos de ter por mais arrojado do que discreto. Sentio-sc peste em Lisboa no anno de ij^p. (a) Os Governadores do Reino procurarão ares livres, e rezolverão passar-se a Almada e apozentar na caza de Ma- noel de Soiza. (b) Barboza parece dizer que clle a occupa- va, e que os Governadores qui/erão lançallo d'ella com vio- lência ; (c) Francisco de Santa Maria não deixa de fallar em violência , posto que não falle na expulsão de seu dono. O certo he que não podendo de outro modo atalhar a tenção dos Governadores, e vendo baldadas as suas justas reprezen- taçôcs e diligencias , se determinou a pôr-lhe fogo e a dei- xalla consumir de todo: {d) com hum brio, que se bem passou os limites do devido respeito e até os da prudência, E ii of- (a) A peste prineipiou por fins de Outubro de 1598 , aquietou por fins de Agosto de 1599, mas no Outubro seguinte começarão a picar ou- tra vez i-el/ates : não acabando de levantar de todo até Fe.vere.iro de 1602. Veja-se a Clironiea de S. Domingos Part. III. Liv. VI. Cap. 10. (i) iz: AlFuerunt Gubernatorcs Regui curiani Almadam transferen- tes , ;edes opj>idi sibi in hospitium destribuunt. Cum plures nec in- commodse superessent , ineas etiani sibi postulant =: Veja-se o Prolo- go dito. (f) As palavras de Manoel de Soiza allegadas na nota (o) da pag, 33. zr rcquizição iniqua , contra o costume pátrio , instituições antigas , e Leis Regias, rr provão a perteução violenta da expulsão de seu do- no. Quanto mais que vivendo este, como parece, de assento em Alma- da , sem elle ser e.xpiílso não podião occupar as caza^ os Governadores do Reino. (rf) Com tanta delicadeza como energia o refere elle mesmo no di- to Prologo pelas palavras seguintes := Cum vehementcr animo commo- tus essem , nova et iuaudita ívletamorphosis indignantes pariett-s injuriae subduxil, iu fumum et cineres abiere rz e faz lembrar o gabado arte- ficio de Tullio fecerunt id servi Milonin, &c. Ji6 Memorias DA AcAPE MIA Real offrece todavia não sei que mostras ou sinaes de animo do- tado de nobre força e de i/cnção nada vulgar, (d) Era este comportamento não só sobejamente rezoluto , mas até de exemplo muito perigo/o em desprezo da publi- ca authoridadc , para lhe não acudir com castigo a vingan- ça , e ainda a discrição, dos G(>veriiadores do Reino. E ou porque elles procurarão dezafrontar o seu respeito, ou por- que mesmo antes d'isso se receou Manoel de Soiza , não ha duvida que a toda a pressa se sahio do alcanse do seu po- der e se retirou a Madrid , onde esperava achar meios de eludir, e pelo menos de entibi.ir, o ardor das suas repre- zentaçócs e queixas. Não se enganou com cffeito n'e'?ta es- peiar.ça. O fovcrno de Lisboa era olhado da Corte com in- differença ; o tempo e distancia diminuião a gravidade da culpa ; Manoel de Soiza he natural que se prevenisse ex- pondo podcrozos motivos e até procurando valias ; e a bi- zarria, que senão pode negar, do seu mesmo arrojo aumen- tava a estimação da sua pessoa , e induzia por isso a con- siderallo , senão innocente , ao menos pouco culpado. Não consta na verdade que elle tivesse em Madrid outro des- gosto , que o achar-se n'ella em hum género de desterro. Continuou porem em liberdade e socego de animo ; e ta- manho socego de animo que pôde occupar o seu ócio na honrada empreza de publicar as Obras de Jaime Falcão, e dar assim gloria ao seu amigo, acreditando o primor do próprio agradecimento, (b) Jaime Falcão fora muito estima- do («) Baiooza traz ccj.iarlo Luin 1 ;jigrama Latino que Manoel de Soi- za compôs por esta occazião, e que bcni mostra seus nobres espiíitos , a conciencia do seu coinportanjento briozo, e as suas altas esperanças. Quos fnma absumpsit rcddct mihi fama Periatcs , Ponet , et atenuim non montwa domuin. Manoel de SoÍ7a era então bem differente do Fr. Luiz de Soiza tão comedido e humilliado ao depois cu; lieinfica! {^bj :z: Ita quiiiqucviratus ille invidiain sibi nou levem couilavit, DAS ScirjJCIAS DE LcSBOA. 37 do, e até privado, de D. Pedro Borja Mestre dr, Ordem de Montczp , c dur;:va nas pessoas da Familia de D. Fedro muito viva a memoria d'esta estimação, ou para milhor, ficara n'ellas a mesma estimação com) em herança. Deze- javão pois seu Irmão o Bispo de Málaga , e seu Sobrinho D. João Borja Conde de Ficalho e Governador da caza da Imperatriz Maria, honrar Falcão ainda depois da sua mor- te: dezcjo por certo de que haverá poucos exemplos entre os Grandes ; e particularmente a respeito de hum homem que se distinguira só por engenho, estudos e virtuozos com- portamentos! E como Manoel de Soiza os emparelhava no alto apreço que fazia de Falcão, e os vencia em habilida- de , e pelo menos cm vagar necessário para colligir e fa- zer esMmpar as Obras do seu amigo, ambos ellcs o ani- marão e incitarão com grande empenho para a mesma em- preza , a que elle de si se achava não somente propenso , mas até determinado. Ajuntou de roda a parte, dispôs, e publicou com muito trabalho as Obras Poéticas; grande- mente ajudado, como elle confessa, de Beneito , hum Va- lenciano que Falcão deixara em testamento por herdeiro , e que por si apanhou c lhe remctteo tudo o que pôde, não só no tocante á Poezii, mas ainda no tocante á Mathema- tica. (a) Manoel de Soiza propunha-se também a fazer es- tampar os Opúsculos Mnthematicos, (l/) pí)rêm não me cons- ta que puzesse em eíFcico este propozito , antes prezumo com bom fundamento que ficou meramente em idéa ; e de certo sabemos só que deo á luz pela impressão as Poezias Latinas, que sahirão, como dissemos, estampadas em Ma- drid niilii iii(ij)ii,,ituiii exiliuiii pcporit, Falconl floriam afti'lit-abi ^laiituam vciii , iiihil polius cluxi, quani ut amici memoriara toiíiecrarcm zz dito Prologo. (a) Tz Non paru attulit adjnraenti Ik-neitus , qui a Falconc hxres ex testamenio niincupatus scripta .... cogere diligcntcrque ad me mit- teríí curavit zr dito Prologo. (6) =: SecI de liis latius agcr,iU!> in ipsLs Geomctriae comoieotariis , qua; propedieiíi edituri suinus. =: ibid. 3? Memorias da Academia Real (Irid em 1 600 , e precedidas de hum Pi^ologo na meiç6es ruraes , como fa/ia Manoel de Soiza Coitinho. (a) Affirma com tudo Barbo/a que instado por seu Irmão João Rodrigues Coitinho morador em Panamá e por elle esperançado de grandes lucros de commercio se passou dquclla Cidade. ]oão Rodrigues Coitinho quinto Irmão, segundo a Historia Genealógica da Gaza Real , do nosso Manoel dj Soiza , era hum d'cstcs homens activos e em prendedores , que incansavelmente se occupão cm projectos, e não se poupão a tentativas e trjbalhos por conseguir fortuna, (Z») E he muito de crer que achando-se por ta! razão em Pa- namá c constando-lhe do desterro de M.uiocl de Soiza , o convidasse para a sua companhia movendo-o com esperan- ça de lucros ; e que Manoel de Soiza , vendo-se impedido de voltar prontamente a sua caza , aproveitasse a occaziâo de satisfazer á curiozidade e de viver com seu Irmão, sem talvez desprezar os grangcos que este se promettia. Mas a fortuna caprixoza foge a's vezes mais esquiva de quem a se- gue com maior ancia ; e ou por esta sua muito commuin esquivança , ou por outros quaesquer motivos não acudio agora, segundo conta o mesmo Barboza , ás diligencias de J.)ão Rodrigues Coitinho , e ás esperanças , se algumas te- ve , de Manoel de S)iza. Os esforços forao baldados e po- de ser que ruinozos ; e Manoel de Soiza vio-se em Panamá pou- ((/) liem pago se iiiostia na grande satisfação com que diz no cita- do Prologo, que fazia em Almada hlima vida livre de cuidados e qua- zi rur.il ; e nao he o lavrador quem nos versos de Horácio inveja as oc- c ipayões do commercio, he o mercador que ::: ociuin et oppidi lau- d l rura sui. n: (b) João Rodrigues Coitinho foi Governador da Mina e Angola, e m 'rreo no descobiim nto daa Ilhas de Cimh be p".lo qunl lho estava )rro- m ffi lo o titulo de Marquf.z. O Autor da Historia Geiualogica da Caza B ai Portugiicza , attesta do seu valor, rezolU'.ão e cnpaeidade i professai. 4? Memorias da Academia Real mente levarão Nicoláo António á prudente duvida que m03- tra sobre a cauza do divorcio , (a) e moverão Echard mais rezoluto a rccuzar a historia do Peregrino. Eu me inclino muito também a scgiiillos na suspeita vehemente da falsi- dade da historia: mas nem por isso me vem ao pensamen- to accuzar Fr. António da Encarnação de impostura. Posto que o seu caracter nos não merecesse, como merece, al- gum respeito , não se deve suppôr impudente falsidade on- de não apparecem razoes de a empregar, e eu não alcanso absolutamente taes razões nas circunstancias de Fr. Antó- nio. Iluma re/olução estranha , como foi a de Manoel de Soiza , devia dar occaziâo a vários discursos e conjecturas: vogaria mais, pela propensão que tem os homens a refe- rir e acreditar o que tem maior singularidade , a historia do Peregrino : o tempo convertela-hia em facto pozitivo ; e aceitallo-hia como tal a sinceridade do Escritor Domini- CO, obrigado da consideração das pessoas com quem se in- formcu ; as quaes por muito conjunctas ou de elevada je- rarchia não implica que fossem hum pouco crédulas. Ten- do pois fundamento bem solido , se me não engano , para desconfiar da historia que Fr. António da Encarnação dá por cauza ao voluntário divorcio dos dois l<".spozos , o que se pode julgar com grande probabilidade he, que hum e outro nunca dcsinclinados á vida espiritual e devota , e agora can- sados e dezenganados do mundo e de suas vãs esperanças, e emulando com pio ardor o exemplo ainda fresco de D. Luiz de Portugal e D, Joanna de Mendonça , tomarão o mesmo caminho, e até se forão enterrar nos mesmos Claus- tros que havião escolhido os Condes de Vimiozo. (b) Quiin- («) As citadas palavras de Nicoláo António an aliudf' provão hez!- tação , e esta hezitação nascia da suspeita contra a historia de Fr. An- tónio da Encarnação. M.is como sizudo não se atreveo de todo a despre- zar a historia: não ignorava que lia verdades inverosinieis; mas tinha, com razão, que devem ser recebidas com grande cautclla. (A) O Conde de Vimiozo professou em S. Paulo de Almada, mas an- tes d^isso viveo algum tempo cm Beraiica, onde entrou Manoel de Soi- AS SciENClAS DE LiSBOA. 49 x^uANDo O homem na flor da idade , se vê na posse de perfeito vigor e da exuberância de vida e cspiritos que elle traz comsigo , em tudo o que o rodêa acha prazer ; al- guns inconvenientes e incommodos só servem de sombras que realção o contentamento que logra no mais ; e a sua fantezia , ainda por acréscimo, demanda a plenas velas hum futuro que se lhe reprezcnta muito dilatado e muito ven- turozo : o qual com tudo , raras vezes he muito dilatado , e nunca hc tão vcnturozo como ellc se prometteo. Esta illu- zãu hc muito agradável por certo; e debalde, ordinariamen- te, trabalha polia desfazer a prudência, receoza das con- sequências tristes, que nascem ou do arrojo ou do descui- do que caiiza sempre tão doce embriaguez ou tão descul- pável esiouvice. Ella faz amar com immoderado ardor a vi- da e o uzo dos sentidos em que a vida se occupa , e affiís- ta do pensamento algumas verdades importantissimas , po- rem muito graves ou sobejamente serias para aquella occa- zião , c os sizudos cuidados com que o tempo seguinte j para parecer menos áspero e ser menos estranho, devia ser antecipado. Qiiando porem o vigor e abundância de espiri- tes declinão muito sensivelmente , e entra o futuro indifi- nido a contrahir-se na própria imaginação, e a experiência a dczengmar da sustancia e duração dos bens só apparen- tes e muito fugitivos , o prestigio acaba ou desvanece-se o sonho, e o homem acorda a idéas mais solemnes c mais nobrçs pensamentos, posto que menos aprazíveis. Então o que d'antcs prezava mais, he desprezado de todo, ou he Tom. mi. Pari. I. G ti- za; í). .loaiiiia de Mendonça, entrou, como D. Magdaleua de Vilhena, no Sacramento. fo MtMOKiAs DA Academia Real tido em iTuito pouco •, o uc/.cjo da vicia e amor d." felici- dade são obrigados a clevar-se da terra; c n Religião com suas vo7,'.s de conforto e sublimes promessas altamente triun- fa de infidelidades , ou de meras duvidas , ou de tibiezas. Na mesma gentilidade filo.sofica se tem notado , ou tem confessado ella mesma , esta mudança da inconsideração para a madureza ; e hum dos Epicurcos i.iais arrazoados e mais ingénuos cantou em bella Poe/.ia os seus dezatinos c a so- lemne abjunção c]ue fez, como clle diz com tamanha fe- licidade de expressão, da insana sabedoria, (a) E se já hu- ma boa educação cultivou os principios da vida e lançou a tempo e discretamente as boas sementes da piedade re- ligioza , o triutifo he ainda mais seguro , mais pronto e ni.iis completo. Este ultimo era o estado em que -se acha- va Manoel de Soiza Coitinho , muito propenso, fora d'is- so , a romper com o Mundo pela melancolia procedida do cativeiro da Pátria e da falta de sua Filha, e pelo incita- mento do exemplo ; sempre muito efficaz , e muito mais t]uandi) he o de hum respeitado e intimo Amigo. D. Luiz de Portugal, (b) Filho herdeiro do segundo Cíínde de Vimiozo D. Affonso de Portuga! , acompanhou El- (a) Pnrcus Dccruni cultor., et tnfrcqueiis , Jiísa n.tniis 'hm aapicntia: CoHsultux erro : itunc retrormm V i-ia dure , uiijut tttrare cuniís Cogor relidos Hor. Liv. 1. Oíi. 34. He vrr(kcle que a iiuulaiiya cm Horácio não procedeo tanto da idade como de outras cinzas; mas a i(la(io coniribiilo , r as outras cau- las troux rio o mesmo eíUito que a idade costuma (razer. (4) EsU breve historia he iccopilaihi da Part. Hl. da Chronica de Fr. Luiz rít Soiza Liv. VI. Cap. 15. c ('a l'art. IV. por Kr Lucas de Santa Catharlna Liv. I. Cap. 3.5. D. Iviiiz de P-rtugai fie,iois iie professar em Al- mada passou para Kvora , onde fallccco en; 1637, de 82 ar.nos de ida- de, c y Bemfica. O Autor tia Historia Gíiiialogica Tom. X. pag. 736 diz que tomou o habito era 8. PauK) de Alii:ada no anuo de lfa'07. Com tudo qner- lue parecer que nem o tomou tão tarde como diz Fr. António da En- carnação , nem tão cedo como diz D. António Caetano de Soiza; mas sim depois de J607 e antes de lij]3. l''umla-sc este ])..r:cer em huma ra- zão grave, que vera a ser e Manoel de Soiza te- ve animo para romper tantas cadeas e laços de amor con- jugal, de habito e de parentesco, não pôde rezistir i bran- dura do seu coração c quebrar as prizões , que paitcem me- nos valentes , da amizade. Mudou o nome uc Manoel , sa- primio o apellido de Coitinho ; mas tomou , para monu- mento de obzequio e despertador de affectuoza memoria , o nome do seu amigo ; com o qual ha muito tempo que he geralmente conhecido, e com o qual nós o indicaremos d'aqui cm diante chamando-lhe Fr, Luiz de Soiza. Na opi- nião de hum século como este nosso, rorno a dizer, a re- z;)Ii.!ção de se retirar a hum Convento lie hum pouco go- thica ; a santidade de costumes e a exaltada piedade pode mantcr-sc e adiantar-se entre os outros homens; e os habi- tadores de hum mosteiro não estão , pela grossura e altura dos seus muros, fora do aicanse das tentações e escânda- los. Este parecer, que he mais especiozo do que bem fun- dado, tem sido refutado victoriozamente por varias pessoas bem babeis e algumas imparciaes; nem a mim me compe- te agora repetir os seus argumentos. Só direi que sj os cos- sua Mulher ao divorcio , entre outras razões que o movem , toca o eí- eniplo de D. Luiz de Portugal. Não occultarei porém que Fr José da Natividade nSo se atreve a ilecidir se trocou o uome por obsofuw ao Cort' de do Viinio-:o. Mas suposta a grande amizade, o trocallo toiuaado u de Luiz parece bom argumeuto. 54 Memorias da Academia Real costumes e piedade se podem conservar e milhorar no meio do Mundo , também he certo que no Claustro lhes pode succcdiT pelo menos o mesmo; e se ali lhes pode succe- der pelo menos o mesmo , não ha para que levantar tama- nhas poeiras e entoar tao altas trajjedias contra a rezoluçao de i]uem o procura, {a) Mas tenha ou não tenha o nosso Século ra/ão para tratar de gothico e se surrir com certa malicia do fautor e apaixonado do retiro monástico, duas coizas será sempre obrigado, uzando bem da sua razão, a conceder. A primeira he que a finura de amizade com que o nosso Historiador se houve para com D. Luiz de Portu- gal dá bom atrestado do seu coração e do seu caracter, e he d'aquelles comportamentos que em todas as idades e em todas as opiniões são altamente aprovados e até aplaudidos: € he a segunda , que se o merecimento de huma acção não se ha de medir por outras idéas que as dominantes no tem- po cm que ella foi obrada , o nosso Historiador , n*este seu fiigir do Mundo e se acolher ao Claustro para se entregar aos cuidados de outra vida mais durável e mais importan- te, ganhou sem disputa grande direito ao louvor de mui- to si/udo e não menos valerozo: direito que ainda nos pa- recera' maior, se repararmos para a constância de sizo e va- lor no tempo seguinte da sua vida ; pois que a constância he a mais real prova e ao mesmo tempo o complemento ou perfeição das prudentes e animozas rezoluções. Nas mãos d'aquelle mesmo Fr, João de Portugal, {b) que (a) A''s declamaçõrs , tão vulgares nos últimos tempos, contra as instituições religiotas nào duvidarei dar a minha aprovação , se os de- clamadores as quizeriMi) dirigir antes contra os abuzos que contra os ins- titutos. Abuzos t( m havido e ha certamente. Negallo seria má fé. Mas imputar a l.ujiia instituição os abuzos dVIla he injustiça, e fazer todas as instituições culpadas. (i) Fr. João de Portugal foi Prior de Bemfica , Vigário do Conven- to do Sacramento, Inquizidor da ftieza grande e ultimamente Bisjio de Vizeu de 1625 ate J(i2y, em que acabou huma carreira de bom exem- plo. Veja-se Fr. Lucas de Santa Catharioa Chronica Part. IV. Liv. I. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 5-5' que accendera mais c dirigira a devoção dos Cundcs do Vi- ínio7,(» , fez profissão a 8 ilc Setembro de 1614 Fr. Luiz de Soiza no Convento de Bcmfica. Mal se podia ) lembrar ainda então os moradores d'aquclle Convento , de qae o alumno que adoptavão , celebraria ou immortalixaria depois em seus admiráveis escritos as belltzar; naturacs e da arte que o adornão, ou para milhor, que ellc Ihc.s daria a c.ltvi e vida de que careciao , renovando-lhcs da própria imagi- nação as formozas cores já muito esmorecidas pelo rigor e injurias do tempo. Ellc mesmo esravn bem aliicio de se aventurar a esta emprcza , e n'aquclla occa/ião mais dispos- to, como logo se verá, a occult^r os poderes de seu en- genho do que a empregallos , ainda para gloria da corpo- ração , a que procurara unii-se com tamanho alvoroço. Rc- zoluto vinha, e só a isto rezoluto, a fazer petihenaa ^ uil- lo-hei pelas mesmas palavras que elle uzou a propozito de outrem , c tomar viti^afica de si fio derradeira quartel da ida- de, (rt) Despegado de tudo o que deixara , senão da doce amizade de D. Luiz de Portugal , até o tempo gasto com as Musas tinha agora por mal gasto ; e muito sinceramen- te se arrependia de algumas compoziçfíc?; literárias, que re- putava jogos ociozos , a que dera em vão as horas que po- dia lograr muito melhor. Qi:em de seus escritos tiver o mais leve trato, hu de confessar a inventiva, a sagacidade oratória , a muita facilidade j^ara todo o género de estilos e os grandes tezoiros de lingu-igem que Fr. Luiz de Soi- za possuia ; e com tudo bem que o principal fim do seu ins- cc. 10 e 11 . c o Catalogo dos Bispos de \ iivu por João Col. u.i Coiiec- ç5o dos Doninicntos da Academia Heal da Uivioria P'^rt(igucza. 1722. Touron c K-iiard o confiiiidtm com «íe!! Irmão Luiz de l'ortUí^al , ■■ oste di/cm o Prior de Beinhca que rccclno os votos de Kr. Luiz ondo F;ad( Doiuiiiico Fr. George C:>iiiuho Iiiii.io (!e Fr. Luiz de Soiza, o qual attestão que foi Gneiano a Histo- ria Geiíeaiogica da C. R. P. e iiupliritaiiiciíle Dioi^o H.irboza. Nem fo- rão estes os únicos erros que uoiei nos dois Kscrirores estrangeiros, (a) Vida do Arcebispo Liv. L Cap 2. jré Memorias da Academia Real instituto seja convencer e persuadir nas matérias de espiri- to pur meio da palavra , achou modo de se escu/ar , c con- demnou-se a hum silencio profundo c inviolável. O Minis- tério do púlpito requer talentos e estudos ; mas huma c ou- tra coiza tinha ellc de sobejo, Riqucr hum anin)o abraza- do em dczejos de perfeição Christã e pegado de vivo fo- go de caridade ; e ainda isto lhe nao faltava. Não ha du- vida que também requer huma intimativa de acção , hum vigor de brados, que ordinariamente não ha nos annos pro- vectos. Mas a venerável prczença (a) de hum fidalgg co- nhecido e admirado por tantos sncrificios, e a sua eloquên- cia tão abundante, tão formoza, tão persuaziva tíniava inú- teis acção c brados , e levaria a pós si os mais indóceis e repugnantes auditórios. D'onde havemos de concluir , ou que modestamente se ignorava , por não dizer que assinte se desprezava, ou como julgo mais provável , que quiz fu- gir da jactância, de que mal se livra nossa fraqueza ao ga- nhar hum notável triunfo das opiniões e aíFcctos dos ho- mens. Trazia pois subjugada ou amortecida mesmo a ulti- ma paixão do sábio : que he o nome , que até a Filosofia costuma dar ao dezejo bem activo de honesta gloria. Se no anno da provação ou do noviciado Fr. Luiz de Soiza s>.* mostrou sempre submisso , mortificado , pronto e alerta em seus exercidos, igual com os companheiros mais inferiores ou na idade ou na condição; tanto que foi pro- fesso , nada diniinuio na obediência , na devoção e em todo o theor de huma vida verdadeiramente ascética e edifican- te, (b) Edificavão com efFcito , e cdificavão muito, aquelle sangue illustre, aquelias veneráveis cãs, aquella cortezania es- {a) Ua sua boa pri/.eiiça íalla l'"r. .losé da Natividade c se a memo- ria me não engana, Cervantes no lui^ar citado da novella de Persiles e Sis;is7nuiida. He verdade porém que Cervantes, com a liberdade dos Au- tores de romance , podia pintar a seu pr.izcr. (i) São aqui conformes todos os 1'Jscritores Dominicos Portuguezes ; e lera por si a pr^/bahi! idade , e a opinião que nccessariauiente rezulta da leitura das suas Obras. DAS SciENCiAS DE Lisboa. 5-7 estremada , aqucllc excellcntc c tão apurado entendimento por seu gesto reduzidos á negação da própria vontade e juizo , á hiimiliação , ao abatimento , e para o dizer assim a huma santa dezautoridadc. Houve quem suspeitasse que não só por fugir da gloriola muito perigoza , mas também por se escapar a mandos c prelacias se não quiz dar ao mi- nistério da pregação; (a) para o que parece ^ diz Fr. José da Natividade com bem própria encigia , que o titihão cortado a graça, a natureza e a arte. Com tudo, assim como san- gue iliustre e alta qualidade, por mais que os queira sus- tentar o orgulho , be deprimem pela grosseira ignor:;ncia e corrupta degradação , assim as virtudes , ainda sem assen- tarem em baze tão de oiro fino como a que acharão em Fr. Luiz de Soiza , se erguem e se autorizâo , até contra a inclinação de seu dono. O Fr. Luiz de Soiza que de tal modo se desprezava e queria ser desprezado , era entre os seus hum objecto de geral respeito , que só com apparecer os punha em continência de compostura e de acatamento. Aborrecia mortalmente a ociozidade , como quem conhecia que hc a mái de vãos pensamentos e de vicios. Por fugir d'ella c SC adestrar em virtudes heróicas, como rczolvera não seguir a pregação nem o magistério, encarregou-se lo- go do officio de enfermeiro ; e Fr. António da Encarnação refere com muito encarecimento a sua assiduidade, desvello, diligencia e doçura com os enfermos. Para com elles todo o trabalho lhe parecia fácil, todo o serviço nobre. jTaes são como dizíamos as virtudes heróicas! E prouvera a Deos, sofra-se a repetição de huma verdade por varias vezes ad- vertida , prouvera a Deos que hum dia acordasse a humani- dade de seus sonhos febris , e comsigo assentasse que inva- dir Reinos e Províncias, escalar e saquear Cidades, destruir homens, como não seja requerido pela necessidade imperio- Tum. FUI. Part. I. H za («) Em Fr. António da Encarnação, no Prologo á II. Parte da Chro- nica , não he só suspeita , lic affirmativa. yS Memorias da Academia Rkal za da defeza própria , não he heroísmo , mas furor bárba- ro ; que se tem alguma cscuza em Scythas selvagens como Tamerlao, hc indisculpavel rotalmeiítc em homens cultos e polidos como Cezar ou Alexandre. Mas não ha que espe- rar a benção de tão doces, e ao mesmo tempo tão justos, conceit()«í, mais que da Religião; e particularmente da Re- ligião Christâ, cujos heroes, digão quanto quizerem os seus inimigos , já mais forão os conquistadores e assoladores da terra. DY-í^ta Religião hc que Fr. Luiz de Soiza derivava as idéas e seguia o espirito , quando aos pés do leito dos seus enfermos depunha contente as sobrançarias da qualidade, as repugnancias da natureza, e até os ascos de huma delicada educação. Falleceo por este tempo ou poucos annos antes , (a) outro notável Dominico chamado Fr. Luiz Cacegas , {b) a quem a sua Ordem deve a Chronica que possue tocante a este Reino e dominios d'elle , e aquém nós devemos as duas pri- (fl) Barbo7.a refere a sua morte ao aiino 1616, e Fr. Luiz de Soiza (Chronica Part. II. Liv. IV. Cap. 7.) ao anuo 1610. Piste ullimo devia estar mnis bem informado ; mas pode haver na sua data algum erro de impressão. Absolutamente, tenho a data de Barboza por mais provável: he de pnzumir que os Dominicos encarregassem us seus pa^jeis a Fr. Luiz de Soiza logo depois da morte de Cacegas , e que Fr. Luiz de Soi- za principiasse logo a trabalhar na compozição ; e decerto ellc princi- piou este trabalho por 1617. JV. B. Que no Prologo á Parte I. da Chronica escrito em 1623 diz Cacegas defunto de sete annos, logo dá-o por falltcido em 1616; e 1610 he erro de impressor. (6) Fr. I;uiz Cacegas professou no Convento de AzeitSo ; no anno de 1571 , acompanhou ao Capitulo Geral era Roma o Provincial Fr. Mito- láo Dias; em 1580 foi Superior e Vigário in Capite do Convento de Lis- boa; e falleceo em Beuiiica. Depois de discorrer por mais de 20 annos por todo o Reino, escrevco 1." Genealogias de Portugal. 2.° Das Ma- tronas illustres da Ordem de S. Domingos 3." Carta de noticias de San- tos da Ordem dos Pregadores a Gaspar Alves de Louzada: não fallan- do da Chronica de S. Domingos, e vida do Arcebispo de Braga para que ajuntou os matcriaes que empregou Fr. Luiz de Soiza. Veja-se Soi- za no lugar citado , Barboza na Bibliothéca Luzitaaa , Fr. Pedro Mon- teiro Claustro Dominicano Tom. IH. pag. 249. DAS SciENCIAS UK LlSEOA. JJ primorozas Obras da Vida do Arcebispo de Braga c da His- toria de S. Domingos, com que a nossa lingua tanto se cn- nobrece , e o nosso patriotismo se pudera de alguma sor- te desvanecer. Este homem infatigável correo o Reino, ex- aminou archivos, decifrou informes escrituras, e por hum disvello digno de muito reconhecimento da parte dos Do- minicos , chegou a compor hum avultado e quazi completo corpo de noticias. O discuido ordinário, de que os escrito- res Dominicos de Portugal se qucixão nos seus Religiozos, não chegou a tanto que perdessem de vista os tnibalhos de Cacegas por sua morte. Mas ao exame dos papeis que elle deixara , pareceo logo que náo possuião edifício , mas so- mente materiaes de bom serviço para elle. Faltava dispozi- ção , o estilo era pouco polido ou muito grosseiro; (a) e poucj cazo se fez sempre no mundo do preço da matéria, ainda quando o tem , se por ventura se offcrece em bruto , e sem a bclla ellegancia que a arte lhe sabe communicar. O ponto era achar dentro da sua corporação apurado artífi- ce , que fosse capaz de desbastar e aíFsiçoar a incondita mol- Jc , ou ordenar confuzao tao empeçada. Havia com effeito este artífice tão dezejado e tão raro, e era o nosso Fr. Luiz de Soiza. Nem seria percizo adivinhar com muita sutileza para o reconhecer. As suas Obras antecedentes o dcviâo ter recom- mendado , e o seu mesmo trato , por maior que fosse em se encobrir o seu empenho , era impossível que o não re- velasse. Mas tinha-se por muito difitultozo o determinallo a tomar a cargo huma tão árdua cmprcza. Podia allcgar an- H ii nos (a) Soiza no lugar citado o diz, mas indirectamente e com grande delicadeza. Fr. Tliomás Aranha na Aprovação da Parte II. falia mais claro ^z não achou na sua mão e poder mais que huns d<"/.arrimado$ e dezarrumados fragmentos .... de liuma narração tanto de berço nos formou e deo tão crecida e gigante Chronica como a que vemos, &c. i= He de notar que Fr. Thomás Aranha conheceo e tratou Fr. Luiz de Soi- za em liemfica. Com tudo Soiza bem parece hum Escritor creado na Cor- te da Rainha D. Catharina , c Aranha hum contemporâneo dos dois úl- timos Filippes. 6o Memorias DA Academia Real ni>s e molcstias; podia dcsculpir-sc com os cuidados de seu espirito ; c podia perseverar firme na tenção de não schir mais a publieo , cm risco de seguir vagloria ou de escan dalizar parecendo que a seguia. M;;s a obediência at.dhou tod.is as desculpas e desfez escrúpulos; e á sua voz não hou- ve di p-irte de Fr. Luiz de Soiza senão consentir e mettcr hombros ao negocio, realmente muito laborio/o para qu.ni era já maior de sessenta annos. {a) Eu não duvido que a voz da obediência fosse n'este cazo particularmente agradá- vel a Fr. Luiz de Soiza. A obia não era distractiva de pic- doz )S pensamentos, antes os devia mover e fomentar a ca- da passo ; acommettcndo-a mostrava á 0'dem justo agra- decimento , no que hum nobre peito acha sempre exqui/.i- ta satisfação; alguns momentos vagos podião ser emprega- dos com grande sabor; c finalmente os antigos hábitos de- vião laborar mais ou menos e tornar de algum modo sua- ve a idéa da sua repetição , maiormente em circunstancias , não direi só de innocencia , mas até de merecimento. To- davia a obediência foi o movei mais efficaz ; e forçozo he que confessemos que a esta virtude monástica somos aqui altamente devedores. Por mais confuzos e toscos que fossem os m.ateriaes que tinha colligido Caccgas não cráo dignos de desprezo, antes o seu trabalho tinha assim mesmo muita valia. Reco- nhecco a o bom juizo do nosso Historiador , e declarou-a por termos bem expressos a sua grande inteireza, {^b) Hum dos seus Biógrafos diz que aborrecia em alto gráo o pla- oiato. Não custa a cier, porque até a vaidade, senão he insana de todo, se envergonha de bem parecer com trajos alheios ; («) Tomando este encargo em 161C Fr. Luiz de Soiza nascido por SflS devia cnfar 61 para 62 amios. Nem se infere outra coiza de quan(o di- tem os Douiinicos Fortuguezes. (í) =: Fr. Luiz Cacegas , a cujo nome , e trabalho se deve a parte mais subsl^incial da prczente escritura, e dv outros dois volumes, Lc. =: Chroaica Part. U. Liv, IV, Cap. 7. úAsSciENCiASDE Lisboa. 6i alheios ; e muito pouco delicado deve ser á cerca de lou- vores, e por tanto deve merecellos pnuco , quem se con- tenta dos que decerto sabe que pertencem a outrem. ^ Que tan.i quem era dotado d:: modéstia rara, e quem até o lou- vor merecido recuzava como tentação, ou como injuria? (a) JNlas quando niito podcsse haA'er alguma duvida , tiralla-hia inteiramente a equidade e cortcz delicadeza, com que Fr. Luiz de Soiza se portou para tim a memoria de Cacegss. Nao só se dá por mairo obrigado e bem servido de suas fa- digas, c encnrcci; o alivio que d'cILis rccebeo ; não só con- fessa que não poderia fazer caminho sem o arrimo da diligen- cia de quem lhe tinha precedido; (v) mas ".té rezistio a pa- receres que o induzião a encobrir a muita parte que Caee- gas tinha na emprcza, c a occultar de todo o seu nome. (f) Em vez de encobrir o cabedal que tocava ao seu Sócio i; occultar o seu nome , ao contrario lhe attribue quazi por inteiro, o merecimento sustancial da Obra, confessando le- go na frente que elle fora o Historiador , e rezervando ape- nas para si o serviço de a pòr em ordem e de a reformar: e porque a palavra reformar lhe parccco ainda ambicioza , acresc Jiitou , como para a corrigir , o accidente do estilo. E só por ultimo aponta que ajuntou alguns successos, e am- plificou com certas particularidades. O merecimento e virtu- des são pois apregoados em alta vnz ; as manchas ou de- feitos são ao publico em cerro modo encuhcrtos ; e se tra- ta os escritos de Cacegas, cm hum lugar único, de i«/õr- nies , (o) jr: Pareceo-!iie tentação (o conselho com que o persmadiáo a dar ao seu Irabnliio ioda a iniportanoia p rccnzar por meeiro Fi. Luiz Cace- gas ) ou adulaç<(o , não me deixei veiicer =; Chronita ibid. Veja-se a censura de l<'r. Tliomás Aranha á Part. II. (0) z= Servirão-me os seus caminhos , para eu poder escrever assen- tado, quieto c escondido no canto da cella ... se elle uiio lóra primei- ro no merecimento de trabalhar, não pudera eu str segundo no de es- crever. =: Chronica ibid. (c) n Não faltou quem com taes exemplos nos obrigava a cortar du- vidas, e fazer o livro em todo nosso = Chrou. Part. i. Prologo e Part. IL Uv. IV. Cap. 7. 6z Memorias DA Academia Real mes, c seu estilo de falío de arte e ao antigo^ he como ao ouvido , c por se considerar só com os de ca/a , de quem os papeis de Caccgas eiao bem conhecidos; c ainda assim o não faz sem o comparar com o Poeta Ennio, a quem fal- tava polido artcficio com lhe sobejar engenho, {a) De ma- neira que não hc possivel tratar o seu coUaborador com maior melindre e respeito , nem deixar mais illibada a honra , que por seus esforços e curioza diligencia merecia. Nem sei que se possn produzir mais claro e mais forte argumeniu da inteireza de animo ou generoza izençáo , e da cortezia amável de Fr. Luiz de Soiza , do que este tão honrado c airozo modo de pensar e de se haver. Com tudo , se elle na sustancia das Obras que diz suas e de Fr. Luiz Cace- gas , não teve tão grande parte como vários pertendem com exageração , sempre teve alguma. O titulo da Primeira Par- te da Chronica e o da Vida do Arcebispo, certamente lan- çados por mão de Fr. Luiz de Soiza, são strictamcnte ver- dadeiros. O corpo principal dos successos e circunstancias d'elles pertence a Cacegas ; a Fr. Luiz de Soiza , com alguns poucos successos e particularidades, pertence em to- do a forma no tocante á dispozição e linguagem : e isto foi o que elle declarou mais de huma vez pelas metáfo- ras =: materiacs para edificar, e alvener ou architccto que traçasse e alevantasse o edificio = {b). Em 1616 por fim d'elle , ou em princípios de 1^17, começava o nosso architecto a traçar e alevatitar a obra , que a obediência lhe tinha encarregado , na Primeira Par- te da Chronica de S. Domingos, (c) iSlas a poucas varas ou bra- (a) z^ Qual se conta que foi o do Romano [ínnio := Ennius ingeniv maarimus , arte rudis =: Fallo assim sem mais salvas e rodeios, porqup «■screvendo entre os que o conhecerão e tratarão, &c. =: Chron. Part. I. Prologo. (é) Veja-sc o Prologo á Vida do Arcebispo , Prologo á Part. J. da Chronica, c Part. II. Liv. IV. Cap. 7. (c) Na Vida do Arcebispo Liv. I. Cap. 17. diz que vai desenterran- do das sepulturas do esquecimento as obras dos Santos da Província Do- dasSciknciasdeLishca. 63 braças de altura , vio-se obrigado , senSo a interromper de todo, ao menos a ir com cila mais de espaço, voltando a principal e mais activa diligencia para outra empreza , que d'clle se requereo com maior empenho, O povo de Viana do Lima movido honradam'-nte do agradecimento á memo- ria do illustre Arcebispo de Braga D. Fr. Bartholomeu dos Mártires , e da devoção ás ^uas virtudes , c procurando tam- bém publicar com alto e durável brado o brio e /cio, com que seus Avós haviao correspondido á inclinação , ou antes preferencia que lhes dera o Santo Arcebispo , repetio no- vamente as suas instancias á Ordem Dominicana, para man- dar escrever a vida de quem tanto havia honrado a Ordem e a elles ; penhorando-se ao mesmo tempo , com bizarra li- beralidade, a concorrer com toda a despeza da impressão. As maiores difficuldades erão vencidas , porque as memorias estavão juntas pela curiozidade de Fr. Luiz de Granada e a diligencia incansável de Fr. Luiz Cacegas ; e a providen- cia tinha deparado o claro juizo e formozo estilo de Fr. Luiz de Soiza : não havia pois razão para differir , nem pretexto honesto com que a demora se podcsse excuzar. Assim , retardando o nosso Escritor ou sobrestando na Chronica , começou de tirar a limpo e ataviar a seu modo os succes'sos colligidos pelos aparelhadores. Era na volta de Maio de 1617, quando deo principio, c passados dezeno- ve mezes tinha completo hum corpo de historia, que em seis livros comprehende cento e setenta e sete Capítulos, e alguns delles hum pouco dilatado:;. Em Janeiro de 16 1<^ andava já o livro nas licenças da Ordem ; as do Santo Offi- cio da Inquiz'ção são datadas de Março ; em Maio escrevia Fr. Luiz de Soi/j a Dedicatória em Viana , onde fora para correr com os trabalhos da impressão; e em 15- de Novem- bro minicana de Portugal. Não nego iiorêra que este dito pode ser lium d^a- quellrs que se devem attribuir só a Cacegas. Na Dedicatória á Caraera de \ iaiia parece que elle inculca, que a sua primeira euipreza d'este género foi a ^'iJa do Arcebispj. 64 Memorias da Academia Real bro era de todo impresso c pronto para sahir á luz publi- ca, (a) O aplauzo tbi geral entre os nacionaes c os estra- nhos. A sua suavidade porem não foi parte para que o nos- so Historiador cahisse cm pcrguiçozo descuido ; e o mes- mo foi acabar com a Vida do Arcebispo, que proseguir na Parte começada da Chronica. Outros seis livros repartidos cm duzentos c vinte cinco capítulos forão o emprego ác inais três annos completos ou quazi , desde o principio de 1620 até ao fim de 1622. O progresso, sem ser muito me- nos , foi menos apressado na Chronica quanto a esta Primei- ra Parte, du que na Vida do Arcebispo j porem são obvias duas razões que explicão a difFcrcnça , pois que na Vida do Arcebispo havia maior estimulo no dezejo de satisfazer ao ardor muito vivo, pudera dizer soffreguidáo , dos Vianezcs; c na primeira Parte da Chronica devia retardar mais o nu- mero incomparavelmente maior de successos , a sua varieda- de ás vezes não pouco disparatada , e a escura e quazi ce- ga antiguidade de muitos d'elles : por que se bem Fr. Luiz, de Soiza trabalhava sobre matéria que outrem lhe aparelha- ra ; onde a confuzão , a perplexidade e trevas devião ser maiores por natureza das coizas , como na Chronica , era d'elle requerido maior esmero e vagar para destribuir com acerto , e trazer os empeços e escuridades á narração corren- te e clarissima, que he huma das suas mais admiradas vir- tudes, {b) A dita Primeira Parte foi impressa em 1623, e posto que alguém tenha dito que he somenos em estilo á Vida do Arcebispo e á Segunda Parte da Chronica , mal me posso ren- (a) Esta data tem a licença para correr e a taixa do livro, que se Icm na frente da primeira edição. Na Dedicatória á Camera de Viaua, escrita cm 7 de Maio de 1(J19 , diz que havia dois annos que andava com as mãos na Obra, o que nos certifica de a ter principiado por Maio de ](;17. (6) Não me recordo de achar huma só passagem de iutelligencia cus- toza ; e em toda a p.irtc procede como a corrente serena, que caminha sempre igual , sem topar em penedos e se despenhar de catadupas. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 6^ render a esta opinião , á vista da descripçiío da Batalha in- ferior somente, se acazo he inferior, á de Bemfica ; {a) e á vista das descripçõcs de Santarém e de Montejunto : com as quaes estão em harmonia , quanto os dictames da boa razão ou o que he o mesmo as leis do bom gosto o permittem , todas as outras parcellas de hum crecido vo- lume. E ao menos he innegavel que o livro foi muito lou-' vado , e que d'este honro/o conceito procederão ou as las- timas de se terem occultas e como enterradas as outras duas Partes , ou o zelo que publicou a segunda trinta e nove , e e a terceira cincoenta e cinco annos depois da primeira, (b) Os louvores, que forão na verdade muitos e muito para es- timar, não adormecerão ainda então o nosso Historiador, que continuou com o mesmo empenho e esmero nas duas Partes ultimas pelos annos que correrão desde 1624 até 1630. Nos Livros I. IV. e VI. attesta elle mesmo que escrevia a segunda em 1624, e nos dois seguintes; (c) e em vários lu- gares da terceira Parte declara que a hia escrevendo em 1627. {d) Qiianto a esta Parte ultima não aponta, ou me engano, algum dos posteriores a 1627; porem o tempo que gastou com a primeira e segunda , torna provável outro tan- to , pouco mais ou menos, no que respeita á terceira: e além d'isso cita no Capitulo 23 do IV. Livro huma carta Tom. FIII. Part. I. I es- (a) O que a descripção de Bemlica veuce etu suavidade e alFectos e não sei que brandura e macio de imaginação , ganha a da Batallia em engenho e exquizita riqueza de liiiaua. Porém vcjão-se na primeira Par- te como acabados modelos de suavidade e força de estilo Liv. 11. Cap. 6 , Liv. IIJ. cc. 20. 21. (6) A primeira edição da I. Parte da Chronica foi feita em 1623; a da segunda foi feita por diligencias de Fr. António da Encarnação em 16U2 , e a da terceira em 1670. I\ias tanto a segunda como a terceira se acliavão licenciadas pelo Mestre Geral da Ordem de Marinis , des- de 1650. (c) Veja-se Liv. 1. cc. 9 e 11, Liv. IV. cc. 4 e 7, Liv. VI. Cap. 15. (rf) Liv. IV. cc. C, 7, e 15. r: As coizas atéqui escritas, diz no Cap. 15, são colhidas de huns qiiadernos que á nossa instancia víerão da Índia nas náos que o auno passado de 162i> partirão d'ella. = 6f> Memorias da Academia Real escritn em Goa cm Fevereiro de 1030, d'onde lie força que concluamos que a tray.ia ainda entre mãos no ultimo semes- tre do dito anno. Nao me foge que clle depois da compo- rição poderia inserir qualquer documento, que de novo se oftcreccssc c que lir.csse bem ao propozito ; e confesso que d'isso dá indicios n'huma ou n'outra passagem destas duas ultimas Partes: e sendo assim, podia em 1630 trazella en- tre mãos , sem ser para outrn coiza mais do que para fazer algumas emmendas ou addicções convenientes. He com tu- do esta suspeita destruída pela pouca verosimilhança de que elle completasse huma parte que he maior do que a segun- da , em tanto menos espaço de tempo. O habito de tratar certos assumptos e de compor , assim hc que milhora e fa- cilita ; mas a differença vem a ser muito notável, e se o uzo teria dado facilidade, os achaques e fraqueza dos annos dcverião trazer embaraços e demoras. Tudo bem ponderado, acho que onze annos occupou com os dezoito livros, que abrangem quatro centos e setenta Capítulos, e que discor- rem com a historia pelo espaço de cinco séculos principia- dos , {a) em todos os Conventos e estabelecimentos dos Dominicos Portugue/es nas três partes do antigo Mundo. E>rc trabalho muito considerável não nos faria grande ad- miração, se fosse cmprehendido e levado ao termo final en- tre quarenta , ou ainda entre cincoenta e sessenta annos ; mas acometido e consumado passados os sessenta, cauza não pequena maravilha , c obriga a inferir que este Escritor ajun- tava pronto entendimento, rico engenho, aturada ou con- tinua diligencia, com força rara e rara energia da mais bem temperada constituição. Sendo porém muito para admirar que proseguisse e ultimasse a obra tão tarde emprehcndida , c obra, se a com- pararmos com as circunstancias , tão larga ou para milhor di- (a) Desde a entrada de ¥t Sueiro Gomes em Portugal , que refere ( Part. I. Liv. 1. Cap. 9.) ao auno de 12i7, até 1620 e tantos. dAsSciencias DE Lisboa. 67 dizer táo vasta , bem se nos reprezcnta que a isso o penho- rava cm certo imodo a constância do seu caracter, o deze- jo da utilidade c honra da sua Provincia, e o gosto de cum- prir rigorozamentc com o mandado de seus superiores. Tu- do isto junto em animo tão briozo e tão rcligiozamente submetido ) devia reanimar o alento e multiplicar as forças que não erão de todo gastas, i Mas que diremos vendo-o , entre o cansaço do estádio decorrido e tamanhas razões de suppòr baldadas outras lidas, emprehcndcr nova carreira, e o que mais he , proceder largamente e não parar senão qua- zi ao momento cm que o veio suspender ou atalhar a mor- te ? (a) Entendo a Historia d'ElRei D.João TIL; cuja per- da não pode deixar de ser reputada como huma das mais Jastimozas que tem sofrido a no>sa literatura. Politica ou caprixo ou não sei qual outra razão levou o Governo, em tempo dos Filippes, a mandar compor por escritores nacio- naes a historia d'cste Reino , em alguns dos seus pcrio*- dos mais brilhantes e menos remotos ; e a esta sua ordem devemos ( que até dos contrários se deve confessar e re- conhecer o favor ) boa parte , pelo menos , das décadas com que Diogo de Coito continuou as de Barros , e a Chro- nica do nosso Francisco de Andrade. T-nío se esperava de Fr. Luiz de Soiza , não obstante o pouco que podia pro- metter a sua tão avançada idade , que foi escolhido para escrever a vida de hum dos nossos Monarchas mais famo- zos , e referir os succcssos de hum reinado de trinta e seis annos , riquíssimo de negócios árduos e importantes , de acções varias e memoráveis, c até de grandes homens, que taz.m ainda hoje, e farão sempre, a paice mais sustancial da nossa gloria ! Muitos escritores talião d'esta emprcza de Fr. Luiz de Soiza \ (b) mas são mais largos em chorar o ni de^ (n) SupiiuiDos a primoira Parte da Chroiiica de D. João III. coiitlui- da no decurso ^ se na Cbroiiica de S. Domingos e Vida do Arcebispo foi m''ranieiite archi- tccto , na (le D. João JIl. devia ser arciíitecto e aparelliador juntainen- te. Uarboza falia era noticias udtfuiiulaa com útcaiisavel dctvelo. {b) O mesmo Barboza diz que no primeiro volume compreliendia de- zoito annos do Reinado: e d''aqui lie que eu tiro que a tra«;a era em duas partes, c qtie a cada liumu cabião dezoito auaos. Eiu duas p«rte8, a que ehamuo livros, a dizem os iiio^Tato^ compostA , mas euieaukiu tiafoda ou dezmh'ida , quaudu dizem compotta. 7© Memorias da Academia Real •posta a Fr. Luiz de Soiza, que cumprio prontamente com a remessa a que a carta de Lucena o obrigava, (a) Desde en- tão não houve d'cste monumcnro prcciozo mais noticias bem dcstintas e seguras cm Portugal e em Hcspanha ; e passados ■ qiiazi dois séculos , a que se tem acrescentado damnos e es- tragos de terremotos, incêndios e revoluções, fraca esperança dura já agora de se recobrar. Se foi composta na lingua La- tina se na Portugueza , não he fora de toda a duvida. Nenhum dos mais Escritores o affirma ou nega, e D. António Caetano de Soiza affirma que foi escrita na Latina. Não dou todavia muito pezo ao seu testemunho; não só por ser singular, mas principalmente porque não podia attesrar de vista , e tem muito forte probabilidade contra si. Ainda que Fr Luiz de Soiza escrevia cm Latim com graça, espirito e até eloquên- cia, teria muita mais facilidade escrevendo em Portuguez ; o qual preferiria se isso ficasse ao seu arbítrio : da parte do Governo mal se pode imaginar razão de obrigar o Autor á compozição Latina , practicando com elle o que não prac- ticou com Andrade e Coito ; antes se o escolheo movido , como he mais do que provável , da admiração dos outros seus escritos históricos, era da sua mente, sem disputa al- guma, que clle continuasse a deleitar e doutrinar o publi- co, continuando a escrever na mesma lingua. Mas quer fos- se escrita em Portuguez , quer fosse escrita em Latim a Chronica d'ElRei D. João IIL, todas as pessoas de bom gosto devem ter grande magoa do seu extravio. Deixando de parte a sustancia das coizas , a forma devia ser sempre ele- (n) A carta de Lucena , que he datada de 9 de Janeiro e se refe- re a huma ordem nMilKci de J7 de Dezembro de ](i31 , pode ver-sc no artigo dó nosso Historiador na Bibliothéca Luzitana. NVlla se falia em hun;a coiisnlta que D. Diogo de Castro, estando no governo dVstes Rei- nos, fez a Sua Magestade sobre Fr. Luiz de Soiza, e cm cuja reposta vem a ordem de Li Rei. Porêiii não ficámos sabendo quando a consulta foi feita, nem se a primeira parte da obra, ao fazer da consulta, era já concluída. O que consta com certtza he que a 17 de Dezembro de 1631 já na Corte havia noticia da concluzão. dasScienciasdeLísboA. 7I elegantíssima, e dizer jusramenre , quando não excedesse, com a das outras duas historias. Barboza diz que excedia, e que sendo a ultima em tempo era a primeira em eloquência j e ainda que elle não a vio e era hum pouco propenso a lou- vores exagerados, não deixo de ter a sua opinião por mui- to verosímil. Accomm^da se bem ao nobre e ao humilde o feliz engenho de Fr. Luiz de Soiza ; com tudo nas matérias mais graves , sem ser mais natural e mais apropriado , co- mo que está mais senhor de si e do terreno , e procede com huma bizarria c garbo que muitas vezes arrebata , e sem- pre s.itlsfaz e contenta sobre maneira o seu Leitor. A ma- goa d*est3 grande perda abafa e suíFoca a de outras meno- res , que todavia não dcixão de ser importantes ; quaes são a da Navegação Ant.irctica que deixo allegada rcferindo- me a Barboza e composta em Panamá , e a da Vida de Sor Margarida do Sacramento natural do Porto , Filha de D. Fadrique de Menezes e D. Izabcl Henriques , Freira no Convento do Sacramento de Lisboa , onde acabou santa- mente em 1626. Esta ultima, que aponta no Agiologlo Lu- zitano Jorge Cardozo e que diz que revê em sua mão , («) devia acrescer, nos últimos seis nnnos da vida de Fr. Luiz de Solza, aos cuidados e fadigas da compozlção da tercei- ra Parte da Chronlca de S. Domingos e da primeira da dç D. João in. ; de sorte que em idade tão provecta e ate- nuada , hum novo trabalho era ainda o descanso ou recrea- ção , com que respirava de outros maiores. Nem ficava só na compozlção de livros a sua activi- dade , que pudera unicamente com isso confundir a indo- lência dos que somos tão froxos e para pouco. Como cor- ria fama de suas prendas e virtudes , era procurado seu pa- re- (a) Veja-se o Agiologio de Cardozo a 11 de Maio letra g. Ali se queixa de lhe ter escapado das mãos , e lh''a não quererem confiar de novo as BVeiras do Sacramento :::: pt-rsuailindo-sç que nem toda a penji era capaz de referir suas incliias virtudes, r: 1"J esta he a noticia que ua nota (a) da pag. 3 dissemos que uão fugio a Nicolág Antouio. 7i Memokias DA Academia Real rcccr por grandes pessoas com empenho. Os Escritores no- meíío o Duque de Bragança D. João, que o brio de nos- sos Avós levantou depois ao throno de Portugal , e que sus- tentando o seu incontestável direito veio a ser o libertador da Pátria e o restaurador do Reino. Este Principe por cer- to muito avizado , nao era dos que aborrecem conselhos , ou os desprczão se os chegao a pedir por mera formalida- de. Em tudo medido e circunspecto aprendia , em quanto vassallo , a proceder com a pauza e acerto que a seu tem- po lhe devia servir, governando o baixel da Republica em mares levantados, e empuxado de ventos ora contrários, •ora favoráveis, c sempre impctuozos. Nao fora criado nos •campos, não fora muito provado nos exercicios militares; tnas recebera da natureza bom juizo, da educação e adver- sidade tirara conselho; e provou i face do mundo que se arrojado impcto marcial pode perder hum Estado, hum Principe pacifico mas sábio o pode restaurar. He bem cer- to que os erros de Castella e os seus embaraços, e o favor d'alguns estranhos ajudarão esta grande obra , de que o nos- so primor e patriotismo era aliás o sustentáculo principal ; mas o favor dos estranhos foi muito fraco , o nosso patrio- tismo pcrcizou sempre de boa direcção e em alguns cazos «Je prudente estimulo , e para aproveitar bem dos erros e embaraços do inimigo he ainda necessária muita sabedoria. Este Principe, pois, tão entendido ou tão sábio, tinha em tal conta Fr. Luiz de Soiza , que o consultava , segundo dizem , e he de crer , em pontos difficeis. {d) Não nos in- formão da qualidade dos negócios e he muito de prczumir a.iã fazer especificada relação, crecera este ultimo livro cm volume , e juntamente em preço c grande esti- ma . . . tomão as Madres dVilc ( Mosteiro do Sacramento) por timbre de humildade oii brio Santo, não consentirem que saião á luz suas proe- zas, &c. zz ibid. (0) Francisco de Santa Maria diz que a 5, outros dizem que ali de Maio. Fr. José da Natividade nffirnia que por mais diligencias que se lizerão em lienifica senão pôde descobrir ao certo em que dia. (c) Veja-sc iiarticularmente Fr. António da Eueainação c Fr. Tho- màs Aranlia cointeniporaneos , r Fr. José da JNatividatle. {d) Querem Fr. Lucas de Santa Catliarina e Barboza d<'ssiinular o des- cuido dos Dominicos a este respeito , por têr Fr. Luiz de Stij/.a millior epitáfio uas suas Obras. 76 Mkmorías da Academia Real confesso que quizcra ali huma campa decoroza ; huma !etra de ternura e de saudade ; não para honra de Fr. Luiz de Soixa, mas para mostra de reconhecimento, c para honra dos Frades de S. Domingos de Portugal, Tenho fallado até aqui com tamanho louvor de Fr. Luiz de Soiza , que eu mesmo receio que alguém prezuma que não componho tanto huma Memoria Histórica, como hum Elogio. Mas a justiça mais rigoroza pede, ou requer, que nos acontecimentos por outrem já refendos , me não afaste dos testemunhos alheios bem comprehendidos c bem pon- derados; e que nas conjecturas, proceda direita c legitima- mente, fugindo com cuidado de illações violentas e torci- das. E na verdade , que de qualquer homem fora indigno desprimor, deixar testemunhos e bem tiradis consequência";, para seguir a própria imaginação ou caprixo , cm dezaho- no de outrem. A relação poderia ser mais curioza , e mais conforme ao que sentimos da natureza humana ; mas sem- pre seria mal fundada. A' vista dos documentos , não po- dia contar ou attribuir a Fr. Luiz de Soiza outros erros e fraquezas. Escrevo sem amor e sem ódio , de cujas cau- sas estou bem afastado. Se dczacerto , será porque ou não vi todos os testemunhos, ou não os avaliei com exacção, ou inferi mal parecendo-me que o fazia bem : em huma pa- lavra , será por imprudência , e não por enganozo aflfecto. O mesmo digo já com antecipação a respeito da parte cri- tica d'esta Memoria ; sendo o meu animo offcrecella , não como o mais seguro juizo, mas como o meu; que folgaria, he certo , de ver aprovado pelas pessoas de mais entendi- mento e milhor gosto. Os DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Tf O 'S Panegyristas do engenho e compoziçoes de Fr. Liiií de Soiza tem sido muitos; mas nem todos os votos são de igual pezo. Ponhamos de parte a turba , que quando menos mal, não he senão o ecco dos mais entendidos; e façamos conta só do parecer de dois estrangeiros c de dois dos nos- sos naturaes. Nos dois estrangeiros Jacques Echard e Ni- coláo António, concorrião ponderação e imparcialidade; nos dois naturaes Fr. Agostinho de Soiza e o Padre António Vieira, não podia influir muito o affccto , nem se pode ne- gar o bom conhecimento da cauza de que julgavao. An- tónio Vieira fa/ia jui/.o quarenta e cinco annos depois da morte do nosso Historiador, que não conheceo senão de fa- ma c pelas suas obras , e com quem não tinha outra rela- ção mais que a de serem ambos nascidos em Portugal, (a) No que diz respeito á lingua , se n'ella não sabia escrever com as graças da pcnna de Fr. Luiz de Soiza , certamen- te a possuia ainda milhor do que' este ultimo. O conheci- mento de Fr. Luiz de Soi/.a procedia da educação corteza, de alguma leitura, e de certo instinto raro ou de huma cer- ta felicidade Jc talento , que sei milhor comprehender do que definir; o de António Vieira era fruto do estudo, da leitura bem reflectida e vasta, e de ardente ambição de che- gar aquT a hum grão muito subido, a que na verdade che- gou. QLianto ao bom ou ruim gosto, o de Vieira tem sido muito censurado, e não falta fundan)ento. Mas o gosto d'es. te homem celebre quando compunha, particularmente os seus ser- (n) Fr. Luiz de Soiza, como jA dissemos, nasceu cm >iaut.irL-ni ; An- tónio Vieira, que alguns cuidão que ua£cco no Brazil jxjrque lá se criou d^sdc a idade de oito onnos, nascêo em Lisbo.i iíiu ItíOa a O de P^e va- re iro. 78 AIkmorias DA Academia Real sermões , era corrupto , c não o era quando avaliava. Suc- ccdia-llic o avesso , justamente , ào que Boilciu notava no Poeta Pedro Corneille. (a) As idc-as próprias de Vieira so- bre estilo ou modo de escrever erao qua/.i contradictorias com as do seu tempo; e quando compunha sermões, dei- xava as suas e seguia as dominantes: d'ondc vem a dilFe- rença , quazi pasmoza , entre os sermões c entre os papeis pragmáticos, as relações e as cartas. Tamanha differença he, que a não acharmos cm toda a parte certos rasgos que só a cllc pertencem, e a mesma abundância e correcção de lin- guagem , diríamos que o Autor dos sermões era muito ou- tro. Fr. Agostinho de Soiza foi Fortuguez , contemporâneo e companheiro na Ordem do nosso Historiador; mas na cen- sura da Vida do Arcebispo e na da Primeira Parte da Chro- nica mostra tanto izençao de estranho , hum ar tão singe- lo de juiz incorrupto, huma franqueza tão seca e conci/a , principalmente na da Vida do Arcebispo , que á sua vista he impossível tello por adulador, ou ainda por apaixonado. O seu entendimento era são e culto, o seu gosto puro e até delicado, o seu apreço da nossa lingua muito alto, e a noticia d'e!la muito alem do que era vulgar mesmo en- tre os literatos do seu rempo. Entre elle e entre o nosso Fr. Luiz de Soiza, quanto me he permittido julgar, acho grande similhança , e quazi que hia dizendo igualdade. Se Fr. Agostinho compôs livros , não sei ; (b) porem sei que se os não compôs ou se o tempo os consumio, razão te- mos Ça) zz Tel excrlle a ilraer qiii juge sottement =: dizia Boileau Art. Poet. IV. 82. alludiudo ao grande Corneille. (i) Não sei ao certo q\ieni fosse o Fr. Agostinho de Soiza que re- vio a Vida do Arcebispo c a Part. I. da Chronica; mas cuido que foi o mesmo que Barboza , no artigo de Fr. Pedro de Magalhães, diz que era Prior de Lisboa em 1'jIO, e de quem Fr. Pedro Monteiro no tercei- ro Lanço do Claustro Dominicano diz a pag J02. = O Pnzentado Fr. Agostinho de Soiza tomou o gráo (de Bacharel ) a titulo da pregação, c depois foi Provincial pelos annos de li;J2 , depois foi vizitador e re- formador dos Cónegos Seculares de S. Joào Evangeliita. Era da c;iza dos Senhores de Calhariz. =: DAS SciENCIAS Ut LlSbOA. 79 mos de solFicr mal o seu dcACuido , ou de nos doerm»)S da voracidade do rempo. Mas vejamos o parecer ou a senten- ça d'estes quatro juiíies táo ri-commcndavcis. Hum bello engenho^ diz Nicoláo António, bem cultiva- do por estudo de huwanidaães , e hum juizo maduro , em que o igualavão poucos , o chamarão ou tmhão destinado d historia ; e u^este género compôs obras varias que em parte is-estampárao , em parte ficarão manuscriptas e tai-jez perdidas \ mas humas e outras altamente dignas de sahircm ã lu^z publica, {a) Echard reconhece a elegância do engenho, e por madurc/a confessa agudeza de discreto juixo; acrecenra pureza de linguagem própria da Corte em que se criara ; e diz , movido de hum certo enthusíasmo , que divino cont;eIho o trouxe á Reli- gião de S. Domingos, para dos maceriacs colligià(;s por Cacegas , no tocante a Portugal , formar hum corpo de his- toria bem ordenado , onde os suc^essos sáo relatados com tanta clareza como apropriado ornato. íjb) E tão evidente he o acerto do p.nrccer d'cstcs escritores, que pondo de par- te toda a prevenção, nâo acho n'elle em que fazer reparo. Echard , que nfio podia saber a fundo a iingua Portugue- za , andaria com mais prudência em lallar neste ponto com menos rezolução, e devia imitar o discreto precate de Ni- coláo António, que insistio somente no merecimento subs- tancial e nas suas cauzas; evitando a nota de tocar com af- fectada distincção no que deviu exceder o seu conhecimen- to. Mas o que eu supponho he, que os louvores dados por pessoas intelligentes á lingujgcm de Fr. Luiz de Soiza , por (1) rr Latet adhuc (lalln da Clironioa de D. .João MI.) néscio apiid quem inediluni , luce prorsiis ut cottera dignisiimuiii ::; Áicoláo Auto- iiio líibliothcca Hispaii. F'r. Lud. tir i^oiza. (i>) rz lloc soliiiM ad(iiiniis liaiu! absque divino consilio facaln]pnte , segundo o conceito de liuni bom juiz, na justa accomiuodação ús coizas c pessoas, por es(a accommodação aclio PU iiisi"TPS ns de .Sci'/a. As de Lívio serão talvez mais ponipozas; mas a maior eloquência não consiste na maior pompa: serão mais estudadas e trabalhadas; ni Liv. I. Cap. 14. (è) Fr Bernardo de Brito úllicco em Itíl7, de 48 aimos de idâd«. Em 164!t, foi trasladado do AlosUiro de .Siiita Maria de Aguiar para a caza do capitulo de Alcobaça, onde se lhe pôs iiuiu epitáfio de bem es- tragado g^)sto,/rrt, espiral, espiraculo; espirito , espiritual, espirituoso; espes- O ii JO , io8 Memorias da Academia so , espessura ; cspleudido , esplendor ; espolio , espoliar ; esposo , e esponsaes ; espuma , espumar , espttmaute ; e>piirio ; espontâneo ; esquálido-^ estação .f estado^ estalilidade ^ estável 'f estatua ^ esta- tuário ; estatura , estatuto ; estrella , estreitado ; estéril , esteri- lidade ; estimulo , estimular ; estipendio , estipnuliario ; estipula- ção ^ estipular-^ estrépito \ estômago^ estomacal-^ estrangular \ estrépito ; estructitra ; estudar , estudo ; estupidez , estúpido , estupor; &c. Deverão alem disso escrever c pronunciar squama^squa' mar c squamoso com ///z e não c : letteras c letteradus com í- antes e depois do í : sufferer e siijferimento de suffero : oherar e oZ'eríz de opcr^ : anihilar e não aniquilar de h/7)/7 : qtiomo (á antiga) e não roww de qtiomodo : e mesmo arbore ^ e não arvore : libro , e não /íí;rí) : crt/r^ , e não frtZífrt : &c. E portanto , escrevendo os Etymologicos rigorosos nmas destas palavras conforme a origem , e outras no mesmo caso segundo o uso e pronuncia , esquecem-se dos seus princí- pios, e mostrão-sc incoherentes c relaxados nos escrúpulos. E escrevendo-as todas etymologicamentc , levarão muitas ve- zes o commum dos Leitores a erralas na pronuncia, c ex- citarão o ludibrio até de muitos dos doutos. III. Os Sectários do uso empírico^ escrevendo tudo con- forme a practica geral , commetterao erros contra a ctymo- logia approvada pelo ouvido, ou não contrariada da pronun- cia. Por exemplo : Escrevem abitumar , bitumc , bitttmar , hituminoso , &c. com hc^ tendo bi na raiz bittmien. ^ Canna , cannafístula ^ &c. com um so », tendo dois na raiz. Cemento e cementar com ci em vez de ce , que lhe vem de ctementum. Cobrir^ desco- brir , encobrir , descoberta , descobrimento , &c. com u , deven- do ter o de cooperire. — Rumper e corrnmper com o em log:ir do « exigido pela etymologia , e pela analogia com ruptu- ra , corrupção , corrupto , corruptela. Cnrrer , concurrer , dis- currer , occurrer , reairrer , succtirrer com o cm logar do « requerido pela raiz currerc , e analogia com discurso, concur- so j excursão y &c. Cair j sair j trair y e os compostos recair ^ s-o- 1 TAS SciENClAS DE L I S E O A. lOp sohresa-r ^ &c. com h cm uns tempos c pcssn.is , e sem clle noutros: quando as raizcs caâo ^ salio ^ e trado não tem h\ c tal lettia não pódc supprir um íi ou /, aliás deveria en- trar em todos os tempos e pessoas. ^ Circumàar , circunt- cisão , circumferencia , circumspecçao , circimstancia , &c. com » cm logar do m em circum : c tachem Nymfa , lymfntko , tririfnfo , &c com « antes do /, devendo ter >« por etymo- logia grega ou latina sem objecção do ouvido. Excusa ^ ex- ciisação ,f excitsíir ^ &c , e taobem extrangeiro , extratiho , ex- tranhar , extranheza ; expectoração , c expectorar \ experto , e experteza\ &c. com es em logar de ía?, exigido pelas raizes destas palavras. Escrevem c pronunciao isenção ^ isentar^ e isento^ em lo- gar de exempção , exemplar , e exemplo , com depravação da ctymologia. L/V^o em vez de lecção ^^or etymologia de lectio ^ e conformidade com coUecçao , prelecção , selecção , &c. -- 7<^» aos olhos do maior numero, e poupa á nódoa de igno- j> rante ou desmazelado aos do Sábio. _ Porem desprezo a j> ostentação da sciencia , e prefiro occultala na escripta , >j quando pela mostrar exporia a erros de pronuncia os lei- JJ to- {(i) Tanto a Etymologia como a Pronuncia tciu introduzido na nos- sa lingua e escripta muitas anomalias , que não podemos emendar. Por e.xomjilo, temos homem e humano; damno e iiulenme; ouro, aurco , e dou- rar ; prender , preso , prizão , e priziouciro ; Icttras , lef trado , littcraio , e littcratura ; ouvir c ouvido , audiência e auditório ; Ecclesiaslico e IgreJ/c ; hnrbn e imberbe ; arte e uierle ; arma e inermn ; equidade e iuiqmd'ulc ; de- teriorar e detrimento ; franco e franejueza ; rico e riqueza; Ikc. Taes irre- gularidaíies, destructivas da analogia são insanáveis: e lie preciso con- strvalus ; pois nascem de dois |mncipios mais poderosos do que esta , a saber a etymologia e a eufonia ; e não podemos abalalos sem grande metamorfose da liugua e escripta uacioual. iii Memoiiasda Academia j» torcs pouco instruídos ( pois mais escrevo para ellcs do » que para os Sábios ) ; ou me exporia á nota de csqiiipathicOj j> ou mofa de jactancioso no juizo do maior numero. " Tal he a meu ver a máxima fundamental , que qual- quer pessoa prudente , ou congresso de homens , por mais doutos que sejao nas linguas da antiguidade , deverá encarar bem no acto da adopção dos principios capitães para o me- lhor systema de Orthografia portugueza. ARTIGO 11. £)s foder competente d pronuncia e d etymologia sobre a es- cripta '. c ds avessas. 10, ^r;^ue a recta pronuncia dos vocábulos deve regu- lar a sua orthografia , ninguém negará ; pois he a cscripta alfabética /'/«íwr^ da Imgna. (7) Importa que os signaes das dicções não as desfigurem; para que a escripta não leve o Leitor a estropcar o discurso , ou a entender mal as expressões , cuja significação muda so com a troca de uma Icttra ou accento. Sabiamente dizia o Mestre da arte oratória: « Pcrsuado-mc, que tudo deve ser escripto, como j> soa, excepto no que o uso prevalece; porque o préstimo >j das lettras he guardar os vocábulos como em deposito, j> para restituilos aos leitores. >» {a) 11. Mas deve a pronuncia individual, e mesmo a geral de uma época (fosse ella embora a do esplendor dalingua) ter império absoluto e indestructivel sobre a Orthografia , com desprezo da ctymol )gia c do uso ? Deve acaso por si so regular a escripta da linguagem , que formada , enrique- ci- (a) i^go , lUòí qtiocl cmiitwtwlo ohti,iiucrít , de scnbeiulum e/uulque jitdi- co , quomodo sonat ; hic cidin usiis est lUltuarum , ut custodiaitt vocês , et vcluti dcposUum reddant li\2:eiitUMS. Cluiiilil. Lib. 1. Cap. IV. Tal he o afo- rismo do systema da fscrii)ta pela inrra pronunciação , qual era usado em Roma ainda no semilo de Augusto, mas que entre uós uào pôde ser recebido sem modiíLca^õcs. OAS SciENciAS DE Lisboa; 113 cida , e aperfeiçoada constantemente pelo estudo das línguas mortas, c recebendo os seus vocábulos por via daescripta, adoptou c segue o systema da Oithografia ctymologica ? Eisaqui os pontos , que passamos a examinar. Delies pen- de essencialmente o verdadeiro systema da recta Escriptiira portugueza. 12. No Prologo áoTractado de Orthografia expozemos a nossa opinião sobre esta matéria pelos termos seguintes. (§. V,eVI.) ■> no por meio mais fiel e durável do que a memoria e tra- j> dição , e fixar as leis , que dcviao assegurar a felicidade jj publica ; e até de transmittilns aos ausentes e vindouros : » está claro , que a escripta alfabética foi dependência da j> linguagem no acto da sua invenção. E he natural , que os jj seus instituidores analysando então os elementos da locu- jí ção arbitrassem signal distincto para cada um , e os em-- >» pregassem constantemente com rigorosa subjeição á pro- 3> nuncia das palavras e do discurso. »j Mas , ou porque as primeiras analyses forâo pouco » delicadas ; ou porque com a successão das gerações se 5» tem alterado os sons , e inflexões da garganta represen- j> tados a principio por cada caracter: achamos hoje na Or« " thografia muitas anomalias c ambiguidades, de que mes- j» mo depois de estudo assiduo das línguas mortas e da nos- >» sa , mal podemos sair por auxilio de prolixas regras , e >» enumerações de casos exceptuados. Encontramos caracte- j» res , que representão cada um diversos sons j e sons ele- j» mcntares , a que correspondem dois modos de serem fi- >» gurados , sem que a pronunciação nos possa guiar no em- » prego dos mesmos signacs. " De mais varia a pronunciação de muitos vocábulos j» inevitavelmente de província em província, e de geração " em geração : e se todos escrevessem segundo a própria Tom. FUI. Part, I. P pio- 114 Memorias da Academia »í pronuncia , nada haveria de geral c estável na lingua da j> nação ; desconheceria- a posteridade nos escriptos de seus j» avós muitos termos c a sua força ; c quando qualquer >» obra tivesse atravessado um século , tornar-se-hia pouco » inteiligivel. Nao estamos pois agora em situação de po- »> dermos regular sempre os caracteres da escripta pela pro- j> nunciação das palavras. »» De tudo isto se segue: I.° Qiie em muitos casos não basta a pronuncia ( mesmo a mais pura ) para ensinar-nos a escrever; pois ha ambiguidade no emprego de diversos si- gnaes dos mesmos sons : II, ° Q].ie em muitos outros casos deve a escripta governar a pronuncia. 13. Clamão os Sectários da escripta pela mera pronun- ciação , e Reformadores do alfnbcto , que as incoherencias existentes entre a pronuncia e a escripta exigem reforma indis- pensável. Mas pergunto : porque ha esta de recair no sysre- ma da Ovthograjia ^ que admitte permanência; e não no da Pronuncia , que sendo variável por aatuveza , deve de tempos a tempos volver aos seus primitivos elementos? Quem hade ensinar-nos a recta pronuncia dos vocábu- los ? Como podemos adquirila , sem nos comraunicarmos com os Sábios da corte ? Sem entrarmos neste commcrcio desde a tenra idade , em que o ouvido tem a finura , e a garganta a flexibilidade necessárias para perceber e exprimir as minimas diíFerenças dos sons na immensa variedade da lingua e seus di;ilectos ? Quantos erros de pronuncia não contrahe o provinciano continuamente em boa fé , desde que entra no uso da voz ? E quem hade denunciar-lhos , e ensi- nalo a corrigilos ? Um diccionario ou vocabulário ? Mas esse mostra-lhe lettras e não sons ! Aliás , porque não se confor- mão os Reformadores do alfabeto e da arte de escrever primeiro na Orthografia , e depois na pronuncia , com os diccionarios da nosssa lingua , e os das maternas , onde já estão fixas a escripta e a significação das palavras ? Que seria da lingua portugueza , ficando pelos metho- dos de escripta pronunciativa (a que chamão Orthografia fi- lo- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Ilj losojica , e eu chamarei Cacograjia antisofica ) á discreçao do ouvido e garganta do habitante cm cada provincia das vas- tas e longínquas regiões do Reino Unido ? Qiicm entende- rá o papel escripto por taes systemas na Ásia, Africa, ou America , ainda que lhe chamem portuguez ? Qiicm perce- berá, passados 6o annos , o livro escripto hoje por qualquer destes methodos ? Onde irão parar as diversidades de escri- pta , pronuncia , e significação dos termos da nossa lingua ? Oh confusão de Babilónia ! 14. Tornar a cscripta absolutamente escrava da pronun- cia , com desprezo da etymologia e do uso , he pois syste- ma erróneo , e destructivo da communião das linguas euro- peas e sabias , da fraternidade nacional , e do usofructo da experiência dos séculos. Conservando orthografia fixa , e por egual dependente das três bases , deixaremos aos habitantes dos estados portuguezes a liberdade de proferirem as pala- vras ao modo do seu paiz. Cante cada um a lingua como quizer : comtanto que a escreva ao estilo nacional (no que pode e deve haver uniformidade ) será ouvido e entendido pelos seus compatriotas das quatro partes do mundo. 1 5-. O que fica ponderado dá a razão das nossas doutri- nas sobre o emprego dos accentos. Como a pronuncia dos vocábulos receba muitas diíFercnças, mas pequenas, na boc- ca de todos os naturaes dos domínios de Portugal , nada ha mais prudente do que o uso de nossos antigos de omittir accentos cm todas as palavras , que não soíFrem ambiguida- de de pronuncia e significação : suppondo no Leitor o co- nhecimento de uma e outra. E nas que padecem ambigui- dade ( porque podem ser lidas por dois modos , dando em ambos palavra portugueza e com diversa acccpção) he ain- da usado e racionavel accentuar a vogal da syllaba de ca- dencia e não outra, com o accento conveniente ao som que que ahi tem, e tãosomente quando este não he mudo (por- que taes sons nunca se accentuão); ou o contexto gramma- ticnl não tira o equivoco, dando a conhecer a natureza da palavra no mesmo logar cm que está collocada. {a) P ii 16. jj6 M EM ORiASDA Academia 1 6. Os Cíisos , em que a pronuncia pode regular a es- cripta , e cm que esta deve inversamente dominar a pronun- cia , dctcrmináo-sc sem circulo vicioso por trcs principios simplices e arrazoados. I. Em todo o vocábulo portuguez , derivado de outra lintTua , que se considerar entrado e estabelecido na nossa , ou purificado em razão da eufonia e suavidade da pronun- cia , por via da fala e do envido , deverá a pronuncia regu- lar a escriptaJ II. Em todo o que se considerar entrado ou estabeleci- do na lingua portugueza pela via ocular , isto he pela lei- tura dos livros gregos ou latinos , devera' a Orthografia re- gular a pronuncia : suppondo-se , que qualquer diversidade pouco sensível hoje existente entre uma e outra procede de corrupção da fala ou da escripta feita pelo esquecimento da sua raiz. Porem exceptuaremos desta generalidade as palavras , que se julgarem apuradas na lingua portugueza pela eufo- nia, ou amoldadas pelos cunhos nacionacs, mormente sen- do nas partes, onde estes tem o seu assento especial, co- mo são o principio e as terminações ; porque em taes vo- cábulos deverá a pronuncia regular a escripta. III. Em toda a composição de dois vocábulos , ile que resulte na pronuncia alteração pouco sensível de algum dcl- Ics , deverá a escripta ficar o mais intacta possível de taes alterações , mostrando distinctamente os elementos do termo binário : embora qucirao alguns pronuncialo de outro mo- do, (b) 17. (a) Accciítiiar os monossílabos Ja , la , ma , so , po , fe , rc , etc , e mesmo os polysyllabos agudos cafc , mure, José , jacaré , e outros, co- mo usão nas imprensas, lie excesso; pois não tem equivoca^^ão , e to- dos sabem como se pronuncião. E acceiítuar a primeira vogal das pa- lavras graves somente , Jamais , calçando , e outras, e das agudas aquém, alem , etc (como usão tãobein para indicar sons abertos) he ainda inúito peior ; pois alem de excusado, indica falsamente, que as primeiras são esdrúxulas, e as segundas graves. Aquém distinguc-se de a quem, unin- do ou separando o a. (i) Unindo a preposição em com o artigo o , a, os , as , fizerão a DAS SciENClAS DE LiSBOA. II7 17. Para applic.irmos os dois primeiros principios ás pa- lavras da Jingua portugucza , prccizamos de distinguilas cm trcs classes. /." Classe. Das palavras , que tem etymologia certa ou pro- vável latiria ou grega. 11." Classe. Das que tem derivação conhecida , certa ou provável de outras linguas mortas ou vivas, como o Céltico, o Ardbico , o Gothico , &c. Ill:' Classe. Das naturacs ou oriundas do nosso paiz, ou a que não reconhecemos etymologia certa ou provável em outras linguas. Entrao aqui os vocábulos, que embora decla- rados por Etymologicos visionários com derivação grega ou latina , a tem mííito improvável ou falsa (a) ; porque estes deverão ser tidos como originários de Portugal. 18. preposição articulada no, na, nos, nas, com sua metamorfose ua pro- nuncia e na cscripta por eufonia. E por igual junctura da mesma pre- posif,'ão com adjectivos principiados por vogai (no masculino e fe- minino singular e plural) se tem composto as palavras iitl/c , nclla , 7ti'llc.s , c Jicllas ; naquelle e naquillo ; nesse .e nisso ; neste ; noutro ; ncstou- Iro ; uid'j;um ; num; etc. As mais destas comjwsiçõcs estão auctorizadas na pronuncia <; cscripta pelo uso geral , e até dos Sábios. Comtudo não sei que sinto de máo nas jjalavras num, mana, mais, e numas, que não me resolvo a adoptalas, preferindo sempre dizer e escrever cm um, em. nnui , etc. — Igualmente da união de per com o artigo se fez a prepo- sição articulada pelo , pela, pelos , e pelas , mudado o r em l. E por igual composição do infinito amar , bcbrr,unir, etc. se tem feito amalo , amtila , amalos , e amalas ; behrlo , etc ; unilo , etc. Estas composições es- tão auctorizadas pelo uso. jMas não iiulico.as do segundo caso com o liyfeu ; para não ser incohercntc com o primeiro; e porque a compo- sição he mui sabida; e porque ou ponha a divisão atraz do / ou adian- te, sem])re indicaria alguma falsidade. A parte da dicção antes do hy- fen deve acliar-se sempre completa e incorrupta. Prouuncião e escre- vem hoje alguns àma-no , e faze-no por amão-o e fa::cm-o , ou amão-no e fa~cm-no : e àmn-lo , c f(íze-lo por ama:;-(o c fuícs-lo : etc. Não vou pa- ra tal. Toda a composição de verbo com artigo ou pronome ( menos uo infinito ) deve ser feita conservando o verbo intacto na escripta ; porque a sua terminação designa tempos e pessoas, que não convém equivocar. (c) Sobre a distincção de quatro grãos de certeza ou incerteza , ver- dade ou falsidade etj mologica , veja-se a nota 1 ao §. XIII. do Pro- logo do uosso Tractado de Ortho"ralia Portuíjueza. ii8 Memoriasda Academia i8. As dicções da I.' Classe , especialmente tendo de- rivação latina privativa , serão consideradas em duas Or- dens. I." Ordem. Das que tem no seu corpo , excepto a termi- nação , e acaso algum som ou syllaba inicial accessoria , pro- nuncia conforme com a que damos á sua Orthografia grega ou latina ; ou tão pouco alterada , que sem extranheza do ouvido pôde conformar-se com cila. 11," Ordem. Das que se achão hoje sensivelmente altera- das na pronuncia (c cscripta) a respeito da que na nossa bocca corresponde aos caracteres da sua orthografia latina ou grega , vertidos nos correspondentes do abccdario portu- gucz. As dicções da 11." Classe serão igualmente distinctas em duas Ordens. 1." Ordem. Das que tendo derivação das línguas Hebraica , Syriaca , Caldaica , &c. , se conscrváo nos livros Sagrados , e por elles vierão ao portuguez. //." Ordem. Das que tem origem conhecida ou presumida das linguas Arábica, Céltica, Gothica, Carthagineza , &c : e passarão ao portuguez do tempo em que estes povos oc- cupa'rão a Hispanha e a Lusitânia. ij). Isto posto, ficâo planos os corollarios seguintes. I. Entre as dicções da I.° Classe , as da I.^ Ordem de- verão considerar-"se entradas, estabelecidas, ou purificadas en- tre nós por via da cscripta c leitura dos livros gregos e la- tinos , não so depois da invenção da imprensa , mas ainda da sua perfeição do século XVI em diante. E portanto de- verá nellas a cscripta regular a pronuncia : emendando-se to- da a pequena discrepância no corpo da palavra, que não se julgue motivada de propósito pela eufonia. II. As palavras da 11." Ordem deverão considerar-se en- tradas e estabelecidas na lingua portugueza pela z'ia auricw lar , conservando-se mfiitas em Portugal do tempo da do- minação dos Romanos na Península j ou purificadas e ado- çadas pela eufonia. E portanto nellas deverá a pronuncia re- DAS SciENCIAS DE LiSROA. (T9 regular a escripra : porem nos cnsos , em que a pronuncia fique neutral , scguir-sc-ha a ortliognifia etymologica (8) . III. Entre as dicções da II." Classe, as da I.^" Ordem de- verão considerar-sc entradas na lingua poituguoza pela via ocular^ c lecção da Escriptura nas suas traducçõcs. E portan- to a orthografia etymologica grega ou latina regulará nellas a pronuncia. IV. As palavras da 11.^ Ordem deverão considerar-se en- tradas c estabelecidas entre nós pela via auricular : c portan- to nellas devera' a pronuncia regular a escripta. E nos ca- sos de pronuncia neutral o uso tirará as ambiguidades. V. Os vocábulos da 111/ Classe considerar-se- hão todos estabelecidos na lingua portugueza pela via guttural e do ouvido: embora nascessem na Lusitânia ou fora delia, e an- tes ou depois da fundação da monarquia , e da invenção da imprensa. E por tanto a pronuncia regulará ncUes a es- cripta. E nos casos de pronuncia neutral decidirá o uso as duvidas orthograficas ; ou de dois caracteres isofonicos em- pregar-se-ha o que tenha cunhos mais portuguezes. 20. Mas como a pronuncia , a orthografia etymologica lati- na c grega, e o uso (que cm diversos casos devem decidir as duvidas occurrentes) tenhao suíFrido, e ainda experimen- tem diversidades , convém determinar épocas na pronuncia c uso, e fontes puras da orthografia etymologica, ás quaes nos reportemos nas deliberações precisas para a formação do Vocábulo Orthografico : e^ eisaqui o meu parecer. I. A pronuncia da época presente regulará os nossos tra- balhos ; pois a conhecemos melhor do que as dos tempos passados : e reputar-se-ha pura e polida a da pluralidade dos Académicos presentes ás deliberações sobre as matérias do Vocabulário. II. A orthografia etymologica grega deverá ser decidida cm caso de duvida pelo dicrionario de Hederico : c a lati- na pelo de Calepino e Facciolati ; porque ambos estão ge- ralmente acreditados na Europa. III. Refprindo-nos para o uso da escripta a época an- te- 110 Memorias DA Academia terior a nós , porque o actual pòdc mais ser moda do que costume auctorizado , consultaremos a esse fim sobre as pa- lavras, onde a pronuncia c a etymologia não tem decisão, os diccionarios de Blutcau e de Moraes, logo que o desta Academia principie a faltar com os termos da lingua. E te- remos tãobem presente para o nso da escripta dos vocábulos de origem arábica , a compilação intitulada Fcstigios da lin' giia arábica em Portugal. ARTIGO III. Como sustentaremos as etymologias gregas e latinas na escripta portugtieza. II. V_^oncurrêrão grandemente, e ainda contribuem as linguas latina e grega para a formação e riqueza da nossa: mas por diverso modo em três épocas. Nos princípios da Monarquia acliou-se a nossa lingua com muitos termos la- tinos, e bastantes gregos, entrados e constituidos nclla pela via auricular (i^ , II.): e estes tomarão cunhos portugue- zes na nossa pronuncia e escripta. Passados tempos, e mor- mente depois da invenção da imprensa , continuarão as mes- mas linguas a locupletar a portugucza pela via ocular, to- mados comtudo os termos de ambas indistinctamente das obras dos Romanos. E portanto forao os vocábulos gregos escriptos em portuguez com os caracteres, que lhes viamos nos livros latinos. Ultimamente passando ha dois séculos a profundar-se o estudo do grego nas obras originaes , havemos bebido delias copia de expressões : c pronunciando-as com o valor , que as Icttras gregas tem em portuguez , forao escriptas primeiro conforme os princípios da orthografia la- tina , e depois pelos da portugueza nos casos , em que os caracteres latinos causão aberração do seu valor na nossa pro- nuncia , ou equivoco de leitura. 22. Havendo asScicncias cxperimentaes , Qiiymica , Far- mácia , Historia natural nos seus três ramos , Metallurgia , &c , e DAS SciENCiAS DE Lisboa. 121 e mesmo as Mathcmaticas , a Medicina, e as bellas Artes , modernamente adoptado multidão de vocábulos gicgos , que nunca entrarão na língua latina, tomando-os immediatamen- te dos escriptos e diccionarios gregos ; deveremos rigorosa- mente denotalos em portugue/ com os caracteres latinos , quando estes causão aberração do seu valor na nossa escripta? Então mostramos falsamente , que recebemos dos Romanos todos os vocábulos gregos admittidos em portuguez. Graças á instrucção moderna das couzas da antiguida- de , e a quem nos-ia promove pelo estabelecimento de boas escolas ! Graças aos Compiladores dos diccionarios gregos ! Graças aos Editores e Traductores de suas obras ! Ja po- demos commcrciar directamente com a Grécia, sem irmos buscar as suas fazendas a Roma , nem carecermos de inter- prete latino ! Ja estamos habilitados para herdar a preciosa sciencia , e usar das ricas expressões do povo antigo , o de maior gosto e perfeição nas suas obras ; sem prestar feudo aos Romanos , que embora pais adoptivos das instituições portuguezas nos deixassem abundância de seus cabedaes, não nos dispensão de recurrer aos cofres de nossos Thios , atu- lhados de ouro fino. Cavemos pois os thesouros da Grécia : e corra a sua moeda entre nós , retocados os cunhos pelo nosso buril. 13. Tem-se nomiado a lingua grega avó da portugueza , reputando-se a latina filha delia : mas isto não he exacto. Ja esta se achava formada pelas dos antigos habitantes do La- cio , e polida ao gosto dos Romanos , quando a communi- cação destes com os Gregos , e estudo que passarão a fazer das doutrinas e systemas da Grccia , abriu entrada no latim a muitas dicções gregas, que ainda nos últimos tempos da republica os doutos se receavão de empregar. São pois as línguas grega e latina verdadeiramente irmans e contem- porâneas ; e ambas mais e fontes da portugueza : posto que a dos Romanos curresse a esta com veia mais grossa e abun- dante. 24. Deveremos pois escrever sempre as palavras vindas d» Tom. VIIL Part. 1. Q_ gre- 121 Memorias pa Academia grego segundo a Orthografin latina ; ou devemos escrevelas se- gundo a portiigtieíza , e como bebidas immediatamente dos livros gregos} Escrevcndo-as constantemente contorme a pronuncia portugucza , desapparecem os caracteres etymologicos , e pri- cipitamos-nos em os abysmos da cacografia autisofica , ou dos systemas da mera pronunciação. E cscrcvendo-as constante- mente segundo a orthografia latina , alteraremos em alguns casos o valor das lettras em portuguez , causaremos equívo- cos e erros na leitura dos vocábulos , e cairemos nos incon- venientes do systema da etymologia rigorosa (4 , e j) . Lo- go para suster»tarmos a moderada combinação dos três syste- mas , marcaremos as etymologias latina e grega pelo em- prego dos caracteres etymologicos (ã , jy , «?, f ou j, j ou z, consoantes dobradas , &c.) debaixo de princípios deduzidos do parallelo do nosso abced-ario com os destas linguas , fa- zendo entre ambas a distincção possível e prudente. aj. Quaes sons e articulações da voz correspondião ás lettras do alfabeto grego e latino na bocca dos Gregos e Romanos , he por nós totalmente ignorado. E que 1 sabe al- guém , que expressão particular tem as lettras do abcedario latino na pronuncia dos diversos povos da Europa , que as adoptarão , sem havelos escutado com ouvido muito atten- to , e comparado a fala com a escripta ? Todavia he indu- bitável , que o b tinha valor na lingua latina. E se os Ro- manos traduzirão o , e de f ? I. (a) O mesmo Cicero o diz no Liv. 48 de Oratore. Quin ego ipse , quum scirem ita majores locutos esse , ut nusquam , iiisi in vocali , adspiralwtie uteretitur , loqmbnr sic , ut pulcros , cetegos , triumpos , Cartaginem dice- rem : aliquando , idqne sero , coiwitio auriuin quum extoría milii ventas es- set , uòum loquendi populo coucessi , scieiUiam milu reservuvi. A afronta dos ouvidos exigio do Cicero (e isto tarde) dÍ7,cT pulchros , triumphos , e Car- thago com aspiração e h ; porque dantes dizia estas vozes sem aspiração. dasScienciasoeLísboa. 123 I. o b depois de t, ou entre c e coní^oanre , he signal nullo para a pronuncia , sem destruir o valor destas lettras , nem causar equivoco na leitura ; porem marca palavra vinda do grego , e com 6 ou X na raiz. Demanda , que o Escri- ptor saiba , em que dicções deve collocalo ; mas não são estas numerosas : e empregado alii , sem damnar a pronun- cia do leitor , encaminha o instruído a entrar no espirito fixo da palavra. E se este para certificar-se da genuína si- gnificação quer recurrer ao diccionario grego , sabe , que a raiz em logar do th tem> G e não t ; e de eh tem X e não n . Portanto nestes casos está o h em circumsrancias de dever ser conservado. II. O h entre c e vogal denota articulação particular, e de cunho nacional na nossa lingua. Para ter o mesmo valor que na pronuncia do latim, suppõe sabido, que o vocábulo vem do grego. Quando o Leitor ignore isto, alem de não entender a palavra , errala-lia na sua expressão oral. Assim o Escriptor, que por sabia ostentação traduz sempre o X pa- ra f/& , sacrifica continuamente o Leitor, patenteando a igno- rância ou descuido deste a quem o escutar. Por exemplo : lendo em uma tragedia os Arc , Assim está o ph nas circumstancias de ser de- finitivamente desterrado da nossa escripta. 27. Daqui se segue a lei fundamental para a sustenta- ção das etymologias gregas, que enuncio assim. As palavrat derivadas do grego serão escriptas em portuguez com os caracte- res , que no nosso abcedario correspondem aos do alfabeto empre- gados no vocábulo grego', entrando nellas o h segundo a ortho- grafia latina tão somente quando millo para a pronuncia não fa- ça a menor alteração no valor das lettras contiguas , nem possa causar equivoco na leitura. Para a pracrica desta lei faremos agora o parallelo do alfabeto grego com o nosso : c dedu- ziremos os Cânones da escripta portugueza nos termos vin- dos daquella lingua. j8. OíFercce a lingua grega septe vogaes , e seis difthon- gos próprios. São as vogaes , alfa <*■ , epsilon £ , iota 1 , omi- cron ° , ypsilon u , fí^z " , e omega u . São os difthongos "/ ^ í/, 0/ , au, Êu, f Ou ou '6. I. Ao « corresponde a latino e portuguez : e nelle será vertido , quando a pronuncia o não contrariar. II. Ao £ e ao 1 corresponde indistinctamente e latino e portuguez , sem a diíFcrença de longo e breve , que tinhão no grego , relativa á quantidade ou duração, {b) Assim serão am- (4) A distincção , que os Gregos e Romanos fazião das vogaes e DAS ScrENCiAS DE Lisboa. iz;* ambos traduzidos para e, quando a pronuncia da dicção estabelecida ja em portuguez não peça outra rogai. II. Ao o e ao w corresponde o latino e portuguez, sem diffcreiíça de grande e pequeno. Assim serão ambos indiffe- rentcmente vertidos para í>, quando a pronunciação não obste. IV. Ao ' corresponde / latino e portuguez. Será pois ver- tido neste. V. Ao u grego corresponde o y latino e portuguez com som de / na nossa lingua. Assim será vertido em jy , sem- pre que a pronuncia do vocábulo estabelecido ja em portu- guez , não peça outra vogal, (r) E escreveremos y so em tal caso : vindo este caracter a ser puramente etymologico de palavra tomada do grego , e designando na raiz a existência de ypsilon e não iota. 29. Os difthongos gregos forão traduzidos para outros la- syllabas cm longas e breves , não subsiste nas linguas modernas. A ))ro- Buncia portugueza so admitte a de syllaba de cadencia, e sjllabas currcutcs : que lie de accento , e não de quantidade. Na lingua latina liavião duas e trcs sjllabas longas em um so vocábulo: porem na por- tugueza , seja elle embora de sete ou oito syllabas , não pôde ter mais de uma de cadencia : todas as outras são currentes. Os nossos mouosvl- labos formão em geral dicção cadente : coiutudo muitos uào passão de syllaba currcntc. Taes são o artigo o, a, o.v, as: as preposições articu- ladas ou sr-m artigo, como de, com , em, por, sem; ao , ú , aos, ás; do , da , dos, das; >io , na , 7ios , luis ; etc .■ as conjuncções e, mas , ou, se, etc: os pronomes regidos nte , te, se, lhe , nos , vos , lhes: que , tão ^ quão , < te. Por isso taes monossílabos , formando com outras dicções vocaVnilo composto, se unem a ellas na escripta : como porque , portan- to , pmqua.ito , iãobem , cotntudo , bemquLsto , mallogrado , &c. Em cada palavra destas ha so uma S3"llaba de cadencia. O mesmo succede ena sobr. posto, contrapeso, gentilhomem , í^c ; que por isso se iiuem , posto que os termos componentes sejão ambos poljs_)"llabos. Todavia convém, qne 09 elementos ne dicção composta se separem na escripta (cora hy- fen , cu sem elle) quando da sua jn\ielura resulte palavra esdrúxula: morn.ente sendo verbo o primeiro ( 18, 111. {>)). Assim escrevemos em sepnrarlo posto que , ainda que , logo que , fazcm-se , causa-lhes , &c. (c) Em algumas palavras , porem poucas, mudou o y para « lati- no e portuguez : e com esta lettra e o seu som se achão estabelecidas na nossa lingua. Por exemplo cubo , escudo , &c. Ahi he pois necessá- rio conservar este caracter ; ponjue recebidas com elle dos livros lati- nos uào podemos havclo por corrupção tios nossos. iz6 Memorias ua Academia latinos , indicados por um so caracter ou por dois. R pas- sando ao portuguc/, tomarão os sons de uma ou iluas vo- eaes , formando conuudo uma única syllaba. I. O diíthongo grego «' hc commummente vertido no de ^ latino : e este em simples c portuguez Ve-se isto nas palavras Egeo , Egeria , égide , enigma , esfera , cther , evos , dieta , fariseu , pedagogo , fenómeno , quimera , trofeo , &c. II. O difthongo 61 he ordinariamente traduzido para i latino e portuguez. Dahi vem as palavras apodictico , Cirur- gia , Ídolo , idyllio , ironia , lirio , liturgia , Nilo , pirata , qui- rografo , &c. III. O difthongo O' he geralmente vertido para o difthon- go CE latino : e este para e portuguez. Dahi vem as palavras cemeterio , cenobita , diarrhea , diecese , economia , estro , Fel/o , Fenícia , fenis , &c. IV. O difthongo » a nossa Icttra correspondente ao -n-, e í ao «^, torna-se/a correspon- dente ao na pronuncia das línguas modernas, e no nosso alfabeto (32 nota d). Porque junctando h ao p destruímos o valor des- te; e então não fica signal morto (27). Porque o empre- go de ph inculca , que recebemos dos Romanos a dicção grega (26, Til). Porque as palavras com? introduzidas no portuguez são numerosas, e muitas de uso familiar: e com a versão para / evitão-se incohcrcncias na escripta das dic- ções vulgares, e das technicas de diversas sciencias , entre as quaes não he possível demarcar as raias (5-, II). Porque toda a Europa sabe , que / e ph são caracteres da mesma expressão: e se o vocábulo vem do grego {como filosofia , fósforo , fenómeno , fysica , &c.) deve ahi ter 9, E porque á imitação da escripta italiana e hispanhola o uso geral tem banido o ph da nossa orthografia : e portanto no emprego do f achão-sc aqui concordes a pronuncia e o uso. 38. 