MEMORIAS DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. PRIMEIRA. CLASSE SCIENCIAS MATIIEMATICAS, PIIYSICAS E NATURAES. p./os-l.P iSr. MEMORIAS DA kmmii REAL DAS mimm CIASSE DE SCIEKCIAS HATDEMATICAS. PHTSICAS E NATIBAES. Nisi utile est quod facimus, stulta ost gloria. NOVA SERIE — TOMO II. PARTE I. l.ISllO.\ NA TYPOGRAPHIA DA ACADEMIA 1857 ELOGIO HISTÓRICO 1)0 SOCKI KKI'ECTI\0 LUIZ DA SILVA MOUSINHO D ALBUQUERQUE RECITADO NA SESSÃO PUBLICA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS EM 19 DE NOVEMBRO DE 1836 PELO SÓCIO KFFECTIVO JULlO MÁXIMO DOLIVKIRA PIMENTEL. SENliOUES. XX biographia dos homens de sciencia, que viveram em tempos nor- maes , em que o interior dos Estados se conserva pacifico, (juasi que se limita á narrativa dos progressos da sua educação durante a ju- ventude, e á dos serviços feitos á sciencia e á humanidade pelos seus trabalhos e com os seus descobrimentos , durante o periodo mais ou menos longo da sua existência productiva. Mas a biographia do sábio que viveu e floresceu no meio das perturbações politicas, como aqud- las de que, ha mais de meio século, temos sido testemunhas , c que nellas tomou parte activa , tem campo mais variado , horisonte mais largo, relações mais complexas, c é por isso mais difficil de tratar. Se muitas vezes a diversidade de opiniões em pura matcria de 1 ." ci.viiSK í. n. p. I. 1 2 EIAXIIO HISTÓRICO scieiítia suscita rivalidades que iiilhicm poderosamente no juizo que formámos dos sábios, ([ue será (Hiando as paixões ])oIiticas, qnasi scni- l)rc facciosas, interesseiras, mesquiidias c tiirl>ulentas, vem pcrliii-bar a atmospliera a traves da (piai temos de observar os caraeteres dos ho- mens eminentes, cpie pela sua posição, pelo seu talento c saber influi- ram nos negócios jiublicos!' Luiz da Silva .Mousinho de Ali)Uf|ucr(pie (cujo elogio me incum- bistes"' foi um dos ornamentos desta Academia, (|uc passou a existên- cia entre a cultura das sciencias edas Icttras, os cuidados da vida dox mestiça , os jicrigos da guerra , c os trabalhos árduos o ingratos do liomem de Estado n'uma cpocha de completa rcvolurào. Apostolo e martjr da grande transformação politica, que em nossos dias se e(Te- ctuou , largamente concorreu com a espada e com o talento para a cou([uista da liberdade ; mas, collocado pelas idwis c sentimentos en- tre os extremos do partido constitucional, as suas grandes qualidades cívicas foram muitas vezes mal apreciadas : como ao grande Albu- querque ser-lhe-ia permittido dizer cm muitas circumstancias da sua vida publica = mal com o Rei por causa dos Imncns ; mal com os ho- mens por causa do Rei. = Tão preso andou, em grande parte da sua existência, com os acon- tecimentos da sua epocha, que será difficil traçar o quadro da sua vi- da, sem que as cores da politica transpareçam numa ou noutra par- te da sua biographia. Comtudo , não pcrtendo tecer aqui o elogio do homem de Es- tado, que me não encarregastes d'ossa missão, nem era eu por cer- to o competente para trabalho de tal natureza : é do homem de scien- cia, do Académico ilhislrc que me cumpre falar-vos. A quem, no fu- turo , escrever a historia politica da nossa revolução , compete dese- nhar o vulto notável de Mousinho d'Albu(picrque nas diversas posi- ções que occupou nos altos cargos do Estado, no parlamento, na ad- ministração publica, eno exercito durante as nossas deploráveis luctas CIVIS. Falar-vos-hei principalmente do poeta, do chymico, do profes- sor , do engenheiro, do agricultor, e finalineute do homem de intel- ligencia e de coração, que amou a Deus e a verdade, a sua familia c a sua pátria, á qual sacrificou o repouso, a felicidade o a vida, como verdadeiro cidadão que era, e esforçado cavalleiro de antiga tempera. DE LUIZ DA SILVA MOUSINHO D ALBUQUERQUE. Luiz da Silva Mousinho dAllniciiicrquc nasceu no dia 16 de Ju- nlio de 1792 em Lisboa na casa da Cruz deSanla Helena, que era a da sua faniilia. Foram seus pacs Joào Pedro Mousiuho d' Albuquerque e D. Luiza da Silva Golhiercs e Atayde, oriundos ambos de famílias nobres e antigas deste reino. Seu pae linha seguido a carreira illus- tre da magistratura , o fallcceu aposentado no Desembargo do Paço. Jlagistrado integro e honesto, morreu pobre, como se (por uma con- dição inexplicável da nossa organisaçào social) os homens que julgam com probidade e justiça da fazenda alheia , a não devessem ter pró- pria. Luiz Mousinho lòi de tenra idade destinado a servir na or- dem militar de S. Joào de Jerusalém , á qual a familia de sua mãe liavia dado muitos cavallciros illuslrcs. Mais tarde abandonou o insti- tuto desta ordem, quando, com o crescer dos annos, reconheceu que a sua vocação o chan.iava para outros destinos. Homem , que nascera ao despontar da grande revolução Europca, r[ue devia transformar, re- gencrando-a, a ordem social do inundo, não podia de boa fé entrar no grémio de uma velha instituição, tpie era uma anomalia no presente século, existindo apenas pelas suas gloriosas recordações, depois de ha- ver cumprido a grande missão de reconquistar , pela espada e pela oração, para a fé de Christo, as terras e os povos (jue o alfange mu- sulmano lhe havia roubado. Desde os seus mais verdes annos começou Luiz JMousinho a dar provas de talento superior e de caracter probo. Applicado e assiduo nos seus estudos, puro c innocentc nos seus costumes, alegre e jovial no seu trato , por momentos arrebatado c impetuoso , como acontece aos jovens de coração generoso e de imaginação imprcssionavel, capti- vava irresistivelmente o interesse de todos os que o conheciam ecom clle tratavam. Cedo mostrou inclinação para a poesia, gosto pelas ar- tes do desenho e talento para as scicncias physlcas e naturacs. Crcan- ça ainda, compunha idylios c outros breves poemas que faziam já as delicias dos seus parentes : aos 1 4 annos fez uma traducção cm verso da Andromaca de Racine, e escreveu uma comedia cm prosa. Reve- lava tendência irresistível para o estudo da philosophia natural pela preferencia que dava á leitura dos livros d'aquella scicncia, epclo gos- to e cuidado com (|ue se entretinha cm formar collecçôes de insectos, de mineraes , e de productos chymicos. Os pouc«s meios de ([uc po- diam dispor seus pacs para a sua educação não lhe jtcrmilliram accc- 1 • 4 ELOGIO lIISTORir.O lerar a sua iiislriicçào, aproveitando a disposição natural do seu talen- to, e por isso ale aos Ui auiios não leve curso regular de estudos a- lem das primeiras lettras, da graniuiatiea latina, da lingua írauceza e dos j)riuieiros rudimentos da pliilosojihia racional. -Mas era já tempo ile escolher uma ])ro(issão em que fosse útil á republica. Quiz entrar no serviço da marinha real , carreira a mais seductora para os jovens de verdadeira coragem e de imaginação poé- tica , porque a viila do mar é aventurosa, e o marinheiro, na sua lar- ga peregrinação sobre o Oceano , tem sempre por cima da cabeça a immensidadc dos céos , por debaixo dos pes o abysmo , e em tor- no de si as tormentas ; c, cercado de todo este grandioso espectáculo da natureza , parece caminhar impávido , correndo no espaço infinito em procura do que ainda é desconhecido aos outros homens. Nada estimula tanto os espíritos arrojados como o desejo de novos descobri- mentos, cjuer seja no mundo phvsico, quer seja na ordem moral, c é aos navegantes audaciosos que a fortuna patenteia com maior genero- sidade o inexgotavel thesouro dos mundos desconhecidos. Encontrou porem Luiz Jlousinlio dlfficuldades na rcalisaçào do seu intento , mas para delia se aproximar assentou praça na Brigada de Marinha onde foi reconhecido cadete. Principiou os seus estudos mathematicos em 1809 na Academia Real da JMarinlia. Estava enlão este estabelecimento scienlifico em to- do o vigor de uma verdadeira escola ; porque os poucos professores que a compunham se distinguiam pelo seu verdadeiro saber , e pela independência que só pode dar a convicção do merecimento real e a consciência do rigoroso cunqjrimento dos sagrados deveres que impõe uma das mais civilisadoras e elevarias missões da so(úedade, a de edu- car os homens que tem de servir e sustentar o Estado. Basta citar os nomes de Villela Barbosa, Travassos, Jlargiochi, Torriani e Valente do Couto, todos membros desta nossa Academia, para reconhecer quanto era digna de respeito a instituição em que elles eram profes- sores. A historia da Academia de Marinha prova bem claramente (jue não são as tradições de antiga data , que não são as leis nem os mi- nuciosos regulamentos (jue fazem as escolas respeitáveis , mas sim o talento , a consciência , o a boa vontade dos homens, a cujo saber se commette o ensino. Nacjuella escola Luiz Mousinho foi sempre pre- miado, porque a cursou com grande dislincção. Praticou também no Observatório Real de Marinha, e em 1813 foi despachado partidista do mesmo estabelecimento; c neste logar serviu até 1814. Em quanto frequentou a Academia de Marinha e serviu no Oh- DE LUIZ DA SILVA MOUSINHO DALBUQUERQUE. í. scrvalorio, mostrou sempre a mais seria applicarào aos estudos, a mais rigorosa observância no cumprimento dos seus deveres, acpiellc amor do Irabailio nunca ao depois desmentido cm toda a sua agitada e tor- mentosa carreira publica, ea(|uella honestidade e singeleza de costumes, aquella sobriedade tào pasmosa, com que ao depois soube triumpliar dos j)assos mais difficeis da sua vida , sem deslizar um só momento 1)0 caminho da honra. Parecia, que Mousinho de Albuquerque mode- lava o seu caracter e os seus habites pelos da antiga Sparla. Os que lhe não eram afieiçoados diziam (|uc por mero orgulho elle aflectava de lacedemonio ; mas os que de peito o conheciam e entravam no seu trato familiar faziam inteira justiça á pureza dos seus costumes , á nobreza dos seus sentimentos, e ri probidade do seu proceder. Ojoven sparliata, o moço estudioso e abstinente, que desconhecia ou desprezava os commodos c confortos da vida elegante, não era des- lituido das qualidades de coração, nem era indiíTerente aos gozos que derivam do sentimento e dos Íntimos aflectos. Sua prima D. Anna Mascarenhas de Atayde soube inspirar-llie mna dessas aíTeições verda- deiras e profundas de que são susceptíveis só os homens de coração c de intelligcncia ; de coração ponjue amam , de intelligencia porque apreciam; aíTeições, que duram ávida inteira, ccom as cjuaes o Crea- dor recompensa a virtude e a probidade, para as Indemnisar das in- justiças com que, de ordinário, a sociedade paga aos que melhor a ser- vem. Luiz Mousinho escolheu aquella virtuosa senhora para compa- nheira da sua vida , mas como a sorte liie houvesse negado os cabe- daes indispensáveis para sustentar uma família , tentou creal-os peio trabalho: cra-lhe necessário ad(|uirir uma peo se conhecia de maior imi)ortancia neste ramo da physi- ca dos imponderáveis ; mas a sciencia da electricidade tem feito taes progressos em nossos dias, que hoje só aos trabalhos originaes dos ho- mens, que crearam e adiantaram a sciencia, se dá algum valor, sem com isto ((uererinos escurecer o mérito dos que concorreram unica- mente para a sua propagação como escriptores ou professores. Muitas outras noticias e artigos sobre objectos de sciencia se en- contram na mesma coUecçào , todos elles caracterisados pelo intuito pratico do nosso consócio , que tinha sempre em vista ser útil á sua terra, diflimdindo e amcnisando a instrucção. De Paris escreveu elle ainda uma carta ao corpo legislativo de Portugal sobre a ipstrucção publica. Esta carta foi impressa naquel- la cidade cm 1823 com o titulo ác^=I(lms sobre o cstabelcciíncnlo (la instrucção publica. O pensamento dominante neste escripto é amplamente liberal, e a reforma que nelle se propõe é completamente radical , e abrange todo o systema do ensino publico. Eis-aíjui algumas phrases das que elle dirige, na sua dedicatória, ao corpo legislativo = » Não espereis , senhores , regenerar a instruc- « cão publica com medidas e providencias parciaes que, sem atacar os « vicios radicaes , serão mais cedo ou mais tarde suffocadas pelos re- » bcntòes estéreis que brotarão continuamente de uma raiz corrompi- »da. Quando o edificio peca nos alicerces, em vão se lhe reparam os «cumes. Convém só demolil-o, e, aproveitando os materiaes, se os ha «bons, coordenal-os debaixo de um plano regular, isento dos vicios «radicaes dos jjrimeiros fundamentos. » Esta doutrina , no meu entender , é completamente verdadeira , todos o sentem, e a nossa triste experiência o está demonstrando. Ha muitos annos (|uc se pretende fazer obra no grande edifício da instruc- ção publica: porem os arcliitectos não teem emprehendido senão pe- quenos concertos e reparações , e quando muito alguns accrescenta- uientos lóra do plano primitivo. Todos reconhecem que o systema DE LlIZ DA SILVA MOUSIiNUO DALBUQUERQUE. I 3 actual e máo , c que não satisfaz a's necessidades da epoclia. Temas nós a instrucção e educação ([ue faz dos homens cidadãos úteis , cada qual na sua especialidade;' Se exceptuarmos uma ou duas prolissões , onde temos nós os homens especiaes para o serviço do estado ? Entre nós os homens de talento e de aptidão encetam diversas carreiras e não completam a sua educação em nenhuma. A par da instrucção ge- ral, que deve ser commum a todos, cada grupo deve ter a sua ins- trucção especial e profissional para que a sociedade seja bem servida. Uma sociedade não se pôde reputar bem organisada, em quanto todos os seus membros se não occuparem no exerCicio de alguma profissão útil. Só os inválidos podem ser dispensados de produzir. Estes resul- tados não se podem alcançar sem reformar profundamente a instruc- ção publica , e esta reforma não deve nem pode ser lenta. Ha refor- mas que a prudência e bom juizo aconselham que se façam vagarosa e pausadamente, e que só deste modo são profícuas e seguras, porque de outra sorte poderiam occasionar convulsões profundas e perigosas ; mas outras ha que senão devem emprehcnder senão de um só jacto , porque, quando se trata de transformar uma organisação decrépita c corrompida em outra viçosa e sadia, se se conserva o fermento do mal, os vicios continuam, propaga-se a gangrena e acaba esta por suflbcar lo- do o bem que se pertende fazer. E' por isso necessário attender muito á índole das instituições que se pertendem regenerar: para umas, a re- forma lenta e gradual ; para outras , a restauração prompta c segu- ra. Neste ultimo caso está a instrucção publica , e eu folgo de ver, neste ponto, as minhas idéas em completo acordo com as que o nosso consócio manifestou na sua carta ao corpo legislativo. Mas é para mim inexplicável que Luiz Mousinho , sendo depois tantas vezes chamado ao poder, e gerindo quasi sempre, quando entrava nos conselhos do soberano, os negócios do reino , não podesse achar uma occasiào op- portuna para pôr em pratica o seu primeiro elucido pensamento. Por- (jue não aproveitaria elle, durante a regência diclatorial da Ilha Ter- ceira , a sua grande inlluencia para fazer, neste ramo da publica ad- n)inistração, uma reforma radical e análoga áquella que o outro Mou- sinho realisou cm instituições mais tom])lexas , e cuja transformação era ainda mais arriscada:' Porque razão derribou cllc com as suas próprias mãos o nascente Instituto das Scicncias, creado em 1835, e cujo pensamento estava em completa harmonia com as idéas expendi- das na publicação de que vos fallo ? Dizem os contemporâneos que Luiz Mousinho cedera então a uma exigência politica dos amigos [>aricrio. Um anuo ilcpois e ilimit- tido do seu lugar de Ins[)eclor das Obras Publicas. A vida parlauieutar do nosso consócio leve o seu apogèo no pe- riodo que decorre de 1843 a I8i4, e e exactamente na sessão legis- tiva de I.Si.'!, na camará dos deputados, como membro da opposição, que elle proferiu os seus mais brilhantes e bellos improvisos. Quando a palavra cabia a Luiz 3Iousinho, o susiirro, quasi habitual da cama- rá dos deputados, cessava repentinamente, a atlenção era geral, e, por um movimento espontâneo, lodos se aproximavam da cadeira que oceupava o illustre deputado ; não era só um eloquente orador que se levantava, era mais do que isso, era um homem de elevado conceito e probidade que todos queriam ouvir : o seu aspecto grave c magcs- toso, a sua physionomia nobre e serena, o seu ar quasi inspirado re- clamava a attenção e prendia instinctivamenlc todo o auditório. Os seus discursos eram breves, mas conceituosos ; o verbo elegante e con- ciso ; as imagens próprias e elevadas ; e a sua voz. grave o um pou- co rouca , linha alguma cousa de marcial, que, infundindo o respei- to, captivava e persuadia. No ataque era forte e severo, sem ser vio- lento nem descomedido ; na dcfcza seguro , na opposição claro , e na argumentação lógico e persuasivo: ninguém movia melhor do que el- le os afTeclos nobres e os sentimentos elevados , e, para convencer os que o não ouviram nem leram os seus discursos , citar-vos-hci um trecho do que elle pronunciou na sessão de 10 de junho de 18Í3 so- bre o imposto da pesca, respondendo ao Ministro da Fazenda. Depois de ter combatido eloquente e victoriosamcnte as asser- ções do 31inistro, que, na defcza do seu projecto, havia feito uma exaggeiada apologia do imposto, sustentando que todo o povo , que não era opprimido por contribuições pesadas, que rccahisscm sobre os seus haveres, era indolente e inerte, e se deixava languir na inacção, continuou deste modo : » Sr. Presidente : todo o legislador deve ter um conhecimento «profundo não só das circumstancias do paiz para que legisla, masso- » brc tudo do coração humano, porque somente o conhecimento do 0 coração humano dá razão das acções e paixões dos homens. Só elle 1 conduz a tirar do que ellas apresentam os verdadeiros corolários e »a rigorosa significação. Disse-se nesta camará que a classe dos pes- • cadorcs não era pobre e miserável como a pintávamos, poríjue o pes- «■cador, na presença de uma colheita abundante, distribuía com mão DM LI IZ DA SILVA MOLSLMIO I) AJ.IiUQUERQUE. 27 » larga a sua preza ; dava ás irmandades, oflcrecia aos santos, e libe- «ralisava coni amigos e risinhos.» »Sr. Frcsidcnle : c qucrcr-se-lia ver neste facto um symploma »dc abastança:' e poderá concluir assim quem liver conhecimento do « coração do homem ? Esta forte intenção votiva, esta tendência alta- » mente religiosa, supersticiosa mesmo se assim quizerem cliamar-lhe, «esta liberalidade compassiva, talvez imprudente, demonstrará ella » que a vida do pescador seja doce, suave, ou abastada ? Não, Sr. Pre- «sidente, quanto menos attrahida é a vista do homem para os obje- « cios ([uc o cercam na terra , mais facilmente a eleva para uma re- « gião superior. A presença continua do jjcrigo , do desamparo e da «morte atlrahe o sentimento humano para alguma coisa mais eleva- »da e mais benéfica do que a fúria das vagas e os escolhos da costa. » O (pic solTre acode mais facilmente aos (pic sofli-em, e, (piem não viu » todos os dias com quanto mais promptidão reparte o desgraçado com noutro desgraçado a escassa fatia de pão que lhe é necessária, do que »o opulento desfranze os cordões da bolsa para tirar delia a centessi- » ma , ou a centessimamillessima parle do que liie sobra ; quem não D viu o jornaleiro, a cuja família escassea o pão da semana, pesar a «trigo, por uma intenção votiva, o filho que a Providencia lhe arran- »cára das mãos da morte? A caridade com o desgraçado, a generosi- »dadc quasi pródiga do voto nunca foram dislinclivo da opulência, »são os caracteres inseparáveis de uma vida aventurosa, audaz e ar- » riscada, cm que o homem, em lucta continua com as privações eos «perigos, se eleva instinclivamente a alguma coisa mais subfime do «(jue os objectos ([ue o rodeiam, c attende a uma voz mais forte, que «lhe falia ao coração. « Transparece neste discurso, eem outros muitos do nosso respei- tável consócio, toda a generosidade e grandeza dalma de um caracter nobre e elevado ; brilham mais do que as suas palavras eloquentes e que as suas imagens de poeta, os sentimentos christãos e puros de um coração , cheio de caridade e amor , sentimentos {|ue não excluem a justiça, antes a fortalecem, como nos preceitos do evangelho. Mas Luiz Mousinho fazia opposição ao governo , que tinha uma grande maioria, e o seu bcUo discurso não gaidiou talvez um só voto a favor dos pobres pescadores , c o imposto, que os devia opprimir , segundo uns, e estimular segundo outros, foi votado — eé cjuasi sem- ])re assim que acontece nestas luctas mysteriosas , que a virtude e a sabedoria travam constantemente contra a força das coisas, sendo por cila vencidas sem nunca desanimar. Diz um celebre escriptor franccz, i • 28 ELOGIO HISTÓRICO fallando de Jlalcshcrbcs , ([iic nada prova com mais evidencia qnc as grandes qualiilades do homem procedem de Deus, do (juc csla perpe- tua derrota da virtude e da sabedoria na sua lueta, cá na terra, con- tra os acontocimciitos, e a sua conliiuia resistência = ha muito tem- po, diz elie , ipie a virtude e a sabedoria, se fossem puramente lui- uaanas, ter-se-hiam já cançado de luetar=. Entretanto os homens mais corajosos não podem sempre offe- recer essa resistência permanente ao poder dos acontecimentos c á per- tinácia incançavel das mediocridades ambiciosas, e sentem por isso mui- tas vezes a necessidade do repouso ])ara retomar vigor com que pos- sam depois voltar á peleja. INurn destes momentos de quasi desalen- to, Luiz Mousinho recollie-se novamente á vida domestica, e, no seio da sua família, procura descançar das fadigas e desgostos da vida pu- blica. OíTerccem-lhe então adireccào das obras da barra do Porto, que uma companhia emprehendcu melhorar : acoeita elle este encargo , porque os seus poucos meios lhe não permiltiam viver com o produ- cto da lavoura da sua publicos tomaram uma nova c inesperada direcção ; deixemol-o, (pie nos é vedado seguil-o nesse mar tormentoso da poli- DE LUIZ DA SILVA MOUSINHO D ALBUQUflKQUE. 33 liça, nomeio da agitarão dos partidos, envolto já no turbiliião da guer- ra civil, a mais desastrosa das calamidades publicas, de que está pres- tes a ser uma das mais nobres victimas. Ao dia G de Outubro sabeis (|ue se seguiu outro movimento po- pular na cidade do Porto ; (jue o incêndio lavrou por todo o Reino até ás portas da capital , e que Luiz Mousinho, indo novamente alis- tar-se nas phalangcs populares, tomou parte muito activa na primei- ra phase da campanha que terminou com a batalha de Torres-Vc- dras. E em Torres- Vedras, dentro dos muros derrocados do velho cas- lello (pie vae apagar-se a vida [ircciosa d'a(iuclle varào respeitável , que tanto trabalhou pelo bem da sua terra ; vida, que, em todo o vi- gor da sua intclligencia, cortou um pelouro despedido de um arcabuz porluguez, e por mão portugueza ! Era na tarde do dia 22 de dezembro de 1846; estava próxima a noite, e o céo triste c carregado ; uma névoa húmida assombreava a paizagem ; os poetas diriam que a própria natureza trajava um se- vero lucto. A batalha começara a travar-se pelas 1 0 horas c meia da manhã ; as forças populares haviam perdido o forte de S. Vicente , que, fazendo parte da celebre linha de Torres- Vedras, coroa uma das eminências que cercam aquella villa, e tentavam reconquistal-o. Ar- dia ali o combate , que a espessa ncbrina e as nuvens de fumo não deixavam ver de longe , senão pelo repelido fulgurar das ameudadas descargas , cujo estampido continuo augmcntava o horror do espectá- culo. Em uma das pontes, que sobre o rio Sisandro dão passagem pa- ra a villa , alguns cavalleiros combatiam ainda valorosamente , e aos golpes repetidos das espadas se viam cahir ameudadas victimas. A maior parte das forças populares, acossadas de outros pontos, haviam recolhido ao velho castello, cuja defensa fora confiada a Mou- sinho d'Albu(pierque. Estava neste momento o nosso consócio encos- tado ao parapeito , observando o combate que se feria sobre a ponte. A sua physionomia austera, mas serena e melancólica , denunciava a profunda impressão que os tristes acontecimentos do dia haviam feito no seu espirito animoso e forte , e parecia premeditar os meios de obstar ás funestas consequências que á perda da batalha se deviam se- guir para o partido em cujas fileiras combatia. O seu aspecto era grave e magestoso como o de um bravo que assistira a muitas pelejas, sem tremer nem descorar, e que sente em si força bastante para supportar a responsabilidade do commando nes- tas luctas sanguinolentas e fratricidas, onde desesperadamente se joga 1.' CIASSE. T. II. e. 1. 5 3i ELOGIO HISTÓRICO a vida de tantos homens, a propriedade de tantas faniilias e a lionra de um ))aiz. Era um (luadro solcmnc c inagcstoso aquelle em que se via es- te liomem, <|ue tantos laços prendiam á sua família e á sua terra pe- lo coração c pela iulellijjcncia, desprezando a vida e parecendo inscn- sivel ás sccuas de horror cpie eslava presonceando , ao chuveiro das. Lalas ipie cm torno dellc sibilavam, aos alaiidos dos combatentes, aos gemidos dos feridos, aos últimos arrancos dos que se finavam, ao es- trondo dos canhões, ao estampido successivo das repetidas descargas , a toda essa tormenta ipic levanta o furor da guerra ; era um quadro solemnc ver esse homem, sem (lue no rosto denunciasse a menor som- bra de terror, mas parecendo comprehender a grave situação em que o eollocára a sorte das armas , e pedir ao seu talento e á sua expe- riência um conselho jara obstar ou dar remédio a tantos males. Estava pois nesta meditação, quando de repente vacilta, estende o braço esquerdo para se apoiar sobre um de seus filhos , ([ue estava próximo, acode com amuo direita ao peito c diz com toda a tranquiU lidade = estou ferido, leva-me ao hospital de sangue =^; uma bala o havia atravessado. Deu ainda alguns passos com firmeza e segurança , encostado a seu filho , ate ao lugar em (|ue se achava o General Conde do Bom- fini ; ahi os cirurgiões tomaram conta delle , e, deitado num desses. esquifes de lona , ou macas , em que se transportam os feridos, eom a cabeça recostada sobre a muchilu de um soldado, foi conduzido pa- ra a igreja, onde se liavia estabelecido o hospital de sangue. Colloca- ram-o em uma pequena easa ten'ea, baixa c húmida, que fica suhpos- ta ao altar-mor , único lugar que n'a([uellc sitio havia livre de feri-" dos e morihumlos. Ali passou a noite, e uma noite de dezembro, sem reparos, nem agazalho, sem outro conforto mais do que o cuidado e amor com que o tratavam seu filho e um sobrinho seu, que também ali estava ferido. Terrivel noite devia ser esta para o nosso consócio, que, apesar da gravidade do seu ferimento, tinha ainda toda a sua in- lelligencia para avaliar a situação em que se achava. Sabia ([ue os res- tos das forças populares , ([ue haviam escapado á desastrosa batalha , estavam ent!errados dentro dos muros desmantelados do eastello, sem alento, já sem csperant-a de auxilio externo, e tendo só diante de si a perspectiva de um terrive! bombardeamento, se persistissem na re- sistência, ou a de uma capitulação pouco vantajosa, ([ue os podia con- duzir de tão desesperada situação para os presidies d'Africa ou para os calabouços de alguma fortaleza. Aos sitiados era bem natural o re- DE LUIZ DA SILVA JIOUSIMIO D' ALBUQUERQUE. 35 ceio de (juc pela madrugada rompesse o fogo da artilheria , que se postara nas alturas a cavalleiro do castcllo , e que, aos primeiros ti- ros, os muros da igreja desabassem, sepultando nas suas ruinas todos os ícridos í|ue ali jaziam. A situarão era solenine e temerosa , mas Luiz Mousinho calculava friamente, e a sua coragem nunca o aban- donava. De madrugada niio se rcalisou o bombardeamento, porem a fo- me e o desalento dos sitiados começava já a romper os laços da dis- ciplina, 6, quando um emissário do JMarecbal Saldanha veio intimar a praça para se render á discrição, um tumulto espantoso lavrou por toda a parte. Do seu leito de dor o nosso consócio poude ouvir os alaridos da soldadesca insubordinada, o estrondo. das armas, que com desespero despedaçava, c qne se ia misturar com os fúnebres ge- midos dos feridos e com os últimos arrancos dos moribundos. O castcllo foi occupado finalmente pelos vencedores, e, pela tar- de, veio o proj)rio Marechal visitar o nosso consócio, que ainda esta- va no mesmo logar e na mesma situação em que o haviam collocado no dia antecedente. Seria, por certo, objecto digno de exercitar o pincel de um gran- de mestre o quadro que representasse esta visita do Marechal vence- dor a Luiz Mousinho vencido, moribundo c jazendo sobre a terra, de- baixo da abobada húmida e baixa de um subterrâneo, e tão baixa que o vencedor se via obrigado a curvar a cabeça diante do vencido. O que então se passou na mente e no coração daquellcs dois ho- mens , só elles o souberam c Deus o presenciou. = luUalulade = foi <|uasi a única palavra que o nosso consócio pronunciou; mas que mul- tidão de idéas e de sentimentos não encerra cila ? A(|uelles dois ho- mens, (]ue haviam ambos tomado parle tão distincta nas glorias da nossa restauração politica, que figuraram depois juntos nas tristes dis- sensões do partido«liberal, combatendo pelas mesmas idéas, que, pou- cas horas antes, batalhavam como inimigos em campo contrario, 'viam- se agora juntos pela derradeira vez, ponjue um delles ia deixar esta terra e esta vida jxira passar á morada dos justos. Alguém virá um dia que escreva a historia destes dois grandes homens; mas ainda é cedo, por(|ue essa historia goteja sangue ; o sangue inflamma as pai- xões humanas, e com a luz, que estas derramam, não se podem es- crever os fastos das nações. OMarcchal facilitou o transporte do illustre ferido para uma ca- sa da villa onde elle podesse ser tratado. Sua virtuosa c inconsolável niidhcr, imia de suas filhas, e o nos.so consócio, o Dr. Buiial, foiam 36 ELOGIO HISTÓRICO ainda de Lisl)oa para Uie assistir ; mas o seu estado successivainenle SC havia aggravado ; sobreveio a febre e o delirio, e finalmente ás 7 horas da tarde do dia 27 de dezembro aquellc soldado valoroso tinha deixado de existir. A sua iamilia ficou n"uma consternação difficil de descrever; lo- dos os que SC aproximaram do seu cadáver se encheram de profunda magoa ; o Marechal Saldanha veio ainda derramar sobre clle lagrimas de dor. Portugal perdeu em Luiz Mousinho d'Albu(|uerque um cidadão probo, virtuoso e trabalhador infatigável; a Rainha um súbdito fiel; o partido liberal \un defensor estrénuo ; o parlamento um orador fe- cundo e eloquente, e a Academia um dos seus roais nobres ornamen- tos. ^0TICI4 DA VÍDV K TRABALHOS SCIENTIFICOS DO HEDICO BERNARDINO ANTÓNIO GOMES. NOTICIA D.V VIDA E TRABALHOS SCIENTIFICOS DO MEDICO BERNARDINO ANTÓNIO GOMES. XRAZER á lembrança ávida dos homens, que se distinguiram pe- los actos que praticaram e serviços que fizeram, é pagar um tributo que se lhes deve, e ser útil a todos aquelles, a quem um bom exem- plo pôde aproveitar. Abiograpliia do medico Bernardino António Go- mes é uma das que, neste sentido, nào podiam, sem grave damno, fi- car no csíiuecimento. E ainda (jue esse esquecimento nào era já dere- ceiar, pois que, além de não o permittirem os muitos documentos im- pressos ebem conhecidos que deixou odistincto medico, um seu par- ticular amigo, que o acompanhou nos últimos instantes da vida , te- ve, pouco depois de a ver terminar, o cuidado de reunir cm quadro biographico a noticia dos actos principaes, que distinguiram o finado, como homem de sciencia e como homem publico. • Este quadro po- rém foi rapidamente traçado, e a occasião nào permittia ao generoso • E.lc .imigo p o Sr. João Joaquim de Andrade, actualmente cónego da Sé d'El- *as. A biogr.iphij por cllc publicada apparcccu na Gazela Universal de Lisboa do 1.* iilemia fui mosiiM jiilitada em CDnsetbu militar dns ofliciaes ciinimandaiiles, lun dos quacs era o Conde de Vianna, que eiilão commandava o bergauliin Voador. DO MEDICO BERNARDINO ANTÓNIO GOMES. 1 1 qual escreveu ao Dr. Baeta, com quem linha relações, para doslo mo- do obter do author as infqruiarõcs desejadas. Isto foi motivo de uma extensa carta ao Dr. Currie, na qual clle dava miúda conta do ([ui; observou. Esla carta íoi depois impressa pelo Dr. Currie na ullirna edição da obna cilada (t. 2 , pag. 531) , e ahi exprime o medico in- glez o grande apreço em que teve as obsersações do nosso autlior, e o seu especial merecimento. É curioso ver nos escriptos desse tempo lào bem formulados al- gups dos principies das acluaes doutrinas da hydro-sudo-lherapia, que para alguns são reputados como uma novidade nascida dessas doutri- nas. As cHusões frias sobre a pelle quente e mesmo coberta de suor é ali objecto claramente expresso; mas alem disso são cuidadosamen- te indicadas as circumstancias em que essas applicaçõos são innocentes ou proveitosas , assim como aquellas em que iiodcm ser nuiito preju- diciaes. As doutrinas zoonomicas de Darwin estivam então em certo gráo de favor na opinião dos médicos, e ao nosso author forneceram maneira de explicar os factos de toda esta observação , e de os ligar pela forma que julgou melhor; mas com o bom senso que o distin- guia em tudo que escreveu, como medico, não usou elle dessas dou- trinas, conforme o seu próprio dito, senão até o ponto em (|ue se po- de confiar de todas as iheorias em medicina. Não obstante o achar-se exlincta a epidemia, o Dr. Gomes con- tinuou a permanecer na esquadra de Gibraltar até 31 de Março de 1803 em que desembarcou, lendo empregado quasi um anno nesta commissão. Em attenção ao seu mão estado de saúde e aos serviços preslados, pôde iscntar-se do serviço de embarque , e por aviso de 6 de Abril de 1804 veio fazer serviço no hospital da marinha. Em Sc- ptembro do anno scguinle recebeu, alem disso, a nomeação de pri- meiro medico do hospital militar da Corte. Por este tempo haviam sido remettidas do Brazil diversas quali- dades de cascas , que vieram lisongear a esperança de poderem sup- prir a quina peruviana. O Governo remelteu estas cascas para osdif- ferentes hospitacs de Lisboa e Coimbra, convidando os práticos a es- tuda-las e a determinar o seu verdadeiro valor. Occupou-se imme- dialamente deste objecto o Dr. Gomes, e, segundo o seu costume, em- penhando todas as diligencias para alcançar um resultado ulil, o que vciu a conseguir, e de modo assignalado. Foi com efleito consequên- cia de todo este trabalho a sua descoberta do chinchonino , cuja pri- meira noticia appareceu na publicação que fez com o titulo de — En- saio sobre o cinchonino, c sobre a sua influencia na virtude da quina 2. 12 NOTICIA DA VIDA E TRABALHOS SCIElNTIFICOS e de outras cascas. — Este cscripto foi impresso nas — Memorias da Academia, t. 3, anno 1812. As cascas da supposla quina, \indas do Brazil e submetlidas ao exame do author , foram as de Pernamhuco c Piauhy , as do Rio de Janeiro, e as de Camamú, povoarão ao sul da Baiiia. Estas cascas sào .mencionadas na Quinograpliia de Velloso. Julgou-se que as de Cama- mú pertenciam á Plumcria obtusa, as de Pernambuco ePiauby á Por- tlandia liexandra, e as do Rio de Janeiro n Bucna iiexandra Pobl. No exame destas ultimas occupou-se mna commissão da Academia, compos- ta dos sócios José Bonifácio de Andrade c Silva , Sebastião Francisco de Mendo Trigoso e Bernardino António Gomes, os quacs deram con- ta do seu trabalbo numa Memoria publicada em 1811 not. 3.° p."' i'." das — Memorias de Mathematica e Physica da Academia. Os estudos feitos a este respeito constaram de ensaios clinicos e exan)es cliymicos. Os ensaios clinicos davam para todas estas cascas qualidades mais ou menos antiperiodicas. Os exames cliymicos deri- varam principalmente do modo deanalyse proposto e seguido porVau- c|uclin para as cascas de quina, as quaes elle classificou como é sabi- do em três grupos, a saber : — as que precipitam pela gelatina, e não o fazem pelo tanino, nem pelo emético; — as (|ue precipitam pelo ta- nino , mas não pela gelatina; — as que precipitam pela gelatina, pe- lo tanino e peio emético. Por este trabalbo de Vauquelin, que foi o mais notável na bis- toria das anaiyses da quina antes da descoberta dos seus alcalóides, fi- cou-se acreditando, com o celebre cliymico franccz, que as melhores quinas erão as da terceira classe ; que as outras deviam considerar-se tanto mais inferiores, quanto menor fosse o numero dos três reagen- tes, gelatina, tanino e emético, que produzissem precipitado nas suas dissoluções ; e que ás cascas , cujos solutos não precipitassem por ne- nbum dos três reagentes , se devia negar a qualidade de verdadeiras quinas. Guiados por estes principios, e em virtude dos resultailos ob- tidos a respeito da quina do Rio de Janeiro, concluiram os comniis- sarios da Academia, que a casca do Rio de Janeiro devia ser uma ver- dadeira quina, precipitando o seu decocto, como o fez, não só com o soluto de gelatina, mas também com o de tanino. E o que se podia fazer e concluir com os dados que a sciencia então submiiiistrava. Tudo levou, porém, o espirito do Dr. Gomes a não se contentar com este estado deconbccimentos, eproseguindo na» suas indagações, acabou jwr achar o verdadeiro modo de resolver es- ta e outras importantes questões da quinologia. Reconheceu que odis- DO MEDICO BERNARDINO ANTOMO GOMES. IS tinctivo das quinas era a existência de certos principies immcdiatos, especiaes á sua composição ; separou um destes principies, o citiclio- nino ; e mostrou que o niellior modo de determinar o valor destas cascas devia estar naturalmente nesta separação, c na apreciação quan- titativa do producto separado. Para bem avaliar a descoberta do Dr. Gomes devemos lembrar,, que o facto cliymico, que mais depressa a preparou, foi a reacção acha- da pelo Dr. Maton, o qual foi o primeiro a notar, que as dissoluções de (juina precipitam pelo tanino. Daqui seg:uiu-sc o erro de Se^uin , o qual suppoz por isso que as quinas continham gelatina. Vciu depois o Dr. Duncan fazendo ver que o precipitado obtido das quinas por meio do tanino era solúvel no álcool, como não succedia com o da ge- latina. Mas nem Duncan , nem depois Vauquelin haviam consegufdo separar o principio ou principies especiaes, que nas quinas sào acau- sa desse precipitado. É isto o que pela primeira vez conseguiu o nos- so author, e o que lhe deu as honras de descobridor de um dos al- calóides da quina ; descoberta que contribuiu apor depois outros chv- micos no caminho não só de achar os demais alcalóides das quinas , mas, alem disso, estes e outros principies activos, que ulteriormente se foram descobrindo nas diíferentes substancias vegetaes. O modo por que o Dr. Gomes conseguiu isolar o cinchonine foi o seguinte. Dissolveu nagua o extracto alcoólico da quina cinzenta , e tratou a dissolução pela potassa ; obteve assim um cinchonino im- puro, resultado da decomposição, feita pelo alcali no sal de cinchoni- no naturalmente existente na casca ; a purifjcação do alcalóide e asua regular crystallisação , conscguiu-as dissolvendo no álcool o cinchoni- no impuro, e tratando depois a tintura por meio da agua. O que levou o author a tratar assim pela potassa o extracto de quma não foi o suspeitar , que o cinchonino estivesse na casca unido a um acido, o que aliás depois reconheceu ou entreviu ; mas foi o ter observado que os solutos de quina em geral precipitam pelos alcalis, e que nestes precipitados a potassa, por exemplo, dissolve a parte', (jue elle suppunhh censtituida pela matéria extractiva oxigenada, equê se tomara por isso insolúvel, ficando não dissolvida na mesmapotas- sa uma outra jiarte, que o author logo suspeitou ser formada princi- palmente pelo cinchonino. O author depois deste primeiro e mais importante resultado dos seus ensaios, fez o exame comparado das quinas vermelha , amarella ou calyssaia, e huanuco eu cinzenta, e notou as dillerenças : entre es- tas, por exemplo, que a quina calyssaia nuo dá os crystãcs do cincho- 1 4 NOTICIA DA VIDA E TRADALIIOS SCIENTIFICOS nino que as outras separam ; facto cm harmonia com o (|uo hoje se s;il)e nicllior a respeito da composição destas cascas, e cm especial das amarcllas , <|iio conteem pouco ou nenhum cinchonino , abundando alias cm (piiiiino. Outro facto verificado pelo author, e que julgámos importante, c o de certas crystallisaçõcs coiifiisamcnle formadas, ([ue observou nas paredes dos vasos em que obtinha os crystacs de cincho- nino ; crystallisaçõcs confusas ou incrustações, que elle diz serem cons- tituídas por matéria alcalóide mais ou menos impura. Nào é muito provável que estas incrustações fosseiii formadas principalmente de quinino , o qual teria sido separado das (|uinas do mesmo modo que p o cinchonino, e que no processo do author teria crystallisado nessa forma de incrustações depois do cinchonino, por ser o quinino, como e , mais solúvel do que o outro alcalóide ? Tudo o faz crer. E sendo assim . nào poderemos dizer , que o Dr. Gomes teve na mão com a descoberta do cinchonino quasi também a do quinino , a qual ficou .sendo todavia depois a dos celebres chymicos francczes, Pelletier eCa- venlon ? Outro ficto chymico, que o author observou também, mas que .só muito depois pôde ser bem avaliado, é oda reacção da potassa so- bre os alcalóides da quina , e a formação consecutiva do que se veiu a chamar o cincholino ou quinolino. (X author notou com eífeito nos seus ensaios sobre a quina amarella, que pela acção da potassa sobre o extracto, em vez de crystacs filiformes de cinchonino se .separava luna matéria de apparencia oleosa, que é de facto a forma porque se mostra o quinolino, o qual por conseguinte foi nesses ensaios prova- velmente formado por meio da reacção referida. Conseguindo ter assim um dos mais importantes princípios das quinas, verificando nelle todas as propriedades physicas e chymicas , j>elas quaes ainda hoje o reconhecemos , e admiltindo alem disso de- ver ser o cinchonino un> principio activo das cascas, pôde o author perceber ainda que não devia elle ser o único. Se não descobriu pois quinino , previu a sua existência, e preparou muito immediatamente a sua descoberta : diremos mesmo, se se attendcr a tudo que referi- mos, (]ue até o teria tido debaixo da vista quasi isolado. O — Ensaio sobre o cinchonino — foi em inglcz reproduzido no Edinbourg Mcd. and Cir. Journal, vol. 7.", pag. 120, e no Med. and Phys. .lournal vol. 27. O Investigador portuguez, no n." de Novem- bro de 1811, pag. 297, e no vol. de 1812, pag. Sfi, dá noticia da mesma obra. Os resultados obtidos pelo Dr. Gomes foram geralmen- te recebidos como bem provados : na parte histórica da analyse das DO MEDICO BERNARDINO ANTO.MO GOMES. 15 quinas o seu nome nunca mais deixou de figurar a par da descoberta do cinchonino. Um fado máo, porém, permittiu, que fosse no seu pró- prio paiz, e no unico jornal de medicina porlugueza então existente, onde apparecesse opposição ás idcas do author. A descoberta do cin- chonino foi ali posta em duvida, as razões de sciencia para isso pro- duzidas foram dadas por insufficientes e especiosas, e até de erros de sciencia o author foi accusado. Debalde mostrou elle os dos seus an- tagonistas, elhes pedia que repetissem as suas eiperiencias, epor ob- servação própria mostrassem a falsidade da sua ; não o conseguiu, mas nem por isso continuou menos a opposição que lhe fizeram. Iníèliz- inente não permittiu o seu temperamento conservar-lhe o sangue frio, (juc devia fazer fácil a excellente posição em que se achava nesta ques- tão, a qual não deixou com tudo isso de lhe causar bastante e não me- recido desgosto. IMas não revolvamos mais sobre este assumpto as cin- zas dos que descançam, e contentemo-nos denotar em satisfação á me- moria do author , que nos contemporâneos e nos que vieram depois olle achou inteira justiça feita a um trabalho, que na historia da ana- l}sc das quinas , e mesmo na das analyses vegctaes em geral , pode dizcr-se que marcou época; bastando lembrar para isso que a desco- berta do cinchonino precedeu a da maior parte dos outros alcalóides, (í alem disso preparou a de quasi todos elles de modo immediato ; porque o processo para os obter geralmente é fundado nas mesmas reacções , que serviram para a separação do cinchonino , isto é , nas que resultam principalmente da acção dos alcalis sobre os solutos ve- getacs feitos com as substancias (|ue conteem os ditos alcalóides. ' O ultimo serviço feito pelo Dr. Gomes , como medico militar , foi no lazareto de Lisboa tratando dotypho 445 doentes mandados da esquadra que tínhamos cruzando em Gibraltar. ^ Foi mais uma oc- ' A desgraçada polemica , a que nos referimos, |ióde ver-se nus N."' 8, ps;. !)0 ; 10, pp. 291 ; 11, p(<. 370; 12, pv. 447 c 449; 20, pg..27-; 35. pg. 202: .30, lig. 2y<) do Jornal de Coimbra: e no In\estigador de Abril 1813, pp. 20G. * Os accidenlcs dessa ordem a bordo das esquadras porluguezas parece que eram então frequentes, o que não abona o estado da íua policia sanitária. Alem du que já referimos de outra esquadra, na qual o Dr. Gomes te\e a ciimbater igual calamidade, t.imbem cm 1794 a mesma epidemia de lyphos assaltou uma terceira esquadra , que nos portos da Inglaterra só por isso fei a despeia de!íOO;000 cruzados, não lendo cus- tado menos de 12:000 cruzados a gratificarão dada a um medico inglcz . que foi eon- \idado pelo enibai:iador porluguei em Londres para se encarregar do tratamento dos doentes a bordo. Custou alem disso esle desastre o desaire de se ler precisado para soecorrer a esquadra mendigar o auxilio da sciencia estrangeira , o que lamenta com tanta razão o Dr. (jomes, dando conta deste fado. Este desaire e avultada despeza nãu tiveram logar com as duas esquadras, soccorridas pelos cuidados do Dr. Gomes. If. NOTICIA DA VIDA E TRABALHOS SCIENTIFICOS casião de empregar as abluçõcs frias, ode obter as vantagens que ha- via já alcançado por este tratamento. O modo, porem, por que o Dr. Gomes se encarregou desta commissão, por que a executou e deu lo- par á sua exoneração do serviço militar, podo servir jwra mostrar a feição especial do caracter (jue o distinguia, enão e menos um exem- plo do modo injusto e ingrato, por que são avaliados tantas vezes os íions serviços, e por igual forma apreciados os que os prestam. Fazia então as vezes do Intendente de Marinha um Contador da mesma, por nome Fonseca. Sendo pelos regulamentos do tempo sub- ordinados á Intendência de Marinha os empregados de saúde do hos- pital naval, ' succedeu receber o Dr. Gomes daquelle empregado uma ordem concebida em termos pouco discretos, na qual o mandava en- trar no lazareto e tratar os doentes de (}ue falíamos. ^ Esta ordem , alem do que tinha de inconsiderada na forma, obrigava o Dr. Gomes a um serviço penoso e arriscado, que mais naturalmente pertencia aos médicos do lazareto, subordinados á Junta de Saúde, e que eram as- sim poupados com sacrifício alheio. Uma similhante ordem era pois a mais ])ropria para ferir a sua susceptibilidade, e para não passar .sem alguma manifestação da sua parle. Como porém a executaria ? Regeitar a commissão, pensou cllc , não o podia como subordinado que era e cm quanto fosse empregado ; pedir a sua demissão imme- diatamentc, pareceria querer evitar o risco e a difficuldade da com- missão. ^'ão adoptou pois nem um nem outro arbitrio : a sua resolu- ção foi entrar immcdiatamcnte e deixar-se fechar no lazareto , tratar os doentes o melhor que podesse, e levar assim até o fim a sua com- missão. Acabada, porem, assentou pedir a sua demissão de todo o ser- viço militar de que se achava encarregado. Neste pedido houve-se ain- da com tanta moderação , que nenhuma queixa lhe serviu de funda- ' Eslc oslado c moiio de serviço não cessou de todo scn.ío mais tarde cm 1833. scndi) Director do Hospilal de marinha um dos filiios do Dr. Gomes, o qual no reina- do da Snr.' D. Maria U pôde conseguir livrar desta subordinação o serviço do hospi- tal, c mesmo a direci;ào de todo o seiviço de saudc naval, os quaes só ficaram naim- mediata dependência da Secretaria de Eslaito dos negócios da Marinha e Ultramar. No- tável coincidência de acontecimentos, puramente casual na verdade, mas que deu occa- siào ao filho de concorrer para emendar um mal, que fora em parle a causa da injus- tiça feita a seu pai. ' Esta ordem, como poderia ser para o empregado menos considerado, era assim redigida : «O medico do hospital real da Marinha Bernardino António Gomes se apresenta- ■ ri ao Commandantc do Presidio da Trafaria para n coadjuvar no ctiralwo dos doentes, que desembarcaram da fragata Carlota , na conformidade das ordens que recebi a eslc respeito. — Lisboa 26 de Julho de 1810. Fonseca. » DO MEDICO BERNARDINO ANTÓNIO GOMES. 1 7 mento ; allcgou só o seu máo estado de saiide c a precisão de atten- der, inellior do que ate ali llio ijcrmittira o serviço publico, aos in- teresses da siia Cuiiiilia. Como seria allcudido siinilliant-e pedido de um medico, Dr. Helioilorn |ióilc \cr-se uma analjse fi-ita no ln^csligado^ PurUigucz, Dtzembro 1811, pig. 173, c Janeiro 1812, pag. 3õ-2. DO MEDICO BERNARDINO ANTÓNIO GOMES. V.) Finalmente veiu interromper e quasi de todo fazer esquecer os Iraballios vaccinicos , o que devia realmente aijsorvcr todas as atten- ròes, a invasão IVanccza de 1.SU8. Passada esla crise jiolitica c cm 8 de Abril de 1812 o Dr. Gomes por meio de uma nota dirigida á Aca- demia diainou de novo a attenção soljre este importante oljjecto. O resultado loi acreação do Instituto vaccinico, organisado no seio mes- mo da Academia. O serviço da Instituição vaccinica , todo gratuito , foi fcito por oito membros da Academia. Compozeiam cm principio esta commis- sào os Drs. Francisco Elias Rodrigues da Silveira , José Feliciano de Castilho, José Pinheiro de Freitas, José Maria Soares, José Martins da Cunha, Francisco Soares Franco, Francisco de Mello Franco, e Ber- nardino António Gomes. As vaccinaçõcs faziam-se duas vezes por se- mana. No fim de cada anno um relatório dava conta á Academia da cstatistica das vaccinaçõcs , e de tudo o mais ([uanto a observação ti- nha mostrado ([uc merecesse ser referido sobre tào interessante obje- cto. CouIjc ao Dr. Gomes fazer alguns dos primeiros relatórios , os os quaes existem impressos nasJIemorias da Academia, t. 3.°, p.'' 2.', pag. •Í6 e 72, e nos opúsculos vaccinicos da mesma Academia. No primeiro anno da Instituição vaccinica o numero dos vacci- Jiados foi pouco mais de 3:000 , nos seguintes foi augmentando suc- cessivamentc até chegar em 1817 a 19:000. Teve pois o Dr. Gomes a s;ilisfaçào uma vez mais de concorrer para um serviço ulil , empe- nhando pira isso, juntamente com os seus coUegas, o zelo, sciencia e amor do paiz que o distinguiam. Mais um cargo publico, o de membro da Junta de Saúde, para (jue foi nomeado cm Agosto de 1813, deu logar a outro trabalho, (jue |)ublicou com o titulo de — Memoria sobre o modo de desinfectar as cartas. — A precisiio de esclarecer o Governo sobre este objecto foi o motivo que teve o author de emprehender sirailhante publicação. .0 author tentou imia serie de experiências com o fim de deter- minar o poder desinfectante dos principaes agentes que se usa empre- gar, como são o vinagre, o acido sulphuroso, e o chloro ; alem dis- so fez por provar, que era possível levar a desinfecção ao interior das <'arlas sem as abrir nem golpear. Para resolver similhantes questões em relação ás infecções ver- eriente e de homem de muito estudo e sciencia que era. A virtude antliclminlica da romeira, apesar de conhecida na an- tiguidade, liavia de todo esquecido na medicina europea, sem que des- se esquecimento a tivesse podido hvrar a expressa mençào de simi- iliante virtude, feita cm um livro de medicina tão clássico e conheci- ílo como o de Celso. Foi preciso para restabelecer na Europa o uso deste proveitoso remédio, ir buscar de novo o seu conhecimento á me- • dicina indiana. Os primeiros (jne deram noticia deste objecto em In- glaterra foram os Drs. Breton e Buchanan. O Dr. Gomes , a quem não escapava facilmente noticia medica estrangeira digna de se apro- veitar, apressou-se em experimentar o novo remédio, e não lhe filha- ram occasiões de poder logo verillcar seus bons elíeitos. A Memoria, tjue dellcs dá conta , reúne quatorze casos de tenias que foram facil- niente expulsas pelo cosimcnto da casca da raiz da romeira; alem dis- so exjxiz o modo de tratamento , que foi empregado nesses casos , e que depois tem sido geralmente adoptado na practica ; e por fim re- fere as experiências que fez para poder explicar a acção do cozimento da casca sobre a tenia e sobre os seus articules isolados, ou o que o au- thor chama vermes cucurbitinos. OSnr. JMerat em Paris publicou esta Memoria traduzida em fran- cez, e foi por ella que em França se começou a conhecer e usar a cas- ca da raiz da romeira como anthelmintico e o melhor dos tenifugos conhecidos. Assim terminou a laboriosa carreira scientifica do Dr. Gomes , e com ella pouco depois a vida. A sua organisação, aliás delicada, co- meçava a abalar-se e a dcsfalleccr talvez com o peso de tanta orcupa- ção ; a doença em breve ganhou terreno , até que cxhaustas na luta as forças , a raorte poz termo a uma existência tão curta como bem empregada, em 1.3 de Janeiro de ISS.*). contando apenas 54 annos de edade. O Dr. Gomes foi casado 22 annos. ' Deixou viuva e quatro fi- lhos. Apesar de tão curta vida e dos contratem[)os que nella experi- mentou, ainda o seu traballio pôde grangear aos filhos o pequeno pa- trimónio, que lhes deu meios de conqiletar uma educação, pela qual ' Casou cm 15 de Oululiro de 1801 na Parochia de Nossa Senhora da Encarna- rão em Lisboa caiu D. Leonor Violante Roza Mourão. DO MEDICO BERNARDINO ANTÓNIO GOMES. 25 deviam dqiois saber achar no mundo posição honesta e decente ; mas com isso lhes deixou sobre tudo a grande herança de um nome, que sempre repetiram e tiveram a satisfação de ouvir repetir com respeito e honrosa recordarão. Alguma cousa havia no modo de sentir do Dr. Gomes, que con- tribuiu para que não fosse sempre tão feliz como merecia : o seu ca- racter, porem, era essencialmente probo e mesmo austero ; muitas ve- zes seus filhos lhe ouviram repetir : « Façam principalmente por ser homens de bem. » Em todos os actos da sua vida dominou certo es- pirito de independência que o caracterisava, um desinteresse que, nos cargos públicos especialmente , chegou mesmo a excessiva abnegação e não preciso sacriíicio ; desinteresse, porem, e sacrificio que nem sem- pre foram avaliados ou reconhecidos. Não foi certamente nas suas mãos que a profissão desceu em consideração : antes nas suas relações com os doentes e com os collegas concorreu muito para a sustentar na devida elevação ; porque a exerceu sempre com a dignidade , que lhe inspirava uma profissão considerada por elle mais o sacerdócio do homem de sciencia, do que uma simples profissão lucrativa. Na consideração publica, que alcançou por este exercicio dentro do paiz ; na opinião que lhe deram dentro e fora delle os seus traba- lhos e publicações ; e sobre tudo na satisfação que teem as almas bem formadas de deixar neste mundo a lembrança de uma existência útil, é que o Dr. Gomes devia ter encontrado principalmente a compensa- ção de todas as suas fadigas. MEM. DA ACAD. 1 .* CUSSE T. II. P. I. I^OTA SOBRE A APPUCACAO SDBAZOTATO DE BISNUTHO EM ÂLT DOSE I.IDA NA SesSIO IIA iniMEIRA CI.ASSt. D ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DK IJSBOA EU 1 DIC n tn^O DE 18SS PELO Dr. FRANCISCO ANTÓNIO BARRAI. soão D.\ MESMA ACADENIA. NOTA SOBRE A APPLICACAO SUBlXOTtTO DU RISIIETHO EU Ikt^T\ DOSE. D. 'epois que cm Agosto de 1852 apresentámos á Academia uma Memoria sobre a applicação do subazotato de bismutho em alta dose, tem occorrido luii bom numero de factos desta applicaçào que me- recem ser notados, e que confirmam c amplificam algumas das pro- posições que então estabelecemos. Antes de tudo cumpre dizer, que em consequência da reputação de Mr. Monneret, pela leitura muito geral que entre nós se faz hoje de obras e jornaes francezes de Medicina, e pela grande quantidade de moléstias clironicas do apparelho digestivo que somos chamados a remediar e para que ás vezes achámos insufficientes os meios mais geralmente adoptados, o subazotato de bismutho começou a ser lar- gamente empregado na pratica; e bem pódc ser que para esta voga não fosse inteiramente estranha a approvaçào que a Academia se di- gnou dar ao nosso escripto. O uso desta substancia tornou-sc muito geral na pratica civil e dos hospitaes, e não se limitou a Lisboa ou ás Cidades mais populosas, mas tem chegado a toda a parte. O publico mesmo, até sem conselho de facultativo, já começa a fazer uso desta droga quando sente des- í NOTA SOBRE A APPLICAÇÃO an-anjo de fiincçõcs digestivas que suppõe ser do numero daquellas que cila jiode remediar. - De tão extensa applicação que entre nós se tem feito d'este me- dicamento nos últimos dous annus, julgámos poder deduzir alguns co- rollarios, cm parle tirados da nossa pratica, mas amplamente confir- mados peio que sabemos da pratica geral, e pelas informações que temos da clinica de alguns collcgas que maior emprego tem feito d'esta substancia e que noi-as quizcram communiear. Em primeiro logar podemos dizer que tendo sido applicado o subazotato de bismutho cm alta dose cm Ião grande numero de casos, c algumas vezes pelo publico sem grande discernimento e sem con- sellio medico, conlam-se muito poucos em que clle parecesse nocivo. Só temos noticia de um caso acontecido em Coimbra em que o suba- zotato de bismutho produziu cíleitos que se assimilhavam aos de um envenenamento pouco grave pelos venenos irritantes. Os symptomas foram promptamcnte debcllados, e o doente, pessoa inlclligente da profissão, pôde dalii a poucos dias fazer uso desta mesma substan- cia sem inconveniente e com decidida vantagem. Este facto teve logar quando se começava a estabelecer o uso do subazotato de bis- nuitho, c nós allribuimos á má qualidade da droga, em cuja prepa- ração não havia ainda as devidas cautelas , os máos clTeitos então observados. Em outros casos, nào muitos, pareceu que o subazotato de bismutho produzira irritação do estômago ou dos intestinos; mas em alguns destes casos já havia anteriormente irritação gastro-intes- tinal em que seria melhor não ter usado deste medicamento, ou ter esperado (|ue o elemento phlegmasico perdesse a sua agudeza. A his- toria de alguns destes factos não e bastante clara e desenvolvida para que se possa seguramente avaliar qual foi a parte que o medica- mento tomou na exacerbação dos symptomas, e se outras circunstancias estranhas ao remédio, ou mesmo a sua má preparação concorreram I>ara o menos bom resultado da aj)plicação. Fica porem fora de du- vida que da extensa applicação que ultimamente se tem feito desta substancia entre nós nào se tem seguido inconveniente notável, e so- bretudo nào se tem seguido os grandes males tpie se jiodcriam rc- cciar de tacs applicações, se as aprchensões que havia ainda ha poucos annos a respeito desta substancia fossem bem fundadas. E não po- demos deixar de acrescentar (pie nào só o publico já faz uso deste medicamento, sem tomar i>ara isso conselho medico, o que não ap- provàmos, mas ate alguns facultativos o empregam sem a({uellas pre- cauções e rceommcndaçòes que costumam ter com substancias medi- DO SUBAZOTATO DE BISMUTHO. 5 camcntosas toxicas ou suspeitas: tão seguros se julgam clles já da sua acção sobre a economia. Pela nossa parte podemos asseverar que tendo tido na enfermaria de S. José constantemente, desde que começámos u applicação do subazotato de bismullio em alta dose, doentes neste uso, ainda ali não tivemos um só em que elle produzisse incommodo de cuidado ou gravidade. A segunda consideração ou corollario, que temos sido levados a tirar de tudo o que sobre este assumjjto havemos observado, équc nas officinas pliarmaccuticas de Lisboa existe boje subazotato de bismutho bem pix'parado de (pic os íacultalivos podem lançar mão com segu- rança, na certeza de que o bom ou niáo cíVeito (jue se possa seguir da sua administração deve ser procurado cm outras condições que não são a preparação da droga. Consta-nos que mesmo fora de Lisboa em mui- tas oílicinas se eucontia este medicamento fabricado com igual perfei- ção. Tudo isto não deve dispensar o facultativo de se assegurar previa- mente da natureza da droga e de a começar a applicar em doses mais fracas, augmentando depois gradualmente. Contámos aqui já tanto com a qualidade da droga em muitas oflicinas, que começámos ás vezes logo por doses de meia oitava e uma oitava. Em uma analysc ultimamente feita em diversas amostras d'esta droga, adiou-sc em um caso o medicamento falsificado com o amido. Dias esta falsificação (|ue não prova ncu) grande intelligencia na mal- dade nem grande probidade no exercicio da profissão da parte de quem a praticou, não pode ter grande inconveniente na pratica pelo lado da perigo toxico. A mistura com o amido diminuindo a quantidade do subazotato no mesmo jieso, attcnua por conseguinte a acção que se de- veria esperar sobre a economia, se toda a quantidade fosse da droga medicamentosa. A terceira consideração que temos a fazer é que pelas informa- ções que alcançámos a respeito do modo eomo esta substancia tem sido ajiplicada, ainda se não pôde dizer que ella fosse levada ás dóscs fortes cm (jue Mr. Jlonnercl a administra. As doses (juc os nossos práticos em geral tem applicado são um escropulo três vezes ao dia, meia oitava até imia oitava por dósc trcs vezes ao dia , e duas oitavas por dúse três vezes ao dia, como máximo. Estas doses tem sida raras vezes excedidas; o que está ainda longe de 30, 'lO e GO grammas que Mr. Monneret tem empregado. Kós mesmos cpie muito uso temos feito deste medicamento começámos geralmente por doses de meia oitava e cbegiimos a duas oitavas trcs vezes ao dia. Poucas vezes excedemos esta dose; mas lemos já dado doses de uieia onça três vezes ao dia S NOTA SOBRE A APPLICAÇ.ÂO srm iiiconvciiiciíle; tendo começado sempre por dóscs menores. Ha- vendo tirado l)oin resultado na maior parte dos casos com a admi- nistração de (lóses menores, tcmo-nos conservado no seu uso. I)c Ilido isto se segue que apezar dos bons etíeitos que entre nós s<> tem obtido do emprego ibcrapeutico desta substancia, nào nos po- demas lisongear de ler tirado delia todo o partido que é possível al- cançar (|uando levada a dose superior. Longe porèin de estranhar a caulela ado[)lada pelos práticos nesta ap[)licaçào , julgámos antes a sua reserva prudente e nós mesmos a seguimos, nào perdendo com- ludo a inteiisào de empregar mais frequentemente doses fortes quando estivermos mais experimentados nos seus elVeitos. Nos padecimentos de estômago o subazotato de bismutho tem tido muito extensa c mui útil applicação, que confirma o que tínhamos dito na nossa Memoria. Nas ncrvoses do estômago, em dyspcpsias de dilVereulcs lormas, em gastrorcas, em certas digestões traballiosas, cuja tausa ás vezes nào é fácil, ou niesmo nào é possível determinar, o su- Lazotato de bismutho em alta dósc tem-se mostrado muitas vezes ef- licaz. E nào só os doentes tem solTrido menos incommodos , ou tem jieado completamente curados, mas ate alguns tem podido alargar a sua antiga dieta, e usar de alimentos, cuja qualidade antes do uso dfsspincdiraniento nào podiam supportar sem grave inronunodo. K preciso [lorêm confessar (pio a utilidade que se tira do em- ]irego do bismutho nào se sente algumas vezes logo no primeiro dia ou mesmo nos primeiros dias da sua applicação. Em certos casos é só depois de (juatro, seis ou mais dias do seu uso, que se começam a sentir bem os seus cdcítos salutares. Doentes iia que cm alVecçòes d esta natureza usaram do subazo- tato durante mezcs com o conselho de facultativo ou sem elle, e nào só tiraram decidido benelicio desta longa api)licaçào, mas nào se se- guiram depois delia cITeitos tóxicos ou suspeitos. Temos visto e acom- jianliado doentes ([ue fizeram este longo uso, e também nào observámos dnranlc elle ou depois d"elle symptoma algum que nos induzisse a crer (pn- esta applicação tão prolongada produza alguma alteração no sangue que se assemelhe á que tem logar no escorbuto ou que se ma- nifeste |>e!os symptomas particulares desta aflècção, ou por aqnclles que o tiso dl:i hypercrinia, cnterorhea. Então a sua acção muitas vezes é prompta e efficaz; mas assim mesmo nào temos chegado a adquirir a convicção de que este medicamento seja mais prompto e seguro do c|ue o ópio; e se ha casos d 'estes em que elle tem sido mais profícuo do que o ópio, também sabemos de outros em que o ópio teve a vantagem. Prever de antemão quaes são as circunstancias em que um convém mais do que o outro, ainda a pratica muito recente do bismutho cm alta dósc; nào ensinou. E comtudo bom que tenhamos mais esse meio cfíicaz não só para aquelles casos cm que o ópio não aproveita, mas também para outros cm que o não ousámos empregar por contraindicações que pckle ter. Muitas vezes temos applicado o subazotato de bismutlio em dose forte conjunctamente com o extracto gommoso de ópio, ou com o laudano, e encontrámos nesta mistura um remédio eíTicaz e mais seguro do que quando as duas substancias se applicam separadamente. Também julgamos que depois da administração do subazotato de bismutho só, não se seguem aquellas teimosas prisões de ventre que o ópio muitas vezes produz. No uso do subazotato, ainda mesmo nas atTecções nervosas do estômago o ventre não se prende muito, so- mente as dejecções se fazem mais duras e sêccas; as secreções do 8 NOTA SOBRE A APPLICAÇAO lubo intestinnl diminuem, mas a acção pcristaltica dos intestinos n3o fica Piitorpocida como .-is vezes acontece com o iiso do ópio. E se alguns doentes sentem (liUiculdade na excreção das fezes, quando fazem uso daquelle medicamento, e mais pela consistência e secura dVllas do que pela falta de acção no intestino recto. Convém lembrar que de certa altura do canal intestinal para baixo o subazolato de bismutho em todo ou em parte e decomposto, formando-se o sulfureto de bis- mutho que dá a còr negra ás fezes, e esta reacção deve fazer dcsap- parccer uma parte, pelo menos, dos gazes intestinacs que em alguns casos dão grande ineommodo c dores aos doentes. Em diarrlieas clironicas que terminam algumas moléstias e al- guns estados de cachexia, tomando frequentes vezes o nome de diar- rheas colliquativas, ensaiámos o subazolato de bismutho, mas não temos tido com eslc remédio mais fortuna do que com o ópio e alguns ad- stringentes: suspendcm-se os primeiros insultos por algum tempo, porem a final cslabelece-sc a diarrhca por tal modo que resiste a toda a medicação. No hospital de S. José reina uma espécie de diarrhca dos cache- ticos, que tem provavelmente a sua causa nas más condiçiies higié- nicas do cslabelecimcnlo. Não é uma moléstia particular a este hos- pital, temol-a visto descripta eiu vários outros. É como os edemas, anasarcas, escorbuto, gangrenas de hospital etc: diminuo ou augmcnta conforme as condições mais ou menos favoráveis do estabelecimento, e sobretudo conforme a accumulação dos doentes. Tem parecido a al- guns práticos além de endémica, contagiosa, e por isso aconselham que o vaso que serve ao doente delia affectado não sirva ao doente vi- sinho como é uso geral. Quando começa esta terrivel complicação os doentes abatem-se e empallidecem, as fezes são liquidas, mucosas, e ás vezes sanguinolentas, e tem um máo cheiro tão particular que as pessoas costumadas a freíjuentar os hospitaes logo por elle designam os doentes aíTectados d"csta moléstia. E aos doentes que se demoram l>or muito tempo no hospital, e sobretudo aos velhos, e ás pessoas af- lectadas de padecimentos chronicos graves que ella mais persegue. Co- meça ás vezes com tenesmo, dores, e algum sangue como a dyssen- Icria, c passa depois a dejecções mucosas mais ou menos abundantes, e sem tenesmo nem dores, como na diarrhca cbronica, e casos ha cm que no mesmo doente estes dois estados se repetem e alternam por tal modo, que umas vezes se diria que elle está soíTrcndo dyssenteria chronica c outras diarrhca cbronica. A lesão anatómica nesta affecção passa-se principahncnte no in- DO SUBAZOTATO DE BISMUTHO. 9 testino cólon, e algumas vezes chega até ao recto. Ha uma côr arro- xada, avernici liada, ou escura eni porções da uiucosa intestinal, ou- tras vezes a còr não diflere da que geralmente se costuma encontrar. Em muitas partes a membrana está amollecida; em casos de anasarca encontra-se edema no cólon, ou scrosidade derramada entre as mem- branas que o compõe e infiltrada no tecido cellular submucoso e sub- seroso. A lesão porém mais conmium c que poucas vezes falta quan- do esta complicação tem durado algumas semanas é a ulceração da nmcosa: sem vermelhidão notável acha-se a membrana perfurada com os bordos da ulcera cortados ao alto, como se o foram com um va- sador. Estas ulcerações variam muito em numero e grandeza; sendo as mais communs da grandeza de um centímetro pouco mais ou me- nos; algumas vezes as temos observado mais pequenas, e em quanti- dade tão grande, que em alguns logares formam como uma espécie de renda. Em geral a ulceração e destruição existe só na membrana mucosa, mas em alguns casos a ulceração perfurou mais profunda- mente, e o fundo da ulcera é formado pela serosa. Também convém dizer, que em casos desta moléstia os intestinos apparccem com um muito notável adelgaçamento geral nas suas paredes. Esta affecção reinava ainda ha poucos annos com muita frequên- cia no Hospital de S. José, causando a morte a muitos doentes, e an- licipando-a a outros. Depois que as condições sanitárias daquelle es- tabelecimento tem melhorado, esta frequência diminuio muito, e tem havido longos prasos sem um só doente com esta affecção na enfer- maria que dirigimos. Facto que antigamente nunca se dava. Uma moléstia desta malignidade, e desta frequência não podia deixar de ter chamado a attcnção dos práticos, c é certo que muitos medicamentos e tratamento- se empregaram contra ella, e pôde di- zer-se que não se encontrou um, que parecesse efficaz; algumas vezes conseguia-se debellar a diarrhea no principio, porem se o doente «; conservava no hospital, mais cedo ou mais tarde ella repetia, e depois de uma ou mais destas recahidas succumbia, falhando os niesmos medicamentos que no principio pareciam ter sido provei- tosos. Esta era a sorte que esperavam os doentes fracos e deteriorados que permaneciam por muito tempo no hospital. Contavam-se porem, entre os habitantes deste estabelecimento alguns, que tinham podido atravessar bastante tempo expostos ás mesmas causas de insalubri- dade, e gozando comtudo de uma inexplicável immunidade. Esta affec- ção cansou o zelo c perseverança dos facultativos do hospital, e o re- médio mais efficaz que encontraram contra ella era demorar pouco MEM. DA ACAD.— 1.' CLASSK T. U. P. I. 2 10 NOTA SOBRE A APPLICAÇÃO lempo os doentes dentro no estabelecimento, oii quando era possí- vel, fazc-los dali sahir apenas ella apontava. A accuinulaçào dos doen- tes linha uma decidida e bem provada inlluencia nào só no appareci- mento da moléstia, mas ainda no resultado do tratamento, o nós não estamos fora de acreditar que, alem das causas geracs que este esta- belecimento e outros desta ordem apresentavam para favorecer o desen- volvimento desta enfermidade, os tratamentos nimiamente debilitan- tes aconselhados pelas doutrinas do tempo, as dietas pequenas em har- monia com essas idéas, c muito conformes com as posses muito mo- deradas do hospital, tivessem tido em certa época decidida influencia na grande frequência dessa forma de cachexias. Mas é preciso tam- bém confessar, que alguns de nós entre os meios mui variados que experimentámos nesta moléstia, bastantes vezes entregámos os doen- tes a uma alimentação analeptica, restaurante e substancial acompa- nhada ou não de outros remédios, e o resultado nào pareceu ser mais feliz. No verão e outono de 1853 ede 1854, com a accumulação dos doentes, tornaram a aprescntar-sc casos destas diarrhcas, que nunca ti- idiam abandonado completamente o hospital, mas que na enfermaria de S. José e em outras tinham chegado a desapparecer. Nestes casos foi experimentado o subazotato de bismutho em alta dose, e o resul- tado loi que nos doentes em que a moléstia começava, elle era útil, mas da mesma forma que o sào o ópio, a ratania, o tanino, ou al- guns outros adstringentes; mas em casos em que a diarrhea estava já ben\ estabelecida, e o doente deteriorado, o medicamento ainda levadd a doses fortes era completamente iniilil para obter a cura. Nasdiarrheas que appareceram no verão c outono de 1854, cquc tinham o caracter de prodromios de epidemia choleriea, applicámos por nuiitas vezes o subazotato de bismutho coin vantagem; mas nào tivemos motivo sufficiente para acreditar, que nessas alVeccõcs elle fosse mais efficaz do que o laudano de Sydenham, o extracto gom- moso d"opio etc. ; e muitas dessas allccçõos vimos nós curadas pela dieta c pelos antiphlogisticos. l'L para notar que lendo sido a Memoria de Mr. Monneret sobre a applicação do bismutho em alta dose, pu- blicada em 1840, e fallando-se ali com muita vantagem desta a|)pli- cação nas alTecções gastro-intestinaes e na cbolerina, não conste i)ela leitura das obras e jornaes da época, que maior uso se fizesse deste medicamento no tratamento das diarrhcas premonitórias c mesmo do cholera raorbus; o que induz a acreditar que este mcdicameiílo pelo menos nào foi considerado pelos práticos como mais efiicaz do que o DO SUBAZOTATO DE BISMUTHO. 1 1 ópio e outros incios, 'ino também foram aconselhados; antes parecp (juc foi milito menos usado, c nmito menos proveitoso do que o ópio. Nas diarrlieas dostisicos temos cm geral encontrado o mesmo re- sultado deste medicauicnto, que nas diarrhcas do hospital: susjrendem-se bastantes vezes no principio; porem depois, quando tem tomado o ver- dadeiro caracter de diarrheas colliquativas bem estabelecidas, o remé- dio modera e diminue o numero das dejecções e a quantidade delias, nws não as faz parar. E nesta aíTccçào também não vimos, que te- nha mais vantagem do que outros remédios para esse fim aconse- lhados. Nas diarrheas das crcanças o subazotato de bismutho tem tam- hcm já sido applicado entre nós com proveito, e na Misericórdia de Lisboa já se tem colhido um bom numero de observações, que me- recem tanto mais ser mencionadas quanto esta aflecção é ali cruel- mente fatal. Devemos estas informações ao nosso hábil coUega e ami- go o Sr. Doutor Manoel Nicoláo de Bittencourt Pitta. A applicaçào dos laxantes constituía o principio do tratamento e com isso se cura- vam um certo numero de diarrheas. Se ellas continuavam recorria-se aos outros agentes therapcuticos conforme os symplomas e condições dos individuos. O subazotato de bismutho sem addiçào de outro tratamento foi applicado em dezcscis casos. A formula era, agua seis onças, subazo- tato de bismutho meia onça, xarope de gomma uma onça. Uma co- lher de sopa seis vezes no dia. O resultado foi: quatorze creanças cu- ladas, das quaes cinco expostas e nove repostas, e duas creanças re- postas mortas. Cumpre notar que as creanças repostas, ou que as amas vem entregar, entram commummente em péssimo estado. O subazotato de bismutho foi empregado conjunctamente com o ópio em treze casos, e a formula era a seguinte : Agua seis onças, subazotato de bismutho meia onça, laudano liquido deSydenham vinte gotas, xarope de gomma uma onça. O resultado foi: doze creanças curadas; quatro expostas, oito repostas, e uma exposta da roda, morta. Em casos muito graves c tenazes ainda se ajuntou a esta medi- cação os clisteres de solução de nitrato de prata. As creanças em que se empregou este tratamento foram oitenta e duas, e o resultado foi o seguinte; Expostos curados dezeseis, repostos curados vinte e três; expostos mortos dezoito; repostos mortos vinte e cinco. Esta estatís- tica é sem duvida alguma muito vantajosa, não só em attenção á gra- vidade da moléstia e ás condições particulares dos individuos aOecta- 1 2 NOTA SOBRE A APPLICAÇÃO dos, como também em comparação com o que tem acontecido em al- gumas outras occasiões, c cm outros estabelecimentos desta ordem. De todas estas applicações que se tem feito nestes últimos dois annos nós podemos concluir, que a introducção na pratica da medi- cina deste niodicaincnto cm alta dose e uma exccllente acquisição para a cura de algumas moléstias, ainda mesmo quando se queira afíastar tudo o que possa ter havido de exagerado nos louvores que lhe tem tributado alguns espiritos mais fervorosos e acalorados. Na maior parte dos casos cm que temos administrado o suba- zotato de bisnuitho em alia dose, tem sido conjunctamcnte com a co- mida; mas também bastantes vezes o temos empregado em alta dose antes ou depois delia: o que prova, que a acção innoeente do remé- dio não é devida a ir envolvido ou neutralizado pelos alimentos; esta mistura poderia attenuar algum tanto a sua acção, mas sempre lhe deixaria bastante energia para patentear a sua indole toxica, se elle a tivesse. Em consequência do emprego vantajoso desta substancia em clis- teres, feito em França por Mr. Lasseque e Trousseau, e consignado na União Medica, e em outros jornaes, experimentou-se aqui também o subazotato de bisniutho em clistcres. O Sr. Doutor Cunha Vianna, que tem deste medicamento bastante pratica, applicou-o em clister em nove casos. A dose foi de uma onça em dois clistcres, suspendido em pequena quantidade de infusão de sementes de linho de modo que íicou a mistura em consistência de papa mollc. Em quatro casos de diarrhea simples as evacuações pararam logo; a dejecção que se se- guiu depois da applicação dos dois clistcres foi consistente e os doen- tes curaram-se. Os casos não eram graves, e os doentes ter-se-iam cu- rado por outro qualquer processo dos aconselhados. Nos outros cinco casos a soltura diminuiu logo, mas depois augmentou e continuou, sendo preciso recorrer a outros meios para a dcbellar. Nos expostos da Misericórdia este methodo também foi applicado, mas em pequeno numero de casos e na declinação da epidemia. Fica pois o nosso juizo por em quanto suspenso a respeito deste modo de administração. Depois que se emprega o subazotato de bismutho cm alta dose, a sua mais extensa applicação tem sido só e sen» mistura com alguma outra substancia medicinal, de modo que não pódc ficar duvida a res- peito da sua cflicacia nos casos em que elle foi proveitoso. Mas e muito provável (juc ainda se possa tirar bom partido desta applicação cm alta dose combinado com outras substancias mcdiciuaes. A idea desta combinação nào é nova, a sua união com o ópio, e com a magnesia DO SUBAZOTATO DE BISMLTIIO 13 eiicontra-sc aconselhada pelos autores; mas cntào era cm dose mais ténue. Agora poròm resta estudar estas combiiiarões, c outras novas, e que podem ser mui variadas, em que entre o subazotato de bisinu- llio cm dose forte. Pela nossa parte podemos dizer ter já administra- do bastantes vezes este medicamento cm dose forte conjunctamcnle com o extracto gommoso de ópio, com o xarope de ópio, e com o lau- dano de Sydcnliam; a maior parte delias cm diarriíeas, mas também algumas em aírccções de estômago; e tem-nos parecido esta união cons- tituir um meio muito mais poderoso, c de que se pôde tirar mais proveito, do que de cada uma das substancias separadas. E o que dissemos a respeito das creanças da Misericórdia confirma esta nossa asserção. Também a união do subazotato com magnesia, que antigamente se fazia em pequena dose, tem já sido experimentada em maiores do- ses e com vantagem: é uma formula de que provavelmente se virá a tirar muito partido em algumas afiecções chronicas do estômago. A magnesia podendo servir para corrigir a jirisào de ventre, que o subazotato produz ás vezes. As pastilhas do doutor Paterson usadas na America como muito utcis nas dispepsias, nevroses do estômago etc. são uma mistura de subazotato de bismutho, de magnesia calcinada e assacar. E provável que da união com outros medicamentos absorventes, com os adstringentes e com os antispasmodicos, entrando o subazotato de bismutho cm alta dose se tire grande proveito. O estudo destas combinações ainda está por fazer, Dever-se-hia esperar que de tão extensa applicacão, que nestes últimos annos se tem feito do bismutho resultasse o mais perfeito co- nhecimento do seu modo de acção sobre o organismo; porem é pre- ciso confessar, que os práticos ainda hoje não podem dar desta acção uma explicação satisfacloria, c até hesitam sobre o logar (juc este me- dicamento deve occupar no quadro pharmacologico. .