08 deve ser vertido em th portuguez. Porque o h he ahi nullo para a pronuncia, não altera o valor do í, e não causa equivoco na leitura. Porque não havendo no abcedario portuguez caracter correspondente ao G , diverso do correspondente ao t , convém abraçarmos a orthografia latina para distinguirmos na raiz grega a existência deste ou daquelle. Porque as palavras , que demandão th ( entre as quaes não conto aiictor e auctoridude) são quasi todas scientificas, e requerem escripta sabia: e em alguma de uso vul- DAsSciENCIASDF.LlSUUA. I3I vulgar hc bem conhecida a orth escre- ve-se m e não n em latim e portuguez ; porque das duas nasacs he m tãobem labial. Emprcga-se commiimmente o « atraz das mais consoantes. Comtudo deve ahi escrever-se o m nas palavras de origem gregj ou latina, cujas raízes tem f» ou m (27). Tacs são amfibio , ly tnf atiço , nymfa , &c ; em- bora se escrcvão com / ou ph : e tãobem as dicções princi- piadas por circum (5,III)j ou por bem j como bemdizer ^ bem- 144 M n M o R I A S D A A C A U £ M 1 A hemfazejo ^ bcmqtiisío , &c. Assim vendo»; ontcs de consoan- te, que não seja das três labiaes , concluiremos, que a dic- ção veio do grego ou latim. éj. Em dicção portugucza , ou marcada com os nesses cunhos , cscrcve-sc regularmente no final ri c não « , embo- ra venha do latim, e a raiz tenha?;: como ram ^ cem , fim , bom , cmnvinm , &c. Comtudo em algumas palavras gregas^ ou latinas recentemente entmdas em portuguez conscrva-sc o « final na pronuncia e èscripra : como J!mmon , iman , giW' tnon ^ byfen, sémen, polen , ame}!, &c ; e tãobem Numeii , que dantes dizião Nume, conformemente com Itime , cume, legu- me , "vime , crime , exame , certame , &c, 66. As lettras ns contiguas so podem pertencer a uma- syliaba portugue/.a em terminação de palavra : como irmans y homens, confins, bons, commnns , &c. (5-4) Unidas no meio de palavra pertencem a syllabas diversas. 67. As lerrras nh indicão nova articulação , que outras linguas modernas escrevem com gn, Damos-la a algumas pa- lavras vindas do latim, c la escriptas com « simples, como finbo e pinheiro , vinho t xinha , linho , linha , cmíba , espinha , estanho , moinho , &c : e tãobem a outras , que la tem gn , como lenho , senha , pinhor , conhecer , &c. Todavia devemos haver esta inflexão por nacional. Ha palavras de origem grega ou latina , onde estas lettras perdem o seu valor. (48,1'")) 68. O /> indica certa articulação, que se assimelha á do b (sendo ambas labiaes), mas não se confunde com cila. Em palavras transladadas do latim ao portuguez mudou uma des- tas consoantes para a outra na pronuncia e na escripta. Ca- bra, caher e receber, cobre, cobrir, lebre, obra e obrar, sa' ber , sabor, snberba c suberbo , sobre e seus compostos sobre- por , &c , tem h cm portuguez , e p nas suas raizes latinas. A's lettras ph damos o valor de/ na pronuncia (37). Mas ha 124 annos se assentou na Academia dos Generosos , que o ph he cxcusado na escripta portugucza. 69. A' Icttra q sempre se segue u na escripta latina e por- DAsSciENCIAS DELiSnOA. I4J portugueza. Este « soa sempre na pronuncia , que damos ao latim. Porem na portugueza pura não soa , caso se lhe siga c ou / : c so tem valor sendo seguido de «, o, ou «; ou acaso seguido de e ou /' em palavra latina recentemen- te introduzida em portuguez, e pronunciada ainda á latina, como inquérito , aquilão , &c. — . Os casos de ambiguidade entre «7 e c ja forao apontados. (5'7) 70. O r indica duas articulações, uma trinada, outra singela. I. R único em principio de palavra , ou depois de / ou H , indica a sua inflexão trinada : e nestes casos nun- ca se escreve dobrado. II. O r no fim de palavra , ou no meio antes de consoante , ou depois de consoante que não seja / ou «, denota a sua articulação singela: e nestes ca- sos tãobem se não dobra. III. Entre vogaes indica-se a in- flexão singela do r, escrevendo um so: e a trinada dobran- do-o. Então a boa pronuncia ensina o seu emprego. Nas palavras compostas , vindas do latim , derogar , pre' rogativa , prorogação , prorogar , e proromper não se dobra o r ; nem nas dicções Pároco ^ paroquia ^ q paroquial : embora sejão hoje pronunciadas com r trinado por corrupção. 71. \, S singelo cm principio de palavra, ou no meio precedido de consoante e seguido de vogal ; ou dobrado en- tre vogaes , indica uma articulação sibilante idêntica com a do c : o que motiva ambiguidades nestes casos. II. S singelo entre vogaes , ou no fim de palavra , ou mesmo no meio seguido de consoante , denota nova articu- lação mais ou menos zenida , que ás vezes se confunde com a do %. Nestes casos , especialmente o primeiro , ha táobem duvida sobre o emprego de s ou z. 72. I. Na escripta portugueza r e r nunca dobrão, se- não entre vogaes. II. Por geral accordo foi adoptado o s para indicar a sua inflexão entre vogaes na escripta portugueza (sf): e nesta situação so usamos do s em três casos. (44) III, No fim de palavra aguda escreve-se 2; e não / : ex- cepto nos pluraes de nomes, como más ^ mercês y civis ^ pós ^ Tom. VIU, Part. 1. T haiís y 14^ Memorias DA Academia h/tús , &c ; nns tcrmin^içõcs da 2.' pessoa do singular doS presentes e futuros absolutos dos verbos, como dás ^ has j estds , &c , amarás , lerds , fugirás , &c ; e nas palavras mas , após , alias , trcs , &c. IV. No meio de palavra antes de consoante escreve-se s e não 2: excepto nos advérbios formados de adjectivos atrudos em z com o complemento adverbial mente , como atroz-meute , felizmente , eficazmente , &c. V. Depois de consoante so se escreve / com valor de c nas palavras perseverança^ perseverar , &c , e persistência j persistir , &c : e nas compostas de trans , como transitar , &c. 73. O t indica articulação distincta das mais: e tem um so valor. Quando se lhe juncta h , fica este nullo para a pronuncia. ( 38 ) 74. O V denota articulação distincta e única ; posto que no norte de Portugal a confundão com a do Z» , ou troquem uma por outra. Dizem la beve binho , fazer bèrsos , travalhar com as baccas , &c. Cumpre sanar-se destes vicios de pro- nuncia , para taobem escrever correctamente. 75- . O X tem três valores em portuguez. I. Indica ar- ticulação composta de es (com o c rapidamente proferido), quando se lhe segue consoante ; como em exposição , extor- quir ^ pretextar ^ inexperto , 8cc : e taobem commummente nas terminações em xa , xo , xão ^ ou xar\ como em orthoãoxoj perplexa^ rejlexao , antiexar , 8cc. II. Denota articulação com- posta de cz ( com o c mal proferido ) nas palavras princi- piadas por ex , a que se segue vogal ou Z» , e nas suas com- posições : como exame , exercido , existir , exórdio , exhortar , inexacto^ &c. III. Indica inflexão de eh ^ sempre que seja inicial de palavra , como cm xadrez , xarope , Xantho , &c : ou estando depois de consoante , como em enxugar , enxa- me, enxofre j enxaguar, Xerxes , &c : ou finalmente entre vo- gaes, pronunciadas as dicções á portugueza , como em fei- xe f mexer , paixão , seixo , rixa , &c. ( 3 4 j e 4 j ) y6. O z tem um so valor, que ás vezes he taobem de- notado pelo s (71). Com clle se emprega sem ambigui- da- DAS SciENCiAs DE Lisboa. 147 dade em principio de palavra, como emzaugao^ cehy zoin* bar y &c : e tãobem commummcnte no meio de palavra de- pois de consoante , como em benzer , bonzo , cinza , onze , quãtorze y &c. As excepções deste segundo caso ja ficão in- dicadas. (72) jj. O hyfen (ou divisão) hc empregado na escripta la- tina somente para indicar no fim de regra palavra partida, que continua na linha inferior. Na nossa escripta usa-se pa- ra o mesmo fim : e tiíobem para separar as partes dos vo- cábulos compostos accidcntalmcnte de duas dicções , e ás vezes de três, sendo commummcnte a primeira verbo, e a segunda artigo ou pronome ; como em ama-o , dixe-lhe , faz- se-me preciso j &c. (16 (í) ) , Quando o artigo, ou pronome se antepõe ao verbo , separão-se sem hyfen. Por exemplo : elle o ama ; ja lhe dixe ; por isso se me faz preciso ; &c. 78. Com a apostrofe supprem alguns na escripta a vo- gal terminante de uma preposição , quando na sua pronun- cia rápida se elide com a inicial da dicção seguinte. Estes escrevem delicias d''alma\ veio d' Almada -^ vista folhos \, &c. Não me accommodo. (16, III). Os nossos antigos nunca usarão de apostrofe: e julgo-a excusada em prosa portugue- za. Se a dicção se compõe de duas unidas por uso constan» te com elisão de alguma vogal, escreva-se tudo juncto : co- mo delle , deste , naqtielie , &c. Se não , escrevão-se as duas dicções completas , embora na rapidez da pronuncia corra alguma vogal mal proferida. Assim escreveremos correcta- mente delicias da alma \ veio de Almada ; vista de olhos ; &c. 79. Todas as consoantes formão syllaba combinadas com vogal seguinte : e todas (menos o j ^ o q^ q o v) com vo- gal precedente. Ha muitas syllabas formadas por inflexão composta de duas consoantes , e ainda de trcs , afFectando uma so vogal subsequente : ou de duas affectas á vogal an- tecedente : e de três , quatro , ou cinco affectas a uma vo- gal media. Nas dicções, que as contêm, cscrevemse con- soantes e vogaes , pela ordem , que o ouvido sente ser a das articulações da voz« T ii 80. 148 MiíMORiAs DA Academia 80. A's Icrtrasy, /,«, pôde scguir- se j: e a palavra, onde se junctarem, será derivada do gre- go , ou do latim. (36) Quando a c guttural succede c cedilhado (digo c sibi- lante seguido de a ou o) pertencem a uma mesma syliaba : sendo cç versão de et latino, como pç hc traducção ácpt. Assim partindo a dicção , conservaremos o cç c o pç unidos , como fazemos ao et c pt nas palavras parentas. 8y. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I49 84. A' inflexilo do / pódc scguir-se na mesma syllaba a de qualquer das liquidas 7, e r: e mesmo de w, «, ou t. Porem quando seja uma destas três, teremos por certo , que a palavra portugucza , onde entra tal syllaba , he derivada do grego. 85". A' articulação do s pode seguir-sc na mesma syllaba a de c aíFcctando e ou i : c taobem a de /, w, «, />, ç, e c guttural. Mas como no portuguez múitissimas syllabas terminem por j , fica duvidoso ao ouvido , se tal articula- ção , seguida de qualquer destas consoantes (a não ser o c aíFectando e ou i) forma syllaba com ella ou não. Porem cisaqui as regras. 86. I. Em palavra composta de qualquer das preposições latinas ab , con , circum , de , in , inter , ob , per , pre , pro , sub ^ super ^ e re com outras dicções principiadas por s se- guido de qualquer das sobredictas consoantes (85), o s principia syllaba: como em ab-scisa , con-spicuo ^ circiim-stan- cia , de-stituido , in-structor j inter-sticio ^ ob-staculo ., perscrutar y presciência , prostituir ^ suhscripção ^ superstição , e restitui- cão, —. Exceptuão-se as palavras seguintes principiadas pela preposição latina abs e não ab , onde o j he final de syl- laba : abs-íer-se , abs-titiencia , abs-tido ^ &c; abs-tergetite , abs- tersivo ; abs-tracfão , abs-lrahir , abs-tracto , &c ; abs-truso \ abs-cesso ; abs-condito. E tãobem as dicções seguintes , todas de origem moderna , e principiadas pela syllaba res , onde re não he preposição componente, res-cal lar ^ e res-caldo\ res-paldo ; res-pançado c res-panç amento ; res-pingador , res-pin- ga , e res-pingar ; res-tinga ; res- tolho ; res-tribar ; e res-quicio. E ainda as dicções principiadas pela partícula subtractiva des (significando negação ou destruição da qualidade ou acção significada pelo resto da palavra) que não he a preposição de : como des-canço , des-Jigtirar , des-mentir , des-natural , des-pedir , des-quite , des-torcer , &c. II. O j ainda principia syllaba em outras dicções com- postas vindas do grego ou latim , sendo seguido das sobre- dictas consoantes : como catástrofe , frontispício , hemisfério , ma- ifo Memorias da Academia mnuu-scripto , microscópio , sol-sticio , telescópio , apo-síata , bypo-st atiço , diástole , &.c. 87. So as articulações indicadas por /, «; , «, r, j, iS, c ns podem terminar vocábulo portugucz, ou syllaba inter- média, t]uc nao seja seguida de outra começada pela mesma consoante dobrada. Porem a inflexão composta de ns nunca fecha syllaba media ou inicial de palavra , senão no vocá- bulo peregrino atispecada. (66) Eosso concluc syllaba media nos advérbios t^ormados de adjectivo acabado nesta Icttra com o complemento 'jMewíf. (7 2, IV) 88. Em palavra derivada do latim pode haver syllaba terminada em b ^ d ^ bs y e x em razão das preposições la- tinas ab , ob , ad , abs , ex , extra , e sub , que entrão na composição de muitos vocábulos. Porem tal syllaba será sem- pre inicial de dicção , ou apenas precedida de outra prepo- sição ou partícula componente , como em desobstruir , iiad- vertencia , inexacto , consubstancial , &c. 89. Palavra principiada por uma das referidas preposi- ções, será vinda do latim; ou ainda do grego, se for ex ^ como exanthema , Exarca e exarcado , exótico , &c : e tãobem hexametro , hexágono , hexacordo , &c. po. Em toda a consoante dobrada , ou immediatamente re- petida , a primeira termina syllaba , e a segunda principia outra. 91. Palavra acabada era consoante, que não seja uma das seis mencionadas (87) , he não so de origem extrangei- ra , mas de introducção moderna na nossa lingua ; pois con- serva intacto o molde peregrino na terminação. Os nossos antigos recebendo dicções de outras línguas , logo as mar- cavão com os cunhos portuguezes no final : e assim se occul- ta a sua novidade. p2. Ajunctei estas observações, porque conduzem a sa- bermos decompor os vocábulos nas suas syllabas, c partilos bem , quando principiados em uma linha da escripta tem de continuar-se na inferior. Cumpre serem cortados , separan- do-se syllabas contíguas , de sorte que a ultima lettra da regra superior seja final de syllaba , e a primeira da inferior se- ^1 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 1 J 1 seja inicial da syllaba seguinte na mesma dicção Nao mos- trando o Vocabulário esta decomposição das palavras, con- vém conhecer as observações precedentes , para que o seu corte se faça conforme os princípios da escripiura sabia, e sem erro. 93. Concluo 3 minha tarefa, reflectindo sobre a obje- cção mais forte dos Sectários da escripta meramente pronun- ciativa contra a orthografia ctymoiogica. Assevcrão, que re- querendo esta grande conhecimento das linguas mortas, não pôde ser vulgar , nem competir com o systema da pronun- ciação em simplicidade e facilidade. Respondo , que he fal- so. Reduzida a orthografia ctymoiogica á moderação con- veniente pela confluência das três fontes ou de duas, pou- ca mais sciencia exige na practica , do que a precisa para sustentar coherentemente qualquer methodo de cacografia an- tisofica. A prova disto demos nós, incluindo em curto volu- me toda a matéria da orthografia segundo o systema mo- derado. Com isso pozemos os que não estudarão o latim em estado , de que a sua escripta se pareça com a dos que o sabem. Não ha escolar de talento ordinário, que em três mezes deixe de aprender as doutrinas da orthografia pelo systema médio , e pôr-se expedito no uso das regras. E quan- do no Vocabulário da Academia estejão ordenadas alfabeti- camente todas as excepções e aberrações de regras, e as pa- lavras com particularidade de escripta , sobre que não pode dar-se regra , terá o curioso caminho plano para escrever cor- rectamente ; sem importar-se com as etymologias , a que so devem applicar-se os Redactores do mesmo Vocabulário. Po- rem advertiremos , que para a escripta ordinária ser o mais coherente possível e sem nota de exquisita , e para o Escri- ptor não estar abrindo o Vocabulário a cada palavra , he ne- cessário , que este seja composto pelo systema mixto c mo- derado. 94. Digo pois afoutamente , que a principal vantagem dos methodos de escripta pronunciativa consiste em mostrar quem os practica summa ignorância da lingua pátria e das mor- íji Memorias DA Academia mortas depois de dar-sc para escrever certo a tanto traba- Z cian o lhe custará o%yster.a de orthografia , que iDa- „i?e'sta a sciencia das mesmas linguas, e das ongens de nos- sas expressões. ... n Est modu! in rehus y smt certi dentque fines, Qim ultra atraque ncquit tousistere rectum. M&- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. IJI ■■■Afliaq MEMORIA BREVE De D. Joige da Costa , Cardial de Lisboa , do Titulo de São Marceilino e de S. Pedro , ou como outros chíimavao o Car- dtal de Portugal , e vulgarmente o Cardial de Alpedrinha , produzindo- se huvi dos raros Documentos originaes do mesmo Cardial de muita erudição e Sentenças. Por Francisco Nunes Franklin, D Jorge da Costa foi hum dos Portuguezes que inaiâ honrarão a Pátria com o seu saber, c com a sua authorida- de ; e nenhum outro Ecclesiastico o igualou em rendas , e em valimento assim na Corte do Snr. Rei D. AíFonso V em Portugal , como na de Roma nos Pontificados do Papa Sixto IV, Innoccncio VIII, Alexandre VI, Pio 111, e Jú- lio II. Depois do que escreverão deste tão celebre Car- dial, Onutrio em seus Cardiaesj Chacão deiitis Pontificium\ Vghelio in Itália Sacra ; D. Rodrigo da Cunha nos Bispos do Porto , e Arcebispos de Braga ; Duarte Nunes de Leão na Descripção do Reino de Portugal na edição de 1785 pag. 320; O Padre Francisco de Santa Maria no Ceo aberto na terra p.ig. 460 e seguintes ; António de Sousa de Macedo nas Flo- res de Hespanha ; o Padre Jorge Cardoso no Âgiologio Lusit. Tom. 11 pag. 116; D. Manoel Caetano de Sousa na Col- lecfão das Memorias da Academia Real da Historia Portugue- sa do anno de i/ij ; Manoel de Severim de Faria nas A^o- ticias de Portugal ^ accrescentadas pelo Padre D. José Bar- bosa pag. 359 c seguintes; D. António Caetano de Sousa no Tom» II da Historia Genealógica da Casa Real Portugueza pag. 65:5 , faltando da Senhora Infante D. Catharina ;o P.^ M." Francisco de S.mra Maria no Jnno Histórico Tom. II p. s^jo j Tom. Vm. Part. I. V João ija M EM oRiASDA Academia João Baptista de Castro no Mappa de Portugal Tom. III pag. 133 da edição de 176 ^ ; Fonseca Évora gloriosa p. fiz ; Lima Geografia Histórica Tom. I pag. 372 , &c ; parece na- da mais haveria que accrescentar ; mas tendo em vista mui- tos Documentos originaes , que ainda restao no Archivo da Torre do Tombo , rcsi>cctivos ao sobredito Cardeal, julguei conveniente recapitular com mais firmeza os mesmos obje- ctos , que os mencionados Sábios indicarão, e expor alguns outros de novo. Nasceo D. Jorge da Costa na Villa de Alpedrinha na Província da Beira , Diocese , Comarca , e Provedoria de Castello Branco, no anno de 1406. Seus pais MartimVaz, e Catharina Gonsalves , nobres e abastados, lhe dcrão boa educação. Vindo para Lisboa , foi recebido por Escolar no H;)spital de Santo P-loy , onde estudou , dando provas de grande engenho ; e tcndo-se ordenado de Sacerdote , foi pe- los Cónegos Seculares provido em huma Capellania do di- to Hospital , onde disse a primeira Missa , e pregou o pri- meiro Sermão. Pela sua vida exemplar , muita sciencia nas letras Di- vinas , e humanas, e altos pensamentos foi nomeado pelo Senhor Pvci D. AíFjnso V para Mestre da Senhora Infante D. Catharina, filha do Senhor Rei D. Duarte, de cuja Se- nhora foi tombem Capellão , e Confessor. Foi igu,dmente Confessor do Senhor Rei D. AffonsoV, do seu Conselho, e o seu maior valido ; e como tal , e grandes merecimentos recebco delle tantas dignidades, e rendas Ecclesiasticas , co- mo nenhum outro ainda teve. Foi Arcipreste da Collegiada de Santarém , Deão de Lisboa , de Braga , da Guarda , do Porto , de Lamego , de Viseu , de Silves , e de Bufgos com seu Chantrado ; Abbade na Ordem de S. Bento deTibacs, Rcndufe, Torre, S, Romão, Adaufe , Gundar , e Pombei- ro. Sobre esta Abbadia existe no Maço 33 de Bulias N. ly hum Instrumento em data de 30 de Dezembro de ifoi, pelo qual o seu Abbade se obrigou a pagar ao Cardial de Portugal D. Jorge setezita ducados , impostos de pensão nos fru- y DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I J 3 fructos do dito Mosteiro por Bulia de 19 de Outubro do anno antecedente lyoi , que também se acha no Maço 14 das mesmas N, 30. Entre os Cónegos Rcgriíntes teve os Priorados de Grijó, Vanho , S. Ji)rge , Roriz, Caramos , Junqueira , Landim , Oliveira , Macellos , e Longovares ; e na Ordem de S.Bernardo as Abbadias de Alcobaça, Tarou- ca, Bouro, Ceiça, Fiães , e S. Pedro das Águias. Foi mais D. Prior de Guimarães , Bispo de Ceuta , Silves , Porto , Viseu , e Évora ; e Arcebispo também nos dous Arcebispa- dos, que então haviao cm Portugal de Braga, e de Lisboa. O Senhor Rei D. Affonso V se servia muito dos seus merecimentos, rara prudência, e sublime politica, tanto pa- ra os negócios de paz , como de guerra. A Roma o man- dou para tratar de negócios de grande importância , que elle desempenhou cnm muita satisfação d'ElRei. Em 14Ó4 achando-se com ElRei em Gibraltar , e ElRei D. Henri- que VI de Castella, ambos estes Soberanos jurarão em suas mãos de guardarem os Artigos entre si ahi concordados A este tempo se achava elle Bispo de Évora , donde , neste mes- mo anno, foi fransferido para Arcebispo de Lisboa. Depois foi por Embaixador a Castella para tratar com ElRci Hen- rique VI os casamentos entre a Infante D, Isabel , com o Senhor Rei D. Affonso V, e a Piinceza D. Joanna , com o Senhor Principe D.João, negocio que já se tinha princi- piado em Gibraltar ; não produzindo porém effeito estas ne- gociações , e resolvendo-se o Senhor Rei D. Affonso V a fa- zer a guerra a ElRei de Castella , o mesmo Arcebispo de Lisboa D.Jorge da Costa o acompanhou com muita gente, paga á sua custa. Em data de 10 de Dezembro de 14Ó9 expedio o Se- nhor Rei D. Affonso V Carta a Fernam da Silveira , Cou- del Mor, para que passasse Cartas de Coudeis a aquelles, que fossem nomeados pelo Arcebispo de Lisboa D.Jorge, cuja Carta se acha no Liv. 10. da Extremadura fl. 228 col. x. No anno seguinte em 22 de Dezembro expedio o mesmo Senhor Rei outra Carta de Doação ao dito Arcebispo da V ii ame- lj'4 Memorias da Academia amctade dos bens, cjue tinhiio sido de Álvaro Fernandcz, Sobrc-Jiiiz da Casa do Civcl dt; Lisboj, a qual se acha exara- da no Liv. i6. da Chancellaria do dito Senhor Rei 11. 117. A instancia do Senhor Rei D. AfFonso V o Papa Xis- to IV na terceira promoção de Cirdiaes lhe conccdco cmi 18 de Dezembro de 1476 o Capello de Cardial com o Ti- tulo dos Santos Martyrcs Marcellino e Pedro , de que recc- bco as honras na Igreja do Convento de Santo Eloy , na presença d' hl Rei , e de toda a Corte em 26 de Dezembro de 1477. A 2 de Abril do anno seguinte se passou Carta, pela qual o Senhor Rei D. AfFonso V deu o Padroado da Igreja de S. Thiago de Torres Vedras ao dito Cardial, Ar-» cebispo de Lisboa , e a seus successores , a qual existe re- formada no Liv. 7. da Extremadura fl. 92 coí. 2. No anno seguinte de 1479 em 29 de Março expedio o Senhor Rei D. AfFonso V a sua Carta, confirmando a eleição feita pe- la Universidade de Lisboa em 8 deste mesmo anno , pela qual tomava para seu Protector ao mesmo Cardial , Arce- bispo de Lisboa, e perpetuo Administrador da Abbadia de Alcobaça, cuja Carta se acha no Liv. de Extras fl. 166 col. 2. ; e a 27 de Outubro do dito anno se passou Alva- rá para qualquer Oíficial de Justiça prender os Monges do Mosteiro de Alcobaça, que se achassem pelas Villas, e Lu- gares sem licença do dito Cardial , ou do Prior do dito Mosteiro, o qual se acha na Gav. 14 Maço 7 N. 18. Acostumado este Cardial a tanto valimento para com o Senhor Rei D. AfFonso V, e não descobrindo no Prínci- pe seu filho, depois ElRei D. João II, boa vontade, que até em certa occasião lhe disse , que o deitaria de huma ponte abaixo , entrou a ter idéas de se retirar do Reino. Voltando o Senhor D. Affonso V. de França , e achando-sc o Principe D. João com o dito Cardial, o Duque de Bra- gança , e o Bispo de Évora , perguntou a estes como havia de receber a seu pai , e lhe responderão , que como a seu Rei , como a seu Senhor , e como a seu pai , cuja respos- ta não satisfez ao mesmo Principe , o qual pegando em hu' dasScienciasdeLiSboa. 15'^ huma pedra a lançou com força contra a corrente da agua ^ o que visto peloCardial, disse ao Duque, que esperava cm Deos que aquella pedra lhe náo daria na cabeça j e se de- cidio logo a hir para Roma, o que praticou occultamen- te , passado pouco tempo depois da chegada do mesmo Se- nhor Rei n. Affonso V. Chegado a Roma , foi mui bem recebido do Papa Xis- to IV, que lhe deu o Arcebispado de Braga. Teve mais o Beneficio de Santa Maria Irans-tiberim , que he Titulo de Cardial de renda , e collaçao de Benefícios ; huma Abbadia em Veneza; outra em Navarra ; e em 1481 Jnnocencio VIII o melhorou a Bispo Albariense. Ehi 21 de Julho de 1495" foi confirmado o dote, e doação , que D. Jorge da Costa , Arcebispo de Braga , e Primaz das ríespanhas , com o consentimento de sua mãi Catharina Gonsalvez , fizera a sua sobrinha Helena da Cos- ta , filha de sua irmã Margarida Vaz e de Lopo Alvarez, das casas na Cidade de Lisboa abaixo dos Paços da Rela- ção da casa do Civel , e da quinta de Pancas , termo de Çamora Corrêa em RibaTejo, estabelecendo juntamente a forma de successão nos mesmos bens como Morgado, e no caso que a dita sua sobrinha rtao deixasse successão, succe- desse Pedro Feo , irmão da mesma , cujos bens lhe tinhão provindo de sua irmã D. Catharina de Albuquerque, viuva de Pedro de Albuquerque , que o deixou seu herdeiro uni- versal , quando entrou em Religião no Mosteiro de Santa Clara de Lisboa , como consta do Liv. 6. da Extremadura fl. 224 "jí. col. 2, Em data de 2 de Março de 1498 passou ô Senhor Rei D. Manoel huma Carta de segurança de vin- te mil cruzados a favor do Cardial de Portugal em Roma , e existe no Liv. 31 da Chancellaria do mesmo Senhor Rei fl. 5-1. He neste Jugar que devo detefminar a época espe- cifica do Documento , que no fim desta Memoria vai pro- duzido , e no Titulo de'la mencionado. Mostrarei também íerem do dito D.Jorge da Costa as Instrucções contheudas no mesmo Documento , e dirigidas a ElRei D. Manoel. Qiian- 1^6 Mkmoriasda Academia Quando no § 2. das ditas Instrucçõcs se diz, ser ElRei o ultimo de seus irmãos , parece logo fallar, com o Senhor Rei D. Manoel ; por quanto , entre os filhos , que teve o Se- nhor Rei D. João 1, foi o Infante D. João , que casou com a Senhora D, Isabel, filha do Senhor D. AfFonso , primeiro Duque de Bragança , dos quacs nascerão D. Diogo , D. Isa- bel, D. Brites, e D. Filippa ; destes a Senhora D. Brites casou com o Infante D. Fernado, filho do Senhor Rei D. Duarte, e tiverão os filhos seguintes D. João, D. Diogo, D. Duarte, D. Diniz, D. Simão, ElRei D. Manoel, ulti- mo na ordem de seus irmãos , D. Leonor que casou com ElRei D. João II , D. Isabel , e D. Catharina. No mesmo § se faz menção da morte d' ElRei D. João , da do Prín- cipe seu filho, da do Príncipe de Castella , c do movi to da mulher deste, cujos factos se vêem claramente verifica- dos em ElRei D. João II, casado com a Senhora D.Leo- nor, de quem teve hum único filho o Príncipe D. Affon- so , que falleceo sem deixar successao ; e no Príncipe D. João , filho único dos Reis Catholicos Fernando e Isabel , que morreo em 1497 , não deixando successão de sua mu- lher , na qual se verifica também o movito aos sete mezes da sua gravidação. No § addicional se da' noticia da morte ti' ElRei de França , a qual, sendo depois de 1497, só po- de ser de Carlos VIII, chamado o Jff'avel , que falleceo no dia 6 ou 7 de Abril de 1498, cuja noticia se diz ahi mes- mo ter chegado a Roma em vespora de Páscoa , que foi a 14 do dito mez no dito anno. De todo o expendido con- cluo, que as datas que traz o Documento de 2f, e 26 de Abril só podem ser do anno de 1498; e como nesta épo- ca reinava em Portugal ElRei D. Manoel , e vivia em Ro- ma o nosso único Cardial D. Jorge da Costa , evidente fi- ca serem as Instrucçoes deste , e remettidas a aquelle. Em ijoi foi o nosso Cardial feito Bispo Tusculano por Alexandre VI. Deste mesmo anno em data de 28 de Setembro são as Instrucçoes do Senhor Rei D. Manoel a Francisco Lopcz do que havia de tratar com o Cardial so- bre DAS S CIÊNCIAS DE Lisboa. 157 bre o Arcebispado de Braga , das quaes existe a minuta no Corpo Chronologico P. I. Maço 4. Docum. 46. Na data de 28 de Fevereiro do anuo seguinte de 1502 existe a minuta da Carta d' ElRei para o mesmo Cardial , recommendando- Ihe os seus negócios em Roma , que se acha no mesmo C.)r- po Chronologico P. I. Maço 3. Docum. 86; c em data de 8 de Julho se expedio de Roma o Breve do Papa Alexan- dre VI sobre a posse que o Senhor Rei D. íilanocl mandou se desse ao Cardial sobredito da Igreja de Braga , em que o Papa o tinha provido, o qual se acha no Aíaço 36 de Bulias N. 50, Júlio II. lhe dco o Bispado Portuense, ou Ostiense e Sanfa Rufina, Foi Ueeano do (li.Uegio Apostólico, Lega- do de Veneza e Ferrara , e Senhor da Villa de Arpanica. Por sua influencia mandou ElRei D. AfFonso V huma po- derosa Armada em defensa de Itália, contra o Turco, e fo- rao eleitos Pontífices Innocencio VIII, e Alexandre VI; e este em agradecimento ao muito que lhe devia , lhe dco as su«s vezes nos negócios de Portugal , relativos ao provimen- to dos Benefícios , e Dispcnsaçóes. Do Papa Júlio II se diz, que quando., depois de eleito , o nosso Cardial lhe hia beijar o pé, o mesmo Pontífice lhe di':sera: u Amigo, esta j> Cadeira avós se devia, e vós me a destes; eu serei Papa >> no nome , e vós na realidade. » Teve o nosso Cardial grande influencia , e poderoso va- limento na expedição de negócios na Cúria Romana. Tudos os Pontífices com quem conviveo o tiverão sempre na maior estimação pelos seus grandes merecimentos, e serviços fei- tos á Igreja, não deixando nunca de ser útil aos interesses do nosso Reino ; por suas diligencias foi concedida a Dis- pensa em 27 de Julho de 1500 ao Senhor Rei D.Manoel, para casar com a irmã de sua primeira mulher, a qual se acha no Maço 35- de Bulias N. iz. A instancia do mesmo Cardial confirmou o Papa Alexandre VI todos os privilégios do Mosteiro de Alcobaça, e também o do seu Abbade po- der visitar o dito Mosteiro, cuja Bulia data de 30 de Abril de ijS Me MoBiASDA Academia de 149Ó , e se acha no Maço ij de Bulias N. 16. Em 20 de Junho deste anno foi concedido aos Cavalleiros das Or- dens Militares de Christo e de Avis poderem casar , cuja Bulia existe no Maço 15- das mesmas N. 19 ; em data de i de Junho de 14517 foi concedido a RlRei D. Manoel, e a seus successores todos os direitos , e tributos sobre as ter- ras conquistadas, &c. Existe esta Bulia no Maço 16 das di- tas N. 21 ; em 23 de Agosto de 1499 ^'^ "^'^ concedeo o Padroado de todas as Igrejas , que se fundassem nos luga- res de Africa que elle tomasse , com todas as Dignidades , OfHcios , e Benefícios; cm 26 de Março de ifoo lhe foi concedida a terça dos Dizimos de todas as terras conquista- das , e que se conquistassem desde o Cabo da Boa-Esperan- ça ate a índia Superior, Maço 16 de Bulias N. 6 ; e em ifoi a 23 de Outubro foi concedida a Bulia da Cruzada contra os Mouros, a qual se acha no Maço 16 das mes- mas N. 25'. Em data de 2 de Abril de 15:05" escreveo a Senhora Rainha D. Maria , mulher do Senhor Rei D. Manoel , ao nosso Cardial , recommendando-ihe D. Manoel de Sousa nos seus negócios em Roma , como consta do Corpo Chrono- logico P. I. Mnço 5". Documento 16. De if de Maio do duo anno he a Carta d' ElRei D. Manoel , dirigida ao Car- dial , recomniendanJo-lhe tambcm cerros negócios , a qual se acha no mesmo Corpo Chronologico , Parte e Maço su- pra Documento 15'. No anno de i5"07 antecedente ao da sua morte, no dia 3 de Setembro, cxpedio EiRei hum Al- vará, mandando a Lourenço Godinho , seu Guarda-Reposta , desse duzentas arrobas de assucar, que tinha vencido de Ten- ça neste anno ; e no antecedente o Cardial de 1'ortugai , seu Padrinho , a Álvaro da Costa , seu Guarda-Roupa , para este as mandar ao dito Cardial , cujo Alvará se acha no Corpo Chronologico P. I. Maço 6 Docum. 5-4. Em todos os negócios , que resp^.-itavao ao Convento de Santo Eloy , foi sempre seu g-^ande Advogado em toda a sua vida, que terminou a 19 de Setembro de 1508, de ida- DAS SciENCIAS DH L I S B O A. Ifç idade de 102 annos, tendo feito testamento em 7 de Abril de 1499, no cjual mandou ser enterrado na Igreja de San- ta Maria de 1'opulo na Capclla de Santa Catliarina , dota- da por elle com casas , c vinhas , que determinou se cha- massem casas , e vinhas do Cardeal de Lisboa. Ao dito Con- vento de Santa Maria de Populo deixou a sua livraria, pa- nos de raz , e bemfeitorias feitas no dito Convento, a quem constituio por herdeiro universal , e ao Hospital de S. Sal- vador. A entermaria do mesmo Convento teve em particu- lar mil ducados de ouro da Camará. João Fernandcz , Pro- tonotario da Sc Apostólica , Cónego de Lisboa , e seu Ca- marista ; Pedro de Militibus , Cónego de S. Pedro ; e o Dou- tor D. Liberato de Bartelei, seu Ouvidor, forao nomeados por ellc para Executores do seu testamento ; e para pro- tectores elegeo D.Julião, Cardial de S. Pedro ad vincula y Bispo de Ostia , e Penitenciário mor ; e a D. A. Cardial de Santa Praxede. Determinou que seus irmãos D, Jorge , Arcebispo de Braga, e D. Martinho, Deão de Lisboa, não fossem inquietados por dividas , que lhe devessem. Mandou repartir soocjr) reis por seus irmãos , e irmãs ; e na falta destes por seus sobrinhos ; e do resto do dinheiro dispoz em favor dos cativos , para se acabar a torre da Sé de Lis- boa, e para dotar em casamento donzellas njturaes de Lis- boa. Acha-se este testamento na Gaveta 16. Maço i. N. 6. Jaz sepultado no lugar determinado em seu testamento com hum brevíssimo , e modesto epitáfio mandado lavrar por elle, o qual o Papa Júlio II mandou accrescentar, co- mo se pôde ver entre outros no Padre Francisco de Santa Maria , em D, Manoel Caetano de Sousa , e em Severim. Segue-se o Documento citado tio titulo desta Memoria, Isto he ho que vós Arcediago de Vermoim , nosso Se- cretario , direes da nossa parte a Suas Altezas. Item. Primeiramente lhes direes , que despoys de enco- mendar a Deus Suas Altezas , e a mym encomendar em mer- Tom. nu. Pari. I. X jee i6o Memorias DA Academia çec de aqucllas como vos envio la visitallas em meu nome, e oflcrcçer-Ihcs meus serviços , e todo ho que souber e po- der. Item. Lhe dirccs que seu fccto parece que veo per deus , e que elle assy ho deve conhoccr , Icmbrando-sse que hc lio ultimo de seus Irmaãos, e que todos faleçerom , e chamou Deus pcra sy ; e non soomente elles , mas ainda ElRey dom loham , ho príncipe seu filho, ho príncipe de Catella , e finalmente sua molher moveo por que ho tirasse de duvi- da e questam ; e certo esta sua cousa muyto semelhante he a boa fortuna que a providencia de Deus deu a loseph , que posto que fosse ho derradeiro de seus irmaãos , foy ávido por primogénito , non obstante que Rubem ho fosse naturalmente, c foy sancto , amado de Deus, de gram con- selho e prudência em tanto , que possuyo ho senhorio do Egipto setenta annos , e viveo cento e dez. E por tanta deve Sua Alteza seguir a virtude cm todas as cousas que occorrerem , a qual e ha homrra tinham antigamente tem- plos onde as festejavam e homrravam ; assy pcro eram or- denadas suas casas , que non podiam hir ao templo da homrra scnon pcUa casa da virtude , em significaçom que pello caminho da virtude vêe as pessoas ao stado da hom- rra ; nem se deve enganar com ho dicto do Apostolo , mas entendao bem que diz , que todallas dignidades e potencias vem per Deus , que a dignidade non he em si tam boa que faça ho homem bõo , se o clle per si e sua virtude non he ; hila cousa he a qual specialmcnte engana os gran- des Príncipes e Senhores postos em grandes dignidades : crêem porque podem mays que os outros , que por tanto sabem mays ; receba Sua Alteza todo seu bem da maao de Deus, e non cayba hi vaa gloria, nem ho ateribua a for- tuna que se chama cega , non porque ho ella seja , mas por- que faz as pessoas cegas que non consiram ho que devem , mas ateribuas a providencia de Deus , que faz os homens; bem fortunados ; e ho que ella faz he firme e bem orde- nado , e a que chamam fortuna he enganosa e incerta ; e es- DAS SciENCIAS OE LiSKOA. l6t escrevem os antigos delia , quod tnunera fortuna insidie sutit et viscata beneficia. Nom se levante per soberba, nem per- supyam , poys muyto leo lembre-sse que nosso Senhor dis- se a Zacheu , que se queria que elle fosse a sua casa , des- cendesse da arvore em que estava, a saber, por humildade; e elle mesmo nosso Senhor se chamou Mestre delia, dizen- do : Discite a me quare mitis stim et huntilis , assy que seja elle contente de aprender de tal Mestre; e per este modo ho non enganará este mundo , do qual diz Sancto Agusti- nho, que milhor he áspero que brando, porque áspero en- sina, c faz a pessoa forte e prudente, e brando engana com suas doçuras. E os antigos poetas consirando os perigos que trazem consigo as prosperidades disserem : Qtiod tnale judi' cavertmt dii de his quibus nunquam accidit aliquid adversi^ho boccio que ouvi dizer, que Sua Alteza bem sabe, diz que cree que mays aproveita ha aversidade que a prosperidade; porque hua ensina , e ha outra engana ; por tanto os ho- mêes , mayormcnte os Reys e Príncipes , non devem star menos aparelhados pêra receber os trabalhos e aversidades que os cavaleiros as batalhas , onde se fazem fortes por con- siguirem triumphos e victorias. As tempestades que muytas vezes sobrevée non torvam os Ceos , que som a mayor c milhor parte do mundo, mas torvam as cousas bayxas , e fazem em ellas grandes damnos ; assy ho coraçom alto c grande sempre he sobre toda toi^vaçom que viir pode ; e se assy for alto e humildoso , e se abraçar com Deus, non de- ve temer cousa que viir possa em contrairo do bem que lhe elle quis dar. E pêra se bem entender com Deus, cum- pre-Ihe que ame a Justiça , e seja bóo ministro delia , e re- putc-sse ministro de Deus em ha exercitar. Salamon que foy Rey sobre todos os que forom em Israel , disse falan- do ho Spirito Sancto per elle : k Amaae a Justiça aquelles » Julgaaes ho mundo.» Non disse amaae a prudência, nem amaae a fortaleza , posto que virtudes sejam , porque estas podem receber misturas de vicios comsigo, que ho homem bem pode ser prudente e malicioso , forte e iracundo , que X ii som l6i Memokias da Academia som vícios ; mas ho Justo non recebe tal mistura , porque onde ha Justiça som todas as virtudes , e uniam e concór- dia delias ; cila hc aqucUa , sem a qual os Rcys na verdade non podem secr Rcys , porque onde ella non he, non ha hl Regnos ; e onde Regnos non ha , tiranos pode avcr , mas Rcys non. Sancto Agustinho diz: « Removida a Justiça, os » Regnos non som senom grandes ladroeiras. j> E ho filo* sofo diz , que mays necessária he á republica a Justiça que a amizidade. E esta se quer usar com grande discriçam , non cô gram severidade e aspereza , mas untada có a misericór- dia e clemência , da qual escreve os sabedores , que faz oS homêes mays semelhantes a Deus que outra virtude. E que a Justiça se deve de usar com misericórdia , achará Sua Al- teza em a sancta escriptura, que he de mayor auctoridade que ha dos homées , em a qual leemos que ha arca do ta- bernáculo que Deus mandou fazer pêra nelle seer louvado e adorado , eram duas cousas antre as outras , a snhcr , a vara de Moyses , e a mauná que cavo doCeo, por nos dar entender que a Justiça quer ceptro na maao ou vara , e a mauná que era doce nos declara, que se ha de fazer com clemência e piedade ; por tanto disse ysto mesmo David : Firga tua et baciiliis tiius ipsa me consolata stint. Com a vara castigam , e com ho cajado se sostecm e comportam j assy que o Rey castigue com a vara, e com ho cajado sosten- te e comporte ; porem assy seja a clemência temperada , que non prejudique a Justiça. Exemplo teemos em nosso Se- nhor , que non veo julgar , mas seer julgado ; veo perdoar os peccados , e non punirlos ; veo demostrar sua misericór- dia , e non vingança ; pêro veendo como de sua casa ou templo os homces queriam fazer ladroeira , quasi esquecido da sua piedade e mansidôoe , a elle connaturaaes fez execu- çam, e punio, castigando os que compravam e vendiam em sua casa có disciplinas feytas de cordõoes duros , que som muy ásperas; e assy a Justiça ouve lugar, e foy por entam suspensa a misericórdia a elle Christo connatural c própria, ha armonia do governo e regimento he semelhante á armo- nia DAS SciENCiASDK Lisboa. 165 uia da musica , a qual requerc que as cordas , segundo os lugares onde stam , e sua grosscza c sotileza , assy as exten- dam em maneira que cada hfia aja sua proporçam des hi ; que a maao as toque honde , como, c quando cumpre pê- ra se fazer boa consonnncia e melodia ; porque se disto fa- lece I, em logar darmonia faz-ssc dissonância , que non de- Icyta nem apraz. Item. Sobre todo consire quanto lhe he necessário ho amor com a Senhora Rainha sua molher , e como devem sccr hííu coniçom , hda vontade, e btíu indivisivel querer, ho qual tem tanta virtude, que faz perdoar os peccadps , faz comprir a Icy segundo o Apostollo : <« Uni as pessoas j> antre si e com Deus, e lhes dá gloria.» E pode tanto que constrangco ho Filho de Deus que viesse do Ceo bus- car ho homem ataa ho inferno , donde ho tirou : non vimos nem leemos que onde ouvesse amor antre ho marido e mo- lher ns cousas lhe soccedcsscm scnom bem. E pcra nosso Senhor nos manifestar que ambos ham de seer hííu cora- çom c huu querer, ho primeiro homem e primeira molher, primeiros casados que ouve no mundo , forom ambos húa pessoa e huu corpo , e depoys foy cila feyta delle , por to- da via nos significar a uniam que deve seer antre cllcs per- petuamente ; porque a conjunçam de Christo com a Igreja sua esposa nunca ha de seer dissoluta , nem apartada , mas eter- nalmente duradoira : Qitare qttod semel nssttmpsit nmiquam di- misit neque dimittet. E se todos os casados teem esta obri- gaçom a suas molberes , irem eo contra quanto mays clle ho deve fazer por lhe Deus dar húa tcd Senhora de rantas vir- tudes, nobreza, prudência e honestidade, com a quall Ihê vem hda tal dote , que Sua Alreza pode dizer com verda- de aquello que he escripto: Venerunt viihi omnia bona pari- ter cum illa. Item. Per outra que non sei se lhe foy lida , enviei di- zer a Sua Alteza como cessavam rodas sospciçooes ântrc ès* ses Sercnissimos Princepes e Catholicos Reys seus Padres j e elle poys que som hua cousa , e que deve muyto siguir seu 164 Memorias DA Academia seu prazer e conselho em todallas cousas cá non piodem fa- xer contra elle que non façam contra si , nem elle ysso mes- mo ; e porque estas cousas apontei particularmente, e pello miúdo, escuso de as repetir aqui. Item. Direes a Suas Altezas quanto sinto non poder scer com ellas presente, assy por minha idade como polia dis- tancia que he desta Roma a seus Regnos ; e certo se eu soubera ho que se avia de siguir per qualquer maneira que fora, ainda que fugindo como mal feytor, pidida licença, e obtenta vel non obtenta , eu me fora pêra Suas Altezas , e me prouvera muyto os derradeiros dias despender acerca del- les ; cá posto que muyto non aproveitara , satisfizera a mym meesmo mays do que per carta se poderia dizer ; e nisto antre as outras cousas conhoci que he grande defeyto non seer homem Profeta , pêro sejam certos que minha presen- ça cá non lhes aproveitará menos que lá , se se de mym quiserem servir e aproveitar, segundo mays largamente vos dissemos que lhe lhes dissesseys. Vinte e cinco de Abril. =; C. Cardinalis Uiixbonensis. r= Item. Lhe direes que cá vai grande rumor , como elle nes- ta parte non segue as pegadas dos Reys de Portugal , don- de elle descende , porque devassa a Igreja e liberdade del- ia; que por Deus, por sua consciência e bõo nome seja contente de ser Rey do secular, e non se faça Rey daquel- las cousas que Deus non quis commeter aos Reys , nem Prin- cepes seculares. Vigairo e Pastor leixou Christo sobre sua fa- milia ecclesiastica , e non Rey dos Levitas , que non eram de tanta dignidade como os Sacerdotes da Igreja som. Disse Deus: «Eu escolhi os Levitas pêra me servirem no Templo, j» e quero que sejam meus. »» E ho Profeta defende que ne- nhúu ouse de os tocar. E se aquelles que offereçiiam no Tem- plo o sangue das alimárias , por seu officio seer spiritual , eram tam privilegiados per Deus, quanto mays o devem seer os Sacerdotes da Igreja, que continuamente oííerecem ho san- gue de Christo, contra a liberdade do qual e mandados de Deus DAS SciENCiAs DE Lisboa. t6f Deus fazem os Príncipes muytas vezes compcllendo as pes- soas Ecclcsiasticas , trazendo-as a seu juizo e jurisdiçain , quebrantando os privilégios que Deus, os Sanctos, os Pa- pas , c Emperadores lhe derom , fazendo ysso meesmo sta- TUtos contra ella em contrairo dos que Deus fez; porem no Livro dos Reys se lee que Salomon sabedor sobre todos os Reys , feyto e edifficado o Templo , ho dotou de gran- des liberdades e perrogativas , e Deus lhe disse : « Eu sancti- 3J fiquei esta casa pêra se perpetuar aqui ho meu nome , j> e nella serom os meus olhos e coraçom em todollos dias >» e consire quod pro eis perciissií Deus Reges , por poerem mãao naqucllas cousas que elle pêra si guardou, e escolheo. Alguus dizem que estes privilégios fezerom os Papas e Ec- clesiísticos em seu favor : estes som mãos Christaos , e que tem nome que som vivos , e ante Deus som ja mortos , por- que esta elcyçam fez Deus primeiro , cuja he a terra , e plenitudo ejus , &c ; a qual seguiram e declararom os Sanctos , os Papas, Emperadores, e Christianissimos Senhores. Na Ecclesiastica Historia se lee que a Constantino da immor- tal memoria forom apresentados certos libellos contra os Bispos , e Ecclcsiasticas pessoas , ho qual os recebeo em sua mãao ; e chamados os dictos Bispos , em presença sua lançou todo no fogo, dizendo: kVós outros julgaae antre » vós vossas cousas ; cá non he cousa digna que nós jul- j> guemos os deoses , a saber , os Ministros de Deus. » E cer- to he que os Gentios deferiam tanto a seus sacerdotes quan- to lhes era possivel , os quaaes non conhociam outro deus senon o de paao, e de pedra. Cream Suas Altezas que a quem non abjsta tanto temporal , non lhe abastará ho spi- ritual, ante ho emmigo da nossa salvaçom ; põe aqui tanta duçura , que lhes parece que non som Reys se se non fa- •zem Reys da Igreja. E como Deus castigou os que assy usurpam hr) que elle guardou pêra si , non se contentando do que justamente podem possuir, non soomento ho leemos per ho campo das Escripturas Sanctas , mas ainda no presen- te ho veemos. ElRey Dom AíFonso seu tio, que Deus aja tam x66 Memorias DA Academia tam boo Christãao, dcspoys cjue per maao conselho tomou a prata das Igrejas, cousa cm que poscssc maao, nunca lhe mays foy adiante. Isso mccsmo , os trabalhos e aversidades que ouvcram os Reys seus padres a todos os que temem a Deus, parece que porque se fezcrom Reys da Igreja, e rc- ligiõoes , que som Regno per si , o qual lhes non perten- ce ; por tanto os visitou Deus , e amoestou que se emen- dassem , e flirom bem de ho fiizer assy. E certo os que elle acha duros, pode e sabc-os castiguar pêra os trazer ao ca- minho da verdade como padre a filhos , ho qual se ho filho se non castiga pollo açoutar hua vez , guarda a vara pêra ho castigar outra , e outras se cumprir pollo fazer bõo. E bem assy teemos ante os olhos como Deus castigou os Reys de NapoUes por sua desobediência aa Igreja , porque esta ham todos os que ho entendem por principal cousa em spaço quasi de três anos morreo ElRcy Dom Fernando ho velho , morreo ElRey Dom AíFonso seu filho , e bem vitupcrosamen- te morreo ElRey Dom Fernando seu neto, e ora vive ElRcy Dom Frederico , que ainda non teve tempo , nem poder pê- ra dar signal de si polias muytas tribulações em que he intrincado : e também lhe direcs a morte d' ElRey de Fran- ça , cuja nova chegou aqui véspera de Páscoa , e a manei- ra que teve com a Igreja sposa de Christo ; mandou cartas , e messegeiros diante, por seer milhor, visto que vinha por reformaçom da Igreja, e bem delia, e por passar contra os Turcos; e elle finalmente como teve hííu Cardeal feyto, se foy a tomar ho reame da Igreja , non soomente sem aucto- ridadc , mas contra ha auctoridadc da Sce Apostólica , que lhe ofiFcreciia justiça ; e portanto ouve afim que ouve, assy que Deus bem ho paga , se os homêes ho quisessem con- sirar ; pêro elle todavia ho consire , poys vee tantos exem- plos ante os olhos , alem dos que Icemos em a Sancta Scri- ptura. Vinte e seis d'Abril. :=i C. Çardinalis Ulixhonensis. ir Maço I. de Cartas missivas N. 421 no Archivo da Torre do Tombo. EX- asScienciasdkLisboa. i6-; EXAME CRITICO DAS PRIMEIRAS CINCO EDiqÕES DOS lusíadas. Por SebastiXo Francisco de Mendo Trigoso. iamÔes, o mais illustre dos Poetas Portuguczes; o pri- meiro entre os modernos que restaurou a antiga Epopéa , e a levou logo ao ponto de perfeição cm que até hoje tem ficado ; o Autor clássico que deo á Lingoa Portugueza to- da a magestade e primor de que era susceptivel ; sem em- bargo de ter sido admirado em todos os tempos, e em to- das as Nações , foi o Poeta nosso que sofFreu mais da igno- rância c da malícia dos Editores , os quaes desfigurarão es- tranhamente os seus poemas, alterando versos a seuarbitrio, attribuindo-lhe os que nunca fez , e mutilando os que in- dubitavelmente erão obra da sua penna. Estes crimes litterarios tiverao principalmente lugar no tempo, que mediou desde a sua morte, succedida em iS79y até o fim do século. As cinco Edições dos Lusíadas que ho- je se conservão publicadas durando elle são notáveis, não só por conterem todas estas alterações , mas ainda mais por- que pelo seu exame se pôde vir no conhecimento do juizo que se fez de Camões e do seu Poema naquella desgraçada época , e da cabala que pretendeu murchar a gloria do Poeta, e o conduzio talvez á sepultura. A difficuldade de examinar e combinar Livros , que hoje são bastantcmcnte raros, tem até agora obstado a que se attenda a este obje- cto ; e por isso me animei a trata-lo , pensando que a ma- téria não deixará de ser interessante para a nossa historia litteraria do século chamado vulgarmente de quinhentos. Tom. nil. Part. I, Y Re- i68 Memorias da Academia Recolhido Camões a Portugal, e tendo posto a ultima de mão na sua Epoptía , tratou de obter o privilcgi.) para a imprimir, e com eíFeito o alcançou d'ElRíei D.Sebastião por Alvará de 24 de Setembro de i5'7i. Este Privilegio cs- tendia-se ao tempo de dez annos , contados desde o dia em que se a dita obra publicasse ; e quem contraviesse a clle devia pagar 50 cruzados, sendo todos os volumes aprehen- didos, ametade para o mesmo Camões, e a outra amctadc para o accusador. Quando esta graça se expedio ainda o Poema não es- tava licenciado; e parece que seu Autor tinha alguma idéa de o não deixar no estado em que hoje o vemos; pois alli se diz expressamente , que se elle tiver accrescentado al- guns cantos aos dez que aprcsenta'ra , também estes se im- primão debaixo do mesmo Privilegio, havendo-se primeiro licença do Santo Officio: e não he provável que se pozesse esta clausula graciosa sem expressamente ter sido pedida , antes ella talvez indica huma intenção anticipada de en- tresachar alguns episódios , que sem alterarem o plano ge- ral, augmenrassem , e afermoseassem mais a Epopéa: pro- vavelmente assim o teria feito o Poeta , a não serem as in- justiças e desgostos que depois atormentarão a sua existên- cia. Conseguidas as licenças , e encarregando- se António Gonçalves da impressão, sahirão á luz os Lusíadas em ij^yz em hum volume de 4.° de 186 folhas, numeradas de hum só lado, além das duas primeiras que o não são. O titulo ou frontespicio está mettido dentro de huma tarja , que re- presenta pela parte inferior huma banqueta , em cujas extre- midades assentão duas columnas irregulares e com ornatos , e em cima destas hum frontão com hum pelicano no meio que lhe serve de remate. Esta estampa , mal desenhada , e peor executada, he aberta cm páo. Na segunda pagina vem o Privilegio de que já falíamos , e no reverso deste a in- formação de Fr. Bartholomeo Ferreira, Qualificador do Santo Ojficio: na pagina em frente principião logo os Lusíadas. Afò- DAS SciBNCIAS DE LlSBOA. l6(^ Afora os titulos dos Cantos, a primeira regra de cada hum dcllcs , e a inscripçao do alto das paginas , que nesta Ediçãu são cm letra redonda , todo o corpo da Obra hc em caracteres itálicos, de maior corpo do que aquelles , que nas nossas Officinas se conhecem actualmente com o nome de Texto; as oitavas não suo numeradas, nem ha ar- gumentos no principio de cada Canto. Com a mesma data de I5'73 apparcceo huma reim- pressão dos Lusiadas muito semelhante d precedente , pois tem o mesmo formato , o mesmo numero de paginas , a mesma letra , o mesmo papel ; em fiip á primeira vista pa- rece cm tudo idêntica , e só depois de confrontadas huma com a outra , hc que se podem perceber algumas differen- ças. Acontecendo porém que a maior parte dos nossos Lit- tcratos não fizessem esta combinação, seguio-se daqui que quasi todos elles se persuadirão que ambas as duas fazião huma só edição ; e que até Manoel de Faria e Sousa , que trabalhou neste assumpto , como elle assevera , o melhor de vinte e cinco annos , assim o entendeu quando publicou o seu Commcnto dos Lusiadas , e só conheceu a diíFcrença muito posteriormente, isto he , na segunda vida do Poeta, que não sahio á luz senão em 1685 , alguns annos depois da sua morte. As diíFcrenças destas duas Edições consistem em que n' huma delias (a que chamaremos N. 2.) as palavras do titulo = Os Lusiadas . . . impressos em Lisboa = estão es- critas com letra mais pequena , do que na outra (a que cha- maremos N. I.); o Privilegio d'aquclla tem caracteres me- nos grossos ; a letra da informação do Qualificador he ir- mã da do texto, e a da assignatura he muito mais peque- na ; o que succede pelo inverso na Edição N. x. A tarja do frontcspicio he quasi idêntica n' huma c na outra: digo quasi, porque ha huma pequena diíFerença, mas mui notável , e vem a ser que em huma delias está a Es- tampa perfeitamente como se fosse vista pelas costas. Para que huma figura qualquer saia direita na impressão , he pre- Y ii ci- ijo Memorias DA Academia ciso que a chapa seja aberta contendo a figura pelo reverso ; ora parece evidente que tendo-se perdido ou destruido as formas da tarja da primeira Edição, c querendo-se fazer ou- tras que lhes fossem semelhantes, o desenhador não attcn- deu a esta diflFercnça , e as riscou taes como estavão no ori- ginal , que lhe servia de modcllo : por isso o pescoço do pelicano que estava voltado para a direita , sahio para a esquerda , e o mesmo se observa nos traços das columnas , e em todo o resto da Estampa (a). Além destas pequenas alterações em que não fallaria- mos , se não fossem as desconfianças que ellas nos fazem nas- cer, e que adiante ponderaremos, ha outras que são muito mais importantes. A orthografia das duas Edições he bas- tante differente huma da outra , e nenhuma segue hum sys- tema constante ; porque as regras orthograficas estavão ain- da muito pouco fixas , e havia maior vacillação a este res- peito do que hoje se observa nas nossas OlEcinas. Em quanto ao texto ha também não poucas mudanças de palavras, pois a Edição N. i. tinha sahido bastante er- rada. No exemplar que tenho á vista acha-se a pag. 40 if huma transposição de seis oitavas (b) , o que indica bem a pouca attcnção com que foi feita : muitos dos outros erros se conhecem assim como este á primeira vista : ha porém alguns mais perigosos , por apresentarem hum sentido se- não perfeito ao menos intclligivel , e esta foi a causa por- que ( a ) O Senhor D. José Maria de Sousa , que a pezar de não poder ver a Edição que mareamos com o N. 2. a fez descrever e comparar com Sí, do N. I. não foi beiu informado no que diz respeito ao compri- mento e largura da tarja, que achamos idênticos em os Exemplares que vimos. Como porém esta tarja he feita de peças de páo separadas, podião na impressão desarranjar-se alguma vez , e ser isto causa da differença que notou aquelle estimável Editor. (b) Em lugar das Estancias 21, 22, 23, 24, 25, e 26 vem a Est. 67 e as cinco seguintes, e vice versa: com tudo os reclamos dos fins das pagina» estão exactos : talvez que este erro uão seja geral em todos os exemplares. DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 171 que ainda que emendados na Edição immediata continuarão a copiar-se em muitas das seguintes. A pczar de tudo está esta que reputamos primeira im- pressão bem longe de merecer a censura de Manoel de Fa- ria , que a tratou de muito defeituosa , só com o fim de fa/er passar emendas e lições propriamente suas , e total- mente arbitrarias : ainda mais he réo do mesmo delicto o Padre Thomás José de Aquino , que não só repete aquelle juizo, mas até attribue á outra Edição de 15:72 lições que n'ella se não encontrão (a). Enganados por estes dois Edi- tores todos os outros perpetuarão até aos nossos dias alguns dos erros em que elles tinhão cabido. A Edição que marcamos com o N. 2. traz emendados grande parte destes erros , ainda que não todos. No fim desta Memoria ajuntaremos huma lista das principaes emen- das , c das erratas que escaparão em ambas as Edições , e que a pezar disto pelos motivos que alli diremos nos pare- ce que devem ser qualificadas como taes. Gonfrontando-se os dois exemplares de que ate agora temos fallado , apresentão-se naturalmente duas difficuldadcs a que deveremos satisfazer : ^ qual delles he o que se pu- blicou primeiro ? qual delles he o que se deverá seguir co- mo melhor texto ? Ma- (a) Nas lições varias que vem uo fim dos Lusíadas diz o Padre Thomaz de Aquino commentando o celebre verso Da primeira c'o terreno seyo 11 assim se lê na primeira Edição que foi em 1572: na segunda feita 3) no mesmo anno lé-se Da Mãy primeira c'o terreno seyo, o que he buma insigne falsidade ; pois nem nesta segunda Edição nem nas immediataa se lê por semelhante modo : a primeira em que ae vi» este verso assim emendado foi a de 1597, ijz Memorias da Academia Manoel de Faria que sem duvida vio a Edição N. i. pois a segue bastantes vezes , c cita no seu Commcnto á Esr. XXI. do Canto IX. alguns erros que são privativos delia, diz que esta foi a primeira de todas; c o mesmo se- gue o seu admirador o Padre Tlioma's , talvez sem miiis outro motivo do que tc-lo dito assim aquellc oráculo , que ellc reputava infallivel. Estas duas autoridades não podem ser com tudo de grande pezo , porque reduzindo-se á úni- ca de Faria c Sousa , já notámos que quando elle susten- tava isto , ainda não sabia da outra Edição do mesmo an- no ; c assim he evidente que caracterizaria como original aquella primeira que estivesse ao seu alcance , liuma vez que fosse datada de 15'72. O Senhor D.José Maria de Sousa, o único que olhou até ao presente para este objecto com as luzes da critica , pezando como devia o voto de Faria , continuou a seguir a mesma opinião, fundando-se em razões attendiveis que he escusado repetir ; mas não lhe tendo sido possível cotejar ambas as Edições («), não pòdc produzir em abono da prioridade daquella o argumento que nos parece mais con- cludente, e que pode servir ao mesmo tempo de reposta ao outro quesito que acima propozemos. He fora de duvida que desde 15'72 até ao fim da sua vida , sempre Camões assistio cm Lisboa , talvez até por ser essa huma das condições necessárias para vencer a ténue pensão com que ElRei D. Sebastião remunerou os seus ser- viços : além disso tendo obtido hum privilegio exclusivo para os Lusíadas , ficava certo que clles se não imprimirião sem o seu consentimento ; e que ainda mesmo que tivesse vendido o dito privilegio, elles não serião alterados; vis- to (a) A pezar desta difficuldade a sua critica judiciosa lhe fez emen- dar muitos erros da primeira Edição pelo mesmo modo que vem na se- gunda que não pôde ver: os poucos que l!)e escaparão vem já notados no fim do Relatório feito á Academia pelos Sócios incumbidos do exa- me dtsta Ediçuo. DAS SciENCiAS DE Lisboa. T73 to que nem o direito do impressor ou cessionário podia es- tendcr-stí a tanto , nem o pundonor do Autor lhe permit- tia dar esta incumbência a hunia terceira pessoa. Além disto nada ha mais ordinário do que emendarem- se cm huma segunda edição os erros em que se tem ca- bido na primeira j aproveitarem-sc os Autores das criticas que lhe fizerão, e melhorarem por meio destas a sua obra*, absim quando são elles os que fazem huma e outra edição, quasi que pôde haver certeza de que a ultima he a preferível. Guiados por estes princípios hc que sobre tudo nos persua- dimos do que a Edição a que Manoel de Faria, o Padre Thomás , e o Senhor D. José Maria de Sousa , chamarão primeira realmente o he , porque a achamos bastante infe- rior á outra. Os leitores intelligentes que quizerem exami- nar a tabeliã já annunciada decidirão se he ou não justo este juizo. Se elle pois nos não allucina , fica já evidente qual será a edção que deva servir de texto ás outras subsequentes, por ser a que se deve reputar mais emendada e aperfeiçoa- da : todas as alterações feitas posteriormente a esta segun- da E.liçân, quando não são correcções de erros manifestos de Typografia, devem rcgeitar-se , porque ninguém tem o di- reito de emendar o que os outros escrevem , ainda quando seja para melhor ; e porque as obras assim alteradas não fi- cão sendo mais do que filhas espúrias d'aquelle a quem se attribuem. Desde o anno de i^yz até 15:84 não se mostra que se tornassem outra vez a imprimir os Lusiadas: neste tem- po porém (em que já seu Autor era falecido, e o privilegio acabado) sahírâo elles á luz dos prelos de Manoel de Ly- ra , acompanhados de algumas annotações , em hum volume pequeno de oitavo de 280 folhas de impressão ; além da ta- boa dos nomes sobre que se fizerão as annotações, que não vem numerada. Manoel de Faria e Sousa no seu Commento ao Cari- to X. columna j'46 , Ignacio Garcez na pag. 27 do seu 174 Memorias DA Academia Jipparato preUmhiar ^ e mais que tudo a tradição constante sempre attribuírao esta Edição aos Padres da Companhia : cila se faz notável pelas mutilações e extraordinárias alte- rações que a desfigurão ; e além disso he hoje tão rara, que julgando que o que delia disséssemos seria assumpto novo para a maior parte dos curiosos , seremos hum pouco mais extensos no seu exame. As alterações feitas pelos Jesuítas nesta Edição podem considerar-se de duas naturezas , religiosas e politicas. Em quanto ás primeiras , não lhes pcrmittindo o seu escrúpulo , que se dessem os nomes de Deoses e Densas ás Divindades do Paganismo , são estas denominações substituídas por ou- tras as mais das vezes ridículas : assim não são os Deoses os que no Canto I. se ajuntão no Olympo, são os ídolos: Em luzentes assentos marchetados D'ouro e de perlas , mais abaixo estavao Os outros ídolos todos assentados. No mesmo Canto Est. XXIV. por não porem as palavras Clara Dea, com que o Poeta appellida a Vénus, fazem-lhe escrever : Estas cousas movião Cytherea ; E mais porque das Parcas claro entende, Que ha de ser celebrada a nunca fea Onde a gente marítima s'estende. Na falia que Júpiter faz aos Deoses , em lugar de lhe dar este nome , trata-os por Senhores , e a guerra destes c*os Gigantes he tratada de guerra dos de cima c'os Gigantes {a). Não acabaríamos tão depressa se citássemos todas as alte- rações desta natureza , e que não são nada em comparação das (a) Cant. VI. Est. XIII. DAsSciENClASDIcLlSnOA. I7J das que se seguem , e que dizem propriamente respeito aos costumes : he aqui onde os Editores julgarão que tudo lhes era permittido. Bem conhecida he a bella poesia , com que no Canto II. SC figurão Vénus e as Nynfas , oppondo os peitos ás proas das Káos Portuguezas , impedindo-as assim de entrar em Mombaça, onde serião infallivclmente destruidas. Vasco da Gama , vendo este notável acontecimento , conhecendo que «ra sobrenatural , e percebendo por isso a perfídia com que os Mouros o tratavâo , rompe em expressões de muita pie- dade e reconhecimento. Vénus commovida peio perigo im- minentc que os Navegadores tinhão corrido, sobe ao Olym- po , e se queixa a Júpiter , que a socega , e lhe faz ver as futuras ditas dos Lusitanos. Esta viagem de Vénus , e A recepção que lhe fez seu pai , pareceo mal aos Edito- les ; e por isso cortando as dez Oitavas em que ellas se referem , introduzirão huma de todo nova , e alterarão ou- tta para ligar o sentido ; de tal sorte , que a reposta que Camões põe na boca de Júpiter como dando-a a Vénus , he representada como huma voz Divina , que responde mi- lagrosamente á oração do Gama (a). Tom. mi. Part. I. Z No (4) A Oitava feita de novo , e a emendada são as seguintes. Oit. XXXIII. Orava o illustre Gama desta sorte , Quando huma voz ouvio que do alto vinha, Dizendo-lhe : não temas ver a morte Tão propinqua a ti , e tão visinha : Anima-te e esforça, Varão forte, Que tal empresa a tal varão convinha. Ouvindo isto o Gama attento estava, E a voz que bem s^ouvia assim soava: • Oit. XXXIV. que corresponde á XLIV. da^ outras Edições Famosos Portuguezes, não temaes Perigo algum jamais em Lusitanos ; 176 Memorias da Academia No Canto III. cortarão a Oitava ultima, por nella se dizer , que o erro em que cahio ElRci D. Fernando , ca- sando com D. Leonor Telles, poderia talvez, achar descul- pa entre os amantes j e no Canto V. além de outras , a Est. LV. em que o Gigante Adamastor beija a face e os cabellos do fantasma que tomou por Thetis. Isto adverti- do escusado será dizer que com mais razão forão também cortadas as Oitavas LXXI , LXXII , LXXIII , LXXVIII , e LXXXIII. do Canto IX. Todas estas mutilações e emendas tem ao menos hum fim que a alguém podia parecer plausível; mas ha outras,, que não será fácil excogitar com que motivo fossem feitas. Por exemplo no Canto V. descreve o Poeta maravilhosa- mente as chamadas mangas ou trombas , explica as parti- cularidades d'este fenómeno, e o modo por que vem . . as nuvens do mar em largo cano Sorver as altas agoas do Oceano. Esta explicação desagradou não se sabe porque, e cortaríío- se as Oitavas XIX. e XX. em que ella se continha. Acaso o monopólio que os Jesuítas pretendiâo fazer da Littera- tura , estender-se-hia também á descripçao dos fenómenos da Natureza ? Hum passo se omittio nesta Edição com todo o moti- vo, e foi a Oitava LXXXII. e LXXXIII. do ultimo Canto, em que se contém huma espécie de protestação de íé , tal- vez imprópria no corpo do Poema , e mais ainda Sendo posta na boca de huma Divindade gentílica. Camões jul- gou Nem que nenhum que elles possa mais Em quantas gerações houver d' humanos: Que eu vos fico, amigos, que vejaes Esquecerem-se Gregos e Romanos Pelos illustres feitos, que esta gente Ha de fazer nas partes do Oriente. DAS SciENCIAS DE LiSGOA. I77 gou a pczar de tudo , que era necessária ; e certamente não se enganava , visto o tempo em que escrevia , e os sen- timentos dos homens que o haviao de ler. Como porém na Edição de que tratamos não se falia huma única vez em Dcoscs , era evidentemente escusada a protestação , e por isso foi de todo suprimida. As emendas a que chamamos politicas são em menor numero , mas não menos notáveis. Tendo dois irmãos do grande D. Nuno Alvares Pereira deixado o partido d'ElRei D. João I. para seguirem o de CastcUa , e tcndo-os acom- panhado bastantes Portuguezes , em dois lugares lhes dá o Foeta o bem merecido nome de arrenegados : no anno po- rém de I5'84, em que este Reino estava sogeito a Filip- pe II. de Castella, julga'rão os Editores dever mitigar estas expressões de hum patriotismo ardente , a pezar de não se- rem suas ; e mais ainda , como se pôde pensar , por ser então outro D. Nuno Alvares Pereira muito acceito ao Mo- narcha , e o primeiro Portuguez que acudio ao seu chama- mento , estando ainda em Badajoz , e lhe jurou fidelidade. Por tudo isto na Est. XXXII. substituirão o epiteto de in- constantes ao que lhe deo Camões , e fizerão terminar a Est. XL. com dois versos diíFerentes dos do original, e in- teiramente novos {a). Esta servil adulação ainda se faz mais patente , quan- do se vê suprimida huma Oitava inteira , em que o Poeta com estimável liberdade tinha censurado a ingratidão d'El- Rei D. Manoel para com Duarte Pacheco nos bellos versos que começão : Z ii Mas (a) No íiin da Est. XL. em que Camões dizia: Os Pereiras também arrenegados Morrem , arrenegando o Ceo e os Fados. escreverão : Os Pereiras que também são rebellados , Finalmente são aqui desbaratados. 178 Memoriasda Academia Mas tu , de quem ficou tão mal pagado Hum tal Vassallo, oh Rei só nisto inico ! a qual não tendo escandalizado os ouvidos d'E.lRcI D.Se- bastião, parece que ainda menos podia escandalizar a Cor- te do intruso Filippe I. A' vista do que temos dito , fica bem evidente que não SC perdoaria á Est. CXIX. deste mesmo Canto , que mais que nenhuma devia escandalizar os Editores, pela sup- posição de que os Jesuítas erao nella severamente reprehea- didos: mas adiante teremos occasião de tratar este assum- pto com mais extensão. Se o texto do Poema de Camões foi tratado com tão pouco respeito na Edição de 1584, as notas que os Edi- tores lhe ajuntarão são obra de bem pouco merecimento. Ainda em vida do Poeta muitos curiosos se derão ao traba- lho de commenta-lo , e hoje se conservão em algumas Li- vrarias exemplares em que estão explicados os passos mi- thologicos e geográficos, e ainda outros que parecerão mais difficeis de interpretar (a). Estes commentos não merecem pela maior parte tirar-se da obscuridade a que o tempo os con- (a) o mais celebre destes exemplares com annotações he o que ain- da hoje se conserva na Livraria do Mosteiro de S. Bento da Saúde , o qual he tradição que fora do uso do mesmo Poeta. Este exemplar (que he da segunda Edição de 1572) estA bastante maltratado e f;ilto de folhas: em baixo da que contém o Privilegio está escrito em huma linha com letra daquelle tempo : Lniz de Camões seu dono : ainda ha outra palavra adiante , que não pôde Icr-se , por se terem roçado as letras, em quanto a tinta estava fresca. Este livro está cheio de notas de letra diíltrente, posto que algum tanto parecida com a primeira; notas que certamente não são do Poeta , que não era capaz de escrever inepciíis. Assim mesmo quem n^outro tempo possuio o exemplar , per- suadio-se disto, e assim o escreveo n^huma advertência, trazendo para prova a nota á Est. CHI. do Canto IV. onde se diz fallando-se de Pan- dora : da qual neste liuro fafO menção : mas isto mesmo mostra que he ás notis , e não aos Lusíadas, que aqui se allude, pois que uestes não se falia em Pandora. Para darmos huma idéa do gosto do annotador, transcreveremos esta mesma nota : u Prometheo filho de Japetho e de DAsScrENClAS DkLiSIíOA. I79 conilenou ; e talvez por já conhecer isto , hc que o mes- mo Camões instava tanto com Manoel Corrêa para que em- prciíciídesse hum semelhante trabalho : mas os Jesuítas jul- garão poder aproveitar-se do que por outros estava feito , c imprimirão as suas annotaçócs cscolhendo-as de differentes Autores. Três ou quatro exemplos bastarão para fazer co- nhecer o discernimento c bom gosto com que foi feita es- ta escolha. Na nota á Est. X. do Canto V. converte-se a Provín- cia de Mandinga cm hum Rio, que segundo alli se diz, vom desembocar no Gambia; na Oitava VI. do Canto VIII. Pyrro Rei do Epiro he feito filho de Achilles ; na XCVII. do mesmo , quando o Poeta diz : ^ Polidoro mata o Rei Threi- cio: a pezar de que bastava ter lido o Livro III. da Enei- da , para se saber que este Rei Threicio ou da Thracia era Polymnestor , dá-se este patronímico como hum nome próprio do dito Rei; em fim (e esta annotaçao vale por quantas outras poderíamos citar) na Est. LXV. do Canto III. diz-se , que a razão de convir a Cezimbra o epiteto de pscosa , he porque em certo tempo do anno se ajunta alli gran- 11 sua esposa A ria, o qual primeiro que todos o homem do lodo for- ■>i niou , segundo fingem Poetis, da qual obra raaravilliando-se a Deo- ■51 sa Minerva , prometteu-lhe que lhe daria dos bens dos Ceos qual- V quer eousa que houvesse mister para acabar de pôr em perfeição a ■)i sua obra: o qual ( por responder que não sabia, até não saber o que n nos Ceos havia) levou-o lá, e como visse que lá não havia cousa, 55 que sem flamma de fogo fosse animada , para que ao seu homem 11 desse também flamma , secretamcute accendendo fogo na roda do ■>■> Sol o trouxe ao mundo; com o qual deo espirito vital ao seu homem 51 de lodo: pelo que anojando-se disso os Deoses , mandarão qua á ter- 11 ra as febres e enfermidades per Pandora huma fermosissima niolher, ii de que neste Livro faço menção: E a Prometheo per Mercúrio man- ti darão atar a hum penedo no monte Cáucaso, que he grandíssimo e •'1 altíssimo, na Scythia , cheio de penedos, e dMiuma parte tem per- " petua neve, ao pé muitas arvores e liervas peçoiílientas , e bichos; e ■5 alli lhe ajuntarão huma águia, que continuadamente lhe estivesse "ii comendo o cwação , a qual águia todavia depois Hercules matou , e '■1 livrou-o a elle n. jgo Memorias da Academia grande quantidade de Piscos para se passarem para Afri- ca ! ! (a) Qiiem não pasmará , depois de tudo quanto fica dito , vendo que o Padre Tliomás José de Aquino , ou quem quer que escreveo o Discurso Critico em que se defende a nova Edi- ção da Lusíada , cita esta de que temos fallado como hum modelo de exacçao ! Não se pôde abusar mais da creduli- dade do publico ! {b) A outra Edição Jesuítica que se seguio a esta , e que reputamos ser a quarta dos Lusíadas , tem o mesmo titulo , e imprimio-se na mesma Oíficina em ij^i : o texto he co- piado da antecedente , e só se difFerença delia nas notas , que nos exemplares de i')84 estão mcttidas entre as oita- vas , excepto as que dizem respeito á Cosmografia , em que se explicão alguns lugares do Canto X. as quaes vem jun- tas no fim : porém na segunda Edição cortarão se conside- ravelmente estas notas , e pozerao-se todas depois do Poe- ma : em quanto ao mais não fazem as duas Edições diflfe- rença que seja digna de notar-se {c). As pessoas incumbidas destas Edições tiverão indubi- ta- (a) Esta nota dos Piscos cortou-se na edição de 1591. Nos Coni- mentarios de Manoel Corrêa mettem-se muitas vezes a ridiculo estas annotayões , assim como depois as mesmas de Manoel Corrêa forão ás vezes ridiculisadas por Manoel de Faria e outros, ainda que com mui- to menos razão. He de crer, que se Pedro de Mariz não se mettesse a fazer additamentos a Manoel Corrêa , sem os separar das notas deste , não apparecerião alguns dos defeitos que forão criticados , e sobre tu- do a celebre nota das Talhas, que muito mais parece escrita por Mariz que nunca sahio do Reino, do que pelo Corrêa que tanto tinha viajado. Vej. o Prologo de Mariz a esta Edição. (6) A primeira Edição do Padre Thomás José de Aquino de 1779 deo lugar a hunia questão litteraria extremamente vergonhosa para dois dos campeões que entrarão nella. O Autor da Carta de hum amigo a outro mostrou a quanto pôde chegar a ignorância presumida; e o Au- tor do Diictirso Critico, que corroo de plano ser o mesmo Editor, fez ainda ver neste opúsculo maior charlataneria , do que nos Prólogos da sua nova Edição. ( c) Até a informação do Santo Officio he copiada d'huma para a outra. dasScienciasdeLisboa. i8i tavclmcnte á vista as duas primeiras de if?!, pois ainda que as mais das vezes sigão a lição da segunda , também prefe- rem a outra nas occasiôes cm que talvez lhes parecco mais correcta, julgando-sc autorizadas para semelhante escolha. Seis annos mediarão entre as duas ultimas Edições que temos descripto, e quasi o mesmo intervallo se passou des- de a derradeira destas até á de i^^y , que também sahio dos prelos de Manoel de Lyra , e foi feita á custa de Es- tevão Lopes , Mercador de Livros. Tendo-se este homem lembrado de ajuntar as Rimas de Cairtôes , que andavão es- palhadas cm diversos manuscritos , encarregou este traba- lho a Fernando Rodrigues Surrupita , que o desempenhou louvavelmente : então requereo o privilegio exclusivo , que lhe foi concedido por espaço de dez annos , tanto para as Rimas como para os Lusiadas , cujas Edições já estavão consumidas. Este privilegio he datado de 30 de Dezembro de i59f- No titulo da Obra diz Estevão Lopes expressamente, que ella vai impressa segundo o original antigo : querendo significar com isto , segundo parece , que alli não appare- cem já as alterações e mutilações das Edições anteceden- tes , mas sim o texto tal qual seu Autor o escrevera. Esta promessa , tão solemnemente feita , está ainda bem longe de verificar-se. Com tudo o Censor do Santo Officio, que foi Fr. Ma- noel Coelho , permittio que se restituissem outra vez os lugares em que se fallava nas Divindades Pagãs, e até mos- trou na sua informação as razões pelas quaes esta lingoa- gem era innocente , e própria da Poesia : foi porém mais difEcultoso em outros passos , que ainda continuarão a emen- dar-se , mas por modo diferente do das Edições anteriores, de que são exemplos a Oitava XXXVL do Canto II (a): par- te (a) Oitava XXXVI. do Canto lí. Os crespos fios d'ouro s'esparzião , Pelo collo, que a neve escurecia j V i82 Memorias?! A Academia te da XXXII. e XL. do Canto IV {a) : e hum grande nu- mero de versos do Canto IX {b), O E nos laços que delles se tecião, Coutente a liberdade se prendia. Os olhos pretos , onde arder se vião Outras luzes mais bellas que a do dia, Armados de belleza e d''esquivança, Principio do receio e da esperança. (a) São estes os versos em que também nesta Edição se não quiz fallar nos arrenegados, que tomarão o partido de Castella; e por isso se diz no primeiro lugar : Dos que ousarão segui-lo muitos são. E no segundo : E os ingratos Pereiras , que poderão Armar-se contra a terra onde nascerae. (i) Estas Estancias alteradas são as seguintes. LXXI. ©■"huma os cabellos d^ouro o vento leva, Que madeixas da Arábia parecião; Accende-se o desejo , que se ceva De ver que mais que o Sol resplandecião. Outra c^o a pressa cahe , e já releva Render-se aos leves pés que a seguião: E por se assegurar de quem a otíende , Com se metter nas armas se defende. LXXVI. Quiz aqui sua ventura que corria Apôs Ephire, exemplo de belleza. Que mais que as outras estimar queria O bem que tanto vai quanto se preza, LXXXII. Não foge a quem o segue a Nynfa, tanto Temida do perigo em que se via, Como por hir ouvindo o doce canto , As uamoradas magoas que dizia : DAS SciENCIAS DE L I S K O A. 183 O que nesta Edição ha de mais notável he, que se fi- zcrão nclia algumas emendas novas de lugares, que tinhão escapado nas outras ao escrúpulo dos Jcsuitas : taes são na historia de Perimal , que Monçaide refere aos Portugue- zes , os versos cm que diz o Poeta , que clle armara náos Para ir nellas a ser religioso , Onde o Profeta está que a lei publica. E mais adiante : Para onde em sancta vida acabe e ande (a)» Ainda que era hum Mouro o que fallava , e que não po- dia tratar de outra maneira a lei do seu Profeta , que para clle era santa , forão todos estes versos alterados. Mas que muito , se até D. Nuno Alvares Pereira quando no principio de hum combate Tom. Vlll. Part. I. Aa Oran- Mas por Ih^enfraquecer com novo espanto O peito ousado, o rosto atraz volvia; Mostrando-lhe no gesto hum desengano, Que não teme de força humana dano. LXXXUÍ. Na clara luz dos olhos radiantes, JXa graça com que o Ijcllo rosto vira, Mil almas cativava n^jiuiu instante, Kenhuraa lhe escapara nem fugira : Porém se a Nynfa altiva ao triste amante As forças neste passo quebra e tira, Depois lhe mostra em liin por piedade Quanto pode mais que ellas a vontade. (a) Em lugar dos dois primeiros versos escreverão: E sem temer o mar tempestuoso , O Profeta vai ver que a lei publica, E em lugar do segundo, este : Onde como deseja acabe e ande. 184 Me MOKiASDA Academia Orando invoca a summa e trina essência , pareceo mal , e foi condenado por este exacto Editor (a) ! Vê-se pois , que a declaração posta no frontispicio da Obra, foi somente feita com o fim de procurar maior consummo para aquella Edição : e tanto mais , que não he só nestes lugares que a antiga se deixou de parte, mas em muitos outros , em que foi emendada arbitrariamente ; de sorte que grande numero de erros das seguintes foi nesta que tiverão origem (b). He de advertir , que n*aquelles lu- gares que não forão alterados , segue-se constantemente nesta o texto da segunda Edição de 1^72, com pequenas excepções no Canto I. e II. (c) Temos até aqui dado conta das primeiras cinco Edi- ções dos Lusiadas , que hoje se conservão ; se mais algu- mas houve antes do anno de 1600 são-nos absolutamente desconhecidas , e escaparão a todas as nossas diligencias (d) : as- (a) Este verso tornou-se inintelligivel , emendado da maneira se- guinte : Orando vestocèo pode clemência. (b) As antigas terminações em ibil , que o Poeta tinha conservado em muitos lugares, forão trocadas nesta Edição pelas outras em ivel , segundo o modo de fallar moderno : e assim mesmo muitas outras pa- iavras antiquadas , das quaes se pôde pensar que Camões U30U de pro- pósito para dar mais magestade á lingoagem poética , como sanguino , pruma , arrecea , rouca, etc. em lugar de sanguinho , pluma, recea , rou- ca , etc. que nesta EMição de novo se introduzirão. Daqui se originou a lição do verso da Est. LXllI. do Canto V. Cantigas pastoris em prosa ou rima: a outra da Est. L. do Canto VII: Edificão os nobres seus assentos: a do celebre verso : Da mãy primeira c^o terreno seio , que depois seguirão erradamente tantos Editores : e muitas outras qué seria largo referir. (f) JNão fallo nos erros da impressão que accrescêrão ucsta Edição, os quaes são em muito grande numero. (d) He certo que os nossos Bibliografos não fallão em nenhuma outra d'aquelle século , a pezar disso pôde bem ser , que nos últimos ánnos delle houvesse outra ou outras que hoje não appareção. Conser- S)AS SciENCIAS DE L I S B O A. I Sf assim resta-nos somente agora apresentar as reflexões que nos deu lugar a fazer o seu exame j reflexões que em par- te, a pezar de não passarem de meras conjecturas, pode- rão aclarar os motivos pelos quaes aquellc que immortali- zou os feitos dos Heroes Portuguezes, se achou desempa- rado de todos, perseguido c maltratado na sua vida; c co- mo acabamos de ver , mais ainda se he possivel , nas suas obras , depois da sua morte. He bem provável , que quando Camões entrou pela barra de Lisboa, tivesse concebido as mais bem fundadas esperanças de que os seus serviços militares e litterarios fossem recompensados segundo o seu merecimento. Ten- do residido muitos annos fora do Reino , e ignorando por conseguinte os últimos acontecimentos que nelle se passarão , não podia então prever a face pouco favorável que havião de tomar as suas pretenções. Com effeito El- Rei D. Sebastião na idade de dezeseis annos era quem en- tão empunhava o sceptro , e tinha largado a residência de Lisboa por causa da grande peste que a assolava: o celebre D. Aleixo de Menezes acabava de fallecer : a Rainha D. Catharina tratava de separar-se de todo dos negócios do Estado ; e o infeliz Monarcha não tendo assim já ao seu la- do as duas pessoas , que mais capazes erão de o dirigir , via-sc , ainda em tenros annos , governado pelas creaturas de seu Tio o Cardeal D. Henrique , isto he , pelos Jesuí- tas, que apenas chegados ao Reino, tinhão adquirido em breve a maior influencia no seu espirito. Sabido he que nesta facção havia dois irmãos , que pe- Âa ii los vo Lum exemplar dos Lusíadas em hiiin volume de 4." sem frontispí- cio , o qual certamente foi impresso na Officina de Manoel de Lira por este tempo; pois a letra he perfeitamente irmií da da Edição de 1594, e ainda que com algumas differenças foi esta mesma a que lhe sérvio de original. Na dita Ediyão já as oitavas do Canto ÍX. vem restituídas pelo original antigo , mas ainda se conservão a maior parte das outras emendas. li 6 AI E M o r, I A S n A A C A D E M I A los lugares eminentes que occup;ivão, dirigi;:o tudo a seu arbitiio ; Luis Gonçalves da Camará, Jesuica , Mestre e Confessor d' El Rei , o qual gosava do maior credito na Corte, c Martim Gonçalves da Camará proximamente no- meado Escrivão da Puridade, emprego o mais importante, pois por suas mãos passavão todas as graças e despachos : alguns motivos ha para nos persuadirmos , de que Camões não seria totalmente estranho a estes homens ; ao menos he certo que elle era particularmente conhecido de seu sobri- nho ( filho de outro irmão) por nome Rui Dias da Camará, que he o mesmo individuo que teve a barbaridade de o dei- xar sem soccorro algum , quando o via na ultima miséria , e ate de o arguir asperamente , por lhe não acabar em breve a traducção dos Psalmos Penitcnciaes, que lhe havia encom- mendado. Sc tal era o caracter do sobrinho , a historia mani- festa bastantemente qual fosse o dos dois tios , para que seja necessário demorarmo-nos em especifica-lo: bastará di- zer, que vendo o Monarcha somente pelos seus olhos, as creaturas apresentadas por elles erão unicamente as favoreci- das ; e que a alma nobre e livre do nosso Poeta estava bem longe de approvar e seguir os meios, por que estes favores ordinariamente se conscguião. Se isto era bastante para que a fortuna lhe não fran- queasse desde logo os seus thesouros , pôde dizer-se com bastante probabilidade, que outro motivo mais forte ainda haveria para elle ser mal visto pelos dois irmãos Camarás. He certo que hoje se não pôde provar a que familia per- tencia aquella D. Catharina de Ataide, infeliz objecto da paixão do Homero Portuguez ; mas se suppozermos ( como he provável ) que esta Senhora era da Casa de D. João de Ataide, filho dos segundos Condes de Atouguia, huma filha do qual casou com Simão Gonçalves da Camará , avô dos mesmos Camarás, que vimos JLinto ao trono d'ElRei D.Se- bastião; não rK>s admiraremos de que eiles depois de tantos annos conservassem ainda rescntimento por aquelle supposto ul- DAS SciENCiASDE Lisboa. 187 ultraje ; e que Camões avançado em idade viesse a pagar a pena dos desvios , a que fora arrastado em quanto moço. Nâo passa isto , como se vê , de huma conjectura ; mas sempre hc notável , que a maior parte daquelles que hoje nos consta terem sido mais contrários a Luis de Camões estivessem enlaçados pelos vínculos do sangue ; pois até Francisco Barreto, que tanto lhe fez soffrcr durando o seu governo da índia , veio a casar com D. Brites de Ataide , neta do mesmo D. João de Ataide , tronco commum dcstaá Familias (a). Seja porém o que for a este respeito, como a pezar de tudo o merecimento de Camões era decisivamente co- nhecido, e os seus serviços muito relevantes, depois de al- gumas demoras , obteve elle a mais mesquinha graça , que podia esperar, a conceder-se-lhe alguma, a saber, huma tença de ijc^ réis, que lhe era muito mal paga, e o pri- vilegio para imprimir o seu Poema. A (íí) Eis aqui a arvore genealógica que mostra o parentesco destes Camarás c Ataiiles, extrahida de vários lugares da Historia. Genealó- gica da Casa Keal : D. João de Ataide, Filho dos segundos Condes de Atouguia. D. Alluuso de Ataide. D. Isabel de Ataide , cas. c. yimão Gonçalves da Camará. D. Brites de Ataide, cas. João Gonçalves da Camará. c. Francisco Barreto, Go- 1 vernador da Índia. 1 Luis, e Martim Simão Gonçalves Gonçalves da Ca- da Camará. ]{iara , Ministros 1 d'ElReiD.iJebas- I tião. Rui Dias da Gamara. i88 Memorias DA Academia A publicação deste, que cm quaesqucr outras circun- stancias bastaria só para melhorar a sorte de seu Autor , pa- rece que entáo sérvio pelo contrario para lhe suscitar novas desoraças : não que deixasse de haver pessoas intelligentes de todos os estados c jcrarchias, que apregoassem Camões pelo maior Poeta das Hespanhas ; mas porque estas vozes erão suflFocadas pelas da inveja e da calumnia , que o rcpre- sentavão como pouco religioso por ter introduzido no seu poema as Divindades Pagãs; como hum homem licencio- so, pelas pinturas eróticas com que tinha ornado o mesmo poema ; e como hum atrevido , pela liberdade com que cm muitos lugares rcprehendia os Ministros, e outros grandes empregados , o que se pode ver principalmente nas Est. LXXXIII. e seg. do Canto VII na LIV. do Canto VIII. na XXVII. e XXVIII. do Canto IX. &c. &c. Tudo isto era já muito, mas não era talvez o princi- pal, e servia somente como de veo para encobri-lo. O5 Pa- dres da Companhia , que , como acima notámos , tinhao neste tempo a maior influencia na Corte, vião as suas Ca- sas frequentadas pelas pessoas mais distinctas em nobreza e saber; e Luis de Camões, ou fosse por algum resenti- mento particular , ou somente porque a sua independência natural o afastava d'aquelle modo de vida, em vez de pas- sar os seus dias no Collegio de Santo Antão , ou na Casa Professa de S. Roque , onde não deixaria de alcançar pode- rosos protectores , gastava pelo contrario quasi todos em o Convento de S. Domingos , com cujos Padres vivia fami- liarmente. Ninguém poderia ftzer-lhe hum crime desta pre- ferencia , mas não era ella certamente própria para adiantar os seus interesses. Estando pois , por todos estes motivos , já os ânimos indispostos, não he extraordinário que olhassem como hum delicto , e hum ataque feito á Companhia a celebre Oita- va CXIX. do ultimo Canto , que agora copiaremos : DAS SciENClAS DE LiSBOA. 189 E vós outros, que os nomes usurpais De mandados de Deos como Thomé , Dizei : se sois mandados , como estais Sem irdes a pregar a sancta fé? Olhai que se sois sal , e vos damnais Na pátria , onde profeta ninguém he , Com que se salgarão em nossos dias (Infiéis deixo) tantas heresias? Os Jesuítas , que neste tempo crao vulgarmente chamados os Apóstolos^ persuadirão-se , e talvez com razão, que esta apostrofe era principalmente dirigida a cllcs, e mostrárão-se gravemente offendidos : ainda mesmo no caso de não se lhe dar esta intelligencia, era bem de crer, que não aprovassem aquellas expressões anfibologicas , que podião facilmente in- terpretar-se por hum modo desagradável para elles: e para SC conhecer quanto esta Oitava lhes foi sensível, basta ver o empenho com que Manoel Corrêa contemporâneo e ami- go de Camões, se esforça em provar a sua innocencia; mas então vinha já o remédio muito tarde {a) , e Camões ex- perimentou todos os^ ciFeitos de huma cabala ordida contra elle , fosse ou não originada por culpa sua. A circunspecção timorata dos Biógrafos d'aquelle tem- po , e dos seguintes he tal , que sendo-lhe provavelmente notórios estes factos , e dando-os ate a entender com pa- lavras equivocas , não se atreverão a circunstancia-los , nem a explicar-nos os motivos das ultimas desgraças do Cantor dos Lusíadas (è) ; com tudo ainda assim mesmo tiraremos o (a) Estes commentos ainda que fossem escritos muito tempo antes , não apparecêrão á luz senão depois de jâ estar serenada a tempestade. (i) Manoel de Faria e Sousa he o mais notável a este respeito, pe- los desejos que mostra em muitos lugares de fallar, sem se atrever a faze-Io claramente ; a pezar disso na segunda vida de Camões ainda te- ve a ousadia de dizer: itElRcy era un muchaclio de 16 anos, que no ipo Memorias DA Academia. o possível partido do pouco que deixarão escrito , e fare- mos ver que realmente cxistio esta cabala. Sirva de primeira prova , que não duvidando ninguém de que Camões fosse o maior Poeta de Portugal , e o úni- co que até então tivesse composto huma Epopca , sem em- bargo de se ter ofFerecido para cantar a ElKei D, Sebas- tião , sobre tudo nas duas sublimes Oitavas que a termi- quc níío ; sem embargo de ser hum homem de guerra , e de conservar como elle diz , hum braço ás armas feito \ querendo aquelle Monarcha quando partio para a mallograda expedi- ção de Africa, que o acompanhasse algucm capaz de can- tar as suas acções; os Conselheiros, isto hc, o partido Je- suítico, deixando-o de parte, introduzirão para isto Diogo Bernardes, e Luis Pereira, que por certo lhe crão muito in- feriores em tudo, principalmente no estilo Épico {à). Seja outra prova d'csta animosidade contra Camões , que estando na mão de Martim Gonçalves da Camará , por quem tudo se fir/ia , renninera-lo na sua vida , como qu:- zesse, e praricando-o pelo modo que fica dito; mudou to- talmente de systema (ainda que talvez não mudasse de sen- timentos) alguns annos depois da sua morte, fazendo gra- var na sepultura, que então se tinha descoberto , o epitáfio Latino , que anda vulgarmente impresso. He bem evidente , que se este Ministro tivesse mostrado huma pequena parte d'aqueUa estimação em quanto o Poeta era vivo , isto bas- taria para melhorar consideravelmente a sua sorte, e impe- di-lo de morrer n'hum hospital. Mas duas cousas , são di- gnas 55 obrava cosa alguna por su enteiidiniiento , ó voluntad j sino por Io •>i que asscntavan los que le teniaii en sti mano, que cran cneinigos dei ■íi Poeta; y coliforme a esto, auii fue iiiuclio que Je diessen estes etc. ■>■) lim alguns outros lugares falia no inesnio sentido : mas o que sobre tudo se deve ler, e que co])iariainos a não ser a sua grande extensão, he o coniinentario deste Autor á Estancia acima referida, em que se vê evidentemente o einpenlio de persuadir o contrario do que escreve , iia fina ironia com que tratii os Jesuítas. (a) Faria e Sousa ua seguuda vida do Poeta, e alguns outros. DAS SciEMCIAS DE L I S B O A. ípt gnas de reparo nesta acção; a primeira que estas ideas de benevolência se despertassem em Martim Gonçalves depois da vinda de Filippe I. a Lisboa, na qual este Monarcha se mostrou tão interessado pelo Poeta ; a segunda que o mes- mo homem que fazia de protector fora de tempo, tivesse a notável mania de ajuntar o seu nome com as cinzas dos Escritores mais illustres seus contemporâneos, e que assim fizesse também pôr versos Latinos sobre a campa de Fran- cisco de Sa de Miranda. Pretendia talvez a tão pouco cus- to ser reputado pelo Mecenas de Portugal; e houve Auto- res , que não se envergonharão de o tratar assim *. o Sr. D. José Maria de Sousa foi o primeiro que fez daquella ac- ção o apreço que ella merecia (a). A terceira prova que apontaremos da existência daquel- la cabala, são as dificuldades que se suscitarão para a reim- pressão dos Lusíadas , dificuldades de que até agora se con- servava huma tradição vaga , mas que serão fáceis de co- nhecer pela combinação das Edições de que temos fallado. Imprimindo-se duas vezes os Lusíadas em o mesmo anno de 15^72, o que prova o extraordinário consummo que tiverão logo no principio, e antes mesmo de que o voto pu- blico e unanime tivesse segurado a Camões a coroa que merecera ; he notável que sendo depois este Poema mais conhecido e vulgarizado , se passassem os doze annos se- guintes sem se tornar a imprimir ; ao mesmo tempo que depois deste intervallo se continuou a dar ao prelo frequen- tíssimas vezes. Com effeito a péssima Edição de 1584 es- gotou-se dentro de seis annos , a reimpressão desta durou apenas outros seis ; e as Edições genuínas havião estado doze Tom. FUI. Part. L Bb com- (a) Independentemente disto , ainda talvez que Martim Gonçalves desejasse com esta acção subtrahir-se á censura que os seus contemporâ- neos, e a posteridade devião fazer-Uie pela pouca estimação que fizera do Poeta em sua vida. He digno de notar-se , que este epitáfio latino não foi feito pelo dito Camará, mas sim por hum Jesuíta, que elle iú- cumbio desta composii^ão. 19» Memorias da Academia completos sem se repetirem : não indica isto que houve hum motivo extraordinário , que fez com que cilas se não reimprimissem ? Se porém não houve este motivo, se foi o mero aca- so, ou a difficuldadc das circunstancias que prohibirao esta publicação, que razão houve para que na Edição seguinte apparccessem os Lusíadas todos desfigurados c mutilados, e isto não por ignorância ou incúria do impressor , mas acin- tcmentc , e naquelles lugares em que , segundo dissemos , a critica e a malignidade mais podião achar que reprehen- der ? Estes extraordinários escriipulos nasceriao por ventura no momento em que a Edição se deo á luz ? ou terião an- tes origem ainda cm vida de Camões , como tudo nos per- suade a acreditar? Os autores delles scrião simples particu- lares , que se atrevessem a manchar com descaramento a glo- ria do Poeta, e a contrariar a opinião publica, ou antes hum corpo de homens que dictava as leis em Portugal em maté- ria de litteratura com o maior orgulho e despotismo? Quando os escritores, que acima allegámos, não dis- sessem , que os Jesuítas tinhão sido os autores destas Edi- ções contrafeitas , quando os motivos que deixámos apon- tados nos não induzissem a cre-Io assim, bastaria huma re- flexão para fazer ver, que não foi hum ou outro homem de pouca monta o que fez aquellas emendas, mas sim quem ti- nha todo o poder nas suas mãos : com effeito Fr. Bartho- lomeu Ferreira , o Qiialificador do Santo Officio , que na primeira Edição não achou nos Lusíadas nada , que podes- se empecer a sua publicação ; sendo o mesmo que depois revio o exemplar mutilado , diz expressamente , que assim emendado como agora vai não tem cousa contra a fé e bons costumes : porque mudarão pois dentro de tão poucos an- nos os sentimentos deste Censor ? porque reputa agora que são necessárias emendas no que ao principio achara tão cor- rente ? não mostra isto , que se elle era o que escrevia e as- sinava a censura, havia huma força externa que lhe dirigia a penna? Se nAS SciENCIAS DE LiSBOÁ. IpJ Se houve pois difiículdades para reimprimir os Lusiaj das , tacs como seu Autor os compozera , se em quanto foi vivo ellas subsistirão por não se poder alterar a obra contra o seu consentimento, e por ser a sua alma de huma tempera que não se amoldava facilmente a representações pusillanimes e desarresoadas (a) ; fica explicado o motivo pelo qual , depois de ter havido duas Edições no mesmo anno , passou hum tão longo intervallo em que o privilegio do Poeta ficou absolutamente frustrado. Mas succedeo isto realmente assim , e as primeiras Edições são por ventura ambas de 1^71 como mostrão nos frontispícios? Adiante- mos o discurso, e talvez se ache fundamento para conje- cturar o contrario. Nota'mos no seu próprio lugar , que estas Edições erão á primeira vista em tudo conformes , e que só depois de huma attenta observação he que se podia conhecer a sua di- versidade. Nenhuma delias tem as licenças dosTribunaes {b)'^ c a informação do Qiialificador he absolutamente a mesma; mas ( como também dissemos ) a tarja do frontispício tem a diíFerença , que parece em huma delias ser vista pelo di- reito , e na outra pelo reverso ; o que mostra evidentemen- Bb ii te. (a) Na annotação á Oitava LXXI. do Canto IX. oitava que no ex- emplar de -Manoel Corrêa se acha emendada , assim como algumas ou- tras , diz este Commentador, que aquellas emendas forão feitas pelo Poeta , a instigação e conselho dos Religiosos de S. Domingos com quem tinha grande familiaridade. Pôde duvidar-se deste facto com al- guns fundamentos , e pensar-se que as emendas são antes do Corrêa , que se persuadiria fazer assim mais recomraendavel na posteridade a memoria do seu amigo : mas ainda mesmo sendo verdade o que ellé diz , he muito mais provável que Camões cedesse aos rogos e persua- sões da amizade , do que ao império da força. (6) He para reparar que não se imprimissem estas licenças, nao só por ser a impressão delias muito usada nesse tempo, mas até porque no mesmo privilegio se maada expressamente que a antes de se a dita " Obra vender lhe será posto o preço na Meza do despacho dos meus '» Desembargadores do Paço , o qual se declarará e porá impresso na " primeira folha da dita Obra , pêra ser a todos notório ?;. Clausula esta a que se faltou em ambas as Edições. 194 Memorias da Academia te , que o Impressor se nao sérvio das mesmas formas , mas de outras leiras á sua semelhança. Assim tudo parece indicar que esta segunda Edição foi huma espécie de arre- medo da primeira, e que houve tenção determinada de que ella parecesse a mesma , ao menos aos olhos das pessoas , que não passão além da superfície dos objectos. Quando usamos da palavra arremedo , não he que pre- tendamos indicar com ella ter-se impresso a obra clandes- tinamente, correndo.no publico sem o autorizamento com- petente ; e menos ainda que sahisse á luz sem o consenti- mento do seu Autor. Se ella fosse clandestina , não appare- ccrião as mesmas pequenas diíFerenças que nella notámos , e que erão fáceis de evitar ; e se ella sahisse á luz sem o consentimento de Camões , no caso de haver quem se arre- vesse a isso , teria cuidado de encubrir o roubo o mais pos- sível , em vez de deixar tantos vestigios , que não podiao escapar á perspicácia dos olhos de hum Autor, tão interes- sado a attentar por isso. Em que consistio pois , e qual foi o motivo desta es- pécie de fingimento , em que por hum lado se procurou que as Edições ficassem semelhantes , e pelo outro se lhe fizerão alterações taes , que se não podião equivocar huma com a outra ? he o que não he fácil perceber-se senão por conjecturas , e eis-aqui as que nos parecem mais prováveis. Tendo-se consumido no mesmo anno, ou como he mais provável, algum tempo depois, a primeira Edição dos Lu- síadas, devia requerer Camões nova licença para se impri- mirem, licença tanto mais fácil de obter, que já não era a primeira vez que se lhe concedia ; mas a malevolencia e a intriga difficultárao esta concessão: cubertas com a capa da religião e da politica clamavão para que desapparecesse do Poema todo o seu ornato allegorico , que se emendassem aquelles passos que não soavao bem aos ouvidos timoratos, e que se cortassem outros que pareciao indignos de se con- servar pelo seu atrevimento , taes como a celebre oita- va, em que os Jesuitas se suppunhâo injuriados. Camões, for- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I95 forte com a razão, e com o seu direito, nâo podia pres- tar-se facilmente a derrubar com as suas mãos o edificio da sua gloria : os amigos que ainda tinha , e os verdadeiros homens de lettras devião fallar em seu abono ; e o accom- modamento que então pareceria mais praticável, era a reim- pressão debaixo das mesmas licenças já passadas, e feita por hum modo, que parecesse a mesma obra que já se ha- via publicado. Nesta hypothese , que nos parece ao menos -bastante- mcnte provável, devia pór-se no titulo o anno de ifyi, ainda que não fosse neste que realmente se fizesse a Edição. Com cffoito custa a crer, que sendo assinado o privilegio em o fim de Setembro do anno antecedente , e que sendo posteriores a elle as censuras , e licenças dos Tribunaes (no que se devia provavelmente empregar o resto do anno) logo no segundo se principiasse e completasse a primeira impressão , se vendesse toda , se tornassem a pedir novas li- cenças , e que em fim se completasse também a segunda Edição da mesma obra , e isto nas nossas Olficinas d'aquel- le tempo , a maior parte das quaes tinha hum tão pequeno sortimento de lettra, que ha alguns livros impressos em dif- ferentes caracteres , por não se poder de outro modo suprir a demora que fazia a revisão das provas, quando se preten- dia maior brevidade na impressão {a). Talvez se diga , que publicando-se a segunda Edição pelo modo que fica referido , também se não deverião fazer emendas algumas , a fim de mais facilmente poder passar por idêntica á primeira : mas quem não vê que seria huma barbaridade inaudita pretender que o Autor até imprimisse os erros que tinhão escapado na outra Edição .'' Ora todas as emendas que se fizerão podem reputar-se d'esta natureza ; e até (a) Os mesmos Lusíadas nos subininistrão hunia prova disto na Edi- ção de 1609 , oude se vêm não menos de quatro caracteres differentes no corpo da obra, sendo humas folhas impressas com lettra redonda, outras com cursiva de differentes corpos. 1^6 Memokias da Academia até hc provável que a restricçao que houve nas licenças , fosse a causa de Camões não emendar versos , e talvez oi- tavas inteiras , como muito provavelmente teria feito se tra- balhasse com liberdade , e sem se ter sujeitado a seguir o primeiro modelo; modelo que (como notámos fallando do privilegio) elle teve desde logo tenção de augmentar e afer- mosear, quando ainda esperava colher em sua vida os lou- ros, que indisputavelmcnte lhe erâo devidos. Hoje que estamos habituados a idéas hum pouco mais liberaes, do que aquellas com que acabou o século XVI, parece-nos talvez incrível, que n'aquelle tempo em quL^ ain- da havia tão grandes homens em Portugal , se pensasse por huma maneira tão servil e mesquinha : mas estes grandes homens não pertcnciao propriamente áquella idade, sim á precedente ; e o feliz reinado d' ElRei D. Manoel que os fez nascer, ainda que extenso, foi de mui curta duraçã) pa- ra delle se poderem esperar fructos perduráveis. No que se lhe seguio , e mais ainda no dos Reis D. Sebastião , e D. Henrique a litteratura correo a mesma sorte dos negó- cios públicos , tudo retrocedeo , tudo veio a aniquilar-se. As mesmas obras que fazião as delicias do grande Monar- cha descobridor das índias, forão não só mutiladas e risca- das, mas algumas suprimidas, e condenadas a engrossar os volumes dos índices expurgatorios do Reino; de tal sorte, que ainda devemos dar graças áquelles , por cuja direcção corrião estes negócios , por não terem posto em Camões hum semelhante labéo. Se porém nos desastrosos reinados d'aquel]es dois ulti- inos Monarchas Portuguezes , e principalmente no do Car- deal Rei, a litteratura nacional encontrou tão grandes ob- stáculos aos seus progressos , devemos confessar em abono do bom gosto que ainda não se tinha extinguido de todo na Nação , que as edições de Camões posteriores ás duas primeiras forão sempre mal recebidas pelo publico , a pe- zar do credito e autoridade das pessoas que lh'as apresenta- vão. Conhece-se isto não só pela falsidade com que o Edi- tor DAS ScrENCIAS DE LiSBOA. 1^7 tor de IS97 se prctendeo cubrir com a edição primitiva, para segurar áqucUa hum melhor consummo ; mas também porque apenas diminuio hum pouco a torrente do fanatismo (diminuição que por outra parte não melhorou em nada o estudo das bcllas lettras ) forão-se os Editores chegando pouco a pouco ao verdadeiro original , de sorte que os Lu- siadas publicados cm 1609 são já bastantemente conformes a clle {a). Os outros erros e emendas, que desta época por dian- te desfigurarão aquclla Epopca , tiverão pela maior parte ou- tra origem , e forão quasi todos filhos da ignorância e da prcoccupação. Cada Editor erigio-se em juiz , e alterou a seu arbitrio as palavras e construcçóes que não entendia, ou que não soavão bem aos seus ouvidos. João Franco Barre- to , Manoel de Faria e Sousa , e muitos outros de menos monta attrahírão sobre si esta censura , ainda que nem to- dos sejão igualmente culpados : mas não nos he possível es- pecificar o seu merecimento , visto que este exame nos le- varia muito mais longe do que as circunstancias agora nos pcrmittem (b). Finalmente o Poema de Camões acaba de ser vindi- cado das injurias que lhe fizerão os seus Editores pela há- bil penna de hum nosso Consócio , que o fez apparecer de (a) Não pretendemos com isto dizer que esta Edição he tão exacta e conforme ás primeiras como publicou o Padre Thomás José de Aqui- no , mas sim que nella se restituirão os lugares , que se havião emen- dado nas três precedentes ; a pezar de se continuarem a seguir muitos dos erros da Edição de 1597 , e de haver outros de novo. (i) liste trabalho não serviria de muito , nera leva-lo ao fim seria possível , em quanto se não conhecessem melhor as Edições que tem havido dos Lusíadas; sendo bera de suppòr, que aquellas de que te- mos noticia serão poucas mais de ametade das que até agora se publi- carão. O primeiro catalogo destas Edições que deo o Abbade Barbosa he bastante diminuto , o Sr. D. José Maria de Sousa deo noticia de mais algumas. Nós tivemos occasião de ver algumas outras , tanto do Poema, como das Rimas, c por isso ajuntamos a esta Memoria hum catalogo d'aquellas que nos são conhecidas. i«;8 Memorias da Academia de novo no seu primitivo lustre e pureza : basta para o meu intento , que este pequeno escrito sirva a dar-lhe mais al- guns atavios , que me parecem propriamente seus , e a es- palhar alguma luz sobre os últimos annos da vida do Poe- ta, e sobre as vicissitudes por que passou a sua immortal Epopea. Ta- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. «99 TaBOA dos PRlHCIPAES ERROS DA PRIMEIRA EdKJSo DE IJ72, QUK FORSo EMENDADOS EM A SEGUNDA DO MESMO ANNO. Primeira EciçÃo. Secunda Edição. Canto I. Est. T. Entre 2;ente remota edificarão XXIX. Conie<;arão a seguir sua longa rota XLVll. Da cinta para cima vem despidos LXÍV. Respondco o valleroso Capitão LX.XX1X. Eis nos bateis fogo se levanta E entre ^ente remota edificaVão Tornarão a seguir sua lonj;a rota Das cintas para cima vem despidos Responde o valleroso Capitão Eis nos bateis o fogo se levanta Canto II. I. Quando as fin«;ida5 gentes se chegarão LVl. Filho de .Maria ;i terra porque tenha C. Os .Tnímos alegres resonando Cm. o menos que de Luso merecerão Quando as infidas gentes se chegarão Filho de Maya i terra porque tenha Os ânimos alegres resoando O menos que os de Luso mereceiáo Canto III. XXXI. Mas nella o sensual era o maior XXXIV. Em trabalho crusl o peito humano XLVIII. Levantáo n'içto os Perros o larido Lll. Tornando carmc.i de branco e verde LXVUI. Que a faz fazer ás outras companhia XClIJ. Que não for mais que tudo excellente XCVl. D.i liberdade Alexandrina CX. Antemão ante o Exercito Agareno CXVII. E depois de Jesu certificado CXXX. Feros vos mostrais e Cavalleiros CXLII. O ouro , e o iabastro transparente Mas nella o sensual era maior Em batalha cruel o peito humano Levantáo nisto os perros o alarida Tomado carmesi de branco e verde Que a fez fazer ás outras companhia Que náo for mais que todos excellente Da liberalidade Alexandrina Ante mão entre o Exercito Agareno E depois por Jesu certificado Feros vos amostrais e Cavalleiros O ouro , e o alabastro transparente Canto IV. XXIV. Como já o forte Huno o foi primeiro LXXI Pnr elle os largos pasmos inclinando XC A fa/er o funcro enterramento Cu. Alas comtigo se acabe o nome e a gloria Como já o fero Huno o foi primeiro Parelle os largos passos inclinando A fazer o funéreo enterramento Mas-comtigo se acabe o nome e gloria Tom. FUI. Pan. h Ce Cah* 200 Memorias daÂcademia Canto V. Lin. Como fosse coiisa iinpossibil alcança-la Como fosíc impossibil alcanqa-la LVIII. Comecei a sentir do Fado amigo Comecei a sentir do Fado imigo LX.\.XV11. Essoutro ti'esclarcce toda a Ausonia Essoutro q' esctarcsse toda Ausonia Canto VI. XXXIV. Mais que dizer e não passou d'aqui Mais quiz dizer e não passou d'aqui XXX.VI1I. Do Eolo Emiíferio esta remota Do Eoo Emiiferio esta remota XLl. Não fosse amores nem delicadeza Não soffre amores nem delicadeza LVII. E das Damas servidos e animados E das Damas servidos e amimados. LX. Eem como a cada qual cabe em sorte Bem como a cada qual coubera em sorte LXXXII. Doutro Scylla e Caribdis ja passados Doutra Scylla e Caribdss ja passados Canto VII. LXX. Do Rio Tejo e fresca Guadiana Do rico Tejo e fresca Guadiana Canto VIU. XI. Por quem no Esty!;io jura a fama Por quem no Esty^io lago jura a fama XXX. Que lhe dizem que lhe falta resistência Que lhe dizem que falta resistência XXXII. Portuguez Capitão chamar-se deve Portuguez Cipião chamar-se deve LIV. Porque como este posto na superna Porque como este posto na superna LVII. Armas e nãos e gente mandaria Armas e náos e gentes mandaria LXV. Não cauzaráo que o vaso de inequicia Não causarão que o vaso de nequicia XC. Lhe andar armad.i que por em ventura Lhe nndar armando que por em ventura XCil. Vendibil que trazia para terra Vendibil , que trazia para a terra Canto IX. XVIT. Por tom larios trabalhos e accidentes Por tao largos trabalhos e accidentes XXX. Estão em vari.is ondas trabalhando Estão em varias obras trabalhando L. Pêra a Ilha a que Vénus os guiava Pêra a Ilha a que Vénus as guiava LXII. Lagrimas ruciad.is e a m:ingernna Lagrimas ruciada e a mangerona LXIII. Responde-lhe do ramo Philomena Responde-lhe do ramo Philomella LXIV. Nesta frescura tal desembarcarão Nesta frescura tal desembarc.iváo LXXIV. Qual tão de caçador sagaz e ardido Qual cão de caçador sasaz e ardido LXXXl. Lhe mudará a triste e dura cstrella Lhe mudarás a triste e dura estrella LXXXVI. Para lhe descubril da vinda esfera Para lhe descobrir da unida esfera XCI. Por feitos mottaes e soberanos Por feitos immortaes e soberanos Canto X, X. Cant.indo a bella Deosa que viri.ío Cantava a bella Deosa que viri.ío XXXII. A Cambaicos cruéis e a Mamelucos A Cambaicos cruéis e Mamelucos XL Armas com que o.^ilbuquerque irá amançando Armas com que Albuquerque irá amançando XLV. Mas alembro-te huma ira que o condena Mas alembrou-lhehuma ira que o condena LIX. Que de imigos mil verá quilhado Que d'inimigos mil verá qunlhado LXVl. Baticali, que vira ja de Beadala Baticalá que vira já Beadala LXXI. DAS SciEKClAS DE LlSBOA. LXXI. Com restante da ?ente Lusitana LXXX VII. Dina e.rtT{>!f, não me parece provável que Camões a usasse desta maneira , pois julgo demasia- da aflectação dizer Idololatria, Idololatra ícc. sem o exigir assim a medida do verso. Nem me persuado que se ache em algum Autor Portuguez aquella palavra assim escrita. LXXXL Que geraqáo tio dura ahi de gente ? Ç«c gerajão tão dura ha hi de gente i Canto V. IXXVII. Dizem que por nos que em grande pat- Diiem que por nãos &Ci te igoalão Cc ii XLI. Lhe impedira a falia piedoja UV. Levando o Idololatra e o Mouro preso xcni. 20X Memorias da Academia XCIII. Como a vez que seus feitos celebrava Cmw a vor. tjuc seus feitos celebrava Canto VI. XVIII. Ostras e camarões de musgo qujos Assim lem as cinco primeiras Edições : depois rellectindo-se t)iie a |>alavra ciinia- Tícs j;i vinha acima, emend,ir;io brcbi- gúes , que hl o pensamento mais va- riado, porem não lie do Poeta: a adniit- tir-se este principio, al;^iins outros lu;_'a- res se poder ião também emendar em que elle se equivocou, por exemplo no Can- to X. a Est. CXXVIII. em que as rimas estão erradas, e admittem tiuma muito fácil emenda. Canto VII. L. Ja cliegáo perto , e não passos lentos Já eliegUo perto e não com passos lentos LXXXVi. Guarda-se a lei do Rei severamente Guarcar-sc a lei do Rei severamente Canto VIII. XVII. E Dom Fuás Roupinlio que na terra fíc D. Fuás Kouplnho que na terra — Olha como então just.i e sancta guena Olha como em tão justa e saneia &c. XXV. Não aclia que por armas lhe resista i\'<'o «cha ijuem por armas llie resista LV. E em ne?ocios do mundo pouco acerta Fm negócios do mundo pouco acerta LVI. Co mundo que deixa descoberto Do mundo Os Lusíadas de Luis de Camões. Com privilegio Real. 5) Impressos cm Lisboa com licença da S.iiita Inquisição í> c do Ordinário, em casa de António Gonçalves im- >j pressor , 1^72". He a primeira Edição de que falía- mos. Os exemplares desta são hoje muito raros em Lis- boa : o de que nos servimos pertencia á Livraria do de- funto Bispo Inquisidor Geral , o Sr. D. José Maria de Mello. a) » Os Lusíadas » &c. com o mesmo titulo que a pre- cedente. He a segunda Edição de que falíamos , mais correcta que a primeira. Os exemplares desta são hoje entre nós muito mais vulgares. A Livraria publica , a de S. Bento, a de S. Francisco da Cidade, e muitos particulares tem exemplares desta segunda Edição de 3) >j Os Lusíadas de Luis de Camões agora de novo im« j) presso, com algumas annotações de diversos Autores. 5j Com licença do Supremo Concelho da Sancta e Gee- » ral Inquisição , por Manoel de Lyra em Lisboa anno de ij84»». I vol. 8.° He a primeira Edição mutilada de que faltámos. Conservamos hum destes exemplares , e vimos alguns outros. 4) » Os Lusíadas »> &c. com o mesmo titulo que a pre- cedente, em ífpi. He a segunda Edição mutilada de que falíamos , hoje ainda mais rara que a precedente. Vimos hum exemplar que nos communicou o Sr. Joa- quim José da Costa de Macedo. y) » Rhytmas de Luis de Camões divididas em cinco par- » tes, difigidas ao muito illustre Sr. D. Gonçalo Cou- ti- 204 Memorias da Academia » tinho. Impressas com licença do Supremo Concelho j> da Geral Inquisição c Ordinário, em Lisboa por Ma- » noel de Lyra anno de ijjj, á custa de Estevão Lopes » Mercador de Libros »>. i vol, 4.° Antes da obra vem as licenças , o Privilegio datado em 30 de Dezembro do dito anno , a Dedicatória , varias Poesias em louvor do Autor , e o Prologo do Licenciado Surrupita , que depois reimprimio o Padre Thomás José de Aquino no segundo volume da sua Edição. Temos á vista hum ex- emplar que pertence ao Sr. Visconde de Balsemão, par- te delle he impresso em redondo, parte em cursivo. 6) " Os Lusíadas de Luiz de Camões. Polo original an- j5 tigo agora nouamcnte impressos. Em Lisboa com li- » cença do Sancto Oificio e Privilegio Real , por Ma- » noel de Lyra iS97- A' custa de Estevão Lopes Mer- cador de Livros »>. i vol. 4.° He a ultima Edição de que falíamos na Memoria, e não he hoje tão rara como as precedentes: conservamos delia hum exemplar. 7) » Rhymas de Luis de Camões. Accrescentadas nesta » segunda impressão. Dirigidas a D. Gonçalo Coutinho. jj Impressas com licença da Santa Inquisição em Lis- » boa por Pedro Crasbeeck anno de 15-5)8 ». 1 vol. 4.° de que temos hum exemplar. 8) O Abbade Barbosa diz, que no anno de 1607 se fizera huma Edição dos Lusiadas em Lisboa por Pedro Cras- beeck , dedicada á Universidade de Coimbra ; e isto mes- mo tem repetido na fé delle vários Bibliografos , que se lhe seguirão. Não nos foi possível descobrir esta Edi- ção, mas sim huma das Rhymas, de que possuimos hum exemplar com o titulo de Rimas de Luiz de Camões, Jlcresentadas nesta terceyra impressão. Dirigidas d Ínclita Universidade de Coimbra. Impressas com licença da Santa Inquisição. Em Lisboa por Pedro Crasbeeck. Anno 1607. J" custa de Domingos Fernandes Mercador de Libros. Este privilegio de imprimir as obras de Camões tmha , co- nio dissemos, sido dado a Estevão Lopes, que pouco tem- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. aOf tempo se aproveitou dcllc ; e requerendo por sua mor- te a sua viuva Vicencia Lopes a continuiçao da mesma graça, se lhe concedeo, como aqui se vc , em 7 de Ou- tubro de lóoy. Domingos Fernandes, a cuja custa se fez a Edição, dedicou-a á Universidade por ter nella sido muitos annos seu Livreiro , e occiípado , como diz na De- dicatória , em feitorizar a sua Livraria publica. No Pro- logo ao Leitor promcttc cUc a segunda parte das Ri- mas , que ficava preparando , mas que nau se imprimio senão alguns annos depois. 9) »> Os Lusiadas de Luiz de Camões , Principe da Poe- » sia Heróica, dedicados ao Dr. D.Rodrigo da Cunha, j> Deputado do Santo Officio ; impressos com licença j» da Santa Inquisição e Ordinário , em Lisboa por Pe- » dro Crasbceck anno 1609, com Privilegio, á custa »> de Domingos Fernandes Livreiro j>. i vol. 4.° de i8ó folhas. Ainda que se não imprimio senão no anno aci- ma , as licenças datao de 1606. Na nota á pag. i^j: de- mos alguma idéa desta Edição. 10) » Os Lusiadas &c. em Lisboa por Vicente Alves anno " de 161 2 ». I vol. 4.° He huma reimpressão da an- tecedente , de que se conserva hum exemplar na Li- vraria publica : tem com tudo algumas emendas , pois n? Est. LXIII. do Canto VL em que a Edição de 1609 lia Sem aproveitar dos homens força e arte , corrige a de 16 11 Se aproveitar &c. 11) »> Os Lusiadas &c. commentados pelo Licenciado Ma- j» noel Corrêa , dedicados ao Dr. D. Rodrigo da Cu- j> nha &c. por Domingos Fernandes seu Livreiro, em >» Lisboa por Pedro Crasbeeck 1613 >j. i vol. 4.° Es- tes commentos forao publicados depois da morte do Au- tor, e a Edição sahio pouco exacta ; ha duas ou três oitavas, que não tem senão os primeiros quatro versos, e algumas forâo corregidas segundo parece por escrú- pulo do raesmo commentador. Pedro JNIariz, a cujo cui- dado tíUa se commetteo , não só publicou o trabalho alheio 2c5 Meaiorias da Academia alheio com pouca correcção , mas' até accrescetltou cm muitas partes notas suas ( como confessa no Prologo ) sem ao menos iniàicar quaes elias tossem. Com tudo sendo Manoel Corrêa contemporâneo e amigo do Poe- ta , o seu trabalho he precioso ; e a pczar de escrever a medo , dá noticias interessantes. Restituio alguns lu- gares que se achavão corrompidos, c he sem razão que Manoel de Faria , e o Padre Thomás José de Aquino o mettcm a ridiculo. As Dedicatórias destas três ultimas Edições são perfeitamente idênticas. 12) » Rimas de Luiz de Camões &c. Lisboa 1614, á cus- }■> ta de Domingos Fernandes >». r vol. 4.° Esta he a quinta Edição segundo lemos n' hum exemplar que exis- te na Livraria do Convento de Jesus. Entre 1607, em que se fez a terceira impressão, e 16 14 em que sahio a quinta , publicou-se outra que nunca encontrámos. 13) j> Rimas de Luiz de Camões. Segunda parte. Agora no- 55 vãmente impressas com duas Comedias do Autor &c. jj Lisboa na Officina de Pedro Crasbeeck 1616 , á cus- » ta de Domingos Fernandes ". i vol. 4.° Esta segunda parte das Rimas he a que Domingos Fernandes tinha promettido na Edição de 1607 (como dissemos no N.° 8); e nella se introduzirão algumas Poesias, taes como os três Cantos da Creação do Homem , que nunca Camões escreveo : o mesmo D. Rodrigo da Cu- nha , a quem este volume se dedicou, desenganou dis- to a Domingos Fernandes ; mas como a impressão já estava adiantada , não quiz ellc perder as despezas ; e assim jse continuou, contentando-se com adverti-lo. Fa- zem parte deste volume as duas Comedias dos Etifa- triões , e Filodeino , que como diz o Abbade Barbo- sa , tinhão sido impressas pela primeira vez na colhe- rão dos Antas e Comedias Portiigticzas. Lisboa por André Lobato 1^87. 4.° Esta segunda impressão tinha já sido feita no anno de lííif, mas ajuntou-se ás outras obras, que sahíião no anno seguinte. 14) DAS SciENCIAS DE LiSBOA. ^ay 14) » Rimas de Luix de Camões , primeira parte: nova- » mente accrescentadas e emendadas nesta impressão » Dirigidas a D. Gonçalo Coutinho &c. Em Lisboa » com todas as licenças necessárias , por António AI- " vares. A' custa de Domingos Fernandes , Mercador » dc^ Livros. Com Privilegio Real ». r vol. 4.° Esta Edição, de que conservo hum exemplar, foi alterada cm vários lugares pelos escrúpulos de Er. António, Qua- lificador do Santo Oificio ; mas sem embargo disso em outros está mais correcta do que algumas das prece- dentes. No Prologo de Domingos Ecrnandes ao Lei- tor diz elle, que esta he a quinta Edição ; no que hou- ve engano , pois a quinta sahio , como já disse , cm 1614, motivo por que esta deverá reputar-se a sexta. 15) " Rimas de Luiz de Camões &c. Lisboa, por Lou- M renço Craesbeeck , 1623 „. 2 vol. em 24. Desta Ldiçao, que nao cheguei a ver, dá noticia o Abbade liarbosa, e será provavelmente a sétima que se impri- mio , e a primeira daquelle formato. 16) » Os Lusíadas de Luiz de GamÔes. Com todas as li- » cenças necessárias. Em Lisboa, por Pedro Craesbeeck, >» Impressor d' ElRey. Anno i62<5 .». 1 vol. em 12, que parece 24. Este pequeno volume foi dedicado a D.João d' Almeida, e na Dedicatória dellc se referem as anecdotas de D. Francisco de Portugal , e do Conde de Idanha , e o dito de Camões a respeito do máo pagamento da sua tença , que depois copiarão Manoel de Faria , e os outros Biógrafos. Esta Dedicatória he assignada por Lourenço Craesbeeck em 15 d'Abril de 1626^ Sendo a ultima Edição dos Lusiadas, de que fiz menção, publicada em 161 3, e mediando treze an- nos entre ella e esta, deviao ter-se publicado mui- tas outras neste meio tempo, de que nlo acho noticia alguma. Para se fazer esta Edição mandou-se vir ex- pressamente letra de fora do Reino. 17) " Rimas de Luiz de Camões , emendadas nestt duo- Tom. VIU. Part. I. Dd de- ao8 Memorias da Academia » decima impressão de muitos erros das passadas. Of- » ferccidas ao Snr. D. Manoel de Moura Cortc-Rcal , j) Marquez de Gastei Rodrigo. Em Lisboa, com todas » as licenças necessárias, por Pedro Cracsbecck , Im- » pressor d' ElRcy , 1629»». Tendo sido a impressão de 1623 a sétima, e sendo esta a duodécima, vií-se que nestes seis annos se^ fizerão quatro edições de que não temos noticia alguma ; e por aqui se pôde conje- cturar quantas se terião feito dos Lusiadas. Da Edição de que fallo, vi hum exemplar na Livraria do Conven- to de Jesus. 18) » Os Lusiadas &c. em Lisboa , por Pedro Craesbceck. jj 1631 jj. I vol. cm 24. Esta Edição he dedicada ao Snr. D.Duarte, filho segundo do Sfír. D.Thcodosio, Duque de Bragança , segundo do nome ; e cuidou nella João Franco Barreto , o qual indica no Prologo o tra- balho que teve a seu respeito. Se elle seguisse a Edi- ção primitiva, como devera, pouparia muito deste tra- balho , e não emendaria muitos lugares sem motivo algum. O Editor não lhe ajuntou os Argumentos dos Cantos. lio) j» Rimas &c. em Lisboa , por Lourenço Craesbeeck , 1632 J>. Em 2 vol. de 12 ou 24. Estes dois exem- plares dos Lusiadas , e das Rimas forao-me communi- cados pelo Snr. Joaquim José da Costa de Mace^^o, e são da mesma letra e formato ; o de que agora trato he dedicado a D. Manoel de Moura, mas o segundo vo- lume foi dirigido a Fr. Luiz de Sousa, Religioso de Santo Agostinho , e Deputado da Bulia da Cruzada. 20) Os Lusiadas &c. por Lourenço Craesbeeck , Lisboa 1633". Não vi esta Edição de que falia Barbosa, e que provavelmente será reimpressão da que fica des- crita no N. 18. 21) 5> Lusiadas de Luiz de Camões, &c. commentados por >> Manoel de Faria e Sousa. Madrid , por João San- í> ches, 1635»»». 4 vol. era foi. Esta obra, que hoje an- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 20n anda nas mãos de todos , correo varias fortunas ; sendo criticada, e até denunciada ao Tribunal do Santo Offi- cio, logo que sahio á luz ; e depois summamentc vene- rada , e o seu Autor reputado como o mu plus ultra dos Commentadores. O Sfír. D. José Maria de Sousa cm vários lugares de sua bella Edição, mostra bem o conceito que delia se deva fazer. aa) »> Os Lusiadas &c. Lisboa na Officina de Paulo Cracs- » becck , 1644. dedicados a D. João Rodrigues de » Sá de Menezes, Conde de Penaguião »». Não vi esta Edição , de que se falia na Dedicatória da seguinte. 13) » Rimas de Luiz de Camões, primeira parte. Agora j> novamente emendadas nesta ultima impressão, e ac- » crescentada huma Comedia nunca até agora impres- j> sa. Em Lisboa, com todas as licenças: na Officina j> de Paulo Craesbeeck, Impressor e Livreiro das três j> Ordens Militares, e á sua custa. Anno 1645"». He também dedicada ao Conde de Penaguião, e fallando na Dedicatória desta Comedia (que he a d'ElRei Se- Icuco ) diz : « Sahe de novo á luz huma Comedia j> sua, nunca ategora impressa, por beneficio do Con- j> de D. Francisco de Sá , pay de V. S. : e assi em jj lha restituir a V. S. com a perfeição que posso, 3' e em publicar a obrigação , procuro por mi e pe- í> los estudiosos mostrar-me agradecido » &c. Por estas palavras se vê a pouca exactidão com que o Pa- dre Thomaz José de Aquino na sua Advertência ás Comedias de Camões, que vem no Tom. IV. da sua Edição , diz que esta fora impressa a primeira vez por Domingos Fernandes em 16 16, quando pelo contrario foi esta a única que elle não imprimio. He este erro tanto mais notável, que ha mesma Advertência diz o Editor, que vio os Commentos manuscritos de Faria e Sousa a estas Comedias ; nos quaes , se os tivesse li- do com attenção , acharia que a Comedia de Seleuco se imprimio por primeira vez em 1644. Estes Commen- Dd ii ta« 2 IO Memorias DA Academia tarios manuscritos conscrvao-se hoje na preciosa Li- vraria do Reverendo Snr. José Lopes de Mira, Secre- tario do Santo Oíficio da Cidade de Évora. 24) " Os Lusíadas &c. Em Lisboa, por Pedro Craesbccck , j> 1651 >». I vol. em 24. Não vi esta Edição, que he citada por Barbosa. 2r) j> Obras de Luiz de Camões &c. dedicadas ao lllus- >» trissimo Snr. André Furtado de Mendoça &c. Lis- « boa na Officina de António Craesbeeck de Mello , >» 16635». 2 vol. em 12. Esta Edição que vi, mas não pude examinar devidamente , pareceo-me muito pouco correcta : traz no fim hum resumo da vida do Autor. 26) " Obras de Luiz de Camões &c. com os Argumen- }> tos do Licenceado João Franco Barreto , e por elle » emendadas nesta nova impressão. Lisboa , por An- s> tonio Craesbeeck de Mello, 1669 ». 3 vol. em 4.° Contém o i.° os Lusíadas com o índice dos nomes próprios, então impresso por primeira vez j e os outros dois as Rimas. ^7) >» Os Lusíadas &c. em Lisboa pelo mesmo Impressor, j> 1670". Não vi esta Edição, de que falia Barbosa. aS) »» Os Lusíadas &c. com os Argumentos e índice de » J. F. Barreto. Lisboa , na Officina de Manoel Lopes j> Ferreira, 1702 ". i vol. 12. A pezar de que o ti- tulo falia só dos Lusíadas , esta Edição contém tam- bém as Rimas debaixo da mesma compaginação ; faltao porém as Comedias. Esta Edição he má. 20) " Os Lusíadas &c. commentados por Manoel Cor- j> rea &c. segunda Edição. Lisboa, na Officina de José M Lopes Ferreira. Anno 1720 »». i vol. em foi. ao) >» Lusíada de Luiz de Camões com os argumentos de 3> João Franco Barreto, illustrado com varias e breves » notas, e com hum precedente apparato do que lhe í> pertence , por Ignacio Garcez Ferreira. Nápoles >» 1731". z vol. 4.° Este Commentario he tido na opi- ftAS SciENClAS DE LiSbOA. 2It opinião de todos por mal feito c impróprio para dar a conhecer as bcllczas de Camões , tjuc ás vezes he criticado por defeitos que só existem na imaginação de Garcez. O mesmo texto hc pouco correcto, e al- terado em algumas partes. 31) j> Obras de Luiz de Camões &c. Paris i75'9, á cus- >» ta de Pedro Gendron »>. 3 vol. em 12. Vc se quão poucas noticias temos das Edições desta época , pois não podemos citar nenhuma entre o anno de 1720 e o ílc 1759 , senão a de Garcez. O Editor desta ultima cuidou quanto pôde em que cila sahisse exacta, e com cíFcito hc das melhores, e feita quasi sempre sobre a de Barreto de que falíamos no N. 29 ; c he sem razão que o Padre Thomaz a critica tanto. Segundo se vê de huma nota manuscrita feita pelo dono que foi do exemplar de 1572 , que se conserva na Livraria de S. Bento, Pedro Gendron fez todas as diligencias por achar hum exemplar da dita Edição para fazer a sua , porém de balde : depois desta acabada , vindo a Lis- boa , e vendo o dito exemplar que está em S. Bento , quiz compra-lo, offerecendo ao dono 6400 réis, mas este não se resolveo a vende-lo. 32) 5> Obras de Luiz de Camões, Principc dos Poetas Por- j> tuguezes , novamente impressas, e dedicadas ao 111."°'^ j> e Ex.^^Snr. Marquez de Pombal , por Manoel Rodri- >' guês. Lisboa 1772 ". 3 vol. em 12:0 primeiro dos quaes contém os Lusíadas. 33) »> Obras de Luiz de Camões &c. Nova Edição, a mais " completa, e emendada de quantas se tem feito até j» ao presente , tudo por diligencia e industria de Luiz j> Francisco Xavier Coelho. Lisboa na OfEcina Luisia- j» na, anno de 1779; e o ultimo volume em 1780". 4 vol. em 8.° grande. Esta he a primeira Edição do Padre Thomaz de Aquino , que logo no frontispício delia mostrou bem a sua jactância. Já tenho dito bastan- te para se poder fazer conceito do seu merecimento. 3r) 2,iz Memorias da Academia 34) ,» Obras de Luiz de Camões, segunda Edição da que „ na OfRcina Luisiana se fez em Lisboa , &c. Na Ot- » ficina de Simão Tiiaddeo Ferreira, 1782 >». 8.° pe- queno , s toi"Os em 4 vol. Ajuntárão-se a esta Edição algumas novas Prefacçôes. im- HAS SciENClAS DE LiSBO M E M O R I A (*) Em que se pertende dar a soltiçao do Programma de Astrono* mia proposto pela Academia Real das Sciencias em 2^ de Junho de 1810. Por Matthbus Valente do Couto- Advertência. Em 24 de Junho de 1820 propoz a Academia Real das Sciencias de Lisboa hum Programma, por cuja solução ainda se espera até o fim de Abril do presente anno de 1822. Eis-aqui o Programma: Mostrar tanto pelo calculo , como por observação , a influencia do erro , que pôde resultar nos angulas horários do Sol, e da Lua de se não attender a figura da Terra. i Sabemos que o nosso sábio Consócio (defunto) o Snr,' Conselheiro José Monteiro da Rocha já tinha dito na Ex- plicação das Ephemerides de Coimbra de 1804, quaes erâo as correcções, que se deviâo fazer no calculo do angulo horário para se attender á figura da terra ; mas como o II- lustrc Author não mostrou a quantidade do erro, que se podia commetter despresando as sobreditas correcções, e como ordinariamente se não attende a ellas no mencionado calculo, por isso he indespensavel , para segurança do cal- culador , dar a solução do referido Programma. Per- (•) Appresentada na Sessão de 20 de Fevereiro de 1822, ( 214 Memorias da Academia Pcrtendemos por tanto resolver o Progmmina , istohe, dar a Formula analytica do erro , que se commette dcs- presando a figura da terra , empregando nesta analyse as formulas dilFcrcnciacs dos triângulos esféricos ; por nos pa- recer este methodo mais expedito na investigação de taes Problemas. Mas para nada avançar gratuitamente, nem dei- xar escrúpulo algum ao calculador sobre o resultado de seus cálculos ; mostraremos depois (em Notas) que, entre certos limites , he licito usar das mesmas formulas infinitessinias cm lugar das formulas finitas dos triângulos esféricos, cujas demonstrações havemos dado na Parte II do Tomo III das Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa. E concluiremos a nossa Solução mostrando , que não he preciso ter attençao ás correcções da figura da terra no calculo, que ordinariamente se faz do angulo horário do Sol e das estrellas : o que não só poupa tempo e trabalho ao calculador , como também lhe dá a segurança de poder dcspresar estas correcções sem erro notável no resultado de seu calculo. Mas que a respeito do ang. hor. da Lua nos não podemos dispensar de attender as mencionadas correc- ções da figura da terra , especialmente quando este ang, servir para achar a Ascençâo recta da Lua ; e com ella pro- curar o tempo no meridiano das Ephemerides, a fim de con- cluir a longitude do lugar da observação. I. A.t SoLuqXo DO Programma. _NTES de dar a solução do Programma faz-se pre- ciso lembrar os principies seguintes. Sejáo vi, 5, C os ân- gulos, e d, è, c os lados de hum triangulo esférico. %. Qyando no dito triangulo for hum lado ^z , c o an- gulo adjacente B constantes , temos que db = de. Cos. A\ isto he, que a differeuçial do Igdo oppostQ ao angulo constan» te !)AS SciENCIAS DE LiSBOA. IIJ" te bc igual d dijferencuil do lado adjacente ao avgulo constan- te multiplicada pelo coseno do angulo opposto ao lado constante. 3. E na mesma hypothesc , temos que jy-, ic. Sen. A isto hc, que a differencial do angulo adjacente ao lado cons- tante he igual ao prodttcto da differencial do lado adj. ao ang. const. pelo Seno do ang. opp. ao lado const. dividido pelo Sena do lado opp. ao ang. constante. 4. Sabe-se que denotando v o angulo da vertical com o raio da terra; b o achatamento; c L a latitude do lugar, temos que v — &. Sen. 2 L. E no caso de ser ^^ = 773, í- — 4J°, he o maior valor de 'Z' = jhr, que sendo reduzido a minutos de gráo dá v =z ii',5-. 5-. Passemos agora á solução do Programma. Para isso : imagine-se , ou faça-se a figura de hum triangulo esférico ; escrevendo nos vértices de seus ângulos as letras maiúscu- las ^ , fi , C. Denote o ponto A o zenith do observador; o ponto B o polo do mundo ; e o ponto C o centro de hum astro , cuja altura esteja correcta somente da refrac- ção , mas náo da parallaxe. Representem, as mesmas letras maiúsculas A, B , C os ângulos do triangulo ; e as letras minúsculas a, b, c os lados respectivamente oppostos. A este primeiro triangulo chamaremos Triangulo-primittivo para o distinguir de outro triangulo, a que chamaremos Triangulo- variado , de que vamos a tratar. 6. Sabe-se , que para reduzir a latitude de hum lugar ao centro da terra , he preciso diminuilla do angulo da vertical = v pelo n.° (4) ; e tomar depois o complemento desta latitude assim reduzida para ter hum lado = c -t- v do triangulo esférico, que acima chamámos Triangulo-varia- do. Supponhamos agora que a quantidade 'y he a differen- cial (additiva) do lado c, será c ■{- de hum lado do trian- gulo-variado ; outro será b +db -^ e o terceiro será a distan- cia polar apparente = a , não havendo parallaxe. 7. Isto posto: consideremos por ora somente a figura Tom. FUI. Part. I. Ee da íi^ Memorias da AcAnEMiA dâ terra pelo que ella influc na mudança do lugar do ze- nith do observador, c nuo attendamos ao lugar que o ob- servador occupa na sua superfície j isto lie, supponhamos , que o astro (denotado pela letra C) nao tem parallaxc , ou que sua parallaxc he tão pequena que se pôde despre- zar sem erro notável: então podenios (no triangulo-primit- tivo) suppor constantes o angulo horário fi, e a distancia polar a-y. e nesta hypothcse, teremos pelos n." (2 e 3) que db s de. Cos. j1 5 ,>-, . líc. Sen. A ben, a Í6to he , que a differenciai db do complemento da altura he igual ao producto do ang. da vertical de pelo coseno do azi- mtttb A do astro. E que a differenciai dC do angulo paralla- fico he igual ao producto do ang. da vert. pelo seno do azimuth , divklkh pelo seno do complemento da alt. app, do centro do astro, Z. Segue-se pois ; que , quando se poder desprezar a tíaralbse do astro, cujo ang. hor. se calcula, então he in- differente aehar o ang. hor. B pelo triangulo-primittivo , ou pelo triangulo-variado ; porque este angulo horário B he com- mum a ambos os triângulos : e por isso deve-se preferir (por ma^is facilidade) fazer antes o calculo do ang. horar, ^lo' triangulo primittivo , cujos lados são a , b , c. Cf. Mas se o astro (denotado pela letra C) tiver huma parallaxc sensível ; e for ;> a parallaxe de altura no trian- gulo-primittivo \ e/)' a parallaxe de altura no triangulo-variado ; e-n H' parallaxe horisontal do dito astro , será p z^ -n. Sen. b ; e/)'^ TT. Sen. (b + db). Vê-se então, que, devendo estas duas parallaxes p e p' seremi appHcadas cada huma a cada hum dos dous lados oppostos ao angulo horário B nos dous triângulos primittivo e variado , deve necessariamente o aAg. hor. B ter duas variações diíFerentes pelas variações qttó as parallaxes produzem nos dous lados oppostos b , e b -f- dbi E neste caso já não he indifferente achar o angulo horário por qualquer dos dous mencionados triângulos , co- mo s€ tioha dito em o numero antecedente. 10. DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 217 IO. Vejamos por tanto , quacs sao as variações do an- gulo horário B por eíFcito das sobreditas parallaxes j> e j>'. Para isso : podemos agora suppor que (i.°) . . . No triangulo primittivo são constantes o lado c, c o angulo jíj e por isso teremos pelo n.° (3) t-r, ilb. Sen. C bei), a ' (2.°) . . . No triangulo variado são constantes o lado c + dc, c o angulo A-^dA\ e por isso teremos pelo n." (3) . . . j,n da + dl\ Sen. (^C + dC) a D Hl j • Mas he neste caso db =i>= "n- Sen. b; q d (b -^ db) =^ = /)'=:Tr, Sen. {b -^ db) logo substituindo estes valores nas duas equações acima , teremos TT. Sen. i. Sen. C dB = Sen. ,,„ _ Tf. Sen. (& 4- dby Sen. (C + t/Q ^ Sen. 0 ' E tomando a differença (d'B^dB) destas duas equações,' acharemos (a) d'B = 5^ d (Sen. b. Sen. C). Esta diffcrencial segunda í/'5 do ang. hor. mostra o erro, que se commette no ang. hor. de se não attender á figu- ra da terra , especialmente no calculo das parallaxes. II. DiíFerenciando o segundo membro da equação (a) do numero antecedente , teremos d'B =: -^ (db. Cos. b. Sen. C-t- dC. Sen. b. Cos. C) ; Sen. a ^ ' ' e nesta substituindo os valores de db ^ e dC achados em o n.° (7) , teremos ; dUB =: ■^- (Cos. b. Cos..^. Sen. C-t- Sen. A. Cos. C) dc\ mas sabe-se pela Trigonometria esférica , que he Cos. b. Cos, A, Sen. C-t- Sen, A, Cos. €■:=, Cos. c. Sen. 5, Ee ii lo- 2i8 Memorias da Academia Jogo ( substituindo ) teremos (í.) ,5 T« Cos. c. Sen. B , d B =:; — 5 ^ de. 12. Analysemos agora os limites do erro, que pode produzir no aiig. hor. B a difFerencial segunda d'B achada pela ctjuação (ô) , na qual hc sempre Cos. c. Sen. 5 < i ; e por isso também será sempre (y) rB<^. oen, 0 13. Na equação (y) do numero antecedente, suppon- do, que (4) o maior valor do angulo da vertical de =jzz, e que o menor valor da distancia polar tí=:5 8° (o que acontece a respeito do Sol , Lua , e Planetas) teremos (72',5) pode suppor-se Sen. x = x , c tg. x :=ix , sem erro de i" de gráo. • j • , (f). Havemos também mostrado (*) a respeito dos triângulos esféricos a seguinte formula de variações finitas (A) Sen.^J^A=-tg.{h. Cot. {b-^^U). Sen. (^-H^M); na qual, suppondo S'b = ^c = i2', e Sen. (^-H-^ M) = i , teremos Sen. i ^A~ tg. 6'. Cot, (b-^6') sem attençao ao signal. Mas para que' se possa tomar o arco pelo Seno, he preciso que seja ..... tg. 6'. Cot. Çb + 6') = Sen. yz',^; donde se deduz, que deve ser b^6' - 4° 44'; para que a formu- la (^) se possa (sem erro de i") escrever assim (iJ) dA = — de. Cot. b. Sen. A. (d). Havetuos também mostrado (*) que ( C) tg. i 0^^= tg. { Ic. Cos. A- tg. r ^e. tg. i M. Sen. A; e nesta (substituindo o valor de ^l-A — yz',^), teremos a seguin- te ■ , ■ {D) db = de. Cos. A — \ de. d A. Sen. ^; sem erro de i", em quanto não for ^ <[4° 44'i como acabámos de vêr em a Nota (r) antecedente. (f). Advirta-se agora que se na formula (D) escrevêssemos o valor de {dA) dado pela formula (5) teriamos a seguinte . . (£ ) íí^ = de. Cos. ^ + i dado pela formula (E) da Nota (e). Por tanto foi-nos licito usar nesta Analyse das formulas ditfercnciacs em lugar das formulas finitas das variações dos trian- fulos esféricos, sem receio de errar em i" de gráo. Eis-aqui o que aviamos promettido demonstrar do modo que nos foi possiyel. ME- dasScirnciasdeLisiíOA. 223 MEMORIA Sohre a Lei das Sesmarias. Por Francisco Manoel Tbigoso d'AragXo Morato. Lida na Assembléa Publica de 2j[ de Junho de 1822. A Lei das Sesmarias, que se contim tio Livr. IV. Tit. 43 da Ordenação Filippina , tem adquirido entre nós tama- nha celebridade, que hum moderno e avisado Escritor a appeliida santíssima'^ e outro não duvida affirmar que só ella cuidadosamente observada hasta para fazer florente a agri- cultura. Porém será este juizo ligeiramente proferido, e sem lhe preceder hum exame bem reflectido da dita lei? c talvez hum eflfeito da respectuosa impressão que em nós costumão fazer as antigas instituições pátrias , e os costu- mes dos nossos maiores ? Ou será pelo contrario o resulta- do da convicção intima em que estão aquelles Escritores da justiça desta lei, e da utilidade pratica que da sua re- novação se poderia seguir ? Eis-aqui o que pretendo exami- nar nesta Memoria. A lei das Sesmarias he talvez a mais antiga lei agra- ria de Portugal, pois que já delia se achão vestigios no jeinado do Srir. D. Affonso II {a). Porém foi o Snr. D Fer- nando o que primeiro a ordenou, e publicou em Santarém a 2Ó de Maio do anno de 1375"; e depois o Snr, D. Af- fonso V. a transcreveo no principio do Tit. 8 1 do Livr. IV. Tom. FllL Part. I. Ff das (a) Vej. o Tomo II. das Memoiiãs de LitteraUira da Academia, pag. 13. 124 Memorias DA Academia das suas Ordenações. Esta lei póJc-se reduzir aos artigos seguintes. i.° Que todos os que tivessem herdades suas próprias ou cmprazadas , fossem constrangidos a lavra-las e semca- las por si j e mostrando que as nao podião cultivar todns, lhes fosse licito dar parte delias a outro lavrador , que as lavrasse e semeasse por pensão certa ou foro. 2.° Que nao cultivando os proprietários as suns herda- des por si ou por outrem , dentro do tempo que lhes fos- se assignado , fossem ellas dadas a lavradores que as lavras- sem c semeassem sob certo tempo , e por pensão certa ; sem que o senhor entretanto as podesse tomar para si , nem ti- ra-las áqucUe a quem houvessem sido dadas ; e ficando a di- ta pensão para o bem do commum , em cujo termo esti- vessem essas herdades. 3.° Que em cada Comarca houvessem dois homens bons, aos quaes pertencesse examinar todas as herdades que devião lavrar-se e aproveitar-se, constranger a isso os se- nhorios delias, taxar a renda ou pensão que estes devião exigir no caso em que por si as não cultivassem , e dar es- sas herdades a outros huma vez que seus donos íldtassem áquella obrigação, Eis-aqui em summa as determinações da lei do Snr, D. Fernando , das quacs se conclue a grande decadência a que no seu tempo tinha chegado a agricultura : assas o ex- perimentou aquelle Príncipe , e por isso se lastimava de que em todas as partes do Reino se sentia muita falta de trigo e de cevada , de que elle d'antes era mui abastado entre todas as terras e províncias do mundo; sendo a prin- cipal causa disto a falta da lavoira , que os homens aban- donavão, applicando-se a outros officios menos proveitosos , e deixando incultas e desempatadas as suas terras e herda- des. Mas póde-se bem entender, que isto que a lei apon- ta como causa daquella decadência , fosse antes hum elFei- to do concurso d'outras causas, as quaes ainda então se po- dasScienciasdeLisboa. 225' poderiiío remover de hum modo mais suave , e que desse hum beneficio mais permanente á agricultura, qual lhe não deo a referida Ordenação. Na historia do brando reinado deste Monarcha se poderião ir buscar as verdadeiras causas daquella falta de cultura , se as queixas dos povos expostas nos artigos 43 , 47, 48 das Cortes de Lisboa de 1371 não mostrassem as mais próximas desse acontecimento. Assim não foi directamente o favor da agricultura o que motivou esta lei , como apregoâo os nossos Escritores ; foi antes hum remédio violento, com que se julgou necessário obstar por então á ruina total do Reino , constrangendo-se pelo temor das penas os proprietários a fazerem aquillo mesmo , que clles farião de mui boa vontade , e sem coacção algu- ma , huma vez que ou lhes facilitassem os meios, ou lhes removessem os obstáculos. He verdade que ElRei D. Fernando deo sabiamente na sua lei varias providencias, sem as quaes de balde pode-» ria obrigar os proprietários a cultivarem as suas terras. Pa- ra isto mandou que os gados de que os lavradores necessi- tassem, fossem taxados por preços commodos pelas justiças dos lugares , ou por vedores para isto nomeados : que a profissão de lavrador fosse hereditária : que todas as pes- soas que não tivessem officio de utilidade publica em que se empregassem , os que seguiao a Corte com o titulo de criados d' ElRei , dos Infantes, ou Fidalgos , sem estes por taes os reconhecerem, os vadios ou mendicantes, e os que andassem em hábitos religiosos sem serem professos em al- guma das Ordens approvadas , todos estes fossem obriga- dos a usar do oíEcio da lavoira , ou constrangidos e apre- mados para servirem com os que delle usavão por soldada, e preço aguisado e taxado : finalmente que ninguém trou- xesse gados seus ou d'outrem, se não fosse lavrador, ou cria- do de lavrador. Porém ao mesmo tempo que merece todo o louvor a sabedoria com que a lei considerou como connexos e liga- Ff ii dos Z2 6 MEMOniASDAAcADEMIA dos entre si estes objectos, a saber, a cultura das terras, c- a abundância de gados, e concorrência de jornaleiros que dia de necessidade exige; não se comprehende bem como se podesse promover n' hum paiz a criação dos gados com huma lei que aterrava os criadores , permittindo somente aos lavradores haver, e trazer gados quantos lhe cotuprisicní e mester otmessem pêra seus mantimentos^ e pêra stistentamen^ tos de stia lavoira. Sobre tudo he preciso confessar , que a profissão de lavrador era neste tempo a mais desgraçada , pois que todas as cousas que erão necessárias para ella se praticar, se faziâo á força, sujeitando-se até o preço dos tra- balhos a taxas oppressivas. E depois disto não se diga que ElRei D. Fernando promoveo admiravelmente a lavoira , c que a agricultura no seu tempo tinha chegado a grande prosperidade por efifeito da lei das Sesmarias. Comtudo esta lei subsistio , e meredeo os cuidados dos seguintes Soberanos, que declararão ou alterarão algu- mas das siias disposições. Assim ElRei D. João I. em 142/ confirmou hum Sesmeiro na Villa de Estremoz, para dar de sesmaria as terras desaproveitadas , perdendo os senhores delias todo o dominio , o qual passaria para aquelle a quem flovamente fossem dadas. Este perpetuo dominio substituído por ElRei D. João I. ao dominio temporário que havia concedido ElRei D. Fernando , passou depois para todas as leis e ordenações que trataVão de sesmarias. ElRei D.Duarte em 1436 deo regimento ao Sesmei- ro d' Estremoz, o qual se contém na citada Ordenação Af- fonsina , e fez depois parte das Ordenações Manoelina c Fi- lippina nos títulos respectivos : de maneira que parte do $ 1. c os §§ j , 6, 7 , e 8 da Filippina tem por primei- ra fonte o dito Regimento. Finalmente ElRei D. AíFonso V. incluindo nas suas Ordenações as leis dos Reis D. Fernando , D. João I, e D. Duarte , mandou que as duas ultimas fossem em tudo guardadas; e quanto á lei d' ElRei D. Fernando que falia das DAS SciENClAS DE LiSBOA. 227 das lavoiras c pastores de gados , quiz que se guardasse o costume do Reino ; tirando relativamente aos pedintes a prohibição que havia delles pedirem esmola. Nesta segunda íórma que se deo á legislação das ses- marias pelos três Monarchas que succedcrão ao Snr. D. Fer- nando, ha cousas mui dignas de se notarem. Pois que em lugar de se seguir, corrigindo-se c aperfeiçoando-se quan- to tosse possivel, o sábio systema que considerava como connexas e inseparáveis a cultura das terras, a criação dos ga- dos , e a concorrência de jornaleiros, se desligarão absolu- tamente estes objectos, e assim continuarão a conscrvar-se separados nas Ordenações posteriores. Além disto o per- petuo dominio que estas leis concedem áquelle a quem as herdades são dadas de sesmaria , não pôde deixar de pare- cer injusto , porque injusto he tirar a hum proprietário a sua terra quando se vè nas tristes circunstancias, por causas a elle estranhas, de anão poder cultivar por si ou por ou* trem ; ou castigar hum filho, e reduzi-lo á desgraça pela só culpa d* hum pai estragado e indolente , ao qual aliás as leis mandão dar curador para obstar á dissipação dos seus bens. E o caso hc que nunca as referidas leis se executarão em toda a sua extensão , nem delias se seguio a esperada utilidade : pois que a pesar de tantas providencias a agri- cultura continuou na decadência em que tinha cahido des- de o reinado do Snr. D. Fernando , o que he assas constan- te. Nem se diga que o estado politico do Reino , as des- ordens civis , as guerras , e as conquistas impedião a pros- peridade da agricultura; porque as mesmas guerras e dis- córdias havião occorrido no tempo dos Reis precedentes , e comtudo Portugal povoou-se e cultivou-se ; nem forão as conquistas d'Africa as que nos levarão tanta gente que fi- casse o Reino empobrecido e deserto , como succedeo em tempos posteriores com a da índia. De maneira que as leis das sesmarias se mostrarão então por si mesmo danosas , pelo menos ineíiicazes para a prosperidade da agricultura. Não aiS Memorias DA Academia Náo obstante isto o mesmo syytcma continuou nos tempos seguintes , e com o mesmo infeliz êxito. Tinhão-se passado vinte e seis annos depois de se ter concluído o Có- digo d' ElRei D. Affonso V. quando este Soberano convo- cou as Coites de Coimbra e Évora, celebradas nos annos de 1472 e 1473. Ahi representarão os povos muitas cousas tocantes ás sesmarias , as quaes se contém desde o cap. 67 até o cap. 78 dos Místicos: todos estes tiverao huma só reposta , na qual aquelle Príncipe prometteo fazer huma nova lei sobre esta matéria : e que a dita lei fosse feita c pu- blicada , consta claramente do cap. 109 das Cortes d'ElRci D. João II. principiadas em Évora a 12 de Novembro de 1481, e acabadas em Viana d'apar d'Alvito em Abril de 1482 , no qual capitulo se manda guardar a mencionada lei j mas até agora não se tem podido descobrir onde cila exista , ou quaes fossem as suas determinações. Comtudo combinando-se as representações dos povos que derão motivo á lei com os títulos das Sesmarias que vem nas Ordenações Manoelina e Filippina, póde-se dedur zir com bastante fundamento que os §§ destas Ordenações que não forão tirados do Regimento d' ElRei D. Duarte, tiverão por fonte a dita lei d' ElRei D. Affonso V. : taes são na Filippina parte do § i. eos§§ 2, 3, 4, 9, 10, II, 12, 14, ly, e 16. Exceptuão-se porém a outra par- te do § I. que declara pertencer ao Soberano por os Ses- meiros, e o § 13. que para maior favor da lavoira man- da que as sesmarias de terras isentas se dem isentas, e as de terras tributarias com o tributo das terras ; as quaes dis- posições parecem ter por primeira e única fonte a Orde- nação Manoelina. Vc-se pois que ElRei D. Manoel ajuntando n' hum só titulo, que he o 67 doLivr. IV. das suas Ordenações, a le- gislação que em diversos tempos haviao feito os seus an- tecessores , c accrcscentando alguns artigos que a cila fal- tavão , fez para assim dizer huma nova lei de sesmarias , que desde então ficou em vigor, c foi depois transcrita com DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 229 com poucas alterações no tit. 43. ilo Livr. IV. da Ordena- ção Filippina (ã) . Reflectindo-se agora nas vicissitudes que experimentou esta lei , desde as Cortes d' ElRci D. Affonso V. até á Or- denação Filippina, convém observar, que estando até áquel- ]a primeira época sujeitas á lei das sesmarias só aquellas terras e herdades que se achassem desaproveitadas, tendo sido d'antcs lavradas e cultivadas, lhe ficarão desde então igualmente sujeitos todos os terrenos incultos, baldios, e maninhos ; e daqui vem as novas disposições que rcgulâo o que pertence propriamente á concessão destes bens. Mas se por via de regra os maninhos pertencião aos povoadores das terras, e a sua administração ás Camarás, parece que a legislação d' ElRei D. Manoel se foi favorável á agricul- tura, foi muito danosa aos Concelhos , em quanto mandou que as sesmarias se dessem isentas e sem novo foro , não só nas terras que já fossem aproveitadas, mas também nos maninhos; clausula esta que se deve subentender, ainda que não venha explicita no § 13. da Ordenação Filippi- na. Na verdade assim como não era necessário que as Ca- marás recebessem foros e pensões de terrenos desaprovei- tados , e que passavão para novo possuidor ; sendo nesta parte justa a derogaçao que fez ElRei D. Manoel á antiga lei das sesmarias ; assim também seria mais conforme ao systema desta legislação, que os novos proprietários de ter- renos d'antcs maninhos pagassem aquella pensão ou foro aos Concelhos, para ser applicado ás communs necessidades de seus moradores. E tnnto isto assim he , que as mesmas Ordenações Ma- noelina c Filippina que mandão dar os maninhos pelos Ses- mei- (a) Ilunia destas alterações acha-se no meio do ^ 1. tit. 43 da Fi- li|)l)ina, onde se lem as palavras não se darão, que se omitteui ua JVlaiioelina : outra acLa-se no fiin do ^ 15. que foi tirado d' liuma lei d'ElKei D. João III. que he a B.' do tit. 2. Parte 2. da Collecção-de Puarte JNunes. 230 MEMoniAS DA Academia meiros sem foro ou pensão , mandão no Livr. I. Titulo Dos Vereadores que estes aforem em pregão os bens do Conce- lho: de maneira que os terrenos incultos são dados ou livres pela lei das sesmarias , ou com foro peio regimento dos Vereadores. Ainda outra incoherencia se descobre na ultima redac- ção da lei das sesmarias, em quanto manda que os senho- res das propriedades sejão obrigados a aproveita-las e se- mea-las dentro d' hum anno , sem attençâo á qualidade das terras, e ás boas 'ou más desculpas que elles pudessem ai- legar , concedendo depois para o mesmo fim cinco annos áquelles para quem passassem as ditas terras ; no que fica- rão de muito peor condição os que tinhão a seu favor o precioso direito da propriedade. Mas deixando já isto , o certo he que a lei das ses- marias feita e emendada pelos cuidados de tantos Sobera- nos , ainda não teve execução no longo periodo de que vou tratando, nem a podia ter, attendido o estado publico da Nação, e o systema da legislação Portugueza. Que a lei das sesmarias não teve nesse tempo execu- ção, he hum facto não diflicil de provar. No tempo d'ElRci D. João II, havia na Villa de Pinhel e no seu termo mui- tos pardieiros e cortinhaes, que ha muitos tempos não ha- vião sido aproveitados ; e vinhas que ha vinte , trinta , e quarenta annos não erão cultivadas , pelo que erão os matos cm cilas tão grandes , que ahi se acolhião os porcos e us- sos, e outras alimárias {a). A serra de Tavira mandada dar de sesmaria por ElRei D. João I. e por elle mesmo man- dada depois devassar a todos os que a quizessem romper e cultivar, continuou ainda a ficar inculta até o tempo de ElRei D. Manoel , no qual foi julgada á Camará ; e então he que esta começou a conceder aos lavradores diversas porções da dita serra , para as cultivarem debaixo de certo fo- ('«) Veja-se o Elucidário, publicado j)or Fr. Joaquim de Santa ííosa , Jia palavra Sesmaria. I DAS SciKNCIAS DE LiSBoA. I5l foro e pensão (a). Finalmente a ElRci D. Filippc III. rc* presentava a Camará de Thomar, que o Reino todos os annos padecia fome , que se remediava com o pão que vi- nha de França e outras partes, a troco do qual Jevaváo deste Reino mais de j-oo mil cruzados (b). Quem reflectir no baixo preço dos géneros d'aquelle tempo, conhecerá a excessiva falta de grão que havia em Portugal , depois de estarem em vigor havia mais de dois séculos as leis das sesmarias. Mas como se poderião executar estas leis nas circun- stancias em que se vio Portugal desde os tempos dos Reis D.João II. e D. Manoel? He observação feita pelo judi- cioso Severim de Faria (c) , que tendo-se esmerado os nos- sos Soberanos, principalmente até ElRei D. Diniz, na po- voação e cultura das terras, se experimentava no seu tem- po (escrevia no anno de 162^) huma grande falta de gen- te assim para a milicia, como para a navegação, e muito mais para a cultivação da terra 5 pois por falta de gente Portugueza se servião os mais dos lavradores de escravos de Guiné e mulatos : e deste mal já se queixava muito antes com admirável singeleza Garcia de Resende n'huns versos da sua Miscellanea. He escusado repetir as causas daquella notável despe- voação ; pois he bem sabido que as conquistas que os Por- tuguezes intentarão desde o tempo do Sfir. Infante D. Hen- rique, e sobre tudo a da índia commettida pelo felicissi- mo Rei D. Manoel não só privarão este Reino dos muitos braços que erão necessários para a cultura das terras e sua povoação; mas embaraçarão o seu progresso, em quanto abrião hum novo caminho para a gloria , para a riqueza , e para a ambição dos Portuguezes. E huma consequência immediata destas conquistas foi Tom, VIII. Part. I. Gg o (a) Veja-se a Carta de Lei de 13 de Março de 1772 no Preambulo. (ò) Veja-se o 'Elucidário, no lug. cit. (c) Noticias de Portugal, impressas em 1655. Discurso 1. 25J Memorias da Academia o luxo cm que começarão a viver nossos maiores : de ma. neira que os mimos Indianos de que já o engraçado Sá e Miranda havia grão medo, fizcrao esquecer a primitiva sim- plicidide dos costumes Portuguezcs , e refluir para a Corte as familias nobres das Provincias, a quem seguia grande nu- mero de servidores, que fazião grande falta para o excr- cicio da lavoira. Deste mal já se qucixavao os povos a ElRei D. João III. nas Cortes de Torres Novas , e Évora de 1525^, e ifsy: mas longe deter então remédio, cUe foi sempre crescendo até os nossos dias. Taes erao as circun- stancias que rornavâo impraticáveis as leis das sesmarias. Porém outros obstáculos deduzidos do systema da le- gislação Portugueza impediâo ainda a sua execução. Taes erão , por exemplo, a oppressão dos criadores e donos dos gados em razão das leis (a) que prohibião debaixo de gra-. ves penas não só a passagem do gado pira Reino estra- nho , mas compra-lo , vende-lo , e conduzi-lo a pastar fo- ra do Termo , sem as solemnidades de cartas de visi- nhança, licenças de Camará, registos, assentos &c. : prohi- bição esta que não deixou de reconhecer como oppressiva dos criadores e povo a Ordenação Filippina , a pesar de renovar a este respeito as leis anteriores dos Reis D. Ma- noel e D. João III. Semelhante oppressão resultava aos lavradores da ou- tra lei, que prohibia a extracção para fora do Reino de gé- neros cereaes sem licença d' ElRei , ou compra-los para os revender (b). Na verdade as restricçóes demasiadas ao com- nicrcio interno dos grãos não só impedem em prejuízo pu- blico o giro do mesmo commercio , mas promovem a esca- cez e carestia do género , e pesão de vários modos sobre o lavrador, o que he hoje corrente entre os Economistas. Finalmente, para não amontoar mais exemplos, grande impedimento causou á lavoira a liberdade illimitada que ti- nha (o) Ord. Livr. V. tit. 115. {b) Orden. Ldvr. V. tit. 112. in pr. e tit. 76. DAf SCIÊMCIAS DE LiSBOA. 23? Ilha hum proprietário de despedir o seu rendeiro , ainda quando cllc tratasse bem da herdade, e Jhe fizesse prontos pagamentos: abuso de que já se queixava o nosso Scverim de Faria (d), e ao qual attribue a falta de povoação e cul- tura da Provincia do Alemtejo. Eis-aqui as razões por que a lei das sesmarias não te- ve, nem podia ter execução, por todo o tempo que decor- rco desde as Cortes d' ElRei D. Afifonso V. atd ao fim do governo dos Reis Catholicos. Mas desde o tempo da nossa restauração cahio a dita lei insensivelmente em esquecimento, até que ficou cm in- teiro desuso, He verdade que nas Cortes de Lisboa de 1641 pedirão os povos a ElRei D. João IV. que se guardassem a ordenação e leis das sesmarias , as quaes o mesmo Sobe- rano declarou que não estavão revogadas, e quiz que de no- vo se observassem ; mas não se seguio daqui effcito algum : e aquclla determinação parece ter sido a ultima, que se pu- blicou até os nossos dias acerca de sesmarias. Nem em tempos tão próximos ao nosso era possível suscitar huma legislação feita a pedaços, e que não só pa- recia pouco coherente com o disposto em outras leis , mas era sujeita a tão graves inconvenientes , e se tornava na pratica de mui diíficil execução. As paternaes providencias que o nosso clementissimo Monarcha e Protector, e sua Ãumista Mãi e Avò derâo em beneficio da lavoira , causa- rão hum bem muito maior, do que o que podia resultar da renovação da lei das sesmarias: também neste objecto tem modernamente as Cortes geraes da Nação empregado mui sérios cuidados. Assas se tem já feito nestes diversos tem- pos , mas ainda he mais o que resta para fazer. A agricul- tura tornará a florecer entre nós , quando os Portuguezes acharem interesse em se dedicarem a ella ; o que succederá quando souberem o que devem fazer para que este género Gg ii de (a) Noticias de Portugal, Disc. 1. 234 Memorias da Academia de vida lhes seja útil c rendoso, quando se acharem hon- rados c premiados no exercício da profis^^ao agricola , e quando finalmente forem removidos os embaraços que ain- da obstao ao mc<:mo excrcicio. Feito isto, a agricultura, dom o mais precioso que a Providencia entregou aos ho- mens , deve prosperar por si mesma, e escusadas são todas as leis , que constrangem pelo temor das penas a abraça-cl e segui-la. OB- T>AS SciENCIAS DE LíSUOA. 235- O B S E R V A Ç O IL S (*) Feitas no Observatório da Marinha de Lisboa Por Paulo José' Maria Ciera, E commmicadas d Academia Real das Sciencias pelo Director do dito Observatório Mattheus Valente do Couto. 1819 Julho i^ 10 16 26 Agosto 20 27 Septenibro $ 4 6 1 1 1 1 12 2! 28 Outubro 5 6 IJ 21 24 Immersão do i." Satellite de Júpiter Immersáo do i . ° Sat. de Jup. - - Immersáo do 2.° Sat. de Jup. - » Immersáo do i.° Sat. de Jup. - - Emersão do i.° Sat. de Jup. . . - Emersão do i.° Sat. de Jup. - - - Emersão do i . ' Sat. de Jup. - . - Emersão do 2.° Sat. de Jup. ... Emersão do 4. ° Sat. de Jup. - - - Emersão do j. ° Sat. de Jup. • - - Emersão do 2. " Sat. de Jup. - . - Emersão do i. ° Sac. de Jup. - - - Emersão do 4. ' Sat. de Jup. - . . Emersão do i . ° Sat. de Jup. . . - Emersão do i. ° Sat. de Jup. . - - Emersão do 2. ° Sat. de Jup. - - - Emersão do 2. ° Sat. de Jup. ... Emersão do i . ° Sat. de Jup. . - - Emersão do j. ° Sat. de Jup. . - - Gg iii T. Vebd. II" 18' 2' (Boa) 1} II >9 (Eoa-) II 4 i7 (Muito boa) 11 26 57 (Duvidosa) s 29 i7 (Menos má) IO 26 18 (Eoa) 12 2 j 49 (Eoa) 8659 C'^'"''^ boa) 8 59 19 (Eoa) 8 n i7 (Eoa) 10 44 54 (Eoa) 851 5 (Menos ma) 7 41 50 (Eoa) 7 ló 52 (Eoa) 9 14 5 5 (Eoa) 7 ;6 5 j (Muito boa) 10 js 5 (Menos má) 7 3Í 40 (Eoa) 8 58 36 (Muito boa) No- (*) Estas Observações são a continuação das que já se acháo impressas nos Tomol antecedentes da Academia I^al das Sciencias de Lisboa. i^6 1819 Memorias da Academia Novembro Dezembro 6 22 1S2O Jullio 14 15 21 22 38 Agosto 6 6 30 M 17 2{ 24 27 29 Septembro 7 29 5° Outubro 6 Emersão do 4. ° Satellite de Jupiter Immersáo do J. " Sat. de JVip. Emersão do i.° Sat. de Jtíp. ■ ImmersJo do i.° Sat. de Jup. Emersão do 5. ° Sat. de Jup. Immersáo do i.° Sat. de Jup. Immersáo do j.° Sat. de Jup. Immers.TO do i. ° Sat. de Jup. ImmersSo do 1. Immersáo do 4. Immersáo do í. Immersáo do i. Immersáo do 2. Emersão do 4.° Immersáo do i. Immersáo do ). Immersáo do i. ° S.it. de Jup. ° Sat. de Jup. ° Sat. de Jup. ° Sat. de Jup. ° Sat. de Jup. Sat. de Jup. ° Sat. de Jup. ° Sat. de Jup. ° Sat. de Jup, ^ Ut 3» .»- {Principio Fim - Emersão do 3.° Sat. de Jup. Emersão do i. ° Sat. -de Jup. Emersão do 2. " Sat. de Jup. T. VíRD. |ii 4e' 1©'' (Eoa) 5 jo 1 1 (Menos mi) 6 17 41 (Menos má) 11 6 27 (Menos má) I j o 20 (Boa) I j o 19 (Muito boa) 13 45 17 (Muito boa) 1,4 54 i (Muito boa) 11 »7 í7 (Muito boa) 1} 7 io (foa) 10 5i 48 (Muito boa) »J I2 5Í (Boa) IJ ii 27 (Muito boa) 11 17 16 (Muito boa) 15 49 25 (Eoa) 9 55 26 (Muito boa) 1 1 }4 4 (Duvid.) 0 5 22 (Muito boa) e 57 14 (Boa) 7 45 iS (Duvid.) 10 ÍS JO (Duvii) 10 22 14 (Muito boa) No> iSío Nov. f 14 J5 17 '9 Dez. 2 10 30 *7 1821 Jane ir. ig 25 Fever. 4 22 >9 Maio 6 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Emersão do l.° Satellite de Júpiter «• - Do j. Sat. de Jup. J \ Emersão - . - - . r . Emersão do 4. ° Sat. de Jup. Emersão do i,° Sat. de Jup. Occult. de Taygeta pela í < „ lEmersao .-..-. Emersão do 1. ° Sat. de Jup. -...*.... Emersão do t.° Sat. de Jup. ... Emersão do }.°Sat. de Jup. -- -. Immersáo do 3." Sat. de Jup. - -- Occult. de Azello boreal {; Imm. no litnbo illumin. di Em. no limbo escuro - - ■ Emersão do i.° Sât. de Jup. - ..•-.,.. Emersão do a. ° Sat. de Jup. -..--..-.. {N.8. A's ^*' da noite vio-se hum Comet», immergido na luí zodlicalj em 22° de alt. pouco mais ou menos. {Imm. no limbo illumin. Em. do limbo escuro V „ , , , ^ . . f Imm, no limbo esc. ( ) Occult. de K de Gemin. pela C "S «. .. 1 1. ^ ^ *- (^Em. nolimboillum. 2?7 T. Verd. 9 ^ 18' 2S" (Duvid.) 6 9 Í5 24 J^ 6 Ji 5 5 (Eoa) 5 41 8 (Boa) i 4 :; ;: h^--^ 7 6 5 50 5 JJ } i (Boa) 5 } (Eoa) 6 (Muito boa) 6 )7 2j (Eoa) 6 919 (Menos má) 5 47 ji (Boa) 6 4 I S (Muito boa) 6 « 47 (Muito boa;i 1} JO 44 (Eoa) "5 12 II (Instant.) 9 H 54 (Instant.) 10 2 1 1 (Menos má) Ju- (* ) Feita pelo Partidista António Diniz do Couto Valente, por se achar molesto o Primeiro Ajudante Paulo José Maria Ciera, que he õ Encarregado de todas as Observa» ^úes Astronomitas. 238 i8ii Julho 10 10 17 17 Agosto 2 6 12 J} 14 25 Septembio I J 1 1 12 37 iS 19 24 25 26 jo Outubro 3 7 1} Memorias da Academia Immersáo do i.° Satellite de Jup. {ímm. Lm. - - Immetsáo do I. ° Sat. de Jup. - Immersáo do 2. ° Sat. de Jup. Immersáo do i.°Sat. de Jup. - . - - {Imm. . . - - - Em. - . - . - Emersão de n J X í. no limbo illuminado Immersáo do j. ° Sat. de Jup. . - - - Emersão de A. ^^^ J no limbo escuro - - Immersáo do i.° Sat. de Jup. - - - - Immersáo do i.° Sat. de Jup. Immersáo do i.^ Sat. de Jup. Emersão do j. ° Sat. de Jup. - Immersáo do 2.'' Sat. de Jup. Immersáo do 1.° Sat. de Jup. Immersáo do J. ° Sat. de Jup. Immersáo do 2.° Sat,. de Jup. Immersáo do i. ° Sat. de Jup. Immersáo do ).° Sat. de Jup. Injmersáo do i. "^ Sat. de Jup. Immersáo do 2. ° Sat. de Jup. Immersáo do 1.° Sat. de Jup. - - - - Immersáo do 2.° Sat. de Jup. - - - - {Imm. no limbo illum. da |J Em. no limbo escuro da J 'Electra ^ <^Taygeta ,Maia T. Verd. \2^ i j' 21'' (Menos ma) 1 j I j II (Akiios má) 1 ( s 1 11 (Menos ma) 14 46 ji (toa) M io 5 (Doa) ij I 49 (Boa) II 26 52 (Menos má) IJ 49 49 (Eoa) 7 s 7 44 (Menos má) 15 JO 41 (ftiuito boa) 8 ji sj (Instant.) 15 15 4i (Muito boa) Imm. no limbo illum. da ^ Em. no limbo escuro da C Imm. no limbo illum. da C Em. no limbo escuro da i^ 1 IS 1 1 ,47 (Eoa) 9 40 14 (Muito boa) 9 S8 3 (roa) 12 ss 21 (Muito boa) li ií 30 (Muito boa) 1 1 45 21 (Muito boa) 15 Í7 25 (Muito boa) IS 30 18 (Loa) IS 5° 9 (Muito boa) 9 S9 23 (Muito boa) 7 35 33 (Duvid.) 1 1 55 59 (Muito boa) 10 15 53 (Muito boa) 8 25 7 (Koa) 9 0 53 (Inst.) 8 i7 3 (Eoa) 9 28 6 (Inst.) 8 44 47 (Eoa) 9 38 SS (Inst.) 26 l82I DAS SciENCIAS DE L IS BO A. Emersão do i.° Satellite de Jup. Outubro 28 I E"i"sáo do I . ° Sat. de Jup. 3 1 Emersão do j. ° Sat. ds Jup. Novembro ! I 2 4 20 29 Emersão do 2. " Sat. de Jup. - - . Emersão do i.' Sat. de Jup. - . . . Emersão do :.° Sat. de Jup Emersão do i. ° Sat. de Jup. .... f Emersão do i.° Sat. de Jup. . . l Emersão do j. ° Sat. de Jup. - . . Dezembro 3 [ Emersão do 2. ' Sat. de Jup. 239 T. Ver D. U'' 21' sg" (Menos má) * SO 42 (Eoa) "4 i; 6 (Muito boa) 10 16 10 9 S 6 2 «J (Muito boa) '7 3! (Menos má) 46 34 (Eoo) 3 2 (Muito boa) 25 12 (Boa) »7 45 (Muito boa) I 9 39 2i (Muito boa) ME- MEMORIAS DOS CORRESPONDENTES. HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. ( J i. OT2IH .1 ci a HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi utile est quod facimus , stiilía est gloria. TOMO VIII. Parte II. LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA. 1813. Com licença de Sua Magestade. DISCURSO DO sereníssimo senhor infante D. MIGUEL, presidente da academia, PRONUNCIADO EM SUA AUSÊNCIA PELO EX.-»» SENHOR MAR aU EZ DE BORBA, VICE-PRESIDENTE, NA ABERTURA DA SESSXo PUPLICA DA MESMA ACADEMIA EM 24 DE JUNHO DE l8a2. osTo que já algumas vezes, Sábios Académicos, eu te- nha experimentado a satisfação de me achar entre vós , e de receber os nobres testimunhos , que me tendes dado da vossa sincera, e respeituosa afFeição ; He hoje comtudo o primeiro dia , em que mais propriamente , e da maneira menos equivoca vos posso protestar qual seja o meu reco- nhecimento ao vosso amor , e lealdade , e o justo apreço que dou aos vossos utcis trabalhos. Diversas circumstancias para mim afortunadas , glorio- sas para todos nós , concorrera para tornar mais solcmnc a Tom. VIU. F. II. * i pro- ir Historia oa Academia Real protestação que vos faço, e memorável a presente reiíniío. Desde que pelo voto livre e espontâneo de todos vós, ac- cedendo a Regia Approvaçao de meu Augusto Pai, e meu Senhor , fui eleito para exercer o cargo de Presidente da Academia , he esta a vez primeira que posso assistir á As- sembléa Publica , que ella costuma annualmente celebrar no fausto dia do nome do seu Protector. Está presente meu Augusto Pai, que outi'ora costumava honrar, e aplaudir ns vossas publicas sessões , e que de novo restituído a este Reino, parece vir hoje prometter-nos a indefcctivel con- tinuação da mesma honra o applauso de que cm longos an- nos de '«orfandade havieis sido privados. Finalmente acode a este lugar hum auditório numeroso, e illustrado , o qual manifesta louvável alvoroço para ouvir parte dos progres- sos que tendes feito pelo decurso deste anno na innocente cultura daquellas Sciencias a que vos dedicastes. A união destas circumstancias não pode deixar de vos trazer á memoria as antigas SessíJes publicas desta Acade- mia, celebradas nos últimos vinte annos do passado século , que fòrao os primeiros do seu estabelecimento : périodo glorioso para as letras Portuguezas, em que esta Socieda- de apenas nascente, foi logo crescendo cm espirito de sa- bedoria animada pela efficaz protecção de dois Monarchas, e incançavelmente dirigida pela luzes , e patriotismo do in- signe varão o Duque de Lafões, seu Fundador, c primei- ro Presidente. Conhece a Nação toda a vantajem que lhe tem resul- tado dos trabalhos litterarios da Academia : e a curta mas interessante historia destes trabalhos assas impressão faz em meu animo , para desejar anciosamentc ver reproduzidos aquelles preciosos dias, que vos tenho feito recordar. Continuai pois, honrados Académicos, no proseguimen- to da vossa gloriosa carreira : renovai o nobre ardor com que a começarão os que nos precederão ; seja o bem , e uti» lidade da Pátria a nossa primeira divisa ; esta he a divisa do verdadeiro sábio: c possa eu desde a idade juvenil ir dasScienciasdeLisdoa. Uí presenciando, e applaudindo vossos litterarios progressos, c ter a ventura de participar algum dia do bem merecido lou- vor que por elles adquiríreis na posteridade. • I il DIS- rr Historia da Academia Kbai, -ij. DISCURSO HISTÓRICO Recitado na Sessão Pública í/e 24 de Junho de 1821. pelo secretario Jose' Corrêa da Serra. H. .E costume geral de todas as grandes Sociedades scien- tificas e litterarias da Europa , o qual a nossa Academia tambcm tem útil e gloriosamente imitado , de fazer na época mais solemne dos seus fastos, a exposição dos tra- balhos daquelle anno , notando o que a Sociedade tem ga- nhado em luzes e em gloria, ou perdido em collaborado- res. Eu terei a honra de expôr-vos o que pertence ao an- no que acaba, e entraria immediatamente a fazelo segun- do o que minhas forças permittissem , se este individual instante em que vos falo não fosse elle mesmo a época mais gloriosa da historia da nossa Sociedade em todos os quarenta e dous annos que ella tem existido. He impossí- vel sobretudo aos que virão o seu débil nascimento e os seus progressos (e alguns delles estão presentes nesta mes- ma sala) não ser tocado pela majestade do successo, e pela gloria da recompensa , com que os trabalhos e perseveran- ça da Academia são premiados. O Augusto Rei , que mais de huma Nação nos in- veja, aquelle cuja paterna bondade tem prompta e since- ramente acudido a tudo o que se tem julgado útil para a Nação Portugueza , veio honrar a Academia com a Sua Real Presença, e incitar-nos a trabalhar com mais ardor, ainda, em objectos que são de geral utilidade. Poucas vezes tem os Monarcas das outras Nações Européas as- sis- dasScienciaSdeLisboa. V sistido ás Assemblcas das suas Academias , e esses dias tem sido assas celebrados. O nosso não só assiste, mas quer que. seu próprio filho o Sereníssimo Senhor Infante tome luwar entre nós , e se ponha á nossa frente para honrar nossos, trabalhos , e marchar comnosco na nobre empreza de au- gmentar as luzes da Nação cm scicncias, e de pôr em cla- ro as acções e obras de nossos antepassados. Por quaeS; outras acções senão as desta natureza pódc hum Monarca, merecer o mais sublime dos titulos , de Pai da sva Pátria e da sua Nação? ^ ^.a ?.t ^c^obi;.". SuaMagestade nesta singular honra, que rros Concede, consultou certamente a sua justiça a par da sua bondade. O desinteresse, o patriotismo, e a perseverança ,com que os membros desta Sociedade por quarenta e dous annos, não obstante as dcsavantajens e obstáculos de vária natureza, per- sistirão nos trabalhos da sua patriótica e nobre vocação^ fezem recair a raCrcê em quem tinha feito para ^, não desmerecer. E na verdade se se reparar quã.o nova era si-^ milhantc instituição entre nós, e quão longe delia estavão es caminhos para as honras, e para a fortuna j^ç sé. olhar, para a quantidade de obras que ella emprehendeo, e o tem-\ po trará á luz; se se reflectir que nem invasões hostis, nem, calamidades públicas , nem a trasladação da séde do Impé- rio forão capazes de extinguir o seu zelo e.a sua constân- cia , deve confessar-se que cila estava bem qualificada para toda a distincção que o Monarca quizesse dar-lhe, e toda a gratidão e respeito da parte da Nação Portvgueza, que ella tem tão sinceramente servido. Estas expressões de que uso, não pertencera á rhetorica, porque a verdade dos factos a desdenha. Se o tempo permitisse huma ainda que brevís- sima recapitularão do que a Sociedade tem feito rio pêriodo em que tem existido, seria objecto de adoiiraçaO' o que tem feito, o que tem -intentado para a felicidade, p^ra a grandeza, para a honra da Nação Portugueza. Os monumen- tos existem nas suas obras, e. qualquer pôde consultalas. Além de que o catalogo dos nomes dos.seus Sócios, e a qua- li- VI Historia da Academia Real lidadc dos seus trabalhos apresenta hum objecto de gloria para Portugal , e fazem dos Reinados da Senhora D. Ma- ria I. , e do seu Augusto filho hum dos séculos mais brilhan- tes da nossa historia litteraria. Alguém de entre nós toma- rá sem duvida o nobre assumpto de pôr em hum só painel juntos todos esses titulos que a Academia tem á estimação publica, c tocando as cinzas dos muitos e illustres Sócios, que a morte nos tem roubado , atear de mais a mais o fogo sagrado da emulação nos que ainda estão vivos. Quantas e quão saudosas memorias excitará hum similhante painel ! E como poderá, quem o vir, afastar de si a observação, de que tudo isto forão effeitos das luzes e do patriotismo de hum só Portuguez , e que esse Portugucz tinha o nome de Bragan- ça, c era huma emanação da Casa Real? Ha objectos na natureza, que ainda que compostos de duas ou mais substan- cias, he mui difficultoso á chymica o separalos. Acontece aqui o mesmo na moral ; e o nome da Academia das Scien- cias de Lisboa, e o de Lafões estão tão intimamente liga- dos, que hum traz comsigo naturalmente a lembrança do outro, 6 he quasi impossível podelos separar. Passo a re- capitular-vos brevemente por ora os trabalhos e successos da Academia no anno que vem de acabar, í. * -"Todos sabem que esta Sociedade he dividida, pela na- tureza das suas occupações, em três classes: de Scicncias de Observação, de Sciencias de Calculo, e de Litteratura e Historia Portugueza ; darei por conseguinte conta do que se adiantou em cada huma destas classes. . ■; Na de Scicncias de Observarão. r.n;;.n D=-;7u;r::.'; cqrnDJ o oc .írlnsi. y lO r; O Sfír. Francisco de MeíTo Franco re^^raettéu do Riò de Janeiro, e a Academia sem dúvida publicará, hum Ensaio sobre as febres , e em particular sobre o caracter que a loca- lidade , clima, e outras particularidades que as modificão , lhes dão no Rio de Janeiro. O Snr. Joaquim Baptista enviou Observações sobre o di- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. VH Clima de Lafões. Em ponto de clima toda a observação qual- quer de hum observador, tal como o Snr. Joaquim Baptis- ta , lie preciosa , porque a palavra clima sim he huma , mas a cousa que cila denota, he o resultado de tantas cousas obrando simultaneamente , que todas as luzes fundadas em boas observações são necessárias para fixar a justa idéa cm cada paiz , ainda que de moderada extensão. O Sfír, Joaquim Pedro Fragoso deu \\\iín:x Memoria so- bre a arte do carvoeiro. Quando se reflecte na falta , e na ne- cessidade de materiaes combustíveis em toda a sociedade civilizada , e na pouquidade daquelles que o reino mineral tem atégora oíFerecido em Portugal , a importância de hum tal assumpto he evidente. Os conhecimentos chymicos e económicos do Sfír. Fragoso afianção a utilidade do seu trabalho , tanto mais que o carvão c o modo de o fabri- car tem consequências na nossa agricultura e economia po- litica muito além do que parece aos olhos da multidão. < O Snr. José Lino Coutinho , Deputado em Cortes pe* la Província da Bahia, e agora Correspondente da Acade-* mia , apresentou huma Memoria sobre a topographia medic^ daquelle tão interessante berço do Reino do Brazil. O Snr. João Pereira de Carvalho oflFereceu huma Me- morta sobre o melhoramento das Laas de Portugal ^ cujo exame foi particularmente encomendado á Academia por Portaria do Ministro e Secretario- de Estado dos Negócios do Rei-» no. Ninguém ignora o moderno invento da Lirhographia , e quanto influe e hade influir sobre as artes e sciencias pe- la facilidade, e barateza das estampas, que são hum dos maiores meios de instrucção para os doutos como {jara os ignorantes. O Siír. António de Araújo Travassos enviou de Paris huma Memoria sobre os trabalhos Hthographicos , e o Snr. Vicente Pinto de Miranda offcreceu alguns exempla- res dos Ensaios que fez em lithographia. O que a Insti- tuição Vaccinica desta classe teve occasião de fazer no pe- riodo de que tratamos , ser-vos-ha apresentado cm pouco* instantes. Na viH Historia da Academia Reai. Na Classe das Sciencias de Calculo. O Snr. Mattheus Valente do Couto apresent)u á Aca- demia huma Memoria , em que resolve hum dos assumptos do Programma para este anno , sobre o qual a Academia não tinha recebido a concurso Memoria alguma. O Snr. António Diniz do Couto Valente, que em ten- ros annos se mostra hum digno emulo de seu pai , entre- gou as Ephemerides Náuticas para o anno de 1823 , que já se achão impressas. O Snr. Paulo Maria Ciera , por mãos do Siir. Mat- theus Valente do Couto, apresentou as Observações Âstror nomicas feitas no Observatório da Marinha nos annos de iSip , 1820 e 1821. O Snr. Joaquim Baptista enviou huma Memoria sobre o eticanameiíto do rio Vouga. Todos sabem que este rio, e as aguas influentes formão huma parte bem importante da Pro- vinda da Beira, que hum tal encanamento enriqueceria cora proveito de toda a Monarquia. Na Classe de Litteratura Portugueza. O Snr. Fr. Fortunato de S. Boaventura enviou huma Memoria sobre a litteratura Hebraica dos Cbristaos Portugue- zes. O Snr. António Ribeiro dos Santos tinha já dado á Academia várias Memorias sobre a litteratura Hebraica dos Judeos Portuguezes , que estão impressas nas Memorias d^ Litteratura Portugueza. Aquella Memoria do Snr. Fr. Fortu- nato de S. Boaventura não he só hum supplemento neces- sário ás sobreditas, mas huma matéria inteiramente nova, e para a qual por varias razões era difficil e laborioso achar materiaes , ao que elle plenamente satisfez, O. Srir, Francisco Nunes Franklin apresentou varias Me- morias sobre os Chronistas Portuguezes ^ assumpto assas inte- ressante , considerando que he a historia dos historiadores. O DAS SciENciAS DE Lisboa. ix ?'^i O Srir. Visconde de Santarém deu conta á Academia, do estado do seu vasto trabalho sobre o nosso direito pú- bfico exrernp. As suas indagações cm Portugal, e fora del- }e , llie tem fornecido huma immcnsa coUecção de docu- mentos sobre as relações da nossa Nação cora as extrangei- ras. i !'0 Sfír. Francisco Manoel Trigoso leu huma íntercs- santissima Memoria sobre hum assumpto , que as nossas actuaes circumstancias fazem da maior importância , qual he a Lei das Sesmarias. Ella he huma das que a Academia escolheu para vos serem lidas neste dia. O Siir, Manoel Maria da Costa e Sá deu vários Map- pas c formulas para redigir melhor as informações estatis- ficas relativas ao nosso commercio nos differentes portos estrangeiros , e»a formula dos quesitos ou instrucções aos agentes Portuguezes em Argel , que elle compoz por or- dem do Governo. Leu também o Elogio fúnebre de hunv Socio , que a Academia perdeu na flor de seus annos, e que o seu saber e amor das letras distinguião entre companhei- ros e collegas , distinctos por essas mesmas qualidades. Te« reis a vantajem de o ouvir ler nesta Sessão pelo authoc mesmo. O Siír. Joaquim Baptista , que já duas vezes mencio- nei neste relatório , enviou huma Memoria assas curiosa so- bre a linguagem Portugueza de Lafões. Talvez que hum dos methodos de aperfeiçoar a theoria philosophica de huma lingua , seja a observação dos vários idiotismos das diversas porções da Nação que a fala , e neste ponto de vista os idiotismos de hum districto do Reino primitivo, tão exten- so como o Concelho de Lafões , c tão separado do com- mercio extrangeiro , he hum auxilio de preço aos olhos do observador philosophico, que se occupa da nossa lingua. O Snr. Fr. José de Santo António Moura apresentou á Academia a traducçao da Historia. Arábiga dor Soberanos da Africa e Mauritânia ., acompanhada do texto original Ará- bigo , muita parte da qual he illustrativa da Historia Por- Tom. FUI. P. II. * 2 tu- X H I s T o R r A - D;A AcademiáReai. tuguc7a daquellcs tempos tão obscuros nos nossos próprios hiscoriadores. O Sfir. Manoel José Pires deu as traducçõesi em. lin- guagem Portugueza da i. Filippka de Dentostheneí, & da 4. Gí-' tilinaria ck Cheroj e hum bem raciocinado Projecto de. Esta- tutos Académicos. O Snr.