\unca a medica- ção j)roduzida por esta substancia foi bem definida: adstringente, al- tcrante, antispasmodica, foram as denominações genéricas (jue mais particularmente mereceu, e sobre tudo achava-se nos livros de toxi- cologia collocada entre os venenos irritantes conjunctamentc com o cobre, o zinco, o chumbo, o estanho, o antimonio etc. Hoje sabemos que esta substancia não é venenosa mesmo em alta dose, e que por este lado a sua acção é muito ditrereute das outras com que andava unida; porém é muito necessário ter em vista, que o que se diz do subazotato de bismutho pódc muito bem ser dilTerente do que se de- 14 NOTA SOBRE A APPLICAÇÃO verá dizer de outros preparados deste metal, principalmente dos (pie Ibn-in mais solúveis; c a sciencia e observarão nesta parte ainda e <\v- licicnte. A aeção do siibazotato de bismutho nào é irritante ou estiinu- l;nit(' sobre o estômago sSo; mas sobre o estômago (í intestinos inMam- niados augmenta ás vezes muito notavelmente esta inllammacào, c é preciso não o applicar cm casos desta ordem. Alguns tem comparado o modo de obrar desta substancia com o das substancias chamadas absorventes: combinando-se com os acides do estômago em todo ou em parte, dando logar a productos innocen- tes para esta viscera, e evitando a acção que esses suecos fortemente ácidos e irritantes poderiam ter sobre a mucosa digestiva. Autores lia que tem ípierido ainda explicar esta acção protectora pela camada etiginoso uma pommada composta de duas grammas de subazotato de bisnmlho e trinta de banha. Mr. Monneret tem applicado ultima- mente o subazotato de bismutho externamente, apolvilhando com elle ulceras de diversa natureza, mas principalmente ulceras escrofulosas; e nestes casos a arção adstringente ou secante do medicamento tem sido evidente. Mr. Caby tem também empregado esta substancia em injecção nas bleniorragias, com proveito, ainda mesmo em algumas que tinham resistido a outros tratamentos. Em lluxos vaginaes agudos e chronicos simples c com ulcerações tambcm tem feito applicaçào delle com decidida e rápida vantagem: a diminuição da secreção tem sido prompta e evidente. DO SUBAZOTATO DE BISMUTHO. 15 Tudo islo confirma a acção adstringente da substancia c a sua virtude para diminuir as sccicçõcs das partes com que se pòe em con- tacto. A acção anlispasmodica e calmante do bismutlio foi admitiida [lelos seus efreilos curativos em nevroses do estômago, em nevralgias de diíTcrcntcs órgãos, na astlima etc. As suas qualidades sensivcis nào poderiam fazer suppòr uma forte acção sobre o syslema nervoso, en- tretanto quasi todos ou todos os pharmacologistas liie concedem esta propriedade. Alguns práticos, e sobre tudo práticos inglezes, consideram cer- tas nevroses do estômago como o resultado de uma secreção viciosa ou augmentada dos suecos gástricos, e daqui tiram a indicação de mo- derar c corrigir a secreção desses li(|uidos c do a neutralizar pelas substancias chamadas absorventes. Nesta liypothese o subazotato de bismutho sem ter luna acção especial sobre o systema nervoso pode- ria moderar ou curar um certo niuiicro de nevroses do estômago cor- i'igindo as suas secreções. E como algumas nevralgias de outros ór- gãos estão ás vezes na dependência dos trabaliios da digestão, o das más alimentações, ainda o subazotato de bismutho poderia ir inlluii' nessas nevroses por um modo vantajoso ainda que indirecto. Nào está demonstrado que o subazotato de bismutho seja absorvido e levado na torrente da circulação aos órgãos. Algumas vezes que o temos pro- curado nas ourinas de doentes que fazem dellc uso habitual e externo não o temos encoutimdo; mas por estas poucas experiências não nos atrevemos a affirmar a sua nào absorpção. O subazotato de bismutho melhorando a acção dos órgãos diges- tivos, fazendo supjiortar e elaborar melhor os alimentos, pôde ter, e tem eflectivamente uma virtude restaurante das forças e da nutrição geral, e daqui também pôde scguir-sc uma composição mais vantajosa do sangue, c uma inlluencia benéfica no systema nervoso. Assim jxide ser útil na chlorose e nos estados anemicos acompanhados de nevroses do estômago e de outros órgãos. Mas esta acção tendo alguns pontos de contacto com a do ferro, ou mesmo com a do manganês, difiere com- tudo nuiito; pois que o bismutho não concorre nesse caso para a cura como os outros metaes, que constituem um dos elementos do sangue. As substancias muito pouco solúveis, que se introduzem no ca- nal intestinal em grandes doses fazem sempre recear a accunuilaçào, que encontrando núcleos ou sem elles possa dar lugar a essas con- creções chamadas enlerolithes, egaropilas etc.; menos freíjuentes no ho- mem do que em alguns animacs, mas de que a historia hi por ve- 16 NOTA SOBRE A APPLICAÇÂO DO BISMUTHO. zcs menção. Ainda tcni decorrido pouco tempo depois que esta subs- tancia é applicada cm alta dose para (|uc se possam já ter encontrado algumas dessas concreções, se e que ellas assim se podem formar. l'ma Loa parto do subazotato de bisniullio sem duvida alguma salie com as dejecções alvinas. O cuidado cm ter o canal intestinal desem- baraçado poderá prcvinir esse inconveniente se o tempo c a observa- ção vierem a demonstrar a sua possibilidade, como tem demonstrado com outros medicamentos. Qualquer porem que seja o modo de acção, que o subazotato de Lismutho tenha sobre os nossos órgãos, é hoje fora de toda a duvida que as suas propriedades benéficas nas moléstias em que se emprega não dependem do arsénico que o inquina, nem poderão ser por esse modo explicadas. O grande uso que se continua a fazer deste medi- camento nos irá dando occasião de ir estudando, e provavelmente de ir descobrindo o seu modo mais particular de obrar sobre a economia. DISCUSSÃO DOS CARACTERES DISTIISGTÍVOS DA FÀMILl DAS PÃRONTCHIÂGEAS; CUSSIFICAÇÃO E DIAGNOSK DOS GÉNEROS QUE A COMPÕEM. UEMOnli APRESENTADA A PBIMEIRA CLASSE DA ACADKMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, poa ISIDORO EUILIO BAPTISTA r -^■4- SÓCIO EPFBCTirO DISCUSSÃO DOS C .%R leVGRF.ili nKTIi^CTllOM DA família das paronychiaceas; CLASSIFICAÇÃO E DIAGNOSE DOS GÉNEROS QUE A COMPÕEM. i\. família das Paronychiaceas fundada, ha quarenta annos, pelos Srs. Kobcrt Rrown e Augusle de Saint-Hilaire, é um dos grupos mais naturaes (juc nos apresenta o reino vegetal. O porte externo destas plantas, a disposição dos seus órgãos appendicularcs, o seu typo floral, a constituição anatómica e cliiniica das suas diversas partes, a estructura do seu fructo c iiclcs, Ptcraiit/ius); ou elles assentam sobjc um disco hv- |K>gyiio bem caraclerisado (Dkhcianthus). Destas diversas formas din- .seirào lii/pot;i/na se passa insensivelmente aos grãos menos elevados du perigynia: a dillerença e pouco apparcntc entre os géneros prece- 6 DISCUSSÃO DOS CARACTERES lacenta central livre (Spcrgula, Spergularia, Dnjmarin, Lccfjhngia) occupando o eixo dos septos incompletos quando cUes persistem (Te- lephium). Nos géneros que não tem mais do que dous óvulos, observa-se lambem a mesma diftbrença: os dous funiculos ora são distinctos até á base ( Pollkhia), ora se reúnem em um cordão bifido (Habrosia) no qual um dos óvulos aborta algumas vezes (Mniarum). Quando o ovulo é solitário e sostido por um funiculo curto, essa posição erecta e a sua forma amphitropa fazem dirigir o micropylo para a parte infe- rior da flor ( lllecebrum, Herniaria, Pc7itac(cna); se o funiculo é mais allongado, o ovulo torna-se reclinado, com o micropylo infcro encos- tado á parte terminal deste cordão. Esta posição se conserva na se- anente dalguns géneros durante a maturação (Guilleminia, Sclerantlms, iSclerocrphalus); mas n'outros, á proporção que o cordão se allonga, sua parto terminal se encurva, a semente se abaixa, e o micropylo chega a tomar a direcção supera ( Par oníj chia, Gymnocarpus). A forma da semente é geralmente amphitropa; mas cila é algumas vezes he- mianatropa ou mesmo anatropa, seja na posição erecta (Cometes, Pte- ranthus) seja na reclinada (Corrigiola, Dicherantkus), sem que o em- Lryão deixe de ser peripherico; algumas vezes porém este embryão jiassa a ser mais ou menos interior no perisperma (Arvcrsia). Vé-se jKjis (|ue as diversas formas c posições da placenta, da semente e do enibryào, não são mais constantes nesta familia do que os outros ca- racteres, e que todas ellas estão dependentes do gráo de desenvolvi- jnento mais ou menos avançado dos mesmos órgãos fundamentaes, que com tudo não deixam de ser idênticos em sua natureza, apesar da variação apparentc destes caracteres. Tem-se dito que a liberdade ou desaggregação dos estyletes é um dos caracteres da familia das Paronychiaceas; mas este facto não DA família das PARONYCHIACEAS 9 c mais constante nem mais dcfínido qiie os precedentes. Com efleito, os estyletes elementares são nesta família em numero de 5, de 3 ou de 2. No 1.° caso que é o mais raro, estes orgàos são distinctos (Sper- iiulaj, ou mais ou menos coherentes (Sjyrgulariíi), principalmente quando elles se não desenvolvem todos igualmente. Na grande maioria dos géneros, os estyletes se reúnem entre si sobre uma porção mais ou menos considerável do seu comprimento, e formam um estylo triíido ( Poti/carpou, Dnjmaria, etc.) ou biíido ( Par ony chia, Htrniaria, ctc.) Mas esta adliesão é umas vezes extremamente fraca e se limita apenas á base dos estyletes (StipuliddaJ, ou estes são inteiramente livres e distinctos (Ttlepliium, Sclcranthus, Canlioneina, Habrosia). Outras vezes é o inverso: a coliesão se prolonga mais alto e constituo um es- tylo tridcntado (Poli/carpaa, L(rfjli/is;ia, Ortes^iu), ou apenas bilobado (lUecebruin, Pcnlacana) ou trilobado (Ji/lineria, Gijmnocarpus); ou cmfim a adhcsão ganha até os estigmas, em que apenas se distingue uma forma emarginada ( Lilltop/iila,Guillcminin),o\.\ mesmo as divisões desapparecem inteiramente e se vê um estylo obtuso (Wintcrlia). As modificações que sobrevem pela maturação ao perianthio e ftos seus appendices externos ou internos, e mesmo as formas que apre- isentam na flor as bractéas e o invólucro, a coroa de nectarios e o disco que resulta destes órgãos, podem lambem ser consideradas em toda a serie desta familia, e convencer-nos que não ha linha alguma de demarcação, relativamente a elles, nem entre esta familia e as outras, nem entre os grupos de géneros que a constituem. Da exis- tência para a ausência das pétalas se passa insensivelmente por meio de órgãos appendiculares que accompanham os estames, ja em forma descamas petaloides, ja de liletes estéreis; ou pelo aborto de antheras nos estames, que conservam de resto o numero, a forma e a posição que elles devem ter normalmente. Seria impossivel achar um caracter geral da familia no numero das partes componentes de qualquer dos verticillos floracs, e mesmo no numero destes verticillos. Numa grande parte da familia os es- tames são cinco, dispostos em um só circulo, alternando com outras tantas pétalas (Guillcniinia, Dichcraiithus, Sckroccphalus). As pé- talas apparecem ás vezes com dimensões extremamente pequenas, e sào persistentes no fructo (Habrosia, LccfJUiigia), ou seu logar é oc- rupado por um circulo de filetes estéreis exterior ao dos estames (Sclc- ranthus). Outras vezes as pétalas e os estames férteis são bem cara- cterisados, e os appendices squammiformes se apresentam entre estes dous verticillos, mas defronte das pétalas (Aijhncria); noutros géneros ÍIEM. DAACAD. — 1 .' CUSSE. — I.H.P.Í. 2 10 DISCUSSÃO DOS CARACTERES cslc novo circulo, situado fóra ou dentro dos cstames principacs, é composto de liletps mais curtos, que todos ou parte sào anthcriferos ( Spcn^iila, SpnL;ul menor é o se»i numero. [symctrirns. Esl.i- ( todos fcrlois . . . . Spcrfjiita. Liiiii. biseriados. C.ar- 1 mes ppritíyiios, | cm parte cslercis. Spcrgulnrm . Vcis. IM-llos itrcs. Eslaines hypogjnos, os inter- ( nos estéreis Aylmeria, Mail. 5 ) i hypogynos, todos ."^ \ I ,. • 1 I férteis. Estipulas Polycarpcra, Laiii. W I . . , _ livres, simples, oi ■ "^ , j í- • < unissnados. Car-V ' Iperigynos. parte pcllos Ires. Esta- / ' estéreis. Bracteas Polijcarpnn, }.a'fí\. mes /cohercntcs, hypo-jopposlas Drymaria, Willd. ( fçyiios. Futhas [alternas Tdephium, Diosc- I.'— TRIBL DAS ILiLiECEBRE-tS. Encontrain-se aqui os typos principaes da familia. Nos primeiros géneros, a deliiscencia do fiucto por cinco valvas basilares i>arece in- s DA FAMIUA DAS PARONYCHIACEAS. 1 3 dicar que a syinctria persiste ate o ovário ; mas essas valvas sào o mais das vezes irregulares, e as outras partes do pistillo sào de coiii- posiçào binaria; nos outros géneros o gyneceo é todo binário ou ter- nário. A coliesào destes elementos occupa uma extensão mais consi- derável que na 1.° tribu, e a inserção dos estames passa a um grão mais elevado de perigynia. O cálice e o invólucro são geralmente ac- crescentes no fructo, que é raras vezes dehiscente. 1 1 ! hypogynos. Cali- capsular com valvas k Jr oj m >. „ d ' . . . . 1 cc accresccnlc . . Ilkcebrum, Rupn. symctncas, basi- { . „ " , ,, . 1 perieynos. Bra- larcs. bstamcs I' . ' ,,_ i.- fi., .„ { cleas cscanosas . Paront/cnia, Llus. tubo calicinal. Folhas alter- nas. Braclcas Pentacama, Barll. a -^"-l \ disco. Fo( bem dcscnvolvi- ^ e W lhas op- \ das, deciduas. . Uemiaria, Tourn. = .íf3^ p(islas. j rudimcnlarcs,|icr- Pelalas f sislt-nlcs Habrosia, Fcnzl binário. Fructo V = »> =■ w 3 o. Íbypogyiios , cohercntes. Utriculo . . . Comedi, Burm. , , , ,. ( cohercntes. Ulri- I tubo cali- \ , „ ri = .■2 g 1 ""*'-' (livres. Capsula.. . f^inUrlia , Sprong. .íf t .a 1 disco. Achcnio. Cálice accres- g_.S ^ ' centc. Folhas alternas Corrí^ioía.EuryCord. 3.0— TBIBC D.4S ORTECI.\«í. A (alta de symetria que caracterisa esta tribu num dos Ires verticillos e.xternos, se liga á desigualdade que apresentam os lobos calicinacs; e quando a rcducçào aflecta todos os órgãos destes três verticillos, a llòr perde o lypo ({uinario. Os estames diminuem succes- sivamcnte cm numero; os elementos stylares apresentam a mesma composição ternária ou binaria, e o mesmo gráo elevado de cohesão que no grupo precedente. I com lis estames. ) Dus.em numero de / Ibem desenvolvi- das. Bracteas. . . Anertia, Camli. rudimentares. l'e- los glanduldsos . Lafílxngia, I.inn. " " " [trcs ou dous. Estipulas e bracteas. . . Ortcgia, Lieul. ' ternário. Kstames três, hypogynos. Fo- lhas radicaes SlipuUcida, Rich. com o cálice. Es- 1y g _ [ perigvTios. Ovário dispcrmo. Ijlctc 1 • e ** 1 adIuTcnte. Bracteas PoUichia, Sol. ^ " < hypogyniis|, alternos cora 2 p.irastemones.Fiòr ternária. Folhas amptesicaules LUhophila, Sw. SI- p..^ i 3 5 \ Fo 14 DISCUSSÃO DOS CARACTERES 4.°— TRIBi; DAS SCL.EB.1!STUEIS. Ao grupo fundado primitivamente debaixo deste nome, e cara- cterisado pela (lòr apctala c pcrigyna, fruclo monospenno ligncsccnte pelo tubo calicinal persistente, e folhas connadas sem estipulas, se rcuneni aqui os outros géneros apetalos cuja liypogynia é inseparável «los diversos grãos de perigynia como nos grupos precedentes, e cujas folhas oppostas, por vezes carnosas ou amplexicaulcs, sào munidas de estipulas rudimentares, representando assim todos os gráos do desen- volvimento destes orgàos. O estylele é sempre de composição binaria, o os seus elementos apresentam os mesmos gráos de cohesão que se acabani de ver nos outros géneros. Em ultimo logar se lhes associa imi género polyspermo e capsular que poderia talvez entrar na 1 .' tribu, mas em que a falta da corolla parece ser caracter dalgum va- lor [wrque ella se reúne á redueçào dos estames a um só. Esta reducção accompanha, n outros géneros, a transformação d"alguns delles em ap- pendices petaloidcs, e a passagem da flor ao typo quaternário. ' hypogynos. cohcrentes. Flor quaternária. Bra- ctcas e estipulas ruilimcntarcs Pteranthus, For«k. f livre. Folhas í alternos com cinco connadas , \ parastcmones. . . Scleranthus , Linii. ■S 2 -2 ^ I sem estipu-j sem parastcmones. SÇhJ pcrigynos. 1 j,, estames ( Bracteas GuiUcminia, Kanlb ' jadherentc. Fructo dchisccntc por valvas terminaes. Bracteas adhe- rcntcs; estipulas Sclcroccphalui, Boisi. Í ^connadas. Ovário mono-dispcr- mo. Flor quaternária, bracleo- lada Mniarum, Forsl. amplexicaulcs. Ovário monosper- mo. Bracteas Vicherantliut , Wcbb f com dous parastcmones. Ovário monospcrmo. Bracteas; folhas . I não estipuladas Cardionema, Cand. " °^ ' jsem parastcmones. Ovário po- lyspermo. Bracteas e estipu- las Ccrdia, lí. & Se»i. í. c 1 «1 .i ^ 3 Das consideraçijcs precedentes podemos concluir: DA família das PARONYCHIACEAS. Í5 !•• Que, na familia das Paronychiaceas, os mais constantes de todos os caracteres são os que se fundam na sy me Ir ia floral; que esta sjrmetna (depois do caracter da estructura da semente, que é rela- tivo a um grupo mais elevado) domina sobre todos os outros cara- cteres mternos e externos, que nào são nem assaz fixos nem assaz li- mitados para poderem constituir uma definição regular desta familia. -." Que os caracteres da flor e dos órgãos cxlcrnos são suHi- cicntes para a determinação pratica dos géneros desta lamilia c para os coordenar do n.odo n.ais natural que é possível; que é conseguin- temente inul.l empregar para este fim caracteres tirados das partes de menos fac.l observação, taes como as divisões do fructo, a placcn- taçao, a direcção do embryào. etc. caraclercs que em nada sào mais preciosos que os externos, pois que todos elles são sojeitos a variações e a transições insensíveis d'uns para os outros, Estas considerações podem ser applicadas'a um grande numero SC nao a maior parte, das familias vcgetacs; e se em iogar das fa- mílias tomarmos as allianças, as classes naturaes ou outros grupos mais elevados, póde-se mostrar que a lei das posirSes relativas dos orgaos elementares se manifesta ainda nos apparellios da germinação e nos da nutrição, de maneira que ella vem a ser uma das bases fun- damentaes da classificação natural. Este principio ..ue enri.iueceu as sciencias naturaes das bellas tlieorias de Goethe e de Geofrroy Saint- Hila.re, e boje o ponto de partida dos progressos que vemos todos os .lias lazer a organograpbia e a morpbologia vegetal; elle nos promctie que a botânica será em no.ssos dias uma sciencia rigorosa, como u zoologia o tem sido nestes últimos tempos MEMORIA SOBRE A PRODUCÇÃO DO SULFATO DE SODA iNO VOLCÃO DA ILHA DO FOGO NO ARCIIIPELAGO DE CABO- VERDE. JLLIO MÁXIMO DE OLIVEIRA PIMENTEL, soão EFPKCTITO DA i. R. DAS 8CIENCIAS. 'i MEMORIA SOBRE A PRODUCÇÃO DO SULFATO DE SODA NO VOLCÃO DA ILHA DO FOGO NO ARCHIPELACO DE CABO- VERDE. O. -Quando, cm 1838, organisava o Laboratório da Escola Poly- technica, cuja direcção me havia sido coníiada com a regência da Ca- deira de Cliymica, foram-me remcUidas pelo Sr. Visconde de Sá, en- tão Ministro da Marinha e Ultramar, algmnas amostras de vários prodiictos naturacs, provenientes das nossas Possessões d" Africa, para serem por mim examinadas. Entre cilas notei com particularidade imia, que vinha com o nome de Salitre da Il/ui do Fogo, mas que não apresentava nenhum dos caracteres do azotato de potassa. Fiz então o ensaio daquellc producto e reconheci que era o sulfato de soda. A amostra era em pequena quantidade c não vinha acompa- nhada de esclarecimento algum que podesse servir para formar um juizo seguro sobre a importância do deposito, se deposito havia ; mas entrevi logo a possibilidade da produccào permanente e successiva daquclle sal, tão útil e tão importante para a industria, debaixo da poilorosa inHucncia das reacções que tem lugar na emissão do fogo subterrâneo. Respondendo então a's perguntas que o Ministro me dirigia so- bre a natureza e importância das matérias, cujas amostras me con- 1 . 4 MEMORIA SOBRE A PRODUCÇÃO fiara, escrevi o seguinte : <> O mais interessante destes productos é o « sulfato de soda que veio remettido debaixo do nome de salitre da <íUha do Fogo. Se elle existe no estado que o exemplar inculca, « muito fácil é de purificar e poderá ter grande consumo, c será es- « pecialmente de grande vantagem jiara a fabricaçào da soda arlifi- « ciai, que pôde constituir um ramo de industria muito importante, «sendo esta soda introduzida no cominercio por um proço muito mais «commodo do que o de todas as espécies dcslc gcncro (pic hoje se fa- « bricam Para reconhecer a utilidade desta fabricação, basta só «lembrar que os Francezcs e Inglczcs sustentam consideráveis eslabe- « lecimentos em que fabricam a soda artificial, tendo primeiro de « transformar o sal marinho em sulfato de soda por meio do acido sul- « furico ; operação incommoda c despendiosa, que se disj)ensaria nas «Ilhas de Cabo- Verde, por se encontrar ali o sulfato de soda nalural- « mente formado. O que neste caso e necessário saber, é se este pro- « dueto existe ali em grande quantidade, porque então poderiam as « fabricas de vidro e as saboarias do reino tirar de lá toda a soda de «que carecem. » Esta communicação official ficou, creio eu, sem resultado, como tem acontecido a muitas outras, mais auctorisadas do q\ie a minha e que jazem sepultadas e fosseis, permitla-se-me a expressão, na poeira das nossas Secretarias de Estado. No primeiro livro que escrevi para auxiliar os alnmnos da Es- cola Polytechnica no estudo da chymica, e que foi impresso em 1839, falando do sulfato de soda, indiquei, de passagem, que este sal se encontrava nas Ilhas de Cabo- Verde. Nos ensaios sobre a sta- tistica das Possessões Portuguezas no Ultramar, no Livro 1.°, que trata das Ilhas de Cabo- Verde, e que foi impresso em 1844, o Sr. Lopes de Lima, a paginas .30 da 2.° Parte, falando dos productos na- turaes da Ilha do Fogo, cita já a existência daquelle nolavel produ- cto, o que me auctorisa a suppôr que teve conhecimento delle pelo que eu havia escrito ou dito a tal respeito no meu curso de chy- mica. Em todas as occasiòes, que se me oncreceram desde 1838, nunca deixei de pedir ás pessoas que eu via se interessavam pela prosperidade do archipelago de Cabo-Verde, que tratassem de inda- gar as circunstancias locaes e condições naturaes da existência do sulfato de soda na Ilha do Fogo, recommendando-lhes ao mesmo tempo que tivessem a bondade de mas communicar e de remetter-mc porção sufficiente do mesmo sal, para sobre elle fazer um estudo no SULFATO DE SODA. 5 mais completo, liabilitando-me assim para poder suscitar a ideia de uma exploração, que eu presumia ser de tanta vantagem para a in- dustria em geral, e muito particularmente para a prosperidade d'a- quella ilha, que, desde longo tempo, caliio cm grande estado de pe- núria, e cujos habitantes, entregues a uma miserável indolência, pas- sam a vida a esperar que a mão da Providencia verta sobre os seus campos, tão sequiosos como férteis, as bemfazejas chuvas do estio. Só no fim de dezescte annos foram os meus desejos satisfeitos, e ainda assim de um modo bem incompleto. No mez de Janeiro deste anno mandou o Conselho Ultramarino pôr á minha disposição as amostras dos productos naturacs que ulti- mamente recebera de Cabo- Verde, e entre cilas achei a do sulfato de soda, em quantidade bastante para o estudo, mas desacompanhado das informações indispensáveis para poder formar um juizo bem se- guro sobre as vantagens industriaes que a sua exploração e colheita podem trazer á nossa industria e ao commercio de Cabo-Verde. Um ofiicio do Administrador da Ilha do Fogo, dirigido ao Go- vernador das Ilhas de Cabo-Verde, contendo apenas a relação ou lista dos productos remettidos, é o único documento ofGcial que possuo so- bre este objecto. Todavia creio haver adiantado alguma cousa na im- portante questão de que passo a dar conta á Academia, tanto debaixo do ponto de vista puramente scientifico, como industrial ; convencido, como estou, de que ella merece a attençào desta illustre sociedade, que consagra os seus esforços não só ao adiantamento das sciencias especu- lativas, mas lambem ao progresso e aperfeiçoamento do trabalho útil que é a origem da riqueza das nações. Nenhuma das noticias scientificas, que se teem publicado sobre a Ilha do Fogo, contêm documento algum bem claro e authentico da existência e formação do sulfato de soda entre os productos das erupções volcanicas, que cm épocas diversas se teem manifestado na- (juella ilha. Uma única memoria inédita de João da Silva Feijó, na- turalista a quem, no lim do século passado, o Governo incumbio o estudo das Ilhas de Cabo-Verde, c na qual descreve a erupção que teve lugar cm 27 de Janeiro de 178õ, menciona alguns productos, de cuja dcscripção, extrcninuienle succinta c incouiplcla, se pode sus- 6 SIEMORIA SOBRE A PRODUCÇAO peitar que já nessa época o sulfato ile soda apparecia entre as maté- rias 10 :\IEMORIA SOBRE A PRODUCÇÃO entre os produclos do volcào da Ilha do Fogo, scja-mc pcrrnillido aventurar algumas conjecturas para explicar a sua formação. E' bem sabido que o sulfato de soda apparecc cm muitas loca- lidades nào só dissolvido nas aguas, princii)alnienlc naqucllas que couteein o chlorurcto de sódio, mas também elílorescentc sobre os ter- renos ou sobre as rochas. Charles de Gimbernat cncontrou-o nas ga- lerias praticadas em um banco de gesso perto de Muhlingen no Can- tão dArgovia na Suissa, estando os crystacs deste sal associados aos do sulfato de cal, e nào em betas ou bancos intercalados com os do gesso, mostrando por isso serem os dois saes de formação conlcm[)o- ranca, e haverem sido depostos no meio da dissolução em que am- bas simultaneamente se achavam. Cazascca encontrou também o sul- fato de soda em cr3staes anhydros perto de Aranguez em Hespanha nas salinas de Espartines. Não ha muito tempo foram descobertos jazigos importantes de sulfito de soda no Valle do Ebro, nos confins da Navarra e de Cas- tella- Velha, principalmente perto de Lodosa, e hoje é jà este sal explo- rado em Alcanadra e Andozillia. Porem nestas e eni outras circuns- tancias, em que o sulfato de soda se tem encontrado, a sua formação pa- rece ser devida a reacções pela via húmida. Klaproth attribuia a exis- tência do sulfato de soda nas aguas mineraes e na de alguns lagos da Áustria, da Hungria e da Sibéria á decomposição do chlorureto de só- dio pelo acido sulfúrico emanado do interior da terra e proveniente da decomposição das pyrites ou da combustão do enxofre. Berselius reproduzio esta mesma hjpothese nas suas interessantes observações sobre as aguas de Carlsbad. Até agora não temos visto mencionado o apparecimento notável e preponderante do sulfato de soda nos terrenos de origem ignea, nem mesmo entre os i)roductos das erupções volcanicas. O Abbadc Monti- celli na sua monographia das espécies volcanicas do Vesúvio diz que o sulfato de soda se não tem ate' agora encontrado isolado, nem em proporção predominante, nos productos salinos do Vesúvio. ' Assim a sua apparição em quantidade considerável, e quasi no estado de pureza entre os productos do Volcào da Ilha do Fogo, é um fa- cto novo para a sciencia e digno a muitos respeitos da attenção dos sabias. Explicar as condições prováveis da sua formação não ' Soda solfata. — \on si é trovata finora isolnla, o almciio in proporzionc prc- (Inminanle né mcscugli saline M Vesúvio. É per lo piu mcscolata cuii iiuuriati e solfali de aoda c di pota$sa. DO SULFATO DE SODA. 1 1 nic i)arcie coisa muito difíicil, nem é necessário recorrer a hypolhe- ses que as circunstancias locaes nào possam justificar. Eiu muitas das Illias do Arcliipelago de Cabo-Verde apparecem claros índicios da existência de um grande deposito de sal gemma, que se manifesta principalmente pelas fontes salinas das ilhas de Maio, Boa-Vista e do Sal. Apezar de nào haver um estudo completo da geologia do arciíipelago de Cabo-Verde, pôde talvez suppor-se, sem grande temeridade, que esta formação do sal gemma se estende por debaixo da Ilha do Fogo, onde tem sido atravessada nas diversas épocas pelas erupções das matérias abrasadas , que constituiram aquella formação volcanica. Nestas circunstancias o enxofre, que, ar- dendo, se converte em acido sulfúrico em presença do oxigénio e da agua, pôde converter o sal marinho em sulfato de soda, e este arras- tado pelos vapores aquosos vem apparecer na cratera, ou atravessa as rochas para cffiorescer á sua supcrficie. E' esta uma hypothese que ofíereço á consideração dos Geólo- gos para explicar a origem do sulfato de soda na cratera do volcão da Ilha do Fogo ; hypothese concebida longe dos lugares em que o phenomeno se manifesta, e desprovida da observação rigorosa dos fa- ctos que a podiam authorisar. Assim não a quero dar senão pelo que ella vale, e espero que observações ulteriores a confirmem ou corrijam, porque a verdade está nas coisas e não nas opiniões. Todo o efleito tem a sua causa, e quanto mais notável aquelle é, tanto inaior e mais impaciente se mostra a nossa curiosidade em descubrir- Ihe uma explicaç-ào (jue esteja em harmonia com os principios do (]ue nós chamamos sciencia. Esta é a minha desculpa. Do interior da mesma cratera formada pela erupção de 1847 se extrahio outra substancia salina que veio com o iN.° 3, que se encontra misturada com fragmentos do enxofre , e repousa sobre uma camada de cinzas volcanicas, que naquelle lugar parecem ainda estar no estado pastoso, e ainda quentes, e que pelo resfriamento en- durecem sem se aglutinarem consideravelmente, o que me induz a acreditar que esse amollecimento é devido á penetração dos vapores da agua e não a um estado de semi fusão. A matéria salina N." 3 tem um sabor styptico como o do sulfato de ferro ; apresenta uma reacção muito acida ; e é solúvel em grande parte na agua mesmo á temperatura ordinária. Aquecida sofre a fusão aquos;i c emitte os vapores do acido sulfúrico e os do enxofre, que se sublima e pôde recolher-se convenientemente. A dissolução desta substancia, seudo concentrada, deposita os crystaes de sulfato de cal. 12 SIEMORIA SOBRE A PRODUCÇÃO entre os quaes se notam alguns, em pequena quantidade, que são evidentemente de aliimen. Os ensaios qualitativos feitos sobre esta matéria mostraram simplesmente a existência do acido sulíurico e do ferro enj grande quantidade, da alumina, da cal, da soda e \estigios de magnesia. A analyse quantitativa dcu-me os seguintes resultados, referi- dos a 100 partes. (solúvel no II Cl 3,7 21 Resíduo insolúvel na agua | insolúvel no H Cl 4,.'>2| 9,96 { Enxofre 1,72) Acido sulfúrico 39,25^ Alumina 3,2.^ , Protoxido de ferro 13,501 „_ -, ^ , . o nn) 90.0' Cal e magnesia ^,00 j Soda.. 9,75' Agua e perdas 22,29; 100,00 Esta mistura de sulfatos nuo oíTercce grande interesse e por isso nos abstemos por em quanto de fazer a seu respeito mais amplas considerações. Não diremos o mesmo do sulHito de soda, que se pódc tornar um objecto de importante exploração, se se verificar que a quanti- dade em que elle existe é considerável, ou que pelo trabalho das forças subterrâneas successivamente se produz, para vir apparecor efflorescente atravez das rochas que formam a cratera do volcào. Depois que Lcblanc crcou o processo, justamente celebre, para a fabricação do carbonato de soda artificial, a producçiio do sulfato desta base, matéria prima daquelle processo, ficou sendo uma das operações de maior importância na cbymica industrial. É decompondo o sal marinho pelo acido sulfúrico que este sul- fato se obtém ; mas esta decomposição, na grande escala em que a re(|uer a fabricação da soda, é acompanhada de inconvenientes que d iíVicuI tosa mente se vencem, quando se não seguem rigorosamente as boas praticas 'que a sciencia tem ultimamente aconselhado. Estes in- convenientes nascem ])rincipalmente do desenvolvimento do acido chlorhydrico, cnja condensação e dispendiosa e difficil, e requer apa- relhos complicados, sempre sugeitos a deterioraçiio em um trabalho per- DO SULFATO DE SODA. 13 manente e que tem por fim produzir grandes massas de sulfato de soda. Por estas razões as fabricas de jjroduclos chvmicos, em que se pratica o processo de Leblanc, não sào toleradas nas visinhanças das povoações, e até são malquistas nos campos em que floresce a agri- cultura, porque, (juando se deixa perder o acido clilorhydrico que se Psca[)a dos aparelhos, impregna-se a atmosphera com os vapores cor- rosivos daquclle acido, e as plantas, que elle banha, dclinliam e aca- bam por morrer. Outro inconveniente, que acompanha tanrbem a fabricação arti- ficial do sulfato de soda, provem da necessidade de produzir quanti- dades enormes de acido sulfúrico, que demandam a construcçào de aparelhos colossacs, e conserva tributários da Sicilia, pelo enxofre, os fabricantes de quasi todos os paizes industriacs da Europa. Todas eslas condições desfavoráveis á producção artificial do sul- fato de soda despertaram desde longo tempo no animo de alguns chymicos o desejo de haver aquclle sal por meio de processos mais conunodos e que não fossem acompanhados dos mesmos inconvenien- tes. Mv. Balard tentou extrahi-lo das aguas do mar, onde elle não existe formado, mas que encerram tudo quanto é necessário para o jiroduzir, e já creou, e poz cm pratica industrial um trabalho nie- thodico de exploração das marinhas, que fornece quantidades avulta- das de sulíato de soda crjstallisado, e cujos resultados tendem a ge- neralisar-sc. Este trabalho roípier condições especiaes de temperatura, c mais (|ue tudo boa e inlelligente direcção na applicação das regras, o que obsta até certo ponto á sua geral adopção por todos os pos- suidores de marinhas, que na maior parte dos casos, e principal- mente no nosso paiz, não se acham habilitados para comprehender nem os processos novos nem as suas vantagens, e que por indolência própria vivem aferrados ás velhas rotinas, com uma constância digna de melhor causa.. O Sr. D. llamon de Luna, jovcn professor de chvmica em Ma- drid, tenta pela sua parte aproveitar o sulfato de magncsia, de que ha grandes depósitos na parte central da nossa Península, para o substituir ao acido sulfúrico, decompondo por meio delle o sal mari- idio em presença de uma temperatura elevada, e obter assim por módico preço o sulfato de soda. Por mais felizes e bem combinadas que sejam estas c outras tentativas tendentes todas ao mesmo fim, nunca cilas poderam lutar com a producção natural do sulfato de soda fabricado pelas forças gigantes <[ue no interior da terra promovem as reacções mais pode- 14 MEIMORIA SOBRE A PRODUCÇÃO rosas de que nascem ao mesmo tempo as rochas igiieas que endure- cem á superfície da terra, e os sacs (jue a agua dissolve. A producçiio do sulfato de soda no Yolcào da Ilha do Fogo pôde bem coniparar-se ao trabalho de um gigantesco (orno de sul- fato alimentado e governado pela poderosa mào do Creador para fa- cilitar aos homens a matéria preciosa com que elles devem fabricar tantas cousas úteis c tantos prodígios darte. Se a existência ou formação successiva deste sal se realisa em grande quantidade no Volcão da Ilha de Fogo, o que muito bem pôde acontecer, será esse, não só um facto novo para a sciencia, mas também uma origem de fortuna para os, até aqui deploráveis, habi- tantes daquella ilha, um grande alimento para o commercio de Cabo-Verde, um poderoso recurso para a nossa industria chymica, e para mim uma grande satisfação em haver concorrido para o fa- ler conhecido da Academia e do meu paiz. Lisboa 20 de Marco de 1850; Júlio Máximo de Oliveira PimciiUl. DO SULFATO DE SODA. 1 5 TERCEIRA COPIA DO OFFICIO yUE ACOMPANHOU A REMESSA DOS PRODUCTOS VOLCANICOS DA II.HA DO FOGO. Administração do Concelho da Ilha do Fogo. — 111."'" Sp. Rc- metto a V. S.*, para o fazer presente a S. Ex." o Sr. Conselheiro Governador Geral da Provincia, três saquinlios e um pequeno em- brulho de N." 1 a 4 com productos do volcào, que se me exigio em ofíicio N.° 63 de 27 de Abril ultimo. O saco N.° 1 leva um sal que !ia na cratera que formou a erupção de 18i7, cuja metade da parede está rebocada com o dito sal, uma pc(|uena jiorção depositada em baixo, que parece cai da parede, que ter.1 de altura 80 a 100 palmos. O N." 2 leva uma pequena porção de acido, producto que co- lheram dentro do volcào em uma pequena planicie, que ha dentro do mesmo volcào. O N.° 3 leva enxofre misturado com terra colhida igualmente no dita planicie, e debaixo do enxofre apparece uma lama negra c molle, quente, que depois de fria toma-se dura, cujo producto vai no embrulho debaixo do N.° 4. O que se colhe dentro do volcào é tudo quente, e as paredes da grande cratera fumegam constantemente, e desce-se para baixo por ruins caminhos e com perigo de vida ; e os I)roductos em pequena porção, excepto o sitio onde i)roduz o (jue vai no saco N." 1 : ali nào ha perigo algum e segundo as informações que me deu o Regedor da respectiva parochia a quem mandei ao sitio, por ir; se se explorar, a quantidade será grande. Logo que possa, irei ao sitio ver, tanto pra informar com conhecimento de causa como jiara ver se ha mais alguns productos. Deos Guarde a V. S.', Ulia do Fogo 2.} de Maio de 18.^.'». — IH.™" Sr. Secretario Geral do Governo da Provincia. — Assignado, o Administrador do Concelho, Joào Gomes Barbosa. — Está conforme. — Secretaria do Governo Geral na Villa da Praia 30 de Junho de 16 MEMORIA SOBRE A PRODUCÇAO 1855. — O segundo Ofiicial interino, servindo de Secretario Geral, Joaquim da Silva Mattos. — Está fonromic. — Sccrclaria do Conselho lUlraniarino cm 18 de Janeiro de 185G. — José Narciso Ferreira de Passos, Chefe da 2." Repartição. DO PICO DA ILHA DO FOGO. t T MEMORIA •SOBRE A VLTI.MA ERtrCÃO \OLCANICA DO PICO DA ILHA DO FOGO SUCCEDIDA EM 2Í DE JANEIRO DO ANNO DE 1785, OBSERVADA E ESCRIPTA POR JOÃO DA SILVA FEIJÓ, NATURALISTA (JVV. FOI ENCARREGADO POR SUA MAGESTADE D<) £XAHE PIIILO.SOPHICO DAS ILHAS DE CAIiO-VERDE. LISBOA 1797. Tídíinu» tindantem ruptis fomaciha Minam, Flammarum que glohas. Uquefacla vohere laxn. VIBG. GEORG. L. 1.° V. 472. PREFAÇÃO. r ARECE (|ue a Providencia, pela paixiio que tenho ao estudo da Mineralogia, quiz benigna satisfazer a meus desejos, mostrando-me o horrível espectáculo de uma erupção volcanica na continuaçiio de minhas viagens pliilosophicas : até ali parecia-me que pela liçào dos mais celebres contempladores da natureza tinha adquirido assas idéas para comj)rehondcr a theoria da Physica Subterrânea, e discorrer so- bre as diiícrentes producçòcs, que constituem o estudo da Mineralo- gia, particularmente a Volcanica; porém dcsvanecerain-se as minhas presumpções á vista do tocante quadro, que ella me fez ver na ulti- ma erupção do Pico da Ilha do Fogo, succedida em 2i de Janeiro de 1785.' Que pintura eu não traçaria hoje, se soubesse manejar o deli- cado, e subtil pincel de um Pindaro, ou de um Virgilio! os horro- rosos urros, e estampidos no interior das montanhas da Ilha, que fe- rindo os ares, faziam tremer toda a terra ; as aberturas de multiplica- das bocas, que a cada passo se abriam vomitando com fúria as mais vi- vas, c ardentes chammas, parecendo quererem incendiar lodo o Uni- verso ; os corpos de diflbrentes tamanhos, involvidos em negro e es- pesso fumo, que cxpellidos do interior do Pico, e subindo ás nuvens, mostravam atacar os Ccos, e apagar a luz do Sol, cahindo depois na MEU. DA ACAD. 1 .' CLASSE T. 11. P. I. O 18 MEM. SOBRE A ULTIMA ERUPÇÃO VOLCANICA mesma fornalha subterrânea ; os tocantes, c enternecidos clamores 1I05 espavoridos habitantes , que pensavam ser o ultimo , e desgraçado termo de suas existências ; o espanto dos outros animaes, <|ue sem tino corriam precipitadamente a escapar á vida ; a diversidade em fim de producções, que depois se deixou vèr, servindo umas de ornan)ento o "mais \istoso e mosaico, das grutas c cavernas, e outras de formalizar novos terrenos etc. ; dando nesta variedade de idéas vastissimo campo ás serias contemplações do Philosopho ; todas estas vistas, digo cu, se- riam sem duvida sufficientes para o mais vistoso, e curioso quadro; po- rem satisfeito em cumprir com os deveres de fiel observador, passo a re- latar o mais claro que me for possivel, quaes foram os phenomenos, e j)roducções desta nova erupção, c qual seja a utilidade que delias po- der-se-hia tirar com vantagem do Estado e daqucUes miseráveis insu- lares : tal é o objecto do seguinte discurso, a que chamo Memoria so- bre a ultima erupção do Pico Volcanico da Ilha do Fogo, para servir de supplcmento á historia philosophica da mesma Ilha, e de Índex á pequena coUecçào das amostras das mesmas producções, que eu tenho hoje a honra de offerecer para o Museu da Real Acade- mia das Sciencias, como o mais diminuto signal de meu agradeci- mento, na certeza porem de merecer de tào sábio, illustre e rcs- peitaTel Congresso Veniam pro Laude^ DO PICO DA ILIIA DO FOGO. 19 MEMORIA SOBRE A ULTIMA ERUPÇÃO VOLCANICA DO PICO DA ILHA DO FOCO. § 1- O Pico volcanico da lllia articular, ou os ditVorentcs gazes dilatados (productos da decompo- sição do ar e da agua, por ac|iiellc mecanismo natural pela absorvi- ção de seus oxigencos) circulando opprimidamcntc no centro daquella fornalha, e correndo por onde menos resistência encontravam, loram abrindo por toda aquella montanha ate ao mar, de espaço em espaço, da parle de L.N.E. diversos rombos, por onde sahiram torrentes de logo, inuDcnsa (piantidade de lavas, umas queimadas, e outras der- retidas, cinzas c fumo, que levados ao ar faziam escurecer todo aqiiellc circuito, sendo para notar o nào correrem estes fluidos para o lado opposto, onde se diz Monte dAipo, em que se encontram an- tigas ciaitras, que íoram abertas na antecedente erupção do anno de 1769. § 5-° Justamente na base do Pico da parte de leste, aonde chamam os naturaes Monte de Lorna (outro antigo monticnlo, c cratera vol- canica) se abriram as principaes, e as mais profundas bocas, pelas quaes sahio a maior força, e quantidade do incêndio e de lavas, que deram origem a quatro novos montes immediatos uns aos outros, junto ao Pico, e na mesma direcção. Estes novos montes (§ 5.°) também se abriram verticalmente, e lançaram de si immensa quantidade de lavas, as quaes descendo pelo lado de L.S.E. se dividiram em duas como ribeiras de fogo, das quaes foi uma entulhar um grande, e profundissimo vallc chamado Ribeira lie Anloninha, e outra passou a alagar um dilatado plano inclinado dc- Jiominado Relva, onde haviam algumas casas e plantações de algodoei- ros, vinhas etc. , ficando a maior parte servindo de alicerce á mesma lava. % -■" As que foram expellidas das bocas, que se abriram da parte dtj L.N.E. desije o n)onte denominado de Domingos Fernandes, ale outro junto ao mar, que se diz de João Martins, inundaram também muita DO PICO DA ILHA DO FOGO. 21 porção de terreno, c as que sahiram da ultima boca em João Marlins, foram até entrar pelo mar dentro mais de vinte lanças, fazendo ali na- quella costa, onde antes era uma enseada com o fundo de quatro para cinco braças, uma [Kínta de pedra queimada assas alta. §8, Até aqui são os phcnomenos observados nesta erupção, que du-- rou até 25 de Fevereiro seguinte, sendo a sua maior violência nos primeiros sete dias suceessivos, continuando com tudo o fogo, ainda que mais central, porem sempre bem sensível, particularmente nos quatro novos montes !% 5."), em que é intcnsissimo o calor, na super- licie do terreno, e nas suas bocas, as (|uacs são. como a do Pico, cUi- pticas, c terminadas inferiormente como um funil. §9." A matéria que geralmente tem sido expulsada, parte é uma Fava; preta, pezada e cheia de pequenos buracos, vitrificada, e com alguns eristaes de Schorls embutidos (amostra N." 1) constituindo uma co- mo jicdra agre!rae/a ; tal é a (|ue tem corrido principalmente pelo sitio da Relva (§ C"), e que junto com outra sorte mais vitrosa, preta, pezada e sem eristaes de Schorls. tem entulhado a Ribeira de Antoninha (§ G.") em massas enormes (N." 2) : outra sorte de lava veio também em estado de fluidez, correndo porem lentamente, á maneira de metal derretido, formando no seu curso grossos bancos, em ondas, ôccos interiormente, constituindo dilatados canaes, c abo- badas de seis até oito palmos de altura sobre dez para doze de lar- gura ; tal é a lava (N." 3) que sahio dos montes, que correm de Do- mmgos Fernandes até João Martins, a qual tanto mais central mais- densa, compacta e dura se observa a sua massa. $ LO." Por cnlre estas (§ d") se encontra outra sorte de lava (N." I) como >idro fundido, semeliiantc ua sua còr c grão, á do N." 2 ; e 22 MEM. SOBRE A ULTIMA ERUPÇÃO VOLCANICA |ior cima de todas estas sortes ainda correo outra tambcm preta, po- rem mais leve, espumosa, e cm iónna de escora mctallica (N.° 5), clloito, que parece provir da compressão do ar no sen interior, o qual constituindo no meio desta torrente de lava grossas hollias, veio de- pois a fazer a sua superfície áspera, cavernosa, desigual, e a massa mais leve; esta lava, que á primeira vista se assemelha a matéria dos cadillios do Alemanha, foi formando no seu curso varias confi- gurações curiosas. §11.» As bocas, que se abriram no Monte de Domingos Fernandes, são interiormente revestidas de vistosas configurações de lava tofacea vermelha e preta (i\.° 6), efleilo talvez procedido de haver ali sido o fogo mais activo, e mais durável. § 12." As matérias, que foram expellidas, quando o Pico se abrio (§ 3.") são, parle uma escora preta, friável e miúda (N.° 7), parte outra escora mais grossa e de diversas cores (N." 8), parte finalmente umas pedras em grossos pedaços, leves, porosas ; e no interior cheias de huracos á maneira de um favo de mel, e denegridas (N.° 9), que parecem ser uma espécie de pomes extremamente alterada pela violência do fogo. § 13." A lava, que formou os quatro novos montes (§ 5.°), e uma conglutinaçào de escoras mais ou menos grossas , e compactas , tintas de o.rú/e de ferro como as tofaceas (§ 11." N." 6 e iN.° 10): o primeiro destes montes, tem uma parte desta escora sustentada so- bre grossos bancos da lava preta e jwzada (§ 9.° N.° 3) que formam uma grande abobada, fendida por infinitas partes. % 14." Por todas as bocas destes novos montes sabiam de espaço em espaço golfadas de intcnsissimo calor e cheiro forte e suflocante de DO PICO DA ILHA DO FOGO. 2Í enxofre, cristal izando-sc eslc pelos buracos das pedras e cavernas, oní linissinias agullias (N." 11}. í5 i-^." Toda a superfície do primeiro destes novos montes, o imnic- diato ao Pico, é coberto de uma terra amarellada (N.° 12), que á primeira vista parece ser jmro enxofre, a qual penso ser um sulfato calcarco com mistura de alg'umas partículas sulfúreas. § ic.° Nesta terra (§ 15."} se encontram pedaços de pedra pomes brancos, aniarellados e porosos como caramello N." 13), e outros de uma lava ou basallc, pezados, e de cstructura lamellosa (N."14j, em cujos inlerslicias se notam cristalizações de purissimo enxofre. § 17." Nas grntas e cavernas dos mesmos novos montes se nota este enxofre (.§ 10.") virgem em grossas massas, pendentes pelas aboba- das e paredes, formado i)ela lenta sublimação dos vapores sulfúreos (N.° 15), que i)or ser ali o calor mui forte solTre uma continuada alternativa de cristalizarão e dissolução. % 18." Por baixo da camada da terra amarellada (§ 15.°) na profundi- dade de dez para doze palmos corre imi banco ou estrado de escora* conglutinadas, mais ou menos, com a mesma terra," e cinzas SJ^ 16 e 10), em (jue lambem se observa muita porção de enxofre puro. § 19." Também se encontra pela superficie do terreno desses novo» montes, c pelas fendas dos seus bancos de lava, immensa qnanlidade 24 MEM. SOBRE A ULTIMA ERUPÇÃO VOLCANICA du caparrosa (sulfato de ferro), (N." 17), ca maior parte com mistura de pedra limiic ^sulfato de alúmen). § 20." Em o jirimciro daquellcs novos montes se cneonlram duas sortes deste sulfato (§ 19."), uma em espumas pelas fendas das la- >as (N.° 18), e outra como uma terra arcenta c esvcrdinhada, a (jual contem uma grande porção de sulfato aluminoso. que se ma- nifesta em uma cfllorescencia branca (N.° 1!)), not:indo-sc pelo inte- rior A-eios de oxido de ferro com sabor vitriolico (N.° 20). § 21." Esta mesma caparrosa se encontra em abundância guarnecendo as l)oras dos últimos dois montes novos, e unida a uma incrustação cal- carea, que cm muitas partes se mostra revestir em grossas capas in- sipidas o interior das mesmas crateras (N." 21). §22." Entre as lavas, que foram inundar o sitio da Relva (§ G."), se observam pequenas poças de sal marinho coalhado (N."22) produzido sem duvida da agua do mar, (pie juntamente com ellas foi expulsada na erupção, o que faz persuadir da communicação do mar com este volciSo. § 23." Finalmente outras substancias salinas ammoniacaes e mistas, se encontram pelas cavidades das lavas (i\.°' 23, 24 e 25) nolando-sc entre ellas um muriate ammoniacal de sabor mais urinoso com mis- tura de magncsia, o qual se sublima pelas abobadas, fendas e ca- nacs subterrâneos á proporção que o calor se extingue nas lavas (N.° 26), producto, ou (como se pensava ultimamente, antes da re- volução chimica) da combinação do acido marinho, proveniente da decomposição do sal marinho . como alkali volátil , produzido da Iransmutação do alkali mineral pela união com o acido pbosphorico do DO PICO DA ILHA DO FOGO. 25 fogo ; OU (como SC persuadem hoje os novos chimicos) da combina- ção do acido muriatico, ou marinho com o ammoniaco, resultado da união do hidrogeno de agua com o azote do ar, decompostos pela absorbiçáo de seus oxigenes pelos combustíveis incendiados no acto da inflammação subterrânea. A verdade porem só Deos a sabe ; visto (|uc a Natureza sempre reservada em seus trabalhos, ordinariamente só nos mostra resultados, occultando-nos os meios e modos de os con- seguir. Tanta e a incomprehcnsivel sabedoria do Grande Arcbitecto do Universo, que obriga ao rebelde, pela contemplarão de suas obrasj a beijar a Mão que cria, ordena, c conserva toda esta Grande Ma- china, que se chama Mundo Pbysico. § 24.° Todos sabem os usos que tem cada uma destas producções volca- nicas nas Artes, e Manufacturas, particularmente o enxofre, a pedra hume, a caparrosa, c o sal ammoniaco ; o primeiro por ser o principal ingrediente da pólvora, e o que por uma operação hoje mui sim- ples, produz em abundância o acido vitriolico de tanta importância em muitas artes, e não sendo os três últimos de menos consequência, e apesar da pouca que tem mercantil, comludo não deveriam ser des- presadas, sendo indigenos, visto que, para a sua actual demanda, st; faz sahir de Portugal a favor dos estrangeiros uma porção de di- nheiro, quando a natureza providenle, com mão liberal no-lo olVe- rece em proveito geral da Nação, e particular de uma porção de ho- mens, que nada tem de recurso em seu árido c scceopaiz, que a espe- rança de opportunas chuvas para terem de que se sustentem, pos- suindo aliás este, em cujo proveito, quando menos, se occupariam lu- crativamente augmentando assim o commercio nacional com mais um ramo activo cm utiUdadc daquella desgraçada Colónia. DISSE. MEMORIA SOBRE A CABRA-MONTEZ DA SERRA DO GEREZ APRESENTADA E LIDA Á 1.' CLASSE DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS PELO SÓCIO J. V. BARDOZA DU BOCAGE. NA SiaSÀO BE 16 DOUTUBRO DE 1856. MEMORIA SOBRE UMA ESPÉCIE NOVA DO GÉNERO CAPRA. L. A CABllA-MONTEZ DA SEKKA DO GEREZ, EM PORTUGAL. N. U fauna da Euro])?. ligurain lioje, geralmcnlc admillidas pe- los naturalistas, trcs espécies authenticas de cabra-montez. Siio: 1." a cabra-montez dos Alpes, Capra ibex Lin. et Erxl. , que o celebre Palias confundia com a cal)ra da Sibéria, Ciipra Pallasii, por não acbar, na descripção incompleta então publicada por Daubenton, ca- racteres sufTicientes de di(l'erenciaçào, mas que depois dos escriptos de Bcrtliout van Berclicni ' se considera, c com rasão, como uma espécie distincta ; 2." a cabra-montez dos Pyreneos, Capra pyrcnaica Scliinz. , conbecida desde 18.J8 por uma memoria de Schinz ^; 3.° a cabra-montez das mantanlias da Andaluzia, capra hispânica Schim- pcr, dcscoixjrla pelo illuslre Conservador do Museu de Strasbourg na ' llislnirn pi Mcmoircs de la Sncieté cies Sciences Physiques de Lausanne, T. Í2. 17S9: — « Dcscriplion et liistnirc naturellc du liouquetin des Alpes de Savoye p.ir BerthdUt van Bcrchcm. » ■ 2 Nouvc.mx mcmoiros de la Sociclc hclvclique d'liisloire nalurelle. Npiirb.ilol 1838. K disiriprrio piililirada por Schiiu é obra de Bruch, c feita sobre «s exempla- res que possuc o Musco de Ma vence. 1 . 4 MEMORIA SOBRE A CARRA-MONTEZ sierra-nevada e sierra-de-ronda, durante a sua recente viagem pelo Sul de Ilospanlia. Esta ultima cspccie, conlicccmol-a tão somente pela dcscripçào aiibreviada (juo Diivonioy comuumicou cm nome de Schinípcr á Academia das Sciencias de Pariz em scssào de (í de Março de 1848 '; nem nos consta que acerca delia se tenlia ulte- riormente piddicado noticia aig^nma mais circunstanciada. ^ Alg^uns naturalistas, cuja opinião é de muito peso na scicncia, teem apresentado a idca de que as cadcas de montanhas de certa elevação se hão de encontrar na generalidade habitadas por Cabras- montezcs, e (pie estas, por um estudo attento e comparativo, virão a ser referidas a espécies distinctas. Ora esta opinião, a que deram vulto as descobertas da C. pyrenaica e da C. hispânica, achará mais um argumento favorável na Cabra-montcz da serra do Gerez, se, como julgamos, esta se dever elTectivamenlc admittir na Fauna da Europa com as honras de espécie distincta. No presente trabalho procurámos deixar pelo menos bem caractc- risada a espécie porlugueza, por modo que fique sendo uma verdadeira acquisição para a scicncia. Para a nossa descripção consultámos attcn- tamente cinco exemplares, um macho e quatro fcmêas, que perten- cem ao Museu de Lisboa e á acanhada collecção zoológica da Eschola Polytechnica. Estes exemplares capturados na serra do Gerez em 1852 por fins da primavera, segundo cremos, foram ofTerecidos áquel- les dois estabelecimentos por um Joven Monarcha, que pela cultura das sciencias naturaes illustraria o paiz, em que nascco, se a Provi- dencia lhe não reservasse, dando-lhe um throno, uma missão mais sublime e gloriosa. Dos exemplares que possuímos, o macho sufficicntemente adulto, de quatro annos completos, fornece uma caractcristica satisfactoria ; as feraèas são de diflerenles cdades, de um, dois e três annos. Com estes materiaes não nos reputamos habilitados para escrever a his- toria completa da espécie, nem a isso nos abalançamos ; pretende- mos Ião somente fazer admittir a existência duma espécie distincta ' Compus rcndos. T. XXVI. N." 10, 1SÍ8. * A cabra liispanira \\\k taniliciii na Ciislella nas sinrras (hi Rarcn c ãc Grfãns. Encontramos csla indicarão na jiailo zoológica da o memoria que coniprcndo cl rcsu- men de los Irahajos mtí ficados cn el afio de ISol por las dilTcrcnles secciones cncar- gadas de formar el niappa gcoloí-Mco de la pro\iiicia de Madrid ele. » mas não aclianios ali uma caracicrisliea mais perfeila dcsla espécie, cuja descoberta o auclor desse tra- ballio D. Mariano de Ij Paz Graclls allribiie egnalmenle a Schimper. DA SERIIA DO (JKHEZ. 5 fias aclualineiUe conhecidas, e esperamos <[iie nos darão razão os na- turalistas (|ue nos fizerem a honra de lèr o trabalho modesto que su- jeitamos ao seu exame. Deícripção elo macho. A estatura e dimensões do macho toma- das no nosso exemplar sào inferiores ás da C. pyrenaica, calcula- das por liruch sobre o exemplar mais adulto do Museu de Mayence. A cabra-montez de Portugal apresenta da extremidade do focinho á da cauda 142 centimctros, altura á cernelha 7 3 centímetros, al- tura á garupa 78 centímetros; em quanto cpie a C. pyrenaica, o macho, tem da extremidade do focinho á da cauda lõí centí- metros, altura á cerneliia Sfi centímetros, altura á garupa 90 cen- tímetros. A cabra-montez do» Alpes leva-lhe também decidida van- tagem na corpulência : só a capra hispânica, que Schimpcr compa- ra vagamente na estatura e prí)porções ao lieden ou C sinaitica llempr. et Khrenb. , é cpie parece aproximar-se mais da nossa. O corpo do animal mais elevado posterior do que anterior- mente, caracter que lhe e conunum com as outras espécies, é es- vclto e ao mesmo tempo robusto. Os membros sào desenvolvidos e fortes. O pescoço, quanto é possível julgar por um exemplar mal em- jialhado, ])arecc comprido e estreito. A cabeça e de mediana gran- deza, mede 2b a 26 centímetros da extremidade do focinho á nuca, apresenta na face anterior iuna convexidade bem pronunciada logo j)or diante dos chifres, e vae estreitando successivanientc para o fo- i'inho. Os olhos, segundo nos afllrma pessoa ([ue examinou de perto o animal vivo, são volumosos, salientes e brilhantes, com a iris parda e a pupilla mais escura. Na parle superior e lateral do tronco, na íace externa dos membros c nos lados do pescoço domina un»a côr geral ilum pardo tinto de ruivo, mais carregado em tom no tronco e membros do que no pescoço. Os pèllos destas regiões sào cinzentos até uma pequena distancia da extremidade, só nesta é que apresentam a côr pardo-arruivada (|ue apparece. Nem no exemplar do macho, nem nos das femêas achamos in- dicio algum das riscas negras, dorsal e lateraes, que vêem indicadas luis descripções e figuras das outras espécies europcas. Voltaremos ainda ao exame desta circunstancia. Todo o ventre, o bordo inferior do pescoço, o peitoril c a parle interna dos membros sào mais claros : com a ditTercnça porem que no ventre c parte interna dos membros se encontra uma còr imi- forme d'um branco sujo amarcllado, orlada de amarello (juasi ruivo nus limilcs da còr pardo-ruiva do tronco, onde os pèllos se mostram o MEMORIA SOBRE A (.ABRA-MOINTEZ mais coniprúlos ; em (jiianto que nas outras regiões se junUi á còr amarei lada um to(|uc mais ou iiiciios carregado de pardo. A caberá e na lace anterior dum pardo arruivado mais escuro (|uo o tronco, por elVeito da mistura de alguns pèllos negros ; estes sào mais numerosos na jiarte superior, por diante e entre os cornos. A còr das faces lateracs da cabeça confunde-se com a das taboas do pescoço, á excepção dum circulo completo em volta dos ollios, d'uma man- cha irregular e extensa por baixo das orelhas, c da extremidade do focinho, que sào de còr amarellada. Sào igualmente desta ultima còr os pèllos compridos, que guarnecem internamento as orelhas. No occiput, logo atraz dos cornos, nota-se um redemoinho de pèllos mais compridos quasi inteiramente negros ; e d'alii se estende ate á cernelha, como acontece na C. sinailica. uma crina bem ap- •parcnte, formada de pèllos eguaes na còr aos do dorso, os quaes se inclinam um pouco para traz, e deixam em evidencia a porção tinta de cinzento, que, por occupar a máxima parte do pèllo, fica dando o tom dominante á crina. Os pèllos da crina augmentam em compri- mento da nuca Á cernelha ; na sua ultima porção medem de 8 a íí centimetros. Tanto pela direcção como pela còr dos pèllos, a crina deslaca-se perfeitamente do bordo do pescoço onde eslá implantada. A face anterior dos quatro membros è negra. iNos anteriores a còr negra começa do casco, estende-se aos machinhos, deixando por baixo destes um espaço de còr amarellada bem distincto, e vae de- pois estreitando suavemente para cima até pequena distancia do peito, aos trcs quartos proximamente da região do antebraço, onde termina formando ponta. Nos membros posteriores a còr negra forma, infe- riormente, um desenho absolutamente igual ao dos membros anterio- res; termina porém mais cedo, logo acima da prega do curvilhão, sem se estreitar tanto. Da distribuição das cores, bem como das proporções e dimen- sões das partes, far-se-ha uma idca exacta consultando-se a Est. 1, que representa o macho reduzido a ■; do tamanho natural. A barba, ([ue julgamos privativa do sexo masculino, e no nosso exemplar curta, com alguma, pouca, mistura de pardo ; nasce a 7 centimetros da extremidade do focinho, c mede apenas 28 millime- tros de comprido. ' Os cornos fornecem o caracter differcncial de mais valia pela direcção, forma e dimensões que apresentam. ' Vede — Est. 2.', (is. 3." DA SKiVRA DO GEIVKZ. 7 São na base (|uasi conligiios, c elcvam-sc quasi rectos soljrc a cabeça ; dirigeni-se primeiro jiara cima inclinando-sc ligeiramente, c ao mesmo tempo, para traz e para lóra ; aos três quartos, proxima- mente, do seu comprimento inclinam-se directamente um para o ou- Iro. Daqui resulta (jue, examinando-se pela frente o animal, os dois cornos arremedam com bastante exactidão a íigura de uma mitra col- locada quasi verticalmente sobre a cabeça. ' Os cornos são triangulares na base, o ensiformes na extremi- dade ; a íórma triangular cortserva-se bem distincta ate um pouco mais dos dois terços do corno. Na sua primeira e mais extensa por- ção contam-se portanto três faces e três bordos ; e destes, dois são sa- lientes, um rliombo e pouco pronunciado. As posições que oecupani as laces e bordos, bem como a direcção do corno, dependem d'um movimento de torsâo de dentro para fora, que elle começa a exjieri- nientar desde a base, e que só acaba na parte onde ha a convergência directa de um para o outro, isto é, onde começa também a jiorção cnsiforme. Com efíeito : das trcs faces uma começa por ser interna inferiormente, vai-se tornando successivamente anterior, e e esta a jiosição que toma definitivamente na porção terminal do corno; deve chamar-se face intcrva-antcrior. Outra, anterior na base, torna-se de- pois externa, e confunde-se na porção uniforme com o bordo evtcrno desla parte do corno, será a face anlerior-exUrna. Finalmente a ter- ceira face, exclusivamente jjosterior na base, parece participar menos (jue as outras duas do movimento de torsão de que falíamos, comtu- do também se torna um pouco interna, c na parle ensifornie vae constituir, decompondo-se, o bordo interno e a face posterior ; cabe- llie a tlcsignação de face posterior. Destas (áces a primeira, ou lace interna-anterior, é concava, em fornia de telha, nos dois terços do corno ; as outras duas são convexas em quanto o corno conserva a forma triangular. ^ Entre as faces interna-anterior e anterior-cxtcrna (ica um bordo saliente, que se pronuncia sobretudo do lado da primeira ; é o iordo anterior. Os limites entre a face interna-anterior e a posterior, são também perfeitamente indicados por Tiin liiete elevado, o qual apre- senta em toda a contiguidade com a ultima face um sulco longitudi- nal ou goteira funda e apparente. A fig. 2." da Est. 2.* dá uma per- ' Vide Esl. 1. — e Est. 2. Hr. 3. ^ Vide Esl. 2. lig. 1. i> 1. 8 .^IICiMOKlA SOBRE A CAliRA-MONTEZ feita idea desta disposiçào característica. Pela sua posição deve clia- iiiar-se a este bordo-intirno. Entre a Cace anterior-externa c a posterior não se encontra ne- nhuma aresta saliente que as extreme ; todavia e possivel pela inspec- ção do corno reconhecer os limites de cada uma delias. Tanto o bordo ou aresta anterior, como o (ilete interno vão morrer próximo da porção ensiforme. Nesta, as duas faces são rigoro- samente uma anterior, outra posterior, ambas planas e parailelas : os liordos, um externo que se continua com a face anterior-externa, ou- tro interno formado pela face posterior, são ambos largos e ligeira- mente arredondados. Os cornos não mostram, como os da Capra ibcx, verdadeiros bordcletes sobre as faces e bordos, fazendo lembrar vistos pela frente anneis enliados a distancias mais ou menos regulares. Apenas nelles se nota, na porção triangular, sulcos transversaes brandamente ondula- dos, deseguaes na distancia reciproca, mas symetricos nos dois appen- diccs. Estes sulcos, mais pronunciados na face interna-antcrior do que nas outras, estendem-se para os bordos anterior e interno, que a limi- tam, cavam-os e recortam-os. A porção ensiforme é lisa, tanto nas faces como nos bordos. Falta-nos indicar as dimensões dos cornos. No nosso exemplar, que é como dissemos um macho de quatro annos, os cornos teem na máxima curvatura 36 centímetros de comprido; a altura é de 30 cenlimetros, a circumferencia na base de quasi 20 centímetros. As iaces medem na base, a interna-anterior 68 míllímetros, a anterior- externa quasi 40 míllímetros, a posterior 78 millimetros. Finalmente a espessura do bordo anterior é de 16 míllímetros, a do bordo in- terno de 1 centímetro. Os cornos não são perfeitamente negros ; a côr delles, difflcíl de indicar mesmo em figuras coloridas, participa do pardo e do azulado. Descri-pção da f anca. A femêa é nesta, como nas outras espé- cies de que temos conhecimento, ' inferior ao macho era grandeza : ' Capra ibcx-Macho altura á cernelha O, '"87 FcmêJ 0.°SÍ Capra pyrenaica-Maoho O, "SC Femêa 0.°7l (Roulin. Dicc. Univ. d'hisl. nal. art. : chèvre.) Capra hispânica — o La fcmcllc csl plus pctile que Ic malc» (Schinípcr. Cumptcs rcndus.) DA SERRA DO GEREZ. n as dimensões tornadas no exemplar mais adulto que possuímos , de •'? annos, são as seguintes : Da extremidade do focinlio á da cauda 1 1 8 centimetros. Cabeça 21 ccnlim. Altura á cerneliia 6G centim. Altura á garupa 71 ccn- tim. As cores sào na fcmea idênticas a's do macho, e semelhantemen- te distribuidas. Só notaremos que é menos carregado o negro da face anterior da cabeça; no mais o tom e desenho sào os mesmos, tanto no corpo como nas extremidades. Em exeniplar algum encontrámos riscas negras, dorsal ou lateracs, nem barba : na fêmea de 3 annos, porem, c só nella acliàmos vcstigios, mui pouco apparentes, de uma crina semelhante á do macho. Este mesmo exemplar offerece a singu- lar excepção de quatro tetas , que parecem Iodas bem desenvolvidas. A fcmea tem cornos, porem estes dilfercm muitissimo dos do macho. São pouco divergentes, quasi parallelos, encurvam-se ligeiramente pa- ra traz e para fora até aos três quartos , donde começam a inclinar- se também ligeiramente un; para o outro. Pelo que respeita á forma, .são nos três quartos inferiores arredondados ou sub-triangulares sem bordos salientes, e por conseguinte sem faces bem limitadas; supe- riormente , no ponto em que começa a sua mutua convergência, são comprimidos dos lados , de modo que se percebem claramente duas faces, uma externa, outra interna, e dois bordos um anterior e outro posterior. Por quasi toda a extensão do corno se notam sulcos trans- versacs completos , menos sinuosos e muito mais superficiaes que os do macho, e também mais regulares na profundidade e distribuição. ' O comprimento dos cornos é, po exemplar mais adulto, de 15 centimetros: os da fêmea de dois annos teem 11 centimetros, e os da fêmea dum anno apenas 85 millimetros. Para facilitar a confrontação da espécie portugueza com as ou- tras espécies europeas, apresentámos reunidos n'um quadro junto os caracteres dinerenciaes de cada uma delias. Comparando a caracter i st ica da Cabra-montez do Gerez com as das outras esjwcies da Europa, inclinamo-nos a consideral-a como uma espécie distincta. Esta opinião, comtudo, é apenas conjectural. Com a Capra ibex é impossivel confundil-a ; basta que se consi- dere a forma diversissima dos cornos, quadrangulares numa, trian- gulares na outra. Delia se distingue também perfeitamente a capra pyrenaica. A descripção publicada por Schinz , auxiliada e interpretada convenien- ' Consultc-so, para molhor intclligcncia do te^lo, a fig. 4.' da Est. 2.' MJEM. D.V AC.\D. 1 .' CUSSC. T. 2. P. 1 . 2 10 .MKMOIllA SOBRE A CABRA-MOMKZ temente pelo dosenlio , embora ass;ís impei^Ceito , que a acompanlia , não j)eriiiitle (|iic as coiiruiulàmos. A não ser a fúrma dos cornos, que é em uinbas as espécies triangular, todus os oiilros caracteres ti- rados destes appendiecs , c alem disso a estatura dn animal, o cotn- j)riinento da barba e a distribuição das cores, tudo as distingue pcr- leitamente. A descripeão resumida da eapra liispaniea, (pie fielmente trasla- dámos para o nosso ma]i[)a, edetodasa menos sal islactoria, e tanto mais que não vem acompanhada de estampa por onde se possa precisar o va- go de certas piírases descriplivas. Do (|ue sabemos porem da eabra-nion- tez do sul da Hespanba. pareec-nos melhor conclusão í|ue lhe nãoe idên- tica a espécie, que habita o norte de Porlugai. Estas duas espécies apro- xiniam-sc de certo bastante na estatura e proporções, c talvez mesmo na grandeza dos cornos ; em ambas teem estes appendices a forma triangular , e mostram-se mui contiguos na base de implantação : comtudo , apesar da descripção de Sciiim[)er ter principalmente enj vista separar especificamente a cabra-monlez das outras duas congé- neres europeas já conhecidas , (igura-se-nos c[uc certos caracteres do mais relevo e importância, (pie indiceímos, entrariam, embora super- abundantes, no esboço descriptivo de Schimper, se este naturalista dis- tincto largamente versado na sciencia descriptiva, os houvesse encon- trado na es[x;cie que introduzio na Fauna da Europa. Não (|ueremos dar importância a certas difTerenças qnc podem ser meramente devidas á estação, taes como a existência e ausência dos riscos negros dorsal e lateraes , a diversa distribuição da côr ne- gra pelas extremidades, a crina &;c. ; mas se comparámos a direcção dos cornos da cabra do Gerez , a disposição de suas faces, e de seus bordos com ocjue nos diz Schimper acerca da direcção c forma des- tes appendices na espécie da Andaluzia '^, parece-nos descobrir diflcren- ças esscnciaes bem sufíicientcs para extremar as duas espécies. Assim : da descripção de Schimper, desacompaidiada do desenho que a illustrc c complete , não podemos concluir que os cornos arremedem na C. hispânica, como na nossa, a ligura d'uma mitra. Demais; nos cornos da cabra hispânica lemos que existe uma aresta cortante (pie olha pa- '^ Eil-a, Icxtu.ilmciUp, a (Icscripriio de Schimper ; »I.cs cornes s'clcvciU droiles siir le froiil, et pres(]iie paralIelemeiU , poiír alors s'cloigners l'axc, el se redresseiil eii(le(.ri\aiil uii demi-lour de spirv. » DA SKllKA 1)0 GEIIKZ. 1 1 la tlenlro, " c vemos iDcncionada .soinenle csla aresta, em quaiilo os da rapra lusitanica tem dois bordos ou arestas salientes, c unia destas, a interna, e marginada por uma goteira longitudinal nos limites da faee posterior '*. Os cornos das duas espécies são de dupla curvatura, por elVoito da torsão que sotVreni ; mas na espécie de Portugal, e só nella talvez, a torsão comera a ler logar da base '% em quanto ([ue na es- pécie da Andaluzia, a jidgar pela descripçào, só próximo da ponta é que descrevem uma meia volta de espira. "" Poderíamos talvez tomar ainda ])or caracter distinctivo a existên- cia dos bordeletes transvcrsaes, que Schimper menciona na descripçào dos cornos da C. liispanica ; porem nem cremos necessário o auxi- lio d'esse caracter, nem nos parece que Schimper dê ao termo lorth- Ictcs (bourrelets) a accepçào restricta em que outros AA. o empre- gam, e que tem verdadeira applicação aos cornos da capra ibex. Os cornos das fêmeas parecem diflerir egualraente nas duas es- pécies. I'arccc-nos por conseguinte, em quanto não obtemos uma descri- pçào mais completa e minuciosa da C. bispanica , que ba vehementes razões para supjwr (jue nem com ella se deve confundir a cabra do Gercz. Das espécies que habitam as montanhas d' Ásia e d' Africa, eque asciencia admittc hoje como sufficientemcnte caracterisadas, extrema- a egual mente a nossa dcscrijiçào. Vamos dar a lista pouco extensa d"essas espécies, c acompanharemos o nome especifico da característi- ca differencial de cada uma d'ellas. Temos : " I .° A cabra montez da Sil)cria [Capta Pallasii). Característica differencial : Ckirnos nos dois sexos. Os do macho de curvatura uniforme mui fechada junto á ponta ; triangulares, edas 3 faces — uma anterior, convexa, com bordeletes mais pro- nunciados no meio do que nas extremidades, — as outras faces lateraes, unidas á primeira e entre si por bordos rhombos. 2.° Cabra-nwntcz do Cáucaso. [Capra Caticasica. Guld.) '^ Schimppr — Inr. cil. » I,i's ninics sonl ptranilcs, cpaissps, prcsquc contigues a Ia base, triaiij^iilaircs, à arclu traiichaiUc Uirígév mts Iv dedans. . . . " Vide Kst. 2.* fig. 2.' '^ Vidr Ea. -i' flR. 1.' " Schimper, loc- cil. . . . »\rrs rcxtrétnilé piles se rcdressenl endecrirant undc- jui-tniir de spirc. » " Vcja-sc uo Dicc. uuivcrscl dhisloirc nalurcllc o artigo Chtirc de Roulin. 2. 12 MEMORIA SOBRE A C.\BRA-MO.\TEZ Cat. dilT. : Cornos nos dois sexos. Os do macho triangulares em Ioda a extensão ; das faces , duas anteriores separadas por um bordo rhoniLo , a terceira posterior e larga. A face anterior-iii' terna tem Lordcletes volumosos, irregulares na forma e posição ; as outras mostram somente sulcos transversaes. 3." O Ileden. [Capra sinaUica C/ir.). Car. dilT. : Cornos nos dois sexos. Os do macho são como os da C. ibex, (juadrangularcs na base, depois triangulares, depois en- siformcs junto á extremidade ; diflbrem porem destes em que a secção transversal na base não representa um rectângulo , mas um quadrilátero , cujos ângulos anterior-interno c posterior-ex- terno são agudos. 4.° Cabra-montez Walie. [Capra ÍValic Rupp). Car. diff. : Cornos nos dois sexos. Os do macho extremamente semelhantes aos da C ibcx, da qual comtudo esta espécie se dis- tingue por uma grande eminência eliptica na parte media da re- gião frontal, e por ter o chanfro muito acarncirado. f)." A cabra-montez ^gagro. [Capra jEgagrus. Pall.) Car. did". : Cornos só no macho, ou então os da fêmea excessiva- mente petiuenos <^). Os do macho descrevem um arco de circu- lo bastante regular , excepto na ponta, onde a curva se estreita mais. Quasi contiguos na base, divergem mui brandamente até aos três quartos , donde convergem até á ponta. Podem-se-lhe distinguir trcs faces ; duas anteriores (a interna plana, a exter- na co?ivexa) limitadas por um bordo estreito , o qual apresenta na sua metade inferior e na contiguidade com a face externa uma goteira bem pronunciada ; a face posterior estreita (Palias dcscreve-a como um bordo) e arredondada. Não tecm bordclc- tes, mas simples rugas sinuosas, que de espaço a espaço engros- são mais e formam feixes, donde resultam nós ou dilatações mais. ou menos visiveis e numerosas. Existe cm ambos os sexos barba, e uma risca negra dorsal,. que começa larga do pescoço e vac estreitando para a (;auda. Antes de concluir este nosso trabalho , entendemos dever men- cionar o que exista anteriormente escripto sobre o mesmo assumpto , tanto mais que não podemos encontrar, digno de menção e original , DA SERRA DO GEREZ. 1 3 senão uma noticia assas resumida e inexacta publicada pelos naturalis- tas alemães Link e HolTmansegg na sua viagem a Portugal " , e que vamos extractar textualmente. » Lanimal Ic plus remarquable quon y rencontre (dans les mon- "tagnes du Gerez), est la chêvre sauvage, três rare dans les autres « montagnes de lEurope [Cnpra .'Egagrus. Pall.) Nous avons vu plu- «sieurs peaux de ces animaux. On tua nième un bouc de trois ans , » dune manière plus roidc et se courbcnt en arrière ; sa queue est » moins longue , le poil en est plus court , plus serre, entremeie de "gris et de brun, et ressemblc beaucoup à celui du cerf; une croix '• noire s'etend sur le dos et sur les epaules. Le male est barbu com- » me le bouc domestique ; la femclle est sans cornes. Nous avons pris » les dimensions exacles de lanimal , (]ui, du reste, est parfaitement » conforme aux descriptions faites par les auteurs de la Capra -Ega- » grus. On ne le trouve nuUe part en Portugal excepte dans ces nion- »tagnes. Je doutt quil y cu est cn Espagiic. Il est impossible dedi- » re avec certitude , si cest la chêvre domestique degénérée et dcve- » nue sauvage , ou si la chêvre domestique en est prevenue. Pour le » present clles sont três diflèrentcs. » " Como se vê, este esboço dcscriptivo não concorda absolutamente com a descripçào que demos da cabra do Gerez ; e mais diverso ain- tla o faz parecer a asserção decisiva que os AA. apresentam de (|ut! este animal e perfeitamente conforme ásdcscripções feitas pelos natu- ralistas da Cjpra ^Egagrus. Temos portanto de analysar as discordâncias dos AA., edc dis- cutir o fundamento da sua diagnose especifica. As discordâncias reduzem-se : 1 ." a mencionarem a existência d u- ma cruz negra sobre o dorso e espáduas , caracter (|ue não descoijri- mos em nenhum dos nossos exemplares ; 2." a aflGrmarem que a lè- «nea não tem cornos. Quanto ao primeiro ponto achámos na Memoria já citada deBer- " Liiik cl IldITmansegg , Vo^agc cn Portugal dcpuis 1797 jusqu'on 1799 — Pa- ris—1 SOS. " I.ink cl IIoITmaiíscgg , Op. cil. , T. 2.°, pag. 2i. Hoje ronhcccm-sc cm Hes- (lanha as duas cspcdcs : C pyrcnaica c C. hispânica, nciihuma cias quacs se confun- de com o «Kgagrus. 14 MEMORIA SOBI\E A CAni\A-M(X\TKZ thout van Berchem uma explicação plausível dcsla (iissi(lcn('i:i , (pir de resto versa sobre objecto «c luiniiua imporlancia ; ahi (le[)airim()s com o seguinte: » Na priuiavcra todas as cabias-inonlczcs dos Alpes mudam de pêllo ; a muda começa pelo pêllo da espinha dorsal, o ui- limo que cae e o das pernas ; a risca dorsal negra dcsapparece duran- te a nnida. » A' vista d'isto e plausível admitlir, cm (pianlo se nãíj jx)de'r melhor verificar, que a risca negra dorsal pode tandjcm aj)pa- reccr e dosapparecer na espécie do Gerez conforme a estação. Quanto, porem, a nào terem as fêmeas cornos, isso e absoluta- mente inadmissível. Possuímos exemplares de 3, de 2 o de 1 anno , e neste ultimo os cornos sào bem apparentes e medem 85 milllme- tros de comprido. Como os A A. nào dizem positivamente que viram a fêmea, acreditámos que escreveram por informação, c que talvez não perceberam bem o que lhes diriam as pessoas da localidade com quem se informaram. A opinião de que á Capra ^gagrus se deve referir a cabra-mon- tez do Gerez é perfeitamente Insustentável : as duas espécies não po- dem de modo algum confundir-se , e para avaliar bem as dlllercnças que as extremam basta confrontar com a nossa dcscripção da cabra do Gerez a característica resumida, que acima demos, do ^gagrus. Não nos empenhámos por forma alguma em irrogar censura aos naturalistas distinctos que acabámos de citar: no tempo em que elles escreveram, a diagnose das espécies em zoologia era geralmente feita com menos escrúpulo e mais ousadia ; e demais não deve surprehen- der (|uc admlttissem , guiados por um exame superdclal, o iEgagrus na fauna do Gerez , sabendo-se que , a exemplo do celebre zoologista Palias, se acreditava então no (piasl-cosmopolitlsmo da Capra JEgn- grus, facto que a experiência ulterior não tem coníirmado. '" Queremos mesmo, já que tivemos de citar as viagens de Link e Hoffmansegg, manifestar aqui o respeito e reconhecimento tpic deve- mos á memoria d'esses honrados viajantes pela imparcialidade exce- pcional com que escreveram acerca do nosso ]iaiz e pela severidade com que castigaram, em nome da moralidade c da justiça, os calum- niadores eméritos, que, sob o pretexto de publicarem relações de via- gem , nos pagam com vitupérios e aíTrontas immerecidas a hospitall- ** Não se conhece ainda hoje bera a circunisciipçâo da pátria dn /Egagrus. Sa- bc-sc, porém, com certeza que hahila na proximidade da Capra caucasica, cqiic pare- ce viver cm montanhas menus elevadas do que osla. Em lodo o cas(,'rvações posteriores dam-lhe, porem, nma elevação pouco inferior a G(M)() jWs , em quanto ([ue Link apenas lhe suppu- nlia 3 a 40(10 pés: é verdade que esta ultima avaliação lôra feita simplesmente a olho, em consequência dos frades do convento do Bou- ro, levados de indiscreta curiosídaile, lhe haverem (juebrado os baró- metros. Segimdo refere o mesmo Link é nas immedíaçõcs do morro do Borrageiro (jue durante o verão se mostram as cabras-montczes : nes- " U.ircmos só uma amostra da indignarão com que Link protesta a cada passo contra ,is injustas a?grissõcs de viajantes inglczes. Faltando dos tialiitantcs do Gerez, evcl.inia ollo; » (Jm- nc pnis je rcdimniander à la l>icnveillancc pul)liqne ces aimabtes liaLilans. que le sol orgiicil des anylais à cou\ert d'inf,imie'. » J. "2.°, pag. 31.) 