- Agostinho de Mendonça Falcão entregou á Academia de que he membro, hum estimável manuscripto- de sua composição de addiçõcs e reparos ao Diccionario da iingua Portugueza de António de Moraes e Silva. Nem faltarão neste pcriodo oíFertas' de sábios Extran- geiros , c Nacionaes. Mr. Hauy da Academia R. das Scicncias de Paris , o- Patriarca da Mitieralogia, Sócio Extrangeiro da nossa Aca« demia , oíFereceu hum exemplar da terceira edição do sea Tratado EkMeUtar de Physica como testimunho da sua con- sideração para esta Academia. O Snf. Barão de Eschwege, actualmente Sócio da Aca- demia, offereceu duas obras suas cm Alemão, huma sobre Portugal j outra sobre o Brazil, junto com hama Memoria estatística spbre a Província de Minas Geraes , acompanha- da de vários productos mineraes , e de huma porção de ••aizes medicinaés , conhecidas no Brazil pelo nome de Rai- &es pretas. Fòrão encarregados de informar sobre a sua uti- lidade ófe Senhores Doutores Soares , e Benevides. O Snr. José Accursio das Neves apresentou dous opús- culos seus impressos , acerca dos meios de melhorar a in- dustria Portugueza, e sobre a administração da Fabrica das Sedas e obras das aguas livres. De Tanger mandou o Síír. Graberg de Hemso as suas obras impressas sobre Cosmographia, Geographia, e Estatísti- ca ] sobre a peste de Tanger ; sobre a litteratura histórica de Moghrib el Azja. O Snr. João Severiano Maciel da Costa pediu facul- dade para offerecer á Academia a sua Memoria sobre a di- Viimifão gradtmí da introduccão dos Africanos no Brazil. A DAS SciENCiAS DE Lisboa. xi A Commissâo da redacção do Diário das Cortes , oíFe- receu á Academia huma collecçao do Diário das Cortes ge- raes e Extraordinárias da Nação Poruigtieza. Finalmente com huma bem rara generosidade o Snr, Visconde de Santarém oíFereceu a sua Cellecção de Documen- tos Inéditos da nossa Historia ; generosidade tanto mais pa- ra admirar e agradecer , que esta collecçao não he herda- da ou adquirida, mas toda o fructo do seu trabalho pessoal. Antes de acabarmos este resumo do que se passou no anno Académico , devemos com o maior agradecimento men- cionar a ordem das Cortes Gcraes e Extraordinárias , que mandão que a Academia aprompte e publique a Collecfãa elas antigas Cortes , para o qual fim a Academia nomeou hu- ma Commissâo composta dos Sócios os Senhores João Pedro Ribeiro , Francisco Ribeiro Dosguimaraes, Monsenhor Fer- reira , Joaquim José da Costa de Macedo, e José Corrêa da Serra. De todos os assumptos propostos no Programma pa- ra o presente anno , nenhum teve concurrentes senão o pre- mio fixo de huma descripção physica e económica de hum districto do Reino. Para este huma só Memoria veio a con- curso , com a epigrafe Nisi iitile est quod facimus sttilta est gloria. Achou a Academia que o districto era mui pequeno não excedendo três legoas de comprido por apenas duas de largo ; que o Author mostra talentos e saber, mas que ain- da cm tão pequeno districto todas as partes que a Acade- mia requer , segundo o modelo dado , não são tratadas com igual cuidado. Julga por conseguinte que merece mui hon- rosa menção , e o Accessit. Se o Author quizer que se ma- nifeste o seu nome, se abrirá nas formas da lei Académi- ca o seu bilhete. Em todo o caso o convida a Academia de occupar-se de similhantes assumptos para os quaes se mostra bem qualificado, cingindo-se porém mais rigorosa- mente a preencher as condições do modelo dado, * a ii Pro- XII Historia da Academia Real Procedeu-se ás Eleições triennacs , c forão nomeados Secretario o Snr. José Corrêa da Serra. Vice-Secretario o Srír. Francisco Villcla Barbosa. Thesoureiro o Srir. Joaquim José da Costa de Macedo. Para Director da Classe das Sciencias Naturaes o Síír. Ber- nardino António Gomes. Para dito das Sciencias Exactas o Snr. Mattheus Valente do Couto. Para dito de Litteratura o Srir. Francisco Manoel Trigoso. Foi nomeado Sócio Honorário o Srir. Duque de Lafões. Passarão de Sócios Livres a EfFectivos , para a Classe das - Sciencias Naturaes os Senhores Félix de Avelar Brotero , e Francisco Elias Rodrigues da Silveira. Para a Classe das Sciencias Exactas os Senhores Marino Mi- guel Franzini , e Rodrigo Ferreira da Costa. Forão eleitos Sócios Livres os Senhores António Diniz do - - Coáto Valente ; D. Francisco Alexandre Lobo , Bispo de Viseu j Baráo ãc F.Qch-wpge 5 Francisco Xavier de AlmeU da Pimenta ; Fr. Fortunato de S. Boaventura ; Manoel José Pires ; e Manoel José Maria da Costa e Sá. Foráo reeleitos Substitutos de Effectivos os Senhores Ale- xandre António Vandelli, e Pedro José de Figueiredo. Por fallecimento do seu primeiro Guarda mor nomeou íl' Academia interinamente ao Srii-. Alexandre António Van- delli. Entrarão para Correspondentes os Senhores Visconde de Santarém , e José Lino Coutinho, -noii Fallecêrão os Senhores Alexandre António das Neves , José Maria Soares, João Evangelista Torriani , D. José Joa- quim da Cunha de Azeredo Coutinho Bispo Titular de Ele- vas , Fr. Joaquitn de Santa Rosa de Viterbo , c Marquez de^^Ponte de Lima. Na Instituição forão vaccinados neste anno 164^ in- divíduos de ambos os sexos , e de diíFcrentes idades. Destes ti- DA5 SciENCIAS DE L I S B O A. XIII tiverão vaccina verdadeira ----.--. jjo Duvidosa ------------- 3Q Não voltarão ----------- icíj Total lO^^ Nas Provincias , dos poucos Mappas que se receberão <3os Correspondentes , só consta terem sido vaccinados 64^ indivíduos, os quaes, juntos aos da Instituição, sorpinap 2290, numero total de que a Instituição pôde este anno dar conta. Em todos os indivíduos a vaccina marchou com aquel- la regularidade que costuma , sem apparccer fenómeno al- gum digno de observação. Os trabalhos da Instituição tem sido continuados com o mesmo zelo com que forão come- çados ; não deve admirar o pequeno numero de indivíduos cm que se notou vaccina verdadeira , o que depende dos vaccinados não voltarem a ser examinados; falta esta, que a Instituição nao tem até hoje podido evitar , e da qual hc obvio os inconvenientes que devem resultar. Nestes últimos tempos tem sido grande a concurren- cia de vaccinados por causa da devoradora epidemia vario- losa , que tem reinado por toda a parte : por isso tem si- do mui repetidas as requisições de vaccina de todas as Pro- vincias, porém não dando hoje os Vaccinadores contas re- gulares das suas tarefas vaccinicas , a Instituição não pôde este anno apresentar hum tão avultado numero. He para lamentar o desleixo e abandono em que se acha este tão utíl estabelecimento era muitas partes do Rei- no. A Instituição por vezes tem feito subir á presença de Sua Magestade representações a este respeito , e por isso confia que não deixarão de se dar providencias para gene- ralísar hum tão útil e efficaz preservativo das bexigas na- turaes. Entre os Correspondentes que mais se distinguirão este anno, devo nomear os Senhores José Ignacio Pereira XIV Historia da Academia Real Derramado, Medico em Portel; António José de Almeida, Medico em Mafra , nosso Consócio ; António de Almeida , Medico em Penafiel ; a 111."'* Senhora D. Angela Tamagnini Abreu- e os Senhores João António dos Santos Cordeiro, CirurE DA BARCA, RECITADO NA ASSEMElÉa PUBLICA DE 24 DE JUNHO DE 1819 PELO SÓCIO SEBASTIÃO FRANCISCO DE MENDO TRIGOSO. A. .NToNio DE AnAUjo d' AzEVEDO , prinieiro Conde da Barca , do Conselho d' Es,tado, Mini,srro e Secretario d' Es- tado dos Negócios da JMtarinha e Dqniinios Ultramarinos , GranirCruz das Ordens de Christo , e da Torre e Espada ; da Ordem Hespanhola de Isabel Catholica, da Franceza d^ Legião d' Honra , e Sócio Honorário da Academia Real das Scioncias , nasceu na sua casa de Sá, Termo de Ponte dç Lima, aos 14 de Maio de I75'4 , sendo seus pais Antó- nio Pereira Pinto de Araújo d'Azevedo Fagundes, Fidalgo da Casa Real e Cavalleiro da Ordem de Christo, e D. Marqueza Francisca de Araújo d'Azevedo. O systcma por que hoje se governa a maior parte d^ Europa , destina desde o berço , e sem considerável esfor- ço , alguns homens de huma classe mais eminente e pri- vilegiada para serem grandes no mundo, cm quanto outros ^ó por grandes merecimentos e á força de trabalhos con- seguem chegar a este gráo de elevação. Para os primei- ros pôde dizer-se que começa a interessar-nos a sua vida na época em que os empregos fazem conhecer e avaliar publicamente o seu merecimento ; para os segundos po- rém , que desde a mais tenra idade e a cada passo achãj pa- 3CVI Historiada AcadeM'iaReal para vencer novos obstáculos , principia cila a ser interes- sante desde que a luz da razão os vem alumiar. O Snr. Conde da Barca, ainda que de huma familia distincta da Provincia , estava nestas circunstancias : por isso não será estranho que façamos ver antes de tudo como no fundo do seu retiro se fez conhecido c estimado ; e que o acompa- nhemos de alguma sorte em quanto adquire as luzes e co- nhecimentos, que lhe grangeárao as maiores honras , a que pôde aspirar hum súbdito fiel. OíFerecendo a pequena terra do seu nascimento poucos meios para huma educação litteraria , contava apenas onze annos de idade quando seus pais o mandarão para a Cidade do Porto , onde assistia seu tio o Brigadeiro António Luis Pereira Pinto , em cuja casa e companhia devia achar não só o mimo e agasalho, que requeria a sua juvenil idade, mas ao mesmo tempo todos os meios para desenvolver a sua razão , e adornar o seu espirito. Dirigido por este sá- bio Mentor, empregou os primeiros annos em que a me. moria está mais vigorosa, e os órgãos da voz com toda a flexibilidade, no estudo das linguas vivas j por isso falla- Va o idioma Francez , Inglez , € Italiano com as inflexões é idiotismos próprios de hum natural daquelles paizes. Entre- tanto não só não era por elle desprezado o estudo da lin- gua Latina , de que chegou a adquirir hum profundo co- nhecimento , mas applicava-se ainda ao da Grega, debaixo da direcção de Thoma's Lany , celebre Professor daquella Cidade. Estes estudos não erão , como bem se deixa ver , se- não os prelúdios de outros mais profundos e interessantes: assim depois de ter ouvido as lições de Philosophia Racional e Moral , resolveu-se a passar á Universidade de Coimbra , onde frequentou como voluntário o primeiro anno do curso Philosophico. Movido desde então pelo attractivo das Scien- cias Naturaes, parece que estava resolvido a Segui-las com regularidade , mas este projecto não foi avante por moti- vos que hoje se ignoraoj sabe-sc porém que recolhido ou- tra DAS SciENCiAs DE Lisboa. xvit tra vez ao Porto, se entregou de todo a's Mathematicas, e á Historia, na qual alcançou huma vastíssima erudição, não menos do que nos outros ramos daquclles estudos, que pe- la sua amenidade se tem condecorado com o nome de Bellas-Lettras. Applicaçocs tão variadas deviao necessariamente absor- ver todo o tempo de hum mancebo , que vendo diante de si o immenso e inexgotavel tliesouro dos conhecimentos humanos, ardia em a nobre ambição de adquirir todos: por isso não era possivel bastarem-lhe as horas do dia , nem ainda as de huma parte da noute ; muitas vezes no meio delia, quando toda a família estava sepultada no somno , clle se levantava mansamente, accendia lume, e cobrindo-o depois com as sombras de hum capote , entregava-se á lei- tura, até que a manhã o vinha dispensar daquellas precau- ções Erão ellas necessárias porque seu tio, que dormia em hum quarto visinho , temendo pela sua saúde , o re- prehendía amorosamente quando vinha no conhecimento de semelhantes excessos, que continuarão por muitos annos. Por este tempo, isto he, nos fins de 1779, ^"^ '^^^ algumas pessoas zelosas pelo adiantamento da instrucçao na- cional suscitarão em Lisboa a idda de crear a Academia Real das Sciencias ; outras , levadas sem duvida por moti- vos análogos , traçarão em Ponte de Lima hum differente plano , ardentemente promovido pelo mesmo que havia de ser seu chefe , o Arcebispo de Braga e Primaz das Hes- panhas, o Srir. D. Gaspar, de saudosa memoria. Esta asso- ciação que Sua Magestade foi servida approvar, e que to- mou o nome de Sociedade Económica dos Amigos do bem pu- blico , era formada com o fim de promover a industria , a agricultura, e o commercio; os seus membros dividião-se cm Sócios contribuintes , e honorários ; aquelles concorria» para as despesas das experiências de agricultura, para as dos viveiros de amoreiras, que desde logo houve a intenção de propagar naquella Província , c para o pagamento das Es- Tom. VIU. P. II. * 3 CO- XVIII Historia oa Academia Real colas publicas de fiar e tecer csguiõcs c cambraias, e apu- rar os outros tecidos já então usados no dcstricto. Hum sujeito nas circunstancias do Sfír. António de Araújo , não podia ser espectador indiffercnte deste Esta- belecimento fundado na sua mesma pátria , c que tantas vantagens lhe promettia ; assim concoireo logo para clle com todos os meios que estavao ao seu alcance ; e conhe- cendç os lucros que Portugal podia tirar das manufacturas de sedas , huma vez que a matéria prima não viesse de paizes estrangeiros, empenhou-se notavelmente neste ob- jecto , trazendo de outras partes da Europa sementes de amoreiras brancas, diversas das que entre nós se conhecião , c próprias para ministrar hum sustento mais adequado ao insecto, de cujos despojos resulta hum dos nossos ornatos inais brilhantes. A pessoa a quem principalmente se diri- gia para estas transacções, era o nosso Consócio o Sfír. José Corrêa da Serra ; e ainda hoje se conservão no Cartório da Academia algumas cartas daquella correspondência , que como vamos ver, não se limitava a este único objecto. Na installação da nossa Sociedade foi hum pouco dif- £cil achar logo pessoas idóneas para preencher os seus lu- gares : não pretendo com isto inculcar que a Nação esti- vesse absolutamente destituída de homens beneméritos; mas sempre he certo que a maior parte dos que então havia , não tendo estimulo que os incitasse a escrever , nem ain- da facilidade para se communicarem huns com os- outros, erão por isso quasi de todo desconhecidos. Fazia-se pois ne- cessário que algumas pessoas , cm quem antecipadamente havia razão para se pôr confiança , se incumbissem de pro- curar outras , de tentear os seus sentimentos , e de recru- tar ( deixem-mo assim dizer) o? que mostrassem melhores disposições: huma d'aquellas foi o Sfír. Arnujo, c as poucas cartas suas que pudemos ver a este respeito fazem sentir a perda das que faltão , e são hum testemunho authentico da actividade com que se empregou nisto, luctando contra dif. DAS SciENC/AS DE LiSBOA. XIX difficuldadcs imprevistas , que a ignorância tem artes para sugerir todas as vezes que se vê ameaçada de perder o seu império, A pezar de me estarem já acenando objectos de mui- to maior interesse , não entrarei por elies sem primeiro fali.ir de outro que então mesmo o occupava extremamen- te. O rio Lima, que atravessa a Provincia d'entre Douro e Miniio, tem bastante capacidade para poder navegar-sc legoa e meia para cima de Ponte de Lima , e três desde alli á sua barra. He certo que esta barra hc estreita , mas da parte de fora da ponta do Norte ha hum recife, que dá capacidade para ancorarem com segurança bastantes em- barcações. Tempos houve em que passavão de cem os na- vios de alto bordo somente dos nacionaes, agora porém ape- nas se conservão vestigios desta antiga prosperidade. O lei- to e a foz do rio estão quasi de todo obstruidos pelas arêas. OsVianncnses que no principio do feliz século de joo fo- rão os primeiros que atravessarão os mares até á Groenlân- dia, e se enriquecerão com as pescarias daquellas costas , estão hoje reduzidos a hum pequeno trafico marítimo , e (o que he não menos para sentir) grande parte da Pro- víncia padece consideravelmente pela falta daquella commu- nicação, por meio da qual exportava d'antcs os seus géne- ros com tanta facilidade. Estas considerações despertarão o patriotismo do Snr. António de Araújo , e de outras pessoas intelligentcs j dis- cutirão-se os meios de eíFeituar aquclle encanamento; e de- pois de organizado o plano dos trabalhos, da receita, e da administração , foi remettido tudo pelo principal motor do projecto ao Snr. José Corrêa da Serra , não só para lhe pedir o seu parecer, mas para o apresentar ao Duque de Alafóes, que ambicionava a nobre gloria de ser o protector dos homens de lettras , c dos projectos úteis ao Estado ; a pezar disto , concorrerão varias circunstancias para que este não tivesse por então effcito algum. Depois deste tempo he que o Snr. António de Araújo * 3 u CO- XX Historia da Acadeaíta Real começou a reflectir mais seriamente no seu futuro destino, sobre o qual ainda estava irrcsoluto. Tinha já então feito algumas visitas á Capital , mas de curta duração ; lembra- va-se agora de vir a Lisboa com mais demora , c de soli- citar algum emprego ; a idéa porém em que se demorava com mais complacência era a de viajar pela Europa , e ver o que ella apresenta mais digno de admiração. Tendo ad- quirido grandes cabedaes nas linguas e na litteratura es- trangeira, sendo dotado de hum temperamento robusto , e estando então na flor da idade, que abundante colheita não se promettia elle no caso de se realizarem estes desejos? Mas de que meios podia então dispor para o conseguir ? O acaso veio ofFerecer-lhe a solução de hum problema de que dependia a sua sorte, fazendo passar ao Minho alguns parentes seus que viviao na Corte, e dos quaes era ainda pouco conhecido. Para que o verdadeiro merecimento brilhe com toda a sua luz, não necessita de mais do que offerecerem-se oc- casiões opportunas ; a conversação familiar , ainda mesmo sobre objectos indifferentes, faz conhecer o Philosopho sá- bio e profundo , e as suas reflexões são como hum facho , que illumina todos os objectos que estão na esfera da sua actividade. Se a estes dotes, que o Snr. Conde da Barca possuia em gráo eminente, ajuntarmos ninda huma summa facilidade e graça em se explicar, hum caracter amável c ingénuo , e huma fisionomia expressiva , não será difiícul- toso perceber como elle cativaria pessoas, já prevenidas em seu favor , e o empenho com que lhe devião oíf.;reccr a sua amizade e protecção. Com tão lisonjeiras idcas he que elle disse a dcos á sua Pátria , e tomou o caminho de Lis- boa, onde os amigos que tinha adquirido se esmerarão cm recebe-lo com a distincção que merecia : sobre tudo o ho- mem verdadeiramente grande, que então era Presidente des- ta Academia , vendo-o de mais perto , e avaliando bem o que era , e o que poderia vir a ser , não duvidou de con- correr eficazmente para o pôr em lugar que fizesse rever- ter DAS SciENClAS DE LlSBOA. XXr ter todo o seu talento cm utilidade da Nação. Os Ministros d' Estado, e a mesma Soberana lhe mostrarão quanto po- dia esperar , logo que se offerecesse occasiao opportuna. Não tardou esta muito a apresentar-sc , pela vacatura do lugar de Enviado extraordinário e Ministro plenipoten- ciário na Corte de Haya , que D. João d'Almeida, depois Conde das Galvcas, ate alli tinha occupado. Com o mes- mo caracter foi nomeado para lhe succedcr o Srir; António de Araújo , o que mostra quão grande e bem afiançada re- putação tinha já adquirido , e quão vantajosa idéa a justa e vigilante Rainha, a Senhora D. Maria I. devia ter for- mado dos seus conhecimentos c caracter, para fazer entrar assim na carreira diplomática hum Cavalheiro pouco co- nhecido na Corte, que ainda não tinha dado testemunhos públicos do seu saber, e isto quando apenas contava trin- ta c três annos de idade , e quando o horisonte politico da Europa principiava a toldar-se com negras nuvens, Quasi dois annos medeárão entre a nomeação do Snr. Araújo, e a partida para o seu destino; e pode bem crer- se que elles não forao perdidos. A applicação mais assidua is matérias politicas , e aos nossos Tratados e transacções commcrciaes absorvia todo o tempo que lhe restava de ou- tras occupaçóes próprias de hum homem repentinamente transportado á scena do grande mundo. Esta mudança de vida que embaraçaria a outros , foi-lhe com tudo tão pou- co sensível , que não se passarão muitos mezes sem que seus amigos percebessem , que se tinhão sido necessários para a sua elevação, dalli por diante elle seria a si mesmo bastante para comprir huma carreira brilhante, de que estes erão apenas os primeiros ensaios. A 2 de Junho de 1789 perdeu o Síír. António de Araú- jo de vista a Cidade de Lisboa , e com huma feliz nave- gação abordou a Inglaterra. Sir William Web , respeitável Negociante , com quem tinha ligado huma estreita amiza- de , durando a sua residência no Porto , lhe veio ao encon- tro a Extcr , e se encheo de prazer sabendo que seria seu hos- X5C1I Historia da Academia Real hospede por alguns tempos. Penhorado com esta promessa , ellc se apressou em satisfazer os seus desejos, acompanhan- do-o desde logo a visitír os districtos circunvisinhos , e os principiaes estabelecimentos de industria Jngleza. Esta visi- ta , feita debaixo de hum plano mcthodico e scientifico , sérvio de modelo ás que depois tiverao lugar, quer nas Pro- víncias, quer na Capital daquella celebre Ilha; e as nume- rosas notas, que diariamente se colhiao, forão conservadas em hum Jornal , que novas averiguações e viagens torna- vão cada vez mais interessante. Não somente as artes e o commercio occupavão a at- tenção do observador Portuguez ; a sua demora em Londres fez-lhe profundar mais os ditfcrentes ramos das Sciencias Camcralisticas , e da htteratura Estrangeira; e as relações de amizade em que viveu com Sir Joseph Bancks , e Lord North facilitarão-lhe os meios para conseguir tao louváveis intentos : entre elles erao constantemente repartidas as tar- des dos Domingos , e nestas mesmas sociedades he que ad- quiria o conhecimento de muitos Sábios nacionaes e estran- geiros , e dos Membros mais distinctos do Parlamento Bri- tânico. A estas vantagens accrescião outras de não menor interesse : em quanto os Discursos de hum Price , de hum Fox , e de hum Pitt engrandecião as suas idéas , e augmen- tavão as suas luzes , ganhava elle para si mesmo huma re^ putação brilhante , já pelos conhecimentos que mostrava ter adquirido , já pelas suas maneiras polidas c agradáveis : a isto deveo franqucarem-se-lhe as portas da Sociedade Real , da qual era olhado como Membro, pela intimidade em que vivia com o Presidente , e com os Secretários que então eião Planta , c Gray ; a isto devco que o mesmo Presiden- te , nosso illustre Consócio, lhe liberalizasse alguns ma- nuscritos raros de Historia Portugueza , que tinhao ido pa- rar ás suas mãos, c que indubitavelmente tcrião chegado ás nossas , se circunstancias imprevistas o não tivessem impe- dido. Nove mezes empregados nestas variadas occupaçõcs., pas- DAS S C I t" N C I A S D K L 1 S B O A. XXIII passiíiâo com a rapidez de nove dias : era necessário partir para a Hollanda , e como o caminho devia ser por Paris, não podia haver maior demora. O nosso Embaixador que cntáo alli residia , D. Vicente de Sousa , o recebco á sua chegada peio modo mais lisongeiro, e mostrou todo o apre- ço c]ue sabia fazer das suas distinctas qualidades, não só em publico, mas ainda em particular, e sem ellc o perce- ber , nos despachos que então escrevia para a Corte. Além dos attractivos ordinários que esta Capital apre- senta cm todas as occasiões ao viajante instruído, oíFcrccia nesta cpoca outros de muito maior monta nas discussões da Assembléa Constituinte , em que entravão os homens mais conspícuos que então havia em França ; assim erao ci- las frequentadas não só pelos nacionaes, mas por todos os estrangeiros de representação , e pelo Snr. António de Araú- jo , em todo o tempo que alli se demorou. A esta assidui- dade, ç ao trato que teve com os Ministros Montmoiin , e Necker , e com o celebre e desgraçado Bailly, então Maire de Paris, deveo elle a facilidade de conhecer, e seguir o fio da intriga tenebrosa que minava os alicerces do Thro- no , e preparava a passos agigantados os terríveis triunfos da demagogia. A fúnebre impressão que idéas tão tristes dcixavão na sua alma , só podia ter alivio na sociedade de alguns sábios c litteratos que encontrava em casa dos mes- mos Ministros, taes como Lavoisier, Fourcroy , Lallande, o Abbade Delille , Marmontel e outros, que muito se 11- songcaváo de achar hum homem educado alem dos Pyre- ncos , tão instruído nas Sciencias, e na Litteratura Fran- ceza. Se porém ainda no meio do tumulto , e das grandes sociedades de Paris elle achava modos para se instruir, já se deixa ver , que recolhido ao seu gabinete com mais ra- zão não ficaria ocioso, ou entregue a occupaçóes frivolas e inúteis. Com eíFeito as horas de que podia dispor erão em- pregadas no estudo da Physica , ouvindo as prelecções de Mr. Charles, e seguindo as experiências deste iliustre Pro- fes- XXIV Historia da Academia Real fcssor ; mas entretanto aproximava-se o tempo em que era necessário chegar ao seu destino, A multiplicidade de factos que temos para referir, obriga-nos a salvar a distancia de Paris a Haya , e a apre- sentar o Siir. António de Araújo entrando n' huma Corte, que acabava então de sahir victoriosa pela força das armas da luta que tivera com os chamados Patriotas. Estas circun- stancias eráo as mais criticas , e fazia-se necessária huma não pequena destreza para conciliar as attenções devidas ao Sthadouder, com os deveres que o seu lugar lhe impunha para com os Estados Geracs : a pezar disso tão assizado foi o seu comportamento, que nenhum dos partidos, que di- vidião ainda aquelle desgraçado paiz, pôde jamais força-lo a deixar de seguir a linha huma vez traçada para o seu pro- cedimento; e quando a conquista da Bélgica fez affluir pa- ra a Hollanda os Emigrados Francezes, e do Brabante , fo- rão tão benéfica e cordealmente acolhidos pelo Ministro de Portugal , que lhe ha de sobreviver muito a memoria hon- rosa que dclle ainda coriservão. Entretanto a desgraçada França hia-se precipitando ca- da vez mais nos furores da anarchia: os homens honrados, que assistião naquelle paiz , já não podião dar-se por se- guros, c a maior parte dos Portuguezes buscarão na Haya a protecção do nosso Enviado , que achava hum verdadeiro prazer em ser-lhcs útil. Alguns dos Sócios , que hoje me ouvem, c que então viajavão pela Europa, mandados pela nossa Corte a fim de se instruírem nas sciencias e nas ar- tes, podem ser testemunhas não só do que tenho affirma- do, mas de quanto sempre o acha'rão prompto a satisfazer os seus desejos , a animar as suas pretensões. O Nestor dos nossos Poetas, cujas obras passarão com honra á mais remota posteridade , foi hum dos que goza- rá) principalmente deste beneficio. Pobre e desgraçado vi- via ele em Paris, quando o Snr. António de Araújo lhe oiFereceo a sua casa em Hollanda , e todos os soccorros que lhe fossem necessários. A' acceitação det-ta offerta de- ve- Das Sciencias de Lisboa. xxv vemos provavelmente conservar-se ainda hoje hum homem tão betiemcriro da litteratura Porrugueza , e poder publicar hum tão grande numero das suas estimáveis Poesias. A pe/.ar das minuciosis precauções que exigião o esta- do das cousas , e as opiniões exageradas que então estavâo em voga; a pczar da triste habitação da Haya , a que nun- ca se pòdc habituar , e da multidão de negócios de que se achava incumbido, pódc dizer-se que os primeiros an- nos da residência do Sfír. Araújo nas Provincias Unidas fo- rão SC não fclices, ao menos algum tanto tranquillos. Era devido este bem á companhia de alguns amigos escolhidos e seguros, á sociedade de alguns litteratos, e ao commer- cio das Musas, que nunca desamparara totalmente, e com as quaes vivia agora na maior familiaridade. Occupava-o a idéa de traduzir o maior dos lyricos antigos , e em Julho de 1792 escrevia a hum dos seus amigos, o Srir. José Bo- nifácio de Andrada , que já tinha completado o segundo e terceiro livro das Odes : em quasi todas as cartas que se seguirão a esta , continua a faliar dos seus progressos na racsma traducçao, a que principalmente pôde dedicar al- guns mezes que passou no campo. Outro objecto em que então mesmo se empregava desveladamentc, era a formação de huma livraria : o estado da França e dos Paizes visinhos, e as relações que nelles tinha , offerecerão-lhe huma occasião bem opportuna de o cunseguiv ; por esto modo elle se enriqueceu com as me- lhores obras de historia e de litteratura antiga e moderna , de politica e de physica , com as collecções das principaes Academias , e com os melhores Jornaes que então se pu- blicavão cm França , Alemanha , e Inglaterra : se se accres- centar a isto huma grande quantidade de viagens, de map- pas, e de gravuras, desde a origem da Arte até aos nos- sos dias, facilmente se verá que a poucos particulares ti- nha que invejar nesta matéria. Esta preciosa livraria foi ainda augmentada depois nas suas viagens á Alemanha , e seria consagrada á utilidade publica, se não tivesse cm gran- Toii:. FIIL P. II. * 4 de XXVI Historia DA Academia Real de parte cabido cm poder dos Francezes quando invadirão a Cidade de Lisboa. Entretanto hia-se aproximando cada vc7, mais a tem- pestade ; os trovócs da artilheria principiavao a ouvir-se ao longe, o tumulto das paixões, e os enredos de quantidade de emissários secretos rcduziao tudo a facções, e os homens pú- blicos erão os que se achavao mais expostos; nesta confusão e desordem ainda foi feliz o Ministro de Portugal. O nos- so Soberano tinha somente entrado na primeira guerra co- mo auxiliar da Inglaterra e da Hespanha , e em consequên- cia das suas aliianças defensivas com as duas Potencias ; pas- sada esta época, continuou a seguir hum systema de neutra- lidaile; e coberto com esta cgide he que o Sfír. António de Araújo soube inspirar huma igual confiança a todos , e te- ve.a fortuna.de se ver universalmente respeitado. Tocava quasi no fim o anno de 1794, e as tropas ini- migas estavão já senhoras de toda a Flandres Austríaca ; a HoUanda via-se ameaçada por huma próxima invasão, que O inverno e os gelos ainda flicilitavão; a tomada de Mães- írkk , e de Nimegue acabou de destruir as poucas espe» ranças que restavao. Por mil modos padeceu o no.sso Envia- do neste estado de cousas , e as suas cartas daquelia época provão bem os seus sustos pessoaes , a sua vigilância c cui- dado pela sorte dos seus amigos , e pelos interesses públi- cos! de que estava encarregado, e as dilficuldades c urgên- cias em que se via pela falta de quem quizesse descontar jas suas lecpas. • - i A pczar de todos estes, embaraços, firme nos seus prin* cipios, e tanto mais que haviao recebido a Regia appro-. vaçao, delibcrou-sc a segui-los a todo o risco, e a prolon- gar a sua assistência na Haya. Foi a esta resolução , c á sua conhecida lealdade que oa emigrados Francezes deverão o salvo-condúcto , que lhes foi dado pelos Cíeneraes Republi- canos ;. e foi por eila que nós obtivemos a continuação das nossas relações commerciacs com. aquclle Paiz, relações que tão grandes interesses derão á nossa Praça , e que a pezae de OAS SCIESCIAS DC LiSBOA. XXVfl de toios os melindres e invejas, jó de huma vez cstireráo suspendidos, por poucos dias, durando aqueIJe tempo. Este teiiz res-iJudij deu lugar a esperanças mais lison- geiras, e tcntnu-sc huma empreza , cuja execução era a miis díiEcil, posto que as circunstancias parecessem de cer- to modo opporrunas. Com efftito a França, depois de ter sofTrido a concussão mais horrorosa que pode padecer hum Estado, parecia tornar a querer tomar o seu lugar entre a3 Nações civilizadas: os nomes de Marat, e Robcspierre erão repetidos com horror, a Convenção Nacional, e ajunta da segurança publica já não exiitião , c tinháo cedido o lugar a hum Corpo legislativo, c a hum Directório, que ao me- nos promettiáo mais regularidade na sua administração , e inculcaváo desejos de obter o socego domestico e externo. Esie momento aproveitou-se ; e o Snr. António de Araújo partio para Paris munido de poderes para negociar a paz. Quando a Historia puder hum dia espalhar hum raio de luz sobre todos os acontecimentos deste período, quan- do a serie dos annos fazendo calar as esperanças e os temo- res permittir que se narrem os successos com todas as suas particularidades , he de esperar que então se desenredem to- das as tramas, e dificuldades, que o negociador Fortuguez teve de vencer, os motivos por que se vio constrangido a deixar Paris antes de se concluirem as estipulações ; as cau- sas que alli o fizerão voltar outra vez, c a delicada poli- tica de que lhe foi necCíSario usar, até assignar por fim o celebre Tratado de lo d'Agosto de 1797. Em quanto a ncjs, obrigados a restringir-nos nos cur- tos limites de hum Elogio Académico, e não nos conhe- cendo com os cabsdacs necessários para discussões desta natureza , nada diremos deste notável Diploma , que então Eiou a atrenção de toda a Europa; confiando que aquelle a qaem esta narração couber em sorte , não se esquecerá de notar que diíEcilmente se podiâo esperar condições maij vantajosas em nosso favor , e isto n' hum tempo em que os Francezes pela assignatura dos Preliminares da paz de * 4 ii Lco- xxvin Historia da Academia Real Lcobcn SC nchavão orgulhosos, e livres do seu inimigo mais poderoso , e quando Lord Malmesbury , hum dos grandes: Diplomáticos da Europa , via escapar-lhe das mãos .o fructo das suas negociações. > >«r.iiji.» Quando porém parecia completo o triunfo do Plcnipo-^. tcnciario Portuguez , varias circunstancias politicas, que ha desnecessário referir, impedirão a ratificação deste Tratado em toda a sua extensão ; o que serviu de pretexta para norf últimos dias daquelle anno 8er posto o negociador debaixo de prizao, os seus papeis sellados, e elle conduzido á Po- licia como hum delinquente : em fim para darem a esta trágica scena hum remate análogo aos seus principios, atro- pcl-ando-se de todo o direito das gentes , e por hum pro- cedimento inaudito na historia das Nações civilisadas, foi encarcerado na prizao do Templo, aonde a pezar de todas as reclamações o rctiverão por espaço de quatro mezes. Sem embargo da rapidez com que tocamos estes acon- tecimentos , não devemos passar em silencio que por mais empenho que o Directório mostrasse em achar culpado o Snr. António de Araújo , nunca lhe foi possível descobrir o menor pretexto para manchar a sua reputação; e que o nosso amável Soberano , conhecendo bem a sua innocencia ^ soube então mesmo adoçar a sua sorte não só com o inte- resse pessoal que por ella lhe mostrou, mas com hum De- creto , que acompanhava a graça de huma pingue Commen- da, que nesta occasião lhe conferiu ; de sorte que (segundo escreve hum dos mesmos Historiadores Republicanos) o que houve de mais extraordinário em todo este succcsso foi a generosidade do Monarca Portuguez em o proteger e tra- tar sempre como seu Ministro ; e não ser condcmnndo nun- ca pela opinião publica dentro da própria França , a pezar dos esforços que nisso se pozcrão. Recuperada a liberdade, c recebendo licença da nossa Corte para viajar na Alemanha, sahio de Haya em Dezem- bro de 1798 em direitura a Hamburgo, aonde se entregou, ao estudo da lingua Alemã. Esta nova distracção e socc- DAS SclENCIAS DE LiSBOAi XXIX go dc que em fim gozava , a cErirtia c communicação de alguns sábios, e entre ellcs a do celebre Klopstock-, a cortt- panhia dc alguns Portuguczcs que aUi se achavao, tíido con- correu depois de tantas agitações a aquietar-lhe o espiri- to, restituindo-o ao seu sssento natural. No fim< dé alguns niezes cncaminhou-se a Brunswik , onde o Duque Pvcgen- te e sua miii , irmã do grande Frederico, o receberão com á maior distincção , e de tal modo, que alli so demorou muito mais do que ao principio tinha projectado. Visitou depois Goethinga , Gotha , c Weimar , que neste tempo reunia em si os maiores litteratos do Império, laes como hum AVieland , hum Herder, hum Goethe, hum Kotsbue , c hum Schiller , aos quaes todos tratou de perto , c deu motivos para avaliarem o seu merecimento. Deixando a custo tão amável sociedade , passou a Lelpsic , e depois a Dresda , onde repartia os momentos de que podia dispor entre as ricas collecções que possue esta Cidade, e os homens de Lettras e Artistas principaes, que se ajuntavão em casa de Mr. Kachrists, Grao-Marechal da Corte. O pecúlio das Notas do que observara em Ale- manha augmentou-se consideravelmente nesta Cidade , onde tudo concorria para sua satisfação. O Eleitor attrahia-o ínui- tas vezes á Corte, c os jardins do Castello de Pilnitz se lhe tornarão sobre maneira familiares pelo estudo da Bota- i^ica ; em fim ajuntou alli hum herbario das plantas da Sa- xonia , e huma collecçao dos melhores Autores da Alema- nha. O celebre Werner (que a Mineralogia perdeu proxi- mamente ) e Mr. Charpentier o receberão com a maior be- nevolência , quando foi observar as minas de Frcyberg ; e passando depois a Berlim, alli se demorou o inverno de 1799 entre os prazeres da sociedade e o estudo da Chi- mica, já no gabinete de Scherer, ji no laboratório do ce- lebre Klaproth. Nesta occasiâo pôde também augmcntar os seus conhecimentos Botânicos , assistindo ás demonstra- ções de Wildenow , e por tal modo se embebeu nestas ap- XXX Historia da Academia Real applicaçòes , que depondo o plano de alargar mais a swa viagem , (tf) fez aqui o termo delia; até que huma ordem que recebeu da Corte, determinando«lhe que voltasse para Portugal , llie fez gozar da satisfação de ver outra vez a sua pátria, depois de ter passado dez annos longe deli'. Tantas inquietações , perigos , e viagens pareciâo exigir em fim algum socego , principalmente achando-se cUe (são estas as suas ^próprias expressões) tão trubalhado de, corpo e de espirito. Ma» -quanto estavao ainda longe de se cum- (a) Para provar a reputação qne o Snr. Conde da Barca deixou estabelecida uas differentes partes da iiuropa onde viajou, bastar-nos-ha citar a correspondência do Piot'. Zach. de Fev. de lUOl publicada cm Gotha , na qual (N. 3.) se acha hum artigo dos jjrogressos fei- tos recentemente pelos Portuguezes em Astronomia, e se falia em liuni manuscrito sobre a Geografia, communicado pelo Siir. Araújo. Transcreveremos somente as primeiras linhas, a Na sua segunda passa- "ii gem por Ciotha no anuo precedente tive o gosto de conhecer o Mi- 5T nistro de Portugal em França, Araújo, celebre no mundo politica :> e diplomático pelas vexações que lhe fez experimentar contra todo Í5 o direito das gentes o Governo então estabelecido em França, com a 1» sua odiosa j)rizão na torre do Templo em Paris. Nesta occasiSo tive 5) lugar de admirar a v^ista instrucção e os conhecimentos profundos 35 que possuía na litteratura Franceza , Ingleza , e Alemã. Conheci en- •II tão com a maior admiração que Araújo lè regularmente as mi- •)i nhãs duas' obras periódicas , Ephevieridés geraes de Geografia , e Cor- •>i r^spondencia meitsal. Em huma conversação que tive com elle sobre ■>i vários juizos pouco favoráveis ao estado actual da litteratura Por- ■>i tugueza , que se achão nestes periódicos, este hointin de Estado 11 justo e snbio conveio que Portugal situado na cxtren)idade da Eu- 35 ropa, privado de toda a communicação scientiíica com as outras Na- 11 ções civilisadas, ha de nccessarianieute ser inaccessivel ao espirito 35 de indagação dos Alemães ; c que todas as noções que temos so- 35 bre este paiz não podem deixar de ser imperfeitas, seudo humas 35 dictadas pelas prevenções, e outras alteradas pelo espirito de partido 35 de hum i>iimourier, hum Fuisc , hum Barreto, hum Murpliy , 35 du Chatelct, &c. Importa muito a Araújo como sábio, como prote- 3) ctor das scieneias , e como amigo do seu paiz, onde pôde chegar 3; hum dia ás mais brilliantes dignidades, ver estabelecidas relações 35., mais intimas entre os sábios Portuguezes e das outras Nações. Em 35 diílereutes épocas, e recentemente ainda em huma carta de Amster- 35 dam de "22 de Dezembro de 1800 me repete a promessa de continuar 35 esla correspondência, indicando-me do modo mais amável a iiiaueira. 35 de a manter e auguient,ar. 35 . '»a6 S Cl e n c 1 as de' Li s íio a. xxxi cumprirem os seus votos! e quinto lhe devia ficar este an- no na memoria, como Iniih dos mais inquietos da sua vidai Com cfFcito no principio de 1801 estava ainda na Hollan- da , d'onde veio a Inglaterra , e dahi para Lisboa : sendo J:íorcm á sua chegada incumbido dè huma missão secreta ^ sahio logo para o Porto de l'Orient , em que se demorou hum mez, voltou a Lisboa, c sendo nomeado Ministro Ple- nipotenciário em S. Petersburgo , achava-se de novo em Londres no principio de Dezembro , aonde respirando hnni curto intcrvrdlo , partiu finalmente para Haya a descançaf de tantas fadigas. Não só para isto se tornava indispensável huma peque- na demora nesta Cidade, mas também para o arranjamen- to de todos os seus negócios domésticos , e da sua preciosa livraria: era este o objecto do seu maior cuidado. «Custa- » me (escrevia elle em 15' de Julho de 1802) ciista-me »> infinitamente a separar-me delia, pois não pôde haver »> cousa mais desagradável do que, depois dé ter feito hu- »» ma collecção assim, ser obrigado a nlo a gozar. Parédeí >í que esti determinado pelo destino que jamais tenha so- » cego por espaço de .alguns annos para recrear o meu cs«- >> pirito com hum estudo seguido. » Que mais diria quení antcvisse o procelioso futuro que lhe estava aguardado ! Não pretendemos seguir o Síír. António de Araújo ná sua nova viagem a Dinamarca, e Suécia j antes de chegai' á Corte de S, Petersburgo, nem fallar ni- particular dis- tincção c benevolência com que foi acolhido pela Familia Imperial em todo' o tempo que alli se demorou ; seria re- petir o mesmo que já iica dito çm putws lugares , quando nos accnão objectos de maior interesse: por isso o faremos deixar as margens do Neva, atravessar a França, e Ilespa- nha, e chegar de novo a esta Capital a z de Julho de 1804, para ser nomeado Ministro e Secretario d' Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Permitta-se-me porém que antes de passar adiante, in- terrompa o fio do discurso com huma reflexão, que talvez não XXXII Historia da Academia Reai. não tenha escapado aos que me ouvem. Qiiando o Snr. An- tónio de Araújo entrou na carreira Diplomática , quando foi nomeado negociador em Paris , quando outra vex foi mandado partir para as costas de França , e qunndo em ul- timo lugar se enviou a S. Petcrsburgo, espiritos rasteiros e invejosos olharão talvez estas honras mais como extorqui- das , do que como merecidas. Segundo huns era o parcial favor do Duque de Lafões, a quem as ultimas graças se de- vião attribuir; assim como, segundo outros, a ami/ade e pa- rentesco que elle tinha com algumas pessoas muito da es- timação de Sua Magestade Fidelíssima a Rainha D. Ma- ria I. e o decidido patrocínio do Arcebispo de Thessalo- nica , he quem o tinha feito entrar e conservar nas primei- ras. Como porém he fácil desarmar a calumnia quando se Jevanta sobre tão frívolos fundamentos ! Todos estes prote- ctores ou já não existião no mundo, ou tinhão cessado de figurar nelle; a Rainha, prostrada por huma fatal enfermi- dade, tinha havia muito largado a seu Filho as rédeas do Governo; e he a este Príncipe, e tão somente a elle, ^ue o Enviado da Rússia (talvez quando menos o esperava) de- veu ser chamado ao pé do Throno, c entrar no importan- te emprego de Ministro e Secretario d' Estado. He desnecessário enumerar os serviços que elle fez á pátria nos primeiros annos de seu Ministério ; as Leis e De- cretos que se publica'rão pela sua repartição, os provão exuberantemente (a); e de tal sorte Sua Magestade se pe- nho- («) Foi durando o seu Ministério que se deu novo regulamento para os hos])iíaes militares (27 de Março de 1805), e que se aboliu a cliaiiiada primeira plana da Corte (1.° de Setembro dito anno) ; refor- mou-.';e , c deu-se novo regulamento ao Correio geral do Reino ( 8 de Abril dito anno ) ; redigirão-se as Ordenanças para os desertores ein tempo de paz ( 9 dito mcz e anno ) ; íegulon-se o numero das praças fronteiras e njaritinins, que devião subsistir, e dettrmiiiou-se a sua força (27 de Setembro dito anuo); criou-se o Archivo militar, estabe- lecimento tanto desejado, e nunca até então elfcctundo. Augmentou-se e orgauisou-se de novo a Guarda Real da 1'olicia (21 de Novembro dito anno); traçou-se o Plano de uniforme para o Exercito pela mes-: DAS SciEKCIAS DE LlSBOA. XXXlir nhorou delles, que iio fim de 1806 passando a melhor vi- da o Conde de Villa Verde , Ministro assistente ao Des- pacho do Gabinete, e encarregado da Secretaria dos Ne- gócios do Reino, ordenou o mesmo Senhor, que ficasse interinamente com as pastas das -duas repartições , e o no- meou para o lugar de Conselheiro d' listado em zf de Fe- vereiro de 1807. Assim i proporção que o seu merecimen- to era mais conhecido, cresciío também as honras, e jun- tamente coin ellas os trabalhos , e as diíficuldades de os yeoçer , sobre tudo naquclla época calamitosa, (a) "' Não antecipemos porém acontecimentos que a penna se recusa a descrever, consideremos primeiro o Snr. Conde da Barca debaixo d'outro aspecto , pelo qual tem o maior direito a esta coroa Académica: não bastava para isto que cUc fosse negociador hábil, c Ministro vigilante , não bas- tava que amparasse as lettras com o maior empenho, eni Tom. VIU. P. 11. * s ne- . ■ - . li ..•, ■ I - - - I 1-1 1' IM - li ma inaoeira que actualmente existe (19 de Maio de iSOfiJ; e regulou- se c organizou-se este mesmo Exercito ( idem ) ; estabeleceu-se o sys- tema de gratificações para os Engenheiros em serviço (12 de Junho dito anno) ; creárão-se as companhias de Veteranos ( 30 de Dezembro dito anno); além de muitas outras providencias sobre a disciplina mi- litar. («) A pezar desta calamidade não faltlo Diplomas datados desta época , taes são por exemplo a ampliação do Regimento da Junta dos Arsenaes Reacs do Exercito (13 de Maio de 1807) ; a creapão do lugar de Inspector de Artilheria e munições de guerra (íbid. ); a distribui- ção dos limites nos sete governos militares do Reino , para facilitar o recrutamento, e a creação das novas Brigadas de Ordenanças (21 de Outubro dito anno); a nova organiz.ição para as Milicias ('25 dito mez e anno); a creação de dois regimentos de voluntários de Lisboa: to- dos estes e muito* outros ben/deixão ver quanto ellc então se esmera- va pelo aperfeiçoamento da disciplina militar. A creação da nova fa- brica de \idros em Linhares; as providencias para o encanamento do l^èjo; a conslrucçào de novas maquinas para a manipulação do algo- dão e lã ; a fabrica de papel de vegetaes que se pretendeu estabele- cer na Província do iMinho , e para a direcção da qual foi mandada vir hum celebre Chimico Inglez; as maquinas e mestres que mandou vir de Alemanha para brocar e pulir os canos dns espingardas, &c. provão igualmente quanto se desvelava pela prosperidade nacional. XXXIV Historia da Academia Real necessário que as cultivasse, e que colhesse os louros que ellas promettcm aos verdadeiros sábios. •' sii r; Os profundos conhecimentos que, como' iá' dissemos , tinha. adquirido nas linguas vivas e mortas, c o muiro que se tinha familiarisado com a littcratura antiga e estrangei- ra, o levou ao projecto de enriquecer a nacional , Fa/endo passar para o idioma Porruguez algumas das principaes poesias dos estranhos : as primeiras de que lançou máo fo- rão as Odes de Horácio, em cuja versão occupou incessan- temente por alguns annos os momentos que tinha vagos ; mas esta versão não chegou a publicar-se, ou por descuido do Autor, ou por hurria injusta timidez e desconfiança das suas forçaSr Talvez que ■ esta desconfiança se augmcntasse pela severidade e acrimonia com que esta obra foi julgada por- hum homem , a cuja decisão em outras circunstancias o publico poderia subscrever. Francisco Manoel do Nasci-» minto , obrigado pela tormenta da revolução a buscar azilo iia casando Snr. .António de. Araújo, que tão liberalmente lha offerecêra , passava os dias em paz, no seio das Musas, ç da amizade , sem que estas venturas lhe podessem nun- ca fazer esquecer nem os seus antigos desastres , nem ain- da a sua mesquinha, mas independente habitação de Paris: vivia desgostoso entre os Hollandezes , e no pesado clima da Haya ; desejava ver-se totalmente senhor de si , e este desejo dava-Ihe momentos de máo humor , moléstia d'ani- mo a que a sua qualidade de Poeta o tornava ainda mais propenso* Em alguns destes momentos molhou a pcnna no fel da critica para atacar a traducção do seu amigo, e im- primiu estes versos : o Siir. Conde da Barca teve a nobre- za d'alma de não se dar por offcndido com os cpigrammas de hum homem que tantas vezes tinha empregado o seu .estro em o elogiar • desculpou este desafogo ao infeliz , e continuou-lhe inalteravelmente ate d morte as mesmas pro- vas de amizade; mas receou-se da sua versão, e deixou-a cm esquecimento. Melhor sorte tiverao algumas poesias de Gray , que cl- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XxXV clle pissou para vcri,o Porruguez : ao Sfír. D.José Maria de Sous.1 , hoje tão conhecido na Europa peia sua primo- rosa edição dos Lusiadas, devemos a publicação deste opus* culo em Hamburgo em 1799; ^ ^ huma conversação entre csres dois iliustres htteratos, então unidos pelo vinculo da mais estreita amizade, he igualmente devida a bclli^slma versão da Ode de Dryden para o dia de Santa Cecilia , hu- ma das mais elegantes prodiicções lyricas dos séculos mo« demos. Sustentava o Snr, Morgado de Matrhcus a quasi im* possibihdidc de traduzir dignamente os Poetas , sobre tu. do quando as suas poesias tem hum caracter particular , e privativo da lingua original ; o Snr. António de Araújo pa- ra provar a opinião contraria , apresentou passados poucos dias aquella traducção , não só em igual numero de versos , mas com a mesma disposição de rimas, e com huma ele- gância que em nada desmente o original. Talvez elle se persuadisse de ganhar com isto a sua causa; mas porque hum génio transcendente teve a felicidade de executar bem huma cmoreza , não se segue que ella perca cousa alguma da sua diíHculdade para com os outros; e huma triste ex- periência tem muitas vezes provado a verdade da asserção do Snr. D. José Maria de Sousa. A' excepção desta Ode que modernamente se reimpri- miu em Lisboa, todas as outras traducçóos são hoje bastante- mentc raras entre nós; por isso o Snr. Francisco José Maria de Brito , nosso Enviado em Haya , intimo amigo do Au- tor, seu companheiro, e digno avaliador do seu mereci- mento , ao qual gostosamente reconhecemos dever huma grande parte das noticias que deixamos referidas; se propõe a reimprimi-las novamente em Paris , pagando este ultimo tributo á memoria de hum homem que tanto lhe foi caro. Desde que o Snr. António de Araújo sahio de Por- tugal , até á sua volta da Rússia , quasi que não era pos- sível vc-lo figurar como Académico , pela distancia em que se achava , e pelo labcrinto de negócios cm que se tinha visto envolvido; porém restituido á patiia, a pczar de não * j ii di- XXXYI HiSTOBIA DA ÂCADEMIA ReAL diminuírem com isto as occupaçóes , a presença dos seus antigos collcgas lhe Ící logo apcrt.ir os laços que as cir- cunstancias , e náo o desamor tinhâo afrouxado. O eminente emprego que então occupava , foz com que de Correspondente passasse a Sócio Honorário , classe para que costumão ser convidados os Ministros d' Estado. Este titulo que não he acompanhado de obrigação alguma litteraria , foi por elle acccito com reconhecimento; e sem fazer caso da isenção do trabalho de que amplamente , e por tantos titulos podia gozar, deu -o exemplo, único até agora nos nossos fastos > de vir ler as suas Memorias nas Sessões Académicas, e de imprimir huraa delias nas nos- eas Collecções. Foi esta recitada na Assembléa pública de 7 de Maio de iSof, e o seu objecto he defender Camòes de alguns defeitos , que o celebre La Harpe se atreveu a notar nos immortaes Lusíadas. Pareceria incrível, se elle mesmo o não tivesse escrito, que hum dos lítteratos mais famosos do sé- culo XVin. o illustrc Professor do Lyceo de Paris , o Poeta, que tinha dado ao theatro hum tao crescido numero de Tra- gedias, e enriquecido a sua Nação com tantas outras poesias, em fim que o tao conhecido Autor do Curso de Litteratiira quizesse assignalar a sua entrada na Academia Franceza, tra- duzindo huma obra de gosto, huma epopéa, sem conheci" mento algum da lingua em que tinha sido escrita, e servin- do-lhe de original huma versão interlinear que lhe tinhão dado, e cuja exactidão ninguém lhe podia abonar. .Qiundo se trabalha com semelhantes materiaes , acontece facilmen- te que todas as bellezas .se offuscão e desaparecem , que o divino í^ogo da poesia se extingue, e converte em gelo, e que a critica descobre hum vasto campo em que pódc (se bem que com toda a injustiça) empregar-se livremen- te» , Esta injuria com que somos tratados, pelos estrangci-» ros abrange toda a nossa lirteratura: ou seja ignorância, ou espiíito de partido, ou ambas estas cousas reunidas,. hc cc:v to DAS SciENClAS DE LiSBOA. 3CXXVH to que todos os dias se repetem semelhantes criminações, c que he do dever dos escritores nacionaes rcpelli-las quan- do são injustas : vimos o Snr. António de Araújo empre- gado nisto na sua primeira Memoria , e ve-lo-hemos ainda oçcupado em outra igual defensa na segunda de que vamos fallar. A todos he patente a gloria de que se cobrio a nação Portugueza no século chamado de quinheiuos , quando abria o caminh) da índia, e reconhecia o continente Ame- ricano ; mas nao são tão geralmente conhecidos os desço-» brimentos da Africa , feitos nesse mesmo tempo, e em ou- tros mais modernos , c não só pela costa , mas pelo sertão dentro. He certo que nestas ultimas expedições não teve lugar o estrondo das armas ; homens pacíficos, animados pe- lo zelo da religião , forão os que as emprehendêráo , que penetrarão em paizes até então inacccssiveis , e que conse- guirão ver de perto o que sempre se occultou a olhos eS'' i^rangeiros desde a mais remota antiguidade. A historia que nos conserva com jactância os nomes de hum Cambvses,' de hum Alexandre, de hum Ptolomeo Philadelpho , que de balde perderão grandes sommas , e muita quantidade de soldados para descobrirem as nascentes do Nilo , parece não referir senão com custo, e acanhamento o nome do primeiro Europeo , que as viu de perto : foi elle hum Por- tuguez , e Jesuíta, chamado Pcro Paes. Este Missionário que tantos annos se demorou na Ethiopia , escreveu quanto alli passara, e he mais que pro- vável que os outros Jesuitas Portuguezes tivessem conheci- mento daquclla obra , que por huma indesculpável incúria não se imprimiu , transmiftindo-nos apenas o P. Kirkcr a parte que diz respeito a este descobrimento. O manuscrito completo foi parar ás mãos de hum sábio, hoje respeitado de toda a Europa , o Cavalheiro José Banks , o qual o deu ao Sfír. António de Araújo, conhecendo bem, que facilmen- te não encontraria quem delle fizesse melhor uso. Com esre authentico testemunho, e com outros mais que yxxviri Historia da Academia Real que pôde coUigir, destioe elle facilmente as sombras, com que hum Bmcc pretendia offuscar esta porção da nossa gloria , c defende os Autores nacionacs de algumas outras ari^uições mal fundadas daquelle historiador ; tomando oc- casiáo disto para dar noticia de varias obras Portuguezas , que existiao na sua livraria , sobre a geografia , produc- çóes, religião, e costumes dos povos da Abyssinia , grande parte das quaes obtivera da liberalidade do mesmo subio. O desejo de dar huma noticia mais circunstanciada delias, do que o permittia a leitura de huma Sessão publi- ca , foi causa desta Memoria se não imprimir logo ; e as sempre lamentáveis desgraças, que occorrêrão pouco depois , lhe fizerão pôr de parte os objectos scientificos. Assim es- tamos chegados a este desastroso periodo, no qual não en- traremos sem primeiro fazer conhecer meliior o interesse , que tomava o Snr. António de Araújo pelo adiantamento das Sciencias, e das Artes em Portugal. £!• Bem convencido da utilidade do estudo da natureza j e extremamente apaixonado pelo da Botânica, procurou por todos os modos animar o nosso sábio Collega o Sílr. Fe- Jix de Avellar Brotero , para que não desistisse da grande empreza da Phitographia Lusitana; e sendo certificado de que já na primavera de iSoj se podião desenhar algumas novas e raras plantas alli descritas , fez com que o dese- nhador e abridor Gregório Francisco de Qj-ieiroz as fosse copiar a Coimbra, não só neste, mas em vários annos suc- cessivos , debaixo da direcção e inspecção immediata do Autor:. o pjublico acaba de ser presenteado com huma par- te deste interessante trabalho. Porem não se limitou somente a isto o seu amor pe- las plantas : conhecendo, que ramo nenhum de historia na- tural poderá nunca prosperar entre nós , em quanto desta não houver e.studos públicos em Lisboa , intentou estabele- cer hum Jardim Botânico junto ao Collcgio dos Benedicti- nos da Estrella , para o que tinha já obtido permissão Re- gia. Se estas .e .outras idcas ficarão malogradas , nem por is- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXXIX isso SC diminuiu p reconhecimento que os sábios lhe de-i viáo , em prova do qual oSíír. Brotero lhe dedicou a plan- ta Jraujià^ género novo, publicado no anno próximo ^iS' saáo n&s ' M emorias da Sockdo.de Linneana de Londres. ' 'ii Em quanto ás artes , contentar-nos-henios de allcgar hum único documento, e tanto mais que elle prova exube- rantemente o interesse que tomava por todas : he este o Decreto de 24 de Julho de 1807, pelo qual Sua Alteza houve por bem destinar annualmcnte 4:000(^)000 de réis pa- ra serem empregados pela Real Junta do Commercio em a coílccção de-Jivros, mappas, modelos ou desenhos de nia- quitMS, eide 'outros quaesqucr objectos necessários para pro« naover osí diversos ramos de industria nacional , fazendo este deposito^ em hum local dentro do edificio destinado para a. mesma Junta. Estes fuiuJos , devião sahir do cofre dos contrabandos j de sorte que aquelles meios empregados pe-r los estrangeiros para amortecer a nossa industria, virião a servir para anima-la e faze-la mais florecente. Projecto bem combinado, que desgraçadamente não chegou a effcituar-se^ Por este tempo foi nomeado Director da escola df gravura, a qual então tinha por mestre o insigne Bartolozzi ; que a elle. deveu em grande parte passar o resto de seus dias em felicidade e dcscanço. Também mandou vir de Lon- dres o Gravador Le Conte, e hum Estampador de distincto merecimento, com os quaes estas artes teriao feito progres- sos consideráveis , se não fossem suíFocados logo á nascen- ça, correndo o fatal anno de 1807. Ainda cm Junho deste mesmo anno lhe deu S. A. R. mais huma prova da sua estimação , nomeando-o Director dos Estudos estabelecidos no Real Mosteiro de S. Vicente de fora : nada porém pôde executar neste novo emprego , pois estava já então chegado o momento da nossa desgra- ça , aquelle em que perdemos o nosso Alonarcha , e cora elle a liberdade. Ainda que não seja do meu intento relatar a serie de successos que deu lugar a este triste acontecimento , (so- bre 3ct • Historia da Academia Real b:c os quaes tantos discursos se fizerao , c a maior parte dclles com tão pouco conhecimento de caiisa ) sempre re- fcriri-i cm siimma, que desde a época em que razões politi- cas impedirão a ratificação do tratadn de 1797, forão em augmento as preterições do Governo Francez, até ao ponto de nos obrigarem a pegar nas armas. A pa/. de Badajoz foi de curta duração ; e a pezar de seguirmos dahi em dian- te a mais stricta neutralidade, tinha a França muito a pei- to consolidar o seu systema continental , para nos deixar em socego por mais tempo. He certo que não havia o mi- nimo pretexto para huma invasão; mas que necessidade ha- via de pretextos, quando o despotismo e a perfídia assigna- vão o tratado de Fontainebleau? Começárão-se pois a ajun- tar com todo o segredo as tropas inimigas em Bayona , atravessarão a Hespanha com a rapidez do raio, e entrarão çm Portugal com a esperança de aprisionarem com as suas mãos sacrilegas o nosso Augusto Imperante. . í" Bem penetrava o Snr. António de Araújo estas maqui- nações , mas qual seria o grande homem d' Estado que no seu lugar pudesse dizer í< Eu lhe darei remédio ?»> As for- ças militares de Portugal erao diminutas e pouco aguerri- das, Inglaterra era a única nação alhada com que podíamos contar, e com eíFeito o Almirante Inglez tinha entrado no Tejo commandando alguns mil homens ; mas que soccorro era este em comparação do que se precisava , se viesse a cahir sobre nós o poder reunido da França, e Hespanha? O mesmo Almirante , e o Conde de Rossclym conhecerão •a f.ua ineficácia , retirou-se a Esquadra Ingleza , c Portugal ficou entregue ás suas próprias forças. Em tão criticas circunstancias, que outro partido res- tava senão o de transferir para fora da Europa o Sccptro Portugucz .'' Esta idéa não era nova, era-o sim a sua execu- ção, pois as resoluções violentas só se reservão para as ex- tremidades : trabalhou-se com incrivcl zelo , e dentro de poucos dias ficou pronta a Esquadra que devia conduzir ao Rio de Janeiro a Real Família Portugue/a. Cora DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. XLÍ Com hum Príncipe menos amante dos seus povos, pn- dtão prccipitar-se menos estes preparativos : as tropas que então havia podião impedir por alguns dias o passo aos in- vasores, mas todas as probabilidades mostravão que o re- sultado final devia ser o mesmo , c que para alcançar tão pouco, devia dcspcnder-sc muito sangue, e muitas vidas. Assim S. Alteza dando a todos hum exemplo de magna- nimidade e de confiança , quiz cortar por todos os seus commodos , para que os Francczes fossem recebidos como amigos, antes do que dar-lhes azo para commettercm a me- nor hostilidade. ♦ Em seguimento do seu Soberano , socegado pelo ver j<í salvo, mas com o coração cortado de dor, embarcou o Srir. António de Araújo na náo Meduza j levando comsigo não os moveis do seu uso , mas aquelles que pensou virião a ser mais úteis ao Estado : taes forão huma bella collec- ção Mineralógica , arranjada pelo grande Werner , collecçao indispensável para o Brazil , onde o estudo da Montjnisti- ca deve fazer a primeira base da instrucçao publica ; e hu- ma Typografia que elle manda'ra vir de Londres, e que se pôde dizer a primeira , ou pelo menos a única que então apparcccu no Rio de Janeiro. A horrorosa tormenta que padeceu a Esquadra passa- dos os primeiros quatro dias de viagem, fez com que a náo perdendo toda a sua mastreação estivesse a ponto de sosso- brar , c que se separasse dos outros vasos : em fim , ven- cendo mil riscos e trabalhos, chegou a Pernambuco, onde empregou hum mcz nos reparos mais indispensáveis, e to- cando depois na Bahia, entrou na barra do Rio em 6 de Março de 1808. Nesta dilatada viagem que quantidade de idéas fúne- bres não virião apresentar-se ao espirito do illustre, e in- feliz navegante! Não temos necessidade de indicar mais do que huma : por mais inculpado que estivesse na catástrofe succedida em Portugal; por mais impossível que lhe fosse prcvcni-Ia ou desvia-la ; ainda que todas as ordens e resolu- Túm. FUI. P. II. * 6 çõcs XíXl HlSTOniA DA. AcADKMiA ReAL ções a este respeito tivessem emanado de S. A. e do C n- eelho d' Estado , que , frequentes vezes se ajuntava para &>"■ se fim , com tudo como a Secretaria da sua repartição era aqucUa por onde principalmente corriao as diflcrentcs trans- acções, cujos resultados nos erao tão damnosos , bem co- nhecia elle que grande parte do povo , que não discorre , havia de attribuir ao Ministro as desgraças que padecia , e que os invejosos da sua reputação assoprariao estas labare- das , filhas da ignorância e da malevolencia. : Não era então tempo próprio para responder ou al- tercar, mas sim para soffrer e guardar silencio. O Prínci- pe Regente que conhecia melhor do que ninguém o seu procedimento, parecia indicar lhe a vereda que devia seguir. Na sua chegada á Corte clle o dispensou do lugar de Mi- nistro e Secretario d' Estado , querendo ao mesmo tempo que continuasse a assistir ás Sessões do Concelho d' Esta- do , e não lhe diminuiodo as |d.emonstrações da sua bene- volência. V.3 o líbno , 'i.' Bastaria porém este magnânimo procedimento de S. A. para pôr em socego ao Síir. António d'Araujo ? he difficil acredita-lo. O nosso espirito huma vez costumado a empre- gar-se com toda a actividade em algum objecto , receia o ócio, e procura hum pasto que de continuo o alimente. Cin- çinato, depondo o Consulado, acha as delicias da vida nos trabalhos da agricultura : obrigão-no a larga-la de novo pa- ra ser Dictador ; destroe os inimigos da Republica cm pou- cos dias, e volta immediatamcnte a pegar no arado, co- mo se receasse ter hum só dia de descanço. Mais vasto foi o campo que o sábio Portugucz esco- Iheo para descançar nelle das suas gloriosas fadigas: a lit- tcrjtura, e a sciencia da natureza offcrecião-lhe hum thesou- ro incxgotavel, de que não tardou cm tirar partido. A no- va Castro, e a Osmia, Tragedias que algumas vezes confiou aos seus amigos , c que tinhuo sido esboçadas durando a sua, resijdencia na Haya, forao acabadas, e aperfeiçoadas nes- ta época : he de esperar que ellas se- publiquem para glo- ria DAS SciENCIAS UE LiSBOA. XLIII ria das musas Portuguezas ; c que scjao acompanhadas com muitas outras poesias, quer originaes, quer traduzidas, que ficarão igualmente inéditas. Os outros fructos do seu descanço ( se tal nome sç lhe pódc dar) forao de huma utilidade mais immediata e evidente; pois erigiu na sua mesma casa hum laboratório, onde se empregava principalmente na applicaçáo da chimica ás diíícrentes artes, apenas conhecidas naquellc vasto e nascente Império. O fabrico da porçolana , a melhor mani- pulação da maça conhecida no commcrcio com o nome de TJrucii^ e que se tira das sementes da Bicha orellana, a cx- tracçíío do óleo de Mamona, obtido por hum novo proces- so cm muito maior copia , e em toda a sua pureza , t-es forão os resultados das suas primeiras investigações, mas não pararão aqui. Os Médicos Europeos queixavão-se todos os dÍ3s da falta de muitos medicamentos a que estavão ha- bituados, e principalmente da preparação conhecida com o nome de jígoa d' Inglaterra ; tentou-se pois e conseguio-se fazer hum liquido semelhante , assim como muitas agoas artificiaes, imitando as nossas mineraes , e as estrangeiras; de que a humanidade enferma tirou o maior partido. Com estes e muitos outros trabalhos augmentou-se de maneira aquella instituição , que dentro de pouco tempo se erigiu em escola de Chimica, e principalmente de Pharmacia , que ate hoje continua no mesmo pé , ensinando-se nella a pre- parar toda a qualidade de medicimentos. Entre tanto não ficou posto de parte o estudo da Bo- tânica , que o Snr. António d'Araujo tanto prezou sempre : elle ajuntou, e cultivou entre 1200 e 1400 plantas, úteis ou agradáveis, tanto nacionaes, como exóticas, e principiou o catalogo delias com o titulo de Horttis Aranjeusis. Con- correu para que se cultivassem no Real Jardim Botânico da Alagoa de Freitas grande quantidade de arvores estrangei- ras, de que poderemos tirar o maior partido, e entre outras a do chá, que hoje se acha perfeitamente clymatizada cm alguns pontos do Brazil. * 6 ii Co- XLIV HlSTOKIA DA AcADFMIA R.EAL rr.^-j Como estes estudos práticos erao os que lhe deviao maior desvelo , mandou construir muitas maquinas, algumas das quaes se propagarão consideravelmente , com grande lu- cro para os seus proprietários: fallarei somente de luim en- genho de serrar madeira, que fez estabelecer como modelo na desprezada Capitania de Porto Seguro , onde o seu no- me será sempre recordado com aíFccto; e de hum lambi- que á Escoceza que mandou vir de Inglaterra , e no qual fez consideráveis alterações e melhoramentos , como se pô- de ver na estampa e descripçao que divulgou em dois N.°' do Patriota , Jornal que então se publicava no Rio de Ja- neiro. Este lambique foi tão bem acceito, que grande nu- mero de senhores de engenhos tem já mandado construir outros semelhantes j e obtido dclles os mais profícuos resul- tados. Chegava porém o tempo em que o nosso Monarca julgou que devia mostrar publicamente quanto prezava hum Ministro fiel , que a seu respeito tinha sacrificado tudo o que ha de mais estimável sobre a terra. O dia 17 de Mar- ço de 18 10 foi o mais feliz que raiou para o Snr, António de Araújo, pois nelle lhe dirigiu S. Alteza huma Carta Re- gia, em que declarava quanto tinha presentes os seus me- recimentos, e os distinctos serviços que com honra , zelo e acerto lhe tinha feito , assim nos diffcrcntcs cargos que oc- cupára, como na execução das muitas^ laboriosas, arrisca- das , c criticas commissões da maior importância que lhe tinha encarregado, correspondendo ajusta confiança que íem- pre lhe merecera. Accrescentava o mesmo Senhor a estr.3 lisonjeiras expressões, que querendo por estes motivos at- tende-lo , e contempla-lo por hum modo distincto, e por determinada consideração de quanto o estimava , e da boa vontade que tinha de lhe fa/-er honra e mercê , havia por bem promove-lo a Gram Cruz da Ordem de Christo. Feliz o Príncipe que faz assim triunfar a innocencia oprimida ! Feliz o vassallo que acha hum defensor tão respeitável no seu próprio Soberano ! Es- DAS SctENCIAS DE LiSBOA. XLV Este Dipiotna era oomo o presagio das novas graças que pociia esperar daqiielle , cuja generosidade não tem li- mites : com eíFciro ainda bem náo rinhao corrido quatro annos , quando acliando-sc vaga a Secretaria dos Negócios da Marinha e Dominios Ultramarinos , foi S. A. R. servi- do nomea lo para este lugar; c por huma nova prova de estimação , dcnrro ainda no mesmo anno, o condecorou com a Gram Cruz honorária da Ordem da Torre c Espada. Entrando outra vez no Ministério , não se poupou ás: fadigas próprias daquclle emprego, antes trabalhou tão ei-*- cessivamente nos primeiros tempos, que adquiriu huma en- fermidade tal , que esteve a ponto de cortar-lhe os dias. Se o seu robusto temperamento lhe facilitou resistir ainda a este ultimo golpe, não bastou para lhe fazer recuperar o antecedente vigor. A graça que recebeu do Soberano no- me;ndo-o por este mesmo tempo Conde da Barca, seria hum novo estimulo para o seu reconhecimento , se as for- ças o tivessem ajudado ; c o pezo de todas as Secretarias d' Estado , isto he, de todos os Negócios da Monarchia , que lhe forão confiados por morte do Snr. Marquez de Aguiar, pôz o ultimo sello á sua elevação, e foi o termo da sua gloriosa e agitada carreira. Todos os acontecimen- tos em que teve parte neste derradeiro periodo são de tão recente data , que preferimos omitti-los antes do que dar- mos occasião a sermos taixados de exagerados ou diminu- tos. Ellc fiilleceu de huma lenta nervosa aos 21 de Junho de 1817, quando contava pouco mais de 65' annos de ida- de. Tal foi o nosso digno Collega o Srir. Conde da Bar- ca : desde os seus primeiros annos ate aos últimos cuidou incessantemente em engrandecer « esfera dos seus conheci- mentos, quer na bellas Icttras , quer na historia e politica, quer nas sciencias naturaes , n' huma palavra em todos aquelles ramos em que o saber podia aproveitar mais aos seus concidadãos. Obteve a amizade de quantas pessoas o tratarão de mais perto, e de hum grande numero de sábios de XLvr Historia da Academia Real de diffcrenres Nnções, com quem continuou sempre a ter (quanto as circunstancias lhe permittiao) huma communi- caçao frequente. Nos diversos paizes aonde os seus empre- gos o Icvdrâo , foi constantemente o abrigo dos seus com- patriotas , sobre tudo dos homens de lettras , alguns dos quacs acharão nelle hum agazalho e soccorros verdadei- ramente paternaes. Na grandeza a que subiu , e quando de- pois esteve como reduzido ao estado de simples particular, foi sempre o mesmo , sempre superior á sua sorte. As pro- vas da sua honra e desinteresse foriío bem patentes, quan- do se soube que, a pezar do seu pouco fausto, deixava por sua morte algumas dividas. Com tão grandes conhecimen- tos, tanto desejo de bem fazer, quanto foi para lamentar que a doença e a morte atalhassem os seus grandes proje- ctos, justamente no ponto em que tinha mais meios para os realizar! Mas tal he o destino humano , que basta hum momento para passar do cumulo das honras e das accla ma- ções á solidão , e ao silencio do sepukhro ! NO- DAS S CIÊNCIAS DE LiSBOA. XLVH NOTICIA HISTÓRICA DA VIDA E ESCRITOS DE ANTÓNIO CAETANO DO AMARAL, RECITADA NA ASSEMBLEA PUBLICA DE 2+ DE JUNHO DE 181 9 PELO SÓCIO SEBASTIÃO FRANCISCO DE MENDO TRIGOSO. l3enhores. Tendo hoje de entreter a vossa attenção com a leitura de algum passo das Memorias para a Historia da Legislação, e Costumes de Portugal, nos primeiros tempos da Monarchia ; obra que por sua morte deixou imperfeita o nosso estimável Consócio o Snr. António Caetano do Amaral; não parecerá estranho, que antes de encetar este assumpto, desafogue a minha pena, e patenteie a desta So- ciedade peia perda de hum membro , que fazia o seu mais brilhante ornamento, consagrando poucas paginas a dar-vos huma noticia abreviada de hum sábio , cujos escritos e vir- tudes vos devem fazer o seu nome eternamente recommen- davel. António Caetano do Amaral, filho de António do Ama- ral, Guarda do numero da Casa da índia, e de sua mulher Joanna Ignacia do Nascimento , ambos naturaes de Lisboa , nasceu nesta mesma Cidade aos 13 de Junho de 1747. Se a mediocridade da sua condição a respeito dos bens da fortuna não parecia própria a faze-lo aspirar a grandes dignidades, o raro talento e sisuda applicação que nelle re- luziu desde os mais tenros annos, fizeráo facilmente augu- rar que acharia em si mesmo os meios de se tornar supe- rior XLYiii Historia da Academia Real rior á sua sorte , huma vez que a debilidade de rcmpera- mcnto com que nascera , lhe não oppoxesse obstáculos in- superáveis : assim permittindo-o seus pais , e desejando-o cUe ardentissimamente , depois de empregar os primeiros íinnos cm o estudo das humanidades em que fez agiganta- dos progressos , passou á Universidade de Coimbra , onde se matriculou na Faculdade de Cânones. Antes que o Snr. António Caetano alli chegasse , ti- nha já esta corporação cahido muito do seu antigo esplen- dor , e ultimamente subira a relaxação ao ponto, de que bem poucos dias de frequência de Aulas , e hum exame feito mais por satisfazer ás formalidades , do que para se indagar a capacidade c aproveitamento dos estudantes, bas- tavão para os condecorar com aquelks gráos que os pu- nhSo hábeis para os empregos civis. Neste estado de cou- sas (qut não impedia comtudo aos verdadeiramente estu- diosos de se engolfarem na profundidade das Sciencias Di- vinas e humanas) he que o Snr. António Caetano, sem par- ticipar da geral corrupção, passava as horas e os dias so- bre os livros da sua Faculdade, não havendo algum objecto que tivesse a força de o distrahir; de tal sorte, que quan- do ElRei D. José de gloriosa memoria , restabeleceu a disciplina e estudos da Universidade , elle foi reputado ca- paz de fazer acto de Formatura logo no primeiro anno da reíorma , isto he em 177.:?, alcançando por clle o mais ge- ral e bem merecido aplauso. Estes créditos até então grangeados, não ficáiao, co- me succede tantas vezes , semente restringidos nos e<;trei- tos limites de Coimbra; elles o acompanharão a Lisboa, onde a pczar da sua extrema modéstia, e não sei mesmo se diga timidez, era acolhido, procurado, e estimado por to- dos , em razão do seu saber , e distincto comportnmcnto ; de maneira que apenas os primeiros íundadores da Acade- mia buscarão em 1780 colaboradores dignos de os ajudar cm as suas penosas tarefas, foi clle nomeado entre os 21 primeiros Sócios supranumerários que de principio se ajun- ta- DAS SciENClAS DE LiSBOA. XLIS tarao naquella classe, destinada a preencher os lugares de EíFcctivos que viessem a vagar. O primeiro anno da existência da Academia , e da en- trada para ella do Srir. António Caetano, foi o mesmo cm que logo se provou a justiça de semelhante escolha, e em que esta arvore nova , e apenas plantada no ainda pouco cultivado solo da litteratura Portugucza produziu nao só flores , mas fructos formosos , e bem sazonados. Com effei- to principiando por onde os outros de ordinário vem a aca- bar, leu elle em huma das Sessões o Projecto para a his- toria civil de Portugal , assumpto vasto , interessante , e ainda nao tratado , que todos applaudírão , mas que acha- rão de tanta diíficuldade na execução , que a pezar dos cré- ditos e estudos do Autor, causava admiração que elle o ti- vesse intentado , e muito mais por conseguinte que tivesse meios de o completar. Ninguém comtudo conhecia melhor do que o Snr. Antnnio Caetano o intrincado laberinto cheio de espinhos e de trevas , cm que se propunha por primeira vez abrir hu- ma nova estrada, e torna-la segura e amena; ninguém co- nhecia melhor quanto carecia de soccorros para huma em- preza tão laboriosa, e de quão desvairadas partes devia men- digar os materiaes para cUa : á vista porém da sua mani- festa utilidade, nao duvidou por hombros á obra, consa- grando lhe todos os seus momentos; e passado pouco tem- po leu a Memoria , que encerrava a primeira época do seu trabalho. Antes de passar adiante, scja-nos licito fixar hum pou- co a attenção sobre esta matéria , para traçar o ligeiro es- boço do mcthodo por que foi tratada. A Historia civil e económica dos povos que tem habitado o território Portu- guez até aos nossos dias, ofFcrece duas grandes divisões perfeitamente distinctas, a primeira das quaes abrange o governo c costumes dos antigos Lusitanos , desde os pri- meiros tempos conhecidos até ao estabelecimento da Mo- narchia ; e a segunda o pQriodo comprehendido desde que Tom. FUI. F.II. * 7 os L Historia DA Academia Real os nossos legitimes Sjbeiaiios se fizcrao senhores do paiz, até ao presente. Esta grande divisão contém ainda , n' hum e n'outro dos seus membros , algumas épocas em que pôde ser sub- dividida : as da Lusitânia antiga , de que agora nos occupa- mos , são i.° os tempos anteriores á dominação dos Roma- nos, a.° o governo Romano, 5.° o dos Godos, 4.' o dos Árabes até serem principiados a expulsar de Portugal pelo grande Conde D. Henrique. Eis aqui pois os objectos das quatro primeiras Memorias que o Srir. António Caetano tra- balhou c imprimiu. O estado da Lusitânia até ser reduzida a Província do Império offerece mais campo a huma severa critica , do que a novas indagações. Os Autores Gregos e os Ro- manos , únicas fontes onde se pôde beber o pouco que se sabe com certeza a este respeito , tem sido tantas ve/.es li- dos c examinados, que será difficil apparcccr nellcs hum facto desconhecido nesta primitiva época da nossa historia. Mas por outra parte alguns impostores nos dois séculos de 600 , e 700 introduzirão na Republica littcraria tantas obras espúrias e adulteradas, e tantas vezes forão estas en- tre nós acreditadas, seguidas, e commentadas, que não he pequeno o trabalho em discernir os factos verdadeiros , e em purifica-los das quimeras com que andão desfigurados : tal foi a empreza do novo Escritor , e o pequeno numero de folhas deste opúsculo contém o pouco que se sabe a respeito dos objectos de que se propoz formar o quadro. Huma linguagem pura , hum estilo corrente , mas ao mes- mo tempo elevado, hum methodo claro e philoscfico, as in- ducções e conjecturas mais bem deduzidas , caracterizarão esta primeira Memoria, e fizerão depois reconhecer as ou- tras , que sahírão da mesma penna. A Academia nunca escaca em remunerar o merecimen- to pelo único modo que está ao seu alcance , premiou o Snr. António Caetano, fazendo-o passar para Sócio effecti- vo na Classe de Litteratura , logo que houve hum lugar và« DAS SciENCiAS DE Lisboa. ti vago ; c tornou assim mais fiimes e indissolúveis os vín- culos que lh'o devião ligar •. foi já condecorado com este titulo, que no dia 4 de Julho de 1786 abriu a Sessão pú- blica , celebrada no Real Palácio das Necessidades , com huma elegante Oração de que hoje não existe senão a lembrança , e que então foi universalmente applaudida. Não tardou muito sem que a segunda Memoria acom* j»anhasse a primeira, c foi lida em 175)1 : como a cpoca que cila abrangia era muito mais conhecida do que a preceden- te , pôde também o Autor deixar correr a penna com mui- to maior liberdade. A condição dos povos da Lusitânia de- pois de se verem submettidos ao jugo dos conquistadores ; a jurisdicção dos Presidentes Romanos ; os direitos particu- lar e publico das Colónias do Império; as diíFerentes espé- cies em que estas se dividião ; as povoações que entre nós tiverão esses differcntes direitos j as divisões da Lusitânia ; as alterações que experimentou tanto na divisão do terri« tório, como na sua jurisprudência; em fim os costumes, o genlo , e a religião dos Lusitanos , taes são os diflFerentes pontos que se podem ver resumidos no corpo da obra , e amplamente discutidos com o maior critério nas suas no- tas. Foi impresso este escrito no segundo tomo das Me- morias de Litteratíira , assim como o antecedente o tinha já sido no primeiro. Neste tempo entremeava o Sfír. António Caetano do Amaral estas applicaçôes , com as que lhe obrigava a ter a publicação de hum manuscrito precioso que a Academia ad- quirira , conhecido com o titulo de Soldado pratico ; obra de Diogo de Couto , que desenvolve os principaes motivos da decadência dos Portugueses nas bellas e quasi totalmente perdidas possessões da Ásia. O Códice que se tinha alcan- çado era huma copia bastantemente desfigurada ; mas não se conhecendo outro algum exemplar, a pczar das diligen- cias que nisso se pozcrão, confiou a Academia que o nos- so Consócio seria capaz de o restituir ao seu primitivo * 7 ii €S- III Historia da Academia Real estado; e com effcito assim o executou com iiaO pequena gloria sua , c da littcratura nacional. Tal cia então , e continuou a ser por toda a vida, o mcthodo dos seus estudos: hum ponto fixo, c de immen- sa amplitude fazia o assumpto principal dellcs ; c quando as faculdades intellectuaes se achavao como enfraquecidas á força de meditar no mesmo objecto, outros de natureza differente vinliao , para assim dizer, refrescar a sua imagi- nação , e tornar novamente a habilita-la para o seu primei- ro emprego. Nenhuma outra distracção era capaz de o ar- rancar ao estudo , nenhuma outra ambição, a não ser a lit- teraria , lhe despertava estímulos que o fizessem perder o tempo em procurar honras ou empregos : gozando apenas d' huma mui ténue fortuna, e do módico rendimento de hum Beneficio na Igreja de S. Lourenço , o seu pouco fausto e a sua parei monia faziao com que ainda lhe sobrasse para o amparo de duas irmãs, que abraçarão a vida religiosa. Mas em fim qualidades tão distinctas como pouco vulgares mc- recião ser premiadas, e em 30 de Maio de 1791 foi o Síir. António Caetano creado Deputado do Santo Oflicio da In- quisição de Lisboa. Este principio de prosperidade, que fixava para sempre o seu modo de vida, promettia-lhe também hum successi- vo engrandecimento, que com cfl^eito obteve, tomando pos- se, antes de serem passados 8 annos, da Cadeira Peniten- ciaria da Cathedral de Évora ; o que não alterou em nada a' simplicidade da sua vida domestica e publica, e serviu somente de dar-lhe maiores meios de soccorrer os necessi- tados. A pezar de hum tão louvável emprego , vindo a fa- zer peso na sua timorata consciência este Beneficio Eccle- siastico que não podia servir, clle o renunciou em 1806, reservando para si a módica pensão de 200(^000 rs. com que subsistio, até ser nomeado em 31 de Agosto de 1816 Inquisidor da Inquisição de Lisboa. Tornando porém ao meu principal assumpto de que hum DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LIU hum tão nobre e desinteressado procedimento me hia fazen- do desviar, e continuando com a terceira iMcmoria que pu- blicou o Snr. António Caetano , vc-se nclla traçado por mão de mestre o estado civil da Lusitânia desde a invasão dos povos do Norte até á dos Árabes. Nesta época mais visi- nlia dos nossos dias, são já os documentos mais numero- sos , e promettcm huma mais abundante colheita a quem souber consulta-los : assim foi esta terceira Memoria muito copiosa , e aquellcs que tiverem lido o Tomo VI. das Me- morias de Litteratiira que cila occupa quasi todo , conhe- cerão que immenso numero de indagações foi necessário fa- zer, para espalhar tão grande porção de hiz sobre o me- morável governo dos Godos nesta parte das Hcspanhas. Não se restringirão os serviços Académicos do Snr. António Caetano somente aos seus escritos , antes logo no principio de 1797 foi nomeado para servir de Secretario interino nos impedimentos do Srir. José Corrêa da Serra , que então occupava aquelle lugar ; e entrando depois o Sfír. Francisco de Borja Garção Stockler a exercer este em- prego, ficou o Snr. Amaral repetidos triennios reeleito Vice- Secrctario da Academia. No anrto acima dito aproveitando os momentos que as ferias lhe deixavão vagos, visitou o Cartório da Camará de Cezimbra , de cujo resultado deu conta na Sessão de ai de Fevereiro de 1798 ; foi isto trabalho de poucos dias, mas não succedeo assim com outro que então mesmo tra- zia entre mãos , de que resulta não pequena honra á sua memoria , servindo para esclarecer muito os fastos da Igre- ja Lusitana. Occupando a Cadeira Archicpiscopal de Braga o illus- tre D. Fr. Caetano Brandão, não menos recommendavel pe- las suas lettras do que pelas suas virtudes , zelo e carida- de Evangélica , desejando gravar bem, no espirito principal- mente dos seus diocesanos os exemplos e virtudes de ai- guns recommendaveis Prelados que em tempos mui remo- tos o tinhão precedido naquella Sede, e conhecendo por ou- Liv Historia da Academia Real outra parte , que ninguém era mais capaz de desempenhar esta árdua cmprcza do que o Sfir. António Caetano, pediu, instou, c pôde conseguir, que ellc se incumbisse de es- crever a vida, c ajuntar, traduzir, e commentar as obras que hoje restao de S. Martinho, commummcntc contado co- mo o 32.° Arcebispo de Braga, e que continuasse o mes- mo trabalho a respeito de S. Fructuoso, que com pequeno intervallo lhe succedeo naquella Cadeira. Estas duas obras, de que agora nao posso dar noticias mais circunstanciadas , formão três volumes em folha, e sahírão sem nome de Au- tor, que a bclleza da frase e a erudição das annotações não deixarão ficar occulto. Terminado isto em 1805", e voltando ao objecto prin- cipal dos seus desvelos , leu cm Novembro do mesmo an- no a sua quarta Memoria em que indagava o estado do terreno, e dos povos de Portugal, desde a invasão dos Ára- bes até á fundação da Monarchia , época não menos inte- ressante nem menos bem desempenhada que a que lhe pre- cedera , a pezar de que as fontes , onde he necessário be- ber, sejão mais escacas e diminutas. Com este escrito punha elle remate ao primeiro e gran- de periodo em que tinha dividido a sua obra : o segundo offerecia muito maiores dificuldades, não tanto pela falta real de documentos , como pelo ingrato trabalho de os desenterrar, ler, combinar e escolher, para dclles tirar o precioso sueco que contém. Qlic de tempo e diligencias se perdem nestas indagações ? mas também quanto sem el- las he, e será sempre imperfeita e pouco instructiva a nos- sa historia ! Os Chronistas occupárão-se quasi exclusiva- mente das guerras do paiz, e pouco lhes importou a par- te civil e administrativa: e se os Autores áà Monarchia Lu- sitana tentarão já tarde suprir este silencio , forao Fr. An- tónio, e Fr. Francisco Brandão os únicos que descortinarão o estreito e ás vezes apagado carreiro por onde poderão penetrar entre tão espessas brenhas. O que monta porém quanto alli se acha escrito , em. pro- DAS SciENCiAS DE Lisboa. lv proporção do que poderia sabcr-se , se se tivesse levado adiante o plano da Academia , visirando-se os Cartórios do Reino, e publicando-se os seus nicis interessantes diplomas? Graç-is sejáo dadas aos beneméritos Sócios , que intcntáriío esta immensa compilação , c que á custa de mil fadigas a Icváiáo tanto adiante! O fructo dos seus traballios he cui- dadosamente guardado no nosso archivo ; mas quanto não faz gemer os que se interessão deveras pela gloria nacional a consideração , de que para esta grande obra ser ofil;reci- da ao publico, he ainda necessário outro tanto trabalho pa- ra a ordenar, quanto foi preciso para acolligir; c he mais que tudo indispensável haver quem promova a segunda em- preza , com o mesmo poder , e energia com que foi patro- cinada a primeira. Desta preciosa collecção se aproveitou o Snr. António Caetano para aformosear e illustrar por novos factos este segundo período da nossa Historia. Mas a Memoria sobre esta primeira época da nossa Monarchia tardou muito a completar-se , por novos embara- ços, que impedirão seu Autor de lhe dar mais cedo a ulti» ma de mão: consistirão elles em outros relevantes serviços feitos á Igreja Bracarense, que em fim se viu orfâ,e pri- vada do grande Pastor que tinha feito as suas delicias , e cujo Cabido se mostrou empenhado cm que a mesma pcn- na que tão dignamente divulgara as noticias dos Santos Martinho , e Fructuoso , tomasse a mesma empreza a res- peito do successor e imitador daquellcs varões Apostólicos D. Fr. Caetano Brandão. Os deveres do reconhecimento , e o particular apreço que o Siir. António Caetano fazia da- quelle santo e sábio Arcebispo não lhe permittírâo esquivar- se de supplicas tão ardentes ; e pondo mãos a esta dilata- da obra, a concluio em dois volumes de folha , que ficarão por seu fallecimento quasi de todo impressos. Huma interrupção tão desculpável em os seus estudos Académicos pretendia elle recuperar por meio de novos es- forços a que se entregou, apenas se viu mais livre c desem- ba- LVI HiSTOKiA DA AcADEMIA ReAL baraçado : com cftciro a pezar da sua saúde , que sempre foi mui fraca , se aciíar então consideravelmente debilitada , ainda pòdc pôr cm limpo , e ler em as nossas Sessões or- dinárias os primeiros capítulos desta primeira Época , nos quacs com huma penna tão vigorosa como a que manejara nos seus mais bellos dias, traçou o quadro da nossa inde- pendência , não só relativamente á Hespanha , mas á Santa Sé , e o da Constituição e forma do Governo de Portugal , e da natureza das antigas Cortes. A estes segucmse dois capítulos destinados a explicar como os Reis daquclla época usarão dos direitos da Soberania para com o Clero, as isenções e poderes que lhe concederão , e os abusos que houve a este respeito ; e depois trata da segunda ordem ou classe de Vassallos , isto he , da Nobreza , e da sua preeminência ou direitos ; e das pessoas que pertencião á terceira ordem , ou do povo. Estes diversos assumptos es- tão tão sabiamente discutidos, que apezar da obra não fi« car concluída , vai o que existe a ser impresso sem a me- nor alteração. Aqui chegava o Sílr. António Caetano com a sua la- boriosa tarefa , quando debilitando-se-lhe cada vez mais a saúde , e chegando a hum estado de magreza verdadeira- mente pasmoso , se viu em fim de todo privado de forças fisicas , e entregou a alma nas mãos do Criador aos 13 de Janeiro de 1819 ; conservando até ao ultimo instante o maior socego e resignação, como quem havia muito que estava disposto para a eterna jornada , a que o chamava a ordem da natureza. O seu lugar nesta Sociedade será por multo tempo difficil de substituir; e na memoria de seus amigos (em cujo numero tenho a ufania de me poder contar) será duradoira a saudade que deixão tantas virtudes e qualidades estimáveis , como aquellas que o ornarão. A!cm das obras impressas de que temos faliado, exis- tem outras de menor porte , quasi todas traducçõcs de es- critos de piedade, a que a sua indole, estado, c reflexão o ía'íiã.0 muito propenso. Em quanto á sua moral , se cila era DAS SciENCIAS DE LiSnoA. LVlf era talvez demasiadamente austera para comsigo mesmo , perdia toda esta aspereza para com os outros, com quem sempre se mostrava mui dócil e tolerante: procedimento se- guro, mas pouco seguido, para fazer parecer apraziveis p amenos os mais dilficeis preceitos da nossa Religião. ^^ Os papeis manuscritos que por seu fakcimento me vierão ás mãos, nada contém (além do que fica dito) em termos de se poder publicar. Collige-se apenas que a se- gunda Época da nossa Historia devia comprchender o pe- ríodo que decorre desde o reinado do Sfír. D. João I. até ao fim do do Cardeal Rei ; mas todos os apontamentos que pertencem tanto aqui como a's outras partes da Época an- tecedente , e que são em mui grande numero , estão escri- tos por maneira que só ellc poderia interpreta-los; e assim os fructos de tantos annos de trabalhos tem de ficar perdi- dos para a posteridade , que não lamentará menos do que lamcntSo os presentes a intempestiva morte de hum sábio tão benemérito , quando estava a ponto de ultimar huma obra , a que consagrara a maior parte dos momentos da sua vida. Tom. FUI. P. II. * 8 PRO- PROGRAMMA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, ANNUNCIAPO NA SESsSo PUBLICA DE 24 DE JUNHO DE 1822. NAS SCIENCIAS NATURAES. Para o anno de 1824. E M CHYMICA com premio dobrado. Determinar por ex- periências chyiuicas qtte analogia e differença ha entre o la- ctucarium e o ópio ^ e se o lactucario , que se cxtrahe dos talos das alfaces espigadas , também existe , e em que pro- porção , nas folhas da mesma planta antes d^ espigar. Para o anno de 1825'. EM ECONOMIA RURAL , E DOMESTICA. Sendo reconhe- cida , nas nossas fabricas de tincturnria , a necessidade da planta chamada Granza, on Ruiva dos tihctureiros {Rubia linctornm Liiin.) Em que terrenos prospera mais a sua cul- tura ? Qjie outras espécies se lhe podem substituir , e se al- guma delias merece a preferencia na tincturaria ? Por que modo , e cm que tempo , devemos promover a cultura desta planta ? Qiiando estará nas circmnstancias de se recolher pa- ra uso da r fabricas ? Qjte parte de planta serve , e como se deve preparar para este fim ? Qtie outros usos podemos fa- :ser nAS SciENCiAS DE Lisboa. lix zer da mesma planta , alem dos que respeitão d tincturaria ? Otie vantajeus tirará o lavrador da sua cu/t ura , compara' da com as differ entes sementeiras , que podem ttr logar nos terrenos , onde deve ser cultivada ? Qtie consumo fazem boje delia as nossas fabricas ; e quanto annualmente pouparíamos , se a tivéssemos de cultura própria j e não a comprássemos aos estrangeiros í Para o anno de 1S24. EM MEDICINA- Determinar per observações clinicas em que dijferem os ejfeitos do lactucario dos do opto. Assumpto para 1823 cora premio dobrado. EM MEDICINA Qtiaes são as causas^ que \, ha annos , tem concorrido para tão grande numero de Apoplexias nesta Ca- pital ? Serão ellas ediopaíhicas^ sympíomaticas , ou sjmpat bi- cas ? A resolução deste Programma deve ser ftmdada nas dissecções dos cadáveres. Prémios extraordinários para 1823. Um Epitome das Leis agrarias Portuguesas , publicadas desde o principio da Monarchia até ao presente , e os Aphoris- mos Politico-Economicos , que das mesmas se podem deduzir a beneficio da Agricultura , Povoação , c Commercio dos Reinos de Portugal , e dos Algarves. A dieta Obra deve ser composta segundo o methodo seguido por Mr. Fournel na que imprimiu em Paris no an- no de 1819 com o titulo Les Loix ruvales de la France y rangées dans leur ordre naíurel. A Memoria que for appro- vada , ou que pelo menos merecer o Accessit , obterá o premio de uma Medalha de ouro do valor de 5-0(1^)000 rs. Qual be o methodo de curar radicalmente as Disenterias * 8 ii chro- LX Historia da Acadeaiia Real chronicas , de qualquer causa que procedao ; fundado em prin- cípios , e confirmado por observações practicas. Este Programma tem o premio de 400(|)0oo réis. Para o anno de 1823, EM ECONOMIA RURAL. Visto o estado da nossa Agricul' tura , determinar qual seria o melhor methoão para conse- guir , que as encostas e cumes dos nossos montes , que estão incultos , se plantassem de arvores. De que espécie se pO' der ia tirar maior partido ? Qttal seria a sua melhor planta-- ção e cultura ? E que interesses poderião resultar delias ao Estado ? EM MEDICINA. Mostrando a experiência que o uso da qui- na^ e de outros amargos chamados anti-febrís he nocivo em muitas febres intermittentes , designar em quaes destas são indicados aquelles medicamentos , e qual seja o tractamento conveniente nas outras : estabelecendo principias theoricos , e referindo factos , para provar a opinião que se adoptar em qualquer dos dois casos. Assumptos fixos para todos os annos. I. A Descripção Physica de alguma Comarca , ou Territó- rio considerável do Reino , ou Domínios Ultramarinos , que cúm- prehenda a Historia da Natureza do Paiz descripto. II. A Descripção Económica de alguma Comarca , ou Ter- ritório considerável do Reino , feita conforme o Plano adoptado pela Academia para a visita da Comarca de Setúbal , e que se publicou no Tomo III. das suas Memorias Económicas. III. A Topographia Medica de uma grande Povoação i^Ci' dade f ou Filia notável) de Portugal: segundo o Plano indica- do ■ DAS SciElíCIAS DE LiSBOA. LXt - tio na Histoire et Mémoires de la Société Royale do Mé- decinc , Prefac. p. XIV. Tom. I. : ou Descripfão de alguma nwlestia epidemica , ou endémica em algum lagar de Portugal y indicando-se o tractamento mais conveniente. NAS SCIENCIAS EXACTAS. Para o ànno de 1824. EM ASTRONOMIA. Mostrar que grão de confiança pôde merecer a Longitude do Navio deduzida da Estima em hu- ma viagem pelo menos de }o dias. E se convém ou não fa- zer as emendas relativas d Longitude , que são indicadas pela differença que se acha entre a Latitude estimada e a observada : fundado isto no Calculo , e Observações. EM ANALYSE. Mostrar em duas Series de grandezas , que se correspondão termo por termo, qual deve ser o numero e o intervallo delias para poder estabelecer algumas formulas convenientes , que dêm com sufficiente approximação as inter- médias entre as grandezas dadas. Para o anno de 1824.' EM MECHANICA. Principios fundamentaes de Mecbanica , estabelecidos (^quanto poder ser) geometricamente. ' Para o anno de 1823. EM ASTRONOMIA. Algumas Observações de Eclipses do Sol ou Occultações de Estrellas pela Lua , feitas por Nave- gantes Portuguezes em portos do Brazil ou da Ásia : especi- ficando-se todos os meios e InstrucçÕes de que se servirão nessas Observações. EM MECHANICA. Resumo das Regras-praticas {que se usSo) pa- Lxii Historia da Academia Real para traçar a figura de hum Navio sobre os três plartoí orthogonaes de projecção , vjostradas ( com toda a clareza possível) pelos Desetibos correspondentes •, e jnuctamente o Cal- culo-pratko do Porte e Capacidade do Navio. NA LITTERATURA PORTUGUEZA. Para o anno de 1823. EM língua PORTUGUEZA. A Historia da nossa Poesia até ao fim do decimo quinto século , indicando os Auctores , que os nossos Poetas tomarão por modelo.^. O Exame critico dos nossos OradorcsiSagrados , que fio- recêrão desde 1^00 até 1650, tanto pelo que respeita d Doutrina , como d Eloquência ; fazendo ver o proveito , que da sua lição podem colher os Pregadores. ai: EM HISTORIA PORTUGUEZA. A Historia dos nossos des- cobrimentos em Australasia , e Polinésia , com a synouymia dos descobrimentos feitos posteriormente pelas outras Nações Etiropéas nas mesmas Regiões. Qtiaes são as attribuiçÕes do Direito Feudal tanto jf- cular como ecclesiastico em Portugal^ e as alterações que successivamente foi tendo até a sua total extincçao. Para o anno de 8824. EM LÍNGUA PORTUGUEZA. A Historia da lingtia Portu- gueza nos quatro primeiros séculos da Monarchia. EM HISTORIA PORTUGUEZA. Determinar o nugmentò , e diminuição de População nos Reinos de Portugal.^ e Algar- ves nas diff crentes Epochas da Monarchia , > indicando as ver- dadeiras causas y que se devem assignar á sua respectiva. aU ter a cão. h As- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXIII Assumptos fixos para todos os annos. EM POESIA, E THE ATRO NACIONAL. Uma Tragedia Portíigueza. Uma Comedia de caracter em verso , ou em prosa. Assumpto de premio dobrado sem limitação de tempo. Uma Grammatica Philosophica da Lingua Portiigueza, Os prémios ordinários consistem em uma medalha de ouro do peso de ^o^ooo réis: e todas as pessoas pedem concorrer a elles , á excepção dos Sócios Honorários , e EflPcctivos da Academia. Abaixo destes prémios principaes, propõe a Academia também a honra do Accessit , que con- siste em uma medalha de prata : e ainda abaixo desta a menção honorifica da memoria , que só disso se fizer digna j a qual menção será feita nas suas ActaS e Historia. As condições geraes para todos os assumptos propos- tos são : Qiie as memorias , que vierem a concurso , sejão escriptas em portuguez , sendo es seus auctores naturaes destes Reinos ; e em latim , ou em qualquer das línguas da Europa mais geralmente conhecidas , sendo os auctores extrangeiros : Que sejão entregues na Secretaria da Aca- demia por todo o mez de Abril do anno , em que houve- rem de ser julgadas : Que os nomes dos auctores venhao cm carta fechada , a qual traga a mesma divisa que a memoria , para se abrir somente no caso em que a me- moria seja premiada : E finalmente que as memorias pre- miadas não possão ser impressas -senão por ordem , ou com licença expressa da Academia ; condição que igualmente se cxtende a todas as memorias , que , não obtendo premio , merecerem comtudo a honra do Accessit. Porém nem esta distincção, nem a adjudicação do premio, nem mesmo a pu- i.xiv Historia da Academia Real publicação determinada , ou permittida pela Academia , de- verão jamais reputar-se como argumento decisivo , de que esta Sociedade approva absolutamente tudo quanto se con- tiver nas memorias , a que conceder qualquer destes signaes de approvação ; porém somente como uma prova , de que no seu conceito desempenharão, senão inteiramente, ao me- nos a parte mais importante dos assumptos propostos. LIS- MEMORIAS DOS SÓCIOS. DAS SciENCIAS DE LiSUOA. LXV LISTA DOS SÓCIOS Da Academia Real das Sciencias em Dezembro de 1823. PROTECTOR ELREY O SENHOR D. JOÃO VI. FRESIBENTE O Sereníssimo Senhor Infante D. Miguel. Více-Presidente. Fernando Maria José de Sousa Coutinho Castello-Branco e Menezes , Marquez de Borba. Sócios Honorários. S. M. ElRey da Grã-Bretanha. S. A. R. o Duque de Sussex. Arthur Wellcsley, Marquez de Wellington , Du- que da Victoria , -------- f»; Londres. António de Saldanha de Oliveira e Sousa, Con- de do Rio Maior. D. Caetano de Noronha, Conde de Peniche, em Lisboa. D. Carlos da Cunha , Cardeal Patriarcha , - em Lisboa. Carlos Stuard ,---------- em Paris. D. Domingos de Sousa Coutinho, Conde do Funchal. D. Duarte Manoel , Marquez de Tancos , - - em Lisboa. Fernando Maria José de Sousa Coutinho Castello- Tom.VIILP.lI. * 9 Bran- Lxvi Historia da Academia Real Br.inco c Menezes , Marquez de Borba , Vice- Presidente , ---------- fw Lisboa. Filippc Ferreira de Araújo e Castro, - - - em Liiboa. Henrique Teixeira de Sampaio, Conde da Po- voa, Conselheiro, Ministro, e Secretario de Estado dos negócios da Fazenda , - - - em Lisboa. ^lanoel Ignacio Martins Pamplona , Conde de Subserra, Conselheiro, Ministro, e Secreta- rio de Estado dos negócios da guerra ; en- carrcsado dos da Marinha e ultramarinos ; Ministro assistente ao despacho , - - - em Lisboa. Manoel Marinho Falcão de Castro , Conselhei- ro, Ministro, e Secretario de Estado dos ne- gócios de Justiça, -------- cw Lisboa. D. Marcos de Noronha, Conde dos Arcos, - em Lisboa. D. Miguel Pereira Forjaz , Conde da Feira , em Lisboa. D. Pedro de Sousa Holstein , Marquez de Pal- mella , Conjclheiro , Ministro , e Secretario dç Estado dos Negócios Estrangeiros , - ' em Lisboa. Sebastião José de Carvalho, ------ em Lisboa. D. Segismundo Caetano Alvares Pereira de Mel- lo , Duque de Alafóes , - - - - . ~ em Lisboa. Silvestre Pinheiro Ferreira ,------ fí» Lisboa. Thomaz António de Villanova Portugal , Con- selheiro de Estado , .-..--- em Lisboa. Sócios Estrangeiros. António Lourenço de Jussieu, ----- em Paris. Christiano Martinho Fraehn , - - - em S.Petersbotirg. Frederico Bouterwek , ------- emGottinga. Jaime Edward Smith , ------- em Londres. José Francisco dcjacquim (Barão dejacquim) Em Vienna d^ Áustria. D. DAS SclENCIAS DE LiSBOA* JLXVIÍ D. Manoel Abella , -------- em Madrid. Maiia Carlos José Pougens , - - - - - em Paris. Renato Justo de Hauy ,------- em Paris. Ricardo António de Salisbury , - - - - - em Londres. Sócios Feterauos. Joaquim Pedro Fragoso, - - - - em Lisboa. Sócios effectivosm Na Classe de Sciencias Naturaes. na Ajuda, Félix de Avellar Brotero , ------ Francisco Elias Rodrigues da Silveira , Director da Classe , .-.--. ..^^etn Lisboa* José Bonifácio de Andrada e Silva , na Provinda de S. Pau/o. José Pinheiro de Freitas Soares , - - - - e»» Lisboa. Na Classe de Sciencias Exactas. Francisco de Borja Garção Stockler , - - . Francisco de Paula Travassos ,----- Francisco Villela Barbosa. José Maria Dantas Pereira , Secretario , - - Marino Miguel Franzini , ------ Mattheus Valente do Couto, Director da Clas- se, e Thesoureiro da Academia, _ - - Rodrigo Ferreira da Gosta , Vice-Secretario , em Lisboa^ em Lisboa. em Lisboa, em Lisboa. em Lisboa, em Lisboa, 9 » Na Lxviii Historia da Academia Real Na Classe de Litteratura Portugueza. D. Fr. Francisco de S. Luiz , Bispo de Coimbra. Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato , Director da Classe , - — -^-^^^ - - - - em Lisboa, Francisco Ribeiro Dosguimarães , - - - - e>« Lisboa. João Pedro Ribeiro ,»-------«»; Lisboa. Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão , .-.-. ------ em Lisboa. Joaquim José da Costa de Macedo , - - - em Lisboa. Joaquim José Ferreira Gordo (Monsenhor Fer- reira )------------ ew Lisboa. Manoel de Almeida e Vasconcellos , Conde da Lapa j----. '------ em Lisboa, Sócios Livres. Alexandre António Vandelli , Guarda Mór dos Estabelecimentos da Academia, - - - - em Lisboa. António de Almeida ,->------ em Penafiel. António de Araújo Trava sos ^ ----- em França. António Diniz do Couto Valente, - - - - em Lisboa. Cypriano Ribeiro Freire , - - - - - ~ em Lisboa. Fr. Fortunato de S. Boaventura , - - - - em Coimbra. D. Francisco Alexandre Lobo , Bispo de Viseu, em Viseu. Francisco José de Almeida ,------ em Lisboa. Francisco Nunes Franklin ^ ------ em Lisboa. Francisco Xavier de Almeida Pimenta, - - no Sardoal, Guilherme Eschwege , -----^-em Lisboa. Isnacio António da Fonseca Benevides , - - em Lisboa, João António Salter de Mendonça , Visconde de Azurara, - - - - - ew; Lisboa. D. João de Magalhães e Avellar , Bispo do Porto, .-.--------- no Porto, Joa- OAS SclENClAS DE Li S BOA. LX.X Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, Conselhei- ro, Ministro, e Secretario de Estado dos Negócios do Reino, ------- ^«, Lisboa. Joaquim Xavier da Silva, - - - - - ~ em Lisboa, Fr. José de Santo António Moura , - - - em Lisboa. José Corrêa Picanço , no Rio de Janeiro, José Feliciano de Castilho, ...... em Lisboa. D. José Maria de Sousa Botelho, - - - . em Parts. Justiniano de Mello Franco , - - - - - ~ em S. Paulo. Luiz Máximo Alfredo Pinto de Sousa , Viscon- de de Balsemão , - - em Lisboa. Manoel Ferreira da Camará Betancourt, - - no Braúl. Manoel José Maria da Costa e Sá, - - - em Liboa. Manoel José Pires, em Lisboa. Manoel Pedro de Mello, em Coimbra. Paulo José Maria Ciera , em Lisboa. Pedro José de Figueiredo, . . . - ^ . em Lisboa. Pedro de Mello Breyner , ------ em Roma. Ricardo Raymundo Nogueira ^ ~ - ... em Lisboa. Timotheo Lecussan Verdier, ----- em Parts. Wcnccsláo Anselmo Soares ^ ------ em lAsboa, Correspondentes. Agostinho de Mendonça Falcão ^ - - - - em Coimbra. Balthasar da Silva Lisboa, - em a Vtlla dos llheos noBrasih Bento AfFonso Cabral Godinho , - - _ - em Évora. Fr. Bento de Santa Gertrudes Magna, no Mosteiro de S. Bento da, Saúde , no Porto. D. Blaz Martinez , em Pamplona. Caetano Arnaud , . . em Chacim. Cândido José Xavier, --- em Lisboa. Diogo de Toledo Lara Ordones , - - no Rio de Janeiro. Egydio Patrício do Couto, em Lisboa- * 3 iii Eu- Lxx HisToPiA DA Academia Real Eustnquio Joaquim de Azevedo Franco , - na Azambuja. Félix José Marques ^ -------- em Lisboa. Francisco Antono Marques Giraldes, - - - em Lisboa. Francisco António de Almeida Moraes Peçanha , em Lisboa. Francisco de Oliveira Barbosa , - - - - - em S. Paulo. D. Francisco Xavier Cabancs ,----- e«z Madrid. Francisco Xavier do Rego Aranha , - - » eni Elvas. Friderico Luiz Guilherme Varnhagen , - - em Lisboa. Guilherme Muller, ...--- . - em Londres. Jacob Grabcrg de Hemso ,------ em Tatigere. João António Monteiro, ------ em Freyberg. João Crotr ,-.--------- em Londres. João da Cunha Neves e Carvalho , - - - no Porto. João Laureano Nunes Leger, ----- em Lisboa. João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz , em Castello Branco. João da Silva Feijó, ..---- no Rio de Janeiro. João Theodoro Koster , em Londres» D.Joaquim de Santa Anna Carvalho (Bispo do Algarve) ~ ---------- em Lisboa. Joaquim Baptista , - - em Vouzella. D. Joaquim José António Lobo da Silveira , Con- de de Oriola , em Berlim. Joaquim José Vare! la , em Monte mor o novo. Joaquim Navarro de Andrade ,----- no Porto. Joaquim Pedro Cardoso C;'.zado Giraldes,- - no Funchal. Fr. Joaquim Rodrigues, - . ~ . . - em Lisboa. José Accursio das Neves , ------ em Lisboa. Fr. José de Almeida Drak , ------ cw Lisboa. José Avelino de Castro, no Porto. José Calbeiros de Magalhães e Andrade, - - em Braga. Fr. José da Costa e Azevedo , - - - no Rio de Janeiro. José Diogo Mascarenhas Neto , em Lisboa. José Fgidio Alvares de Almeida, - - no Rio de Janeiro. José Feliciano Fernandes Pinheiro, - - - no Brasil. José Jacinto de Sousa - - - uo Porto. íosé I<'nacio Paes de Sousa e Vasconcellos , - em Lisboa. Jo- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. LXXI Josd Libcrato Freire de Carvalho , - - - -em Londres. José Lino Coutinho ,-------- tio Brasil, José Manoel Vieira de Castro, ----- no Farto. José M>;noel de Sequeira , ------ ^o Cuiabd. D.José Maria da Piedade Lencastre c Silveira, Marque/, de Abrantes, ..---.. em Lisboa. José Portel li , ... ~ -....- em Lisboa. José Romer Luiz de KirckhofF, - - - - em Auvers. José de Sá Betancourt ,------- na Bahia. D. José Valério , Bispo de Portalegre , - em Portalegre. Tose Villela de Barros. Lucas Tavares ^.---.~-...em Lisboa. Luiz António de Oliveira Mendes, - - - na Bahia. Luiz Henriques, Barão de Block, - - - - f»; Dresde. Manoel Agostinho Madeira, - - - - em Torres Vedras, Manoel Francisco de Barros e Mesquita , Vis- conde de Santarém ,------.-<>»; Lisboa. Manoel Jacintho Nogueira da Gama , - no Rio de Janeiro. Manoel José Mourão de Carvalho Monteiro , 71a Mealhada. D. Miguel António de Mello, ' ' - - - em Lisboa. D. Fr. Patricio da Silva , Arcebispo de Évora , em Lisboa. Pedro Celestino Soares, -.--■--. em Lisboa, Pedro Gcaninni , --------- ^ot Bolonha. Pedro Machado de Miranda Malheiros (Mon- senhor Miranda ) . - . - ^ - no Rio de Janeiro. Roque Schuch , -------«o Rio de Janeiro. D. Thadeo Manoel Delgado , - - - - em Hespanha. Thomé Rodrigues Sobral ^ ------ em Coimbra. Vicente Gomes de Oliveira , - - - no Rio de Janeiro. Vicente José Ferreira Cardoso , - na Ilha de S. Miguel. Vicente Navarro de Andrade ^ ----- em Lisboa. RE- LXXii Historia da Acadk mia Real RELAÇÃO Dos Membros , e Correspondentes da Instituirão Faccin-.c.i da Academia Real das Sciencias, Membros da Instituição Vaccinica. Francisco Elias Rodrigues da Silveira , Ignacio António da Fonseca Benevides , Joaquim Xavier da Silva , . . . José Feliciano de Castilho , . . José Pinheiro de Freitas Soares , Justiniano de Mello Franco, . . .Wencesláo Anselmo Soares , . . em Lisboa, em Lisboa, em Lisboa. em Lisboa, em Lisboa, em S. Paulo, em Lisboa. Correspondentes da Instituição Vaccinica. Dona Angela Tamagnini de Abreu , . , . em Lisboa. António de Almeida, Medico, cm Penafiel. António Anastasio de Sousa, Medico, . . . evi Pombal. António Coelho de Magalhães e Queiroz , Bo- ticário, em Filla-meam. António Joaquim de Carvalho , Medico , em Ponte de Lima. António José de Almeida, Medico, . . . em Mafra. António José Giraldo de Oliveira, Cirurgião, em Tavira. António José Teixeira, Cirurgião, .... em Alijó. António Manoel Pedreira de Brito , Cirurgião , cm Filia no- vo da Cerveira. António Pereira Xavier , Medico , . . . . no Crato. Barnabé Bustamante, Medico, em Ferreira. Car- DAS SciENClAS DE LiSBOA. LXXriI Carlos António Lopes Pereira , Cirurgião , no Peso da Regoa. Carlos Frederico Lecor , Tenente General. Domingos José da Fonseca , Cirurgião Mór do Batalhão de Caçadores N. 4 , ... . em Abrantes. Fernando António Cardoso , Cirurgião , . . em Peniche. Francisco Ignacio Pereira Rubiao ^ ... cm Villa Real. Francisco Ignacio dos Santos Cruz , Medico , em Punhete. Francisco Manoel de Albuquerque , Medico , em Pinhel. Francisco Maria Roldão, Cirurgião, 'j»?f» . no Cano. Francisco Xavier de Almeida Pimenta, Medico, no Sardoal. Francisco Zcfyrino Mendes, Cirurgião, . . em Estremoz. João António de Carvalho Chaves , Medico , no Redondo. João António Rodrigues de Oliveira , Cirurgião , em Lamego. João António dos Santos Cordeiro , Cirurgião, em Elvas. João Gervásio de Carvalho , Medico , . . no Cartacho. João Pereira de Mello , Cirurgião , em Moimenta da Beira. Joaquim António Baptista Varella , Capitão de Ordenanças , tia Villa do Torrão. Joaquim António Novaes, Medico, . . . na Certa. Joaquim António de Oliveira , Cirurgião , . na Gollega. Joaquim Baptista , Medico , em Vouzclla. Joaquim Gomes Barros , Cirurgião , em Santa Leocadia de Pedra furada. José António Barbosa da Silva, Cirurgião, em Santo Tyrso. José Duarte Salustiano , Medico , . . . . no Porto. José Gomes Cabral , Cirurgião , em Mello. José Guerreiro da Silva , . . em Filia nova de mil fontes. José Ignacio Pereira Derramado, Medico, . em Portel. José Ignacio da Silva , Cirurgião , . . . em Estremoz. José Joaquim Mixote , Cirurgião, .... no Redondo. José Luiz Pinto da Cunha , Cirurgião, em Vianna do Alinho. José Maria Bustamante , Medico , em Alvito. José Maria Pereira de Sousa , Cirurgião Mór do Regimento de Cavallaria N. i , . . . . cm Lisboa. José Nunes Chaves , Medico , . em Villanova de Portimão. José Pinto Rebello de Carvalho , Medico, na Villa de Barcos. Jo- Lxxiv Historia da Academia Real José dos Santos Dias , Medico , . . . em Montalegre, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães , Medico , em Aveiro. Luiz Gonzaga da Silva, Medico, . . . em Santarém. Luiz Mendes Foitio , Cirurgião , ....'. em Jviz. Luiz Soares Barbosa , Medico , em Leiria. Dona Luiza Adelaide de Maoalhães Coutinho da Motta , em Filia Real. Manoel Coelho do Nascimento , Cirurgião , em Coitares. Manoel Lopes de Carvalho, Cirurgião, . . em Bellas. Manoel José Malheiro da Costa Lima , em S. Vicente do Penso. Manoel José Mourão de Carvalho Azevedo Mon- teiro , Medico , na Mealhada. Manoel Vicente, Cirurgião, nn Guarda. Nicoláo de Sousa Galliao , Cirurgião, . . em Lanhezes. •Pedro António da Silva , Cirurgião , na Marinha Grande. Pedro António Teixeira de Pmho , Cirurgião, em Ovar. Plácido de Azevedo Tavares, Cirurgião, em S. João de Ta- rouca. ME- MEMORIA SOBRE OS JUDEOS EM PORTUGAL. Por Joaquim José' Ferreira Gordo. CAPITULO I. Entrada dos Judeos na Espanha e sua expulsão no reinado do Senhor Rei D. Manuel. Os 's Judeos , esta Nação errante , contra quem se conspi- rou tanto o ódio dos Príncipes e Povos da Espanha , vie- râo também a ella convidados , com os outros povos , que antigcimcnte a senhorearão, da grande fertilidade do seu ter- reno e bondade do clima , permanecendo aqui muitos sécu- los em paz e socego , c occupando os cargos e empregos públicos de mistura com os outros , que seguiao a Religião, que pelo tempo dominava (a). Tom. FUI. P. II, A Por- (a) He muito incerto o tempo, em que os Judeos se estabelecerão na Espanha. Alguns Historiadores Espanhoes fazem menção de duas cxpeiliçõos, uma conduzida por Nabucodonosor, e outra por outro Rei clianiado Piro, das quaes du vidão hoje os melhores críticos. A noticia da primeira expedição teve por auctor a Megastenes , o qual, na His- toria da ladia , affirmou com toda a segurança, que aquelle Conquis- tador penetrara com as suas armas até as colunas de Hercules, donde levara um exercito á Trácia e Ponto. O célebre Bento Árias Montano foi o primeiro, segundo diz o Marquez de Mondejar, que, nos seus Commentarios ao Profeta Abdias, iutroduzio na Historia de Espanha a noticia da segunda, afiançando-a com o testemunho de Isaac Àbarba- nel , Judeo Portuguez do século XV, bem conhecido no reinado dos Rí!Ís Catholicos pelos seus talentos, litteratura, e malfeitorias. O mo- numento mais autigo, que se tem achado da estada dos Judeos na Es:» j. Memorias da Academia Real Portugal , que faz uma parte considerável delia , foi também povoado por Judeos , os quaes se forao tolerando sempre em todas as revoluções , servindo como bons hos- pedes com os fructos da sua grande industria e commercio, e augmcntando com suas riquezas a influencia , que esta Nação veio depois a ter no resto da Europa, e na Africa e Ásia. Mas esta paz e socego, que não perderão com a in- vasão dos povos estranhos , que successivamente dominarão a Espanha , vierao a perdello inteiramente no reinado de Fernando e Izabel , cm que forão expulsos dos seus Esta- dos , e por conseguinte da maior parte d'ella , por um Edi- cto passado no mez de Março de 1492 (a). Mui- panha, he uma inscripção, que se encontrou em Abbera, villa de An- daluzia, reraittida ao inuito erudito Francisco Perez Bayer, Mestre que foi dos Infantes de Espanha, e Bibliothecario Mor da Bibliotheca Pu- blica de Madrid , cuja inscrip^jão, segundo dcá a conhecer a sua lettra, he do século ÍV. ou principio do século V,, e se pôde ver no Discurso solire os Judeos na Espanha, que se imprimio juntamente com el Fue- ro Viejo de Castilla em 1771 pag. 143. (a) Damião de Góes, na Chroaica do Snr. Rei D. Manuel, Part. 1. Cap. 10 (a quem seguem Osório no Liv. 1. de reb. Eman. e Arrais no Dialog. 2. Cap. 1. foi. ];>. ed. de 1.589. e na segunda edi^'ão de ICfH. Dialog. .3. Cap. 1. foi. 57. Col. 1.) diz que isto acontecera em 1482. Garcia de Rezende porém na Chronica do Snr. Rei D. João II. cap. 16-3, e tauibcni na sua Misccllanea , Kui de Fina na Chronica do dito Snr. Rei, cap. (i5, e Mariz nos Dialog. de Varia Histor. Dialog. 4, cap. 10. assignárão a verdadeira época de 1492, e com elles acho conformes to- dos os Historiadores lispanhoes que consultei , dirigidos talvez pelo mesmo Edicto da expulsão acima referido, que ora se acha compilado na nova Recopilação, Liv. 8. Tit. 2. Lei 2. Eu tenlio para mim , que Damião de Góes escrevera com certeza a data d''este facto , mas como a escrevesse em caracteres numéricos Romanos, a pôde viciar facilmente o compositor da officina, aonde a sua obra foi impressa, deixando de pôr na conta a lettra, que em ci- fra Romana devia designar a dezena, que lhe falta. Esta minha con- jectura tem por fundamento o dizer elle no lugar citado, que todo este nciíocio acontecera pouro antes úo falecimciito do Snr. D. João II. , o qual sem dúvida foi em Outuliro de 14!)ú. He verdade, que na pri- meira edição desta Chronica , assi^uada pelo mesmo Damião de Góes , DAS SciBNGíAS DE LlSBOA< J Muitos destes Judeos j sendo alumiados pela Graça Di- vina , se fizeião realmente Cluistaos , e os que não forao tocados d'esta graça , deixarão suas moradas , e , como gente sem pastor nem abrigo , se espalharão por diversas partes do Mundo , alguns dos quaes , antes que sahissem , manda- rão pedir ao Senhor Rei D. João II. licença , para se re- colherem a Portugal , c daqui passarem , em navios Portu- gueses, donde os levasse o seu destino (a), O Senhor Rei D. João II. houve por bem attender a esta súpplica , e lhes mandou ofFerecer seu acolhimento e protecção com as condições seguintes: i/ que entrarião por certos portos do estremo logo assignados : 2.^ que lhe pagarião por cabeça oito cruzados era quatro pagas , salvo as crianças de mama, e os officiaes mecânicos de certos of- ficios , porque as primeiras não pagarião nada , e os segun- dos metade menos, se quizessem ficar no Reino: 3.* que somente se podessem demorar nelle oito mezes : 4.* que os que fossem achados sem arrecadações dos Officiaes de fa- zenda deputados para este recebimento , ou nâo sahissem dentro do dito tempo ficassem cativos (b). A ii Os «e não acha notado este erro, achando-se notados outros, que qualquer que fosse o leitor desculparia. A meu ver porém não tem desculpa al- guma o Bispo D. Fr. Amador Arrais, por ter feito ambas as edições da sua obra em tempo, que erão muito vulgares os escritos de Rezen- de , Mariz , e auctores Espanhoes , que tratarão desta emigração em suas Historias. (a) Damião de GoeS, Chronica do Snr. Rcí D. Manuel, P. 1. Cap. 10.; Garcia de Rezende, Chronica do Senlior Rei D.João II. Cap. 163: Rui de Pina, Chronica do mesmo Rei, cap. 6-5. (b) Garcia de Rezende, Chronica do Snr. Rei D.João II. cap. 103, Damião de Góes, Chronica do Snr. Rei D. Manuel, Part. 1. Cap. 10. dizem que entrarão mais de vinte mil cazaes, em que havião alguns de dez e doze pessoas , e outros de mais. O auctor do Discurso atrás cita- do , sobre o estabelecimento dos Judeos na Espanha, avalia em qua- tro centos mil o número dos que sahirão d^aquella Monarquia, e nVs- ta parte se conforma com Zurita: outros dizem que seiscentas mil pes- soas, e outros que ceuto e vinte e quatro mil fajuilias, Bernaldez es» 4 Memorias oa ÂcademiaReal Os que náo qiiizcrâo, ou nao poderão sahir dentro do tempo ordenado, ficarão cativos do Fisco, e d'elles como taes fez o dito Rei mercê a quem lhos pedia , respeitando com tudo á qualidade de suas pessoas, e d'aquelles a quem bs diva. O Snr. Rei D.Manuel porém, uzando com elles de sua clemência e liberalidade, os restituio á liberdade; e offerecendo-lhe elles reconhecidos ao beneficio , e as Co- munas dos naturaes do Reino , um grande serviço de di- nheiro , generosamente o nao quiz acceitar («). Mas o mesmo Senhor Rei D. Manuel lhes assinou de- pois certo prazo , dentro do qual sahisscm uns e outros , o que pjssou da seguinte maneira. O Sfír. Rei D. Manuel, ou porque estava namorado da Princeza D. Isabel , filha dos Reis Catholicos Fernando e Isabel , mulher que fora do Príncipe D. Affonso , filho de seu cunhado e primo o Snr. Rei D. João II. , ou porque entendeo , que a dita Princeza viria a ser herdeira da Coroa de Castella , e dos mais Reinos, que lhe erão sogeitos , e os filhos que am« bos tivessem os soberanos de toda a Espanha , e por con- seguinte os Monarcas mais poderosos da Europa , tentou pcdilla para casamento, e communicando este negocio com D. Álvaro seu primo , sendo ambos na villa de Torres ve- dras, este se lhe offcreceo para n'isso o servir {b). Os Reis Catholicos mostrarão que approvavão este ca- samento , mas cuidarão em fazer com que elle servisse á seus interesses; e como a guerra, que então andava acceza contra Carlos VIII. Rei de França , sobre o Reino de Ná- poles , e a perseguição dos Judeos erão os dois maiores ne- creve, que dos Reinos de Castella somente sahírão muitos mais de no- venta mil. Veja-se a nota , que vem no tom. 8. da Historia de Maria- na, a pag. 33»; da edição feita em Valença. (a) Damião de Góes, Clironica do Snr. Rei D. Manuel, Part. 1, Cap. 10. (i) Damião de Góes, Clironica do Siir. Rei D. Manuel, Part, 1. Cap. 22. dasScienciasdeLísboa. y negócios, que occupavao a atrcnçao do Q^ibinete de Gas- tei la , propozerão ao dito Senhor Rei, que cll,es darião cQnsemimento a estas núpcias, se se ligasse com elles con- tra Françft ,i>e expulsasse de seus Estados os Judcos naturacs e. estrangeiros (a). i, , O Snr. Rei D. Manuel com quanto desejava estas nu- p»ij8v, não pôde acabar comsigo acceitallas com duas con- djçõfcs tao duras , porque sempre houvera boa. correspon- dência com França , e do seu commercio e dos Judcos ti- ravão a Coroa e seus Vassalos grandes interesses , todavia prometteo , que, se EIRci de França entrasse hostilmente pelos Estados de Castella , daria ajuda aos Reis Catholicos para o rechaçar ; mas não podendo prevenir igualmente a seu favor a Princeza D. Isabel , que , por educação ou poç lisonja , era inimiga declarada dos Judeos , os expulsou de Portugal , ordenando por uma Lei passada em Dezembro de 1496, entrando no segundo anno do seu reinado, quQ uns e outros sahisscm d'elle até o fim do mez de Outubro do próximo seguinte , sob pena de morte natural , e perda de todos os seus bens para o accusador (b). Os Ministros mais illuminados e prudentes do Conse- lho do Siír, Rei D. Manuel se opposerao á expulsão dos Judeos, julgando-a contraria aos interesses da Coroa, e 3 fé devida a qualquer promessa Real : além d'isto lhe pro- punhão o exemplo do Papa , e dos Principes e Republicas de Itália, em cujos paizes erao tolerados , mas as suas ra- zões forão desattendidas , e o Snr. Rei D. Manuçl fez pre- valecer os sentimentos do seu coração ao voto d'estes Con- selheiros, como ordinariamente acontece, quando os Sobe- ranos se achão preoccupados d'alguma paixão (c). (a) Damião de Góes, Clironica do Snr. Rei D. Manuel, Part. 1. Cap. 19. (6) DY-sta lei faz meução Damião de Góes na Chronica do Snr. Rei D, iManuel, Part. 1. Cap. 18. e se acha cooipilada no Cod. de 1514. iJv. 2. Tit. 48. e no de 1521. Tit. 41. (c) Damião de Góes, Chronica do Súr. Rei D. Manuel, Part, 1. Cap. 18, € M EM OR t AS DA Ac ADEMI A Re AL O mesmo Senhor Rei , movido por um mal entendido 2ello de Religião , ordenou , que no Domingo da Pascoela d'esse mesmo anno, se tirassem aosjudeos, que se prepa- rassem para sahir , todos os filhos e filhas menores de quà- torze annos, e, depois de baptizados, se distribuíssem pe- las Cidades e Villas do Reino , para serem doutrinados á custa de sua fazenda ; e , como o segredo do Gabinete se rompesse , foi necessário antecipar a execução desta ordem. He incrível a perturbação e desasocego que ella causou nos indivíduos d'esta infeliz Nação : muitos d'elles matavão os filhos , por não terem o desgiisto de os verem fora de si , e professos n'uma Religião , que elles tinhão por menos verdadeira do que aquella , em que havião nascido , e ou- tros se matavão a si próprios (a). Muitos escritores d'aquelle tempo louvão o zello e prudência d'este procedimento , mas o Bispo D. Jerónimo Osório, com quem nenhum d'elles se pôde comparar sem injuria do seu grande merecimento, e illustre memoria, re- prehende esta violência , e se mostra mui espantado de que se podesse entender, que ella era conforme ás máximas do Evangelho , e de uma solida Politica. O amor dos filhos e da liberdade fez com que a maior parte dos Judeos naturaes e estrangeiros se tornassem ap- parentemente Christãos, e os que não quizerao servir a hi- pocrisia, passarão a terras de Mouros, que erão as que ti- nhão mais vizinhas , e onde esperavão ser bem acolhidos á sombra d'outros , que levavão na sua companhia, os quaes havia também comprehendido o mesmo Edicto , sem ha- verem como elles incorrido no ódio da Princeza D. Isabel, v^íyyjf D'es- ■ (a) Damião de Góes, Chronica do Snr. Rei D. Manuel, Part, 1. Cap. 20. Osório de Reb. Eman. foi. 13. vers. O Senhor Rei D. João ÍI. fez baptizar os filhos dos Judeos Caste- lhanos, e depois os enviou á Ilha de S. Thomé , de que nomeara Ca- pitão de juro e herdade a Álvaro de Caminha. Veja-se Rui de Pina na Chronica do Snr. Rei D.João 11. Cap. 68. Garcia de Resende, Chro- nica do dito Senhor Rei , Cap. 179. DA S SciE N Cl AS DE LlSBoA* 7 , D'esta geral conversão trouxe origem a impiá e sedi- eiosa distincção de Christaos novos c Christãos velhos , que ainda hoje dura, não obstante a severidade, com que contra ella se tem procedido atégora , mas d'aqui se pôde tirar um argumento do pouco fructo, que produzem simi- Jhantes providencias, quando se applicao desarmadas de dou- trina , único preservativo de prcjuizos populares (a). i CAPITULOU. ^ne os Jiideos erao obrigados trazer signaes ^ que os estre-^ massem dos Christãos. J a' no tempo do Snr. Rei D. Diniz erâo os Judecs obri-< gados trazer em seus vestidos signaes e divizas , por que fossem conhecidos : consta isto do Cap. 27 da primeira Concórdia do mesmo Srír. Rei , celebrada em 1289 ; mas quaes estes fossem não sei. He certo que também no rei^ nado do Sfír. Rei D. Affonso IV. elles os traziao , segun-? do consta das rimas , que AfFonso Giraldes fez da batalha do Sabdo , cm que se achou, referidas por Brandão, n^ Monarquia Lusitana, Part. 6. Liv. 18. Cap. $. pag. 20. col. I. Pelo andar do tempo se forao descuidando os Judeos de trazer as ditas divizas, e fazendo-se queixa em Cortes ao Senhor Rei D. João I., que a maior parte delles, ou as não trazião , ou , se as traziâo , erão muito pequenas , e pos- (rt) No Alvará de 23 de Outubro de 1564, que vem na segunda Collecção de D. N. de Leão, Part. 1. Tit. 39. Lei 3, se declara, co- mo requisito essencial para o provimento de serventias de officios, a qualidade de Christão velho. Veja-se o pr. e § 1. da citada lei. Toda- via esta clausula não passou para o Código Filippino, Liv. 1. Tit. 97, onde aquelles dois parágrafos se achão compilados. Veja-se Arrais^ Dialog, 2. Cap. 2. pag. 45. edij;ão de 1589, 8 Memorias da Academia Real ■postas cm lugar, onde não podião facilmente ser vistas, ordenou por Lei {a) passada cm Évora aos 20 dias de Fe- vereiro do anno 1391 da era vulgar, que todos os Judeos de seu Senhorio trouxessem signaes vermelhos de seis per- nas , tão grandes como o seu sello redondo, os quaes tra- rião no peito acima da boca do estômago, e nas roupas, que vestissem em cima das outras, e tão descobertos que se podessem ver. Porem esta Lei do Srir. D.João I. não obstante achar- se confirmada pelo Snr. Rei D. Affonso V. e compilada no seu Código, não era executada com toda a exactidão, ■porque alguns dos Judeos , cm despreso delia , outros pelo, privilegio de Rendeiros d' ElRei os não trazião , do que nasceo queixarem -se os Povos ao Snr. Rei D. João 11. nas Cortes, que fez em Évora no anno de 1481, segundo con- sta do C.ip. n8 das ditas Corres, o qual com a sua res- posta he do teor seguinte : ralmente tam danada disoluçom amtre os Judeos Mpu- •»' ros e Christãos asi no viuer como nos trajos et conuer- 5> saçõoes que he cousa fea desonesta et abhominauell cas- »> seemos os Judeos caualleiros em cauallos et mullas com 9» lobas et capuzes finos com juboces de seda espadas dou- í» radas toucas rebuçadas jaezes et goarnimentos o que he » impossiuel sseerem conhecidos por quem sam et emtram » nas Igrejas et escarnecem do Santo Sacramento et se jj misturam com os Christãos em graue peccado contra a j> Santa Fé Catholica et nascem desta tam graue disolu- » çom outros erros et fetos muy diformes et danosos aos » corpos et almas e o peor que he amdam sem sinaes por »> sseerem rrendeiros et atormentarem os Christaãos &c. >> Responde ElRei : ordenado que tragam os outros homecs que nam hão de » trazer seda et que nam possam trazer ssenam uestido çar- n rado et que tragam o sinall d'estrella acostumado et aci- >•> ma da bocca do estamago segundo forma da Ordenaçom Também no Cap. 103 das ditas Cortes se lê o seguin- te : tt Outro sy Sjnhor parece a uossos pouoos que assy >» nos uestidos dos Judeos como dos Mouros et de suas » molheres et em sseus sinaces et trajos dcue Vossa Alte- » za mandar que amdem como amtigamentc amdauam em 3» tal guisa que per onde quer que forem ssejam conheci- » dos clles et suas mulheres por Judeus et Mouros et fa- í» rees em ello mercee a uossos pouoos. » Responde El- Rei : No tempo do Snr. Rei D. Manuel, como todos os Judeos forão por elle expulsos dos seus Reinos e Senho- rios , 1>' go no começo de seu feliz reinado , não era preci- so que houvesse legislação sobre estas divisas , e esta pa- rece ser a razão porque, em nenhum dos seus Códigos, se acha adoptado o Tit. 87 do Liv. 2. do Código AfFon- sino, a que serve de base a citada Lei do Snr. Rei D: João I ; mas succedendo-lhe no governo o Snr. Rei D, João III. , e conhecendo os interesses , que a Coroa tirava da tolerância dos Judeos , porque, por meio delles, passa- vão aos outros portos da Europa todas as riquezas, que ao de Lisboa trazião da Ásia as suas nãos, e advertindo, que assim estes , como os que ficarão cativos do tempo de seu pai , devião ser separados dos Christaos por algum signal , ordenou, por Alvará de 7 de Fevereiro de \ dentro da Sinagoga , presente a parte e o Rabbi que o >» esconjure, e um Porteiro do Concelho, que diga á Jus- >» tiça em como aquelle Judeo jurou , e então o Juiz sai- ii ba do Judeo a verdade » (dK Havendo contenda entre Christão e Judeo, ou Mouro e Judeo, sendo o feito eivei, e o Judeo reo , não podia ser demandado senão perante os seus Rabbis , seguindo o C ii au- («) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. 81. ^ 30. (4) Cod. AHbns. Liv. 2. Tit. 81. '§ 31. (c) Cod. Affous. Liv. 2. Tit. 88. § 7. e 8. (J) Brandão, Monarq. Lusit. Part. 6. Liv. 18. Gap. 4, pag. IS.coL 1. 20 Memorias da Academia Real auctor o foro do reo. Esta regra tinha somente duas ex- eeiçócs : i." quando nesses lugares houvessem jutzes Reaes deputados para conhecerem de todas as causas eiveis , que se movessem entre Judcos e Christaos : 2." qunndo os fei- tos fossem sobre dizimas , portagens , sizas e outros direi- tos Reaes , porque para o conhecimento destes haviao de tempo antigo juizes privativos, ainda que ambos os con- tendores fossem Christaos {a). Porem a regra acima estabelecida não havia lugar nos feitos crimes, porque nestes, ainda que os Judeos fossem reos , se podião livrar somente perante os juizes do cri- me , postos por ElRci {b). Nos sabbados, que erão dias de guarda entre os desta nação, nas Páscoas e outras festividades da sua liturgia, não podião os ministros Reaes proceder contra elles , nem erão lançados por reveis de quacsqucr artigos com que hou- vessem de vir nesses tempos , pois em dias similhantes , lhes era prohibido , pelos preceitos da sua religião , dis- trahirem-se para negócios profanos {c). De quaesquer sentenças ou desembargos proferidos pe- lo Ouvidor, que o Rabbi mor trazia comsigo, se não po- dia appellar nem aggravar para elle , por se reputar a mes- ma pessoa moral , mas sim para os ministros postos por ElRei (d). As sentenças dadas pelo Rabbi mor, ou seu Ouvidor, quando se tiravão do processo, passavâo em nome do Rei , que pelo tempo era , e se sellavão com o sello Real ; e as que erão dadas pelos Ouvidores , postos por elle nas comarcas, passavâo em nome dcUcs, e do Rabbi mor (e). CA- (a) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. 92. (ò) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. f»2. — — ~ --— (c) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. 90. Brandão, Monarq. Lusit. Part. G. Liv. 18. cap. 8. pag. 17. col. 2. (d) Cod. Affoiís. Liv. 2. Tit. 81. § 32. (e) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. 81. § 30. D DAS SCIENCIAS De L I S B O A. 21 CAPITULO IX. Dos privilégios e graças de que gozavao os Jiideas Povtugtiezes. iZEM os nossos escritores, que, no tempo do Snr. Rei D. Sancho II. erao preferidos os Judeos .nos Christãos pa- ra o serviço dos empregos públicos, e que por este mo- tivo o Papa Gregório IX. o m.indára admoestar pelos Bis- pos de Astorga e Lugo , segundo consta da Decretai di- rigida aos ditos Bispos , referida no Cap. Exspeclali 1 8 de Judaeis , Sarracenis et eorum servis. Para mostrar a falsida- de d'esta accusação basta attendcr, que cm tempos de tan- ta ignorância e barbaridade , como erao estes , seria im- possível praticar-se similhante resolução sem uma grande su- .blcvação ; e que, se os Judeos erão admittidos aos em- pregos piiblicos, e preferidos a alguns Christãos , que com elles concorrião , não succedia assim em razão da religião , que professavão , mas sim porque nelles havia talvez mais industria e idoneidade. Todos sabem , que este infeliz Rei foi uma victima da corte de Roma, e que para os ecclesiasticos e fidal- gos mal contentes destes Reinos conseguirem a sua depo- sição, lhe arguírão muitas calumnias na dita corte, e quem sabe se esta seria também uma delias? Consta porém com toda a certeza , que elles occupá- rão os maiores cargos civis, que naquelles tempos havião nestes Reinos: que no tempo do Snr. Rei Dom Diniz fo- ra Ministro da fazenda o Rabbi mor Judas : que no rei- nado do Snr. Rei D. Fernando fora seu grande privado D. David , c Thesourciro mor do Thesouro público D. Ju- das {a). Também he certo , que os Portuguezes nunca le- vá- (o) K^uma carta ptla qual o i>nr. Kei D. Diiiiz deo a seu filho Fer- 3Z Memorias da Academia Real várao isto a bem , porque ainda que elles olhassem para al- ouns Judcos com vcucraçao e respeito pelas suas virtudes moraes e civis , c grandes riquezas , todavia esta nação era sempre olhada com desconfiança e desprezo pela Chris- tã (^0- Mas esta prática de serem admittidos ao serviço pú- blico , se não cessou inteiramente no reinado do Síír. Rei D. Duarte , teve sua quebra n'elle , por quanto elle fez uma lei , pela qual ordenou , que nenhum Judeo ou Mou- ro podesse ser official d'ElRei, Rainha, Infantes, titu- lares e prelados , a qual foi depois confirmada pelo Snr, Rei D. Affonso. V. {b). Podião demandar os Christaos pelas dividas , a que lhes fossem obrigados, ainda depois de serem passados os vinte annos , que se havião estabelecido para a prescri- pçâo (c). No reinado do Shr. Rei D.João J,, havendo-lhe apre- sentado o seu Fisico mor Moisés uma Bulia do Santo Pa- dre Bonifácio IX., datada em Roma a 2 de Julho de 1389, em que se achava inserta outra de Clemente VI. , dada cm Avinhão a 5- de Julho de 1247, e determinando ambas as Bulias , que nenhum Christao violentasse os Judeos a receberem o baptismo , que lhes não impedissem as suas festas e solcmnidades , que lhes não violassem os seus ce- mitérios ; e que se lhes não pozessem tributos difFerentes , e maiores daquelles , que pagassem os Christãos , ordenou em Provisão de ij de Julho de 1392 da era vulgar, que aos jião Sanches a Lizira dos Portos , no termo de Santarém , citada por Brandão na sexta parte da Monarquia Lusitana, Liv. 18. Cap. .3., se lê o seguinte ^: Èlrcy o mandou por Judas Arabi Mor. zr: Sobre os outros veja-se a Lei de 25 de Maio de 177;t. (a) Veja-se o Cap. 27 da primeira Concórdia do Srir. Rei D. Diniz. (i) Esta Lei, e sua confirmação, vera no Código Affbns. IjÍv. 2. Tit. 85 : e Rrandão traz a substaucia d^ella na Mouarq. Lusit. Part. 6'. Liv. 18. Cap. 4 pag. 1.3 col. 2. (c) Cod. AlFous. Liv. 2, Tit. 84. , d/A s.Sciemcias de Lisboa. 23 aos ditos Judeos fossem exactamente guardados e cumprif dos os referidos privilégios {a). r -f.-' CAPITULO X. -, Dos privilégios , de que gozavão os Judeos , que se fizerão Christãos antes da geral conversão. M. .uiTAS forão as providencias e graças , com que os Se- pliurcs Reis destes Reinos procurarão attrahir ao grémio da Igreja os infiéis, assim Aloures como Judeos , que n'el- Ics vivião. Eu porém contentar-me-hei com referir os mais importantes, de que tenho lembrança, e què dizem respei- to, a estes últimos. ,1 Qiiando algum se convertia era tratado com muito respeito , e igualmente castigado quem o doestava de pa- lavras. Uma lei , que anda nos Custumes de Beja diz as- sim : « Custume hc que quem chamar tornadiço ao que he »» d'outra Lei, e se volveo Christao , pague sessenta sol- í> dos ao Alcaide '» (h). E para que os reos deste delicto não ficassem impu- nidos , o que succederia frequentes vezes, se a justiça ec- clesiastica tomasse disso conhecimento, ordenou o Snr. D. João I. que elles fossem accusados c demandados per.;nte os ministros seculares (c). He coiza sabida, que nos primeiros tempos da Mo- narquia erão todos os vassallos militares, e que os mais ri- cos e poderosos erão obrigados ter cada um seu cavallo, pa- (a) As Bulias e Provisiío vem referidas no Cod. Afibns. Liv. 2. ^it. 94, e delias faz também menção a Lei de 25 de Maio de 1773. (J) Brandão, Monarq. Lusit. Part. 6. Liv. 18. Cap. 5. pag. 18. col. 1. Vtja-se o Cod. Alions. Liv. 5. Tit. 61., onde vem duas leis dos Se- nhores Reis D. Diniz e D. João 1. sobre este objecto. (c) Cod, Afibns. Liv. i. Tit. 89. • p^, Memorias da Academia Real para com elle servirem cm occasiâo de guerra. Esta disci- plina , que durou por muito tempo , e da qual se desco- brem ainda vestígios nas leis das Ordenanças, comprehcn- dia também os Judeos pelas mesmas razoes de defcza e segurança , porque abrangia os mais vassalos ; mas o Siír. Rei D. João I. lhes concedeo por privilegio , que os Cou- deis os não podessem constranger a ter cavallo , posto que tivessem quantia de fazenda para poderem ser constrangi- dos a tello, c servirem com elle, conforme ao regimento sobre isto feito (a). Se o convertido era cazado podia ser constrangido a dar ^iiete a sua mulher. Era guete instrumento público feito em Hebraico, tirado do formulário de suas constituições, pelo qual se dava por desquite de sua mulher, e cila fi- cava livre para poder cazar com outro , que sem o guete a não queria acceitar , reputando-a ainda bem cazada com o primeiro marido (k). Isto foi assim ordenado pelo Síir. Rei D. João I. , a instancia dos Judeos , e por conselho do Bispo de Lisboa P. Gil Alma, e de algumas pessoas de seu desembargo. Esta ordenação porém foi reformada pelo Sfír. Rei D. Af- fonso V. nas suas Ordenações , mandando nellas , que o convertido conservasse a mulher um anno, e que, se, den- tro desse tempo, ella não quizessc acceitar a lei de Chri- sto, podesse ser constrangido a dar-lhe o gueie (c). O mesmo Senhor Rei ordenou também , que os pri- vilégios concedidos aos Judeos convertidos houvessem lugar nos Christãos, que cazassem com mulheres, que antes fos- sem Judias (d). Ne- - (a) Cod. AfTons. Liv. 2. Tit. 83. § 1. Braudão, Monarq. Lusit. Part. 6. Liv. 18. cap. 5. pag. 18. col. 2. (ò) Cod. Affoiís. Liv. 2. Tit. 72. Brandão, Monarq. Lusit. Part. 6. Jjiv. 18. cap. 5. pag. li), col. 1. , (c) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. 72. Brandão, Mouarq. Lusit. Part. 6. Liv. 18. cap. 3. pag. 19. col. 1. ((/; Cod. Atíous. Liv. 2. Tit. 81. § 4. DAS SciENCtJlS 15E LrSBOAí 2f Nenhum Judco podia deshcrdar seu filho ou filha pelr» motivo somente de ter abraçado o christianismo, antes este era o meio de haver, toda a parte da herança ou fazenda de seu pai e mai , que direitamente lhe houvesse de per- tencer , rcputando-se para este eíFcito já falecidos (a). O modo , por que as partilhas se fazião , era o que vou a expor. Sendo o convertido filho ou neto único , re- cebia as duas partes de todos os bens da familia , tanto- quc se tornava Christão, e a terça ficava salva aos pais pa- ra sua mantença , sem jamais cm algum tempo o dito filho Christáo poder have-la , assim como outros quaesquer bens, que elles , depois da partilha feita, adquirissem, salvo sen- do-lhe deixado por cada um delles antes da sua morte, {h) Sendo muitos os filhos , e tornando-se juntamente Chri- stâos , repartião-se igualmente por todos elles as duas ter- ças dos bens , e com as mesmas condições , que ficão dit.iá quando o convertido era só {c). E tendo o convertido outro irmão Judeo , devia haver ametade de todos os bens , que o pai ou mâi houvesse ao tempo, em que fosse tornado Christão. E tendo mais que um irmão Judeo , havia somente a terça dos ditos bens {ã). Sc o convertido era casado devia descontar do que lhe pertencia haver pela partilha assim feita, tudo que de seus pais houvesse recebido , que pelo direito do Reino devia trazer á coUação (e). Também podia herdar a quaesquer parentes pelo mes- Tom. FUI. P. 11. D mo (a) Esta determinação , que he do Senhor Rei D. Affonso II. nas Cortes de Coimbra de 1211, acha-se compilada no Código Aifons. Iàví 2. Tit. 79. pr., e no Man. da edição de 1521, Tit. 42. pr. (4) Cod. AiFons. Liv. 2. Tit. 79. § 1. — Cod. Man. da edição de 1521 , Liv. 2. Tit. 42. § 1. (c) Ibid. (d) Cod. Afibns. Liv. 2. Tit. 79. § 2. e 3. — Cod. Man. da edição de 1521. Liv. 2. Tit. 42. ^ 2. (e) Cod. Affons. Liv. 2. Tit. 79. § 4. — Cod, Man. da edição de 1521. Liv. 2. Tit. 42. § 3. i6 Memorias da Academia Real mo modo, que a cllcs herdaria se Christaos fossem, guar- dando-se acerca disso o direito geralmente estabelecido so- bre a divisão de heranças {a). ' CAPITULO XI. Dof privilegio! , de que goaavão os Jtideoí , que se fizer ao Cbristãos depois da geral conversão. O Senhor Rei D. Manuel , e os outros Reis , que lhe succedêrão, pozcrao cm execução todos os meios, que jul- garão convenientes , para fazer gostosa aos Christâos novos a mudança de religião ; mas nem o Siír. Rei D. Manuel, nem os seus successorcs poderão persuadir á gente menos in- struida , que os descendentes da nação Hebrea , depois de baptizados, tinhão tanto direito á bemaventurança eterna, fazendo obras meritórias, como os que havião recebido o ba- ptismo na infância , e forão nascidos de pais Christâos. Da falta deste conhecimento , e de não estarem convenci- dos, que qualquer pessoa, postoque não siga a religião verdadeira, pôde ser um bom homem, e um bom cidadão, nascerão muitas desordens entre os novos e os velhos Chri- stâos , chamados por outro nome Lindos ; mas nenhuma con- sta ser tão grande , como a que aconteceo em Lisboa no anno de lyoó, a qual passo a referir, por servir de razão histórica a algumas leis , que depois se fizerão relativas a este assumpto. No Domingo da Pascoela, que nesse anno se contavão 19 d'Abril , estando a Corte em Abrantes por causa da peste , certa pessoa devota entendendo , que o vidro d'um relicário , onde estava exposto o Sacramento ao lado do peito d'um Crucifixo dos Religiosos de S. Domin- gos , lançava sobrenaturalmente grande clarão , começou a bra- (a) Cod. Affbns. Uv. 2. Tit. 79. § 15. — Cod. Man. da edição de 1521 , Liv. 2. Tit. 42. ^ 4. DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 2^ bradar: milagre, milagre. Achava-se ahi um Christão no- vo , que , por sua desgraça , teve a lembrança de dizer , que aquellc clarão era o reflexo d'uma luz , que dava no vidro do dito relicário; c isto bastou para excitar um tu- multo contra os Christaos novos. Ajudavao este tumulto , movidos da cubica, as gentes da guarnição d'alguns navios Francezes, Alemães, Holandezes , Zelandczes c de Hoes- telanda , que cstavão ancorados no Tejo, as quaes, sahin- do em terra, e unindo-se á plebe, matarão neste dia so- mente mais de quinhentas pessoas {a). Muito custa a conter a plebe de qualquer povoação depois de enfurecida , mas a de Lisboa não faria certamen- te tão grandes desordens , se dois sediciosos frades , da mesma ordem e convento , não a incitassem a isso com persuasões. Este tumulto durou também nos dois dias seguintes, e em todos elles se refere , que morrerão mais de duas mil pessoas , de que a maior parte erão Christaos novos , e a outra velhos , a quem seus inimigos accusavão de Ju- deos {b). Logoque constou ao Srir. Rei D. Manuel o que pas- sava na capital , despedio d'Avis , onde então se achava , o Prior do Crato , e D. Diogo Lobo , Barão d'Alvito , com poderes para castigarem os que achassem culpados ; e ti- rando-se sobre isso rigorosas devassas , forão prezos , e de- pois enforcados alguns dos sediciosos, e os dois frades, D ii que (a) Na Chionica do Snr. D. Affonso V, escrita por Ruy de Pina, cap. 130, pag. 439. se faz menção d^uni çrande roubo, feito na Judia- ria de Lisboa e d^algumas mortes acontecidas por causa delles, de sorte que obrigarão estes factos a sabir ElRei do lugar, em que esta- va , e recolher-se á Cidade , para , com a sua presença, apasiguar o tu- multo. (6) Damião de Góes, Chron. do Snr Rei. D. Manuel, Part. 1. cap. 102, e Osório de reb. Eman. L. 4 pag. 115, ed. de 1586 diz que forão mortas mil e novecentas pessoas; e Garcia de Rezende, ua sua Miscel- lau. , diz que forão mais de quatro mil. 28 Memoria-S da Acadk mia Real que dera^ calor ao levantamento, degradados das ordens, c queimados {a). Os estrangeiros , que forâo os mais fervorosos em roubar, escaparão ao castigo, que merecia esta acção tão infame , por se haverem a esse tempo feito á vela com as suas embarcações carregadas de roubos (b). Depois de mandar fazer esta diligencia , passou uma lei em 22 de Maio de 1J06, pela qual ordenou i.° que todos os culpados nas mortes e roubos fossem castigados com penis corporaes , e alem disso perdessem para a Co- roa todos os seus bens e fazendas : 2° que os que não fí- zerão diligencia para estremar os do tumulto perdessem o quinto de todos os seus bens e fazendas: 3.° que não houvesse mais cm Lisboa eleição dos vinte quatro dos mes- teres , nem isso mesmo os quatro procuradores delles, que na Gamara da dita Cidade custumavão estar, para enten- derem no regimento e segurança delia, com os vereado- res da dita Cidade (c). Depais o mesmo Snr. Rei D. Manuel promctteo em lei do i.° de Março de i^oy , que desse dia em diante não faria contra os ditos Christaos novos nenhuma orde- nação nem defeza como com gente distincta e apartada , e ordenou , que por todos fossem havidos , favorecidos e tra- tados como próprios Christao velhos (d). Isto mesmo foi depois confirmado pelo Snr. Rei D. (a) ]Ia uma Carta de 24 d''Abril de 1506 dirigida aos Conselheiros d''Èstado para conlu-cerem deste levantamento, e outra de 27 de Abril, as quaes com a lei de 22 de Maio andão juntas na sentcnya de 12 de Outubro de 1757 dada na Alçada, que conheceo da rebelião do Porto, que vem na Collecção de Miguel Rodrigues, Tom. 1. (6) Damião de Góes, Chron. do Snr. Rei D. Manuel part. 1. cap. 102. (c) Damião de Góes, Clr. do Snr. Rei D. Manuel part. 1. cap. 103. (fí) Esta lei foi publicada juntamente com a de 25 de Maio de 1773 e delia faz menção Brandão, Monarq. Lusit. Part. 6, Liv. 18. cap. 4. pag. 17 col. 1. DAsSciEMCIASDELrSBOA. Ip João III, passando para isso uma lei em i6 de Dezembro de 15^24 (a). Sobre as succcssoes dos pais e avós , ou filhos e ne- tos dos ditos Christãos novos, ordenou o dito Snr, Rei , cjue fossem reguladas pelas mesmas leis e erdenações,. que se achavâo feitas para regularem as dos filhos e netos dos Christãos velhos (Z»). Mas não obstante serem considerados pelas leis como Christãos velhos , comtudo sempre ficou prevalecendo o prcjuizo popular; por isso foi necessário fazer-se uma lei cm 24 de Novembro de 1601 , pela qual se prohibio, que pessoa alguma chamasse Christao novo , ou Confesso , ou 'Marrano, ou Judeo , ou outro algum nome aíFrontoso aos novamente convertidos (c). Ultimamente veio a lei de 25" de Maio de 1773, ^ qual, depois d'um longo preambulo, ordena: i." que a lei do Srir. Rei D. Manuel do 1° de Março de IJ07, e a do Snr. (fi) Foi publicada juntamente com a de 25 de Maio de 1777. Toda- via nas Cortes de Thomar de 20 de Abril de 1581 requerco o Estado tios Povos no cap. 13 o seguinte: ii lia muitas cauzas porondc parece 51 que não convém ao serviço de Deos, e de V. Magcstade, eboni go» 55 vcrno destes vossos Reinos, serem providos em carregos e officios de •3) justiça e fazenda, e que não entre na governança das cidades e vil- 5) las Cbristãos novos. Pcloque pedimos que , pela melhor ordem , •>■> que a V. Magestade parecer , mande prover , e ordenar com que 31 as taes pessoas da nação não andem, nem sirvão nos ditos carregos, 31 e ofíicios, e os que hora stão nellcs providos, V. Magestade lhe dee 51 a evasão, que mais conveniente lhe parecer, com o resguardo , c ten- 51 to, que convém para escusar escândalos, zz Resp. Amateria que me 51 apoiítaes neste Cap.° he muito importante , e de grande considera- 51 ção : proverei nelía como me parecer mais serviço de N. Senhor." (6) Cod. Man. de 1521, Liv. 2. Tit. 42 ^ 5. Cod. Man. de 15H. Liv. 2. Tit. 49. Isto foi derivado de um Assento, ou Determinaçã» Jiegia , de 15 de Março de 1502. (c) Esta lei foi publicada a 11 de Dezembro, e vem referida por Pe- gas no tomo 5. do Commentario ao Cod. Filippino sem data, mas acha- se com ella na collecção das Extravagantes feita pela Universidade j pag. 25G ; e no supplemento ao Appeiidis das leis pag. 37.3, e tam- bém uá Pratica Criminal de Ferreira, tom. 1 tratado 1, cap. 6 pag. 22, jo Memorias da Academia Real Srir. Rei D. João III. de 16 de Dezembro de 1S24, pelas quaes foi prohibida a distincçao dos Christâos novos e Chri- stãos velhos, fossem de novo publicadas na Chancellaria e impressas, para- fazerem parte delia, como se nclla fos- sem inteiramente incorporadas (d). 1° Que todos os Alvarás, Cartas, Ordens e mais Or- denações introduzidas para fomentar a dita distincçao de Christâos novos , e Christâos velhos , ficassem abolidas , co- mo se nunca houvessem existido; e que os registos dellcs e delias fossem trancados , cancellados , c riscados de forma , que mais não podessem ler-se {b). 3.° Que todas as pessoas, que do dia da publicação da dita lei em diante, usassem da dita distincçâo, assim de palavra como por escrito ; ou a favor delia fizessem e sustentassem discursos em conversações ou argumentos : sendo ecclesiasticas, fossem desnaturalizadas, e extermina- das destes Reinos e seus Dominios: sendo seculares no- bres , perdessem pelo mesmo facto todos os gráos da no- bresa que tivessem, e todos os empregos, e officios e bens da Coroa e Ordens , em que estivessem providos : e sendo peões, fossem publicamente açoitados, e degradados depois para o Reino d'Angola por toda a vida {c). CAPITULO XII. "Em que se apontSo algumas das leis , que se fizer ao sobre a. sabida das pessoas , bens , e famílias dos Cbristãos novos. M. .uiTAS forâo as leis, que em differentes tempos se fize- rão com o fim de reter os Christâos novos na Religião , que (a) Ordena-se isto no § 1, (J) Ordena-se isto no § 2. (c) Ordena-se isto no § 6. UAsSciENCIASDELlSnoA. 31 que liaviáo abraçado : eu as irei referindo pela ordem do tempo, em que forao publicadas, notando as declarações, ampliações, c limitações, que umas fizerão ás outras. Havia ordenado o Síir. Rei D. Manuel, que nenhum Christão novo podesse saliir d'estcs Reinos, nem vender, ou por outra qualquer maneira alhear seus bens de raiz, nem fazer câmbios , sem sua especial licença (a). Mas este mesmo Rei revogou esta defeza , ordenando pela lei do primeiro de Março de 15-07 , que os ditos Chri- scaos novos podcssem sahir destes Reinos para terra de Christãos , assim por mar como por terra , com suas mu- lheres , filhos , e todos seus bens , sem por isso elles , nem aqucllcs que os levassem em suas embarcações, incorrerem em pena alguma: 2.° que elles podessem vender livremente, trocar, e escaimbar seus bens de raiz: 3.° que com os ditos podessem também fazer câmbios quaesquer pessoas, e pas- sar por elles seus dinheiros em quaesquer lugares , em que os houvessem mister para seus contractos, e qualquer outra necessidade (b). Depois desta lei ordenou o mesmo Senhor Rei D. Manuel, que os Ghristaos novos, que houvessem sido Ju- deus , não podessem sahir destes Reinos para nenhuma ter- (rt) Consta isto da lei do primeiro de Março de 1507, e parece ter sido ordenado pelo Alvará de 20 de Abril de 1499 , o qual prohibe 1.° quo qualquer pessoa natural ou estrangeira, que fizesse qualquer cambio aos ditos Chribtãos novos , perdesse todos os seus bens para a Co- roa : onlena-se 2.", sob as mesmas penas, que quaesquer pessoas, que até então Uios tivessem feito, ou elles fossem ainda Judeos, ou ja baptiza- dos, o fossem denunciar ao Contador niór, e dar escrito e manifesto, dentro de oito dias primeiros seguintes da factura delle: 3." que ne- nhuma pessoa podesse comprar aos ditos Christãos novos quaesquer bens de raiz, sem licença Regia e especial. Veja-se a Sinoposis Chrouo- logica, tom. 1. pag. 148, e a lei de 13 de Maio de 1497, passada a fa- vor dos Jndeos convertidos, e referida pelo Snr. João Pedro Ribeiro nas suas Dissertações, Part. 2. tom. 3 pag. 91. (i) Estii lei foi publicada e impressa por Ordenação do § 1. da de 25 de Maio de 1773 , e com ella corre. 51 MemoriasdaAcademiaReal terra de Mouros , sob pena de quem o contrario fizesse , per- der toda sua fiizenda , c ficar cativo: 2.° que nestas mes- mas penas incorressem os que fossem com sua casa movi- da para qualquer lugar d'alem em Africa , postoque de Christãos fosse, sem licença Regia: 3." que os que le- vassem os ditos Christãos novos para terra de Mouros , ou para qualquer lugar d' Africa com casa movida , no primei- ro caso morressem morte natural , e perdessem toda a sua fazenda ; e no segundo perdessem outrosim sua fazenda , e fossem degradados para Africa por quatro annos [a). O Senhor Rei D. João III. ordenou, por lei de lô de Dezembro de 15" 14, que a citada lei do Senhor Rei D. Manuel do primeiro de Março de x^oy se cumprisse e guardasse, como nella se continha (b). O mesmo Senhor Rei D. João III. ordenou por um Alvará (t) , que nenhuns dos ditos Christãos novos, de qual- quer condição e idade, que fossem, nem seus filhos e fi- lhas , netos e netas , postoque delles nascessem sendo ja Christãos , não se fossem com casa movida , nem envias- sem alguns dos sobreditos mulher , filhos , ou netos , sem sua licença, por mar, nem por terra para fora destes Rei- nos (a) Cod. Man. da edição de 1521. Liv. 5. Tit. 82. pr. e § 1. (b) Esta lei toi mandada publicar e imprimir pelo § 1. da de 25 de Maio de 1773, e com ella corre. Parece que por esta lei ficara re- vogada a limitação, que á do Senhor Rei D. Manuel fizera a Ord. do Liv. 5. Tit. 82. § 1. do Código de 1521. (c) Este Alvará foi passado por três annos, e vem citado no de 30 de Junho de l.')G7, de que adiante se fará menção. Talvez seja este Al- vará o que se passou em 14 de Junho de 15.32, apontado no tom. 1. da Sinopsis Chronologica , pag. 345 , que se acha na primeira collecção de D. ÍM. de Leão, existente na Torre do Tombo, que nunca se iniprimio, O mesmo Senhor Rei D. João III. passou outra Ordenação em 4 de Ju- nho de 1535 , que prorogou o espaço de três annos , a que limitava so- mente o de 14 de Junho de 1532. Depois se prorogArão outros trcs an- nos pela Ordenação de 15 de Julho de 1547. Ambas cita o auctor da Sinoj)sis Chronologica, uo tom. 1. pag. 355 e 401, referiudo-se á so- bredita coilec^-ão. DAsSciENCiAS DE Lisboa. a» nos c Senhorios sob varias penas impostas assim a elles, como aos que os levassem. Depois seu neto, o Sfír. Rei D. Sebastião, ampliou mais esta defesa, ordenando por Alvará de 30 de Junho de 1567 y que os ditos Christãos novos não sahissem fora dos Reinos e Senhorios de Portugal com casa movida , nem para a índia, nem para nenhuma das Ilhas, nem partes de Guiné, nem para o Brasil, sem sua especial li- cença e fiança: nem vendessem, sem a dita licença, seus bens de raiz, tenças, nem rendas de cada anno, que tives- sem nos ditos Reinos c Senhorios (sis Chronologica, tom. 2. pag. 28õ. He de notar, que os Christãos novos, para conseguirem a mercê, de que trata esta lei, oíFerecèrão um grande serviço de dinheiro. Vejão-se os Alvarás de .'> de Junho de )60-') e 27 lie Dezembro de 1606 .sobre a sahida dos (,'hristãos novos, des?cud entes dos .ludeos, que a fizerão sem pagar o que llies fora re- partido do milhão c sete ceutos mil cruzados , que era a importância do" serviço. DAS SciENClAS DE L 1 S B O A. 35' O mais , que pelas leis anteriores lhes era prohibido alhear. Porém a citada lei de 4 de Abril de 1601 foi depois revogada pelo mesmo Rei Filippc III. mandando, que se cumprissem as do Senhor Rei D. Sebastião , e a de Filip- pc II. de Castella, seu pai, pelo qual haviáo sido confir- madas. Isto ordenou por lei de 13 de Março de 1610. que cita Barbosa nas Remissões ao Cod. Filippino Liv. j".' Tit. III. pag. 25-^. A esta lei se seguio depois , para o mesmo effcito , o Alvará de 9 de Fevereiro de 1612, citado na Sinopsis Chronologica , tom. a. pag. 286. No Código Filippino, publicado em 1603, se adop- tou, sem limitação alguma, o que se achava ordenado no Liv. 5". Tit. 82 pr. e § I. do Cod. Manoelino da edição de ij2i , sobre a sahida dos Christaos novos para terras de Mou- ros (a). Ultimamente, por uma lei de 17 de Novembro de 16*9, se tornarão a revogar as leis prohibitivas da sahida dos Christâos novos , sem licença Regia (h). He de notar que , por uma Resolução do Desembar- go do Paço , foi declarado , que as leis prohibitivas da sa? Ilida dos Christâos novos não havião lugar nos converti- dos antes da geral conversão; cuja Resolução he de 2y de Agosto de lóof, sendo Juizes os Desembargadores Pe- dro Nunes da Costa, e Damião de Aguiar, que depois foi Chanceller mór do Reino (f). E ii ME- (a) Cod. Filippino. Liv. 5. Tit. 111. pr. e § 1. (b) Cit. na Sinopsis Chronologica tom. 2. pag. 286, e no índice Chronologico Remissivo Part. 1. pag. 85 , referindo-se a ura exemplar manuscrito; mas eu ja vi dois impressos, um na Bibliotheca Publi- ca, e outro em poder de pessoa da minha amizade, (c) Cita esta Resolução Barbosa nas Remissões ao Cod. Filippino, Liv. 6. Tit. 111. pag. 255. : i ^6 Memorias da Academia Real MEMORIA Sobre a vida do Chronista môr Fr. António Brandão ^ e o que se pôde acrescentar ao Catalogo dos seus escritos , qtie vem na Bibliotheca Lusitana, Por Fr. Fortunato de S. Boaventura. kjE a Academia Real das Sciencias , dando tantas mostras de imparcialidade , como de estima , e consideração pelos nossos historiadores , acolheo tão benignamente as noticias do Chronista mór Fr. Bernando de Brito , á tjntos an- nos sepultadas na livraria manuscrita do mosteiro de Alço* baça , que immediaramente me designou para a honrosa so- ciedade em seusí trabalhos; ^- como não receberá de mui- to melhor gradq copia de noticias até hoje desconheci- das'^ que pertencem a outro Chronista mór por ventura •maií laborioso, que o primeiro, e a todas as luzes mais exacto, e mais assistido das prendas, que constituem o verdadeiro historiador? Foi este o único mas poderoso in- ■Ctntiví*,' q,-Uè me excitou a cuidar nesta Memoiia , em que, faltiíndo-mé todos os merecimentos , apenas me lisonjearei de hum só, que he o verdadeiro, e bem- fundamentado de humas noticias, que, se por acaso não tivessem estes re- quisitos , scrião por extremo injuriosas a quem amou sobre todos, os mais dotes do historiador, a critica, e a vera- cid^die. í Alcobaça povoação moderna d"ã província da Estrcma- durai, que pódc ser nunca existisse, faltando-lhç o mostei- ro que a enobrece, e do qual. sabemos fora edificado em •ííum sito ermo ,• qual convinha aos primeiros, e virtuosos íilh9§,^d.9 s4,rvto, ábbadc de ClarayaV,,. sa.tisféz plenairiente á sua 'immensa divida ao mosteiro, quando foi pátria do maidr ho- .1 nA'S SciENCIAS DE LrSIiOA. 57 homem , que ha produzido a congregação de S. Bcrnar-í do ncítcs jeinos. Nasceo Fr. António Brandão cm Abril de i5'84, e foi baptizatio debaixo do nome de Marcos. Seus pais cha- mavão-se Rui Dias RcbcUo, e Jcronyma Brandoa, mora- dores na sobredita villa , que crâo abastados de bens da furtuna , e não careciao das vantagens da nobreza. Ainda- que .as noticias genealógicas são pelo menos indifferentcsy quando se trata de hum monge, c de hum subio, não he supérfluo advertir que o apellido Brandão agradou mais ao nosso Chronista , que os de seu pai , porque era mais co* nhecida a nobreza de sua mãi , e sabemos que por este lado erão seus primos os jesuitas Luiz Brandão, e Jcrony- mo Lobo , ambos distinctos na republica das letras e am- bos de esclarecida linhagem , como se pôde ver na Bi- bliotbeca Lusitana, •.■'í ;Apenas entrava na adolescência) quando principiou a desejar o habito cisterciense , que serri intervir a autorida- de de seu pai já defunto , reccbeo em o dia 27 de Outu» bro de r5'99, cabendo-lhe immediatamcnte a felicidade de ter por mestre, e director neste' ensaio de virtudes, quem as possia todas, e^já fora mestre de Fr. Bernardo de Bri- to, a saber: o religiosíssimo varão Fr. Francisco de San- ta Glara, nome saudoso entre ós cistercienses deste reino', os quacs pela historia, e pela tradição «abem, que elle fora huma viva copia das heróicas virtudes de seu pai o grande S. Bernardo de Claraval. Não tardou muito o novi- ço em correr após seu mestre , que se revia todo nesta ainda tenra planta , de qUem logo aos primeiro dias de cul- tura se prometteo os mais sasonados frutos de penitencia , abnegação dos sentidos., é acrisolada obediência, no que os succcssos se avantajarão muito ás suas esperanças. Como ainda estâvâo mui frescas até nas paredes da novidaria de Alcobaça as memorias de Fr. B^rhando de Brito, iqiie xti- cava (O magestosojplano á^ Historia Nacional^ <]uando âpe"- nas contava dezaseis annos de idade , e recebia as primeiras -::v.O in- 38 Memorias da Academia Reai. instrucçons conducentes para o estado religioso, nada mais era necessário para dispjr de longe o animo de Fr. Marcos a fim de entrar algum dia nos mesmos estudos e empe- nhos, que tanto credito derão a Fr. Bernardo, e á ordem que o acalentou , e favoreceo. Completo o anno de noviciado, professou nas mãos do prior Fr. Julião dos Anjos a 22 de Novembro de 1600; e paraque este solemnissimo acto fosse para elle huma verdadeira transformação , ou , como llie chamão os santos padres , hum segundo baptismo , deixou o nome , que ti- vera no estado secular, para receber outro, que foi o de António , porventura em obsequio ao esclarecido santo portugucz do mesmo nome. No acto da profissão doou to- dos os seus bens a sua irmã Anna Brandoa , paraque se estabelecesse vantajosamente pelo matrimonio , de que de- via ser fruto o Chronista mór Fr. Francisco Brandão. Emquanto seguio os estudos da ordem , assim de Filosofia como de Theologia , continuou a distinguir-se não menos pela sua indcfessa applicaçâo ás sciencias , doque pelo mais singular disvello em satisfazer pontualmente as obrigações do monacato ; o que fazia de tal maneira , que servindo de admiração aos seus mestres, e condiscípulos pe- la viveza, e perspicácia do seu engenho, também lhe ser- via de muita edificação pela exacta observância dos mais pequenos deveres do seu instituto. Bem cedo principiou a mostrar Fr. António de Na- zareth (apellido este, que conservou por muitos annos, e que ainda hoje se lê nos assentos das suas matriculas e ac- tos na Universidade) que não tem as letras nada de con- trario aos exercidos mais austeros do christianismo , e que CS títulos de erudito, e de santo não tem o menor emba- raço para se alliarem no mesmo sujeito, pois desde o seu ingresso na ordem cisterciense até ao seu ultimo suspiro, nunca disse palavra , ou fez acção , poronde se conhecesse que elle admittia quebra ou mudança em seus primeiros intentos. Con- nAsSciENCiAsnE Lisboa. ^^ Contava doze annos de pnínssão , quando fbi eleito para instruir a mocidade cistercicnse nos preceitos da Fi- losofia Aristotélica , então dominante nas escolas deste rei- no. O mosteiro de Bouro situado na província de Entre Douro e JMinho , entre fragosas , e ásperas serranias , e que assim mesmo abunda de encantos naturaes , para que muito concorre a vizinhança do rio Cavado, que liie banha os muros, foi o designado para hum magistério, de que se es- pcraváo os mais feliccs resultados. Fiz toda a diligencia para tirar do pó da livraria de Bouro, onde jazem muitas postilas filosóficas desse tempo, as do nosso Chronista mór; foi porém baldado o meu empenho. Descubri as postilas de seus antecessores no magistério os Doutores Fr. Remi- gio da Assumpção , e Fr. Gerardo das Chagas , mas tive de chorar como perdidos esses trabalhos de Fr. António de Nazareth , que por ventura seriao de pouca monta , visto o predominio da seita Aristotélica; mas ,; quem sabe se hum espirito indagador da verdade , e que tão valorosamente despedaçou o jugo da imitação , prescindindo sempre do maravilhoso para abraçar o verdadeiro , procederia talvez com a mesma independência ao examinar as opiniões do filosofo Stagyrita ? Noticia mais preciosa daquelles dias , que correrão desde i6ii até lóij, escapou (seja-me lici- to este modo de fallar) sobre as azas da tradição, que tan- tas vezes se descuida de nos transmittir os successos mais importantes , e mais dignos de memoria. Succedco lavrar então o contagio da peste nas aldeãs chegadas ao mostei- ro , e nesta occasião brilhou em gráo heróico a ardentissi- ma caridade de Fr. António de Nazareth. Não tremeo de assistir dia, e noute aos contagiados; esquecco de todo, e poz de parte as lembranças do homem , para encher os cilícios do christâo. Disvellado pelo bem temporal , e es- piritual destes vizinhos do mosteiro , assistia lhes caritati- vamente , roubando ao seu corpo o descanso necessário , e condemnando-se ás mais penosas vigilias ; e por outra par- te requeria ao prelado do mosteiro , que o auctorizasse pa- ra 40 Memorias da AcadEíAiia Real ra dispÔT livremente da porção diária , que lhe davão para a seu sustento; e assim conseguia tira-lo da boca, para o dar aos pobres , que nunca elle he mais saboroso para os próprios, que nem o chegao a provar. Rcconhcceo toda aquella povoação, que Fr. António de Nazareth fora hu- ma espécie de anjo tutelar , que a providencia lhe trou- xera para seu remedia em tão apertados lances , c revivco , para assim o dizer, pelos cuidados deste verdadeiro apos- tolo da caridade, que tinha em mais doque prégá-la o executa-la. Soavão por toda a sua congregação os devidos ap- plausos á sabedoria de hum mestre , que encaminhava igual- mente os seus alumnos para serem monges em todo o rigor desta palavra , e para serem sábios ; e desde logo assentarão os prelados maiores forçar a sua modéstia, e profunda humildade , paraque recebesse o gráo de dou- tor theologo pela Universidade de Coimbra , o que se verificou em íóii. Pouco antes experimentara a ordem de S. Bernardo hum golpe o mais sensível na prematura e inopinada morte do Chronista mor Fr. Bernardo de Bri- to , e logo pôz os olhos em Fr. António Brandão para O' substituir nos trabalhos históricos , para que sempre mos- trara a mais decidida inclinação. ElRei de Hespanha , que também o era de Portugal , dco sim o emprego de chro- nista mór a D. Manoel de Menezes , mas encomendou ao Geral da Ordem de S. Bernardo , que fizesse continuar por algum dos seus monges a obra começada da Monar~ chia Lusitana ! Foi o geral da ordem cistcrciense nestes reinos , ( doutor Fr. Remigio da Assumpção ) quem en- carregou a Fr. António Brandão o cumprimento da von- tade delRei: « Por confiarmos (são palavras formaes da- >» quelle prelado ) de suas letras , e do talento particular , j> que para isto tem , e de muita lição Historias , e mais jj partes para este eíFcito convenientes, que dará a esta j> obra o devido cumprimento a gosto de S. Magestadc , e í> sitisfação de todos os zelosos das couzas destes reinos. » Co- DasScienciasdeLisuoa. 4t Começarão pois em 1620 os maiores trabalhos histó- ricos de Fr. António Brandiío, aindaque dos seus manuscri- tos se vc que já antes daquclla data ou escrevia por seu pró- prio punho, ou fazia trasladar pelos seus amigos tudo quan- to podessc contribuir para hum intento já fixo e determi- nado com anticipaçâo ao Decreto Real, e á obediência religiosa, que de mãos dadas llio prescreverão. . Folgamos de acompanhar os viajantes j que expondo- se a todo o risco em demanda de longes terras , nos dão conta fiel de todos os seus passos , aventuras , encontros , e naufrágios ; e porque não folgaremos de acompanhar Fr. António Brandão na sua viagem littcraria emprehendida para gloria destes reinos , e executada no espaço de dez annos para que a obra da Monarchia Lusitana sahisse tão acabada , que fosse invulnerável aos tiros disparados contra os seus dous primeiros volumes? Descubrir hum monumento glorioso para qualquer nação , e que pôde consolidar a sua independência , hc a meu ver muito mais que descubrir tCr- ras ou ermas, ou habitadas de selvagens; e a excavação de riquezas ignoradas, quaes crao as nossas antigas leis, e costumes , a narração fiel de nossos triunfos , hé certamen- te de mór preço que a descuberta de abundantes minas de prata, e ouro, as quaes muitas vezes tem excitado as nações, e os conquistadores a perpetrarem atrozes injusti- ças e violências. Na ) he pequeno louvor para Fr. António Brandão o vercm-se ainda hoje classificados de tal maneira os seus trabalhos , que he mui facii acompanha-lo , e se- gui-lo passo a passo em a sua dilatada peregrinação. Come- çou o exame dos archivos pelos da sua Congregação, e he para notar que a superioridade que ellc tem sobre o Chronista inór Fr. Francisco Brandão seu sobrinho e successor, tam- bém se manifesta na ordem porque elle distribuio os seus apontamentos, que devcrião antes chamar-se — Memorias do principal, e mais conveniente para a Historia Portugueza, que offereccm os cartórios deste Reino.— Extractava o que lhe parecia de menos importância, resumia o que era de Tm. nu. P. II, F mais 41 Memorias da Academia Real mais interesse, e copiava as integras das leis , doações , c ou- tros documentos que podiao servir para alicerces da historia projectada. Extraiiio dos cartórios de Coimbra , e suas vi- zinhanças grande copia de noticias demorando-se mais nos de Santa Cruz, e de Lorvão. Sempre zeloso de copiar tudo o que £ra inscripção ou epitafo , conservou rniutos que ho- je não existem, e que na reedificação de muitas. Igrejas, ou forão apagados, c destruídos, ou mudados para luga- res mui impróprios, que assim costuma succeder todas as vezes que os inspectores de taes obras carecem até de hu- ma simples curiosidade, que nada mais seria preciso paia, wlvar da ruina esses amigos, e malfadados monumentos. Passou a examinar os cartórios dos mosteiros de Arou- ca"^ Salzedas, e S.João de Tarouca; e parecido com os viajantes, que tem cuidado de apontar os bancos de arca, os cachopos , os penedos occultos , e outros perigos que o;serião de ruina talvez irremediável para os que houve- rem de seguir a mesma carreira , quando não fossem adver- tidos; deixou nos referidos cartórios excellentes notas mar- ginaes , por certo as únicas, que deverião apontar-se em os livros antigos, visto preservarem os leitores das equivo- cações , e erros por que tinhao passado os antecedentes ; co- mo por exemplo deixou no cartório de Salzedas huma bre- ve dissertação sobre o valor numérico da letra X ou sim-? pies , ou cortada , o que já tinha induzido em erro alguns historiadores deste reino. -j' Ora nestes primeiros volumes dos seus apontamentos, ainda não apparece letra differente da sua , o que nos dá huma idéa sufficicnte das suas laboriosas fadigas , visto conterem os dous primeiros volumes perto de duas mil pa- ginas , e que alguma differença de letra me parece ser a do próprio Chronista, que era excellente, hum pouco mais apurada. Não era natural , que lhe escapasse o exame dos carte rios de outras ordens religiosas, que lhe íicavão ao alcance da direcção principal da sua viagem, e assimcomo na passagem por Coimbra revio o cartório de Semide, do qual I DAsSciENciAS DE Lisboa. 43 qual fez extractos que dão ii»ual honra á sua piedade , e ao seu como innato desejo de amontoar cabedaes históri- cos , que o livrassem da minima suspeita de falsario, ou de impostor, he de crer que examinasse outros muitos, que por ventura lhe não adiantarião nada para a execução do seu projecto. Concluido o exame dos cartórios da sua Con<»rcgação , em que o de Alcobaça por ser o mais rico lhe devia absorver mais tempo, encaminhou-se para a Tor- re do Tombo, e ahi como que se estabeleceo largos annos, que tudo era necessário para explorar aquclla mina riquissi- ma das nossas antiguidades. Mais cinco volumes do mesmo tamanho que os primeiros se destinaVao para estes novos apontamentos , em que seu sobrinho Fr. Francisco Brandão começou de o ajudar , mas foi sempre de Fr. António o miior trabalho, como por exemplo transcrever as leis anti- gas d'E!Rei D. Diniz , e copiar quasi todas as integras de que para o diante se valeo o referido sobrinho , que se teve assa's razão para se chamar no prologo da quinta par- te da Monarchia Lusitana, mais que amanuense de sea tio, por certo que a teve muito maior para confessar que a hum tal director e regulador de seus estudos históricos, deveo toda a nomeada que lhe merecerão a quinta e sex-; ta parte da Monarchia Lusitana, cujos materiaes, bem co- mo os da 7/ e 8.", já estavão colligidos e postos em admi« ravel ordem por Fr. António Brandão. Não hesitarei pois em lhe dar toda a gloria da conti- nuação da Monarchia Lusitana ; e se o Chronista mór Fr. Rafael de Jesus tivera examinado os apontafnentos de Fr. António Brandão, ou seguido o mesmo trilho de revolver cartórios e antiguidades , passo este bem desnecessário pa-. ra quem tivesse dado o primeiro , teria escapado á justissi- ma censura, que lhe fazem os escritores assim nacionaes como estrangeiros. Foi incomparavelmente mais feliz o Chro- nista mór Fr. Manoel dos Santos, que não reconhcceo quan- tas vezes lhe cumpria, as impagáveis obrigações de que era devedor ao Chronista mór Fr. António Brandão cujos manu- F ii scri- 44 Memofias da Academia Real scritos o dispensarão do exame de c.irrorios, e de revolver a própria Torre do Tombo, c o mais he que tenho agora em meu poder as noticias colligidas por Fr. Manoel dos San- tos para a 8.' parte da Monarchia Lusitana, e vejo, que são tiradas pela maior parte , e servilmente dos códices de Fr. António Brandão. Ainda me atrevo a dizer que estes códices são indispensáveis para quem houver de proseguir naquella obra , e não darei outra prova mais desta asserção , que a certeza de que vários documentos ou allegados ou copiados por Fr. António Brandão já tem perecido , c por casualidade já descubri três exemplos (a) , e muitos mais encontraria se tratasse de conferir os trausumptos com os seus onginaes. Nada escapou á deligencia de Fr. António Brandão. Antigas inquirições, livros místicos, escrituras, donçõcs tu- do foi examinado, e nas horas vagas de seu exercido na Torre do Tombo, discorreo pelos cartórios principaes de Lisboa , e nomeadamente pelos da Camará desta Cidade , e do mosteiro de S. Vicente de fora , copiando , ou fa- zendo copiar tudo , o que apparecia digno de memoria. Forão pois necessários dez annos de trabalho assiduo , e quasi nunca interrompido , para que escrevesse pouco mais de hum século da nossa historia ! Tanto custou a verdadeira narração dos gloriosos feitos que adornarão o berço desta pro-^ digiosa Monarchia! Se outra pcnna que não fosse a de Fr. António Brandão se contentasse do que dizião as nossas chro- ni- (a) O priíiiciro c segundo no cartório do iiiostoiro de Arouca, donde se extraviou luão só hum documento sobre certa desavença que buns fidalgos do a^jpellido Dautai ti verão com os creados da liaiiilia Santii Mafalda ; mas também outro ainda mais essencial , donde se con- cilie,. que a sobredita Rainha foi sobremaneira rlccil aos mandados Pon- fiíifcios, que lhe intimarão a separação de seu marido lilHei Henrique de CastcUa. O terceiro no cartório do mosteiro de Cellas , que dizia res- peito á ('smola taxada por Santa Sancha a beneficio do mosteiro de Santa jVnlia de Coimbra. Todos trrs forão copiados por Fr. António 15randão, e a slu letra lhes afiiança tanto credito como aos; próprios originaes. DAS SciENCiAS DE Lisboa. 45- nicas, que obscuro não pareceria o mais brilhante periodo da nossa historia ! ! Bastava só a dcscubcrta das nossas leis fundam cntaes das Cortes de Lamego para o immortalizar. Este precioso fiador da nossa independência , ou isenção de jugo estra- nho , não era coniiccido dos que mais dcvião apprccia-!o ; e quem deixará de ponderar no esforço de lealdade por,tu- gueza , que era necessário para imprimir as Cortes de La- mego a tace do governo castelhano e offerece-Ias ao pró- prio Rei , a quem cilas ncgavão todo o direito de succe- der em huma coroa, que Jhe não pertencia? Não tenho por fabuloso, o que nos transmittio o hcroe , c assombro de lealdade , João Pinto Ribeiro sobre o conselho de es- tado , que se fez em Madrid por esta causa , e onde este- ve quasi resolvido , que não se deixasse correr a quarta par- te da Monarchia Lusitana, como opposta aos interesses de Castella ; e porisso o Chronisra mór Fr. Francisco Brandão, como se verá na memoria que tenho de escrever sobre a sua vida c escritos, allegou nas suas pretenções diante d'EIRei D. João IV que nas 5.", 4." e f.' partes da Monar- chia Lusitana se continhão os argumentos mais fortes con- tra a usurpação castelhana. Sendo este assumpto das Cortes de Lamego tão de- batido entre nós , assento que ninguém estranhará huma pequena digressão, mormente quando elle se deve consi- derar como enlaçado com a pessoa do seu descubridor, que nenhum monumento desenterrou , que mais valioso fosse para a utilidade geral destes reinos. Confesso, que em nenhum dos dez volumes de apontamentos, que se devem ter como privativos de Fr. António Brandão ( apezar de que Fr. Francisco servi ndo-lhe de amanuense escrevesse alguma parte dellcs) achei vestígios das Cortes de Lamego, o que me pareceria estranho, e até capaz de gerar duvidas, se eu não visse que alguns daquelles volumes apparecem. mutilados ; e como elles já por vezes tem sabido da li- vraria de Alcobaça para uso de pessoas curiosas, doque niui- 4^ Memorias DA Academia Real muito se lastima em seus manuscritos o Chionista mór Fr. Manoel dos Santos , he crivei , que perecesse em alguma destas sabidas o que respeitava ás sobreditas Cortes. Apenas em o Codex 459, que he da letra de Fr. Francisco Brandão, a foi. 131 se lê o seguinte « Caramuc-1 in Philip- >» po 1. 5". disput. 3. articulo 2. n. 31 diz que basta se- j» rem as Cortes de Lamego divulgadas por só meu tio )> para se lhes dar fé de authenticas. Respondeo ( são as j» palavras de Caramuel ) sufficienter authenticus esse cum >» ille auctor sit Classictis , et deligcntissimus in rchus arcanis í> explicandís , «tique asserens , quoà mn probet a/iorum testi- >» moniis, >» Levou-me a curiosidade a examinar os argumen- tos deste sábio impugnador das Cortes de Lamego, do que darei algum dia mais larga conta, pois ainda ha muito que trabalhar, e averiguar sobre este sujeito; por agora contcn- to-me de pedir aos nossos críticos, que não scjao tão des- denhosos para este argumento da confissão do próprio adver- sário , e que deitem os olhos sem prevenção a estas duas passagens de Caramuel : Haec comitia celehrata fiasse certis- siviiim = Haheo Manuscrittim antiqtium , in qiw eadem comitio- rum translatio ^ e que julguem para si, quanto desár não he para os naturaes deste reino , o levantarem maquinas para destruírem o que nos dá tanta gloria , c o que os estranhos e inimigos facilmente admittcm. Não he só a publicação das Cortes de Lamego, o que põe a toda a luz a fidelidade de Fr. António Brandão aos seus Reis naturaes; de sua própria letra se conserva no Codcx 444 huma dedicatória da 4." parte da Monar- chia Lusitana ao Duque de Bragança, que sendo incomple- ta, diz o necessário para se mostrar até onde chegava o seu amor da pátria , e intimo apego aos legítimos her- deiros do Throno Portuguez. «Esperava (são formacs pa- » lavras do nosso Chronista) fazer cedo a offcrta dn Histo- >» ria do Senhor Rei D. João L , c do Condestable pro- 5» genitores de S. Exc»; e fundadores da sua Real Ca- " sa . . , . . Ambos (falia da 3.' e 4.' parte da Manarchia j> Lu- dasScienciasdeLish oA. 47 »» Lusitana) quizera oíFereccr aucndo que á pessoa de Y, >> Hxç.' se detiia e com justo titulo tudo o que contefii esta » Moiiarchia j mas julgou minha Religião que era obriga- »> çáo dcdicar-se a Sua MageStade o primeiro volume des- y) ta Historia pella lembrança que teue de lhe encomendar » a cominuaçíío delia. » Destas palavras se conclue, que a mesma razão' de se dedicar a 3.' parte a EiRej Catiio- lico militou para a 4.', e que Fr. António Branda-) por ohc» diencia teve de se conformar com o voto dos seus prelados* Aindaque Fr. António Brandão pelo menos onze annos antes de ser nomeado Chronista mór havia principi.do os seus grandes trabalhos para escrever com a perfeição que cabe nas cmpiczas humanas a Historia Portugueza , só em i6;<; , e a 19 de Maio se lhe passou carta de Chronista mór , em que ElRei t< há por bem de o prover no dito >» cargo , tendo por certo , que no cxercicio dclle pruce- »» dera de maneira, e com tal cuidado, que responda in* » tciramcnte a confiança que nesta provisão faço de isua >■> pessoa , talento , c sufficiencia. » . . . Recahírao estas frases do estilo , em quem saberia desempenha-las á letrà,'^ c sem passarem quatro annos , já dos nossos prelos tinhâo sahido a 3.' e 4." parte da Monarchia Lusitana. Foi neces- sário a Vx, Bernardo de Brito já preparado de tão longe, que entre a publicação da primeira e segunda medeasse o espaço de doze annos; muitos mais correrão entre a pu- blicação da 5." e 6.' ; e para credito ainda maior de Fr. António Brandão, atrcvo-me a dizer que se os últimos annos de sua vida não fossem tão gravados de moléstias, e estorvos , como adiante veremos , lhe seria fácil acabar antes da sua morte a j.' e 6." parte, e que se o Auctor da natureza lhe concedesse ao menos dez annos mais de vida, por certo que a Histoiia deste reinos já tocaria em hum^-pt>nto a que os seus successores ainda não a teni levado. Afim de que não pareça excessivo este meu conceito, mostrarei dos próprios manuscristos do nosso Chronista, que 48 Memorias da Academia Real que naJa menos se deveria esperar do seu trabalho, pron- tidão , e facilidade de escrever. Não só aqiielles já cita- dos apontamentos chegarão muito além da meta onde parou o Chionista mòr Fr. Manoel dos Santos, mas tatn- bem já ficou muito adiantado hum segundo trabalho syste- matico , que poj si só acreditaria muito a Fr. António Brandão, e por isso tem lugar nesta Memoria. Preparou três volumes em folio para dispor chronologicamente as suas dcscubcrtas, e deo-lhe este titulo: Antiguidades , e curiosidades pertencentes á Historia do Reino de Portugal, que vou continuando do lugar on- de a deixou o Doutor Fr. Bernardo de Brito — Anno de 1622. Depois de alguns preliminares sobre a ascendência do Con'; de D. Henrique, principia a folhas 38: Memorias que começão do anno do Senhor de 1095" , que he o anno em que se deu o Reino de Portugal ao Con- de D. Henrique, ou em que estava já contratado para cazar. Seguem até ao reinado dclRci D. João I inclusiva- mente , e toda a obra he disposta em colunas , juntando-se a cada hum dos annos todo o successo notável occorrido em Portugal , e suas conquistas , com os devidos recla- mos ao lugar onde mais por extenso se desenvolvi ao os mesmos successos , de maneira que estes volumes sendo co- mo hum repertório das indagações do Chronista , nao somente o guiavão paraque não se confundisse , ou extra- viasse do seu caminho , mas também fazem argumento pa- ra vermos , que ninguém se preparou melhor que elle para satisfazer as obrigações de historiador ; e quem re- parar com attcnção nestes volumes , c examinar depois os apon- DAS SciENCiAS DE Lisboa. ^a apontamentos de Fr. Francisco Brandão , c Fr. Manoel dos Santos , ainda sem ler as obras impressas dos trcs chto- nistas , facilmente daria a palma a quem sobre todos a me- receo. Paraque este meu pensar nâo offenda os que já leráo a minha primeira memoria sobre Fr. Bernardo de Brito , darei neste lugar hum succincto parallclo destes famosos escritores. Fr. Bernardo começou mui cedo a escrever pe- la que deveria ser a ultima parte dos seus trabalhos em annos mais sazonados, pois aos vinte e dous annos de ida- de compunha a historia geral destes reinos. Fr. António já maduro em annos e estudos , começou por se esmerar na firmeza dos alicerces preferindo constantemente a seguran- ça á belleza do edificio. Fr. Bernardo próximo aos dias mais florecentes da nossa literatura , em que as acções dos nos- sos heroes acabavão de ser cantadas talvez pelo melhor épico dos tempos modernos, não se descuidou de chegar quanto era possível a prosa ao verso , ao menos em a con- sonância e harmonia dos períodos. Fr. António escrevendo para homens já cançados de huma longa oppressão , que chegaria a imprimir-lhes o habito de serem escravos, se por ventura não fossem portuguezes , devia enterte-los só com esperanças solidas , e prescindir inteiramente de ima- gens risonhas e agradáveis. Fr. Bernardo escrevendo a nos- sa historia dos séculos remotos , e escuríssimos que em grande parte , bemcomo a das outras nações , abunda em fabulas , devia tratar especialmente da verisimilhança , e recorrer por esta causa ás graças do estilo. F. António es- crevendo a historia verdadeira , e apoiada em documentos de irrefragavel credito, pareceria mentiroso se buscasse ata- vios para a verdade , que parece tanto mais formosa , quanto mais despida de enfeites se nos appresenta. Fr. Bernardo em fim ( e he esta a meu ver a principal difte- rença dos dous chronistas) não se chegou a curar nunca de hum defeito considerável no historiador, qual he sujei- tar os factos a huma primeira idêa , que se traçou de lon- Tont. FUI. P. II. G gc j'o Memorias da Academia Real ge (a) , c Fr. António Brandão attentando unicamente pela verdade , tratou de justificar mais de gloriosas , que de maravilhosas , as acções dos fundadores da monarchia , pronto a conceder-lhes o segundo titulo, só quando as provas fossem terminantes , e decisivas. Qiiem notar estas diiFerenças , pode fazer o juizo com- parativo dos dous escritores, que será ou audácia, ou ignorância nao metter em linha de conta , os diversos mo- dos de trabalhar , e a diversa execução que ambos se pro- poserão. Seja muito embora Fr. Bernando de Brito pela suavidade , e bom tecido de sua escritura a abelha portu- gueza ; mas fique sempre no seu lugar mui distincto, quem imitou a concisão e majestosa simplicidade de Thucydi- dcs {b). Sabemos alem disto pela própria confissão de Fr. An- tónio por certo mais agradecido a quem lhe prestou lu- zes, e soccorros , doque lhe forão os seus successíires , que se valera muito dos conselhos , direcções , e noticias do mui erudito Chantre de Évora , Manoel Severim de Faria , e cres- ceo (fi) Paraque ninguém se lembre de me taxar de coiitradictorio, estabelecerei as duas arguições , que podem , e costumão fazcr-se a Fr. Bernardo de Brito. 