16 MEMORIA SOBRE A CABRA-MOMEZ sas localidades cae no inverno grande quantidade de neve , mas não persiste ali por muito tempo. < Como é geral cm todas as espécies de cabra-montez que tceiu sido devidamente estudadas , as fêmeas e os machos novos vivem em rebanhos mais ou menos numerosos : os machos adultos, porem, an- dam isolados , e mostram-se frequentemente sobre os picos mais ele- vados è inaccessiveis da montanha , donde parecem contemplar, n ii- nia perfeita immobilidade , os abysmos profundos que lhes ficam em baixo, ou a immensidade do espaço que os cerca num horizonte sem limites. A caça d'esta espécie é , como a de todas as cabras-monlezes , mui difficil e perigosa, sobre tudo quando se trata de perseguir o ma- cho adulto. Pertencem ao Villar da Veiga, a povoação permanente da serra do Gerez que fica mais próxima da região habitada pelas ca- bras-montezes, os caçadores amestrados nesta caca, que exige, a par da muita destreza , uma grande intrepidez. Cremos que, graças aos pe- rigos e difficuldades que encontra , e á falta do incentivo duma re- rauneração sufficiente, se deve o não se achar consummado ainda o ex- termínio total da espécie. Dizem-nos que o macho adulto e solitário é designado pelos ca- çadores pelo nome de Reixélo ; sem comprehendermos a etymologia deste vocábulo, vemos comtudo na primeira syllaba delle a preten- ção de designar o animal como o Rei ou chefe do rebanho, do qual u- .sa ausentar-se, logo que é passada a epocha da reproducção. DA SERRA DO GEREZ. 17 ADDITAMENTO A' PRECEDENTE MEMORIA. Depois de se achar no prelo a Memoria sobre a cabra do Gerez, constou-me (pie o museu de Coimbra possuia alguns exemplares des- ta interessante espécie. Aproveitei , para os ir examinar , a primeira occasiào que se me oíTcreceu opportuna, e vou consignar aqui resumi- damente os resultados desse exame. Sào dois os exemplares , ro|iorcõcs da fo;,ro tinaiti- ca nicnur que o macho. èllo. — Do occipul prolonga-sc ■gro, maisuu menus dislinrlo, ao spinha ale á cauda. A parle an- quatro membros é iie^ra ; esta todo o espaeo que fica enlrc os . macliinlios ; nos memliros an- 3longa-sc alé aopcilo, nos poste- unir-se á linha ne^ra que sepa- dorsal escura da\enlral cshran- Cabra do Gere:. Altura á cernelha, omacho, dc4annos, 0°73 a fêmea, de H annus, 0,6C Còr do pclld. — Não mostra as linhas ne- gras dorsal e lateraes. O desenho negro dos niemhros deixa entre o casco e es machi- nhiis um espaço amarellado, e termina — anteriormente a uma certa distancia do pei- toril (aos Ires quartos proximamente do antebraço), posteriormente um ]iouco aci- ma da prega do curvilhão. - privativa do macho, e enr- ida ; a|iresent.i-se sob a forma icha trapeioidal negra com pun- em indivíduos ]ierfeilamente a- urados no verão). — nos dois sexos , diversos cm lacho grandes , espessos , quasi ia base. Nascem qunsi rectos e depois afTastam-se um do outro, Tl um arco que se inclina um lorisonte ; junto da extremida- aoeixo, e endireitam-sc descrê- meia->olta despira. São defór- iilar com uma aresta cortante •a dentro. Aliresentam hordcle- isvcrsaes , confusos nos indi\i- s , mas bem distiiictos nts no- numeru de doze a quatorze. IS da fêmea são pequenos e li- comprimidos. Earha — privativa do macho, curla, si- tuada no meio do mento , truncada c ne- gra ; mede apenas 27 millimetrus a de um exorações a que me honro de pertencer. O Governo querendo ha longo tempo coUigir os dados statisti- cos mdispensaveis para sobre clles assentar os principios de uma le- gislação esclarecida e justa, tinha ordenado por circular do Ministério 1 « 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA das Obras Publicas de 15 de Fevereiro, cl." de Março de 1854 ' que se organisassem Conimissões especiaes nào só junto aos Governos • Circular n.° 40 — lllm.° c Exm.° Sr. O rápido incrcmenlo quo ha poucos annos SC observa na cultura ilo arroz, manifcsla qiic o nosso solo conlctn cm si condições fa- voráveis para a vegetação e fruclificarão d'esta ulil gramiiica; mas desgraçadamente a im- portância deste fado é em grande parte diminuída pela quasi geral apprehensão de que este género de cultura é prejudicial á salubridade das localidades, em que dia se pratica. Estas considerações tornam obvia a necessidade de sugeitar a rigoroso exame um problema, de cuja resuluçTio estão pendentes grandes interesses industriaes c humanitários. Para o fim indicado envio a V. Ex.* as instrucçOes juntas, em vista das quaes V. Ex.* se servirá providenciar de modo que cilas tenham prompto, e inteiro cumprimento. É pelo concurso de pessoas zelosas e inlclligenles que se resolvem os problemas d'esla ordem, e eu por minha parle espero do zelo, e illustraçào de V. Ex." que sa- berá reunir todos os elementos necessários a fim de que um assumpto de tanto valor seja devidamente tratado, e esclarecido. Para o Governador Civil de InstrucçOes para a nomeação d'uma Commissào crcada nos Districtos productores de arroz encarregada de dar o seu parecer acerca da influencia da cultura du arroz na salubridade publica. Ari. 1.° Nos Districtos do Reino em que se produz arroz será nomeada pelo res- pectivo Governador Civil uma Commissão composta dos sepuinles membros. Art. 2.° Farão parte da Commissão os Médicos e Cirurgiões das Camarás — o De- legado do Conselho de Saúde Publica do Reino — dous dos maiores cultivadores d'ar- roz — c mais Ires proprietários ou negociantes intelligcntcs. Art. 3.° As Commissõcs que se renuirão nos dias c local designados pelos Go- vernadores Civis, c debaixo da sua presidência, nomearão d'enlre seus membros secre- tario, c logo depois de installadas occupar-se-hão dos seguintes problemas. 1.° A cultura do arroz c prejudicial á salubridade publica? 2.° Em caso allirmativo. (*) As moléstias attribuidas á cultura do arroz são devidas á presença d'alguni agente morbifico especial? (b) Accommettem cilas somente os indivíduos, que se occupam no grangcio dos arrozaes, ou transmittidas por qualquer vehiculo infeccionam as localidades em maior uu menor distancia? (c) Qual é a feição característica d'essas moléstias? (d) Que meios hygienicos se devem empregar para obstar ao seu desenvolvimento ? 3.° Em caso duvidoso. (a) Pôde explicar-se por causas gcraes a insalubridade dos terrenos cm que se cul- tiva o arroz? (b) Será ella devida á especialidade do trabalho, á mudança repentina das condi- ções externas da vida, aos alimentos, ou ao máo abrigo que os trabalhadores tcem du- rante a noilc? A.° Em caso negativo. (i) Terrenos salubres não perdem esta qualidade reduzidos á cultora do arroz? (b) Terrenos insalubres perdem esta qualidade reduzidos á dita cultura? Art. 4.° A» Commissõcs ouvirão por escripto quaesquer individues, que os pos- sam esclarecer, c com especialidade os Médicos c Cirurgiões que exercem a clinica nas lutalidadcs cm que se cultiva o arroz. DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 5 Civis d'aquelles Districtos Administrativos, em que se dava a cul- tura do arroz, mas também naquelias localidades, em que esta in- dustria agricola tivesse adquirido grande desenvolvimento ; a fim de que com os traballios dumas e doutras, e por meio de seus rela- tórios elle se liabilitasse para com todo o conhecimento de causa ' Ari. 5.° As Commissõcs acompanharão a remessa do! seus trabalhos com um re- latório entregando tudo ao respectivo Governador Civil a fim d'cllc o enviar au Go- verno c licarào dissolvidas. 15 de Fevereiro de 1851 — Rodrigo de Moraes Soares. Circular n.° 41 — Illrn." c Exm.° Sr. Em addilamento á circular n.° tO expedida por esta Direcção cumpre-me ponderar a V. Ex.' o seguinte : I'(i(le acontecer que os centros de maior cultivaerio d'arroz estejam agrando distan- cia da Cabeça do Districto aonde se hão-de reunir as Commissõcs, a qne V. Ex.' deve presidir, e por conseguinte scrdillicil encontrar pessoas experientes e aptas para resolver os problemas, a que se referem as Inslrncçõcs, que fazem parte da menciduada circular. Verificando-se os inconvenientes indicados será necessário que V. Ex." nomeie Commissões filiaes nas localidades em que forem necessárias, a fim de que ellas regu- lando-sc pelas Instrueções prcscriptas para as Conimissões ccntraes enviem a estas o resultado dos seus trabalhos. Neste caso as Commissõcs centracs recolhendo loilos os esclarecimentos occupar-se-hào do assumpto, que lhes está incumbido com maisconhe- cimento da matéria, e com aquella proficiência, c zelo, que é de esperar das pessoas que merecerem a confiança de V. Ex." Deus Guarde a V. Ex.' Direcção Geral do Commcrcio e Industria 1 de Março ilr 185Í. — Joaquim Larcher. Ilirn." e Evm.° Sr. Governador Civil de • A Cominissão central do Districto Administrativo de Lisboa, pareccndo-lhc que os problemas apresentad(js na circular de lo de Fevereiro, áleni de serem demasiada- jnenlo genéricos, e alguns insolúveis, excediam muito a capacidade de vários mimbros das diversas Comniissões, c quasi que de nada serviam para base de princípios d'uma legislação restrictiva desta cultora : assentou formular outrcs quesitos mais práticos e mais úteis para as Commissões filiaes do seu Districto, que são os que se seguem: 1.° Ha que tempo so culti\a o arroz nas dilTerentes localidades do Concelho? 2.° Que culturas existiam nessas localidades antes da cultura do arroz? ;í.° Eram terrenos alagadiços, ou pântanos? 4.° Quaes eram as moléstias mais frequentes nas imrocdiarues d'aqucllas locali- dades antes da cultura do arroz? 5." Quaes são as moléstias mais frequentes depois da cultura do arroz? 6.° Até qlb extensão parece manifestar-se a acção morbiOca dos pântanos, e dos arrozacs? 7.° Em que direcção ficam os arrozacs em relação ás maiores povoações do Con- selho ? 8.° D'cssas povoações quaes são as menos salubres? 9.° Qual o numero de óbitos por anno antes da cultura do arroz, e depois d'eila, calculado esse numero pelo termo médio de três annos successivos? 10." Qual a população em relação a cada um d'esses triennios? 11.° Qual o termo medin das vidas dos indivíduos que habitam localidades sii- gcitas ás innu<'ncias dos arrozacs? 12.° Qual o termo médio das vidas nos outros logares, onde não ha arrozacs í 13.* A cultura do arroz é continua, ou por falhas? 6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA resolvesse o que mais justo e mais útil lhe parecesse. Foi na verdade uma espécie de iiiqucrilo que por este meio o Governo fez por todo o paiz acerca de um assumpto tào importante como difiicil. Como membro do Conselho Escolar do Instituto A^ricola do Lisboa cu vi c examinei os relatórios elaborados pelas Commissões centraes dos Districtos Administrativos dAveiro, Coimbra, Leiria, Santarém, Évora, e Portalegre, que foram enviados áquelle Conse- lho para os examinar, e acerca d'elles interpor a sua opinião por Forlaria do Ministério das Obras Publicas de 26 de Abril do an- no de 1855; e como vogal da Commissão central do Districto de Lisboa tive de examinar , e apresentar o relatório geral deste Dis- tricto, depois de ler, e me instruir com os excellentcs relatórios parciaes das Commissões creadas nos Concelhos de S. Thiago do Ca- cem, de Sines, de Setúbal, de Palmella, da Moita, de Cezimbra, de Alcoentre, de Grândola, de Azeitão, de Alemquer, de Alcochete, e de Alcácer do Sal, ([ue todas remetteram o fructo de seus trabalhos, V de seus exames até principies de Julho de 1855. Alguns destes trabalhos desejaria eu bastante apresenta-los na sua integra ; porque elles se tornam dignos da publicidade pela sua exactidão, desenvolvimento, e esclarecimentos práticos, que é o que mais se necessita em assumptos desta ordem. Porém no decurso desta minha Memoria referirei o mais importante de cada um d'esses tra- balhos declarando designadamente a qual d essas Commissões pertence o esclarecimento de facto, os dados slatisticos, ou outra qualquer cir- cunstancia pela qual esse mesmo trabalho se recommende. Final- 11." Qual é o syslema dMrrigaçào adoptado? que altura tem oslabolciros ou ala- gamentos? cque allura tem a agua nclles contiila? 13.° A a^ua é corn-tile ou encharcada? 16." A terra em que assenta o arrozal é harro, arêa, ou terreno calcareo? 17." \ que horas principia c acaha o trabalho nos arrozacs ? ltS.° Qual é a s»stentae.ío ilos trabalhadores? * lí).° SolTrem mais os trabalhadores próprios da localidade, ou os de fora? 21).° Ucbcm todoi a agua da localidade dos arrozacs? e essa agua tem as condi- rões d'agua potável ? 21." Quaes são as horas do dia, cm que mais frequentemente costumam adoecer os homens empregados nos trabalhos dos arrozacs? 22.° Tem-se por ventura reconhecido que a hygicne dos trabalhadores emprega- dos no grangeio dos arrozacs os pôde preservar da infecção paludosa? 23." Em que época do anno costumam ser mais frequentes as febres ou outras moléstias pnivcnicntes dos arrozacs? 2i.° Em relação á cultura do arroz, durante que trabalho da mesma cultura cos- tnm.i ser maior o numero de atacados? DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 7 mente tratarei de fazer com que esta minha Memoria seja uma es- pécie de compendio de tudo (juanto se tenha feito de maior impor- tância cm Portugal para resolver um problema de tanta magnitude. Nas considerações que tenciono apresentar acerca do assumpto, e na exhibição das opiniões dos homens mais competentes do paiz com relação á cultura do arroz, eu serei tão livre, como verdadeiro : nào ommittirei circunstancia alguma de valor, mas aprcscntal-as-hei pelo modo e forma que mais commoda me fòr. Este modo de escre- ver e de expor , se nào é o mais rigoroso , e o mais útil talvez ; é com tudo o único compatível com as minhas obrigações, e com a for- ma interpolada, c intermittente que tenho de escrever. A vida do Me- dico clinico compadece-se pouco com as obrigações académicas ; mas cumprir estas da maneira possível e compatível com o exercício cli- nico é mostrar os desejos, que me sobram de me tornar digno desta Illustre Corporação; e a Academia Real das Sciencias de Lisboa não pôde deixar de se mostrar indulgente á vista desta minha publica e sincera manifestação. Quando porém chegarmos ao epilogo da nossa Memoria então faremos todos os esforços para sermos francos na exposição das nossas convicções, lógicos e rigorosos na apreciação dos factos, e indepen- dentes de quaesquer considerações , por mais fortes que pareçam , para declararmos com lealdade quaes sào as únicas bases rasoaveis, justas, c úteis para assentar a legislação rcstrictiva d'uma cultura, acerca da qual existem dum lado apprehensões medonhas e horroro- sas, c do outro vantagens e lucros quasi fabulosos ! De modo (\ue achar no meio de interesses oppostos o caminho a seguir, que nem mate uma cultura nascente e tào vantajosa ao paiz, por medidas ex- cessivamente restrictivas, nem facilite a intoxicação de povoações in- teiras por facilidades mal intendidas, e sobre tudo absurdamente in- discretas, eis-ahi o utilíssimo fim a que nos propomos no nosso tra- balho, e sobre o (jual nào cessaremos de chamar a attençào desta Aca- demia, como um dos assumptos mais dignos de occupar a sua medi- taçào, e excitar o seu zelo por tudo quanto diz relação aos melhora- mentos da nossa Pátria. Ko estudo de questões desta ordem é necessário «pie a pessoa ([ue as trata se dispa de quaesquer opiniões anticípadas com que pre- tenda vêr e examinar os liictos ; por quanto, quando não existe esta falta de prevenção, observa-se que os mesmos factos são inter})reta- dos de modo opposto pelos diversos observadores conforme suas opi- niões anteriores ao mesmo estudo ; deste modo nós vimos por escni- 8 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA pio que a Commissão central do Districto Administrativo de Aveiro t)bscrva que os Concelhos de Aveiro, de Souza, e de Vagos tcem me- lhorado em relação á salubridade publica, depois da cultura dos ar- rozaes, c que se nos Concelhos de Ílhavo, de Eixo, c de Ovar tem pciorado depois da(piella cultura, não é isso devido a esta, mas sim a circunstancias especiaes destes Concelhos, sobre tudo á existência de vastos pântanos : a Commissão central do Districto de Santarém pelo contrario altribue o maior numero de febres intcrmittcntes dos Con- celhos de Ulme, e Muge á cultura do arroz nestas localidades, e o beneficio que a salubridade publica tem alcançado em Alcácer do Sal depois da cultura do arroz, attribue-o a dita Commissão, não á cul- tura da([uella graminca, mas sim ao esgoto dos pântanos a que tem sido necessário proceder para o estabelecimento dos arrozaes. Uma e outra destas respeitáveis Commissões teem razão até certo ponto; mas uma e outra delias tinham opiniões suas a este respeito anteriores ao exame dos factos. As Couunissões ccntraes dos Districtos Administrativos, e as fi- liaes dos diversos Concelhos não poderam satisfazer a alguns dos quisitos propostos, sobre tudo aos que versavam sobre statisticas de óbitos, de nascimentos, e outros, por isso que lhe faltavam as bases necessárias e indispensáveis para a resolução de taes problemas ; por exemplo em alguns Concelhos, como no de Alcácer do Sal os livros fmdos relativos a óbitos e nascimentos foram mandados recolher á Secretaria da Camará Ecclesiastica de Évora, e por consequência fi- cou a Commissão daquelle Concelho na impossibilidade de comparar a mortalidade, e o augmento da população daquella localidade antes da cultura do arroz com a mortalidade e augmento da população pos- terior á mesma cultura. Com tudo ainda assim se essas Commissões não poderam responder a taes quisitos duma maneira precisa, equasi mathematica ; todavia fizcram-no do modo que lhes foi possivel res- pondendo duma maneira aproximada, e relativa, que para nós tem muita importância porque é fundada sobre a opinião e testemunho de pessoas muito respeitáveis, e que vivem ha longo tempo naquellas lo- calidades. Podem taes resultados statisticos ser menos precisos, mas de certo não são menos verdadeiros e exactos. Quando uma d'essas Commissões , cujos nomes temos tenção de referir nesta Memoria , asseverar (|ue a população, por exemplo, duma dada localidade au- gmentou ou diminuiu depois da cultura do arroz, que a mortali- dade d essa localidade é maior ou menor , que as febres miasmati- cas apparecem em progressão ascendente ou descendente, etc. , quando DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 9 asseverar, dizemos nós, uma destas proposições; não ficaremos talvez nas circunstancias de reduzir a expressões numéricas a relação d'esse iuigmento ou diniinuição da |)opulaçSo, da mortalidade, e da infecção miasmalica ; mas nem por isso o lacto será menos verdadeiro para nós ; c recebel-o-lienios com a mesma confiança, e como a exiiressão verdadeira duma statislica testemunhal, c oral ; e para o fim, a (juc nos propomos quasi que é o mesmo. Esta cultura tem tomado, ha annos a esta parte, no nosso Paiz Kclatorio d.i liorporções gigantescas; se lançarmos mão, por exemplo, do relatório !^j'p'!J"J.*^'[^'g^,'' apresentado pela Commissão de Alcácer, nós vemos alli a demonstra- çào da verdade, (jue acabamos de referir; diz a Illustre Commissão deste Concelho em sua resposta de 27 d'Abril de 1855 ' «Em AI- >' cacer o producto geral dos arrozacs é muito superior em alqueires «ao das searas de trigo, ainda bastante superior ao das searas detri- « go, milho, e cevada reunidas, e muito superior em producto pecu- « niario ao de todos os cercaes juntos trigo, milho, centeio, e cevada n que produzem as férteis herdades do Sado, e do resto do Concelho ; «o(jue tem feito augmentar extraordinariamente a povoação , e as «comuiod idades a tal ponto que todos os habitantes de todas as clas- «ses, lavradores, negociantes, c trabalhadores desde os mais pobres « ate aos mais abastados se acham intimamente ligados a esta cultu- « ra como base fundamental da sua sustentação, e bem estar ; de sor- « te que se oíferecessc á assignalura de todos os habitantes do Conce- " lho um requerimento para reprimir a dita cultura, nem uma só « se obtinha, antes todos livre e espontaneamente assignavam o con- " trario. » Este espantoso argumento da cultura do arroz, e os lucros ex- cessivos provenientes desta industria agricola são um grande obstáculo, que se suppõc não só á franca e desinteressada opinião das Commis- sões consultadas acerca da nocividade dos arrozaes sobre a salubri- dade publica , mas também á acção governativa para a repressão ' Esta Commíssào foi composta dos seguintes membros : José (Ic Mello d.i Sil\a Lobo — Presidente. José (lo C.irnio Fontes Serra. José da Silva Goilinho. António Felíciaiu) Bruno. Autonio M.iria de Carvalho. Domingos Manoel Salgado Vaz e Maldonado. António Caetano de Figueiredo. António Mendes d' Almeida — Secretario. MEM. D.\ .\C.AD. 1 .' CL.\.SSE T. II. P. I. 10 ALGUMAS COiNSIDERAÇÕES ACERCA parcial desta cultura, se por ventura se chegar a perceber a necessidade de medidas rcstrictivas. E na verdade posto (jue o caracter, a inlelli- gencia, e imparcialidade de todos os membros d'essas Conimissões se- jam fortes garantias do desinteresse das suas considerações; pôde com tudo suppòr-se que no meio d um Concelho que tanto tem prosperado, financeiramente fallando, com a cultura do arroz, á qual se acham li- gadas as fortunas de todas as classes, lavradores, negociantes, e traba- lhadores desde os mais pobres até aos mais abastados; pôde por ventu- ra sup[x>r-sc que motivos tão fortes nào inlluissem de alguma maneira sobre o espirito da Commissão para muito lealmente explicar os incon- venientes, que de tal cultura podessem provir á salubridade publica por causas alheias ás da dita cultura ? suppomos que nem de leve of- lendemos as Commissões quando assim julgamos delias, e (|ue por isso tendo para nos muito valor e muito pezo as suas considerações, muito maior pezo, e valor tem as suas respostas lacónicas e precisas aos que- sitos statisticos da Commissão central do Districto ; pois que taes res- jiostas são a expressão fiel dos factos, que as Illustres Commissões, nem e licito imagina-lo, podiam alterar ou desfigurar. Essas respostas, pelo que respeita á Commissão de Alcácer do Sal, são todas em abono da cultura do arroz, e delias senão pôde deprehen- der que a salubridade publica naquelle Concelho tenha soflrido pela in- troducção, e desenvolvimento em larga escala daquella cultura ; antes pelo contrario á vista delias é licito concluir que a salubridade publica do Concelho de Alcácer do Sal é melhor e mais satisfactoria depois do grande incremento da cultura de tão proveitosa gramínea : a Commis- são intende que os daunios resultantes para a saudc publica do gran- geio do arroz suo muito inferiores áípiclles que provêm do trabalho das marinhas; e que se alguns inconvenientes apparecem com a cultura do arroz, esses inconvenientes são antes o resultado de praticas desastro- sas, e impiricas introduzidas na cultura do arroz em muitos pontos do paiz, do {|ue a consetpiencia necessária de tal cultura quando dirigida com methodo e intelligencia ; e como a dita Commissão assevera que os methodos práticos da cultura do arroz no Concelho de Alcácer do Sal não teem esses inconvenientes, que se encontram nos processos se- guidos noutras localidades, pareceu-nos por conseciuencia da mais alia importância dar conhecimento aqui do modo pratico da cultura do ar- roz neste Concelho. O terreno, quasi todo, de Alcácer do Sal, era antes da cultura du arroz, um vasto pântano, donde toda a gente, ainda a mais pobre e mi- serável, fugia para evitar uma existência insupportavel, uma velhice DA CULTURA DO AKROZ EM PORTUGAL. 1 1 prcmaliira, c unia morle inevitável ! Depois da cifllura do arroz » sítuaf-flo mudou conipletainciUc ; as terras cnxugarain-se, os miasmas desa|)|)areccram, a salubridade publica inclliorou, c a par d um clima doce, temperado, e sadio ciu'onlrou-se uma industria lucrativa e lar- gamente compensadora do trabalho e da dcspeza dograngeio! Graças á agricultura cm geral, c .1 cultura do arroz em especial ! A' visla desta IransCormaçào espantosa de Alcácer do Sal (|uem ousará alli le- vantar um brado contra aquella cultura ? mas porque não acontece o inesmo por lodo o paii? porque se elevam clamores contra os ar- rozaes em muitas localidades tanto de Portugal , como dos paizes estrangeiros:' Porque o nosso methodo de cultura é o melhor , por- que é o único que não oíTerece inconvenientes para a salubridade pu- blica : cis-a(píi a resposta das pessoas mais competentes deste impor- tante Concelho. A' vista desta opinião para nós de tanta importância, vejamos jM)is quaes são as modificações, (|ue setecm introduzido na cultura do arroz no Concelho de Alcácer do Sal, modificações que importam nada menos do que tornar innocente uma cultura, acerca da qual existem tantas, c tão assustadoras apprehcnsões. Em Alcácer do Sal, segundo o relatório da Commissão daquelle Concelho não se tem buscado só o converter os antigos pântanos em vastos arrozaes, o que já era um grande beneficio, mas tem-se trabalhado constantemente para af- fastar da cultura do arroz todas as circunstancias que a podiam tor- nar nociva á salubridade ])ublica. O methodo da irrigação dos arrozaes no Concelho de Alcácer do Sal , é o chamado methodo da irrigação continua , ou perenne : Jieste methodo a rega é feita de modo tal que a agua é renovada constantemente cm todos os alagamentos ', e em toda a extensão de cada alagamento: isto é, estão dispostas de tal modo as aberturas para a grandeza das suas superficies , a sua inclinação reciproca , c a altura da agua nelles contida, que na irrigação constante toda a agua dos alagamentos se renova com igualdade, não íicando n uma espécie de estagnação aquella que fica mais próxima dos ângulos, c das paredes ou conioros dos mesmos alagamentos: circunstancia que infelizmente se não verifica noutras localidades, onde se cultiva o ar- roz, e onde a irrigação também e continua e perenne. A altura da agua dentro dos alagamentos é sempre de palmo a palmo emeio; con- ' Nome que alli se dá aos canteiros, ou tabolciros dos arrozaes. 12 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA dição, que tambcm se não vê muito observada n'outros Concelhos da- dos a esta industria a§;ricola. Estas duas circunstancias são na verdade dignas de imitar-se e de se seguirem em toda a parle, onde se cultivar o arroz. Nós não lhe damos de certo menor importância do que a Commissão de Al- cácer; quasi que avançaremos ([ue e delias, e de poucas mais (jue de- pende o segredo de tornar innoccntcs os arrozaes para a salidjridade publica. Quem não vê que com agoa constantemente renovada, e coiri altura suíliciente dentro dos canteiros nunca os arrozaes poderào ad- ([uirir os caracteres dos verdadeiros pântanos? quem não vê (pie um tal processo de cultura e o mais análogo, senão idêntico aos dos nii- Iheracs, caos das hortas, inolTensivas á saúde dos que ncllas trabalham, ou que habitam a uma pequena distancia ? quem não vè finalmente j)cla statistica de Alcácer que é do abuso e não do uso que se tem feito da cultura do arroz (juc provêm todos esses males inhercntes a uma industria tão valiosa ? O que parece inferir-se dos relatórios des- ta, e de todas as outras Commissões e que os efíeitos da insalubri- dade dos arrozaes não provêem da planta s<'), nem de circunstancia al- guma essencialmente ligada ao seu desenvolvimento, e á sua cultura especial ; mas sim do caracter pantanoso e paludoso que os arrozaes tomam pelos processos viciosos, e impiricos da irrigação destas searas. Uma outra circunstancia observada religiosamente no amanho (> cultura do arroz no Concelho de Alcácer do Sal, c a que não pode- mos deixar de dar a maior importância vem a ser a de se conserva- rem constantemente os alagamentos dos arrozaes com a mesma al- tura dagua ; ainda mesmo no tempo da sementeira, e da monda; pratica que se não segue em todas as localidades, por isso que em muitas durante estes trabalhos , e mesmo na renovação da agua , chegam a ficar a descoberto os fundos lodosos dos alagamentos de- baixo da acção intensissima d'um calor abrasador, e por conseguinte lollocando os arrozaes nas circunstancias de deixarem evolver uma grande porção de principies gazosos resultantes da putrclacção da substancias animaes e vcgetaes, evolução que não pode deixar de ter uma desastrosa influencia sobre a saúde não só dos trabalhado- res dos arrozaes, mas ainda sobre a de todas as pessoas, (|ue ha- bitarem ate' certa distancia o contorno dos mesmos arrozaes. Nesta jiarte a nossa opinião é absolutamente acorde com a da Illustre Commissão de Alcácer do Sal. Ha com tudo uma época da cultura do arroz, e um serviço es- jieciol a colheita desta gramínea, que é o da ceita, que se não pódc s DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 13 fazer sem que o fundo dos alagamentos se seque : em Alcácer mes- mo esta parte do trabalho dos arrozacs é assim executada ; todavia não vejo referir efleitos de insalubridade que provenham desta pra- tica ; vejo antes pelo contrario attribuir maiores damnos ao traba- lho da monda, do que ao da ceifa ; ainda que esses resultados da monda sobre a saúde dos jornaleiros são reputados inferiores áqucl- les que provêem do trabalho das marinhas do sal. O relatório apresentado pela Commissào creada no Concelho de Kdaiori" da a. 1 hiago do Cacem torna-se mui digno de elogio pela maneira ^ ^hia-o Uo precisa c numérica porcpie satisfez a alguns dos quesitos apresentados Cncem. pela Commissào central do Dislriclo, pelas judiciosas considerações que junta ás respostas dadas a outros, o finalmente porque abona as suas consequências geraes com dados statisticos fornecidos antes e de- pois da cultura do arroz pela Frcguezia de Santo André, e pela de Melides, localidades, onde esta cultura tem tomado um incremento espantoso ha vinte annos a esta parte : e as statisticas destas duas Frcguezias sào elaboradas sobre os respectivos livros desde o prin- cipio do século actual ; e por isso já se pôde comprehender a sua utilidade. Esta Commissào insiste, e muito, com toda a razão no seguinte principio « que os arrozacs estabelecidos nos terrenos pantanosos, e ainda nos não pantanosos, mas muito abundantes em agua, não só não são nocivos á salubridade publica, mas podem melhora-la. » Em ver- dade que para nós a primeira parte desta proposição é de evidencia intuitiva ; <|uanto á segunda a permissão dos arrozacs nos terrenos não paludosos, mas abundantes d'agua corrente, pôde ser uma «juestão olhada ])elo lado administrativo, mas nunca o será pelo lado hvgienico. Os terrenos férteis de agua corrente são igualmente innoccntes para a salubridade publica, quer se convertam em milheraes, tjuer em ar- rozacs, uma vez (jue estes sejam dirigidos nos seus trabalhos de en- tretenimento mclhodica e racionalmente. Não é as.sim administrativa- ' Pcdr» Joycc, Administrador do Concelho. Presidente. Joaquim Joronyino de Vilhena, Sfcrclario da Coniniissrio, inratigavel trabalhador yara a orKanisarão dos dados slalistitos fornecidos pelo Uelalorio. Jaciíitho Paes do Mallos Falcão. Malhias da Costa Pereira Duarte. Agostinho Pedro da .Silva Vilhena. António Parreira Luseiro de Larerda. José Francisco Arraes Falcão Beja. Cypriano .\ntonio d'Oliveira. 11 ALGUMAS CONSIDERAÇUKS ACERCA incute (aliando, por quanto essa permissão da cultura do arroz nos terrenos apropriados para milho, para prados, ele., como por exem- plo as vaiseas, pôde trazer comsigo um desequilíbrio tal na produc- çào total dos diversos ccrcaes, que acarreie comsigo d ifficuldades gran- des ({uanto ás subsistências dos povos das diversas ])rovincias do Rei- no. Só o Governo por meio de statisticas exactas das i)roducções e consunnnos relativos a cada espécie de cereal é que poderá obter a base duma legislação liberal, mas previdente. É com tudo muito conveniente estudar o que se passa em duas Freguezias deste Concelho, a saber a de Santo André, e a de Melides, onde ha mais de cincoenta annos se cultiva o arroz ; ainda que na de Santo André esta cultura é mais recente. Nestas Freguezias existem duas lagoas, que durante o inverno cobrem a superfície de terrenos, (jue na estação própria se convci tem em extensas searas de arroz. Es- tas lagoas no mez de Março são esgotadas quasi na sua totalidade em virtude de aberturas que lhe fazem, pelas (juacs desagoam para o mar: estas aberturas custam nalguns annos enormes despezas ! Mas o que acontecia antes da cultura do arroz nestas duas Freguezias T o que acon- tecia era (jue as duas lagoas nunca se esgotavam, as suas margens no estio convcrtendo-se em largos pântanos, e os habitantes destas loca- lidades inhospitas eram conhecidos pela sua miséria, por seu habito externo macilento e doentio, e por uma vida, cujo termo médio não excedia a 22 annos ! E actualmente depois da cultura do arroz o ([ue é (jue se observa nestas duas Freguezias? o contraste mais perfeito com o que tinha logar antes daquella cultura. A miséria succedeu a abundância : os commodos e os confortos da vida substituíram uma pobreza faminta ; a apparencia desta genle mudou absolutamente ; c só depois dos arrozaes é que percebem o (jue é viver , e gozar ! Haverá, exclama a Cominissão, na presença deste povo quem diga que os arrozaes hygienica e economicamente fallando são prejudi- ciaesi* Kinguem se atreverá a tanto. É notável a statistica apresentada pela Commissão de Santiago do Cacem a respeito da Freguezia de Santo André no espaço de dez annos anteriores e cinco posteriores á cultura do arroz em grande es- cala naquella Freguezia. Eram trabalhos como este (|ue a Commissão central do Districto de Lisboa desejava obter de todos os Concelhos do mesmo Districto, nos quaes se cultivasse o arroz; mas infelizmen- te muitas causas obstam por ora á completa resolução desta parte da statistica ; essas causas, é também necessário confessal-o, são su- periores á vontade, e aos esforços das mesmas Commissões creadas DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. ir> nesses Concelhos, e que mostraram todas a maior dedicação ao tra- hallio de (]iic foram incumbidas. Essa statistica é como se segue : NASCIMENTOS De 1800 a 1811 .-507 iJc 1832 a 185.3 817 Donde secolligcque a população augmentou emcadaanno depois da cultura do arroz na proporção de 1:2,25; isto é mais do dobro. ODTTOS lie 1 800 a 1811 505 De 1832 a 1853 730 Mas como a população era mais do dobro do que havia sido no primeiro decénio, segue-se que o numero dos óbitos foi proporcional- mente menor na Frcguezia de Santiago do Cacem depois da cultura do arroz em larga escala ! A' vista pois destas, e d'outras muitas considerações dignas do maior apreço, apresentadas pela Commissão do Concelho de Santiago do Cacem, conclue ella 1." «Que os arrozaes só devem ser ])ermilti- "dos nos terrenos paludosos, ou ainda nos terrenos não paludosos, mas " muito abundantes em agua. 2." Que as regas sejam feitas por um "jacto constante, e é por isso que a Commissão julga condição sine « qua 7ion a grande abundância daguas. 3." Que aos trabalhadores se «lhes forneça agua potável para seu uso, eque o seu trabalho só co- « mece ás sete horas da manhã , e acabe meia hora antes do occaso " do sol. 4.° Que em todas as épocas, em que é necessário sugeitar «os arrozaes á acção atmospherica, seja o agricultor compellido acor- « tar, quanto baste, os cômoros mais baixos duns para outros laga- " mentos ', ou mesmo a abrir dentro destes pc(|uenas valetas a Ihn de «ser prompto e rápido o seu dessecamcnto, e evitar a estagnação, «jue X precisamente tem lugar não se fazendo esta operação. Em todos os « terrenos seccos e pouco abundantes dagua, julga a Commissão pre- « judicial a cultura dos arrozaes.» Terminaremos estas nossas considerações quanto ao (Concelho de Santiago do Cacem apresentando algumas notas sobre o termo me- ' Em Santiago chamam-sc — lagainenlos — ao que era Alcácer era designado |>cU palavra — alagamentos. ir. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA dio da existência dos indivíduos, que habitam nestas localidades, onde os arrozacs são tantos, e tão extensos: ctn Melides e Santo André, ([ue são as duas Freguczias, onde ha mais vasta cultura de arroz, o termo mcdio da duração das vidas nestas duas Freguezias é apenas de 2i ânuos! quando na Villa o termo mcdio c de 32 annos, c em S. Domingos que liça bastante distante dos arrozacs é de 25 ! mas cousa notável na Abella localidade ao abrigo das influencias dos ar- rozacs, e a grande distancia dos mesmos, o termo mcdio das existên- cias é também de 22 annos, como nas Freguezias de Melides e Santo André num terreno quasi todo coberto de arrozacs ! Estas contradi- ções statisticas invalidam bastante qualquer consequência, que quizes- scmos, e devêssemos tirar truma tão curta existência, como a que se veriíica nas Fresruezias de ftlelides o Santo André'. Rclaiorio da ^ Commissão crcada no Concelho de Sines ' n"um relatório ((uc Sim.""'*^'"' * ^^"^ tanto de simplicidade como de verdade, avança uma proposição, (|ue merece ser meditada, c vem a ser (juc « o arrozal de alagamento « é um pântano traidor. » Somos levados a crer que esta proposição enunciada deste modo geral e absoluto é insustentável ; e as provas destas nossas asserções encontramo-las no próprio relatório da Com- missão de Sines. A Commissão respondendo ao quesito decimo cjuarto da Commissão central do Districto de Lisboa «Qual é o systema de «irrigação adoptado.' que altura tem os taboleiros? eque altura tem o a agua nelles contida ;' » responde que o systema de irrigação é por alagamento, que a altura dos taboleiros é de palmo e meio, e que a altura da agua nelles contida é d'um palmo : e termina o seu rela- tório declarando «que restringindo-se a Sines inclina-se a pensar n ([ue a cultura do arroz do modo que é feita, e na escala cm que n está não prejudica a salubridade do Concelho » já se vê que por esta confissão ingeniia da Commissão de Sines os alagamentos não são pântanos traidores, visto que pântanos traidores não podem re- putar-se innocentes e não prejudiciaes á salubridade publica da lo- calidade ! ' A Commissào foi composta de Pedro Joyce, Presidente. Francisco Luiz Lopes. João Ferreira Veiga Palma. Augusto de Jesus Eslrclla. António Maria de Sousa. Francisco Maria Uapozo. Miguel José de Campos Oliveira. Agustinho dos Santos Ferreira, Secretario. T)A CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 17 E com eílcito o pensamento da Commissão central cio Distncio ide Lisboa (|tian(lo exarou o seu quesito decimo quarto foi juslanieiUo para saber se com uma díida inclinação do terreno, uma dada grandeza, c profundidade dos laboleiros, com uma dada altura dagua contida nos mesmos, e sobre tudo cora bastante facilidade de transmissão d'agna de uns para outros tabolciros, estes perdiam o caracter de pe(|uenos pân- tanos, e aproximavam este processo do da irrigação permanente c con- tinua ; e cu supponbo que bavendo bastante agua e estando os alaga- mentos convenientemente dispostos isto se pôde obter, e já se obtém cm algumas localidades cultoras de arroz, como no Concelho de Alcácer do Sal. Irrigar, diz a Commissão de Sines, é orneio simples, económico, e racional de tornar innoccnles os arrozaes : e' necessário com tudo ac- crcscenlar a necessidade de definir, e descrever esse processo de irriga- rão, c tornar sobre tudo a agua da rega o menos estagnada que fòr pos- sível; o ([ue se não consegue sem agua siifficicnte, C disposições artís- ticas dos alagamentos convenientemente dirigidas; porque no vicioso [)roccsso de irrigação por estagnação também se dá a Irrigação; mas com todos os defeitos, ou grande parte daquellcs inherentes aos char- cos, e pântanos ! c (|uando uma economia culpável dirige assim as ir- rigações dos arrozaes com grave prejuízo da saúde dos povos, o Gover- no não pôde, porque não deve, tolerar tão prejudicial abuso. Irrigar, portanto, metlwdicamentc, diremos nós, é o único meio de tornar os arrozaes innoccntes, e algumas vezes úteis á saúde dos povos. Vejamos agora como a Commissão creada em Setúbal encarou c l'elatorio da resolveu a {juestão : a Commissão de Setúbal pela importância da loca- fipi"!!l?""' *^ lidade, e pela antiga data que a sementeira do arroz tem naquelle Con- celho está nmilo no caso de nos merecer summa consideração, a sua opinião, e as razões em que a fundam. ' Ao nascente da Villa de Setú- bal existiam bastantes paúes e pântanos: focos permanentes de febres miasmaticas ; os arrozaes, que substituíram estes charcos permanentes ' Esta CommisSBo era com]iO$ta dus Srs. SnTcriano Silvestre Lapa. Ilyoiiizio António de Freitas. M.iiioel .\\clino da Costa. Alanocl Jnsc d'Araujo. José Antunio Gomes. José Maria Pires. José l^iaiio d'Olireira c Sil\a. João Maria de Lima. MEM. DA AC.\D. 1 ." CLASSE T. H. P. I. 18 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA e nocivos ásaudc dos povos, que vivem mais ou menos próximos i.\\'\- les, se niio uraljaram tolalmeutc com a insalubridade de lacs locali- dades, diminuiram-na com Uido dum modo muito scnsivel : e eis- aqui o fado capital referido pela Conmiissào de Setúbal ; nem podia deixar de ser assim, as valias, vallelas, e sarj^elas (juc c necessário abrir [)ara a conslrucção e entretenimento da cidlura do arroz, fazem com «puí aqtielles terrenos percam a sua qualidade [)aludosa, c adcpiirain a de um campo destinado jiara uma cultura rogada. A parle do relatório, a (|ue nos referimos jiarcce-nos digna de se c()[iiar integralmente no contexto desta Memoria. "Bem sabido é, diz acpiella Conunissào, (|ue « i)ara a cultura do arroz nos sapacs, paúes, ou esteiros se torna in- « dispensiivel preparar bem os terrenos, abrindo-llies valias e sargetas «para o perfeito escoamento das aguas, perdendo por isto a sua maior « insalubridade, pela i-azào de serem rasgadas e escoadas jíor meio das «sobreditas valias c sargelas longiludinaes e transvcrsacs , e outras «que a circundam (o (pie se renova todos os annos logo depois da co- « ilícita) fazendo com este preparo dcsappareeer dalli todas as plantas «que vegetavam e apodreciam, deixando assim de serem pântanos «permanentes, substituindo-llie a sementeira dos arrozaes (nem oulra "alli produziria), a cpial só precisa dagua seis mezes no anno, reno- « vando-llTa de vez em quando, bavendo todo o cuidado que esta agua «seja nativa no mesmo solo, ou corrente, de maneira (jue se conserve «nos reservatórios ou açudes fresca e sãa, enão passe ao estado mias- " matico ; ponjue não só assim o exige a boa cultura, mas se dcsva- « neccm (piaestpier preoccupacòes, (pie por ventura ])0ssam haver so- « bre o imi)ortantissimo ramo de agricultura, que na nossa opinião em « nada prejudica a saúde publica. » Quanto ás reprczas e a(judes para conter a agua, que deve ser- vir á irrigação dos arrozaes é necessário como refere aCommissào de .Setúbal que ella não se demore por tanto tempo, ou os açudes não sejam constniidos de maneira (pie os próprios reservatórios não se re- vistam das principaes circunstancias de pântanos, ou cbarcos. E esta uma das maiores difficuldades que se podem encontrar para a con- Iccção da legislação (pie ha-de regular a cultura dos arrozaes. Em \erda(le as reprczas, açudes, e reservatórios construídos com o Gin de conservar a agua para a rega dos arix)zaes, podem ser no- civos, c cfl("cti vãmente o são por um de dous modos; ou poixjue taes reservatórios \ã<> inq)e(lir, ou alterar o curso das correntes (luviacs com grave j)rejuizo dos rios edas [)io]irieda(les marginacs ; ou por(|ue esses reservatórios contendo agua estagnada, e com pequena pioliin- DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 19 .lidade aodem ser permittidos esses açudes e represas; especialmente „u„. pak couu. oLso, o„de falta tudo quanto d,^ respeito á pratica das irrigações, e á dis rib^- çao raconal e equUaliva dos pequenos rios para Servir a agricultura dos campos margmaes: este assumpto merece a maior attencào e a das no estudo da engenharia rural: estudo que só agora principia a Wse entre nós pela creacão do Instituto Agrícola "de Lisboa 'quj espero marcara uma nova época para as seiencias de applicacào enlr; n "s! Quanto a declarar a Commissào de Setúbal que a estagnarão e "rde:;" 'í «" /l-l P--P'o de putrefacçào nos contentos da aguas destuiadas a .rr.gação dos arrozaes serem condições desvanta- josas para a cultura do arroz; bom é. eeu muito desejo que essa - fe," yrr ^ ^"'"■'""•^■^ cultivadoras desta gramínea, porque oude n ;*;T ""° 'í"*^ 'i^ °'^''-^"« '^^-'-"-'" P--1- a agua dos mÍcn n Tv "" ''""■'" """^'•^"'^^ ''"^ f"*^"^ de infecção mias- ma , ca , mas mlel.zmente a proposição não é verdadeira, cantes pelo salubridade dos povos, torna-sc mais adequada emais proveitosa para a rega dos arrozaes ! (Gasparim.) ' ^ duas itaÍZf ''° "Tf" "r ^°"''"'" '^^ Alcochete, que abrange as Holaiorio .ia duas loca idades, <,ue talvez forneçam para o Hospital de S. José maior C'"""""^» "<-■ numero de doentes de febres intermittentes, que'ão Rilvas eBa " '^'^■°^--- d Alva deve ser ouvida por todos os motivos, e muito particularmeme Lntatctrrtl:;""' r ^""'? •"*"""• ' ^staCommissão ap; ! Áll f tos statis .cos do maior alcance. AUi no Concelho de Alco- chete a cultura do arroz tem apenas dezeseis annos de duração: em Esl,i Commissào foi composta dos Srs Jiise I.ui/ il'Oli\oira. AnlonJM J„sf da Cosia, Medico. Joaquim Anlonio Bernardino. Francisco Diogo da Cosia. Manoel da Costa Alves. José Germano Monteiro Grilo, Secretario. 20 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA 1839 quando ainda se nào cultivava o arroz cm localidade alguma' deste Concelho, haviam, na Villa oitocentos e seis íogos com dois mil quinhentos c setenta e cinco habitantes ; c hoje existem mil cjuatro- cenlos c noventa e sete fogos com quatro mil cento e noventa c sete habitantes; o que quer dizer que no decurso de dczcseis annos duma cultura, a que tantos males scattribucm, a população do Concelho tem quasi duplicado! é \erdade que a Villa de Alcochete e o Samòco são as duas povoações que ficam mais distantes dos arrozaes, e por con- seguinte aquellas para onde convergem em parle os lucros desta in- djistria agricola sem que softram tanto os cfTcitos nocivos do seu grangeio como os habitantes das Rilvas e Barroca de Alva (]ue lhe ficam immediatas. As stalisíicas destas duas povoações é que seriam muito curiosas ! Mas ainda assim pelas respostas dadas pela Commissào de Al- cochete aos diversos quesitos formulados pela Commissào central do Districto SC deixa ver que nem o termo médio das vidas dos habi- tantes destas duas localidades é assustador, nem o numero de le- bres intcrmiltcntes e remittentcs do alto verào, que se apresentam actualmente nas Rilvas e na Barroca de Alva é superior áqucllc, (jue liavia quando aquclla industria agricola ainda nuotinha logar naqnelle Concelho; o que auctorisa a acreditar que se aquclla cultura nào me- lhorou o estado da salubridade daquellas, localidades, pelo menos não o aggravon. Alem disto o numero de óbitos annuaes cm todo o Concelho é actualmente o mesmo que era antes da cultura do arroz, isto é, de 110 a 120 por anuo; mas atlendendo a (jue a jiopulaçào tem duplicado segue-se que o numero de óbitos se tem reduzido a metade do que era antes da existência dos arrozaes ! o. na verdade se antes da cultura do arroz morria annualmcnle um individuo por cada 21 habitantes, c depois desta cultura um por 34 , como se poderá argumentar contra os arrozaes com estas sta- tistica á vista:' É para lamentar (juc trabalhos como estes nào exis- tam feitos cm todos os Concelhos, e cm todas as Frcguczias, e en- tão se conheceria se os dados statisticos são ou não capazes de re- solverem as questões mais espinhosas c mais difliceis ! No Concelho de Alcochete a direcção dos ventos em relação aos arrozaes parece ter pequena influencia na salubridade das povoações que ficam em diversas direcções dos arrozaes; ao menos a Com missão daquelle Concelho não respondeu a este (piesito ; todavia o (pie scde- jirehcnde do relatório é que as povoações soflrcm tanto mais quanto mais próximas se acham das searas do arroz; de modo que as povoa- DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 2t ções das Rilvas, e da Barroca de Alva sào por esta circunstancia aqucl- las, onde as febres niiasmaticas fazem maiores estragos. É notável, e muito para aproveitar a observação que se tem feito em Alcocbctc com relação á preservação da infecção paludosa obtida pelas melhores condições bygienicas dos trabalhadores ;• assim tem-so alli verificado que os trabalhadores empregados no gnmgeio do arroz sodreni tanto menos das febres quanto melhor e a sua nutrição, c 6|uanto mais bem reparados andam : e, ou seja j)or isso, ou seja pela làlta de habito de viver numa atmosphera paludosa os trabalhado- res estranhos áquellcs sitios soflrem mais do que os que habitam as localidades próximas dos arrozacs. Parece igualmente que o systema de irrigação adoptado nos ar- rozacs do Concelho de Alcochete, concorre também para que a salu- bridade jKiblica das diversas localidades daquelle Concelho sofihi tão pouco com esta cultura tão extensa, como alli ha. O systema de irri- gação alli adoptado ou seja perennc, ou periódica c sempre feita com agua corrente, c epic está muito longe de adquirir as péssimas (jua- lidades da agua estagnada. K uma circunstancia, que temos constan- temente observado (jue modifica a acção mais ou menos nociva desta cultura sobre a saúde dos povos, e (jue não pôde nem deve esquecer de modo algum num systema completo de niedidas que regule a cultura desta importante graminaa. Os tabolciros são construidos no Concelho de Alcochete com mais de palmo de altura, e a agua nelles contida varia de piofundidade conforme circunstancias especiaes da vegetação. Finalmente uma outra' circunstancia que se observa na cultura do arroz neste Concelho vem a ser o afolhamento que alli se adopta. Todas as vezes que a terra destinada á cultura do arroz esusccptivel doutra semente, que alterne- com o arrozal, nós intendemos (jue a sa- lubridade publica lucra com este systema de cultura, não apparccen- do a folha arroz senão n'um intcrvallo biennal, ou triennal segundo circunstancias especiaes do solo, ou outras, exigirem maiores, ou me- nores intcrvallos na rotação. Pelo kido económico o Governo iiãopúdc deixar de intervir no modo, e prazos destes afolhamentos ; porquanto se o excessivo lucro dos arroziies fòr convidando todos os colonos o j)roprietarios dos campos, das várzeas, c das veigas a substituir todas as outras culturas próprias destes terrenos pelo arroz, pôde dar-se o caso de diniinuircm tanto no mercado alguns ceroaes, sobre tudo o milho, que dahi provenham graves embaraços para a (juestãa das suLsistencias. As leis rcstrictivas da cultura do arroz nos outros pai zcs. ?2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA livcrain imiilo cm visla este descquilibrio possível entre as diversas producçrics. KclaioiKi da Q relatório apresentado por um dos membros da Commissão f:'"."""*^'"' "'■' creada no Concelho da Moita e annexos ', e algumas reflexões doAd- Miiila (• .iimc- .... ,, 1 1 ~ xos. ministrauor do mesmo (.onccliio tendentes a altennar as apprelicnsoes daiiuclle vogal daConmiissào, e (jue é justamente Facultativo naquella localidade lia dois para trcs annos , suo dois documentos ambos im- portantes, e fpie passamos a cxtractar com lidclidade, porque n'um e noutro ha nmito a api'0Ycitar para o íin), a (juc nos propomos neste nosso traballio. O Sr. Mattheus José Baptista, ou a Commissão do Concelho ile Alhos Vedros, se assim se quizcr, divide o seu trabalho em quatro l)artcs : na primeira deseja enumerar os efícitos dos pântanos, ou charcos sobre a população : na segunda tenta demonstrar qual a in- fluencia dos arrozaes sobre todos os seres da natureza, que se acham a uma certa distancia dos mesmos arrozaes : na tcreeiía apresenta os resultados da comparação entre o pântano e o arrozal , (juanto aos seus efieitos especialmente : e na quarta finalmente avalia o re- sultado, quanto á salubridade publica dos arrozaes no Concelho de Alhos Vedros. Já .se vê que n"um trabalho longo, como o relatório da Com- missão de Alhos Vedros, e além d'isso dirigido com bastante nic- thodo, e pericia ; não podiam deixar de apparecer extensas consi- derações doutrinacs , c amiudados resultados statisticos obtidos nos paizes estrangeiros onde se cultiva em grande o arroz ; não é des- sas considerações, nem desses resultados que nos havemos occupar nesta nossa Memoria , tudo isso tem bastante utilidade , mas tudo isso SC encontra com facilidade em muitos escriptos, e sobre tudo nos artigos respectivos dos Diccionarios de Hygiene Publica ; aquillo que ÍJosé Foriunato Monteiro. Thoniaz llodri^ucs Duaric. Manoel d'Alniri(la Pereira. António José st,ano Rodrigues. I Joaquim Dias. DA CILTIRA DO ARROZ KM PORTUGAL. ?'! nos parece <]cver maior interesse ó o fniclo da observarão c do es- tudo d;i rclerida Conmiissào no Concelho que liabita, e que conhece lia Uinlo tempo. A Comniissão de Alhos Vedros mencionando os três processos, pelos (piaes se costuma lazer a rega dos arrozacs, que vêem a ser o da irrijjação contínua , o da infillrurào , c o da estagnação , acrescenta «que este ultimo processo abrange definitivamente as condições dum «pântano.». ... o segundo processo, talvez melhor, nào se usa entre «nós, e talvez seja iinpossivel. » Com o devido respeito devemos de- clarar " estagnação nos referidos ângulos, a morte de animacs queahi vivem, c " mesmo dalguns vegetaes como nos pântanos desejiptos, tudo sugeito << ás leis geraes da decomposição cadavérica, como se dirá que o arroz « nestas circunstancias em logar de nocivo é fovoravcl á salubridade da '■população? Ainda muito mais, como se poderá explicar a innoccncia "d uma tal cultura quando um aroma sui fcmris muito característico " c sensível exalado nas horas de maior calor incommoda os visitantes « dos arrozacs !■* » « Dè-sc ainda a arriscada e temerária hypolhcsc (|iic nada disto «prova a maléfica influencia dos arrozaes ; mas então como explicar a " morte das rãas, cobras, infusorios c vegetaes, f[ue tendo por muito « tempo vivido nos alagamentos, no momento da desfloração tudo fene- «ce? como explicar esses estiolamentos vegetaes e animaes queobser- « vamos nos lugares visinlios dos arrozaes?» « Por tanto concluiremos que o arroz é nocivo a saúde publica, « e que os interesses commereiaes não podem compensar os estragos « sociaes ; não o será talvez tanto quando essa irrigarão continua seja " aliundanlissbna c svmprc distante das povoaruts, ou ao menos seja « lima irrÍL;arão periódica li maneira das feitas ao milho, e os proprir- » ttirios obrigados aos alimentos c ás dcspezas durante as enfermidades «dos operários; e só quando para a cultura se fazer fòr preciso arrotear '■ pântanos, pois que parece (lue se melhora o terreno ea salubridade « piibUca a par dos interesses da agricultura não esqutx-endo o terreno « arenoso. » .V (|uarla sereào do relatório da Commissão, a que nos 1'eferi- mos, (|ue se \uscre\c = ar/'oz no Cuiicrllio de filhos Vfdros=== n)ere((' |)articular altençào pelos seguintes períodos: «Em dous pontos do "Concelho se tem cultivado o arroz, na antiga Villa de Coina cem • Alhos Vcdros. Alli cm grande escala, o datando, .segundo a res- DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 27 «posla de algumas pessoas de idade provecta de mais de 40 annos, « aqui leita cm maior vulto o anno passado, não valendo a pena men- «cioiíar-se a insignificância de alguns lavradores, que deitaram á terra « semente para producção do consumo da casa Em Allios Ve- n dros fez-se a rclerida cultura da parte occidental da povoarão a dis- «tancia de lOl) passos da Igreja da Ficguczia, que se acha na exlre- n midade meridional da mesma Villa, sem montanha, outeiro ou ar- « voredo de permeio. Não posso avaliar a extensão do terreno ciilti- o vado, mas consla-me que a semente produziu quatro moios. O ter- areno e summamentc lamacento, é o ([uc podemos chamar argiloso. «A semente lançada á terra foi de 17 alqueires.» «A seara nào tinha a agua necessária para uma boa irrigação « contínua ; por conseguinte estava sugeita a produzir os elVeitos ([ue « mencionamos, estava nas verdadeiras circunstancias d'um pântano, ou « terreno alagadiço, como d'antes era. Os alagamentos, alem de irre- « guiares paralcllogramos, eram grandes, e por' isso a agua com duas «aberturas somente de entrada e sabida não podia ter o movimento « necessário, o que eirectivamente observei quando visitava o arrozal « para o estudar. Duas vezes encontrei os mondadores mctlidos na « agua até ao joelho, tornando a agua suja peio movimento que da- « vam ao terreno, e recebendo com mais facilidade pela respiração "C posição inclinada os miasmas, que por ventura naquella época «já se evolvessem. Chegou a época da florescência, chegou lambem « o cheiro caractcristico mencionado. Foi então que observei a ttòr « desfolhar-se, e derramar-se no liquido sem movimento : foi então " que diíTerenles espécies de reptis e de infusorios começaram a ap- o parecer mortos ; e foi então que a população começou a soílVer, «ou sentir os efleitos da desenvolução miasmalica apparecendo inter- « mitlentes de todos os typos mais geraes, como quotidianas, terçãas, « poucas (juartãas, dobles quotidianas, dobles terçãas, dobles quartãas, « algumas perniciosas, algumas anómalas, embaraços gástricos, splenites, « engorgitamentos chronicos do baço, gastrites, ete. » • «iNuma população que talvez nào exceda a 400 liabitantes, desde «27 de Agosto até aos fins de Novembro vi eu 250 casos mórbidos « miasmaticos, sendo 147 detypo cjuotidiano, 79 terçãs, 16 (|uartãas, « 7 perniciosas, I anómala. Entre as jirimeiras houveram duas do- « bles-quotidianas, das segundas cinco dobles-terçãas, e das terceiras « três dobles-quartãas. Morreram cinco de perniciosas , tem havido «muitas recidivas sendo algumas terçãas, e quasi todas quartãas, « as que ainda hoje apparecem. » 4. 28 ALGlMxVS CONSIDERAÇÕES ACERCA « Ajxir destas e d outras moléstias provenientes das mesmas cau- «sas e jiara notar que foram rarissimos os casos doutras doenças que « não tivessem imia tal ou (|ual relação com a desenvoluçào paludosa. » « Em Coina onde ha 83 habitantes cm 2G fogos, um ou outro «apparece solVrivel de constituirão, o resto mauifesla quanto aquella «terra é inhospila ! apczar de toda cila estar cercada dean-ozaes pelo « sul e oeste. E é para notar que vai sempre cm decadência. Logo se «fosse verdade o que os apologistas da cultura do arroz asseguram, «deveria ter-se extinguido a causa daíiuella inhospitalidade, porque «esses lugares baixos e alagadiços acham-se boje reduzidos áquella fe- « eundissima cultura ; mas não dci.xan» de ofTcrecer as mesmas con- «diçòes que a de Alhos Ycdros. » Á vista pois do facto, que apre- « sentamos ninguém deixará de dizer qual será a causa d'um tal «desenvolvimento mórbido. Para corroborar ainda o cpic acabamos «de cxpòr basta ver a statistica de 1853. Neste anno e durante o «outono c inverno e ainda mesmo na primavera appareccram 100 «casos de diversos typos de intermiltcntes, c (|ue nunca appareccram «dum modo intensamente epidemico invadindo mais o sul da Villn, « entretanto que o norte foi respeitado. Advertindo porem este nu- «mero pertence a toda a povoação do Concelho (|ue se compõe de 520 «fogos, aproximadamente 2080 almas. Em 1854 as febres não res- « peitaram nem norte, nem sul, nem o forte nem o fraco, nem o rico «nem o pobre, nem a choupana nem o palácio, cilas mimosearam a « todos sem distincçào de classe, com o seu aspecto desagradável. E' «islo que SC não deu em 1853.» « Tara terminar o nosso relatório, diz a Commissào de Alhos Ve- «dros, rcsla dizer a V. Ex." que do exposto seconclue que quem re- « cebc mais a induencia paludosa são os trabalhadores, c por isso a «esta classe convém uma liygiene rigorosa. Elles devem ter um sys- « tema de vida particular, porque também estão exjwslos a causas es- «pcciaes de insalubridade. Islo pôde remediar-se do modo seguinte: «começando os irabalhos depois de nascer o sol, acabando-os anlcs do « seu oecaso. Devem ter um repouso sufíicienle para reparar suas la- « digas , vestidos capazes de os preservar da humidade e do (iio , « uma alimentação nimiamente tónica e analeptyca, algumas bebidas «alcoólicas, agua (jue seja potável, boa, e transparente, e não a po- «dendo alcançar, sendo da charneca, deve ser filtrada por carvão. «Devem ler leitos |iaja dormir, e esses acima do solo ao menos dous « I>alwios, e tanto quanto fòr possivel desviados do arrozal, junto do « qual nunca se devem deitar, principalmente depois do oecaso. » DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 29 Depois de ter apresentado todas as considerações do relatório da Coannissào de Allios Vedros umas vezes contra a cultuia do arroz, qnereiído demonstrar a sua quasi identidade com os jiantanos , outras vezes mais contra o systema de rega applicado naquelic Concelho do Hue contra o arrozal convenientemente tratado e irrigado ; devemos , para ser imparciaes juntar agora outras considerações \indas da mesma localidade e feitas pelo Administrador do Concelho cm sentido opposto para que avista dumas c doutras o nosso juizo definitivo possa ser mais justo, e melhor fundamentado. E' verdade que pôde fazer-se o reparo que aquella auctoridadc sendo estranha á sciencia pouco poderá invali- dar a opinião d um homem da piofissào como o Relator da Commissào de Alhos Vedros, e que alem disso exerce a clinica naquella localidade ha annos a esta parte ; tudo isto é assim na verdade ; mas o que não jiodem deixar de nos conceder lamhem é que em objectos de facto es- tranho ao foro medico, o testemunho dum não pôde reputar-se menos competente do que o do outro. Em todo o caso a im])orlancia, e a gravidade do assumpto exigem que sejam ouvidas todas as opiniões, e escutados todos os depoimentos. Um dos factos, que no relatório da Commissào creada em Alhos Vedros, avulta mais, e me fez maior impressão contra a cultura do arroz, foi a destruição (juasi completa da Villa de Coina, que a dita Commissào attribue á inlluencia maléfica da cultura do arroz sobre a salubridade nào só dos trabalhadores empregados neste grangeio, mas ainda sobre a dos habitantes daquella localidade, que vivem a maior ou menor distancia dosarrozaes; este facto e grave, elle só por si constitue um argumento d uma força immensa ; vejamos porem como elle é attcnuado por outro documento official proveniente da mesma localidade, qual e a opinião e o depoimento, de facto do Ad- ministrador daquelle mesmo Concelho: diz elle assim no seu officio de li de Junho de 18ãS. «Se a destruição de Coina fosse devida á influencia da cultura « do arroz já hoje não existiria uma só alma naquella Villa , [KJnpu; « esta intluencia deveria crescer cm proporção do augmento da cultu- « ra, <|ue hoje é feita em muito maior escala do que nunca : E se os « trabalhadores, (jue vem de ÍÓra para alli compõe um quadro triste «e repugnante das iniluencias duma tal seara, como se diz no re- « latorio, pelos assentos do Hospital, onde se recolhem quando adoe- « cem r será isto uma prova da maléfica influencia do arroz , e não « poderão essas moléstias attribuir-se a virem já contaminados des- • ses lugares donde voem ? Como ia já em decadência quando aUi se 30 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA «principiou a desenvolver esle ramo de industria; a culliu-a do arroz «acabou alli com muitos pântanos, donde se cxlialavam esses niias- a mas pútridos (jue liojc se allribuein á mesma cultura, e nào obslan- « te ainda hoje lia sitios onde a agua se conserva cm estagnação. Alem «disso o antigo rio de Coina, r|uc e haniiado pelas aguas do Tejo u também fornece grande quantidade de miasmas, por([ue estando su- « gcito a uma sêcca i)eriodica pela vasante das marés, neila ficam ex- n postos ao ardor do sol toda a qualidade de seres orgânicos (jue alli «são arrojados quando a inarti enche, o (|ue se torna mais infeccioso u(|uanto as suas margens ficam no estado de humidade expostas ao o sol, sem agua algun)a, <|ue cubra a superficie. E por ventura nào «serão estes lugares focos infecciosos? nào poderão ser a causa d'cssas «doenças (pie se attribucni ao arroz!' é isso 0(|ue se nào averiguou.» « O mesmo em Alhos Vedros, onde apenas iiouve uma seara de « arroz o anno passado : Este Concelho abunda em salinas, nestas a «agua está estagnada, e por espaço de muitos mozcs para se operar «a crislalisaçào do sal, são uns verdadeiros pântanos ou charcos onde; « morrem milhares e milhares de seres orgânicos, que alli ficam eni « estado de putrefacção. » « Ncllas nào se opera a irrigação, (|ue se dá na seara do arroz, «e com tudo o fabrico dosai nào é fulminado de anathema ! podendo « dizer-se sem medo de errar que nelle se dão mais condições insa- « lubres do que na cultura do arroz. Procurou-se achar na cultura « do arroz as causas das febres intermittentes , c não se buscou se «causas mais poderosas já existiam.» « iXão obstante em 1855 houveram intermittentes em Alhos «Vedros não se cultivando o arroz, em 185i houveram intermit- « lentes porque se cultivou o arroz, e no corrente anno nào houve esta «cultura, mas ha intermittentes.» « Um outro argumento de que se serve o relatório para mostrar «a influencia maléfica da cultura do arroz é a falta de commodidades o dos trabalhadores, mas parecc-me ser fútil, porque seelles precisam « d uma hygiene rigorosa como se diz no relatório, a falta dessa hy- o gicne é que os torna molestos, e nào a cultura do arroz. Sentem «privações como em geral sente a. classe dos trabalhadores, mas essas « privações não são causadas por aquella cultura, antes peio contrario n as deve minorar fornecendo-lhe trabalho. » «Finalmente serve-se da opinião dalguns liygienistas, e do pa- « recer da Commissào creada no Departamento de Gironda segundo a « qual nào ha inconveniente na cultura do arroz quando seja feita em DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. ;jí « terrenos arenosos, circunstancia esta, que se dá nos deste Concelho. » A importância das consideraçtics , soLre tudo dos factos releri- dos nestes deus documentos das Commissões , c do Administrador do Concelho da Moita e anncxos não pôde deixar de fazer a maior impressão no espirito desprevenido de todo aquelle (|uc quizcr re- solver o problcnia duma maneira imparcial, e ao mesmo tempo do modo mais útil para o paiz. Mas se Lem reflectirmos no longo re- latório da Commissào creada no Concelho de Alhos Vedros obser- va-se com facilidade ([ue elle se dirige antes a mostrar os incon- venientes da cultura do arroz quando ieita por melhodos viciosos e contrários a todos os preceitos de hygiene do que contra a pró- pria cultura desta utilissima graminea. E no periodo da vegetação, cm que as pétalas das flores do ar- roz cahem sobre a agua dos alagamentos, que a Conunissão do Con- celho de Alhos Yedros vé o maior perigo não só para a saúde dos tra- balhadores dos arrozaes, mas ainda mesmo para a dos habitantes das circumvisinhanças destas searas: mas (|ual e o motivo especial que essa commissào dcscubriu para declarar esse periodo como ornais ar- riscado de lodos para a salubridade publica? a mesma Commissão no seu relatório o declara dizendo que a flor cabe desfolhada sobre a su- perlicie do li(|uido não passando ás correntes, mas conservando-se nos ângulos dos alagamentos, e mesmo pegada em volta do caule, ou do colmo, passando por conseguinte, como um ente orgânico ás vicissitu- des de putrefacção, e por isso deixando evolver esses principios mor- bificos destruidoies da organisação. Ora daqui seconclue (jue segundo mesmo os priucipios da Commissào deste Concelho, ella não reputa (jue exista uas pétalas das flores do arroz algum principio especifico capaz de produzir as febres miasmaticas, antes pelo contrario o (|ue essa Commissào entende é que da estagnação total ou parcial da agua dos alagamentos resulta a putrefacção dessas partes da planta, que pelo progresso da vegetação vão cahindo nos alagamentos; o (|ue essas jiartes de planta entregues ao processo da putrefacção, como ou- tro ([ualijuer cnlc orgavisado necessariamente hào-de dar origem, o produzir o desenvolvimento dos ])rincipios morbificos, que vão depois atacar os trabalhadores empregados no graugcio dos arrozaes, e mes- mo os habitantes das proximidades destas searas. Queé o mesmo (|ue dizer que se por ventura a irrigação das searas do arroz fosse feita com uma quantidade de agua , c por um processo tal que corresse senqire ou quasi sempre de modo que essas pétalas do arroz cahindo na superticie da agua dos alagamentos fossem immcdiatamente arras- 32 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA tadas pela corrente constante oii periódica da agua de irrigação para Cora dos alagamentos para localidades onde nào achassem as condições mais favoráveis para uma prompta putrcfacçào ; essas polalas ou outras tpiaesquer partes desta planta ipic vai murchando aronlccer-lhe-hia o mesmo que acontece com as folhas e (lores de todos os outros vegctaes <|ue cahem periodicamente todos os annos sohre o solo, decompõe-se, e Icrtilisam admiravelmente o terreno sem o menor inconveniente para a saúde dos trabalhadores, e muito menos para a dos habilantes dos campos. Chega-se por conse([uencia com toda a evidencia, pelos princípios e observações da Commissào creada no ConccUio de Alhos \edros, ao corollario imico ([ue avançámos se tirava do seu relatório, isto é, (pie contra os processos viciosos de irrigação é([ue se elevam as considerações da dita Commissào e nào contra a cultura bem dirigi- da desta utilíssima planta. Uma outra parle deste relatório tem por fim demonstrar que o arrozal, c o pântano em nada ditVcrem quanto aos seus elfeitos sobre a salubridade publica ; mas de que modo procede a Commissào de Alhos Vedros para chegar a esta demonstração ? Do mesmo modo que procedeu para demonstrar os eíTeitos da decomposição pútrida das pé- talas do arroz sobre a saúde dos trabalhadores dos arrozaes, isto é, comparando o pântano nào com a seara do arroz conveniente, escien- tificamcnte dirigida, mas sim com pctpienos charcos, onde a agua e os seres orgânicos nella contidos apodrecessem , que tal nome mere- cem esses canteiros dum arrozal dirigicjo mesquinha , e ignorante- mente, e a que não presidiram os princípios nem os conselhos da sciencia esclarecida e desprevenida. A Commissào de Alhos Vedros pôde demonstrar com facilidade que um arrozal irrigado pelo pro- cesso da estagnação e um verdadeiro pântano : lia-de-lhe ser muito diílicil, senão impossivel, fazer acreditar que tem iguaes inconvenien- tes o processo da irrigação por infdtração, como já notamos : mas o que a mesma Commissào, cujo relatório analysamos, não pôde deixar de confessar é que seria um paradoxo affirmar que um arrozal ir- rigado pelo processo da irrigação continua é um verdadeiro pânta- no! senão ouçamos a mesma Commissào no seu relatório: diz ella «O problema está no arroz cultivado pelo processo = irrigação contínua = (jue uns tem condemnado e outros defendido com enthusiasmo. Donde virá esta dilferença de opiniões? Sem duvida do modo como se íaz a irrigação, e da quantidade de agua necessária para essa irrigação : » c nôs ainda acrescentaremos, da (pialidade dessa mesma agua empre- gada nesta irrigação, isto é, cpie não seja agua que venha, posto (pie DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 33 na sufficicnte quantidade, d'uina repreza onde já cila tem ad([uiri(lo todos os dotes d'agiia estagnada, porque nesse caso não é o destino, que se liic dá de vir irrigar o arrozal, (|uc lhe faz perder essas qua- lidades nocivas, que traz comsigo para dentro dos alagamentos. Mas se a Commissào acredita que todas as vezes que a agua l<')r Lasfante, e constantemente corrente se pôde asseverar com eulhn- siasmo <|ue o arrozal não é nocivo á salubridade publica ; como iwde cila avançar a proposição que o arrozal seja sempre um charco ou panlniio com referencia á influencia miasmatica sobre os trabalhado- res, e sobre os habitantes j)roximos do arrozal? Vè-se por conseguin- te pela segunda vez (]ue a Commissào de Alhos Vedros não se refe- re, nem se p(Jde referir ao arrozal cultivado e amanhado segundo os princípios d'unia agricultura racional e esclarecida, mas sim contra o abuso na cultura desta graminea ; c nesta parte a Commissào vai de acordo com todos os hygienistas ainda os mais aílciçoados á opinião da innocencia dos arrozaes. Finalmente o facto mais importante referido no relatório da Commissào de Alhos Vedros, aquelle que merece detido exame é o da successiva decadência, e despovoaçào da Villa de Coina. EslaVilIa n outro tempo florescente e populosa, hoje depois da conversão dos pântanos em arrozaes está pobre, miserável, e reduzida apenas a vinte e tantos fogos! Seus habitantes, com rarissima excepção, são o vivo quadro dos estragos produzidos pela infecção paludosa : definhados, ma- gros, cachcticos, com graves obstrucções de baço, velhos antes de tem- po, finalmente apresentando o horroroso aspecto dos habitantes deSaul- saie nas circumvisinhanças de Leão, antes que aauctoridade c aintelli- gencia de Mr. Niviere, do celebre discipulo de Dombasle, fizesse des- apparecer daquella localidade mais de mil pântanos, e por meio de uma cultura convenientemente dirigida exterminasse das portas de Leão o flagello da infecção paludosa. Mas como é possível fjue a mes- ma sciencia, (jue os mesmos principios, que a mesma cultura faça milagres destes na França e aggrave duma maneira prodigiosa o fla- gello em Portugal ? Não e possivel : o simples senso commum oppõc- sc á admissão desta contradição manifesta e evidente. Na Villa de Coina ha dous factos bem averiguados que attenuam duma maneira muito sensivel as considerações apresentadas no relatório da Commissào de Alhos Vedros: — primeiro, que a decadência da Villa de Coina é an- terior á cultura do arroz naquelle Concelho — segundo, que apezar das searas do arroz terem convertido bastantes pântanos cm arrozaes, todavia ainda ficaram subsistindo muitos, os quaes pelo péssimo esta- MEM. DA ACAD. 1 ." CLASSE T. II. P. I. 5 34 ALGUxMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA do do Rio de Coina, durante o verão coutem uma mistura d agua doce edagua salgada, oqiieaggrava d uma maneira horrivel a influen- cia maléfica pantanosa, segundo o attestam os factos mais Lem ave- riguados no mundo toilo. Sc pois a Villa de Coina já antes da cul- tura do arroz naquelle Concelho caminhava para uma sensivel deca- dência, se os arrozaes convertendo bastantes pântanos em férteis sea- ras darroz, deixaram com tudo alguns juntos da Villa contendo a mis- tura da agua salgada com adoce; como e possivcl explicar o misero es- tado da Villa de Coina pela cultura do arroz quando ainda subsistem causas que só por si eram mais que sufficientes para dizimar e destruir sua população inteira ? A boa lógica oppõe-se á admissão das conse- quências absolutas do relatório da Commissão de Alhos Vedros ; mas com isto não queremos significar que a cultura do arroz mal diri- gida, com a irrigação por estagnação, e com todos os defeitos d'uma cultura impirica seja um beneficio para a saudc publica dos habitan- tes de Coina, ou doutra qualquer localidade ; o (|ue queremos, e não podemos deixar de concluir, é que todas as considerações do relatório encaminham-sc mais a demonstrar os inconvenientes dos abusos da cultura do arroz, do que os males que á salubridade publica pode trazer a sua cultura methodica e esclarecida. Esta é sem duvida a conclusão mais lógica, e mais imparcial que se pôde tirar dos dous documentos officiaes remettidos do Con- celho de Alhos Vedros : devendo ainda acrescentar que o relatório deste Concelho nos serviu de muito, pois que foi elle quem desper- tou a nossa attenção sobre alguns pontos capitães da cultura do ar- roz com referencia á saúde publica. Relatório da A Commissão creada no Concelho de Palmella ' posto que res- Palraenr" "^"^ pon^l^ succintamentc aos quesitos da circular do Governo Civil de !) de Maio de 1854 , com tudo ainda assim prestou um grande servi- ço para a resolução da questão que tratamos estudar e esclarecer por isso mesmo que as respostas são precisas e terminantes , e al- ' Esta Commissãa fui composta pelos Srs. Manoel Pires Gonsalvcs. António Carlos dos Santos. Jo>c de Sousa. Francisco José Pardilha. Custodio f.opes. Manoel Canloso. Yalcnlim Manuel de Paiva. DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 35 gunias delias acompanhadas de circunstancias da maior impor- tância. Em algumas localidades do ConceUio de PalmcUa, como Aguas de Moura c Maraliicca, a cullura do arroz tem mais dum século; na Amieira cuitiva-se o arroz lia vinte annos, c cm Rio-frio apenas ha quatro : as terras destinadas para esta cultura, umas eram paúes e pântanos que tacs, outras terras, onde se cultivavam oscercaes. Eque inllucncia tem tido esta cultura com tSo variado pcriodo de duração, na saúde dos povos, no termo médio da sua existência, e no incre- mento ou diminuição da população rural? eis-a(jui o que a Commis- fiào pôde verificar : antes da cultura do arroz no Concelho de Pal- uicUa não havia populaçíio rural, hoje essa população diz-se ser de duzentos e cincocnta individues : depois da existência dos arrozaes essa população não ollerece , proporcionalmente , maior numero de óbitos do que o da população da Villa , que fica ao abrigo das in- fluencias miasmaticas das searas do arroz: finalmente o termo mé- dio da vida daquelles habitantes do Concelho de Palmella que exis- tem junto do arrozal é de40 a 50 annos; quando esse terreno médio para os que existem fora da acção dos mesmos arrozaes é de 50 a 60. Se pois a população rural nasce e cresce depois da cultura do arroz, se os óbitos d'essa gente que vive no centro de tal cultura não é maior que odcstoutra, f[uc não recebe sua influencia maléfica, se finalmente o termo médio das existências regula com pequena dif- ferença pelo mesmo numero de annos para o que vive sugeito ás emanações dos arrozaes, epara o que vive ao abrigo delias; a influen- cia dos arrozaes sobre a salubridade publica no Concelho de Palmella fica julgada por estes factos, 31as o Relatório da C/)mmissão creada neste Concelho diz mais, por([ue nas respostas a outros ([uesitos, (juasi que dá a razão por que as cousas se deviam passar assim naijuellas localidades ; e essa razão consiste principalmente em presidir aos trabalhos agrários da cul- tura do arroz no Concelho de Palmella um certo numero daqucl- las condições, ([ue attenuam , senão extinguem toda a influencia nociva do arrozal sobre a saúde do trabalhador occupado neste grangeio , como sobre a daquelles individues (juc habitam as pro- ximidades das searas do arroz : essas circunstancias são primo, o ta- manho dos alagamentos, a sua inclinação, e reciprocas aberturas, que estabelecem uma corrente constante em toda a agua do arro- zal : serundo, o ser a rega feita por agua corrente, e agua que não vem de ie|)rcza ou charco, onde ja' tenha adquirido péssimas con- 5. 3G ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA dições para a salubridade publica : lerdo, o principiar alii o traba- lho dos arrozacs depois do sol nado, e terminar pelo seu occaso: e quarto finalmente o ser na generalidade dos casos o solo , sobre que assenta o arrozal calcareo ; nào devendo omniitlir que a agua de que fazem uso os trabalhadores, (|uasi sempre é de boa quali- dade, por(]ue existe assim junto dos arixizaes. A monda é aquelle trabalho dentretenimento das searas du- rante o (jiuil parece que maior numero de trabalhadores é allecta- do das febres intcrmitientes ; mas deve notar-se que, sem querer deixar de reconhecer quanto esse trabalho é penoso e insalubre, é justamente tambaii essa a época do anno, cm que se pratica a mon- da, aquella em que maior numero de pessoas é atacado das sezões mesmo nas localidades aonde se não cultiva o arroz, o que significa que essa coincidência nào pôde explicar-sc mais satisfacloriamente por eausas locaes inherentes ao arrozal do que por causas gcraes, que nessa época do anno, alto verão, influem sobre todos os habitantes destes Reinos. Haja vista ao caracter endémico que as febres intermittentes tcem assumido aqui em Lisboa ha trcs annos a esta parte, sem (|ue se possa dizer que cheguem a esta Cidade osefiluvios miasmaticos dos arrozaes. Relatório da ' A Commissão filial creada no Concelho de Cezimbra é deopi- Commissao de jjj que « a Cultura do arroz é prejudicial á salubridade publica» Ceiímbra. » , , . , ^ . , ^ . ■ ■ , mas perdoe-nos a esclarecida Commissão de Cezimbra que respeitando muito as suas crenças, lhe digamos que o que se não observa no seu relatório é a demonstração da sua opinião , ou a observação de fa- ctos que justifiquem esta conclusão tão genericamente estabelecida. Diz a illustre Commissão, a que nos referimos «muito embora sedi- u ga que ella (a cultura do arroz) obsta á inundação por meio dos val- « lados, á estagnação com valias e sargetas, á pulrcfacção com a viçosa ' Esla Commissão compunha-se dos Sr>^ AlTonso José Pires. José Joaquim Alves, Manoel (ia liteira da Costa. António Filippc. José Joaquim Ferreira Cerca. Cosmc José Rodrigues Costa. João Rodrigues Curto. .\ntoDÍo Maria de Góes. DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 37 • vegetação, fornecendo o oxigénio, e assimilando o acido carbónico; " pois pralicam-se sempre estas regras ? o " E do abuso e iksjprczo deilus não resulta a estagnarão da agua « que contêm plantas nocivas em n)aceraçào e por isso mais putrelac- « ção do que existia d'antes? Kivela-se por ventuia o terreno de « modo, que não fique nelle, pelo menos em algumas partes» agua «estagnada, ainda que se use das valias e sargetas?» «Esupposto que podessem haver estes cuidados na cultura doar- « roz em pccjuena escala, succederia sempre assim na cultura cm gran- «de? Quem são as pessoas intendidas que se empregam nosarrozacs, «eque conhecem oprejuizo, que lhes pôde causar, e aos scusconcida- « dàos o desprezo das cautelas, que requer este género de cultura '.* » Depois accrescenta a Commissào cm seu relatório «estas moles- « tias (as febres intermittentes} sào aqui endémicas, e existiam muito • antes da cultura do arroz ; não tecm feições caracleristicas, que as «façam discernir das outras epidemicas análogas; não teem accommet- " tido com preferencia os que se empregam na cultura do arroz. . . » "Ha febres intermittentes; porem estas tanto accommetlcm os « que se empregam na cultura do arroz, como os dos lugares eleva- « dos, os do campo, como os da Villa. E a sua causa explica-se por «uma causa geral proveniente das emanações paludosas.» « Exercendo-se a cultura do arroz nos logarcs baixos e paludosos « encontra-se alli constantemente uma atmosphcra húmida,.... c " imprópria á vida. Estas circunstancias servem para explicar a insa- « lubridade geral de todos os logares baixos, e terrenos alagadiços, « independentemente de haver ou deixar de haver ncUes cultura ilo «arroz, sem recorrermos á especialidade do trabalho, ou á mudança « repentina das condições externas da vida &c. no entretanto parece- n nos que não deixa de contribuir também para a insalubridade ge- » ral o melhodo de rega dos terrenos, em que se cultiva o arroz, pois « que inundando-os 4 vontade sempre contêm plantas em maceração, n e de mais a mais empregando-se na rega o lodo dos charcos, levan- " do em mistura raizes em putrefacção, daqui resulta (jue na presença « dum forte ealor se desenvolvem eflluvios lodosos, que vão incjuinar «a atmesphera, bem como os miasmas isolados do corpo dos traba- « Ihadores, deteriorados já pela mudança repentina das condições ex- « ternas da vida, já pelos alimentos grosseiros e insalubres de que usam, «já finalmente pelo máo abrigo das noites, dormindo em uma casa « térrea e húmida, pouca espaçosa para conter grande numero de in- < dividuos. » 33 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA E' fácil de concluir de todos estes argumentos e considerações que a cultura do arroz não e prejudicial .1 salubridade publica, e que quando parece concorrer para aggravar as consequências d'uma cir- cuuifusa já viciada sobre a saúde das pessoas, que são obrigadas a viver no centro delia, é mais pelos abusos conimcttidos nessa cultura, e pe- los desvios livgienicos e dietéticos do regimen da população agricola, do (juc pelos máos eflcitos dessa mesma cultura, quando dirigida con- veniente e razoavelmente. De modo que parece impossivel que a Com- missão do Concelho de Cezimbra tirasse como consequência destas pre- missas (juc a cultura do arroz era prejudicial á saúde publica ! quando o (|ue parece dever-se concluir logicamente era que essa cultura só por abuso, ou nos methodos de irrigação, ou no regimen dos trabalha- dores poderia tornar-se nociva á saúde das pessoas empregadas no seu grangeio, ou daqucllas que vivessem a uma curta distancia dos ar- rozacs. A Commissào sentiu tanto o pezo destas considerações, e a força irresistível desta argumentação, que continuando o seu relatório, acres- centa. " Na falta d'outros casos bem averiguados responderenws aos «quesitos deste artigo com o facto seguinte == No districto de Coim- 0 bra, e nas proximidades da Louzã existe uma povoação denominada « Serpins, onde os habitantes de mais adiantada idade não se lembram n de terem alli sofTrido febres intermitlentes ; porem depois (jue na- « (]uella localidade foi estabelecida a cultura do arroz pelo Sr. António « Xavier de Barros Corte Real, logo este e sua família foram aflectados «de intermitlentes tão rebeldes que se viu obrigado a mudar-se com «sua familia para Coimbra, a fim de que com a mudança de ares se 1 podesscm melhor restabelecer. Eis-aqui uma povoação que de bem a salubre, que era, se tornou insalubre. » Jlas como pôde a Commissào tirar d'um facto isolado, e ao qual podíamos oppòr outros muitos em sentido contrario consignados mes- mo neste nosso trabalho uma consequência geral e absoluta ■= logo os arrozaes são prejudiciacs á saúde publica ? Confesso que os factos para mim, e para toda a gente teem uma força immensa, e que é sobre tudo os factos bem averiguados e bem interpretados, que temos bus- cado sempre com avidez em todos os relatórios que temos menciona- do; mas é necessário também não querer que os factos signifiquem mais do que aquillo ([ue eiles podem exprimir. Sabe-se por ventura por que mommiss;io di- que se cultiva o arroz ha dez annos ; e como antes da cultura do ar- ^lo.mf,. roz naquelle Concelho as febres inter mittentcs não reinavam epide- micamente, fica muito fácil no Concelho de Alcoentre verificar se os arrozaes produzem ou nào febres miasmaticas. E o que é (|ue a Com- missão de Alcoentre nos diz a este respeito cm seu relatório;' ipie antes da cultura do arroz naquelle Concelho nem haviam pântanos, nem moléstias endémicas, e que no decurso de dez annos, em que muitas várzeas se teem convertido em arrozaes, substituindo amplas searas de trigo, cevada, e milho, não tem igualmente apparecido nem febres intermittentes, nem moléstia alguma endémica. Estas circuns- tancias especiaes do Concelho de Alcoentre não podem deixar de ter uma grande influencia na resolução dalguns problemas, que desejamos esclarecer neste nosso trabalho. Nesta localidade a duvida tantas ve- zes acarretada da existência dos pântanos, (jue podem ser reputados ' Esta Commissão rnmpiinba-sc dos Srs. Domingos Pinheiro Augusto de Mello Brandão. José Maria dos Sautos. Jnsé Joaquim Pinto. António Pinto Itlachado. Joàú Jacinllio de Lima Mira. 4H ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA os focos das endemias aUribuidas ao arrozal, não existem: nesla localida- de a cultura do arroz tendo dez annos de duração aprcsenta-nos uma época sunicicnle para avaliar os seus cfloitos sobre a salubridade ]iu- blica, e ao mesmo tempo conseiUe a fácil comparação concellos, Presidente. Minoel de Sande Alves. António {Jonics Pintieiro. AIÍ!!ui'l Antniiii) Cândido dos Santos. Jeronjmo José Salgado. Joaquim José Migueis, Secretario. 53 ALGUMAS COiXSIDERAÇÒES ACERCA mo tempo peorado o estado sanitário daquclla localidade. Mas se o relatório nos nào diz se por ventura o numero das febres intennit- tentes diminuiu no Concelho de Grândola depois da cultura do arroz, diz-nos com tudo bastante para podermos concluir com todo o rigor lógico que a salubridade geral de seus moradores mclliorou, c lu- crou bastante com o (estabelecimento dos arrozacs ; por quanto sendo o termo médio dos óbitos por anno de noventa a cem antes da cul- tura do arroz; depois delia tem baixado de oitenta a noventa; se pois com a mesma população morre menor numero de pessoas por anno, é evidente que a salubridade publica tem melhorado sensivelmente. Em segundo lugar menciona-se no relatório uma circunstancia, que posto seja de jiequeno valor para alguns escriplores, com tudo outros lhe dão muita importância ; e no caso presente 'essa circuns- tancia é desvantajosa para a saúde dos moradores da Villa de Grân- dola, 6 ainda assim, nào se tem verificado naquella povoação a in- fluencia morbifica, que alguns tcem querido attribuir ao arrozal: essa circunstancia vem a ser a de ficarem no Concelho de Grândola os ar- rozacs a Norte e Leste da Villa, e por consequência esta povoação na direcção da corrente mais constante dos ventos, que sopram naquella época do anno, e naquelles tempos dos trabalhos, e da vegetação dos arrozaes, que se teem supposto os mais nocivos á saúde publica, isto é, de Agosto a Outubro, e no tempo das mondas, e das ceifas -, e apesar de tudo isto o relatório não nos diz que o estado sanitário da Villa de Grândola tenha peorado depois da cultura do arroz. Terceira circunstancia, que também deve influir d'uma manei- ra vantajosa sobre a influencia dos arrozaes na salubridade publica, vem a ser a de se fazer no Concelho de Grândola a cultura do ar- roz por folhas. Já dissemos bastante na analyse dos relatórios de Azeitão, e Alcoentre sobre as vantagens agrícolas e hygienicas des- te methodo de cultura, que marca o período mais illustrado da agricultura dum povo. Mas a circunstancia mais vantajosa, a capital na verdade que deve extinguir a influencia morbifica dos arrozaes sobre a saúde publica, é a do processo da sua irrigação, e a da quantidade, e qua- lidade da agua de que o lavrador dispõe jwra esse mister : boa agua, em grande abundância e correndo perennemente» ou quasi perennemen- te pelos diversos alagamentos do arrozal , são circunstancias taes , que dadas cilas, quasi que se pôde responder pela innocencia desta cultura; é o que temos observado nos relatórios todos ({ue temos passado em revista, c que aijida se observa no da Comniissão crea- DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 53 da no Concellio de Grândola, de que actualmente nos estamos oc- cupando. Nesta localidade o processo da irrigação geralmente ado- ptado é o da agua corrente, a altura dos taLoleiros é de dous pal- mos , e a altura media da agua nos alagamentos , costuma ser de palmo enieio; com estas circunstancias a agua nunca estagna, o prin- cipio de putrefacçào não se manifesta, o arrozal não se converte num pântano, e a salubridade tanto do trabalhador empregado no grangeio do arroz, como a do habitante das immcdiações do arrozal não soflVe o menor incommodo, porque a volatilisaçào do principio miasmatico nào existe. Uma outra circunstancia, que também concorre para que assea- ras de arroz não sejam tSo nocivas nesta localidade, como noutras, vem a ser a da natureza do solo, sobre que assenta o arrozal, que e geralmente fallando no Concelho de Grândola silicio-calcareo ; já por vezes nós temos repetido neste trabalho, e é doutrina corrente nos livros mais competentes da sciencia, que a influencia morbifica do ar- rozal é tanto menos sensivel quanto a natureza do solo, sobre o qual elle assenta, mais se aproxima do calcareo puro. O trabalho dos arrozaes é dirigido no Concelho de Grândola de- baixo das melhores indicações duma hygiene esclarecida; alli otra- Lalho nunca principia senão depois do nascimento do sol, e acaba sempre antes do seu occaso : esta subtracção dos trabalhadores aos eflíluvios dos arrozaes nas duas épocas do dia, em que elles costumam ser mais nocivos, não podia deixar de concorrer e muito, para preser- var tanto quanto é possível a vida desta proficua e desprezada clas- .se dos males inherentes a esta industria agrícola. Quando a tempe- ratura da atmosphera é tal que os eíTluvios emanados de qualquer agua estagnada não podem subir muito alto na mesma atmosphera , o que acontece no principio e fim do dia agricola, os pobres traba- lhadores veem-se nas circunstancias de respirarem um ar cheio des- ses eflíluvios, e a sua intoxicação paludosa é inevitável ; quando pelo contrario a acção solar tem já elevado esses efiluvios a uma dada al- tura, os trabalhadores do arrozal respiram um ar menos nocivo, e subtrahem-se por consequência á mais poderosa causa da influencia morbifica dos arrozaes. Se esta circunstancia é nimiamente útil na direcção do trabalho agricola de todos os arrozaes ; ella é indispensá- vel naquelles onde as irrigações não são feitas pelo processo da agua corrente. A alimentação dos trabalhadores dos arrozaes no Concelho de Grândola é suíTicicnte, e de boa qualidade, e esta circunstancia tam- 5 i ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA bem deve concorrer poderosamente para que esta desgraçada classe da sociedade soíTra o menos que fòr possível. A liygiene do trabalha- dor tem sido constantemente dcspresada ; a sua ignorância e rudeza por uma parte, e a inditVerença e abandono com que os pro- prietários e senhores de terras tratam este importante assumpto, são as verdadeiras causas deste indesculpável desprezo : debaixo deste ponto de vista, a sorte dos animacs empregados ua agricultura e' muito melhor do que a do jornaleiro: geralmente fallando, o pen- so do animal é muito preferivel á hygiene do trabalhador ! Quem desconhece a miséria, o desalinho, a escuridão, o pouco reparo, e a falta absoluta de todos os commodos da vida dessas espeluncas, chamadas vulgarmente «casas de malta?» alli apenas o calor duma fogueira aquece, senão asphyxia, uma multidão de jornaleiros, que chegando a noite, na estação invernosa, cheios de frio e talvez de fome, apenas encontram uma pobre manta quasi diaphana para se cobrirem e agasalharem ? alimentando-se mezes a fio apenas de sar- dinhas do tempo, em principio muitas vezes de corrupção, como acontece quasi sempre na Beira ! E o arrozal carrega muitas vezes com a culpa de moléstias, e febres, que são o resultado simples e exclusivo desta falta absoluta de todos os commodos da vida ! A robustez desta gente, e o habito adquirido de viver na miséria, e na indigência pôde preserva-los dessas moléstias por mais tempo do (juc outro qualquer que não tivesse tanta força de resistência ; mas de certo não poderão fazer o milagre de os tornar constantemente superiores a tantas, e tão variadas causas de destruição. A hygiene do trabalhador, especialmente daípielle que se emprega no grangeio do arrozal, não pôde deixar de merecer a sollicitude de todo o Go- verno humano e illustrado. Ainda deve fazer parte deste mesmo capitulo a qualidade da agua que bebem os trabalhadores do arrozal; esta é uma cir- cunstancia altamente importante para a hygiene do trabalhador. To- dos os relatórios, que temos visto e meditado são uniformes em declarar que quando os trabalhadores do arrozal teem a fortuna de terem á sua disposição boa agua potável, osdamnos, que se dizem, provenientes do arrozal, ou desapparecem de todo, ou apenas sào sen- síveis ; c quando pelo contrario esses trabalhadores se vêem na dura necessidade de beberem aguas encharcadas, e corrompidas, elles ad(]ui- rem ordinariamente febres intermittentes mais ou menos graves, que são lançadas a conta do arrozal, e muitas vezes com bem fraca razão. Isto é tanto assim que todos os annos no tempo das ceifas dos pães DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. bb nas lezírias do Ribatejo adoece um immenso numero de trabalhadores com sezões, que nem avistaram os arrozaes ; e os quaes são victimas (I uma insolação violentissima, e da intoxicação lenta produzida pelo uso de aguas encharcadas, immundas, e pútridas! Aqui como não existe o arrozal, a febre éattribuida a quem de direito pertence; mas logo que na localidade sazonatica existe uma seara de arroz, é esta exclusivamente que carrega com a responsabilidade de todas as mo- léstias não só dos trabalhadores do arrozal, mas ainda dos habitantes mais próximos desta cultura ! Concorre igualmente para que os trabalhadores dos arrozaes não solTram tanto no Concelho de Grândola como noutras localidades, a sua alimentação sufficientc, e de boa qualidade. Se a hygiene em ge- ral, pôde concorrer para se obter a isempçào do trabalhador do arro- zal da inlluencia paludosa, a alimentação que constitue amais impor- tante circunstancia da hygiene não pôde deixar de contribuir dum modo muito assignalado para este importante fim. E é para notar que esta alimentação naquclle Concelho raras \czes consiste em carnes, mas ordinariamente se compõe de legumes. Igualmente se notou que a agua de que usam os trabalhadores dos arrozaes no Concelho de Grândola é de muito boa qualidade, c não é encharcada, e corrompida, como infelizmente acontece n'outras localidades, e por isso também se não verificam neste Concelho os ca- sos de moléstias miasinaticas, que se observam junto aos arrozaes de outros Concelhos, restando ahi sempre a duvida se a moléstia é pro- duzida pelo arrozal, se pelo uso da péssima agua, que os trabalhado- res bebem. Depois de extractarmos, e juntarmos as nossas considerações acerca dos relatórios das Commissões filiaes dos doze Concelhos do Dislricto Administrativo de Lisboa, em que se cultiva o arroz; con- feccionamos o mappa annexo, no (jual se podem observar rapidamen- te as respostas dadas pelas ditas Commissões aos vinte e quatro (jue- sitos feitos pela Commissão central do Districto ; e assim com summa i;icilidade se pôde ver nesta taboa synoptica qual o modo por ipie são consideradas no Districto de Lisboa as questões mais graves de hy- giene publica que prendem immediatamente com a cultura do arroz. Eitas respostas tecm para nós a maior força, porque aquellas r)6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA Coinmissões eram compostas nào só das pessoas mais respeitáveis, e mais competentes das localidades ; mas sobre tudo, porque essas pes- soas tinham interesses encontrados na cultura do arroz, e por isso o seu voto deve ser considerado como a expressão da verdade, e nào como a traduccào de interesses mesquinhos, que prendessem absolu- tamente as resoluções d'essas Commissõcs. Deste modo os Facultativos das localidades tinham de olhar o assumpto pelo lado da hygiene, os lavradores pelo da producçào, c as auctoridadcs administrativas, e os consumidores habitantes do Concelho pelo da saúde, e da riqueza do municipio conjunctamente. E' assim que o parecer de cada uma des- tas Commissões representa fielmente a importância da cultura do ar- roz já sobre a saúde dos povos, já sobre a riqueza desta industria agrícola : fim ultimo, a que nos propozemos neste nosso trabalho. Vejamos agora muito resumidamente como esses quesitos foram respondidos pelas Commissões dos doze Concelhos doDistricto Admi- nistrativo de Lisboa ; a saber de « Alcácer » « S. Thiago do Cacem » a Sines » « Setúbal " « Alcochete » « Moita e Alhos Vedros » « Palmella » « Cesimbra » « Alemquer » « Azeitão » « Alcoentre » « Grândola. » 1 ." Quesito « Ha que tempo se cultiva o arroz nas diversas lo- « calidades do Concelho ? » O máximo espaço de tempo que se encontra de cultura de ar- roz no Districto de Lisboa e' de cem annos ; e por tão dilatado espa- ço do tempo apenas se encontra esta cultura nos Concelhos de Setú- bal, e Palmella; e a nSo ser no de Grândola, a cultura desta grami- nea data de vinte annos a esta parte em todos os outros Concelhos ; sendo apenas introduzida no da Moita e Alhos Vedros ha muito pou- cos annos. 2." Quesito o Que culturas tinham as terras convertidas em ar- « rozaes antes da cultura do arroz?» Em quatro destes Concelhos a saber «Alcácer» « Setúbal» "Alem- quer D e « Grândola » a cultura do arroz foi feita em terrenos total- mente incultos, quer fossem pantanosos, quer não : nestas localidades por tanto a cultura do arroz significa um grande progresso indus- trial, e mesmo hygienico ; noutros quatro a saber « S. Thiago do Ca- cem » « Alcochete » « Moita e Alhos Vedros » e « Palmella » parte do terreno convertido em arrozal já era cultivado, ordinariamente para cereaes, c parte eram pântanos e terrenos alagadiços, verdadeiros fo- cos de infecção miasmatica ; aqui se a salubridade publica lucrou, a industria agricola entrou igualmente por muito na transformação das culturas. Finalmente nos restantes quatro Concelhos a Sines» « Cesim- DA CULTI:RA do arroz em PORTUGAL. 57 Lra » «AzciliSo» c o Alcoentre» os lucros produzidos pelo arroz mo- veram os lavradores a substituir a cultura do trigo, das balatas e outras pela do arroz como mais lucrativa, ou talvez mais adequada ao seu solo, e ás condições climatéricas da sua localidade: usaram dum direito, que se Ibe nào pôde contestar, salvas algumas circuns- tancias cspeciaes c ponderosas. Seria para desejar o saber que quanti- dade de arroz tenliam produzido esses terrenos, que eram destina- dos a outras culturas? qual a difTerença de lucros produzidos pelo arroz em comparação dos provenientes das outras culturas ? e que iniluencia terá ])roduzido nos preços de uns e outros géneros, essa variação de culturas Ceita ha vinte annos a esta parte? mas os nos- sos meios statisticos falham-nos absolutamente a este respeito. Po- demos com tudo asseverar que a producção do arroz em Portugal já é tal, que se tem chegado mesmo a exportar, e que nos temos emancipado, em grande parte, do tributo que pagávamos pela vas- ta importação, que fazíamos, desta interessante gramínea ! A gene- ralisaçào da sua cultura, terá feito diminuir o tonsumo do pão, e sobre tudo das batatas? parece-nos que sim. 3." Quesito « Eram terrenos alagadiços ou pantanosos, esses que o se converteram em arrozaes ? » As terras que se converteram em arrozaes nestes doze Concelhos eram totalmente pantanosas em quatro, Alcácer, Setúbal, Alemquer, e Grândola ; em parte pantanosas e parte já reduzidas a diversas cul- turas em cinco ; e apenas nos restantes três é que foram na totalidade mudadas outras culturas em arrozaes ; mas a maior parte das searas de arroz, que hoje existem, são todas estabelecidas em terrenos ala- gadiços ; e veremos alem disso que nessas mesmas localidades onde não se converteram pântanos em arrozaes, mas sim terrenos que já eram cultivados para diversos fins ; ainda assim nesses mesmos a salubri- dade publica não pcorou. Pela resposta a este quesito se deprehende que a riqueza publica augmentou duma maneira espantosa pela con- versão de vastas superficies do solo paludosas, encharcadas e por con- sequência inúteis, em grandes searas de arroz, a mais productiva, e mais lucrativa de todas as gramíneas; e cm segundo logar constituin- do localidades salubres e habitáveis, sobre terrenos mephiticos e in- hospilos ! O exemplo mais notável a este respeito é sem duvida al- guma o de Alcácer, cuja salubridade melhorou consideravelmente de- pois (|ue os sapaes que orlavam o Sado foram convertidos em férteis searas d arroz; c posto o nictliodo de irrigarão adoptado fòr tal que os canteiros dos arrozaes se aproximem nas suas condições ás dos pântanos. DisTRiCTo ADMiMSTiiATivo DE LEIRIA == A opinião da Commissão crca- eriodica, eode irrigação contínua, que este segundo methodo, sendo muito mais vantajoso que o primeiro, ainda tem alguns inconvenien- tes: taes são==l.° uma tal ou qual estagnação dagua nos tabolei- ros. mormente na parte mais próxima aos cômoros lateraes, incon- veniente (jue será tanto maior, quanto maior fòr a sua superfície^ 2." que no tempo da monda, da ceifa, etc. sendo necessário enxugar os canteiros evolve-se então grande quantidade de gazes mephiticos pela pntrcfacção das matérias orgânicas = 3." que seja qualquer o me- thodo de irrigação que se empregue, as arvores, ainda as mais avi- 10. s 76 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA das de humidade , que existem dentro , ou próximas dos arrozacs , morrem logo depois do estabelecimento (restes , Hiclo í|ue já linha sido notado pelo Conde Gasparin, e que ellc attribuia a uma espé- cie de intoxicação vegetal devida á infiltração subterrânea das aguas dos arrozaes. Todavia a Conmiissão querendo combinnr o progresso duma cultura tão rendosa com as conveniências da liygienc publica, lembra alguns meios, que (piando não extingam, pelo menos possam reduzir ao menor grau possível a induencia ilcsfavoravc! que os ar- rozaes possani ter sobre a salubridade publica : essas circunstancias são = 1 ." a inclinação dos terrenos dos arrozaes = 2.* que a irrigação seja feita, ou pelo melhodo contínuo periódico, ou pelo da infdlração ==3.' que ostaboleiros nunca tenham mais de dez palmos de compri- mento sobre cinco de largura == 4.' que a agua depois de servir ao arrozal não sotVra embaraço, ou estagnação alguma no seu desagua- douro = 5.° que os diversos trabalhos da cultura do arroz posteriores ú sementeira nunca principiem antes duma hora do sol nado, nem ter- minem depois d"uma hora antes do seu occaso^6.° que immediata- mente depois da ceifa sejam arrazados os cômoros , e o campo do arrozal. = O Conselho Escolar nota , que parte destas condições já se acham consignadas no trabalho d'um de seus membros impresso na Gazeta Medica de Lisboa de 16 de Maio de 1854. = A Com- missào de Ponte de Sòr depois de ter visitado os terrenos aonde se cultiva o arroz pôde chegar á seguinte conclusão: que a cultura do- arroz naquelle Concelho, em geral, não era prejudicial á saúde publi- ca = l." porque se reconhece que a insalubridade publica de alguns pontos nào provem da cultura do arroz, mas sim da estagnação das aguas nos terrenos dos arrozacs == 2." porque depois que se começou a cultivar o arroz, não se tem desenvolvido epidemia alguma, que se possa attribuir a similbante cultura = ."i." porque as febres intermit- tentes, sendo alli endémicas, tem-se reconhecido, (|ue ha certo nu- mero de annos para cá tem diminuído muito a sua frequência = í ." linalmente, porque comparando a siatistica dos óbitos nos annos an- teriores á cultura do arroz com a dos annos posteriores á dita cul- tura, vê-se que a mortalidade actualmente não é tão grande como em outro tempo = Finalmente no Districto administrativo de Portalegre existem duas localidades, que são a Freguezia da Margem, c parte da Commcnda, que sendo muito insalubres, quando estavam cobertas de paues e brejos, teem-se tornado muito melhores depois da cultura do arroz naquellas localidades. DISTBICTO ADMINISTRATIVO DE SAiSTAREM = A CommissãO dcstC Dis- DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 77 Iricto depois cIc declarar ([uc as searas de arroz podem ser entretidas por Ires mctliodos de irrigarão, a saber = O continuo, o da estagna- ção e o de infiltração, == vè cm todos estes metliodos de irrigação, ainda inesino no de inliltração, bastantes condições dos pântanos, epor isso concilie, que, cm thcse, a cultura do arroz e prejudicial á saúde publica; para isto interpreta a seu modo o nieihoranicnto que a Vil- ia de Alcácer do Sal tem tirado quanto á salubridade publica, da cul- tura do arroz, e declara que as stalisticas dos Concelhos de Ulme e Muge provam que o estabelecimento dosarrozaes nestes Concelhos não melhorou as suas condições de salubridade, contra a opinião do Me- dico daquellas localidades. Mas ainda assim, quando inculca os meios hygicnicos que se devem empregar para obstar ao desenvolvimento (las moléstias que existen) nas immcdiações dos arrozaes , não tem duvida de aconselhar ao Governo que « ([uando próximo de qual- quer povoação existissem pântanos, a quahjucr proprietário devia ser pcrmiltido o convertel-os em searas de arroz» Quanto porém a todos (xs outros preceitos, (|ue a Commissão propõe para attenuar os eílei- tos de insalubridade dos arrozaes, ella não faz mais do que lembrar a este respeito, o que tem sido ponderado e repetido por todas as ou- tras Commissões e pelos livros de hygicnc publica. coxcLusÃo = O Conselho Escolar depois de examinar attenta- mente os seis relatórios que lhe foram presentes, e observando a es- cacez de factos, e de dados statisticos, que elles apresentam, lembra ao Governo, que poderia talvez ser útil a nomeação duma Commis- são especial, íjue fosse visitar as localidades aonde a cultura do ar- roz tem maior desenvolvimento, como se fez em 1852 para o Sudoes- te da França, a fim de que obtidas statisticas rigorosas acerca da sa- lubridade dessas localidades, e da mortalidade com relação á popu- lação anterior e posterior ao estabelecimento desta cultura, podesse depois sobre bases mais seguras determinar o que mais conviesse á saudc dos povos, e ao desenvolvimento duma industria tão lucrativa. Todavia, como este assumpto se tem estudado profundan)ente naquel- les paizes próprios para a producção do arroz, e como os diversos membros do Conselho tenham examinado esta questão individualmen- te, entende o mesmo Conselho que está nas circunstancias de oflere- ccr ao Governo de Sua Magestadc as seguintes conclusões, que po- deriam ser adoptadas como outras tantas bases da legislação que houver de regular o assumpto sem prcjuizo desta industria agrí- cola , c com muita vantagem da saúde publica. Quasi todas estas regras se tcem adoptado nos paizes estrangeiros , e são as que as 78 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA Comniissõcs consultadas propõem quasi unanimcmenle cm seus re- latórios. 1.° Permillir a cultura dos arrozaes = "'' nos terrenos pan- tanosos = 2-" nos paues, ditos subterrâneos, cujas aguas nào se apre- sentam logo á superficie do solo == >■" nos hrejos e nos terrenos li- toraes dos rios c ribeiras nimiamente húmidos. 2." Permittir também os arrozaes nos terrenos nào pantanosos, mna vez que sejam convenientemente regados com aguas (>rovenien- tes de pântanos , de paues , ou de terrenos nimiamente aipiosos , e cujas condições de salubridade possam melhorar com a subtracção das mesmas aguas. 3." Permittir igualmente os arrozaes como cultura de rotação quadriennal, tricnnal, ou mesmo biennal. 4." Permittir ainda os arrozaes quando regados pelo systema de irrigação por infiltração , com tanto que as aguas contidas nas re- gueiras marginacs dos tabolciros sejam fre([uentemenle renovadas. 5.' Permittir finalmente os arrozaes, quando regados pelo syste- ma de inundação, ou de alagamento, sempre que as aguas possahi .ser continuas, ou frequentemente renovadas, já na sua totalidade, ja' parcialmente. 6.° Não permittir os arrozaes, quando o systema de irrigação atraz indicado não poder ser corrigido pela renovação geral, ou par- cial das aguas, que estagnadas nos taboleiros adípiircm então pro- j)ridades deletérias. 7." Não consentir na irrigação por alagamento, que as aguas es- tagnem alem de oito dias nos taboleiros. 8." Prohibir as reprezas, ou outro (jualqucr meio de estagnação das aguas para entreter as irrigações dos arrozaes, sempre que es- tas nào sejam renovadas por correntes sufficientemente copiosas para impedir a putrefacção de seus contentos. 9." Facilitar opportuna e convenientemente o esgoto das aguas das regas. 1 0." Determinar convenientemente a inclinação dos terrenos dos arrozaes, a grandeza dos taboleiros, a largura dos cômoros e as aber- turas para a saida das aguas. 11." Esgotar os taboleiros, arrazar os cômoros, alqueivar os terrenos dos arrozaes, tão próximo como possa ser da ceifa dos mes- mos arrozaes. 1 2.' Estabelecer a distancia a que os arrozaes considerados co- mo insalubres devem ficar das grandes povoações (mil metros.'). DA CULTURA DO ARROZ EM PORTUGAL. 79 13.' Ordenar a plantação de inatas entre os arrozaes c as po- voações. 14." Ordenar a adopção de todas as condições hygienicas, que devem presidir ao trabalho , e o modo de vida especial dos traba- lhadores dos arrozaes. í'inalii)enlc , explicar e desenvolver por meio de regulamentos a maneira por que devem ser executadas as antecedentes prescripções. E' o que o Conselho julgou levar ao conhecimento de V. Ex." para os efleitos convenientes. Somos chegados á altura, e á mais importante parte do nosso trabalho ; e tendo promettido no começo desta Memoria sermos ló- gicos, e iniparciaes nas nossas consequências, esperamos cumprir icligiosamcutc a nossa promessa. Faremos todas as diligencias pos- siveis para não estabelecer principio algum pratico, que não se de- duza rigorosamente dos relatórios, que já temos estudado, e analy- sado : quando as nossas consequências forem os corollarios da expe- riência esclarecida e continuada d algumas localidades faremos toda a diligencia para indicarmos (juaes são essas localidades, que justi- ficam tão exidjerantcniente a nossa opinião. Sc alguma vez um ou outro facto também referido nesta nos- sa 31emoria parecer contrariar qualquer principio, que nos pareça ser a consequência lógica da experiência d outras muitas localidades, não ommittiren)os essa circunstancia, e faremos todas as considera- ções, (juc a gravidade do assumpto exigirem que se íaçam. Podemos declarar com toda a franqueza, de que somos dota- dos, que não temos motivo algum de interesse, ou de principies scientilicos anteriormente professados, em virtude dos quaes sejamos ])artidarios exclusivos ou da máxima liberdade da cultura do arroz, ou da summa rcstricção desta industria agricola : amigos sinceros da prosperidade da nossa pátria não desejamos pôr pêas a uma fon- te de riquezii ião productiva ; mas desvelados defensores da saúde dos povos, não concorremos com a nossa opinião para lha roubar a troco dos maiores lucros, que esta ou outra cultura lhe podesse ministrar. A nossa vida publica até hoje ahi a apresentamos como uma forte garantia da pureza de nossas intenções. A primeira circunstancia que julgamos dever examinar é se 80 ALGUiMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA convêm marcar a distancia a que os arrozacs devem ser permilli- dos com relação ás povoações, que lhe ficam cm volta. Nós enten- demos que essa restricçào é uma das clausulas essenciaes dos re- gulamentos , (jue se houverem de fazer , mas com algumas modi- licações. Todavia antes de apresentarmos essas modillcações decla- raremos com toda a franqueza que aconselhamos, e votamos por essa providencia rcstrictiva por estarmos plenamente convencidos de co de infecção senão quando a sua irrigação deixa de ser feita se- gundo os principios da sciencia. Diversas causas influem para que o arrozal se converta n'um foco de infecção paludosa ; mas duas são, (]uanto a nós, as prinripacs : falta d'agua, e ma'o metliodo no processo «ie irrigação ; o máo metliodo no processo de irrigação pôde provir ou da ignorância do lavrador, ou da ines(|uinhez no grangeio da sua .seara. Quando a vestoria demonstrasse que a agua de que o lavrador ])odessc dispor para a irrigação do seu arrozal não fosse a sufficientc ))ara o irrigar periodicamente, eque os alagamentos nãopodessem dei- Aar de conservar .sempre a mesma agua sem renovação, e de inais a mais com pequena altura (algumas polegadas), taes culturas darroz deveriam ser absolutamente probibidas: mas quando o arrozal, tendo agua sufficicnte, .se tornasse um foco de infecção por negligencia, igno- rância, ou indesculpável ambição do lavrador, elle deveria ser coagido a amanbar o arrozal em conformidade com os preceitos de regula- mentos policiaes, que previamente se lhe haviam de communicar. O estudo desta importante questão torna evidente que as irriga- ções feitas por corrente contínua, por corrente intermittcnte mas den- tro em periodos certos e curtos, e por inGltração são innocentes para a saúde publica ; mas que a irrigação por estagnação é summamentc nociva não só á saúde dos trabalhadores empregados no grangeio do arroz, mas mesmo á dos habitantes mais próximos do arrozal. É ne- cessário com tudo advertir que os primeiros três processos de irriga- ção, posto que innocentes cm si, podem tornar-se nocivos em virtude do desprezo, que pôde dar-se d'um ccrlo numero de circunstancias, <]ue os fazem aproximar da irrigação por estagnação ; taes são por exemplo a má collocação e direcção dos alagamentos uns a respeito dos outros que iKkle fazer com que a agua se não renove junto dos seus ângulos, e só no meio, o que produz a putrcfacçào das substan- cias orgânicas nessas partes onde a agua se conserva estagnada: o não ter esgoto o deposito onde está a agua, que já serviu á irrigação, c ser muito próximo da seara, o«ntanoM*T i i}»att ftaai at muU-nU» iiifli*rri'()iici)k« tiat „ii.-'U.ii^ún ila<|U('lla> Iticaliilailcf siiht ila iiilliir.i IN03IE DOS CONCELHOS : RESPOSTAS DADAS. s, Tiii\r.o no CA I rrcfltiFiiIii ili-[") Míí ()||R rilviiijt» yítvce manif<-«tar-*<- iirliillca iliia tnuiãv»! Ktii qiio úireci^io ítum ni arrorocu .11 iiiiliorci |>uiuti{v('* ilu I',oii»lq cm que nticnta oníroinl ^ Imiim. i6i, uii icrrcuu «Icjirwtf 17." A i\w liurn» |iriuciiiln i' ncnlu " Iratullii. 11'. nHOIfll'»í tH (j„n| 1^ A iii»lriiln^.Vi >lt>t lf.ili.illin>|iiri'>? líi.' SolTfi-ni ninli n» Ir-itallinilocc» imi|iri(» il; .'liibilo, OH o» ilc fira? 'Jll.* Dflirin luilni n|t"<' >''* l>'CAliilanli>nivnl(i cuttumaiu B|i>v iirrwiartT •2-J.* Tirm-io ]iflr ventura r«vHhrcÍilo que ali;^- K>riii' li»* imlMlIiidurei Avt arreura u» |>Tc*erta il,i iurerrau luluiluur 'JH.* litn que íjinca Onanuo coilunutn acr r (fri|iidiici a* (cliTc* tli>i IralMlIiailorc* Jwi a -Jl.* IvntTeta^lii .i culliita iloarmt. durante que f.ilulhii il.i lucitiiA eiiltur.i ci>*tiinia nt luiiki > 111 t.l ill- .1(T»ll1UUr,vlc f *Ílll)U I).t loraliJadc. c ò puta V et Al(- «* a da Ijfdc Anirmaióamriite P>- AiTO*(o aSetemliro 10 ivaoi Ccreaet, Irguminoio* Não ahgidifoi T Felim inlcrfflillentes Indelerminad: N. B. s. n. Rilieirn da Junqueírn, dita dm Miiinlios C>rrcnlc ArBÍl..-»ilicio-cal- I>i'P»i* do tini iiailo, c .inio (lu ueufo O) metioi lialiituadot (luiitÍDua.epur rulli.1t IrriítacSo perenno Alliirn dn nuiin 1 i |.«l.«0 C<)[ rente Dc|HiÍ* dn >ol nado c ante* do nc£a»o Peixe Migado , pãn de rala Ú« dn l niiilfiiiin Corryfiln Argllri-iiUeio*i)-nil- Ui'|iol« il<) fui noií», u niiluf du Mccniu RECONHECIMENTO GEOLÓGICO E HYDROLOGICO DOS TERRKNOS DAS VISIXHANÇAS DE LISBOA COM RELAÇÃO AO ABASTECLMEMO DAS AGUAS DESTA CIDADE. POR e.tRl^OS RIBEIRO, SÓCIO EPFECinO DA ACADEMIA REAL DAS SC1E^CIAS DE USBOA. RECONHECIMENTO fiEOLOGICO E HIDROLÓGICO TERHKNOS DAS VISINIIANÇAS DE LISBOA COM RELAÇÃO AO ABASTECIMENTO DAS AGUAS DESTA CIDADE. PRIMEIRA PARTE. GEOLOGIA. 1." SECÇÃO. c'o:%Fi«i B.vç.lo pnvsic.k »o móim. D. 'escripção geral e divisão em dous massiços. — A cidade de Lisboa cslíí edificada e distriLuida sobre todas as desigualdades dum grupo de collinas que occupam a margem direita do Tejo e se prolongam para o norte numa extensão de l,.*) a 3 kilomclros, altingindo lOU a 121) metros de altitude sobre o nivcl do mar, clescahindo depois nuiis ou menos rapidamente para uma depressão, que fúrraa em par- te o vallc de Alcântara , e cerca a cidade na sua maior extensão. Para alem desta depressão todo o terreno que llic fica adjacente tor- na a sobir a diversas alturas , e estendendo-se pelos quadrantes de noroeste e nordeste, é dividido, pelo valle que vai deCarnide a Lou- res, em dous massiços de desigual forma e grandeza. Um destes oc- cupa a parte oriental e nordeste, e o outro a parte occidental e no- roeste da cidade de Lisboa , indo ligar-sc próximo de Carnide por 1 • 4 GEOLOGIA HYDROLOGICA um coUo no qual se dividem as aguas que vertem sobre os ribeiros dAlcantara c de Odivellas. Massiro oriental. — O massiço oriental tem proximamente a forma d'um losango muito alongado disposto de SSO a NNE occu- pando a zona que decorre de Bcinfica, Pailiavã, e Poço do Bispo até á margem direita da ribeira ciue vai de Fricllas a Sacavém, tendo neste sentido 15,5 kilometros por 6 de largura media. É limitado a SE pelas escarpas abruptas que formam a margem direita do Tejo entre Lisboa e Sacavém, e indo iguabncnte formar a margem direita da ribeira que vem de Fricllas, limitam este mesmo massiço pelo lado do norte , em quanto a sua superfície levantando-se de SE para i\0 ou desde a aresta superior da escarpa sobranceira ao Tejo uns 20'", vai ganbar as máximas altitudes de 100 a lôO"" sobre a aresta supe- rior da escarpa que limita por NO o referido massiço, c que forma a vertente oriental que borda o valle de Carnide a Loures. Pelo S e SO estende-se toda esta parte do terreno pelo Lumiar, Carnide, e Porcaibota, a formar o collo acima indicado, ficando limi- tado pelo valle de Alcântara que corre de NO a SE até Sete-rios, tomando neste ponto a direcção SSO até encontrar o Tejo em Alcân- tara, vindo assim todo o só!o de Lisboa a fazer parte integrante do massiço oriental. Diversos vailes, como odeCbcllas e outros, produzem as maiores desigualdades que se observam nesta parte do solo , devendo porém notar-se que sendo todos eiles parailelos ao valle do Tejo , correndo por consequência de SO para NE cortam o massiço perpendicular- mente á sua inclinação geral, sem comtudo o dividirem em outros- massiços independentes. Todos os mais accidentes se reduzem a peque- nos valleiros, sem importância sensivel no relevo, e ás coroas de al- gumas collinas mais elevadas, taes como a da Boa-visla, e da Amei- xoeira, que attingem as altitudes de IGO a 162". Massiro occidtnlal. — Pelo (jue toca ao massiço occidental, que como disse está separado do precedente pelos vailes de Alcântara e dOdivellas, estende-se até ao oceano, indo formar a linha da costa desde o Cabo da Roca até á ponta mais meridional da mesma costa. Ao Sul é limitado pela margem direita da grande bahia do Tejo, ([ue mais ou menos escarpada corre desde as proximidades de Cascaes até Alcântara , e d'ahi subindo o solo suecessi vãmente para o lado do Norte, termina por uma importante linha divisória daguas, que na- turalmente separa este massiço do terreno adjacente. Esta linha di- visória que passa pelos pontos culminantes da serra de Cintra, na ai- DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 5 tura de 300 a 500" sobre o mar, e na direcção do Poente a Nas- cente, separa as aguas que vão directamente ao oceano das (|ue des- cem jiara o Tejo, depois inHecle-se para I\E indo pelo Algueirão, on- de desce á altura de 183", e tornando a subir na mesma direcção até aos altos da Piedade e da Tapada, junto ao Sabugo, onde tem 323° de elevação, divide as aguas fjue vão á ribeira de Chclciros, as que vão para a ribeira de Loures , e as (jue descem pelo mesmo massiço para virem ao Tejo abaixo de Lisboa. Daquelle ponto descabe para o SE, dirigindo-se pelas alturas de D. Maria e de Canecas com 290 e 231" daltitude , e tomando finalmente a direcção do sul vai pelas coroas das montanbas de Adabeja , e Villa Chã até Falagueira, junto á Porcalbota, onde prende com o coUo de Carnide, tendo neste ulti- mo trajecto as altitudes de 288 a 150", e separando as aguas para as ribeiras de Odivellas, Carenque, e Alcântara. Este massiço apresenta a forma dum pentágono irregular com os seus vértices apoiados no Cabo da Roca, Alto da Tapada perto do Sabugo, Canecas, Foz da Ribeira dAlcantara, e extremo meridional da linha de costa junto a Cascaes. Tomando as dimensões medias deste massiço sobre a excellente ,carta chorographica recentemente publicada pela nossa Commissão Geodésica' acbar-se-ha que elle occupa uma superfície de forma proxi- mamente rectangular com 28 kilometros de E a O e 13 kilometros de S a N , elevando-se cm rampa, das aguas do Tejo para o N com 0",025 de inclinação por cuda metro corrente. Comparando as cotas de nivcl dadas pela carta , rcconhecer-se- ha, que a elevação desta grande linha divisória daguas apresenta no- táveis e successivas dilferenças sobre o terreno contíguo que descabe para a parte septentrioual ou opposta ao mesmo massiço : assim en- « Não posso deixar de felicitar o paiz por começar a possuir uma Carla rhorogra- phica bcni coordenada e precisa como esta , cujas vantagens para as scioucias e para a admiuistração publica são obvias a toda a gente, e de que uma nação civilisada não pôde prescindir. O reconhecimento que faz objecto desta Memoria foi feito sobre o terreno repre- sculadu na primeira folha publicada da referida Carta, e devo confessar que achei ri- gorosa exactidão nos menores detalhes, o que muito honra us OfTiciacs que nclla tra- balharam. Sem um tão poderoso auxiliar o estudo da Geographia pbysira, e da Geologia não se p6de fazer senão impcrfcitissimamentc. Ueceba pois a Commissão Geodésica es- te pequeno testimuuho de consideração, que não passa d'um tributo pngo á verdade. À perseverança e sabedoria do seu digno Chefe o Ex."" Sr. Conselheiro Filippe Folque se deve o resultado já obtido. Que elle não desanime, ceremos que n.nuilesauimarã, e que o Governo o auxiliará com os necessários recursos, são oa nossos ardentes votos. 6 GEOLOGIA IIYDROLOGICA irc os pontos culminantes cia serra de Cintra e a ribeira de Coilares (|ue corre na fralda da serra ha 300, 400, e mais metros dedilVeren- ça de iiivcl, diminuindo depois, até certos limites, da margem direita «lesta ribeira para o lado do norte : de S. Pedro cm Cintra ao Al- gtieirào vão estas diíTerenças até alem de 100 metros, entre os pon- tos mais elevados da divisória e a depressão adjacente para o lado do norte: a Tapada cst;i 150'° sobre o campo contiguo ao Sabugo; e a parte NE c oriental da mesma linha oflerece sobre as ribeiras de Eoures e Odivellas altitudes relativas superiores a 200 c 250"'. E desta grande linha divisória que partem os valles mais im- portantes por onde correm as ribeiras de Queluz, Laveiras, Oeiras, ]\lanique, c Cascaes, aíBuentes do Tejo, os quaes em harmonia com a IVirma e disposição geral do relevo que acabei de indicar, cortam o mas- siço de N jiara S, apresentando cada um dos seus respectivos córregos [tlialweg] em uma fractura profunda de margens abruptas ou alcanti- ladas, constituindo assim a parte mais notável dos accidentes que af- Icclam esto mesmo massiço. As montanhas que se erguem na parte mais septentrional desta zona, entre o Sabugo e Loures, e a montanhosa serra de Cintra a oes- te, são a outra parle dos accidentes que mais sobresaem no relevo ge- ral, e sobre os quaes se vai apoiar todo o massiço. As inflexões ([ue stí apresentam ao NE e SE da grande linlia divisória , são devidas á posição mais avançada dessas montanhas, o que concorre para dar maior superfície ao massiço e maior desenvolvimento ás ribeiras de \'alle de Lobos, e de Queluz; donde resulta uma boa parte das con- dições favoráveis para a acquisição daguas, como mais tarde se verá. Alem destes accidentes mais pronunciados , apresenta-se toda a superíicie co!)erta de colíinas, mais ou mei.os altas e alongadas, dis- postiis de Nascente a Poente, cortando pcr[)cndicularmente asdiíTcren- tes linlias d"agua formando pela sua ])osiçuo resaltos , com as escar- ])as mais rápidas voltadas para o N , tacs como as que orlam o Tejo pouco acima da povoação denominada A «los Caos, onde um pouco mais para o O é completamente inter- rompido por uma grande deslocação, que .separa um retalho destas rochas para alem das montanhas do Almargem do Bispo em Alfovar: estende-se depois para ENE e JXasoentc pela margem esquerda da ribeira de Loures, occupando o terreno baixo de encostas basalticas e calcareas, (jue vão a Santo Antão do Tojal e Ponte nova .sobre a ri- beira do Trancão , indo da outra parte do valle penetrar, por baixo das camadas terciárias, de Friellas á Ameixoeira : corre depois para o DAS VISINH ANCAS DE LISBOA. U SO pelo valle de Odivcllas, occiípando toda a sua largura, e vai des- canrnr junlaniciitc com os stratos do grupo iiiCerior, sobre a faclia liasallica (|U(,' vem do Mortal á Porcalliola, parecendo limitado ao Sul j)ela estrada de Palliavã a Bem fica, mas já para o Poente deste ultimo limite, c mesmo para o S muda o caracter mineralógico destes stra- tos, nianiícstando a transição para o grupo inferior que se apresenta muito retalhado, e dividido em massas de diílerentes espessuras, e variada extensão, e em concorrência com os basaltos em toda a zona irap])i(a que se estende para o S de Belias, d' Agualva e de Manique, ])or tal forma, que não é possivel, ao menos por em quanto, assignar o espaço occuj)ado pelo segundo grupo nem mesmo separar , ou de- iinir quaes destas rochas pertencem ao andar dos conglomerados, e (|uaes as que resultaram, por metamorphismo da formação do cal- <.areo decaprinulas, que lhe fica immediatamente inferior. E' em vir- tude do estado de metamorphismo, edasimilhança de côr deste gru- ]K) com a do basalto alterado, eda sua divisão em numerosos retalhos, «jue corei os lugares onde clles apparecein com a mesma tinta de(|ue me servi para designar as rochas trappicas. As rochas pertencentes ao primeiro grupo no valle deOdivellas são as seguintes, enumeradas na ordem descendente : Arcnatas de còr vermelha alaranjada com leitos de mame argi- loso còr de rosa. Calcareo molle, encerrando calháos de pederneira c de calcareo duro. Conglomerado calcareo, contendo fragmentos angulosos e calháos de calcareo em pasta calcarea mais ou menos carregada de grãos de arêa. Leitos espessos de mármore branco, idêntico no caracter mine- ralógico ao mármore cretáceo de Pêro Pinheiro e Alcântara : passa a Calcareo branco duro e cristallino com abundantes grãos de <]iiartzo vitreo. Arenatas còr de laranja e vermelhas com leitos de argila e mar- ncs da mesma côr. Grés grasseiro passando a conglomerado com calháos de quartzo' de calcareo cristallino branco, e outras rochas, tendo uma còr clara rosada. Este grupo terá uns fiO metros de possança. Nesta localidade encontram-se todas estas camadas, regularmente sobrepostas com uma inclinação crescente, do Poente para o córrego do valle, de 30 a .^0° para NE, diminuindo depois para o Nascente, indo 12 GEOLOGIA HYDROLOGICA mais longe métter-se, discordantemente, por baixo da serie terciária com angules de 20° proximamente; em quanto que ascamadas desta serie inclinam de 5 a 8° para SE. Na encosta da serra deMonte-mór que desce para o lado de Lou- res, vè-se este grupo concordando com os leitos de mármore, com spherulitcs, com os quaes inclinam de 30 a 70" para N^E. Do Almargem do Bispo para Alfovar encontrei ainda este mes- mo grupo, jazendo concordantcmente, sobre as camadas de calcareo cristallino com caprinulas e spherulitcs, inclinando em ângulos variá- veis de 50 a 10" para o SO, e para S 30" O. 1 .' Formarão : 1 ." andar : 2.° f^riipo. — No segundo grupo en- tram as seguintes rochas , parte delias compostas de detritos de ori- gem volcanica ; não alfirmo porem que a sua ordem slratigraphica seja rigorosamente a cpie abaixo se enumera, porcjue as repelidas so- luções de continuidade não penuiltem o conhecimento rigoroso dessa ordem. Entre a Porcalhota, Queluz, e Pendão encontra-se : Leitos de argila molle côr de sangue e rosados, alternando com : Leitos de uma rocha tufacca arroxada composta de grãos c fra- gmentos de (|uartzo, de rochas basalticas e outros productos volcani- cos, com pasta de basalto decomposto, e encerrando: Leitos delgados de argila cinzenta e verdocnga. Stratos de uma rocha homogénea vcrdoenga c acinzentada, pa- recendo ter sido calcareos e argilas infiltrados pela substancia basáltica. Basalto em mantos, bolhoso ; e wake com grãos de calcareo cristallino. Leitos de argila molle, roxa, acinzentada, e vermelha, passando a Leitos de uma rocha grésiforme composta de detritos miúdos de basalto decomposto, e de argila vermelha. ' Junto á margem direita do Tejo, em Carnaxide, Valejas e outros lugares, existem porções de stratos de conglomerados contendo íru' gmentos angulosos de calcareo branco cristallino, quartzo, basalto, e outras rochas, com pasta de tufo argiloso grésiforme, e passando a lei- tos possantes de grés de natvireza da pasta do precedente conglomera- do. Esta rocha passa a «ake stratificado de côr vermelha clara conten- do núcleos de calcareo branco cristallisado. Entre estes stratos veem-se : Leitos de argila fina vermelha , roxa , e gredelim , com leitos ' .Na ribeira de Queluz podem ver-se esles stratos, jazendo com pequenas incli- nações subrc 05 basallus. DAS MSINHANÇAS DE LISBOA. 13 de O", 01 de espessura de um calcarco inarnoso duro esbranquiçado, e camadas de roclia liomogenea avcrdocngada , parecendo calcareo e mames iniiltrados da substancia volcanica. Ivslc andar do terreno cretáceo superior não se encontra em mais parte alguma do paiz, alem dos subúrbios de Lisboa. ]Va Porcalhota, em Queluz, c á beira do Tejo as suas inclinações são pequenas, e cons- tantemente para o S , isto e, no sentido da geral inclinação do mas- si<5'o Occidental, e na dos stratos das formações medias e inferiores do terreno cretáceo. 1." Foniiariio: 2." andar. — O segundo andar da primeira for- mação, ou o andar do calcarco liippnritico, não o Icnlio encontrado em todo o paiz ao N do parallelo de Alemquer senão no districto de Leiria, e separado em rclallios de diversas grandezas. Ao S daquella linha só o tenbo reconhecido desde o Tejo ate aos Negraes, uns 4 ki- lometros a KSE de Chelciros ; mas tão deslocado, e dividido em re- talhos tão numerosos e com lacunas tão extensas, que não é fácil, e chegaria mesmo a ser fastidioso, descrever o espaço occupado por c-ada um, podendo todavia formar-se idéa da sua distribuição pela Car- ta junta, onde vão marcados com a sua respectiva còr. Observa-se porem na disposição geral deste andar nas visinhan- ças de Lisboa, (pie o limite oecidental dos retalhos cjue estão mais avançados para o Poente se apiesenta sobre uma linha proximamente parallela á direcção NNE a SSO que passa por Slonlelavar e Lourel, perlo de Cintra e S. Julião da Darra na foz do Tejo, em quanto que as formações cretáceas, que lhe estão inferiores, formam a linha da costa até proxinio á foz do Rio Sizandro, muito acima da Ericeira. Se a este facto juntarmos (|uc a vasta formação basáltica das visinlian- ças de Lisboa se apresenta exclusivamente subordinada ao calcarco de cajjrinulas , e"que este calcarco se mostra em alguns lugares, como entre Loures e Canecas , e entre Canecas c Adabeja , jazendo sobn; os membros inferiores das formações mais antigas , isto é , sobre o quinto grupo do andar de Bellas, não haverá duvida cm tomar o cal- carco d(! Alcântara, ou de caprinulas , como uma lomiação diversa da das camadas de Bellas; tanto mais que em apoio desta distincçào vem o caracter paleontologico demonstrar a separação (|ue existe en- tre estas duas formações do terreno cretáceo ; reduzindo por conse- quência, e muito, a extensão do calcarco de caprinulas das visinhan- ças de Lisboa, assignada por Sharpe na sua já citada .Memoria, onde as camadas destas duas formações estão confundidas sob a denomina- ção geral de calcarco hippuritico. 14 GEOLOGIA IIVDROLOGICA Divisão fio 2.° anelar. — E" provável , que quando este andar Inr melhor c mais dclidamenlc estudado, venha a dividir-sc em dons grupos mais ou monos naturacs , segundo os seus caracteres paleon- lologicos, pelo menos a grande possança que apresenta em didercn- tes jogares, c a diflerença de caracter mineralógico a certa altura da serie authorisam esta supposiçào. 1.* Parte ou superior. — As camadas de Alcântara que formam a parte inais sujjcrior do andar, tacs quaes as descreve Sharpe, cons- tam do seguiu lo : Ca Icarco argiloso molle, alternando com camadas delgadas de mame IS"" Marne cinzento X' f.aicareo argiloso fracturado, contendo splierulites IG C.alcareo contendo spherulites, e outras conchas pertencentes á lamilia dos Rudislas (i Calcareo argiloso molle (i Calcareo branco duro compacto, com numerosas placas inters- tratificadas de pederneira ! (i Calcareo compacto duro e branco 32 2." Andar: 2.'^ parle ou inferior. — A outra parte deste andar, que eu supponho ser a inferior, dever-se-ha estudar entre Santo An- tão do Tojal e Buccllas, onde se vê uma bella secção nas margens da ribeira doTrancão; ao lado do caminho que vai de Terruje a Mcni Martins, c tam!)em na Cavalleira, 3 kilometros a NE de Cintra. Nesta ultima localidade, deixando duas falhas abertas em basal- tos, por onde correm as aguas que vão do Ulmeiro á ribeira de Col- lares, e dirigindo um corte para o SE encontra-sc a seguinte serie na ordem ascendente : Camadas de calcareo argiloso e marnes amarellados, alternando entre si, com leitos espessos de calcareo branco compacto 6 semi-cristalli- no, inclinando de 10" a 30" para S alguns gtáos E. Marne calcareo vermelho rosado com camadas alternantes de marnes amarellados, e de calcareo argiloso molle muilo celluloso. Camadas espessas de calcareo branco crislallino com nerineas , sphe- rulites, restos de caprinulas, pertens, e outras conchas. Camadas de grés côr de rosa , de calcareo fragmentar passando a conglomerado, de calcareo argiloso molle amarellado, e de marne còr de rosa, alternando umas com outras. Camadas de calcareo branco compacto semi-cristallino com restos do caprinulas. Estas ultimas camadas, as mais superiores da localidade, incli- DAS VISIMI ANCAS DE LISBOA. 15 nam para uma falha que passa em Sacoles na direcção EO proxima- nieiite e vão encostar nos calcarcos anegrados do õ." grupo da segun- da ioimaçào, inclinando estes calcarcos no sitio do Moinho do Cavai- Iciro 80" para OiXO , c as camadas de caprinulas descaiiem neste mesmo ponto para oS cm ângulos de superior grandeza, maniíestan- do-se este phenomeno até o Algueirão e Sacotes ; mas já para NE deste ponto, cm Maria Dias e l'almeiros , descançam estas ultimas camadas em pequenos ângulos, lambem para o S, sobre o i." e 3." grupo da indicada segunda formação, em quanto que as camadas da base da serie ultimamente enumerada, circumscrevendo pelo N eNO o aflloramento basáltico, (|uc indiquei, vão concordantemente assen- tar sobre as camadas de Villa Verde, pertencentes ao primeiro grupo da mesma segunda formação. Esta serie, assim tão completa, proseguiu jiara o norte, cobrindo toda a veiga denominada Camj)o-raso e Granja do Martpiez até Mon- telavar, assentando sobre as mesmas camadas de V^illa Verde; porem como estas localidades assentam na parte mais abatida do sóio cir- <'umscri[)to pelas montanhas de Cintra, Almargem do Bispo, e Clio- leiros, apenas se vêem á llòr da terra os topes daquellas camadas mais duras , como as dos mármores ; ao passo que as outras estão cober- tas pelos restos da sua própria desintegração, de envolta com a terra vegetal ; de modo or aqucllas rochas a jwnto de se confundirem com u mesma diorite alterada e terrosa, como pôde observar-sc no cami- nho de Canecas para as Quintas da Torre e da Baléa. A montanha de que fallei , que tem sobre o mar a altura de 354"", deveu a sua elevação aos basaltos, que se vêem afUorar na meia encosta, insinuados na massa das diorites, e uo meio das camadas cretáceas que se deslocaram e fracturaram em pequenas massas e retalhos, e nào á injecção das mesmas diorites, posto (|ue occupeni a parte mais elevada da montanha; parecendo, ao contrario, que tan- to neste ponto como nos outros do dístricto onde estas ultimas rochas se mostram a sua acção dynamica foi mui pouco intensa. No sitio das Aguas-livres, acima de Carenque, nas. Petlreiras do Castanheiro, e na ^2 GEOLOGIA HYDROLOGICA margem esquerda da ribeira de Valle de Lobos, entre as nascentes das I.oyos, c a margem esquerda do ribeiro de Molliapào, mostrani- -se pequenos, porem mui frequentes aflloramcntos de diorile porph}- roidc atravessando os stratos dos primeiros três grupos do andar de Bellas, convertendo os grés e oscalcarcos, com que se acbam em con- tacto, em rocbas porphyroides, liilillradas da substancia da diorile. Alem destes ba outros afíloramentos de diorite, concorrendo, parto delles, com os basaltos na margem es(|uerda da ribeira de Cheieiros sobre a estrada de Mafra, na Terruje, Odriniias, Alvarinhos, no ca- minbo de Bellas á Ericeira, nos granitos da serra de Cintra, c (inal- mente entre Rio de Mouro e S. Pedro atravessando os calcareos do quinto grupo do andar de Delias. Formação basáltica de Lisboa. — A formação basáltica occupa uma grande extensão superficial ao Norte de Lisboa, mas distribuida em zonas de formas tão irregulares, que só a inspecção do mappa pô- de dar uma idéa delias : reconliccc-se porem que lia duas bandas ou iacbas priucipaes, dispostas proximamente de Poente a Nascente, das quaes uma se estende de Campolide até próximo de Talaliide, e outra mais ao N que vem das margens da ribeira do Trancão, e Vialonga até ao Almargcm do Bispo ou mais propriamente, até próximo de Pêro Pinbciro, ligadas a E por outra do menor extensão, limitada pe- los valles das ribeiras de Loures e de Odivellas, Ainda, alem destas, ha afíloramentos de basalto, e de diorite muito menos extensos, em Montelavar na margem esquerda da ribei- ra de Cbeleiros, no Alto do Cartaxo, no Ulmeiro 2,5 kilometros ao N de Cintra, no Suimo, na Fonteireira, junto de Bellas e da Venda Secca, na Cabeça de Montachique, e outros nas visinbanças da Ericei- ra, Mafra e Azueira. Apezar da pouca extensão dalguns, são todavia muito frequentes em toda a zona que se estende até ao Rio Sizandro. Os caracteres destes basaltos são extremamente variáveis : em umas partes sãocristallinos e porpbyroidns com grandes cristaes depy- roxenc e de olivina, noutras são duros e de textura compacta ; n"ou- tras são bolhosos passando a wake contendo núcleos de spatho calca- reo ; muitas vezes aprcsentam-se em massas espheroidcs de capas con- cêntricas, mais compactas ((uc crislallinas ; outras finalmente tomam o caracter duma rocha terrosa endurecida, com apparente stratilica- çào e lascado schistoso, mais ou menos perfeito ; passando todas es- tas variedades umas ás outras por transições insensiveis. Aspecto com que se apresentam os basaltos. — Esta grande for- mação basáltica apresenla-se de três modos: 1." rompendo as rochas DAS VISINHAKÇAS DE LISBOA. 23 sedimentares: 2.° estendida em mantos: 3." alterando osslialosatiuo- sos, e tonimunicando-llics os seus próprios caracteres de uma maneira mais ou menos pronunciada. Jiasallus que romfem us rochas stdimcntares. — Os basaltos da serra de Wonte-mór, das Sardiíilias, e do Almargem do Bispo, deslo- caram evidentemente as camadas de calcarco, e de grés do 5.° e 6." grupos do andar de Bellas, e as do calcarco de caprinulas entre Cor- reio-Mór, serra das Sardinhas, c valle de Nogueira, levantamlo-os em ângulos que chegam a 85° para N, e para N 15° E, indo os calca- reos de Ollelas, c|ue pertencem ao S." grupo até CO" jiara o S. O aílloramento basáltico do Ulmeiro ao I\ de Cintra deslocou similhantcmente as camadas do 5.° grupo, que vão a Mem Martins e Algueirào, cm ângulos de 20 a 50" para o S , e sé se exceptuarem alguns accidentcs, de que mais adiante darei conta, todos os stratos do andar de Bellas; (juc correm do Algueirào a Canecas, comprehen- didos pelos pontos de erupção de Monte-mór, serra das Sardinhas, Al- margem do Bispo c do Norte de Cintra, inclinam para o Sul. E ainda para o Sul que se vêem mergulhar os stratos nas mar- gens da ribeira de Cheleiros, e no Monte do Cartaxo, entre a dita ri- beira e a Igreja Nova ; onde os basaltos fizeram erupção, deslocando lortemente as camadas do andar de Bellas. Na zona basáltica mais meridional não se vêem centros eruptivos lào bem definidos como os precedentes ; parecendo ter sido feita a in- jecção por lendas dirigidas de Nascente a Poente , por ser também l)ara o Sul que se manifesta a inclinação geral dos stratos cretáceos da margem direita do Tejo. Em geral, todas as camadas cretáceas, não só do massiço occidental, mas ainda as que cobrem a zona que vai da serra de Cintra ao longo do Oceano até perto da foz do Sizandro, e terminam na linha que vem do Turcilal a Alhandra, teem salvas al- gumas excepções, a inclinação geral para S, ou próximo deste rumo, e em algumas partes para o N , precisamente a mesma (jue as eru- pções em questão deram ás camadas, que deslocaram. Basaltos estendidos em mantos e alterarão por tiles produzida tias rochas sedimentares. — A outra parte das rochas basalticas apre- senta-se derramada por cima dos stratos mais modernos do andar de Bellas e dos calcareos de caprinulas e :v«idkrac«»i^ cieraew sobri! as midat^c^m occorrida!» 4 «íi.ipií:bficie do k6l.o desde a época do terreno cre- táceo ATÉ .4 ÉPOCA RECE.\TE. Movimento do solo no ■período dos grupos cretáceos inferior e médio. — Disse acima (jue os mames de Safaru jo assentam sobre a for- mação do oolite superior de Torres Vedras sem a interposição de ou- tro qualquer membro do terreno cretáceo inferior, tendo por limite a linha íjue une Moçafaneira a Alhandra ; em quanto que a formação neoconiiana apparcce na margem direita do Sizandro, e se estende para a parte N da Extremadura e da Beira : acrescentarei agora, que pela parte anterior daquella linha existe uma ruga montanhosa, for- mada de stratos do oolite superior, (juc corre desde a serra da Yilla até Alhandra, sobre a qual, pela sua encosta SO , ■vão descançar as camadas dos marnes deSafarujo. Esta ruga, na posição que hoje tem, ou um pouco mais próximo da linha EO, com toda a extensão, <|iie lhe Cca a S, parece que preexistira aos depósitos das arenatas e cal- careos neocomianos, conservando-se emersa durante o periodo desta formação, que estendeu os seus stratos, d«sde as proximidades de Torres Vedras e Alcoentre, até entre o Vouga e o Douro: no fim po- rém desta época, luiia oscillação do solo submergiu toda a parte S da referida ruga, deixando-a coberta pelo mar do periodo cretáceo mé- dio, que depositou as camadas de Safarujo e os andares da Ericeira e Delias ; erguendo-se do outro lado acima deste mar, e formando-lhe l)arte das cosias, o stilo da nossa península com os stratos neocomia- nos que anteriormente tinham sido depositados. Direcção em que obraram as diorites e seus effiilos g-eraes. — Se exceptuarmos o granito, éa diorilc uma das rochas igneas, (|ue se apres<;nta com mais frequência em todo o Portugal, áqual deve o nos- so solo um grande numero das suas deslocações, e uma parte das fór- DAS VISIXHANÇAS DE LISBOA. 2T mas do seu actual relevo. Começando a exercer a sua acção desde o periodo da luilla, veem-se modilicar todas as rochas secundarias, che- gando ale ao andar de Bcllas, onde, por seu turno, são também atra- vessadas pelos basaltos da serra de Montc-niór, que vieram á superfí- cie do sóio, no mesmo período cn;tacco. E ainda a estas rochas que o terreno oolilico porluguez deve muitos dos seus accidentes , mor- mente a parte do ooiite superior, que se estende desde Torres Vedras c Aliiandra ate Leiria e Cabo Mondego; não podendo, por consequên- cia, deixar também de desarranjar mais ou menos da sua posição nor- mal, as camadas do cretáceo médio depositadas entre Torres Vedras eLisljoa. Cumpre agora examinar o sentido em que esta acção se exer- ceu, e o gráo de deslocação que imprimiu a estas mesmas camadas. Sem me lazer cargo de mostrar neste lugar quaes foram osdif- fcrenles sentidos cm que as diorites romperam o nosso solo, e os va- riados accidentes. que produziram no seu relevo, limitar-me-hei a di- zer, que uma grande parte das deslocações EO, que se observam nos nossos terrenos schislosos egraniticos da Beira, são exclusivamente de- vidas á emersão das diorites ; concordando com aquella direcção uma grande parte dos filões de cobre e de chumbo dos districlos de Cas- tello-Branco e Aveiro. Estas desloatções reproduzidas nos terrenos secundários da Beira e Extrcmadura, e subordinadas á posição dos af- íloramentos dioriticos, não só levantaram as camadas ooliticas de mui- tos pontos da nossa zona litoral, como as de Athouguia e serra d'El- Ilei, proximamente na direcção EO, mas deslocaram no mesmo sen- tido a lòrmaçào ncocomiana, na Gançaria por exemplo, sobre o cami- nho de llio Maior para Alcanede, onde também apparecem as diori- tes sobre a respectiva linha de sublevação : por tanto as diorites que perlurbaram as camadas do ooiite superior, e asneocomianas da Gan- çaria, Athouguia, serra d Elllei, Óbidos, Alcanede, e de outras loca- lidades deviam iorçosamente ter estendido a sua acção até ao cretáceo niedio do Norte de Lisboa, no periodo cm que estes stratos se depo- sitavam ou no fim delle proximamente. E\aminando-se a montanha que se levanta a E e ao S das Pon- tes grandes e de Canecas, e entre a Amoreira c Adabeja, encontram- se as camadas de caprinulas, e spherulites assentando sobre o calca- reo do [>." grupo do andar de Bcllas, cujas camadas inclinam 5 a 1 0° jiara o S , quando o seu lugar devia ser sobre o primeiro grupo da- t|ueUe mesmo andar, se a passagem das formações do terreno cretá- ceo médio ás do superior, se tivesse feito sem deslocação do solo. Es- te facto não se observa só neste ponto, cncontra-se também tornean- 4. 28 GEOLOGIA HYDFxOLOGICA do a montanha de Monte-mór até ao Correlo-mór, perto de Loures e na descida do Algucirão para o Campo , a ims 8 kilometros a IVO de Bellas. Ora, como a deslocação naquellc sentido afTccta todos os stratos das duas formações do cretáceo médio, entre Lisboa e Tor- res Vedras, claro está que este movimento se manifestou antes de sç depositarem as camadas de cajjrinulas, ou do cretáceo superior. Esta deslocação não se (et porem sentir dum modo tão pronunciado em toda a extensão onde estas duas formações estão sobrepostas, que não pcrmittisse que em alguns lugares, como no caminho de Santo An- tão do Tojal para Bucellas, todos os grupos dessas formações se achem representados; mas este facto e outros similhantes ' não podem pòr em duvida a perturbação que teve lugar entre as citadas duas épocas, porque , longe de ser um phenonicno simples e local , correspondeu immediatamente a un» abatimento geral do solo , que levou o mar cretáceo a cobrir as arenatas e calcareos ncocomianos da Beira e da Estremadura, sobre os quacs se depositaram as camadas de caprinu- las e de spherulites que appareccm em Leiria, Opêa , Caranguejeira , Arnal, Rebolaria e outros sítios, idênticas ás de Alcântara e Pêro Pi- nheiro. Erupção dos basaltos. — Período provável da sua ekvaçào e seus efftitos. — Não foi de certo um periodo de trancjuillidade nas visinhan- ças de Lisboa aquelle em que se depositaram as camadas do andar de caprinulas. Os bancos de calcareo fino, e as repetidas camadas de conglomerados calcareos, de grés grosseiros, argilas de differentes co- res , de calcareos celulosos e de marnes com que alternam ; bem as- sim a desigualdade de numero e de caracter mineralógico de muitos destes membros, que se observa em differentes pontos, são factos que attestam uma continuada oscillação do solo, elevações e submersões, que trouxeram comsigo a solução de continuidade de muitos stratos, e a ausência de outros. Estas oscillações não foram comtudo devidas a causas geraes, ou que actuassem em grande escala, porque lá está em Opèa, Lapèdo, Leiria e outras parles, o andar onde appareccm só as camadas de mármore com spherulites e caprinulas acompanhadas de alguns marnes e argilas, faltando todas as rochas arenosas, que ' Os stratos mais superiores do í." grnpo do andar de Bellas que formam a cor- nija mais meridional que vai de Villa Chã á Idanha, ao Papel, e Alfamil, são de már- more branco manchado de vermelho rosado similhanle ao do calcareo de caprinulas ; o em uma ultima visita que liz a estas localidades, por alguns restos destes fosseis en- contrados entre o Cacem e Cancna, reconheci que cslcs stratos pertencem clTcctiva- luente á parte inferior ao andar de Alcântara» DAS YISINHANÇAS DE LISBOA. 29 se vecm cm Alfovar, nas visinhanças de laurel perto de Cintra e noutros sitios. Taes oscillações devem rcputar-se como o preludio da grande erupção basáltica das visinhanças de Lisboa, e do transtorno produ- zido eni todas as camadas das lormaçòcs cretáceas deste districto. Sc por um lado a acçào dynamica dos basaltos começou durante o período cm que se depositaram as camadas de Alcântara e de Pê- ro Pinheiro, como parece provado por grande numero de factos, por outro o estado e composição mineralógica dessas mesmas camadas diz- nos, que a verdadeira e intensa erupção destas rochas só tivera lugar no fim da(|ucllc periodo. Passarei por tanto a expor os factos em que me fundo para apresentar este juizo. Já acima notei que as camadas que formam o raassiço Occiden- tal teem' geralmente a direcção EO , e bem assim que as cretáceas que se estendem até ao oolite superior de Torres Vedras , inclinam para S em quasi toda a extensão da supcrficie que oecupam ; veremos agora, que este facto concorda evidentemente com a posição dos ter- renos onde o basalto se apresenta. A montanha do Cartaxo , acima de Chelleiros , e a Cabeça de ilontachiíjue, ambas com aflloramentos de basalto; as colinas, também de basalto, que vão do Cacem á Porcalhota, e de Talaide a Queluz ; a serra dos Bolores e a das Sardinhas — teem a direcção EO , as camadas , que foram deslocadas pelos, basaltos inclinam ao Sul ou ao IVortc : conclue-se por tanto , que estas rochas igucas fizeram segui- mento ás diorites, actuando na direcção preexistente das camadas do cretáceo médio, e manifestando a sua erupção geral parallelamentc a essa mesma linha. Observa-se por outra parte, que as camadas da formação terciá- ria miocene, que entram peia maior parte na composição do massiço oriental, teem uma inclinação constante para SE, e assentam sobre arenatas e conglomerados de um caracter especial, que cm geral in- clinam para o S, sem que os stratos daquella formação apresentem o mais leve indicio de alteração pelas rochas trappicas : não se pode por tanto pôr em duvida , que a erupção basáltica teve lugar antes do deposito desta formação terciária. Com elTeilo, interpretando attentamcnte todos os factos que di- zem respeito áquellas camadas de conglomerados, e confrontando-os com os phenomenos acima indicados, revela-se-nos na sua composição mixta ; na passagem dos seus stratos ao wake, e a outras rochas ba- saiticas ; na alteração mctamorphica mais ou menos local desses mes- 30 GEOLOGIA HYDROLOGICA tuos íitralos ; na injecção do basalto no meio das suas camadas ; na rciietida mudança das suas arcnatas, c dos niarncs cm conglomerados ; na mudança de composição dos mármores brancos mui íinos, que suc- cessivamcnte se foram carregando de arèas, e passando a conglome- rados calcarcos com grandes fragmentos de pederneira ; e finalmente na concordância de stratificação com as camadas de caprinulas — que a erupção basáltica teve lugar debaixo do oceano cretáceo, no fim do periodo destas ultimas camadas e durante a época do conglomerado superior. A lava basáltica fez erupção á superfície do solo por «ma serie de pontos situados nas zonas , que se vêem marcadas no mappa , e que circunscrevem a parte do massiço comprehendida entre valle do Nogueira, Sabugo, eBellas. A acção volcanica fez derramar alava ba- sáltica cm partes , c levou o seu poder e energia metamorpbica aos stratos mais próximos das zonas cruptivas, modificou mais ou menos profundamente os calcarcos, os marnes, as argilas e as rochas areno- sas da formação do calcareo de caprinulas, e communicou-lhes pela infiltração caracteres mais ou menos similliantcs aos da rocha basál- tica, a ponto de se confundirem com esta rocha. Igual phenomeno se produziu nas camadas de conglomerados que se formaram próximo dos centros eruptivos ou dos mantos de lava, como se observa nos re- talhos que estão á beira do Tejo abaixo de Lisboa, em Carnaxide, Va- lejas, e em Queluz, Amadora, Pintcus, e Santo Antão do Tojal ; ao passo que as camadas, que por mais aíTastadas , ficaram fora da es- pliera da acção volcanica, como as que se vêem no valle da Porcalho- ta a Odivellas, eno de Loures, nãosoífreram alteração sensível no seu caracter mineralógico. Do exame de todos os factos ponderados resulta o reconheci- mento de que a extincção da actividade volcanica dos basaltos, e a emersão de todo o massiço de rochas cretáceas ao Sul da ruga mon- tanhosa, que passa pela serra da Villa junto de Torres Vedras, se completou correspondentemente ao fim do periodo cretáceo ; sendo também provável, que esta emersão correspondesse á elevação da gran- de cadèa dos Pyreneos. Primeiro delineamento da linha divisória das ai;uas. — Parece provável que então fosse delineada a linha divisória daguas do grande massiço occidonlal , dirigindo-se do alto da serra de Monte-mór pelas alturas de D. Maria, Sabugo, e Rolhados: esta linha delcrniinada pelos dous centros eruptivos de Ãlonte-mór ao Nascente e de S. Roque ao Poen- te, foi mais tarde perturbada pelos subsequentes movimentos do solo. DAS VISIMI ANCAS DE LISBOA. 31 A acrão dynamica dos basaltos produziu ainda o alatimcnto de lodo o solo ao Nascente e Sul das emersões hasalticas, cm que sccom- jirclicnde actualmente o niassiço oriental, o leito e a margem esquerda do Tejo; determinando também diversas linlias de sublevarão, de im- j)ortaiicia puramente local, tacs como o vallc de Alcântara, ca eleva- ção da serra do Monsanto. Emersão dos <;ranitos da serra de Cintra. — Ergucram-se em .seguida a estas oscillaçòcs, os granitos da serra de Cintra, deslocando todo o terreno cretáceo, entre o Oceano e S. Pedro, n'uma extensão superficial de perto de setenta kilometros quadrados, o destacando pe- quenos retalhos daquellas forn)açõt!s, cujos caracteres alteraram pela aceào metamorpliica, que sobre elles exerceram. As camadas do lado N da serra pertencentes ao 1." grupo do an- dar de Bellas, deslisaram, pelo plano de contacto ao longo dos grani- tos, até próximo do nivel do Oceano, succedendo o contrario .is do Sul, que cobrem a encosta granitica a mais de lOO". Peio Nordeste e Nascente abriu-se uma falha , na qual se levantaram até á verti- cal, os calcareos do 5.° grupo do mesmo andar, tendo abatido para o lado do Occidcnte todo o terreno adjacente á linha que vai do Al- gueirào ao Sabugo ; linha que boje serve de divisória ás ribeiras de Kio de Mouro, Gargantada e valle de Lobos, para o Norte do Alguei- rào. As camadas deste grupo apresentam grandes inclinações entre Rio de Mouro c Cintra ; altcrando-se successivamente o seu caracter mi- neralógico nas inunediações da serra até ao ponto de se converterem em schistos ; e os griqios de Bellas , com a faxa basáltica «pie os guarnece pelo Sul, cedendo á pressão (jue sobre elles exerceu o levan- tamento da serra , não só augmeiítaram o angulo da sua inclinação mas nuidaram gradualmente a sua direcção EO para NE SO, come- çando a itillexào no meridiano do Moinho da Matta por uma curva de grande raio, correspondendo aquella mudança á ponta mais orien- tal da serra. Com estes movintcntos do solo, a grande linha divisória modifi- cou-se, recuando na parte occidcntal para as cutniadas da serra de Cintra, onde tomou a direcção NE que já indiquei. Decorrido um lapso, mais ou menos longo, que correspondeu tal- vez á época eocene, durante o qual parece ter estado emergido todo o terreno visinho de Lisboa, a ruga da formação do oolite superior, que se achava esboçada passando pelas visinhanças de Alhandra e da .Serra da Villa, e (|ue servira de limite aos depósitos do cretáceo mé- dio, levanlou-se sobre o terreno contiguo, e formou a cordilheira de 32 GEOLOGIA IIYDROLOGICA montes, que corre de Alhandra para NO até perto do Oceano (sobro os quacs no principio deste século se estabeleceram as mui conheci- das linhas de Torres Vedras, que impediram o passo ao exercito de Massena). Mais ao Sul ergucu-se outra ruga nas formações do cretá- ceo médio e superior, que se estende de Vialonga pelas alturas de Fa- nhões. Cabeça de Montachique, Mafra c Safarujo, e serviu na mesma occasião de segunda linha de defeza. Estas linhas de deslocação determinaram grandes abatimentos do solo para NE, c abriram em todo o terreno cretáceo repetidas falhas na direcção de SE a NO por onde correm as ribeiras de Chelleiros, do Figueiredo, de Safarujo, e todas as mais que vào ao Oceano entre a serra de Cintra e o rio Sizandro ; modilicando-se a direcção dos stratos cretáceos nas partes do solo abatido, sem que comtudo essa al- teração chegue a grandes distancias ou perturbe de um modo notável a direcção geral preexistente EO. Formação da bacia cm que se depositaram as camadas terciá- rias.