1.' Forjou auctores, e documentos para firmar a sua historia. 2.^ Deixou-se enganar por historiadores de pouca fé, e eiubuir por falsarios conhecidos. Negarei constantemente a primeira, e até certo ponto nunca deixarei de confirmar a segunda. (ò) Tenho para mim , que as comparações mais felices, que se po- dem tirar dos antigos para definirmos exactamente os nossos hi,«toria- dores , devem procurar-se nos gregos. Heródoto, pai da Historia profa- na , escrcvendo-a na mesma lingoagem , que de Ãtliçnas se havia tras- ladado para as colónias da Ásia menor, lingoagem primitiva, sem coh- tracções , sem lizonjear o ouvido, sem a polidez Attica, porém justa- mente applaudido como auctor de nove livros, que por voto geral de toda a Grécia forão designados pelos nomes das nove Musas, he o nos- so João de Barros adiantando, aperfeiçoando, e polindo a nossa lingoa- gem, mas conservando-lhe todavia hunia boa parte dos seus primeiros ti'ajos. Não direi os motivos porque Fr. Bernardo de Brito e b\. Antó- nio Brandão se podem comparar o primeiro a Xenefonte, e o segundo a Thucjdides, pois facilmente se colhem do parallelo acima instituído, e são óbvios ji qualquer leitor de mediana instrucção. nAsSciF. nciasdeLishoa. jt eco a tal ponto a merecida cstiina , que fazia de tão insi- gne antiquário , que chegou a f-r/cr hum extracto das suas obras , que o auctor generosamente lhe confiara para usar delias como lhe aprouvesse, c que deve entrar no catalo- go das obras manuscritas do nosso chronista. Ora he de crer que Fr. António houvesse os sentimentos de Severim no tocante ao modo de escrever a historia , e como entre os papeis de Fr. Francisco Brandão se descubrio huma car- ta sobre aquellc assumpto, que por felicidade sobreviveo aos estragos do cartório de Alcobaça na invasão franccza , espero ainda corroborar quanto acabo de dizer sobre o es- tilo da 3.^ e 4." parte da Monarchia Lusitana com as pa- lavras de hum juiz tão auctorizado nestas matérias, o que reservo para a memoria sobre a vida e escritos de Fr. Fran- cisco Hiandão , á qual deverá seguir-sc a correspondência inédita dos grandes críticos Manoel Severim de Faria , e Manoel de Faria e Sousa com este chronista. Tantos e tão porfiosos trabalhos de Fr. António mere- cião mais alguma recompensa que o ordenado de Chronista mór {a) , e se o Bispo D. António Pinheiro só por alguns cadernos imperfeitos, em que principiou a escrever a nos- sa historia conseguio huma pensão annual de quatrocentos mil réis , que disfrutou por espaço de trinta annos , e foi acrescentado em honnis, e dignidades (Z») , quanto mais se devia fazer em attenção a Fr. António , que tantos annos consumira em revolver, e examinar antiguidades, a ponto de estragar a saúde , e apressar o fim de seus dias ? Po- dendo fundar-se muito mais em seus eminentes serviços , do que na junção do officio de Guarda mór da Torre do Tombo com o de Chronista mór, já verificada nas pessoas de Fernão Lopes , Gomes Eannes de Azurara , Vasco Fcr- G ii nan- («) Era neste tempo e lie ainda hoje de 100^ réis, e mais 15,af réis para papel e tinta. (6) Memorial do Licenciado Duarte Nunes de Leão oflerecido a Filippe II. (Manuscrito da livraria de Monsenhor Hasse). 5'i Memorias da Academia Real nandcs , Rui de Pina, c Damião de Góes; talvez pondo de parte aqucllcs, que assim lho pedia a sua natural mo- déstia , valeo-se meramente destes exemplos na sua preten- çáo do emprego de Guarda mór da Torre, c]uc vagara por morte de Diogo de Castilho. Não foi attcndido , e a uni- ea remuneração, que teve pela 3.'' e 4." parte da Monar- chia Lusitana toi esta : j> Eu ElRey faço saber aos que este Alvará virem , jí que havendo respeito ao que se me representou por >5 parte do Dr. Fr. António Brandão, Chronista mór des- j» tes reinos, de ter impressos dois volumes da Historia » de Portugal em que fez despcza de sua fazenda : Hey j> por bem de lhe fazer mercê da promessa de 8o(^ de » pensão ecclesiastica , para ser provido dcllcs quando j> houver lugar. E por quanto pagou de meia annata 400 » reis, que se carregarão em receita ao Thesoureiro João j> Paes de Mattos, foi. 228 do Livro de seu recebimento, j> se lhe passou este Alvará para minha lembrança , e sua » guarda, o qual me praz, que valha, tenha sua força, jí e vigor, posto que seu tíFeito haja de durar mais de » hum anno, sem embargo da Ordenação do Livro segun- 5> do , titulo 40 em contrario. Francisco Nunes a fez em » Lisboa a 27 de Maio de 1Ó33. —António Sanches Fa- j> rinha a fez escrever. — Rey, &c. »> Huma simples promessa a quem tantas fadigas passa- ra, e tantos incommodos sofFrêra ! Taes costumão ser os prémios deste mundo ; e este mesmo tão pequeno , e tan- to abaixo dos serviços do nosso chronista , só cm parte SC conseguio , e disfrutou por espaço de anno e meio ! Só a dez de Maio de 1636 teve lugar a mercê de 5-6(^)66^ reis de pensão á conta dos oitenta mil promcttidos I (/*) E o Chronista mór não chegando a possuila dous annos , apenas recebeo S^^^o^ reis em premio dos s-eus traba- lhos ! Mais (a) Livro n. 26 da Cliaiicellana de Filippe III, foi. lò-l. DAsSctENCIAr. deListíoa, yj Mais libenil tinha sido ElRei de Hcspanha pela de- dicatória da 2.^ parte da Monarciíia Lusitana , pordm tal- yez o heróico desinteresse , e nobre ousadia com que Fr. António lançava por escrito os fundamentos da nossa in- dependência , fossem grande parte paraquc os aulicos de JNladnd tão escassos e mesquinhos se houvessem com o mais laborioso e benemérito dos nossos chronistas. Nãi) obstante a má correspondência que Fr. António achou nos que mais deviao ajudalo , nem por isso afrou- xava nelle o desejo de trabalhar e concorrer quanto nelle fosse para a gloria deste reino. Perstiado-me que elle co- meçou de escrever a 5-." parte da Monarchia Lusitana , e assim parece colligir-se das suas formacs palavras em hu- ma defensa da 5/ e 4/ parte, da qual só resta hum fra- gmento: <« Eu sei que ElRei D. Diniz fez huma lei am- »> plissima nesta matéria , que refiro na j'.-^ parte desta 31 historia. »j Nao he natural , que Fr. António se expli- casse desta maneira , se a 5-,'' parte estivesse meramente projectada , e á vista da sua exacção em tudo , he de crer, que pelo menos tivesse dado principio á 5"." parte; nem de hum sujeito, que já vencera o maior trabalho, e que se incumbia agora do menor , poderiamos crer que passasse quatro ou cinco annos sem adiantar pouco ou mui- to o primário objecto dos seus estudos. Terião estes pro- gredido muito mais, se elle fora dispensado dos empregos da sua congregação , como succedêra a Fr. Bernardo de Brito ; mas pareceo aos cistercienses seus coetâneos , que ficarião manchados na posteridade , se não deixassem esta prova de que sabiao estimar a quem tanto lusimento e tan- tos créditos grangeára assim para elles , como para toda a monarchia. Accresceo mais ter o nosso chronista em sum- mo gráo a prudência e affabilidade ; virtudes tão precisas a quem governa , e de mais a mais hum espirito de recti- dão, e justiça, que promettiao renovar os antigos e me- lhores dias, em que o mosteiro de Alcobaça era huma es- cola de virtudes , e hum seminário de santos. De- f4 MeiMokias da Academia Real Depois de o terem condecorado cm differentes capí- tulos gcracs (a) , acaháriío por elegc-lo prelado maior di congregação cm o primeiro de Maio de 1636 : e se as fadigas inseparáveis de quem sabe tomar o pezo a's digni- dades , o havião de precipitar tão cedo na sepultura , como que seria melhor, que Fr. António Brandão tosse deixado na paz do seu retiro para empregar os annos , que lhe res- tassem de vida já nos exercicios de monge observantissimo, já em adiantar os seus trabalhos no officio de chronista. Se apparecco atégora o homem sábio , o escritor imparcial , e o inimitável chronista , segundo importava a quem escreve para huma corporação de sábios , a nin- guém parecerá estranho ou fora do meu intento , que eu torne a Icmbrar-me do monge , e das suas virtudes. Pon- tuai observador da regra de S. Bento , nunca elle se teve por exonerado do seu litteral desempenho, e nunca os es- torvos de suas cançadas viagens , do seu continuo exercí- cio de escrever, e de suas repetidas vigílias, o auctorizá- lão para se eximir das observanclas de monge ; pois era daquelles que não reputao leve ou pequena cousa alguma , quando se trata de servir a Deos no fiel cumprimento dos nossos deveres. Forçado pela obediência acceitou o cargo de prelado maior da sua congregação , e neJle se houve de tal maneira , que deixou huma saudade eterna do seu governo. Elle bem conhecia que já lhe não chegavao as forças para levar tamanho pezo , e o quebranto e prostra- ção («J Eis-;iqui as noticias de Fr. António Brandão exaradas nos li- vros das actas dos capitulos geraes da ordem de S. Bernardo: uA ■)■> 8 de Maio de 1615 presidio conclusões de filosofia no mosteiro de 55 Alcoba^'a, diante do presidente do capitulo Octávio Accoraniboni j li Coikitor com poderes de Núncio nVste reino. A 5 de Maio do 1C21 V foi incorporado como doutor aos privilégios da ordem. No mesmo r anno foi nomeado pelo capitulo geral hum dos três juizes, que lia- ■)■> vi.io de senteuccar do merecimento dos coJlegiaes filósofos. A 15 V de Setembro do 1U29 eleito terceiro defensor. Km ]0'30 Abbade do •)■> mosteiro do Desterro em Lisboa. Em 10'á3 segundo definidor. Km 55 163G D. Abbade geral. " DAS SciENCiAS DE Lisboa. yy ção das corporaes só podia ser compensado pela robustez •das forças do seu espirito naturalmente generoso, e alen- tado , e que ainda mais o era pela assistência da graça de Deos , que o animava , c roborava. Governou suaVe , c pa- ternalmente a sua congregação por espaço de anno e meio , c cuidadoso pela observância das leis antiga^;, não poz no capitulo geral, em que foi eleito, huma só de novo, fal- tando nesta parte ao exemplo de seus antecessores j rnas tendo assas desculpa, no singular exemplo de seus costii- tiies, os quaes erão com effcito melhores censores da rela- xação , que as palavras mortas de huma lei. Em fim con- tando apenas 5:2 para yj annos de idade, por certo a mais própria , e idónea para levar ao fim a vasta cmpreza , que íraçára , e parcialmente executara, morreo santamente, co- mo vivera, cm o mosteiro de Alcobaça a 27 de Novem- bro de 1637, dia e anno os mais lastimosos para a con- gregação de Alcobaça , que dando o justo valor ao inesti- mável thesouro , que possuia , também deo mostras de que não se lisongeava de possuir tão cedo outro igualmente rico e precioso. Foi sepultado na casa capitular do referi- » Reino . . . Aqui só huma cousa direi do seu grande » talento , e governo , a saber : que nenhuma lei fez nes- 5> te Capitulo , nem impoz outro algum preceito aos Mon- j» ges , mais que o bom exemplo da sua vida, e tendo go- >» vernado hum anno e sete mczes , piamente cremos foi 5> ver a Deos, já livre da carga terrena. >> São igualmente merecedoras de lembrança as palavras do Doutor Fr. Re» migio da Assumpção , a quem passou o governo da Or- dem por fiijlecimento do nosso chronista. « Desta perda » (assim escrevia ao Doutor Fr. Francisco Brandão em da- >» ta de 2 de Dezembro , isto he , cinco dias depois do fa- j> tal dia 27 de Novembro) tão geral deste Reino, e tão >» particular da nossa religião pôde V. P. certificar-se , J5 que me ficou a mim todo o sentimento , que cada qual » dos que mais perderão, pode ter por partes, porque de j> mais de ser próprio meu o que he geral a todos, pcllo » lugar em que me deixou o nosso Reverendíssimo que » Deos tem no Ceo , perdi eu hum particularíssimo ami- j» go de muitos annos. Mas he-me grande alivio da gran- " de , po deste chronista, escapou ao incêndio por existir em hum lunço de abobeda, e foi agora retocado a minha instancia. DAS SciENCiÁs DE Lisboa. 5-7 »» de falta em que ficamos sem elle a certeza que temos ^ » de que está na gloria , assi polo que vimos sempre em '» sua vida como por todas as circumstancias da sua mor- *» te. »> Assim dou por concluída a primeira parte desta Me- moria , divulgando noticias, que nem podem ser indifferen- tes em huma nação catholica , nem hão de ser de todo inúteis para quem houver de continuar o Agiologio^ Lusi- tano. kjATiSFEiTA , aindaque bem longe da alteza do meu sujei- to , porém quanto cm mim foi , a primeira parte do mcU trabaliio, seguc-se a noticia circumstanciada dos escritos de pr. António Brandão, os quaes não sei , por que fatalidade tem sido até ao presente desconhecidos ; e quem duvida- ria, que os apontamentos de tão insigne e abalizado Chro- nisra merecessem hum particular e aturado exame ? O Au- ctor do Index dos códices de Alcobaça limitou-se a desi- gnar os trabalhos do nosso Chronista por este modo tão succinto como inexacto Códices 44<5, 447, 448, 449, 4J0 , 45-1, 4^2, 45-3, 45'4) 45'í> 4J6, 45-7, 458, 45-5?, 460, 461. » Papyrei in 4.° scripti per ipsosmet Auctores Lusitanos, » scilicet, Fr. Antonium Brandão, ejusque Ncpotem Fr, »> Franciscum Brandão Alcobaccnses Chronographos Rc- » gios Litrera vulgari. Nihil aliud important, prx- j> ter collectionem documentorum ex.Chartophilaciis hu- »» jus Rcgni notabilioribus , prscipue vero cx Archivo j> Régio , vulgo Torre do Tombo , exccrptas. Adduntur »» in Códice breves notatiunculse. » . Tom. FUI. P. 11. H " Co- j8 Memorias da Academia Real » Codex 444. Papyieus in foi. scriptus Littera vulgari , et j» ijiomate Lusitano per Fr. Antonium Brandão Clarissi- >» mum Chronographum Regium, cui titulus cst: Jtiti- j> guidades , e curiosidades pertencentes á Historia do Reino - » de Portugal) que vou continuando do lugar y onde a dei- ■ »> XQU o Doutor Fr. Bernardo de Brito. Anno de 1622. j> » Codex 445-. Papyreus in folio per omnia supcriori si- j> milis Littera, idiomate, argumento, et Auctore habet « folia 25:9, quibus Auctor profert Annotationes, etChro- » nologicas notitias decurrentes ab anno 1062 usque ad. » 1 300. » O exame particular que fiz destes códices me levou a descubrir alguns opúsculos do nosso chronista, huns aca-* bados , e outros incompletos ; porem todos merecedores de apparecerem no catalogo dos seus escritos, que será pre- cedido de certas observações gcraes , que dizem ao meu intento, e comprovâo o que já tenho estabelecido, 1/ Os Códices 444 e 445' não pertencem todos a Fr. António Brandão , como affirma o auctor do Index , visto já entrar nelles a letra de Fr. Francisco Brandão , e especialmente no segundo , apenas começa o anno de que devia partir a 5:.' parte da Monarchia Lusitana. 2." He necessário discernir o que pertence a cada hum dos chronistas. Desprezou-se a numeração antiga , que tirava as duvidas sobre o principal redactor de cada hum dos códices para se abraçar outra moderna , e por extremo confusa. Os códices pertencentes a Fr. António são estes í . Numeração antiga Numeração moderna I ........ . 446 2 447 3 449 4 .....?*... 4í8 DAS SciEMClAS DE LiSBOA. jp S 4JO 6 4fi 7 4í4 8 4S^ 9 4Ji Aindaque a totalidade destes códices pertença a Fr. António Brandão, em muitos delles se distingue não só a letra de Fr. Francisco Brandão (a) , mas também algum fragmento da letra de Manoel Severim , ou do Licenciado Jorge Cardoso. 3.* Destes nove códices de Fr. António se pôde tirar a verdadeira explicação dos motivos por que Fr. Francisco se dizia m.iis que amanuense de seu grande tio. Como des- tro na leitura dos antigos documentos, lia-os, e fazia ex- tractos do principal , que continhão ; era importante o ser- viço, porém seu tio lhos fez maiores, deixando-lhe muito cabedal prompto , e já em ordem para se escrever o que faltava da Monarchia Lusitana. 4.» Ambos os chronistas são agradecidos a quem os soccorria na sua tão laboriosa como árdua empreza, e por conseguinte he de presumir, que certos opúsculos da letra de Fr. António , que não trazem o nome do auctor , sejão próprios delle , o que não tira ficar-me duvida sobre mui- tos de que darei conta imparcial , e por este motivo im- porta dividir os trabalhos de Fr. António Brandão em três classes: 1.* Opúsculos próprios : 2.* Opúsculos duvidosos: 3.» Monumentos consideráveis , que elle transcreveo por sua própria letra , ou fez transcrever por outrem , e como H ii ai- (a) Era indispensável esta advertência, porque de letra de Fr. Francisco vem por exemplo a foi. 285 ^ do Codex 451 o seguinte ex- traliido do Livro das Calendas de Alcobaça, ic Quinto Kalendas De- li ccmbris. Obiit Fr. Antonius Brandão. D. Abbas Generalis Monaste- ii rli Alcobatiae, et Chroaista maior Regni fortugalioe. Cujus anijn^ » requiescat iu pace. jí 6o Memorias da Academia Real alguns destes já terão perecido, hc justo sabcr-se mais es- ta divida ao Chronista mór, que os conservou. Opúsculos próprios. 1. Annotações acerca da geração do Conde D. Hen- rique — Autografo _ Vem no Codcx 444 desde foi. 10 até foi. 13. Como tratou este assumpto na 3/ parte da Monarchia Lusitana , creio que não he de grande interesse para a nossa historia. 2. Advertências sobre o livro dos Elogios dos Reis de Portugal que fizerao os Padres da Companhia — Autografo. Começa a foi. 314 do citado codex, onde escreveo humas seis linhas sobre o Conde D. Henrique, mas para diante a foi. 2i3 prosegue emendando algumas cousas nos elogios d'ElRei D. Affonso V, e do Infante D. Fernan- do, e por serem posteriores ao objecto da 4.' parte da Monarchia Lusitana, escreverei em summa estas correcções. I." Anno Domini 145-8. « Conscendit (id cst ciassem) }> comitante Ferdinando ejus fratre Duce Visensi , et Fer- » dinando utriusque patruo &c. Este seu tio era o Infante » D. Henrique pois que o Infants D. Fernando muitos j> annos antes em vida de seu pai , foi captivo em Africa jí onde morreo. j> 2.* In eodem elogio foi. 206 . n. 1 1 sobre a terceira passagem a Africa « emenda-os por fallarem de pessoas fa- >» lecidas havia trinta annos. j> 3.» In eodem elogio foi. 209 n. 17 « refuta a opinião » de passar o Príncipe D. João depois Rei segundo do ?> no- DAS SciENciAs DE Lisboa. 6t »> nome três dias no campo de Toro , pois a rogos do >> Arcebispo de Toledo , c dos seus , contcntou-se de três >t horas, como se Ic na sua chronica, c nas historias de >» Castella apezar de Damião de Góes affirmar o contra- » rio. » 4.» No mesmo elogio foi. 211 n, 21, c no elogio do Infante D. Fernando foi. lí^i n. 28 achou manifesta con- tradicção &c. 3. Censura sobre o Discurso de Fr. Jcronymo Roman acerca das condições com que foi dado Portugal ao Conde D. Henrique — Autografo. No citado codex a foi. 20. 4. Advertências acerca da vinda do Conde D. Henri- que a Hcspanha , e do tempo em que lhe foi dado Portugal em dote — Autografo. Vem no Codex 44J desde foi, 26 até foi. 37, y. Tratado da familia antiga dos Sou7as. — Quasi to- do autografo. Começa a foi. i , e acaba a foi. 158 do Cod. 449. Começa em D. Sueiro Belfaguer, e acaba no titulo de Álvaro de Sousa , segundo do nome , e decimo nono da successão. He obra acompanhada de documentos extrahidos dos cartórios do reino , e principalmente da Torre do Tom- bo, Conhcce-se perfeitamente que he original , e vem cheio de noticias históricas, de que darei hum exemplo. Cita a foi. 95- o livro dos officios da Casa Real, feito em tempo d' ElRei D. Diniz « de que havia hum (são palavras for- " mães do nosso chronista) na Torre do Tombo , que se " tem tirado, e outro na Companhia de Évora, que ficou >» do Cardeal Rei. >j Extrahio deste o titulo do Alferes mór, que dizia ao seu intento. Lo- 6i Memorias da Academia Real Logo na foi. 1 começa de refutar a Fr, Bernardo de Brito, que no livro 7 cap. 18 da Monarchia Lusitana cha- mou a D. Faião Soares, fundador de Arrifana de Sousa (c por não trazer prova, e pelo costume de se edificarem )> as antigas povoaçoens em lugares fortes, e defensáveis « como forão os antigos Castellos de Nóbrega, Lindoso, 3> Castro Laboreiro , Lanhoso , Celorico de Basto , Vcr- >j moyim , no mais alto da Serra de S. Cathcrina sobre 5> Guimaraens , e outro na de S. Martha á vista de Bra- » sa , e outro no Conselho de S. Cruz de Riba Tame- » ga &c " (rt). He para lastimar, que a obra não seja completa, pois desde foi. 5 il até foi. 52 está em branco, o que tam- bém succede a foi. 100, donde se vê, que o Chronista deixava espaços em cada hum dos títulos , para os ir en- chendo á proporção, que fosse achando ou noticias, ou documentos. A parte, que se conserva he de sobejo para mostrar, que se o douto, e laborioso P. D. António Cae- tano de Sousa examinasse os manuscritos de Fr. António Brandão , talvez o reputasse pelo melhor genealógico des- tes reinos {h). 6. Pro-Controversia circa Primatum Hispaniarum. São apontamentos em latim desde foi. 237 até foi. 240 ^ do (a) Quem não perdoava a Fr. Bernardo de Brito nestas cousas de menor entidade, como lhe perdoaria, se o tivesse na conta de fabri» cador de livros e documentos? Podem responder-me , que só em at- tenção ao credito da sua ordem o pouparia ? Mas que attenção o es- torvava de escrever no seu borrador sequer alguns indícios de que o tinha por falsario ? JNa minha segunda memoria sobre Fr. Bernardo de Brito, que já levo adiantada, porei em toda a luz este argumento. (6) Foi este hum artigo, que mereceo especial cuidado aos nossos chronistas Brandões, homens por certo os mais idóneos para discerni- rem a verdade da mentira, pois esta se introduz tão facilmente em papeis genealógicos, que Fr. António Brandão por vezes notou, que 86 chegarão a viciar e falsificar por esta causa alguns títulos existen- tes na própria Torre do Tombo ! oasScievciasdeLisqoa. 6^ ào sobredito Cod. c a foi 242 começa pio Toletana Ecclesia já em Portuguez até foi. 247. _ Autografo. 7. Da casa de Castro , e differença das armas dos fi- dalgos deste appelido. Desde foi. 258 até 263 ^ do mesmo Cod. _ Autografo {a). 8. Da ordem militar de Aviz. _ Desde foi. 435' até foi. 449 do mesmo Cod. Autografo á excepção de deus a três documentos por letra de amanuense, e acaba em hum catalogo dos priores e commendadores mores até 1^27. 9. Catalogo dos Reis de Espanha começando cm D. Pelaio ate ao anno de 113J _ Vem desde foi. 368 até foi. 381 do Cod. 4J0. He extracto dos auctores castelhanos D. Rodrigo Xi- mencs , Mariana , Çurita , e outros. 10. Discurso sobre a guerra de Castella , que ElRei D. AíFonso V emprchcndeo. — Desde foi. 45- y até foi. 46 r do mesmo Cod. He autografo , e cumprirá que seja lido por quem le- var a Monarchia Lusitana até aos dias daquelle Soberano. 11. Do mal que fez ElRei D.João III em largar os lugares de Africa. — Autografo a foi. 4Ó2 do mesmo Cod. He discurso nervoso, e concludente, e attribue á po- litica daquelle Rei a perda de Alcácer (b). 12. (a) Lcnibrei-me de que este opúsculo talvez seria escrito por Gas- par Alvares de Lousada , mas parece-me cousa difTcrente olhando pa- ia o titulo do que escreveo Lousa» fresco a V. A, ansi en lo que conticne de las priiicipa- j> les acciones de nucstros Rcycs , que yo auia hecho por " orden de Su Magestad para instruccion dei Sereníssimo í> Principc como en Io que se aríadio de nueuo dei antigo » deudo de las casas de Portugal e Sabóia , porque en una j' y otra parte bailará V. A. nuevas rasoncs para reparar >i nucítras perdidas, y aun sentir-las como próprias. « He d.it-ida esta dedicatória do mosteiro do Desterro em Março de 1635', e toda ella respira hum cordeal aíFe- cto á sua pátria, de que citarei huma prova nas seguintes expressões, onde aíllrma que Lisboa está « Deminuida con 5» perdidas e mudada en algo de su antiga gloria, mere- » cedora por la misma causa de maior enparo. » 13. Resposta a huma censura, que se deu aos escri- tos do Doutor Sebastião César sobre a primazia da Hespanha. _ Desde foi. 305: até foi. 208 do mesmo Cod. He autografo, erudito, e bem fundado, como se de- via esperar do seu auctor. 14. Catalogo dos senhores do tempo do Conde D. Henrique até D. AíFonso III. — Desde foi. 318 até foi. 335- do mesmo Cod. — Autografo. s!is na leitura deste sablo discurso, o que he fácil de observar, coin« .paraiido-o com a sobredita historia a pag. 320 e 321. dasSciekciásdeLisboa. 6^ ij". Dependência dos Reis de Portugal, e filhos, que tivcrão conforme as chronicas, c livros impressos.— Desde foi. 335' até foi. 340 do mesmo Cod. — Aur tografo, mas incompleto. 16. Summario breve das cousas de Aragão. — A foi, 343 do mesmo Cod. Autografo, começa em D, Ramiro (io35'), e acaba em D, Jaime I (1233). Opúsculos duvidosos. 1. Noticia primeira dos livros de linhagens, — Opús- culo trabalhado conforme as regras da mais apurada critica desde foi. 245- até foi. 303 do Cod. 456. Ficou por acabar , sendo o seu principal assumpto dcscubrir o verdadeir) auctor ou ampliador do livro das gerações do Conde D.Pedro, e mormente no capitulo on- ze = Do tempo em que escrevco o Conde D. Pedro o livro das gerações =: e começa: « Por mais taboas , que j> SC acrescentassem a esta náo Argos , sempre se desco- >' brc nclla o que foi do Conde , se pode diffcrençar o acres- " centado , porque o ladrão não desfez os sinaes das pe- >> gadas. >» Trata do livro antigo das gerações, que reduzido a humas poucas de folhas vira em poder do Licenciado Gas- par Alvares de Lousada , e forceja por separar o que he genuino do interpollado em o nobiliário do Conde D. Pe- dro , e he pena que o trabalho não se chegasse a con- cluir, c que não refutasse ainda mais largamente o que alli se chama rebolvedor do livro das gerações. Nenhuma dúvida eu teria de attribuir esta obra por inteiro ao nosso chronista , pois aindaque a letra a ser própria delie (segundo me parece) he mais apurada , que de ordinário , o que todavia nem prova , nem destroe o fa- cto de ser elle o auctor, vejo que a menção ahi feita de Tom. FUI. P. II, I Gas. 66 Memorias da AcadEíMia Real Gaspar Alvares de Lousada, e o bem discutido de quanto se podia allegar das nossas chronicas, e monumentos so- bre a descendência d' ElRei D. Diniz , pezSo na balança como argumentos fortissimos para se concluir , que Fr. An- tónio Brandão he o auctor da obra j mas depoisque li o catalogo da livraria manuscrito do Conde de Castello me- lhor, que se diz escrito por N. Moreira, irmão do Mon- senh)r do mesmo appellido, comecei a duvidar sobre este ponto. Debaixo do n.° 114 do referido catalogo achei o se- guinte : mava para fundamento do seu nobiliário o do Conde D. M Pedro, mas corrigindo-o em vários pontos, e destas cor- » rccçoes se vê, que elle tinha feito algum prologo a es- 5» te nobiliário, e nelle daria a razão da sua obra, e faria » o seu juizo sobre o nobiliário do Conde D. Pedro, com >» acerto e verdade, com que este grande escritor costuma- jí va discorrer em tudo, e este prologo se perderia com » o mais que falta. » Atéqui não se diminuião, nem qucbravão de força os já produzidos argumentos , pois quem se atreveria a ne- gar, que Fr. António Brandão fosse capaz de emendar o nobiliário do Conde D. Pedro , e de assentar hum juizo verdadeiro sobre o merecimento desta obra ? Huma só pa- lavra me fez entrar em duvida , e he que nos fragmentos de João de Barros se chama reholvedor o que addicionou , e cortou a seu arbítrio o nobiliário do Conde D. Pedro, Ora esta palavra só de per si não fazia grande prova , mas porque em a introducção do manuscrito de Alcobaça não achei o snbor do estilo de Fr. António Brandão, o que logo no primeiro exame fez que eu receasse muito da-lo por auctor da obra , foi de sobejo esta coincidência da pa- lavra rebolvcdor , para que eu entrasse em maiores duvi- das. Em qujnto pois me não for dado conferir o manu- scrito de Alcobaça com os fragmentos de João de Barros , se DÀsScrEMClÃSDELlSBOA. " 6f sè por ventura ainda existirem , ficarei suspeitando , que Fr. António Brandão tirou de alguma livraria manuscrita a obra ainda inteira de João de Barros, e que tomaria o cuidado de a addicionar, visto que os primeiros argumen- tos valem sempre do mesmo modo para lhe attribuirmos pelo menos parte da obra. Não he necessário encarecer a força do primeiro, nem tenho por injurioso á memoria de João de Barros o segundo , que só o parecerá a quem não souber o que he talento de discussão mui diverso das ame- nidades de çstilo, da averiguação dos factos, da veracida- de , c outros mais dotes do historiador. Se procedi talvez com demasiada cautelJa , he por temer que o meu nome por si de nenhuma valia , e só de alguma consideração por apparccer em huma sociedade de sábios, passa engrossar o catalogo dos Bevues Historiqaes , et Geographiqiies &c. em que trabalhou ha poucos anno; , e egregiamente hum aca- démico de Berlim. 2. Discurso sobre a precedência entre Hespanha e Fran- çi. — Desde foi. 439 até foi. 442 do Cod. 450, e o ultimo capitulo he sobre a precedência de Portu- gal a outros reinos. — Autografo. Gaspar Alvares de Lousada , mais pelo seu ofíicio de Escrivão da Torre do Tombo , do que por suas luzes e critica podia subministrar muitos auxílios aos nossos chro- nistas. Pode ser que Fr. António Brandão aproveitasse , quando não fosse tudo , ao menos parte do que o dito Lousada escreveo sobre taes assumptos, e se guardava na livraria manuscrita do Conde de Vimieiro , a pezar de que me inclino muito paraque todo. o opúsculo seja do nosso chronista. 3. Memoria dos serviços que fizerão os mouros para o Senhor Bispo de Targa os raetter nas suas histo- rias nos lugares em que couberem.— Desde foi. 181 até foi. 20Ò do Cod. 44a. I ii Não <Í8 Memorias da Academia Rbal Não me parece da letra de Fr. António Brandão. A noticia porém de todas as chronicas manuscrita da Torre do Tombo , e de muitos documentos ahi guardados , me faz suspeitar , que elle fosse auctor da memoria , que só tem varias notas marginaes conhecidamente da sua letra. Obras alheias, 1. Varias relações para a chronica delRei D. Sebas- tião, — Começão a foi. éy do Codex 443. Scrvio-se delias o auctor da Historia Sebastica , e he no prologo desta obra , que elle se queixa mais da falta de subsídios 1 2. Discurso acerqua da geração do Conde D, Henrique do Chronista João Baptista Lavanha , que ouve da Ca- za de D. António de Attaide filho do segundo Con- de da Castanheira , e General das armadas da Coroa deste Reino de Portugal, — Vem no principio do Cod. 444 por letra do nosso chronista. Consta de seis pa- ginas em foi. 3. Memoria que tirou Fr. João Marques de huma Carta de Fr. Bernardo de Brito ao Arcebispo de Br.iga , da- tada em o primeiro de Julho, onde tratava da Ermi- da de N. Senhora da Ajuda perto de Alcobaça, e dos Ermitães da Serra da Pescaria, — A foi. 14 do mes- mo Cod. Copiada por Fr. António, que na 4.' parte da Mo- narchia Lusitana se valeo desta carta do seu predecessor. 4. Discurso de Fr. Jeronymo Roman acerca das con- dições com que foi dado Portugal ao Conde D. Hen- rique. — Desde foi. 16 até foi, 19 do mesmo Cod. j. Epitome rerum ad statum Ecclesix Bracharensis per- ti- .: dasScienciasdeLisíoa. 6^ cr linentium , qu« ad Glcmentem VIII Pont. maximura direxit Archiepiscopus Bracharensis Fr. Augustinus a Jesu per suuni Procuratorem Simonera de Abreu. — Desde foi. 149 aré foi. 2^4 do Cod, 449. Foi remcttido ao nosso chronista, c importa sabcr-se, que existe cm mais lugares, que o assinado em a Biblio- theca Lusitana. 6. Recopilaçáo de hum aucror que chamão Otha , que escrcveo da tomada de Lisboa , e fundação de S. Vi- cente. O auctor escrcveo em latim , e em S. Vicen- te de fora está huma traducçao donde foi tirada esta recopilaçáo. — Desde foi. 113 até 218. — Autografo. 7. Flores ex scriptis Emmanuelis Scverim de Faria. Multa de regno Lusitanise scitu digna. — Desde foi. 477 até 486 do Cod. 45-0. Autografo, mas incompleto, e delie se vê o grande e merecido apreço, que o nosso chronista fazia do Chan- tre de Évora , e a generosidade comque este sábio fran- queava os seus manuscritos a quem pretendia tirar delles algum proveito. Que tempos ! E que homens ! 8. Extracto ou summario do Líber Fidei de Braga. — Vem no Cod. 45-0 , e he da própria letra do nosso chronista. Dcve-se notar, que este Cod. soffreo hum corte, ou mutilação considerável desde foi. 129 até foi. 199, e co- mo vem neste Cod. muitos extractos da Torre do Tombo, do cartório de S. Vicente de fora , e outros mais de Lisboa , talvez existisse alguma cousa relativa ás Cortes de Lamego nas folhas , que só por malevolencia forao arrancadas. 9. Desde foi. 8ó até foi. 13^ do Cod. 45:2 vem huma obra portugucza , que começa = Este he o origem e começo, c cabo de villa de S. Cruz de Gué da- goa YO Memorias da Academia Reai, goa de narbo. = Parece da letra de Fr. António ao menos cm grande parte. Do estilo, e da própria inscripçao da obra se conhe- ceria, que he mais antiga, aindaque o auctor nao dissesse que ouvira a seu pai muitas cousas, e elle precenccára ou- tras a ..ponto de ser captivo em huma sortida, que se fca contra os mouros. A historia desta peleja e captiveiro en- che algumas paginas por ventura as mais curiosas de toda a. obra , que tem muito por onde possa agradar aos ama- dores da nossa linguagem. A meu ver o Chronista mór a transcreveo, ou fez transcrever, para melhor sustentar ai- gum dia a sua opinião de que a entrega dos lugares de Africa por certo as melhores escolas do valor portuguez , nos trouxe grandes males, e nomeadamente a perda da ba- talha de Alcácer 34 de Agosto de 1758. Exame particular dos Códices 467, 468, 46^. God. 467. Este cod. mal numerado pelo auctor do Index Codicum Bihl. Alcob. devia seguir-se immediatamente ao cod. 4Ó1. Nâo he todo este cod. 4Ó7 da letra dos chro- nistas Brandões. As cartas , que vem no principio , o ti- tulo de famílias, a pag. 149, e a geração do Duque de Lerma, são da letra do monge de Alcobaça , e Lente de Prima de Theologia na Universidade de Coimbra , Fr. Luiz de Sá. Apenas os títulos das famílias de Barros , e Sa's parecem de letra de Fr. António, mas da simples incripção do cod. lançada no sobredito Index, poderá concluir-se seguramente , que toda a obra pertence a Fr. António Brandão , e que Fr. Luiz de Sá , cujas ap- plicaçdcs levavão outro rumo , ou servia de amanuense ao chronista, ou lhe subministrava algumas espécies de genealogia , em que Fr. Luiz nâo era hospede (a). j Cod. ' {a) iNa livrarid do collegio de S. Bernardo de Ooiíiibra se consi-rva Jjuui precioso livro, que fora do uso de Sebastião de Barros, Juiz de DAS SciENCIAS DE L I S n O A, yí Cod. 4^8. Na descripção deste cod. não fez o auctor do Index memoria de Fr. António Brandão , que o escrcveo , quando não fosse todo, ao menos de foi. 41 por dian- te , e deveria acrescentar , que o nosso chronista alli transcreveo o nobiliário do Conde D. Pedro, como se mostra evidentemente de principiar do titulo 7. no Con- de D. Mendo. Cod. 469. A primeira parte deste cod. he da letra do nos- so chronista, e principia deste modo: Cap. i. Dos ires estados da nobreza, A foi. 5" vem hum catalogo dos almirantes de Castella , e acrescenta : Em Portugal ha auido os seguintes , e não chegou a fazer este segundo catalogo. Entra depois no assumpto primário desta obra , que he a genealogia dos fidalgos castelhanos , e come- çando pelos Ayalas , acaba nos Vanegas. No fim de cada hum dos títulos faz huma resenha dos aU- ctores de que se valia , e como ahi figurão muitas chro- nicas portugue/.as , he natural , que seja obra do nosso chronista, o que se reforça ainda mais pela observação de que em cada hum dos tititlos deixava hum espaço em branco , sem duvida para acrescentar , ou alguma espécie, que descubrisse de novo, ou talvez o que per- tencia a este reino. Acaba a foi. 8 1 com as palavras Laus Deo Omnipoientt , et Saittissim^e Virgini Matri. Segue-se no reverso da folha : Da njhreza e dos títulos y opúsculo, que apenas chega a foi. 8i, e acaba no titulo de — Christianissimo. A segunda parte do cod. he impressa em bons caracteres do século XVII , não tem principio nem fim , e trata , como diz o auctor do Index , da familia dos Reis de Portugal , da Casa de Bragança , c de outras , que da- hi procedem. Excitou-se-mc a curiosidade de saber quem era fora de Óbidos, e pai de Fr. Luiz de Sá, e no qual vem pintados e illuiniiiados com as devidas cores ou (escudos de armas de huma boa parte das faiuiliaii deste leiao. 71 Me mo rias bA Academia Real era o auctor deste fragmento , que mcreceo a nosso chronista a honra de o fazer encadernar assim mutila- do , com as suas obras genealógicas. Quasi tinha eu perdido a esperança de decifrar este enigma , cjuando achei casualmente em hum catalogo de manuscritos feito por Monsenhor Hasse a memoria de hum « Livro im- » prcsso , julgo que em Lisboa , de folha , cujo titulo j> he Casa Real , e acaba com hum ramo dos Menezes. » Não tem conclusão, nem rosto, julgo que he hum » livro que principiou a imprimir o Doutor Diogo de j> Mello, e se não continuou por ordem de Castclla. j». Ora todas estas indicações se ajustão perfeitamente com o fragmento de Alcobaça incorporado nas obras de Fr. António Brandão. Tenho dado noticia dos opúsculos do nosso chronis- ta , que por certo deveráo ter melhor lugar na Bibliotheca Lusitana, doque muitos papeis avulsos, como arvores ge- nealógicas, discursos e cartas manuscritas, que em nada honrão a nossa litteratura , e concluirei o que descubri de minha particular industria , pelo annuncio e transumpto da ultima obra histórica de Fr. António Brandão. Foi impu- gnada a 3.' e 4,» parte da Monarchia Lusitana, e vio-se precisado o auctor a sahir pelo seu credito , e pela verda- de dos factos, que sollicitamente averiguara, e tão soli- damente havia estabelecido. He o que se pode colligir do que eu chamo «Apologia da 3." e 4." parte da Monarchia >> Lusitana, em que se desfazem os reparos de hum cri- >5 tico , »' e da qual só resta hum fragmento , já sem as folhas do principio , e que bem casualmente achei entre muitos papeis do cartório de Alcobaça, ou meios queima- dos , ou calcados aos pés dos francezes , quando invadirão este reino em i8io. Como porém o restante da apologia começa a gastar-se por eíFeito do tempo, e má qualidade do papel, e de tinta comque foi escrito, pareceo-me acer- tado transcrevê-lo fielmente , não só porque a Academia Real terá em grande estima o que sahip de tal pcnna, mas dasScienciasdeLisboa. 73 mas ató por utilidade minha , que por certo não haverá me- lhor remédio para curar alguns leitores do fastio, que lhes tcri causado a má frase, e desalinho desta Memoria, do que fecha-la com as palavras formaes do grande historia- dor, que pretendi louvar, ou antes fazer mais conhecido. Fragmento de hiima Apologia da 3.' e 4.' parte da Monarcbia Lusitana, >» A terceira he {d) que reprovo a opinião dos antigos » que atribuem as guerras de Portugal com Leão ao di- >» vnrcio da Rainha Dona Tareja ; E diz que não dou eu >» rczâo bastante em dizer , que se fez o divorcio contra j» vontade de ElRci de Leão, » Louvado seja Deos , que achando eu huma cauza » honroza destas guerras , de que se fica engrandecendo >» a honra dos príncipes deste Reyno , querem forçada- »» mente abatêla , e confessar, que fez ElRey de Portugal » guerra injusta , porque tal havia de ser movendo-a por » ElRey de Leão obedecer aos mandados do Papa. Eu j» achei no Archivo Real hua bulia , em que concede o Pa- »> pa Celestino indulgências a ElRey de Portugal , e aos >> mais de Hcspanha , emquanto fizessem guerra a ElRey de >» Leão , porque favorecia os mouros , e lhes dava socor- j> ro. Fundado nesta bulia disse , que a guerra , que ElRey >» de Portugal movera ao de Leão , fora por esta cauza ; >» que mal fiz em dar este fundamento áquellas guerras, e »> livrar ao nosso Rey da calunia ? E quanto a encontrar j> nisto a nossos Chronisras não seria grave culpa , pois >» em tantas couzas foram deffeituosos como mostro em j> meus escritos. Quanto mais que ha conjeituras bastan- r. FUI. P. II. K » tes (a) Deste principio, ou antes continuação da apologia, se vê clara- mente, que Fr. António já tinha respondido a duas objecções do seu antagonista, que, a julgarmos pela resposta ás seguintes, he de crer fossem plenamente refutadas. 74 Memorias da Academia Real >» tes para se não mover a guerra por esta cauza que el- j» les querem: a i." lie de se fazer o divorcio contra von- j> tade delRcy de Leão : a 2.' de o mesmo Rcy amar >» muito em toda a vida a Rainha Dona Tarcja : a j.' de jj estimar tanto seus filhos , que quando morreu deixava 55 o Reyno de Leão a duas filhas suas excluindo o filho do j> segundo matrimonio. >> A quarta duvida he que no cap. 4 do liv. 12 di- j> ço que a letra X vai quarenta, e que III antes da letra s» X diminuem nella três, e assim fica valendo 37. L>igo, >» e assim o torno a dizer. E se o Auctor tem escrúpulo- >» nisto, veja o que escrevi no prologo da 3." parte acerca j» da valia da letra X. E não sei paraque elle ajunt(ju os 5» números do cap. i do liv. 13 pois neste lugar estão j> os números depois da letra X , e não diminuem o nu- » mero de 40 antes o acrescentam. j> Em o livro 13 acha o Auctor mayores difficulda- >» des. A primeira he que entre as causas, que aponto das j» differenças delRey D. AíFonso II com o Arcebispo de » Braga húa he (não obrigasse os clérigos responder em >» juizo secular) diz, que não hoíive tal cauza, porque nem » se refere no breve de Honório , nem no breve dirigido J5 aos Bispos de Falência &c. >j Digo, que esta foi híía das culpas, que tiveram nos- » SOS Reys antigos, como se colhe de alguns lugares da >» processo , que está no Archivo de Braga, cm que se con- j> tem hum notável decreto do summo Pontifice Gregório »> X, e nelle se dá relação de tudo o que havia succedido >» neste Reyno desd'o tempo do Papa Honório III. E que " cahisse ElRey D. AíFonso II também nesta falta , se co- » lhe, do que escrevo no cap. 2 do liv. 14. E se no ap- >j pcndicc se não escreveram todas estas couzas extensa- « mente , foi porque não importava revelar todas nossas j» mizerias aos estrangeiros. Bastava escrever delias em for- »» ma , que me não notassem depois que as ignorara. « Outra duvida he , que digo no cap. 23 do liv. ij » que DAS SciBNCiAS DE Lisboa. 75- >» que os Bispos de Falência , Astorga , e Tui , vieram a >' Portugal por mandado do Papa Hunorio III a estranhar >» os excessos delRey Dom Affjnso II. E que digo, que '» algum conserto fez EiRey com o Arcebispo de Braga , » c com suas irmãs, mas que nao perseverou nelle , e ul- " timamentc supponho, que ElRey morreu excomungado. »» Todas estas couzas encontra o Auctor, e faz hum " discurso largo , a summa do qual he , que nem os Bis- >» pos vieram a Portugal, nem o breve dirigido a ElRey » se executou, porque chegou a Portugal a tempo, que já » ElRei estava congraçado com o Arcebispo, como consta » de certa escritura do mestre Vicente, que eu alego, c » de outras conjeituras do mesmo Auctor , e ao fim diz j» que nesse estado morreu ElRey sem estar ligado com » censuras, e que quando o estivera não he de crer, que j> hum Rey pio e Christão não pedisse absolvição á hora » da morte. » Vendo , que contra este discurso faziam as escrituras » de Braga, que eu alego, em que o Arcebispo Dom Este- >> vão promete licença para se enterrar ElRey em cccle- »> siastica sepultura diz , que as taes escrituras não são >» authenticas. Põem duvida a outra escritura de Lorvão , >» que faz ao mesmo intento, a qual eu refiro no liv. 14 » cap. 5, e diz, que nella se hade emmendar o numero » dos annos , e o nome do Rey , em que eu digo que fala. » Com muita facilidade responderei a tudo. Em pri- >» meiro lugar digD , que foi descuido meu dizer no fim do >» cap. 24 do liv. 13, que o breve do Papa Honório III j> a ElRey D. AfFonso II se passou em o fim do anno de )> 12 12 sendo assi que a data delle foi a 22 de Dezem- j> bro do anno de 1221, como eu mesmo escrevo no cap. » 25- próximo seguinte. Confesso ingenuamente, que no » cap. 24 fallei inadvertidamente , e a cauza foi , porque >» este cap. compuz eu depois de ter feita a mais historia j> por occazião de achar de novo a escritura de mestre V. >» Deão de Lisboa , que refiro no mesmo cap. E como K ii " dcl- •j6 Memor ias da Academia Retai, j» delia se colhe, que houve algum conserto entre ElRey', j> e Arcebispo julguei, c bem, que depois deste conserto « tornara ElRci a faltar com a palavra , e a incorrer nas j> censuras, pois havia escrituras de Braga, e de Lorvão de » que se colhia esta verdade. E assi me pareceu , que o » breve do Papa viera depois de ElRey tornar a rcinci- j> dir sendo assi que vêo antes , e foi passado no fim do » anno de 1221, como eu mesmo confesso no cap. 2j. 3» Porem não obstante este descuido, o discurso da >» historia, que eu levo em as mais couzas hc verdadeiro. >» E assim digo, que ElRey D. AfFonso teve differenças >> com o Arcebispo de Braga, encontrou as immunidades j» da igreja, e foi por isso cxcommungado pelo mesmo Ar- " cebispo antes do anno do Senhor de 122 1. A 4 de Ja- >» neiro de 1221 escreveu o Papa aos Bispos de Palencia, j> Asrorga, e Tui, que viessem amoestar ElRey, e extra- jj nhar-lhe seus excessos. Eu disse , que elles vieram a Por- 5» tugal , porque o Papa os mandou , e não havia funda- »» mento para dizer que foram desobedientes a seu man- j» dado; mas ou viessem, ou não, importa pouco a historia. •>■> No fim do mesmo anno de 122 1 mandou o mesmo « Papa outro breve dirigido a ElRey, em que lhe estra- y) nha muito os excessos , que delle ouvia , e nelle se su- » põe que havia já mais de anno que ElRey estava ex- j> commungado. D'antes havia escrito o Papa ao Arcebispo » de Braga , que absolvesse a ElRey suppondo sua em- •» raenda. " Parece, que algum concerto se fez entre ElRey e o j> Arcebispo , e entre ElRey e suas irmãs depois disto , >j como consta da escritura do mestre Vicente Deão de }» Lisboa, e eu refiro no cap. 24 do liv. 13, porem digo, »> que esta concórdia ou não procedeu de animo verda- >> deiro , e singelo , ou quando procedesse ElRey tornou >5 a faltar com a palavra, e a incorrer nas censuras (se he ,j que o Arcebispo o tinha absolto delias) e que neste es- »» tado morreu. »> Es- .OAsSciEMCiAS DE Lisboa. 77 '> Esta rezolução se prova cvidentissimamente , do que í» refiro cm os capítulos 2 , c 3 do liv. 14, nos quacs se »» trata da composição que fez ElKey D. Sancho poucos " mezes depois da morte de seu pay com o Arcebispo , " e com suas tias ; e como o Arcebispo prometeu de dar » licença , paraque EIRey se enterrasse em ccciesiastica » sepultura. E ainda advirto, que em nenhuma destas com- " posições se faz menção da outra , que se colhe da es- » critura do mestre Vicente, poronde parece, que não " foi cila valio/.a, ou que realmente se não fez, e que o >♦ dito mestre por trabalhar, que se fizesse, e servir nisso >» a EIRey, receberia as mercês, que se contem na escritu- >» ra. Porem ou a composição se fizesse ou não, o certo >* he que ella se fez depois da morte de EIRey, como con- »> sta das escritutas de Lorvão, e Braga, e assi he mais >* que certo , que EIRey, quando morreu , não estava con- >» grassado com o Arcebispo nem no estado que o Auctor >' pretende. » A escritura de Lorvão he original , eu a vi e tres- 3» ladei , e os curiozos a podem ver no appendice da 4." par- >» te a foi. 171. As escrituras de Braga são verdadeiras, w por mais que o Auctor faça por diminuir em seu cre- >» dito , e assi fica em vão todo o discurso , que elle faz so- >» bre a redução de EIRey Dom AfFonso, e estado, em que » morreu , pois o não prova mais que com negar estas es- j» crituras : em confirmação das quaes quanto ao estado , >» em que morreu EIRey pode servir, o que escreve o Ar- « cebispo D. Rodrigo dizendo , que este Rey foi in pritt' » cipío Cbristianissimiis , hi fine siia deditus voluntati. E eu >» andei tam advertido , no que escrevi , que nunca declarei >» expressamente o estado, cm que EIRey morrera, porque >» para os doutos bastava dcduzirse das escrituras, que eu » alegava , e para a mais gente não era conveniente mayor >> explicação. >» Nem a conjeitura do Auctor em dizer, que quando « ElRey estivera excomungado havia de pedir despensaçâo " a 78 Memorias DA Academia Real » a hora da morte , como fez seu pay , vai couza alguma ; j> pois podia morrer de algum accidcnte , e não ter tcm- » po para isso, quanto mais que não servem conjcituras j> quando temos escrituras cm contrario. j> A terceira difficuldade he , que digo no cap. 17 do « liv. 14, que a lei, que ordenou, que os mosteiros ven- »> dessem as heranças começou depois de ElRcy D. San- >j cho II, donde parece, que me esqueço, do que deixei es- « crito no liv. 13 cap. 21, aonde trago huma lei desta » matéria, que fez ElRey Dom AfFonso II pay de ElRey j» D. Sancho, sobre a qual o Auctor diz ter feito huma ap- j> pologia c explicação , em que mostra ser isto mais an- j» tigo. » Eu sei, que ElRey Dom Diniz fez huma lei am- >> plissima nesta matéria , que refiro cm a f." parte desta » historia , e que deste tempo em diante , que eu chamo » de maior policia , se começou a praticar , e observar nes- j) te Reyno, Antes deste tempo se alguma couza se orde- » nou sobre a venda das heranças ( do que me não con- »» sra , porque ElRey Dom Affonso II só ordenou , que os J5 mosteiros não podessem comprar bens de raiz ) digo >j que se não guardou , antes o contrario , como se pode » ver de todo o discurso da 4.' parte da monarchia , e por » isso tanto monta, como se se não mandara, por esta ra- >j zão não fiz cazo delia senão da outra lei , que promul- }* gou ElRey D. Diniz. jj Outra difficuldade he, que no mesmo cap. 17 digo, >» que procedendo o Arcebispo de Braga Dom Silvestre j> contra ElRey D. Sancho vêo hum breve do Papa Gre- » gorio IX , por rezão do qual cscreveo ElRey ao Arcebis- « po huma carta , que refiro no mesmo cap. » Põe o Auctor grande duvida a esta carta achada » no archivo de Braga , e diz , que contem erros manifes- j> tos. E alargando mais a penna diz , que esta carta con- »> funde dous breves de diíFerentes Papas dirigidos a diflPe- }t rentes Reys. E ultimamente, que não merece fc a so- » bre- DAS SciENCiAs DE Lisboa. 70 »» brcdita carta , porque o ill.'"" Senhor Arcebispo de Bra- »» ga ora de Lisboa diz, que foi elia escrita em ij de No- »» vcmbro do anno de 1138, e eu digo, que foi passada >» em 2^ de Novembro do anno de 1228. >» Começando por esta duvida da data, digo, que >» bem poderá ver o Auctor como eu escrevo duas regras « atrás, que foi passada na era de 1276, a qual responde » ao anno de 123S, e assi bem se deixa ver ser aquillo »» erro da iinpressao, e de pouca ihlportancia pois a era »» ficava apontada. B quanto scf a 23 ou ^^ , escolha em- » bora o dia que quizer. » Venhamos ao ponto. Digo, que esta carta he ver- »> dadeira , nao contem erro nenhum, nem confunde dous >» breves de diffl-rentcs Papas, mas fala só de hum breve, >» que vêo dirigido a ElRey no mesmo tempo, em que vêo >» dirigido o outro ao Arcebispo D. Silvestre. O breve, que >» vêo dirigido ao Arcebispo começa deste modo : Grego- >» rius EpiscopHs &c. yenerabili fratri Archiepiscopo Bracba- j> rensi salute.n et apostolicam b ene dict tonem. Si illustris Rex >» Portugili^ quam hjrrihilis sit in manus Dei viventis incide- >» re debita meditatione pensare c^c. Este breve está tresla- >» dado no nppendice da 4,» parte a foi. 274. O breve di- » rigido a ElRcy começa (traduzido do latim) Gregório » Bispo servo dos servos de Deos ao illustrissimo Rey de >» Portugal. Dezeja espirito de mais são conselho. Se pe- » zarcis com madura consideração quam horrivel couza se- » ja incorrerdes na indinação divina , e cahir nas mãos »» de Deos vivo , certo que vos abstivereis de offender sua j> espoza a igreja sagrada &c, „ Pergunto agora com toda a modéstia , que diíEculdade „ acha o Auctor, em virem dous breves hum para ElRey, j, outro para o Arcebispo em hum mesmo tempo, e sobre „ a mesma cauza , e que convenham em algumas palavras , „ quaes são aquellas — Se pezareis com madura conside- „ ração &c. E as outras dirigidas ao Arcebispo: Si itlu- „ stris Rex Portugália érc. ? Para que se lembrou neste „ lu- 8o Me.moriasdaAcapemiaReal lucTdr do outro breve, que escreveu o Papa Honório a EiRcy Dom Affonso II, se nós falamos do Papa Gregó- rio c de EiRcy D. Sancho? A verdade hc, que a con- tu/ão não está na carta, que eu alego, em que ElRcy D. Sancho faz menção do breve , que lhe mandou o Papa , c refere delle só as palavras necessárias , porque não „ importava tresladalo todo. E assi a carta não confunde , dous breves de diíFerentes Papas, dirigidos a difFcventes , Rcys , mas a confuzão d'outra parte procede. Deos nos „ livre delia, e nos alumie com sua divina graça. Amcn.»» ME- MEMORIA HISTÓRICA Sobre a villa de Cea. Por Agostinho de Mendonça FalcSo. Ne o meio da província da Beira, e na extremidade orien- tal da diccese de Coimbra , comarca da Guarda , e em aj'i[radavel coUina da serra da Estrella está assentada a antiga villa de Cea ; ficando-lhe ao nascente e em distan- cia de outo legoas a cidade da Guarda , ao norte e em distancia de seis a cidade de Viseu, e ao poei\.te e,,.enj distancia de doze a de Coimbra. :/; (> p" • O nome de Cea he moderno, e acha-se pela primei- ra vez em documento do século XII , como em o chama- do Livro santo do archivo de Santa Cruz de Coimbra (<»)-, se bem que em documentos latinos do mesmo século ,. e do seguinte ainda occorre o nome de Sena {b) , de qiie Cea he corrupção : derivação que acho mais natural , que a que segue o autor da Corografia Portuguesa {c) , deduzin^ do-a do nome de hum cavalleiro , que em o reinado de Fernando o magno edificara o seu eastello ; do que não adduz prova alguma aquelle laborioso escriptor: reparo este, que já fez o Dr. Leal nas Memorias para a historia do bis' Tom.FlILP.n A pa-.. (rt) D. Nicoláo de Santa Maria, Chron. dos Coneg. Regrantes Part. 2. Liv.8. Cap. 18. Agiolog. Lus. Coinmeiítarioao dia 17 de Fe ver. letra b. (è) Foral 1. de Cea do anno 1136 no Real Archivo mayo 12 dos foraes vellios n. ;>. Doe. do scc. Xlí ajnid Reaeítide de AnUquitat. Lu- sit. Lib. 1. p;ig. mih. 71. — Leal Memorias do bispado da Guarda Til. 1. cap. 1. (Ve.ja-se o Documento N. 1.) (c) Carvalho, Corograf. Portiig. Tom. 2, pag. 376. a Mea\orias da Academia Real pado da Guarda {a). Também não julgo digna de maior re- cepção a opinião de que esta villa tivera o nome de Cia no tempo da tyrannica dominação dos Mouros na Hcspa- nha , e Portugal , como tem Jorge Cardoso {h) , a quem parece ser natural desta villa o Rei Giraldo , que conver- tido á fé tomara das mãos de S. Theotonio o habito de converso de Santa Cruz de Coimbra ; trazendo para pro- var huma passagem do Necrológio antigo daquella casa: 5.° idus Februarii ohiií Giraldus de Cia ^ conver sus Santa CrU' às. Parccc-me difficil verificar, em tanta falta de noticias, que Cia fosse a nossa Cea ; por ser pouco seguro o argu- mento , que se tira da semelhança das palavras, de que tem resultado á historia erros innumeraveis. Segundo o mesmo autor do AgioJoglo Lusitano^ foi Cea a cidade dos Vacceos, povos que este e outros escripto- res situão entre os rios Douro, e Mondego, derivando o «bme de vacca , que o foi antigamente do rio Vouga : mas já o Mestre André de Resende (f) advertio, que estes 'povos não pertencião á Lusitânia , mas á Hespanha cite- rior, e habitarão junto aos montes Pirineos. Pelo que fi- ca mais fi-ivok aquella opinião , que não tem mais firme ■apoio , que o Chronicon falsamente attribuido a Flávio Dex- tro , do qual , bemcomo dos mais Chronicões de Luitpran- do , Mnximo , e Hauberto , tem demonstrado a impostura vários criticos (á) ; e entre nós já huma sociedade de eru- ditos respeitavíià («) defendeo o seu uso, declarando ncnhu- fhà a fé de taes escritos. .. 3:í:o Eí/tà pretendida antiguidade apoia aquelle escritor cm 'i\i q'>4 ftV\'.-.'a.. 1. ii .1. j liii . hum h^ . [n) ÍYjemorias citadas gmentasse ja' o numero das conquistas dcqueU^ capitáu famoso; mas a possibilidade oâo basta pcscriprfto,ile Tortiigal Cap. 9. (e) Nas Mmorias para a Historia do bispado ría Guarda P. 1. tit. 1. Cap. J. 6 Memorias DA Academia Real bre os limites das diecescs de Coimbra, e Idaiiha : 3.° pelo foral dado a Cea pelo Snr, D. AfFonso Henriques antes de acclamado Rei, que lie do anno 11 36 (a) -^ e moder- namente deo por averiguado este ponto o curiosíssimo an- tiquário Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo (b) , sobre. o que não ha mais que debater. O primeiro documento de que tenho noticia, ein" que se faça -menção : desta villa , he muito posterior ás in- vasões dos povos setentrionaes na Hespanha , e Lusitânia: he o da divisão dos bispados da Monarchia Godo-Hispa- nica , que se attribue ao ReiWamba , que começou a rei- nar em 672 {c) : divisão sanciorrada em o concilio Tole- dano XI. do anno 675-. Transcreve-nos este documento o Cardial Aguirre (d) , diligente 'Cpllector dos concílios de Hespanha , e se acha também em o Livro Fidei da Sé de Braga. Ponho de parte a questão « Se Wamba foi o autor »> daquella divisão , ou se se decretou no concilio de I-u- >j go de s^9" por alhêa do meu assumpto. He certo ser aquelle documento da mais remota antiguidade, c não pos* terior ao VII. século. Neste documento, marcando-se os limites da antiga diecese da Idanha , se lê o seguinte: Egi tanta teneat de Salla itsqtie Nalamyde Sem usque Mu- riellam. Alguns escritores portuguezes, entre os quacs estão Fr. Bernardo de Brito , e Jorge Cardoso {e) , dão por senhor desta villa o Conde D.Julião, a cujas traições, e machina<; se attribue a perda de Hespanha. Como porém a historia des- («) R. Arcliivo, Maço 12 de foraes antigos W. 3; c iio lini desta Memoria produzido por integra. ' (63 JNo Elucidário das palavras antigas veja-se GarJa. (c) L^Art de. verefio' les dates , pag. niihi 705. — Ahregé CJironoh- gique de rHistoiíe d^Espnnhe Tom. 1. pag. 2y. — Rodrigo IMendes Sil- va , Catalogo Real de Hespanha foi. 32. (d) Aguirre, Coticil. Hispati. Tom. 2. pag. 303. — Livro Fidei da Sé de Braga. Elucidário, vej. Garda. (c) Brito, Monarchia Luyitana P. 2. Liv. 6. Cap. 30. — Jorge Car- doso, Agiologio Lusitano Tom. 2, Comnientario ao 1." de RJaiço. DAsSciENCiASDE Lisboa. 7 deste Conde se acha envolvida em tantas fabulas, c Brito a bebeo em fontes tão pouco puras, não me atrevo a dar por averiguado este senhorio. Tambcm não posso acostar-me á opinião dos que af- £rmão ser Cea antigamente cidade, fundados no que diz Jorge Cardoso (a), e no foral de 11 36, cm que occorre a expressão in ciiitate Sena : o que também induzio o au- tor do Elucidário a chamar-lhe com menos exacção cida- de (i). Porém r." Jorge Cardoso não teve outro apoio mais doque a authoridade de Dextro, que he nenhuma: 2.° se fosse cidade episcopal , appareccria em as actas dos mui- tos concilies celebrados na Hcspanha, e Lusitânia subscri- pção , ou assignatura de algum Bispo delia, como appare- cem dos Bispos daquellas cidades, que os tivcrão : 3.° acha- ríamos alguma memoria desta prerogativa nos Chronicões, e nas Historias verdadeiras , que se escreverão na meia ida- de ; o que he tanto pelo contrario, que em o Chronicoa do Silense (c) se denomina Oppidum Sena : 4° se o primei- ro foral lhe chama huma vez cidade , quatro vezes lhe chama villa , como verefiquei pela copia authentica , que dclle conservo: e ultimamente porque, segundo a judiciosa observação do autor do Elucidário (á), era vulgar em o L se^ culo da Monarchia denominar-se cidade hum concelho , ou julgado, de que era cabeça huma terra acastellada , ou aforralezada, como se achão denominadas as villas da Fei- ra , Montemor o velho , Nomão , e outras. Com a mesma irregularidade se vê ordenado o foral dado a Bragança do anno de 11 87, em que promiscuamcnte se lhe dá o nome de villa , e de cidade. He fora de toda a duvida , que a villa de Cea foi em tem- (a) Agiologio Luiitano no lugar citado. (i) Elucidai-io nas palavras Adeamnr , Baralar , Lwia, e Schola. (c) He hum Cjironicoii feito por hum Monge do Silos, que o Mes- tre Flores publicou no Tom. 17. da Hespaitlta Sagrada. (d) Eluádario. Vej. Cidade III. 8 Memorias DA Academia Real tempos antigos terra acastellada. Prova-se i.° de huma bul- ia de Innoccncio II. de 1135, em que se lê: Ca strum Se- na , et Gaudela cim Sclorico : sendo certo , que a dicção Castriinij tanto nas épocas da latinidade pura, como nos sé- culos bárbaros da meia idade , não significa senão lugar fortificado, ou afortalezado (a). Prova se 2.° do foral desta villa do anno de 11 36, em que se provindencêa o modo de reparar o muro , no caso de cahir , e a alcáçova , oU casa forte , e acastellada, residência do senhor da terra , ou do alcaide mor. Accresce o testemunho , e authoridade de alguns escritores , que dão por fundador do castello da villa de Cea a Fernando o magno (b). Nem as continuas guerras, e correrias dos Mouros naqueílas idades consentião que estivessem sem defensão as terras de alguma impor- tância. Nenhum vestígio existe actualmente desta fortificação; dá-se o nome de castello a hum sitio mais elevado para o norte , onde se vê edificada a igreja parochial de San- ta Maria, que me parece ser edificada, bemcomo algumas casas da villa , com pedras , que pelo seu talho , e figura regular forão de muralha antiga. Qiiaes fossem os acontecimentos memoráveis concer- nentes á historia desta villa depois da invasão dos povos setentrionaes , não será fácil saber-se. Em geral pôde pre- sumir-se , que a sua sorte seria idêntica com a das mais terras da Lusitânia, que forao theatro de continuas guerras entre Alanos, Suevos, Vândalos, e Visigodos , que ultima- mente a senhorearão com toda a Hcspanha , estabelecendo a grande Monarchia Goda , que durou quasi trezentos an- nos até D. Rodrigo seu ultimo Rei , perdido na batalha de Guadalcte no anno 712, ou 713 (c). Du-_ (a) Gesuer, Thesaurus laíin, liiig: — Du Cange , G/ossarium. Vej. Castrum. (b) Rodrigo Mendes Silva, Catalogo Real de Hcspanha. — Jorge Cardoso, Agiologio Coinuientario ao 1." de Março. (fi) Ha variedade sobre esta data , que Brito põe no anno 714. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. p Durando a invasão e barbara dominação dos sarrace- nos sofreria Cca os horrores , devastações , e tyrannico tra- tamento , que seus régulos praticarão com os povos da Lusitânia , e Hespanha , de que nos fazem dolorosa pintu- ra os escritores desse tempo (a). Pelo meio do século VIII. começao as conquistas dos Reis de Leão nas terras da Lusitânia , que gemião debai- xo do pczado jugo dos árabes ; sendo D. AfFonso o catho- lico o primeiro que conquistou muitas terras de Portugal {b). E continuando as mesmas conquistas D. Affonso o casto , tomou Lisboa, Lamego , Viseu , Coimbra , e outras terras ; no que o imitou Ramiro I, (c) ; mas sobre todos se distin- guio nesta generosa luta Affonso III. , chamado o magno , não havendo quasi nenhuma povoação de importância das nossas provindas , que não recobrasse do poder dos mou- ros , povoando grande numero delias (d). Neste tão longo intervallo, em que decorrerão mais de cem annos, de crer he fosse a villa de Cea theatro de illustres feitos de guerra , e que alguns daquelles valorosos Reis a tirassem do poder dos mouros : todavia não sei que haja escritor algum do meu conhecimento, em cujas obras cstejão postos em memoria acontecimentos alguns deste pe- riodo, em que são tão escassas as noticias. O mesmo podemos dizer a respeito das expedições , e Tom. FUI. P. II. B con- A arte de verificar as datas em 712, Lenglet nas Taboas Chroiiologicas em 713; a quem seguio o autor de TAbregé , Chromlogique de i^Jíií- ioire cfEspanhe. («) Chron. de Isidoro Pacense no tom. 8. da Hespaiiha Sagrada. — ChroH. do Silciise no tom. 17. da mesma obra. (A) Cluoti. do Silense. — Chron. do Abeldense no tom. 13. da Hcs* panhn Sagrada. — Chron. do Bispo D. Sebastião no mesmo tomo. — ■ Catalogo Real de Hespanha foi. 40. (c) Chron. de D, Sebastião. Catalogo Real de Hespanha foi. -16. — Castío, Mappa de Portugal tom. 1. pag. 27.5. (rf) Chron. do Abeldeme. — Chron. de D. Sebastião. — Catalogo Real foi. 40. IO Memorias da Academia Real conquistas dos Reis R.amiro II. (a) , Oalonho III. (h) , c Bcrniudo II. (c). Esfc vcnceo o formidável Almansor, que pelos annos de 996 devastou inteiramente as terras de Por- tugal , pondo tudo a ferro , c fogo (d). He muito de suppor, que a villa de Cea participasse desta horrivel , e desastrosa destruição; c tanto mais pro- vável , por vermos ser pouco depois povoada, e seu castel- lo edificado por D. Fernando o magno , pelo meio do sé- culo XI. (e). Na historia das famosas conquistas deste Rei victo- rioso , faz-se illustre menção da tomada de Cea pelas suas armas vencedoras. Transcreverei as próprias palavras do Si- lense : Igitur aestatts initio .... de cavipis Gothorum niovens , Poríngnlem profectus est '. maxime parti , cujtts est LnsUania , et Baetica, barbar i eructantes impie dominabantur .... Para- tis itaque stipendiis omnibus , primo impetu oppidiim Sena cum aliis . circumjacentibus castellis invadit ; interfectisqiie barbar is , qtios vohiit in servitiitem sibi , siiisque hnmiliavit (f). Refere depois as conquistas de Viseu , Lamego , 'e Coimbra , de que não faço mais larga menção , por não s;erem da competência desta memoria. Foi de curta duração cm poder dos christaos a posse da villa de Cea; não durando na dominação destes os cas- tellos ganhados aos mouros, senão emquanto erão susten- tados á força de armas. He constante e sabido que a pesar dos ■ (a) Chron. de Sampiro no tom. 14. da Hespauha Sagrada. — Mo- iiara/i. Lusit. Mv. 7. cap. ".io. (b) Hampiro , Chron. cit. — Catalogo Real foi. 54 f. — Monarch. Luòit. liv. 7. cap. 22. — Castro , Mappa de Forlugnl tom. 1. p. 278. (c) Cliion. du Sllcnsc. — r Chiou. Gothica. — Monarlic. Lusit. liv. 7. cap. 2ã. . .1 . ' ((i) . Ch»:m, do Siieiíse. — Monarch. Lusit. uo lugar citado. — Eluci- dario tom. J. pai;'. 452. — (t). Kodrigo Mendes Silva, Catalogo R. foi. 67 f. — Cardoso, Agiologio Lusitano Commentarjo ao 1.'^ de i\Iarç'o letra b. .: (.i) CktW.-do iSiteiise no tom. 17. d;; Heqiunha Sagrad^i, — Mo- tutrc/t. Lusit. liv. 7. cap. 28. dàsScienciasdeLjshoa. ii dos grandes esforços , c multiplicadas victorias dos Reis de Lcíío sobre os mouros , as nossas terras cstavão pela maior parte occupadas , e dominadas pelos seus régulos , quando Portugal foi desmembrado da Hcspanha , e dado ao siír. Conde D. Henrique (a), que teve de fazer-lhes por- fiosa , e aturada guerra , vencendo-as em dezasete batalhas campaes (l/). Disse ser de curta duração a villa de Cea em poder dos christãos , depois de tomada aos mouros por D. Fer- nando o magno , por achar em os escritores portuguezcâ noticia de que os lugares da serra da Estrella estavao oc- cupados por mouros em tempo do snr. Conde D. Henri- que ; c que em vida delle os expulsara dali o esforçado cavallciro Egas Moniz , aio do nosso primeiro Rei , sendo de crer que neste numero entrasse a villa de Cea : o que se torna muito provável, por ser terra acastellada, sendo os lugares afortalezados aquelles, que os mouros preferião, co- mo mais próprios para a sua segurança (c). De Manoel de Faria e Sousa (d) nos consta, que aquelle honrado, e va- loroso capitão sahíra vencedor de toda esta parte da serra de Estrella, alimpando-a de mouros; diz elle: Egas Mu- fíiz buelto libre corria felizmente la campana de la sierra de la Estrella. Hallando-se con ella limpia de mouros , dió-se ai recreo de la manteria de j avalies , a que era aficionado con estremo [e). Data do tempo do nosso primeiro Rei o primeiro foral dado á villa de Cea (/) , sendo elle ainda Infante ; B ii e (rt) Brandão , Monarchia Lusitaiui liv. 8. e 9. — Castro , Mappa de Portugal tom. 1. pag. 281. (4) Manoel de Faria e Sousa, Europa Tortugucza tom. 2. pag. 27. (c) Brandão, Monarchia Lusitana liv. 8. e 9. — Faria e Isousa , Europa Portugueza tom. 2. ]). 1. cap. 2. {d) Faria , Europa Portug. tom. 2. pag 37. (e) Brito , Chroti. de Cister liv. 5. cap. 10. (/) Torre do Tombo maço 12 dos Ibraes velhos n. 3, por vezes citado ; e uo íim desta uiemoria produzido por integra. xz ^Iemorias da Academia Real e be do iinno de 115^. Nellc se lhe concedem muitos privilégios, que são liama prova não equivoca de que esta VJila lhe fora bem acceita , e que os merecera pelos seus bons serviços na guerra , que erão de ordinário os que naqucUcs tempos o snr. Rei D. AflFonso Henriques tinha muito em lembrança , e consideração, para dar-lhcs a re- muneração devida. Entre outros he notável o que se con- cede aos cavalleiros , ou áquelles que tinhão cavallo , e ar- mas ; nos termos seguintes : CabaUarius de Sena , qni non habtierit e^restamo non vadant in fossadnm , nisi illo de Maia et fípe Ilido.- Chamo notável este privilegio; porque devendo os que tinhão cavallo, e armas, acompanhar o seu soberano, ou seus capitães, ou lugar-tcnentes nas frequentes expedições militares , e correrias em terra de mouros, como consta de iinnurtieraveis documentos dos primeiros tempos da monar- chia , especialmente de alguns foraes (a) , em que se im- põem penas aos que faltarem, vejo por este privilegio dis- pensados os da villa de Cea de irem ao fossado , que era huma cavalgada militar encaminhada a destruir ns searas , e talar os campos do inimigo (b) , em que algumas vezes commandava o próprio Rei ; e tão somente os obriga a foral á revista de Maio, e ao appellido, ou rebate de mou-í ros na terra (í). __^ Pou- ^•(«) foral de Cast 'llobranco de Vi\A. {b) Uu-Cange, GIoímt. Vej. Fo.isaitiin. — Elucidário de Fr. Jcaqiiijii de Santa Rosa. Vej. Fossado, e vej. Foro morto. (c) Fazia-se nos primeiros séculos da monarohir, huma revista ge- rai em o 1." de Maio, eiii que o chefe de faiiiilia, que tinha certa quantia de beiís, devia apresentar hum Cavallo de marca, projnio pa- ra o serviço militar; o que faltava pagava certa mulia, que em al- guns dociunentos se chama cavallo de Waio. Elucidário, vej. cavallo 3e Alaio, Appellido dizião os antigos o chamamento apressado da gcute da terra , para acudir á defenção da mesma , quando o inimigo avizi- nhava: c daqui o verbo aj.iu/lidtir , que na n)esma signilieação he fre- quente cm barros, c Couto,- e que vem uiais de huma vez ua orde- narão. DAS SciENGiAs UE Lisboa. i^ Píjucos annos antes de ser acciamado Rei o síír, D. Af* fonso Henriques, nocastello da villa de Cca se fizerão for- tes dous levantados, ou rebeldes, nácuraes da cidade de Viseu, chamados Aires Mendes, e Pedro Paes, de alcu- nha o Carofe, cujos bens lhes forao confiscados, e delles feZ ftquellc Príncipe doação em Temuneraçlo de sefviços ao seu grande privado Joáo Viegas (a). Neste reinado teve a villa de Cca magistrado encar- regado da administração da justiça, que em a doação dO ànno de iiji do couto de Monraz , á Sé de Viseu pelo síir. D. AffonSo Henriques , confirma com a denominação de juiz, e justiça das comarcas, ou dcstrictos de Viseu, e de Cca. Monio Menendi provinciarum Fisiemis et Sena jHde:){ et Jiistitia j.firniáta {b). Pelo que respeita ao reinado do síír. D. Sancho íi -^ concordão Duarte Nunes de Leão, Pedro de Ma ri iz , An- tónio Carvalho da Costa, e Jorge Cardoso, em dizerem, que este soberano augmentãra á villa de Cea seus privilé- gios , povoando-a , e dando-lhe foral {c) : mas se na pre- sença de varões tão eruditos c beneméritos da nossa litte- ratura , me he licito interpor o meu juizo , e declarar mi- nha opinião , tenho por mais certo não haver tal foral , e c]ue nesta parte se equivocarão: i." porque não existe nò Real Archivo da Torre do Tombo nem indicio , ou me- moria de que ncUe existisse. 2.° porque na carta de confir- mação do anno de i^S^ (^)j ^ti que o srir. Rei D. Affon- so n. confirma os privilegies, e foral da villa de Cea, so- mente se refere ao do síír. D. AíFonso L seu avô nestes ter- (n) Doe. de Pendorada do anno de 1133, referido no Elucidário, A^ejão-se Aprestações, Idos, e Sessega. (6) Doe. da Sé de Viseu no Elucidário. Vej. Podesdadcs. (c) Nunes de Leão, Clnon. do sTir. T). Sancho I. pag. niih. 49. — Pedro de Mariz , Dinloa^n dn var. Histor. cap. 9. pag. mihi 91. — Car- vallio, Corografia Port«o«CM tom. pag. S76. — Cardoso, Agioto^ Liiútano Coinineiilaiio ao 1.° de Março. ((í) Acha-se lauj:ada uo fim do foral de Cea do anuo de U36 no 14 Memorias va Academia Real termos ; Concedo et confirmo vobis populatoribus de Sena istam Cartam et istiid fórum quod vobis dcdit avus meus incUte me- morie: 3.° não he crivei que se cm o reinado intermédio SC tivessem dado novos privilégios, e novo foral á villa de Cea , seus moradores deixassem de requerer a sua confirma- ção : 4.° porque pelo foral do síir. D. Sancho I. (caso o houvesse) ficava sem observância o do síir. D. AfFonso I. , por í>er aquelle posterior a este; e era irregular confirmar o .si1r. D. Affonso II. o primeiro foral , quando só deve- ra confirmar o ultimo; ou quando quizesse instaurar, e dar vigor ao primeiro era de necessidade o cassar cjfpressamen- te o segundo , o que não fez. Donde tenho por mais cer- to não existir semelhante foral. Posso com mais certeza afiirmar ser governador , ou adiantado, ou senhor de Cea neste reinado Pedro Affon- so , que como tal confirma cm a doação, ou confirmação das doações anteriores , feitas a Santa Cruz de Coimbra, do an- no de 1186: Petriis Alfonsi ^ qiti tenebat Senam , et signifer Regis (ã). Brandão , que refere esta escritura , tem por ave- riguado ser D. Pedro Affonso , alferes mòr , e filho illegi- timo do síir. D. Affonso Henriques. Nada occorre digno de memoria em o reinado do se- nhor D. Affonso II. , relativo ao nosso objecto , além da confirmação, que csle soberano fez do foral de 1136, por carta do anno de izff, acima indicada; e a mesma esca- cez de noticias encontro cm o reinado do síir. D. San- cho II. . ^ Já em o reinado do srír. D. Affonso III. se encontrão mais algumas noticias. Forão governadores do destricto de Cea D. Fernão Lopes, e D. Pedro Poncio : o primeiro as- signa era huma doação do anno de 125' o, que aquelle so- be- mn2 se acha lançada huma carta de doação de varias ter- ras , em que entra a villa de Cea , feita a D. Fernando , ultimo filho do Infante D. João , filho do sfír. Rei D. Pe- dro I (f). Todavia ainda neste mesmo reinado, e talvez an- tes daquella doação teve o senhorio desta villa Marti m Af- fonso de Mello {d) , de quem trata em seu Nobiliário o Con- de D. Pedro (e) , e diz Lavanha nas notas ao mesmo lugar do Nobiliário , que aquelle fidalgo fora rico-homem nos reinados do siir. Rei D. Fernando, c do snr. Rei D.João I. , e senhor das villas de Mello , Linhares , Cea , Gouvea , Selorico , e Penamacor. Este mesmo soberano confirma os privilégios , e isen- ções da villa de Cea por termos muito amplos , em carta summaria dada em Viseu a 16 de Janeiro da era de 1430^ que he o anno de Christo de 139a (/). Tom. FIIL P. II. c Por (a) Sousa Historia Gaieal. tom. 11. pag, 612. — Chron. de Leão p. 1. foi. 150. (6) Nunes de Leio Chron. p. 1. foi. 172. — Europa Fortugue~a toui. 2. pag. 231. — Sousa Memor. dos Grandes pag. 624. • (c) Historia Geiteal. tora. 11. pag. 629. {d) Lavauha nas notas ao tit. 45 do Nobiliário de T>. Fedro. (e) Nobiliário do Conde D. Fedro tit. cit. n. 15. (/) Livro 2. do snr. Rei D. João L foi. 64 f. col. 2. ao ReaJ Arcbivo. li, Memorias D* Acadbmia Rhal i Por carta ck 2í de Dezernbro de 1433 confirma em caíta çummaria o snr. Rei EX Duarte os foros,. e privile» gios da villa de Cca (a) ; e os mesmos confirma novamen- te o snr. Rei D. Affonso V. por carta, também summaria dt? 30 de Agosto de 1439 (b). Foi senhor de Cca nesta reinado D. Affonso Conde de Monsanto, como acho pelo conteúdo de huma carta do mesmo Rei , do anno de 1479 , pçl:^ cjual isenta os moradores da villa de Cea , cjue tivc- xsm bestas , de servirem com ellas em fortaleza , ou praça alguma , excepto na de Monsanto (f). Ao snr. Rei D. Manoel deve a villa de Cea o novo foral, quç presentemente tem, que he do anno de ijioj e he quaíito ha deste reinado , relativo ao meu objecto. Do reinado seguinte acho noticia de que esta villa paiispq da coroa, em a qual se achavi, para o Infante D. LíuiZiv.pflr c^rça de 5 de Agosto de 15:37 (d). O mesmo In- ftntQ p*de em seu testamento (í) a seu irmão o snr. Rei D. loão m, , fuça mercê da sua villa (Je Cea a seu sobri- eho o. snr. D. Duarte , Duque de Guimarães. Não tenho poticia de que se realiaasse tal mercê; nem que esta villa íorriassi? a sahir da coroa, depois que foi donatário delia Q diío Infante, , . ' , -'l Supposta a antiguidade da villa de Cea , como se vâ do corpo desta memoria , não posso deixar de admirar-me de ver quç não gosa de voto em cortes; pois não a acho enumerada çntre aquellas villas , cujos representantes en- chem os dezoito bancos das cortes (/). Augmenta-se a minha admiração, vendo na posse desta prerogativa muitas villas menos notáveis, e signiEcantes^Nem faz em contra.- ^■y...l .■,, .', rio (a) Livro 1. do snr. Rei D. Duayte no R. Archivo foi. 55 f. (b) Livro 19. do siir. D. Affonso V. foi. 107 f-. no R. Archivo. (c) Livro 2. da Beira foj, 176 uo R. Archivo. Veja-se o documen- to n. %,■ (d) Prov. da Hvitor. Gemalog. tom. 5. pa;ç. 21. ! (4) Frw- da Hiátof. Gmmlog. liv. 4. B. 81. (/) Castro Mappa de Portugal tom. 1. pag. 445. ©AS SciE>tciASDÈ Lisboa. i^ rio o documento das cortes de Lamego (a) , em ctijo priti^á cipio se lê assistirem nellas procuradores de Sena ; porque: este facto não deo a esta villa o direito de achar-se pof seus representantes em as mais assembleas , ou ajuntamen- tos de cortes authenticas, que se celebrarão em os seguin- tes reinados ; nem sei que disto se faça menção em docu- mento algum digno de fé. Antes de dar idéa do estado actual desta villa, cum- pre fallar de huma tradição confusa , que ha nella , de ser santa Antonina natural de Cea , e de padecer martyrio na mesma villa , sendo por fim lançada na lagoa da serra da Estrella. Esta vaga tradição colhco maior vulto , depois que Jorge Cardoso publicou o seu Agiologio (í) , em que dá por averiguado este ponto , seguindo a António Tavares de Távora na obra , que consagrou a este assumpto , da qual como manuscrita faz menção a Bibliotheca Lusitana. Dos modernos abraçou a mesma opinião Carvalho na Corografia Portugueza , e Castro no seu Mappa de Portugal. O erudito autor das Memorias para a historia do bispado da Guar^ da (c) com apurada critica , e erudição não vulgar discutio e averiguou este ponto , mostrando não poder pertencer á igreja latina a gloria do nascimento e martyrio desta san- ta , que só foi conhecida nella , depois que o Cardeal Ba- ronio trasladou dos Monologios gregos para o Mártyrologio Romano a memoria desta virgem martyr {d). Segundo aquelle memorista funda-se a opinião de Jor- ge Cardoso unicamente na authoridade do falso chronicou attribuido a Flávio Dextro : o que a torna digna de todo o desprezo. Os commentadores de Dextro , sempre aposta* dos a naturalizarem todos os factos, de que suppunhão re- c ii sul- • (a) Provas da Historia Genealog. tom. 1. pag. 9. (i) Publicou o tomo 1. em 1652. (c) Leal Memor. para a historia do bispado da Guarda p. 1. tit. 3» cap. 3. (d) Mártyrologio Romano di» 2 de Mar^. ' 20 Memorias da Academia Real sultar gloria á sua nação , dizem ser Cea lugar , ou aldeã , da Galliza , a que vira o nascimento , e martyrio daquella santa ; o que não tem mais fundamento. Os laboriosos continuadores do jícta Sanctorum de Bol- lando {a) provarão com cinco documentos dignos de toda a fé , ser Nicea , c não Cea a pátria de santa Antonina , onde durando a perseguição de Diocleciano fora martyriza- da ; e affirmão que assim se lê nos Monolugios gregos , tendo por sem duvida, que Baronio equivocadamente no Martyrologio Romano escrevera Cea em lugar de Nicea. Accresce a authoridade de Tillemont {h) , que segue a mes- ma opinião, que acho mais plausível , que a de Jorge Car- doso , que de ordinário adopta sem critica tudo quanto achou nos chronicões hespanhoes rdativo .aos santos da Lusitânia. ■ -íi.,» . nij.. Também deveria entrar nesta memoria a noticia dos escritores portuguezes naturaes da villa de Cea ; a Bibliotbe- (a Lusitana nos conservou o nome de três pnuco conheci- dos na nossa litteratura , a saber: Gaspar Rebello, João Dias, e Fr. João de Sahagum, cujas obras não menciono, por pouco interessantes, e podem ver-se na Bibliotheca Lnsi' íana. Resta, para concluir este opúsculo, dar noticia does- tado actual da villa de Cea. He ejla cabeça de hum dila- tado termo, que se compõe de quarenta e huma vintenas, ou povoações em que ha hum Juiz vintaneiro. Ao seu go- verno çiyil preside hum juiz de fora, que o he do civcl , crime, e ortâos; e he de creação antiga. Aindsque ao cer- to não possa dçterminar o anno da çreação delle , tenho fundamento para crer, que ou foi creado nos fins do reina- do do snr. D. João III. , ou na menoridade do snr. D. Sc- bâStiãa; porque dos documentos lançados em o livro anti* go do registo da camará , de que acima fiz menção , consta- va (a) Acta Stiictor. dia 1° de Março. (6) Memoires Ecclesiastiques tom. 6. p. 1. p«gi J46. DAsSciEMCIAS DE LlSBOA. 2Í-: ta que èm o anno de ijiy ainda alli haviáo juizc? ordí-' narios , c quc cm i$66 já era juiz de fora de Cea Luia Ferrão Lobo, do qual até o actual juiz de fora, Louren- ço Justiniano do Couto Faro , que o hc cm o anno de i8ao, em que isto escrevo, se contáo cincoônta c seis juizes de fora. U Para o expediente dos negócios judiciaes, e forenses j tem sete tabelliães, e escrivães do publico, hum escrivão de ortãos , hum das sizas e direitos reaes , hum de execu- ções , hum de achadas c almotaceria , com os officios de inqucridor , distribuidor , e contador , que todos são da data de S. Magestade. Ao governo económico , c de policia da terra preside a camará da villa , que se compõe do juiz de fora , como presidente, de três vereadores, de hum procurador, e de hum escrivão. Os almotacés são, segundo a ordenação, os officiaes da camará do anno antecedente , em os primeiros seis mezcs do anno ; em os seguintes o elege a camará. No militar he governada por um capitão mór com 7 companhias de ordenanças. ^ ofí (■ 1 Tem huma só parochia da invocação de santa Maria j igreja collegiada, a que preside hum reitor, que apresen- ta, e colla os quatro beneficiados simplices, de que a mes- ma collegiada se compõe. Creio ser cila da mais remota antiguidade; pois que no foral de 11 36 se contemplão com isenções os clérigos, que servião esta igreja : lllos Clericoí ( diz o foral ) qui servhmt ad sanctam Mariam , sint sempet honwatus cum vinces , et cum casas et cavallos , et mulitas ha- bere , et nimquam detit rationem , et suos cavallos , et babere que twn prendat seniorem terre. São filiaes desta igreja as parochiacs de villa Cova a Coelheira , do Sabugueiro , de S. Martinho , de Pinhanços , e de S. Thiago , que regem curas amovíveis da apresen- tação do mesmo reitor de santa Maria de Cea. O exce- dente das côngruas do reitor , beneficiados , e curas for- fciA huma commcnda rendosa da ordem de Christo, de que hs a» Memorias Iía Acadkmia Real he commendador Domingos de Albuquerque da cidade de Lisboa. Tem casa de misericórdia, e hospital. Já acima fica dito , que hoje he Cea terra aberta , e sem muros, nem fortificação alguma, bem que antigamen- te tivesse castello. Sua povoação consta de 564 almas, e de 143 fogos. São objectos dignos de attençao a serra da Estrella , e os rios Mondego , Zêzere , e Alva , que delia derivão suas correntes , e que por si sós davâo matéria a mais di- latada escritura. Por alheios do meu assumpto os deixo para melhor e mais apurada penna. Concluirei o presente opúsculo com indicar as produc- ç6es mais próprias do paiz. São estas o centeio em as ter- ras da serra, o milho grosso, que he o pão usual, e com- mum do paiz , a batata , o feijão , de que ha tão copiosa abundância , que exporta para fora do termo grande par- te. A lavoura do trigo, e dos mais cereaes he diminuta; não porque o terreno lhes não seja apropriado , mas por- que o milho grosso , por hum inveterado erro dos lavrado- res , he olhado como o único cereal digno de attençao. No termo ha bastante azeite, especialmente em as aldeãs de Girabolhos, Touraes, villa Chãa , santa Eulália, e Fo* Ihadosa. Exporta-se grande porção para fora , não obstante o muito que se consome em o fabrico das lãs , que he hum grande , e interessante ramo de commercio dos povos da serra da Estrella , que por meio do mercado mensal de Azurara da Beira exportão para as nossas provindas do nor- te , e para a Galliza avultada porção de pannos de burel j o que rende áquellas povoações sommas avultadíssimas, sen- do por isso este ramo de industria , e de commercio olha- do como o mais abundante manancial da riqueza do paiz. Sobretudo abunda o termo de Cea em vinhos, e de exccllente qualidade, capazes de embarque, se os seus la- vradores fossem mais peritos na arte de os fazer, e prepa- rar. Pondo eu em pratica algumas regras de vinificação de Chaptal, e de alguns peritos lavradores do alto Douro ^ te- .lAWikfe SciHWOiaÀ UB Lisboa;:.!.' m tenho çonseg,uido ter vinhos tâo generosos, como os do mesmo Douro , e obtidos em vinhas situadas em Piiihan- ços. . ,-, - •> . r Além das repetidas experiências , com que tenho con- firmado a opinião em que samprc estive , de que erao ca- pazes de embnrque os vinhos deste paiz , tenho neste anr no em que isto escrevo, outra prova de facto. Hum cava- Uieiro meu vizinho, do lugar de Touraes , mandando vic d,o alto Douro hum pratico para lhe dirigir a feitoria ào^ seu vinho, teve tao feliz resultado, que vendeo para embar- que para o Brazil todo o da sua lavra a razão de 1800 rsv o almude, quando os lavradores do paiz nâo tem veitdido por mais de 1000 rs» Sendo a distancia dos portos do Mondego , da Foa? Dão , e Raiva de pouco mais de sçte, kgoas , fica senda fácil o transporte dos vinhos destes sítios para alli, e des- tes portos para o da Figueira. Muito lucraria todo este tracto de terra da margem esquerda do Mondego , desde a ponte Palhez até Midócs , se por ordem superior se ani-. masse este ramo de commercio, que; persj. s^, bastava par^ enriquecer sobejamente este paiz. Aindaque este ponto era mais próprio assumpto de huma memoria económica, que de huma de simples litte- ratura , e erudição , julguei exceder em pouco os limites desta , tocando de passagem matéria, em que o publico in- teressa : porque segundo o preceito de Horácio, maior per- feição encerrão as obras, era que se mistura com o agrada» vel o útil , que as que tem por objecto somente o deleita^ vel , quaes as de pura erudição. O que basta a desculpar a digressão com que remato a presente memoria , produzin- do juntamente por integra o foral dado por Elrei D. Ma- noel no t.° dç Junho de ijio (Documento N, j.);. DO. %^ Memorias dá Academia Real DOCUMENTOS (a). N, I. J.N nomine Sancte et individue Trinitatis Patris, et Filli, et Spiritus sancti Amen. Ego Infans ildefonsus hcnricius filius plaucuit mihi per bonam pacem ut facerem scriptum firmitiidinis , et stabilitaiis quod firmum per infinita sccula. Vos homines habitante in civita- tem Sena Concedo quod habeatis consuetudincs bonas meliores quod habuistis liuc usque tam vos quam filii vestri, et vestre omni progé- nie. In primiter concedo. De foros de Sena. Id est in primis pro ad seniore quem Sena tenuerit de jugo de boves modio de pane qiiar- tarium de tritico et quartarium centeno et duos quartarios millo. Et decimam de vinum , et de linum , et de homicidio centum nio- dios, et de calumpniam mediam partem, et judicarent illam quatuor homines cum suo alcaide aut judice, et ille homo qui illa calumpnia fecerit non pignorem ilium usque veniat ad conciiium, et si ad con- cilium venerit et directum noiuerit facere pignorent illum , et non roupa de suo lecto. Et totas suas quintes de azarias, totós suos por- taticos de cavalo , que venerit de alia terra , et vendcrent illum in Sena lenzo in portatico. Et de equa unum bragal. Et de asino mé- dium bragale. Et de bove médium bragale. Et de vaca duos cubi- tos. Et de mauro qui ex ierit pro mercê três morabitinos. Et de mau- ro qui ex ierit de cativo, non det nullam calimipniam. Et homines qui fuerint ad conelios des quatuor noctes in denante, duos conilios cum suis pellibus. Et qui fuerir pro melle una canada. Et in alia vice una libra cerea. Et monteiros qui fuerint pro pelles de bestiis âdducant illas ad concilium, et vendant illas sine nullo metto. Et T]ui plus dederit vadat cum illas , et non sedeant pignoratus pro in- do as leis e condições deste foral , que aquellas soomente sejam per- didas pêra a portagem que forem escondidas, e sonegado o direito delias, e nam as bestas, nem outras cousas em que as taes se Is- levarem ou esconderem. Portagem. Trigo, Cevada, Centeio, Vinho. De todo triguo , cevada , centeio , milho painço , avea , e de fa« Jom. FUI P. JI. E ri- 34 Memorias da Academia Real rinha, de cada hum delles ou de linhaça, e de vinho, vinagre oa de sal. e de cal que á dieta villa e rermo trouxerem iiomens de fora pêra vender, ou os dictos homens de tora as comprarem, e ti- rarem pcra fora do termo, pagaram por carga de besta maior a sa- ber : cavallar ou muar hum real. E por carga dasno que se chama menor, mco real. E por costal que he amctade de besta menor dous ceptis, e di pêra baixo em qualquer cantidade quando vier pcra ven- der, hum ceptiil. E quem tirar pêra fora de quatro alqueires pêra baixo, nam pagará nada, nem o lará saber á portagem. E se as dietas cousas ou outras quacsquer vierem ou forem em caros, ou em caretas , contarsea cada hum por duas cargas maiores , se das taes cousas se ou ver de pagar portagem. Cousas de que se nam pagam portagem. A qual portagem se nam pagará de todo pam cozido, queija- das, biscoto, farellos, ovos, leite, nem de cousa delles que seja sem sal. Nem de prata lavrada. Nem de pam que trouxerem ou le- ■varem ao moinho. Nem de canas , vides , carqueija , tojo , palha , vasouras. Nem de pedra. Nem de barro. Nem de lenha. Nem er- va. Nem de carne vendida a peso , Ou a olho. Nem se fará saber de ncnliiía das dietas cousas. Nem se psgará portagem de quaes- x]uer cousas que se comprarem e tirarem da Villa para o termo , nem do dicto termo para a Villa , postoque sejam pêra vender asy vizinhos, como nam vizinhos. Nem se pagará das cousas nossas, nem das que quaaesquer pesoas trouxerem pêra alguma armada nos- sa , ou feita per nosso mandado ou autoridade. Nem do pano e fia- do que se mandar fora a tecer, curar, ou tingir. Nem dos manti- mentos que os caminhantes na dieta Villa e termo conprarem , e levarem pêra seus mantimentos , e de suas bestas. Nem dos guados que vierem pastar alguns lugares, pasando nem estando, salvo da- <}uelles que hy somente venderem. Casa movida. E de casa movida se nam ha de levar ,. nem pagar nenhum di» reito de portagem de nenhua condiçam e nome que seja , asy indo como vindo , salvo se con a casa movida trouxerem ou levarem cousas pêra vender, de que se aja e deva de pagar portagem, por- que das taacs se pagará honde somente as venderem , e doutra ma- neira nam, a qual pagara segundo a calidade de que forem, como »irí seus capitólios adiante se contem. Pa. DAS SCIENCIAS DE LlSRoA. JJ" Pasajem. E de quaaesquer 'mercadorias que i dieta villa ou termo vie- rem de qualquer parte, e maneira que forem de pasagem pêra fora do termo da dieta villa pêra quaaesquer partes, nam se pagará ne- nhum dereito de portajem , nem seram obrigados de o fazerem sa- ber, posto que hy dcscareguem e pousem a qualquer tempo, e ora, e lugar. E se hy mais ouverem destar que todo ho outro dia por algíía causa , entam o faram saber. Esta liberdade de pisajem se nam entenderá quando forem ou veerem pêra fora do reino , por- que entam taram saber de todas, posto que de todas nam ajam de pagar direito. E isto se entenderá no deradeiro lugar do estremo. Nem pagaram portagem os que na dieta Villa e termo erdarcm al- guns beens moves , ou novidades doutros de raiz que hy erdarem. Ou os que hy teverem beens de raiz propios ou arendados c le- varem as novidades e fruitos dclles pêra fora. Nem pagaram porta- gem quaesquer pesoas que ouverem pagamentos de seus casamen- tos, tenças, e mercês, ou mantimentos em quaesquer cousas e mer- cadorias , posto que as levem pêra fora , e sejam pêra vender. Panos finos. De todollos panos de seda , ou de laa , ou de alguodam , ou de linho se pagará por carga maior nove reis. E por menor qua- tro reis e meyo. E por costal dous reis e dous ceptiis. E por arova hú real. E de hy pêra baixo soldo aa livra quando vier pêra vender , porque quem levar dos dictos panos , ou de cada hum dellcs retalhos e pedaços pêra seu usso , num pagaram portagem , nem o faram saber. Nem das roupas que comprarem feitas dos dictos panos. Porem os que as venderem pagaram como dos dictos panos na maneira que acima neste capitólio he decrarado. Cargas em arovas. E a carga mayor se entende de dez arovas, E a menor de cinco arovas. E o costal de duas arovas e meya , e vem asy por esta conta e respeito cada arova em cinco ceptiis e hum pre- to, poUos quaes se pagará hum real. E pella dieta conta e repar- tiram se pagaram as cousas deste foral quando forem menos de costal que fica já posto em certo pre^o. E asy como se aqui faz esta decraraçam e Repartiçam pêra emxenpro nas cargas de nove reis se fará nas outras soldo aa livra , segundo o preço de que fo- rem. E do linho em cabello fiado, ou por fiar, que não seja teci- do. E asy de iâa , e de feltros, burel, mantas da terra, e dos ou- E ii uos 1^6 Memorias da Acapemia Reai, tros semelhantes panos baixos e gro?sos ; por carga mayor quarto reis. E por menor dous reis. ' ET por costal liú real , e dii pêra baixo atee hum ceptil qunndo vier ppra vender. Porque quem das dietas cousas e de cada hCla deJlaç levar pêra seu usso de costal pêra baixo que Jie hum real , nam pagará portagem , nem o fará saber. Nem das roupas feitas dos dictos panosbaixos , e cousas pêra seu usso comprar. E os que as venderem pagaram como dos panos baixos , segundo a cantidade que venderem , como acima he decrarado. Gados. De todo boy ou vaca que se vender ou conprar per homens de fora, por cabçça hum real. E do carneiro, cabra , bode, ove- lha, cervo, corço, ou gamo, por cabeça dous ceptis. E de cordei- ros, boregos, cabritos, ou leitooes nam pagaram portagem, salvo secada hua das dietas cpussas se comprarem ou venderem juncta men- te de quatro cabeças per4 cima, das quaes pagaram por cada hua. hum ceptil. Carne. , E de cada porco, ou porca dous ceptiis por cabeça. E da car- ne que se comprar de talho ou enxeca nam se pagará nenhum di- reito. E de toucinho ou maraa inteiros por cada hum hum ceptil. E dos encetados nam se pagará. Caça. E de coelhos, lebres, perdizes, patos, adens, ponbos , gali- nhas, e de todallas outras aves e caça nam se pagará nenlnia por- tagem pollp conprador, nem vendedor, nem o faram saber. Coirama. De todo couro de boy, ou vaca, ou de cada pelle de cervo y gamo, corço, bode, cabras, carneiros, ou ovelhas corridos ou por cortir dous ceptiis. E se veerem em bestas pagaram por carga mayor nove reis , e das outras por este respeito. Calçadura. E na dieta maneira de nove reis por carga mayor se pagará de çapatos, borzeguiis e de toda outra calçadura, de coiro, da qual nam DAS SçiENCiAs DJE Lisboa. 