— Foi então que se formou a bacia terciária marinha de Lis- boa, onde se depositaram as camadas miocenes, occupando toda a parte abatida do solo a S e ao Nascente das erupções basalticas ; porem depois, em consequência de novos movimentos do solo, cer- raram-se as communicações desta bacia com o Oceano ; cobriu-se de agua doce uma grande extensão de terreno que comprehende Niza e Idanha a Nova, Vendas Novas e Alcanede , formando um extenso la- go, no qual se depositaram os calcareos lacustres de Santarém, Tho- niar , Rio Ponsul , e Bonavilla , e os marnes , argilas , e grés , que constituem a feição mais predominante deste deposito. Esta bacia, e outra similhante na Castella Nova , também terciária e lacustre oc- cupam uma parle da superfície pertencente á bacia hydrographica do Tejo. Mais tarde operou-sc uma grande mudança no relevo orogra- phico, de quasi todo o Portugal, com as vastas e enérgicas subleva- ções, que tiveram lugar na direcção proximamente parallela á linha NNE SSO , levantando-se a maior parte da montanhosa serra da Es- trella, c os calcareos do oolite médio que formam as serras, que vào de Montejunto até perlo de Coimbra, c deslocando-se por meio de falhas o terreno oolitico c a formação neocomiana em muitos centos de metros de profundidade , de que resultou o apparecimento á su- perficie do solo das camadas da grijfhca incurva , e do ammonites bifrons, como se vè nas visinhanças de Porto de Moz, e nos affloramen- tos liasicos, que vão de Maceira a Soure, e a Monte-mór o Velho. DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 33 Nesta grande rommorão prciudiou-se a linha da costa ao N do Cabo da Roca, e abriu-sc uma larga íallia no Tejo, pela emersão da sua inargern direita entre Lisboa e Santarém, como uma consequên- cia da elevação da cordilheira de Montejunto a Coimbra, fazendo des- cair para SE as camadas terciárias deste lado do rio, com cujo movi- nieúto ficou determinada a aresta da escarpa que corre de Friellas a Carnide, sobranceira ao valle de Odivellas a Loures. Formarão de lagos de agua doce, e diversas deslocações pelas quaes o solo tomou a configuração que actualmente apresenta. — Passado este período de convulsão (ao qual talvez se deva a denu- dação do calcarco de caprinulas, entre Leiria e Pêro Pinheiro) csta- beleceu-se em quasi todo o Portugal uma serie de pequenos lagos, nas localidades onde correm hoje os nossos principaes rios e seus mais importantes aflluentcs ; estes lagos estão actualmente representados pe- los numerosos depósitos arenosos e de calcarco tufacco, que se obser- vam nos leitos e margens desses rios. Outra violenta commoção fez desapparecer todos estes lagos, completando a abertura dos leitos e as bacias hydrographicas dos mesmos rios, communicando-os mais im- inediatamente com o Oceano ; levantou uma parle das serras da Bei- ra Baixa , que vão prender com a cordilheira de Guadarrama ; er- gueu os calcareos ooliticos da serra de Aire, e produziu um grande numero de accidentes cm todo o paiz. Esta perturbação, manifestada em uma direcção quasi parallela alinha EiNE 050, acabou de deslo- car as camadas terciárias entre Lisboa e Tralaria, abrindo a garganta do Tejo desde Lisboa até ásua foz em S. Julião da Barra; fez erguer em fortes ângulos as camadas também terciárias das serras da Fagulha e de Pahnella, deixando surgir os calcareos ooliticos das serras da Ar- rábida c do Risco, cuja vertente meridional termina em escarpa abru- pta sobre o Atlântico, delineando, na direcção indicada, a pequena por- ção de costa que se vê entre o Cabo de Espichel e Setúbal. Passaram es- tes períodos de perturbação, e o nosso solo recebeu ainda uma ultima modificarão na zona occidental : as antigas praias crgueram-se lenta- mente até muitas dezenas de melros acima do nivel do mar, contri- buindo talvez para isto, as mesmas causas geraes, que produziram a presença dos volcões do Etna e do Vesúvio. Tacs são , em resumido esboço , a constituição physica e a com- posição geológica do solo das immediações de Lisboa, as vicissitudes a que tem estado sujeito , e as phases por que lera passado desde a éi>oca do terreno cretáceo até á actual. É a esta constituição physica e geológica que Lisboa deve as suas abundantes fontes do bairro miM. D.V ACAD. 1 .' CLASSK 1. II. P. 1. i> 34 GEOLOGIA HYDROLOGICA oriental, bem como a secura e esterilidade do seu solo nas partes al- ta , media e occidenlal ; resultando de uma similhante desigualdade e escassez, ver-se a administração publica forçada a recorrer, no se culo passado, ás nascentes dos subúrbios de Lisboa, para evitar o hor- ror da sede por que durante muitos séculos passaram os habitantes desta capital, recurso único de que ainda agora se pôde lançar mão para abastecer a cidade da agua indispensável, tanto para os princi- paes usos da vida, gozo e conunodidade dos habitantes, como para sa- tisfazer ás condições reclamadas pela hygiene, e mais necessidades de uma população numerosa, importante ecivilisiida, como e a de Lisboa. Foi debaixo deste ponto de vista que, a pedido da Direcção Pro- visória da Companhia encarregada de prover ao abastecimento dagua, fiz este reconhecimento geológico aos terrenos que cercam Lisboa, sem o qual não é possivel entrar na apreciação dos fundamentos em que se deve basear a exploração e acquisiçào daguas potáveis, com o fim de conhecer c determinar a localidade ou localidades que maior quantidade delias podem fornecer ; tendo em attcnção a sua altitude , para que possam , sem o auxilio de acção mecha- nica , attingir os pontos mais elevados da cidade ; e a distancia a que existem, para que o custo provável das obras necessárias á sua conducção seja compatível cora os fins económicos da Empreza , e a colloquem, sem gravame, nas circunstancias de cumprir religiosa- mente todas as estipulações do seu contracto. Estas investigações fa- rão o objecto da segunda parte desta Memoria. DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 35 SEGUNDA FARTE. HYDROLOGIA. 4." SECÇÃO. CONSIDRnACÒEM UVDROLiOriilCAÍi SOBRB O HASSIÇO OBIE>iTAU Águas artesianas. — O inassiço oriental ' resume em si as con- dições necessárias para fornecer nào só aguas abundantes e perennes mas até aguas artesianas, tanto quanto pôde comportar a sua exten- são, altitude das respectivas superfícies de absorpção , e sua especial estructura. Para entrar porem no exame destas condições cumpre lan- çar um golpe de vista sobre o niappa c cortes juntos a esta Memo- ria , e ter presente o que fica dito acerca da constituição pliysica e mineralógica deste massiço. Antes de passar adiante deve nolar-se, que a falha por onde cor- re o rio de Sacavém , isola as camadas terciárias de modo que as aguas pluviaes, absorvidas cm todo o pequeno tracto de terreno que corre para a Verdellia , nào só nào concorrem para a alimentação das fontes do massiço oriental, mas vertem todas para o Tejo, ou circulam em um nivel inferior ás aguas deste rio, o que vem a ser o mesmo )vira a questão : j)or tanto todas as fontes conhecidas ou que de futuro venham a reconheccr-se, por exploração em quahjuer ponto do referido massiço, pertencerão seniprc a niveis com a su- perfície deapanhamento no espaço comprchendido pela margem direi- ta do Tejo, falha de Sacavém, e linhas tiradas do alto de Friellas a Carnide e deste jionto á quinta do Seabra. Isto posto, se se examinar a escarpa que forma a margem direita, do valle de Odivellas desde ' Continuarei > dpsi|?nar por massiço oriental , e massivo ocoidcntal cada uma <)as parles dos suliiirbios de Lisboa separadas pelo valle de Carnide a Loures, que de- tiaito destas denomiDaçõcs estão descriptas na primeira parle desla Memoria. 5 • 36 GEOLOGIA IIYDROLOGICA Carnide até Friellas na direcção media de SO a NE rcconheccr-se-ha que a barreira é formada, na sua maior altura, pelas arcnatas, argi- las vermcllias e niarncs do andar dos conglomerados do cretáceo su- perior ; que as camadas terciárias se mostram apenas nas alturas da Luz e Lumiar ; c (|ue do Lumiar a Sacavém se vão succcssivamcnte atravessando as camadas mais modernas da formação terciária, ganhan- do por consequência esta em espessura para os lados de Friellas e Sa- cavém, em (juanto que aquellas se escondem abaixo do solo. Ora, es- ta formação de conglomerados estcnde-se desde a indicada barreira por todo o valle ou depressão, por onde correm as ribeiras de Odivellas e Loures, indo os aflloramenlos das suas camadas assentar no pé das Jadeiras basallicas, que guarnecem esta depressão, com inclinações pa- ra S e para o quadrante de SE, e em ângulos variáveis de 8 a ."JO*. e mais commummcnte não excedendo a 12". E como nesta formação entram bancos mui espessos de arcnatas porosas, com leitos inlerstra- tiltcados de argila scmi-plastica, succede que aciuelles bancos estão sa- turados de agua, a ponto de fornecer ao solo alluvial do valle, uma reserva que é aproveitada por um sem numero de poços para regas de hortas e de campos, cuja agua derramada na parte mais baixa do valle dá lugar á formação dos pântanos de Friellas, bem conhecidos pelos continuos estragos, que produzem na saudc publica ; sendo a con- servação de taes pântanos, nas visinhanças de Lisboa, um documento que abona pouco a nossa civilisação. Esta formação seria por conse- quência eminentemente artesiana e daria copiosas fontes, ainda que o valle de Loures estivesse dez ou trinta kilometros afiastado de Lisboa, se a posição deste valle tivesse ao menos 100"' de altitude; porém co- mo ella é apenas de 1 4" cm Odivellas, ( O" cm Friellas, e ! 8"" em Loures, torna-se -impossivel obter para a zona media de Lisboa as aguas desta formação por fontes artesianas, isto é, se se praticasse um luro em Cbellas, Beato António, ou Marvilla, ascenderia nelle a agua, «juando muito de 3 a 5 metros acima das aguas do Tejo. As camadas terciárias (|ue doscançam sobre a ibrmação dos conglomerados eslào longe de ofTcrecer as melhores condições para a acquisiçào de aguas. Quem percorrer o massiço oriental em di- versos sentidos vera', qu3 todas estas camadas são cortadas por val- les parallelos entre si e á margem direita do Tejo (cm resultado de falhas dirigidas de SO a NE , como a de Cbellas c a dos Oli- vacs\ aprcsentando-se as camadas, de um c outro lado, com a mes- ma inclinação de 5° a 8° para SE ; e observará igualmente que a margem valles lateraes, em que se faz a absorpção. DAS VISIMIANÇAS DE LISBOA. 3* i." Que em consequência de se passar das camadas mais antigas para as mais modernas caminhando de 80 para NE, resulta que as aguas das loíites c poços situados naciuella linha pertencem a diffe- rentcs camadas aquosas. h.' Quesendo a temperatura superior que aflccta parte destas aguas, devida á sua communicaçào com fontes quentes que vem do interior fia terra misturar-sc com as aguas que circulam nas camadas terciá- rias ; é natural que as galerias filtrantes ou de recepção que se pra- ticarem no solo, encontrem outras nascentes thermaes com as mesmas ou dilTerentes propriedades das aguas do tanque das lavadeiras e ba- nhos das alcaçarias. 5.* SECÇÃO. BECOIVneCIlIElMTO nV»ROE.OfiI<;0 do V.4L.1.E de IVOGLEIRt, E D.1.S atiATBO PKIIVCIPAES .4FPL.1.1ENTES DA BIBEIRA DE SACAVÉM. Bficia hiidrografhka da ribeira de Sacarem. — Antes de entrar 110 exame e estudo do massiço occidental, convém dar uma idéa, ainda que abreviada, de todas as aguas que vào á ribeira de Sacavém ; não só porque o reclamam o objecto do reconhecimento hydrologico que entra nesta segunda parte, como porque é útil saber as condições em que aquellas aguas se acham, visto estarem tão próximas da capital. A ribeira de Sacavém é, nos subúrbios de Lisboa, o maior af- Huente do Tejo, em consequência da extensão da sua bacia hydrogra- phica e da abundância daguas, que a ella concorre. A linha <|ue li- mita esta bacia circunscreve pelo Poente todo o massiço occidental até ás alturas da montanha do Almargem do Bispo, donde dirigindo-se para o N pelo Paço de Belmonte e Asseiceira pequena, atravessa as montanhas de calcarco cretáceo, que vão da Cabeça de Montachique a Mafra, e prosegue depois para NNE até ganhar, nas alturas do Mi- Iharado ao Algueirào, a ruga montanhosa que vai de Torres a Alhan- dra; separa alli as aguas para o rio Sizandro, e correndo ao longo da cumiada desta ruga, até a altura de S. Thiago dos Velhos, sepa- ra também as aguas para a ribeira do Carregado, e desce para oS na direcção da Povoa de Santa Iria, onde termina junto ao Tejo, tendo em todo o espaço assim fechado IGO a 20O kilometros quadrados. To- 40 GEOLOGIA HYDROLOGICA da a agua que cahe nesta superfície rcparte-se pelas ribeiras de Odi- vellas, de Loures, do Trancào c da Granja ; as quaes descendo todas para o esj>açoso valle de Friellas, confluem mui próximo umas das outras, entre Friellas e S. João da Talha, e vào formar a ribeira de Sacavém, que apenas tem de comprimento até á sua foz 5,5 kilome- tros. Todas aqucllas ribeiras tem nas suas fozes altitudes inferiores a 1 0™ : por este facto estão sujeitas á influencia das «narés, e ao accesso das aguas salgadas do Tejo, na extensão d'alguns metros ; concorrendo também aquella circunstancia para o alagamento dos campos contiguos ás fozes daquellas ribeiras, a ponto de se estabelecer alli não pequeno numero de marinhas. Ribeira de Odivellas. — A ribeira de Odivellas recebe aguas da formação basáltica que se estende desde a Porcalhota até ao Alto da Amoreira ao Nascente de Canecas, e da formação dos conglomerados, que, como fica dito em outro lugar, occupa todo o valle e parte da Iwrreira que vai de Carnide a Friellas. As nascentes destes basaltos, consideradas cada uma em particular, são de pequeno cabedal, mas a sua frequência em toda a encosta, que desce da parte da linha divisó- ria que vai do coUo da Porcalhota á Adabeja e Canecas, dá um pro- ducto muito sensivel, a ponto de terem reunido em Dezembro de 1856 perto de 100 anneis ou 2:650°" diários no sitio do Pombal, próximo a Odivellas ; volume que vai successivamente crescendo até Friellas onde na maior estiagem não seja talvez inferior a 10:000"* diários. A formação dos conglomerados fornece proporcionalmente á sua extensão, muito menor quantidade de aguas a esta ribeira ; mas co- mo esta formação pelas condições da posição, natureza e eslructura das suas camadas, se acha completamente saturada até quasi á su- perficie do solo e se estende até ao subsolo da ribeira, não pôde exercer absorpção , e não ha por consequência perdas notáveis nas aguas superficiacs (|ue para ella correm. As altitudes porém desta ribeira , nos pontos onde as aguas tem um volume apreciável, são inferiores a 40"", o que torna impossível aproveital-as, introduzindo- as no aqueducto geral em Bemfica, e quando não houvesse este in- conveniente, as muitas e ricas propriedades espalhadas no valle, que no estio empregam eslas aguas nas irrigações, seriam um obslaculo poderoso o diflicil de vencer, quando se lhes quizesse dar diversa ap- plicação. lndepei)dent<'mentc destas e doutras considerações pareceria á primeira vista praticável recolher uma parte destas aguas nas pro- DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 41 ximldadcs das suas respectivas nascentes, estabelecendo na encosta que desce do grande inassiço para ovallc umaqueducto de (> kilomclros de comprimento, pouco mais ou menos, que, partindo da Falagueira, pe- las immediações dos Cazaes do Ouro e da Preza, fosse receber por ci- ma de OdivcUas as aguas (jue vem do ribeiro de Canecas, fazendo-aj entrar no aqucducto junto á Porcaliiota. Não de\e porem dissimular- se que similhanlc obra, forçada a attingir tão alto nivel, só receberia as aguas das nascentes mais altas da encosta, pouco abundantes, pela sua proximidade alinha divisória, que passa naAdabeja, e assim mais sujeitas as contingências da escassez pela cessação ou diminuição do seu volume. Ribeira de Loures. — A ribeira de Loures compõe-se de dous ra- mos prineipaes, que são a ribeira de Loures propriamente dita, e a ribeira da Louza. A ribeira de Loures propriamente dita tem a sua origem na vertente oriental da montanha do Almargem doBispo e cor- re para SSL na extensão de 7 a 8 kilometros, próximo á linha de contacto dos conglomerados cretáceos com as rochas basalticas. As aguas desta pequena ribeira, medidas junto á ponte do Tojalinho abai- xo da confluência da ribeira que vem do valle de Nogueira , onde tem a altitude de 46", deram em Novembro de 1856 um volume de Sr.lOO""" ou 128 anneis, e se se tomar em conta que havia algumas aguas represadas, talvez não seja exagerado se se contar naqucUe pon- to com um volume de 4:240""' ou 160 anneis. Uma parte desta ribeira e alimentada pelos sobejos das nascentes «jue brotam em diversas propriedades situadas desde a ponte do To- jalinho e Calvos ate valle de Nogueira e a outra pelas aguas que af- lloram no leito e sopé das encostas Íngremes das suas margens, e se destas aguas exceptuarmos 1 50 a 200"" ou 6 a 8 anneis que vem kilometros que tem de percorrer, eomo por ter de atravessar o ter- reno alagadiço das Marnotas, na extensão de 3 kilometros. Ribeira do Trancào — A ribeira do Trancão corre de NO a SE até Bucellas , e de N para S da ponte para baixo , indo cortar a ruga que vai de Vialonga a Fanhões. Consta esta ribeira de dous ramos principaes que se juntam acima de Bucellas, e são a ribeira do Trancào propriamente dita, e a ribeira do Boição. Toda a super- ficie hydrographica desta ribeira está na zona comprehendida entre as duas rugas montanhosas de Safarujo e Torres Vedras a Vialon- ga e Alhandra, sendo limitada jiclo lado de SE pelas alturas de Mon- tacbique. Povoa da Gallega, Milharado, e S. Thiago dos Velhos. To- das as camadas desta Iiacia são calcareos, marnes, e grés do terre- no cretáceo médio, e marnes, argilas, e calcareos do terreno ooli- tico superior, com a inclinação geral para S e SO. As condições desta ribeira são cm geral análogas ás da ribeira da Louza, com a dilfercnça do terreno adjacente abranger imia mais vasta superílcie de apanhamcnlo ; c é paru notar que todas as aguas desta bacia, reunidas em Bucellas tem uma altitude superior a 100"", que a sua conducção para Lisboa parece olTerecer as mesmas difficul- dades que [)onderei para a das aguas da ribeira da Louza, e que na ribeira do Boição, logo aciu\a de Bucellas, ha mui copiosas nascen- tes, que reunidas dão perto de 3:000"" de agwa poF dia. DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 4^ Ribeira Ja Granja. — Finalmente a ribeira da Granja, á qual vem ter as copiosas nascentes de Alpiatre, Flamengas e Sardoal, tem uma baeia liydrograpliica maiscircumscripta do (jue as outras afTluen- tes da ribeira de Sacavém ; sendo porém muito baixa a posição de nível da maior parte das suas nascentes para poderem fornecer aguas ás zonas media c superior da Cidade de Lisboa, ni5o me demorarei mais nos dctallies que Uie respeitam, pois ([ue quando hajam de aprovcitar-se aguas a nivcis baixos seria mais conveniente lançar mão das do bairro oriental. Vid. Mappa n.° 4. 6." SECÇÃO. CO:WS1IDEBAÇOE9 DYDBOIíOCSICAS sobre ASÍ AGl/AS DO UASKIÇO OCClDEIVTALi. Aguas aproveitáveis para o abastecimento da Cidade. — De todas as aguas aproveitáveis nos subúrbios de Lisboa para o abastecimento desta cidade , as que rcuncni maior somma de condições favoráveis são as da pequena bacia hydrographica das ribeiras de Queluz e de Laveiras, situadas no massiço occidental. Todas as outras ribeiras ao Poente destas , como a de Rio de Mouro , e de Oeiras , são menos abundantes, não contêm melhor (jiialidade de agua potável, c acham- se muito mais afastadas de Lisboa, e com más condições para se fa- zer a derivação das suas aguas. Incojiveiiiencia de derivar as aguas da serra de Cintra. — A ser- ra de Cintra, pela extensão da superlicie deapanhamenio na coroa das suas montanhas ; pela immensa vegetação que a cobre, c continuados nevoeiros que sobre ellas demoram ; pela sua constituição phvsiea e natureza das massas que a compõem está como saturada de aguas, circulando no infinito numero de fendas, (jue formam uma espécie de redenho no seu granito. É a estas vantajosas condições hydrologicas que Cintra deve a abundância das suas aguas e fertilidade do seu so- lo que tão amena e aprazivel tornam atpiclla localidade. Não obstante a abundância de aguas, com que se poderia contar nesta serra para o abastecimento da capital, a sua acquisição econduc- ção exigiria grandes sacrifícios ; já ponjue as expropriações seriam custosissimas, pelo grande valor que alli teem as propriedades, e pc- i6 GEOLOGIA IIVDROLOGICA las coiítcslaçòcs seai numero, (lue se oflTcreceriam por parte de indiví- duos poderosos, a quem iiào faltariam argumentos e influencia para obstar á derivação das aguas ; já porque tendo a conducrão de ser feita em uma extensão de perto de 14 kilomctros, que tanto dista S. Pedro do Alto da Porcalliota, c atravez de terrenos mui acciden- tados, c de rochas de diflllcil desmonte; 'as desjiezas da construcrão importariam cm uma soiiuna fora de proporção com o resultado que se poder ia obter, somma (pie se tornaria enorme com a multiplicida- de de obras necessárias para a reunião das aguas das diversas partes da serra em um só lugarJ Bfititi hijdrogra-plúca das ribeiras de valle de Lobos c de Queluz. — As ribeiras de Queluz c de valle de Lobos ou de Laveiras, tcem sido sempre lembradas desde Filippe III como as mais vantajosas, de- baixo de todos os pontos de vista, para a solução do problema em questão, e já em partes aproveitadas desde o começo do século passa- do, para o (|ue se construiu o nosso monumental aqueducto das aguas livres, e são aquellas que o estudo aponta como mais vantajosas, tan- to pela abundância, qualidade e altitude das suas aguas, como pela sua maior proximidade de Lisboa, e visinhança do aqueducto geral : por este motivo entrarei numa dcscripçào mais detalhada, e ponde- rarei todos os iàctos e considerações que se devem ter em conta pa- ra o seu mais vantajoso aproveitamento. A bacia hydrographica das ribeiras de Queluz e de Laveiras co- meça no Tejo, entre Paço de Arcos e Oeiras, dirigc-se jiara NNO passando pelos altos de Talaidc e Cacem, e vai ao Alto da Feira das ílercés, entre Melecas e Rinchoa ; deste ponto toma para NO até ao Algueirão, ahi muda rapidamente de direcção para NE indo ganhar o Alto da Piedade perto do Sabugo ; e confundc-se deste ponto em diante para o iVasccnte com a grande linha divisória daguas, descri- pta no principio desta Memoria. Esta bacia abrange maior extensão de terreno ao N do paralle- lo de Cintra do que as de Rio de Mouro. Oeiras e Manique, e cleva- .se na sua parte septcntrional a muito maior altura do que todo o res- to do massiço com excepção da serra de Cintra ; donde resulta para as ribeiras de Queluz e de Laveiras um avanço de 2 a O kilometros a N sobre as outras, podendo por consequência as suas aguas ser apro- veitadas em altitudes de 200" e mais, como actualmente acontece no sitio de Aguas Livres, Pontes Grandes, e visinhanças de Canecas. A ribeira de Laveiras corre, desde a sua origem, cm um valle, aberto provavelmente na época em que se elevaram as camadas que DAS VISINIIANÇAS DE LISBOA. 47 elle atravessa, niodilicado pelos movimenlos posteriores, e pela acção incessante dos agentes externos. Tem asna principal origem junto ao lugar da Tapada c dos Almornos, sobre a parle alta do (lanço meri- dional da montanha do Alniargem do Bispo na altitude de 300 C tantos metros, e próximo á juncçflo do andar de Bellas com os basal- tos; c recebe também aguas do sitio dos Gafanhotos, na plaga ' que está acima da (]uinta de D. Maria Luiza C.aldas. Estas aguas, que dcjiois de reunidas tomam o nome de ribeira de Valle de Lobos, descem por um apertado \alle de margens cor- tadas a prumo ou em ladeiras Íngremes, sensivelmente parallelo á parte occidental da linha divisória e mui pouco distante delia, pas- sando pelos povos da Matla, Melecas e Agualva, atravessando as ca- madas calcareas- e arenosas do andar de Bellas. Na Agualva forma o vallc un)a estreita garganta, pela qual a ribeira passa para a região dos basaltos, c seguindo com margens altas mas menos Íngremes e mais afastadas, estreita novamente em Barcarena, onde atravessa os calcarcos de caprinulas, indo até ao Tejo cm que entra junlo aCaxias, tendo percorrido uma extensão de 1 8 kilometros. Lsla ribeira não tem um só afiluente de notável extensão, ape- nas recebe aguas dos ribeiros de Molhapão, Baratam e Grajal, os (juaes teem os seus nascimentos mui perto do valle; mas em compen- sação é alimentada por copiosas nascentes que brotam dos seus flan- cos. Alguns barrancos desembocam no valle desta ribeira, e a ella con- duzem as aguas pluviaes, mas passadas as chuvas cessa esta alimen- tação, reduzindo-se, em geral, aos recursos que lhes prestam as in- dicadas nascentes. A ribeira de Queluz é formada pelas ribeiras do Jardim , e do Castanheiro , que se reúnem em Bellas na quinta do Conde do Re- dondo, c pela ribeira de Carenque, que se junta com as preceden- tes ao pé da Ponte de Queluz de Baixo. As origens das ribeiras do Castanheiro e de Careníjue .são na vertente meridional das collinas que correm pelo N de Canecas e Le- gares de D.Maria até ao sitio dos Gafanhotos e na altitude de2S0"; em (juanto que as do ribeiro do Jardim não passam do Cazal da Car- regueira um pouco ao N de Bellas , embora o vallc receba aguas pluviaes de pontos mais aflastados. Estas ribeiras lançam-se cada uma ' Sirvo-me da pal.ivra plaga para designar o espaço aberto que termina a p.-)rlt superior de um vallc de maior ou menor extensão, ás vezes coberto de um pântano, mas onde Icm sempre lugar as primeiras origens de um regalo ou ribeira. +« GEOLOGIA HYDROLOGICA cm sua prega bastante fundas c dirigidas de N a S. As margens são apertadas, quasi a prumo em partes, ale' chegarem á região dos ba- saltos, nos sítios do Pendão e de Ponte Pedrinha ; deste ponto cm diante as margens alargam c tornam-se menos ásperas. De Queluz descem aslas aguas para oS, por um só valle, cujas margens tornam a apertar, c vão entrar no Tejo no sitio da Cruz Quebrada, tendo feito um trajecto do 13 a 14 kiloinetros. A quantidade de nascentes e fontes que vertem para a ribeira de Queluz no valle de cada um dos seus afllucntcs, é na verdade grande ; não obstante o volume de aguas desta ribeira é proporcionalmente me- nor do que o da ribeira de Valle de Lobos cuja bacia deapanliamento é mais circumscripta : todavia se se advertir que os poços praticados nos leitos dos ribeiros do Castanheiro edo Jardim conservam as suas aguas na maior estiagem nào poderá attribuir-se aquella diflercnça se- não á forma, estructura e divisão das massas que separam aquelles val- les, e menor quantidade de rochas arenosas e argilosas que propor- cionalmente encerram estas mesmas massas comparadas com aqucllas das margens da ribeira de Valle de Lobos : resultando desta diflerença de condições que as nascentes e fontes estabelecidas nos (lanços da- (juelles valles umas seccam , outras diminuem muito de A'olume na passagem do Verão para o Outono, sem que todavia os sub-lcitos das ribeiras de Carcnque, do Caslanheii'o e do Jardim deixem de estar saturados daguas nesta época. Qual seja o volume das máximas, mínimas, e medias aguas de cada uma destas ribeiras, com relação ás aguas pluviaes cabidas na respectiva bacia deapanhamcnto, éoque se ignora, porque similhantes trabalhos hydrologicos ainda não começaram entre nós. O que se sa- be pelo testemunho de toda a gente, c pela observação de muitos fa- ctos que o corroboram, é que na bacia bjdrographica destas ribeiras se conservam a maior parte das nascentes todo o V'erão e Outono, mais ou menos diminuídas, segundo a extensão da sècca ou a duração do Inverno que precede um dado Estio, c com oproducto destas nascen- tes se alimentam as povoações estabelecidas dentro da mesma bacia, se costéa a irrigação de um grande numero de propriedades, c se dá emprego a grande numero de lavadeiras. Exame do súlo no N do pnralldo de Agualva, donde tem de se derivar as aguas. — A falta de calhaos volumosos nos depósitos allu- viaes existentes nos leitos apertados de todas estas ribeiras , prova (jue as aguas que nellas correm são animadas de fraca velocidade c por tanto pouco volumosas , donde se pôde inferir- que uma gran- DAS VISINH ANCAS DE LISBOA. 49 de parte das aguas pluviaes é absorvida pelo solo , c dalii resulla a pennanoncia das fontes e nascentes (|ue alimentam no Verão estas ri- Jjciras. Mais tarde veremos que este facto está em relação com a na- tureza e eslruclura do terreno e com a forma desta l>acia. Flxaminemos jjoís a natureza do solo de toda a parte desta bacia ao iV do parallelo de Agualva , sua estructura, e bem assiui as nas- centes nclia coniiccidas. Rochas basaUicus, victamorphicas , tufaceas e grcsi formes. — O grupo de rochas, em que entram os basaltos , que se estende desde a Porcaliiola por Bcllas ate ao Papel, coinprehende : 1.° uma rocha com- pacta fendida, com os caracteres do verdadeiro basalto passando a ou- tro bolhoso similhante ao wake : 2." as rochas constantes da secção (Fig. 7) : a saber a — Calcareo branco metamorphico do calcareo de caprinulas? ã — Conglomerado ferruginoso similhante a' brecha de um jazigo de contacto, com abundante ferro hydratado. w<^ Basalto em mantos de estructura compacta. d — Rocha nictamorphica estratificada infiltrada de basalto e com ca- vidades revestidas de spatho calcareo. c — Camadas de uma rocha homogénea verdoenga, similhante aos mar- nes finos endurecidos. t,-/,'./,' — Camadas de grés tufaceos e argilas avermelhadas, em partes formadas de detritos basalticos. Por em quanto estou convencido que quasi todas estas rochas , mesmo as compactas, como os basaltos, são de origem sedimentar per- tencendo talvez , em grande parte á formação do calcareo de capri- nulas, profundamente modificado, como já ponderei. Como quer que seja, o que se observa é que estes stratos , uns l)em, outros mal definidos, não tem continuidade ; porque parte delles ou se convertem na rocha basáltica propriamente dita, ou são inter- rompidos pelas massas de basalto aniygdaloide , como se vè no cami- nho da Amadora para o Pendão, e nas encostas do Monte do Abrahão por detrás de Bellas. Oliservando porem a posição das diversas nascentes que existem na zona mais septentrional dos basaltos , desde a Porcalhota até ao Papel, vè-se, que estão, até certo ponto, subordinadas ás camadas que acabei de mencionar. Com efleito grande numero de poços abertos desde a Amadora até á Porcalhota tem as suas nascentes sobre estes MEM. Dl ACAD. 1 .' CLASSE T. II. P. I. 7 50 GEOLOGIA IIYDROLOGICA stratos, sendo os leitos de argila vermelha , os (luc mais contribuem para a conservação destas nascentes, evitando o derramamento da agua pelas fendas das rochas contíguas ou suhjacenles. As nascentes da Falagueira ; as aguas da Rascoeira ; as nascentes do Almarjão ; e as que pertencem ao Duque de Palmella, ao Condo de Porto Covo, e ao Conselheiro Fclix Pereira de Magalliàcs, todas situadas ao N da estrada real , entre a Porcalliota e a Ponte de Ca- renque ; os quatro poços das visinhanças da Gargantada ; a fonte (jue se \ê neste mesmo local ; as nascentes do vallc de Ponte Pedrinha , e da encosta do Monte de Abrahão e parte das quaes dão agua para o palácio de Queluz ; as nascentes de Massamá c as que cslào ahaixo do Casal do Papel, formam um systema cujas aguas são situadas cm uma estreita zona, quasi parallela á linha EO, brotando parte delias dentre as mencionadas rochas. ^'ão pretendo comtudo indicar, que as reservas destas nascentes estejam exactamente nas mesmas condições das das aguas que brotam dos terrenos stratiíicados não nietamorphicos ; mas é certo que al- gumas participam do seu regimen , cm tudo o que diz respeito ás aguas que descem dos mantos basalticos ou das camadas permeáveis situadas a maiores alturas, e que descançam com os retalhos dos grtfs, mais ou menos alterados , sobre os leitos de argila vermelha , como succede a's que ficam entre a ribeira de Carcnque e a Porcalliota. Em todo o caso, se esta estructura intUie na posição de parte das nascen- tes das localidades indicadas, não acontece outro tanto relativamente á abundância das suas aguas ; porque á estreiteza da zona situada ao i\ da estrada da Porcalhota ao Cacem accresce ser ella em forma de esplanada, interrompida apenas pelos valles das ribeiras de Carenquc e de Valle de Lobos, e o seu solo de estructura variada , em parte compacta e em outras fendida. Não devem por tanto fundar-se espe- ranças de acquisição de grande volume de aguas nesta zona, cpiaes- quer que sejam os trabalhos de exploração qne se tentem ; apczar da frequência de nascentes, que apparccem nestas rochas , portiue alem do seu pequeno producto, muitas delias soflrem grande diminuição no Estio, ou seccam inteiramente. Podem porem aprovcitar-se nascentes já conhecidas , ou serem pescpjisadas , próximo ao aqueducto a cons- truir, se elle houver de passar por esta zona, com especialidade no córrego da ribeira de Carenquc, onde as nascentes que brotam da for- mação basáltica, são mais permanentes e copiosas, porque neste caso as despezas da acquisição devem, relativamente, ser pequenas. Desde o Alto da Falagueira ao N da PorcalhoU, até ao sitio do DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 51 Papel , as Lem definidas camadas de calcareo, não apresenlain a mais pequena pcrturijação no seu contado com a lormaçào basáltica ; ao contrario , esta forinaçiio descança , como se fora um grande strato sohre o primeiro grupo de calcareos do andar de Bellas, e só no pla- no de contacto é que se observa uma camada de conglomerado cal- careo ferruginoso, passando a calcareo cscoriacco e melamorphico , e encerrando aflloramenlos de ferro oxiliydratado , lambem escoriaceo c geodino , com o aspecto d um verdadeiro jazigo de contacto , como se vé na planura de Villa Chã, em Alfamil, em todos os mais pontos da zona, e bem assim no Penedo do Gato, e Covas de Ferro no mas- sioo ao N. da zona basáltica de Loures. Da natureza destas rochas de contacto se conclue, que álcm do metamorpliismo, exercido pela tem- peratura do basalto derramado sobre as camadas preexistentes do pri- meiro grupo do andar de Bellas , houve eíTectivamenle uma linha de ruptura , ou grande fenda parallela a esta zona, por onde sairani as substcyicias que constituem os jazigos de contacto , sem fazer desar- ranjo , á superfície do solo , no sentido da inclinação dos stralos da formação sedimentar. É desta zona de contacto que brotam as aguas, no valle de Ca- renque , junto á Gargantada ; as que ficam ao S da quinta do Mar- quez de Bellas até Ponte Pedrinha ; e as do Refervedouro c Rocanas na ribeira de Valle de Lobos , junto ao Papel ; todas pertencentes a uma lamina aquosa , retida pela superficie dos stratos superiores do 1 ." grupo do andar de Bellas. 1 ." grupo Jc calcareo do andar de Delias. — O primeiro grupo de Bellas compõe-se de uma possante assentada de camadas de cal- careos argilosos, em geral duros, alternando com marnes mais ou menos aniarellados , em parte ocraceos , c algumas formadas , quasi exclusivamente, de fragmentos de ostras. Encontram-se em toda a al- tura deste grupo, abundantes moldes de turritelas, tylostomas, neri- neas, corbulas , arcas , ostras , echinos , e outros fosseis. ' Na parte inferior do grupo onde as camadas não teem sido alteradas pelos agen- tes externos , os marnes são cinzentos pouco schistoidcs , alternando com delgados leitos de argila, também cinzenta escura, e com um as- pecto muito dillerente do que teem á superficie. O limite deste grupo começa ao Nascente dos campos de Villa Chã, dirige-se para O, passa próximo e ao N do Casal do Ribeiro de Sapos, e ao S da Venda SéccJi, ' Pela posição superior que occupam as camadas da praia das Maçãs sobre as de Villa Verde c Terroge,' creio que pertencem ao 1.* grupo do andar de Bellas. 52 GEOLOGIA HYDROLOGICA ao N de Agualva, atravessa a estrada de Cintra a meia distancia erilrr- o Cacem e Rio de Mouro, e dalii segue para 80 passando próximo h Vaz Martins e Allaniil. Desde o extremo oriental deste grupo onde se acha a linha divisória de aguas até ao outro extremo occidcntal no alto do Cacem c que reparte as aguas para as ribeiras de Valle de Lobos, e Rio de Mouro, ha uma distancia de 7 Kilomelros na qual a largura media occupada pelas camadas deste grupo é de 1,5 kilo- nietro ; donde resulta para a parte da bacia de apanbamento das duas ribeiras de Valle de Lobos c de Queluz occupada por estas mesmas camadas uma superíiciede 10,5 kilometros quadrados. E se por outro Jado notarmos que a inclinação mais comnumi destes stratos e de 5 a 10° para o S concluiremos também que a possança do 1.° grupo do andar de Bcllas excede a lOO"". Diversos alíloramentos de dinrites atravessam as camadas da parte media e inferiores deste gru^ío ; um no sitio das Aguas-livres , na margem esquerda da ribeira de Careníjue ; outro entre o Casal de Rio de Sapos , e a ribeira do Castanheiro ; outro ao S deste ponto ; outro junto á copiosa nascente de Bellas, na lomba que vai para os moinhos do Jardim ; e outro entre a Jarda e Agualva. Todos estes anioi'amcntos são de curta extensão superGcial, mas ainda assim al- teraram profundamente as camadas de calcareo, inliltrando-os da su- bstancia volcanica, e tornando-os verdocngos e porphyroides, ou ama- rellados e escoriaccos ; e produziram algumas perturbações locaes nas camadas deste grupo, e das do grupo immediato. Alem destes des- arranjos outros ha de maior importância , que são as falhas , inter- rompendo a continuidade das camadas deste grupo. As ribeiras do Jardim e Castanheiro correm cada uma por sua falha que vào juntar-se em Bellas na zona do 1." grupo, correspon- dendo essa juncção ao abatimento do solo intermédio aas valles em «juc ellas correm ; continua com o nome de ribeira do Castanheiro nos calcareos superiores do grupo, até entrar na formação basál- tica junto ao Pendão ; e abaixo deste ponto reune-se com a correspon- dente á da ribeira de Carenque na parte que serve de leito á ribeira de Queluz. A ribeira de Valle de I^bos segue uma outra linha de falha , onde alguns calcareos do 1 ." gru])0 e parte dos grés do 2." se levan- tam para formar a margem direita da mesma ribeira desde a Ponte de Agualva até á Jarda. A solução de continuidade das camadas aquíferas, resultante des- tas falhas imprime uo reginaen das agu as subterrâneas deste grupo DAS VISINHANÇAS DE LISBOA 53 tim caiaclcr particular, cujas circumstancias mais importantes, pani •) questão ([ue nos ot cupa, são as seguintes : Em geral o grande acréscimo de superfícies de vazão das ca- madas, occasionado jielas falhas, produz grande numero de nascentes sojjre as ribeiras , por outro lado , os planos das mesmas fullias em contacto com as aguas correntes das ribeiras absorvem e dillundcm grande quantidade delias. Em particular a fluxão para a ribeira do Castanheiro de uma porção de aguas considerável c determinada pela disi)Osiçáo das camadas, que topam na parede da fenda : estas cama- das descaem para os planos das duas falhas de modo <|ue as aguas , que chegam ás jwrções da sua superfície em que esta circumstancia se dá descarregam-se, seguindo as linhas de maior declive pelo plano de falha [)ara a ribeira. Pelo contrario na parte da segunda falha cor- respondente ao Cacem , como as camadas neste ponto inclinam para SO, por causa de um dike trappico ahi existente com a direcção pro- ximamente KO , deve naturalmente uma parte das aguas da ribeira corres[)ondente de Valle de Lobos sumir-sc pelos topes da margem elevada para ir apparecer em pontos mais baixos na ribeira de rio de Mouro ; por outro lado como as camadas, que formam a margem fron- teira entre a Jarda e Agualva tem próximo da parede que a limita uma inclinação mui peíjuena , as aguas que entre cilas se insinuam devem ahi ser demoradas, e esta circumstancia faz crer (jue a explo- ração desta margem dará nascentes de maior ou menor importância. Ao (jue fica exposto deve accrescentar-se que os calcarcos deste grupo na sua parte superior , estão cortados por juntas normaes aos planos de stratilicação, como se observa em muitos pontos entre Bellas e Agualva , mormente na parte cortada pela ribeira de Valle de Lo- bps, e tjue na sua parle media, posto ([ue oflereçam menos, não dei- \am comtudo de ter ainda frc(iuentes soluções de continuidade : esta estructura por juntas produz lambem uma notável dillusào das aguas pluviaes, e das ribeiras, logo que chegam a estes stratos, sumiudo-se e descendo por todas as fendas até encontrarem as camadas imjjer- meaveis sobre ([ue elles assentam. Sobem ao numero de cpiarenta todos os poços, minas o fontes naluraes.de (lue tivemos noticia e podemos reconhecer na parte deste grupo coniprehendida entre as ribeiras de Carenque, e Nalle de 1^>- bos. A determinação arte superior deste grupo liaria uma zona daguas á qual pertencem us nascentes da Gargantada, as de Rocanas c Refervedouro nas ribei^ ras de Carcnquc o de Valle de Lobos. Estas aguas por terem a sua sede principal nos stratos mais superiores do t.° grupo nào podem deixar de considerar-se como pertencentes a elle, embora mostren» al- guns afiluxos por entre as rocbas basalticas que Ibes silo contiguas. Em consequência da pouca largura que esta zona occupa dentro da bacia, nào lia a esperar delia grandes mananciaes ; poderá comludo explorar-sc com alguma vantagem próximo aos leitos das ribeiras , aonde necessariamente as aguas devem aflluir cm maior copia. A outra zona que segue para o N, e na ordem descendente , é aquella onde estào situados: l.°os poços entre a Gargantada e o povo de Carenque , cujas aguas são permanentes durante o Estio ; o poro do pomar do Tenente e da azinbaga, que vai para o Olival; dous po- ços junto ao mesmo povo de Carenque , um poço nas terras do Lui- zinlio, e o que está antes de chegar á ponte de D. Faustina, todos no valle de Carenque : 2.° o poço na quinta do Padre Brotero ; dous na (|uinta de (iregorio Antunes; a nascente do portiio de ferro no valle da ribeira do Castanheiro ao S da juncçào com a ribeia do Jardim : •5." a fonte dos Burros; a fonte da Idanha ; a fonte da ílizenda do Barros , e o poço do Leal, ao S da Idanha , 20™ acima das nascentes e poços estabelecidos nos dous precedentes valles. A terceira zona passa acima da ponte e povoação de Carentpie , entre esta povoação e a azenha do Filippinho, vem aos povos de Rel- ias e Agualva: nesta zona encontram-se: 1.° um poço junto á azenha do Filippinho , e dous outros mais a jusante no valle da ribeira de Carenque : 2." a fonte da Panasca ; o poço do Pomar da Chave ; a nascente da Male'; o poço do Silva; a mina na quinta de Manoel An- tónio ; o poço na quinta de D. João de Castello Branco ; a nascente do Casal do Miranda ; a copiosa nascente de Bcllas, todas situadas no valle do Castanheiro , e as duas ultimas no valle da ribeira do Jar- dim, sendo para notar que a nascente de Bellas e a da quinta de Ma- noel António , lambem copiosa , brotam da zona de contacto com as dioritcs : 3.° a fonte no sitio da Bica ; a das Eiras ; o poço da quinta da Nora; e uma nascente no leito da ribeira, todos próximos ao poço da Agualva e no valle di ribeira de Valle de Lobos. Ha alem destas, uma quarta zona, na juncção com o 2.° gru po, DAS VISINH ANCAS DE USBOA. Ó5 onde estão os poços do quintal do Prior, as nascentes do Casal de vallc de Sapos ; e as visinhas da quinta do Bicster , e do Casal do Pelào. Todas estas aguas tem os seus níveis nos massiços deste grupo que separam as ribeiras de Carcnque, Castanheiro e Vallc de Lobos, donde descaem, pela acção da gravidade e posição das camadas, para as secções de vasão praticadas , natural ou artificialmente , nos leitos daquellas ribeiras ou nos sopés das encostas, onde estão as nas<'entes, Ibntes, e poços enumerados. Deste grupo do andar do Bcllas só se aproveita para o aqueducto geral a agua que vem á linha de S. Brai ; e pelo traçado do aque- ducto da Matta ficam ainda excluidas todas as aguas que pódc íorne- cer, em consequência de ser a altitude em que brotam inferior á do referido traçado. 2." Grupo ih andar rimeira destas nascentes vcin d entre as camadas calcareas deste grupo, mas tendo sido ambas exploradas em um nivel muito superior e por tanto mui próximo dos aílloramentos, e tendo sido alem disso praticadas nos grés quasi parallclamenle á direcção das suas camadas estào precisa- mente nas condições mais desfavoráveis para se obter um volume d'a- guas proporcional ao custo desta obra. Algumas explorações infructuosas se tem feito neste grupo em pesquisa de aguas, como por exemplo a que está n'um alto por cima da (juinta do Bom Jardim : abriu-so alli um poço de 20'" ou mais de fundo , o ([ual não atravessou um só leito aquoso, não obstante ter encontrado camadas alternantes permeáveis c impermeáveis ; este facto e outros similliantcs , são uma prova de que não é nos altos das col- linas ou montanhas de rochas estratificadas , que as aguas devem ap- parecer, (juando as camadas que nellas aflloram não descem de pontos mais altos. 3." Grupo do andar de Bellas. — Por baixo deste grupo de grés, surge, em slractificação concordante o 3.° grupo do andar de Bellas, formado exclusivamente de rochas calcareas, ecaracterisado por abun- dantes tcrcbratulas de pequena grandeza, e de diflerentes espécies, acoaq)anhadas de muitos restos de polvpciros , de echinodermes e de pectens. Este grupo tem o seu limite oriental uns GOO" a INNE de Ada- Leja c descendo ao valle de Carenque a montante da nascente da Mài d"Agua Velha, dirige-se de E para O pelo sitio dos Penedos Pardos, Casal da Carregueira , Abelureira , e quinta de Molhapào donde des- cabe para SO, atravessando a ribeira de Valle de Lobos, junto á quinta do 3Iinhoto. A extensão longitudinal deste grupo entre as divisórias (jue se tem considerado, é de 8 kilometros ; a sua largura média de 400"'; por consequência a superfície é de 3,2 kilometros quadrados: e como a média inclinação das suas camadas se pôde calcular em .')° para S, a possança do grupo será de 30 a 40". Do outro lado da ribeira de Valle de Lobos, e para NO. appa- rcce deslocada outra porção deste gruiio, cujas camadas tomam in- clinações que mudam rapidamente de 5 a 00° para os diíTerentes pontos do quadrante de NO, variando também a direcção por tal modo que as camadas de calcareo se apresentam dobradas em curvas de mui pequeno raio. Estas camadas vem do sitio de Pechiligaes a Santa Cruz da Granja , defronte das copiosas nascentes da Matta , e daqui 8. 60 GEOLOGIA HYDROLOGICA se dirigem ao Sabugo , donde dcscaliem com os grupos mais moder- nos |iaiaa falha, (jue occasiona a depressão, que corre de Sacotes a Pêro Pinliciro (Fig. 1 e 4). Compõe-se este grupo de camadas de calcareo , em geral pouco argiloso, de cores claras ; sendo em partes vermelho escuro, silicioso, e talvez um pouco inetamorpliico nos stratos superiores em que se encontram os fosseis acima indicados ; alterna repelidas vezes com ca- madas delgadas de marnes amarcUados, molles e porosos, os quaes na base do grupo, se tornam arenosos, um pouco micaccos, e schistosos ; fazendo a transição para o grupo arenoso immediato. Diversos aflloramentos de diorile porphyroide atravessam as ca- madas deste grupo , entre a quinta do Minhoto , o moinho do Car- rascal, e o moinho do Victoriano (Fig. 14): entretanto afora este des- arranjo local, o grupo corre regularmente, dentro da área da bacia hjdrographica, sendo somente cortado pelos Talles de Carenf[ue e do Castanheiro , que interrompem a continuidade das suas camadas. O limite N das camadas deste grupo apresenta-se cm escarpa abrupta , desde o Casal da Carregueira até perto do moinho do Carrascal do modo qne mostra a figura , representando o lábio da grande deslo- cação (|ue separou a outra parte do grupo que está na margem di- reita da ribeira de Valle de Lobos para os lados do Sabugo e dos Pichiiigaes. Todas as camadas calcareas deste grupo estão muito retalhadas por numerosas fendas que cortam perpendicularmente os seus pla- nos de slratificação, e enceiTam algares mais ou menos vastos e fun- dos, especialmente na parte que decorre do moinho do Carrascal para o valle de Caren(|ue : as aguas jjluviaes que caem sobre este grupo in- sinuam-se por aqucllas fendas e na sua maior parte vão recolhcr-se nos mencionados algares de modo que estas aguas iriam quasi todas e immediatamentc aos córregos das ribeiras de Carenque , do Casta- nheiro , e de Valle de Lobos , se as secções de vasão de todos os de- jrositos hydrostaticos (jue residem neste grupo tivessem grandes di- mensões em relação ao volume de aguas recolhido, e se os planos doa camadas se levantassem em grandes ângulos. A esta estructura e dis- posição das camadas do 3." grupo, é (|ue se deve a esterilidade appa- rente da zona que elle oceupa, não se encontrando senão as nascentes da Agiia-livre denominadas Mãi de Agua Nova e Mài de Agua Velha ; as duas nascentes do alveo da ribeira do Castanheiro , próximo ao Brouco ; a fonte f|ue fica quasi á entrada da (piinta de IM olha pão ; as nascentes da Portella da Adabeja, a do Casal do Brouco ; e um poçt> DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. f.l na quinta de SantAnna, próximo á ribeira de Valle de Lobos sem importância notável. A nascente da JlSi de Agua Velha é sem duvida a mais notável deste grupo , e uma das mais importantes da bacia : a conserva na- tural desta copiosa e pereime nascente existe nas camadas do 3." grupo da parte do massiço comprehcndido pelas ribeiras de Carcn(|ue e Cas- tanheiro, escoa a sua agua por cima da camada impermeável (jue a demora nos algares, e vai brotar, repuxando um pouco na margem direita P.ô proximamente acima do leito da ribeira: a communi- caçào das aguas pluviaes com a reserva, e a desta com a Mài d' Agua Velha são tào directas, que apenas as chuvas cahem, logo se pertur- bam as aguas desta nascente. Quasi em frente á distancia de 20"*, na margem opposta ha ou- tra nascente, denominada Mài de Agua Nova, aberta nos mesmos cal- careos, em um nivcl inferior de 8'" ao leito da ribeira ; e no inverno tão copiosa como a primeira ou ainda mais: inas apczar da proximi- dade e identidade da origem das duas nascentes um phenomeno mui notável as distingue , « torna evidente a sua absoluta inde|)endencia , e é — que a nascente da Mài de Agua Nova estanca todos os annos no começo do Verão , em quanto rofiin(lamcntc a natureza dos grés e das argilas em volta dos af- lloramentos, sendo do contacto destas rociías ([ue brota uma parte das copiosas nascentes da plaga dos Gafanhotos na qual se comprohcndem as da quinta de D. Luiza Caldas. Proseguindo ainda para o N e so- bre o caminho da Tapada, as camadas de grés e argilas dobram des- locando-se repetidas vezes e levantando-sc em ângulos de 20 a GO" em consequência da injecção de dikes de trappe porphyroide , bro- tando de todas estas fendas e deslocações outras copiosas nascentes que sào as mais superiores da ribeira de Valle de Lobos. Seguindo as margens desta ribeira por um lado desde o Alto da Tapada , Granja, Malta e Pechiligacs, c por outro desde o Alto dos Gafanhotos , valle de Urze , Moinho da Malta , até á quinta do Mi- nholo, encontrar-se-hão as camadas deste grupo especialmente na mar- gem direita de Valle de Lobos levantadas em ângulos de 5 a í)0" para ditVercntes pontos do horizonte. Na divisória daguas no Alto da Ta- pada inclinam as camadas para pontos opposlos por causa da linha anticlinica que alli passa ; mas seguindo a mesma divisória para o Alto da Piedade vcem-se ahi as camadas de grés com inclinações em grandes ângulos para o leito da ribeira e deslocadas mui perto delia na linha que forma a grande divisória , abrindo-se uma larga falha por onde rompem os calcareos de Olellas ficando occultas pelo lado do N e a profundidade desconhecida as camadas deste grupo. Desta disposição resulta a existência de menor numero de nascentes na parte da margem direita da ribeira de Valle de Lobos nesta localidade do que na margem fronteira. Da encosta da Piedade c para o SO descem estas mesmas camadas pela referida margem direita inclinando para aqucUe quadrante: mais para diante muda esta inclinação para o NO percorrendo os differentes pontos do horizonte entre aquclles dous qua- drantes ; e penetrando para o interior da terra cm ângulos de 30, 70, e 90" em consequência da falha que um pouco mais a O se di- rige das visinhanças do Sabugo ao sitio de Maria Dias c a qual apro- xima tanto á divisória daguas para o leito da ribeira de Valle de Lo- bos que no sitio de Santa Cruz junto á Matta de cima não chegará a estar afastada uns 100"°. Deste modo a margem direita da ribeira de Valle de Lobos desde as visinhanças da Piedade até á Matta continua DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 65 succcssivamentc a ter uma quasi absoluta carência de nascentes nos grés deste grupo, vcndo-sc apenas por este lado alguns delgados file- tes daguas que brotam das paredes mais escarpadas. Na margem esquerda aprcscnta-sc o 4.° grupo desde o Alto dos Gafanhotos até ao povo da Alatta occupando unia depressão dos calcareos do 5." grupo, cujas camadas aflloram naquelles dons pontos : cstendem- sc as camadas daquelle grupo sobre uma grande área para a Car- regueira c Moliia])ão apresentando nesta margem a sua máxima possança, inclinando o solo bem como as camadas em partes para o alveo da ribeira, no qual descarregam muitas c abundantes nas- centes, fornecidas por frequentes c extensas camadas aquíferas ali- mentadas por uma grande superfície de absorpciSo. Alem dosaccidentes ponderados muitos outros se manifestam nas camadas deste grupo sem comludo aíTectarem grandes áreas e de- vidos á injecção de dikes de trappe como no Rocoveiro, Barata m , Melecas, Talha e Pechiligaes brotando de quasi todos nascentes mais ou menos copiosas. Os outros pontos occupados pelas rochas deste grupo em que se manifesta maior abundância de aguas, são desde o Casal da Car- regueira ate Molhapào c Matta ; e desde os Pechiligaes e Algueirào até Melecas e quinta do Telhai. A camada de argila arenosa e im- permeável, cinzenta clara, manchada de vermelho e amarello, que está acima da parte media do grupo é que determina a zona aqui- fera mais superior deste mesmo grupo. Vè-se afllorar esta camada a montante da Mài de Agua Velha ; nas terras c Casal da Quinta ; no valle da ribeira do Castanheiro, ao N do Casal do Bronco ; na explanada que se estende do Casal da Carregueira para o lado do N, e que vai passar algumas dezenas de metros, acima do Tanquinho de Molhapào; no Sabugo e em Pechiligaes. Sobre esta camada im- permeável residem : I ." as nascentes do valleiro acima da Mài de Agua Velha ; do valle da ribeira do Castanheiro, cada uma das quaes da de I O a 15"" diários na maior estiagem: 2.° as nascentes da rèrca da Carregueira que afíloram por baixo de um terreno alluvial um pouco argiloso, e formam as origens da ribeira do Jardim ; estas nascentes mediram em Dezembro findo 130 a 1 10"° dagua por dia. Uma jwrle destas aguas perde-se no solo calcareo do grupo anteceden- te: 3.° as nascentes de Abetureira, eo terreno contíguo que se acha saturado de pguas na sua parte mais baixa, na extensão de muitos centos de metros quadrados : 4.° as aguas do Tanquinho de Molhapào, com as suas nascentes e encanamentos , que apesar de estarem em MEM. DA ACAD. 1 .' CLASSE T. 11. P. I. 9 6fí GEOLOGIA HYDROLOGICA jwrlo desmoronados e obstruídos, mediram cm Dezembro passado. ■500 a 400°" d'agua diários: estas nascentes acham-se em nma prega do solo , para a qual convergem as camadas , formando uma linha sinclinica oíTerecendo portanto favoráveis condições para uma explora- ção vantajosa na camada a(|uifera. Cabe aqui dizer (|U(; as camadas desta localidade descabcm fortemente para o córrego do ribeiro de -Molliapão, que vai encostado á barreira quasi aprumada doscalcarcos do grupo antecedente, os quaes devem por tanto dar grande quanti- dade d'aguas na ribeira de Vallc de Lobos, quando sejam cortadas a jusante da foz do ribeiro: 5.° as nascentes dedifíerentes camadas aqui- leras taes como as do ribeiro das Enguias, e as d"entre a Baratain e Algucirào, que em Dezembro lindo attingiram 100'"" diários: as nas- centes do valle da Uize, na margem esquerda de Valle de Lobos ; e as mais nascentes desta ribeira a montante da povoação de Valle de Lobos, que na sua totalidade deram por estimativa, na maior escassez, ;>000"" diários. Da parte inferior do grupo brotam outras nascentes, taes são a fonte de Melecas e a nascente da quinta do Visconde de Extremoz, ambas mui abundantes, não dando talvez menos de 200'"* diários; as nascentes da parte superior do ribeiro das Enguias ; as do Povo de l^ecliiligaes ; e as das quintas do Telbal, da Tala, e do Alto do Sabu- go. Ha álem destas muitas outras nascentes e poços de particulares (jue fertilisam diversas extensões de terreno cultivado tanto na mar- gem da ribeira de Valle Lobos, como cm Pccbiligaes. Finalmente es- te grupo presta-se á acquisição de novas aguas, álem das conhecidas em diversos pontos, como na ribeira do Castanheiro; na prega de Rio de Sapos; na quinta de Molhapào ; e em Pccbiligaes, por causa das formas particulares do solo, e da posição das camadas: comtndo não se creia que o volume que se poderá obter seja cousa extraordinária, porque de certo não pôde exceder a capacidade de saturação das ca- madas aquiferas, até ao nivel em que forem atacadas pela explorarão. :}." Grupo (lo andar de Bcllas. — O ò.° grupo do andar de Eól- ias é todo formado de rochas calcareas com possança superior a lOO'" estimada na parte que está entre Algucirào e Mem Martins : cm Cin- tra devi; talvez ser muito superior a 300"'. É cuberlo ao S, Poente o NO pelas rochas arenosas do grupo antecedente; mas nas alturas do Brejo e do povo de D. liaria mette uma nesga para o valle de Ca- marões passando junto áquelles si tios com os stratos vcrticaes , onde similhantementc é cubetto jior acpiellas mesmas rochas: alli rcune-so ao retalho que resultou de uma deslocação c que está encostado á DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 67 serra das Sardinhas (Fig. 3), e torneando a parle occldental da inon- tanlia de Monle-mór, descançando sempre sobre os grés do fi." grupo, vai ligar-se pelo Nascente com os slralos (jue atravessam as ribeiras de Caren(]ue e do Castanlieiro. A ribeira de Valia de Lobos nào bebe directamente das aguas pluviaes cabidas sobre os calcareos do 5.° grupo que estào dentro da bacia respectiva: só entre a Malta c Melecas é que se vê orlada dum estreito aflloramcnlo dos mesmos calcareos, quealli, e destacadamente, rompera os grés do 4." grupo, na extensão de 2,5 kilometros de com- primento por 100 a 200"" de largura media; achando-sc a parle da bacia correspondente ás ribeiras de que se traia que éoccupada pelas rochas do b.° grupo, reduzida a 4 ou 5 kilometros quadrados so- mente. Os calcareos c marnes deste grupo são argilosos, amarellados, e om geral, absolutamente idênticos, no seu caracter mineralógico, aos (;alcareos dos grupos antecedenles, observando-se na sua parte inferior repetidos stratos de marnes schistoides, e de argilas de côr cinzenta escura ; todavia em algumas partes apresentain-se as suas camadas endurecidas de textura compacta, còr acinzentada, evidentemente alte- radas por metamorphismo, e muito fendidas e rotas, como se pôde ver no Brejo, e desde o sitio de D. Maria até ao Bronco pelo valle do Castanheiro ; alteração certamente devida á presença dos trappes que, entre os Penedos Pardos e D. Maria e no cimo do valle de Fornos af- lloram em repetidos pontos. L sobre os calcareos deste grupo que nascem os valles das ribeiras de Carenque, e do Castanheiro, confundindo-se as suas plagas com o valle que corre transversalmente de D. Jlaria a Canecas, e do qual par- tem as primeiras aguas destas duas ribeiras: a passagem porém destes valles é fcila por uma deslocação nos stralos calcareos, que na ribeira do Castanheiro se repete por muitas vezes. Nada ha mais estéril do que os calcareos deste grupo, cora par- ticularidade na parte que vem de D.Maria á Carregueira, ao Brouco, n ao valle do Fornos: a sua resistência á acção dos agentes exteriores torna-os escalvados, o que junto ásua eslructura nimiamente fendida, (|ue os inliibe também de poderem reter as aguas, os torna áridos, o intratáveis para a agricultura : por tanto as aguas pluviaes cabidas sobre a superfície occupada pela parle deste grupo, comprehendida entre as ribeiras de Carenijue c do Castanheiro, e ainda sobre o so- lo adjacente ás suas margens do Nascente e do Poente, precipitam- se immcdiatan>entc pelas fendas c algares abertos no calcareo e vão 9. 68 GEOLOGIA HYDROLOGICA até ás regiões mais inferiores; porem logo que esses recipienles subterrâneos estijo cheios, toda a mais agua, que circula nos mas- siços superiores aos córregos destas ribeiras, se escapa, mais ou me- nos velozmente para os seus leitos, resultando destas desvantajosas con- dições, uma extrema carência de nascentes em toda a zona indicada ; e só do sitio das Pontes Grandes para o Casal do Bretão, onde co- meça a plaga da ribeira de Carenque, e sobre as indicadas camadas de marnes e argilas cinzentas, que estão na base do grupo, e que se demora uma camada aquifera coberta em partes pelo terreno de- tritico, e sobre a qual se vêem alguns poços de pouca profundidade. Pelo que respeita á nascente da Quinta, que brota no tòpoN da galeria filtrante deste nome, 1 5"* abaixo do solo e que, na estação chuvosa, dá um prodigioso volume daguas, seccando completamento no Estio, não pôde deixar de ter a sua conserva na parte superior dos calcareos deste grupo (embora se não veja a natureza do solo donde brota, por estarem revestidas as paredes da galeria neste sitio) por- que é incompativel com a estriictura, e natureza do grés do 4." gru- po estancar-se de todo nos mezes d'Agosto ou de Setembro, uma nas- cente como esta que cliega a dar diariamente no Inverno 3000"" de agua; ein ({uanto que um tal volume e regimen quadra perfeitamen- te com a dureza, impermeabilidade, e com as numerosas fendas e va- sios praticados em toda a massa dos calcareos do 5." grupo. O certo e que percorrendo a parte deste grupo que íica ao longo da estrada de Bellas para os Almornos , isto é, desde o Alto dos Gafanhotos até ás visinhanças da serra da Carregueira, não se encontram, pelo menos que eu visse, nenhumas nascentes brotando destes calcareos. A absoluta carência, ou grande penúria d'aguas nas rochas do õ." grupo não só deriva das causas que (Icam ponderadas como tam- bém de outras peculiares ao relevo geral do solo. Na xerdade exa- minando a orographia do massiço occidental, e comparando as alti- tudes no sentido do Poente para o Nascente, reconhece-se ([ue a superfície do solo, alem da sua geral inclinação de N para S, tem uma ligeira queda para SO e que os pontos mais baixos na bacia hydrographica das trcs ribeiras, correspondem ao córrego da ribei- ra de Valle de Lobos como adiante exporei mais detalhadamente: daqui, da forma deste relevo e da situação das camadas do ã.° grupo, inclinando para S eparaSO na parte oriental, conclue-se que as aguas deste griqjo, recolhidas entre as ribeiras de Carenque e de Valle de Lobos, «levem precipilar-se para as secções mais baixas , que as ca- madas aquosas olTerecerem á superíicie do solo nas ribeiras de Valle DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. CO de Lobos , Rio de Mouro , Oeiras , etc. : ora é exactamente o (|iie acontece no afíloramcnto do calcareo do 5.° grupo, desde a Malta até ao Telhai, descarrega ndo-se por elle parte das aguas pluviacs , diíTundidas no solo calcareo deste grupo, desde a estrada dos Almor- nos ate á ribeiía deCarenque; circuinstancia que dá origem ás copio- sas nascentes da Malta, sobre a ribeira de Valle de Lobos, as ijuaes em Junho de 1856 mediram o enorme volume de 7314"° diários, e cm Dezembro do mesmo anno se reduziram á oitava parte deste vo- lume. Por tanto as nascentes da Matta , e a da galeria filtrante da Quinta são as únicas aguas de consideração, que este grupo oíTerece em toda a bacia, restando poucas esperanças de achar outras aguas , por trabalhos de exploração praticados á superfície do solo. Só o em- prego de furos ou poços verticaes, que atravessem todo o grupo an- tecedente e quasi todas as camadas deste e em pontos mais baixos do solo, é que poderão encontrar as aguas que devem jazer em abun- dância nas camadas argilosas da sua base, que se vêem a descoberto nas Pontes Grandes, e no Casal do Bretão. Terminarei a descripção hydrologica deste grupo com algumas considerações sobre as importantes nascentes da Malta. As quatro nascentes da Matta que alíloram mui próximas umas das outras em uma extensão de 200'°, e com pequenas diíTerenças de nivel, pertencem a Ires difíerentes camadas aquosas. A nascente mais a jusante, situada na Matta debaixo, que em Junho de 1856 dava 2òi0'"° diários, seccou em Novembro do mesmo anno como costuma nos Outonos estios. A nascente da Matta de cima, ([ue fica inimedia- tamente a montante da precedente e brota 2"" acima do nivel delia , dava na primeira época 4000""' e na segunda reduziu-se a pouco mais de OUO"" diários: a camada porém donde esta aíTlora subjazendo áquclla donde brota a primeira, mostra a independência que existe entre ambas, e explica o paradoxo de seccar a do nivel mais inferior, conservando-sc a mais alta. As duas nascentes a montante destas, per- lenccm a uma outra camada ; a que fica mais próxima da nascente da Malta de cima está 0'",(i mais alta do que esta, e brotava nas duas épocas de Junho e Dezembro. 424 e 212""* de agua por dia; a outra 2'" mais elevada que a dita nascente da Matta, deu nas mesmas época* 370 c 132'"°. Comparadas as posições relativas destas Ires ultimas nascentes, e os volumes de agua por ellas fornecidos; conclue-se ainda (|ue as duas ultimas nascentes pertencem a uma mesma camada, mas dilVcrente daquellas em que as outras brotau); sendo este facto lambem confirmado pela observação directa. 70 GEOLOGIA HYDROLOGIC.V Procurar por tanto a camada a([uosa que alimenta a nascente d.t Malta de baixo, jiodera ser vantajoso ; prclomier porêni augnientar as nascentes da ^latta de cima , será talvez arriscado e inconvenicnle , tanto porque se nào jiodeni |)rever as eventualidades d(! nin trabalho de cxploraçijo , empreliendido nas visinhaneas dcslas nascentes , qiic piide compromelter o seu regimen, cm conseipiencia da circulação das aguas se operar cm camadas ([ue alem defendidas estão eonlorcidas e com inclinações para diversos pontos do horizonte, c em ângulos de varia grandeza ; como por(|ue , augmentando a secção de vasão, po- .tÇ.lO RATRE A A<;L'A PI.I;TI.4Ií E A FORNECIDA PELAS :\A!«- CEISTEM DA BACIA UYDRO(>tRAI*UICA DESCRIPTA. Considerações geraes. — Passarei agora a calcular a ([uant idade de aguas pluviaes, (|ue cabem dentro desta porção de bacia, e dedu- zidas as perdas, qual é a porção de aguas (jue se demora nosdiflerentes uiveis e camadas a(|uosas para alimentarem as nascentes, que licam aciu)a dos córregos das trcs ribeiras de que acabei de fallar. É sabido que a temperatura media decresce do Equador para os Pólos , e com ella a proporção do vapor aquoso derramado na at- mosphera ; por tanto a quantidade de chuvas que cahe em cada re- gião em um anno , deve similliantemente decrescer com o augmcnto da latitude do lugar, o que eíTectivamente é constatado pelos factos. 72 GEOLOGIA HYDROLOGICA Por outro lado também a observação tem mostrado que o numero de dias chuvosos , na mesma unidade de tempo , augmenta com a lati- tude ; donde se concluo que sendo as aguas pluviaes das zonas tem- peradas e trópicas mais abundantes , e cahindo da atmos[)hcra menor numero de vezes, a quantidade precipitada de cada vez deve crescer na razào inversa da latitude. Daqui resulta que o contacto das aguas j)luviacs com a superficie do solo, é mais demorado nas grandes do r(uc nas pequenas latitudes, c por tanto maior também a «piantidade de agua absorvida ; por consequência o numero, c copia das nascentes, deve, em igualdade de condições, crescer do Equador para os Poios. Comtudo , lia um certo numero de causas geraes e locaes, que inHucm sobremaneira nestas leis de proporção, e que occasionam gran- des dilVerenças nas quantidades de chuva cabidas em diversas regiões na mesma latitude. Assim a visinhança dos mares, onde aatmosphcra pela quantidade de vapores que contêm se conserva sempre em um estado visinho da saturação, produz muito maior quantidade de chu- vas sobro o litoral, que no interior do Continente debaixo do mesmo parallelo; a acção dos ventos mais dominantes em certas estacões, em relação á posição dos mares , da maior quantidade de chuvas , quando sopram do Oceano; o relevo da região, e sua altitude sobre o nivel do mar, accumula tanta maior" massa de meteoros aquosos, (juanto mais pronunciado é esse relevo; a constituição physica e mi- neralógica do solo ; a sua exposição ; a quantidade de vegetação, (jue o cobre ; a sua topographia , e um sem numero de outras causas cm lim fazem variar a quantidade das chuvas numa vasta região , n um limitado paiz, n'uma localidade, etc. Espessura (la lamina d agua fluvial que cahc annuahnente em. lÀsboa. — A cidade de Lisboa , c o terreno circumvisinho , attcnta a sua latitude, não pôde cm um anno ter um numero de dias chuvosos muito maior, que o dos Estios ; ' mas esse numero diminuiria consi- ' Devo á lienCTolcncia rio Sr. Dr. Pe?aiIo o conhecimento do presente darlo col- ligido no Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz o qual vai fora do seu lu- gar ]ior ler sido sollicilado depois da redacção desta Memoria. ANNO METEOROLÓGICO DE 1855, Oeztinhro de I8õ4 o Sovembro de 1835. Numero de dias de chuva ou chuvisco t 62 Numero Ue dias de chuva cuja ajua se mediu 131 DAS VISIXH ANCAS DE LISBOA. T3 dcravclmente se a posição litoral de Lisboa e seus subúrbios, a fre- quência dos ventos de SO c do NO em certas tiuadras, e a consti- tuição especial do seu solo , não favorecessem a accumulaçào das nu- vens, e as descargas das aguas da atmosj)liera. Quaes sejam porém as medias annuaes dos phenomcnos meteorológicos que constituem o clima de Lisboa , é o que por ora não está ainda devidamente averi- guado. O Sr. Consellieiro Franzini, a quem o paiz deve muitas c in- teressantes investigações, aciíou que a media annual da cbuva cabida em Lisboa era de 0"',0G. O Sr. Dr. Pegado, a cujos esforços, incan- sável zelo e intclligencia se deve a existência do primeiro gabinete meteorológico de Lisboa dá O"", 064 5 de espessura á lamina d'agua cabida nesta cidade ; porem , sendo esla cifra a media dos dous ulti- mes ânuos somente, aliás muito irregulares, no que respeita ao clima de Lisboa, tal resultado não pôde ainda representar este clima, como observa o mesmo Sr. Dr. Pegado. Entretanto se por um lado alten- dermos a (jue a media de 0"',OG, anteriormente obtida pelo Sr. Con- sellieiro Franzini, é muito inferior á do Sr. Dr. Pegado ; e por outro nos lembrarmos, que á elevação de 100 a 300"" do massiço occidental sobre o nivel do Oceano , se juntam dentro deste massiço as formas pontagudas dos pontos mais altos da serra de Cintra, 400 e 500" sobranceiros ao mar , bem como os accidentes de todas as montanhas, que formam o seu limite septentrional, chegando ás altitudes de 350" e fora do mesmo massiço as montanhas que se desinvolvem para alem, mas não longe desse limite, formando o accidentado relevo da ruga que vai de Vialonga a Safarujo (causas todas altamente favorá- veis á repetida producção dos plienomenos pluviaas); não haverá receio de admittir a indicada media de O^.OG como representando a espes- sura da lamina de agua caluda annualmcnte cm Lisboa , e seus arre- dores. Volume mcdio das aguas pluviacs caladas annualmcnte na bacia l"/drographica dos ribeiros de Queluz e (U Valle de Lobos. — Assim ANNO METEOROLÓGICO DE 1856. Dezembro de 1833 a Xnvcmbro de 1836. Numero de dias de cbuva ou chuviscos 162 Numero de dias de clmva cuja agua se mediu 125 A dilTercnr.i do numero de dias chuvosos áquclle dos dias medidos resulta de que 03 chuviscos são muitas vczc» lacs que os instrumentos não accusam quantidade icnsitel. G. P. iir.il. DA ACAD. 1.' CLASSE T. II. I'. 1. 10 74 GEOLOGIA HYDROLOGICA sendo a superfície total de apanliamento da bacia das Ires ribeiras de Valle de lx)bos, Castanheiro, e Caren(|iie ao N do 1." grupo de cal- rarcos do andar de Bellas, tie i2,7 kilonielros (juadrados; será a quan- tidade media annual caiiida nesta bacia de 25.020:000 metros cúbi- cos. Uma parte das aguas pluviacs, recebidas na bacia de que se trata, é absorvida mais ou menos rapidamente pelo solo, e a outra corre á superfície para ir ao Tejo ; ([uacs sejam porem as quantidades, (juc tem cada um destes destinos, é o que se não tem podido (ixar, nem é fácil de determinar por em quanto : farei todavia sobre este objecto algumas considerações, tendailes a aproximar-uos de uma apreciação, que não diste muito da verdade. Notarei em primeiro lugar que se a inclinação media do mas- siço Occidental, representada por 0,U2õ por metro, aflectasse a super- fície do sólo de um modo regular; as aguas pluviacs correriam (jiiasi impetuosamente para o Tejo , c a sua absorpção e difTusào pelo sólo não seria possivel , ou scl-o-hia em mui pe(|uena quantidade ; porem as cousas passam-sc de modo que aquclla grande inclinação, muito pouco allecta as condições da necessária infiltração, e diflusão. Em se- gundo lugar como a extensão superficial da mesma bacia é mui limi- tada, como se viu , e o relevo accidentado do sólo por ella compre- hendido, não é daquellcs, (|ue á similbança das grandes serras, fazem descarregar das nuvens, dentro de muito pouco tempo e em pequenas áreas , enormes massas de agua, acontece que a quantidade absoluta delias, que corre para cada uma das ribeiras de Valle de Lobos, Cas- tanheiro, e Carenque é pe<|ucua ; e tanto assim e', que não tem a força precisa para transportar detritos alluviaes aos leitos destas ribeiras em quantidade sufficiente para os revestir de uma camada contínua de cascalho, como succeiie ao commum dos rios e ribeiras, que re- cebem regularmente um volume de aguas de certa ordem, vindo ani- mado de grandes velocidades: ao contrario, na ribeira de Valle de Ijjbos c do Castanheiro vêem-se alguns atterros de pouca espessura, formados de arêas finas depositadas nas partes mais largas do leito , ou nas curvas dos valles e apenas alguns calhaus angulosos descidos immediatamente das encostas mais rápidas; e só a ribeira de Caren- que c que apresenta um caracter mais torrencial , manifestado pelo numero e volume de calhaus que se acham espalhados no seu leito desde Ponte Pedrinha até perto das duas Mães d'Agua. Isto posto, lembrarei que sendo a inclinação geral das camadas , que entram na constituição desta bacia para S no mesmo sentido em que descem as aguas, e apresentando-se os seus topes á flor da terra. DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 75 em quasi toda a extensão supeificial da mesma bacia, e claro (jue as aguas pluviacs descendo têcin de galgar os rcsaltos que llics oirere- oein os referidos topes, tanto mais diíUcilmente, quanto maior é a es- pessura das camadas. Destes succcssivos obstáculos resulta que as aguas cm lugar de descerem immediatamente no sentido da inclinarão geral do solo, dcmoram-sc mais tempo sobre as camadas, deslisando ao longo dos aflloramentos das (juc llics ficam subjacentes até cbegarein ás ri- beiras ; deixando porém neste trajecto mais ou menos largo uma boa parte da sua massa. Com eíTeito, as numerosas camadas de grés gros- seiros permeáveis dos 2", 4.", c 0." grupos, com uma possança total de 100"" e com uma snpcrficie de apaiihamento de 2G kilometros (]uadrados absorvem no trajecto destas aguas, uina grande quan- tidade delias; c tanta quanto llie permitte o volume ainda não satu- rado, que fica superior aos córregos das mesmas ribeiras. Se possuís- semos uma tabeliã de medição de todas as nascentes, que se vêem es- palhadas tão profusamente nestes grupos representando a media dos seus respectivos productos, achar-se-bia que o seu volume, não é uma íracção tão pequena do volume total das aguas cabidas sobre as suas superíicies de apanbamcnto, como á primeira vista parece. Pelo que respeita aos calcarcos do 1.°, 3.°, e 5." grupos, se as suas camadas são, na generalidade, impermeáveis, o estado de divisão cm que se acham, pelas suas numerosas fendas de retracção, compensa bem a ausência daquella qualidade. Quem percorrer o terreno occu- pado pelo 5.° grupo, desde 500"" ao N da Carregueira até D. Maria, e dacjui ao signal geodésico dos Penedos Pardos e ás Pontes Grandes, reconhecerá , nas repetidíssimas soluções dos stratos, produzidas pelas fendas , que a acção do tempo converteu nas rupturas e algares, que atravessam as camadas em grande espessura , que as aguas pluviacs devem forçosamente sumir-se, em grande parte, por estas aberturas, e obedecendo á lei da gravidade precipitar-se de strato em strato até chegarem a uma camada impermeável de argila ou marne, ou a uma camada de calcareo não fendido. Os calcareos do 3." grupo, desde o Casal de Sant'Anna na ribeira de Valle de Lobos , a Molhapão , ao Brouco, c ao valle de Carenque, estão nas mesmas condições, que as do 1.* grupo, com especialidade desde Bellas c Idanha até ao Papel , onde estes últimos se acham mais endurecidos pelo metamorphismo , tendo as fendas de retracção mais multiplicadas: entretanto o l."griii)0 encerra maior numero de stratos mais continuos de marne muito ar- giloso, e é a esta circumstancia que se deve a repetição freiíuente das zonas aquíferas que o distingue dos outros. As condições de absor- 10. T6 GEOLOGIA inDROLOGlCA j)çào V (liíTiisão nestas rochas, são consideravelmente favorecidas pelas repetidas planuras, ligeiras depressões, e outras desigualdades, que exis- tem nos massiços , que separam as três ribeiras de Caren(pie, Casta- nheiro e Valle de Lohos, cujos accidentos concorrem tanihem para a maior demora das aguas pluviacs sobre as superfícies de absorprào. Se nào fosse esta infinidade de rupturas, e de superficies de diffusào, a impermeabilidade dos calcareos destes grupos, faria precipitar im- medialamente nas ribeiras toda a agua pluvial , e neste caso, nào só nào existiriam as nascentes da Quinta , Matta , Mài d'Agiia Velha e A'ova, mas também os leitos e fozes dos barrancos das ribeiras con- teriam calhaus, e deti'itos, arrastados pelas grandes massas dagua, que lorçosamente nelles se accumulariam na occasião das chuvas. Estes phenomenos manifestados cm ponto pequeno dentro desta bacia, vèem-se em grande escala n'outras localidades onde estes cal- careos occupam graníles extensões. É realmente um facto providencial, tuna causa de equilibrio na natureza, esta solução repetida dos stratos- calcareos duros e impermeáveis : se assim não fosse, as chuvas cabidas sobre as superficies occupadas por similhantes rochas sem a faculdade- lia absorpção e dilfusão , produziriam enormes estragos , esterilisando o solo das vertentes e campos adjacentes aos massiços formados de taes rochas. É por esta causa que, nas regiões calcareas mais elevadas , as Ibntes e nascentes escasscam a ponto dos habitantes de taes regiões se verem obrigados a recolher as aguas pluviaes em cisternas, ou em grutas, para se alimentarem, e aos seus gados, durante o Estio, como acontece aos povos estabelecidos nas serras entre Alcanede c Porto de -AIoz ; em quanto que nos pontos mais baixos aonde ha camadas im- permeáveis continuas, e onde se depositam as aguas que de fenda ení' fenda, de algar cm algar atravessaram a grande massa do calcareo, jorram, em raros pontos de vasuo, enormes volumes do agua que dão origem c alimentam alguns rios notáveis, e consideráveis ribeiras , como por exemplo o Lena , e o Liz, as ribeiras do Nabão, e da Re- dinha; as prodigiosas nascentes que vão ter a Sarnache c Condeixa , as de Ançã, da Fervença próximo a Cantanhede, e outras. Se a estas considerações juntarmos (jue a superficie occupada pelos três grupos de calcareos, dentro da parte da bacia de que se trata é de 1(5,7 kilometros ([uadrados com uma possança de ídO" pro- ximamente não será fora de propósito, se se reputar a (luantidade de agua não absorvida c diflundida, como uma pequena fracção da tota- lidade cabida naquclla superficie. A falta, que já em outra parte notámos, de investigações sobre DAS VISINHAXÇAS DE LISBOA. 