17 nam pagará o que a comprar pêra seu usso e dos seus. Nem dos pedaços de pelles ou couros que pcra seu usso conprarcm nam sen- do pelle inteira, nem iliarguada , nem lenheiro, dos quaes pagaram como no capitólio de cima dos couros ae contem. Pelitaria. De cordeiras, raposos, martas, e de toda pellitaria, ou ferros por carga mayor nove reis. E de pcllicas, e roupas feitas de pelles por peça mcyo real. E quem comprar pêra seu usso cada hua das dietas cousas, nam pagará luda. Cera , mel , azeite , semelhantes. De cera, mel, ascite, sevo, unto, queijos secos, manteiga salgada, pez, racina, breu, sabara , alcatrão, por carga maior no- ve reis. È quem conprar pêra seu uso atee hum real, de portagem nam pagará. Marçarya , Especiaria , e semelhantes. De grãa, anil, brasil, e por todallas cousas pêra tingir. E por Iiapel , e toucados de seda ou dalguodam. E por pimenta, e canel- a, e per toda especiaria. E por ruibarbo, e por todollas cousas de botica. E por açúcar, e por todallas conservas delle ou de mel. E por vidro e cousas delle, que nam tenham barro. E por estoraque , e por todollos perfumes, ou cheiros, ou aguoas estilladas por carga mayor, de cada hua das dietas cousas, e de todallas outras suas se- melhantes se pagará nove reis. E quem das dietas cousas conprar pêra seu usso atee meyo real de portagem e dy pêra baxo, nam pa- gará. Metaes. Do aço, estanho, chumbo, latam, arame, cobre, e per todo outro metal. E asy das cousas feitas de cada hum delles. Ferro lavrado. E das coussas de ferro que forem moidaa , estanhadas , ou em- vernizadas, por carga mayor nove reis, das quaes nam pagaranj quem as levar pêra seu usso. Armas, feramentas. E outro tanto se pagará das armas , e feramenta , das quaes le« varam pêra seu usso as que quiserem sem pagar. Fer- jS Memorias da Academia Real Ferro em barra. E do ferro em barra ou em maçuco, e por todallas cousas la- vradas delle , que nam sejam das acima contheudas , limadas, moi- das , nem envernizadas, por carga mayor quatro reis meio. E quem das dietas cousas levar pêra seu serviço, e de suas quintaãs, ou vi- nhas, em qualquer cantidadc nam pagaram nada. Pescado , marisco. E de carga mayor de pescado , ou marisco hum real , e cinquo ceptiis, E quem levar de meya arova pêra baixo, nam pagará, E do pescado dagoa doce atee meya arova nam se pagará portagem, nem faram saber asy da venda , como da compra , sendo somente truL- tas , bordallos , ou bogas , e dy pêra baixo. Fruita seca. De castanhas verdes e sequas , nozes, ameixias , figos pasados, huvas, amêndoas, e pinhoões, por britar avelans, bollotas , favas secas, mostarda, lentilhas, e de todollos legumes secos, por carga mayor três reis. Casca çumagre. E outro tanto se pagará de çumagre, e casca pêra cortir. E quem levar das dietas cousas meya arova pêra seu serviço , nam pa- gará. Fruita verde. E de carga mayor de laranjas, cidras, peras, cereijas, huvas verdes , e figuos , e porto da outra fruita verde meyo real por car- ga mayor. È outro tamto dos alhos secos , cebollas , e mellooens , e ortaliça. E quando das dietas cousas se vender, ou levar menos de meya arova, não se pagará portagem poUo vendedor, nem conpra- dor. Bestas. Do cavallo rocim , ou eguoa , e de muco , ou mulla hum real e cinco ceptiis. E do ssno, ou asna hum real. E se as eguoas, ou asnas se venderem com crianças , nam pagaram portage senam polias mayns. Nem se pagará direito se torcarem huas por outras. Porem quando se tornar dinheiro, pagarsca como vendidas. E do dya que se vender ou conprar ho faram saber aas pesoas a isso obrigadas atee dous dias seguintes. E este direito nam pagaram os Vasallos nem escudeiros nossos , e da Rainha, c de nossos filhos. '• '. Es- DAS SciENCiAs DE Lisboa. 35» Escravos. E de escravo , ou escrava que se vender hum real e cinco ceptiis. E se SC forar per qualquer conserto que fezer com seu senhor , pa- gará a dizima de todo o que por sy der pcra a dieta portagem. E se se venderem com filhos de mama , nam pagaram senam polias mayns. E se se forcarem huns escravos por outros sem se tornar di- nheiro, nam pagaram. E se se. tornar dinheiro, por cada híía das partes pagaram a dieta portagem. E a dous dias depois da venda feita iraão arecadar na portagem as pessoas a isso obrigadas. Telha , Louça mallega. E da carga mayor de telha , ou tigello , ou qualquer louça de barro , que nam seja vidrada , dous reis. E de menos de duas aro- vas e meia nam se pagará portagem pollo conprador. E da malle- ga , e de qualquer louça, oubra de baro vidrada do Reino, ou de fora delle, por carga mayor quatro reis. E de meyo real de porta-» gem pêra baixo, nam pagaram os que conprarem pêra seu usso. Moos. E de moos de barbeiro dous reis. E das de moinhos, ou atafo- na quatro reis. E de casca , ou azeite seis reis. E por moos de maao pêra pam ou mostarda hum real. E quem trouxer ou levar as dietas cousas pêra seu uso, nam pagará nenhiía cousa de portagem. Pedra , Barro. Nem se pagará isso mesmo de pedra , nem barro que se leve, nem traga de conpra , nem venda per nenhíia maneira. Cousas de páo. De tonees, arcas, gamellas , e por toda outra obra, e louça de páao , por carga mayor cinquo reis. E do tavoado sarado, ou por sarar. E por traves, tirantes, e por outra madeira semelhante gros- sa , lavrada, ou por lavrar, dous reis por carga mayor. E quem das dietas coussas levar de costal pêra baixo, que sam duas arovas e meya, nam pagará nada. Palma , Esparto , e semelhantes. De palma , esparto , junca , ou junco seco pêra fazer enpreita delle , por carga mayor dous reis. E quem levar pêra seu usso de meya arova pêra baixo, nam pagará nada. E por todollas alcofas, esteiras, seiroôes, e açafates, cordas, e obras, e cousas que se feze» rcoí '40 Memorias DA Academia Real rem da dieta palma , esparto , &c. por carga mayor seis reis. E de meia arova pêra baixo quem as tirar nam pagará. E as outras cou- sas conteudas no dicto tbial antiguo , ouvemos aqui por escusadas, por se nam usarem per tanto tenpo, que nam ha delias memoria. E alguas delias tem ja sua provisam per leis jeraes, e ordenaçoões destes Reinos. Como se arecada a portagem. As mercadorias que vierem de fora pêra vender nam as des- caregaram, nem meteram em casa sem o primeiro notificarem aos rendeiros, ou officiaes da portagem. E nam os achando em casa, tomaram hum seu visinho, ou testemunlia conhecida, a cada hum dos quaes diram as bestas e mercadorias que trazem , e honde ham de pousar. Enitam^ poderam descarregar, e pousar onde quiserem de noute, e de dya sem nenhua pena. E asy poderam descarregar na praça ou açouges do lugar sem a dieta manifestaçam. Descaminhado. Dos quaes lugares nain tiraram as mercadorias sem primeiro o notificarem aos rendeiros ou officiaaes da portagem so pena de as perderem aquellas que soomente tirarem e sonegarem , e nam as bes- tas , nem as outras cousas. E se no termo do lugar quiserem vender faraó outro tanto, se hy ouver rendeiros, ou officiaes da portagem; e se os nam ouver notefiquemno ao Juiz, ou Vintaneiro, ou Qua- drilheiro do Jugar honde quiser vender, se os hy achar, ou a dous liomens do dicto lugar, ou a hum se mais hy nam achar. Com os quaes arecadará ou pagará , sem ser mais obrigado a buscar os of- ficiaes, nem rendeiros, nem emcorerá por isso em algCía pena. Saida per terra. E os que ouverem de tirar mercadorias pêra fora podellasham conprar livremente sem nenhua obrigaçam nem cautella. E seram somente obrigados a as mostrar aos officiaaes , ou rendeiros quando as quiserem tirar, e nam em outro tempo. Das quaes manifesta^ooes de fazer saber a portagem nam seram escusos os priviliigiados , posto que a nom ajam de pagar, segundo adiante no capitólio dos priviliigiados vay decrarado. Priviliigiados. As pesoas eclesiásticas de todallas Igrejas, e mosteiros, asy domens, como de molheres. E as provencias, e moesteiros em que ha frades, e freiras Irmitaâes, que fazem voto de proíiçam. E os cre- DAS SciENCIAS DE L 1 S B O A. 4I creliguos dordens sacras. E os beneficiados em ordens meores , posto que nam sejam dordes sacras, vivem como creligos, e portaaes sain ávidos, todos os sobredictos sam isentos e privilligiados de todo dereiío de portagem , nem usajem , nem costumajem , per qualquer nome que a posam cham.ir, asy das cousas que venderem de seus beens e benefícios , como das que conprarem , trouxerem , ou leva-- rem pêra seus ussos , ou de seus benefícios, e ca>as, e familliares. E asy sam liberdados da dieta portagem per privillegio que tem as Cidades , Villas , e lugares de nossos Reinos , que se seguem. A sa- ber. A Cidade da Guarda , e a Cidjde de Lixboa , e a Gaya do Porto, Povoa de Varzim, Guimaraães, Braga, Barcellos, Prado, Ponte de Lima, Vianna de Lima, Caminha, Vilia nova de Cervei- ra , Valença, Monjam, Crasto Laboreiro, Miranda, Bragança, Froixo ho azinhoso, Mogadouro, Anciaães, Chaves, Monforte de Rio livre, Monte alegre, Crasto vicente, Jormello , Pinhel, Castel Rodrigo, Almeida, Castel mendo, Villar mayor, Sabugal, Sorte-* lha, Covilhaã, Monsanto, Porto alegre, Marvam , Aronches, Cam- po mayor, Fronteira, Monforte, Villa Viçosa, Elvas, Olivença, a Cidade devora , Monte mor ho novo , Lavar pêra os vendeiros somente, Monçaraz, Beja, Moura, Noudar, Almodovar, Hodomi- ra , Os moradores no Castello de Cezimbra. E asy seram liberda- dos da dieta portagem quaesquer pesoas ou lugares , que nossos pri- villegios teverem e mostrarem, ou o terllado em pruvica forma , alem dos acima contheudos. E as pesoas dos dictos lugares privilligiados nam tiraram mais o terlado de seu privillegio, nem o trazeram , so- mente traram certidam feita polio escrivam da Camará , e com o scllo do Consellio, como sam vesinlios daquelle lugar. E posto que aja duvida nas dietas certidooes se sam verdadeiras , ou daquelles que as apresentam, poder-lhes-ham sobre isso dar juramento sem os mais deterem, posto que se diga que nam sam verdadeiras. E se se de- pois provar que eram falsas, perderá ho Escrivam que a fez iio of- ficio, e degradado dous annos pcra Cepta. E a parte perderá em do- bro as cousas de que asy emganou, e sonegou aa portagem. Ame- tade pêra a nossa Camará , e a outra pêra a dieta portagem. Dos quaaes privillegios usaram as pesoas nelles conteudas polias dietas certidões, posto que nam vam com suas mercadorias, nem mandem suas procuraçooes. Com tanto que aquellas pesoas que as levarem ju- rem que a dieta certidam he verdadeira , e que as taaes mercadorias sam daquelles, cuja he a certidam que apresentam. Pena do foral. E qualquer pesca que for contra este nosso foral, levando mais .Tom. FUI. P. II. f 4e- 41 Memorias da Academia Real dcreitos dos aqui nomeados, ou levando destes maiores confias das aqui decraradas, ho avemos por degradado hum anno tora da viila e termo , e mais page da cadea trinta reis por luim de todo o que asy mais levar pêra a parte a que os levou. E se os nao quizer le- var seja nmetade pêra quem os acusar, e a outra met;idc pcra os cativos. E damos poder a qualquer Justiça honde acontecer asy Jui- zes, como Vincaneiros, ou Quadrilheiros, que sem mais processo, nem ordem de Juízo , sumaryamente sabida a verdade , condenem os culpados no dicto caso de degredo , e asy do dinheiro atee contia de dous mil reis sem apellaçam nem agravo, e sem diso poder co- nhecer Almoxarife , nem Contador , nem outro oficial nosso, nem da nossa fazenda em caso que ho hy aja. E se o Seniiorio dos dictos dereuos o dicto foral quebrantar per sy ou per outrem , seja loguo sospenso delles, e da jurdiçam do dicto lugar, se a tever cm quan- to nossa mercê for. E mais as pesoas que em seu nome, ou por elle o fezerem , emcoreram nas dietas penas. E os Almoxarifes , e escrivaáes e officiaes dos dictos dereitos que o asy nam conprirem , perderam loguo os dictos officios, e nam averam.mais outros. E por tanto mandamos que todallas cousas contheudas neste foral que nós poemos por Ley, se cunpra pêra sempre, do teor do qual mandá- mos fazer três , hum delles pêra Camará da dieta Villa , e outro pêra o Senhorio dos dictos dereitos, e outro pêra a nossa Torre do Tonbo , pêra em todo tempo se poder tirar qualquer duvida que so- bre isso possa sobrevir. Dada em a nossa Viila de Santarém ao pri- meiro dya de Junho anno de mil e quinhentos e dez. E vay escrito com a sobescriçam de Fernam de Pina , iium delles em quatorze fo- lhas, e o outro em treze folhas menos nove regras. (^ Livro de Foraes Novos da Beira, foi. 1^ f. col. I.) DES- jtOAS S CIÊNCIAS D£ Li SB O A. 43 DESCRIPÇÃO ECONÓMICA De certa porção considerável de território da comarca de Thomar , e próxima d margem direita do Tejo. Por * ♦ « Que mercceo o Acccssit na sessão publica de 24 de Junho de 1822. CAPITULO I. Artigo único. .. A comarca de Thomar he certamente huma das mais extensas de Portugal, e depois de Lisboa e seu ter- mo , he a mais considerável da Estremadura em povoação : premeditei formar sua descripção económica , e querendo pôr em pratica o plano adoptado pela Academia Real das Sciencias para a visita da comarca de Setúbal , e que se acha inserto no tom. 3. de suas Memorias económicas, vim no inteiro conhecimento de que as infinitas cousas, que de- vem ter huma indispensável contemplação neste trabalho, aplicando successivamente cada huma delias a cada huma das villas da comarca, he sem duvida hum projecto vasto, e grande, que, alem de não caber em minhas forças , exige muitas viagens , relações , e muito tempo ; em o que me- receria occuparem-se positiva e determinadamente muitos homens hábeis. O meu estabelecimento á alguns annos F ii n'hu- 44 Memorias DA Academia Real n' huma das villas da comarca me tem feito visitar seus con- tornos , e de outras villas , que a esta ficão immediatas j e eis o motivo, por que eu por ora somente tratarei da Dcs» cripçao económica desta porção de tcrritOTio da comarca de Thomar, que fica próxima á margem direita do Tejo entre a Barquinha , e Abrantes exclusivamente , abrangendo simplesmente em o termo desta villa os lugares de Rio de Moinhos , Mohtalvo, e Maftinxel , accomríiodatido-me , quan- to for possivel , ao mencionado pl^ino , segundo as sabias determinações da Academia. 2. Povoação, cultura, commercip , industria, contri- buições, e território, alem de, primeiro que tudo, muitos objectos relativos a antiguidades, estes seis só por si no primeiro estado de cousas, o tratarem-se com a devida ex- tensão , e solidez , e com todas ás particularidades econó- micas darião ampla matéria a longas paginas , que não ca- bem no curto espiaço de huma Memoria , que cuidarei de resumir quanto possivel me for. Lembrei-me o tratar pri- meiro que tudo da Descripçao topográfica deste território , paraque depois de conhecido , e as differentes povoações , que nelle existem , lhe houvesse de fazer a applicaçao dos outros objectos. Fiel executor entretanto nesta parte do ad- mittido plano eu o não alterarei. 3. Para fazermos huma exacta idéa dos estragos, que , na ultima campanha da península d'aquem dos Perineos , os exércitos de Bonaparte fizerão em Portugal naquelles pon- tos por elles infestados , basta que simplesmente com ma- goa nos recordemos , que forao os exércitos de hum con- quistador. Estes homens extraordinários , e sempre terríveis , não sabem senão destruir, e nunca edificar; elles merecem o ódio de hum philantropo. Alexandre , Gesar , Gengis-Kan , Carlos XII , Thomas-Kou-li-Kan , Bonaparte , &c. podem excitar muitas vezes a admiração dos homens sensatos, ja- mais porém sua affeição ; mas aquelle , que forma hum no- vo canal, huma nova estrada, que introduz huma nova ar- te, ou hum novo ramo de commercio, he, segundo o meu pen- pensar , acima de rodos os heroes antigos é modernos , ce- lebres por suas conquistas. 4. Os soldados pois de Bonaparte forão como o fogo , que atacou a biblioteca da Alexandria; a perturbação, o susto, a desordem, o receio de perder a vida fez ral tem diminuído, como quer Montesquicu , e outros; j> ou crescido >j como tem querido muitos , que se tem lembrado povoar o globo a seu modo , formando arbitrários cálculos , exagerados , e até alguns escandalosos ; como a progressão geométrica, em que deve crescer a população, celebre calculo do moderno escritor Mnlthus ; tendo tão pouca compaixão de si , e de seus similliantcs , que nos de- vem succcder , que nem ao menos pelo arbítrio com que fez rapidamente crescer a espécie humana, pelo mesmo lhe poderia dar sufficientes alimentos para a sua nutrição ; des- graçadamente porém os condemnou ou mais tarde , ou mais cedo a morrerem de fome, pela arithmetica proporção que çstabeleceo para o augmento dos alimentos , e para a po- pulação geométrica. 14. Devemos-nos entretanto lembrar, que a nosso res- peito muitos concordão na despovoação posteriormente ao anno de ijoo , depois do commercio da Ásia , e das con- quistas; cheios de ouro em consequência delias erradamen- te DAS ScrENCIAS DE LrSBOA. ^í tc abandonámos a cultura dos campos , e o augmento dag artes , tendo a constância de nos tornarmos escravos dos estrangeiros , a quem dávamos o ouro , e a prata de nos- sas descobertas pelas cousas necessárias , e úteis , que entre nós mesmos podiamos obter; quem gasta mais do que tem, bem certa está sua ruína , e qualquer estado deve dirigir o seu estabelecimento em bases solidas pelos mesmos prin- cípios geraes de economia, que qualquer particular. No mea- do do século passado dizia a nosso respeito hum estrangei- ro » ta das índias tem sempre perdido na população , por te- » rem desprcsado a agricultura , as artes , e o commercio : »> esta inacção faz degenerar todos os annos o seu clima j» na fertilidade por falta de cultura ; as terras se tornao » estéreis sem arvores , e mais plantas , &c. »» e finalmen- te conclue , que abandonando-se a agricultura vem a misé- ria , a ruina, e a despovoação. 15-. As ultimas campanhas de Bonaparte na Península forão huma poderosa causa da despovoaçáo do nosso paiz , e mesmo directamente ; e se a agricultura promove a po- pulação , esta não poderia progredir com a decadência la- mentável daquclla : estes males são bem notórios , e forão communs a todo o Portugal ; e por tanto a esta porção de território, de que trato, não estava reservada a venturosa sorte de ser isenta de hum mal , que tornando-se geral , devia ter em todas as partes sua ruinosa influencia. Artigo II. PVHHETE. 16. O primeiro objecto , a que se dirige o plano adopta- do pela Academia he a povoação; servi-me das relações dos diflPerentes Parochos , ccmo melhor fonte , onde podemos ir beber as necessárias instrucções para a conhecermos. O i.** mappa representa a povoação da villa de Punliete , e seu Q li ter- 5"» Memorias da Academia Real termo , que comprehcnde a freguezia de S. Julião , única que esta villa tem ; este mappa juntamente com o 2,.° sa- tisfaz ^em resumo aos três primeiros parágrafos do plano, pois delles colligimos a população em geral , e nas diffe- reates classes. A população desta villa tem sido variável nos diffcrentes tempos: consta que antigamente tivera 6co visjnhos , ha hum scculo tinha somente 300, desde então até agora se tem augmentado , pois se acha hoje de 403. ': 17. Apparece de tempos em tempos hum contagio , que tendo a propriedade de communicar-se de hum a mui- tos indivíduos, segundo a sua natureza, e caracter de ma- lignidade , he capaz de assolar povoações inteiras : existem além disto em muitas povoações moléstias endémicas , que desenvolvendo-se em certas estações do anno , e atacando muitas vezes ao mesmo tempo muitos indivíduos, não obstan- te não terem o caracter de malignidade , concorrem infini- to para a diminuição da população , pela grande mortan- dade que produzem. Quando fiz a Descripção Topografico- Medica desta villa ( Jorn. de Coimbra n. 8y ) cxpuz a in- fluencia de sua localidade em a saúde publica ; aqui direi de passagem somente o que necessário for segundo o men- cionado plano. . 18. Esta villa, não obstante a sua localidade próxima á confluente de dois grandes rios de Portugal Tejo, e Zê- zere, não tem pântanos que a rodeem ; o primeiro rio pou- co se espraia , e seus campos todos annualmente se culti- vão , o segundo corre arrebatadamente por entre altos e apertados montes , de maneira que não pode formar pân- tanos ; está em consequência esta villa isenta de hum foco de desenvolução de miasmas, que no tempo do verão pro- duzindo repetidas intermitentes , podem devastar muitas po- voações. Além disto substancias animaes , e vegetacs em putrefacção , retidas em ruas baixas , e pouco ventiladas , dão origem muitas. vezes á desenvolução de miasmas con- tagiosos, e são a causa de muitas enfermidades, entre as quaes ás vezes apparece o Typhp contagioso : -scl bem que - i is- DAS SciEHCrAS DE LiSBOA. yj isto mais facilmente pôde acontecer em grandes cidades, e villas muito populosas ; esta pela sua situação cm lórma de amphiteatro , c pela vigilância das auctoridades está destes males isenta. He alem disto esta villa sacudida por todos os ventos, e também pelos restaurantes sopros do norte, de todos o mais saudável. Huma vida moUe , e effeminada , o grande luxo , e a depravação dos costumes , o c]uc hè mais frequente em cidades e grandes villas , e origem de grandes males, que concorrem para a diminuição da po- pulação , estes não flagellão os habitantes desta villa. Na saúde dos povos muitas vezes bastante influe a agoa de que se servem em suas necessidades, muitas em si envolvem certos contentos, que assevcrão sua impureza , e as consti- tuem duras , como lhes chamão ; ellas são muitas vczcs impregnadas de sacs de base calcarea , como por exemplo, o sulphato de cal, &c. , e de outras bases térreas, que se- guramente são bem pouco saudáveis : as agoas do Zczcre são mui puras, e cristalinas, não lhes originão pela sua impureza enfermidade alguma. Por tanto as moléstias , a que ordinariamente estão sugeitos os habitadores desta villa , são aquellas mesmas , que costumão apparecer , e se desen- volvem nas diiferentes estações do anno , e próprias das dif- ferentes constituições athmosfericas , estas nvesmas são sem- pre dotadas de hum benigno caracter para produzirem mui- ta mortandade. A este respeito não julgo necessário dizer mais. 19. Se bem que os habitantes de Punhete tenhão mui- tas propriedades ruraes assim no seu pequeno termo , como nos outros das villas circumvisinhns , sua cultura não he feita por elles : o numero dos trabalhadores empregados no serviço do campo he qujsi nullo ; elles não se dcstinão a este serviço , para a navegação dirigem suas especiacs vis- tas; e bem se collige do mappa i." a proporção em que elles estão para as outras classes; isto timbem está em re- lação com o estado actual do commercio ; se os homens não acharem huai meio mais coiiuaodo de subsistência uq SÇf, 5*4 Memorias da Academia Real serviço maritimo, ellcs o teriâo abandonado. Entretanto se- gundo o estado presente da cultura dos campos , esta não soflFre detrimento algum por falta de braços j os pequenos lugares de Montalvo , Amoreira, e Rio de Moinhos su- prem os serviços annuaes em o campo tanto de homens , como de mulheres. Devemos entretanto advertir , que no tempo das cevas dos vinhos apparece alguma gente de Viila de Rei, Cardigos, &c. que montaráó de loo a iço ho- mens , faz-sc então o serviço com mais brevidade e desafo- go ; sem elles entretanto não ficaria por fazer , se bem que com mais demora , e hum pouco mais de dispêndio para o lavrador ; querendo todos então adiantar a cava de suas vi- nhas , cada hum com hum pequeno aumento de jornal que ofFcrtasse , lhe faria atrahir maior numero de operários. Em quinto porém á colheita da azeitona , e especialmente em annos que não são de escassez : por aqui não ha sufficien- tes braços , e dos lugares acima indicados vem os homens , e mulheres sufficientes para este fim , e voltão ainda ao seu paiz a cmpregarem-se no mesmo serviço , e a tempo em que está então a azeitona em suíKciente estado de madure- za para se colher. 20. Lembrando-nos pois do cálculos de Mr. Mellon , vemos que nesta villa se não guardão as relações , que elle annuncia ; pois que diz , que em 20 pares de habitantes , são 16 destinados para a cultura, 2 para as artes, i pa- ra a justiça, milicia, e clero, e i para a nobreza, con- tratadores , &c. Aqui vemos que o maior numero são os empregados na navegação ; o numero de cultivadores he di- minuto em comparação da povoação ; e quasi todos do pe- queno termo da villa. Vemos também , que a povoação sendo de 403 fogos , e de 16 10 habitantes, estes estão na proporção de 4 com pequena differença, o que não mos- tra indigência : e certamente a população não he decaden- te , nem estacionaria , antes comparando-a com os tempos hum pouco remotos , ella tem sido progressiva. 21. Esta vilU nem em tempos mais antigos, nem mes- mo CAS SciEK Cl ASDE Lisboa. rj mo agora conta grande numero de expostos; passa-se mui- tas vezes. hum anno inteiro, em que não apparece na Ro- da hum exposto, em alguns apparece quando muito hum ou dois : estes depois de se crearem , e de terem adquiri- do huma idade já adulta , e sufficicnte para o trabalho , são ordinariamente empregados no serviço do mar , ao que se dcxiicão a maior parte dos habitantes desta villa ; e os do sexo femenino se assoldadão. Artigo III. TERMO DE ABRANTES. Frcguczia de Rio de Moinhos , Montai vo , e Martinxel. 22. Os mesmos mappas i." e 2.° indicão a povoação daquelia parte do termo da villa de Abrantes, de que sim- plesmente trata esta DcscripçSo Económica ; e que com- prchcnde as três freguczias acima referidas ; estas contém fyi fogos, e 1900 habitantes; estão em consequência na proporção de ^ 3,44 &c. ; o que realmente não mostra fer- tilidade em povoação. > w.r 23. A respeito das enfermidades , como causa occasio- nal , que obste ao progresso , e ao augmento da população , são neste caso applicaveis as mesmas considerações , que fiz para a villa de Punhcte , e seu termo. As enfermida- des , que mais devastão este paiz , são as mesmas filhas , e próprias das difFerentcs estações do anno , cuja intempérie impavidamente afrontão seus habitantes, e em consequência mais sugeitos a serem por ellas accommettidos. Por tanto o sexo masculino empregado na cultura dos campos, e mes- mo em a navegação são mais expostos a estas vicissitudes, nos alimentos ordinariamente são poucos, e de pequena nu- trição , elles se expõem aos grandes calores do estio nas horas da sua maior intensidade, satisfazem sua sede beben- do agua fria, estando fatigados, e suados com o trabalho, CO- jk Memorías nA AcADE M í:a Re A L comendo fructos mal sasonados , elles não se acautelão das difFerentes variações da athmosfera na primavera , e outo- no ; expocm-sc a grandes chuvas , que até ao corpo lhes pe- netrão , aos rigorosos frios do inverno , e aos gelos : sofFrcm finalmente o rigor das estações , e por tanto (apezar de cer- to habito) mais sugeitos a contrahirem as enfermidades daqui resultantes; e náo admira por isso ,■ que assim ncs* tes povos , como nos outros , de que presentemente se tra» ta , e para os quaes servem do mesmo modo estas consi- derações , não admira , digo , que haja maior numero de viuvas do que de viúvos , por isso que o sexo masculino he mais exposto. -i QTftaav 24. Pelo mappa n. 2. concluímos que a classe mais numerosa he a dos trabalhadores; dos que se occiípao no campo os da freguezia de Montalvo , e Rio de Moinhos , que comprchendc o pequeno lugar da Amoreira , são os que fazem o serviço do campo desde estas aldeãs até Pu- nhete , como disse quando tratei desta villa. Se bem que em Rio de Moinhos huma grande parte se empregão em a navegação, e o que consta do respectivo mappa, e tam- bém são pescadores , comtudo estes mesmos empregados 110 serviço do mar, em muitos tempos do anno abandonão esta occupação para voltarem aos campos , e deixão estes para voltarem á outra, quando melhor lhes convém a seus interesses : pois que mesmo a navegação não he sempre constante e regular , mas sim dependente das alternativas , que soffre o commercio particular da mesma aldeã , como em lugar competente exporei. 25:. Se todo este paiz fosse cultivado certamente não haveriâo' braços para sustentar sua cultura; e mesmo assim ainda faltão quando em certos annos ha boa colheita de azeite , valendo-se então de muitos homens e mulheres de Villa de Rei , e termo da Certa , que são de absoluta ne- cessidade neste serviço ; e não tão precisos nas cavas das vinhas, apezar de. sempre produzirem commodidades. Ora n falta desta gente não he nociva no seu paiz á agricultu- ra , DAS SciENClAS DE L I S B o A. ^7 ra , quando aqui se cmprcgao; e me constou, que lá tem sufficientcs braços para a colheita da castanha , que nesse mesmo tempo lá se pratica ; e mesmo ainda vão muito a tempo da colheita da azeitona, que lá he mais serôdia: alem. de que ha suficiente população cm seu paiz para a peque- na cultura própria delle. Huma grande parte do sexo fe* menino destas aldeãs , e principalmente antes de se casarem , empregão-se também no serviço do campo , segundo os tempos , c género de serviço , que lhes he próprio ; e por isso como as vinhas em grande parte são semeadas de mi- lho , c feijão branco , elias se emprcgão neste serviço , e na sua colheita , como também na ceifa de algum trigo , centeio, vendima, e apanha da azeitona, &c. 26. Os expostos seguem ordinariamente os mesmos des- tinos , que o resto dos habitantes destas aldeãs , os que para ellas vem morar, sendo assoldadados em Abrantes, e somente ahi ha roda. Artigo. IV. PAIO DE PELLE. 27- o mappa n. 3.°, e o n. 4.° comprehendem a popu- lação da villa de Paio de Pelle , e de muitos pequenos lugares de seu respectivo termo, abrangendo simplesmente a frcguczia de N. Senhora da Conceição, e que pertence á ordem de Christo. Esta villa , e seu termo no principio do século passado constava de 108 fogos, e era 18 19 ti- nha já 180, e hoje, segundo vemos do respectivo mappa, tem zoy , e de habitantes ójS , os quaes estão na propor- ção de 3,219, &c. , e o que realmente não mostra ferti- lidade de população. 28. Tem neste caso lugar as mesmas reflexões, que fiz nos antecedentes artigos a respeito das moléstias endémi- cas , ou de outras, que não o sendo, fossem com tudo con- Tom. FIII. P.II. H ta- 3:8 Memorias da Academia Real tagiosas , que costumao devastar muitos paizes , e são a" causa da diminuição da população. As enfermidades, que aqui costumao grassar são as mesmas que acima rcfiri , como igujímcnte a mesma razão sufficiente do maior numero de viuvas, a respeito dos viúvos, e sobre o que me reporto ao que já cxpuz. 29. Pelo respectivo mappa da população desta peque- na villa e seu termo , consta que a classe mais populosa , comparada com as outras, he a de pescadores. Todo o ter- mo desta villa se compõe de pequenos lugares , e bastan- tcmente pobres ; aqui não ha hum grande proprietário , não ha hum commcrciante , quasi todos entretanto tem seus pedaços de terra , que cultivão , e de que colhem poucos fructos. Quisi todos já de antiquíssimos tempos se tem em- pregado no serviço da pesca , do que tirão muito maiores vantagens, doque na cultura de terras bastantemente áridas, e estéreis , e em que somente muitos braços , muitos ga- dos , e muitos estrumes poderão concorrer para que ellas dêem algum intercssre ao lavrador. A pesca destes homens he ás vezes no rio Zêzere , e muito principalmente no Tejo ; com) ella porém nestes sitios não lhes daria todos aquel- les interesses, a que elles aspirão, então emigrâo para cer- tas partes do Tejo , onde chega a maré , sendo o local da pjsca deste? homens ordinariamente entre Villa Franca de Xira , e Salvaterra de Alagos : pescao sáveis desde o Natal até ao Santo António, e mugens desde este tempo até ao S. Martinho. A immensa quantidade de varinas, e de chin- chas , e de outras redes desta ordem, chamadas de arras- trar, que desde o Alqueidâo até a Barquinha se empregao na pesca dos sáveis no seu tempo competente , produz muitas vezes a escassez deste peixe no pego de Tancos , e hj esta huma dns causas da emigração destes homens j se bem que outros ha , que se empregâo na pescaria dos sá- veis no lugir da Praia, com as taes chinchas, e como por til emigriçio não terião sufficientes braços, costumao an- nualmcnte vir de Ovar, e de suas immediaçôes de 80 a 100 DAS SciENcrAS DE Lisboa. yp loo homens , que somente aqui permanecem aquclle tem- po necessário , e mesmo porque esta gente he mais apta , e está mais acostumada a tal serviço. 30. O serviço rural , se bem que de pequena conside- ração, como se colligc de sua producçao , elle he somen- te feito por seus habitantes , ha alguns trabalhadores , que só a isto se dedicâo , e ordinariamente ninguém recebem de fora. A colheita da azeitona , género que mais abunda neste destricto , nella se empregão os mesmos pescadores , pois quasi sempre acontece acharem-se neste tempo aqui j o sexo femenino igualmente se emprega neste serviço , co- mo em todos os outros d'agricultura , em que podem ser admittidos ; e para o que são superabundantes. Estaria este paiz mais bem cultivado , e maior abundância haveria de producçóes agrarias , se seus habitantes se não inclinassem , como por natural propensão, á pescaria; a terra entretan- to lhes não compensaria , pela sua má qualidade , suas gran- des fadigas : todos os pescadores são gente pobre , e mui- tos proprietários de fora tem aqui suas fazendas ; e tem bem calculado que os jornaes não lhes equivale aos inte- resses da pescaria. 31. Nesta villa não ha roda de expostos; os miseráveis deste destricto são lançados nas rodas das próximas villas de Punhete , e Atalaia , quando algum escapa á vigilância das authoridades. Hum ou outro exposto , que vem assolda- dado para este termo , o que he mui raro , segue o desti- no geral de seus habitantes, quando tem para esse fim sufficiente idade. Artigo V. TANCOS. 31. Parece incrivel o estado actual da povoação de Tan- cos ; esta villa foi em mais remotos tempos populosa , e bera florescente : hoje delia podemos dizer : Catttpos itbi Tróia -11^ H ii f^. 6o Memorias cAAcademiaRe*!/ fíàt. Em muitos dias entrar nesta villa he vçr huma soli» dão, em ruas inteiras muitas vezes se nao encontra hum in- dividuo , e não SC obscrvão sçnão yuin95, J4 muitas casas existião cabidas antes da invasão dos francczes em 1810, outras porém forao por elles arruinadas; e casas , qucc.hein jamais se rcparao ; não ha habitantes, que as occupcm , saq em consequência abandonadas. 33. He para lamentar, que tenha esta villa chegado quasi que ao seu extremo grão de decadência ; e he certa- mente a única villa em a margem direita, e esquerda do Tejo, que, desde Villa nova da Rainha até villa Velha, tem o melhor porto, e o melhor cae§ , todo formado de cantaria com suas respectivas sahidas para o Tejo. O estado da população tem sido nesta villa desde largo tempo pror gressivamente decadente. Nella não ha , nem em seus con- tornos motivos alguns para a formaçãp. de moléstias ende-t micas , que tenhão produzido a exçincçao de seus habitat dores : nao nos consta (e assim he) que em tempo algum 3 peste ,; ou algum outro contagio tenha assolado a villa ! qual será pois a causa de sua diminuta população? 34. Multa renascentur ^ qu duvida a sorte de todas as cousas humanas, tudo está sugeito aos inconstantes caprichos da fortuna : o homem çico, e npiilento muitas vezes por hum simples acaso fica reduzido á pobreza ; paizes fertilissimos , cidades opulentis- simas em outros tempos, hoje estão reduzidas a á.ridos descr.. tqs, a pobrissinjas aldeãs: as vicissitudiís da sociedade pro- duzem muitas vezes estas desastrosas metamprphoses. A caur sa da decadência da população de Tancos he hum effeito necessário da decadência de Seti commercio , (o que expo- rei no cap. V.) quasi todos seus habitantes empregados no serviço da navegação , que' pouco a pouco se foi extinguin- do, nem podião opplicar-se ás artes , nem podião ser agri- culforeR , as circumstancias do local lho nãp permittião (cap. 3.J ; dçvião pois emigrar procurando hum. paiz; onde achas» çem .soccorros ás necessidades da vida,: dt^te modo se foi -v.\ di- dAsScienciasdeLisboa. 6t diminuindo a povoação em Tancos , e hoje em Lisboa ao pé dd Bica do sapato , e por outros sitios cá para cima , se achão muitas famílias alli estabelecidas: pela decadência de «eu commercio , e sem agricultura , a pobreza se foi apo- derando de seus habitantes, os matrimónios não sé promo- viao, e a mortandade hia seguindo os passos inalteráveis es- tabelecidos pelo Supremo Auchor do Universo ; a despo- voação era em consequência hum eftcito necessário ; esta deve progressivamente marchar , pois que as causas da mi- séria durão ainda. jj. Se lançarmos hum golpe de visa sobre os mappas 3.° e 4°, vemos huma enorme pobreza em sua população. Simplesmente quatro lavradores , quatro proprietários , e que tem suas fazendas quasi todas fora do termo desta villa. Não vemos simplesmente hum trabalhador, hum agricultor; es- ses poucos , que o poderiao ser , se destinâo á moribunda navegação , summamente diminuta em relação aos antigos tempos; e a face decadente, que hoje nos offerece , dá hU" ma exacta idea , que pelo decurso de alguns annos mais hum só não existirá. São as mesmas as razões acima ex- postas , que tem concorrido para o maior numero de viuvas a respeito dos viúvos , o que se observa de seu respectivo niappa. ; 36. Nada ha que dizer a respeito dos expostos; have- rá nesta villa hum ou outro , ou empregado na navegação , ou creado de servir: nem tão pouco ha roda. Não se jul- gue exagerado o quadro da decadência de Tancos , ainda elle necessitaria ornado de mais vivas cores , e somos des- graçadamente testemunhas presenciaes da marcha progressi- ya de sua total aniquilação. Artigo VI. l ACEICEJRA. .. 37. Os mappas q. 3. e 4. mostrão igualmente a po- pu- íía Memorias DA Academia Real pulação da Aceiceira ; por elles se vê ter esta villa e seu termo , em que ha simplesmente huma freguezia , 307 fo- gos, c iijj habitantes cm geral, estão em consequência na proporção de 3 , 6 &c. para hum , o que não mostra fertilidade cm povoação. He esta freguezia muito extensa, e tem por lemitrofes a Atalaia, Tancos, Paio de Pelle, Thomar , &c. ; e compõe-se dos pequenos lugares , bem distantes huns dos outros , da Roda , Linhaceira , Santa Ci- ta , &c. 38. Em quanto á decadência, e diminuição da popula- ção da villa e termo, eu não tenho que referir isto a en- fermidades de qualquer ordem que seja , e as mesmas re- flexões feitas no Artigo II. são aqui applicaveis: o maior numero de seus habitantes são agricultores, o excesso das viuvas a respeito dos viúvos tem aqui os mesmos funda- mentos expostos no Artigo III. 39. Pelos mesmos mappas observamos, que a classe mais numerosa he a de trabalhadores , e com effcito he o ordinário serviço destes povos ; elles não se occupão em a navegação, nem he hum paiz commerciante; ou cultivão suas pequenas propriedades , ou se occupão em os trabalhos das alheas ; ora se bem que o numero dos trabalhadores não guarde aquella proporção para o numero geral dos habi- tantes , segundo o calculo de Mr. Mellon , comtudo elles são sufficientes para o serviço ordinário da agricultura , em o estado tal qual se acha nestes povos , nem de fora se ad- mitte por necessidade absoluta cultivador algum , excepto nos casos de boa colheita de azeitona , que he o género de que mais abunda esta freguezia, e então se necessitão mai^: braços, que ordinariamente vem do termo da Ccrtã ; e acabado o serviço , se rctirão. 40. Nesta pequena villa e seu termo , nem se tem vin- do estabelecer operários de fora , de qualquer género que sejâo, nem tão pouco tem seus habitantes emigrado para outras partes: não. ha falta de meios de subsistência para os existentes, quasi geralmente agricultores, e outros em- -1 pre- DAS SciemciaS de Lisboa. 6^ pregados em officios mechanicos. A respeito dos expostos nada tenho que acrescentar ao referido nos antecedentes Ar- tigos. Artigo VII. ATALAIA. 41. Os mappas n. j." e 4.° mostrão a população da vil- k da Atalaia, e no termo, que simplesmente contém hu- ma freguezia , e de todas deste território a mais populosa. Vê-se pois que o numero dos fogos he de 627 , e o to- tal dos habitantes de 2ip6, estando estes para aquclies na proporção de 3 , 5 &c. que realmente não indica fertilida- de de população. Tem esta freguezia lugares muito popu- losos , como são a Barquinha , Mouta , &c. 42. Os mesmos mappas a respeito desta villa e termo (como de todas as mais) especificão tudo quanto no plano se exige: aqui acontece o mesmo do que nas outras , a res- peito da grande desproporção das viuvas a respeito dos viúvos, que he sempre em menor numero, e as causas que isto aqui tem originado, não são differentes: ha aqui hu- ina grande quantidade de gente do mar , e quasl todos sãò da Barquinha, e alguns da Mouta; ha também muita gen- te occupada no serviço do campo ; tanto em huma , como em outra occupação os homens se expõem ás differentes al- ternativas das estações , e adquirem por isso grande nume- ro de enfermidades , além de serem ambos os serviços for- çados , e violentos ; estas mesmas causas são as que con- correm para a falta de povoação , nem ha nesta freguezia outras algumas , de donde se possa colligir o terem produ- zido o mencionado effeito. 43. A classe mais numerosa he a empregada na nave- gação para a capital, e quasi toda dos lugares acima refe- ridos, pois que o commercio he o seu principal trafico: os cultivadores não guardão a proporção , e o calculo , de que em 64 Memorias DA ÂcadsmiA Rkal em 20 pares de habitantes scjao 16 destinados para a cul- tura j entretanto segundo o presente estado de pequena cul- tura do paiz , e porque mesmo huma grande porção dclle he máo terreno, elles são sufficientcs ; a respeito porém da colheita da azeitona verifica-se o mesmo , dito nos antece- dentes Artigos, pois suíEcientes braços não ha. Nem se tem vindo estabelecer nesta freguezia gente de fóra , nem delia tem emigrado seus habitantes para outras partes. Aqui ha ordinários meios de subsistência ou no serviço do mar , ou do campo , alem dos diíFerentes officios ; se bem que os actuaes jornaes são diminutos , porém isto tem huma causa mais geral na decadência do commercio intrinseco , e agri- cultura em toda a nação. Ha huma roda de expostos na Atalaia , entretanto a seu respeito nada tenho que accrescen- tar ao já dito. Eis-aqui o que julgo conveniente dizer a respeito da povoação deste território , para passar á sua cultura. CAPITULO III. Cultura. Formais bellas perspectivas , que offereção as Armas, Artes, e Commer- cio , ellas serão necessariamente sempre dependentes da cultura dos campos. D. N. de Oliveira , Dissert. Jurid. &c. Artigo I. 44, xX. agricultura he sem duvida o principal agen- te da prosperidade social , e he com todo o fundamento que hum dos nossos grandes Reis o snr, D. Diniz , que mereceo o justo titulo de Rei lavrador, denominava os la- vradores Nervos do Estado. A solida riqueza dos povos se apoia sobre esta grande base , he hum fecundo manancial da DAS SciENCiAS DE Lisboa. 6^ da abundância , a mais forte garantia do socego interno : nada mais digno de huma particular attenção, e dos mais sérios cuidados de todos os governos ; e sendo esta huma arte sobre que indubitavelmente se funda a publica prospe- ridade , ella deve merecer a contemplação dos amantes da pátria. 45". Não he meu destino traçar a apologia da agricul- tura, mostrar suas vantagens, e a escala, que deve occu- par em os interesses das nações ; e que esta porção de território, de que trata a presente descripção , foi igual- mente tocada desta decadência geral da agricultura , tendo aqui do mesmo modo as causas geraes sua respectiva in- fluencia. Aqui se devisão grandes porções de espessos mat- tos, que convenientemente melhorados poderião dar ao la- vrador algum resultado compensador de suas fadigas nos diffcrentes ramos de cultura ; muitas maquinas hydraulicas , que serião de huma útil applicaçao nas segas , são intei- rumente desconhecidas , como outros muitos melhoramen- tos praticáveis. Cuidarei entretanto em expor o presente estado, em que se acha (quanto á cultura) esta porção de território ; indo , quanto possivel me for , coherente com o plano proposto. Artigo II. 46. Não me consta , que geral , e uniformemente se te- nha determinado em todo o Portugal a mesma medida de huma geira de terreno ; esta tem sido sempre irregular em quanto chamámos geira a quantidade de terreno, que hu- ma junta de bois poderá lavrar em hum diaj he isto de- pendente sempre do estado em que se achar o terreno , sua natureza , e estação ; e se bem que esta he a mais geral accessão , em que esta palavra he tomada em mui- tos lugares de Portugal, e aqui do mesmo modo, com tu- do azaguilhados em muitos lugares da Beira , e os moios lio.Riba-tejo tem tido igual applicaçao. Huma medida ma- io/». riIL P. li. i the- 66 Memorias DA Ac AnEM iaí R e a l thematica, e exacta deveria ser o padrão geral j pouco im- portassem a$ circunrtstancias particulares, que afizessem al- terável , pois estas serião sempre accidentaes. Nao me pa- rece destiruida de hmdamcnto aquella que determina ser hum quadrado^ cujo lado tjualquer tenha 48 craveiras, ou 240 palmos da mesma espécie : regulando pois esta me- dida appliCavel ao terreno em questão ^ para que se deter- mine seu numefo total de geiras , eu bem desejaria satis- fa'íer a cs^e -^quesito ; se para este fim senão julgassem in- dispensáveis, trabalhos , e diligencias,' que tempo bastante, e dilação exigem , alem de outras muitas cousas. Talvez possamos asseverar sem' erro grande, que ^ ou A; ou pouco mais deste terreno he o simplesmente cultivado, sendo o rcStaiue inculto'^ e coberto de^matos^' bem espessos por al- guns sitios.' '• '■ > '■ i. . I •':•■■<;'-' «'.'r'.' ■ , -4y.' i O sferviço da ■ lavoura sendo feito naquelle tempo competente r e próprio , ordindriaménte os lavradores come- ção seu trabalho depois de sahir o sol , e o terminao mui- to ■ antos de que seja posto , idescançando algum tempo nes- te espaço. O preço ordinário das geiras he 600 até 700 rs. , he este o regular em todo o anno ; poderá entretanto quan- do muito augmentar 100 rs. quando ha mais urgência de- serviço. E nas outras occupaçoes do campo os trabalhado- res começâo ao nascer do sol , e tèrminão depo s que he posto ; são difFerentes nos jornaes , segundo os tempos , e OGfcasiã& 'do 'trabalho ; e- mesmo deedè i8iá até hoje tem ifdo progressivamente èm decadcnciti , devido ao mesmo es- tado'de; géneros. Hojô o preço ordinário dos jornaes no tén^po daspódás"das vinhas he de lôo rs. , já sobe no tem» po das cavas a 1 80 rs. , este o conserrão • nas sachas dos milhos ; no tempo da vendima , como aqui este serviço he feito ordinariamente por ttiulheres , e no qual ellas costu-^ mão (fomO'de ordinário nos outros serviços do campo cm qòe se empregão) ter de jornal loò rs. ; os homens então no' mesmo serviç) tem simplesmente 120 ou 130 rs..: ora no'tempo da azeitona sobem mais os' jornaes, e especiais DAS SciENCiAs DE Lisboa. 67 mente quando os annos permittem abundante colheita , c então a 190 e a 200 rs. , e as mulheres a 120 rs. quando muito. 48. Na porção do termo da villa de Abrantes , de que somente trata a presente Descripçâo económica , ha gran- díssimas porções de terreno inculto, e infructifero j desde as collinas , em cujas raizes estão os lugares de Montalvo , Amoreira , e Rio de Moinhos atd á margem esquerda do Zêzere existem grandes matos, especialmente na proximi- dade deste rio ; ha entretanto aqui e alli muitos olivaes , género de cultura a mais considerável neste terreno, e que muito mais se poderia promover. Na pequena aldeã de Mar- tinxel algum pão se colhe, e algum vinho; porém a natu- reza do terreno he tão ingrata , que só a grandes fadigas do lavrador, e com muitos estrumes se recolhe algum cen- teio , e pouco trigo. Este género de cultura he mesmo âquelle, que sempre tem existido (que nos conste) ; e gran- de proveito teria resultado, se a plantação das oliveiras, ou por estaca , ou por viveiros de semente , como hoje se pratica em algumas nações agricultoras, tivesse sido promo- vida , ou ainda a de pinhaes , para que são bem próprios taes terrenos, 49. Nestes pequenos campos próximos á margem direi- ta do Tejo desde Rio de Moinhos até Punhete , ainda não ha muitos annos que o único género de cultura alli prati- cado era somente destinado para o pão , e azeite , haverá porém 30 ou 40 annos que tem consideravelmente mudado este género de cultura para se plantarem vinhas em hum terreno, para ellas mui próprio; os outros géneros de cul- tura forão desamparados em parte, não só porque algumas terras tinhão necessidade de adubos para a sua cultura , mas porque o lavrador foi conhecendo maior interesse resultan- te da plantação das mesmas vinhas , que em tempos mais remotos era huma , ou outra simplesmente. Este género de cultura só por si tem a vantagem , e hum maior lucro so- bre o trigo, centeio, milho, &c. ; ha entretanto nestas vi- I ii nhãs ^8 Memorias da Academia Reai. nhãs hum outro interesse , de que naquellas partes , que or- dinariamente o Tejo cobre em suas innundaçóes, se semeia milho, c feijão branco, e produzem muito soffrivelmente correndo-lhe bem o tempo; nem desta pratica resulta o me- nor damno ás cepas, antes a cultura do milho nestas vinhas as beneficia pelos trabalhos necessários á sementeira , sacha , &c. , nem aquelles impedem a creação do mi\ho , porque este he de huma variedade , que cresce , e se eleva acima das cepas , e porque a poda das vinhas sendo toda á vara , a empa depois sempre deixa muito mais campo ao milho, e feijão para ficarem desafrontados, doque se a poda fosse a talão. 5-0. Tem-se desamparado bastante a cultura das amo- reiras para a creação do bicho da seda , mas por outra não tem sido substituida. Os casaes , pertencentes á Alcaidaria niór de Abrantes, forão em outro tempo afforados com o ónus da plantação das amoreiras ; e noutro tempo este ra- mo de industria estava mais em vigor; porém os possuido- res dos diflFerentes casaes não só tem abandonado esta plan- tação , mas até tem arrancado já muitas das antigas amo- reiras em perjuizo deste ramo d'utilidade publica, e tam- bém particular , como do mesmo modo em abuso do so- Icmne contracto , a que se ligarão os primeiros emphiteu- tas , o qual tem do mesmo modo passado para os poste- riores, e isto com as vistas de que as amoreiras não impe- ^ão a vegetação das suas sementeiras , e para que lhes não sejão estragadas por quem vai colher a folha, que ordina- riamente são rapazes. yi. He impossível sugeitar a hum calculo exacto as dif- ferentes graduações da terra; a natureza tem seus capri- chos , e a irregularidade das estações frustra aos homens muitas vezes suas esperanças, nao obstante pôr em pratica os mais bem acisados preceitos agriculas em hum fértil cam- po; concorrendo para esta contingência de interesses a al- teração , que os negócios sociaes , e circumstancias politicas muitas vezes produzem^ esta ultimi» causa he seguramente - í . de I DÀÉSciE»crA''s DE Lisboa. 6p de huma particular consideração , e poderosa influencia, Po* deremos entretanto formar hum calculo aproximado do in- teresse resultante de hum rendimento liquido em alguns gé- neros de cultura neste território. ^z. Os lugares de Martinxel , Aceiceira, Paio de Pelle^ e Tancos são os que tem as peiores terras de todo este des- tricto ; c poderemos a seu respeito formar hum calculo , pelo qual nos nao afiístemos muito da verdade. Em os bons terrenos destes sítios poderá o lavrador lucrar era géneros cereacs até serem recolhidos no celleiro , depois de pagos todos os tributos , e despezas necessárias , a terça parte , ou ainda menos em algumas , do que a terra produz ; e nas de má qualidade pouco, ou nenhum interesse tira o lavra- dor, pois que ordinariamente náo tem meios de muito adu- bar suas terras , e do que ellas muito necessitão. Ora nes- tes mesmos sitios cada geira de terra boa de vinha poderá deixar de lucro trinta , ou quarenta por cento , e em terras más somente quinze : e isto mesmo he attendendo a que de ordinário todas estas pequenas vinhas tem outras arvores fructiferas , de que sempre o lavrador tira seu tal ou qual interesse, e isto he depois de abatidas todas as despezas, que são consideráveis em terras más , pois que necessitão de muita cultura , e fadigas do proprietário ; e também aba- tidos todos os tributos. Este calculo não se afasta muito da verdade. • yj. Na villa de Punhete, Rio de Moinhos, e Atalaia ha melhores terrenos , e deve o calculo variar hum pouco , que poderemos formar da seguinte maneira ; porém accom- modado ás presentes circumstancias. Podemos calcular hum milheiro de vinha pnra huma geira de terreno, este milhei- ro em algumas terras fortes he capaz de dar duas pipas de vinho , e até três , e em outras dará huma , metade , € menos; regulemos pois huma pipa por milheiro : poder- se-hâo avaliar todas as despezas em 5(^)000 rs. ; decima, dizimo, subsidio, e foros em 3AsScienciasdeLishoa. 77 te sitio ha no Tejo huma barca de passagem para o Arri- piado, que sempre pcrtenceo, e pertence ainda á commcn- da de Almorol da villa de Paio de Pelle ; porem os mora- dores de Tancos consentirão que a feira se mudasse para Paio de Pelle, com a condição de que lhes dessem porto da Barca em Tancos , e seus habitantes nada pagassem pela passagem do Tejo, o que assim se executou; entretanto a barca porta aonde melhor lhes convém aos que a regem , n'huma ou n'outra villa, segundo o estado das innundaçóes do Tejo, nem isto faz alguma differcnçn peia proximidade das duas villas. Esta feira se faz dia de Santo António em todos os annos, e continua ainda mais dois dias; ella he de muito maior concorrência do que a de Punhete incom- paravelmente , tem entretanto no presente tempo sofFrido alguma decadência, resultado inevitável doestado geral do commercio intrinscco de todo o reino: a feira he estabe-> Iccida pelas ruas de Paio de Pelle ; concorrião a ella n'ou- tros tempos muitas lás dos gados destes contornos , e mes- mo de sitios mais remotos; he hoje isto de menor quan- tidade ; também alli concorre grande abundância de pano de linho destes sitios , e da provincia do Minho ; grande numero de Retrozeiros, e de Ourives assim do Porto , co- mo de Lisboa; he isto somente o que he de maior consi- deração em a feira , pois que elles fazem por aqui escala quando vão para a feira de S. João d' Évora. Ora todos estes géneros , que aqui concorrem , se bem que não são de primeira necessidade , com tudo os habitantes destes con- tornos fazem dclles hum sofFrivel mercado, e annualmcnte se surtem segundo suas privações , ainda que não de ab- soluta necessidade , e por isso não podemos dizer , que se- ja estável sua extracção, 66. No pequeno lugar de Santa Cita , termo da villai da Aceiceira, se faz huma feira annual , chamada Feira àe Santa Cita ^ ou feira do anno, a qual dura três dias; hum grande pinhal próximo ao lugar serve de assento a' dita fei- la , concorrem a ella alguns commerciantes de Thomar , e Abran- yi Memorias da Academia Real Abrantes com suas lojas de panos , e capella ; também ha grande concorrência de cavalgaduras , e bois , todos os po- vos das visinhanças vem a esta feira suitir-se de muitas cousas necessárias aos seus usos e commodidades ; igualmen- te a esta feira concorrem muitos utensílios de adegas , co- mo são toneis , pipas , balseiros , &c. assim de Ferreira , como do termo de Dornes. A sua extracção parece estável pela precisão das terras visinhas. No mesmo local ha hum mercado mensal , e que se verifica no ultimo dia de cada mez , do qual não passa ; o que alli mais concorre são ca- valgaduras , e bois , e alguns rendeiros volantes , porém isto he de pequena monta. 67. A feira da Atalaia se faz pela mesma villa ; o pri- meiro dia he a 20 de Janeiro de todos os annos , e con- tinua também nos dois dias seguintes. He esta huma das melhores feiras destes contornos , e aonde vão muitas lojas de mercadores, e capellistas, &c. Entretanto hum dos ob- jectos de maior consideração desta feira he a grande quan- tidade de porcos , que alli entrão , e de donde se extrahem assim para estas terras circumvisinhas , como também para a capital : os porcos , que ordinariamente alli entrão são já gordos, e vindos dos montados do Alemtejo directamente, ou de negociações feitas em a feira das Galveas, que cos- tuma ser a 7 do dito mez : somente esta negociação faz a feira de grande monta , e entidade , e he de grandes van- tagens não só para a própria villa , mas também para as povoações visinhas, que annualmente costumão ir sortir-se á dita feira dos géneros , que alli concorrem , e especial- mente dos porcos, e o que de algum modo torna a feira estável. 68. Como no cap. VIII. se dá hum extracto das pos-. tiiras destas diíFerentes villas , por ellas observamos os be- nefícios , ou os incommodos , que ellas produzem ao com- mercio intrínseco : não podemos duvidar , que quanto mais facilmente se promoverem as exportações do excedente em hum paiz , e a introducção do necessário , tanto mais activo ser DAS SciENCIAS UE LiSBoA. j^ será o commercio; a diminuição dos impostos hc hum dos meios de o promover (em termos); entretanto as sizas tem muitas applicaçóes , e huma delias, para que se destinâo seus sobejos, he de muita necessidade, qual hc a saúde pú- blica , e os expostos y deve por tanto na boa maneira de estabelecer estes impostos existir toda a vigilância , e cui- dado , para o bom estado de prosperidade do commercio ; este tem por muitas partes muitas alcavalias municipaes, Sue lhe obstâo algum tanto não só em relação aos objectos o commercio; mas igualmente aos transportes como por exemplo, na villa de Punlictc cada carro que entra de fora do termo, paga 40 rs. de imposto, e que se diz applicado para o concerto das calçadas, a sardinha que de Lisboa he para esta villa conduzida , he somente contada aos alrho- creves por contadores juramentados , e estes tem hum tanto por cada milheiro , independente do particular contracto en- tre o comprador , e o vendedor. Para esta villa importa-se muito azeite , e este somente se pôde medir , quando se compra, pelas medidas do rendeiro , de que se paga hum tanto ; do mesmo modo os géneros , que á praça publica se vem vender, e que são susceptíveis de se pezarem , o rendeiro dá suas balanças , e se lhe paga , e em tudo isto consistem as rendas do Conselho, de calçadas, pezos, me- didas, e contage da sardinha. Seria mais útil ao commer- cio , que todas estas cousas fossem francas de taes contri- buições , com tanto que os povos se não onerassem mais por outro lado para a satisfação, e complemento das appli- caçóes , que vão ter estes impostos. A falta de communi- caçóes promptas de humas para outras povoações são em- baraços de que o commercio intrínseco em Portugal se vê a cad.1 passo rodeado ; neste território as estradas são mui- to más , não contando huma ou outra , que em melhor es- tado se achão , sobre cilas he muito útil providenciar-se. Que utilidade não resultaria i Beira baixa , e mesmo á al- tn ; e mesmo á Estremadura , se se fi/csse navegável o rio Zêzere ? que vantagens económicas daqui não resultarião ? ca 8o Memorias da Academia Reai. eu nâo julgo impraticável , nem summamente dispendiosa tal tentativa ; c hc de esperar , que a grande energia , c o aba- lisado espirito de beneficência aos povos do actual Governo d' ElRei Nosso Senhor haja de terminar esta utilissima obra. CAPITULO V. Industria. De la nature en vaiii tu crois naitre le Roi Mortel , saiis le travail rien n'existe pour toi. L'Abbé Dellile. Artigo I. é^. jL odos os estados.(e já o dissemos) tem gran- des columnas , em que se apoiao assim para a sua conser- vação como para a sua prosperidade , de maneira que a sua ruína traz após de si a do império. Se a agricultura , se o commercio constituem duas solidas bases da riqueza das unções, como todos os dias se está dizendo, e vendo; a industria existe no mesmo parallelo ; he esta huma fecun- da origem de seu brilhantismo : de maneira que seja qual- quer que for a natural riqueza de hum paiz , elle sempre tributário d'outro paiz, muitas vezes ingrato, árido, e po- bre, mas cuja industria fazendo atrahir o ouro dos outros, a estes se põe sobranceiro , e a si em huma elevada ordem em a escala das nações. 70. Bem cedo porém a industria se paralisa quando os governos não empregão suas forças incitantes, para sempre a conservarem em hum estado de tom , e de energia , que a íiça marchar progressivamente em augmento , lançando mão de todos aquelles recursos , que huma sabia legisla- rão DAS SciENClÂS DE LlSBOA. 8l çao he capaz de promover, e corajosamente extirpando aqucUes obstáculos , que a impedem , e até amortisão. Bem de pressa a industria das nações se paralisa quando os dif- ferentes cidadãos não cooperão quanto nelles couber para Ci^adjuvar tão benéficas intenções dos governos. Semimorta nos braços he hum cruel egoismo , entregue ao mais decla- rado abandono, reduzida ao vilipendio, e quasi ao nada, a industria agricola , commercial , e fabril cm Portugal erão os sicrosantos nomes tão conhecidos e familiares em as na- ções cultas , e entre nós quasi que inteiramente banidos com empenho dos avaros , e com saudade lamentados por todo o bom cidadão , que amando a sua pátria , ambiciona- va vêlla prosperar. Era em consequência necessário que es- ta pequem porção de território de que trato seguisse a du-« ra , desgraçada sorte de todo o Portugal, A R T I Q o II, 71. Se lançarmos entretanto hum golpe de vista para difiFerentes objectos , comparando os actuaes com os mais re- motos tempos , vemos que os habitantes de algumas destas povoações , especialmente de Punhcte , tem cmprehendido , e posto em pratica alguns meios de sua florescência , reuni- da á sua commodidade , e interesse pelo augmcnto da in- dustria agricula , e commercial. Bem divisarão os habitantes de Punhete , que das propriedades ruraes , que possuião nas corredouras de Mantalvo , e que depois forão adquirindo, podião tirar mais lucro , estabelecendo novo género de cul- tura : a plantação das vinhas Jhes foi dando solidas vanta- gens sobre a cultura do pão, e azeite; ella foi por quasi todos seguida , e este campo se acha Ixoje todo plantado de vinhas, desde trinta e quarenta annos a esta parte. 72. Vemos porém com bem magoa ir em progressiva decadência a cultura das amoreiras, para a, creação do bicho da seda: em o termo de Abrantes n'outro tempo estava em .maior actividade este ramo de industria, ç colhião^se algu^ Tom. VUL F. II. s, mas 81 Memorias da Academia Rkal mas arrobas de seda , o que era sem duvida devido á deli- gencia , e zelo do Snr. Doutor Rodrigo Soares Bivar, Me- dico da dita villa ; hoje infelizmente está isso reduzido a alguns arráteis; consta-me que no anno de 1821 forao so- mente 36, e isto mcímo he devido ás constantes deligen- cias de hum dos actuaes Médicos daquella villa o Snr. Dou- tor Bobeia, A decadência deste género de industria não he somente devido á falta de plantação de amoreiras , mas igualmente ao corte das que estavao plantadas, e ao des- leixo dos habitantes. As amoreiras dão-se rauito bem por estes sitios do termo de Abrantes nas margens direita , e esquerda do Tejo , e o interesse resultante da creação do bicho da seda paga mui bem o trabalho a quem disto se •incumbe ; e apczar das leis , dos prémios , e isenções , e apezar dos contractos na occasião do aforamento dos casaes pertencentes á Alcaidaria mor de Abrantes, delle, a des- peito dos nossos interesses , se tem abusado. Alem da plan- tjçao das vinhas nas corredouras de Montalvo , como aci- ma disse, a industria agrícola nao tem feito progressos al- guns para a sua, prosperidade em todo este território : :exis- te a mesma marcha monótona , que consta já de tempos Jntmemoriaes ; ou antes a sua decadência tem sido hum for- çado eíFeito de hum mal geral. íi.yip -.A industria commercial tem prosperado em algumas povoações desce território , n'outras, temdecahido ; Punhcte , e Barquinha estap no primeiro caso, e Tancos em o segun- dou A qaior actividade do commercio de Punhete não data moios de milho , e cen- teio, e simplesmente até ao mez de Julho, que era depois daqui exportado para diíFercntes partes : não contando a grande quantidade de peixe salgado , vindo de Lisboa , e daqui também exportado ; ora alem disto a castanha sêcca e verde , as madeiras de castanho , e pinho he também hum ramo de commercio attendivel nesta villa , que seus habi- tantes para aqui importão de differentes partes , e depois conduzem para a capital ordinariamente. Tal he ainda com pequena diffcrcnça , dependente de causas geraes, o estado da industria commercial de Punhete ; e que promette du- ração para os futuros tempos, não só porque o commercio he todo feito (que me conste) com dinheiro próprio de seus habitantes, o que não acontece em muitas partes; mas também pela situação topográfica desta villa , próxima á confluente dos dois rios Tejo , e Zêzere , e muito mais acti- vo poderia ser, se com eíFeito este ultimo rio se fizesse na- vegável até mais alto ponto, como já disse no anteceden- te capitulo , e elle mais se augmentaria , se neste local se construísse huma ponte sobre o Zêzere ; mais fácil seria então a communicaçao com as povoações , que ficão entre Zêzere , e Mondego , cujos habitantes vão muitas vezes comprar , e vender seus géneros á Barquinha , por embara- ços , que muitas vezes soffre a passagem deste rio. 74. Offereceo Tancos n'outros tempos huma face bri- L ii Ihan- 84 Memorias da Academia Real Ihante em industria commercial, e seus habitantes se sou- berão aproveitar das circumstancias favoráveis, que então o permittião. Tinha hum excellentc porto , e era hum pon- to de communicação das provincias do norte, eAlemtcjo, com a capital , fazendo-se por aqui as diflfereiítes transac- ções dos objectos do commcrcio: o norte da Estremadura, e Beira mandavão azeite , madeiras , carne de porco , fru- tas, &c. ; o Alemtejo enviava seus trigos, e a capital lhe retribuía com as necessárias provisões. A sorte de Tancos era então prospera , e vantajosa : dum jortuna fuit ; niudá- rão-sc entretanto as circumstancias, e com ellas a sua sor- te. Começou a fazer Abrantes os negócios dos trigos do Alemtejo, c para alli foi tudo propendendo neste ramo, ou por commodidade de transportes, ou por mais indus- triosos seus habitantes. A Barquinha começou a absorver o commcrcio do azeite , e inteiramente o das madeiras , e também do pão : o fornecimento das provincias do norte se fazia da capital com mais vantagens pelos seus portos de mar; Tancos foi decahindo progressivamente, até que com gigantescos passos chegou ao extremo ponto de abatimen- to na industria commercial. Não devo passar em silencio huma com causa ( alem de muitas outras ) , que também cooperou para este desastroso resultado; havia ( e ha airi- da ! ) hum imposto de yo rs. por pipa, que se embarca njquelle porto, e 30 rs. por cada carga, o que he desti- nado por huma Provisão Regia para a Misericórdia da dita villa. Isto montava naquelles tempos a grande quantia ; es- te piedoso , e caritativo estabelecimento concorreo também (como outros muitos em outras partes) para a ruina daquel- ]e pnvo. Se os miseráveis, e indolentes antigos habitadores de Tancos , vendo por accidentaes circumstancias decahir seu commcrcio , fossem animando a industria agricultora , e fabril , poderião tirar novas vantagens ; de nada porém se lembrar ío , e de facto nada fizerao , impávidos e tran- quillos observadores de suas ruinas. 7j. Feia decadência do commcrcio de Tancos começou a DAS SciENCiAS DE Lisboa. 8j a animar-se o da Barquinha ; o que não data de rcmoto3 tempos , e he provável que não exceda 370 aniios : tem hoje a Barquinha o seu commcreio com alguma actividade, e especiahnente nos tempos posteriores á invasão dos fran- cczcs : absorveo este lugar todo o commcreio inteiramente de Tancos : entretanto elle he quasi todo de commissões , e não hc próprio de seus habitantes. Alguns negociantes de Lisboa tem lançado mão de algumas vantagens , que a situação do lugar pôde oflFcrecer , não somente para estabe- lecerem alli lojas de mercearia, de donde se fornecem não somente os habitantes daquella povoação , e das circumvisi- nhas , norte da Estremadura , e Beira baixa ; mas igualmen- te alli fazem grandes compras de azeite , que ou logo trans- portão para a capital , ou fazem grandes depósitos , para em tempo opportuno ser exportado ao seu destino. Em o anno de 1820 consta, que ficarão alli em deposito acima de so^ alqueires , e a exportação pôde annualmente re- gular-se em 70 , ou So^ alqueires. As madeiras de cas- tanho , e pinho , especialmente as primeiras , são hum im- portantissimo ramo de commercio da Barquinha , como igual- mente acastanha verde, e sêcca , e o que tudo bem se po- de conhecer pelas rendas Reaes , como vemos no capi* tulo VI. O commercio da Barquinha he sem duvida contin- gente , pois basta ver-se que elle he de commissões , e de- pendente do arbitrio , e vontade de outros commerciantes de tora da povoação ; e se bem que o seu local he vanta- joso pela proximidade ao Tejo , e porque as estradas de communicação para o interior não são das peiores; ha com tudo alguns annos , que este commercio se tem tornado mais frouxo , isto talvez dependente de causas geraes , e também se tem tornado mais dispendioso pelos transportes para as embarcações , pois que no tempo do verão corren- do o Tejo distante do lugar, ha hum grande pedaço de praia , que os torna mais custosos , e que o Tejo tem dei- xado, tomando huma outra direcção mais ao sul. ■ 7 6. Accomodando-me pois ao plano proposto , mas fa- zen- 8Í Memorias da Academia Real zcndo menção da industria commercial , agrícola , e fabril , concluirei, que em todo este destricto, de que trato, so- mente tem prosperado a industria commercial , e agricola em Punhete j e a primeira somente na Barquinha , pela sua localidade, e por favoráveis circumstancias , de que tem sa- bido tirar partido seus respectivos habitantes , e que por agora promettem continuação , se o estado geral do com- mercio continuai cm vigor, e não enfraquecer, do que ne- cessariamente se devem ressentir estas povoações. Que Tan- cos continuará nas suas ruinas , e que somente causas ex- traordinárias poderão esta villa metamorfosear no seu anti- go esplendor. E em todas as outras povoações nada de no- tável existe a respeito do seu commercio , e a cultura vai seguindo os seus passos monotos , e sem vantagens , poden- do aliás tirar-se mais proveito pelo que fica exposto. Final- mente a respeito da industria fabril nada concluo, porque nem ha fabricas em grande neste território, nem os officios mechanicos offerecem cousa alguma de notável. Estes não se achão onerados com contribuições, quem os exercita de- ve ter sua carta de examinação , e pagar á Camará as de- vidas licenças para abrir sua loja , e somente as condemna- çóes da Chancellaria a isto se referem , elles tem seus res- pectivos regimentos , e taxas , que estão em abuso ; e al- gumas posturas existem a este respeito pela falta aos con- tractos , e pela ruina que ás differentes obras se causar , &c. CAPITULO VI. Contribuições. Artigo unico. 77. X-/eclara o plano proposto , que em quanto ás contribuições se não deve tratar , pois pertence ao Gabine- te j que merece entretanto notar-se a formalidade pratica de DAS SciENCIAS DE L I S E O A. 87 dc sua arrecadação , &c. A este respeito direi simplcsmca- te o seguinte. Cuida a Camará no principio do aiino de arrendar em a praça publica a quem mais der assim as rendas do Concelho, como as sizas : feito isto com todas as clausulas necessárias , a mesma Camará nomca hum re- cebedor idóneo, e capaz a todos os respeitos assim para receber as rendas do Concelho , como para as das sizas , in- do de três em três mezes depositar nas mãos do recebedor os respectivos rendeiros seus quartéis; se antes disto a Ca- mará por meio de mandados não recebe as rendas do Con- celho para suas exigências , c cujas contas são tomadas no fi.n do anno pela mesma Camará , e das sizas pelo Corre- gedor, quando vem em correição. Cada hum destes rendei- ros tem seus respectivos regimentos para se regularem em suas cobranças; e ha com cffeito alguns impostos, que ser- vem dc vexame ; e ç que já acima expuz : por exemplo , cada carro de fora do termo, que vem a esta villa , deve pagar 40 rs. , isto he destinado para a renda das calçadas, c para seu reparo, e concerto ;' bem vemos que sempre }Sto obsta de algum modo a liberdade do commercio ; e ^inda menos mal seria , se exactamente se lhe desse esta applicação; porém na villa de Punhete, onde ha este im- posto , se observão muitas calçadas descosidas , outras indis- pensáveis de se fazerem se não fazem , &c. : demais a ren- da dc pezos e medidas , e da contagem da sardinha obsta a primeira á agricultura, e cojnmercio, a segunda ao com- mercio ; o principal commercio desta villa bc em azeite j não se compra aqui hum alqueire de azeite a hum almo- .creve , que nap seja necessário ir-se alugar ;is jnedidas a xasa do a-endeiro ; ainda que o comprador , ou vendedor te- ;nha suas medidas aferidas não servem de nada ; para o vi- nho acontece outro tanto , pouco importa que o lavrador tenha na sua adega suas medidas aferidas , ha de por for- iça o mercador ir alugallas, &c. ; da contagem da sardinha Í»e o mesmo ; o vendedor não pôde contar a sardinha ao comprador, he preciso que venhão os contadores juramen- . ', ta- 5?8 Memorias da Academia Real tados , e postos pela Camará ^ para este fim , e a quem se paga. Bem vemos que tudo isto são alcavallas , e contri- buições , que obstão ao livre giro do commcrcio , e são aos povos onerosas ; sem contarmos com os despotismos , e abusos dos rendeiros , que tem feito pelas suas violências chegar a feira dos Martyres a hum miserável estado de de- cadência , e o que mais de huma vez se tem observado. " 78. A formalidade pratica da arrecadação das sizas he simples, e esta dirigida pelo seu regimento, contando sem- pre com os abusos dos rendeiros. A escolha dos meios por onde se inteira o cabeção quando isto acontece (e o que em Punhete já ha muitos annos se não verifica, nem nas outras villas) he pelo procedimento a hum ferrolho, e o povo se finta , ou deve fintar , á proporção de seus teres. Em quanto ao subsidio literário, este anda agora por conta te admirtir três classes de montanhas: i/aquellas, que » tem sido projectadas pelo movimento da terra em sua j» primeira formação (conflagração!); 2." aquellas, que o j> Oceano tem lentamente organisado em seu seio : 3." aquel- » las, que devem origem ao incêndio das pyrites em suas >» cavernas; vindo a ser deste modo .feita a divisão das >» montanhas em primordeas, secundarias, e vulcânicas.»» Ha philosofos, que no seu gabinete tem feito communi- car todas as montanhas do antigo e novo mundo, e exten- sos paizes do polo austral , organisando .cadêas tarresírèí , e maritimas , imaginando até huma montanha mãi , de don- de todas dimanem , e com quem todas communiqucm , dan- .Vv.^i. .\i.V\ .«uSo DAS SciENClAS DE LiSBOA. pi do ao Cáucaso esta preferencia. Tem entretanto a nature- za seus caprichos, não se dobra aos systemas dos pliiloso- fos, e ella sempre triunfa de suas mal fundadas conjectu- ras ; o tratar porém deste objecto he bem longe do meu destino, 82. Applicando a divisão, que se tem feito das mon- tanhas em cinco ordens , c que se admitte neste plano proposto , direi , que em todo este território não ha mon- tanhas das primeiras ordens , elle entretanto he bastante montuoso, e somente junto ás margens do Zêzere, e Na- bão se encontrão os mais elevados montes , como disse , e que correm na direcção de suas margens ; pelas outras partes deste território ha differentes coUinas mais ou me- nos elevadas , e communicando humas com as outras , e com variadas direcções ; por exemplo , de Punhete até Montal- vo ) Amoreira , e Rio de Moinhos ha huma cadêa de col- linas , e que corre em direcção para Nordeste ; deste ulti- mo lugar próximo ao Tejo parte outra em direcção de Lest Suest para Norte; na Barquinha ha outra, que tem esta mesma direcção ; e todas estas cadêas de collinas continuao alem do território de que trato. 83. Todos estes montes, e com especialidade os que ficão próximos ao rio Zêzere e Nabão , abundao em minas de ferro , cuja exploração seria vantajosa ; alem dos veios mineraes , que se divisão , ha muitas fontes d'aguas mine- raes ferruginosas , e que em si contém muito carbonato de ferro , e sulphato de ferro. Eu conheço huma infinidade de fontes nestes contornos com taes substancias , ou para me- lhor dizer , conheço bem poucas , que deixem de conter o ferro em estado carbonatado, ou de sulphato: os pequenos regatos por onde ellas correm contém enorme quantidade de matéria ochracea, como se vê na fonte de Santa Cita, e com muita especialidade na fonte férrea de Punhete , que se não he a mais , he das mais acreditadas de Portugal pe- la sua natureza , e espantosos resultados que tem produzi- do sua applicação em moléstias apropriadas. M ii 84, o» Memorias da Academia Real 84. As margens do Zezcrc , e Nabáo na parte deste ter- ritório , são montanhosas , impinadas , ásperas , e incapazes de cultura : de Santa Cita porém até Thomar o Nabão tem mui amenas, e fertilissimas margens, e seus campos consti* tuem huma das principaes riquezas , e opulência da dita villa. Notáveis planicies, absolutamente fallandoi, não se encontrão neste território , entretanto as mais consideráveis são as se- guintes : de Rio de Moinhos até Punhcte em distancia de Icgoa e meia pela margem direita do Tejo existe huma grande planicie , he pequena sua largura , e não excede hum quarto de legoa na maior distancia ; junto a Rio de Moinhos , e Amoreira a terra he fértil , he o Hiinms rura- lis ; próxima ao Tejo ella tem huma bellá mistura de argi- losa , e seliciosa , e em tão boas proporções , que a tornão de huma grande fertilidade ; mais para o interior ha hum grande veio de Argilla communif , que também contém em pequena porção a seliciosa , em que as vinhas se dão mui- to bem : mais para o interior a terra he mais pobre , con- tém a Húmus pauperata , e também a Arena colorata ou sai- bro. Contém aqui e alli alguns veios calcareos ; e nestes lugares fazem huma ou outra seara , porém he necessário muito estrume para produzir alguma cousa. 85-. Ha huma outra planicie também de alguma consi- deração abaixo do lugar da Barquinha , e que se extende até á vilIa da Atalaia, e continua mais adiante; o terreno próximo ao Tejo he mui fértil , he de nateiro ; mais para o interior contém muitos veios à^ Argilla comnmnis ^ e al- guns pedaços de Húmus ruralis , e de Argilla marga ; mais próximo ao monte, de que acima fallei , contém grandes veios de saibro ; e em outros lugares a Argilla fullotiica dé que se servem nas olarias. Geralmente fiillando só próxi- mo a's margens do Tejo, e ás das pequenas ribeiras de Rid de Moinhos, da Amoreira , e de Laveiros he que a força da vegetação he mais activa , permittindo-o assim a natu^ reza do terreno : em todas as mais partes , não obstíante haver aqui ou alli alguns bancos argillosos , e de maírte-, DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Çi a maior abundância he arenosa , e em muitas partes ha al- guns bancos graníticos. Sobre este assumpto não me devo extcnder mais, pois he objecto do mineralogista. As boas terras para huma vigorosa vegetação , segundo a natureza das plantas, não estão uniformemente espalhadas por todos os lugares. Dizia o poeta Mantuano: Nec vero terra fer- re omnes omnía possunt. Certas plantas são mais accommo- dadas para huma qualidade de terreno , e para certa posi- ção ; ha outras próprias para outros; entretanto a útil arte de adubar as terras tem em parte supprido o vicio natural da nutrição , e a pobreza de partes nutritivas de alguns terrenos ; e neste se funda do mesmo modo a diíFerente mistura das terras; e se em algumas delias, que í^ao es- téreis , fracas , e arenosas , houvesse com eílas huma suf- ficiente mistura de outras pingues, argillosas , humosas , e calcarias, melhor proveito darião para as plantas frumenta- ceas , e mesmo para as vinhas : e desta pratica , aqui nun- ca vista , se poderião tirar solidas vantagens em muitos lu- gares deste território; porém estes melhoramentos, como outros muitos de que o lavrador poderia tirar huma útil recompensa, são aqui inteiramente ignorados; e os baldios, de que acima falíamos, em o termo da villa da Atalaia, era mui simples , e ao mesmo tempo mui útil , que se procedesse á sua cultura, melhorando-os. 86. Neste território não existem alguns outros areaes de consideração, senão aquelles , que , formando o alveo do Te- jo no tempo d' inverno , ficão descobertos no tempo do ve- ;-ão. Desde a foz do Zêzere até o lugar da praia, que dista hum quarto de legoa , ha hum grande areal , que poderia ad- mittir a plantação de salgueiros , e que com o decurso do tempo poderia talvez tornar-se susceptível de producção : os diíFerentes proprietários , cujas fazendas inrestão com o Tejo, costumão isto praticar não só para as defenderem dos estragos das fortes innundações , mas até com as vistas de as adiantarem. Existe outro grande areal , que começa no principio da Barquinha, e se extende a larga distancia; a maior «;4 Memorias da Academia Real maior utilidade que poderia resultar, era fazello desappare cer da proximidade do lugar , pois que muito obsta ai commcrcio da mesma povoação , pela difficuldade de trans portes ; e ainda que se obtivesse a sua cultura pela plan tacão de salgueiros , isto somente se verificaria passados annos , e mesmo o seu proveito não compensaria o incom- modo e despeza , que augmentará a proporção do augmen- to do areal. 87. O território , de que trata a presente descripção económica, he banhado pela margem direita do Tejo, es- Te dos mais consideráveis rios da Península d'aquem dos Perlneos , que tomando sua nascente nas montanhas de Aragão , suas mansas aguas são transportadas ao Oceano Atlântico abaixo da magcstosa Ulissea : o rio Zêzere corta certa porção deste território com suas caudelosas aguas ; ellc , tendo origem fronteira á do Mondego em a serra da Estrella , 'com impeto vem estabelecer sua foz junto á villa de Punhete : parte do mesmo território he banha- do pelo pequeno rio Nabão , cuja foz dista huma legoa ao norte de Punhete , e no Zêzere termina. Alem disto ha pequenas ribeiras , que merecem referir-se não só pe- la sua utilidade nas regas , mas igualmente pelos moinhos e lagares que contém , quaes são as ribeiras de Rio de Moinhos , da Amoreira , do Séval , e de Laveiros ; as primeiras tomando suas origens em os montes , que fi- cão para Maitinxel , e Aldeã do Mato, &c. não em lar- ga distancia terminão no Tejo ; as outras nascendo de pequenos regatos dos termos da Atalaia , e Aceiccira , se reúnem para formar a ribeira de Tancos , que no Tejo termina entre esta villa , e a de Paio de Pelle. Os rios Tejo, e Zêzere abundao em grande quantidade de peixe, tem bellos sjveis, e mugens nos seus respectivos tempos, e alem disto muitos barbos (e alguns de vinte e tantos arráteis ) , lampreas , inguias , bogas , &c. O Nabão he mais escasso, e somente nelle se colhem alguns barbos, e bogas. S8. DAS SciEífciAí DE Lisboa. çj 88. Não SC faz uso do Tejo, e Ze/.crc para as re^as, este não tem sufficicntes margens para se regarem , tudo são pinhascos ; naquclle se não tem emp/ehendido , nem o deveria ser usando de rodas , pois que devcndo-se for- mar assudes, estes obstarião a navegação; de outra manei- ra (que possível seria) se não tem cmprehtndido. O Na- bão, que tem hum grandissimo uso para regas nos cam- pos de Thomar , o não tem entretanto na porção que to- ca este território , pois que alem de ser pequena , suas margens não são susceptiveis de cultura desde a foz até Santa Cita. Mas as mencionadas ribeiras tem hum extenso uso para as regas , nao sj valendo entretanto para este fim de alguns engenhos; ellas tem hupa sufficiente in- clinação para quj com huma pequena represa tomada em conveniente distancia possão conduzir-se as aguas : as da Amoreira , e de Rio de moinhos são de huma grande vantagem pelas muitas terras de milho , e hortas a que levão a fertilidade , c a abundância ; estas mesmas duas ribeiras tem quarenta e três azenhas , e oito lagares de azeite. Estas pequenas ribeiras como no tempo do verão levãa huma pequena quantidade de agua , e esta em mui- tas partes se corta para regas , soíFrcm alguma privação as azenhas , e dilíi:ulta-se a factura da farinha , especialmea- te na ribeira da Amoreira , e na de Rio de Moinhos. A agua para as regas he distribuída por sua ordem aos dif- fcrentes proprietários. Tornão-se por tanto de muita utili- dade aos moradores próximos por esta dupla j e grande utilidade , de moer o grão , e seu empxego em regar as terras. 89. Direi por esta occasiao , que ha neste destricto dois lagares de azeite, hum pertencente á quinta da Pon- te da pedra do Siír, Trigoso , e outro pertencente ao casal do Seval do Snr. João de. Sousa Falcão, ambos iguaes , e celebres pelo seu engenho para moer a azeito-- na , e cuja descripção omitto : direi somente que sendo a jroda principal movida pela agua , e tendo trcs galgas , o V sea '^6 Memokias da Academia Real seu movimento he bastante rápido para fazer huma moe- dura cm huma hora simplesmente : cada hum tem quatro varas , cm breve terão seis , segundo me consta , e po- derão ter doze se se quizcr; o engenho não he complica- do , e a azeitona sahe optimamente moida , e he summa- mente económico ; elle mesmo tem pás , que com o mes- mo movimento das galgas vão chegando a massa para de- baixo delias. Existe também na quinta da Ponta da pedra hum engenho para serrar madeira , movido pela agua , he também mui simples, muito económico, e útil: a descri- pção de ambas as maquinas de boa vontade a daria , se assentasse que ella devia ter lugar nesta memoria ou aqui neste lugar , ou mais propriamente no cap. Industria. 90. De todas as povoações , de que trata a presente descripção, he Punhete a villa , que mais policia tem em seus edifícios , e depois desta o lugar da Barquinha. Pu- nhete conta hoje mui bcllas casas a respeito dos tempos antigos , e muitas delias construídas segundo o gosto mo- derno. Em nenhuma destas villas se costumão fazer estru' madas pelo interior ; as posturas da villa de Punhete na parte relativa á policia fortemente acautellao isto , e mes- mo deitar, e conservar immundices , e entulhos pelas ruas; he entretanto frequente o fazerem-se estrumadas nas al- deãs , e casaes dos termos das respectivas villas , e onde se recolhem os gados. As posturas de Punhete não consen- tem que andem os porcos soltos pelas ruas , e tem seu dono huma coima de foo rs. por cada vez que se encon- tra hum porco solto , o que me parece de todo o acerto ; e não obstante isto abusa-se a cada passo da lei , pois que frequentes vezes se encontrão ; e quando muito desta am- pla liberdade , só resulta a seus donos a pequena perda de foo rs. , que por huma só vez pagão em todo hum anno. 91. De todas as povoações deste território a que tem mais habitadores he a villa de Punhete , e depois desta o lugar da Barquinha , as restantes são pequenas , e pe- quenas as aldeãs , e casaes de seus respectivos termos. O o serviço em que se occupa a maior parte dos habitantes das referidas duas povoações , he , como vimos , a navega- ção ; os de Paio de Pcllc sSo pescadore?, e também se occupão no serviço do campo , no qujl se empregao ex- clusivamente os das outras villas , e lugares, &c. Sabemos, que , geralmente fallando , os povos agricultores são de hu- flnr"indole mais sincera ;'scús costumes','" è sua mor.ir~Hê tnais pura , e mais bem regulada , pois que para a doçura dos costumes muito contribue a agricultura ; ella natural- mente chama entre os homens o amor da ot-dcm , e da tran- quilidade , ella os dispõe á paz, e ao socego ; os agricul^ torcs occupão ordinariamente seus dias no penoso serviço do campo , cheios de fadigas e de trabalhos voltão , ter- minando o dia , a sua casa para repousarem. Elles estão li- vres desta grande concorrência das villas , e cidades , e da occiosidade, fertilissima origem de todos os vicios , e de grande numero de perturbações entre as famílias , e entre os povos. Por tanto , geralmente fallando , a indole de to- dos os habitantes destas povoações he boa, e mesmo da- quelles , que se dedicao ao commercio , e navegação ; seus costumes não são desregulados, em suas intrigas reciprocas são bem fáceis de se aquietar ; reunindo a tudo isto sua pobreza , que he grande na maior parte do povo , e não deixa huma grande parte de mendigar esmollas aqui e alli , e desafiar dos fieis a caridade , e philantropia. Tom. mi. P. Ih w CA- à pS Memorias da Academia Real CAPITULO VIII. Posturas. Na ailtura , asdm como em todos os mais ramos .da. Ecofiamúi , tem tido grande iiifueMcia as Fosturas. ..:,,„. .,-,,,• Mem. Econ. da Acad. R. das Sc. de Lisb, , tomo 3. p. 302 , &c. Artigo I. 92. j2jm cada hum dos capitules, que são relativos á cultura , commercio , e industria devem notar-se as diffe- rentes posturas , accordãos , e mais determinações munici- paes , que tem promovido , ou tendem a promover , ou que. tem feito a decadência destes três importantíssimos objectos de publica utilidade , notando sua observância , ou falta delia. Julgo agora conveniente dar. neste lugar hum extracto, e o mais resumido que eu possa', das posturas das camarás, e somente aquellas , que tem alguma relação com as matérias propostas, de donde será mui simples dc- duzir-se sua applicação. He huma verdade innegavel , que a maior parte da legislação económica consiste nas dlffe- rentes posturjs das camarás do Reino ; e he bem sabido , que já no reinado do Senhor D. José a cultura, commercio intrínseco, e policia merecerão leis mui sabias, e previ- dentes, que illuminárão as trevas, e derão alguma forma ao cáhíis de infinitas posturas, até repugnantes, e contra- dictorias : as posturas das diíFerentes camarás merecem hum particular estudo , muitas vezes se encontrão ncllas mui bellas providencias, de que podem resultar solidas utilida- des, e applicavcis a muitos destrictos : são pois a cultura, -AD Al .