7*7 as relações que existem entre a agua precipitada da atmosplicra, e a que penetra o terreno nas diversas localidades inliibe-nos de poder lazer uma apreciação mais directa do verdadeiro volume daguas com que SC pôde contar : na ausência porém destes dados, recorreremos a uma hvpothcsc, que se não merece toda a confiança para se poder ap- plicar em todas as circumstancias, é todavia o resultado de observa- ções feitas em paiz estraniio, por individues de innegavel competência. Perrault, buscando a relação entre a quantidade de agua pluvial ca- bida em um anno na bacia bydrographica do Senna (seis legoas qua- dradas) desde a origem deste rio até Arnay-le-Duc na Bourgonbe , e a que se escoa pelo mesmo rio no limite inferior da mesma bacia , adiou que era de 6 para 1. Sendo esta investigação repetida por 3Ia- riotte, também jxira a bacia do Senna- acima de Paris (3000 legoas quadradas), achou ainda a mesma relação de G:1 ; devendo notar-se que estes dous sábios (com o fim de fazerem uma larga concessão j)ara perdas, e não se poderem taxar de exaggerados os seus resulta- dos) tomaram para media annual das aguas pluviaes cabidas, 15 pol- legadas em lugar de 20, numero este mais próximo da verdade e que se fosse tomado, daria a relação de 8:1. Portanto tendo em attençào a grande permeabilidade que possue todo o sólo da bacia das três ri- beiras, aoNdo parallclo de Agualva; faculdade que de certo não pos- suem em maior gra'o as camadas terciárias e cretáceas da bacia de Paris, nem os granitos e scliistos do alto Senna , não esquecendo as outras ponderações feitas ácèrca das aguas sobre o sólo, antes de se precipitarem nas ribeiras ; parece-me que se poderia tomar para o nosso caso a relação de G:l, isto é, ([ue a media annual da agua (pie permeia o sólo das três ribeiras é ; da agua pluvial cabida annuai- meiíte dentro da mesma bacia ; como porem na nossa latitude ha um excesso do evaporação, por causa do maior nimiero de dias estios, e da mais elevada temperatura, posto que modificada com as repetidas brisas, que a nossa situação physica e litoral nos proporciona ; longe de incorrer em erro que prejudi(iuc a (juestão , cliegaremos a uma ajirociação inferior á realidade, adoptando a relação de 4:1. Assim a (juantidade de agua (|ue permeia o sólo, deduzidas as perdas de eva- |ioração e de alimentação vegetal, etc. será os -' da agua pluvial que nelle cahe , sendo o outro <|uarto correspondente á (juantidade de ugu.is , que na occasião da ([ucda das chuvas vai para o Tejo : por lanto a totalidade da agua que deve suppor-se cm toda a parte sub- terrânea da bacia das três ribeiras será, pelo menos de 19.215:000"', da qual se alimentam todas as fontes e nascentes, que brotam nos seis 78 GEOLOGIA HYDROLOGICA. grupos indicados, c se alimcntarSo ainda parte das que resultarem da e.\[)loraçiÍo. Não se julgue comtudo que este volume de aguas esteja inte»ralmente retido nas respectivas conservas, para alimentar as nas- centes, e que pôde ser aproveitado á vontade acima dos córregos das ribeiras de Valie de Lobos, Castanheiro c Carenque. O sóio formado pelos grupos allernantes de calcareos c de grés do andar de Bellas, tem uma queda geral para SO , como liça observado em outro lugar, a qual não só a observação directa faz conhecer, mas que se mostra na simples inspecção da Carta Chorographica publicada pela Commissào Geodésica , (posto que ainda incompleta para o lado do Tejo) tanto pelas altitudes nclla marcadas , como pela posição c extensão compa- rativas das linhas de agua, que vào á bahia do Tejo desde Lisboa até Oeiras , e ao Oceano desde Oeiras até Cascaos, cujas linhas cortam o súlo ou determinam córregos de posição successivaincnte mais baixa em relação ao nível médio do mar ; e como por outra parte os vallcs correspondentes a estas linhas são vallcs de denudarão, não só cortam em nniilos pontos jiarte dos grupos cm porções consideráveis da sua csjiessura, mas como esses cortes, cm relação a um dado slrato, tem lugar em ponlos successivamente mais baixos, a contar da ribeira de Carenque para o SO, resulta que as camadas aquifcras a um nivel in- ferior do córrego da ribeira de Carcn([uc, devem descarregar para a ribeira do Castanheiro; as desta para a ribeira de Valle de Lobos; c assim por diante até ao Oceano. Por consequência uma parte do vnlume das aguas , que acima se determinou , deve ter este destino . proiiorcionalmcntc á suceessiva difTerença do nivel das ribeiras, (to- mada na linha NE — SO que é a seguida pelos primeiros quatro grupos do andar de Cellas), eá liberdade com que as aguas se movem nas diflcrcutes camadas aquifcras, calcareas ou arenosas. Para se tornar mais palpável esta inducção, cumpria que se exa- minassem as perdas que soílrem no seu trajecto as aguas correntes das três ribeiras em questão, 6 por outra parte qual é o numero , forca c posição das nascentes que se mostram nos respectivos alveos . ou junto delies; mas é o que ainda se não pôde fazer. Entretanto existem alguns factos , que corroboram aquella asserção, os quaes di- zem respeito aos grupos calcareos ; porque, movendo-se nestes a agua com mais liberdade do que nos dos grés , fornecem exemplos mais claros e accessiveis. que reforçarei na exposição que vou fazer delies. e com as ponderações que me parecerem mais a propósito. As camadas calcareas do 1.", 3." e .^.° grupos na parle em que sào cortadas pela ribeira de Carenque , como entre a Gargantada c a DAS VISIMIANÇAS DE LISBOA. ^9 povoação de Carenquc , a jusante e a montante das Mues de Agua Vellia e Nova, c a jusante das Pontes Grandes, dei.\am-se permear por causa das fendas e rupturas do seu leito pelas aguas da ribeira : as rupturas do calcareo do 5." grupo no leito da ribeira do Casta- nheiro, absorvem quasi todas as aguas ordinárias, que alii chegam das vertentes do Brejo e de D. Maria, e se exceptuarmos a nascente da Quinta não tecm descarga para os leitos das ribeiras de Carenque e do Castanheiro : as aguas da cerca da Carregueira perdem-sc nas lendas dos calcareos do 3.° grupo, que estão no alveo da ribeira do Jardim , c rcapparecem mais abaixo , mas num volume inferior ao »|ue tinham antes: na ribeira de Vallc de Lobos, nas partes corres- pondentes ao 1.° e 3.* grupos, isto é, a jusante do Casal de Santa Anna, e entre a Jarda e Papel, observam-se diminuições sensíveis no volume das aguas correntes nestes sitios , e tanto que acima da pri- meira localidade nomeada desapparece quasi toda a agua da ribeira para vir rebentar parte delia no moinho que está perto do mesmo Cusul. As aguas da nascente denominada o Refervedouro, na margem esquerda da ribeira de Yalle de Lobos, junto ao Papel, pertencem n camada aquífera da Gargantada no valle de Carenque, que passa no valle do Castanheiro , perto do Pendão. O refervedouro não é por- tanto senão uma descarga das aguas absorvidas nos leitos das duas ri- beiras e recolhidas nesta camada, desde a ribeira de Carenque até este ponto. As nascentes da Matta que estão próximas ao leito da ribeira de Valle de Lobos, são evidentemente a descarga das aguas recebidas entre esta ribeira e a de Caremjue. A mui copiosa nascente de Al- famil, que no Estio brota talvez mais de 1000 ""de agua diários, e que está situada G"" acima do leito da ribeira de Oeiras tem a sua supcriicie de apanhamento nos calcareos do 1.° grupo que daquella margem se estendem para o nascente atravessando as ribeiras de Rio de Mouro, de Valle de Lobos, Castanheiro e Carenque, em pontos suc« cessivamente mais elevados. Em lim se procurarmos quaes são as nascentes que se mostram nos calcareos do 3." e 5." grupos do andar de Bellas sobre as margens das ribeiras de Carenque, Castanheiro, e Valle de Lobos, só encontra- remos dignas de registar-se ' a fonte do Brouco, o lago c fonte de ' Não faço menção da nascente tia Porlcla de Adabcja e de outras que se mos- tram nestes calcareos sobre a margem esquerda da ribeira de Carenque porque são factos que em nada influem sobre esta quettão. 80 GEOLOGIA HYDROLOGICA Moliiapão ; todas as outras, ou cslào contíguas aos leitos das indica- das ribeiras ou seccam no fim da Primavera. Este facto o bem assim todos os que ficam expostos moslram evideiilemenle que algumas das aguas pluviaes absorvidas na supcrficie daquclles grupos, c uma parle das que correm nas ribeiras acima indicadas descem abaixo dos leitos destas mesmas ribeiras para se dirigirem a pontos de nivcl mais in- ferior; e se não provam de um modo directo a inducçào que deixa- mos estabelecida imprimem comtudo no animo do observador a con- vicção de que as cousas se passam do modo que fica referido. Em resumo admittidos os fiiclos — que o córrego de cada uma das ribeiras do massiço Occidental é mais baixo, que o da ribeira im- mcdiata que lhe fica ao Nascente ; e que existe a communicaçào das ramadas aquosas entre as duas margens de cada ribeira , ti innegavel que as aguas subterrâneas devem cncaminiiar-se de Nascente a Poente, ou de NE para SO desde a ribeira de Carenque até ao Oceano. A tendência geral ([ue tem as aguas subterrâneas para SO, como acabei de ponderar, não deve todavia infundir graves receios; não só porque a circulação das aguas nos grupos de grés se opera nuii len- tamente; mas porque acliando-se as camadas aquíferas dos grupos cal- careos, permanentemente saturadas , e sendo pe(iuena a dilTcrença de Tiivel entre os córregos de cada par de ribcii'as consecutivas , a des- carga das aguas não se faz em tanta ([uantidade e com tamanha ra- pidez , que prejudique sensivelmente as nascentes estabelecidas nos valles a E de qualquer das duas ribeiras em questão ; dando-se ape- nas estas perdas de vmi modo mais notável nas camadas aquíferas da parte superior do 1 .° grupo , em conse(|uencia das fáceis sabidas ou secções que deixei indicadas. Esta asserção, no que respeita ao 1." grupo de calcareos, está garantida pela grande quantidade de nascentes que nelle se encontram, desde a Gargantada e Caren(|ue até Bellas, Idanha e Agualva, (juasi todas situadas, c verdade, sobre os leitos das ribeiras ou pouco acima delles: e pelo que toca ao 2.°, 4." e G.° grupos de grés está também garantida não só pelo grande numero como pela al- titude e constância de suas nascentes na parte da bacia quo se con- sidera. Não c por tanto prudente contar com a cifra que acima de- duzimos, como representante do volume real da agua retida nas con- servas naturaes ou camadas aquiferas, que alimentam em cada anno todas as fontes e nascentes comprehcndidas entre as ribeiras de Vallc de Lobos e de Carenque , e que se descobrissem pela exploração ; e assim, para maior segurança, deduzindo de 19:215000" todo o vo- DAS VISINHA.NÇAS DE LISfiOA. 81 lume do aguas que pôde ser recebido pelo 3.° e 5.° grupos, que cor- responde a 3:405:000""° ficará reduzido a 15:750:000"". A quanti- dade dagua demorada , na bacia de que se trata , será por conse- quência, termo médio, correspondente a 43:750'°° diários. Sc porém nos lembrarmos que todas as nascentes decrescem succcssivamente de .lullio a Novembro, não poderemos ainda deixar de considerar este ul- timo volume como excessivo cm relação á época de maior estiagem : demais como similliantc volume é o integral da agua recolhida sub- terraneamente, e por outro lado é impraticável esgotar todo o ter- reno, forçoso será ainda subtraliir-llie uma certa quantidade. Suppo- rcmos por tanto que o volume total das aguas que se podem obter nesta bacia acima dos correios das ribeiras se reduz a 20:000 °" diá- rios. TERCEIRA PARTE. raoJECTos de acqiisiçao db agias, e da sca conducçáo paua o aqcedlcto GEBAl. DAS AGUAS LIVHES. 8." SECÇÃO. AdlEDUCTOS, SYKTEH,! DE ACQl'mç;iO DE AKLAS E OBRAS ACCESSOBIASí. Aqucduclo da Malta — Dcscripcão do seu traçado e considera- ções a elle relativos. — Quando Mr. Mary, distincto Engenheiro do De- partamento do Senna, veio a Lisboa com o fim de examinar a questão do abastecimento de aguas desta Capital, acceitou a hypothese da e.vis- tcncia de um certo volume delias, em dada posição, e limitou-se a re- digir o seu projecto em relação á conducção e distribuição dessas aguas. O prazo marcado no Decreto da Concessão para a apresentação destes trabalhos estava definido, e por tanto Mr. Mary não podia, por falta de tempo, deixar de pôr de parle outras investigações , e de se restringir exclusivamente a preencher aquelles fins. MEM. DA ACAO. 1 ." CLASSE T. II. P. I. 11 «2 GEOLOGÍA HVDKOLOGICA E o traçado indicado neste projecto, na parte que diz respeito a conducçiio das aguas, entro as nascentes da Matta, e o aqucd\icto <;;eral «las Aguas Livres na ribeira de Careuquc, (jue eu passo a examinai', cm relação ao volume de aguas que para clle se podem derivar dos terrenos sobranceiros. O traçado, de que se traia, começa na altitude de 17õ'",i pró- ximo íís nascentes da Matta de cima, na ribeira de Nalic de LuIjus . corre superiormente ao leito tia ribeira ao longo da margem cs(iuerda cerca de 1094"' sobre os topes do estreito atVloramento tle calcareos do 5.° grupo, ate as visinlianças do Torno da quinta do Tellial ; deste ponto, já atlaslado da ribeira, dirige-se para SE, atravessa a (juinta do jMinlioto, e desce cm syplião ao fundo do estreito valie do ribein» de Moihapào percorrendo 1008°' sobro os grés do i." grupo. Da margem esquerda deste ribeiro, já nos calcareos do 3." grupo, segue pela Tapada dos Coelhos, torneia a collina do moinho do Carrascal , e descrevendo uma linha sinuosa de l.i!)8'" dirigc-se i)ara o Nascente, e vai entrar no 2.° andar de grés, provimo á collina das Pedras Ver- melhas ; atravessa esta collina por um subterrâneo de 700'" pouco niais ou menos, sahindo perto da fonte publica do Grajal ; e percor- rendo á flor do solo a pequena extensão de 240"", 5, segue outra vez cm subterrâneo pelo espaço de 1 100" [iroxiniamentc , dirigindo-se neste trajecto primeiro para ESE e depois jjara ENE, e i)assando junto aos poços da quinta do Pimenta, povoação da Venda Sècca e do Lagar . rompe de novo á su])erficic perto do ribeiro deste ultimo nome. O a([ueduclo continua deste ponto para E, atravessa a lomba dos moinhos do Jardim com a altitude de 170™ proximamente, desce em syphâo com a cota de 151"',() ao vallc por onde corre a ribeira do Jardim, e ganhando a outra margem segue próximo ao Casal do Machado , onde atravessa eui peipieno subterrâneo a estrada de Mafra, tornando a descer em sypliào ao vallc do Caslaniieiro , onde tem a cola de 1 iS"",». Esta parte do traçado a começar do primeiro subterrâneo, é feita sempre nos grés do ?." grupo, e na extensão de 3181™; de- vendo advertir-se que tanto um como outro subterrâneo não só atra- vessam grande extensão de rochas metamorphicas , e talvez igneas , como também a i)cqnena serie de calcareos interstractificados neste 2.° grnpo de grés. Do valle do Castanheiro sobe o traçado á margem es- (|ucrda da ribeira do mesmo nome, entra no solo calcareo do 1." grupo, r passando perlo do Casal de Sapos, vai entroncar no aqueducto das Aguas Livres, na altitude de 150"'. 20: vindo pnr consC(|ucncia a ter 8224"" de extensão total, comprehcndendo-sc nella 1800"' de subtcr- DAS VISIMIANÇAS DE LISbOA. 83 raiicos; c conservando desde a Malla atti á margem esquerda da ri- licira do Caslanliciío as alliludes de 175 a ITO" com o fim de evitar maior extensão de subterrâneo. Volume i- lomefros (|iiadrados ; e pelas consideraeões já expostas, o volume de aguas pluviaes que pôde recolher o solo correspondente áquclla su- perlieic e 7.200:000"". Este resultado está porem longe da verdade, não só porque a superlicie abrangida tem grandes extensões de cal- carcos do 3." e .'>." grupos, cujas condições hydrologicas sào já conhe- cidas, como porque sendo o terreno a montante do aíjueducto da Jlatla cortado por pregas e valles de varias profundidades, onde aí- íloram todas as nascentes da bacia , correndo cm direcções proxima- mente perpendiculares ao traçado, deixa uma parte attendivel destas nascentes de [)0(ler ser aproveitada ; isto e, nào podem ser recolhidas no a(|uedueto da Malta todas as nascentes conhecidas (ou que podiam descobrir-se pela ex[)loração) que brotam a montante do mesmo aquc- ducto cm um nivel inferior aos planos ipie inclinando para ESE se fi- zessem passar; I." pelas nascentes da Matta na altitude de 17 4'" c a margem direita da ribeira do Castanheiro 4"" mais baixo; 2." por este; ultimo ponto c a caleira do actual aqucducto de Aguas Livres junto do ribeiro de Sapos na altitude de 159"". Esta circuinstancia não deve perder-se de vista, portjue reduz consideravelmente o volume médio annual de agua deduzido com referencia á superfície de absorpção exis- tente ao Norte do aqucducto da Matta. l^or consequência, a exemplo do que se praticou quando se fez o calculo precedente, deveríamos deduzir toda a parte da agua pluvial correspondente ao 3." e 5.° grupos de calcarcos , cuja superfície orça por 8 a U kilomctros quadrados ; abaterei porem só metade desta su- perfície, cm altenção a cpie e destes calcareos que se alimentam as nascentes permanentes da Malta, Mãi de Agua Velha e da ribeira do Castanheiro, ficando a superfície de absorpção rcduzid-i a 1 1 ,."> kilo- mctros quadrados, sobre aqual cahe o volume annual de 5.1 70:000 ""^ de aguas, correspondente á media diária de 1 4:3(5 1""; e, tanto pelos motivos expostos no fim do primeiro calculo relativo ao total da bacia ao N do parallelo d'Agualva, como"]ielas considerações (|ue acabamos de fazer a jiag. 80 a SI , tomarei o volume de 7:180"" para re- presentar a quantidade de agua, que poderá obtcr-sc diariamente na maior estiagem. 11 . U GEOLOGIA HYDROLOGICA Vejamos agora (jual é a jiorçào de aguas que se encontra dentro da superfície indicada, c o modo por (|uc eslas aguas podem ser apro- veitadas e recebidas pelo aciucducto projectado. As aguas da ribeira de Vallc de Lobos desde a Taiiada e alio dos Gafanlíotos até á Jlatta, podem cnlrar na origem do atpieduclo, por llie estarem superiores, listas aguas vertem todas á borda do valle e das pregas ou barrancos alílucntes , por granik; numero do pequenas nascentes que rebentam do 4." grupo, que guarnece as niargens da ri- beira a montante da Matta até á sua origem. Acjui não ha grandes ))erdas , porcjue , abaixo do córrego ni5o existe nenhuma solução de continuidade das camadas, e se a iiouvcsse , ainda assim as perdas não poderiam ser grandes em consequência da natureza das rociías argilo-marnosa ; e porque, desde a Malla e Tapada para O e para NO vai este 4.° grupo metter por baixo dos calcareos e marnes do 3.°, sendo somente cortado alem da divisória de aguas, e depois que as ca- madas teem mudado de inclinação para outio ponto do horizonte. A plaga junto ao alto dos Gafanhotos, onde tem a sua origem um dos ramos desta ribeira , não só pela sua forma e largura, como pelas erupções Irappicas que alli afiloram , dá lugar á appariçuo de uma grande quantidade de agua, que rebenta por muitos pontos do solo, O estreito barranco por onde desce o outro ramo que vem du Tapada, deixa também ver uma grande copia de aguas, brotando pela maior parte das secções produzidas pelos dikes trappicos : toda esta agua re unida, mas mal aproveitada, põe em movimento cinco azenhas, dis- tribuídas na extensão de 2 kilometros proximamente a contar da ori- gem da ribeira. O volume desta agua, antes de se juntar com a das nascentes da Matta, fui estimado em setenta anncis ou 1855"^ diários em Novembro do anuo findo, e antes da queda das chuvas outonaes. Este volume pôde ainda ser augmcnlado por meio de pequenas expio i-açòes dirigidas até á plaga , e topando nos dikes trappicos, e talvez não seja impossível eleval-o a 2500'"' na maior estiagem. Símilhanles explorações devem porem ser conduzidas com toda a prudência , c tendo sempre em vista que aífuellas camadas, pertencentes ao i." grupo não 'podem dar mais agua do que recebem ; e que se se pretendesse entrar com galerias na margem esquerda da plaga, encontrar-se-hian» os calcareos do 5.° grupo, que allloram no alto dos Gafanhotos, os quaes nesta parte de^em ser estéreis. Já dissemos cm outio lugar tpie as nascentes da Matta debitaram em Novembro findo, 95 i"'; também já lembrámos o perigo que ha- veria cm tentar o augmento deste volume por meio de cxplojações, DAS VISINIIANÇAS DE LISBOA. 85 íjUc podem dar em resultado asna diminuição no Eslio. Se estas aguas repueliasscm na occasiào da maior estiagem, c este plienomcno fosse constante , então a tentativa poderia justificar-se ; mas sendo um simples aftluxo á superfície do solo é claro que os seus depósitos não lêem um nivcl muito superior aodasahitJa, e que qualquer aiigmento de vasào, deve empobreceUos na maior estiagem. Nào pódc dizer-se o mesmo a respeito da nascente da Matta de haixo, por(]ue esta, por se alimentar de uma carnuda superior ás que alimenlauí as nascentes da Matta de cima, seccar todos os Estios, e nào ter uma grande secção de vasào, pódc admittir algum trabalho de exploração, com tanto (pie seja conduzido com toda a cautela , por causa da já notada contigui- dade em que se acha com estas ultimas ; mas como esta tentativa me não merece grande confiança, não aconselharia similhantes trabalhos, receiando occasionar despesas infructuosas. O novo a(|ucducto projectado pódc por tanto receber na sua ori- gem as aguas de Valle de Lobos, e as das nascentes da 5Iatta , cujo volume montará no Outono, e na maior estiagem a 2809 """. Desde a Jlatta até ao ribeiro de Molhapão nào ha aguas conhecidas, (pie se possam aproveitar, e do exame exterior do terreno intermédio , não se conclue que seja conveniente emprehender ahi alguma exploração; c posto qoe junto ao alvco da ribeira de Valle de Lobos se devam encontrar aguas, especialmente nas proximidades da Matta de baixo , onde ha um affloramento de diorite que rompeu as camadas do grés do 4.° grupo (Fig. 10), como o seu nivel e nuiito inferior ao do aque- ducto , estas aguas não poderiam ser aproveitadas. Na margem es- querda, o terreno acha-se sobranceiro ao aqucducto , poiíJni como as camadas tem a disposição indicada na figura 10, não pódc ahi cs- pcrar-se a existência e muito menos a permanência de aguas. Na margem direita, só se poderiam aproveitar algumas das aguas de Pe- cheligaes e do ribeiro das Enguias ou da liaratam, por meio de um aqucducto ramal de 2 ou 3 kilometros querendo também aproveitar as que brotam dos calcareos do 5.° grupo no Algucirão; mas como, pela altitude do aípieducto, não poderiam receber-se as que estivessem deste lado da ribeira a um nivel mais inferior seria um grave erro , construir um ramal desta extensão para adquirir apenas 300 ""diá- rios de aguas '. ' È pcn.i 11.1 VfKladp qiic oaqtiodurlo laga, poKpie jiara alem das referidas cumiadas, tem as mesmas camadas tie alimentar parte das nascentes de Vallc de Lobos, a mon- tante da Jíatta , c as que fornecem as aguas para a Abetureira e plaga da Carreguciía , c se a posição de nivel permiltisse escoal-as pela plaga de ílolbapào, necessariamente escasseariam naquellcs pontos: por tanto, o mais que se deve esperar por similhantes trabalhos, c o dobro proximamente da que hoje dão as nascentes do Tantiuinho. isto é. 688"" diarins. Alem destas aguas poderá, também o aqueduclo receber outras da plaga da Abetureira, onde concorrem os mames do 3." grupo com os grés do i.", deixando ver algumas pequenas nascentes, em um terreno alagadiço, devido ás camadas de marnes cubertos pela terra vegetai, e cuja agua se escoará logo que se abram algumas valetas de descarga. Creio porem que se a zona de contacto dos doas grupos fòr atacada subterraneamente na origem da plaga , hão de encontrar-se ahi aguas que possam vir ao aíjucducto ; nào devem comtudo ser em grande quantidade, jiorque o nivel cm que tecm de procurar-se hade .ser necessariamenlc superior ao do aqueduclo, ficando por isso mui limitado o seu campo de absorpção. EmGm , o traçado neste local deixa abaixo do seu nivel pontos importantes para a acquisição de aguas no ribeiro de Molhapão. como é a parte do valle, que se c.om- prehonde entre a sua foz, na ribeira de Valle de Lobos c a (piinta de ]\Iolhai>ào : as camadas de grés inclinam ahi para o valle, sendo para oUe também que dcscahcm as aguas contidas no terreno que se es- tende até á plaga deste ribeiro, a montante do Tanquinho, como fica ponderado cm outro lugar. (Iranja da Santa Cruz, onde lambem cnlram os ralcarcos do 3.' grupo, apresenta o súlo Iwas condirõcs pnra se poder ispcrur di-lle não pcqu( na quantidade de agua. n.VS MSINH ANCAS DE LISBOA. 87 O aqiicduclo da iMatta não pódc receber aguas desde o Valle de .Molliapào at(i ao subterrâneo das Pedras Veniielbas : transilando por cima dos calcarcos do 3." g^riipo, complctameiíle áridos cm toda a ex- loiísào da Tapada dos Coelhos e colliiia do Carrascal, só iielles encoii- raria aguas se descesse até ao nivel da ribeira de Valle de Lobos, o <|ue é impraticável. A mesma esterilidade de aguas se observa no terreno adjacente ; não se encontra ali uma linha d'agun, uma fonte , nem, sei|ucr, a menor disposição favorável do solo, ([iie pudesse con- tribuir para enri(|uccer, pouco que fosse, o volume das aguas trans- portadas pelo a(iueduclo. O subterrâneo das Pedras Vermelhas virá a funcclonar como ga- leria (iltranle desde a zona de contacto dos grés do 2." grupo com os calcarcos do 3.° O contacto destes dois grupos deve encerrar uma ca- mada aquífera cm consequência das camadas impermeáveis dos calca- rcos e argilas maruosns do 3.° grupo, e das rochas arenosas da base do 2.°: com etVeito elKi afrlora por baixo do moinho do Victoriano, na descida para o Casal do Sant'Anna ; mas como o subterrâneo a corta cm pequena extensão , pouca agua poderá colher, por isso que a camada inclina para S. Na parte mais alta da collina estão os grés bastante alterados pelo metamorphismo , tendo perdido parte da sua eslructura, e é de crer que assim se encontrem no subterrâneo , ou mesmo atravessados i)or alguma injecção trappica ; c {juabiuer dos casos que se dê será lavoravel á filtração das aguas, por isso que a concorrência da rocha nos dois estados , e com estrucluras diversas , contribue para o apparecimento de maior volume de aguas. l'm pouco mais adiante d'a(|uelle jionto o subterrâneo corta a camada a(|uifera donde brota a fonte publica do Grajal, 2 a ó"" abaixo do seu respe- ctivo afiloramcnto , porem o accrescimo daguas ad(|uirido por esta secção será peípicno, e (juando muito atlingirá uns 200, ""visto que e também pequena a dimensão da dita secção por estar dependente da espessura e inclinação da camada aquífera ; nem mesmo se conseguirá maior vantagem praticando galerias de avanço sobre esta camada , ponjuc as aguas convergem pelo Poente para a ribeira do Valle de Lobos, o descem pelo Nascente para o pcípicno ribeiro, c|ue atravcs.sa a quinta do Grajal. O traçado sahindo á superfície , corre sobre ella na extensão de 200 a 300"" e torna a CTitrar no solo: neste curto trajecto pôde re- ceber a agua das nascentes da ({uinta do («rajal denominadas do Cedro e da Conserva que ilarão de 20 a 30""^, mas deixa abaixo do seu nivel duas pregas, que apezar de pequenas brotam bastante agua de chuva media annual , e dando 0,""'3 para evaporação, produz 420:000'"° de agua annual ou 14 44""" diários, empregando, bem entendido, todos os meios pura que as aguas não vão ás ribeiras, nem soíTram (juaesquer outros desvios além do da evaporarão: incluindo-se também neste volume uma parte que foi levada cm conta quando fiz as apreciações relativas ao aproveitamento das aguas daquellas mesmas localidades. Se ainda se quizesse levar o systema de Mr. Dumas até á ribeira de Carenque, onde seria possivel empregal-o ao N do paredão mou- risco, poderia ainda, por um calculo semelbante ao precedente, sup- pondo (pie a superllcie a considerar fosse de 200:000 melros quadra- dos, recolher-se 50:000°'° d'agua, que juntos aos 420:000.0""° som- mariam 470:000.'"° Dando porem 170:000'°° para as perdas inevitá- veis, e para os descontos dos volumes já apreciados, ficaria esta quan- tidade reduzida a 3 00:000"°; e admitlindo que o numero dos dias de menor estiagem e por consequência daquelles em que seria necessário lançar mão destas aguas , era de cem , podcr-sc-hia dispor nesta (|uadra de um volume de 3:000""° diários: entretanto para a acqui- sição desta quantidade daguas , seria necessário construir perto de 2:000 kilomclros de canos. Co/isi 1 6iO:000 120 dias de Outubro a Dezembro a 9:000 » 1.080:000 Total.... 8.100:000" O que corresponde á media diária de 22:500"° pouco mais de metade da cifra calculada a pag. 8 I ; porem é necessário advertir que este volume de43:750"'" diários tem de satisfazer a diversas perdas, sub- stituir as aguas que vertem pelas nascentes tonhecidas, ea que houver de verter das explorações que se fizerem abai.\o ou acima dos leitos das quatro ribeiras de que se trata. Acabei de mostrar que as camadas aquíferas da bacia em ques- tão, fornecem á superficic do solo a media diária de 22:500°"', e tenho feito sentir que estas camadas pela sua posição em relação ás margens e leitos das ribeiras , vertem a maior parte daquella agua nos leitos das mesmas ribeiras e dos valleiros lateraes, e a restante brota dos respectivos flancos, porem em niveis pouco elevados, vindo apenas dos pontos mais altos uma porção minima : por outra parte é também certo quando no Estio chega a desapparecer uma parte dos aflloramentos destas aguas , ou o que é o mesmo, quando chegam a seccar as na.scentes , nem por isso as camadas deixam de estar satu- MEM. D.i AC\D. 1 .* CXASSE T. U. P. I. 1 3 98 GEOLOGIA HYDROLOGICA radas ou de conter agua, logo abaixo das aberturas donde vertiam, c, i/oitiori, abaixo dos leitos das ribeiras e dos valieiros, e nas mesmas condições em que existiam antes das fontes ou iiasicntos diininuirein ou seccarem : por consequência as galerias ou aberturas subterrâneas, que se praticarem em toda a extensão das quatro riliciras, edos valles lateraes mais importantes, correspondendo aos respectivos córregos podem rccolbcr uni volume diário de aguas muito su[>erior a 21:250""° ( dilTercnça entre os números ultimamente aclwdos de 22:500 e 43:750), porque neste systema aproveitará muitas aguas que dei cm perdas nas dcducções feitas a pag. 80 e 81 ; entretanto para que nào pareça exaggcração supporei qucaquclle volume nào excede a24:00O "". Conseguinlemente se se fizerem 30 kilometros de sanjas, canos e do galerias subterrâneas, abaixo dos córregos indicados, isto é, 7 na ri- beira de Vai le de Lobos; i na ribeira do Jardim; 5 na do Castanheiro ; 4 na de Carenque ; c 10 nos valieiros lateraes; tcr-se-ba que a media de agua diária vertida pelo metro corrente sciá 0,8 do melro cubico. Convém porem advertir que este volume de 0,8 do metro cubico por metro corrente, deve forçosamente variar muito em (piabjuer cxtcnsào de galeria : cortar-se-bào dezenas de melros, que nenliuma ou muito pouca agua produzam, e pontos haverão onde a abundância ser;í tal que indemnise aquella falta. Similhantes desigualdades devem sobre tudo apparecer nos lugares occupados pelos calcareos do 3." e5.° gru- pos ; devendo também concorrer para ellas o maior ou menor angulo de inclinação das camadas, e a grandeza da secção da galeria, como já se disse em outra parte. Alguém poderia objectar a este systema que as galerias subter- râneas que constituem dous ramacs do aqucducto das Aguas Livres, denominados o Aquedueto da Quinta e o Aqucducto dos Carvalheiros, construídos 10 a 20" abaixo da superficie do solo, tendo o primeiro 850", e o segundo 500" de comprimento, deram apenas na estiagem de 1856, aquella 238'"°,5, e este 40""° d'agua diários; estes factos porem não podem colher para o caso em razão das seguintes conside- rações. Pelo que respeita á galeria da Quinta deve notar-se : 1 .° que quasi toda esta obra é aberta nos grés do 4.° grupo, que alli não são os mais favoráveis para darem um grande volume de aguas como fica observado em outro lugar : 2.° que toda a lomba que se levanta do lado do Casal da Quinta para D. Maria, tem pelo S as suas camadas deslocadas por uma falha, que as separa das camadas correspondentes da margem escjuerda da ribeira de Carenque próximo á linha deno- minada do Conde de Redondo (Fig. 6), de modo que a parte do sub- DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 99' terranro que existe neste ponto , e que foi aberto sobre as camadas abatidas, está longe do plano da falba ; c como os topes destas cama- das terminam, a jwucas centenas de metros, na cumiada da lomba , sendo corladas pelo mesmo subterrâneo quasi parallelamcnte ao seu plano, nào pôde este de maneira alguma ser fornecido com uma quan- tidade de aguas apreciável. Se este subterrâneo estivesse mais baixo c partissem delie duas travessias, uma para o interior da montanha, e outra para a pxiredc da lullia, percorrendo depois encostada a ella , necessariamente recolheria um bom volume de aguas: 3.° as camadas do grés, correspondentes á parte mais scptentrional da galeria, tem inclinações para SE e para SSE , e na margem opposta da ribeira , inclinam para KO, para O, e para SO ; isto e, as camadas formavam antes da deslocação uma linha anticlinica, e depois delia operada, em resultado de diversos movimentos ad(juiriram posições diversas, que- Lrando-se e desabando parte para o interior do valle , mergulhando porèra as da cumiada e margens em sentido contrario; por conse- quência niio podem também dar uma quantidade de agua que mereça ser mencionada : 4." as paredes lateraes e o tecto da galeria estão for- rados de enxelharia , retendo destarte a agua que transuda do grés; agua que não obstante as desvantajosíssimas condições em que se acha agaloria, e o revestimento fjue a estorva, ainda assim regorgita pelas juntas dos cnxelhares, chegando mesmo a alluilos , e fazendo levantar o lagedo do pavimento em uma grande extensão. Pelo que toca ao aqueducto dos Carvalheiros, acha-sc situado na zona que limita os cal- careos do ;')." grupo com os grés do G.°, e parallelamcnte á direcção das camadas , as quaes inclinam para o S ; mas como estas camadas são aquellas em que a galeria assenta, e tem os seus affloramentos al- gumas dezenas de metros a montante da mesma galeria, é claro que mui pequena quantidade d'agua pôde receber; accrescendo ainda o estar todo revestido dalvenaria, o que lhe aliena a qualidade que po- diam ter de galerias filtrantes. E' para sentir que o aqueducto dos Carvalheiros não esteja 10 a 20'" abaixo do nivcl cm que se acha; ahida assim, pôde tirar-se delle um menos máo partido abrindo galerias de travessia, que com- muniquem com elle, e prolongando-o para o nascente, alim de se lhe introduzir as aguas das nascentes das quintas da Torre e da Baleia. Não se julgue todavia que o systcma de acquisição de aguas que proponho vã esterilisar o solo da bacia cm toda a sua extensão. Todos os poços, fontes, e nascentes que tiverem a sua sede no 2.°, 4.° e 6." grupos, não situados nos leitos das ribeiras, e valleiros, nenhuma al- 100 GEOLOGIA HYDROLOGICA tcrarào podem soíTrer no seu volume diário, porque a contextura dos grés não permitte que as aguas se movam com liberdade tal, (|ue uma destas camadas aquifcras cortada a 300 ou 400 metros de distancia do seu aflloramento , o possa fazer ressentir de um modo prompto c sensivel , e para as alimentar lá estão as mesmas conservas que hoje vertem á superfície do sóioos 22:J00""'quc acima se acharatn. Outro tanto porem não acontecerá ás nascentes situadas nos leitos c flancos das ribeiras, com especialidade as que pertencem ao 1." grupo de cal- careos; essas devem necessariamente soflVcr quebra no seu producto , e para obviar ás contestações futuras que possam dirivar deste facto, conviria fazer um mappa cadastral para cada ribeira , e determinar \wr experiência as quantidades medias e minimas dagua de cada poço e de cada nascente. A'emprcza conviria talvez appropriar-se de parle destas aguas, fornecendo depois aos proprietários uma porção equiva- lente por meio de uma torneira calibrada, o que seria para elles de summa vantagem, mormente quando a agua fosse de poços, que assim poupariam as dcspezas da sua elevação ; podendo também, em alguns casos, ministrar-lba em um nivel superior, que llics facilitasse um mais vantajoso emprego nas regas. As vantagens do svstema que proponho resumem-se no seguinte: 1.° Não ser necessário completar todas as obras subterrâneas nos cór- regos das ribeiras dentro de um prazo fixo, devendo este trabalho ir avançando conforme as necessidades do abastecimento o reclamassem; 2.° Não estar sujeito ás vicissitudes das grandes sêccas. 3.° Garantir o abastecimento da capital tanto no presente como no futuro: 4.° Serem as aguas potáveis idênticas ás que actualmente correm pelo aqucducto das Aguas Livres: b.° Grande diminuição no numero das expropria- ções e indcmnisações a pagar. Este systema exige portanto um projecto cuidadosamente elabo- rado, devendo começar por uma planta topographica da bacia de que se tem tratado, na escala de 1:500 com curvas de nivel espaçadas de òO"", na qual se vejam marcadas as posições de todos os poços, fontes e nascentes. Nesta planta, ou em uma copia na mesma escala, se desenharão todos os grupos de rochas do andar de Bellas com os seus limites rigorosamente marcados, e bem assim os limites da for- mação basáltica, e todos os aílloramcntos de injecções e dikes trap- picos, e zonas metamorphicas. Finalmente a planta deverá mostrar com a maior clareza e rigor a posição das diversas camadas aquiferas. A planta deverá ser acompanhada de jierfis ao longo dos cór- regos , e das lombas que os separam, c de cortes transveisacs ou em. DAS VISINH ANCAS DE LISBOA. 101 qualquer direcção . tantos quantos forem necessários, para dar conta de todos os accidcntcs , que por sua natureza dcvauí ser niinucicsa- mente conhecidos, taes como falhas , mudanças de direcção, interpo- sição de rclallios de um grupo no meio de outros, etc. E' sohre a planta assim confeccionada, (|uc se devem traçar as galerias subterrâneas (jue se projectar construir, tendo em attcnção os accidcntcs que aflcctam as margens e alvcos das ribeiras , em ordem a não caliir nos inconvenientes apontados para as galerias da Quinta e dos Carvalheiros. Nas camadas aquosas dos grupos de grés, cumpre addiccíonar á galeria principal outras galerias de avanço com traves- sias onde fTjr necessário, havendo acautela de cerrar depois estas com- niunicaçõcs por meio de barrages de mina munidas de tubos de des- carga, para dar sabida ás aguas aqui recolhidas, quando se julgar op- portuno. O conhecimento do fluxo de todas ou de parte das nascentes, nas máximas, medias, e minimas aguas em cada anno, é não só utii mas necessário para a resolução do actual problema. Estes dados dão a co- nhecer: 1." Qual a correspondência ou independência das nascentes de um mesmo grupo, ou de uma mesma camada; a fim de dirigir as explorações locaes com acerto e máximo proveito : 2.° quacs são as nascentes ephcmeras , quaes as de maior duração , e qual a lei que segue a sua diminuição. E' só com este conhecimento que se pôde re- solver quacs são as que podem e devem ser atacadas, e de que modo, para obter agua delias na maior estiagem : 3.° qual o numero, si- tuação, e grandeza das secções de descarga para as aguas, que são re- cebidas, mas que não devem ser conduzidas : 4.° (jual a relação entre o producto das nascentes, e as aguas que correm nas ribeiras em deter- minadas épocas do anno, e lugares, qual a relação da agua absorvida na bacia, con) a despeza annual media da agua das nascentes da mesma bacia ; e qual a quantidade de agua perdida ou derivada pelos mealos ou conducins que ficam abaixo dos córregos das ribeiras. Na ribeira de Valle de Lobos pode começar-sc a galeria subter- rânea a montante da ponte do Cacem, e atravessar a base do 1." grupo do andar de Delias, e o 2° de grés até acima da quinta dos Loyos , ou até ao 3." grupo; e como os calcarcos sejam uma rocha mais dif- licil de atacar, pode o trabalho levaj'-se para o 4.° grupo de grés afim de explorar estas camadas cm todo o seu comprimento até ás nascentes priucipaes da ribeira, incluindo os vallcs das ribeiras de Mo- Ihapão. e da Baratam ; e tomando as aguas deste ultiujo grupo no ex- tremo S da galeria que descer desde as primeiras nascentes da ribeira 102 GEOLOGIA IIYDROLOGICA. até ao começo do 3." grupo de calcareo , far-se-hão condiuir por um tubo collocado sobre as camadas deste grupo c resguardado apenas por uma sanja coberta de um capeamento; no contacto do 3.° com o 2." grupo serão lançadas as aguas na galeria subterrânea que se deve pro- longar deste ultimo ponto para o S até sair á supcrlicie do solo; re- servando para mais tarde a abertura da galeria corres[)ondente ao mencionado 3." grupo. Kas ribeiras do Castanheiro, do Jardim, c de Carenque devem as explorações tocar próximo ao tecto do 1." grupo do andar de Delias na Gargantada, e em Ponte Pedrinha , em consequência de ser bas- tante aquifero desde a sua parte superior. Os trabalhos devem ser morosos por causa das repetidas camadas de calcareo duro, em partes marmóreo , que terão de se atravessar; porém o resultado deve com- pensar estas diíTiculdades, além de que depois de explorada a ribeira de Valle de Lobos nos pontos indicados, não será, provavelmente, ne- cessário na primeira quadra , levar as explorações das outras Ires ri- beiras além da zona de contacto do 1.° com o 2.° grupo. Todas as aguas exploradas nestas galerias subterrâneas , tem de ser recebidas em um aqueducto geral , que as vá lançar no a(|ue- ducto das Aguas Livres, para serem levadas á zona media de Lisboa. Este aqueducto, que se projecta, depois de entroncar com o subter- râneo de Valle de Lobos a montante da Agualva e com a cota 115 a 120", seguirá a superfície do solo pela margem esquerda da ribeira de Valle de Lobos até ao barranco de Santo António de Torcena ; daqui dirigindo-se para o Nascente do mesmo barranco para transpor a linha divisória daguas das duas ribeiras de Carenque e de Valle de Lobos, atravessará esta linha por uma trincheira de 7 a 2"" de má- xima profundidade e 200 a 300"" de comprido; e vencendo o valle em Queluz com um syphuo de 20 a 30" de flexa subirá por este valle até Queluz de cima para ganhar o córrego do Baleizào, o qual deverá seguir passando próximo dos sitios do Cazal Ventoso e Cazal velho; e atravessando o coUo que separa as aguas dos ribeiros de Carenque c Alcântara com 500 a 800" de trincheira pouco mais ou menos, e junto ao Cazal do Brandão por um tunnel de 300 a 600" (segundo a cota do ponto de partida) irá entroncar no Aqueducto geral abaixo da Casa da agua da Porcalhota^ Cottipararão das vantagens e inconvcnknles dos dous aqueductos daMatta e (t Jgualva. — Tal é a indicação do novo aqueducto quepro- jionho, cujas condições passarei a pôr em paralielo com a(juellas que respeita ao aqueducto da Matta. DAS VISINH ANCAS DE LISBOA. 103 Se se medir sobre a carta corograpliica da commissão geodésica a extensão linear do Aquedueto d'Agiialva seguindo pelos pontos que ficam apontados achar-sc-lia que este tiaçado é de 2,5 kilonielros mais desenvolvido do que o do a([ucducto daAIatIa, vindo por consetiucncia a ter de 10,5 a li kilonictros de comprido proximamente; mas os inconvenientes desta dilTerença desapparecerão em face das vantagens que successi vãmente irei enunciando ao a(|ucducto d" Agualva. O a(|ue- ducto da Matta não pôde dispensar dois tunncis um de 700" e outro de 1:100" de comprido como já se disse; cpara isto oLriga-se o tra- çado a seguir com a cota de 17 i a lli)"' desde as nascentes da Slatta ate á margem do ribeiro do Castanheiro na extensão de 7200"" afim de não alongar o comprimento destes tunncis, resultando desta con- dição deixar o aquedueto abaixo do seu plano grande copia d'aguas entre os dois referidos pontos : em quanto que por outro lado sendo immensamcnte provável que o subterrâneo da Venda Sccca tcnba de atravessar rochas trappicas, ou pelo menos as rochas sedimentares tornadas taes pelo nietamorphismo, o que vem a ser o mesmo como já ponderei, semelhante obra além de muito difficil e dispendiosa não ])óde concluir-sc no tempo marcado no contracto por ser quasi im- praticável o desmonte de taes rochas em secções fechadas de pequeno pcrimetro, a menos que não se dê ao subterrâneo as dimensões dos tunncis dos caminhos de feiro, proximamente, porcjuc nesle caso o ataque ou o descosi mento da rocha feito pelas fendas de resfriamento torna-se menos difficulloso. Similhantes embaraços são consideravel- mente attcnuados na construcção do aquedueto d'Agualva : aqui como deixei dito ha a trincheira de Torccna com a cola de desaterro que oscillará entre 2 e "^ ; o tunnel do Casal do Brandão cujo compri- mento pôde variar entre 300 e 600"", e as trincheiras contíguas a este ultimo com a máxima altura de O" pouco mais ou menos. Estes cortes não são tão difíiceis nem dispendiosos como os precedentes; tanto porque a excavaçào a ceo aberto pôde sem inconveniente ser mais larga e facilitar o desmonte da rocha, como porque a pedra cxtrahida será com vantagem empregada na construcção do aquedueto assentando so- bre a linha do traçado imi carril de ferro que a transporte. Para o aquedueto da Jlatta poder transpor os valles de Molha- pão, do Jardim, c do Castanheiro tem de cmpregar-se Ires syphõcs de ramos muito fechados e de grande flexa; outro tanto porem não acon- tece ao aquedueto dAgualva, ponjue deixando muito acima do seu ponto de partida o primeiro valle, e achando-se reunidos em um só, em Queluz, os três valles de Jardim, Castanheiro, c de Carenque pas- 104 GEOLOGIA IIYDUOLOGICA sara o aqueducto em Queluz com um único syphào de maior ampli- tude , e por consequência cm mclliorcs condições iO DE I80G. Designação das nascentes e suas localidades. Observações. Doiis poros junto .i ponte de Carenque, vallo da ri- beira de Carenque Três poros em terras de D. Mariana Baúte, idem. Chafariz da encosta do Pendão, idem Bica da Gargantada, idem Um poro junto á Gargantada, idem Uma mina por detraz da casa de D. Mariana Baú- te, antes da Garganlaila, idem Três poços a jusante da Gargantada, lalle de Carenque Nascentes em Ponte Pedrinha que vão para o palá- cio de Queluz, valle de Carenque Mina na estrada de ponte Pedrinha para o Pendão. Mina junto á casa do Marialva próximo a P.'" l'edrinha Bica da encosta do Pendão iMina das Galegas, ao Norte da Porcalhota Nascentes do Exm.° Conde de Farrobo que vem ter ao aqueducto das Galegas Nascentes da linha da Rascoeira Nascentes pertencentes a D. Antónia Maria de Jesus, margem esquerda do ribeira de Carenque Nascente da Vianna, valle de Carenque Nascente do Exm.° Duque de Palniella, idem Nascente dos ex-Mariannos, idem Nascente do Exm.° Visconde de Porto Covo, idem. Nascente abandonada, próximo ao Almarjào Nascente do Almarjào, Amadora Nascente do Exm.° Conselheiro Fclix Pereira de Ma- galhães, próximo aos moinhos de Carenque Nascente do Casal du Papel As nascentes da fabrica da pólvora, entre Torccna c Massamá Exploração acima da mina da Rascoeira, buraco ao pé dos moinhos Dous poros junto á linha da Rascoeira DAS VISIN 11 ANCAS DE LISBOA. 107 o "O E Designação das nascentes e suas localidades. Observações. Poço na quinta da Nora próximo a Agualva Nuscmle que vem para a quinta prcccdcnlc Funtc publica no sitio da Nora próximo a Agualva. Fonte das Eiras próximo a Agualva Fonte da Idanha Nascente om mina próximo á precedente Fonte dos Burros próximo á Idanha • Poro de José Maria Leal próximo á Idanha Fonte na fazenda dos Barros próximo ú Idanha Chafariz de Bellas Nascente n» parni do Prior Poro ao fundo do mesmo paçal l'i>i;i> na quinta do Miranda ao Sul do Chafariz de iii lias Poro defronte da Ermida de S.Sebastião cm Bellas. Fonte da Panasca pmximo a Uio de Sapo Poço na quinta de D. João de Castello Branco, pró- ximo á precedente Poro no pomar da chave novallc da ribeira do Cas- tanheiro Poro na quinta de António de Oliveira, idem Poro na quinta de Manuel António, idem Nascente da Malé, idem Poço na quinta da Silva, idem Piiço publico na rua Fria entre Bellas c Pendão, idem Poço na quinta do Padre Brotero entre Bellas e Pen- dão , idem N.isccnle próximo ao portão de ferro , idem Dous poços junto á quiula de Gregório Antunes, idem Nascente daGarganlada sobre a ribeira deCarcnque. Poço no contacto dos basaltos, idem N.iscentcs que vão para Queluz, idem Puço no pomar do Tcnenie, idem Poço na aziídiaga que vai para o Olival, vallc da ri- beira do Castanheir;) Dous poços junto á ponle da povoação de Carenquc. Poço nas terras do Luizinho, ribeira de Carenquc. Poço próximo e ao Sul da ponte de D. Faustina . idem Poço próximo e ao Norlc do precedenlc Djus poços nas terras de Alexandre Gumes, vallc da ribeira de Carenquc Poro proiimo c fronteiro ao precedenlc, idem 14 108 GEOLOGIA IIYDROLOGICA 5 ■» ■ã § . 3 -a s = I e Detignaçio dat natccnla t suas hcalidades. ObservapJcs, •53 yj Poço cm terras do João de Almaihn, valle da ribeira de C.ircnque Doii$ puços nas visinlianras das terras doFilip|iintio, idem Poro junto á azenha do Filippiubo, idem Poiíi no Casal do Pclão, idem Poro nos alTlciramcutos de diorilc acima do Casai do Pelão, idem Nascente no alio da serra, idem Konte ao (ira da fazenda do Bicstcr, idem Duas fontes na propriedade prcceilcnle, idem Nascente dcD. Sl;iria da Conceição IJarbosa de Araú- jo, cm Casal de Pclào, idi'm Nascentes de Frederico Bicstcr Jntdo á quinta do Letrado abaixo de Agualva Ribeira do Papel em líocanas Em cima da serra c acima da casa amarclla na ri- beira de valle de P.ípcl O líerervcdouro junto á casa amarclla no Papel Nascente no leito do rio juiUo á ponte de Agualva. Minas das Galegas, idem Nascentes de S. Braz Pequeno regalo antes de chegar á ponte do Cacem ■3 Fonte do Castanheiro, valle da ribeira do Casta- nheiro Dous poços na quinta da Fontereira, idem Charcos formados á custa da agua que verte dos ban- cos de grés grosseiras, idem Nascente do Tanquinho na quinta da Fontcircira, idem Di>ersas nascentes abaixo do a^udc do Castanheiro, idem Oitcrsas nascentes no Casal da Fonte Santa, valle de Carcnque As duas nascentes do Castanheiro . . . Nrisccntc ao cimo da quinta do Exm " Conde de Re- dondo no valle (la Carregueira Niisccnte encanada par.i a quinta da Nora ao Norte da ribeira (irajal d( fronte da fonte das Eicas Douspoçis junto li ponle da Idanha dentro do quintal. poro no quintal do P.idrc Carlos Conliicto dos grés do -2." com oscalca- rcos do 1." grupo. DAS VISÍNHANÇAS DF. LISDOA. 109 3 =: Designação dat nateenlt* e tua* healidadet. Obtertacves . ta I Dilo logo immedialo. Dous ■■ poços acima do poço do Lagar entre Pulvoraes c Venda Sòcca Dous poços aliaixo do Lagar jnnto a PolvoraV s Poros cm Polvoraes. Poço do Lagar Fonlp do Coxo no vallc dos Almarzcs! Chafariz do Ciixo Dous poços cm terreno junto aóchafárizdo Coxo' Minas do Suimo Fonte atraz da casa do Suimo . .. Nascente ao pocnie da pyramide do'siiim<.'e a' me"iá encosta da montanha Dezoito poços na Venda Sècca! Duas nascentes próximas da quinta do Evm'.'" \ iscon- dc de Fornos ao Sul da estrada indo do largo da Venda Secca para o Grajal Vm poço junto á quinta do I- xm.° Visconde de' Fornos' INascei te fcrrea junto á dila quinta Dous poços dentro da dila quinta. Poço d,. Pimenta próximo c ao Sul da Venda SécVa' Ires p.iços no no do Kspinheiro a Oeste do P. co do Pimenta Nascente do C.rajaí dentro da quinta dost'e'nome.' ' .' O Cedro, idem .\ Conserva, idem Minas epoço fronteiro á casa doGrajal Duas nascentes dentro da quinta do Vianna novalle do Jardim por haixo dos moinhos . Fonte do Machado; um poço superior, c onlro infc- nor, ao Xorte do iraçiujo c á esquerda da estrada de .Mafra logo .icima de Bellus .\ascenlc denominada Itio do Porto próximo "áquinta' i do Exm." '"""'i» 'i~ »-•' I ■• ■ - I din Conde de Redondo, no \alle doJar-| I Chafariz fronteiro ao pijlacio, idem j Fonte de Santa Anna dentro da quinta do Éxm.' Conde de Itedondo, idem [ Fonte de D. Josó, idem . .. .. . . ......] Fonte férrea , idem L'm poço , idem l'm poço na quinia do Exm." Visconde' de 'Èiire- moz no valle da ribeira do Jarúiiu Contacto dos grés do 2.° com os calca- reos do 1.° grup» 110 GEOLOGIA HYDROLOGICA 11. o -a s L" - « Designação deu naicentei t twu localidades. Ol»cira['iis. 3 C £ ir Um.i ii.isrcntc ferrei c outra (l'agna coininum que vão par.i a qiiintn proroiicnle Njscoiiloquc (l,i ;igu.i para a quinta do Exm.° Conde de Villa Iteal Chalariz do Bicster As ahaiiiliinadas explorarões do Bieslcr "4* Poço próximo da Ermida de S. Mamede c^ Nascentes a jusante do valle de Figueira, {valle do 6") CS Ditas de valle de Figueira, idem =5 Nascentes diversas acima da foz do rio dos Sapos ate %> á plaga d(ts Penedos Pardos t. Poço da quinta da Birroca acima da Agualva ■^ Nascentes férreas que vão para a quinta precedente. 5! Nascimento que vem o, idem Uma nascente junto ao forno da cal na Abitureira. . . Uma nascente próximo ao caminho, idem . Dons poços en terras dos Abreus Nascente férrea na quinta do Vianna b <•' Nascente ld a < o < y. w c n ui a- £ i'. < S u ■< 1 aí o u c o ■< a •< o ■< 'S.S. .— «1 _ ti r-c et — i) ■r- ti = u i A bj .a E ■-' o 5 ira 3 O t, o\ coe o" o o" o" cí ri " «S C-. M «a ■»- I s S i ^2 s ■a '5 't2. 5-5 ri — ft a a 6X * . o . c ■ c ti '^ ÍC « ti c ■ •a 'j o c .- b o « i3 c c ^ — C £ ^b Sc o SIEM. D\ ACAD. •1.° CLASSE T. 11. P. I. 15 114 GEOLOGIA HYDROLOGICA b 3 2-; C V3 J3 2.; >3 O " s n ^ 3 H* ti Q» ■ SB >■ O CFJ c Uí U •»! - cr rs ? -1 o 3 a *n « 3 ra _ 5? a n ■ 5' ° w aí wt «^ S " o S 3 H !=■ ?r — 3 C 1 O. « * ° >: a 2. £. n V) 2;3 w: ?• 5, 05 '73 •í» to 3 -a W X fi> £, õ 3 ? "» o tc ». ^ ^1 ,^ l<3 CS ^ U © ot ot Vs W t-k o 1-^ h* 1^ C7I lo Oí C5 íD l«& Oi O^ cn iit O 00 05 cn cit CO (O K> W O; Ci trt "* OT Crt O ■O o: ^ C U C/E 9» 00 O O O 05 OJ © © © § as 9 C= c o a 2 li> "O c 3 S to ;j oe ^ 3 o- 1) > íX >■ > Cl <3 > > H n« >■ s o t/í fr •s W O d O O ri > !-• S PI r. M :» 53 > M w; :í O V V O >. O n ^ > o 3 r: cc > X PI o t' CS > 3 PI o PI ;» cr r S V O ::: c/l >■ U) S > n o >■ r t/> >- Ul 5 3 PI 3 O 5 -< c/J c* DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. 115 ■J-. ^■^H ^ ■^^ < .-. n ^ < g ~ E'ã CA S* *< í o «0 TS O t* "^ '1 o i %% i CS s Z SE n ■< 2 'J °"« o t: 4i o ■«•= ce Ç X ■« o o o s « ra G C S OS c .1 e s K ^ £ Cl. E s e- = o < 71 s E A ". *". ". *~I *1 '". JO ©_ 00 X ic y^ ira o^ x_ 0_ n ,1 00 CO Cl rt oí" cô" f-^ «>' o" cT ^ íO* X* cí *fc o o X i E S £ & S £ £ £ £ a rt 1- 1- Cl >«!' :o «£ Cí Cí <^ )íí •- 5í (4 ~ - rt (N 1" li Cí •Et-* -71 a* oí ■^ cn O wi t 1 ií ..a ^« o c li ■« •3 t. C ^ C fi S A ft fi o ^ £ ç ^ a c to ÍJ £-5 •3 ^ (9 fel o o ^ ^1 ;.--§ °. 3 rt ir ÇJ — s o O • o o ÍO L. (T •— ■ c c £; 71 o *s o ■ 5 <3 £ •< h .fi ^ • -o o ■< o •o V ò o E lis i : ti y. "5 •a 4S^ t/l u •«: eu C" •O (1 £ •4 o n e £ o £.2 õ ã < a '1 1 1 2 = 1 £ c V •^ c Já c c c c ■a « c V u es B O •3 e o '4> T3 c »« c E o = iil c n 2 « -3 > B s ç ■í. a. 7. .2 2^ 3 .2 5 a !j •< C 'ã i a s to Cà u hl C* ., fS .^ •— ^ ^ s s B ^ « '5 ^ 110 GEOLOGIA HYDROLOGICA. ??5g, r c 2^ O — . 3 ^ ^ Q) a 3 X = S" £■ o cig = o = = g-3 " o£ 5. 3 ?^ tu §- 3 O p 3 O n n "2.3 O í? n ssi^ r» o 3 d. *í 2. ?^- Cl. 5: o í " n CS O 2 c ;í 03 b y p 3 3 3 3 3 3 ir P 2 3 X- X IO CO K/ cn ic 4K< ;^ « S! W C: X 00 © O! O "oí O cn 00 o o: C O 4» o s VI S.3 S í' ? I O PI -3 O c/i > O ~ 3 ?J ^_i ■s O -^ r> o r3 H rs O PI >- r> ?3 PI o n C5 S 3 DAS VISINHANÇAS DE LISBOA. H7 n ^^" ^^^" ^^ ? ' ^" L. Z V rz '<-• - 2 « -^ fa. 9 b. (Q 1 O -a a. « «• es a •1 ⧠o " .s E (3 "" 0» 3 ^ *•> O = to — •a ._ j: 3 ío.- O :2,u o u .:; -a s » a ■ r^ Q a ■C3 a. cg 3 _ n — Ctf ^ •i £ ^. **. 'M c O c ^C iffl o O O O :0 c — = >í s o" CÓ c c V* :o M* ■M !?> oo" C) o = i . o V* X 'M 1? — X eo í^ .; í -. n ro W5 -f- Cí ■«* ©1 « Cl « ^^5. r: ^^ G^ ^H CO a »■ . : o - -o ■:: -o •S .Sí = :0 5 IO íí ^ íí^ »'£ O 00 a ^ ^ a ^ O ^ O X Ox 3 1^: -= ? T3 -o r^ ■3 e- Cl 5 2-S «-§ CS X Cl -3 . J tf) «n r- 2 -SJ *o b. "7 ^. v to to ■3 -S 3 ^ • u 1 -3 _c^ ^ n E y J i '3 S O c? Í3 ^1 u U •yi 1 CJ . o cj tf-, . y o . , i» • *e O =2" 3 C O CS S ■3 li 2, -3 ;*2 3 1. «9 a CA i -3 c 3 C _2 tf) Cl •O cr •3 ■ y - í 3 11 o 5-^ c c c -"H 3 a p 1 3 C O u C c o = 2 a. 3 O* 3 Q o C o s » o -3 3 u í 3 c ii '5 3 O .O) 1 c — U 6« c tf z tf r C 3 O -O CU 5 ■A C 3 3 -^ Õ ;^ O Sb u £ •3 •« c B r >• Ç p r -c v 'â c <- 5 ç -3 ea •3 rt O 1 o •3 3 o" i o ri *tfí ál 'ã 5 c 3 . - — » tfj S 2 « — ••5 't. '. - -3 Ç ,-5 tf: IP "c s 3 tf) *■! _-3 •3 = .H ~ ■ i/i ÍJ 3 1 S.3 2 c « c "3 ^.. cr re o ^ ^ c. 3 3 __ 3 ' i " " s ; o. = Z 5' ? ,-1 i*& a ,^ ~ 3 N — ::. ■ c- ^ a. 3 a S: S 3 - s-: o c/l u 5^= 5 3 5í* /^ _. d. 3 3 u. :;■ — o o 3 P C ST _ t> « 3 ST " ■ — ft o S " 2. = Õ' O c 2.- u -T § D. 3 o V) . CA «T to IS CS — — . o to ts u IO IO — to o o •— — IO '-' K. Cl o Cí: cn to W O w o o p *• _IO ~ o W o o 9 o o o 3 W 3 S. n u rs 3 o 5 I 3 — ^ b 6> -, -í 3 C 2 o 2. a. f 3 O DAS VISINH ANCAS DE LISBOA. 119 o .i £ o S •> s •ao» 3 ,• li i E «■2 5-§ i: 5 •§ £ to 'O T>oD o Ex a-5 12 c o- o* g M «■no E S-o S » " S Sg. - c '"' N ^ o _ J M o- o ÍSQl E« o « E J -.^ MP l^fí'./r iy, i ! I S f ?• ? f ¥ *[ S- s t 4 i ? j, : j-1 11 1 i i H > ■ ? s ' ' ' 5 ■! S 5 ! ~ 3 2 ! l I ^ ! .^ G b s «í n, c l- c n s- INDICE. PRIMEIRA PARTE. GEOLOGIA. 1 .' SECÇÃO. Configuração phi/sica do s6lo. PAG. Desci ipção geral e divisão etn dous uiassiços 3 Massico oríefHnl. 4 Massiro occidenlal. 4 2.* SECÇÃO. Constituição Geológica do solo. Divisão dos terrenos 7 Terreno terciário 7 Epoclia da formação do conglomerado com fragmentos de basalto 8 Terreno cretáceo 9 Limites ; 9 Divisão do terreno cretáceo 9 1 .* Formação : 1 .° andar : 1 .° grupo '. 10 » 2.° grupo.. 12 > 2.° andar 13 Divisão do 2.° andar 14 1 .' Parte ou superior 14 2.' Parte ou inferior , 14 Passagem da 1 .' para a 2." formação 16 Posição geographica da 1.' formação 16 MEM. DA ACAD. 1 .* CLASSE T. U. P. I. 16 PAG. Andar superior ff a 1.' foniiaçuo — Camadas de Delias 1 G 2." Andar da 2.' formação — Camadas da Ericeira 16 3.' Formação, viarncs de Safarujo 17 Deposito terciário lacustre 1 'J Deposito allurial antigo 19 Arèas da linha de Costa 19 Rochas Ígneas 20 Granitos da serra ne Cintra 20 Dioriles de Monte-niôr 21 Formarão basáltica de Lisboa 22 Aspecto com que se apresentam os basaltos 22 Basaltos que rompem as rochas sedimentares 23 Basaltos estendidos cm mantos e alterarão por elles produzida nas rochas sedimentares . 23 Conclusão 25 3.° SECÇÃO. Considerações gcraes sobre as mudanças occorridas á supcrjlcic do solo desde a epocha do terreno cretáceo ate A cpocha recente. Moibnento do solo no pcriodo dos grupos cretáceos superior cmcdio 2G Direcção em que obraram as dioriles c seus c ff eitos geraes 26 Erupção dos basaltos — periodó provável da sua elevação e seus e ff eitos ' 28 Primeiro delineamento da linha divisória das aguas 30 Emersão dos í^ranitos da serra de Cintra 31 Formação da bacia em que se depositaram as camadas terciárias 32 Formação de lagos, e diversas deslocações pelas quaes o solo tomou a configuração que actualmente apresenta 33 SEGUNDA PARTE. HYDROLOGIA. 4.' SECÇÃO. Considerações hijdrologicas sobre o massiço oriental. Aguas artesianas 35 Apreciação do volume d agua 3S. 5." SECÇÃO. Reconhecimento hydrologko fio valle de Nogueira, c das quatro prin- cipaes afjlucntes da ribeira de Sacavém. PAG. Bacia hi/drographica da ribeira de Sacavém 39 Jliõcira de Odiídlas í » Ribeira de Loures í 1 Ribeira de Louza ^3 Ribeira do Trancuo 44 Ribeira da Granja i » ().' SECÇÃO. Considerações bijdrologicas sobre as aguas do massico oriental. Águas aproveitáveis para o abastecimento daCidade 4ô Inconveniência de derivar as aguas da serra de Cintra. 45 Bacia hijdrographica da ribeira de Valle de Lobos e de Queluz. 4 6 Exame do solo ao Norte do parallelo da Agualva donde tem de se derivar as aguas 48 Rochas basalticas, metamorphicas, tufaceas e gresiformes 49 I ." Grupo calrareo do andar de Bellas ã 1 2." Grupo do andar de Bellas í)5 3." Grupo do andar de Bellas 59 4.'' Grupo do andar de Bellas 62 5." Grupo do andar de Bellas Cfi (!." Grupo do andar de Bellas 70 7 ." SECÇÃO. Relação entre a agua pluvial c a fornecida pelas nascentes da bacia kydrograpluca descripta. Considerações geraes 71 Espessura da lamina de agua pluvial que cahe annualmente em Lisboa 72 Volume médio das aguas pluviacs cabidas annualmente na baeia bijdrographica das ribeiras de Queluz c de VaUc de Lobos.. 'Z- TERCEIRA PARTE. PROJECTOS DK ACQt ISIÇÃO DE AGIAS. E BA SCA C0N01H'(;X0 PAUA O AOfEDrCTO GERAL DAS AGUAS LIVRES. « 8." SECÇÃO. Àquedtirtos, sijsUma de. acquisirão t/t: aguas , e obras accessorias. Aqucducto da Matta — Descripruo do seu traçado e considerarucs pag. a cllc relativas 81 1'oluiiic de .-íguas que pôde receber o aquedueto da Matta 83 Inconvenientes do traçado da Malta í)0 Meios lembrados para augmcntar o volume das aguas que o aque- dueto da Matta pôde receber 92 Considerações sobre as aguas do inassiço Occidental. 93 9.' SECÇÃO. Aqucducto da Agualva. Considerações gcraes 94 Aguas que devem alimentar a zona superior 94 Fundamentos do novo systema de acquisiçào de aguas 94 Comparações das vantagens e inco7ive}iie?ites dos dous aqucdu- ctos da Matta e de Agualva 1 02 Tabeliã das nascentes de aguapotavel na bacia hi/drographiea das ribeiras de Queluz, c de f^alle de Lobos ao Norte do parallelo da Agualva , e quasi todas permanentes na estiagem do anno dl 1856 100 Mappa N.' \ 113 Mappa N." 2 114 Mappa iV." 3 115 Mappa iV." 4 116 MEMORIA SOBRE A EPKENONIA OU MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS PELO VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO «ÓCIO A''*-^ DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE USBOA E DE OUTRAS MAIS SOCIEDADES SaENTIFICAS E UTIERARUS. Toul changc dans la naturc, tout s'aUere, tout périt (Buffon. - n. N. t. i.°pag. 336, ediç. de Pari: -1769). Que variáveis casos, que semente Trariam desusada enfermidade Nunca vista nos séculos da gente. Que s'cmbravece agora em nossa idade Por toda a Europa, Ásia e Libia ardente? (Doutrinas das enfermidades renereas, traduzidas do franec: « do inglez por Aí. /. //. da Paiva. — Lisboa, 1805.^ I!%TROni€€ÍO. A PESAR dc terem ja cscripto sobre csla doença das vinhas al- guns sábios da nação, eu aou íanibcni apresentar ao publico as minhas obscrvaçijes, c modo de pensar acerca da mesma enfermidade, não obs- tante ser um simples proprietário agricultor, sem esses profundos co- idiecimcntos das sciencias próprias para uma tão grande cniprcza; por- <]ue, pnijiicando-se jiela imprensa o caracter, aspecto e modificações que a dita doença mostra nas diversas provincias do reino, melhor se conhecerá, e mais facilmente se poderá descobrir a causa desta nociva epicKnonia, e, talvez, o seu remédio; posto que me pareça isso cousa muito difficil, por nào dizer impossivel. Respeito muito os distinctos nomes dos Autores que me tem pre- cedido; nias nào posso conformar-me com as suas opiniões; a contes- tação sizuda e de boa fé não pôde ollcnder ninguém ; a verdade é uma s(), cila appareccrá no meio desta contestação, e o tempo mostrará quem tem razão. Tive noticia desta grave moléstia das vinhas pelos jornaes pu- blicados no anuo pretérito de 1852, dando-lhc o nome dc ÕirUuin Tucluri, c como dcsconiicccsse o sentido dc tão estranhas palavras, não podia fazer uma idéa limpa da ja dita enfermidade; mas tendo 4 A EPICENOMA recebido o n." O do Jornal da Sociedade Pliarmaccutica Lusilana, per- teneeiílc á seq-iinda serie do Tomo .'!.", ali achei uma exacta o scien- tiliea descriíK-ào da referida doença c do bolor a (jiie chamavam Ói- (lium Tucheri; devo porem a um amigo c collega académico, o Sr. Dr. Uernanlino Anlonio Gomes, a explicação destas palavras novas, e para mim desconhecidas: a primeira Úii/iuin c composta de duas gregas Oou ovo e eidos semclliança, e (píer dizer semelhança rimciros dias do mcz de Julho deste annode 1853 apparcceu nas vinhas do Peso da Ilegoa, Salgueiral, Jiig^ueiros, Pon- teias c outras mais de Penaguião a doenra dita com os seguintes sim- ptomas: 1." Os bagos das uvas estavam (juasi todos cobertos do Úidiuin desenvolvido em cima de umas manchas denegridas e pontuadas; as vides ou varas manchadas com umas echimoses denegridas; algumas folhas com pintas amareladas e toda a videira exbalando um cheiro nauseativo; mas nem todas as videiras estavam atacadas; nem o gráo da doença era igual. 2." As vinhas supraditas foram atacadas irregu- larmente em grandes malhas, sendo estas mais extensas no Salgtieiral, c n'outras partes em que o terreno era mais humoso, e húmido. Cor- reu logo a noticia e o susto por toda a parte, e parecia que a epice- nonia se propaga^-a rapidamente á maneira dos contagies mais acti- vos da peste e do eholera morbus asiático: ouvia-se dizer: .lá está cm Alvações do Corgo; lá apparcceu em Goiviídias; ahi chegou ao Pinhão etc. Assim foram correndo os dias até 17 do mesmo referido mez de .fulho, em (|uc apparcceu nesta aldèa de Villarinho de S. Ro- miío, do su|)radito Concelho de Sabrosa, manifcstando-se em três bar- dos meus de uma viidia denominada do Assento. Desta foi lavranda (apparenlemcnte) para todas as mais, e só nos últimos dias do mes chegou ás vinhas da .serra. § 2.° ("om o ap[)arecimcnto «lesta nociva moléstia começaram os povos a fazer preces, procissões de penitencia, c festividades a di- versos Santos por todas as freguezias, c niio faltou logo quem assevc- i-asse ter passado esle castigo dos nossos pcccados 'como diziam\ Mas, indagada a doença, logo se conheceu que não tiidia passado, antes sim ijue se propagava e augmentava cada vez mais; lentamente porém. Enlào i'eflecli (|uc a marcha da epin?nonia não c marcha nem se assemelha aos contágios, é sim um desenvolvimento da doença se- 6 A EPICENOMA gundo os locacs, a situação c exposição das vinhas, Ijcm como do au- giucnlo (la tcinporaliira sop;iindo so adianta a estação, c por isso co- mo íoi apiiarccciído de dia para dia viiulo das ribeiras para os altos, simulava a marcha dos contágios. Agora conheço que foi uma for- tuna para o Ailo-Douro não ter apparccido no mcz anlccodcnte esta cnlermidade; ponjuc todas as uvas que cila atacou cm agraço tenro perderào-se; as que estavam mais adiantadas, c já com os bagos in- chados, deram esperanças de amadurecer; porem depois racharam e seccaram. O desenvolvimento desla epia:nonia c lento e vagaroso (sal- vas algumas cxcepçòes"), quando delia se deu fé no dia 17 acima dito já tinha principiado ha mais tempo (como depois conheci); mas por isso que a novidade do Óidium, visto nas uvas pela primeira vez, foi a (]ue mais deu nos olhos, c dahi por diante c que todos principia- ram a observar as videiras, pareceu que tinha abrandado a moléstia; ])orque mui lenta e vagarosamente ia cobrindo os bagos das uvas : como eu fazia as minhas observações de manhã c de tarde tive occa- sião de a ver principiar e lavrar pela maneira seguinte. Primeiramente apparecem nos bagos umas nódoas pontuadas c denegridas, que vistas ■Á luz do sol com uma lente deixam ver distinctamente os miúdos jiontinhos que as formam, e que me pareceu deverem ser os poros da jiellicula; aonde se reúnem muitos destes pontinhos é que se cria o Óidium primeiramente, e se desenvolve com mais raiiidez; clle e' for- mado de céspedes de filamentos brancos c mcmbranosos, a modo de pegados ou enrodilhados uns aos outros. Passados dias sahcm destes céspedes uns caulcsinhos ou tigcs lilamentosas mais elevadas, que de- vem ter na sumidade os espcros, spiculas ou sporangios da sua se- mente, os quaes eu não jiudc vêr por falta de um bom microscópio; mas que observaram outros ([ue me precederam. ' Estas plantas pa- rasitas criam-sc cm maior abundância do lado exposto ao sol e á luz, do ([ue do opposto, c nascem também pela mesma forma sobre o pc- oiolo dos bagos, pedúnculos e pe dos cachos; pelas varas nas axillas «tas folhas, e nas pontas tenras. Quando os bagos estão já inchados vè-se nelles luua transpiração por modo de suor, uma vez (pie se alim- pem da nnicedinca ou bolor, e que se cx|)onham ao sol por alguns .segundos de tempo; fiz numerosas experiências e mostrei a outras pessoas, algumas das ([uaes o viram mesmo sem lente: é de presumir que a mesma transpiração terá logar pelos poros do cangaço das uvas ' Vi-ja-ic o Jornal da Sociedade Pharmacculica Lusitana ii.° O da seRunda serie do tom. 3." dl) aiiiio i^'i2 pa;;. 281 e sciçiiiiites, e as Cunsiderarõcs do Sr. Dr. Caetano M. F. da S. Beirão deste anuo de lSã3. ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 7 e pelas varas; mas não cheguei a vè-Ia por falta de um bom iiislru- meiíto. Se a pelliciila tlijs ljug;os ("or levantada com o fio de uma nava- llia de barba em todas as iiiunclias denegridas já ditas, estas mesmas se descobrem nos tegumentos; mas abaixo destes aclia-se o parenclii- nia são; a nniecdinca não penetra os tegumentos, nem lhe pude des- cobrir a mais tenuc radicula ])or mais (|ue examinei com a minha lente; cila adhere tào pouco á pcUicula ({ue os céspedes se despegam por si mesmos em sendo muitas: del)aixo das ramadas viam-se cair a todo o instante e leva-los o vento. Os elos ou gaviniias das videiras doentes, nas extremidades das vides tenras seccam e despcgam-se com o mais leve toque logo no priiici[)io da doença; neste primeiro perio- do também as Ibliias a[)rcsentani algumas nódoas denegridas, e man- chas coradas; outras manchas porem se descobrem dentro das folhas atravez da transparência delias; mas ainda mui ténues, c para as des- cobrir é preciso observa-las á luz do sol da manha, ou do occaso, vi- rando-as e olhando como (jucm observa por um vidro; estas manchas vem por tempo a fazer-sc muito visiveis; nas videiras tintas são de còr avermelhada, e nas brancas fazem-se amarellas: são estas as que destroeuí as mesmas folhas, e nos gráos mais adiantados da moléstia cilas seccam e murcham como se fossem queimadas pelo sol, geadas ou ventos seccos. § 3.° Algumas castas d'uvas foram mais atacadas do (|uc ou- tras: taes sao==Os nuiscateis; os abclhaes ; os alicantes; os ferracs de todas as qualidades; a nialvazia e o gouveio. Os alvarclhões (n'ou- tras partes chamados lucaias) apresentaram \\n\ phenomeno particu- lar; ponpie uma grande porção delles se fizeram tão negros nas va- ras como SC fossem pintados de preto, e as folhas se cobriram de pon- tuações denegridas, e dum pó luliginoso que era carbono puríssimo, e que vi correr com a chuva, tornando-a fuliginosa. Poucos dias de- pois da invasão da doença cm Penaguião, vieram-me de Ponteias al- gumas uvas e vides das videiras doentes, e outras mais de Goivinhas (concelho de Provezende); todas ellas exhalavam um cheiro nauseativo insupportavel: foi i)reciso abrir logo as janellas e portas da casa, e nem assim as podia soíVrer, de modo <|ue as mandei logo tirar e deitar fora. As uvas doentes das quintas do Douro e do Pinhão tinham o mesmo máo cheiro, e as minhas não; posto que as dos bardos pri- meiramente invadidas, e outras muitas estivessem cobertas da nuice- dinca ou Úidium: assim se conservaram até o dia 29 de Agosto. .\os dias precedentes '2'ò. 20, c 27 houve trovoadas, e cahiu bastante chu- va, que lavou aquclle dito bolor ou muccdineu das uvas; na noite de 8 A EPICEXONIA 28 para 29 pehis I 1 lioras sentiu-sc um tremor de terra com a di- recção d(í oriento para occidenle, a temi)craliira augmeiílou eonside- ravclineiUe e no dia 30 ja eslava a 7 2" Farenlicil, estando o lliormomc- tro á sombra dentro de casa num aposento com janclla para o sul, foi cntào ncsle dia 30 que se desenvolveu o referido fedor: cllc se ex- lialava dos bardos de videiras doentes em toda a sua extensão e de toda a sua ramagem; sentia-sc a ([uarenta palmos de distancia; mas na pro- ximidade de cinco era insupportavel para mim, c clieirava-me ao bafo das queijarias. iNeste tempo já havia muitos bagos rachados, loiigilu é a prslc que se closcuvolvp cs- ponlaneamcnle nos lodos do Egyplo acarretados pelo rio Nilo, o qual, nascido em Agou» 110 reino de Clnyam pcrlenecnlc á Abissínia, corre pelo espaço de 32 gr. de latitude sc- plcntrional pelas terras comprehcndidas entre os dois trópicos atravessando a dita Abis- sínia, a Nnbia c o mesmo Egyplo. aoiulc entra já enriquecido com as aguas do rio Ta- raza, do Bahr d ÁzraU. e ilo Uaitr cl Ábiad; todos estes rios, engrossados repentina- mente pelas chuvas copiosissimas dos trópicos, que ali formam numerosas torrentes, arrastam comsigo infinitos ínscctf atvcnii four hours luniours mahe Iheir uppramiice in lhe nroins and armpits.» (Mem. on tbc Comm. and Navigation etc. of Turken and Egypt. by 11. A. S. Dcarborn, vol. 1.° pag. 180.) O primeiro symptoma (diz Dearbon) é uma dolorosa sensação semelhante á pica- da de uma lanceia, ou do ferrão d'um insecto; sentc-se logo uma dor de cabeça, vem a febre, e no espaço de vinte e quatro horas principiam a nascer tumores nas virilhas c nos sovacos dos braços. — .\té aqui o A. citado, agora digo cu que esta marcha da natureza é aquella que vemos a cada passo, como por exemplo, quando se nos mctte «m espinho na pcllc e não o podemos tirar; scntc-sc a dor, vem logo o rubor c a af- fluencia de líquidos, forma-sc um pequeno tumor, que passados dias arrebenta c deita fora com o pus ou matéria o dito espinho envohido nella. Pela mesma maneira o ver- me ou vermes pestíferos entraram, e sentiu-se a dor da sua picada; mas elles como são vivos correrão logo pelo tecido cellular, a natureza acode ali a envolve-los e prende-los em líquidos mucosos, vem a febre ; porque esta, segundo o pensar ih^ Dr. Jusrpktíuarin no seu Tratado das febres e das ínflammações, é o instrumento de que se serve a mesma natureza para separar os humores impuros dos sãos, c deitar fura aqnelles que .são no- civos c Contrários á liberdade de suas funcções. Ora, quando os mencionados vermes são poucos, triunfa a dita natureza; porque os ínvohe e vai arroja-los fora, ordinaria- mente, pelos boubues ou tumores das virilhas e dos sovacos dos braços arimavera e no verão, (juando todas as plantas dcsabrochào ou tem ainda os seus pimpolhos tenros. § 5." Ha também uma grande quantidade de insectos, que po- dem causar gravíssimos prejuízos ás plantas, e mesmo cpidryadas cm certos casos, como adiante mostrarei, taes foram as lagartas (juo des- truíram as liorlaliças em 1851, tanto no continente do Reino como nas Ilhas dos Açores; este anno ap[)arcccu outra pragíi de lagartas de espécie maior, que devoraram os batataes c os ícijòcs na próxima fre- guezia de Seleiros, em Taboaço, e por outras partes; nas lezirias de Lisboa dcscnvolveu-se, ha annos, uma tal <|uantidade de moscas des- truidoras do trigo cm quanto está cm leite, que causaram grave pre- ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 19 juizo aos lavradores. As videiras sempre tiveram muitos inimigos; mas o insecto mais teinivel, fino ikíiIc causar g;raiKÍe cstrajjo nos vi- nhedos, (i o Pvial (P. vilis) ou l'yiilliào; o Iliucliilis-baccus da espé- cie maior dcposita-llie os seus ovos nas raizes, as suas lagartas fazcm- liic buracos, e jmr esta causa scccào; as espécies menores, ou besouros verdes, avermelhados etc, fazem muito mal aos pimpoliios e á llor; iguaes damnos causam varias espécies de gorgulhos, como são: o Eu- molphus; o Crvpto ccplialus; o Crysomcles etc. Alem destes não deve esquecer o Acridium ou rocim; as tinhas, c as aranhas. Todavia, a prpsente Epicenonia nào se pôde allribuir aos insectos; porque estes nunca atacaram os vinhedos de lodo um Reino, quanto mais os de Ioda a Euro[)a, iliias do Mediterrâneo e do Oceano, parte da Ásia me- nor, e talvez nuiitas outras terras, de que nào tenho ainda noticia; por conseguinte a causa occasional de semelhante doença somente a posso altribuir ao urctlo; porque este sempre existiu em grande abun- dância por toda a parte, e senq)re Ibz o mesmo clVcito nas arvores ou plantas, (|uc atacou; dahi lhe vem o nome derivado do verbo uro, que significa queimar. Se a Epicenonia é uma doença tão geral e mesmo universal, e ponjue a sua causa predisponente é também geral e uni- versal: eu vou dcdara-la. § G." Causas predisponentes são todas essas, que diminuem as forças vi tacs de todos os corpos organisados vegetaes ou animaes; por- que estas forças dcpcndoin da harmonia orgânica, e se esta se desar- ranjar, diminuem-sc aquclias: também pôde haver causas predisponen- tes na mesma cstructura ram pedir .aos .\thcnicnscs .1 mercê de lhe deixarem cortar nas suas terras uma lantas respiram. Segundo o teste- munho do Presidente de La Tour de Aii^uts, (pie vem na sua Memoria de Maio de 1787, inserta na collccçào dasdu Academia de Piuí.s, houv* 24 A EPICENOMA em Liiitz na Allemanlia uma cpidryada nos matos de madeira branca, que SC parecia com a sarna dos aiiiiiiacs; nasciào-IIie sobre a casca bor- bulbas sarnosas, que arrebentavam c formavam umas piislulas pene- trantes até ao liber, c faziam morrer os individuos atacados. No mes- mo tempo houve outra em fíru/iswkk nos pinbaes do Harlz, (jue foi attribuida ás lagartas do Dcnncstcs t.i/poí(rnpltus, que apparcciam em grande numero debaixo da casca dos pinheiros mortos; em fim os sal- gueiros do mesmo Auctor também morreram da cpidryada, então rei- nante, sem que nestes apparccessem vermes. Tendo pois mostrado já varias causas predisponentes das epidrvadas, vou examinar se as espé- cies conliccidas c actuacs das nossas videiras estarão nos termos de se llies poder atlribuir, com bons fundamentos, a causa da velhice, como causa predisponente da epioenonia que as ataca, e que parece lhes cau- sará a morte. § 8.° As videiras são antiquíssimas e mesmo antidiluvianas; pois nos diz a Escriptura, que Noé plantara uma vinlia logo que sa- hiu da Arca. — Qrpitquc Noé rir ap^ricola cxcrccrc Icrrain et ■platita- vit vincam. — Ora, para poder plantar uma vinha era preciso que hou- vesse videiras donde se colhessem bacclleiros, e também por esta mes- ma passagem da Escriptura se conhece que o modo de propagação era plantar bacello, e não semear; porque a letra diz — ■playitavit — c não — seminavit. — Como porem estas cousas se passaram em mui re- motas eras, e como, séculos depois, sabemos pela historia que os ho- mens tornaram a servir-se das videiras labruscas, ou silvestres para crearem vinhedos, é preciso vir a estes tempos mais próximos. Poli- doro de Virgilio nos diz na sua obra intitulada — dos Inventores de todas as cousas — ^que Oresthèo filho de Deucalião, reinando na Sici- ha, achara por acaso perto do volcào do Etna uma videira silvestre, da qual o seu cão chamado /Enon esgaçára um ramo, que elle o fi- zera plantar, c deste se propagaram as primeiras videiras. (Vcja-se a predita obra livro 3.° foi. 119 verso.) Não c impossivel nem absurda esta historia; porque Oresthèo veio da Thessalia, aonde talvez já fosse conhecido aquelle arbusto; como quer que seja, o nome àc yE/io/i per- maneceu entre os gregos até os nossos tempos significando o vinho, e as videiras cm (jue se cria. Da Sicilia passaram para a Itália estas utilissimas plantas cm questão, e da Itália passaram para França pe- las informações de Arunte, homem nobre, que tinha emigrado da sua pátria. Também as colónias Phocienses, que vieram da Phocca, situada na costa occidental da Ásia menor, e fundaram a cidade de Massilia, hoje Marselha, na era de 600 antes de Christo, trouxeram comsigo as ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS 25 videiras; mas hoje nSo é possível conhecer que espécies eram. Plínio, porém, no liv. 14 traz o nome das conhecidas no seu tempo, e farei menção d'alg;umas: a sahcr=^ ^winrcec ou yimincfv, cujos bagos pare- cem cobertos de uma ligeira flor de farinha; esta espécie distingue-se bem pelo signal caractciistico que liie deu a natureza, é a nossa ne- voeiro, n'outras partes chamada pat/eiro, ou moleiro, delia disse Vir- gílio nas Gcorgicas=iS'«wí etiam amincw vites Jirmissimavina.^Ora., ami/ieevum era um certo logar da Itália, e o nome quer dizer: ^videi- ras de amincaum, como quem dissesse: videiras de Covas, Ventozelo, Bateiras ete. Apta uva, ou uva apiana, isto é, uvas das abelhas; esta espécie ainda conserva o mesmo nome entre nós, e se chama Àbelhal, ou Abelhaes; ponpie as abelhas a preferem a todas as mais; os mus- cateis de vinha, ou cepa baixa, são uma variedade da mesma espécie, muito semelhantes no gosto e nas folhas, e que também as abelhas muito procuram. Stephauides, ou uvas coroadas, tiidiam uma coroa de folhas na parle superior dos cachos; não conheço nenhuma das nos- sas que tenha este signal, apenas os bastardos deitam algumas folhas por entre os bagos, e porque tem algumas semelhanças com as supra- ditas, ainda que muito degeneradas, talvez por isso liics pozesscm este nome bastardos; mas isto, que digo, não passa de uma conjectura pouco fundada. A uncial romana tinha este nome; porque pesava uma onça cada bago; esta espécie é a nossa ibrral tâmara; pois estando em boa terra e sitio quente, ainda produz bagos semelhantes. As monospermes só tinham uma semente em cada bago; agora não conheço nenhuma aná- loga. As bumasles sào as nossas ferraes, denominadas corações de gallo; o nome latino é derivado do grego, bumastos, que significa o dito coração de gallo. Virgílio na Georgica 2." dizia: Transierim Mliodia et tumidis, Dumastc, raccmis. As daciilas, ou dedos, conser- vam entre nós o mesmo nome, e sào as ferraes brancas, denomina- das dedos de dama. As cugenias, ou uvas nobres, bem nascidas, uvas de casta, eram, como entre nós dizemos, varias espécies distinctas pelo seu merecimento para dependurar cm rédeas e guardar: ainda hoje os vinhateiros usão da mesma expressão, as uras de casta ama- durecerão bem este anno; as uvas de casta são muito procuradas para embarque ele. As Rhodianas são os alicantes, de que se fazem excel- lentes passas, que se exportam de Alicante e também de Rhodcs; em fim as libianas dos latinos, são hoje as nossas mouriscas; um e outro nome indica a origem africana. § 9." No anno do mundo 3996, ou 38 annos antes da era MEM. DAACAD 1 .' CLASSE. T. U. P. I. 4 26 A EPICENONIA christã, aconteceu a divisão do Impcrio Romano entre iMarco António, -Marco Lépido, c César Octaviano, a quem pertenceu a Ilespanha, e necessariamente foram os con([uistadores romanos que nos trouxeram as videiras mencionadas; visto que ellás conservam os caracteres dis- tinctivos daípielles nomes latinos, que ditos ficam; por conseguinte estas csiKícics não ]>odcm ter menos de dois mil annos de idade, atlcn- dendo a que já tinham bastante na Itália antes de virem para a Hes- panha. Ora, como poderia acontecer que estas ditas espécies roma- nas fossem aqucUas que mais adoecessem na Ilha da Madeira, em Lis- boa, e no Douro, se não houvesse uma causa inherente a ellasi* .... Esta causa é a velhice; nem é muilo que ás videiras aconteça o mes- mo, que se observa nas outras espécies de vcgetaes de vida mais curta; porque ellas não são eternas: Natura simplex cst si.mpcr sibi con- sona, ec superjluis rerum causis non luxuriai (Newton); isto é, a natureza é simples e concorde sempre comsigo mesma; não emprega causas supérfluas. Para confirmar esta doutrina apontarei os seguintes exemplos de outras espécies de arvores exlinctas pela mesma causa da velhice. Sexto Papinio trouxe para Roma as primeiras macieiras <(ue ali se conheceram, as quaes eram de duas espécies denominadas Zizifas naluraes da Africa, e Turmas da Syria; isto aconteceu cpiasi nos idtimos annos do império de Augusto César, e de taes espécies, já ha muitos séculos, se perdeu a casta totalmente, ficando só os no- mes na historia. Segundo o testemunho de Sir Ilumplinj Davi/ (El. de Chim. Agr. pag. 164) houve antigamente na Inglaterra outras duas espécies de macieiras muito estimadas, que se chamavam a Cal- vdha vermelha, e a Mail; ambas eram muito especiaes para fazer a cidra; mas a velhice extinguiu-as sem que fosse possivel salva-las por meio da enxertia; porque a planta ou pluma tirada das arvores ve- lhas pegava e vegetava dois ou três annos, e depois morria. M. Knight fez numerosas ex|)criencias desta enxertia para se confirmar dcsle lacto, c veio a conhecer que e verdadeiro; porque a pluma da arvore caduca leva comsigo a moléstia da mài, c não pôde viver. Advirto, po- lèm, que M. John Davi/ é de outra opinião; mas não estava bem in- formado; pois as minhas próprias experiências confirmam as de M. Knight. Eu tinha duas pereiras, que muito estimava, denominadas marquezas , ou de bom christão, e regressando a esta terra, depois de vinte e quatro annos dausencia, achci-as decrépitas, e mandei logo ti- rar delias pluma, e fazer enxertos no anno de 18 47; pegaram estes muito bem, e conservaram-sc ate o de 1852; mas na primavera j)as- sada morreram; uma das pereiras niãis morreu também ha dois an- ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 27 nos, o a que restava acabou neste. Lcmbro-mc de ter lido, sem que nje recorde agora do Auctor, que esta casta de peras \icra da França no reinado de Luiz XIV com o nome de poire de boti crétkti; por- (|ue naquellc tempo renasceram, desgraçadamente, as odiosas distinc- ções de bons e máos cbristãos, alludindo aos liugonotcs. Outra espécie de pereiras antigas é a denominada de Francisco liibciro, da qual nào sei a origem; mas a tradição altesta a sua antiguidade: eu tenlio ou- tras duas arvores desta es[>cf ie, já na ultima dccrepidez, tenho tentado renova-las por enxerto, mas de balde; [)()r(|uc tem morrida todas, e ate ftzem scccar os chamados cavallos (catapreiros) em (jue se enxer- tam. Por conseguinte iiarccc-mc (jue nào pôde liaver duvida nenhuma sobre este ponto imiwrtantissiiiio da velhice das espécies vegetaes, e A segunda é a execução da natureza, o artificio orgânico e admirável, que ella empregou para o conseguir, e que nos deixou coberto de um veii mysterioso. Tudo isto se encerra naquclias palavras: Et Jactum est ita. MEM. DA ACAD. 1 .' CLASSE.— T. U. P. I. 5, 3i A EPICENOMA § 2." Quanto á primeira parte direi que, se a Divina Sabedo- ria não conhecesse a necessidade da reprodueçuo por sementes, escu- sado lòra determina-lo assim tão explicitamente; [lorque mais simples cousa seria a reproducção por botão, como se vê em muitas plantas e arvores; mas era enlào preciso que as espécies vegelacs fossem eter- nas e indestriictiveis, cousa irnpossivcl, que o mesmo Deus não podia fazer; jiois elle só é clerno. Como isto, porem, pertence á melaphy- sica, nào serei mais extenso, a íim de me occupar da parle physica, isto é, da gcraeào vegetal. Mas será possivel, c será licito entrar no santuário da natureza, e levantar, ao menos, unia ponta do veu com no (grande mundo) para logo entrarem na organisaçào doutros seres animaes ou vegetaes. Es- tas substancias ditas sào muito consideráveis; Sanctorius as descobriu por meio das suas experiências, que repetiu pelo espaço de trinta an- nos, e assim mesmo não pôde chegar a todo o rigor da exactidão, a que depois as levaram Dodard nà França; A'fy/ na Inglaterra; Dnjan, Robertson, e Rye na Iilanda; cm fim Lavoiskr e Stguim foi-am, se- gundo [jarece, a([uclles que primeiramente distinguiram as emanações da pclle da(|ucllas que são pulmonares, e avaliaram a (juantidade tias primeiras. Resulta pois das suas imporlanlissimas experiências, que o maxiinum das substancias derramadas no ar ambiente por individuo hiuiiano, e por termo médio em cada vinte e quatro horas, són>cnte pela acção da transpiração cutânea, é de 1 -.090 milligramas por minuto; o mininium de .^8U; o médio de 1:144, e nas preditas 24 horas 1:047 gramas (mil seiscentos e quarenta e sete gramas) ou do nosso i)eso ])ortuguez arráteis ;}:.')80, ou cm mmieros redondos três e meio. Ora, sendo as moléculas orgânicas tão miúdas, (jue passam a travez dos po- ros do nosso corpo sem nós sentirmos nada nem as vermos, (juantos milhares Ac milhões de milhões é preciso «jue saiam para fazer o |>eso de três arráteis e meio".' E não se diga que são va]iores essas substan- cias, que perdemos pela transpiração insensivel; são partes corpóreas naquelle estado de pontos vivos já previsto por BulVon, e por isso uni veneno activíssimo logo que se accunuilem n um espaço confinado, ainda mesmo com bastante ar, como se prova dos seguintes factos. O Vice-rci de Dengala tendo aprisionado a guarnição de uma feitoria in- glcza, que se compunha de cento (juarenta e cinco homens, e uma mu- 40 A EPICENONIA lher, todos fatigadissimos, e alguns feridos, mandou encerra-los n' uma prisão de dezoito pJs de largura, e outro tanto de comprimento, fecha- da com fortes muraliias, c (jue só tinlia duas janellas abertas; o ar cor- rompeu-se logo; o calor augmentava de minuto a minuto; aquelies que liavam mais desviados das janellas perderam logo a respiração, e en- traram num delírio furioso, (jueixando-se de sede insaciável, e pedindo agua com grandes alaridos; dcram-lha em pequena quantidade, e sobre ella se lançaram em tamanho tumulto, que muitos (lelles ali morreram abafados; em menos de três horas falleceu a terça parte dos outros; os que restavam entraram numa desesperação horrivel, indicando-a pe- los seus gritos e gemidos; em fim abriram-lhes a porta, e sahiram da- quelle cárcere infernal vinte e três pessoas, resto das cento quarenta e seis que lá tinham racttido! No anno de 1559, por occasião de sentenciar uns criminosos num tribunal de Oxford, ' aonde havia grande aperto de concorrentes, muitos destes, e os próprios juizes, mor- reram subitamente; a mesma cousa aconteceu em Tauton, segundo Tefere Limmntm no seu Tratado da Experiência, tom. ii. pag. 371. M. Spalanzani, em suas observações acerca dos animaes e vegctaes encer- rados no ar, cap. 3.° pag. 280, e depois de ter demonstrado, que a diminuição da elasticidade do mesmo ar não é, nem pôde ser, a causa da morte dos mesmos animaes fechados em local confinado; obser- vando também a promptidão com que cllcs morrem expostos aos va- pores mephiticos, suspeita (fundado cm muitas experiências) que esses vapores, actuando como um subtil veneno, vão atacar todo o systema nervoso, e lhe destroem a sua energia repentinamente. Em fim, por meio da regeneração continua, consegue a natureza fazer viver o ho- mem, o corvo e o elefante, cem annos, ás vezes, e poderiam durar mi- lhares delles, se ella mesma lhe não pozesse limites na dureza ou pe- trificação dos ossos, que faz obliterar as veias, que os nutrem, e desar- ranjar assim a harmonia do organismo. Nos vegctaes a dureza do le- nho, e a sua podridão, é a causa da sua morte, na maior parte dos ca- sos das espécies maiores; arvores e arbustos. Se ha tantas doenças, que abreviam a vida dos homens, a ignorância delles é a causa disso, met- tendo-se nas igrejas infeccionadas pelos cadáveres das sepulturas, sem ■A necessária ventilação, apinhoando-se ali sem reflexão, nem considera- ção nenhuma ; atulhando os theatros, aonde também a falta darte ac- ■» Vcja-se a traducoão dos Eli-mentos de Medicina Pratica de CuUen, vol. l.°ediç. de Paris do anno de 178o, pag. 59, e nesta o addilamcnto ou noia de Mr. de Bovs- ijuillnn. ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 41 cusa os architectos em quasi tudo quanto ali se vé; mettendo-se nas oníbarcaçòcs cm demasiado numero; accumulando-se nos andares so- brepostos das habitações das grandes cidades; em íim, ajuntando-se nos exércitos em grandes massas, e por isso de tudo isto se originam im- mensas enfermidades, principalmente as febres typlioides, que devoram tanta gente. A mesma ignorância humana vai também ser nociva aos animaes domésticos, cncerrando-os em estreitos curraes e lojas sem o ar necessário á sua existência; nem os arvoredos escapam, semcando-os ou plantando-os tão espessos que, por falia da ventilação precisa, se desenvolvem iielles as epidryadas já descriplas antecedentemente. ,§ 0.° Ora, tlaquellas moléculas orgânicas, que por via da pre- cisa e admirável regeneração continua, acima dita, vão sahindo de to- dos os órgãos corpóreos (sem excepção de nenhum) e que vem amol- dadas ao molde interior, reserva a natureza uma abundante porção ])ara os espermas animaes, tanto nos individuos masculinos como fe- mininos, e as deposita em reservatórios adequados ao seu fim, aonde não podem permanecer por muito tempo em razão de serem vivas e activíssimas: primeiramente se aggregam c formam esses animalculos microscópicos, já ditos acima, e depois dcsaggregam-se e convcrtem-se em pontos vivos, que pela sua actividade podem causar, e de facto tem causado, gravíssimos inconunodos, doenças, e até a mesma morte. O ar- tigo, que se acha na Hist. N. de Cuflbn, tom. ii, pag. 98 dos seus Addi- lamentos sobre a puberdade, é digno de ser lido; principalmente para prova da opinião que sigo, c de que vou occupar-me acerca de ser a electricidade o agente que mais figura nos aclos da geração. Não es- tranhe o leitor de tratar eu tanto por miúdo da geração animal, (juando lenho por objecto a vegetal; faço isto para dacjui tirar provas e argu- mentos; por([ue a natureza emprega os mesmos meios numa c nou- tra, pelo que respeita á parte essencial da formação do feto, e do em- brião. Embora Aristóteles, Avcrroes, Avicena, e muitos filósofos um pouco mais modernos, neguem ao animal feminino a faculdade prolí- fica, eu digo que não só a tem; mas que era absolutamente imjwssi- vel formar-se o feto se a não tivessem ; os argumentos dellcs são sub- tis; mas sophisticos, e o mais forte c o seguinte. Dizia Aristóteles ' Mr. dp BufTon, querendo refutar os arfnímonlos de Aristóteles achou-se emba- raçado com o seu sophisma, (que aliús me parece feito de boa fé, c sem maliciosa in- tenção de enganar os leitores); pelo que apenas disse «que o facto de ser prolífico o esperma feminino era uma questão de facto, n Acontece isto algumas vezes aos mesmos grandes talentos c grandes filósofos, como era o Auetor dito, a|>esar de baver os mais fortes argumentos contra a errónea doutrina de Aristóteles. MEM. DA ACAD. 1 .' CLASSE. T. II. P. I. 6 42 A EPICENONIA « que se o animal feminino tivesse a faculdade prolijka, cl/c geraria por si mesmo o feio, visto ter-lhc a natureza concedido o flii.ro mi n st mal para o tiutrir, e o tttcro para o encerrar c conter. » O sopliisina está em passar por alto, sem dizer nada acerca dos meios por que a dita natureza faz ag'g'rcg;ar as nioloculas precisas para crcar um novo ento semelhante ao pai e a' mui, nào somente nas lórmas exteriores; mas até nas interiores, e como lhe comnnmica os defeitos de org^anismo e as doenças de gcraeào. Este, que é o ponto importantíssimo da ques- tão, nào foi tocado, c compete-me explica-lo. As moléculas orgânicas do esperma masculino devem, necessariamente, estar electrisadas em mais, oxí positivamente, e as do feminino cm menos, ou negativamente; por esta maneira, quando se encontram umas com as outros, a mo- lécula pertencente a cada orgào corpóreo, e que o representa por estar amoldada a elle, attrahe com toda a energia eléctrica a molécula cor- respondente feminina, c depois da combinação repelle todas as mais; porque esta é a lei da electricidade. Por esta forma a geração é ins- tantânea, c semelhante á crislalisação dos saes, a qual podemos ver com os nossos olhos corpóreos; nesta o poder da attracção chimica é sufficiente para uma molécula da base salinavel altrahir a correspon- dente do acido com tanta regularidade, que sempre conservam a mes- ma forma proj)ria e respectiva a cada uma das espécies conhecidas: assim o hydrociorato de soda cristalisa em cubos agrupados, formando pyramides quadrangulares e concavas algumas vezes; o acido cítrico cristalisa em romboldes bem pronunciados; o oxalíco cm prismas ([ua- «irílaleros com faces ou panos alternativamente largos e estreitos, etc. Se pois a aflinídade chimica é sufficiente para fazer esta obra admi- rável; por que razão o não será a affinidade electro-chimica? A natu- reza não faz milagres, scrve-se de meios physicos sujeitos ás leis eter- nas do Todo Poderoso; e que outros poderá empregar melhores que a electricidade? As provas que posso dar, de ser isto assim como digo, são todas tiradas por inducção de muitos factos observados; mas nào são temerárias nem absurdas, são admissíveis em filosofia, como já fica declarado na quarta regra de filosofar do grande Newton, que serve de epigraphe a um dos capítulos antecedentes desta Memoria: A elec- tricidade latente excita-se e dcsenvolve-se na superfície dos corpos, quan- do se aproximam a outros eléctricos de diversa denominação, isto é, aqucUes que tiverem electricidade positiva excitam-se na presença e proximidade dos que a tiverem negativa, principalmente intermediando um liquido apropriado: tudo isto se acha nos espcrmas animaes. Mui- tos dos actores racionaes, mascidinos e femininos, tem visto e sentido ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS 43 interiormente no acto da geração flammulas luminosas e faiscas eléctri- cas nos seus olhos; o brilhar extraordinário dos mesmos olhos dos ani- niaes masculinos irracionaes no sobredito acto indica também o des- envolvimento eléctrico; e naquellas espécies (jue a natureza dotou de uma grande faculdade proliíica, como sào os gallos, mostra a sua curta vida e Ircqucntcs apoplcxias, (|uc a medulla cerebral se arruina por causa das mui repetidas excitações eléctricas. Por conseguinte de tudo isto se infere que a natureza linha absoluta necessidade de crear o animal feminino c de o dotar de tantas graças, nas espécies racionaes, para fazer essa bem conhecida impressão repentina nos nervos ópticos do ente masculino, e produzir as excitações eléctricas, que se lhe se- guem. Parece (|ue, entre as espécies irracionaes, é o animal masculino aquelle que a natureza escolheu e dotou de maior bclleza e lòrmosura para causar as impressões preditas no feminino. Poderá causar algu- ma duvida esta minha hypothese no animo dos fisiologistas, quando considerarem sobre a formação dos órgãos sexuaes masculinos c femi- ninos com as suas dependências; mas uma excepção que ahi ha con- firma ainda mais a mesma hypothese; a saber: Quando a molécula orgânica, amoldada ao molde interior das parles componentes de cada um daquellcs órgãos, não encontra a sua análoga correspondente no acto repentino da formação do feto, cila por si só forma o núcleo, e attrahe os sobejos, e já indeferentes, da massa orgânica geral para com- pletar os ditos órgãos; ás vezes, em casos muito raros, ha seu erro nesta organisação, talvez por excesso ou por excitação diminuta, ajun- tam-se as moléculas dos dois sexos, c por isso apparecem os herma- phroditos, nos quaes se observa ([ue nenhum dos órgãos sexuaes é per- feito. § 10." Resta-me ainda provar com vários factos que, de cada órgão ou parte animal corpórea salte com effeilo uma molécula orgâ- nica, amoldada ao molde interior: eu provarei esta minha asserção com as minhas próprias observações, e também com alguns outros factos bem conhecidos de toda a gente. Existiu no cães do Pinhão um ho- mem, que era feitor dos armazéns da Companhia dos vinhos, c que se chamava por alcunha o sem dentes; ])or(|ue nunca os teve; casou, e teve um filho, <|uc também sahiu sem dentes como seu pai; houve nesta freguezia de Villarinho de S. Romão um individuo do meu co- nhecimento, chamado João de Barros Chercna, o qual teve as bexigas naturaes, e destas ficou cego do olho direito por causa de uma névoa espessa (|ue nelle lhe ficou, c as pálpebras deste mesmo olho lhe fi- caram também um pouco defeituosas; casou, e teve duas filhas e um 44 A EPICENONIA filho, que ainda sào vivos. Maria, unia das fdhas ditas, sahiu de nas- cimento com as ]ialjicl)ras jiogadas nas cxlrcmidados, tendo somente uma pequena abertura no cenlro; um liabil cirurgião de Lamego lez- Ihe uma operação, e (icou sem o deleito dito; a outra fdha, chamada Anna, sahiu também de nascimento com o olho direito cego de uma névoa, como tinha seu pai, e o liliio, cliamado António, tem os oliios perieitos. Numa freguezia, visinha e distante desta uma legoa, co- nlieci um abbade, (|ue teve uma creada ou ama rapariga, e passados alguns mczes achou-sc gravida; ella accusava o abbade; este negava, e poz fora de sua casa a nova Agar; cm lim, ella deu á luz um me- nino, que sahiu com seis dedos em cada mão, como tinha o dito abba- de, o qual ficou assim convencido de ser seu pai. Todos sabem que os càes de perdiz sanocos (de rabo cortado) castieando com cadellas sanocas geram cachorros sanocos. Todos conhecem que varias molés- tias, como a gota, a elephantia, a tisica, o virus venéreo, e outras muitas, se communicam pela geração, c ate mesmo os defeitos da sur- dez e da gagueira. Ora, como poderia tudo isto acontecer, se não sa- hissem de cada parte do corpo humano as moléculas amoldadas a essa parte;' Pelo que respeita á concurrencia do animal masculino e femi- nino para a geração do feto, claramente se vè nos mulatos filhos de ])aes, um branco e outro negro; nos animaes domésticos pela mistura das cores tanto do pello, como das pennas das aves; e nos ihridos pela mudança de espécie, e de forma de corpo. Parece-me que disto nin- guém pódc duvitlar. Uma prova, porem, das mais fortes que pôde liavcr, para confirmar a minha hypothese da geração instantânea peio efleito da attraceão electro-chimica, é essa excepção dos hermaphrodi- tos, de que fiz menção no §. antecedente: eu, e lueu amigo e collega Manoel Gonçalves de Miranda, já falecido, tivemos occasião de ver lun menino andrógino em Sines no anno de 1824 a 23 de junho; o dito menino ainda era de leite, e teria nove mezes de idade; ellc tinha a vulva bem configurada, c nos lábios delia mettidos no interior os dois testiculos, que se conheciam apalpando com os dois dedos pollegar <; Índex; a via estava mettida por baixo da pelle, e sahia a glande duas jKjllegadas abaixo do cmbigo; por esta e que ourinava, e por isso nos pareceu cpie prodominava o sexo masculino. Se não houvessem estes abortos não conheceriamos com toda a certeza, que o esperma femi- nino é tào prolífico como o masculino, e que a geração do feto é instantânea, donde jirocede algumas vezes, ou por demasiada elec- tricidade positiva masculina, ou por falta delia, predominar a femi- nina, e virem algumas moléculas daquelles órgãos aggregar-se confu- ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 45 sãmente. A natureza, j)orêin, tende sempre á perfeição: os andrógi- nos e os ibridos ^ não propagam; as moléstias c os defeitos de orga- nisaeão pouco a pouco se vão annullando, uma vez que algum dos ani- macs geradores esteja perfeito e são; porque as moléculas dos órgãos perfeitos se misturam com as amoldadas nos defeituosos, c assim vão reduzindo a menos os ditos defeitos até os destruirem totalmente. §11." De tudo quanto deixo cscripto acerca da geração ani- mal podemos applicar a parte mais essencial á dos vcgetaes, não so- mente pela boa razão; mas ainda porque assim o aconselha o intelli- gente Newton na sua segunda regra de filosofar, dizendo: Idcoquc effectuum naturalium ejusdcm gencris eccdem assignandcc sunt causa:, quatcnus Jieri ■potcst. [Traducção. Pelo que, ao efleito natural do mesmo género se devem assignar as mesmas causas, tanto ([uanto po- der ser.) Por conseguinte a parte mais essencial da geração vegetal e a necessidade absoluta da concurrencia do poUen masculino com o pol- len feminino para a formação do embrião vegetativo, e por argumento de analogia, tirado da antecedente doutrina, direi, que também o agente principal desta geração é a attracção electro-chimica, a fim de que o acto da predita geração seja instantâneo; aliás, se as moléculas semi- naes caliissom no |)istillo, e fossem ter ao gérmen confusamente, pro duziriam uma mola informe, nunca um embrião perfeito. Os antigos já tinham observado, (]ue as palmeiras tinham Mores de diversas qua- lidades, e (pie umas eram masculinas e outras femininas, donde se se- guia não produzirem o seu fructo quando estavam separadas em gran- de distancia; não passaram, porém, desta observação: veio Matpighi, c observou muitos outros factos análogos em outros vegetaes; Crew, continuando estas investigações, loi o primeiro que reconheceu e ge- neralisou a todas as Hores das plantas o mesmo systema or fim colhia as sementes dos cravos roxos, e delias fazia grandes alfobres. Consegui por este meio ter cravos dobrados muito bcllos; ás vezes, na mesma baste de imi cravo havia quatro e cinco todos diver- sos entre si no variegado das suas riscas; tive também tunantes ver- melhos com um segundo cravo por cima. Mas observei sempre, que por uma dúzia de cravos dobrados especiaes, a natureza produzia cen- tenares de outros singelos; pelo que fiquei conhecendo <|ue a sua ten- dência é para crear plantas ou arvores robustas e fecundas, e que as ílores dobradas, e os pomos grandes, e de exquisito sabor, sào umas excepções raras. Ha mais de quarenta ânuos fiz uma grande scmcn- teÍKi de caroços de peccgueiros denominados gilmendes, meracotões, paviás, calvos, e abrecaroço, tirando-os de exccilcntes peccgos creados jm ribeira de Paradelinha; desta sementeira apenas obtive uma espé- cie nova óptima, a (|ue puz o nome de pcceí^os lobos, por ser o meu appellido; outra sofrivel dos calvos, (jue sahiu com cheiro e sabor á ca- Jiella, e todos os mais eram vulgares e semelhantes aos que ha pelas vinhas da sobredita ribeira. No anno de 1847, depois de regressar de Lisboa, achei nesta quinta, em que assisto, derrotadas as minhas ar- vores fructiferas; mas vi muitos peeegueiros e ameixieiras novas nas- cidas de semente á discrição da natureza; dei ordem para que fos- .som cidtivadas, c já lhes gozo os fructos, que sahiram melhores em geral do que os da antiga sementeira; entre estes veio um pecegueiro, })aviá, que é uma mistura de gilmende, e de pavíá amarella; é es- j|)ecialissimo, e digno de pôr a par dos pccc^os lobos. Entre a mul- tidão das ameixieiras degeneradas para abruidios, appareceu uma es- j)ecie nova e estimável, por ser muito lemporã e gostosa, a que puz o nome de ameixa moscatel. Neste mesmo anno acima dito de 1847, estragaram-se as hortaliças por causa da estação lhe não correr favo- rável; espigaram extemporaneamente os repolhos, que não deviam es- pigar, como é bem sabido, e delles guardei a semente com o Cm de ver as misturas e degenerações que delia sabiriam, ])or(|ue floreceram J10 mesmo campo eni (|uc havia espigadas e llorccidas as tronchas, as saboias, os broculos, e as couves gallegas. Com efleiton o seguinte anno. ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 4 9 entre 800 couves procedentes (laquella semente, só obtive duas espé- cies novas dignas de csliinarão; uma destas era de tronchas (ou tron- chudas) muito melhoradas na grandeza e no gosto; pesavam desde 22 até 24 arráteis cada uma; a oulra espécie era de coivões da casta cha- mada couve gallcga, os quaes excediam a altura de um homem, cheios de Tolhas muito largas e vistosas; todas as outras espécies degenera- ram muito, e não prestavam; mas nellas se viam singulares misturas de Lroculos e tronchas, saboias etc. % 1 3." As plantas, arbustos e arvores transmittem pela semente as suas doenças, as suas boas e más qualidades, e até mesmo os há- bitos adquiritlos. Um caso de doença transmiltida, que tenho ainda actualmente cm dois nialapeiros dos chamados de trcs cm 7'amo, (por- que sempre criam três malapios juntos no mesmo pedúnculo) e digno de memorar-se. Havia nesta minha ([uinta um destes malapciros en- tre uma vinha num valle humoso, e donde no inverno brota um bo- lhão de agua; é provável que por causa da demasiada humidade lhe a[X)drccesse alguma raiz, ou a parte interior do tronco, donde proce- deu a doença de se fazerem bichosos os malapios, que produzia, de modo que as pevides, e toda a cavidade em (juc ellas se encerram, crea- vam os vermes da íructa, vulgarmente chamados carneiros; por acaso havia um ou outro em que isto não acontecesse. Desta maneira nin- guém fazia caso daquellcs malapios, cabiam pelo chão, e ali apodre- ciam; por fim seccou o malapeiro, e nasceram dois novos daquellcs fructos abandonados, que ficavam pela terra; um destes ficou no sitio em que nasceu, e ali dá fruclo ha annos, o outro foi transplantado para terreno enxuto e muito bom, aonde também dá fructo; mas os malapios de ambos os irmãos tem a mesma doença do pai, não se po- dem comer, e servem unicamente para dar aos cevados. Ha varias cousas a notar ainda: o dito malapeiro velho, que adoeceu, produzia antes da doença cxcellentes malapios gostosos, e sem defeito; depois da doença não houve mudança na forma exterior dcUes; mas sim na interior, fazendo-se o parenchima ou polpa desgostosa e dura. As ma- cieiras da Sibéria, habituadas a um verão muito curto, brotam na In- glaterra com os primeiros dias amenos, (|ue ali ha algumas vezes, c íiepois as geadas da primavera <(ueimani-lhes os novos rebentões. Te- nho uns laniciros num valle da ([uinta, aonde o sol entra um pouco tarde durante Maio, e no Estio já dá a sombra pelas três horas da tarde; o milhão, «[ue ali se cultiva, sendo seguidamente semeado do mesmo (jue se produz, degenera e faz-sc cada vez mais serôdio, de modo que não amadurece senão em Novembro, c por isso custa muito MEM. DA ACAD. 1 .* CLASSE. T. II. P. I. 7 50 A EPICENONIA a scccar, e as canas fazem-se tão altas, que chegam a ter 1 8 a 20 palmos de altura, cm razào de irem procurar o sol. Já por Ires ve- zes uie tenho visto obrigado a uuidar as sementes, mandando vir de Sobrados milhão de veig-a do denominado orelha de lebre, ponpic es- piga baixo, é mais tcmporão, e cria também canas mais baixas; isto tem dado causa a duas observações acerca dos hábitos das plantas; a saber: 1.* O dito milhão de veiga conserva por dois annos os seus há- bitos, c por isso produz pouco nos lameiros; depois vai nnidando, e por espaço de cinco até sete produz bem; mas dahi por dianle dege- nera, e adquire o vicio supradito de se fazer serôdio. 2.° O milhão vi- ciado, ou serôdio, sendo semeado cm terras altas, conserva também os seus hábitos, e pouco produz nos primeiros annos; depois vai-se amoldando ao novo local, e perde a qualidade de produzir canas muito altas, e de ser serôdio. § 14." Tudo quanto deixo escripto nos parágrafos anteceden- tes deste capitulo, tem por fim duas cousas muito importantes; a sa- ber: 1." A necessidade de recorrer ás sementeiras bem feitas, c com todos os necessários conhecimentos próprios de tão interessante ob- jecto, para regenerar as vinhas, se por acaso as perdermos, c mesmo ainda que cilas venham a sarar; para também regenerar os pomares de larangeira, os de pevide e caroço; os olivaes, e até as searas. 2.* Para acautelar o caso muito possivel (se as vinhas morrerem) de vi- rem os viveiristas estrangeiros trazcr-nos navios carregados de videi- ras novas dos seus alfobres, levar-nos muito dinheiro, c deixar-nos plantas doentes. Isto que digo pôde acontecer, ou por ignorância dos viveiristas, ou por dolo e malicia; porque as videiras semeadas só dão os seus fructos depois de doze annos de idade, c por isso, quando se chegasse a conhecer o engano, que remédio lhes haviam de dar os enganados? Semear alfobres com as sementes das videiras doentes desta epiflcnonia actual, vinha a ser o mesmo, que fazer uma nova co- lónia de casaes de gente tysica c leprosa. Para que haja bom resul- tado destas novas sementeiras, que eu tanto aconselho aos leitores, será indispensável fazer o seguinte: Averiguar se haverá ainda algu- ma vinha no mundo, aonde se não tenha manifestado esta doença, para de lá mandar vir as sementes; lembro-me, que talvez ainda não terá apparccido no Cabo de Boa-espcranca, em razão de ser ali o ter- reno muito adusto. Na Palestina talvez aconteça o mesmo, c digo isto por ver que as videiras adoecem mais nos terrenos frios e húmidos; cu estou convencido pelas thcorias que sigo, de que nenhuma vinha escapará; mas pódc ser que venham a adoecer mais tarde, aquellas que ou MOLÉSTIA GERAL DA9 VIDEIR^LS. 5 í são indígenas ao paiz em que estiverem plantadas. Sc não houver já nenhumas vinhas sãas, e preciso recorrer ás labruscas, e ate me parece este meio mais seguro. É nuiito provável, que na provincia do Minho appareçam algumas destas videiras nascidas por entre as silvas e ar- bustos dos combros das fazendas, em razão de as semearem por ali os pássaros; também pôde acontecer o mesmo nas outras provincias, e ciiegamos ao tempo de dever fazer estas indagações com muito cui- dado c boa diligencia. Sc apparecercm destas videiras, é preciso cor- tar-lhes ^]gunyds paruffcns ou bacelleiros, se os tiverem, c planta-los em bom terreno, desviado uma milha pelo menos de todas as vinhas, ou parreiras doentes; em elles pegando (no segundo ou terceiro anno) de- vem ser enxertados das suas próprias vides; porque assim se melho- ram muito, e por fim observar o fructo que dão, o qual pôde ser muito bom ou degenerado; mas á força de diligencias, e de grande numero de plantações de diversas videiras labruscas, algumas hão de sahir de boa espécie: em conseguindo isto, proccde-se ás sementeiras, das quaes necessariamente se hão de obter espécies novas dignas de serem propagadas por bacellciro e por enxertia. § 15." A oliveira, esta princeza das arvores fructiferas, ahi se apresenta na ultima decrepidcz da sua espécie, cobrindo-se de luto para mostrar aos descuidadissimos cultivados, que ella está próxima do termo Gnal, que lhe tem marcado a natureza. É bem difficil agora achar sementes sãas, que se possam semear sem nenhum escrúpulo; mas pôde ser que ainda haja algum olival aonde não lenham adoe- cido, aonde nunca entrasse a ferrugem, e pôde ser também que nos paizes donde cilas são originarias, isto é, na Arábia, ou no território de Jerusalém, ou na Palestina, haja algumas arvores perfeitamente sãas jiara dali tirar sementes: estas investigações excedem as posses dos in- dividues particulares, e somente um governo illustrado, e cuidadoso do augmento da riqueza publica, e que podia faze-lo, ou alguma so- ciedade agrícola. A oliveira e tão antiga como a videira, a velhice é <|uc lhe causa aqucllc achaque de perder a seva transpirada alravez dos poros da sua casca, a qual se carbonisa no contacto do ar e da luz; bem sei que muita gente, e até graves AA., tudo attribuem ao insecto que ali apparece; mas não tratarei disso; digo somente e acon- selho aos agricultores, que poderem colher alguma azeitona de oli- veiras perfeitamente sãas, que a dêem a conicr aos perus encerrados n'uma paliçada, ou patco, ou cercado, ou cousa similhante, c que de- pois aproveitem os caroços de mistura com o lixo dos mesmos jxirús, afim de lazerem alfobres de oliveiras em locaes apropriados para isso. 52 A EPICENONIA defendidos dos gados, c bem desviados dos olivaes doentes: os caroços de azeitona, passando pela dij^eslào animal, perdem o azeite, (pie lhes obstrue os jwros, sào i)encli;ul()s peia luunidade da terra, c por isso a sua pevide interior pôde germinar; as oliveiras de semente dão fructo aos doze annos de idade, c segundo a regra geral de todas as semen- teiras, algumas saliiruo especiaes no meio de centenares de outras de- generadas; mas dessas especiaes tira-se pluma para enxertar as outras. A maior parte das nossas larangeiras tandjem adoecem da contagiào radical, pela mesma causa de terem sido propagadas jior bolào; nestas, porem, lia muitas excepções de outras, que tem nascido de semente, e que são bellissimas; aquella, que havia no claustro do convento de Santo Thyrso, e um exemplo do que digo; pois nunca vi nesta espécie mais formosa arvore: asseverara m-me os religiosos do sobredito con- vento, que cila dava cada anno trcs a quatro milheiros de laranjas; quanto á qualidade, afílrmo eu que nunca as comi melhores, nem tão succosas, nem de pelle tão fina. Se esta larangeira ainda existe (como é provável) nào se devia deixar perder uma só pevide daqucUas que produzisse; porque está isolada, nào se mistura o poUen de suas flores com outras de ruim casta, e por isso ha toda a probabilidade que a sua descendência sahirá semeliianle a tão distincta progenitora; ad- virto, porem, que j'a passa de quarenta annos que a não vi, nem tornei a entrar no sobredito convento; ignoro se depois ali terão plantado no mesmo claustro mais alguma larangeira ou limoeiro; porque neste caso ha misturas, c não se deve enlào aproveitar a semente sem tirar primeiro as novas, ou chapota-las antes de florecerem. Quando al- guma larangeira nascida de semente estiver em companhia de outras larangeiras sàas e de boa casta, sem mistura de limoeiros, ou de la- rangeiras azedas, e muito longe de outros pomares, também se pôde aproveitar a sua pevide para semear; esta preciosa arvore dá fructo desde os doze annos de idade por diante; algumas vezes aos dez: de- vem ser semeadas as suas jxjvides em cestos de verga cheios de terra humosa das hortas adubada com estrume velho de folhas apodrecidas, princii)almente de buxo, que e o melhor adubo vegetal, que eu co- nheço. § 1 0." Quantas searas de trigo tenho visto no Alemtejo, na Extremadura, na Beira, Minho, e nesta província de Traz-os-Montes, estão degeneradas, e cheias de varias doenças, como são a alforra e o murrão; esta porem e a mais geral, c que mais prejuízos causa; pois até se communica dos grãos infeccionados aos sãos dentro dos celleiros; estas doenças também se communicam pelas ixilhas, e pelos estrumes; ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 53 pois são causadas por miudissimas plantas parasitas das espécies dos coguiuclos, qiio tem uma propagação prodigiosa. EmLora algumas leis antigas (barbaras por certo c mal pensadas) imponham penas cruéis aos lavradores, que queimarem as palhas nos seus próprios campos, eu digo que todos os rastolhos das searas deveriam ficar mais altos do que se pratica, c depois deitar-lhes o íogo para destruir assim aquellas nocivas jjlantas parasitas. Em todos os estrumes, que fossem destinados para searas, também se devia deitar alguma cal em pó; mas em pccpicna quantidade; como por exemplo ■■- do alqueire para cada cesto; depois remexer muito e espalha-lo sobre a terra. Alas como os mesmos grãos de trigo, quer seja do temporào, chamado mollc ou harbella, quer do serôdio, denominado trigo rijo, estão de- generados, é necessário em geral regenerar as sementes mandando-as vir do norte da França; porque a experiência tem mostrado, que as ditas sementes, vindo de paizcs mais frios para outros mais ([uentes melhoram muito; isto, porem, deve ter limites, e deve-se entender, que esses paizcs frios nào sejam tanto que não produzam trigos pcr- leitamente bem maduros. Ora, cada uma das espécies de trigo, ou seja do temporão, que semeamos em Outubro; ou do serôdio, que deitamos á terra no principio de Jlarço, devem ser semeadas á parte em ter- renos bem preparados, e muito desviados das outras searas, a fim de obter uma colheita sãa, para depois ir propagando pouco a pouco até conseguir a regeneração total. Os trigos do norte da França ja andam crusados; mas não seria ma'u tornar ainda a crusa-los com os de Odessa, sem confundir as espécies; isto é, crusar o temporão com temporão, c o serôdio com serôdio. Também ha outro modo de crusar as sementes de trigo misturando as espécies tcmporàas e serôdias do mesmo paiz, com tanto que sejam escolhidas, sãas e muito perfeitas: deste cru- sameDto obtem-se muito bons resultados (Vide as Transacções Filo- sóficas para o a?ifio de 1799/ As batatas (precioso succcdaneo do pão) igualmente adoeceram pela mesma causa da continua rcprcducção por botão; a este respeito posso agora alfirmar aos leitores, cjue ja tenho uma pequena colheita deste género obtida de semente, e sahiram to- das as novas espécies muito boas, e muito gostosas: cilas estão ja no «luinto anno; ponjuc antes de terem quatro de idade não tem gosto, nem estão perfeitas. As arvores de frueto, macieiras, pereiras, amei- xieiras, gingeiras, nogueiras, e outras muitas espécies, também adoecen» da mesma epidryada. § 1 7." A vista de tudo isto não se pódc, nem se deve occultar, que uma grande calamidade está sobre nós, e que ella merece a mais 54 A EPICENONIA seria attcnção do Governo, das Cortes, e de todos os particulares. Se- gundo a estatística da producrào dos vinhos cm Portugal, por Cláudio Adriano da Costa, c publicada oní 1842, sabc-se (pie a producrào é de seiscentas sessenta e quatro mil duzentas e vinte e duas pipas (664:222) isio é, de vinho nnduro e verde; aguardente, e vinagre, que paga sub- sidio; porque a dita estatistica foi composta pelo referido A. á vista dos mappas do arrolamento do anno de 18 40, donde se infere que a dita producrào não pôde ser exagerada, antes sim diminuta por causa do muito vinho e aguardente sonegada para nào pagar direitos. A importância ou valor desta producçào foi avaliada pelo mesmo A. em dez mil réis a pipa de vinho maduro; quatro mil c oitocentos a do verde; dous mil e quatrocentos réis o almude da aguardente; dez mil leis a i)ipa de vinagre, tudo por termo médio, donde resulta um valor total, somente no continente do Reino, de cinco mil duzentos e quatro contos trezentos e onze mil réis (5.204:311^000) ou um pouco mais de treze milhões de crusados, que viremos a perder, se progredir a doença das vinhas. Esta provincia de Traz-os-Montcs era em tempos antigos um mar de azeite, veio a ferrugem, e foi lentamente des- truindo os olivaes, e augmentando de intensidade, e malignidade, do modo que neste presente anno ha lavradores, que possuem oliveiras capazes de lhes render vinte pipas do dito género, e não chegarão a colher irnia! Por conseguinte, fiiltando os mais valiosos produclos da nossa agricultura, como poderá haver renda publica, como se poderão pagar os tributos; como poderá florescer o commorcio; como poderá existir a industria fabril? A mesma grandeza do mal faz conhecer, que nem as Cortes, nem o Governo lhes podem dar remé- dio; mas pelo menos tirem-nos os tropeços c as pèas, que nos emba- raçam, ponham de parte a enfadonha politica, para se occuparem dos interesses materiaes do Paiz, sacrifiquem sobre o altar da Pátria os ódios c ambições de partido, lembrcm-sc de nós e de si próprios; por- que se nào liouvcr cultivadores de terra, também não pôde haver Cortes, nem magistrados, nem exercito, nem marinha, nem paz, nem ordem, nem Governo. Os monopólios, os monojjolios! . . . e a prisão das terras, c que fizeram escacear os capitães circulantes necessários á agricultura; a cscacez destes gerou a usura, esta produziu a agiota- gem, ambas de duas a miséria publica. Ainda nào estão enxutas de todo as lagrimas, que fez verter neste paiz do Douro o monopólio da Companhia dos Vinhos, ílagcUo precursor deste que se lhe seguiu da cpiffinonia actual: a lei de 21 de Abril de 18 43, foi logo calcada aos pés pelos influentes daquella Companhia, e póde-se dizer, que nenhum ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS 55 dos seus artigos deixou de ser sophislicado, tanto pelo regulamento, como pela arbitrariedade absoluta daíjuelles monopolistas. A imprensa gemeu continuamente com os innumeraveis cscriptos das queixas dos lavradores; crcaram-sc associações agricolas para liizerem representa- ções ao Governo e ás Cortes; (jucixou-sc o conuncrcio portugucz, e reclamou o estrangeiro, até que por íim acabou a tutoria, ficando em seu logar um simulacro que de nada serve, senão de prejudicar e ave- xar ainda a lavoura com delongas, dependências, e embaraços. Aca- bou sim, mas depois de nos moer c fazer soflrer um cativeiro de uma novena de annos, depois de ter feito abater o preço da aguardente a trinta mil réis a pipa, e o do vinho a três mil réis, exceptuando apenas uma quinta parte da producção total da demarcação, que se vendia por muito menos dinheiro, do que eram dantes as maiorias sobre as taixas; acabou depois de deixar exhaustos os lavradores, e mui- tos delles empenhados, e sem meios de poderem cultivar as suas fa- zendas: eis o prototypo, e a medida por onde se podem avaliar todos os monopólios! Ahi existe ainda o denominado das saboarias ', que faz comprar um género de primeira necessidade por qiiarcnta por cento mais do que o seu valor venal; que prejudica a industria eco- nómica das famílias, fazendo-lhes desperdiçar na roda do anno aquill" de que poderiam fazer o seu sabão; que tolhe a agricultura, emba- raçando-a de poder cultivar nesses inmicnsos e desertos areacs da costa as plantas próprias para tirar a barriiha; que sustenta milhares d»; malsins para devassarem continuamente a casa do cidadão, sem ne- nhum respeito aos lares familiares; uma tropa de vadios, que perdem o habito do trabalho, (|ue se afazem a receber peitas e viver delias, e que subindo mais um gráo na escala da desmoralisação ficam la- drões d'cstrada. Ahi vemos também o monopólio do tabaco, (azendo ])agar aos consumidores o duplo daquillo (jue recebe o Thesouro, para sustentar um exercito de fiscaes, e guardas de terra e mar; para ter dentro do Reino milhares de estanqueiros privilegiados, que vem a ser outra grande contribuição; para fazer saliir para os paizes estran- geiros, cm ninnerario, todo o valor da folha e do rolo, que empre- gam os monopolistas; para embaraçar a agricultura nacional de lançar mão desse pequeno recurso da cultura da nicoeiana no meio das suas calamidades; deu-nos Deos um clima, c um território análogo ao da Virginia, c tolhe-nos a lei!!! E preciso fazer pausa, quando se ' Depois (Ic rsl.ir escrita esla Memoria, foi apresentada nas Cortes uma proposta do tioverou para a cxlinceãu deste munopolio : beura lhe seja feita. 56 A EPICENONIA escrevem semelhantes Aexames; porque a pena cahe da mào! K falia ainda dizer alguma cousa, acerca do peior, do mais nocivo; do mais odioso de todos os monopólios, que e o fias terras, o fios víncu- los. As terras cultivadas de uma nação, representam a grande massa dos seus mais valiosos, c mais pcrmancnlcs capitães; porque nellas SC empregaram séculos de trabalho para as reduzir á cultura, e muito dinheiro para edificar os cdificios ruraes; para as terras se conserva- rem sempre cultivadas é preciso, que sejam tào livres como o curso do numerário; mas vinculando-as amortece-sc logo todo o valor do capital fixo, e dispõe-se tudo para que voltem ao estado inculto, e a crearem mato e silvas. A lei dos morgados suppõe duas cousas im- possiveis, e n'cllas se basêa: a 1." e, que as colheitas das terras vin- culadas, nunca hào de ter a menor faliia: a 2.% que o administrador faça milagresl. . . Quanto á 1." é evidente, que nào podendo dispor o administrador scnào dos rendimentos, se estes falharem nào tem ineios de viver, nem de cultivar as suas fazendas, c por isso empo- hrece, arruina-se e toda a sua familia; pelo ({uc respeita á 2.° é pre- ciso, que faça milagres para poder sustenlar-se a si, aos seus filhos, e a seus irmãos, pagar os tributos, e de mais a mais os encargos pios. Para provar os clícitos de semelhante lei, basta apontar com o dedo para essas fazendas incultas, ou muito mal cultivadas, que se encon- tram por todo o Reino; para esses cdificios e cercas desmoronadas, e para essas capellas denegridas, e cobertas de aradeiras; pois tudo isso são casas vinculadas! E se isto acontecia no regimen antigo, que posto fosse muito niáo, pelo menos era harmónico entre as suas diversas partes; o que não acontecerá agora neste actual regimen meio velho, e meio novo, em que se extinguiram os conventos e ficaram os vin- cules? Os conventos eram o asylo, ou antes o paradeiro dos filhos se- gundos das familias de morgados; ali uma contribuição disfarçada, e coberta com o manto religioso; as doações regias, e dos particulares; em ultima analyse o suor do povo laborioso é que os sustentava; mas agora que meios hão de ter para poderem subsistir? E por que razão liào de ser condemnados a não ter partilha na herança paterna, e a fi- carem somente a servir de peso ao morgado para o arruinarem, e fi- carem lambem arruinados? Com eficito nas sociedades humanas nun- ca houve, nem poderá haver, um absurdo maior! Sc existem ainda por excepção algumas terras de vinculos bem cultivadas, é isso devido a estarem unidas a outras allodiaes, ás heranças que tiveram as casas desses morgados, ou aos capitães monetários provenientes do commercio, e dos empregos. A vista da citada estatística de Cláudio ou MOLÉSTIA GERAL DAS VIDEIRAS. 67 Adriano da Costa, e segundo os seus cálculos, ali desenvolvidos no verso do seu mappa, ha em todo o Reino dezenove mil seiscentos c oitenta c sete milhões e quinhentas mil braças quadradas de terreno; do qual estão empregadas na cultura do vinho ([uatrocentos e quinze milhões cento e trinta e oito mil sctecehtos e cincoenta ditas bra- ças ('» 15.1 38:750); ora destas, ametade, talvez, é terreno vinculado, e se as videiras morrerem, como poderá o administrador fazer as des- pesas de as converter noutra cultura, se elle não pôde vender uma parte da terra para salvar o resto, nem hypoteca-la a dinheiro de juro, nem negocia-la de nenhuma forma? Não é mesmo preciso, que morram as vinhas, basta que se esterilizem por alguns annos, já elle não tem meios de viver, nem de cultivar. Se os proprietários sofire- rem esta calamidade, ponderada, que já lhe bate á porta, ficarão tam* bem sem trabalho e sem pão milhares de braços, que revolviam .i terra e cultivavam as vinhas ditas, e que é o que naturalmente se seguirá daqui.' FIM. tlBOS MAIS NOTÁVEIS DESTA MEMORIA 60BBB A Et-IUP.NOMA OD MOLÉSTIA GEBAL DAS VIDEIRAS. ERROS. EMENDAS. Pag 8 lin 13 20 23 27 46 St . 8 bafi> C poilem 6 segundo cllc, é composto 6 lampas 32 (luas mil 2 (nota 3.') perde bafio. pode segundo clle é romposlo tampar dous mil perder 20 accrescenle-se depois da palavra anno=: M8o3 — ISoí INFORME SOBRE LA MINERIA DE LA PROVINQA DE MÁLAGA EIW 18«8 y NOTICIAS GEOLÓGICAS DE SU SUELO. POB Et INGENIERO 1." DEL CUERPO DE MINAS D. JOSÉ DE ALDAMA. i:%FORili: SOBRE L..% III^ERIJL DE L\ província de Málaga (E!V 18«8.) NOTICIAS GEOLÓGICAS DE SU SUELO. D, 'mciL es ocuparse de una matéria á la que han dedicado sus tareas personas que nos mereceu la mas alta reputacion por su saber y amor á la ciência, y poças ó ninguna son las idcas que se han elu- dido á su prolijo V entendido axamen; mas como quiera que se han lieclio con posterioridad vários trabajos que nos iacilitan el estúdio ó examen dei terreno á causa de haber tomado la csplotacion de minas algun increuionto, jtor cuanto «jue la naturaleza inorgânica se mues- tra agradecida á los alanos dei minero, prometiendo rccompensarlos con mano pródiga, será procedente el ocupamos en manilcstar los progressos mas notables de la misma y sus esperanzas para lo futuro, no menos que de los íenómenos que la rodean, escólios que á su rá- pido progreso s(! oponen, y médios de vencerlos, con lo domas que licnda á dar una clara idca y csponer con la mayor sencillez que nos sea dable, su estado, importância y beneficios que rinde ai pais ya directa, ya indirectamente. (^on «!l lin de que reine un órden necesario'en todo trabajo de este género, ]>or escaso tjue sea su interes, y tomando por base la an- tigucdad de los productos mineralcs útilcs á las artes é industria de •pie consta el distrito, y consistiendo estos en grafUo, hkrro, piorno, ■piorno argentifao, cobre y niqml los tratáramos por cl mismo órden. MINERIA GRjtFITO. A mediados dei pasado siglo se remonta la antiguedad de su des- cubrimiento en el cridcro conocido por cl cerro de Natias, pues en el afio de 1740, unos vccinos dei immediato pueblo Juzcar, Uamados los Gonzales los moros, hallaran estas minas, trabajándolas sin mas regias ni cortapisa que su capricho , vendiendo el mineral donde y como mejor les era posible y á precios convencionales, se bien es muy de creer que los árabes, duenos de estos terrenos por tantos anos, las esplotasen. Su complicada historia se halla (como Teremos) cnlazada con Ia: dei reyno, desde princípios dei siglo y corriendo su sucrte. El sabio: decreto de 4 de Júlio de 1825 las declaro por su articulo 32, con- dicion 6.' de propriedad y reservadas ai Estado, con todas las demas dei partido de Marbella que á la sazon lo componian los pucblos de Ogen, Ystan, Benahavis, Missas, Bcnalmadena y Estcpona. Desde esta época á la actual se ha pensado por todos los inspe- ctores dei Distrito, bajo cuya vigilância y direccion se balian las re- feridas minas, no obstante los permisos concedidos en los anos, 27, 28 y 29, en rehabilitar sus trabajos y fomentar el dccaido comercio de los grafites, basando los principales proyectos para conscguirlo cn dos princípios; cualcs son, cl arrendamiento de la finca bajo ciertas con- diciones ven-tajosas ai Estado y particulares, rebajando á estos los de- rechos y exigiendo de los mismos algunos trabajos con los que se ob- tendrá á cicrto ticmpo su restablecimiento y el que scan siisccptibles de un ordenado laborco o esplotacion; y su enagenacion em pública subasta á particulares cmancipándolas dei Estado á quicn se halian re- servadas cl que nunca reportará utilidades de estos criaderos de gra- fito á no dcjar que el intcrcs particular disponga de cHas, pues solo c' de asociaeion puedc remover Ias rémoras que se oponen á su desarrollo y progrcsivo aumento, eliminando para sicmpre el estéril é iiiiproductivo método de contratas ó arrendamicntos que no haccn mas que aumentar los males y acreccntar las diliciiltadcs. En prueba de Io espuesto, cn 1845 se arrcndaron á una com- pania titulada IVru. Srã. de Balbancra establecida en Ronda, con con- diciones arregladas casí en su totalidad ai actual estado dei criadcro y no obstante los resultados que se han obtenido han sido nulos, pues DE MÁLAGA. i la esprc.sada sociedad se fuiidó sin antecedentes dei negocio y durante el frenesi minero que dominó á la província, muy persuadidos de que sin grandes trabajos obtendrian pingues productos y ai primer escólio con que tropezaron se encontraron sin médios metálicos, industria ni valor para vencerlo, rcduciendose cuanto han heclio en cuatro afSos á desatorar una galeria de trecientas varas de longitud y estracr mil tre- cicntos quintalcs de grafito de todas clases sin poder cumplir con nin- guna de las cláusulas dei contrato. Tan raro y escaso producto asi como tan necesario y apreciado por sus aj)licacioncs á las artes, se presenta en una estension de dés á doce léguas de longitud desde los términos de Estcpona á Coin, por cuatro ó cinco de latitud desde la costa ai centro de la Serrania á que dá nombre la ciudad de Ronda, conocida mas gcneralincntc bajo la doniinacion de Sicrra Bermeja por su color rojizo de oxido de hicrro que la recubre en toda la superíicie: tiene de estension desde la ribera ó rcgion liidrográfica dei rio Guadiaro, limite Occidental de esta província hasta muy procsimo ai Guadalorce ó sea de Málaga, es dccir, sobre desanove léguas, corriendo de E. á O. ó paralelamente ai mar, con varias inflexiones y encurva micntos en sii arista y estribos que naciendo de ella mueren en el Mediterrâneo ó á sus inmediaciones; su mayor altura se balia en las cúspides lla« madas dei Real sobre Estcpona, que ascenderá aproximadamente de 2400 á 2900 pies castellanos sobre el nível dei mar: la constituyen rocas que en nuestra opinion corresponden á la formacion dei trappe formando en algunos puntos escalones y grandes masas tabulares mas salientes unas que otras fuertementc influenciadas por la roca pluto- nica Serpentina (jue es la que conmovído á la mayor parte de las dei distrito de Málaga, presentándose en capas delgadas ó de poço espesor atravesando y siguiendo las estratificaciones dei terreno á que ha al- terado, abundando principalmente los poríidos arcillosos, hornablén- dicos ó augiticos y ferruginosos que ocupan la parte superior sin órden determinado de estratificaciou, como es consiguiente á rocas hipogénicas como las que hemos nombrado, presentándose também pízarras dioríticas talcosas, y hermosas variedades de amianto tenido de un matiz rojo y color de rosa, contcniendo como minerales bene- ficiables liierro y cobre de que luego hablarcmns y el grafito ó hi- dro-percarburo de hierro que nos ocupa, que se presenta en masa» aisladas esferoidales, vetas y venas y en íiabas ó rinones. bíen si- guiendo la junta de dos estratos, bien aislados, sin órden ni regula- ridad alguna y he a([ui la razon de lo aventurado de los trabajos de indagacion y justificada cn alguna nianera la írregularidad de las la- 6 MINERÍA l)Ore.s de os|ilolacion: las principalcs minas siluan en el cerro Uainado (ie Nalias a nove Icgiias i\. O. de esta ciiidad Icrniino de Benaliavis, nionlafia titulada de la IMora, que es uno de los vários estribos que se desprendeu de la cordillera, de los de mayor clcvacion y que marcha cn prog^resivo descenso de altura, procsimamenlc paralelo á varias otras normalmente ai mar viene á niorir en una Icngua de tierra antes de llegar á a(|ucl, íomiando ima planície de poça lalilud y nove léguas de longitud, surcada por vários arroyos que en invierno se conviertcn en rios por el aumento de los afluentes que como cUos descienden de la serrania y terminan en el Mediterrâneo: casí en el punto culmi- nante de este estribo se liallan los trabajos de estas minas cuyo re- nombre es Europeo, de las que se han estraido largos productos de tan apreciablc sustancia que ha surtido por mcdio siglo las necesi- dades de la industria nacional y estrangera, rcducidas hoy á las ruinas de tan bastos trabajos, causando dolor su lamcntable estado, limitado en la actualidad á vários desmontes ó trabajos á cielo abierto mal ege- ciitados y sin cuidarse de las prevencioncs y regias que aconseja la ciência, sicndo los dcmas infmidad de galerias á trancos ú otros tra- bajaderos de naluralcza dilicil de dcscribir por estar abiertos entre los estratos dei terreno siguicndo sus inilexiones y câmbios de dircccion, oscabando lo mas leble y abandonándola ai menor hundimienlo con eminente riesgo de los mincros, por no usar clase alguna de fortiíi- cacion, ni precaucion de espécie alguna. I)an en cl pais á estas labores una denominacion nuiy propia cual es cl de Cucvas. Entre este cumulo de ruinas y laberinlicas es- cabaciones, está, segun tradicion dei pais y datos que obran cn esta Inspeccion la llamada mina honda ó de S. José y tambien la antigua j)or ser la primera que trabajaron los Gonzales cn 17Í0 y que luego 'lirigió cientificamente el Ingcniero, Inspector de este districto Sr. 1). Enrique Schucllenbuhcl con bien entendidas fortificaciones y re- .servas que destruyeron los dei pais en 1812 juntamente con los edi- licios para albergue de operários y empleados, habiendo rendido en abimdancia i)roductos de un mineral de cscelente calidad que acre- dito este producto de nuestro sucio en los mercados eslrangeros y que j)or la ambicion de los especuladores, remesando minerales inferiores asi como por los sobrccargados derechos de esportacion que pcsaban sobre él á consecuencia de un sistema anejo de mal entendida eco- nomia política, SC ha desacreditado y por no pagarlo á tan subido precio se han csplotado ias minas de el Áustria superior, e Inglaterra, no siendo difícil que vuelva á adquirir su primitiva estima, tanto por DE MÁLAGA. 7 que Ias siisodichas minas eslan agotadas y á muclia profiindidad, cuanto por que Ias circunstancias politicas dei continente favorccen en la uctualidad á nuestra tiabajada pátria. Apesar dei ruinoso y poço lisongero cslado de Ias minas de Na- tias es liempo todavia de sacar partido de cilas por dar Ia feliz coin- cidência de que todas Ias labores adenias de ocupar un corto espacio superficial que no pasa de 3(10:000 varas cuadradas supcrficiales por setenta á odienta de profundidad: estan situadas en Ia parte superior de Ia misnia cima de Ia nionlaíia, dando lugar este mismo estado :í aprovechar con auspicios íavorablcs de niuy bucnos resultados la ajier- tura de dos galerias socabones que partiendo ile la lalda coniuniqucn ai centro viniendo á romper con la mina Honda; dfbiendo abrir-se uno de ellos en Ia parte de Levante por debajo dei camino que con- duce á Ia Venta que toma su denominacion dei cerro, para (|ue pa- sando por la parte inferior de los desmontes y trabajos antiguos lla- mados t/tina vieja registre este terreno que tan felices resultados tiene dados en época no nmy remota. El otro debe tener principio cn cl estremo Sud por permitirlo asi el terreno y con el objeto de iuves- tigarlo. La realizacion de estos dos socabones nos evita los inmensos gastos de atacar el criadero rehabilitando lo antiguo, niuy diíicil sino imposible de reorganizar por la falsa posicion de una capa de escom- bros de algun espesor causada por los desmontes, siendo imucnsos los peligros de trabajar por largo tiempo entre labores arruinadas sin un ligero croquis que nos guie esponiendonos d encontrar aguas col- gadas y mil otros escólios y sobre todo (jue es terreno ya esplotado, pudiendo con la enunciada labor reconocerlo a la par cjue preparar el campo para la ordenada y económica esplotacion (|ue debe reinar en toda mina y niuy principalmente en Ias reservadas ai Estado. Fuera de la demareacion de aquel liay tambien varias otras minas de este mineral cn los términos de Puguerra, Fuocar, Igualeja. Es- tapona, Coin etc., implantados en igual formacion y armando de la propia manera, cuyos trabajos aunquc muy modernos no careceu de interés liabicndo producido 1082 (juintales de gralito de todas clases en el procimo pasado afio de 1848, y siendo digno de elogio el ceio é intercs dei activo industrial que las posee, no escasea médios de rea- nimar cl comercio de grafites. Segun un analisis de los grafites de este distrito hecho por el sábio Mr. Schraeder contienen: MINERÍA. 89 Carbon 7 Oxido negro de Iiierro inrt _-,^/«- / 1 1 Terra silicea 1 00 granes ( ^ f . ■ ' I 7^ Alumina ; Oxido de cobre I Oxido de titano I^as variedades que facilmente se distinguen cn cl pais son, á saber: ai gralito blando de grano mas fino puro y de la raejor ca- iidad, Ilahas de 1.°: ai que le sigue en bondad ya mas duro y el grano tan fino ni superior, Habas de 2.°: á los Irozos mas pequenos y cn los que abunda mas cl liierro oxidado cn parle, enconlrándose así uiisuio cn su coinposicion cl azufrc formando sulfatos y cn mas fácil estado de descomposicion que las clases anteriores, se denominam gramas de 1." y gramas de 2.°; y finalmente se distingue una úl- tima espécie de grano pequeno é inferior á que Uaman pcrdigones. Aun cuando el graíito se cspende en su estado natural ai comercio, necesita antes sufrir una preparacion mecânica algun tanto compli- cada, ia que se egecuta en el pais con alguna destreza por sus na- turales: se rcduce á la monda ó segregacion de partículas estranas que ogecutan en mesas hijas, en suo todo iguales á Ias que se emplean en Alemania usando iguales herraraientas: seguidamente verilican el espurguc ó sea ia subdivision de clases, inmediatamente despues la llamada operacion dei raspado que consiste en quitar ai mineral la parte terrosa y estrana que se baila pegada á sus paredes ó en sus hoquedades, lo que obtienen valiendose de una cucliilla bien afilada parecida á las facas de zapatero con punta redonda. Seguidamente le abrittan, bien sacándole lustre con las manos, bien rozando unos tro- tes con otros, y lo menudo lo criban para eliminarlo dei polvo que contiene y finalmente embarrilado en cubetas de pino de flandes lo csportan ai cstrangero. UIERRO. La província que nos ocupa ha sido altamente favorecida por la naturaleza con este precioso don, que forma la base de Ia actual ci- vilizacion, pues por do quier de su suelo se halla hierro diseminado, y existen en la misma notables criaderos de una abundância y bondad DE MÁLAGA. 9 sorprcixlentcs (iiic forman hi base de ciiatro suntuosos establecimentos para sii claboracion y enipleo á los diversos usos á que dcstinan las íirtc^ ;í esta matéria de priínera nccesidad, cuyas aplicacioncs llcgan ai iiilliiilo. Eiiii>ero campean ó dcscuellan en primer órdcn trcs; uno sito á la procsimidad de esta ciudad, (jue no halla rival en el Conti- nente y el otro ai estremo N. O. de su jurisdicion en los montes 11a- n>ados dei Robladal estribos de la Sierra Bermeja, quedando limitado fl postrero á los términos de Benalmadena, Mijas y Monda. El primcro que llamaremos de Marbella no obstante á hallarse <;n termino de Ogcn, situa á media légua ai N. E. y armas en el transito de la formacion caliza metamórfica de la Sierra Blanca ai grupo de la grauvaca ó sean terrenos estratificados fosiliferos primá- rios ó grupo siluriano de Lycll que se estiende por los montes de Ias (^liapas basta morer en el Mediterrâneo y (|ue luego estudiaremos: consta de vários potentes bancos de bierro oxidulado ó magnético iii- terpuestos ó separados por capas de pizarra doritica y talcosa que cor- ren de S. E. á N. O. buzando de .^0 á 68° ai N. E. Su riqueza en liierro es grande y varia poço de un GO á 70 por ciento término mé- dio: los mas ricos egcmplares se dejan rayar facilmente y se presenta de grano íino, así como la varicdad gris es muy dura y se presentan laminas ú bojitas muy finas, sicndo mas pobre; en este mismo cria- dero, aun cuando la mena predominante es la magnética, se presentan en sus capas grandes rinoncs de tritoxidos de bierro ú ocre amarillo y cncarinado, como tambicn espático y óxidos y sulfuro, con varias salcs de cobre y bierro. Su csplotacion es á ciei abicrto formando es- calones ó bancos de cantcra y por presentarse el criadcro á la super- licic en tan colosal abundância, se descuida algun tanto su rigoroso laboreo. Los bancos no se limpian y ordenan bien, y las exigências de los fundidores y demasiadas economias que establecen los proprietá- rios bacen que no se depuren todas sus clases, iendo solo esplotando lo mcjor, sin cuidarse de lo futuro cn que les pesará el abuso que hacen de la bondad dei criadero, que segim su marcba liegará á in- ternarse cn la niontana por debajo de la caliza en estratiíicacion dis- cordante con ella, y entonces será tardio el arrepentimiento; para dar una idea dei sistema que reina, basta esponer que todos los in- vernos arrastran las aguas infinitos niiles de arrobas de mineral, de los vaciaderos donde se ballan aglomeradas las partes de escaso tamaão. que desprecian hoy por creer lo inagotable. Poços son los operários que entretienen estas minas pcrtencientes en su totalidad á las em- presas ferrerias dei Angel y Concepcion que se hallan á légua y media MEM. DA ACAD,— 1.* CLASSE. T. II. P. I. 2 10 MINERIA ai occidonlc ilo las minas; jicro ei> caiuLio son muchos los arrieros y heslias de carga ([iie liallan oiupacion cn el tras[)ortc dul mineral (|ue lo verifican ai módico prccio do (> mar. el qt. asi ([ue cn su vista lian desistido los fabricantes de la construccion de uii ferro-carril, ciiyo trazo oslá marcado en el terreno y hechos los trabajos de ga- binete necessários jwr cuanto les es mas económico ó beneíicioso el sistema estabiccido, que adernas rcime la vcnlaja de sostener una por- cion de familias. Con estos minerales se alimentan los seis altos liornos de llio- Verde y los dos de Málaga, y como quiera que desde 182'J se gastan sus minerales, la imaginacion mas atrevida retrocede ai cal' cnlo de los (|uintales ([ue han producido y pueden producir. En 1782 empezó á bencficiarse por cuenta de S. M. la mina dei Robledal cuando se establecieron las famosas fábricas de Artiileria de Ximena sobre el rio Guadiaro y que se abandonaron despues de habcr gastado unos doce niilloncs de reales de vcllon: el mineral es- hierro magnético ú oxidulado ([ue ha producido en eusayos hasta un 7.") por ciento presentándosc en colosal abundância a la superfície for- mando grucsos bancos: en el punto Uamado de los perdigones cerca dei pueblo de Tuzear (Serrania de Ronda) hay una poderosa capa de hierro de aluvion cn cantos rodados, hierro pardo de acarreo: esta mina se beneficio con fruto cn el siglo pasado por una compania de estrangeros que estableció Ia fábrica de hoja de lata titulada de S. Miguel. Fáltanos bosquejar los hierros de Sierra de Mijas que son de la clase de los Uamados hidratados y se usan como fundentes en las ferrerias ya enunciadas por ser mas fusibles. Se presenta en masas ais- ladas ó bolsas entre la caliza dolomitica sacaroidea ó sea nietamórjka de los términos de Monda, Mijas Benalmadena y Ogcn en donde se ha descubierto ultimamente en el sitio Uamado Cala Barranca un cria- dero que se presenta formando mia capa de vara y media de espcsor corriendo de N. á S. aproximailamente y reconocida en 1 80 varas con una labor á cielo abierto de 80 á 90 varas de longitud por 4 de la- lilud, con visos de proseguir en honanza y varias bolsadas y capas en su proxiuiidad de menor importância hasta ahora. Dl. MALACA. II B»S.»QBfl>. l^i.s |ji'iiiieru.s niinus tic fsla clase parece ser íueron la.s de los términos de Nerfa, Coiupela y Irigiliana especialmente cn la sierra nombrada como la primcra de estas villas: seguidamente .se trabaja- ran varias con buen e.vito en la nombrada Sierra Blanca, (|ue coni- prendc jui'isdicioncs dií esta ciiidad y las villas de Ogcn é Viistan y las mas modernas si bien las de mas entidad en la aclualidad y en su conseciiencia de mas importância, son las de la titulada sierra de .alijas y á su co.stado E. cn termino de Albaurin de la Torre, partido Judicial de iVlálaga. Ambas á trcs sicrras prescntan asimilidad en los caracteres de composicion de las masas que las pucblan, en su posi- cion ó indenlidad de sus productos, no menos que en formas topo- gráficas y circunstancias mineralíigicas. La primera que corre por el estremo oriental de la província, es continuacion de otras, (juc particndo dei foco principal ó sea de Sierra nevada, en la província de Granada, se fracciona en varias co- mo ia Contraviesa, Lujar, Ca.sulas, Almíjara y Tejea, que és la que nos ocupa, formando cadena unas cn {los de otras que, concretándonos á la província de Málaga, niarclia, con algunos câmbios de direccion y fuenlcs de presioncs y proluverancias, por los pueblos de Canillas, cl Colmenar, Alfornatc ctc, dei N. de Velez ai M. de Antequera y Carratraca, cn cuyas cercanias por la parte de Casarabonela y Jun- quera empalma con Ia descrita de Sierra Rermeja, cuyas diferentes partes forman la renombrada Sierra de Ronda, (jue subdividida en di- versos ramales desciendc ai mar, formando los costados de ambas ca- denas de montanas los dos cstremos de la província que recorren, trazando un arco aproximado cuyo centro está en el Mediterrâneo, pu- díendo considerarsc á la costa Malaguena como la cucrda dcl mísmo. La roca que sirvc «Ic cajá á las minas de Nerja, que se hallan cn el sitio Uamado loinas lianas á trcs léguas de distancia, es la ca- liza cristiilina con cantos conglomerados jmr cemcnto de igual clase, presentándo-sc con granos gruesos de colores blanco amarillento y tambien con tintas azuladas y fractura desigual: entre las capas de estas rocas, que |)odrcmos llamar marmolcs groseros se encucntran algunas de sulfuro de plomo ó galena y de carbonato de la misma sustancia, de una riqueza de cincocnta á secicnta por ciento en pio- 12 JIINERIA ino de buona calidad aunqiie cscaso en plata de la que solo contienc vostigios; se prcsontan taniMoii criadcros cn bolsas y rinoncs con al- giinas ráfagas ó vcnillas de mineral, que desde la superíicie que es donde asonian suele á veces conducir á las bolsadas y capas ya enun- ciadas. Ias nuiclias minas cjuc en diversos sitios se lian Irabajado lia sido por gente proletária que Uaman en cl paiz rebuseadores, pues las poças compartias que para su disfrute se han formado han contado ron cscasos recursos pecuniários, poça inteligência y menos constân- cia, de modo que en este cantou lo mismo que en el de Marbella te- jicmos que lamentamos de los cscasos capitales que se emplean en el beneficio de los minerales que se liallan encerrados en su corteza; sien- do digno de atencion que en el ano próximo pasado cuya estadistica termina este trabajo, por gente mercenária, sin labores de considera- cion y puede decirsc sin mas que rasgunar la superfície de la licrra jiasan de 25000 arrobas de plomo las que se ban embarcado para el vecino distrito de Adra, ademas de alimentar la fábrica dei Rey en término de Competa y la de Otivar, que corresponde á aquel y sin contar lo muclio que fraudulentamente se vende á los alfareros en su estado natural. Una de las medidas que reclama imperiosamente la actual situacion de estos criaderos, es, que por una compania de íondos ó varias reunidas se profundice el terreno, por cuanto que basta de hoy las minas de mas nombre, que son las llamadas S. António, Buena fé, S. José, y S. Quintin no alcanzan á 30 varas con sus Ira- bajos mas hondos, siendo esencial esta medida, no tan solo para in- vestigar en regia terrenos, que presentan tan buenos vestigios á la superfície, si que para desterrar la fatal preocupacion que sostienen los mineros de que los criaderos no prosiguen á profundidad, sin ra- zones en que apoyar tal asercion, indefinible hasta Uevar á cabo la la- bor que se proyecta. En los anos 35 y 36 se laborcaron varias cn la ya citada Sicrra Blauca, que dista media dei mar, la que marcha en direccion de E. á O. proximamente lo mismo que sus bancos y capas que constan de estratos bien regularizados buzando de 55 á 60" ai N. O. Su distan- cia longitudinal no llega á duas léguas por j de latitude, siendo su principal altura el pico denominado de Fuana, que no debe pasar de 1500 pies caslellanos sobre cl nivel dei mar: se baila constituido en casi su totalidad por la caliza dolomítica cristalina sacaroidca fuerte- mente alterada por las serpentinas que la rodean por N. NO. y E. ha- biendo logrado inetamorlizarla de tal manera, que se distingue en cila jjerfectamente bien las teorias dei sábio Lieil donde se liallan estratos DE MÁLAGA. 13 mas alterados unos que otros, observaiidose en el arroyo llamado dei luebrigo algunos tal delgados, (juc podemos llamar íoliaceos en alter- nância con planchas de serpentina, encontrándosc en el resto de la montaria venillas de cuarzo y halino y capas de pizarra talcosa y as- besto. El color predominante es el blanco brillante, (|ue aumenta con la fractura que es granuda, siendo este de diversos tamanos aun cuan- do en lo general fino, hay trazos de un color amarillo claro por sii superfície y blanco en el interior, rara vez presenta medias tintas ni escuras siendo sorprendentcs las grutas y cuebas que contiene tape- zadas de hennosas estalactitas formando juguetes fantásticos. Varias son las minas abicrlas en ella y hoy casí abandonadas en su totalidad d escepcion de cuatro ó seis. Las de mas fama por sus productos han sido la Campana, S. Marcos, Buena-vista, S. Cristian, S. Bernabé, Santa Jlaria, Isabel 2." etc. en todas ellas solo dos son las clascs de mineral que se han presentado, aun cuando todas de un producto abundante cn plomo de superior clase de un sccienta á se- tienta por cienlo, siendo las variedades la galena y cl carbonato de plomo en abundância, y otro mineral que llamaremos galena descom- puesta. Estos minerales tienen su yacimiento de la própria manera, (|ue los de sierra de Nerja, aun cuando aqui abundan mas las capas y lus bolsas que talvez no scan mas ([ue capas fracturadas; pêro que jxira distinguir bien su formacion la csplotacion dcbe estar mas adelan- tada. I^is minas que hoy estan cn mas apogco, son las de la loma de en médio tituladas Emilia y S. Francisco, (jue csplotan por médio de galerias y labores á trancos una capa de buen mineral, que se pre- senta por lo general á granos sueltos en los puntos febles de la union de dos capas á que llaman los prácticos blanduras. Por último, rcstanos dccir algo sobre el canton que en la actua- lidad cifra las esperanzas de varias empresas y forma la base de cspe- culaciones algun tanto beneficiosas ó sea de la sierra de alijas, que corre desde la orilla dei mar cn términos de Torremolinos, Benalina- dena y Fuengirola hasta cerca de Ogcn y puerto de la junta de las veredas y Monda, formando con la sierra Blanca de Marbella, las Cha- pas y sierra Bermeja un vistoso anfiteatro de niontanas, cortado por diversos arroyos que descienden ai mar sin dejar mas planície ()ue ias vegas de Fongirola y Marbella, su direccion aprocsimada es de .NE. á SO. la roca (pie mas abunda en su formacion es la ya repetidas veces nombrada caliza cristalina, que se eaiplea como marmol para algunub 11 MLMCniA usos como baíios, pa\iniciilos elo. alleiíia con planclia.s tlc mica, se lialla laniliicn ilosconipucsla y loriuanclo una arena giucsa y lainbieii conglomerados, por el Norte lorrna algtm Iransilo á la lòrmaciou so- bre qnc yacc que como Ia sicrra Blanca es el grupo cie la gravaca, asi i|ue [)rcsenta pizarras y areniscas diminuyendo la luasa principal (Ic caliza (]uc la lornia casí en sti lolalidad eii la parle S. : ui cu esta ni cn las anteriores hemos halladu resto alguno (juc nos indi(|ue la prcecsislcncia de seres (|ue en cilas hayan habitado ó nos demuestrc Ias espécies de qin; algun dia se vió poblada, lo <|ue nos hace inferir (jue las rocas constitutivas han sufrido un gçati cambio en su compo- sicion íí electo sin duda de las crupcioiícs plulónicas que la ccrcan y las dioriticas de la parte de Málaga. Las minas se hallan á la parte dei E. en cl llano Uamado de la plata y cerro de la Mezcjuila, estando demarcadas sobre 12 á li y siendo las mas principales las tituladas El Nino, S. José, Como-quie- ras, Carolina, P.ucn criadero, Observacion, Su madre, los Angelitos, Guillermina Gorgrana ctc; nos ocuparemos de las mas in)[)orlanles empezando por El Nino, antes Santa Rita. Sus labrados consisten en varias galerias, con distintas denominaciones, tales como Cano dei In- glês, dei tio Martinez ctc. teniendo el primero bobcdas de ladrillo con ramales y enjutas de lo mismo, que honra á su Director, abiertos so- bre el criadero y siguiendo su direccion á distintos niveles y un [loco separados, viniendo a formar lineas paralelas entre si; pêro siguiendo el buzamicnto de los minerales ascendicndo en clasc á 4 que con al- gunos rccodos y registros en diversos puntos eu busca de aijuellos y el gran cano denominado dei Sordo, que en direccion de NE. á SO. atravicsa la demarcacion en sentido diametralmente opuesto á los an- teriores y el pozo lumbrera, constituyen los labrados de la mina, de cuya naturaleza y orden pasamos á ocupamos. Se han abierto con el fm de esplotar una capa fdon de potencia variable y por término mé- dio de 0,30 á 0,50 de vara, que marcha constantemente de NO. a' SE. con una fuerte inclinacion de 50 á 55." ai O. constituido en su totalidad por un mineral poço comun y variable en sus caracteres ori- tognósticos hasta el infinito, cual es el carbonato de plomo mczclado fuertemente con óxidos de hierro que le d.