*! AIV\ >cõft- DAS ScrEKCíAS DE LiSBOA. pj commercio intrínseco, e industria os três grandes objectos, de que se. trata. Artigo II. PUNHETE. 93. Consta que as posturas desta villa erâo muito nu- merosas; he certo que pela invasão dos francezes em 18 10 o cartório da camará se extinguio , e hoje se achão ser poucas relativamente ao tempo anterior ; he isto o melhor bem que ellas podem ter , quando se lhes reúna o serem bem fundadas , e previdentes. Cultura. O gado vaccum , quando for achado no coito desta villa em searas de pão , ou ferrejo , seu dono tem huma condemnação , e juntamente o pastor , que ahi o in- troduzir de caso pensado , e sendo de noite he maior do que de dia; e ainda relvando sem licença do dono da fa- zenda , ou roendo as vergonteas das oliveiras , ou em qual- quer vinha sem previa licença de seu dono. He também prohibido, que qualquer besta cavalar, muar, ou jumento entrem dentro das searas de pão , ou ferrejo , ou mesmo em relva, ou em vinha ainda sem fructo , sem previa li- cença de seu dono. São igualmente prohibidas as ovelhas y e cabras entrarem em qualquer seara de pão , ou ferrejo , ou em relva, ou no tempo da azeitona dentro de qualquer olival. Os porcos fazendo' igual prejuízo, ou ainda achan» do-sc em relva, seus donos tem coima. Igualmente se prohibc , que os cães andem sem trambolho ao pescoço de ij palmos desde o dia de S. Thiago até ao fim de Setem- bro. Prohibc-se que qualquer embarcação porte em qualquer fazenda do coito desta villa tendo fructo , ou fazendo pre- juízo á propriedade , quando não seja por occasião das grandes innundações do Tejo , e Zêzere , e seu arraes tem huma condemnação. Prohibe-se também , que qualquer pes- soa entre em huma fazenda murada , ou vallada sobre si ; N ii ou . 100 M E M o R r A s n A Academia R ea l ou atravesse qualquer sementeira , ou ceif»? hcrva sem pré- via licença de seu dono. Prohibc-se também apaaliar azei- tona de 4 de Outubro em diante sem licença do dono dos olivacs , e confirmada pela camará. , As posturas acautellao também os furtos, como são das frutas, milho já grado, trigo , cevada , centeio , hortaliças , e ferrejo ; o cortar os pés das oliveiras, ou as vergonteas , e as raizcs dos pinhei- ros, vergas de marmeleiros, e salgueiros; cisto sem pré- via licença de seus donos. Relativamente a objectos de agricultura de nada mgis tratão as postunas dePunhete: eu julgo que todas estas são bem fundadas, e que devem ter huma rigorosa applicação, pois que todas redundâo em pro- veito da cultura : mas desgraçadamente se formos' ver o li-í vro das coimas da camará , e do Almotacé , talvez se não ache huma só no decurso de hum anno ; aqui não ha ju- rados, nem rendeiros, e os abusos são quotidianos. ■ ■■ 94. Commercio interior. As posturas fortemente prohibem impondo grandes condemnações aos atravessadores. Ordenão que os donos das lojas tenhão tirado todas as licenças neces- sárias de seis em seis mezes , que tenhão seu regimento , ba- lanças certas , pezos , e as medidas necessárias , e aferidas. De- terminão que todo o tendeiro de fora , que aqui vier vender sua fazenda tire para este fim licença do presidente da ca- mará. Prohibem o levar-se do porto desta villa castanha , ou outros frutos , ou geralmente qualquer qualidade de mer- cadoria sem licença da camará , com o fim de saber-sc se falta para primeiro se surtir o povo. São obrigados os do- nos das lojas de mercearia a vender azeite ; he isto bom para não haver falta deste género, mas por outro lado se obriga a vender hum género , que qualquer poderia bem não querer vender. Toda a pessoa desta villa , que pescar em o Tejo desde hum sitio chamado agua teza^ por baixo de Tancos , até por cima de Punhcte ^ legoa , deve vir vender o peixe que apanhar a esta villa , ou jurar peran- te o Juiz ordinário , que nada apanhou. Pôde esta postura redundar em alguma commodidadc dos habitantes, porém cor- I PA S SciEMCI/(S DE L. IjSiBOAr ' lOI corta a liberdade individual, que qualquer tem de usar do que hc seu como muito bem lhe parecer, e que realmente he de sua propriedade : esta he bem semelhante a outra , que prohibe o pescar com rede cm frente desta vlUa des- de a foz do Zêzere atè á ermida demolida de Santo An- dré logo acima da villa; são posturas que "cortãó a liber- dade a quem se deve fr.;nquear. Existião algumas posturas relativamente á almotaçaria, como erão : almotaçar o vinho todas as semanas , almotaçar o sai , e logo que o dono abaixe o preço não poderá vender por mais alto ; almota- çar a sardinha , e logo que abaixe o preço para o almocre- ve , pelo mesmo vender ao povo ; também o peixe fres- co devia ser almotaçado , o arroz, bacalháo , manteiga, queijos flamengos , &c. e que se vendem cm lojas de mer-. cearia. Como os meios almudes por onde se mede aqui o vinho ou azeite tem aberto o aferimento , e não he cos- tuma; fechar-se (como acontece em algumas partes) no acto de se medir ; determinou-se por accordão , que sendo ne- cessários dois meios almudes ,, devia hum ter o aferimento no bojo , e outro na garganta , he esta huma cautella de utilidade summa , pois vai evitar o roubo que se pode fa- zer somente com o aferimento no bojo , e especialmente quando são medidas francas, como acontece com o vinho, em que he preciso que elle quebre na barriga do meio al- mude , para se reputar feita a medida ; porém o rendei- ro dos pezos e medidas a cada passo abusa desta provi- dencia. jj. Industria, Estas somente são relativas aos officios mechanicos , e tem somente duas: i.^" prohibe a todo, e qualquer official abrir loja sem ser examinado, e o mostre, e sem que tenha o seu regimento : 2.^ prohibe a todo o official examinado, que de fora vier trabalhar, ou pôr lo- ja , o não faça sem licença da camará. Nos seus respecti- vos regimentos se declarão suas outras obrigações. Ar- xoi Memorias da Academia Reai> Artigo III. PAIO DE PELLE, E TANCOS. ^6. agricultura. As posturas destas duas villas são aná- logas , os livros antigos perderão-se pela invasão dos fran- cezes , e transcreverão-se muitas , e confirmaráo-se. Elias prohibem os bois, cavalgaduras, ovelhas, cabras, &c. an- dar em searas ; os gados devem ficar fechados de noite nos curraes , aliás seu dono tem huma coima. Prohibem que os porcos andem soltos. Prohibem que os gados de íóra deste termo pastem aqui sem licença da camará. Os ca- çadores nao podem caçar nas vinhas desde que arrcbentao até a vendima. Ninguém pôde cortar arvores em fazenda alhea. Prohibem cortar lenha de sobreiro , os mesmos so- breiros , e chaparros. Ninguém pôde cortar matos sem li- cença da camará, apezar de serem próprios! Esta postura he terrível, e bem se deixa ver sua injustiça. Prohibem an- darem os cães soltos no tempo das uvas. Prohibem que qualquer pessoa que não tenha olivaes próprios , ainda que os tenha de renda , venda azeitona. Esta postura he tão celebre como injusta. Prohibem apanhar azeitona , ou cor- tar lenha em olivaes alheos , sem licença de seu dono. Nin- guém deve entrar em vinhas, ou hortas , que tenhão fructos, Prohibem o cortar herva em terra alhea. E tem grandes condemnações os que lanção fogos aos matos , e originão queimadas. He muito boa esta postura ; ella a cada passo se illude , as queimadas são frequentes no tempo do verão , e ordinariamente se ignora quem foi o auctor da perda, muitas vezes de grande consideração. Quem atravessar hu- ma seara tem huma coima , &c. 97. Commercio interior. Estas posturas nada tem de no-» tavel. Prohibem os atravessadores. Quem vier vender pão á villa , deve dar parte disto ao Juiz , e ao Almotacé. To- dos os vendedores não devem exceder a taxa dos seus re- gi- DAS S c I E N c I A s DE Lisboa.;'^ |,03; gimentos, alias são condcmnados , nem podem vender sem licença da camará , e por medidas aferidas. Tem algumas posturas relativamente a vinhos. Artigo IV. • ACEICEIRA, E ATALAIA. 98. As posturas destas villas nao oíFerecem cousas no- táveis , e de maior consideração do que as da villa de Punhcte : relativamente á cultura estabelecem providencias para se encoimarcm os gados , que entrao em searas , e que , geralmente fallando , se achão em damno em fazen- das alhcas. Como na villa da Atalaia os milhos são pela maior parte regados assim por pequenos ribeiros , como pela agua , que vem das fontes ; as posturas estabelecem providencias contra os que desviarem a agua , que está destinada para esta ou para aquella fazenda em determi- nado dia : tem muitas posturas relativamente á venda dos vinhos , e aos taberneiros. 99. Eis o que posso dizer sobre o assumpto proposto pela Academia Real das Sciencias de Lisboa em Sessão pública de 24 de Junho de i8zi a respeito da Descripção económica desta porção considerável de território perten- cente a comarca de Thomar , segundo -O plano adoptado pela mesma Academia para a visita da comarca de Setúbal. PO- 104 Memorias da Academia Real -Tl POPULAÇÃO ENTRE ZÊZERE E TEJO. MAPPA N. I. Solteiros de if annos p.' cima Ditos de 15" annos para baixo Viúvos — - Viuvas Casados — ! Total dos habitantes Fogos IL K M n a 0 0 5 V M 2 0 a 0 3 > H Z X Total 200 128 349 45 722 187 163 300 66 816 24 19 21 5 69 75 33 66 17 191 1:024 176 434 78 1:712 1:610 5-19 1:170 211 3:510 403 153 333 65 954 .01 PO- AS SciENClAS DE LiSnOÀk í&f :tí POPULAÇÃO ENTRE ZÊZERE E TEJO* MA PP A N. 2.° Differentes classes i%u Clero - - - Nobreza - Justiça - - Lavradores Sinjelciros - — __.-.. Trabalhadores --.-_-- Pastores ------- — - Commerciaiites - - — _ - - Gente do mar ------- Pescadores ^-------_ Tendeiros - — -.__-- Pedreiros ---'---_.-- Carpint."" de difterentes obras Sapateiros --- — ____ Alfaiates ----- — .-- Barbeiros -----•.---- Ferreiros ---------- Ferradores ------- — - Oleiros ----------- Moleiros 3 o PI 5" 9 I II I 13 2 27 6 2 8 22 83 5 17 26 )> 303 6 10 j> 16 )> 5 S 22 7 16 4 6 4 S » S j> z j> 1 j> » )> 2 8 2 14 >) 176 10 10 123 )> 3 3 10 7 I 4 2 2 j> 37 Total I I 2 7 6 3c 6 35 jj I jj 3) 2 4 2 3> J> J> J5 >5 13 21 í? 54 16 311 39 3Ó 43* II 19 13 41 31 13 9 7 4 a 37 Tom. nu. P. 11, PO. io6 Memorias da Academia > I 2 I I }> >» >> j» 3 1 8 4 J5 >) J> )■> 41 5> 3 j> 6 3> I I J» J> >> 2 3 8 2 22 2f o 8 >j )j j> 4 8 13 8 5 }} 3 . ? 5 7 ic i! 1 1 80 12 13 246 34 12 8 16 18 6 6 3 12 6 Total I 2 12 33 33 3f 34S 29 '3 446 193 '9 17 37 27 13 7 22 9 o u PRO- io8 AIemorias da Acadfmia Real r 5 ■ > > > o Cl cn 3 >■ O -0 > õ D W 5 m r" 5 3 o "0 e S ra — ^-.1 g!? m 1 5Í tn ° S 3 " PI 1 X o 2; o i-O S' o 1 • W § 'p s s 11 is • - > o > *< .2 ■ - £ 1 g 1 O n 1 ■ "W ■ o rr 5 p o H^ CO tô vj to CÕ Trigo 3 S O to o "^ o o O O o o o to CO ^ CD CÓ CO os Centeio - o o CS o to o o o g o o o o o ^ ^ ^ 4- to o o Cevada o o o 9 > H 3^ CD CO »— * J3 w ?;'"3 >^ Ol t-" o o Milho grosso , e fi) P3 ?3 b to o CO o o CÕ o o miúdo n O o o o o o o 1— 1 H O P3 to h-i Legumes de to- *# n C-1 o IO Oi Cn b o o das as qualidades O 5. n. o o o o o O o O a o 0 to CS ti Castanhas , e no- rr " ** i *^ ^ >u Ib zes n> o o ^ "t O 3Í ^ 3 s t-1 ^ o to o Laranja > Is o o o >- 5n 1— 1 CO Cs to to o o Vinho 3 O p >«• o o o o &J O 2^- B 1 "> 2: > Co 4^ to t—t 05 t^ >o • 3 '3 o CO h*-i b o b b Azeite c VJ1 1 p o VI to o o o o o O o o o ■ o o d. 'o 0-. to to „ c ^1 b 35 ca Co >6. cb to tõ to CD o Si. 9 a i.^ ~ 1 o- 9 1 '"-TJ CJ OS o to CO 4^ t>3 ' 3 --0 1 o <-i M CS _co J» _© - a. CO o o ■o o o O o "b "b ~b o o o o o o o o o o o o ê-S ?^ |L 1 ■^■^ ^^mmm ^^^ COL- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. lOp COLLECqÃO DE DOCUMENTOS, SERVINDO DE APPENUICE A ANTECEDENTE DESCRIPqSO ECONÓMICA DE THOMAR. N. I. Foral antigo de Thomar. Oabham quamtos este testemonho virem, que em presença de my loam Peres, Tabelliom de nosto Senhor Elrey em Tomar, e as tes- temunhas soescritas Stevam Peres, Juiz da dieta villa , mostrou , e leer fez per my dicto labellion húa escriptura sen seclo nenhun , segun- do a mi parecia , da qual o theor tal he. a In Dei nomine. Amen. >j Ego Magister Gaudinus una cum fratribus méis vobis qui em 5J Thomar cstis habitaturi maioribus et minoribus cujuscimque or- » dinis sitis , et filiis vestris, et progeniis fratribus templi Salomo- >f nis in fide permanentibus Placuit nobis facere cartam firmitudinis j» de jure hereditatum vestrarum quas ibi populatis , et de foro at- >» que servicio. In primis ut nur.quam faciatis nobis senaran. Et de « perda de fossado non detis nisi ad zagan duas partes , et vobis » remaneant due. Et de azaria, et de tota illa cavalgada, in qua » non fuerit rex nobis quintam partem vobis quatuor partes absque » ulla alcaidaria. Siquis militum emerit vineam a tributário sit libe- « ra. Et sy acceperit in conjugium uxorem tributarii omnis hereditas » quam habuerit sit libera. Et sy tributariuG potuerit esse miles ha- » beat mortn militum. Milites habeat suas hereditates liberas. Et >» sy quis militum venerit in senectute ut non possit militare quan- » diu vixerit sit in honore militum. Et si niiles obierit uxor que >j remansserit sit honorata ut in dicbus mariti sui. Et nuUus eam »> vel filiam alicujus accipiat in conjugium sine voluntate sua , et pa- ?> rentum suorum. Sailiom non eat domum alicujus sigillare. Et sy »> aliquis fecerit aliquid illicitum veniat in concilium , et judicerur " recte. Et Judex, et alcayde sint vobis positi sine ofrecione. Cie- " rici Thomar habeant in omnibus honorem militum in vineis , et ».> terris , et domibus. Et sy aticui militum obierit cqus , et non po- tue- no Mkmobias da Academia Real ) tucrit cmerc altenim nos dabimus ci. Et sy non dcderimus stet > lionoratus doncc possit linbere unde emat. Infançon, e: aliquis Jio- mo non habeat in Tlioninr domum , necjue liercditatem iiisi qui volucrit liabitarc nobisciim , et servire sicuti nos. In illas aceni.is non dctis plus qunm qiiartam decimam partem sine ofrecione. Pe- dires dent de racione qaantum solent dare pedites de Colimbria per qunrtarium de sexdecim alqueres sine brachio posito, et ta- bullam. De vino , et lino dent octavam partem. Et de madeira » que aducunt pro vendere dent octavam partem. In lagaradicam > de vino de quinque quinallcs inferius dent almude , et si super > fuerit dent quartam sine ofrecione, et jantarc. Nullus miles extra- > neus intret domum alicujus syne voluntate domini domus. Si ali- 5 quis laborator habuerit ivi comunionem non faciat uenca aliquod > fiscum. Almoqueveres faciant unum servicium in anno. Et inter vus » non sit ulla manaria. Et si aliquis vestrum volucrit transire ad aliura > dominum vel ad aliam terram liabeat potestatem donandi seu ven- > dendi suam hereditatem cuicunque voluerit qui in ea habitet, ec > si noster homo sicut unus ex vobis. Atalhaias ponamus nos me- > diatatem anni, et vos mediatatem. Non detis portaticurn vel al- j cavallam aut cibarian custodibus civitatis vel porte. Tomar nun- > quam damus per alcavallam alicuy. Hoc fórum", et hanc consue- > tudinem coram probis hominibus deo donante statuimus atqiie con- » cedimus, et tam a nobis quam a successoribus nostris perpetuo, et > illibitate tenendum firmamus. Siquis vero quod fieri non credimus » aliquis successorum nostrorum. Magister sive fratres seu alienus > hoc nostrum statutum infringere voluerit juxta dei ulcionem con- » fringatur, et pereat cum diabolo, et angelis ejus sine fine pu- > niendus nisi digna satis se emendacione correxerit. Facta fírma- » menti carta mense Novembro Era milésima duccntesima , Rcgnan- > te domno Illdefonso portugalensium Rege , Comitis Henrrici , et > Regine Tarasie fillio magni Regis Uldefonsy nepote. Poll.igius » deconus notavit. Petrus Pelagii. Gohdisalvus de Sausa dapifer. Do- » nus Rodericus Comes. DonusTicion, Alcayde de Colimbria. Do- > nus Guian , Alcayde de Sanctaren. >> A qual escretura pcrliuda Stevam Martins , Clérigo do sobredito Senhor elRey , pediu a my dicto Tabellion que Ihy desse ende o trallado fecto em Thomar en o logo que chamam o Poombal, viinte quatro dias de Dezembro da era de mil e trezentos e cincoenta e cinco anos. Testemunhas Martin Gil , vassallo de nosso Senhor elRey , e companho do dicto Stevam Martins; e Ayras Peres, Juiz da dieta viila de Thomar, companhom do dicto Stevam Peres Juiz. EJoam Peres Burges, Pro- curador da dieta yilla de Thomar, e Pêro Domingues dito pobo. Eu DAS SciEKCrAS DE LiSROA. Jtt Eu Joam Peres , Tabellion do dicto Senhor em a dieta villa de Tho- mar, aa petiçom do dicto Stevam Martins, Clérigo do sobredicto Senhor elRcy , este testemonho escrcvy , e meu synal liy pugi que tal he. I r; , r ■ ,. Livra de Foraes Untigos de Leitura nova fi. 89 f. N. 2. Foral ele Thomar. Dom Manuel , &c. I Jugada. Primeiramente pagarão na dieta villa e termo por direito Real todalas pessoas, que nam sam priviUegiadas, ho oytavo de todo pam que colherem trigo, cevada, centeyo , milho, ou painço. O qual pagarão nas eiras , onde serão diligentes os Officiaes , ou Rendeiros das ditas jugadas de hirem partir e receber ho dito pam como lhe for notificado pellos lavradores, ou senhorios delle. E nam hindo o partirão, e faraó nisso o que per nossas leis jeraes e ordenações te- mos mandado; ho qual oytavo assy pagarão, sem embargo de estar a jugada do dito pam per outra maneira. E sendo caso que ante de ser partido ho dito pam levassem, ou escondessem seus donos, ou sonegassem alguum delle, em tal caso se nam perderá mais outro pam que aquelle que soomente assy tirarem, postoque atee quy ho contrairo se fezesse, o que nam avemos por bem que se mais faça. Oytavo do Vinho , e Linho. E pagarão mais na dita villa os piâes ho oitavo do vinho, e linho, a saber: ho linho no tendal , e ho vinho na bica, e a tinta na eira. Ho qual vinho serão dyligentes , e obrigados os ditos offi- ciaes , ou Rendeiros de hirem receber nos lagares que sam da ordem cada vez que lhe for requerido. E nam indo ao tempo ordenado , ícará em escolha do lavrador partir do dito vinho perante duas tes- temunhas , e leixarlho no lagar, ou podello ha levar com ho seu , e despois de cozido entregar o que levou desfalcando ou tirando pry- meiro da qu.intidade e soma que receber em moUe o que verdadei- ramente desfalece em cozido. La« 112 Memorias da Academia Re ai. Lagares de Vinho. E nos lugares , e terras onde a Ordem nam tem lacares , po- derão fazer lio vinho em suas casas, e rccolhelo, e dcspois ao en- tregar tarao primeiro ho dito desconto do cozimento , e ho ai en- tregarão per seu juramento, poUo qual serão cridos de quanto vi- nho , e de que sorte o ouveram. E assy darão delle ho dito oitavo sem os ditos officiacs ou Rendeiros o poderem escoliíer aa sua von- tade, soomente darão do que ouverem assy boo como mao. E a ju- gada de pam de que atras se faz mençam, e assi ho dito oytavo de vinho, e linho se arrecadará, e pagará per aquellas pessoas, e na. quclla maneira que per noásas leis e ordenações do Reyno he deter- minado que se aja de fazer, ou ao diante em qualquer maneira se determinar que se faça. Moendas de pam. E sam isso mesmo da dita ordem todalas moendas da agoa da Ribeira , que vay pella dita villa de Tomar de baixo e de cima , assy de pam, como d'azeite, e pisoes. E paguem as moendas de pam de maquya de quatorze alqueyres huum. E a ordem faz e refaz as ditas moendas todas. Moendas d'azeite. E dos moinhos d'azeite levam soomente de dez alqueires d'azei- tona huum alqueire em azeitona , e os nove fazem em azeyte pêra seu dono sem outro tributo nem paga. Os quacs moinhos , nem ou- tras nenluias moendas d'azeite na dyta villa e termo nam serão se- nam da ordem. Pisoes. E os pisoes de panos ou burel levao por cada vara de pano que a pysoam e cardam , por tudo juntamente cinquo reis a vara. E se for vara de burel hum real e meyo. E isto he soomente no dito Ryo que vay pella villa. Porem nos outros rios ou Regatos da di- ta villa e termo poderá fazer qualquer pessoa nas suas testadas quaesquer moendas que quyzerem , e moerem qualquer pam seu e aliíeo. E isso mesmo poderá fazer qualquer pessoa da dita villa e termo moendas, ou engenhos de besta, ou moos de braço para moerem soomente ho seu pam, e dos familiares de sua casa, e ou* tro DAS SciekciaS DE Lisboa. ii^ tro ncnluium nam. E nam poderão porem fazer os ditos engenhos, nem outros nenhuus pêra moerem azeite, porque pêra ho azeyte nam pode nenguem fazer senam a dyta ordem na dita villa e ter- mo como dito he. Fornos. E per ho conseguinte nam pode nenguem na dita villa e ter- iTio fazer fornos de poya , senam a dita ordem, posto que agora nam os aja de poya no dito termo. E pagarão de poya de vinte liuuni. E assy per este respeito do mais e menos. Os quaes fornos ho senhorio ha de fazer e refazer, novos e velhos, e quantos fo- rem necessários. E poderá porém qualquer pessoa da dita villa e termo fazer fornalhas pêra soomente cozer ho pam de sua casa , e de suas Hlhas e noras. Açougagem. Jtem. Se arrecadam mais na dita villa põr direitos Reaes , que anda com a alcaidaria e açougajem as cousas seguintes, a sa»- ber: levará ho alcaide de todo pescado que vier aa dita villa a ven- der, levará de carga de pescadas huua pescada qual poder escolher na canastra , sem mais revolver ho dito pescado , soomente a que poder per sua vista escolher , sendo toda a canastra ou canastras descubertas. E nam entornarão mais as canastras ou seiróes em que viff. E levarão assy de alcaidaria e açougajem pella dita maneira: de saves ou pexe descama huum pexe, posto que atee ora mais se levasse ou requeresse. E se com cada huum destes pescados ou ou- tros semelhantes viesse alguum pexe escolheito d'outra qualidade, cu maior quantidade, nam tomarão dos taes pexes ho dyto direito; soomente dos outros de que a moor quantidade da carga fosse to- marão ho milhor , como dito he. E este pexe mayor se entenderá se vier em besta mayor. E se for d'asno nam levarão se nam amee- tade de cada huum dos ditos pexes. E se for colonho per esse res- peito. E do pescado de scama em cambos pagarão por carga mayor ao mordomado e açougajem quatro ceptiis. E do colonho dous ce- ptiis. E do pescado de scama seco se pagará huum pexe, assy co- mo do fresco. Sardinha. E de sardinhas se pagará daçougajem huda dúzia de carga mayor. Tem. VIU. P. 11. f P©- 114 Memorias da Academia Real Pexe miúdo. E de vesugulnhos, ou carapaos, ou outro pexe miúdo de sca- ma , que seja de mar, se pagará huum arrátel daçougajem , e de portagem. E os da viUa nam pagarão portagem , nem poderão ven- der nenhuum pescado , nem marisco em suas casas , nem em outras , se nam se for per licença da Camará , e officiaes delia. E de toda carga de pescado de coiro por açougajem , e mordomo seis ceptiis. E se forem chernes , ou congros, levarseha de cada carga híia pos- ta de couto. E de todolos mungens que vierem em canastras, pa- garão de vinte huum. E se vierem aas costas , de trinta luium. E d'outro pescado miúdo d'agoa doce pagarão de carga seis ceptiis. E dy pêra baixo segundo outra quantidade e respeito. Marisco. E da carga do marisco , daçougajem e mordomado três ceptiis. E quem levar de quaesquer dos ditos pescados pêra fora do termo , pagará por carga mayor huum real. E outro tanto pagará do ma- risco se o tirarem. E os ditos direitos nam pagarão os moradores da dita villa e termo de quaesquer canaes e pescarias que teverem no dito Rio de Tomar, ou do Zêzere. E de todolos ribeiros que a elles vem. Fruytas, e Ortelija. E das fruitas, e orteliça nam pagarão os moradores da^villa do que ouverem de suas novidades. E as outras pessoas pagarão do cesto huum ceptil. E da carga dous ceptiis. E estes direitos acima contheudos da fruyta , e orteliça se nam pagarão se nam na dita villa. Com tanto que as fangas ou açougues sejam corregidos na di- ta villa aa custa do Senhoryo. E no termo nam averá os ditos di- reitos daçougajem. Posto que o Senhorio queira pêra isso fazer casas. C^allayo. E pagasse de Cellayo na dita villa pellas padeiras, e amassa- deiras que amassam pam pêra vender na villa cada sábado huum pam de real. Carne. E os carniceiros por cada dia que cortarem carne pouca ou ■ , ; muy- 1 dasSoienciaSdeLisboa. tif muytn da vaca dous aratee?. E dos carneiros liuum arrátel. E assi as outras pessoas que a dita carne cortarem a peso. Rcllego. Ha Rellego na dita villa , e nas pias , e na Junqueira , onde ha daver adegas para isso. E em outros lug;ires do termo não as ha daver, nas quaes adegas ho viniio se venderá os três mezes de costume , a saber : de Sancta Maria de março atee Sam Joham. E lio vinho que se no dito Rellego ha de vender ha de ser o que a ordem lia daver do oitavo soomente. E nam o dos lizimos, nem ncnhuum outro , posto que ho senhorio o tenha de suas vinhas , ou per qualquer maneira. No qual tempo nenhuma pessoa poderá ven- der outro vynho atavernado , so pena de por cada vez que o fezer sem licença pagará ao Rellegueiro cento e oito reis por sessenta sol- dos , que se pello foral manda pagar. E quem quiser vender per al- mudes , de cada vasilha que vender huum almude, ora seja cuba, ora tonel. E se ho vinho dos oitavos nam durar tanto em se ven- der como os três mezes do Rellego , mandamos que em qualquer tempo que se acabar de vender nam aja mais Rellego. E cada luiuin possa vender seu vinho a quem quyser sem mais licença , nem Íienna alguuma , posto que os ditos três meses nam sejam passados. i se ho vynho dos oitavos , e Relleguo tanto durasse , que se nam vendesse nos ditos três meses, nam se poderá mais vender ataverna- do na dita villa, nem nos outros lugares onde ouver adegas, e ca- sas de Rellego. E pêra justificaçam do que dito he. Mandamos que os Juizes , e officiaes da dita villa tanto que ho vinho dos oitavos for nas adegas do Rellego, o vam ver, e escrevam as vasilhas quaes , e quantas sam , e de que vinho , porque se nam possa des- pois com esse meter outro , que dos ditos oitavos , e pêra o Rellego nam seja como dito he. Vinho. E de carga mayor de vinho se pagará huum real quem o tirar no tempo do Rellego , ou o meter , ou tirar em todo outro tempo do anno. Vinagre. E do vinagre per este respeito. V il Pet> ii6 Memorias da Academia Real Pensam dos tabaliaés. A pensam dos tabaliaes se pagará isso mesmo como se sempre pagou , a saber : sam nove tabaliaes , e paga cada huum por anno seis centos e trinta reis. Pennas das armas. E se arrecadará mais por direito Real , e da alcaidaria na di- ta villa e termo as pennas das armas nesta maneyra , a saber : Quem tirar arma pêra fazer mal com ella dentro na villa e arravalde , pa- gará ao mordomo cento e oyto reis. E ao alcaide duzentos reis , e mais a arma perdida. E se a tirar no termo, pagará soomente du- zentos reis repartidos nesta maneira, a saber: os cento e oito reis pêra ho mordomo , e os noventa e dous reis ao alcaide , e mais a arma perdida. A qual penna se julgará segundo nossas ordenações , com estas decraraçóes , a saber: que o que apunhar espada ou ou- tra arma, se a nam tirar nam pagará nada. Nem o que tomar paao ou pedra , ainda que com ella faja mal , e tire sangue , se for em reixa nova nam pagará, salvo se for de preposito , e fczer mal com ella. Nem pagará nenhuua das ditas penas moço de doze annos pê- ra baixo em qualquer maneira que as cometa , nem de molher de qualquer idade. Nem as pessoas que castigando sua molher, e filhos, e criados, e servos, posto que lhe tirem sangue. Nem o pagarão os que joqando punhadas sem armas tirarem sangue com bofetada ou punhada. E as ditas pennas nam pagarão isso mesmo as pessoas que em defendimento de seu corpo , ou por apartarem e estremar outras pessoas em arruydo tirarem armas , posto que com ellas ti- rem sangue. Gaado do vento. Ho gaado do vento he do Senhorio , ho qual se arrecadará segundo nossas ordenações , com decraraçam que as pessoas a cujo poder for ter ho dito gaado perdido, vam dizer ao escrivam dos direitos Reaes onde o ouver, ou da Camará, ou a outra pessoa que fiera isso será enligida a dez dias primeiros seguintes, so penna de he ser demandado de furto. Dizima das Sentenças. Se pagará dizima das Sentenças que se na dita villa derem á exe- DAS SciENcrÀs OE LiSBOAiT/I iff çxecuçam «comente, e nam polia dada delias, como se atee quy fa« zia. A t]uaL se nam pag.irá, se ja toi paga a dizima em outra par- te polia dada. E ho mordomo nam averá mais dizima que de quan- ta parte fezcr a entrega. E se a isso for negligente, nam a levará, !3osto que per outros officiaes se faça. Os quaes soomente levarão 10 selairo que lhe for devido per bem de sea ofticio. Portagem em que entra dizima. Alhos , Cebolas. Dos alhos , cebollas secas que vierem pêra vender ou tirarem , se pagará a dizima delias, se vierem defóra do termo pêra vender, ou SC pL'ra fora tirarem, salvo as que levarem pêra seu mantimento nam pagarão. to j i- Linho. Do linho em cabello de fora do termo pêra vender se pagará a dizima do que se vender. E outco tanto pagará quem o comprar, e tirar pêra fora. i , . ■ -l 'jh Madeira, louça de paao. De qualquer madeira lavrada. E assy de toda louça , e vasos, ou vasilhas de paao de fora do termo, pagarão dizima. E se a ma- deira for por lavrar, ou for ta voado, ou casca, pagará por carga mayor três reis e meyo. E na dita. maneira se pagará das dytas cousas quando se tirarem pêra fora. Telha , Tygello. De carga mayor de telha ou tigello se pagará huum real a res- peito de dez reis por milheiro. Qiial ante quyzer ho mercador. Vinho. E de carga mayor de vinho se pagará huuffl real do que se comprar, ou vender fora do tempo do Rellego pêra se tirar pêra fora da villa e termo. Maninhos. Na dita villa nam ha matos maninhos que rendara pêra hoSe» nho- ii8 Memorias da Academia Real nhorio, soomente sam dados pelo Vigairo pella Ley das sesmarias, e ficam de seu património como ho jecral toro da terra. -riF.iJp sfj Montados. Na dita villa e termo nam ha montados. Nem se leva penna por isso aos que vem de fora pastar j soomente na mata que lio Con- celho tem ao longo do ryo da villa , e vay ter ao Zêzere. Nem en- tra gaado sem licença do Concelho , avindosse com os officiaes da Camará poilo que se concertam. E os que entram sem sua licença do dyto Concelho levanlhe a penna polia postura do dito Concelho. Titolo da portagem per cargas , e doutras cousas. Primeiramente decraramos, e poemos por ley jeeral em todos os foraes de nossos Regnos, que aquellas pessoas ham soomente de pagar portagem em alguúa villa ou lugar que nam forem morado- res e tizinhos delle; e de fóra}■ E de carga mayor de laranjas , cidras , peras , cerejas , uras verdes, e figos. E por toda outra fruyta verde meyo real. Ortcliça. . j "j ',;j ■ . «JlJ(jk^ -ajJiil Ci^ijJ E outro tanto se pagktá por melloê;, e orfclíçá. ' "E cjtlando 'Í dita fruyta , e orteliça for menos de meya ariova , nam se pagará portagem pello comprador y nem pelo vendedor*- 'i '"'''' '• 'r Palma , esparto , e semelhantes. Da palma , esparto , junça , ou junco seco' pêra takèt^ et^preyta tíellcs. Ou de obras de tabiia, ou íunclio, por carga mayor seis reis. E quem levar de mcya arrova pêra baixo pcra stu uso,' nam pagará nada. E das esteiras, alcofas, açafates, e cordas. E de quaes- qucr obras que se fezerem das diias cousas da palnin &c. , por car- ga mayor dez reis. E quem tirar de nicyo real pêra baixo, de por- tagem nam pagará. Escravos. Do escravo ou escrava que se vender treze reis e meyo. E se as mains trouxerem crianças que mamem, nam pagarão mais delias que polas mains. E se trocarem luiíis escravos- por' outros sem tor- narem dinheiro , nam pagarão. E se se tornar dinheiro por cada húa das partes, pagarão a dita portagem. E a dois dias dcspois da venda feita hirão arrecadar com a portagem as pessoaí a isso obri» gadas. r .■.)•.■;■ Bestas. Do cavallo, ou rocim , ou muu, ou mulla se for vendydo por menos de duzentos e seteenta reis , pagará treze reis e meyo. E dy pêra cima em qualquer quantidade se pagará vinte e sete reis por cida huua delias. E da cgoa três reis e quatro ceptiis. E do asno ou asna hum real e cinquo ceptiis. E estes direitos nam pagarão os vassallos, e escudeiros nossos e da Rainha, ou de nossos filhos. E se as egoas ou asnas se venderem com crianças , nam pagarão se nam polias mains. E se trocarem híías por outras sem tornar di- iihei- D AS Sc r ENC! a'« b E Llí!B o A, 12^ nhciro, nnm pagar.im portagem. E se tornarem, pagarão. E a dou9 ílias depois da vcrula Kyta liirâo arrecadar com a portagem as pes^i soas a isso obrigadas, - -íi-jl e-^òjtníh/io a ^Loaça de barro, malcga , azulejos. De toda louça de barro do Regno,' que nam Fcja vidrada, a quatro reis por carga mayor. E ise for vidrada, a oito reis polia dy- ta cargi majror. E da louça nam' v)rdrada''dt* f(yi'a do Rêgno, aos ditos oiro rcfs por carga mayor. E se for vidrada. E assy azulejos, a saber : a dez reis por carga mayor. E quem leVar pcria seu uso das ditas cousas atee huum real de portagem, n^m pagará. ,, .f.dfrjri (.1: Moos. ,^ , ... , , E de moo de barbeiro três reis. E de moinhos, ou atafonas quatro reis. E de moer case*, ou azeite oito reis. E por moos de mão de moer pam, ou mostarda Inuim real. E quem trouxer ou le» var cada huúa das ditas cousas pefa seu usa, fiam pagará 'nada. Barro,' pedra. ?.£lbt;pc Nem se pagará de barro, nem pedra que se leve, nem trág^ per nenhuua maneira. Mármores. Salvo de mármores de levante. Dos quaes se levará soomente por carga mayor huum real. E pêra seu uso nam pagará em qual- quer quantidade que as trouxerem ou levarem. Saca da carga por carga. As pessoas que algumas mercadorias trouxerem aa dita villa de que pagarem direito de portagem , poderão tirar outras tantas e taes , sem delias pagarem portagem , posto que sejam doutra quali- dade. Porém se as de que primeiro pagarem foratm de moor paga , ou tamanha como as que tirarem , tiral^sham lyvremente sem outra paga. E se forem de mayor prejo as qu: tirarem que as que trou- xerem , pagarão a mayor delias, e descontarlhcham da paga que ouverem de fazer pêra ho comprimento da paga da carga rriayor , outro tanto quanto das primeiras que meteram tevérem pago. E as outras cousas contheudas no furai amigo da dita v^la ouvemo$ aqu/ 12Í Memorias da Academia Real aquy por escusadas, por se nam usarem ja per tatuo tempo, que nam ha delias memoria. Ealguíãas delias tem ja sua provisaiu per Ids, e ordenações jeraaes destes Regnos. /;Gl.'!.<^ncio o-tú & ai;'-'-: Do arrecadar da portagem. Entrada per; terra. As Mercadorias que vem de fora pêra vender nam as descarre- garão, nem meterão em caça sem primeiro o notificarem aos Ren- deiros , ou officiaes da portagem. E nam os achando em casa , toma- rão huum seu vizinho. Ou pessoa conhecida, a cada hutim dos quaes dirão as bestas e mercadorias que trazem , e onde liam de pousar. E com isto poderão pousar e descarregar onde quyserem de noite e de dia sem nenhuua penna. E assy poderão descarregar na praça ou açougue do lugar sem a dita manifestaçam. Descaminhado. .„Pos quaes lugares nam tirarão as mercadorias sem o primeiro dizerem aos Rendeiros , ou officiaes da portagem , so penna de as perderem aquellas que soomente tirarem , e sonegarem. E nam as bestas, nem as outras cousas. E se no termo do lugar quiserem yender, farão outro tanto, se hi Rendeiros, ou officiaes ouver d.i portagem; e se os nam ouver, notifiquemno ao Juiz, ou vintanei* ro, ou quadrilheiro, se ho aiiy achar, ou a dous homens do dito lugar. Com os quaes arrecadará , sem ser mais obrigado a buscar os officiaes , nem Rendeiros , nem encorrer por isso em alguma penna. Sayda per terra. E os que ouverem de tirar as mercadorias pêra fora , podem nas comprar livremente sem nenliuua obrigaçam, nem cautclla. E serão obridagos as amostrar aos Rendeiros, ou officiaes quando soo- mente as quiserem tirar, e nam em outro tempo. E das ditas ma- nifestajoês de fazer saber aa portagem nam serão escusos os privi- legiados, posto que a nam ajam de pagar, segundo no capitolo se- guinte dos privilegiados vay decrarado sob a dita penna de desca- minhado. Privilegiados. As pessoas eccleslasticas de todalas Igrejas , e moestcyros , assy de homens como molheres. £ as provencias e moesteiros em que ha fra- DAS ScrENcr/('s de Lisboa."" fiT frades, e freiras Irmitaens, que fazem vooto dc: profissam. E assim os clérigos de ordens sacras, e os beneficiados em ordens menores, que posto que nam sejam de ordens sacras vivem como clérigos, e por taes sam ávidos. Todos os sobreditos sam isentos, e privilegia- dos de todo dyreito de portagem, usajem , nem costumajem per qual- quer nome que a possam chamar. Assy das cousas que venderem de Seus bcens , ou benefícios, como das que comprarem, trouxerem , ou levarem pêra seus usos ou despesas de seus benefícios, casas, e famí- lias, assy per mar como per terra. E assy será liberdada na dita vil- la da dita portagem a villa de guymaraaês sopmente a que foi dado privilegio de nam pagar portagem pello Conde Dom Anrrique na era de mil cento e sessenta e seis (rj. tí por conseguinte o será qualquer outra villa, ou lugar, ou pessoa que ho semelhante privilegio tever. Com tanto que fosse dado ante da dada da doaçam da dita villa de Tomar aa ordem , e meestrado , cuja he., A qual doaçam foy dada na era de mil e duzentos e seis. Soldo. E assy lio serão os moradores da dita villa e termo no dito ter- mo e villa de todo direyto de portagem , nem usajem , nem passajcm , nem costumagem por huum soldo que antigamente se mandou pagar, pollo qual pagará ora toda pessoa onze ceptiis dagora , os quaes pa- garão atee ho Sam Joham em qualquer tempo do anno a trás que quiserem pêra gouvirem do dyto privilegio. E se atee ho Sam Joham nam pagarem, dy por diante nam escusarão, salvo se primeiro solda- rem. E assy serão liberdados da dyta portagem quaesquer pessoas ou lugares que nossos privilégios tiverem, e mostrarem, ou ho trelado delles em publica forma, alem. dos acima contheudos. E as pessoas dos ditos lugares privilegiados nam tyrarão mais ho trellado de seu privilegio , nem o trarão ; soomente trarão certidam feita pello escri- vam da camará , e com ho sello do concelho como sam vizinhos da- quelle lugar. E posto que aja duvyda nas ditas certidões se sam ver- dadeiras, ou daquelles que as apresentam, poderlheham sobre isso dar juramento sem os mais deterem, posto que se diga que nam sam ver- dadeiras. E se depois se provar que foram falssas, perderá ho escri- vam, que a fez, ho officio; e degradado dous annos pêra Cepta. E a parte perderá em dpbro as cousas de que assy enganou , e soonegou aa portagem; ameetade pêra a nossa camará, e a outra pêra a dita I por- CO o Horal itjln pelo Conde O. Henrique á Villa de Guimarães não tem data; e a da era de i i 4ó he a da Contirniaçâo do mesmo Foral por ElRei D. Affonso Henri- ques, na Gaveta i; Maço S N." 20. ii8 MeMòrtas tja Academia Real portagem. Os quaes privilégios usarão as pessdas nelles contheudas pelias ditas certidões, posto que nam vam com suas mercadorias, nem mandem suas procurações. Com tanto que aqueilas pessoas que as levarem , jurem que a certidam he verdadeira , c que as taes mer- cadorias sam daquelles, cuja he a certidam que apresentaram. Penna do foral. E qualquer pessoa que for contra este nosso foral , levando mais direitos dos aquy nomeados , ou levando destes mayores comhiias das aquy decraradas, o avemos por degradado por iiuum anno fora da vilia e termo, e mais pagará da cadea trinta reis por huum de todo o que assy mais levar pêra a parte a que os levou. E se a nam qui- ser levar, seja ameetade pêra quem o acusar, e a outra pêra os ca- tivos. E Damos poder a qualquer justiça onde acontecer, assy Jui- zes como vintaneiros, ou quadriliíeiros, que sem mais processo, nem ordem de Juizo, sumariamente sabida a verdade, condepne os cul- pados no dito caso de degredo , e assy do dinheiro atee couthiia de dous mil rei<, sem apella^-am, nem agravo, e sem disso poder co- nhecer almoxarife, nem contador, nem outro official nosso; nem de nossa fazenda , em caso que o hi aja. E se hó senhorio dos ditos direitos Ho dito foral quebrantar per sy , ou per outrem, seja logo sospenso deles, e da Jurdiçam do dyto lugar, se a tiver, em qiian- 10 nossa mercê for. E mais as pessoas que em seu nome, ou por elle o fezerem , encorrerão em as ditas pennas. E os almoxarifes, escrivães , e officiaes dos ditos direitos , que o assy nam comprirem , perderão logo os ditos officios , e nam averão mais outros. E por tanto mandamos que todalas cousas contheudas neste foral , que nós poemos por ley , se cumpram pêra sempre. Do theor do qual man- damos fazer três , huum delles pêra a Camará do Concellio. E ou- tro pêra ho Senhorio dos ditos direitos. E outro pêra a nossa Torre do Tombo, pêra em todo tempo se poder tyrar qualquer duvida que sobre isso possa sobreviir. Dada em a nossa villa de Santarém pri- meiro dya de mayo do nascimento de nosso Senhor Jesus Chrispto de mil e quynhentos e dez. E eu Fernam de Pina, cavaiieiro da ca- sa do dyto Senhor, que per mandado especial de sua alteza o fiz fazer, e concertey, e soescrevy. Ho qual vay escripto em dezaseis folhas, e mais estas seis Regras. l^ivro de Foraes novos da Estremadura fl. ^Z. N. DAS SciEKCIAS DE L I S B O A. t2p '. N. 3. Fora/ de Paio de Pelle. Dom Manuel &c. Mostrasse polias dietas Imquiriçoees estar a ordem em costume , e posse , sem comtradiçam de dar as terras da dieta ordem, e comenda pêra casaees emcabeçados por hum quartey- ro de pam , meado em cada hum anno, a saber: ametade de tri- go, e a outra metade segunda , que se emtemde cevada , centeo , ou inílho; e mais davam aos comendadores o dizimo de todo o que colhyam , e mais cada casal cadanno huma galinha, e huma dúzia dovos. E os caseyros que asy tomaram, ou tomarem os maninhos con o dito foro, sam obrigados a confirmarem seus titollos poUo mestre , ou seus veedores da fazenda , ou pellos visitadores da hor- dem. E os comendadores, mordomos, ou Rendeiros seram dilligen- tcs cm receberem o pam , e foros aos tempos em seus contractos , e scrituras obrigados; porque se assy lho nam receberem levando- lho, nam seram obrigados os pagadores a lho levarem ja mais, sal- ivo a lho pagarem a dinheiro pollo preço soomente que vallia na terra jeralmente ao tempo que lho nam quiseram receber. E tem mais a ordem, e comendadores o direito dos pastos, e montados, e cortiça da dita terra, segundo se avierem com as partes assy, e na maneira que atee ora estam em posse de o assy fazer. E jazem no lemite e termo do dito lugar de Pay pelle alguas terras , e oli- vaes patrimoniaaes dalgíías pessoas , de que nam pagam ha ordem , nem comendador ninhum trabuto, nem foro, soomente o dizimo a Deos, segundo estam sabidas. Item: se paga mais outro direito no limite do dito lugar nos canaaes, e pesqueiras hy sytuadas, duas dizimas do pescado que se nellas mata , a saber: hua dizima velha, que he da dita comenda , e outra dizima nova , que a nos in solido pertemce per bem do contrauto antigo dos pescadores, nas quacs avemos por bem, e mandamos que se nam faça mudança, nem enno- vaçam de como atee quy usaram de pagar. E aalem dos foros e tributos acima decrarados , mandamos que daquy adiante se nam pa- guem hy ninhuns outros de ninhíía calidade, e comdiçam que se- jam , assy dos foros da terra como das pessoas , a saber : Portagem nem pena darma , nem ninhum outro, afora os sobreditos. E po- rém mandamos que todallas cousas se cumprao como nesta nossa car- ta e foral lie determinado , soo as penas contheudas no foral de To- mar, cabeça do dito mestrado. Dada em a nossa cidade devora a vinte e dous dias do mes de dezembro anno do nascimento de nos- Tom. VIU. P. U. » s» 130 Memoria SI) A Academia Real so Senhor Jesus Clirispto de mil e quinhentos c dezanove; e vay feyto ho original em carta cm vintoyto regras e meya comcerto e soescrito per mym Fernam de Pina. Livro de Foraes novos da Estremadura ji. 244. 5^. N. 4. 'Foral de Atalaia, e Assinceira. Dom Manuel &c. A quantos esta nossa carta de foral dado aas villas da Talla e Ceyceyra virem, que pellas Jmquiriçooes , e jjames que mandámos fazer em nOi>sos Regnos pêra justificaçam dos direitos reaes, delles Achámos que na dita villa se nom pagou nun- ca , nem liam de pagar nenhuns foros , nem trabutos Reaaes de nenhuá sorte, e condiçam que seja, Porque tudo livremente foy da- do ao dito lugar na primeyra povoaçam delle, Ho que nós avemos por bem que assy sempre se guarde sem nenhuúa outra mudança. Qiianto aas sesmarias , Mandamos que se dem segundo nosso Regi- mento delias, sem nehuum foro de nenhuúa forma que seja livre- mente. Gaado do vento. E ho Gaado do vento quando se perder segundo a ordenaçam, ese somente será do senhorio do dito lugar, e recadarsea na dita villa per nossa ordenaçam , com decraraçam que a pessoa a cuja maáo ou poder for teer ho dito gaado, ho venha escrever a dez dias primeyros seguintes, sob pena de lhe ser demandado de furto. E a pena darma será do meyrinho posto poUo concelho , ou por quem quer que cm alguúm tempo for. Da qual se levará dozentos reis , e as arms perdidas, as quaes penas se nom levarão quando apunharem espada ou qualquer outra arma sem a tirar. Nem os que sem prepo- sito em reixa nova tomarem pao, ou pedra, posto que com ella fa- çam mal. E posto que de preposito as tome , se nom fizerem mal com ellas , nam pagaram. Nem a pagará moço de quinze annos e dy pêra baixo. Nem molher de qualquer idade. Nem os que casti- gando sua molher, e filhos, e escravos tirarem sangue. Nem os que sem arma tirarem sangue com bofetada , ou punhada. Nem quem em defendimento de seu corpo, ou por apartar, e estremar outros em arroydo tirarem armas , posto que com ellas tirem sangue. Nem es- cravo de qualquer idade, que sem ferro tirar sangue. E este foral ser- ve em ambollos lugares, a saber: Atallaya , c Ceyceyra. Dada em a nossa muy nobre e sempre leal cidade de Lixboa a dous dias de No- DAS SciENCiAs DE Lisboa. í^f Novembro do nacimento de nosso Senhor Jesus Clirispto de mil é qiiincnlientos e quatorze annos, soescrito pello dito Fcrnam de Pinaj e concertado em quarenta regras com esta. Livro de Foraes novos da Estremadura Jl. 144. N. ^ Privilégios d Filia de Atalaia , &c. Dom Joham &c. A quamtos esta carta virem faço saber, que por parte do Juiz , oficiaees , homens boos , e povo da villa da tal- íaya me foy apresentado liuua carta d' ElRey meu Senhor e padre, que samta gloria aja , de que ho teor tal lie : =: Dom Manuel , per graça de Deus , Rey de Purtugal , e dos Alguarvcs , daquem e dalém iiiaar, em africa Senhor de Guiné. A quamtos esta nosa carta virem fiizemos saber, que por parte do comcelho da tallaya nos foy aper- scmtada huija carta delRey Dom Joham meu Senhor, cuja allma Deus aja , da qual o teor tal he : =; Dom Joham , per graça de Deus, Rey de Purtugal , e dos Alguarves , daquem e dalém maar , em afri- ca Senhor de Guiné. A quamtos esta nosa carta virem fazemos sa- ber, que por parte do concelho da tallaya nos foy aprcsemtada huua carta , que tal he: := Dom Joham , per graça de Deus, Rey de Pur- tugal , e do Alguarve. A quamtos esta nosa carta virem fazemos sa- ber, que Estevam Pires, precurador do concelho da tallaya , nos mos- trou cinquo cartas, a saber: três delRey Dom Dinis noso vysavo , e duas delRey Dom Afonso noso avoo, que Deus perdoee, aselladas de seus sellos pendentes, das quaaes o teor se segue :== Dom Dinis , per graça de Deus, Rey de Purtugual , e do Alguarve. A quamtos esta carta virem faço saber, que pello muyto mal que amim disse- ram, e que eu sey certo que se fazia no Soveral da lameira, que he amtre Tomar e a Golegam , matamdo hy os homens , e molheres, e esbulhamdo e tendo lhe hy o caminho, e fazemdo hy muyto mal, e muyto mallfeytoria ; pêra se partir este mal todo, e todos estes danos e todas estas perdas, emtemdemdo que he serviço de Deos, mamdei , e mamdo ao comcelho de Torres novas, cujo termo he aquelle luguar, que façam hy duas povoras, a saber: huua nallberga- ria a que chamam a Ceiceira , e a outra lugar onde chamam Atallaya no caminho, no qual luguir hy devisou Ruy Paees bugalho quando lá foy com os Juizes de Torres , e querendolhe fazer graça e mercê a todos aquelles que ha povorarem , e morarem comtinuadamente, tenho por íjem , e mamdo que sejam escusados d'ostes , e de fosado , e dadua a que nom vam em ella em nenliuum tempo. Outro sy mam- R ii do 1:2 Memorias da Academia Real do e tenho por bem que de todas aquellas vinhas que fizerem nos ter- mos de sas pobras , que nom dem do vinho que nellas ouverem nen- huua releguajem ein nenhuum tempo, mas mando, e tenho por bem , que se vinho trouxerem pêra hy doutros lugares pcra vemder no releguo , que dem de toda carregua huum almude como o cus- tume do Snmtarem , e no mais : e o vemdam também no relepuo em cuba como em tonel , como se cada huum pagar, ii outro sy a todos aquelles que esta carta virem , faço saber que eu Recebo em minha guarda, e em. minha emcomemda , e sob meu defemdi- memto todos aquelles que morarem em esas povoras sobreditas; e seus homens, e seus herdamemtos, e cryados, e todalias outras suas cou- sas, porque mamdo, e defemdo que nenhuum seja ousado que faça mal, nem torto a elles., nem a seus homens, nem a suas herda- des, nem a seus guados , nem nenhuuas suas cousas; e aquellc que ende ai fizer, ficará por meu ymiguo , e peitarmia os meus emcou- tos de seis mil sólidos e corregcria a elles, e a cada liuum delles em dobro o mal que lhes fezese , e dey emde aos ditos povoradores esta carta. Damte em Samtarem adcsoyto dias de Fevereiro. EIRey o mandou. Francisco Annes a fez , era de mil e trezemtos e coremta annos, = Dom Dinis , per gra^a de Deus , Rey de Purtugal , e do Alguarve. A quamtos esta carta virem faço saber, que eu sabcmdo por verdade que se matavam muytos hnmcns, e faziam muitos rou- bos, e muitas malfeytorias em term.o de Torres novas, a saber: no Soveral dabureiras , que he amtre aguoa de cardiga , e bellsega , fiz: fazer huua povra no lugar que chamam Atallaya, e outra na Ceiceira , e outra amtre essas povras no lugar que chamam a Tojeira , e eu por minha allma em remimento de meus pecados, querendo fazer gra- ça e mercê a eses que morarem em esas povras, quitolhe a minha jugada pêra todo sempre do pam , e do vinho , e do linho que ouverem em essas povras, e termo das ditas povras. Em testemunho desto Jhe dey esta minha carta , damte em Lixboa'' a cimquo dias de Setem- bro. EIRey o mamdou. Afomso Pires a fez , de mil trezentos co- remta e huum nnnos. =: Dom Dinis, per graça de Deus , Rey de Pur- tugal, e do Alguarve. A quantos esta carta virem faço s.iber, que hos povoradores das minhas pobras da Tallaya , e da Ceiceira se me emviaram queixar do mal , e força que lhes faziam os Concelhos de Torres novas, e Tomar, e dalguus outros lugares queremdo por sobre elles Releguos, e portajens, e allmotaçarias , e açougua- jem , e mordomado , e outros foros, e custumajens , perque lios der- ramcavam, e destroyam do que eses povoradores aviam em tal gui- sa, que nam podiam sofrer, nem poderiam a hy morar, nem po- vorar, e pediramme que lhes ouvese mercê. E eu queremdolhe fa- zer nAsSciENcrAsnELrsKoA. i^í zer graça , e mercê, e porque emtemdo que lie meu serviço, Mam- cio que estes povoradores nom dem aos ditos comcellios, nem a ne- nliuum outro luguar nenhuua das sobreditas cousas clies , nem os mo- radores dos termos das ditas pobras; e mamdo, e detemdo aos di- tos Coincelhos de Torres, c de Tomar, e dos outros lugares, que llies nom demamdem , nem filhem nenhuiía das ditas cousas , nem ponham sobre elles foro, nem custume allguum ; e se lhes allguua cousa tem filhada polia dita resao , mamdo que loguo, vista esta carta, lhe emtreguem, sob pcnna dos corpos, e dos meus emcoutos : em testemunho desta cousa dey aos povoradores dos ditos lugares es- ta minha carta , damte em Samtarem a dous dias dabril. ElRcy o mandou por Gilly Annes , seu tisoureiro. Ruy Vasques a fez, anno de mil e trezemtos e coremta e cimquo. = Dom Afonso , per graça de Deus, lley de Purtugual , e do Alguarve. A quamtos esta carta vi- rem faço saber, que hos povoradores das povras datailaya , e da Ceiceira , me mostraram huúa Carta delRey Dom Dinis meu padre , a que Deus perdoee, em a qual he comtheudo amtre as outras cou- sas, que por agravamemtos que lhes faziam os comcelhos de Torres novas, e Tomar, e outros lugares , queremdolhcs poer sobre elles Re- legos, e portagens, e allmotaçarias, e açoguajeés, e mordomos, e ou- tros foros, e custumajens, perque os derramcavam , e destroyam do que aviam, que lhe pediam sobre esto mercê; elRey meu padre vcmdo esto, queremdolhe fazer graça, e mercê, mamdou que hos ditos povoradores nom desem ao ditos comcelhos, nem a ncnhuus ou- tros lugares as sobreditas cousas , e elles nem os moradores das ditas pobras, e mamdava aos ditos comcelhos de Torres novas, e de Tomar i e dos outros lugares, que lhes na demamdascm , nem filiiascm nenlniua das ditas cousas; e pedir.im me por mercê, que cu liies fizese esto comprir, e guardar, segundo era comtheudo na dita carta delRey meu padre: e eu queremdolhe fazer graça , e mercê, te- nho por bem , e mamdo que lhe seja guardada a dita carta delRey meu padre, assy como em ella he comtheudo, e mamdo aos di- tos Comcelhos que lha façam comprir, e guardar. E cm testemu- nho desto llie dey esta minha carta , damte em Santarém posto- meiro dia de Janeiro. ElRey o mamdou per Migel Vivas, seu clé- rigo. Lourenço Martins a fez , era de mil e trezemtos e sesemra etres annos. r= Dom Afonso , per graça de Deus , Rey de Purtugal , e do Alguarve: a todallas Justiças , corregedores dos meus Reynos, que esta minha carta virem , faço saber os povoradores da minha povora datailaya, e Ceiceira me diseram que vós lhe nom qoeriades jeixnr levar as viamdas que ham mister pêra dita povora, e esto nam tenho eu por bem se asy he, porque vos Mamdo a cada huum de 134 Memorias da Academia Real de vós em vossos lugares, que vós lhe leixes levar as viamdas ho que ham mister pêra dita povora por seus dinheiros, c iiom lhes embargucdes o que ai nam fiiçades , se nam a vós me tornaria eu porem , c peitarmiades os meus emcoutos. E cm testemunho desto lhe dey esta minha carta, damte em Miramda adezasete de Janei- ro. ElRey o mamdou por Estevam Pires. Joham Lopes a fez, era de mil e trezemtos sesemta e seis annos. =: As quaees cartas asy mos- tradas como dito he, o dito Estevam Paees , precurador do dito comcelho , em seu nome nos pedio que elle se temia de sa as di- tas cartas perderem per foguo , ou aguoa , ou allgum outro cajam ; e que se emtemdiam dajudar delias ao diamte, que lhas mamda- semos dar o trellado das ditas cartas , e privilégios pella guysa que em ellas he comtheudo ; e nós vemdo as ditas cartas em como nam eram riscadas, nem viciadas, nem em nenhuum lugar sospeitas, Mamdámos lhe dar o dito trelado em esta nosa carta testcmunha- vel , selada com noso sello pemdenite ; em testemunho desto lhe mamdimoà dar esta nosa carta , damte na cidade de Lixboa quimze dias de Novembro. ElRey o mamdou por Lourenço Annes Fogaça, scQ vasallo &c. Gil Vasques a fez, era de mil e quatro centos e viutoyto annos. Pedimdonos o dito concelho que lhas quisesemos asy confirmar, e nós visto seu Requerimento, queremdo-lhe fizer graça e mercê, temoj por bem, e confirmamoslha como se nela comtem. E asy mamdámos as Justiças que lha cumpram imtcira- memte como nella he comtheudo, sem allguua duvida, nem embar- guo allguum. Dada em Samtarem a dons dias do mes de Junho. Fernam de Pina a fez. Anno de noso Senhor Jesus Chrispto de qua- trocentos e oyremta e sete annos. Pedimdonos o dito comcelho que lhe comfírmascmos as ditas cartas aquy comtheudas, e vysto per nós seu Requerimento, e queremdolhc fazer graça e mercê, temos por bem e lha comfirmamos asy , e pela guysa , e maneira que se em ella comtem. E asy mamdámos que se cumpram, e guardem imteyramemtc sem nenhuua duvida ; dada cm a villa destremoz a vymte cimquo dias de Dezembro. Vicente Pires a fez. Anno do na- cimento de noso Senhor Jesus Chrispto de mil e quatro cemtos no- vemta e seis annos. Pedimdome os sobreditos que por lhe fazer rnerce lhe comtirmase as ditas cartas á dita villa darallaya , e visto por mym seu Rcquerimemto, queremdolhe fazer graça e mercê, te- nho por bem de lhas comfirmar, e inamdo que se cumpra, e guar- de como nellas se conthem. Bastiam Lameguo a fez em Lixboa a desanove de Setembro de mil e quynhemtos e vimte oyto annos. Livro z8 da Chancellaria d'E/Rei D. João 3.° Jl. i. IN- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. IJJ^ INVESTIGAÇÕES Sohre a natureza , e antiguidade das Águas nnneraes de Cabeço de Vide, comarca iVAvís. Por Francisco Xavier d'Almeida Pimenta , Soem Correspotidente da Academia Real dasScieticias de Lisboa, efeitos por ordem da mesma em 1820. Ne o anno de 1819 requererão os moradores de Cabeço de Vide á Regência do Reino , que mandasse fazer alguns reparos em huma fonte d'agua mineral , de que muitos doentes haviiío recebido beneficio , e que parecia ter sido usada nos tempos dos Romanos. O Governo mandou que a Academia Real das Sciencias de Lisboa nomeasse alguns dos seus membros , que se encarregassem da analyse da agua , e da investigação da sua antiguidade. A Academia me propôs para esta commissão , e o Go- verno approvou o arbitrio por Aviso do i.°d'Abrilde 1820, dirigido pela Secretaria d' Estado ao Presidente da Acade- mia. Mais por obediência do que por vontade me encarre- guei de huma tio árdua e difficil commissão, que deveria recahir sobre pessoa mais hábil , e com mais conhecimentos quimicos do que eu possuo , que ha 27 annos não fre- quento laboratórios , nem tenho feito profissão desta scien- £Ía. Nas instrucções que recebi , se ordenava que remct- tesse huma porção destas aguas mincraes para o laborató- rio quimico da Universidade para ahi ser feita outra mais exacta analyse pelo meu sábio mestre o Siir. Thomé Ro- drigues Sobral, a fim de se fazer huma justa comparação dos fenómenos observados na fonte , e dos observados lon- 1-^6 Memorias da AcAnEMiA Real dos longe delia. Satisfiz a esta rccommendaçao logo que cheguei de Cabeço de Vide, e remetei ao Vice-Secretario da Academia huma carta com o esboço do que tinha a di- zer sobre a minha commissâo ; esperando que o meu illus- tre mestre fizesse a sua analyse , para então rcmcttcr a mi- nha , que precisava certos esclarecimentos dependentes da sua analyse. Foi porém impossível poder aquclle illustre sábio ul- timar os seus trabalhos nesta parte, pelos acontecimentos políticos de Portugal em Agosto de 1820; e eu por nao demorar por mais tempo esta Memoria, pedi o resultado das suas experiências , a fim de expor nesta qualquer diver- sidade de fenómenos, e de opinião. Benignamente me foi confiado quanto o mesmo Síír. pôde descobrir sobre a na- tureza destas aguas ; e eu ingenuamente confessarei tudo quanto extrahi das suas observações , para que se não pen- se que eu me quero fazer autor sem o ser , do que elle observou, e me foi confiado. Tal foi o motivo por que ha mais tempo não appresentei esta Memoria , que poderá servir somente para conhecimento da natureza da dita agua, sem determinar a quantidade dos contentos. Cabeço de Vide está situado na província do Alemté- jo , e no meio do terreno comprehendido entre Portale- gre , Crato , Alter do Chão , Fronteira , Souzel , Estre- moz , Veiros, Monforte, Assumar , e Arronches (a). He comarca d' Avis , e tem Juiz de fora : tem huma CoUegia- da com Prior, e três Beneficiados , e conta a Parrochia 280 fogos dentro davilla, além d'alguns que habitao nos mon« íes , ou herdades. -Tem casa de Misericórdia com hospital, que tem de rendimento annual três mil cruzados ; e huma albergaria chamada do Espirito Santo j que tem íoO(|)ooo rs. de (a) Dista de Potalegre 4 legoas , do Crato 3, d^Alfer ] nniitoboa, d''Àvís 5 , de Fronteira 1 , de Souzel 3, d''Estrein'ôz 5, de Monfoite 2, d'Assumar 2 , d'Arronches 3 ; isto' he pela medida , que alli fazem das legoas. DAS ScienciaS de Lisboa. 137 de renda, pouco mais ou menos, a qual tem somente a obrigação de curar todos os annos dois pobres doentes , e o resto do seu rendimento se consome em encargos pios. Tem a villa muralhas antigas já quasi demolidas , e hum castello no mesmo estado. Cabeço de Vide está na costa Occidental de hum mon- te, e se extende ate á planície, que tcjrma o recio da vil- la. Este monte he formado por bancos de mármore, dispos- tas as camadas verticalmente , apparecendo á superfície da terra em muitas partes com hum aspecto schistoso. Entre muitas camadas de mármore apparecem algumas , cm que a terra siliciosa unida á cal forma huma espécie de már- more areno-schistoso , com laminas de menor grossura que huma poUegada. Em roda da villa ha varias pedreiras , de que se tem extrahido bclla cantaria , e pedra para os for- nos decai, {a) O terreno superficial he composto d'argilla, cal , areia , e húmus : produz bem o trigo , azeite , e algum vinho ; nao produz hortaliças , nem fructas por negligencia dos habitantes tão geral no Alemtéjo, exceptuadas poucas terras. O ar he sadio, as aguas más, como as dos terre- nos calcareos , deixando nos vasos , em que se conservao , huma côdea calcarea. A villa tem falta de muitas commodidades para os es- trangeiros; porém a visinhança de Portalegre, e Extremôz lhes fornece muitas cousas de que precisão , e se o con- curso dos enfermos continuar , nao' faltarão providencias para as commodidades. As aguas mineraes desta villa co- meção a chamar os doentes de toda a província do Alem- téjo , e Extremidura Hespanhola ; e se não afrouxar a con- corrência , poderá ser ainda hum dia huma. das melhores villas da províncias. Estas aguas , que por muitos annos tem estado em esquecimento , e desprezo , tprnão a mere- Tom. mi. P. II. s cer (a) Na escada das casas de João Anastasio Frade d'Alineida hum guarda-chapiín de cxcel lente mármore uegro , tirado perto da villa, be kuma mostra d» sua boudaUs, -Í.M 138 Memorias DA Academia ReAl cer a contemplação , e credito perdido. São provas da sua antiguidade o encanamento , que se achou entupido quan- do se concertou a fonte, c os restos d'alicerces d'antigos banhos, entre os quaes tem apparccido varias medalhas romanas, que cu enviei (quando vin») ao Vicesccretario da Academia, rodas estas de cobre, e consomidas pelo tempo não permittião ler as suas inscripções, á excepção de huma , em que ainda se lê em bons caracteres CAESÂR , c que pela similhança com huma que tenho me pa>rece ser de Augusto. '*« "^'■> Ao fundo do monte, sobre que está situada a villa, para a parte do nascente , junto a huma ribeira , brota a fonte a quantidade de hum anel d'agua pouco mais ou menos , cristalina , macia ao tacto , com pouco cheiro , e mais sabor hepático, que depois de bebida deixa na boca hum sabor alcalino. He fria, e o seu gráo de calor nunca excedeo a 76 gráos de thermómetro de Farinhet. Varia em calor, segundo observei, porque cm alguns dias chegava o mercúrio a 76 gráos, e em outros descia até 70 gráos. No dia II de Julho de 1820 sobia o mercúrio dentro da fonte a 72, e exposto ao ar atmospherico não passava de 6S; isto porém foi somente nesse dia, porque nos outros constantemente era menor o calor da fonte que o da atmos- fera. Não pude alli descobrir deposito algum , que deixas- se a agua , porque correndo da nascente para o tanque por hum cano coberto, e sendo lavado o tanque todos os dias, não havia lodo, ou deposito, que se podesse examinar, porque não havia demora com que elle se precipitasse. Entretanto devo dizer, que o antigo encanamento foi acha- do , segundo me affirmárão, entupido por huma grossa en- crustaçlo , e talvez calcarca. Esta fonte, que em tempos muito atr.izados foi certamente conhecida , e usada , apenas nos últimos anríós"^ conservava õ home " dè /òwíí da saxnay reduzida a hum charco , de cujo lastimoso estado a tirou O zelo do Juiz de fora Domingos Bernardino Velloso de Md- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. jírt Macedo, que depois passou a Juiz dos órfãos de Barcel- los, tornando-a em huma tonte accommodada ao uso de be- bida, e banhos. Fez este Ministro construir hum pequeno tanque de dois pahnos cúbicos, no fundo do qual nasce a agua , e sobindo á dita altura vai encanada para a casa , onde está o banho. Esta casa tem i8 palmos de comprimen- to, e 9 de largura , coberta d'abobeda , e toda cila he ba- nho , para a qual se entra por outra de igual dimensão , e que serve para nella se despirem, e vestirem os doentes. Sendo pois só huma casa de banho não podem os dois sexos tomar banhos i mesma hora , e as mulheres entrão nelle depois de sahirem os homens , o que se deve evitar com dois banos. Na distancia de dez passos desta fonte nascem junto á ribeira dois pequenos olhos d'agua da mesma natureza , e qualidades , onde se lavao os que tem algumas chaga; no corpo. Estas três nascentes, creio eu, em outro tempo vinhao todas pelo mesmo encanamento para a fonte, e com o andamento dos annos se extraviarão : porquanto , segun- do me disserâo os que assistirão no anno antecedente ao concerto da fonte, appareceo alii hum cano antigo feito de telhas mettidas cm cal , e areia , que mostrava, ser o aque- ducto , porondc vinha a agua para os banhos , e o qual se achava secco , entupido com huma grossa cadca ; o que me leva a crer que ou por algum terremoto , ou pelo seu entupimento as aguas se extraviarão , e apparecem naquel- las três nascentes perto humas das outras: e seria bem fácil achar a origem de todas , seguindo o encanamento que se achou , e que não vai muito fundo , conforme me informa- rão. Deste modo se poderião tornar a unir em huma só as três fontes. Perto destas ha indícios , e restos de antigos banhos , e se observão ainda as paredes dos tanques , feitas de pe- dra , cal , e areia , muito bem construídas. Quando se con- certou a fonte appareceo huma grande pedra de mármore , que mostrava ser a base de huma balaustrada , na qual ha- s ii via 140 Memorias da Academia Real via buracos quadrados, cm que ericaixavão os balaustres, e em hum dcllcs se acbou ainda huma boa quantidade de chumbo, com que forao chumbadas as pedras, c em outro buraco estava ainda mcttido o fundo de hum balaustre de jaspe , que dava a conhecer que aquclla obra fora feita com grandeza; e eu não du/iilo acreditar, que aquella ba- laustrada estivesse de roda de algum banho , como se vê nas estampas de Jcronymo Mercurial , quando faltando dos banhos dos romanos, e suas divisões, apprezenta estes com similhantes ornatos em roda. Qtiem pôde pois duvidar que estes banhos fossem do tempo dos romanos cm Portugal , e principalmente dnquel- le , em que os banhos tinhao chegado em Roma ao maior trráo de luxo ? Estes vestígios, as medalhas romanas, e a visinhança de huma via militar devem sem duvida convencer, que el- les são obra dos romanos. A via militar para Merida pas- sava por Alter, chamado então J/itert , e caminhando junto a Alterpedroso, que dista pouco mais de meia legoa desta fonte, se encontra parte da grande estrada, ou via mili- tar, cuja calçada ainda os annos não poderão desmanchar. Devo notar também, que juntamente com as medalhas romanas appareceo alli huma de cobre d' Elrei D. Sebas- tião *, o que nos pôde talvez arriscar a concluir, que ainda no tempo deste Rei aquellas aguas erao frequentadas ; esta reflexão porem nada ou pouco prova , porque em muitas partes se perde dinheiro sem ser nos banhos. Nada mais tenho a dizer sobre a antiguidade desta fonte : a historia moderna porém conta cousas sobre a sua efficacia , como medicamento , que se não devem acreditar sem hum exame mais circumspecto. Logoque cheguei a Cabeço de Vide ouvi contar mi- lagres feitos pela agua daquella fonte , que não refiro , por me parecerem ridículos , e porque dos seus effeitos só fal- larei no fim. Vamos pois á parte principal da minha com- missão , que he a analyse das aguas. Os DAS SciEUCIAS DE LlSBoA« í ^í Os sentidos nao descobrem ncllas qualidades diffcrcn- tes de qualquer agua potável , excepto o leve cheiro hepá- tico , e o sabor alcalino. Elias são, como já disse, macias ao tacto , cristalinas , frias , com pouco cheiro , e só de- pois de bebidas deixáo no paladar o gosto alcalino. Levada á evaporação , augmenta este gosto , porque o alcali fica sendo então em maior quantidade relativamen- te ao volume do liquido, em que se acha dissolvido. Levando a evaporação até á secura ficao as capsulas cobertas de huma côdea salina , efflorescentc com o sabor de soda, cuja quantidade corresponde a três grãos em ca- da libra de doze onças d'agua ; vindo a conter quatro on- ças desta agua hum grão daquclla substancia. Emquanto aos fenómenos , que appresentão com os diversos reagentes, a seguinte taboa os manifesta, decla- rando aquelles que succedêrao promptamente , e os que se observarão passado tempo. Porisso eu dividi os fenómenos em immediatos, e nos que sobrevierão com mais ou menos espaço de tempo. Akohol. Fenómenos immediatos - - Ditos com tempo. Nada sensível ----- O mesmo. Sabão d"" Alicante. Solução côr de leite sem grumos - - Nada notável. Infusão de Tornesol. Roxo claro - - - Perde-se a côr depois de 24 horas. Infusão de Pão do Brazil. Fenómenos immediatos - - Dito com tempo. Côr roxa ------ Côr bira depois de 24 horas, 7«- 142 Memorias da Academia Real Infusão de Cíircíima. Cor d'oiro ----- A mesma. Xarope de violas. Cor verde claro - - Cor mais frouxa depois de 24 horas. Jgua de cal. • Tl -1 f Transparência perturbada , e pelicula Nada sensível - - -i c ;„ ? r 1 na superfície. Soda cáustica. «T j -1 f Huma pelicula na superficie depois de Nada sensível - - •< f ^ ^ C. ■ 24 horas. Ammonia. Nada sensível - - Aspereza na superficie interna do copo. Flnagre distillado. Cheiro hepático mais activo - - Nada sensivel. Acido oxalico. ■■{ Duas horas depois turva-se : ás 24 ho- Nada sensivel - - ■^ ras precipitado branco na superficie do copo. Acido sulfuroso. Nada sensivel - - O mesmo. Aci' , DAS ScXENCIA'S DE LlSBOA, I43 Aàilo nitroso. Parece precipar-se , mas não se precipita - Nada scnsivel. Acido sulfúrico. g~i% • r ,• • • 1 f Trcs horas depois conscr- Cheiro hepático mais sensível i^ , . ^ ^ l va o chcuo. Infusão de galhas. Nada sensível ----- O mesmo. Acido muriatico. Nada sensível — - Bolhas na superfície , passadas 3 horas. Acido muri atiço oxigenado. Nada sensivel - - - Bolhas na superfície depois de 3 horas. Sulfato de ferro. Precipitado amarello. Sulfato de cohre. Precipitado escuro. Acetato de chumbo. Nada sensível - - Duas horas depois precipitado cinzento. Nada.sfitod-. - - O mesmo. J44 Memorias da Academia Reai» Nitrato de chumbo. Mistura turva - - - O mesmo. Nitrato barytico. Nada sensível. Nitrato de mercúrio. Nada sensível. Nitrato de prata. Côr cinzenta , que se faz a- r Depois de seis horas preci- raarcllada - _ - . - i pitado negro. Muriato barytico. Nada sensível. Carbonato de potassa. Nada sensível. Dito de soda. Nada sensível. Alcóhol de sabão. MA j^ , . f A mesma sem grumos 24 istura cor de leite r- - -< , j ■ ° ^ l horas depois. Azeite. Mistura côr de leite - - - O mesmo. Sublimado corrosivo. «.T 1 . „i r Precipitado côr de castanha Nada sensível ----J i^-j 1 X depois oe 12 horas.J NB. DAS SciENClAS DE L I S B O A. 145* NB. Os fenómenos apparecidos passado algum tempo, forão ajudados pelo calor do sol, a que ficarão expostos os copos. Eis-aqui os resultados dos diversos reagentes, de que me servi j agora resta que á vista dellcs profira o meu juí- zo sobre a natureza destas aguas. Os principios dominantes, que nellas se encontrão, são (a meu ver) o acido hydro-sulfurico , a soda,'e huma pe- quena porção de magnesia. Digo que contém o acido hydro-sulfurico : 1.° Pelo seu cheiro, e sabor hepático. 2.° Porque o vinagre dcstillado, e o acido sulfúrico tor- não o seu cheiro mais activo. 3.° Porque a tintura do torncsol fazcndo-se rôxo-claro , perde esta côr pouco a pouco. 4.° Pelo nitro de prata se forma hum precipitado quasi preto. Que contém soda se prova 1.° Pela evaporação. 2." Pelo gosto alcalino, 3.° Pela infusão de páo do Brasil, que se torna côr de oiro escuro. 4.° Pelo xarope de violas, que toma a côr verde, y." Pela mistura do azeite , formando rapidamente sa- bão. 6.° Pelo sublimado corrosivo, que forma hum precipi- tado roxo côr de castanha. Que estas aguas contém magnesia me persuado i.° Pelo acido oxalico se forma hum precipitado vaga- roso, e depois de muitas horas; o que me leva a crer que he magnesia, c não cal, por quanto a cal se precipita com este acido immediatamente. 2.° Pela solução do sabão não appareccm grumos. 3.° O xarope de violas faz a mistura verde; mas este effcito deve antes attribuir-se á soda. Ainda que pelo meu modo de pensar me persuada que Tom. FUI. P. 11. T o 146 Memorias da Academia Real o acido hydro-sulfurico se acha nestas aguas unido á /na- gnesia, ou huma porção de soda, pois que peia addição dos ácidos ellc deixa a base , a que estava unido , e se ià%, mais sensível ; todavia a natureza , trabalhando de diffcren- tcs modos no seu grande laboratório , pode appresentaç combinnções diversas , para mim difficeis de se descobri- rem. He por isso que eu me não atrevo a dizer se sao estes somente os principios , ou substancias , que se encon^ tr.lo nestas aguas , ou se ha outros alguns , que cu naQ podesse descobrir, e que me illudissem com as apparencias das que cu julgo serem. Este exame, e a determinação das quantidades de cada hum delles fica reservado para quem tiver mais estudos químicos do que eu , e mais pratica de laboratórios ; sendo o que deixo dito quanto se pôde des- cobrir por meio dos reagentes , e por quem mais por obe- diência do que por conhecimentos toma sobre seus hom- bros huma empreza tão difficil. De pouca utilidade seria na medicina a simples ex- posição das substancias contidas nas aguas mincraes , se não se lhe juntasse huma relação dos casos, cm que ellas tem sido úteis , ou nocivas aos que delias tem feito uso j e hu- ma não interrompida serie de factos , que provem a sua utilidade cm certas moléstias , he mais apreciável na prati- ca medica do que huma analyse a mais escrupulosa , e exacta. Para formar hum catalogo de bem feitas observa- ções hc preciso muito tempo, e não se pôde de hum, ou outro facto concluir sem precipitação. No tempo que me demorei em Cabeço de Vide ob- servei constantemente todos os enfermos , que alli concor- rerão , desejando poder observar toda a marcha , e anda- mento de suas moléstias durante o uso das nguas. Se eu qaizesse referir tudo quanto alli ouvi de maravilhoso , pas- saria por hum crédulo engolidor de historias , e milagres que me contarão. Erão de tal maneira exageradas as suas virtudes pelo Medico , e Cirurgião da dita villa , que cu lhes disse que não me admiraria se visse que hum homem sem DAS ScrENClAS DE L 1 S B O A. Í47 sem huma perna, ou braço se nicttia no banho, e nclle lhe tornava a nascer outro, porque não crao menos difficeis que este alguns casos, que me contarão. Seria todavia loucura em mim querer duvidar de todos os factos , que se me referirão , porque a minha ignorância de poder conceber como succedcssem , e como se devem explicar, não me deve servir de fundamento para duvidar de tudo, que me conta'rão pessoas, que aliàs devo julgar serem verdadeiras ; entretanto a critica hc muito necessária nestas matérias; ecu, não sendo incrédulo, sou difficil em acreditar aquillo de que náo posso conceber a razão. Refcrindo-me pois ao que observei em quanto alli es- tive, devo dizer que examinando, e inquirindo os doentes , achei que grande parte dos que padeciío sciaticas, toman- do quatro até cinco banhos, experimentavao melhoras; al- guns ficarão perfeitamente restabelecidos , outros desappare- cendo-lhes as dores na articulação da coxa com os ossos da bacia , continuarão a sentir ainda huma tal ou qual lem- brança de dor nos artelhos, que talvez se dissiparia se elles continuassem com os banhos , que deixavão logo que po- dião caminhar , e retirar-se para suas casas. Os que vierão com rheumatismos, tanto geraes como particulares em hu- ma ou outra articulação, obtiverao muitos alívios, e forão perfeitamente curados alguns destes. Observei porém que nas mulheres que padecião estas moléstias , e falta de men- struação poucas melhoras conseguião , e ainda quando sen tião algum alivio era sempre passageiro. Os doentes com membros contrahidos por eíFeito de rheumatismos ficarão pela maior parte com os movimentos livres, e desembaraçados. Huma mulher, que por eíFeito de huma queda não podia mover a cabeça sem voltar todo o corpo , e que além da prizão sentia huma violenta dôr no pescoço , ficou ao terceiro banho restituida á sua anti- ga saúde , movendo com facilidade e sem dôr a cabeça. Muitas ulceras antigas , principalmente nas pernas , se curarão com estes banhos 3 e quando se não cicatrizavão T ii de 148 Memorias da Academia Real de todo (principalmente as que mostravao máo caracter) ficavao reduzidas a melhor estado , e menor circumferen- cia. Vi hum homem , que tinha huma ulcera com aspecto cancroso, que occupava parte da testa, os cantos internos das pálpebras , e parte do nariz ; não estava curado quan- do sahi de Cabeço de Vide , mas a ulcera estava reduzida á sexta parte do que era. Nas affecções psoricas produz admiráveis eíFcitos, as- sim como todas as aguas hydro-sulfuradas ; nas dyspepsias , e obstrucçõcs de entranhas do ventre he também muito proveitosa. Referirei hum caso, que alli observei: hum pastor de constituição athletica chegou alli marasmado , e parecendo hum esqueleto coberto com a pelle. Nenhum ali- mento digeria, e tudo vomitava; no primeiro copo d'agua que bcbeo experimentou a melhora possível , que foi não o vomitar : bebeo mais , e não vomitou nesse dia ; nos se- guintes continuando com o uso d'agua , continuou a dige- rir, e conservar o alimento, e no fim de quinze dias esta- va nutrido , e já trabalhava segundo as suas forças. Nos cálculos urinários he excellcnte remédio; em Ca- beço de Vide havia huma mulher, que tinha soíFrido a ope- ração da extracção de huma grande pedra da bexiga , que sahio aos pedaços, e lhe foi tirada por hum Cirurgião de Extremos ; passados annos foi accommettida de novo , e conheceo que tinha outra pedra ; porém tendo morrido aquelle Cirurgião , ficou entregue á sua sorte , sem ter a quem recorrer , e esperando a morte todos os dias. Em hum violento ataque de dores, fazendo todos os esforços por urinar, sahio a pedra, que me apresentou, e he como hum ovo de pomba. Livre por algum tempo , começou a sentir que se íormava nova pedra, padecendo dores, peso na bexiga , e difficuldade em urinar. Cheguei nesse tempo a Cabeço de Vide, e mandando-a logo usar da agua mi- neral , começou a sentir alivios , e no fim de três semanas • não sentia o mais leve incommodo. Esta virtude devida á soda tem sido attestada em outros casos, em que a tenho acon- dasScienciasdeLisboa. 149 aconselhado a alguns doentes , que se tem achado bem com as aguas de Cabeço de Vide. Não tive occasiao de poder observar os seus cíFeitos nas paralysias , porque em quanto alli estive, só appareceo huma mulher hemiplcgica , que poucos alivios tinha conse- guido até ao tempo que sahi d'alli ; todavia contarão casos d'alguns , que se havião restabelecido no anno antecedente. Resta-me finalmente dizer o juizo , que o meu sábio mestre o Snr. Thomé Rodrigues Sobral faz destas aguas. Como elle pelos succcssos políticos de Portugal não pôde em Agosto de 1820 ultimar a sua analyse, franqueou com tudo o resultado das suas experiências ao Doutor José Fe- liciano de Castilho , o qual mas communicou. Delias col- ligio o meu sábio mestre , que estas aguas são alcalinas , que contém a soda , e alguma porção d'oxygcneo. Não con- vém porém que sejao hepatizadas , nem admittc nellas ter- ra alguma , e alem da soda somente achou nellas huma porção de substancia fibrosa. Ora eu creio que á vista do precipitado negro obtido pelo nitro de prata , não se pôde duvidar da existência do acido hydro-sulfurico , ainda quando admittissemos que o seu cheiro era devido a outra causa : eu também observei que nem o nitrato de mercúrio feito a frio, nem o de chumbo se fazião pretos; mas vi que o de prata dava hum precipitado desta côr. Em quanto á terra, que precipitou o acido oxalico , não posso decidir se he magnesia , ou cal. A precipitação lenta faz-me crer que he magnesia ; o terreno por onde passa a agua , sendo calcareo , faz-me crer que he cal. Era esta a grande duvida , que eu esperava tirar á vista da ana- lyse de tão sábio professor ; mas elle não teve tempo pa- ra fazer a sua analyse como se devia esperar dos grandes conhecimentos , e eu não estou cm estado de poder deci- dir. ME- y 151 MEMORIAS, QUE SE CONTIÍM NA II. PARTE DESTE OITAVO TOMO. Historia. D ISCURSO do Sereníssimo Sff r. Infante D. Miguel j Presidente da Academia , pronunciado em sua ausência pelo Ex.'"° Sn r. Marquez de Borba , Vice-Presiden- te , na abertura da Sessão publica da mesma Academia em 24 de Junho de 1822. ------- Pag. í Discurso Histórico recitado na Sessão publica de 24. de Junho de 1822 pelo Secretario José Corrêa da Ser- ra. --------------- IV Elogio Histórico do Conde da Barca , recitado na Assem- bléa publica de 2^ de Junho de i2i^ pelo Sócio Se- bastião Francisco de Mendo Trigoso, - - - - , xv Noticia histórica da vida e escritos de António Caetano do Amaral y recitada na Assembléa publica de 24 de Junho de 1819 pelo Sócio Sebastião Francisco de Mendo Trigoso. ---------- xlvií Programma da Academia Real das Sciencias de Lisboa , annunciado na Sessão publica de 24 de Junho de 1822. lviii Lina dos Sócios da Academia Real das Sciencias. - - lxv Rclnção dos Membros, e Correspondentes da Institui f ao Vaccinica da Academia Real das Sciencias. - - - lxxii Memorias dos Sócios. Memoria sobre os Judeos em Portugal , por Joaquim Tose Ferreira Gordo. --------- i •^ Me- t'f^ Índice. Memoria sobre a vida do Cbronisia mor Fr. António Bran- dão , e o que se pode acrescentar ao Catalogo dos seus escritos , qne vem na Bihlioíheca Lusitana , por Fr. Fortunato de S. Boaventura. ------- j^ . If. O T o V A. T I o a T 2 3 a Memorias dos Correspondentes. Memoria histórica sobre, a villa de Cea , por Agosti- nho de Mcdonça Falcão. -------- 2 Descripção económica de certa porção considerável de ter- ritório da comarca de Thomar , e próxima d margem direita do Tejo, por ***, que mereceo o Accessit na Sessão publica de 24 de Junho de 1S22. - - 43 Investigações sobre a natureza , e antiguidade das Aguas mineraes de Cabeço de Vide , comarca d" Avis , por Francisco Xavier d'Almeida Pimenta j Sócio Cor- respondente da Academia Real das Sciencias de Lisboa, e feitas por ordem da mesma em 1820. - 135' CA- CATALOGO Das Ohras impressas , e mandadas publicar pela Academia Real das Sciencias de Lisboa \ com os preços , por que cada uma delias se vende brochada. I. OReves Instrucçôes aos Correspondentes da Academia sobre as remessas dos productbs naturaes, para formar um Museu nAclomX , folheto em 8.° .------- 12O II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite em Portugal , remettidas á Academia por João António Dalla Bella, Sócio da mesma, i vol. em 4.°- - 480 III. Memorias sobre a cultura das oliveiras em Portugal , pelo mesmo. Segunda Edição accrescentada pelo Sócio Se- bastião Francisco de Mendo Trigoso, i vol. cm 4.° - - 480 IV. Memorias de Agricultura premiadas pela Academia, a vol. em 8.° 960 V. Paschalis Josephi Melli Freirii, Historlae Júris Civilis Lusitani liber singularis , i vol. em 4.° ------ 640 VI. Ejusdem Institutiones Júris Civilis et Criminalis Lusita- ni , 5 vol. em4. ° .--- 2400 VII. Osmia , Tragedia coroada pela Academia , folheto em 4.° 340 VIII. Vida do Infante D. Duarte, por André de Rezende, folheto em 4.° .-.._,....---- i6o IX. Vestigios da lingoa arábica em Portugal , ou Lexicon Etymologico das palavras, e nomes Portuguezes, que tem origem arábica, composto por ordem da Academia, por Fr. João de Sousa, i vol. em 4.° .--..-- 480 X. Dominici Vandclli Viridarium Grysley Lusitanicum Lin- naeanis nominibus illustratum , i vol. em 8.° - - - - 200 XI. Eplicmerides Náuticas , ou Diário Astronómico para os annos de 1789 ate 1798 inclusivamente , calculado para o Meridiano de Lisboa, e publicado por ordem da Academia : para cada anno i vol. em 4.°--------- 360 O mesmo para o anno de 1825". -------- 360 XII. Memorias Económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa , para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Industria em Pprtugal, e suas Conquistas, y vol. em 4." 4000 Tom. yilL P. II. y XIII. I5'4 Catalogo. XIII. Collecçâo de Livros inéditos de Historia Portugueza , desde o Reinado do Senhor Rei D. Diniz, até o do Se- nhor Rei D. João II. , 4 vol. em folio ...... 7200 XIV. Avisos interessantes sobre as mortes app.irentes, man- dados recopilar por ordem da Academia , /uZ/jcío cm 8.° gr. XV. Tratado de Educação Fysica para uso da Na^ão Por- tugueza, publicado por ordem da Academia Real das Scien- cias, por Francisco de Mello Franco, i vol. em 4." - - 360 XVI. Documentos arábicos da Historia Portugueza , copia- dos dos originaes da Torre do Tombo com permissão de S. Magcstade, e vertidos em Portiiguez, de ordem da Aca- demia , por Fr. João de Sousa, 1 vol. em 4.° - - - - 480 XVII. Observações sobre as principaes causas da decadên- cia dos Portuguezes na Ásia , escritas por Diogo de Couto em forma de Dialogo , com o titulo de Soldaflo Pratico , publicadas por ordem da Academia Real das Scicncias, por António Caetano do Amaral, Sócio eíFectivo da mesma, i tom. em 8.°------ --------- 480 XVIII. Flora Cocliinchinensis, sistcns Plantas in Regno Co- cliinchiniae nascentes. Quibus accedunt aliae observatae in Sinensi Império, Africa Oriental! , Indiaeque locis variis; labore ac studio Joannis de Loureiro , Regiae Scientiarum Academiae Ulyssiponensis Socii : Jussu Academiae in lucem edita , 2 vol. em 4. ° mai. 240O XIX. Synopsis Chronologica de Subsídios, ainda os mais ra- ros, para a Historia, e estudo critico da Legislaijao Por- tugueza j mandada publicar pela Academia Real das Scien- cias, e ordenada por José Anastasio de Figueiredo, Cor- respondente do numero da mesma Academia, 2 vol. de 4.° 1800 XX. Tratado de Educação Fysica para uso da Nação Por- tugueza, publicado por ordem da Academia Real das Scien- cias , por Francisco José de Almeida , i vol. em 4.° - - 360 XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha, pu- blicadas de ordem da Academia , i vol. em 8.° - - - 600 XXII. Advertências sobre os abusos, e legitimo uso das Agoas mincraes das Caldas da Rainha , publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias, por Francisco Tavares, Só- cio Livre da mesma Academia , folheto em 4. ° . _ - j 20 XXIII. Memorias de Litteratura Portugueza, 8 vol. em 4.° 6400 XXIV. Fontes Próximas do Código Filippino, por Joaquim José Ferreira Gordo, i vol. em 4.° ------- 400 XXV. Diccionario da Lingoa Portugueza , i vol. em folio mar. 4800 XXVI. Compendio da Theorica dos Limites, ou Introducção ao Catalogo. Ij-j- ao Methodo das fluxoes, por Francisco de Borja Garção . Stocklcr, Sócio da Academia, em 8.° i_^q XXVII. Éliisaio Económico sobre o Commercio de Portugal , e suas Colónias, ortl-recido ao Sereníssimo Frincipc da Bei- t..ra o Senhor D. Pedro, e publicado de ordem da Academia Real das Sciencias, pelo seu Sócio D. José Joaquim da Cunlva de Azeredo CouúnUo, Segunda Edição corrigida, e. aci^res-centada pelo mes)no Auct or , i vol. em 4. ° - - ^go XXV III. Tratado de Agrimensura, por Estevão Cabral, Só- cio da Academia , i vol. em 8. ° ..-.-.,.. 240 XXIX. Analyse Cliymica da Agoa das Caldas, porGuilher- • me Witlicring, cm Portuguez e lng\ez , fo/7je( o em 4.' 240 XXX. Principies de Táctica Naval, por Manoel do Espirito Santo Limpo, Correspondente do numero da Academia, I vol. em 8.° -----...--.... ^gQ JyXXI. Memorias da Academia Real das Sciencias , 8 vol. em folio - 16000 XXXII. Memorias para a Historia da Capitania de S. Vi- , cente, i vol. em 4.° .-._-._.-... ^g^ XXXIII. Observações Históricas e Criticas para servirem de Memorias ao systema da Diplomática Porrugueza, por João Pedro Ribeiro, Sócio da Academia, Parte i. em 4. ° - - 4go XXXIV. J. H. Lambert Supplementa Tabularum Logarithmi- carum, et Trigonometricanim , i vol. em 4. " - - - - 960 XXXV. Obras Poéticas de Francisco Dias Gomes, i vol. em 4. " - - - -^ - - - -^ 800 XXXVI. Compilação de Reflexões de Sanches, Pringle, erc. sobre as causas -e prevenções das Doenças dos Exércitos, por Alexandre António das Neves : para distribuir-se ao Exercito Portuguez , /cZ/íf/o em 12. -------- gr. XXXVII. Advertências dos meios para preservar da Peste. Segunda Hòição accrcscentada com o Opúsculo de Tliomaz Alvares sobre a Peste de i^<)^ , folheto em 12. ... 120 XXXVIII. Hippolyto , Tragedia de Euripides, vertida do Grego em Portuguez , pelo Director de uma das Classes da Academia; com o texto, 1 vol. eni4. °---._ 480 XXXIX. Taboas Logarithmicas, calculadas até á sétima casa decimal, publicadas de ordem da Real Academia das Scien- cias por J. M. D. P. , em 8.° - -. - - - - . - - 480 XL. Índice Chronologico Remissivo da Legislação Portu- gueza posterior á publicação do Código Filippino, por João Pedro Ribeiro, 5- vol. em 4.° 45-00 A parte i. do 6. vol. -r----.-... acq V ii XLI. ijó Catalogo. XLI. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler, Secre- tario da Academia Real das Sciencias , i.° vol. em 8.° - 800 XLIl. CoUccijão dos. principaes Auctores da Historia Portu- gueza , publicada com notas pelo Director da Classe de Litteratura da Academia Real das Sciencias , 8 Tom. cm 8.° 480O XLIII. Dissertações Chronologicas , e Criticas , por João Pe- dro Ribeiro, 3 vol. em4. °-. 24CO O tom. IV. parte I. ...--------- 400 XLIV. CoUecçao de noticias para a Historia e Geografia das nações ultramarinas , Tom. I. Números i.°, 2.", 3.°, €4." óoo 0 Tomo II. 800 XLV. Hippolyto, Tragedia de Senec.T; e Pliedra, Tragedia de Racine; traduzidas em verso, pelo Sócio da Academia Sebastião Francisco de Mendo Trigoso , com os textos. 600 XLVI. Opúsculos sobre a Vacclna : Números I. ate XIII. 300 XLVII. Elementos de Hygiene , por Francisco de Mello Franco , Sócio da Academia. Terceira Edição correcta , e augmeiítada pelo mesmo Âuctor , 1 vol. em 4.° - - póq XLV 111. Memoria sobre a necessidade e utilidades do Plan- tio de novos bosques em Portugal , por José Bonifácio de Andrada e Silva , Secretario da Academia Real das Scien- cias, I vol. em 4.° -- -- 400 XLIX. Taboadas perpetuas Astronómicas para. uso da na- vegação Portugueza , i vol. em 4.° __.---- 600 L. Elementos de Geometria, por Francisco Villela Barbosa, Sócio da Academia Real das Sciencias. Segunda Edição, 1 vol. em 8.° - 5'<5o LI. Memoria para servir de índice dos Foraes das Terras do Reino de Portugal , e seus domínios: por Francisco Nu- nes Franklin, i vol. em 4.°---------- 480 LII. Tratado de Policia Medica, no qual se comprehendem todas as matérias, que podem servir para organizar hum Regimento de policia de saúde para o interior do Reino de Portugal, por José Pinheiro de Freitas Soares, cm 4.° 800 LIII. Tratado de Hygiene militar e naval, pelo Sócio Joa- quim Xavier da Silva, i vol. em 4.° ------ 4C0 LIV. Princípios de Musica, ou Exposição methodica das doutrinas da sua composição e execução , pelo Sócio Ro- drigo Ferreira da Costa : 2 vol. em 4.° ----- 2400 LV. Tratado de Trigonometria rectilínea e esférica, por Mattheus Valente de Couto, i vol. em 4.° - - - - - 300 XiVI. Ensaio Dermosographico , ou succinta c systematica Des- Catalogo. IJ7 Descrlpção das doenças cutâneas, etc. por Bernardino An- tónio Gomes, l vol. em 4.° ...-...,. 1200 LVII. Memorias para a Historia da Medicina Lusitana , por José Maria Soares, i vol. em 4.° ------ jqo LVIII. Ensaio sobre alguns synonymos da Lingoa Portu- gueza , por Fr. Francisco de S. Luiz, Segunda Edição, I vol. em 4. ° -.--.--_-----_ 720 LIX. Grammatica Philosophica da Lingoa Porrugueza , ou princípios da Grammatica geral applicados á nossa Lingua- gem, por Jeronymo Soares Barbosa, i vol. em 4." - » 9^0 Estão no prelo as seguintes : Documentos para a Historia da Legislação Portugueza, pelos Sócios da Academia , João PcJro Ribeiro , Joaquim de Santo Agostinho de Brito Galvão, e outros. Collecção dos principaes Historiadores Portuguezes. Collecção de noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultra- marinas. Taboas Trigonométricas, por J. M. D. P. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler, Tomo 2.° Obras escolhidas do Padre Vieira. índice Chronologico Remissivo da Legislação Portugueza posterior á publicação do Código Filippino, por João Pedro Ribeiro, Par- te 2. do VL volume. Collecção de Livros inéditos de Historia Portugueza, 3.° vol. in folio. Vendem-se em Lisboa tias lojas dos mercadores de livros na rua das portas de Santa Catharina j e em Coimbra , e no Porto tani' hetn pelos mesmos preços. "iy V lU M 'A- f "^ ■r, I .V- '■>\J 5* 'V «^ -.).. m^ •^pv-;' ^^liLtilB