á un color rojo cn diver- sas tintas y le dcsfiguran predominando tambicn cl hierro arcilloso ó hidratado que con cl plomo carbonatado toman un marcado y raro aspecto escorifomie, y otras veces un fuerte color rojo oscuro y ne- gro á Io que los operários Ilaman requemado, espresion perfectamcntc bien acomodada á los caracteres esleriores de tan singular variedad; I)i: MAI..V(.A. 1.. a.sí mismo m- (irfMUil.i cl siilluro de piomo ó {^uIlmiu ilu lioja ;tiiclia y de grano de diversas inagniludes aiiiKiue no con ahuiidaiicia. I.laniaii los oj)crarios eliimciicas á la [lartc leble de lerrciio en (jiic la doloinia no se presciila cii roca consistente, sino niuy por el contrario for- mando tierras sin colierencia alguna, [lor lo que es iiidis[iensal)lo el mas esmerado cuidado en lorlilicar convenientemente tules puiitos por que el menor descuido atraeria consigo males y desgracias sin cuento. S. Josc. Cuanto llcvamos cspuesto puede con poças escepciones aplicarse á esta mina cuyo ipineral diliere dei de la anterior notable- mentc, cl que si bien marcha en la misma direccioa es de naturalcza diversa consistiendo en sulfuro de plonio de grano regular y fino, bas- tante compacto y de im color gris claro, llevando por ganga ó ma- triz la caliza que sirve de cajá ai criadero, sus labores consisten en dos pozos, principal y lumbrera no distantes entre si y \ galerias, que marclian de NO. á SE. estinguiendo cl mineral en roca consis- tente que evita fortillcaciones. Cuantas minas liay en este punto ado- lecen de igual falta, cual es que no se han cuidado de investigar ó esplorar el terreno á profundidad, y por el contrario han forzado de- masiado las esplolaciones en dircccion. Como quietas. La capa que disfructa esta, marcha en igual di- rcccion que las anteriores, siendo las mismas sus circunstancias á es- ccpcion de la naturalcza dei mineral tpie es mas rico y en su conse- cuencia conticne mas cantidad de plomo que los demas dei próprio terreno. Para su beneficio se han abierto varias labores, no con el mayor acierto, acinando pozos sin orden, método ni ventajas que justi(i(|uen su oportunidad. De las varias minas de este circulo se han cstraido en todo el pasado ano st)bre 1)0:000 arrobas de mineral y I0:i00 arrobas de bnen plomo en las fábricas de S. José cn Málaga y Mesípiitas de lleini en cl cerro dcl mismo nombre ai pie de las minas. Ilay varias otras salpicadas, diganioslo así, j)or diversas partes dei distrito, en su genendidad de cscaso intcrés con trabajos de in- vestigacion sobre indicios de minerales mas ó menos ventajosos; sien- do la principal de esta clase la denominada Trinidad cn la leza de ia villa de Casíires, conocida lambicn bajo el epileto de la dei Cura de Cortes por habor sido uno de los Scuoi'CS Curas de esto pucblo cl pri- mcro cpie las trabajó (cn 1 82(3} con resultados alguu tanto satisláclo- rios, siendo lioy su propiciaria la conipania llamada dei Sol eslable- 16 MÍNERÍA fida cn la plaza de Gibraltar, digna de Ioda considcracion por su asi- iliiidad y porscvorancia en los irabajos hacicndo gastos de eiitidad, ci- frando lioy sus conatos cn trojiezar coii los niincralcs que la pública tradicion dice dcjó en abundância cl cura de cortes, y para cujo fin son varias las labores que lleva practicadas, tanto de investigacion «uanlo de reliabiiitacion, dejando ai descubierlo las antiguas y recos- truycndo sus fortiíicaciones. Tiene que lucliar con la debilidad ó poça lonsistencia dei terreno (pizarra carbonosa algun tanto dcscoinpucsta) jior cuanto se baila situada cn cl misnio transito de la formacion tra- pica de sicrra Bernieja á cuyo pie situa con la de transicion sobre que yace, babiendo dcstrozado notablementc el terreno en el que basta lioy solo se ballan nódulos ó rinones de galena y pirita de cobre, y algunas vetiilas de escasa potencia. La titulada S. Manuel, que está cn el arroyo de Galica á légua y media ai E. de la ciudad de Málaga, tiene su porvenir en una vela de 3 á 4 pulgadas de potencia de marcba constante y de nn mine- ral selecto por su pureza, aun cuando para utilizarle tiene que aumen- tar en potencia siguiendo constante su calidad. I^i de S. Gabriel ó Jesus Nazareno, en el cerro de Santopita ter- mino do la niisnia ciudad, prosigue con laudable constância, cl gran socabon ó cano de deságue, que alcanza 390 varas de longitud y está ])rocsimo á comunicar con los trabajos antiguos, en los cjue liay un iilon respctablc, segun la opinion de los que lo ban examinado. 1>£.09I0 tRr;i:i%TIFERO. Este producto se halla limitado ai canton denominado de las t.hapas de esta ciudad, por cuanto que los minerales que contiene son argentiferos. Las minas que lo constituyen, notables por mas de un concepto, y ([ue en breve estudiaremos con toda estencion, son varias, «juc SC trabajan con mas ó menos constância, ó se abandonan y vuel- ven á denunciar ctc; pêro las que se elaboran sin interrupcion y con ima constância que bonra á sus duenos, son las pertenecientes a' las sociedades Virgen dei Rosário de Jerez de la Frontera, Lcgalidad do Gibraltar, Estrella de Cadiz, y S. Juan Bautista do Jerez á las (jue ))crtcnecen las minas Consuelo, Santa Rosa y Rosário, Si produce se continuará, y Trabajaras y bailaras si bay, ó sean la Romana y S. Pa- l>lo, Estrella, Jesus, Maria, y Virgen dei Cármen. DE MÁLAGA. 17 Situadas en el arroyo de los IJnarcjos, téiniino de Ia villa do Ogen )■ en los montes Mamados de las Chapas de MarLella á dos lé- guas ai NE. de esta ciudad, los que aun cuando de poça clevacion lorman barrancos y qucLiadas, por la descomposicion de las rocas (jue los constituyen y s" posicion y naturaleza, que en general son las pizarras ardilosas de fractura astillosa, color gris pardo y negro con trânsitos á las carbonosas y es(|uistos niicaceos, sustituyendo en algunos casos á la mica los granates, aunque no muy pronunciados, formando pizarras granatiferas; alternando las capas con estratos de cuarzo y otros de arenisca cuarzosa correspondiente á Ia formacion, que es cl grupo Mamado de transicion, y tambien con la caliza dolo- mitica cristalina, que asoma sus blancas capas en Ias depresiones dei terreno etc, todo sublevado por las serpentinas con su color general y sin mineral alguno caracterislico en su masa sino su composiciou natural, que en capas de poça potencia ó bien sigue los planos de cs- tratificacion, ó bien los corta en distintos ângulos: la direccion ó po- sicion general de los estratos aunque alterada por casos especialcs y en general bien iuvolucrada es de SO. á NE. aproximadamente. Esta formacion que tan marcada observamos en este punto se halla desar- rollado en una grande estencion de la província, bordando las sierras calizas, que ya hemos descrito anteriormente y aun formando su base como la de la Blaiica, 3Iijas, Bermcja etc., y olras vcces por si solo forma montes de alguna elevacion, como los de la Romcra y Lagares de Málaga, Almogia, Olia, Totalan, C.utar, Velez etc, creando los de- tritus de las pizarras arcillosas de capas delgadas, porque su suelo se seca pronto y se calienla mucho las tierras en que mejor prosperan los grandes vificdos, que son la riqueza agricola dei pais. I^ niisma formacion se halla asimismo alterada por Ia verdosa serpentina á (juien suslituye á levante dcl distrito la diorita, que se presenta predomi- nando el anfibol. En cl circulo que describimos atraviesan la estratificacion gene- ral dei terreno vários filones, ó sca de SE. á NO. formando la base de esplotacion de las indicadas empresas, es que se esliende jwr la falda dei Mamado cerro de Carillo, y corre hasta la margen dereclia dei indicado arroyo de Linarejo, en una estencion do 600 varas en que se halla reconoeido por su superfície, y en 200 |)or su interior, inclina muy poços grados ai N. es de potencia variable, por término médio 275 varas, y compuesto de galena de grano de diverso ta- mano y Iiojosa, sulfuro de zinco, hierro oxidado, y pirilas, feldespalo procedente de la descomposicion de la serpentina, caliza, abundando ilEM. DX .\CAD. 1 .* CLASSE. I.U.P.I. 3 1 8 . MINERIA la galena con bastante blentla en la cabeza dei filon y á profundidad, mas pura cscnta de otros ciicrpos, y de grano mas fino. Para su disíVulo se lum licclio vários trabajos, que para descri- l)irlos con mas claridad nos circunscriijirenios á cada mina dando prin- cipio por la mas adelantada e importante ó sea el Consuelo. C-onsisten cn una galeria principal ó sea socabon de entrada que corre 95 varas fortificadas cn su mayor parte con boveda corrida do médio pilnto, construida con ladrillo así como sus ramales, en cuyo sitio corta el filon presentandose bastante estéril, y para reconocerlo á profundidad se siguió con el pozo Consuelo, que cucnta 22 varas. Poço antes de terminar cl socabon marcba una galeria titulada de S. .luan lortilicada convenientemente con buenas portadas hasta enlazar con cl limite de la demarcacion en su union con la colindante Romana, y ai SE. donde bay un pozo de 1 8 varas, que toma igual nombre, for- tificado de cntivacion convenientemente y con su bajada de escala con descansillos ai efecto. Estas y varias otras labores de muy escaso in- teres forman lo que podemos Uamar primero piso. Constituyendo el segundo una larga galeria, que dejando ai descubicrlo cl filon une los dos pozos y sigue algunas varas mas, con el nombre de Santa Rosa, hasta que aquel esteriliza algun tanto: á las 29 varas dei pozo Ro- mano liay im gran anchuron donde se ha presentado en mayor po- tencia ó sea de !) varas, habilita cl pozo de Santa Cccilia, que tiene ;i2 de profundidad hasta su caldera, que es el punto mas avanzado de la mina; á los 150 de su brocal parten en direccion dei filon ó por su centro ó sea ai NO. y SE. dos galerias Encarnacion y S. José, avanzando la primera 2G varas, cortando ó estinguiendo un mineral selecto, y la segunda 12 varas de mineral inferior: á las .30 ó sean 15 doestas se han emboquillado asi misnio otras dos galerias parale- las á aquellas Rosário y Santa Isabel, que deben cortar buen mineral a juzgar por analogia. El filon ai SE. y á las 5G ó tíl) varas dei li- mite de la demarcacion por el costado S. parece ser forma una inllc- xion brusca mas á profundidad por la interposicion de una masa de serpentina muy descompuesta, que lo corta en un angulo de Í5 á 50.' Con estas labores quedan ilancjueados dos grandes primas ó ma- cizas de mineral los que esplotados con el orden, economia y buen método lan necesario cn toda esplotacion de minas y tanto mas en l;is (|ue ocurren circunstancias como en la presente con un terreno tan dislocado como desde luego se deja conocer por la resena do la clasc de formacion eii que arma el criadero, y tanto mas los terrenos ó puntos ciiyas presioncs deitemos vencer a la ijnniediacion dei filon. DE MALACA. 19 i'l ([uc por su niucha potencia y origcn, que cn nueslro sentir es pos- lerioi' ,i la fonnacion y desde luego á las serpciUinas puesto que las Ita alterado y descompuesto hasta el estremo de (pie por salvandas conserva esta roca en un estado de destruccion estrema y ciial si hu- viera sufrido una accion plutónica nuiy viva, cn que los terrenos pre- scnlan resistência ai barreno, por lo (pie los trabajos son paulatinos ú gastan mas tiempo, si hien una vez pcrforados y cspuestos a' las in- llnencias atmosféricas se agrietan y destruyen con facilidad, sin duda por la prcsion y gran fuerza de gravcdad de la roca: los trabajos son mas (liliceles por estos accidentes asr que los de fuera dei fdon nccc- sitan fortilicacioiícs, marchando cn lo general con labor de conquista, no obstante dar la feliz coincidência de no abundar las aguas subter- râneas y si en las labores altas debido á las fdtraciones dei eslerior. Con la esplotacion de estos macizos y los que luego se nan(pieen pre- parando bien cl campo de labor y beneficiando la mina bajo un sis- tema vcntajoso y una administracion rigorosa, los productos que rin- da adernas de premiar dignamente los afanes de los interesados, ha- ran cpic la mineria dei distrito adipiiera confianza en algunos puntos de su privilegiado sucio y un rápido vuelo que la eleve á la altura de que es digna prodigando ai pais sus benefícios. Estos deben dejarsc sentir en breve por cuanto la socicdad Virgen dei Rosário ha contra- tado con una casa esliangera, (|uc tiene fundiciones ó sea oficinas de beneficio de ploino y platas cn el litoral la venta de 100:000 quin- talcs de mincrales procedentes de sus propiedades cn las Chapas. Santa Rosa y cl Rosário, que tienen su dcmarc.acion ai NO. dei Consuelo y sobre el filon no tienen labores bastante avanzados á pro- lundidad para juzgar jwr cilas de su importância, por mas cjue su j)osicion es ventajosa y su esplotacion se prcsenta con buenos auspí- cios. La Romana consta de una galeria socabon de entrada cn igual sentido que la de su vecina, caminando ai S. y aprovechando para su apertura la falda de la montana <[uc gana DO varas en longitud la- bor bocha antiguamente en que se trabajú por varias empresas de po- ços fondos y (jue la abandonaron por la diíicultad de fundir sus nie- nas á consecuencia de la mucha blcnda ([ue contienc, la actual em- j)resa ha formado un ancluiron y pozo á su limite que tiene 50 va- ras de profundidad, colocado en mala posicion y á un costado dei fi- Jon abicrta muy mal; á las 20 varas rompe con el una galeria y lo recorre en 21 por médio de la titulada de S. Francisco abierta cn su casa, que se prcsenta en este punto muy estéril por lo que la socie- 20 MINERIA (lad con un ceio y teson rcmarcables se ocupa en corregir los gran- des errores dei jiozo y forliíicarlo do iDancra que pcrniila profiindi- zarlo convenientemente hasta el nivol oportuno para volver á practi- car otra galeria de ronipimienlo ai lilon y ver si á profundidad ha cnnoblecido como es natural, pues la posicion de esta deniarcacion no puede ser mas satisfacloria, por cuanto se halla cn cl centro dei cria- dero, sino que como estos tienen tantas variacioncs en direccion, in- clinacion, riqueza, potencia, etc. puede muy bien suceder que aun cuando el punto atacado por la galeria de S. Francisco sea estéril, no por esc hay que juzgar desfavorablemente, hasta no examinarlo cn otros. San Pablo. Se halla en análoga posicion y circunstancias de Santa Rosa y Rosário, colocada su demarcacion en punto diametral- mente opuesto á ella, ó sea ai estremo SO. aun cuando no se hay a trabajado sobre el íllon en sus escasas labores, reducidas á una gale- ria de entrada y á un pozo de 1 6 varas, se presentan varias venillas ó rafagas de un mineral superior. Estrdla. Esplota una veta ai parecer ramilicacion dcl fdon prin- cipal, que corre en direccion de E. á O. aprocsimadamcnte, de poten- cia variable y por general O, 20 á O, 30 de vara, compuesto de ga- lena brillante de grano fino y algo antimoniosa y la mas argentifera hasta hoy de todas las dcl canton, contcniendo por término médio de los diferentes trozos que se han ensayado de 60 á 70 por ciento de plomo y dos onzas cumplidas de plata por quintal de mineral y los dei Consuelo de r)0 á GO por término médio y dos onzas escasas de plata por quintal de mineral: las labores que se han hecho para su disfrule consisten principalmente cn la galeria de entrada, que en di- reccion S. 20.° O. recorre 13 varas y dando un recodo ai E. 19.° N. a' las 5 varas termina en un anchuron dei que desciende un pozo que ■ profundiza 30, á cuyo plan se han abierto dos galerias de reconoci- miento y disfrute en direccion. En la parte superior, parte dei an- churon una galeria á levante terminando cn cl pozo Anibal, que está atorado á electo de los grandes hundimientos que han sobrevenido por el desorden y falta de forlificacion, que reino cn la esplotaciotv primitiva, siendo el terreno de esta mina inas alterado aun que el de los dcmas por los muchos lisos ó resvalamicntos de roca que tiene. La esplotacion no ha sido la mas acertada ni vcnlajosa, porque cl mi- neral que han estraido ha sido rcbajando la galeria alta hasta cl punto en que el terreno manifesto peligro y rellenando la hoquedad con tier- jas y piedra. El sistema que ai parecer se prcscnta mas favorable- DE MÁLAGA. 21 mente cn esla mina es el de galerias y pozos inclinados, pueslo que la vela Luza mas de 35.° ai M. ir co exilo las minas (jiie de esta clase se hallan registradas en la Inspeccion, contriiniyendo á cllo cl mal que tantas veces liemos lamentado de llilta de capitales en las pcr- soiias que por lo general se dedican á su beneficio, y sabido es ([ue sin tan poderosa palanca ayudada por la inteligência no es posible poner en jucgo los elementos de la industria. Las prinieras minas que se descubrieron son las Ululadas Her- rumbrosa y Jlarjal dei Foro cn termino de Genalguacil y Cibelcs en ia cuesla dei Pino, termino de Pugerra que se han trabajado por di- jcrcntes sociedades, sicndo la titulada Esperanza la que disfruló parto de las ricas muestras que prcsentan de cobre gris y abigarrado, pi- rilas e carbonatos do una riqueza nolablc; posteriormente se lian de- nunciado por varias olras, sicndo escasos los trabajos liecbos que cn Ja ejwca que los visitamos cstaban liundidos y ancgados, dejando no obstante dcscubrir en el astial de uno de los socaboncs un íilon de gran jiotoncia compucsto de arcnisca, óxidos de liierro y las salcs do ERAL VUALIDAD AUnODAS LIB11A3 Arrobas 1:500.000.) Piorno Hierro colado kl. nialcable Grafito Cobre ncsTO 20.G72 627. GOO 564.720 5.028 24 100 37 i QuiHtalcs98i Niqucl » Marbclla 1.° de .Iiilio de 1819. Josc l/c /llihtnia . t (- . - ^ M 12 1 Zí In í/^ S i to ^ ~ ™ í s « .« O 1 ■= .^ - í?| •* -^ ÍC c 1- H 1^ ;o ■« X O 5 -- — c ^ (g, ©1 os «*• -«^ O X O 2 n : i2 JO 10 iS I'. CO c -r ^ Co rt «et- -^ « (S « s •* -. - -. a; ^ c 'í í*i 1 1 M 1 1 = " 1 -3 5 •^ . C CJ o ■^ ~. -a « «ií w u — i: ^ 2 = S 1| @' O O C5 O , o o o o o o o o 1 ' :£ -o if3 « 2 é Ji — s = i ^ g 2 <«« 1 1 12 1 (?i ^ 2 00 S -~ -^ oo 5; - ^ i si •- .'H i3 © o 1 112 1 X ^ « *■ '^ -/) S 3 ^ o. o. g 5í .- >. « « cj w 2-2 É tn w, = O O o = J3 C etí MIM 1 lli?^ X r 1= JH D c o ts — (ã, o o — 1 1 o o -e!- — .« CJ " ■^■^ _^ . -SS 2 = = nj ;^ CJ Z -. «H MIM ( 1 " ;. ^ ^ s 9 - o = Õ s >- ^ — ''^ ic "i " 2 i s « r ,, — 4J ^ ■■« »> 2 ?. S - ^ S 2 '& Cl «* ^ 5 5 •"^ ~ " ■— í-l *■"*• - s 1 „ s > S « ■•5 § -1 -.S O n w. S v; > 1"^' O í ■< •^ wí * B 5 õ c g o ;^ ^ "^ "Z ^^1 _ c 1^ /^. •< ii 5= - 1- w c « ^i .- iS o tf ^ = - ' i 2 f u i: c s = 3 e ã 1 L. tj C ^ M5 1 s-o- = C O " = s s s ^ ti ., t, r <, ^ = = 5 ^ ^.2 c:h s k lE MÁLAGA. tr. Minas rc- p;istrailas ó denun- ciadas du- rante cl ano Colwlln y níquel 46 250 Valnrilel 10 p.°/o dc arrcn- damionto de líneas dvIEstadu 603-29 Oaiilidail ri>brada para di- iho con- ceplo 1437-16 HINERALES ESrORTADOS DURANTE EL ANO Q." Grafilo lil Níquel 2'JO Pliimo «91 2 2 3 — OfTicinasdi , , .. „, r ■ Inr dei .> p. í„ . , liis mincrales das dura, ,. ■ , , . ueneliciaddS cl ano. 818. (lantídad rohra- da por diclio eiiiireplo duran- te el ano. 1369-lS 1'HOUICTOS EgPORTADOS tCRAME EL A.\0 Piorno . g." (ijD £ S3i '', — — í:is DE nE:%E:Ficio. )M0, rODRE V ESTANO Mornos d« cinacíoi Boliches Ilornns de man- ga ú pabas Adernas de los aparatos espresados ccsislen cn la ferreria de la Constância de Málaga 12 hor- nos con sus calderas dc^ap(^r, 13 hornos ú estu- fas para vários ohjetos, 1 horno para alambre. 3 ro\erlpcros para hoja de lata, 8 hornillos para es- lanar, y en su dependência llamada ferreria de la Concepcion en lòrmínodcMarlielIa 3 aparatos ó es- tufas para calcular el >iento con los gases sobranlcs de los hornos y en lin diferentes máquinas de vapor y rucdas hidráulicas con aplicacion á distintos ol>- jCtos. J. BE ALOAMA. INSPECCION DE MINAS DEL DISTRIGTO DE MÂLÂGÂ. RESLMEN ESTADISTICO DEL A\0 DE I8i7. niUU Di: L.IUORKO. Min.is rc- KÍ<>tr.i(las h (it-nun- iad.-is du- rante cl Minns ahnndo- nadns du- rante el ano Minns i\v rti.'irr.id.iy duranlr et ano 46 63 12 Slinasen Libur ó en solici- lud 266 Número 0 Piorno Íi3i '/, — — iiOR\o^ V .%i>%R%TO.«» i»ni\iii*Ai.i:s Er.m.STEATEN E.i t.\% ori4 1.\ %^ i»i: iii':\i:i icio. rAHA HIERRO V ACERO PAIIA ri.fiMO, tmiItK V KIiT4>0 Hornos de cal- ei iiacion Altos bornos Revérberos pa- ra moldcría Cubilotes para molderia Hurnos de ma- ccage Ke^i-rberospara afínacion 23 Hcrrerias co- munes Hornos para acero natural Hornos dr rc- mentaiion 3i Ilfverbcros HornoH dl- nian- f;a ó píibaft Adernas du los aparatoB esprcsados ecsisten en In fi-rreria de la Constância de Málafía 12 hor- nos con sti» calderns de vapor, 13 hornos ó cslu- fas fiara varion idijclon. 1 liorno para alambre, 3 rcierbcros para linja de lala, 8 jiitmillos para es- lafiar, yen sii depcniji-ncia llamada fcrreria de la Conccpcion en lírminodeMarhelIa 3aparatos ó es- tofas para calentar el vicnto conlosK-i^i^ssobranles de los hornos yen lin diferentes máquinas ile vapor y rucdas hidrtíulicas con aplicacion á distintos oli- jCtOS. J. DE At.DAMA. MÁLAGA. Minas re- gistradas 6 denun- ciadas du- rante cl ano 31 Minas abando- nadas du- rante cl ano dmUo liquel Vaiiirdcl 10 i).°/o (Icarrcn- dainicnto de limas dcl Estado Caniidad lobrada por di- cho coii- ccpto 21Í6-16 91Í-30 Valor dei ã P- °/o de mine- ra los es- pcndidos cn bruto 1630-17 Cantidail cobrada por di- clio con- cepto MISF.RAI.FS FSPORTABOS II"- IU^TE EL ANO 1466-17 o." Grafiln. ... 1237 Piorno.. . . KH- Argentifero 100 1 Oííiiinas de Be- nefício construí- das durante cl afio. Oaisp.o/^ doiiiiicr.ilcs Iciadts Cantidad cobra- da por dirho conccplo ihiran- Ic cl ar;o. 10631-31 PBODlCTOj ESrOBTADGS I CaANTE EL kXO Piorno . 1R03 _ _ ; »E REliE^FIClO. COBRE Y ESTA.NO Ilornos de cal- cinaciuu •íchc Ilornos de man- ga ó pabas Adcnias de los aparatos csprcsados ccsislcn cn la fcrrcria de la Constância de Málaga 12 hor- nos con sus caldcras de vapor, 13 hornos para vá- rios ohjctos,2 hornos para alambre. 3 rcverlxTos pa- ra bojas de lata, 8 hornillos para cslanar; y cn su de- pendência llamada fcrrcria de laConcepcion en tér- mino dcMarbelIa.S aparatos para calcntar cl vicnio con los gases sobrantes de los hornos y un horno pa- ra fundir bronre y crisolcsy haccr ensayos, máqui- nas de viento de doble accion , 1 rueda hidráulica oon forra de 2:j caballos. otra de 1 1 y olra de 8. ma- quina de \apordepresionde 18caballosdcfuer?a. J. UE AÍ.1IA1U. Minas rc- Kistr.iflas 6 denun- ciadas du- rante cl ano INSPEGCION DE MINAS DEL DISTRICTO DE MÁLAGA. RESLMEN ESTADISTICO DEL ANO DE I8i8. liAllO DE LAnOREO. 31 Minas abando- nadas du- rante cl ano Minas i\V' marcadas durante cl ano Minas cn labor ó en solicl- lud 235 NúmiTo de las de- marcadas 80 -Vúmcro dtr las pruducli- 9G Minas en frutos CO FUERZA DE SANGRE OCDPADA Personas 496 Best ias Tiro Carga ^T" Contrihu- ciuu de pertencia dcvenga- da duran- te cl ano 8Í84"/, C;inli.i:id Colirada durante cl ano por dicho conccplo 74i2'/, PHODCU lOiN EN OltlXTALES OSTEl-LANUS Graflto 125740X Mineral de hierro 287926'!: Mineral de plomu 9183 Mineral argcnli- fcru 100 Mineral de cobre Coltallo y niqiicl Vnl.ir i\v\ ÍO p.°/^ dearron- d 11 mim tu o Piorno. 1823 II0R:\0.^ V x%l*lRlXO« H»BI.\C'IPAI.ES EC.SflS^rE^TES EiW EAÍ* OEK 1\AS «E »EI^El0 liornos de cal- cinacion Altos hornos Revérberos pa- ra mulderia Cubilotcs para molderia Hornos de ma- ceagc Revérberos para aGnacion Hcrrerias co- munes Hornos para acero natural Hornos de ce- mcnlacion Ri-vcrbcrts Boliches Hornfis de man- g;i ó pabas Adenias de los apanitos cspicsados ecsistcn cn la ferrcria dela Constância de Málaga 12 hor- nos con sus caldcras de vapor, 13 hornos para vá- rios objclos, 2 hornos para alambre, 3 revérberos pa- ra bojas de lata, 8 horiiillosparacstanar;y cnsu de- [jcndencia llamada ferreria de laConccpcion en tér- mino de Marbella.3 aparatos para calentar el viento con los gíisessobrantes de los hornos y un homo pa- ra fundir broncey cr isoles y haccr cnsayos, máqui- nas de viento de duble accion . 1 rueda hidráulica (!on forra de 25 caba lios. otra de 1 4 y olra de 8. ma- quina de vapor i.) Esta commissão declarando primeiro que tudo que só trataria o objecto com referencia á salubri- dade publica, e debaixo do ponto de vista hygienico, passou logo a vi- sitar e estudar as duas localidades tanto da Cruz do Taboado, como da Calçada das Lages, a fim de poder formular uma opinião conscienciosa, e baseada sobre factos da sua própria observação; mas ainda assim con- dições existem que a commissão não pôde verificar por si, mas teve de se soccorrer a informaçCies ofliciaes, pela maior parte, da Camará Municipal, a qual tem andado neste negocio, como em todos da sua competência, com aquella vontade de acertar e de ser útil ao muni- cipio, que todos lhe reconhecem. As informações, por exemplo, sobre a quantidade da agua fornecida pelos poços das quintas da calçada das Lages e outras, estão neste caso. A commissão visitou aquellas localidades no dia 24 do mez de Septembro, e eis-aqui o resultado do exame e estudo a que procedeu. As terras chamadas da Cruz do Taboado compõem-se de lun solo ar- gilo-calcareo, que corre junto da face oriental do aqueduclo das aguas livres desde o chafariz da Ci'uz do Taboado até ao palacete cliamada do Deserto, fazendo no meio uma cova, ou rebaixo bastante conside- rável, e limitado pela outra parte fronteira ao aqueducto pela azinha- ga, ou entrada das Picoas, e alguns quintaes de particulares. Este terreno tem a sua maior extensão lançada de O.E.N. para S.E. ; nas direcções de O.E.S. — S.E. — S.S.O. — e O.E- as povoações ílcam a uma grande distancia deste local ; porém na direcção S. eS.O. existem habitações bastantemente próximas, e ainda muito mais pró- ximas na direcção O. — O.E. c N.E. ; ficando o mencionado terrena n'uma altura superior a de todas estas localidades, excepto á de O.E. E necessário notar que a agua do aqueducto corre n'um nivel pouco superior ao do ponto mais baixo da cova ou valle que existe no meio destas terras. A menor distancia deste terreno ao cano da limpeza da calçada de S. Sebastião será de 40 metros aproximadamente: a inclinação deste cano, desde Santa Joanna até ao Tejo, é muito pouco sensivel, e a sua capacidade, até ás Portas de Santo Antão, bastantemente aca- nhada. 1»ARA UM MATADOURO EM LISBOA. 9 A eornniissão depois de examinar este local passou a visitar as cpiintas dos Apóstolos, do Meio, ou do Coxo c a da Madre de Deus, situadas no Alto do Varejào ao lado occidenlal da Calçada das Lages; as quacs todas reunidas constituem um dos terrenos destinados para local do matadouro da cidade. Estas quintas, cujo solo é nos altos argilo-silicioso, e nos \alles quasi humifero, correm na sua maior extensão na direcção de N.aS. com diversos accidentcs de terreno, a uma exposição no nascente. Ao S. destas quintas apparccc o Tejo, c algumas casas muito ao longe n'um plano muito mais inferior ; ao S.O. as iwvoações ainda ficam muito mais longe, c muito mais baixas ; e por todos os outros lados só apparcccm casas a longa distancia. Ao N.N.E. fica o cemitério denominado do Alto de S. João. En- tre o extremo N. da quinta do Meio eaquelle cemitério fica a quinta m- dantes aguas do Valle de Cheilas, e ás que brotam na parte corres- pondente da marçem direita do rio, (jue estas aguas têem uma ex- tensa superfície de absor{>çào, que é o fundo do Valle Escuro e suas dependências. É igualmente opinião do Sr. Costa, que uma galeria praticada na direcção c em toda a espessura da camada aquífera, que partindo do fundo do poço se prolongasse para nordeste, evitaria que as aguas procurassem ponto do nivel mais inferior, por onde saíssem, e por consequência faria aproveitar uma grande parte das que se per- dem no rio; poiém accrescenta o Sr. Costa, que esta obra teria de ser dispendiosa, mas que só se deveria tentar quando se demonstrasse praticamente a sua necessidade. A commissão passou depois a examinar a agua do poço da quinta da Madre de Deus, e acliou-a limpida, inodora, e com a temperatura de 16° C, sendo a temperatura exterior á sombra de 21° C. Não lhe percebeu sabor desagradável, nem de raízes, mas um fraco sabor sa- lino, que não é o da agua salobra. Não deposita sedimento algum nos vasos em que é guardada, dissolve bem o sabão e cose os legumes. IVo local em que nasce fazem uso delia para beber, sem que dahi se tenlia seguido inconveniente algum, antes pelo contrario é reputada a melhor daquelles sítios. As experiências que se fizeram coni os reagentes chimicos, e o exame comparativo, a que se procedeu, comparando esta agua com as dos chafarizes de El-Rei, de Dentro, e da Praia, que alguns suppõem ter a mesma origem, levaram a commissão a crer, que aquella agua tem uma composição análoga ás dos ditos chafarizes, mas com mais abundância de saes térreos. O areometro de Prout, e o pesa-agua deram para todas a mes^ ma densidade ; os papeis reagentes deram igualmente em todas qua- tro a mesma reacção alcalina ; o acido sulphuríco desenvolveu em to- das, pequenas mas numerosas bolhas de acido carbónico. Porém, o precipitado pelo azotato de prata foi na agua da quinta da Madre de Deus alguma cousa mais abundante, e escureceu mais rapidamentei Também foi nesta agua mais abundante o precipitado com o oxalato de ammonia. Os precipitados obtidos com a baryta, azotato de baryta, e acetato de chumbo foram íguaes em todas ellas. Com o gaz sulphi- drico, esulphidrato de ammonia não se notou alteração alguma. Com o ferro-cyanato de potassa, e com a tintura de galha não apparcceu reacção que denunciasse quantidade de ferro apreciável. O acido o.\a- PARA UM MATADOURO EM LISBOA. & lico, c a amtnonia dcsciivolvcruin nas qxiatro aguas uma peiturLarQo nublosa com pequeno precipitado branco. Tudo isto levou a commissão a acreditar que a agua do poço da quinta da Madre de Deus é agua potável, nào da primeira quali- dade, nem tão boa como a dos chafarizes de El-Rei, de Dentro, e da Praia, porém, mais que sufficiente para todos os usos, para que pode ser enq>rcgada no futuro matadouro; tendo alem disso a agua da cis- terna, que pela sua posição o qualidade muito pódc servir para os di- versos misteres do estabelecimento. Para se obterem dados mais positivos sobre a exacta composição desta agua, a commissão recorreu ao nosso collega o Sr. Júlio Ma.\i- mo dOliveira Pimentel para apresentar uma analyse quantitativa, irito, (piaiido vè a opposioào ipio existe entre as experiências dos homens ([ue mais particularmente es- tudaram o objecto, c a rotina que leva a administração a considerar os matadouros como devendo ser incluidos na classe dos estabeleci- mentos insalubres. Na classificação dos estabelecimentos industriaes, feita pela admi- nistração franceza, e que parece estar adoptada pelo Conselho de Saú- de Publica de Portugal, estão os matadouros collocados na primeira classe de estabelecimentos insalubres, incommodos ou perigosos. A primeira cousa, pois, a examinar, é se eíTectivamente ahi devem estar classificados. Não é difficil provar que esta classificação, no estado de perfei- ção a (|ue têem chegado os matadouros, é inteiramonle contraria aos factos, e opposta á opinião dos hygicnistas mais celebres, e que mais dignos são de confiança. É inútil demonstrar que os matadouros não são perigosos, porque ninguém de certo pijc em duvida ([ue nào ha nelles mais occasiões de incêndios, havendo as cautelas necessárias e regulamentos adequados, do que em outros estabelecimentos onde se fabriíjue com o emprego de fogões e machinas de vapor. Explosões , essas são impossiveis onde não existe substancia cxplosivel. Passare- mos, pois, a provar que os matadouros nào suo insalubres. Nos authores modernos não se encontra affinuação clara, segura, positiva de serem os matadouros insalubres, antes todos mais ou me- nos deminciam uma certa hesitação em admiltir os quadros das ta- beliãs administrativas. E essa hesitação é perfeitamente fundada, por- que os factos provam sempre, e em toda a parte, que lacs estabele- cimentos nenhuma acção funesta exercem sobre a saúde, não sú das pessoas que vivem em habitações próximas, senão também dacpicllas que dentro delles passam a vida, na preparação das carnes, dcven- tres, etc. , etc. Os que sobre as condições hygienicas de um mata- douro houverem de emittir opinião, não devem esquecer o estado de aceio dos matadouros modernamente construidos, perfeição nos pro- cessos, e natureza dos productos que ali se preparam ; e tendo em consideratío lodos estes pontos, não se pôde de certo concluir que os matadouros sejam focos de infecção. Admittindo mesmo que num matadouro existem todos os defeitos e a falta de limpeza que, por exemplo, se nota no de Lisboa, ainda assim c erro afíinnar (|uc seja foco de infecção. Nas visinhanças do actual matadouro, ccrcando-o por PAI\A UM MATADOURO EM LISBOA. 19 todos os lailds, lia iniiilas liabitac-õcs ontlc iiiorain numerosas familias; tJi'sle inaladouio iiilwlo, c das não menos inCcclas ofíicinas onde se I>rc|iaram os devenlres, ete. , exhala-se um clieiro por extremo desa- gradável ; dentro desse matadouro c dessas ofíicinas vivem bastantes pessoas, c é certo cointudo (|uc nem naqucUas familias, nem entre os operários se manifestou ate hoje alguma epidemia, nem para clles a vida c mais curta do que para os indivíduos que exercem outros mis- teres. Este argumento pódc talvez nijo levar ao espirito de todos a con- vicção que enj nós produz ; esperámos, porem, que aqueíles, que não admittirem como prova sufliciente os factos que cada dia estão pas- sando debaixo de nossos olhos, julgarão dignas de attenrão c conside- ração como rasào bastante para não reputarem um matadouro, mes- mo imperfeitamente construído, como um foco de infecção, cuja pro- ximidade das povoações pôde causar graves prejuízos, julgarão, repe- timos, rasào suflifíente para levantarem aos matadouros a terrível cxconiMumlião, as opiniões do mais celebre, do mais illustre dos hy- gienislas francezes, de Parent Uuchatelet. Não são as opiniões de Du- chatelet sobre os matadouros que nós citaremos aqui, mas sim as que emitte sobre estabelecimentos onde se chassinam anímaes, onde se conservam muitos dias os seus despojos, e se fazem pass;ir por opera- ções muito variadas. Parent Duchatelet, faltando das chassinas de Montfaucon, para onde eram levados todos os cavallos mortos em Paris, c onde a carne, o sangue, os ínlcstínos c outras vísceras destes anímaes, cujo numero subia a mais de dez mil por anno, eram abandonadas, pela maior parte, sobre o solo á putrefacçào espontânea, fallando deste estabele- cimento horrível e repugnante, e que parecia dever considerar-se co- mo um foco lie infecção em roda do cpial todas as doenças pestilen- ciaes teriam irresistível poder, diz: — J observação, que nós prose- guimos fia quatorzc ou quinze aii/ios, ciisinou-nos que por maior que seja o horror das cliassinas de Paris, apesar da inUnsidade dos ga- zes pútridos c das emanações infectas que se exhalam destas ofjicinas não prejudicam a saúde daqucllcs que habituabiienle respirauí os va- pores que d' ai li emanam. Alguém procura explicar esta falia de acção diileteria das exhalações de lacs estabelecimentos, sobre os operários (|uc nellos trabalham, pelo habito que estes tècm de as respirar. E certo, porem, que nenhum exemplo que nos seja conliecido prova que a proxiiiiidado das chassinas de Paris haja sido nociva para as pessoas não habituadas que se cslabclecesscm perto delias; pelo contrario, Pa- 3 . 20 ESCOLHA DO 3IELH0R LOCAL rent Duchatelot dizia aos que consideravam Monlfaucoii, como sendo indubitavelmente uma causa de epidemias de Ijplios, clc. , (juc anlcs de affirinarem deviam indagar a rasào por que causas, cm apparencia tão prejudiciaes, e segundo clles lào perigosas, não impediam na Yil- lete um augnienlo constante da população. Um 1'aclo notável, cilado também por Ducliatelet, servirá de nova prova ao que acima affirmà- mos. Conta elle, que um sujeito desejando fazer uma experiência so- bre transformações de matérias animaes, fundando-so para emprelien- der a sua experiência em ideas falsas de chimica, lançou n'uma vasta piscina defronte de Antcuil quatrocentos cavallos cortados cm peda- ços, e ahi os conservou durante dois ou três mezes, sem que resul- tasse inconveniente para a saúde dos habitantes da visinhança daíiuclic grande deposito de substancias em putrcfacçào. Numa memoria em que buscou determinar a acção das emanações pútridas, provenientes da decomposição das matérias animaes sobre as substancias alimentí- cias, Parent Duchatelet prova por um numero considerável de obser- vações e experiências, que essa accuo é inteiramente nuUa. Será por ventura necessário accumular mais citações para mos- trar a inocuidade das emanações que resultam da decomposição pú- trida, feita ao ar livre? Por que? Pôde por ventura comparar-sc um matadouro, mesmo o de Lisboa, ás cliassinas de Montíiuicon? E se es- sas não produziam epidemias, nem alteravam a saúde dos operários que nellas viviam, como se affirma que o matadouro é um estabele- cimento insalubre? E admittindo mesmo — o que os factos contradi- zem— que o matadouro actual é insalubre, como se pôde fazer, de- baixo do ponto de vista liygienico, a comparação entre este matadouro e os construídos em Paris ou Rouen? Ha, entre o actual matadouro de Lisboa e um matadouro bem organisado, muito maior dilTcrença do que as antigas chassinas de Paris e aquelle péssimo estabelecimento; ora, se as chassinas se nào podiam considerar focos de infecção, se nas visinhanças do Campo de Santa Anna se não tem passado facto algum que possa authorisar qualquer medico a attribuir-lhe acção nociva sobre a saúde dos que respiram as emanações do matadouro, como se pôde receiar que o estabelecimento que a Camará Municipal deseja construir, aproveitando todos os progressos da industria moderna e todos os conselhos da sciencia, possa vir a ser um foco de destruição? Discutir por mais tempo uma opinião tão pouco fundada, parece-nos inteiramente supérfluo. Quando os que a defendem se apoiarem em factos, discuti-la-hemos então, e veremos se elles foram observados. PARA UM MATADOrRO EM IJSROA. 21 com a sisutlcza (|iio a scicncia exige o (|iic só pôde dar aulhoridade a quem anirnia (|iiiil(|iior proposição scicnlilica. Em verdade era quasi siii)crl!uo, tratando da constnicção de iim novo matadouro, disciilir osta (piestào da insalubridade, poi-cpie basta ter idt-a do modo [lor (pie no [)resente são os matadouros organisíidos, para perceber immcdialamenle que nào podem ser insalubres. De- mais, é na própria tabeliã administrativa, em nome da (|ual os ma- tadouros sào expulsados para longe das liabitaçòes pelos livgienistas meticulosos, (pie nós adiámos nm forte argumcnlo de autlioridadc l)ara provar que elles nào sào insalubres. iVella vem tacs estabeleci- mentos collocados na primeira classe, e nu indicação summaria dos seus inconvenientes unicamente esta sim[)les plirase — mau cbeiro. Se hesitássemos ainda, depois de ter lido as palavras de Parent Duclia- telet, em considerar os matadouros como nào insalubres, a indicação da tabeliã administrativa franceza bastaria para acabar com a nossa perplexidade, para nos assegurar na opinião de que por toda a parte se podem estabelecer matadouros sem inconvenieule algum para a saudc publica.. Provado, pois, que os matadouros nào são insalubres, vamos ago- ra ver SC elles se podem considerar incommodos. Qual e o inconve- niente que levou a administração franceza a coUocar os matadouros entre os estabelecimentos (jue devem estar sujeitos a certas prescrip- ções liygicnlcas i' O seu mau cheiro. Haverá este inconveniente nos matadouros perfeití.mente construídos e bem administrados;' Para res- ponder a esta pergunta devemos recorrer ao testemimho dos homens competentes de França , visto que em Portugal não existe nenhum matadouro que se possa comparar com os daqiiclle ])aiz. Transcreveremos primeiro aipii algumas palavras de Parent Du- chatelet, não a respeito dos matadouros, mas sobre uma fabrica de Mrs. Salmon c Payen, ])ara onde eram transportadas as carnes e ou- tros despojos de aniniaes morlws cm Montfaucon, e ahi tudo aprovei- tíido para diversos usos industriacs. Foi na nossa presença, diz o ce- lebre hygienista, que alguns cavailos foram preparados no estabeleci- mento de Mrs. Salmon e l*ayen, c não podemos perceber na fabrica cheiro desagradável. E noutro logar. — Acabámos de alTirmar que nas experiências numerosas, feitas, na labrica de Mi's. Salmon e Paven, quer cm nossa presença, quer em presença de muitas outras jicssoas, não podemos reconhecer, durante as operações, cheiros infectos; de- vemos dizer que o cheiro, nullo durante a cocção das substancias, só se fazia sentir durante a compressão c dessicação das matérias, mas 22 KSCOLUA DO MliLIlOK LOCAL qiio iMiliio era siniillianlo ao (iiio deita a agiui (U; lavagem das fosi- iihas. — De uma oiilra fabrica [>ara a pi-e[)ara(;ào de suljslancias de aniiiiacs (carnes, ossos, etc.) o Pieleito, o Consullio Municipul, muitos Maircs de Paris, grande numero de agricultores, de sábios, de mem- bros do Inslilulo, dejiois de liaverem por nuiilas vezes estudado os processos do íabricaçào c o modo por (pic era dirigida a fabrica, afíir- inaram que sem inconveniente se podiam praticar as mesmas opera- ções no meio dos bairros mais populosos da cidade de Paris. Eis-aqui a opinião de homens de elevada aiilboridade acerca de estabelecimentos, cpie antes das descobertas da industria moderna se poderiam considerar como insusceptiveis de tão grandes aperfeiçoa- mentos. Ora, se nestas fabricas nem mesmo existe cheiro incommodo, como se pôde receiar (jue n'um matadouro o haja? Paliando ainda das fabricas de productos animaes a que acima nos referimos, diz Parent Duchatelet, provámos que o ar não seria Aiciado pelas emanações que saíssem da fabrica projectada, e que existiam em Paris estabelecimen- tos análogos (os matadouros) que não causavam incommodo na visi- nhança. Depois desta citação, haverá quem duvide que a opinião do consciencioso observador era que os matadouros não se devem consi- derar estabelecimentos incommodos ?. . . Não terminaremos esta parte da nossa exposição sem citarmos o que acerca do matadouro de Ruão diz Girardin, o mesmo, cujas opi- niões foram nesta questão citadas para provar os suppostos perigos de se edificar o matadouro na Cruz do Taboado. Girardin, que pelas suas observações sobre as matérias chymosas tanto influiu na opinião do Conselho de Saúde Publica do Reino, diz numa carta a Mr. Chcval- lier : — O matadouro de Ruão e um modelo de aceio. Ha agua em abundância, mesmo durante os maiores frios. As casas em que se mata o gado estão ]>erfeitamente arranjadas ; nas ruas do matadouro , não se vè uma gbtta de sangue, não se sente cheiro algum desagradável. Todas as aguas sujas circulam por baixo do chão, evão metter-se n'um poço, que ti coberto, de modo que sobre este e durante os calores mais intensos se não sente cheiro algum. Havendo provado que um matadouro bem construido e adminis- trado, como a Camará de Lisboa deseja edificar, não é um cslabcle- cimento perigoso, nem insalubre, nem mesmo incommodo ; poderia- nios dar por concluída esta exposição, .lulganias porem, antes de ter- minar o nosso trabalho, dever examinar os argumentos apresentados contra a esi-ollia que a Camará fez das terras da Cruz do Taboado para ncllas estabelecer um novo matadouro. PAUA UM MATADOURO EM LISUOA. 23 Nào nos pnrcco necessário «lisciilir se ii;is terras da Cruz do Ta- l)oado lia espaço siillicionle i)ara nellas conslrnir um matadouro com todas as accomuiodaçòes exigidas por uma oflieina desta natureza: para f|ii('m pôde expropriar, e lem meios para o fazer, nuiicii falta espaço. Ksla (piestào é puramente económica, e a liygicnc nada tem eoni elia. Coni tanto «pie o matadouro novo seja igual em aceio, cm Lom ar- ranjo, cm vastidão profiorcionalmenlc ao numero de rezes que nelle se lião de abater, em condições iiygienicas aos meliiores estrangeiros, pouco importa ao liygicnisla cpial foi o numero das expropriações que se fez, e (piai a sua importância. Não foi sobre a parte económica da (pieslào que o Governo consultou o Conselho de Saúde e a Academia, e por isso nem uma nem outra destas cori^raçòes tem sobre tal ob- jecto (|ue interpor parecer algum. K nem se podia dar uma opi- nião rasoavel sem se terem presentes lodos os dados necessários para isso. A vista do pavor que aos hygienistas ultra-mclindrosos causam os matadouros que elles consideram como lançando de si emanações senão verrladiiramcnte miasmalkas pelo menos sumiiiamentc incommO' fias; á vista, repetimos, de tal pavor não nos admiramos de ver li- gar lima extrema importância á sua ventilação. Frovado, como está já, que os matadouros modernos nào sào in- salubres, nem lançam de si emanações algumas; provado pelo teste- munho do Parent Duchatolet, das aulhoridades de Paris, e do pró- prio (íirardin, que nem mesmo dentro desses estabelecimentos se sente cheiro algum desagradável, fica também provado ((ue é indiflie- rente que os matadouros fiquem ao Norte ou ao Sul, a Leste ou a Oeste das jjovoaçòes, e (pie nào e a ventilação que importa ao hygie- nista, mas sim a aeracão do estabelecimento, e, a renovação constante do ar, dentro do cdilicio, (jue unicamente deve occupar a sua attcn- çào Ora o ser bem ou mal arejado qual(|uer edificio, depende do mo- do por (pie as aberturas para a entrada e saida do ar e os focos de ca- lor estão dispostos no interior delle: vão são os ventos l tra- rá comsigo a necessidade tio fazer novas buscas de agua, de aljrir no- vos poços, e de mudar a posição das machinas. Não julgámos necessário insistir mais sobre este objecto ; se o emprego das aguas do aqneduclo no matadouro não trouxer inconve- niente para o abastecimento das aguas da cidade, parecc-nos (|uc a questão íica reduzida a uma simples questão adniinislraliva, e que ;í Camará e ás autlioridades pertence resolver o que melhor convier aos interesses económicos do município. Como já vimos, a (piantidade de agua necessária diariamente para o matadouro, suppondo (jue em vez de 27:000 rezes se matam 30:000, e que nos dilTerenles misteres se gasta mais agua do (pie em Paris, é de 53 i)ipas. Estas 53 pipas serão empregadas em lavagens das oflicinas e nas preparações dos deveutres, ctc., ele. Quando estas ultimas preparações se fizerem dentro do matadouro, eslá claro que deixam de ser feitas em oflicinas particulares, onde hoje estão; ora, nessas officinas, segundo aflirma a commissão medica desta Academia, gastam-se prt/'« cima de 20 jtipas iliniias ; logo, das 53 pipas que se hão de tirar do aqueducto para o matadouro, ha a subtrahir as 20 pipas que agora se inandam buscar em barris aos chafarizes para se empregarem na preparação dos dcventres, preparação que passa a fa- zer-se toda dentro do novo matadouro, e em vez de 53 pipas de agua temos só 23 a tirar a mais do a(|ueducto. Durante oito mezes cm cada anno ninguém dirá que 23 pipas de agua de menos no aque- ducto fazem falta a Lisboa: resta ver se nos outros quatro mezes essa diminuição se tornará sensivel. Admitlindo que Lisboa tem 200:000 habitantes, c dividindo por elles a agua que se lhes vae subtrahir, terá de menos cada habitante por dia, durante f[uatro mezes, uma quantidade proximamente igual a onça e meia ; isto e, rouha-sc por este modo a cada habitante de Lisboa a agua que ellc pódc conter na concha de uma mão. Ninguém agora terá susto, depois das cousas re- duzidas ás suas verdadeiras proporções, de que os habitantes de Lisboa morram á sede por se construir o matadouro na Cruz do Taboado. Sabemos que nos objectarão a este nosso calculo, apesar de sim- ples e claro, que a Camará Municipal no seu projecto destina dois an- neis de agua (128 pipas) para o matadouro; mas esta objecção não tem força nem significação, porque c evidente (pie a Camará pediu-. PARA «IM MATADOI no F.:\I Í.ISIiOA. 29 iiflo a iigiia il<' (iiie acliialiiioiilu caiccc, mas a ile (|iu; talvez [hmIc vir a c-arccer no riiluro, (|iiaiKl<) I.islioa crescer em iiopnlaçào e em ri- i(ueza, quando a estalislica já não tiver a consignar a escassez da ali- mentação mais sub.'}taiieial que padece o habitante de Lisboa o de todo o 1'orttigal. K excessiva a (|nanti(lade da agua pedida [lela (lamara Municipal ; c para o provar basta ver ([uc, suppondo (jue se matain ;]0:(J()0 rezes por anno em Lisboa, cm vez do 27:8!)0 que dá a cs- tatistica, vê-sc que por dia se matam 82 rezes, donde se concluo, (pie [lor cada rez morta se gastaria, sendo exacto o calculo da (!amara Municipal, mais de i)ipa e meia de agua, cpiando em Paris se gastam, termo médio, 33& litros, ou, proximamente, ires quartos de pipa. Objectar-se-lia tandjcm, roj)osiçõcs desla natureza, ixkle-se Ucar certo do que não haverá contrariedade. Não basta com- tudo repetir o (]uc dizem os andores de ci-cdilo, é necessário, nos ca- sos particulares, s;iber comixirar bem os factos com as doutrinas da sciencia, e dessa comparação, e só delia, concluir positiva e termi- nantemente cm cada caso particular, se os principies gcraes, a que a observação conduziu os homens competentes, são ou não contrariados. Aflirma-se que, nas quintas do Alto do Varejão, o matadouro tora um escoamento prompto para as suas aguas ; que da Cruz do Taboa- do o escoamento é difficil, e que da passagem das aguas do mata- douro pelos canos geracs da cidade resultará o augmcntarcm a um ■ponto (lesíspcrantc as fehrcs intcrmiítcntes c ti/pkoiíks que ha tempos se observam cm JAsboa. Magoa-nos dizer a impressão que esta phrase cm nós produziu; mas obriga-nos a consciência, e á consciência os homens honestos não sabem desobedecer. Esta phrase que se lê no relatório do Conselho de Saúde é a expressão de uma grande falsi- dade; é um abuso da aulhoridade scientifica que dão os estudos mé- dicos, e uma posição elevada na administração ; não servindo senão para assustar os homens ignorantes, e para com o susto lhes irritar as paixões ruins. Acreditámos, dizemo-lo com sinceridade, acreditá- mos que estas palavras se escreveram sem se pensar na importância, na significação, nas funestas consequências que podiam ter; mas isto não é uma justificação, porque o medico, porque a authoridade deve maduramente pesar todas as palavras que diz, todas as phrases que escreve. Em que se fundam os facultativos que affirmam deverem aug- mcntar sem duvufa as febres acima designadas, se ás immundicies dos canos da cidade se jantassem as aguas do matadouro? Discutamos esta questão gravemente porque vale a pena. 1." Nenhuma observação, nenhuma experiência prova ([ue as emanações das aguas com que se lavam os matadouros e se fazem as macerações, cocções, etc. , tenham o poder de produzir as febres ty- phoides c intermittentes ; affirmar taes factos sem provas é expor a sciencia a ser desmentida a cada instante. 2." No matadouro actual lançam-sc alguns baldes de agua para lavar as officinas; e por isso mesmo que estas são lavadas poucas ve- zes e mal, a agua deve ficar muito carregada de partículas animacs, que tendo estado por dias expostas á acção da atmosphera, devem achar-se cm putrelacçào. No novo matadouro as lavagens hão de la- PARA UM MATADOimO EM IJSBOA. 31 /cr-sc todos os «lias ciiitludosanicnlo c com a^iia oní aliiiiulaiicia ; nes- sas aguas, pois, a inaleria animal vem imiilo mais diliiida e nào pu- trelacla. 3." No jnaladoiiro actual jwrções consideráveis dos dcventres, da gordura, da pelle, do sangue, ele, dos animaes, são arrastadas por essa agua de lavagem ; no novo matadouro as aguas de lavagem de- vendo, antes de entrar nos canos, passar por uma ou mais redes me- lallicas, como succede cm Kuão, onde íiqucin retidas as matérias so- lidas ; e estas, assim como o sangue devendo ser tudo aproveitado com grande cuidado, segue-se (jue a([uelias aguas trarão pequena quantidade de matéria orgânica c nenhuns fragmentos sólidos. A." As operações de tri[iaria l'azem-sc em oflicinas fora do ma- tadouro, e com menos perfeição do que serão feitas no que está pro- jectado. Nessas operações empregam-se mais de vinte pipas de agua. No novo matadouro a agua empregada nessas operações não pódc ser em (piantidade superior á que actualmcnle se emprega, porque o nu- mero das cabeças de gado morto por dia em Lisboa, não augmcnta por se fazer um bom matadouro, visto que com este estabelecimento não augmenta nem a população nem a riqueza da capital (e esta con- sideração não se deve nunca (lerder de vista na presente discussão). E' verdade (|ue as preparações serão mais bem feitas c mais multiplica- das, mas isso é conqiensado pela economia que resulta de se fazerem em grande escala. 5.° A porção pouco considerável de aguas de lavagem carrega- das de grande ({uantidade de substancia orgânica, e ari'astando partes solidas, isto e, tendo todas as condições (|ue podem diflicultar o es- coamento, as aguas empregadas nas triparias (mais de vinte pipas dia- riamente) e cm outros misteres da mesma ordem, arrastando tam- bém por incúria, e falia de policia, jjartes solidas; todas essas aguas oní fim, que segundo se affirma no relatório do Conselho de Saúde, e é exacto, apodrecem com summa rapidez, ou entram nos canos ge- raes, ou ficam ensopando o solo nos arredores do matadouro. As aguas do que está projectado mais abundantes, e por conseguinte correndo com mais rapidez pelos canos, menos carregadas de matérias orgâni- cas, jior isso mesmo luparl onl conserve un aspcct propre à inspirer Ihorreur et le de- « gout » ; c mais para diante segue o paragrapbo (pic já cilámos. PARA UM MATADOURO EM LISBOA. 39 A legislação íranccza sobro [iolicia sanitária e liberal, progres- siva c scientiliea, nem nos consla (juc cm outro paiz Iiaja uni código mais completo de medidas de salubridade publica ; ellas são o resul- tado de trabalbos muito longos e de mui illustradas discussões e cx- j)eriencias dos liomcns dcsciencia, meditadas e condjinadas (!c[)ois com uma consummada prudência e segurança. E os Governos, quando en- contram duvidas ou divergência entre as opiniões dos liomens da scien- cia, tomam o partido mais cauteloso, aquclle <|uc olVerece menos pe- rigo c inconvenientes. Miguel Lev)-, na sua higiene, no artigo habitações publicas, diz o seguinte: « Voicries, charniers ou lieux dequarissage, abattoirs « boyaudcries, depois de maticrcs fecales, fabriques de poudrettc, etc., o lous ces établissemenls intimes, mais necessaircs, doivent ètre places o à une certainc distance dcs villes et orientes de telle maniere que « les \enls prcdominants de la contree n'apportent point leurs exha- « laisons aux babitants. Les substanccs putrides ([ui sentasscnt dans « ces lieux de dcgout n'exercent certainement pas à Tair libre toutc « l'inl1uence dclelère qu'on leur attribue ; leurs cmanations, divisées «par les courants atmosj)lieriques, brassées par les vents, dispersécs "daiis toutes les directions, ])erdent leur cfíicacitc ; les ouvricrs qui ■ travaiilent et couclient dans ces cloaqucs jouissent dune bonne santé; « et même ils sont cn possession d'une certaine immunité; mais Todeur o infecte qui repandenl ces etablissements suffit pour motiver leur re- « Icgalion loin des villes, el ladoption de tous les jjroccdcs industrieis u qui corrigent cet inconvenient et transforment les maliéres putrides « eu produits precieux pour Tagriculture. » Um hvgienista inglez, que pela sua posição orficial c experiên- cia nos merece muito conceito, John Simon, em uma obra (pie acaba de publicar em Londres (Reports relating lo thc sanitary conditioii of the city of London by John Simon. London 1854), no primeiro relatório em que falia dos matadouros que ahi são estabelecimentos particulares em grande numero, e sujeitos a severas condições e a se- rem processados seus proprietários e condemnados no caso de incom- uiodo causado á visinbança em vista de accusação promovida jielas authoridades, ou mesmo só por dois visinhos donos de casa, diz o se- guinte: «Eu julgo dever dizer que considero a matança das rezes • dentro da cidade como directa e indirectamente prejudicial á pojiu- « iação ; directaujentc, porque carrega o ar com eflluvios de matéria «animal em decomposição, não só na iiumediata visinhança AKA UM MATADOrnO EM LISBOA. 41 da Travessa dos Carros, de parle da Calcada de S. Sebastião, das ca- sas ao pe da Igreja, e de alg^umas ouiras dispersas á roda do mata- douro, segundo a direcção dos ventos. Este cheiro, em um estabele- cimento licm construido e bem regulado, não será talvez mtiito in- commodo, e não chegará muito longe, mas se houver descuido na re- moção das matérias infectas, falta de aceio, e imperfeição nos proces- sos e operações, aproxiniar-sc-ha mais ou menos do que exhala o ac- tual matadouro. Entretanto a commissão pensa (|ue em um mata- douro bem construido na Cruz do Taboado, ainda mesmo commctten- do-se algumas irregularidades c descuidos, o cheiro nunca será tão infecto como no actual matadouro, e só incommodará as habitações mais próximas ; c se nos regularmos pelo que acontece nesse actual matadouro o cheiro não deverá chegar ao Largo do Chafariz de An- daluz. E ainda que emanações do matadouro corram sobre o centro da cidade, ellas ali chegarão jd tão diluidas c dispersas que não serão sensíveis ao olfato. No Alto do Varcjão, o matadouro mais isolado das habitações, melhor exposto e ventilado, não fará provavelmente sentir o seu mau cheiro, quando o haja, em nenhuma i)arle da cida- de. A commissão medica, comludo, não se atreve a assegurar que neste mesmo local, apesar das suas melhores condições, o cheiro não possa em algumas occasiões chegar ao sitio de Santa Apollonia. Em uma das nossas visitas ao Alto do Varejão, estando na quinta do C/)xo, percebemos fortemente o cheiro do tabaco que se queimava na fabri- ca, cuja distancia ao ponto em que nos achávamos não nos pareceu dillèrir muito da que vae do mesmo ponto a Santa Apollonia. Se a Camará Municipal collocar um bom matadouro na Cruz do Taboado, faz uma boa obra se o compararmos com o actual mata- douro. O cheiro que houver de exhalar será cm todo o caso muito menor do que o ro- ximidade do matadouro do aqueducto das aguas livres. Mas quando SC pergunta se o matadouro estará tão bem collocado na Cruz doTa- })oado, como no Alto do Varejão, debaixo do ponto de vista de esla- beleciniento incommodo de primeira classe, a secção medica, respei- tando muito a opinião de seus illustres collegas, authorcs da nota, afasta-se comtudo delia, e resixinde que será melhor collocado no Alto do Varejão. A terceira conclusão da noia consliluc a sua proposição princi- MEM. DA ACAD. 1 ." CLASSE 1. II. P. 1. 6 42 liSCOLHA no MKLHOR LOCAL jmI, e o fim a (jiio icnclem todas as reflexões dos seus authores, as- sim como tudo (|ue se acha nos rclalorios da Gamara Municipal, do Conselho de Saiide Publica do Reino, e da secçào medica. São os dois locaes igualmente apropriados para estabelecimento do matadouro com relação ás condições de salubridade i* É a dilVerença tão pequena que nào valha a pena de ser tomada em linha de conta? Deve um ser completamente excluido c o outro decididamente elegido? tSobre esta terceira conclusão da nota, julga a commissão medica dever apresentar algumas considerações em referencia aos lundamen- tos que os illustres collegas tiveram para julgar que nào ha rasões para preferir, [)or motivos de salubridade, um local ao outro, e que por conseguinte a Camará Municipal deve escolher um delles como lhe parecer, tomando só em consideração as outras rasões económicas e administrativas (juc para isso tiver. Já se vè , pelo que dissemos a respeito da primeira conclusão, que, partindo nós do principio que os matadouros devem ser consi- derados como estabelecimentos incommodos de primeira classe, e que não devem estar collocados junto ás habitações, ou entre ellas, julgá- mos que em quanto a este (piesito a coUocação é. melhor no Alto do Varejão, do que na Cruz do Taboado, onde os habitantes mais próxi- mos da Travessa do Sacramento, da Travessa dos Carros, da Calçada de S. Sebastião, do pé da Igreja, e de algumas outras casas disper- sas á roda do matadouro, receberão o cheiro desagradável dos efilu- vios que ahi possam haver, ou (juando os houver, e isto mais ou me- nos, segundo o modo pelo (|ual as operações forem conduzidas, e se- gundo os ventos reinantes. Este incommodo não existirá no Alto do Varejão, não havendo na proximidade se não poucas habitações isola- das, e só mais ao longe casas agglomeradas no silio de Santa Apol- lonia, que provavelmente já não participaião desse cheiro. Passamos aos outros quesitos, que foram considerados pelos authores da noia, e que o são em geral pelos hygicnistas quando se trata da collocação de estabelecimentos desta ordem. Os nossos collegas julgam cjue o bom arejamento destes estabe- lecimentos dependendo da sua construcção, tanto pôde o matadouro ser bem arejado na Cruz do Taboado como no Alto do Varejão. Adop- tando esta boa doutrina ajuntaremos comtudo que, em um local mais bem exposto e ventilado, as enianaçõcs do estabelecimento serão mais fácil e promptamente dispersas pela almosphera cn» maior espaço, e causarão menos incommodo nas habitações visinhas. A exposição do Alto do Varejão e melhor, segundo nossa opinião, do que a da Cruz PARA UM MATADOURO EM LISBOA. 43 (lo Taboado ; a venlilaoào dove ali ser mais píTecliva. Entretanto a coiiimissào não pensa que o local da Cruz do Taboado deva ser ex- cluído por falia de Ima ventilação c exposiçilo, só Julga que n'estc fwnto é inferior ao Alio do Varcjào. Segundo os illustrcs collegas, como as emanações de um matadouro bem construído e regulado nào são insalubres, pouco importa que essas emanações corram sobre este ou a(]uelle ponto da cidade. Esla doutrina, que até certo ponto admit- timos, nào pôde j)assar comtudo sem alguma rellcxão da nossa parte. Ainda que muitas observações nos levam a essa convicção, entretanto nós com Miguel Levy c Simon julgámos prudente não fazer correr so- bre as povoações emanações de decoiiiposição animal ou vegetal, to- das as vezes que isso for possivel. Nas cidades ba muitos elementos de insalubridade que não e fácil seguir na sua acção sobre o organis- mo, e marcar a parte que cada um desses elementos toma na fre- quência de certas moléstias e na mortalidade das povoações. Algumas vezes é possivel reconhecer e determinar essa acção pelo modo jkjf que se manifesta c por que se combate, como acontece com o elemento paludoso levado a algumas jiovoações pelos ventos ; outras vezes pôde ser suspeitada mas não demonstrada. Evitar, ((uanto possivel, a des- envoluçào dessas emanações nas grandes cidades, ou que ellas venham de fora arrastadas pelos ventos, não nos parece que seja medida para desprezar. E nós vemos novamente as cnianacões animacs considera- das como causa poderosa de moléstias endémicas, e como predispondo para o maior desenvolvimento das ei)idemias. Na obra já cilada de João Simon, impressa en» Londres, Ic-se o seguinte : « Ainda (|ue es- « tamos certos que a decomposição orgânica é uma poderosa causa de « moléstias, comtudo a moléstia pôde nào se achar na iuunediata pro- « ximidade da origem do mal. O escoamento por baixo do chão e as «correntes do ar por cima levam os materiaes da decomposição a dis- « tancia, e se os matadouros particulares estiverem collocados em ele- « vação no meio da cidade, de modo que o seu escoamento seja ellec- « tivo, e a sua ventilação com])leta, então a sua influencia deverá ser « procurada não tanto no especial augmento da mortalidade, como em «certos remotos resultados da sua diílusa emanação, ctTeitos que se «descobrirão ao longo das linhas de escoaniento e ventilação, e nas «variadas consequências de uma atmosphera altamente zvniolica cm « toda a cidade. » No Alto do Varejão os ventos só levarão as en)anaçòes sobre al- gumas habitações isoladas, e em grande distancia sobre a ultima ex- tremidade oriental da cidade, sitio de Santa Apolónia. No alto da (i« 44 ESCOLHA DO MELHOR LOCAL Crui do Tabuado as emanações correrão soIjfc as habilaçòes visiiilias, e iruo sobre o eeulro da cidade. Mas ainda que as considerações que sobre este ponto se podem íazer não sejam para desprezar, nàío pre- tendemos com isto dizer (jue por esla consideração se deva excluir o local da Cruz do Taboado para a construcção de um novo maladouio; pelo contrario, pensámos que cm relação a este quesito não existe a difierença entre os dois locaes que encontrámos em outros quesitos. Um bom matadouro, collocado no Alto da Cruz do Taboado, poderá ser incommodo para as liabilaçõcs visinbas, mas não nos parece que possa ser causa de manifesta insalubridade para a cidade. Continuando a examinar outros pontos que foram tratados pe- los illustres coUegas, para comparar os dois locaes e estabelecer a sua terceira conclusão, encontramos ura que elles muito esclareceram com as suas judiciosas reflexões, e é um dos principaes, e que por si só dava grande motivo de preferencia ás quintas do Coxo e da Madre de Deus, e o fornecimento da agua. A Camará Municipal no seu pa- recer não marcou a quantidade da agua que precisava para gasto do futuro matadouro; o Conselho de Saúde calculou esta quantidade em 90:000 litros, tomando como fimdamento a quantidade de agua que se gasta em cada um dos matadouros de Paris, e a relação da popu- lação entre as duas cidades. Paris e Lisboa. Foi desta base que par- tiu a commissão medica, e muito peso lhe fazia que se tirassem do aqueducto duzentas e tantas pipas de agua cada dia para o matadouro durante o verão, em uma cidade em que toca a cada habitante, nessa estação, quatro canadas de agua, ou a oitava parte da que e reputada necessária e da ([ue tem um habitante de Londres, ou de Paris. Por outro lado os dois jmços da quinta do Coxo, e da Madre de Deus, sem fallar da cisterna da quinta dos Apóstolos, fornecem -agua em qualidade e quantidade mais que sufficiente para os usos para que se pretende. A difierença e vantagem do Alto do Varejão sobre o local da Cruz do Taboado neste ponto era evidente. Porem, os dignos au- ihores da nota adoptaram outra base para o seu calculo, e parece á commissão que esta base deve ser mais segura do que a anteriormente adoptada pelo Conselho de Saúde. Calculando o gasto da agua no fu- turo matadouro, não em relação á população de Lisboa comparada com a de Paris, mas em relação ao numero de rezes que elTectiva- mente se matam no actual estabelecimento, comparada com enumero de rezes (jue se matam nos cinco matadouros de Paris, os nossos col- legas acharam que a quantidade de agua que o futuro matadouro devfr consumir será apenas cincoenta e três pipas, c deduzindo ainda desta PARA UM MATADOURO EM LISBOA. 45 (|iianti(ladc vinte pijias (|ue a vossa coiniiiissâo adiou (|iic so gasta já nas utlicinas annexas ao actual matadouro, fica o consumo jn-ovavel da agua no projectado matadouro reduzida de duzentas c tantas pi- pas a trinta c tios mais do (jue já se gastava neste serviço. Ksta quan- tidade não e muita, c não lárá uma grande lálta na cidade. Entre- tanto fíca sendo certo, que nas quintas do Alto do Varcjão existe agua em bastante abundância e de boa qualidade para o serviço que see.xi- ge, ainda mesmo quando o numero das rezes mortas venha a ang- menlar muito para o luluro ; e que na Cruz do Taboado, alem de vinte pipas de agua que já diariamente se tiram para serviço das of- íicinas annexas do matadouro, e que não se tirariam se o matadouro passasse para o Alto do \'arejão, se extraliirão mais trinta e três pi- pas, fazendo ao todo a ditVcrença de cincoenla e três pipas diárias em um aqueducto (jue fornece agua com tanta escacez aos habitantes da capital durante o verão. A ([uantidade de agua (|ue se consumirá no futuro matadouro será a que toca a 3:075 habitantes de Lisboa du- rante os mezes do verão e principio do outono. No que respeita ao emprego que se pode fazer da agua dos poços da Cruz do Taboado, ([ue os nossos collegas tandjem lembram, a commissào medica tem a dizer, que as informações officiaes obtidas sobre este ponto a levam a crer que será melhor não metter esse elemento em linha de conta, porque a agua desses poços durante o verão diminue muito, ou lálta completamente, e é de péssima qualidade. Vê-se, pois, que a grande vantagem que o Conselho de Saúde e commissão medica achava em ípianto a este quesito no Alto do Varejào sobre o local da Cruz do Taboado, se reduz u muito menos depois das judiciosas retlexões feitas em a nota. Mas se por este lado a comniissão medica não vê hoje, na collo- cação do matadouro no Alto do Varejào, tão grande vantagem como lhe precia ver antes das rasòes acima ponderadas, não acontece o mesmo em relação ao escoamento das aguas. O escoamento das aguas nos matadouros, e em geral em todas as fabricas e ofticinas em que se trabalha com carnes, ossos, gordu- ras c outras substancias animaes, e considerado por todos os higie- nistas e pelos regulamentos sanitários como um dos pontos mais im- |X)rlanles e capitães cm estabelecimentos dessa ordem. É absoluta- mente exigido que as aguas mais ou menos impregnadas das substan- cias animaes, c ([uc serviram ás variadas ojieraçòes <|ue ali se jtrali- cam, tenham prompta e rápida .saiila e que nào incounnodem na sua jiassagem ali- ao local em ([ue ellas se devem [lordcr. n; KSCOLHA no MELHOR I.OCAL C.onsidenulos sohrc este ponto de vista os dois locaos Alto do Varejào c Cruz do Taboado, a secrào de medicina nao pôde julgar que elles sejam igualmente elegíveis. Ainda que os illustics còlie'>-as nos dizem, que tomada a altura da Cruz do Taboado sobre o nivcl do rio (1:'.)00 metros, e a distancia ao rio 400 metros) a inclinação por metro seja mais de i centímetros e por conseguinte uma incli- nação superior á mínima que se exige para os canos; entretanto, « certo que esse declive é muito desigual nas dilFerentes porções do tra- jecto, e (|ue em Lisboa os canos se acbam contendo uma tal quanti- dade de matérias excrementicias que diminuem a sua caj^cidade, ou mesmo ás vezes completamente os obstruem, e em casos menos des- favoráveis sempre retardam as aguas e as devem empoçar. Nao é as- sim em Paris onde se exige por minima dois centimelros do declive por metro, ou enj Londres onde se exige um quarto de poUegada j)or pé. Em todo o caso é fora de duvida que o escoamento da quinta do Coxo e da iMadre de Deus pai-a o rio terá maior declive, será muito mais curto, tudo o que vae de 1:900 metros a iOO ou 500, e não será necessário que conimunique com as casas. Na Cruz do Taboado a maior parte da canalisação que ba, nào tendo capacidade para poder ser vigiada e tratada, é sujeita a obs- trucções até ás Portas de Santo Antào. E nós nào sabemos como se poderá fazer o serviço do matadouro quando alguma dessas obstruc- ções tiver logar. Se se pretende fazer uma canalisação nova, como se- ria necessário para esse caso, ella será aqui muito mais dispendiosa do que na (printa do Coxo e da Madre de Deus, e tanto na canalisa- ção actual como na que se vier a construir debaixo de nielliores re- gras, o cano geral, communicando com as casas e exlialando as suas infectas emanações pelas sargetas, será na nossa opinião, pelo menos, mais um incommodo para os habitantes visinbos. Os illuslrcs colle- gas, autliores da nota, julgam que as aguas do matadouro não serão tão nocivas c incommodas como se pretende inculcar, e que mesmo ajudarão a propellir as matérias contidas nos canos. Mas a secção me- dica, vendo as operações que ali se passam, os detritos animaes que cilas devem conter, o summo cuidado que lia nas recommendações dos hygienistas e nos regulamentos sanitários, em relação ao escoa- mento dessas aguas, não as ])óde considerar senão con-o mais um ele- mento infecto e incommodo que se introduz na canalisação da cidade e que deve .ser prompta e rapidamente eliminado. Ambrósio Tardieu, fallando destas aguas na sua obra iujpressa em 1852, diz: « Quelquc à PARA UM MATADOURO EM LISBOA. 47 «soit, du reste, le soin que lon apporte à leur entrelien, les egouts «ties abattoiís dans Icsqucis penétrent des debris de inatièrcs anima- « les, des bnits dintestins, du sang et surtout ces niatièrcs cbimeuses «à nioitiè digcrees et penctrecs des sues gastriques, repandenl tou- «jours une odeur beaucoup plus mauvaise et exposent les hommes « que les nettoient à plus de dangcrs que les egouts ordinaires. Ainsi « Parcnt Duchatelet recommandc - 1 - il de fermer bermetiquement • toutes les ouvertures par Icsquelles leau de labattoir se rend à « 1 égout, à laide de cuveltes à la Deparcieux, qui auraient de plus « lavantage dempecber les rats de penétrer dans letablissement ; et • de les faire curer três fréqueuimenl. » A opiniiio de Siinon sobre a acção dessas aguas dos matadouros na saúde dos liabitantes mostra o conceito que delia forma. Mesmo no matadouro de Ruão, que hoje é citado como modelo do género, antes da construcção do poço artesiano que actualmente absorve as aguas do matadouro, quando o escoamento dessas aguas se fazia em cano aberto para o Sena, as queixas eram nu- merosas, ainda apesar do dcsaguamento se fazer só durante a noite. Por esta occasiào a commissão medica julga também dever de- clarar que ainda se aparta do parecer dos seus collcgas, (juando a nota applica a expressão crime á opinião do Conselho de Saúde sobre as moléstias ([ue deverão resultar da mistura das aguas do matadouro com as immundicies da actual canalisaçào. Sem pretender discutir nem defender a opinião ou phrase do parecer do Conselho de Saúde, a que se allude, e não tendo mesmo para isso os documentos que a sua posição official lhe pôde ministrar, a commissão lembra que os canos mal construidos, cheios de immundicies, que pelas aberturas nas ruas e communicação com as casas exhalam um iheiro pestilento, IKjdem dar logar em certas circumstancias a moléstias graves. Não é esta uma opinião particular do Conselho. Se a isto se juntar a agua dos matadouros impregnada de matérias animacs em decomposição, que pelo menos é incommoda, e que na opinião do Conselho e de ou- tros é insalubre, correndo por uma muito maior extensão da cidade e com muito maior numero de aberturas do communicação com as casas e com as ruas, não admira que na proximidade de uma epide- mia devastadora, c com tudo o que a este resjieilo se tem ultima- mente escripto, uma corporação, a cujo cargo está vigiar pela saúde publica, receie que as moléstias augmentem e tomem grande incre- mento. Tal opinião do Conselho poderá ser mal fimdada, poderá o Conselho no seu zelo pelo bem publico, e no seu desejo ])or ver re- uicdiar os inconvenientes da actual canalisaçào, exagerar estes receios. 48 ESCOLHA DO MELHOR LOCAL iiius a coriiniissâo medica não vc cm tudo islo nem um crimf nem um aclo que possa merecer tão áspera censura. Vè-se, pois, ])or tudo o (juc fica dito, que a coniniissiio aprovei- tando da nola dos dignos collegas as ideas luminosas que cila contem, e modilicando muito o seu parecer em quanto á maior vantagem que poderia ter o local do Alto do Varejão em relação á quantidade de agua precisa para o futuro matadouro, acreditando mesmo que o ma- tadouro na Cruz do Taboado possa ser convenientemente arejado c ventilado, não pôde comtudo deixar de se separar da opinião íinal dos seus respeitáveis collcgas, em julgar os dois locaes igualmente clegi- veis, pois ainda vê diflerença cm (pianto a dois quesitos importantes; distancia das liabitaçues e facilidade no escoamento das aguas, e nes- tes dois pontos pelo menos o local do Alto do Varejão lhe parece su- perior ao da Cruz do Taboado. A commissão medica, fazendo esta diíTerença entre os dois lo- caes, não perlendc com isso dizer que o local da Cruz do Taboado deva ser absolutamente excluido ; não ha um local em Lisboa, e tal- vez em outra quahpicr cidade, cm que todas as condições exigidas para matadouro se encontrem na perfeição, e que não apresente al- gum inconveniente. Se o matadouro se collocar mais para o lado das Picoas, um dos seus prováveis inconvenientes diminuirá, e as difficul- dades para um bom c promplo escoamento de aguas serão dispendio- sas mas não são invencíveis. Em respeito á proximidade do cemitério do Alto de S. João, do local onde se pretende collocar o matadouro na quinta do Coxo e da Madre de Deus, a commissão medica continua a pensar, que pela parte hjgienica uão ha nada que receiar; nem a nota dos seus coUegas con- traria esta asserção. Além disso a commissão medica pensou que, em referencia ao decoro, recato e decência que se deve á morada dos mortos a quatrocentos metros de distancia, e a circumstancia dos dois estabelecimentos se não verem, seriam condições bastantes para satis- fazer todas as exigências; porém cila confessa, que sobre este ponto a Camará Municipal é melhor e mais competente juiz do (|ue a com- missão medica, e se esse motivo é bastante poderoso para excluir o local do Alto do Varejão, e a Cornara Municipal não tem outro local alem dos apontados, então a escolha está feita, e a questão não deve- ria vir á Academia como questão de salubridade. A commissão medica julga não dever terminar este i)arcccr, que deve também servir de additamento, ou mesmo de reforma e modi- licaçào do seu parecer anterior, agora illustrado pela nota dos seus PARA UM MATADOURO EM LISBOA. 49 coUegas, sem declarar francamente á classe que, ajMjsar dos seus es- forços e da sua boa vontade para esclarecer esta questão de um mo- do seguro e vantajoso, não encontrou em si os elementos necessários para a Loa resolução de todas as duvidas já suscitadas sobre este ob- jecto, e de todas as que para o futuro se hão de suscitar. Uma em- prcza desta importância, cm que se vae dispender uma somma tão avultada em um estabelecimento que deverá servir de modelo para outras cidades do Reino, e em que se pretende obter o mais perfeito, vale bem a pena de ser estudada mais especial e praticamente. Ha nestes objectos exames, inspecções, observações pessoaes, que nada j)óde supprir. A Academia deve aconselliar ao Governo c á Camará Municipal, que antes de tomar resoluções definitivas para levar á exe- cução este mui louvável projecto, mande fora, c principalmente a Pa- ris, Ruão e Bruxolias, e mesmo a Londres, uma pessoa já instruída nesta matéria e nestas discussões, a r(uem alem disso se de um pro- gramma adequado ao fim que se pretende, para que, examinando tu- do que ha connexo com os estabelecimentos desta ordem, possa dar sobre ellcs todos os esclarecimentos c inlbrmaçõcs que de outro mo- do só se obtém muito duvidosa e incompletamente. Esta idca é essen- cial e lógica, e sobre tudo é económica para o bom andamento desta ompreza. Nem nos parece que similhantc obra possa ir bem, e seni tentativas c ensaios perdidos e infructuosos, em ipianto esta proposta não for adoptada. Este conselho da Academia dever-se-ha repetir so- bre outros muitos pontos cm ([ue não temos cx[)ericncia e observação próprias, c mesmo neste momento existem outros projectos sobre es- tabelecimentos de salubridade publica, para que esta viagem scienti- íica se poderia aproveitar. A commissão a final julga dever concluir este parecer dizendo: — 1.", que o trabalho dos nossos collegas, authores da nota, e digno de louvor e agradecimento da parle da classe, e que muito presta para esclarecer ditTerentes pontos da questão pendente; — 2.°, que dillerin- do cm alguns pontos essenciaes o parecer da commissão da opinião emittida na nota, o parecer que se deve dar ao Governo deverá ser formulado por uma commissão nomeada pela classe depois da discus- são e votação, e em conformidade com essa votação; — 3.", que para dirigir essa votação pôde muito bem servir a mesma ordem cm que estão dispostas as três conclusões da nota. Lisboa, 24 de Novembro de 18.') i. = Z)/-. Bernardino António Gomes = Caetano Maria Ferreira da Silva Beirão == Dr. Franciseo António Barrai. MEM. DA ACAD. 1 .* CL-^SSE T. U. P. I. 7 50 ESr.OíJIA DO ÍIELHOR LOCAL CONSliLTA DA ACADEMIA REAI. DAS SCIENCIAS DE LISIIOA. ■i*- 1 ." classe (la Acadeniia Real cias Sciencias de Lisboa foi pre- sente a portaria de ?! deScpteinbro de 185 i, cm que Vossa Magcs- tade Ha por bem Ordenar, que a dita 1." classe da Academia con- sulte sobre a conveniência da escolha feita ultimamente pela Camará Municipl de IJsboa do local da Cruz do Taboado para a construcçào de um novo matadouro. A I." classe tomou conhecimento, pelas copias que do Ministério do Reino lhe foram rcmettidas, dos ofllcios do Governador Civil, o da Camará Municipal de Lisboa, assim como da consulta feita, sobre o objecto sujeito, pelo Conselho de Saudc Publica do Reino ; e depois de haver maduramente pesado todos os argumentos apresentados nes- ses documentos a favor e contra a preferencia dada ultimamente pela Camará ao local da Cruz do Taboado, sobre o anteriormente escolhi- do no Alto do Varejuo, depois de haver estudado os dois locaes, de- pois de haver lido as opiniões manifestadas cm extensos trabalhos scien- tiíicos por alguns dos seus membros, e discutido largamente durante algumas sessões ; decidiu, em conformidade com as ordens de Vossa Magestade, dirigir muito respeitosamente a Vossa Magestade a pre- sente consulta. Para resolver a questão da preferencia a dar a um dos dois lo- caes. Cruz do Taboado, ou Alto do Varejão, para a construcçào de um matadouro, a 1." classe da Academia vè a necessidade de se atten- derem a muitas circumstancias, algumas das quaes são puramente administrativas, outras verdadeiramente hygienicas; das primeiras não julgou a classe dever occupar-se, e jwr isso limitou o seu estudo ás segundas. Considerados pelo ponto de vista hvgienico, ha antes de tudo, nos estabelecimentos em que se preparam matérias animacs, duas cou- sas a estudar: 1.° Serão esses estabelecimentos insalubres.^ 2.° Serão esses estabelecimentos incommodos.^ Em referencia aos matadouros, e particularmente ao matadouro que a Camará Municipal projecta construir, buscou a Academia es- PAIU UM MATADOURO EM LISBOA. 51 ludar as duas qucslões que acima se acabam de mencionar; porque da sua resolução dependia principalmente o parecer a dar, sobre qual seja o mellior local para a conslrucçào do dito matadouro. A I." classe da Academia foi de opinião, que um matadouro construido conforme as prescripçòcs da bygione, e perfeitamente ad- ministrado, não é um estabelecimento insalubre. As rasões que leva- ram a classe a adoptar esta o|iiniuo são por tal mo